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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ANJOS DE GUERRA / Lou Carrigan
ANJOS DE GUERRA / Lou Carrigan

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Brigitte Montfort — a jornalista, não a agente Baby — é convocada pelo presidente Reagan para a cobertura de uma cúpula sigilosa em prol da pacificação das relações Irã-Iraque. Mas os céus não pareciam de acordo. E a agente Baby precisou cortar algumas asas...

 

 

 

 

Naturalmente o governo dos Estados Unidos tivera deferência em proporcionar o máximo de conforto e facilidades à senhorita Montfort: um helicóptero sem siglas governamentais ou militares a havia recolhido no terraço do Crystal Building. Era neste edifício que a jornalista mais famosa do mundo vivia num luxuoso apartamento localizado no vigésimo sétimo andar. O prédio estava situado em plena Quinta Avenida, uma das mais famosas de Nova Iorque.

 

O helicóptero a transportou ao Kennedy Airport, onde um avião particular já a esperava, a fim de levá-la para o sul.

 

Três horas mais tarde, o aparelho pousava ainda em solo americano, perto de uma praia belíssima e numa pequena pista somente utilizada para pequenas questões de logística militar, como encontros ou prestações de serviços que não despendessem de grande carga horária.

 

Naquele aeroporto, a senhorita Montfort apanhou um automóvel negro, luzidio, blindado e com ar acondicionado. O carro arrancou imediatamente, atravessou pinheirais magníficos, com árvores frondosas e perfumadas.

 

Já eram mais de três e meia da tarde, quando finalmente, Brigitte chegava a uma cabana isolada que sem dúvida devia pertencer a algum caçador endinheirado, embora naquela ocasião estivesse cercada por um grupo de jovens atléticos, quase gigantes que se vestiam esportivamente, todos portando armas, munição e apetrechos de alta categoria.

 

Quando o automóvel estacionou em frente à cabana — se alguém pudesse chamar de cabana uma construção que tinha cinco quartos e todas as comodidades imagináveis numa casa, — um homem aproximou-se rapidamente e abriu a porta do veículo. Brigitte saltou sorrindo e o fitou com atenção.

 

— Senhorita Montfort, o presidente agradece o interesse que demonstrou, acedendo o convite que lhe fez.

 

— Pode transmitir ao senhor presidente meus agradecimentos por ter-me designado como a jornalista credenciada para a reunião.

 

— Farei com muito gosto, tão logo me reúna a ele. Fez uma boa viagem?

 

— Excelente, obrigada. Os conferencistas já chegaram?

 

— Não, porém não devem tardar. Aceita um café?

 

Brigitte sorriu e assentiu, sempre fitando com simpatia quase irônica o homem que fora designado a recebê-la e recepcioná-la numa reunião de conciliação entre os representantes do Iraque e Irã.

 

Chamava-se Homer Lovinson e era um dos conselheiros políticos do presidente Reagan. Brigitte já o conhecia de diversas recepções diplomáticas e festas particulares de alto nível.

 

Lovinson era um homem inteligente, calmo, tranquilo. Já ultrapassara a faixa dos cinquenta anos e era tido como um dos cérebros mais lúcidos em questões de política internacional. Também era atraente, de porte atlético e seus olhos cinza refletiam muito da paz interior que o prodigalizava.

 

Chegaram ao salão da cabana. Brigitte se sentou numa poltrona, quando Lovinson dava ordens para que lhes servissem o café. Logicamente, os empregados também eram jovens, fortes, de cabelos curtos e musculatura bem desenvolvida. Pareciam não soltar as armas nem mesmo quando iam ao banheiro.

 

Observou que não havia nenhum representante da CIA entre eles e naquele instante, ela se recordou da conversa que tivera com seu chefe, mister Cavanagh, quando o havia visitado em seu apartamento, dois dias antes:

 

— Esta não será uma missão para a agente Baby, mas um trabalho para a senhorita Montfort, a jornalista mundialmente conhecida, admirada e estimada por seus artigos sempre pendentes ao pacifismo. Além dos representantes americanos, vão também assistir à reunião dois importantes personagens do Iraque e mais dois do Irã. A reunião será secretíssima, promovida e patrocinada pelo presidente Reagan e seu gabinete com o intuito de iniciar entendimentos de pacificação entre os dois países. Se a reunião fracassar, será considerada nula, como se não tivesse sido realizada, e nesse caso, você não estará autorizada a publicar um único artigo sobre ela. Porém, se for um sucesso e se converter no primeiro passo ao caminho da paz entre os dois países, você será a única jornalista que poderá publicar uma série de artigos sobre o assunto.

 

— Começo a desconfiar que assinarei os artigos, mas alguém os supervisionará, orientando-me de que modo deverei escrevê-los...

 

— Não, não. Você os escreverá como quiser. Abordará os assuntos que achar os melhores. O presidente Reagan sabe que pode confiar em você. Ele admira a repórter Brigitte Montfort e confia na espiã Baby que existe dentro dela. Não tenho dúvida, sei que ele a credenciou porque valoriza tanto a jornalista como a agente. Sabe que você é muito ponderada e que só comentará os assuntos que precisarem ser divulgados.

 

— Assim fica melhor. Porém vou contar-lhe um segredo, mister Cavanagh: não acredito nem um pouco nas intenções pacifistas dos representantes do Oriente Médio. Para falar a verdade, nem tampouco nas do senhor Reagan. Porém, se como jornalista ou como espiã puder fazer alguma coisa para terminar com o massacre criminoso que está se processando entre Irã e Iraque, vou a essa reunião.

 

— Açúcar? — ofereceu Homer Lovinson.

 

— O quê?... Ah, não... Não quero açúcar, obrigada.

 

— Parecia tão abstraída, tão distante — comentou Lovinson, entregando-lhe a xícara. — Eu entendo seu alheamento, o assunto é realmente muito importante e nos outorga uma sobrecarga de responsabilidade.

 

— Realmente — admitiu Brigitte. — Contudo, continuo pensando que nós dois estaremos à altura dela.

 

Homer Lovinson a fitou com curiosidade. Nem ele nem os diplomatas americanos que chegariam acompanhando os representantes do Irã e do Iraque sabiam que aquela mulher bela e elegante era a famosa agente Baby da CIA.

 

A senhorita Montfort era praticamente desconhecida de todas as autoridades que tomariam parte na reunião conciliatória e se alguns dos iranianos ou iraquianos tivessem desconfiado que a CIA tinha mandado uma pessoa especialmente designada para acompanhar os trabalhos e conversações que aconteceriam no decorrer do encontro, certamente, ambas as delegações retornariam imediatamente ao Oriente Médio.

 

Mas eles não conheciam Baby. Naquela ocasião Brigitte nada informaria à CIA. Estava trabalhando somente em atenção ao convite que lhe fora formalizado pelo presidente dos Estados Unidos, quase como um favor pessoal entre amigos que reconhecessem perfeitamente o prestígio e a possibilidade no bom êxito individual do outro.

 

— O que quis dizer? — perguntou Lovinson depois de ficar calado por alguns segundos.

 

— Nada. Apenas desconfio que nem Iraque ou Irã tenham mandado representantes altamente categorizados.

 

— O que significa...

 

— Significa que talvez os dois países do Oriente Médio não tenham levado muito a sério as intenções dos Estados Unidos quando se propuseram a iniciar um ciclo de conversações pacifistas. Porém eu, pessoalmente, tenho o palpite de que Bagdá e Teerã não enviarão pessoas perfeitamente capacitadas para representar a vontade do povo, ou mesmo do governo.

 

— Não, não! — protestou Lovinson. — Conhecemos as pessoas que estamos esperando e sabemos que não são de terceira ordem.

 

— Não? Vejamos: talvez dirigentes de ambos os países?

 

— Não, claro que não! — retrucou com surpresa.

 

— Por acaso serão os ministros de relações exteriores?

 

— Não, creio que não.

 

— Se as pessoas que vêm não são do primeiro escalão do governo, parece que fazem parte dos mais inferiores, não tenho razão?

 

Lovinson ficou sem saber o que lhe responder. Preferiu tomar o café em silêncio, enquanto Brigitte o observava com ironia. Ele teria ficado com os cabelos em pé, arrepiados, se pudesse adivinhar quais eram as verdadeiras intenções da senhorita Montfort. Não assistiria somente as negociações, mas também fotografaria todos os personagens que tomassem parte na reunião, especialmente os representantes do Irã e Iraque e em seguida, ela remeteria os filmes aos canais de identificação da CIA... extraoficialmente. Não acreditava nas declarações provindas de Bagdá e tampouco confiava nas de Teerã. Se não confiava nas declarações oriundas daqueles dois países, também não ia confiar em seus representantes.

 

Isso só se tornaria possível quando alguém lhe pudesse responder uma pergunta bem simples: Se as duas nações desejavam encontrar o caminho da paz, por que iriam realizar reuniões secretas? Por que não tomá-las do conhecimento público e muito mais factível aos povos em guerra? Uma conferência de alto nível em qualquer capital da Europa, ou mesmo em Camp Davis, com a presença do presidente dos Estados Unidos, teria muito mais credibilidade e probabilidade de êxito...

 

Ou estaria enganada? Não devia pensar, imaginar que tanto o presidente Reagan como os outros fossem tolos, a ponto de se arriscarem desnecessariamente.

 

— Parece que eles estão chegando — avisou Lovinson ao se aproximar da janela. — Pode me dispensar por alguns minutos? Sairei para recebê-los.

 

— Eu o acompanho — disse Brigitte, levantando-se.

 

— Não há necessidade e...

 

— Há, sim, quero vê-los à luz do sol.

 

Isso foi o que ela disse, mas procurava uma oportunidade para fotografar as pessoas que chegavam. Queria foto de todas elas. Apanhou o isqueiro e um maço de cigarros da bolsa. Em ambos havia câmaras diminutas, mas com lentes de uma nitidez absoluta.

 

Quando saíam da casa, os automóveis chegavam, três ao total. Em um deles viajavam os representantes oficiais do Irã, com dois guarda-costas, um funcionário, assessor direto do presidente Reagan que atuava como recepcionista e o chauffeur. Os iranianos vinham no segundo carro com o mesmo número de pessoas. No terceiro automóvel, somente viajavam diplomatas americanos. E um pouco mais atrás, para protegerem esses três veículos deviam estar os grupos de segurança, selecionados para a ocasião. Talvez parte deste grupo já estivesse distribuído pela casa e arredores.

 

“Não era triste que para se falar de paz, os homens tivessem de tomar tantas precauções contra a morte?” — pensou a espiã.

 

As pessoas que chegavam nos automóveis começavam a sair deles.

 

— Este é um grande momento — murmurou Lovinson.

 

Brigitte o olhou rapidamente, com ceticismo. Diplomatas costumam ser pessoas precavidas, cautelosas que não se deixam levar facilmente ao entusiasmo. A senhorita Montfort, isto é, a agente Baby, já havia visto e vivido muitas coisas, para poder se sentir entusiasmada somente porque quatro pessoas tinham chegado, a fim de falar de uma guerra que já havia sacrificado milhares de vidas. Contudo, confirmou:

 

— Sim, este é um grande momento.

 

Não custava nada ser amável com as pessoas que se achavam ou se encontravam ligadas, de uma maneira ou outra, com o caso ou com as pessoas que se interessavam por ele, como o próprio presidente Reagan, a quem não tinha muita estima ou admiração.

 

Os iranianos já haviam descido do automóvel e um pouco mais adiante, os iraquianos também faziam o mesmo. O terceiro veículo já estava estacionado e os norte-americanos também não tardariam a pôr os pés na terra.

 

O silêncio seria total, se não se ouvissem algumas vozes falando bem baixinho e em inglês. Imaginou que os quatro asiáticos deviam falar esse idioma, talvez com perfeição. Alguém fechou a porta de um dos carros e o ruído ressoou entre todos.

 

O ambiente estava tenso, pesado, O silêncio não sugeria gozos paradisíacos, mas se apresentava forçado e opressivo. Outro ruído de porta. Brigitte olhava de um lado para o outro, não só para os iranianos ou para os iraquianos, mas para todos os lados. Percebeu três rapazes fortes, altos e atléticos encostados as árvores.

 

A tarde de outono estava calma, agradável, por que não aproveitá-la para iniciar as primeiras conversações que terminariam forçando uma paz duradoura que viesse acabar com aquele massacre coletivo que vinha dizimando milhares de vidas no Oriente Médio?

 

Como sempre, graças a seu ouvido afiadíssimo, ela foi a primeira pessoa, dentre as muitas que estavam reunidas nas proximidades da cabana que ouviu aquele ruído estranho. Aquele som diferente que parecia não estar relacionado com coisa alguma que sua visão pudesse abranger.

 

Mais parecia ruído de folhas, um cicio que se assemelhava a assobios muito leves, quase silenciosos que chegavam do alto. Brigitte chegou a levantar os olhos, pensando que fosse um helicóptero, mas não havia aviões ou helicópteros sobrevoando no céu.

 

Repentinamente, seus olhos viram um anjo aparecendo acima dos pinheiros. O primeiro anjo...

 

A espiã mais famosa do mundo ficou pasma. Com muito cuidado e discrição já havia batido diversas fotografias de todos os recém-chegados e sua surpresa foi tão grande quando viu o anjo que quase deixou o isqueiro e o maço de cigarros caírem no chão.

 

Lovinson estava ao seu lado e murmurou:

 

— Veja, o que pode ser aquilo?

 

— Parecem-se com anjos — respondeu.

 

Anjos? A perplexidade grassou entre os presentes. Todos estavam parados, imóveis com os olhares pousados nos anjos que agora começavam a surgir de vários pontos diferentes.

 

Anjos lindos, formosos, despidos, dotados de asas que se moviam com suavidade de carícia. Anjos que tinham corpos perfeitos, esplendorosos e seios túrgidos; cabeleiras louras que reluziam ao sol, rostos meigos, delicados como verdadeiras figuras celestiais.

 

Anjos que voavam produzindo aquele cicio que talvez fosse provocado pelo roçar das asas que se moviam compassadamente, suavemente...

 

— Protejam-se! — de repente, gritou a senhorita Montfort.

 

Naquele exato momento, um dos anjos permitiu que todos vissem um objeto branco e comprido entre seus braços, possivelmente um rifle, uma submetralhadora ou qualquer arma similar. Do cano desse aparelho brotou um estalido seco que precedeu o projétil que foi chocar-se ao solo, entre dois diplomatas norte-americanos que tinham chegado no terceiro carro e um dos guardas atléticos que vigiavam a residência.

 

A explosão foi seca e forte. Tão forte que chegou abalar as pessoas que se encontravam próximas ao lugar onde a carga explosiva caiu, enquanto os três homens eram lançados pelos ares.

 

Agora todos corriam, sem saber para onde ir. Alguns iam de um lado para o outro e muitos optavam por jogar-se ao chão, pensando se proteger sob os carros.

 

Homer Lovinson tentou imitá-los, mas Brigitte colocou a mão em seu braço e gritou:

 

— Não faça isso! Não se meta debaixo dos automóveis, não...

 

Novo disparo dos anjos e uma granada foi cair na capota de um dos carros. O veículo foi lançado longe, quase voando pelos ares e quando caiu estava transformado em fragmentos incandescentes.

 

Os rapazes que formavam o grupo de segurança começaram a disparar para o alto, mas quase no mesmo instante, uma daquelas granadas estalava perto deles. Foram arremessados longe, triturados e praticamente convertidos em pedaços de carne sangrenta.

 

O ataque aconteceu de surpresa. Primeiro foi o aparecimento dos anjos e, antes que eles pudessem reagir, os seres celestes começaram a bombardeá-los com granadas.

 

Lovinson estava aturdido, deu um repelão no braço, mas a mão que o segurava mais parecia uma garra de aço.

 

— Vamos para casa! — gritou ele.

 

— Não! Precisamos ir para o pinheiral, Homer! Venha comigo!

 

Lovinson não teve chance de responder. Antes que o fizesse, reparou nos dois seguranças que corriam para a cabana e como, logo em seguida, os dois se afastavam correndo dela, quando um estampido troava. Com o impacto da explosão eles foram lançados para cima, os corpos se esfacelaram e caíram em pedaços que se espalharam por todos os lados.

 

Brigitte corria para o pinheiral, Lovinson estava aturdido e a acompanhava automaticamente. Subitamente, a jornalista virou-se, assestou o maço de cigarros na direção dos anjos e tirou umas sete ou oito fotos. Naquele momento exato um dos seres celestiais era alcançado pelos disparos de um dos guardas. Estava ferido, mas não caiu, fez a volta e continuou se afastando, sempre batendo as asas com os mesmos movimentos suaves e sincronizados.

 

Uma das janelas da cabana ficou inteiramente destroçada quando uma granada bateu numa das paredes laterais, provocando uma grande explosão, derrubando a parede, afetada e parte do telhado, inutilizando a construção para a provável reunião.

 

Outro anjo lançou uma granada sobre um dos carros que também explodiu quando as chamas alcançaram o tanque de gasolina.

 

Brigitte aproveitou a cena dantesca para bater outras fotografias.

 

— O que está fazendo? — gritou Lovinson.

 

— Corra enquanto há tempo!

 

No momento em que Brigitte começou a correr, notou que um dos anjos a perseguia com curiosidade, procurando assestar a arma em sua direção. Esta disparou quando ela reiniciava a corrida em direção de Lovinson, empurrando-o e o fazendo rolar pelo chão. A granada explodiu a uns oito metros de distância, abrindo uma cratera enorme. Se Brigitte não tivesse empurrado Lovinson, jogando-se sobre ele, era quase certo que ambos, agora, estariam mortos, ou possivelmente, gravemente feridos. Porém, como a carga do explosivo penetrou no solo arenoso, a explosão teve seus efeitos diminuídos pelo peso de terra e pedras. Ambos estavam ilesos, mas o anjo que provocara a explosão recebera uma rajada de balas, no peito. Soltou a arma e levou a mão à área afetada.

