Biblio VT
Series & Trilogias Literarias
Miles Montgomery é o irmão mais novo da família. Elizabeth Chatworth, é mais nova de sua família.
Miles ama a todas as mulheres, o que o leva a ter vários filhos bastardos.
Elizabeth não suporta o contato com outro ser humano.
Elizabeth veio a ele como um precioso presente, um anjo nu enrolada em um tapete. Quando Miles a olha e vê seus olhos verdes e seus cabelos da cor de mel emaranhados, arde de paixão.
Miles a queria... Elizabeth nunca se renderia.
Ele era um dos odiados Montgomery e ela uma Chatworth e a guerra de sangue entre suas famílias havia começado em um espiral de violações, assassinatos e traições.
Ela fez um juramento de lutar contra esse bonito guerreiro, de resistir ao desejo que ardia em seus olhos, não importava o quanto fosse grande a tentação.
Poderá Miles esquecer o ódio que sente pelos Chatworth e amar Elizabeth?
Poderá Elizabeth entregar seu coração ao inimigo de sua família?
Capítulo Um
O sul da Inglaterra Agosto de 1502
Elizabeth Chatworth estava de pé na borda íngreme do penhasco, olhando em direção a um mar de campos de cevada. Lá em baixo, homens aparentemente minúsculos e que pareciam insignificantes caminhavam com foices sobre os ombros, outros cavalgavam em cavalos e outro guiava uma junta de bois.
Mas em realidade, Elizabeth não via estes homens, porque mantinha o queixo muito erguido e sua mandíbula tão fortemente apertada, que parecia que nada poderia lhe fazer mudar o gesto. Uma quente rajada de vento esteve a ponto de afastá-la da borda, mas ela apoiou firme suas pernas e se negou a mudar de posição. Se o que aconteceu neste dia e o que a esperava não a amedrontava, nenhum vento caprichoso iria movê-la de seu lugar.
Seus olhos verdes estavam secos, mas tinha a garganta obstruída por uma onda de fúria e de lágrimas contidas. Um músculo da mandíbula se contraía e afrouxava enquanto respirava profundamente, tratando de controlar os batimentos de seu coração.
Outra rajada de vento revolveu a cascata emaranhada dos cabelos cor de mel para longe de suas costas e sem que Elizabeth notasse, uma última pérola se desprendeu e escorregou por seu vestido destroçado e sujo, de seda vermelha. Os ornamentos que usou para os esponsais de sua amiga estavam em migalhas, sem possibilidades de conserto, seu cabelo solto e ondulante, as bochechas sujas, e tinha as mãos cruelmente atadas atrás das costas.
Elizabeth levantou seus olhos para o céu, sem pestanejar diante da brilhante claridade do dia. Por toda sua vida haviam dito que seu aspecto era angélico, e nunca esteve tão serena, tão parecida com um ser celestial como agora, com seu pesado cabelo enroscando-se no corpo como um manto sedoso e seu traje rasgado que dava a aparência de uma mártir cristã.
Mas os pensamentos de Elizabeth estavam longe da doçura, ou perdão.
— Eu vou lutar até a morte! — Murmurou, olhando para o céu, enquanto os olhos se obscureciam até tomarem a cor das esmeraldas em uma noite de luar. — Nenhum homem me vencerá. Nenhum homem me fará submeter à sua vontade.
— Está rogando ao Senhor, não é? — Chegou-lhe a voz de seu captor, ao lado dela.
Lentamente, como se tivesse todo o tempo do mundo, Elizabeth se voltou para o homem, com um olhar tão frio que este deu um passo atrás. Era um fanfarrão como o odioso
homem a quem servia, Pagnell de Waldenham, mas este subordinado era um covarde quando seu amo não estava presente.
John tossiu nervosamente e então corajosamente deu um passo adiante, agarrando Elizabeth pelo cotovelo.
— Pode pensar que é uma grande dama, mas no momento, eu sou seu amo.
Ela o olhou diretamente nos olhos, sem demonstrar a dor que ele estava causando, depois de tudo, já teve sofrimentos mentais e físicos o bastante em toda sua vida.
— Jamais será o amo de ninguém. — Disse calmamente.
Por um momento, a mão de John afrouxou a pressão sobre seu braço, mas imediatamente a empurrou rudemente para frente.
Elizabeth quase perdeu o equilíbrio, mas graças a um esforço de concentração, conseguiu manter-se erguida e começou a caminhar.
— Todo homem é o amo de uma mulher. — Disse John a suas costas. — As mulheres como você simplesmente não perceberam ainda. Tudo o que vai demorar será um homem de verdade que te bata para que aprenda quem é o amo. E pelo que tenho entendido, este Miles Montgomery é o homem para dar o que você precisa.
Ante a menção do nome de Montgomery, Elizabeth tropeçou, caindo de joelhos.
A risada de John foi desproporcionalmente alta, enquanto agia como se tivesse conseguido algum grande feito. Ele ficou parado, observando insolentemente, enquanto Elizabeth lutava para ficar de pé, enrolando as pernas na saia e com as mãos, ainda atadas às costas.
— Está preocupada com Montgomery, não está? — Provocou e a pôs de pé. Por um momento ele tocou sua bochecha, a suave pele de marfim, passando uma suja ponta do dedo sobre seus delicados lábios. — Como pode uma mulher tão adoravelmente linda como você ser tão megera? Poderíamos ser mais amáveis um com o outro, e Lorde Pagnell nunca saberia. Que importância tem quem será o primeiro? Montgomery vai tirar sua virgindade de qualquer maneira, que diferença haveria por um dia ou dois?
Elizabeth juntou saliva dentro da boca e cuspiu no seu rosto com todas suas forças. A brutal bofetada que ele tentou desferir-lhe não chegou ao seu destino, já que ela, mesmo com o corpo muito dolorido, conseguiu desviar agilmente e começar a correr. As mãos amarradas fizeram a velocidade impossível, e John a apanhou com facilidade, agarrando o que restava de sua saia e fazendo-a cair de bruços, no chão.
— Cadela suja! — Ele ofegou, virando-a, sentando sobre ela. — Pagará por isso. Tentei ser justo contigo, mas merece que te castigue.
Os braços e mãos de Elizabeth estavam presos sob ela e apesar de todos seus esforços a dor fazia as lágrimas se juntarem em seus olhos.
— Mas não vai me golpear, vai? — Perguntou com confiança. — Pagnell poderia averiguar o que você me fez e te castigaria. Homens como você jamais arriscariam prejudicar os planos preciosos daqueles que consideram magníficas pessoas.
John colocou as mãos sobre seus seios, e seus lábios contra os dela, faminto, mas Elizabeth não demonstrou nenhuma emoção. Aborrecido, libertou-a de seu peso, afastou- se dela e caminhando com raiva se dirigiu aos cavalos.
Elizabeth se sentou e tentou recuperar a compostura. Ela era hábil em não demonstrar suas emoções mais íntimas, e agora queria reservar todas as suas forças para a provação que estava por vir.
Montgomery! O nome soava na sua cabeça. O nome de Montgomery parecia ser o causador de todos os seus medos, de todos os terrores de sua vida. Um Montgomery foi o causador de que sua cunhada perdesse sua beleza e virtualmente sua sanidade mental. Um Montgomery causou a desgraça de seu irmão mais velho e o desaparecimento de seu outro irmão, Brian. E indiretamente, um Montgomery era o responsável por sua própria captura.
Elizabeth participava dos festejos de bodas de uma amiga, quando acidentalmente escutou a conversa de um homem perverso, a quem conhecia por toda a sua vida, Pagnell, que planejava entregar a seus odiosos parentes uma pequena cantora, para que a julgassem como uma bruxa.
Quando Elizabeth tentou resgatar à moça, Pagnell a apanhou, e como retaliação, achou muito oportuno entregar Elizabeth a seu inimigo, um Montgomery. Talvez as coisas não tivessem saído tão ruins se a jovem cantora, em uma atitude generosa, mas não muito inteligente, não tivesse dado a entender que havia alguma relação entre ela e os Montgomery.
Pagnell amarrou e amordaçou Elizabeth, tinha-a enrolado em um imundo tapete e ordenara a seu homem, John, que a entregasse a esse notório lascivo, sátiro de sangue quente e apaixonado Miles Montgomery. Dos quatro Montgomery, Elizabeth sabia que o mais novo, um jovem de apenas vinte anos, dois anos mais velho que Elizabeth, era o pior. Inclusive no convento onde passou os últimos anos, ouvira histórias de Miles Montgomery.
Disseram que ele havia vendido sua alma ao diabo quando tinha dezesseis anos e, como resultado, tinha adquirido um poder sobrenatural sobre as mulheres. Elizabeth riu desta história, mas não havia dito a ninguém a razão de sua hilaridade. Parecia-lhe muito mais sensato supor que Miles Montgomery, era igual a Edmund, o irmão morto dela, que ordenava às mulheres irem para sua cama. Era uma pena
que a semente desse Montgomery fosse tão fértil, porque se rumorejava que já tinha cem bastardos.
Três anos atrás, uma jovenzinha, chamada Bridget deixou o convento onde Elizabeth passava longas temporadas, para ir trabalhar na antiga fortaleza Montgomery. Era uma menina bonita de grandes olhos castanhos e quadril rebolante. Para grande desgosto de Elizabeth, as outras residentes agiram alternadamente, como se a jovenzinha fosse as suas bodas ou como se fosse a protagonista de um sacrifício humano. Um dia antes que Bridget partisse, a madre priora falou com ela durante duas horas, e por volta das vésperas da tarde, Bridget tinha os olhos vermelhos de tanto chorar.
Onze meses depois, um músico viajante contou que a jovem Bridget deu a luz, a um menino forte e saudável a quem nomeou de James Montgomery. Admitia com toda liberdade que Miles era o pai.
Elizabeth se uniu às abundantes preces oferecidas para redimir os pecados da jovem. Em particular, ela amaldiçoou todos os homens, sentia aversão por homens como seu irmão Edmund e Miles Montgomery, homens perversos que acreditavam que as mulheres não possuíam alma, que só se importavam em maltratar ou violar mulheres, ou as obrigar a fazerem todo tipo de atos horríveis.
Não teve tempo para seguir pensando, porque John agarrou uma mecha de seus cabelos e a obrigou a ficar de pé.
— Seu tempo para rezar terminou. — Ele urrou muito perto de seu rosto. — Montgomery acampou próximo daqui e chegou a hora dele dar uma olhada na próxima... — sorriu — mãe de seu futuro bastardo.
Riu alegremente quando Elizabeth tentou lutar contra ele, mas quando ela percebeu que ele gostava de ver sua resistência, deteve-se e lançou um olhar frio.
— Bruxa! — Gritou-lhe violentamente. — Vamos ver se este diabo do Montgomery pode capturar o anjo que você parece... ou se tão somente encontrará seu coração que é tão negro como o dele.
Sorrindo, sua mão torcida em seu cabelo, apoiou uma pequena adaga contra sua garganta. Quando ela não se acovardou ao sentir o frio do metal contra sua pele, o sorriso dele se transformou em uma careta.
— Às vezes os Montgomery cometem o erro de falar com as mulheres, em lugar de utilizá-las como Deus manda. Espero que este Montgomery não tenha ideias semelhantes.
Lentamente ele arrastou a ponta da lâmina pela garganta até o decote quadrado do que restava do vestido de Elizabeth.
Ela conteve o fôlego, seus olhos cravados nos dele e tentando por todos os meios conter a ira que sentia, sem fazer movimento algum. Não queria provocá-lo para que usasse a adaga contra ela.
John não cortou sua pele, mas a lâmina abriu facilmente a parte dianteira do vestido e do gibão apertado debaixo do traje. Quando deixou à vista as curvas cheias de seus seios, ele olhou de volta para seu rosto.
— Esteve ocultando muitas coisas, Elizabeth. —sussurrou.
Ela ficou rígida e afastou o olhar de seu rosto. Era verdade que se vestia conservadoramente, achatando os seios e engrossando sua cintura. Seu rosto atraía mais homens do que ela desejava, mas além de manter o cabelo coberto, nada podia fazer para esconder seu rosto.
John não estava interessado em seu rosto e se concentrava em continuar rasgando o resto de seu vestido. Tinha visto muito poucas mulheres nuas, e a nenhuma da condição social de Elizabeth Chatworth... nem de sua beleza.
A coluna de Elizabeth estava tão rígida que parecia feita de aço, e quando as roupas terminaram de cair aos seus pés e sentiu na pele nua, o quente sol de agosto, soube que a humilhação que estava passando, era mais dolorosa que qualquer outra coisa que proporcionaria o futuro.
John emitiu um grosseiro comentário que a fez piscar.
— Maldito Pagnell! — Grunhiu, amaldiçoou e estendeu a mão para ela.
Elizabeth deu um passo atrás e tentou manter a dignidade, enquanto olhava furiosa para John, do qual saía espuma pela boca.
— Se colocar um dedo em cima de mim, é um homem morto. — Disse em voz alta. — Se você me matar, Pagnell terá a sua cabeça... e se você fizer isso e não me matar, eu mesma cuidarei de que ele descubra tudo. E já esqueceu a ira de meu irmão? Arriscaria sua vida por se deitar com uma mulher, não importando quem seja?
John demorou um momento para tranquilizar-se e poder olhar novamente seu rosto.
— Desejo com toda minha alma que Montgomery lhe cause infinitos sofrimentos. — Disse com veemência, e girou para baixar o tapete que estava cruzado sobre a garupa de seu cavalo. Sem olhar para ela, ele o desenrolou no chão.
— Se deite! — Ordenou, olhando o tapete. — E te advirto mulher, que se você se atrever a me desobedecer, esquecerei- me de Pagnell, de Montgomery e da ira de seu irmão.
Obedientemente, Elizabeth deitou-se no tapete e sentiu a lã áspera contra sua pele e quando John se ajoelhou junto a ela, conteve o fôlego.
Com rudeza ele a pôs de bruços, cortou as cordas de suas mãos e, antes que Elizabeth tivesse tempo de pestanejar, cobriu-a com a ponta do tapete e começou a enrolá-la. Já não
houve mais pensamentos. Sua única preocupação era o instinto primitivo de continuar respirando.
Pareceria uma eternidade, o tempo, que ela deveria permanecer imóvel, a cabeça inclinada, procurando o ar que entrava pela ponta enrolada do tapete.
Quando por fim sentiu que a movia, que a levantava, lutou para encontrar ar. Quando sentiu que a colocou sobre a parte de trás do cavalo, pensou que seus pulmões iriam estourar.
As palavras abafadas de John vieram através das camadas de tapete.
— O próximo homem que verá será Miles Montgomery. Pense nisso enquanto cavalgamos. Ele não vai ser tão gentil contigo como eu fui.
De certo modo, as palavras fizeram bem a Elizabeth porque o fato de pensar em Miles Montgomery, em sua perversidade, fez-lhe concentrar-se no esforço de seguir respirando. Enquanto o cavalo a sacudia, amaldiçoava a família Montgomery, a sua casa, aos seus servos, e rezava pelas inocentes crianças Montgomery que faziam parte deste clã imoral.
A tenda de Miles Montgomery era espetacular: era de um verde escuro com bordas douradas, e os leopardos de ouro dos
Montgomery apareciam pintados ao longo da borda do estandarte tremulando no teto, havia flâmulas que flutuavam no vento ao vértice. No interior, as paredes estavam adornadas com seda de um verde pálido. Havia várias cadeiras dobráveis com almofadões azuis e brocados de ouro, uma mesa desmontável, esculpida com os leopardos dos Montgomery e contra a parede oposta duas camas de armar, uma muito larga, ambas cobertas com peles de raposa vermelha de pelos compridos.
Em torno da mesa se encontravam quatro homens, dois deles com os ricos uniformes de cavaleiros dos Montgomery. Os dois homens restantes tinham a atenção posta em um servo.
— Disse que traz um presente para você, meu lorde. — Disse o cavaleiro ao homem quieto diante dele. — Poderia ser um truque. Que coisa pode possuir Lorde Pagnell que você possa desejar?
Miles Montgomery ergueu uma sobrancelha escura e este simples aceno foi suficiente para que seu homem se calasse. Algumas vezes, os novos servos a seu serviço consideravam que sendo seu amo tão jovem, podiam tomar certas liberdades.
— Haverá um homem escondido dentro do tapete? —
Perguntou o homem que estava ao lado de Miles.
O servo esticou o pescoço para olhar Sir Guy.
— Um muito pequeno, talvez. — Sir Guy olhou para Miles e ambos assentiram em um mútuo entendimento.
— O faça entrar, e a seu presente. — Disse Sir Guy. — Os receberemos com as espadas desembainhadas.
O cavaleiro saiu para retornar em poucos segundos, com sua espada apontada para as costas do homem que carregava o tapete. Com insolência, sorrindo maliciosamente, John jogou despreocupadamente o tapete no chão acarpetado e deu um forte chute, para que se desenrolasse em direção aos pés de Miles Montgomery.
Quando finalmente o tapete deixou de rolar e parou, quatro rostos atônitos olhavam fixamente o que tinham diante deles: uma mulher nua, com os olhos fechados sob longos cílios espessos, que posavam sobre umas bochechas delicadamente coloridas, uma cascata maciça de cabelos cor de mel enrolados em seu corpo, algumas mechas enroladas na cintura e nos quadris. Seus seios, firmes, formavam curvas muito delicadas, tinha uma cintura diminuta e um par de pernas muito longas. Seu rosto era algo que os homens não esperavam encontrar sobre a terra, a não ser unicamente no paraíso, delicado, etéreo, algo fora deste mundo.
Sorrindo triunfalmente, John escapuliu para fora da tenda sem ser notado.
Elizabeth, meio aturdida pela falta de ar, abriu lentamente os olhos para encontrar-se frente a quatro homens
que a observavam, com as espadas na mão, mas apontando ao chão. Obviamente, dois dos homens eram servos e não lhes deu atenção. O terceiro homem era um gigante de mais de um metro oitenta, de cabelos grisalhos como o aço e uma cicatriz que cruzava em diagonal o rosto. Embora o homem sem dúvida fosse atemorizante, de alguma forma sentiu que ele não era o líder deste grupo.
Ao lado do gigante havia outro homem vestido suntuosamente de cetim azul escuro. Elizabeth estava acostumada a ver homens fortes e bonitos, mas deste emanava um poder especial, que fez com que ela o olhasse com atenção.
Os olhos dos outros homens estavam fixos no corpo de Elizabeth, mas este homem se voltou e pela primeira vez ela se achou frente a frente com Miles Montgomery, e seus olhares se encontraram.
Era um homem bonito, muito bonito, de olhos cinza escuro, sob sobrancelhas espessas e arqueadas, nariz fino e lábios cheios e sensuais.
Perigo! Foi o primeiro pensamento de Elizabeth. Este homem era perigoso tanto para as mulheres como para os homens.
Ela interrompeu o contato visual com ele e em questão de segundos ficou de pé, pegando uma pele de um das camas e um machado de guerra que se encontrava sobre a mesa.
— Matarei ao primeiro homem que se aproxime. — Disse, sustentando o machado com uma mão, enquanto que com a outra jogava a pele sobre um de seus ombros. O outro ombro ficou exposto, nu desde cima, descendo por sua cintura, suas pernas, até os pés descalços.
O gigante deu um passo para ela e Elizabeth levantou o machado com ambas as mãos no cabo.
— Sei como usar isto. — Advertiu, olhando ao homem sem o mais leve indício de temor.
Os dois cavaleiros também se aproximaram e ela retrocedeu, olhando de um e ao outro. Com a parte de trás dos joelhos tocou o cama e soube que não poderia ir mais longe. Um dos cavaleiros sorriu e ela a sua vez lançou um grunhido para ele.
— Nos deixem sozinhos.
As palavras soaram tranquilas e foram pronunciadas em voz baixa, mas havia nelas uma ordem e todos os homens fixaram a vista nele.
O homem gigante olhou uma vez mais Elizabeth, fez um aceno com a cabeça aos outros dois cavaleiros e os três saíram da tenda.
Elizabeth apertou ainda mais o machado e os nódulos ficaram brancos, enquanto ela olhava através do espaço em direção a Miles Montgomery.
— Vou matar você! — Disse com os dentes apertados. — Não pense que porque sou uma mulher, não vou gostar de cortar a um homem em pedaços. Eu adoraria ver o sangue de um Montgomery derramar-se no chão.
Miles não se moveu de seu lugar junto à mesa, mas continuou observando-a. Um momento depois, ele levantou a espada e Elizabeth conteve o fôlego, preparando-se para a batalha que viria. Muito lentamente, ele pôs sua espada sobre a mesa, se afastou dela e girou, apresentando seu perfil. Novamente, com lentidão e cuidado, tirou a adaga encrustada com joias que levava na cintura e a colocou sobre a mesa junto à espada.
Voltou-se para ela, sem nenhuma expressão no rosto, com os olhos vazios, e avançou um passo em direção a ela.
Elizabeth levantou o pesado machado e se manteve firme, em prontidão. Lutaria até a morte, pois a morte era preferível ao castigo e à violação que planejava este homem diabólico.
Miles se sentou em uma cadeira de armar, a dois metros dela, não falou e simplesmente a observava.
Assim! Então, disso se tratava! Ele achava que uma mulher não era uma oponente digna o suficiente para ele, de maneira que se despojava de suas armas e se sentava, enquanto ela sustentava sobre sua cabeça uma arma mortífera. De um salto, ela se apoiou para frente e elevou o machado para cortar seu pescoço. Sem nenhum esforço, ele segurou o cabo
do machado com a mão direita, manteve-o nessa posição com facilidade e a olhou profundamente nos olhos, durante o longo tempo, em que estiveram próximos. Por um momento ela ficou paralisada, hipnotizada por esses olhos.
Ele parecia querer encontrar algo no rosto dela, como se fizesse perguntas silenciosas sobre ela.
Ela tentou com todas as suas forças que ele soltasse o machado e quase caiu no chão ao perceber, que Miles não tinha feito nenhum esforço para retê-la. Sustentou-se com a mão na beirada da mesa.
— Maldito seja! — Murmurou ela em voz baixa. — Que o Senhor e todos seus anjos amaldiçoem o dia em que nasceu o primeiro Montgomery. Tomara que você e todos seus descendentes ardam no fogo do inferno para sempre.
A voz dela se ergueu quase a um grito, e fora da tenda se ouviram movimentos.
Miles ainda estava sentado no mesmo lugar, observando- a em silêncio, e Elizabeth começou a sentir que fervia seu sangue nas veias. Quando viu que as mãos começaram a tremer, ela sabia que deveria acalmar-se. Onde estava esse frio controle que ela praticou ao longo dos anos?
Se este homem podia permanecer tranquilo, ela também deveria ser capaz de fazê-lo. Prestou atenção e, se suas hipóteses eram corretas, os sons que chegavam de fora eram os homens que se afastavam do lugar. Talvez pudesse escapar
desse homem que tinha diante de si, poderia fugir e retornar à casa de seu irmão.
Manteve os olhos fixos em Miles e começou a caminhar para trás, fazendo um rodeio enquanto tratava de aproximar- se da aba da tenda. Lentamente, ele girou na cadeira e seguiu olhando-a. Fora ela ouviu o relincho de um cavalo e se convenceu de que se pudesse sair deste lugar, estaria livre.
Embora seus olhos não se separassem dos de Miles, ela não o viu se mover. Em um momento ele estava sentado, tranquilo, relaxado em sua cadeira, e no seguinte, precisamente quando a mão dela tocava a aba da tenda, ele estava ao seu lado, sua mão ao redor de seu pulso. Ela trouxe o machado em linha reta em direção a seu ombro, mas ele pegou seu outro pulso e assim a manteve em seu lugar.
Ela ficou quieta, aprisionada levemente, sem ser machucada, e o olhou. Ele estava tão perto que Elizabeth podia sentir sua respiração em sua testa. Quando ele a olhou parecia estar esperando por algo e logo pôs uma expressão de perplexidade.
Com os olhos tão duros como esmeraldas fixou a vista
nele.
— E o que se supõe que vai acontecer agora? — Perguntou ela, sua voz carregada de ódio. — Primeiro vai me golpear ou violar? Ou talvez você goste de ambas as coisas ao mesmo tempo. Sou virgem e me contaram que a primeira vez
dói. Certamente minha dor lhe provocará um prazer muito maior.
Por um segundo, os olhos dele se arregalaram, atônitos, e foi à primeira expressão não calculada que Elizabeth via em seu rosto. Os olhos cinza dele se cravaram tão fixamente nos dela que teve que desviar o olhar.
— Posso suportar o que pretende, — disse ela tranquilamente — e se o que deseja é ver-me suplicar, não o obterá. Nisso você falhará.
Sua mão liberou o pulso que sustentava a aba da tenda e tomando-lhe brandamente seu queixo a fez voltar-se para ele.
Ela ficou rígida com este contato, sentindo ódio por essas mãos que a tocavam.
— Quem é você? — sussurrou ele brandamente.
Ela endireitou ainda mais sua coluna vertebral e o ódio brilhou em seus olhos.
— Sou sua inimiga. Sou Elizabeth Chatworth.
Uma sombra passou pelo rosto dele para desaparecer imediatamente. Depois de um longo momento, retirou a mão de sua bochecha e depois de dar um passo atrás, soltou-lhe o pulso.
— Pode ficar com o machado se ele faz você se sentir mais segura, mas não posso deixá-la partir.
Como se ela já não interessasse, deu-lhe as costas e caminhou para o centro da tenda.
Em menos de um segundo, Elizabeth saiu da tenda e com a mesma rapidez, Miles se encontrou ao seu lado, segurando- a novamente pelos pulsos.
— Não posso deixá-la partir. — Repetiu, desta vez com mais firmeza. Os olhos dele passearam por suas pernas nuas e voltaram a fixarem-se nos dela. — De toda forma, não está vestida para fugir. Entre e enviarei meu servo para comprar algumas roupas.
Ela sacudiu a mão para liberar-se dele. O sol estava se pondo e no crepúsculo ele parecia ainda mais escuro.
— Não quero nenhuma roupa de você. Não quero nada de nenhum Montgomery. Meu irmão...
Conteve-se ao ver seu rosto.
— Não mencione em minha presença o nome de seu irmão. Ele assassinou a minha irmã.
Miles voltou a recuperar seu pulso e deu um ligeiro puxão.
— Agora devo insistir que entre na tenda. Meus homens retornarão logo e não acredito que devam vê-la vestida assim.
Ela não se deixou arrastar.
— E o que importa? Não é um costume entre homens como você, que dividam com seus cavaleiros as mulheres cativas quando terminaram com elas?
Ela não tinha certeza, mas pensou que viu apenas um lampejo de um sorriso nos lábios de Miles.
— Elizabeth, — começou ele, e logo se deteve — entre comigo e falaremos dentro da tenda. — Ele voltou-se para as escuras árvores perto deles — Guy! — gritou, fazendo que Elizabeth desse um salto.
Imediatamente, o gigante entrou na clareira. Depois de um rápido olhar a Elizabeth, voltou-se para olhar Miles.
— Mande alguém à aldeia e que traga algumas roupas adequadas de mulher. Gaste o que precisar.
A voz que usou Miles para falar com seu homem era muito distinta da que usou com ela.
— Mande-me com ele. — Disse Elizabeth rapidamente. — Falarei com meu irmão e ele ficará tão grato por você ter me libertado sem sofrer dano, que finalmente terminará com esta inimizade entre os Chatworth e os Montgomery.
Miles se voltou para ela e desta vez seus olhos eram duros.
— Não suplique Elizabeth.
Sem pensar duas vezes e com um grito em um ataque de fúria, ela novamente levantou o machado e apontou para sua
cabeça. Com facilidade, em um movimento aparentemente praticado, tirou a arma de suas mãos, jogou-a longe e tomou- a energicamente em seus braços.
Ela não tinha intenções de lhe dar o prazer de lutar contra ele e, em vez disso, ficou rígida e sentiu um profundo desagrado com sensação das roupas dele contra sua pele.
Ele a levou para dentro da tenda e muito brandamente a depositou sobre uma das camas de armar.
— Por que se preocupa em conseguir roupas para mim?
— Sibilou ela. — Talvez devesse me possuir no meio do campo, igual fazem os animais como você.
Ele se afastou alguns passos, de costas para ela, e serviu duas taças de vinho de uma jarra de prata que se encontrava sobre a mesa.
— Elizabeth, — disse ele — se continuar me pedindo para fazer amor com você, acabarei por sucumbir às suas tentações.
— Ele se virou, caminhou em direção a ela e se sentou em uma cadeira a curta distância da jovem. — Você teve um dia longo e deve estar cansada e faminta. — Estendeu-lhe uma taça cheia de vinho.
Elizabeth fez voar a taça com um tapa e o vinho derramou, manchando um dos luxuosos tapetes que adornavam o chão da tenda. Miles olhou a mancha sem mostrar preocupação e bebeu de sua taça
— E agora, Elizabeth, o que devo fazer com você?
Capítulo Dois
Elizabeth se sentou na cama com as pernas bem cobertas, só se via a cabeça e um ombro nu, e se negava a olhar Miles Montgomery. Não pensava rebaixar-se e tratar de fazê-lo raciocinar, já que aparentemente, considerava as ideias dela como súplicas.
Depois de um momento de silêncio. Miles ficou de pé e saiu da tenda, mantendo a aba aberta com uma de suas mãos. Ela o ouviu ordenar que trouxessem um balde de água quente.
Elizabeth não fez nada durante sua ausência momentânea, mas pensou que em algum momento ele teria que dormir e então aproveitaria a oportunidade para escapar. Talvez fosse melhor esperar ter algumas roupas apropriadas.
Miles não permitiu ao servo entrar na tenda, mas sim, ele mesmo carregou o balde para depositá-lo junto à cama de armar.
— A água é para você, Elizabeth. Pensei que possivelmente queira se lavar um pouco.
Ela ficou com os braços cruzados sobre o peito e a cabeça virada, olhando para o outro lado.
— Não quero nada de você.
— Elizabeth, — respondeu ele com uma nota de irritação na voz, sentou-se ao seu lado e tomou as mãos dela entre as suas, esperou pacientemente até que ela voltasse seu olhar furioso para ele — não vou machucá-la! — Disse brandamente.
— Jamais castiguei uma mulher em minha vida e não penso fazê-lo agora. Não posso permitir que você monte um cavalo vestindo praticamente nada e cavalgue pelo campo. Em menos de uma hora cairia em mãos das hordas de assaltantes de estradas.
— Devo considerar que você é melhor do que eles? — As mãos dela apertaram as dele por um momento, e seus olhos se suavizaram. — Devolver-me-á ao meu irmão?
Os olhos de Miles se cravaram nos dela com uma intensidade quase assustadora.
— Eu... vou considerá-lo.
Ela soltou suas mãos das dele bruscamente e desviou o olhar.
— O que se podia esperar de um Montgomery? Se afaste de mim!
Miles ficou de pé.
— A água está esfriando.
Ela levantou os olhos para ele com um ligeiro sorriso.
— Por que teria que me lavar? Para você? Você gosta que suas mulheres estejam limpas e cheirem bem? Se for assim,
não penso em me lavar! Vou estar tão suja que parecerei uma escrava Núbia e meu cabelo se encherá de piolhos e outros insetos que infestarão suas roupas bonitas.
Antes de falar, Miles a olhou por um momento.
— A tenda está rodeada de homens e eu estarei fora. Se tentar sair, será devolvida imediatamente para mim. — Com estas palavras, deixou-a sozinha.
Como Miles supunha, Sir Guy estava esperando lá fora. Miles fez um aceno com a cabeça e o gigante o seguiu para a linha das árvores.
— Mandei dois homens em busca de roupa para ela. —
Explicou Sir Guy.
Quando o pai de Miles morreu, ele tinha nove anos, e o desejo do moribundo tinha sido que Sir Guy cuidasse do rapaz, que às vezes parecia um estranho entre sua própria família. Miles falava muito mais com Sir Guy, do que com qualquer um de seus homens.
— Quem é ela? — Inquiriu Sir Guy, apoiado em um imenso e velho carvalho.
— Elizabeth Chatworth.
Sir Guy fez um aceno. A luz da lua desenhava estranhas e misteriosas sombras na cicatriz de seu rosto.
— Isso eu tinha pensado. Lorde Pagnell tem um senso de humor, que o faz muito capaz de entregar uma Chatworth a
um Montgomery. — Fez uma pausa, jogando um prolongado olhar a Miles. — A devolveremos a seu irmão pela manhã?
Miles se afastou alguns passos de seu homem.
— O que sabe de seu irmão, Edmund Chatworth?
Sir Guy cuspiu depreciativamente antes de responder.
— Comparado com Chatworth, Pagnell é um santo. Chatworth gostava de torturar mulheres. Estava acostumado a amarrá-las e estuprá-las. Na noite em que foi assassinado, e bendito seja o autor de sua morte, uma jovem mulher cortou seus pulsos em seu quarto.
Sir Guy observou como Miles apertava e soltava os punhos, e lamentou ter pronunciado essas palavras. Mais que qualquer outra coisa no mundo, Miles amava as mulheres. Centenas de vezes, Sir Guy teve que afastar Miles de homens que faltaram com o respeito a alguma mulher. Ainda menino estava acostumado a atacar a homens adultos, e quando seu temperamento era despertado, Guy não podia fazer nada para refreá-lo. No ano anterior, Guy não pode evitar que Miles matasse a um homem que esbofeteou a sua esposa, uma mulher de língua muito afiada. O rei quase se recusou a perdoar Miles por esta ação.
— Seu irmão Roger não é como Edmund. — Disse Sir
Guy.
Miles se voltou para ele subitamente, com um olhar negro.
— Roger Chatworth violou minha irmã e foi o causador de seu suicídio! Já esqueceu isso?
Guy sabia que a melhor maneira de lidar com o temperamento de Miles, era guardar silêncio sobre a questão que o enfureceu.
— O que pensa em fazer com a moça?
Miles se voltou, acariciando o tronco de uma árvore.
— Sabe que ela odeia o nome Montgomery? Nós não tivemos nada a ver com todas essas coisas que aconteceram entre os Chatworth e os Montgomery e, entretanto, nos odeia.
— Olhou de frente para Sir Guy. — E parece odiar a mim em particular. Quando a toco, posso perceber que sente asco. Limpa onde a toquei com um pano, como se pudesse infectá- la.
Assim que Sir Guy fechou a boca aberta, quase lançou uma gargalhada. Será que isso era possível? As mulheres amavam Miles mais do que ele as amava. Quando era menino passou muito tempo rodeado de meninas, sendo esta, uma das razões pelo que o colocaram aos cuidados de Sir Guy... Para se assegurar que cresceria e se transformaria em um homem. Mas Guy soube desde o começo que não havia dúvida a respeito da masculinidade do jovem Miles.
Simplesmente ele gostava das mulheres. Era um capricho dele, como o amor que sentia por um bom cavalo ou uma espada bem afiada. Às vezes, o tratamento absurdamente gentil de Miles para com as mulheres terminava sendo um aborrecimento, quando, por exemplo, proibia categoricamente que depois de uma batalha se cometessem violações, mas em términos gerais, Sir Guy aprendeu a conviver com os hábitos do rapaz... embora ele mesmo, fosse muito diferente.
Mas Sir Guy jamais, jamais soube de uma mulher que não estivesse disposta a dar sua vida por ele. Jovens, velhas, de meia idade, inclusive as garotinhas de muito pouca idade gostavam muito dele. E Elizabeth Chatworth se limpava quando ele a tocava!
Sir Guy tentou colocar essa informação em perspectiva. Talvez fosse como perder sua primeira batalha. Aproximou-se e colocou sua grande mão no ombro de Miles.
— Todos perdemos de vez em quando. Não vai ser menos homem por isso. Possivelmente a jovem odeia a todos os homens. Com esse irmão como exemplo...
Miles levantou a mão.
— Machucaram-na! Machucaram-na muito! Não só seu corpo, que está coberto de machucados e arranhões, ela mesma construiu um muro de fúria e ódio ao seu redor.
Sir Guy sentiu que o rapaz estava parado na borda de um profundo abismo.
— Esta moça é uma dama de linhagem. — Disse brandamente. — Não pode mantê-la prisioneira. O rei já fez proscrito ao seu irmão. Não deveria provocá-lo. Deve devolver Lady Elizabeth a seu irmão.
— Devolvê-la a um lugar onde se tortura as mulheres? Ali foi onde aprendeu a odiar. E se a deixar partir agora, o que vai pensar dos Montgomery? Poderá chegar a perceber que não somos tão malvados como seu irmão?
— Não pretende ficar com ela! — Sir Guy estava alarmado.
Miles parecia considerar esse ponto.
— Passarão dias antes que alguém se inteire de onde está. Talvez nesse tempo eu possa lhe mostrar...
— E o que vai acontecer com seus irmãos? — Replicou Sir Guy — Estão-lhe esperando no castelo. Gavin não demorará em descobrir que tem Elizabeth Chatworth prisioneira. — Fez uma pausa, baixando a voz. — A moça só poderá falar bem dos Montgomery se a devolver sã e salva.
Os olhos de Miles resplandeceram.
— Acredito que Elizabeth diria que teve que usar um machado para me obrigar a devolvê-la. — Sorriu levemente. — Já tomei minha decisão. A manterei comigo por um curto período de tempo, o suficiente para demonstrar que um Montgomery não se parece em nada com seu irmão morto.
Bem! Agora tenho que voltar e — sorriu mais amplamente — fazer com que minha pequena e suja prisioneira se banhe. Oh, vamos, Guy, não ponha essa cara. Só serão uns poucos dias.
Sir Guy ficou calado e seguiu seu jovem amo de volta ao acampamento, mas se perguntava se Elizabeth Chatworth poderia ser conquistada em um prazo tão curto de tempo.
No momento em que Elizabeth teve certeza que Miles saiu, correu para o outro lado da tenda e quando levantou o pesado tecido, viu um par de pernas de homem. Esquadrinhou o perímetro completo e verificou que quase não havia espaço livre entre os pés dos homens, como se estes estivessem de mãos dadas para proteger-se mutuamente de uma pequena mulher.
Estava coçando seu couro cabeludo sujo, quando Miles retornou carregando dois baldes de água fervendo. Imediatamente ficou rígida e cruzou os braços sobre o peito.
Ela nem sequer o olhou quando ele se sentou ao seu lado na cama.
Só se dignou a lhe dirigir o olhar quando ele começou a lavar sua mão com um tecido suave e ensaboado. Depois do primeiro momento de surpresa, afastou-se bruscamente dele.
Ele pegou seu queixo na mão e começou a lavar seu rosto.
— Vai se sentir muito melhor quando estiver limpa. — Ele disse suavemente.
Ela bloqueou a mão dele.
— Eu não gosto que me toquem. Afaste-se de mim!
Com muita paciência ele voltou a tomar seu queixo e continuou lavando-a.
— É uma mulher bonita, Elizabeth, e deveria se sentir orgulhosa de sua aparência.
Elizabeth o olhou e decidiu, que se até então não sentiu ódio por ele, senti-lo-ia imediatamente. Obviamente, o homem estava acostumado que as mulheres caíssem rendidas aos seus pés. Ele pensava que apenas em tocar a bochecha de uma mulher, esta arderia de desejo por ele. Era muito bonito, certamente, e tinha uma voz doce, mas havia outros homens muito mais atrativos e além do mais, com plena experiência e vários desses homens tentaram seduzir Elizabeth sem nenhum êxito.
Ela o olhou fixamente nos olhos e deixou que os seus se abrandassem, e quando viu um muito leve indício de satisfação no rosto dele, sorriu... e lhe cravou os dentes na mão.
Miles ficou tão atônito que levou um momento para reagir. Segurou-a pela mandíbula e enterrou seus dedos nos músculos de sua face, obrigando-a a abrir a boca. Ainda muito surpreso, flexionou a mão e estudou as profundas marcas dos dentes em sua pele. Quando olhou novamente Elizabeth, leu o triunfo em seus olhos.
— Acha que sou uma estúpida? — Perguntou ela. — Acha que não conheço este tipo de jogo? Espera domar a tigresa, e quando me tiver comendo em sua mão, me devolverá ao meu irmão, sem dúvida carregando outro de seus bastardos. Seria uma grande vitória para você, como Montgomery e como homem.
Ele lhe sustentou o olhar por um momento.
— É uma mulher inteligente, Elizabeth. Gostaria de provar que os homens são capazes de outras coisas, além de selvageria.
— E como vai fazer isso? Mantendo-me prisioneira? Obrigando-me a suportar que me toque? Já demonstrei que não tremo de desejo quando está por perto. Não pode admitir a derrota? Pagnell gosta de estupro e violência. O que o atrai? A caçada? E uma vez que consegue a mulher, deixa-a de lado como a um artigo usado?
Ela podia ver que tinha feito perguntas às quais ele não podia responder, e incomodava-o o fato que as mulheres sucumbissem ante ele com tanta facilidade?
— Não pode um homem, apenas uma vez, fazer algo decente? Envie-me para meu irmão!
— Não! — Gritou-lhe Miles em pleno rosto, então seus olhos se arregalaram. Nunca uma mulher o deixou irritado antes. — Vire-se, Elizabeth. Vou lavar seus cabelos.
Ela o olhou calculadamente.
— E se recusar, você vai me castigar?
— Estou pensando nisso. — Tomou-a pelo ombro e a fez girar sobre si mesmo, para finalmente sentá-la na cama, de tal maneira, que o cabelo dela pendurasse para trás.
Elizabeth ficou quieta enquanto ele ensaboava e enxaguava seus cabelos, e se perguntou se não o pressionou muito. Mas sua forma de atuar a enfurecia. Era tão tranquilo, mostrava-se tão seguro de si mesmo, que ela desejava encontrar seu tendão de Aquiles. Já observou que ele simplesmente tinha que insinuar uma ordem para seus homens e eles obedeciam imediatamente. As mulheres também se rendiam com tanta facilidade?
Possivelmente não estava fazendo o correto quando procurava irritá-lo. Talvez ele a deixasse livre se fingisse que se apaixonava perdidamente por ele.
Se chorasse desconsoladamente em seu ombro, ele poderia chegar a fazer o que lhe pedia, mas além do fato repugnante de ter que tocá-lo voluntariamente, negava-se a implorar qualquer coisa a um homem.
Miles penteou seu cabelo molhado com um delicado pente de marfim e quando terminou, saiu da tenda, para retornar poucos momentos depois com um encantador vestido vermelho, mesclado de seda e lã. Também havia roupa interior de um fino material.
— Pode terminar de se banhar ou não fazê-lo, como quiser, — disse ele — mas sugiro que se vista. — Depois de dizer isto, deixou-a sozinha.
Elizabeth se banhou apressadamente, fazendo gestos de dor quando tocava um machucado, mas sem dar muita importância. Estava contente de ter uma roupa, porque assim, se sentiria mais livre para pôr em prática seus planos de fuga.
Miles retornou com uma bandeja cheia de comida e acendeu algumas velas para iluminar a tenda obscurecida.
— Eu trouxe um pouco de tudo porque não tenho ideia do que você gosta.
Ela não se incomodou em responder.
— Você gosta do vestido? — Ele estava observando-a de perto, mas ela desviou o olhar.
O vestido era caro e estava adornado com bordados feitos com fios dourados. Muitas mulheres estariam encantadas com ele, mas aparentemente Elizabeth não se preocupava se usava sedas ou tecidos ásperos.
— O jantar vai esfriar. Venha aqui e coma na mesa comigo.
Ela o olhou.
— Não tenho a mínima intenção de comer de sua mesa.
Miles começou a falar, mas trocou de ideia e permaneceu calado.
— Quando estiver suficientemente faminta, a comida estará aqui.
Elizabeth se sentou na cama de armar, as pernas esticadas diante dela, os braços cruzados e concentrada no candelabro alto e ornamentado à sua frente. Amanhã encontraria uma maneira de escapar.
Ignorou os agradáveis aromas da comida que Miles estava comendo, recostou-se e fez um esforço para relaxar. Amanhã necessitaria de todas suas forças. A longa odisseia dessa jornada fez com que seu corpo exausto, caísse em um sono profundo imediatamente.
Elizabeth despertou no meio da noite e instantaneamente ficou tensa, sentindo uma ambígua sensação de perigo que sua mente sonolenta não podia captar com total lucidez. Em poucos minutos seus pensamentos ficaram claros e muito lentamente girou a cabeça para olhar a Miles, que dormia em sua cama de armar do outro lado da tenda.
Ainda menina, vivendo em uma casa onde os horrores eram ininterruptos, aprendeu a arte de mover-se sem fazer ruído. Cautelosamente, sem permitir que o ruidoso vestido produzisse algum som, caminhou nas pontas dos pés para a parte de trás da tenda. Sem dúvida estaria rodeada de
guardas, mas os da parte de atrás, certamente, estariam menos alerta.
Levou vários minutos levantar a parte de trás da tenda, o suficiente para rastejar por baixo. Apertou tudo o que pôde do corpo contra o chão e começou a rastejar muito lentamente, centímetro a centímetro, com muito cuidado. Um guarda passou por ela, no entanto conseguiu ocultar-se depois de alguns arbustos e passar despercebida. Quando o guarda ficou de costas para ela, correu para o bosque, procurando e aproveitando os lugares mais sombrios. Só com seus muitos anos de prática, esquivando-se de seu irmão Edmund e de seus "amigos", podia escapulir tão silenciosamente. Roger estava acostumado a rir de sua habilidade e lhe disse que podia chegar a ser uma boa espiã.
Quando penetrou no bosque, permitiu-se respirar fundo e teve que fazer uso de toda sua força de vontade, para acalmar o agitado pulsar de seu coração. Os bosques durante a noite fechada, não eram nada novo para ela e começou a caminhar com ritmo rápido e enérgico. Era surpreendente o pouco ruído que fazia.
Quando o sol saiu, Elizabeth andou por cerca de duas horas, e seus passos começaram a ficar mais lentos. Não comeu nada em mais de vinte e quatro horas e se sentia um tanto debilitada. Enquanto seus pés seguiam se movendo, a saia se rasgava pelos arbustos e tinha raminhos presos nos cabelos.
Depois de mais outra hora, já estava tremendo. Sentou- se em um tronco caído e tentou acalmar-se. Era compreensível que não ficassem muitas forças, já que a combinação da falta de alimentos e a aventura do dia anterior a consumiu quase por completo. A ideia de descansar fez com que sentisse os olhos pesados, e soube que se não repousasse agora, jamais seria capaz de continuar.
Exausta se recostou no chão do bosque e ignorou a multidão de insetos rasteiros que pululavam por debaixo do tronco, não era a primeira vez que passava uma noite no bosque. Fez um débil intento de cobrir-se com folhas, mas na metade da tarefa caiu adormecida.
Despertou com uma aguda espetada nas costelas. Um homem corpulento e grande, vestido em pouco mais que farrapos, gesticulava, olhando-a, e ela notou que faltava um de seus dentes. Outros dois homens, imundos, acompanhavam- no.
— Disse-te que não estava morta. — Disse o homem gordo enquanto agarrava Elizabeth por um braço e a fazia ficar de pé.
— Bonita dama. — Disse outro dos homens, pondo uma mão no ombro de Elizabeth. Ela foi para um lado, mas a mão seguiu no mesmo lugar, o vestido se rasgou, deixando um ombro nu.
— Eu primeiro! — Ofegou o terceiro homem.
— Uma verdadeira dama. — Disse o corpulento homem, sua mão sobre o ombro nu dela.
— Sou Elizabeth Chatworth e se chegarem a me fazer mal, o conde de Bayham pedirá suas cabeças.
— Foi um conde que me expulsou de minhas terras. — Apontou um dos homens — Minha mulher e minha filha morreram pelo frio do inverno. Congelaram. — Sua expressão ao olhar Elizabeth era sinistra. Ela teria recuado, mas o tronco que estava atrás a impedia.
O homem corpulento a agarrou pela garganta.
— Eu gosto que minhas mulheres supliquem.
— Quase todos os homens gostam. — Respondeu ela friamente, fazendo com que o homem piscasse para ela.
— Esta é das minhas, Bill. — Disse outro deles. — Deixe- me tê-la primeiro.
De repente a expressão do homem mudou. Lançou um estranho grasnido e caiu pesadamente para frente, aos pés de Elizabeth.
Ela habilmente se esquivou do corpo que caía e apenas deu uma olhada à flecha que aparecia cravada em suas costas. Enquanto os outros dois homens se agachavam sobre seu companheiro morto, Elizabeth levantou as saias e saltou por cima do tronco.
Da espessura da floresta surgiu Miles. Apanhou o braço de Elizabeth e a expressão em seu rosto fez com que o coração dela se detivesse. Estava contraído pela fúria, seus lábios não eram mais que uma linha apertada, os olhos pareciam negros e as sobrancelhas muito unidas, respirava agitadamente.
— Permaneça aqui! — Ordenou-lhe.
Por um momento ela obedeceu, e ao permanecer quieta viu por que Miles Montgomery ganhou as esporas no campo de batalha antes de cumprir dezoito anos. Os homens que ele enfrentava não estavam desarmados. Um deles fazia girar uma maça com pontas, sustentada por uma corrente e com muita destreza a lançou contra a cabeça de Miles. Este a esquivou e atacou com sua espada ao outro homem.
No lapso de poucos segundos ele destroçou a ambos os homens, enquanto ela tentava controlar seu pulso que estava acelerado. Não parecia possível que este assassino pudesse lavar seu cabelo sem criar um único nó.
Elizabeth não perdeu tempo em contemplar as complexidades de seu inimigo, mas sim, se lançou a toda carreira para fora do campo de batalha. Ela sabia que não podia avançar mais rápido que Miles, mas pensou que talvez pudesse enganá-lo.
Quando encontrou um galho baixo pendurando, subiu por ele e tentou se mover mais para cima.
Quase imediatamente apareceu Miles justo abaixo dela. Havia sangre em seu gibão de veludo, sangre em sua espada desembainhada. Como um urso acossado, movia a cabeça de um lado a outro, logo ficou quieto e aguçou os ouvidos.
Elizabeth conteve o fôlego e não emitiu som algum.
Depois de um momento, Miles repentinamente olhou para cima e gritou.
— Desça agora mesmo, Elizabeth. — Disse com uma voz mortífera.
Uma vez, quando ela tinha treze anos, algo muito parecido ocorreu.
Então ela saltou da árvore, diretamente sobre o odioso homem que a perseguia, tinha-lhe feito perder os sentidos e antes que ele pudesse recuperar-se, tinha escapado. Sem mais, jogou-se sobre Miles.
Mas Miles não caiu. Em vez disso, ele permaneceu firme, suportou seu peso sem escorregar e a apertou fortemente contra ele.
— Esses homens podiam ter te matado. — Explicou ele, aparentemente inconsciente de sua tentativa para derrubá-lo.
— Como conseguiu passar entre meus guardas?
— Liberte-me! — Exigiu ela, lutando contra ele, mas sem conseguir soltar-se.
— Por que me desobedeceu quando eu disse para você esperar por mim?
Aquela pergunta estúpida fez que deixasse de lutar.
— Deveria ter obedecido a esses rufiões se tivessem me ordenado esperar? Que diferença há entre eles e você?
Os olhos dele mostraram sua irritação.
— Maldita seja, Elizabeth. Quer dizer com isso que pareço com essa escória? Que lhe tenho feito algum dano?
— Então você a encontrou. — Disse Sir Guy com um tom divertido. — Sou Sir Guy Linacre, milady.
Elizabeth, com as mãos apertadas contra os ombros de Miles, lutando por soltar-se, fez-lhe um aceno com a cabeça.
— Já terminou de me maltratar? — Perguntou ela a Miles com rudeza.
Ele a soltou tão rapidamente que ela esteve perto de cair. O brusco intercâmbio de movimentos foi muito para o estômago vazio de Elizabeth. Imediatamente, colocou a mão na testa e quando tudo a seu redor pareceu escurecer, tentou encontrar algo que ajudasse a sustentar-se em pé.
Foi Sir Guy quem a tomou em seus braços evitando que caísse ao chão.
— Não me toque. — Sussurrou ela, dentro de uma espessa névoa.
Quando Miles a tirou dos braços de Sir Guy, disse:
— Pelo menos não é somente por minha pessoa que ela sente repulsão.
Quando Elizabeth abriu os olhos. Miles a estava olhando com desgosto.
— Quando comeu pela última vez?
— Não há tempo o bastante para me sentir disposta a te dar boas-vindas. — Respondeu ela mordazmente.
Miles riu ao escutar isto, não com um de seus pequenos sorrisos, a não ser com uma gargalhada baixa e profunda, e antes que Elizabeth tivesse tempo de reagir, inclinou a cabeça e a beijou nos lábios profundamente.
— É absolutamente única, Elizabeth.
Ela limpou a boca com a palma da mão com tanto ardor que parecia querer arrancar pele.
— Me desça! Sou perfeitamente capaz de caminhar.
— E permitir que trate de escapar outra vez? Não, acredito que de agora em diante vou mantê-la acorrentada a mim.
Miles colocou Elizabeth diante dele em seu cavalo e juntos cavalgaram de retorno ao acampamento.
Capítulo Três
Ela estava surpresa ao ver que as tendas tinham sido desmontadas e que as mulas estavam carregadas, prontas para partir. Elizabeth queria perguntar para onde a levavam, mas em vez disso, se manteve rígida sobre a sela, tocando a Miles o mínimo possível e se recusando a falar.
Ele se afastou dos homens que aguardavam, para dirigir- se ao bosque, com Sir Guy logo atrás deles. No bosque havia uma mesa posta, carregada com vários pratos fumegantes. Um pequeno e velho homem trabalhava em excesso arrumando tudo, mas se interrompeu quando Miles com um aceno indicou que se retirasse.
Desmontando, Miles levantou os braços para baixar Elizabeth, mas ela o ignorou e deslizou para o chão sem ajuda. Fez isto lentamente, para que não se repetisse a ridícula cena em que quase desmaiou.
— Meu cozinheiro nos preparou uma boa comida. — Explicou Miles enquanto tomava sua mão e a guiava para a mesa.
Ela sacudiu a mão diante seu toque e olhou a comida. Pequenas codornas assadas descansavam sobre uma capa de arroz, rodeadas por um molho cremoso.
Uma bandeja continha ostras cruas. Havia ovos duros cortados em rodelas banhados em molho de açafrão, presunto defumado, ovas de peixe sobre pão torrado, linguado enfeitado com cebolas e nozes, peras assadas, tortas de nata e uma torta repleta de amoras.
Depois de um olhar de surpresa, Elizabeth se virou.
— Está acostumado a viajar bem.
Miles a pegou pelo braço e quando a fez caminhar, novamente Elizabeth sentiu vertigem, por isso teve que sustentar-se a uma cadeira de armar que estava próxima a ela.
— A comida é para você. — Disse ele, ajudando-a a se sentar. — Não vou permitir que morra de fome.
— E o que você vai fazer? — Inquiriu ela brandamente. — Colocar carvão quente na planta dos meus pés? Talvez tenha seus próprios métodos para obrigar às mulheres a fazerem o que deseja.
Uma sombra cruzou o rosto de Miles, e este franziu o cenho. Agarrou seus braços e a pôs de pé frente a ele.
— Sim, tenho minhas próprias formas de castigo.
Elizabeth nunca tinha visto aquele olhar nele, com os olhos naquele tom de cinza, parecendo que pequenos fogos azuis queimavam atrás do cinza. Curvando-se, ele colocou os lábios em seu pescoço, ignorando-a quando ela enrijeceu e tentou se afastar dele.
— Têm alguma ideia de como é desejável, Elizabeth? — Murmurou contra o pescoço dela. Seus lábios mordiscaram subindo, logo roçando a pele, apenas o suficiente para que ela sentisse seu calor, enquanto que sua mão direita acariciava o ombro nu que ficou exposto pelo vestido rasgado.
Seus dedos foram deslizando lentamente até que começou a acariciar a parte superior dos seios, enquanto que com os dentes mordia brandamente o lóbulo da orelha.
— Eu gostaria de fazer amor com você, Elizabeth. — Sussurrou ele, em voz tão baixa, que ela quase sentiu as palavras em lugar de ouvi-las. — Eu gostaria de descongelar essa fria capa exterior. Gostaria de tocar e acariciar cada centímetro de seu corpo, olhar para você e ver que me olha com o mesmo desejo que sinto por você.
Elizabeth ficou muito quieta enquanto Miles a tocava, e como de costume não sentia nada. Em realidade não provocava repulsão, porque sua respiração sobre ela era agradável e não estava fazendo nenhum dano, mas não sentiu nenhum desses comichões especiais, nem a aceleração do sangue que tanto falavam as moças no convento.
— Se juro comer, vai parar com isso? — Perguntou-lhe friamente.
Miles se afastou dela e estudou seu rosto durante um momento, enquanto Elizabeth se preparava para a desagradável cena que certamente viria.
Todos os homens, quando caíam na conta de que ela era indiferente às suas tentativas amorosas, respondiam dizendo coisas muito desagradáveis.
Miles sorriu lentamente, acariciou-lhe a bochecha outra vez e ofereceu seu braço para acompanhá-la até a mesa. Ignorando-o, ela se aproximou da mesa sozinha, tratando de que Miles não notasse seu estado de confusão.
Ele mesmo lhe serviu a comida, escolhendo as melhores partes de cada coisa e pondo-os em uma bela bandeja de prata, e sorriu novamente quando ela provou o primeiro bocado.
— Certamente, agora, está se felicitando por ter evitado que eu morresse de fome. — Comentou. — Meu irmão vai agradecer por me devolver a ele em boas condições.
— Não tenho intenção de te devolver ainda. — Disse Miles calmamente.
Elizabeth não permitiu que ele notasse quanto a alterava seu comentário, e continuou comendo.
— Roger pagará qualquer soma por meu resgate, não importa quanto você peça.
— Não aceitarei nenhum dinheiro do assassino de minha irmã! — Respondeu Miles com voz rouca.
Ela deixou no prato a coxa de codorna que estava comendo.
— Já fez antes o mesmo comentário. Não sei nada de sua irmã!
Miles a olhou e seus olhos ficaram da cor do aço.
— Roger Chatworth tentou conquistar a mulher que ia desposar meu irmão Stephen e quando Stephen lutou por sua prometida, seu irmão o atacou pelas costas.
— Não! — Soprou Elizabeth, ficando de pé.
— Stephen ganhou o combate, mas se negou a matar Chatworth, e como vingança, Roger sequestrou minha irmã e, mais tarde, a esposa de Stephen. Violou a minha irmã, e ela, horrorizada, jogou-se de uma janela.
— Não! Não! Não! — Gritou Elizabeth, tampando os ouvidos com as mãos.
Miles também ficou de pé e segurou suas mãos.
— Seu irmão Brian amava a minha irmã e quando ela se suicidou, libertou a minha cunhada e nos devolveu o corpo de minha irmã.
— Mentiroso! É um malvado! Solte-me!
Miles a atraiu para mais perto, abraçando-a com suavidade.
— Não é agradável inteirar-se de que alguém a quem amamos é capaz de fazer algo errado.
Elizabeth tinha muita experiência em escapar dos homens, e Miles nunca antes enfrentou mulheres que desejassem que ele as soltasse. Rapidamente, Elizabeth deu uma joelhada entre suas pernas e instantaneamente ele a soltou.
— Maldita seja, Elizabeth! — Ofegou ele, apoiando-se na mesa, dobrado pela dor.
— Maldito seja, Montgomery! — Replicou-lhe ela enquanto agarrava uma jarra de vinho e a atirava contra a cabeça dele, antes de se virar para fugir.
Com um mesmo movimento ele esquivou-se da jarra e a segurou por um braço.
— Não escapará de mim. — Disse, atraindo-a novamente para ele. — Vou lhe ensinar que os Montgomery são inocentes nesta disputa, embora tenha que morrer para provar isso.
— Sua morte é o primeiro comentário agradável que ouvi nos últimos dias.
Por um momento Miles fechou os olhos, como se rezasse em silêncio pedindo ajuda. Quando voltou a olhá-la, parecia recuperado.
— Agora, se já terminou de comer, cavalgaremos. Vamos à Escócia.
