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Cada vez que alguém -pelo general um jornalista- lhe perguntava como as arrumava com um homem como Jimmie, ela sorria e não dizia nada. Sabia que, dissesse o que dissesse, seria chamado de forma incorreta, assim simplesmente permanecia em silêncio. Em uma ocasião cometeu o equívoco de lhe contar a verdade a uma jornalista. Parecia tão jovem e indefesa que por um momento desceu o guarda.
-Necessita-me -lhe dishse. Isso foi tudo. Só essas duas palavras.
Quem tivesse pensado que um segundo de sinceridade imprudente originaria tal revôo? A garota converteu seu frasecita em um alvoroço internacional.
Lillian tinha razão ao pensar que essa garota também estava necessitada. Uf, sim, muito necessitada. Precisava um guia, de modo que se fabricou um. Não lhe importou não ter nada em que apoiar seu relato. E parecia prometedora como jornalista de investigação. Pode que não dormisse durante as duas semanas que passaram entre o comentário e a publicação de sua fábula. Consultou a psiquiatras, gurús da autoayuda e sacerdotes. Entrevistou a numerosas feministas agressivas. Toda mulher famosa que tivesse dado alguma pista de ódio aos homens foi entrevistada e mencionada por ela.
Por último Jimmie e Lillian foram descritos como um casal doente. Ele foi apresentado como um tirano dominante em sua vida pública, mas que se transformava em um menino quejica ao chegar a casa. Ela aparecia como um cruzamento entre o aço e um peito maternal de fluxo infinito.
Quando o artigo viu a luz pública e causou sensação, Lillian quis esconder-se. Queria retirar-se a mais remota das doze casas do Jimmie e não sair nunca mais. Mas não lhe tinha medo a nada -esse era o verdadeiro secreto de seu êxito- e enfrentou com a cabeça bem alta as perguntas, as risadas burlonas e também, o que é pior, aos seudoterapeutas que acreditavam que sua "obrigação" era exibir aos quatro ventos seus pensamentos e sentimentos mais íntimos.
Como resposta a todas as perguntas, Jimmie a rodeava com seu braço, sorria às câmaras e se gargalhava. Sempre tinha à mão uma piada para responder a qualquer insolência.
-É certo, senhor Manville, que sua esposa é o poder oculto atrás do trono?
Enquanto o jornalista formulava a pergunta, Jimmie dirigia um sorriso malévolo a sua mulher. Jimmie media um metro oitenta e nove e tinha a corpulência do touro que muitos diziam que em realidade era. Os um e cinqüenta e oito e a redondez do Lillian não sugeriam que pudesse ser o poder oculto detrás de ninguém.
-É ela quem toma todas as decisões. Eu não sou nada mais que seu homem de palha -respondia Jimmie, mostrando com o sorriso seus famosos dentes. Mas aqueles que o conheciam sabiam da frieza de seu olhar. Não gostava de nada que menosprezassem o que considerava seu-. Não poderia ter feito nada sem ela -acrescentava com essa forma tão sua de brincar. Pouca gente o conhecia suficientemente bem para saber se brincava ou não.
Três semanas mais tarde Lillian viu por acaso ao fotógrafo que esse dia tinha acompanhado ao repórter. Era um de seus preferidos porque não se deleitava em enviar a seu editor as fotos em que ela aparecesse com dobro papada desde seu pior ângulo.
-O que acontecia com seu amigo que estava tão interessado em meu matrimônio? -perguntou-lhe, tratando de parecer amistosa.
-Despediram-no -disse.
-Como há dito? -Punha pilhas novas em sua câmara e não a olhou.
-Despedido -repetiu e logo levantou a vista; não para ela a não ser para o Jimmie. Prudente, não disse nada mais. E com a mesma prudência ela deixou o tema
Jimmie e Lillian tinham um acordo tácito: ela não interferiria nos assuntos dele.
-Como a esposa de um mafioso -lhe disse sua irmã um dia, mais ou menos ao cabo de um ano das bodas.
-Jimmie não mata a ninguém -respondeu ela zangada.
Essa noite contou ao Jimmie as palavras que tinha cruzado com sua irmã e durante um momento lhe brilharam os olhos daquela maneira da que, visto em retrospectiva, ela ainda não tinha aprendido a cuidar-se.
Um mês mais tarde o marido de sua irmã recebeu uma fabulosa oferta de trabalho em que lhe dobrava o salário e disporia de casa e carro. A oferta incluía também uma babá a tempo completo para suas filhas, três faxineiras e a pertença a um distinto clube social. Um trabalho que não podiam rechaçar. Era em Marrocos.
depois de que o avião do Jimmie se estrelasse e a deixasse viúva aos trinta e três anos, os meios de comunicação de todo o mundo só falaram de uma coisa: Jimmie não lhe tinha deixado "nada". Nenhum de seus milhares de milhões -dois ou vinte, nunca conseguia recordar quantos eram- tinha sido para ela.
-Hoje estamos arruinados ou somos ricos? -perguntava-lhe freqüentemente, porque o valor de seu vigamento financeiro flutuava de um dia para outro, dependendo das atividades que realizasse nesse momento.
-Hoje estamos na ruína -podia dizer ele, e ria da mesma maneira que quando lhe contava a quantidade de milhões que tinha ganho esse dia.
O dinheiro nunca lhe importou. Ninguém o entendia. Para ele era só um subproduto do jogo.
-É como todas as peladuras que atira depois de fazer a geléia -explicava-. Só que neste caso o que todo mundo valora são as peladuras, não a geléia.
-Pobre gente -respondia ela, e então Jimmie ria a gargalhadas e a levava escada acima para lhe fazer o amor com doçura.
Em sua opinião, Jimmie sabia que não ia chegar à velhice.
-Tenho que fazer o que puder, tão rápido como posso. E você comigo, verdade, Sardas? -perguntava-lhe de vez em quando.
-Sempre -respondia ela do fundo de sua alma-. Sempre.
Mas não o seguiu à tumba. Foi esquecida, justo como Jimmie havia dito que aconteceria.
-Cuidarei de ti, Sardas -disse mais de uma vez. Quando falava de coisas assim, sempre a chamava pelo apodo que lhe pôs a primeira vez que se viram: Sardas, pelas manchitas que lhe salpicavam o nariz.
Quando disse "Cuidarei de ti", ela não dedicou a essas palavras nem um segundo de pensamento. Jimmie sempre a tinha cuidado. Queria o que quisesse, ele o dava muito antes de que ela mesma soubesse de sua necessidade.
-Conheço-te mais que você mesma -dizia.
E assim era. Embora, para ser sincera, nunca teve ocasião de saber muito de si mesmo. Seguir ao Jimmie ao redor do planeta não deixava tempo para sentar-se e refletir.
Jimmie a conhecia, e cuidou dela. Não da forma em que a gente pensava que devia fazê-lo, a não ser tendo em conta o que ela necessitava. Não a deixou como viúva rica com os solteiros do meio mundo clamando professar-se amor, não. Deixou o dinheiro e as doze casas de luxo às únicas duas pessoas vivas que odiava de verdade: seus irmãos mais velhas.
lhe deixou uma nota e uma granja em ruínas, coberta de más ervas, em uma zona se separada da Virginia; uma propriedade que nem sequer ela sabia que possuía.
Na nota punha:
Descobre a verdade do que ocorreu. Quererá, Sardas? Faz-o por mim. E recorda que te quero. Esteja onde esteja e faça o que faça, não esqueça nunca que te amo.
J.
Quando viu a granja, desfez-se em lágrimas. O que lhe tinha permitido sobreviver as seis semanas anteriores era uma imagem ideal desse lugar. Tinha fantasiado com uma encantadora cabana de troncos e com chaminé de pedra em um extremo. Tinha imaginado um largo alpendre com cadeiras de balanço de madeira lavrada e um jardim traseiro cheio de roseiras, cujas pétalas se desprenderiam com a brisa e perfumariam brandamente o ambiente.
Tinha pensado em uma extensão de terra ligeiramente ondulada, coberta de frutíferas e framboeseiras; tudo bem cuidado, saudável e carregado de suculenta fruta.
Entretanto, encontrou-se com uma atrocidade dos anos sessenta. Era um edifício de dois novelo com um revestimento exterior de cor verde, desses que não variam por muito que passem os anos. O tipo de cobertura a que não afetam as tormentas, o sol, a neve ou o passado do tempo. Tinha sido de um verde pálido doentio quando se instalou e assim seguia sendo, muitos anos depois.
A um lado da casa crescia uma trepadeira, mas não dessas que dão ao lugar um aspecto pitoresco e acolhedor, mas sim das que parece que vão se tragar a casa, que a engolirão inteira e logo a regurgitarão com o mesmo tom verde vomitivo.
-pode-se arrumar -disse Phillip a seu lado.
O que ela havia passado durante as semanas transcorridas da morte do Jimmie não podia nem começar a descrever-se com a palavra inferno.
Quando o avião de seu marido se estrelou foi Phillip quem despertou em metade da noite. o conmocionó lhe ver. Como mulher do chefe, era sacrossanta. Os homens de que ele se rodeava sabiam o que poderia lhes passar se lhes ocorria aproximar-se do Lillian. E não só se referia a uma aproximação sexual, mas também a qualquer tipo. Nenhum empregado do Jimmie, já fora homem ou mulher, pediu-lhe nunca que intercedesse diante seu marido. Se tinha sido despedido sabia que dirigir-se ao Lillian e lhe pedir ajuda não serviria mais que para obter algo muito pior que a simples demissão.
assim, quando ela despertou com a mão do melhor advogado do Jimmie sobre seu ombro enquanto lhe dizia que tinha que levantar-se, soube imediatamente o que tinha acontecido. Só no caso de que Jimmie estivesse morto podia atrever-se alguém a entrar em seu dormitório e pensar que seguiria vivo ao amanhecer.
-Como foi? -perguntou, súbitamente limpa e tratando de aparentar serenidade. Tremia por dentro. Certamente não pode ser verdade, disse-se. Jimmie era muito imponente, estava muito vivo como para... para estar... Não pôde formar a palavra em sua cabeça.
-Tem que te vestir agora mesmo -disse Phillip-. Temos que mantê-lo em segredo tudo o que possamos.
-Está ferido? -perguntou ela com tom esperançado. Era possível que estivesse perguntando por ela da cama de um hospital. Mas inclusive enquanto o pensava, soube que não podia ser certo. Jimmie sabia quanto se preocupava com ele.
"Quase preferiria que me cortassem os pés a ter que lombriga as com sua preocupação", havia-lhe dito mais de uma vez. Detestava que lhe arreganhasse continuamente por fumar, beber ou por não dormir.
-Não -respondeu Phillip com frieza e dureza. Olhou-a aos olhos-. James não está vivo.
Ela quis morrer. Inundar-se sob as cálidas lençóis e voltar a dormir e que ao despertar Jimmie estivesse ali, deslizando sua mão imensa sob sua camisola e grunhindo dessa maneira que a fazia rir tão bobamente.
-Agora mesmo não há tempo para duelos -continuou Phillip-. Temos que ir às compras.
Isso a tirou da comoção.
-Está louco? -repôs-. São as quatro da manhã.
-Engenhei-me isso para que nos abram umas lojas de departamentos. Agora vístete! -ordenou-. Não temos tempo que perder.
Seu tom não a intimidou. sentou-se na cama com sua folgado camisola e se retirou o cabelo. Ao Jimmie gostava que vestisse roupa antiga e que tivesse o cabelo comprido. depois de dezesseis anos de matrimônio podia sentar-se em cima de sua trança.
-Não vou a nenhum sítio até que não me diga o que ocorre.
-Agora não tenho tempo... -começou Phillip, mas se deteve, respirou profundamente e a olhou-. Poderia ser expulso do Colégio de Advogados por isso, mas preparei o testamento do James e sei o que te espera. Posso apartar aos abutres durante uns dias, mas não mais. Até a leitura do testamento é ainda a mulher do James.
-Sempre serei a mulher do Jimmie -disse com orgulho, mantendo erguida seu dobro papada na postura mais valente que pôde encontrar.
Jimmie! Seu coração chorava. Jimmie, não... Podia morrer qualquer outra pessoa, mas não Jimmie.
-Lillian. -Os olhos do Phillip estavam carregados de compaixão-. Não houve outro homem como James Manville sobre a face da terra. Seguiu suas próprias regras e as de ninguém mais.
Esperou a que dissesse algo que ela não soubesse. Aonde queria ir parar? passou-se a mão pelos olhos e jogou uma olhada ao relógio que havia junto à cama.
-Por princípio ético não posso te contar... -começou, mas inspirou e se sentou pesadamente junto a ela.
Se tivesse necessitado alguma prova mais de que Jimmie já não estava vivo, essa teria sido a definitiva. Se tivesse existido a mais remota possibilidade de que Jimmie pudesse entrar pela porta e ver outro homem sentado na cama ao lado de sua mulher, Phillip não se teria atrevido a tal familiaridade.
-Quem pode entender o que fez James e por que? Trabalhei com ele durante mais de vinte anos, mas nunca o conheci. Lillian, ele... -Teve que deter-se para tomar ar, logo agarrou sua mão e a reteve-. Não te deixou nada. legou tudo a seus irmãos.
Não entendeu o que queria dizer.
-Mas se os odeia -disse, soltando sua mão da dele.
Atlanta e Ray eram os únicos parentes vivos do Jimmie e ele os desprezava. Cuidava deles economicamente, sempre estava pagando fianças para tirar um ou outro de algum tipo de confusão, mas os detestava. Não, pior ainda, desprezava-os.
Em uma ocasião em que Jimmie a olhava de uma maneira estranha, lhe perguntou o que estava pensando. Lhe disse: "Comeriam-lhe viva." "Parece interessante", respondeu com um sorriso, mas Jimmie não a devolveu. "Quando eu mora, Atlanta e Ray lhe perseguirão com todos os meios a seu alcance. E encontrarão advogados capazes de trabalhar sobre a base de uma contingência."
Não gostava que Jimmie falasse com tanta freqüência de sua morte. "Contingência de que tipo", perguntou sem deixar de sorrir. "Quanto dinheiro podem conseguir se apresentarem uma demanda contra ti de mil pares de demônios?", repôs ele com ar severo. Ela não quis escutar nada mais, assim agitou a mão para acabar com o tema. "Phillip se ocupará deles", disse.
Jimmie repôs que Phillip seria incapaz de combater uma cobiça a essa escala. Para isso ela não tinha resposta porque estava de acordo com ele. Desse o que desse Jimmie a Atlanta e Ray, sempre queriam mais. Em uma ocasião em que ele tinha devido ausentar-se inesperadamente, ela encontrou a Atlanta em seu vestidor, contando os sapatos. Não mostrou o mais nova indício de desconforto. "Tem três pares mais que eu", disse enquanto levantava a vista para o Lillian. Seu olhar a atemorizou com tal maneira que se voltou e saiu fugindo de seu próprio dormitório.
-O que quer dizer com que lhes deixou tudo ?O que é tudo? -perguntou. Só podia pensar no que ia ser sua vida sem o Jimmie.
-Quero dizer que James legou todas suas ações, as casas, suas propriedades em todo mundo, as linhas aéreas e todo o resto, a seus irmãos.
Dado que lhe enojavam todas e cada uma das casas que Jimmie tinha comprado, não pôde compreender o que tinha que mau nisso.
-Muito cristal e aço para meu gosto -comentou com um esboço de sorriso.
Phillip a olhou airadamente.
-Lillian, isto é sério. James já não está aqui para te proteger... E eu não tenho poder para fazer nada. Não sei por que o fez. Deus sabe que tratei de falá-lo com ele, mas me disse que te dava o que necessitava. Isso é quão único pude lhe tirar. -levantou-se e dedicou um momento a serenar-se.
Jimmie lhe havia dito que o que mais gostava do Phillip era que não havia nada que pudesse perturbá-lo. Este assunto o tinha conseguido.
Tentou formar uma imagem de sua vida futura, tratando de evitar o pensamento de como podia ser uma vida sem a risada do Jimmie e sem o amparo de seus grandes ombros, e olhou ao Phillip com espera.
-Quer dizer que estou na miséria? -disse procurando não sorrir. As jóias que Jimmie lhe tinha agradável ao longo dos anos estavam valoradas em milhões.
Phillip respirou fundo.
-Mais ou menos. Deixou-te uma granja na Virginia.
-Pois então já é algo -acrescentou, enquanto suavizava o tom humorístico e esperava a que ele continuasse.
-Já sei que não é ético, mas depois de redigir seu testamento, enviei a alguém a Virginia para que jogasse uma olhada ao lugar. Não é... grande coisa. É...
voltou-se por um momento e lhe pareceu lhe ouvir murmurar "bastardo", mas não quis escutá-lo. Quando voltou a olhá-la seu rosto se transformou no do profissional. Olhou o relógio, um que lhe tinha agradável Jimmie e cujo custo superava os vinte mil dólares. Ela possuía um modelo de mais nova tamanho do mesmo relógio.
-Fez-lhe algo? -perguntou ele com suavidade-. Outro homem, possivelmente?
Ela não pôde conter o bufido de brincadeira e sua única resposta foi lhe lançar um olhar. As mulheres dos haréns não eram guardadas sob chaves e ferrolhos de mais velha calibre que a esposa do James Manville.
-De acordo -disse-. Hei passado meses tentando imaginar o e nem sequer assim cheguei a me aproximar, de forma que vou deixar o. Quando for lido o testamento se desatarão todos os demônios. Tudo vai ser para Atlanta e Ray, e o que vai ficar a ti é uma granja na Virginia e cinqüenta mil dólares... Uma miséria. -Olhou-a com os olhos entreabridos-. Quão único posso fazer é me assegurar que receba todo aquilo que sejamos capazes de conseguir a partir de agora até que se faça pública a morte do James.
Foram aquelas palavras, "a morte do James", as que quase puderam com ela.
-Não te derrube -disse Phillip, agarrando-a do braço para fazê-la incorporar-. Neste momento não há tempo para duelos ou victimismos. Tem que te vestir. O diretor das lojas de departamentos nos espera.
Às cinco e meia daquela fria manhã foi empurrada dentro daquela grande loja, onde devia comprar o que necessitasse para a granja da Virginia. Phillip lhe contou que o homem que tinha enviado a inspecioná-la não tinha podido entrar na casa, por isso nem sequer sabiam quantas habitações tinha. O dormitado diretor dos armazéns, quem tinha sido obrigado a levantar-se precipitadamente para lhe abrir as portas à esposa do James Manville, seguia-os com submissão e anotava o que ela assinalava.
Era tudo tão irreal. Não podia acreditar que nada do que passava estivesse ocorrendo, e uma parte dela, a mais conmocionada, não podia suportar a espera até lhe contar ao Jimmie todo isto. Como ia se rir! quanto mais exagerasse cada situação, mais ia rir e mais divertido seria seu relato.
"E aí estava eu, meio dormida, enquanto lhe dizia que leito queria comprar", contaria-lhe. "Leito? -perguntou-me o homenzinho, bocejando-. O que é um leito?"
Mas não ia haver nenhuma história que contar, porque não voltaria a vê-lo vivo.
Entretanto, fez o que lhe pediram e escolheu mobiliário, utensílios de cozinha, eletrodomésticos, roupa branca e inclusive acessórios para uma casa que nem sequer tinha visto. Parecia tudo tão ridículo... Jimmie tinha casas abarrotadas de móveis, a mais velha parte feitos por encargo e além esplêndidos, com cozinhas enormes providas de todos os aparelhos imagináveis .
Às sete, quando Phillip a levava em seu carro de volta a casa, girou-se para o assento de atrás, agarrou um folheto e lhe disse: "Comprei-te um veículo", enquanto lhe tendia a foto de um Toyota de tração nas quatro rodas.
Estava começando a despertar e começava a sentir dor. Tudo lhe resultava muito estranho; seu mundo se estava pondo patas acima. por que conduzia Phillip seu carro? Normalmente utilizava um dos do Jimmie e com chofer.
-Não pode ficar com as jóias -lhe disse-. Cada peça está catalogada e assegurada. Pode te levar a roupa, mas inclusive nisso penso que Atlanta te criará alguns problemas. Tem a mesma talha que você.
-Minha talha -murmurou-. Ficar com minha roupa...
-Certamente pode lhe plantar cara -continuou ele-, mas há algo que enguiço. Faz uns seis meses Atlanta insinuou que conhecia algum secreto tua de importância.
Phillip lhe dirigiu um olhar com a extremidade do olho. Outra vez voltava a indagar se havia outro homem em sua vida. Mas quando, perguntava-se ela. Ao Jimmie não gostava de estar sozinho, nem sequer um segundo, e se assegurou que ela não o estivesse nunca.
"Dá-me medo que me agarre o coco", disse-lhe, beijando-a no nariz, quando lhe perguntou por que evitava a solidão com tanto afinco. Poucas vezes... não, Jimmie nunca dava uma resposta direta a uma pergunta pessoal. Vivia o aqui e o agora; vivia no mundo que lhe rodeava, não em um mundo dentro de sua cabeça. Não era o tipo de pessoa que examina por que a gente é como é; aceitava-a e gostava ou não.
-Eu era virgem quando o conheci -murmurou-, e para mim só existiu Jimmie. ---Mas apartou o olhar quando o disse porque tinha um segredo que não queria compartilhar com o Phillip. Só ela sabia. Atlanta não podia... Ou sim?
Sim, sabia.
Por volta das oito da manhã o mundo cômodo e seguro que a tinha rodeado se veio abaixo. Não sabia como Atlanta se inteirou do acidente do avião tão pouco depois de que ocorresse, mas soube. E no lapso de tempo que passou desde que a informaram até que a imprensa teve notícia da morte do Jimmie, trabalhou mais que nos quarenta e oito anos que tinha vividos.
Ao voltar daquela louca expedição de compras, ambos foram recebidos na porta principal do que ela tinha acreditado até então sua casa por guardas de segurança que lhe disseram que tinha o acesso proibido. Explicaram-lhe que, como únicos parentes superviventes, Atlanta e Ray eram agora proprietários de tudo o que tinha pertencido James Manville.
Quando retornaram ao carro Phillip sacudia a cabeça com assombro.
-Como se inteiraram que testamento? Como sabiam que James o deixava tudo a eles?
-Olhe, Lillian -lhe disse, e ela observou de novo que até a morte do Jimmie sempre a tinha chamado senhora Manville-, não sei como o têm descoberto, mas encontrarei ao culpado Y... Y... -Como era de supor, não pôde pensar em um pouco suficientemente horrível para lhe fazer a algum empregado dele que tivesse filtrado o conteúdo do testamento--. Lutaremos. É sua esposa e o foste durante muitos anos. Você e eu brigaremos...
-Tinha dezessete anos quando nos casamos -disse em voz muito baixa-, e não tinha a permissão de minha mãe.
-OH, Meu deus! -exclamou Phillip e abriu a boca para lhe soltar o que supôs seria uma reprimenda sobre sua insensatez, mas a fechou e ela o agradeceu. Do que serviria exortá-la, agora que Jimmie já não estava?
As semanas seguintes foram horrorosas, muito mais do que tivesse podido imaginar. Poucas horas depois da morte do Jimmie, Atlanta apareceu na televisão e contou à imprensa que ia enfrentar se a "essa mulher" que tinha escravizado tanto, durante todos esses anos, a seu querido irmão.
-Encarregarei-me de que receba seu castigo -disse.
A Atlanta não importava que Jimmie tivesse consignado por escrito que Lillian não ia receber nada. No testamento nem sequer aparecia mencionada a granja. Não; sua cunhada estava decidida a vingar tudo o que acreditava que lhe tinha feito ao longo dos anos. Não só queria dinheiro, também queria humilhá-la.
Sim, era evidente que tinha descoberto que seu casamento com o Jimmie não era legal. Provavelmente não lhe tinha resultado muito difícil. Sem ir mais longe, a irmã do Lillian sabia. Ela e seu marido se divorciaram porque não tinham podido suportar a vida em Marrocos, mas seu marido já se acostumou à folga econômica e a uma vida de luxo, e não podia deixá-lo. Sua irmã a culpou de seu divórcio. Possivelmente chamou Atlanta e se ofereceu a lhe proporcionar a informação de que ela não estava casada legalmente.
Fora como fosse, Atlanta esgrimiu seu certidão de nascimento diante a imprensa e logo mostrou uma fotocópia do certificado de matrimônio. Ela tinha dezessete anos quando se casaram, mas mentiu e disse que tinha dezoito.
Já não tinha ao Jimmie para proteger a da imprensa. Agora, cada um dos jornalistas que tinham recebido um mau trato por parte dele -ou o que é o mesmo, todos- revisou seus arquivos, tirou as fotos mais desfavorecidas de sua pessoa e as lançou aos ávidos meios de comunicação. Não podia olhar a televisão, uma revista ou a tela do computador sem ver representadas seu dobro papada e o nariz herdado de seu pai.
Havia- dito ao Jimmie milhares de vezes que queria arrumar-se esse imenso nariz. Tudo o que ele lhe respondia era "Tirar isso Sempre lhe dizia que a amava tal como era, assim, em definitiva, seu nariz farpado não pareceu lhe importar.
Quando se inteirou do que se dizia dela, seu feio nariz foi a mais nova de suas preocupações. Como podia descrever o que sentiu ao ver quatro respeitados jornalistas -três homens e uma mulher- sentados ao redor de uma mesa, debatendo se ela tinha "apanhado" ou não ao James Manville para casar-se com ele? Como se um homem como Jimmie se deixasse apanhar por alguém! Por uma garota de dezessete anos cujo único motivo de fama era ter ganho um punhado de cintas azuis em uma feira estatal! Não era muito verossímil.
Teve advogados que estudaram se estava legalmente autorizada a dispor de qualquer quantidade de dinheiro do Jimmie.
De todas formas, quando por fim foi lido o testamento e se comprovou que lhe tinha deixado tudo a seus irmãos, Lillian se converteu de improviso na Jezabel dos Estados Unidos. Todo mundo pareceu acreditar que ela, não se sabe como, fazia cair em uma armadilha ao pobrecito Jimmie (a jovem Salomé foi a comparação utilizada com mais velha freqüência), quem por sorte o tinha descoberto tudo e tinha utilizado o testamento para "lhe dar seu castigo".
Phillip fez o que pôde por mantê-la afastada da imprensa, mas não foi fácil. Ela desejava subir a um avião e desaparecer; escapar de tudo. Mas já não dispunha dessa opção. Tinha ficado atrás o tempo em que podia ir-se a qualquer lugar do mundo que quisesse.
As seis semanas posteriores à morte do Jimmie, enquanto os tribunais debatiam o testamento e a imprensa embrulhava cada vez mais tudo o que caía em suas mãos, permaneceu encerrada na espaçosa casa do Phillip. A única ocasião em que saiu durante aquelas horríveis semanas foi assistir ao funeral do Jimmie, mas tão envolta em roupagens negras que muito bem poderia não ter estado ali. O que tinha bem claro era que não ia dar a satisfação à imprensa, a Atlanta ou ao Ray, de vê-la chorar.
Quando chegou à igreja disseram que não podia entrar, mas Phillip tinha antecipado essa possibilidade e no ato se corporeizaron, aparentemente de um nada, meia dúzia de homens do tamanho de lutadores de supremo que a rodearam.
Assim foi como entrou no funeral do Jimmie: rodeada por seis homens enormes e coberta de negro da cabeça aos pés.
Ela estava bem, não obstante, porque para então já tinha compreendido que Jimmie não ia voltar nunca mais e nada do que fizesse qualquer lhe importava muito. Além disso, seguia fantasiando com a granja que lhe tinha deixado.
Em uma ocasião Jimmie lhe pediu que descrevesse onde gostaria de viver e lhe falou de uma casita acolhedora com um alpendre largo, árvores altas ao redor e um lago próximo. "Verei o que posso fazer", disse, enquanto lhe sorria com olhos brilhantes. Mas a seguinte casa que comprou foi um castelo em uma ilha próxima à costa de Escócia, e ali fazia tão frio que inclusive em agosto lhe tocavam castanholas os dentes.
depois de que se legalizasse o testamento ela não fez nada por deixar a casa do Phillip. Com a imprensa ainda rondando pelo exterior e sem o Jimmie, não lhe parecia que importasse onde estar ou o que fazer. Tomava largas duchas e se sentava à mesa com o Phillip e sua família -sua mulher Carol e suas duas filhinhas-, mas apenas se provava bocado.
Foi Phillip o que lhe disse que já era tempo de que se fora.
-Não posso sair aí -replicou ela com temor, olhando por volta das cortinas que mantinha jogadas noite e dia-. Me estão esperando.
Phillip tomou sua mão e lhe roçou a pele com sua palma. Por muito que não tivesse um marido, Lillian ainda se sentia casada. desfez-se da carícia e o olhou com severidade.
Ele sorriu.
-Carol e eu estivemos falando e pensamos que deveria... bom, que deveria desaparecer.
-Já. A imolação voluntária da viúva hindu. A esposa que sobe à pira funerária e continua a seu marido ao mais à frente.
A julgar pela cara que pôs Phillip, não lhe fez nenhuma graça seu humor negro. Ao Jimmie sim gostava. Ele estava acostumado a dizer que quanto mais deprimida estava, mais divertida resultava. De ter sido assim, teria devido subir ao cenário o dia de seu funeral.
-Lillian -continuou Phillip, enquanto estendia seu braço. Mas quando alcançou sua mão outra vez, ela a retirou-. Te olhaste no espelho ultimamente?
-Pois... -começou tentando fazer um comentário sarcástico, mas então jogou uma olhada ao espelho do grande armário roupeiro, situado frente à cama do quarto de convidados. Tinha observado, é obvio, que tinha perdido um pouco de peso. O não comer durante semanas acaba por obtê-lo, mas não se deu conta de quanto tinha emagrecido. A papada tinha desaparecido. Tinha maçãs do rosto.
voltou-se para o Phillip e brincou.
-Não te parece surpreendente? Todos os tratamentos de emagrecimento que Jimmie me costeava e resulta que não fazia falta mais que morrera para... Bingo! Por fim, fraca.
Phillip voltou a olhá-la com desaprovação.
-Lillian, esperei até agora para falar contigo. procurei te dar algum tempo para que aceitasse a situação da morte do James e de seu testamento.
Iniciou outro sermão sobre sua estupidez, ao não lhes dizer nem a ele nem ao Jimmie que tinha dezessete anos quando se casaram.
-Tivéssemo-lhe devotado umas bodas esplendorosa. lhe tivesse encantado fazê-lo por ti -havia dito Phillip ao dia seguinte do descobrimento-. Tivesse sido muito melhor que a fuga que teve a primeira vez.
Já tinha escutado esse discurso antes e não queria voltar a ouvi-lo, assim repôs:
-Quer que desapareça?
-Em realidade foi idéia da Carol. Disse que tal como estão as coisas, o resto de sua vida vai ser uma larga entrevista de imprensa. A gente não vai deixar de te perseguir para que lhes conte sua vida com o Jimmie. A não ser...
-A não ser o que?
O magro rosto do Phillip se iluminou e por um momento ela pôde ver o "gambá" que Jimmie sempre havia dito que era.
-Lembra-te quando te disse que tinha tratado de discutir com o James a redação de seu testamento? Pois eu lhe persuadi para que não incluíra a granja no testamento. Disse-lhe que se lhe assustava tanto o que sua irmã pudesse fazer, então deveria pensar que era possível que tratasse também de ficar com a granja. Naquele momento eu não tinha visto ainda esse sítio, e pensava que era...
-Que era o que?
-Valiosa -disse com suavidade, olhando ao chão por um momento, para logo levantar a vista-. Verá, Lillian, já sei que a granja não é grande coisa, mas deve ter significado algo para o James, ou não a tivesse conservado durante todos estes anos.
-por que a comprou?
-Essa é precisamente a questão; não a comprou. Creio que sempre foi dela.
-As coisas terá que comprar -repôs, confusa-. A gente não atira as propriedades imobiliárias, ao menos não enquanto vive. -Nesse momento, de repente, começou a entendê-lo tudo-. Quer dizer que acreditas que Jimmie herdou essa granja?
Pela primeira vez sentiu um brilho de interesse. Tanto Atlanta, como Ray e Jimmie, os três, mostravam-se muito reservados sobre sua infância. Quando ela o perguntava, Ray evitava responder e trocava de tema. Atlanta e Jimmie mentiam por completo. Um dia podiam dizer que tinham nascido no Dakota do Sul e ao dia seguinte na Luisiana. Tinha sabor de ciência certa que Jimmie a tinha renomado diante sua sogra com quatro nomes diferentes. Inclusive tinha lido às escondidas as seis biografias que se escrito sobre ele, mas os autores não tinham tido melhor sorte que ela na hora de descobrir algo sobre os primeiros dezesseis anos de sua vida.
-Não sei com segurança -disse Phillip-, mas o que sim sei é que James não comprou essa granja depois de que nos conhecêssemos.
Diante uma declaração assim, não podia fazer outra coisa que lhe olhar com assombro. Jimmie e Phillip tinham estado juntos desde o começo.
-Quão único posso te contar é que, ao lhe dizer que Atlanta e Ray tratariam de te tirar a granja, James ficou lívido, como se tivesse medo de algo.
-Jimmie assustado? -perguntou ela, perplexa.
-Disse-me: "Tem razão, Phil, assim que a porei a seu nome e, quando chegar o momento, fará a cessão ao Lil. E quero que lhe dê isto de minha parte."
Foi então quando Phillip lhe tendeu a nota escrita pelo Jimmie. Estava em um sobre lacrado, de forma que o Phillip não a tinha lido. Tinha-a tido, junto com a escritura da granja da Virginia, na caixa forte de sua casa, à espera de que chegasse o dia de lhe entregar as dois coisas.
depois de ter lido a nota, dobrou-a e voltou a colocá-la no sobre. Não chorou; tinha chorado tanto as últimas seis semanas que já não ficavam lágrimas. foi agarrar a escritura da granja, mas Phillip a tirou das mãos.
-Se a estender em nome do Lillian Manville e logo registro a transferência da propriedade, ao cabo de vinte e quatro horas terá aos jornalistas (e advogados) na porta de sua casa. Mas... -deteve-se, tragando-o que tinha querido dizer como se ela fora uma menina a que devia animar a ser boa.
Não mordeu o anzol; ficou olhando-o fixamente.
-De acordo -se viu obrigado a dizer-. O que pensamos Carol e eu é que possivelmente devesse trocar de identidade. perdeste tanto peso que já não parece a esposa gordinha do James Manville.
Esse comentário a fez entrecerrar os olhos. Não queria escutar as brincadeiras dissimuladas que tanto ele como o resto dos empregados do Jimmie faziam a suas costas. Pareceu-lhe que todos esses anos com o Jimmie não haviam passado em balde, porque o fulminou com o olhar.
-Está bem -voltou a dizer ele, para afrouxar logo a respiração contida-. É você quem tem que decidir, mas eu já tenho feito parte do trabalho, como te conseguir um novo documento de identidade. tive que utilizar os contatos do James antes de que se dele esqueçam. Lamento ser tão franco, mas a gente esquece rápido. Agora, depende de ti aceitá-lo.
Tendeu-lhe um passaporte, que ela abriu. Não havia foto, mas sim um nome.
-Bailey James. -Leu em voz alta e depois olhou ao Phillip.
-Foi idéia da Carol. Tomou seu sobrenome de solteira, o nome do James Y... Você não gosta.
O tema era que sim lhe tinha gostado da idéia. Um nome novo; possivelmente uma nova vida.
-Carol pensou que com a perda de peso, se te cortasse e esclarecesse o cabelo... Se lhe... Bom, se você...
Olhou-o. O que era o que lhe custava tanto dizer? Viu que mantinha os olhos fixos em seu nariz.
Ela tinha cansado de cabeça depois de um escorregão no pátio da escola, durante o primeiro curso, e logo foi arrumando para golpear-se sempre o nariz. Seu companheiro Johnnie Miller, de sexto grau, havia dito, enquanto a ela não parava de lhe sangrar o nariz: "Não sente saudades. Tem um nariz tão grande que golpeia o chão meia hora antes de que ela chegue." Ainda recordava como a professora tinha tentado não rir, enquanto lhe sujeitava a cabeça para cima e a compadecia, embora fez que Johnnie se desculpasse pelo comentário.
-Quer que me façam um trabajito no nariz, é isso?
Phillip assentiu, lacônico.
girou-se e jogou uma olhada ao espelho. Se Jimmie lhe tivesse deixado seus milhares de milhões, ela teria podido construir uma prisão com altas cercas e se apartou de todos os gigolós e oportunistas que rondassem o dinheiro. Não tinha os milhares de milhões, mas sim a notoriedade. Sabia que em uns dez anos, mais ou menos, a lembrança do Jimmie se apagaria da memória na gente e a deixariam em paz, mas durante esses dez anos...
voltou-se para o Phillip.
-Supondo que já tem cirurgião e todo o resto organizado.
-Para esta noite -disse, olhando o relógio; o dos vinte mil dólares. Atlanta levaria agora o do Lillian-. Se estiver disposta, claro está.
Respirou fundo e enquanto ficava de pé disse:
-Quão disposta cabe estar, supondo.
Disso fazia duas semanas. Seu nariz se curou o suficiente para saber que já era hora de partir da casa do Phillip e Carol. Já não era Lillian Manville a que ia sair ao mundo, a não ser alguém que inclusive ela não reconhecia no espelho, alguém cujo nome era Bailey James.
Durante o tempo de convalescença depois da operação, tinha chegado a conhecer algo mais a Carol. No passado ela tinha assistido às festas que ao Jimmie gostava de organizar, mas ele a tinha advertido de que era melhor não travar muita amizade com empregados, assim Lillian se mostrava cortês, mas não havia confidências entre elas. Não tinha compartilhado segredos mais que com o Jimmie.
O cirurgião realizou a operação em sua consulta e poucas horas mais tarde estava de volta em casa da Carol e do Phillip. A primeira noite a acompanhou uma enfermeira, mas a segunda já estava sozinha quando Carol bateu na porta. Respondeu e ela entrou nas pontas dos pés. sentou-se no lado da cama.
-Está zangada? -perguntou-lhe.
-Não, o médico tem feito um bom trabalho. Não há por que zangar-se -respondeu, tentando dar a entender que não sabia que lhe falava.
Carol não se deu por satisfeita e a olhou fixamente.
-Quer dizer se estou zangada porque hei passado dezesseis anos lhe entregando minha vida inteira a um homem que logo me apartou que seu testamento?
Carol sorriu diante o sarcasmo.
-Os homens são uns rasteiros -disse.
Sorriram e quando Lillian se tocou o dolorido narigudo, puseram-se a rir. Era a primeira ocasião que mostrava algo de verdadeiro senso de humor desde que tinha falado por última vez com o Jimmie.
-E agora o que te vais pôr? -perguntou Carol enquanto dobrava as pernas e se acomodava aos pés da cama.
Era uns dez anos mais velha que Lillian, que tivesse jurado que tampouco lhe resultava estranho o bisturi do cirurgião. Era loira, bonita e resultava evidente que se cuidava muitíssimo. Ela também estava acostumada passar um montão de horas cuidando-se. Podia estar cheia, mas bem penteada; era uma gordinha cuidada.
-me pôr para ir aonde? -perguntou, e o coração lhe deu um tombo. Por favor, implorou em silêncio, que alguém me diga que não tenho que voltar para a sala do Palácio de Justiça para que Atlanta e Ray me acusem de "controlar" ao Jimmie.
-Com seu novo corpo -disse Carol-. Não pode seguir usando meus jerséis, sabe?
-Ah! Sinto muito. Creio que não pensei muito na roupa ultimamente. Eu... -interrompeu-se. Maldição! Não podia conter as lágrimas. Queria ser o soldadito valente e dar por certo que, fora o que fosse que tivesse feito Jimmie, tinha surto do amor. Mas, quando se via confrontada a feitos tais como que a única roupa que possuía era a que levava posta a noite em que Jimmie morreu e o sudário negro que Phillip lhe tinha dado, não podia sentir muita valentia.
Carol alargou a mão para tocar a sua, mas de repente se incorporou.
-Volto em um momento -disse, e saiu da habitação.
Ao cabo de uns segundos estava de novo ali com um montão do que pareciam catálogos. Tinha-lhe levado tão pouco tempo consegui-los, que Lillian soube que os tinha empilhados fora.
Desdobrou-os aos pés da cama e ela olhou com surpresa.
-O que é isto?
-Phillip me deve cinco perus! -disse, triunfante-. Os apostei a que não tinha visto nunca um catálogo. Às casas nor... uff, bom, à maioria das casas chega diariamente um médio de seis.
Sabia que tinha estado a ponto de dizer "às casas normais" e que se conteve. Nas casas do Jimmie um servente lhe levava o escasso correio em uma bandeja de prata.
Agarrou um dos catálogos. Era do Norm Thompson. Dentro se mostrava o tipo de roupa que aparecia em seu armário de tanto em tanto, em especial nas duas casas das ilhas. Jimmie tinha a alguém a quem chamava o "comprador", que se assegurava que ambos contassem com todo o vestuário que pudessem necessitar em cada uma das casas.
Carol agarrou um e lhe jogou uma olhada rápida. Na coberta se lia CoIdwater Creek.
-Sabe? Eu estava acostumado a te compadecer. Sempre parecia tão só e tão perdida. Uma vez disse ao Phillip que... -deteve-se e voltou a inclinar-se para o catálogo.
-O que lhe disse?
-Que foi como uma lâmpada, e que só estava acesa quando James andava ao redor.
Não gostou dessas palavras. Nenhuma pingo. Faziam-na parecer tão... tão nada, como se nem sequer fora uma pessoa.
-E que intenção tinha com isto? -perguntou-lhe, tratando de que sua voz soasse serena.
-Em minha opinião estamos em dívida contigo pelo presente de bodas que fez ao Phillip e a mim, assim pensei que podíamos te encarregar um pouco de roupa e o que possa necessitar para sua nova vida. Carregaremo-lo à conta do Phillip; pode permitir-lhe E em voz mais baixa acrescentou-: vai ser um dos advogados de Atlanta e Ray.
Ao Lillian lhe caiu a mandíbula, mas fechou a boca com uma careta de dor porque o movimento machucou sua nova naricilla. Teve vontades de gritar "Traidor!", mas não o fez.
-me refresque a memória. O que foi o que Jimmie e eu lhes damos de presente pelas bodas?
-Esta casa.
Por um momento foi incapaz de falar e teve que apartar a vista para que Carol não lhe visse os olhos. Lhe tinha agradável uma casa a seu advogado, a um homem ao que considerava seu amigo. Mas agora o suposto amigo ia trabalhar para o inimigo.
Agarrou um catálogo.
-Tem algum de joalheria? Necessito um relógio.
Carol sorriu e lhe devolveu o sorriso. Acabava de formar uma amizade.
2
Phillip observou ao Lillian sair do carro e caminhar lentamente para a casa. Apesar de que havia rompido a chorar fugazmente quando divisou o lugar, parecia-lhe que estava resistindo muito bem. Tendo em conta o que tinha tido que acontecer, estava suportando-o maravilhosamente. Recordou, enquanto movia a cabeça com incredulidade, tudo o que tinha feito por evitar este momento. O e alguns de seus sócios tinham dedicado três tardes inteiras e uma manhã a tratar de convencer a de que impugnasse o testamento do James Manville... Um testamento que Phillip tinha chegado a considerar imoral e possivelmente ilegal.
Embora Phillip não tinha sido sempre da mesma opinião. Quando James lhe contou o que queria fazer com o testamento, ele arqueou as sobrancelhas. Não se tivesse atrevido a que seu chefe lhe lesse o pensamento, acreditando que James tinha descoberto que seu jovem algema não merecia seu dinheiro, que provavelmente estava mantendo uma aventura fora do matrimônio.
Em vez de lhe falar do que pensava, Phillip tinha tratado de discutir a fundo os tema que provocariam com toda segurança anos de batalhas legais. Nunca lhe ocorreu pensar que a viúva não impugnaria o testamento. Disse ao James que se queria deixar dinheiro a seus irmãos, que dividisse a fortuna em três partes; havia suficiente para todos. Mas seu chefe não pareceu escutá-lo. Sua única preocupação era assegurar-se de que Lillian recebesse certa granja da Virginia.
-adorará aquilo -havia dito em um de seus incomuns momentos de confidências-. chupei muito dela e esta é a forma de retribuir-lhe Para Phillip, estafar a una mujer miles de millones de dólares no parecía la mejor manera de retribución. Más bien tenía todo el aspecto de un castigo, pero mantuvo la boca cerrada.
Para o Phillip, extorquir a uma mulher milhares de milhões de dólares não parecia a melhor maneira de retribuição. Mas bem tinha todo o aspecto de um castigo, mas manteve a boca fechada.
Até depois da morte do James, Phillip não conheceu a verdadeira natureza de Atlanta e Ray, a quem queria que Lillian combatesse. Desejava encabeçar uma equipe com os advogados mais inteligentes e cooperadores dos Estados Unidos. Queria lhes tirar até o último centavo a aqueles dois vermes ambiciosos. Nunca tinha visto nada semelhante ao que fizeram ao Lillian durante as semanas posteriores à morte do James, tanto os meios de comunicação como pessoas que ele tinha considerado amigos do defunto.
Contudo, Lillian não cedeu. Nada do que disseram pôde convencê-la. Phillip e outros advogados lhe contaram que poderia dar o dinheiro à beneficência depois de ganhá-lo, mas nem sequer isso a fez trocar de idéia.
-Jimmie era muito preparado para os negócios -disse-, e fez isto por alguma razão. Ele quer obter algo com isso, assim vou respeitar sua vontade.
-Manville está morto -recalcou um dos advogados com a cara avermelhada pela exasperação. Seu pensamento se lia em seu rosto: Que classe de mulher pode rechaçar milhares de milhões de dólares?
Ao finalizar o terceiro encontro, Lillian se levantou da mesa e disse:
-escutei suas razões, e estudado todas as provas que demonstram que poderia ganhar, mas mesmo assim não o farei. vou acatar o testamento de meu marido. -E se deu a volta e os deixou plantados.
Um dos advogados, homem que não tinha conhecido ao James e que é obvio tampouco conhecia sua esposa, riu com dissimulação e disse em voz baixa:
-Está claro que é uma mulher muito simples para conhecer o valor do dinheiro.
Lillian o ouviu, girou-se lentamente e o olhou de uma forma tão parecida com a do James Manville, que ao Phillip cortou a respiração.
-O que você não entende -disse com tranqüilidade- é que na vida haja algo além do dinheiro. me diga, se você fosse multimilionário, morrera e não lhe deixasse nada a sua esposa, ela o combateria, ou amaria sua lembrança mais que o dinheiro?
Não ficou a esperar a resposta.
Os outros advogados esconderam seus rostos daquele ao que Lillian acabava de jogar a bronca, incapazes de conter a risada. De fato, acabava de superar um terceiro divórcio repugnante e seu ex algema tinha brigado com ele até pelos pomos das portas, adquiridos em um antiquário.
Ao final, Phillip tinha abandonado o intento de persuadir ao Lillian para que impugnasse o testamento. A noite da última reunião se deixou cair na cama junto à Carol, e lhe havia dito:
-Não sei que mais fazer.
-Ajudá-la -disse ela.
-Que acreditas que estive fazendo até agora? -repôs com chateio.
Carol estava relaxada; nem sequer levantou a vista da revista que estava olhando.
-estiveste tratando de convertê-la no que não é. É um tirano pior que James.
-Sim, já vejo que te intimido de uma maneira tremenda -disse ele com sarcasmo-. Solta-o já, o que é o que se esconde em seu cabecita?
depois de doze anos de matrimônio quase podia lhe ler o pensamento e sabia quando queria dizer algo. como sempre, ela tinha esperado a que fracassasse; só então ofereceria sua ajuda.
-O que tem que fazer é ajudá-la, queira o que queira.
-Alguma ideia sobre do que se trata? -perguntou Phillip olhando-a com cepticismo-. fica sozinha na habitação de convidados e não fala com ninguém. Todos aqueles que se diziam amigos e com os que James estava acostumado a encher a casa nem sequer se incomodaram em chamá-la e lhe dizer o que hão sentido sua morte. -Sua voz estava carregada de indignação.
Carol refletiu em voz alta.
-Não a conheço muito bem, mas me parece que quando estava com o James tratava por todos os meios de levar uma vida normal.
-Normal? Com o James Manville? Carol, mas é que estava cega? Viviam em grandes mansões por todo mundo, rodeados de serviço. Levei-a a umas lojas de departamentos justa depois da morte do James e posso te jurar que não tinha entrado nunca em um. Ou ao menos desde que escapou de casa para casar-se com ele -disse Phillip, soprando.
-Todo isso é certo, mas que fazia Lillian nessas casas? Organiza" festas?
Phillip enlaçou as mãos detrás da cabeça e olhou o teto.
-Não -disse, pensativo-. James era o que organizava as festas e ela fazia ato de presença. Não creio ter visto ninguém mais desgraçado que ela nessas recepções. Estava acostumado a sentar-se só em um rincão e comer. Pobre menina.
-Viu-a feliz alguma vez?
-Não, não... -ia dizer algo, mas desviou o tema-. Isso não é certo. Um dia levei ao James alguns documentos para assinar. depois de me haver partido dava conta de que me tinha esquecido algo, assim voltei. Quando entrei na casa, ouvi vozes e fui até o fundo, onde os vi. Estavam sózinhos, sem convidados nem serventes, Y...
Phillip fechou os olhos enquanto recordava. Era uma das casas do James de muitos milhões de dólares, dessas das que Lillian havia dito que eram "todo cristal e aço". As vozes procediam de uma habitação que ele não tinha visto nunca. Estava ao lado da cozinha e como a porta estava aberta, olhou dentro. Phillip estava junto a umas tapeçarias pendentes instaladas por algum decorador; não era muito fácil que o vissem. dava-se conta de que atuava como um bisbilhoteiro, mas quando viu a cena ficou paralisado.
Lillian estava em camiseta e jeans, nada que ver com as roupas de alta costura com que a via sempre, e servia ao James o jantar. Estavam em uma salita de estar com uma pequena mesa volta em um extremo. Pelo aspecto, nenhum decorador tinha entrado naquela habitação. O sofá estava talher com uma colcha de algodão e perto havia uma cadeira escocesa. A mesa era de pinheiro e estava raiada; as duas cadeiras que a acompanhavam pareciam tiradas de um mercadillo de povoado.
Nenhum dos móveis tinha esse aspecto falso que os decoradores conseguem dar. Nesse quarto não havia nada "arrumado". Em troca, parecia-se na metade das salas de estar dos Estados Unidos e o casal que havia ali se mostrava como qualquer casal. Enquanto Lillian lhe servia a comida, que tinha preparada em um aparador, ele falava sem parar. Ela o escutava com muita atenção. Quando lhe pôs o prato diante e pôs-se a rir com o que ele contava, Phillip pensou que era muito belo. Não era só a esposa gordinha do multimilionário que nunca tinha nada que dizer, a não ser uma verdadeira beleza. De uma vez que se servia seu prato, ela começou a falar e Phillip ficou atônito ao ver como James a escutava com uma intensidade que não lhe conhecia. Assentia enquanto ela falava e Phillip compreendeu que lhe tinha pedido sua opinião sobre algo e que ela a estava dando. Vida conjugal, foram as palavras que lhe vieram à cabeça.
Em silêncio, com os documentos sem assinar, Phillip se afastou nas pontas dos pés. Muitas vezes ao longo dos anos tinha ouvido dizer às pessoas: "Como é que Manville não se desfaz desse pudim de carne e se busca uma mulher que não lhe tenha medo a sua própria sombra?" Mas era evidente que, como em todo o resto, James Manville sabia o que se fazia.
Aquele dia, enquanto se encaminhava para o carro, pensou que James nunca lhe tinha dado inveja. Graças a ele tinha todo o dinheiro que queria, assim não invejava seus milhões, mas compreendeu que aquela cena doméstica lhe tinha provocado uma quebra de onda de ciúmes.
Carol não lhe tinha cuidadoso nem escutado assim do primeiro ano de casados. Olhou os documentos sem assinar e se alegrou de que não se conheceu sua presença. Seria melhor que James não soubesse que tinha observado seu momento de intimidade com o Lillian.
-Sim -disse Phillip a sua mulher-. A vi feliz.
-Ah, sim? -exclamou Carol com tom de curiosidade-. E quando foi isso?
James podia estar morto, mas Phillip não se animava a contar o que tinha visto. Seria como trair a seu amigo. Mas a lembrança daquilo lhe aumentou mais a confusão. Se James amava tanto a sua mulher, por que não lhe tinha deixado ao menos dinheiro suficiente para proteger-se da imprensa?
-Há algo que quer me contar -disse a sua mulher-. por que não o soltas de uma vez?
-De caminho ao funeral, Lillian me perguntou se tinha visto a granja que James lhe tinha deixado.
-E? O que quer dizer isso? Esse lugar é uma pocilga. É horroroso. O campo de ao redor é formoso, mas a casa teria tido que derrubar-se. Só um buldózer serviria para arrumar as coisas.
-Hmmm -disse Carol, e fechou a revista-. Ninguém faz tanto dinheiro como James sem ser capaz de planejar. Quais pensa que eram seus planos para essa granja?
-os de assegurá-la por milhões de dólares e logo queimá-la?
Carol o ignorou.
-Como poderá ela chegar a viver ali em paz? Terá sempre jornalistas acampados em seu jardim. Terá... -Sua voz se apagou e olhou a seu marido, como se esperasse que ele se imaginasse o resto da frase.
Phillip estava muito cansado para jogar às adivinhações.
-O que?-perguntou.
E então foi quando Carol lhe confiou a idéia de trocar o aspecto do Lillian, e inclusive sua identidade.
Agora, enquanto Phillip saía do carro, observava ao Lillian -não, a Bailey, recordou-se a si mesmo- e olhava esse feio lugar, teve que admitir que era evidente que parecia uma pessoa diferente. Recordou o dia em que James fechou de repente um livro, deixou-o cair na mesa do despacho e disse: "Não me posso concentrar. Lil está fazendo outra vez uma dessas condenadas dietas." Gritou a sua secretária que viesse ao despacho -para o James Manville não se inventou o intercomunicador-e lhe ordenou que mandasse ao Lillian uma caixa de cada tipo de chocolate que tivessem na loja de Lady Godiva mais próxima. "Isso o arrumará. Bem, voltemos para trabalho", havia dito sorrindo.
Sem a sabotagem de seu marido, Lillian tinha perdido bastante peso em só umas semanas. Quando Phillip contou a sua mulher o que James estava acostumado a fazer para tirar o Lillian de suas dietas, ela disse:
-Assim que esse é o segredo para perder peso. -ficou a mão no quadril e acrescentou-: O recordarei a próxima vez que suba a um avião.
Se à perda de peso se unia a cirurgia do nariz, Phillip tinha que admitir que Bailey era uma mulher resultona. Os michelines tinham sido substituídos por finas curvas, e sem aquele nariz, podiam-se apreciar seus formosos olhos e os lábios pequenos e avultados. Uma manhã durante o café da manhã, Carol lhe aproximou uma espátula de metal à orelha.
-Como segue olhando a dessa maneira, cravo-te isto... -disse.
Phillip teve que admitir que Bailey estava bonita.
-Acreditas que alguém me reconheceria? -foi o primeiro que perguntou Lillian nada mais lhe tirar as ataduras.
-Ninguém -lhe asseguraram Carol, o médico e Phillip, de uma vez que cada um deles tratava de não dizer nada sobre quanto melhor estava agora, porque teria equivalido a dizer quão mau tinha estado antes.
Agora Phillip saiu do carro e se encaminhou para o carro que havia atrás do dele, para retirar as malas e as levar a casa. Tinha arrumado as coisas para que os fossem procurar ao aeroporto em dois veículos: o todoterreno que tinha comprado para o Lillian e um sedan negro do serviço de aluguel local que os seguisse para levá-lo a ele de volta.
No vôo para o aeroporto Dulles, de Washington D.C., Lillian tinha apoiado a cabeça no respaldo e tinha fechado os olhos. Quando Phillip lhe falava, ela só assentia. imaginava que não lhe dirigia a palavra porque tinha aceito trabalhar com Atlanta e Ray. Queria lhe explicar a razão, mas ao mesmo tempo, quanto menos soubesse, melhor. Se ela ia lutar por si mesmo, então seria ele quem o fizesse por ela. E a única forma que conhecia era a de trabalhar de dentro.
O caminho do aeroporto até a pequena cidade de montanha do Calburm, onde estava situada a granja, tinha levado três horas de estrada. Nesse percorrido Lillian deixou de lado sua irritação e bombardeou ao Phillip com perguntas sobre tudo o que soubesse da cidade e da casa.
Honestamente, embora tinha sido amigo do James Manville durante vinte anos, o advogado não sabia nada sobre sua infância. Sentia-o pelo Lillian. De fato, não tinha nenhuma segurança de que essa granja tivesse sequer alguma conexão com o passado de seu amigo.
-Como pode ser que Jimmie fosse do mesmo sangue que gente como Atlanta e Ray? -perguntou ela-. Não posso entendê-lo.
Phillip esteve tentado de dizer: "Isso é porque nunca viu o James fazer negócios. Se o tivesse visto, saberia que se parecia mais a eles do que imagina." Mas não o disse. Pensou que era melhor que ela ficasse com suas visões sonhadoras sobre o marido morto.
Lillian -agora Bailey, embora ao Phillip custasse recordá-lo- rodeou a casa para ver a parte posterior. O homem enviado pelo Phillip tinha tomado fotos do edifício, por isso sabia que por detrás a fachada estava mais emaranhada que por diante; espantou-lhe que ela tivesse que vê-lo justo desde esse ângulo. Utilizou a chave que James lhe tinha dado quando assinou a escritura da propriedade e abriu a entrada principal.
A porta se saiu de suas dobradiças ferrugentas e foi parar ao chão. Assombrado, Phillip se deu a volta e olhou ao homem que lhe seguia, carregado de malas. girou-se de novo, passou sobre a porta queda e entrou na casa.
O lugar era espantoso. Do teto até o estou acostumado a penduravam telarañas grosas e poeirentas. podia-se ouvir o ruído dos insetos -ratos, ratos e todo o resto que há nas casas de campo- que brincavam de correr por debaixo do chão. Os raios de sol que atravessavam as sujas janelas mostravam como flutuava pelo ar um pó acumulado durante anos.
-Volte com as malas ao carro -lhe disse Phillip por cima do ombro ao que ia detrás-. A senhora não vai ficar aqui.
Esperou até que o homem se partiu, voltou a passar por cima da porta e saiu fora. Até esse momento nunca tinha pensado no James Manville como em um diabo. Que tivesse deixado a sua esposa esse lugar imundo e que esperasse que ela vivesse ali só podia ser obra de um louco ou de um verdadeiro demônio. Tinha sabor de ciência certa que James não estava louco, assim ficava...
Com os lábios apertados pela raiva, Phillip rodeou da casa e encontrou a Bailey.
As fotos não tinham mentido: a parte de atrás era ainda pior que a de diante. Árvores enormes, trepadeiras cobertas de espinhos de aparência letal, arbustos altos como árvores, e más ervas tão altas como se se tratasse de um filme de ficção científica e cada uma delas lutasse com as demais pelo espaço e a luz. Aquela massa emaranhada lhe produziu um calafrio. A sua direita havia pedras colocadas no chão para formar um estreito atalho entre umas ervas tão altas como ele mesmo. As muitas abelhas que zumbiam a seu redor fizeram acelerar o passo.
-Lillian -chamou, e ao ponto se conteve.
Como o advogado que era, olhou ao redor para ver se alguém lhe tinha ouvido cometer o equívoco de chamá-la por seu antigo nome. Enquanto escrutinava a maleza se deu conta de que podia haver um exército escondido a dez passos sem que fora possível vê-lo.
-Bailey -disse com mais força, enquanto se apressava. Tampouco assim obteve resposta, e sua cabeça se encheu com os horrores do campo: serpentes, mofetas raivosas, cervos que podiam matar a uma pessoa de uma patada. Haveria lobos nessas montanhas? E gatos monteses desses que se escondem em cima das árvores e saltam sobre as pessoas? Haveria... ursos...?
Se a jaqueta dela não tivesse sido rosa intenso, não a tivesse descoberto. Parecia encarapitada à árvore maior e mais feia que Phillip tinha visto em sua vida e tudo o que pôde avistar foram seu jeans e uma manga da jaqueta rosa.
"OH, Meu deus! enforcou-se -pensou por um momento-. se Desesperada pela morte do James e ainda por cima conhecer este espantoso lugar acabou por decidi-la a suicidarse."
Saiu correndo para a árvore, seu coração pulsava violentamente, passou agachado baixo dois ramos e ali a viu. Estava viva e olhava entusiasmada para a parte superior como se estivesse tendo uma visão celestial.
"Isto é pior que um suicídio; perdeu a cabeça", pensou Phillip.
-Bailey? -chamou com doçura, mas como não obteve resposta disse-: Lillian?
Ela continuou com seu olhar para o alto. O se decidiu e ascendeu, lenta e cuidadosamente, a seu encontro, sem por isso perder de vista o chão. supunha-se que a gente se mantinha imóvel quando tinha visto uma serpente de cascavel, não era assim? Seria a visão de uma serpente o motivo de sua quietude?
-Bailey? -repetiu quando esteve mais perto-. Agora possamos ir. Não tem necessidade de ficar aqui. Se quer viver em alguma casita de outro lugar, eu lhe comprarei isso. Lhe...
-Sabe o que é isto? -disse ela em um sussurro.
Ele levantou a cabeça, mas tudo o que viu foi uma árvore velha que necessitava com urgência uma boa poda; ou melhor ainda, um corte.
-Já sei -respondeu de uma vez que lhe punha a mão no braço para animá-la a baixar-. É horrível e velho, mas não tem por que olhá-lo.
-É um moral, a árvore das amoras -explicou ela com suavidade e em um tom quase reverencial-. É um exemplar muito antigo. De amoras negras.
-Que agradável -respondeu Phillip, e atirou de seu braço com mais velha firmeza.
Bailey esboçou um sorriso.
-Os chineses enganaram ao Jacobo I
Em um primeiro momento Phillip pensou que falava do James Manville, mas compreendeu que se referia ao rei inglês; o incompetente sucessor da Elizabeth I. O que teria que ver um rei inglês com uma granja ruinosa na Virginia?
Ela voltou a falar.
-Jacobo decidiu cultivar amoreiras na Inglaterra para poder criar vermes de seda e instalar nesse país a indústria deles derivada. Como já saberá, os vermes se alimentam das folhas das amoreiras. Assim Jacobo importou da China milhares de amoreiras. Só que... -deteve-se, e sorriu enquanto tocava uma das folhas da grande árvore-. Os chineses lhe fraudaram. Enviaram ao rei inglês morais, que dão amoras negras em vez de brancas. As amoras negras são fantásticas para comer, mas os vermes de seda não têm nenhum interesse em suas folhas e nem as tocam.
Phillip olhou seu relógio. Eram as duas. Ficavam três horas de viagem para tomar o avião de volta e seu vôo era às seis. É obvio, a isso terei que acrescentar que deveria encontrar assento para Bailey no mesmo vôo.
-Olhe, por que não me conta mais coisas sobre as árvores das amoras e os reis da Inglaterra no caminho de volta ao aeroporto? Pode...
-Eu não vou-disse ela.
Esta vez as vontades de chorar corresponderam ao Phillip. por que tinham todas as mulheres que levam sempre a contrária?
-Bailey -replicou com firmeza-, não viu o interior dessa casa! Está a ponto de cair. A porta se veio abaixo quando a tenho aberto. Como vais passar a noite aí? Este lugar é imundo! É...
-O que é isso? -perguntou ela.
Era o ruído de um grande caminhão que se aproximava pelo pouco freqüentado caminho de diante da casa.
-Não, por favor! -exclamou Phillip com desespero.
Bailey desceu de um salto da árvore e saiu correndo pelo atalho coberto de maleza.
Acabava de chegar o caminhão da mudança.
3
Por um momento as duas fornidas moços de mudança se pararam detrás de Bailey e olharam dentro da casa através da porta queda. O cristal quebrado de uma janela deixava passar a brisa e as telarañas dançavam entre o pó.
-Não estão muito preparados para nossa chegada, verdade? --disse uma das moços, rompendo o silêncio.
-houve um engano -disse Phillip desde atrás-. Terão que lhes levar os móveis.
-Não possamos nos voltar com a mercadoria -disse o que estava mais perto de Bailey-. Verá, senhor, este é meu caminhão, mas o mobiliário é dele. Pagaram-me por fazer o transporte em uma direção. Se tiver que voltar a levá-lo ao norte, dirão-me que o gasto corre de minha conta, não dos que me contrataram.
-Pagarei o que faça falta... -começou Phillip, mas Bailey o interrompeu.
-Não serão devolvidos. Os móveis irão à casa tão logo eu...
-Arrume-a? -completou a frase o transportista arqueando as sobrancelhas.
-É possível que dando marcha atrás nos metamos na casa -disse o segundo homem, que estava mais afastado-. Se vê que não necessita mais que uma cotovelada para vir-se abaixo.
Ao olhar a Bailey, o mais alto e fornido, o proprietário do caminhão, franziu o sobrecenho. Era o dobro de grande que ela, dos tipos que se sentem protetores com as coisinhas pequenas.
-Possivelmente haja algum outro sitio no que possamos descarregar até que arrume isto. Tem por aqui amigos com uma garagem grande?
Bailey negou com a cabeça, enquanto se mordia o lábio inferior. "Não há amigos", pensou, sem atrever-se a cruzar seu olhar com a do Phillip. Sabia que ele estava ali à espera de que ela "recuperasse seu são julgamento", essa frase masculina universal que devia dizer que por fim ela aceitava que ele tinha razão e fazia o que ele queria que fizesse.
A segunda moço pareceu pensar-lhe melhor antes de fazer outro comentário sarcástico sobre aquela ruína de casa.
-por que não põe os móveis no estábulo?
-Estábulo? Que estábulo? -perguntou Bailey, levantando a cabeça.
O tipo assinalou para a espessura. por cima aparecia o pico de um edifício, apenas visível, que em outros tempos tinha estado pintado de vermelho.
-É um estábulo ou um parque de bombeiros preparado e a ponto de entrar em ação -comentou a moço.
Ninguém lhe riu a graça e Bailey se encaminhou para ali imediatamente, com um braço por diante para proteger-se da maleza e o outro ocupado em apartar as sarças e arbustos emaranhados que bloqueavam o caminho.
-me recorde que não lhe dê gorjeta -disse Phillip ao homem que tinha famoso o estábulo, e depois se encaminhou para ali. As duas moços lhe seguiram.
Certamente que era um estábulo, e estava a menos de cem metros da casa. Não havia atalho aberto entre os arbustos, por isso percorrer o lance não foi nada fácil. Bailey chegou com três arranhões sangrantes no braço esquerdo.
Não era um estábulo grande no que coubessem dezenas de cavalos e vacas. Era mas bem um estábulo "caseiro", desses recintos onde se guardam os ferramentas agrícolas e possivelmente um ou dois cavalos.
Bailey se esforçava por abrir a porta quando chegaram as moços e se adiantaram para ajudá-la. Os ferragens da porta eram resistentes, mas estavam oxidados por falta de uso. Phillip se apartou com os lábios apertados desaprobadoramente, enquanto Bailey e os homens lutavam com a grande porta até conseguir abri-la. Uma espessa nuvem de pó e palha seca saiu do interior do estábulo e os deixou tossindo aos três.
-Quando se abriu este lugar por última vez? -perguntou um dos transportistas. dobrou-se e seguiu tossindo.
-Não tenho nem idéia -respondeu Bailey, endireitando-se e respirando fundo-. É a primeira vez que vejo este lugar.
-Comprou-o sem vê-lo? -perguntou o homem com um deixe de voz que dava a entender que era a idiota número um do ano.
-Herdado -disse Bailey enquanto olhava para dentro. O sol penetrava por uma janela alta, mas lhe levou um pouco de tempo adaptar a vista Dentro havia umas quantas balas de erva seca, alguns arnês de cavalo pendurados de uma parede, e umas quantas pás rotas alinhadas em outra. Ao fundo havia uns pesebres de cavalo. Contudo, o lugar parecia em melhores condicione que a casa. Ao menos o telhado se mantinha intacto e não havia sinais de goteiras-. Poremos aqui os móveis -disse, girando-se para outros.
-E como propõe que cheguem até aqui? -perguntou Phillip movendo a cabeça para o percurso que tinham feito. Não havia caminho, e muito menos uma entrada que um caminhão pudesse utilizar.
Bailey não encontrou resposta durante um momento; logo sorriu, pensativa.
-Esse carro que me compraste não tem tração nas quatro rodas? Pois faremos um atalho. -Uma vez dito isto, pôs-se a andar para o estreito atalho que tinham aberto na maleza.
-Quando uma mulher está tão decidida como esta, não fica outra coisa que render-se -sentenciou em voz baixa o primeiro transportista, que ia detrás do Phillip. Quando este o ignorou, riu entre dentes.
Horas mais tarde o estábulo estava cheio de caixas, cestos de embalagem e móveis envoltos em mantas de mudança, e Bailey tinha dado às moços um bilhete de cinqüenta como gorjeta.
-Agora não pode te permitir fazer esse tipo de coisas -disse Phillip nada mais parti-los homens-. Se tiver que dar uma gorjeta, procura que seja pequena.
Bailey caminhava diante dele em direção à casa e manteve a cabeça erguida.
Quando chegou ao edifício, Phillip tomou pelo braço.
-Lil... digo Bailey, temos que falar. Não pode ficar aqui sozinha. Isto... isto... -Parecia não encontrar palavras o suficientemente malotes para expressar o que pensava da condenada casa. No único que podia pensar era na vida que tinha levado ela, rodeada de serventes, em mansões e dormindo entre lençóis de seda. E como Carol, Bailey havia passado grande parte de seu tempo ocupada com diversos tratamentos de beleza---. Para ti permanecer aqui é como se María Antonieta tivesse pretendido converter-se em granjeira -disse com frustração-. Não tem nem idéia do tipo de trabalho que requer um lugar como este.
---Em realidade, não sei nada de nada, verdade? -respondeu ela com suavidade, lhe olhando à luz do pôr-do-sol-. Mas que alternativa fica?
-Cuidarei de ti -respondeu Phillip com rapidez-. Te comprarei uma casa, lhe...
Ela o olhou com os olhos entreabridos.
-Quer dizer que utilizará o dinheiro que recebeste que o James Manville para comprar uma casa, logo me instalará nela e me manterá? É isso o que tem na cabeça? Como à menina da casita de chocolate? -disse enquanto se adiantava para ele. Quando esteve quase nariz com nariz, desceu a voz-. Ou possivelmente tenta ocupar o lugar do Jimmie? É isso o que pensa? Que como um homem me manteve agora outro o fará? Qualquer outro? Você, possivelmente? Acreditas que como vivi encerrada com um homem durante dezesseis anos, ajustarei-me à perfeição a uma vida de reclusão contigo, como cabeça de um harém?
Piscando, Phillip endireitou as costas e se tornou para trás.
-Isso não tem nada que ver com o que penso -particularizou-. Esta casa não é habitável.
-Não, não o é -disse ela com o rosto congestionado pela indignação-. Mas sabe uma coisa? É minha. Creio que me ganhei isso, embora não seja mais que por todas essas espantosas festas às que Jimmie me fazia assistir, nas que todo mundo observava e comentava cada bocado que tomava. -Quando o viu encolher-se, deu outro passo para diante-. É que nenhum de lhes davam conta de que lhes escutava? Sussurravam a minhas costas que estava gorda e que não era suficientemente bela para ser digna de um homem dinâmico como Jimmie. Disseram...
-Eu não -respondeu Phillip em voz baixa-. Nunca disse nada parecido, assim não trate de me colocar no bando inimigo.
-Então por que está trabalhando para Atlanta e Ray? -espetou-lhe. Mas não tinha querido dizer isso. Tratava de que não lhe notasse o que sentia a respeito.
Phillip se tomou seu tempo antes de responder. Sua reticência natural, combinada com a experiência como advogado, dificultava-lhe a capacidade de revelar questões; característica que James tinha apreciado como ninguém.
-Confia em mim -disse por fim-. É tudo o que te peço: que confie em mi.
Os dois permaneceram ali de pé, olhando-se fixamente o um ao outro, sem dar-se por vencidos, mas logo Phillip esboçou um ligeiro sorriso.
-Quanto à idéia de estabelecer um harém contigo como concubina favorita... -disse.
Por um momento quão único Bailey pôde fazer foi olhá-lo fixamente com a boca aberta pelo assombro. Dizia-o de verdade? Mas logo compreendeu que lhe estava tirando o sarro; e com uma brincadeira de tinturas sexuais. Em toda sua vida não tinha recebido esse tipo de brincadeiras mais que do Jimmie, e nem sequer com muita freqüência. Não estava segura se responder, mas logo pensou por que não? e se lançou.
-Serei sua segunda esposa, depois da Carol. Se não ser assim, não há trato. E se te dou um filho, então terá que ser sultão. Está bem claro?
Phillip soltou uma gargalhada e logo a olhou em silêncio.
-Sinto não ter feito o esforço de chegar a te conhecer -comentou com seriedade.
-Eu também -respondeu ela em voz baixa, enquanto lhe sorria.
-Lamenta não ter chegado a me conhecer ou a te conhecer ti mesma?
-Ambas as coisas -disse. adiantou-se e lhe beijou na bochecha.
Os olhos do Phillip brilharam.
-Quanto a esse filho... -disse-. Tenho um sob nível de espermatozóides, assim terá que tentá-lo um montão de vezes antes de...
-Comprido daqui! -exclamou ela, entre risadas.
A contra gosto, depois de lhe dar a Bailey uma lista de meia dúzia de números de telefone nos que podia dar com ele, Phillip subiu ao carro. O chofer o esperava.
-Algo -acrescentou, baixando o guichê-. Seja o que seja que necessite, faça-me saber -insistiu enquanto o carro retrocedia pelo atalho de cascalho cheio de más ervas que em outros tempos tinha sido o caminho de entrada.
-O jantar -respondeu ela, mas ele já não a ouviu-. Ou uma loja de comestíveis -acrescentou em direção à poeirenta estrada.
Permaneceu onde estava até que deixou de ouvir o carro por completo, depois respirou fundo e relaxou os ombros. Rodeavam-na ervas altas, árvores com grandes ramos pendentes e trepadeiras com uns espinhos que podiam rasgar a pele de qualquer. O que se escondia detrás das árvores? Havia um ruído como de deslizamento. tratava-se de uma serpente? Ou era uma pessoa? Alguém que tinha estado observando e esperando?
Tragou saliva, fechou os olhos e logo articulou uma prece.
---meu deus, querido Jimmie -disse em voz baixa-, continua cuidando de mim como o fez no passado. -Queria acrescentar algo mais, mas isso parecia cobri-lo tudo. até agora tinha sido bastante afortunada e neste momento quão único pedia era que a sorte seguisse acompanhando-a.
girou-se devagar, olhou para o lugar de que procedia aquele ruído e viu que não era outra coisa que o roce de dois ramos. Mas o fato de encontrar a origem de um ruído não lhe aliviou os temores. A seu redor havia mais ruídos e mais lugares nos que podiam esconder-se pessoas ou animais.
Fez o que pôde por dar-se ânimos e saiu correndo para o estábulo.
4
Quando Bailey despertou pela manhã, em um primeiro momento não soube onde estava. Como tinha feito durante a metade de sua vida, estendeu a mão em busca do Jimmie. Mas não lhe preocupou não lhe encontrar Freqüentemente estava em viagem de negócios; longe, fazendo todo esse dinheiro... gastando-o, como lhe gostava de lhe contar.
O que acabou de despertá-la foi o ruído de um caminhão. deu-se a volta, levantou a vista, viu a janela que havia no alto e pouco a pouco recuperou a memória. Jimmie não voltaria e ela estava sozinha. Absolutamente sozinha.
No exterior se ouvia o canto dos pássaros, o som do vento das árvores e o ruído daquele caminhão, que da distância se aproximava pela estrada de cascalho. Fazia muito tempo que não escutava isso sons. As casas que comprava Jimmie estavam acostumados a ter centenas de metros de grama ao redor, grandes superfícies de mármore nas terraços ou o mar diante os ventanales. As estradas de cascalho eram algo que Jimmie não tolerava.
Os homens da mudança lhe tinham disposto uma cama. Com certo ar incongruente, como o de um anúncio de roupa branca, sua cama nova -de madeira grafite de branco, envelhecida artificialmente para dar aparência de ter sido utilizada muitos anos- estava plantada no meio do estábulo. Tinha tido que olhar dentro de seis caixas de embalagem para encontrar a roupa de cama. Logo Phillip a tinha ajudado a fazê-la com lençóis brancos de algodão, um fofo edredom branco e um par de travesseiros como arremate. Quando esteve acabado, todos se puseram-se a rir; parecia o cenário de uma produção publicitária, com uma cama imaculada entre balas de feno.
depois de que Phillip e as moços se fossem, Bailey tinha voltado para estábulo e se atirou na cama. "O que tenho feito?", perguntou-se e nesse preciso momento se tivesse contado com um telefone móvel teria chamado ao Phillip para que viesse a procurá-la. Haveria dito que sim à disputa com Atlanta e Ray pela partição da herança. teria se comprado uma casa agradável em qualquer sitio Y...
Bailey deteve o curso de seus pensamentos. O caminhão parecia estar aproximando-se. Ato seguido ouviu o bufo inconfundível dos freios. Teriam voltado os homens da mudança?, perguntou-se. Logo desceu as pernas e deslizou os pés dentro dos sapatos.
Levou-lhe um pouco de tempo poder abrir a grande porta do estábulo. "Três em um", pensou, pondo-o na lista mental de coisas que precisava comprar. Correu pelo que já era um amplo atalho do estábulo e se deteve diante da casa para observar o grande caminhão branco que chegava. LIMPEZAS INDUSTRIAIS VIKING, lia-se em um rótulo a um flanco do mesmo, junto ao desenho de um homem musculoso meio doido com um casco de dois chifres e faxineira em mão.
A porta do caminhão se abriu e saltou ao chão um homem com um macaco azul marinho e uma tabuleta na mão.
-É você Bailey James?
lhe levou um momento recordar que esse era seu nome atual.
-Sim -disse, esfregando-os olhos-, mas eu não contratei nenhuma limpeza.
Pelo outro lado saíram dois homens mais. O primeiro olhou para a casa. A porta estava queda para dentro; nas janelas havia vários cristais quebrados e através dos ocos se podiam ver habitações cheias de telarañas poeirentas.
-Possivelmente o desejava você com tanta força que nos enviou sua fada madrinha -brincou o homem do macaco azul.
Como não estava acostumada a receber rabugices por parte da gente do serviço, Bailey ficou confundida, olhando-o fixamente. Então lhe viu o brilho nos olhos, parecido ao que ultimamente tinha visto freqüentemente em outros homens. Igual a Phillip, este estava brincando
-Quer dizer que você se crie o Príncipe Azul? -repôs com ar inexpressivo.
De lhe haver dito isto a um homem fazia só um mês, sabia que teria franzido o sobrecenho e se teria partido, mas agora os outros riram a gargalhadas e ele deu a impressão de pensar que, dissesse o que dissesse Bailey, estava bem.
-Seja o que seja o que você necessite, nós, os homens do Viking o proporcionamos -disse e lhe estendeu a tabuleta de trabalhos.
Na parte superior da folha estava escrito: "Encarregado pelo Phillip Waterman."
"Querido Phillip", pensou Bailey enquanto assinava na parte de abaixo. Possivelmente não lhe tivesse enviado o jantar, mas sim uma equipe de limpeza. Uma parte de si mesmo pensou que devia mandar os de volta e reafirmar assim sua independência, mas outra duvidava que fora a desfrutar de semanas do fregoteo, fincada de joelhos e com as mãos avermelhadas.
Tendeu-lhe a tabuleta ao empregado.
-Né, Hank! -chamou um dos homens do alpendre-. O que fazemos com isto?
Bailey rodeou o que parecia um arbusto de budleia necessitado de uma boa poda, para ver que se referiam. A um lado da entrada, no chão, havia umas quantas bolsas e caixas. No marco da janela, junto à porta queda, tinha remetidos vários papéis.
O condutor do caminhão olhou a Bailey em espera de resposta. Ela começou a examinar o montão de coisas. dentro de uma caixa havia o que parecia um guisado de macarrão com atum em uma fonte do Pyrex. "Bem-vinda" dizia o cartão anexo, assinada pelo Patsy Longacre". Além disso havia dois frangos assados envoltos em papel de alumínio, sem cartão. Uma bolsa de papel de trapo continha pregos. "pensei que lhe podem ser úteis", lia-se em outra nota, escrita em uma parte de papel rasgado da parte inferior de uma folha escolar raiada. Outra bolsa continha quatro maçãs, cada uma delas envolta cuidadosamente em papel de periódico. Um pote com uma velha tampa de zinco continha encurtidos caseiros para tomar com pão e manteiga. Na etiqueta aparecia o nome de Íris Koffman. No batente da janela havia três Ramos de flores silvestres, cada um deles pacote com uma corda. Contra uma parede havia um velho azadón oxidado, sobre o que pendia uma nota sem assinar: "Você o necessita e bem sabe Deus que meu marido não o utiliza nunca."
Remetidos no marco da janela havia folhetos e cartões de visita.
Uma destas era de um corredor de seguros, cujo escritório estava no Main Street, Calburn. Também tinha que um perfurador de poços e um agente imobiliário. "Se quer vender, me avise", lia-se no reverso desta. Havia outra de um que fazia toda classe de porcarias. Bailey a beijou e a meteu no bolso de seu jeans.
-Né, tenho um cartão -cantarolou um dos homens da limpeza.
Não tinha resposta para essa piada.
-Eu me ocuparei destas coisas. Vocês podem começar a limpar.
Um dos trabalhadores, que olhava dentro através de uma janela suja, comentou:
-Sinto de verdade me haver deixado o lança-chamas no último trabalho.
Bailey os fulminou com seu melhor gesto de "venha, ao trabalho", mas não reagiram como estavam acostumados a fazê-lo seus empregados quando Jimmie os olhava assim. Em troca, foram-se rendo para o caminhão e começaram a transladar máquinas e produtos.
Ela atirou de um grande sobre que tinha encravado na janela e o abriu. Continha uma série de papéis de bem-vinda da Câmara de comércio do Calburn, no que figurava Janice Nesbitt como presidenta. Incluía um mapa do Calburn com a rua principal e as três que a atravessavam. Phillip a tinha levado no dia anterior da direção oposta, assim não tinha visto o povoado e agora se perguntava que lojas e serviços teria. No extremo mais afastado do mapa havia uma flecha que assinalava algum lugar que não aparecia. "Sua casa está por aí", tinha escrito alguém.
-No centro de um nada -resmungou Bailey, e levantou a vista por volta de um dos homens da limpeza que lhe tendia uma caixa vazia. Sorriu para agradecer-lhe tomou a caixa e colocou dentro tudo o que tinham deixado os vizinhos do povoado. Que estranho, pensou, mas quando... Bom, quando tinha outra aparência, os homens não se mostravam tão dispostos a lhe oferecer caixas para que pusesse seus coisas dentro.
Sorrindo, levou-se as coisas ao estábulo. Estava faminta e queria certa intimidade para comer. Além disso necessitava tempo para saborear a idéia de viver em um lugar onde a gente deixava presentes de bem-vinda em sua porta. Mas não ia conseguir nenhuma intimidade enquanto alguém tocasse a buzina dessa maneira. Sem dúvida a requeriam para algo. Com uma pata de frango em uma mão e uma maçã na outra percorreu o atalho para deter-se em seco, perplexa. No caminho de entrada havia três caminhões, outros dois estacionados na estrada e quatro mais detrás procuravam um espaço onde estacionar. Oito homens se dirigiam para Bailey com tabuletas de notas para que assinasse.
-Importa-lhes, meninos? -disse adiantando um homem com uniforme da mensajería Federal Express-. Preciso partir em seguida, É você Bailey James? -perguntou, e sem logo que esperar resposta lhe tendeu um grande sobre e uma tabuleta.
Ela assinou e logo, não sabendo bem que mais fazer, atirou da lapela e abriu o sobre. Dentro havia dois envelopes, ambos com o remete do Phillip. "Um presente para esquentar a casa", lia-se na nota do primeiro, e "Não se preocupe, podem permitir-lhe Bailey sorriu. Era evidente que Phillip o estava carregando tudo nas contas de Atlanta e Ray. O segundo sobre continha um maço de bilhetes de cinqüenta dólares, novos e reluzentes. "Já sei o que você gosta de dar gorjetas", lia-se na nota.
Com um sorriso, Bailey levantou o olhar... e agora eram quase uma dúzia os homens que a olhavam impacientem enquanto esperavam a que lhes assinasse seus papéis.
-Quem é o primeiro? -perguntou antes de começar a assinar. Quando o fez sem ler-se a fundo o que punha soube que o espírito do Jimmie a observava carrancudo desde algum lugar.
-Quer nos ensinar por onde vão as conduções de gás? -perguntou um operário.
-Onde quer as cavilhas do telefone? -inquiriu outro.
-Onde está a caixa de fusíveis? -perguntou-lhe um terceiro.
-Não tenho nem idéia -respondeu Bailey, olhando para a casa-. Ainda não estive dentro.
Essa confissão os sossegou. Era sua casa, mas ainda não tinha entrado. olharam-se uns aos outros. O que assobiadas estão as mulheres, pareciam dizer-se em silêncio.
-Eu levo aqui vinte minutos e ainda não me faço uma idéia do lugar -disse um homem que se dirigia para ela-. Isto é uma selva de tal calibre que temo que em algum momento vou cair em areias movediças. Venho do Serviço Paisagista Spencer. Disseram-nos que limpássemos, podássemos e segássemos... e temos que fazê-lo tudo em uma jornada. Acabou de mandar a um de meus homens a procurar as serras e a colhedora de seu cunhado. Tem instruções especiais para nós?
