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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AO CAIR DA NOITE / Shannon Drake
AO CAIR DA NOITE / Shannon Drake

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Quando a noite cai...
Em um cemitério escocês, a agradável viagem de Jade MacGregor ao exterior é arruinada por uma tragédia aparentemente fortuita. Um ano depois, de volta à sua casa em Nova Orleans, ela começa a ter sonhos perturbadores com um homem de rosto familiar e olhos misteriosos...
E o terror toma conta...
Lucian DeVeau sabe o que Jade viu naquela noite distante, e está à espreita, disposto a resgatá-la do mal que se aproxima... Mesmo desejando manter distância, a atração que sente por ela sobrepuja seu controle, e de repente ambos se veem envolvidos de uma forma que vai além da razão. Porém, inimigos poderosos, alimentados por forças sobrenaturais, porão à prova o intenso sentimento que os une...
A inocência morre...

 

 

 


 

 



- Vocês querem sentir muito medo, não é? Então vamos até as profundezas escuras, até as entranhas da Terra! - o guia turístico exclamou, cobrindo dramaticamente
o ombro com sua capa negra. Ele tinha o sotaque agradável e refinado de Edimburgo: erres enrolados, enunciação clara. - Sim. Para aqueles de vocês que zombam dos
fantasmas de assassinos ou dos lamentos assombrados de suas vítimas, nós vamos prosseguir.
- Mal posso esperar - disse Jeff Dean, um rapaz de cabelos escuros e boa aparência.
- Sim, vamos adiante, pelo amor de Deus! - Sally Adams, a namorada de Jeff, acrescentou. Ela era uma loira bonita que conseguira arruinar o efeito de sua juventude
e beleza com uma blusa colante e uma saia justíssima.
- Sim, por favor, faça alguma coisa assustadora! - pediu outro dos garotos.
Alto, magro e de cabelos avermelhados, ele se chamava Sam Spinder, e sua atitude era de enfado e escárnio ao mesmo tempo.
Jade MacGregor se unira ao passeio com os três jovens, além de seis outros visitantes mais ou menos da mesma idade deles. Encontrara-os pouco antes, quando
visitava o castelo, e eles haviam sugerido a excursão noturna. Apesar de eles serem um grupo mais novo, de garotos ricos visitando a Europa com o dinheiro dos pais,
e de ela ser uma escritora e editora iniciante, pesquisando a vida medieval, achara a idéia do tour intrigante e importante para seu trabalho. Por isso, acabara
se reunindo a eles.
Quisera ir à Escócia por conta própria, mas conhecer outro país sozinha podia ser uma experiência muito solitária. As pessoas com quem estava eram cerca de
três ou quatro anos mais novas que ela, que tinha vinte e cinco. Mesmo não sendo uma grande diferença, sentia-se uma cinquentona em comparação a eles, que pareciam
viver numa eterna adolescência, em um mundo de futebol, fraternidades, drogas e rock.
Espantara-se ao descobrir a extensão do uso recreativo de drogas do grupo, que possuía um arsenal de comprimidos e uma variedade de coisas para fumar. Considerava
preocupante que se arriscassem dessa maneira em um país estranho e havia sido provocada quando se recusara a consumir quaisquer das substâncias.
Mesmo assim, o tour estava sendo divertido. Era uma bela noite de lua cheia e, ao lado de antigas superstições, o aspecto comercial do Halloween tomara a cidade.
As ruas estavam decoradas para a ocasião, demônios e fantasmas enfeitavam as vitrines. Era uma noite agradável para sair.
Seus companheiros, no entanto, além de inconseqüentes, estavam se revelando rudes. Jade não sabia que tipo de drogas haviam utilizado naquela noite, mas com
certeza os estava tornando ousados e impetuosos, assim como insultuosamente cruéis. Estavam se divertindo em perturbar o guia que, contudo, parecia ter a habilidade
de lidar bem com a situação.
- Já estou morrendo de medo! - disse Jeff, fingindo estremecer. - Onde você conseguiu esse discurso, esse sotaque... essa aparência? No curso de teatro da
escola? Oh, estou apavorado!
O sarcasmo direcionando ao diligente guia era injusto, Jade pensou. Ele estava na casa dos trinta, era alto, magro e, sim, dramático, talvez um candidato a
Hamlet que tivesse encontrado uma forma de sobreviver como guia turístico, imprimindo paixão às narrações sobre o antigo mal que flagelara as ruas da Escócia. Ele
se regozijara ao exaltar a inumanidade do ser humano, explicando mortes por pragas, por execuções e por assassinatos torpes. O grupo havia visitado as ruas subterrâneas,
sobre as quais a cidade nova fora construída, local em que, no passado, ficavam casas, lojas, tavernas, enfim, a vida cotidiana da população. Não mais. Agora, à
noite, os subterrâneos estavam vazios, exceto pelos passeios turísticos. Fantasmas eram apresentados em lugares diversos, terríveis homicídios eram descritos em
detalhes. Essa era, afinal, a cidade dos assassinos em série Hare e Burke, de crimes da realeza, da espionagem e da maior carnificina imaginável do mundo medieval.
O conhecimento de História do guia era excelente. Jade sabia disso, pois estudara muitos dos fatos.
Partindo dos fundos da Catedral de Saint Giles, o guia os conduzira por ruas escuras e repletas de sombras até descerem às vielas. Um casal mais velho exclamara
apreciativamente nos lugares apropriados, um casal jovem com duas crianças de nove e dez anos fizera perguntas e recebera respostas, apreciando muito o passeio.
Havia um homem sozinho no grupo, mais velho que os universitários, mas Jade não conseguira precisar sua idade. Era muito bonito, com fascinantes olhos escuros, que
pareciam pretos num instante e clareavam no minuto seguinte para uma curiosa tonalidade castanha, e até mesmo... vermelha. Era bastante alto, talvez um metro e noventa
e, por causa da altura, parecia magro, mas tendo estado perto dele em várias paradas ao longo da excursão, Jade sabia que os ombros eram muito largos e que, sob
o tecido do casaco bem talhado, ele era musculoso.
Ele observava o guia com interesse. Não se sobressaltara nem emitira exclamações admiradas, mas escutara tudo o que fora dito em um silêncio respeitoso. Mantivera-se
um pouco atrás dos demais, nas sombras, sem nada dizer. Na verdade, apenas o grupo de nove universitários tinha assobiado, escarnecido e perturbado.
- Aonde vamos? - perguntou Tony, um dos garotos que mais importunara até então.
Ele era jogador de futebol, tinha a cabeça raspada, ombros muito largos, e parecia considerar-se durão demais para conhecer o conceito de medo. Junto com Jeff,
ele fora voluntário em um dos pontos da excursão. Fingindo serem condenados por traição, eles haviam sido levemente açoitados com o chicotinho do guia e tinham virado
de costas para o grupo para uma pretensa estripação e enforcamento. Fizeram dos procedimentos uma grande piada, e o guia os acompanhara nas tolices.
- Talvez não devêssemos perguntar - sugeriu, um tanto hesitante, Marianne, a namorada de Tony.
- Não seja ridícula! - retrucou Ann, uma ruiva alta e magra, com o ar impaciente de uma estudante entediada. - Se você não perguntar, não vai saber. Nem vai
poder decidir se quer ir ou não.
- Ei, ela está certa! Aonde estamos indo? - insistiu Tony.
- Vocês disseram que queriam sentir medo - o guia os lembrou.
- Com certeza, queremos algo melhor do que o que vimos até agora - falou Jeff. - Então, para onde estamos indo?
- Até os mortos! - declarou o guia.
- Até os mortos... - Jeff repetiu, fazendo sua melhor imitação de Boris Karloff.
Jade percebeu que o homem alto e silencioso franzira de leve o cenho antes de notar que ela o observava. Os olhos dele encontraram os seus. Eram incrivelmente
escuros, negros como a noite. Não... estavam mais claros de novo, aqueles olhos que mudavam constantemente. Castanhos outra vez, com reflexos de fogo.
Por um instante, ela não conseguiu se mover, e foi tomada, por uma estranha sensação de calor.
- E onde fica isso? - Sally indagou, interrompendo a sensação que Jade experimentava, de uma mariposa sendo atraída pela chama.
Sim, a chama estava nos olhos dele. Agora eram olhos âmbar... olhos de fogo, de um lobo à noite. Cativantes. Sensuais.
Subitamente desconfortável por sentir-se dessa forma, lembrou a si mesma que ele era um estranho em uma terra estranha. Considerava-se uma moça esperta. Era
inteligente e amigável, mas sabia se defender e ter cuidado. Com certeza, não era do tipo que se deixava seduzir por um desconhecido sob circunstâncias inusitadas.
Ainda assim... ele era atraente.
Sensual. Não apenas bonito, mas muito sexy. Aqueles olhos... Sim, ela o observava.
E ele sabia. Estaria se divertindo? Talvez não, pois ele também a fitava.
- Vocês verão. Primeiramente, vamos parar na taverna Ye Olde Hangman, para tomar um uísque escocês, ou uma cerveja, ou mesmo um vinho, se vocês quiserem.
Sally torceu o nariz, claramente duvidando de que a tal taverna tivesse algum vinho que ela considerasse palatável, e virou-se. Jade, olhando para o guia,
enervou-se ao ver a maneira como ele fitava a garota. Um jeito estranho, arrepiante. Ao longo da excursão, ele lidara bem com as provocações, parecendo mais magoado
do que ofendido. Não que se mostrasse bravo no momento. O olhar era mais para... calculista, como o de um caçador à espreita da caça.
- Sigam-me! - ele disse, voltando a sorrir.
Conforme caminhavam, Jade viu que o homem alto, de olhos cor de âmbar, conversava com os pais das duas crianças, avisando-os que a visita ao cemitério poderia
ser perturbadora. A mulher começou a argumentar, mas logo se interrompeu e disse ao marido:
- Peter, vamos abandonar a excursão.
- Mary! Esta será a melhor parte...
- Uma grande caneca de cerveja será a melhor parte para você, Peter. Depois, vamos levar os garotos de volta ao Hotel Balmoral.
Quando chegaram, o taberneiro, ao ver o guia, chamou uma das funcionárias, indicando que os servisse sem demora. Sally e Jeff sentaram-se à mesa com Jade,
na parte central da taverna.
- Acha que ele pode nos assustar "entre os mortos"? - perguntou Sally.
- Isso é apenas um monte de bobagens - Jeff afirmou com desprezo. - Vamos apenas ver algumas lápides velhas.
- Ah, meus amigos! - O guia se virou e agitou a capa. - Eu os desapontei esta noite! Angus! - ele chamou o bartender - Sirva a estes jovens uma dose do seu
melhor uísque. Bebam, por minha conta. Prometo que, com uma amostra do melhor da Escócia em suas veias, o que estou prestes a lhes mostrar vai impressioná-los! Que
os santos me ajudem! Ele riu.
- Se o uísque é por sua conta, eu quero! - Jeff declarou. Ergueu o copo que fora levado até ele, tomou o líquido em um só gole e, em seguida, bebeu a cerveja.
Jade ignorou o copo diante dela.-Sentiu o guia encarando-a e sorriu.
- Você já me assustou o suficiente - ela assegurou. Ele inclinou de leve a cabeça e virou-se para os demais.
- Vou lhes contar uma história sobre a cripta que exploraremos. É a câmara mortuária da família De Brus. É verdade que alguns dos De Brus viraram Bruce, como
nosso famoso rei, Robert Bruce. Porém, havia outra família, que teimosamente permaneceu De Brus. Dentre eles, existia um primo ilegítimo, amaldiçoado com uma doença.
Alguns dizem que era sífilis, outros, que ele era hemofílico. De qualquer forma, esse primo enlouqueceu e foi morto pelos próprios familiares. Isso ocorreu por volta
de 1080. Ele deixou uma filha, de rara beleza, mas os parentes a trancaram em uma torre. Ainda assim, pretendentes iam até lá, e alguns conseguiam entrar...
- E então? - Sally perguntou, impaciente.
- E então eles tentavam abaixar as calças dela - disse Jeff, e o grupo inteiro riu.
- Elas usavam calças naquela época? - indagou Tom Marlow, o mais quieto dos rapazes. Era a primeira vez que Jade o ouvia falar naquela noite.
- Shhh! - Sam Spinder o reprimiu. - E então?
- Eles nunca mais eram vistos - prosseguiu o guia. - Mas ossos eram encontrados em pântanos. Jovens mulheres também desapareciam. Diz-se que a pobre e bela
De Brus gritava, e sua angústia assemelhava-se aos uivos de um milhão de demônios na noite. A agonia era tamanha que seus parentes levavam até ela pobres camponesas...
que nunca mais eram vistas, também, pois ela gostava de se banhar em sangue. Quanto mais jovem e puro, melhor.
- Essa é a história da condessa de Báthory! - manifestou-se Hugh Riley, outro dos jogadores de futebol. Ele parecia conhecer História e estivera prestando
atenção a noite toda.
- E a condessa de Báthory é um personagem histórico real, cruel, desumano e sem consciência - afirmou Jade. - Ela causou a morte de centenas, talvez milhares,
de jovens mulheres. Ela se banhava em sangue, e seu apetite era voraz.
Sentindo de novo um estranho calor, como se estivesse sendo observada de trás, Jade se virou. O homem estava sozinho em uma mesa no canto da taverna. Bebia
uma cerveja tão escura que parecia vermelha. Talvez fosse um copo grande de vinho tinto, que ergueu em sua direção, como se concordasse. Quase podia ouvir a voz
dele em seu ouvido: Sim, o Mal existe neste mundo. As crueldades de um homem com o outro não precisam ser exageradas...
Ele não falou, apenas inclinou a cabeça e bebeu. Jade desviou o olhar.
- Grande história! Essa vadia gosta do sangue de virgens, é? - Sam indagou.
- Então você não corre perigo, Sally! - provocou Jeff.
- Vocês vão para o inferno! - ela respondeu, afastando-se do namorado.
- Ora, Sal, estamos apenas brincando...
- Nossa dama gostava de sangue jovem - o guia prosseguiu. - Quanto maior a decadência, melhor. Sim, ela era uma mulher sensual! Bebam, meus amigos! Está na
hora de nos aventurarmos na cripta.
Os pais das duas crianças partiram com elas, assim como o casal mais velho. Jade pensou em encerrar a noite, mas tinha a sensação de que aquela excursão não
era oferecida com freqüência. Aparentemente, as provocações dos garotos haviam levado o guia a realizar um passeio especial, e essa poderia ser sua única oportunidade
de ver algo incomum. O estranho de olhos escuros também ficaria com eles.
Deixando a taverna, andaram por ruas escuras, pegando atalhos e desvios. Logo chegaram a uma igreja abandonada no alto de uma colina. A construção era cercada
por túmulos descuidados, com lápides irregulares, quebradas e cobertas de liquens. A brancura de alguns dos mausoléus brilhava sob a luz da lua.
Jade olhou para cima enquanto atravessavam os portões de ferro do cemitério. A lua estava cheia, perfeita para o passeio.
- E é quase meia-noite! - anunciou uma garota chamada Julie.
Ela riu e abraçou Hugh. Como Sally, ela usava uma blusa justa que revelava o vão entre os seios fartos.
- Meia-noite! - exclamou o guia, erguendo as mãos para o céu. - A hora tradicional para toda a feitiçaria, para que os demônios se levantem, para a sede de
sangue dos mortos-vivos! - Venham ver a cripta.
Enquanto caminhava pelo terreno irregular, Jade observava a arquitetura da velha igreja. De repente, tropeçou em uma lápide, mas sua queda foi interrompida
por um par de mãos fortes. Ao virar-se, surpresa, deparou com o rosto do estranho alto e reservado.
- Você está bem? - perguntou ele, com um leve sotaque.