 

Porém, nem a figura estranha ou a arma caíram. Continuaram flanando, a arma pendurada sob o corpo do anjo. Este deu uma volta enorme no ar e começou o voo de retorno pelo mesmo caminho que já havia percorrido. Baby notou que sua cabeça e os membros estavam flácidos, soltos e totalmente inertes. Brigitte julgou que o ser celestial estivesse morto.

 

Se estava morto como podia continuar voando?

 

Ela e Lovinson correram velozes e conseguiram afastar-se do fragor da batalha insólita e desigual. Ambos penetraram no pinheiral. Continuaram correndo bosque adentro, quando ela o reteve, pondo a mão em seu braço. Ele estacou e a fitou assustado.

 

— O que vai fazer? — gritou. — Continuemos correndo, precisamos nos safar daqui! Quando chegarmos do outro lado estaremos salvos!

 

— Nada de sair do outro lado! Precisamos continuar aqui! Siga-me!

 

Lovinson a fitava com assombro, pois a jornalista estava trepando num pinheiro, com uma agilidade que deixou o conselheiro do presidente ainda mais embasbacado. Não sabia o que fazer ou pensar, e decidiu imitar a companheira de infortúnio.

 

Pouco depois, ambos estavam escondido nos ramos de um pinheiro e viram quando alguns homens passavam por embaixo. Brigitte os reconheceu imediatamente, dois tinham chegado no automóvel das autoridades norte-americanas. Chamou-os, gritando:

 

— Voltem! Não saiam do bosque! Procurem um abrigo!

 

Nem se voltaram nem lhe deram atenção; continuaram correndo. Estavam apavorados. Atrás deles a batalha ainda prosseguia. Os disparos de revólveres e submetralhadoras ecoavam... Brigitte e Lovinson continuaram quietos entre os ramos dos pinheiros e aos poucos, foram percebendo que o silêncio tomava conta do cenário sangrento. Um silêncio estranho que não era interrompido nem pelos gemidos dos que estavam feridos. As chamas clareavam o horizonte e eles tinham quase certeza que mais um carro estava sendo destruído.

 

Lovinson ia falar alguma coisa, mas Brigitte colocou um dedo nos lábios e apontou para cima. Ambos ficaram mudos e continuaram acompanhando com os olhos os dois anjos que passavam bem próximos de onde estavam, olhando atentamente para baixo. Estavam tão perto do pinheiro que nenhum dos dois compreendia como eles ainda não os tinham visto. Quase em seguida passaram mais dois e poucos segundos mais tarde, um outro, sozinho.

 

Depois ouviram um grande alarido do outro lado do bosque e quase em seguida o estampido de outra granada. Ambos compreenderam que os diplomatas que tinham atravessado o bosque estavam mortos.

 

Lovinson estremeceu e olhou para a Brigitte. Surpreendeu-se ao vê-la tão calma, apontando o maço de cigarros para os dois anjos que passavam de volta, voando, novamente sobre o pinheiro e, em seguida, os dois outros que tinham visto momentos antes.

 

O silêncio tomou-se quase sepulcral. Homer Lovinson suava às bagas, como nunca suara em sua vida. Olhou para a Brigitte e esta apontou na direção da cabana.

 

— Vamos avisar os outros. Precisam saber que muitos não voltarão. Também temos de cuidar dos feridos. Como está, Homer?

 

— Não sei. Creio que bem... E você?

 

— Também. Vamos ver o que podemos fazer pelos outros.

 

— Se eu não tivesse visto, jamais acreditaria! Eram anjos!

 

— Eu diria que eram mulheres belíssimas com asas artificiais — murmurou Brigitte.

 

— Não... Isso seria impossível! O que aconteceu?

 

— Ainda não entendi, Homer. Alguém devia saber da reunião que seria realizada e, não a apoiou... Por causa disso, mandou seus mensageiros celestes para desbaratá-la. Anjos verdadeiros não fariam tantas perversidades... isto é, se as pessoas do mundo ainda têm condições de acreditar na bondade dos anjos do céu.

 

Quem são os anjos?

 

— Então as mulheres estavam despidas? — perguntou mister Cavanagh.

 

— Não exatamente. Ou melhor, sim. Eram mulheres, mas não estavam nuas. Estavam cobertas por uma malha muito fina que aderia perfeitamente a seus corpos esculturais. Possivelmente até fosse à prova de bala.

 

— O que está querendo dizer?

 

— Que a malha não devia dar grande proteção, pois era muito fina. Devia ser leve porque se fosse de uma textura mais pesada os anjos não teriam condições para alçar voo. Realmente não sei do que era feita, mas devia protegê-los...

 

— O suficiente para eles continuarem voando apesar de já estarem feridos?

 

Brigitte olhou para o chefe com desagrado Mister Cavanagh estava sentado a sua mesa de trabalho, no escritório da Central da CIA em Langley, onde ambos conversavam a respeito dos fatos ocorridos há menos de três horas. Pelas vidraças da janela ampla só divisavam o negror da noite.

 

— Não voavam — explicou secamente. — Apenas se locomoviam no espaço graças a algum artifício mais ou menos interessante.

 

— Foi você quem afirmou que eles balançavam as asas.

 

— O mesmo mecanismo que permitia a locomoção no ar, também provocava o movimento das asas. Tenho certeza que McGee poderá nos dar uma explicação mais detalhada sobre o assunto.

 

— Ele já deve estar chegando — afirmou Cavanagh. — Se os idiotas tivessem permitido nossa intervenção, nada disso teria acontecido!

 

— Por que não? — surpreendeu-se Brigitte.

 

— Porque os tais anjos não teriam tido chance para se aproximar da cabana.

 

— Claro que chegariam até ela. Talvez não conseguissem aproximar-se se estivessem usando um helicóptero ou um carro. No entanto, planejaram tudo de uma forma diferente. Se tivessem chegado de carro não poderiam aproximar-se com ele e nem poderiam percorrer a pé a distância que existe entre o lugar onde esconderam o veículo e a cabana. Se alguma coisa não corresse bem, não poderiam fugir imediatamente. Se chegassem de helicóptero, este seria detectado à distância e abatido antes que pudesse aproximar-se. Eles agiram com precisão. Chegaram em um veículo especial que os deixou a uma distância razoável da cabana para que os homens da segurança não os percebessem. Logo, silenciosamente, voaram um voo quase rasteiro por cima das copas dos pinheiros. Os ramos das árvores os protegiam e foi dessa forma que, praticamente, só apareceram quando estavam perto, carregando as armas pintadas de branco... A operação foi muito bem planejada e apresentada com êxito; devo admitir que foi perfeita.

 

— Perfeita... Uma operação que custou nove vidas?

 

— Esta já é outra questão que trataremos mais tarde — retrucou Brigitte por entredentes.

 

— Imagino que deseje esclarecer qual foi o motivo que provocou o ataque, mas este dificilmente será descoberto. Não temos pista alguma salvo os retratos que você bateu e que agora, estão sendo revelados e ampliados.

 

— Cavanagh, cada coisa que acontece, sempre deixa uma pista.

 

— Seria mais certo se disséssemos que Brigitte Montfort sempre acaba descobrindo a pista... Nem gosto de pensar! Este caso vai ter consequências imprevisíveis que não serão nada agradáveis. Os quatro representantes do Oriente Médio estão mortos e quem pode saber como o Irã e Iraque aceitarão essas mortes? Se pelo menos um dos homens tivesse sido poupado, ele poderia explicar em seu país como os fatos se sucederam, porém, agora, com a morte dos quatro emissários, muitos poderão supor que tudo não passou de uma manobra suja dos Estados Unidos. Quem vai acreditar nesta história dos anjos?

 

— Bem, podemos publicar as fotos, embora se saiba que muitos dirão que não passam de truques forjados em laboratório. Elas levantarão muitas discussões entre o povo e eu, pessoalmente, gostaria de mantê-las em sigilo até se iniciar as sindicâncias.

 

— Minha pergunta é: quem poderia ter tramado tudo isso? Não creio que tenha sido Irã ou Iraque, não concorda comigo?

 

— Sinceramente, não sei quem teve a ideia de matar os quatro representantes do Oriente Médio, porém uma coisa está bem clara. O mandante ou os mandantes são pessoas que não desejam o final da guerra entre aqueles dois países. Talvez seja uma pessoa, como também pode ser um grupo organizado que dificilmente será desbaratado. Creio que mais fácil seria investigarmos com seriedade para saber quem revelou o lugar exato onde a reunião sigilosa seria realizada.

 

— Essa investigação seria muito trabalhosa, pois deveríamos fazer contatos com o corpo político, bem como com o diplomático. Precisaríamos conhecer as intenções dos componentes daqueles órgãos e também saber, como pensam os amigos e os supostos amigos dos dois estrangeiros que visitavam nosso país. Depois, também precisaríamos investigar a respeito dos assessores diretos do presidente Reagan...

 

— É verdade — ponderou Brigitte. — A investigação seria muito cansativa. Estou pensando em uma coisa, que tal se fôssemos diretamente ao artífice?

 

— Ao artífice? — repetiu Cavanagh com espanto.

 

— Exatamente. À pessoa que engendrou a matança na cabana. Ela usou de um recurso muito engenhoso, o que demonstra que o mesmo não foi elaborado por gente do povo e nem tampouco por pessoas da elite que estejam convivendo em círculos políticos ou diplomatas. A pessoa que planejou tudo deve ser muito engenhosa, dona de uma imaginação fértil demais, pois somente alguém com espírito criativo poderia planejar aquele ataque. Tenho certeza que deve ser alguém muito especial, sem interesses políticos. Imagino que seja uma pessoa por demais interesseira e independente. Uma pessoa que só faz o que quer e que quando recebe uma boa proposta, é capaz de vender-se totalmente a quem lhe pagar um bom preço. Só uma pessoa muito especial poderia idealizar uma estratégia tão insólita.

 

— Seguramente você tem razão — admitiu Cavanagh. — Quem pode ser essa pessoa?

 

— Mais um dos muitos loucos interessantes que encontrei em minha vida — sorriu a divina.

 

— Ele que espere porque nós o caçaremos. Não esperemos que alguém com suas possibilidades se afaste ou se retire da circulação. Os anjos agiram com sucesso e eles serão enviados para realizar Outros trabalhos. Só precisamos esperar.

 

Naquele instante o telefone tocou. Cavanagh o atendeu, escutou por alguns minutos, só respondendo em monossílabos e, finalmente, desligou.

 

— Não encontraram pistas nas proximidades da cabana e a noite sem lua também está dificultando os trabalhos. Há muita gente colaborando naquela zona e todos esperam encontrar algum vestígio.

 

— Estão perdendo tempo — rebateu Brigitte. — Já disse o que penso a respeito. Chegaram num caminhão, num ônibus ou em qualquer veículo motorizado e o deixaram escondido em um local mais afastado. Atacaram em seguida e depois da matança voltaram onde estavam. Sei que dois daqueles anjos morreram durante o ataque, mas o mecanismo que usavam, permitiu que continuassem voando e mais tarde, suas companheiras também retornaram ao local onde a ação fora iniciada.

 

— Neste momento, eu não gostaria de estar dentro dos sapatos do presidente Reagan — resmungou Cavanagh.

 

— Por quê? Ele continua com sua mesma vidinha.

 

Olharam-se e Cavanagh sacudiu a cabeça. Conhecia muito bem o melhor elemento do Grupo de Ação que chefiava. Sabia que Baby estava desaprovando toda a programação organizada pela Casa Branca. Era uma pessoa muito honesta e agora, se sentia profundamente aborrecida, pois os anjos somente poderiam ter tomado conhecimento da reunião através de um traidor. Tanto fazia ser ele norte-americano, iraniano ou iraquiano. O certo era que alguém havia denunciado o encontro... ao criador dos anjos!

 

McGee, o chefe do Departamento de Armas Especiais da CIA, apareceu pouco depois. Continuava cada vez mais míope, enquanto os cabelos cada vez pareciam mais crespos, a ponto, de lhe conferir o aspecto de uma velha escova virada para cima. A espiã recebeu-o com beijinhos, abraços e carinhos que sempre encantavam o velho gênio.

 

— Brigitte, só passei por aqui para apanhar as fotografias que você bateu — disse depois das efusões. — Está claro que não são anjos, mas umas garotas muito boas, bonitonas, que estão usando somente uma malha de fibra de vidro. Como as fotografias foram batidas de baixo para cima, não consegui descobrir o que elas carregam nas costas.

 

— Foi o que também pensei, estão carregando alguma coisa...

 

— Evidente. Veja. Nesta ampliação pode-se distinguir claramente as faixas que estão trançadas sob a malha de fibra. Passam pelos ombros, cintura e costas. Não se precisa ser um gênio para descobrir que essas faixas servem para firmar o que estão carregando nas costas. Talvez seja o aparelho produtor da energia que é usado para as mulheres poder sustentar-se no ar. Esse mesmo sistema de energia força os movimentos das asas... porém os anjos não precisam dessas assas para voar. Absolutamente. Eu até diria que o movimento das asas consome parte mínima da energia e que todo o engenho foi idealizado, foi projetado para iludir o observador comum, a fim deste identificar a figura tal como foi construída por seu criador. Uma figura angelical voando no espaço. Os anjos voam sim, mas não dependem das asas para se manterem. A energia é liberada do aparelho que está fixado a suas costas por meio das faixas que aparecem nos retratos. O mecanismo não chega a ser excepcional... embora poucas pessoas pudessem fabricá-lo com tanta perfeição.

 

— Você poderia, McGee — sorriu Brigitte.

 

— Claro que eu poderia, mas teria de resolver um pequeno problema. Não sei qual é a energia que usam para os anjos voar e desconfio que nós não dispomos de nada tão eficaz. Com isso não estou afirmando que o aparelho já está aprovado. Por ora sei que é econômico, gera uma boa dose de carga com um mínimo de energia ou talvez seja aproveitamento de algum gás recém-descoberto.

 

— Está querendo dizer-me que não poderá fabricar um gerador de energia semelhante àquele que os anjos carregam nas costas?

 

— Isso só se tornará possível se a NASA me facilitar seu combustível especial.

 

— Pois faça uma requisição à NASA. Se for preciso entre em contato com o general Devoshire Webbs e esclareça que o mesmo é para Baby.

 

— Palavras mágicas, querida — sorriu McGee. — Não pense que alguém poderá fabricar um par de asas e um sistema de propulsão em três ou quatro dias.

 

— Lástima — respondeu com um muxoxo. — Eu bem que gostaria de tirar outras fotografias, mas agora eu queria estar acima dos anjos de guerra.

 

— Boa definição! — exclamou Cavanagh. — Anjos de guerra... Nunca vi um termo mais apropriado!

 

— McGee, sabe o que pensei agora? Não vale a pena você se aborrecer para fazer-me as asas e tudo o mais — murmurou Brigitte, sorrindo. — Resolvi. Vou tirar o aparelho, as asas e a malha de fibra do primeiro anjo que atravessar em meu caminho. Daquela vez tiveram sorte porque eu andava desarmada... se minha pistolinha estivesse à mão, juro como teria destroçado a cabeça de um ou mais anjos, porém nunca o corpo.

 

— E o que ia ganhar com isso? Os mortos continuariam voando — disse McGee. — Sempre há sistemas automáticos funcionando com precisão matemática.

 

— Claro, claro. Bem, passarei a noite aqui, mas amanhã bem cedo, voltarei para casa, salvo se já tiveram encontrado alguma pista... Se o caso continuar na estaca zero, ficarei esperando uma nova ação dos Anjos de Guerra.

 

Frankie Minello soltou uma risada e comentou:

 

— Impossível, como os anjos maus quiseram matar um anjinho bom.

 

— Os anjos não existem, Frankie — riu a espiã. — E de qualquer forma, não vinham por minha causa, mas pelos quatro emissários enviados pelo Oriente Médio. A prova disso é que somente se fixaram em mim quando verificaram que eu estava batendo uma batelada de fotografias e se afastaram imediatamente ao se certificar que os iraquianos e os iranianos estavam bem mortos.

 

— Bem, neste caso estavam mal mortos, não é?

 

— Você tem razão, Frankie, porque ainda não houve um sujeito que estivesse bem morto. Embora, muitas pessoas, bem ou mal, mereçam estar mortas.

 

— Por exemplo, o Artífice. O que você pensa dele?

 

A moça sacudiu os ombros e falou com desprezo:

 

— Mais uma vez, aparecem pessoas que só desejam ganhar dinheiro grosso servindo ou produzindo ideias de conveniências bélicas. O Artífice deve ser um mercenário com muita imaginação e recursos. Nós já temos encontrado com muita gente semelhante. Meu interesse por ele é apenas curiosidade. Meu maior objetivo, neste momento, é descobrir quem foram as pessoas que sabotaram a reunião, isto é, quais as pessoas que pagaram uma bolada ao Artífice para ele tentar nos atacar.

 

— Definitivamente, há muita gente desejando que essa guerra entre Irã e Iraque prossiga através dos anos.

 

— Frankie, sempre haverá pessoas que enriquecem com as guerras. Você vai ou não vai me convidar para jantar no restaurante chinês?

 

— Se eu vou, convidá-la? Não só a convidarei, mas também me converterei em um mandarim e providenciarei para você ser reconhecida como a Rainha da China.

 

— Não creio que alguém vá levá-lo a sério — riu Brigitte.

 

— Pois bem, então que a nomeiem como a rainha de meu coração.

 

— E eu não sou sua rainha há muito tempo? — perguntou espantada.

 

— É que agora tenho dois corações.

 

Peggy, a governanta de Brigitte, apanhava os copos e a garrafa de champanha para servi-los, parou e olhou espantada para Frankie, enquanto a loura maravilhosa continuava sorrindo, pois já esperava por uma brincadeira de seu amigo mais querido.

 

— Ótimo, se você tem dois corações, devo me sentir muito mais amada, não é? Por favor, não me diga que entregou essas duas válvulas pulsantes a outra mulher...

 

— Não. Nunca. Fiz questão de ter dois corações para poder amá-la muito mais. Pensei várias vezes: se eu morrer algum dia, já não poderei continuar amando Brigitte, porque meu coração vai deixar de bater. Só por isso, mandei que instalassem um de plástico em meu peito.