Bailey não pôde fazer mais que ficar olhando-o fixamente; não lhe ocorria nada que lhe pedir, tendo em conta que logo que tinha visto o jardim. Negou com a cabeça, mas enquanto ele voltava a afastar-se, recordou.
-Não danifiquem a árvore das amoras.
O homem lhe devolveu o olhar.
-Quer dizer que não posso serrar ao tipo ao que se tragou? -comentou sem sequer incomodar-se em esboçar um sorriso.
-Necessito-o como fertilizante -disse Bailey com o mesmo tom de seriedade-. Não tem que fazer mais que incluir seu velório na conta.
-Farei-o -respondeu o jardineiro, fez uma saudação cômica e se deu a volta. Com um sorriso diante o intercâmbio de brincadeiras, os outros também se foram e Bailey os seguiu para jogar a primeira olhada à casa que Jimmie lhe tinha deixado.
Enquanto atravessava a porta derrubada, por um momento fechou os olhos e elevou uma prece a qualquer anjo da guarda que pudesse estar escutando. Tinha a esperança de que o interior fora muito melhor que o exterior. Mas, com apenas dar uns passos, já imaginou que o anjo da guarda e sua fada madrinha se foram de férias. Estava em meio de uma habitação pequena, escura, sem janelas, sem ar, sem luz, e coberta pelos quatro lados de um horroroso revestimento barato de cor marrom, feito de um material que não era madeira, que não era plástico, que não era nada. Recortada na parede que tinha diante havia uma entrada estreita que conduzia a uma habitação de mais velha tamanho, também coberta desse revestimento escuro, mas este arranhado e amolgado. Não havia janelas ao exterior, mas tinha cinco portas.
Abriu uma com cautela e viu uma habitação larga e estreita, esta também com o mesmo revestimento escuro. Tinha uma janela de alumínio na parte alta de uma parede, mas deixava entrar pouca luz. Voltou para a habitação grande, passou por cima dos cabos de umas aspiradoras ensurdecedoras que tinham conectado os homens da limpeza e abriu outra porta. Era outro dormitório, uma vez mais com janelas muito altas para ver o exterior.
A terceira habitação a conduziu a um quarto de banho azulejado com azulejos de cor lilás e feias florecillas. De fato, cada superfície parecia parte de um mostruário: o teto tinha grandes redemoinhos de falso gesso; por cima dos azulejos as paredes estavam cobertas de um papel floreado, e o estou acostumado a tinha mais azulejos que tinham sido... o que? Trabalhados para que parecessem couro? Não, tinha que ser obra do tempo, porque com toda segurança ninguém tinha desenhado isso.
Quando Bailey fechou a porta desejou que tivesse um ferrolho. Não queria que ninguém visse esse espantoso quarto de banho. Um coração mais fraco que o seu poderia não viver para contá-lo.
A quarta porta da habitação grande conduzia a uma quitinete e alargada. Em cima da pia havia uma ventanita, mas não era suficiente para aliviar a penumbra. Os armários eram velhos, de pouca qualidade, estavam sujos e se desprendiam das paredes por seu próprio peso.
-Não posso fazer nada com eles -disse um homem a suas costas. Era do serviço de limpeza e olhava os armários enquanto falava-. Posso tentar limpá-los, mas não sou carpinteiro.
-Faça o que possa -repôs Bailey.
Logo se dirigiu para a porta que havia no extremo daquela cozinha com forma de galeria. Quando a abriu ficou boquiaberta: de todas as habitações que tinha visto até o momento, esta era a que mais se parecia com o que devia ser uma casa de campo. Em um extremo havia uma janela alta com velhos painéis de madeira e debaixo uma pilha de pedra, colocada sobre uma grosa prancha de madeira com a superfície danificada pelo uso. Umas firmes patas de madeira torneada sustentavam o peso da prancha e debaixo havia jarras de cerâmica e cacharros de cerâmica, dos que se utilizam para fazer escabeches e molhos para guisados. A ambos os lados da habitação havia prateleiras pintadas de branco, cheios de utensílios de cozinha sujos e recubiertos de telarañas. Havia botes velhos para conservas, grandes panelas de porcelana, funis e ganchos para sujeitar bolsas de tecido com queijos frescos. Também havia diversas tenazes e pilhas de panos de cozinha amarelados que albergavam ninhos de aranhas. Mas o que fez que o coração de Bailey quase deixasse de pulsar foi uma caixa de metal amolgada com o rótulo de RECEITAS.
-Quer que atire tudo isto? -perguntou-lhe o homem-. É a única habitação em que há coisas. O resto está vazio. Possamos nos levar tudo ao esgoto, se você quiser.
-Não! -exclamou Bailey, e adicionou com mais calma-: Não, obrigado, deixe-o aí. Limpe, mas não atire nada. Quero conservá-lo tudo, cada um dos potes, das tampas... -estirou-se para tocar a asa de uma jarra Ball. Já não se faziam-. Tudo -disse, olhando ao homem-. Limpe-o, mas deixe-o tudo aqui. -Logo, seguindo um impulso, agarrou a caixa das receitas.
-A suas ordens, meu capitão -disse o homem, sorrindo, para logo soltar uma sorriso enquanto Bailey se apertava para passar pelo estreito espaço entre ambos.
Fora da cozinha havia um serviço que incluía um tanque e um secador de cor verde abacate; logo, uma porta que dava ao exterior. Abriu-a com precaução, segura de que lhe cairia em cima. Quando chiou, soltou o pomo e se cobriu a cabeça, mas a porta não se saiu das dobradiças e ela pôde ver o exterior. A parte posterior da casa parecia albergar uma colônia de homens e máquinas. Uma enorme colhedora de cor verde, parecida com um trator, que um operário conduzia sentado em uma cabine acristalada, cortava a maleza da casa até... bom, pensou, até onde chegue a propriedade. É que não tinha lido na escritura que tinha quatro hectares? Um trabalhador tirava ramos mortos de uma velha macieira, e outro, subido a um arce muito velho, sujeito com largos cintos de segurança cortava lenha morta dos ramos superiores.
"Phillip pensou em tudo", disse-se enquanto fechava a porta ao ruído exterior, mas voltou para os operários, o ruído e as máquinas da habitação central. A quinta porta desta dava a um pequeno vestíbulo com várias portas. Diante havia uma escada e ela viu um raio de luz que se filtrava de acima. A sua direita encontrou um amplo dormitório com quarto de banho incluído. Havia uma ducha separada, além da banheira, e inclusive um habitáculo fechado para o váter. O dormitório tinha um pequeno saliente em uma parede e mais janelas altas de madeira, como a que tinha visto na habitação contigüa à cozinha. Evidentemente era o dormitório principal e ali dormiria ela.
Embora as proporções da habitação e as janelas eram equilibradas, infelizmente todas as paredes tinham aquele horroroso revestimento escuro, e os azulejos e acessórios do quarto de banho também eram feios, a seu entender. A banheira era marrom escuro, o lavabo branco e as duas pilhas da cor do sangue seca.
afastou-se com um calafrio e voltou para vestíbulo, onde encontrou duas habitações mais e um terceiro quarto de banho. Havia também uma série de armários.
Todas as habitações, sem exceção, tinham o falso revestimento de madeira, e os banhos pareciam um mostruário completo dos diversos tipos de azulejado que se podiam aplicar em uma construção. O terceiro quarto de banho era de um falso mármore verde; na base do lavabo havia outro tipo de mármore falso, e até outro mais no chão. Em cima do azulejado havia papel imitação mármore de cor verde ervilha.
-Vai dar algo -disse Bailey enquanto fechava a porta detrás de si.
Respirou fundo e olhou as escadas. "Mais dormitórios?", perguntou-se. Caramba, já tinha contado cinco. Os proprietários anteriores teriam tantos filhos? Ou possivelmente, conhecendo o Jimmie, se este era o lugar em que tinha crescido, sua família devia ter montões de convidados.
Subiu as escadas lentamente até chegar ao desvão, provando cada degrau para assegurar-se de que era resistente. Tão logo esteve ali, voltou a sorrir. Claro está, no telhado havia dois buracos do tamanho de um punho e alguém tinha colocado cubos debaixo para recolher a chuva que entrava, mas sob a sujeira pôde perceber que o lugar era encantador... ao menos, uma parte. Marcada-a inclinação do telhado reduzia a altura das paredes laterais, mas na zona central havia janelas instaladas no telhado que deixavam entrar a luz do sol. Eram altas mas não tanto como para não ver o exterior. Deixou a caixa de receitas no chão, girou um bracelete médio oxidado, abriu e o ar fresco alagou a água-furtada. Como a sujeira do cristal já não impedia o passo da luz, esta entrou em torrentes. girou-se e viu o grande espaço que a rodeava.
No centro havia um corrimão que chegava até a cintura e dava a impressão de que em outros tempos tinha servido para dividir a água-furtada em dois. Alguém tinha serrilhado uma abertura no centro do corrimão e tinha tirado parte dela, mas tinha ficado apoiada em parede mais distante.
As paredes da parte em que ficava a parte superior das escadas tinham sido estucadas e pintadas de branco, enquanto que a outra metade exibia o mesmo revestimento marrom escuro utilizado no piso de abaixo.
-Outro dormitório mais? -disse em voz alta. foi cruzar o espaço aberto no corrimão, mas se deteve depois de olhar o chão. Por alguma razão não lhe inspirava confiança. A parte que tinha detrás estava assoalhada com uma madeira grosa, mas as lâminas de compensado desta parte estavam cravadas. Parecia seguro, mas não quis arriscar-se.
A Bailey não deu tempo de descobrir se o estou acostumado a era ou não seguro porque de repente ouviu três curtos buzinadas. Requeriam-na. Seis semanas atrás tivesse sido "Necessita alguma coisa, senhora Manville?", mas agora era a buzina de um caminhão, pensou enquanto recolhia do chão a caixa das receitas e baixava correndo as escadas.
-Deveria estar contente de não ser chamada a golpe de apito -disse em voz alta enquanto passava por cima de três grossos cabos elétricos, uma caixa de eletricista e um operário da companhia Telefónica que esta convexo, olhando uma tomada.
Enquanto cruzava a porta principal da casa, disse-lhe ao encarregado das Limpezas Viking que não deixasse subir a ninguém ao desvão, porque pensava que era perigoso.
Duas mulheres estavam diante de um dos caminhões.
Ambas eram de estatura média, rondavam a trintena e eram bonitas. Tão parecidas fisicamente que esteve segura de que eram irmãs, mas foram vestidas de forma muito diferente. Alguém tinha o cabelo escuro e levava camisa de algodão, jeans e sapatilhas de esporte. A outra era loira e vestia um traje de ponto, meias, sapatos de salto e tal quantidade de braceletes dourados que Bailey se perguntou como faria para levantar os braços.
-Olá -disse Bailey enquanto ia para elas com a mão estendida em sinal de bem-vinda-. Sou Bailey James. -Agradou-lhe poder pronunciar seu novo nome sem vacilações.
-Sou Janice Nesbitt -disse a mulher do traje e lhe tendeu a mão.
-Ah, sim, da Câmara de comércio -comentou Bailey enquanto se girava para a outra mulher.
-Sim -respondeu Janice, encantada de que Bailey tivesse visto o folheto e a recordasse-. É uma vergonha que ninguém mais tenha vindo a saudá-la -acrescentou.
-Só vocês dois -confirmou Bailey, de uma vez que sorria à segunda.
-Sou Patsy Longacre -se apresentou a outra e lhe deu a mão-. Pensava que ao menos uma pessoa desta cidade se teria deixado cair por aqui, possivelmente inclusive uma da Câmara de comércio.
Bailey olhou ao Janice.
-Pensava que você era da Câmara de comércio -disse com desconcerto.
-Assim é. Sou a presidenta -respondeu Janice com um sorriso. Logo olhou a casa e comentou-: Já vejo que a estão arrumando. Não sabia que a tivessem comprado. Quando o fez?
-Eu... -começou Bailey de uma vez que tratava de encontrar uma mentira rapidamente. Era evidente que não podia dizer a verdade.
-Quando deveu ver a casa para comprá-la? -perguntou Patsy.
Sem saber o que responder, Bailey Miro a uma mulher e logo à outra. Apesar de que estavam muito perto entre si, olhavam em direções opostas.
-Me deram de presente -disse isso Bailey com lentidão-. Uma herança. Sabem de quem era?
-Você não? -respondeu Janice, entrecerrando os olhos.
-De quem a herdou? -interrogou Patsy.
Bailey respirou fundo. Tinha que ter previsto isto com antecipação e planejado uma resposta.
-De meu marido. Sou viúva. Nem sequer sabia que possuísse este lugar até que se leu o testamento. -Já estava; essa era a verdade.
-minha mãe! -exclamou Janice-. Sempre terá que sabê-lo tudo sobre as finanças de um marido!
Bailey abriu a boca para defender-se, mas a fechou. Jimmie tinha três grandes empresas que fiscalizavam suas "finanças". Sorriu.
-eu adoraria lhes oferecer algo para beber, mas... -Assinalou em direção à casa-. Como podem ver, chegaram em um dia muito atarefado. Agora mesmo tenho todo o mobiliário armazenado no estábulo.
-Dá igual -disse Janice, e passou por diante de Bailey em direção ao estábulo. Era evidente que sabia onde estava situado. Levar traje, meias, sapatos de salto e que a maleza não estivesse ainda atalho, não pareceu lhe incomodar absolutamente.
-Eu, bom... -começou a comentar Bailey, mas o deixou e seguiu à mulher. De todas formas, deteve-se e olhou para trás porque a outra, Patsy, não se tinha movido.
-Por favor, venha conosco -lhe disse-. Vamos ao estábulo, supondo. Não é que haja muito sítio para sentar-se, mas...
-Nós? -perguntou Patsy-. Pensei que havia dito que era viúva. Quem vive com você? Tem filhos?
Bailey a olhou. É que tinha o ouvido desligado?
-Não -esclareceu-. Com o nós referia ao Janice. Não me equivoco de nome, verdade? Janice Nesbitt.
-Não a conheço -soltou Patsy enquanto punha-se a andar para o estábulo, para logo girar-se e dizer-: Não vem?
-Claro -respondeu Bailey, com a sensação de que se encontrava no terceiro ato de uma comédia. Mas o que acontecia com essas duas mulheres?
Quando chegou ao estábulo elas já estavam ali, e Janice tinha aberto uma caixa em que se lia "Cozinha".
-Desculpe -disse Bailey com firmeza, enquanto fechava a tampa da caixa, virtualmente nos narizes do Janice-. Como pode ver, não me mudei ainda. Possivelmente fora melhor que vocês...
-Ninguém viveu aqui desde 1968 -atravessou Patsy.
Jimmie teria então nove anos, pensou Bailey. Os nove estavam a grande distancia dos dezesseis, idade em que seus biógrafos começavam a lhe seguir a pista.
-Quem vivia aqui? -perguntou.
As duas lhe dirigiram um olhar de interrogação silenciosa.
-Mas como, você não sabe?
"Não vai ser fácil", pensou Bailey.
-Meu marido era... era bastante mais velha que eu e não gostava de falar de seu passado. Em realidade sei muito pouco de sua infância. Eu gostaria de saber todo aquilo que qualquer de vocês possa me contar sobre este lugar -acrescentou.
-Qualquer de qual de nós? -interveio Patsy-. Me está você desconcertando. Se for viver no Calburn, deve compreender que não há ninguém neste lugar à exceção de você e eu.
Bailey piscou antes de assentir.
-Já vejo. -voltou-se para o Janice e perguntou-: E você e eu estamos sózinhas?
-É obvio. Se se excetuar aos ratos e a todo aquilo que esteja vivo neste estábulo. Porque lhe posso assegurar que não tenho nem idéia. Estou mais longe de ser granjeira que ninguém nesta terra.
Patsy soprou, burlando-se dela, e Bailey viu como um vermelho de ira se elevava do pescoço do Janice, enquanto as mãos, sob os braceletes, fechavam-se em punhos apertados. Parecia que o fato de que Janice soubesse ou não sobre a vida no campo era um tema sensível.
-Eu tampouco sei nada sobre a vida dos granjeiros -disse Bailey em voz baixa.
-Então por que vem você a viver ao Calburn? -perguntou Patsy.
A Bailey não tinha sentado nada bem a forma em que esta tinha ferido os sentimentos do Janice.
-Quer dizer, em vez de vender este lugar por muitos milhões e me mudar ao sul da França? -respondeu.
Esta vez o turno das risadas tocou ao Janice.
-Não te falta a língua, verdade? -disse Patsy, surpreendida.
-Tampouco você está mal servida, mas devo te advertir que eu não gosto dos suscetíveis.
-O safado -disse Patsy, e sorriu a Bailey.
-Então o que planeja fazer com sua vida, se é que me está permitido perguntar? -inquiriu Janice, aproveitando o tuteo-. Ou é que seu marido te deixou rica?
Bailey não podia acreditar. Era possível que todos os habitantes do Virginia fizessem perguntas pessoais dez minutos depois de conhecer alguém?
-Para falar a verdade, ainda não sei o que vou fazer. Meu marido me deixou esta granja e um pouco de dinheiro, mas não o suficiente como para o resto da vida. Supondo que terei que procurar um trabalho. Sabem do algum?
Janice a olhou de cima abaixo.
-Não parece ser da classe que procuram trabalho nos supermercados -comentou-. O que foi antes de te casar?
-Adolescente -respondeu Bailey.
-Eu tenho dois -interveio Patsy-, mas são meninos e trabalham para seu tio. Não saberá nada de carpintaria, verdade?
-Oxalá soubesse. A casa cai a pedaços. Há buracos no telhado e não creio que o chão do desvão seja seguro. Também eu gostaria de atirar paredes para converter alguns dormitórios em outra coisa. Da forma em que está agora, poderia abrir uma pensão.
Ao Janice de repente lhe iluminaram os olhos
-O que precisa é te voltar para casar -comentou.
Bailey se pôs-se a rir.
-Não acredito. Estava louca por meu marido e não creio que seja capaz de...
-Certamente, não há muitos solteiros atrativos no Calburn -continuou Janice como se Bailey não tivesse falado.
-Não quero voltar a me casar -disse esta, enfática. É obvio a idéia do matrimônio não tinha cruzado sua mente; mas, sobre tudo, não gostava dos roteiros que estava tomando a conversação com aquelas mulheres tão estranhas.
-Vamos à casa -disse-. Lhes mostrarei os quartos de banho. -A visão dessas habitações lhes faria esquecer seus esforços casamenteiros.
dirigiu-se para a porta do estábulo, mas como nenhuma das mulheres se moveu, voltou-se a ver o que acontecia. Janice lhe lançou um olhar penetrante, mas Patsy tinha a vista levantada, como se tratasse de recordar algo.
-Nesta ocasião necessita um homem mais jovem, alguém que te seja útil aqui -disse Janice, enfatizando a palavra útil-. Eu poderia te ajudar.
-Eu não... -começou Bailey.
-Isso! Acabou de ter uma idéia brilhante Deveria voltar a te casar!-interrompeu Patsy de repente.
---É o que acaba de dizer Janice! -repôs Bailey com se desesperaram---. É que não a ouviste? Está aí de pé a três passos de ti.
Patsy não acusou o golpe mais que com uma leve piscada.
---Precisa voltar a te casar, e é mais, precisa te casar com meu cunhado Matthew -acrescentou.
Bailey lhes lançou um olhar severo. Que colocassem os narizes em sua vida era uma coisa, mas que pretendessem casá-la pelas boas era inconcebível.
-São muito amáveis -disse com firmeza-, e estou segura de que seu cunhado é um homem encantador, mas não creio que...
Patsy respondeu como se Bailey não tivesse falado.
-É um grande tipo, mas esteve casado com uma verdadeira fulana. Assim que lhe tirou um pouco de dinheiro ao Matt, foi com outro. por que razão teria que deixar a um homem maravilhoso como o irmão de meu marido, não sei, mas ela o perdeu. Assim agora ele leva vivendo em minha casa seis largos meses. por que não lhe faz uma llamadita e lhe pede que te leve a jantar esta noite? -Enquanto acabava de falar tirou um telefone móvel.
-Basta já! -gritou Bailey, e as duas mulheres ficaram olhando-a fixamente-. enviuvei muito recentemente e necessito um pouco de tempo -acrescentou em tom mais baixo-. Não quero me enredar com ninguém agora mesmo. Não é que não tenha pensado nisso, mas imagine... bom... estar com outro homem. Seguro que vocês me entendem.
As duas a olharam assombradas, em silêncio.
-Vale, de acordo -disse Patsy ao fim-. O que te parece um jantar na quarta-feira que vem?
Bailey tomou ar, soltou-o lentamente e contou até dez. Não ia deixar que essas duas mulheres tão estranhas a enredassem.
-Quando hei dito que necessito tempo, queria dizer... -começou.
-O que necessita este lugar é um empreiteiro de obras -voltou a intervir Janice, interrompendo-a uma vez mais.
"Bem -pensou Bailey-, isto é incrível." Sorriu.
-Tenho o cartão de visita de um homem que faz porcarias -comentou.
-Walter Quincey? -perguntou Janice com desprezo-. Se levará seu dinheiro e não verá nunca nenhum trabalho acabado. É o homem mais preguiçoso que possa te encontrar em dois condados a volta. Não, necessita um construtor de verdade, alguém que saiba o que está fazendo.
Patsy se passeava pelo estábulo e olhava. Bailey esperava não havê-la ferido ao desprezar a seu cunhado com tanta aspereza, mas queria deixar as coisas claras.
E então Patsy a olhou.
-Havia-te dito que meu cunhado é empreiteiro de obras?
Bailey se viu diante um súbito dilema. Não queria animar a essa mulher nem a seu cunhado casado com a fulana, mas a imagem daqueles armaritos que penduravam precariamente das paredes da cozinha lhe passou pela cabeça. ouviu-se perguntar:
-Seu cunhado é empreiteiro de obras?
-Mais ou menos. É arquiteto, mas também pode construir.
-É bom? -disse enquanto via como eram jogados pela janela os azulejos verdes do quarto de banho e saíam voando os escuros revestimentos das paredes.
-Estava acostumado a construir arranha-céu em Dallas.
-É caro? Eu não tenho muito dinheiro.
-Bom, querida, já sabemos -disse Patsy, fazendo-a piscar-. Toda a cidade fala de como um tal Phillip te paga tudo isto.
Bailey compreendeu que as duas esperavam que dissesse quem era Phillip; Mas ela não queria lhes revelar nada.
-É o advogado de meu marido -cedeu ao fim com um suspiro.
-Mas se está arruinada chegaste a um bom lugar -contínuo Patsy-. No Calburn não há nada muito caro, porque ninguém poderia pagá-lo. Claro está, se se excetuar a certas pessoas -particularizou enquanto dirigia o olhar para o Janice.
-Certas pessoas... -repetiu Janice, sem olhar ao Patsy mas reconhecendo ao fim sua existência.
"E agora o que? -pensou Bailey-. Uma briga de gatos? -Levantou a vista ao teto-. No que me colocaste, James Manville!", recriminou-lhe em silêncio.
-De acordo -disse-. Me casarei com ele se acerta esta casa. Ou só quer sexo? Ou as dois coisas?
As duas mulheres a olharam boquiabertas de forma tão idêntica que Bailey teve a confirmação de que eram parentes.
Patsy foi primeira em recuperar-se.
-O sexo não lhe viria nada mal -disse sem rastro de sorriso-, mas começa por ter sexo com um homem do Calburn, e terá arruinado o resto da relação. Meu conselho é que ofereça lhe pagar a metade do que te peça e te abstenha do sexo -particularizou, enquanto marcava uns números em seu móvel, para acrescentar a seguir-: Segundo minha experiência, funcionam muito melhor as insinuações que a coisa em si. Por exemplo, quando lhe pedir que te limpe a fossa séptica, ponha uns shorts bem curtos.
Bailey sorriu. "depois de tudo, possamos chegar a nos entender", pensou. Então ouviu o Patsy dizer ao telefone:
-Matt, tenho um trabalho para ti.
E o sorriso lhe alargou.
5
Quando Bailey despertou a manhã seguinte, sua primeira sensação foi de temor, um temor antigo, porque esta vez sim recordava onde estava. Sua cama tinha sido transladada do estábulo ao dormitório e estava rodeada aquele revestimento escuro que fazia que as paredes lhe jogassem em cima. A luz entrava pelas janelas nuas, mas só servia para mostrar a fealdade da habitação.
A noite anterior estava tão cansada que tinha cansado rendida na cama, quase sem lembrar-se de ficar a camisola. Mas não tinha dormido bem; seus sonhos se povoaram das lembranças do Jimmie. Nos dezesseis anos de convivência não tinham estado tanto tempo separados como agora. Se ia a algum sítio interessante a levava com ele. "Ouça, Sardas -lhe havia dito em uma ocasião-. Você gostaria de ver as tartarugas dessas ilhas?" Ela teve que pensar um momento de que lugar lhe falava. "As Cágados?" Disse, e Jimmie lhe lançou um sorriso. Não tinha feito mais que acabar a secundária quando o conheceu, mas após tinha lido um montão e lhe gostavam de seus conhecimentos. "Claro", confirmou, orgulhoso. "Quando partimos?" "Em meia hora." "Tanto falta?", disse ela e os dois puseram-se a rir.
Agora Bailey se esfregava os olhos, que tinham começado a empanar-se. Jimmie não estava aí e não voltaria a estar.
levantou-se devagar da cama e foi ao quarto de banho. Ao dos colorines. Quando viu no espelho sua cara nova, sobressaltou-se. Tinha vivido trinta e dois anos com um grande nariz torcido e tinha sido gordinha toda sua vida. Era desconcertante ver alguém tão diferente.
---E agora o que faço? -perguntou-se em voz alta, enquanto se metia na ducha.
Ontem lhes tinha perguntado a aquelas mulheres se sabiam de algum trabalho, mas Bailey intuía que deveria resolvê-lo sozinha. O que sabia fazer? Como faria para conseguir um trabalho? Não tinha aprendido a escrever a máquina e era possivelmente a única pessoa dos Estados Unidos de menos de oitenta anos que não sabia utilizar um computador. "Para que vais perder o tempo? -havia-lhe dito Jimmie-. Posso contratar pessoas que o façam por ti."
Em realidade, não tinha experiência em nada. Bom, em nada exceto em ser esposa.
Fechou o grifo da ducha e se secou com uma toalha nova e áspera, que ainda não tinha tido oportunidade de lavar. Tirou umas calças dos que lhe tinha comprado Carol e os pôs. Possivelmente pudesse chamar o Phillip, pensou, mas desprezou a idéia imediatamente. Temia que se o chamava, o seguinte passo fora acudir a Atlanta e Ray para lhes implorar dinheiro.
Respirou fundo, abriu a porta do dormitório, cruzou o vestíbulo e entrou na sala de estar. No dia anterior, Phillip tinha enviado a última hora uns homens fornidos que abriram todas as caixas e cestos do estábulo e colocaram toda a mudança dentro da casa, seguindo as indicações de Bailey. Agora tratou de não olhar as paredes escuras e sem janelas, a não ser os móveis. Tinha-os eleito em umas condições tremendas e uma semana depois não podia nem recordar o que tinha comprado, mas agora que os via se sentia satisfeita.
Entre eles havia dois sofás com grandes peonías vermelhas, parras douradas e folhas verdes estampadas na tapeçaria, além de duas cadeiras de aspecto cômodo, estofas em um tom dourado escuro. No centro se via uma mesinha de café. No extremo da habitação havia uma grande mesa de sala de jantar sobre um tapete oriental vermelho, rodeada de oito cadeiras Windsor azul escuro. Contra a parede se encontrava uma caixa cheia de cortinas de tartán negro e vermelho. As moços da mudança não tinham sabido pendurar as cortinas e, além disso, não havia suficientes janelas para todas.
Contudo, apesar do agradável do mobiliário, a habitação não resultava acolhedora. Como alguém quereria permanecer em uma habitação tão escura como essa?
Bailey se dirigiu à cozinha. Ontem os homens tinham estado maravilhosos. Fizeram todo o possível para que a cozinha pudesse utilizar-se, mas não o tinham conseguido de tudo. Um eletricista e um encanador haviam dito que deixar os armários pendurados da parede era perigoso e baixaram; alguns. Quando os da mudança transportaram em um carro a cozinha gigante, uma Thermador de um metro e médio, não havia sítio onde pô-la. Um dos jardineiros resolveu o problema com a serra mecânica, cortando a parte inferior dos armários. O eletricista conectou o tubo gás. Fez falta serrar mais armários para poder colocar a geladeira de dobro porta Sub-Zero, bastante mais alta que as habituais. Tinham instalado a pilha de porcelana com a encimera no outro lado da cozinha. "Atiramos um destes quando reabilitamos a cozinha de minha avó", disse um dos homens, enquanto o colocavam em seu sítio. além de todo isso, o encanador instalou a lava-louça Mele que ela tinha comprado.
Assim, olhando agora à cozinha, Bailey suspirou. Era um asco.
O que ficava dos armários da fileira inferior acabava em uns lados toscos e estilhaçados, e na parte superior, onde tinham estado os que tiraram, via-se pintura de muitas cores. A cozinha a tinha comprado com o Phillip, e o que Carol e ela encarregaram mais tarde deveu colocar-se na despensa do lado. Mesmo assim, não ficava sítio nem para deixar uma colher.
Ao abrir a geladeira viu que da comida que tinham deixado os vizinhos do Calburn não ficava mais que uma asa pega a carcasa de um frango. Um a um, os operários tinham ido servindo-se.
Bailey encontrou um tigela de porcelana na despensa, encheu-o água do grifo, agarrou a asa e saiu.
depois de que Patsy Longacre chamasse a seu cunhado, aquela mulher se partiram, e Bailey sacudiu a cabeça com assombro quando viu que subiam ao mesmo carro, um velho Mercedes. disse-se que não sentiria saudades de que falassem entre si quando estavam a sós. Voltou para a casa e tratou de descobrir onde quereria colocar cada coisa. Durante o resto do tinha estado tão ocupada que não tinha tido tempo nem de olhar por janela.
assim, quando agora abriu a porta traseira se encontrou com toda uma revelação. Dois dias antes, tudo o que tinha podido ver era maleza. Tinha seguido um atalho até a grosa amoreira, mas mais à frente não se podia ver nada. Agora, diante dela havia um jardim. Um verdadeiro jardim. Não era só a idéia norte-americana do jardim traseiro, com grama rodeada por uns quantos arbustos e plantações básicas. Não, este era um de que tivesse estado orgulhoso Jasper, o velho jardineiro chefe do Jimmie que fiscalizava todas suas casas.
E o mais importante, era o jardim com que Bailey sempre tinha sonhado. Não contava com grandes espaços paisagísticos, nada de prados suficientemente grandes para que aterrissasse um helicóptero. Não, não havia nada grandioso nesse lugar, só árvores, floresça E... intimidade, pensou; pela forma em que estavam dispostos as árvores, não se podia ver mais à frente.
Deixou o tigela vazio e o osso de frango e, depois de cruzar a terraço ladrilhada, seguiu pelo atalho de pedras até as árvores. Uma vez limpa de maleza e escombros, a amoreira aparecia em sua totalidade, imensa, magnífica, régia. Bailey sorriu e lhe disse: "bom dia." Logo seguiu o atalho para ver aonde conduzia.
À direita, em uma zona não muito grande sem cercar, em que os jardineiros tinham utilizado um motocultor, via-se uma muito boa terra negra à espera de ser semeada. Os anos em aro tinham renovado o que evidentemente em outra época tinha sido um horta.
Mais à frente do horta se encontrou com uma extensão de árvores frutíferas que anos atrás tinham sido podados em forma de copo. Isto significava que, embora eram frutíferos de pleno tamanho e estavam carregados de fruta, nunca cresceriam muito; os ramos inferiores estavam só a uns sessenta centímetros do chão. Um menino podia chegar a mais velha parte da fruta.
Como as árvores tinham estado muito tempo abandonados e não tinham sido convenientemente podados até no dia anterior, Bailey duvidava que fossem produzir fruta esse ano. Havia muitos espaços vazios nas fileiras regulares de árvores, e pó de serrín lá onde os jardineiros tinham tido que cortar as árvores secas.
Mais à frente do espaço dos frutíferos, o atalho descrevia uma curva pronunciada à esquerda. Bailey o seguiu e ao rodear um maciço de vivazes conteve o fôlego. Diante ela viu um pequeno lago e na colina de em frente um arroio caía em cascata, entre pedras estrategicamente colocadas para dar a impressão de que a natureza as tinha situado ali. Seguiu avançando sem pressas, enquanto olhava com assombro o lago, rodeado de juncos, e logo subiu pelo atalho que seguia o curso do arroio.
Na parte alta da colina, o atalho atravessava o arroio de águas pouco profundas graças a grandes pedras e, ao outro lado, à sombra de uma enorme nogueira, havia um amplo banco de ferro, deteriorado pelo passo dos anos. Estava colocado sobre ladrilhos, misturadas com tomilho aveludado.
Bailey continuou passeando lentamente porque queria ver mais. No topo da colina havia outro lago, este rodeado de pedras. Os jardineiros tinham limpo o interior e, ao olhar com atenção, viu que na superfície tinham colocado uma bomba para gerar a cascata.
Mais à frente do lago, o caminho voltava a girar à esquerda, e baixando a colina pôde ver a casa entre as árvores; tinha o estábulo a sua direita. Mas aí, recôndito, havia um prado que parecia o lugar perfeito paral partido de criquet. Ou para que os meninos jogassem futebol, pensou fugazmente. Na zona mais afastada do prado havia arbustos e uma cerca de madeira com tablones talheres de trepadeiras que se teriam cansado de não haver postes de aço, sujeitos em bases de cimento. Quando cruzou o prado para examinar os arbustos e trepadeiras, sorriu. Os arbustos eram groselheiras negras e vermelhas, e as trepadeiras, amoras.
Uma vez passado o prado havia um grande dunas à beira mar, justo diante do estábulo, que os jardineiros tinham trabalhado a fundo. Tinham tirado as más ervas e aparecia a terra nua. De tanto em tanto surgia um caule com as folhas dentadas que caracterizam às novelo da framboesa; fileiras e fileiras de framboeseiras.
Ao final do dunas à beira mar das framboeseiras, o atalho se bifurcava e Bailey viu que um deles serpenteava através das árvores, para voltar logo para a casa, mas não sabia aonde conduzia o outro porque desaparecia em uma zona densamente boscosa. Escolheu este último. Ao entrar no bosque sentiu a maravilha do silêncio e a escura frescura do lugar. Era como se se encontrasse em um sítio virgem; ninguém no curso da história tinha estado ali. Sorriu diante sua fantasia. Um atalho feito pelos jardineiros conduzia a um pequeno banco de pedra, quase escondido por duas grandes árvores.
O atalho se desviava bruscamente à direita e Bailey se deteve diante a visão de um claro no que havia um fossa para fazer fogos. Era um buraco de um metro de diâmetro escavado e, a seu redor, pedras encementadas. Dentro ficavam restos de troncos, queimados anos atrás. Não havia assentos ao redor do poço, mas crescia hera inglesa que adoçava e dava uma cobertura baixa. As árvores rodeavam a zona, mas diretamente de frente se podia ver o sol, de forma que se se acendia um fogo de noite, a fumaça sairia na direção do claro. girou-se e voltou a sentir a placidez que oferecia esse rincão recôndito. Era como se pudesse escutar conversações, cheirar a fumaça e inclusive sentir a calidez do fogo.
Esboçou um sorriso que conservou enquanto retrocedia o atalho, atravessava o bosque e à luz do sol passava por diante do estábulo e se dirigia para a casa.
Tão logo divisou a fachada do edifício, abandonou-a o bom humor. Como podia ser que um lugar tão formoso rodeasse uma casa tão feia? imaginou a uma pessoa que estivesse sempre diante da casa, e a outra que se ocupasse só do jardim. "Espero que não estivessem casados", disse-se enquanto abria a porta. Pensou que duas pessoas com vivencias tão opostas nunca poderiam chegar a levar-se bem.
Uma vez dentro da casa, o único que gostava de realmente era sair dela, mas tinha que resolver o que fazer com sua vida. Esse pensamento a fez rir. "Qualquer diria que se trata de um culebrón", concluiu, e foi ao dormitório a procurar a bolsa. O primeiro é o primeiro. Precisava comprar mantimentos. Depois já pensaria o que vinha a seguir. Como Jimmie havia dito muitas vezes: "Sempre sei quando Lil está chateada por algo, porque se dirige à cozinha mais próxima."
ficou ao volante do carro que Phillip lhe tinha comprado e respirou fundo. Tinha conduzido poucas vezes e o fato de que tivesse carnê era a prova definitiva de sua tenacidade. Jimmie não estava acostumado a discutir por algo que ela desejasse, mas tinha discutido com ela pelas classes de conduzir. Ao princípio ela se mostrou pormenorizada, porque pensava que possivelmente lhe preocupasse o fato de que se sabia conduzir fora a abandoná-lo, mas se zangou quando uma vez passadas semanas ele não se aplacava. Sabia que ao Jimmie não afetava a quantidade de ira que pudesse acumular em sua vida trabalhista, mas também sabia que detestava que houvesse problemas entre eles. Assim que olhou aos olhos e lhe disse: "Não voltarei a te falar até que permita que alguém me ensine a conduzir um carro. Sou toda uma mulher, James Manville. Não pode me manter toda a vida como se fora uma menina." Foi uma das poucas vezes em que viu o Jimmie verdadeiramente zangado com ela e isso quase a fez retratar-se. Mas não se rendeu.
Demorou escassos três dias de pescoço estirado e olhadas distantes em contratar a um tipo que lhe ensinasse a conduzir; era um sapo horrível. O dia que recebeu o carnê, Jimmie lhe deu as chaves de um pequeno BMW amarelo, muito bonito. Que ela só o conduzisse umas poucas vezes não pareceu lhes importar a nenhum dos dois. Ela tinha recebido o conhecimento que necessitava, e isso era o que de verdade importava.
Daquilo fazia alguns anos. Agora Bailey se perguntou se seria capaz de recordar como se conduzia. Com precaução, deu lentamente parte atrás pelo caminho de entrada à casa e até a estrada de cascalho. A ambos os lados da estrada havia árvores, não casa, e ao cabo de uns quatrocentos metros chegava o asfalto. Sabia que à esquerda estava o caminho que tinha feito com o Phillip, assim enfiando à direita chegaria ao Calburn.
Três horas mais tarde Bailey tomava de novo o caminho de entrada à casa, com o carro carregado de comestíveis. A parte posterior estava cheia de bolsas de plástico que chegavam até o teto. No chão, sob os assentos traseiros, havia caixas de morangos comprados em um posto da estrada. E no assento e o chão dianteiro descansavam mais mantimentos em bolsas repletas.
Bailey tinha desenhada um sorriso. Tinha tido uma idéia que possivelmente responderia à pergunta do que podia fazer com sua vida.
6
Matthew Longacre estacionou a caminhonete sob uma árvore e olhou a hora no relógio do estofado. As seis e meia. Tinha atrasado a visita tudo o que tinha podido. A noite anterior Patsy lhe tinha seguido a todas partes lhe repetindo que tinha que conhecer "a viúva".
-É bonita, agradável e jovem. Que mais poderia desejar? -disse, de pé a seu lado, enquanto lhe servia no prato uma generosa porção de bolo "surpresa" de carne. A surpresa era que não havia quem o comesse.
-Foram ali Janice e você? -perguntou Rick a sua mulher enquanto escavava no ditoso bolo, feito com um pacote de purê de batatas em pó e feijões verdes fervidos durante tanto tempo que já não ficava nem a cor.
-Fui eu sozinha -disse Patsy com o queixo levantado, e apertou a boca nessa linha de desafio que sua família conhecia tão bem.
-OH, não! -exclamou um de seus filhos gêmeos, um fornido muchachote de um metro oitenta-. Temos briga em porta.
-Cinqüenta por mamãe -disse John.
-Vinte e cinco por papai -apostou Joe.
-Né, vós dois! Se quiserem sobremesa, basta com isso -advertiu Patsy, Para voltar a olhar a seu cunhado e fingir ignorância diante os gestos de apostas que continuavam fazendo seus filhos.
-Patsy -disse Rick-, o que vai pensar essa mulher da gente do Calburn se forem ali Janice e você e nem sequer lhes falam a uma à outra?
-Não tenho nem idéia da que te refere -respondeu Patsy com os olho postos ainda no Matt, quem ainda revolvia o bolo de carne com o garfo, e acrescentou-: Não estamos falando de mim. A senhora James necessita um empreiteiro e você, Matt, é-o. Hei-lhe dito que aceitará o trabalho.
Matt não levantou a vista. Sabia que sua vida estava em mãos de sua cunhada. Estava vivendo em sua casa, e portanto a mercê dela. E sabia que lhe insistia com a viúva por outra razão que pela de fazer de casamenteira Queria tirar-lhe de cima.
-Matthew, estou falando contigo -disse Patsy no mesmo tom que utilizava com os outros três homens de sua vida-. vais fazer me é pequeno favor ou não?
-O que lhe há dito sobre mim? -resmungou, dando a entender que tinha a boca enche.
-Que não te oferecesse nada de sexo. -Os quatro varões deixaram de comer de repente e a olharam. Uma vez conseguiu captar a atenção de todos, acrescentou-: Vai ou não?
-Com essa condição trabalhista já estabelecida... -começou Joe, mas olhar de sua mãe o paralisou.
-Irei, mas não esta noite. Hoje tenho que... -Não lhe ocorria nada.
-Ver o Buffy? -sugeriu John, evidenciando o prazer que produzia aos dois meninos o desconforto de seu tio. Esse verão estavam trabalhando com ele na construção e tinham pensado que o deixariam fácil. O que não sabiam era que tio Matt em casa e Matt, o chefe, eram duas pessoas diferentes. inteiraram-se rapidamente do primeiro dia, quando voltaram para trabalho lentamente depois de uma comida que lhes tinha levado duas horas.
-De todas formas, o que pensa fazer com a granja do velho Hanley -perguntou Rick para distrair a sua mulher e desse modo salvar a seu irmão mais velha?
-Como ela mesma há dito, viver aí -repôs Patsy enquanto se dirigia de novo à cozinha para abrir o forno-. Não creio que seu marido tenha deixado muito dinheiro; é evidente que não o suficiente para viver sem trabalhar. Mas o advogado de seu marido lhe pagou muitas coisas. Alguém quer mais bolo de carne?
Matt esteve a ponto de pedir mais.
-E por que lhe compra coisas o advogado? -interessou-se Joe-. É tem um cilindro com ele?
---Richard Longacre! -exclamou Patsy-. Tem que fazer algo com seus filhos. A forma em que falam é um desastre.
-Venha, Pats -disse Rick, rodeando com o braço a fina cintura de sua mulher---. Já não são meninos. -Lançou a seu irmão um olhar de soslaio de que podia abandonar a mesa e economizar o interrogatório.
Todo isso tinha ocorrido a noite anterior e Matt tinha vivido todo o dia de hoje com o temor ao encontro. Tinha estado trabalhando com seus sobrinhos a uns cinqüenta quilômetros de distância, na transformação de uma garagem em habitação de convidados, assim que se economizou o ter que estar ouvindo falar da mulher que ocupava todas as conversações do Calburn. Ao retornar do trabalho, tinha beijado a bochecha do Patsy com precipitação, murmurando algo sobre um cliente ao que tinha que visitar, e se tinha ido a um restaurante barato do Calburn, onde lhe serviram um hambúrguer transbordante de graxa.
-ouvi que está forrada -havia dito Ruth Ann, a garçonete, enquanto lhe servia uma taça de café. Não falava com o Matt, a não ser com um casal de paroquianos que estavam falando sobre as intrigas da granja do velho Hanley.
-Tem que ser rica para pagar a todos esses homens. Mas por que gastar-se seu dinheiro no Calburn? por que não se foi a outro lugar, algum sítio mais próximo à civilização? -perguntou Mark Underwood. Mark se iria à universidade em outono e não via o momento de partir do Calburn para não retornar.
Os outros paroquianos ignoraram a pergunta.
-Sabe o que penso? -disse Opal, a do Salão de beleza Opal-. Creio que anda detrás de algo. Creio que tenta abrir um desses... como se chamam? Isso onde a gente passa a noite e lhe dão o café da manhã?
Matt olhou sua taça para ver como estava o café hoje; se tinha cor de água suja ou de azeite de motor. Uma vez, em um intento de fazer uma piada tinha sugerido a Ruth Ann que se mesclava as dois coisas talvez lhe sairia um café decente. Lhe respondeu que se não gostava do café do Calburn, que voltasse com sua presumida ex-mulher e lhe pedisse que o fizesse ela. Matt suspirou. Em uma pequena cidade não se podia ter segredos.
Enquanto examinava o conteúdo de sua taça, deu-se conta do silêncio que lhe rodeava. Levantou a vista e viu que todo mundo o olhava à espera de que desse sua opinião. Graças ao Patsy era considerado como o perito da grande cidade.
-Turismo rural -disse-. Se chama alojamento em casa rural.
-uma espécie de restaurante barato com um motel acrescentado, não é assim? -interveio Ruth Ann-. assim, ela pensa que nesta cidade há lugar para dois sítios de comidas?
Matt se levantou, deixou um bilhete de cinco dólares na mesa e se dirigi para a porta.
-Ruth Ann, não creio que deva preocupar-se. Seu negócio é único. Ninguém poderia te suplantar -comentou antes de sair.
E dedicou um grande sorriso a todos os paroquianos, que o olhava com o interrogante gravado no rosto de se o que acabava de dizer era bom ou mau. Saiu à rua.
Divertido e com a sensação de que ao menos tinha tido a oportunidade de ressarcir-se em algo pela má qualidade desse café, Matt foi para a caminhonete, uma espaçosa Chevrolet azul marinho.
-E agora a casa da viúva -disse em voz alta.
Arrancou o motor, saiu marcha atrás do estacionamento e se dirigiu para o Owl Creek Road e de ali à granja do velho Hanley.
E aí estava agora. Já não podia adiá-lo mais. Saiu devagar do veículo e caminhou para a casa. Conhecia-a bem, assim como seu terreno. Quando eram meninos, Rick e ele foram com suas bicicletas riacho acima, para abrir-se passo logo entre a maleza e chegar às árvores, que ainda davam muita fruta. Durante três verões tiveram um posto junto à estrada com o produto do que surrupiavam na granja abandonada. Mas não tiveram muita sorte com a venda; todos os granjeiros do Calburn tinham seu próprio colocado junto à estrada.
Matt olhou ao redor enquanto percorria o atalho. Teve que admiti que se feito um montão de trabalho em um curto lapso de tempo. Não podia deixar de girar-se em redondo para ver as mudanças. Assobiou com admiração. Alguém tinha pago uma fortuna por tudo isso. De fato, teria tido que pagar o dobro ou o triplo para que as empresas enviassem a seus operários a realizar todo o trabalho em um só dia.
"Dinheiro e influência", pensou. que tinha pago possuía as dois coisas.
Subiu os estreitos degraus que conduziam à porta da casa e levantou a mão para a aldrava, mas a porta se abriu diante seu roce. Conhecia muito bem a distribuição da casa; fazia anos Rick e ele tinha forçado uma janela da cozinha e jogavam dentro com freqüência. Às vezes também ia ali a passar um momento sozinho. Mas um dia se encontrou com que tinham reparado a janela e não pôde engenhar-lhe para entrar. Contou a sua mãe que alguém tinha feito algumas reparações na granja do velho Hanley, mas ela não tinha tempo para pensar nessas coisas.
----Olá? -saudou enquanto entrava-. Há alguém na casa?
Quando avançou para a sala de estar, seus olhos se abriram de par em par. Sempre tinha visto a casa em um estado terrível de sujeira e abandono. Surpreendeu-lhe vê-la poda e mobiliada. E ainda mais, gostou do mobiliário. A maioria dos habitantes do Calburn comprava os móveis com desconto no armazém e além disso compravam "jogos"; móveis a jogo para toda a habitação.
-Agradável -sussurrou, enquanto passava o dedo por cima da tapeçaria do sofá.
Foi então quando notou aroma de comida cozinhando-se, e isso quase fez que lhe dobrassem os joelhos. Ultimamente Matt tinha descoberto que o ter estado longe de sua cidade natal durante tantos anos lhe tinha voltado mais exigente. Já não gostava das comidas pre, como os hambúrgueres precocinadas ou o atum precongelado. Patsy lhe disse que se converteu em um presunçoso e possivelmente, no referente à comida, tinha razão.
-Ah, olá -respondeu uma mulher enquanto entrava na sala pela porta que dava à cozinha. Sim que era bonita, pensou. Era pequena, curvilínea e levava calças claras, sapatilhas de tênis (verdadeiras sapatilhas de tênis, não essas volumosas e chillonas para correr), uma camiseta que não parecia ter nenhuma lenda e um avental branco salpicado de manchas de comida-. Você deve ser o empreiteiro -disse, assinalando-o com uma colher de madeira-. Lhe importaria provar isto? Tenho-o feito tantas vezes que já não sei se estiver bem ou não.
Na colher havia uma gelatina amarelada que Matt não estava seguro de querer provar, mas a tentação de uma mulher bonita ao outro lado da colher se impôs. Não pôde evitar lhe lançar um olhar lhe dando a entender que estava à corrente de que sua cunhada e ela tinham estado conversando sobre ele e o sexo. Mas quando sua língua entrou em contato com a substância da colher se esqueceu de todo o resto.
-O que é isto? -perguntou, agarrando a colher e chupando-a como se fora um menino.
-Geléia de maçã com gengibre -respondeu ela, e se dirigiu de volta à cozinha.
Matt a seguiu como atraído por um ímã. A visão da cozinha lhe fez abrir os olhos de par em par...
-Vale -disse ela, levantando a vista da panela que removia-. É horrível, verdade?
Ele piscou um par de vezes enquanto olhava extasiado o lugar. A parede tinha buracos, lá onde tinham estado pendurados os armários que alguém tinha arrancado. E os inferiores pareciam cortados com...
-Uma serra mecânica? -perguntou.
-Os jardineiros -disse ela e removeu em outra panela. A grande cozinha verdadeiramente profissional, tinha seis queimadores e em cada um havia um recipiente no que fervia algo. Ele se aproximou e notou o aroma de canela, a prego... Como se se tratasse de um personagem de desenhos animados que seguisse o atalho marcado por seu nariz, deixou-se levar para as grandes panelas.
-O que está cozinhando? -perguntou, em um intento de parecer simplesmente educado e não desesperado.
-É muito, verdade? -respondeu ela com um suspiro-. Sempre o faço. Quando tenho um problema, cozinho.
-E este era grande ou pequeno? -Havia algo vermelho em uma frigideira.
-Grande. Isto é só a metade do que comprei hoje. Há-me passado uma coisa curiosa. Eu... -Deixou de falar e levantou a vista para ele---. Desculpe, estou sendo uma mal educada. Meu nome é Bailey James. -limpou-se as mãos no avental e lhe tendeu uma.
-Matthew Longacre -disse ele, estreitando-lhe Mas olhou além de Bailey, para a frigideira que continha algo vermelho.
-Tem fome? -perguntou-lhe ela-. preparei o jantar, mas não tive tempo de tomá-la. Possivelmente queira compartilhá-la...
Matt apartou os olhos e o nariz da comida e a olhou. Era um truque? perguntou-se. Tinha-lhe comentado Patsy que ia vir e que cozinhasse algo para atrai-lo?
-Depende do que tenha -disse com um tom da mim a comida me dá no mesmo". depois de tudo, já tinha jantado um hambúrguer "especial" no restaurante da Ruth Ann.
-Pombinhos. Os comprei a um homem na estrada.
-O velho Shelby -disse Matt, olhando-a com os olhos como pratos. Esse velho granjeiro, intratável, criava-os para vender-lhe a um restaurante de luxo do Distrito de Columbia. Por isso Matt sabia, ninguém do Calburn se animou a cozinhá-los.
-Sim, chamava-se assim. Um homem encantador, e muito serviçal.
---Shelby -repetiu Matt. Esse homem miúdo perseguia com uma escopeta carregada a quem pisava sua propriedade.
---Gosta dos pombinhos? Não é você vegetariano, verdade?
---Isso depende do que Patsy ponha no bolo de carne -brincou, mas ela se limitou a esboçar um sorriso cortês, sem entender a piada-. Sim, eu gosto dos pombinhos -disse, ao fim. "Ao menos isso creio", pensou.
---Bem -assentiu ela enquanto abria a alta geladeira com portas de aço inoxidável para tirar uma fonte de porcelana coberta com um filme de plástico transparente-. Acabou agora mesmo de gratinar os fígados de ave e o jantar estará preparado.
-De acordo -disse Matt quase sem fôlego. Fígados-. O que posso fazer para ajudá-la?
-Importaria-lhe que comêssemos fora? Esta casa é... -Sem acabar a frase, fez um gesto com a mão.
-Escura e tenebrosa -finalizou ele, sorrindo. Fígados de ave gratinados? Pombinhos? Maçãs e gengibre? E o que era isso que havia dito Patsy? Que a "viúva" não teria relações sexuais com ele? Se isto não era sexo, então...-. Desculpe. -Não tinha ouvido o que lhe dizia. Seus papilas gustativas estavam tão sobrecarregadas que lhe fechavam os ouvidos.
-Ali, no sala de jantar, estão os talheres. Incomodaria-lhe levá-los?
-Claro que não -disse ele e quase pôs-se a correr ao aparador da habitação do lado, de onde tirou garfos, facas e guardanapos de tecido. Em outra gaveta encontrou uma toalha, candelabros e velas. Carregado com tudo isso, foi para a cozinha, onde viu o que ela estava fazendo. Punha umas coisinhas vermelhas, pequenas e com aspecto suculento em uma fonte do que pareciam partes de frango-. O que são essas coisas? -sussurrou.
-Uvas em adubo. Mas se você preferir...
-Não! -cortou ele com rapidez, mas como lhe tinha quebrado a voz, pigarreou-. Quero dizer que estou convencido de que são deliciosas. Seguro que eu adorarei. Parecem-me as melhores uvas em adubo que... Bom, creio que porei tudo isto aí fora.
Uma vez fora, Matt debateu consigo mesmo. "Venha, Longacre, te tranqüilize. Está ficando fatal -se disse enquanto estendia a toalha no chão e punha em cima os candelabros-. Manten sereno, tranqüilo. te controle. Está-te vendendo por uns fígados de ave." A imagem lhe provocou risada.
--Também tem você esse costume -disse Bailey enquanto colocava duas fontes cheias de manjares sobre a toalha.
Matt logo que podia apartar os olhos da comida. Parecia que tinha feito uma massa com os fígados de ave gratinados, tinha-a lubrificado em torradas logo tinha colocado em cima fatias de carne de pombinho; tudo salpicado de uvas em adubo. A um lado tinham salada e certamente não era a alface incolor e insípida que Patsy e todos os do Calburn utilizavam, a não ser uma mescla de alfaces verde escura, vermelha, romana e frisada.
-Que costume? -as arrumou para perguntar em um sussurro. Estava ajoelhado, em uma postura pelo general reservada à oração.
-Falar sozinho.
-OH, sim, claro -respondeu. Um tipo submetido a hipnose não teria cuidadoso com tanta fixidez aqueles manjares.
-Adiante, ataque -lhe autorizou Bailey enquanto se sentava no lado oposto da toalha com o prato no regaço.
Lentamente, com a esperança de que não lhe tremessem as mãos, Matt agarrou seu prato, sentou-se ao lado da toalha e empunhou o garfo. Como fora um ritual, trespassou uma parte de torrada com fígado e pombinho no garfo e logo, com reverência e cuidado, o levou a boca. Quando os sabores alagaram seu paladar, não pôde manter os olhos abertos. Era divino, etéreo; era o paraíso. Nunca tinha provado nada parecido.
A suave risada de lhe trouxe para a realidade. Nesse momento lhe perguntava se gostava.
-Mmmm -foi tudo o que ele pôde dizer.
-Assim que você tem algumas ideia sobre a forma em que pode remodelar-se esta casa, verdade? Comentou-lhe Patsy sobre que não disponho de muito dinheiro?
Matt não teria podido falar de dinheiro nesse momento, como tão pouco afastar-se desse prato.
depois de um momento, já que ela não dizia nada, levantou o olhar e a encontrou sonriéndole. Ela não comia muito.
-Há mais, se quiser -lhe disse em voz baixa.
-Sinto muito... -começou ele-. É que... -Não sabia como explicar o fato de estar comendo como se levasse um mês sem fazê-lo.
-Está farto de pescado frito e pizza, não é assim? -perguntou Bailey com suavidade.
Tudo o que Matt pôde fazer foi assentir e continuar comendo.
Bailey deixou seu prato ao meio terminar sobre a toalha, recostou-se apoiada nas mãos e olhou para a grande árvore que tinham em cima.
-É um moral -disse-. É muito velho. Sabia que embora tenha quinhentos anos, esta árvore ainda dá frutas? É uma mulher a sério. Quero dizer, pelo fato de ser fértil a essa idade.
O prato do Matt estava quase vazio e ele olhou à mulher. O que tratava de lhe dizer com essas alusões?
-Antes me há dito que hoje lhe tinha acontecido algo curioso -trocou de tema.
---OH, não era nada -comentou ela-. Nada importante, seriamente. Só...
-Venha, me conte -a animou-. Me vem muito bem um pouco de conversação alheia aos negócios.
-Eu... -começou Bailey, mas logo o olhou como se duvidasse em contar-lhe ou não.
Matt entendeu sua vacilação. Era viúva, uma viúva recente, conforme lhe tinha contado Patsy, e ele mesmo não fazia muito que se divorciou. Seu matrimônio não tinha significado muito, mas sabia o que era ter a alguém a quem contar os fatos corriqueiros da jornada. "Me cravou uma roda" não parecia muito, mas a verdade é que quando não se tinha a ninguém com quem compartilhá-lo, podia parecer uma enormidade.
Não disse nada e esperou que seu silêncio a fizesse falar.
-A vida pode trocar em um minuto, sabe? -disse ela ao cabo.
-Sim -afirmou Matt com sentimento. Vá se sabia-. Sei muito bem -acrescentou.
-Esta manhã despertei com uma sensação... bom, me sentindo verdadeiramente inútil. Meu marido me deixou esta casa e seu... terreno; supondo que você diria limpo e preparado para mim. Mas desde este momento não conto com nada mais. Tenho que me manter, mas com que habilidades?
Diante aquela confissão Matt se engasgou. Enquanto tossia e se recuperava, assinalou com seu garfo ao prato quase vazio.
-Já sei -continuou Bailey-, sei cozinhar. tive verdadeiros professores nestas lides, mas o que posso fazer cozinhando? -Levantou a mão- Já sei que poderia abrir um restaurante, mas não me ocorre nada que pudesse me gostar de menos. Cozinhar o mesmo uma e outra vez, tratar com os fornecedores e com os empregados. Não, isso não é para mim.
---E então, o que? -perguntou ele enquanto rebañaba o prato com uma parte de pão.
Bailey levantou seu prato ao meio terminar e lhe indicou em silêncio se queria o resto.
-Hoje fui a uma loja de comestíveis, uma grande que há pela estrada. Não sei bem onde. toma à esquerda, pelo asfaltado -continuou Bailey.
-Seguro que posso? -perguntou ele e tomou o prato depois de que ela assentira-. E o que aconteceu a loja de comestíveis?
-Bom, pois tive uma idéia. De algo que posso fazer, claro está, eu gostaria de fazer conservas. Enlatar, já sabe.
Matt assentiu. Agora que estava quase farto, podia escutá-la.
-Jimmie, que era meu marido, dizia que lhe parecia que o que eu tentava era conservar o tempo, fazer que ficasse onde estava e que não se movesse. -Olhou-lhe como se esperasse que dissesse algo, mas ele se manteve em silêncio. Não a conhecia o suficiente para opinar-. Bom estava na loja e vi uma série de mantimentos dos que chamam de gourmet dispostos em fileira. Eram botecitos de geléia ao preço de sete dólares cada um. E pensei que eu fazia geléias muito mais interessantes que essas. Foi então quando o percebi com claridade: poderia vender minhas geléias e encurtidos.
-Parece uma boa idéia -disse Matt ao acabar o que ela tinha deixado no prato-. Sabe algo de como funciona uma fábrica?
-Para nada, mas minha idéia passa por coisas mais modestas. Venda por correio, possivelmente. Lojas de delicatessen. Não terá você conhecimentos sobre a venda de geléias?
-Absolutamente.
-Mmmm -foi tudo o que disse Bailey. Logo se tornou para trás levantou a vista à árvore das amoras.
-E o que é o divertido que lhe ocorreu hoje? -insistiu Matt enquanto se limpava as mãos em um guardanapo de tecido a quadros vermelhos e brancos.
Ela sorriu.
-Estava enchendo o cesto com garrafas de vinagre para o encurtido quando uma mulher veio para mim e me aconselhou em um sussurro que não comprasse ali. Disse que se ia comprar em grandes quantidades, conviria-me ir ao Cost Clube. Contei-lhe que era nova na zona e que não tinha nem idéia de onde ficava isso, assim arrancou uma parte de sua lista da compra e me desenhou um mapa. "E consiga a fruta em um posto de fruta local", advertiu-me "Mas regateie, não pague o que lhe peçam. Esses granjeiros, em especial os do Calburn, tirarão-lhe tudo o que tenha." Dava-lhe as obrigado e me disse... -Fez uma pausa, com os olhos brilhantes-. Me deu um tapinha na mão e acrescentou: "Está bem, querida. Por seu acento soube que é do Norte, mas você tem pinta de ser agradável, assim não creio que cometa nenhum delito ao ajudá-la."
Os dois riram com a história.
---O que é realmente divertido é que cresci em Kentucky -acrescentou Bailey.
---Pois não o parece -repôs Matt com olhar especulativo, mas ela não comentou nada mais e ficou olhando a árvore-. Algum bom professor mais? -indagou ele com curiosidade.
-O vinho! -exclamou Bailey e se incorporou de um salto-. Que grosseira! esqueci trazer algo para beber, mas tenho um bom Pinot. -antes de que Matt pudesse dizer algo, ela tinha saído correndo para a casa.
-Interessante -disse Matt ao silêncio, enquanto se levantava e se estirava. Ela as tinha arrumado muito bem para evitar responder às perguntas pessoais.
Uns minutos mais tarde voltou com duas taças de vinho branco e lhe tendeu uma.
-Tenho também bolo de pêssego, se quer -acrescentou.
O primeiro pensamento do Matt foi gritar "Sim!", Mas se conteve. Tomou o copo de vinho e olhou para a árvore e mais à frente.
-Este lugar esteve abandonado durante anos, mas de pequenos meu irmão e eu estávamos acostumados a passar muito tempo aqui. Agora parece diferente.
-Sim -disse Bailey. ficou de pé, mas não muito perto, como ele pôde observar, e foi bebendo seu vinho a sorvos-. Todos têm feito uns trabalhos maravilhosos. Não tenho nem idéia de como vou manter o, mas, até que as más ervas voltem a crescer, é formoso. -Quando levantou a vista e viu que ele a olhava, sorriu-: Gostaria de dar um passeio?
-Muito.
-Dado que eu não conhecia este lugar até faz dois dias, é muito provável que você saiba mais que eu, mas lhe mostrarei o que tenho descoberto.
-me conduza -a animou, disposto a segui-la e deixando que seus olhos vagassem pelas costas dela. "Bem proporcionada", pensou.
Estava bem feita, isso estava claro, mas além disso tinha um corpo que, a julgar pelo que tinha aprendido com sua ex-mulher e seus amigas, tinha recebido muitos cuidados. Esta mulher havia passado muitos horas em ginásios. Não aparecia muita pele à vista, mas apostava a que as massagens, carregados de nata, eram parte de sua vida. Ou o tinham sido, pensou.
Guardou silêncio enquanto a observava e durante o percurso pela propriedade escutou tudo o que ela dizia. Sabia muito de novelo. Esteve conversando das vantagens das amoras rasteiras e logo depois dos dois tipos de framboeseiras.
-E todos terá que podar os de forma diferente -explicou Bailey com um sorriso.
Se a tivesse ouvido, sem vê-la, teria pensado que era a mulher de granjeiro. Mas que granjeira seria capaz de cozinhar uma comida digna de um restaurante de quatro garfos? Conhecia boas cozinheiras, mas pelo general essa qualificação correspondia a pratos do estilo de escalopes de peito de frango ou pescadinha empanada frita. Não sabia de amas de casa que cozinhassem fígados de ave de pombinho gratinados e uvas em adubo.
Ensinou-lhe o lago e falou dos peixes koi que hibernam te durar toda a temporada de frio, e como devem ficar redes ao redor para manter afastados aos mapaches.
Na parte mais afastada da casa lhe explicou as diferenças entre os grosellos espinhosos e os grosellos negros, dos que Matt tinha ouvido falar mas nunca tinha provado seus frutos.
E quanto mais falava ela, mais surpreso se sentia ele. Às vezes, inclusive pronunciava as coisas de forma estranha. Dizia "extra ordinário", em vez de "extraordinário", e "dal-yias" em vez de "dálias".
-Aprendeu tudo isto em Kentucky? -perguntou Matt enquanto a seguia, uma vez passado o estábulo e em direção à zona boscosa perto da casa-. Se criou em uma granja?
-Não -respondeu ela-. Só nos arredores da cidade. Olhe isso. Não lhe parece encantador?
Bailey observava o velho fossa das fogueiras do claro do bosque, de uma vez que ele se perguntava por que, uma vez mais, não tinha respondido a sua pergunta.
Matt Miro o fossa e sorriu.
-Meu irmão e eu quase prendemos fogo ao bosque uma noite ---comentou, pensativo.
-me conte -lhe animou ela.
-Não é nada especial. Só foi uma tolice de guris. Rick e eu recolhemos árvores cansadas e os trouxemos, orvalhamo-los com líquido inflamava e logo atiramos um par de fósforos acesos. produziu-se uma grande explosão -contou, enquanto sacudia a cabeça ao recordá-lo-. É um milagre que não nos matasse. Se não tivesse sido porque começou a chover, não sei o que haveria passado.
---Seus pais deveram zangar-se.
---Minha mãe nunca soube. Trabalhava muitas horas, assim andávamos todo o dia por nossa conta. -Tinha começado o relato de sua infância, mas se deteve à espera de que lhe perguntasse o que todo mundo fazia, mas quando viu que não ia falar, continuou-: Meu pai nos deixou quando eu tinha cinco anos e Rick três.
---Sinto-o -comentou Bailey, levantando o olhar, mas ele tinha voltado o rosto e não pôde ver sua expressão.
Ela voltou a encaminhar-se para o atalho.
-Meu pai morreu quando eu tinha quatorze anos e minha mãe morreu o ano passado, mas tenho uma irmã-contou.
-Em Kentucky? -perguntou Matt.
-Sim -respondeu, e a lacônica resposta foi uma advertência de que não terei que fazer mais perguntas.
Matt não retrocedeu.
-Então, se não cresceu em uma granja, onde aprendeu tanto sobre as novelo? Em especial as novelo comestíveis.
Bailey se deu a volta, olhou-o e foi dizer algo, mas de repente lançou um sonoro suspiro.
-Todo mundo nesta cidade faz tantas perguntas pessoais?
-É obvio -respondeu Matt, animado-. Todo mundo se conhece a vida e milagres de outros. Não há um menino nesta cidade que não saiba tudo o que terá que saber sobre mim.
Bailey se pôs-se a rir.
-Quer dizer que falam do pulso com a que se casou?
-Essa é a versão do Patsy. encontrou-se com a Cassandra em uma ocasião e ela a desprezou, assim que sua vingança foi a de lhe dizer às pessoas que me casei com uma beleza sem cérebro.
-E era assim?
Matt lhe lançou um de seus sorrisos de soslaio.
-Perdeu-me, não? Não devia ser muito lista -acrescentou.
-Uma pergunta pessoal sem responder -disse Bailey, inclinando a cabeça.
-Touché-respondeu Matt, sorridente-. Bom, o que lhe pareceria agora um pouco de bolo de pêssego? -disse para desviar a conversação--. Tudo isto me tem aberto o apetite.
-Será melhor que tome cuidado com o que come ou vai engordar -lhe advertiu Bailey.
-E você o que sabe disso de engordar? -ironizou ele e em sua voz houve um sotaque de insinuação.
-Nada -respondeu Bailey e em seus olhos azuis dançaram uns brilhos de ironia-. Não sei absolutamente nada de nada sobre dietas nem sobre infinitas e frustrantes horas de exercício sem comida mas mesmo assim sem perder um grama de peso. Não tenho nem idéia do que é estar gorda.
Foi para a casa rendo e Matt a seguiu. Minutos mais tarde ele estava sentado à mesa da sala e provava o primeiro bocado de bolo.
-O que...? -começou, mas ficou aí, incapaz de completar a pergunta.
-Já. pergunta-se por que sabe diferente aos outros bolos de pêssego que provou?
Matt só pôde assentir com a cabeça.
-Cerejas e baunilha. Se se acrescentar um pouco de cada coisa, ressalta-se o sabor dos pêssegos. E na massa incluo amêndoas trituradas.
Matt se disse que não deveria permiti-la irrupção das lágrimas. Assinalou seu prato com o garfo.
-Onde? Como? -as arrumou para articular.
Bailey desceu a vista e se olhou as mãos sobre a mesa. Não comia nada. Só tinha tomado seu copo de vinho. Parecia que estivesse pensando quanto e o que lhe contar. Ao fim se decidiu.
-Meu marido tinha um cozinheiro e um jardineiro, e eu passava muito tempo com eles. Aprendi deles.
Matt teve a sensação de que estava revelando um por cento da verdade, mas que isso era melhor que nada.
Quando já levava meia porção de bolo teve a grande ideia. Uma idéia com maiúscula. Bailey estava sentada em silêncio, olhando a extensa parede vazia de cor marrom que havia na zona mais afastada da sala. Matt esteve a ponto de lhe dizer que havia uma chaminé de pedra escondida detrás daquilo, mas se conteve e perguntou, da forma mais normal que encontrou.
-Então o que lhe parece esta casa?
Viu como ela soltava um suspiro de alívio por que a pergunta não versasse sobre seu passado.
-Horrorosa -respondeu-. Quando me disseram que Jimmie me tinha deixado uma granja, imaginei algo primoroso, com uma grande chaminé e um alpendre. Um alpendre amplo e com cadeiras de balanço. Em seu lugar consegui isto com vinte dormitórios e todos esses quartos de banho. Viu algo assim em sua vida?
Uma vez limpo o prato, Matt se passou um guardanapo pela boca, esvaziou o copo de vinho e se levantou.
-Tenho que ir procurar umas ferramentas à caminhonete; logo quero lhe ensinar algo. Parece-lhe bem? -perguntou.
---Claro -respondeu ela com um olhar de perplexidade.
Enquanto Matt se dirigia para seu veículo se disse que devia tomar-lhe com calma e precaução. Sabia que tinha uma oportunidade e que se a estragava lhe teria escapado para sempre. Uma vez aberta a caixa das ferramentas e localizada a alavanca que tinha ido procurar, fechou os olhos um momento e pensou no bolo de carne do Patsy e no pombinho e o bolo de pêssego desta mulher. Bolo de pêssego com cerejas e massa de amêndoas. Com expressão de absoluta seriedade, como se se enfrentasse ao momento mais importante de sua vida, colocou-se o cinturão das ferramentas, agarrou a alavanca e voltou para a casa a grandes pernadas.
Já dentro viu que ela tinha retirado o prato da mesa. ficou de pé na porta da cozinha durante uns segundos, observando como ela colocava uma grande panela de geléia na geladeira.
-Está preparada? -perguntou, e lhe seguiu à sala-. Quando estudava na faculdade de Arquitetura me pediram um projeto de remodelação. Eu tomei medidas desta casa, que deviam ser as reais e logo, sobre papel, realizei essa remodelação. O encargo consistia em manter a mesma planta, mas trocar o interior -contou de uma vez que se ajoelhava e passava a mão pela parte inferior do revestimento. A única entrada de luz que tinha a habitação era a da porta principal aberta.
"Era em Natais -continuou-, e eu queria deixar ao Rick e ao Patsy tempo para estar sózinhos, assim passava muitas horas aqui. Enquanto tomava medidas comecei a olhar a casa de outra maneira e tentei vê-la como tinha sido em sua origem. Pude me dar conta de que este revestimento -pronunciou a palavra com desprezo- tinha sido acrescentado muito depois, assim que me dediquei a inspecioná-lo. Tirei fitas de seda das paredes, olhei por debaixo e logo voltei a cravá-los em seu sítio. Ah, aqui está -exclamou quando encontrou algo por detrás do revestimento. Colocou a alavanca e perguntou antes de atirar dela-: Me permite?
-Pode fazer o que quiser com essa porcaria -disse ela com sinceridade. E retrocedeu de um salto quando uma parte do revestimento se veio abaixo com um forte ruído de pregos que saltavam.
Em questão de segundos tinha desaparecido uma prancha completa e Matt se fez a um lado. girou-se para ela com um sorriso de triunfo, mas tudo o que Bailey pôde ver foi o tabique do dormitório contigüo.
-Não o vê? -comentou ele com um deixe de desilusão.
-Sinto-o - respondeu ela.
-Mas como? -disse Matt, assinalando ao que parecia uma espécie de poste contra a parede.
-Sim -disse ela depois de um momento.
Matt lhe deu uma patada ao magro tabique e o enviou ao chão do dormitório com um rangido estrepitoso. Logo se girou por volta dela com um gesto do vê agora?".
-Duas habitações que se convertem em uma -confirmou Bailey-. Bem.
Matt pôs a mão na grande madeira vertical que tinha famoso antes.
-Vê agora o que é isto? -assinalou.
-Um poste de algum tipo, supondo.
-Correto -respondeu com um sorriso-. E agora, que tipo de estruturas têm postes?
-As rolhas de correios?
Matt se pôs-se a rir e acrescentou:
-Pense em algo de mais velha tamanho. Algo com cadeiras de balanço.
-Ah! -disse Bailey, e logo em voz mais alta--- OH! Um alpendre?
-Exato.
-Quer dizer que...?
-Isso. Toda esta zona é um alpendre. Rodeia uma quarta parte da casa em forma do L. Alguém (desses mãozinhas que o fazem todo eles evidentemente) converteu o alpendre em uma entrada, dois dormitórios e um quarto de banho.
-Um quarto de banho bem feio -destacou Bailey.
-Se se tirarem estes tabiques e se perdem os dormitórios e o banho haverá outra vez um alpendre.
Matt se sentiu satisfeito ao vê-la muito surpreendida para fazer qualquer comentário. deu-se a volta para ocultar o sorriso e se encaminhou para a sala. Nesta ocasião tocou a ela segui-lo como se fora um perrito mulherengo.
Parte da parede mais larga da sala me sobressaía um metro.
---se retire e tampe-os olhos... Isto pode ser um asco -disse Matt enquanto se dirigia à parede com a alavanca. Colocou-a sob uma lâmina do revestimento, mas no último momento se deteve e comentou-: Não, será melhor que não o faça. O pó vai chegar a todas partes e lhe vai sujar os móveis.
-Tenho uma aspiradora -respondeu ela com rapidez, logo se retirou e tampou os olhos, mas os abriu a seguir.
Matt tinha sujeito a lâmina de revestimento antes de que caísse sobre os móveis, embora não pôde evitar a nuvem de pó. Quando se assentou, ela a viu.
-É uma chaminé? -perguntou em voz fica enquanto ele retirava a lâmina e a apoiava contra a parede.
-Isso. Uma chaminé. Feita com pedra da zona -explicou, e colocou a cabeça pelo oco para jogar uma olhada ao tubo de saída-. Não creio que dê muito trabalho pô-la em marcha.
-E poderia fazê-lo? Poderia retirar tudo isto e fazer que funcione a chaminé? Poderia recuperar o alpendre? Poderia voltar a lhe dar vida?
Bailey o fez sentir como um médico ao que lhe pede que encontre a maneira de ressuscitar a um morto.
-Claro -disse, tratando de aparentar que seria a coisa mais fácil do mundo. Nesse momento não ia falar lhe de danos na estrutura ou das vigas podres sobre suas cabeças. Tampouco ia mencionar as térmites ou as podridões secas. E não lhe pareceu o melhor momento para mencionar o zumbido que ouvia dentro do tubo da chaminé.
Tratando de não dar impressão de inquietação, agarrou a lâmina de revestimento, colocou-a contra as travessas que havia diante da chaminé, e logo, tão rápido como pôde, voltou a cravá-la, ouvindo o aborrecimento das abelhas, ou vespas, que protestavam pela irrupção em sua colméia ou vespeiro.
-A cozinha -disse Matt elevando a voz, enquanto assinalava e fazia que ambos se retirassem da zona da chaminé-. Sempre pensei que esta parede deveria desaparecer para converter a cozinha e a sala em um solo ambiente espaçoso. Gosta das encimeras de mármore ou granito?
-Mármore? -sussurrou Bailey-. Granito?
Uma vez mais, ele teve que girar-se para esconder o sorriso, logo a conduziu às habitações e lhe contou como se podia arrumar todo o sistema de encanamento.
-Também faz trabalhos de encanamento? -perguntou ela maravilhada.
-Não, mas meu companheiro do instituto é encanador, assim posso lhe pedir que o faça tudo -explicou Matt. Gostava dos móveis que tinha colocado no dormitório. Davam um ar caseiro que lhe resultava encantador. Ao Patsy fascinavam os móveis tão brilhantes que alguém se podia olhar neles, e a sua ex-mulher gostava das antiguidades, essas que custam um montão e dá muito medo as utilizar.
Teve que propor-se continuar falando quando passou pelos dormitórios e o quarto de banho. Ela não percebeu que dedicava mais tempo atravessar essas habitações, nem sua concentração quando viu que a parede do quarto de banho era compartilhada por um dos dormitórios. Sim, podia pôr uma porta nessa parede e fazer uma entrada direta do dormitório. Em casa do Patsy compartilhava um quarto de banho com seus dois sobrinhos... e olhe que eram porcos. Cada manhã arriscava sua integridade física quando se encontrava a seu passo com toalhas úmidas e roupa interior suja pelo chão. Patsy havia dito que esse quarto de banho não era dele, que nunca o usava, e se tinha negado a limpá-lo. Ele tinha dedicado as manhãs dos sábados dos últimos seis meses a limpá-lo.
-O que? -perguntou a Bailey, contemplando o quarto de banho com impaciência.
Era feio mas não continha dois varões adolescentes.
-E o desvão? -disse ela.
-Ah, sim -respondeu Matt, enquanto voltava para a realidade e a conduzia escada acima. No terceiro degrau, balançou seu peso de um lado ao outro. Não gostou; a escada não parecia firme-. Precisa ser escorada -disse olhando para trás.
Ao chegar acima fez uma pausa e teve que tomar fôlego antes de poder seguir avançando. Estava acostumado a lhe dizer a seu irmãozinho que o desvão dessa casa estava encantado. O certo era que queria reservá-la parte de acima como sua zona privada; o desvão da casa do velho Hanley tinha sido seu santuário quando era um menino. O lugar onde poder evadir-se quando a vida real se convertia em excessiva.
-encontra-se bem? -perguntou Bailey, lhe olhando.
-É obvio -disse Matt com rapidez-. Só tratava de recordar o que descobri sobre este desvão quando estive aqui. Creio que o chão do outro lado do corrimão se colocou recentemente. Mais à frente, parece-me que antes dava à habitação de abaixo, mas que alguém o cobriu. Cortou uma parte de corrimão e fez uma habitação mais. É provável que...
-Cuidado! -exclamou Bailey-. Não pise nesse chão.
Matt a olhou e viu que se ruborizava.
---Sinto muito, vai pensar que estou endoidecida, mas é a sensação que tive. Não deixei que caminhasse por aí nenhum dos que trabalharam na limpeza. Já sei que é uma tolice, mas... -Sua voz se foi apagando, enquanto se encolhia de ombros.
-vamos jogar uma olhada -disse Matt. inclinou-se e levantou com a alavanca uns fitas de seda de madeira compensada-. Boa intuição a sua ---disse com um deixe de admiração-. Quem quer que pusesse este chão não tinha nem a mais nova idéia de construção. Poderia ter utilizado o Leigo com a mesma tranqüilidade.
Aproximando-se do Matt com cuidado, Bailey apareceu a olhar e viu viguetas de chão que apenas se tocavam umas com outras, incapazes de sustentar nenhum peso.
-Se alguém tivesse caminhado por cima, derrubou-se -comentou ele, e olhando-a acrescentou em voz mais baixa-: Tem você sempre premonições como esta?
-Não freqüentemente. Mas algumas vezes... Vá, pensará que sou uma parva.
-Não é provável.
-Às vezes me parece que sei de antemão quando as coisas funcionarão bem e quando não. Não me refiro a conhecer o futuro, mas sei quando algo é como devesse ser. Possivelmente seja o que você chamou intuição.
-Seja o que seja é uma boa coisa. -Estava anoitecendo e no desvão não havia luz elétrica.
Bailey começou a descer pelas escadas e Matt, que a seguia, antes de baixar jogou uma última olhada à água-furtada. Quase podia já ver sua mesa de trabalho e o computador apoiados contra a parede. E mais à frente, debaixo das janelas, sua mesa de desenho. Se levantasse uma pequena plataforma, poderia elevar a mesa, de maneira que estaria à altura das janelas, e assim poderia ver o horta no que ela estaria cultivando todas essas coisas que conservava em potes e servia nos pratos. Poderia...
-encontrou algo mais que esteja mau? -disse Bailey do pé das escadas.
-Não -respondeu ele. E desceu.
Quando de novo se encontraram na sala, não lhe pediu que se sentasse nem lhe ofereceu nada para beber, e tampouco se sentou. Era evidente que esperava que partisse. depois de tudo já eram as nove passadas e era provável que tivesse coisas que fazer.
Não obstante, Matt continuou ali. Seguiu de pé à espera de uma resposta por parte dela.
-De acordo -disse Bailey enquanto se encaminhava à porta principal-. Gostaria de contratá-lo. Poderia me fazer um pressuposto? Preciso saber até onde posso chegar. Creio que vou ter um montão de gastos Y... -Jogou um olhar à cozinha e se encolheu ligeiramente.
"Esta é sua oportunidade, Longacre -se disse ele-. Agora ou nunca."
-Tenho uma proposição que lhe fazer.
Ela retrocedeu um passo e Matt lamentou a eleição das palavras.
-Negócios -esclareceu, mas tampouco isso obteve que ela relaxasse os ombros-. Olhe, possamos nos sentar e falar sobre isto?
Matt avançou para o sofá, mas ela não deu um passo e permaneceu onde estava, olhando-o com cautela. Ele se sentou, respirou fundo, levantou a vista para ela e disse:
-Necessito um lugar onde estar e você tem dormitórios de sobra, assim pensei que possivelmente me possa alugar uma habitação. Farei a remodelação desta casa durante os fins de semana e só lhe cobrarei os materiais.
-Já vejo -respondeu ela, evitando lhe olhar aos olhos. Rodeou o sofá com lentidão e se sentou em uma cadeira, tão afastada como pôde dele-. E por que quer mudar-se aqui, comigo? É mais que provável que outras pessoas do Calburn tenham dormitórios livres.
-É obvio, mas... -começou, e sorriu-. Não sabem cozinhar, têm a casa cheia de meninos que me voltam louco Y... por favor, não se ofenda por isso, mas há algo em você que eu gosto, algo pacífico e tranqüilo. Não parece o tipo de mulher que fica histérica com facilidade.
-Não -disse Bailey-. Posso lhe garantir que faz falta muito para me pôr histérica. -olhou-se as mãos e continuou-: Então o que, é... espaço ocuparia se se transladasse aqui?
-A habitação grande do fundo, a que está mais perto do quarto de banho verde -respondeu Matt sem necessidade de pensá-lo-. E também preciso utilizar parte do desvão como despacho. Levo livros de contabilidade os fins de semana.
-Faria trabalhos de contabilidade além de restituir o alpendre?
-Exato. Alpendre e chaminé. E a cozinha. A cozinha sem dúvida alguma.
-E quanto à comida? -perguntou ela.
-Penso que deveria cozinhar você.
-Não; refiro a quem pagamento a comida. Você come muito. E o que passaria se você tivesse convidados? Quem correria com os gastos extras?
-Tenho uma conta na loja de comestíveis do Calburn, assim se comprar ali, eu pagarei. Parece-lhe justo?
---O que acontece os mantimentos procedem de minha horta ou dos postos da estrada? E ainda fica o Cost Clube.
Matt a olhou com assombro. Suspeitou que em realidade temia que pudesse saltar sobre ela em metade da noite.
---Está-me dizendo que eu deveria pagar pensão completa? -perguntou, desviando a preocupação.
-Diria... seiscentos ao mês, além disso do gasto dos comestíveis.
-O que? -exclamou ele-. Isso é ofensivo! -Começou a levantar-se, de uma vez que a olhava com a extremidade do olho, mas ela não se acovardou e seguiu sentada na calma mais absoluta.
-Se fosse a habitação de um motel -comentou ela- pagaria mais, e isso sem direito a comida. Além de que teria que cozinhar a comida você mesmo. Isso significa que se se transladar aqui consegue os serviços gratuitos de uma cozinheira, meu trabalho equivaleria ao sua de carpintaria, em especial se fizer papelada durante os fins de semana. Em realidade seiscentos é muito barato -disse, pensativa.
-Creio que confunde Calburn com uma grande cidade. Os preços aqui são muito mais modestos.
Bailey se reclinou na cadeira e cruzou os braços.
-Toma ou o deixa -concluiu.