Seria escocês? Ela não tinha certeza. A voz dele era profunda, refinada, rouca, atraente... tão sensual quanto os olhos. E, ao mesmo tempo, soava perfeitamente
normal. O que, por si só, era estranho...
- Se eu estou bem? - repetiu, sentindo-se uma tola. Sentiu que corava. - Eu... é claro. Fui apenas um pouco desajeitada.
- Este cemitério não é um bom lugar para se estar à noite. Ele ainda a encarava, com os perturbadores olhos cor de âmbar. Fitando-a intensamente, afastou para
trás um cacho de seu cabelo, no que lhe pareceu um gesto bastante íntimo.
- Por quê? - ela indagou e sorriu. - Você acha que os fantasmas se levantam dos túmulos para se vingar dos vivos?
- Só acho que há muitas coisas neste mundo que não têm explicação. Você é americana - ele afirmou. Parecia um pouco desapontado? Como se achasse que a conhecia,
que ela fosse outra pessoa?
- Sou. Mas de ascendência escocesa. MacGregor.
- Você é do Sul?
- Sim, de Nova Orleans. Conhece a cidade?
- Conheço - ele respondeu e apontou para a pedra na qual ela tropeçara. - Curioso...
- O quê?
Jade olhou para baixo. A pedra estava em pedaços, perto de uma lápide na qual era possível ler claramente sob a luz da lua o sobrenome "MacGregor".
Ela se arrepiou e sentiu o sangue fugir de seu rosto. Aquilo era sinistro. Nunca tivera medo dos mortos antes, de cemitérios, de lugares "assombrados". Mas
naquele momento, sentiu medo.
- Preciso ir embora - ela murmurou. - Achei o tour excelente, mas estou cansada. Parei de prestar atenção por onde ando.
- Não - disse o estranho, tomando seu braço. Ela o fitou, franzindo o cenho.
- Eu disse que acho que devo ir...
- É muito perigoso ir embora agora, sozinha. A Escócia tem sua cota de assassinos. Não é a melhor vizinhança.
- Você é daqui?
- Eu fui. Há muito tempo.
- Venham! - o guia os chamou.
Eles tinham chegado ao outro lado do cemitério. Ali, os mausoléus despontavam do solo, como casas mal-assombradas dos mortos. Em alguns lugares, as pedras
estavam quebradas, portões de ferro encontravam-se semiabertos, trepadeiras cresciam em todos os lugares.
Virando-se, Jade não conseguiu mais ver a rua sinuosa pela qual haviam caminhado para chegar até lá. Via apenas a velha igreja e as lápides, que brilhavam
sob a luz da lua cheia. Nesse momento, uma forte neblina começou a avançar.
- Vejam isso! - exclamou Julie, espantada.
- Ele tem uma máquina de fazer neblina escondida em algum lugar, aposto - disse Tony. - A qualquer instante, vamos ouvir a música do Além da Imaginação.
- A cripta está ali - anunciou o guia, virando-se e agitando sua capa negra.
Era uma construção grande e decadente. Gárgulas lindamente entalhadas guardavam os quatro cantos de uma grade de ferro trabalhada. Liquens e trepadeiras cobriam
as paredes e os degraus que levavam ao portão.
- Venham! - chamou o guia, avançando pela escada e acenando para o grupo.
Todos o seguiram. Assim que entraram, viram os caixões alinhados nas paredes. Estavam em prateleiras, cobertos por entulho e teias de aranha.
- Oh, assustador! - entoou Jeff.
- Fica ainda melhor lá embaixo. E eu prometi assustá-los - o guia acrescentou teatralmente, agitando outra vez a capa. Conduziu-os em direção ao fundo da cripta,
onde degraus estreitos e úmidos levavam ao subsolo.
Conforme se dirigiam para a escuridão abaixo, Jade não sabia se ficava contente com o toque protetor do desconhecido em suas costas ou ainda mais assustada.
Pensou se não deveria se afastar e refugiar-se atrás de um dos rapazes do grupo, mas nesse momento o guia riscou um fósforo na parede de pedra e acendeu uma tocha,
iluminando a catacumba.
Julie foi a primeira a gritar. Os mortos se encontravam em diversos estágios de decomposição sob mortalhas esfarrapadas. Caveiras fitavam o abismo da noite
sem fim, dedos ossudos se entrelaçavam sobre peitos cobertos com restos de seda e linho. Aqui e ali, havia ossos espalhados no chão. Ratos guinchavam e corriam diante
deles, e um morcego voou pela grande tumba subterrânea, arrancando um grito assustado de Sally.
- É muito interessante, mas não estou com medo - gabou-se Jeff.
- Porque você ainda não viu Sophia - retrucou o guia.
- E acho que deveria ser o primeiro a encontrá-la. Venha. Vai se voluntariar outra vez para ser a vítima, não vai?
Jeff deu um passo adiante.
- Claro. Venha. Bata em mim, me torture.
- E sua namorada? - o guia questionou.
- Ah, eu não sei... - Sally começou.
- Sally, seja ousada. Realize minha fantasia... ménage à trois! - Jeff provocou.
- Oh, meu bem! - Tony exclamou. Sally fez uma careta para ele.
Sorrindo, o guia conduziu-os a um sarcófago que parecia estar fechado com uma pedra pesada, mas que cedeu, com um rangido agudo e enervante, quando ele o empurrou
para o lado. Dentro, havia um caixão de madeira todo trabalhado que, de alguma forma, fora preservado ao longo do tempo. Era decorado com relevos de gárgulas e criaturas
de aparência demoníaca.
- Sophia e seus seguidores! - O guia estava atrás de Sally, erguendo os cabelos loiros, movendo os dedos em seu pescoço, sobre os seios, e de volta ao pescoço.
- O lugar... para os mortos jantarem! Pois aqui a vida pulsa com força...
O toque dele na garota era quase indecente, Jade pensou, pronta para manifestar-se. A menina, parecendo hipnotizada, virou-se para o guia, inclinando a cabeça
para trás. Ele sorriu para o grupo e amparou-a em um dos braços, tocando-a delicadamente com os nós dos dedos, do pescoço ao vale entre os seios. Depois tirou-lhe
a camiseta. Ninguém se moveu.
A menina sorriu, e Jeff encarou o guia.
Aquilo já bastava! Jade estava prestes a interferir quando o desconhecido puxou-a para trás.
- Não - ele sussurrou. - Não faça nada agora.
Aquilo era uma atuação que fazia parte do passeio? O lado adulto da excursão? Em outras circunstâncias, Jade teria se livrado do toque do estranho, mas sentiu
um arrepio na espinha, e uma voz interior a alertou: Não fale. Não se mova. Se fizer isso, estará em perigo!
E se corresse? Não, ela não podia correr. O guia a veria e poderia arrastá-la de volta...
- Abra a tampa do caixão - ele ordenou.
Jeff aproximou-se para obedecer, aparentemente alheio ao fato de que o homem que ele havia ridicularizado quase desnudara sua namorada, que sorria enquanto
era acariciada. Ele ergueu a tampa do caixão. Dentro, havia uma mulher jovem, bonita, com cabelos negros, usando um vestido de linho branco rendado. Seus olhos se
abriram. Encarando Jeff, ela sorriu e se levantou.
É uma representação. Tudo isso faz parte de uma encenação.
- Eles temiam Sophia como não temiam a Deus, nem a Satã! - o guia recomeçou. - Sim, os parentes tinham medo dela. Então, para mantê-la feliz e distante, eles
lhe providenciavam beleza e juventude, e a alimentavam. Levavam para ela o sangue de carne fresca. Jeff, seja um voluntário... mostre a ela o sangue que pulsa em
você, ofereça-lhe seu pescoço.
Jeff aproximou-se da mulher e ajudou-a a sair do caixão, sorrindo como um tolo ao abraçá-la. Ela o beijou com erotismo, inclinou a cabeça dele e, para surpresa
de todos, mordeu-o. Ele gritou.
- Assustado, agora, não? - provocou o guia, sorrindo.
Com aquele sorriso, sua atuação dramática chegou ao ápice, pois ele agora tinha, no lugar dos caninos, enormes presas brancas, que brilhavam sob a luz das
tochas.
Ele começou a rir e, inclinando-se, mordeu o pescoço de Sally. Ela berrou, era o grito dos aflitos, dos condenados. O sangue começou a jorrar, derramando-se
sobre o caixão e no solo.
É real! Meu Deus, é real!
Os outros, em pânico, passaram a emitir gritos estridentes, correndo para os degraus. Nas prateleiras da tumba, os mortos começaram a despertar. Cadáveres,
semicobertos pelas mortalhas, e antes ocultos pelas teias de aranha, levantaram-se de repente, bloqueando os degraus. Berros de terror enchiam a catacumba, enquanto
os mortos tentavam alcançar os vivos. Jade, horrorizada, tentou correr, mas o estranho a puxou para trás.
- Não! Fique aqui, quieta, no canto. Espere.
Ela teria desobedecido, mas o guia apareceu de repente diante dela, coberto com o sangue de Sally, sorrindo. De repente, o estranho estava entre os dois. O
guia pulou na direção dele e disse algo, um nome, que Jade não compreendeu.
- Achei que era você. Bastardo, você tinha que interferir...
- Você destruiria tudo.
O guia tentou golpeá-lo, mas o desconhecido aparou e revidou os golpes, fazendo o oponente voar pelo aposento e bater com toda a força do outro lado.
As pessoas gritavam alto o suficiente para despertar os mortos!, Jade pensou, histérica. Precisava sair dali, tinha de encontrar uma saída. Onde? Estava tudo
escuro... e vermelho, pois havia sangue em todo lugar. Um dos cadáveres estava atacando Julie!
Finalmente, ela conseguiu reagir. Agarrou uma das tochas e investiu contra o cadáver, que recuou. Havia outro às suas costas. Virou-se, agitando o fogo diante
de si. De repente, todos pareciam persegui-la, aproximando-se cada vez mais...
Porém, um por um, eles foram afastados e arremessados para longe. Voavam, gritando, furiosos. Jade sentia os olhares, a fome, o ódio deles. Estava ficando
louca. Ou sonhando. Aquilo não podia estar acontecendo.
Nesse momento, viu o guia caminhando até ela. Ao ser alcançada, lutou, mas ele era incrivelmente forte e impediu-a de se virar ou de soltar-se. Sorria enquanto
ela gritava e se debatia, rasgando a blusa branca que ela usava.
- Shhh... Você é o que há de melhor, à meia-noite! - ele disse.
Jade viu as presas enquanto ele se aproximava de seu pescoço. E então o sorriso desvaneceu, e ele foi afastado por uma incrível força que o ergueu do chão.
Ela caiu e bateu a cabeça na pedra. Escutou o guia gritar de ódio, proferindo obscenidades.
Viu de novo o desconhecido, inclinando-se sobre ela, viu-lhe os olhos, escuros e profundos, iluminados pelo fogo da tocha, refletindo um estranho toque dourado
de chama e luz do luar. Sentiu a dor em sua têmpora aumentar. Sim, ela havia batido a cabeça na pedra, e o mundo estava sumindo...
A tocha que ela segurara ainda queimava, no chão. Pensou nisso enquanto ouvia os gritos e começava a ser envolvida pela escuridão.
Jade foi encontrada sobre a lápide com o nome de sua família, MacGregor. Estava deitada e desnuda, mas enrolada em linho branco. Uma mortalha.
Ao despertar, percebeu a presença da polícia e o som de sirenes. Sua consciência oscilou, ao retomá-la, deu-se conta de que a sirene pertencia à ambulância
que a levava ao hospital.
Tentou contar aos policiais o que havia acontecido. Falou a respeito do guia turístico, da taverna e do monstro, Sophia De Brus, que se levantara do caixão.
Eles, porém, acharam que ela se encontrava sob a influência de narcóticos, assim como os demais sobreviventes.
Sim, quatro tinham morrido, mas outros haviam escapado. Além dela, foram encontrados com vida Hugh Riley, Tom Marlow, Tony Alexander, Ann Thorson e Marianne
Williams, todos entre as lápides, alguns nus, outros em farrapos, feridos, balbuciando, confusos, meio enlouquecidos, mas vivos.
A polícia determinou que os praticantes de um culto satânico eram os responsáveis. Jeff, Sally, Julie e Sam foram drenados de sangue, suas gargantas cortadas
de um lado a outro, duas cabeças estavam quase decepadas, e duas tinham desaparecido.
Jade nunca soube quais haviam sumido. Os demais foram encontrados como ela, inconscientes, incoerentes e, por fim, admitiram a ingestão de drogas e álcool.
Jade insistiu perante os oficiais que não usara drogas, conforme comprovavam seus exames de sangue e urina, mas ninguém acreditou. Queriam seguir em frente
e procurar os assassinos, esperando que aquilo nunca se repetisse. Ela precisava ir para casa e deixar a polícia fazer seu trabalho. Tivera muita sorte.
Sim, mas... os policiais estavam errados. Jade não conseguia se lembrar de tudo, pois o que recordava era absurdo. Não podia ser real, e a versão oficial com
certeza era plausível. Muito daquilo havia sido uma encenação. Ilusório. Claro...
Cadáveres não retornavam à vida. Não existiam mortos-vivos, nem vampiros.
Ainda assim, algo muito estranho acontecera, porque não fora um pesadelo, e ela não usara alucinógenos, tampouco o homem de olhos escuros. Que homem?, eles
tinham indagado. Jade o descrevera, mas a polícia não o vira. Tal homem, um herói ou um demônio, não fora encontrado. E ela não sabia seu nome, onde estava hospedado,
nem se era nativo ou estrangeiro. Quem quer que fosse, de onde quer que tivesse vindo, ele lutara contra os cadáveres e contra o guia bebedor de sangue, disso ela
tinha certeza.
Os policiais acharam que o terror da noite havia perturbado seu raciocínio. Os cadáveres na cripta eram apenas cadáveres, eles asseguraram, restos mortais.
Não existia nenhuma Sophia De Brus na História da Escócia. O que havia acontecido fora terrível, e ela precisava ir para casa, esquecer tudo aquilo. Eles tinham
de encontrar o assassino, o jovem guia responsável pelo massacre.
A verdade bizarra da qual Jade se lembrava começou a desvanecer em sua consciência. A mente protegia sua sanidade. A polícia continuou a interrogá-la, tentando
compreender o que acontecera. Onde ela estivera antes? Por que se juntara à excursão? Como era o guia? Havia muitos passeios na cidade, mas nenhum com o nome que
o guia lhes dera. Tampouco existia uma taverna chamada Ye Olde Hangman.
Os policiais estavam certos. Suas recordações eram apenas uma ilusão. O que pensara ter visto não podia ser real. Era um ritual doentio. Assassinatos trágicos
cometidos por seres humanos doentes.
Mas o guia turístico, que os conduzira ao terror e à morte, conseguira desaparecer, sem deixar pistas quanto à sua identidade ou seu destino. Se havia membros
de uma seita envolvidos, quem eram os que haviam ajudado o suposto guia naqueles assassinatos?
O homem com os olhos cor de âmbar.
Se ela conseguisse dar-lhes mais algumas informações... Contudo, não era capaz de fazer isso, nem os outros sobreviventes. Os investigadores colheram sangue
das lápides e estudaram os corpos, mas os assassinos não tinham deixado vestígios, nem uma gota do próprio sangue, nem um fio de cabelo.
Quanto mais o tempo passava, mais tudo aquilo parecia irreal, confuso, envolto em uma névoa surreal de escuridão e sombra.
Por fim, Jade não tinha mais como contribuir com os policiais, nem eles podiam lhe dizer mais nada. Lidariam com o problema, e chamariam a Scotland Yard e
o FBI, para que realizassem uma perícia. Todas as possíveis pistas seriam seguidas, cada crime semelhante no país e no mundo seria analisado para comparação.
Jade fora poupada e tinha de retomar a vida normal. Sua irmã, Shanna, foi à Escócia buscá-la e permitiu que falasse bastante, tentando organizar os pensamentos.
Claro, a irmã tinha certeza de que os assassinos eram praticantes de um culto, pessoas bestificadas e sem consideração pela vida humana. Jade tivera sorte, e deveria
ficar feliz por estar viva.
Estava indo para casa. Para longe do horror.
Estava muito feliz, e agradecida.
E, sim, a vida podia voltar ao normal...