 

— Você está usando um coração de plástico? — exclamou Peggy.

 

— Sim.

 

— Não seja tola — repreendeu Brigitte. — Frankie está brincando, não tem coração algum de plástico! Ele só está se divertindo!

 

— Tenho sim — assegurou Frankie Minello. — Outro dia pensei: quando eu morrer meu coração vai parar. Então me perguntei: Como poderei continuar amando Brigitte? Por isso, mandei instalar um coração de plástico com pilhas que ativam uma fita gravada que terá duração eterna, dizendo sempre: Amo Brigitte, ela é a rainha de minha vida e de minha morte. Amo Brigitte, ela é a rainha de minha vida e de minha morte. Amo Brigitte, ela... Compreende por que mandei colocar este coração?

 

— Claro que compreendo — murmurou Brigitte. — Porém, eu teria gostado muito mais se você desligasse o de plástico e só continuasse usando o verdadeiro.

 

— Sim, também pensei nisso, mas não sei desligá-lo...

 

— É uma pena. Pessoas iguais a você, não deviam morrer nunca.

 

— O que é isso, pequena? Não sou um tipaço! — sorriu Frankie.

 

— Pois eu o acho bonitão — afirmou a espiã.

 

Levantou-se e beijou Minello nos lábios e se dirigiu para a porta da saleta. Virou-se antes de sair.

 

— Frankie, preciso revisar alguns artigos. Depois tomarei um banho de espumas e me prepararei com muito cuidado, quero que a nova Rainha da China seja elegante para você nunca se envergonhar dela. Que tal se nos encontrássemos às oito horas no restaurante?

 

— Ótimo. Podemos tomar champanha? — sugeriu Frankie Minello.

 

— E... depois dançar, que tal? — sorriu a divina.

 

— Ai, nem gosto de pensar na noite maravilhosa que vou viver! — exclamou o rapaz levando, as mãos ao peito. — Nunca pensei que pudesse ser tão feliz! Pum! Meu coração parou de bater!

 

— Qual dos dois? — perguntou Peggy com muito interesse. — O seu de carne e sangue ou o de plástico?

 

Brigitte soltou uma gargalhada e saiu. Efetivamente, tinha muitas coisas para fazer naquela tarde.

 

Às sete e meia, com bastante tempo para chegar ao restaurante, ela saía do apartamento. Já resolvera os assuntos pendentes, estava banhada, perfumada e vestida com, muita elegância.

 

Titubeou entre usar seu carro ou apanhar um táxi para ir até o restaurante. Finalmente, decidiu ir com seu próprio automóvel. Apertou o botão do elevador que a levaria à garagem.

 

Quando ele chegou, Brigitte ainda sorria, recordando-se das brincadeiras do amigo e de seu novo coração de plástico que tinha uma fita gravada com juras de amor eterno. Infelizmente, não havia muitas pessoas parecidas com Frankie Minello no mundo inteiro.

 

Estava tão distraída com estes pensamentos que demorou alguns segundos para assimilar plenamente que estava sendo seguida. Primeiro, ouviu as batidas dos saltos altos que se aproximavam. Virou a cabeça sem demonstrar grande interesse e viu duas mulheres jovens, altas, esbeltas que caminhavam atrás dela e que, com mais dois ou três passos, chegariam junto a ela.

 

Uma era muito loura e a outra ruiva. Esta última lhe sorriu amavelmente e a espiã também sorriu para ela, sempre caminhando para onde estava o carro e escutando que as pisadas continuavam cada vez mais perto.

 

“Não vão me atacar aqui” — pensou Brigitte, procurando aparentar calma. — “Vão esperar que eu chegue perto do carro, quando então poderão me meter dentro dele, viva ou morta”.

 

Entretanto, mais uma vez virou a cabeça, seguindo a intuição que tantas vezes conseguira ajudá-la a sair de apuros bem mais graves do que enfrentar-se com duas jovens.

 

E de novo, a mesma intuição resolveu o problema. Justamente quando se virava para trás, uma das moças lançava a primeira navalhada na direção de suas costas e, a outra, levantava o braço para arremessar a que estava em sua mão.

 

Brigitte percebeu o perigo que estava correndo e só teve tempo de desviar-se para o lado, fazendo alguns passos acrobáticos, como se estivesse executando uma peça de balé. A atacante chegou a falar alguma coisa em voz baixa e se desconcertou por alguns segundos. A navalha que fora jogada para enterrar-se nas costas da espiã, apenas feriu-a levemente nos quadris. Brigitte sentiu a contração muscular e em seguida, a ardência do corte. Mas nem por isso perdeu tempo. Seu punho direito dançou pelo ar e foi cair no queixo da agressora. O impacto foi forte e esta caiu com o maxilar inferior partido em dois, como se fosse uma peça de barro é o punho de Brigitte, um projétil de ferro. Sua cabeça foi sacudida para trás tão brutalmente que a base do crânio ficou esfacelado e duas vértebras foram totalmente deslocadas.

 

A morte da ruiva foi fulminante e já era defunto quando o corpo parecia voar pelos ares, indo cair a três metros adiante.

 

Agora, a outra jovem também estava atacando Brigitte, porém esta já estava preparada para o jogo e ninguém ia pegá-la de surpresa. Certamente o momento não era para considerações. Esquivou-se do ataque girando o corpo e se afastando, para virar-se novamente com um sorriso de fera nos lábios. A adversária piscou de espanto e medo ao ver como a espiã agia com uma rapidez inverossímil. Levantou a perna direita e enterrou a ponta do sapato em seu peito. A loura caiu sentada, soltou a navalha e parecia que ia desmaiar.

 

Brigitte aproximou-se mais um pouco e lhe deu uma patada no seio esquerdo. A mulher nem teve forças para reagir: caiu como se fosse uma estátua de gesso, totalmente inconsciente.

 

Não havia mais ninguém na garage.

 

Brigitte agarrou uma e outra pelas costas dos vestidos e as arrastou até o carro. Abriu o porta-malas e jogou as duas dentro dele. A respiração da espiã estava agitada e ofegante quando voltou ao apartamento. Peggy a fitou com surpresa.

 

— Esqueceu-se de alguma coisa, senhorita?

 

— Sim. Não vou poder jantar com Frankie, pois de repente me lembrei que preciso fazer algo muito importante. Dê meu recado a ele, quando telefonar. Que mais tarde dou um toque para avisar quando poderemos nos ver novamente.

 

— Vai ficar zangado.

 

— Sim, mas suas zangas passam depressa.

 

Entrou no quarto de dormir. Apanhou a maletinha vermelha, estampada com florezinhas azuis. Ficou indecisa, sem saber se devia chamar Pitzer pelo rádio, ou se esperava para fazer isso mais tarde. Optou pela segunda alternativa.

 

Quando saía do quarto, tropeçou novamente com Peggy que olhou para a maleta e logo em seguida, para a agente Baby.

 

— Nada comente com Frankie a respeito desta mala, entendeu?

 

— Sim, senhorita.

 

Dois minutos mais tarde, Brigitte voltava novamente à garage, parou perto de um casal idoso que morava no vigésimo oitavo andar e ainda trocou algumas palavras com os velhinhos. Estava risonha, mas não deu muitas oportunidades para eles ficarem falando um tempo enorme como costumavam fazer habitualmente.

 

Depois foi para o carro, abriu o porta-malas. A loura ainda continuava desmaiada. Abriu a maleta, apanhou o rolo de esparadrapo e com este imobilizou seus tornozelos e pulsos, em seguida a amordaçou. Fechou o porta-malas, sentou-se ao volante, acionou o motor e pouco depois, o veículo rodava em direção da rampa.

 

Já havia planejado o que ia fazer a seguir. Primeiro, iria a seu esconderijo secreto da cidade e lá submeteria a sobrevivente a um interrogatório severo. A mulher lhe teria de contar tudo que desejava saber, sem omitir um detalhe sequer; teria de lhe dizer onde poderia arranjar asas de anjo. Porque a agente Baby já não tinha mais dúvidas. Aquelas duas jovens belas e interessantes deviam ser assassinas contratadas pelo Artífice, o desconhecido de grande poder criativo que havia frustrado a reunião do dia anterior, na cabana de caça.

 

Estava trafegando a menos de um minuto pela Quinta Avenida quando percebeu que um automóvel a seguia. Imediatamente viu que no interior dele havia dois homens desconhecidos.

 

E isso a fez mudar de planos.

 

Brigitte Montfort, naquela noite, não seguiu o mesmo caminho que costumava fazer quando ia para sua pequenina cabana que ficava à margem de um lago.

 

Depois de percorrer, atravessar e circular vários atalhos e estradas para despistar os perseguidores, chegou na 22 Estatal. Entrou nela, pois sabia que, um pouco mais adiante, encontraria a saída para outra que era praticamente deserta, sem movimento algum.

 

O carro com os dois homens continuava em suas pegadas. Ou eles a julgavam uma tola, ou não se preocupavam com o que lhes poderia acontecer se continuassem naquela perseguição absurda.

 

Bem, os homens já não se conformavam em segui-la e pareciam decididos a passar para ação direta. Naquele instante, lembrou-se das mulheres que estiveram à sua espera na garagem. Será que os sujeitos também pensavam em eliminá-la?

 

Pior para eles porque enquanto o carro se detinha nos sinais luminosos, ela havia preparado seu esquema de defesa. Armou o fuzil desmontável e o carregou com uma carga de ampolas de gás incendiário.

 

Abaixou os vidros da porta antes de pará-lo. Saiu rapidamente e apontou o fuzil para o carro perseguidor que agora se aproximava com a velocidade bastante reduzida. Sem dúvida o motorista estava surpreso com sua reação imprevista e pensava de que modo poderia afastar-se da linha de tiro.

 

Muitos falam que não se deve confiar nas aparências. E menos ainda quando elas se relacionam a questões de espionagem.

 

A senhorita Montfort, simplesmente, apontou para o carro dos desconhecidos e apertou o detonador. Somente um silvo muito suave no ar e a ampola do gás incendiário voou na direção do outro automóvel. A espiã continuava calma, sem aparentar nervosismo algum. Afinal, havia calculado o lance com exatidão. O motorista quando se visse envolvido pelas chamas, iria sentir-se em pânico. Ficaria tão assustado que soltaria o volante, também poderia movê-lo com brusquidão, forçando o carro para fora da pista. Enfim, ele faria qualquer coisa para afastar-se do perigo.

 

Com isso, atravessaria a margem da estrada, tanto fosse de um lado como o outro, para fugir dali.

 

E foi exatamente o que aconteceu. A claridade das chamas iluminou o interior do veículo e Brigitte pôde ver os rostos dos homens que viajavam nele. Ambos pareciam assombrados e assustados.

 

Porém, nada mais pôde ver, porque o carro deu uma guinada para a esquerda, derrapou quando saía da pista, capotou três vezes seguidas, já completamente tomado pelas chamas, e foi chocar-se com um pinheiro frondoso que também acabou virando cinzas.

 

A espiã entrou no carro novamente e quando o punha em movimento pensou: “Pobre árvore, era tão bonita e acabou tendo um fim tão triste!”

 

Em seguida, pisou no acelerador e se afastou rapidamente. Só parou cinco quilômetros mais à frente, quando já estava perto da estrada que ia dar na cabana que mandara construir perto do lago.

 

Apanhou o rádio da maleta vermelha com florezinhas azuis e o adaptou aos apetrechos necessários para uma ligação à distância e só conseguiu completá-la depois de alguns segundos.

 

Finalmente entrara em contato com a CIA.

 

— Sim? — soou uma voz masculina. — Quem chama?

 

— Johnny, sou eu, Baby — respondeu.

 

O silêncio continuou do outro lado. Um silêncio tão prolongado que Brigitte insistiu novamente.

 

— Johnny? Está me ouvindo?

 

— Claro que sim... Só estou dando tempo para meu coração se recuperar do choque emocional que sofreu. Bem, estou me sentindo melhor e agora, quero que me demonstre que estou realmente falando com Baby.

 

— Acabo de incendiar um carro com dois homens dentro dele. Os miseráveis me perseguiam há algum tempo e eu estava querendo ir para um lugar onde não queria companhia de ninguém. No porta-malas de meu carro levo duas mulheres. Uma está morta e a outra apenas desmaiada. Encontrei-as na garagem de meu edifício e ambas tentaram assassinar-me. Vou usar meus métodos para a remanescente me responder algumas perguntas. O automóvel incendiado está na estrada 22, junto a um pinheiro que também queimou. Acionem o serviço florestal, encarreguem-se dos mortos e do veículo incendiado, mas o caso deve ser mantido no mais absoluto sigilo. Que ninguém tome conhecimento dele. Ainda tem alguma dúvida?

 

— Nenhuma. Seguiremos suas orientações.

 

— Muito obrigada, Johnny. Um beijão.

 

— Já posso morrer feliz!

 

— Melhor seria se desejasse viver feliz, Johnny — sorriu Brigitte.

 

Fechou o rádio e pisou no acelerador do carro.

 

Quando Brigitte estacionou na frente da cabana e abriu o porta-malas do carro, a loura já havia recobrado os sentidos. Olhou para o céu e viu as estrelas que cintilavam no negrume da noite.

 

A segunda coisa que viu foi o rosto de Brigitte Montfort e o reconheceu imediatamente. Ela tinha a impressão que, embora vivesse anos sem fim, jamais se esqueceria de suas feições deformadas pelo ódio quando percebeu que havia duas mulheres a sua espera, na garagem. Naquele momento, a jornalista se assemelhava a uma fera selvagem pronta para dar o bote.

 

Brigitte cortou a tira de esparadrapo que imobilizava seus pés e a ajudou sair do porta-malas.

 

A prisioneira passou os olhos à volta e viu o lago que naquele momento parecia estar com águas prateadas, por causa dos reflexos dos raios de luar e também viu uma cabana que estava completamente às escuras.

 

— Sim — comentou a agente da CIA. — A região é formosa, mas você não se sentirá muito bem enquanto estiver por aqui. Vá andando para a casa!

 

O silêncio seria total se não fosse o coaxar das rãs que estavam perto do lago. A loura estranhou aqueles ruídos diferentes, mas achou que eles se harmonizavam com a beleza da noite.

 

Depois, ela pensou na sensação esquisita que tivera enquanto o corpo da companheira ia esfriando a seu lado. Já muitas vezes, ouvira conversas sobre o assunto, mas jamais imaginara que um corpo enrijecesse tão depressa.

 

Sua experiência com a morte se restringia em matar e fugir, fugir sempre para não ser morta.

 

Brigitte abriu a porta da cabana, acendeu a luz e a empurrou para dentro da casa. A saleta era bem decorada, muito agradável e acolhedora.

 

A espiã indicou uma poltrona e mandou que ela se sentasse, o que a loura fez rapidamente. Só então sua mordaça foi retirada.

 

— Como é seu nome? — perguntou Brigitte.

 

A mulher continuou calada, com os olhos fixos em seu rosto. Brigitte não demonstrou aborrecimento, bem ao contrário, sorriu e avisou:

 

— Aproveite o tempo para refazer suas forças porque mais tarde prosseguiremos com esta conversa.

 

Foi direto ao quarto de banho e se despiu completamente. Jogou o vestido todo ensanguentado ao incinerador automático e em seguida, examinou o ferimento. Era superficial e não inspirava cuidados, embora ainda continuasse bastante doloroso. Fez um curativo rápido e depois foi ao quarto. Abriu o armário, apanhou uma calça comprida e uma blusa de malha. Vestiu-se rapidamente...

 

Em nenhum momento deixara de prestar atenção aos ruídos que chegavam da saleta e por eles, podia prever os movimentos da prisioneira. Saiu do quarto com um sorriso gelado nos lábios e quando chegou à porta, foi recebida com um pontapé que certamente a teria jogado no chão, se não usasse de toda agilidade que possuía.

 

Brigitte simplesmente esquivou-se da trajetória do golpe com muita elegância, enquanto seu punho direito golpeava o queixo da mulher que chegou a cambalear momentaneamente. Ainda não tinha se refeito, quando mais um golpe a pegou no estômago e logo, um pontapé no baixo ventre.

 

A prisioneira urrou de dor, escancarou os olhos e caiu sem sentidos.

 

Quando voltou a si, viu a senhorita Montfort sentada no sofá, comendo sanduíches que tirava de um prato que estava em cima da mesinha.

 

A espiã olhou para ela e comentou com um toque de ironia:

 

— Esta noite eu iria jantar com um amigo, mas vocês resolveram estragar nosso programa. Como se chama?

 

A loura a fitou demoradamente e concluiu que Brigitte Montfort não era uma inimiga fácil como tinham previsto. Bem ao contrário, tinha uma ótima técnica de luta e dificilmente seria derrotada.

 

Por causa dessa invencibilidade decidiu colaborar só um pouquinho.

 

— Kate Sheldon — retrucou.

 

— Muito bem, moça. Então, você é um dos anjos de guerra?

 

— O quê? — exclamou, surpresa.

 

— É desse modo que chamo as mulheres que voam com aquelas asas angelicais e dão a impressão de estarem totalmente despidas. Você não é uma delas?

 

Kate permaneceu calada. Brigitte acabou o sanduíche, tomou um sorvo do champanha e sorriu.

 

— Você não é uma delas? — insistiu, suavemente.

 

Kate Sheldon engoliu a saliva e acabou concordando com um aceno de cabeça. Brigitte sorriu novamente e perguntou:

 

— Para quem você trabalha?

 

— Para Angelikus.

 

— Angelikus! Que nome mais gozado! Pensei que já conhecia todos os que pudessem causar-me espanto, mas vejo que me enganei, Certa ocasião, conheci um desgraçado que se dizia chamar Luciferius1... É, era esse o seu nome. Apresentava-se como o rei dos infernos ou algo parecido e afirmava que ainda havia de incendiar o planeta, somente usando o petróleo que era extraído das entranhas da Terra. Aconteceu há muito tempo, e tantas outras coisas já se sucederam depois disso, que nem me recordo muito bem das besteiras que ele vivia falando. Você já ouviu comentários sobre Baby da CIA?