-Tomo, mas eu não gosto de-repôs Matt, franzindo o sobrecenho.
-Bom, então creio que já está. Devemos assinar algo?
-Parece-me que seria suficiente com que nos déssemos a mão -disse Matt, ainda de pé e olhando-a sorridente-. A não ser que queira me cobrar por isso.
-Não sei. Deveria?
Matt se pôs-se a rir.
-Não -disse, lhe tendendo a mão. Quando Bailey se levantou e lhe deu a sua, ele a reteve e a olhou aos olhos.
Bailey foi primeira em retirar a para dirigir-se à porta de saída. Matt a seguiu, adiantou-se e saiu fora.
-Mudarei-me amanhã, se estiver de acordo -disse.
-Sim -disse ela, mas logo acrescentou, vacilante-: Não irá você A... já sabe. Não creio estar ainda preparada para...
-O sexo? -perguntou ele.
-OH, não -respondeu ela com Isso sorriso poderia suportá-lo. O que não poderia suportar é o compromisso. Preciso descobrir como posso sair adiante antes de me enredar com outro homem; se é que o faço alguma vez, claro está. E necessito intimidade. Muita intimidade. Compreendido?
-Muito bem -disse ele com indecisão-. O sexo vale, mas mantenha-se afastado de minha vida. Entendi-o bem?
-Possivelmente -respondeu ela, sonriéndole enquanto começava a fechar a porta-. Mas deixemos algo claro: se houvesse sexo entre nós, seu aluguel se triplicaria -acrescentou e fechou a porta com suavidade.
Matt percorreu o caminho rendo e voltou para a caminhonete. Ao entrar apoiou a cabeça no respaldo e ficou assim um momento. Verdadeiramente, não podia acabar de acreditá-la boa sorte que tinha tido. ia partir da casa do Patsy!
Quando arrancou, ainda sorria. E era mais que partir dali, ia mudar se com uma mulher que cozinhava de maravilha, uma mulher que parecia conhecer todas as artes domésticas. Claro que não podia acabar de acreditar-lhe
Quando girou no Owl Creek Road para a estrada de asfalto, teve a esperança de que Bailey não descobrisse que Patsy lhe cobrava setecentos e cinqüenta dólares ao mês, além de lhe fazer pagar mensalmente os gastos de uma semana na loja de alimentação para uma família de cinco adultos.
7
À manhã seguinte Bailey não despertou até quase as oito. Muito tarde para seu costume, mas a verdade era que não se deitou até as três. depois de que Matt se fora, a casa lhe tinha parecido muito feia, vazia e cheia de coisas que já não necessitava. foi-se à cama, mas esteve refletindo durante uma hora até que se levantou, ficou as calças e a camiseta e se dirigiu à cozinha para beber algo quente.
Durante um momento ficou sentada à mesa da sala, olhando o tabique que escondia a chaminé. Quando ouviu um ruído no exterior e olhou para a porta convencida de que Jimmie ia entrar por aí, soube que teria que fazer algo ou se passaria a noite chorando.
A geladeira estava cheia de panelas de geléia que precisava ser fervida outra vez e logo posta em potes, e no estou acostumado a jaziam as caixas de morangos comprados no posto da estrada. Na geladeira também havia bolsas de ameixas, uma grande caixa de amoras, uma bolsa de cerejas e numerosas verduras.
-Chora ou trabalha -se havia dito em voz alta.
Logo se calçou as sapatilhas de tênis e ficou o avental. A seguir colocou as caixas dos morangos sobre a mesa e quando encontrou sua boina de cozinheira se dispôs a trabalhar. Um dos homens enviados pelo Phillip lhe tinha conectado um serviço de televisão por cabo, assim pôs a televisão e enquanto cozinhava pôde ver HGTV.
Assim, agora pela manhã, já acordada, levantou-se bocejando, vestiu-se e foi à despensa para examinar a fileira de potes: licor de amoras, cordial de cerejas, geléia de morangos, chutney de tomate verde, cenouras em vinagre, fresa em conserva, geléia de ameixas e ameixas encurtidas.
No batente da janela tinha deixado a caixa de receitas que tanta alegria lhe tinha dado encontrar. Infelizmente, só continha umas quantas receitas básicas de bolo de carne e escalopes de frango. Não era o grande descobrimento que ela tinha acreditado.
A noite anterior tinha colocado os potes no programa mais quente da lava-louça para esterilizá-los, enquanto mantinha as tampas em água fervendo. Como tinha pouco espaço na cozinha, tinha disposto a mesa da sala com panos de cozinha limpos que protegiam a superfície.
Primeiro mesclou em uma terrina as amoras com o açúcar e o meteu no forno. As grosas amoras precisavam estar durante horas a uma temperatura medeia e uniforme para que o açúcar se diluíra no suco.
Limpou os morangos e as pôs em duas panelas, uma para a geléia e a outra para conserva. Enquanto os morangos ferviam a fogo lento, cravou as ameixas com uma grande agulha de cerzir e as colocou em um recipiente no que também pôs vinagre de maçã, concentrado de suco de maçã, pregos, pimenta da Jamaica, gengibre e folhas de louro. Uma vez reunidos todos os ingredientes, passou-os a uma panela, que também pôs a ferver a fogo lento.
Tentou ver se a geléia tinha coalhado jogando uma colherada em um prato que pôs no congelador durante uns minutos. Quando comprovou que já estava lista começou a pô-la nos potes. Carregou com um grande conservero cheio de água quente até a mesa. Para que os potes fechassem de maneira adequada tudo devia mantê-lo mais quente e limpou possível. Não podia ficar a mais nova partícula de geléia no bode do pote, ou a tampa não fecharia bem... ou o que era pior, as bactérias penetrariam no pote.
As ameixas foram as primeiras.
Apertou os frutos cravados tanto como pôde dentro de uma dúzia de potes esterilizados e quentes, e logo utilizou um funil de aço inoxidável para verter por cima a solução de vinagre. Limpou escrupulosamente cada lado com um tecido, fechou as tampas e, por último, pôs os potes em uma bandeja e os levou de volta à cozinha. Utilizou umas tenazes grandes para colocar os potes quentes dentro da panela conservera e preparou o cronômetro para o banho-maria; uma precaução acrescentada para garantir uma conservação segura.
Continuou com a geléia de morangos e a conserva, além das geléias preparadas a noite anterior.
Enquanto envasilhava os morangos, colocou uns potes de cristal cenário do meio quilograma na lava-louça e pôs o programa de lavagem em quente. Quando estiveram preparados os encheu de cerejas furadas com a agulha, mas ainda unidas entre si pelos caules. Cobriu-as com açúcar branco e logo lhes verteu grampo -esse aguardente seco- até o lado. A tampa tinha um selo de plástico e o ajustou.
Depois passou mais de uma hora cortando tomates verdes, cebolas e maçãs, também comprados no posto da estrada, para fazer chutney de tomate verde. Uma vez teve troceadas as verduras as meteu em uma panela com vinagre de vinho, uvas passas, pimenta da Cayena, gengibre e alho.
Mesclou as cenouras pequeninas cortadas com vinagre de vinho, açúcar, sementes de aipo, pimenta branca em grão, sementes de eneldo e folhas de louro.
Quando as amoras que tinha metido no forno formaram uma massa suculenta, verteu-a em uma bolsa de tecido, atou-a com uma corda tensa e a pendurou da pata de uma cadeira a que tinha voltado em cima de uma mesa. Debaixo colocou uma terrina de cerâmica para recolher o filtrado.
Uma vez envasilhados e selados o chutney de tomates verdes e as cenouras pequenas, mediu a quantidade de suco de amoras, verteu uma quantidade igual de genebra, envasilhou a mescla em potes e os selou.
Até que etiquetou todos os potes e os levou a despensa não se foi à cama, e para então estava já tão cansada que ficou dormida imediatamente.
Assim, uma vez chegada a manhã, enfrentava-se a uma pergunta: e agora o que? Ontem, na loja de comestíveis lhe tinha parecido uma idéia brilhante vender suas geléias, chutneys e licores. Mas de noite, enquanto trabalhava, tinha começado a pensar na comercialização. Como podia fazer para que seus potes chegassem ao consumidor? Estava acostumada a preparar seis potes de cada coisa. Se ia vender os teria que fazer centenas, possivelmente milhares, de cada tipo. E o que passava com as leis sobre licores? O que deveria fazer para poder vender as cerejas conservadas em grampo?
No passado só teria tido que lhe dizer ao Jimmie que queria algo e ele se teria encarregado do necessário... ou teria feito que alguém se ocupasse. Quando essa madrugada por fim se deitou, viu sua caderneta de direções na mesinha de noite. Sabia que ali estavam os números de telefone do Phillip e estava segura de que se o pedia, ele se encarregaria de tudo. Mas ainda não estava preparada para admitir sua rendição.
Assim, agora, enquanto olhava os recipientes, ignorava qual seria o passo seguinte.
-Mecachis, James Manville! -exclamou-. por que me fez isto? Como se supõe que vou manter me se não saber nada de nada?
Por um momento sentiu que se enchia de ira, mas a seguir notou como se aproximava das lágrimas e apoiou a frente na prateleira. Ai! Como o sentia falta de! Notava a ausência de sua voz e a forma em que sua presença enchia a habitação. Sentia falta de falar com ele, escutá-lo. Tinha saudades a forma em que os dois resolviam os problemas que lhe surgiam ao outro.
E lhe faltava o sexo. Quando no dia anterior tinha falado com o Matt Longacre, fez brincadeiras e tirou o sarro sobre esse tema. Era evidente que lhe teria preocupado que ela declinasse sua oferta de alojar-se pagando. Parecia inquietá-lo-a possibilidade de que ela atuasse como uma donzela virginal defendendo sua virtude. Mas o certo era que a idéia de ver-se liberada da tristeza total de viver sozinha tinha sido o mais importante. Estava acostumada a despertar em casas nas que viviam dezenas de pessoas. Também era certo que quase todas eram do serviço, mas ela se relacionava com essas pessoas. Quando ia à cozinha, sempre havia um chef e uns ajudantes dispostos a lhe dizer "bom dia". Nas casas com jardim tinha paisagistas aos que saudar. Nas casas das ilhas e quando estavam no mar sempre havia gente ao redor.
Possivelmente sua existência com o Jimmie tinha sido estranha, mas era sua vida, e sempre que ele estava perto ela desfrutava.
Agora estava sozinha. Não tinha ninguém com quem falar, ninguém a quem consultar. E não havia mais sexo. Uma parte dela sentia que ficaria de negro e emularia à rainha Vitória, que chorou a seu marido o resto de sua vida. Mas outra parte dela queria rir e passá-lo bem... e inclusive meter-se com um homem na cama. Passar de uma vida sexual ativa a um nada fazia danifico. Doía fisicamente.
forçou-se lentamente para sair da despensa e uns minutos mais tarde estava sentada nas escadas da entrada traseira, comendo cereais em um tigela.
---Só contamos conosco mesmos, guri -disse enquanto levantava a vista para a árvore das amoras.
Começava a formar uma fruta diminuta. Por seu jardineiro inglês tinha sabido que o moral era a árvore mais precavida do jardim. Não jogava nenhuma só folha até que havia passado todo perigo de geladas. "Note-se no moral" lhe dizia. Se estavam a princípios de abril e a árvore tinha hojitas queria dizer que podiam plantar todos aqueles brotos novos que podiam correr perigo. Mas mesmo que se tratasse de uma bela e ensolarada manhã de maio, em que o homem do tempo houvesse dito que não havia risco de geladas, se a árvore estava ainda despojado de folhas, então os brotos deviam permanecer no estufa. E, quase com toda segurança, haveria uma gelada tardia.
assim, o que ia fazer hoje?, pensou. Preparar mais fruta? Fazer mais chutney? Mesmo que não tivesse nem idéia de como comercializá-lo?
Por outro lado, possivelmente podia passar o dia tentando averiguar o que Jimmie lhe tinha pedido que descobrisse. Durante as semanas transcorridas desde que viu pela primeira vez a nota que lhe tinha deixado, quanto mais a lia, mais lhe irritava. "Descobre a verdade sobre o que aconteceu. Quererá, Sardas? Faz-o por mim."
A verdade sobre o que?, perguntava-se. Não podia lhe haver dado uma pista para começar? Todos os do Calburn chamavam "o lugar do velho Hanley" à granja que Jimmie lhe tinha deixado. Teria algo que ver com o sobrenome Manville? É obvio, pensou, era muito provável que Jimmie mentisse com seu sobrenome. Ao parecer tinha mentido sobre tudo o que tivesse relação com sua infância, assim, por que não ia fazer o com o sobrenome?.
Contudo, enquanto contemplava a velha árvore, seus olhos se abriram de par em par. Havia uma coisa sobre a que nem sequer Jimmie teria podido mentir. Tinha uma cicatriz na cara; escondia-a debaixo do bigode e só ela a conhecia. Mas a única vez em que ela se atreveu a comentá-lo, em sua noite de núpcias, também foi a única em que Jimmie esteve verdadeiramente zangado com ela. Em vista do qual, não voltou a mencioná-lo jamais.
Foi esse recordo o que agora lhe deu alguma esperança. Possivelmente houvesse alguma maneira de descobrir o que Jimmie queria que soubesse.
Entrou na casa, pôs o tigela vazio na lava-louça e recolheu a bolsa e as chaves do carro. Já era hora de que fizesse uma visita ao centro do Calburn.
Guiada por um impulso, já aberta a porta do carro, retornou correndo à casa e encheu uma das caixas dos morangos com potes de conservas. Não estaria de mais que a gente provasse o fruto de seu trabalho
Se tivesse tido que utilizar uma palavra para descrever Calburn, houvesse dito "deserta". Ou possivelmente "abandonada".
Sua granja estava a uns três quilômetros do cruzamento de estradas que era "o centro" do Calburn. Em seu caminho para esse ponto só tinha visto casas vazias. Havia grandes granjas afastadas da estrada, com seus alpendres sombreados por árvores do tamanho de lançadeiras espaciais. Algumas casa tinham terrenos que tinham sido segados, enquanto que em outras estava em aro. De tanto em tanto via uma casa que parecia ocupada, mas a maioria dava a impressão de estar desabitada.
-Mas que diabos há passado aqui? -disse-se em voz alta-. por que se foi toda essa gente?
Quando chegou ao cruzamento de estradas viu que a maioria das lojas estava fechada. Alguns locais tinham tablones nas janelas; outros tinham as cristaleiras vazias e os cristais sujos. uns quantos exibiam pôsteres amarelados de SE ALUGA.
Mas ficavam alguns negócios abertos. Havia um edifício que parecia haver-se reformado a partir de dois; uma parte era o mensageiro de correio e a outra um restaurante barato. Encontrou uma loja de antiguidades, mas ao olhar a cristaleira pensou que as coisas exibidas atrás do sujo cristal eram mais antigas que antigas. Havia uma loja de alimentação que também vendia maquinaria e outra de comestíveis. No exterior tinham gavetas cheias de verduras murchas. Bailey pensou que Matt e ela deveriam ter uma conversação sobre o lugar em que compraria a comida.
Passou diante de outra loja em que alugavam vídeos e vendiam gelados. E ao final da rua se encontrou com o Salão de beleza Opal. Bailey não o duvidou quando estacionou em frente do salão. Sabia que se queria informação era aí onde deveria começar a procurá-la.
Quando abriu a porta, soou uma campainha, mas a adolescente que havia sentada em uma poltrona comendo uma piruleta não levantou o olhar de sua revista de cinema. Tinha o cabelo curto, de uns sete centímetros de longitude, e loiro decolorado mas com as raízes negras, todo isso dividido em minúsculos penachos sujeitos com cintas de diversas cores. Tinha os olhos fortemente delineados em negro. Embora era um dia quente levava um jersei suficientemente grande para cobrir a um pequeno hipopótamo e umas ajustadas malhas negras.
---Sim? -disse, girando a cabeça vagamente em direção à porta, mas sem olhar a Bailey-. Quer algo?
-Perguntava-me se... -titubeou Bailey. Talvez não tinha sido uma boa idéia. Possivelmente não lhe agradaria que essa jovenzinha lhe tocasse o cabelo.
---Carla! -ouviu-se uma voz do fundo-. Olhe quem é.
---Sim, mamãe -respondeu a lenta garota sentada na poltrona-. Em um minuto.
Bailey começou a dizer que havia mudado de idéia, mas de repente apareceu uma mulher por detrás de uma cortina e ficou olhando-a atônita.
-Você é ela -disse ao fim.
Por um momento espantoso Bailey temeu que essa mulher fora a dizer que era Lillian Manville, a mulher do multimilionário.
-Você é a viúva que tem o lugar do velho Hanley, verdade? E Matt Longacre vai mudar se com você, não é assim?
Bailey assentiu com um sorriso. Tinha estado no certo: se queria saber o que acontecia Calburn, esse era o lugar apropriado.
-te levante! -vaiou a mulher à garota, que agora olhava fixamente a Bailey como se acabasse de descender de uma espaçonave. A mulher teve que lhe sacudir os ombros para que deixasse livre a poltrona-. Vá à loja e traz algo para beber -ordenou-. Um Dr. Pepper. -Depois se girou fazia Bailey-. Quer cor? Uma permanente? Ou possivelmente recheia? Ou um corte? Por certo, sou Opal -disse apressadamente.
-Não, obrigado -respondeu Bailey-. Em realidade só queria... -fazer algumas pergunta, ia dizer, mas as duas a olhavam fixamente, de forma que não se atreveu às desiludir-. Não necessito mais que uma lavagem e penteado -se ouviu dizer.
Um segundo depois a mulher tinha assumido seu papel. Tomou o braço de Bailey e quase atirou dela para a poltrona, enquanto sua filha reviveu o suficiente para escapulir-se pela porta em busca do Dr. Pepper mais próximo.
Quando Bailey saiu da barbearia, foi caminhando com as costas bem erguida e, uma vez no carro, saudou com a mão ao Opal e Carla, que a observavam da janela.
Com o sorriso congelado, Bailey cruzou Calburn, mas uma vez nos subúrbios se deteve sob umas árvores e apagou o motor. Revolveu na bolsa, tirou uma grande escova de cabelo, desceu do carro e foi escovar se à sombra. Essa mulher devia ter utilizado meio bote de mousse em seu cabelo! Além disso, tinha-lhe jogado laca com um spray que disse que estava garantido para que não se movesse nem um cabelo, inclusive se havia um tornado.
recostou-se contra o tronco de uma árvore e fechou os olhos. Essa prova tão dura, prolongada durante mais de uma hora, tinha-a esgotado! Vinha de sofrer um interrogatório sobre seu matrimônio, seu marido e sua infância. Tinha necessitado toda sua energia para mentir sem que se notasse, para responder não dando nenhuma resposta.
Dado que Opal falava sem parar, não pareceu dar-se conta de que Bailey não dizia realmente quase nada. Mas sua filha Carla, sentada na segunda poltrona, de tanto em tanto lhe lançava um olhar de reojo, como lhe dando a entender que ela sim se dava conta de que estava sendo evasiva.
A Bailey tinha sido necessário recorrer a toda a astúcia da que era capaz para que Opal lhe proporcionasse informação em vez de conseguir extrai-la. Já que não podia lhe dizer nada que não quisesse que todo Calburn soubesse, tinha que ser sutil, de uma vez que insistente como um vendedor de seguros. "O que passa é que tenho tanto interesse pelo Calburn...", tinha comentado, tratando de parecer despreocupada e inocente. Carla lhe tinha arrojado então uma dessas olhadas de soslaio.
-Não há muito que saber -havia dito Opal enquanto envolvia uma mecha em um cacho pequeno.
Tratou de não pensar no Shirley Tempere ou em qualquer outra cara ingênua.
-Estou segura de que a história desta cidade é fascinante ---comentou.
Opal deixou de lhe pôr cachos e ficou olhando-a fixamente no espelho.
-Não estará aqui pelos Seis de Ouro, verdade? -Havia hostilidade em sua voz e aborrecimento no rosto.
-Não sei do que me fala -disse Bailey com sinceridade, de uma vez que; congratulava de não ter que perguntar sobre algo que fazia que Opa| se zangasse tanto. Mas, por outra parte, não pôde resistir à pergunta---E o que são os Seis de Ouro?
-O direito à fama do Calburn, isso é -respondeu Opal e mandou calar a Carla quando esta começou a burlar-se.
-E agora me conte mais sobre seu marido falecido -disse Opal, enquanto agarrava um cacho ainda mais pequeno e enrolava cabelo tão tirante que fez lacrimejar a Bailey
Enquanto a viúva estava sob o secador de cabelo, Carla passou por diante e deixou cair uma parte de papel dobrado sobre sua revista. Ela agarrou a nota e a deslizou no bolso de sua calça.
Assim, uma vez fora, Bailey tirou o papel e o leu: "Violet Honeycutt sabe tudo sobre o Calburn. É a casa amarela do final de Rede River Road." Abaixo tinha desenhado um mapita no que se via que Rede River Road estava muito perto dali.
Bailey se passou uma vez mais a escova pelo cabelo e logo voltou para carro sorrindo. Por muito que as maneiras e a aparência da Carla fossem desalentadoras, tinha-lhe gostado bastante como pessoa.
Com o mapa na mão foi fácil encontrar Rede River Road. Ao final da rua havia uma casa pequena e bonita, que tempo atrás tinha sido grafite de amarelo com um lado marrom emoldurando as janelas. Da estrada uns enormes salgueiros quase a ocultavam por completo. Quando Bailey se dirigia para a entrada e viu o alpendre com cadeiras de balanço antigas, não pôde evitar um pensamento: "por que não me deixou um sítio como este, Jimmie?"
Subiu os degraus e deu uns golpes na porta com os nódulos, mas ninguém respondeu.
-Olá? -chamou, mas não recebeu resposta.
dirigiu-se para a parte posterior da casa e viu uma mulher encurvada sobre um dunas à beira mar do horta. Parecia estar semeando tomateras. Era uma mulher volumosa com um folgado e puído vestido com estampado de flores. Calçava sandálias com tiras de borracha e tinha na cabeça um grande chapéu de palha com a asa meio rota. Bailey só podia ver uma parte de seu rosto, mas tinha aspecto de estar na cincuentena.
-Olá -disse Bailey e a mulher se girou para olhá-la.
Tinha a cútis sulcada por anos de sol e, se Bailey não se equivocava, umas quantas drogas e boa quantidade de álcool também tinham deixado ali seus sinais. Veio-lhe à cabeça a definição de "velha hippie".
-Caramba, é você perfeita! -exclamou a mulher, endireitando-se enquanto examinava a Bailey de cima abaixo-. Parece saída das páginas de um catálogo.
Possivelmente Bailey devesse haver-se sentido molesta por aquelas palavras; uns meses antes ninguém se teria atrevido a dizer que parecia a modelo de um catálogo.
-Essa sou eu -disse, estendeu os braços e se girou lentamente-. Saio de uma edição especial do Orvis, Norm Thompson e Land's End.
A mulher pôs-se a rir e deixou ver que lhe faltavam um par de dentes.
-Bem, o que posso fazer por você?
Bailey não respondeu. Seus olhos se dirigiram a aquelas novelo. Não eram tomateras, a não ser novelo de maconha.
-Não é ilegal? -perguntou com voz fica.
-Só se se é egoísta. Eu compartilho o que cultivo com o ajudante do xerife, e ele me diz que tenho um horta precioso. -Lançou um olhar de reojo a Bailey e disse-: Quer vir dentro e me contar para que feito todo o caminho até aqui?
Bailey teve que sorrir. Estava acostumada a passar os fins de semana em sítios aos que se chegava voando, mas parecia que Rede Road estava considerado um lugar que requeria "fazer todo o caminho até aqui".
Seguiu à mulher até o alpendre traseiro da casa. Havia uma máquina de lavar roupa que devia ser dos anos quarenta, além de um par de pranchas de lavar muito gastas. Em um rincão se via um montão de móveis de jardim quebrados que a Bailey pareceu que deveriam ter sido utilizados em uma fogueira, de não ser porque estava segura de ter visto alguns com essa mesma pinta em uma loja de Paris. O estilo retro fazia furor nessa casa.
Entraram na cozinha e Bailey teve a segurança de que ali não tinha havido uma só mudança em trinta anos. O linóleo do estou acostumado a estava muito quebrado e os armários tinham envelhecido acumulando graxa e pintura velha. Contra uma parede havia uma velha cozinha de ferro esmaltado com um forno tão grande que teria cabido meio boi. debaixo da janela havia uma pia de cerâmica com dois grifos e amplos escorredores a cada lado. Era a versão original da pia que tinha comprado para sua granja.
-É um sítio velho e horroroso, verdade? -disse a mulher enquanto deixava cair sua humanidade em uma cadeira, lhe dando as costas à pia. Bailey tinha visto exatamente as mesmas cadeiras à venda nas seletas lojas Americana.
-Não -disse com sinceridade-. É a versão original do que outros tratam de imitar.
A mulher lançou uma sorriso afogada.
-Parece bastante polida, mas mesmo assim está começando a me gostar de -comentou-. Venha, sinta-se e me pergunte o que queira. A não ser que saiba fazer conserva de tomate. -Isto último o disse como se se tratasse da ocorrência mais divertida que tivesse tido em sua vida. Que alguém
de aspecto tão de cidade como Bailey pudesse saber algo sobre a conserva de tomates lhe resultava inconcebível.
Nesta ocasião tocou a Bailey o turno da risada.
A pilha da pia estava cheia de tomates caseiros, ainda reaquecidos pelo sol. Alguns estavam furados, porque era evidente que a mulher não se incomodou em combater os vermes, mas não estavam danificados e podiam salvar-se. assim, Bailey abriu uma porta que supôs daria a uma despensa tão grande como a que tinham quase todas as granjas antigas. Era-o e nela havia centenas de potes Ball e recipientes de oleiro à espera de ser utilizados com a colheita do verão. No estou acostumado a havia um par de hervidores conserveros e caixas de tampas seladoras.
-Vá se sei -disse enquanto transportava as panelas conserveras à pia para encher as de água-. Quero saber por que foi abandonada esta cidade e também quero saber por que Opal, a da barbearia, ou seja... do salão de beleza, há-se posto feita um alfavaca quando pensou que queria descobrir algo sobre os Seis de Ouro. E de passagem, o que é isso? Não terei vindo a parar a uma guarida da máfia, não? Ah, por certo, sou Bailey James. herdei...
-O lugar do velho Hanley. Já sei -antecipou a mulher, observando como Bailey se movia pela cozinha com uma naturalidade que fazia pensar que sempre tinha trabalhado ali-. Seu marido morreu, deixou-lhe a granja e Matt Longacre vai se mudar com você hoje. Patsy está emocionada porque se livra dele. Ele nunca pára de queixar-se de quão brutos são seus dois sobrinhos. Certamente Patsy as mímica a morte, assim é possível que Matt tenha razão em queixar-se. Eu sou Violet Honeycutt.
-Isso me hão dito -repôs Bailey enquanto agarrava potes da despensa para esterilizá-los nas duas panelas conserveras-. O que mais me interessa é conhecer tudo o que saiba sobre a granja que herdei. Quem viveu ali e esse tipo de coisas. Tiveram filhos os Hanley?
-A quem está tratando de encontrar? -perguntou Violet com suspicacia.
Bailey se sentou à mesa e a olhou. Sabia que sua colocação estava bem clara: se Violet queria conserva de tomate, então teria que responder a suas perguntas, não formular outras.
Violet se pôs-se a rir.
-Alguém em alguma parte lhe disse que viesse, não é assim? -comentou.
Bailey não se alterou.
Com um sorriso, Violet abriu uma cajita de madeira que tinha na mesa e tirou um néscio ao meio atar.
-Incomoda-lhe? -perguntou.
Bailey seguiu olhando-a, à espera das respostas a suas perguntas.
-Vale -conveio Violet, recostando-se contra o respaldo da cadeira acendendo seu néscio, para logo exalar uma baforada e fechar os olhos por um momento-. Essa granja pertencia aos Hanley, mas o fato é que partissem faz muito tempo não quer dizer que seu nome deixe de designar ao lugar -disse detrás abrir os olhos.
Bailey se levantou, foi para a pia e recolheu uma faca de descascamento fruta com a folha estilizada pelas infinitas vezes que tinha sido afiada. Era a faca original de pico de pássaro, pensou, recordando a custosa faca francesa que ela utilizava.
-Está você interessada nos Hanley?
Bailey titubeou antes de responder. O melhor seria revelar o menos possível.
-Não. Estou interessada nos anos sessenta e setenta do Calburn.
-Ah, então está interessada nos Seis de Ouro.
-Não tenho nem idéia do que ou os quais são.
-Seis meninos, graduados no instituto em 1953. Foram a única ocasião que teve Calburn para a fama. Mas então algum dom ninguém celosillo decidiu inventar-se histórias sobre eles e todo se desmoronou. -A voz do Violet denotava certa amargura.
Bailey sabia que Jimmie tinha nascido em 1959, assim que ele não podia ter sido um dos Seis de Ouro.
-Interessam-me datas posteriores a essas -disse de uma vez que enchia de água uma panela de alumínio para fervê-la e inundar os tomates antes de cortá-los.
-Em 1968 e um dos seis meninos disparou a sua mulher e logo se matou ele. Essa se aproxima mais à data que busca?
"Por então, Jimmie era muito jovem para ver-se envolto em um assunto como esse", pensou Bailey.
-Em realidade estou interessada na gente relacionada com minha granja -lhe informou.
-A verdade é que não sei nada sobre isso, mas conheço uma garota que viveu no Calburn. me alcance o telefone e verei se estiver em casa. Embora, claro, é uma chamada de larga distância -disse, e olhou a Bailey.
-Eu a nota promissória -disse esta. secou-se as mãos em um pano de cozinha e foi alcançar lhe o telefone. Era um aparelho negro de disco, e Bailey esteve a ponto de comentar que bem poderia estar em um museu. Violet marcou.
---Olá! Aqui Honeycutt. Tenho em casa a uma nova residente da selvagem e confusa cidade do Calburn e quer saber a história do lugar do velho Hanley. Ocorreu algo ali? Creio recordar que alguém disse algo em alguma ocasião. Estaremos aqui durante um momento, porque me está pondo em conserva os tomates -disse ao que parecia uma secretária eletrônica e pendurou-. Me chamará quando chegar e se houver algo que saber, ela saberá.
depois dessa declaração Violet não disse nada durante um momento tão comprido que Bailey compreendeu que pretendia ficar sentada e não fazer outra coisa que fumar-se seu néscio enquanto ela preparava o que possivelmente fossem cem quilogramas de tomates. E se para quando terminasse essa mulher não tivesse chamado ainda, intuía que apareceriam feijões verdes e morangos que também deveriam ficar em conserva.
-De acordo -disse Bailey com um suspiro-, me fale dos Seis de Ouro. -Tinha crescido em uma cidade pequena, assim sabia muito bem que todas e cada uma dessas populações estavam ligadas a alguma tragédia, e aos residentes adoram contá-la uma e outra vez. Possivelmente devia alegrar-se de que Jimmie não lhe tivesse deixado uma granja no Fall River, Massachusetts. De ter sido assim não tivesse encontrado uma só pessoa capaz de deixar acontecer a oportunidade de lhe falar do Lizzie Bordem.
Violet deu uma imersão profunda ao néscio e soltou a fumaça com a mais velha lentidão e capacidade de retenção da que parecia capaz. Era evidente que tinha muitas coisas que contar porque Bailey pôde cortar seis tomates antes de ouvi-la dizer:
-Agora é difícil de acreditar, mas faz anos Calburn era uma pequena cidade próspera. Tinha um par de indústrias, montões de lojas e inclusive um instituto. Mas o instituto se acendeu em 1952 e o piso superior ardeu por completo. Os bombeiros fizeram um relatório no que declaravam que os três pisos inferiores eram seguros, mas que o de mais acima não poderia utilizar-se. Como nessa planta superior era onde tinham suas aulas os mais velhas, todos eles deveriam partir em ônibus a outro instituto.
Bailey a olhou. A julgar pela forma rotineira em que contava essa história esteve segura de que o tinha feita centenas de vezes.
Violet fez uma pausa para dar outra imersão profunda.
-Todo isso passou antes de minha época -continuou-, claro está, mas me contaram que houve bastante animo na hora de decidir onde iriam os mais velhas. Nenhum instituto a menos de oitenta quilômetros a volta os admitia a todos, assim que os meninos foram divididos em grupos e enviados a quatro institutos da região. Mas quem quer que fizesse a divisão fez um mau trabalho, porque dos vinte que foram enviados ao instituto do Wells Creek só seis eram meninos e o resto garotas.
-Os Seis de Ouro -comentou Bailey enquanto se dirigia à cozinha para retirar os potes já esterilizados.
-Sim, os Seis de Ouro.
Bailey não soube se se tratava da lembrança ou da maconha, mas quando continuou seu relato os olhos do Violet tinham um aspecto sonhador e distante.
-Certamente eram de ouro. Eram uns moços magníficos. Não havia passado nem um mês desde que assistiam ao novo instituto quando salvaram a todos os estudantes da explosão de uma bomba.
-Nesta zona? Nos anos cinqüenta?
-Carinho, não deixe que lhe percam os detalhes. A gente de por aqui da Virginia, ama e odeia exatamente igual a no resto do mundo e disso sempre há. Agora só ouvimos o que acontece o mundo. Esse ano alguém tinha pirado dois armazéns perto do Calburn, assim que todo mundo andava um pouco nervoso. Então, uma segunda-feira pela manhã uma nuvem de fumaça negra começou a sair do instituto e tanto os estudantes como os professores se aterrorizaram. Foi o caos! Quem sabe o que houvesse passado se os seis meninos do Calburn não se lançaram dentro e tivessem acompanhado até a porta a todo mundo com absoluta tranqüilidade? Que a bomba resultasse um falso alarme não importa. Esses meninos! Não sabiam, como não sabia ninguém! -Havia rabia na voz do Violet, assim como desafio, como se tivesse que defender-se do que estava dizendo. Quando levantou a vista, encontrou-se com o olhar fixo de Bailey.
---Pode lê-lo no periódico da Virginia do dia seguinte e verá o relato desses moços -disse à defensiva, e acrescentou-: Foram heróis. Durante um tempo se falou de que foram receber uma medalha do presidente, mas não chegou a ocorrer.
-E então por que Opal, a do salão de beleza, zangou-se tanto?
-Instituto -a corrigiu Violet com um sorriso-. o do Opal é um instituto de beleza. Ainda parece uma forasteira, mas não tem que dar essa impressão.
Bailey começou a colocar os tomates nos potes esterilizados. Já que os tomates modernos têm um sob conteúdo de ácido, têm que manipular-se com cuidado, assim terá que deixá-los muito momento na água fervendo para evitar todo perigo de botulismo.
---Ao Opal acontece o que ao resto de nós. Está zangada com o T. L. Spangler. ouviu falar dela alguma vez?
---Não acredito. Deveria?
---A não ser que tenha vivido fora do país os passados cinco anos, sim, teria que conhecer seu nome.
Bailey não fez nenhum comentário. De fato os últimos dezesseis anos tinha vivido por todo mundo.
----Diz-lhe algo o nome da congressista Theresa Spangler?
---A verdade é que não.
---Onde esteve...? -começou Violet mas se conteve-. Está bem, nada de perguntas sobre você. Mas lhe advirto que a gente do Calburn o descobrirá tudo, assim não estaria de mais que o confessasse agora. -Deixou um pouco de tempo para que Bailey respondesse, mas quando viu que não o faria, lançou um suspiro e continuou-: A congressista Spangler é do Wells Creek, Virginia, a cidade mais próxima ao Calburn, aquela a que foram enviados os seis moços. Estava um curso por detrás da classe da graduação da dos Seis de Ouro. Ninguém sabe o que ocorreu, mas por alguma razão se picou tanto esse ano que, depois de graduar-se em seu pretensioso instituto, decidiu lançar-se a toda uma maquinação contra os meninos. veio-se ao Calburn e fez a todo mundo montões de perguntas. A gente acreditou que ia escrever um livro sobre quão geniais tinham sido esses meninos, assim que lhe contaram tudo o que recordavam. Mas ela não ia escrever algo agradável. Jo, se nem sequer ia escrever a verdade! Fez migalhas a esses pobres meninos. Disse que tudo o que tinham feito eram faróis, que não eram ninguém nem nada. Inclusive disse que acreditava que um dos meninos tinha incendiado o instituto para fazer-se passar por herói.
Por um momento Bailey se deteve com as tenazes na mão e Miro ao Violet. Tudo isto tinha ocorrido muitos anos antes mas ela parecia tão afetada como se houvesse passado na semana anterior.
-E o que ocorreu quando o livro foi publicado? -perguntou.
-O horror, isso é o que ocorreu. Pouco depois de que aparecesse o livro um dos meninos matou a sua mulher grávida e logo se matou. Outro tomou um ônibus e não retornou nunca mais. E outros não voltaram a ser os mesmos. Foi horrível o que essa mulher fez com eles. Eles já tinham tido sua parte de tragédia, isso o posso assegurar.
Bailey voltou para pia para recolher um tomate, enquanto Violet fechava os olhos e apurava o néscio. "Agora é o momento", pensou Bailey. Tremiam-lhe tanto as mãos que teve que agarrar-se à pilha. Por isso parecia, cada família tinha um segredo inconfessável, e no caso do Jimmie e ela, o que queria dizer agora, e dizê-lo em voz bem alta, era o seu.
Bailey respirou fundo e se lançou.
-Ouviu alguma vez falar de um menino do Calburn, nascido a fins dos anos cinqüenta, que tivesse o lábio leporino? -Bom, já o havia dito.
Violet não fez outra coisa que abrir os olhos e perguntar.
-Lábio leporino? Não que eu recorde, mas por então eu não vivia aqui. Não me mudei até 1970.
Bailey se mordeu o punho de raiva. Acabava de desvelar seu mais velha secreto sem nenhuma necessidade.
-É obvio, o arrumariam nada mais nascer, não? -comento Violet.
E antes de que Bailey pudesse responder soou o telefone. Violet gesticulou e assentiu com a cabeça para dar a entender que a chamada era de seu amiga e logo esteve ao telefone um bom momento. Mantiveram um largo bate-papo pessoal, em que Violet lhe perguntava como estavam seus filhos e escutava durante minutos inteiros. Quando por fim chegou às perguntas: sobre a granja do velho Hanley, Bailey tentou escutar todo o possível mas Violet se limitava a um "sim" ou a um "já vejo". Um par de vezes sorriu a Bailey, quem se girou para os tomates para dar a entender que não escutava.
Por fim pareceu que acabava a conversação e Violet estava a ponto de pendurar, quando disse:
-Conheceu no Calburn um menino que tivesse lábio leporino? Devia ser de sua idade.
Bailey conteve o fôlego enquanto escutava, mas tudo o que disse Violet foi:
-Até logo, e me faça saber como foi o recital da Katy.
Violet pendurou com suavidade e voltou a recostar-se na cadeira. Bailey sabia que estava esperando a que lhe fizesse perguntas sobre o que havia dito seu amiga, mas estava disposta a morrer antes que claudicar.
-Não lhe vai gostar de -disse ao fim Violet.
-por que não o comprova?
-Meu amiga me contou uma história que não tinha ouvido nunca embora como já lhe hei dito, não cresci aqui. De fato, meu amiga não soube até que foi adulta. -Titubeou-. Você não sabe fritar frango, vedem?.
Chantagem, pensou Bailey. Esta mulher a estava chantageando em troca, informação. Com uma careta, Bailey foi por volta da geladeira -quantos anos haviam passado desde que se deixaram de fazer com os ângulos arredondados?--- e a abriu. O congelador era um bloco compacto de gelo; a porta adoentado que o devia manter isolado se cansado fazia muito tempo. Nas prateleiras de abaixo havia meia dúzia de recipientes de plástico com substâncias de cor verde cinzenta imprecisa; o mau aroma era impressionante. Contendo a respiração, Bailey colocou a mão dentro, agarrou uma bolsa de plástico que continha algo com um vago parecido a um frango e fechou rapidamente a porta da geladeira. dentro da bolsa havia um mal depenado frango com cabeça e patas. Não só ia ter que cozinhá-lo, mas também também lhe tirar as plumas das patas e trocearlo.
-Mas, vamos ver, Violet -disse sem indício de animosidade na voz-, é você a pessoa mais preguiçosa da terra ou há outros candidatos ao título?
-Ainda não encontrei a ninguém que me supere -disse Violet com alegria enquanto agarrava outro néscio.
Bailey revolveu na despensa até que encontrou umas batatas que não estavam podres e um bote de farinha. Também havia latas de comida, que levou a cozinha e deixou cair pesadamente sobre a mesa, diante do Violet.
-Entendo que as calorias não são uma de suas preocupações -disse, para receber um bufo como resposta-. Está bem. Um almoço em troca de informação. O que lhe contou seu amiga sobre minha granja?
-Sua tia avó lhe contou a história e disse que não havia ninguém que soubesse tudo. A granja pertencia a uma mulher a que nenhuma pessoa da cidade queria. Tinha dois filhos... -deteve-se quando Bailey a olhou bruscamente-. Não, nenhum dos dois tinha lábio leporino, nem ninguém que meu amiga recorde. Além disso, creio que tudo isto passou em sua granja faz muito tempo, muito para as datas que lhe interessam, assim que esses meninos não têm nada que ver com o homem ao que busca. -Fez uma pausa, sorrindo com ar de satisfação por ter imaginado tanto a partir do pouco que Bailey lhe tinha contado.
"De qualquer maneira, a mulher partiu durante um tempo e voltou casada com um forasteiro. Meu amiga diz que acredita que se chamava Guthrie ou um pouco parecido. Eu quero meu frango com mais pimenta que a que pôs -disse quando Bailey polvilhou de sal e pimenta a farinha para empanar o frango.
-Siga -disse Bailey enquanto jogava mais pimenta.
-Meu amiga (seu nome é Gladys), bom, Gladys diz que o homem era um gigante, grande, volumoso e um pouco atordoado. Diz que quando a mulher (não recorda seu nome) comprou a granja era um lugar ruinoso e que como ela tinha um trabalho na cidade, esteve assim durante anos. Mas depois de casar-se, seu marido voltou a levantá-la. Gostará disto: Gladys me há dito que sua tia lhe contou que esse homem fazia geléias e encurtidos. Diz que estava acostumado a vendê-los no armazém geral do Calburn.
Por um momento Violet voltou para seu néscio e observou como Bailey fritava o frango em azeite e logo punha a fritar batatas em outra grande frigideira de ferro coado.
-E então, qual é a parte que não me ia gostar? -perguntou Bailey.
-Gladys diz que não recorda todos os detalhes, mas que sua tia lhe contou que a esposa começou a viver uma aventura com um colega de trabalho. E que quando lhe disse ao marido que se divorciava e que ele tinha que ir-se da granja, o pobre tipo se foi ao estábulo e se pendurou.
Bailey se deteve com a escumadeira no ar.
-Em meu estábulo? -perguntou com estupor.
-Isso. Já lhe disse que não ia gostar de lhe.
Durante uns minutos Bailey removeu o frango no azeite quente e pensou nesse pobre homem. Tinha tido a sensação de que na granja tinha vivido alguém que tinha amado de verdade esse lugar. Graças a seu matrimônio, aquele homem tinha encontrado um sítio maravilhoso para cultivar as coisas que gostava. Inclusive tinha conseguido vender o que fazia. Mas então se inteirou de que sua mulher adúltera ia despojar lhe de tudo. E se era uma pessoa singela, não podia ter a esperança de chegar a ganhar o suficiente para comprar sua própria granja. Era uma história terrível, pensou.
Como Bailey se ficou em silêncio, Violet disse:
-Não devesse tomar-lhe tão a peito. Todos estes velhos lugares estão carregados de histórias. Um par de anos antes de que meu marido comprasse este lugar, ao velho proprietário lhe caiu uma serra mecânica sobre o pé. E o cortou em seco.
-Mas o suicídio... -disse Bailey em voz baixa enquanto comprovava a fechadura hermética dos potes de tomates. Todas as tampas menos dois tinham baixado, o que demonstrava que se feito o vazio.
-Ocorre. E, como já hei dito, passou faz muito tempo. Quem sabe? Possivelmente estava doente, ou algo assim. Nunca sabemos o que se esconde no coração humano.
---E o que ocorreu depois? -perguntou Bailey enquanto vigiava o frango,
Violet riu entre dentes.
---Gladys conta que depois de que o marido se matou, a mulher agarrou a seus filhos e partiu da cidade. Diz que sua tia insinuou que o homem com o que projetava casar-se já tinha mulher, assim é possível que depois de todo lhe dissesse que não ia casar se com ela. Ou também pode ser que se o repensara depois do suicídio. Vá um ou seja!
-Vendeu ela a granja?
---Gladys não sabe -disse Violet-. Diz que essa casa esteve vazia durante toda sua vida, mas também é verdade que isso acontece com um montão de casas no Calburn.
-Esta cidade está vazia, verdade? -aproveitou Bailey para informar-se. Estava abrindo uma gaveta atrás de outro em busca de papel de cozinha para secar o frango, mas não encontrou em nenhum sítio. A metade das muitas gavetas estava cheia de pacotes de pão vazios, alguns deles bastante velhos. Podia ser que os pacotes de pão chegassem a obter status de antigüidade?, perguntou-se. Na despensa encontrou uns guardanapos de papel com a lenda "feliz aniversário, Chuckie", assim que as levou a cozinha.
-As guarda por algum motivo sentimental? -perguntou.
-Se conseguir algo grátis é sentimental, então sim.
Bailey lavou um prato descascado, cobriu-o com os guardanapos do aniversário e logo pôs o frango e as batatas fritas para que escorressem o azeite.
-por que Calburn está meio vazio? -insistiu Bailey enquanto sérvia em um prato milho e ervilhas com nata (encontrados em latas na despensa), batatas fritas e frango frito, e o tendia ao Violet.
-Quer unir-se a mim? -disse, deslocando-se a uma cadeira ao outro lado da mesa.
Bailey desceu a vista à comida e soube que se começava não poderia parar. O que teria a comida da infância que a fazia tão visceralmente atrativa? Mas também conhecia a quantidade de calorias que continha um almoço como esse.
-Não, obrigado -respondeu de uma vez que se sentava na cadeira-. me Fale do Calburn.
---É bem singelo -disse Violet-. Uma auto-estrada nova. Esteve em dúvida se ia passar pelo Wells Creek ou por aqui. Eu creio que alguém subornou a alguém, e Calburn perdeu. Um ano depois de que se acabasse de construir a auto-estrada, Calburn era quase uma cidade fantasma, enquanto que Wells Creek se enriquecia. Teria que dar uma volta por ali e vê-lo. Tem -disse com desdém- boutiques. Lugares de capricho nos que vendem jaboncitos em forma de corações. E lojas nas que oferecem vestidos que custam mais que o que eu ganho em um ano. Inclusive lhe trocaram o nome à cidade e lhe puseram a refinação do Welborn. Não lhe parece uma macacada?
-Welborn? -repetiu Bailey com ar pensativo.
-Claro. Como na Austrália, mas sem a E.
-Creio que ouvi falar desse lugar. Não há algo aí? Algo que atrai turistas?
Violet respondeu sem deixar de mastigar ervilhas e milho. e,
-Afas emales -disse.
---O que?
Por fim tragou a comida e pôde dizer:
-Têm um pouco de águas termais por aí, mas...
-Ah! Isso! -disse Bailey-. As águas termais do Welborn. Muita gente vai aí. ouvi dizer que é um lugar maravilhoso. Eu queria ir mas Jimmie... -Sua voz se afogou.
-Seu marido morto?
Bailey assentiu com a cabeça. Jimmie se tinha negado a ir às águas termais da Virginia que lhes tinham recomendado alguns amigos de confiança. A senhora X ou alguém tinha assegurado que as águas lhe tinham curado completamente a artrite. Bailey tinha tido a esperança de que uns quantos dias de encharcamento em água quente ajudaria ao Jimmie a relaxar-se, mas ele nunca quis saber nada disso. O fato de que não fossem era tão insólito que Bailey lhe tinha perguntado por que. O semblante lhe escureceu por um momento, logo se pôs-se a rir e disse que se queria águas termais a levaria a Alemanha ou a algum lugar exótico. "Mas não a um lugar perdido da Virginia rural", havia dito de uma vez que a fazia levantar e beijando-a no pescoço obtinha que deixasse de fazer perguntas.
-Você nas águas termais? -perguntou Violet.
-OH, sinto-o -disse Bailey-. Só recordava algo. Uy, tenho que partir. Tenho que...
-lhe preparar o jantar a essa boa moço que é Matt Longacre. Ainda não se foram à cama de armar juntos?
---Cada momento que possamos -disse Bailey enquanto ficava de pé---. Somos verdadeiros coelhos.
Violet soltou uma risada aguda e logo se voltou na cadeira para contemplar os muitos potes de tomates que Bailey tinha preparado e os restos do frango e as verduras que lhe tinha cozinhado.
-Volte sempre que quiser saber algo.
---A próxima vez me trarei um ajudante de cozinha -comentou Bailey. Algo que fez rir ainda mais ao Violet.
-Espere um momento -disse Violet, enquanto se levantava da mesa---. Como foi tão boa garota, tenho algo que lhe dar.
-Não, maconha não! -exclamou Bailey.
-Dá-lhe medo que lhe afrouxe as porcas e começar a enrolar-se com esse pedaço de tio que se muda com você? -repôs Violet enquanto lhe tendia um manuseado livro de bolso.
-Dá-me mais medo ser condenada a prisão -respondeu Bailey de uma vez que agarrava o livro e o olhava. Os Seis de Ouro, do T. L. Spangler. "Foram homens gloriosos ou os instigadores de um grande engano?", lia-se como subtítulo.
-Leve-lhe e leia-o -disse Violet com uma piscada-. Possivelmente lhe ofereça distração quando de noite estiver sozinha na cama. -Sacudiu a cabeça-. São uma geração de tolos. Em meus tempos nós...
-Não tinham sida, nem herpes, nem problemas morais, por isso sei -rematou Bailey com tom agradável.
Violet não se ofendeu.
-Esse Matt Longacre poderia fazer que uma monja esquecesse seus votos -acrescentou.
-Considerarei-o antes de fazer meus -respondeu Bailey quando já saía, sorridente. Mas ao Violet havia mudado a cara e tinha um gesto estranho, assim perguntou-: Lhe acontece algo? -E se passou a mão pelas bochechas antes de acrescentar-: Tenho farinha na cara?
-Não, não tem farinha. Só que por um momento pensei que a tinha visto antes. É provável que seja a erva. Vá-se a casa e cuide desse homem.
Bailey se afastou sorrindo. Levantou a vista para as árvores. Violet Honeycutt era preguiçosa, manipuladora, poderia ser levada ao cárcere em qualquer momento e em ocasiões era bastante grosseira, mas sentiu que acabava de fazer uma amiga.
No carro lançou o livro ao assento do lado e arrancou. Eram as três da tarde, não tinha comido e ainda tinha que comprar algo para fazer o jantar ao Matt. Possivelmente devesse parar na granja desse agradável senhor Shelby para ver o que tinha, além de coelhos e pombinhos. Tinha sido o pôster de "Coelhos em venda" o que tinha feito que se detivera nesse colocado da estrada e não em outro. Se não recordava mau, ao fundo tinha visto um cultivo de couve frisada verde.
8
Matt estacionou a caminhonete à sombra de uma árvore, perto do Toyota de Bailey, apoiou a cabeça no respaldo e fechou os olhos. Haviam passado as oito da tarde e se sentia esgotado. Não estava acostumado a trabalhar na construção. Havia passado muitos anos sentado em um despacho, diante de um computador ou de uma mesa de desenho. As visitas às obras eram rápidas e nada trabalhosas. Mas se queria ser justo consigo mesmo, devia reconhecer que hoje tinha apertado a sério. Tinha dirigido a seus dois sobrinhos até o ponto de que ameaçavam amotinando-se, mas precisava acabar o trabalho e ter livre o fim de semana, assim fez em um dia o trabalho de três. que seu irmão e seus sobrinhos lhe tivessem ajudado a levar seus coisas à casa de Bailey durante a hora da comida não tinha reduzido a fadiga.
Certamente não serve de ajuda que Patsy lhe tivesse chamado ao móvel seis vezes com o passar do dia. Para quando soou a que devia ser a quinta chamada, já estava a ponto de esmagar o aparelho.
-Será melhor que esta seja boa, Patricia -disse quando ficou de pé no telhado e respondeu.
-há-se passado o dia inteiro com essa horrível velha, Violet Honeycutt -lhe avisou Patsy.
-Bailey, se for a ela a quem te refere, não pode haver passado o dia inteiro ali, porque já me contaste que há passado a manhã inteira com o Opal, a fofoqueira número um do Calburn. Assim a ver se te esclarece
-Sabe exatamente o que quero dizer, Matthew Longacre, assim não te faça o listillo comigo. E cuida de que meus meninos levem postas as camisas e o amparo solar.
Matt desceu a vista para o chão. Seus sobrinhos, os grandalhões, não levavam camisas e nesse preciso momento bebiam água em garrafas de plástico e deixavam que jorrasse por seus musculosos e bronzeados peitorais. Tinham visto algumas pedaças fazer isso na televisão e que as garotas se voltavam loucas. Assim agora, meia dúzia de adolescentes no pátio do outro lado da rua tratava de aparentar que não olhavam a exibição do Joe e John.
-Sim -disse Matt ao telefone-. Lubrificarei de nata protetora a seus bebês cada quarenta e cinco minutos. Patsy, tenho trabalho que fazer. Não disponho de tempo para escutar tudo o que faz minha caseira.
-Ah! Então supondo que não quererá saber que depois de deixar a casa do Violet Honeycutt visitou a do Adam Tillman.
-Que fez o que? -exclamou Matt com tanta força que seus sobrinhos deixaram de lançar-se água. Em realidade, disse-o tão alto que as garotas ao outro lado da rua deixaram de dissimular que olhavam aos meninos e se fixaram diretamente no Matt, que estava em cima do telhado.
-Não, não foi -disse Patsy com suavidade-. Mas poderia havê-lo feito. Digo-lhe isso, Matt, seria melhor que não deixasse que esta se largue. assim, ides vir os duas na sábado?
-Patsy -disse Matt com calma e uma paciência exagerada-, logo que conheço essa mulher. Por isso sei, tem amigos nesta zona. Possivelmente pense passar o fim de semana com eles.
-Então isso significa que será melhor que te dê pressa e a ganchos. OH! O cronômetro do forno soou. Tenho que ir.
Matt cortou com brutalidade e contou até dez. Então gritou a seus sobrinhos que voltassem para trabalho. Os gritos lhe ajudaram a aliviar a ira, mas não muito. Condenada Patsy! Entremetida! É que não tinha apressado a Bailey com a mais velha celeridade possível? Tinha-a conhecido ontem e esta tarde já se mudava a sua casa. Inclusive assim não era suficientemente rápido para sua cunhada.
-Não durará muito -tinha comentado Patsy à hora do almoço, enquanto ajudava ao Matt a pôr seus pertences em caixas-. Não ficará no Calburn muito tempo. Aborrecerá-se e partirá. Tem que te esforçar ao máximo agora.
---Se estiver fora de sua casa, o que pode te importar com quem me mesclo?-soltou-lhe Matt.
Patsy levantou as mãos para significar que em sua vida não tinha visto um homem mais estúpido.
---Diga-lhe você, Rick -implorou Patsy-. Eu não posso falar com ele.
Rick tomou a palavra.
---Bom, né, Patsy crie, isto, quero dizer, todos acreditam que... -girou-se para sua mulher e lhe disse-: É muito melhor que eu na hora de explicar as coisas, carinho. -Olhou a seu irmão e se encolheu de ombros. Não tinha nem idéia de por que ela pressionava tanto a seu irmão.
Patsy utilizou um tom de incredulidade diante o fato de que Matt não compreendesse o que era evidente.
-Porque, querido irmão político -explicou-, quem quer que seja a pessoa com a que te mescle, como você diz, converte-se em parte de nossa família. Celebramos juntos os Natais e o dia de Ação de Obrigado, as núpcias e os enterros. -Ao dizer isso Fechou os olhos-. Olhe o que fez a última vez.
-Já -replicou Matt-. Vejo o que quer dizer. -Seu anterior algema não tinha participado de nenhum assunto familiar. Matt se tinha mantido afastado da família de seu irmão durante todos os anos que esteve casado. Se ia ver os, o fazia sozinho. Um encontro entre o Patsy e Cassandra tinha sido mais que suficiente para ambas.
-Esta é agradável -continuou Patsy, lhe fazendo saber, uma vez mais, o que pensava de sua ex-mulher-. Ao Opal adora. Inclusive deu a ela e a essa filha que tem um pouco de sua geléia, e teria que prová-la!
-Sabe cozinhar -disse Matt com um ligeiro tom reverencial-. Sabe cozinhar -repetiu.
Algo mais tarde, os irmãos baixavam as caixas pela escada à caminhonete do Matt.
-Ao parecer, a viúva não se tem voltado louca com o Patsy e Janice, não acreditas? -sussurrou Rick.
Matt assentiu. depois de que Cassandra se encontrasse por uma só e única vez com sua cunhada, havia dito: "Esperas que pretenda que há só uma pessoa na habitação quando há dois? Isso é absurdo. Não voltarei a visitar seus parentes." E isso tinha sido tudo. Nada do que pôde chegar a dizer seu marido a fez retratar-se.
Agora, Matt desceu e se encaminhou para a casa. surpreendeu-se ao perceber quão desiludido estava de que Bailey não tivesse saído a recebê-lo.
-Olá. Há alguém em casa? -chamou, sentindo-se um pouco estranho por entrar sem bater na porta. Essa tarde, quando tinham levado seus escassas pertences, ela não estava ali. Ao longo de todo o dia Patsy e sua cadeia de informantes o tinham colocado à corrente dos movimentos de Bailey.
Na casa havia um aroma a forno e panelas maravilhoso e acolhedor, mas ela tampouco estava na cozinha. Na porta da geladeira havia uma nota: "O jantar está no forno." Era a primeira vez que via sua caligrafia gostou: fácil de ler, bastante pequena, poda e clara. "Como ela", pensou sorridente.
-Bailey? -chamou, e logo pensou que possivelmente ela queria que a chamasse de alguma outra maneira. Atravessou o vestíbulo e quando viu que a porta de seu dormitório estava entreabrida, abriu-a do todo-. Bailey? -insistiu, agora em um tom mais baixo. Não obteve resposta e a porta aberta do quarto de banho lhe demonstrou que tampouco estava ali.
Teria saído?, Pensou. Lhe teria feito o jantar, segundo o acordo e logo o teria deixado para que comesse sozinho?
Matt decidiu que a próxima vez que visse o Patsy ia retorcer lhe o cangote. Estava-lhe fazendo acreditar que entre a viúva e ele havia algo e que devia atuar sem perda de tempo.
Sacudiu a cabeça para esclarecer-lhe voltou para a cozinha e abriu o forno. Dentro havia um grande prato e uma terrina, ambos os talheres com papel alumínio. Tirou o prato e retirou o papel. Continha dois filetes de pescado ligeiramente empanados e salteados; ao redor tinha um molho vermelho, que ao provar notou muito picante. O pescado tinha uma guarnição do que parecia couve frisada da de antes, a que já não se vendia nas lojas e que não tinha voltado a provar desde que era menino. Ao lado tinha algo que pareciam cebollitas. Eram-no. Cebollitas caramelizadas!
Senhor!, Exclamou para seus adentros. Como podia chegar a cozinhar essa mulher!
Levava já meio prato mais ou menos quando voltou a perguntar-se onde de estaria Bailey. Seguindo um impulso, abriu a porta da grande despensa contigüa à cozinha e ficou sem fôlego. No dia anterior estava vazia, mas agora havia muitos potes nas prateleiras; todos eles cheios e etiquetados. Entrou e os percorreu com a mão. Na prateleira debaixo da janela havia um grande recipiente de cristal cheio de cerejas com aspecto de recém recolhidas, nadando em um líquido transparente. "Cordial de cerejas", lia-se na etiqueta. Nas prateleiras da parede havia potes com um líquido escuro e cujas etiquetas rezavam "Licor de amoras". Havia botes de cenouras envoltas em especiarias de todo tipo com um líquido muito apetecível. "Geléia", "Conservas", "Chutney de tomates verdes", leu.
Matt saiu da despensa, incapaz de lhe dar uma explicação a todo aquilo. Aquela mulher era uma mescla entre pioneira e menina.
De novo na cozinha, acabou-se o prato, e logo tirou a terrina do forno. Era pudim de pão, uma das sobremesas que mais gostava. Tinha grandes passa e estava coroado com um morno caramelo de pudim. Provou-o e pensou que ia desvanecer se, logo teve que rir de si mesmo pela palavra antiquada que lhe tinha ocorrido. Serviria o cordial de cerejas para reviver?
Com a terrina na mão, abriu de um empurrão a porta mosquiteira que dava ao exterior e saiu. Ainda não era época, mas logo ia chegar o calor. Levantou a vista para o moral.
-Você sabe onde está? -perguntou-lhe, e sorriu quando a brisa moveu as folhas como assinalando o atalho. Dirigiu o olhar nessa direção, através dos matagais e os ramos baixas das árvores, e pôde ver um pouco de cor amarela perto do lago dos peixes. A camisa de Bailey.
-Obrigado -disse Matt ao velha árvore com um sorriso.
Seguiu as voltas e revoltas do atalho de pedra até chegar aonde estava Bailey, inclinada sobre a terra. Estava plantando algo verde e pequeno que tirava de um molho.
Matt ficou de pé detrás dela e observou seu trabalho. Era uma mulher muito atrativa. Muito. Mas seu atrativo não era o habitual. Havia algo nela que o fazia sentir-se bem. Não era a classe de mulher que voltava louco de desejo a um homem, a não ser a que faz pensar em veladas tranqüilas diante do fogo de uma chaminé. O fazia pensar na chegada a casa do trabalho com vontades de lhe contar tudo o que lhe tinha ocorrido. O fazia pensar... bom, em meninos e em capturar vaga-lumes e as colocar em botes de cristal, e em agarrá-la a ela e aos meninos e rodar juntos pela erva, colina abaixo.
Ao Matt nunca tinha gostado de manifestar seus sentimentos mais íntimos, assim não tinha podido lhe contar ao Patsy que atuava lentamente com esta mulher porque a considerava muito especial para fazer um mau movimento.
-O jantar estava delicioso -comentou em voz baixa, e lhe agradou que sua voz não a fizesse saltar de susto.
-Me alegro de que lhe tenha gostado de -disse ela-. É provável que saiba que o senhor Shelby cria peixes em um depósito detrás de sua casa.
Matt se sentou no chão, a curta distância dela, e observou que alguém ia ter que cortar a erva do grande prado e as zonas de grama que tinha que tanto em tanto. Pensou que não estaria de mais uma boa informação sobre máquinas de cortar grama.
-Não posso dizer que muita gente dos arredores saiba grande coisa sobre o Shelby. Sua escopeta é de grande ajuda na hora de manter afastada às pessoas -comentou Matt. Observou que ela ia dizer algo, mas não o fez e seguiu com sua plantação-. O que está plantando?
-Morangos. Comprei-as ao senhor Shelby. as de produção continuada estão ali e as de junho nesta caixa.
-Qual é a diferença? -perguntou Matt.
Ela não levantou a vista para lhe responder.
-A ver se o adivinha.
Matt sorriu e conjeturou:
-Vejamos, aquelas dão morangos em todas as estações e estas só em junho. Correto?
Bailey se deslocou para a seguinte fileira.
-Correto -confirmou-. E antes de que você me pergunte, contarei-lhe que é necessário que todos os frutos maturem de uma vez, para confeitá-los.
-E todo isso onde o aprendeu? -inquiriu Matt, agitando a mão em direção à casa.
-Quando era menina. Minha avó fazia conserva por necessidade e eu o faço porque eu gosto.
Matt esperou a que continuasse, mas como não o fez seguiu sentado ali, observando-a. Não a conhecia muito bem, mas parecia que estivesse pensando algo a fundo.
-Há-lhe dito algo Violet que a tenha incomodado? -perguntou.
Bailey se tornou para trás sobre seus talões e se tirou o barro das mãos antes de responder.
-Parece-me que terei que me acostumar outra vez aos habitantes das pequenas cidades. Assim que todo mundo sabe que fui a ver o Violet Honeycutt?
-Estou seguro de que assim é, mas dou é obvio que não foi a comprar erva, embora a tenha de boa qualidade. Quão melhor hei... bom, quero dizer, que ouvi... -Interrompeu seu comentário com uma risada e tomou a última parte de pudim.
Ela se inclinou sorrindo e seguiu plantando.
---Sabia que um homem se pendurou em meu estábulo? -perguntou.
---Sim. Mas isso não a vai espantar, verdade? -"E fazer que se vá", queria acrescentar, mas não o fez.
-Não, mas não deixo de pensar nesse pobre infeliz. Sei como pôde sentir-se. Amava a terra e o que ela produz. Mas tinha que apartar-se dela -Fez uma pausa-. Pobre homem.
-Sim, houve muitas tragédias no Calburn.
-Já. Inteirei-me que os Seis do Calburn.
-Os Seis de Ouro -corrigiu Matt de maneira automática.
-Isso! -exclamou Bailey, girando-se para olhá-lo-. Aí está de novo.
-O que? O que é o que está de novo?
-Esse tom de voz. É que canonizaram a esses meninos? Na barbearia... Perdão, no instituto de beleza, acreditei que Opal ia acusar me de heresia por não saber nada dos Seis de Ouro. É que esses moços foram tão importantes?
Matt esteve a ponto de dizer "para mim sim o foram", mas se conteve.
-A gente do Calburn se tem voltado desconfiada. Têm medo do que digam os forasteiros sobre a cidade -explicou-. Esse livro, Os Seis de Ouro, fez muito machuco a esta cidade. Não se vendeu bem, mas quando apareceu recebeu certa atenção por parte da crítica e durante um tempo chegaram ao Calburn alguns turistas fazendo perguntas.
-Parece triste que alguém escrevesse sobre semelhante desgraça.
-Sim e não -disse ele-. Supondo que depende de como se olhe. No Calburn a gente tende a pensar que eram seis jovens magníficos, mas que sua sorte trocou.
-E visto do outro lado?
-Que tudo foi um engano preparado por uns quantos moços imaginativos. Seja qual seja a verdade, durante um tempo tudo o que tocavam parecia converter-se em ouro, mas depois de que se graduaram a sorte pareceu lhes dar as costas. Ou possivelmente sua sorte estava ligada ao Calburn.
-Eu acreditava que todos viviam aqui.
-Alguns sim; outros se foram. Mas no verão de 1968, quando Frank matou a sua mulher e logo se suicidó, estavam todos no Calburn.
-Sabe a gente por que o fez?
--Mais ou menos. Tinha tido um acidente de carro quatro anos antes e perdeu o uso de seu braço direito. Os três anos seguintes esteve sem trabalho. Ao final conseguiu emprego como guarda de segurança noturno e pareceu que todo se reconduzia, mas...
-Violet me contou que sua mulher estava grávida.
-Sim. A autópsia demonstrou que o estava. A partir daquilo todo mundo supôs que o menino não era filho do Frank. Era um homem orgulhoso, assim possivelmente não queria passar por tal humilhação.
-E por isso matou a sua mulher e logo se suicidó...
Matt não fez nenhum comentário a essa intervenção tão redundante. Em troca, olhou-a e perguntou:
-por que está tão interessada?
-Não o estou. Quero dizer, embora possa parecer insensível, que não estava interessada neles. De fato, perguntava ao Violet por esta granja, por quem era seu proprietário e esse tipo de coisas. Opal enviou ao Violet.
-Opal odeia ao Violet. Nunca lhe tivesse enviado -replicou Matt.
-Perdoe. Foi sua filha Carla a que me disse isso. Ou melhor dizendo, escreveu-me isso em uma nota. por que odeia Opal ao Violet?
Agora que haviam mudado de tema, Matt voltou a relaxar-se e se tornou para trás apoiado nos braços.
-Violet não foi sempre como agora.
-Mas como?
-Adivinhe-o.
-Ah. O grande ecualizador: o sexo.
Ao Matt gostou de observar que, quando disse a palavra, olhou-o pela primeira vez como uma mulher olhe a um homem. Supôs que gostava do que via porque lhe ruborizaram um pouco as bochechas. A luz estava apagando-se, mas viu como lhe trocava a cor e logo se voltava para os morangos.
-por que quer saber sobre a granja?
Matt escutou a história que Patsy já lhe tinha contado sobre o marido morto que lhe tinha deixado essa granja. Mas enquanto ouvia as palavras, atendia mais ao tom de voz. Quando disse "meu marido" não parecia que estivesse falando de alguém morto. A impressão era que ia aparecer em qualquer momento pelo atalho.
-Posso confiar em você? -perguntou, voltando-se para olhá-lo a tênue luz do pôr-do-sol-. Você não... -começou, mas a expressão dele fez que não lhe perguntasse se o contaria a toda a cidade.
Por um momento ele vacilou. Lhe ocorreu que essa mulher levava nas costas um grande secreto e que calibrava quanto podia lhe contar. Em suas mãos estava havê-la tranqüilizado, mas não o fez. Queria que fora ela a que se decidisse.
---Quero saber sobre meu marido -disse ao fim-. estive casada com ele durante anos e pensava que o conhecia, mas sempre manteve silêncio sobre sua infância. Era algo que faltava entre nós. Inclusive, depois de morto, disseram-me que me tinha deixado isto. -Fez um gesto assinalando à granja-. Para mim não tem sentido. por que se negou a me dizer nada quando estava vivo e logo me deixa este lugar e uma nota em que me pede que descubra "o que realmente passou"? Se queria que eu soubesse sobre ele, por que não me falou disso? -Desceu a vista a suas mãos, mas logo voltou a dirigi-la para o Matt-. É muito estranho ter estado unida a um homem para logo descobrir que em realidade não havia muita confiança. Semanas depois de sua morte não sabia nada deste lugar. Não tinha visto nenhuma foto, nem um papel, nada.
Matt observou como tratava de manter suas emoções sob controle, e admitiu que ele fazia outro tanto. Incongruentemente, estava ciumento desse marido morto.
-O que sabe você sobre computadores? -perguntou, e viu que a pergunta a desconcertava.
-Tanto como você de morangos.
-Nada sobre Internet?
-Bom, em realidade -disse Bailey com um sorriso-, a mulher do advogado do Jimmie me ensinou a comprar coisas por Internet.
-Vá, bom, me ajude. Se formos ao piso de acima e instalamos o computador, veremos o que possamos tirar claro sobre este lugar.
-Tirar claro? -perguntou ela com os olhos muito abertos.
-Sim. vamos ver quem tem o título de propriedade desta granja.
-Mas... -começou ela.
-De acordo -repôs ele, ainda sentado e com a vista levantada para ela-. vamos pôr uma coisa em claro entre nós. Pode que eu tenha nascido e crescido em uma cidade pequena, mas não se o conto todo a todo mundo. -Levantou a mão e acrescentou--: Juro que o que descubramos ficará entre nós. Embora averigüemos que é você a neta do Lizzie Bordem.
---O que acontece? -perguntou quando ela se desternilló de risada.
-Nada, é só um pensamento que tive hoje.
-Pois, conte-me isso e compartilhemos as gargalhadas.
Levou-lhe um momento decidir-se, mas logo lhe contou que se havia sentido contente de que seu marido não lhe tivesse deixado uma granja na cidade natal do Lizzie Bordem.
-Esses moços da secundária seriam o bastante maus, mas se imagina ao Lizzie Bordem?
Matt teve certas dificuldades para encaixar que os Seis de Ouro ficassem reduzidos a "esses moços da secundária", mas admitiu:
-Vale. Chegamos a um acordo?
-assim, posso confiar em que não contará ao Patsy ou Janice nada do que possa descobrir sobre mim? ?
-Sobre você ou sobre seu defunto marido? -perguntou ele, brincando.
-Ambos -respondeu ela-. Somos o mesmo.
Ao Matt levou um momento digerir essa declaração, mas ao fim prometeu:
-Juro-o pelo mais sagrado.
-E o que passará se Patsy interroga a bocajarro e sem rodeios?
-Serei um mudo a bocajarro e sem rodeios -respondeu-. E não será a primeira vez. Bem, vai seguir me fazendo perguntas ou vamos começar a procurar? Né! -exclamou dando uma palmada na frente.
-Um mosquito -comentou ela, divertida-. Venha, vamos.
Matt tentou levantar-se, mas uma dor lhe atravessou a perna e voltou a sentar-se com um grunhido.
-Está ferido? -perguntou ela.
-É um milagre que não esteja morto. Um dos idiotas de meus sobrinhos tentou hoje ajudar a uma garota a baixar um gato de uma árvore.
---E?
Matt levantou a vista para ela.
-utilizou uma escada para fazê-lo.
---E?
-Era minha escada. Eu estava no telhado de uma garagem... e o gato em uma árvore três maçãs mais à frente.
-Está-me dizendo que um de seus sobrinhos sabia que você estava no telhado, mas se levou a escada e o deixou na estacada?
-Disse que acreditava que eu estava em minha caminhonete, mas creio que me devolvia o da água.
Quando Matt fez um segundo intento fracassado por levantar-se, Bailey lhe tendeu a mão. O se agarrou e se levantou aparatosamente, exagerando todo o possível.
-Terá que me ajudar a caminhar -comentou.
-Tome, aqui tenho um azadón. Use-o como fortificação -disse ela.
---Desmancha-prazeres -resmungou Matt, sorrindo e coxeando enquanto caminhava detrás dela para a casa. Bailey levava as mãos cheias de utensílios de jardinagem.
---O que é o que fez com a água? -perguntou.
---A tirei -disse, enquanto se levava a mão à parte baixa das costas e mancava.
-Não me vai contar isso se não o rogo, verdade?
-Rogar... Hmm, não é má idéia.
---Sabe que encontrei algo na casa? -trocou ela de tema-. Uma caixa de receitas.
-Sim? -perguntou Matt, decepcionado de que ela não tivesse querido escutar sua história.
-Sim. Continha algumas receita que eu gostaria de provar. Coisas como frango frito, escalopes de frango, molho para espaguete feita com tomate Campbell e um pouco chamado "bolo surpresa de carne".
Isto último fez que ao Matt lhe arrepiasse o pêlo da nuca.
-Você ganha! -disse rapidamente-. Lhes tirei a água de beber a meus sobrinhos porque a estavam desperdiçando ao verter-lhe pelo corpo. -Viu que ela não entendia, mas tampouco era sua intenção que o entendesse.
Enquanto isso, chegaram à casa.
-Vertendo-se água? -perguntou-. Quer dizer como os bebês?
-Verá. me deixe demonstrar-lhe adiantou-se para abrir a porta-. Espere aqui e trate de recordar como o fazíamos aos dezesseis ou dezessete anos --acrescentou.
Entrou na casa, agarrou o copo mais comprido que encontrou e o encheu de água na pilha. Sabia que o que estava a ponto de fazer era vergonhoso, mas, bom... desabotoou-se a camisa, a tirou e a deixou em um rincão do móvel da cozinha. Por uma parte detestava o trabalho exaustivo da construção, mas por outra, de tanto subir escadas e levantar blocos de cimento tinha conseguido estar orgulhoso de seu corpo. Acendeu a luz da porta traseira e saiu.
Aparentou não ver como ela abria os olhos de par em par ao vê-lo com o peito nu e levantou o copo para os lábios.
-As garotas estavam ao outro lado da rua -disse- e meus sobrinhos tinham o torso nu e bebiam. Assim. -Deixou que a água corresse por seu peito enquanto se passava a mão lentamente-. O vê? -acrescentou-. Isto é o que tive que suportar todo o dia de hoje.
-Já vejo -comentou ela em um tom que o fez sentir-se estúpido- Sabe?, ontem à noite estive levantada até muito tarde, assim não me parece boa idéia o de instalar o computador. De fato... -Interrompeu-a um grande bocejo-. OH, sinto muito. De fato creio que irei à cama agora mesmo.
Dito o qual se meteu na casa e Matt ficou fora sem camisa e com a parte dianteira das calças molhada, enquanto ao menos oito mosquitos lhe assaltavam as costas. Não sabia bem o que tinha feito mal, mas em algo se havia equivocado.
Entrou na casa suspirando, apagou a luz do alpendre e se assegurou que todas as portas estivessem fechadas. Era muito logo para ir-se à cama, assim recolheu a camisa e a pôs enquanto subia ao desvão. Com um pouco de sorte poderia descobrir quem tinha comprado a casa à viúva do enforcado. Possivelmente se o encontrava voltariam a congraçar-se.
9
Essa noite Bailey não dormiu bem. Teve sonhos nos que via o Matthew Longacre de pé à luz do alpendre traseiro, tornando-se água pelo peito nu. por que não tinha atuado como uma mulher moderna e o tinha levado a seu quarto diante o que evidentemente oferecia? Era viúva e ele não estava casado; dois adultos amadurecidos. O que lhe ocorria para que atuasse como uma solteirona afetada, fingisse cansaço e fugisse a refugiar-se em seu dormitório? Sozinha.
levantou-se devagar da cama. O silêncio te reinem sugeria que Matt estava dormido ou se partiu.
"É provável que se partiu a um tugúrio em busca de uma verdadeira mulher", pensou, e sorriu diante sua ocorrência.
deu-se uma ducha, vestiu-se e fez o que pôde com seu cabelo. Estava acostumada a que o trabalho o fizesse um cabeleireiro, mas esse cuidado não parecia importante no Calburn.
Abriu devagar a porta do dormitório para que não rangessem as dobradiças e foi nas pontas dos pés à cozinha, mas quando chegou à escada que conduzia ao desvão sentiu vontades de subir a jogar uma olhada.
A equipe informática do Matt já não estava em caixas e o despacho tinha sido montado. A mesa estava instalada em um rincão e tinha em cima uma grande tela de computador; a um lado se viam as diversas partes da equipe.
dirigiu-se sigilosamente à mesa, com a sensação de comportar-se como uma bisbilhoteira. O camundongo estava sobre uma almofadinha púrpura, mas não tinha cabo. "depois de tudo não chegou a conectá-lo", pensou enquanto o deslizava distraídamente. Então, para sua incredulidade, o computador começou a fazer ruído e ficou em marcha.
-O que tenho feito agora? -disse-se em voz baixa.
-Nada. Só estava em repouso -ouviu a voz do Matt a suas costas.
-Assustou-me! -exclamou Bailey levando-a mão ao peito.
-Parece-me que a jardinagem a relaxa, mas os computadores a põem nervosa.
-Acreditava que estava apagado, mas se acendeu sozinho.
-É um camundongo sem fio. Quando se toca, o computador volta a ficar em marcha -explicou ele, sem aproximar-se dela nem ao computador.
A Bailey custou compreender que Matt estava esperando a que se afastasse da máquina. Era evidente que não ia aproximar se muito a ela. E tampouco devia sentir saudades, tendo em conta a forma em que o tinha rechaçado a noite anterior!
-Ontem de noite -disse, olhando-as mãos-. Eu...
-Devo-lhe desculpas -repôs ele-. Às vezes minhas maneiras resultam um pouco rudes.
-Não! -respondeu Bailey-. Eu tive a culpa. É que... -respirou fundo- depois de dezesseis anos de fidelidade não se pode trocar em só umas semanas. Pareceria adultério. Eu não me sinto capaz disso.
-Não tem que me explicar nada. Sei o que significa perder a um ser querido. Eu perdi a muitas pessoas e de muitas maneiras. E diante a perda sempre é duro ser o sobrevivente. -Sorriu, e acrescentou-: Tenho outra proposição que lhe fazer.
As palavras do Matt a fizeram sentir melhor. Embora tinha conhecido outras pessoas no Calburn, ele era a que mais se parecia com um amigo.
-Com a anterior se instalou em minha casa -disse, lhe devolvendo o sorriso.
Matt riu e o desconforto que havia entre eles se dissipou.
-De acordo, tem razão, mas esta vez minha proposição é para aliviar as coisas. Você faz piadas e eu também, mas ficamos como amigos. Nenhuma pressão para chegar a mais. De acordo? -propôs, e o deu isso a mão. Lhe deu um forte apertão e a soltou.
-Trato feito. Agora bem, quanto ao desvão, não recordo ter acordado com você que o ocuparia por inteiro.
---Quer que lhe ensine a navegar por Internet?
---Matthew, não me está escutando -demarcou ela, tuteándolo pela primeira vez.
---Sim, sim que te estou escutando, mas ignoro o que diz. Há uma diferença -disse Matt com os olhos cravados na tela.
---Estava em meus planos utilizar o desvão para meu negócio.
---E que negócio é esse?
-Vou A... Bom, em realidade ainda não o tenho decidido. Não de tudo, a verdade -disse, mas a seguir respirou fundo e tratou de eliminar a vacilação de sua voz-. Mas quando o dita, necessitarei o desvão.
-Necessitará também um computador, assim poderá utilizar o meu ---concluiu Matt, enquanto deslocava o camundongo pela almofadinha e fazia clique.
-E o que passará se o está utilizando quando eu o necessite?
-Tenho uma conexão, e além disso... Pensava que me havia dito que não sabia como funcionava.
-Posso aprender.
-Antes ou depois de decidir o que vais fazer para ganhar a vida?
-Antes. Não, depois. Vá, o que quero dizer... -Confusa, olhou-o-. Tem idéia de como poderia ganhar a vida, além de pôr uma fábrica de conservas? Não tenho preparação de nenhum tipo, nenhuma formação da que me valer, e estou segura de que não me daria bem trabalhar para outros. foram muitos anos de independência. Te ocorre algo?
-Creio que seja o que seja deveria ter relação com a comida. pensaste alguma vez em escrever livros de cozinha?
-Pois miúda idéia! -replicou Bailey-. Quanto faz que não entra em uma livraria? Há milhares de livros de cozinha por aí. Preciso ganhar a vida de forma contínua.
Matt lhe pôs as mãos nos ombros e a olhou aos olhos.
-Acaba de enviuvar depois de um comprido matrimônio. Date algum tempo. O primeiro que precisa é que cicatrizem um pouco suas feridas, logo poderá tomar grandes decisões com respeito ao que fazer com sua vida.
Bailey se sentiu de tudo compreendida e por um momento teve que reprimir-se para não apoiar a cabeça no ombro do Matt e deixar que a abraçasse.
-Creio que tem razão.
-Sabe o que pensei que faríamos hoje?
Alguma parte dela se rebelou diante esse plural, mas o aceitou. Não queria passar o dia sozinha. Não queria estar sozinha nessa casa, nem pensar, diante cada ruído, que era Jimmie que chegava a casa.
-O que? -perguntou, de uma vez que pensava o que ele podia sugerir. Algo romântico? Sexy?
-Comprar uma colhedora -respondeu Matt, e pareceu desconcertado diante a risada de Bailey-. Não acreditas que a necessita?
-É obvio que sim. Só que... -Titubeou e agitou a mão para afastar seus pensamentos-. Não importa. O que te parece um café da manhã antes de ir comprar a?
-Parece-me bem. -E voltou a centrar-se no computador.
Bailey se dirigiu à escada mas se girou para olhá-lo. Pensou que era um homem agradável. Um homem bom, amável e sério. E além disso era fácil viver com ele. Desceu as escadas sorrindo e foi procurar uma bolsa de trigo sarraceno para fazer tortitas.
-Posso lhes ser útil em algo? -perguntou o dependente. Era jovem, levava camisa branca e calças cáqui, e se notava de longe que pensava ser o encarregado quando cumprisse os vinte e cinco.
-Quero uma colhedora-disse Bailey.
Mas Matt a corrigiu:
-Queremos um trator cortacésped.
-Não há prado suficiente para justificar um trator cortacésped -repôs Bailey.
-É a repetição a que o faz necessário -esclareceu ele com paciência-. E há cortes pesados que terá que fazer na parte de atrás da casa.
-Então possivelmente necessite uma grande desbrozadora com serra incorporada. -Não se havia passado anos rodeado de jardineiros para nada.
-Também, mas...
-Também? Que mais projeta só para cortar?
-A granja tem quase meio quilômetro quadrado Y...
-E a metade do terreno é de árvores!
-Desculpem -disse o dependente interrompendo-os-. Posso lhes sugerir um trator colhedora mais ligeiro?
Eles o olharam airadamente.
O jovem levantou as mãos e se cobriu o rosto para proteger-se.
-Não quero me entremeter entre um marido e sua mulher. Se necessitarem ajuda, me chamem; a mim ou a um advogado matrimonial -acrescentou e se afasto.
Matt e Bailey se olharam e riram a gargalhadas.
---Vale, perdoa-disse Matt-. É sua granja, assim que a decisão é tua.
Era tão agradável que a fazia sentir culpado.
---Não é que não queira um trator cortacésped, é que não me posso permitir -esclareceu isso.
---E o que te parece se o compro eu?
Bailey se esticou.
---Não. Já me manteve um homem e agora é meu assunto.
---O que te parece isto? -perguntou Matt-: Seu me contrata para fazer o trabalho e eu utilizo minha própria equipe.
-Quanto me cobrará?
-Uma fortuna.
-Quanto? -insistiu ela entrecerrando os olhos.
-me tirar a minha cunhada de cima.
-O que está tramando?
Matt lhe lançou um sorriso perverso.
-Patsy é implacável nos assuntos de família. Tem esse conceito da família unida e ela...
-Ela o que?
-Esfolará-me vivo se não te levar comigo quando for vê-los.
Bailey refletiu. Evidentemente Matt a estava liberando do gasto. oferecia-se a pagar o cortacésped e a fazer o trabalho grátis.
-Em outras circunstâncias não o aceitaria -disse ao cabo-, mas já que Opal me contou que pagava ao Patsy setecentos e cinqüenta pelo aluguel e só me paga seiscentos, estimo que há uma diferença a meu favor.