— A...! — Começou a falar e ele colocou um dedo sobre seus lábios.
— Sim, meu anjo, — a voz estava cheia de sarcasmo — vamos passar um tempo com meu irmão e sua esposa. Quero que conheça minha família.
— Sei mais que suficiente a respeito de sua família. São...
Desta vez Miles a beijou, e embora ela não tenha reagido fisicamente, quando a soltou estava silenciosa.
Cavalgaram durante horas a um ritmo lento, mas constante. As mulas carregadas com bagagem, móveis, roupas, mantimentos, armaduras, e armas, que vinham atrás deles, não permitiam avançar com mais celeridade.
Elizabeth pôde montar seu próprio cavalo, mas este tinha uma corda que ia atada à sela de Miles. Duas vezes tentou conversar, mas ela se recusava a falar com ele. Estava muito ocupada pensando e tratando de não acreditar no que Miles havia dito sobre seu irmão.
Nos últimos dois anos, o único contato que ela teve com sua família tinha sido por meio das cartas de Roger e de algumas fofocas dos músicos viajantes. É obvio que os músicos sabiam que ela era uma Chatworth, de maneira que não propagavam em um sentido, nem em outro, nada a respeito de sua família.
Mas a numerosa família Montgomery era outra coisa. Era o tema favorito para as intrigas e canções. Gavin, o irmão mais velho, rechaçou a bela Alice Valence e esta cheia de despeito, havia desposado Edmund, o irmão de Elizabeth.
Elizabeth suplicou a Roger que impedisse as bodas, dizendo que a pobre mulher não merecia casar com o traiçoeiro Edmund. Roger havia dito que nada podia fazer para evitar as bodas.
Poucos meses depois, Gavin Montgomery contraiu matrimônio com a riquíssima herdeira Revedoune, e depois do assassinato de Edmund, a ciumenta herdeira jogou azeite fervendo no rosto da pobre Alice Chatworth.
Elizabeth escreveu do convento, rogando a Roger que cuidasse da viúva de seu irmão, e Roger respondeu imediatamente, assegurando que nada lhe faltaria.
Menos de um ano depois, Roger escreveu contando que a herdeira escocesa Bronwyn MacArran pediu que Roger contraísse matrimônio com ela, mas Stephen Montgomery obrigou a desventurada mulher a converter-se em sua prometida. Roger desafiou Stephen, em um intento para proteger a mulher MacArran, e durante o combate, Montgomery, muito inteligente, arrumou para que parecesse que Roger o atacou pelas costas. Como resultado disto, Roger caiu em desonra.
Ela não sabia por que Brian abandonou o lar. Roger jamais explicou. Mas sim, tinha certeza que era algo a ver com os Montgomery. Brian era sensível e gentil. Talvez ele não pudesse mais suportar todos os horrores que sua família padeceu por causa dos Montgomery. Mas seja qual for a razão da partida de Brian, certamente nada tinha a ver com as
mentiras que ouviu esse dia. Inclusive não estava muito convencida de que Roger estivesse informado de que os Montgomery tinham uma irmã.
Durante a longa cavalgada, ela distraidamente tratou de segurar o ombro esmigalhado de seu vestido com o pescoço. Quando Miles ordenou um alto, ela se surpreendeu de ver que estava escurecendo. Seus pensamentos a tinham mantido abstraída durante horas.
Diante deles havia uma estalagem de pedra e troncos, velha, mas de aparência próspera. O dono os esperava fora, em seu rosto corado com um sorriso acolhedor, onde se via uma alegre boas-vindas.
Miles apeou e se dirigiu para o cavalo dela.
— Elizabeth, — estendeu os braços para ela — não se envergonhe em me rechaçar. — Disse ele dando uma piscada ao ver que ela levantava um pé para lhe dar um chute.
Elizabeth pensou um momento e permitiu ajudá-la a descer do cavalo, mas logo que pisou no chão, afastou-se dele. Dois de seus homens entraram na estalagem enquanto Miles pegava o braço de Elizabeth.
— Tenho algo para você. — Olhando-a de perto, mostrou- lhe um formoso broche trabalhado em ouro com a figura de um pelicano, com o bico escondido sob uma asa desdobrada e apoiado em uma linha de diamantes.
Elizabeth permaneceu imperturbável.
— Não o quero.
Com irritação, Miles colocou o broche, prendendo o ombro rasgado do vestido.
— Entre, Elizabeth. — Disse calmamente.
Obviamente o hospedeiro estava esperando, porque a atividade que se desdobrava no lugar era notável.
Elizabeth ficou de lado enquanto Miles falava com Sir Guy, e o hospedeiro esperava para receber instruções.
Estavam em um grande salão cheio de mesas e cadeiras, uma grande lareira a um lado. Pela primeira vez, Elizabeth olhou atentamente aos homens de Miles. Havia uma dúzia deles e ao que parecia não causavam nenhum aborrecimento. Neste momento iam de um lado a outro, abrindo portas, controlando muito tranquilamente que não houvesse nenhum perigo no lugar.
Tinha Miles Montgomery tantos inimigos para estar permanentemente preocupado... ou simplesmente era cauteloso?
Uma bonita criada saudou Miles com uma reverência e ele deu seu pequeno meio sorriso.
Elizabeth observou com curiosidade que a criada se ruborizava e arrumava suas roupas sob o olhar de Miles.
— Sim, milorde, — disse ela, sorrindo e assentindo —
espero que a comida que preparei seja de seu agrado.
— Assim será. — Respondeu Miles com tom prático.
Ruborizando-se novamente, a jovem voltou para a cozinha.
— Tem fome, Elizabeth? — perguntou Miles, voltando-se para ela.
— Não disso que você parece inspirar. — Fez um aceno para a criada, que já se afastava deles.
— Como desejaria que houvesse ciúmes em suas palavras, mas sei ser paciente. — Disse sorrindo e a empurrou ligeiramente para a mesa antes que ela pudesse responder.
Miles e ela ocuparam uma mesa pequena separada da dos homens, mas no mesmo salão. Levaram-lhes prato após prato de comida, mas Elizabeth mal comeu.
— Na melhor das hipóteses, você não tem grande apetite.
— Se você estivesse prisioneiro, dedicaria a se entreter com a comida de seu captor?
— Provavelmente, não perderia um segundo em planejar a morte de meu sequestrador. — Respondeu ele com simplicidade.
Elizabeth o olhou em silêncio e Miles se concentrou em sua comida.
Durante o tempo que levaram em alimentar-se, sem falar, Miles pegou a mão de uma das criadas que colocava um prato de salmão fresco sobre a mesa. Quando Elizabeth levantou os olhos surpreendida, viu que a mão da criada estava machucada.
— Como você se machucou? — perguntou-lhe Miles com gentileza.
— Com as sarças das amoras, milorde. — Respondeu ela, um tanto assustada, mas ao mesmo tempo fascinada pela atenção que lhe dispensava Miles.
— Hospedeiro! — Chamou Miles. — Faça que curem as mãos desta moça e que não volte a colocá-las em água até que esteja curada.
— Mas milorde! — Protestou o homem. — Ela é só uma criada da cozinha. Esta noite está ajudando com as mesas porque minha outra criada tem varíola.
Sir Guy se levantou lentamente da cabeceira da mesa onde comiam os homens de Miles, e o tamanho do gigante foi mais que suficiente para que o hospedeiro desse um passo atrás.
— Vamos, moça. — Disse com tom ressentido.
— Obrigada... obrigada, milorde. — Ela fez uma reverência antes de abandonar o lugar.
Elizabeth cortou uma fatia de queijo francês.
— Sir Guy saiu em defesa por causa da moça ou de você?
A expressão de Miles passou da surpresa à diversão.
Tomou-lhe a mão e depositou um beijo em sua palma.
— Guy não gosta de lutas por criadas de cozinha.
— E você sim?
Sorrindo, encolheu os ombros.
— Prefiro evitar as lutas não importa por que se produzam. Sou um homem pacífico.
— Mas você teria lutado contra um hospedeiro gordo e simpático por causa das mãos machucadas de uma moça qualquer. — Era uma afirmação.
— Eu não a considero uma qualquer. Mas, — deixou de lado o assunto — deve estar fatigada. Quer ir para o seu quarto?
Todos os homens de Miles desejaram boa noite e ela devolveu a saudação com um aceno da cabeça. Seguiu Miles e o hospedeiro escada acima até chegar ao quarto individual — com uma só cama — que os esperava.
— Já entendi! Esperou até agora para me obrigar a compartilhar sua cama. — Disse ela quando ficaram sozinhos.
— Possivelmente as paredes da tenda fossem muito finas para amortecer meus gritos.
— Elizabeth, — disse ele, tomando sua mão — eu dormirei junto à janela, e a cama será para você. Não posso permitir que tivesse seu próprio quarto, porque aproveitaria para encontrar alguma maneira de sair.
— Escapar, você quer dizer.
— Tudo bem, escapar. Agora venha aqui. Desejo falar com você. — Levou-a até o grande banco com almofadas que havia sob a janela, sentou-se e a fez sentar ao seu lado. Quando ele a puxou de costas contra seu peito, a jovem começou a protestar.
— Se acalme, Elizabeth. Deixarei minhas mãos aqui, em sua cintura, e não as moverei, mas não permitirei que se levante até que esteja tranquila e fale comigo.
— Posso falar de pé, longe de você.
— Mas não posso evitar querer te tocar. — Disse ele com veemência. — Todo o tempo desejo te acariciar, aliviar sua dor.
— Não estou sofrendo. — Ela lutou para livrar-se de seu abraço. Era um homem musculoso, grande, alto e largo de ombros, e a curva de seu peito se adaptava perfeitamente ao arco das costas dela.
— Mas está ferida, Elizabeth, provavelmente mais do que acha.
— Ah, sim, vejo agora. Há algo de errado comigo porque não me derreto de adoração quando está perto de mim.
Miles beijou seu pescoço, rindo entre dentes.
— Talvez mereça suas palavras. Fica quieta ou a beijarei mais. — Seu brusco silêncio e a rigidez dela o fizeram franzir o cenho. — Quero que me diga do que você gosta. A comida não lhe interessa, tampouco as roupas bonitas. O ouro e os diamantes não a fazem pestanejar. Aos homens não dedica nenhuma olhar. Qual é sua debilidade?
— Minha debilidade? — Perguntou ela, ficando pensativa. Ele estava acariciando seu cabelo em sua têmpora, e apesar de sua autodefesa, Elizabeth estava começando a relaxar. Os dois últimos dias de tensões e fúria a tinham deixado sem forças. Suas longas pernas estavam estendidas, uma de cada lado do comprido banco, e ela estava entre elas.
— Qual é sua debilidade, Montgomery?
— As mulheres. — Murmurou ele, sem dar importância ao assunto. — Me Conte de você.
Os músculos de seu pescoço estavam relaxando e ela paulatinamente ia se recostando contra ele. Não era uma sensação de tudo desagradável, ser sustentada com tanta firmeza por esse par de braços fortes, quando o homem não a manuseava, não estava batendo nela, nem rasgando suas roupas, nem a machucando.
— Vivo com meus dois irmãos, e amo a ambos e eles me amam. Estou muito longe de ser pobre, e só tenho que insinuar
que gosto de um traje ou uma joia para que meu irmão Roger me compre imediatamente.
— E... Roger, — custou pronunciar o nome — é amável com você?
— Ele me protege. — Sorriu e fechou os olhos. Miles estava massageando os tensos músculos de seu pescoço. — Roger sempre protegeu ao Brian e a mim.
— Protege do quê?
Do Edmund, esteve a ponto de dizer, mas se conteve a tempo. Abriu os olhos repentinamente e se sentou muito ereta.
— Dos homens! — Quase cuspiu. — Sempre pareci atrativa. Os homens sempre gostaram da minha aparência, mas Roger consegue mantê-los longe de mim.
Ele manteve as mãos dela entre as suas.
— Conhece muitos truques para afugentar aos homens e têm envolvido a si mesma em uma couraça de aço. Obviamente, é uma mulher apaixonada, então o que matou sua paixão? Talvez Roger não estivesse o suficientemente perto para te proteger?
Elizabeth se negou a responder e se amaldiçoou por sua momentânea sinceridade.
Depois de um momento, Miles lançou um profundo suspiro e a soltou. Imediatamente ela se afastou de um salto.
— Vá para a cama. — Disse suavemente e permaneceu de pé, virando as costas para ela.
Elizabeth não confiava nele para manter sua palavra sobre não dormir com ela, mas não faria nada para provocar seu aborrecimento e nem seduzi-lo. Completamente vestida, à exceção dos suaves sapatos de couro, deitou-se na grande cama.
Miles soprou a única vela que tinha acesa e por um momento sua silhueta se recortou na janela, contra a luz da lua.
Quando Elizabeth não ouviu nenhum som por parte dele, girou muito devagar, silenciosamente, sobre suas costas para observá-lo. Tinha o corpo tenso pelo temor do que estava por vir. Resignadamente, viu como ele se despia, e quando estava nu, ela conteve o fôlego. Mas Miles levantou a fina manta que havia no banco e se deitou sobre ele... ou tentou de fazê-lo. Lançou uma maldição quando seus pés se chocaram contra os braços do banco, no final das almofadas.
Passaram alguns minutos antes que Elizabeth se convencesse de que Miles Montgomery não tinha intenção de forçá-la. Mas, suspeitava que assim que estivesse adormecida, ele iria atacá-la. Cochilava ligeiramente, mas despertava com cada ruído. Quando Miles tratava de virar-se em sua estreita cama, despertava, e ficava tensa, mas quando novamente ouvia sua respiração pausada, tranquilizava-se e voltava a dormir... até que o próximo barulho a acordasse.
Capítulo Quatro
— Não dormiu bem? — Perguntou-lhe Miles à manhã seguinte, enquanto se vestia. Negras e ajustadas calças de meias cobriam suas poderosas pernas, enquanto que uma jaqueta bordada cobria seu torso e mal chegava a suas coxas.
— Nunca durmo bem em presença de meus inimigos. —
Replicou ela.
Sorrindo levemente, ele não fez caso dos acenos de Elizabeth, afastou as mãos dela e se dedicou a trançar seu cabelo, amarrando a cauda com um laço. Quando terminou, beijou-lhe o pescoço, fazendo com que ela saltasse bruscamente enquanto esfregava o local para apagar o beijo.
Ele estendeu seu braço para ela.
— Sei que estará triste por não poder desfrutar mais de minha companhia, mas meus homens nos esperam embaixo.
Ela ignorou seu braço e saiu do quarto à sua frente. Ainda era muito cedo, e o sol não era mais que um quente reflexo no horizonte. Miles murmurou que um pouco mais adiante na estrada haveria comida esperando-os, mas que antes tinham que cavalgar algumas horas.
Miles e Elizabeth estavam juntos no pequeno alpendre da estalagem, Sir Guy estava diante deles, e os cavaleiros de Miles
esperavam junto aos cavalos e às mulas carregadas, atrás do gigante.
— Está tudo preparado? — Perguntou Miles a Sir Guy. —
Pagou ao hospedeiro?
Antes que Sir Guy pudesse responder, uma menina de quatro anos, vestida de maneira irregular, saiu correndo da estalagem, girou para se esquivar de Miles e caiu dois degraus abaixo. Instantaneamente, Miles ficou de joelhos, tomando à menina em seus braços.
— Silêncio, pequena. — Sussurrou, ficando de pé com a criança agarrando-se ao seu pescoço.
Para Sir Guy e seus cavaleiros, esta era uma cena repetida, e se dispuseram a esperar pacientemente, com ar aborrecido, enquanto Miles consolava a menina. Elizabeth não pensou em Miles. Seu único pensamento foi para a menina machucada. Estirando um braço, acariciou a cabeça da pequena, que chorava.
A menina levantou a cabeça da cavidade no ombro de Miles e, com os olhos arrasados pelas lágrimas, olhou Elizabeth. Começou a soluçar novamente e estendeu os bracinhos para que Elizabeth a abraçasse.
Era difícil dizer quem estava mais surpreso: Miles, Sir Guy ou os cavaleiros dos Montgomery. Miles ficou boquiaberto e por um momento sentiu seu orgulho ferido.
— Já passou! Cale-se agora. — Disse Elizabeth, com uma doçura na voz que Miles não tinha ouvido ainda. — Se deixar de chorar, Sir Guy te levará para dar um passeio em seus ombros.
Miles tossiu para ocultar a risada que ameaçava afogá-lo. Entre a estatura de Sir Guy e a horrível cicatriz de seu rosto, que a maioria das pessoas tinha terror, especialmente as mulheres. Nunca ninguém antes sugeriu que ele pudesse se fazer de cavalo para uma criança chorosa.
— Estará tão alta, — continuou Elizabeth, embalando a menina — que poderá alcançar uma estrela.
A menina fungou ruidosamente, afastou-se de Elizabeth e a olhou.
— Uma estrela? — Soluçou.
Elizabeth lhe acariciou a bochecha úmida.
— E quando você conseguir a estrela, a dará a sir Miles como agradecimento pelo vestido novo que vai te comprar.
Os olhos de todos os cavaleiros se fixaram em seu lorde para ver como reagiria... e nenhum deles se atreveu a rir ao ver seu olhar de indignação.
A garotinha fungou novamente e girou a cabeça para observar Lorde Miles. Sorriu-lhe, mas quando olhou para Sir Guy se aferrou novamente a Elizabeth.
— Não há motivo para temê-lo. — Disse Elizabeth. — Ele gosta muito de crianças, não é verdade, Sir Guy?
Sir Guy lançou a Lady Elizabeth um olhar duro e assassino.
— Para falar a verdade, milady, eu gosto muito das crianças, mas elas têm pouca utilidade para mim.
— Já poremos utilidade a isso. Agora, pequena, vá dar sua volta com Sir Guy e traga uma estrela.
A menina, duvidando ao princípio, aproximou-se de Sir Guy e se agarrou a sua cabeça quando ele a sentou sobre seus ombros.
— Sou a menina mais alta do mundo. — Gritou, enquanto Sir Guy se afastava com ela.
— É a primeira vez que a vejo sorrir. — Disse Miles.
O sorriso de Elizabeth desapareceu como por encanto.
— Reembolsarei o dinheiro pelo vestido da menina quando voltar a minha casa novamente. — Ela se virou.
Miles pegou-lhe a mão e a levou aonde seus homens não pudessem ouvi-los.
— A menina é só uma mendiga.
— Oh! — Disse ela com desenvoltura. — Pensei que talvez fosse um de seus filhos.
— Meus filhos? — Disse ele, surpreso. — Acha que eu permitiria que um de meus filhos andasse por aí vestindo farrapos, sem nenhum cuidado por eles?
Ela se voltou para ele.
— E como sabe onde estão todos seus filhos? Levam um registro com seus nomes? Com os detalhes de suas vidas?
O rosto de Miles refletiu diversas emoções: incredulidade, um pouco de fúria, diversão.
— Elizabeth, quantos filhos acha que tenho?
Ela levantou o queixo.
— Não sei, nem me importa saber quantos bastardos têm.
Ele a agarrou pelo braço e a obrigou a olhá-lo.
— Até meus próprios irmãos exageram neste assunto de meus filhos, assim por que teria que esperar outra coisa de uma estranha? Tenho três filhos: Christopher, Philip e James. E qualquer dia destes espero notícias do nascimento do quarto. Espero que desta vez se trate de uma menina.
— Você espera... — soprou ela. — Não sente remorso pelas mães? Por ter utilizado a essas mulheres para depois as deixar de lado? E o que acontece com os meninos? Terão que crescer sabendo que são bastardos! Frutos de um momento de prazer de um homem odioso!
Ele apertou mais o braço, e esta vez havia fúria em seus olhos.
— Eu não "utilizo" as mulheres. — Disse, com os dentes apertados. — As mulheres que me deram filhos vieram a mim por livre vontade. E todos eles vivem comigo e são muito bem atendidos por babás competentes.
— Babás! — Tentou soltar-se, mas não pôde. — E as mães de seus filhos, onde estão? As jogou na rua? Ou lhes dá algum dinheiro, como fez com Bridget, e as abandona a sua sorte?
— Bridget? — Miles examinou o rosto dela por um momento. Seu temperamento se acalmou. — Suponho que se refere a Bridget que é a mãe de meu James. — Não esperou uma resposta. — Direi a verdade sobre Bridget. Meu irmão Gavin enviou uma mensagem ao convento da Santa Catalina para solicitar algumas moças para o serviço. Queria que fossem moças de boa reputação, que não se dedicassem a provocar aos homens, para que não houvesse brigas. A partir do momento em que Bridget entrou em nossa casa, começou a me perseguir.
Elizabeth tentou de soltar-se.
— É um mentiroso.
Miles pegou também o outro braço.
— Uma vez me disse que ouviu tantas histórias sobre mim, que se sentia como uma criança a que tinham dito para
não brincar com fogo. Uma noite, eu a encontrei na minha cama.
— E a tomou.
— Fiz amor com ela, sim, essa noite e várias noites mais. Quando ela percebeu que ia ter meu filho, tive que suportar as brincadeiras de meus irmãos.
— E a dispensou depois de lhe tirar o menino, é obvio.
Ele deu-lhe um pequeno sorriso.
— Em realidade foi ela quem me deixou. Eu fiz uma viagem de quatro meses, e ela se apaixonou pelo segundo jardineiro de Gavin. Quando retornei, falei com eles, disse-lhes que gostaria de ficar com o menino porque pensava fazer dele um cavaleiro. Bridget aceitou encantada.
— E quanto dinheiro lhe deu? Certamente deve ter devotado algum consolo a uma mãe que desiste de seu filho.
Miles a soltou, lançando fogo pelos olhos.
— Conhecia muito bem Bridget? Se assim fosse, saberia que se preocupava muito mais com seu prazer que com a maternidade. O jardineiro com quem se casou não a queria. Nem a ela e nem ao menino, mais tarde ele se atreveu a pedir dinheiro "por seu sacrifício". Não lhe dei nada. James é meu.
Por um momento ela ficou em silêncio.
— E as mães dos outros filhos? — Perguntou com calma.
Ele se afastou alguns passos dela.
— Apaixonei-me pela irmã mais nova de um dos cavaleiros de Gavin quando não era mais que um adolescente. Christopher nasceu quando Margaret e eu tínhamos só dezesseis anos. Eu a teria desposado, mas seu irmão a afastou de mim. Eu não sabia sobre Kit até que Margaret morreu de varíola, um mês depois que deu a luz.
Olhou novamente a Elizabeth e riu entre dentes.
— A mãe de Philip era uma bailarina, uma criatura exótica que compartilhou meu leito, — suspirou profundamente — durante duas semanas extremamente interessantes. Nove meses depois, enviou um mensageiro com o Philip. Nunca mais a vi nem ouvi falar dela.
Elizabeth estava fascinada com suas histórias.
— E este novo menino que espera agora? — Miles baixou a cabeça, e se fosse uma mulher, Elizabeth teria certeza de que se ruborizou.
— Temo que esta criança pode causar alguns problemas. A mãe é uma prima longínqua. Tentei resistir tudo o que pude, mas... — encolheu os ombros — seu pai está furioso comigo. Disse que me enviará a criança, mas... não tenho certeza se ele fará isso.
Elizabeth só podia balançar a cabeça para ele com incredulidade.
— Certamente deve haver outros meninos. — A voz dela era sarcástica.
Ele franziu a testa ligeiramente.
— Não acredito. Sempre trato de estar informado sobre as minhas mulheres e estou atento à aparição de meninos.
— Um pouco como recolher ovos. — Disse ela, com os olhos muito abertos.
Miles inclinou a cabeça e lançou um olhar intenso.
— Faz um momento me condenou por deixar a meus filhos em farrapos, esparramados pela comarca como se fossem lixo, e agora me critica porque me preocupo com eles. Não sou um homem celibatário e nem pretendo sê-lo, mas tomo minhas responsabilidades com seriedade. Amo a meus filhos e proverei tudo que seja necessário. Eu gostaria de ter cinquenta deles.
— Como começo, não está mal. — Disse ela, e o deixou sozinho.
Miles permaneceu onde estava olhando-a encaminhar-se para onde se encontravam os homens com os cavalos. Manteve-se um tanto separada deles, com sua típica pose altiva. Ela não era como nenhuma de suas cunhadas, acostumadas à autoridade e à vontade com as pessoas que trabalhavam para elas.
Elizabeth Chatworth se mantinha rígida sempre que havia homens perto. No dia anterior, acidentalmente, um de seus homens que montava a cavalo a tinha roçado e Elizabeth reagiu violentamente, puxando com tanta força as rédeas de sua montaria que quase caiu do cavalo. Tinha conseguido controlar o animal, mas a experiência causou desgosto a Miles. Nenhuma mulher e nenhum homem deveriam assustar-se tanto ante o contato de outro ser humano.
Sir Guy retornou sozinho, para aonde estavam os homens e imediatamente procurou Miles, encaminhando-se rapidamente em sua direção.
— Está ficando tarde. Deveríamos partir. — Fez uma pausa. — Ou talvez tenha reconsiderado sua decisão e prefira devolver a dama a seu irmão.
Miles estava olhando Elizabeth, que agora falava com a mãe da menina que tinha caído um momento atrás. Voltou-se para Sir Guy.
— Quero que envie um par de homens as minhas propriedades do norte. Desejo que tragam Kit para mim.
— Seu filho? — perguntou Sir Guy.
— Sim, meu filho. Que venha com sua babá. Não! Pensando bem, tragam só ele, mas com uma boa escolta. Lady Elizabeth se ocupará dele.
— Tem certeza do que está fazendo? — Voltou a inquirir Sir Guy.
— Lady Elizabeth adora crianças, de maneira que vou compartilhar um dos meus com ela. Se não puder chegar a seu coração de um modo, farei-o de outro.
— E o que fará com esta mulher quando tiver conseguido domesticá-la? Uma vez, quando eu era um menino, havia um gato selvagem que reclamava um determinado lugar, perto de um galpão, como próprio. Cada vez que alguém se aproximava do galpão, o gato arranhava e mordia. Impus-me a tarefa de domesticá-lo. Levou várias semanas e muita paciência ganhar sua confiança, mas me vi recompensado quando começou a comer em minha mão. Mais adiante, o gato começou a me seguir a todas as partes. Topava-me com ele todo o tempo e se transformou em um aborrecimento maior. Depois de alguns meses já estava lhe dando chutes e o odiava, porque deixou de ser essa coisa selvagem que eu amei ao princípio, para ser um gato qualquer, como todos outros.
Miles continuou estudando Elizabeth.
— Talvez o que me atraia seja simplesmente a caçada, — disse com tranquilidade — ou talvez seja como meu irmão Raine, que não pode tolerar nenhuma injustiça. Tudo o que sei no momento é que Elizabeth Chatworth me fascina. Talvez queira vê-la comendo em minha mão... mas possivelmente quando a tiver, será porque tenha me transformado em seu escravo.
Novamente se voltou para Sir Guy.
— Elizabeth gostará de Kit, e meu filho só pode beneficiar- se com seu contato. E pessoalmente vai dar muito gosto vê-lo. Envie a mensagem.
Sir Guy assentiu com a cabeça antes de retirar-se e deixá- lo sozinho.
Minutos mais tarde tinham montado e estavam preparados para partir. Miles não tentou conversar com Elizabeth, mas sim, se limitou a cavalgar ao seu lado, silenciosamente.
Ela começava a mostrar-se cansada, e por volta de meio- dia, Miles não estava muito seguro se não deveria devolvê-la a seu irmão.
Meia hora mais tarde, ela voltou bruscamente a vida. Enquanto Miles sentia pena dela, Elizabeth esteve ocupada desatando a corda que a prendia ao outro cavalo. Esporeou com força a sua montaria, usou a ponta solta das rédeas para golpear as ancas de dois cavalos que havia em frente a ela e defendendo-se nos dois animais que ficaram ao seu lado, ganhou preciosos segundos para fugir. Já tinha percorrido meio quilômetro da estrada, cheio de buracos e de arbusto, antes que Miles pudesse reunir a seus homens para começar a persegui-la.
— Eu a trarei de volta. — Gritou por sobre seu ombro para Sir Guy.
Miles sabia que o cavalo de Elizabeth não era muito veloz, mas ela estava tirando toda a vantagem que fosse possível. Chegou a estar o suficientemente perto para apanhá-la, quando a cilha de sua sela se afrouxou e ele começou a deslizar para um lado.
— Maldita seja! — ele ofegou, compreendendo muito bem quem afrouxou a cilha e ao mesmo tempo sorrindo ante sua ingenuidade.
Mas Elizabeth Chatworth não estava preparada para um homem que se criou com três irmãos mais velhos. Miles estava acostumado a estas brincadeiras de afrouxar cilhas e sabia muito bem como lidar com elas. Com desenvoltura, mudou seu peso mais para frente do cavalo, cavalgando quase em pelo e sobre o pescoço do animal, com a sela frouxa atrás dele.
Perdeu um pouco de velocidade quando o cavalo ameaçou se revoltar a nova posição, mas Miles conseguiu dominá-lo.
Elizabeth dirigiu seu corcel para um campo de milho quando a estrada original desapareceu, e ficou muito desconcertada quando viu que Miles vinha perto de seus calcanhares.
No campo de milho a apanhou, segurando-a pela cintura. Ela lutou desesperadamente, e Miles, que não tinha estribos onde apoiar-se, começou a cair. Seu braço ainda sustentava firmemente a cintura de Elizabeth.
Quando caíam, Miles virou colocando-a para cima, ficando em posição de tomar a maior parte do choque, amortecendo o golpe de Elizabeth. Levantou um braço para protegê-la, eventualmente, dos cascos dos cavalos. Os animais correram uns poucos metros mais e logo se detiveram, ofegantes.
— Me solte! — Exigiu Elizabeth quando recuperou o fôlego. Estava esparramada em cima de Miles.
Os braços dele a abraçavam bem segura.
— Quando afrouxou a cilha? — Quando ela não respondeu, ele a abraçou com tanta força que Elizabeth sentiu que quebrava suas costelas.
— Durante o jantar. — Pôde articular.
Ele a agarrou pela cabeça, obrigando-a incliná-la para um lado.
— Elizabeth, você é tão esperta. Como conseguiu escapar entre meus homens? Em que momento a perdi de vista?
Tinha o pescoço suado e seu coração pulsava com força contra o dele. O exercício apagou por completo todo rastro de cansaço nela e se sentia feliz, embora não tivesse conseguido escapar.
— Sim, me deu uma boa corrida. — Disse ele, divertido.
— Se meus irmãos não tivessem aprontado algo tão gracioso em me fazer cavalgar com a cilha solta, não teria sabido o que
fazer agora. É obvio que eles se asseguravam que minha montaria não fosse muito veloz, para que nada me acontecesse em caso de cair. — Trocou de posição para poder olhá-la de frente. — Teria se alegrado muito se eu tivesse quebrado o pescoço?
— Sim, muitíssimo. — Disse ela, sorrindo, quase nariz com nariz com ele.
Miles riu, beijou-a rapidamente, empurrou-a e ficou de pé, franzindo o cenho quando viu que ela limpava a boca com o dorso da mão.
— Vamos, há uma estalagem não longe daqui e ali passaremos a noite. — Não ofereceu sua ajuda para que se levantasse.
Quando retornaram onde se encontravam o resto dos homens, Sir Guy dirigiu a Elizabeth um rápido olhar de admiração, e ela entendeu que ele se manteria muito mais alerta a partir de agora. Já não teria mais oportunidade de brincar com as selas desses homens.
Quando estavam outra vez sobre as montarias, Elizabeth notou que havia um corte que sangrava no antebraço de Miles. Soube que ocorreu quando ele pôs o braço entre ela e os cascos dos cavalos.
Sir Guy inspecionou a ferida e a enfaixou, enquanto Elizabeth sentada em seu cavalo e observava. Era estranho que
Este homem, um Montgomery, tivesse protegido a uma Chatworth de sofrer um dano.
Miles a viu olhando-o.
— Seu sorriso, Elizabeth, faria que cicatrizasse muito mais rápido.
— Espero que se envenene seu sangue e que perca o braço. — Urrou e chutou o cavalo para cavalgar.
Não voltaram a falar até que chegaram à estalagem, a qual, como antes, Miles tinha enviado um homem a frente para que estivessem preparados para recebê-los. Desta vez. Miles e Elizabeth comeram sozinhos em um salão separado.
— Diga-me mais sobre sua família. — Insistiu ele.
— Não! — Respondeu ela simplesmente, tentando alcançar um prato de caramujos em molho de alho.
— Então falarei da minha. Eu tenho três irmãos mais velhos e...
— Sei sobre eles. Você e seus irmãos são notórios.
Ele levantou uma sobrancelha para ela.
— Diga-me o que ouviu sobre nós.
— Com prazer. — Cortou uma parte de carne bovina e torta de frango. — Seu irmão Gavin é o mais velho. Devia casar-se com Alice Valence, mas a rechaçou para poder casar- se com a rica Judith Revedoune, que é uma mulher de mau
caráter. Seu irmão e a esposa conseguiram fazer que Alice, uma Chatworth agora, se tornasse louca.
— Conhece sua cunhada?
Elizabeth estudou a comida que tinha no prato.
— Nem sempre foi como é agora.
— Essa cadela sempre foi uma puta. Rechaçou a meu irmão. Agora me diga o que sabe de Stephen.
— Forçou uma mulher que queria que meu irmão fosse seu noivo.
— E Raine?
— Não sei muito dele, salvo que é magnífico nos campos de batalha.
Os olhos de Miles ardiam.
— Depois que seu irmão violou a minha irmã e Mary se suicidou, Raine conduziu alguns homens do rei com a intenção de atacar seu irmão Roger. O rei o declarou traidor e agora, meu irmão vive no bosque com um bando de criminosos. — Fez uma pausa. — E o que sabe de mim?
— Você é um libertino, um sedutor de jovenzinhas.
— Adula-me que minha virilidade seja tão famosa. Agora me permita que conte a verdade sobre minha família. Gavin teve que assumir a criação de seus três irmãos e da administração da herdade quando tinha ao redor de dezesseis
anos. Quase não teve tempo para descobrir algumas coisas sobre as mulheres. Apaixonou-se por Alice Valence e lhe implorou que se casasse com ele, mas ela o rechaçou. Então contraiu matrimônio com Judith Revedoune, e só depois de um longo tempo ele percebeu que em realidade a amava. Alice tentou desfigurar Judith com azeite fervendo, mas foi ela a que sofreu as consequências.
— Você mente constantemente. — Respondeu Elizabeth.
— Não, não minto. Stephen é o pacifista de nossa família, e ele e Gavin se levam muito bem. E Raine... — Fez uma pausa e riu. — Raine acredita que os fardos do mundo descansam sobre seus largos ombros. É um bom homem, mas incrivelmente teimoso.
— E você? — Perguntou ela brandamente. Ele pensou um tempo para responder.
— Eu estou sozinho. Meus irmãos parecem muito seguros do que querem. Gavin ama a terra, Stephen leva adiante sua cruzada com os escoceses, Raine quer mudar o mundo, mas eu...
Ela o olhou por um momento e entre ambos houve um silencioso entendimento. Ela também havia se sentido só na vida. Edmund era um malvado, Roger estava sempre de mau humor e ela passou a vida fugindo de Edmund e de seus amigos, enquanto tratava de proteger Brian.
Miles pegou sua mão na dele e ela não se afastou.
— Você e eu tivemos que crescer rapidamente. Têm lembranças de quando era menina?
— Muitas. — Disse ela monotonamente, retirando a mão. Durante algum tempo, comeram em silêncio.
— Seu lar... era feliz? — Perguntou ela como se não importasse.
— Sim. — Miles sorriu. — Cada um de nós teve um servo e sua própria ama-de-leite, mas de todas as formas passávamos muito tempo juntos. Não é fácil ser o irmão mais novo. Todo mundo exige muito de você.
— E você era feliz? — Perguntou Miles.
— Não. Eu estava muito ocupada tratando de fugir de Edmund para poder pensar em algo tão tolo como a felicidade. E agora gostaria de me retirar.
Miles a acompanhou até o quarto que compartilhariam, e ela viu que alguém colocou uma cama de armar junto a uma das paredes.
— Não vou dormir em um banco na janela. — Disse ele alegremente, mas Elizabeth não se alterou. Ele tomou ambas as mãos entre as suas.
— Quando vai confiar em mim? Eu não sou como Edmund ou como Pagnell, ou esses outros homens detestáveis que conhece.
— Você me mantém prisioneira. Os homens bons, como você acha que é, têm por prisioneiras mulheres inocentes?
Ele beijou suas mãos.
— Mas se eu a devolvesse a seu irmão, o que faria? Esperaria que Roger encontrasse um marido e se dedicaria à felicidade do matrimônio?
Ela se afastou dele.
— Roger me deu permissão para não me casar se assim o desejar. Estive pensando em tomar os votos da igreja.
Miles a olhou com horror. Antes que ela pudesse protestar a atraiu para seus braços, deitou sua cabeça em seu ombro e acariciou-lhe as costas.
— Têm tanto amor para dar. Como pode pensar em negar essa realidade? Vocês não gostaria de ter filhos, vê-los crescer? Não há nada no mundo como o olhar de uma criança cheia de adoração e confiança.
Ela retirou a cabeça de seu ombro. Quase estava se acostumando que ele a tocasse e a tivesse em seus braços.
— Nunca conheci um homem que gostasse de crianças. Todos os homens que conheço só estão interessados em lutar, beber e violar mulheres.
— De vez em quando não vai mal uma boa batalha, e me embebedei mais de uma vez, mas eu gosto das mulheres que vêm a minha cama dispostas e por sua própria vontade. Agora venha, vamos tirar esse vestido.
Ela se afastou dele, seus olhos hostis.
— Eu pretendo dormir nessa cama de armar fria, dura e solitário, mas suponho que já deve estar farta desse vestido. Estaria mais cômoda se tirasse para dormir.
— Estou mais cômoda com minhas roupas postas, obrigada.
— Muito bem, faça como que quiser. — Ele se virou e começou a despir-se, enquanto Elizabeth procurava rapidamente a proteção de seu leito.
A única vela continuava ainda acesa, e quando Miles só estava usando seu calção, inclinou-se sobre ela, retirando o lençol de seu rosto. Ela ficou rígida, dura, enquanto ele se sentava na beira da cama, sua mão acariciando o cabelo em sua têmpora. Sem falar, ele simplesmente a observava, apreciando o contato de sua pele.
— Boa noite, Elizabeth. — Sussurrou, enquanto dava um beijo suave em seus lábios.
A mão dela saiu disparada para limpar o beijo, mas ele pegou seu pulso.
— O que seria necessário para que pudesse amar a um homem? — Murmurou ele.
— Não acredito que pudesse. — Respondeu ela sinceramente. — Ao menos não da forma que você pretende.
— Estou começando a pensar que eu gostaria de pôr a prova isso. Boa noite, meu frágil anjo.
Beijou-a novamente antes que ela pudesse protestar e gritasse que não tinha nada de frágil, mas ao menos desta vez pôde limpar o beijo.
Capítulo Cinco
Miles, Elizabeth, Sir Guy e os cavaleiros de Montgomery viajaram por mais dois dias antes de chegarem à fronteira ao sul da Escócia. Elizabeth tentou mais uma vez fugir, durante a noite, enquanto Miles dormia perto dela, mas não tinha chegado à porta quando ele a pegou e levou-a novamente a sua cama.
Depois do episódio Elizabeth não tinha podido conciliar o sono, pensando que estava prisioneira, mas que não era tratada como tal. Nunca tinham cuidado dela com tanta cortesia como fazia Miles Montgomery. Ele insistia em tocá-la cada vez que podia, mas já estava se acostumando com isso. Não é que lhe trouxesse prazer, mas já não parecia tão repugnante como a princípio. Uma vez, em uma estalagem onde se detiveram para jantar, um bêbado quase caiu sobre Elizabeth, e ela, em ato reflexo, aproximou-se de Miles procurando amparo. Ele se mostrou extraordinariamente agradado por isso.
Hoje, ele havia dito que a partir desse momento, teriam que usar sua tenda, já que as estalagens não eram em abundancia na Escócia. Ele suspeitava que pudessem ter problemas ao cruzar as montanhas, porque os habitantes das Highlanders não gostavam dos ingleses.
Durante o jantar se mostrou preocupado e falou várias vezes com Sir Guy.
— Os escoceses estão de verdade tão sedentos de sangue?
— Perguntou ela a segunda vez que ele se levantou da mesa.
Ele não parecia entender o que ela estava falando.
— Deveria me encontrar com alguém aqui e ainda não chegou. Já deveria estar aqui há tempo.
— Um de seus irmãos... ou se trata de uma mulher?
— Nenhuma das duas coisas. — Disse ele prontamente.
Elizabeth já não fez mais perguntas. Enquanto se metia na cama, usando o mesmo vestido que Miles lhe deu. Voltou- se de lado para poder olhá-lo dormir em sua cama de armar. Dormia inquieto e a cada momento trocava de posição.
Quando alguém bateu na porta com força, Elizabeth saltou da cama quase tão rapidamente quanto Miles. Sir Guy entrou no quarto, e um garotinho atrás dele.
— Kit! — Gritou Miles abraçando ao menino como se fosse parti-lo em dois. O garoto não parecia se importar, já que também abraçou Miles.
— Por que demoraram tanto? — Perguntou Miles a Sir
Guy.
— Ficaram apanhados em uma tempestade e perderam três cavalos.
— Nenhum homem?
— Todos saíram ilesos, mas demorou um pouco para substituir os cavalos. O jovem Kit se manteve sobre sua sela, enquanto que dois dos cavaleiros não conseguiram. — Disse Sir Guy com orgulho.
— É verdade o que me contam? — Inquiriu Miles, olhando ao menino de frente.
Elizabeth viu uma pequena réplica de Miles, mas com olhos castanhos em vez de cinzas, um bonito menino de rosto solene.
— Sim, papai. — Respondeu Kit. — O tio Gavin me disse que um cavaleiro jamais perde sua sela. E depois, ajudei aos homens a tirar toda a bagagem da água.
— É um bom menino. — Miles riu entre dentes, abraçando novamente Kit. — Pode ir, Guy, e cuide de que os homens comam bem. Partiremos de manhã a primeira hora.
Kit se despediu de Sir Guy com um sorriso e depois perguntou a seu pai:
— Quem é ela?
Miles pôs Kit no chão.
— Lady Elizabeth, — disse formalmente — posso ter o prazer de apresentar Christopher Gavin Montgomery?
— Como vai? — Disse ela, estreitando a mão que o menino estendeu. — Eu sou Lady Elizabeth Chatworth.
— É muito bonita! — Disse ele. — Meu papai adora as mulheres bonitas.
— Kit... — começou Miles, mas Elizabeth o interrompeu.
— E você gosta das mulheres bonitas? — Perguntou-lhe.
— Oh, sim. Minha babá é muito, mas muito bonita.
— Certamente deve sê-lo já que seu pai a contratou. Tem fome? Sente-se cansado?
— Eu comi um saco inteiro de ameixas açucaradas. — Disse Kit orgulhosamente. — Oh, papai! Tenho uma mensagem para você. É de um tal de Simón.
Miles franziu o cenho, mas à medida que lia a mensagem sua expressão foi se abrandando em um sorriso.
— Boas notícias? — Perguntou Elizabeth, sem poder ocultar sua curiosidade.
Miles ficou sóbrio enquanto atirava a mensagem em sua cama amarrotada.
— Sim e não. Minha prima acaba de dar a luz uma menina, mas meu tio Simón me ameaça de morte.
Elizabeth não sabia se devia rir ou ficar aborrecida.
— Tem uma irmãzinha, Kit. — Disse por fim.
— Já tenho dois irmãos. Não estou interessado em uma irmã.
— Parece-me que é seu pai quem deve tomar essas decisões. Agora me parece que é muito tarde e que deveria te deitar.
— Kit dormirá na cama de armar e eu... — começou Miles, os olhos brilhando.
— Kit dormirá comigo. — Disse Elizabeth com altivez, oferecendo sua mão ao menino.
Kit aceitou prontamente e bocejou enquanto ela o levava a cama.
Miles observou e sorria com expressão quase de triunfo, enquanto Elizabeth despia o menino sonolento e o deixava com sua roupa interior. Ele foi prontamente para seus braços quando ela o levantou e colocou no leito. Elizabeth deitou na cama junto a ele e o atraiu para si.
Por um momento Miles ficou de pé, observando-os. Com um sorriso, inclinou-se e depositou um beijo em cada testa.
— Boa noite. — Sussurrou antes de dirigir-se a sua cama de armar.
No transcurso do dia seguinte, Miles não demorou para compreender que o interesse de Elizabeth se concentrava unicamente em Kit. E o menino se comportava com ela como se a tivesse conhecido de toda a vida. O único comentário de
Elizabeth foi: Eu sempre gostei de crianças e elas parecem saber disso.
Fosse qual fosse a razão, Kit parecia perfeitamente à vontade com Elizabeth. À tarde, ele cavalgou com ela, e dormiu contra seu ombro. Quando Miles sugeriu que iria pegar a criança, Elizabeth praticamente rosnou para ele.
À noite eles se enroscaram um com o outro em uma cama de armar e dormiram com toda tranquilidade. Miles os observou e se sentiu quase um estranho.
Viajaram ainda três dias e Elizabeth sabia que eles deveriam estar se aproximando das terras dos MacArran. Miles esteve pensativo o dia todo, e duas vezes o tinha visto discutir com Sir Guy. Pelo cenho franzido de Guy, Miles obviamente tinha em mente um plano que não era do agrado do gigante. Mas cada vez que Elizabeth se aproximava o suficiente para poder ouvir, os homens deixavam de falar.
Por volta de meio-dia Miles deteve o grupo de homens e mulas e perguntou se ela e Kit gostariam de jantar com ele. Usualmente comiam todos juntos para manterem-se protegidos e não se perderem de vista.
— Parece muito satisfeito sobre alguma coisa. — Disse Elizabeth, observando-o.
— Estamos a um dia de viagem da casa de meu irmão e sua esposa; — disse Miles, baixando Kit do cavalo de Elizabeth.
— O tio Stephen usa saias e Lady Bronwyn pode cavalgar mais rápido que o vento. — Informou Kit.
— Stephen usa uma manta escocesa. — Corrigiu Miles enquanto descia Elizabeth do cavalo e ignorava seus intentos em afastar suas mãos. — Meu cozinheiro colocou uma refeição para nós dentro da floresta.
Kit pegou a mão de Elizabeth e Miles segurou a outra mão do menino, e juntos entraram no bosque.
— O que acha da Escócia? — Perguntou Miles enquanto a segurava, quando ela tropeçou contra um tronco caído.
— É como se o lugar fosse intocado desde o começo dos tempos. É muito agreste e... e pouco fino.
— Quase como o seu povo. — Miles riu. — Meu irmão deixou crescer o cabelo até os ombros, e suas roupas... não, deixarei que veja por si mesma.
— Não estamos nos afastando muito de seus homens? — O bosque primitivo se fechava em volta deles, e os arbustos quase não permitia avançar.
Miles tirou um machado que levava pendurando nas costas e com ele começou a abrir um caminho mais fácil de transitar.
Com um olhar de intriga, Elizabeth se voltou para ele. Usava roupas sombrias de um verde escuro e uma capa castanha sobre seus ombros e, além disso, estava fortemente
armado. Pendurando em um ombro levava um grande arco com uma aljava de flechas nas costas, bem como o machado, a espada no quadril e uma adaga na cintura.
— Alguma coisa está errada, não é?
— Sim. — Disse ele, olhando em volta dela. — Elizabeth, recebi uma mensagem, segundo o qual teria que me encontrar aqui com alguém, mas nos afastamos muito.
Ela levantou uma sobrancelha.
— E arriscaria a vida de seu filho nesta entrevista secreta?
Ele enfiou o machado na bainha.
— Nossos homens estão por toda parte. E prefiro que você e Kit estejam perto de mim ao invés de deixá-los com qualquer um dos meus homens.
— Olhe papai! — Disse Kit muito animadamente. — Ali há um cervo.
— O que acha se formos vê-lo? — Disse ela com calma — Corra adiante de nós e lhe alcançaremos. — Sem perder de vista Kit, voltou-se para Miles. — Ficarei com Kit e você vai procurar seus homens. Acredito que alguém planejou uma armadilha para que nos separemos deles.
Os olhos de Miles se arregalaram quando caiu na conta de que estava lhe dando ordens, mas sem pensar duas vezes desapareceu no bosque, enquanto Elizabeth corria atrás de
Kit. Quando transcorreu o tempo e Miles não voltava, ela começou a olhar ao redor com olhos ansiosos.
— Está triste, Elizabeth? — perguntou Kit, pegando sua
mão.
Ela se ajoelhou para estar a sua altura.
— Simplesmente estava pensando onde poderia estar seu
pai.
— Já voltará. — Respondeu Kit tranquilamente. — Meu papai cuidará de nós.
Elizabeth tentou não mostrar sua descrença.
— Tenho certeza de que sim. Ouço um riacho nessa direção, vamos encontrá-lo?
Não foi fácil atravessar o denso arbusto, mas finalmente chegaram ao arroio. Era um arroio que corria com força, formando numerosas cascatas rochosas.
— A água está fria. — Disse Kit, dando um passo atrás —
Você acha que há algum peixe nele?
— Provavelmente haja salmões. — disse Miles atrás de Elizabeth, fazendo-a saltar. Miles colocou um braço em seus ombros. — Não quis assustar.
Ela deu um passo para afastar-se dele.
— E seus homens?
Miles deu uma olhada para Kit, que nesse momento se entretinha arrojando galhos à corrente de água para ver como se afastavam arrastados pela correnteza. Ele pegou suas mãos nas dele.
— Meus homens se foram. Não há rastro deles. Elizabeth, não se assustará, não é mesmo?
Ela olhou em seus olhos. Ela estava com medo de estar em uma terra estranha com uma criança e este homem em quem não confiava.
— Não. — Disse com firmeza. — Não desejo preocupar
Kit.
— Bem. — Ele sorriu, apertando suas mãos. — Estamos na fronteira sul das terras dos MacArran e se partirmos para o norte, deveremos encontrar algumas das cabanas dos camponeses, o mais tardar amanhã à noite.
— Mas se alguém fez desaparecer seus homens...
— No momento, o único que me preocupa é você e Kit. Se ficarmos no bosque, talvez, não nos vejam. Não me importaria ter que combater, mas não quero que Kit ou você saiam feridos. Você vai me ajudar?
Ela não se soltou de suas mãos.
— Sim. — Disse brandamente. — Vou te ajudar. Ele soltou uma de suas mãos.
— Estas montanhas são muito frias inclusive no verão. Coloque isso em torno de você. — Ele levantou um grande tartan de lã tecida em azul escuro e verde.
— Onde você conseguiu isso?
— Isso foi tudo o que restou da refeição que meu cozinheiro nos preparou. A comida não estava, mas o tecido com que a tinha coberto, uma dessas mantas escocesas que Bronwyn me deu, foi deixado para trás. Esta noite a necessitaremos. — Ele manteve sua mão firmemente apertada, enquanto que com a outra, ela jogava a manta sobre os ombros e caminhavam em direção a Kit.
— Você gostaria de caminhar até a casa do tio Stephen?
— Perguntou Miles a seu filho.
Kit olhou a seu pai com desconfiança.
— Onde está Sir Guy? Um cavaleiro não caminha.
— Um cavaleiro faz tudo o que seja necessário para proteger às mulheres.
Os dois varões intercambiaram um longo olhar. Kit podia ter apenas quatro anos, mas sabia desde seu nascimento que teria que chegar a ser um cavaleiro.
Aos dois anos tinham lhe dado uma espada de madeira e todas as histórias que ouviu versavam sobre a cavalaria. Kit pegou a mão de Elizabeth.
— Nós vamos protegê-la, milady. — Disse formalmente, e beijou sua mão.
Miles tocou o ombro de seu filho com orgulho.
— Agora, Kit, vá na frente e veja se encontra algo para caçar. Um coelho ou dois bastará.
— Sim, papai. — Sorriu e se afastou correndo pela margem do rio.
— Você vai deixá-lo fora de nossa vista?
— Não o fará. Kit sabe que não deve afastar-se muito.
— Parece que não está muito preocupado com a perda de seus homens. Havia sinais de uma batalha?
— Absolutamente. — Ele pareceu ignorar o assunto, deteve-se, arrancou uma delicada flor amarela e colocou atrás da orelha de Elizabeth. — Parece que você pertence a este lugar selvagem, com seu cabelo solto, seu vestido rasgado seguro com um broche de diamantes. Eu gostaria de presenteá-la com muitos diamantes, Elizabeth.
— Preferiria minha liberdade.
Ele deu um passo para afastar-se dela.
— Você não é mais minha prisioneira, Elizabeth Chatworth. — Declarou ele. — Pode deixar minha presença para sempre.
Ela olhou ao redor, a floresta selvagem, negra e fria.
— Você é muito, mas muito esperto Montgomery. —
Respondeu ela com sarcasmo.
— Acho que isso significa que você ficará comigo. — Disse ele, com os olhos brilhantes, e antes que ela pudesse responder, a levantou, jogou-a para cima, a fez girar no ar e beijou-a na bochecha.
— Solte-me! — Protestou ela, mas havia um leve sorriso em seus lábios.
Ele acariciou seu lóbulo da orelha com o nariz.
— Acredito que poderia me ter aos seus pés se esse fosse seu desejo. — Sussurrou ele.
— Amarrado e amordaçado, espero. — Replicou ela, tratando de soltar-se. — Mas trate de nos buscar comida ou carrega esse arco pendurando porque é um bonito adorno?
— Papai! — Gritou Kit antes que Miles pudesse responder. — Vi um coelho!
— Tenho certeza de que está esperando que eu vá matá- lo. — Disse Miles com a risada contida, enquanto Kit se aproximava correndo até eles.
Elizabeth proferiu um som que só poderia ter sido de risada contida, que fez Miles se voltar e olhá-la, atônito.
Ela se negou a olhá-lo.
— Onde está o coelho, Kit? Seu valente pai enfrentará o animal, e talvez possamos comê-lo, embora não se trate de um jantar completo.
Depois de caminhar uma hora, durante a qual Miles parecia estar somente preocupado em brincar com os dedos de Elizabeth, não tinham visto mais coelhos. Era mais tarde que o que ela calculou e estava escurecendo... ou talvez fosse porque o bosque parecia escuro.
— Acamparemos aqui esta noite. Kit, junte lenha. — Quando o menino partiu, Miles olhou para Elizabeth. — Não o perca de vista. Trarei algo para comer. — Imediatamente entrou no bosque.
Assim que Miles se foi, Elizabeth começou a sentir o isolamento do bosque. Seguiu Kit, carregando em seus braços grande quantidade de galhos secos. Não notou isso antes, mas parecia que olhos a estavam observando. Na casa de seu irmão, ela aprendeu a desenvolver um sexto sentido sobre homens que se escondiam pelos cantos, preparados para saltar sobre ela.
— Está assustada, Elizabeth? — Perguntou-lhe Kit, os olhos arregalados.
— Claro que não. — Esforçou-se por sorrir, mas não podia deixar de pensar em todas as histórias que escutou sobre a selvageria dos escoceses. Eram pessoas rústicas, que torturavam crianças pequenas.
— Meu papai te protegerá, — a tranquilizou Kit — ganhou suas esporas quando não era mais que um menino. Meu tio Raine disse que papai é um dos melhores cavaleiros da Inglaterra. Não vai permitir que ninguém te faça mal.
Ela agarrou o menino em seus braços.
— Seu pai é realmente um grande lutador. Sabia que faz alguns dias, três homens quiseram me atacar? Seu papai os colocou fora de combate em poucos minutos e nem sequer saiu com um arranhão. — Apesar dos alardes de coragem do menino, Elizabeth pôde ver que ele estava assustado. — Acredito que seu papai poderia vencer todos os homens da Escócia. Não existe alguém que seja tão forte e tão valente como seu papai.
Uma risada baixa fez Elizabeth dar a volta e olhar ao redor para ver Miles, que segurava dois coelhos mortos pelas orelhas.
— Agradeço-lhe os elogios, milady.
— Elizabeth estava com medo. — Explicou Kit.
— E você fez bem em confortá-la. Devemos proteger sempre as nossas mulheres. Tem ideia de como se esfola um coelho, Elizabeth?
Ela baixou Kit ao chão e tomou os coelhos com ar de confiança.
— Já descobrirá que uma Chatworth não é uma dama Montgomery para sentar-se sobre almofadas de cetim e esperar que os servos tragam sua comida.
— Você descreveu perfeitamente bem às esposas de Stephen e Gavin. Vamos Kit, vamos ver se os Montgomery varões podem ser úteis.
Em muito curto tempo, Miles e Kit tinham feito uma fogueira e Elizabeth tinha esfolado, limpado e espetado os coelhos. Miles com seu machado cravou algumas estacas no chão, e colocou em cima uma outra cruzada para apoiar os coelhos.
Apoiado sobre os cotovelos, Miles olhava silenciosamente para a fogueira, enquanto Kit fazia girar os coelhos.
— Parece muito tranquilo. — Disse Elizabeth, franzindo a testa, mantendo a voz baixa. — Nos encontramos desprotegidos em terra estranha e, entretanto, acende uma fogueira. Podemos ser visto a quilômetros de distância.
Ele puxou sua saia até que ela se sentou ao seu lado.
— Esta terra pertence a meu irmão e a sua esposa, e se os MacArran nos virem, reconhecerão os leopardos dos Montgomery em minha capa. Os escoceses muito raramente matam mulheres e crianças. Eles entregariam você a Stephen e o único que teria que fazer seria explicar quem é.
— Mas o que aconteceu com seus homens?
— Elizabeth, meus homens desapareceram sem deixar rastro de terem liderado um combate. Imagino que os escoltaram até Larenston, o castelo de Bronwyn. Minha única preocupação no momento é pela sua segurança e de Kit. Quando chegarmos a Larenston e não veja meus homens, então me preocuparei. Kit! Está deixando que a carne queime de um lado.
Ele se aproximou mais a ela.
— Elizabeth está completamente a salvo. Rastreei toda a área e não vi ninguém. Têm frio. — Disse quando a viu tremer. Pegou a manta escocesa, que jazia no chão a seu lado, passou pelos ombros dela e a atraiu para si.
— É só para que tenha calor. — Disse, quando ela começou a lutar, e não permitiu que se soltasse.
— Já ouvi isso antes! — Replicou-lhe ela. — O calor é só o começo. Divertem-se muito me obrigando a fazer o que não quero?
— Eu não gosto de suas insinuações de que sou parecido aos amigos imbecis de seu irmão. — Respondeu ele rapidamente.
Elizabeth deixou de lutar.
— Talvez a vida com Edmund tenha distorcido um pouco minha forma de pensar, contudo eu não gosto que me ponham as mãos.
— Esse ponto já esclareceu o suficiente, mas se quisermos sobreviver a esta noite, vamos precisar dar calor uns aos outros. Kit, quebre uma perna. Parece-me que já está bem assado.
Os coelhos estavam meio cru por dentro e muito assados por fora, mas os três estavam muito famintos para deter-se por isso.
— Eu gosto, papai. — Disse Kit. — Eu gosto de estar aqui na floresta.
— Faz um frio terrível. — Disse Elizabeth, envolta completamente na manta. — Se isto for o verão, como será o inverno na Escócia?
— Bronwyn acha que na Inglaterra faz calor. No inverno se agasalha com uma dessas mantas e dorme na neve.
— Não! — Suspirou Elizabeth. — Ela é realmente tão bárbara?
Sorrindo, Miles olhou seu filho e viu que seus olhos se fechavam de sono.
— Venha se deitar ao meu lado. — Disse Elizabeth, e o menino foi até ela.
Miles estendeu sua capa no chão, fez um gesto para que Elizabeth e Kit se deitassem sobre ela, cobrindo-os depois com a manta escocesa. Depois de jogar mais lenha no fogo, levantou a ponta da manta e se deitou ao lado de Kit.