 

— Nunca, nunca escutei falar dela.

 

— Uma coisa muito boa para você e que demostra que não costuma ter envolvimentos com a espionagem. Se isso for verdade, poderei classificar você e sua companheira como assassinas profissionais. Concorda comigo?

 

Kate não respondeu. Brigitte aproveitou para comer mais um sanduíche, tomar mais alguns goles da bebida e acender um cigarro.

 

— Você na realidade é uma assassina. De que forma eu poderia classificar uma pessoa que mata outras somente para cumprir as missões que lhe são designadas? Você e todas suas companheiras não passam de assassinas profissionais e Angelikus as mandou para me matarem, não foi?

 

— Quem nos enviou foi um subchefe que trabalha para ele.

 

— Claro, compreendo a maneira como o trabalho é distribuído entre os diversos componentes de uma quadrilha de criminosos. Você sabe por onde anda Angelikus?

 

— Não... Posso... sentar-me em uma poltrona?

 

— Se é amante de comodidades, pode ficar à vontade.

 

Kate Sheldon levantou-se com dificuldade. Sentia dores horríveis no ventre e tinha a impressão que todos os órgãos estavam esfacelados. Também sentia muito enjoo e tinha medo de desmaiar de novo.

 

— Onde poderei encontrar o subchefe que ordenou minha morte?

 

— Agora não sei para onde foi. Ele e outro companheiro nos levaram de carro à Quinta Avenida e nos deixaram perto do prédio onde você mora.

 

— Não! — Brigitte gemeu baixinho. — Então, ele era um dos homens que andaram me perseguindo quando eu vinha para cá? Amiga, lamento, porém você perdeu seu subchefe. Diga-me uma coisa, você fazia parte do grupo que atacou os representantes do Oriente Médio? Por favor, não me venha com mentiras! Tenho muito tempo e posso usar uns métodos que conheço e que fazem até os santos falarem. Entendeu?

 

— Sim.

 

— Você era um dos anjos que sobrevoaram o bosque naquela noite?

 

— Sim.

 

— Quem comandou a operação?

 

— Não sei. Nós já havíamos passado pela seleção e estávamos no Sky. Foi lá que recebemos todas as instruções e as aulas foram dadas por professores categorizados... mas não nos deram quaisquer explicações.

 

— Entendo. O que é o Sky?

 

— Nosso quartel-general.

 

A espiã mais bela do mundo sorriu um sorriso radiante.

 

— Bem, vocês são anjinhos e precisam viver no Céu. Então, os anjos de guerra estão aquartelados no Sky e quando os serviços deles são necessários, os chefões mandam instrutores, professores para lhes explicar detalhadamente o plano que será realizado. Depois, eles mesmos se encarregam pelo transporte e levam os anjos ao local onde a ação será ativada e vocês fazem o trabalho de acordo com as instruções recebidas.

 

— É exatamente o que acontece.

 

— Exatamente. Porém, vejamos: Ficam a par do serviço, mas continuam desconhecendo em que lugar o Sky está, instalado.

 

— É isso o que acontece. Imaginamos que ele esteja próximo de Myrtle Beach, mas nada podemos afirmar porque ninguém nos confirmou esta hipótese e quando vamos para lá, sempre antes passamos no Red Fish Parador.

 

— Deixe-me recapitular para ver se entendi o caso perfeitamente. Os anjos são contratados em vários lugares diferentes e depois são reunidos no Red Fish Parador que é uma espécie de hospedaria e só mais tarde, os novos contratados são levados para o Sky ou o quartel-general da organização. Porém, somente são transportados em caminhões ou carros hermeticamente fechados o que os impede de ver por onde trafegam. Isso faz com que eles não possam determinar em que região exata o Céu foi construído. Porém, quando esse mesmo grupo abandona o quartel-general a situação já é bem diferente, pois todos se encontram muito bem treinados e preparados para a missão que deverá ser executada. Sabem contra quem ela será realizada e quais as pessoas que terão de assassinar durante a realização da mesma. Não é desse modo que o treinamento se processa?

 

— Sim — confirmou a loura.

 

Brigitte sorriu novamente e disse:

 

— Aposto que a parte mais importante, entre os treinamentos e a missão propriamente dita, é a parte dos voos. Ainda ontem todos os anjos se divertiram enquanto lançavam granadas contra os que estavam reunidos nas proximidades da cabana.

 

— Eu e todas as minhas companheiras apenas cumpríamos os nossos deveres.

 

— Naturalmente! Sempre apreciei as pessoas que cumprem com suas obrigações. Sabe onde eu poderia arranjar asas iguais às que vocês usam?

 

— Somente no Sky... Então é verdade, você é uma espiã? — perguntou Karen.

 

— Sim.

 

— Da CIA?

 

— Claro. Mas por favor, minha situação é um grande segredo e sei que quem as mandou para me eliminar, desconhecia qual a verdadeira situação da senhorita Montfort... E isso me tranquiliza bastante, pois se alguém souber que Baby e eu somos uma só pessoa, imediatamente eu iria desconfiar dos partidários do grupo dos norte-americanos.

 

— Não estou entendendo...

 

— E nem precisa entender, meu bem. Certamente, mandaram você e sua companheira somente porque bati aquela batelada de fotografias...

 

— Sim, a causa foi essa, porque nos recomendaram que a matássemos e em seguida, apanhássemos as chaves do

 

apartamento e que, deveríamos de revistá-lo, rebuscá-lo até encontrarmos as fotos.

 

— Que ideia mais tola!... Como alguém pode ter certeza de que as fotos estejam comigo ou com outra pessoa?

 

— O raciocínio foi feito pela forma mais simples. Se você tivesse entregado as fotografias a alguém para elas serem publicadas, certamente já teriam aparecido nos jornais e revistas, pois o assunto causaria sensacionalismo. Os chefões pensaram em duas outras possibilidades: uma, que, você as tivesse entregue diretamente aos assessores do presidente Reagan, e duas, que as tivesse guardado para somente publicá-las num momento muito oportuno, quando então, poderiam até ser usadas para ilustrar uma reportagem especialíssima.

 

— Percebo que no grupo há gente de responsabilidade, que raciocina com muito acerto. Porém, voltemos aos outros assuntos: A localidade de Myrtle Beach fica na Carolina do Sul?

 

— Sim.

 

— Kate, alguma vez você já se encontrou com Angelikus?

 

— Nunca. Nem eu e nem as outras que estão no Sky, embora todas nós estejamos esperando que isso aconteça algum dia.

 

— Não se preocupe, meu bem — falou Brigitte devagar. — Não se preocupe porque isso acontecerá muito antes do que imagina. Ele irá a seu encontro... porém, não no Céu como imagina. Ele estará a sua espera no Inferno.

 

Kate Sheldon não entendia o porquê daquelas palavras e ficou em pânico quando viu que a jornalista empunhava uma pequena pistola com a coronha de madrepérola. Os olhos azuis da loura se desorbitaram, mas no mesmo instante, ela sorriu, pensando que a senhorita Montfort não teria coragem de matá-la a sangue-frio.

 

Plof! Brigitte acionou o gatilho da arma diminuta e a prisioneira caiu morta.

 

A espiã sorriu, apanhou o copo de champanha e tomou mais alguns goles da bebida que adorava.

 

O terceiro dia parecia ser o do recrutamento.

 

Primeiro chegaram duas mulheres juntas, ambas vistosas, bonitas e elegantes. Um pouco mais tarde, outras quatro, chegavam sozinhas, todas com pouca diferença de horário, entre as cinco e seis horas da tarde.

 

Mulheres chegando quase juntas sem uma companhia masculina, e isso, já comprovava que nada estava acontecendo por casualidade, pois o movimento da casa, durante os dois dias anteriores, fora bem diferente.

 

Algumas mulheres chegavam sozinhas, estacionavam os carros e entravam no bar do Red Fish Parador e saíam quase em seguida, depois de só terem tido tempo para tomar um café, refresco ou chá. Enquanto isso, o mesmo já não ocorria com as que vinham acompanhadas.

 

Estas entravam na hospedaria e passavam algumas horas lá dentro e quando apareciam com seus parceiros, ambos pareciam bem dispostos e satisfeitos.

 

Porém na tarde do terceiro dia, tudo estava sendo diferente. Seis mulheres lindas e desacompanhadas. Todas chegando de táxi ou ônibus e nenhuma com condução própria. Para quem estava de sobreaviso, isso já servia como uma indicação. Quando tivessem de abandonar aquela casa, alguém se encarregaria de conduzi-las...

 

Mais uma vez, a paciência e a dedicação da senhorita Montfort começava a dar frutos. Já fazia mais de setenta horas que ela andava na região, preocupada em espionar o Red Fish à distância, com binóculos. E finalmente, tinha conseguido ver o que desejava, isto é, presenciara a chegada das recrutas que seriam levadas ao Sky para serem treinadas com o objetivo de ingressarem nas hostes dos anjos de guerra.

 

Muito bem, estava satisfeita.

 

Brigitte Montfort guardou os binóculos na bolsa de lona que estava usando e começou a andar na direção do Red Fish Parador, não pelo caminho usual, mas dando várias voltas, a fim de se aproximar pelo pátio interno.

 

Quinze minutos mais tarde, estava escondida atrás de um pinheiro donde podia ver perfeitamente o estacionamento e a entrada da estalagem. Minutos mais tarde, um carro parou perto do portão e Brigitte compreendeu que mais uma garota estava chegando.

 

E não errou em suas suposições. A porta dianteira foi aberta e uma jovem alta, linda, muito loura apareceu. Ela falou alguma coisa ao motorista e ambos riram com vontade. Em seguida, fechou a porta e começou a andar para o Red Fish Parador, enquanto o carro continuava estacionado junto ao meio-fio.

 

Ela somente carregava uma maleta, pequena, azul. Ainda não tinha chegado à porta de entrada quando todas as luzes foram acesas no interior da casa. Começava a anoitecer.

 

Não chegou a entrar nela porque, de repente, Brigitte apareceu um pouco mais adiante e começou a lhe fazer sinais. A garota hesitou, mas acabou aproximando-se, porém conforme ela andava para frente, a senhorita Montfort ia retrocedendo em direção do pinheiral. Sabia perfeitamente o que a desconhecida estava pensando. Pensava que devia ser uma das garotas convocadas para se apresentarem naquela tarde, a fim de receber as primeiras instruções da organização que as contratara.

 

Mais uma vez Brigitte raciocinava com clareza. A moça a seguiu sem desconfiar de nada e quando ela parou a jovem perguntou:

 

— Está acontecendo alguma coisa? Pensei que deveríamos entrar na hospedaria onde deve haver alguém escalado para nos receber...

 

Calou-se quando o murro pegou seu seio esquerdo. Sentiu que tudo começava a rodar a sua volta, tentou reagir, mas caiu rio chão.

 

Brigitte a segurou pelas axilas, levantou-a como se se tratasse de um saco de batatas e a jogou no ombro. Carregou-a para o bosque e quando se sentiu em segurança, longe de algum olhar indiscreto, colocou a moça no chão e esvaziou sua maleta azul sobre a relva.

 

Rapidamente, examinou e selecionou os objetos que ela carregava, todos imprescindíveis. O que mais a interessou foram os documentos. Chamava-se Stephanie Colby, tinha vinte e oito anos e era natural de Illinois. Na bolsa também tinha algumas chaves, maços de cigarro e um isqueiro com caixinha de música.

 

A espiã mais perigosa do mundo abriu a bolsa de lona que estava usando naquela ocasião e apanhou uma peruca loura, parecida com os cabelos de Stephanie Colby.

 

Colocou-a e olhou para o retrato da jovem que constava em sua documentação. Não gostou do resultado e levou alguns minutos alterando a fotografia e no final, ninguém mais poderia estar convicto se ela representava Stephanie Colby ou outra pessoa. Despiu a moça completamente e também tirou todas as suas roupas. Em seguida vestiu às de Stephanie que continuava jogada no chão. Apanhou sua maleta azul e dentro dela guardou o maço de cigarros como o pequeno rádio camuflado e alguns dos aparelhos que costumava usar, inclusive sua pistolinha nacarada de madrepérola.

 

Quando achou que tudo estava preparado, Brigitte conectou o rádio.

 

— Sim? — soou uma voz masculina.

 

— Tudo em ordem. Aqui perto de mim, está dormindo um anjo de guerra frustrado. Seu nome é Stephanie Colby. Estou seguindo para o Red Fish, a fim de ocupar seu lugar. Mantenham-se na escuta, mas afastados fisicamente. Entendido?

 

— Evidente. Mas o que acontecerá se você se afastar mais de cinquenta milhas, se ficar fora do alcance do rádio?

 

— Farei o mesmo que já tenho feito em outras ocasiões. Terei de me arranjar sozinha... Conseguiram alguma informação interessante sobre minhas agressoras em Nova Iorque?

 

— Até agora nada, mas a procura prossegue. O que devemos fazer com os cadáveres que apanhamos na estrada?

 

— Incinere-os. E façam o mesmo com Stephanie Colby. Primeiro a interroguem, com rigor e depois, forno crematório.

 

— Baby, como se pode fazer isso com uma pessoa que ainda está viva?

 

— Vocês têm duas opções: Primeira, matem a mulher e depois a incinerem ou então a incinerem sem procurar ver se ela já está morta.

 

Fechou o rádio e o guardou na maleta azul da desconhecida.

 

Depois se ajoelhou no chão e examinou a moça. Estava somente desmaiada. Os Johnnies poderiam inquiri-la, interrogá-la... eles fariam com que ela contasse tudo que sabia sobre o caso que a interessava naquele momento.

 

Levantou-se e começou a andar resolutamente para a hospedaria.

 

Encontro de anjos

 

— Olá, que tal? — cumprimentou a morena bonita, sentando-se à mesa.

 

— Eu? Muito bem. E você? — respondeu Stephanie Colby.

 

— Otimamente. Meu nome é Eleonor e o seu?

 

— Eu não.

 

As duas se olharam. A morena aparentou certa surpresa, mas quase em seguida, começou a rir.

 

As moças se entreolharam e depois fitaram os outros fregueses que ocupavam as mesas vizinhas.

 

Até agora, elas estavam sentadas sozinhas e nenhuma tinha procurado conversar com aquelas que seriam suas companheiras durante todo o tempo de treinamento. Bem essa era a situação existente antes que Eleonor chegasse ao restaurante do Red Fish Parador.

 

Ela era uma morena elegante, bonita e sinuosa. Parou perto da porta e observou as moças que estavam espalhadas pelo restaurante. Primeiro se encaminhou para uma mesa e depois para outras, mas as garotas não pareciam afins a conversas.

 

Foi então que se sentou à mesa de Stephanie e perguntou.

 

— Você pode me dar um cigarro?

 

— Hoje só, mas não se acostume.

 

Eleonor riu novamente. Acendeu o cigarro que apanhara do maço que Stephanie lhe oferecera. As outras garotas já pareciam ter-se desinteressado delas.

 

A morena olhou para Brigitte e perguntou:

 

— Falando sério: Como você se chama?

 

— Por que eu deveria dizer meu nome a uma pessoa desconhecida?

 

— Nem tanto, pois ambas estamos no mesmo barco, não estamos? Certamente, passaremos alguns dias juntas e não vejo razão de não nos tornarmos boas companheiras desde o primeiro instante.

 

— Pelo menos posso saber com quem estou falando?

 

— Ora, vamos, não mendiga que no final você se parece com as outras que são tolas e pedantes. Nesta sala há muitas garotas que estão em situação igual a nossa, esperando ser apanhadas por alguém que virá nos buscar. Preste atenção, fui contratada porque sou jovem, bonita e capaz de fazer qualquer coisa... Mandaram eu vir para cá e tive uma surpresa quando vi tantas moças bonitas como eu, aguardando não sei o quê... O que você pensaria se estivesse no meu lugar?

 

— Que há muita mulher bonita espalhada pelo mundo — riu Stephanie.

 

— No mundo sim, mas por que estamos precisamente hoje, reunidas aqui? Casualidade somente?

 

— A vida é repleta de casualidades — confirmou a loura Stephanie.

 

— Começo a perceber que você não é tão inteligente como eu pensei.

 

— Não, não sou mesmo, querida. O que estou achando, é que você é uma pessoa muito curiosa e intrometida. Não pensou que talvez alguma dessas moças bonitas esteja aqui por mera casualidade e que, com sua conversa poderá deixá-la constrangida ou até mesmo interessada para descobrir o que está acontecendo no Red Fish Parador?

 

— Bobeira! A maioria das pessoas não costuma usar a cabeça. Ninguém pensa. Todo mundo vive igual como os animaizinhos que se criam em grandes gaiolas. Desde pequeninos são ensinados como devem se portar e o que deverão fazer no decorrer de suas vidas. Os infelizes aprendem assim e só agem de acordo com o que lhes foi ensinado. Conclusão! Nascem, vivem e morrem sem conhecer o verdadeiro significado da vida.

 

— E você o que fez de sua vida, após ter descoberto esse segredo?

 

— Bem, pelo menos, já há muito tempo deixei de acreditar em tudo que meus pais falavam, e tampouco dei muita atenção aos conselheiros que vivem surgindo nos caminhos de nossas vidas. Descobri uma coisa muito, interessante, querida. Este mundo foi construído para os animais destruidores, fortes e potentes ou para os fracos que caem em suas garras. Se só temos duas opções a fazer, por quê sermos o franzino derrotado quando podemos ser o mais importante?

 

— Começo a gostar da ideia de ser sua amiga — quase riu Stephanie, estendendo a mão por cima da mesa. — Sou Stephanie Colby.

 

— Colby? Você tem um nome imponente, enquanto o meu é horrível, ridículo! Veja se não tenho razão. Já pensou alguém ser Tubbs?

 

— Tubbs? Realmente não é muito bonito. Mas ainda não entendi por que ficou tão entusiasmada quando soube que me chamo Colby...

 

— Colby é um nome bonito. Colby também é o sobrenome da família mais importante do seriado de televisão. Você não assiste Dinastia?