Matt riu a gosto, nada molesto por ter sido descoberto.
-Opal não sabe isso. Provavelmente foi Janice quem lhe contou isso. Leva minha contabilidade.
-Quem quer que fora. Quando penso em sua reação aduzindo que eu estava abusando...
Matt se inclinou e a beijou na bochecha.
-fica muito bonita quando te zanga -disse enquanto o dependente se aproximava, e lhe pisco os olhos um olho.
-decidiram-se já os dois tortolitos? -perguntou o jovem.
-Sim, esse -disse Matt assinalando um mastrodóntico trator cortacésped. Poderia utilizar-se para cortar a erva de todo o hemisfério norte.
-Boa eleição -repôs o jovem-. Este é o que eu compraria.
-Você e todos os meninos do mundo -disse Bailey, molesta, enquanto dirigia o olhar ao longe. Só a ouviu Matt.
-E também necessitaremos algumas ferramentas convencionais -acrescentou Matt, olhando-a e sem confirmar o recebimento do sarcasmo-. Venha, carinho, vamos escolher alguns trastes.
Uma hora mais tarde estavam na caminhonete do Matt. Na caixa ia o trator cortacésped e pás, restelo, forquilha de cavado, tesouras, podadoras e cada um dos utensílios de que dispunha a loja. depois da eleição das duas primeiras pás Bailey se afastou protestando. Quando por fim saíram do estacionamento ela comentou:
-Há dito que Janice te leva a contabilidade?
-Sim. Quando tinha um negócio dispunha de contável, mas agora é Janice a que faz esse trabalho. Levou a contabilidade dos negócios de carros de seus quatro maridos até que Scott decidiu que ele não trabalharia com sua esposa. Entre você e eu, creio que não queria que sua mulher estivesse à corrente de tudo.
Bailey não soube como comentar essa informação. Além disso, estava mais interessada no Matt que no Janice.
-Sua volta ao Calburn é permanente ou só está lhe lambendo as feridas do divórcio e dentro de uns meses voltará a ser o arquiteto da grande cidade?
Matt não respondeu imediatamente, dando à luz de alerta e comprovando o retrovisor antes de girar à esquerda.
-Creio que não. Mas não quero passar o resto de minha vida cravando pregos, isso sim é seguro.
-Então o que quer fazer?
-Arquitetura doméstica. Moradias privadas. É o que sempre me gostou.
-E por que trabalhou fazendo arranha-céu?
-ganha mais dinheiro.
-Ah, claro, dinheiro. Esse elemento de soma importância. Jimmie estava acostumado a dizer que se trabalhar por dinheiro, não chegará ao ter.
-O dito de todo pobre homem.
Bailey girou a cabeça para o outro lado e sorriu.
-O que acontece?
-O que? -perguntou ela, voltando a lhe olhar.
-Essa sorrizinho de suficiência. Pu-me em ridículo diante seus olhos?
-É que Jimmie não era pobre.
---Seriamente? Então por que te deixou sem branca?
---Ele... -tentou explicar-. Posso imaginar algumas das razões pelas quais fez o que fez, mas não por que me deixou esta granja. Sempre tive a impressão de que Jimmie odiava sua infância e que por isso se negava a falar dela. Mas se detestava sua infância, por que me deixa o lugar em que transcorreu? Se é que essa foi sua casa. Nem sequer sei se foi.
Olhou pelo guichê procurando tranqüilizar-se.
-Ontem à noite estive investigando em Internet -disse Matt com suavidade---. Paguei trinta e três dólares a um buscador de propriedade imobiliária por averiguar algo sobre sua casa. na segunda-feira me darão a informação.
Bailey não soube se rir ou chorar. Se aparecia em Internet como propriedade do James Manville, sairia à luz, por muito que Matt tentasse mantê-lo em segredo. E além disso, trocaria com respeito a ela depois de descobri-lo?
-Bailey?
---Sim?
-Patsy organizou uma pequena reunião para esta tarde, Y...
-Estou convidada?
-É a convidada de honra.
-Quer dizer que vão fazer me milhares de perguntas sobre cada um dos aspectos de minha vida?
-É possível. Além disso... bom, além disso tratará de nos casar. O ofício de casamenteira é o que melhor dá a minha cunhada.
-Com todo mundo ou só contigo?
-Comigo, principalmente. Creio que lhe dá medo que volte a me instalar em sua casa se alguma mulher não tiver piedade e se casa comigo.
-Que diabos pudeste fazer para que esteja tão ansiosa por desfazer-se de ti?
-Minha cunhada vive para costurar. Tem uma habitação no piso superior com a máquina de costurar e uma grande mesa para cortar patrões. A costura lhe deu fama nesta zona. Sempre que há uma oportunidade de obter dinheiro, é ao Patsy a quem chamam para fiscalizar os comitês de costura.
-E isso o que tem que ver?
-Durante os últimos seis meses dormi no quarto da costura -disse ele em voz baixa.
-Vá.
-Sim, exatamente.
-assim, é Patsy a que pagamento seu aluguel em minha casa?
-Muito graciosa -disse ele, mas sorriu enquanto enfiava o caminho de entrada da casa do Patsy.
Como Matt tinha anunciado, Bailey foi a convidada de honra. Toda a família os esperava incluídos Janice e seu marido Scott. Era o que Jimmie estava acostumado a chamar um "homem de negócios", aquele que continuamente tenta fazê-los contudo ser vivente que lhe passa por diante. Enquanto Bailey lhe dava a mão se alegrou de que não soubesse que tinha estado casada com um multimilionário, porque estava segura de que tivesse tratado de vendê-la algo. E assim foi de todos os modos; ao cabo de três minutos de conhecer-se, Scott tentava convencer a de que vendesse o Toyota e lhe comprasse um Kia.
Matt lhe aconteceu um braço pelos ombros e a apartou dali.
-Não escute uma palavra do que diz Scott. Se chegar a te curvar, já me ocuparei eu dele.
A Bailey adorou as duas filhas do Janice, Chamal de sete anos e Desiree de quatro. Mas sentiu pena por elas porque vestiam saias com peitilho de algodão rosa, replanchadas. As duas comiam seus hot dogs como se lhes aterrorizasse manchá-la roupa.
A família do Patsy parecia tão informal como formal a do Janice. Os bonitos gêmeos do Patsy pareciam mortalmente aborrecidos e a ponto de ficar dormidos cada vez que se sentavam.
-Matthew os explorou descaradamente -disse Patsy quando viu que Bailey olhava aos meninos tombados em uma manta à sombra de uma árvore, profundamente dormidos. Em sonhos pareciam mais jovens e inocentes, quase como meninos de um metro oitenta de estatura.
-hão-se passado a noite com os videojuegos e telefonando na metade das garotas do condado. Sua preguiça não tem nada que ver com o trabalho -interveio Rick.
-Richard Longacre! -exclamou Patsy, mas Bailey a afastou dali, temendo uma rixa familiar.
Ao contrário do que Matt tinha prognosticado, não lhe fizeram muitas perguntas pessoais. Justamente o contrário, pareciam satisfeitos lhe contando suas vidas e vê-la com o Matt. Em duas ocasiões todo mundo deixou de falar e dirigiu o olhar aos dois. A primeira vez foi quando Matt , inundou uma batata frita ondulada em algum tipo de nata de queijo e logo a tendeu a Bailey para que a provasse.
Os quatro adultos sentados à mesa de picnic ficaram instantaneamente em silêncio e os observaram sem dissimulação. Inclusive os moços, que estavam tombados sob as árvores, abriram um olho cada um. As duas meninas deixaram de balançar-se e olharam para ver o que tinha deixado tão calados aos adultos.
Consciente disso, Bailey mordeu a batata e a comeu. Depois todo mundo voltou para o que estava fazendo, mas ela sentiu que lhes tinha agradado. Estava começando a notar certo grau de pertença, como se fora parte deles. A última hora da tarde, Matt lhe sussurrou:
---por que não pede ao Patsy que te ensine o quarto da costura? lhe adoraria mostrar isso -¿Qué parentesco hay entre ellas? -le había preguntado a Matt mientras él daba la vuelta a las hamburguesas en la parrilla.
Bailey o fez e viu como ao Patsy lhe iluminava o rosto antes de dirigir-se à casa com ela. Janice as seguiu em silêncio.
Bailey tinha estado observando, de forma subrepticia, a dinâmica entre essas duas mulheres, tão parecidas embora vestissem de forma tão diferente. Patsy levava uns velhos e puídas calças curtas de algodão e uma folgada camiseta que muito provavelmente pertencia a seu marido. Janice, umas calças curtas marrom escuro com raia muito marcada, cinturão de pele de crocodilo com fivela de prata e uma blusa de tecido frisado a quadros marrons e verdes. Levava o cabelo perfeitamente arrumado, a diferença do do Patsy, alvoroçado sem remédio. Mas sob as roupas a similitude era muito marcada.
-Que parentesco há entre elas? -tinha-lhe perguntado ao Matt enquanto ele dava a volta aos hambúrgueres na churrasqueira.
-Suas mães eram as gemam idênticas -disse-, mas uma se casou com um homem rico e a outra com um pobre. Adivinhas qual foi cada uma?
-Janice cresceu na pobreza -respondeu Bailey. Sua própria mãe tinha sido como Janice, tão temerosa de que lhe notasse a pobreza que sempre se excedia em sua compensação. Ninguém viu nunca a Freida Bailey sem maquiar nem vestir à perfeição.
-Garota inteligente -elogiou Matt com um sorriso.
-O suficiente para saber que se não tirar esses hambúrgueres agora mesmo vão se chamuscar.
Beijou-a no nariz, e essa foi a segunda vez que todo mundo fez um alto em seco. Bailey procurou não dar-se por inteirada de que os movimentos de todos os assistentes se congelaram, mas teve que girar-se para que não lhe notasse o rubor.
-Quer parar de uma vez? -disse ao Matt em um vaio-. vão se acreditar que você e eu somos mais que colegas de quarto.
---Não poderiam, ou sim? -repôs ele, e ela não comentou que gostava da idéia de que a gente pensasse que eram... bom, mais.
Quando Matt anunciou que os hambúrgueres estavam preparados, Bailey ficou atrasada, bebendo sorvos de uma bebida terrível que Patsy tinha servido, feita a base de limonadas e refrigerantes, e os observou a todos. fixou-se na forma em que Janice e Patsy trabalhavam em comum, embora não sei falavam nem se olhavam aos olhos. sentaram-se juntas à mesa mas não se dirigiram a palavra. Bailey desejava perguntar o que tinha originado a ruptura entre elas, mas lhe assustava pensar que lhe respondessem, por exemplo, que por causa de uma briga por uma Barbie quando tinham nove anos e tinham jurado não voltar a dirigi-la palavra. Além disso, era mais interessante não conhecer a causa.
Já que todo mundo parecia acostumado à situação, evidentemente se tratava de uma inimizade de muito larga duração.
-Mamãe, não está muito só assim? -Bailey ouviu como a filha pequena do Janice, Desiree, expor a questão de uma maneira curiosa. Janice estava a poucos centímetros do Patsy. Logo a menina dirigiu seus grandes olhos azuis a sua tia Patsy-. Parece tão sozinha, tia Patsy. Não quer que alguém esteja contigo? -disse-lhe. Bailey conteve a risada.
assim, quando mais tarde Matt lhe sugeriu que perguntasse ao Patsy pelo quarto da costura, não sentiu saudades que Janice as seguisse.
Quando tinham chegado ela se ficou impressionada. Era uma casa grande e bastante nova; supunha que não teria mais de cinco anos. Era o que ela chamaria uma "moderna moradia campestre", com um amplo alpendre ao redor, dos mais tradicionais, mas no telhado havia vendas pequenas abuhardilladas; uma volta no centro e duas quadradas, uma a cada lado. Era uma agradável mescla entre o antigo e o moderno.
As três mulheres entraram na casa pela porta de atrás. Uma vez dentro, Patsy se deteve e Bailey não soube o que se supunha que devia fazer. Foi Janice quem resolveu o entupo.
-É provável que queira ver a casa do Rick -comentou-. Ou deveria dizer a casa do Matt?
A Bailey levou um momento entender a frase.
-Matt projetou esta casa?
-Assim é -disse Patsy com orgulho-. Você gostaria que lhe ensinasse isso?.
Bailey compreendeu que para o Patsy não seria de boa educação ou alardear de sua própria casa, mas sim do projeto do Matt. Era uma moradia agradável e Bailey o advertiu enquanto seguia a ambas as mulheres. Como se interpretassem um dueto muito bem ensaiado, as duas se dirigiram para direções diferentes. Patsy lhe mostrava uma habitação quando Janice a chamava para que visse outra.
Na planta baixa uma ampla zona aberta estava destinada a salão, sala de jantar e cozinha com uma mesa incorporada e um banco estofado. Embora não houvesse paredes que dividissem os espaços, Matt as tinha engenhado para separar os de formas diferentes. Tanto no sala de jantar como na sala a metade do teto estava aberta ao do piso superior. A cozinha ficava separada das demais zonas por uns pequenos tabiques.
Em conjunto, a casa tinha um aspecto muito acolhedor; aberta mas não dispersa. Bailey disse todo o bom que lhe ocorreu, mas se absteve de mencionar o abominável que lhe parecia a cozinha. A pia e a geladeira estavam contra a parede do fundo, no centro havia uma ilha com cozinha elétrica e, mais à frente, outra ilha com quatro tamboretes. Para ir da pia à barra em que se servia a comida terei que rodear a ilha da cozinha. Era um lugar que obrigava a fazer muitos movimentos extra a quem cozinhasse. Por outra parte, a julgar pelo brilho das superfícies, a cozinha não tinha tido muito uso, assim era possível que a ineficácia não importasse muito.
A outra metade da planta baixa a ocupava o dormitório principal, em suíte, com vestidores para cada pessoa e um despacho.
-Viu alguma vez um quarto de banho maior? -disse Patsy quando o mostrou.
Bailey respondeu muito educadamente que era formoso, sem ter em conta o olhar taladradora que lhe lançava Janice. A verdade era que Jimmie tinha obsessão pelos quartos de banho: para ele nunca eram suficientemente grandes nem estavam suficientemente adornados. Uma de suas casas tinha uma banheira do tamanho de uma piscina pequena. Na ducha poderiam ter regado a um elefante e no quarto de banho havia compartimentos separados para váteres e bidês.
O que a Bailey resultou mais chamativo foi que os elementos têxteis do lar estavam todos feitos em casa. Nunca lhe tinha interessado a costura, mas como sua afeição pelas conservas a tinha levado desde menina às feiras, tanto locais como estatais, chegou a estar bem informada sobre o tema. No salão, o sofá, as cadeiras e as cortinas eram do mesmo tecido de tapeçaria, floreada em tons azuis e verdes. O forro de outros elementos era do mesmo tecido. Havia um grande móvel de pinheiro que Bailey s-pôs conteria o televisor e a equipe de música. Os painéis das portas exibiam a mesma tapeçaria. A livraria que havia junto ao televisor tinha tudas as prateleiras estofadas, embora em diferentes cores alternadas, azul em um verde no outro e assim sucessivamente. O cesto de papéis estava também forrado do mesmo tecido, assim como as mesas auxiliares, e a tela do abajur. Cada superfície, toalha de mesa, salvamanteles, capas de almofadas, tudo estava feito a jogo.
Todas as habitações tinham colchas e cortinas caseiras. O dormitório estava estofo em combinações de azuis e borgoña, e não havia uma só superfície que não estivesse coberta. No piso de acima passava o mesmo.
Patsy entreabriu a porta do amplo dormitório que compartilhavam seus dois filhos e Bailey vislumbrou cortinas, colchas e capas de travesseiros que deviam ter necessitado peças e peças de tecido azul com aviões estampados. Desde não ser porque os conhecia, teria pensado que os filhos do Patsy tinham nove anos.
Ao outro lado do corredor, além de um quarto de banho decorado com coberturas caseiras, estava o quarto da costura. Tinha um empapelado de tom pálido com fileiras de casulos de rosas. O centro da habitação o ocupava uma mesa de trabalho. junto à parede havia uma máquina de costurar e ao lado uma série de prateleiras com caixas etiquetadas com amostras de tecidos. A habitação e todos os elementos de trabalho estavam perfeitamente organizados e em seu sítio.
-Aqui estão meus patrões. Também guardo botões restantes de cada um dos objetos de minha família. Tenho-o tudo catalogado por tamanho, cor e material.
Bailey tentou mostrar-se quão impressionada requeria a ocasião. Não desejava que lhe escapasse um "para que?". Em uma parede havia cinco fotografias emolduradas e em todas aparecia um grupo de pessoas. Em cada uma Patsy estava de pé em um extremo, vestida com uma bata branca três quartos que tinha uma insígnia no bolso.
-O que é isto? -perguntou Bailey.
-A fábrica do Ridgeway. Você gostaria de ver as agulhas da máquina de costurar?
-Você foi a chefa de toda esta gente?
-Sim, mas isso foi faz muito tempo. Vêem, quero te ensinar meu móvel dos fios.
Bailey se afastou das fotos e contemplou as centenas de carretéis de fios de diferentes cores alinhadas em varinhas com cavilhas sujeitas na parte posterior da porta de um armarito. depois de um momento levantou sua vista e se encontrou com o olhar do Janice. Os olhos desta pareciam estar lhe dizendo algo, mas ela piscou e apartou a vista.
---Será melhor que voltemos com os homens -disse Janice.
Quando baixaram, Rick lhes contou que Matt não tinha parado de alardear de quão bem cozinhava Bailey.
---Quando pensa nos convidar? -perguntou Rick. Pela terceira vez nesse dia todo movimento ficou congelado e as olhadas se dirigiram a Bailey.
-O que lhes parece na próximo sábado? -respondeu Matt enquanto passava o braço pelos ombros de Bailey-. De acordo, carinho?
---Claro -respondeu ela, e se desfez do braço do Matt-. na sábado me parece perfeito.
Bailey levantou a vista e viu que tanto Janice como Patsy a olhavam com idênticas expressões, de uma intensidade tal que lhe deram calafrios. Quando seus olhares se cruzaram, elas as desviaram.
10
Bailey olhou o relógio da mesinha de noite. Eram as duas da madrugada e ainda não tinha conseguido dormir. Deveria ter cansado na cama as dez e ficar dormida no ato, já que tinha sido um comprido dia. Ela e Matt tinham deixado a casa do Patsy às quatro e quando chegaram a casa ele sugeriu que começassem a demolir os tabiques entre o alpendre e a sala.
-Quer que faça desaparecer o quarto de banho rosa? -tinha perguntado Bailey.
Matt tirou de sua caixa de ferramentas uma palanqueta e a tendeu.
-Venha, me faça a honra.
Quando ela entrou no quarto de banho rosa e olhou os azulejos, o empapelado e os sanitários, não soube por onde começar.
-Deixa o encanamento -lhe disse Matt da outra habitação-, que antes tenho que fechar a água. Começa com os azulejos.
-Vale -disse Bailey. Encaixou o punção por debaixo de um azulejo de flores rosas e atirou. O azulejo saiu voando e ela teve que esquivá-lo.
-Está bem? -perguntou Matt.
-Fantástico -respondeu ela-. Me está ficando fantástico.
Haviam passado três horas trabalhando. Bailey tivesse seguido, mas Matt sugeriu parar e encarregar uma pizza.
-Refere a essas coisas com casca pastosa? -perguntou Bailey, maliciosa-. Com abacaxi ou com quatro variedades de carne?
---Pois, o que gosta? -perguntou Matt entre risadas.
---Que tal um pouco de massa e salada? Na Calabria... -Não acabou a frase.
---Tanto viajaste?
---Algo -disse Bailey, e se voltou para olhá-lo-. Possivelmente deveríamos pedir essa pizza. Possivelmente deveríamos... por que me olha assim?
---Quando estiver disposta a falar a sério, faça-me saber. Posso ser um bom ouvinte.
Bailey esteve tentada de aceitar e se expôs lhe confiar algumas coisas. Seu segredos começavam a lhe resultar muito pesados. Entretanto, disse que ia dar uma ducha antes de começar a cozinhar. Quando teve acabado e voltou, Matt estava acima, ocupado com seu computador, assim tinha desperdiçado a oportunidade.
Como tinha feito com freqüência no passado, em vez de desafogar seu coração se foi à cozinha. Pôs rapidamente a ferver uns brócolis. Logo ferveu uns lacitos de massa na mesma água da verdura para que absorveram algo das vitaminas perdidas na ebulição e também para lhe dar à massa um sabor acrescentado. Era um truque aprendido de uma mulher que tinha conhecido na Calabria. Enquanto se cozinhava a massa, acrescentou-lhe alho, anchovas, pinhões e páprica. Quando tudo pareceu o acrescentou aos brócolis que já enchiam uma grande fonte, polvilhou queijo de ovelha, acrescentou uma salada, uns pimientos assados e o levou tudo fora para servi-lo ao estilo picnic.
Durante o jantar falaram de como teria sido a casa em outra época e que mudanças lhe teriam feito.
depois do jantar Matt a olhou com espera.
-Estou-te lendo o pensamento. -Bailey se tocou as têmporas e disse-: Sim, sim, vejo-o com toda claridade. Está pensando... Tenho direito a sobremesa? Onde está a sobremesa? -Abriu os olhos e acrescentou-: Então tenho que servi-lo?
-Perfeito. Assim é -exclamou ele sorrindo, mas o olhar de espera não tinha abandonado seu rosto.
-A sobremesa está na cozinha. Está em bolsas e caixas etiquetadas: "canela", "noz moscada" e "açúcar moreno".
-Posso lamber o recipiente? -disse Matt, lhe lançando a mais séria de seus olhares.
Bailey ficou de pé, rendo.
---Você te encarrega de recolher enquanto eu te faço o bolo de aveia mais rica que tenha provado.
-De aveia? -disse Matt com desconfiança-. Não soa apetitoso.
-Está-o quando leva uma cobertura de sorvete caseiro. Não te parece?
-Caseiro? -sussurrou Matt enquanto começava a recolher.
Quarenta minutos mais tarde Matt tinha em suas mãos uma grande terrina de bolo de aveia especiada e recém saída do forno, coberta com um cremoso sorvete caseiro. Com os primeiros bocados simulou que estava a ponto de desfalecer pelo êxtase e Bailey, rendo, agarrou-lhe por braço para evitem a queda.
Tinham passeado na penumbra do entardecer pelos atalhos de pedras, e tinham fantasiado sobre o que poderia fazer-se no jardim.
De algum jeito o entardecer tinha sido bastante impessoal, mas de uma vez também pessoal. Tinham compartilhado risadas e a cercania de conversar sobre projetos comuns, que em certo sentido era mais íntimo que se houvessem passado esse momento falando de fazer o amor. Ou ao menos isso pensou Bailey. Era melhor que se houvessem passado horas com esses jogos idiotas de dobre sentidos que os realizadores cinematográficos e os maus escritores pareciam encontrar tão excitantes.
Quando por fim Bailey comentou que se ia à cama, houve um momento de desconforto, mas Matt bocejou e disse que ele também estava rendido. Quando um momento mais tarde ficou a camisola e se meteu na cama, Bailey pensou que lhe estava facilitando as coisas.
Mas não concilio o sonho. Em seu lugar apareceram as imagens da primeira vez que Jimmie e ela tinham ido ao sul da Itália. E quanto mais pensava no Jimmie mais desassossegada se sentia. depois de um par de horas de dar voltas na cama se levantou, vestiu-se e foi nas pontas dos pés à cozinha. Ali agarrou uma lanterna de uma gaveta e saiu fora.
Mais tarde, quando o céu começava a clarear pela cercania da aurora, Bailey não sentiu saudades ao levantar a vista e ver o Matt de pé, vestido com umas calças e uma camiseta mas descalço. Olhava-a com ar de preocupação. Ela estava ajoelhada, tirando as más ervas de um canteiro de morangos com a cara alagada em lágrimas.
Ele não disse uma palavra, deixou-se cair de joelhos e tomou entre seus braços.
Ela se estreitou a ele e, enquanto seus braços a rodeavam, as lágrimas brotaram com mais força. Não tinha chorado desde sua chegada ao Calburn. Pensava continuamente no Jimmie -todo se o fazia recordar-, mas tinha contido as lágrimas.
-Lhe sinto falta de -disse com a cara afundada no ombro do Matt---. Falta-me cada minuto de cada dia. Sinto falta da proximidade, o sexo e falar com ele. OH, Meu deus! Estávamos acostumados a falar tanto. Ele me contava os problemas de seus negócios, de se devia ou não comprar algo. E eu... eu vivia para ele. Era toda minha vida.
---Já sei -disse Matt, abraçando-a e balançando-a-. Já sei.
---Casei-me com ele quando tinha dezessete anos e ele foi tudo o que conheci. Salvou-me. Era tão infeliz, estava tão falta de carinho, mas ele me levou longe. Se não o tivesse conhecido não sei que teria sido de mim.
Matt guardou silêncio. Só manteve seu forte abraço, acariciou-lhe o cabelo e a balançou.
-por que morreu? Não entendo por que. Necessitava-o tanto... por que teve que ir-se e me deixar tão, tão sozinha?
-Ssssh -disse Matt, tranqüilizando-a-. Não está sozinha. Está comigo. Estou aqui.
Bailey não podia deixar de chorar. Suas mãos se aferravam ao Matt.
-Era um homem maravilhoso, cheio de vida. Jimmie podia fazer algo. Podia consegui-lo tudo.
O ombro do Matt estava úmido, mas ela continuava chorando.
-O tenho saudades mais do que possa imaginar -sussurrou-. Sem o Jimmie não sei o que fazer comigo mesma. Ele não teve nunca um momento de indecisão em sua vida, mas eu... eu...
Matt a abraçou em silêncio.
-Tranqüila, carinho -disse.
O sol iniciava sua ascensão e Bailey começava a sentir-se melhor. Enquanto se soava pensou que algo muito dentro dela se liberou. Como se algo muito pesado finalmente tivesse podido sair. E de repente foi muito consciente de que estava sentada no regaço do Matt e que estavam sózinhos. Não era para nada um sentimento desagradável, mas não queria aquilo ao que isto podia conduzir. Ainda não. Agora mesmo sentia como se o espírito do Jimmie estivesse ainda muito perto, gravitando por cima dela. Mas de uma vez, não podia encontrar uma razão para afastar-se da calidez do Matt.
-Possivelmente deveria aprender A... -começou ele.
Bailey se desfez do abraço.
-Nem te ocorra me dizer que deveria aprender a viver para mim mesma ---disse-. me Mostre uma pessoa que viva para si mesmo e eu te mostrar um transtorno narcisista da personalidade.
Matt soltou uma sorriso.
-Já sei e tem razão. Minha ex-mulher vivia para si mesmo e te posso assegurar que era muito narcisista...
Bailey o olhou com espera, à espera de que continuasse. Mas ao cabo de um momento uma fria gota de chuva lhe caiu no nariz e ela se separou do regaço do Matt.
-Vamos dentro -disse ele enquanto se incorporava-. Te contarei os detalhes mais íntimos de meu passado. Farei-te esquecer todos seus problemas.
-Já vejo. Está faminto, verdade?
-Esfomeado.
-E está ansioso de despir sua alma em pagamento da comida?
-É obvio.
-A quantas mulheres lhes contaste sua história?
-A nenhuma. E posso te assegurar que Patsy fez o inexprimível para conseguir que lhe contasse por que me casei com a Cassandra.
Assentindo com um sorriso, Bailey se encaminhou para a casa com o Matt detrás. Vinte minutos mais tarde ele estava sentado à mesa da cozinha. Tinha diante seus olhos um pãozinho de morangos e queijo mascarpone e Bailey amassava a massa para fazer um grande bolo assado cheia com amoras e nectarinas em rodelas, para logo polvilhá-lo tudo com açúcar impalpável.
-Agora toca a ti -disse ela.
Sabia que deveria sentir-se turvada pelo que acabava de passar entre eles, mas não era assim. Estava muito melhor do que tinha estado da noite em que morreu Jimmie. De fato, as cores da habitação, por muito feios que fossem, pareciam-lhe mais vivos do que lhe tinham parecido antes. Sua cozinha chapeada agora parecia resplandecer com a intensidade as estrelas.
-A história -lhe disse-. Conta me sua história.
Matt não ocultou a satisfação que lhe produzia que ela o pedisse.
-Alguma vez quiseste algo que soubesse que não te convinha?
-Sim -respondeu Bailey-. O chocolate.
Matt sorriu.
-Não; quero dizer algo maior, mais...
-O que te parece um cesto repleto de chocolates Lady Godiva? Com nata de framboesas, caramelo e trufas. E resulta que leva quatro semanas e três dias com uma dieta insabora de mil calorias por dia. Estas tão fraco que te enjoa cada vez que te põe de pé. E de repente tem diante todo esse chocolate, toda essa cremosa bênção do céu. Uma quantidade tal que poderia te banhar nela. Poderia dar uma dentada e observar como jorra por seu braço e logo lambê-lo. A esse tipo de desejo te refere?
Quando ela acabou de falar, Matt tinha os olhos abertos como pratos.
-Sabe?, não creio que eu quisesse tanto a Cassandra.
Bailey levantou sorridente a colher das mingau e a tendeu.
---Prova isto -lhe disse.
Matt fechou os olhos enquanto provava a cremosa substância.
---Como o tem feito? -sussurrou.
---Pu-lhe bastante baunilha. Potência o sabor. Bom, já está bem disto. Agora me conte sua história.
-Vale, onde estava? -perguntou-se, e lhe deu outro lametazo à colher-. Acabava de terminar a faculdade de Arquitetura com um projeto de fim de carreira que foi qualificado como o melhor da classe.
-Estou impressionada.
-Hei-o dito para te impressionar, mas não vale a pena. Possivelmente se não me tivessem dado tantos prêmios nem me tivessem oferecidos tantos trabalhos de envergadura, não teria estado tão pago de mim mesmo. E se não me tivessem feito tantas ofertas não me tivesse voltado tão desdenhoso e tivesse aceito uma no St. Louis ou no Mineápolis. Teria trabalhado em um despacho e aprendido algo. Mas não aceitei nenhum desses trabalhos e não aprendi nada; nada em matéria de arquitetura, ao menos. Não, eu queria que o mundo se inflamasse com meus desenhos de casas unifamiliares; arquitetura doméstica. Nada de edifícios de escritórios. Ao final aceitei um emprego com um homem muito rico no Long Island. Devia construir uma jóia de casa para sua filha única, Cassandra, que ia casar se com Cárter Haverford Norcott III a primavera seguinte. Pensei que se o fazia uma casa verdadeiramente bela e se celebrava ali umas bodas por todo o alto, veria-a muitissima gente e me chegariam projetos a montões.
-Mas em vez disso ficou com a noiva.
Matt se tomou seu tempo para responder.
--A ironia é que realmente eu não a desejava. De fato nunca a vi. Essa era a vida que eu queria. Mi... -vacilou- minha mãe provinha de uma família como essa. Quando se fugiu com meu pai, sua família a deserdou. Anos mais tarde, depois de que meu pai a deixasse, quando trabalhava de garçonete e aceitava qualquer trabalho que encontrasse para manter a seus dois filhos, ela... -Matt não pôde seguir e olhou ao longe, mas Bailey viu ira em seu olhar.
-Tinha classe -disse Bailey.
-Sim. Minha mãe tinha classe. -Recolheu a colher e a girou em sua mão
-E você quis recuperar a classe de sua mãe.
-Sim, assim é.
Bailey se sentou frente a ele com um tigela de chá e agarrou uma torrada. Tomou tal qual, sem lhe pôr manteiga.
-E então, quando conheceu a filha, a Cassandra?
-Ao cabo de três dias de estar aí. Golpeou-me com uma bola de tênis e eu me caí no lago dos peixes.
Bailey se tinha tomado três tigelas de chá enquanto escutava o relato do Matt e voltou a servir-se pela quarta vez. Depois troceó fresa e plátanos, verteu-lhes nata por cima e serve a terrina ao Matt enquanto falava.
Ela escutava as palavras, mas também estava atenta à intensidade do que dizia. Pensou que era um homem com sentimentos muito intensos. Estava tratando de tirar a luz com suavidade anos de sua vida, mas a brancura dos nódulos que aferravam a asa de sua taça de café e a pequena linha branca da comissura esquerda de sua boca o delatavam.
Estava contando como uma bela Patricia, esbelta, loira, alta e vestida para jogar tênis, tinha-o colocado em evidência. Acabava de ter umas palavras com o tolo de seu noivo, Cárter Haverford Norcott III, quando lançou uma bola de tênis ao arquiteto de seu futuro lar, golpeou-o, fez-lhe perder o equilíbrio e cair ao lago dos peixes.
-Se não tivesse estado discutindo com Cárter-explicou Matt-, duvido que nada do que passou depois tivesse tido lugar. Mas aí estava eu, sentado em um lago, com meus vinte e cinco anos e a roupa empapada, Pus muito ciumento ao pequeno e enxuto Cárter, o terceiro da saga.
Matt contou que aquele dia viu algo nos olhos da Cassandra, algo que apelava a "algo muito fundo dentro de mim".
-Anos mais tarde supus que me tinha imaginado isso tudo, mas por um momento pensei que tinha visto um brilho em seus olhos que me pedia.
-"Por favor, me resgate" -completou Bailey.
-Sim! Como há...
-De estar ali, tivesse-o feito. Ela ia casar se com um homem de sua classe social, um homenzinho, e vê um esplêndido espécime como você, cansado no lago dos peixes e empapado, e seus olhos imploraram que a resgatasse.
Matt sorriu, recostou-se na cadeira e inchou um pouco o peito. Tinha-lhe chamado "esplêndido espécime".
-Isso é o que eu pensei que queria me dizer, mas ao cabo de um momento disse: "Vá, provavelmente agarrará os peixes e os comerá como almoço."
-Vá comentário idiota.
---Mais tarde, quando a conheci, descobri que era o tipo de coisas que estava acostumado a dizer quando queria mostrar-se engenhosa, mas ninguém lhe ria as obrigado, e bem sabe Deus que nunca lhe ria as graças a ninguém. E se o perguntava, dizia-te que ela tinha um maravilhoso senso de humor.
---E você o que fez? -perguntou Bailey, e agarrou um morango para comer-lhe -Debía de estar cautivada -dijo Bailey-. Ella...
Matt se passou a mão pela cara para esclarecê-las idéias.
---Somos nossos próprios inimigos. Sabia? Nada do que qualquer nos possa fazer é tão mau como o que possamos nos fazer a nós mesmos. Quando acabei a carreira, empenhei-me em obter o trabalho com o pai da Cassandra. Ele queria que um de meus professores lhe projetasse a casa de sua filha, mas eu lhe transbordei com meus projetos e idéias, e o convenci. E isso mesmo é o que fiz com a Cassandra. Persegui-a.
Bailey comeu mais fresa enquanto Matt lhe resumia a extraordinária história de como tinha ido detrás da Cassandra Beaumont. Teve que deter um par de vezes o trânsito do morango a sua boca quando contou como a tinha cortejado. Em uma ocasião se penetrou no dormitório dela depois de subir por uma trepadeira. Como em uma má comédia televisiva, tinha tido que esconder-se debaixo da cama quando entrou a faxineira.
-Devia estar cativada -disse Bailey-. Ela...
-Estava fascinada comigo. Olhava-me como um antropólogo faria diante uma tribo de nativos recém descoberta, e pensava que tudo o que eu fazia era estranho. Piscava e me olhava com seus grandes olhos azuis, fascinada, mas não se implicava.
-Bem, me deixe supor. quanto mais fria se mostrava ela, mais afinco punha você no intento.
-Vejo que já escutaste antes esta história -disse Matt, fazendo-a sorrir.
-Então como conseguiu que aceitasse casar-se contigo?
Matt desceu a vista e se olhou as mãos, logo voltou a olhar a Bailey.
-Creio que o fez para resultar mais interessante em seu grupo social. Para mim, criado por uma mãe solteira, pobre a rabiar, Cassandra era uma criatura exótica, mas para sua classe social era tão corrente como o leite desnatado. Creio que ela imaginou que um matrimônio de seis semanas comigo a converteria no centro da atenção quando voltasse para seu papaíto e ao Clube de Caça.
-E o que ocorreu depois de que lhes casaram? -perguntou Bailey com doçura.
-Nada. Não tínhamos nada em comum. Tinha pensado, em vão, que uma vez estivesse a sós comigo trocaria. Já sabe, o tópico do fogo debaixo do gelo, esse tipo de coisas -disse e lhe dedicou um sorriso do meio lado-. Mas ao cabo de duas semanas, inclusive tinha desaparecido a paixão na cama. A verdade, vi a magnitude de meu engano a manhã seguinte de nossa fuga. Despertei, voltei-me para ela e lhe disse: "bom dia, Cassie", e ela me respondeu: "Não me chame isso, sonha tão vulgar..." -Matt respirou fundo um par de vezes antes de prosseguir-: Lhe era incompreensível que eu não pudesse me permitir economicamente suas visitas a um hipódromo ou que fora sócia de um clube de campo. E quando seu pai se inteirou, disse-me que se tanto a queria, já era minha. -interrompeu-se, olhou ao longe e logo sorriu a Bailey-. É duro admitir isto diante uma mulher que... que eu gosto como eu gosto de você, mas a verdade é que creio que me moveram algumas raciocine espúrias para ir detrás a Cassandra. Quando Miro atrás, creio que estava preparado para fazer o papel de herói ofendido e lhe dizer ao pai que queria a sua filha, não seu dinheiro. Mas imaginei aceitando, digamos, uma casa (projetada por mim, é obvio) e umas quantas hectares primorosamente cuidados como presente de bodas. E ele poderia dizer a seus opulentos amigos: "deixei a meu genro projetar a casa em Barbados. É da família, mas é obvio também é o melhor arquiteto." Mas... -sorriu-, mas era um homem ardiloso e tudo o que recebi dele foi um apertão de mãos. Não chegamos nem a um brinde.
Matt sorriu e notou que, uma vez revelado todo isso se sentia mais depravado. Continuou:
-Creio que os pais da Cassandra morriam por desfazer-se de lhe tinham satisfeito todos seus caprichos e como resultado tinham criado um muito belo monstro. Parecia não distinguir entre o amor e o dinheiro Penso que em vez de tempo e atenção seus pais lhe davam de presente coisas, que quando me casei com ela, esperava que eu seguisse comprando as Era o que tinha que fazer se a queria de verdade, isso é o que ela estava acostumada dizer e por muito que lhe ensinasse o estado de minha conta corrente, ela não o entendia.
-E então por que não te divorciou nesse momento?
--Por orgulho. Tinha-me gabado diante todos meus amigos e conhecidos de que ia conseguir a. E irei à tumba vendo o sorriso torcido de seu pai quando Cassandra lhe contou que nos tínhamos casado. Isso me empurrou a alcançar meu objetivo, a fazer mais e mais dinheiro, porque o dinheiro era a única forma em que poderia me plantar diante meu ilustre sogro. Não fui consciente disso, mas todo o tempo que estive perseguindo a Cassandra, imaginava com ela, sentados à mesa do sala de jantar de seu pai. ---Olhou a Bailey e sorriu com ironia-. Sabia certas coisas, devido ao passado de minha mãe, como que garfo se utiliza para as ostras e que faca para o pescado; esse tipo de coisas. Rondava-me pela cabeça a fantasia de que seu pai diria... -Voltou a interromper-se e sorriu-. Não sei como pude ser tão ingênuo, mas imaginei a seu pai dizendo algo como: "Pensava que minha filha se casou com alguém inferior, mas agora vejo que é um dos nossos."
Bailey soube que Matt necessitava que o sonriera, mas não pôde. Tinha estado muito freqüentemente no lado receptor dos desprezos. Jimmie tratava por igual aos lixeiros que aos reis, e devido a que todos foram detrás de seu dinheiro, não se atreviam a desprezá-lo. Mas muito freqüentemente ela os tinha pilhado olhando-a por cima do ombro. Como podia ser que um homem como Jimmie Manville tivesse uma mujercita gordinha como Lillian?
-Sabe o que aconteceu? -continuou Matt-. A noite em que fomos a casa dos pais da Cassandra para lhes informar de que nos tínhamos fugido para nos casar, estavam jantando. Com meu sogro estava Cárter, sentado à mesa do sala de jantar. Ele estava ali, eu estava fora; nada havia mudado.
-Mas se zangaram, pelo menos, ao saber que sua única filha se escapou para casar-se?
Matt se encolheu de ombros.
-Não posso assegurá-lo. Creio que pensaram que estaríamos divorciados ao cabo de umas semanas e logo todo mundo fingiria que não havia passado nada. Para eles eu era tão efêmero como uma sombra.
-Mas você queria demonstrar que estavam equivocados -disse Bailey.
-Mais ou menos. Queria me demonstrar a mim mesmo que não tinha sido um completo idiota e que se podia competir com eles em classe, também o faria no trabalho. Comecei a chamar as empresas nas quais tinha rechaçado trabalho e me ofereci. E se isso não funcionava, suplicava.
Continuou relatando como tinha trabalhado durante anos, sem cessar, com o único propósito de fazer dinheiro. Não tinha uma vida caseira, nada mais que o trabalho. Mas foi capaz de lhe oferecer a Cassandra o clube social, uma grande casa e a vida de comodidade que levava, enquanto para ele ficavam as faturas e o estresse.
-Então o que foi o que te fez entrar em razão e que te divorciasse?
-Tive um ataque ao coração -respondeu Matt com um sorriso-. Ao menos isso acreditei eu. No hospital me disseram que não era outra coisa que uma indigestão e que me fora a casa. Mas foi suficiente para me assustar e desejar uma segunda oportunidade na vida. Retornei a casa a primeira hora da tarde, algo que não tinha feito nunca, Y...
-Cassandra e Cárter estavam nus no jacuzzi. Fiquei olhando-os e tudo o que me veio à cabeça foi que eu tinha pago esse quarto de banho, mas que nunca tinha tido tempo para me colocar dentro. E foi nesse preciso momento quando pus-se a rir. Sentia-me muito aliviado. Agora poderia me desfazer dela sem culpa. Disse-me: Não é assim como começamos? Então Cárter disse: "Escuta, Longacre..." E eu lhe disse: "Não, por favor, não te levante. Continua o que estava fazendo. Eu convido." Depois me dava a volta e saí. Ouvi a Cassandra dizer: "Não se preocupe, voltará. Adora-me." E nesse momento foi quando me senti verdadeira e totalmente livre.
Matt lhe contou como tinha fechado sua empresa de arquitetos, vendido tudo o que possuía, pago suas consideráveis dívidas, dado a seu ex algema a metade do remanescente e finalmente retornado ao Calburn.
-E agora o que? -perguntou Bailey com suavidade.
-Agora quero descobrir quem sou. Preciso investigar sobre mim mesmo, mas compreendi que parte do que me atraiu da Cassandra era o sentido da família. Cresci sem um pai em uma época em que uma família monoparental fazia de meu irmão e de mim objetos de piedade.
-E agora que está aqui?
-Não estou do todo seguro, mas começo a ter algumas ideia -respondeu com os olhos fixos nos dela.
Pela segunda vez no dia, Bailey não entendeu por que decidiu trocar de tema, mas o fez.
-Outra fatia do Dutch bebê? -ofereceu de uma vez que se levantava da mesa e pensava o que era o que não funcionava nela. por que não tomava o que esse homem formoso lhe oferecia? Ou é que Jimmie ia estar sempre em seu caminho?
---Bom. O que quer fazer hoje? -perguntou Matt-. É domingo, não se trabalha, assim, o que gosta?
-Voar à a Índia e ver o Taj Mahal outra vez -disse Bailey, tratando de fazer uma brincadeira, mas ao Matt não fez nenhuma graça. Pelo contrário, quão único fez foi olhá-la. Ela fugiu seu olhar-. Quero trabalhar mais no alpendre -corrigiu então-. E também lhe dar a esta cozinha uma forma mais decente.
-pode-se fazer -disse Matt, mas ainda lhe dirigia um olhar significativo.
11
Seis semanas mais tarde, Bailey removeu a salada na grande saladeira de madeira e a olhou com desaprovação. Não se tratava de que não fora boa. Tinha galhos de tangerina em conserva, amêndoas cortadas em tiras muito finas e alface fresca. Bebia um chá gelado com um jorro de suco de framboesa de garrafa. depois de tudo não era um mau almoço, mas não lhe interessava.
Em troca, seguia olhando o folheto da imobiliária que tinha a seu lado, na mesa. "O lugar se vendeu faz dois dias", havia-lhe dito o agente imobiliário fazia uma hora.
Estava sentada em um reservado de um pequeno e elegante restaurante do Welborn, tomando sozinha um almoço tardio e tratando de compreender que não funcionava nela. Jimmie estava acostumado a dizer: "Outra vez inquieta, verdade, Sardas?" E então a levava a algum lugar maravilhoso. Mas agora Jimmie se foi e não havia dinheiro para partir de passeio a nenhum lugar.
Voltou a olhar o folheto. Não era mais que um papel, mas incluía uma agradável foto em cor da loja que havia três portas mais à frente do restaurante. Não é que fora um local muito grande ou que tivesse algo especial, mas ao Janice, Patsy e ela lhes tinha gostado. De fato lhes tinha gostado de muito. E então o que havia passado?, perguntou-se, recolhendo uma vez mais o papel e olhando-o.
Cinco semanas e meia antes Patsy chamou Bailey e lhe disse que tinha que ir ao Welborn, que se quereria acompanhá-la. Como aquele era um dia de trabalho, Matt estava fora trabalhando e ela não tinha melhor coisa que fazer porque já tinha a despensa abarrotada de garrafas e botes de conservas caseiras, encurtidos e licores de frutas. Inclusive a busca do passado do Jimmie se estancou. A averiguação do Matt sobre o direito de propriedade tinha resultado infrutífera. Qualquer ação de compra ou venda da granja se realizou antes de que os registros se passassem a suportes informáticos.
Quando Patsy entrou no caminho da casa, a Bailey não surpreendeu ver o Janice sentada no assento traseiro. Esteve a ponto de lhe perguntar como tinha feito para saber se Janice queria ir com ela, mas não o fez.
Na meia hora de percurso para o Welborn, Bailey foi conversando tanto com uma como com a outra, descobrindo assim muito mais sobre a vida de ambas, enquanto tratava por todos os meios de evitar qualquer dado sobre sua própria vida.
Welborn era o que Bailey esperava que fora: uma próspera cidade turística com as típicas lojas para bolsos bem talheres. Enquanto as três passeavam pelas ruas e olhavam as cristaleiras, ela se alegrou de que a auto-estrada houvesse passado longe do Calburn. Por muito que agora tivesse aspecto de abandonada, havia na cidade algo real que Welborn não tinha.
-A gente deveria trabalhar aqui e viver no Calburn -disse Bailey, contemplando a cristaleira de uma loja de livros New Age e miçangas.
-Então poderiam permitir-se restaurar as casas antigas -observou Patsy.
-Calburn necessita um negócio, um lugar onde as mulheres possam trabalhar -disse Janice e em seu tom havia tal amargura que Bailey a olhou.
Possivelmente tinha sido essa breve conversação a que pôs em marcha sua idéia. Dez minutos mais tarde, viram uma tiendecita de objetos de presente que tinha um cartelito de SE VENDE e não fizeram nenhum comentário, mas quando foram comer ao mesmo restaurante no que estava agora Bailey, não podiam falar de outra coisa. Janice e Patsy se sentaram a um lado da mesa para não ter que enfrentar seus olhares e Bailey ao outro.
Janice foi a que iniciou o tema. Estava examinando o menu plastificado.
-Se tivéssemos uma loja, poderíamos vender todas essas conservas que faz-comentou.
Ato seguido todas ficaram a tagarelar ao uníssono e, face à falta de olhares entre o Patsy e Janice, tudo ia dirigido às três.
-Artesanatos -disse Patsy-. Eu posso costurar algo.
-Cestas de presente! -exclamou Janice-. Teríamos que ter uma loja de cestas de presente. Estarão cheias de suas geléias caseiras, geléias, anima Y...
-E a costura do Patsy -acrescentou Bailey-. A uma mulher rica que conheci o marido lhe trouxe um pequeno dragão com seu nome e lhes asseguro que gostava mais que os diamantes que lhe dava de presente.
-É provável que lhe desse de presente diamantes para lavar suas culpas -refletiu Patsy.
-Assim era -confirmou Bailey e as três riram.
A idéia de comprar uma tiendecita nessa cidade turística parecia crescer minuto a minuto. Eram três mulheres que dispunham de suficiente tempo. Janice tinha duas meninas pequenas, mas Bailey tinha descoberto que sua sogra vivia com elas, assim que as meninas podiam estar tanto com sua avó como com sua mãe. Quando ela mesma o expressou, Bailey lhe viu algo nos olhos, um pouco parecido ao que lhe tinha percebido em seu percurso pela casa do Patsy, mas seguia sem ver claro o que era. Medo, possivelmente. Ou possivelmente a sensação de haver-se rendido.
Quando terminaram de comer, já falavam de dinheiro. Depois foram caminhando até a loja, entraram e começaram a reorganizá-la mentalmente. No momento, a loja era uma entre as muitas do Welborn que vendiam um pouco de tudo e não estavam especializadas em nada. Viram camisetas com a lenda "Welborn, Virginia", um par de prateleiras cheias de velas e alguns brinquedos baratos. A proprietária lhes mostrou o local. Havia uma ampla cristaleira com expositores e na trastienda havia três espaços que poderiam ser utilizados como lugar de trabalho e armazenamento.
-Antes era uma floricultura -explicou a proprietária.
Quando abriu a porta de atrás e saíram a um grande estacionamento, as três ficaram deslumbradas pelo sol, não muito seguras do que fazer a seguir. Sabiam que era um momento crucial. Podiam voltar para casa e esquecer todo isso? Ou deviam prosseguir por esse caminho?
Foi Janice a que tomou a decisão.
-O primeiro que devemos fazer é nos informar de se houver competência. Haverá outras lojas de cestas de presente no Welborn? Não estou segura de que esta zona possa dar capacidade a dois estabelecimentos com o mesmo negócio. E alguma de nós deveria falar com o agente imobiliário sobre questões econômicas. Além disso necessitamos um gestor que nos diga como levar uma loja de cestas de presente, e inclusive se nos convier.
Agora Bailey sorria, pensando naquela tarde. Janice se comportava como um sargento instrutor e tanto Bailey como Patsy tiveram claro qual seria o trabalho que ia corresponder lhes. Patsy foi informar se sobre as outras lojas da zona e Bailey foi à biblioteca pública para ver o que podia descobrir, enquanto Janice se dirigia à agência imobiliária para tratar o tema econômico.
Para quando voltaram a encontrar-se já eram as seis da tarde e tinham muitas coisas das que informar-se. Patsy as conduziu de volta ao Calburn, com um alto em um supermercado. As três percorreram os corredores com suas cestas, enquanto conversavam sem parar.
Ao chegar a casa seguiram falando com o mesmo entusiasmo aos homens com os que viviam. Janice contou ao Scott que ia levar a contabilidade de sua nova empresa, Patsy disse ao Rick que ia ser diretora criativa, e Bailey contou ao Matt que ia tratar de alugar uma cozinha industrial para começar a preparar os produtos mais saborosos a grande escala.
-Não sabemos que nome lhe dar -expôs cada uma delas a seu respectivo companheiro-. Te ocorre algo?
Agora que estava sentada exatamente no mesmo lugar em que as três tinham estado falando de seus projetos, Bailey voltou a olhar o folheto. Ontem tinham vendido a loja. Mas elas não tinham sido as compradoras. O que tinha acontecido?
De caminho a casa as três mulheres se sentaram no topo do mundo.
-Estamos muito aborrecidas -havia dito Bailey rendo; rendo de verdade pela primeira vez depois de muito tempo.
Essa noite as chamadas telefônicas se dispararam. Estiveram conversando umas com outras, embora era em casa de Bailey onde mais soava o telefone porque devia fazer de intermediária entre as outras dois, de forma que contava ao Janice o que havia dito Patsy e viceversa.
Naqueles primeiros dias os três homens se comportaram maravilhosamente. Matt se ofereceu para renovar a loja. Scott disse que contribuiria duas caminhonetes com apenas dois anos de antigüidade. Rick, que era proprietário de três estações de serviço e quem, segundo Patsy, podia arrumar algo no mundo, ia proporcionar gasolina gratuita para os veículos, além de ocupar da manutenção. Patsy disse que seus filhos foram ser os condutores de partilha das cestas, embora na explicação não aparecesse para nada a palavra voluntários.
Durante toda aquela semana a vida de Bailey resultou muito emocionante. Foram constantes as chamadas telefônicas, os acordos aos que devia chegar, os livros que ler e as webs que consultar. Com a ajuda do Matt aprendeu a utilizar Internet em um tempo recorde. Não tinha nem idéia de como dirigir o resto do computador, mas Matt lhe disse que nunca tinha visto ninguém que aprendesse a mover-se pela Rede com tanta rapidez.
Embora as coisas começaram a trocar depois da primeira semana. na segunda-feira pela manhã Janice chamou Bailey para lhe dizer que Scott tinha problemas com o Internal Revenue System e que necessitava sua ajuda para arrumar umas quantas coisas. Sentia-o muito, mas Scott dizia que era a única pessoa no mundo em que confiava plenamente, assim esperava que Bailey se mostrasse pormenorizada. Dois dias mais tarde Rick tinha devotado ao Patsy uma festa de aniversário em que lhe deu de presente uma máquina de costurar que podia conectar-se a um computador e programar-se para bordar fotografias. Patsy dedicou bastante tempo a sua nova máquina, subtraindo-lhe ao que tinha para falar sobre a loja.
Aquele sábado pela manhã Matt contou a Bailey sua grande novidade. De um despacho de arquitetos para o que tinha trabalhado anteriormente lhe tinham pedido alguns projetos de casas que poderiam vender-se em sua Web. No passado, os projetos vendidos através de catálogos deviam ser muito reguláveis a todos os gostos, mas graças a Internet, podia-se oferecer uma seleção mais ampla.
-O que te parece? -perguntou-lhe Matt.
Ela estava na cozinha e de muito mau humor. Janice e Patsy a tinham deixado pendurada. Queria passar o dia com elas, projetando o negócio, mas resultava que Patsy tratava de copiar um tigre de um livro para colorir em uma das camisetas de seus filhos e Janice estava sumida nas profundidades das finanças de seu marido de fazia oito anos.
Bailey logo que tinha cuidadoso o esboço que lhe ensinou Matt.
-Ódio esta cozinha -comentou e logo lhe deu uma sacudida à panela que fervia em uma soupe aupistou.
-Sim? O que tem de mau? A chama "cozinha Atgourmet". Pensei que você gostaria.
-por que razão quando se trata de cozinhas, vós os homens pensam que "grande" é sinônimo de "gourmet"?
-O que tenho feito para merecer esse "vós os homens"?
Bailey sabia que não estava sendo justa, mas eram os homens os que tinham afastado ao Janice e Patsy do projeto comum.
---Parece-te que poderia desenhar uma cozinha melhor? -disse Matt ao ver que Bailey não lhe respondia.
---Com os olhos fechados -respondeu Bailey, e apertou os lábios.
E foi então quando Matt lhe pôs diante um bloco de papel de papel quadriculado e dez minutos mais tarde estavam os dois inclinados enquanto Bailey redesenhava a cozinha.
E nessas estavam. Matt se expor fazer um livro inteiro de projetos de casas e criar sua própria página Web. Além disso, se pudesse entrar em contato com uma grande empresa como Home Planners, poderia ganhá-la vida e de uma vez ficar no Calburn. Acabava de lhe pedir a Bailey que fora sua sócia como desenhista de cozinhas.
-Lillian?
-Sim? -disse Bailey, ausente, com os olhos fixos ainda no folheto.
-É você, não é assim? Nada mais entrar já sabia que te tinha visto antes, mas me levou um momento descobrir quem foi. Está aqui também para uma sessão de banhos? Pois pergunta pelo Andre. É maravilhoso.
Boquiaberta da surpresa, Bailey observou a essa mulher de seu passado, Arleen Browne-Thompson, baronesa Von Lindensale, que se deslizava para sentar-se no assento do outro lado da mesa.
-Sinto-o -disse Bailey-, deve haver-se equivocado de pessoa. Não sou...
-claro que sim, claro que sim -respondeu Arleen olhando-a fixamente-. Está magnífica. De verdade. Quantos quilogramas perdeste? Quinze? Mais? E seu nariz! te tirar isso deveu que requerer meia dúzia de intervenções.
Bailey lhe lançou um olhar fera enquanto a cabeça lhe dava voltas às conseqüências que podia ter esse encontro. Arleen poderia vender o achado aos tablóides e amanhã o jardim dianteiro de Bailey estaria cheio de repórteres. Ou poderia...
-Quer deixar de me olhar dessa maneira? -disse Arleen-. Não tenho nenhuma intenção de divulgar seu secreto. Se quer percorrer o país vestida... assim -não parecia encontrar palavras para descrever as calças de algodão e a camiseta de Bailey-, não é meu assunto. Além disso, você também conhece alguns meu segredos.
Arleen lançou uma sorriso travessa e Bailey esteve tentada de dizer: "Não há nenhum secreto teu pelo que a gente pagaria." Em duas ocasiões tinha encontrado ao Arleen em situações comprometidas com jovens que trabalhavam para o Jimmie. Quando o contou ao Jimmie, riu a gargalhadas. "Essa velha bruxa deve ter ao menos cento e doze anos. Bravo por ela!"
Arleen pôs uma bolsa Gucci sobre a mesa e começou a revolver dentro. Bailey sabia que procurava um cigarro; esta era a vez em que a tinha visto durante mais tempo sem um na mão. estavam acostumados a se fazer brincadeiras sobre quem tinha visto o Arleen comer algo em alguma ocasião, já que parecia que vivia para beber e fumar. Tinha a pele ressecada e estava gasta.
-Venha, conta-me o tudo -disse Arleen uma vez teve o cigarro aceso.
-Esta é uma zona de não fumantes,
-Acabou de fazer o amor com o proprietário, assim não nos jogarão -repôs, e se gargalhou diante a expressão de Bailey-. Querida, sempre foste muito fácil de impressionar. Não, não tenho feito o amor com o proprietário, mas são as três da tarde e já sabe como são estes americanos, que à uma acabaram os almoços e voltam para suas aborrecidas oficinitas.
Dava a casualidade de que Bailey sabia que tinha crescido no Texas, mas lhe encantava fingir-se "cidadã do mundo", como dizia de si mesmo.
-Tudo -repetiu Arleen-. Conta-me o tudo.
-Não tenho intenção de te contar nada -respondeu Bailey, que a seguir teve a satisfação de ver como se arqueavam ligeiramente as finas sobrancelhas do Arleen.
-Então possivelmente queira que te conte o que ocorreu com todos seus amigos.
-Aqueles que me chamaram depois de que Jimmie morreu e que disseram quanto o sentiam pela perda? A esses amigos refere?
-meu deus -disse Arleen detrás dar uma profunda imersão ao cigarro e olhando a Bailey através de uma nuvem de fumaça-. Quando recuperaste a língua? Estava acostumado a te sentar em um rincão, sem dizer nada. Não fazia outra coisa que baixar a cabeça e esperar ao James.
Bailey recolheu sua bolsa de mão.
-Creio que será melhor que vá.
-Então não terei que fazer mais que lhe dizer a minha chofer que te siga -disse Arleen com calma-. Já sabe que foi agente do FBI.
Bailey se sentou de novo.
-De acordo. O que quer?
-Algo do que tomou para ter tão bom aspecto e estar tão zangada.
---Não estou zangada! -replicou Bailey, mas olhou ao redor, viu o restaurante em seu mais velha parte vazio e desceu a voz-. Não estou zangada -disse com tom suave-, e não sei o que te deu essa idéia.
---me deixe ver. Estava casada com um homem que se ia à cama com tudo aquilo que levasse saias, logo morreu e não te deixou nada. E agora...
Uma vez mais, Bailey agarrou sua bolsa, mas Axleen a sujeitou pelo pulso.
-Vale, peço-te desculpas. Não temos que falar do que lhe fizeram.
-Tem razão. De fato, não temos que falar de nada.
Bailey estava sentada pela metade e Axleen ainda a sujeitava pelo pulso com força.
-O que quer, Arleen?
-É realmente certo que Jimmie não te deixou nada?
-Já vejo. Quer dinheiro.
Arleen se encolheu de ombros.
-Alguém tem suas necessidades.
Como Bailey não voltava a sentar-se, Arleen lhe sussurrou:
-Por favor, sente-se e fala comigo. Sinto falta da o James. E lhe prometo isso, não haverá mais fofocas.
Bailey era consciente de que deveria ir-se, mas algo a retinha. Uma coisa: Arleen lhe era familiar. Nem pelo mais remoto tinham chegado a ser amigas, mas ela tinha formado parte do grupo de parasitas que giravam em torno de Jimmie. Pelo general pensava que a perversidade do Arleen era divertida. "E conhece todo mundo", havia dito Jimmie.
Bailey voltou a tomar assento devagar.
-De acordo, do que quer falar?
-De ti. O que de verdade quero saber é o que tem feito para estar tão bem. Antes, quando estava com o James, sempre tinha um aspecto horrível.
-Obrigado -respondeu Bailey-. O mesmo digo de ti.
Arleen se recostou no respaldo, aproximou-se o cigarro aos lábios e a olhou com olhos especuladores.
-Está realmente zangada. estiveste sempre assim ou é algo novo?
-Não o... -começou Bailey, mas logo se recostou ela também.
-É por seu novo marido? -continuou Arleen.
-O que te faz pensar que tenho outro marido?
Arleen soltou uma gargalhada seca. Não podia rir muito porque tinha os pulmões tão cheios de alcatrão que se começava a tossir, não pararia nunca.
-Você? Você, minha querida Lillian, está feita para ser esposa. E agora tem o aspecto de que está a ponto de ficar grávida. Nos perguntávamos se existia quando James não estava perto. Bandy (lembra-te dele?) estava acostumado a dizer que foi um fantasma e que James tinha pago a alguém para te conjurar. Dizia que uma sacerdotisa vodu tinha praticado um antigo ritual e dele tinha surto esta mulher que era o que todo homem primitivo como James pensava que devia ser uma esposa.
Bailey a olhava horrorizada. Tinha ouvido cochichos e notado olhadas, mas quando Jimmie estava ao redor ninguém se atreveu a lhe dizer algo assim.
-Continua -se ouviu dizer-. Que mais dizia Bandy de mim?
-OH, querida, era do mais divertido. Já sabe quão malicioso pode chegar a ser Bandy. Dizia que só um fantasma ao que tivessem tirado o espírito podia ser mulher de um multimilionário e seguir colocando cerejas em garrafas ao redor do mundo, encontrasse-te onde te encontrasse, como você fazia. Dizia que o tinha tudo, mas que em realidade quão único queria era desaparecer dentro do James Manville; e que, certamente, era o que James queria que fizesse. Por isso James te enviava todos esses chocolates cada vez que perdia um grama ou dois.
-O chocolate era presente de outras pessoas. Presentes de agradecimento, em seu mais velha parte. Jimmie dizia... -interrompeu-se diante o olhar do Arleen, que parecia lhe dizer: "Mas como pode ser tão ingênua."
-Bandy estava com ele em uma ocasião quando encarregou o chocolate para ti. Disse-lhe: "Acreditava que Lillian estava fazendo dieta", e James pôs-se a rir. Mas já sabe como é Bandy, uma vez se inteira de algo não o deixa escapar. Por meio de adulações conseguiu enrolar ao James para que lhe contasse por que queria ter uma mulher gorda. James lhe disse que ele não teria nunca uma mulher formosa. Lembrança essa noite com toda claridade. Estávamos no iate do Jimmie, esse grande que tinha, qual era seu nome?
-O Lillian -respondeu Bailey, e apertou a mandíbula. Não queria ouvir nada do que essa mulher estava a ponto de dizer, mas de uma vez um pouco muito intenso lhe impedia de partir-. O que disse Jimmie de mim?
Arleen acendeu um cigarro com a bituca do anterior.
-Era uma dessas noites em que você te tinha ido logo a dormir. Por então foi sempre cedo, verdade, querida? Uma das razões pelas quais desgostava a tanta gente era porque não fazia nenhum esforço por esconder que os desprezava
---Iam todos atrás do dinheiro do Jimmie -disse Bailey.
---Sim, carinho, queríamos seu dinheiro, mas você queria sua alma. Agora, me diga, o que é mais caro?
Bailey não ia responder a isso.
---me conte o que te está morrendo por me contar -lhe soltou.
---Que hostilidade! meu deus! -expressou com veemência Arleen-. Isto não sabia. De havê-lo sabido, possivelmente tivéssemos sido amigas -disse, e lançou um cacarejo-. De qualquer maneira, aquela noite, como de costume, tínhamos bebido muito, muito, e Bandy pediu ao James que nos contasse seu segredo para obter um matrimônio feliz. Imagino que está à corrente de que, pelo general, estava mais à frente do bem e do mal. Quando James estava presente não se mencionava seu nome. Mas essa noite James falou. Possivelmente estava bêbado, não sei. Além disso, estava de bom humor porque acabava de conhecer aquela atriz principiante; a ruiva com um coração tatuado no braço. Não tinha nem idéia de atuação, mas tinha um corpo divino. Como se chamava?
-Chloe -disse Bailey em um sussurro.
-Ah, sim, Chloe. -Arleen apagou o cigarro e acendeu outro-. Bom, é igual, essa noite James falava com vontades e disse que o segredo era encontrar uma garota que não tivesse nada, uma garota (disse garota, não mulher, recordo-o com toda claridade) a que não quisesse ninguém neste mundo e que não tivesse ambições. "Uma garrafa vazia que espere minha chegada para enchê-la. -Isso é o que disse James-. E se a encher com amor, será o único que lhe importe."
Arleen se deteve e deu uma profunda imersão ao cigarro.
-Já sabe como era James. Uma vez começava a falar, era imparable. Não é que dissesse nunca grande coisa de si mesmo, mas Bandy podia lhe tirar algo de tanto em tanto. James disse: "Por exemplo, olhe..." Ah, como se chamava? Essa modelo que esteve antes do Chloe? Essa garota italiana?
-Senta -murmurou Bailey.
-Isso, Senta. James disse: "Por exemplo, olhe a Senta. Seria uma esposa desastrosa. Muito bela. Muito ambiciosa. Muito paga de si mesmo. Aí não haveria espaço para mim. A mulheres como essas as usa para o que parecem e logo te desfaz delas quando lhe aborreceram." "Mas não Lillian", disse Bandy, e posso te assegurar que todos contivemos a respiração. Já sabe, James podia suportar que uma pessoa vivesse dele durante anos, mas se uma só vez lhe pilhava contra a corrente, não voltava a vê-lo nunca mais, não voltava a lhe falar, e, ainda pior em meu círculo, não voltava a pagar as faturas.
-O que disse Jimmie de mim? -insistiu Bailey com uma voz apenas audível.
-Disse que estava seguro de que não tinha a ninguém a quem querer mais que a ele. Disse que se te começava a aborrecer e quisesse verdadeiramente fazer algo, ele te levaria a toda velocidade a qualquer outro lugar novo. "O problema do Lillian -disse James- é que é preparada. Pode que não o pareça porque não fala muito, mas do que todos não lhes dão conta é que pelas manhãs, enquanto todo o atalho de inúteis que formam dorme a Mona da noite anterior, Lillian está na cozinha com os chefs, absorvendo seus conhecimentos. Ou fora, com os jardineiros ou os mecânicos. Gosta de aprender." Ao que Bandy replicou: "Mas nunca chega a utilizar o aprendido", e então James pôs-se a rir. "Essa é a chave -disse-. Se te casa com uma mulher estúpida, tem que viver com ela. Se te casar com uma inteligente, a partir desse mesmo dia troca e começa a competir contigo." Ao que Bandy respondeu: "Quer dizer uma carreira, mas não irás pensar que Lillian poderia competir contigo." E James respondeu: "Não para fazer dinheiro, mas um negócio me tiraria de sua cabeça." Bandy lhe perguntou se por isso tinha se despedido do homem da Heinz.
Arleen deixou de falar e olhou a Bailey um momento.
-Lembra-te daquela vez em que esse da Heinz fazia negócios com o James? Creio que então estávamos na casa de Antiga.
-Não -disse Bailey com doçura-. Era o castelo de Escócia.
-Ah, sim. Aí é onde te pôs uma cozinha de cem mil dólares e vivia nela. Jimmie dizia que tinha muito frio no resto da casa, mas todos sabíamos que não podia nos suportar.
-E o que passava com o homem da Heinz? -perguntou Bailey, incapaz de olhá-la aos olhos.
-Provou alguma de suas geléias e queria a franquia, mas James não ia permitir se o James disse que não estava interessada em fazer negócios, mas Bandy disse a costas do James que o único negócio que tinha permitido era ele. Não recorda nada de tudo isto?
Bailey manteve os olhos baixos. Lhe tinha pedido ao Jimmie que lhe perguntasse ao homem da Heinz se podia ajudá-la a iniciar uma linha de produtos de delicatessen. Bailey passou aquele dia com os nervos de ponta à espera da resposta. Mas quando Jimmie chegou a casa de noite com um enorme ramo de rosas, soube o que havia passado.
Jimmie esteve maravilhoso aquela noite, abraçou-a e a fez rir depois de lhe contar que o homem tinha descartado a idéia. Disse-lhe: "Não lhe disse quem fazia as geléias que tomava porque queria uma resposta objetiva, mas te asseguro que desejei lhe pegar quando opinou que eram correntes e nada especiais." Bailey teve que fazer um verdadeiro esforço para não desfazer-se em lágrimas. Ao longo dos anos muita gente lhe havia dito que suas geléias eram deliciosas e extraordinárias, diferente de tudo o que tinham provado até então, mas ao parecer tinham estado lhe mentindo por cortesia.
Quando Jimmie viu que estava a ponto de chorar, zangou-se e disse que lhe compraria uma fábrica para que fizesse suas próprias geléias. "Poremo-lhe Geléias Lillian. Né! Já sei o que farei: o que te parece se te compro a Heinz?" Sua justa indignação tinha parecido ser tão sincera que a fez rir.
Contudo, o rechaço lhe doeu tanto que esteve meses sem fazer conservas de nenhum tipo. E agora Arleen lhe contava que o homem da Heinz estava tão interessado que tinha preparado um contrato para lhe dar ao Lillian o controle pleno de sua produção.
-Teria que havê-lo visto aquela manhã no café da manhã -lhe dizia Arleen-. Aquele tipo quase suplicava. Disse que o mercado do gourmet se estava iniciando e que os produtos eram perfeitos para que os comercializasse Heinz por esse conduto.
Bailey se olhou as mãos e viu que se estava fincando as unhas nas Palmas. Aquela manhã tivesse querido ir a esse café da manhã e lhe dizer ao homem do Heinz o que pensava dele. Teria querido lhe mostrar todas as cintas azuis que tinha ganho durante anos em campeonatos e feiras. Mas Jimmie lhe havia dito que ele mesmo se encarregaria, e quando o disse lhe tinha cheio o rosto de indignação. "me deixe que o eu faça, Sardas -lhe disse-. Sou um vingador mais duro que você."
Assim Bailey permaneceu em seu dormitório até que viu que o homem subia ao carro que o conduziria ao aeroporto. Mais tarde pediu ao Jimmie que lhe contasse todos os detalhes de sua vingança, mas a única resposta que recebeu foi que podia estar segura de que aquele tipo não ia voltar nunca por ali. Pela forma em que o disse, Bailey continuou pensando que Jimmie era seu paladín.
-Bom, e o que é de sua vida agora? -perguntou-lhe Arleen.
-Eu... -começou Bailey, mas não chegou a articular mais palavras. O que ia dizer? Que sim estava vivendo com outro homem e cozinhando para ele, enquanto ele o pagava quase tudo? Que ia trabalhar para ele, realizando em torno do um por cento dos projetos da arriscada empresa que ele iniciava? Em outras palavras, que em só umas semanas tinha chegado a recrear a vida que fazia com o Jimmie-. comprei este lugar -se ouviu dizer enquanto tendia o folheto através da mesa-. vou começar um negócio com dois amigas e vamos criar uma linha de delicatessen.
-Sério? -perguntou Arleen, olhando-a através da fumaça de cigarro-. Você, metida em negócios?
-Nenhum de vós me conheceu nunca -disse Bailey e respirou fundo-. E nenhum soube nunca o verdadeiramente implicada que estava nos negócios do Jimmie. Fazia algo mais que lhe seguir por aí, mais que... -Não pôde seguir, já que o que Arleen lhe tinha contado lhe retumbava ainda na cabeça. "Uma garota que não tivesse nada", havia dito Jimmie. "A que não quisesse ninguém neste mundo e que não tivesse ambições. Uma garrafa vazia que esperasse minha chegada para enchê-la." Sabia que eram palavras do Jimmie, podia ouvir como as dizia.
-E há um homem? -perguntou Arleen-. Ou é que Jimmie te azedou para o resto de sua vida?
-Sim, há um homem -disse Bailey com a mandíbula rígida-. De sangue azul por parte de mãe. Provavelmente conheceria a família se dissesse seu nome, mas prefiro mantê-lo no anonimato.
-Compreendo -disse Arleen e sorriu-. James desejava o sangue azul, não é assim? É a razão pela que entrou em contato com gente como Bandy e como eu. James podia ter todo o dinheiro do mundo, mas não podia dar marcha atrás à história e trocar seu berço.
-Não, não podia -confirmou Bailey. Intercambiou um sorriso com o Arleen e, nesse momento, gravitou algo próximo a um sentimento amistoso.
-Sabe uma coisa? -comentou Arleen-. Estou contente de que não volte a ter uma relação desse tipo. E também me alegra que o novo homem de sua vida não seja tão controlador como James e que não te impeça de ter sua própria tiendecita. E espero que não te impeça de descobrir aquilo que James queria que descobrisse.
-O que quer dizer? -Mas é que Jimmie também lhe tinha falado às pessoas da nota que deixava a sua mulher no testamento? Parecia que tinha fofocado sobre um montão de coisas de suas vidas privadas.
-Isso é algo que James disse em uma ocasião. Estou segura de que não tinha importância, mas disse que ia pedir te que depois de sua morte descobrisse algo que lhe era impossível.
Bailey a olhou fixamente,
-Vale, o que quer?
Arleen deu uma imersão com tanta força que a fumaça deveu lhe chegar até a ponta do pé.
---Não ficam muitos homens como James -disse em voz baixa, e esperou a que Bailey se imaginasse o que queria dizer.
---Entendo -disse esta. O que Arleen queria dizer era que não havia muitos homens tão imensamente ricos que tivessem uma necessidade tão profunda de rodear-se de gente cujo único mérito era "conhecer gente".
---Os ricos de agora -disse Arleen- são esses moços do mundo da informática. Para que vão necessitar contatos? O que querem é ficar acordados toda a noite e usar os jogos de seu computador.
Arleen esmagou o cigarro na saladeira vazia com tal força que Bailey pensou que podia haver-se rompido uma unha. Continuou olhando-a fixamente, expressando a mesma pergunta: o que quer?
-Se conseguir que seu empresita funcione, possivelmente te convenha ter algum bom nome de que dar emano.
Bailey Fechou os olhos em um olhar muito parecido com a de seu defunto marido.
-É possível que eu goste de ter a alguém que conte a outros quão maravilhosos são meus produtos, por digamos... um por cento do preço bruto.
-Dez por cento do nítido -respondeu Arleen.
-Dois por cento do bruto assegurará que faça um pouco de trabalho -replicou Bailey.
-Oxalá houvesse passado algum tempo contigo quando James estava vivo -disse Arleen, sorrindo-. De acordo, três por cento do nítido.
-Dois -continuou Bailey, sem um sorriso-. Do bruto.
-assim, qual é o nome da empresa da que possuo dois por cento?
-Não tenho nem idéia -respondeu Bailey, sorridente-. Ainda não a inaugurei.
Arleen a olhou com assombro por um momento, mas logo, quando se deu conta de que Bailey lhe tinha mentido, jogou a cabeça atrás e riu de verdade. Foi uma boa gargalhada de moça do Texas; algo que a baronesa Von Lindensale nunca se permitiu.
Bailey não pôde evitar lhe devolver um sorriso e quando Arleen começou com uma sessão de tosses, tendeu-lhe um copo de água.
---E agora, quererá me dizer o que disse Jimmie sobre o que queria que descobrisse?
-Ah, sim -disse Arleen, enquanto revolvia em sua bolsa e tirava uma caixa de pó para retocar a maquiagem. ficou um montão, destacou os olhos enegrecidos e se retocou as bochechas escarlate-. James disse que todo seu dinheiro não alcançava para endireitar algo mau que havia passado quando ele era um menino. Já que nunca falava de sua infância, pode imaginar como estávamos todos ao lado dos assentos. "Assassinatos chamados suicídios", isso é o que disse. Nós lhe comentamos: "Jimmie, tem dinheiro suficiente para revisar o julgamento. Expõe as provas que tenha."
"Certamente, estávamos desejosos de lhe ajudar porque queríamos descobrir a verdade sobre seu misterioso passado. "Criem que falariam comigo? -disse James-. "Eu estava ali. Estava envolto, mas aqueles seis meninos brilhantes eram..."
-O que? -disse Bailey com os olhos como pratos.
-Disse que estava envolto, assim que o reconheceriam. Quem-quiera que fossem. Nem sequer Bandy pôde conseguir que contasse mais.
-Alto aí -exclamou Bailey-. Há dito "seis meninos brilhantes". Disse exatamente isso? Ou disse os "seis meninos de ouro"?
-Há diferença significativa entre essas palavras?
-Há-a se viver no Calburn. Vale, o que disse Jimmie sobre os "seis meninos brilhantes"?
Arleen se tomou seu tempo para acender outro cigarro, logo voltou a olhar a Bailey.
-Creio que o pai do James era um desses moços.
-Quer dizer que o pai do Jimmie foi assassinado? Ou que se suicidó? Ou que foi acusado de homicídio? Ou que assassinou a alguém?
-Não tenho nem idéia. James falou de "assassinatos chamados suicídios", logo disse que seria reconhecido se voltasse para lugar e que esses "seis meninos brilhantes" -olhou a Bailey-, ou "seis meninos de ouro", creio, eram míticos e intocáveis. Depois fez um gesto de repugnância e disse que alguém tinha tentado em alguma ocasião tocá-los e "Olhe o que aconteceu com ela", disse-nos. Diz-te algo tudo isto?
-Algo sim. E o que há do pai do Jimmie?
-James disse: "Meu pai era um deles, mas ele...", e logo se interrompeu. Isso é tudo o que disse. Bandy lhe pediu que contasse mais, mas James repôs: "Falo muito", e isso foi tudo. Nunca mais soltou uma palavra sobre seu passado com ninguém, que eu saiba. Inclusive uma vez pergunte a uma das garotas, a aquela sueca...
---Ingrid -disse Bailey de uma vez que se recostava no respaldo-. Não, Jimmie não se confiaria com nenhuma delas.
---Querida, sangra-te a mão -disse Arleen em voz baixa.
Bailey desceu a vista e viu que duas de suas unhas se cravaram na palma da mão. Retirou rapidamente a mão da vista, colocando-a sob a mesa.
---vais descobrir o do pai do James? -perguntou Arleen-. Se o fizesse poderia escrever um livro e te fazer com uma fortuna.
Bailey a fulminou com o olhar.
---Não, não vou escrever para revelar coisas de meu defunto algemo.
-Mas, querida, poderia fazê-lo. Poderia contá-lo tudo sobre essas festas fabulosas, as mulheres, sobre... -Arleen se deteve-. Posso entender por que não quer fazê-lo. E então, o que projeta fazer com toda essa informação?
-Nada. O estar aqui sentada contigo me tem feito me dar conta de que não devo nada ao James Manville. Estou segura de que teve suas razões para lhe deixar tudo às pessoas que aborrecia e não me deixar nada , exceto... -Quando viu os olhos espectadores do Arleen se deteve. Não queria revelar muito sobre si mesmo, incluído o lugar onde vivia-. O que intento fazer é recuperar o tempo perdido -disse, e se inclinou sobre a mesa, de maneira que seu rosto ficava pego ao do Arleen-. Quero que trabalhe para mim. Não haverá contrato entre nós, só palavra de honra. ouviste alguma vez esse conceito, Arleen?
-Uma ou duas vezes -replicou com um ligeiro sorriso-. E quando se verá retribuído?
-Se não contribuir com clientes não recebe pagamento. Compreendido?
-Claramente. Não tenho que comer nada do produto, verdade?
-Creio recordar que você gostava bastante minhas cerejas ao conhaque.
-Lançava essas coisinhas vermelhas horrorosas pela amurada do iate -disse Arleen-, e logo me bebia o conhaque.
Bailey não pôde evitar sorrir.
-me dê sua direção e seu número de móvel e te porei à corrente das novidades. E quando fizermos um pouco de dinheiro, mandarei-te um cheque.
Arleen recolheu o folheto, rabiscou uns números e uma direção em Londres e logo o devolveu através da mesa.
-E quem é esse "nós"? O homem de sua vida?
-Não -respondeu Bailey com Esta firmeza será uma empresa levada por mulheres. Não se permitirá a entrada aos homens.
Consultou a hora e, enquanto o fazia, pôde sentir o olhar zombador do Arleen. Não era um relógio caro.
-Tenho que ir -disse Bailey enquanto recolhia o folheto e o metia na bolsa-. Te manterei informada.
-Obrigado -disse Arleen em voz baixa-. Conto contigo.
Bailey evitou cruzar o olhar com o Arleen enquanto saía deslizando do assento. Havia algo vazio nesses olhos, algo que não queria ver. Arleen revivia aquela frase imperecível do Tennessee Williams: "Sempre dependi que a amabilidade dos estranhos."
Com a cabeça bem alta, Bailey deixou o restaurante e foi para o estacionamento.
12
A bravata de Bailey durou até que se encontrou na solidão de seu carro. Pôs a chave, mas não acendeu o motor. Em vez de fazê-lo desceu a cabeça, reclinou-a sobre o volante e fechou os olhos.
Enquanto esteve casada com o Jimmie podia fingir que aquelas outras mulheres não existiam. podia-se dizer que as "amigas" do Jimmie eram criaturas odiosas e que ela não queria mesclar-se; assim, ouvia pouco e via menos. Podia esconder-se na cozinha de todas as casas e simular que eram um casal como as outras, que Jimmie chegava direto do escritório à comida preparada em casa por ela. De fato, com os anos, tinha chegado a ser brilhante em sua tarefa de esconder-se da verdade.
E agora estava fazendo com o Matthew Longacre exatamente quão mesmo tinha feito com o Jimmie. Estava voltando a esconder-se e a deixar que um homem tomasse as decisões por ela; permitindo que decidisse sua vida.
Levantou a vista para o pára-brisa e viu como uma mulher agarrava da mão a um menino e se dirigiam para o supermercado. Tinha desejado loucamente ter filhos, mas Jimmie se feito a vasectomia muito antes de que se conhecessem. Ele nunca o disse, mas Bailey imaginava que se havia infertilizado porque lhe assustava que seu filho herdasse o lábio leporino.
Não obstante, agora que havia passado já algum tempo sem a presença física do Jimmie, pensava que possivelmente não queria ter filhos porque sabia que teria estado ciumento. Queria a Bailey só para si mesmo.
-Foi um homem muito egoísta, James Manville -disse em voz alta enquanto punha em marcha o carro-. E ainda pior, eu permiti que fosse
No caminho para casa, apenas se fixava na estrada. Tinha a cabeça tão cheia do que tinha ouvido essa manhã, e do que se viu forçada a recordar, que pouco podia ver.
Mas pior que o passado era que estava voltando a repeti-lo uma vez mais. Não tinha a mais nova dúvida de que Matt ia pedir lhe logo que se casassem, depois teriam uma alegre bodita em alguma igreja encantadora e com toda probabilidade ficaria grávida ao cabo de uma semana. "A ponto de ficar grávida", tinha-a visto Arleen.
O que poderia transmitir Bailey a seus filhos quando pedissem sua opinião ou guia? "Vê e lhe pergunte a seu pai. Ele toma todas as decisões. Eu não faço mais que as seguir." Seria isso o que deveria lhes dizer?
E recordou o rapidamente que podiam trocar as coisas. O que aconteceria Matt e ela tinham três meninos, ele caía de um andaime e se matava? Como se supunha que ia ela a manter a seus filhos? Trabalhando dobre turnos de garçonete e sem vê-los alguma vez? Tinha lido artigos sobre adultos muito zangados porque suas mães, sózinhas, estresadas e carregadas de trabalho, nunca tinham estado com eles quando eram meninos.
O que aconteceria Matt tinha uma aventura amorosa? Ela faria quão mesmo tinha feito com o Jimmie, ocultar-se detrás quilogramas de geléia de laranjas amargas e uva, e fingir que não via nada? Se Matt queria dar uma festa com convidados que não gostava, o que faria ela? Fingir fadiga e partir à cama? Uma coisa era escapar de uma festa em uma mansão de seiscentos metros quadrados e outra bastante diferente em uma casa de duzentos. Não, nesta ocasião não ia esconder se; esta vez ia fritar cebola e queijo para eles.
E ia fazer o em sua própria casa!
Quando Bailey tomou o caminho de entrada da granja, recordou a primeira vez que chegou ali com o Phillip. Tinha resultado tão horrível então. Mas era incrível o que havia mudado em só seis semanas. Um fim de semana atrás de outro os amigos e parentes do Matt -como se estivessem levantando um celeiro em uma novela do oeste- os tinham ajudado a restaurar a casa até lhe voltar para dar seu aspecto original.