— Você não pode... — começou ela, mas se deteve. Ele não tinha outro lugar onde dormir. Entre eles, o corpinho de Kit que dormia e se mantinha abrigado.
Elizabeth estava agudamente consciente da proximidade de Miles, mas em lugar de sentir-se assustada, sua presença a reconfortava. Com a cabeça apoiada em um de seus braços, ela observava o fogo.
— Como era a mãe de Kit? — Perguntou brandamente. — Se apaixonou por você à primeira vista, quando o viu vestido em sua armadura?
Miles lançou uma forte gargalhada.
— Margaret Sidney levantou seu bonito narizinho e se negou a falar comigo. Fiz tudo o que pude para impressioná- la. Uma vez, quando ela se aproximou do campo de treinamento para levar água a seu pai, me virei para olhá-la, perdi um dos estribos e Raine me golpeou de lado com sua lança. Ainda tenho a cicatriz.
— Mas eu acreditei...
— Você acreditou nas histórias de que vendi minha alma ao diabo e que posso ter todas as mulheres que desejo.
— Ouviu essa história. — Disse ela monotonamente, sem olhá-lo.
Ele pegou sua mão livre ao lado de Kit, beijou seus dedos.
— O diabo não fez nenhuma oferta por minha alma, mas se o fizesse, poderia pensar sobre isso.
— Blasfema! — Respondeu ela, e retirou a mão. Ficou quieta por um momento. — Mas finalmente sua Margaret Sidney mudou de ideia.
— Ela tinha dezesseis anos, era muito bonita e estava completamente apaixonada por Gavin. Não queria saber nada de um jovem como eu.
— E o que a fez mudar de ideia?
Ele sorriu, satisfeito.
— Soube ser persistente.
Elizabeth ficou rígida.
— E quando finalmente a conseguiu, como o celebrou?
— Pedi-lhe que se casasse comigo. — Miles respondeu prontamente. — Eu disse que a amava.
— Você dá o seu amor levianamente. Por que não o casaram com Bridget, ou com essa prima que acaba de dar-lhe uma filha?
Ele ficou em silêncio por alguns instantes.
— Eu amei somente uma mulher e tenho feito amor com muitas mulheres. Só pedi que se casasse comigo à mãe de Kit, e quando voltar a pedir alguma vez, será porque amo esta mulher.
— Tenho pena dela. — Suspirou Elizabeth. — Vai ter que suportar que sejam apresentados dois ou três bastardos por ano.
— Você não parece se importar muito que seja meu filho, e na estalagem carregou nos braços essa garotinha pensando que era minha filha.
— Mas eu, felizmente, não estou casada com você.
A voz de Miles se fez mais baixa.
— Se fosse minha esposa, se importaria em receber meus novos filhos de vez em quando?
— Não teria nada a dizer dos quatro filhos de suas transgressões passadas, mas se me casasse com você, coisa que não tenho intenção de fazer, e como meu marido me humilhasse engravidando a todas as servas da Inglaterra, acredito que arranjaria sua morte.
— Parece-me bastante justo. — Respondeu Miles, com tom divertido. Ficou de lado, passou seu braço sobre Kit e os ombros de Elizabeth, e atraiu a ambos para si. — Boa noite, meu anjo. — Sussurrou, e adormeceu.
Capítulo Seis
Miles despertou com o pé de Kit em suas costelas, enquanto o menino tentava dolorosamente subir sobre seu pai.
— Fique muito quieto, papai. — Sussurrou Kit perto do ouvido de seu pai — Não desperte Elizabeth. — Passou por cima do pai e correu para o bosque.
Miles observou seu filho e esfregou sua caixa torácica ferida.
— Sobreviverá? — Perguntou Elizabeth rindo, deitada ao seu lado.
Ele se virou e seus olhos se encontraram. O cabelo de Elizabeth estava espalhado sobre a capa, e seu rosto estava suavizado pelo sono. Ele não levou em conta o estrito controle que ela exercia sobre si mesmo.
Cautelosamente, sorrindo apenas, ele passou sua mão do ombro dela a sua bochecha, acariciou-a brandamente e percorreu o contorno de sua mandíbula.
Conteve o fôlego quando ela não se afastou. Era como se fosse um animal selvagem que ele devia domesticar, cuidando de se mover muito devagar para não assustá-la.
Elizabeth observou Miles, sentiu a mão dele em seu rosto com uma sensação estranha. Os olhos dele pareciam líquidos,
seus lábios, cheios e suaves. Ela nunca permitiu que um homem a tocasse e nunca se perguntou como seria ser acariciada por um deles. E ali estava, deitada de frente para Miles Montgomery, apenas alguns centímetros separando seus corpos, e se perguntou o que sentiria ao tocá-lo. Ele tinha a barba crescente, o que acentuava a firmeza de seus traços. Uma mecha de cabelo escuro caía sobre sua orelha.
Como se lesse seus pensamentos, Miles ergueu a mão de Elizabeth e colocou-a em seu rosto. Ela não a retirou, deixou- a descansar por um momento, sentindo que seu coração batia com violência.
Era como se ela estivesse fazendo algo proibido. Depois de um longo momento, ela moveu sua mão para tocar seu cabelo. Era suave e limpo, e se perguntou que aroma teria.
Voltou a olhar Miles e soube que ele ia beijá-la. Afaste-se, ela pensou, mas não se moveu.
Lentamente, dizendo com os olhos que ela não estava obrigada a nada, que poderia recusá-lo, ele se aproximou mais, e quando seus lábios se encontraram ela manteve os olhos abertos.
Que sensação tão agradável, ela pensou. Ele apenas tocou seus lábios com os dele e deixou-os aí sem forçá-la a abrir a boca, sem agarrá-la e jogar seu peso em cima dela como tinham feito outros homens, só deixou que ocorresse esse beijo ligeiro e agradável. Ele foi o primeiro a afastar-se e havia uma
luz de calor em seus olhos que a deixou rígida. Agora virá o ataque, pensou.
— Shh... — tranquilizou-a ele, a mão sobre sua bochecha.
— Ninguém nunca mais vai machucá-la, minha Elizabeth.
— Papai! — Kit gritou e o encanto foi quebrado.
— Certamente, desta vez, encontrou um unicórnio. — Disse Miles em voz baixa, levantando-se com inapetência. Sua brincadeira foi recompensada por um leve sorriso de Elizabeth.
Quando ficou de pé, Elizabeth estremeceu sentindo uma forte pontada em um ombro. Não estava acostumada a dormir no chão.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, Miles começou a massagear seus ombros.
— O que encontrou agora, Kit? — Perguntou ao menino.
— Um atalho. — Voltou a gritar. — Posso segui-lo?
— Não até que cheguemos ai. Melhor? — Perguntou a Elizabeth, e quando ela acenou com a cabeça ele beijou seu pescoço e rapidamente começou a reunir seus poucos pertences.
— Sempre tem essas liberdades com as mulheres? — Perguntou ela, com curiosidade. — Quando visita a casa de alguém, beija com tranquilidade a todas as mulheres?
Miles não parou para enterrar os carvões mortos da fogueira da noite anterior.
— Posso ser civilizado, asseguro-lhe isso, e em geral limito a beijar as mãos das damas... pelo menos em público. — Voltou-se para olhá-la, sorrindo, com os olhos brilhando. — Mas com você, minha encantadora Elizabeth, desde nosso primeiro... ah, encontro, nada aconteceu segundo meu costume e de maneira usual. Não posso evitar pensar que foi um presente. Um presente muito precioso, algo que devo conservar a qualquer preço.
Antes que ela pudesse responder, e verdadeiramente se encontrava muito atônita para responder, ele pegou sua mão e começou a caminhar até onde Kit os esperava impaciente.
— Vejamos aonde nos conduz este atalho. — Miles não a soltou, enquanto Kit os guiava para um atalho estreito e em desuso.
— O que acha de meu filho?
Elizabeth sorriu, enquanto o menino chutava um monte de cogumelos. Ele os olhou e continuou correndo na frente deles.
— É muito independente, inteligente e bastante adulto para a idade que tem. Deve sentir muito orgulhoso dele.
O peito de Miles inchou visivelmente.
— Tenho mais dois em casa. Philip Stephen tem um ar tão exótico como sua mãe, e um temperamento que espanta a sua babá, e não tem mais que um ano de idade.
— E seu outro filho? O filho do Bridget?
— James Raine é exatamente o oposto de Philip, e ambos estão constantemente juntos. Tenho o pressentimento de que sempre será assim. James dá seus brinquedos a Philip quando este os exige. — Riu. — O único que James não compartilha com ninguém é sua babá. Grita como louco se alguém a toca, inclusive eu.
— Deve gritar o tempo todo então! — Respondeu ela sarcasticamente.
— James fala muito pouco. É silencioso. — Disse Miles, rindo. Aproximou-se mais a ela e se inclinou. — Mas ele vai para a cama muito cedo.
Ela empurrou-o para longe, brincando.
— Papai! — Gritou Kit, correndo para eles. — Venha ver isto. É parte de uma casa, mas está queimada.
Dobrando a curva, observava-se o que ficava de uma cabana de camponeses queimada, parte do teto desmoronou e só ficava um ângulo em pé.
— Não, Kit. — Disse Miles quando seu filho fez um gesto de entrar na ruína. Algumas pesadas vigas, muito queimadas,
penduravam da única parede em pé até o piso. — Deixe-me entrar primeiro.
Elizabeth e Kit ficaram juntos enquanto Miles provava uma viga atrás da outra, balançando-se sobre elas com todo seu peso. Caiu um pouco de pó, mas as vigas se sustentaram.
— Parece bastante resistente. — Disse Miles, enquanto Kit se lançava ao interior da estrutura e começava a olhar para as fendas.
Miles pegou o braço de Elizabeth.
— Vamos subir a colina, porque se não me engano, acho que são macieiras.
Na parte superior da colina havia um pequeno pomar, mas quase todas as árvores estavam mortas, embora de alguns ramos, cerca de uma dúzia de maçãs raquíticas, não de tudo amadurecidas, estavam penduradas. Quando Elizabeth tentou alcançar uma, Miles a pegou pela cintura e a elevou. Ela pegou a maçã e ele a baixou lentamente, deslizando-a na frente de seu corpo, seus lábios haviam acabado de alcançar os dela quando Kit gritou.
— Olhe o que encontrei papai.
Elizabeth se virou para sorrir para Kit.
— O que é isso?
Com um suspiro dramático, Miles soltou Elizabeth.
— É um balanço! — Gritou o pequeno.
— Exatamente. — Assentiu Miles, segurando a mão de Elizabeth. Agarrou as cordas do balanço e deu um violento empurrão. — Deixe-me ver o alto que pode chegar. — Disse a seu filho.
Elizabeth e Miles deram um passo atrás quando Kit subiu no balanço e começou a impulsionar de forma agressiva, até que seus pés tocaram o ramo de uma árvore.
— Ele vai se machucar. — Disse Elizabeth, mas Miles a pegou pelo braço.
— Agora mostre a Elizabeth o que sabe fazer.
Ela ofegou quando Kit, ainda balançando muito alto, levantou as pernas e ficou de pé no balanço.
— Agora! — Ordenou Miles, com os braços muito abertos.
Para estupor de Elizabeth, Kit enviou seu pequeno corpo voando pelo ar e aterrissou nos braços de Miles. Quando Kit gritou encantado, Elizabeth sentiu que afrouxavam seus joelhos.
Miles colocou seu filho no chão e pegou seu braço.
— Elizabeth, o que há de errado? Só era uma brincadeira de criança. Quando eu tinha a idade de Kit, estava acostumado a me jogar nos braços de meu pai como fez Kit agora.
— Mas se tivesse no lugar equivocado... — começou ela.
— No lugar equivocado! — Ele estava surpreso. — E deixar que Kit caísse? — Estreitou-a em seus braços, acalmando-a. — Ninguém brincou com você quando criança?
— Perguntou brandamente.
— Meus pais morreram pouco depois de eu nasci. Edmund era meu guardião.
Esse simples comentário disse muito a Miles. Afastou-a um pouco de si para olhá-la melhor.
— Agora vamos compensar a sua falta de infância como é devido. Suba no balanço e eu lhe darei impulso.
Agradou-lhe a oportunidade de apagar as lembranças de Edmund e rapidamente se dirigiu ao balanço.
— Eu o farei, papai. — Disse Kit, tratando de empurrar o assento do balanço, não fazendo muito progresso. — É muito pesada. — Sussurrou o menino.
— Mas não para mim. — Miles riu, beijou a orelha de Elizabeth e segurou as cordas. — Levante as pernas, Elizabeth.
— Ele disse, enquanto começava a impulsioná-la.
— Não posso agora, mas o farei. — Gritou ela sobre seu ombro.
Miles a soltou e ela saiu voando. Cada vez que o balanço voltava para ele, em lugar de impulsioná-la pelo assento do balanço, lhe empurrava pelo traseiro, mas tudo o que fazia
Elizabeth era rir. A saia subiu até os joelhos, ela chutou os sapatos e estirou as pernas.
— Salta Elizabeth! — Ordenou-lhe Kit.
— Sou muito pesada, recorda? — Brincou ela, rindo.
Miles ficou ao lado dela. Quanto mais tempo passava com ela, mais bonita lhe parecia. Tinha a cabeça arremessada para trás e sorria como nunca antes.
— Meu papai pode te apanhar. — Insistia Kit.
— Sim, seu papai está extremamente interessado em pegar Lady Elizabeth. — Miles riu baixinho, ficando frente a ela. Viu uma sombra de dúvida em seu rosto. — Confie em mim, Elizabeth. — Ele sorria, mas ao mesmo tempo se mostrava mortalmente sério. — Não vou me afastar, eu vou te pegar não importa a força com que caia.
Elizabeth não fez o truque de Kit de ficar em pé no balanço, mas sim, se soltou das cordas e saiu voando para os braços de Miles. Quando golpeou contra ele, a respiração estava quase bloqueada. Miles a agarrou com firmeza, e então, com olhar horrorizado, disse:
— Elizabeth, sinceramente é muito, muito pesada.
A queda de Miles foi à farsa mais ostentosa que ela tinha visto, e enquanto ele se deixava cair entre grunhidos retumbantes, ela tratava de ocultar seu contentamento, agarrando-se a ele. Miles seguia gemendo miseravelmente
entre gritos de "Oh", "Ah", e começou a rolar colina abaixo com ela nos braços. O rolamento também era fingimento. Quando Miles se encontrava debaixo dela, apertava Elizabeth passando as mãos pelo seu corpo, mas quando ela ficava debaixo, ele a mantinha afastada do chão, de maneira que nem a menor pedra a roçasse.
O pequeno sorriso de Elizabeth se transformou em gargalhadas, por isso não tinha forças suficientes para empurrá-lo de cima dela. Quando ela estava por cima, não dava tempo para tentar nada, e quando estava por baixo, era ela que se agarrava a ele com todas suas forças.
Ao pé da colina se detiveram, ele ficou deitado com os braços abertos e os olhos fechados.
— Estou destroçado, Elizabeth! — Disse com tom ferido.
Kit, que não queria perder a diversão, descia a toda velocidade pela colina e saltou precisamente sobre o estômago de seu pai, pegando-o despreparado.
Desta vez o gemido de Miles foi legítimo, e Elizabeth rompeu a rir novamente. Fazendo muitas caretas, Miles tirou o filho da barriga e virou-se para Elizabeth.
— Alegra-se me vendo sofrer, não é? — O tom de sua voz era sério, mas os olhos brilhavam provocativamente. — Vamos Kit, vamos mostrar a Lady Elizabeth que não pode rir de dois cavaleiros do reino.
Com os olhos arregalados, Elizabeth ficou de pé e deu um passo atrás, mas Kit e Miles foram mais rápidos. Miles a capturou pelos ombros, enquanto que Kit lançava todo o peso de seu corpo contra suas pernas. Elizabeth tropeçou em sua saia. Miles tropeçou em Kit e o menino, por sua parte, continuou empurrando Elizabeth.
Os três juntos caíram, rindo as gargalhadas e Miles começou a fazer cócegas em Elizabeth, enquanto seu filho o imitava.
— Suficiente? — Perguntou Miles, muito perto do rosto de Elizabeth, que estava banhado em lágrimas. — Está pronta para admitir que somos os melhores cavaleiros?
— Eu... jamais disse que não fossem. — Ofegou ela. Miles começou novamente a lhe fazer cócegas.
— Diga-nos o que somos.
— Os cavaleiros mais corajosos e belos de toda a Inglaterra, e de todo o mundo.
As mãos dele ficaram quietas ao redor de sua cintura, os polegares apertados debaixo dos seios dela.
— E qual é meu nome? — Sussurrou ele, completamente sério.
— Miles. — Murmurou ela, com os olhos fixos nele. — Miles Montgomery. — Ela tinha as mãos sobre os ombros dele e as deslizou brandamente até seu pescoço.
Miles se inclinou e a beijou, docemente, e pela primeira vez houve uma faísca de algo entre eles. Kit saltou sobre as costas de seu pai e os rostos de ambos se separaram.
— Vamos balançar outra vez, papai.
— E pensar que eu amava meu filho. — Sussurrou Miles ao ouvido de Elizabeth enquanto ficava de pé, com o menino colado a suas costas.
Nenhum deles notou que o céu escureceu nos últimos minutos, e todos foram surpreendidos quando as primeiras gotas frias caíram sobre eles. As comportas do céu se abriram e quase se afogaram.
— À cabana. — Disse Miles, puxando Elizabeth enquanto passava o braço pelos seus ombros. Os três juntos correram a procurar refúgio.
— Você se molhou? — Perguntou, enquanto descia Kit das costas.
— Não, não muito. — Ela sorriu brevemente e se voltou para Kit.
Miles pôs a mão com naturalidade sobre o ombro de Elizabeth.
— Por que os dois não preparam uma fogueira enquanto procuro alguma coisa para comer?
Kit assentiu entusiasmado, enquanto Elizabeth olhava duvidosamente a chuva torrencial que caía.
— Talvez devesse esperar que amainasse um pouco o aguaceiro.
Miles a olhou, encantado.
— Não vai me ocorrer nada, estarei seguro. E agora, fiquem aqui os dois, não estarei muito longe. — Dizendo isto, saiu por entre as vigas e desapareceu.
Elizabeth se acomodou em um canto do refúgio e o olhou afastar-se. Tinha certeza de que Miles Montgomery não tinha ideia de que este foi um dia completamente fora do comum para ela. Passou uma manhã inteira com um homem e nem sequer uma vez houve violência. E que maneira de rir! Sempre gostou de rir, mas seus irmãos eram muito solenes... qualquer um que vivesse na mesma casa que Edmund Chatworth logo se tornava solene também. Mas esta manhã tinha podido rir com um homem e ele não tentou arrancar suas roupas. Antes, sempre que ela chegava a sorrir para um homem, este tratava de apanhá-la e machucá-la.
Não é que Elizabeth fosse tão bonita que despertasse a luxúria incontrolável de todos os homens. Sabia que era bonita, sim, mas se ela ouviu corretamente, não era páreo para a herdeira Revedoune. Quem sempre a colocou no papel de vítima das agressões dos homens foi seu irmão Edmund. Seu distorcido senso de humor o levou a fazer apostas com seus convidados, sobre qual deles poderia levar Elizabeth à cama. Edmund se sentia profundamente aborrecido porque ela não ficava apavorada com ele. Quando era criança, costumava
trazê-la para casa do convento onde ela morava a maior parte do tempo e muitas vezes batia nela, fazendo-a rolar escada abaixo. Mas de alguma forma, Elizabeth conseguiu sair sem estar seriamente machucada.
Quando chegou aos doze anos aprendeu a defender-se melhor. Ela conseguiu segurar Edmund com um machado em punho. Depois de alguns episódios deste tipo, Edmund e suas brincadeiras ficaram mais perigosas e Elizabeth teve que desenvolver maiores habilidades para afastar seus perseguidores. Aprendeu como ferir aos homens que a atacavam. Conseguiu convencer a seu irmão Roger de que a ensinasse como usar o machado, a espada, a adaga. Aprendeu a defender-se com uma língua muito afiada.
Depois de algumas semanas com Edmund e os homens que o rodeavam, ela escapava novamente para o convento, quase sempre com a ajuda de Roger, e ali tomava um tempo de descanso... até que Edmund voltava para levá-la novamente.
— Já tenho a fogueira acesa, Lady Elizabeth. — Disse Kit atrás dela.
Elizabeth sorriu para ele com doçura. Sempre amou as crianças. Elas eram exatamente o que pareciam ser, nunca tratavam de aproveitar-se dela, sempre se davam com inteira liberdade.
— Você fez todo o trabalho, enquanto eu não fiz mais que te olhar. — Foi até ele. — Talvez queira que te conte uma história enquanto esperamos seu pai.
Sentou-se, apoiada contra a parede, os pés perto do fogo e seu braço sobre os ombros de Kit. Jogou por cima de ambos a capa de Miles e começou a relatar ao menino a história de Moisés e o povo de Israel. Antes de chegar à parte em que o mar Vermelho se abria para permitir passar o povo de Israel, Kit tinha dormido aconchegado contra ela.
A chuva golpeava sobre o pedaço do teto que tinham sobre suas cabeças, que vazava por três goteiras. Enquanto ela olhava a fogueira, Miles apareceu entre os vapores da névoa, sorriu-lhe e se aproximou para alimentar o fogo. Permaneceu silencioso enquanto esfolava e preparava um porco pequeno, cortando a carne em peças e as espetando com varas para que assassem.
Enquanto ela o observava, não conseguia deixar de pensar no homem estranho que era. Ou eram a maioria dos homens como ele? Roger sempre havia dito que Elizabeth só tinha visto a escória do gênero humano, e a forma como algumas jovens damas do convento alardeavam a respeito de seus amantes. Elizabeth pensou mais de uma vez que talvez houvesse homens distintos daqueles que conheceu.
Miles se ajoelhou junto ao fogo, enquanto suas mãos trabalhavam agilmente com as partes de carne. Perto dele estava seu arco, e as flechas na aljava pendurada nas costas,
enquanto que sua espada nunca saia de seu lado. Inclusive quando rolavam colina abaixo, a espada permaneceu bem presa a sua cintura.
Que tipo de homem era aquele, que podia brincar e rir com uma mulher sem deixar de estar preparado para o perigo?
— No que está pensando? — Perguntou Miles calmamente, olhando-a com intensidade.
Ela pareceu despertar.
— Em que está tão molhado que a qualquer momento vai apagar o fogo.
Ele permaneceu de pé.
— Este é um país muito frio, não é certo? — Começou a tirar as roupas molhadas, colocando cada peça estendida perto do fogo.
Elizabeth o observava com um interesse distante. Os homens nus não eram nenhuma novidade para ela, e mais de uma vez seus irmãos treinaram não usando outra coisa que seus pequenos calções íntimos. Mas duvidava que alguma vez tivesse observado realmente a algum destes homens.
Miles era esbelto, mas musculoso, e quando se voltou para ela, usando algo menor que um pequeno calção, viu que tinha um triângulo de pelos escuros no peito, espessos, abundantes em forma de v. Tinha coxas fortes pelo
treinamento com armadura, e suas panturrilhas estavam bem desenvolvidas.
— Elizabeth, — sussurrou Miles — vai fazer com que me ruborize.
Foi Elizabeth quem se ruborizou, e não pôde olhá-lo de frente quando ele riu baixinho.
— Papai, — disse Kit, levantando-se — tenho fome.
Sem muito entusiasmo, Elizabeth foi até o menino. Por mais que amasse crianças, havia poucos deles em sua vida. Não havia nada como uma criança em seus braços, precisando dela, confiando nela, tocando-a.
— Temos carne de javali e algumas maçãs. — Disse Miles a seu filho.
— Você está com frio, papai? — Perguntou Kit. Miles não olhou Elizabeth.
— Tenho os olhares quentes de uma dama que me dá calor. Venha comer conosco, Lady Elizabeth.
Ainda com as bochechas ruborizadas, Elizabeth se aproximou dos homens e em poucos momentos pôde superar sua confusão. Ante a insistência de Kit, Miles começou a contar histórias dele e seus irmãos quando eram meninos. Em cada história, ele era o herói, salvando seus irmãos, ensinando-os. Os olhos de Kit brilhavam como estrelas.
— E quando você fez seu juramento, — perguntou Elizabeth inocentemente — não teve que prometer que jamais mentiria?
Os olhos de Miles cintilaram.
— Não acredito que isso tenha nada a ver em impressionar meu filho ou a pessoa... — Pareceu procurar a palavra adequada.
— Cativa? — sugeriu-lhe ela.
— Ah, Elizabeth! — Respondeu ele languidamente. — O que pensaria uma dama de um cavaleiro cujos irmãos mais velhos tentavam constantemente fazer sua vida miserável?
— Faziam-no?
Ela parecia tão interessada em sua pergunta que ele se deu conta de que tomou suas palavras em sentido literal.
— Não, em realidade não. — Lhe assegurou. — Ficamos sozinhos em tenra idade e eu acho que algumas das nossas travessuras eram um pouco perigosas, mas todos nós sobrevivemos.
— Com toda felicidade. — Disse ela duramente.
— E como era viver com Edmund Chatworth? —
Perguntou ele com ar despreocupado.
Elizabeth encolheu as pernas.
— Também gostava de... travessuras. — Foi tudo o que disse.
— Você já teve o suficiente, Kit? — Perguntou Miles, e quando ele pegou outro pedaço de carne de porco, ela viu o longo corte no interior de seu pulso. Abriu novamente e estava sangrando.
Miles parecia não perder nenhuma só dos olhares dela.
— Golpeei-me com a corda do arco. Pode me curar se quiser. — Disse, com tanta ansiedade, com tanta esperança, que a fez rir.
Ela levantou a saia, arrancou um pedaço de anágua e molhou-o na chuva. Miles sentou-se de pernas cruzadas diante dela, o braço estendido enquanto Elizabeth começava a lavar o sangue.
— Jamais saberá o quanto gosto de vê-la sorrir. — Disse ele. — Kit, não suba nessas vigas. Tome o pano de dentro da aljava e limpe a minha espada. E tome cuidado de não danificar o fio. — Olhou novamente Elizabeth. — Eu tomo como uma honra você sorrir para mim. Não tenho certeza, mas não me parece que tenha sorrido a muitos homens.
— A muito poucos. — Foi tudo o que ela respondeu.
Ele levantou-lhe a mão, tomando-a pelo pulso, e beijou sua palma.
— Estou começando a pensar que você é tão angelical como parece. Kit a adora.
— Tenho a sensação de que Kit jamais conheceu uma desconhecida. Acredito que ele adora a todo mundo.
— Não acredito. — Beijou-lhe a mão novamente.
— Já basta! — Afastou-se dele. — Toma muitas liberdades com seus beijos.
— Estou fazendo muito bem em limitar meus beijos. O que eu gostaria de fazer é amor com você. Kit! — Gritou a seu filho, que neste momento balançava a espada sobre sua cabeça. — Te arrancarei a pele se considerar empurrar a espada contra algo.
Apesar de tudo Elizabeth riu, enquanto empurrava o braço de Miles perfeitamente enfaixado.
— Acredito que deveria deixar seu filho em casa quando pretender cortejar a alguém.
— Ah, não! — Sorriu. — Kit conseguiu mais do que eu poderia ter em meses.
Com essa observação enigmática, levantou-se para arrancar sua espada das mãos imprudentes de seu filho.
Capítulo Sete
Esta noite, os três dormiram juntos novamente, Kit comodamente instalado no meio dos dois. Elizabeth permaneceu acordada muito tempo ouvindo as respirações de Miles e Kit. Os últimos dois dias tinham sido muito estranhos, muito diferente de qualquer coisa que ela já experimentou antes. Era como um raio de sol depois de anos de chuvas.
Quando despertou, estava sozinha sobre a capa, muito bem envolta na manta escocesa. Sorriu, ainda sonolenta, e se encolheu mais entre as cobertas, desejando por um momento poder ficar muito mais tempo neste lugar, desejando que todos os dias de sua vida pudessem estar tão cheios de risadas.
Deitou-se de costas, se espreguiçou e lançou um olhar pelo pequeno refúgio, para dar-se conta de que não havia ninguém ali. Seus sentidos haviam diminuído um pouco nestes últimos dias. Normalmente, ela dormia com um olho aberto e os ouvidos atentos, mas de algum jeito, Miles e Kit tinham conseguido sair sem incomodá-la. Prestou atenção a algum som que pudesse delatar a presença deles e sorriu quando escutou suaves pisadas não muito longe da cabana.
Cautelosamente, em silêncio, deixou o refúgio e se internou no bosque. Deslizando suavemente dentro da floresta, bem oculta, escutou os sons inconfundíveis de Kit e
Miles a sua esquerda. Mas então, quem rondava pelos arbustos um pouco mais adiante de onde ela se encontrava?
Usando todos seus anos de experiência escapando dos amigos de seu irmão, escorregou pelo bosque sem nenhum esforço. Passaram alguns minutos antes que visse quem era que estava tentando com tanto esforço aproximar-se deles.
Arrastando-se sobre seu estômago, por momentos deixando seu comprido corpo imóvel, estava Sir Guy, que movia a cabeça de um lado para o outro para localizar o lugar onde Kit e Miles se encontravam.
Sem outro som que o de sua respiração, Elizabeth se arrastou até ficar junto de Sir Guy. Deteve-se, ficou de pé e recolheu uma pequena pedra, que apertou fechando o punho. Roger ensinou que mesmo que seu punho fosse pequeno, podia transformar-se em uma arma perigosa se segurava algum objeto pesado. Com a rocha em uma de suas mãos, inclinou- se e tirou de Sir Guy a adaga que levava na cintura.
O gigante ficou de pé instantaneamente, com um só movimento.
— Lady Elizabeth! — ofegou.
Elizabeth deu um passo atrás para pôr alguma distância entre ela e o homem.
— Por que nos segue? Traístes a seu amo e agora vem matá-lo?
A cicatriz do rosto de Sir Guy ficou lívida, mas o homem não respondeu. Em vez disso, voltou à cabeça em direção a Miles e emitiu um prolongado assobio.
Elizabeth sabia que Miles responderia à chamada, que era um sinal entre eles. Se Sir Guy podia chamar livremente a seu amo, então Miles devia conhecer a razão pela qual o gigante atuava escondido e porque o fazia.
Quase imediatamente apareceu Miles, sozinho, com a espada na mão.
— A dama deseja saber se estou aqui para te matar. —
Disse Sir Guy solenemente.
Miles olhou de um para o outro.
— Como ela encontrou você? — Os olhos de Sir Guy não se separavam do rosto de Elizabeth. Parecia envergonhado e ao mesmo tempo a olhava com admiração.
— Não a ouvi se aproximar.
Os olhos de Miles cintilaram.
— Devolva-lhe a adaga, Elizabeth. Não há nenhuma dúvida a respeito da lealdade do Guy.
Elizabeth não mudou de posição. Ainda mantinha apertada a pedra em sua mão, e esta, escondida entre as dobras de sua saia, e ao mesmo tempo observava o pé finamente calçado de Sir Guy, apoiado sobre uma rocha
plaina. Os pés eram pontos vulneráveis, inclusive para os homens mais fortes.
— Onde estão seus homens? — Perguntou ela a Miles, sem deixar de olhar Sir Guy.
— Bem... Elizabeth, — começou ele — eu pensei que talvez...
Pela ligeira mudança de expressão no rosto de Sir Guy, Elizabeth soube que tudo o que ocorreu tinha sido ideia de Miles Montgomery.
— Fale! — Ordenou.
— Estamos nas terras dos MacArran e eu sabia que estaríamos a salvo, de maneira que decidi fazer o caminho a pé, com você e Kit. Em nenhum momento estivemos em perigo.
Voltou-se para ele, mas não perdeu de vista Sir Guy.
— Isto tudo foi um truque. — Disse sem emoção. — Você mentiu quando disse que seus homens desapareceram. Mentiu quando disse que estávamos em perigo. Fez tudo isto para estar a sós comigo.
— Elizabeth, — tentou tranquilizá-la — estávamos rodeados de gente. Pensei que talvez se estivéssemos sozinhos um tempo, poderia chegar a me conhecer melhor. E Kit...
— Não profane o nome desse menino! Ele não tem nada a ver com o horrível complô de vocês dois.
— Não foi um complô. — Disse ele, com olhos suplicantes.
— E o que me diz do perigo? Você arriscou minha vida e a de seu filho. Estes bosques estão cheios de homens malvados.
Miles sorriu compreensivamente.
— Certo, mas esses homens malvados estão relacionados comigo pelo casamento político. Estou seguro de que inclusive neste momento estamos rodeados de MacArran.
— Não pude detectar a ninguém, com a exceção deste imenso javali.
Sir Guy, ao seu lado, ficou rígido.
— Não houve mal nenhum que lamentar. — Miles lhe sorriu. — Me dê a adaga, Elizabeth.
— Nada de mal exceto mentiras contadas a uma mulher.
— Replicou ela.
Instantes depois, tudo pareceu ocorrer de repente. Ela se lançou contra Miles com a adaga. Sir Guy a golpeou na mão e conseguiu que Elizabeth a soltasse, e enquanto a pequena adaga caía, ela deu uma terrível pisada nos dois dedos menores do pé esquerdo de Sir Guy. Enquanto Miles se voltava para olhar atônito Sir Guy, que rugia de dor, não viu o punho de Elizabeth, que ainda escondia a pedra, quando se chocou contra seu estômago. Com grande demonstração de dor, Miles se inclinou.
Elizabeth deu um passo atrás, olhando como Sir Guy se sentava e tratava de tirar a bota, seu rosto uma careta de dor. Miles parecia a ponto de vomitar o jantar a qualquer momento.
— Bem feito! — Disse uma voz atrás dela. Ela se virou rapidamente e parou, olhando para o rosto de uma mulher extraordinariamente bela, de cabelos pretos e olhos azuis, tão alta quanto Elizabeth, o que era raro. Um cão grande estava ao lado dela.
— Isto deve te ensinar Miles, — continuou — que nem todas as mulheres gostam de serem utilizadas para meros caprichos dos homens.
Os olhos de Elizabeth se arregalaram ao ver que vários homens começavam a descer das árvores e que da direção onde se encontrava a cabana se aproximava um homem mais velho que estava levando Kit pela mão.
— Lady Elizabeth Chatworth, — disse a mulher — eu sou Bronwyn MacArran, Laird do clã dos MacArran, e cunhada deste jovem intrigante.
Miles começava a recuperar-se.
— Bronwyn, é bom ver você de novo.
— Tam! — Disse Bronwyn ao homem mais velho. — Cuide do pé de Sir Guy. Será que quebrou?
— Provavelmente. — Respondeu Elizabeth. — Todas as vezes que fiz esse ataque antes, descobri que conseguia romper facilmente os dedos menores do pé.
Bronwyn lhe dirigiu um olhar quase de admiração.
— Estes são meus homens: Douglas, — à medida que ia nomeando, eles davam um passo à frente e inclinavam a cabeça diante Lady Elizabeth. — Alex, Jarl e Francis.
Elizabeth deu a cada homem um olhar duro, avaliador. Ela não gostava de ser cercada por homens, e trocou de posição para não ter mais Sir Guy a suas costas. Na situação em que estava, sentia-se como se estivesse encerrada em uma pequena cela de pedra.
Miles, esfregando o estômago, notou o movimento e se aproximou de Elizabeth, e quando Tam deu um passo adiante. Miles pôs a mão sobre seu braço, seus olhos dando um aviso de advertência. Um tanto perplexo, Tam soltou Kit e se afastou uns passos de Elizabeth, notando que os olhos dela se mantinham atentos, vigilantes.
— E onde está meu inútil irmão? — Perguntou Miles a Bronwyn, que observava calmamente a cena que se desenvolvia frente a ela.
— Está patrulhando a fronteira norte, mas espero que se reúna conosco antes que cheguemos a Larenston.
Miles tomou o braço de Elizabeth e o apertou quando ela tentou se afastar dele.
— Bronwyn tem uma criança. — Disse em voz alta. E logo, em um sussurro, disse. — Você está a salvo, fique perto de mim.
Elizabeth deu-lhe um olhar fulminante, querendo dizer que não se considerava mais segura por estar com ele, mas não se moveu de seu lado. Os homens de Bronwyn estavam curiosamente vestidos, com os joelhos nus, os cabelos soltos pelos ombros e espadas muito longas seguras à cintura.
Bronwyn sentia que havia algo mais em tudo isto, além da armadilha infantil que Miles tinha feito com Elizabeth, mas não tinha ideia de como eram as coisas em realidade. Talvez quando retornassem a Larenston poderia averiguar o que era toda essa tensão que se sentia no ambiente.
— Vamos cavalgar?
Elizabeth permaneceu em seu lugar, sem mover-se até que os homens de Bronwyn estiveram na frente dela. Tiveram que caminhar um trecho até onde tinham deixado ocultos os cavalos, os homens formavam um grupo silencioso. Sir Guy seguia caminhando com dificuldade, apoiado em um grosso pau.
— Eu quero cavalgar atrás dos homens. — Disse Elizabeth, com o queixo muito erguido.
Ele começou a protestar, mas se conteve, murmurou algo para Bronwyn e a um aceno dela, os escoceses e Sir Guy avançaram adiante, com Kit montado junto à Tam.
— Elizabeth, — Miles murmurou de seu cavalo ao lado dela — os homens de Bronwyn não vão fazer nenhum mal a você. Não há razão para que os tema.
Ela o olhou desafiante.
— Devo acreditar em sua palavra? A palavra de alguém que me mentiu? A palavra de alguém que pertence a uma família que está em guerra com a minha?
Miles lançou um resignado olhar para o céu.
— Talvez tenha feito mal em enganá-la desta forma, mas se tivesse pedido que passássemos uns dias juntos no bosque nos divertindo com Kit, o que teria respondido?
Ela olhou para outro lado.
— Elizabeth, deve admitir que se divertiu. No bosque, por umas horas, não teve medo dos homens.
— Eu jamais tenho medo dos homens. — Replicou ela. —
Simplesmente aprendi a ser cautelosa.
— Sua cautela domina toda sua vida. — Disse ele severamente. — Olhe para nós agora mesmo, comendo a poeira dos homens de Bronwyn porque você teme que um deles irá atacá-la se não os tiver em seu campo de visão.
— Aprendi... — começou ela.
— Só aprendeu a parte má da vida! Nem todos os homens são como Edmund Chatworth ou Pagnell. Enquanto estivermos aqui, na Escócia, vai aprender que existem homens dignos de confiança. Não! — Pensou melhor, lhe cravando a vista. — Vai aprender que sou digno de confiança. — Com isto, esporeou seu cavalo e se colocou junto a Sir Guy, deixando-a sozinha.
Bronwyn se voltou para observar a Elizabeth e fez girar seu cavalo para cavalgar ao lado da mulher loira. Formavam uma dupla surpreendente: Elizabeth, com seus traços delicados de loira, Bronwyn, com as suas bem definidas características morena.
— Uma briga de amantes? — Perguntou-lhe Bronwyn, observando seu rosto.
— Não somos amantes. — Disse Elizabeth friamente.
Ouvindo-a, Bronwyn levantou uma sobrancelha, pensando que devia ser a primeira vez que Miles passava algum tempo com uma mulher sem chegar a possui-la.
— E como é que uma Chatworth cavalga com um Montgomery? — Inquiriu no mesmo tom que Elizabeth usou com ela.
Elizabeth dirigiu a Bronwyn um olhar áspero.
— Se planeja soltar veneno contra meu irmão Roger, pense duas vezes.
Bronwyn e Elizabeth se olharam fixamente durante uns instantes e depois — enquanto várias mensagens não verbais passavam de uma a outra — Bronwyn fez um pequeno aceno com a cabeça e se afastou com seu cavalo, deixando sozinha Elizabeth.
— Já enfureceu Bronwyn? — Perguntou Miles, aproximando-se novamente.
— Tenho que escutar todo tipo de maldades contra meu próprio irmão? Essa mulher jurou a Roger que se casaria com ele e depois não cumpriu com sua palavra. Como resultado disso...
— Como resultado disso, Roger Chatworth atacou a meu irmão pelas costas. — Interrompeu Miles. Fez uma pausa e se aproximou do cavalo dela, inclinou-se para segurar a mão dela.
— Nos dê uma oportunidade, Elizabeth. — Disse brandamente, com olhos implorantes. — Tudo o que peço é que dê a todos nós o tempo necessário para demonstrar que somos dignos de confiança.
Antes que Elizabeth pudesse responder, chegou até eles o som de cascos de cavalos. Imediatamente todos os homens desembainharam suas espadas claymores e, antes que ela pudesse protestar, os escoceses de Bronwyn tinham formado
um círculo, cercando nele às duas mulheres. Miles aproximou mais seu cavalo de Elizabeth.
— É o idiota do meu marido. — Disse Bronwyn, e seu tom de alegria estava completamente em desacordo com suas palavras.
Cinco homens se detiveram frente a eles, e seu líder era um homem alto, de cabelos de um loiro escuro com alguns fios mais claros do sol que chegavam até os ombros. Um homem de boa aparência, que obviamente se divertia com as palavras de irritação que lançava sua mulher.
— Está ficando velho, Tam. — Disse o homem loiro distraidamente, reclinando-se em sua sela.
Tam só emitiu um grunhido e voltou a embainhar sua claymore.
— Maldito seja, Stephen. — Resmungou Bronwyn. — Por que tinha que baixar do penhasco dessa forma? E por que não mandou avisar que se aproximava?
Lentamente, ele desmontou e deu as rédeas de seu cavalo a um dos homens que tinha chegado com ele, enquanto se encaminhava para onde se encontrava sua esposa. Distraidamente, colocou a mão em seus tornozelos e começou a acariciar para cima.
Bronwyn soltou um chute.
— Me solte já! — Exigiu-lhe. — Tenho deveres mais importantes para fazer do que ficar brincando contigo.
Com a rapidez de um raio, Stephen a agarrou pela cintura e a desmontou.
— Preocupou-se comigo por ver como descia o penhasco tão velozmente? — Murmurou, apertando-a contra si.
— Tam! — Ofegou Bronwyn, tratando de soltar-se.
— O rapaz não precisa de minha ajuda. — Respondeu
Tam.
— Mas eu ajudarei com muito gosto. — Disse Miles tranquilamente.
Stephen soltou sua mulher abruptamente.
— Miles! — Resmungou, e quando seu irmão desmontou, abraçou-o com força. — Quando chegou? O que faz na Escócia? Pensei que estava com o tio Simón, e que história é essa que escutei de que ele quer sua cabeça em bandeja de prata?
Miles sorriu levemente e encolheu seus ombros. Stephen fez uma careta, pois sabia que seu irmão não diria nada. Miles era tão discreto que às vezes se tornava insuportável.
— Miles trouxe Elizabeth Chatworth. — Disse Bronwyn exasperadamente.
Stephen se voltou para onde se encontravam os homens, procurando-a com os olhos. Elizabeth tinha traços suaves, mas parecia estar rígida, inflexível, enquanto se sentava na sela. Stephen começou a aproximar-se, mas Miles pegou seu braço.
— Não toque nela. — Explicou Miles com calma, aproximando-se também de Elizabeth.
Depois de um segundo de surpresa, Stephen sorriu. Ele entendia muito bem o ciúme, mas jamais tinha visto seu irmão assim.
Quando Miles elevou seus braços para Elizabeth e ela hesitou, disse-lhe:
— Stephen não vai fazer-lhe nenhum dano, e espera de você a mesma cortesia. — Havia um leve brilho em seus olhos.
Elizabeth não pôde evitar sorrir levemente quando olhou Sir Guy, em cujo rosto se lia o que pensava dela: que era um monstro e uma bruxa.
Tiveram que esperar para fazer as apresentações a Stephen porque Kit, que adormecera nos braços de Tam, acabava de despertar e se jogava nos braços de seu amado tio. Stephen colocou Kit num dos braços enquanto estendia a mão para Elizabeth.
Elizabeth ficou rígida e não pegou a mão dele.
Miles enviou a seu irmão um olhar de advertência e Stephen, com um sorriso de conhecimento, baixou a mão.
— Seja bem-vinda a nossa casa. — Disse Stephen.
— Sou uma Chatworth.
— E eu um Montgomery e — olhou para Bronwyn — um MacArran. E você é bem-vinda. Caminharemos pelo escarpado? É muito íngreme e às vezes causa pavor.
— Não tenho problemas em cavalgar. — Disse Elizabeth simplesmente.
Miles pegou seu braço, levou seus dedos para seus lábios e beijou-os.
— É obvio que não têm. Meu tolo irmão só está procurando uma desculpa para poder falar com você.
— Tio Stephen! — Gritou Kit. Tinha estado tratando de controlar-se até que os mais velhos terminassem de falar. — Lady Elizabeth bateu em papai e deixou coxo Sir Guy, e dormimos no bosque sem nenhuma tenda. — Sorriu a Elizabeth, que piscou para ele.
— Deixou coxo Sir Guy? — Riu Stephen. — Não posso acreditar.
— Lady Elizabeth Chatworth quebrou os dedos do pé de Sir Guy. — Explicou Bronwyn friamente.
Stephen olhou serio para sua mulher.
— Não acredito que goste de seu tom. — Miles falou rapidamente, para distrair ao seu irmão. — Como estão os MacGregor?
O que se seguiu foi uma explicação e uma discussão entre Stephen e Bronwyn, que falavam do clã que tinha sido o inimigo dos MacArran durante séculos, até poucos meses atrás, quando acordaram uma trégua. Davy, o irmão de Bronwyn, casou-se com uma das filhas do Laird MacGregor .
Enquanto falavam, caminhavam pelo traiçoeiro atalho do escarpado. A um lado tinham uma alta parede rochosa, e do outro, um precipício sem fundo. Elizabeth ia muito perto de Miles, ao lado de Stephen, Bronwyn à frente deles, escutava com interesse sobre este matrimônio. Stephen e Bronwyn discutiam acaloradamente, mas sem animosidade. Os homens que os seguiam mantinham suas próprias conversações, por isso, obviamente, este tipo de duelo verbal não constituía nenhuma novidade para eles. Bronwyn provocou Stephen, insultava-o, e Stephen simplesmente sorria, dizendo que suas ideias eram ridículas. De todos os casamentos que Elizabeth tinha visto, o marido já teria deixado um olho negro na esposa, se a mulher tivesse ousado dizer metade das coisas que Bronwyn tinha expressado.
Elizabeth olhou a Miles e viu que este sorria indulgentemente ao escutar Stephen e sua cunhada. Kit começou a participar da discussão, ficando do lado de Bronwyn e correndo para agarrar-se a sua mão.
— É teu filho! — Riu Stephen, olhando para seu irmão.
Como Stephen estava olhando para o lado de Miles, em direção a parede rochosa, pôde ver as rochas que começavam a desprender-se e que iriam cair inexoravelmente sobre Elizabeth. Com todos seus instintos de cavaleiro aguçados, agiu tão rapidamente quanto pode, pulando para agarrar Elizabeth. Ambos bateram contra a parede de rochas, enquanto o corpo musculoso de Stephen se apertava contra o de Elizabeth, esmagando-a, enquanto as pedras caíam atrás deles.
Elizabeth também reagiu sem pensar. Durante alguns momentos tinha baixado a guarda, mas ao estar rodeada de homens por toda parte, não conseguia acalmar-se de tudo. Seus sentidos não captaram a razão pela qual Stephen se lançou contra ela. Somente soube que outra vez um homem a estava ameaçando. Entrou em pânico. Não foi apenas um pequeno alvoroço, mas Elizabeth soltou um grito tão dilacerador que assustou inclusive aos cavalos. E não se deteve aí, mas sim começou a lutar, arranhar e chutar como um animal enjaulado.
Stephen, atônito por sua reação, tentou agarrá-la pelos ombros.
— Elizabeth! — Ele gritou, olhando para seu rosto aterrorizado.
Miles foi atingido por algumas rochas nos ombros e nas costas, e tinha caído de joelhos. Assim que escutou os gritos de Elizabeth, correu para ela.
— Maldito seja! — Gritou a seu irmão. — Eu disse para não tocá-la. — De um empurrão afastou Stephen, e tentou pegar Elizabeth.
— Quieta! — Ele ordenou.
Elizabeth ainda estava fora de si e começou a arranhar Miles para livrar-se dele. Ele a agarrou pelos ombros e a sacudiu energicamente.
— Elizabeth! — Disse pacientemente. — Está a salvo. Ouvem-me? Está a salvo. — Teve que sacudi-la novamente para que ela voltasse seus olhos para ele, uns olhos como Miles nunca tinha visto antes: assustados, aterrorizados, indefesos e desamparados. Olharam-se por um momento e Miles usou toda sua força de vontade para acalmá-la.
— Você está segura agora, meu amor. Sempre estará a salvo comigo.
O corpo dela começou a tremer e ele tomou-a em seus braços, manteve-a apertada contra ele, acariciando seus cabelos. Olhou para Stephen, que permanecia junto a eles, e disse:
— Nos deixe um cavalo. Seguiremos mais tarde.
Elizabeth quase não notou a procissão que desfilou junto a eles, silenciosa como se estivessem em algum funeral. O medo a debilitou, e tudo o que podia fazer era apoiar-se em Miles procurando amparo, enquanto ele acariciava suas bochechas, o pescoço, os braços. Depois de vários minutos, ela se afastou dele.
— Comportei-me como uma idiota. — Ela disse com tanto desespero que Miles sorriu.
— Stephen não entendeu quando eu disse para não tocar em você. Tenho certeza que ele pensou que era mero ciúme.
— Não está com ciúmes? — Perguntou ela, afastando-se, tentando mudar de assunto.
— Talvez. Mas seus medos são mais importantes que meus ciúmes.
— Meus medos, como você os chama, não são da sua conta. — Afastou-se completamente dele.
— Elizabeth, — sua voz era suplicante, baixa — não guarde tudo isto dentro de você. Já lhe disse, eu sou um bom ouvinte, fale comigo, me diga o que a assustou tanto.
Ela se apoiou na parede rochosa que tinha a suas costas. A massa sólida a fez se sentir bem, dava-lhe uma sensação de realidade.
— Por que mandou que os outros nos deixassem para atrás?
Um brilho de ira cruzou os olhos dele.
— Para não ter testemunhas quando eu te estuprasse. Por que outra razão acha que os mandei? — Quando viu que ela não estava muito segura de seu sarcasmo, moveu os braços com desespero. — Venha, vamos a Larenston. — Ele agarrou seu braço com muita força. — Sabe o que precisa Elizabeth? Precisa de alguém para fazer amor com você, para mostrar que seu medo é muito pior do que a realidade.
— Nunca faltaram voluntários para a tarefa. — Sibilou
ela.
— Pelo que eu vi, você conheceu somente estupradores, não amantes.
Momentos depois a jogava sobre a sela e montava à garupa do cavalo.
Capítulo Oito
Elizabeth levou uma mão na sua testa e abriu os olhos lentamente. O imenso quarto onde estava deitada estava vazio e escuro. Já tinha se passado várias horas desde que ela e Miles chegaram a fortaleza do clã MacArran. O lugar era antigo e estava localizado na borda do penhasco, como uma águia gigante que usasse suas garras para sustentar-se. Uma mulher que parecia tão velha como o castelo deu a Elizabeth uma bebida quente fervida com ervas, e quando a mulher estava de costas, Elizabeth preferiu arrojar a bebida entre os juncos atrás de um banco. Elizabeth sabia um pouco de ervas e podia imaginar muito bem o que continha a bebida.
A nodosa anciã, a quem Bronwyn chamava Morag, tinha observado Elizabeth com olhos penetrantes, e depois de uns momentos ela fingiu sonolência e deitou-se na cama.
— Precisa descansar. — Observou Bronwyn. — Nunca vi ninguém que ficasse tão louca como ela, quando Stephen a puxou de debaixo das pedras que caíram. Parecia que o demônio tinha entrado no corpo.
Morag lançou um curto bufo.
— Você lutou muito tempo com Stephen quando o conheceu.
— Mas isso é outra coisa. — Insistiu Bronwyn. — Miles conseguiu acalmá-la, mas teve que sacudi-la várias vezes. Sabia que quebrou os dedos do pé de Sir Guy?
— E também sei que as duas discutiram. — Replicou Morag.
Bronwyn ficou à defensiva.
— Ela se atreveu a defender a Roger Chatworth em minha presença. Depois do que ele fez...
— Ele é irmão dela! — Rugiu Morag. — Se supõe que deve lhe ser leal, mas você parece pensar que ela deveria entender seu ponto de vista ao primeiro momento. Bronwyn, as coisas podem ver vista de distintos ângulos na vida. — Se inclinou e cobriu Elizabeth com uma grande manta escocesa azul e verde.
— Vamos deixá-la em paz. Chegou um mensageiro do irmão mais velho de Stephen.
— Por que não me disse isso antes? — Disse Bronwyn, zangada porque era tratada como uma criança e mais zangada ainda porque sabia que mereceu.
Elizabeth permaneceu deitada e completamente quieta depois que a porta se fechou, atenta à respiração de qualquer outra pessoa que pudesse esconder-se no quarto. Algumas vezes tinha ocorrido que os homens fingiam que abandonavam seu quarto, mas em realidade se escondiam nos cantos escuros. Quando teve certeza de que estava completamente
sozinha, virou-se e cautelosamente abriu os olhos. Indubitavelmente não havia ninguém mais ali.
Saltou da cama e se dirigiu à janela. Fora estava escurecendo, e a luz da lua começava a pratear as paredes íngremes do castelo de pedras cinzentas. Este era o momento de escapar, agora, antes que se estabelecesse uma rotina, antes que todos os MacArran se inteirassem de que ela era uma prisioneira.
Enquanto observava, viu passar quatro guardas, os corpos envoltos em mantas escocesas. Com um sorriso, Elizabeth começou a elaborar um plano. Uma rápida e silenciosa busca no quarto revelou um baú de homem. Ela levantou a tampa e estava repleto de roupas de homem. Levantou sua saia de seda e a atou em torno da cintura, depois vestiu uma ampla camisa de homem e grossas meias de lã. Por um segundo olhou os joelhos nus e pestanejou ante a ideia de aparecer assim em público, mostrando tanta pele e sem que nada a cobrisse decentemente. Não havia sapatos, então ela teve que se contentar com seus próprios sapatos macios, os dedos dos pés apertados com uma maior quantidade de meias. Enrolou a manta para que formasse uma saia, passou pelos ombros e para segurar corretamente à cintura levou tempo e esforço, já que a manta escocesa era excessivamente grande.
Contendo o fôlego, abriu a porta cautelosamente, rezando para que ainda não tivessem colocado um guarda vigiando-a. A sorte seguia a acompanhando e Elizabeth deslizou pela porta
entreaberta para o escuro corredor. Ela memorizou o interior do castelo quando Miles a conduziu ao seu quarto, e agora, muito atentamente, concentrou-se em qualquer som que pudesse lhe chegar.
Muito longe, para sua esquerda e abaixo, podia ouvir vozes. Lentamente, quase se fundindo com as paredes, deslizou escada abaixo para a saída principal.
No preciso momento em que estava atravessando silenciosamente o salão de onde provinham as vozes, ouviu o nome de Chatworth. Olhou a porta que conduzia para fora, mas ao mesmo tempo queria informação. Como se fosse uma sombra aproximou-se para poder escutar melhor.
Quem estava falando era Stephen.
— Malditos sejam os dois, Miles! — A ira fazia tremer sua voz. — Gavin tem tão pouco senso comum quanto você. Vocês dois estão ajudando Chatworth a realizar o que ele quer. Cada dia está mais próximo de destruir nossa família.
Miles permanecia silencioso. Bronwyn pôs sua mão sobre os ombros de Miles.
— Por favor, deixa-a ir. Lady Elizabeth pode retornar a Inglaterra com uma guarda armada, e quando Gavin saiba que foi liberada, permitirá que Roger Chatworth se vá.
Miles seguia sem abrir a boca.
— Maldição! — Gritou Stephen. — Responda-nos!
Os olhos de Miles se acenderam.
— Eu não vou libertar Elizabeth. O que faça Gavin com Roger Chatworth é assunto de meu irmão. Elizabeth é minha.
— Se não fosse meu irmão... — começou a dizer Stephen.
— Se não fosse seu irmão, nada do que fizesse teria efeito algum sobre você. — Miles parecia bastante acalmo, e só seus olhos cintilavam.
Stephen agitou os braços com desespero.
— Fale você com ele. — Disse a Bronwyn. — Nenhum de meus irmãos tem o mínimo de senso comum.
Bronwyn se firmou diante de seu marido.
— Uma vez lutou contra Roger Chatworth pelo que acreditava que te pertencia. Agora Miles está fazendo exatamente o mesmo, no entanto, você se enfurece com ele.
— As coisas eram diferentes nesse momento. — Disse Stephen com voz grave. — Você me foi dada pelo rei.
— E Elizabeth me foi entregue! — Interrompeu Miles com paixão. — Bronwyn sou bem-vindo aqui? Se não for assim, meus homens e eu partiremos... com Lady Elizabeth.
— Sabe bem que é bem-vindo. — Disse Bronwyn com doçura. — A menos que Chatworth esteja preparado para uma guerra, não atacará os MacArran. — Voltou-se para Stephen
— E quanto a que Gavin tenha prisioneiro Chatworth, me
alegro. Já se esqueceu o que Chatworth fez a sua irmã Mary, ou de que me teve cativa um mês?
Elizabeth decidiu não escutar mais. Agora iriam descobrir que ela não era a dócil prisioneira que todos imaginavam.
Fora havia uma densa neblina proveniente do mar, e ela deu graças ao Senhor em silencio por sua ajuda. Sua primeira necessidade era conseguir um cavalo, já que não poderia sair da Escócia caminhando. Ficou muito quieta pensando onde poderia encontrar os estábulos.
Elizabeth era bastante hábil roubando cavalos, praticou bastante no curso de sua curta vida. Os cavalos eram como crianças. Teria que lhe falar com doçura, com calma, sem fazer movimentos bruscos. Em um extremo das cavalariças havia dois homens rindo e falando em voz baixa, certamente de suas últimas conquistas amorosas.
Com grande cautela, Elizabeth tomou pela brida a um cavalo que se encontrava mais afastado no comprido estábulo. Retirou uma sela do compartimento da parede e esperou até estar fora para pô-la sobre o animal. Agradeceu ao céu o ruído que fazia toda essa gente que habitava em uma extensão de terreno tão reduzida. Passou uma carreta, um homem que conduzia quatro cavalos, atou aos animais não muito longe dos estábulos, mas dois desses cavalos começaram a dar-se coices. Como consequência disto, três homens começaram a gritar e a dar chicotadas no ar. Nenhum deles olhou sequer para onde
se achava a magra figura, entre as sombras, com a cabeça bem coberta pela manta escocesa.
Quando Elizabeth montou, ficou tranquilamente atrás do homem da carreta, que se dirigia para os portões abertos de Larenston, e levantou uma mão para saudar os guardas que se encontravam sobre as torres. Os soldados estavam aí para evitar que entrassem estranhos, não estavam interessados nas pessoas que saíam do lugar.
O único acesso à fortaleza dos MacArran era através de um caminho extremamente estreito. O coração de Elizabeth pulsava com tanta força que parecia querer sair do peito. A carreta que ia diante dela era extremamente estreita e, entretanto, suas rodas seguiam sobre a borda do atalho, correndo o perigo de que se houvesse um só erro, uns centímetros para um lado ou para o outro, o homem, a carreta e o cavalo cairiam ao vazio.
Quando chegou ao final da passagem, emitiu um suspiro de alívio por várias razões: tinha terminado o caminho traiçoeiro e, até o momento, ao que parecia não tinham dado nenhum alarme.
O carreteiro olhou por cima de seu ombro e sorriu.
— Sempre me alegro depois de cruzar esta passagem. Viaja nesta direção?
Justo diante dela se abria o caminho que ia pela zona das cabanas dos aldeãos, que poderiam dar uma boa informação
sobre sua passagem pelo local, a uma eventual patrulha que saísse em sua busca. Para a direita começava o caminho do escarpado, que Miles e ela tinham percorrido.