Um ano depois, isso quase havia acontecido. Jade começara a namorar um policial chamado Rick e publicara um pequeno livro com fotos sobre igrejas medievais.
Porém, em uma noite de lua cheia, quando fazia quase um ano da data do trágico evento, ela passou a sonhar com o homem.
Com ele...
Em seu sonho, a escuridão era iluminada apenas pelo brilho da lua. Sombras cruzavam a terra, a névoa se erguia... Ela estava lá, arrepiada sob a brisa fria.
Sabia que estava vulnerável, nua... Não, envolta apenas no linho branco da mortalha de um homem... E ele andava em sua direção, o homem com os olhos de ébano e fogo...
Acordou assustada, tremendo, e olhou para ò relógio ao lado da cama.
Era meia-noite.





Capítulo I



- Bom dia, Srta. Irmã Maravilhosa! Jade não precisou olhar para cima para saber que Matt Durante se aproximara de sua mesa. Estava tão acostumada com a voz
dele quanto com as bochechas de querubim, o sorriso largo e os cintilantes olhos azuis. Tudo a respeito dele era contrastante. Nunca conhecera alguém com uma atitude
tão alegre em relação à vida, estava sempre sorrindo e disposto a ajudar quem precisasse. O que escrevia, no entanto, era sombrio. Criava contos assustadores, que
deixavam os leitores arrepiados.
Ela baixou o jornal e fitou-o, ajustando os óculos escuros.
- Bom dia, "irmã maravilhosa"? Isso significa que minha irmãzinha fez alguma maldade esta manhã? Encontrou algum defeito no último capítulo que você escreveu?
Sorrindo, ele se acomodou a seu lado. Jade costumava passar as manhãs no Café du Monde. Além de apreciar o café e as rosquinhas, gostava de observar o movimento
turístico enquanto lia o jornal. Os amigos sempre sabiam onde encontrá-la. Muitos deles, como Matt, eram escritores. Tinham feito amizade, pois formavam um dos mais
ecléticos grupos de autores que já se reunira. Jade era especializada em turismo e História, sua irmã recentemente enveredara pela literatura fantástica, Matt adorava
o macabro, Jenny Danson escrevia comédia, e assim por diante. Haviam começado como o Grupo das Quartas-Feiras à Noite, dando a si mesmos uma denominação tão simples
porque o que os unira fora apenas o amor pela palavra escrita, sem que o assunto realmente importasse.
- Vi sua errante irmã caçula ontem à noite. Jantamos juntos e fomos comprar enfeites de Halloween. Ela é um amor. Doce e linda. E, mesmo comigo, um grosseirão
desajeitado, foi muito gentil.
- Sim, concordo com você. Minha irmã é ótima. Mas por que, de repente, eu virei tão maravilhosa?
- Você é doce e linda, mas esta manhã é também talentosa. - Matt colocou alguns papéis sobre a mesa. - Sabe como eu sou obcecado - ele disse, sorrindo.
Matt era o maior sucesso comercial do grupo, razoavelmente bem pago e conhecido, e seus livros continuavam chegando às listas importantes de mais vendidos.
Porém, ele era obsessivo. Cada vez que um de seus trabalhos era publicado, ele agia como um garotinho. Ficava ansioso e consultava sem parar a internet para descobrir
a posição da obra naquela semana.
O que ele colocara sobre a mesa era a lista impressa do USA Today. Não apenas a relação dos cinqüenta primeiros, que costumava aparecer no jornal, mas a lista
de cento e cinqüenta, que podia ser encontrada online.
Jade olhou para as páginas antes de fitá-lo.
- Centésimo - Matt falou.
- Centésimo?
- Seu livro sobre catedrais e igrejas, que você mesma publicou, chegou ao centésimo lugar da lista. Jade, isso é praticamente inédito!
Incrédula, ela pegou o jornal. O tipo de livro que ela publicara não tendia a ser um sucesso popular. Por outro lado, isso podia ter acontecido pelo fato de
ela ser sua própria editora. A internet lhe dera a possibilidade de alcançar mercados que, de outra forma, não teria conseguido atingir. Também devido ao acesso
à internet, fora escolhida pelas grandes redes, assim como por várias livrarias independentes, especializadas em História ou em qualquer assunto ligado à Idade Média.
- Você não acha que pode ter havido um erro? - ela indagou.
- Está falando como eu.
- Estou apenas surpresa. E feliz, é claro.
- É um grande livro, com fotografias fabulosas. E você fez tudo sozinha.
- Quase tudo. Shanna participou. É inacreditável!
- E então, quando vai ser a festa?
- Que festa?
- Sem dúvida, você vai convidar o Grupo das Quartas-Feiras à Noite para ir à sua casa.
- Mas hoje é quinta.
- Eu sei. Mas você vai comprar um monte de champanhe bom... e talvez até um pouco de caviar.
- Você odeia caviar!
- Não importa. Em uma ocasião dessas, caviar é obrigatório. E vamos todos brindar a você e dizer coisas boas e celebrar.
- Talvez devêssemos mesmo fazer isso. Mas você acha que dará tempo de reunir todo mundo?
- Jade, por que você acha que estou aqui tão cedo? Nós vamos começar a convidar todos agora.
- Nós?
- Bem, meu último livro está entre os dez primeiros - ele revelou humildemente, tirando o jornal do bolso.
- É mesmo? - ela perguntou, animada, olhando a lista. - Parabéns! Mas, se você está ainda mais alto na lista, por que eu estou dando a festa?
- Porque seu apartamento é mais agradável.
- Você acha?
- Um apartamento em um edifício colonial, ao lado de um restaurante francês que serve a melhor sobremesa do mundo? Com uma sacada florida no segundo andar,
voltada para a rua bem-cuidada, com vista para um elegante clube de jazz? Hum... deixe-me pensar... Eu tenho um apartamento no terceiro andar de um prédio sem elevador,
em uma zona da cidade que os turistas são aconselhados a evitar. Sim, acho que o seu é mais agradável. Você dá a festa.
- Está bem. Vou convidar todo mundo.
- Chame apenas sua irmã. - Matt corou. - Eu já dei alguns telefonemas. - Ao vê-la arquear a sobrancelha, prosseguiu: - Bem, você precisava concordar, estar
animada e desejar comemorar! Vou comprar o caviar, e você cuida do champanhe, certo?
- Certo. E a que horas será a festa?
- Às oito. - Ele sorriu e começou a se afastar. Percebendo que ainda tinha o jornal nas mãos, Jade o chamou:
- Matt! Seu USA Today!
- Pode ficar com ele. Eu comprei vinte exemplares - ele disse e foi embora.
Jade olhou outra vez para a lista. Tinha de admitir que estava feliz. Imaginou se convidaria Rick para a esta. Sargento Rick Beaudreaux. Estavam saindo juntos
fazia três meses. Ele era tudo o que buscara a vida inteira... até o momento.
Qual era o problema com ela? Rick era maravilhoso. Loiro, bronzeado, musculoso, com lindos olhos azuis. Além da aparência, era um ótimo ser humano, agradável,
gentil, seguro de si, com um temperamento tranqüilo... Atuava no Departamento de Narcóticos, dava palestras em colégios e entrevistas para a imprensa. Era educado,
atencioso e sempre cheirava bem. Dançava, andava de bicicleta, gostava de caminhar aos domingos e de passear no campo. Tinha um sorriso devastador. Importava-se
com ela e admirava seu trabalho.
Ele ainda não dissera nada, mas devia estar se perguntando por que ainda não haviam dormido juntos. Jade se perguntava a mesma coisa.
Iria, sim, convidá-lo. E, quando os outros fossem embora, ele ficaria. Não queria perdê-lo. Não que Rick a estivesse pressionando. Ela lhe contara o que havia
acontecido na Escócia, e ele compreendia que havia sido traumático.
Mas Jade não comentara nada com ele a respeito dos sonhos.
Jade fechou o jornal e olhou para a primeira página. Seu coração quase parou de bater. Na manchete, lia-se: Massacre em Nova York. Assassinatos rituais chocam
os cidadãos.
Ele a observava do outro lado da rua. Sentada do lado de fora do café, sob o toldo, ela inclinava com freqüência o rosto na direção do sol e sorria ao sentir
o calor na face. Ele se lembrava de seu aroma, da suavidade de sua pele, do perfume delicado na escuridão e nas sombras. Ela brilhava para ele, que sabia de seu
paradeiro a cada segundo.
Tinha lindos olhos, azuis e profundos, com um toque de verde. Olhos da cor do mar, ele pensou, com um estranho estremecimento. Eram emoldurados por sobrancelhas
claras e cabelos da cor dos raios solares e das sombras, castanho-claros, com mechas naturais de puro ouro e alguns, fios vermelhos. Tão familiar, tão diferente...
Ele se encontrava em uma mesa do lado de dentro. As portas estavam fechadas, o ar-condicionado zunia e uma lâmpada barata iluminava o cardápio e o interior
do pequeno restaurante. Óculos escuros protegiam seus olhos, mas do brilho do sol, e não dela. Era simples logística. Ele a observava, ela não podia vê-lo.
Fazia alguns dias que a seguia, apesar de a tentação vir de longa data. Resistira até o momento, mas seus inimigos estavam ressurgindo.
Ela lhe perguntara certa vez se conhecia a cidade. Sim, era um de seus locais prediletos, e fora fácil encontrá-la. Sabia onde ela vivia, com quem se relacionava,
os lugares que freqüentava, o que costumava fazer. Conhecia os hábitos dela. E se ele sabia... outros também poderiam saber.
- Mais café?
Olhou para cima. A garçonete, com um sorriso no rosto bonito, fizera a pergunta. Era jovem, com cabelos loiros, grandes olhos castanhos e pernas bem-torneadas,
reveladas pelo uniforme curto. No passado, ela teria representado uma deliciosa tentação para ele, como uma trufa para um chocólatra. Sabia que ela não era de Nova
Orleans. Aprendera, ao longo dos anos, a identificar sotaques.
- Sim, obrigado.
- Você não é daqui - ela observou, enquanto o servia.
- Não. Nem você. Pittsburgh?
- Como você sabe? - Ela arregalou os olhos.
- Essa é fácil.
- Tem razão. Ei, meus pais não puseram você para me seguir, não é?
- Não. - Ele sorriu. - Eu não estou seguindo você. E não conheço seus pais.
- Sinto muito. - Ela corou. -. Eu... estou freqüentando a Universidade Tulane, mas eles não acham que seja uma escola séria. Eu amo o que faço e trabalho bastante.
Mas eles acham que as melhores faculdades ficam no norte.
- Ah... E está se saindo bem? :
- Sim.
- Continue firme, então. Seus pais irão entender. Ela assentiu, ainda embaraçada, e sorriu.
- Meu nome é Cathy - apresentou-se, estendendo a mão.
Ele hesitou de leve, antes de retribuir o cumprimento.
- Pode me chamar de Luke.
- Luke, foi bom tê-lo aqui, e espero não ter feito um gigantesco papel de tola. Até mais...
- Até mais.
Ao vê-la afastar-se, ele tomou um gole de café e olhou de novo para o outro lado da rua. Algo acontecera. Jade estava de pé, e a xícara de café tinha virado,
sem que percebesse. Estava olhando para baixo, para...
Ele precisou se levantar para ver, mas nesse momento um veículo passou entre eles.
Deixando uma generosa gorjeta para Cathy, saiu do restaurante. Correu até o outro, lado da rua, mas ela se fora. Andou até onde ela estivera e viu a manchete
no jornal coberto de café sobre a mesa.
- Você está levando isso a sério demais! - Shanna afirmou.

Jade voltou à sala, onde sua irmã dobrava guardanapos. Ela era bonita, tinha cabelos cor de mel e grandes olhos azuis. Era um ano mais nova e, apesar de terem
brigado como cão e gato durante os dezoito anos que viveram na casa da família, haviam-se tornado grandes amigas quando Jade saíra de casa para ir à faculdade em
Nova York. Shanna freqüentara uma universidade na Califórnia e, quando ambas terminaram os cursos, retornaram para Nova Orleans.
Shanna trabalhara como modelo fotográfico durante o curso superior, mas, para sua surpresa, descobrira que, como a irmã, adorava escrever. Redigira alguns
roteiros, porém logo se encantara com Tolkien e passara a criar literatura fantástica. No entanto, como era bastante realista no tocante ao aspecto financeiro, incluía
Jade em qualquer trabalho eventual que conseguisse, o que lhes garantia uma renda extra. Não que elas corressem o risco de ficar desamparadas. Apesar de sua mãe
ter morrido de pneumonia havia nove anos, o pai ainda vivia na mesma casa e ganhava um bom salário como jornalista.
Peter MacGregor casara-se outra vez e tivera filhos com Liz, os gêmeos de dois anos Peter e James. Apesar de ele adorar as duas filhas, elas não queriam depender
do pai, e ambas haviam trabalhado durante o período de faculdade. Jade pretendera que seu interesse em edição fosse um risco exclusivamente seu, mas havia ficado
feliz em contar com a irmã na empreitada.
Excetuando-se a devastadora morte da mãe, tivera uma vida normal e repleta de amor, e sabia que tinha sorte. Contava com uma família maravilhosa e sobrevivera
a um massacre.
- Shanna, você leu o artigo?
A irmã parou o que estava fazendo e a encarou.
- Sim. Quatro pessoas foram brutalmente mortas em Nova York. Jade, você sabe como os nova-iorquinos seriam felizes se pudessem dizer que quase nunca acontecem
assassinatos por lá?
- Sim, assassinatos acontecem. Mas num cemitério? Corpos encontrados nus e decapitados em cemitérios?!
- Há pessoas completamente loucas neste mundo.
- Os crimes podem estar relacionados.
- Jade, quando você voltou da Escócia, me assustou de verdade. Achei que precisaria de tratamento psiquiátrico pelo resto da vida. Estava convencida de que
criaturas do mal saíram dos túmulos e voltaram à vida...
- Espere! Sei que eu estava histérica, assustada, e que disse muitas coisas esquisitas. Mas, Shanna, eu acordei envolvida numa mortalha, em cima de uma lápide!
E os responsáveis não foram presos. Você não acha que podem ser os mesmos?
- Escutei que eles têm excelentes detetives no Departamento de Homicídios em Nova York. Sem falar do FBI.
- Talvez eu possa ajudar.
- Como? Chamando atenção para si mesma? Dizendo: Ei, pessoal, estou aqui, vocês não conseguiram da última vez! Jade... Você se lembra mesmo de alguma coisa?
Poderia ajudar de verdade? Eles não têm nenhum suspeito. Eu li o artigo e sei por que está aborrecida. E não, não quero você envolvida outra vez.
- É enervante.
- Eu concordo. - Shanna sorriu. - Então, durma com o policial. Você é louca, mantendo esse rapaz à distância! Querida, ele é... o máximo! É lindo, tem um salário
fixo, é forte, e nem sequer é um cretino. Seu ele fosse meu, garanto que não me arriscaria a perdê-lo.
- Shanna, os homens tropeçam uns nos outros para se aproximar de você. Homens bonitos, ricos e fortes.
- E, mas os que estiveram atrás de mim até agora são cretinos. Durma com o policial. Além de dormir protegida, você vai ter também... bem, você sabe. Uma ardente
noite de paixão.
- É, estou pensando nisso. Você o convidou para vir aqui hoje à noite, não?
- Sim. E, a propósito, Matt já ficou convencido com o sucesso?
- Não, ele parece um garotinho, todo excitado. E vai comprar caviar, mesmo detestando.
- Eu estou feliz de ser sua sócia nas Publicações MacGregor! - Shanna sorriu. - Estouraremos um champanhe hoje para celebrar. E Jade... Estamos festejando.
Não vamos ficar paranóicas com o que aconteceu em Nova York, certo?
- Certo.

Sabia onde ela morava. Já estivera lá antes. Sentindo no rosto o toque da brisa e o beijo gentil da lua, olhou para a sacada. As portas estavam abertas, e
o vento agitava as cortinas.
Poderia subir. Descobrir mais.
Não. Apenas observaria. Ficaria de guarda.
Fechou os olhos, e depois os abriu, consciente de que ela fora até a varanda. Estranhamente, sentiu que ela o procurava. Deu um passo para trás, escondendo-se
nas sombras. Ela apoiou os braços na grade, e o queixo nas mãos, fitando a rua.
Deixe-me entrar, ele pensou. Ela teria permitido. Não. Mantenha-se afastado.
Permaneceu nas sombras, observando. Viera para vigiar, para proteger.
Então sentiu aquela estranha inquietude e soube que eles estavam na cidade. Houvera um tempo em que ele sentia qualquer mudança, qualquer desordem, um tempo
em que poderia ter invocado qualquer um de sua espécie, mediado controvérsias, imposto a lei, e sua palavra teria encerrado o problema.
Mas agora ela estava livre. Sophia e Darian caminhavam pelo mundo outra vez e eram capazes de se esconder dele, apesar do estrago que ele fizera, de novo,
aquela noite em sua pátria. Conseguia apenas pensar: Ela encontrou o talismã, e eu preciso recuperá-lo!
Jade continuava na varanda. Ela afastou o cabelo do pescoço, sentiu a brisa contra a pele e soltou-o de novo.
Ele precisava partir. Agir. A sensação ficava cada vez mais forte. Onde eles estariam? Por mais que soubesse que ele mesmo era mau, havia um mal que não permitiria
que ressurgisse.
Ali estava ela. A garota americana. Jade.
Gostaria de tocá-la. Apenas tocá-la. Sentir... Lembrar.
A inquietação aumentava, tornava-se mais forte. Caso se concentrasse, caso sentisse o seu poder, conseguiria ver. Seus inimigos estavam ocupados.
Virou-se na escuridão, em direção ao mal que conhecia tão bem.