Em um primeiro momento a Bailey tinha divertido a transformação. Cozinhar para gente que se prodigalizava em louvores sobre tudo o que lhes servia tinha sido como um sonho feito realidade. Era o que tivesse pedido que fora a vida. Matt estava sempre presente, rendo, sonriéndole e freqüentemente com o braço por cima de seus ombros. Ele elogiava seus guisados e os desenhos que Bailey fazia para as cozinhas de seus projetos. Cada semana que passava Matt recebia mais encargos e era possível que conseguisse trabalho permanente em uma empresa de Nova Iorque que vendia projetos por Internet, o que lhe permitiria permanecer no Calburn e ganhar muito bem a vida.
Durante os restantes dias da semana tinham chegado a estabelecer uma rotina tranqüila e aprazível. Cada um conhecia os programas televisivos preferidos do outro. Ele tinha aprendido a não interrompê-la quando lia uma de suas amadas novelas policíacas. A ambos desagradava sair durante a semana, assim que ficavam em casa, alugavam vídeos ou trabalhavam no quebra-cabeças de mil peças que tinham instalado em um rincão, junto à chaminé, e escutavam a Enya. Às vezes algum dos sobrinhos do Matt, ou os dois, foram passar a noite; Então Bailey fazia pipocas e tinha que ver alguma mau filme de terror que logo o fazia ter pesadelos.
Não obstante, de sexo, nada. Quando estavam a sós se tratavam como irmãos. Ele era educado, mas um pouco distante. E devido a que a relação de Bailey com o único homem de sua vida lhe tinha ensinado que não eram interessantes as mulheres agressivas, não tinha nem idéia de como iniciar uma aproximação ao Matt. Além disso, desejava-o? Dava-lhe medo turvar algo que podia ser importante.
Entretanto, quando havia gente ao redor, Matt fazia freqüentemente fale sobre sexo. Brincava com Bailey de uma forma que fazia que os outros os olhassem com aprovação; ela sabia que todos queriam que seguissem juntos.
A falta de iniciativa do Matt quando estavam sózinhos fazia que Bailey se sentisse... bom, não de tudo desejável, assim que tirava o sarro quando havia testemunhas. Estava segura de que para outros davam a impressão de estar vivendo uma intensa experiência sexual. Mas, algumas vezes, lhe entravam vontades de gritar: "Já sei que pinjente que ainda não estava preparada, mas prova-o agora!"
Mas Bailey não pedia nada a gritos. Pelo contrário, preparava comidas maravilhosas. Fez um grande prato do Chile e pão caseiro quando Matt e quatro de seus ex-companheiros de instituto passaram o dia tirando o vespeiro da chaminé. Também fez pizzas para todos o dia que os mesmos amigos se reuniram para derrubar o quarto de banho verde.
E quando Matt lhe contou que o chefe da empresa que tratava de que o contratasse estava considerado um grande gourmet, olhou-a com olhos suplicantes: quereria, por favor, fazer um jantar memorável e lhe ajudar assim a conseguir o trabalho? Claro está, ela se ofereceu com gosto e logo passou doze horas na cozinha na preparação de um banquete marroquino. Fez uns envoltos de azeitonas e tomates, pescado ao forno com especiarias, uma sopa tagin de frutos do mar perfumada com cardamomo e cominhos e um frango ao açafrão salpicado de damascos, passas e amêndoas. E, é obvio, cozinhou uma b'stilla, o maravilhoso prato marroquino de frango troceado e especiado com ovos e amêndoas, envolto em finas capas de massa, e assado até conseguir um tom dourado, para logo polvilhá-lo com açúcar. De sobremesa, quando os seis homens estavam fartos, Bailey lhes serve um sorvete de framboesas e ameixas com diminutos pastelitos de açúcar em forma de casas. Os seis riram com a piscada e o chefe disse ao Matt que a sua seria uma incorporação bem-vinda à empresa.
-Se pode projetar a metade de bem do que cozinhas, dobrará nossas vendas -havia dito.
Durante aquelas semanas Bailey viu com freqüência ao Janice e Patsy, mas quando Janice comentou que não tinha encontrado nada incorreto na contabilidade de seu marido, mesmo que tinha examinado os livros dos últimos nove anos, Bailey não disse nada. E quando Patsy contou que seu marido e filhos lhe tinham pedido por favor que não lhes bordasse nenhum outro animal, planta ou criatura de fantasia em nenhuma de seus objetos, Bailey tampouco disse nada. Não, Bailey não tinha querido perturbar aquele encantador estilo de vida aprazível que sempre tinha desejado. Sua vida com o Matt era o que tinha tratado de obter com o Jimmie. Mas o dinheiro do Jimmie e seu... sua necessidade de "afeto" o punham no caminho da perfeita felicidade.
Bailey saiu do carro e se dirigiu ao alpendre dianteiro. A casa estava agora formosa e se converteu no tipo de lugar que ela sempre tinha desejado. O largo alpendre envolvia a terceira parte da casa e dispunha de duas cadeiras de balanço de madeira com assentos trancados de cânhamo e três cadeiras de vime com almofadas floreadas. Inclusive Matt tinha pendurado uma rede em um dos extremos.
Não obstante, Bailey não se sentava no alpendre muito freqüentemente. E por uma só razão: desde que se terminou o alpendre quase não tinha tido ocasião de sair da cozinha. Patsy dizia que Matt tentava recuperar o tempo perdido.
-Rick contava que quando eram meninos seu irmão era muito orgulhoso para participar de nenhum evento social porque a família era muito pobre para corresponder. Rick não tem o orgulho ridículo do Matt, assim que ele ia a todas as festas. Ele e eu o passamos de maravilha no instituto, mas Matt não, ele ficava sozinho em casa. Logo, claro, casou-se com a Cassandra. -Patsy havia dito isto último como se não necessitasse outra explicação.
devido a estas palavras do Patsy, Bailey havia sentido como obrigação própria o entreter ao meio Calburn e a grande quantidade de gente do condado vizinho durante as seis semanas anteriores. Certamente, não podia privar ao Matt de algo do que tinha carecido quando era menino. Além disso, fiel à palavra dada, ele pagava toda a comida. E sempre lhe perguntava se não lhe importava cozinhar para tanta gente e com tanta freqüência.
-Não, eu adoro -respondia ela cada vez que o perguntava.
Agora contemplava o alpendre, mas o que de verdade olhava eram as cadeiras, o balancim e as dois mesinhas com coberta de cerâmica que tinham surto de um armazém guardamuebles. Era parte do que Matt conservava do acordo de divórcio.
-Como os comprou Cassandra, estou seguro de que deveram lhe custar uma barbaridade -tinha comentado Matt-. E estavam guardados sem mais, assim muito bem possamos usá-los. Se não te importar, claro -consultou, olhando-a fixamente.
-É obvio que não -disse Bailey-. Claro que os usaremos. Seria uma tolice não fazê-lo.
Mas não gostava das cadeiras. Eram muito lambidas, muito "de desenho" e a malha da tapeçaria era excessivamente brilhante e moderno. Bailey teria preferido fazer uma viagem a Carolina do Norte e comprar ali algo feito por um artesão. Mas não o comentou ao Matt.
Entrou na casa e olhou ao redor. A sala estava a anos luz do que tinha sido quando ela chegou. A cozinha se integrava agora em um espaço aberto com a sala, separadas por uma mesa de granito com tamboretes. Os últimos três sábados tinha servido um prato chamado "queijo frito" aos amigos, enquanto eles viam um partido de beisebol na grande tela de televisão que Matt trouxe para casa uma sexta-feira pela tarde.
-Não estão acostumados à comida estrangeira -disse Matt a noite antes de que viessem seus amigos, todos eles conhecidos do instituto, Para lhe ajudar a substituir o instável chão do desvão-. Não me interprete mal, eu adoro o que cozinhas, mas esses meninos viveram sempre no Calburn e, bom...
Não era necessário que acabasse a frase; ela o compreendia. O seguinte sábado que voltaram (e esse dia foram mais), um deles se apresentou com um presente de agradecimento para Bailey: um artefato para cortar cebolas em segmentos, que ao fritar se convertiam em flores.
Os homens, sob a supervisão do Matt, fizeram maravilhas. A cozinha ficou pequena mas muito prática e com uma despensa enorme. Não instalaram armaritos superiores, só prateleiras abertas para colocar os utensílios de uso mais freqüente. Matt utilizou a oficina de carpintaria de um amigo para construir os móveis inferiores com uma nodosa madeira de pinheiro encontrada nas paredes da garagem durante sua remodelação. Riram juntos de que a aquela desconhecida senhora não gostasse do bonito pinheiro velho e em seu lugar colocasse umas lâminas plastificadas.
-E logo as cobriu com um papel pintado que simula o aspecto do pinheiro velho -balbuciou Matt, e os dois riram a gargalhadas.
Matt preencheu os orifícios dos pregos, lixou o pinheiro para lhe tirar anos de graxa e fuligem e deu a todo um acabamento com seladora mate. Os armaritos ficaram tão primorosos que faziam sorrir a Bailey cada vez que os via.
Se a cozinha era toda dela, outras partes da casa pareciam não guardar nenhuma relação com sua pessoa. O que disse Patsy sobre a recuperação por parte do Matt do tempo perdido lhe seguia ressonando nos ouvidos. De alguma forma parecia que estava tratando de reescribir a história. Conforme havia dito Patsy, Matt parecia um recluso quando estava no instituto e depois tinha abandonado Calburn "antes de que se secasse a tinta de seu diploma". Mas agora estava constantemente chamando velhos amigos do instituto e tratando de renovar amizades que, segundo Patsy e Rick, nunca existiram.
-Você o aborrecia quando estava no instituto -disse Rick um dia quando Matt comentou que certo "amigão" ia vir na sábado-. Esse imbecil queria que todo mundo pensasse que era o melhor jogador de futebol que tinha dado Calburn, até sabendo que você podia correr mais depressa e lançar melhor que ele. Mas tinha que trabalhar depois de sair do instituto e os fins de semana, assim não podia te integrar na equipe. Lembra-te do enfrentamento que tiveram os dois no estacionamento quando trabalhava no Dairy Queen? O chefe te despediu essa noite.
-Isso passou faz muito tempo -resmungou Matt e logo acendeu o televisor para não ter que comentar mais o assunto.
Das paredes penduravam fotos emolduradas da família do Matt, junto com um par de pinturas de paisagens. Os quadros não eram maus, mas Matt os tinha comprado com sua ex-mulher.
---Pintou-os um amigo de seu pai -tinha explicado Matt-. Agora não têm muito valor, mas pode que o tenham algum dia.
---E então, por que não os levou Cassandra? -perguntou Bailey.
Matt se encolheu de ombros.
---A Cárter não gostava.
A Bailey tivesse gostado de dizer "para mim tampouco", mas não o fez.
O armário do vestíbulo estava repleto com as equipes de esporte do Matt; apenas se ficava espaço para guardar uma vassoura. O terceiro dormitório estava cheio de caixas que não se tinham voltado a abrir do divórcio do Matt. Dizia que ia desempacotar as algum dia, mas nunca encontrava o tempo para isso.
escada acima, o loft que ela tinha sonhado estava abarrotado de material do Matt. Tinha comprado algo para fazer desenhos que tinha por nomeie "sistema CAD". O chão do desvão tinha sido reparado, retirou-se o corrimão e essa zona também estava cheia de posses do Matt. Tinha instalado outra mesa de desenho com um aparelho para atirar linhas que se deslizava pela superfície acima e abaixo.
-Penso melhor com um lápis na mão que com um camundongo -havia dito, sorridente.
Em um rincão havia um butacón com um abajur em cima e uma grande turca. Matt tinha colocado prateleiras ao longo das paredes e as tinha cheio com seus livros de referência, que se contavam por centenas.
Bailey saiu pela porta traseira, atravessou o recém descoberto alpendre e chegou ao jardim. Pensou que ao menos o moral seguia sendo o mesmo. deteve-se e olhou os grandes ramos añosas com um fruto que estava quase em plena maturidade. Até o dia de hoje tinha pensado que gostava da direção que estava tomando sua vida, mas a dobro sacudida que supôs o inteirar-se de que a loja se vendeu e o ter voltado para passado da mão do Aneen, parecia haver mudado a forma em que via as coisas.
Enquanto olhava a árvore, soube que tinha chegado a um momento crucial de sua vida. Tinha que tomar algumas decisões importantes. Podia permitir que as coisas continuassem como foram... e esse pensamento lhe fez recordar que sempre tinha deixado que as coisas "continuassem como foram". Era certo que Jimmie já era rico e famoso quando a encontrou, mas o tinha sido principalmente por suas proezas temerárias. depois de seu matrimônio Jimmie deixou suas ocupações mais extravagantes e entrou em formar parte do que os meios de comunicação chamavam "o mundo dos peixes gordos". Não ingressou na lista de aspirantes ao cobiçado título do homem mais rico do mundo até depois de estar casado com a jovem, serena e gordinha Lillian Bailey.
Ela sabia que o que lhe tinha contribuído a seu marido era a certeza de que alguém no mundo conhecia bem ao verdadeiro Jimmie, e não obstante o amava. Ser amado de verdade não era a droga mais potente do mundo? Jimmie acostumava a levantá-la no ar, lhe dar voltas e lhe dizer: "Você me dá a fortaleza, Sardas. Não necessito muito nesta vida, mas a ti sim que te necessito."
E agora, da mesma maneira que tinha feito com o Jimmie, estava começando a desaparecer no Matt. Como tinha feito com o Jimmie ao convertê-lo em tudo para ela, estava deixando todo o peso ao Matt. ficava em casa, escondia-se na cozinha e esperava que Matt lhe trouxesse o mundo. Não estava fazendo nenhum esforço para forjar uma vida própria. dentro da casa estava cozinhando-se mal-estar a fogo lento a base de um mobiliário que não tinha querido e convidados que não gostava de tudo.
Bailey se cobriu a cara com as mãos. Não queria recordá-lo, mas os dois últimos anos com o Jimmie tinha sido muito infeliz.
Em sua vintena tinha estado tão apaixonada por ele que algo que fizesse lhe resultava maravilhosa. Mas, só dois anos antes, quando chegou aos trinta, algo trocou dentro dela. Não sabia o motivo, mas, da noite para o dia agüentava muito pouco e algo a punha de mau humor. Se Jimmie lhe tivesse perguntado o que ia mau, ela houvesse dito que nada; e teria acrescentado que queria ir a algum sítio, a qualquer lugar.
"Quão único tem que fazer é te levar contigo", havia dito Jimmie uma vez, olhando-a fixamente.
Bailey se recostou contra a árvore e tomou ar um par de vezes para tranqüilizar-se. O que a fazia compreender agora estas coisas sobre si mesmo? O certo era que não tinha nem idéia de como levar a cabo o que nos livros de autoayuda chamavam "converter-se em pessoa". Deveria lhe dizer ao Matt esta noite no jantar que tinha decidido converter-se em pessoa? E logo, o que?
Não, o problema não era Matt. Ele era um homem agradável. Gostava. Não havia muito fogo entre os dois, mas era cômodo, alguém com quem se podia conviver. O problema era que Bailey havia passado a vida acomodando-se a outros e não sabia como modificá-lo. Tinha crescido sob o mandato de sua mãe e de sua irmã Dolores. As duas eram...
Fechou os olhos um momento e pensou em seu pai. Como ela, Herbert Bailey sempre tinha deixado que os outros tomassem as decisões e responsabilidades. "Você e eu necessitamos pessoas como sua mãe e Dolores que nos ajudem -havia dito ao Lillian muitas vezes-. E além às pessoas assim zanga quando vai contra elas, assim é melhor as deixar dirigir o espetáculo." E seu pai viveu baixo esse princípio. ia trabalhar cada dia, chegava a casa cada entardecer à mesma hora e as sextas-feiras lhe entregava o cheque do pagamento a sua mulher. Deixava que ela fizesse o que quisesse com o dinheiro, com a casa e com suas filhas. O se conformava sentando-se em sua poltrona a ler o periódico.
Morreu um domingo pela tarde, sentado nessa mesma poltrona. Lillian se havia passado o dia na cozinha, preparando-se para uma competição, e se tinha ido à cama da cozinha, pela escada do fundo. Como tinham apagado as luzes da sala, supôs que seus pais e irmã já se foram à cama. Não eram do tipo de família em que se informam uns aos outros onde vão ou o que fazem.
A manhã seguinte Lillian saiu a primeira hora para cuidar de um menino da vizinhança, e não voltou até depois de comer. Quando entrou na sala e viu seu pai sentado na poltrona na mesma posição que no dia anterior, soube que se foi deste mundo. Quando pressionou os lábios contra a frente do pai, este tinha o corpo rígido e frio. A noite anterior sua mãe e irmã o viram dormido na poltrona, mas não trataram de despertar, mas sim apagaram as luzes e foram se dormir. Bailey ainda recordava o olhar de desagrado que os dois policiais lançaram a sua mãe enquanto um deles dizia que esse homem levava morto quase vinte e quatro horas. Também recordava a forma em que sua mãe se encolheu de ombros. ocupou-se de que seu marido estivesse bem assegurado, de forma que seu falecimento não lhe transtornasse muito a vida. De fato, parecia que Bailey fora a única pessoa no mundo que o sentiria falta de.
Mas agora Bailey sabia que já não queria ser a menina a que seu pai havia dito que era como ele, uma pessoa que deixava que os outros a controlassem; e que isso era o que deveria fazer. Haveria-lhe dito isso seu pai porque se sentia tão solo como ela? Teria necessitado um aliado em sua campanha de não resistência que lhe fizesse sentir que essa era a forma correta de atuar?
Bailey tratava de esclarecer seus pensamentos. Tinha crescido recebendo amor só por parte de seu pai, mas para receber esse amor, tinha tido que submeter-se continuamente. Sempre que tratava de resistir a sua mãe, lançava uma olhada ao pai e o olhar dele sempre parecia dizer que não a quereria mais se se convertia em uma arpía como sua mãe, assim Bailey dava marcha atrás.
A escassos três anos da morte de seu pai, Bailey se tinha escapado com o James Manville, um homem incluso mais controlador que sua mãe.
assim, o que podia fazer agora? Estava muito bem explicar o passado, mas do que lhe servia esse conhecimento? Podia continuar como até agora e desaparecer no Matthew Longacre, tal como tinha feito com seu pai e com o Jimmie. Ou podia fazer algo radical... Jogar ao Matt de sua casa e lhe dizer que queria compreender sua própria vida antes de emparelhar-se com outro homem? Comprovar se podia arrumar-lhe no mundo por si mesmo?
Seguro que não. Bailey já sabia o que havia aí fora, nesse mundo grande e perverso E não estava tão carregada de sentimento de rebeldia para atirar pela amurada a um bom homem com a esperança de que mais tarde apareceria outro, quando estivesse disposta. Também sabia que não era dessas mulheres que querem acontecer a vida sem um homem. Havia muito de mau neles, mas o que sim sabiam com toda segurança era te fazer rir.
Ela necessitava um homem em sua vida, disso sim estava segura.
Então teria sido sua necessidade do Jimmie a que lhe tinha feito suportar um montão de coisas?
Pensou no verbo suportar. O que queria dizer o refrão "consegue tudo o que Ela suporte tinha tido que suportar as aventuras do Jimmie Y... o chocolate, pensou, e uma vez mais as unhas lhe fincaram em umas Palmas já machucadas. A verdade é que inteirar-se de que tinha sido Jimmie o que lhe mandava o chocolate quando ela fazia dieta, e não seus agradecidos clientes, zangava-a mais que as aventuras.
E o homem da Heinz! Diante essa lembrança as unhas voltaram a fincar-se o nas Palmas com tanta força que fez uma careta de dor.
-De acordo -disse-. O que quero fazer o resto de minha vida? Mantê-la como está ou fazer algumas mudanças? Quero me ocultar neste homem ou prefiro descobrir o que posso fazer por mim mesma? Viver à sombra do Matt ou tentá-lo eu sozinha? O segundo, sem dúvida. assim, que mudanças quero fazer? Em primeiro lugar, me demonstrar a mim mesma que posso, fazer algo.
Bailey não queria chegar aos oitenta anos e ter que lhe contar a seus netos que embora tinha crescido em uma época em que as mulheres apresentavam sua candidatura à presidência, ela tinha optado por ficar em casa e fritar queijo e cebolas para um punhado de homens que, para mais inri, não podia dizer que gostasse de muito.
assim, o que podia fazer? Bailey sorriu. Havia- dito ao Arleen que colaborava nos negócios do Jimmie, mas só para evitar que Arleen a considerasse um zero à esquerda, como se tinha atrevido a afirmar o malicioso Bandy. Mas sim era verdade que tinha aprendido algumas coisas do Jimmie.
Não obstante, tinha poucos conhecimentos sobre os negócios. Mas conhecia algumas mulheres que necessitavam tanto como ela fazer algo com suas vidas.
Decidiu que já era suficiente. Que já se queixou muito. Não devia pensar nem um segundo mais na "pobre Bailey". Sabia o que tinha que fazer; o único que ficava era descobrir como. Se Jimmie tivesse estado em uma situação como esta -embora a verdade era que ele não se colocou em nada que não pudesse controlar totalmente-, o que tivesse feito? "Guerra de guerrilhas -haveria dito Jimmie-. Subterrânea. Faz-a e logo lhes diga o que tem feito. Quando for um fato consumado, não poderão te dar conselhos. E não cometa enganos neste ponto, Sardas, o conselho tem que ver com o controle... e o controle é poder."
-Faz um plano de batalha -disse Bailey em voz alta-. E descobre quem som seus aliados.
Entrou na casa sorrindo. Tinha que preparar o jantar para o Matt.
13
Foi Patsy quem lhe deu a idéia.
Haviam passado dois dias desde que Bailey se encontrasse com o Arleen no restaurante do Welborn e após quase se tinha voltado louca tentando resolver o que queria fazer com sua vida.
Tinha cozinhado para o Matt com ar ausente, e quando lhe mostrou seu último projeto apenas lhe emprestou atenção.
-Onde está...? -começou Matt, mas Bailey não lhe respondeu. Tinha a cabeça plenamente ocupada com as perguntas do que, como e com quem.
Ao final foi Patsy quem lhe permitiu dar com as respostas. Tocava-lhe o turno de convite a sua casa e Bailey se apresentou com uma provisão de manjares. Tinha chegado ao ponto em que não podia suportar nenhuma mais dos insípidos molhos com batatas que preparava Patsy.
-Meu problema com a comida -disse Patsy- é que não sei o que servir antes e depois.
A cabeça de Bailey estava em outro sítio. Tinha estado lendo sobre a comercialização do que a indústria da alimentação chamava delicatessen e parecia que cada afastado desse setor estava coberto. Havia geléias de gourmets por toda parte, além de tudo os molhos, especiarias e encurtidos imagináveis. Além disso, numerosos países comercializavam seus produtos no exterior. Tudo o que ficava por fazer era repetir o já feito por outros. O que precisava era um espaço ainda sem cobrir.
-Antes? -perguntou Bailey distraídamente.
-Já sabe, antes da comida. O que serve antes da comida?
-Peças -disse Bailey sem compreender o que tentava dizer Patsy.
-Isso já sei -lhe respondeu Patsy, molesta-. Sei os nomes das comidas, mas não sei o que servir.
-Pode... -começou Bailey, mas Patsy a cortou.
-Sei que posso fazer pequenos pastéis redondos e preenchê-los com algum cozimento de lagosta "divino" -comentou com sarcasmo-. Não sou estúpida. Como todo mundo, vejo esses cozinheiros da televisão, mas não quero fazer isso. Ninguém parece entender que por aqui há gente que realmente aborrece a cozinha. Queremos entrar e sair da cozinha o mais rápido possível. Mas se supõe que todas pretendemos ser a cozinheira ideal.
A Bailey custava entender o que queria dizer, assim teve que deixar a um lado seus ensoñaciones para escutar com atenção.
-Ser a cozinheira ideal? -perguntou-. O que quer dizer?
-Todos esses cozinheiros da televisão nos falam de quão fácil é fazer pratos fabulosos. Só terá que acrescentar um pouco disto e um pouco do outro e, zas!, teremos conseguido o grande prato. O que não nos contam é que no primeiro que teremos que pensar é nos entrantes, logo nas sobremesas e depois em ir à loja a comprar todos os ingredientes para logo elaborá-los. Meu cérebro não funciona dessa maneira. E além disso, não tenho tempo para fazer todo isso! Eu compro um frango, meto-o no forno, fervo umas verduras e jogo um molho de bote por cima, também posso pôr um pouco de água a uns pós de purê de batatas precocinado, para finalmente servir uma comida passável. Quando vêm convidados quero fazer mais coisas, mas não sei o que servir antes e que depois. Já sabe, peças e sobremesas que não seam gelados.
Bailey ficou olhando-a com assombro.
-Antes e depois -repetiu e sorriu. A seguir riu e logo abraçou ao Patsy com alegria.
-O que lhes passa? -perguntou Scott a vozes do outro lado do pátio- É que têm uma conversação privada?
-Coisas de garotas -lhe gritou Patsy, para logo baixar a voz-. vais dizer me o que te passa?
-Alto secreto -respondeu Bailey-. Acaba de me dar a idéia para meu novo negócio. Participa ou não?
-Participo -respondeu Patsy sem vacilar.
-Então não lhe diga uma palavra a ninguém, em especial a nenhum desses elementos masculinos que pululam por aí -lhe advertiu Bailey ao ver que Matt se aproximava.
-O que te traz entre mãos? -perguntou Janice a Bailey, dez minutos mais tarde.
-vou iniciar um negócio, e vou fazer o em segredo. Não deixarei que saiba nenhum dos homens porque temo que qualquer deles, de algum jeito, desbarate-me isso. Quer participar ou prefere seguir com a contabilidade dos livros de impostos de seu marido?
Por um momento Bailey pensou que tinha ido muito longe e que Janice podia ofender-se, mas lhe respondeu com um sussurro de conspiração:
-Encontrei uma conta bancária secreta -comentou maliciosamente com os olhos postos em seu marido, que ria de algo que havia dito Rick-. O não sabe que a encontrei e não sabe que eu sei para que serve ou, melhor, para quem é. Mas desviei os interesses e agora vou começar a desviar o capital. Para quando o descobrir, terei suficiente para deixá-lo.
Bailey ficou surpreendida. O marido do Janice não gostava e freqüentemente tinha pensado que não gostaria que sua sogra fiscalizasse a seus filhos, como era o caso do Janice, mas nunca tinha visto nada que a fizesse pensar que ela queria deixá-lo.
-Não posso garantir que tenhamos benefícios -disse Bailey-. Poderíamos perder até a camisa.
-Sua camisa -respondeu Janice-. Poderíamos perder a camisa de meu marido. -Logo se girou e se afastou, mas Bailey pensou que seus ombros foram mais erguidos e sua cabeça um pouco mais alta.
Ao dia seguinte Bailey já tinha decidido que o primeiro encargo do negócio seria conseguir que Janice e Patsy trabalhassem a uma com a outra. Em um primeiro momento, tratou das fazer entrar em razão.
-Não possamos atacar um negócio juntas se duas das sócias não se falam entre si. -Iniciou o tema depois de que tivessem pedido a comida. As duas mulheres a olharam com cara de pau. Era evidente que não tinham nenhuma intenção de ceder neste aspecto.
Bailey pensou em atuar de terapeuta e lhes perguntar pela origem de não dirigi-la palavra, para logo tratar de arrumá-lo. Mas esse pensamento durou uns segundos. Não tinha tempo para ocupar-se disso.
Essa noite Bailey serve ao Matt camarões-rosa à churrasqueira e verduras ao vapor. Era um jantar rápido, pois não tinha tido tempo de cozinhar algo mais elaborado.
-Quando Patsy vai a algum sítio e quer que Janice a acompanhe, como o pergunta?
-Por carta -disse Matt enquanto mordia um camarão-rosa.
-Por carta? -repetiu Bailey, incrédula.
-Não se falam, mas se escrevem a uma à outra. Certamente não se dirigem as cartas com o nome, mas Patsy utiliza papel verde e Janice azul, assim que todo mundo sabe para quem é a carta. De fato, todo o assunto começou por causa de...
Bailey levantou a mão para lhe deter.
-Não me conte por que não se falam. Quão único preciso saber é como ficam em contato a uma com a outra.
-Ah! -surpreendeu-se Matt-. Como certo, do que falavam ontem as três tão seriamente?
-De gastronomia.
-Patsy falando de gastronomia? -sentiu saudades ele, e viu como ela girava a cara para que não pudesse ver o vermelha que se pôs.
-Sim, assim é -replicou Bailey, lhe dando as costas.
-Já vejo.
Bailey se voltou para ele.
-O correio é muito lento. Acreditas que se poderiam escrever por e-mail? Que tal um aparelho de fax?
-O que tramam? -perguntou Matt, olhando-a fixamente.
Teve na ponta da língua lhe dizer que não era assunto dele, mas em troca sorriu.
-Estamos planejando uma festa surpresa para o Rick -disse-. E Patsy quer que lhe faça um jantar fabuloso. Creio que planeja convidar quase a um centenar de pessoas -acrescentou, e por um momento ficou olhando-o sem atrever-se a respirar. ia se tragar isso? E quando seria exatamente o aniversário do Rick?
-Pois será melhor que lhes movam, porque só faltam três semanas para seu aniversário. me diga se posso fazer algo para lhes ajudar -adicionou enquanto escolhia outro camarão-rosa.
Bailey não disse nada e saiu fora para refrescar-se. Nunca lhe tinham dado bem as mentiras e era desajeitada na hora de fazer coisas em segredo. "Tem escrito na cara o que pensa", havia-lhe dito Jimmie em mais de uma ocasião. Mas agora sorriu. Acabava de dizer uma mentira descomunal, e o céu não se aberto nem lhe tinha cansado em cima e, ainda mais notável, parecia que Matt o tinha acreditado. Levantou a vista à moral e lhe dedicou um sorriso. Tinha dado o primeiro passo pelo caminho que conduzia a converter-se em uma safada sinuosa e chicoteada... e vá quão bem a fazia sentir-se!
Embora Bailey superou o assunto com o Matt sem muitos problemas, quase destruiu seu projeto antes de iniciá-lo ao ofender ao Janice. Era o primeiro encontro secreto e tinha lugar no quarto da costura do Patsy.
-Nenhum homem nos incomodará aqui -esclareceu Patsy-, depois do que fiz ao Rick.
-Vale -disse Bailey-, o que fez a seu marido?
-Bordei-lhe coelhinhos rosa na roupa interior. Não soube até que esteve trocando-se na estação de serviço e um par de meninos os viram. Creio que tiraram o sarro com vontades.
--zangou-se?
-Certamente, mas chorei e lhe disse que tinha cometido um equívoco porque sofria muitas interrupções enquanto costurava. Que não podia me concentrar. Logo lhe mostrei o novo desenho que tinha bordado por acidente em uma de suas camisas mais caras -explicou enquanto levantava uma camisa masculina. No bolso tinha uma pata bordados e quatro patitos. Patsy deixou a camisa e comentou-: Nem meus filhos nem meu marido nos incomodarão por muito que ouçam ruídos procedentes desta habitação ou que passemos aqui muito tempo.
Bailey a olhou com admiração. Seus métodos eram cruéis, mas funcionavam.
E teve que ser Bailey quem causasse o problema. Estavam tratando de lhe pôr um nome à empresa.
-É necessário que seja uma "coisa" -disse Patsy-. Tem que ser algo concreto para que possamos fazer o logotipo.
-A Pata Mãe não é bom nome -disse Janice, com os olhos postos em Bailey como se fora sua única interlocutora.
-Eu estava pensando em Conservas Arco íris, ou algo pelo estilo -disse Patsy com tensão.
A Bailey deu vontade de protestar. Como foram fazer algo juntas se essas dois não se falavam? E agora se lançavam indiretas a uma à outra como se fossem colegialas. Queria rebaixar a tensão que crescia à medida que transcorriam os minutos.
-por que não o chamamos Os Seis de Ouro? Com esse nome venderíamos no Calburn tudo o que tivéssemos --disse, sorridente.
Para consternação de Bailey, as mulheres a olharam com intenso desagrado. O lábio do Patsy se curvou para cima e os olhos do Janice refulgiram frios e cheios de dureza.
-O que hei dito? -sussurrou Bailey.
-E por que não lhe chama Trinta de Agosto e acabous? -soltou Janice de uma vez que se levantava para partir.
O veneno da voz do Janice deixou a Bailey sem respiração. Mas pior era o que havia dito. O aniversário do Jimmie era em 30 de agosto. Tinham descoberto de algum jeito quem era Bailey?
Não, pensou que não havia nenhuma possibilidade. Certamente era uma coincidência. Mas o que tinha zangado tanto ao Janice? Olhou ao Patsy, que tinha baixado a cabeça e observava com ar escrupuloso o caderno que tinha no regaço.
-O que hei dito?
Quando Patsy levantou a vista seu olhar era tão frio como a do Janice.
-Compreendo que é uma forasteira, mas esses meninos significam muito para a gente desta cidade, assim que te aconselho que não faça brincadeiras com eles. E te advirto especialmente que não faça ao Matt nenhum comentário sarcástico.
-Ao Matt? por que?
Patsy a olhou como se fora tola.
-O pai do Matt e do Rick era um dos Seis de Ouro -respondeu.
Bailey só pôde olhá-la com assombro, enquanto tratava de recordar o que havia dito ao Matt sobre esses meninos. Ele nunca tinha dado a entender, nem no mais mínimo, que pudesse estar relacionado com eles.
-E o que tem que o Janice? -perguntou Bailey e seu tom não deixou lugar para que Patsy tentasse o jueguecito de que não sabia quem era Janice.
-Seu pai também era um deles -resmungou Patsy, voltando a baixar a cabeça.
Uma hora mais tarde Bailey se metia no carro e apoiava a cabeça sobre o volante. A reunião tinha sido um fracasso. Aquela manhã se despertou plena de entusiasmo. ia começar um negócio fabuloso com duas mulheres que se converteram em seus amigas e o ia fazer tudo em segredo; sim, em segredo. Os homens que viviam com elas não teriam que inteirar-se de nada. E agora se sentia como se lhe tivessem talhado as asas. Suas duas sócias se negavam a falar a uma com a outra e a reunião de trabalho tinha derivado por volta de um desses encontros de garotas nos que cada uma acabou indo-se em silencioso aborrecimento.
"As mulheres não sabem jogar limpo -estava acostumado a lhe dizer Jimmie, sem tentar ocultar, como era habitual, seu chovinismo machista-. A vocês em seguida lhes fere nos sentimentos, e então lhes jogam atrás."
Bailey se recostou contra o respaldo e fechou os olhos. Uma parte dela desejava abandonar o projeto agora mesmo. Outra lhe dizia que fosse à loja de lingerie mais próxima e comprasse algo sexy, para logo fazer um desfile diante o Matt. Tinha a idéia de que era o tipo de homem que lhe proporia matrimônio a manhã seguinte. E pensou que teria um par de meninos. Prepararia-lhes sandwiches de manteiga de amendoim e geléia e os levaria aos treinamentos de futebol americano e às classes de balé. Enquanto pensava nisso, deu-lhe ao contato.
De acordo, a palavra forasteira a tinha ferido. Sim, era uma forasteira. Mas também era tão do lugar que seus comentários podiam ferir às pessoas do lugar.
Tinha em casa três massas de pão ao meio levedar. Deveria ir, seguir as amassando e voltar às pôr no forno para uma segunda ascensão. Mas não o fez. Em seu lugar entrou na auto-estrada, foi para o Ridgeway e estacionou diante da biblioteca.
Quando Bailey lhe disse à garota da hemeroteca a data que queria a moça não se alterou. "Não é do Calburn ou teria comentado a data", pensou Bailey.
Minutos mais tarde tinha o microfilme na máquina e olhava o Ridgeway Gazette de 31 de agosto de 1968. Tinha que descobrir o que tinha querido dizer Janice com sua irada referência a essa data.
"Tragédia no Calburn", lia-se no titular.
O que seguia era o relato do assassinato-suicídio do Frank McCallum e de seu jovem algema Vonda.
"Dos Seis de Ouro, Frank era o mais falador", começava o artigo.
Era o que levava a voz cantante, que podia falar com qualquer sobre algo, e durante anos pareceu que tudo o que tocava se convertia em ouro. Deixou Calburn depois de obter o título de bacharel, mas voltou uns anos mais tarde, viúvo e com um filho ao que criar. Com seu talento para falar e vender, conseguiu um emprego na loja de automóveis de segunda mão. Ao cabo de um ano tinha chegado a encarregado, e no transcurso do segundo ano vendia mais carros que qualquer outro vendedor do estado.
Mas a sorte do Frank pareceu trocar. Alguns dizem que ocorreu quando utilizou sua lábia para seduzir a uma garota do instituto chamada Vonda Olesky. Os paroquianos da igreja Baptista do Calburn se desgostaram muito pelo que tinha feito e muitos deles comentaram que os Seis de Ouro se livravam de muitas coisas. Assim Frank McCallum se casou com a Vonda, a que dobrava em idade.
Um dia, pouco depois das bodas, Frank foi trabalhar bêbado. Ninguém sabe com exatidão o que ocorreu ou por que passou, mas alguém deixou um carro em marcha e, não se sabe bem como, o veículo saiu disparado contra Frank e o esmagou contra um muro de concreto. Esteve semanas ingressado no hospital e quando saiu não era nem a sombra do que tinha sido. Perdeu o uso do braço esquerdo e, ainda pior, pareceu perder também a sorte.
Ao cabo de um ano do acidente, Frank foi despedido. Sem dinheiro, sem trabalho e alcoolizado, com seu jovem algema se transladou à casa de sua infância, uma cabana na montanha sem água nem eletricidade. É difícil imaginar o desespero que deveu sentir diante a aparência que tinha tomado sua vida.
Mas quem de nós pode esquecer as gloriosas façanhas dos Seis de Ouro? Anos atrás, em 1953, seis moços foram afastados de sua amada cidade natal para assistir ao instituto de outra cidade. Tiveram que suportar crueldades que só os sobreviventes de um instituto podem entender. Foram intimidados, acossados e ridicularizados. Conseguiu todo isso que esses meninos perdessem sua nobreza de espírito? Não, justamente o contrário. Quando existiu perigo e foi necessário o heroísmo, os moços do Calburn estiveram aí. Tudo o que vive neste condado ouviu contar como os Seis de Ouro salvaram a todo o instituto.
Mas aquilo aconteceu então e agora as coisas são de outra maneira. Por alguma razão, Frank McCallum foi do topo até o fundo. Caiu da altura do herói ao nível de uma vida de desesperada pobreza e embriaguez, até chegar finalmente ao assassinato e o suicídio. Não conhecemos as circunstâncias exatas que o conduziram a esses atos; só estamos à corrente dos dados.
Em 30 de agosto de 1968, Frank McCallum matou a seu jovem algema e logo dirigiu, a arma contra si mesmo. O juiz o declarou assassinato-suicídio.
O enterro terá lugar no Davis Funeral Home, no Calburn, em 2 de setembro, e estamos seguros de que os portadores do féretro nos serão familiares a todos.
Seguia uma lista de nomes: Rodney Yates, Thaddeus Overlander, Frederick Burgess e Harper Kirkland. Por último aparecia o nome do Kyle Longacre. Era o pai do Matt.
Bailey fez acontecer o microfilme até em 2 de setembro. Esse dia não aparecia nada na primeira página, mas na página 6 se lia: "Tudo sobre o duelo do Calburn."
"Faz três dias foram encontrados os corpos do Frank McCallum e de seu jovem algema em um atoleiro de sangue. Ambos tinham as caras desfiguradas."
Com uma careta, Bailey se saltou as duas frases seguintes. Enquanto que o primeiro artigo tinha sido escrito em um tom elegíaco, este parecia inspirado pelos detalhes morbosos. Comprovou as assinaturas. Sim, tinham sido escritos por duas pessoas diferentes. Continuou lendo.
O que ninguém sabia faz três dias era que essa mesma noite fatídica tinha ocorrido outra tragédia no Calburn. Gus Venters, um cidadão destacado e muito querido, enforcou-se. Sua afligida esposa lhe contou ao xerife que não tinha nem idéia do motivo pelo qual seu amado algemo tinha querido morrer. Disse que tinha tudo pelo que vale a pena viver. Tinha uma granja, um negócio e dois formosos enteados que o queriam muito.
"Não o entendo", comentou a senhora Venters a este repórter.
Bailey seguiu com suas caretas enquanto lia. Não aparecia nenhuma menção a que a mulher tivesse uma relação adúltera e tivesse ordenado a seu marido que se fora.
Continuou lendo.
Também se soube que a mesma noite da morte do Frank McCallum, um dos Seis de Ouro deixou a cidade e não o tem voltado a ver após. No enterro se soube que a senhora do Kyle Longacre as tinha arrumado durante três dias para manter em segredo o desaparecimento de seu marido. Mas quando Kyle não assistiu ao enterro de seu amigo e não acompanhou o féretro, toda a cidade advertiu que passava algo estranho. Um homem como ele não tivesse faltado ao funeral de seu grande amigo a não ser que lhe tivesse ocorrido algo.
Uma fonte anônima, mas confiável, informou a este repórter que a senhora Longacre pertence à destacada família Winfield, da alta sociedade da Filadelfia, embora não manteve contato com sua elitista família desde que deixou a universidade, meses antes de graduar-se, para casar-se com o carismático Kyle Longacre. A mesma fonte comentou que certamente consideravam que um filho do Stanley Longacre não era digno de sua família.
Os residentes mais antigos do Calburn recordarão que o pai do Kyle era o homem mais rico de vários condados antes de que o perdesse tudo em 1958 e dirigisse seu carro por volta de um escarpado com sua esposa de trinta anos a seu lado. O epitáfio foi: "Juntos na morte como na vida."
Kyle, devido aos reversos econômicos, viu-se forçado antes de graduar-se a deixar a prestigiosa universidade do Norte em que estudava. Voltou para sua natal Calburn e começou a fazer vida de viajante de comércio. Pouco depois de que voltasse para casa, a jovem mulher da alta sociedade que tinha conhecido na faculdade desafiou a sua família, casou-se com o Kyle e vinho ao Calburn para viver com seu marido, a quem o trabalho mantinha fora durante grande parte do tempo.
Esse grande romance parece ter finalizado faz três dias. Segundo informações recebidas por este repórter, Kyle Longacre escreveu uma nota a sua esposa -cujo contido não desvelaremos- informando a de que abandonava a cidade. Deixa esposa e dois filhos, Matthew de cinco anos e Richard de três. Ao ser perguntada, a senhora Longacre disse que pensava voltar com os meninos a casa de sua família, na Filadelfia.
Bailey se apoiou no respaldo da cadeira. A mãe do Matt não se foi ou, se o tinha feito, logo voltou para o Calburn. O que tinha ocorrido? apresentou-se na porta da casa familiar com seus dois filhos e a tinham rechaçado?
"Pobre mulher", pensou Bailey. Sua família a tinha deserdado por casar-se com o homem ao que amava, e logo a tinham rechaçado inclusive na tremenda situação de ter sido abandonada. "Pobre Matt. Há passado toda a vida lutando por reconquistar o que deveria ter sido dele." Revolveu na bolsa até encontrar uma caderneta e uma pluma. Na parte superior de uma página escreveu: "30 de agosto de 1968", para continuar com uma lista.
Gus Venters - se enforcou .
Frank e sua esposa - assassinato-suicídio
Pai do Matt - deixa a cidade para sempre
Nascimento do Jimmie-1959
Deixou a pluma. Seria essa a data do nascimento do Jimmie?
Jimmie aborrecia aos videntes e a todo aquele que tivesse algo que ver com a adivinhação. Bailey levava já muitos anos vivendo com ele quando compreendeu que não era que não acreditasse neles, mas sim temia o que pudessem lhe dizer. Em um dos jantares que deram resultou que uma senhora, algo aristocrática e aficionada à astrologia, perguntou a Bailey quando era o aniversário do Jimmie. Lhe respondeu que em 30 de agosto.
-Não acredito. Não é uma virgem. Não, James Manville pode pertencer a qualquer signo astrológico menos a Virgem. Poderia me conseguir a data e o lugar de nascimento verdadeiros? -pediu-. Lhe farei uma carta astral.
Bailey não contou ao Jimmie o que havia dito essa senhora e, certamente, não lhe perguntou nem onde nem quando tinha nascido; sabia que não ia receber uma resposta certa. E, ainda pior, lhe ia surrupiar sobre quem lhe tinha feito essa pergunta, para logo não voltar a ver a astróloga nunca mais, já sabia. Entretanto, essa mulher lhe caía bem.
"Não lhe mencione seu... hobby a ninguém de por aqui", tinha-lhe advertido em voz baixa e a mulher assentiu, pormenorizada.
Agora Bailey recordou como, aquela noite, em uma ocasião em que levantou o olhar se encontrou ao Jimmie com a vista fixa nela, como se tratasse de interpretar seu interesse por essa senhora mais velha que levava em cima suficientes diamantes falsos para tombar a uma pessoa miúda. Essa noite Jimmie lhe perguntou o que tinha encontrado tão interessante naquela mulher e Bailey respondeu que lhe tinha resultado atrativo que tivesse viajado por todo mundo. Jimmie a olhava com uma sobrancelha levantada e ela compreendeu que sabia que estava mentindo. Mas se manteve em seus treze e não lhe contou a verdade. Não voltou a ver a mulher nunca mais.
O que recordava com mais velha intensidade de todo o dito pela astróloga era que tivesse apostado sua vida a que James Manville não tinha nascido em 31 de agosto.
Agora Bailey olhou o relógio. Passava das três e, se queria chegar a casa para fazer o jantar ao Matt, era melhor que ficasse em marcha. Enquanto se dispunha a procurar o dispositivo para rebobinar o filme, viu uma nota na parte inferior do artigo: "Veja-a revisão atual da história original na página B2."
Não pôde resistir a ir até a segunda página da segunda seção do periódico.
Era certo que até então a idéia de um grupo de moços de instituto, chamados os Seis de Ouro, tinha-lhe parecido da mesma importância que uma piada; um acontecimento local acontecido muito tempo atrás. Nem sequer se tinha interessado o suficiente para ler o livro que Violet lhe tinha emprestado. Até o dia de hoje nem sequer tinha pensado que pudesse conhecer alguém relacionado com esses jovens. Agora se tinha informado de que o pai do Janice era um deles, assim como o do Matt. por que tinha abandonado o pai do Matt a sua mulher e seus filhos? sentou-se Kyle Longacre tão afetado pelo assassinato-suicídio do amigo da infância como para não poder suportar mais sua cidade natal?
Bailey leu o relato do ocorrido em 1953, o sucesso que tinha dado a esses moços seu apodo quase legendário, e quando terminou teve que admitir que tinham sido bastante heróicos.
A primeira parte do artigo relatava a história que já lhe tinha contado Violet sobre o incêndio do instituto e a necessidade de enviar a esses moços ao do Wells Creek.
Mas a jornalista não se limitava a informar, tinha investigado algum tempo e entrevistado a diferentes pessoas, de forma que não só apresentava os fatos mas também um relatório completo. Contava como os pais dos meninos do Calburn tinham insistido ao professorado em que seus filhos assistissem a certas instituições e não a outras, até que finalmente ficaram os nomes de todos os alunos em um chapéu e se tiraram ao azar. Por isso quase todas as garotas foram enviadas juntas a um instituto, enquanto que só dois acabaram em outro. E essa mesma fortuita razão fez que seis moços que tinham crescido na mesma cidade, mas que em realidade não tinham chegado a conhecer-se bem entre si, fossem enviados juntos.
A jornalista informava um pouco sobre cada um dos moços e embora, devido a sua discrição, nunca chegava a expressar que procedessem de classes sociais diferentes, o tema estava implícito no relato. Dizia que os meninos provinham de médios diferentes e que nunca teriam chegado a ser amigos se não os tivesse isolado em um grupo.
Estava Thaddeus Overlander, um menino estudioso com pais conversos ao cristianismo. Ao Thaddy não tinham permitido nem sequer assistir a um partido de basquete no Calburn, assim que muito menos pôde participar da vida social. Frederick Burgess, ao que todos chamavam Burgess, era um atleta, um grandalhão não muito bom para os estudos. Harpe Kirkland vivia sozinho com sua mãe, último membro da família que tinha baseado Calburn e que, segundo a jornalista, em outros tempos tinha sido proprietária de todo o território. Mas o avô do Harper tinha vendido a terra, parcela a parcela, para logo esbanjar o dinheiro até que à família Kirkland não tinha ficado mais propriedade que o periódico local. Frank McCallum e Rodney Yates eram primos e tinham crescido em montanhas da Virginia sem que se soubesse muito sobre sua infância. Assistiam ao instituto do Calburn porque estavam vivendo com um dos sete irmãos do Rodney; um jovem que tinha abandonado o colégio quando estava em sexto. Frank e Rodney queriam algo melhor para si mesmos, por isso estavam decididos a acabar os estudos. A repórter descrevia ao Frank como um moço persuasivo, que tinha um trabalho a tempo parcial de vendedor de anúncios para o periódico local. E quanto ao Rodney Iate "não fazia falta mais que olhá-lo para compreender que tinha talento" se lia no artigo. Nesse ponto Bailey revisou o filme para ver se havia fotos, mas não estava de sorte. Voltou para artigo. "Rodney é um jovem tremendamente bonito e não é freqüente vê-lo sem várias jovenzinhas ao redor."
"E aqui temos ao Kyle."
Bailey conteve o fôlego. Como teria sido o pai do Matt? Qual seria a verdadeira natureza de um homem capaz de abandonar a sua esposa -uma mulher que tinha renunciado por ele a uma herança e a sua família- e a seus filhos de curta idade?
"Kyle é o menino de ouro -se lia-. Todo habitante da Virginia e provavelmente de outros estados conhece o Stanley Longacre e sabe de seu incrível êxito. Viram a mansão em que vive Kyle; o edifício que construiu seu pai. Mas muita gente da Virginia vive em casas construídas pelo Stanley Longacre. Parece lógico que um homem que produziu tanto tivesse um filho como Kyle: bonito, atlético, estudante sobressalente, membro do grupo de debates e de que selecionava o livro do ano, eleito delegado cada ano por seus companheiros, desde quarto curso."
-Mas abandonou a sua mulher e a seus filhos! -balbuciou Bailey com desagrado, e continuou com a leitura.
Aquele dia de outono de 1953 um homem de "voz ominosa" chamou o instituto e disse que tinha colocado uma bomba em algum lugar e que "nunca sairiam com vida". Em menos de um minuto os corredores começaram a encher-se de uma fumaça negra. No meio do conseguinte caos os seis moços do Calburn obtiveram que todos os estudantes pudessem sair sãs e salvos.
Quando a jornalista chegou ao lugar dos fatos todos os estudantes estavam fora, os bombeiros e a polícia já se feito presentes e vários estudantes choravam. Relatava que em um princípio acreditou que o medo era o causador dessas lágrimas, mas umas garotas lhe disseram que tinham sido muitos malotes com eles. Isso a surpreendeu e seguiu o interrogatório. Contaram-lhe que os moços do Wells Creek não tinham aceito aos procedentes do Calburn, lhes fazendo notar que não eram bem-vindos. "Ratos mortos em seus fichários", eram suas palavras textuales. "Trotes, apodos, condena ao ostracismo em cada oportunidade que se apresentava. Deveu ser horrível para os estudantes do Calburn, mas, ao fim, tinham superado a forma em que os tratavam e tinham arriscado suas vidas para salvar a outros."
Taddy contou a quão repórter depois de que lhes dissessem que evacuassem a escola olhou pela janela do sala-de-aula e viu sair fumaça do ginásio. Pôde ver como um par de jogadores de futebol se lançavam contra a porta, e pensou que possivelmente estavam apanhados. Já que a porta de sua classe estava abarrotada de alunos que se apertavam para sair, saltou pela janela, desceu pela escada de incêndios e abriu a porta do ginásio para que saíssem os esportistas. Alguns deles estavam sendo tratados pela inalação de fumaça, mas graças ao Taddy nenhum tinha sofrido graves lese.
Rodney disse que tinha ouvido gritos procedentes do vestuário das garotas, assim correu nessa direção. A porta estava fechada por fora com ferrolho, assim que se dirigiu para uma janela. O vestuário estava no porão, e as janelas também estavam fechadas com ferrolho, mas o armazém da escola estava perto. Rodney correu para lá e com uma alavanca forçou uma janela. As garotas subiram aos bancos e saíram deslizando-se pela abertura forçada.
Neste ponto a repórter, que tinha gravado a entrevista, referiu literalmente o diálogo. "É certo que algumas garotas estavam nuas?", perguntou ao Rodney.
"Sim senhora, sim o estavam."
"E é certo o que você lhes deu sua própria roupa para que se cobrissem?"
"Dava-lhes a jaqueta, camisa, camiseta e calça."
"Assim por isso vai com cueca, sapatos e meias três-quartos?"
"Sim senhora, por isso."
Bailey não pôde deixar de sorrir. Podia imaginar-se a esse bonito moço aí de pé com sua escassa vestimenta por ter deixado a roupa a umas garotas assustadas para que se cobrissem.
O artigo continuava.
Mas tinha sido Kyle Longacre o que demonstrou ser o superhéroe. Em uma vitrine de cristal havia uma máscara de gás, lembrança da Primeira guerra mundial. Ele rompeu o vidro, ficou a máscara, e se encarapitou ao desvão do velho edifício. Contou a jornalista que quando viu que a fumaça saía do teto soube que, fora quem fosse o que tinha colocado a bomba, era muito provável que a colocasse no desvão. Disse que não tinha pensado no que fazia, não pensou mais que em baixar a escalerilla e subir.
"E conseguiu a bomba?", perguntou-lhe a jornalista.
"Sim", respondeu Kyle. Parecia reticente a falar sobre a proeza que acabava de realizar.
A repórter acrescentava que enquanto entrevistava ao Kyle um bombeiro disse que o que esse menino tinha feito era uma insensatez maiúscula e que não sabia se deveriam lhe dar uma medalha ou encerrar o de por vida. Logo chegou uma senhora, deu-lhe a mão e lhe agradeceu ter salvado a vida de sua filha. Acrescentou que vivia em uma casa construída pelo pai do Kyle na urbanização dos Sessenta de Ouro, chamada assim porque em uma época tinham sido sessenta acres dedicados ao cultivo do brócolis para semente e o campo se cobria de flores amarelas.
O artigo concluía com uma frase magistral: "Não tenho informação sobre os Sessenta de Ouro, mas sim estou segura de que estes moços são os Seis de Ouro."
"E assim é como conseguiram esse título", finalizava o editor do periódico
14
Bailey removeu sua comida no prato. Uma vez mais não tinha tido tempo de cozinhar algo especial para o jantar, pelo que antes de chegar fez um alto no mercado Boston e escolheu um par de bolos de carne com a esperança de que Matt acreditasse que os tinha feito ela. Mas ele comia em silêncio e parecia sumido em profundos pensamentos... ao igual a ela, que seguia refletindo sobre o que tinha lido essa tarde.
Esses seis meninos maravilhosos! Só eram moços de instituto aos que outros companheiros faziam sentir fatal e mesmo assim, diante o perigo, arriscaram suas vidas para salvar a outros estudantes. Que classe de meninos eram para preocupar-se tanto pelos outros?
Podia imaginar-se como era o insociável e estudioso Taddy. Não tinha dúvidas de que os jogadores de futebol do instituto o teriam atormentado sem piedade. Entretanto, ele saltou a janela, desceu pelo tubo de deságüe e os resgatou a todos.
E Kyle agarrou uma máscara de gás e foi diretamente para a bomba, E se tivesse explorado? Teria tido tempo de sair e correr para salvar a vida? Que interesse lhe oferecia um instituto em que os outros meninos o curvavam e ridicularizavam com trotes? Como podia ser que um jovem assim fora capaz de abandonar a sua mulher e a seus filhos?
-por que não me disse que seu pai era um dos Seis de Ouro? ---perguntou em voz fica e sem olhar ao Matt. Como este não respondeu, Bailey levantou o olhar e viu que tinha comido pouco e removia partes de carne de um lado a outro do prato.
-Não me pareceu importante -respondeu Matt ao cabo. Deixou o garfo e se recostou no respaldo da cadeira-. Podia ter ido eu a comprar estes bolos -comentou, para lhe fazer saber que estava à corrente da procedência do jantar.
-Estava ocupada e não tinha tempo... -replicou Bailey. Não teve o ânimo de acabar a frase ao compreender que Matt havia mudado de tema-. por que não me disse isso? -insistiu.
-Desde quando está interessada nos Seis de Ouro? -Seu tom era hostil. Tentava que deixasse o assunto, mas ela não pensava retroceder.
-Se for viver nesta cidade, creio que deveria estar mais informada do que estou. Hoje ofendi ao Janice. Fiz uma piada sobre os Seis de Ouro e ela ficou furiosa comigo. Patsy me contou que seu pai e o do Janice eram parte do grupo. Supondo que acreditei que ao ter ocorrido faz tanto tempo não teria nenhuma conexão com a vida atual, mas sim a tem. -Disse-o com o olhar fixo no Matt-. Sabe o que fez que seu pai partisse? -acrescentou com suavidade.
Matt não respondeu. levantou-se e abandonou a habitação.
Bailey lançou um profundo suspiro. Parecia ser o dia de ofender a todo mundo. Tirou a mesa e colocou os pratos na lava-louça. Quando acabou se girou e aí estava Matt, de pé e com uma caixa de sapatos na mão.
-Quer ver algumas fotos? -perguntou.
-Sim -disse ela com um sorriso de alívio, e o seguiu para a sala.
Ele se dirigiu para o sofá e indicou a Bailey que se sentasse a seu lado. Tinham desenvolvido umas regras tácitas pelas quais ela utilizava o sofá e ele a poltrona, mas essa noite se sentaram um ao lado do outro e Matt pôs a caixa de sapatos na mesinha do café.
-Não tenho muitas suas fotos -disse de uma vez que levantava a tampa. A caixa, em sua origem de sapatos infantis, era velha e estava desgastada-. Minha mãe atirou estas fotos mais ou menos ao cabo de um ano de que ele se fora. Vi-as por pura casualidade e pude recuperar as do lixo.
Ela teve a sensação de que não lhe tinha mostrado a ninguém o conteúdo dessa caixa. Ao levantar a tampa lhe tinha tremido um pouco a mão.
-Eu estava cativado por meu pai. Logo que estava em casa, mas quando estava era o centro do mundo. Era... -titubeou- era... Não te ria de mim, mas era magnífico. Podia fazer algo. Lia muito, em sua maioria ensaios e tratados, enquanto estava fora de casa, assim sabia muitas coisas. Eu só tinha cinco anos, mas possivelmente devido a que a mais velha parte do tempo fazia de "homem da casa", por assim dizê-lo, era um menino mais velha e tinha um montão de perguntas que lhe fazer. Meu pai não se desentendia de mim como eu via que faziam outros pais com seus filhos.
Matt colocou a mão na caixa e tirou uma foto. Era uma imagem de estudo, formal, o tipo de fotos que ficam na carteira e ilustram os livros do ano dos meninos de instituto.
Bailey tomou e tratou de olhá-la com os olhos de um Matt menino.
-Não lhe vejo parecido contigo. É um homem de muito bom aspecto.
-Era. morreu.
Bailey desejava expor perguntas, mas intuiu que se guardava silêncio, seria mais fácil que Matt contasse algo sobre si mesmo. Lhe tendeu outra foto. Era a de seis moços de pé diante de um carro com os pára-choque arredondados, típicos da década de 1950.
-São... -começou Matt.
-Posso supor quem som, mas me deixe ver se posso descobrir quem é cada um -disse Bailey e aproximou a foto à luz do abajur de pé-. Este da letra no pulôver é seu pai, não cabe dúvida.
-Exato! -exclamou Matt, sorridente.
-E este tem que ser Rodney... Roddy. Santo céu! Sim que era bonito.
-Sim. Nada mais acabar o instituto se foi a Hollywood por um par de anos, mas não teve sorte. É possível que houvesse muita competência. Pela razão que fora, voltou aqui.
-Como Frank -assinalou Bailey.
-Tem lido ao fim o livro que tem na mesinha de noite? que te deixou Violet?
-Como...? -Levantou a mão-. Não, não me conte como sabe o que tenho em minha mesinha e quem me deu isso. Mas bom, não, não tenho lido esse livro ainda. Hei passado a tarde na biblioteca do Ridgeway, lendo artigos jornalísticos da época.
-Ah.
-O que significa isso?
-Significa que se só tiver lido o que dizem os periódicos não ouviste toda a história. -E assinalou com a cabeça a foto que tinha na mão- Venha, me conte quem está nesta foto.
-Frank deve ser o magricela do extremo. Isso que tem na mão é um cigarro?
-Sem filtro. Mas está segura de que não é Taddy?
-Não; Taddy é o alto do outro extremo, que tem ar de assustado
-Não é malote em fisionomias, verdade?
-E Burgess é o grandalhão que está em primeiro plano, em cuclillas -Levantou a foto e olhou fixamente ao jovem que estava junto ao Kyle. Harper Kirkland era pequeno, magro e tão macaco como um querubim do teto da Capela Sixtina. Recordava a alguém, mas não podia recordar a quem-. O que foi deles?
Matt agarrou a foto e a pôs na mesa junto à outra. dentro da caixa havia folhas de papel dobradas; mantinha cada foto em um sobre para evitar que se deteriorassem.
-Burgess levou o negócio de madeira de seu pai durante anos, quebrou e morreu quando o avião que pilotava se estrelou. Creio que foi em 1982 ou 1983. Rodney se casou um par de vezes e teve um montão de filhos. Taddy ensinava ciências no instituto do Calburn até que este fechou e ele morreu de um ataque de coração dois anos mais tarde. Nunca se casou. Do Frank e meu pai já sabe.
-O que foi do Harper? .
Matt vacilou antes de responder.
-Foi uma das primeiras vítimas de SIDA nos Estados Unidos,
--Já vejo -replicou ela, e se inclinou para voltar a olhar a foto.
-Sal Meneio. Lembra-te dele? A ele é a quem se parece. -Olhou a foto de novo-. Se os meninos do Welborn tivessem chegado a imaginar esse futuro, é muito provável que sua vida não tivesse valido um pimiento.
Matt lhe tendeu outra foto. Era de um jovem casal sorridente. Ele levava o pulôver com a letra de sua escola e ela uma grande saia e um pulôver apertado com um cuellecito franzido. Pareciam atores do Grease.
-Seus pais?
-Sim -disse Matt em voz baixa-. Foi tomada na época anterior à quebra de meu avô, antes de que conduzisse seu carro para uns escarpados e se levasse com ele a minha avó.
A amargura do Matt fez tremer a Bailey.
-Parecem muito apaixonados -disse e reteve a foto-. Fixa lhe nos olhos dela! Está-o olhando como se... -deteve-se.
-Como se estivesse disposta a segui-lo a qualquer sítio? -respondeu Matt com sarcasmo-. O seguiu. Mas anos mais tarde ele parto e não voltou nunca mais. Abandonou à mulher que lhe tinha amado mais que a sua vida, e a deixou com dois meninos que criar. E ela era muito orgulhos para pedir ajuda a seus pais.
-Como sobreviveu sua família?
Matt se reclinou no sofá e se manteve em silêncio.
-Lembrança uma infância de trabalho -disse ao Isso cabo é o que me parecia. Minha mãe levava a loja de alimentação do lugar para um velho bastardo e nos deixava aos cuidados de uma velha desalinhada que se passava o dia olhando culebrones na televisão e ignorava a meu irmão e a mim. -Matt respirou fundo para acalmar-se-. Fazia o que podia para que meu irmãozinho estivesse alimentado e seguro. Eu era um menino grande, assim aos nove anos comecei a cortar erva dos campos por dinheiro. O dia que meu pai nos abandonou me transformei de menino em homem. Ele recolheu as medalhas que lhe tinham dado no instituto, escreveu uma nota a sua esposa e se foi. -Olhou a Bailey com olhos brilhantes de indignação-. Sabe o que punha a nota? "me perdoe." Isso é tudo o que escreveu. Uma só palavra.
-Mas você não o perdoou, verdade?
-Não. Quando um homem faz uma promessa, deve mantê-la.
-Como você fez com a Cassandra?
-Exato. Até que seus atos me deixaram fora, eu permaneci aí. Fiz a promessa e estava preparado para cumpri-la.
-Sua mãe alguma vez ficou em contato com seus pais?
-Não. Muito orgulho. -Sorriu-. E não me olhe com essa cara. Já sei que herdei seu sentido da dignidade. Patsy já se encarregou de me dizer isso o suficiente. Mas minha mãe não ia aceitar dinheiro de seus pais, como não o aceitou nunca de mim. Trabalhei durante toda minha etapa no instituto, cada minuto que pude, e economizei cada centavo que recebi. Minha mãe me disse que queria que fora à universidade. Dizia que essa seria a única maneira de que não acabasse como ela, e ao dizer isso estava o mais próxima a uma queixa do que esteve nunca.
-Tivesse-me gostado de conhecê-la -disse Bailey-. Mas de ter estado em sua mesma situação, tivesse-me queixado e teria ido de joelhos a meu pai a lhe implorar ajuda.
Matt a olhou com as sobrancelhas arqueadas.
-Seriamente? por que será que não me acredito? por que será que tenho a impressão de que você tem mais orgulho que minha mãe e eu juntos?
Bailey apartou o olhar. O já tinha visto muito.
--Viu-te sua mãe acabar a carreira?
-Não. Morreu o ano em que Rick estava no último curso do instituto. O se casou com o Patsy seis meses depois. Rick disse que não era como eu, que não tinha meu impulso e que não poderia suportar viver sozinho. Disse que Patsy lhe daria um motivo para viver. Era mais espabilado que eu. Sabia o que lhe convinha e foi atrás disso. foi muito feliz com o Patsy e os meninos.
-Mas você não. Você não foste feliz.
-Não; eu não. Sempre hei sentido que a minha vida faltava algo, que havia uma parte vazia dentro de mim.
-Descobriu em algum momento onde tinha ido seu pai e por que?
-Uns anos mais tarde recebi um pacote. Enviava-o a proprietária de uma pensão em Baltimore. Punha que certo hóspede lhe havia dito que se morria devia me enviar o pacote.
-me deixe que adivinhe. Era de seu pai.
-Sim. No pacote estavam todas suas medalhas do instituto. Só isso. Nenhuma nota, nada salvo as medalhas. Naquele momento eu estava muito ocupado com minha própria vida para fazer algo mais que resmungar "filho de puta" e lançar o pacote em cima de um armário. Mas mais tarde, durante a época do divórcio, quando estávamos separando-o tudo, encontrei o pacote e o meti em minha mala.
-A mala que preparava para voltar para o Calburn.
-Sim. Tinha a convicção de que precisava saber a verdade e que Calburn, meu lar, seria o melhor lugar para fazê-lo.
-E pôde descobrir algo? -disse Bailey com uma voz muito suave.
-Ainda não sei o que ocorreu a meu pai. Cresci odiando-o e sabendo que não faria nunca o que ele tinha feito, mas agora que sou mais velha compreendi que a gente não vive só de sua mente.
-Assim é -disse Bailey-. A gente vive através de suas emoções. As emoções podem nos conduzir a todo tipo de coisas pouco comuns.
-Diz-o por experiência? -perguntou Matt com uma piscada, tentando aliviar seu humor-. O que te parece se te proponho ir ao cinema? O que te parece se fizermos algo normal para variar?
-Isso sonha bem -respondeu ela enquanto observava como ele voltava a guardar as fotos na caixa. Mas enquanto o fazia uma foto caiu ao chão e Bailey se adiantou para recolhê-la. Não lhe tinha ensinado todas as que havia na caixa e se perguntava por que. Tinha segredos como os tinha ela?.
A foto era de dois adolescentes, um menino e uma garota, ambos os rechonchos e com aspecto áspero. Levavam roupas que lhes sentavam mau e ao moço lhe via aspecto desalinhado inclusive embora a foto em branco e negro estava um pouco desfocada.
-Amigos de seus pais? -perguntou Bailey. Não podia imaginar-se ao delegado de curso Kyle Longacre, sempre polido, como amigo desses dois.
-Não; são... -começou Matt, mas se interrompeu ao ver que Bailey não soltava a foto.
Com a cara tão pálida como a parede que tinha a suas costas, Bailey levou a foto lentamente para a luz.
-Quais são estes dois? -disse em um rouco sussurro.
-Não sei -respondeu Matt-. Estava no maço de fotos que encontrei no lixo. Sabe você os quais são?
-Não, é obvio que não. Como vou conhecer eu a alguém de suas fotos? -Mas a forma em que a olhava Matt lhe fez saber que não acreditava. Bailey lançou uma gargalhada que esperava soasse despreocupada-. Só que recordam a um par de tipos verdadeiramente horríveis que conhecia -disse-. Por uns momentos me deram calafrios.
-Quer me falar deles? -perguntou Matt com doçura.
-Não têm nenhum interesse -disse ela e logo se levantou-. Sabe?, vou passar desse filme, se não te importar. Estou um pouco cansada. Eu gostaria de ir à cama e ler um momento. Bom, boa noite -disse, e quase pôs-se a correr para a intimidade de seu dormitório, onde fechou a porta para recostar-se contra ela.
Os adolescentes da foto eram Atlanta e Ray e estavam de pé diante da casa que lhe tinha deixado Jimmie; a casa em que estava agora.
15
Uma vez em seu dormitório, Bailey agarrou a caderneta de direções e procurou os números que lhe tinha dado Phillip. Possivelmente pudesse lhe chamar e lhe contar o que acabava de ver. Possivelmente era significativo que tivesse visto os irmãos do Jimmie diante da casa que ela tinha recebido como herança.
Não obstante, deixou a caderneta em seu sítio. Sempre tinha sabido que esta casa pertencia ao Jimmie, não era assim? E se ele tinha crescido aqui, o mesmo ocorreria com seus irmãos. E não era nada incomum que a gente dos lugares pequenos tivesse fotos de outras pessoas da cidade.
Enquanto abria a cômoda e tirava a camisola, disse-se que o melhor seria permanecer à margem do que havia passado fazia tanto tempo. Tinha visto a forma em que reagia Janice esse dia e também o tremor na mão do Matt quando lhe mostrava as fotos de seu pai. Faria sentir muito mal a todo mundo se começava a fazer perguntas sobre o passado. "Quais são estes dois adolescentes gordos e ressentidos e o que faz esta foto junto às dos Seis de Ouro?" Não era algo que se pudesse perguntar. Se era capaz de pôr furiosa ao Janice com um comentário, era de imaginar o que podia passar se fazia muitas perguntas.
Deixou a caderneta de direções na gaveta da mesinha de noite e se dirigiu à ducha. Seria melhor que se concentrasse no negócio que estava tratando de iniciar com o Patsy e Janice.
Uma vez tomada essa decisão, abriu o grifo e se sentiu melhor. Então, pela janela do quarto de banho, viu a luz de uns faróis refletida nas árvores. Parecia que Matt tinha decidido ir-se ao cinema por sua conta.
Sem pensar no que fazia, fechou a água da ducha, ficou o folgado penhoar de felpa e saiu de seu dormitório. A casa dava essa sensação de vazia que tinha cada vez que Matt se ausentava.
-Matt? -chamou.
Com o coração desbocado, foi andando devagar pelo corredor até o dormitório do Matt. A porta estava entreabierta.
-Matt? -voltou a chamar, para pôr logo a mão no pomo da porta-. Se aparecer lhe direi que estava... -disse-se em voz baixa, mas não pôde chegar a encontrar uma razão válida para seu bisbilhoto, assim que muito menos a encontraria para ele.
Em cima da cama limpamente arrumada estava a caixa de sapatos cheia de fotos. Bailey nem sequer o pensou, sentou-se junto à caixa, acendeu o abajur e retirou a tampa.
Havia três fotos que Matt não lhe tinha ensinado. Em uma apareciam ele mesmo muito de menino e seu irmão Rick, em pijama, diante de uma árvore de Natal e rodeados de pacotes já desenvolvidos. Sentado no chão, com a vista dirigida para o filho mais velha e com um olhar cheia de amor, estava o pai.
Sabendo o que logo ia ocorrer, a foto lhe provocou umas súbitas vontades de chorar.
A segunda foto era de um Matt mais mais velha sentado no regaço de seu pai, ao volante de um carro. No dorso estava datada em julho de 1968. Em menos de dois meses este homem abandonaria a sua família para sempre.
Bailey, negando com a cabeça, deixou a foto em seu lugar e agarrou a dos adolescentes. Aproximou-a da luz e a olhou durante comprido momento. Não havia nenhuma dúvida de que eram Atlanta e Ray. E tampouco de que a casa do fundo era a que Jimmie lhe tinha legado.
"Descobre a verdade do que ocorreu. Quererá fazê-lo, Sardas?" O tinha pedido Jimmie. Mas a verdade sobre o que? Sobre Atlanta e Ray? Estariam relacionados de algum jeito com os Seis de Ouro? Seria por essa razão que essa foto estava mesclada com as da família do Matt? Este havia dito que não sabia quem eram ou por que estava aí essa foto, assim possivelmente não era mais que uma coincidência ou um engano. Possivelmente a mãe do Matt tinha atirado montões de fotos, mas ele tinha salvado só as de seu pai. Era possível que essa foto se pegou à parte posterior de uma das boas por obra de um pouco de ketchup.
Girou a foto. Não havia sinais de ketchup nem de nenhuma outra mancha, mas havia uma data quase ilegível escrita a lápis. Tentou vê-la com claridade, mas só pôde decifrar "196...". O último número do ano não se via.
Lentamente, voltou a deixar as fotos em seu sítio, tal como as tinha encontrado, levantou-se e alisou a cama. Não queria que Matt se inteirasse de que tinha estado farejando.
dirigiu-se a seu dormitório, tomou banho e enquanto a água caía em cascata por seu corpo, tomou de novo a decisão de que o melhor era não fazer mais perguntas. O que ocorreu havia passado fazia muito tempo e era melhor deixá-lo como estava.
16
Transcorridos dois dias mais com o Janice e Patsy, Bailey teve que admitir sua derrota. Resultava-lhe claro que as três tinham conhecimentos suficientes para levar adiante um negócio uma vez iniciado, mas pô-lo em marcha estava além de suas possibilidades. O motivo fundamental era que nem sequer podiam ficar de acordo no nome do negócio. Onde foram conseguir o dinheiro se eram incapazes de organizar-se no mais mínimo?
Bailey se preparou uma taça de chá, agarrou papel e lápis, e tratou de plasmar alguma idéia sobre o nome e o logotipo do negócio, mas estava bloqueada. depois de uma hora voltou a entrar na cozinha por mais chá e, seguindo um impulso, tomou o telefone sem fio e a caderneta de direções, o levou fora e marcou um número.
Quando o telefone começou a soar, conteve o fôlego. Que acolhida podia receber?
Carol Waterman respondeu à primeira chamada. Tudo o que teve que fazer Bailey foi dar seu nome e as palavras surgiram a fervuras da boca da Carol.
-Quer falar com o Phillip, verdade? Agora não está quase nunca em casa. Nem os meninos nem eu o vemos há dias. Quer deixar de trabalhar. Para "eles" e lhes há dito duas vezes que os deixa, mas a resposta que recebe sempre é a de que lhe pagarão mais, tanto que Phillip termina por aceitar e fica um pouco mais. Não me conta no que estão colocados esses dois, mas por seu olhar deduzo que não é nada bom.
Enquanto Bailey escutava ia rabiscando no bloco de papel. Tinha diante o moral e perfilou distraídamente os ramos ondulantes do velho gigante. Por muito que o tentasse não podia chegar a sentir nenhuma compaixão pela Carol. O que tinham esperado os dois ao aceitar um trabalho de pessoas tão nefastas como Atlanta e Ray? Pensariam que o fato de receber os milhões da herança ia transformá-los em pessoas amáveis?
-Por isso me diz, parece que tem tempo de sobra e acesso a montões de dinheiro.
Carol titubeou.
-Supondo que assim é -respondeu-. O que está pensando?
-Perguntava-me se estaria interessada em te associar a um negócio que estamos iniciando um par de amigas e eu.
-Que classe de negócio? -perguntou Carol com cautela.
-É... -Olhou ao esboço que tinha feito no bloco de papel-. Se chama "Antes e Depois". É uma divisão de... da empresa de conservas "O Moral".
-Não terei que cozinhar nada, verdade?
-Não, esse é meu trabalho.
-Já vejo -disse Carol com frieza-. Então o que outra coisa quer de mim, além de contribuir com dinheiro para ti e para seus amigas?
Bailey conhecia muito bem a sensação que estava experimentando Carol. Na primeira época de seu matrimônio com o Jimmie muita gente lhe tinha devotado um montão de coisas, mas logo descobria que quão único queriam era seu dinheiro.
-O que te pareceria a publicidade? -improvisou-. Promocionar. Parece-te que te desembrulharia bem nesse campo? -Bem sabia Deus que tanto ela como Janice ou Patsy eram incapazes disso.
Carol esteve tanto tempo em silêncio que Bailey chegou a pensar que ia pendurar.
-antes de me casar com o Phillip me estava preparando para ser atriz -disse ao fim.
Bailey esteve a ponto de dizer: "E para que nos serve isso ?"Mas se conteve. Não podia permitir o luxo de ofender a Carol, uma pessoa com acesso ao dinheiro.
-Possivelmente possa... poderia... ser a atriz principal de nosso anúncio---
-Magnífico! Qual é o guia?
-Ainda o estamos trabalhando e, é obvio, necessitamos sua energia.
-Não têm escrito uma palavra, claro.
Bailey se pôs-se a rir e quando o fez se sentiu livre de toda tensão.
-Nenhuma palavra. Eu sei cozinhar, Patsy pode dirigir uma fábrica e Janice é a contável. Mas as três somos uns verdadeiros desastres na hora de dar a conhecer que temos um montão de geléias e geléias para vender. Acreditas que poderia nos ajudar?
-É possível -disse Carol devagar-. Se posso encontrar tempo entre as entrevistas da barbearia e a manicura. Já sabe como é isso.
-Muito bem -respondeu Bailey, mantendo a raia a emoção de sua voz. Tinha chamado a Carol com a esperança de conseguir dinheiro, mas seus dotes de atriz seriam inclusive melhor.
-Possivelmente poderia...
-Tomar o seguinte avião, me reunir contigo e suas novas amigas e fazer algo com minha cabeça além de decidir se me visto de azul marinho ou de negro?
Bailey riu com vontades.
-Sabe onde vivo agora?
-Nem idéia, mas tenho um lápis à mão.
Bailey lhe deu a direção, despediram-se e pendurou o telefone. As arrumou para manter-se sentada durante o meio minuto; Logo deu um salto e ficou a dançar.
-Bravo! -exclamou enquanto agarrava um ramo do moral e a beijava-. Minha querido árvore!
Recolheu o bloco de papel de desenho e se foi escada acima ao aparelho de fax do Matt. Agora tudo o que tinha que fazer era persuadir ao Janice e Patsy de qual era o nome perfeito para sua empresa.
Fotocopiou o esboço e o enviou tanto ao Janice como ao Patsy. A esta disse que queria que lhe bordasse uma marca como a do esboço. Janice lhe enviou um fax no que dizia que a gente pensaria que só vendiam produtos dessa árvore. Logo Patsy lhe respondeu que a mais velha parte dos norte-americanos não tinha nem idéia do que era um moral.
-Isto poderia seguir assim toda a vida -murmurou Bailey. Recordou que Jimmie odiava as decisões com que estava de acordo todo mundo.
"Bem! -enviou-lhes em outro fax-. Se não saberem nada sobre o moral não terão nenhum prejuízo. Se qualquer de vocês tem uma idéia melhor, eu gostaria de conhecê-la."
Durante uma hora o fax se manteve em repouso. Passado esse tempo recebeu duas notas.
"Por minha parte, está bem", diziam ambas. Dado que as palavras eram exatamente as mesmas, soube que de algum jeito se comunicaram entre si para alcançar um acordo. Fólio azul, fólio verde.
-Obrigado, Jimmie -disse Bailey e lançou um sorriso aos faxes. Agora precisava ir à cozinha e preparar algumas mostra para "Antes e Depois", que seria uma divisão de sua empresa.
Bailey estava experimentando uma mescla de morangos e cerejas sem utilizar álcool. Como podia fazer que a compota tivesse o mesmo sabor que a perfumada com kirsch sem utilizar o licor? Tinha descoberto que a venda de produtos alimentícios nos que um dos componentes era álcool não estava permitida sem a prévia obtenção de uma licença de licores, algo que nenhuma delas podia conseguir. "nos reservemos isso como objetivo para dentro de dois ou três anos", tinha comentado Janice em uma ocasião, e as outras estiveram de acordo.
Possivelmente poderia obter o sabor desejado se extraía o suco, fervia-o e acrescentava um pouco de essência de amêndoas. Com esse pensamento foi à despensa a procurar o "chinês", esse coador cónico sujeito a um eixo giratório com barras. Quase teve que dedicar dez minutos para buscá-lo porque estava na prateleira mais alta da despensa.
-Matt! -exclamou. Ele tinha recolhido os pratos a noite anterior e por alguma estranha razão tinha decidido que não valia a pena situar o "chinês" em um lugar acessível, assim que o tinha colocado na prateleira mais elevada, pelo menos um metro por cima da cabeça de Bailey.
Sabia que havia uma escada no estábulo e que poderia ir procurar a, e inclusive aproximar uma cadeira, mas lhe pareceu uma perda de tempo e além disso a fruta estava fervendo a fervuras. subiu ao primeira prateleira e conteve a respiração enquanto comprovava se agüentava seu peso, mas logo recordou que já não era tão pesada para rompê-lo.
Sujeitando-se nas prateleiras superioras foi subindo até alcançar o coador. Enquanto o agarrava viu um pouco pego às pranchas da parte posterior da prateleira. Essa habitação era quão única não tinha sido remodelada. Bailey se negou a que Matt e seus amigos, os bebedores de cerveja, tocassem essa perfeição. limpou-se e isso tinha sido tudo.
Picada pela curiosidade, deixou o "chinês" mais abaixo e estirou o braço para chegar ao trocito de papel que se via detrás das pranchas.
Soube imediatamente que era a parte posterior de uma fotografia. A giro lentamente e o que viu lhe cortou a respiração. Em primeiro plano havia duas pessoas. Alguém era um hombretón, loiro, com um olhar que não traslucía grande inteligência, embora seu sorriso era tão doce que quase lhe deu vontade de devolver-lhe Posava muito alegremente com o braço ao redor dos ombros de um moço de uns quatorze ou quinze anos.
O menino tinha um lábio leporino horrivelmente deformado.
Bailey desceu devagar as prateleiras e se aproximou de uma janela para olhar a foto à luz. O menino era Jimmie. Tivesse-o reconhecido de qualquer forma por seus ombros, e além disso, seus olhos eram os mesmos. E estava segura de que o gigante loiro era o homem que tinha vivido em sua casa, que se tinha enforcado no estábulo.
Olhou a foto à luz do sol. Em segundo plano havia uma mulher e dois homens. O rosto da mulher era claramente visível. Era pequena e magra, não especialmente atrativa, de cara larga e aspecto cansado. Olhava despreciativamente ao hombrón e ao Jimmie. Bailey teve a segurança de que era a mulher adúltera. Os homens que havia ao fundo estavam de perfil, um pouco desfocados, assim não pôde identificá-los.
Quem poderia identificar a essa gente? Matt? Não, era muito jovem quando se tomou essa foto. Não tinha data, mas por como foram vestidos era de supor a finais dos anos sessenta ou princípios dos setenta.
-Violet -se disse em voz alta. Voltou para a cozinha, apagou o fogo no que fervia a fruta, pôs um pano em cima da prateleira de vidro da geladeira e colocou a panela quente. Enquanto se dirigia correndo à porta principal, agarrou ao vôo as chaves do carro, e quinze minutos mais tarde estava em casa do Violet.
Ela estava sentada no alpendre, dormitando.
Bailey não se incomodou em prolegómenos.
-Quais são estas pessoas? -perguntou de uma vez que lhe mostrava a foto.
Violet despertou imediatamente, sem aparente surpresa, e olhou a Bailey.
-E também me alegra ver-te -disse enquanto recolhia a foto-. vá procurar os óculos. Estão por aí, em algum sítio -comentou gesticulando para a porta da casa.
Bailey demorou uns dez minutos em encontrar os óculos de ler do Violet e outros cinco nas lavar. Para quando voltou para alpendre, Violet se tinha voltado a dormir com a foto em seu regaço.
-E bem? -pediu Bailey em voz alta, de uma vez que lhe tendia os óculos.
Violet as colocou e olhou a foto. Bailey tomou assento frente a ela.
-Não sei quem som os dois que estão em primeiro plano. São...
-Esses já sei quem som. Quero saber sobre as pessoas que estão ao fundo.
Violet arqueou as sobrancelhas, olhando a Bailey.
-Sabe quem som, verdade? Dedicaste-te um pouco à investigação. O menino de diante, o do lábio, é o tipo que estava procurando?
-Isso não importa. Quais são os do fundo?
-E eu que saco disso?
Bailey Fechou os olhos.
Violet se pôs-se a rir.
-Vale, deixa que olhe. Não sei quem é a mulher, mas esse é Roddy e o de atrás me parece que é Kyle.
-Os Seis de Ouro -disse Bailey-. Assim tinha que ver com eles.
Violet a olhou fixamente e logo observou a foto.
-O tipo grande deve ser o homem do que me falou meu amiga, o tipo que se pendurou em seu estábulo. E essa árvore grande que há na parte de atrás não é o de sua casa?
-Sim -disse Bailey distraídamente-. É a árvore das amoras.
-Se quer saber algo sobre o menino da foto, por que não o pergunta a ele?
-Está morto -respondeu Bailey antes de pensar-lhe A seguir levantou a vista para uma Violet com os olhos abertos como pratos.