Cavalgar de noite pelos escarpados...
— Não! — Disse ela com sua voz mais varonil ao carreteiro. Certamente, se viajava na mesma direção, o homem ia querer iniciar uma conversação. E apontou para os escarpados, com um braço bem coberto pela manta.
— Ah, os jovens! — O homem riu entre dentes. — Bem, que tenha boa sorte, rapaz. A luz da lua é boa, mas de todas as formas, tome cuidado. — Açulou a seu cavalo e se afastou.
Elizabeth não perdeu tempo em considerar seu próprio medo, mas sim, dirigiu sua égua para a negra solidão que se estendia diante dela. De noite o caminho parecia pior do que recordava. Seu cavalo se inquietou, e, sem pensar duas vezes, Elizabeth desmontou e começou a guiá-lo pelas rédeas.
— Maldito Miles Montgomery! — Resmungou. — Por que tinha que me trazer para um lugar tão selvagem como este? Se queria ter a alguém cativo, ao menos podia haver se limitado a manter em um lugar civilizado.
O uivo de um lobo diretamente sobre sua cabeça a deixou paralisada e a fez parar de murmurar. Sobre o escarpado apareceram as silhuetas de três lobos, que a olhavam com as cabeças baixas. A égua começou a corcovear, e Elizabeth
enrolou as rédeas no pulso. À medida que avançava, os lobos avançavam com ela, e um quarto animal se somou à alcateia.
Elizabeth tinha a sensação de ter viajado vários quilômetros, mas ainda não podia vislumbrar sequer o fim do penhasco. Por um momento se recostou contra o muro de pedra, tratando de acalmar os agitados batimentos de seu coração.
Os lobos uivaram ao uníssono, entendendo que sua vítima aceitou a derrota. A égua empinou, arrancando as rédeas do pulso de Elizabeth. Ela tentou chegar à égua, mas escorregou o pé e caiu metade sobre a borda do penhasco e metade no vazio. A égua se afastou trotando pelo atalho.
Ela ficou imóvel uns segundos, tratando de acalmar-se e pensar em como sair dessa situação. Agarrou-se precariamente a borda do penhasco, enquanto uma de suas pernas se balançava no ar e com a outra tratava de obter um apoio firme. Com os braços se aferrava às rochas, sobre uma das quais mantinha apoiada a cabeça. Moveu o braço esquerdo, e quando o fez, começaram a desmoronar pedras debaixo dela. Aterrorizada, moveu a perna direita tratando de encontrar algum apoio... mas não havia nada. Outra pedra se desprendeu, e ela soube que tinha que fazer algo.
Usando toda a força de seus braços, tentou elevar-se pouco a pouco, avançando os quadris para a esquerda. Quando seu joelho esquerdo tocou rocha sólida, saltaram
lágrimas de alívio dos olhos. Centímetro a centímetro, conseguiu subir seu corpo machucado até o atalho novamente.
Arrastando-se sobre as mãos e os pés, procurou o refúgio da parede rochosa no lado oposto e ali se sentou, as lágrimas rolando pelas bochechas e sem poder controlar sua respiração agitada. O sangue escorria por seus braços e ardiam os joelhos esfolados.
Por cima da cabeça chegou o uivo de animais brigando.
Olhando para cima, viu um animal atacando os lobos.
— Aquele grande cão de Bronwyn. — Ofegou, e fechou os olhos um momento rezando em silêncio.
Não ficou sentada por muito tempo. Muito em breve iram notar seu desaparecimento, e ela devia estar o mais longe possível de seus inimigos, os Montgomery.
Quando ficou de pé, percebeu que estava mais machucada do que pensou. Tinha a perna esquerda rígida e doía o tornozelo. Quando enxugou as lágrimas do rosto, a luz da lua permitiu ver suas mãos ensanguentadas. Com as palmas esfoladas, começou a seguir seu caminho. Não confiava em sua vista e precisava avançar apoiando-se na parede rochosa para que servisse de guia.
A lua se ocultou quando chegou ao final do caminho, mas em lugar de sentir-se atemorizada, o espaço negro e vazio a sua frente pareceu uma bênção. Envolveu-se melhor na
manta, e ignorando a dor de suas pernas debilitadas, começou a caminhar.
Quando dois pontos luminosos brilharam frente a ela, à altura de seu peito, deteve-se e procurou algo que pudesse parecer-se com uma arma. Durante alguns segundos seus olhos ficaram cravados nos do animal, fosse o que fosse, estavam quase frente a frente, o animal estava quase a tocando antes de perceber que era o cachorro de Bronwyn.
O cão inclinou a cabeça para ela interrogativamente e Elizabeth quis chorar de alívio.
— Você matou aos lobos, verdade? — Disse ela. — Bom menino. Você é amigável? — Ela estendeu a mão, com a palma para cima, e foi recompensada com uma lambida da língua do cão. Começou a acariciar sua enorme cabeça, e o cão tentou empurrá-la novamente para o atalho do penhasco.
— Não, rapaz! — Sussurrou ela. Ao ficar quieta sentia com mais intensidade seus cortes e machucados. E morria de sono. — Quero seguir por este caminho, não desejo voltar para casa de Bronwyn.
O cão emitiu um latido agudo quando ouviu o nome de sua ama.
— Não! — Disse ela com firmeza.
O cachorro a observou por um momento, como se estivesse considerando suas palavras, depois se virou para a floresta a frente deles.
— Bom menino. — Sorriu. — Talvez possa me mostrar o caminho para sair deste lugar. Me leve para outro clã onde me devolvam a meu irmão em troca de uma recompensa.
Caminhava atrás do cão, mas quando ela começou a tropeçar ele se deteve e ficou ao seu lado para que Elizabeth pudesse apoiar-se em seu lombo.
— Qual é seu nome, rapaz? — Sussurrou cansada. — Chama-se George ou Oliver, ou tem algum nome escocês que eu nem sequer conheço? — O cão diminuiu ainda mais o passo para manter-se ao ritmo dela.
— O que acha de Charlie? — Perguntou-lhe ela. — Charlie é um nome que eu gosto bastante.
Assim que terminou de dizer estas palavras, caiu como uma pedra ao cão, adormecida, ou talvez desmaiada.
O cão a empurrou, cheirou-a, lambeu-lhe o rosto ensanguentado, e quando viu que nada podia despertá-la, deitou-se ao seu lado e dormiu.
O sol estava bem alto quando Elizabeth abriu os olhos e viu a grande cabeça peluda do cão. Os olhos do animal pareciam fazer uma pergunta, como se fosse humano. Debaixo
de um dos olhos do cão aparecia um feio corte coberto de sangue seco.
— Conseguiu isso quando brigou com os lobos? — Sorriu ao animal e acariciou suas orelhas. Quando quis levantar-se, as pernas não a sustentaram e teve que se apoiar no cão. — Que bom que seja tão forte Charlie. — Disse ela, usando o lombo do animal como ponto de apoio.
Quando finalmente estava de pé deu uma olhada em suas roupas e grunhiu. A saia estava uma metade bem segura a cintura, e a outra metade pendurada até os tornozelos. Tinha o joelho esquerdo cortado, e ainda sangrando, enquanto que o joelho direito estava somente esfolado. Com determinação jogou a manta sobre os braços, sem olhar o estado em que se encontrava. Quando tocou o cabelo, sentiu crostas de sangue seco, retirou a mão rapidamente.
— Poderia encontrar um pouco de água, Charlie? —
Perguntou ao cão. — Água?
Instantaneamente o cão se afastou através da paisagem rochosa, retornando quando percebeu que Elizabeth só podia avançar a passo de tartaruga. As cicatrizes recém-cicatrizadas haviam se aberto, e magros fios de sangue corriam pelo corpo.
O cão a guiou até um pequeno arroio, onde ela se lavou o melhor que pôde. Queria estar o mais apresentável possível para quando se encontrasse com seus libertadores.
O cão e ela caminharam durante horas, mantendo-se muito perto das rochas e das poucas árvores que havia nestas paragens. Quando escutaram o ruído de cavalos aproximando- se, instintivamente Elizabeth se ocultou, levando o cão consigo. Não havia nenhuma maneira de deter o cão se este quisesse partir, mas no momento o animal parecia contente com sua companhia.
Ao pôr-do-sol, as poucas forças que ficavam abandonaram-na, e pouco importava que o cão ladrasse a algo que ela não podia ver.
— Certamente é Miles ou sua ama. — Disse pesadamente e caiu no chão, fechando os olhos.
Quando os abriu novamente, um homem completamente desconhecido estava de pé frente a ela, com as pernas separadas e as mãos nos quadris. A luz do sol formava um halo sobre seus cabelos grisalhos e destacava sua forte mandíbula.
— Bem Rab, — disse com voz profunda, acariciando ao cão — o que me trouxeste desta vez?
— Não me toque. — Murmurou Elizabeth quando o homem se inclinou para ela.
— Jovenzinha, se temer que te faça mal, esquece-o. Sou o Laird MacGregor e está em minhas terras. O que faz o cão de Bronwyn contigo? — Olhou com atenção as roupas inglesas dela.
Elizabeth estava cansada, débil, faminta, mas não estava morta. Pelo tom com que o homem tinha pronunciado o nome de Bronwyn, deu-se conta de que eram amigos. As lágrimas começaram a rolar por suas bochechas.
Agora ela nunca chegaria a seu lar. Nenhum amigo dos MacArran a devolveria a Inglaterra, e a captura de Roger por um Montgomery podia dar começo a uma guerra privada.
— Não fique assim, moça. — Disse o Laird MacGregor . — Logo estará em um lugar seguro. Alguém vai cuidar de seus cortes e nós vamos alimentar você e... por mil demônios!
Elizabeth, ao ver que o homem se aproximava, tinha tirado a adaga de sua bainha, lançando-a contra a barriga dele. Foi simplesmente seu estado de debilidade que a fez falhar.
Lachlan MacGregor esquivou-se, tirou-lhe o punhal e jogou-a sobre seu ombro num movimento rápido.
— Não me dê mais trabalho, moça. — Ordenou quando ela começou a lutar. — Na Escócia não devolvemos a hospitalidade cravando adagas em ninguém.
Pôs Elizabeth sobre seu cavalo, assobiou chamando Rab e os três partiram a toda velocidade.
Capítulo Nove
Elizabeth se encontrava sozinha, sentada em um grande quarto no castelo MacGregor, a porta de carvalho estava fechada. O quarto se achava virtualmente vazio, salvo por uma grande cama, um arca e três cadeiras. Contra uma das paredes havia uma lareira cheia de troncos, mas não havia um fogo aceso que esquentasse as frias pedras.
Elizabeth se aconchegou em uma das cadeiras, envolta na manta de Bronwyn, com os joelhos encolhidos sobre o peito. Já tinham passado várias horas desde que o Laird MacGregor a encerrou neste quarto. Não tinham mandado mantimentos, nem água para lavar-se, e Rab, o cão, partiu logo que tinha visto a fortaleza MacGregor. Elizabeth estava muito cansada para dormir e a cabeça dava voltas de tanto pensar.
Quando ouviu a voz tão conhecida, amortecida pela pesada porta, sua primeira reação foi de alívio. Mas se repôs rapidamente. Miles Montgomery era tão inimigo dela como qualquer outro.
Quando Miles abriu a porta e caminhou para ela, Elizabeth já estava preparada. Jogou-lhe uma taça de cobre e prata que encontrou sobre a lareira.
Miles pegou o objeto com a mão esquerda e continuou andando em sua direção. Jogou um pequeno escudo que
estava pendurado na parede, e desta vez ele o apanhou com a mão direita.
Com um pequeno sorriso de triunfo, Elizabeth agarrou um capacete quebrado, também da lareira, e se preparou para jogá-lo. Ele não tinha mão livre para apanhar este objeto. Mas antes que pudesse lhe lançar o capacete, Miles estava em frente a ela, abraçando-a contra si.
— Estava muito preocupado com você. — Sussurrou ele, seu rosto contra o dela. — Por que fugiu dessa forma? A Escócia não é como a Inglaterra. É um país traiçoeiro.
Ele não a abraçava muito forte, pelo menos não o suficiente para fazer com que ela quisesse lutar, mas sim, pelo contrário, desejou que ele a apertasse mais contra seu corpo. Por isso ficou muito quieta, temendo que ele a soltasse. Mas quando ouviu suas palavras idiotas, afastou-se um pouco dele.
— Atacaram-me os lobos, quase caio no mar, um homem me carrega como se fosse um saco de trigo, e você diz que este é um país traiçoeiro!
Miles tocou sua têmpora, e ela não fez nada para afastar- se. Os olhos dele brilhavam com uma luz muito especial.
— Elizabeth, você cria seus próprios problemas.
— Eu não pedi que me entregassem nas mãos de meus inimigos, nem que me trouxessem como prisioneira a estas terras hostis, nem que esse homem...
Miles a interrompeu.
— Laird MacGregor estava bastante irritado com o fato de você querer lhe cravar uma adaga. Faz poucos meses quase morreu porque Bronwyn o atacou com uma adaga.
— Pois me pareceu que eram amigos.
Antes que pudesse dizer outra palavra, a porta da câmara se abriu e entraram dois escoceses corpulentos que traziam uma tina de carvalho. Atrás dos homens havia uma dúzia de mulheres que carregavam baldes de água quente. A última das mulheres levava uma bandeja com três decantadores e duas taças.
— Sabendo da sua propensão para tomar banho, tomei a liberdade de pedir um banho para você. — Miles sorriu.
Elizabeth não respondeu, mas sim levantou o queixo e caminhou até a lareira fria.
Quando a quarto ficou vazio de pessoas, exceto pelos dois, Miles colocou a mão em seu ombro.
— Venha tomar banho enquanto a água está quente, Elizabeth.
Ela se voltou furiosa para ele.
— O que lhe faz pensar que vou fazer por você o que não tenho feito por outros homens? Fuji de você em Larenston e agora você parece pensar que vou pular em seus braços, porque simplesmente lhe ocorreu aparecer por aqui. Que
diferença há entre ser a prisioneira do Laird MacGregor ou de um Montgomery? E para falar a verdade, prefiro o Laird MacGregor.
Miles apertou a mandíbula e seus olhos escureceram.
— Acredito que chegou o momento de esclarecer algumas coisas entre nós. Fui mais que paciente com você. Não disse nada quando feriu Sir Guy. Compartilhei meu filho com você. Permaneci como observador enquanto causava tumulto a todo o clã dos MacArran, e agora quase fere o Laird MacGregor. A paz entre os MacGregor e os MacArran é muito recente e frágil. Poderia ter destruído o que a Stephen levou um ano consolidar. E olhe para você, Elizabeth! Viu o aspecto que têm? Está completamente coberta de sangue seco, evidentemente está exausta e perdeu peso. Acredito que já é hora de deixar de consentir todos os seus caprichos.
— Meus...! — Ela balbuciou. — Não quero ser prisioneira! Entende? Pode captar algo com essa cabeça dura? Eu quero ir para casa com meus irmãos e vou fazer tudo o que esteja a meu alcance para obtê-lo.
— A casa! — Disse Miles com os dentes apertados — Têm alguma ideia do que significa essa palavra? É o lugar onde aprendeu a quebrar os dedos dos homens? Onde aprendeu a usar tão eficazmente uma adaga? Que tem feito você pensar que todos os homens são criaturas perversas? Por que não tolera que nenhum homem te toque?
Elizabeth apenas olhou para ele com tristeza.
— Edmund está morto. — Ela disse depois de um tempo.
— Você sempre irá viver entre as nuvens, Elizabeth? — Sussurrou ele, olhando-a brandamente. — Vai sempre ver apenas o que quer ver? — Depois de um profundo suspiro, estendeu-lhe a mão. — Venha e se banhe antes que a água esfrie.
— Não. — Disse ela lentamente. — Não quero me banhar.
Ela devia estar acostumada com a extraordinária rapidez de Miles, mas como de costume não estava preparada para isso.
— Já foi suficiente, Elizabeth. — Disse antes de arrancar a manta úmida dela. — Fui paciente e atento, mas de agora em diante vai aprender um pouco de obediência... e de confiança. Não vou lhe machucar, jamais fiz mal a uma mulher, mas não posso permanecer indiferente vendo como você faz mal a si mesma.
Dizendo isto, ele rasgou a frente de seu vestido, expondo seus seios. Elizabeth ofegou e cruzou os braços, dando um salto para trás.
Sem nenhuma dificuldade Miles a alcançou e com outros dois puxões a deixou nua. Parecia não prestar nenhuma atenção ao seu corpo nu, enquanto a elevava em seus braços e a depositava brandamente dentro da tina.
Sem uma palavra tomou um tecido, ensaboou-o e começou a lavar gentilmente seu rosto.
— Se lutar fará com que entre sabão nos olhos. — Disse ele, fazendo-a ficar imóvel.
Ela se negou a lhe dirigir a palavra enquanto ele ensaboava a parte superior de seu corpo, consolando-se porque a espuma do sabão cobria suas bochechas ruborizadas, quando ele deixou suas mãos deslizarem por seus seios altos, firmes.
— Como se feriu? — Perguntou ele amigavelmente, enquanto ensaboava sua perna esquerda, tomando cuidado com os feios cortes e machucados de seu joelho.
A água estava conseguindo relaxá-la e não havia nenhuma razão para não responder. Recostou-se na tina, fechou os olhos e contou a noite que tinha passado no atalho do penhasco. Quando ia pela metade do relato, sentiu uma taça de vinho na mão e bebeu sedenta. O vinho imediatamente subiu à cabeça e ela continuou falando, sonhadora.
— Rab ficou comigo. — Terminou dizendo, e bebeu mais vinho. — O cão entendeu que eu não queria voltar para a casa de Bronwyn, mas em vez disso ele me levou até seus amigos.
— O vinho a relaxou tanto que já não se sentia zangada nem contra o cão, nem contra os MacGregor, nem contra ninguém mais.
— Miles, — perguntou tranquilamente, conversando, sem se dar conta do prazer que dava a ele em usar seu nome de batismo. — Por que não golpeia as mulheres? Não posso acreditar ter conhecido a um homem que não usa a força para conseguir o que quer.
Ele estava suavemente lavando os dedos dos seus pés.
— Talvez eu use um tipo diferente de força.
Isso foi tudo o que disse, e por um momento permaneceram silenciosos. Elizabeth não percebeu que ele mantinha sua taça cheia o tempo todo, e ela já tinha bebido quase um decantador inteiro de vinho.
— Por que não respondeu a seu irmão esta manhã? Ou foi ontem pela manhã?
Miles fez uma leve pausa em seu trabalho e era o único sinal de que ouvira sua pergunta. Nunca lhe fizeram uma pergunta tão pessoal, mostrando interesse nele.
— Meus três irmãos mais velhos são homens muito teimosos. Gavin jamais escuta a opinião de ninguém e Raine gosta de imaginar que é o mártir de todas as causas perdidas.
— E Stephen? — Perguntou ela, tomando mais vinho e olhando-o por entre seus cílios abaixados. As mãos dele sobre seu corpo, estava gostando tanto, tanto.
— Stephen engana as pessoas a acreditar que elas podem modificar seu ponto de vista, mas quando chega o momento
das decisões, sempre insiste no que quer e acredita. Só com Bronwyn se mostrou disposto a escutar uma opinião distinta, e ela teve que lutar com ele, e ainda o faz, por tudo. Ele ri de tudo o que é importante para ela.
Elizabeth ficou pensando no que ouvia por um momento.
— E você é seu irmãozinho pequeno. Sem dúvida eles sempre vão considerar você alguém a quem permanentemente têm que ensinar as coisas, a quem têm que cuidar.
— E a você trataram também da mesma forma? —
Sussurrou ele brandamente.
A bebida, a água quente, a fizeram afrouxar a língua.
— Roger considera que não tenho mais que um quarto de cérebro. Perdi a outra metade por ser mulher, e a metade dessa porção que considera, ainda recorda de quando usava fraldas. Quando contei o que Edmund estava fazendo comigo, ele não tinha certeza se acreditava em mim. Ou talvez fosse porque não queria ver as coisas que fazia seu próprio irmão ou o que este permitia que acontecessem. Maldição! — Disse ela, levantando-se da tina. Com toda sua força jogou a taça, fazendo que arrebentasse na dura parede de pedra. — E sou uma mulher pela metade. Sabe o que sinto quando olho Bronwyn e seu irmão, quando vejo que riem e se amam? Quando fazem carícias um no outro acreditando que ninguém os olha. Sempre que um homem me toca, eu... — Ela gritou, os olhos arregalados, a cabeça turvada pela bebida. — Faça
amor comigo, Miles Montgomery. — Murmurou roucamente.
— Faça com que não tenha medo.
— Já tinha planejado isso. — Respondeu ele gravemente, estreitando-a em seus braços.
Ela ainda estava de pé na tina quando a boca de Miles posou sobre a dela, devolveu-lhe o beijo... beijou-o com toda a paixão, com toda a fúria que sentia porque tinham arrebatado- lhe a possibilidade de ter uma atitude normal em relação ao amor. Enquanto as outras mulheres aprendiam a flertar, o irmão de Elizabeth apostava no jogo a virgindade da irmãzinha para o vencedor, e Elizabeth aprendeu a usar uma adaga. Tinha preservado sua preciosa virgindade, mas para quê? O convento? Para ir convertendo-se pouco a pouco em uma mulher dura e raivosa até chegar a ser como uma pedra... uma inútil anciã sem amor?
Miles se afastou dela ligeiramente, controlando o beijo, evitando que ela se machucasse esmagando seus lábios contra os dentes dele. As mãos de Miles acariciavam suas costas molhada, o nascimento da coluna.
Os lábios dele se moveram até a comissura de sua boca e com a ponta da língua a tocou, subindo até suas bochechas, beijando-lhe enquanto suas mãos brincavam com a pele dela.
Elizabeth inclinou cabeça para trás e para um lado, permitindo que a beijasse no pescoço e nos ombros. Possivelmente esta fosse a verdadeira razão que nunca
permitiu que um homem a tocasse. Possivelmente ela soubesse que por mais que lutasse como um demônio, sucumbiria imediatamente, desenfreadamente, irresponsavelmente, sem indício de vergonha.
— Miles! — Suspirou ela. — Miles.
— Sempre. — Ele murmurou, mordiscando sua orelha.
Com um movimento rápido e suave, a tirou da tina e a levou para a cama. Seu corpo estava molhado e os cabelos colados às costas, mas Miles a envolveu em uma toalha e começou a enxugá-la. A vivacidade com que Miles a enxugava enviava ondas de calor pelo corpo, e cada vez que ele a tocava, ela o desejava mais. Tinha que ressarcir-se de toda uma vida de fugir de qualquer contato.
De repente, Miles estava ao seu lado, nu, com sua esplêndida pele, morna e escura, convidativo.
— Sou teu Elizabeth, como você é minha. — Sussurrou enquanto colocava a mão dela sobre seu peito.
— Tanto cabelo. — Ela soltou uma risadinha. — Tanto, tanto cabelo. — Enterrou os dedos no arbusto de pelo, puxando o aproximou dela. Obediente, Miles se aproximou mais e aconchegou seu corpo dourado ao lado do dele.
— O que se sente? — Perguntou ela com ansiedade.
— Não saberá tão rápido. Não terá duvidas por muito tempo. — Sorriu. — Quando formos um, já não haverá medo em seus olhos.
— Quando formos um. — Sussurrou ela enquanto Miles beijava seu pescoço. Beijou-a no pescoço por um tempo muito longo antes de mover para seu braço, sua língua fazendo pequenos movimentos rodopiantes dentro da carne sensível de seu cotovelo. Ela se surpreendeu ao sentir uma ligeira vibração que partia de seus dedos, percorria-lhe os seios e terminava nas pontas dos dedos da outra mão.
Ela estava deitada com os olhos fechados, os braços e as pernas abertas enquanto Miles a tocava. Essas grandes mãos que podiam brandir uma espada, proteger a uma criança de qualquer dano, controlar um cavalo indisciplinado, lentamente e com grande ternura estavam acendendo seu corpo de paixão.
Quando a mão dele passou de sua garganta a bochecha, ela girou a cabeça e beijou sua palma, pegou com suas duas mãos a dele e levando-a a boca começou a fazer amor com essa mão dura e ao mesmo tempo delicada, esfregando-a contra seus lábios, saboreando sua pele, passando a língua por seus cabelos no dorso da mão. Ela foi recompensada por um som primitivo de Miles, que colocou seu coração acelerado.
— Elizabeth! — Ele murmurou gemendo. — Elizabeth quanto esperei por isto.
Elizabeth decidiu que não desejava esperar mais. Instintivamente tentou mexer-se debaixo de Miles, mas ele não permitiu. Em vez disso, trouxe os lábios sobre seus seios e Elizabeth quase saltou da cama.
Miles riu entre dentes ante sua reação e ela sentiu que sua risada percorria seu corpo de cima a baixo. Amor e riso, pensou. Isso era o que Miles acrescentou à sua vida.
Suavemente, os lábios de Miles em seus seios a fizeram parar de pensar. Apoiado em seus joelhos, ele acariciou seus quadris, colocando as mãos na sua cintura, apertando, acariciando, e lentamente começou a penetrá-la com seus dedos, usando a outra mão para guiar os quadris dela num movimento lento, ondulante.
Ela captou o ritmo com facilidade. Sua respiração se fez mais profunda e apertou com mais força os braços de Miles.
O corpo dele próximo ao seu, morno, duro, escultural, era o único de que tinha consciência, enquanto toda ela começou a mover-se com sensualidade.
— Miles. — Ela sussurrou, suas mãos acariciando seus cabelos. Com muita pouca delicadeza atraiu a cabeça dele para a sua, procurou seus lábios e o beijou de uma forma que jamais podia ter sonhado. Ambos estavam cobertos de suor, um suor salgado, quente.
Elizabeth levantou seus joelhos e rodeou com as pernas os quadris de Miles, e quando o fez, ele a penetrou.
Não sentiu dor, já que estava mais que preparada para ele, mas por um momento tremeu com a força de sua reação. Miles ficou imóvel, também ligeiramente trêmulo, até que Elizabeth começou com o ritmo lento que ele ensinou momentos atrás.
Lentamente, os dois juntos, fizeram amor. Depois de poucos segundos Elizabeth se perdeu em um mar paixão que jamais sonhou que poderia existir.
Quando Miles passou a um ritmo mais exigente, aumentando sua velocidade, ela travou as pernas ao redor dele e se deixou transportar por seus sentidos. E em uma explosão cega, o corpo de Elizabeth se convulsionou e as pernas começaram a tremer violentamente. Miles a seguiu.
— Shhh... — Miles a acalmou, apoiando-se em um cotovelo e acariciando suas têmporas. — Silêncio, meu anjo! Oh, meu anjo. Está segura agora.
Ele se retirou e puxou-a em seus braços.
— Meu anjo prometido. — Sussurrou. — Meu anjo de chuva e relâmpago.
Elizabeth não compreendeu completamente suas palavras, mas sim, pela primeira vez em sua vida, sentiu-se segura. Caiu adormecida instantaneamente, com o corpo tão colado ao de Miles que tinha muita dificuldade para respirar.
Quando Elizabeth despertou, esticou-se luxuosamente, sentindo cada músculo de seu corpo, e gemeu quando estirou a pele rasgada dos joelhos.
Abriu os olhos, e o primeiro que viu foi uma larga mesa, repleta de comida quente. Nunca antes em sua vida tinha tido tanto apetite. Agarrou a manta escocesa de Bronwyn, envolveu seu o corpo com ela e se aproximou para ver o que havia na mesa.
Tinha a boca cheia de salmão defumado quando a porta se abriu e Miles entrou. Elizabeth ficou petrificada, com a mão na metade do caminho para a boca, porque começou a recordar o ocorrido na noite anterior. E no rosto de Miles se lia uma expressão de tal conhecimento que Elizabeth começou a irritar-se. Mas antes que pudesse expressar seus sentimentos, Miles começou, tranquilamente, a tirar as roupas escocesas que ela vestia. Que direito tinha...!? Pensou Elizabeth, sufocando com o salmão enquanto tentava falar. Mas ele, sim, tinha direito. Depois da forma em que ela atuou na noite anterior, tinha todo o direito de pensar o pior dela. Mas mesmo assim, desejava com todas suas forças apagar essa expressão do seu rosto.
Elizabeth, em realidade, não se deteve para pensar no que ia fazer. Junto a ela havia duas bandejas com tortas quentes e doces, assadas até ter um tom dourado e totalmente cobertas com frutas de verão. Com um sorriso cravou os olhos nos de
Miles, deslizou uma mão por debaixo de uma das tortas e, ainda sorrindo, lançou-a contra Miles com todas suas forças.
Ele não estava esperando que lhe lançassem nenhum projétil, e a torta bateu no seu pescoço, salpicando sua bochecha e fazendo jorrar pelo peito uma massa quente de cerejas e suco.
Elizabeth sabia que se algo acontecesse agora valia a pena simplesmente por ver a expressão de Miles. Ele estava total e completamente estupefato. Tampando a boca com a mão para não rir, Elizabeth lançou outras duas tortas, uma pegou em seu quadril e a outra se esfarelou contra uma cadeira que se encontrava atrás dele.
Miles olhou para Elizabeth com uma expressão estranha, descartando o resto de torta de suas roupas continuou caminhando para ela.
A manta que Elizabeth usava caiu, e ela, com os olhos arregalados, começou novamente a jogar tortas, desta vez com ambas as mãos. Não tinha certeza, mas pareceu que esses olhos cinza tinham um olhar assassino.
Miles continuou avançando, movendo-se somente para se esquivar das tortas que voavam para seu rosto. Todo seu corpo estava coberto por uma mistura de pêssegos, cerejas, amoras, maçãs, tâmaras, ameixas, que caíam por todo corpo musculoso em uma magnífica exuberância de cores... e de sabores, pensou Elizabeth impertinentemente.
Quando ele chegou à mesa, seus olhos penetrantes se cravaram nos dela, e Elizabeth não se atreveu a se mover. Ele deu a volta para ficar ao lado dela, e Elizabeth contendo o fôlego, olhou-o. Mas neste preciso momento, uma cereja, branda e suculenta, escorregou por sua testa, deslizou pelo nariz e ficou pendurada por um segundo, até que finalmente caiu no chão. Outra risada escapou de Elizabeth.
Lentamente, com ternura. Miles tomou-a em seus braços.
— Ah, Elizabeth — murmurou ele — é a alegria de minha
vida.
Quando seus lábios se aproximaram dos dela, fechou os olhos, recordando vividamente as sensações da noite anterior. Ele a inclinou para trás em seus braços e Elizabeth se deixou levar por sua força. Ele tinha poder sobre ela. Tudo o que tinha que fazer era tocá-la para que começasse a tremer.
Mas os lábios dele não tocaram os dela. Em vez disso, Elizabeth sentiu junto a si um rosto cheio de suculenta torta de pêssego e jorros melados de frutas.
Enquanto os pêssegos escorregavam pelas orelhas dele, abriu desmesuradamente os olhos. Dando um ofego, levantou o rosto e olhou a expressão diabólica de Miles.
Antes que pudesse protestar, com um pequeno sorriso perverso, ele a levantou e colocou-a sobre a mesa... justo em cima da segunda bandeja de tortas. O suco das frutas escorria por suas pernas e de alguma forma fez o impossível, salpicou
suas costas. Tinha as mãos cobertas de nata e os pêssegos escorriam pelo queixo, o cabelo estava completamente colado ao seu corpo.
Com um gesto de profundo desgosto, levantou as mãos, as esfregou uma contra a outra, viu que nada conseguia fazer para que ficasse bem, e depois de pensar um segundo, comeu duas rodelas de maçã que descansavam em seus pulsos.
— Um pouco doce demais. — Disse com seriedade, olhando Miles. — Talvez devêssemos nos queixar do cozinheiro.
Miles, nu diante dela, mostrou que tinha outra coisa em mente que nada tinha a ver com o cozinheiro. Os olhos de Elizabeth se arregalaram e se sentiu desamparada.
Era difícil, se não impossível, manter a compostura enquanto estava sentada em uma poça de tortas de frutas. Ela abriu os braços para seu amante pegajoso e ele veio até ela.
Quando Elizabeth beijou o pescoço de Miles, afastou-se quando encontrou uma cereja que pegou com a boca, começaram a rir em uníssono. Miles começou a comer pêssegos da testa dela, enquanto Elizabeth mordiscava ameixas dos ombros dele.
Miles a agarrou, deitou-a sobre suas costas, em meio a um grande barulho de pratos e comida derramada, e a colocou sobre sua masculinidade ereta. Já não houve mais risadas, porque seus pensamentos se serenaram e fizeram amor com
vigor, mudando duas vezes de posições para terminar com Elizabeth agachada sobre Miles, ela ficou muito quieta sobre ele, débil, exausta, pensando que morreria se tivesse que fazer algum movimento.
Mas Miles, com um gemido, levantou a ambos e removeu uma tigela de barro, debaixo dele, que tinha contido algum tipo de molho e atirou-a contra o piso.
Elizabeth se ergueu e, com ar ausente, coçou a coxa.
— Você é um espetáculo Miles Montgomery. — Disse ela, sorrindo, tirando uma parte de ovo cozido de seu cabelo. A gema estava esmagada contra o crânio dele.
— E você não está exatamente pronta para se apresentar na corte. — Com um gemido, tirou um garfo de serviço de debaixo de suas nádegas.
— O que acha que vai pensar o Laird MacGregor de tudo isto? — Perguntou Elizabeth, separando-se de Miles. Sentou- se ao seu lado, as pernas cruzadas, e examinou com um olhar o quarto. As paredes, o piso, os móveis, tudo estava coberto de tortas destroçadas e a mesa era um desastre, com tudo derramado, pingando, pendurando... exceto um par de pratos que se encontravam no final da mesa. Avançando engatinhando, Elizabeth se dirigiu para a única comida que tinha ficado, emitiu um chiado quando Miles acariciou suavemente suas nádegas, e voltou com uma tigela cheia de
frango cozido com amêndoas e uma pequena fatia de pão de trigo.
Miles, que ainda permanecia deitado de costas sobre a mesa, apoiou-se em um cotovelo.
— Ainda está com fome? — Ele brincou.
— Morro de fome. — Ela agarrou uma colher que aparecia debaixo de um de seus tornozelos e a afundou no guisado, e quando Miles lhe dirigiu um olhar suplicante, começou a alimentá-lo também.
— Não se acostume com isso. — Advertiu, colocando outra colherada em sua boca.
Miles apenas sorria para ela e ocasionalmente beijava seus dedos. Apesar de todo o transtorno, encontraram um pouco de comida intacta.
Elizabeth alcançou outro prato, com costelas de cordeiro, e teve que cortar e dar-lhe na boca. Elizabeth se pendurou sobre um lado, com Miles segurando-a pelo tornozelo e um pulso e recuperou uma perdiz assada que tinha colado na perna da mesa. Miles se recusou a comer e Elizabeth foi "forçada" a alimentá-lo, até mesmo a arrancar a carne dos ossos da perdiz.
— Um inútil é o que você é. — Disse Elizabeth, coçando- se. A comida colada em seu corpo começava a secar e produzia ardência e coceira.
— O que você precisa — disse ele enquanto começava a beijar seus braços — é...
— Não quero escutar nenhuma de suas sugestões, Montgomery! — Advertiu-lhe. — Ontem à noite me embebedou, me colocou e atacou em uma tina, e agora... isto! — Não havia palavras para descrever a bagunça perfumada ao redor, era indescritível. — Maldição! — Protestou ela, usando as duas mãos para coçar a coxa. — Não há nada de normal contigo?
— Nada. — Confirmou ele enquanto distraidamente descia da mesa e começava a se vestir. — Há um lago perto daqui. Você gostaria de nadar?
— Eu não tenho ideia de como nadar.
Ele a segurou pela cintura e a desceu da mesa.
— Eu te ensinarei. — Disse tão lascivo que Elizabeth riu e o afastou de um empurrão.
— Embaixo da água? — Perguntou ela, e quando parecia que Miles tomava a sério a sugestão, saiu correndo de seu lado, escorregando em uma mancha de fígado de bacalhau e agarrando-se com força à mesa para não cair. Em tempo recorde vestiu uma saia, uma camisa cor açafrão e jogou uma manta sobre os ombros. A saia esteve na linha de fogo de uma torta de queijo.
— Pareço-me tão mal como você? — Perguntou ela enquanto seguia tirando comida do cabelo.
— Pior. Mas ninguém nos verá. — Com essa sentença enigmática se dirigiu a uma das tapeçarias que estava pendurada na parede oposta, puxou-a para o lado e revelou uma escada construída dentro das grossas paredes de pedra. Tomou a mão de Elizabeth e a guiou pela escura e fria passagem.
Capítulo Dez
Duas horas mais tarde estavam perfeitamente lavados e Miles secava Elizabeth com uma manta.
— São bastante úteis, não acha? — Murmurou ela, enrolando o tecido ao redor de seu corpo frio. O verão dos escoceses não era o mais indicado para passear nus.
— Muitas das coisas dos escoceses são tanto práticas como agradáveis... se você lhes dar uma pequena oportunidade.
Ela deixou de secar o cabelo.
— E o que pode importar para você se os escoceses forem de meu agrado ou não? Entendo seu interesse por fazer com que eu compartilhe seu leito, mas não compreendo esta constante preocupação, digamos, por meu bem-estar.
— Elizabeth, se eu só quisesse você na minha cama, eu poderia tê-la levado naquele primeiro dia em que você foi entregue a mim.
— E talvez tivesse perdido uma parte de sua anatomia com o machado que tinha em minhas mãos. — Replicou ela.
Depois de um momento de surpresa Miles começou a rir.
— Você e aquele machado! Oh, Elizabeth, estava tão encantadora com sua perna no ar e todo esse seu cabelo solto. Parecia...
— Não vejo por que tem que rir tanto. — Disse ela rigidamente. — Não me pareceu nada gracioso. E te advirto que ainda posso escapar de você.
Isso foi suficiente para que a expressão dele se tornasse séria. Fez Elizabeth sentar no chão ao seu lado.
— Não quero ter que passar outras noites como essa. Rab tinha desaparecido e encontramos lobos mortos no escarpado, além disso, sua égua voltou mancando. Todos temeram que tivesse escorregado pelo precipício.
Ela o empurrou, porque a estava abraçando tão forte que quase não a deixava respirar. Quando o olhou, franziu o cenho. Sempre pensou que se um homem tomasse sua virtude, ela o odiaria, mas não era ódio absolutamente o que sentia por Miles. Agora havia entre eles uma cálida sensação de compartilhar, como se sempre tivessem estado juntos e sempre seria desta forma.
— Sempre é assim? — Sussurrou ela, olhando para às árvores acima deles.
Houve uma pausa, e depois Miles respondeu.
— Não! — Ele disse tão suavemente que poderia ter sido o vento.
Ela soube que ele tinha compreendido sua pergunta. Talvez estivesse mentindo, talvez amanhã se transformasse novamente em seu inimigo, mas no momento não era.
— Nunca tive dias como este enquanto meu irmão vivia.
— Confidenciou ela e já que começou, não pôde se deter. Embora tivesse lutado contra Miles em cada uma das oportunidades que se apresentou, agora sabia que em nenhum momento esteve em perigo... o perigo que tinha experimentado durante boa parte de sua vida. Nas poucas semanas transcorridas conheceu a cortesia, tinha visto o amor entre Stephen e Bronwyn, entre Miles e seu filho... esse tipo de amor que tão pouco pedia em troca era algo que ela jamais conheceu.
Em lugar de contar uma história de horror de todas as atrocidades que Edmundo cometeu, relatou como ela e seus dois irmãos varões se mantiveram muito unidos. Roger não era muito velho quando seus pais morreram e ficaram sob a tutela de seu traiçoeiro irmão. Ele fazia todo o possível para salvar seus irmãos mais novos, mas ao mesmo tempo desejava viver sua própria vida. Cada vez que Roger diminuía sua vigilância, Elizabeth era tirada do convento e utilizada nos desagradáveis jogos de seu irmão Edmund. Roger, sentindo remorsos e culpa por seus descuidos, o enfrentava com ferocidade e renovava seu juramento de cuidar de Elizabeth e Brian, mas as formas viciosas de Edmund sempre tinham conseguido ultrapassar em astúcia às boas intenções de Roger.
— Ele nunca teve ninguém além de nós. — Disse Elizabeth. — Roger tem vinte e sete anos, mas jamais esteve apaixonado, nunca teve tempo sequer de tomar para si uma tarde livre de verão. Já era um velho aos doze anos.
— E quanto a você? — Perguntou Miles. — Não considerou alguma vez que tinha direito a algum tempo para rir e aproveitar um pouco da vida?
— Aproveitar. — Ela sorriu, aconchegando-se contra ele.
— Não acredito lembrar de nada divertido em minha vida, até o momento em que um jovem que conheço rolou colina abaixo comigo.
— Kit é um menino maravilhoso. — Disse ele com orgulho.
— Kit, não! Eu me refiro a alguém mais velho, que mesmo rolando, cuidava de proteger sua espada.
— Notou isso, não é? — Disse ele com suavidade, passando uma mecha de cabelo por detrás da sua orelha.
Por um momento ficaram silenciosos, enquanto Elizabeth o olhava com curiosidade.
— Você não é um sequestrador. — Disse por fim. — Te observei com homens e com mulheres e, se alguma virtude tiver, é que é amável com elas. Então por que não me liberta? É porque, como você disse, tenho tantos... problemas? — Ela disse com certa rigidez.
Ele ouviu sua pergunta e parecia meditar, sim, pensou um momento antes de responder.
— Durante toda a minha vida, gostei da companhia das mulheres. Não há nada que eu goste mais que ter uma bela mulher em meus braços. Meus irmãos pareciam pensar que isto me fazia menos homem, mas suponho que ninguém pode mudar sua forma de ser. Quanto a você, Elizabeth, vi algo que nunca antes tinha encontrado: o ódio e a fúria contra um homem. Minha cunhada Judith provavelmente poderia organizar toda a Inglaterra, mas ela precisa da força do meu irmão para amar. Bronwyn ama as pessoas e sempre obtém que todos façam o que ela deseja, mas não está segura de si mesma e necessita a confiança obstinada de Stephen, para sentir-se apoiada. — Fez uma pausa. — Mas você, Elizabeth, é diferente. Você provavelmente poderia lidar com isso sozinha, mas não chegaria a conhecer as coisas boas da vida.
— Então, por que...? — Começou ela. — Por que ter prisioneira a uma pessoa como eu? Certamente uma mulher suave, mais dócil, seria mais do seu agrado.
Ele sorriu ante seu tom insultante.
— Paixão, Elizabeth. Estou convencido de que é a mulher mais apaixonada da terra. Pode odiar violentamente, e tenho certeza de que pode amar com a mesma violência.
Ela tentou afastar-se, mas ele a sentou novamente ao seu lado, seu rosto junto ao dela.
— Você amará só uma vez na sua vida. — Disse ele. — Tomará sua vida em dar esse amor, mas uma vez que o tenha feito, nenhum poder sobre a terra, ou o inferno, poderá apagar a força desse amor.
Ela ficou quieta junto a ele, olhando para as profundas esferas cinza que a transpassavam.
— Eu quero ser esse homem. — Disse ele brandamente.
— Quero mais que seu corpo, Elizabeth Chatworth. Quero seu amor, sua mente, sua alma.
Quando se inclinou para beijá-la, ela afastou o rosto.
— Não acha que pede muito, Montgomery? Você teve mais do que eu dei a qualquer outro homem, mas acredito que isso é tudo o que tenho para dar. Minha alma pertence a Deus, minha mente a mim mesma, e meu amor é para minha família.
Ele se afastou e começou a vestir-se.
— Você me perguntou por que eu a mantenho prisioneira, e dei a resposta. Agora voltaremos para a fortaleza dos MacGregor e conhecerá seus homens. Laird MacGregor está zangado contigo porque o atacou com uma adaga, e você vai se desculpar.
Ela não gostou de sua atitude.
— Ele é amigo dos MacArran, que está relacionado com meus inimigos, os Montgomery — sorriu com doçura — é
também meu desafeto e, portanto, tinha todo o direito de tratar de me proteger.
— Muito certo. — Ele concordou, entregando-lhe as roupas. — Mas se o Laird MacGregor não for apaziguado, pode haver problemas entre os clãs.
Ela começou a vestir-se mal-humorada.
— Eu não gosto disso. — Resmungou. — E não vou entrar sem uma arma em um salão cheio de homens desconhecidos.
— Elizabeth, — disse Miles pacientemente — não pode brandir um machado cada vez que encontrar um grupo de homens reunidos. Além disso, estes escoceses têm suas próprias mulheres bonitas. Talvez não enlouqueçam tanto com seus encantos para cometer atos luxuriosos indescritíveis.
— Não quis dizer isso! — Replicou ela, dando as costas.
— Você deve rir de...?
Ele colocou a mão em seu ombro.
— Não era minha intenção rir de você, mas você tem que começar a perceber o que é normal e o que não é. Eu estarei lá para proteger, você.
— E quem vai me proteger de você?
Ouvindo isto, seus olhos se iluminaram e ele passou a mão pelo contorno dos seus seios.
— Tenho o prazer de comunicar que não haverá ninguém que possa protegê-la de mim.
Ela se afastou dele e terminou de se vestir.
O que Miles planejou para Elizabeth era, aos olhos dela, uma pura tortura. Ele cravou os dedos no seu cotovelo até que todo seu braço esteve dolorido e a obrigou a estreitar a mão de mais de cem homens dos MacGregor. Quando terminou, ela desabou em uma cadeira contra a parede e, com mão tremente, bebeu o vinho que Miles lhe oferecia. Quando ele a elogiou como se ela fosse um cachorro que tinha feito um truque corretamente, ela fez um aceno depreciativo, o que o fez beijar seus dedos e rir.
— Agora será mais fácil. — Disse ele com confiança.
E, na verdade, as coisas foram mais fáceis, mas levou semanas. Miles não a perdeu de vista nem um momento. Ele se recusou a deixá-la caminhar atrás dos homens e quando ela se voltava constantemente para verificar o paradeiro dos guerreiros, ele chamava sua atenção.
Eles cavalgaram em uma caçada e dado momento Elizabeth ficou separada de Miles.
Três MacGregor a encontraram e se mostraram muito cordiais, mas quando reencontrou Miles, tinha medo refletido nos olhos. Instantaneamente ele a passou ao seu cavalo, abraçou-a e tentou tranquilizá-la, mas quando isto não resultou suficiente, fez-lhe amor sob uma árvore de faia.
Miles a advertiu unicamente a respeito de um dos MacGregor: Davy MacArran, o irmão de Bronwyn. Tinha uma antipatia feroz pelo garoto que era realmente mais velho que ele. Miles disse, cheio de desprezo, que Davy tentou matar sua própria irmã.
— Embora meus irmãos sejam extraordinariamente arrogantes, — disse Miles — qualquer um deles daria sua vida por mim, como eu daria a minha por eles. Adoece-me os homens que são contra sua própria família.
— Como você está me pedindo para fazer? — Replicou ela.
— Está me pedindo que esqueça a meus irmãos e que te entregue meu corpo e minha alma.
Os olhos de Miles brilharam de fúria, antes de deixá-la sozinha no grande quarto que compartilhavam.
Elizabeth se aproximou da janela para olhar aos homens que se encontravam abaixo, no pátio. Sentia-se estranha em pensar que, se desejasse, poderia caminhar por esse pátio sem ser incomodada. Sem o temor de ver-se obrigada a lutar por sua vida. Não havia nenhum impulso de sua parte para testar se esse conhecimento era certo, mas de qualquer jeito era agradável considerar desta forma.
O Laird MacGregor passeava de um lado a outro exibindo- se, e essa vaidade excessiva fez com que Elizabeth sorrisse. Laird MacGregor tinha tido que controlar-se quando se viu obrigado a dar primeiro a mão a Bronwyn e depois a Elizabeth,
e quando Miles praticamente a empurrou para que se adiantasse a saudá-lo, ele mal a olhou. Isto nunca tinha acontecido anteriormente, e antes de perceber o que estava fazendo, encontrou-se praticamente persuadindo-o a falar com ela. Em poucos momentos ele se rendeu a sua simpatia. Gostava das mulheres bonitas, mas como já se considerava um velho, se perguntava se as mulheres bonitas gostavam dele. Elizabeth dissipou a ideia muito breve.
Mais tarde Miles se mostrou aborrecido.
— Que rápido trocaste de um coelhinho assustado a uma tentadora de homens. — Brincou com ela.
— Você acha que sou uma boa tentadora? — Ela provocou. — Lachlan MacGregor é viúvo. Talvez...
Não pôde terminar de falar, porque Miles a beijou com tanta ferocidade que quase machucou seus lábios. Tocando o lábio inferior, ficou olhando os largos ombros dele, enquanto Miles se afastava... e sorriu. Estava começando a perceber que tinha um certo poder sobre Miles, embora não soubesse até onde podia chegar.
Neste momento, enquanto olhava o pátio de armas, alguns homens que usavam as insígnias dos MacArran entraram cavalgando na área. Os MacGregor se mostraram falsamente cordiais, mas Elizabeth observou que todos os homens mantinham as mãos muito perto do punho de suas
espadas. Neste momento Miles saía da casa de pedra dos MacGregor e falou com os MacArran.
Elizabeth olhou um momento mais e com um suspiro se afastou da janela para começar a guardar todos os pertences de Miles. Estava absolutamente segura de que partiriam a qualquer momento.
Miles abriu a porta, fez uma pausa, viu o que ela estava fazendo e se apressou a ajudá-la.
— Meu irmão Gavin chegou a Larenston.
— Com o Roger? — Ela se deteve um momento, com uma capa de veludo em seus braços.
— Não, seu irmão fugiu.
Ela se voltou rapidamente para ele.
— Ileso? Com todas as partes do corpo dele?
Os olhos de Miles se arregalaram por um momento, surpreendido.
— Tanto quanto eu sei, tudo está em seu lugar. — Tomou suas mãos. — Elizabeth...
Ela se afastou.
— Será melhor que procure algumas das belas criadas dos MacGregor para que arrumem suas finas roupas. — Com estas palavras, saiu correndo pelas escadas que se escondiam atrás da tapeçaria.
Apesar de todos seus esforços, não pôde evitar chorar. Lançou-se à negra escuridão, esteve a ponto de cair quando tropeçou e terminou por sentar-se em um frio degrau de pedra, ao perceber o ruído de ratos que chiaram em protesto a sua perturbação.
Sentada ali, chorando como se sua vida fosse terminar a qualquer momento, soube que não tinha nenhuma razão para soluçar assim. Seu irmão já não estava prisioneiro como ela, além disso, estava ileso. E agora Gavin Montgomery tinha chegado e o mais provável era que tratasse de convencer a seu irmão mais novo que a libertasse. Talvez amanhã a estas horas estaria a caminho de casa. Já não teria que ver-se obrigada a saudar homens estranhos. Já não seria uma cativa, e poderia retornar para casa com sua própria família.
Um som na parte superior da escada a fez voltar-se, e mesmo que não pudesse vê-lo, soube que Miles estava ali. Instintivamente, estendeu os braços para ele.
Miles a abraçou com tanta força que ela temeu por suas costelas, mas o único que fez foi aferrar-se a ele com mais desespero. Eram como dois meninos escondendo-se de seus pais, temerosos do amanhã, aproveitando o momento presente.
Para eles não houve pó nem sujeira, nem olhos furiosos que os observassem enquanto arrancavam as roupas um do outro, com as bocas sempre juntas. A violência com que juntos chegaram ao clímax foi algo novo para Elizabeth porque Miles
sempre se mostrou tenro com ela, mas quando cravou as unhas nas suas costas, ele reagiu. As escadas rangeram atrás dela enquanto Miles levantava seus quadris e a tomava com uma paixão cega, com ferocidade, e a resposta dela não foi menos apaixonada. Ela apoiou os pés contra os degraus e elevou como pôde seu jovem e vigoroso corpo.
O flash de luz que os transpassou os deixou débeis, tremendo, abraçados como se fossem morrer se se separassem.
Miles foi o primeiro em recuperar-se.
— Temos que ir. — Sussurrou com cansaço. — Nos esperam abaixo.
— Sim. — Disse ela. — O irmão mais velho quer nos ver.
— Mesmo na escuridão, podia sentir os olhos de Miles observando-a.
— Não deve temer Gavin, Elizabeth.
— O dia em que um Chatworth tema a um Montgomery...
— ela começou, mas Miles a silenciou com um beijo.
— Assim eu gosto! Agora, se você puder manter as mãos longe de mim o suficiente cavalgaremos até Larenston.
— Você! — Ela começou a golpeá-lo, mas ele subiu correndo as escadas antes que ela o alcançasse, e quando Elizabeth tentou mover-se, gemeu pela dor de seus muitos machucados. Saiu por detrás da tapeçaria dobrada, as mãos
na parte de atrás de suas costas. A presunçosa risada de Miles a fez endireitar dolorosamente. — Se não fosse porque as mulheres sempre têm que estar por baixo... — disse zangada, e parou em seco quando viu que o Laird MacGregor estava ali, apoiado em uma arca.
— Eu vim dizer que espero que tenha gostado de sua visita, Lady Elizabeth. — Os olhos do homem brilharam alegremente, e Elizabeth se concentrou tanto na tarefa de preparar suas coisas, ignorando-o intencionalmente, que não notou quando ele se moveu a suas costas. Quando ele tocou seus ombros com suas grandes mãos, ela ofegou, mas Miles a pegou pelo braço fazendo uma muda advertência com o olhar.
— Foi um prazer tê-la aqui, Elizabeth. — Disse o Laird MacGregor enquanto tirava-lhe o broche que usava no ombro e o substituía por outro redondo, de prata, com a insígnia dos MacGregor.
— Obrigada. — Disse ela docilmente e para grande surpresa dos três, depositou um rápido beijo na bochecha do homem.
A mão de Miles no braço dela se apertou ainda mais e ele a olhou com tal deleite que pareceu que todo seu corpo ia derreter.
— Doce menina, venha me ver de novo.
— Virei! — Disse ela, e sorriu abertamente, porque na verdade pensava retornar algum dia.
Os três juntos desceram para o pátio de armas, onde os cavalos esperavam.
Elizabeth olhou com curiosidade a todos os MacGregor, porque sabia que ia sentir falta deles. Sentindo-se estranha, teve o impulso de dar a mão a alguns deles. Miles se mantinha perto dela e Elizabeth estava muito consciente de sua presença, se sentia agradecida por isso, mas seu medo de tocar os homens e ser tocada por eles era apenas isso, medo, não terror.
Quando percorreu toda a fila de homens se alegrou em montar seu cavalo. Atrás dela estavam os homens de Bronwyn, a quem não conhecia, e sentiu desejos de gritar diante da injustiça de ter que abandonar um lugar onde começou a se sentir segura.
Miles inclinou-se e apertou-lhe a mão.
— Recorda que estou aqui. — Disse.
Ela assentiu com a cabeça, esporeou seu cavalo e partiram.
Por quanto tempo mais ele estaria ali? Teve desejo de perguntar. Sabia muito sobre Gavin Montgomery. Era um homem ambicioso, traiçoeiro, cuja desilusão de Alice Chatworth quase a deixara louca. E Gavin era o chefe da família Montgomery. Apesar das presunções de Miles, ele só tinha vinte anos e Gavin tinha a tutela de seu jovem irmão. Será que Gavin iria levá-la embora, usá-la para seus próprios
propósitos contra a família Chatworth? Miles acreditava que Roger matou Mary Montgomery. Aproveitaria Gavin a ocasião para vingar-se dos Chatworth?
— Elizabeth, — a chamou Miles — o que está planejando?
Ela não se incomodou em responder e manteve a cabeça erguida quando entraram em Larenston. Miles a ajudou a desmontar.
— Certamente meu irmão mais velho está lá dentro, ansioso para colocar as mãos em mim. — Disse Miles com os olhos brilhando.
— Como pode rir desta situação?
— A única maneira de lidar com meu irmão é rindo. —
Disse ele com toda seriedade. — Vou até você mais tarde.
— Não! — Exigiu ela. — Enfrentarei a seu irmão contigo. Miles inclinou a cabeça, estudando-a.
— Acredito suspeitar que tenta me proteger de meu irmão.
— Você é um homem gentil e...
Miles riu tão alto que assustou os cavalos. Beijou-a efusivamente na bochecha.
— É uma criança bonita e doce. Vamos então, e me proteja se assim o desejar, mas em todo caso vou ficar de olho nos dedos dos pés de Gavin.
Gavin, Stephen e Sir Guy esperavam por eles no andar de cima do solar. Gavin era tão alto como Miles, mas seus traços eram mais duros e tinha uma expressão de clara fúria.
— É ela Elizabeth Chatworth? — Perguntou com os dentes apertados. Não esperou uma resposta. — Tirem-na daqui. Guy acompanhe-a.
— Ela fica. — Miles disse em uma voz fria, sem se preocupar em olhar para qualquer um de seus irmãos. — Elizabeth sente-se.
Ela obedeceu, sentando-se em uma cadeira que a deixava menor em estatura.
Depois de um olhar irritado para Elizabeth, Gavin virou- se para Miles, que estava servindo uma taça de vinho.
— Maldito seja você e que Deus te leve para o inferno e não te deixe escapar, Miles! — Gritou Gavin. — Entra aqui tranquilamente, como se não tivesse quase causado uma guerra privada entre nossas famílias, e traz consigo a esta... esta...
— Dama. — Miles disse, seus olhos ficando escuros.
— Se era uma dama, eu juro que ela não é agora, depois de ter passado semanas com você.
Os olhos de Miles se tornaram negros como a noite. Aproximou a mão do punho de sua espada, mas a mão de Sir Guy o deteve.
— Gavin, — advertiu Stephen — não tem o direito de insultar ninguém. Diga o que veio dizer ou fazer.
Gavin se aproximou mais de Miles.
— Sabe o preço que está pagando nossa família por esta tua escapada? Raine não pode mostrar seu rosto e tem que esconder-se em uma floresta, e eu passei todo o mês anterior em companhia desse bastardo do Chatworth, tratando de salvar sua maldita pele.
Elizabeth esperava que Miles replicasse a Gavin que ele não tinha culpa de que Raine estivesse proscrito, mas ele permaneceu silencioso, os olhos, ainda escuros, cravados nos de seu irmão.
Na mandíbula de Gavin, um músculo tremia freneticamente.
— Você vai libertá-la e entregá-la a mim imediatamente e eu vou devolvê-la a seu irmão. Esperava que a estas alturas tivesse recuperado o seu senso comum e a tivesse deixado partir. Tenho certeza que você tomou a sua virgindade e vou ter que pagar um alto preço por isso, mas...
— Vai custar a você ou a Judith? — Perguntou Miles com calma, virando as costas para seu irmão.
Um denso silêncio caiu sobre o salão, e até Elizabeth conteve o fôlego.
— Já basta, os dois! — Intercedeu Stephen. — E, pelo amor de Deus, Gavin, se acalme! Já sabe como fica Miles quando insultam sua mulher do momento. E você Miles, está provocando Gavin. Miles, Gavin manteve prisioneiro Chatworth a fim de te dar algum tempo e para que decidisse libertar Lady Elizabeth, e já pode imaginar que ele teve uma grande decepção quando Chatworth fugiu e ainda assim, Lady Elizabeth continuava contigo. Tudo o que tem que fazer é enviá-la de volta com Gavin e tudo vai ficar bem.
Elizabeth conteve outra vez o fôlego enquanto observava as costas de Miles e sentia os olhos de Gavin sobre ela. Foi então que decidiu que não gostava do homem. E devolveu o olhar com arrogância. Ao mesmo tempo viu que Miles observava a ambos.
— Não vou deixá-la partir — disse Miles com suavidade.
— Não? — Gritou Gavin. — A família não significa nada para você? Prefere arriscar nosso nome, o nome de gerações de Montgomery, simplesmente pelo traseiro de uma mulher?
Gavin não esperava o punho que explodiu no seu rosto, mas em poucos segundos se recuperou e saltou como uma fera contra Miles.