- Mas você viu isso?
Renate DeMarsh, que morava no mesmo edifício de Jade e era criadora de uma série de mistério, fora à festa carregando uma porção de jornais de Nova York. Shanna
tentara barrá-la na porta, mas não conseguira.
Aos trinta e oito anos, ela obtivera aclamação da crítica por suas histórias. Eram mistérios resolvidos diante da lareira por uma avó doce, de cabelos brancos.
Os leitores amavam os livros, e ela estava sempre dando entrevistas na televisão.
Renate era pequena e bonita, com cabelos cor de platina e olhos violeta. Apesar de viver bem, sentia-se frustrada por não ter feito a fortuna que acreditava
merecer. Gostava de dizer a Matt que ele escrevia livros doentios por dinheiro demais, enquanto ela produzia literatura de qualidade por muito pouco. Os comentários
não o ofendiam. Ele gostava de ganhar dinheiro, e não dava importância a programas de entrevista. Ainda assim, admitia que apreciaria contar com a aclamação dos
críticos, e ela respondia que adoraria um fluxo financeiro como o dele. Os dois costumavam se solidarizar.
No momento, contudo, Matt estava aborrecido. Aquela era, afinal, sua grande celebração, e não se falava de outro assunto a não ser os assassinatos.
- Renate, eu não queria que Jade tivesse visto o que aconteceu! - ele disse. - Esqueci da notícia quando deixei o jornal com ela.
- Não! - Renate exclamou, impaciente. - É importante que ela leia. Aquelas mesmas pessoas podem estar envolvidas!
- Ora, Renate... - Matt começou.
- Vocês todos lidam com o fantástico - ela o interrompeu - enquanto eu lido com procedimentos policiais verdadeiros. Sempre há um motivo.
- Sim, mas existem membros de rituais no mundo inteiro - interferiu Jenny Danson.
Era uma moça bonita, roliça e animada. Mãe e enfermeira durante vinte anos antes de começar a escrever, conquistara um êxito rápido com histórias sobre os
conflitos entre a carreira e a família, e os percalços cotidianos.
- Renate, você não lê jornais melhor do que qualquer um de nós! Não é detetive de homicídios nem cientista comportamental. Jack, o Estripador já morreu há
muito tempo, Bundy também, mas sempre haverá outros assassinos em série. Eles não serão os mesmos, nem estarão todos atrás de Jade.
- Eu sugeri isso? - exigiu Renate.
- De certa forma - respondeu Danny Thacker.
Jovem e delgado, ele era a imagem de um artista esfaimado. Publicara diversos artigos e histórias em revistas, mas ainda não conseguira vender seu romance.
Trabalhava meio período no necrotério da cidade.
- Não estou dizendo isso, Daniel - afirmou Renate.
- Renate, todos nós sabemos ler e sabemos o que aconteceu - disse Matt. - Você vai assustar Jade!
- O conhecimento não vai me assustar - Jade manifestou-se. - Não saber das coisas é que é assustador.
- Mas com certeza não é necessário saber mais a respeito de Nova York - opinou Todd, o marido de Jenny. - Jade, você está em sua cidade natal, com seus amigos.
- Vocês todos estão confusos! - Renate afirmou. - Jade tem razão, e ela é sensata. Eu sempre digo que uma pessoa prevenida vale por duas.
- Sim, você diz. Várias vezes em cada livro - Matt observou.
Renate olhou feio para ele antes de insistir:
- Jade, eu estou falando a sério. E importante que você leia isto!
Jade arqueou uma sobrancelha, pegou o artigo da mão de Renate e o leu. O texto era objetivo, nem um pouco sensacionalista. Era quase frio. Sangue e vísceras,
puro horror. Os fatos, descritos de maneira nua e crua.
De repente, deu-se conta do que Renate desejava tanto que ela visse: a lista dos mortos. E um nome que parecia se destacar.
- Hugh Riley! - ela exclamou, lembrando-se do garoto que ficara em silêncio a maior parte do tempo e que se manifestara quando o assunto se voltara para a
condessa de Báthory. Recordou o rosto dele, os olhos... Na Escócia, ele sobrevivera, tendo sido encontrado envolto em uma mortalha em meio às lápides.
Fora outra vez encontrado entre as lápides, em Nova York. Só que, dessa vez, decapitado.

Cathy Allen ficou até tarde no restaurante naquela noite.
Em geral, trabalhava de manhã, e às vezes na hora do almoço, mas era a primeira vez que ajudava com o jantar. Como dois de seus colegas tinham adoecido, ela
ficara.
Na última mesa que servia, encontrava-se um homem, que não parecia nem muito jovem, nem velho. Usava calça e jaqueta pretas, tinha sardas e cabelos avermelhados.
Foi gentil quando ela derramou um pouco de vinho, sorrindo e lambendo a gota da mão.
- Mil perdões!
- Não tem problema.
- Obrigada.
- Ei, você sabe algo a respeito de passeios turísticos por aqui?
Cathy notou o sotaque. Aquele era o dia dos estrangeiros.
- Existem algumas agências, e com a chegada do Halloween, deve haver muitos passeios novos.
- É, talvez... Por que não me traz a conta? Ouvi você dizer para aquela garota ali que precisava ir porque está exausta.
- Nossa, se você me ouviu, devo ter falado mais alto do que pensei. Não quis ofender.
- Claro que não. Você foi muito prestativa.
- Bem, a respeito dos passeios...
- Sou um ator desempregado. Conseguir um trabalho narrando histórias dramáticas seria divertido.
- A maioria dos grupos faz testes para checar se você conhece os fatos históricos e se sabe contar uma história.
- Eu conheço História e sei narrar muito bem. Agora, dê a minha conta, assim, você pode sair daqui. - Ele sorriu. - Precisa de uma carona para algum lugar?
- Oh... eu... hum... - ela balbuciou. Apesar de ele ser agradável, não aceitaria carona de um estranho.
- Esqueça. Péssima pergunta. - Ele pegou a conta de sua mão e pagou-a. - Nós nos vemos por aí.
- Obrigada.
Quando o cliente se afastou, Cathy reparou na quantidade de dinheiro que ele deixara. Virou-se para agradecer, mas ele já se fora. Como se tivesse desaparecido
no ar.
Por duas vezes naquele dia, tivera sorte com os clientes homens.
Quando saiu, as ruas ainda estavam movimentadas. O problema era que ela tinha um bom caminho a percorrer para chegar ao velho carro que usava para ir trabalhar.
Deixava-o fora da região turística, pois naquela área os estacionamentos eram muito caros, e andava por ruas que não eram totalmente seguras. Durante o dia não havia
perigo, mas à noite...
Precisava passar pelo cemitério. Não que tivesse medo. Na verdade, adorava a história do lugar. E Nova Orleans era uma cidade ímpar, com seus diferentes sotaques
e culturas.
Havia nuvens no céu, e alguns trechos das ruas eram bem escuros. Estava na metade do caminho quando escutou passos. Apertou a bolsa contra o peito. Que ótimo...
Seria assaltada no primeiro dia em que as gorjetas tinham sido excelentes. Os dois clientes, um logo cedo, e o último da noite, haviam sido bastante generosos.
O ruído prosseguiu, e ela se virou, tentando ver quem a seguia. Passou a caminhar mais rápido, e logo ouviu passos de novo. Girou ao redor de si mesma, sem
deixar de andar.
Atrás dela! Uma sombra negra. Não, diante dela! Algo voando... Não, o luar, assustando, provocando. Então, de novo, o som de passos. Furtivos, ameaçadores...
- Ei! - Cathy gritou. - Eu carrego spray de pimenta! E uma pistola!
Risos... Ela tinha escutado risos, ou era um eco em sua mente? Olhou outra vez ao redor. Não havia ninguém.
Sombras, passos, risos... Começou a correr.
Os passos se tornaram cada vez mais rápidos. A sombra voou, erguendo-se como um pássaro preto gigante, passando sobre sua cabeça.
A lua gloriosa, encoberta por sombras, a escuridão caindo, e então... o toque.
Cathy gritou.

Rick Beaudreaux chegou tarde, e Jade notou de imediato que ele parecia muito cansado. Era óbvio que vira o artigo no jornal, pois, quando a fitou, havia uma
indagação em seus olhos.
Uma pequena multidão recebeu-o à porta. Todos os convidados estavam ali, observando-o.
Ele arqueou as sobrancelhas, parado na entrada. Quando olhou para ela e sorriu, Jade sentiu o coração se acelerar um pouco. Ele era perfeito. Sim, exatamente,
ele é perfeito!, disse para si mesma, um pouco brava. Ele era tudo o que desejara na vida... e, de uma forma estranha, sentia que relacionar-se com ele seria trair
outra pessoa.
Quem, sua idiota? Mas tivera uma sensação esquisita quando fora até a sacada. Como se alguém estivesse ali. Como se tivesse sido... tocada. A brisa fora quase
insuportavelmente sensual. Sim, estou esperando...
Sozinha, ela quase pronunciara as palavras. Então a irmã a chamara, e ela se sentira uma idiota, tendo fantasias sexuais com a brisa quando havia um homem
maravilhoso querendo entrar em sua vida.
Bem, seria naquela noite. Definitivamente.
- Entre... se eles deixarem - ela convidou, sorrindo.
Rick também sorriu, contente ao ver que ela parecia bem.
- Olá, pessoal!
- Deixe disso - Renate manifestou-se. - Sei que você é um policial, que sabe ler e compreender o que está nas entrelinhas. Estas pessoas acham que estou falando
bobagens. E Jade está assustada...
- Não estou exatamente assustada - Jade murmurou.
- Ela ficará louca se Renate não parar - Shanna observou.
- Ela precisa ter cuidado - Renate alertou.
- Quer champanhe, Rick? - ofereceu Matt. - Estamos comemorando.
- Claro, por que não? Parabéns, Matt!
- Então, o que você acha, Rick? - Shanna indagou. Ele hesitou antes de responder, encarando Jade.
- Acho que Nova York é longe.
- Um dos sobreviventes da Escócia foi morto lá - Jade informou-o. - Hugh Riley.
- Talvez seja o mesmo nome, e não a mesma pessoa - arriscou Matt.
- Qual era a idade do rapaz que você conheceu na Escócia? - Jenny quis saber.
- Vinte e um, ou vinte e dois.
- É muita coincidência - disse Renate, pegando o jornal.
- Este aqui tinha vinte e três.
- Posso verificar tudo isso - ofereceu Rick. - Não precisamos ficar aqui especulando. - Ao perceber que era encarado por todos, clareou a garganta. - Quero
dizer, mais tarde. Temos uma festa hoje, não é?
Shanna se aproximou, com uma taça na mão.
- Sim. Champanhe para o policial!
- Obrigado.
- De nada. Agora, um brinde! A Jade e a Matt!
- A emoções, calafrios e sucesso! - Jenny completou.
- E à História e às grandes igrejas e catedrais.
- Como vocês podem ficar aí, agindo como tolos, quando algo tão terrível aconteceu? - questionou Renate, indignada.
- E você, Rick, é um policial! Não pode descobrir mais agora?
- Renate! - Jade admoestou-a.
- Não - ele respondeu, - Preciso voltar para o trabalho por algumas horas.
- Precisa? Por quê? - Jade perguntou, desconsolada. Justamente no dia em que ela ia pedir a Rick que ficasse para passar a noite, apesar do que ela sentira
na varanda... Ou talvez... por causa do que sentira.
- Houve um acidente feio hoje. Estou indo ao necrotério para descobrir mais a respeito da vítima, um jovem universitário. Tenho de saber se ele estava envolvido
com drogas, conversar com a família...
- Que pena!! - manifestou-se Danny.
- É, a vida é uma droga, e depois você morre - Renate afirmou.
- Bem, acho que eu preciso de um pouco de ar - disse Jade.
Passou o braço pelo de Rick e o conduziu à sacada.
- Graças a Deus, eles não nos seguiram! - ele comentou.
- Entenderam a dica. - Jade sorriu.
Dali, escutava-se um jazz excelente, que vinha do clube em frente. A lua estava alta. Era uma agradável noite de outubro.
- Você está bem mesmo? - Rick indagou, fitando-a.
- Foi alarmante ler aquelas notícias.
- Sim, é bizarro. As mesmas pessoas podem estar envolvidas. Eles nunca prenderam os assassinos da Escócia.
- De Edimburgo a Nova York. É estranho, não?
- Depende. Há cultos perigosos por aí.
- O mais estranho é que os assassinatos aconteceram em um cemitério de novo.
- Sim. Você não passa os dias andando em cemitérios, não é?
- Devo admitir que, às vezes, sim. É difícil escrever sobre velhas catedrais e igrejas sem passar por alguns cemitérios. Dias, sim, noites, não. Não mais.
- Ela ficou pensativa, por alguns segundos. - Rick, você acha que são as mesmas pessoas?
- Acho improvável. Mas não é impossível, claro.
- É muita coincidência o rapaz se chamar Hugh Riley.
- Há muitas universidades em Nova York. Você me disse que eles eram universitários. Garotos de fraternidade, jogadores de futebol, debochados, viciados em
drogas.
- Eram apenas garotos.
- Infelizmente, os jovens não são imunes ao desastre, apesar de pensarem o contrário.
- Não posso acreditar que você tenha de voltar ao trabalho hoje. Eu ia...
Ele se aproximou, os olhos brilhantes e esperançosos.
- Você ia...?
- Achei que você pudesse passar a noite aqui.
- É mesmo? - Ele a tomou nos braços.
Jade sentiu o coração de Rick acelerar, e os lábios dele encontraram os seus. Já tinham se beijado e se acariciado antes. Ele era firme, quente, sensual...
Ela correspondeu à carícia, movendo-se de encontro ao corpo sólido, pronta, esperando, desejando... excitar-se.
Mas não conseguiu.
Droga! Deveria ter acontecido. Deveria...
Não se importava. De uma forma ou de outra, iria acontecer.
Rick se afastou, fitando-a.
Por favor, Deus, não o deixe perceber que não há nada aqui, que estou correspondendo a ele com uma mentira, que estou enlouquecendo, desejando...
- Volte quando terminar - Jade disse.
- Será muito tarde, talvez quase de manhã. E eu nem deveria ter beijado você, porque estou incubando alguma coisa, talvez um resfriado.
- Não me importo se estiver resfriado.
- Nem se eu chegar muito tarde?
- Vou lhe dar a chave.
- Combinado.
- Me dê um beijo antes de ir?
Rick sorriu e beijou-a ardentemente. A forma como ele a tocava, na sacada, era quase indecente. Por fim, ele se afastou e respirou fundo.
- Preciso ir. Tentarei não voltar muito tarde.
Jade assentiu, sentindo-se entorpecida. De mãos dadas, voltaram para dentro.
- Jade, estava esperando vocês para agradecer e me despedir - disse Danny. - Fui chamado ao necrotério, Eles precisam de ajuda.
- Hoje é quinta-feira - lembrou Todd. - Acho que também devemos ir, querida.
- Sim - Jenny concordou. - Jade, obrigada. - Sorrindo, abraçou-a.
- Boa noite a todos - despediu-se Danny, saindo. Rick seguiu-o, dizendo para Jade:
- Vou pegar uma carona com Danny. - Beijou-a de leve e saiu.
Jade teve certeza de que a irmã os tinha visto. Os Danson saíram em seguida. Logo depois, Renate, achando que passara a noite com um grupo de pessoas teimosas
e estúpidas, anunciou que iria embora.
- Acho que eu também vou - disse Matt, por fim. Abraçou e beijou Jade. -Obrigado.
Quando todos saíram, Jade e Shanna pegaram suas taças de champanhe e sentaram-se no sofá, lado a lado.
- Rick vai voltar, não é? - Shanna perguntou.
- Sim.
- Bem, eu também vou embora para você se preparar. Tome um banho de espuma. Torne essa ocasião especial.
- Claro, é o que vou fazer.
Shanna já estava a caminho da porta quando Jade se levantou para acompanhá-la. A irmã beijou-a no rosto e a abraçou, antes de fitá-la nos olhos.
- O que há de errado?
- Nada.
- Você está com medo?
- De quê? Ah, se está se referindo às notícias, não. Estou bem.
- Claro. Seu policial vai voltar. Ele é especial.
- Eu sei.
Shanna observou-a por mais alguns instantes. Jade sentiu que a irmã podia ler sua mente, perceber de alguma forma que... ela não estava sentindo nada, que
estava apenas desesperada para fazer aquilo dar certo. Jade sorriu.
- Obrigada, Shanna. Por tudo.
- Mal posso esperar para falar com você amanhã! Ligue para mim assim que estiver sozinha,
- Eu prometo.
Jade fechou a porta e apoiou-se nela por alguns instantes. Depois, trancou-a e afastou-se, determinada. Pôs canecas de cerveja no freezer e foi para o banheiro,
decidida a desfrutar um longo e delicioso banho de espuma.
Abriu a torneira da banheira. O vapor quente subia enquanto ela avaliava as diversas fragrâncias para o banho. Escolheu um óleo oriental e despejou-o na água.
Em seguida recostou-se na banheira e fechou os olhos. Aquecida, sentiu-se envolvida pelo silêncio, era como se estivesse ao seu redor, suave como a água perfumada,
doce, sensual... como se a acariciasse. A água a embalava e seduzia. Quase adormecida, sonhou. Havia um vulto, andando em meio à névoa e ao vapor que encobria a
banheira.
Você está aí, na água.
Sim.
Estou indo.
Estou esperando...
As palavras não eram reais, mas ela podia vê-lo, o amante por quem esperava. Ele avançava a passos largos, de forma suave e confiante, com a leveza de um gato,
ágil, sinuoso, magnífico...
- Sim, venha até mim...
Ela pulou, assustando-se e recuperando a consciência ao falar em voz alta. A água estava esfriando, o vapor desvanecera.
- Vou me afogar aqui - resmungou, exasperada. - Meu Deus, o que está acontecendo comigo?
Levantou-se, pegou a toalha, secou-se e se enrolou nela. Viu seu reflexo no espelho sobre a pia. Estava pálida.
- Será que estou enlouquecendo de medo? - sussurrou.
Mas ela não estava com medo, pelo menos não a ponto de sentir pânico. Pensando nisso, abriu a porta que levava ao quarto, contente por ter deixado as luzes
acesas. Nada. Verificou o restante da casa e as portas. Estavam trancadas.
Suspirando, voltou ao quarto e ligou a televisão. Passava Robin Hood, com Errol Flynn. Enquanto assistia ao filme, imaginava o que deveria vestir para receber
Rick. Algo curto ou longo? Discreto ou revelador? Sensual ou sutil?
Longo, discreto e sutil. Na verdade, não possuía nada muito revelador. Tinha uma camisola preta de seda, comprida e decotada, que seria perfeita. Descartando
a toalha, vestiu a camisola, escovou os cabelos e os dentes e passou um creme no corpo. Deitou-se, determinada a assistir ao filme, mas seus olhos começaram a fechar.
Acordara cedo, e o dia fora longo. E estava tarde...
Preciso esperar acordada! Dera a Rick a chave, mas...
Seria uma grande noite. Precisava estar acordada, encantar, seduzir, conhecer o homem que poderia fazer parte do resto de sua vida... Algo não saíra muito
certo, mas seria resolvido. Ela faria dar certo.
Estava muito cansada. Concentre-se no filme! Seus olhos começaram a fechar. Champanhe demais, ou de menos... Fique acordada... Fique acordada...