-Será melhor que tome cuidado ou vais começar a soltar informação em vez de tirar-lhe a todo mundo -disse Violet com uma sorriso maliciosa quando Bailey apartou o olhar-. O que queria dizer é por que não o pergunta a ele -disse assinalando a foto.
-A quem?
-Ao Rodney.
-Está vivo?
-Carinho, para ti 1968 pode estar muito longínquo, mas não o está. Roddy está vivo, casado com uma garota que tem menos da metade de anos que ele e continua parindo filhos. Janice não te contou que tem uma dúzia e meia do meio irmãos?
-Parece que a gente do Calburn tende a deixá-las partes mais interessantes de sua história -disse Bailey em voz baixa.
-A diferença de ti, que é tão aberta e honrada, e o conta todo sobre ti mesma -replicou Violet.
Bailey ficou em pé, tomou a foto e se dispôs a partir.
-O que andam tramando, vocês as garotas, que o têm tão em segredo?
Bailey tomou ar e pensou: "Mas é que a gente do Calburn tem que estar à corrente de tudo?"
-Não me olhe dessa maneira. Creio que seu segredo está seguro. O que passa é que eu ouço mais que outros. Tenho um montão de amigos.
Por um momento Bailey a examinou com atenção. Por isso tinha podido deduzir do pouco que lhe tinham contado, em sua juventude Violet tinha sido a prostituta da localidade. E agora era a camelo oficial de drogas... ou ao menos de maconha. Bailey tinha tido encontros suficientes com gente da geração do Violet para saber que a maioria dos hippies não considerava droga à maconha.
-Não saberá nada sobre como fazer um filme, não?
Violet lhe lançou uma sorrizinho.
-antes de vir aqui, vivia em Los Anjos e fui secretária de produção durante dezesseis anos.
-Isso quer dizer que escrevia a máquina ou que estava na rodagem?
-Direi-te só que muitas vezes o diretor estava muito bêbado ou muito ocupado com sua vida amorosa para fazer seu trabalho, assim que me tocava . Que tipo de filme pretendem fazer? Pomo?
-Contigo como estrela.
Violet riu a gargalhadas.
-Quando era mais jovem... Vale, deixarei-me de chistecillos. O que necessita?
-Um anúncio para a televisão. Algo singelo. Temos idéia do que queremos vender, mas não sabemos como fazê-lo.
-Pois me conte o que tem na cabeça. Hei reescrito tantos guias que creio que poderia escrever um próprio para um anúncio de um minuto.
-Parece-te que poderá te entender com o Janice e Patsy sem começar uma guerra?
-Possivelmente. Necessita a sério um guia escrito?
Bailey não estava disposta a dizer que estavam se desesperadas por encontrar pessoas que soubessem algo sobre alguma coisa. encolheu-se de ombros enquanto pensava que ao Violet terei que tomá-la ou deixá-la.
-Sabe desenhar um mapa?
Violet se tomou seu tempo antes de responder.
-Um mapa que te mostre como chegar à casa do Roddy, acima na montanha?
-Sim.
-Não te vai gostar o daí acima. E tem escrita por toda parte a palavra "dinheiro". Tratará de lhe tirar isso Além disso é muito bonita para te colocar a seu alcance.
-Arriscarei-me. Então quanto cobras por sua ajuda?
-Tenho no horta umas ervas que são mais altas que as novelo.
Bailey esticou os lábios.
-Verduras, mas nada de novelo de cannabis. Minha linha de produção não inclui substâncias ilegais.
Violet riu enquanto levantava sua corpulência da cadeira.
-Vamos. Possamos nos preparar um pouco de limonada, e assim estaremos frescas enquanto falamos do que tentam vender, seja o que seja. E de passagem pode me contar que tal está Matt.
Bailey arqueou as sobrancelhas.
-Matt e você não haverão... Não haverá...
-Nem com ele nem com seu papai -disse Violet enquanto passava por diante dela para entrar na casa-. Mas te posso assegurar que me tivesse gostado!
17
Enquanto conduzia o carro pelo caminho de terra para a casa do Rodney, Bailey ainda se sentia culpado com o Matt. Não era boa mentirosa, e tampouco uma boa atriz. A noite passada estava nervosa e assustada pelo que planejava fazer hoje e era consciente de que estava tendo muitos segredos com o Matt. Tampouco estava obrigada a lhe contar tudo o que fazia, mas ele não se merecia todas essas mentiras e as evasivas que lhe dava por resposta.
Durante o jantar tinha procurado manter uma conversação ligeira e parecer acalmada e alegre, mas o certo era que esteve lhe surrupiando informação com dureza. Queria que lhe contasse tudo o que sabia sobre o Rodney Yates e sua situação atual.
-por que não me contaste que ainda estava vivo um dos Seis de Ouro? -perguntou enquanto lhe servia purê de batatas-. Foi um choque muito forte quando Janice mencionou a seu pai. Deu-me vergonha demonstrar que não sabia que continua vivo.
-Já está bem -disse Matt em voz baixa.
-OH, sinto-o -respondeu Bailey depois de olhar a montanha de purê que lhe tinha colocado. Logo se dirigiu para a cozinha.
-Janice não teria mencionado a seu pai, nem a ti nem a ninguém -disse com convicção.
Bailey apertou os lábios. Pilhada em uma mentira! Pôs feijões verdes e amêndoas em uma terrina. Era questão de manter o tipo com descaramento.
-Vale, sim, hoje estive em casa do Violet e me há dito que Rodney está vivo.
-Por isso me contaram cruzou Calburn a toda velocidade e estiveste toda a tarde em casa do Violet.
Bailey sabia que se respondia a isso ia fazer o com aborrecimento, e se se zangava revelaria mais do que queria. Assim que se sentou à mesa, tomou seu garfo e lhe olhou.
-Agora vivo nesta cidade, assim que eu gostaria de conhecer sua história. ofendi uma vez ao Janice e não quero repeti-lo. Poderia me contar algo sobre seu pai?
Matt manteve a cabeça baixa uns momentos antes de voltar a olhá-la.
-Quer me explicar a verdade de por que está fazendo tantas perguntas a todo mundo?
Bailey não respondeu; não havia nada que pudesse dizer.
-De acordo -disse Matt quando compreendeu que ela não ia responder-. Você ganha. Janice despreza a seu pai, não tem nada que ver com ele. É um velho libertino; um alcoólico. Teve dinheiro, mas o bebeu tudo. A mãe do Janice e a do Patsy eram as gemam idênticas, filhas do médico da cidade. A mãe do Patsy se casou com um dentista e Patsy teve uma boa casa e roupas bonitas toda sua vida. Mas a mãe do Janice se assobiou pelo belo Rodney e se casou com ele, que se gastou todo o dinheiro que lhe tinha deixado a ela seu pai, passou dela e fez muito desgraçada sua curta vida. -Na voz do Matt se percebia claramente a indignação.
-E Scott? -perguntou Bailey com suavidade.
Matt se recostou no respaldo.
-Está segura de que quer ouvir todos os secretillos sujos do Calburn?
Bailey não sabia se queria ou não, mas não pôde deixar de assentir.
-Janice estava decidida a não fazer o que tinha feito sua mãe, assim que um minuto depois de receber o diploma de bacharel no instituto, foi a Chicago e conseguiu trabalho em uma loja de roupas seleta para cavalheiros, um lugar onde poderia conhecer homens ricos. Durante os dois anos que esteve ali se comprometeu duas vezes, mas as duas vezes rompeu seus noivos não eram o que Janice estava procurando. Mas então, um bom dia entrou na loja Scott Nesbitt. Era o filho mais nova do homem mais rico de uma pequena cidade a pouca distância daqui. Era jovem, bonito, encantador e, ainda mais importante, maleável. Scott não tinha nenhuma probabilidade de escapar. Janice foi atrás dele e ao cabo de seis meses estavam casados. Logo lhe persuadiu de que nunca deveria ter deixado Virginia. O certo era que Janice queria voltar para o Calburn para vangloriar-se de sua riqueza recém conseguida.
Matt tomou ar e passeou o olhar pela habitação.
-Janice fez do Scott o que é agora. Ela trabalhava vinte horas ao dia e ficou com um jovem mimada e preguiçoso, e fez dele... Bom, converteu-o na pessoa que conhece. -de repente a olhou airadamente-. É isso o que queria ouvir?
Ela ficou estupefata, sobre tudo pela hostilidade de seu gesto.
-Sim. Quero dizer, não. Pensava que...
Matt não a deixou acabar a frase. levantou-se e deixou a mesa.
-Tenho trabalho que fazer -resmungou enquanto subia ao desvão, mas se deteve metade de caminho-. Ah, por certo, o aniversário de meu irmão foi faz seis meses.
Bailey se levou as mãos à cabeça. Não estava tendo muito êxito nisso de "não envolver-se".
Agora, no carro, olhava o mapa que Violet lhe tinha desenhado e viu que, se o interpretava de maneira correta, chegaria logo a casa do Rodney. Mas não havia indicadores de ruas no caminho que entrava na montanha e duas vezes teve que dar a volta depois de haver-se equivocado. Tinha tido que atravessar um arroio pouco profundo com seu todo-terreno, assim como sortear um tronco cansado. As classes de condução não a tinham preparado para esse tipo de trajeto.
Quando por fim chegou, tinha a sensação de ter participado de um safári. Estacionou sob uma árvore e levantou a vista para a cabana. "Não deixe que te impressione -lhe havia dito Violet-. É de uma pobreza extrema e Rodney faz que seja assim."
Bailey bebeu um gole de água da garrafa que levava e olhou fixamente a cabana. Resultava difícil aceitar que o mesmo planeta albergasse esse lugar e as fastuosas casa do Jimmie. A estrutura parecia a ponto de vir-se abaixo e um lado do alpendre já tinha cedido. Uma esquina do telhado tinha um buraco.
diante da cabana havia barro pisoteado por muitos pés. Vagavam por aí uns quantos frangos fracos e, enquanto Bailey observava, de debaixo do alpendre saíram um par de meninos sujos que se deram caça o um ao outro pelo endurecido terreno.
Um terceiro menino, mais velha, quase moço, saiu engatinhando de debaixo do alpendre e se deteve quando viu o carro de Bailey. Ela se perguntava como era que não tinham ouvido o ruído quando chegou, mas quando apagou o motor ouviu gritos dentro da casa. "Possivelmente não seja este o melhor momento -pensou-. Possivelmente devesse dar a volta e lhe perguntar ao Matt..." Não pôde pensar nada mais porque, de repente, um homem apareceu no alpendre com uma escopeta... E a apontava.
-Quer largar-se de uma puñetera vez de minha propriedade? -gritou o indivíduo.
-Sim, já o faço -vociferou Bailey pelo guichê, e logo agarrou as chaves que tinha deixado cair no assento do acompanhante-. Agora vou -disse enquanto tratava de pôr a chave no contato, mas lhe caiu ao chão.
Não existia juramento capaz de expressar seu desconforto enquanto trasteaba sob o volante em busca das chaves. Não pôde as encontrar antes de que a porta de seu carro fora aberta de repente.
-Trate de me entregar algum documento judicial e lhe voarei a cabeça -ouviu uma voz ameaçadora.
Bailey levantou a cabeça com tanta rapidez que se golpeou contra o estofado.
-Não trago papéis para você -disse com desespero-. vim a lhe fazer umas perguntas.
Como se estivesse metida em um filme de gângsters, levantou as mãos ao ar, até o teto. De pé, junto ao carro, havia um homem com um rosto de linhas muito marcadas; parecia ter cem anos, mas seus movimentos eram os de um homem mais jovem, e a apontava diretamente à cabeça com sua escopeta.
-Pergunta sobre o que? -disse com ar suspicaz.
-Sobre... -O que podia lhe perguntar com a segurança absoluta de não ofender?-. Sobre os Seis de Ouro -disse com rapidez e logo apertou os olhos para não ver quando lhe disparasse.
Como não ocorreu nada, abriu um olho. estava-se rendo dela!
-Vá, assim veio para me conhecer e me fazer perguntas sobre os bons tempos.
-vim para... -ia dizer que para conhecer belo Rodney Yates, mas pela forma em que a olhava e pelo que lhe havia dito... Mas não era possível que esse velho feio fora...
Ele a observava e só tinha baixado a escopeta uns centímetros.
-A você -disse Bailey-. Sim, vim a vê-lo você. É Rodney, verdade? Parece um... Bom, está exatamente igual a nas fotos.
Bailey estava segura de que uma mentira de tal magnitude ia obter que recebesse diretamente o tiro, mas em troca o homem sorriu abertamente, passou-lhe um braço pelos ombros e a tirou do carro. A Bailey quase deram náuseas. Tinha um fôlego asqueroso e a mão que sujeitava seu ombro tinha umas unhas larguísimas com porcaria de anos.
Queria parti-lo mais rápido que pudesse desse lugar horrendo e desse homem tão repulsivo.
-É bem bonita -disse ele e sua mão começou a subir e descer pelo braço de Bailey enquanto a atraía para si-. Né! Espere um momento. Não terá vindo aqui a nos fazer o que fez a outra, não?
Bailey teve que reorganizar a frase para entendê-la.
-refere-se a congressista Spangler?
-Sim, a congressista! -disse Rodney, e soltou um escupitajo a uns dois centímetros dos pés de Bailey.
-Não, eu não -respondeu.
Ele voltou a sorrir, expondo uns dentes que não se lavou em anos.
-Então venha dentro e lhe ensinarei tudo o que fez essa velha bruxa.
dirigiram-se aos degraus que conduziam ao alpendre da cabana. A casa era o lugar mais sujo que tinha visto em sua vida. perguntou-se como podia ser que houvesse gente que vivesse nessas condições. À medida que subiam os degraus Rodney a sujeitou com mais força e Bailey sentiu que o corpo lhe esticava.
-Cuidado com este degrau. Está um pouco rompido. Quero arrumá-lo faz tempo que, mas estive muito ocupado ultimamente.
Bailey desceu a vista e se encontrou com um tablón podre que provavelmente estava assim da década de 1930. As arrumou para sorteá-lo mas quase perdeu o equilibro. Rodney aproveitou a oportunidade para percorrer com os dedos o flanco de seu peito. Bailey temeu enjoar-se.
O interior da cabana era ainda pior que o exterior. Estava mobiliada com antigas sela sujas e rotas e um sofá ao que lhe faltavam duas patas, por isso era uns cinco centímetros mais alto por um extremo.
-Toma assento -disse Rodney com tom lascivo e malicioso, lhe indicando o extremo mais elevado do sofá. Se ela se sentava aí se deslizaria para o extremo mais baixo, provavelmente onde ele se sentaria.
-Eu me... né... -Lançou uma olhada ao redor. A um lado havia uma cadeira pequena de madeira-. Melhor me sentarei aqui -disse enquanto a deslocava frente ao sofá-. Tenho mal as costas. Necessito respaldo reto.
-Sabe qual é a melhor padre para umas costas, verdade? -disse Rodney aproximando sua cara a dela. E Bailey teve que esforçar-se por não sair fugindo de seu fôlego fétido-. Necessita mais exercício. Sabe do que falo? -Fez um círculo com o polegar e o índice de uma mão e colocou dentro o índice da outra.
"Deve-me isso, James Manville", pensou Bailey enquanto dirigia ao Rodney um morno sorriso que esperava não demonstrasse sua repulsão.
Rodney se inclinou para ela e lhe percorreu o braço com a mão. Quando começava a desviar-se para o peito, Bailey se apartou.
Rodney se levantou, sorrindo.
-O que precisa é beber um pouco.
-Não, obrigado. Acabou de...
-Rechaça minha hospitalidade? -disse sem indício de humor.
-Não, é que acabou de...
-Bom, muito bem, tomaremos uma copita e logo você e eu possamos passar o resto do dia... falando -disse, e elevou as sobrancelhas como se estivesse seguro de que ela queria passar o dia fazendo outra coisa com ele.
Bailey sentia que ia ficar doente. Se esse homem não tivesse uma escopeta, teria ido já.
-Mulher, sal daí! Não vê que temos companhia? -bramou Rodney, e Bailey quase cai da cadeira do susto.
Naquela sala suja havia duas portas; uma aberta e a outra fechada. além da porta aberta Bailey espiono uma cama suja e revolta. A porta fechada se abriu um pouco e apareceu o semblante pálido de uma garota que parecia ter uns treze ou quatorze anos.
-Sal! -vociferou Rodney, e a garota deu uns passos para a sala.
A Bailey impressionou ver que estava grávida de vários meses. Não aparentava ter acabado o colégio e muito menos estar em condições de ter um bebê. Rodney a olhou com orgulho nos olhos.
-É meu -disse com arrogância-. Sou bom nisto de fazer meninos. Você tem algum?
Bailey logo que podia apartar a vista da garota, que olhava ao chão, à espera de receber ordens.
-Tem? -insistiu Rodney em voz mais alta.
-O que? Ah! Quer dizer filhos. Não, não tenho nenhum.
-Bom, possivelmente eu possa te ajudar. Talvez você e eu...
A porta que havia detrás da garota grávida se abriu de par em par e apareceu uma mocinha preciosa de uns quinze anos. Levava um vestido estragado mas limpo e seu cabelo loiro estava limpo e asseado.
-Ela não quer nenhum teu menino e se a toucas voltarão a aparecer os polis por aqui -disse enquanto tendia ao Rodney uma lata de cerveja.
-Ninguém te perguntou nada -lhe soltou o pai-. E onde está sua bebida?
-Ela não quer uma lata de cerveja quente às dez da manhã. Verdade que não, senhorita?
Bailey dirigiu a ambos um leve sorriso.
-Quão único queria era fazer umas quantas perguntas.
-Sobre os Seis de Ouro? -preciso a moça com tanta burla em sua voz que Bailey ficou de pedra-. Sobre os dias de glória em que ainda não era um folgazão e um inútil?
-Fora daqui! -gritou Rodney-. nos Deixe sózinhos a mim e a minha convidada.
-Deixa-a tranqüila, ouve-me? -replicou a garota. voltou-se para Bailey-. Se te tocar, grita, ouve-me?
Bailey não pôde fazer outra coisa que assentir em silêncio.
-Assim, venha, lhe faça as perguntas. Sabe tudo sobre esses seis meninos, mas se passará o dia falando se se sinta aí e lhe escuta. Sua vida se deteve o dia em que morreu Frank McCallum.
Logo passou meigamente o braço pelos ombros da moça grávida, a levou da habitação e fechou a porta detrás de si.
-Não lhe faça caso -disse Rodney tão logo se fechou a porta-. Não te parece que uma filha deve mais respeito a seu pai que o que esta garota tem por mim? A outra, a mais jovem é minha esposa. -Dirigiu a vista para Bailey-. Venha, me faça todas as perguntas que queira. -E detrás lhe lançar um olhar ameaçador lhe advertiu-: A não ser que vás escrever outro livro que resulte mau para nós.
-Não. Prometo que não vou escrever nenhum livro de nenhum tipo. Eu... -Não pôde encontrar uma mentira convincente que explicasse o motivo de seu interesse por ele. E, a verdade, nesse momento nem sequer podia recordar por que estava aí.
-Essa outra, essa Spangler, estava comida pelo ciúmes, e o ciúmes são uma emoção muito forte. Eu nunca os hei sentido, porque nunca tive motivos para me sentir ciumento por culpa de outro homem. Não sei se me entende. tive mais que o que me tocava na partilha, assim, por que ia querer o que tinha outro? -Olhou a Bailey como esperando que lhe dissesse que ainda era um homem muito de aparência agradável.
-Conheceu você a um moço que tinha lábio leporino? -escapou a ela.
-A um par. Quer ver uma foto do T. L. Spangler?
"Não, a verdade é que não", quis dizer Bailey, mas em troca lhe dirigiu um leve sorriso.
Rodney deixou a escopeta no chão e foi para um armarito que havia em um rincão. As portas da metade superior estavam a ponto de soltar-se das dobradiças, mas as inferiores estavam fechadas com um grande cadeado. Rodney procurou no bolso e tirou uma cadeia com um molho de chaves. Inseriu uma no cadeado e se voltou para a Bailey.
-Terá que ser muito cuidadoso por aqui, com tantos condenados meninos ao redor.
Uma vez mais, quão único pôde fazer Bailey foi sorrir.
Dentro do aparador as coisas estavam podas e em perfeita ordem. Em uma prateleira havia dois álbuns de fotos, encadernados em pele. Bailey conhecia muito bem os produtos de muito boa qualidade como para não advertir que esses álbuns eram caros. Invadiu-a uma quebra de onda de cólera. Seus filhos viviam rodeados de porcaria, mas não lhe faltava a cerveja e os álbuns de fotos de pele de primeira qualidade.
Como se levasse em suas mãos um tesouro de valor incalculável, Rodney tirou um álbum e o abriu à altura do segundo terço de suas páginas.
-Por uma página -disse com orgulho enquanto se aproximava de Bailey-. Pelo general estou acostumado a acertar algo que procure no primeiro intento, mas contigo não posso pensar a direitas; faz que me pulse o coração imprudentemente.
Bailey se perguntou por que não se trouxe consigo ao Matt ou ao Violet. Ou uma colt 45.
Tomou o álbum que lhe tendeu com reverência e olhou a foto que lhe assinalava com a negrume de uma unha.
-Aqui a tem. Esta é seu T. L. Spangler quando estava conosco no instituto. Não é do mais feio que viu em sua vida?
Bailey olhou à garota da foto e teve que admitir que era o que algumas vezes se denominava "desafortunada". Tinha o cabelo encaracolado estilo afro, óculos grosas, dente torcidos e protuberantes, sem queixo perceptível e com um severo acne.
-Agora olhe esta -disse Rodney e voltou a página.
Era uma capa da revista Teme. Apareciam as caras de três mulheres e o titular rezava "O futuro é amanhã". Bailey teve que ler o pé para ver que a mulher que estava em primeiro plano era a senadora Spangler. estirou-se o cabelo, não levava óculos, arrumou-se os dentes, agora dispunha de queixo e o acne tinha desaparecido.
-Bom cirurgião -disse Bailey com admiração-. Me pergunto quem terá feito o trabalho.
Rodney a olhou como se fora estúpida e não se inteirasse de nada. Fechou o álbum de repente.
-Esta garota estava louca pelo Kyle. Queria-o consigo a toda costa. Fez tudo o que esteve em sua mão para chamar sua atenção quando estava no instituto, e ao não obter que a tocasse, jurou que se vingaria dele. Por isso escreveu aquele livro.
-Já vejo -disse Bailey e lhe tendeu o álbum-. Assim, senhor Yates, você não recorda a um menino com lábio leporino?
Rodney levou o álbum até o aparador.
-Que idade tinha em 1968?
-Nove anos -respondeu Bailey.
-Não, não tenho memória de nenhum menino assim. Está segura de que era do Calburn?
-Sim. Eu... -ia dizer que tinha uma foto sua diante do moral de sua granja, mas algo a fez abster-se. E, certamente, também omitiu lhe dizer que tinha uma cópia dessa foto no carro-. Sabe?, creio que será melhor que vá.
-Não pode ir ainda. Tenho três álbuns cheios de fotografias. Você e eu possamos nos sentar aqui juntos e as olhar todas, uma a uma.
Bailey se levantou.
-Possivelmente em outra ocasião -disse enquanto se encaminhava para a porta. "Talvez quando trouxer comigo uma escolta armada."
-Não pode ir. É muito logo -disse ele com um tom que Bailey interpretou como insinuante.
Abriu a porta e em dois segundos esteve fora, em uns passos desceu os degraus e se dirigiu ao carro. "Por favor, me deixe sair daqui. Por favor", implorou para si.
-Espera um momento! -chamou Rodney do alpendre.
Bailey se deteve, mas não se girou.
-Me tinha esquecido. Lucas McCallum tinha lábio leporino, mas o que passa é que aquele verão tinha quatorze anos. Grande menino, uma mole.
Pouco a pouco, Bailey se girou para olhá-lo.
Rodney fez um movimento de ombros que ela tinha visto fazer ao Jimmie milhares de vezes.
-Era um menino feio. Vá, feio de verdade. Tinha o lábio superior aberto até o mesmo nariz. Podia lhe ver as gengivas por cima dos dentes. E as orelhas lhe saíam retas para fora. Esse é o menino que buscas?
-McCallum? -disse Bailey.
-Sim, o filho do Frank. ouviste falar do Frank, verdade?
-Sim -respondeu ela em voz baixa-. Era um dos Seis de Ouro, que se viu envolto no assassinato e suicídio.
-Sim, esse é Frank. Luke era filho do Frank e se foi da cidade quando morreu seu pai. Não voltamos ou seja nada dele mas tampouco é que importasse a ninguém. Era um ressentido. brigava com qualquer. Um menino zangado com o mundo.
Bailey soube sem indício de dúvida que Lucas McCallum e James Manville eram um e o mesmo. Apesar de que sua mente lhe ordenava partir, descobriu que seus pés se deslocavam de novo para a casa.
-Isso é -disse Rodney-, volta outra vez aqui e eu te contarei tudo sobre o Frank. Era um homem maravilhoso.
-Lucas -disse Bailey quando chegou à escada-. me Fale do Lucas.
-Sim, claro, de quem quer -disse Rodney enquanto abria os braços como para que Bailey se dirigisse para eles-. Você volta aqui e eu te contarei tudo o que queira saber.
Esta vez Bailey teve que sentar-se na parte elevada do sofá e, enquanto resistia para manter-se firme, visualizava o filme Titanic, em que a gente se agarrava aos corrimões do navio enquanto este se ia a rivalidade. Em seu caso os esperava o mar; no dela eram as mãos do Rodney. Não estava segura do que era pior.
Teve que escutar como Rodney lhe contava a gloriosa história sobre os seis magníficos moços que tinham salvado um instituto completo. Bailey se agarrava ao braço do sofá, tratando de não deslizar-se para o regaço do Rodney, e tentava por todos os meios lhe fazer voltar para tema do Lucas.
Era provável que só houvessem passado quarenta e cinco minutos desde sua chegada, mas lhe tinham parecido horas.
-O que tem que o Lucas? -perguntou por vinte avas vez.
Rodney franziu as sobrancelhas, molesto de que voltasse a interrompê-lo.
-Não era grande coisa e tampouco estava ali quando ocorreu o importante. Foi mais tarde quando Frank partiu e voltou com esse... com isso... -Rodney moveu a mão em sinal de desaprovação.
-O que tem que a mãe do Luke?
-Nunca a conheci. Tampouco gostava. Se tinha uma cara como a do menino, é provável que drogasse ao Frank para que se fora à cama com ela e logo lhe mentisse lhe dizendo que esse menino era dele. Frank foi sempre um tipo muito generoso. Dava-te tudo o que tinha. Não descarto que se fizesse cargo do menino só por ser amável. Frank era assim.
-São Frank - resmungou Bailey e Rodney a olhou com suspicacia.
-A que vem que me faça tantas perguntas sobre esse menino? Conhece-o? Continua vivo?
-Não acredito -disse ela, e não gostou da forma em que Rodney a olhava.
-Esse menino era mais feio que a Spangler e inclusive mais mau. Está escrevendo um livro sobre ele?
-Não -respondeu Bailey-, é obvio que não. -A forma em que se fixava nela agora estava começando a pô-la nervosa, mas de outra maneira.
Rodney a olhou com cenho, como se estivesse tratando de decidir se podia acreditá-la ou não.
-E então, como se entende que queira saber sobre esse menino feio e não sobre nós, uns heróis?
-Eu, er... Eu...
O olhar dele se ia fazendo cada vez mais feroz. A Bailey tinha que ocorrer-se o algo. Respirou fundo.
-Quero abrir uma empresa de engarrafamento de conservas e me hão dito que o anterior proprietário de minha granja estava acostumada envasilhar coisas. Só queria saber algo sobre ele. Nós, bom, eu procurei em Internet, mas não encontrei nada.
Ele a olhava com tal severidade que o pêlo da nuca lhe arrepiou. levantou-se do sofá o mais discretamente que pôde e foi retrocedendo lentamente para a porta principal.
-Isso é tudo. Tinha curiosidade por saber de quem era a granja que comprei e queria saber algo mais sobre o lugar. Está esse grande moral Y...
Os olhos do Rodney se abriram de par em par.
-O moral? -disse lentamente-. Santo céu, tenha piedade !É você essa viúva que está vivendo na granja do velho Gus?
Bailey sentiu alívio.
-Sim! Sou eu. ouvi que se chamava Guthrie, mas pode que você tenha razão e fora Gus. Pobre homem. Sabia você que se enforcou?
Rodney estava sentado no extremo do sofá e Bailey estava a um passo da porta, mas imediatamente seguinte ele tinha agarrada a Bailey pelo pescoço e tratava de estrangulá-la.
-Gus Venters era o diabo feito homem! Um diabo, digo-lhe isso eu, e merecia a morte! Merecia-a!
Empurrou-a contra uma janela ao tempo que Bailey tratava de que suas mãos lhe soltassem o pescoço.
De repente a janela se abriu para fora e Bailey caiu para trás... nos braços de um homem jovem. Ele deu uns passos para trás, cambaleando-se, de uma vez que proferia uma exclamação em surdina. Quando Bailey se recuperou o suficiente para abrir os olhos, encontrou-se com os olhos azuis de um homem que tinha visto em diversas fotografias: Rodney Yates.
"O túnel do tempo? -pensou-. Tenho cansado por uma janela para ir parar aos anos cinqüenta."
Ao segundo seguinte o jovem a pôs sobre seus pés, agarrou-a pela mão e pôs-se a correr.
-Tem as chaves? -gritou-lhe por cima do ombro.
A Bailey levou um momento saber do que lhe estava falando, logo viu seu Toyota ao pé da colina e detrás dela pôde ouvir os gritos do Rodney. Quando chegaram ao veículo ouviu um disparo de escopeta e logo o rugido de um motor.
-Vamos, senhora! -gritou-lhe o jovem enquanto subiam ao carro-. Onde diabos estão as chaves?
Bailey estava ainda aturdida. O que tinha convertido ao velho lascivo do Rodney em um assassino? Doía-lhe tanto a garganta que pensava que não poderia tragar.
-No chão. -As arrumou para sussurrar.
O jovem colocou a cabeça debaixo do estofado e em uns segundos se ergueu com as chaves. Ao girar-se para olhar de onde procedia o ruído daquele motor, ela viu um enorme caminhão negro com umas rodas gigantes que vinha para eles. Não pensou no que fazia, reagiu cegamente. Agarrou as chaves das mãos do jovem e acendeu o motor.
Rodney tinha conduzido seu caminhão negro colina abaixo e agora queria lhes bloquear o passo pelo único caminho que Bailey conhecia para descer da montanha. Quando viu que o caminhão se dirigia para ela, compreendeu que havia uma só maneira de escapar: lançar-se diretamente contra ele. Se
perdia o tempo em girar e procurar outra forma de baixar a montanha, Rodney a enrolaria. assim, pisou no acelerador.
-Não! -gritou o jovem-. Baixa a montanha. por ali! Esse caminho! Sal daqui! Quando está assim de zangado é capaz de matar e as perguntas as fará mais tarde.
Bailey olhou o estreito atalho entre as árvores que lhe indicava o jovem. Teria que deter-se e logo girar para alcançá-lo. Ao Rodney seria muito singelo lhe golpear desde atrás. Assim continuou de frente para o caminhão acelerando cada vez mais. Um dos dois teria que apartar-se.
-Excursão! Excursão! Excursão! -uivava o jovem.
Mas Bailey não girou. Fez-o Rodney. No segundo último deu um volantazo à direita e o caminhão não se chocou com o Toyota pelos cabelos.
-Está louca, sabia? -gritou o jovem.
Bailey freou e colocou a marcha atrás.
-Não. vivi muito tempo com um homem que sabia jogar forte -comentou enquanto lhe lançava uma olhada-. Tem colocado o cinturão?
O jovem o colocou.
-Agora vamos baixar -disse Bailey enquanto Rodney ainda estava manobrando. Sabia que esta vez ele não se apartaria, embora lhe custasse a vida.
"O elemento surpresa se pode utilizar uma só vez -lhe havia dito Jimmie-. Depois é necessário utilizar o cérebro e a habilidade."
-Vale -disse ela-. Agora toca utilizar o cérebro.
-Com quem está falando?
Bailey agarrou um buraco que fez que as cabeças dos dois golpeassem contra o teto.
-Alguém a quem conhecia. Como te chama?
-Alex. E quem te ensinou a conduzir?
-Creio que foi nas Bermuda -comentou. Tinha ido descendo por um prado, mas agora tinha de frente uma cerca, e uma pedra no atalho. Virou com tanta brutalidade que fizeram o giro sobre duas rodas-. Não -disse Bailey-. Foi em Sul da África. No Johannesburgo. -Havia uma velha estrada à esquerda e voltou a girar repentinamente-. Não, não foi ali. Estávamos em... -Diante tinha um arroio com umas rochas bastante grandes. Se uma delas tocava os baixos do carro, podia arrancar-lhe e então se teriam ficado na estacada. Girou à direita, logo à esquerda em metade do arroio e esquivou duas grandes rochas-. Em realidade creio que foi... -disse quando chegou à outra borda.
-Já me contará isso mais tarde -replicou Alex sujeitando-se ao estofado com ambas as mãos e lhe lançando olhados de esguelha.
-Por acaso não conhecerá o caminho até a auto-estrada?
-Pensava que sabia... -começou Alex, mas se deteve-. Vale, diminui. Há uma estrada velha que passa por aqui por algum sítio, mas esteve fora de uso durante anos. É possível que esteja coberta de vegetação. Além disso, penso que despistaste a meu pai faz muito momento.
-Seu pai? - disse Bailey, olhando pelo espelho retrovisor.
-Sim, ele... -Os olhos do Alex se abriram mais quando divisou o caminhão através das árvores-. Já sabe que caminho tomaste, assim que nos vai tender uma emboscada.
De repente, Bailey parou o carro e logo deu marcha atrás.
-O que faz agora? -vociferou Alex.
-vou retroceder o caminho. Se ele for por aí abaixo eu irei por outro caminho.
-Mas é que não pode. cruzaste esse arroio por pura sorte. Não poderá fazê-lo outra vez.
Quando teve o veículo apontando ladeira abaixo o olhou.
-Segue ou te apeia? -perguntou.
Alex respirou fundo.
-Sigo -disse, enquanto se sujeitava.
Bailey pisou a fundo o acelerador e entrou no arroio a toda velocidade. E, pela segunda vez, as arrumou para sortear as rochas.
-Preciso beber algo -disse Alex quando estiveram ao outro lado.
-É muito jovem para beber -soltou Bailey.
-Sou muito jovem para morrer.
Bailey deu um volantazo e entrou na estrada pela que tinha subido a montanha. Quase se relaxou por um momento, mas então apareceu rugindo entre as árvores o grande caminhão negro. Bailey se dirigiu caminho abaixo a oitenta por hora.
-Mas que diabos lhe tem feito? -gritou Alex.
-Não sei. mencionei ao Gus, ao Luke e à árvore das amoras e se tem voltado louco.
Deu um viraje para evitar uma rocha e Alex quase saiu despedido através do pára-brisa.
-está-se aproximando -disse ela enquanto olhava pelo retrovisor.
-Oitocentos metros. Se pode permanecer diante dele durante oitocentos metros o terá conseguido. Não pode conduzir pela auto-estrada. Muitas multas, entre outras coisas. Se aparecer o nariz fora destas montanhas o xerife o encerrará para sempre.
-Há um caminho mais curto para sair daqui?
Como ele não disse nada, lhe lançou um olhar fulminante.
-Onde? -gritou.
-É uma velha estrada impraticável. Não pode ir por aí!
-Onde? -voltou a gritar ela.
Alex assinalou com a mão e ela distinguiu um claro entre as árvores justa diante deles.
-Sujeita lhe! -gritou-lhe, e lançou o carro pela velha estrada.
Alex olhou para trás.
-Por este caminho não nos seguirá. Sabe que não o conseguiria. Sabe... Coño! Está justo detrás de nós.
-Modera sua linguagem! -disse Bailey enquanto o irregular caminho fazia que as cabeças se golpeassem contra o teto.
-vamos morrer em qualquer momento e você se preocupa de que não diga juramentos.
-O Senhor é meu pastor -disse Bailey-. Nada me passará se comigo vai...
Alex se girou para olhar à frente. Antes havia ali uma ponte completa, mas agora a metade estava queda sobre o rio. Um profundo rio de águas rápidas.
-... em verdes pastos. Ele me conduziu junto a águas tranqüilas. Sim, embora eu...
... caminhe através do vale das sombras da morte...
O seguinte som não foram cânticos a não ser gritos ao uníssono quando o carro saiu voando pela ponte e atravessou o rio. Aterrissaram na outra borda, com violência e por um momento ficaram excessivamente aturdidos para compreender que o tinham obtido e que estavam vivos.
Alex foi o primeiro que se recuperou. Olhou para trás e viu seu pai ao outro lado do rio, descendo do caminhão com a escopeta.
Alex olhou a Bailey e esta o olhou a ele.
-... não temerei ao diabo... -salmodiaron juntos, e Bailey pisou no acelerador, mas o carro se deteve. Deu-lhe ao contato mas não arrancou. Alex se inclinou e olhou os indicadores.
-Não fica gasolina.
antes de que Bailey pudesse responder, Alex a empurrou do assento. Rodearam agachados o Toyota e ficaram diante até que ouviram dois disparos.
-Agora! Enquanto carrega -gritou Alex, e saíram correndo.
Não pararam até chegar à auto-estrada.
-Já estamos a salvo -disse Alex-, assim não faz falta que corramos tanto. Por certo, como te chama?
Bailey James -disse ela e lhe tendeu a mão.
Enquanto estavam no borda, com caminhões de dezoito rodas que passavam a grande velocidade, sorriram-se o um ao outro. Logo se puseram-se a rir.
-Não tinha estado mais assustado em toda minha vida -disse Alex.
-Eu tampouco.
-Você? Mas se você estiveste genial. Tranqüila e relaxada. Deve ter conduzido assim toda uma vida.
-Só sou um dona-de-casa -disse ela e isso lhes fez rir de novo-. Possivelmente tenha conduzido um total de duzentos e cinqüenta quilômetros em minha vida.
-Isso o explica tudo -disse Alex-. Ninguém com um pouco de experiência se atreveu a fazer o que fez.
Foram caminhando pelo borda, rendo a gargalhadas, perto de quilômetro e médio, até que passou por ali o senhor Shelby e os levou a casa de Bailey.
18
Quando Matt chegou essa noite a casa, Bailey se tinha ficado dormida em uma poltrona da sala. Tinha uma camisola colocada e o penhoar, o cabelo ainda molhado pela ducha e lhe pareceu que aparentava uns doze anos.
Ultimamente entre eles as coisas não estavam indo da forma em que queria. Tentasse o que tentasse, ela sempre parecia tornar-se atrás. Estava colocada com o Janice e Patsy em algum assunto secreto, e francamente não a culpava. Scott e Rick se riram ao contar como tinham tirado da cabeça a suas algemas suas "tolas idéias" de iniciar um negócio.
-Minha esposa é minha! -havia dito Scott-. Não vou deixar que todo Calburn diga que não posso manter a minha família.
E a meia dúzia de amantes, tivesse querido dizer Matt, mas se conteve.
Rick tinha estado mais suave, mas igualmente inflexível.
-Patsy parece ter esquecido quão cansada estava quando tinha que levantar-se cedo cada manhã para ir trabalhar.
-E quando ia trabalhar cada dia te tocava fazer a metade das tarefas do lar -tinha comentado Matt sem nenhum disfarce sobre o que pensava de seu irmão mais nova.
-Isso não tem nada que ver -respondeu Rick-. Penso que é melhor que Patsy fique em casa com os meninos.
Matt não pôde fazer outra coisa que aceitar e observar como os dois impediam que suas mulheres começassem um negócio. Por outra parte, por respeito ao código de honra entre homens, não podia lhe contar a Bailey o que estava passando. Contudo, ela sabia. E ainda pior, quando Matt lhe pediu ajuda em seus projetos, era consciente de que ia pensar que ele estava fazendo quão mesmo Scott e Rick.
Matt sabia que estava perdendo terreno com Bailey, mas não via a maneira de lhe mostrar que podia confiar nele, que não trairia nenhum de seu segredos nem escavaria nada do que queria fazer com sua vida.
Cruzou a sala sigilosamente e lhe acariciou o cabelo. Desejava conquistá-la, lhe fazer o amor, mas, a julgar pelo que parecia que sentia ultimamente, estava seguro de que o rechaçaria. E não acreditava que seu orgulho pudesse suportá-lo.
inclinou-se e a agarrou em braços.
-Sssh -murmurou quando ela começou a despertar-. Sou eu.
Bailey se amassou em seu peito e voltou a dormir, mas quando a meteu na cama despertou o suficiente para retê-lo pelo braço.
-Hoje tenho feito uma coisa... -disse Bailey.
-Sim? -dispôs-se a sentar-se no lado da cama e lhe aconteceu a mão pelo cabelo que lhe tinha ficado revolto.
-tive um encontro com o Rodney Yates.
Matt deteve a carícia.
-Deveria me haver dito que queria te encontrar com ele e teria ido contigo.
Bailey deu um grande bocejo.
-Mmm, sinto muito. Deveria havê-lo feito. Parece um pouco louco.
-Está-o, e muito. Agora durma. Já me contará amanhã pela manhã.
-Matt? -chamou Bailey quando ele já chegava à porta.
---Sim?
-Trouxe-me para casa a um dos filhos do Rodney. Só por uns dias. Está bem?
-É sua casa -respondeu com tom seco, mas quando ela parecia que ia dizer algo mais, sorriu-lhe---. Claro que está bem. De todas formas, penso que já era hora de que alguém fizesse algo por esses meninos. Possivelmente possamos lhes encontrar lares adotivos. Os dois juntos. É algo que possamos fazer juntos.
-Sim -disse ela com suavidade, fechando os olhos-. Juntos. Nós
A idéia dos três fez sorrir ao Matt de uma vez que fechava a porta do dormitório. Nesse momento pensou que possivelmente, depois de tudo, as coisas pudessem arrumar-se.
Ao dia seguinte Matt despertou para encontrar-se com um pesadelo. Era como se tivesse sido transportado de volta a casa do Patsy. O quarto de banho era uma pocilga. Não ficava nenhuma toalha seca, nenhuma superfície livre de alguma delas. A banheira estava rodeada de um lado de espuma gordurenta de cor cinza. No lavabo havia cabelos e o espelho estava salpicado de nata de barbear.
Ao sair do quarto de banho quase foi parar ao chão ao tropeçar-se com uma caixa em metade do corredor. dispôs-se a investigar, receoso, e se encontrou com que todas suas caixas da mudança, ao menos umas cinqüenta, tinham sido retiradas da habitação que estava vazia e colocadas no despacho do desvão. Agora não podia chegar a seu computador nem à mesa de desenho.
De volta no piso inferior, abriu a porta do dormitório livre e pôde comprovar que em lugar de seus coisas havia só o mobiliário que Bailey tinha colocado em princípio.
pediu-se a si mesmo tranqüilidade. repetiu-se que ela tinha trazido para um dos filhos do Rodney a casa e que não se podia esperar que um menino que tinha crescido daquela maneira limpasse o quarto de banho depois de utilizá-lo. Era provável que o pobre menino não tivesse visto nunca um quarto de banho dentro de sua casa. Mesmo assim, ofendia-lhe que suas posses tivessem sido levadas a outro lugar, como se já não fora a viver ali.
Ao chegar à cozinha, Matt foi direito ao pote em que Bailey guardava o muesli caseiro e o encontrou vazio. dirigiu-se logo ao forno. Não estava lhe esperando a suculenta omelete de outros dias. De fato, quando olhou na geladeira se encontrou com que não havia ovos, nem leite.
Nesse momento apareceu Bailey. Tinha melhor aspecto que nunca. Um fulgor que nunca lhe tinha visto iluminava seus olhos.
-bom dia! -exclamou-. Ontem à noite chegou tarde.
-Sim, eu...
-pus a lavar toda sua roupa -o interrompeu. E acrescentou-: OH, sinto muito. Alex procurava sua camisa, mas eu lhe hei dito... Mas então ouviste o que lhe disse. Está bem? Necessita algo?
Matt lhe lançou um sorriso de menino perdido e indefeso que teria feito fraquejar a muitas mulheres.
-O café da manhã...
-Ah, sim, claro, mas terá que lhe fazer isso você mesmo. Alex e eu temos que sair. Temos que... né... fazer algo.
-Já -disse Matt com um sorriso congelado-. Não encontro os cereais.
Bailey abriu um armarito e tirou uma caixa do Cornflakes.
-De caixa? -disse Matt com tom pesaroso.
-Sinto muito, mas Alex e eu nos comemos todo o muesli que ficava. Pode agarrar uns ovos.
-Não fica nem a gente -respondeu ele fazendo esforços por manter o sorriso.
-Ah, é verdade. Ontem à noite fiz uma omelete para o Alex e para mim.
-Ontem havia aí uma dúzia de ovos.
Bailey se encolheu de ombros.
-Bom, supondo que sim, mas ontem à noite tínhamos tanta fome que nos devemos comer isso todos.
-Como pode comer um menino uma dúzia de... -começou Matt, mas se deteve quando Alexander Yates entrou na cozinha. esperava-se a um menino de nove ou dez anos, mas em seu lugar viu um homem jovem, feito, e seu olhar transmitia que sabia exatamente o que ele estava pensando... e sentindo.
Matt tentou permanecer tranqüilo, mas não pôde.
-O que está fazendo aqui? -soltou-lhe.
-Sou seu cúmplice no delito -disse Alex, e Bailey e ele riram. De fato ela riu tanto que teve que sentar-se no sofá.
-Lembra-te...
-Quando te equilibrou diretamente contra ele pensei que esse era o último minuto de minha vida -disse Alex, rendo e deixando cair junto a Bailey-. E nem sequer sabia que recordava esse salmo.
-Esteve perfeito em cada palavra.
-Não temerei ao diabo... -salmodiaron ao uníssono depois de olhar o um ao outro.
-Ao abrir-se aquela janela pensei que tinha cansado... OH, Alex -disse Bailey de uma vez que lhe tirava do braço. Estava chorando de risada.
Quando Alex levantou a vista e se encontrou com o olhar carrancudo do Matt, fez um pequeno gesto com os ombros como se lhe dissesse: "Que posso fazer? As mulheres me amam."
Bailey se enxugou as lágrimas com a mão e se dirigiu a seu dormitório.
Matt a seguiu.
-Sabe quem é este menino?
Bailey tratava de serenar-se depois das risadas.
-É um dos filhos do Rodney Yates. Disse-lhe isso ontem à noite. Por certo, foi muito amável de sua parte me levar em braços A...
-Não é um menino, é um homem. trouxeste para um desconhecido (não a um menino, a um homem) a sua casa. Inclusive o está alimentando. Não te dá conta de que poderia ser perigoso?
Bailey o olhou com assombro.
-OH meu Deus, sim, tem razão. Tampouco te conhecia e te deixei dormir aqui, verdade? Além disso te preparo a comida e, caray, creio que tem um aspecto mais perigoso que o seu. E agora perdoa, mas tenho coisas que fazer. -E lhe fechou a porta do dormitório nos narizes.
Matt deu uma patada a uma toalha suja atirada no meio do corredor.
19
O mês seguinte passou voando e durante esse tempo Bailey esteve tão ocupada que se esqueceu dos Seis de Ouro. A verdade, estava um pouco farta deles. Alex já lhe tinha perguntado com insistência o que lhe havia dito a seu pai para lhe provocar uma fúria de tal calibre, mas o que Bailey lhe respondia não lhe convencia.
-Só fica assim quando a esposa de volta lhe diz que vai divorciar se -replicou Alex, pensativo-. Assim que me pergunto o que pôde lhe dizer para tirar o de suas casinhas.
Bailey olhou ao Matt ao outro lado da mesa do café da manhã, mas ele guardava silêncio. Teve que admitir que o ciúmes do Matt pelo Alex lhe sentavam muito bem.
Tinha resultado que Alex vivia no Calburn com uma das irmãs do Rodney e que quando se encontraram só levava uns dias na cabana, de visita seus meio-irmãos. Bailey não sabia muito bem como se produziu o traslado do Alex a sua casa, com o Matt e com ela, mas assim tinha sido.
Mais tarde, quando lhe contaram que a irmã do Rodney cuidava de seis netos e que todos viviam em uma casa de duas habitações e um quarto de banho, não culpou ao Alex por aproveitar a situação. De todas formas, estava bem porque a Bailey gostava de sua companhia.
-É um menino agradável -comentou ao Matt-. Trabalha depois de sair do instituto no Wells Creek e guarda todo o dinheiro que ganha para dar-lhe a sua família. Se não fora pelo Alex, não teriam nada.
Matt resmungou uma resposta.
Embora Alex trabalhava e tinha boas notas nos estudos, ainda encontrava tempo para participar do grupo de teatro do instituto.
-Alex é muito natural atuando. Quão único tem que fazer é lê-la cena uma vez e já a tem memorizada. Não precisa ensaiar muito. Poderia aparecer pela primeira vez o dia da representação e o faria perfeito -havia dito o professor a Bailey com tom de admiração.
O dia da representação, Matt foi com Bailey a ver atuar ao Alex. Uma vez acabada a função, ambos retornaram a casa na caminhonete.
-Alex em muito bom ator -disse Bailey-. estive pensando em chamar um homem que conheci para que lhe faça uma prova em Hollywood.
-Que grande ideia! -respondeu Matt enfaticamente-. O que te parece se o chama esta mesma noite? Poderia lhe arrumar ao menino uma prova para amanhã. Eu pagarei o bilhete de avião a Hollywood.
Bailey se pôs-se a rir.
-Sim, sério. Alugarei um vôo privado para ele -acrescentou Matt com seriedade e ela riu com mais ganha.
Carol tinha chegado ao dia seguinte da chamada Telefónica de Bailey, já disposta para ficar a trabalhar. Por estranho que resultasse, ela e Violet se entenderam muito bem e Carol se instalou em sua casa. Aos dois dias de instalar-se havia oito caminhões à porta: carpinteiros, encanadores, eletricistas, pintores, paisagistas, entregas de eletrodomésticos, mobiliário e uma equipe de limpeza. Três dias depois as filhas da Carol, de oito e doze anos, chegaram com sua babá para passar o fim de semana, mas na segunda-feira não partiram. ficaram com sua mãe e ela as matriculou na escola local.
E no conhecimento de que só o trabalho a manteria em seus cabais, Carol escreveu o guia de um anúncio televisivo da empresa de conservas O Moral. Depois pagou o tempo de visualização televisiva durante um jogo de futebol universitário que seria retransmitido para três estados e, uma vez obtidas essas dois coisas, e com o anúncio programado, abordou um frenético projeto de produção que teve ao Patsy vinte horas diárias costurando a máquina. Carol recrutou também a quase todas as pessoas que Bailey lhe tinha apresentado no Calburn para que interpretassem algum papel no anúncio.
Ao princípio da segunda semana Arleen apareceu na casa de Bailey com vinte e oito malas.
-Como me encontraste? -balbuciou Bailey.
-Pode te esconder do resto do mundo, mas nesta cidade todo mundo sabe quem é. E não me olhe dessa maneira. Não sabem quem foi no passado. Venha, querida, onde está a habitação de convidados?
-Tenho três dormitórios e há dois homens vivendo comigo, assim...
-OH. Mas bom! Como há mudado -exclamou Arleen com picardia.
Bailey tinha seis panelas de geléia no fogo e quatro caixas de morangos ainda por limpar, de forma que não tinha tempo para encetar-se com o Arleen.
-Terá que procurar um hotel.
-Não posso, querida. Estou na ruína. Sem branca.
Bailey ia dizer lhe que esse era seu problema quando lhe ocorreu uma idéia genial. Era uma estranha carambola, mas pensou que Janice e Arleen podiam gostar de-se muito. Janice andava sempre tentando elevar-se de seu orígens, assim Arleen podia impressioná-la. Anos atrás Janice tinha conseguido que seu marido comprasse a casa Longacre, a mansão que o avô do Matt tinha construído para mostrar a toda a cidade quão rico era. "A casa que precipitou a quebra de meu avô", havia dito Matt. Scott tinha comprado a ruinosa moradia quase por nada e a tinha remodelado.
-me deixe fazer uma chamada -disse Bailey ao Arleen.
Dez minutos mais tarde aparecia em sua Mercedes uma boquiaberta Janice que se levou consigo ao Arleen, junto com tanto bagagem como puderam meter no carro.
Carol incorporou ao Arleen ao anúncio nada mais chegar, o que fazia quase impossível manter em segredo o que se traziam entre mãos. Mas para então já estavam tão envoltas no negócio que não tinham nem tempo para escutar o que os homens pudessem dizer para as dissuadir. Além disso, a superioridade numérica era um fato. Já eram seis.
Todas passaram várias veladas juntas calculando a quantidade de dinheiro da que poderiam dispor. Patsy contava com a venda de uma ampla garagem e Arleen vendeu a uma boutique do Richmond dois trajes de baile parisinos. Cada uma delas fez tudo o que pôde por contribuir ao fundo comum, e uma vez conseguido prepararam uma oferta, com os corações desbocados, para fazer-se com uma fábrica no Ridgeway. antes de fazer a oferta por escrito, resultou que o agente imobiliário lhes deu a surpreendente noticia de que o proprietário tinha baixado o preço uma terceira parte. Bailey estava segura de que esta oferta tinha algo que ver com um encontro que Violet tinha tido com o proprietário, mas se cuidou muito de pedir detalhes.
Janice estava sumida na organização da contabilidade, a obtenção das permissões e o estudo da normativa para empresas de conservas.
-Sendo uma mulher da aristocracia, Arleen sabe dirigir-se com o dinheiro -disse Janice em tom admirativo-. É melhor que uma calculadora para somar e subtrair mentalmente. E além disso... caramba, o que pode chegar a regatear. Nunca vi nada igual. Obteve que o decorador instalasse cortinas de seda em meu sala de jantar pela metade do que me tinham pressuposto por umas de algodão. E não sei de onde tirou esses tapetes, mas... -Levantou as mãos, cheia de assombro-. E o que chega a lhe dizer a minha sogra terá que ouvi-lo para acreditá-lo. Pensei que a velha bruxa diria ao Scott que Arleen tinha que partir, mas a pajarona o traga tudo. Quanto pior a trata Arleen, mais tenta minha sogra agradá-la.
Patsy estava desfrutando de poder contratar a todas as mulheres que tinham trabalhado para ela anos antes; mulheres às que tinha tido que despedir porque sua empresa fechava. Também estava encantada com a idéia de que agora tinha uma desculpa para lhes deixar a seu marido e filhos a mais velha parte das tarefas de casa.
-Como nos velhos tempos -disse com ar sonhador-, quando tinha um trabalho.
Em uma das reuniões de degustação em casa de Bailey, falaram de realizar um folheto publicitário para entregar em lojas de alimentação e atacadistas, mas nesse terreno eram inexperientes. Nenhuma delas tinha vocação artística nem sabia nada de desenho por computador ou de páginas Web.
-Sabe com quem teria que falar? -disse-lhe uma manhã Alex durante o café da manhã-. Com a Carla.
Bailey teve que pensar onde tinha ouvido antes esse nome.
-A filha do Opal -esclareceu Matt.
-Quer dizer a garota do cabelo de mil cores e vários piercings pelo corpo?
-Vê-o? -comentou Alex-. Só por isso já pode te dar conta de que é uma artista.
-Em realidade... -começou Bailey.
Matt a olhou.
-Se incluir a Carla nisto, sua mãe o descobrirá, e Opal é a mulher mais fofoqueiro do Calburn.
-Não passa nada -afirmou Bailey-. Queríamos mantê-lo em segredo só por vós três. -Disse-o procurando resultar graciosa, mas se surpreendeu quando viu que ao Matt o rubor subia pelo pescoço.
-Não sou seu inimigo -disse. levantou-se e abandonou a mesa.
Ao dia seguinte Alex pediu a Carla no instituto que o acompanhasse à casa. A Bailey divertiu ver como não lhe tirava os olhos de cima a garota. Temia que Carla fora tão esquiva como o tinha sido no salão de beleza de sua mãe, mas não foi. mostrou-se entusiasmada e ofereceu boas idéias, além de parecer sabê-lo tudo sobre abrir páginas Web. Em pouco tempo realizou um bonito folheto, imprimiu-o e logo recrutou ao Alex e aos filhos do Patsy para escrever os envelopes de envio.
-Como o consegue? -perguntou- Bailey ao Matt. ao redor da Carla revoavam três esplêndidos jovens, mas ao parecer não estava interessada em nenhum deles.
-Igual a você -respondeu Matt, encaminhando-se à escada do desvão. Tinha tirado as caixas e agora passava a mais velha parte do tempo ali acima. Com toda essa gente que trabalhava para a empresa de conservas O Moral, enchendo a casa, não havia muito espaço para ele na planta baixa.
Sem saber por que, começaram a receber pedidos inclusive antes de enviar os folhetos por correio.
-Deste-lhes conta de que todos os pedidos os fazem homens? -comentou Patsy-. A maioria dos diretores de empresas têm secretárias, mas nos escrevem eles diretamente.
-foi Violet -disse Carol enquanto fechava um sobre-. Fez algumas chamadas pedindo uns favores.
Bailey ia formular uma pergunta mas Patsy e Janice lhe lançaram um olhar penetrante e ela optou por fechar a boca.
-Vale, então qual vocês gostam mais: a de cerejas ou a de arándanos?
Três dias antes de que o anúncio se emitisse na televisão, o telefone soou às três da manhã e despertou a Bailey.
Era Phillip e chamava de um bar ruidoso; apenas lhe ouvia.
-Bailey, não tenho muito tempo -disse-. Acabou de lhe pagar a um tipo por utilizar seu móvel para que ninguém possa descobrir que te chamei. Tenho que te advertir... embora não sei exatamente do que. Atlanta e Roy estão assustados por algo. Estão liquidando-o tudo e tirando o efetivo fora do país. É possível que digam algo nas notícias.
-Phillip -repôs Bailey -, não quero ser negativa, mas o que tem que ver isso comigo? É seu dinheiro e podem fazer o que quiserem.
-Está segura de que James não recebeu de sua mãe a autorização para casar-se contigo?
-Não podia havê-lo feito. Nem sequer conheceu minha mãe até depois de estar casados. Já sabe que nos escapamos.
-Sim, claro, mas está segura?
-por que o pergunta?
-Porque Atlanta e Ray me estiveram fazendo perguntas sobre ti... Muitas perguntas. Hei-lhes dito que quando se inteirou do testamento eu já estava trabalhando para eles, que te partiu e que não sei onde está.
-Nada disto tem sentido se se excetuar que Atlanta e Ray estão loucos e sempre o estiveram. Meu casamento com o Jimmie não foi legal, além disso em seu testamento não me deixou nada, e Atlanta e Ray são seus únicos parentes vivos.
-São-o?
-O que? Não te ouço.
Não lhe ouviu durante uns momentos, até que o ruído de fundo diminuiu. Bailey pensou que tinha ido a um lugar mais tranqüilo.
--De verdade acreditas que são parentes deles? -ouviu-lhe dizer finalmente.
-claro que sim! Jimmie os odiava. por que ia agüentar os se não eram parentes deles? Ninguém suportaria amigos tão repulsivos como Atlanta e Ray.
-Não estou seguro de nada, mas me pergunto se não saberiam um pouco do James que ele não quisesse que soubessem outros. Sabe o reservado que era com seu passado. O que aconteceria eles tivessem a informação sobre algo terrível? Algo que James fizesse? Além disso, estive pensando em muitas coisas. James não era o tipo de pessoa a que lhe escapam os detalhes. Resulta-me difícil acreditar que não soubesse que tinha dezessete anos quando lhes casaram. E se o tivesse sabido, como é que não lhe pediu autorização a sua mãe?
-Mas não sabia e não pediu nenhuma permissão. Houvesse-me isso dito.
-Você tampouco o disse a ele. Possivelmente estava esperando que fosse você a que o confessasse, mas não o fez, não é assim?
-Não, não o fiz. Se o tivesse feito poderíamos nos haver casado legalmente. Mas já está bem, Phillip, deixa de preocupar-se por mim. Estou bem, muito bem.
-Bailey, escuta... -ouviu-se um assobio-. OH, não, lhe está acabando a bateria. Escuta, Bailey, o que aconteceria existe uma autorização de sua mãe por alguma parte? O que aconteceria James e você lhes tivessem casado legalmente? O que aconteceria Atlanta e Ray não fossem parentes deles? Isso significaria que todos esses milhares de milhões são teus e não deles. E o que passaria se a pessoa que está à corrente de que estavam legalmente casados se apresentasse com essa informação? Possivelmente seja isso o que preocupa agora a Atlanta e Ray.
-Mas o testamento do Jimmie...
-Declara que o dinheiro é para seu irmão e irmã. E se ao tribunal lhe chegasse a informação de que eles não o são... Bailey, inteiraste-te que algo que possa relacionar a Atlanta e Ray com o James?
Bailey não quis lhe contar nada sobre aquela foto que conservava Matt. Não queria meter-se. Era melhor deixar atrás a Atlanta e Ray, e inclusive ao Jimmie.
-OH, Meu deus! -exclamou Phillip-. Bailey, não sabe quão importante é isto. Tem que descobrir tudo o que possa sobre eles. Se pudesse demonstrar que não são parentes diretos, poderia deter esta loucura. E se conhecer alguém que possa saber se estavam legalmente casados...
-Eu não quero esse dinheiro! -replicou Bailey. Podia sentir os flases, escutar aos repórteres lhe perguntar como se sentia sobre nada e sobre tudo.
-Isto não tem que ver só contigo! -vociferou Esses Phillip dois estão fechando e vendendo todos os negócios do James. Milhares de pessoas se verão afetadas pelo que estão fazendo. É que não pode descobrir nada? -ouviu-se outro assobio-. me Prometa que investigará. jura-me isso É muito, muito importante.
-De acordo -respondeu Bailey a contra gosto-. Farei... -deteve-se; a comunicação se interrompeu-. Farei o que possa -acabou a frase e fez uma careta.
Levantou a vista para ouvir um ligeiro golpe de nódulos na porta.
Era Matt.
-Tudo bem? -perguntou-. ouvi o telefone.
-Sim -respondeu Bailey, mas Phillip a tinha transtornado. Ultimamente quase tinha chegado a esquecer que no passado tinha sido a gordinha mulher do James Manville. Havia passado tempo desde que o primeiro que lhe vinha à cabeça era: "o que dizia Jimmie" ou "o que fazia Jimmie". Lhe tinha preocupado que Carol ou Arleen cometessem um deslize, mas elas estavam acostumadas a guardar segredos.
"Acreditas que eu gostaria que saibam que meu marido trabalha para multimilionários?", Havia-lhe dito Carol uma tarde, e pela forma em que o disse Bailey teve que tornar-se a rir. Tinha pronunciado a palavra "multimilionários" como se se tratasse de uma enfermidade contagiosa.
-Não -respondeu ao Matt, sem olhá-lo-. Era um velho amigo que estava de celebração. É seu aniversário.
Matt permaneceu imóvel e ela se deu conta de que sabia que lhe estava mentindo.
-Já -replicou ele com frieza-. Ou possivelmente se equivocaram de número.
Sem lhe dar oportunidade de dizer nada, Matt fechou a porta e Bailey ouviu como se afastava e subia ao desvão. Não voltava para a cama, mas sim se ia acima a trabalhar.
Ela tratou de dormir outra vez, mas a chamada do Phillip a tinha afetado muito. perguntava-se por que não lhe tinha perguntado pela Carol e suas filhas. Era quase seguro que sabia que toda sua família estava com ela na Virginia. Ou não?
Uma hora mais tarde Bailey se levantou, vestiu-se e foi à cozinha. Para quando Alex despertou ela já tinha feito um montão de crepés e quatro molhos diferentes. Matt se sentou à mesa, mas não comeu nem disse quase nada. Nem sequer respondeu quando Alex o cravou:
-É bom que tenha perdido o apetite. Os homens de sua idade engordam com facilidade.
Quando Matt partiu de casa, Alex perguntou:
-O que lhe passa?
-São... coisas de adultos -respondeu Bailey como se Alex tivesse cinco anos.
-Já, coisas de sexo -comentou ele e sorriu-. Tem razão. Com um pai como o meu, eu não tenho nem idéia sobre sexo.
-Não é questão de sexo -replicou ela com sarcasmo-. Não entre o Matt e eu. Isso lhe posso assegurar isso.
-Sim? -repôs Alex enquanto agarrava outro crepé e a preenchia de queijo de ricota e molho de laranja-. E qual é o problema? O velho Matt não pode? Porque não me ocorre outra razão, que não possa.
-Mas do que está falando?
-De desejo sexual, senhorita inocente. Do eterno desejo sexual. Esse que origina guerras. Matt está tão aceso que não pode mais.
-Você está louco, e além disso vais perder o ônibus. Deixa de comer de uma vez e parte !
-Se não me acreditas, te aproxime dele e lhe ponha a mão...
-Fora! te largue! E não trate de ser como seu pai.
Ele agarrou seus livros e antes de sair, enquanto Bailey ouvia frear o ônibus escolar na entrada, disse:
-Sou muito bom para acabar como ele. -E sorriu quando Bailey soltou uma gargalhada.
20
O anúncio teve um grande êxito. Todos se reuniram em casa de Bailey para vê-lo e ela viu que os homens, depois de ter compreendido que as mulheres foram a sério, resignaram-se com amabilidade.
-estive tão excitada com tudo isto que Rick e eu tivemos os melhores encontros sexuais de nossa vida -lhe confiou Patsy-. Quer que abra dois negócios. E o que tem que o Matt e você?
-Três -disse Bailey, e sorriu quando Patsy lançou uma sorriso tola.
Bailey tinha servido a comida no pátio, mas estavam tão nervosas que nenhuma provou bocado enquanto esperavam que aparecesse o anúncio. Bailey se retirou para as observar. Em uma ocasião a Mãe Teresa havia dito que o que mais danifico fazia às pessoas não era a pobreza ou a enfermidade a não ser o sentimento de não ser necessitada. E nesse momento, contemplando a todas as que se agrupavam sob o moral, disse-se que a religiosa tinha razão. Todas as mulheres presentes, incluída ela mesma, tinham experiente uma grande mudança as semanas anteriores e era porque agora sentiam que tinham um objetivo na vida.
A mudança mais espetacular tinha sido o do Arleen. Durante todos os anos que tinha estado revoando ao redor do Jimmie, Bailey não tinha sido capaz de agüentá-la. Era um parasita. Mas tinha resultado de grande valia para elas e nas últimas semanas tinha ganho peso enquanto degustava e voltava a degustar as receitas de Bailey. Desaprovou a metade dos desenhos propostos pela Carla, dizendo que pareciam estar pensados para caminhoneiros.
-Tome cuidado -lhe havia dito Bailey-, aparecem seu orígens.
Mas finalmente, graças ao Arleen, acabaram aceitando uma etiqueta singela que transmitia a idéia de que o produto tinha categoria, era elegante e a sua vez acessível.
Carol tinha exercido uma boa influência sobre o Violet, que tinha emagrecido nove quilogramas. Ultimamente nunca a via fumar néscios.
-É a hora -disse Carol, e todo mundo deu um coice antes de precipitar-se para a porta traseira. Alex e os gêmeos do Patsy ficaram entupidos na porta... com a Carla no centro.
-Deixem de fazer o parvo! -disse Patsy enquanto lhe dava ao filho que tinha a emano na cabeça com um catálogo enrolado.
Os meninos deram um passo atrás e deixaram, entre risadas, que Carla os precedesse.
Bailey se sentou no sofá junto ao Matt e todos contiveram a respiração quando no intermédio do jogo de futebol começaram os anúncios. Sem pensá-lo, Bailey tomou uma mão do Matt e a reteve entre as suas.
No anúncio uma mãe e suas duas filhas (Carol, sua filha mais nova e Carla) estavam sentadas na sala familiar vendo a televisão. A habitação parecia um desastre e as três vestiam com desalinho. De repente aparecia o marido (Alex com bigode postiço) e lhes dizia que o chefe e sua mulher foram dever jantar.
"Sinto muito, carinho -se desculpava Alex-, mas lhe contei o boa cozinheira que é."
Carol dizia que tinha preparado carne assada.
"Mas o que posso servir antes e depois?", lamentava-se.
A câmara enfocava a Carla.
"Já sei, mamãe. O que te parece se utilizarmos essas conservas que comprou?"
A seguinte cena estava filmada dobro velocidade e nela aparecia Carla na cozinha, ajudando a vestir a sua mãe (sua maneira de lhe pôr os pantis era hilariante), enquanto Carol abria potes de conservas O Moral e preparava um maravilhoso prato de aperitivo. A filha mais nova tirava um bolo do congelador e lhe vertia um bote de cerejas confeitadas por cima.
A câmara diminuía a velocidade para mostrar a uma bela Carol, penteada e arrumada (três horas com o Opal, sob a supervisão do Arleen), oferecendo os aperitivos ao chefe de seu marido e a sua mulher (o senhor Shelby e Arleen, que se tinha colocado um traje do Chanel). A última cena mostrava aos dois casais, sentadas à mesa, acabando o bolo.
"obteve a ascensão e a ascensão de salário", dizia o chefe ao Alex.
Uma vez finalizado o anúncio, Patsy apagou a televisão e olhou a todo mundo.
-E bem? -perguntou.
Rick começou a aplaudir e todos lhe imitaram. Matt tirou as garrafas de champanha da geladeira e encheu as taças.
-Pela empresa de conservas O Moral -propôs, e todos brindaram e beberam.
Saíram ao pátio em busca da comida, enquanto comentavam cada um dos aspectos do anúncio. Mas Bailey se atrasou e ficou com o Matt a sós, na cozinha.
-Gostou-te? -perguntou.
-Sim -disse ele em voz baixa-. foi esplêndido. Transmite muito bem sua idéia e além disso é divertido. Não se pode pedir mais.
-Você o que trocaria?
-Nada. Não trocaria nada.
-Matt, ultimamente... Sinto muito. Parece que...
-Está bem. Não me deve nada. -Matt se inclinou e lhe deu um beijo no nariz. Logo agarrou o mando a distância, enquanto Bailey lhe seguia-. Te importa se vir as notícias?
-Quer saber os resultados das partidas, verdade?
Matt sorriu.
-Está começando a me conhecer muito.
-Possivelmente não o suficiente -respondeu ela e olhou aos olhos.
O sorriso do Matt se fez mais quente.
-Outra taça de champanha? Possivelmente logo poderíamos...
-Acurrucamos e ver um filme antigo? -completou Bailey.
-Acurrucamos, seguro -disse ele com um amplo sorriso.
-Partindo duas taças de champanha -disse Bailey voltando para a geladeira.
Quando retornou tinham começado as notícias e o nome "Manville" a fez deter-se atrás do sofá, com uma taça em cada mão.
via-se uma mulher chorando.
"fecharam a fábrica-dizia-. E eu tenho três filhos que manter."
O apresentador do telejornal se voltava para a câmara.
"Esta é só uma das muitas fábricas que Atlanta e Ray Manville fecharam nas últimas semanas."
Quando Bailey pigarreou, Matt se girou para olhá-la, mas tinha os olhos fixos no televisor.
"Os Manville convulsionaram Wall Street ao desfazer-se das ações e vender tudo o que foi o império do multimilionário James Manville."
Aparecia Ray na tela, rodeado de repórteres e gente enfurecida pela perda do trabalho. Estava flanqueado por três guarda-costas e quatro advogados que lhe abriam caminho entre a multidão. Ray se deteve diante um microfone.
"Meu irmão mais nova sabia levar estes negócios, mas nós, minha irmã e eu, não. Somos gente singela de campo, assim vamos vender o tudo e a nos retirar", acrescentava.
"E o que passará com toda essa gente a que deixa sem trabalho?", perguntava o repórter.
"teriam ficado sem trabalho igualmente se tivéssemos quebrado, não?", Soltava-lhe Ray sem olhares.
Enquanto subia a uma limusine que o esperava, a câmara voltava a enfocar ao repórter.
"calcula-se que Atlanta e Ray Manville fizeram efetiva a soma de quatorze mil e milhões de dólares. Onde os vão depositar? Não será em um banco americano, já que da morte acidental por afogamento do Phillip Waterman, advogado do defunto James Manville, ocorrida ontem..."
Foi então quando a Bailey lhe caíram ao chão as taças e ficou em um silêncio gelado com os olhos totalmente abertos e o olhar fixo. Matt se levantou, rodeou o sofá e a levou até o assento. Ele seguiu olhando a televisão, mas observando a Bailey.
"... a liquidação dos negócios se duplicou -continuava o repórter-. Ninguém sabe os motivos que se escondem detrás dessas vendas... e em especial as razões de tantas pressas. Obrigado por sua atenção. Nancy, devolvo-te a conexão."
detrás das cabeças dos dois apresentadores aparecia a foto do James Manville e de sua esposa. O informador se perguntava onde estava agora a viúva.
"Ela poderia ter evitado isto, Chuck? -dizia sua companheira- Teria ocorrido o mesmo se a mulher que viveu com ele dezesseis anos se ficou e tivesse brigado?"
De repente a Bailey todo começou a lhe dar voltas. Matt tomou entre seus braços e a levou pelo corredor até seu dormitório.
-encontra-se bem? -perguntou Carol desde atrás.
-Perfeito -respondeu Matt, tratando de manter a tranqüilidade-. Lhe têm cansado umas taças e está um pouco enjoada. Estaremos com vós dentro de um momento.
-vou limpar o e se necessitarem algo, nos chamem -disse Carol do corredor.
Matt deixou a Bailey na cama e foi ao quarto de banho para umedecer um pano. Logo se sentou a seu lado, no lado da cama, e o colocou na frente.
Bailey tratou de incorporar-se, mas Matt o impediu e voltou a tombá-la.
-te tranqüilize. Não deixe que vejam que está afetada ou lhe farão perguntas.
-Não... não sei do que me fala. Eu...
Matt lhe enxugou o rosto com o pano úmido.
-James Manville é seu Jimmie, verdade? Reconheci-te na foto. Agora tem a cara mais magra e o nariz é diferente, mas foi você. -Fez uma pausa-. Nem te ocorra me mentir. Havia muitas coisas estranhas em ti, como o fato de que não soubesse coisas tão singelas como encarregar algo por catálogo, e entretanto ter dado a volta ao mundo. E além disso... Bom, parecia ter vivido isolada em algum tipo da prisão de luxo O... A verdade é que não encontrava uma explicação convincente. Tudo o que sabia era que tinha um segredo importante.
-E o que pretende fazer agora? -perguntou ela, suspicaz.
-te devolver em troca de um empréstimo.
-Não... Vale, é uma piada, não?
-Uma má piada. É o Phillip que se afogou o mesmo que pagou a limpeza e o acerto deste lugar?
Bailey se cobriu a boca com a mão.
-Phillip. É o marido da Carol. O pai das meninas. Ai, Matt! Ela não sabe nada. Estava zangada porque ele trabalhava todo o tempo... E não creio que ele soubesse que ela está aqui... -disse Bailey e os olhos lhe alagaram em lágrimas.
-Não chore -lhe disse Matt, lhe pondo as mãos nos ombros-. Não deve fazê-lo. De quem era a chamada? Essa que teve em metade da noite.
-Era Phillip -respondeu ela, tragando-as lágrimas-. Me advertia de que... Advertia-me de algo, mas não posso recordar o que.
-Desde que está aqui tem feito um montão de perguntas sobre tudo o mundo. por que?
-Jimmie me tinha pedido... quero dizer, deixou-me uma nota com o testamento. Queria que descobrisse o que havia passado.
-O que havia passado com o que?
-Não sei. Só que... -interrompeu-se para tirar da gaveta da mesinha de noite a caderneta de direções. Entre as páginas estava a nota que Phillip lhe tinha dado.
Matt a leu.
-O que quer dizer isto? Quer que descubra a verdade sobre o que?
-Não sei -respondeu ela com certa impaciência-. Não sei -repetiu e se deixou cair sobre o travesseiro-. O que vou dizer lhe a Carol? Não sei como, mas sei que a culpa da morte do Phillip é minha. Possivelmente se eu tivesse descoberto a verdade... Possivelmente se tivesse escutado ao Phillip...
-Seu único engano foi não confiar em mim. E agora escuta o que quero que faça. Quero que vamos os dois aí fora e aparentemos não ter ouvido essa notícia terrível. Direi ao Violet que mantenha a Carol afastada de todos os meios até que você e eu possamos dizer-lhe Já me ocorrerá algo para nos desfazer de todos eles o antes possível. Depois você e eu vamos sentar nos para ter uma conversação. Está de acordo?
Uma parte de Bailey queria ficar em pé, mas outra queria apoiar a cabeça no acolhedor ombro do Matt e que ele se ocupasse de tudo. Saiu vitoriosa esta parte.
-Obrigado -disse Matt ao ver como se relaxava. Tirou-a das mãos, incorporou-a e lhe alisou o cabelo-. Não está mal -assegurou-. Seu aspecto é o de alguém que acaba de cair.
-Oxalá tivesse sido isso -disse Bailey, recompondo-se.
-E agora me diz -disse isso Matt com tanta sinceridade que ela quase chegou a esboçar um sorriso-. Venha, vamos. O queixo bem alta. Logo nos liberaremos deles.
Passou o que Matt tinha antecipado. Saíram ao pátio e todo mundo os olhou com maliciosa curiosidade. Matt se aproximou do Violet e lhe sussurrou algo, enquanto todos estavam pendentes de Bailey. Como ela não se atrevia a olhar os de frente, sorriram imaginando o que tinham estado fazendo no dormitório. Todo isso possibilitou que captassem a indireta quando Matt bocejou e disse
-Caramba, foi um dia muito comprido.
Todo mundo, à exceção do Alex, disse que tinha que partir. Patsy comentou algo ao Rick, este disse algo a seus filhos e logo eles murmuraram algo ao Alex.
-Ódio os videojuegos -replicou Alex.
Foi então quando Carla se adiantou e lhe deu uma cotovelada nas costelas.
-Né, que demônios...? Ah, sim, creio que eu também vou-disse.
Trinta minutos mais tarde Bailey e Matt se ficaram sózinhos. Lhe trouxe uma taça de chá e a fez sentar no sofá.
-Agora falemos -disse.
A Bailey não levou muito lhe contar a verdade. Que seu marido multimilionário tinha morrido em um acidente e que sua gordinha viúva, a que tinha deixado sem nada, tinha aparecido nos telejornais de todo o planeta. Matt tinha visto a nota e tudo o que Bailey foi capaz de descobrir no tempo que levava no Calburn era que Jimmie, talvez, fora filho do Frank McCallum.
-Então, por todos os diabos, quais são Atlanta e Ray? -perguntou Matt.
Os olhos de Bailey se abriram de par em par.
-Como vou ou seja o? Nesta cidade, paraíso da fofoca, há segredos por toda parte. Se Jimmie for filho do Frank, então supondo que Atlanta e Ray são também filhos deles. -levou-se as mãos à cara-. Todo aconteceu muito rápido. Quando vi sua foto entre as tuas...
-Minha foto? Do que está falando?
-Tem uma foto de Atlanta e Ray na caixa de sapatos.
-Esses dois adolescentes feios? -perguntou Matt entreabrindo os olhos-. E você me mentiu ao me dizer que não sabia quem eram.
-Eu...-começou a balbuciar Bailey, mas Matt fez um gesto com a mão.
-Trarei a caixa -disse, e foi procurar a. Ao cabo de um momento retornou com ela e tirou a foto-. Nunca fiz muito caso a esta foto e muitas vezes pensei que devia atirá-la, mas não o fiz. -Deixou a caixa na mesinha do café-. Agora quero que recorde cada uma das palavras que te disse Phillip quando chamou por telefone.
Bailey teve que admitir que tinha a cabeça tão ocupada com o negócio que não tinha escutado ao Phillip com muita atenção, assim que lhe seria difícil lembrar-se dos detalhes. Mas lhe contou o que recordava.
depois de um momento ele se levantou para preparar outra taça de chá.
-Possivelmente Manville fez que sua mãe assinasse uma permissão, mas nunca te contou que o tinha feito -disse Matt quando voltava com o chá.
-Isso disse Phillip, mas não tem sentido. Eu disse ao Jimmie que cumpriria dezenove o próximo aniversário. Não tinha motivo para pensar que necessitava uma permissão de minha mãe. Eu lhe havia dito... -De repente os olhos de Bailey se abriram como pratos-. OH, Meu deus.
-O que acontece?
-Não, não posso acreditá-lo.
---O que?
-Conheci o Jimmie quando me entregou um prêmio. Eu formava parte... -Por um momento ficou tão conmocionada que não podia falar-. Formava parte da categoria de mais novas de dezoito anos.
Matt se reclinou no sofá.
-Quero que me conte isso tudo sobre o dia que lhes conheceram -disse-. Tudo.
21
-Eu gostaria de saber quem diabos disse que eu ia fazer o -comentou James Manville com sarcasmo, olhando ao homenzinho da medalha no peito.
Jimmie era alto e corpulento, e vestia roupa de couro negro. Seu arbusto de cabelo leonino e o espesso bigode lhe davam uma aparência ainda mais imponente.
-É que era parte do contrato assinado, senhor -disse em tom amável o homenzinho-. A organização da feira garantia um posto para seu carro na...
-De acordo -lhe interrompeu cortante Jimmie-. O que se supõe que tenho que julgar? Acertos florais? -Olhou por cima da cabeça do homenzinho a seus dois empregados, que é obvio lhe riram a graça em silêncio.
O homenzinho não advertia que Jimmie estava brincando.
-Não -disse de uma vez que consultava sua caderneta-. Conserva. Geléias e geléias -corrigiu e levantou a vista para o Jimmie-. Lhe peço desculpas, senhor. lhe pedir a alguém de sua categoria que julgue algo tão nimio como isto é impensável, e é obvio me ocuparei de que quem o tenha feito seja expulso. Ele...
-Onde?
-Quererá você dizer quem.
-Não! -respondeu Jimmie com brutalidade-. Quero dizer o que digo. Onde está a exibição de geléia?
-Está por aqui, senhor -disse e pôs-se a andar com rapidez, tratando de manter o passo do Jimmie e seu entorno.
-Lillian, gostaste-lhe! -disse Sue Ellen.
-Não, não é verdade -respondeu Lillian Bailey, aferrando-se às quatro cintas azuis que tinha ganho-. Só se mostrou educado.
-Está de brincadeira? Quantos juizes beijam na bochecha às ganhadoras?
-por que ia ele...? -começou Lillian, mas não pôde continuar porque a quarta vez que James Manville a tinha beijado na bochecha lhe sussurrou: "Às três junto à noria", e Lillian tinha assentido-. Tenho que partir -disse. E saiu correndo para a pista principal, onde sabia que estariam sua mãe e sua irmã.
Dores ia cantar justo depois das primeiras carreiras de carros. Lillian pensou que era precisamente a carreira em que ele participava e lhe assaltaram os calafrios. A sua mãe e irmã lhes tinham atribuído um pequeno barraco na parte posterior da pista. Estava aberta pela parte de diante e era de lona pelos outros três lados. Ao fundo tinham colocado um compensado de madeira sobre uns cavaletes e Dolores estava sentada diante de um espelho, retocando-as pestanas. Tinha colocado todo seu conjunto de garota vaqueira, aquelas com tantas franjas.
-Vá, por fim -disse Freida Bailey quando viu sua segunda filha. Não fique aí parada, ajuda em algo. Olhe o que pode fazer com o cabelo de sua irmã.
Lillian agarrou a escova e começou a passá-lo pelo cabelo de sua irmã.
-Tome cuidado! -exclamou Dolores-. Se me segue dando essas sacudidas vou deixar me rimel por toda a cara.
-Perdoa -disse Lillian e conteve o fôlego. Como ia dizer lhes que James Manville, o muito mesmo James Manville, tinha-lhe pedido uma entrevista? Sacudiriam-na e chiariam de contente como faziam sua mãe e Dolores quando esta ganhava um concurso?-. ganhei -anúncio.
Freida rebuscava dentro da grande mala que levavam de espetáculo em espetáculo.
-Não posso encontrar a pistolita -comentou.
---Está por aí, em algum sítio -replicou Dolores-. Continua procurando-a. .
---ganhei -repetiu Lillian em voz mais alta, de uma vez que lhe entupia a escova no cabelo da Dolores. Sua irmã gritou de dor,
---De verdade, Lillian? -disse Freida-. É maravilhoso que tenha ganho outra cinta azul. Suas geléias ganham sempre. Poderia ser útil e dar uma mão? Sua irmã vai subir ao cenário dentro de dez minutos e se murmura que James Manville estará entre o público. Não está casado.----Depois dessa declaração, olhou a sua filha mais velha e ambas riram.
de repente, Lillian não pôde suportar seguir ali.
---OH! Me tinha esquecido. Tenho que... -Lillian não podia encontrar uma mentira rápida, assim não o tentou e saiu correndo. Quando ouviu gritar a sua mãe continuou correndo. Ainda faltavam horas para encontrar-se com "ele" e necessitava tempo de solidão para desfrutá-lo de antemão.
---Não posso acreditá-lo -disse Matt-. Você tinha dezessete anos e quantos tinha Manville?
-Vinte e seis.
-E supondo que te encontrou com ele junto à noria.
-Sim -disse Bailey e fechou os olhos ao evocá-lo.
Quando isolava aquilo de tudo o que lhe havia passado após e pensava só naquele dia maravilhoso, era o mais bonito que lhe tinha ocorrido na vida.
-Sim, encontrei-me com ele e foi um dia glorioso. Jimmie era como um menino. 0 como se nunca o tivesse sido. Demos passeios e me levou a ver seu carro de carreiras. Então era tão conhecido por sua condução temerária como pelo dinheiro que tinha ganho. Abriram o circuito de carreiras só para ele e me levo a dar um par de voltas pela pista. Inclusive me deixou conduzir. Inclusive me deixou conduzir.