Capítulo Onze
Stephen e Sir Guy tiveram que usar todas suas forças para separar aos dois homens.
Foi Gavin quem se acalmou primeiro. Sacudiu os braços de Stephen e se aproximou da janela, e quando novamente se voltou, tinha recuperado o controle sobre si mesmo.
— Levem Lady Elizabeth daqui. — Disse com calma.
Sir Guy libertou Miles e este fez um aceno com a cabeça para Elizabeth. Ela quis protestar, mas soube que não era o momento, Miles não tinha intenção de devolvê-la a seu irmão, disso tinha certeza.
Quando os homens ficaram sozinhos, Gavin desabou em uma cadeira.
— Irmão contra irmão. — Disse abatido. — Chatworth adoraria saber o que está acontecendo entre nós. Stephen me sirva um pouco de vinho.
Com a taça na mão, continuou.
— O rei Henry ordenou que esta inimizade entre os Montgomery e os Chatworth finalize. Aleguei que nossa família é absolutamente inocente. Raine atacou Chatworth pelo que foi feito a Mary, e sei que você não teve nada a ver com o sequestro de Elizabeth.
Gavin tomou um comprido trago. Estava acostumado a estes monólogos com seu jovem irmão. Tirar de Miles uma palavra era muito mais difícil que arrancar um dente.
— Disse alguma coisa, sua Elizabeth, a respeito da jovem cantora que estava com ela quando Pagnell a enrolou no tapete? Deveria lhe perguntar, porque essa cantora muito recentemente se casou com Raine.
Os olhos de Miles se mostraram ligeiramente interessados.
— Ah! Por fim tenho alguma resposta de meu irmão.
— Gavin! — Advertiu Stephen. — Como a esposa de Raine está envolvida em tudo isso?
Gavin fez um aceno com a mão.
— Pagnell a perseguia por alguma razão, encerrou-a em um porão e Elizabeth Chatworth tentou salvá-la. Ao fazê-lo, também a apanharam, e para fazer uma brincadeira maldosa enviaram-na a nosso pequeno irmão luxurioso. Pelos dentes de Deus, por que não a devolveu a Chatworth quando soube quem era?
— Como ele devolveu minha irmã? — Perguntou Miles calmamente. — Desde quando começou a ser um pacificador?
— Desde que vi como minha família pode terminar destroçada por causa deste ódio. Não te ocorreu pensar que o rei pode ter algo a dizer de tudo isto? Castigou Raine fazendo
dele um proscrito e impôs a Chatworth uma multa muito forte. O que acha que fará contigo quando souber que está retendo a esta Chatworth?
— Miles, — disse Stephen — a preocupação de Gavin é por você. Sei que se afeiçoou a moça, mas há mais aqui do que você pensa.
— Elizabeth merece mais do que ser devolvida a esse buraco infernal que é a casa Chatworth. — Disse Miles.
Neste momento, Gavin gemeu fechou os olhos.
— Esteve muito tempo perto de Raine. Para você não importa o que tenha feito a Elizabeth, não importa o que pensa que Chatworth tenha feito, ele o fez com a crença de que estava certo. Passei várias semanas com ele e...
— Todos sabem bem que está do lado dos Chatworth. — Miles disse sinceramente, referindo-se à longa relação amorosa de Gavin com Alice Chatworth. — Não vou deixá-la partir e nada do que diga vai me convencer do contrário. A mulher é minha. E agora, se me permitirem, queria ver Bronwyn.
Apesar de ter certeza de que ela não precisava permissão para ficar junto a Miles, Elizabeth percorria o quarto de um extremo a outro. Amaldiçoou-se porque sabia que queria ficar na Escócia, queria ficar em um lugar onde não sentisse medo. Roger, ela pensou, querido, protetor e furioso estaria em alguma parte da Inglaterra procurando-a, frenético por encontrá-la,
entretanto, ela desejava com todo seu coração que ele não tivesse sucesso.
— Só um pouco mais de tempo. — Sussurrou. — Se pudesse ter mais um mês, logo iria de bom grado. E teria lembranças que me durariam toda a vida.
Estava tão absorta em seus próprios pensamentos que não ouviu a porta que se abria a suas costas, e quando escutou as suaves pisadas atrás dela, girou furiosa para começar uma batalha.
—Você gostou de estar com os MacGregor? — Gaguejou Kit, sem entender a ira que se refletia no rosto dela.
Instantaneamente a expressão de Elizabeth mudou. Ajoelhou-se, abriu os braços e abraçou o menino muito, muito calidamente.
— Eu senti tanto a sua falta, Kit. — Sussurrou ela. Quando clareou a visão, afastou-o um pouco de si. — Me deram um quarto muito grande com uma escada secreta, e seu papai e eu fizemos uma guerra de torta e fomos nadar em um lago muito frio.
— Bronwyn me deu um potro — respondeu Kit — e o tio Stephen me levou para dar uma volta, e que tipo de tortas? — Inclinou-se para frente e falou em voz alta. — Fez papai zangar- se?
— Não. — Sorriu ela. — Nem sequer quando eu o atingi no rosto com uma torta de cerejas. Vem, e sente-se ao meu lado e te contarei como o cão de Bronwyn me salvou dos lobos.
Um tempo depois Miles os encontrou juntos, adormecidos, e ambos pareciam perfeitamente satisfeitos. Miles os observou um longo tempo. Quando ouviu os sons abafados de cavalos no pátio de armas, soube que Gavin estava partindo, inclinou-se e depositou um beijo na testa de Elizabeth.
— Dar-te-ei mais filhos, Elizabeth. — Murmurou, tocando a bochecha de Kit. — Já verá que sim.
— De maneira nenhuma! — Disse Elizabeth a Miles, com o rosto sombrio. — Quase me matei fazendo o que você queria, mas não vou aceitar ficar aqui sozinha enquanto anda pelo campo caçando e se divertindo.
— Elizabeth, — disse Miles pacientemente — vou de caçada e não vai ficar aqui sozinha. Todos os MacArran...
— MacArran! — Gritou ela. — Todos esses homens juntos de mim durante três dias! Não, não ficarei. Irei caçar contigo.
— Sabe que eu adoraria tê-la comigo, mas acredito que precisa ficar aqui. Haverá momentos em que não poderá estar comigo e precisa aprender... — deteve-se quando ela lhe deu as costas.
— Não preciso de você, ou de qualquer outro homem, Montgomery. — Respondeu ela com os ombros rígidos.
Miles quis tocá-la, mas ela afastou-se.
— Elizabeth, passamos muitas coisas juntos e não quero que algo assim nos distancie. Acredito que deveria ficar aqui com Kit e os homens e tentar se sobrepor a seus temores. Se achar não ser capaz de fazê-lo, diga-me isso e é obvio que te levarei comigo. Estarei lá embaixo.
Elizabeth não voltou a olhá-lo e ele abandonou o quarto. Quase tinham transcorrido dois meses desde que Gavin tinha ido buscá-los, e durante esse tempo Elizabeth compreendeu o significado da felicidade. Ela, Miles e Kit tinham passado dias maravilhosos juntos, brincando na neve recém caída, rindo juntos. E o Natal ultrapassou todas as suas expectativas... havia sido um Natal em família.
Bronwyn tinha lhe ensinado muitas coisas, não por palestras, mas por exemplo. Elizabeth tinha cavalgado com Bronwyn algumas vezes, para acompanhá-la em suas visitas às cabanas da comarca. Teve momentos de pânico, e uma vez Elizabeth desembainhou uma adaga contra um homem que a seguia muito de perto, mas Bronwyn interveio, acalmando-a. Depois disso não se repetiram as cenas iniciais de hostilidade entre elas. Bronwyn parecia adotar Elizabeth como se fosse uma irmã mais nova, e não a considerava uma rival em potencial. Quando Bronwyn começou a dar ordens a Elizabeth, como fazia com todo mundo, Miles e Stephen relaxaram. Três
vezes Elizabeth tinha dito que podia jogar-se de cabeça pelo escarpado, e as três vezes Bronwyn riu jovialmente.
Parecia que Rab também adotou Elizabeth e com frequência se recusava a obedecer a ambas as mulheres, escondendo-se nas sombras. Quando Stephen disse que o cão era um covarde, ambas as mulheres se voltaram contra ele.
E dia a dia Miles e Elizabeth se sentiam mais perto um do outro. Algumas vezes, enquanto observava o treinamento de Miles, com a parte superior de seu corpo nu, brilhando pelo suor, ela sentia debilitar seus joelhos. Ele sempre percebia sua presença, e os olhares ardentes que lhe dirigia a faziam tremer. Em uma ocasião a lança de Stephen tinha passado a poucos centímetros da cabeça de Miles porque este estava concentrado na luxuriosa presença de Elizabeth. Stephen ficou tão furioso que quase estrangulou Miles.
— Outro centímetro e eu poderia ter te matado. —
Vociferou Stephen fora de si.
Tanto Bronwyn, Elizabeth, Rab, além de Sir Guy, viram- se envolvidos na briga. Stephen, com todo seu corpo vermelho de fúria, exigiu a Miles que tirasse Elizabeth do campo de treinamento. Miles, completamente imperturbável pelo estado de fúria de seu irmão concordou prontamente. E que tarde memorável foi aquela! Apesar da calma exterior de Miles, a fúria tão fora do habitual de Stephen o perturbara, e ele alternadamente atacava Elizabeth e se agarrava a ela.
Fizeram amor na cama, sobre uma cadeira cujo braço quase rompeu suas costas, contra a parede. Por desgraça, Miles jogou Elizabeth contra uma tapeçaria e ela se agarrou a esta para não cair. O pesado tapete, carregado de pó tinha caído sobre eles, prendendo-os no chão... mas eles continuaram com sua tarefa, até que a tosse os deteve. Obstinados um no outro, rastejaram para fora da tapeçaria e seguiram fazendo amor sobre o frio chão de pedra. Essa noite, quando desceram para jantar, ruborizados e exaustos, todo o clã MacArran estourou em estrepitosas gargalhadas. Stephen ainda continuava zangado, e só abriu a boca para ordenar que a partir daquele momento, Elizabeth tinha que manter-se longe do campo de treinamento.
Dois meses inteiros e uma semana juntos, quase cinco meses desde sua "captura", pensou ela. Mas agora tinha a sensação de que estava acabando seu tempo.
Gavin enviou um mensageiro a Miles. Roger Chatworth e Pagnell se apresentaram juntos, diante do rei, e Roger havia dito ao rei Henry que Raine estava tentando levantar um exército contra o rei e que Miles tinha Elizabeth como refém. O rei tinha declarado que se Miles não libertasse Elizabeth, seria declarado traidor e todas suas terras seriam confiscadas. E quanto a Raine, o rei ameaçou queimar toda a floresta.
Gavin rogou a Miles que libertasse Elizabeth. Miles passou muitos dias sem falar, mas ocasionalmente a olhava com saudade, e Elizabeth soube que seus dias juntos estavam
contados. Miles começou a exigir que ela passasse mais tempo com os MacArran, como se quisesse prepará-la para o momento da separação... para um futuro sem ele.
Elizabeth se sentia destroçada. Queria aprender a lidar com o terror que sentia pelos os homens, mas ao mesmo tempo desejava passar cada momento de sua vida com Miles e Kit.
— Maldição! — Resmungava na solidão de seu quarto. Como tinha passado de ser independente a esta situação de total dependência?
Gavin voltara novamente à Escócia, desta vez em um estado de fúria nada comparável a sua primeira visita, e pela primeira vez Elizabeth se sentiu culpada por desejar permanecer no tranquilo lar dos MacArran. Quando Miles entrou no quarto, pediu que permitisse que ela retornasse com Gavin. Tinha pensado em dizer que dessa forma salvariam ambas as famílias, mas Miles não lhe deu a mais mínima chance. Nem a fúria de Stephen e Gavin juntos pôde igualar- se a de Miles. Ele amaldiçoou em três idiomas, jogou objetos pelo ar, destroçou uma cadeira com suas próprias mãos, atacou uma mesa a machadadas. Ela chamou Tam e Sir Guy para que pudessem acalmá-lo.
Gavin e Stephen, obviamente, já tinham visto antes seu irmão mais novo em um estado de fúria semelhante. Até mesmo Gavin depois da cena de Miles, deu-se por vencido e retornou a seu lar. E Elizabeth foi deixada, enfraquecida,
olhando com lágrimas nos olhos o espetáculo do abatimento de Miles.
Roger e Miles, pensava uma e outra vez, Miles e Roger. Tinha um lar e dois irmãos, um dos quais estava revolvendo toda a Inglaterra para encontrá-la, e, entretanto, ali estava ela, chorando pelo inimigo, um homem que a protegeu, que se mostrou paciente e gentil e que ensinou que a vida podia ser boa.
Miles abriu os olhos, sonolento.
— Assustei-te? — Perguntou roucamente. Ela só assentiu com a cabeça.
— Eu me assusto de mim mesmo. Isso acontece muitas vezes.
Ele pegou sua mão, segurou-a em seu rosto como um brinquedo de criança.
— Não volte a me deixar, Elizabeth. Você me foi entregue, pertence-me. — Com aquele refrão frequentemente repetido, ele escorregou para o sono.
Isso aconteceu quatro dias atrás, um mero curto espaço de só quatro dias atrás, e agora ele planejava deixá-la sozinha, durante três dias inteiros, enquanto ele e Stephen sairiam para caçar javalis. Talvez Miles não chegasse a captar seu medo. Possivelmente estava tão seguro de si mesmo que considerava que sempre ia poder mantê-la ao seu lado. Mas Roger já tinha
partido para Escócia com seu exército, e então o que fariam? Ela poderia simplesmente ficar olhando como os MacArran lutavam contra seu irmão? Poderia presenciar uma luta frente a frente entre Roger e Miles? Sustentaria Kit em seus braços enquanto Miles morria, ou se abraçaria a ele pelas noites, saboreando o gosto do sangue de seu irmão?
— Elizabeth, — chamou Bronwyn da porta — Miles disse que não vai caçar com eles.
— Não. — Disse amargamente. — Devo ficar aqui e me rodear de homens. Homens atrás de mim, ao meu lado, olhando todos os meus movimentos.
Bronwyn ficou em silêncio por um momento, observando a mulher loira.
— Está preocupada com Miles ou com seu irmão?
— Por ambos. — Respondeu Elizabeth com honestidade.
— E você alguma vez esteve preocupada em trazer contigo um marido inglês aqui, em meio de seus escoceses? Você se perguntou se poderia confiar nele?
Os olhos de Bronwyn dançaram com alegria.
— Esse pensamento cruzou minha mente. Tudo o que desejava Stephen era que eu admitisse que o amava. Mas para mim o amor era algo mais que um sentimento indefinível.
— E existe?
— Sim. — Respondeu Bronwyn. — Acredito que algumas mulheres amam a um homem não importando o que este seja, mas quanto a mim, precisava saber se Stephen era o homem que meu clã necessitava, além de meus sentimentos para ele.
— O que teria acontecido se você o tivesse amado, amado profundamente, e seu clã o tivesse odiado? O que teria feito se ao ficar com Stephen tivesse colocado em perigo seu clã?
— Eu teria escolhido meu clã. — Respondeu Bronwyn, olhando fixamente Elizabeth. — Eu desistiria de muitas coisas, até da minha própria vida para evitar começar uma guerra interna no clã.
— E é isso o que acha que devo fazer? — Perguntou asperamente. — Você acha que devo retornar para meu irmão. Agora, enquanto Miles sai de caça seria o momento perfeito. Se pudesse contar com alguns de seus homens poderia... — deteve-se, enquanto cravava seus olhos nos de Bronwyn.
Finalmente Bronwyn falou.
— Eu respeito o irmão de meu marido. Não te ajudarei a escapar.
Elizabeth pôs os braços em volta de Bronwyn.
— O que devo fazer? Já viu como reagiu Miles quando disse que devia retornar para Roger. Deveria tentar escapar novamente? Oh, Senhor! — Afastou-se. — Também é minha inimiga.
— Não! — Sorriu Bronwyn. — Eu não sou sua inimiga, e tampouco os Montgomery. Todos aqui aprendemos a te amar. Kit é capaz de te seguir até o fim do mundo. Mas chegará o momento em que terá que escolher. Até que este momento chegue, ninguém poderá te ajudar. Agora desça comigo e dê a Miles um beijo de despedida antes que ele comece novamente a destruir os móveis. Já é suficiente com o que tem feito. E me diga, como chegou ao chão essa tapeçaria?
O rosto repentinamente vermelho de Elizabeth fez com que Bronwyn descesse as escadas rindo até não poder mais.
— Elizabeth. — Sorriu Miles, puxando-a para um canto escuro e beijando-a com paixão. — Estarei fora só por três dias. Você sentirá minha falta?
— Você é o menor dos males. Se você voltar e meia-dúzia de homens tiverem seus dedos do pé quebrados, será sua culpa.
Ele acariciou sua bochecha.
— Depois da experiência de Sir Guy, eu não acho que eles iriam se importar.
— O que quer dizer com isso?
— Bronwyn colocou esse gigante feio em mãos de uma moça para que o atendesse, e agora os dois são inseparáveis. Ela tem carregando água para ele e não há dúvida de que se
Guy soubesse sustentar uma agulha, estaria lhe bordando os pescoços das camisas.
Elizabeth quase chutou Miles pelo que havia dito, porque a camisa que usava debaixo da manta escocesa foi ela quem tinha bordado.
— E agora, minha pequena cativa, te comporte, ou te enviarei de retorno para casa.
Os olhos dela endureceram, mas Miles riu e acariciou seu pescoço.
— O que sente se reflete no olhar. Beije-me outra vez e muito em breve estarei de volta.
Minutos depois Elizabeth ficava com os braços vazios e um grande peso no coração. Mas algo ia acontecer, e ela sabia. Seu primeiro impulso foi esconder-se em seu quarto, permanecer lá durante esses três dias, mas sabia que Miles tinha razão. Esse era um bom momento para tentar superar alguns de seus medos.
A primeira hora da tarde tinha arrumado sua própria expedição. Ela e Kit sairiam a cavalgar com dez homens, incluído Tam, para visitar uma ruína que Bronwyn tinha falado. Kit poderia explorar a gosto e ela trataria de engolir o medo.
Quando chegaram às ruínas, o coração de Elizabeth pulsava com força, mas pôde sorrir a Tam quando este a
ajudou a desmontar. Quando ouviu um homem a suas costas, em lugar de voltar-se rapidamente, como era seu costume, tentou atuar de forma normal. Girou para encarar Jarl, e seu prêmio foi um grande sorriso de orgulho do jovem. Ela soltou uma pequena risada.
— Então, todos sabem o que acontece comigo? —
Perguntou a Tam.
— Meu clã tem muito respeito por você, porque pode escorregar pelo bosque silenciosamente como qualquer escocês e, além disso, porque nós gostamos de gente com espírito combativo.
— Espírito combativo! Mas me submeti a meus inimigos.
— De maneira nenhuma, moça. — Riu Tam. — Só entrastes em razão e finalmente compreendeu que os escoceses são gente boa e, em um grau menor, também os Montgomery.
Elizabeth se uniu a sua risada, e o mesmo fizeram os outros homens ao seu redor.
Mais tarde, enquanto Elizabeth permanecia sentada em uma grande pedra do antigo castelo em ruínas, observando aos homens que estavam um pouco mais abaixo, deu-se conta de que em realidade não os temia, e se alegrou disso.
Na verdade, devia muito a Miles Montgomery.
Como estava muito concentrada no que estava olhando e, como já não se mantinha em estado de alerta permanente durante os últimos meses, no princípio não ouviu o assobio que provinha de entre as árvores as suas costas. Quando por fim penetrou em seu cérebro cheio de paz, todas as células de seu corpo ficaram tensas. Primeiro observou com cuidado se algum dos MacArran escutou algo. Kit estava brincando com o jovem Alex e fazia muito ruído, e outros os olhavam com afeto.
Lentamente, como se não estivesse indo para lugar nenhum em particular, Elizabeth se levantou das pedras e desapareceu entre as árvores de forma totalmente silenciosa. Na espessura da floresta, permaneceu muito quieta, e sua mente voltou para os tempos de sua infância.
Brian sempre tinha sido o que necessitava amparo. Era mais velho que Elizabeth, mas parecia ser mais jovem, e nunca conseguiu desenvolver suas próprias técnicas defensivas como Elizabeth. Se um homem a atacava, ela não tinha problemas em atacá-lo com sua adaga, mas Brian não podia. Com muita frequência Elizabeth resgatou Brian dos homens que Edmund estava acostumado a levar para casa. Enquanto Edmund gargalhava, gritando insultos ao fraco e adoentado de seu irmão, Roger e Elizabeth se ocupavam em acalmá-lo.
Brian permaneceu escondido durante tantos dias, sem comida ou bebida, que havia inventado uma maneira de comunicar-se. Roger e Elizabeth eram os únicos que
conheciam esse assobio agudo, e sempre tinham ido até ele quando recebiam a chamada de Brian.
Agora, Elizabeth se deteve onde estava esperando Brian aparecer. Estaria sozinho ou teria vindo com o Roger?
O jovem que se aproximou na clareira do bosque era um estranho para Elizabeth e por um momento não o reconheceu, o recebeu com um sopro de surpresa. Brian sempre tinha sido bonito embora de traços delicados, mas agora parecia um espectro e seu rosto parecia o de um fantasma.
— Brian? — Sussurrou ela.
Ele deu-lhe um curto aceno de cabeça.
— Você parece saudável. Sente-se bem no cativeiro?
Elizabeth ficou muda, quase chocada e sem palavras diante de sua saudação. Nunca ouviu seu irmão falar nesse tom com ninguém, muito menos a ela.
— Roger... está contigo?
As feições escuras de Brian se fizeram mais tenebrosas.
— Não volte a pronunciar esse nome vil em minha presença.
— Como? — Perguntou ela, aproximando-se dele. — Do que você está falando?
Por um momento os olhos dele se fizeram mais suaves e levantou uma mão para tocar a têmpora de sua irmã, mas deixou que caísse antes que a tocasse.
— Muitas coisas aconteceram desde a última vez que nos vimos.
— Me conte. — Sussurrou ela. Brian se afastou alguns passos.
— Roger sequestrou Mary Montgomery.
— Já ouvi falar isso, mas não posso acreditar que Roger...
Brian virou-se e a enfrentou com olhos como se fossem brasas.
— Acredita que não há nele nem um pouco do sangue de Edmund? Acredita que algum de nós teve a oportunidade de escapar da maldade que havia em nosso irmão mais velho?
— Mas Roger... — começou ela.
— Não quero ouvir seu nome. Eu amava Mary, amava-a como nunca voltarei a amar a ninguém. Era boa e gentil e não desejava prejudicar a ninguém, mas ele, seu irmão, a estuprou, e ela, horrorizada, jogou-se de uma janela.
— Não. — Disse Elizabeth calmamente. — Não posso acreditar. Roger é bom. Não faz mal às pessoas. Ele nunca quis esta guerra entre os Montgomery e os Chatworth. Tomou conta de Alice quando sua própria família se negou a fazê-lo. E ele...
— Ele atacou Stephen Montgomery pelas costas. Mentiu para a Laird Bronwyn MacArran e durante muito tempo a deixou prisioneira. Quando Mary morreu, libertei Bronwyn e levei para Gavin o cadáver de sua irmã. Eles contaram para você a fúria de Miles Montgomery quando viu o corpo de sua irmã? Isso durou vários dias.
— Não! — Sussurrou Elizabeth, imaginando vividamente a ira de Miles. — Não falaram muito em relação à guerra. — Depois dos primeiros dias ela e Miles tinham chegado a um acordo silencioso de não mencionar os problemas entre suas famílias. — Brian, — disse ela brandamente — parece cansado e desgastado. Venha comigo para Larenston e descanse. Bronwyn...
— Não voltarei a descansar enquanto seu irmão tiver vida.
Elizabeth o olhou, atônita.
— Brian, eu não posso acreditar no que está falando. Nós entraremos em contato com Roger, então vamos sentar e falar sobre isso.
— Você não entende, não é? Tenho intenção de matar Roger Chatworth.
— Brian! Não pode esquecer toda uma vida no bem pelo que aconteceu em um só dia. Recorda como Roger estava acostumado a nos proteger? Lembra como ele arriscou sua vida para te salvar no dia em que Edmund te derrubou e esmagou sua perna?
O rosto de Brian não perdeu nada de sua dureza.
— Eu amava Mary, e Roger a assassinou. Algum dia compreenderá o que isso significa.
— Eu posso amar uma centena de pessoas, mas isso não vai me fazer parar de amar Roger, que tem feito muito por mim. Inclusive agora me está procurando.
Brian a olhou com ar dúbio.
— Você se afastou com muita facilidade de seus guardas. Se não a vigiam tão estreitamente, por que não escapa e volta para Roger?
Elizabeth se afastou alguns passos dele, mas Brian a agarrou pelo braço.
— Os homens Montgomery lhe atraem tanto assim? De qual você gosta? O casado ou o jovem?
— Miles está muito longe de ser um jovem! — Exclamou ela — Às vezes a idade é enganosa. — Interrompeu-se quando viu a expressão do Brian.
— Se esquece de que eu estive nas terras dos Montgomery? Então é a Miles a quem ama. Boa eleição. É um homem com caráter suficiente para combinar com seu temperamento.
— O que eu sinto por qualquer um dos Montgomery não muda o que sinto por Roger.
— E o que é que sente? O que te impede de voltar para ele? Estes escoceses não devem ser muito difíceis de enganar. Você enganou Edmund durante anos.
Ela ficou silenciosa por um momento.
— Não é só Miles. Aqui há uma paz como eu nunca antes conheci. Aqui ninguém me coloca uma adaga na garganta. Em Larenston não se ouvem alaridos distantes. Posso caminhar pelos corredores sem ter que me esconder nas sombras.
— Uma vez tive uma visão assim, — sussurrou Brian —
mas Roger a aniquilou, e agora vou matá-lo.
— Brian! Deve descansar e pensar no que está dizendo.
Ele a ignorou.
— Sabe onde se encontra Raine Montgomery agora?
— Não. — Disse ela, surpresa. — Está escondido em um bosque. Faz um tempo conheci uma cantora que esteve com ele.
— Sabe onde posso encontrá-la?
— Por que você se importa onde está Raine? Ou ele fez alguma coisa com você?
— Tenho pensado em lhe suplicar que me ensine a combater.
— Para que possa enfrentar Roger? — Ela ofegou, boquiaberta, e logo sorriu. — Brian, Roger jamais combaterá
contigo, e olhe para você. Não tem nem a metade do físico de Roger e, além disso, parece que perdeu peso. Fique aqui, descanse uns dias e...
— Não queira me proteger Elizabeth. Sei muito bem o que estou fazendo. Raine Montgomery é forte e sabe como treinar- me. Ele me ensinará o que preciso aprender.
— Você realmente espera que eu ajude você? — Perguntou ela, zangada. — Você acha honestamente que eu diria onde está esse Montgomery, se soubesse? Não estou disposta a participar desta loucura.
— Elizabeth, — disse ele docemente — eu vim dizer adeus. Tenho esperado nestes bosques por semanas pela oportunidade de te ver, mas você está sempre fortemente guardada. Agora que te vi posso partir. Vou lutar com o Roger e um de nós tem que morrer.
— Brian, por favor, tem que reconsiderar isto.
Como se ele fosse um velho, beijou sua testa.
— Viva em paz, minha irmãzinha, e me recorde com afeto.
Elizabeth estava muito aturdida para responder, mas quando Brian girou para entrar no bosque, os escoceses começaram a desprender-se das árvores. Stephen Montgomery, com a espada na mão, parou na frente de Brian Chatworth.
Capítulo Doze
— Não o machuquem! — Disse Elizabeth com força, sem temer absolutamente que Stephen fosse machucar a seu irmão.
Stephen fez caso de sua petição e embainhou novamente a espada.
— Vá com meus homens e eles vão alimentá-lo. — Disse a Brian.
Brian olhou pela última vez Elizabeth e abandonou a clareira, cercado por MacArran.
Elizabeth ficou com o olhar fixo em Stephen e começou a compreender muitas coisas.
Stephen teve a cortesia de parecer um pouco envergonhado. Com um sorriso tímido se recostou contra uma árvore, pegou o punhal da bainha em sua panturrilha e começou a golpear um pau.
— Miles não sabe nada sobre isto. — Disse ele.
— Quer dizer que me usou como isca para capturar meu irmão, não é? — Saltou ela.
— Poderia dizer que sim. Esteve no bosque durante vários dias, espreitando, andando por aí, desprotegido, vivendo do
que encontrava, e nos intrigava saber quem era e o que queria. Duas vezes enquanto você estava com Miles se aproximou, mas meus homens o fizeram fugir. Decidimos deixá-la ir até ele. Em nenhum momento esteve sozinha, meus homens e eu estávamos diretamente sobre sua cabeça, com as espadas desembainhadas e os arcos e flechas preparadas.
Elizabeth se sentou em uma enorme rocha.
— Eu não gosto muito que me utilizem desta forma.
— Teria preferido que o matássemos assim que o víssemos? Até pouco tempo nenhum inglês podia aventurar-se pelas terras dos MacArran e viver para contá-lo. Mas o rapaz parecia tão... decidido que quisemos saber mais a respeito dele.
Ela pensou um momento. Não gostou do que ele tinha feito, mas sabia que teve razão.
— E agora que está em seu poder, o que pensa fazer com ele? — Levantou a cabeça. — Bronwyn está a par deste jogo de gato e rato?
Ela não tinha certeza, mas acreditava que Stephen empalideceu um pouco.
— Como amo minha vida, dou graças a Deus porque ela não sabe de nada. — Disse com veemência. — Bronwyn não faz coisas em segredo... ao menos não muitas. Ela teria levado o rapaz a Larenston, e Miles... — interrompeu-o.
— O ódio de Miles pelos Chatworth é muito profundo. —
Terminou ela.
— Só pelos homens. — Sorriu. — Roger Chatworth foi o causador da morte de nossa irmã e Miles não tem intenção de perdoá-lo. Você só conhece a imagem dele que mostra às mulheres. Quando enfrenta algum homem que fez mal a uma mulher, fica irracional.
— Então, você estava seguro de que Brian era um Chatworth?
— Ao menos isso acreditava, por sua aparência.
Elizabeth ficou calada um momento. Brian realmente era um pouco parecido com Roger, com esse aspecto desafiante e sua fúria, encoberta por uma expressão de eu-não me importo.
— Você ouviu o que Brian disse. Não poderíamos retê-lo aqui e mantê-lo afastado de Roger?
— Acredito que ficaria louco. Mas bem me pareceu que não estava muito distante disso.
— Não. — Disse ela, séria. — Não acredito. — Olhou para Stephen com olhos espectadores.
— Acredito que vou fazer exatamente o que Brian pede: vou levá-lo para o meu irmão Raine.
— Não! — Disse Elizabeth, ficando bruscamente de pé. —
Raine Montgomery o matará. Não atacou acaso a Roger?
— Elizabeth, — Stephen acalmou-a — Raine não fará nenhum dano ao rapaz, porque ele ajudou Mary. Se há algo que Raine tem, é um alto senso de justiça. E além disso, — disse Stephen com um pequeno sorriso — meu irmão fará Brian trabalhar tanto que não ficará tempo para odiar. Em três dias Brian estará tão esgotado que só pensará em dormir.
Ela o estudou por um momento.
— Por que está disposto a ajudar um Chatworth? Mary era sua irmã também.
— Eu acreditei que você pensava que nós os Montgomery mentíamos quando falávamos sobre o envolvimento de seu irmão na morte de Mary.
— Se Miles matasse à irmã de um estranho, odiaria seu irmão sem sequer perguntar a ele por que o fez? Talvez Roger tenha estado envolvido, mas talvez tivesse alguma razão para atuar como o fez. Eu não odeio e nem odiarei a nenhum de meus irmãos sem uma causa justa.
— Bem falado. — Stephen assentiu com a cabeça. — Eu não tenho nenhum afeto por seu irmão Roger pelo que fez, mas minha briga é com ele, não com sua família. Meus irmãos não sentem o mesmo, e por essa razão Gavin foi tão rude com você. Para ele, a família é tudo.
— E Raine é assim também? Odiará Brian assim que o
veja?
— Talvez, e por isso vou com ele. Poderei falar com Raine, e se conheço um pouco meu irmão, terminará por adotar ao jovem Brian. — Jogou longe o pau e embainhou a adaga. — E agora tenho que ir. Levará dias encontrar meu irmão.
— Agora? — Perguntou ela. — Você vai embora antes que Bronwyn e Miles voltem da caçada.
— Oh, sim! — Deu uma piscada. — Eu não quero estar por perto quando minha encantadora esposa descobrir que a enganei para deixar Larenston, para que pudesse cuidar sozinho deste intruso inglês.
— Ou Miles. — Disse ela, com os olhos brilhantes. — Não acredito que ele aceite isto com calma.
Stephen gemeu, fazendo-a rir.
— Você, Montgomery, é um covarde! — Apontou.
— Do pior tipo! — Aceitou ele imediatamente, e então ficou sério. — Você vai orar por mim enquanto eu estiver fora? Talvez se Raine e Brian se derem bem, possamos fazer algum progresso para que esta guerra finalize.
— Isso me faria muito feliz. — Respondeu ela. — Brian é um jovem doce e gentil, e Roger o ama muito. Stephen, — disse em voz baixa — se lhes fizer uma pergunta, vai me responder com franqueza?
— É o que merece.
— Alguém viu Roger?
— Não. — Respondeu Stephen. — Ele desapareceu. Os MacGregor estão procurando por ele e meus homens estão sempre alertas. Uma vez quase perdemos você e não permitiremos que volte a acontecer. Mas não, até agora não soubemos nada de Roger Chatworth.
Por um momento ficaram quietos, olhando um para o outro. Há alguns meses esse homem era seu inimigo, igual como eram todos os homens. Ela deu um passo adiante e se aproximou, colocando uma mão sobre sua bochecha.
Stephen parecia entender o impacto total da honra que ela lhe concedia. Ele capturou sua mão, beijou-a na palma.
— Nós, Montgomery, somos rompedores de coração. — Disse com os olhos muito brilhantes. — Terminaremos esta guerra com palavras de amor em lugar de espadas.
Ela se afastou dele como se a tivesse insultado, mas não pôde evitar rir.
— Prometo-lhe que rezarei por você. Agora vá antes que meu Miles te encontre e te dê uma boa surra.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Pobre irmãozinho, quando uma mulher decide que é dona dele... — Com estas palavras deixou-a sozinha na clareira do bosque.
Elizabeth permaneceu sentada por algum tempo, e agora sim, prestava atenção aos sons perto dela, percebeu a
presença dos MacArran. Ainda ficavam dois homens nas árvores, acima dela. Mais longe ouviu a risada de Kit e a resposta rouca e profunda de Tam.
Nos últimos meses seus sentidos adormeceram muito. Diante dela apareceu o rosto furioso de Brian e soube que, tempos atrás, ela mesma havia sentido um ódio comparável ao de seu irmão. Desejava com todo seu ser que Stephen fosse capaz de tirar um pouco do ódio de Brian, ou talvez Raine Montgomery pudesse fazê-lo.
Com um peso no coração, retornou às ruínas e as risadas de Kit. Em poucos dias teria que enfrentar a fúria de Miles, e isso tiraria sua mente de seus problemas.
Bronwyn retornou a Larenston no dia seguinte e o primeiro que fez foi visitar seu filho Alexander, de cinco meses. O menino tinha uma babá, já que Bronwyn estava fora com muita frequência, para alimentá-lo apropriadamente, mas se certificava de que o menino soubesse quem era sua mãe. Enquanto ela o embalava nos braços, com Rab aos seus pés, Elizabeth contou tudo a respeito de Brian e como Stephen decidiu acompanhá-lo ao acampamento do Raine.
O rosto do Bronwyn ficou vermelho de repente, e seus olhos brilharam.
— Maldito seja! — Resmungou, mas se acalmou quando o menino começou a chorar assustado. — Silêncio, amor. — Sussurrou ela. Quando Alexander se acalmou, olhou
novamente para Elizabeth. — Não gosto que a tenha manipulado. Deveria ter trazido seu irmão aqui. Stephen se esqueceu de que Brian Chatworth me salvou das garras de seu irmão. Eu não teria feito nenhum mal ao rapaz.
— Acredito que Stephen estava mais preocupado por Miles. Por que ele poderia prejudicar Brian. — Elizabeth se inclinou para frente e acariciou o cabelo sedoso de Alex.
Os olhos de Bronwyn não passavam nada despercebido.
— E para quando espera nascer o seu bebê? — Perguntou tranquilamente.
Elizabeth encarou os olhos de Bronwyn, que a olhavam fixamente. Bronwyn ficou de pé e levou seu filho para o berço.
— Morag disse-me que você não teve nenhum fluxo desde que chegou aqui. Você está doente?
— Não. Não sabia ao certo o que havia de errado comigo no começo, mas não demorei muito para sabê-lo. A quem mais disse?
— A ninguém. Nem sequer a Stephen. Especialmente a Stephen. Sem dúvida ele teria querido celebrá-lo. Tem em mente se casar com Miles?
Elizabeth envolveu a suave manta ao redor dos pezinhos de Alex.
— Ele não me pediu, mas mesmo se ele fizesse, há outras coisas pendentes entre nós além de casar e ter filhos. Roger
não vai desistir deste problema simplesmente porque eu me converti em uma Montgomery. Ele vai querer ter certeza de que me caso por minha própria vontade, que ninguém me forçou.
— E Miles teria que forçá-la? — Perguntou Bronwyn com calma.
Elizabeth sorriu.
— Sabe tão bem quanto eu que Miles não me obrigou a nada. Mas não acredito que Miles esteja interessado em contrair matrimônio comigo. Eu exigiria fidelidade por parte de meu marido, e Miles Montgomery não conhece o significado dessa palavra.
— Eu não subestimaria a nenhum dos Montgomery. — Respondeu Bronwyn. — Podem parecer arrogantes, inflexíveis, mas têm muito mais que rostos bonitos ou corpos viris.
— Sim, é assim como os descreveria. — Elizabeth riu quando saíram do quarto.
No dia seguinte Bronwyn voltou para a caçada, e enquanto Elizabeth era uma pobre donzela em desgraça e Kit a estava salvando de um dragão de três cabeças que lançava chamas pela boca, sentiu algo estranho e ficou muito quieta.
— Elizabeth! — Chamou-a Kit, impaciente, enquanto brandia uma espada de madeira sobre sua cabeça.
Ela não podia explicar o que estava ocorrendo, mas todo seu corpo tremia.
— Miles! — Sussurrou. — Aqui! — Disse à mulher que sustentava Alex nos braços. — Cuide de Kit.
Com isso ela desceu a escada e dali ao pátio de armas. Quando chegou aos estábulos, já tinha suas mãos sobre uma sela antes que Douglas se aproximasse.
— Não posso deixar você sair. — Disse Douglas, com voz triste.
— Fora de meu caminho, estúpido! — Resmungou ela. —
Miles está em perigo e vou por ele.
Douglas não perdeu tempo em perguntar como sabia que Miles estava em perigo, já que não tinha chegado nenhum mensageiro vindo da caçada, mas saiu do estábulo, lançou três assobios baixos e em poucos segundos dois de seus irmãos estavam no lugar.
Elizabeth não estava acostumada a selar seu próprio cavalo e era um processo lento, mas os homens não a ajudaram. Douglas checou que a cilha estivesse bem ajustada e logo a segurou pelo pé e virtualmente a jogou sobre a sela. Elizabeth nem sequer pestanejou quando o homem a tocou.
Quando partiram, Elizabeth não se deteve para pensar aonde se dirigia, mas sim limpou sua mente, visualizado Miles e partiu em um ritmo assustador, a toda velocidade.
Douglas, Jarl e Francis a seguiam de perto. Os quatro cavalos corriam trovejando pelo caminho estreito e inclinado
que os tirava de Larenston, dobraram à direita e se dirigiram para o precipício.
Elizabeth não sentia temor pelo caminho e tampouco se preocupava com os homens que seguiam atrás dela. Quando estiveram novamente em terreno plano, fez uma pausa de alguns segundos. Para a esquerda estavam as terras dos MacGregor, e para a direita se estendia um território desconhecido. Ela esporeou seu cavalo para a direita, intuindo que essa era a rota correta.
Em dado momento, um dos homens lançou um grito de advertência, e ela, colada ao pescoço suado do cavalo, se esquivou por muito pouco de um ramo baixo que cruzou no caminho. Salvo por este incidente, os homens permaneciam silenciosos e tratavam por todos os meios acompanhá-la.
Depois de cavalgar por um longo período, Rab apareceu dentre os arbustos, ladrando muito forte. Parecia que estava esperando Elizabeth para guiá-la na última parte do caminho.
Elizabeth se viu forçada a diminuir a velocidade de seu cavalo para um trote rápido, quando os quatro e Rab tiveram que cavalgar entre uma vegetação densa, até chegarem a um grupo de árvores tão cerrada, que não deixava passar a luz do sol.
Rab começou a ladrar novamente antes que pudessem ver um grupo de pessoas. Bronwyn e seus homens estavam de
pé, juntos, olhando algo que se achava no chão. Sir Guy estava de joelhos.
Bronwyn se voltou ao ouvir ladrar seu cão e com grande surpresa, observou Elizabeth.
Seu cavalo não tinha terminado de deter-se quando ela saltou ao chão e corria, abrindo caminho entre o grupo de pessoas.
Miles jazia no chão, com os olhos fechados e todo seu corpo coberto de sangue. Suas roupas estavam rasgadas, e ela pôde ver grandes cortes em sua carne, em seu quadril esquerdo, em seu lado direito.
Afastou Sir Guy de um empurrão, ajoelhou-se, apoiou a cabeça de Miles em seus joelhos e começou a limpar o sangue de seu rosto com a bainha de sua saia.
— Acorde Montgomery! — Disse ela com firmeza, sem nenhuma compaixão ou piedade em sua voz. — Acorde e me olhe.
Passou uma eternidade até que as pálpebras de Miles se movessem. Quando a olhou, dedicou-lhe um pequeno sorriso e fechou os olhos novamente.
— Anjo. — Sussurrou, e voltou a ficar calado.
— Água. — Pediu Elizabeth aos rostos atônitos que a rodeavam. — Vou precisar de água para lavar suas feridas e, há por aqui perto alguma cabana? — Bronwyn só teve tempo
de assentir antes que Elizabeth continuasse. — Vão e preparem o lugar. Levem os aldeãos que moram lá a Larenston e me deixem sozinha com ele. Que venha Morag com suas ervas, e também vou precisar agulhas resistentes de aço e fio. Sir Guy! Procure uma manta grande para levá-la até a cabana. Bem! — Urrou. — Movam-se todos.
Instantaneamente, os homens partiram em todas as direções.
Bronwyn lançou a Elizabeth um olhar divertido.
— Tem certeza de que não é escocesa? — Com estas palavras partiu rapidamente para Larenston.
Elizabeth, que tinha ficado sozinha por um momento, segurou Miles.
— Você vai ficar bem Montgomery. — Sussurrou. — Eu me encarregarei disso.
Não perdeu mais tempo em sentimentalismos, mas sim, tomou a adaga que havia no chão junto a ele e começou a cortar as roupas para poder examinar suas feridas. Estava completamente coberto de sangue. Havia mais cortes do que podia aguentar um corpo humano.
Rab se aproximou dela enquanto rasgava a camisa de Miles.
— De onde é todo este sangue, Rab? — Perguntou. — Vá e averigue o que ou quem fez isto a Miles.
Com dois sonoros latidos, o cão os deixou sozinhos.
Para alívio de Elizabeth, só havia uma incisão na parte superior do corpo de Miles, e não era profunda, embora teria que ser costurada. Havia também dois compridos cortes em seu braço esquerdo, mas não eram nada sérios. As pernas eram outra história. A ferida da coxa era profunda e feia, e tinha outros cortes nos tornozelos.
Tentou virá-lo para ver se tinha outras feridas. Com um gemido de dor, Miles abriu os olhos e a olhou.
— Tem que se colocar de outra forma Elizabeth, ou então vou te banhar em sangue. — Disse ele, olhando seu corpo quase nu.
— Quieto! — Ordenou-lhe ela. — Economize as forças para se curar.
Enquanto falava, Rab começou a arrastar a carcaça de um enorme javali, de grandes presas, para a clareira. A cabeça do animal estava coberta de sangue e havia várias feridas de adaga em seu lado.
— Então você ganhou a batalha contra o javali. — Disse ela com desgosto, agasalhando-o meigamente com a manta que levava sobre seus ombros. — Suponho que não te ocorreu nem por um momento não cavalgar sozinho.
Antes que pudesse dizer outra palavra, Rab arrastou outra carcaça de javali, também esfaqueado, e o deixou junto ao primeiro.
Elizabeth começou a limpar o rosto sujo de Miles.
— Vamos levá-lo a um lugar muito perto daqui onde estará abrigado e quente. E agora quero que descanse.
Sir Guy, acompanhado por um homem e uma mulher, apareceu correndo através dos arbustos, trazendo várias mantas grosas.
— Há um bom e forte caldo de centeio no fogo, — disse a mulher — e tortas de farinha de aveia no fogão. Bronwyn pode mandar mais mantas, se precisar delas.
Sir Guy, ficou de joelhos, retirou a manta que cobria Miles e inspecionou as feridas, e olhou com surpresa como Rab arrastava a terceira carcaça de javali para a clareira.
— Quantos javalis há? — Perguntou Elizabeth.
— Cinco. — Respondeu Sir Guy. — Seu cavalo deve tê-lo jogado no meio de uma família de javalis. Ele só tinha sua espada e uma adaga pequena, mas pôde matar aos cinco e conseguiu se arrastar até aqui. Rab nos conduziu até os javalis, mas foi antes que encontrássemos Lorde Miles.
— Veio nos buscar? — Perguntou Elizabeth. — Pode carregar Miles?
Sem demonstrar esforçar-se muito, Sir Guy levantou com cuidado a seu jovem amo, como se ele fosse uma criança. Instantaneamente, suas feridas voltaram a jorrar sangue.
— Com cuidado! — Elizabeth gritou, mas o olhar que lhe dirigiu Guy a fez calar.
Sir Guy ia indicando o caminho através do bosque para a cabana que os aguardava, e uma vez ali o depositou brandamente sobre uma cama de armar. Era uma cabana pequena, escura, de um só cômodo, a lareira aberta era a única fonte de luz. Havia uma mesa rústica com duas cadeiras e nenhum outro mobiliário. Sobre o fogo fervia uma grande panela com água. Imediatamente, Elizabeth mergulhou panos limpos que haviam sido deixados para ela na água e começou a lavar Miles. Sir Guy o levantou e a ajudou a tirar os restos das roupas que ficaram aderidas a suas costas. Para grande alívio de Elizabeth, não havia outras feridas nessa área, além de alguns arranhões.
Já quase tinha terminado de lavá-lo quando Morag e Bronwyn chegaram juntas, Morag vinha carregada com um grande cesto repleto de remédios.
— Já não posso ver tão bem como antes. — Comentou Morag, olhando Miles nu, com suas duas feridas sangrentas.
— Uma das duas terá que cuidar dele.
— Eu o farei. — Disse Elizabeth rapidamente. — Me diga o que fazer e eu seguirei suas instruções.
Costurar carne humana era muito diferente de costurar tecidos, descobriu Elizabeth rapidamente. Todos os músculos de seu corpo ficavam tensos cada vez que tinha que cravar a agulha na pele de Miles.
Miles permanecia quieto, sem se mover e apenas respirando, muito pálido pela perda de sangue. Bronwyn enfiava as agulhas, cortava e ajudava a fazer os nós.
Quando Elizabeth por fim terminou, estava tremendo.
— Beba isto. — Ordenou Bronwyn.
— O que é? — Perguntou Elizabeth.
— Só Deus sabe. Faz tempo que aprendi a não perguntar o que Morag coloca em suas poções. Seja o que for, terá um gosto horrível, mas te fará sentir melhor.
Elizabeth bebeu o preparado encostada contra a parede, sem deixar de observar Miles. Quando Morag tentou aproximar uma taça aos pálidos lábios de Miles, ela deixou sua bebida com Bronwyn e se aproximou dele.
— Beba isto. — Sussurrou, sustentando sua cabeça. —
Tem que recuperar suas forças.
Os olhos dele se moveram e seus cílios mal se separaram para olhá-la.
— Vale a pena. — Murmurou, enquanto tomava a beberagem de Morag.
Morag soprou, rindo.
— Ele ficará aí deitado por um ano se continuar mimando-o.
— Basta, deixe-o em paz! — Replicou Elizabeth. Bronwyn riu.
— Venha sentar-se, Elizabeth e descansar. Eu quero saber como você sabia que Miles tinha sido ferido. Acabávamos de encontrá-lo quando você chegou.
Elizabeth se sentou no chão, junto à cabeça de Miles, recostou-se contra a parede e encolheu os ombros. Não tinha ideia de como soube que Miles estava ferido... mas não se equivocou.
Seu tempo de descanso foi muito breve. Poucos momentos depois, Morag preparou outra beberagem para que Elizabeth desse a Miles.
Chegou a noite e Bronwyn retornou a Larenston. Elizabeth sentou-se ao lado de Miles, observando-o, segura que ele não dormia, enquanto Morag cochilava em uma cadeira.
— Como...? — Sussurrou Miles. — Como é a esposa de Raine?
Elizabeth acreditou que ele delirava, pois nunca tinha conhecido Raine ou sua esposa.
— Cantora... — disse Miles — Pagnell...
Essas palavras foram o suficiente, como uma chave, para fazê-la entender. Surpreendeu-se de que um Montgomery se casasse com uma cantora plebeia. Elizabeth contou a Miles como conheceu Alyxandria Blackett, como escutou sua voz maravilhosa, e seu posterior intento de resgatá-la das garras de Pagnell... que terminou com sua própria captura.
Ao ouvir isto, Miles sorriu e procurou sua mão. Ainda a tocando, ele adormeceu assim que o sol começou a se erguer.
Morag se levantou e começou a misturar outros molhos de ervas, cogumelos secos e outros ingredientes que Elizabeth não reconheceu.
Juntas trocaram as bandagens sangrentas das feridas de Miles, e Morag aplicou panos mornos e úmidos sobre as feridas costuradas.
Miles voltou a dormir durante a tarde e então Elizabeth saiu pela primeira vez da pequena cabana. Sir Guy estava sentado sob uma árvore e lançou um olhar interrogante quando a viu.
— Está descansando. — Explicou ela.
Sir Guy balançou a cabeça e olhou para o espaço.
— Não são muitos os jovens que caem em meio de uma família de javalis e vivem para contá-lo. — Disse com orgulho.
Havia lágrimas nos olhos de Elizabeth quando colocou uma mão trêmula no ombro do gigante.
— Farei tudo o que estiver ao meu alcance para que fique
bem.
Sir Guy assentiu, sem olhá-la.
— Você não tem nenhuma razão para ajudá-lo. A tratamos mau.
— Não, — respondeu ela — recebi muito mais que simples cortesia. Recebi amor. — Com estas palavras, girou e se dirigiu para o arroio que cruzava as terras dos MacArran. Lavou-se, arrumou o cabelo, sentou-se para descansar um momento, envolveu-se na manta e quando novamente ficou de pé já era noite. Sir Guy estava sentado sobre um tronco, não muito longe dela.
Vencida pelo sono, retornou rapidamente à cabana.
Miles estava acordado, e o cenho de desgosto se evaporou quando a viu.
— Aqui está ela. — Resmungou Morag. — Agora possivelmente se decida tomar um pouco desta porção.
— Elizabeth. — Disse Miles.
Ela se aproximou e segurou sua cabeça enquanto ele bebia quase a taça completa da beberagem, e continuou a segurá-lo até que ele adormeceu.
Capítulo Treze
— Não vou permitir que caminhe. — Disse Elizabeth a Miles com firmeza. — Fiquei muitas noites sem dormir para curar essas feridas e não vou permitir que faça nada para que voltem a abrir.
Ele a olhou com olhos cativantes.
— Por favor, Elizabeth.
Por um momento esteve a ponto de ceder, mas logo riu.
— É um homem traiçoeiro. E agora fica quieto ou te amarrei na cama.
— Oh?! — Disse ele, arqueando as sobrancelhas com zombaria. Elizabeth se ruborizou pelo que ele obviamente estava pensando.
— Se comporte! Quero que coma mais. Nunca vai ficar bem se não comer.
Ele pegou sua mão e com força surpreendente a atraiu para si. Ou talvez fosse porque Elizabeth não tinha desejo de resistir Ele estava quase sentado, apoiado contra alguns travesseiros, as pernas estiradas na cama de armar. Com cuidado, ela se deitou ao seu lado. Fazia quatro dias que Miles se acidentou, mas sua juventude e seu vigor natural tinham
feito com que se recuperasse rapidamente. Ainda estava débil, dolorido, mas estava começando a curar.
— Por que você ficou comigo? — Perguntou ele. — Qualquer uma das mulheres de Bronwyn poderia ter me cuidado.
— Para que se deitasse na cama contigo e abrissem todos os pontos? — Perguntou ela indignada.
— Eu vou rasgar meus pontos se você me faz rir. Como eu poderia ter tocado outra mulher quando você está tão perto?
— Quando eu for embora, tenho certeza que você conseguirá reunir sua coragem para isso.
A mão dele acariciou seus cabelos, fez-lhe baixar a cabeça e sua boca se apossou avidamente da dela.
— Ainda não se convenceu de que é minha? — Murmurou entre dentes. — Quando vai admiti-lo?
Ele não lhe deu oportunidade de responder por que a beijou novamente, e boa parte de toda a preocupação que Elizabeth sentiu durante esses quatro dias se evaporou com esse beijo intenso.
O toque do frio aço contra a garganta de Miles fez com que se separassem. Instintivamente, ele lançou a mão em busca de sua espada, mas só encontrou sua própria carne nua debaixo da manta.
Junto a eles se encontrava Roger Chatworth, seus olhos cheios de ódio, enquanto apertava com sua espada a veia do pescoço de Miles.
— Não o faça! — Disse Elizabeth, separando-se de Miles.
— Não o machuque.
— Eu gostaria de matar todos os Montgomery. — Disse Roger Chatworth.
Miles, com um movimento rápido, moveu-se de lado e conseguiu pegar o pulso de Chatworth.
— Não! — Gritou Elizabeth, e agarrou-se ao braço de seu irmão.
As ataduras de Miles começaram a tingir-se de vermelho.
— Está ferido. — Explicou Elizabeth. — Mataria a um homem que não pode se defender?
Roger voltou toda sua atenção para ela.
— Você se tornou um deles? Os Montgomery lhe envenenaram contra os de seu próprio sangue?
— Não Roger, claro que não. — Tentou se manter calma. Roger mostrava um aspecto tão selvagem que temeu fazê-lo zangar-se. Miles estava deitado contra a parede, mas ela sabia que a qualquer momento ele saltaria de novo para se defender e se abririam suas feridas. — Você veio me buscar?
Subitamente se fez um profundo silêncio na cabana, e os dois homens se voltaram para olhá-la. Ela precisava partir com Roger. Se não o fizesse, Roger mataria Miles. Ela sabia disso muito bem. Roger estava cansado, furioso, incapaz de raciocinar com prudência.
— Será bom voltar para casa. — Disse ela, forçando um sorriso.
— Elizabeth! — Advertiu-lhe Miles. Ela o ignorou.
— Vamos, Roger, o que espera? — O coração pulsava com tanta violência que mal podia escutar sua própria voz.
— Elizabeth! — Gritou Miles, tocando com a mão a ferida do peito.
Por um momento Roger olhou de um para o outro, hesitando.
— Estou me impacientando, Roger. Não já estive longe de casa tempo suficiente? — Girou sobre os calcanhares para sair e ao chegar à porta, deteve-se.
Tinha os olhos fixos em Roger e não se atrevia a olhar para Miles. Não podia correr o risco de olhá-lo nenhuma vez, ou perderia sua determinação.
Lentamente, com ar intrigado, Roger começou a segui-la. Fora da cabana um cavalo aguardava obedientemente. Elizabeth não tirou a vista do animal, não ousando olhar em
volta porque sabia que veria o corpo de Sir Guy. Só a morte podia ter evitado que o gigante protegesse seu amo.
Outro grito, que fez tremer as pedras, ouviu-se do interior da cabana.
ELIZABETH!!!
Engolindo o nó que tinha na garganta, Elizabeth permitiu que Roger a ajudasse a montar.
— Temos que conseguir comida. — Disse Roger, e se afastou dela.
— Roger! — Gritou Elizabeth a suas costas — Se lhe fizer mal, eu... — começou, e viu que ele estava ignorando-a. Desmontou apressadamente e foi atrás dele... mas não chegou a tempo.
Roger Chatworth passou a espada pelo braço de Miles e, enquanto Miles caia sangrando, Roger disse:
— A esposa de Raine salvou minha vida, e é a ela que você deve sua imunda vida agora. — Voltou-se para Elizabeth, que estava petrificada na entrada. — Volta para o cavalo ou terminarei essa tarefa, se é que ele não sangrará até a morte, como deve ser.
Tremendo, sentindo-se muito doente, Elizabeth abandonou a cabana e montou. Em poucos segundos Roger estava com ela e ambos partiram a todo galope.
Elizabeth estava sentada diante de seu bastidor, trabalhando em uma toalha para o altar com o desenho de São Jorge matando o dragão. Em um canto havia um menino extremamente parecido com Kit, e São Jorge, o santo... tinha os olhos de Miles Montgomery. Elizabeth se deteve um momento quando o bebê em seu ventre começou a chutar.
Enfrente a ela se encontrava Alice Chatworth com um espelho na mão, olhando a metade do rosto que não estava marcado com cicatrizes.
— Eu era tão linda! — Disse Alice. — Não havia homem que pudesse me resistir. Todos estavam prontos para dar sua vida por mim. Tudo o que tinha que fazer era insinuar algo que queria, e me davam.
Girou o espelho para a parte deformada de seu rosto.
— Até que os Montgomery me fizeram isto! — Sibilou. — Judith Revedoune estava com ciúmes da minha beleza. Ela é uma coisa tão feia, sardenta, ruiva, e estava preocupada com o amor de meu querido Gavin. E fazia bem em não se sentir segura.
Elizabeth lançou um bocejo exagerado, ignorou o olhar de ódio de Alice e se voltou para seu irmão, que estava de pé junto à lareira com uma taça de vinho na mão, cabisbaixo.
— Roger, você gostaria de dar uma volta comigo nos jardins?
Como de costume, Roger olhou seu ventre antes de fixar a vista em seu rosto.
— Não, tenho que falar com meu mordomo. —
Murmurou, sem deixar de olhá-la.
Ela podia sentir o que ele queria dizer, o que disse muitas e muitas vezes: Você mudou.
Fazia duas semanas que retornou com seu irmão e para sua "família", e todos notavam quanto tinha mudado nos cinco meses que passou com os Montgomery. Durante esse tempo não se produziram mudanças importantes na casa Chatworth, mas Elizabeth evidentemente não era a mesma.
Apesar da insistência dela em que Roger era muito diferente de Edmund, deu-se conta de que seu irmão não levava as rédeas de sua casa como deveria ser. Em muitos aspectos, a casa Chatworth funcionava exatamente igual a quando Edmund vivia. A razão pela qual Roger permitia que Alice vivesse com ele era simplesmente porque não prestava a menor atenção nela. Roger vivia em um torvelinho interior e dedicava todo seu amor a Elizabeth e Brian, desta forma, não era totalmente consciente do que acontecia ao seu redor.
Assim que Elizabeth desmontou de seu cavalo, cansada depois de vários dias de viagem, dois dos homens de Roger, que uma vez tinham servido a Edmund, começaram a fazer
comentários maliciosos sobre ela. Era evidente, pelos seus comentários, que esperavam ansiosos o momento de poder apanhá-la sozinha.