 

— Claro que sim, mas jamais pensei que o seu entusiasmo fosse provocado por uma série televisionada... Bem, estamos aqui e temos de continuar esperando. Será que seu amigo vai demorar muito?

 

— Que amigo?

 

— É desse modo que costuma chamar os intermediários deste negócio. Foi ele quem me fez o primeiro convite para eu estar aqui, hoje.

 

— Não será a mesma pessoa quem virá nos buscar. Serão outras que também são suas amigas. O seu recrutador aparecerá por aqui?

 

— Não sei. Disse que só viria se tivesse tempo.

 

— Todos eles são animais irresponsáveis! — exclamou a morena.

 

— Sim? Por quê? — perguntou Stephanie com a maior ingenuidade.

 

Eleonor a fitou irritada. Evidentemente não havia notado a respiração profunda e o gesto de alívio de sua nova amiga quando ela lhe disse que os recrutadores dos anjos não compareceriam ao Red Fish Parador para vir apanhá-las.

 

Claro, se o homem que tinha falado com Stephanie Colby aparecesse no restaurante ia notar a diferença que havia entre ela e a verdadeira Stephanie... De um momento para o outro, as condições poderiam complicar-se bastante... para o recrutador.

 

— Você ainda me pergunta por quê? — explodiu Eleonor. — Por acaso o seu agente antes de fechar qualquer negócio não joga você em cima de uma cama?

 

— Você está tão revoltada somente por isso? — Stephanie sorriu com espanto. — Querida, pois eu já estou acostumada, cada macho que chega perto, vem logo me convidando para uma transa.

 

— Comigo também — afirmou Eleonor. — Porém a coisa mais desagradável é que nem todos me agradam.

 

— Querida, a vida não se resume só em prazeres...

 

— A gente sabe que não, más ela poderia ser modificada em alguns pontos.

 

Stephanie riu e ficou olhando para sua nova amiga, procurando as palavras certas para lhe responder.

 

— Você tem toda razão! — exclamou. — Por quê? Por todos os diabos! Por que temos de viver também os maus momentos?

 

— E as circunstâncias sempre acabam sendo das piores quando a mulher é bonita como nós. Certa vez quando estive em Miami, conheci um sujeito que.

 

Eleonor calou-se ao perceber que a companheira parecia muito entretida com alguma coisa que ocorria as suas costas. Virou-se ligeiramente e foi então que os viu, parados perto da porta.

 

A mulher era uma ruiva esbelta, elegante, atraente e ele, um camarada forte, alto, com tipo de atleta. Aproximaram-se do balcão e o homem perguntou ao garçom:

 

— Por favor, alguém já veio procurar por Farragut?

 

— Não, não senhor — respondeu o garçom. — Espere um instante que perguntarei ao meu companheiro.

 

Stephanie sentiu um calafrio correr pela espinha ao compreender que o pessoal da organização tinha uma senha que ela desconhecia e que talvez não soubesse interpretar se estivesse sozinha. Observou que as moças começaram a se levantar das mesas e andar para a porta. Eleonor estava olhando para ela e perguntou:

 

— O que mais está esperando, Stephanie. Vamos embora!

 

— Claro, espere só um minuto, tá?

 

O garçom informou que ninguém havia perguntado por Farragut. Bem, a senha deveria ser modificada para cada recrutamento de anjos. O serviço devia ser muito bem organizado. O casal se encaminhou para a porta e Eleonor se levantou.

 

— Não sei o que mais está esperando — murmurou com enfado, Stephanie também se levantou e ambas saíram juntas do restaurante. O casal se dirigiu para o automóvel. O homem abriu a porta para a mulher entrar e se voltou para as moças.

 

— Caminhem pela estrada. Alguém virá recolhê-las dentro de poucos minutos — avisou.

 

O carro do casal desapareceu quase em seguida e as moças começaram a andar na direção indicada. Não tinham caminhado nem um minuto quando apareceu um caminhão pintado de escuro, ou melhor, de uma cor que dava esta tonalidade. O veículo parou. A porta em forma de rampa foi arriada e um homem apareceu perto dela.

 

— Venham, venham todas, depressa!

 

As garotas subiram no caminhão rapidamente, guando todas já estavam sentadas nos bancos, a porta se levantou lentamente, enquanto o homem permanecia de pé, perto de uma lanterna vermelha. Tinha uma folha de papel nas mãos e começou a fazer uma rápida chamada das viajantes. Cada vez que ele falasse o nome de uma moça, esta devia responder, olhando fixamente para ele. Brigitte, como era óbvio, respondeu quando ele chamou Stephanie Colby e suportou calmamente o olhar do sujeito.

 

— Vamos demorar cerca de uma hora para chegar ao destino — disse ao terminar. — Vocês poderão fumar, conversar, mas espero que nenhuma tenha trazido algum rádio de pilhas.

 

Houve algumas risadinhas de adulação, como se ele fosse um tipo bonitão. Sorriu, se sentou no extremo de um banco e acendeu um cigarro.

 

— Stephanie, sei que não devia pedir mais nenhum... meu cigarros terminaram... Quer me emprestar mais um dos seus? — pediu Eleonor.

 

— Apanhe, mas se formos para um lugar que não tenha cigarros você terá de desencovar outros para mim, tá?

 

— Estamos indo para um lugar onde há de tudo — disse o homem. — E isso é até natural porque no Céu não pode faltar coisa alguma.

 

Ele foi o primeiro que riu com a piada boba e duas os três garotas o imitaram. Era um tipo alto e forte. Algumas pessoas poderiam afirmar que era bonito, mas seu todo refletia apenas maldade. Brigitte pensou que talvez o matasse tão logo surgisse uma oportunidade.

 

— Meu nome é Aldo — apresentou-se. — O meu companheiro que está dirigindo o caminhão se chama Morton. Se vocês forem boazinhas, só poderão lucrar conosco.

 

As moças não lhe responderam. Stephanie Colby pensou que talvez ele estivesse tão deslumbrado, a ponto de pensar que estava lidando com anjos verdadeiros, sem imaginar que poderia ser degolado por uma delas.

 

O caminhão se deteve cinquenta minutos mais tarde; o que para Stephanie não significava absolutamente nada.

 

Estava acostumada a despistar inimigos e muitas vezes, levava um tempo enorme dando voltas em torno de uma mesma região, somente para despistar aqueles que vinham em sua perseguição.

 

Brigitte ainda continuava dentro do caminhão, mas já sentia o cheiro da maresia e quando desceu a rampa, quase em seguida, pôde ver e ouvir as ondas prateadas arrebentando nos rochedos. Imaginou que tivessem rodado somente pela praia.

 

— Não devem deixar nada neste caminhão — avisou Aldo.

 

As mulheres nem se dignaram em responder-lhe, nem sequer o olharam. Durante os cinquenta minutos de viagem, o pobre tivera oportunidades várias para demonstrar que não passava de um ignorante, de um idiota total.

 

Stephanie desejou que Angelikus tivesse gente de nível mais elevado para recebê-las no Céu. Porém, não foi isso que aconteceu, quando o caminhão estacionou e elas puderam novamente respirar o ar puro.

 

— O jantar será servido daqui a quarenta minutos — avisou Aldo. — Enquanto o esperamos, eu e Morton as levaremos aos aposentos que lhes foram destinados.

 

Falava e indicava uma casa muito linda de estilo colonial, totalmente iluminada que se sobressaía no centro de um pinheiral.

 

Naquele instante, uma das mulheres exclamou com furor:

 

— Se você se atrever a colocar suas mãos novamente no meu traseiro, juro como arrebento sua cara, atrevido! Juro como dou um pontapé no seu ponto fraco e você ficará aleijado para o resto da vida, seu idiota! Fique sabendo de uma coisa, imbecil, qualquer uma de nós, se quisesse dormir com cretinos, não estaríamos aqui! Entendeu?

 

Aldo ficou vermelho de ódio, principalmente quando ouviu algumas risadinhas abafadas entre as garotas. Começou a andar para a casa e elas o seguiram.

 

Tal como Brigitte havia imaginado o Céu não era formado por um conjunto de barracões e nem tampouco, era uma granja adaptada à organização. Absolutamente; a propriedade era uma chácara muito linda que se localizava perto do mar e que sem dúvida alguma, também devia ter um embarcadouro para iates. A casa era luxuosa e no vestíbulo amplo, à direita, havia uma escada de mármore branco.

 

— Que beleza! — exclamou Eleonor.

 

A mulher que momentos antes protestara por causa das liberdades de Aldo, murmurou:

 

— Ainda não descobri o que esse monstro anda fazendo num lugar tão formidável!

 

Agora as risadas foram gerais. Aldo estava lívido de raiva e Brigitte compreendeu que aquele futuro anjo deveria ter muito cuidado porque o homem seria capaz de vingar-se.

 

Os aposentos destinados às aprendizes estavam localizados no primeiro andar, num corredor que começava perto da escada de mármore. As moças foram distribuídas pelos quartos, sendo que alguns já estavam parcialmente ocupados por outros anjos que haviam chegado com alguma antecedência. Bem, estes já eram veteranos e sabiam usar os apetrechos que comandavam as asas.

 

No total havia vinte e quatro aposentos e, isso significava, que vinte e quatro assassinas podiam hospedar-se lá normalmente. E se houvesse necessidade do número ser aumentado, outras tantas poderiam ser instaladas no piso superior.

 

Eleonor Tubbs esforçou-se para conseguir um quarto vazio, para continuar perto de Stephanie Colby e a espiã topou a proposta.

 

Quando ficaram sozinhas no quarto, de porta fechada, Eleonor perguntou com curiosidade:

 

— Quem deve morar no andar superior?

 

— Se esse problema for importante para nós, certamente receberemos instruções sobre ele — respondeu Stephanie Colby, examinando o ambiente dissimuladamente.

 

Nada viu que pudesse esconder microfones ou câmaras de televisão. Porém não era uma caloura e nem ia descuidar-se. Desde há muito sabia da existência de alguns truques tão perfeitos que nenhum olho humano tinha condições de localizá-los.

 

Pouco depois anunciavam o jantar que seria servido no salão. Agora o ambiente estava mais acolhedor e as mulheres começavam a conversar, trocar ideias e fazer algumas brincadeiras.

 

O jantar foi servido por quatro copeiras gordas, que deviam ter mais de cinquenta anos. Eleonor olhou para sua nova amiga e perguntou:

 

— Veja essas copeiras. Elas não têm tipo de mulheres lésbicas, castradas? Qual é o seu palpite?

 

Stephanie não se conteve e soltou uma gargalhada. Estava gostando da comida e do luxo da mansão. Uma das copeiras olhou para ela com embevecimento e a espiã também lhe sorriu.

 

— Parece que já tem gente apaixonada por você, minha amiga — sussurrou Eleonor.

 

— Quer me fazer um favor? Coma, mastigue e pare de falar!

 

O resto do jantar transcorreu em silêncio. Depois da sobremesa serviram champanha para todas e foi então que reapareceu o casal que estivera no Red Fish Parador. Brigitte ficou impressionada com a beleza de ambos e pensou que ela e o Número Um deviam causar o mesmo efeito quando estavam juntos. Ficou tão esquecida, pensando no amigo querido que nem se ligou às explicações que o homem dava. Voltou ao real, sobressaltada.

 

—... Todo o equipamento que não é nada complicado. Qualquer pessoa está habilitada a usá-lo. Primeira coisa, todas serão testadas em pequenos trabalhos que possam servir para classificar a suas aptidões individuais. Se alguma de vocês tiver conhecimentos especiais deverá citá-los agora ou amanhã de manhã, durante a primeira aula.

 

— O que você considera como conhecimentos especiais? — perguntou Eleonor.

 

— Por exemplo, saber conduzir um submarino, saltar de paraquedas, golpes de karatê, manejos de rádio, idiomas estrangeiros e uma infinidade de outras coisas que não me cabe citar neste momento.

 

Várias moças começaram a falar, excitadamente, talvez supondo que com isso, fossem conseguir maiores regalias durante o treinamento. O homem acabou levantando o braço e pedindo silêncio.

 

— É melhor que cada uma preencha sua ficha pessoal e a entregue amanhã de manhã, esclarecendo o que gostaria de fazer e ganhar — em seguida, apontou para sua companheira: — esta é Ophelia Lengton e eu sou Dennis De Vries. Nós dormimos no segundo andar, mas se acontecer alguma coisa, poderão nos chamar. Para isso basta apertar o botão branco que está perto das portas dos dormitórios. Por favor, aqui nada acontece, portanto... só posso lhes desejar uma boa-noite.

 

Houve risos e sorrisos. Brigitte observou o casal que saía, depois olhou para o champanha que estava no copo e pensou: “Não vim a este lugar para me relacionar com assassinos e prostitutas, mesmo que nossos contatos fossem estritamente profissionais. Diabo! Por quê sempre preciso me misturar com a escória do mundo? Por quê nunca tive necessidade de lidar com anjos verdadeiros?”

 

— Se continuar bebendo desse jeito, vai se embriagar, Stephanie.

 

— Você tem razão — concordou. — Precisamos descansar porque amanhã o dia será trabalhoso e cansativo.

 

O dia foi bem diferente do que estavam imaginando. Além de terem de preencher as fichas Brigitte só colocou algumas de suas habilidades especiais, com os dados pessoais. Também conheceram os professores e os instrutores, todos homens bonitões, simpáticos e atletas, porém os olhos deles eram frios e a espiã compreendeu que seriam inimigos perigosos.

 

— Oh, céus! Quantos homens bonitos e simpáticos encontramos hoje! Um deles parecia o Rambo! — gemeu Eleonor quando ficou sozinha com a amiga.

 

Durante a tarde, o grupo inteiro foi levado a uma parte da propriedade. O lugar era pequeno, silencioso e afastado. Brigitte observou que também era fortemente vigiado e que dificilmente alguém poderia aproximar-se dali sem ser pressentido pelos guardas.

 

Assim que chegaram um instrutor mandou que todas se despissem completamente e se preparassem para colocar os petrechos necessários ao voo.

 

Cada uma recebeu o equipamento que devia usar. As correias de couro, coladas à pele e por cima a malha adesiva de fibra de vidro e finalmente, um pequeno tubo propulsor que foi colocado nas costas dos futuros anjos de guerra e ligado ao botão de comando que estava preso ao cinturão que elas deveriam ajustar à cintura.

 

Naquele instante começariam a instrução e treinos que as transformaria em verdadeiros anjos de guerra.

 

— Como veem não é nada complicado — disse o professor. — Só precisam ter muito cuidado para ajustar as correias ao corpo, porque se o propulsor resvalasse, vocês cairiam imediatamente e talvez fraturarem todos os ossos. Qual das novatas quer experimentar?

 

Stephanie Colby foi a primeira que levantou a mão.

 

Naquela mesma noite quando acabavam de jantar, a senhoria Colby recebeu instruções para ir sozinha e a pé ao lugar onde pela primeira vez experimentaria as asas angelicais.

 

O passeio noturno

 

Obedeceu as instruções ao pé da letra e quando chegou ao lugar combinado, encontrou dois professores que a aguardavam, já munidos com os tubos propulsores, mas sem as asas.

 

Eles não deram explicação alguma à Stephanie. Apenas cada um, segurou-a pelos braços e em seguida, ligou a chave de comando se elevando velozmente.

 

A noite estava estrelada e ela pensava como seria maravilhoso se todos os homens pudessem voar sem precisar de aparelhos especiais que faziam tanto barulho. Bem, voar para Brigitte não era mais novidade.

 

A distância que percorreram não foi grande, talvez nem uma milha e logo em seguida, viram as luzes que clareavam as janelas da outra casa.

 

Os professores voaram em sua direção e pouco depois, pousavam na frente da residência confortável, luxuosa, mas que não podia ser comparada com a casa que era posta à disposição dos candidatos durante a fase de treinamento.

 

Assim que eles colocaram os pés no chão, uma empregada muito bonita, que usava o uniforme azul de serviço, veio recebê-los.

 

Brigitte observou que a moça fechou a porta tão logo eles transpuseram a soleira.

 

— Os senhores estão sendo aguardados no escritório.

 

Encaminharam-se para a porta que ela tinha indicado. Um dos rapazes bateu, de mansinho, na madeira e alguém a abriu imediatamente.

 

Brigitte já não sabia se devia sentir-se satisfeita com as facilidades que vinha encontrando para penetrar no alto escalão da organização ou se devia acautelar-se, pôr-se de sobreaviso.

 

Talvez sua ficha de identificação tivesse despertado a curiosidade dos dirigentes ou dos chefes mais próximos de Angelikus. Quem sabe se não tinha se excedido ao citar suas qualificações.

 

Bem, entrara na luta para lutar e suas intenções eram as piores: desejava conhecer Angelikus. Queria obrigá-lo a falar sobre quem fornecera as informações, quem delatara a reunião com os representantes do Irã e Iraque que seria realizada com o aval do presidente Reagan.

 

E quando soubesse tudo que desejava saber, mataria o culpado, e só depois de fazer isso, teria condições de respirar mais aliviada.

 

“Bem que dizem que para eliminar o surto de raiva, deve-se, antes de qualquer coisa, matar o cachorro raivoso” — pensou:

 

Não obstante, assim que entrou no escritório, Brigitte percebeu que nem tudo ia ser tão fácil como estava supondo.

 

Era uma mulher inteligente que se acomodava às circunstâncias e naquele momento, imaginou que o melhor seria eliminar Angelikus, mas essa hipótese foi afastada quando o viu. Um homem alto, magro, louro, de aspecto delicado, que usava uma túnica branca que chegava aos pés, que estavam descalços naquele momento.

 

— Sou Angelikus — falou com uma voz muito suave. — Mandei chamá-la porque quero conversar com você.

 

Ela não respondeu, mas pôde observar como ele fazia sinais para os professores e as empregadas os deixarem sozinhos.

 

Todos o obedeceram rapidamente. Só então ele sorriu e falou:

 

— Disseram-me que você gosta muito de champanha. Sente-se, vamos bebê-la em nossa homenagem.