---Você fazia saber que gostava de -disse Matt em voz baixa,
---Sim. Fez-me rir e goste, antiquada como era. Gostava do que dizia e o que fazia. Gostava de meu aspecto e, se se considerar que estava gorda e que tinha um nariz do tamanho de...
Matt lhe pôs um dedo sobre os lábios.
---Manville viu em ti o que realmente é. Olhou em seu interior e o passou.
---Sim ---disse Bailey-. Às vezes penso que a aprovação pode ser o afrodisíaco mais capitalista do mundo.
-Isso passa quando escasseou em sua vida -comentou Matt com suavidade enquanto a acariciava.
-De acordo -disse ela-. Mas não era só em mim. Também eu senti que havia um pouco necessitado nele. Se tivesse sido mais velha, teria sido mais cínica. Tivesse pensado que era um velho verde em busca da virgindade de uma jovenzinha. Porque já me tinha encontrado antes com um homem mais velha e tinha sido horripilante. Jimmie me fez sentir maravilhosamente. E apesar de nossa diferença de idade não sentia que fôssemos muito distintos. -deteve-se e olhou ao longe por um momento-. Possivelmente porque quando o conheci eu já era uma mulher, ou ao menos assim me via, e ele era um homem ao que parecia lhe haver faltado a infância.
-Quanto tempo passou com ele esse dia?
-Horas. Toda a tarde e o entardecer.
-A sua mãe não preocupou que sua filha adolescente estivesse por aí só todo esse tempo?
-Não acredito -disse Bailey-. Dolores e ela estavam muito ocupadas.
-É quase seguro que alguém deveu lhe dizer que sua filha e o infame James Manville andavam juntos.
-Não conhecíamos ninguém aí. Era em Illinois e nós vivíamos em Kentucky.
-Já -assentiu Matt-. Continua. O que ocorreu depois?
-Isso é tudo. Jimmie e eu estávamos subindo pela montanha russa quando disse: "Você não quereria te casar comigo, verdade?", e eu gritei "Sííí" ao longo de toda a baixada.
Bailey se levantou do sofá e se aproximou da chaminé. As lembranças a estavam pondo triste. No que se haviam equivocado Jimmie e ela? Quando tinha começado o mau?
-Ao chegar ao final da montanha russa me agarrou da mão e começou a atirar de mim. "Onde está sua mãe?", Perguntou-me. E foi então quando tive pânico. Sabia que se pedíamos a minha mãe permissão para nos casar, não nos casaríamos. Era muito provável que ela ou minha irmã o fizessem desistir. Ou possivelmente uma das duas me roubasse isso, já que ambas eram preciosas. No melhor dos casos, sabia que levaria meses projetar as bodas e não podia imaginar ao Jimmie suportando todo o agitação conseguinte. Pude vê-lo tudo em um instante. E, antes de que o pergunte, direi-te que não, não queria perder minha única oportunidade com um homem como James Manville, e podia perdê-la se lhe dizia que tinha dezessete anos. E como depois aconteceria muito freqüentemente, Jimmie compreendeu minha vacilação.
Bailey respirou fundo e continuou:
-"Está segura?", Perguntou Jimmie. "Sim, estou-o", disse-lhe eu. "Não tem dúvidas?", Insistiu. "Nenhuma." "Cuidarei de ti", disse-me. "Já sei que o fará", respondi eu. Logo coloquei minha mão entre as suas e o segui ao carro. Três horas mais tarde estávamos casados. E não voltei a ver minha mãe nem a minha irmã até passados três meses. Para então tinham tido tempo de fazer-se à idéia de que me tinha casado com o James Manville.
Matt sorriu com um ligeiro gesto de cinismo.
-Então lhe receberam no lar com os braços abertos, verdade?
-Com as bolsas abertas se ajusta mais à realidade.
-Não sou advogado, mas para que fora legal, creio que Manville deveria ter pedido o consentimento de sua mãe antes das bodas. Existiu tal possibilidade? É possível que o fizesse? Há alguma pista de que alguma delas soubesse que foste casar te com o Manville antes da cerimônia?
Bailey tratou de recordar os detalhes da primeira visita.
-Jimmie me disse que tinha que arrumar as coisas com minha família, assim voltamos para Kentucky. Possivelmente outra mulher se houvesse sentido triunfante, mas eu estava envergonhada. Sentia que tinha cometido uma falta ao escapar para as bodas. E desejava sua aprovação com toda minha alma.
-Faz memória -disse Matt-. Trata de recordar tudo o que se disse esse dia.
Bailey fechou os olhos e tratou de concentrar-se.
-Lembrança que havia um montão de coisas novas na casa, inclusive móveis, e tinham instalado uma lava-louça. Também se tinham feito algumas reparações. Creio recordar que o telhado parecia novo. Nunca falei do tema, mas soube que tinham recebido dinheiro do Jimmie, embora também é verdade que era muito generoso.
-E como se comportaram sua mãe e sua irmã contigo?
Bailey tragou saliva. Algumas feridas não cicatrizam nunca.
-Frite e distantes, como desconhecidas. Eu queria que elas me abraçassem fortemente e me dissessem quão felizes eram. Mas em troca...
Bailey se girou e ao cabo de uns momentos voltou a olhar ao Matt.
-Eu não gosto de todo este pinçar no passado. É desagradável Y... faz mal.
-Lembra-te dessa mulher que saiu na televisão chorando por ter perdido o trabalho e ter três filhos que manter? -disse Matt em tom suave-. Ela e bastante gente mais está sofrendo muito.
Bailey voltou a fechar os olhos.
-Era como se não se lembrassem de mim, como se nunca tivesse sido parte de suas vidas; eu era uma desconhecida para elas. Em vez de me dar uma Coca-cola, como tomavam elas, minha mãe me serve uma taça de chá e me perguntou se queria um ou dois torrões de açúcar. Eu nunca tinha bebido chá em minha casa nem ouvido falar de torrões de açúcar. Era tudo muito estranho...
-Disse algo alguma delas?
-Não muito. Não recordo mais que bate-papo. Sobre o mau tempo e coisas assim. Jimmie esteve sentado em um sofá, divertido em algumas ocasione e às vezes tão aborrecido que parecia que ia ficar dormido. Eu tinha tantos desejos de que fora divertido para todo mundo... Queria que minha mãe lhe mostrasse as fotos de quando eu era pequena e lhe falasse de mim quando era bebê. Em certo momento minha mãe me chamou senhora Manville. "Graças a ti", acrescentou minha irmã, mas minha mãe lhe lançou um olhar para fazê-la calar. Aquele olhar me trouxe más lembranças... A relação entre elas sim que me era familiar. Era...
-Retroceder à vida anterior -completou Matt-. O que queria dizer sua irmã com "graças a ti"?
Bailey se encolheu de ombros.
-Não sei. Algo relativo à família, supondo. Eu não era parte da família.
-Volta a me contar o que disse sua mãe.
-Disse: "Quer mais chá, senhora Manville?" Então minha irmã disse: "Graças a ti."
-Sua irmã se dirigia a ti ou a sua mãe?
-Pensei que me dizia isso , mas eu estava olhando ao Jimmie Y... -deteve-se e abriu os olhos de par em par-. Acreditas que minha irmã estava dizendo que eu era a senhora Manville graças a minha mãe?
-Possivelmente. Pensa. Quando pôde Manville obter a permissão de sua mãe?
-Não poderia havê-lo feito. Da montanha russa fomos a um pastor que nos esperava. Não teve tempo de... -deteve-se e olhou ao Matt.
-Que esperava? Um pastor que estava esperando. Ele sabia que foi mais nova de idade porque tinha ganho um prêmio na categoria de mais novas de dezoito anos. Já deveu pensar em casar-se contigo quando te fez entrega das cintas azuis. Quando te reuniu com ele já devia havê-lo arrumado tudo. Desde não ser assim, sua mãe tivesse ido te buscar. Não posso imaginar que na festa de uma cidade pequena não houvesse fofocas sobre uma celebridade com uma adolescente. Alguma alma caridosa teria completo a tarefa de localizar a sua mãe e contar-lhe -Entonces ¿piensas que consiguió el permiso de mi madre?
-Preparou as bodas por antecipado -sussurrou Bailey.
-Era o tipo de homem que toma uma decisão e logo está tão seguro da aceitação que vai adiante com os preparativos?
-OH, sim. Isso é exatamente o que Jimmie fazia sempre. Para ele era um estilo de vida. Dizia que quase todas as pessoas são tolas e indecisas e que inclusive embora dedicassem anos a compreender o que para ele estava claro, mesmo assim não trocariam. assim, por isso tinha os contratos preparados antes de começar as reuniões. No mesmo momento em que o outro aceitava, lhe apresentava os documentos, por medo de que se retratasse.
-Creio que te viu, qui-te e, como sabia que foi mais nova de idade, dispôs o necessário para te conseguir.
-Então pensa que conseguiu a permissão de minha mãe?
-Sim. Há algo mais: creio que a Atlanta e Ray lhes hão dito recentemente que esse documento existe, e sabem que se aparecer o perderão tudo. Por essa razão o estão liquidando tudo, para tirar do país a mais velha quantidade de efetivo possível.
-Mas onde está esse documento? -perguntou Bailey-. Onde está o papel da autorização? Não apareceu quando os advogados revisaram os documentos do Jimmie.
-Há alguém que sabe.
-Quem?
-Sua irmã. Supondo que o tem ela ou sabe onde está.
Bailey esboçou um sorriso.
-É agudo. assim, chamo-a e o pergunto diretamente? Estou segura de que adoraria contar me ironizou-. Falei isso com ela faz... vejamos, faz três anos. Gritou-me que tinha arruinado sua vida, que por minha culpa seu primeiro marido se divorciou dela. Nunca soube se Jimmie tinha arrumado as coisas para que seu marido recebesse uma oferta de trabalho no Oriente Médio, e a verdade é que tampouco quis sabê-lo. Mas Dolores estava segura de que tinha sido assim. O fato de que Jimmie lhes passasse uma renda vitalícia a ela e sua filha, que lhes comprasse uma mansão em uma zona exclusiva da Florida e que continuasse mantendo-a depois de seu segundo e terceiro matrimônio não parecia significar nada para ela. Desde seu ponto de vista eu lhe tinha feito a vida desgraçada. -Bailey respirou fundo para acalmar-se.
-Vale, é possível que não possa perguntar-lhe mas tem que haver alguém a quem sim possa, alguém que seja capaz de lhe surrupiar a informação.
-Não sei a quem.
-nos ponhamos a pensar nisso -disse Matt.
Mas por muito que o tentaram, não chegaram a uma solução.
depois de um momento ele consultou a hora e se levantou. Bailey soube no que pensava, como se pudesse lhe ler o pensamento. Tinham-no atrasado muito. Tinham que lhe dizer a Carol que seu marido tinha morrido.
22
Matt não ia permitir que Bailey fora só a casa do Violet. Conduziu o carro até ali e disse que a esperaria o tempo que fora necessário.
Quando Violet os viu chegar chamou as filhas da Carol e as levou a pátio de atrás. Matt deu a Bailey um apertão no ombro para lhe transmitir confiança e a deixou a sós com a Carol.
Passaram duas horas antes de que Bailey saísse da casa para o pátio traseiro, onde Matt jogava com as meninas e Violet os olhava desde sua cadeira de balanço.
-Como vai? -perguntou Matt.
-Melhor do que cabia esperar. Carol me contou que deixou ao Phillip e nem sequer lhe disse aonde ia. Queria comovê-lo-o suficiente para que deixasse de trabalhar para Atlanta e Ray, mas o dinheiro que lhe pagavam era muito. -Levantou a vista para o Matt-. Sabe uma coisa? Creio que Phillip não era sincero com a Carol. Creio que havia alguma outra razão para que não deixasse a Atlanta e Ray. Jimmie me contou em uma ocasião que seu advogado tinha um montão de dinheiro economizado e entretanto nunca me pareceu que lhe importasse o tema econômico. Phillip me falou de que o que gostava de trabalhar para o Jimmie era que nunca se aborrecia.
-E agora o que? -perguntou Matt, dirigindo o olhar para a casa.
Bailey olhou às filhas da Carol, que jogavam no balanço. Violet lhes dava impulso e elas gritavam que queriam mais alto e mais alto. Embora a mais velha já tinha doze anos, ainda era uma menina.
-Carol tem que lhe dizer a suas filhas que seu pai morreu. Tem que...
Quando Bailey rompeu a chorar, Matt a atraiu a seus braços e fez um gesto ao Violet de que se foram. No caminho não abriram a boca.
Uma vez em casa, Matt a tratou como se fora uma inválida. Sentou-a no sofá, envolveu-a em uma manta e logo lhe preparou uns ovos mexidos com manteiga.
-Há passado maus tempos -disse com ternura enquanto se sentava a seu lado.
-Sabe? -disse ela, deixando o prato vazio na mesinha de café-. Perdi a meu marido e, por culpa do dinheiro, não me permitiu velá-lo. ouviste o que hão dito de mim no telejornal? Que o que estão fazendo Atlanta e Ray deve ser minha culpa. Pouco depois da morte do Jimmie falaram de que eu era uma dominadora. Vi programas nos que intervieram terapeutas que falavam de "mulheres que manipulavam". E agora...
Matt sorria.
-O que te resulta tão divertido?
-Você -disse ele-. Quando te vi pela primeira vez dava a impressão de que todo te assustava tremendamente, mas te olhe agora. Está preparada para lhe plantar cara ao mundo inteiro.
-Possivelmente... -começou ela, mas se deteve-. Tem algo no queixo.
Matt se passou a mão.
-Tirei-me isso?
-Não. Vêem aqui, me deixe -disse. E, quando Matt se inclinou, agarrou-lhe pelo pescoço da camisa e atraiu seus lábios para os dela.
Havia algo nessa cercania da morte que fazia que aumentassem suas vontades de viver. Carol tinha chorado e dito quão mesmo Bailey pensou depois da morte do Jimmie, que nunca poderia voltar a lhe falar nem a rir com ele.
Bailey tivesse querido lhe expressar que ao menos tinha amigos que chorariam com ela. Ela não tinha podido dar-se esse luxo depois da morte do Jimmie. Justamente o contrário: tinham-na etiquetado como uma pessoa horrível que tinha provocado que seu marido a deserdasse.
Matt voltou a beijá-la, mas se retirou e a olhou aos olhos.
-Não sou um homem fácil -disse com doçura-. Eu jogo a sério.
Ela o olhou com intensidade.
-Não vou a nenhum sítio.
Matt sorriu, tomou em braços e a levou a dormitório, onde a depositou na cama. Mas quando se dispunha a abandonar a habitação, Bailey lhe reteve por um braço.
-Onde vai? -disse.
-A procurar um pouco de amparo -respondeu ele com os olhos acesos.
Bailey não lhe soltou. Não disse nada, mas levantou a vista para ele e em seus olhos podia ver-se a petição de que não se fora.
-Está segura? -perguntou Matt com voz rouca.
-Sim -sussurrou ela.
Ele sorriu de tal forma que a Bailey pareceu ver lágrimas em seus olhos.
Sem saber como, ao cabo de um momento ele estava sobre ela. O desejo contido durante semanas lhes fez lançar-se um sobre o outro. As roupas saíram voando pela habitação. Era um momento feliz, contente, com o que ambos queriam exorcizar as terríveis horas passadas.
Bailey desejava esquecer as muitas semanas de solidão. O que precisava era a alegria de sentir um corpo junto ao dele.
-Que belo é -murmurou quando o viu nu, e o beijou no ombro.
-Seriamente? Eu pensava que aquela pantomima com a água sobre o peito te tinha espantado.
Bailey emitiu uma risada profunda enquanto suas mãos percorriam a pele, sentiam os músculos, os quadris do Matt... meu deus, que delícia sentir o peso de um homem sobre ela!
-Amo-te, isso sabe, verdade? -disse Matt ao ouvido, justo antes de lhe sugar um lóbulo da orelha.
Tudo o que pôde fazer Bailey foi assentir, porque quando ele a penetrou todos os pensamentos se diluíram. sentia-se um ser especial no autêntico centro da vida.
Matt a investiu tanto que ela acabou dando contra a cabeceira, mas logo, sem saber como, ficou pendurando do lado da cama, com a cabeça no ar. Matt continuou investindo-a, ambos cegados pelo desejo.
Quando ele ejaculou, Bailey gritou e seu corpo se afrouxou tanto que se Matt não a tivesse sujeito tivesse cansado ao chão. Atirou dela para a cama com um braço e a agasalhou com seu corpo para jazer logo empapados de suor.
depois de um momento Bailey sentiu que Matt se esticava e se deu conta de que queria lhe dizer algo importante.
-Sabe, verdade, que poderia ter ficado...? -Matt não acabou a frase.
-Grávida? -disse ela e ele assentiu sorrindo.
Ela se elevou sobre um cotovelo para olhá-lo. Às vinte e quatro horas de conhecer o Jimmie estava casada com ele, mas tinha tido que conhecer muito ao Matt antes de ir-se à cama com ele. Já sabia o amável e doce que era. Sabia que o orgulho era sua perdição e em muitas ocasiões podia ver esse menino tão ávido de tudo o que lhe tinha faltado na vida.
-Não -disse-. Não pode ser.
--Já -disse Matt com expressão abatida-. Utiliza algum método, não?
Ela se apartou o cabelo negro da frente suada.
-A única forma de concepção é o sexo oral, se por acaso não sabia.
-Ah, sim? -disse Matt com os olhos brilhantes-. É certo isso?
-Sim. Meu melhor amiga do instituto me disse isso. Contou-me que enquanto um homem e uma mulher não pusessem a boca na "coisa" do outro, ela nunca poderia ficar grávida.
-Vá. Então será melhor que não o provemos.
-Certamente que não se estivermos assim de sujos.
-Tem razão -disse Matt e a seguir se aplaudiu a frente-. Sabe o que me esqueceu? O encanador... Lembra-te dele?
-Como ia esquecer me. Foi quem deu de presente o cortador de cebolas em forma de flor.
Matt riu.
-Disse-me que comprovasse se a banheira de seu quarto de banho funcionava bem e nunca o fiz.
-Isso é terrível por sua parte! Realmente espantoso. Que classe de amigo é?
-O pior -disse ele e lhe percorreu o ombro nu com sua boca-. Como posso remediá-lo?
-Comprovando-o agora?
-Mmmm -sussurrou ele e a beijou no pescoço-. Mas será melhor que esteja comigo para te assegurar que o comprovo bem.
-Com uma condição.
-Qual?
-Nada de sexo oral. Algo exceto sexo oral.
-Palavra de boy scout -disse ele, para logo levantar a em braços e levá-la à banheira.
-Matt, alguma vez em sua vida foste boy scout.
Ele não respondeu e pôs-se a rir.
23
Quando à manhã seguinte Bailey foi à cozinha, Alex já estava ali e tinha a mesa cheia de comida. Ela se surpreendeu. Havia cilindros de canela esquentados no forno, tortitas, ovos duros e pequenas salsichas.
-Pensava que ao Matt e vocês gostariam de repor forças esta manhã -disse Alex com um tom que fez ruborizar a Bailey. girou-se e olhou a bule-. O passaram bem ontem à noite?
-Modera sua linguagem. A que hora chegou ontem à noite? -disse Matt da porta.
-Às dez -respondeu Alex.
-Eram as duas da manhã -replicou Matt-. Se for viver baixo este teto, jovencito, deverá cumprir algumas normatiza.
-Já tenho um pai -disse Alex, e o olhou airadamente.
Bailey se colocou entre ambos.
-Têm os dois e cinco anos. Onde esteve ontem à noite, Alex?
-Com a Carol. -E como ambos o olharam com assombro, encolheu-se de ombros-. Gosto às mulheres mais velhas. Confiam em mim. me dêem uma senhora e quererá despir sua alma diante mim. E em ocasiões outras partes. Mas Carol não... Pobrecilla.
-Como vai? -perguntou Bailey.
-Bem, mas bastante zangada com seu marido. Lamenta não ter feito as pazes antes de que morrera.
Matt tomou assento à mesa e Bailey foi ficar água quente em sua taça, mas então, enquanto olhava o moral da janela, comoveu-se diante o que Alex havia dito. Ele tinha querido ser impertinente, mas... girou-se para o Matt e viu que ele a olhava com o mesmo pensamento. Por um momento ficaram com o olhar fixo e os olhos totalmente abertos.
-Perdi-me algo? -comentou Alex.
-Creio que temos um trabalho para ti -disse Matt.
-Um trabalho de interpretação.
--Fazendo o que? -perguntou Alex, suspicaz.
-Necessitamos alguém que ganhe a uma mulher de... -Matt olhou a Bailey-. Quantos anos tem sua irmã?
-Quarenta e um.
-Tantos mais que você?
Bailey assentiu e Matt se girou para o Alex.
-Necessitamos alguém que sintonize com uma mulher de quarenta e um anos e averigúe se existir certo documento e, se for assim, onde está.
Alex percorreu aos dois com o olhar.
-Necessitarei algo mais de informação -disse.
Matt olhou a Bailey. Ao cabo de uns segundos de vacilação ela assentiu. Matt começou a lhe contar ao menino o que precisava saber. É obvio, nas reportagens ele tinha visto Bailey do braço de seu famoso marido. Quando chegou à parte em que entrava Dolores, Matt se girou para Bailey.
-Se sua irmã tiver agora quarenta e um, quer dizer que quando tinha dezessete ela tinha vinte e seis.
-Sim -assentiu Bailey sem saber aonde queria chegar.
-E não me disse que era preciosa?
-Sim. Parecia uma rainha da beleza. De fato ganhou alguns concursos.
Matt esboçou um sorriso.
-assim, me deixe ver se o captei bem. Dores tinha vinte e seis anos, era preciosa e estava solteira.
Alex olhou a Bailey.
-E você tinha dezessete, foi gorda e tinha um nariz tão grande para proteger da chuva a um bando de patos.
-O que tem que ver todo isso? -disse Bailey entrecerrando os olhos para olhar a ambos com receio.
Matt e Alex se lançaram um sorriso e este assentiu com a cabeça como lhe cedendo a palavra a aquele.
-Mas apesar das diferenças entre vocês, foi você a que caçou ao homem que sonhavam a metade das norte-americanas. Não é assim? -disse Matt.
-Nunca me ocorreu olhá-lo desde esse ponto de vista -disse Bailey-, mas supondo que têm razão. Assim foi.
-Pois sua irmã se vingou de ti te negando uma informação que podia te proporcionar milhares de milhões -concluiu Matt arqueando as sobrancelhas.
-Não posso acreditar que não te estrangulasse -ironizou Alex enquanto atacava seu terceiro pão-doce de canela-. Uma morte lenta, dolorosamente lenta.
-Santo céu -disse Bailey, compreendendo-o-a verdade é que vivi o conto de Cinzenta, com irmana bruxa e tudo.
Matt e Alex riram.
-Bem, acreditas que poderá averiguar o que acontece esse documento? -disse Matt.
-claro que sim. É coisa feita. Mas necessitarei uma moto e roupa de couro. Às cuarentonas gosta das motos e se voltam loucas pelo couro. Pode pagar, tio?
Bailey se deu a volta para olhar pela janela da cozinha enquanto Alex e Matt discutiam os pormenores.
"O lar", pensou. Estava em casa.
24
Bailey não assistiu ao funeral do Phillip por medo a ser reconhecida, mas foram Violet e Arleen. Ela e Matt se acomodaram no sofá abraçados e viram a CNN todo o tempo que puderam.
A cobertura do funeral foi escassa e quase quão único disseram foi que a viúva do James Manville "não saiu que seu esconderijo para assistir ao enterro de um homem que foi seu amigo durante mais da metade de sua vida".
-Outro golpe mais -resmungou Bailey-. Faça o que faça sempre está mau.
Matt não disse uma palavra. Estava de acordo com ela, mas sabia que mostrar seu aborrecimento não aliviaria a situação.
Atlanta e Ray sim assistiram e em uma tomada Atlanta apareceu enxugando-as lágrimas com um lenço.
"Não posso acreditar que haja passado isto -disse a um jornalista-. Era nosso amigo além de nosso advogado."
A cobertura se complementava com um vídeo de fundo no que apareciam cenas da vida do James Manville.
-Custa-me acreditar que Manville e esses dois fossem irmãos ---comentou Matt-. Não se parecem em nada. E nenhum deles se parece com o Frank McCallum. Está segura de que eram parentes?
-Isso também me perguntou isso Phillip -disse Bailey enquanto olhava a tela. Ao cabo de um momento sentiu que Matt estava olhando-a. Quando se girou ele parecia zangado-. O que ocorre?
-Phillip não acreditava que Manville e esses dois fossem irmãos? Quando o disse? Durante a última chamada que te fez? Aquela que te pedi que repetisse palavra por palavra? Essa chamada?
Bailey esboçou um débil sorriso.
-Pois sim. Me esqueceu te mencionar que ele duvidava que Atlanta e Ray fossem irmãos do Jimmie?
-Não, não se esqueceu -repôs Matt com suavidade-. Que mais "esqueceu" me contar?
Bailey respirou fundo.
-Contei-te que encontrei uma foto do Jimmie com o homem que se enforcou no estábulo?
-Um, dois, três... -começou a contar Matt de uma vez que a olhava com os olhos cerrados-. Será melhor que essa foto esteja em minhas mãos antes de que chegue a dez.
-Ou o que? -replicou ela desafiante.
-Ou não haverá mais sexo oral.
Bailey saltou do sofá e estava de retorno com a foto antes de que ele tivesse chegado a nove. Mas não a tendeu.
-Verá, antes de que a veja tenho que te contar algo. Quando conheci o Jimmie (em realidade, quando todo mundo conheceu o Jimmie) tinham-lhe feito umas reparações cirúrgicas. Bom, creio que foi um trabalho importante.
-Que classe de... -começou a dizer Matt, mas se deteve e estendeu a mão para agarrar a foto.
Bailey a deu com lentidão.
-Já vejo -assentiu Matt, depois de estudar a foto-. E está segura de que este menino é o homem com quem te casou?
-Sim. Quando vive com alguém tanto tempo e lhe conhece tão intimamente... -deteve-se porque Matt a olhava de uma maneira que não deixava lugar a dúvidas de que não queria ouvir nada sobre intimidades com outro homem.
-Onde conseguiu esta foto?
-Estava procurando o "chinês". Já sabe, esse coador cónico que pôs na parte superior da despensa. Tinha-o colocado tão alto que tive que subir pelas prateleiras para agarrá-lo. E então vi a esquina desta foto saindo entre as pranchas.
-A única habitação desta casa que não foi desmontada e reparada é a despensa -disse ele, pensativo-. Espera aqui enquanto vou procurar a alavanca.
-Não! Não o faça -disse Bailey, assustada-. Essa habitação é a única que me resultou agradável desde o começo. Não quero que a destrua.
-Te ocorreu que a morte do Phillip Waterman provavelmente não foi acidental? Que é possível que descobrisse algo que lhe custasse a vida? E como te advertia dias antes de morrer, que se esses dois bodes conseguissem descobrir seu paradeiro possivelmente seria a seguinte da lista em ter um "acidente"?
-Não -disse Bailey, tragando saliva-. Não pensei nisso. Voltará a deixar a despensa tal qual está?
-Isso será mais fácil que voltar a deixar seu corpo tal qual está -repôs de caminho à porta.
-Tirarei-o tudo antes -disse Bailey com desespero, antes de sair correndo para a despensa.
-Nada -disse Matt olhando as paredes nuas. Tinha retirado cada prateleira e cada tabela cravada à parede, mas não tinha encontrado nada, só pó de anos, insetos mortos e roedores dissecados.
Ao olhar as feias paredes nuas de sua formosa despensa Bailey tratou de não soluçar. As pranchas estavam empilhadas no chão, junto à porta da cozinha.
Matt se recostou contra o marco da porta.
-Olhemos o de uma forma lógica. Em primeiro lugar, aqui não pode haver nada mais. Essa foto remetida entre umas pranchas podia estar aí de sorte. Por outra parte, se alguém tivesse necessitado esconder uma coisa, provavelmente haverá muitas mais em qualquer outro lugar. E se houver um tesouro escondido terá que ser neste chão ou no estábulo. assim, onde olhamos a seguir?
Bailey não se incomodou em olhar o maravilhoso assoalhado antigo. Suas amplos fitas de seda estavam desgastados pelo uso.
-No estábulo -respondeu com ansiedade-. Sinto no coração e me chega até os pés que se houver um pouco escondido, está no estábulo. depois de tudo, o homem se... Bom, pendurou-se ali. Assim estou segura de que se queria esconder algo o teria feito no estábulo.
-De acordo -repôs Matt-, o chão da despensa.
-Odeio aos homens -murmurou Bailey enquanto ele encaixava sua alavanca no primeiro tablón.
-O que há dito? -perguntou Matt, e desencravou o tablón. No oco se viu a esquina de uma caixa de metal-. Não sente curiosidade? Em realidade creio que possamos esperar -acrescentou, retirando do buraco-. De fato, antes de seguir eu gostaria de comer algo.
-faça-lhe isso você -lhe soltou Bailey. Logo agarrou a alavanca e continuou ela mesma com o segundo tablón. Quando já tinha retirado o quarto e a caixa ficou completamente ao descoberto, levantou a vista e se encontrou com o sorriso irônico do Matt, apoiado contra a ombreira da porta.
Bailey tirou a caixa do buraco e com o queixo erguido passou por diante do Matt de caminho ao exterior.
-Se em alguma ocasião quer comer algo que eu tenha cozinhado ou compartilhar minha cama, terá que apagar essa expressão do rosto.
O gesto do Matt se permutou em seriedade com tanta rapidez que Bailey riu.
-E agora -acrescentou ela-, te leve esta coisa suja fora enquanto eu procuro algo para beber. E se a abre antes de que eu chegue... -Deixou que fora ele quem imaginasse o castigo.
Uns minutos mais tarde se reuniu com ele. Matt tinha tirado o pó da caixa e, sentado em uma cadeira, olhava o moral enquanto esperava pacientemente a que ela aparecesse.
-A honra de abri-la é teu -disse ele enquanto agarrava o copo de limonada que lhe tendeu.
Era uma antiga caixa de metal, com o rótulo "Earnest's Crackers. Boas para a digestão." Bailey respirou fundo antes de atirar da tampa. O que podia encontrar aí dentro?
O que viu lhe resultou comovedoramente familiar. Na parte superior havia quatro cintas azuis; todas prêmios a geléias. Bailey as agarrou e olhou, logo se sentou e as percorreu com os dedos. Nunca tinha visto essas cintas em concreto, mas lhe traziam lembranças.
-O que é isso? -perguntou Matt.
-Não me tinha ocorrido atar cabos. Contaram-me que o homem que se enforcou fazia geléias e encurtidos e que os vendia na cidade. Quando vi sua foto com o Jimmie haviam passado já tantas coisas que não recordava o de suas conservas. Mas na foto pude ver que ele e Jimmie eram amigos.
Matt a olhava com cenho de concentração. Tratava de entender do que lhe falava.
Bailey levantou a vista.
-A primeira vez que vi o Jimmie, acabava de ganhar uma cinta azul por minha geléia de framboesa. -inclinou-se para as cintas-. Uma quase idêntica a esta.
-Acreditas que há conexão?
-Creio que ao ganhar um concurso de conservas recordei ao Jimmie a alguém que conhecia... e provavelmente amava.
Matt olhou dentro da caixa e tirou um maço de fichas dispostas em ordem alfabética e sujeitas com uma borracha ressecada. A borracha saltou no momento que a tocou.
-Hmmm -murmurou e ficou a ler os cabeçalhos das fichas-. Geléia de gengibre, geléia de arándanos silvestres, manteiga de maçã caramelizada.
-me dê isso -disse Bailey e o arrebatou das mãos-. Não sabe que as receitas dos conserveros são segredas? -admoestou-o enquanto se lançava à leitura-. OH, Meu deus. Duas colheradas de suco de limão. É obvio! Como não me tinha ocorrido?
-Se forem segredas, então possivelmente seria melhor que respeitássemos aos mortos e as queimássemos.
Bailey abriu a boca para replicar, mas logo sorriu. -Claro. por que vai querer ninguém conserva de pêssegos ao conhaque?-Tendeu-lhe as fichas-. as Queime.
-Odeio às mulheres -replicou ele sorrindo, enquanto tirava o sobre que havia no fundo da caixa.
olharam-se e ambos tiveram a sensação de que tinham encontrado o que procuravam. Matt lhe tendeu o sobre a Bailey mas ela negou a cabeça, assim que ele aproximou sua cadeira e abriu o sobre. Continha duas fotografias. A primeira era uma cópia da mesma foto que tinha Matt. Uns adolescentes Atlanta e Ray de pé diante do moral, onde agora estavam sentados Matt e Bailey, olhando à câmara com carrancuda hostilidade. No reverso da foto havia uma anotação a lápis: "Eva e Ralph Turnbull, 1966."
A outra foto era um retrato de estudo no que apareciam o homem que se pendurou e uma mulher mais velha que ele. Não era bonita e a seu gesto triste se acrescentava um aspecto geral de infelicidade. Mas o homem parecia imensamente feliz; seus olhos claros -a foto era em branco e negro- lhe davam ar de olhar longínquo, mas nessa foto pareciam entusiastas.
Ambos vestiam seus melhores ornamentos
-As bodas -disse Bailey-. É a foto das bodas, e ela não queria casar-se com ele.
Matt lhe deu a volta. No dorso, escrito com uma letra que parecia de colegial, lia-se: "Hilda Turnbull e Gus Venters. Casados em 12 de maio de 1966."
-Parece que Atlanta e Ray não eram seus -refletiu Bailey.
-Nem Jimmie. Como encaixa aqui ele?
-Talvez esta mulher em uma época esteve casada com o Frank McCallum. Se não recordar mau, li que Frank tinha deixado Calburn pouco depois de conseguir o diploma de bacharel e que não voltou até transcorridos vários anos, com um filho.
-Sim, é certo.
-Poderia ser que Frank partisse, casasse-se com esta mulher, Hilda Turnbull, tivessem três filhos e logo se divorciasse? E se ela houvesse dito que não queria ao pequeno, ao de lábio leporino?
-assim, Frank voltou para o Calburn com o filho mais nova, e anos mais tarde apareceu ela com os outros dois. -Matt a olhava com admiração-. Não é má dedução para vir de uma garota -acrescentou.
Quando Bailey lhe atirou uma almofada, ele a atraiu a seus braços e começou a beijá-la.
-Quem poderia saber mais? -disse enquanto lhe mordiscava a orelha.
-Saber o que? -Os lábios do Matt desciam por seu pescoço.
-Sobre esta gente Não possamos lhe perguntar ao Rodney. Enlouqueceu quando mencionei o nome do Gus.
-Mmmm -balbuciou Matt enquanto seus lábios baixavam mais à frente do pescoço-. Poderíamos lhe perguntar ao Violet quando voltar do enterro.
-Exato. Conhece todos os homens da cidade.
-Refiro-me a que possamos lhe perguntar o que lhe contou Burgess -disse Matt. Já tinha desabotoado quatro botões da blusa de Bailey.
Ela se apartou para lhe olhar.
-Burgess? O jogador de futebol? Foram amantes Violet e ele?
-Supondo, já que esteve casada com ele.
Bailey se incorporou.
-Violet esteve casada com um dos Seis de Ouro e ninguém me há isso dito?
Matt suspirou com resignação. Sabia que não ia haver entrega amorosa até que isto não ficasse esclarecido. passou-se as mãos pelos olhos.
-Por isso veio ao Calburn. Burgess foi a Califórnia em viagem de negócios nos anos sessenta e voltou para casa com esposa. Eu então não era mais que um menino, mas ainda lembrança os falatórios que ela provocou.
--Pô-lhe chifres?! -exclamou e perguntou Bailey com os olhos como pratos.
-Não -disse ele-. Isso não. Era pela roupa que ficava e por como se comportava.
-Ah. Minissaias e botas de garota gogó.
Matt sorriu.
-Em uma ocasião minha mãe me contou que Violet tinha escandalizado a todo mundo porque não levava chapéu nem luvas.
-Que escândalo! -ironizou Bailey-. A sua mãe também escandalizava?
-Creio que a minha mãe gostava de Violet, embora nunca manifestou nem o um nem o outro. Entretanto, um dia que eu estava vendo Bonnie and Clyde na televisão ela me disse: "Assim vestia Violet o primeiro dia que a vi."
-Claro -disse Bailey-. Um dos filmes que marcaram a moda em todo o país. Assim Violet vinha de Califórnia, vestia o último do último e estava casada com um dos Seis de Ouro.
-Exato. Burgess tinha comprado anos antes a casa em que vive Violet, e viveram ali até que o armazém de madeira quebrou e Burgess morreu em um acidente aéreo -explicou Matt com uma careta-. Muita gente pensa que se suicidó. ouvi que nunca voltou a ser o mesmo depois da morte do Frank.
-Isso é o que a gente diz do Jimmie -acrescentou Bailey em voz baixa e logo levantou a cabeça-. "Assassinatos chamados suicídios."
-O que significa isso?
-Arleen...
-Falas da mulher que endossou ao Janice? Essa que quando eu te perguntava onde a tinha conhecido sempre te levava a outra habitação antes de que me respondesse? Essa Arleen?
Bailey agitou a mão para lhe tirar importância.
-Quer começar uma guerra ou escutar? Arleen me disse que uma noite, anos atrás, Jimmie disse algo sobre "assassinatos chamados suicídios".
-O que foi exatamente o que disse? -perguntou Matt.
Bailey se levou a mão à têmpora.
-Contou-me que Jimmie havia dito que todo seu dinheiro não poderia endireitar um pouco torcido que tinha ocorrido quando era um menino. E que também havia dito algo sobre "assassinatos chamados suicídios".
Matt ficou olhando-a.
-assim, quantos suicídios temos agora? -Levantou os dedos para enumerá-los-. Frank McCallum, Gus Venters e Frederick Burgess.
-Pensa que algum deles foi um assassinato?
-Sim -disse Matt-. E creio que um dos assassinatos tem que ver com o James Manville e esses dois bodes que estão vendendo-o tudo e tirando o dinheiro do país.
Bailey respirou fundo.
-E acreditas que a morte do Phillip Waterman não foi acidental e que minha vida pode estar em perigo?
-Sim -disse Matt com suavidade.
25
Alex voltou três dias mais tarde. Durante esse tempo Matt descuidou seu trabalho e esteve procurando informação em Internet sobre a Hilda Turnbull, Gus Venters, Lucas McCallum, Eva e Ralph Turnbull. Não encontrou nada.
Bailey tratava de lhe emprestar atenção à empresa de conservas O Moral, mas lhe resultava difícil. Violet e Arleen estavam ainda com a Carol e as meninas. Violet tinha chamado ao Janice para lhe comentar que estavam comprovando as posses do Phillip e que à viúva resultava bastante complicado. "Estaremos de volta assim que possamos", anunciou antes de pendurar.
Durante o jantar Matt comentou que não tinha encontrado nada sobre ninguém, nem em Internet nem nos arquivos da cidade.
-É como se não tivessem existido nunca.
-É possível que fossem apagados -disse Bailey enquanto servia peixe-espada com molho agridoce-. Estou segura de que o fez Jimmie. Sei que seus biógrafos dedicaram muito tempo e esforço a tentar rastrear seu passado e que não puderam encontrar nada de seus primeiros anos.
-Mas não pode ser que pudesse apagá-lo tudo de todas partes -se exasperou Matt.
Bailey se limitou a olhá-lo com uma sobrancelha levantada, como se dissesse: "Se soubesse do que era capaz..."
Cada dia que passava, Matt se ia pondo mais nervoso mas tratava de lhe esconder a Bailey sua preocupação. O que aconteceria fora reconhecida? O que aconteceria Arleen ou Carol cometiam o deslize de dizer algo sobre o Lillian Manville? Alex estava com a irmã. O que ocorreria se involuntariamente lhe revelava onde estava Bailey? E se Alex era um indesejável como seu pai e os dois tinham tramado um complô contra ela?
Matt estava na cama, junto a Bailey, incapaz de dormir. Havia passado outro dia lhe frustrem sem descobrir nada. Então ouviu o ruído surdo de uma moto. Lançou uma olhada a Bailey para comprovar que estava profundamente dormida e se deslizou fora da cama.
No momento em que saiu da casa, Alex descia da moto e se tirava o casco.
-Onde demônios estiveste? -soltou-lhe Matt.
-E eu também me alegro de ver-te -disse Alex com amabilidade.
Matt se tranqüilizou.
-Desculpa. Encontrou-a? Não soubemos nada de ti em todo este tempo -acrescentou sem poder evitar lhe repreender.
Quando Alex olhou para a casa, Matt viu a brilhante luz do alpendre seu rosto esgotado e o aborrecimento lhe desapareceu.
-Está dormida? -perguntou Alex.
-Sim. Parece esgotado. Quer comer algo?
-Poderia me comer os pneumáticos da moto, mas preciso falar contigo em privado. Creio que devemos decidir o que lhe contaremos.
Matt soube que falava de Bailey. Assentiu.
-Farei-te algo de comer e nos vamos conversar ao estábulo. Há uma ducha ali, se necessitar...
Alex lançou um grunhido por toda resposta, girou-se e dirigiu seus passos para o estábulo.
Vinte minutos mais tarde, Alex estava sentado sobre uma bala de feno com o cabelo molhado pela ducha, roupa poda que Matt lhe tinha trazido e disposto a falar.
-Amassei-a -disse Alex enquanto comia.
-Como? A quem amassaste?
-À moto. Não queria perder o tempo, assim fiz umas quantas perguntas nas lojas de ao redor de sua casa. Inteirei-me de que vive sozinha e lancei a moto diante de suas janelas. Quando disse que chamaria uma ambulância fiz um intento por escapar, como se me assustasse que me encontrasse a polícia. lhe encantou e me convidou a entrar para me atender pessoalmente até que me curasse.
Matt ficou boquiaberto, olhando ao jovem com admiração. Vieram-lhe à mente palavras como audaz, valente Y... estúpido. Voltou a lhe servir chá frio.
--Se te carregou a moto, como... -Assinalou com a cabeça para o exterior. Fora estava a moto.
-É nova. Ela me comprou isso.
Os olhos do Matt se abriram como pratos.
-De onde tira o dinheiro? Imaginava que ao morrer Manville lhe teria acabado a fonte de ganhos.
-Não sei de onde o tira, mas tem muito dinheiro. O que sim vi é que não o obtém de maneira legítima. Senhor! Que mulher mais amargurada! Diz que tem que guardar seu dinheiro em muitas contas para que ninguém se inteire do que tem. E se queixa de ter que viver em uma pocilga, quando poderia estar vivendo muito melhor. Mas diz que "eles" não lhe deixariam demonstrar que é rica. -Alex sacudiu a cabeça-. Tem uma mansão de seis dormitórios em um terreno que parece saído de uma revista. A piscina poderia utilizar-se em umas olimpíadas.
-Descobriu algo sobre Bailey e suas bodas?
-Sim. Manville conseguiu a autorização da mãe -disse Alex. Matt abriu a boca para falar, mas lhe deteve com a mão em alto-. Mas Dolores não sabe onde está o documento. Quando me contou isso pôs-se a rir e disse: "Mas eles não sabem que eu não sei", e logo soltou uma sorriso como uma menina.
Matt esperou a que Alex bebesse um sorvo de chá para dizer:
-Quero conhecer todos os detalhes.
Alex deixou o prato no chão, logo se levantou a camisa e se deu a volta. Tinha arranhões nas costas, do estilo dos que deixa uma mulher apaixonada.
Matt lançou um assobio.
Alex voltou a agarrar o prato.
-Não sente saudades que tenha perdido a três maridos -continuou-. Nunca conheci a uma mulher mais cheia de ódio. -Jogou uma olhada para a porta do estábulo e seguiu-: E todo esse ódio está dirigido a Bailey... Lillian. Dores odeia profundamente a sua irmã. Acredita que Lillia (quero dizer Bailey) tirou ao Manville. Mas Dolores nem sequer chegou; conhecê-lo até depois de que estivesse casado com sua irmã. te parece lógico?
-Sim, digamos. Venha, continua.
-Dores diz que não estava ali quando ocorreu (assina-a, quero dizer) porque de outra maneira o tivesse impedido. Dores estava no cenário, cantando. Disse-me que estava cantando para o Manville, mas que ele...
-Continua -o urgiu Matt com impaciência-. me Fale do documento.
Matt tinha medo de que Bailey despertasse e se levantasse para buscá-lo. Não queria que Bailey ouvisse o que Alex lhe estava contando.
-Dores disse que aquele dia infernal, assim é como o chama, apresentaram-se três homens de traje com um papel escrito a máquina e, te agarre!, um deles era um notário. Contou-me que a sua mãe não deu tempo nem de pensar e que "a pobre mulher" apenas se deu conta do que estava fazendo. Também me contou que o notário lhe pediu seu carnê de conduzir e logo outro dos homens lhe ordenou que assinasse o papel "se sabia o que era bom para ela". O notário pôs o selo junto à assinatura e logo os três partiram com o documento.
-À mãe não deram uma cópia?
-Não. Diz que sua mãe estava tão deslumbrada (e utilizo a mesma palavra que usou ela) por tudo quão ocorrido não o contou a Dolores até última hora da noite.
-Dores não se perguntou onde estaria sua irmã?
-Parece que não -disse Alex olhando a cesta de comida que Matt tinha cheio com todas as estoque da geladeira.
-Uma família agradável. Venha, que mais?
--Isso é tudo. Segundo Dolores, a única vez em que voltou a mencionar o documento foi no enterro de sua mãe. Contou-me que perguntou ao Manville o que havia passado com esse papel. Diz que só o fez como uma brincadeira, mas ao parecer Manville ficou furioso. Ela não entendeu por que até que compreendeu que era provável que Lillian não soubesse nada. imaginou que Manville não queria que sua mulher soubesse que tinha estado tão seguro de consegui-la que inclusive antes de lhe pedir que se casasse com ele já tinha o documento preparado. Dores acredita que é a única pessoa que venceu ao James Manville em algo. Disse-lhe: "assim, onde escondeste o documento, Jimmie?" Disse-me que, por isso ela sabia, Lillian era a única pessoa no mundo que se dirigia a ele com o diminutivo. E acrescentou que Manville a olhou com desprezo, mas que a fez sentir-se fenomenal. Ao parecer lhe disse: "Dei-lhe o documento à pessoa em quem mais confio." Dores desfrutava com apenas pensá-lo, já que isso queria dizer que ele não confiava no Lillian. E que Manville não lhe deixa nada de dinheiro é a demonstração de sua falta de confiança.
Alex se deteve um momento para dar outro bocado.
-Como senti falta da cozinha de Bailey! De todas formas, no enterro Dolores disse ao Manville que tinha visto o último modelo da Mercedes conversível, e que era uma macacada, branco e com tapeçaria vermelha. Assim à semana seguinte apareceu um tipo e lhe tendeu as chaves de um Mercedes branco conversível com tapeçaria vermelha. E depois disso Dolores recebeu do Manville um pagamento anual de seis cifras, e se queria algum extra, como ingressar em algum clube social exclusivo, Manville também o proporcionava.
-Mas não era suficiente -comentou Matt em voz baixa.
-Nem muito menos. E agora Dolores diz que está disposta a chegar ao fundo de tudo o que devesse ter sido dele. -Alex tragou saliva e continuou-: Por todos os diabos, não concebo como acredita que Manville era dele se nem sequer o conheceu realmente.
-Se me pedir que te explique como são as mulheres, creio que não vivi o suficiente -repôs Matt e Alex bocejou-. Vamos, menino, precisa ir à cama e amanhã, a primeira hora, vou mandar te a casa do Patsy para que fique ali. Quanto menos saiba Bailey dos detalhes de tudo isto, melhor.
26
Violet voltou a chamar o Janice para lhe dizer quando chegariam a casa Arleen e ela. Janice o contou a Bailey, assim foram com o Matt para as buscar ao aeroporto.
Ao Arleen parecia do mais normal ter a alguém esperando-a mas Violet se cheirou algo, assim que se sentou com Bailey no assento traseiro do Toyota.
-O que te moveu a fazer todo o caminho até o aeroporto para nos recolher, senhora Manville? -perguntou Violet.
No assento de diante Arleen conversava sem parar sobre o enterro e os assistentes.
-Quem mais sabe? -perguntou Bailey com inquietação.
-Só nós, mas não passará muito tempo antes de que eles o descubram. -É obvio, esse "eles" designava a Atlanta e Ray.
-Apertaram- as cavilhas a Carol, mas não lhes há dito nada. Em certo momento quase ficou histérica. Acredita que esses dois mataram ao Phillip.
Bailey conteve o fôlego.
-Suspeita Carol por que?
Violet a olhou.
-Não, mas você sim, verdade?
Bailey vacilou enquanto Violet a olhava. Agora tinha muito melhor aspecto que quando Bailey a conheceu. Vestia melhor e a perda de peso lhe permitia caminhar mais erguida e com mais velha agilidade.
-Existe a possibilidade de que esses milhares de milhões do Jimmie me pertençam e não a eles -disse por fim.
Violet se recostou no assento e sacudiu a cabeça.
-Nesse caso, carinho, será melhor que te esconda em uma dessas covas do Afeganistão. E mesmo assim lhe encontrarão.
-Mas Atlanta e Ray estão deixando às pessoas sem trabalho Y...
-OH, Meu deus! Uma filantropo. Será melhor que te largue do Calburn antes de que...
Bailey não queria ouvir conselhos sobre onde esconder-se ou como pôr-se a correr e não parar. Era questão de tempo que Atlanta e Ray descobrissem onde estava, mas até então ela faria todo o possível por descobrir o que pudesse.
-por que não me disse que esteve casada com um dos Seis de Ouro?
-pode-se saber que diabos tem que ver com esses dois assassinos esquilmadores...? -deteve-se o ver a expressão de Bailey. Esboçou um morno sorriso-. Já vejo. Você e seu esplêndido homem estão sobre a pista de algo, verdade? --Ao ver que Bailey não respondia sorriu mais amplamente-. E que tal é na cama? Não te incomode em me dizer que não sabe, porque lhes vi lhes lançar olhares de tanta quentura para incendiar um bosque.
Bailey Fechou os olhos.
-Esquece suas obsessões sexuais. Quão único quero saber é o que seu defunto marido te contou sobre o filho do Frank McCallum.
-O filho do Frank? -repetiu Violet, surpreendida-. Nem sequer sabia que Frank tivesse um filho. Ele... Espera um momento. Creio ter ouvido que tinha um filho atrasado que vivia acima, na montanha. Nunca desceu. Ninguém viu nunca ao menino.
Bailey desviou o olhar para o guichê e por um momento lhe revolveu o estômago. Jimmie. Um homem tão gregário e sociável como Jimmie escondido naquela cabana. Quantos anos? Lhe imporia o isolamento ou teria sido voluntário?
Violet a observava atentamente.
-Lábio leporino -disse em voz baixa-. O menino era atrasado ou só estava deformado?
A Bailey lhe fez um nó na garganta e não pôde falar. As poucas palavras que acabava de dizer Violet explicavam muitas coisas do Jimmie Não podia suportar estar sozinho nem um segundo. Sua necessidade de reconhecimento era imperiosa. O dia que o conheceu, tinha percorrido aquele circuito como se não o tivesse feito antes... e possivelmente não o tinha feito.
Violet lhe aplaudiu a mão enquanto tomavam o caminho de entrada à casa.
-Deixa ao Arleen e logo volta. Contarei-te o que sei.
Duas horas mais tarde, Bailey e Matt retomavam o caminho de entrada à casa do Violet. Faziam um alto na loja de comestíveis e carregado a parte posterior do veículo com bolsas de comida para lhe deixar ao Violet, além de uma perna de cordeiro e vinho para que Bailey preparasse essa tarde o jantar dos três.
-Você te leva ao Violet fora e bate-papos com ela da Carol enquanto cozinho -disse Bailey ao Matt-. Depois falamos os três dos Seis de Ouro.
-O que te inquieta? -perguntou Matt-. estiveste muito calada desde que as recolhemos no aeroporto...
Bailey esteve a ponto de dizer que não passava nada, mas lhe contou que se dizia que Luke McCallum era atrasado e que vivia encerrado nas montanhas.
-Não estamos falando da Idade Média -replicou Matt-. A boca do menino podia arrumar-se. De fato, arrumou-se.
-E então por que não o fizeram quando era pequeno? -perguntou Bailey-. Essa foto do Jimmie foi tomada quando era adolescente. Mesmo que não tivessem dinheiro para cirurgiões, existiam serviços de beneficência. Estou segura de que em um caso como esse qualquer médico teria feito o trabalho grátis. Jimmie... -Fez uma pausa e tomou ar-. Jimmie estava acostumado a doar muito dinheiro a clínicas para que realizassem operações cirúrgicas a meninos com má formações.
Matt a beijou com delicadeza.
-Ao final o descobriremos tudo, mas comecemos por nos inteirar do que sabe Violet.
Não obstante, depois de tomar no jardim o cordeiro e a sopa fria de pepinos que Bailey serve, ela e Matt descobriram que Burgess lhe tinha contado pouca coisa a sua mulher.
-Quando conheci o Burgess em Califórnia -disse Violet- acabava de escapar de uma vida bastante insuportável na Luisiana. Minha mãe tinha seis filhos, todos de pais diferentes Y... -Fez um movimento com a mão-. Isso não importa muito agora. Eu era jovem e bonita e pensei que se conseguia chegar a Hollywood, converteria-me imediatamente em atriz de cinema.
Bailey sorriu diante essa ingenuidade.
-Pode imaginar o que aconteceu. Aos quatro meses de chegar a Califórnia estava fazendo quão mesmo tinha feito minha mãe para ganhá-la vida, mas embora não o fazia mal, já tinha visto para onde me conduziria essa vida. Já sabia que não ia ser toda a vida jovem e bonita, e que algum dia ia ter o aspecto que tenho agora. -Fez um gesto, assinalando seu próprio corpo, mas nem Matt nem Bailey lhe riram a piada autodespectivo-. Bom, um dia me danificou o carro em uma estrada secundária e se deteve me ajudar esse homem grande e de movimentos lentos da Virginia. Nesse momento soube que tinha chegado a uma encruzilhada em minha vida e decidi tomar a oportunidade que me oferecia. Interpretei meu melhor papel de jovenzinha indefesa, inventei histórias sobre meu passado e minha presente e uns dias mais tarde Burgess e eu estávamos casados e devíamos viver ao Calburn.
Violet lançou uma olhada ao jardim para comprovar se Carol lhe tinha talhado realmente as novelo de maconha, e é obvio não ficava nenhuma.
Bailey se levantou procurar a sobremesa, uma nata queimada de infusão de manga, e voltou com duas terrinas cheias, um para o Matt e outro para o Violet.
-Venha, continua com seu relato. O que te pareceu viver aqui, no Calburn?
Violet se pôs-se a rir.
-Estava bem. Era aborrecido, mas não estava mau. Tratei de ser dona-de-casa e o fiz bem. Burgess era fácil de agradar. Além de seu antigas historia intermináveis, não falava muito, assim às vezes me sentia sozinha. De todas formas, era um homem agradável.
-O que te contou dos Seis de Ouro? -perguntou Matt.
-Nenhuma palavra. De fato, levávamos aqui meses quando ouvi falar deles pela primeira vez. Alguém os mencionou na loja de comestíveis e disse que meu marido tinha sido um deles. Pensei que devia tratar-se de uma piada, assim que essa noite, como tomando o cabelo lhe disse que tinha ouvido que era um "menino de ouro". Me surpreendeu porque se zangou. Burgess nunca se zangava. Nunca! Mas essa noite sim.
-E isso te picou a curiosidade -antecipou Bailey.
-Não. A curiosidade não é um de meus defeitos. conheci muita gente em minha vida com muitos secretitos asquerosos para estar interessada. Se ele não queria me falar dos Seis de Ouro, eu tampouco tinha necessidade.
Violet acabou com a última colherada da sobremesa.
-Bom jantar. Carol me teve comendo seis tipos de verduras em cada comida. Estou começando a odiar a cor verde! E sua idéia de sobremesa de gelatina sem açúcar!
-O que aconteceu 30 de agosto de 1968? -perguntou Matt com suavidade.
-Ah! -disse Violet-. Foi então quando tudo trocou. Esse verão estavam aqui os seis. Meu marido passou de estar em casa cada noite a estar fora cada noite... e cada dia. Esse verão se passaram o tempo chamando do armazém de madeira para perguntar quando ia Burgess a trabalhar. Necessitavam-no e não podiam localizá-lo.
-por que estavam todos no Calburn? -perguntou Bailey.
-Por razões diferentes. Essa joaninha do Harper disse que tinha voltado para ver sua mãe porque se estava morrendo, mas não passou muito tempo com ela. Burgess me contou que Harper era um peixe gordo, produtor de Hollywood, e que estava renunciando a muito por estar com sua mãe doente. Não podia entendê-lo e estava segura de que estava mentindo, assim chamei a alguém que conhecia em Los Anjos e fiz algumas pergunta. Era justo como pensava. Harper Kirkland não era ninguém. Tinha trabalhado em alguns pratos como menino da claqueta. Já sabem, esse que golpeia a claqueta antes de começar. -Fez o gesto como se tivesse nas mãos a pequena piçarra em que se indica a cena e o número da tomada-. Mas o muito imbecil originava tantas brigas que sempre obtinha que o jogassem. ganhava a vida enganando.
-Brigas? -perguntou Matt-. Que tipo de brigas? A murros?
-Sim. De qualquer tipo. Gostava de emaranhar lhe dizendo a uma pessoa uma coisa e logo a outra algo diferente. adorava provocar confusões.
-E meu pai esteve em casa todo esse verão -disse Matt-. Se havia rompido um osso do tornozelo e não podia conduzir.
-Sim -respondeu Violet, olhando ao Matt-. Só vi seu papai um par de vezes e era um tipo verdadeiramente agradável.
-Tão agradável que abandonou a sua família.
-Assim que os seis estavam aqui, e Frank... -disse Bailey, tentando que Violet continuasse.
-Sim -retomou Violet-. Em 30 de agosto Frank matou a sua jovem mulher grávida e logo a si mesmo.
-E Gus Venters se pendurou em um estábulo -disse Matt.
-E eu me pergunto se Jimmie não o viu tudo -acrescentou Bailey em voz baixa.
-Meu marido trocou a partir dessa noite -comentou Violet-. Desde essa noite caiu em uma depressão; uma depressão profunda. E assim esteve até que seu avião se estrelou e terminou com seu sofrimento.
Durante um momento os três permaneceram em silêncio. Logo Violet retomou a palavra.
-depois da morte de meu marido encontrei alguns álbuns de recortes que tinha guardado de quando era menino. Querem vê-los?
-Sim! -exclamou Bailey antes de que Matt pudesse abrir a boca.
Quinze minutos mais tarde tinham a mesa limpa e os pratos na lava-louça que tinha mandado instalar Carol. Bailey teve que reconhecer que Carol fazia um magnífico trabalho com a remodelação daquela velha cozinha. Fazia retirar o linóleo desgastado e tinha deixado os largos tablones de pinheiro com um novo acabamento. Tirou um dos armários da pia para instalar a lava-louça, mas não substituiu nenhum outro. Isso sim, tinham-nos limpo e mudado os pomos e dobradiças danificados, que muito acertadamente não repintaram. A pia, a velha cozinha e inclusive a antiga geladeira, foram limpos e reparados, mas não se substituíram. assim, a cozinha parecia o que provavelmente tinha sido quando se instalou nos anos trinta. E Bailey teve que admitir que o efeito era maravilhoso.
-Aqui estão -disse Violet pondo os três álbuns na mesinha de café da sala, para sentar-se logo em uma poltrona recém retapizado. Aqui também, Carol havia devolvido a sala a seu estado original e uma vez mais o resultado era esplêndido e encaixava à perfeição com o estilo da casa.
Durante uma hora, enquanto fora obscurecia, os três tomaram café, beberam licores e revisaram os recortes.
-Não os via desde fazia anos -disse Violet, e cada um agarrou um dos álbuns.
Não havia neles nada destacável. Não eram outra coisa que os habituais recortes e fotografias de meninos de instituto, mas quando Bailey pensava o que lhes havia passado aos sorridentes moços das fotografias, os álbuns se convertiam em um pouco bastante triste. Em sua maioria as fotos eram de quando Burgess estava no instituto do Calburn e não no do Wells Creek.
Em certo momento Matt assinalou uma foto e perguntou ao Violet se era Bobbie. Pela forma em que ela respondeu, Bailey soube que devia perguntar quem era.
-O irmão mais velha do Burgess -disse Violet.
-Morreu quando era um menino -acrescentou Matt, e logo voltou para seu álbum.
A brevidade e secura do comentário fez compreender a Bailey que não ia obter dele mais informação, da mesma maneira em que não tinha sido capaz de lhe surrupiar mais sobre o que Alex tinha descoberto da Dolores. Tudo o que Matt lhe tinha contado era que Dolores havia dito que sim, que Jimmie fazia que sua mãe assinasse o documento e que o tinha dado "à pessoa em quem mais confiava". Além disso não pôde lhe tirar nada mais. Nem sequer se ao Alex tinha gostado de Dolores, ou se foram continuar em contato, nada. A única coisa que Matt lhe disse foi que tinha estado legalmente casada com o James Manville e que agora lhes tocava demonstrá-lo. "E aprender a administrar um império de milhares de milhões de dólares", resmungou então Bailey. Ao que Matt lhe devolveu um sorriso.
-O que é isto? -assinalou agora Bailey enquanto abria um sobre grande que estava na parte posterior de um dos álbuns. Dentro havia uma pilha de recortes de periódicos, cuidadosamente dobrados.
Matt olhou ao Violet e lhe disse:
-Não tem lido o livro.
Bailey o recriminou com o olhar.
-estive um pouco ocupada tratando de descobrir a forma de sair adiante e hei passado horas na cozinha tratando de encher sua crescente barriga.
-E fazendo um condenado bom trabalho em ambos os campos! -repôs Matt.
Violet riu entre dentes e assinalou o sobre cheio de recortes.
-depois de que a imprensa denominasse aos meninos do Calburn os Seis de Ouro, Harper se apontou ao carro e escreveu um montão de artigos que glorificava aos moços. Esses artigos eram metade verdade e metade... como dizê-lo? -Violet pediu ajuda ao Matt com o olhar.
-Historieta -disse ele com o olhar fixo no álbum que tinha no regaço.
Bailey não sabia se Violet o notava, mas se deu conta de que Matt tinha visto algo que lhe interessava muitíssimo.
De repente, ele lançou um grande bocejo e olhou a hora.
-Importa-te se tomamos emprestados estes álbuns e os olhamos em casa?
Pela forma em que Violet sorriu Bailey suspeitou que tinha acreditado que Matt tinha um arrebatamento sexual.
-Claro -disse Violet-. Tome seu tempo. Estas coisas estiveram guardadas em um armário durante anos, assim não vou necessitar a agora.
Quinze minutos mais tarde Bailey e Matt estavam no carro de volta a casa com os álbuns.
-E bem, o que viu? -perguntou-lhe Bailey por fim.
-O número da segurança social do Burgess. Está em uma cópia da solicitude de seu primeiro trabalho.
-Mas como? -interrogou Bailey.
-Posso carregá-lo no computador e ver o que aparece. ...
-Para que pode servir agora? Uma vez morto.
-Não sei -se justificou Matt-, mas é uma pista. Se esse teu ex-marido apagou seu passado é possível que lhe escapasse algo em algum sítio. Possivelmente não apagou tudo o que se podia saber sobre o Frederick Burgess.
Assim que chegaram a casa Matt correu escada acima para seu computador e Bailey foi escutar as mensagens telefônicas. Tinha dezessete todos do Janice e Patsy sobre o negócio. Quando pôde acabar com o telefone, já era muito tarde para repassar os álbuns. Além disso, Matt já se tomou banho e a esperava na cama.
Ela tomou uma ducha e logo se deslizou entre os braços dele. Bastante mais tarde, quando já quase se abandonava ao sonho, murmurou:
-encontraste algo?
-introduzi o número da segurança social em um serviço de busca. Dirão-me algo em um prazo de vinte e quatro horas. É provável que nada -acrescentou-. No caso do sobrenome Turnbull não encontraram nada.
-Mmmm -foi tudo o que disse Bailey antes de ficar dormida.
Quão seguinte Bailey ouviu foi um som distante quando Matt abriu a porta do dormitório.
-Olhe isto! -exclamou, lhe tendendo uma folha de papel,
Bailey estava muito dormida para enfocar a vista.
-O que é?
-É... -Matt teve que tomar ar várias vezes para acalmá-la busca através do número da segurança social do Burgess deu como resultado três direções que correspondem aos anos 1986, 1992 e 1997.
Bailey se incorporou na cama.
-Não tem sentido. Se morreu em...
-Sim, em 1982. Mas seu avião ficou tão Calcinado que não encontraram nada, nem sequer os dentes.
Bailey se estirou, bocejou e fez umas caretas.
-É muito cedo... -começou, e de repente os olhos lhe abriram de par em par olhando ao Matt-. Quer dizer que pensa que Burgess poderia seguir vivo?
Matt lhe tendeu o papel e lhe jogou uma olhada.
-Estas são as direções de um homem que se chama Kyle Meredith.
-É ele -disse Matt.
-O que te faz pensá-lo? Sei que Kyle era o nome de seu pai, mas...
-Burgess Meredith, lembra-te desse ator?
-Sim -afirmou Bailey, pensativa, de uma vez que voltava a revisar o papel-. A última direção é o Lar de Repouso Meadow Acres, em Muito bicha, Florida. OH, Meu deus! Aqui aparece um número de telefone.
-Sim. Já telefonei, mas não recebem chamadas até as nove.
-De acordo -disse Bailey, captando a excitação do Matt-. Não temos mais que esperar até as nove. Que horas são?
Matt não teve que olhar o relógio para responder.
-As sete e vinte e dois.
-Bem -repôs Bailey-. Nos levaremos bem, estaremos tranqüilos e esperaremos. Farei crepés. Levam seu tempo.
Quando o relógio deu as nove, Matt agarrou o telefone e pulsou ao botão de rellamada. Atenderam ao primeiro timbrazo. Matt teve que esclarecê-la voz antes de perguntar:
-Vive ainda o senhor Kyle Meredith em sua casa de repouso?
-Sim, assim é -respondeu a recepcionista-. Quem lhe chama, por favor?
Matt não pôde responder. Pendurou e olhou a Bailey.
-Bingo! -exclamou.
Ela respirou fundo.
-Faz as reservas para o vôo enquanto eu faço as malas e chamo o Patsy para lhe perguntar se Alex pode ficar com eles.
-De acordo -repôs Matt. E quase chocaram o um contra o outro ao tentar ficar em marcha à carreira.
Quando se sentaram no avião, lhe tendeu o livro do T. L. Spangler.
-Creio que já é hora de que o as.
Bailey o abriu. Na página de créditos punha que a autora tinha escrito esse livro cumprindo com os requisitos para obter o doutorado em psicologia.
Não lhe levou muito tempo inteirar-se de que a senhorita Spangler acreditava que foram os próprios meninos os que colocaram a bomba no instituto e que já tinham a ação planejada de resgate. Spangler expor a hipótese diretamente e logo abordava o que mais lhe interessava: a psicologia dos meninos.
Bailey continuou lendo.
O sistema de classes sociais é interessante em qualquer sociedade, mas nas pequenas cidades dos Estados Unidos o é ainda mais. O que ocorre quando desaparece o sistema de classes? O que ocorre quando uma mulher rica e um homem pobre ficam abandonados em uma ilha deserta? Se a mulher possuir alguma habilidade, como a de costurar, pode que seja possível que mantenha seu status. Mas o que passa se a mulher não tem habilidades e o homem é carpinteiro? Como fica então seu nível social?
O que ocorreu no Wells Creek, Virginia, em 1953, é a perda de um sistema de classes sociais. Seis moços que tinham crescido na próxima Calburn, também da Virginia, tinham muito claros os conceitos dos quais e o que eram quando chegaram à adolescência.
Kyle Longacre pertencia à família mais rica do Calburn. Para demonstrar sua riqueza, o pai do Kyle tinha construído uma mansão em uma colina que dominava a cidade. Como conseqüência disso Kyle era o príncipe no instituto do Calburn. Os estudantes se apartavam nos corredores quando ele passava; todo mundo queria conhecê-lo, estar com ele.
Frederick Burgess era o capitão da equipe de futebol, o moço que conduzia a seu grupo à vitória..., claro está, nas incomuns ocasione em que a equipe resultava vitorioso.
Harper Kirkland procedia de uma família enriquecida e com ascendência. Podiam rastrear seus antepassados até chegar aos primeiros colonos da Virginia. No Calburn não tinha importância que o avô do Harper se gastou todo o dinheiro da família nos cavalos, ou que tivesse vendido a abandonada plantação familiar para comprar a seu amante uma casa na cidade. E tampouco importava que quão único possuísse a família então fora o periódico local. No Calburn o sobrenome Kirkland era tratado com reverência porque a gente sabia o que significava.
Quanto ao Frank McCallum, Rodney Yates e Thaddeus Overlander, no Calburn passavam inadvertidos pelos corredores do instituto. É obvio, Frank era conhecido por "falar de algo com qualquer", todo mundo via quão bonito era Rodney e os profesore sabiam que Thaddeus era inteligente, mas esses rasgos eram passados por cima devido a seu orígens familiares. Frank e Rodney eram primos e tinham crescido na pobreza. As garotas bonitas do Calburn não se dignavam a olhá-los. E Thaddeus tinha uns pais que pertenciam a uma seita religiosa e nunca lhe permitiram participar de nenhuma atividade social. Taddy era a quintaesencia do empollón.
Quando os seis moços foram enviados a cursar o bacharelado superior em um instituto fora do Calburn, seus passados se apagaram ou foram magnificados.
No Wells Creek ninguém sabia que a família do Harper Kirkland era uma das mais antigas da Virginia. Não recebia trato especial pelo fato de ser quem era. Ali havia meninos cujos pais eram muito mais ricos que o pai empreiteiro do Kyle. E no instituto havia vários meninos que jogavam muito melhor ao futebol que Burgess.
Esses três meninos se viram degradados pelo simples feito de ser transladados a outro instituto. Mas os outros três viveram a experiência contrária. Durante a primeira semana da escola Frank recebeu, em classe de oratória, o encargo de preparar um "discurso persuasivo". Se tivesse recebido no Calburn essa tarefa, teria sido acolhida com um interesse muito relativo porque, depois de tudo, os outros meninos já sabiam quem era. Mas no Wells Creek Frank foi julgado, provavelmente pela primeira vez em sua vida, não por quem era mas sim pelo que era. E pronunciou um discurso tão persuasivo que recebeu uma ovação fechada de todos seus companheiros, postos em pé.
Rodney, tão bonito como um astro da tela, era ignorado no Calburn por seu orígens familiares, mas no Wells Creek as garotas lançavam sorrisos e piscavam a seu passo.
Thaddeus, amplamente ignorado no Calburn, foi adorado pelo departamento de matemática do Wells Creek devido a sua habilidade para realizar cálculos mentais complicados. A equipe docente, alheio a seu status social, começou a considerá-lo o número um.
Das primeiras semanas no instituto do Wells Creek, Kyle Longacre iniciou sua ascensão, possivelmente devido à comoção de se encontrar pela primeira vez abaixo ou porque precisava demonstrá-la valia a si mesmo. É possível que queria demonstrar que não necessitava o dinheiro de seu pai para ser o "príncipe" da escola e que podia obter esse reconhecimento por méritos próprios. Mesmo que conhecia muito pouca gente do instituto, Kyle Longacre se apresentou a delegado da classe. incorporou-se à equipe organizativa do livro do curso e ao grupo de debates.
Burgess, possivelmente desejoso de ser a estrela da equipe como o tinha sido no instituto de sua cidade natal, começou a aparecer muito cedo e a ficar até tarde nos treinamentos de futebol. dizia-se que, devido aos grandes esforços que realizava, seu jogo tinha melhorado de forma espetacular.
Harper se incorporou à equipe do periódico e ao finalizar o primeiro mês, quando o moço que tinha sido o editor durante três ano teve um grave acidente, ocupou seu lugar.
Por Natal os seis moços já se deram a conhecer no instituto do Wells Creek. Três deles estavam já em condições de estabelecer-se em uma posição elevada como o tinham estado no Calburni E os outros três começavam a desfrutar de uma posição que não tinha obtido nunca antes.
Possivelmente foi o êxito destes "recém chegados" o que zangou tanto a outros estudantes, porque eles também tinham seu próprio sistema de classes sociais. Frank McCallum tinha ocupado o espaço do estudante conhecido desde o sexto curso por seus excelentes discursos. O pai desse menino era o homem mais rico do Wells Creek.
O menino mais bonito do instituto começou a odiar ao Rodney Iate quando comprovou que as garotas se sussurravam que "Roddy" estava muitíssimo melhor que ele. O ciúmes. Uma das emoções mais capitalistas que existem apareceu sua feia cabeça na pequena cidade do We Creek. E para combater esse ciúmes os estudantes trataram de voltar para status de que desfrutavam anteriormente. Tomaram a decisão de investigar a esses intrusos e utilizar os segredos que pudessem obter para reinstaurar a hierarquia anterior.
Nas cidades pequenas todo mundo sabe tudo sobre outros, mas existe uma norma tácita: não se contam as coisas. Por exemplo, em ocasiões todo mundo sabe que o pai de um menino está no cárcere, mas a cidade inteira decide não fazer público este fato como medida de amparo para o menino.
E Wells Creek contava com seu próprio código de amparo. Alguns estudantes laboriosos se foram ao Calburn, escutaram os falatórios e descobriram os "segredos" dos seis moços dessa cidade. Logo os difundiram por todo o instituto.
No Wells Creek se soube então que Frank e Rodney tinham crescido rodeados de uma pobreza inimaginável e o insulto de "paletós" voltou a lhes estar associado. No Calburn era um segredo a vozes que Kyle Longacre odiava a seu autoritário pai, a quem adorava fazer alarde de riqueza. A gente suportava sua personalidade jactanciosa e pelo general repulsiva porque queria comprar as casas que ele construía, mas quando as histórias do pai do Kyle chegaram ao Wells Creek, os estudantes começaram a rir do Kyle a suas costas. E assim desapareceu a possibilidade de que chegasse a delegado do curso.
Embora ninguém sabia com segurança, correu-se a voz de que Thaddeus Overlander levava manga larga todo o ano para esconder os açoites que lhe dava seu fundamentalista pai. Correram pelo instituto os cochichos sobre os estranhos serviços religiosos aos que acudia Taddy.
disse-se que Harper estava apaixonado pelo Kyle, e em 1953 não se admitia esse tipo de amor.
E finalmente estava Frederick Burgess, assassino já a seus quatro anos. Todo mundo no Calburn conhecia a história do Burgess, como lhe chamava, e a do Bobbie, seu irmão mais velha. Bobbie Burgess era um desses estranhos meninos em que se dão ao mesmo tempo habilidades atléticas e aptidões escolar. Era diretor do grupo de debates, de uma vez capitão da equipe de futebol, e os domingos pela tarde dava classes de leitura a meninos necessitados. Em 12 de julho de 1940, quando tinha dezesseis anos, Bobbie estava lavando o carro da família enquanto seu irmão Frederick, de quatro anos, jogava dentro do veículo. De fora um vizinho viu o que acontecia. O menino, que jogava a que era seu irmão mais velha e conduzia, moveu a alavanca de mudanças. O carro, estacionado em uma zona em desnível, foi para trás, pilhou ao Bobbie pelos pés, passou-lhe por cima e o matou imediatamente.
Frederick não herdou a inteligência nem a capacidade atlética de seu malogrado irmão e no Calburn se dizia que os pais desdenhavam a seu filho mais nova pelo que tinha feito, por tudo o que lhes tinha tirado. De fato, uma pessoa do Calburn disse que o pai do Burgess tinha expresso com freqüência o desejo de que seu segundo filho não tivesse chegado a nascer.
Bailey levantou a vista do livro.
-Creio que não posso ler nada mais -disse enquanto o fechava-. O bacharelado já é bastante difícil e ainda por cima a esses meninos tocou acontecê-lo fatal.
-Mas se a tortura acabou quando receberam o diploma, por que lhes ocorreram logo tantas coisas más?
-Não sei -respondeu Bailey-. Possivelmente era seu destino. Está seguro de que tem a direção?
-Sim -respondeu Matt com ar distraído.
-O que está lendo? -perguntou ela e apoiou a cabeça em seu ombro.
-Nada. Estava pensando em que tudo conduz aos Seis de Ouro. Seja o que seja que queiramos saber, sempre nos leva de volta a esses seis moços.
-A seu pai -disse Bailey com suavidade.
-Tudo ocorreu antes de que fora meu pai. De todas formas, o que estava pensando agora é que quanto mais saibamos sobre eles, mais factível será encontrar à pessoa em que Manville confiava.
-Se estiver viva... -disse Bailey.
-Claro que o está -respondeu Matt.
27
-Nunca tinha tido visitas -disse a enfermeira a Bailey e Matt poucos minutos depois de que entrassem na casa de repouso-. Bom, visitaram-lhe um par de colegas de trabalho, mas ninguém de sua família.
-Onde trabalhava? -perguntou Matt.
-Era treinador de futebol de instituto -respondeu a enfermeira e lhes dedicou um olhar especulativo diante esse desconhecimento-. Se for seu tio...
-Dissensões familiares -se justificou Matt-. Já sabe como são essas coisas.
-Claro -replicou ela e se deteve diante de uma porta-. De acordo, e agora as normas. É um homem muito doente, assim se lhe incomodam, vão fora. Entendido?
Tanto Bailey como Matt assentiram enquanto entravam na habitação. Nesse preciso momento Bailey já quis sair. O homem que havia na cama não parecia superar os quarenta quilogramas de peso e lhe saíam tubos por toda parte. No braço esquerdo tinha um conta-gotas colocado, e uma máscara de oxigênio lhe cobria grande parte da cara. Todo ele estava rodeado de máquinas que mediam desde sua respiração até os batimentos do coração do coração.
-Matt, eu... -começou Bailey enquanto lhe sujeitava o braço com a mão.
Mas Matt se adiantou para a cabeceira.
-Senhor Burgess -disse com firmeza-, nós gostaríamos de lhe perguntar algo sobre a noite em que morreu Frank McCallum.
O homem abriu uns olhos como pratos e tudo os alarmes se dispararam. Ao cabo de um segundo irromperam na habitação um médico e duas enfermeiras, que apartaram a empurrões ao Matt e Bailey.
Bailey sujeitou as mãos do Matt enquanto observavam como o medico examinava ao paciente e as enfermeiras apagavam os alarmes. Ao cabo de um momento Bailey ouviu uma voz.
-Estou bem. me deixem! -disse a voz e ela respirou com alívio-. tive um mau sonho -acrescentou.
O médico e as enfermeiras lhes tampavam a vista mas Bailey soube que era Burgess quem falava.
-Querem largar-se de uma vez e me deixar solo com minha visita? -pinjente a voz.
O médico se deu a volta e lançou ao Matt e Bailey um olhar severo O paciente não tinha conseguido enganá-lo.
-Se o voltarem a incomodar dessa maneira, escoltarei-lhes pessoalmente até a porta -disse. E saiu da habitação seguido pelas enfermeiras
Bailey se aproximou da cabeceira. O homem estava gasto, consumido por aquilo que lhe estava arrebatando a vida, mas tinha os olhos vivazes. E além da cara enrugada ela pôde reconhecer ao jovem que tinha visto em muitas fotografias.
--Possivelmente seja melhor que vamos -disse timidamente-. Nós só queríamos...
-O que? me matar? -resmungou Burgess e logo tossiu.
Bailey agarrou um copo de água com uma pajita que havia na mesinha, o aproximou para que bebesse.
Matt permanecia espectador aos pés da cama, obstinado às barras de metal.
-Você é o moço do Kyle, verdade? -disse Burgess-. É igual a ele, só que mais gordo.
-Come muito -disse Bailey com um sorriso.
Burgess voltou a vista para ela.
-E você quem é?
Matt se adiantou, antes de que Bailey respondesse:
-A viúva do Lucas McCallum.
-OH, Senhor! -exclamou Bailey e logo se sentou em uma cadeira junto à cama. Estava segura de que esta notícia acabaria de matar a esse homem. As máquinas soltaram uns assobios, mas os alarmes não se dispararam.
-Manville -disse Burgess ao cabo de um momento-. James Manville. Vi-o em uma ocasião. Eu estava no Oregón comprando madeira e alguém contou que James Manville acabava de chegar à cidade e ia fazer piragüismo nos rápidos. Como todo mundo, eu também queria vê-lo, assim estive entre a multidão que lhe esperava. Saudou-nos com a mão e eu acreditei que me ia parar o coração porque o que via eram os olhos do Lucas McCallum.
-Viu-o ele a você? -perguntou Bailey.
-claro que sim. Viu-me, e quando o fez desapareceu de seu rosto o olhar arrogante do James Manville e voltou a ser a daquele moço assustado. Mas lhe dava a entender com um gesto que nunca o diria. Luke me lançou um sorriso. Sempre me tinha gostado de Luke.
-Quero sabê-lo tudo sobre ele -pediu Bailey.
Burgess sorriu.
-Sinto muito. Nisso não posso te ajudar. Tudo o que sei é que Frank deixou a cidade assim que acabou o bacharelado, esteve fora uns quantos anos e quando voltou trazia um menino consigo. Uma vez perguntei ao Kyle por que não víamos nunca ao menino e ele me disse que era disforme, assim Frank o mantinha escondido na montanha para que a gente não se riera dele. Não era meu assunto, assim nunca fiz perguntas sobre ele. Nem sequer o vi até que foi adolescente. Estava acostumado a escapulir-se da montanha e visitar... -Fez uma pausa-. Uma granja. Ali havia um homem agradável, em...
-Ow Creek Road -se adiantou Bailey-. A casa do velho Hanley.
-Sim! Isso. Conhece-a?
-Sim -assentiu Bailey com doçura-. É formosa. Na parte de atrás há uma árvore de amoras añoso que... -deteve-se. As máquinas tinham começado a apitar-. O sinto, incomodei-lhe. Creio que deveríamos partir.
-Não, por favor, não vão -disse Este Burgess é um lugar solitário e além eu gostaria de conversar mais. Passam dias em que não cruzo uma só palavra com ninguém. Estava acostumado a ser conhecido como um narrador de histórias bastante bom.
Bailey olhou ao Matt e este sorriu.
Burgess ficou em silêncio um momento enquanto olhava ao um e logo ao outro.
-Possivelmente vocês gostariam que lhes falasse dos Seis de Ouro e o que aconteceu em realidade.
-Sim -disse Matt-. Nós gostaríamos de escutar o que quiser nos contar.
Por um momento Burgess fechou os olhos.
-A cercania da morte me tem feito querer contar a verdade -acrescentou. Logo abriu os olhos e olhou a Bailey-. Toda a culpa é dessa zorra T. L. Spangler, sabe?
-Tenho lido grande parte do livro -comentou Bailey-. Ao menos tudo o que pude suportar.
Burgess sacudiu a cabeça.
-Não, não essa parte. Não o que está escrito nesse livro. Tratou de justificar o horror que tinha causado, mas ela sabia o que tinha feito. ouvi que agora está em Washington -disse Burgess e sorriu-. Política. Falações e astúcias pouco podas. Ela pertence a todo isso. -deteve-se um momento para acalmar-se-. Tudo começou com uma aposta que perdeu Roddy e que trocou a vida de muita gente. Se tiver lido o livro, então saberá sobre essa porcaria das classes sociais com que amassou, embora algo disso era certo. Eramos reis no Calburn e dom nadies no Wells Creek. O que essa mulher não escreveu em seu livro foi que ela estava detrás de todo o ódio que se desencadeou no Wells Creek. Olhe, Roddy... Continua vivo?
-Sim -respondeu Bailey-. Está vivo. E é mau e está louco, mas ainda continua casando-se com mocinhas e lhes fazendo filhos.
Burgess sorriu.
-Então não há mudado nada. Sempre foi desprezível e estava maluco, mas por então era também bonito e poucas pessoas de fora do Calburn podiam ver além dessa beleza. Seu pai sim podia -disse olhando ao Matt, que tinha tomado assento junto a Bailey-. Kyle não suportava ao Roddy, detestava-o, e ao contrário do que se escrito, não tinha nada que ver com a origem familiar do Roddy ou seu status social. Roddy nasceu mau e não trocou nunca.
-A meu pai não gostava de -comentou Matt, pensativo-. Mas eu pensava que os Seis de Ouro eram...
-Um para todos e todos para um? -ironizou Burgess e logo trato de rir, mas então as máquinas começaram a apitar outra vez. acalmou-se e levantou o braço carregado de agulhas-. Eu me tiraria isso, mas eles as voltariam a pôr -disse com um suspiro-. Bom, onde estava?
-Uma aposta -recordou Bailey-. Dizia que tudo começou com uma aposta.
-Sim. Lembrança esse dia com toda claridade. Estávamos no instituto do Wells Creek, de pé junto às bilheterias. Kyle, Roddy, Frank e eu. Roddy tratava de impressionar ao Kyle e se mostrava mais pago de si que nunca. Alardeou sobre que ele poderia conseguir qualquer garota que se propor. Por alguma estranha razão Kyle, em vez de ignorá-lo como normalmente fazia, girou-se e o olhou de frente. Foi então quando lhe lançou essa sorrizinho que não esquecerei nunca. "A ela! -disse-. "Consegue-a a ela." Era Theresa Spangler. Viram alguma foto dela?
-Eu sim -disse Bailey e, olhando ao Matt, perguntou-: E você?
-Claro, estava na capa do Teme -assegurou Matt.