A primeira reação de Elizabeth tinha sido de temor. Era como se nunca tivesse se afastado da casa Chatworth. Sua mente percorreu todo o repertório de defesa pessoal que estava acostumada a usar com os homens. Mas também recordou Sir Guy e seus dedos dos pés quebrados e como mancou durante semanas. Depois o viu sentado junto a ela com os olhos úmidos de lágrimas de preocupação pelo homem que ambos tanto amavam.
Não voltaria para sua atitude de espreitar e temeridade. Tinha obtido, com muito esforço, a conquista de superar seu medo dos homens e não tinha intenção de estragar seu progresso. Ela se voltou para Roger e exigiu que ele mandasse os homens embora imediatamente.
Roger se mostrou muito surpreso e a tirou rapidamente dos estábulos. Tratou de acalmá-la, mas Elizabeth não quis escutar. O fato de que sua irmãzinha mais nova lhe replicasse o incomodou e ao mesmo tempo feriu. Segundo seu ponto de vista, ele acabava de resgatá-la do inferno e ela não fazia mais que queixar-se sem demonstrar nenhum agradecimento.
Pela primeira vez em sua vida, Elizabeth contou a seu irmão toda a verdade sobre Edmund. O rosto de Roger ficou pálido, depois vermelho como se estivesse escorrendo sangue, ele cambaleou e teve que arrastar-se até uma cadeira,
mostrando o aspecto de um homem que alguém tivesse espancado. Todos esses anos esteve convencido de que protegia adequadamente a sua irmã, mas na verdade, ela viveu no inferno, em meio de um perigo constante. Não tinha ideia de que Edmund a tirava do convento cada vez que ele saía de viagem. Não sabia que ela tinha que defender-se de seus homens dessa maneira.
Quando Elizabeth terminou seu relato, Roger desejava e estava pronto para matar aos homens do estábulo.
A fúria de Roger Chatworth era perigosa. Em três dias tinha conseguido infundir temor a todo o pessoal da casa. Muitos homens tiveram que abandonar o lugar, e se algum se atrevesse sequer a pousar seus olhos em Elizabeth, esta contava a seu irmão. Já não pensava tolerar mais esse tipo de insolência.
Antes, não tinha ideia de como devia ser tratada uma dama, já que sua única experiência tinha sido a que viveu com Edmund, mas agora passou cinco meses em um lugar onde não teve que sentir-se atemorizada por passear sozinha por um jardim.
Roger ficou surpreso com suas exigências, e ela percebeu como ela e Brian sempre o tinham protegido. Roger podia ser muito gentil, mas ao mesmo tempo muito cruel. Tentou em uma oportunidade falar dos Montgomery, mas Roger teve uma terrível explosão de fúria, a tal ponto que Elizabeth temeu por sua vida.
Como passou cinco meses sem vê-la, ele notou imediatamente as mudanças no corpo dela, o peso que ganhou. Elizabeth manteve sua cabeça erguida, e sem nenhum remorso, anunciou que estava grávida de Miles Montgomery.
Ela esperou uma reação de ira, estava preparada para isso, mas a dor que viu refletido nos olhos de seu irmão a pegou despreparada.
— Vai! Me deixe sozinho. — Sussurrou ele, e ela obedeceu.
Sozinha em seu quarto, Elizabeth chorou até ficar adormecida, como acontecia todas as noites desde que abandonou Miles. Será que Miles percebeu que ela partiu para salvar sua vida? Ou a odiaria? O que teriam dito a Kit com respeito a sua partida? Enquanto ficava deitada em sua cama, pensava em todas as pessoas que chegou a amar na Escócia.
Ansiava poder enviar uma mensagem a Escócia, mas não encontrava ninguém em quem depositar sua confiança. Entretanto, no dia anterior enquanto dava seu passeio vespertino, uma anciã a quem não tinha visto antes lhe ofereceu uma cesta de pão. Ela começou a dizer que não estava interessada quando a mulher levantou o pano que cobria o pão e mostrou a insígnia dos MacArran. Elizabeth pegou rapidamente a cesta e a anciã partiu antes que ela pudesse agradecer. Ansiosa, procurou dentro da cesta.
Encontrou uma mensagem de Bronwyn onde lhe dizia que compreendia muito bem por que retornou com Roger... embora Miles não quisesse entender. Sir Guy tinha recebido três flechadas, mas todos acreditavam que sobreviveria. Quando Miles ficou sozinho na cabana, sofreu um ataque de ira tão intenso que conseguiu que se abrissem todos os pontos. Quando Morag o encontrou, tinha febre e durante três dias se debateu entre a vida e a morte. Stephen havia retornado do acampamento de Raine logo que se inteirou de que Miles estava ferido. Contava que Raine tinha tomado ao jovem Brian sob seu amparo e que Stephen acreditava que muito em breve reinaria a paz entre as duas famílias. Bronwyn acrescentava que Miles se recuperava lentamente e que se negava a pronunciar o nome de Elizabeth.
Agora, enquanto Elizabeth recordava esta última frase, sentia que todo seu corpo estremecia.
— Você deveria ter um manto. — Disse Roger a suas costas.
— Não, — murmurou ela — minha manta escocesa é suficiente.
— Por que você exibe aquela coisa na minha frente? — Roger explodiu. — Não é suficiente que leve um Montgomery dentro de você? Tem que me lançar uma bofetada cada vez que falamos?
— Roger quero que este ódio termine. Quero...
— Quer ser a rameira de meu inimigo. — Ele rosnou.
Ela lançou um olhar furioso e se afastou. Roger a agarrou pelo braço e seus olhos se suavizaram ao olhá-la.
— Não pode ver esta questão do meu ponto de vista? Passei meses angustiadíssimo te buscando. Estive com Raine Montgomery para que me desse notícias suas, e ele desembainhou sua espada contra mim. Se sua esposa não houvesse se colocado entre nós, a esta hora eu estaria morto. Ajoelhei-me frente ao rei, e te asseguro que não foi fácil. Não tenho amor pelo homem desde que me multou tão sem piedade pelo que aconteceu com Mary Montgomery, mas por você eu teria me colocado de joelhos até diante do Diabo.
Fez uma pausa colocando ambas as mãos sobre os braços.
— Além disso, entrar e sair da Escócia tampouco foram tarefas fáceis e, entretanto, quando te encontrei, estava aconchegada ao lado de Montgomery, como se quisesse fazer parte dele. E a peça de teatro que você fez! Senti-me como se eu fosse o inimigo, porque eu estava resgatando minha própria irmã de um homem que a manteve cativa e tomou sua virtude. Explique tudo isso para mim, Elizabeth. — Sussurrou.
Ela inclinou a cabeça e a apoiou no peito dele.
— Como poderia? Como poderia te dizer o que me aconteceu nestes últimos meses? Conheci o amor e...
— Amor! — Disse ele. — Você acha que se um homem te leva para sua cama, ele te ama? Jurou Montgomery te amar até a morte? Pediu-te que te case com ele?
— Não, mas... — começou ela.
— Elizabeth, sabe tão pouco dos homens. Foi um peão nesta luta. Não se dá conta de que os Montgomery estão rindo porque uma Chatworth está grávida de um deles? Estão convencidos de terem triunfado.
— Triunfado! — Replicou ela, afastando-se. — Odeio que tudo isto seja tomado como um jogo. O que devo dizer a meu filho, que ele não era mais que uma peça de xadrez entre a antipatia e a guerra boba de duas famílias?
— Antipatia? Como pode dizer isso quando Brian anda sozinho por aí, me odiando certamente, por causa dos Montgomery?
Ela não disse sobre a conversa com seu irmão na Escócia.
— Roger, alguma vez te ocorreu pensar que talvez fosse você a causa de ele ter partido? Eu gostaria de ouvir sua versão do que aconteceu com Mary Montgomery.
Ele lhe deu as costas.
— Eu estava bêbado. Foi um terrível acidente. — Voltou- se para olhá-la, com olhos suplicantes. — Não posso fazer reviver a essa mulher, o rei me castigou severamente com suas multas. Brian me abandonou e você retorna as minhas mãos
gravida de meu inimigo, e em vez de demostrar o amor que sempre me professou, o único que faz é me questionar, duvidar de mim. O que mais de punição você acha que mereço?
— Sinto muito Roger. — Disse com suavidade. — Talvez eu tenha mudado. Não sei se Miles me ama. Não sei se gostaria de casar-se comigo para que a criança tivesse um nome, mas sei que eu o amo, e que se me pedisse isso, o seguiria em qualquer lugar que fosse.
Só os olhos de Roger deixaram transparecer a dor que sentia pelas palavras de sua irmã.
— Como pode se voltar contra mim tão completamente? Esse homem é tão bom na cama que seus gemidos de prazer a têm feito esquecer o amor que te tenho e que sempre terei? Será que cinco meses com ele apagaram dezoito anos comigo?
— Não, Roger. Eu te amo. Sempre te amarei, mas eu quero a ambos.
Ele sorriu ao escutar suas palavras.
— Que jovem é, Elizabeth. Você quer um homem que, segundo eu ouvi, também é requerido por mais da metade das mulheres da Inglaterra. Quer a um homem que te leva a cama, faz-te um filho e não menciona a palavra matrimônio. E em todo caso, que tipo de matrimônio seria este? Você vai cuidar de todos os seus bastardos como cuidou de seu filho mais velho?
— O que sabe de Kit?
— Eu sei muito sobre meus inimigos. Miles Montgomery gosta das mulheres. Você é só uma entre muitas, e respeito o homem, porque pelo menos não mentiu dizendo que você seria seu único amor.
Ele tocou seu braço.
— Elizabeth, se deseja um marido eu posso encontrar alguém adequado para você. Conheço alguns homens que a desposariam embora leve o filho de outro homem e eles seriam bons para você. Com o mais jovem dos Montgomery você seria infeliz em menos de um ano.
— Talvez. — Respondeu ela, tratando de pensar com racionalidade. Possivelmente as mãos de Miles sobre seu corpo a tinham feito perder o senso comum. Ele sempre foi gentil com ela, mas também era gentil com as mulheres que o serviam. Se ela abandonasse seu irmão por um Montgomery, Roger a odiaria, e que sentimentos abrigaria por Miles dali a alguns anos? O que aconteceria se alguém mais fizesse uma brincadeira e lhe "entregasse" outra moça bonita? Decidiria que ela também era de sua propriedade? Levá-la-ia a casa de ambos, sorrindo, esperando que ela cuidasse da moça como cuidava de seus filhos bastardos?
— Deixe-me encontrar alguém para você. Apresentar-te- ei vários homens e você escolherá quem mais lhe convenha.
Pelo menos olhe para eles. E se desejar ficar solteira, não me oporei.
Ela o olhou com amor. O povo riria dele por permitir que sua irmã tivesse um filho fora do casamento. Alguns diriam que ela deveria ser morta se ela se recusasse a se casar. Roger tinha sofrido muitas desgraças nos últimos anos e, entretanto, estava disposto a correr mais riscos pelo bem-estar dela. Quando Elizabeth sorriu, ele fez um aceno, satisfeito, e pela primeira vez pareceu que tinha uma razão para viver.
— Sim, conhecerei os homens que queira me apresentar.
— Disse ela com convicção. Trataria com todas suas forças se apaixonar por algum deles. Teria um marido gentil, amoroso, filhos a quem amar e a seus irmãos, porque de algum jeito terminaria os conflitos entre Roger e Brian.
Nos dias que seguiram Elizabeth aprendeu muito sobre o amor. Nunca, antes de conhecer Miles, tinha tido uma ideia do que era o amor. Jamais pensou em amar a um homem, mas então apareceu Miles e tudo mudou. Em cinco meses, mostrando paciência e amor, ele tinha feito que ela o amasse. Ela sabia que Miles seria sempre seu ponto débil, mas no mundo havia muitos outros homens bons e gentis. Tudo o que teria que fazer seria apaixonar-se por um deles, e todos os seus problemas ficariam resolvidos.
Mas Elizabeth se subestimava.
Roger começou a desfilar homens diante dela como se fossem servos que teriam que servi-la. Havia homens altos, baixos, magros, gordos, feios, homens tão bonitos que a deixavam sem fôlego, fanfarrões, calvos, homens que a faziam rir, e até um que cantava deliciosamente. Passavam um após o outro. Sem parar, eles vieram.
Inicialmente Elizabeth ficou lisonjeada por suas atenções, mas depois de uns poucos dias, seus antigos medos reapareceram. Se um homem lhe roçava o ombro, ela saltava e tomava a pequena adaga que levava a seu lado. Depois de uma semana começou a procurar desculpas para ficar em seu quarto, ou não aceitava separar-se de Roger.
De repente, sem prévio aviso, Roger saiu de viagem. Não disse nada a sua irmã e partiu a todo galope, acompanhado por oito homens. Um criado disse que Roger recebeu uma mensagem de um homem sujo, de dentes pretos, e que tinha saído imediatamente. A mensagem foi jogada no fogo.
Elizabeth estava perto das lágrimas sabendo que no piso de baixo havia onze convidados homens e que ela devia fazer às vezes de anfitriã. Não podia falar com nenhum homem com certa coerência, porque ao mesmo tempo tinha que estar atenta do que faziam todos os outros. Os meses de paciente treinamento de Miles estavam desaparecendo. Em uma ocasião golpeou a um homem na cabeça com um vaso de bronze porque se atreveu a caminhar atrás dela. Com as saias voando, fugiu para o seu quarto e se negou a retornar ao salão.
Ficou deitada na cama por muito tempo e tudo o que conseguia pensar era em Miles. Cada vez que conhecia um homem, não podia evitar compará-lo com Miles. Podiam lhe apresentar a um homem maravilhosamente bonito, e imediatamente encontrava algum defeito ridículo. E uma noite permitiu que um homem a beijasse no jardim. Conteve-se bem a tempo, porque esteve a ponto de lhe dar um terrível golpe nos dedos dos pés, mas não pôde evitar passar a mão pela boca para limpar o beijo. O pobre homem se sentiu profundamente insultado.
Elizabeth fez seu melhor esforço, mas nenhum de todos esses homens a atraía. À medida que passavam os dias, começou a desejar que Bronwyn estivesse perto para pedir conselho. Estava pensando em escrever uma carta a ela, quando todo seu mundo ruiu. Um Roger desfeito, exausto, retornou trazendo consigo o corpo mutilado de Brian.
Elizabeth saiu para recebê-lo, mas Roger apenas notou sua presença, carregou o corpo de Brian nos braços, levou-o ao seu quarto e se trancou com ele. Dois dias permaneceu dentro do quarto com o corpo de seu irmão, e quando por fim saiu, seus olhos estavam afundados e seu olhar era negro.
— Seus Montgomery fizeram isto. — Disse grosseiramente, enquanto passava por onde se encontravam Elizabeth e Alice.
Nessa tarde enterraram Brian, mas Roger não voltou a aparecer. Elizabeth plantou rosas na tumba e derramou lágrimas por seus dois irmãos.
Alice perseguia Elizabeth sem piedade, gritando que todos os Montgomery deveriam morrer pelo que tinham feito. Ela estava fascinada em manipular lamparinas cheias de azeite fervendo, e as sacudia maniacamente. Disse que o filho de Elizabeth nasceria com a marca de Satanás e que seria maldito por toda a eternidade.
Um por um, os homens convidados foram deixando a casa enlutada dos Chatworth, com seu ambiente enlouquecido, e Elizabeth ficou sozinha com sua cunhada.
No início de março, alguns mensageiros chegaram com uma mensagem do rei.
Foi um dia antes que Elizabeth ordenasse aos homens uma busca para encontrar Roger, que se refugiou na cabana de pedra de um pastor.
Parecia um esqueleto, com as bochechas magras debaixo da barba, o cabelo comprido e sujo, seu olhar era selvagem e aterrador.
Ele silenciosamente leu a mensagem na presença de Elizabeth, e então a jogou na lareira.
— Digam ao rei que não. — Disse com calma, antes de abandonar o salão.
Elizabeth não pôde fazer nada, salvo se perguntar qual teria sido a mensagem do rei. Com toda a tranquilidade possível se despediu dos homens do rei e se sentou para esperar. O que Roger se negou a fazer logo seria notificado, quando o rei se inteirasse da negativa de seu irmão. Pôs as mãos sobre seu ventre, cada vez mais volumoso, e se perguntou se seu filho teria que viver com a carga de ser chamado de bastardo.
Capítulo Quatorze
Seis dias depois da chegada e pronta partida dos mensageiros do rei, Elizabeth estava sozinha no jardim. Não tinha visto Roger durante dias e tampouco sabia nada dele, a morte de Brian fez Alice perder a pouca sanidade que tinha. Não era que a mulher tivesse gostado de Brian, mas sim pelo o fato de que os Montgomery tivessem algo a ver com sua morte. Elizabeth pensou em Raine com ódio.
Uma sombra se moveu pelo atalho e ela, assustada, levantou a vista... para encontrar-se com os olhos intensos e escuros de Miles Montgomery. Olhou-a desdenhosamente de cima a baixo, notando o vestido de cetim cor marfim, as fileiras duplas de pérolas, e o rubi vermelho sangue que adornavam o peito.
Elizabeth sentiu que o queria devorar, que nada poderia fazê-la se cansar dele. Havia sombras escuras debaixo dos olhos dele, e estava mais magro. Obviamente não se recuperou totalmente da febre.
— Venha. — Disse ele com voz rouca.
Elizabeth não duvidou, e o acompanhou pelo jardim até chegarem ao parque florestal da propriedade Chatworth. Supostamente, essas fronteiras eram guardadas, mas Miles conseguiu entrar sem que se notasse sua presença.
Ele não falou com ela, não olhou para ela, e só quando chegaram aonde dois cavalos os esperavam, ela se deu conta do que acontecia: ele a odiava. Seu corpo rígido, a frieza de seus olhos eram indícios mais que claros.
Ela mesma ficou rígida quando chegaram junto aos cavalos.
— Aonde quer me levar? — Perguntou-lhe. Ele se virou para ela.
— O rei ordenou que nos casássemos. Seu irmão se negou a cumprir essa ordem. Se desobedecermos, tanto seu irmão como eu seremos declarados traidores e nossas terras serão confiscadas. — Seus olhos se fixaram no rubi. — Não deve temer. Depois da cerimônia vou devolvê-la ao seu precioso irmão porque já deixou claro que você não gostaria que a despojassem de todas as coisas que lhe são tão queridas.
Ele se afastou dela. Elizabeth tentou montar seu cavalo, mas sua saia longa e os tremores de seu corpo não o permitiram. Miles se aproximou por atrás e, tocando-a o menos possível, depositou-a sobre a sela.
Elizabeth estava muito atônita, em um profundo estado de choque, para pensar enquanto partiam rapidamente para o norte. Tinha os olhos tão secos que lhe ardiam, e tudo o que ela pensava era na maneira como a crina do cavalo chicoteava no vento.
Menos de uma hora depois se detiveram nos subúrbios de uma pequena aldeia, diante de uma agradável casinha que estava em frente a uma igreja. Miles desmontou e não a olhou, enquanto ela lutava para descer do cavalo.
Um sacerdote lhes abriu a porta.
— Miles, então esta é a encantadora noiva. — Disse. —
Venha, eu sei como você é impaciente.
Miles entrou primeiro, ignorando Elizabeth, e ela correu atrás dele, pegando-o pelo braço. O olhar que Miles lhe lançou a fez conter o fôlego. Deixou cair à mão.
— Depois que terminarmos, poderíamos conversar? —
Sussurrou ela.
— Se não for levar muito tempo, — respondeu ele friamente — meu irmão está esperando por mim.
— Não. — Respondeu ela, tratando de recuperar sua dignidade. — Não te deterei por muito tempo. — Com isso, ela juntou as saias e caminhou à frente dele.
A cerimônia terminou em poucos minutos. Não houve testemunhas de nenhuma das duas famílias, só alguns homens conhecidos do sacerdote. A julgar pelo sentimento com que cada um dos noivos pronunciou as palavras necessárias, poderiam ter estado tratando de um negócio de venda de grãos. Quando o sacerdote os declarou marido e mulher, Miles se voltou para Elizabeth e ela conteve o fôlego.
— Acredito que poderemos falar na sacristia. — Foi tudo o que disse. Elizabeth, com a cabeça erguida, segui-o.
Quando estiveram sozinhos no pequeno quarto, ele se recostou distraidamente sobre uma das paredes.
— Agora tem a oportunidade de dizer tudo o que queira.
O primeiro impulso dela foi gritar onde poderia passar o resto de sua vida, mas se conteve.
— Não sabia que o rei ordenou que nos casássemos. Se estivesse a par desta ordem, eu não teria recusado. Estou disposta a muito para que termine esta inimizade.
— Até dormir com seu inimigo? — Ele provocou. Ela apertou os dentes.
— Roger esteve muito mal e furioso com a morte de Brian.
— Por um momento, os olhos dela lançaram chamas.
Miles tinha a respiração agitada.
— Talvez você não tenha ouvido que Raine quase não sobreviveu ao veneno que lhe deu seu irmão.
— Veneno! — Bufou ela. — E agora do que está acusando Roger?
— Não ao Roger. — Disse Miles. — Foi seu irmão Brian quem envenenou Raine.
— Pois bem, parece que Brian pagou pelo que fez! Ouvi que Raine é um homem musculoso. Divertiu-se muito fazendo em pedaços a meu irmão? Gostou de ouvir o ruído dos ossos que se rompiam?
Os olhos de Miles endureceram.
— Eu vejo que mais uma vez você ouviu apenas um lado. Roger disse que Raine matou Brian?
— Não com todas as letras, mas...
Miles se afastou da parede.
— Então pergunte a ele. Faça com que seu irmão perfeito te diga a verdade sobre quem matou Brian Chatworth. Agora, se você não tem mais nada para me acusar, devo ir.
— Espera! — Falou ela. — Por favor, me dê algumas notícias. Como está Sir Guy?
Os olhos de Miles ficaram negros.
— Que diabos te importa? Desde quando te interessa alguém que não seja seu traiçoeiro irmão? Guy quase morreu pelas flechas de seu irmão. Talvez devesse praticar mais sua pontaria. Outra polegada e teria atravessado o coração de Guy.
— E Kit? — Sussurrou ela.
— Kit! — Disse ele com os dentes apertados. — Kit chorou durante três dias depois de que você partiu e agora nem sequer
aceita que a babá de Philip entre em seu quarto. O nome da babá é Elizabeth.
— Eu nunca quis... — começou a dizer ela. — Eu amo Kit.
— Não, Elizabeth, não ama. Não éramos nada para você. Vingou-se de todos nós por retê-la contra sua vontade. Você, depois de tudo, é uma Chatworth.
A fúria explodiu nela.
— Não penso tolerar uma só insinuação a mais! O que você supõe que eu poderia fazer quando meu irmão tinha sua espada contra sua garganta? Deveria ter ficado contigo? Para que ele tivesse te matado? Você não pode entender que eu fui com ele para salvar sua miserável vida?
— E você supõe que tenho que acreditar nisso? — Disse em voz baixa. — Está diante de mim pingando pérolas, usando um rubi que custa mais que tudo o que eu possuo e me diz que partiu com seu irmão para me salvar. O que te faz pensar que sou um estúpido?
— Então, me diga — ela disparou de volta — o que eu deveria ter feito?
Ele estreitou os olhos.
— Você alega que seu irmão te ama tanto, deveria ter dito que queria permanecer comigo.
Ela elevou as mãos com desespero.
— Oh, sim! Isso teria dado excelentes resultados. Sem dúvida Roger teria embainhado sua espada e muito docilmente teria retornado para casa. Roger tem um temperamento tão forte quanto o seu. E, Montgomery, como eu poderia saber que você queria que eu permanecesse com você?
Ele ficou em silêncio por um momento.
— Meus desejos sempre estiveram muito claros. Eu ouvi rumores que você estava dormindo com muitos homens. Tenho certeza que seu estado civil de casada não vai interferir com suas atividades, embora meu filho por um tempo mais será um estorvo.
Com muita calma, muito lentamente, Elizabeth se aproximou e deu-lhe uma bofetada no rosto.
Quando Miles endireitou a cabeça para olhá-la, havia chamas em seus olhos. Com um gesto violento e rápido agarrou suas mãos e a empurrou contra a parede de pedra. Seus lábios se apertaram contra os dela com força, famintos, saqueando.
Elizabeth reagiu com todos os seus desejos adormecidos e apertou seu corpo contra o dele, ansiosamente, avidamente.
Seus lábios fizeram uma trilha quente em seu pescoço.
— Você me ama, não é verdade, Elizabeth?
— Sim. — Murmurou ela.
— Quanto? — Sussurrou ele, tocando o lóbulo da orelha com a ponta da língua.
— Miles, — ofegou ela — por favor. — Tinha as mãos seguras contra a parede, sobre sua cabeça, e desejava desesperadamente rodeá-lo com seus braços. — Por favor! — Repetiu.
Abruptamente se afastou dela, deixando cair seus braços.
— Como você se sente sendo rechaçada? — Disse friamente, mas uma veia em seu pescoço pulsava. — Como se sente quando ama alguém e este te rechaça? Eu implorei para que você ficasse comigo, mas escolheu seu irmão. Agora vamos ver se ele pode te dar o que precisa. Adeus, Elizabeth... Montgomery. — Com estas palavras deixou a sacristia e fechou a porta atrás de si.
Por um longo momento Elizabeth se sentiu muito fraca para mover-se, mas finalmente pôde chegar a uma cadeira e sentar-se. Estava atordoada quando entrou o sacerdote, obviamente muito agitado.
— Lorde Miles teve que partir, mas fora te espera uma escolta. E deixou isto para você. — Como Elizabeth não reagia, o sacerdote pegou sua mão e fechou-a em torno de algo frio e pesado. — Viva agora seu tempo querida, os homens podem esperar.
Só depois de alguns minutos Elizabeth pôde ficar de pé. O objeto que tinha na mão caiu sobre o piso de pedra.
Ajoelhou-se e o recolheu. Era um pesado anel de ouro, do tamanho de seu dedo, com uma grande esmeralda que tinha os três leopardos dos Montgomery esculpidos na lateral.
Seu primeiro impulso foi arrojá-lo longe, mas com um aceno de resignação deslizou-o no dedo anelar da mão esquerda e saiu da sacristia para encontrar-se com a escolta que a esperava.
Roger encontrou-a a meia milha da propriedade com uma guarda armada e as espadas desembainhadas. Ela esporeou seu cavalo para aproximar-se.
— Morte a todos os Montgomery! — Gritou ele. Elizabeth segurou as rédeas do cavalo dele e, depois de uma resistência que quase arranca seu braço do lugar, conseguiu detê-lo. Ambos tiveram que tranquilizar as suas montarias.
— Por que está cavalgando com homens de Montgomery?
— Gritou Roger.
— Porque sou uma Montgomery. —Gritou ela a sua vez. Essa afirmação fez com que Roger se detivesse.
— Como se atreveu a não me dizer que o rei ordenou que me casasse com Miles?! — Vociferou ela. — O que mais você mentiu para mim? Quem matou Brian?
A fúria de Roger fez que seu rosto ficasse de cor púrpura.
— Um Montgomery... — começou ele.
— Não! Quero a verdade!
Roger olhou para a guarda armada que estava atrás de Elizabeth como se estivesse planejando suas mortes.
— Vai me dizer a verdade aqui e agora, ou vou com eles de volta para Escócia. Acabo de me casar com um Montgomery e meu filho tem todo o direito de ser criado como um Montgomery.
Roger estava respirando com tanta força, seu peito estava inchando ao tamanho de um barril.
— Eu matei Brian. — Gritou ele, e imediatamente se tranquilizou. — Matei a meu próprio irmão. É isso o que queria ouvir?
Elizabeth esperava qualquer resposta, exceto aquela, e sentiu-se pasma.
— Voltemos para casa Roger e falaremos.
No castelo, a sós, Elizabeth exigiu que Roger contasse tudo referente às guerras entre os Chatworth e os Montgomery. Não era uma história fácil de escutar, e tampouco simples para Roger contar as coisas exatamente como tinham sido, a verdade imparcial. O ponto de vista de Roger sobre os fatos estava colorido e entremeado com suas próprias emoções.
Na Escócia acreditou que tinha a oportunidade de casar- se com a Laird Bronwyn MacArran, que acreditava que seria a companheira ideal para ele. Contou à mulher algumas
mentiras para que ela o tivesse em melhor conceito... mas o que eram umas poucas mentiras quando se tratava de cortejar alguém? Até provocou que Stephen Montgomery combatesse por ela, mas quando Stephen triunfou com tanta facilidade, Roger perdeu o controle e o atacou pelas costas. A humilhação que teve que sofrer por este fato tinha sido muito difícil de suportar. Raptou Bronwyn e a Mary somente para dar uma lição aos Montgomery. Jamais pensou em fazer mal às mulheres.
— Mas sim, fez mal a Mary — disse Elizabeth, com raiva.
— Brian queria desposá-la! — Defendeu-se Roger. — Depois de tudo o que eu sofri por causa dos Montgomery, tinha que suportar que meu irmão quisesse casar-se com essa moça mais velha, simples, sem nenhum caráter. Ninguém na Inglaterra queria nada com ela. Você pode imaginar como os Chatworth teriam sido ridicularizados?
— Seu orgulho me adoece. Brian está morto em vez de casado. Você conseguiu o que queria?
— Não. — Sussurrou ele.
— Eu tampouco. — Sentou-se. — Roger, quero que me escute, e que me escute bem. A guerra entre os Chatworth e os Montgomery terminou. Agora meu nome é Montgomery e meu filho será um Montgomery. Já não haverá mais lutas.
— Ele vai tentar outra vez de te levar... — começou Roger.
— Me levar! — Ficou de pé tão rapidamente que a cadeira caiu para trás. — Esta manhã roguei a Miles Montgomery que me levasse com ele, mas se negou. E não o culpo! Sua família perdeu a alguém a quem amavam muito, por sua culpa e, entretanto, não o mataram como provavelmente deveriam ter feito.
— Brian...
— Você matou Brian! — Gritou ela. — Você foi o causador de tudo, e por Deus se voltar sequer olhar a um Montgomery de mau modo, eu mesma desembainharei uma espada contra você. — Dizendo isto, saiu do salão, tropeçando em Alice, que como de costume, estava bisbilhotando atrás da porta.
Passaram-se três dias até que Elizabeth pudesse controlar sua raiva o suficiente para pensar.
Quando conseguiu raciocinar, decidiu avaliar toda a situação e ver o que podia fazer. Não permitiria que seu filho crescesse como tinha acontecido com ela. Provavelmente nunca pudesse viver com Miles, de maneira que o mais próximo a um pai que a criança teria seria seu irmão Roger.
Encontrou Roger cabisbaixo junto da lareira, e se ela fosse um homem, o teria levantado aos empurrões da cadeira e lhe dado umas boas palmadas no traseiro.
— Roger, — disse com voz doce como o mel — não tinha notado até agora, mas tem um barrigão.
Ele colocou a mão, surpreso, no estômago plano. Elizabeth teve que conter a risada. Roger era um homem muito bonito e estava acostumado que as mulheres o olhassem.
— Talvez na sua idade os homens engordem e seus músculos se debilitem.
— Mas não sou tão velho. — Disse ele, ficando de pé e olhando o estômago.
— Isso era algo que eu gostava na Escócia. Os homens se mantinham em perfeito estado físico.
Ele inclinou a cabeça para ela.
— O que está tratando de fazer, Elizabeth?
— Estou tratando de evitar que se afunde em um mundo de autopiedade, Brian está morto, e embora todas as noites caia bêbado na cama, pelo resto de seus dias, não será capaz de trazê-lo de volta. Agora vá buscar aqueles cavaleiros preguiçosos e ponha-os a treinar.
Havia apenas uma sugestão de um sorriso em seus olhos.
— Talvez esteja precisando de um pouco de exercício. —
Disse, e saiu do salão.
Seis semanas depois, Elizabeth deu à luz a um menino muito grande, saudável, a quem chamou Nicholas Roger. Imediatamente ficou evidente que o menino herdou as altas maçãs do rosto de Gavin Montgomery. Roger se entusiasmou como se o menino fosse dele.
Quando Elizabeth pôde se levantar, começou a trabalhar para preparar um belo lar ao pequeno Nicholas. O primeiro que fez foi ordenar que um guarda permanecesse junto ao menino, porque Alice parecia acreditar que Nicholas era filho de Judith e Gavin, e Elizabeth não tinha confiança no que a pobre louca pudesse fazer.
Nicholas tinha apenas um mês de idade quando chegou a primeira carta de Judith Montgomery. Era uma carta reservada em que perguntava pelo menino e lamentava não conhecer Elizabeth, embora Bronwyn falasse muito bem dela. Não falava nada sobre Miles.
Imediatamente, Elizabeth respondeu a carta, elogiando muito ao pequeno Nick, contando que ele se parecia com Gavin e perguntando se Judith teria algum bom conselho para uma mãe novata.
Judith respondeu enviando um baú repleto de lindas roupas de bebê que seu filho, que já tinha dez meses, deixou de usar.
Elizabeth, em um leve desafio, mostrou as roupas a Roger e disse que iniciou uma correspondência com Judith Montgomery. Roger, empapado de suor porque acabava de voltar do campo de treinamento, não disse uma palavra... mas Alice tinha muito a dizer, embora todos a ignorassem.
Foi somente na quinta carta de Judith que ela mencionou Miles e só de passagem. Contava que Miles estava vivendo com
Raine, que ambos estavam sem suas esposas e que ambos se sentiam terrivelmente mal.
Essa notícia fez a semana inteira de Elizabeth parecer maravilhosa. Ria com Nick e lhe contava tudo referente a seu pai e seu meio irmão Kit.
Em setembro, Elizabeth enviou a Judith uns bulbos para seu jardim, e escondido dentro, um lindo gibão para Kit, similar ao dos homens grandes, que ela mesma tinha feito. Judith escreveu de volta que Kit amava o gibão, mas que tanto ele como Miles acreditavam que tinha sido Judith quem o confeccionou, que isto tinha feito rir muito Gavin, porque Judith estava sempre muito ocupada e não tinha paciência para sentar-se e costurar.
Pouco depois do Natal, Judith enviou uma carta longa e muito séria. Raine e sua esposa tinham por fim feito as pazes, e Miles tinha ido visitá-los antes de voltar para suas próprias propriedades. Judith ficou surpresa pela mudança sofrida por Miles. Sempre tinha sido um solitário, mas agora quase não falava com ninguém. E o que era pior, seu amor pelas mulheres desapareceu. As mulheres ainda se sentiam atraídas por ele, mas Miles as olhava com suspeita e sem o mínimo interesse. Judith tentou falar com ele sobre isso, mas tudo o que ele tinha respondido foi: Sou um homem casado, recorda-o? Os maridos e esposas devem permanecer fiéis um ao outro sempre. Logo, riu e se afastou. Judith rogava a Elizabeth que perdoasse
Miles, advertindo ao mesmo tempo, que todos os Montgomery eram incrivelmente ciumentos.
Elizabeth respondeu com outra longa carta, em que se refletia toda sua frustração. Miles era o único homem que a tocou, que rogou que a levasse com ele depois das bodas, mas ele se negou. Contou como teve que partir com Roger para salvar a sua vida. Escreveu páginas inteiras explicando que idiota tinha sido por acreditar tão cegamente em seu irmão, mas era Miles quem a queria longe de si, não ela.
Assim que Elizabeth enviou a carta com o mensageiro, desejou tê-la de volta. Para falar a verdade, ela não conhecia Judith Montgomery. Se apenas uma pequena parte do que Alice contava de Judith fosse certo, a mulher devia ser um monstro. Poderia arruinar todas as suas probabilidades de um acerto com Miles.
Quando passaram dois meses sem receber uma resposta, Elizabeth sentiu que ia enlouquecer. Roger não fazia mais que perguntar o que era que estava errado.
Alice fez mais que isso. Entrou furtivamente no quarto de Elizabeth, encontrou as cartas de Judith, leu-as e logo fez um relato detalhado delas a Roger. Quando Roger optou por não lhe prestar maior atenção, Alice teve um ataque de fúria que durou quase um dia inteiro.
A resposta de Judith a Elizabeth foi curta: Miles ia estar acampando a vinte milhas da propriedade Chatworth em 16 de
fevereiro, nos arredores da aldeia do Westermore. Sir Guy estava disposto a ajudar Elizabeth em tudo o que pudesse.
Elizabeth dormia com esta carta, levava consigo a todas as partes e finalmente a escondeu atrás de uma pedra da lareira. Durante uns dias se sentiu entre nuvens, e depois conseguiu pôr os pés sobre a terra. Por que tinha que pensar que Miles a quereria de volta? O que ela podia fazer para que ele a quisesse?
É minha Elizabeth! — Havia dito ele. — Me foi entregue.
Em sua mente começou a se formar um plano. Não, não poderia, pensou. Uma risadinha escapou dela. Não acreditava ter coragem suficiente. Mas o que aconteceria se ela se "desse” novamente a Miles?
Enquanto Elizabeth estava no salão, pensando em visões deliciosas e mágicas, Alice estava no quarto de Elizabeth, espiando e procurando. Quando encontrou a última carta de Judith, levou a Roger, e desta vez ele prestou atenção. Durante os dias que se seguiram, três pessoas na casa Chatworth maquinavam seus planos... todos com distintos objetivos uns dos outros.
Capítulo Quinze
— De maneira nenhuma! — Disse Sir Guy enquanto observava Elizabeth. Seu tom de voz era baixo, mas parecia mais forte que um grito.
— Mas Judith disse que estava disposto a me ajudar.
Sir Guy se ergueu em toda sua altura A cicatriz que lhe cruzava o rosto estava de cor púrpura.
— Lady Judith, — enfatizou a palavra— não tinha ideia de que você pudesse me pedir semelhante coisa. Como pôde lhe ocorrer algo assim? — Disse com a voz carregada de recriminação.
Elizabeth lhe deu as costas e deu um rápido pontapé no tapete no chão. Tinha parecido uma boa ideia: faria que Sir Guy a entregasse novamente a Miles, nua, envolta em um tapete. Talvez a repetição da cena o fizesse rir e perdoá-la. Mas Sir Guy se negava a cooperar.
— E então o que posso fazer? — Ela perguntou com tom cansado. — Sei que não vai querer me ver se peço diretamente um encontro.
— Lady Alyx enviou sua filha a Lorde Raine, e a menina atuou de emissária.
— Oh, não. Não vou permitir que Miles ponha as mãos em Nick. Miles contrataria outra babá e adicionaria o menino a sua coleção. Nunca mais voltaria a ver nem a Miles, nem o Nick. — Recostou-se contra uma árvore e tentou pensar. Se ela organizasse um encontro com Miles, duvidava que ele a ouvisse.
Sua única oportunidade verdadeira era fazer que ele escurecesse os olhos de paixão e que não pudesse se controlar. Talvez então pudesse falar, depois de fazerem amor.
Enquanto pensava, brincava com sua longa capa negra de veludo, adornada com visom da mesma cor. Cobria-a dos pés à cabeça. Olhou de novo Sir Guy e havia uma nova luz em seus olhos.
— Pode me dar algum tempo a sós com Miles, não na sua tenda, mas no bosque? E que seja realmente a sós! Sem dúvida ele chamará a seus guardas, mas quero que não apareça ninguém.
— Eu não gosto da ideia. — Disse Sir Guy teimoso. — O que acontecerá se aparece um perigo real?
— Muito certo! — Disse ela com sarcasmo. — Poderia jogá-lo no chão e pôr uma adaga na sua garganta.
Sir Guy levantou uma sobrancelha e ostentosamente mudou de posição o pé que Elizabeth tinha quebrado.
Elizabeth deu-lhe um pequeno sorriso.
— Por favor, Guy, não tenho feito mal a um homem em muito tempo. Miles é meu marido e o amo, e só trato de que ele volte a me amar.
— Eu acredito que Lorde Miles a ama muito, quase está obcecado por você, mas feriu seu orgulho. Nunca nenhuma mulher lhe tinha causado problemas.
— Não vou me desculpar por haver partido da Escócia com Roger. Naquele momento era o que eu tinha que fazer. Agora, vai fazer o necessário para que tenha um momento a sós com meu marido?
Sir Guy demorou antes de assentir uma vez.
— Sem dúvida vou me arrepender disso.
Elizabeth sorriu amplamente, com o rosto iluminado.
— Será o padrinho de nosso próximo filho.
Sir Guy resmungou.
— Em uma hora Lorde Miles estará neste lugar. Dou-lhe uma hora com ele.
— Então nos encontrará em uma situação embaraçosa.
— Disse ela com franqueza. — Quero seduzir meu marido. Dê- nos pelo menos três horas sozinhos.
— Você não é nenhuma dama, Elizabeth Montgomery. —
Disse ele, mas havia brilhos em seu olhar.
— Nem tampouco tenho orgulho. — Esteve de acordo ela.
— Vai agora, enquanto me preparo.
Quando ficou sozinha, Elizabeth perdeu um pouco de seu sangue-frio. Talvez esta fosse sua única oportunidade de recuperar seu marido, e rezava para que tudo saísse bem. Com mãos trementes começou a desabotoar seu vestido.
Esperava conhecer Miles o suficiente para saber que ele poderia resistir a ela com sua lógica, mas não fisicamente.
Escondeu suas roupas debaixo de alguns arbustos e, nua, envolveu-se inteira na capa negra. Para o mundo seria uma dama decorosa. Quando estava preparada, sentou-se em uma pedra e esperou.
Quando ouviu os passos de alguém que se aproximava, ficou rígida, porque reconheceu a forma de caminhar de Miles, rápido, forte, decidido. Ficou de pé para recebê-lo.
Quando ele a viu, seus olhos deram as boas-vindas, ansiosos, mas imediatamente sua visão escureceu, olhando-a friamente.
— Deixou de lado seu irmão? — Perguntou-lhe.
— Miles arrumei este encontro para te perguntar se seria possível que vivêssemos juntos como marido e mulher.
— Os três juntos?
— Sim. — Sorriu. — Nós dois e nosso filho Nicholas.
— Já vejo. E, se pode saber, o que vai fazer seu irmão sem a irmã pelo que tantas vezes matou?
Ela se aproximou alguns passos.
— Passou muito tempo da última vez que nos vimos, e esperava que já tivesse superado seus ciúmes.
— Não estou com ciúmes! — Replicou ele. — Teve que tomar uma decisão e tomou. Agora, vou fazer que a escoltem de novo a sua casa. Guardas!
Um olhar de perplexidade cruzou o rosto de Miles quando nenhum homem apareceu a sua chamada, mas antes que ele pudesse dizer uma palavra, Elizabeth abriu a capa, revelando seu corpo nu. Miles ficou com a boca aberta e só atinou em dar um ofego.
Elizabeth deixou que a capa caísse semiaberta, mostrando desde sua cintura até os pés. Lentamente, como uma caçadora, aproximou-se dele e colocou uma mão na sua nuca.
Involuntariamente, a mão dele foi tocar a pele acetinada de seu quadril.
— Vou ter que te suplicar Miles? — Sussurrou ela, olhando seus lábios. — Eu tenho errado em tantas coisas. Já não tenho orgulho. Amo-te e quero viver contigo. Quero mais filhos.
Lentamente, os lábios de Miles se aproximaram dos dela.
Estava usando toda sua força de vontade para resistir.
— Elizabeth! — Murmurou ele, roçando sua boca levemente.
O fogo longamente reprimido e acumulado se acendeu entre eles. Os braços de Miles deslizaram debaixo da capa e a levantou do chão, apertando-a contra si e beijando-a mais profundamente. Sua boca percorreu seu rosto, como se quisesse devorá-la.
— Eu senti sua falta, oh Deus, houve momentos em que pensei que enlouqueceria.
— Eu tenho certeza que enlouqueci. — Respondeu ela, rindo e chorando. — Por que não pôde perceber que amava só a você? Nunca permiti que nenhum outro homem me tocasse.
Ele beijou suas lágrimas.
— Inteirei-me de que John Bascum teve que dar quatorze pontos na cabeça porque você o golpeou.
Ela o beijou na boca e não permitiu que seguisse falando. Sem que nenhum dos dois percebesse, começaram a escorregar para o chão. Os dedos de Elizabeth estavam enterrados nas amarras das roupas de Miles, enquanto suas mãos percorriam ansiosamente seu corpo.
— Tire as mãos de cima dela! — Ouviu-se uma voz mortal.
Elizabeth e Miles levaram um momento para compreenderem quem tinha falado. Roger Chatworth segurava sua espada em Miles.
Miles dirigiu a Elizabeth um olhar duro e começou a ficar de pé.
— Ela é sua. — Disse a Roger, com o peito agitado.
— Maldito seja, Roger! — Elizabeth gritou para seu irmão, pegando um punhado de pedras e jogando-as em sua cabeça.
— Só uma vez, você não pode ficar fora da minha vida? Guarda essa espada antes que alguém saia machucado!
— Vou ferir um Montgomery se ele...
— Pode tentá-lo. — Soprou Miles, desembainhando sua espada.
— Não! — Gritou Elizabeth, e saltou em meio dos dois homens, de frente a seu irmão. — Roger, vou deixar isso claro: Miles é meu marido e eu vou voltar para sua casa com ele, isto é, se me permitir isso, depois de como você nos fez de tolo, a ambos.
— Que modelo de marido. — Riu Roger entre dentes. — Faz meses que não te vê, nem sequer conhece seu próprio filho. É isso o que quer Elizabeth? Vai deixar seu lar por um homem que não se importa nada de você? Quantas mulheres deixou grávidas desde que viu Elizabeth pela última vez, Montgomery?
— Mais do que você poderia engravidar em toda sua vida.
— Repôs Miles com calma.
Elizabeth se aproximou mais de Miles quando Roger se ergueu ameaçador.
— Se tivesse um pouco de sentido comum, mandaria a ambos ao inferno. — Resmungou Roger.
— Deixa que te liberte dele. — Disse Roger, mas quando a ponta de sua espada tocou a capa de Elizabeth, ficou muito quieto. — Você não tem vergonha? Você cumprimentou este homem... assim?
— Roger, você é um idiota que só compreende o que se mete na cabeça pela força. — Girando com seus veludos e seus visons, ficou nas pontas dos pés e plantou sua boca contra a de Miles.
Miles estava começando a compreender que desta vez Elizabeth o escolhia e não a seu irmão. Apertou-a contra si tão forte que quase rompeu suas costelas e a beijou com promessas de um novo amanhã.
Roger, zangado, tão furioso que não podia parar de tremer, não notou o homem que se esgueirava atrás dele. Nem tampouco escutou o assobio do pau que o golpeou na cabeça. Sem emitir um som, caiu ao chão.
Miles e Elizabeth envolvidos um no outro, não teriam percebido o estrondo de uma árvore caindo ao seu redor, mas algo fez que Elizabeth abrisse os olhos repentinamente.
Um pau estava a ponto de golpear a cabeça de Miles. Empurrou-o rapidamente para a esquerda, de maneira que o pau a golpeou e não a ele.
Miles não percebeu em primeiro lugar o que tinha deixado Elizabeth tão completamente inerte. Sustentando-a com uma mão, voltou-se, mas não conseguiu se esquivar do golpe que desta vez ia dirigido a ele.
Os três homens, sujos e corpulentos, ficaram olhando aos dois homens e à mulher que jaziam aos seus pés.
— Qual é Montgomery? — Perguntou um deles.
— Como quer que eu saiba?
— Então o que vamos fazer? Quem levaremos?
— A ambos! — Disse o terceiro homem.
— E a rameira? — Perguntou um deles, enquanto que com o pau abria a capa de Elizabeth.
— A levaremos com eles. A mulher Chatworth disse que poderia haver uma mulher e que devíamos nos desfazer também dela. Estou planejando fazê-la pagar por cada um dos corpos. Agora, tirem as roupas desse homem enquanto eu me encarrego deste outro.
O terceiro homem cortou uma mecha dos loiros cabelos de Elizabeth e o introduziu em um bolso.
— Vejamos, apresse-se. A carreta não vai esperar o dia
todo.
Quando Elizabeth despertou, a dor de sua cabeça era tão intensa que desejou ter seguido inconsciente. Até parecia que o chão debaixo dela se movia. Quando começou a sentar-se, caiu para trás, golpeando a cabeça não contra o chão, a não ser contra madeira.
— Quieta querida! — Veio a voz de Miles atrás dela.
Ela se voltou e encontrou o olhar penetrante de Miles. Ele estava nu, salvo por sua roupa interior, e tinha os braços amarrados às costas, formando um ângulo pouco natural, seus tornozelos estavam atados. Ao seu lado, roncando, estava Roger, também preso.
À medida que a cabeça de Elizabeth foi clareando, percebeu de que ela também estava atada pelos pulsos e os tornozelos.
— Onde estamos? — Sussurrou, tratando de não mostrar o medo que sentia.
A voz de Miles era profunda, forte, reconfortante.
— Estamos no porão de um navio e imagino que vamos para a França.
— Mas quem planejou isso? E por quê? — Gaguejou ela.
— Talvez seu irmão saiba. — Disse Miles com calma. — No momento temos que tratar de nos libertar. Eu vou rolar para você e usar meus dentes para desamarrar suas mãos, então você poderá me libertar.
Elizabeth assentiu com a cabeça, tratando de recuperar a calma. Se Roger tivesse alguma coisa a ver com a captura deles não estaria também neste lugar, disse a si mesma.
Quando teve as mãos livres, suspirou aliviada, virou-se para Miles e, em lugar de liberá-lo, abriu sua capa, apertou seu corpo nu contra o dele e o beijou.
— Pensou um pouco em mim? — Ela sussurrou contra seus lábios.
— A cada momento. — Faminto, inclinou-se para frente para beijá-la novamente.
Rindo, ela lhe deu um empurrão.
— Não deveria desamarrar você?
— A parte que necessito, já está livre. — Disse ele, enquanto movia seus quadris mais perto dos dela.
Elizabeth enterrou os dedos nos ombros dele e invadiu sua boca com a sua. Somente os gemidos altos e as queixas de Roger conseguiram fazer com que se separasse dele.
— Se eu não odiasse seu irmão antes, iria começar a odiá- lo agora mesmo. — Disse Miles com veemência quando Elizabeth se sentou, inclinou-se sobre ele e começou a desatá- lo.
— O que é isto? — Exigiu saber Roger. Sentou-se, caiu novamente para trás e finalmente pôde manter-se erguido. — O que você fez agora, Montgomery?
Miles não respondeu, mas esfregou os pulsos enquanto Elizabeth desatava seus próprios tornozelos. Quando Miles começou a soltar seus tornozelos, Roger explodiu de novo.
— Vocês dois planejam se libertar e me deixar aqui? Elizabeth, como pode esquecer...?
— Fique quieto, Roger. — Disse Elizabeth. — Você já fez mais do que o suficiente de dano. Tem alguma ideia de onde pensa nos levar este navio?
— Pergunte ao seu amante, tenho certeza de que foi ele quem planejou isso.
Miles não se deu ao trabalho de responder a Roger enquanto se voltava para Elizabeth.
— Eu quero saber se tenho a sua lealdade para o momento. Se alguém abrir a escotilha, atacá-lo-ei, enquanto você usa as cordas para atá-lo. Posso confiar em você?
— Pode acredita ou não, você sempre teve minha lealdade. — Elizabeth disse em uma voz fria.
— Você tentou exigir que nos libertassem? — Perguntou Roger. — Ofereça-lhes dinheiro.
— E você vai esvaziar seus bolsos com eles? — Olhando para a pequena tira de pano que Roger usava como tapa sexo.
Ninguém disse uma palavra mais, porque alguém abriu a escotilha e um pé apareceu na escada.
— Baixem! — Miles ordenou, e Roger e Elizabeth fingiram dormir, deitando-se sobre o chão de madeira, Miles silenciosamente deslizou para o lado mais distante da escada.
O marinheiro introduziu a cabeça e pareceu satisfeito ao ver os dois prisioneiros adormecidos, baixou outro degrau e neste instante percebeu que faltava um dos cativos. Miles agarrou o homem por ambos os pés e o jogou no chão. Não se produziu nenhum som, exceto, um golpe amortecido, que se perdeu entre os rangidos e gemidos do navio.
Roger não perdeu tempo em entrar em ação e levantou pelos cabelos a cabeça do homem.
— Estará fora de combate por um tempo.
Miles começou a desabotoar as roupas do homem.
— E você espera que eu fique aqui enquanto pega suas roupas e escapam? — Perguntou Roger de mau modo. — Não vou ficar à mercê de um Montgomery.
— Pois o fará! — Sibilou Elizabeth. — Roger, estou doente de tanta desconfiança de sua parte. Você é o único que tem causado a maioria dos problemas entre os Montgomery e Chatworth, e se agora quisermos sair desta, terá que aprender a cooperar. O que podemos fazer Miles?
Miles a observava enquanto lutava para vestir as roupas muito pequenas. Em geral os marinheiros eram escolhidos por seus corpos não serem muito desenvolvidos, porque dessa forma poderiam moverem-se melhor dentro dos limites de um navio.
— Voltarei assim que descobrir alguma coisa. — Dizendo isto, desapareceu pela escada.
Elizabeth e Roger amarraram e amordaçaram o marinheiro inconsciente e o deixaram em um canto.
— Você sempre vai ficar do lado dele? — Perguntou-lhe Roger de mau humor.
Elizabeth se recostou contra a parede do navio. Doía-lhe a cabeça e seu estômago vazio começava a revolver-se pelo movimento.
— Tenho muito que reparar com respeito ao meu marido. Talvez Miles tenha razão e eu pudesse ter feito outra coisa no
dia em que você foi me procurar na cabana. Você nunca foi o tipo de pessoa que escuta a razão, mas possivelmente eu deveria ter tentado.
— Insulta-me! Sempre fui uma boa pessoa contigo.
— Não! Sempre se aproveitou por ter me protegido. Agora me escute. Como nos metemos nesta confusão, temos que sair dela. Tem que cooperar.
— Com um Montgomery?
— Com dois Montgomery! — Ela murmurou. Roger ficou quieto um momento.
— Alice! — Ele murmurou. — Ela me trouxe a carta da esposa de Gavin Montgomery, ela sabia onde você estava encontrando seu...
— Marido. — Esclareceu Elizabeth. — Oh, Roger! — Suspirou com força. — Nicholas! Ele está sozinho com Alice, devemos voltar para o meu filho.
Roger pôs uma mão no ombro dela.
— O menino tem um guarda e têm ordens de não permitir que Alice se aproxime. Não me desobedecerá.
— Mas o que vai acontecer com ele se não voltarmos?
— Sem dúvida os Montgomery vão assumir sua tutela.
Os olhos de ambos se encontraram, e Roger percebeu o que acabava de dizer. Estava muito perto de admitir que, talvez, ele estivesse equivocado em suas acusações contra os Montgomery. Possivelmente tudo o que Elizabeth vinha dizendo começou a penetrar em sua cabeça.
Voltaram-se, contendo o fôlego quando a porta da escotilha se abriu, e respiraram tranquilos quando Miles entrou.
Elizabeth voou para ele e abraçou seu pescoço, e quase lhe fez derrubar o que trazia nos braços.
— Achamos que foi Alice quem planejou tudo isso. Oh, meu Miles, não está ferido?
Miles olhou para ela com desconfiança.
— Troca de parecer com muita rapidez do quente ao frio e de volta. Não, não tive nenhum problema. Trouxe comida e roupas.
Jogou a Roger uma fatia de pão duro e deu a Elizabeth algumas roupas. Depois de olhar para o marinheiro atado e amordaçado, em silêncio, os olhos arregalados de medo, Miles sentou-se com Roger e Elizabeth.
Além do pão havia carne seca e uma bebida de desagradável sabor que Elizabeth deixou de lado.
— O que você viu? — Perguntou Roger. Miles percebeu que Roger estava engolindo seu orgulho ao fazer essa pergunta.
— É um navio velho, caindo aos pedaços, e é dirigido por uma tripulação que está basicamente bêbada ou morrendo. Se eles sabem que somos prisioneiros, não estão interessados.
— Eles soam como o tipo de homens que Alice poderia conhecer. — Disse Elizabeth com desgosto. — Dirigimo-nos a França como pensava?
— Sim. Reconheço o litoral. Quando escurecer deslizaremos a coberta, tomaremos um dos botes e remaremos até a costa. Não quero que nos arrisquemos a uma festa de boas-vindas quando o navio chegue a doca. — Olhou para Roger e este assentiu com a cabeça.
— E como voltaremos para a Inglaterra? — Perguntou Elizabeth, mastigando.
— Tenho parentes a mais ou menos quatro dias de viagem de onde desembarcaremos. Se conseguirmos chegar a eles, estaremos a salvo.
— É óbvio que não temos nem cavalos, nem comida para a viagem. — Disse Roger, enquanto bebia avidamente a desagradável bebida.
— Talvez possamos arrumar algo. — Disse Miles em voz baixa tomando a taça.
Enfatizou levemente a palavra "possamos".
— Sim, talvez possamos. — Respondeu Roger, igualmente tranquilo.
Comeram em silêncio e quando terminaram, Roger e Elizabeth vestiram as roupas de marinheiro. A camisa listrada de algodão apertava os seios de Elizabeth, e gostou de ver um brilho no olhar de Miles. Já provou que embora ele estivesse zangado com ela, ainda a desejava... e não havia dito que pensou nela a ‘cada momento’?
Quando a escuridão foi ainda maior na pequena adega fedorenta, Miles subiu de novo pela escada e desta vez demorou um bom momento em voltar. Foi um tempo assustadoramente longo. Retornou com as mãos vazias.
— Abasteci o bote com toda a comida que pude encontrar.
— Olhou para Roger. — Devo confiar em você para proteger minhas costas. Elizabeth estará entre nós dois.
Roger, igual a Miles, era muito alto para poder estar completamente erguido na adega. Miles podia passar como um marinheiro com suas roupas mal ajustadas, um dia de barba negra por fazer em suas bochechas, seus olhos selvagens e ferozes, mas Roger não conseguiria.
O corpo mais robusto de Roger tinha aberto as costuras da camisa, e sua brancura aristocrática não podia confundir- se com a cor de algum sujo marinheiro. E Elizabeth, com seus traços delicados e a roupa marcando sua figura não tinha nenhuma esperança de passar por um homem.
Sob os olhos atentos do marinheiro atado, que estava tentando passar despercebido, subiram pela escada. Miles se
adiantou alguns passos, sustentando uma pequena adaga em suas mãos. Era a única arma que tinha conseguido, e não deu nenhuma explicação de como conseguiu.
O ar fresco da noite fez Elizabeth perceber o quanto tinham respirado o ar bolorento da adega, e sua cabeça começou a clarear com a brisa marinha. Miles pegou seu braço, dando um ligeiro empurrão impaciente, e ela voltou sua atenção ao que estava ocorrendo.
Havia três homens no convés. Um no leme, dois caminhando em lados opostos do navio.
Miles se agachou e desapareceu entre um emaranhado de enormes cordas, e instantaneamente Elizabeth e Roger seguiram seu exemplo. Agachados até as pernas doerem, foram avançando centímetro a centímetro, muito lentamente, com grande cuidado, para não fazer nenhum ruído.
Quando Miles se deteve, fez um aceno com a mão e Roger pareceu compreender. Deslizou-se pelo lado do navio e Elizabeth conteve o fôlego, esperando ouvir algum ruído quando Roger caísse, mas nada aconteceu.
Em seguida, Miles também fez um sinal para ela. Sem pensar duas vezes passou uma perna pela amurada do navio e depois o resto do corpo. Roger a sustentou e silenciosamente a depositou no assento do bote.
Seu coração batia forte, enquanto observava como Roger, ajudado de cima por Miles, começava a fazer baixar o bote pelo
lado do navio. Os músculos dos braços de Roger se endureceram pelo esforço de baixar o bote sem deixá-lo cair com força na água, fazendo barulho. Elizabeth fez um intento para ajudar, mas Roger a colocou de um lado. Enquanto voltava para seu assento, enganchou o pé em algo. Quase solta um grito quando viu uma mão muito perto de seu pé, a mão de um marinheiro morto.
De repente o bote se sacudiu e ela ouviu a respiração agitada de Roger enquanto lutava por controlar a queda do bote na água. Por alguma razão, Miles soltou abruptamente as cordas, lançando a sobrecarga para Roger, que conseguiu com grande esforço que o bote se apoiasse na água sem o menor ruído. Imediatamente, olhou para a amurada do navio.