 

Sentou-se numa poltrona, enquanto ele punha a bebida nos copos, entregou um deles à moça e se sentou a sua frente. Naquele instante, Brigitte observou que sua ficha individual estava em cima da mesa e pensou: Que ele não banque o idiota comigo, ainda bem que trouxe minha pistolinha escondida no cós das calcinhas que estou usando hoje.

 

— Disseram-me que aprendeu a utilizar as asas rapidamente. Já sabia como eram manejadas? — perguntou ele.

 

— Não. Nunca tinha visto um aparelho tão esquisito. Acontece que tenho um defeito: sou uma pessoa hábil demais.

 

— Isso é evidente — Angelikus apontou para a ficha. — Pelo que vi neste pedaço de cartolina, você é uma pessoa quase especial. Dennis ficou tão impressionado que trouxe sua ficha. Espero que não tenha exagerado ao preenchê-la.

 

— Eu não.

 

— Muito bem. Já tinha ouvido comentários a meu respeito?

 

— Algumas garotas mencionaram seu nome, mas creio que elas o imaginam diferente do que é na realidade.

 

— Como você me imaginava?

 

— Com asas — sorriu Brigitte.

 

Angelikus também sorriu, olhando fixamente para Stephanie.

 

— Você já matou alguém?

 

— Várias vezes, ou melhor, eu não matei várias vezes a mesma pessoa, mas matei várias.

 

— Por que não falou francamente com Karlett quando ele a contratou?

 

— Achei que seria mais interessante esconder algumas coisas. Onde ele está?

 

— Hugh Karlett? Está viajando para a Europa, cuidando da outra parte de seu trabalho. Stephanie, não pense que eu esteja brincando. Você teria coragem de fingir que era uma secretária alemã?

 

— Falo o alemão perfeitamente... Há alguma outra dificuldade?

 

— Creio que sim, se não houvesse, eu não teria esperado a pessoa ideal há tanto tempo. Nunca encontrei a mulher adequada ao caso e, desde que recebi certas informações ando com água na boca, pensando como poderei ganhar o que me está sendo oferecido;

 

— O que lhe ofereceram?

 

Angelikus a fitava com atenção, enquanto a espiã refletia que a sorte jamais a abandonava. Se o tal Karlett aparecesse, seria desmascarada, mas ele estava na Europa. Uma ocasião como aquela não costumava acontecer muitas vezes na vida dos seres mortais. Matar Angelikus?

 

Mais tarde quando o momento oportuno chegasse.

 

— Poderíamos conseguir algo de valor incalculável, que poderíamos vender por cinco centavos ou cinco milhões de dólares... embora eu pessoalmente acredite que talvez fosse mais rentável não vendê-lo e utilizá-lo para conseguir outros ganhos com ele.

 

— Posso saber do que se trata?

 

Angelikus apanhou o controle remoto da televisão e acionou um dos botões. O rosto de um japonês apareceu na tela, devia ter mais de cinquenta anos e um olhar límpido.

 

— Seu nome é Akio Kamura e é um diplomata japonês, mas não está trabalhando na embaixada do Japão. Há um ano está residindo nos Estados Unidos, perto de Washington. Parece que está escrevendo um livro sobre as aves norte-americanas. Este outro é Günther Brouny, um diplomata da República Federal Alemã, não está nos Estados Unidos como diplomata, mas como um cidadão que representa uma firma de produtos ortopédicos de seu país.

 

Brigitte assentiu, fotografando com sua prodigiosa memória o visual do alemão que também devia estar com cinquenta anos, calvo, gordo, com olhos arregalados como os das corujas, atrás de lentes fortíssimas.

 

Depois Angelikus mostrou outro homem que era mais jovem que os outros dois, moreno, tipo de sul-americano e pinta de playboy.

 

— Este último é Amado Covarrubias, um arquiteto colombiano que está residindo nos States há mais de dois anos. Parece que está contratando tenistas americanos para levá-los à Colômbia, com promessas de lucros régios. Esses três homens estão tramando algo especial.

 

— São espiões?

 

— Não sei, mas se forem, são especiais. Há mais de seis meses vêm frequentando a Casa Branca com certa assiduidade e o mais interessante é que as visitas dos três sempre coincidem no mesmo dia.

 

— Percebo, você está suspeitando deles porque acha que visitam a mesma pessoa. Também acha que estejam relacionados entre si por causa da coincidência de datas, embora saiba que fora da Casa Branca eles não mantenham qualquer relação social ou comercial.

 

— Stephanie, você é muito sagaz. Parece que já entendeu que não estou precisando somente de uma mulher que saiba o alemão, mas de uma mulher que seja inteligente, que saiba fingir qualquer coisa sem levantar suspeitas... O trabalho não será dos mais fáceis, considerando que vocês terá que entrar na Casa Branca.

 

— Fiuuuuu! — assobiou a espiã graciosamente. — Não será fácil!

 

— Nós já temos um esquema armado para conseguir isso, mas nos faltava a pessoa indicada, como eu já falei. Esta pessoa devia ser uma mulher jovem e decidida, com controle total de suas emoções e que falasse o alemão com desenvoltura.

 

— Não creio que possa encontrar alguém que reúna essas qualidades — sorriu Brigitte.

 

— Já encontrei a pessoa certa. Você teria coragem de entrar na Casa Branca e apresentar-se como secretária de Günther Brouny?

 

— Ousadia e coragem eu tenho, mas não creio que conseguiria enganá-los, não por representar mal o papel, mas porque todos já devem conhecer a secretária ou secretárias daquele senhor.

 

— Essa parte já está resolvida. Alguém estará a sua espera quando chegar à Casa Branca. Só precisa conservar-se calma. Aceita?

 

— Eu já disse que posso fazer isso. Quem me receberia dentro da Casa Branca?

 

— Nós já temos quase certeza de saber quem recebe os senhores Brouny, Covarrubias e Kamura. Sabe quem? O presidente Reagan. Também sabemos que estão planejando construir algo que possa substituir o Canal do Panamá.

 

Stephanie ficou perplexa, sorriu amavelmente e disse por fim:

 

— Surpreendente! Incrível! A ideia da construção de outro canal não é nova, mas...

 

— Nada falei sobre outro canal, eu disse algo que poderia substituir o Canal de Panamá, mas eu não sei o que é. Talvez até seja outro canal na Colômbia... ou em outro país da América Central. Porém nós desconfiamos que será algo... muito especial.

 

— Por que disse nós imaginamos? A quem se referia?

 

— A alguns amigos. Você já esteve alguma vez na Casa Branca?

 

— Não!

 

— Nós lhe entregaremos esquemas para que possa circular com certas garantias em caso de alguma coisa não correr muito bem. Até pensamos que duas das nossas moças poderão apanhá-la numa das janelas e carregá-la pelos ares, para bem longe.

 

— Como os anjos? — sorriu Stephanie.

 

— De fato, parecem anjos — sorriu Angelikus. — A ideia foi minha. As pessoas ficam atônitas quando veem meus anjos pela primeira vez e essa surpresa sempre nos concede a vantagem de alguns segundos que são vitais para o sucesso da operação. Então aceita meu convite?

 

— Sim, mas se chamarem Günther Brouny para...

 

— Ninguém vai chamá-lo. Você se apresentará na Casa Branca e dirá que é a secretária de herr Brouny e que deseja ver uma determinada pessoa. Esta a receberá imediatamente.

 

— Quem devo procurar?

 

— Revelaremos seu nome oportunamente. Você dirá a ela que é Greta Heinz e que vai apanhar a informação que seu chefe solicitou. A pessoa entregará uma cápsula minúscula, do tamanho de um caroço de feijão. Você a engolirá imediatamente, e em seguida, deverá matar a pessoa que a recebeu. Sairá de seu escritório com calma para não chamar atenção de ninguém.

 

— E se alguém entrar no escritório enquanto eu estiver lá?

 

— Não. Essa pessoa avisará que não quer ser importunada enquanto estiver com a visita. Quando sair, você terá de chavear a porta e esconderá a chave sob o tapete do corredor. Agora, mais uma coisa. Você não poderá usar armas, deverá matá-la com as mãos. Poderá fazer isso?

 

— Claro.

 

— Ótimo. Quando sair da Casa Branca não tome táxi. Saia normalmente. Afaste-se caminhando pela calçada, sempre em direção da Pennsylvania Avenue. Oportunamente, alguém a recolherá e a trará para cá. Precisará entregar-me a cápsula.

 

— Isso será a parte mais difícil do plano — riu Stephanie.

 

— Não pense que será muito complicado. Se não sair sozinha, sairá com laxante. A segurança deve vir à frente de qualquer coisa, amiga.

 

— Francamente, creio que esse serviço será o mais importante de minha vida! Entrar na Casa Branca, matar uma pessoa e sair sem ser detida...

 

— E fará tudo isso, contando apenas com a colaboração da pessoa que terá de matar. Quer mais um pouco de champanha?

 

— Não, já bebi muito. Posso lhe fazer uma pergunta?

 

— Claro. Qualquer uma...

 

— Por que contratou Aldo e Morton? São dois retardados mentais que têm titica no cérebro.

 

— Eles já não estão entre nós — sorriu Angelikus. — Entenda que somente pessoas ignorantes dirigem caminhões e nós precisávamos de dois tipos como eles. Porém, quando terminaram o serviço, foram logo despedidos.

 

— Foram despedidos? — murmurou Brigitte. — Entendo, cada vez que chega um grupo de jovens, vocês usam um caminhão diferente. Os caminhoneiros fazem o trabalho e quando entregam as moças, são eliminados.

 

— Coisas da vida, minha cara. Mas deve convir que pessoas como Aldo e Morton não fazem falta neste mundo.

 

— E nem no outro — riu Stephanie. — Quando irei para Washington?

 

— Fique atenta que nós a avisaremos. Creio que não precisaria nem recomendar. O trabalho é sigiloso. Está claro?

 

— Naturalmente.

 

— Sua visita foi muito agradável, Stephanie. Vá descansar.

 

Brigitte levantou-se e abandonou o escritório. Os professores a esperavam no saguão e pouco depois a deixavam no Céu.

 

— Entrou no quarto e Eleonor perguntou:

 

— Aonde você se meteu?

 

— Por aí?

 

— Andei procurando você por toda a parte e não a encontrei em lugar algum!

 

— Já cheguei. O que mais está querendo?

 

— Simplesmente saber por onde andou metida!

 

— Eleonor, pode acontecer amanhã, depois ou nunca, se eu me sentir muito aborrecida ou se eu descobrir que você me agrada, talvez me decida a manter relações afetivas e homossexuais. Estas ocorrem mais facilmente em lugares que não há homens, mas pare de me aborrecer, ouviu? Quanto mais me amolar, mais distante ficarei de você.

 

— Chega! Eu estava preocupada...

 

— Certo, então vamos descansar porque estou com muito sono.

 

Cinquenta e oito horas mais tarde, ela foi chamada ao escritório. Dennis De Vries e Ophelia Lengton estavam a sua espera.

 

— Partiremos agora mesmo, minha querida — avisou ele. — Às quatro horas você deverá entrar na Casa Branca. Está preparada física e psicologicamente?

 

— Não tenho problemas — respondeu, divertida. — Farei o que tiver de ser feito.

 

— Hugh Karlett chegará dentro de dois dias. Vou felicitá-lo por sua boa escolha — comentou De Vries. — Ophelia comprou algumas roupas para você.

 

— Tenho certeza que ela tem bom gosto.

 

— É muito gentil, querida — disse Ophelia aproximando-se da janela. — Vejam o nosso helicóptero está chegando... Vamos embora!

 

— Dennis, eu ainda não sei quem deverei procurar na Casa Branca...

 

— Não se preocupe. Na hora H, você já saberá de tudo.

 

Descobertas

 

— Daniel Melrose — falou finalmente Dennis De Vries.

 

Se não fosse uma espiã categorizada, se não tivesse vivido tantas experiências desagradáveis, certamente seu olhar a teria traído. De Vries o teria percebido e já não sorriria com tanto convencimento.

 

Fez um esforço máximo para manter-se calma e repetiu:

 

— Daniel Melrose? Sei que tudo sairá bem.

 

— Boa sorte — murmurou o homem. — Não se esqueça que viremos apanhá-la na Pennsylvania Avenue, assim que sair daquela casa.

 

Falou, mostrando a Casa Branca com um movimento de cabeça. Stephanie sorriu e desceu do táxi que estava sendo dirigido pelo próprio Dennis De Vries.

 

O planejamento fora muito bem feito, mas isso não a surpreendia, pois fora orientado por um homem que gozava de todas as regalias dentro do gabinete presidencial. Certamente, passara para os inimigos muitos segredos secretíssimos do Estado.

 

Daniel Melrose era um funcionário importante dentro do governo. Sinceramente, não entendia por que sempre devia estar às voltas com as sujeiras que apareciam de repente, sob as mais diversas formas. Por onde andavam as pessoas honestas e leais?

 

— Greta Heinz — apresentou-se ao funcionário que veio atendê-la.

 

Falara em inglês, com um sotaque carregado de alemão.

 

— Sou a secretária particular de herr Brouny. Estou com uma entrevista marcada com o senhor Melrose.

 

Conhecia Daniel Melrose há muitos anos e já se tinham falado em várias recepções diplomáticas ou festas da alta sociedade dos Estados Unidos. Pensava que o conhecia muito bem, mas agora tinha descoberto que era um homem indigno, um relés traidor.

 

— Por favor, acompanhe-me — disse o funcionário da recepção. — O senhor Melrose virá recebê-la pessoalmente.

 

— Obrigada.

 

Começava a entardecer e o sol coloria a Casa Branca com seus tons pastéis e lhe dava um aspecto mais imponente do que aquele que tinha no decorrer do dia.

 

Os guardas da Guarda Nacional que prestavam serviço, perfilados na escadaria da primeira casa da nação, fingiam não ver a loura escultural que começava a subir a escadaria de mármore.

 

Daniel Melrose apareceu em seguida. Esforçava-se para agir com naturalidade e amabilidade. Era um homem alto, forte, elegante, simpático. Muito inteligente e agradável, era um tipo charmoso, com saúde de ferro. Aparentava uns quarenta e cinco anos, tinha aspecto de homem feliz que confiava no futuro que prometia ser magnífico... Até quando?

 

— Fraulein Heinz? — perguntou em um alemão fluente. — Por favor, siga-me. A senhora foi muito amável em vir.

 

Brigitte não respondeu, pois sabia que apenas usava a cortesia protocolar, para não chamar a atenção dos que lhes estavam à volta. Se ela não contasse com a colaboração de Melrose, era quase certo que Greta Heinz não seria introduzida na Casa Branca.

 

Depois de percorrerem um corredor completamente atapetado com tapetes persas, entraram no gabinete de Daniel Melrose.

 

Este fechou a porta as suas costas e imediatamente as feições modificaram e ele extravasou a preocupação que o consumia. Olhou para Greta Heinz e perguntou com desespero:

 

— Como posso saber se minha família está bem?

 

Brigitte ficou perplexa por alguns segundos. Em seguida, ficou estarrecida ao descobrir a verdade. A revelação foi terrível e perguntou, com um fio de voz:

 

— Está querendo dizer que sua família foi sequestrada?

 

— Não me venha com comédias — disse Melrose com voz afogada. — Preciso saber, quero ter a certeza de que nada aconteceu com eles! Preciso ter notícias e ainda não sei se vou entregar-lhe alguma coisa... Acho melhor chamar o Serviço de Segurança.

 

— Não faça isso, Daniel. Conte-me exatamente o que aconteceu.

 

— Eu é que devo explicar-lhe o que aconteceu? Isso até parece uma brincadeira de mau gosto! Você é quem deveria me dar notícias! Espere — o rosto de Melrose sofreu uma súbita transformação. — Espere... Eu não a conheço? Tenho a impressão que já nos vimos antes, mas não consigo lembrar-me de onde.

 

— Sente-se e se acalme. O que aconteceu com sua família?

 

— Minha esposa, minha mãe e os dois filhos menores... Senhorita Montfort! — exclamou num arrebatamento quando a reconheceu.

 

Enquanto ele falava, Brigitte ia retirando os apliques e os materiais de recheio que usava para deformar as faces, os aros finos de plástico que modificavam o formato do nariz e também retirou a peruca loura..

 

— Já faz algum tempo que nos tratamos como amigos, Daniel — sorriu a espiã. — Quer dizer que eles sequestraram sua esposa, sua mãe e as duas crianças, Danny e Gladys?

 

Melrose se deixou cair em uma cadeira, estava atônito.

 

— Não compreendo... Juro que não compreendo, Brigitte! O que você está fazendo e por que se envolveu neste caso?

 

— Vejo que o senhor presidente é realmente bastante discreto... Você ainda não sabia que eu era a Baby, agente da CIA?

 

Daniel Melrose mais parecia uma estátua de gesso. Brigitte acendeu dois cigarros e deu um a ele, que o apanhou automaticamente.

 

— Quando eles me falaram em seu nome, eu senti como se a Terra se abrisse sob meus pés. Não podia conceber que você fosse um traidor.

 

— Então você é a Baby?

 

— Não complique mais sua vida tentando descobrir este caso. Espere que eu mesmo o explique e quando terminar de contá-lo, nós dois veremos o que podemos fazer.

 

Em seguida o pôs a par dos acontecimentos. Quando terminou, Melrose estava mais calmo e com mais esperanças de salvar sua família.

 

— Sei que deveria confiar em você, mas a situação está muito difícil. Esses assassinos se instalaram em minha casa, e volta e meia obrigam minha esposa entrar em contato comigo. Ontem ela me telefonou e disse que o assunto era particular. Dei um jeito e me afastei da Casa Branca para lhe telefonar e Mabel me explicou o que queriam. Se eu não lhes entregar os documentos do caso que está sendo tratado diretamente pelo presidente e os estrangeiros Brouny, Covarrubias e Kamura, os sequestradores matarão toda minha família. Assassinarão os quatro!

 

— Já falou com alguns dos assassinos que estão em sua casa?

 

— Sim. Com uma mulher que parece dirigir a operação... Deve ser culta, educada e sua mente é clara.