-Não -replicou Bailey-, não refiro a uma foto recente. Viu o aspecto que tinha no instituto? Então era...
-Um cão -acrescentou Burgess-. Um verdadeiro buldogue -particularizou. Logo fechou os olhos um momento, recordando aquele dia-. Roddy se dirigiu a ela e tentou enrolá-la com suas mais estudadas zalamerías, seus galanteios mais sensuais, mas Spangler não acreditou. Disse ao Roddy que se largasse, que ela não queria nada com ele. Teriam que lhe haver visto a cara ---comentou com uma sorriso-. Roddy acreditava que todas as garotas do Wells Creek estavam loucas por ele, mas aí tinha a esse cão que lhe dizia que se perdesse. Para então se reuniu um montão de garotas que murmuravam entre elas. O orgulho do Roddy estava ferido, assim disse: "De todas formas, quem ia querer a uma feia como você?" Ele ia partir, mas Spangler... -Teve que fazer um alto para tomar fôlego antes de continuar-. Em voz alta, como para que a pudesse ouvir o outro extremo do corredor, Spangler lhe disse: "Pode que você tenha beleza e eu fealdade, mas eu tenho cérebro e você não. A mim podem me arrumar a cara, mas você não poderá conseguir um cérebro. Algum dia eu estarei na Casa Branca, enquanto que você estará em uma choça sonhando com os dias em que foi bonito."
-Vá! -exclamou Matt-. Certamente tinha toda a razão, não é assim?. Garota lista.
-Sua boa memória lhe permitiu plagiar ao Winston Churchill -comentou Bailey.
Os dois a olharam com desconcerto.
-Em um jantar, uma mulher que desagradava ao Winston Churchill e que estava sentada junto a lhe disse: "Você, cavalheiro, está bêbado", e Churchill lhe respondeu: "E você, senhora, é feia, mas eu manhã pela manhã estarei sóbrio."
Matt e Burgess continuaram olhando-a com expressão do "que tem que ver".
-Roddy poderia lhe haver famoso o plágio -disse Bailey. Mas os homens seguiram olhando-a fixamente-. Claro, me esquecia. Vós são meninos. É provável que pensem que Roddy teria que lhe haver dado um murro no nariz. Vale, o que disse ele?
-Nada -respondeu Burgess-. Roddy era bonito, mas não preparado, assim não disse nada e todo mundo riu dele. O que nós, os do Calburn, não sabíamos era que ninguém fazia brincadeiras com a Theresa Spangler porque era perigosa. Do colégio todos os meninos do Wells Creek tinham aprendido a manter-se longe dela. Se não o faziam, seus cafés da manhã "desapareciam" ou se encontravam chiclete no cabelo, ou havia "acidentes" no pátio.
-Uma jogadora suja -disse Matt.
-A mais suja -confirmou Burgess-. Nunca fazia nada diretamente. Todos os meninos sabiam quem lhes tinha vexado, mas os professores nunca se inteiravam. Eles sentiam lástima pelo Spangler, porque era tão feia que todo o perdoavam, assim se um dos meninos a acusava, pelo general o que recebia o castigo era o inocente. No instituto, a presunçosa chefa das animadoras da equipe de futebol fez um comentário grosseiro sobre a fealdade da Theresa Spangler e as outras garotas riram. Ao dia seguinte alguém tinha colocado tintura verde no xampu da equipe de animadoras. depois disso, todo mundo no instituto do Wells Creek tratava a Theresa com o máximo respeito.
-Estou segura de que os métodos não eram os melhores, mas ao menos se defendia -reconheceu Bailey. Também a tinham chamado feia com muita freqüência e freqüentemente tinha fantasiado com uma boa vingança.
-Já sei o que está pensando -disse Burgess-. Tinha razão ao vingar-se, mas essa garota jogava muito sujo e além não perdoava. depois de que essas animadoras se rissem dela, não ficou só no tintura e os cabelos verdes. Fez-lhes a vida impossível ao longo de todo o curso. Ao ano seguinte três delas se trocaram de instituto e as outras três... Bom, não te direi nada mais, mas necessitavam desesperadamente uma terapia.
-Assim que vós sem lhes dar conta escolheram à pessoa mais inadequada da escola para lhes colocar com ela -comentou Matt.
-Sim. E dirigiu sua fúria contra todos e cada um de nós. Tomou como objetivo desfazer a fama de heróis que tínhamos conseguido com o assunto da bomba. na segunda-feira seguinte Kyle abriu seu caderno e se encontrou dentro as tarefas de alguns guris que supostamente as tinham extraviado. Quatro deles lhe esperavam à saída de classe. Deram-lhe uma surra tão grande que passou dois dias no hospital. -Burgess moveu a cabeça em sinal de desaprovação-. Esse ano acusou aos seis de coisas horríveis, mas não fomos culpados. tirou o chapéu uma nota obscena do Roddy na casinha da noiva de um jogador de futebol e se livrou de uma surra por pura casualidade. encontrou-se uma parte da camisa do Frank no exterior do vestuário das garotas e lhe acusou de ser um olheiro. Ao Taddy o acusaram de copiar em um exame. E ao Harper o encerraram na bilheteria do Kyle quatro moços que disseram que os estava espiando. Fizeram-no na sexta-feira pela tarde e não o encontramos até na sábado de noite. Tivemos que forçar a entrada do instituto para resgatá-lo.
-E a você? -perguntou Bailey-. O que fizeram a você?
-Escreveram "assassino" em minha bilheteria. E dentro de todos meus livros e cadernos.
Os três guardaram silêncio.
-Foi um assunto forjado? -perguntou Bailey com suavidade-. Me refiro ao tema da bomba. Planejaram-no vós ou foram realmente heróis?
-Sim e não -respondeu Burgess-. De alguma forma o planejamos porque dias antes fantasiávamos fazendo, mas realmente não creio que a nenhum de nós lhe ocorresse colocar uma bomba na escola.
-Exceto ao Harper -disse Matt em voz baixa.
-Exato. Como o soubeste?
-Creio que é possível que meu pai contasse a minha mãe a verdade, porque em uma ocasião em um telejornal falaram de uma bomba que tinha desaparecido de algum lugar e minha mãe comentou: "Será melhor que vigiem ao Harper." supunha-se que eu não o tinha ouvido. Então eu era tão pequeno que pensei que falava de um instrumento musical, de um harpa, mas o que dizia era tão lhe impactem que o recordei. Anos mais tarde ouvi o nome do Harper e o relacionei com o comentário de minha mãe.
-assim, como ocorreu? -reconduziu a conversação Bailey.
-Começou como solidão, como disse Spangler. Fomos forasteiros em um instituto onde não nos queria e nós desejávamos com desespero ser aceitos.
-Spangler diz em seu livro que Frank, Rodney e Thaddeus estavam melhor no Wells Creek do que o tinham estado no Calburn -comentou Bailey-. Conta que Frank tinha impressionado a toda a escola com seu discurso persuasivo.
Burgess lançou um bufido tão forte que uma das máquinas apitou e ele teve que respirar fundo um par de vezes para acalmar-se.
-Sabe por que tinha Frank essa voz tão persuasiva? Porque levava fumando sem parar dos onze anos e tinha os pulmões carbonizados. Spangler escreveu esse libero para impressionar aos professores. Fomos todos uns inadaptados. A única coisa em que essa mulher tinha razão era em que, já que procedíamos todos do Calburn, nos podia colocar a todos no mesmo saco. Também tinha razão quando dizia que no Calburn nunca tivéssemos sido amigos entre nós. Os petardos como Taddy nunca chegam a roçar-se com luminárias como Kyle Longacre.
Bailey desviou o olhar para o Matt e viu que tinha a boca apertada formando uma linha. Era evidente que não considerava a seu pai uma luminária".
-As primeiras semanas foram espantosas -continuou Burgess-. Estávamos isolados, sózinhos, e sentíamos falta de nosso instituto, do qual conhecíamos as regras. Cada tarde devíamos esperar mais de meia hora o ônibus que nos levava de retorno a nossa cidade. E, como era habitual por então, mantínhamo-nos além das garotas. A primeira vez que se mencionou a bomba nos estávamos lamentando, como sempre, do muito que odiávamos o instituto do Wells Creek.
-O que fariam se alguém bombardeasse este lugar? -perguntou Harper aos outros meninos enquanto esperavam a chegada do ônibus.
-Correr -respondeu Roddy, e todos riram.
-Eu me largaria o mais longe possível com a esperança de que voasse tudo -disse Frank.
-Não! -exclamou Harper com ferocidade-. Essa não é a maneira de chegar a heróis.
-Heróis? Quem quer ser herói? -replicou Roddy.
-Olhem, temos que estar aqui um curso completo e pode chegar a ser um paraíso ou um inferno -refletiu Harper-. O que é o que querem?
Frank começava a desentender do giro estúpido que tinha tomado a conversação, mas as palavras do Kyle o retiveram.
-Escuto-te -disse Kyle-. O que tem em mente?
-Nada -respondeu Harper-. Não descida nada. É só que quero ser escritor e eu gosto de imaginar histórias. O que acontece? É minha afeição favorita.
-Quer dizer além de olisquear as calcinhas das garotas? -disse Burgess.
Harper olhou ao Burgess de cima abaixo.
-Quer provar com uma?
Kyle os interrompeu.
-Vale, serei eu o que rivalidade. O que nos converteria em heróis?
-Só era algo que estava pensando para uma narração, isso é tudo. Estava imaginando o que faria se uma bomba caísse aqui.
-Empurrar a todos ao oco do elevador e logo lançar um cartucho de dinamite detrás? -disse Taddy e todos o olharam, surpreendidos pela malevolência que continha sua voz.
-Justo o contrário -disse Harper-. Eu os resgataria. Interpretaria o papel de tipo sereno e com sangue-frio enquanto eles corressem sem rumo, aterrorizados. Dirigiria-os para as saídas, faria-me cargo de tudo no meio do pânico geral. Depois, mostraria-me modesto quando falasse com os jornalistas -acrescentou enquanto o demonstrava baixando a cabeça e olhando com acanhamento-. "Caray, senhora, mas se não ter sido nada."
Todos riram.
-Uma boa idéia. Conduziríamo-los para as saídas e logo largaríamos ao Calburn -disse Kyle.
-E o que passaria se as portas das salas-de-aula estivessem fechadas com chave? -questionou Taddy.
-E quem resgataria às garotas nuas do ginásio? -quis saber Rodney.
-O que aconteceria os pequenos do piso de abaixo? -perguntou Burgess-. Eu gostaria de ajudá-los a sair.
-E a mim -disse Frank-. Eu também ajudaria a escapar aos pequenos. -Quando todos o olharam, encolheu-se de ombros e acrescentou-: Eu gosto dos meninos. Eu gosto muito mais que os adultos.
-E você o que, Taddy? A quem você gostaria de salvar? -perguntou Kyle.
Taddy sorriu burlonamente.
-Salvaria aos jogadores de futebol. Estariam... -pensou um momento- estariam encerrados no ginásio com a fumaça alagando o lugar. Tossiriam e estariam seguros de que foram morrer, então eu romperia um vidro, lançaria uma soga pela janela e os ajudaria a subir.
Seu relato foi tão vivo que os outros riram, mas Harper estava muito sério.
-Com o que romperia o cristal e onde conseguiria a soga? E se sair do lugar de um em um, não morreriam alguns pela inalação de fumaça?
Guardaram silêncio, olhando à estrada e esperando o ônibus. A conversação parecia ter chegado a seu fim, mas Harper não a ia deixar. girou-se para o Kyle.
-O que faria você?
-Apanhar ao filho de cadela que o tivesse feito -disse Kyle sem vacilar, como se tivesse estado pensando nisso-. Me poria a capa, voaria através da fumaça e apanharia ao psicopata.
-E o que passaria se o psicopata já se foi? -quis saber Harpe
-Iria pela bomba e evitaria que estalasse, inclusive embora tivesse que lançar meu corpo sobre ela. -Quando Kyle se deu conta de como o olhavam os outros, esboçou uma meia sorriso e acrescentou-: Assim me demandem, quero ser um herói. Queria ser o contrário que meu pai.
-E assim foi como começou tudo -disse Burgess-. Não foi mais que uma história que inventamos para nos distrair da larga espera do ônibus.
-Mas logo ocorreu de verdade -assinalou Bailey.
-Sim. Harper colocou a bomba no instituto e, isto entre vós e eu, creio que já o tinha feito antes. Durante esse verão exploraram variada na zona e creio que Harper as tinha colocado todas. Em realidade, no Wells Creek houve uma meia dúzia repartida por todo o instituto, mas aproveitando a confusão, Harper as arrumou para deslizar-se por aí e tirar a maioria antes de que a polícia encontrasse os restos. De todas formas, não eram autênticas; eram só de fumaça.
"Contudo, para quando exploraram, tínhamos aperfeiçoado tanto a história que conhecíamos a perfeição as tarefas que nos correspondiam. Harper também tinha feito os deveres; tudo o que necessitávamos para o resgate estava exatamente em seu sítio. E quando chegaram os jornalistas, inclusive nossos humildes discursos tinham sido ensaiados. Mas o que não tinha sido ensaiado era a ira do Kyle. Essa noite Kyle foi a nossas casas, tirou-nos da cama um por um e nos fez sair furtivamente para ter um encontro com o Harper. Kyle estava furioso e ameaçou ao Harper expulsando-o do grupo se voltava a fazer algo assim em sua vida. Deixaríamo-lo de lado e o ignoraríamos.
-Mas acabaram a história da bomba com o título dos Seis de Ouro-comentou Matt.
-Sim. Isso foi algo que não tínhamos previsto -disse Burgess, pensativo, e guardou silêncio um momento-. Por uma temporada foi fantástico. Fomos heróis no Wells Creek e governávamos Calburn. Por toda parte a gente nos adorava.
-Até que Roddy ofendeu a Theresa Spangler -acrescentou Matt.
-Exato -disse Burgess e sorriu-. Para então já nos tínhamos esquecido bastante da responsabilidade do Harper, já que tudo tinha funcionado bem. De fato, graças a ele estava indo melhor do que nos tinha ido nunca. depois de que Spangler se sentisse ofendida começaram a nos passar coisas horríveis, mas Harper nos salvou.
-Escreveu aqueles artigos -disse Matt-. Bailey não os tem lido. -E acrescentou rapidamente-: Isto não supõe uma crítica, carinho.
-Não me tinha dado conta de que estivessem casados -disse Burgess.
-Não o estamos -respondeu Bailey.
-Só começou por dormir comigo... -começou a contar Matt.
-Por favor! -disse-lhe Bailey e os dois homens riram-. Bom, me conte sobre os artigos.
-A família do Harper era a proprietária do periódico do Calburn. A mãe do Harper estava em casa e o tinha subjugado, enquanto o filho mais velha de seu defunto algemo levava o jornal. Era uma tirana que tratava de dominar a qualquer que se encontrasse em um rádio de trinta quilômetros.
"Justo depois de que Roddy ofendesse ao Spangler, esta começou a lhe contar às pessoas que acreditava que os que tinham colocado a bomba fomos nós. Disse que os heróis não se faziam da noite para o dia, como era nosso caso. A experiência me ensinou que a gente necessita heróis aos que admirar, assim que a maioria da gente a ignorou. Assim foi ao Calburn, fingiu que necessitava informação para um artigo sobre os Seis de Ouro e fez um montão de perguntas.
-Igual a atuou muitos anos mais tarde para seu livro.
-Exatamente --disse Burgess-. As arrumou para que a gente confiasse nela e a seguir difundiu todo aquilo do que se inteirou, e então os estudantes começaram a nos aborrecer. Como não fomos do Wells Creek, não soubemos de onde chegavam esses malévolos rumores. Foi Roddy quem o descobriu. Uma garota o disse no assento traseiro de um carro.
"Quando Harper se inteirou, zangou-se muitíssimo. Disse que nenhuma Medusa vesga, dentuça e de cabelo crespo poderia ganhar. Assim que disse a sua mãe que ia ser escritor, que precisava começar jovem e que era ir andadura que seus trabalhos se publicassem já no periódico. A mãe o permitia tudo, exceto a liberdade, assim aceitou e ele escreveu seu primeiro; artigo. Mas quando sua primo, o editor do jornal, leu-o, negou-se a publicá-lo e disse a sua tia: "Tem lido isto? Diz que Kyle Longacre é um cruzamento entre um cavalheiro da mesa volta e Buda. Chama-o o benfeitor dos necessitados. Conheço o Kyle de toda a vida e nunca foi benfeitor de ninguém, se se excetuar um jogo de futebol. É um menino agradável, mas não é um santo. E seu filho há descrito ao Thaddeus Overlander como a um grande matemático, que trabalha secretamente para o governo em detrás de salvar ao mundo da destruição. E Burgess é..." "Creio que o artigo demonstra uma grande imaginação", disse a senhora Kirkland. "Isto não é imaginação, é um libelo. E além disso, tudo é uma enorme mentira." "Meu filho o tem escrito, assim que você o vais publicar ou fica sem trabalho", decidiu ela, e ia ser exatamente desse modo.
"E assim foi como começou. Harper tomou todas as histórias que Spangler tinha utilizado contra nós e lhes deu a volta em nosso favor. Descreveu ao Frank como um homem com voz de anjo e disse que tinha conseguido abrir-se caminho de uma pobreza extrema, e toda graças a sua voz. Como conseqüência, uma emissora de rádio local contratou ao Frank para que lesse os resultados do futebol.
"Do Kyle contou que era um jovem com um caráter de tal nobreza, expoente de épocas passadas, que no instituto lhe atribuíam tarefas que requeriam uma absoluta fiabilidad.
"Roddy se distinguia por ser irresistível para as mulheres e isso era tão evidente que não podia abrir sua bilheteria sem que caíssem ao estou acostumado a nota de amor.
"Do Kyle disse que era brilhante e como conseqüência recebia atenção especial por parte dos professores, o que elevava suas qualificações.
"De si mesmo assinalou que tinha escrito livros com um famoso pseudônimo, por isso nas salas-de-aula lhe paravam continuamente para lhe perguntar se ele era este ou aquele escritor.
Burgess se deteve um momento e Bailey lhe ofereceu mais água.
-Quanto a mim, todo o condado sabia o que me havia passado aos quatro anos, mas, em vez de ocultá-lo, Harper escreveu um artigo que todo mundo leu entre lágrimas. Descreveu-me vivendo sob o peso de uma terrível e dolorosa tragédia, a qual me fazia sofrer cada minuto de minha vida. O dia que se publicou se venderam mais periódicos. depois disso não voltou a aparecer nenhum "assassino" mais escrito em meus pertences.
Ao finalizar seu relato Burgess estava esgotado, ou ao menos isso pareceu a Bailey. A pele lhe tinha voltado cinzenta e fez ao Matt um gesto de que deveriam partir. Este assentiu, embora ainda não lhe tinham exposto o grande dilema.
Matt tomou ar.
-James Manville tinha um documento muito importante e ao parecer o entregou à pessoa em quem mais confiava".
Burgess sorriu.
-Essa devia ser Martha, a mãe do Frank. Foi a que criou ao Luke.
A Bailey lhe caiu a alma aos pés ao visualizar como o documento tinha ido parar ao lixo junto com os efeitos da anciã.
-Obrigado -disse de uma vez que olhava ao Matt e tratava de que não se trasluciera sua decepção-. Creio que já lhe roubamos muito tempo. Será melhor que vamos.
-Sim. Estou cansado -disse Burgess-. Mas com um bom cansaço. Sinto-me muito aliviado.
Bailey não pôde resistir a uma pergunta mais.
-por que se casou com o Violet e logo a abandonou?
-Por muitas razões. Eu tinha alguns amigos em Califórnia e em certa ocasião um deles me perguntou se não gostava de me deitar com uma mulher. E o seguinte que fez foi chamar uma prostituta que, conforme contou, era de quão melhores conhecia. Eu gostei da idéia até que ele começou a me falar de certas perversões. Então me parti de sua casa. Levava uns quilômetros conduzindo quando vi uma garota no borda da estrada. Lhe tinha quebrado seu carro e imediatamente soube que era a prostituta. Quando chegasse a casa de meu amigo não lhe ia sentar bem não encontrar a seu cliente, assim que me senti um pouco culpado e detive meu carro para ajudá-la.
"Todo o tempo que dediquei a lhe arrumar o carro ela o empregou em mostrar-se como uma mocinha jovem e inocente que cantava no coro de uma igreja, lá em seu povoado. Mas embora soube que mentia com cada respiração, eu gostei. E ainda mais importante, soube que queria minha vida. Não me queria exatamente, a não ser minha vida. E isso era estranho, porque não há muitas garotas bonitas que queiram casar-se com um viajante de comércio de madeiras e mudar-se a viver a um lugar perdido.
Burgess fez uma pausa para tomar fôlego.
-Além disso, eu gostava da idéia de me levar a viver ao Calburn a uma prostituta. Eu gostei da idéia de apresentar-lhe a meu pai como sua nora. E se Violet e eu tínhamos filhos... -Esboçou uma sorrizinho-. Digamos que planejava lhe contar a meu velho algumas coisas interessantes em seu leito de morte.
-Amava-a? -perguntou Bailey.
-Exatamente igual a ela me amava . E não quero dizer que fora de má maneira. Violet e eu nós gostávamos; estávamos bem emparelhados.
-Mas você simulou sua própria morte e partiu.
-Não, não foi uma montagem. O avião se estrelou mas eu, milagrosamente, pude sair com apenas uns arranhões. Quando me afastei e vi aquele destroço, pensei que se tinha saído dessa, possivelmente também poderia abandonar a cidade e a sua gente e começar uma nova vida, sendo outra pessoa.
-Funcionou? -quis saber Bailey.
-Por isso ocorreu em 30 de agosto de 1968? -perguntou Matt, e no ato as máquinas apitaram ao uníssono.
O doutor os tirou da habitação antes inclusive de que pudessem despedir-se do Burgess.
-perdemos! -exclamou Bailey uma vez estiveram no vestíbulo-. Bom, como Frank viveu na cabana da montanha, com um pouco de sorte é possível que utilizassem o documento de autorização para empapelar uma habitação e que ainda esteja aí.
Matt riu, mas logo sacudiu a cabeça dando a entender que não sabia por onde seguir.
-Perdão -ouviram uma voz detrás deles-. O senhor Meredith me pediu que lhes dê isto -disse uma enfermeira e lhes tendeu uma velha agenda de direções.
Bailey a agarrou e olhou à enfermeira.
A moça levantou as mãos.
-Não sei o que é. O único que me há dito é que a desse.
-Obrigado -respondeu Bailey e continuaram andando para a porta.
Uma vez no exterior, abriram a libretita e percorreram umas quantas páginas. Eram todas direções da Florida e em sua maioria pareciam de trabalho.
-Olhe a letra M -disse Matt-. Do McCallum.
Bailey passou o dedo pelas iniciais e se parou na M. Ali, em sobressaia lugar, aparecia o nome do Martha McCallum e um número de telefone
antes de que Bailey tomasse ar, Matt já tinha jogado mão de seu telefone móvel. Ela conteve o fôlego até que Matt perguntou pelo Martha McCallum à pessoa que respondeu.
-Está viva? -disse Matt-. Lúcida? Muito obrigado. -E pendurou.
-Onde?
-Em uma casa de repouso nos subúrbios de Atlanta.
Bailey começou a girar-se e a olhar aos edifícios circundantes, em vez de dirigir-se ao carro de aluguel que tinham estacionado.
-O que faz? -quis saber Matt.
-Procurar a agência de viagens mais próxima.
Ele fez uma careta.
-Temos umas cabeças muito parecidas. Quando acabar tudo isto me recorde que te diga quanto te quero.
Bailey não se deteve em seu caminho para o carro, mas o coração lhe deu um tombo.
-Vale, já lhe recordarei isso.
28
O telefone móvel do Matt soou às três da manhã. Bailey e ele estavam em um hotel de Muito bicha. Tinham reservado bilhetes em um vôo a Atlanta de primeira hora da manhã. Não tinham podido encontrar assentos juntos, mas de todas formas a reserva parecia.
Matt pensou que não seria nada bom. E quando respondeu e ouviu a voz de seu irmão, soube que se tratava de muito más notícias. levantou-se da cama sigilosamente, levou-se o móvel ao banho e fechou a porta.
-O que ocorreu? -perguntou ansioso.
-prenderam ao Alex -respondeu Rick com voz tranqüila, embora Matt, que o conhecia bem, soube que estava muito afetado.
-por que? Excesso de velocidade? Brigados? por que demônios deixou a um menino tão jovem sair até tão tarde? Sabe que...
-Por assassinato -respondeu secamente Rick-. Alex foi detido por assassinato.
Matt se sentou no lado da banheira.
-me conte-murmurou, enquanto imaginava ao Alex em uma briga de bar por uma garota.
-ouviste alguma vez o nome da Dolores Carruthers?
Matt acreditou que lhe ia parar o coração.
-Sim. -As arrumou para responder.
-Foi assassinada ontem e a polícia diz que há rastros do Alex por toda a casa. Ela tinha pele sob as unhas e, escuta, o menino tem arranhões profundos nas costas. Se o DNA coincidir... -Rick se deteve e tomou fôlego-. Não entendo o que estava fazendo com ela. É uma mulher de quarenta e um anos, e Alex tem dezessete.
Matt se passou a mão pela cara. Tudo isto era por sua culpa. Se ao Alex o condenavam...
-Segue aí? -perguntou Rick.
-Sim, sigo aqui.
-Quem é essa mulher?
-A irmã de Bailey -respondeu Matt.
Houve um silêncio.
-É mau assunto, verdade? -disse Rick ao cabo-. E você está envolto, não é assim?
-Até o pescoço.
-Bailey é a viúva do James Manville? -perguntou Rick em voz baixa.
-Sim.
-OH, Meu deus! A polícia também a busca a ela. Disse-lhes que nunca a tínhamos visto. Mostraram-nos uma foto e eu...
-Você o que? -perguntou Matt quando seu irmão fez silêncio.
-Agora o entendo. Patsy também viu a foto e não disse nada. Deixou que fora eu o que dissesse à polícia que não conhecia de nada a essa mulher. Mas depois de que se levaram ao Alex, Patsy me disse que tinha que ir ver o Janice. Já sabe que não pronunciou o nome do Janice durante anos, assim que me ocorreu que esta confusão ao menos tinha algo de positivo se conseguia acabar de uma vez esse estúpido litigioso que se trazem. E resulta que... .
-Ela soube que Bailey era Lillian Manville.
-Sim, creio que sim -disse Rick-. Onde estão vós?
-Em Muito bicha. Estamos...
-Na Florida? -exclamou Rick-. Mas aí é onde vivia a mulher assassinada. Quer dizer que Bailey e você estavam ali quando ela morreu? Tem Bailey algum motivo para assassinar a sua irmã?
-Havia muito ódio e milhares de milhões de dólares em jogo. Parece-te razão suficiente?
Rick se serenou um pouco.
-Acreditas que Bailey e você poderiam ser considerados instigadores do crime?
Matt respirou fundo.
-Sim, não só acredito provável, também me parece factível.
-Matt... -começou Rick com tom afogado, e ao irmão mais velha lhe recordou a época em que sendo um menino lhe pedia amparo e amparo.
-De acordo -disse Matt-, te tranqüilize. Não te derrube. Bailey e eu sairemos da Florida dentro de poucas horas. Precisamos ver alguém que pode nos dar algumas pistas sobre todos estes assassinatos.
-Assassinatos? -repetiu Rick-. Em plural? Acaso há mais?
-Explicarei-lhe isso tudo mais tarde. Escuta, pode lhe dar este número à polícia. Pode lhes dizer com toda honradez que não te contei aonde de vamos, nem a quem vamos ver. Recorda-o bem: você não sabe nada!
-Vale -respondeu Rick, como se voltasse a ter seis anos-. Mas por que veio ao Calburn a viúva do James Manville? O que...?
-Tenho que pendurar -avisou Matt antes de cortar a comunicação. A seguir desconectou o telefone.
ficou no quarto de banho tratando de acalmar-se. Uma parte dele estava sumida no pânico, mas a outra sabia que não podia permitir-se esse luxo. Devia manter a cabeça limpa, para pensar no que terei que fazer. Deveriam voltar para o Calburn? Como Bailey e ele tinham enviado ao Alex, que era mais nova de dezoito anos, a procurar a Dolores, era possível que fossem acusados de instigadores do crime.
concedeu-se uns minutos de pausa e logo saiu. Bailey estava sentada na cama.
-O que ocorreu? -perguntou com ar grave.
Matt se debatia na dúvida de se contar-lhe ou não, mas era uma mulher amadurecida e merecia o respeito de que lhe contasse a verdade.
-mataram a sua irmã e a polícia deteve ao Alex. Buscam-lhe, buscam os dois, assim se queremos sair daqui será melhor que o façamos agora mesmo.
Bailey seguiu sentada, lhe olhando com assombro.
-Quanto dinheiro em efetivo tem? -perguntou Matt.
-Não sei. Possivelmente cem dólares. por que?
Ele viu como Bailey fazia um grande esforço por não derrubar-se.
-Porque vamos a Atlanta em carro e precisamos pagar a gasolina em efetivo. Não possamos utilizar os cartões de crédito porque poderia localizamos -explicou Matt.
Bailey levantou a vista. Tinha a expressão tranqüila, mas as mãos aferravam com força a colcha da cama.
-Não deveríamos ir ao Calburn e estar perto do Alex? por que temos que ir a Atlanta? O que nos pode contribuir uma anciã (no caso de que não esteja senil) que lhe sirva de ajuda ao Alex?
-Não sei -respondeu Matt-, mas se Manville confiou o suficiente nesta mulher para lhe deixar o documento que autentificaba seu matrimônio, possivelmente lhe confiasse também outras informações. Te ocorre outra maneira de poder ajudar?
-Não -admitiu ela-. Não, mas Alex deve estar muito assustado. E minha irmã...
Matt a agarrou pelos braços e a tirou da cama.
-Poderá chorar mais tarde. Inclusive poderá ter uma crise de nervos se quiser (de fato a teremos os dois), mas agora tem que te vestir, fazer a bagagem e partir.
Vinte minutos mais tarde já estavam no carro de aluguel, mas Matt não o pôs em marcha.
-Quero comprovar algo -comentou e saiu.
Havia uma caixa automática no banco contigüo ao hotel. Introduziu o cartão e pulsou umas teclas.
Ao cabo de uns minutos voltou para carro e arrancou.
-Está bloqueada -disse-. Me bloquearam a conta corrente.
Bailey não fez outra coisa que assentir e ficar o cinto de segurança.
29
Martha McCallum tinha oitenta anos, muitos menos que os que tinham calculado Bailey e Matt. Faziam nove horas seguidas de viagem até chegar a Atlanta a última hora da tarde; muito tarde para visitar uma residência da terceira idade. Tinham utilizado todo o efetivo de que dispunham em gasolina e comida, assim não podiam permitir o luxo de ir a um hotel.
Matt conduziu para uma estrada de terra, onde estacionou e jantaram o último que ficava de pão e queijo, com uma garrafa de água mineral. Quando caiu o sol, amassaram-se o um junto ao outro no pequeno assento traseiro e trataram de dormir.
-Seu pé -advertiu Bailey.
-Pode que um de nós devesse dormir diante -disse Matt-. Ou fazer do Daniel Boone e dormir fora, no chão.
-Insetos ou alavanca de mudança -comentou Bailey-. Não sei por qual me decidir.
Lhe atraiu a cabeça para seu ombro e sorriu. adorava que Bailey fora capaz de brincar porque, a julgar pela forma em que tinha chorado as primeiras três horas da viagem, tinha acreditado que nunca poderia voltar a sorrir.
Às nove da manhã seguinte estavam na sala de espera da residência de anciões, para ver o Martha McCallum. Os dois se lavaram como os gatos nos asseios de uma estação de serviço e tinham feito o possível por aparecer apresentáveis.
A residência em que estavam era muito diferente a do Burgess, que em que pese a sua modéstia era cômoda e poda, quase como um verdadeiro lar. Em troca, esta era luxuosa. Quando Bailey contemplou a majestosa escada pensou: "Aqui deveu casá-la imperatriz Sissi."
-Agora os atenderá -disse uma recepcionista, vestida com o que evidentemente era um traje de desenho.
-Parece-te que Manville pagou por isso? -sussurrou- Matt a Bailey.
-Perdoe -disse Bailey em voz alta, dirigindo-se a jovem-. A quem pertence este lugar?
-Forma parte de uma das corporações do defunto James Manville -respondeu com um sorriso de uma vez que lhes indicava uma porta.
Ao entrar por diante do Matt, Bailey elevou as sobrancelhas e seu gesto foi de assombro.
A suíte do Martha McCallum era espetacular e Bailey reconheceu nela a mão de um bom interiorista. O estilo era o da campina francesa e todas as antiguidades eram autênticas.
-Vá, vá. -ouviu-se da esquerda uma voz que surgia de uma poltrona-. Assim finalmente me encontraste, Lillian.
Bailey se girou para encontrar-se com uma anciã miúda vestida com um planchadísimo vestido de seda e adornada com uns discretos pendentes de ouro e um colar de pérolas. Também levava um pequeno relógio e um bracelete de ouro. O vestido era singelo, mas Bailey sabia que todo seu traje era da melhor qualidade e havia flanco uma dinheirama. A cara da mulher apresentava algumas enruga ligeiras e seu cabelo loiro cinzento estava retirado para trás. No pescoço levava um lenço de seda do Hermes. Bailey se perguntou se lhe teria feito o trabalho o mesmo cirurgião que tinha reparado a boca do Jimmie.
-Sim -respondeu Bailey e tomou assento no sofá diante a indicação da anciã.
-E quem é este homem encantador?
-Matthew Longacre -respondeu Bailey. Martha o saudou antes de que Matt fora a sentar-se.
Bailey foi primeira em falar.
-Parece que você nos avantaja, já que me conhece, mas eu não tinha ouvido falar de você. Não quero ser descortês, mas uma bomba relógio pende sobre nossas cabeças e quando chegar o momento nos vai explorar, assim precisamos saber tudo o que possa nos contar e o mais rápido possível.
-Sim, é obvio -disse Martha-. Me inteirei que o de sua irmã esta manhã. Sinto sua morte, querida, mas ela alguma vez se comportou como uma boa irmã contigo, verdade? Luke a detestava-acrescentou, gesticulando com uma mão muito bem arrumada-. me Perdoe, mas nunca fui capaz de lhe chamar por outro nome.
-O que lhe contou Jimmie... meu marido?
-Tudo -respondeu Martha-. Absolutamente tudo. Não falo de negócios, disso nunca me disse nada, mas me contou isso tudo sobre ti, Eva e Ralph e sobre como o extorquia sua irmã...
-Minha irmã? Como...?
Martha dirigiu a vista para o Matt.
-Você sabe, verdade? Levou-me um tempo atar cabos, até que compreendi que tinha mandado ao belo mancebo para que se inteirasse do que havia passado com o documento de autorização, não é assim? Quando li que era um dos filhos do Roddy posso lhes dizer que quase se me para o coração. Descobriu tudo o que precisavam saber?
-Sim, creio que sim -disse Matt, ignorando o duro e fixo olhar de Bailey. Nesse momento Bailey estava dando-se conta de que Alex lhe tinha contado muito mais do que lhe tinha irradiado a ela.
-se inteirou do carro que Luke teve que lhe dar de presente a Dolores, da renda anual e de todo o resto? -perguntou Martha.
-Sim senhora, assim é --respondeu Matt, sem voltar-se para Bailey.
-E a ti, querida Lillian, o que lhe contaram?
-Parece que muito pouco -replicou Bailey e apertou a boca.
Martha a olhou com um sorriso.
-Os homens tratam de nos proteger, não é assim? Por certo, vejo que te arrumaste o nariz e que perdeste todo esse peso que Luke fazia que conservasse.
-Sim -respondeu Bailey, evitando olhar ao Matt-. E você? O cirurgião do Jimmie?
O sorriso do Martha se fez mais ampla. Tinha uma dentadura perfeita e cara.
-Sim, foi o mesmo. Estava acostumado a guardar segredos.
-E de onde tirou Jimmie todo o dinheiro que deveu lhe requerer a cirurgia de sua boca? -perguntou Bailey.
Martha vacilou.
-Tinha chegado a meu poder inesperadamente um pouco de dinheiro... uma caixa cheia de dinheiro, assim que a dava ao Luke e lhe disse que o gastasse no que queria -contou e logo sorriu-. O utilizou com sabedoria. arrumou-se a boca e utilizou o resto para começar os negócios que logo lhe dariam milhares de milhões de dólares. -Voltou a sorrir, com o orgulho refletido na cara.
-você tem a autorização assinada das bodas do Lillian?. Perguntou Matt ao cabo de um momento.
-Sim -disse Martha olhando a Bailey-. Luke sempre teve medo de que o deixasse. Sabia?
-Sim -disse Bailey com doçura e os olhos cheios de lágrimas-. Eu o matei.
Matt a olhou assombrado, mas ela manteve os olhos fixos no Martha.
-Não, você não o fez -particularizou a anciã, e antecipando-se a Bailey levantou a mão-. antes de que me diga que não conhece toda a história, me deixe te dizer que eu sim a conheço. Três noites antes de morrer, Luke me chamou e me disse que lhe tinha pedido o divórcio.
Matt deslocou a mão pelo sofá e aplaudiu a de Bailey.
--Mas Luke não se sentia descorazonado por isso -acrescentou Martha-. Estava contente.
-Contente? -perguntou Bailey, desconcertada-. Queria o divórcio?
-Não. Regozijava-lhe que por fim pusesse os pés na terra. Luke estava acostumado a me dizer que não o queria o suficiente para estar ciumenta.
Bailey ficou em pé como impulsionada por uma mola. Foi até a janela e contemplou os formosos jardins que rodeavam a residência. Depois se girou para o Martha.
-Ciumenta? Acreditava que não estava ciumenta de todas essas altas e esbeltas mulheres?
-Para ele não significavam nada -disse Martha em voz baixa.
-Para mim significavam muitíssimo! -repôs Bailey. Logo se serenou--. ia conceder me o divórcio?
-Não, certamente que não -respondeu a anciã entre sorrisos-. Te ia cortejar. Disse-me que era algo que te devia. Sabe aonde ia quando seu avião se estrelou?
-Não. Em viagem de negócios. Jimmie sempre estava visitando suas propriedades. -E acrescentou em voz baixa-: Como esta.
Martha voltou a sorrir.
-Não te parece encantador? Quando Luke era um menino e ele e eu estávamos sózinhos naquela horrível cabana da montanha, estávamos acostumados a inventar histórias sobre o que compraríamos se tivéssemos todo o dinheiro do mundo. Frank as arrumou para que tivéssemos televisor, livros e revistas, assim Luke e eu estávamos à corrente do que se podia conseguir, inclusive embora não tivéssemos nada.
-E o que desejavam? -perguntou Matt.
-Eu só queria coisas normais, como uma casa com banho, mas Luke queria possuir o mundo. "E lhes darei de presente isso tudo a ti e a papai", dizia. Adorava a seu pai.
Bailey a olhou.
-Onde ia Jimmie o dia que morreu?
-De verdade não soube? Não te deu nenhuma pista?
-Não -disse Bailey-. Estava muito deprimida então. Estava cansada de tudo, de tanto movimento ao redor, da gente que me menosprezava e de todas as amantes do Jimmie. -O último o expressou com uma fúria que lhe quebrava a voz.
-Mas o que era o que queria mais que a sua própria vida? -perguntou Martha.
-Não... não sei -respondeu Bailey, perplexa.
Martha se voltou para o Matt.
-O que é o que quer?
-Meninos -disse ele-. Baba cada vez que vê um.
Bailey o olhou com assombro.
-Eu não faço tal coisa.
-Então o que te passava quando viu os gêmeos da loja de alimentação?
-Esses eram bebês muito macacos -explicou Bailey, à defensiva-. Além disso...
Martha a interrompeu.
-Tem razão. Meninos. Luke não se sentia capaz dos ter. Temia que herdassem seu lábio leporino, assim tinha arrumado uma adoção em privado.
Diante aquilo Bailey se recostou no sofá.
-Uma adoção? -sussurrou.
-Sim. Já sabe como era Luke. Arrumou-o tudo em uns dias e quando ocorreu o acidente voava para Califórnia para recolher ao menino. Queria te dar uma surpresa.
-Em uma caixa envolta com um laço? -disse Matt com sarcasmo.
-Sim. Assim poderia havê-lo feito ele -disse Martha enquanto observava como encaixava Bailey a notícia-. Lhe disse que deveria te tratar como a uma adulta e que deveriam ir os duas à adoção, mas Luke argumentou: "Sardas é muito sentimental. Quereria adotar um orfanato em pleno, mas eu sou muito egoísta para suportar a mais de um que me roube isso, assim vou lhe buscar uma menina loira de olhos azuis."
-Isso sim que soa a ele -disse Bailey tragando-as lágrimas. Levava meses carregando com o peso de que possivelmente Jimmie tinha acusado tanto o golpe de que lhe pedisse o divórcio que tinha cometido suicídio.
-Sente-se melhor agora? -perguntou Martha.
Bailey estava muito conmocionada para responder, mas assentiu. Sim, sentia-se melhor. sentia-se aliviada da grande carrega que tinha suportado.
Martha lhe ofereceu um lenço da caixa (com um elegante estojo de madeira de arce taraceada com nogueira) que havia na mesa. Bailey tomou e se soou.
-Então foi realmente um acidente?
-OH, não! -exclamou Martha-. Eva e Ralph Turnbull mataram ao Luke.
Bailey se deteve com o lenço a meio caminho do nariz e Martha olhou ao Matt.
-Atlanta e Ray? -perguntou Matt.
-Assim é como se fazem chamar agora, mas ainda são Eva e Ralph.
-Turnbull -acrescentou Matt-. Nem Manville nem McCallum.
-Santo Céu, claro que não! -disse Esses Martha dois assassinos não são meus parentes nem de meu filho... e nunca tiveram nada que ver com o Luke.
Ao Matt e Bailey lhes levou um momento digerir essas palavras.
-Phillip me disse que não acreditava que Atlanta e Ray estivessem aparentados com o Jimmie.
-Chantagem? -perguntou Matt.
-Sim, chantagem. Se Luke não os tivesse declarado parentes e não lhes tivesse dado milhões eles lhe teriam contado a todo mundo sua infância do Calburn. A gente se inteirou dos inícios do Luke e ele teria recebido o que mais temia -disse, e olhou a Bailey para que concluíra a adivinhação que ela tinha iniciado.
-Lástima -concluiu Bailey-. Jimmie não podia suportar que ninguém sentisse pena por ele.
-Há mais que isso também, não é assim? -disse Matt-. Bailey me falou de "um assassinato chamado suicídio". Fazia referência à morte de seu pai?
Por um momento Martha se girou e olhou para a janela, logo voltou o rosto para Bailey.
-Não sei se deveria contar a história. Em parte creio que o segredo deve morrer com o Luke. Trabalhou muito para manter sua infância em segredo. -Fez uma pausa e conteve as lágrimas-. Quando me inteirei da morte do Luke pela televisão (ninguém me chamou para me contar isso porque ninguém sabia de minha existência) soube que o tinham matado. Luke fazia zangar a muita gente.
-Sim -disse Bailey-. Eu o tinha advertido. Às vezes feria às pessoas no mais fundo.
-A ele o tinham feito tantas vezes que era o que conhecia -replicou Martha--. Eva e Ralph encontraram a maneira de subornar a alguém que trabalhava para o Luke para que lhes contasse o que fazia. Quando se inteiraram de que Luke estava a ponto de adotar um menino não puderam suportá-lo. Como foram aceitar o?
-Um herdeiro -disse Matt.
-Exato -disse a anciã e olhou a Bailey-. No enterro de sua mãe, sua irmã descobriu que não sabia que Luke tinha conseguido a autorização para as bodas. E Dolores compreendeu que se não sabia nada sobre o documento, então acreditava que Luke e você não estavam legalmente casados. O que machuca! Como podia acreditar que alguém como Luke descuidasse algo tão importante?
-Quando me casei com o Jimmie nem por um momento pensei em questões legais -disse Bailey em sua defesa.
-Assim Atlanta, Ray e Dolores atuaram juntos? -perguntou Matt.
-Não, não creio que Dolores lhes servisse de algo a esses dois. Só que tinha uma boca muito grande. Sinto muito, querida, mas com apenas lhe sugerir que fizesse comentários sobre sua irmã mais nova era capaz de lhe contar a todo mundo o que fora.
-Contou ao Alex o da permissão assinada pela mãe ao cabo de umas horas de conhecê-lo-apontou Matt.
-Sim. Isso custou a vida a Dolores -disse Martha.
-Têm-no feito Atlanta e Ray? -perguntou Matt.
-É obvio. Como mataram ao Luke e a seu advogado, também à irmã do Lillian. Sempre quis proteger o passado do Luke para que ninguém o descobrisse, assim guardei silêncio depois da morte do Luke. Foi mais difícil depois de que morrera seu advogado e deixasse órfãos a dois meninos. Como está sua esposa?
-Está-lhe custando muito assumi-lo -disse Bailey.
-Sim. Luke me tinha contado que faziam um bom matrimônio.
-Diz que Jimmie lhe contava. Chamava-a por telefone? -perguntou Bailey com um matiz de ciúmes. Sim, Jimmie tinha estado com muitas mulheres, mas Bailey tinha sobrevivido a isso porque sabia que ele não falava com nenhuma mulher mais que com ela.
Martha assinalou, sorridente, para um armário que havia na parede mais afastada. Era um grande móvel de pinheiro encerado e Bailey duvidou de que houvesse flanco menos de cem mil dólares. Abriu ambas as portas e olhou dentro. Havia prateleiras cheias de bonitas caixas forradas de seda cor pêssego. Cada caixa tinha uma placa de cobre com uma data. Cada caixa cobria o lapso de seis meses.
-Continua -assinalou Martha-. as Abra.
Bailey tirou uma caixa, retirou a tampa e olhou dentro. Em uma ordenada fileira havia cartas. Cada uma delas em um sobre verde com a letra do Jimmie.
-Uma carta e uma fotografia -comentou Martha com suavidade-. Cada duas semanas, desde julho de 1978, enviava-me uma carta e uma fotografia. Também mantinha viva minha conta corrente. Por certo, querida, Luke nasceu em 1954, não em 1959. Estava tão orgulhoso de sua cara nova que também se tirou uns anos.
Bailey abriu uma carta e a leu.
Sardas se zangou muito comigo quando cheguei a casa a noite passada, mas logo pude pôr a de bom humor. Tinha perdido dois quilogramas enquanto eu estava fora, assim que lhe pedi ao chef que assasse esse bolo de mousse de chocolate que tanto gosta. Já sei que sou um diabo, mas eu gosto de gorda. Dessa forma é toda minha.
Bailey dobrou a carta e a devolveu ao sobre, mas não pôde evitar o impulso de tirar a foto e olhá-la. Era uma foto dela. Estava sentada no pátio de sua casa de Antiga. Perto havia um grupo de pessoas; todas com bebidas na mão e aspecto de divertir-se muito. Mas Bailey dava a impressão de estar sozinha em meio da multidão e seu rosto refletia infelicidade. "Não cabe dúvida do muito que me desgostavam", pensou. Logo procurou o Matt com o olhar. "Agora sou muito mais feliz", disse-se enquanto deslizava a foto dentro do sobre, colocava-o em seu lugar, deixava a caixa e fechava o armário. Essa parte de sua vida tinha terminado. James Manville não se havia suicidado porque sua esposa lhe tivesse pedido o divórcio.
-Como demonstramos que Atlanta e Ray assassinaram ao Jimmie? -perguntou Bailey.
-Eu tenho as provas -disse Martha, e sorriu diante seus olhares de assombro-. contei com meses e graças ao Luke com recursos ilimitados, assim enquanto o resto do mundo se dedicava a te crucificar, querida, eu contratei uns detetives.
-O que queria descobrir? -perguntou Matt.
-Quem tinha estado perto do avião as quarenta e oito horas antes de que Luke decolasse. E fiz que alguns homens (em realidade uma dúzia) subissem à montanha, encontrassem os restos do avião e trouxessem cada uma de suas peças.
-Pensava que o tinha feito a polícia. O cadáver do Jimmie... -começou Bailey.
-A polícia investigou no lugar do acidente, mas só de maneira superficial. Não procuravam nenhuma prova de nada porque dois jovens do aeródromo onde Luke guardava seu avião tinham declarado que lhe rogaram que não voasse nesse avião. Disseram que lhe tinham advertido de que havia algo nesse avião que não ia bem.
-Não -disse Bailey-. Poderia admitir que Jimmie estrelasse o avião contra a ladeira de uma montanha em um momento de desespero. Mas nunca tivesse separado em um aparelho que não funcionasse bem, nem deixado que uma peça de uma máquina decidisse sobre sua vida ou sua morte.
-Isso é exatamente o que eu pensei -disse Martha com um sorriso e os olhos brilhantes-. Estive segura de que Atlanta e Ray tinham pago a esses dois homens. Assim enquanto todo mundo estava pendente de ti, eu dirigi silenciosamente minha própria investigação.
-E descobriu que o avião tinha sido sabotado.
-Sim -disse Marta-. Em realidade, foi muito singelo. O indicador do nível de combustível tinha sido modificado, de forma que o Luke ficou sem combustível em pleno vôo.
Guardaram silêncio por um momento.
-Depois do acidente seria muito difícil descobrir se esse indicador estava quebrado ou não -assinalou Matt.
-Sim -disse Martha-, mas além nós não pudemos encontrá-lo.
-Então como... -começou Bailey, mas de repente seus olhos se abriram de par em par-. A caixa negra.
-Sim -disse Martha e sorriu.
Bailey se voltou para o Matt.
-Tinha-me esquecido disso. Uma noite em que Jimmie e eu estávamos vendo o telejornal, inteiramo-nos de que se estrelou um avião. O apresentador esteve falando da caixa negra que tinha gravado as últimas palavras dos pilotos. Lembrança que Jimmie disse: "Deveria conseguir uma dessas e assim..." -deteve-se.
-"Assim poderia te dizer que te amo antes de cair" -finalizou Martha com voz suave e Bailey assentiu-. Sim. Isso é o que me escreveu que te havia dito. Fez instalar uma em seu aparelho e o fez em segredo, como muitas outras coisas.
-E seus homens a encontraram -acrescentou Matt-, porque eles sabiam o que tinham que procurar.
-Sim -respondeu a anciã-. Jimmie passou seus últimos momentos procurando um sítio para uma aterrissagem de emergência e enquanto o tentava ia falando para que a caixa recolhesse suas palavras. Contou o que era o que não funcionava no avião, aos quais tinha visto no aeroporto e como demonstrar que Eva e Ralph (assim os chamava) tinham-no assassinado.
-Mas você não foi à polícia com essa informação -disse Matt.
-Não. Não o fiz porque Luke me pediu que não desse a conhecer seu assassinato a não ser que sua amada Lillian estivesse em perigo. "Ela te encontrará -disse justo antes de cair-. E quando te encontrar, lhe diga que a amo." Essas foram suas últimas palavras.
Bailey ficou com o olhar ausente.
-Quero escutá-lo tudo -disse ao cabo-. Quero saber a verdade. Quero saber sobre "um assassinato chamado suicídio".
30
-Não sei quando começou a ir todo mal, se foi com a Vonda, com a mulher Turnbull, ou quando Frank perdeu o uso de seu braço -disse Martha enquanto servia chá com uma bule de prata. Tinha pego o telefone e pedido um café da manhã para três. Dez minutos mais tarde apareceu um carrinho com um verdadeiro festim. Havia pequenas salsichas envoltas em pastelitos de folhado, três classes de ovos, tomates assados e suficientes tortas e brioches para abrir uma confeitaria.
Matt e Bailey passaram uns minutos tentando ser educados antes de que os vencesse a inanição que vinham padecendo em sua viagem sem dinheiro, depois do que se lançaram sobre a comida.
-A Turnbull, a mulher do envasador, era a proprietária de minha granja -disse Bailey enquanto comia.
-Sim -assentiu Martha, e se conteve de perguntar quanto tempo fazia que não comiam-. Hilda era uma mulher muito reservada e poucas vezes falava com alguém, mas o que se dizia pela cidade era que quando era muito jovem se casou com um homem velho e muito rico. Por isso pude ouvir, a gente imaginava que ela tinha desejado a morte do marido para ficar com todo o dinheiro.
-Um momento -interrompeu Matt-. A ouço dizer continuamente "se ouvia dizer". Onde estava você?
-E onde estava Jimmie?-perguntou Bailey
Martha tomou fôlego.
-Luke e eu estávamos sózinhos na montanha. Quando Luke era pequeno, Frank o levava a cidade, mas a gente o olhava com tanto desagrado que Frank deixou de levá-lo e o menino ficou comigo. Ele vinha a nos ver os fins de semana.
-por que não lhe arrumaram a boca? -quis saber Bailey.
Martha demorou um momento em responder a essa pergunta.
-Dá-me medo lhe dizer isso porque odiará a meu filho... e a mim.
Bailey negou com a cabeça.
-Poderia passar -disse-, mas tenho tanta outra gente a que odiar que Frank e você estarão muito abaixo na lista.
Tanto Matt como Martha riram.
-tive muito tempo para pensar nos motivos, mas creio que ao final todo se reduz ao amor -disse a anciã-. Não sei como explicá-lo, mas... -deteve-se e seus olhos brocaram os de Bailey-. Pode que não lhe precise explicar isso a ti. Luke amava com muita força. Se você recebeu seu amor, tem que entender o que quero dizer. O amor do Luke nos fazia seguir vivendo ao Frank e a mim. Entende o que quero dizer?
-claro que sim -disse Bailey-. Era um amor asfixiante, mas não podia deixá-lo.
-Exato -disse Martha-. E eu também estava em falta. -Percorreu a habitação com o olhar-. Deus me perdoe por isso, mas o que ia fazer se ao Luke arrumavam a boca e partia? Era uma viúva pobre. Frank era meu único filho. Sabia que se Luke se ia, Frank me visitaria muito poucas vezes. Luke e esse lábio talhado nos transformaram em uma família.
Matt a observava retorcê-las mãos. Era evidente que levava uma pesada carga com o que lhe tinha feito ao neto.
-O que tem que a Hilda Turnbull? -perguntou amavelmente.
-Ela... -tratou de responder a anciã enquanto fazia o possível por recuperar-. A vi alguma vez. Era uma mulher de baixa estatura, fraca e com um olhar fera.
-Morreu seu ancião marido? -interveio Bailey quando lhe pareceu que Martha perdia o fio.
-Sim -disse Martha, recuperando-se-. Mas não até que Hilda teve quase quarenta anos e os dois filhos estavam já criados.
-Eva e Ralph -apontou Bailey.
-Sim.
-Como é que ninguém no Calburn os reconhece? apareceram muito freqüentemente na televisão. Como é que ninguém exclamou que esses eram os filhos da Hilda Turnbull e que não têm parentesco com o James Manville? -perguntou Matt.
Martha o olhou sorridente.
-Em primeiro lugar, a gente do Calburn os viu em muito contadas ocasiões. Hilda esteve passando os de um internato a outro e logo os mandava a acampamentos do verão. Eram meninos gordinhos e carentes de graça, assim que ninguém se fixou muito neles. Luke me escreveu que tinham ardido um par de escolas às que tinham assistido e estava seguro de que tinha sido Ralph, mas ninguém suspeitou dele porque era tão...
-Nada -acrescentou Bailey-. Tinha cara de nada, mas sempre me dava formigamento vê-lo. O e Atlanta trabalhavam em equipe. Quando nos visitavam, ela sempre fazia algo para chamar nossa atenção e então, zas!, algum pequeno e caro adorno se deslizava pela manga do Ray. Nunca soube se Jimmie se dava conta, não ia dizer lhe que seu irmão era um ladrão, mas ele começou a comprar reproduções das cajitas Fabergé. Quando lhe perguntei por que comprava essas coisas horríveis me disse: "Eles não notarão a diferença, assim deixa-os que roubem falsificações", e os dois nos rimos.
-Siga nos contando sobre a Hilda -pediu Matt.
-Algumas vezes Luke me escreveu sobre... bom, sobre o que tinha ocorrido (algo disso, claro está), e me dizia que supunha que Hilda se casou com o Gus porque o fazia o trabalho grátis. Quando o velho marido da Hilda morreu deixou duas granjas. Aquela em que viviam ela e Gus estava quase em ruínas, mas Hilda também herdou o lugar do velho Hanley, no Calburn, uma granja que lhe tinha pertencido durante gerações. Creio que seu tatarabuela, uma Hanley, já tinha vivido ali.
"depois de que o velho morresse, Gus quis retornar à cidade onde tinha crescido, e como lhe tinham devotado um par de trabalhos, disse a Hilda que partia.
-Assim que ela se casou com ele -deduziu Bailey.
-Sim. casou-se com ele, mas se negou a utilizar seu sobrenome. Ele tinha vinte e oito anos e ela trinta e nove. Gus nunca tivesse dado um nível muito alto em um test de inteligência, mas era um grande cozinheiro e tinha habilidade para que crescesse todo aquilo que cultivava. Luke estava acostumado a dizer que Gus podia cravar na terra uma varinha de aço e se converteria em uma árvore. Igual dizia de ti -acrescentou Martha e olhou a Bailey com um sorriso-. Luke me contava que tinha tanto talento como Gus, mas que a diferença dele, você tinha a mente de um professor universitário.
-Por uma vez estou de acordo com algo do que opinava Manville -disse Matt, e passou o braço pelos ombros de Bailey. Ela se ruborizou.
-Contaram-nos que Hilda Turnbull viveu uma aventura amorosa com um homem casado. Não seria Frank? -perguntou Bailey.
-Santo céu, não! Foi com o Roddy.
-Devi supô-lo -comentou Bailey-. Esse homem parece estar no centro de tudo quão mau ocorre.
-Sim, Roddy teve muito que ver em todo isso, sobre tudo porque ia atrás do dinheiro da Hilda. Se murmurava que ela tinha muitos milhares de dólares escondidos em alguma parte de sua casa. Mas para nossa família o problema era Gus. Olhe, Gus ameaçava afastando ao Luke do Frank. Não quero dizer que o ameaçasse de palavra, mas em 1968 Luke tinha quatorze anos e estava ansioso por ter companhia.
-Sempre o esteve -apontou Bailey-. Nunca tinha suficiente.
Martha sacudiu a cabeça.
-Não sou uma boa narradora. Preciso retroceder uns anos, até 1966, à data em que Frank se casou. Uma noite meu filho se embebedou e quando despertou tinha diante os olhos o canhão de uma escopeta. ficou horrorizado ao ver que estava em uma cama, nu e junto a uma garota do instituto igualmente nua. Mais tarde me contou que não recordava ter visto antes a essa garota. Mas seu pai, que era o que o apontava com a escopeta, deu ao Frank a possibilidade de escolher entre casar-se com ela ou morrer de um ferida, assim Frank se casou.
"chamava-se Vonda Oleksy. Desde o começo Frank não pôde suportá-la e além disso sabia que lhe tinha tendido um retiro para casá-lo com ela. Suas tolas amiguinhas não puderam esperar para lhe contar que desde que Vonda tinha treze anos dizia que de mais velha se casaria com um dos Seis de Ouro. Ao Frank não levou muito tempo dar-se conta de que ele tinha sido uma espécie de troféu e que, uma vez casada, a tal Vonda tinha perdido todo interesse por ele.
"Era má, preguiçosa e estúpida. Ele poderia haver-se divorciado se ela não tivesse tido quatro irmãos e um pai que eram piores e mais estúpidos que ela. Disseram-lhe que se se divorciava da Vonda encontraria morto ao Luke ou a mim.
Martha fez uma pausa.
-O pior do matrimônio foi que Frank se converteu em motivo de risadas para todo Calburn. Ele tinha trinta anos e Vonda só dezessete, assim que todo mundo supôs que Frank era um corruptor e que a tinha seduzido com más artes. E tampouco ajudou o fato de que Vonda contasse a todo mundo sua versão de como tinham chegado ao matrimônio. De um dia para outro, Frank passou de ser um homem respeitável a objeto das brincadeiras de todo o mundo.
"Além disso, Vonda gastava o dinheiro com mais velha rapidez da que Frank necessitava para ganhá-lo. Ela estava às compras todo o tempo, enquanto ele trabalhava. Quando ele chegava a casa se encontrava com meia dúzia de caixas novas empilhadas no salão, sem o jantar na mesa e com os pratos da noite anterior na pia. depois de passar todo o verão tratando de conviver com ela, Frank desistiu e a enviou à cabana da montanha a viver com o Luke e comigo.
Martha fez um silêncio e sua boca esboçou um feio gesto.
-Essa garota odiava ao Luke. Frank me tinha advertido de que Vonda podia ser cruel, mas eu estava tão decidida a me levar bem com ela que demorei um par de semanas em descobrir o desespero do Luke. Ela estava acostumada sentar-se fora, perto do Luke, enquanto ele realizava suas tarefas, como cortar lenha, e a verdade é que eu pensava que era muito amável por sua parte. Mas um dia me escondi detrás de uns arbustos para escutar o que lhe dizia. -Martha teve que tomar ar para poder continuar-. Lhe estava dizendo a meu neto que seu lábio lhe vinha de Satanás e que essa era a prova de que ele era mau.
-Que mulher doente! -exclamou Matt.
-Sim -assegurou Martha olhando a Bailey, que permanecia em silêncio-. Disse ao Frank que não podia tê-la mais comigo, que se tinha que partir. Assim que ele se levou a sua esposa de volta à casa da cidade. Seis semanas mais tarde, Frank se apresentou bêbado no trabalho e foi então quando o carro o atropelo e perdeu o uso do braço esquerdo. Mas... -Olhou ao longe-. Vi o Frank umas horas antes do acidente e estava absolutamente sóbrio e feliz. Não me disse o que o fazia tão feliz, mas me contou que tinha encontrado uma maneira de arrumá-lo tudo. Eu não sabia do que me falava, mas lhe respondi: "A única maneira de arrumá-lo tudo é que te desfaça dessa bagatela de garota com a que te casou", e ele riu com tantas vontades como não lhe tinha visto em anos. Umas horas mais tarde um carro se equilibrou contra ele e lhe destroçou o braço. Frank lhe disse à polícia que tinha deixado seu próprio carro em ponto morto e que acidentalmente este o tinha enrolado, mas eles notaram que emprestava a uísque, assim em seu relatório escreveram que estava bêbado. Depois, quando estava no hospital lhe disse que não podia acreditar que tivesse estado bebendo. Disse-lhe que acreditava que o irmão mais velha da Vonda o tinha golpeado com o carro e que ele não o tinha denunciado por temor a que fizessem mal ao Luke ou a mim. Mas Frank se ajustou à história que tinha contado e não disse a ninguém a verdade.
Martha se deu uma pausa antes de continuar.
-A meu filho o despediram do trabalho e não lhe deram nenhuma indenização devido ao relatório da polícia. depois de ficar sem trabalho, Frank descobriu que essa garota terrível se gastou ou tinha dado a seus familiares tudo o que ele tinha economizado ao longo dos anos. Já não tinha economias nem ganhos, e teve que vender a casa da cidade para pagar as dívidas que ela tinha contraído.
"Por pura necessidade tiveram que mudá-los duas à cabana da montanha com o Luke e comigo. Frank me jurou que manteria a sua mulher controlada e que a levaria tão logo as coisas melhorassem. Mas nada melhorou.
"Frank tratou de reparar motores de carros com um só braço, de uma vez que sua mulher ficou a trabalhar em uma hospedaria do Calburn. Frank logo começou para ouvir sorrisos dissimuladas e comentários sobre como seu jovem algema estava incluída no menu.
Martha se olhou as mãos por um momento.
-As coisas trocaram. Frank as fez trocar, mas... -Olhou-os com ar desafiante-. Frank era meu filho e eu o queria. Eu sei que o que fez não estava bem, mas posso entender seus motivos. Durante anos tinha formado parte dos malditos Seis de Ouro (como cheguei a odiar o término!) e o tinham tratado como um herói. Depois, de repente, entrou em formar parte do repertório de piadas das mesmas pessoas que antes lhe davam palmadas nas costas e estavam orgulhosas de ser seus amigos. Tinha uma mulher infiel e tinha perdido o uso de um braço e o trabalho.
-Frank devia sentir que já não era um homem -disse Matt em tom suave e Martha fez uma pausa antes de prosseguir.
-A primeira vez que ocorreu foi por acidente. Gus Venters era um muito gigante loiro, tola de fala e de movimentos, e ninguém lhe emprestava muita atenção. Um dia que Frank estava na cidade viu como Gus levava alguns de seus produtos à loja. Não sei por que, mas fez um comentário irônico sobre o Gus e os homens que o rodeavam lhe festejaram a graça. Era a primeira vez em um ano que Frank não era o objeto da piada... ou o que é pior, o destinatário da compaixão.
"depois disso, ficou em marcha uma escalada. Eu via como Frank se parava e soltava uma sorriso, e já sabia que estava pensando uma nova piada sobre o Gus. Com o tempo essas piadas se converteram na razão do Frank para ir à cidade. Os homens lhe perguntavam se tinha algum mais sobre o Gus.
Martha fechou os olhos um momento para infundir-se fortaleça e poder continuar.
-O problema foi que Frank logo se deu conta de que para que fossem divertidos, as piadas sobre o Gus tinham que aproximar-se da realidade, mas aquele grandalhão ia pouco à cidade, assim Frank sabia pouco sobre ele.
-Você não tentou...?-começou Bailey.
Martha levantou a mão.
-Se soubesse quanto supliquei, roguei, ameacei, e as lágrimas que verti para que Frank o deixasse! Sim, claro que o fiz. Pinjente tudo o que me passou pela cabeça. E possivelmente se tivesse fechado a boca não haveria passado nada do que ocorreu. Em principio Frank praticava suas piadas com o Luke e comigo, mas eu protestava e Luke não ria, assim que ele começou a calá-los diante de nós. E quando decidiu utilizar ao Luke o fez com reserva e não me inteirei de nada disso.
"Frank pediu ao Luke que espiasse ao Gus, para logo lhe contar tudo. Luke não queria fazê-lo. Sabia muito bem o que significava sentir-se objeto de brincadeiras. Mas o pai se zangou, coisa muito estranha nele. Ao fim Luke o fez, mas a espionagem se voltou contra Frank, porque Luke voltou contando o muito que trabalhava Gus e quão próspera era sua granja. Disse que era como o jardim do Éden. Isto fez que Frank se zangasse e lhe dissesse se não tinha visto nada mau. Ao que Luke respondeu que sim, que sua esposa o tratava com desprezo e o mandava como se fora um cão. Luke o disse em defesa do pobre homem, mas Frank o escutou e sorriu. Ao dia seguinte Frank foi à cidade e fez desternillar às pessoas com a paródia de um Gus vapuleado por seu mandona algema.
-Cruel -comentou Bailey-. Jimmie deveu aborrecer todo isso.
-Sim, assim foi, e disse a seu pai que não voltaria nunca mais a espiar ao Gus. Logo, quando ao Frank lhe acabou o repertório de intrigas, a gente do Calburn voltou a ignorá-lo. Assim que ele e Vonda começaram as rixas uma vez mais. Havia noites que Luke passava completamente em vela pelos gritos de seu pai e sua madrasta. E aborrecia o alvoroço em sua própria família.
-Sempre foi assim -assentiu Bailey-. Ao Jimmie não importava se o mundo inteiro estava zangado com ele, mas não podia suportar que eu o estivesse.
-Creio que Luke sentiu uma grande afinidade com o Gus do primeiro momento -continuou Martha-. Para escapar daquele ambiente crispado, Luke descia pela montanha e se tombava quão comprido era sob uma árvore de onde podia ver a granja do jardim do Éden. Uma vez, quando despertou, Gus estava sentado a seu lado e lhe oferecia algo de comer. Anos mais tarde Luke me contou que tinha sido a comida melhor que tinha provado em sua vida..., o qual fala de minha maneira de cozinhar.
-Tinha nascido uma amizade -assinalou Matt.
-Sim -disse Martha-, uma amizade de almas afins, um vínculo entre proscritos. Mas nem Frank nem eu nos inteiramos dessa amizade. Pouco depois Frank encontrou um trabalho como vigilante noturno, assim que partia de noite e dormia durante o dia. Eu estava todo o tempo ocupada nas tarefas da casa, além de lavar e engomar os uniformize da Vonda e Frank. E não tinha máquina de lavar roupa. Estava muito atarefada para me preocupar das aventuras de um menino de quatorze anos.
-Passava todo o dia com o Gus? -perguntou Matt.
-Sim. A mulher do Gus estava todo o dia no trabalho e tonteando por aí com o Roddy durante a noite, assim nem se inteirava de que seu marido e Luke estavam juntos. Duvido que conhecesse o Luke. -Martha se deu uma pausa-. como sempre, todo o mau se originava na Vonda.
"Frank era desgraçado em seu trabalho. Tinha que estar todo o tempo no Ridgeway, assim não contava com o respaldo dos Seis de Ouro e as histórias sobre o Gus já não faziam rir a ninguém. Os companheiros do trabalho lhe chamavam "Tragaperras" pelo apodo que recebia o protagonista do filme O bandido de um só braço.
"Frank não podia deixar o trabalho nem podia enfrentar-se a eles. Estava desesperado. Sua mulher estava por aí cada noite até tarde; passavam-se horas brigando e quanto mais pioravam as coisas em casa, mais tempo passava Luke com o Gus.
"É obvio, em uma cidade como Calburn não se podem manter os segredos para sempre. uns quantos repartidores viram o Luke com o Gus e o contaram. Por outra parte, na hospedaria minha nora se inteirava de.todo
"Uma tarde de domingo, Frank fez um alto na hospedaria e teve que contar uma de suas piadas sobre o Gus, fazendo rir a seus amigos. Então Vonda, despeitada, disse-lhe: "Gus é mais pai para seu filho que você." Todos os presentes riram com vontades.
"Agora riam do Frank. Nesse momento ele soube que Gus Venters tinha ganho a partida. Frank fazia rir às pessoas a costa do Gus, mas ao final este se levou o que Frank mais amava: a seu próprio filho.
"Então foi quando surgiu a fúria que lhe tinha acumulado por todo o mau que lhe tinha acontecido... e a dirigiu toda contra um homem: Gus Venters.
-E todo o ódio lhe subiu à cabeça uma noite. T
-Em 30 de agosto de 1968 -disse Matt.
-Sim -afirmou Martha-. Em 30 de agosto de 1968. Começou aquela tarde quando Vonda contou ao Frank que estava grávida. Aquele dia eu estava fora. Uma conhecida minha estava doente, assim tinha ido fazer lhe companhia, mas anos mais tarde Luke me detalhou palavra por palavra o que tinha acontecido. Durante aquele dia Vonda disse ao Luke algo que nem sequer eu sabia. Minha hipótese é que Frank o tinha contado aos moços -Martha teve que tragar saliva para poder continuar-, a esses Seis de Ouro, e um deles o havia dito a Vonda.
-De quem é? --vociferou Frank, que estava bêbado como de costume.
-De um homem -soltou Vonda com outro grito-. Que é muito mais do que você será nunca.
-Divorciarei-me de ti -disse Frank-. E direi no julgamento o que é de verdade. Quando tiver acabado contigo...
Vonda riu dele.
-Me vais levar a julgamento? Com que dinheiro? Não tem nada -continuou. Nesse momento voltou a cabeça e viu o Luke de pé na porta do dormitório-. Você, chivatillo. Sempre está espiando, verdade? Não tem suficiente te passando o dia espiando ao pobre Gus? A esse pobre atrasado.
-Ele é mais preparado do que você nunca chegará a ser -lhe espetou Luke-. E mais rico.
-Pretende me fazer calar, você? -replicou Vonda com sarcasmo e os olhos lhe encheram de brilho-. Frank, por que não conta a este menino tão feio a verdade sobre sua mãe?
-te cale, Vonda, advirto-lhe isso. Não sabe o que sou capaz de te fazer.
-E o que pode me fazer você que não me tenha feito já outro? -lançou seu sarcasmo-. Né, menino! Venha, galinha. Adiante. te informe sobre sua mãe.
-te cale -repetiu Frank, e foi por ela, mas cambaleou e foi parar ao chão. Ficou o pé enganchado entre a parede e a estufa de carvão.
Vonda olhou ao Luke e levantou o lábio superior em sinal de brincadeira pela má formação do menino.
-Este conheceu sua mãe em um bar de Nova Orleans. mostrou-se amável com ela porque tinha um lábio exatamente igual ao teu. Bom, o tinham costurado, mas era como o teu, e o que é mais, estava a dez minutos de ter um menino. A ti.
Luke olhou a seu pai, que estava no chão, enquanto assimilava o que lhe estava contando Vonda, e sua cara empalideceu.
-Luke -disse Frank com doçura, lhe tendendo a mão, mas seguia apanhado e não podia levantar-se.
Luke se separou da mão implorante de seu pai.
-Frank McCallum não é seu pai. Não o é mais que esse Gus com o que está tão unido -disse Vonda com um sorriso malévolo-. Também é possível que Gus Venters seja seu pai. Vá uma ou seja. E sabe o que aconteceu com sua mãe? Não morreu depois de que nascesse nem teve esse bonito enterro que Frank te contou todos estes anos. Ela te lançou um olhar, ficou a chiar e saiu correndo. Não podia suportar ver sua feia cara. -Os pequenos olhos da Vonda brilhavam-. Ao Frank deu pena, assim que te trouxe aqui, a seu maldito buraco, e te escondeu para que ninguém te visse. -Olhou ao Frank e continuou-: E depois de todas as moléstias que tomou para cuidar do filho deformado de uma zorra, ele prefere a um aborrecido granjeiro.
Bailey se tinha levado a mão à boca e imaginava o que deveu sentir uma pessoa tão orgulhosa como Jimmie para ouvir algo assim.
-depois disso Luke saiu da casa e não voltou em três dias -continuou Martha-. Mas para então já havia passado todo. Gus Venters estava morto. Enforcado.
-Em meu estábulo -particularizou Bailey
-Não. Penduraram-no dessa árvore das amoras que há na parte posterior da casa.
Bailey apertou a mão do Matt. Sua formoso moral.
-Há dito que o penduraram -inquiriu Matt-. É que não foi suicídio?
-Não -disse Martha-. Eles o penduraram. Esses... -A via lutar com as palavras-. Os Seis de Ouro. Os seis estavam na cidade esse verão e Frank se dirigiu a eles e lhes contou... -Apartou o olhar um momento. Sua voz tremia quando continuou-: Meu filho os reuniu e lhes contou que esse homem doce, amável e inocente, Gus Venters, havia... havia... -interrompeu-se uma vez mais-. Frank lhes disse que tinha violado ao Luke.
-Deus queira perdoá-los! -exclamou Bailey.
-Quando voltei para casa era tarde, Frank estava sumido no desespero. Estava retorcido no chão e chorava a mares. E o que era pior, tinha uma pistola na mão. Estava decidido a pegar um tiro. Eu não entendia o que acontecia. Perguntei-lhe uma e outra vez se Luke estava ferido ou morto, mas Frank chorava cada vez mais e dizia: "É pior, é pior." Para mim, se Luke estava bem não podia haver nada muito mau. Arrumei-me isso para lhe tirar a pistola. Frank tinha bebido muito e fui à cozinha a preparar café. O cubo de água estava vazia, assim fui ao poço a enchê-lo. Ao cabo de um momento ouvi um disparo e compreendi que em um descuido imperdoável tinha deixado a arma na cozinha. Deixei cair o cubo e saí correndo, porque no fundo de minha alma sabia que a meu único filho acabavam de disparar.
Martha se deu uma pausa.
-Meu filho jazia no chão, morto, e de pé a seu lado estava Vonda com a pistola na mão. "Esta noite enforcaram ao pobre Gus Venters. Penduraram-no que uma árvore. Roddy me disse que seria melhor que o fizessem parecer um suicídio, assim que o levaram a estábulo", disse-me ela, e até o dia de hoje vejo seus olhos brilhantes. Tinha desfrutado matando a meu filho.
"Vonda deixou a arma sobre a mesa, passou por cima do cadáver de meu filho como se fora lixo, e recolheu uma caixa de metal do chão. "Enquanto penduravam ao pobre Gus pela segunda vez, Roddy se meteu na casa e tirou isto." Abriu-a e vi que estava cheia de dinheiro. "Roddy esteve deitando-se com essa velha bruxa, Hilda Turnbull, porque sabia que tinha dinheiro escondido e queria averiguar onde o guardava. Há-lhe flanco muito lhe surrupiar, mas ao final o obteve. E esta noite Roddy conseguiu a caixa, ele sozinho..." Olhou a meu filho morto com desprezo e continuou: "Tirou a caixa ao Roddy; disse que ia devolver se à Hilda." E me olhou com ar de triunfo. "Agora tenho eu o dinheiro, levo um filho do Roddy em meu ventre e ele me espera fora. Agora sim vai tudo bem", acrescentou. Então foi quando recolhi a arma e lhe disparei entre os olhos.
Epílogo
Um ano mais tarde
Bailey olhou através do véu negro que lhe apagava a cara da gente reunida diante a tumba do Martha. Matt não estava com ela porque não tinha havido modo de disfarçá-lo adequadamente. E se os jornalistas que rondavam pela periferia o identificavam, também teriam descoberto a Bailey.
Permanecia camuflada em um grupo de uma dúzia de mulheres, todas tocadas com o véu negro que Patsy se encarregou de confeccionar. A imprensa não poderia as distinguir, e além disso o que procuravam era só à viúva do James Manville, uma mulher muito mais volumosa que qualquer das que assistiam ao enterro do Martha McCallum.
Quando Bailey desceu o olhar para o ataúde, já fechado, escorregaram por suas bochechas lágrimas de gratidão e amor. Martha se tinha sacrificado para conservar o anonimato de Bailey. Seu sacrifício tinha suposto que ela, Bailey, pudesse manter a felicidade que tinha conseguido. A anciã lhe tinha explicado que o devia ao Luke por havê-lo retido tantos anos para si mesmo, e que a melhor maneira de reparar o dano era lhe oferecer sua ação à mulher que ele tinha amado.
Assim foi como Martha se encarregou de tudo. Fiscalizou aos advogados e apresentou as provas que tinha obtido. Contratou uns detetives privados e eles descobriram a uma mulher que tinha falado com a Dolores um dia depois de que Alex retornasse a Virginia. E também a meia dúzia de garotas do Calburn que puderam testemunhar exatamente onde e quando tinham visto o Alex Yates. Os cargos contra ele desapareceram por falta de provas.
Essa noite Bailey a passou em vela falando com o Matt, logo telefonou ao Martha e chegaram a um acordo. Se Bailey dava um passo adiante e se apresentava diante o tribunal -e diante o mundo- para esclarecer que tinha estado legalmente casada com o James Manville, era factível que lhe adjudicassem o que ficasse da fortuna de seu defunto marido. Mas se obtinha o dinheiro, perderia sua intimidade.
-Não te importa? -perguntou ao Matt.
-me importar perder milhares de milhões? -repôs Matt com os olhos brilhantes. Logo sorriu-. Não. Eu não quero o dinheiro. Já vi o que o dinheiro faz com as pessoas. Além disso, tudo o que quero o tenho, justo a meu lado.
Ela sorriu, mas não pôde impedir que as lágrimas aflorassem a seus olhos. Tinha chegado a amá-lo tanto. Ele tinha estado a seu lado e a tinha ajudado em todo momento. Em nenhuma ocasião tinha tentado retê-la nem apartar a do que precisasse fazer.
Bailey tinha as mãos entrelaçadas sobre o regaço e uma vez mais acariciou o anel de compromisso que lhe tinha agradável Matt a noite anterior.
-Poderia ser umas grande bodas? -perguntou, e inclusive lhe pareceu a pergunta de uma menina.
-As bodas maior que se viu no Calburn. Mas... -titubeou Matt.
---O que?
-Se não deixar que Patsy te faça o vestido, nossa vida será um inferno.
Bailey aceitou entre risadas.
Ao dia seguinte falaram do dinheiro e do que fariam com ele. Como se podem administrar milhares de milhões de dólares e de uma vez permanecer no anonimato?
Em último término foi Arleen a que mais ajudou. Durante muitos anos se considerou a si mesmo, como ela dizia, como um parasita. "Mas um bom, querida, um parasita muito bom." Explicou a Bailey que essa posição tinha possibilitado que se convertesse em uma hábil observadora. "Quando o jantar depende de te levar bem com alguém, tem que aprender rápido a parecer o que eles querem que pareça e dizer o que quiserem ouvir."
Para surpresa de Bailey, Arleen confeccionou uma lista das pessoas em que mais confiava James.
-Se necessitar gente que leve sua empresa, te dirija a estes -disse Arleen de uma vez que lhe tendia a lista.
-Nada de minha empresa! Nada de meu dinheiro! -tinha esclarecido Bailey-. Não o quero.
Foi Martha a que aceitou herdar a fortuna do James Manville. Tinha um certidão de nascimento que demonstrava que Frank era seu filho, e o nome do Frank aparecia no certidão de nascimento do Luke McCallum. Com as provas de DNA não tinha resultado difícil demonstrar que Lukas McCallum e James Manville eram a mesma pessoa.
Martha o tinha feito tudo e tinha tido que fazê-lo sozinha. Até sendo uma anciã frágil, tinha reunido toda a força necessária para arrumar-lhe ela sozinha com advogados, detetives e até com a imprensa. Ninguém do entorno de Bailey podia arriscar-se a ajudá-la por temor a que a descobrissem, assim Martha encontrou o único apoio em uma amiga sua da residência de anciões. Um par de enfermeiras cuidaram de sua saúde.
Enquanto se desenvolvia o julgamento contra Atlanta e Ray, difundido através de todos os meios de comunicação, Matt tinha percorrido os Estados Unidos em busca dos nomes da lista que lhe tinha dado Arleen. Demorou os três meses do julgamento em agrupá-los, mas quando chegou o veredicto de culpabilidade, Matt tinha obtido um conselho de administração para que fiscalizasse as indústrias das que James Manville tinha sido proprietário.
Matt, Bailey e os homens da lista tinham acordado, depois de dias e noites de trabalho, um plano de trabalho de dez anos em que as empresas passariam a ser anônimas. Ao finalizar esses dez anos seriam vendidas e os benefícios repartidos entre os empregados ou continuariam em regime de cooperativas. O plano definitivo foi que ao finalizar os dez anos, o império do James Manville já não existisse.
Quando por fim acabou o julgamento, Martha tinha envelhecido de forma evidente. Era como se se manteve viva e sã para cumprir com sua missão e agora que tinha concluído queria descansar... para sempre.
depois de ditá-las sentenças de cadeia perpétua para Atlanta e Ray, duas enfermeiras ajudaram ao Martha a sentar-se, fora da sala, em uma cadeira acolchoada. Com mãos trementes, leu uma declaração sobre os planos para o futuro das propriedades do James Manville. além dos repórteres e fora do edifício dos tribunais houve gente que aclamou emocionada o anúncio de que não perderiam seus trabalhos. Mas os jornalistas estavam visivelmente decepcionados. Queriam que Martha lhe deixasse todo o dinheiro a uma só pessoa. As palhaçadas de herdeiros e herdeiras vendiam muito.
-Que parte corresponderá ao Lillian Manville? -vociferou um tão logo Martha acabou de ler sua declaração.
Ela sorriu ao jornalista.
-A cuidou -respondeu Martha e logo, antes de que ninguém pudesse lançar outra pergunta, levou-se a mão à cabeça e caiu contra o respaldo da cadeira como se se desvaneceu.
As enfermeiras a rodearam e pelo corredor apareceu um médico correndo. Depois de um rápido exame, o doutor anunciou que a senhora McCallum tinha suportado uma tensão excessiva e que deviam partir.
-Mas o que tem que a viúva do Manville? -gritou alguém. O doutor nem se girou. adiantou-se para o Martha enquanto a colocavam em uma maca e saíram do Palácio de Justiça.
Os representantes dos meios de comunicação fizeram guarda ao redor do hospital em que estava ingressada Martha McCallum. Os diagnósticos eram otimistas e falavam de recuperação, mas os médicos não tinham tido em conta a falta de interesse do Martha por recuperar-se. A vida já não lhe interessava e queria reunir-se com seu filho e com o Luke.
Martha faleceu a manhã do quarto dia e as enfermeiras comentaram que o tinha feito com um sorriso nos lábios.
Bailey chorou desde que se anunciou sua morte até o dia do funeral.
-Nem sequer poderei assistir ao enterro -se lamentou Bailey-. E isso que passaram tantos anos em que não pudemos nos conhecer porque James nos manteve apartadas.
-James? -comentou Arleen com suavidade e levantou as sobrancelhas ao olhar ao Matt. Agora Bailey se referia a seu defunto algemo como "James", já não como "Jimmie".
Matt rodeou a Bailey com seus braços para confortá-la, mas sorria. Ao fim, depois de descobrir a verdade, Bailey tinha sido capaz de deixar atrás ao James Manville. Tinha visto o bom e o mau de seu defunto marido e finalmente era capaz de vê-lo como a uma pessoa. Seu amor pelo James Manville já não estava vivo. Agora era só uma lembrança.
-Creio que poderemos encontrar uma maneira de que atira -lhe sussurrou Matt ao ouvido.
Dez minutos mais tarde Patsy e ele chegaram à idéia de vestir com véus idênticos que permitissem a assistência ao enterro do Martha a todas as mulheres implicadas na empresa de conservas O Moral.
E agora Bailey colocou três rosas brancas sobre o ataúde do Martha. Uma para o Martha, outra para o Frank e outra para o James, o moço que tinha voltado a nascer naquele terrível dia de agosto de 1968.
Arleen posou a mão no braço de Bailey.
-vamos a casa -sussurrou.
-Sim -disse Bailey-. vamos a casa.
Jude Deveraux
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