Miles não estava na linha de visão por nenhum lado, e por um momento Elizabeth sentiu pânico. Qual seria a profundidade do ódio de Roger? Poderia ela lutar contra Roger se ele decidisse deixar Miles para trás?
Mas Roger não fez mais que ficar de pé no bote, com o olhar ansioso voltado para cima e suas pernas bem separadas para não perder o equilíbrio.
Quando Elizabeth estava perto das lágrimas de preocupação, Miles apareceu pelo convés, viu onde estava Roger e no instante seguinte jogou um corpo em seus braços. Parecia que era precisamente isto o que Roger estava esperando, porque quando o corpo caiu sobre ele, nem sequer cambaleou. Imediatamente Miles começou a descer pela corda
com a velocidade de um relâmpago, e assim que pisou dentro do bote, Roger começou a remar. Miles chutou o corpo do marinheiro morto junto ao outro cadáver, tomou o outro remo e também começou a remar.
Elizabeth não pôde pronunciar uma só palavra ao ver como os dois trabalhavam juntos e o bote deslizava para longe, dentro da noite.
Capítulo Dezesseis
— Temos que nos desfazer deles. — Foram às primeiras palavras que se pronunciou depois de uma hora de silêncio.
Miles assentiu e continuou remando enquanto Roger jogava os dois corpos na água.
Roger voltou a tomar o remo.
— Temos que conseguir outras roupas. Algo simples que não desperte suspeitas.
— Suspeitas do quê? — Perguntou Elizabeth. — Acha que os marinheiros tratarão de nos encontrar?
Roger e Miles intercambiaram um olhar que ela não pôde compreender.
— Se alguém chegar a saber que somos Montgomery ou Chatworth, — explicou Roger com paciência — em poucos minutos nos fariam prisioneiros para pedir resgate. Como viajamos sem guarda, devemos viajar incógnitos.
— Como músicos, talvez. — Disse Elizabeth. —
Deveríamos ter Alyx conosco.
A menção a nova cunhada de Miles fez que Roger recordasse o momento em que ela salvou sua vida. O relato
levou até o amanhecer, quando os homens finalmente chegaram à praia francesa.
— Mantenha sua capa bem fechada e fique perto de mim.
— Ordenou Miles em voz baixa. — Muito em breve instalarão um mercado aqui, e veremos se podemos conseguir algumas roupas.
Estava começando a clarear, mas a praça do povoado fervia de gente que conduzia mercadorias para a venda. Roger, em suas roupas com as costuras rasgadas e sua forma arrogante de caminhar, atraiu muitos olhares, o mesmo que Elizabeth, com seus cabelos sujos e despenteados, mas coberta com uma capa muito cara. Mas foi Miles quem chamou mais a atenção... das mulheres.
Uma moça jovem e bela, rodeada de homens, levantou a vista e deu uma olhada aos olhos escuros de Miles. Elizabeth deu um passo adiante, suas mãos transformadas em garras. Com uma risada, Miles pegou seu braço.
— Você gostaria de ter o vestido dessa senhora?
— Eu gostaria de ter sua pele pendurada em minha porta.
Miles dirigiu a Elizabeth um olhar tão carregado de desejo que seu coração começou a pulsar com força.
— Se comporte e me obedeça. — Disse ele, caminhando para a mulher que o olhava provocativamente.
— E o que posso fazer por você? — Perguntou a mulher em um francês vulgar.
— Poderia persuadi-la para que tire a roupa? — Murmurou Miles, enquanto seus dedos acariciavam um enorme repolho, em um francês clássico perfeito.
Elizabeth poderia ter jogado a mulher no chão por toda a atenção que deu a Miles.
— Sim, você poderia. — Respondeu ela, colocando sua mão sobre a de Miles. — E o que me ofereceria em troca?
Miles recuou, seus olhos brilhantes, aquele meio sorriso que Elizabeth conhecia tão bem em seus lábios.
— Trocaremos uma capa adornada com peles por três jogos de roupas e provisões.
A mulher olhou Elizabeth de cima a baixo.
— A capa dela? — Resmungou.
Neste momento, dois homens se aproximavam do grupo, e por sua aparência, pareciam serem os irmãos da mulher. Elizabeth, zangada pelo flerte de Miles, embora fosse por uma boa causa, olhou aos homens por entre seus espessos cílios.
— Tivemos um acidente muito desafortunado. — Disse ela em francês, não tão bom como o de Miles, mas bastante adequado. — Esperávamos trocar esse manto indigno por algumas roupas, embora talvez, as de sua irmã fossem um pouco pequenas. — Dizendo isto, deixou que a capa se
entreabrisse até os quadris, deixando à vista a camisa que se colava ao corpo e as calças mais ajustadas ainda.
Miles, de mau humor, voltou a subir a capa até seus ombros, mas os homens olhavam Elizabeth com admiração.
— Fazemos o trato? — Disse Miles com os dentes apertados, sem olhar para Elizabeth.
Os irmãos concordaram prontamente, a irmã sendo empurrada para o fundo.
Poucos minutos depois, Elizabeth entrou em uma porta e mudou de roupa, cobrindo-se com a capa. O vestido que usava era simples, liso, solto, confortável, recatado.
Quando Miles e Roger também usavam roupas simples, embora as ajustadas calças de meia marcavam os músculos das panturrilhas, encheram bolsas com mantimentos e partiram rumo ao sul.
Já estavam bem longe do povoado quando Miles falou com Elizabeth.
— Aprendeu esse truque na casa de seu irmão? Você parece ter superado rapidamente seu medo dos homens.
— E o que eu deveria fazer? Ficar parada e deixar que essa puta te manuseasse? Sem dúvida você a teria possuído contra a árvore se ela tivesse pedido esse preço.
— Talvez. — Foi tudo o que Miles disse e caiu em um de seus silêncios irritantes.
— Por que me acusa de tantas ações perversas? Jamais fiz algo para merecer sua desconfiança. Fiquei contigo em Escócia e...
— Você fugiu e quase matou o Laird MacGregor. Depois partiu com seu irmão. — Disse Miles secamente.
— Mas eu tinha que ir! — Insistiu Elizabeth.
Roger estava caminhando do outro lado de Elizabeth, em silêncio até agora.
— Eu teria matado você, Montgomery, se ela não tivesse partido comigo. E não teria acreditado em nenhuma palavra se tivesse me dito que queria ficar com você.
— Por que você está me contando isso? — Perguntou Miles a Roger depois de uma pausa.
— Porque Elizabeth me criticou por um longo tempo e insiste no muito... equivocado que estou. Possivelmente exista alguma verdade em suas palavras.
Caminharam em silencio por algum tempo mais, sem que nenhum se decidisse a expressar seus pensamentos.
Quando o sol estava alto no céu, detiveram-se para comer e tomarem água de um arroio que corria junto a estrada. Elizabeth sentiu várias vezes que Miles a observava, e se perguntou o que ele estava pensando.
No caminho cruzaram com vários viajantes, ricos mercadores com burros carregados de ouro, muitos
camponeses, músicos, ferreiros e um nobre escoltado por vinte cavaleiros. Uma hora depois, Roger e Miles continuavam fazendo comentários pejorativos sobre os cavaleiros, criticando desde as cores de seus emblemas até suas armaduras passadas de moda.
Quando o sol começou a declinar, os homens começaram a procurar um lugar apropriado para passar a noite. Embora se arriscassem a serem atacados por invasores, Roger e Miles decidiram ficarem nos bosques do rei, longe de outros acampamentos que se localizavam a borda do caminho.
Enquanto comiam, Roger e Miles falavam sobre seus treinamentos, mencionavam as pessoas que ambos conheciam e em geral atuavam como se fossem velhos amigos. Elizabeth se afastou um momento na espessura da floresta e nenhum dos dois notou. Alguns minutos depois estava a ponto de romper em pranto quando se apoiou contra uma árvore ao escutar os sons da noite.
Quando Miles tocou o ombro, ela saltou pela surpresa.
— Algo está errado? — Perguntou ele.
— Errado! — Sibilou ela, com os olhos cheios de lágrimas.
— Como poderia alguma coisa estar errada? Manteve-me prisioneira durante meses, fez com que me apaixonasse por você, e quando sacrifiquei tudo para salvar sua miserável vida, odiou-me. Dei à luz a seu filho, conspirei com seus parentes e com seu homem de confiança para te recuperar, e tudo o que
consigo de você são amostras de frieza. Beijei-te e você me correspondeu, mas não me ofereceu nada de sua parte. O que devo fazer para te demonstrar que não te traí? Que eu não escolhi meu irmão sobre você? Você ouviu Roger dizer que teria te matado se eu não tivesse ido com ele. — Não pôde continuar, porque as lágrimas a afogavam.
Miles se recostou contra uma árvore, a alguns metros de distância dela. A luz da lua dava reflexos prateados ao seu cabelo e seus olhos.
— Eu acreditava que só meus irmãos estavam sujeitos ao velho demônio do orgulho. Eu pensava que Raine era um tolo quando se negava a perdoar a sua esposa, porque tinha ido rogar ao rei por perdão para ele. Eu poderia te perdoar se tivesse ido ao rei, mas você escolheu a outro homem em vez de mim, outro lar que não era o meu. E quando ouvi as versões, segundo as quais tinha se deitado com uma infinidade de homens, senti desejo de te matar.
Quando ela começou a protestar, ele levantou uma mão.
— Talvez seja porque eu lidei com tantas esposas infiéis, mulheres que levantaram da minha cama e vestiram seu vestido de bodas. Talvez seja isso o que distorceu minha opinião de todas as mulheres. E finalmente, você era minha prisioneira, mas se entregou muito facilmente.
— Eu lutei contigo! — Disse ela acaloradamente, sentindo-se insultada.
Miles não fez mais que sorrir.
— Raine disse que eu estava com ciúmes, e a ironia de toda a questão era que eu estava com ciúmes do mesmo homem que ele. Raine acreditava que sua esposa Alyx sentia um grande afeto por Roger Chatworth.
— Tenho certeza de que Roger não sabia nada disso.
— Isso imaginei quando contou a história de como Alyx salvou sua vida. Alyx fez isso para salvar Raine, porque meu irmão é um homem apaixonado e teimoso, que jamais escuta a razão.
— Raine! — Resmungou Elizabeth. — Será que ele teria tanta raiva ao ponto que abrisse seus pontos? Será que ele teria que ser drogado para fazê-lo dormir?
Miles sorriu vivamente, e os dentes brilharam na noite.
— Quando Raine está zangado quebra suas lanças. Eu tenho meus próprios costumes. — Ficou em silêncio por um longo momento.
— Como está nosso filho? — Ele perguntou calmamente.
— Tem as maçãs do rosto altas como seu irmão Gavin. Não há nenhuma dúvida da semelhança com a sua família.
— Nunca o duvidei, nunca em realidade. Elizabeth?
— Sim? — Sussurrou ela.
— Por que me deixou? Por que não voltou para mim depois de uma semana ou mais? Eu esperei todos os dias, rezei para que retornasse. Kit chorava até que caía adormecido. Foram tantas as mães que o deixaram.
As lágrimas corriam pelas bochechas de Elizabeth.
— Tinha medo de Roger. Ele não estava em pelo juízo. Brian jurou matar Roger, e eu estava com medo que se não estivesse lá para detê-lo, Roger declararia guerra a todos os Montgomery. Desejava poder fazê-lo compreender a verdade, desejava conhecer os verdadeiros motivos do ódio que existe entre nossas famílias.
— E os homens? — Disse Miles. — Pagnell contou a todos como você foi entregue a mim, e todos os homens que a cortejaram se asseguraram bem de que me inteirasse de todos os detalhes de quando estavam na casa de Chatworth.
Elizabeth levantou uma mão.
— Você não foi somente o primeiro homem a fazer amor comigo, como foi o primeiro que falou comigo sem lascívia, o primeiro que me fez rir, o primeiro que foi afetuoso comigo. Até você mesmo disse que eu não sabia nada de homens.
— Então, começou a averiguar sobre eles. — Disse ele com amargura.
— De certa forma, assim foi. Pensei nisso sem entusiasmo e sabia que seria melhor que amasse a qualquer homem que
não fosse um Montgomery. Se estivesse casada com algum outro, Roger terminaria por esquecer que eu carregava dentro de mim teu filho, e talvez algum dia seu ódio terminaria. Decidi conhecer outros homens e averiguar se te amava somente porque foi o primeiro.
Miles permanecia silencioso, os olhos cravados nela.
— Alguns desses homens me fizeram rir, outros foram amáveis, outros me fizeram sentir bonita, mas nenhum deles obteve junto, tudo isto. À medida que passavam as semanas, em vez de te apagar de minha mente, tudo o que tinha a ver contigo foi se fazendo cada vez mais claro. Eu recordava cada gesto seu e comecei a comparar os outros homens contigo.
— Até mesmo no tamanho do...
— Maldito! — Elizabeth o cortou em seco. — Não fui para cama com nenhum deles e estou segura de que você sabe, mas insiste em que seja eu quem o diga.
— E por que não os levou para sua cama? Alguns dos homens que conheceu têm muito sucesso com as mulheres.
— Como você? — Rugiu ela. — Aqui está você, me exigindo celibato, mas quanto a você? Quando disser que não houve outros homens, vai permitir que me aproxime de sua cama pura? Esta mesma manhã tive que te arrancar dos braços de uma mulher. Como acha que me sentia enquanto tinha seu filho nos braços e pensava que poderia estar na cama com uma, duas, ou mais mulheres?
— Mais? — Brincou ele, e baixou a voz sedutoramente. —
Não tive nenhuma mulher desde que você partiu.
Elizabeth acreditou que não ouviu bem.
— Não? — Ela disse com os olhos arregalados.
— Meu irmão Raine e eu nos instalamos em uma de suas propriedades e como estávamos os dois furiosos, mandamos embora todas as mulheres, inclusive às lavadeiras. Passávamos o dia todo treinando, todas as noites bebendo, e amaldiçoávamos as mulheres constantemente. Raine foi o primeiro a entrar em razão quando sua esposa mandou a filha de ambos a propriedade. A pequena Catherine fez com que eu sentisse saudades de meus próprios filhos, de maneira que retornei à casa de Gavin para passar o Natal, e Judith... — passou uma mão pelo cabelo. — Eu estava acostumado a pensar que Gavin era muito duro com sua doce e pequena esposa, mas é que não conhecia sua língua afiada. A mulher não me deixou tranquilo nem por um momento. Foi desumana. Não fazia mais que falar de nosso filho, suspirava porque o filho dela jamais conheceria seu primo, e até chegou a contratar um homem para que pintasse o retrato de um anjo loiro de cabelos compridos, que sustentava a um menino na parte interior de meu escudo. Em meu escudo, incrível! Disse a Gavin que ia torcer o bonito pescoço de sua esposa se ele não fizesse algo a respeito, mas Gavin riu tanto que nunca voltei a tocar no tema. Quando ela recebeu a carta em que disse que estava disposta a me perdoar, lançou-se sobre mim com
renovadas forças. — Miles fechou um momento os olhos, recordando. — Ela convenceu Alyx para que a ajudasse, e esta compôs uma dúzia de canções sobre dois amantes que estavam separados por um homem estúpido e não era de casualidade que era exatamente igual a mim. Uma noite, durante o jantar, Alyx dirigiu a vinte e dois músicos e cantou uma canção que fez rir tanto a todos, que dois homens caíram de suas cadeiras e quebraram as costelas. Alyx estava feliz.
Elizabeth estava tão surpresa com sua história que quase não podia falar.
— E você o que fez?
Ele fez um aceno com a cabeça, recordando.
— Muito calmamente subi na mesa e agarrei Alyx pela garganta.
— Não! — Ela ofegou. — Alyx é tão pequena, tão...
— Raine e Gavin desembainharam suas espadas contra mim. Enquanto eu estava ali, prestes a matar essa linda e pequena cantora, e as espadas de meus irmãos estavam na minha garganta, percebi que não era eu mesmo. No dia seguinte Judith arrumou o encontro entre nós. — Seus olhos brilharam. — Esse encontro em que você queria que Sir Guy te entregasse a mim envolta em um tapete.
Elizabeth preferiu não olhá-lo. Acreditou que Sir Guy estava do seu lado e, entretanto, todo o tempo esteve
informando a Miles... e rindo. Como os dois devem ter dado tapas nas costas um do outro, festejando porque ela queria seduzir seu próprio marido. O que aconteceu com aquela mulher orgulhosa, que uma vez esteve na borda de um precipício e jurou não se submeter jamais a nenhum homem?
— Desculpe-me. — Sussurrou, enquanto se afastava de Miles para retornar para onde estava Roger. Miles a tomou em seus braços, apertando-a contra si.
Quando Elizabeth viu que ele estava sorrindo para ela com um pequeno sorriso tão conhecido, deu-lhe uma forte cotovelada nas costelas e se regozijou com seu gemido de dor.
— Eu odeio você, Montgomery! — Gritou-lhe no rosto. — Me fez implorar e chorar, e tirou todo meu orgulho. — Tentou golpeá-lo novamente, mas ele agarrou seus braços ao seu lado e ela não conseguiu se mover.
— Não, Elizabeth! — Disse ele, aproximando seus lábios aos dela. — Você me ama. Ama-me tanto que está disposta a se humilhar diante mim. Tenho-te feito gritar de paixão e derramar lágrimas de alegria.
— Humilhaste-me. — Ela disse.
— E você a mim. — Ele a sustentava, enquanto ela lutava para se libertar. — Todas as mulheres vieram para mim docilmente, só você me deu trabalho. Só com você eu fiquei zangado, ciumento, possessivo. Foste-me entregue e é minha, Elizabeth, e nunca mais permitirei que você esqueça disso.
— Nunca o esqueci... — Replicou ela, mas ele a interrompeu com um beijo. Uma vez que seus lábios tocaram os dela, estava perdida. Já não podia mais discutir com ele e nem sair correndo.
Os braços dele se afrouxaram um pouco, apenas o tempo suficiente para ela deslizar os braços sobre seu pescoço e puxá-lo mais contra si
— Nunca, nunca volte a esquecê-lo, Montgomery. — Sussurrou ele no ouvido dela. — Me pertencerá sempre... neste século e no vindouro. Para sempre!
Elizabeth quase não o escutava enquanto ficava nas pontas dos pés para chegar a sua boca.
Ela não tinha ideia do quanto sentiu falta dele fisicamente. Era o único homem no mundo em quem podia ter confiança, o único homem que não a molestava. Todos os meses que passou em reserva, afloraram em sua ansiedade, sua ferocidade. Ela colocou as mãos em seus cabelos, sentindo como se enrolavam em seus dedos, e puxando sua cabeça para mais perto.
Uma risada baixa e rouca veio de Miles.
— Você disse uma árvore? Você disse que eu levaria a mulher contra uma árvore? — Disse ele.
Miles sabia o que ela queria. Não um ato de amor doce, gentil, a não ser um com toda a fúria que ela sentia. As mãos
dele começaram a arrancar sua roupa, uma de suas mãos, ocupada com a roupa interior dela, e a outra, com suas próprias calças de meia.
Elizabeth continuou beijando-o com paixão, sua boca colada em torno da dele, suas línguas entrelaçadas.
Quando as costas dela se chocou contra uma árvore, ela não se alterou e pôs seus dentes sobre o pescoço de Miles, mordiscando sua pele como se quisesse devorá-lo.
Miles a ergueu, colocou suas pernas ao redor de sua cintura, a saia dela ficou entre os dois. Nenhum deles se importava em não tirar completamente as roupas. Com suas mãos nas nádegas dela, levantou-a mais e colocou-a sobre seu membro viril, com a força com que joga uma âncora à água.
Elizabeth ofegou, enterrou seu rosto no pescoço de Miles e se aferrou desesperadamente a ele, enquanto seus braços fortes a elevavam para cima e para baixo.
Jogou a cabeça para trás quando sentiu que um grito crescia dentro dela. Miles começou a transpirar, molhando-a, deixando seus cabelos colados. Com um último e poderoso impulso que enviou Elizabeth para um êxtase, Miles a atraiu para si, suado, estremecendo, seu corpo unido ao dela.
Elizabeth, convulsionada por ondas de prazer, sentiu lágrimas em suas bochechas. Lentamente voltou para a terra, sentindo suas pernas muito débeis e doloridas por haver apertado-as contra Miles com todas as suas forças. Ele se
inclinou para olhar para ela, acariciou os cabelos molhados, beijou sua têmpora.
— Eu te amo! — Ele disse ternamente, então sorriu maliciosamente. — E, além disso, você é a melhor...
— Compreendo. — Ela riu. — Agora vai me pôr novamente no chão ou vai me manter contra esta árvore?
Com mais um beijo, Miles a pôs de pé, mas lançou uma gargalhada de orgulho muito pouco cavalheiresca quando as pernas dela se dobraram e teve que segurá-la para que não caísse.
— Presunçoso! — Sibilou ela, aferrando-se a ele, mas sorriu e beijou a mão que a segurava. — É verdade que sou a melhor? — Ela perguntou como se isso não significasse nada.
— Ainda me acha atraente, embora já tenha tido um filho?
— Bastante tolerável. — Disse Miles, muito sério.
Elizabeth riu, arrumou as saias e tentou recuperar a compostura, para retornar aonde Roger os esperava.
Capítulo Dezessete
Os três caminhavam juntos, já há dois dias, que foram muito felizes para Elizabeth. Havia noites de amor e dias de ternura. Miles deu-lhe toda a sua atenção. Entrelaçavam as mãos e falavam em sussurros ou riam estrepitosamente por qualquer tolice. Fizeram amor junto a um arroio e mais tarde se banharam em suas águas geladas.
Roger os observava com ar indiferente, e algumas vezes Elizabeth sentia uma pontada de culpa pela dor que sabia que estava causando. Algumas vezes ele fez observações sobre o comportamento pouco cavalheiresco de Miles, mas este respondeu que até que não se reunissem com seus parentes, não era outra coisa além de um camponês sem preocupações.
Avançavam lentamente, e a viagem de quatro dias a cavalo estava se transformando em muitos dias por terem que caminhar.
No quarto dia, o trio deixou a beira da estrada pouco antes do meio-dia para descansar e se refrescar. Roger, depois de dirigir um olhar despercebido e de desprezo para sua irmã e Miles, entrou no bosque.
Quando ele ouviu, pela primeira vez, que sua irmã foi tomada como prisioneira, sua dor tinha sido grande, mas agora
ele podia ver que a perdeu mais completamente do que se ela fosse uma prisioneira.
Fazendo uma recontagem de seus problemas, passou por um terreno junto ao arroio sem prestar a mínima atenção. Caminhou mais alguns passos, antes de perceber, que ali houve luta. Os sinais eram óbvios. Voltando-se, examinou a terra.
Esteve caminhando pela borda de uma abrupta ribanceira que caía em um arroio de águas corrente e turbulentas e, sem dúvida nenhuma, nessa borda havia sinais de que alguém havia caído. Muitas vezes, depois de uma batalha, Roger teve que procurar seus homens que foram feridos e perdidos, e agora seus instintos de cavaleiro despertaram totalmente. Imediatamente, começou a descer pelo lado do despenhadeiro, escorregando em sua pressa.
O que viu no fundo não era o que esperava. Sentada em um tronco podre, com os pés escondidos sob um amontoado de rochas, podia ver uma bonita jovem, ricamente vestida de veludo, com adornos de ametistas no pescoço. Seus olhos escuros, talvez muito grandes para seu rosto, encararam Roger com alegria.
— Sabia que viriam. — Disse em um inglês agradável e de acento suave.
Roger piscou, confundido, mas ignorou seu comentário.
— Você caiu do barranco? Machucou-se? — Perguntou preocupado.
Ela sorriu para ele, fazendo seus olhos se transformarem em líquidos. Parecia muito jovem, uma menina em realidade, que usava um vestido muito mais adequado para uma mulher de mais idade. Seu cabelo escuro deixava entrever debaixo de uma touca bordada de pérolas. E mais pérolas pendiam na frente de seu vestido.
— Meus pés estão presos e não consigo movê-los.
Mulheres! Pensou Roger, aproximando-se para examinar as rochas que aprisionavam seus pés.
— Você deve ter me ouvido quando passei aqui por cima faz um momento. Por que não me chamastes?
— Porque eu sabia que você viria por mim.
Louca, pensou Roger. A pobre moça estava possuída por espíritos malignos.
— Quando eu levantar esta rocha, quero que tire seu pé. Compreende-me? — Perguntou como se falasse com uma idiota.
Ela apenas sorriu em resposta, e quando a rocha se moveu retirou seu pé de debaixo dela.
Seu pé direito estava preso de forma diferente e Roger viu que, se movesse a rocha que o cobria, outra cairia e possivelmente rompesse seu tornozelo. Ela era muito pequena
e Roger duvidava de que seus ossos frágeis pudessem suportar muito.
— Não tenha medo de me dizer o que seja. — Sussurrou ela. — A dor não me é estranha.
Roger se voltou para olhá-la e se encontrou com esses grandes olhos que o olhavam cheios de confiança, e essa confiança deixou-o assustado e ao mesmo tempo poderoso.
— Qual é o seu nome? — Ele perguntou, estudando e considerando as pedras em torno de seu pequeno pé.
— Christiana, milorde.
Roger levantou a cabeça bruscamente. As roupas sujas de camponês não a tinham enganado, de maneira que talvez a moça não tivesse nada de tola.
— Chris, então. — Ele sorriu. — Poderia me emprestar sua adaga de comer? Vou tentar segurar essas rochas enquanto movo estas outras aqui. — Ele apontou.
Ela entregou-lhe rapidamente a adaga, e ele mordeu os lábios para não lhe dizer que não era correto que desse a sua adaga a um estranho com tanta facilidade. As joias de seu vestido valiam uma fortuna, e seu colar de pérolas era sem igual.
Ele se moveu alguns metros dela para cortar vários ramos de árvores. Tirou o gibão, depois a camisa, e cortou tiras de
tecido para construir uma plataforma que encaixasse bem debaixo das rochas.
— Por que ninguém está procurando por você? —
Perguntou enquanto trabalhava.
— Talvez o estejam fazendo, não sei. Ontem à noite sonhei com você.
Ele deu-lhe um olhar afiado, mas não disse nada. As jovens pareciam estar sempre cheias de ideias românticas a respeito de como eram resgatadas por um cavaleiro.
— Sonhei — continuou ela — com este bosque e este lugar. Eu vi você em meus sonhos e sabia que teria que vir.
— Possivelmente o homem de seu sonho era de pele clara e só se parecia comigo. — Disse Roger, condescendente.
— Vi muitas coisas. A cicatriz do seu olho você a recebeu quando estava brincando com seu irmão e era apenas um garoto.
Involuntariamente, a mão de Roger foi para a cicatriz curvada que tinha junto ao seu olho esquerdo. Ele chegou perto de perder o olho naquele dia, e poucos dos que sabiam o que ocorreu ainda viviam. Estava convencido de que nem sequer Elizabeth sabia como aconteceu tudo.
Christiana apenas sorriu ante seu olhar de surpresa.
— Esperei toda a minha vida por você. — Ela disse suavemente.
Roger sacudiu a cabeça para esclarecer as ideias.
— Essa foi uma boa dedução. — Disse ele. — Me refiro à cicatriz. E agora fica muito quieta enquanto eu levanto estas rochas. — Não havia necessidade de pedir que permanecesse quieta, pois ela quase não se moveu desde que Roger apareceu.
As rochas não eram pequenas e Roger teve que usar todas as suas forças para mover a maior. E quando essa finalmente rolou, outras caíram sobre a débil plataforma que Roger construiu. Com a velocidade de um raio saltou para Christiana, empurrou-a para trás e a tirou do caminho das rochas que caíam. Tudo ocorreu muito rápido, e pôde ouvir o gemido dela quando alguns fragmentos de pedra lhe rasgavam a pele.
O ruído das rochas encheu o ar e Roger cobriu o corpo de Christiana com o seu, protegendo-a do pó e fragmentos de rocha. Quando o perigo passou, ele começou a se afastar dela, mas ela colocou as mãos em seu rosto e aproximou seus lábios dos dele.
Durante muito tempo, a única preocupação de Roger foi cuidar do seu irmão e irmã, e não teve tempo para dedicar-se às mulheres. Ele não tinha ideia de que seus desejos estavam tão reprimidos dentro dele. Anos atrás, sem nenhuma preocupação, passou algum tempo em encontros clandestinos com belas moças, mas sua fúria contra os Montgomery mudou tudo isso.
No primeiro contato com os lábios da moça, Roger só pôde pensar uma coisa: isto vai a sério. Ela podia parecer ser pouco mais que uma menina, mas em realidade, era toda uma mulher e seus propósitos eram de seriedade. Ela o beijou com tanta intensidade que ele se afastou.
— Quem é você? — Sussurrou ele.
— Eu te amo e sempre esperei te conhecer. — Ela murmurou em voz baixa.
Roger, deitado sobre ela, olhou profundamente seus olhos escuros, olhos que pareciam querer arrancar sua alma, e sentiu temor. Afastou-se para um lado.
— Será melhor que a devolva a seus parentes.
— Não tenho pais. — Disse ela, sentando-se.
Roger desviou o olhar desses olhos que pareciam estar dizendo que não a abandonasse. Uma parte dele desejava afastar-se desta estranha mulher, e a outra estava pronta para brigar até a morte para conservá-la ao seu lado.
— Deixe-me ver seu tornozelo — disse ele finalmente. Obedientemente, ela se virou e estendeu o pé para ele.
Ele franziu a testa quando viu seu tornozelo, porque estava cortado, raspado, e o sangue corria livremente.
— Por que não me mostrou isso antes? — Perguntou ele, alarmado. — Tome — devolveu a adaga — corte umas tiras de
suas anáguas. Não posso perder toda minha camisa. É a única que tenho no momento.
Ela sorriu e começou a cortar algumas partes de suas delicadas anáguas.
— O que faz na França, vestido assim? Onde estão seus homens?
— Diga-me isso você. — Ele disse maliciosamente, tirando as tiras dela. — Talvez esta noite sonhe o resto de minha vida.
Assim que ele se virou para o arroio lamentou suas palavras, mas, maldição! Essa mulher lhe dava calafrios. Ainda podia sentir seu beijo, uma estranha combinação de mulher que queria deitar-se em sua cama e bruxa que procurava apoderar-se de sua alma.
Sorriu diante destes pensamentos. Estava ficando fantasioso. Ela era uma jovenzinha que necessitava de sua ajuda, nem mais, nem menos. O mais apropriado seria enfaixar o tornozelo e devolvê-la aos seus guardiães.
Quando voltou até onde ela se encontrava, com as tiras de tecidos umedecidos, viu as lágrimas que apareciam em seus olhos e imediatamente se sentiu arrependido.
— Sinto muito, Chris. — Ele disse, como se a conhecesse sempre. — Maldição! Dê-me seu tornozelo.
Um pequeno sorriso apareceu entre suas lágrimas e ele não pôde evitar sorrir também. O rosto dela se alegrou mais ainda quando pôs o pé em sua mão.
— Deixe-me ter outra vez sua adaga para cortar suas meias. — Disse ele, depois que suavemente removeu sua fina sandália bordada.
Sem uma palavra, Christiana levantou lentamente o vestido até sua coxa e soltou a meia. Seus olhos fixos em Roger, e os dele na curva de sua perna, enquanto ela tirava a meia para liberar o tornozelo ensanguentado. Quando chegou à panturrilha, ela levantou sua perna.
— Você pode remover o resto.
Roger sentiu, repentinamente, todo seu corpo empapado em suor pela imprevista onda de desejo que o invadiu, fazendo com que suas veias ficassem em chamas. Com as mãos trêmulas, ele removeu sua meia, uma mão no tecido, a outra na parte de trás de seu joelho nu.
A visão de sangue no tornozelo o acalmou um pouco.
— Você está brincando com coisas que não compreende.
— Disse ele com os dentes apertados, molhando a parte machucada para terminar de tirar a meia rasgada.
— Eu não pratico brincadeiras infantis. — Disse ela brandamente.
Roger tentou concentrar-se na tarefa que tinha diante dele enquanto limpava cuidadosamente seu tornozelo, e então o enfaixou bem.
— Agora devemos lhe devolver aonde pertence. — Ele disse como se fosse seu pai, mas sua mão esquerda ainda estava em seu tornozelo e começava a acariciar sua perna. Voltou a pôr a adaga na bainha em sua cintura.
Os olhos dela se cravaram nos dele. Não se moveu, mas toda sua atitude era incitante. Roger recuperou a prudência e levantou-se abruptamente. Por muito atrativa que fosse essa jovenzinha, não iria arriscar sua vida por ela. Muito em breve apareceriam os que a buscavam, e se ele, com toda a aparência de um camponês, fosse encontrado fazendo amor com uma nobre, iriam cravar uma espada no seu coração sem fazer muitas perguntas. E, além disso, não estava muito seguro de querer ter nada íntimo com essa estranha mulher. O que aconteceria, seriamente, se fosse uma bruxa e procurasse apoderar-se de sua alma?
— Por que você parou milorde? — Perguntou ela com voz profunda.
Rapidamente baixou sua saia.
— Porque é uma menina e eu... Você sempre se oferece a estranhos?
Ela não respondeu à pergunta, mas a resposta estava nos olhos dela.
— Eu sempre amei você e sempre o amarei. Estou aqui para obedecê-lo.
Roger sentiu que começava a zangar-se.
— Agora me escute bem, jovenzinha! Não sei quem você pensa que eu sou e não sei quem é você, mas acredito que o melhor será que retorne com seu povo e eu para o meu. E espero que peça a Deus, se você crê nele, que perdoe sua conduta.
Com estas palavras se inclinou sobre ela, colocou-a sobre seus ombros e começou a subir pela abrupta ribanceira. Quando chegou ao topo, sua fúria e sua paixão se acalmaram. Era um homem mais velho e muito sensato, e não podia permitir que uma jovenzinha romântica o incomodasse.
Colocou-a de pé frente a ele, sustentando-a pelos ombros para ver se se podia apoiar bem, e sorriu.
— E agora vai me dizer onde quer que a leve? Recorda o caminho de volta?
Por um momento ela pareceu confundida.
— É obvio que lembro o caminho. Por que você está me mandando embora? Poderia me beijar outra vez? Poderia me beijar como se você também me amasse?
Roger a manteve a distância.
— Você é muito direta, e não, não vou beijá-la outra vez. Deve me dizer de onde vêm.
— Eu te pertenço, mas... — deteve-se ao ouvir um som de trombeta longínquo. Seus olhos expressaram medo e seu olhar se tornou selvagem. — Tenho que ir. Meu marido me chama. Ele não deve te encontrar aqui. Tome!
Antes que ele pudesse falar, ela tirou a pequena adaga de seu lado e cortou a ametista maior da parte da frente de seu vestido. Um buraco feio e irreparável ficou no fino e caro veludo.
— Tomem isto — ela ofereceu com urgência. Roger ficou rígido.
— Não aceito presentes das mulheres.
A trombeta voltou a soar e o medo de Christiana se acentuou.
— Tenho que ir! — Ela ficou na ponta dos pés, rapidamente beijou seus lábios apertados. — Tenho um belo corpo, — disse ela — e meu cabelo é muito suave. Vou mostrar- lhe em algum momento.
Quando a trombeta se ouviu pela terceira vez, ela levantou as saias e começou a correr como pôde com seu tornozelo machucado. Não tinha ido muito longe quando ela se virou e jogou a ametista para ele. Ele não fez nenhum movimento para recolhê-la.
— Dê isso à mulher que viaja com você. Ela é sua irmã ou sua mãe?
Disse estas palavras por sobre seu ombro e desapareceu de sua vista.
Roger ficou quieto, enraizado no mesmo lugar por algum tempo, olhando intensamente o lugar por onde ela desapareceu. Tinha uma sensação estranha na cabeça, de leveza, como se acabasse de passar por uma experiência irreal. Essa moça existia realmente ou ele dormiu e sonhou com ela?
— Roger! — Ouviu-se a voz de Elizabeth a suas costas. — Estamos procurando por você por uma hora. Está preparado para seguir viagem? Algumas horas antes de cair à noite.
Lentamente, Roger se voltou para ela.
— Roger, sente-se bem?
Miles tinha se afastado de sua esposa e olhava pela área. Algumas vezes os homens a quem acabavam de ferir mostravam a mesma aparência que Roger pouco antes de caírem. Miles viu a ametista no chão, mas antes que pudesse tocá-la, Roger a recolheu, fechando fortemente os dedos ao redor dela.
— Sim, estou preparado para partir. — Disse sinceramente. Antes de partir jogou uma última olhada para o bosque, enquanto esfregava a ametista em sua mão. — Seu marido! — Ele murmurou com raiva. — Que belo amor! — Pensou em arrojar a ametista, mas algo o impediu.
Miles tinha dado conta do humor estranho de Roger essa noite. Apanhou um coelho e o estava cozinhando, enquanto os três se sentavam ao redor do fogo. Não queria preocupar Elizabeth dizendo que havia perigo, e de fato, a vida de camponês francês parecia despreocupada comparada à vida na casa de seu irmão, embora ele se mantivesse sempre alerta por algo. À noite ele dormia levemente, e Roger ganhou seu respeito quando Miles viu que o cavaleiro também estava cauteloso.
Elizabeth estava dormindo, com a cabeça no colo de seu marido. Roger permanecia sentado um tanto afastado deles, dando voltas a algo que tinha na mão. Miles não tinha por costume fazer perguntas sobre questões que não lhe pertenciam, mas Roger sentiu a curiosidade do jovem.
— Mulheres! — Roger finalmente disse com grande desgosto, e meteu a ametista no bolso. Mas, estendendo-se no frio chão da floresta, sua mão procurou a joia e segurou-a durante toda a noite.
O dia amanheceu limpo e claro, e Elizabeth, como de costume, mostrou-se extraordinariamente contente. Outro dia de viagem e chegariam aos domínios dos Montgomery franceses. Então poderiam retornar a Inglaterra e ao seu filho, e como em um conto de fadas, viveriam felizes para sempre.
— Hoje parece especialmente feliz. — Miles sorriu para ela. — Acredito que você gosta da vida dos camponeses.
— Por um tempo, — replicou ela — mas não tenha à ideia de que vou usar roupas como esta todo o tempo. Sou uma mulher de gostos finos. — Ela revirou os olhos para ele, flertando.
— Terá que ganhar o pão! — Ele respondeu com arrogância, olhando-a de cima a baixo.
— Eu faço isso bem o suficiente. Eu...
Ela parou quando o barulho de muitos cavalos e muitos homens os forçou a saírem para o lado da estrada. Obviamente era um grupo de homens ricos, com seus cavalos drapejados em sedas e suas armaduras reluzentes. Havia cerca de cem homens e carretas de bagagem, e no meio deles havia uma jovem com as mãos amarradas às costas, seu rosto machucado, mas ela manteve a cabeça erguida. Elizabeth estremeceu ao recordar o que se sentia sendo uma cativa, mas esta moça parecia ter sido espancada.
— Chris! — Sussurrou Roger junto a ela, e as palavras saíram de dentro do mais profundo de si.
Miles estava observando Roger atentamente e quando ele avançou, Miles o reteve pelo braço.
— Agora não! — Miles disse calmamente.
Elizabeth voltou-se para a procissão de passagem. Tantos homens para guardar uma menina tão pequena, pensou com tristeza. E girou a cabeça rapidamente.
— Não! — Soprou, olhando para Miles. — Você não pode estar pensando em resgatar a garota.
Miles olhou para os cavaleiros e não respondeu a Elizabeth. Quando ela falou novamente, ele a olhou com olhos tão penetrantes que as palavras congelaram em seus lábios.
O trio ficou de pé por algum tempo depois que os cavaleiros passaram. A mente da Elizabeth seguia gritando não, não, não! Miles não podia arriscar sua vida por uma mulher que não conhecia.
Quando pararam de andar de novo, Elizabeth começou sua súplica tão calma e racionalmente quanto podia.
— Logo estaremos na casa de seus parentes, e eles saberão quem é a moça, quem a mantém prisioneira e por que. Talvez matou uma centena de pessoas. Talvez mereça o castigo.
Tanto Miles como Roger seguiram olhando para frente.
Elizabeth se agarrou ao braço de Miles.
— Eu estive prisioneira uma vez, e as coisas não resultaram tão mal. Talvez...
— Cale-se, Elizabeth! — Ordenou-lhe Miles. — Não me deixa pensar.
Elizabeth sentiu que começava a tremer. Como ele poderia resgatar a jovem, desarmado como estava e tendo que enfrentar a cem cavaleiros com armaduras?
Miles se voltou para Roger.
— Devemos oferecer nossos serviços como coletores de madeira? Assim ao menos poderemos entrar em seu acampamento.
Roger deu a Miles um olhar calculista.
— Esta não é sua luta, Montgomery. A moça foi castigada por minha culpa e vou por ela sozinho.
Miles continuava a olhar para Roger, os olhos brilhando, e depois de um momento Roger se rendeu. Depois de um curto aceno de cabeça, Roger desviou o olhar.
— Não sei quem ela é, salvo que seu nome é Christiana. Deu-me uma joia que cortou de seu vestido, e certamente por isso a golpearam. Tem um marido, e sente terror dele.
— Um marido! — Elizabeth ofegou. — Roger, por favor, os dois, escutem a voz da razão. Não podem arriscar suas vidas por uma mulher casada. Desde quando a conhece? O que significa para você?
— Vi-a ontem pela primeira vez. — Sussurrou Roger. — E não significa nada para mim... ou talvez sim. Mas não posso permitir que a castiguem por minha culpa.
Elizabeth começou a perceber que não havia sentido em argumentar mais. Jamais tinha visto Roger fazer algo tão tolo, mas sim, tinha certeza de que Miles era capaz de arriscar sua vida por uma serva sem importância.
Respirou profundamente.
— Uma vez, enquanto viajava, uma camponesa me ofereceu um buquê de flores e o guarda permitiu que ela entrasse para que me entregasse.
— Você não vai participar disto. — Disse Miles, dando por concluído o tema.
Elizabeth não respondeu, mas levantou a cabeça, desafiante. As oportunidades de triunfar seriam melhores se três pessoas atacassem cem cavaleiros, e não que houvesse apenas dois.
Capítulo Dezoito
Seguiram aos guardas quase até o pôr-do-sol, quando o grupo se deteve para acampar, com bastante facilidade Miles e Roger, deixando de lado a postura erguida de nobres, escorregaram-se entre os cavaleiros com os braços carregados de lenha. Elizabeth observava das sombras das árvores. Sua oferta de ser útil em algo tinha caído no vazio. Agora, enquanto observava a todos esses homens, teve a sensação de que nunca abandonou a casa de seu irmão. Inclusive estando bem escondida, jogou um olhar sobre seu ombro para assegurar-se de que não havia nenhum homem a suas costas, preparado para saltar sobre ela.
Miles e Roger tinham dado instruções estritas de que, em nenhuma circunstância, não importasse o que acontecesse, não deveria abandonar seu esconderijo. Deixaram bem claro que já tinham o suficiente para fazer sem se preocupar com ela também. Roger lhe entregou a ametista da moça e Miles indicou como chegar até seus parentes, em caso de que algo acontecesse com um dos dois. Elizabeth havia sentido uma pontada de pânico diante das palavras deles, mas não permitiu que se dessem conta. Os homens queriam que ela esperasse em algum lugar afastado, mas ela insistiu, obstinadamente, em que buscassem um lugar de onde pudesse observar o que ocorria. Eles se recusaram a contar a ela o plano deles, e
Elizabeth começou a suspeitar que eles não tinham nenhum plano real. Sem dúvida, Miles pretendia manter os homens na ponta da espada enquanto Roger fugia com a garota.
De seu ponto de observação, viu um estranho ancião que arrastava os pés, e não pôde acreditar que se tratasse de seu orgulhoso irmão, que se movia lentamente para onde estava amarrada a jovem. Ela estava contra uma árvore, sentada, amarrada de mãos e pés e com a cabeça inclinada.
Quando Roger deixou cair sua carga completa de lenha aos pés dela, Elizabeth conteve o fôlego. Não sabia que tipo de contato teve seu irmão com a moça, e parecia muito jovem para ter muito senso comum. Delataria a seu irmão?
Uma faísca de entendimento cruzou o rosto da moça — também pôde ter sido um aceno de dor — e em seguida se acalmou novamente. Elizabeth quase sorriu. A moça, felizmente, não era estúpida. Não se moveu nem expressou nada mais enquanto Roger recolhia a madeira que deixou cair.
Um cavaleiro, amaldiçoando Roger, chutou-o nas pernas, e quando Roger caiu, voltou a chutar suas costelas. E enquanto recebia os golpes, Elizabeth pôde ver o brilho de uma folha de adaga e como Roger cortava as ataduras dos pés da jovem, oculto pela madeira caída.
Mas Elizabeth também viu algo que Roger não podia observar, detrás dele, um homem mais velho ricamente vestido, cheio de joias e com suas roupas bordadas com fios de
ouro, não perdia de vista nem por um momento a jovem cativa. O sol do entardecer fez brilhar levemente a adaga de Roger.
No outro lado do acampamento. Miles chutou um tronco ardente da fogueira, fazendo com que a erva começasse a incendiar. Conseguiu escapulir antes de ser notado, e vários cavaleiros começaram a combater o fogo.
Mas a distração não foi suficiente. Os homens que vigiavam à moça não olhavam o fogo... e o homem mais velho não deixava de olhá-la com os olhos cheios de ódio.
A noite parecia cair com rapidez, mas ainda havia luz suficiente para que Elizabeth pudesse ver como Miles tirava a espada de uma bainha.
Ele planejou lutar! Ela pensou. Planejou criar confusão para que Roger pudesse escapar com a jovem. Se o truque do fogo não desse resultado, talvez o ruído do entrechocar de aços desse seus frutos.
Elizabeth se levantou de seu esconderijo, rezou brevemente pedindo perdão por pecar e começou a desabotoar seu grosso vestido de lã, quase até a cintura. Talvez ela pudesse chamar a atenção dos homens, e especialmente a do ancião.
Sua entrada foi rápida e espetacular. Ela correu para a clareira e passou tão perto de uma das fogueiras que esteve a ponto de queimar-se. Com as mãos nas coxas e as pernas separadas se inclinou para frente, o corpete aberto, e
praticamente tocou a cabeça do velho homem com os seios. Com lentidão, sedutoramente, começou a mover os ombros de um lado a outro, caminhando para trás, aproximando-se da fogueira. Com uma mão tirou a touca de lã da cabeça e deixou que seus cabelos caíssem em cascata até os joelhos. Seu cabelo parecia vermelho à luz das chamas.
Quando ela se endireitou, com as mãos insolentemente postas em seus quadris, lançou uma risada, uma risada profunda, arrogante, desafiante, e viu com alegria que todos os homens tinham a atenção nela. O ancião a olhava com interesse, e por fim seus olhos já não estavam fixos na outra jovem, que se achava a muito curta distância de Elizabeth.
Elizabeth nunca tinha dançado antes, mas havia visto muitos espetáculos lascivos na casa de seu irmão e sabia muito bem o que fazer. Um dos cavaleiros começou a tocar um alaúde e outro um tambor. Elizabeth começou a ondular lentamente, não só seus quadris, mas também todo o corpo, movendo-se da cabeça aos pés. Usava sua magnífica cabeleira, sacudindo de um lado a outro e passando-a pelo rosto dos soldados. Quando um dos cavaleiros se aproximou muito, Elizabeth se agachou, tomou uma pedra, fechou o punho e golpeou o estômago do homem.
Todos riram alucinadamente ao ver a dor no rosto do homem, e o que se seguiu foi mais uma caçada que uma dança. Para Elizabeth, era um pesadelo feito realidade. Estava de volta na casa de seu irmão e seus homens a perseguiam. Esqueceu
os últimos meses de liberdade e regrediu a uma época em que sua única preocupação era sobreviver.
Nas pontas dos pés, girou em torno de um cavaleiro e conseguiu tirar a espada de sua cintura. Com roupas voando, cabelos enrolando-se em seu corpo, ela esquivou-se dos homens que tentavam pegá-la. Não feriu nenhum deles, mas arranjou para fazer um pequeno corte aqui, outro lá. Obrigou- se a rir e a continuar a manter a farsa da dança. De um salto, subiu a uma mesa cheia de comida e bebida e começou a afastar os pratos e as taças a um lado e outro. Quando a mão de um dos cavaleiros tocou seu tornozelo, ela se afastou, e "acidentalmente", ao descer da mesa seu calcanhar esmagaram os dedos do pé do atrevido. Este lançou um rugido de dor.
Os nervos de Elizabeth estavam a ponto de romper-se, enquanto os homens marcavam o ritmo com as mãos. Inclinando-se ao compasso de seus aplausos, fez girar sua larga cabeleira uma e outra vez. Desejando que Roger e Miles tivessem conseguido libertar à cativa, levantou a saia mais alto, enquanto os homens gritavam e aplaudiam alvoroçados diante da visão de suas pernas, e saltou para o chão diretamente na frente do ancião.
Inclinou-se ante ele em uma profunda reverência, e todo seu cabelo também caiu como uma cortina. Com a respiração agitada, esperou.
Com grande cerimônia, o homem se levantou e sustentou o queixo de Elizabeth com uma mão ossuda. Pela extremidade do olho Elizabeth viu que a jovem desapareceu e que não passaria muito tempo para que notassem sua ausência.
Elizabeth se ergueu, e em um afã de ganhar um pouco mais de tempo, agitou os ombros e deixou que a parte superior de seu vestido se entreabrisse até a cintura.
Fez-se um silêncio de morte entre os cavaleiros, que estavam em sua maioria atrás dela. Os olhos ambiciosos do ancião passearam lentamente por seus deliciosos seios, firmes e altos. Então, com um sorriso que deixou ver seus dentes enegrecidos, tirou sua capa e colocou-a sobre os ombros de Elizabeth.
Segurando os laços da capa de maneira degradante, começou a puxar Elizabeth para a escuridão da floresta.
Escondida em sua mão, Elizabeth tinha a adaga que tirou de um dos cavaleiros. Quando o ancião se virou, percebeu que a moça prisioneira já não estava, mas antes que pudesse dar voz de alarme, Elizabeth mordeu o lóbulo da sua orelha e pôs a adaga contra suas costelas.
— Caminhe! — Ordenou-lhe.
As sombras já os envolviam quando ouviram os gritos provenientes do acampamento.
— Corra! — Grunhiu Elizabeth, apertando mais a adaga contra o lado do ancião.
Rapidamente, o homem virou-se e deu um tapa no rosto de Elizabeth.
Mas antes que ele pudesse mover-se, Roger saltou de uma árvore e suas mãos grandes se apertaram em torno da garganta do velho. Possivelmente pela surpresa, ou pela excitação da dança, assim que Roger o tocou, o homem caiu morto aos seus pés.
Roger não perdeu tempo, agarrou Elizabeth pela cintura e a fez subir em uma árvore.
Os cavaleiros vasculhavam pelo bosque abaixo deles, suas espadas brilhando à luz da lua. Roger passou um braço pelos ombros de Elizabeth e a apertava contra si, ela enterrou a cabeça em seu pescoço. Tremia incontrolavelmente, e até agora, na segurança dos braços de seu irmão, podia sentir as mãos dos homens tratando de apanhá-la.
— Miles. — Sussurrou para Roger.
— A salvo. — Foi tudo o que respondeu seu irmão, abraçando-a ainda mais forte.
Esperaram algum tempo enquanto observavam correria e gritaria pela morte do ancião. Finalmente, dois cavaleiros levaram o corpo do ancião de volta ao acampamento, e a busca
se deu por finalizada quando os homens selaram seus cavalos e se afastaram do lugar.
Roger não soltou sua irmã até que o bosque não esteve em completo silêncio.
— Venha, — ordenou ele — Montgomery nos espera.
Roger desceu primeiro e depois baixou sua irmã, que ainda usava o manto do velho. Envolta em veludo, correu atrás de Roger pelo bosque escuro e úmido.
Elizabeth não percebeu o quanto estava preocupada pela segurança de Miles até que o viu novamente. Este emergiu de uma lagoa estagnada, segurando a mão da jovem. Ambos estavam molhados, viscosos, com as roupas coladas ao corpo, e os dentes da jovenzinha tocavam castanholas.
Depois de olhar a Miles, agradecida por vê-lo a salvo, Elizabeth tirou a capa e a pôs sobre os ombros da moça.
— Isso é dele! — Disse Christiana, afastando-se da capa como se tivesse visto o diabo.
Roger pegou a capa, jogou-a de volta para Elizabeth e tirou o seu próprio gibão, envolvendo nele a jovem. Ela se derreteu nos braços de Roger, como se formasse parte de sua pele.
— Temos que ir. — Disse Miles, pegando a mão de Elizabeth. — Muito em breve voltarão por ela.
Viajaram toda a noite. Elizabeth se sentia exausta, mas seguiu adiante, às vezes olhando de soslaio a jovem que tinha sido a causadora de semelhante alvoroço.
Usando o gibão de Roger, que a deixava parecer pequenina, parecia ainda mais jovem e frágil do que pareceu à primeira vista. Nunca se afastava mais que alguns poucos centímetros de Roger, embora às vezes os ramos atingissem seu rosto. Quanto a Roger, tampouco, parecia querer que ela estivesse a distância.
Elizabeth quase não se atreveu a olhar para Miles, porque seus olhos desprendiam labaredas de fúria, e em alguns momentos parecia que ia esmagar sua mão entre as dele. Uma vez, tentou falar com ele e explicar por que teve que desobedecer suas ordens, tomando parte ativa no resgate, mas Miles a olhou com os olhos negros de fúria, de maneira que ela voltou atrás e procurou o amparo da capa.
Pela manhã, Miles disse que se uniriam aos viajantes da estrada e que tentariam conseguir roupas para a jovem.
Christiana ainda usava seu vestido ricamente bordado com joias, e pérolas ao redor do pescoço. De algum jeito seus adornos ressaltava sua perda de posição de nobre, porque o fino vestido estava rasgado, seu cabelo emaranhado, as bochechas machucadas, e o lodo do lago estava seco e ainda agarrado as suas roupas e pele.
Quando finalmente pararam ao lado da estrada, perto de um grande grupo de viajantes que acabavam de despertar, Elizabeth quase desabou de cansaço. Miles a atraiu para si e a puxou para o colo dele.
— Se alguma vez voltar a fazer algo semelhante, esposa...
— começou, mas se deteve para beijá-la com tanta força que feriu seus lábios.
As lágrimas nublaram seus olhos, lágrimas de alegria por vê-lo a salvo. Houve um momento, quando viu que Miles desembainhava a espada, em que acreditou que nunca mais o veria com vida.
— Eu arriscaria tudo por você. — Ela sussurrou e adormeceu em seus braços.
Parecia ter passado apenas alguns minutos antes de Elizabeth acordar novamente. Pouco tempo depois, caminhavam a uma prudente distância do grupo de viajantes. A jovem Christiana agora usava um grosso vestido de lã áspera e um gorro que lhe ocultava o rosto.
Ao meio-dia fizeram um alto e os homens deixaram sozinhas às mulheres, enquanto foram negociar com os viajantes um pouco de pão e queijo, em troca da odiada capa.
Elizabeth se recostou contra uma árvore e tentou relaxar, mas a proximidade de Christiana não o permitiu. Não podia evitar sentir ressentimento contra a garota que quase causou a morte de todos eles.
— Você vai me odiar por muito tempo, Elizabeth? —
Perguntou Christiana brandamente.
Elizabeth a olhou com surpresa, para logo desviar a vista.
— Eu não te odeio.
— Não está habituada a mentir. — Disse a jovem. Elizabeth voltou-se para ela.
— Meu marido poderia ter sido morto salvando você! — Disse-lhe com ferocidade. — Assim como meu irmão! Que relação tem com Roger? Enfeitiçou-o?
Christiana não sorriu e tampouco franziu o cenho. Seus grandes olhos brilhavam intensamente.
— Sempre sonhei com um homem como Roger. Sempre soube que ele viria para mim. No ano passado meu tio me casou com um homem cruel, mas mesmo assim segui esperando-o. Eu sabia que Roger viria. Três noites atrás eu sonhei e vi seu rosto. Ele viajava com roupas toscas e com uma mulher que era da família dele. Soube que finalmente veio por mim.
Elizabeth olhou a jovem como se ela fosse uma bruxa. Chris continuou.
— Você me amaldiçoa por ter colocado em perigo a vida do homem que ama, mas quantos riscos correria para estar com seu homem? Possivelmente, se eu tivesse sido mais
valente, teria aceitado a tortura constante e a morte de meu marido iria proporcionar-me riqueza, mas em vez disso me sentei no acampamento, atada a uma árvore e rezava com todas as minhas forças que meu Roger viesse me resgatar.
Ela desviou o olhar, pelo caminho para onde Miles e Roger estavam se aproximando, e seu olhar cobrou luz interior.
— Deus me deu Roger para reparar tudo o que sofri até agora. Esta noite eu vou deitar com Roger e depois disso estou pronta para abandonar esta vida, se necessário. Eu arrisquei sua vida, e a de seu gentil marido, por esta noite com meu amado.
Ela pôs uma de suas mãos sobre as de Elizabeth e a olhou com olhos suplicantes.
— Perdoe-me por ter pedido muito de todos vocês.
A fúria de Elizabeth se evaporou. Sua mão pegou a de Christiana.
— Não fale de morte. Roger precisa de amor talvez mais que você. Fique ao lado dele.
Pela primeira vez, Chris fez um gesto parecido a um sorriso, e uma covinha apareceu em sua bochecha esquerda.
— Só a força me afastará dele.
Elizabeth olhou para cima e viu Roger de pé ante elas, seu rosto refletindo perplexidade. Está assombrado por tudo o
que passou, pensou Elizabeth. Chris o confundiu tanto quanto a nós.
Descansaram uns minutos, comeram apressadamente e continuaram em marcha de novo.
Aquela noite, quando Elizabeth se aconchegou nos braços de Miles, ela teve a primeira oportunidade de conversar com ele.
— O que pensa desta jovem por quem arriscou sua vida?
— Perguntou-lhe.
— Eu sei que ela é perigosa. — Respondeu ele. — Ela era casada com o duque de Lorillard. Quando era menino estava acostumado a escutar histórias sobre sua crueldade. Desposou a seis ou sete mulheres de linhagem. Todas morreram em poucos anos de matrimônio.
— Chris é uma dama de linhagem? — Perguntou Elizabeth.
Miles soprou.
— Ela é descendente de gerações de reis.
— Como você sabe tudo isso?
— Por meus parentes franceses. Já tiveram alguns problemas com a família Lorillard. Elizabeth, — disse solenemente — quero que guarde isto contigo. — Fechou sua mão sobre a larga volta de pérolas que Christiana usou no dia
anterior. — Amanhã a tarde chegaremos a casa de meus parentes, mas em caso que não...
— Não! — Começou a contestar, mas ele colocou um dedo sobre os lábios dela para que não falasse.
— Quero te dizer a verdade para que esteja preparada. A família Lorillard é poderosa, e nós tiramos a vida de um de seus membros, além de abrigar a outro. Se algo acontecer, pegue as pérolas e volte para a Inglaterra com meus irmãos. Eles vão cuidar de você.
— E os seus parentes franceses? Não posso confiar neles?
— Eu vou te contar a história algum dia, mas, por agora, digamos simplesmente que os Lorillard me conhecem. Se me capturarem, a via de acesso a minha família daqui ficará bloqueado. Vá para casa com meus irmãos. Você vai jurar isso? Não quero intentos de me resgatar, mas sim retorne e fique a salvo.
Ela se negou a responder.
— Elizabeth!
— Juro que voltarei para a Inglaterra e irei para a casa de seus irmãos. — Ela suspirou.
— E que outra coisa mais?
— Não farei mais promessas! — Sibilou ela, e levantou o rosto para que ele a beijasse.