 

— Só pode ser Ophelia Lengton — sussurrou Brigitte. — A cápsula já está preparada?

 

— Sim, mas não sei se vou entregá-la.

 

— Não seja teimoso. O que vale mais para você? Os Estados Unidos ou sua família? Disseram-me que o projeto é algo que futuramente substituirá o Canal do Panamá.

 

— Não se trata disso — respondeu Melrose com surpresa. — Ele se atém a um estudo complicado sobre um acordo também complicado entre o Japão, Colômbia, Alemanha Federal e os Estados Unidos para a instalação de...

 

— Não, não me diga nada! Só me esclareça uma coisa a respeito desse acordo: é alguma coisa que poderá causar prejuízos ou guerra aos Estados Unidos, se ele se tomar conhecido dos outros países?

 

— Não... não.

 

— Veja se entendi, então a coisa somente ocasionaria uma suposta perda de poder e de privilégio, não é?

 

— Sim...

 

— Mande tudo para o inferno, rapaz! Entregue-me essa cápsula e veja o que planejei. Quando eu sair deste escritório, você estará morto. Compreendeu?

 

— Eles acabarão matando as pessoas que mais gosto na vida — quase soluçou Melrose. — Eles matarão os quatro!

 

— Daniel, fique calmo e faça exatamente o que eu disser. Precisamos combinar tudo direitinho e encontrar um jeito para salvar lua família. Combinado?

 

— Está bem... Diga-me o que devo fazer?

 

— Primeiro, entregar-me a cápsula e em seguida, para todos os efeitos, eu vou matá-lo com um golpe de caratê na cabeça. Vou sair e chavear a porta por fora. Assim que eu desaparecer, você chamará o presidente, pela linha interna e direta. Depois ligará para a Central da CIA, também pela linha direta e pedirá para falar com Cavanagh a mando de Baby. Fale com ele rapidamente e esclareça que você deve fingir-se de morto e que permanecerá aqui no escritório, imóvel como se fosse um cadáver. Cavanagh fará perguntas. Diga-lhe que tudo vai bem, só espero uma oportunidade para comunicar-me com os Johnnies, Tem alguma dúvida?

 

— Não, em absoluto.

 

— Então me entregue a cápsula.

 

Melrose a entregou sem titubear e ela a engoliu. Em seguida, recompôs o disfarce que lhe deformava o rosto levemente e colocou a peruca. Levantou-se e olhou para o homem que estava parado a sua frente.

 

— Por favor, Daniel, não faça nada. Por muitas ideias que lhe ocorram, continue sem fazer nada. Você está morto. Morto, entendeu?

 

— E a minha família...

 

Brigitte colocou os dedos em posição de revólver e simulou disparar, tentando animá-lo.

 

— Bang, Bang! Os mortos não falam e nem fazem perguntas. Tchau, Daniel.

 

Saiu do escritório, fechou a porta com cuidado e jogou a chave dentro de um cinzeiro de pé que enfeitava o corredor. E em seguida, se encaminhou para a saída daquela ala do edifício.

 

Dennis De Vries agora estava dirigindo um carro de passeio. Viu-a quando apareceu na Pennsylvania Avenue. Observou-a fixamente por frações de segundos, até se decidir acompanhá-la. Antes de pôr o carro em movimento, olhou para a Casa Branca para se certificar que nada de anormal estava ocorrendo na sede do governo americano.

 

Pouco depois o carro de luxo circulava perto de Stephanie Colby, com as rodas quase agarradas ao meio-fio. Tocou a buzina levemente, a espiã olhou para trás, sorriu e De Vries parou o carro para ela entrar e se sentar a seu lado.

 

Ele estava sorridente quando reiniciou a marcha do veículo, mas observou que Stephanie estava carrancuda.

 

— Melrose entregou a cápsula?

 

— Sim. Mas quero saber que tipo de trabalho foi este. Daniel Melrose nunca foi colaborador da causa que vocês defendem.

 

— Espere, querida, tenha calma — riu De Vries. — Em nenhum momento falamos que você seria recebida por um de nossos colaboradores, mas por alguém que a poderia introduzir na Casa Branca. Teve alguma dificuldade?

 

— Nenhuma. Senti pena daquele homem... Que ideia maldita vocês tiveram... O que farão com seus familiares? Vão matá-los?

 

— Não — sorriu De Vries. — Matá-los seria uma crueldade desnecessária e até... Prejudicial. Queremos que o presidente saiba de tudo que aconteceu o mais rapidamente possível. Nada fizemos antes porque você estava lá dentro e poderia correr algum perigo. O presidente Reagan precisa saber que a cápsula com a informação microfilmada está conosco. E é nesse ponto que a família de Daniel Melrose nos terá utilidade, contamos com eles para chamar e informar a Casa Branca sobre o que aconteceu. Quando o presidente for notificado que um de seus principais auxiliares foi assassinado friamente, compreenderá que certas pessoas conseguiram penetrar na sede do governo e apanhar o que buscavam.

 

— O que ganharemos com isso.

 

— Não precisamos convencê-lo de nada, pois já estará convencido quando receber a mensagem que lhe enviaremos, pedindo algo em troca da cápsula.

 

— Então, vocês roubaram a cápsula para vendê-la às mesmas pessoas — Stephanie sorriu. — A ideia me parece excelente. O presidente dos Estados Unidos será o maior interessado nesta transação. Fará tudo para evitar que a notícia se espalhe pelo país ou pelo mundo. Porém, como ele poderá se certificar que vocês realmente entregarão a cápsula, sem antes terem tirado cópias do microfilme?

 

— A cápsula contém um microfilme que não foi revelado. O presidente a recuperará nas mesmas condições. Portanto, poderá ter certeza de que o microfilme não foi removido da cápsula que nós desconhecemos sua natureza e que a operação não passou de uma jogada econômica.

 

— Ideia estupenda — Stephanie falou com entusiasmo. — Estou satisfeita por estar colaborando com pessoas de nível intelectual tão alto. Quanto vão pedir pela cápsula?

 

De Vries olhou de esguelha para Stephanie e falou:

 

— Cem milhões de dólares. Eles agora não têm condição de ser apegados ao dinheiro... e quando este passar para nossas mãos, estaremos em condições de enfrentarmos com menos... dificuldade certas pessoas que têm financiado nossa organização. Até agora permitimos sua intromissão, autoridade, porém assim que tivermos dinheiro, essa situação deverá sofrer algumas transformações.

 

— Sei, estão querendo trocar a independência pelo dólar, não é?

 

— Bem — riu De Vries. — Tencionamos manter as boas relações com os nossos amigos que até agora têm financiado e estimulado nossas atividades, mas se em determinado momento eles pretenderem impor suas vontades... nós agora teremos condições para repeli-los.

 

— Entendo, será a independência pelo dólar, não é?

 

— Continuamos pensando em ter boas relações com os nossos amigos, mas se em determinado momento eles pretenderem abusar da autoridade, a fim de se imporem, nós já teremos condições de resistir a suas pressões.

 

— Ou seja, até agora Angelikus e seus colaboradores têm angariado apoio financeiro, prestando serviços que somente interessam a outras pessoas ou grupos?

 

— Exatamente. Tencionamos continuar fazendo isso, mas de forma diferente. Quando tivermos os cem milhões nas mãos, estaremos em condições de impor nossa vontade.

 

— E planejam fazer tudo isso com que objetivo?

 

— Pretendemos monopolizar o terrorismo mundial. Isto é, pretendemos iniciar uma nova forma de terrorismo, unificando os grupos grandes e eliminando alguns poucos que não concordem com nossos planos. Tencionamos agilizar novos meios de atuação, o que permitirá que pessoas nos paguem verdadeiras fortunas para eliminarmos certas pessoas, grupos ou partidos adversários. Como por exemplo, se num país pequeno houver um determinado partido político de oposição que esteja enfraquecendo o poder, nós podemos desorganizar este partido, deixando-o sem líderes ou chefes, como também poderemos desordenar o partido que esteja no poder.

 

— Entendo. O que mais pensam fazer?

 

— Muitas coisas que sempre propiciarão guerras, lutas e revoltas a favor das pessoas interessadas. Você sabe que em todas as épocas o homem ganhou mais dinheiro fazendo o mal do que fazendo o bem?

 

Stephanie Colby ficou atônita, mas reagiu imediatamente.

 

— Como é possível que eu nunca tivesse pensado nisso? Você acabou de falar uma grande verdade!

 

— As verdades reais são as que menos acompanham o povo, pois este mesmo as disfarça, mascara, procurando ocultá-las.

 

— Creio que entendo seu ponto de vista. Suponho que agora teremos de ir a algum lugar onde eu possa... entregar-lhe o microfilme.

 

— Não precisa ter pressa — riu ele. — Agora iremos apanhar Ophelia. Depois nós três vamos nos reunir com Angelikus e todos juntos iremos ao Paraíso.

 

— Ao Paraíso?

 

— É um lugar do Caribe onde se reúnem algumas pessoas quando têm necessidade de fazer certas mudanças de planos ou dar instruções para novos serviços que terão de ser realizados por Angelikus. É compreensível que muitos aproveitem essas ocasiões para desfrutar plenamente dos prazeres da vida... O lugar é lindo, as alegrias e divertimento são inúmeros e o conforto deve superar aquele que havia no verdadeiro Paraíso, inventado pelo mais imaginativo dos deuses.

 

— O que mais me encanta nas pessoas é a liberdade de expressão e o bom gosto. E essas duas qualidades abundam em você — sorriu Brigitte.

 

— Nunca diga isso na frente de Ophelia. Poderia ficar enciumada.

 

Os dois começaram a rir.

 

Exatamente às sete e mais da noite, apanharam Ophelia numa encruzilhada que havia entre as estradas estaduais 220 e 40, perto de Cumberland.

 

Ophelia Lengton chegou dirigindo um automóvel comum, popular que ficou abandonado.

 

De Vries dirigiu para o Oeste e logo em, seguida, na direção Norte, como se fosse para Pittsburgh, No aeroporto desta cidade entregou o carro a uma jovem muito linda e apanharam um jato particular.

 

No seu interior já estavam Angelikus, dois professores e, para assombro de Stephanie, também Eleonor que lhe sorriu com uma boa dose de malícia.

 

Agora já passavam de onze horas da noite e Angelikus parecia estar alegre.

 

— Já soube que tudo ocorreu na mais perfeita ordem — disse ao cumprimentá-los. — Já recebemos informações da Casa Branca e nos informaram que estão dispostos a negociar a cápsula, numa base de cento e cinquenta milhões de dólares. Concordei que dentro de três dias conversaremos novamente. Se estão de acordo com a oferta, devem ter o dinheiro preparado para efetuarem o pagamento na hora da entrega. Algum problema com vocês?

 

— Nenhum — retrucou De Vries.

 

— Então, vamos a essa reunião e aproveitemos para passar dois dias especialmente satisfatórios.

 

— Eu não sabia que ela ia estar aqui — disse Stephanie, apontando para Eleonor.

 

— Querida, eu também adoro um bom champanha — riu Eleonor. — Eles me disseram que um dos motivos para todos estarmos reunidos é a festa que darão em homenagem àquela que realizou a melhor missão do dia.

 

— Exatamente — o sorriso doce de Angelikus se distendeu. — Há muito tempo vínhamos desejando realizar esta operação, mas não tínhamos gente para executá-la. Ela só se tornou possível quando você apareceu, Stephanie. Embora, acho que não há mais necessidade de chamá-la por esse nome quando o seu é tão bonito. Você não concorda comigo, minha querida? Qual é o seu verdadeiro nome e quem você é realmente?

 

Brigitte Montfort sentiu novamente o calafrio correndo por sua espinha. Não tinha mais dúvidas que caíra numa emboscada.

 

— O que é isso? — sussurrou.

 

— Mais tarde conversaremos — respondeu Angelikus. — Agora se preparem porque vamos decolar.

 

Os dois professores mantinham a divina espiã sob a mira de suas armas, enquanto Eleonor reprimia o riso com dificuldade. Stephanie sentou-se no banco, ajustou o cinto de segurança e nem parecia notar as armas que estavam apontadas em sua direção. Respirou fundo e mergulhou em seus próprios pensamentos, aparentando calma absoluta.

 

Era quase meia-noite quando o avião particular de Angelikus decolou rumo ao Paraíso.

 

Paraíso

 

— Não fique triste, querida — disse Angelikus ao lhe entregar o champanha. — Beba com alegria e nós prometemos lhe proporcionar uma morte doce e suave.

 

Estavam reunidos no bar do avião. Ela provou a bebida e a achou gostosa, embora não fosse a sua marca preferida: Don Perignon.

 

— Vocês descobriram que eu não era Stephanie desde o primeiro dia?

 

— Claro, querida — falou Eleonor. — Você não é uma boba e nós também não somos cegos. Quando os intermediários contratam uma de nossas empregadas, logo nos enviam seus dados pessoais e vários retratos. Quando a moça chega no, Red Fish Parador já conhecemos muitas coisas a seu respeito. Sou sempre a última que chega ao restaurante e, naquele dia, assim que cheguei, notei que algo estranho estava acontecendo. Eu não tinha recebido nenhuma foto sua e quando você se apresentou como Stephanie Colby, resolvi entregá-la a De Vries e Angelikus para eles resolverem o que se devia fazer com a impostora. Foi somente por isso que você foi convocada para ir à residência do chefe, entendeu?

 

— Sim. Não sou nenhuma imbecil, embora tenha agido como tal. Até fiquei satisfeita quando soube que Karlett estava na Europa...

 

— Nós a vigiamos com muito cuidado porque dias antes havíamos perdido quatro colegas que saíram para matar a senhorita Montfort. Você conhece essa jornalista?

 

— Todo mundo conhece a senhorita Montfort — respondeu com prazer.

 

— Também soubemos que você não matou Daniel Melrose, mas nos informaram que trouxe a cápsula.

 

— Claro. Ela está dentro de mim.

 

— Formidável! — exclamou Angelikus. — Há algum tempo vínhamos planejando apanhá-la porque precisamos saber quais são as conversações que o presidente tem mantido com os estrangeiros que o visitam com frequência. Sabíamos que só você poderia apanhar a cápsula com facilidade e fingimos aceitá-la como um dos nossos. Aquela cápsula também lhe interessava e julgávamos que mais tarde tentaria roubá-la, verdade?

 

— Sim, foi por isso que quis ajudá-los — confirmou Brigitte.

 

— É, querida, você se preparava para nos enganar e nós a usamos para resolver um problema de difícil solução. Contudo, admirei sua coragem — sorriu Angelikus. — Revistamos sua bagagem, mas só encontramos documentos em nome de Stephanie Colby e todos os retratos estavam danificados. Afinal quem é você realmente? Uma agente da CIA?

 

— Exatamente. Querem ver?

 

Brigitte começou a tirar todos os disfarces lentamente, e por último, arrancou a peruca loura. Todos ficaram pasmos. De Vries murmurou:

 

— As notícias sociais indicam que a senhorita Montfort está doente e com as visitas proibidas... Uma notícia falsa, mas que permite à espiã trabalhar com mais liberdade. Você também não se preparava para assistir a reunião que seria realizada com os emissários do Oriente Médio? — perguntou De Vries quando voltou ao normal.

 

— Naquela ocasião eu era a jornalista convidada especialmente pelo presidente Reagan para assistir aquela reunião.

 

— Acreditamos no que diz, mas queremos saber o que aconteceu com os nossos colegas que foram procurá-la?

 

— Os quatro tiveram um azar danado. Meus companheiros da CIA descobriram o que tramavam.

 

— Percebo que a CIA cuida muito bem de sua melhor agente, e, no entanto, deixa ela se colocar na boca do lobo, sozinha e indefesa.

 

— Enganam-se... Não passo um minuto sozinha — sorriu a espiã. — Creio que a estas horas, tanto o Céu como o chalé onde Angelikus morava já devem estar em poder da CIA e todos os anjos devem estar presos.

 

Angelikus e seus auxiliares ficaram perplexos.

 

— Isso é uma grande mentira! — gritou o chefe.

 

— É verdade — explicou Brigitte. — Tenho um rádio instalado no meu maço de cigarros. Eu e meus camaradas sempre nos comunicamos e foi desse modo que os avisei sobre o Céu e tudo o mais. Também esclareci que Angelikus é o criador e o chefe dos anjos que nos atacaram quando nos encontrávamos para a reunião especial. Todos estão presos. A CIA também se apoderou da equipagem que estava estocada e agora, já conhecemos a fórmula do combustível que faz funcionar o propulsor e as asas.

 

— Pelo jeito perdemos tudo, mas conservamos a vida! — gritou Angelikus às raias do desespero. — E conservamos uma coisa preciosa: Temos você como refém!

 

— Por isso mesmo, acho que já é hora de se negociar seriamente.

 

De Vries olhou para os companheiros e comentou com ironia:

 

— Como pode? Ela fala como se estivesse comandando a situação...

 

— Posso perdoar a vida de todos se me responderem uma pergunta: Só desejo saber o nome da pessoa que lhes comunicou o local e a data da reunião.

 

— Cale essa boca, víbora! Vou destripá-la com as mãos! — exclamou Ophelia, rubra de ódio.

 

— Acalmem-se! Não precisamos ter pressa — disse Angelikus com sua voz muito doce. — Tenho a certeza de que a CIA nos pagará um preço para recuperar sua agente com vida. Talvez, ela vai ser a nossa ponte de salvação e se encararmos a senhorita Montfort sob este prisma, veremos que ela é valiosa para nós. Antes de se tomar qualquer decisão, precisamos verificar se suas informações estão corretas e se de fato, perdemos os nossos companheiros. De Vries, vá à cabine de comando e passe um rádio para o Céu. E vocês duas — falou as auxiliares: — revistem aa senhorita Montfort, ela é bem capaz de trazer alguma arma escondida para usá-la em caso de perigo.

 

Eleonor e Ophelia praticamente despiram Brigitte com a maior brutalidade. Esta se manteve impassível e só demonstrou alguma irritação quando Eleonor apanhou a pistolinha nacarada e a guardou no decote.

 

Naquele instante, Angelikus viu o curativo que ela ainda usava no ferimento.