Daniel estava acostumado ao necrotério. Aprendera o trabalho seguindo as ordens dos médicos legistas. Era competente no que fazia, mesmo considerando a atividade
apenas um emprego, uma vez que precisava do salário e não se incomodava com os horários estranhos.
Já vira homens e mulheres idosos, alguns serenos como se dormissem, outros contorcidos pela dor final de um ataque cardíaco ou destruídos pelo câncer e pelo
enfisema. Vira crianças e bebês, vira vítimas de assassinatos, maridos esfaqueados, esposas espancadas. Vira de tudo nos três anos em que trabalhava ali.
Não. Quando o lençol foi retirado de cima do rapaz que sofrera o acidente, ele quase vomitou. Não tinha visto nada, até aquele momento...

Jade conscientizou-se lentamente de uma mudança... de algo diferente ao seu redor. Havia acordado durante a noite? Se fosse o caso, não conseguiu identificar
o motivo. O quarto permanecia escuro, a única luz vinha da televisão. Robin Hood não estava mais sendo exibido, a menos que tivessem sido acrescentadas cenas em
que Robin e Marion estavam...
Suspiros e sussurros. Um homem e uma mulher, fazendo amor.
A bruma preenchia o aposento, envolvendo-a em suavidade e calor. Jade ouviu música, um som tão suave que poderia provir de dentro de si mesma, a batida podia
ser sua pulsação. Estivera esperando por ele. Sim.
E ele estava lá. Tocou-a, e ela sentiu o calor da respiração dele contra sua pele. Havia algo incrivelmente sensual na forma como ele apreciava seu aroma,
seu sabor. Os dedos que a roçavam estavam quentes e a seduziam. Moveu-se contra ele, surpresa por desejá-lo tanto. Seu corpo se arrepiava, doía, ardia.
- Você está aqui - ela sussurrou. Eu deveria estar?
- Eu o convidei.
Você tem me convidado. Eu não deveria ter vindo. Mas você me convidou.
- Eu esperei. Eu quis você.
Sentiu-lhe o peso, o roçar dos dedos no rosto, a seda esfregando-se contra sua pele, o corpo masculino, a força discreta do peito dele, os beijos...
Excitou-se como nunca. A vida despertava dentro dela. Sentia cores ao seu redor, matizes de vermelho, queimando, dançando, erguendo-se em meio à bruma e à
escuridão. A frieza da névoa e da brisa a tocou, o fogo a envolveu... os beijos dele a incendiavam. Fogo, cor e névoa tremulavam, sentiu a força dele, o calor...
a pulsação. Os batimentos do coração dele. Não, os batimentos de seu próprio coração.
E então, foi como se um relâmpago atravessasse o quarto.
O sol, a explosão de uma estrela nova... Jade não conseguia respirar nem pensar, o desejo pulsava, ondulava, avassalador... Ela mal conseguia se manter à tona
naquele mar de sensações, e ainda assim deu-se conta de um sussurro...
Por que está comigo?
- Porque você é perfeito.
Estou longe de ser perfeito.
- Perfeito, íntegro...
Meu Deus, não! Estou tão longe disso que você não conseguiria nem começar a imaginar. Meus pecados são como o peso do mundo...
- Você não é quem pensa ser.
Sou exatamente quem você acha que eu sou. Você viu, você conheceu...
- Não.
Você não pode fechar os olhos...
Mas os olhos dela estavam fechados. Meneou a cabeça. Não queria pensar nem falar, queria apenas sentir. O sol, a terra, o céu estavam dentro dela, estrelas
explodiam, e ela nunca esperara que nada pudesse ser tão sensualmente, sexualmente, selvagemente... bom.
Jade acordou ensopada de suor, com lembranças que a fizeram enrubescer, confusa. O quarto estava imerso em sombras. Era ainda muito cedo, pensou, sonolenta.
O sol ainda não nascera. Escutou ruídos estranhos. A televisão estava ligada.
Afastou os cabelos úmidos e embaraçados dos olhos e espiou a televisão. Sim. O filme erótico que começara a ser exibido no respeitável canal a cabo na noite
anterior ainda não havia terminado. Balançou a cabeça, espantada consigo mesma. Constrangida.
Estendeu a mão, certa de que Rick estaria a seu lado. Sabia que ele chegara à noite, e que seus medos tinham sido ridículos. Ele era perfeito. Tudo o que desejara
em um homem, inteligente, bondoso e... Conseguiria encará-lo?
- Rick... - Virou-se, mas não o encontrou. Franzindo o cenho, começou a se levantar. A camisola preta estava no chão. As cobertas, emaranhadas na cama. - Rick?
Ele teria se levantado para fazer café? Ou, como para ele ainda era noite, teria pegado uma cerveja?
Jade saiu da cama, foi até o banheiro, vestiu o robe e dirigiu-se à sala.
- Rick?
Sem resposta. Logo ela ouviu a chave na fechadura, e ele entrou, parecendo esgotado. Encarou-o, e ele a fitou, tocando a gola de seu roupão.
- Me desculpe.
- Rick? - ela sussurrou. - Você...
- Eu lhe disse que chegaria muito tarde. Ou cedo - ele se desculpou. - Não deveria ter vindo, Jade. Está muito tarde, e a noite foi terrível. Estou me sentindo
cada vez mais doente, e mal consigo parar em pé. Acho melhor ir para casa.
- Para casa? Mas... você... não estava aqui?
- Você acabou de me ver abrindo a porta.
Ela sentiu o corpo gelar, e achou que desmaiaria.
- Jade?
Ela mal ouviu sua voz. O mundo preencheu-se de... névoa.
E ela desfaleceu.

Janice Detrick bocejou. Gostava do turno da manhã no hospital, mas naquele dia estava cansada.
Vira alguns funcionários na entrada da emergência. Todos falavam do horrível acidente que quase decapitara um rapaz. Coisas estranhas estavam acontecendo,
como aqueles assassinatos em Nova York. Não que Nova Orleans fosse um lugar comum, mas, nos dias atuais, o vodu fazia parte da indústria turística. Claro que sempre
havia aqueles que o encaravam como pura religião, que acreditavam em zumbis, no poder de ressuscitar os mortos, de lançar feitiços e maldições, de fazer coisas esquisitas.
Ser enfermeira não era esquisito. Ao contrário, era comum e monótono. Ela era uma boa profissional.
Dirigiu-se ao terceiro andar, onde trabalhava no setor cirúrgico. A equipe da noite estava se preparando para a troca de turno. Como de costume, as enfermeiras
que chegavam conversavam a respeito dos pacientes com as que estavam saindo. Enquanto se atualizava a respeito de seu pequeno paciente, Janice achou ter visto algo.
Uma sombra escura passando sobre o posto de enfermagem. Teve a estranha sensação de... asas.
Tolice. Pegou o corredor à esquerda do posto. Ali havia sombras. As luzes da área de trabalho esmoreciam, e ainda não havia amanhecido, os medicamentos ainda
não estavam sendo ministrados, e o desjejum não seria servido na próxima meia hora.
Ainda assim, algo pareceu atraí-la para o estoque, mas ela se deteve no corredor. Ali, bem à sua frente, havia um homem. Ele parecia estar na sombra. Ou ele
era a sombra. Usando uma capa? Quem era ele, e o que estava fazendo? Seria o paciente sonâmbulo? Não, o sr. Clark tinha setenta anos, e aquele homem era jovem e
forte. De repente, ele se contorceu, como se estivesse sentindo muita dor.
- Deixe-me ajudá-lo - ela ofereceu.
Teve certeza de que ele nunca estivera em um dos quartos. Se o tivesse visto antes, teria se lembrado. Ele era diferente. Atraente, viril, admirável... Mas
estava pálido e ferido.
- Está machucado - ela disse, e a compaixão suplantou qualquer inquietação.
Por um instante, ele sorriu. Um sorriso estranhamente charmoso.
- Bobagem! Você deveria ver o outro sujeito. E então... eu achei que estava bem e parei para ver essa garota... Muito esforço, não é?
- Deixe-me ajudar você! - Tentou pôr o braço dele sobre seu ombro.
- Não! Afaste-se! - ele pediu. A voz era profunda, rouca e autoritária.
- Está ferido.
Por um instante, achou que via os olhos e o rosto dele. Estava tão pálido! Ele sorriu outra vez, mas o sorriso logo se apagou. Os olhos estavam focados em
seu pescoço.
Um arrepio de medo lhe percorreu a espinha, mas ela parecia hipnotizada. Achou que ele ainda sorria, apesar do olhar cortante fixo em seu rosto. Era um sorriso
triste. Ele não pretendera ser visto, pensou. Seu coração batia com força, suas veias pulsavam. Era como... música.
- Vá! - ele ordenou, mas ela não conseguiu se mover. - Vá! - ele repetiu, afastando-a. - Estou ferido. Vá buscar ajuda.
Janice deu alguns passos, mas parou ao ver que ele caía no chão. Precisava conseguir ajuda. Ele era grande demais para que o auxiliasse sozinha. Virou-se e
foi atrás de Jasper, um dos enfermeiros, que acabara de chegar.
- Jasper, rápido, temos um homem ferido! - ela exclamou, aproximando-se do posto de enfermagem. - Ele é muito pesado. Venha me ajudar!
- Claro - ele concordou, seguindo-a.
Quando chegaram ao local, o estranho desaparecera sem deixar rastros.
- Ele não devia estar gravemente ferido - Jasper comentou.
- Eu juro que ele estava aqui.
- Eu acredito. Talvez estivesse baleado.
- Não pode ser. Não há uma mancha de sangue em lugar nenhum.
- Ei! - Jasper exclamou de repente. - Olhe.
A porta para o estoque, sempre trancada, estava aberta. Os medicamentos e o sangue que utilizavam para transfusões eram mantidos ali.
Eles se entreolharam e entraram juntos no aposento, que estava devastado, como se tivesse sido atingido por um furacão. As prateleiras haviam sido quebradas,
os armários revirados, as gavetas esvaziadas. E os frascos estavam espalhados por toda parte.
- Jasper...
- Janice... - ele sussurrou, fitando-a com os olhos arregalados. - Não sobrou uma gota de sangue aqui!

Pouco depois das sete horas da manhã, Lucian estava sentado à sua mesa no restaurante. Seu rosto estava limpo, o cabelo, cuidadosamente penteado, as feições
revelavam cansaço.
Jade não se encontrava no Café du Monde, e Cathy não aparecera para trabalhar. Na verdade, não esperara nenhuma das duas. Estava ali por causa de Daniel. Exausto,
após o dia clarear, vira o rapaz sair do necrotério e o seguira, ciente das amizades dele. Ambos gostavam do mesmo restaurante. Observou Daniel passar os dedos pelos
cabelos, pressionar as têmporas e menear a cabeça repetidas vezes.
Quando a garçonete que o atendia, uma garota chamada Shelly, aproximou-se, Lucian perguntou sobre Cathy. Ela não iria trabalhar aquela manhã, mas a moça não
sabia o motivo. Percebendo que Daniel acompanhava sua conversa com a moça, Lucian olhou para ele, que sorriu de leve.
- Desculpe, não pretendia me intrometer, mas notei seu sotaque. Você não é daqui.
- Não - Lucian retrucou.
- É inglês?
- Escocês.
- E britânico, de qualquer forma.
- Há uma pequena diferença. Pergunte a qualquer escocês ou inglês!
- Certo. Escocês - repetiu Daniel, assentindo. Concordaria com qualquer coisa. Queria companhia, alguém com quem conversar.
- Você é daqui? - Lucian indagou.
- De uma cidade próxima, Metairie.
- É uma boa cidade.
- Sim. - Daniel hesitou um instante antes de fitá-lo intensamente. - Tive uma noite difícil.
- É mesmo? - Lucian indicou a cadeira vazia à sua mesa. - Sinta-se à vontade para me contar.
Daniel levantou-se com tanta rapidez que derrubou a cadeira. Corando, ele a ergueu, pegou seu café e juntou-se a Lucian.
- Daniel Thacker - apresentou-se, estendendo a mão para cumprimentá-lo.
- Lucian... DeVeau - acrescentou após uma hesitação. O nome soava estranho em seus lábios. Fazia muito tempo que não o usava.
- Não é um nome escocês.
- Francês. Normando, na verdade. Cerca de mil anos atrás, minha família se mudou para o Norte. Um antepassado saiu de Reims em um navio mercante, foi atacado
por escandinavos e se uniu a eles na busca por riquezas célticas. Estabeleceu-se lá.
- Interessante - murmurou Daniel, encarando-o.
Lucian repreendeu-se. Raramente oferecia informações a respeito de seu sobrenome.
- Já vi você antes? - Daniel perguntou.
- Talvez. Venho aqui às vezes.
- Eu também. Sinto como se o conhecesse. Ei, isso soou estranho! Não estou tentando... Quero dizer, tenho uma namorada. Bem, tinha, porque ela terminou comigo,
mas...
- Não se preocupe - Lucian tranquilizou-o, divertido.
- Estou tentando ser escritor. Acho que tenho talento, e meus amigos também acham. São escritores bem-sucedidos.
- Deve ir em frente! Eu mesmo gostaria de escrever.
- O que você faz?
- Viajo.
- Ah, você é rico. Tem um castelo no seu país, ou um título de nobreza?
- Não exatamente. - Lucian inclinou-se para a frente. - Então, por que está tão aborrecido?
- Oh! Eu... hum... eu... tenho um emprego esquisito para conseguir pagar minhas contas. Trabalho no necrotério. É interessante, e eu aprendi muito, mas...
ontem à noite, tivemos uma vítima de acidente. Um rapaz, que saiu pelo pára-brisa do carro.
- Retalhado, imagino?
- Sim. Mas o mais terrível foi... - Ele olhou para baixo e inspirou fundo. - Foi a cabeça. Estava... separada do corpo, mas não completamente. Estava pendurada
por pedaços de carne e tendões, e... havia sangue, mas não muita quantidade, e os olhos... Meu Deus, ele viu o que ia acontecer...
Lucian imobilizou-se por um instante, mas logo perguntou:
- Estão convencidos de que foi um acidente?
- O que mais poderia ser? Encontraram o carro esmagado contra uma árvore. O motorista tinha atravessado o pára-brisa. Aconteceu não muito longe daqui, perto
do Cemitério Saint Louis. Foi terrível! Nunca vi nada como os olhos daquele rapaz,
- Você deveria ir para casa dormir um pouco.
- Não estou muito cansado. Ou talvez esteja. Parece que não consigo me livrar daquela imagem. - Daniel olhou para ele. - Sim, estou cansado, mas não consigo
dormir.
- Consegue, sim.
- Eu...
- Você consegue.
- Sim, obrigado. Vou para casa agora. Dormir. - Levantou-se. - Foi um prazer conhecer você.
Lucian assentiu e observou-o sair do restaurante.