Fizeram amor lenta e deliberadamente, como se fosse a última vez. As palavras de advertência de Miles fizeram com que Elizabeth se sentisse desesperada, como se só restassem poucas horas juntos. Duas vezes pôs-se a chorar de frustração, ao pensar que estiveram tão perto da salvação e que a luxúria de uma mulher os tinha colocado de novo em perigo.
Miles beijou suas lágrimas e sussurrou que ela devia viver o momento e deixar sua fúria e seu ódio para mais adiante. Ela adormeceu segurando Miles o mais forte que podia, e seu sono foi intranquilo. Ele despertou, sorriu, beijou-lhe a cabeça, tirou uma mecha de cabelo dela da sua boca, fez-lhe uma carícia e voltou a dormir.
Roger despertou antes do amanhecer, e ao olhá-lo, Elizabeth tinha certeza de que ele não dormiu durante toda a noite. Christiana apareceu entre as árvores, seus olhos brilhantes, os lábios cheios e avermelhados, e suas bochechas e pescoço irritados pelo roce das costeletas masculinas. Quando começaram a caminhar, Elizabeth viu que Roger lançava a jovem olhares de admiração e prazer. Por volta do meio-dia, ele tinha o braço ao redor da garota e a mantinha bem apertada contra si. E, para surpresa de Elizabeth, estreitou-a em seus braços e a beijou apaixonadamente.
Roger sempre foi um homem decoroso, consciente de seu lugar na vida, de seus votos de cavaleiro, e nunca tinha feito demonstrações de afeto em público.
Miles pegou Elizabeth, puxou-a para longe do lugar onde ela estava de boca aberta espiando a seu irmão.
Uma hora antes de pôr-do-sol, um grande número de homens desceram das árvores, com as espadas nas mãos, e as apontaram às gargantas dos quatro viajantes.
Um homem velho, desagradável, abriu caminho entre os cavaleiros.
— E bem, Montgomery, voltamos a nos encontrar. Apanhem-no! — Ordenou.
Capítulo Dezenove
Elizabeth estava muito quieta sobre seu cavalo, olhando através das lágrimas a antiga fortaleza. Tantas coisas mudaram nas últimas semanas que já não estava segura de que a Inglaterra ou o grande castelo seguissem em seu lugar.
O cavalo de um dos três homens atrás dela deu coices, fazendo-a voltar para a realidade. Elizabeth soltou um grito, as pontas de suas rédeas como um chicote e esporeou seu cavalo. Apesar de que nunca tinha visitado a fortaleza Montgomery, conhecia muito bem sua distribuição. Na Escócia, Miles falou muito do lugar, e até tinha feito um desenho no chão.
Dirigiu-se à porta traseira, fortemente vigiada, que era a entrada da família. Quando chegou aos muros que ladeavam a estreita entrada, diminuiu a velocidade de sua cavalgadura. Imediatamente os guardas, com seus arcos e flechas apontadas, ficaram em posição ameaçadora.
— A esposa de Miles Montgomery. — Gritou para cima um dos homens que a acompanhavam.
Seis flechas aterrissaram ante o cavalo de Elizabeth, e o fatigado animal empinou, quebrando duas delas com os cascos. Elizabeth teve que empregar toda sua força para controlar o assustado animal.
Agora, três cavaleiros armados se interpunham entre ela e a entrada fechada.
— Sou Elizabeth Montgomery e estes homens estão comigo. — Disse com impaciência, mas respeitosamente. Não havia lugar que estivesse tão bem guardado como esse.
Como se fossem estátuas, os cavaleiros permaneceram firmes em seus lugares enquanto outros homens desciam dos muros e apontavam com suas espadas os homens que acompanhavam Elizabeth.
Quando tinha vinte cavaleiros reunidos, um guarda dirigiu a palavra a Elizabeth.
— Só você pode entrar. Seus homens esperarão aqui.
— Sim, é obvio. Desejo ver Gavin. Ele poderá me identificar.
As rédeas do cavalo de Elizabeth foram tiradas e a conduziram a um espaçoso e limpo pátio de armas frente a uma imensa casa. Havia mais edifícios dentro do perímetro das muralhas.
Um dos guardas entrou na casa e momentos mais tarde apareceu uma bonita mulher, o rosto manchado de farinha, e sementes de gergelim pulverizadas por seus cabelos.
— Leve-me ao seu lorde. — Ordenou Elizabeth. — Tenho notícias que são de sua incumbência.
— É Elizabeth? — Perguntou a mulher. — Tem notícias de Miles? Disseram-nos que ambos foram mortos. Henry ajude-a a sair de seu cavalo e traga os homens com ela para dentro e alimente-os.
Neste momento apareceu Bronwyn e, detrás dela, a pequena cantora que Elizabeth conheceu tanto tempo atrás, Alyx.
— Elizabeth! — Gritou Bronwyn, correndo para ela. Elizabeth quase desmaiou nos braços de sua cunhada.
— Estou tão feliz em vê-la! Foi uma viagem tão longa. Onde está Stephen? Temos que voltar e salvar Miles e Roger. Estão prisioneiros de um duque francês e temos que pagar um resgate, ou resgatá-los, ou...
— Mais devagar. — Disse Bronwyn.
Entra e te daremos algo para comer, logo faremos planos.
— Ordenou a mulher que se encontrava atrás de Elizabeth. — Henry procura meu padrasto e Sir Guy. Faz que venham aqui e prepara sete cavalos para sair de viagem. Envie imediatamente um cavaleiro com ordens de ter um navio preparado para viajar a França. Não quero nenhuma demora. Compreendeste?
Elizabeth ficou quieta, boquiaberta, olhando à mulher a quem em um primeiro momento pensou que fosse uma criada.
— Posso te apresentar Lady Judith? — Disse Bronwyn, divertida.
Judith passou a mão por uma mecha de cabelo, e uma infinidade de douradas sementes de gergelim caíram ao chão.
— Sabe onde está Miles?
— Sim, precisamente acabei de vir de lá.
— E cavalgou sem descanso, podemos ver só em olhá-la.
— Disse Bronwyn.
— Olá, Alyx. — Acrescentou Elizabeth, estendendo a mão à calada mulher que se colocou atrás de Bronwyn.
Alyx devolveu a saudação e sorriu timidamente. Nunca antes se sentira tão insignificante, rodeada por suas deslumbrantes cunhadas.
Neste momento chegou Sir Guy correndo. O gigante parecia ter perdido peso. Atrás dele veio Tam, e parecia que o piso tremia sob os passos deste homem tão corpulento.
— Têm notícias de Lorde Miles? — Gritou Sir Guy, os olhos percorrendo Elizabeth. — Nos disseram que os dois tinham morrido.
— E quem disse isso? — Perguntou Elizabeth, levantando a voz. — Não saiu ninguém em nossa busca?
— Vem para dentro. — Interrompeu Judith, com a mão no braço de Elizabeth. — Conte-nos o que aconteceu.
Minutos depois, Elizabeth sentou-se em uma grande mesa, comendo vorazmente a grande quantidade de comida que colocaram frente a ela, enquanto relatava o ocorrido. Estavam com ela suas três cunhadas, um homem a quem não conhecia, John Bassett, marido da mãe de Judith, Sir Guy e Tam.
Com a boca cheia, contou apressadamente como os três foram jogados no porão de um navio, como tinham escapado e viajado para o sul, até que Roger decidiu arriscar suas vidas por uma jovem, que era esposa de outra pessoa.
Bronwyn interrompeu para dizer algo odioso de Roger Chatworth, mas Tam ordenou que se calasse. Surpreendentemente, Bronwyn obedeceu ao homem mais velho.
Brevemente, Elizabeth relatou como resgataram a jovem Christiana.
Judith fez muitas perguntas, algumas sobre a participação de Elizabeth no resgate e outras a respeito de Christiana.
— Conheço-a. — Disse Judith. — E conheço o marido e a sua família. O mais jovem dos irmãos, não o duque, odeia a Miles.
— Por quê? — Quis saber Elizabeth.
— Por causa de uma mulher que...
Elizabeth fez um aceno com a mão para interrompê-la.
— Não desejo saber mais. Deve ser o jovem que tem prisioneiro Roger e Miles. O duque morreu nas mãos de Roger.
— Ele gosta de matar! — Disse Bronwyn.
Elizabeth não perdeu tempo defendendo seu irmão, mas sim, continuou com sua história, relatando a imprevista morte do duque. Deixou de comer quando passou a contar sua captura nas mãos do irmão do duque morto. Miles tinha sido ferido quando lutou com um cavaleiro, desmontou-o de seu cavalo, jogou Elizabeth na sela, e deu um golpe nas ancas do animal, tirando-a do lugar onde se desenrolava os fatos. Quando pôde controlar o animal, viu meia dúzia de homens que a perseguiam. Ela esporeou seu cavalo e durante as seguintes horas tratou de escapar de seus perseguidores.
Elizabeth saltou os detalhes dos dez dias seguintes. Usou as pérolas de Christiana para pagar sua volta a Inglaterra. Rezando para que não estivesse apressando sua própria morte, decidiu contratar três homens, antigos soldados, que seu mestre tinha morrido e o sucessor queria homens mais jovens, para que o protegessem.
Juntos, os quatro cavalgaram noite e dia, trocando cavalos muitas vezes, dormindo não mais que duas horas por vez.
Quando chegaram à costa, Elizabeth pagou dez pérolas por um navio e uma tripulação, para que os levassem a
Inglaterra e dormiu os três dias seguidos que durou a travessia. Chegaram ao sul da Inglaterra, compraram cavalos e mantimentos e partiram novamente, sem deter-se até que chegaram aos domínios dos Montgomery.
— De maneira que — concluiu Elizabeth — vim procurar os irmãos de Miles. Temos que retornar a França imediatamente.
Neste momento entrou um cavaleiro, sussurrou algo no ouvido de Judith e se foi.
— Lady Elizabeth, — disse Judith — aconteceram coisas que desconhece. Pouco depois que você, Miles e seu irmão foram encerrados no navio, Alice Chatworth — quase se engasgou ao pronunciar o nome — não pôde resistir de se gabar sobre o que tinha feito. Enviou-nos um mensageiro com uma carta nos contando tudo.
Alyx falou pela primeira vez com voz doce, mas claramente audível.
— Raine, Stephen e Gavin partiram imediatamente para a França, enquanto nós — assinalou com a cabeça Judith e Bronwyn — ficamos aqui reunidas esperando notícias.
— Então já se encontram na França? — Perguntou Elizabeth, ficando de pé. — Devo partir agora. Se me der alguns homens, vou encontrar os irmãos de Miles e levá-los até onde ele é mantido prisioneiro.
— Conhece o castelo do duque de Lorillard? Sabe onde vive seu irmão? — Perguntou Judith, inclinando-se para a frente.
— Não, mas certamente... — começou Elizabeth.
— Não podemos nos arriscar. O duque era um "amigo" de meu pai. — Judith fez um aceno depreciativo. — Sei onde estão as propriedades dos quatro Lorillard e duvido que algum outro Montgomery os conheça. Talvez Raine, porque esteve na França participando de torneios, mas se os homens se separaram... não, está decidido! — Ficou de pé.
— Decidido um inferno! — Rugiu o homem que tinha ao seu lado, John Basset, levantando-se ameaçadoramente.
Judith piscou ao escutá-lo, mas manteve a calma.
— Os cavalos estão preparados e logo partiremos. Bronwyn tem suficiente dessas camisas escocesas e mantas que usam em sua terra? Serão muito cômodas nesta comprida viagem.
John a agarrou pelo braço com rudeza.
— Não vai andar por aí arriscando sua vida novamente.
— Disse ele. — Você quase nos matou quando foi atrás de Gavin. Desta vez, moça, você vai ficar aqui e deixar os homens lidarem com isso.
Os olhos de Judith se tornaram tão quentes quanto o ouro derretido.
— E onde se supõe que vai procurar meu marido? — Ela fervia. — Alguma vez você já esteve na França? E se por acaso o encontra, como saberá indicar onde procurar Miles? Usa o senso que tem John! Deixe que as outras mulheres fiquem aqui, mas Elizabeth e eu devemos ir contigo.
Alyx olhou para Bronwyn e soltou um grito de "NÃO!” que fez as paredes tremerem e a poeira do teto cair. O rosto de Alyx se ruborizou e baixou os olhos para suas mãos.
— Quero dizer que Bronwyn e eu também devemos lhes acompanhar. Talvez possamos ser úteis. — Ela sussurrou.
— Bronwyn... — começou Tam, enquanto Sir Guy olhava intimidativamente a Elizabeth. Instantaneamente, todos começaram a discutir ao mesmo tempo.
Alyx, que não tinha nenhum dos homens perto, escapuliu sem ser vista, subiu correndo as escadas para o quarto de Bronwyn e Stephen e tirou várias mantas de uma arca. Inclusive no andar superior se ouvia a discussão das vozes altas embaixo.
Impulsivamente, ela pegou uma gaita de fole da parede. Com os tartans multicoloridos nos ombros, começou a tocar a gaita de fole enquanto descia as escadas. Quando chegou ao salão principal, todos os olhos estavam voltados para ela.
Reinava o silêncio.
Deixou a gaita de fole e falou.
— Se os homens cavalgarem sem nós, — disse no meio do silêncio espectador — iremos sozinhas, uma hora depois. Assim, cavalgarão conosco ou nos precederão?
Os homens ficaram calados, as mandíbulas apertadas e os lábios transformados em uma linha fina.
— Enquanto estamos aqui perdendo o tempo, — seguiu Alyx — Miles segue prisioneiro, ou talvez esteja sendo torturando neste preciso momento. Sugiro que partamos... AGORA!!!
Judith se adiantou, pegou o rosto de Alyx entre as mãos, beijou as bochechas de sua cunhada.
— Vamos todos! — Declarou Judith, tomando as mantas de Alyx e jogando uma para Elizabeth. — John cuide dos suprimentos. Guy procure meu mordomo. Vamos necessitar ouro para esta viagem. Tam certifique-se de que temos flechas em abundância e verifique as cordas nos arcos. Bronwyn certifique-se de que temos cavalos preparados para viajar. Alyx traga algum instrumento para tocar um pouco de música. Poderemos necessitá-lo.
Elizabeth começou a rir quando ouviu a primeira ordem.
— E eu? — Perguntou ela, enquanto todos começavam a andar em diferentes direções para obedecer a Judith.
— Venha comigo. — Disse Judith, subindo as escadas.
No meio da escada, Judith fez uma pausa, posando seus olhos em Elizabeth.
— Alice Chatworth contraiu varíola, e embora tenha sobrevivido, a parte sã de seu rosto ficou completamente cheia de marcas. — Judith fez uma pausa. — Ela tirou a própria vida atirando-se da ameia de uma de suas propriedades. — Desviou a vista e, contendo o fôlego, disse. — A mesma muralha de onde caiu Ella, sua antiga donzela.
Elizabeth não compreendeu a última frase, mas enquanto seguia Judith escada acima, alegrou-se de que Alice estivesse morta. Pelo menos agora podia ter certeza de que seu filho estaria a salvo.
Elizabeth ouviu falar de como trabalhava Judith Montgomery, mas logo chegou à conclusão de que ela era um demônio em atividades. Não permitia a menor fraqueza de alguém... ninguém podia descansar.
Chegaram ao sul da Inglaterra em apenas dois dias, trocando os cavalos com frequência. Falava-se pouco, e a única preocupação era percorrer o trajeto o mais rapidamente possível. Em muitos lugares os caminhos estavam em muito más condições ou quase não existiam, por isso se lançaram a travessarem campos recém-arados e terrenos cultivados enquanto os camponeses levantavam os punhos com raiva. Em duas ocasiões Tam e Guy saltaram de seus cavalos e usaram
machados de batalha para cortar cercas. Atrás deles as ovelhas pastavam.
— O dono levará Judith a julgamento. — Disse Elizabeth, porque obviamente estavam invadindo propriedade de gente rica.
— Esta terra pertence à Judith. — Esclareceu Bronwyn por sobre o ombro, enquanto esporeava seu cavalo.
Alyx e Elizabeth intercambiaram olhares de assombro antes de lançar, também elas, os cavalos a todo galope.
Chegaram ao sul da Inglaterra, ao amanhecer do terceiro dia, uma balsa os esperava para transportá-los até a ilha onde viviam mais Montgomery.
— Meu clã é pequeno comparado com esta família. — Disse Bronwyn cansada, antes de sentar-se no fundo úmido da balsa, puxando a manta sobre a cabeça e adormecendo.
Uma hora depois foram despertadas novamente e, como sonâmbulas, montaram em cavalos descansados e cavalgaram para a propriedade dos Montgomery.
A pesar do cansaço que sentia, Elizabeth notou a antiguidade e a serenidade da fortaleza, com suas pedras colocadas há mais de duzentos anos pelo cavaleiro conhecido como o Leão Negro.
Dentro dos portões, Judith tocou o braço de Elizabeth e acenou com a cabeça em direção a uma menina que espiava
da entrada de uma porta. Ela tinha cerca de um ano e meio de idade, com cabelos sujos, roupas rasgadas e o olhar cauteloso de um cão faminto.
— Um dos filhos de Miles. — Judith disse, observando o rosto de Elizabeth.
Uma onda de raiva atingiu Elizabeth.
— Ela será minha quando eu voltar. — Com um último olhar, Elizabeth passou diante dos outros e entrou na fortaleza.
Eles ficaram no velho castelo, apenas o tempo suficiente para comer e, em seguida, partiram no navio que os aguardava. Todos os sete imediatamente se enrolaram nas mantas, no convés e foram dormir.
Muitas horas depois, mais refrescadas, as mulheres começaram a discutir seus planos.
— Teremos que ter acesso ao castelo. — Disse Judith. — A música de Alyx nos abrirá as portas. Algum sabe cantar ou tocar algum instrumento?
Bronwyn jurou que tinha boa voz, Judith admitiu carecer totalmente de ouvido musical.
— Eu posso dançar. — Elizabeth sussurrou, com a garganta seca.
— Boa! — Judith declarou. — Uma vez que estejamos dentro...
— Você não fará nada. — Disse John Basset a suas costas. — Você vai mostrar a propriedade do novo duque para nós e vamos encontrar seus maridos e trazê-los a esse lugar. Eles resgatarão Lorde Miles. — Com estas palavras, deu meia volta e se foi.
Judith deu a suas cunhadas um pequeno sorriso.
— Faz alguns anos tive alguns problemas quando tentei resgatar Gavin. John nunca me perdoou, e como se casou com minha mãe, sente-se responsável por mim. — Inclinou-se para frente. — Teremos que ser mais discretas na preparação de nossos planos.
Elizabeth inclinou-se contra o lado do navio e reprimiu uma risada. Aí estava Judith, tão bonita, tão diminuta, com suas mãos nos joelhos, com todo o aspecto de uma dama recatada e impotente. E, entretanto, tinha um espírito indomável. Bronwyn permanecia de pé apoiada na amurada, o sol brilhando na água e destacando sua beleza forte. Elizabeth conhecia Bronwyn pela mulher apaixonada, corajosa e leal que era. E Alyx, tão calada e tímida, parecia ter medo de todos eles, mas Elizabeth tinha visto vislumbres de seu caráter na magnífica voz que possuía.
E Elizabeth? Encaixava entre estas mulheres?
Perguntou-se se passaria no exame de Judith.
Assim que chegaram à França, compraram cavalos e Judith os guiou para o sudoeste. No último dia, Judith
concordou com tudo o que os homens disseram. Em uma ocasião, Bronwyn deu uma cotovelada em Elizabeth para que ela observasse como John Bassett inchava o peito enquanto dava instruções a Judith. Tam também deu a Bronwyn ordens estritas.
Sir Guy falou apenas uma vez com Elizabeth.
Olhando para ele através de seus cílios e com expressão recatada e angelical perguntou-lhe como estavam os dedos de seus pés. A cicatriz do gigante empalideceu, e este partiu sem responder. Bronwyn segurou suas costelas, porque sentiu que podiam quebrar de tanto rir. Judith, quando se inteirou da história do pé de Guy dirigiu a Elizabeth um olhar especulativo de admiração.
Alyx simplesmente afinou seu alaúde e, esse ato por si só, pareceu mostrar quem ela acreditava que ganharia essa batalha de vontades.
John Bassett alugou quartos em uma estalagem que não estava muito afastada das propriedades do duque, onde, segundo os habitantes do lugar, ele estava em casa esses dias. Os três homens tiveram que deixar sozinhas às mulheres quando partiram em busca dos maridos. John parecia que ia chorar quando se encontrou com o teimoso silêncio de Judith em resposta a sua petição de que jurasse por Deus que esperaria ali a volta dos homens.
— Terei que deixar um guarda para que as vigie? —
Perguntou John, exasperado. Judith se limitou a olhá-lo.
— Não me importaria te levar comigo, mas teremos que nos separar e é preciso mais do que um mero homem, para controlar um demônio como você. Por Deus, deveria haver um Santo especial para proteger maridos como Gavin.
— Está perdendo tempo, John. — Disse Judith pacientemente.
— Ela tem razão. — Disse Guy, sem olhar a nenhuma das mulheres.
John se aproximou de Judith e a beijou na testa.
— Que o Senhor te proteja. — Com isto, os três homens se foram.
Judith se encostou na porta e soltou um profundo suspiro.
— Ele só deseja nosso bem. E agora, vamos começar a trabalhar?
Elizabeth não demorou a perceber que magnífica planejadora era Judith... e como sabia usar seu ouro. Ela contratou um total de vinte e cinco pessoas para que corressem a voz de que ali se encontrava a cantora mais famosa do mundo e a bailarina mais exótica do universo. Esperava que a excitação e a expectativa fossem febris para que quando Alyx e Elizabeth aparecessem, todos os olhos
estivessem nelas, enquanto ela e Bronwyn escapulissem sem serem notadas.
No início da tarde, Judith trocou suas roupas por farrapos, enegreceu um dente da frente com uma desagradável mistura de goma e fuligem, e foi entregar pão fresco no castelo do duque. Retornou com magníficas notícias.
— Miles está vivo. — Disse, se coçando e tirando as imundas roupas. — Parece que o duque sempre tem prisioneiros e os instala no alto da torre. Isto tem um gosto horrível! — Acrescentou, esfregando os dentes. — Parece que toda a família Lorillard é perita em torturas, e neste momento estão se ocupando da jovem.
— Sinto muito, Elizabeth. — Acrescentou Judith rapidamente. — Pelo que se murmura, não pude saber se ela ainda está viva ou não, mas os dois homens sim, estão vivos.
— Soubeste algo da ferida de Miles? — Perguntou Elizabeth.
Judith estendeu suas mãos, com as palmas para cima.
— Não pude perguntar tudo diretamente, e tudo o que pude averiguar é que os prisioneiros são sempre mantidos no alto da torre.
— Parece ser fácil. — Disse Bronwyn. — Tudo o que temos que fazer é anexar asas aos nossos cavalos e voar para o topo.
— Há uma escada — esclareceu Judith.
— Sem guardas? — Inquiriu Bronwyn.
— A porta que leva aos quartos onde estão os prisioneiros está custodiada, mas há outro lance de escada que chega ao telhado. — Judith passou uma camisa limpa pela cabeça. — Há janelas nos quartos, e se pudéssemos descer do telhado...
Só Bronwyn notou as rígidas linhas brancas apertadas, que se formaram nas comissuras da boca de Judith. Ela, por momentos, parecia não temer a nada, mas tinha um terror absoluto de lugares altos. Bronwyn tocou no braço de Judith.
— Você fica e dança enquanto Alyx canta. Elizabeth e eu desceremos do telhado e...
Judith levantou uma mão.
— Tenho tanto talento para dançar como poderia fazer os cavalos voarem. Alyx começaria a cantar, eu não poderia seguir o ritmo e começaria a observar as mesas e a fazer os cálculos de quantos caixotes de comida foram necessários para armazenar a quantidade de comida servida. Provavelmente me esqueceria de dançar e começaria a dar ordens aos servos.
As três mulheres tentaram, sem êxito, reprimir risadinhas, tanto pela precisão de Judith quanto por seu ar desventurado. Judith lhes lançou um olhar.
— Sou forte e pequena ao mesmo tempo, e posso facilmente descer por uma corda e entrar por uma janela.
Nenhum argumento poderia persuadir Judith a mudar de ideia, e muito em breve se sentaram a descansar, cada uma com seus próprios pensamentos sobre os perigos que teriam que enfrentar. Elizabeth não falou do medo que tinha que os homens a tocassem e não voltaram a mencionar o terror de Judith pelas alturas.
Quando se aproximava o crepúsculo, Judith ficou de joelhos e começou a orar, e imediatamente as outras mulheres se uniram a ela.
Capítulo Vinte
Alyx foi a que mais surpreendeu às mulheres. Durante os últimos dias quase não falou, e seguiu docilmente suas expressivas cunhadas sem fazer sugestões, nem emitir queixa. Mas no momento em que um instrumento musical caía em suas mãos, e alguém pedia que tocasse, ultrapassava amplamente a todas as suas parentas em esplendor.
Judith e Bronwyn, vestidas com farrapos sujos, escondendo-se, se misturaram à procissão que seguia Alyx e Elizabeth.
Elizabeth, que já chamava a atenção por seu corpo magnificamente bem-dotado, usava roupas toscas e chamativas, de cores tão brilhantes que teriam atraído a atenção por conta própria.
Assim que Alyx entrou no grande salão do velho castelo, lançou uma nota que silenciou a todos. Bronwyn e Judith nunca tinham escutado a potência da voz de Alyx e permaneceram quietas um momento, com expressão de respeito.
— Eu vou te dar um ritmo. — Sussurrou Alyx a Elizabeth.
— Siga-o com seu corpo.
Todos os olhos estavam cravados em Alyx e na bonita mulher que a acompanhava. Abruptamente Alyx deixou que sua voz saísse, e novamente o público começou a respirar e, entre risadas e aplausos, começaram a mover-se.
— Agora! — Disse Judith a Bronwyn, e as duas mulheres desapareceram por um buraco escuro na parede.
Com as pesadas saias sustentadas com as mãos, começaram a subir pelos velhos degraus de pedra, um lance, dois lances, até acima, mas quando quase chegavam a sua meta, um ruído as fez esmagarem-se contra a parede.
Escutando com todos os poros do corpo, esperaram que o guarda passasse pela abertura.
Judith apontou para uma fenda negra a esquerda, longe do guardião que vigiava. Deslizaram pela abertura sem um ruído. Os ratos protestaram ante as intrusas, e Bronwyn chutou escada abaixo a um deles.
No topo das escadas havia uma porta... fechada.
— Maldição! — Sussurrou Judith. — Precisamos de uma chave.
Mas antes de emitir qualquer som, Bronwyn se aproximou da porta e começou a percorrer as bordas com seus dedos. Quando chegou no final da borda, voltou-se e dirigiu a Judith um sorriso triunfante. Na escuridão, seus dentes e seus olhos brilhavam. Bronwyn puxou um ferrolho de ferro e a porta
se abriu com facilidade. Um ruído alto de um rato fez que se detivessem, mas não escutaram ruídos de passadas nas escadas. Passaram por uma abertura e chegaram no telhado.
Fizeram uma pequena pausa e respiraram profundamente o ar limpo da noite. Bronwyn se voltou para Judith e viu que ela estava olhando para as muralhas com medo em seus olhos
— Deixe-me ir. — Disse Bronwyn.
— Não. — Judith negou com a cabeça. — Se alguma coisa acontecer e tiver que te içar, não poderia fazê-lo, mas em troca você sim, pode me puxar.
Bronwyn assentiu, porque o raciocínio de Judith era correto. Sem falar mais, tiraram as ásperas saias de lã que usavam sobre as anáguas e começaram a desenrolar uma corda pesada a partir do quadril para cima. Judith pagou a quatro mulheres para que trabalhassem toda a tarde costurando essas saias. Agora a luz da lua brilhava sobre suas saias de manta escocesa, azul e verde para Bronwyn, dourada e marrom para Judith.
Assim que a corda de Bronwyn formou um cilindro em espiral no chão, esta começou a caminhar pela torre redonda para observar abaixo das ameias.
— Há quatro janelas. — Informou a Judith. — Qual será a de Miles?
— Deixe-me pensar. — Disse Judith, sustentando a corda em seu antebraço. — Aquela janela está sobre as escadas, a outra de frente para as escadas, então a cela deve ser uma daquelas duas. — Ela apontou para a direita e para a esquerda.
Nenhuma das duas mencionaram que se Judith aparecesse na janela equivocada, poderia significar sua morte.
— Vamos, vamos! — Disse Judith, como se caminhasse para sua própria execução.
Bronwyn tinha usado cordas toda sua vida, e com facilidade, fazendo alguns nós, conseguiu fazer uma espécie de assento para Judith. Passou a saia do tartan entre suas pernas e a ajustou com o grosso cinturão de couro. Com o coração pulsando loucamente, Judith deslizou pelos nós da corda, uma parte ao redor de sua cintura, a outra entre suas pernas.
Bronwyn, de pé frente às ameias, sorriu-lhe.
— Concentre-se no seu trabalho e não pense sobre onde você se encontra.
Judith apenas balançou a cabeça, já que o medo tinha feito um nó na sua garganta. Bronwyn envolveu uma ponta da corda ao redor de uma das ameias e usou para fazer descer lentamente Judith.
Judith rezava salmos em silêncio, reafirmando sua fé em Deus, enquanto procurava algum ponto de apoio com os pés.
Três vezes se desprenderam partes da muralha sob seus pés, e em cada vez, seu coração pulou para a garganta, esperando que a qualquer momento aparecesse um guarda por cima dela para cortar a corda que segurava sua vida.
Depois de longos momentos, que transcorreram muito lentamente, chegou à janela, e quando seus pés se apoiaram no parapeito, uma mão se aferrou ao seu tornozelo.
— Silêncio! — Ordenou uma voz, quando Judith ofegou de terror.
As mãos fortes pegaram suas panturrilhas, depois seus quadris, e puxaram-na para dentro da janela. Judith, tão contente de estar novamente em chão firme, agarrou o interior do peitoril da janela com tanta força que ameaçou quebrar os dedos.
— Não é você que tem pavor às alturas?
Judith se voltou para encarar o rosto tranquilo de Roger Chatworth. Sua camisa pendia em trapos sobre seu corpo musculoso.
— Onde está Miles? — Ela disse em um meio-ofego, meio- grunhindo.
Um som vindo do lado de fora da cela fez que Roger a abraçasse protetoramente.
— Já está falando sozinho, Chatworth? — Gritou o guarda, mas não se deu ao trabalho de caminhar em direção à cela.
— Com ninguém melhor que comigo mesmo. — Respondeu Roger em voz alta, abraçando o corpo tremente de Judith.
— Quem está acima? — Sussurrou-lhe Roger ao ouvido.
— Bronwyn.
A resposta de Judith foi recompensada por uma maldição afogada de Roger. Ela queria soltar-se de seus braços, mas neste momento algo que a confortasse era bem recebido. Roger a puxou, ainda presa à corda, para um canto distante da pequena sala.
— Miles está na cela da frente. — Sussurrou ele. — Está ferido e não sei se terá forças suficientes para subir por sua corda. O guarda vai dormir logo e nós vamos sair. Eu irei primeiro e depois lhes içarei. Mas você não pode ficar nesta sala sozinha. Terá que se sentar no parapeito, e se o guarda chegar a olhar para dentro, terá que saltar. Entendeu? Assim que eu chegar ao topo vou puxá-la para cima — repetiu.
Judith deixou que suas palavras penetrassem em seu cérebro. Este era o inimigo de sua família, era o causador da morte de Mary Montgomery. Talvez tivesse em mente matar Bronwyn e cortar a corda que a sustentava.
— Não... — começou.
— Têm que confiar em mim, Montgomery! Bronwyn não pode puxá-la para cima e você jamais poderia subir pela corda. Malditas mulheres! Por que não mandaram homens em seu lugar?
Isso foi suficiente. Os olhos dela relampejaram.
— Ingrato...
Ele pôs uma mão na sua boca.
— Boa garota! Tudo o que eu não gosto nos Montgomery, gosto nas suas mulheres. Agora não percamos mais tempo. — Dizendo isto, levou Judith para a janela, levantou-a e a sentou no parapeito.
— Coloque as mãos aqui, — indicou a borda do parapeito
— e sustente firme. Quando começar a te puxar para cima, use as mãos e os pés, para não se chocar contra a parede. — Sacudiu-a levemente, porque ela não podia deixar de olhar o chão, que ficava muito, muito abaixo. — Pense na fúria de seu marido quando ele descobrir que você salvou um Chatworth antes de seu irmão.
Judith quase sorriu ao escutar isto... quase. Conseguiu levantar a cabeça e visualizou Gavin, imaginando-se em seus braços protetores. Jurou que jamais voltaria a fazer algo tão estúpido como tentar resgatar um homem novamente. A menos, é obvio, que Gavin precisasse dela. Ou seus irmãos.
Ou alguma de suas cunhadas. Ou talvez, também, sua mãe. E, sem dúvida nenhuma, seus filhos. E...
O puxão da corda quando Roger começou a subi-la quase a faz voar pelo ar.
— Se concentre em seu trabalho, mulher! — Ordenou ele.
Ela encolheu os pés, novamente alerta, e com a cabeça levantada observava como ele ia subindo, palmo a palmo.
Bronwyn recebeu Roger no telhado com uma adaga apontada à garganta, e segurou-a lá enquanto ele se balançava suspenso na corda.
— O que você fez com Judith? — Bronwyn rosnou.
— Ela espera por mim para puxá-la para cima e cada minuto que você demora em me ajudar, sua vida corre mais perigo.
Neste momento aconteceram várias coisas. Uma delas, Judith, que por medo ou por necessidade, lançou-se do parapeito da janela e o impulso quase fez Roger perder o controle e soltar a corda.
— Guardas! — Ouviu-se um grito mais abaixo.
— A porta! — Disse Roger, lutando para manter-se na parede. — Tranque a porta!
Bronwyn reagiu imediatamente, mas quando chegou à porta, um guarda já a tinha atravessado. Não duvidou um
momento em cravar a adaga entre suas costelas. O guarda caiu, e Bronwyn teve que empurrá-lo para o lado para poder travar a porta.
Voltou correndo até onde Roger se encontrava, puxando a corda de Judith, e se inclinou sobre as ameias para ajudar.
— O que aconteceu? — Perguntou Bronwyn antes que Judith chegasse sã e salva no telhado.
— Alyx e Elizabeth foram jogadas na cela com Miles, eu fiquei e escutei o máximo que pude, mas quando o guarda quis ver Chatworth, ele gritou e veio para aqui. O que aconteceu com ele?
Bronwyn ajudou Judith a subir no telhado.
— Aí está. — Ela acenou com a cabeça para o corpo do homem.
— Alguém o ouviu gritar? — Quis saber Roger.
— Acredito que ninguém. — Explicou Judith. — Vamos!
Devemos tirá-los desse lugar.
— Não há tempo. Onde estão seus maridos? — Perguntou Roger.
— Aqui na França, mas... — começou Judith, mas se deteve quando Roger agarrou o segundo cilindro de corda do piso do telhado e o atou a ameia. — Eles estão do outro lado.
Roger a ignorou.
— Não há tempo. O velho estará aqui em poucos minutos. Temos que baixar e voltar com ajuda.
— Seu covarde! — Sibilou Bronwyn. — Escape você.
Judith e eu vamos resgatar a nossa família. Roger a agarrou pelo braço com rudeza.
— Feche a boca, idiota! Esquece que Elizabeth é minha irmã? Não há tempo para discutir, mas se todos nós somos apanhados, não haverá ninguém para liderar um resgate. E agora, podem descer por essa corda?
— Sim, mas... — começou Bronwyn.
— Então façam! — Quase a jogou no outro lado do muro, enquanto segurava firmemente suas mãos. — Desça, Bronwyn! — Ele ordenou, então deu-lhe um sorriso rápido. — Mostre-nos um pouco do seu sangue escocês.
Assim que Bronwyn desapareceu por um lado do muro, Roger tomou Judith por debaixo dos braços e a elevou.
— Bem! Não pesa mais que minha armadura. — Agachou-se. — Segure-se em minhas costas com todas as suas forças.
Judith assentiu com a cabeça e obedeceu, enterrou o rosto nos ombros de Roger e fechou os olhos. Não olhou quando ele passou ao outro lado do muro. O pescoço do homem começou a transpirar e Judith se deu conta de que estava fazendo um tremendo esforço.
— Vai permitir que um inglês ganhe de você? — Urrou Roger, pendurado no vazio, para Bronwyn.
Judith abriu um olho e olhou a sua cunhada com admiração. Bronwyn tinha a corda enrolada em um tornozelo e deslizava para baixo com facilidade. Quando ouviu as palavras de Roger, apressou-se mais.
Judith não tinha intenção de deixar o amparo das largas costas de Roger mesmo que já tivesse colocado o pé em terra. Como se fosse algo que ele fizesse todos os dias, deslocava primeiro as mãos, depois as pernas na descida.
Tremendo, Judith observou que ele corria para a corda de Bronwyn. Ela ainda estava a alguns metros do chão.
— Salte escocesa! — Ordenou Roger. Bronwyn duvidou um instante, mas em seguida obedeceu, soltou a corda e aterrissou pesadamente nos braços de Roger.
— Você deve pesar o mesmo que meu cavalo — murmurou, enquanto a depositava no piso. — Seria muito esperar que houvessem trazido algum cavalo?
— Venha, inimigo. — Disse Bronwyn, fazendo um gesto com o braço.
Roger pegou o braço de Judith porque ela ficou imóvel, olhando para cima, horrorizada, à alta torre por onde desceram.
— Corram! — Ele disse, e lhe deu uma forte palmada nas nádegas. — Tirem a minha irmã e Chris daqui!
Miles estava de pé em meio da cela, como se as estivesse esperando, quando a porta se abriu repentinamente e Elizabeth e Alyx foram empurradas para dentro.
— Para que te façam companhia, Montgomery. — O guarda riu. — Aproveite esta noite porque provavelmente vai ser a última vivo.
Miles conseguiu apanhar a Elizabeth antes que esta caísse, e logo sustentou Alyx.
Sem uma palavra se sentou no piso e passou seus braços pelos ombros das duas mulheres, enquanto Elizabeth começava a beijá-lo com frenesi.
— Disseram-me que você estava morto. — Disse Elizabeth entre beijos. — Oh, Miles, não sabia se voltaria a vê-lo novamente.
Miles, sorrindo ligeiramente, os olhos brilhando, depositou um beijo na testa de cada mulher.
— Agora posso morrer em paz.
— Como pode brincar... — começou a dizer Elizabeth, mas Miles a beijou nos lábios e ela se acalmou.
Os três ficaram alerta quando o guarda gritou e subia a escada correndo, para o terraço da torre. Um ruído surdo seguiu ao desaparecimento do homem.
No meio do silêncio, olhando para cima, Miles perguntou:
— Bronwyn?
Ambas as mulheres concordaram com a cabeça. Miles respirou fundo e suspirou.
— Por que não me contam o que fizeram?
Alyx permaneceu calada enquanto Elizabeth contava tudo referente ao plano de resgate, como Judith tinha que descer pela parede e entrar na cela de Miles. Alyx olhava a Miles, apoiava-se em seus fortes ombros, feliz por seu conforto, e viu como seus olhos escureceram. Raine me torceria o pescoço se soubesse deste plano, pensou ela, e lágrimas quentes caíram de seus olhos.
— Alyx? — Disse Miles, interrompendo o relato de Elizabeth. — Sairemos daqui. Meus irmãos, neste momento...
Ela enxugou os olhos com as costas da mão.
— Eu sei. Só pensava que Raine me arrancará a pele por
isso.
Os olhos de Miles brilharam.
— Sim, ele vai.
— Você está ferido! — Exclamou Elizabeth repentinamente ao descobrir uma suja bandagem que envolvia suas costelas. Não havia muito da camisa dele, mas o que havia, Elizabeth estava explorando.
Ela se afastou dele. Só recebiam um pouco da luz da lua, mas até na penumbra, pôde ver todas as cicatrizes. Passou os dedos sobre uma delas, e disse:
— Você não tinha cicatrizes quando nos conhecemos, e todas as que têm agora, recebeu por minha culpa.
Ele beijou sua mão.
— Também vou colocar algumas cicatrizes em você... dos vinte meninos que penso ter contigo. Agora quero que vocês duas descansem porque imagino o que o amanhã trará... novos eventos.
A maior preocupação de Elizabeth tinha sido voltar a ver Miles são e salvo, e agora que estava recostada junto a ele, sabendo que estava vivo e bem, sentia-se satisfeita. Fechou seus olhos cansados e dormiu imediatamente.
Não foi o mesmo com Alyx. Ela não esteve viajando tanto como Elizabeth e não se sentia tão cansada. Fechou os olhos e ficou quieta, mas sua mente trabalhava febrilmente.
Depois de uma hora, quando apenas um fio de luz iluminava a cela. Miles se separou das mulheres com
suavidade e ficou frente à janela. Alyx observava com os olhos entrecerrados seus estranhos movimentos.
— Venha se juntar a mim, Alyx. — Sussurrou ele, surpreendendo-a, porque não acreditava que ele soubesse que estava acordada.
Alyx passou por cima de uma Elizabeth adormecida e quando se aproximou de Miles, este a puxou para si, o braço pelos seus ombros e a apertou contra si.
— Você arriscou muito para me salvar, Alyx, e agradeço
isso.
Ela sorriu, e esfregou sua bochecha contra a mão dele.
— Por minha culpa nos apanharam. O duque me viu tocar e cantar na Inglaterra, em alguma ocasião, recordou-me e também recordou que agora sou uma Montgomery. O que você acha que Bronwyn disse quando viu Roger no telhado em vez de você? — Moveu-se entre seus braços. — Acha que conseguiram escapar, não é? Não havia guardas esperando-os abaixo, não é assim? Virá Raine?
Sorrindo, ele a pôs de frente para a janela.
— Sei que conseguiram passar. Olhe lá, para o oeste.
— Não vejo nada.
— Na névoa, veja os pequenos brilhos?
— Sim. — Disse ela, excitada. — O que são?
— Eu poderia estar errado, mas eu acredito que eles são homens com armaduras. E ali também, mais para o norte.
— Mais brilhos! Oh, Miles. — Ela se virou, abraçou-lhe o peito com força e bruscamente o soltou. — Você está ferido, pior do que disse a Elizabeth. — Disse acusadoramente.
Ele tentou sorrir, mas a dor se refletia em seu rosto.
— Você vai dizer a ela e dar-lhe mais razão para se preocupar? Ela foi corajosa dançando para todos aqueles homens estranhos, não foi? — Disse com orgulho.
— Sim. — Respondeu Alyx, e ficou junto a ele, olhando o amanhecer, observando os pequenos pontos de luz à medida que se aproximavam cada vez mais.
— Quem são eles? — Quis saber Alyx. — Sei que há Montgomery na França, mas parece haver centenas de cavaleiros se aproximando. Quem são os outros?
— Duvido que haja outros. — Respondeu Miles. — Há Montgomery por toda a França, na Espanha e na Itália. Quando era um rapaz e ganhei minhas esporas, incomodava- me que em qualquer lugar que fosse houvesse um tio e alguns primos colados a mim, mas neste momento sinto que todos os meus parentes são fantásticos.
— Estou de acordo contigo.
— Olhe lá! — Disse, apontando para frente. — Você viu
isso?
— Não, não vi nada.
Ele sorriu alegremente.
— É o que eu estava esperando para ver. Lá está de novo!
Brevemente, por menos de um segundo, Alyx viu um reflexo diferente.
— É o estandarte de meu tio Etienne. Sempre rimos dele, porque seu estandarte é do tamanho de uma casa, mas Etienne disse que a simples visão dos três leopardos dourados faz com que todos fujam imediatamente... e ele quer dar ao duque tempo de fazê-lo.
— Eu vi! — Exclamou Alyx. No horizonte apareceram três reflexos dourados, um acima do outro. — Os leopardos. — Murmurou. — Quem você acha...? — Começou a perguntar.
— Raine está à frente com o tio Etienne. Stephen se aproxima com os homens do norte e Gavin chega pelo sul.
— E você como sabe?
— Conheço meus irmãos. — Ele sorriu. — Gavin vai esperar alguns quilômetros de distância por meus irmãos e os três exércitos atacarão simultaneamente.
— Atacar? — Perguntou ela, com os dentes apertados.
— Não se preocupe. — Acariciou-lhe brandamente uma têmpora. — Não acredito que nem sequer o duque de Lorillard se atreva a enfrentar as forças combinadas dos Montgomery.
Ele terá a oportunidade de render-se pacificamente. Além disso, sua luta é sobre Christiana, não com os Montgomery.
— Christiana, a moça a quem resgatou Roger Chatworth? O que aconteceu com ela?
— Eu não sei, mas vou descobrir. — Disse Miles com tanta veemência que Alyx preferiu calar. Sabia muito bem que era inútil tentar discutir com um dos Montgomery quando tomaram uma decisão. Juntos observaram os exércitos de cavaleiros que se aproximavam, e quando Elizabeth despertou, Miles a abraçou também. Tentando levantar seu ânimo, fez brincadeiras sobre as roupas delas.
— Se Judith e Bronwyn libertaram Roger Chatworth e os três foram em busca de ajuda, qual irmão você acha que eles encontraram primeiro? — Perguntou Alyx.
Nem Miles nem Elizabeth tiveram uma resposta para ela.
— Rogo que não seja Raine. — Sussurrou Alyx. — Acredito que Raine atacaria primeiro e faria as perguntas depois.
Em silêncio, ficaram olhando como se aproximavam seus salvadores.
Capítulo Vinte e Um
Cavalgando junto a Raine e Etienne Montgomery se encontrava Roger Chatworth, sua boca uma linha apertada, seu braço direito — o braço da espada — enfaixado fortemente, mas ainda sangrando, e ao seu lado, Bronwyn ostentando o que muito em breve seria um magnífico exemplo de olho negro. O sangramento do braço de Roger tinha sido o resultado de seu encontro com Raine, e o olho de Bronwyn tinha sido a consequência de ficar no meio de ambos. Judith teria se juntado a disputa, mas John Bassett saltou de seu cavalo, atirou-a ao chão e ali a manteve com firmeza.
Foram necessários quatro homens para segurar Raine e não permitirem que despedaçasse Chatworth, mas por fim ele se acalmou um pouco e permitiu que Judith e Bronwyn, que cuidava do olho golpeado, contassem o que aconteceu.
Quando a história estava pela metade, todos os Montgomery estavam de novo sobre suas montarias. Quando Judith contou que Alyx terminou na mesma cela que Miles, Raine voltou a saltar outra vez do cavalo e se lançar contra Roger. Roger o manteve na raia com uma espada que sustentava com sua mão esquerda, e os parentes de Raine acalmaram a ambos.
Agora, enquanto se aproximavam do velho castelo Lorillard, estavam todos calados.
Gavin Montgomery estava montado em seu cavalo, absolutamente calado, com trezentos homens a suas costas, observando como se aproximavam os outros Montgomery. Ao seu lado se encontrava Sir Guy e o rosto cicatrizado do gigante estava rígido como uma pedra. Guy preferia não recordar a explosão de Gavin quando descobriu que Judith tinha vindo para a França com outros homens.
— Ela não tem nenhuma experiência nesses assuntos! — Rugiu Gavin. — Acredita que fazer uma guerra é como limpar um lago de peixes. Oh, Senhor! — Ele orava com fervor olhando o céu. — Se ainda estiver viva quando a encontrar, vou matá- la com minhas próprias mãos. Adiante!
Stephen ordenou a seus homens que se aproximassem do lado leste do castelo, enquanto que ele e Tam cavalgaram para onde Gavin esperava pelo sul.
— Mulheres? — Ele gritou antes de chegar a Gavin.
— Nenhuma! — Respondeu seu irmão em voz tão alta que seu cavalo se levantou sobre as patas traseiras.
Em meio de uma nuvem de pó, Stephen e Tam viraram para o oeste em busca de Raine. Quando Stephen viu Bronwyn, quase chorou de alívio, então franziu o cenho para seu olho inchado.
— O que aconteceu? — Gritou por sobre o estrondo dos cavalos, sem tocá-la, mas comendo-lhe com os olhos.
— Raine... — foi tudo o que Bronwyn pôde dizer, porque Stephen soltou uma estrepitosa gargalhada. Olhou com afeto a imensa figura de Raine, muito rígido sobre seu cavalo.
Bronwyn não se incomodou em olhar novamente seu marido, mas sim, ficou junto à Tam.
— Stephen. — Chamou Judith. — Gavin está com eles?
— Ela apontou para o sul.
Stephen acenou com a cabeça uma vez, e Judith, seguida de John, saiu disparada como um relâmpago para o grupo dos Montgomery que aguardavam no sul.
Não houve luta.
O novo duque de Lorillard, que obviamente acabava de levantar da cama, com os olhos vermelhos e a pele cinza esverdeado pelos excessos da noite anterior, não teria chegado à avançada idade de cinquenta e oito anos, se tivesse tentado lutar contra os mil homens enfurecidos que rodeavam seu castelo. Demonstrando a fé que tinha na honra do nome dos Montgomery, caminhou entre os cavaleiros armados e disse a Gavin que em troca de sua própria liberdade, os Montgomery podiam levar tudo o que quisessem, ou a quem quer que eles quisessem, sem a perda de uma única vida.
Raine não quis aceitar os termos do homem, porque o duque estava rendendo não só suas terras, mas também a dois de seus filhos. Raine acreditava que um homem que se comportava dessa forma merecia a morte.
Bronwyn e Judith imploraram em resgatar os prisioneiros da forma mais simples possível.
Finalmente foi Gavin, como irmão mais velho, quem teve a palavra final. O duque, com cinco de seus guardas, poderia partir em sua montaria, depois que ordenasse abrir todos os portões.
Entre protestos, as duas mulheres tiveram que ficar para trás, enquanto os três irmãos, Roger e uma dúzia de primos penetraram na desmoronada fortaleza do duque.
Poderia ser que os ocupantes da fortaleza não soubessem
— ou não se importassem — que estivessem sob ataque, ou talvez, como sugeriu Stephen, não fosse a primeira vez que ocorria isso. Ninguém despertou do estupor da bebedeira. Homens e mulheres estavam esparramados pelo chão e sobre alguns bancos.
Cautelosamente, com as espadas nas mãos, os homens tentavam não pisar nos corpos deitados, enquanto procuravam a escada que Bronwyn e Judith haviam descrito.
No alto da escada os três irmãos investiram com os ombros contra uma porta trancada que se abriu para a sala onde estavam as celas.
— Aqui está! — Disse Roger, tomando uma chave da parede e abrindo a pesada porta de madeira.
Eles foram recebidos por Miles, parecendo calmo e contente consigo mesmo, um braço ao redor de cada mulher.
Alyx correu, saltou nos braços de Raine e ele a manteve apertada contra seu corpo, seus olhos úmidos enquanto enterrava seu rosto em seu pescoço.
— Cada vez que se aproxima de suas cunhadas, — ele disse — faz coisas como esta. De agora em diante...
Rindo, Alyx o beijou para fazê-lo calar. Elizabeth se soltou dos braços de Miles e se aproximou de Roger, acariciou-lhe a bochecha e tocou o braço ensanguentado.
— Obrigada. — Sussurrou. Ela se voltou para Gavin, seus olhos se encontraram, e ela acenou com a cabeça para ele.
Ainda não podia esquecer como ele a insultou.
Gavin, com um sorriso que suavizou suas feições duras, abriu os braços para ela.
— Você e eu poderíamos começar de novo, Elizabeth? —
Ele perguntou brandamente.
Elizabeth se aproximou, abraçou-o, e quando Bronwyn e Judith chegaram, houve mais trocas de beijos e abraços.
As palavras de Miles quebraram o feitiço da feliz reunião.
Com os olhos cravados em Roger, disse:
— Vamos?
Roger fez um aceno de cabeça, Miles tomou uma espada da mão de um jovem primo.
— Agora não é o momento para uma luta. — Enfatizou Stephen, mas se tranquilizou ao ver a expressão de Miles.
— Chatworth me ajudou. Agora vou com ele.
— Com ele? — Explodiu Raine. — Já esqueceu que ele matou Mary?
Miles não respondeu, e abandonou a cela atrás de Roger.
— Raine, — disse Alyx com sua voz mais doce — Miles está muito ferido e também Roger, e eu tenho certeza que eles vão atrás desta mulher que Roger quer.
— Christiana! — Elizabeth disse saindo de seu estado atordoado. Ela não tinha ideia de onde seu irmão e marido estavam indo. — Judith! Bronwyn! Alyx! — Ela se virou.
Sem vacilar nem um momento, as quatro mulheres se dirigiram para a porta.
Sem uma palavra, e em uníssono, todos os homens pegaram suas esposas pela cintura. Raine pegou Alyx e Elizabeth, e levou-as para a cela, onde eles rapidamente as trancaram dentro. Por apenas um momento os homens piscavam e se olhavam ao ouvirem a variedade das maldições e dos insultos das mulheres presas.
Judith entoou a Bíblia, Bronwyn gritava em gaélico, Elizabeth usava o vocabulário de um soldado. E Alyx! Alyx usava sua magnífica voz para fazer tremer as pedras.
Os homens se olharam, sorriram de um para o outro com ar triunfante, fizeram um sinal aos jovens primos que os seguissem e abandonaram o lugar.
— Jamais acreditei que chegaria o dia em que ajudaria a um Chatworth. — Murmurou Raine, mas se deteve quando ouviu o entrechocar de aço.
Seis guardas, acordados, alertas, estavam vigiando o quarto onde se encontrava Christiana, e atacaram Roger e Miles assim que os viram.
A ferida da lateral de Miles se abriu instantaneamente quando transpassou a um homem com sua espada, saltou sobre o corpo caído e se lançou contra outros dois. Roger perdeu a espada de sua mão esquerda, pulou sobre o corpo do homem que Miles liquidou, caiu, agarrou e empunhou a espada com a mão direita, levantou-se e matou o homem que tinha a sua frente. A ferida de seu braço voltou a abrir.
Outro homem chegou a Roger, ele ergueu o braço ferido impotente. Mas quando a espada do guarda quase tocou a barriga de Roger, o guarda caiu para frente, morto. Roger rolou a tempo de ver como Raine puxava sua espada das costas do morto.
Os três irmãos se uniram e ficaram em posição de proteção a Roger e Miles, e rapidamente despacharam os restantes dos guardas. Eles limparam suas espadas nas tapeçarias que estavam nas proximidades.
Foi Raine quem ofereceu sua mão a Roger, e por um momento Chatworth ficou olhando-a, como se se tratasse de uma oferta de amizade proveniente de uma serpente venenosa. Com os olhos abertos, inquisitivos, Roger aceitou a mão ofertada e permitiu que Raine o ajudasse a ficar de pé em meio dos corpos caídos. Seus olhos ficaram fixos um no outro, e segundos depois Roger se aproximou da cama e puxou para trás as cortinas.
No centro estava Christiana enrolada como uma bola, usando apenas um pedaço fino de lã, seu corpo negro e azul. Tinha os olhos fechados e inchados, os lábios partidos.
Lentamente, Roger se ajoelhou junto à cama e tocou com a ponta dos dedos, suavemente sua têmpora.
— Roger? — Ela sussurrou e tentou sorrir, o que fez com que seu lábio inferior começasse a sangrar.
Com uma expressão furiosa, Roger se inclinou e tomou-a em seus braços. A mão de Raine se apoiou em seu ombro.
— Vamos levá-la para o sul com nossa família.
Roger apenas balançou a cabeça e levou Chris para fora do quarto.
Gavin ajudou Miles a ficar de pé.
— Onde estão as mulheres? — Perguntou Miles.
Seus irmãos estavam estranhamente silenciosos e pareciam um pouco temerosos.
— Nós... ah... enfim... — começou a dizer Stephen. Gavin levantou a cabeça.
— Acredito que cavalgarei adiante. Tome! — Gavin atirou uma chave para Miles. — Talvez seja melhor você cuidar das mulheres.
— Sim! — Stephen e Raine acrescentaram apressadamente, os três tropeçando, ao mesmo tempo em direção a porta, para abandonarem o quarto.
Miles olhou para a chave na mão, percebendo que era a chave da cela onde ele esteve trancado.
— Não terão se atrevido! — Gritou, mas seus irmãos já tinham desaparecido.
Por um momento ele ficou onde estava, e finalmente começou a rir. A rir como nunca antes o tinha feito.
Poucos anos atrás, ele e seus irmãos viviam sozinhos em seus pequenos e seguro mundos de simples batalhas e guerras.
Então, um a um, haviam desposado a quatro mulheres bonitas, encantadoras... e, realmente, aprenderam o que era a verdadeira guerra.
Ele e seus irmãos acabaram de tomar um castelo, mataram a vários homens sem se preocuparem com o perigo, mas quando tiveram que confrontarem com quatro mulheres, furiosas, encerradas em uma cela, eles se tornaram covardes e fugiram.
Miles se dirigiu para a porta fechada. Graças a Deus que ele não teve nada a ver com o fechamento das mulheres. Sentiu pena de seus irmãos, quando encontrassem novamente suas esposas.
Mas como se alegrava! Pensou em todas as vezes que o tinham tratado como o "irmãozinho mais novo". Agora, eles iriam pagar por todos os truques e brincadeiras que praticaram com ele.
Jogou a chave no ar, voltou a apanhá-la e, sorrindo, dirigiu-se para a cela cheia de mulheres bonitas. Muito bem, ele poderia trancar-se com todas elas, por uns dias...
O que aconteceu com cada um dos protagonistas? Christiana se recuperou por completo, casou-se com
Roger Chatworth e dez anos depois, quando já quase tinham
perdido as esperanças, tiveram uma filha, que, para desgraça de Roger, desposou um Montgomery do sul da Inglaterra.
O nome Chatworth desapareceu, com a exceção de que, de vez em quando, uma criança se chamaria Chatworth Montgomery.
Miles e Elizabeth tiveram ou adotaram um total de vinte e três filhos, e um de seus filhos, Philip, foi um grande favorito do rei Henry VIII. Mais tarde, dois netos de Miles foram para o novo país América e permaneceram por lá.
Raine foi contratado pelo Henry VIII para que treinasse seus jovens cavaleiros, e Alyx se transformou em dama de companhia da rainha Catherine. A corte era um lugar feliz, e o rei ouviu e colocou em prática algumas das reformas que Raine queria. Raine e Alyx tiveram três filhas, e a do meio herdou o talento musical de sua mãe. Há uma lenda que conta que alguns dos grandes cantores de nosso tempo são descendentes de Alyxandria Montgomery.
Bronwyn e Stephen tiveram seis filhos, cinco varões e uma menina. O nome de Bronwyn transformou-se em uma lenda no clã, e ainda hoje as crianças do clã MacArran cantam seus louvores. A filha de Bronwyn se casou com o filho de Kirsty MacGregor. Ele tomou o nome de MacArran e acabou se tornando Laird.
Lachlan MacGregor desposou uma das filhas de Tam, e se apaixonou de tal forma por ela que deixou todos os assuntos do clã em mãos de seus homens. Davy MacArran lutou pelo poder, triunfou e se transformou em um MacGregor. Mas a filha de Lachlan, a esposa de Davy, não era a dama dócil que todos acreditavam, e no final, ela era na verdade a Laird MacGregor.
Judith e Gavin seguiram cuidando das herdades dos Montgomery.
Prosperaram e deixaram a propriedade em tão boas condições econômicas, que hoje constitui uma das maiores e mais ricas casas particulares do mundo.
Uma das descendentes de Judith tem a seu cuidado a propriedade. É uma mulher pequena e bonita, com uma estranha cor de olhos. Solteira porque jamais encontrou um homem que tenha cumprido em sua vida, metade das coisas que ela tem feito na dela. Na semana que se aproxima tem uma entrevista com um norte-americano de trinta anos, milionário, tendo feito fortuna por si próprio. Ele diz que é descendente de um cavaleiro chamado Miles Montgomery.
Eu tenho grandes esperanças neles.
Jude Deveraux
O melhor da literatura para todos os gostos e idades