 

— Por que isso? — perguntou.

 

— Eu me queimei quando fumava deitada na cama e totalmente despida — respondeu Brigitte com um sorriso malicioso.

 

Angelikus não falou uma palavra, mas arrancou o esparadrapo com brutalidade. A ferida não estava totalmente cicatrizada e começou a sangrar.

 

— Isso nunca foi queimadura — disse Eleonor.

 

— Não é mesmo, foi provocada por arma branca — ajuntou De Vries. — Começo a desconfiar que a senhorita Montfort encontrou-se com os nossos anjos. Eles conseguiram capturá-la antes de serem capturados...

 

— Prendam-na no camarote e que os dois professores a mantenham sob vigilância, mas que a conservem viva.

 

Brigitte estava quase nua quando saiu do bar e foi encerrada no camarote. Rasgou o lençol que estava no beliche e vedou a ferida com ele. Depois se deitou, procurando dormir.

 

Não desejava complicar a vida... pelo menos até chegar no Paraíso e conhecer as pessoas que estavam ligadas ao caso. Só então, iria decidir o que ia fazer.

 

Despertou com o amanhecer, mas decidiu continuar dormindo quando viu que o avião sobrevoava o mar. Depois só despertou novamente quando sentiu uma mudança no barulho do motor. Presumiu que já estivessem pousando. Alguém abriu a porta do camarote. Eleonor apareceu com algumas roupas nas mãos e as jogou em cima dela.

 

— Vista-se porque vamos desembarcar e nada de complicações porque nós a mataremos, entendeu?

 

— Onde estamos?

 

— Espie pela janela. Não vive dizendo que descobre tudo?

 

Brigitte se vestiu em silêncio e pouco depois, todos desembarcavam. O sol estava radiante, o mar parecia uma joia azul e as palmeiras enfeitavam aquele cenário maravilhoso. Imediatamente, percebeu que estavam em uma das ilhas do mar Caribe.

 

Dois carros já os aguardavam, ambos dirigidos por motoristas negros. No primeiro embarcaram Angelikus e seus auxiliares e no outro, a espiã e os dois professores que deviam vigiá-la. Um deles apertou suas coxas rijas e túrgidas. Ela sorriu e ele murmurou:

 

— Angelikus está furioso, pois já sabe que sua informação está exata. Agora sabe que não tem mais o Céu e nem suas outras propriedades, salvo esta ilha e o avião em que viajamos.

 

— Há pessoas que perderam coisas mais valiosas — sorriu Brigitte.

 

— O quê, por exemplo?

 

— A vida! Não falam que a vida é o bem mais precioso do homem?

 

— É verdade; mas não se preocupe com a sua, porque eles não planejam matá-la. Bem ao contrário, pensam utilizá-la como moeda de câmbio. Só se interessam por uma coisa. Que você coloque para fora a cápsula o mais rápido possível. Se esta não sair normalmente, eles serão capaz de estripá-la.

 

— Não posso concordar — falou o outro. — Um trabalho repugnante! Por que alguém ia estripar uma mulher tão linda — disse o outro.

 

— Quanto Angelikus paga pelo serviço de ambos?

 

— Chegou a hora do suborno. Quanto você nos oferece?

 

— falou um deles.

 

— Dez milhões de dólares para cada um.

 

Os homens se entreolharam e um deles comentou:

 

— Vá para o inferno, diaba! Brincadeira tem hora!

 

— Não estou brincando — confirmou a espiã.

 

— Com vinte milhões somos capazes de trair até Deus.

 

— Não, não precisam fazer tanto. Por ora só estou interessada em um sádico que se diverte criando anjos de guerra. Angelikus tenta parecer um tolo afeminado, mas é um criminoso muito inteligente e perigoso, que sabe usar certas palavras angelicais para enganar a todos. Seus anjos são os guerreiros mais eficazes do século. Os anjos de guerra são mulheres assassinas que matam pelo prazer de matar.

 

— É verdade, e não pense que Angelikus vá desistir. Assim que se recuperar da derrota que acaba de sofrer, reorganizará um novo exército de anjos de guerra.

 

— Disso trataremos mais tarde. Por ora, vamos prosseguir viajando. Desejo conhecer as pessoas que estão financiando esta organização.

 

— Está bem, beleza. Você é quem dá as ordens.

 

Os dois automóveis circulavam por uma estrada asfaltada, estreita e com vegetação em ambos os lados. Brigitte imaginou que estivessem viajando para chegar à casa de Angelikus.

 

Esta apareceu quase em seguida, pintada de branco, ampla e cercada de coqueiros e muitas flores. O sol iluminava a água da piscina que era ornamentada com uma cascata artificial. Mulheres nuas tomavam banho de sol, colhiam flores e conversavam animadamente. Todas pareciam estar muito alegres e satisfeitas.

 

Brigitte, conforme o carro se aproximava, notou os três árabes que estavam parados à beira da piscina. Tipos bonitões, vestidos à caráter, com albornoz que chegavam aos pés.

 

Angelikus já havia saído do carro e conversava com eles, enquanto um grupo de mulheres jovens e bonitas ia se formando em torno dele. A espiã também observou que naquela ilha havia mulheres brancas, negras, mulatas e amarelas.

 

O carro parou perto de uma área fechada. Os dois professores desceram e fizeram sinais para ela fazer o mesmo. Reparou que o motorista estava abrindo a porta traseira de uma camioneta e se surpreendeu quando um dos professores ordenou:

 

— Agora suba neste!

 

— Pensei que tivéssemos chegado...!

 

Não responderam e ela achou melhor obedecer. Às portas da camioneta foram fechadas em seguida, mas o veículo continuou estacionado. Só então percebeu que o usavam como se fossem uma cela de xadrez.

 

Os homens se afastaram, mas deixaram a porta da área aberta e pelas janelas do veículo, ela podia ver tudo que ia acontecendo à volta da piscina.

 

Mulheres nuas grassavam por todos os lados. Os árabes conversavam com várias e acabaram mantendo uma prosa animada com três que eram realmente esculturais. Pouco depois as beijavam com furor. A brincadeira prosseguia, cada vez mais quente. De repente, um dos árabes levantou as vestes que usava, jogou a garota em cima da relva e se deixou cair em cima dela.

 

Os outros dois também esquentaram quando viram aquela cena e resolveram imitar o companheiro.

 

Quando Angelikus reapareceu na piscina, eles ainda continuavam praticando o amor e o dia já estava longe. A noite era sem lua e muito escura. O chefe da organização falou alguma coisa a um dos árabes. Este se levantou quase correndo, arrumou as roupas e se aproximou dos outros dois. Também lhes disse algumas palavras e os homens reagiram identicamente. Soltaram as mulheres e acompanharam Angelikus na direção da casa.

 

Agora, não havia mais nada de interessante para distraí-la. Começou a observar sua prisão. Notou uma plaqueta metálica e móvel que havia numa de suas paredes. Apanhou-a e com ela pôde abrir a fechadura da porta com bastante facilidade.

 

Brigitte pulou para o chão e viu a casa inteiramente iluminada. Esgueirou-se lentamente junto das árvores e plantas, pois não desejava ser vista, porém quando estava na metade do caminho, duas jovens surgiram a sua frente.

 

A situação era delicada. Só podia atacar para não morrer e foi isso que fez. Assestou dois golpes de caratê e ambas rolaram pelo chão.

 

Só naquele momento percebeu que devia despir-se, pois vestida só poderia despertar a curiosidade de todos que estavam naquela ilha do Caribe.

 

Tirou as roupas e as escondeu entre as árvores e recomeçou sua caminhada para alcançar a casa que embora não aparentasse movimento, tinha pessoas que riam gemiam, gritavam e algumas até mesmo urravam.

 

Chegou junto da casa; espiou pelas janelas do andar inferior, mas não viu vivalma. De repente seus olhos viram uma trepadeira que estava plantada em uma jardineira do andar superior e caía até o chão. Subiu agilmente por ela e chegou num quarto de dormir. Um dos professores estava nu, na cama, fazendo amor com uma garota loura, enquanto uma morena de pele cobreada beijava suas costas e forçava os seios, massageando-os suavemente em suas costas.

 

Esta foi a primeira que percebeu a presença da intrusa. Ia gritar, mas antes que o pudesse fazer, recebeu um soco no peito que a deixou desacordada. O homem viu o corpo rolar da cama e levantou a cabeça. Naquele instante recebeu um direto de caratê que o matou instantaneamente.

 

Brigitte olhou para a única sobrevivente e avisou:

 

— Fique quieta! Nem um pio ou eu a mato!

 

Apanhou a arma do professor que estava jogada no chão, junto com suas roupas e atirou contra a mulher. A pistola somente fez plof e ela rolou pelo chão. Em seguida, Brigitte abriu a porta do quarto e saiu para o corredor. Ouviu risos e palavras sussurradas no quarto contíguo. Abriu a porta num repelão, e deparou com um quadro grotesco.

 

Em cima de uma cama estavam o outro professor, Eleonor e Ophelia, todos inventando quadros e cenas de prazer. Foi Ophelia quem a viu. Escancarou a boca e ia avisar os companheiros que continuavam entretidos na brincadeira, mas recebeu uma cápsula de chumbo que a fez cair sobre os outros dois. Estes também se aperceberam da presença de Brigitte e se sentiram em pânico. O professor se levantou e deu dois passos em sua direção.

 

— Por favor, não me mate, senhorita Montfort! Eu estava... nós estávamos tratando... de seu caso.

 

Plof. Brigitte disparou mais uma vez. Eleonor estava tremendo de medo e suas pernas quase não a suportavam quando Brigitte virou a pistola em sua direção.

 

— Agora você terá que me dizer algumas coisas.

 

— Sim... sim... sim.

 

— São os árabes que financiam a organização?

 

— Sim.

 

— Eles tiveram alguma ligação com o ataque que sofremos...

 

— Não sei... não sei de nada.

 

— Nesse caso, você já não me serve para mais nada e eu vou...

 

— Não, não me mate — implorou a criminosa. — Eles são amigos de Angelikus. São iranianos e iraquianos.

 

— Como é possível? Estão aqui todos se divertindo juntos, enquanto os irmãos morrem no campo de batalha? Então foram eles quem avisaram a data e o local da reunião?

 

— Exatamente — murmurou Eleonor. — Foram eles.

 

A espiã americana aspirou profundamente. Já possuía a informação que procurava. Para ela agora tudo estava claríssimo. A guerra horrorosa que já tinha ceifado milhares de vidas era fomentada por um grupo de homens pertencentes a ambos os países em guerra, Este pequeno grupo de traidores era formado por pessoas que se consideravam ou se comportavam como amigos. Enquanto seus compatriotas se entregavam à luta para vencer ou morrer, eles se divertiam, intervinham na compra de armas, nas vendas de mantimentos e com isso, recebiam comissões vultosas que iam enchendo seus bolsos.

 

— Malditos sejam eles — sussurrou Brigitte em surdina.

 

Levantou o braço e apontou a pistola na direção do

 

coração de Eleonor. Plof e ela caiu para nunca mais se levantar.

 

Agora já se ouviam passos precipitados pelo corredor. Brigitte correu para a porta e viu que uma das moças não havia morrido como ela pensara e agora a mulher corria pela casa, alardeando que havia estranhos entre eles.

 

O primeiro que saiu de um quarto foi De Vries. Brigitte não hesitou. Plof e ele caiu com um rombo no peito. Soltou um grito horroroso enquanto caía. Imediatamente gritos e mais gritos cortavam o silêncio da noite enquanto uma chusma de mulheres ia se reunindo no patamar inferior. Brigitte não disparou contra elas, pois já descobrira que estas não eram anjos de guerra que só desejavam matar, mas apenas símbolos sexuais que viviam à disposição de quaisquer pessoas que quisessem usá-las a seu bel-prazer para conseguir os gozos máximos.

 

Ela ia começar a descer quando viu Angelikus parado perto da porta da sala e naquele momento, soaram dois disparos em direção da espiã que retrocedeu e sentou-se no chão. Com o movimento mais abrupto, o ferimento das costas começou a sangrar novamente. Ouviu vozes distantes e logo a seguir, os arranques dos carros que partiam.

 

Quase gritou de raiva. Entrou novamente no quarto onde Eleonor e Ophelia jaziam no chão e se aproximou da janela. O sangue ferveu nas veias quando verificava que os árabes estavam partindo.

 

Só se perguntava se Angelikus também teria fugido com eles?

 

Saiu do quarto e agora o corredor estava deserto e a casa parecia estar vazia. Talvez todas as moças tivessem fugido para os jardins.

 

Estava preocupada com o que poderia ter acontecido com as garotas quando pressentiu o resfolegar de uma respiração as suas costas. Virou-se rapidamente e deparou com uma mulher que se vestia com elegância e que carregava uma submetralhadora nas mãos.

 

Quase no mesmo instante um estampido soou pela casa e a desconhecida caiu no chão. Brigitte olhou de onde tinha vindo o disparo e viu duas moças de armas em punho se preparando para atirar de novo. Não hesitou um segundo sequer e mais duas vezes acionou o gatilho, plof, plof: e as mulheres caíram dentro de um charco de sangue.

 

Naquele instante, percebeu a porta que estava aberta, entrou em uma sala mais ampla. No meio desta, havia uma mesa com uma aparelhagem completa de transmissores e receptores. Brigitte quase não podia acreditar no que estava vendo. Aproximou-se da mesa e junto ao telex havia um guia de informações e por ele soube que estava na Ilha Anguilla. Muito bem, recordava-se perfeitamente do prefixo do jato de Angelikus. Sabia manejar um telex com maestria e sabia qual era o código da estação da CIA em San Juan de Puerto Rico.

 

Só precisaria enviar um telex àquela estação, transmitindo o pouco que sabia e seus colegas tomariam todas as providências que se tornassem necessárias, a fim do avião de Angelikus ser interceptado ou até mesmo sequestrado ou derrubado. Depois que transmitisse essas ordens, poderia deitar-se junto da piscina e esperar que um dos Johnnies viesse recolhê-la.

 

Foi o que fez. Enviou um telex minucioso e detalhado aos companheiros de Porto Rico. Depois ia sair da casa quando viu o avião sobrevoando por perto de Angelikus preparado para lançar uma granada.

 

— Vou fazer picadinho de você! — gritou o maníaco.

 

Nos momentos mais difíceis a mente daquela mulher raciocinava com mais clareza e rapidez. Só teve tempo para entrar na casa novamente a fim de escapar dos efeitos da granada, mas não pôde fugir dos secundários. Sentiu-se sacudida pelo ar e foi lançada de encontro à parede oposta. Quando abriu os olhos não sabia se já havia transcorrido dois séculos, dois dias ou dois minutos apenas, mas novamente o seu sexto sentido veio em seu socorro. Levantou-se cambaleando e ia entrar na cozinha quando viu uma escada que deveria dar no porão.

 

Desceu por ela correndo, pensando em se refugiar de novos ataques que Angelikus lhe deveria propiciar. E assim que chegou ao último degrau, viu vários aparelhos bélicos perfeitamente preparados e pendurados à parede.

 

Voando, voando

 

Sem dúvida alguma o ódio é o sentimento mais destrutivo que existe no mundo, e a pessoa mais penalizada por ele é exatamente aquela que o nutre. Foi isso o que aconteceu com Angelikus.

 

Ele sabia que aquele era o momento exato para fugir, embora deixasse a espiã americana como dona da casa que ele estaria abandonado. Podia perder tudo, mas sabia que teria ânimo para recomeçar novamente.

 

Só para destruir aquela mulher maldita, continuou sobrevoando nas proximidades da casa, esperando uma oportunidade para lançar a granada que ia matá-la.

 

De repente, Angelikus lembrou-se que não havia trancado a porta secreta do porão, e se a senhorita Montfort a descobrisse e usasse um dos propulsores, a CIA acabaria analisando o combustível e ficaria conhecendo seu segredo. Não ia arriscar tudo que criara por causa de uma mulher que já devia estar morta há muito tempo.

 

Com esta ideia fez o avião retornar. Queria alcançá-la, matá-la lançando a granada quando estivesse a mais de setenta metros de altitude, quando então uma pistola não teria possibilidades de alcançá-lo.

 

Porém Brigitte não fugia na direção horizontal, mas na vertical. Talvez ela quisesse chegar ao céu? Angelikus riu somente em imaginá-la junto com todos os santos e santas. Começou aumentando a altitude do avião para alcançar a fugitiva que parecia estar desnuda a sua frente e sempre voando para cima, ficando cada vez em uma altura muito mais elevada.

 

De repente, quando ambos estavam a mais de quinhentos metros de altura, a senhorita Montfort começou a descer em uma rapidez incrível, surpreendendo seu perseguidor. Em seguida, este começou a rir ao pensar que agora a distância entre ambos devia ser maior do que cem metros, e nesta distância as balas não têm força para manter uma linha programada. E foi então que ele gelou, quando se recordou que Brigitte não estava em baixo, mas muito acima dele. Nesse caso, se ela disparasse, a bala não precisaria suportar e sustentar seu próprio peso, mas descer e se a pontaria dela fosse perfeita, o que ia suceder com ele?

 

Realmente, Angelikus nunca soube o que aconteceu naquele instante quando Brigitte disparou e a bala penetrou em seu crânio.

 

O formador de anjos não caiu logo, continuou voando, voando até alcançar a altura em que ela estava. Seu rosto estava transformado em uma máscara sanguinolenta. A senhorita Montfort apontou o propulsor e disparou de novo. Houve um ligeiro estampido, não muito forte, e logo um chiado diferente. Angelikus foi lançado para fora do avião e começou a perder altura com muita rapidez.

 

Brigitte Montfort olhou para ele e pensou: julgava-se o grande conhecedor de anjos, mas esqueceu que um deles podia cair. Se não fosse assim, como viveriam os anjos caídos?

 

Quando seus companheiros apareceram para pegá-la, depois de saberem da morte de Angelikus, encontraram-na despida, tomando banho de sol na beira da piscina.

 

 

                                                                                                    Lou Carrigan

 

 

 

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