Quando Jade acordou, estava no sofá, com Rick a seu lado.
- Você está bem?
Uma sensação de pânico apoderou-se dela. O que dissera e fizera? Nada. Ele tinha entrado, chegara bem tarde e não estivera lá antes. Ela desmaiara. Sonhara
que tinham estado juntos.
Não era ele!
Mas sim, tinha que ser ele! Quem mais permitiria que entrasse em um sonho como aquele?
- Você está mesmo aborrecida, não é? Eu não a culpo.
Aborrecida? Estava enlouquecendo, isso sim!
- Eu... hum...
- Sem querer ofendê-la, mas sua aparência está péssima. E eu estou me sentindo muito mal.
Sua aparência estava péssima? Acreditava nele, assim como acreditava, que ele não se sentia bem. Rick estava fatigado. Nunca o vira daquele jeito. Estendeu
a mão e acariciou-lhe o rosto.
- Você deve estar exausto. Teve uma noite difícil?
- Terrível. Até seu amigo Danny ficou enjoado. - Olhou-a, constrangido. - Veja, eu nunca estive tão excitado com o fato de alguém querer estar comigo, mas...
acho que devo ir para casa. Estou mesmo péssimo. Quero que a nossa primeira vez seja especial, fazê-la perceber que o mundo nunca mais será o mesmo sem mim. Mas
não tenho certeza de conseguir isso no momento.
- Eu entendo. Eu... também não tenho certeza de poder corresponder.
- Você não conseguiu dormir. Teve pesadelos?
- Hum, sim, sonhos. Não era mentira, era?
- Pedi detalhes da cena do crime em Nova York. Gavin receberá as informações hoje. Quando eu acordar, podemos ir à delegacia juntos para ver o que ele conseguiu.
- Obrigada, Rick. Você parece exaurido. Se quiser, pode dormir aqui.
- Preciso ir para casa. Quero roupas limpas. Depois do necrotério... Sinto muito.
- Não, está tudo bem.
- Vou compensá-la.
- Não, sou eu quem vai compensá-lo.
Rick levantou-se e se deteve ao chegar à porta.
- Mesmo durante o dia, mantenha as portas fechadas. Os assassinatos aconteceram longe daqui. Existem muitos loucos no mundo, e não há motivo para pensar que
isso faça parte da mesma insanidade, mas mesmo assim...
- Ei, estamos em Nova Orleans. Sou uma garota esperta. Sempre mantenho a porta fechada.
- Está bem. Até mais.
Ela roçou-lhe os lábios com um beijo leve e sentiu-se estranha, como se o tivesse traído. Ou como se estivesse traindo outra pessoa com ele.
- Rick... - murmurou, experimentando sentimentos de culpa e vergonha. - Sabe que amo você, não é?
- E eu adoro você. - Ele sorriu e tocou-a no rosto antes de sair. - Tranque a porta.
- Certo.
A porta se fechou.
Rick escutou-a trancar a porta. Caminhou pelo corredor, mas logo parou e olhou para trás. Idiota! Volte.
Aquilo era loucura. Esperara tanto tempo... Jade era uma pessoa forte, mas ficara fragilizada pelo horror que testemunhara na Escócia. Ele compreendia. Apaixonara-se
por ela e decidira aguardar. Ela nunca o manipulara. Desde o princípio fora honesta, carinhosa, divertida e encantadora.
Podia esperar um pouco mais. Ela não estava bem, e ele se sentia péssimo. Grande parte do problema fora o cadáver, mas começara antes disso... quando aquela
mulher na rua lhe pedira informações na noite anterior, em seu caminho para a casa de Jade. Era muito bonita, uma turista atraente e perdida, com um sotaque suave
e um jeito que levava um policial a desejar não apenas indicar-lhe o caminho, mas levá-la pessoalmente. Ela espirrara, ele devia ter pegado algum vírus.
E agora estava péssimo. Inútil. Ainda assim... Conforme se afastava da casa de Jade, tinha a estranha sensação de que deixara alguma coisa intangível escorrer
por seus dedos e que, ao fazer isso, perdera algo. Um estranho medo apertou seu coração.
Volte!, uma voz o instou. Porém, decidiu afastar todas aquelas sensações esquisitas. Afinal de contas, era um policial, pelo amor de Deus!

A jovem sentou-se diante de Lucian, na cadeira que Daniel Thacker desocupara pouco antes. Ele a fitou, surpreso por vê-la ali. Talvez não devesse ter se surpreendido,
nem se importado. Tivera sua cota de escuridão e crueldade, e não havia nada diferente a respeito do que era agora: um sobrevivente, aquele que fazia a lei ser cumprida,
que mantinha o equilíbrio.
Mas o mundo mudara para ele naquela noite, na Escócia. Sentira de novo a ameaça de seus inimigos pela primeira vez em eras. Haviam travado uma batalha, e ele
ganhara a luta, mas estava ciente de que era uma guerra e, para eles, uma busca por vingança. Conhecia sua própria força e seu poder, que fora brutalmente conquistado.
Mesmo assim, havia outra sensação que experimentava de novo, algo que em determinado momento conseguira afastar, como a seus inimigos: o medo.
- Era você ontem à noite, não? - a moça indagou.
- Não sei o que quer dizer.
- Sabe, sim. Tenho certeza de ter visto você... Estava apavorada, sabendo que seria assaltada ou morta, e você... o deteve. A sombra, o medo, os passos. Ele
não me alcançou. Você me disse para correr. E eu corri tão rápido! Cheguei ao carro, entrei, liguei o motor e saí voando dali. Eu teria sido assassinada se não fosse
por você.
- Você foi seguida.
- E você salvou minha vida.
- Não deveria sair daqui tarde da noite sozinha.
- Não farei isso nunca mais. Deus, você é maravilhoso! Ele se levantou, impaciente.
- Não, Cathy, não sou maravilhoso, mas você tem de me escutar agora. Precisa ser muito cuidadosa. Sair durante o dia, ter cuidado à noite, andar sempre em
grupos. - Agitou um dedo sob seu nariz. - E não convide estranhos para nada, entendeu?
Ela assentiu, espantada com sua ferocidade. Lucian virou-se e saiu para a rua, ansioso para afastar-se. O sol brilhava muito. De repente, dobrou-se ao meio,
atingido por uma excruciante agonia. Precisava ir para casa. Imediatamente. Tinha de descansar. Sua força era admirável, mas o sol brilhava demais naquele mês de
outubro.
Você deveria ver o outro sujeito!, ele dissera mais cedo.
E era verdade. Agora sabia que eles estavam ali. Tinham sido os responsáveis pelo massacre em Nova York, e haviam ido até ali. Da última vez, ele os destroçara,
mas eles se curaram. Ainda não vira Sophia, que se mantinha distante, pronta a sacrificar aquele tolo, Darian. Conseguira afastá-lo de Cathy, mas ele escapara.
Lucian ainda podia ouvir a voz do adversário.
Quem você pensa que é? O que você pensa que é? Para os outros, você é menos horrendo e repulsivo?
Sou o rei, o governante.
Vai ter de brigar para se manter no poder.
Farei isso.
Você enfraquece, eu fico mais forte. E ela se torna ainda mais forte.
Tolo. Nunca será mais forte que eu! Não permitirei que isso aconteça. Para si mesmo, acrescentou: Porque meu ódio é maior, minha amargura é mais profunda:
Manterei o poder com minha força de vontade, e não é a fraqueza que me governa, ou uma consciência, mas inteligência, lógica e desejo de sobreviver.
Somos o que somos, Darian provocou. Caçadores. Lobos. E lobos caçam ovelhas.
Não quando há carne, nem quando caçar trará sobre nós a vingança centuplicada dos fazendeiros que possuem as ovelhas. Você viu através dos tempos. Todos lutaremos
para sobreviver. Os fazendeiros, com tanta ferocidade quanto nós:
Está ficando tolo, sentimental e fraco. Nós esperamos o momento propício, nos curamos, nos fortalecemos. E, no final, nós o venceremos, e eu serei rei. Ela
o fez e vai desfazê-lo também. O que ela criou, pode destruir.
Nunca... Você acha que conhece o ódio? Não tem idéia do que é o ódio, a fúria, a perda...
Por você achar que a encontrou de novo, acredita que tem uma alma. Você vê Igrainia naquela mulher. Mas o que ela veria em você? É uma criatura da noite, sórdida,
repugnante, abominável. Pecou como poucos, devastou, matou... Você é escuridão, morte, o próprio fogo do inferno...
Sua cabeça estava quase explodindo. Lucian cerrou os dentes e se endireitou. Raramente precisava de ajuda. Não tinha ninguém próximo.
O talismã! Ela devia estar com o talismã outra vez. Diabos, o sol brilhava! Precisava do lar que mantinha ali, de um lugar escuro para descansar... Não, precisava
mais do que estar em casa, precisava de ajuda. E, apesar de ter jurado que manteria distância, tinha uma velha amiga na cidade...
Caminhou com a multidão, e então se transformou em sombra.

A luz do dia, Jade convenceu-se de que precisava de um psiquiatra. Tentou analisar a si mesma, e concluiu que estava frustrada e temerosa desde a viagem à
Escócia.
Sem querer estender-se em seus pensamentos, decidiu ir até a delegacia. Gavin, um amigo de Rick, trabalhava no setor de Homicídios, e era uma excelente pessoa.
Se soubesse de algo, com certeza lhe diria. Quando estava de saída, Renate surgiu à sua porta.
- Estava saindo?
- Sim.
- Achei que Rick estivesse aqui.
- Ele estava, mas já foi embora.
- Eu esperava descobrir mais a respeito do rapaz que morreu no acidente.
- Sinto muito. Ele não está aqui. - Não revelou que iria até a delegacia, pois não queria que Renate a acompanhasse.
- A história do acidente está no jornal. Havia álcool no sangue do rapaz. Não que tenham encontrado muito sangue, nem mesmo no carro ou na árvore em que ele
bateu. Ele não deveria estar dirigindo. Tinha bebido e batido na namorada... Sei que Rick gosta dos jovens, que se orgulha de seu trabalho, mas aquele... Jade, fazia
menos de seis meses que ele freqüentava a faculdade e já estava metido em problemas sérios. Estou lhe dizendo, esse menino era... não era boa coisa.
- Ainda assim, é uma morte terrível. E, se ele era jovem, poderia ter mudado, ter deixado de ser um delinqüente.
- E também poderia ter matado outras pessoas.
- Renate, de vez em quando...
- Eu deveria tentar ver o lado bom, eu sei. Mas eu escrevo histórias de mistério, em que acontecem crimes. Faço pesquisas, e sei que as pessoas podem ser más
com mais freqüência do que podem ser boas. Mesmo pessoas que acreditamos ser boas provavelmente não seriam tanto assim se achassem que não seriam punidas.
- Existem pessoas boas e más, e muitas tonalidades de cinza no meio.
- Sei...
Para alívio de Jade, o telefone começou a tocar.
- Com licença, Renate, mas tenho que atender.
- Certo. Bem, se conseguir alguma informação boa, vai me contar, não?
- Claro.
Jade fechou a porta e correu para o telefone. Porém, quando alcançou o aparelho, a secretária eletrônica já havia sido acionada.
- Alô! - ela disse rapidamente.
- Jade MacGregor? - Era uma voz feminina, suave e baixa.
- Sim?
Silêncio. E então um clique indicou que a mulher desligara.

Ele poderia ter entrado, mas não o fez. Hesitante, permaneceu diante da bela mansão. Não pretendera voltar ali, nem ver Maggie. A história que haviam vivido
juntos fora longa e rica, mas acabara. Achara que um dia escutaria a respeito da morte dela, uma avó já idosa, e que retornaria para jogar rosas em seu caixão. Ela
conseguira o que queria: uma nova vida. E a certeza da morte.
Ficou ali por diversos minutos até se lembrar de que precisava bater à porta, o que logo fez. Maggie surgiu e ofegou ao ver seu estado.
- Você!
- Sim, sou eu. Sinto muito.
- Meu Deus...
- Eu não vim interferir na sua vida. Há problemas surgindo e...
Olhando para o sol intenso, ela o puxou para dentro pelo ombro.
- Venha, seu tolo. Meu Deus, você está horrível!
Eram velhos amigos e velhos inimigos. Ela podia dizer-lhe aquilo. Sorriu e, pela segunda vez naquele dia, disse:
- Você deveria ver o outro sujeito!
- Eu tive medo ao ver no jornal as coisas que estão acontecendo aqui... Vi as reportagens a respeito dos assassinatos na Escócia. E agora em Nova York. Lucian,
o que está acontecendo?
- Rebelião. O passado se erguendo. Um passado que eu fiz o possível para enterrar para sempre. Nunca expliquei para você como me tornei...
- Lucian, você não teria me explicado nada. Você era o poder, e ditava as regras. Mas eu escutei coisas ao longo dos anos. Vampiros falam - ela provocou. -
Aparentemente a morte não faz nada para deter a necessidade de fofocar.
- Você ouviu falar em Sophia?
- Sim.
- Ela despertou, e Darian, seu lacaio, a protege.
- Você lutou com ele?
- Sim.
- Mas ele não está...
- Morto? Não - admitiu com amargura.
- E você não pode matá-lo, certo?
- Não pelas leis antigas, das quais eu sou o guardião. Mas a depravação deles pode prejudicar a todos nós e, sendo esse o caso...
- Você pode distorcer a lei.
- Sim. Mas eu me arrisco a uma insurreição.
- Eu nunca vi ninguém com a sua força.
- Darian acabou de escapar. Talvez eu tenha sido confiante demais. Na Escócia, eu não sabia, até que chegássemos às tumbas, que ele estava com Sophia. Eu feri
os dois ali, mas não o suficiente. Eles têm se preparado, reunindo força, bebendo quantidades enormes de sangue. Sophia passou séculos fortalecendo-se para me derrubar.
E havia um talismã... um medalhão de ouro, que ela sempre usou, preenchido com o sangue de um anjo caído.
- E onde esse talismã estava?
- No fundo do mar.
- Quando ela...
- Recuperou-o? Não sei. Não tenho certeza se ela está de posse do talismã, mas ela alegava que era sua maior fonte de poder. Qualquer que seja o motivo, ambos
se curaram e recobraram a força.
- Você precisa dormir e se recuperar.
- Não posso revelar fraqueza - ele murmurou. Estava exausto.
- É verdade. Não pode. - Tocou-o com gentileza no rosto. - Você aprendeu tanto... Aprenda a confiar em uma velha amiga. Foi por isso que veio até aqui, não
foi? Entre.
Lucian assentiu e entrou na casa dela, um lar normal, repleto de calor, com um aroma delicioso e tentador vindo da cozinha, o chorinho de um bebê, a maciez
de um colchão, o conforto de um travesseiro.
- Trouxe terra? - ela indagou. - Um pouco do velho país?
- No meu bolso.
- Quarto de hóspedes.
- Obrigado. Tenho de explicar que...
- Mais tarde. Durma agora. Você parece precisar de algum tempo para se curar. - Fitou-o com cautela. - Já se... alimentou?
Maggie soara um pouco temerosa?, ele se perguntou. Ela vivia uma vida diferente agora. Sorriu.
- Sim.
- Lucian, por favor, diga-me que você não tem se aproveitado dos inocentes. Diga-me que tem mordido ditadores corruptos, assassinos condenados, pedófilos...
- Eu não me alimentei de ninguém. Fui ao banco de sangue no hospital.
- Tenho certeza de que isso estará nos jornais amanhã - ela comentou, sorrindo. - Bem, eu me casei com um policial, lembra? Você pode muito bem ser o que se
situa entre todos nós e a insanidade total. Durma. Precisará de toda a sua força. Mais tarde Sean estará em casa. Ele saberá mais e poderá ajudá-lo. E você... poderá
ajudá-lo. Agora, venha comigo.
Eles subiram a escada.
- Você feriu Darian o suficiente para ganhar algum tempo?
- Sim. Não acho que ele arriscará outro encontro comigo tão cedo. Mas ele não está sozinho. Tem, pelo menos, Sophia.
- Ainda assim, ferido... Você tem razão. Ele não vai querer brigar com você até que tenha recuperado as forças. Eles devem achar uma presa em algum lugar.
- Temo que isso seja verdade.
- Talvez você consiga encontrá-los. - Sorriu. - Você sempre conseguiu me encontrar.
Os lábios dele se curvaram de leve.
- Eu estava apaixonado por você.
- Se eu tivesse cedido, você teria se cansado de mim em pouco tempo. Eu não era quem você desejava de verdade. Era um brinquedo para você.
- Uma feiticeira, que de repente precisava de orientação.
- Durma um pouco. Conversaremos mais tarde.
No conforto escuro do quarto de hóspedes, Lucian se atreveu a fechar os olhos e dormir. E foi então que os anos voltaram... décadas, séculos, eras.
Sua anfitriã, observando-o, afastou com ternura o cabelo de sua testa. Lembrava-se de um tempo em que o odiava. Ele tivera sua época de poder absoluto, tão
autocrático e exigente quanto qualquer governante versado no direito divino dos reis. Ele tomara o que quisera, ensinara, zombara, exigira... e a resgatara, arriscando
a própria posição.
No sono, ele era deslumbrante. Alto, esbelto, musculoso, com o cabelo liso e escuro caindo no rosto, mesmo ela tendo acabado de afastá-lo. Sua face era impressionante...
seus olhos. Como se lembrava daqueles olhos! Seus lábios se moveram.
- Igrainia - ele sussurrou.
E Maggie soube. Até os vampiros sonhavam. Com os dias mortais do passado.



Capítulo II



985 d.C.
Costa Centro-Oeste, Escócia.
Navios vikings no horizonte! Oh, Deus! Eles navegam no horizonte.
Lucian ouviu os gritos enquanto observava delicados trabalhos em ouro no mercado. Igrainia, que estava a seu lado, acabara de emitir um gritinho deliciado
ante a beleza da jóia em forma de cruz. Tendo pechinchado o preço com o artesão, ele mal colocara a peça ao redor do pescoço dela quando ouviu o alarme. De onde
estava, viu o mastro alto do navio se aproximando acima dos penhascos.
Conhecia o significado daqueles navios no horizonte. Como o de muitos escoceses ao largo da costa, seu sangue era mesclado ao dos antigos invasores, principalmente
normandos, ingleses e nórdicos. Embora os ataques tivessem diminuído nos últimos cinqüenta anos, ainda eram freqüentes, pois havia grandes prêmios a serem buscados
na costa. Ali, as pessoas, lideradas por monges e seus alunos, criavam joias, relíquias para a igreja e ricos manuscritos. Mesmo que os jovens que ganhavam a vida
com dificuldade no solo escarpado não soubessem ler, e que as superstições antigas coexistissem com os ensinamentos cristãos, os padres e clérigos aprendiam a palavra
de Deus nos lindos livros arduamente elaborados pelos monges. Talentosos artistas confeccionavam colares, brincos e anéis, além de outros objetos. Eram, portanto,
muitas riquezas a ser saqueadas.
Quando os gritos aumentaram e iniciou-se a confusão, Lucian agarrou sua esposa pelos ombros.
- Vá! - ordenou.
Os olhos dela encontraram os seus. Eram de um azul-esverdeado, lindos como o mar sob o sol, e revelavam compreensão. Ela deveria correr para os penhascos,
como esposa do líder local, precisava reunir as outras mulheres e crianças e mantê-las afastadas até que não houvesse mais perigo.
- Marido... - ela disse com suavidade e, na ponta dos pés, beijou-o nos lábios. A palavra lhe era preciosa. Virou-se então, incitando as outras a segui-la.
- Mantenham-se fortes, filhos de MacAlpin! - Lucian gritou, lembrando-os do primeiro rei a reunir as grandes tribos da Escócia, formando uma nação que agora
enfrentava a dissidência das colônias vikings, estabelecidas em certas ilhas e terras que haviam tomado de outras tribos. Apesar de serem semelhantes, eram inimigos.
Todos buscavam um sustento, e a violência fazia parte da vida. - Resistam! - bramiu, correndo em meio à multidão para alcançar Malachi, seu imenso cavalo negro.
Montou-o enquanto desembainhava a espada, chamando a atenção de seu povo. - Resistam ou morram e entreguem a esses bárbaros o que é de vocês!
Seus gritos despertaram coragem nos homens, que pararam de correr de um lado para o outro. Aqueles que já haviam lutado como guerreiros pegaram as armas e
os cavalos, os que eram fazendeiros e pastores pegaram seus piques e foices.
- Arqueiros, para o penhasco!
Ele esporeou o cavalo e dirigiu-se até lá, distribuindo comandos e, observando a aproximação dos navios vikings. Eram três, repletos de homens das nações escandinavas,
guerreiros furiosos, aventureiros que acreditavam que a morte na batalha os levaria ao céu, o Valhalla.
- Agora! - ordenou aos homens que haviam escalado o solo escarpado para atacar o inimigo ainda no mar:
Flechas foram disparadas. Os vikings, surpresos com o ataque, gritaram, e muitos morreram.
- Outra vez! - ele comandou.
De novo, flechas voaram, matando muitos invasores. Mas não o suficiente. Os navios alcançaram o ancoradouro, e os inimigos desembarcaram.
Lucian cavalgou em direção à horda que se aproximava, e foi nesse momento que a viu pela primeira vez.
Ela estava em um dos grandes navios, tão ereta, desafiadora e corajosa quanto a figura do dragão na proa da embarcação. Era uma imagem surpreendente, com os
cabelos negros contrastando com os claros da maioria dos homens que se dirigiam à praia. Sob um suntuoso manto de pele, usava um vestido preto, cujo decote revelava
o pescoço gracioso e a curva dos seios, entre os quais pendia uma fina jóia de ouro. O queixo projetava-se para a frente, altivo, os olhos grandes faiscavam com
o fogo da batalha... e com uma ponta de divertimento. Ela ignorava a chuva de flechas que atravessava o ar, assim como os gritos de homens e cavalos, e a agonia
dos que estavam morrendo. Permanecia impassível, envolta no manto de arminho, observando a carnificina sem piscar ou encolher-se.
Um grande guerreiro com cabelos vermelhos atacou Lucian, que baixou sua espada viking de guerra, herdada de um antepassado, e golpeou-o nas costas. Seu pai
lhe ensinara a vantagem de lutar montado contra homens a pé, devido à força do golpe desferido do alto. Portanto, manteve-se sobre Malachi, talhando os que desejavam
derrubá-lo. O ruivo foi seguido por um velho guerreiro loiro, por um jovem e por um homem enlouquecido, que espumava ao lutar. Todos morreram. A água rasa diante
dele tornara-se uma poça de homens, sangue e mar encrespado.
Tenso, aguardando o próximo ataque, Lucian olhou para o navio e notou que a mulher o observava, com os lábios curvados em um sorriso. Só percebeu que não conseguira
desviar os olhos dela quando foi atacado pelas costas. Malachi coiceou um homem, derrubando-o, mas havia mais meia dúzia de guerreiros tentando atingi-lo e, apesar
de sua experiência sobre a sela e de sua fúria com a espada, Lucian foi arrastado de cima da montaria. Lutou ferozmente e, quando perdeu a arma, usou os punhos.
Os atacantes o mantiveram debaixo da água, e seus pulmões começaram a queimar. Conseguiu libertar-se e, tateando a água à margem, encontrou sua espada e tentou se
levantar. A água fria gelava a cota de malha que usava, e tornava pesados seu casaco e suas botas de couro. Pondo-se de pé, constatou que estava cercado.
E pior... De costas para os navios, olhando a praia, viu que os vikings tinham derrotado seus homens. Eles haviam lutado bem, mas os inimigos eram muitos,
e não houvera tempo para esperar auxílio de outros locais ao longo da costa ou do interior. Tinham sido apanhados junto com as mulheres e as crianças que fugiam.
- Desista, chefe, e nós os deixaremos viver.
Lucian escutou a voz melodiosa da mulher, que, estranhamente, não se encontrava mais no navio, mas diante dele. A bainha do vestido preto parecia manter-se
acima da superfície. Imaginou ter recebido um golpe forte demais na cabeça, pois a via pairar acima da água.
- Qual é a garantia disso? - ele quis saber.
- Libertar as crianças... deixar aqueles fazendeiros ir com elas. Soltar as camponesas tolas e as mulheres, com exceção daquela ali. - Apontou para Igrainia.
- Aquela! - disse a um dos guerreiros. - Decapite-a para que ele saiba que seremos inclementes.
Lucian sentiu o coração bater com força.
- Ordene que a soltem ou juro que matarei você. Eu também posso ser inclemente.
- Chefe, eu o acho... curioso. - Havia riso em sua voz. - Vamos negociar. Como ele assim deseja, deixe a moça com a cabeça - falou para seu homem.
- Lucian, não dê nada por mim! Não negocie por minha vida! - Igrainia gritou.
- Ela está pedindo para morrer - afirmou a mulher.
- Não a toque! - ordenou Lucian.
A mulher sorriu lentamente, com crueldade.
- Tentarei me conter. Agora, entregue-me sua espada.
- Deixe-a ir com os outros - ele exigiu.
Após observá-lo por um longo instante, a mulher aproximou-se dele. Não acreditava em tais coisas, mas... ela estava andando sobre a água!
Feiticeira!
Lucian ouviu o murmúrio da multidão. A cristandade chegara às ilhas britânicas havia centenas de anos, mas as superstições persistiam. Ela era algum tipo de
bruxa, que praticava magia negra.
Ilusões! Não acredite no que vê.
- Você não precisa dela. Terá a mim. Ilusão! Negue-a!
Porém, seus lábios estavam pesados, a garganta, enrijecida. As palavras não se formavam. Esforçou-se para desviar os olhos e, por fim, conseguiu falar:
- Não tenho necessidade de uma bruxa como você.
- Está mentindo.
E estava. Ela tinha poder. Algo gerava calor em sua virilha, um desejo que nunca sentira antes. Queria tocá-la. Com a esposa, que adorava, em perigo diante
de si, com uma audiência de guerreiros, fazendeiros e crianças, com Deus acima... ele a desejava. Na água, na terra, na lama. Imediatamente.
Lutou para recobrar a razão.
- Deixe-a correr atrás das crianças.
- Diga-me para ir até você. Convide-me... para conhecê-lo.
- Pode me conhecer, madame, fazer o que quiser, mas deixe a mulher ir!
Ela sorriu, triunfante.
- Soltem-na.
Quando os homens largaram Igrainia, os olhos dela encontraram os seus e, por um instante, ele se libertou do misterioso poder da feiticeira. Deus, como amava
sua esposa! Os olhos, o riso, a suavidade da voz, o amor pelos livros, pela arte... Inclinou a cabeça. Corra! Ajude-me a lutar por minha vida, sabendo que espera
por mim. Igrainia fitou-o por mais um momento antes de ir atrás das crianças.
Lucian sabia que os guerreiros vikings podiam facilmente persegui-los outra vez, pois seus homens estavam mortos, feridos, abalados. Apesar de também saberem
disso, os vikings estavam cientes de que, quanto mais demorassem, maior a probabilidade de outros clãs se darem conta de sua chegada à costa e atacá-los.
- A mulher já se foi. - A bruxa virou-se para Lucian, irritada. - Talvez eu devesse arrancar sua cabeça tola para provar a todos que vamos tomar o que desejamos.
Ele a encarou, raivoso.
- Talvez alguém devesse arrancar a sua cabeça tola para que perceba que o mundo não é seu parque de diversões.
- Sua espada, chefe.
Lentamente, ele estendeu o braço e largou a espada na água. Quando ela assentiu e começou a se afastar, Lucian ouviu um ruído às suas costas. Virou-se, deparando-se
com vikings atrás dele. Sentiu um golpe na cabeça e caiu. A dor deu lugar à escuridão...
Sabia que permanecia em um lugar estranho e de escuridão, conforme o tempo passava. Começou a sonhar, e lutou contra isso. Sofria, sentia-se arder da cabeça
aos pés.
Vou curá-lo...
Ela estava lá, a bruxa de cabelos escuros.
Afaste-se, bruxa vil e fétida!
Ela riu.
Vou curá-lo. Vou lhe dar uma força que nunca imaginou. Você me convidou.
Nunca.
Ah, você me convidou.
Lucian experimentou uma dor que o fez gritar, ao mesmo tempo violenta e extraordinária, horrível e excitante, terrível e extasiante. O suor embebeu seu corpo,
e ele sentiu um prazer profundo e vergonhoso junto com a dor. Estava sendo sufocado pelos cabelos negros e longos, em agonia, tremendo de desejo e, ainda assim,
tinha certeza de que nada daquilo podia ser real. Tudo fazia parte da escuridão e do pesadelo.
Devia ser o golpe que levara na cabeça, pois ela também estava ali. Igrainia. Chamando-o, como num canto de sereia. Encontrava-se na água, com o braço estendido,
a palma virada para cima, tentando alcançá-lo. Os cabelos cor de mel ondulavam às suas costas com a brisa... ou flutuavam na água, não tinha certeza.
Ela podia tocar o mar. Por algum motivo, ele não conseguia.
Igrainia!
Ele gritou seu nome na alma, mas não conseguiu alcançá-la.
Lucian despertou mais tarde, ciente da água batendo no casco de um barco. Sua cabeça latejava, todo o seu corpo doía. Abriu os olhos. Estava deitado na parte
coberta de um navio viking, em uma cama de peles.
- Você está conosco.
Ele a viu, sentada a seu lado.
- Parece que estou vivo.
- Descansou bem?
- Vá para o inferno, madame, e arda lá para sempre.
- Está com fome?
- Não.
Ele mentia. Parecia que suas entranhas estavam sendo roídas. Sentia-se dolorosamente faminto.
- Beba. - Ela lhe entregou um odre.
Lucian queria recusar, mas sua boca estava tão seca que morreria se não sorvesse o líquido. Bebeu, sem pensar no conteúdo, que escorreu por seu queixo e caiu
em sua mão. A gota parecia sangue. Algo dentro de si pareceu se contorcer.
- Onde estamos? - indagou.
- Perto da terra. - Ela se levantou e saiu.
Lucian não sabia por quanto tempo havia dormido e, portanto, não fazia idéia de quanto tinham avançado. Levantou-se, cambaleando.
Falando e rindo, os guerreiros se armavam. De repente, o barulho tornou-se ainda mais alto, homens e cavalos saíam do navio para as águas rasas, em direção
à costa. Apenas alguns permaneceram a bordo.
O povoado despertou com os gritos de guerra altos e selvagens que cortavam o ar da noite. O ataque teve início. A pequena vila de pescadores foi invadida e
saqueada. Lucian escutou orações, dando-se conta de que não eram ditas no gaélico de sua terra natal nem em irlandês.
Norueguês!, ele concluiu. Haviam chegado às ilhas Hébridas, dominadas por líderes vikings. Eles estavam atacando seu próprio povo!
Um ataque cruel e feroz, um massacre rápido e terrível. Preferia lutar, e até mesmo morrer, a testemunhar tamanha brutalidade. Percebeu que os sobreviventes
estavam sendo levados para a praia e que a mulher de cabelos negros andava entre eles.
Estranhamente, àquela grande distância, conseguia identificar nos olhos dos homens o ódio e a ânsia de matá-la, podia escutar os pensamentos deles... Tentando
sufocar esse clamor em sua mente, pressionou as mãos nos ouvidos.
De repente, a mulher puxou pela mão uma menina loira, que estava atrás de um guerreiro de barba branca. O homem reagiu, desembainhando a espada, mas não teve
chance. O golpe certeiro de um dos asseclas da feiticeira separou do corpo a cabeça branca, que caiu na areia. A garota pareceu não ver a morte do pai, pois seus
olhos estavam fixos nos da mulher, que se inclinou sobre o pescoço delicado e mordeu-o.
Lucian ficou horrorizado, mas sua virilha pulsava, os lábios estavam ressecados, suas entranhas se torciam... Tinha sede. Escutava a mulher bebendo, o sangue
jorrando, o coração da garota batendo cada vez mais lentamente. Quando terminou, a mulher jogou o corpo para o lado, e um de seus homens decapitou a menina.
Ela se virou para o navio ancorado e ergueu a mão. Logo, três dos homens que haviam permanecido a bordo surgiram em terra firme, passando a andar entre a multidão
e a selecionar suas vítimas.
Lucian gritou de dor, escutando o jorrar do sangue e o ruído que os homens faziam ao sorvê-lo, sentindo o aroma. Cerrou os punhos, contraindo cada músculo
do corpo, lutando contra o apetite... Porém, forçado a olhar para cima, viu-a sorrir, encarando-o e, de súbito, encontrou-se junto a ela, sem se lembrar de ter se
movido.
Ela estava ao lado de um corpo, para o qual Lucian se recusou a olhar. Segurava a vítima pelos cabelos e lhe oferecia o pescoço. De repente, ele estava ajoelhado.
Tentou fechar os olhos e os ouvidos, mas escutava o sangue fluindo. Estava gelado e faminto, e o sangue quente o saciaria, amenizando a dor excruciante que estava
sentindo.
Morda...
O comando não foi pronunciado em voz alta, mas ele o escutou.
Não.
A mulher mordeu o pescoço da vítima, e o sangue manchou a pele pálida. Ela lambeu e sugou, até que Lucian não pôde mais suportar. Passando os dedos por seu
cabelo, a bruxa conduziu seus lábios ao pescoço que segurava. Ele saboreou o sangue, experimentando a pulsação e o calor. Abriu a boca e, segurando ele mesmo o corpo
em seus braços, bebeu ruidosamente, até ficar saciado... até não haver mais pulso nem calor naquele corpo. Ficou imóvel antes de urrar em uma agonia que vinha da
alma. Era uma jovem mulher. Linda, loira, perfeita, com uma família, um lar, um futuro adiante... Sem vida.
Ao ouvir a mulher rir, largou o corpo inerte, levantou-se e atacou-a, pronto para destruir aquele monstro. No entanto, quando avançou, ela se moveu, fazendo-o
colidir com um de seus seguidores. Foi lançado para trás, surpreso por sua força não significar nada contra aqueles homens. Meio enlouquecido, tentou atingi-la outra
vez. Ela torceu seu braço, assombrando-o com tamanha força, obrigando-o a ajoelhar-se. Praguejou e, ao ser solto, ergueu-se, atacando-a de novo, mas ela reagiu,
lançando-o pelos ares. Quando se levantou, um dos homens o alcançou e derrubou-o. Ele lutou, encontrando alguma força. Afinal, fora um grande guerreiro, um líder.
Atingindo a lateral de uma árvore, caiu na areia da praia. Apoiou-se em um cotovelo e viu, espantado, que os sobreviventes da vila ainda estavam lá. Com os
rostos inexpressivos, eram como cordeiros, alheios àquela batalha e ao horror que haviam testemunhado.
Subitamente, ela estava em pé perto dele, sorrindo.
- Monstro - ele disse.
- O sangue estava delicioso, não é mesmo?
- Não. Ela riu.
- Raramente tem um sabor tão doce. Ela era jovem, uma verdadeira inocente.
O lacaio dela, o homem que interferira na luta, estava a seu lado. Alto, delgado, tinha o cabelo avermelhado e olhos castanho-claros.
- Compreenda que você também é um monstro - ele disse.
- Não. - Apesar de negar, sentia-se doente, pois o sangue fora bom. Saciara-o, aquecera-o, detivera a agonia que o dilacerava, a dor intolerável.
- Levante-se - ela ordenou.
- Não.
- Fará o que digo.
- Nunca serei seu escravo, feiticeira. Como ele. - Indicou o lacaio.
O homem avançou, pronto para atacá-lo outra vez, mas ela o impediu, erguendo a mão.
- Será sim - ela afirmou. - Darian é meu braço direito. Poderoso, protegido... - Tocou o medalhão que usava no pescoço. - Protegido pelo meu poder. Vou permitir
que você exista por enquanto. Talvez aprenda, Não destruímos uns aos outros, é isso o que dizem as leis antigas. Mas eu estou acima da lei, eu sou a lei. Eu o transformei
e posso destruí-lo, se for lento ao aprender.
Lucian sabia o que precisava fazer. Levantou-se e tomou, a espada de um dos vikings que estavam ali. Darian, achando que ele pretendia matar a mulher, puxou-a
para trás, mas Lucian enfiou a arma no próprio estômago. Sentiu uma dor lancinante e caiu de joelhos, escutando-a rir outra vez.
- Darian, leve-o de volta ao navio.
Não teve certeza de como chegou na embarcação. Deveria estar morto, mas não estava. A ferida estava quase curada. Quando ela se aproximou, ele não mais sofria.
Estava apenas cansado.
- O que você é?
- Sou tudo. Seu sol, sua lua, suas estrelas. Sou sua governante, sua deusa.
- Não é nada para mim.
- Você é teimoso, chefe, mas é tentador. Vou lhe dar uma chance. Acho que vai aprender.
- Você me faz vomitar.
Ela começou a rir outra vez, aquele som profundo, terrível e cruel.
- Você me deseja, e mente para si mesmo. Acha que ainda tem uma alma, ou um coração. Não tem. Vai esquecer sua pequena esposa com cabelos cor de mel...
- Esquecê-la? Por você? Esquecer o som de seu riso por causa do cacarejo de uma bruxa?
- Veremos. - Sorriu. - Quer saber o que sou, chefe? Alguns homens me chamam de lâmia. É esse o nome que dão a criaturas como eu no Leste. Dentre os tártaros,
hunos e gauleses, meu nome é sussurrado. Vampira. Mas não sou apenas isso. Sou a mais velha e a mais poderosa: Eu governo, crio e destruo. Tome cuidado, ou vou me
cansar de suas queixas. Acredite em mim, vou destruí-lo.
- Já me destruiu.
- Eu lhe dei poder, e uma vida que vai durar para sempre.
- Sou um homem morto.
- Sua fome o manterá vivo. - Ela o deixou. O lacaio ajoelhou-se a seu lado.
- Ela o deseja agora. Você é um tolo, e ela se cansará de você. E, quando isso acontecer, pode ter certeza de que irei destruí-lo. - Ele também se retirou.
Lucian não conseguia se mover. Não tinha força nem poder. O sol estava raiando. Fechando os olhos, sentiu a mais profunda dor e uma terrível angústia. Achou
que estava morrendo, mas não se importou, pelo contrário, ficou contente. Porém, ele apenas dormiu.

Rick ardia em febre. Nunca estivera tão doente, e justamente quando estava apaixonado. Sorriu, pensando em Jade. Gostaria de estar com ela.
Ele dormia, acordava, tomava remédios. Deixou de distinguir o dia da noite. Assim que conseguisse levantar-se e se vestir, consultaria um médico.
A sede que sentia não parecia ceder, independentemente do que bebesse. Acabara de sair da cama para ir à cozinha quando escutou a campainha tocar. Parou, pois
em geral atendia à porta, mas decidiu que não faria isso naquele momento.
Abriu a geladeira. Escolheu uma garrafa de Bloody Mary e bebeu dois litros de uma vez. Na prateleira de baixo, encontrou carne de hambúrguer, que provavelmente
estava velha. Crua, vermelha e envolta em celofane. Pegou-a, sentindo uma fome tão grande quanto a sede que o afligia. Arrancou o invólucro da carne e começou a
enfiá-la na boca. O gosto não era ruim. Apenas poderia estar mais fresca...
A campainha tocou de novo.
- Droga! Um homem está doente aqui. Vá embora!
Viu de relance seu rosto na superfície de alumínio da cafeteira. Não se barbeara, pedaços de carne crua estavam grudados nos fios loiros em sua face. Meneou
a cabeça, desgostoso, e lavou o rosto. Olhou para a carne que sobrara. Bem, talvez seu corpo doente estivesse precisando de ferro ou de algo parecido.
A campainha ainda tocava.
- Inferno! - Começou a caminhar para a porta, mas mudou de idéia e voltou para o quarto, onde se fechou, pondo o travesseiro sobre a cabeça.
Nunca tirava folga e sempre pagava os credores. O que quer que fosse, precisavam deixá-lo em paz.
Shanna acordou com o telefone tocando, mas a secretária eletrônica foi acionada antes que se levantasse.
Olá, querida, é Liz. Esperava encontrar você em casa. Odeio incomodar, mas tudo bem, vou tentar falar com Jade.
Oh, não! Jade provavelmente estava dormindo com o policial, Shanna pensou. Levantou-se e correu até o telefone.
- Liz, estou aqui.
- Sinto muito, sabe que eu detesto incomodar, mas Peter está com uma infecção no ouvido e a temperatura dele não para de subir. Preciso levá-lo ao hospital.
Seu pai saiu de madrugada, pois está envolvido em uma história para o jornal e...
- Liz - Shanna a interrompeu -, você precisa que eu olhe James?
- Sim, só até eu conseguir falar com seu pai.
- Não precisa falar com ele. Estou indo.
- Ah, obrigada. Não sei o que eu faria sem você.
- Sem problema, Liz. O garotinho é meu meio-irmão. Logo estarei aí.
Shanna tomou uma ducha rápida, vestiu-se e saiu correndo. Em vez de pegar o carro na garagem, preferiu chamar um táxi e chegou ao antigo lar em tempo recorde.
Liz, uma morena bonita e delgada, estava na porta, com Peter nos braços. Parecia aborrecida e preocupada.
- Você não vai dirigir - Shanna decidiu. - Entre naquele táxi e me ligue quando souber o que está acontecendo.
James começou a chorar assim que a mãe foi embora. Shanna pegou-o no colo, levou-o para dentro e leu para ele uma história. Depois, foram até a cozinha, e
ela preparou panquecas.
- Aqui estão, bebê - ela disse, servindo as panquecas frescas.
- Não sou um bebê! - ele protestou.
- Claro que não, Que boba eu sou! Você tem quase três anos.
James apontou para a janela com seu garfo.
- Tem um homem, Shanna.
- Um homem? - Ela se virou. Mesmo ele não sendo um bebê, não conseguia pronunciar bem seu nome. - Não estou vendo ninguém.
- Eu vi! Olhando para dentro.
- Vou verificar. - Shanna saiu da cozinha, passou pela sala de jantar e se dirigiu à porta da frente, que fora deixada aberta. Abriu a porta de tela, foi até
a varanda e olhou ao redor. - Olá! Há alguém aí? Se estiver aí, apareça.
Nesse momento, o telefone começou a tocar.
- Deve ser Liz! - Voltou a entrar e deixou a porta de tela batendo. Correu até a cozinha e pegou o telefone. - Alô!
- Shanna! Estava ficando preocupada. Você está ofegante.
- Corri um pouco.
- Eu me assustei quando você não atendeu. Tantas coisas horríveis estão acontecendo hoje em dia... Estou indo para casa. Deram uma injeção maravilhosa em Peter
e nos mantiveram sob observação por uma hora. Agora a temperatura está normal, e ele melhorou muito.
- Que ótimo! Mas nós estamos bem. Não precisa se apressar.
- Estou exausta. Ficarei feliz em voltar para casa. Mantenha tudo fechado, certo?
Shanna experimentou uma sensação estranha.
- Por quê? Quero dizer, eu cresci aqui, Liz, e a vizinhança é muito segura.
- Eu sei, mas é que... não sei exatamente o quê, mas algo ruim aconteceu na cidade, e seu pai está trabalhando porque eles não têm certeza do que querem na
mídia. Não que estejam tentando reprimir a liberdade de informação, mas houve um assassinato, eu acho, e eles não querem que as pessoas conheçam os detalhes.
- Estamos trancados e teremos cuidado. Até mais.
Shanna desligou e correu de novo até a frente da casa. A porta de tela estava escancarada, convidando qualquer maluco que estivesse passando por ali a entrar.
- Droga! - Rapidamente, trancou as portas e voltou à cozinha.
- Mamãe está vindo com Peter? - James perguntou.
- Sim, ele está bem melhor. Os dois estão voltando para casa.
Ela estremeceu e olhou ao redor. A casa esfriara muito. Não. Estava imaginando coisas.
- Frio, Shanna.
- Ah, frio, é? Vamos acender o fogo e esperar a mamãe.

Agitado, Rick virou-se na cama repetidas vezes. Imagens do garoto que atravessara o vidro do carro e parara na árvore imiscuíam-se em seus sonhos. O jovem
falava com ele:
- Isso dói. Você não sabe o que eu vi. Eu não estava tão bêbado. Só dirigia rápido. Corria. Mas você não pode correr rápido o suficiente, sabe? Não, você não
sabe, não sabe quem eu sou, o que eu vi, como eu corri...
A imagem do rapaz apagou-se de seu sonho febril e, de repente, outro rosto surgiu. Muito melhor. Era a bonita turista de cabelos escuros que lhe pedira informações.
- Olá, Rick. Sinto muito por vê-lo sofrendo.
A voz era gentil e doce. Ela flutuava do lado de fora de sua janela, no segundo andar. De qualquer forma, era muito melhor do que ter o garoto decapitado assombrando
seus sonhos,
- É só uma gripe. Você conseguiu chegar aonde queria naquela noite?
- Estou chegando lá, pouco a pouco.
- Rick! - Era o jovem decapitado, que parecia pairar ao lado de sua cama.
- Vá embora. Ela é um delírio muito melhor.
- Você não sabe, você pode correr...
- Rick - ela disse com suavidade -, está frio aqui fora. Eu preciso entrar.
- Claro. Entre.
O rapaz sumiu de novo. Graças a Deus!
- Eu toquei a campainha, Rick, mas você não atendeu.
- Sinto muito. Estou doente. - Encarou-a, espantado.
- Bem, é claro que você estava com frio. Está nua.
Uau! Ela era deslumbrante. Seios perfeitos, mamilos rosados, cintura fina, quadris arredondados, pernas longas e bem torneadas...
- Você pode... hum... pegar um robe emprestado.
- Não acho que eu vá precisar. - Sentou-se na cama, afastando o cabelo úmido do rosto dele. - Pobrezinho. Está com frio.
- Não. Acho que estou ardendo. E você é uma invenção da minha febre. - Percorreu-a com os olhos. - Normalmente eu não sou tão inventivo.
- Hum, talvez você esteja quente. Sangue quente, oficial? Eu estou com muito frio. Talvez queira compartilhar comigo... - Esfregou nele o corpo, excitando-o.
- Você está fria - sussurrou, sentindo-a mover-se sobre ele.
- E você está quente... - Inclinou-se, engolfando-o.
- Tão quente... Obrigada por ter me convidado para entrar - murmurou antes de beijá-lo. Moveu-se, provocando-lhe espasmos, e beijou-o de novo...
A febre devia ter piorado. As alucinações sumiram. Após pensar em como seus sonhos eram fantásticos, ele perdeu a consciência.
Quando o telefone tocou mais tarde, ele não escutou.

Depois do retorno de Liz, Shanna ficou ansiosa para ir embora. A manhã fora longa, e sentia-se desconfortável, com frio. A parte interna da casa estava mais
gelada do que o lado de fora, e o fogo não melhorara em nada a sensação. Após beijar os meninos, abraçou a madrasta e pegou um táxi.
Ao chegar ao bairro francês, ainda estava tão enregelada que pediu ao motorista que a deixasse em uma cafeteria.
Após fazer seu pedido no balcão, percebeu que alguém parava a seu lado.
Ele obviamente também sentia frio, pois esfregava as mãos. Estava pálido e magro, dando a impressão de que ficara doente por algum tempo. No entanto, era um
homem bem-apessoado e interessante. Fazia-a lembrar-se de uma raposa, talvez fosse astuto como o animal. Os cabelos eram avermelhados, e ele tinha sardas. Era bonito
e sorriu para ela.
- Muito frio lá fora, não? - ele comentou.
A voz era agradável. Profunda, melodiosa... excitante.
- Está muito úmido. - Seu café chegou, e ela envolveu a xícara com os dedos.
- É, acho que sim. Meu nome é... Dave.
- Olá, Dave. Sou Shanna.
- Você é linda.
- Obrigada. - Ela sorriu.
- Sei que sou um completo estranho... mas gostaria de vê-la.
- Pode ser divertido conhecer você.
- Ah, prometo que sou... diferente.
- Aposto que sim.
Ele sorriu, mas de repente começou a tossir e se afastou.
- Sinto muito, acho que estou ficando doente.
- Você deveria estar na cama. E, bem, caso durma um pouco e se sinta melhor, eu vou ao cinema hoje à noite.
Até o momento, ela não tivera a mínima intenção de assistir a um filme. Gostaria de vê-lo de novo, mas não cometeria a tolice de convidar um estranho para
ir à sua casa.
- Tentarei ir. Mas você sabe...
- Meu sobrenome é MacGregor e meu telefone está na lista.
- Ótimo. É um convite?
- Claro. Pode me ligar. - Não querendo parecer muito ansiosa, ergueu a xícara de café para ele e saiu, alegre.
Do lado de fora, olhou para trás e franziu o cenho ao ver que ele dobrava o corpo ao meio. Nesse momento, uma multidão barulhenta de adolescentes passou por
ela, bloqueando-lhe a visão. Preocupada, correu de volta ao café, mas ele já se fora. Como se tivesse desaparecido no ar.

Nos dias que se seguiram, Lucian sofreu sua primeira derrota nas mãos de Sophia.
Um jovem viking, com uma farta barba loira e cintilantes olhos azuis, tornara-se seu professor, seu mentor, seu guia e, por fim, seu amigo. Lucian soube que
a mulher chamada Sophia vivera entre o povo dele por muito tempo, um dos antepassados a trouxera de um ataque às ilhas britânicas anos atrás. Ninguém sabia de onde
ela viera originalmente, mas quando invadiram e saquearam a vila em que vivia, descobriram que haviam pegado muito mais do que imaginavam. Fizeram as pazes com a
cativa, que quase matara todos.
Dois dos vampiros à disposição dela eram bastante idosos. O terceiro homem, Darian, ela tinha trazido de um ataque não muito tempo atrás. Ele era perigoso,
mais cruel do que qualquer guerreiro, astuto, mau. E instruído. Conhecia história, lendas, deuses e feiticeiros.
A tripulação viking navegava os mares com a vampira e com os seguidores dela. Conseguiam vítimas para seus mestres e, em troca, mantinham as riquezas saqueadas,
além de suas vidas e das vidas de suas famílias.
O nome desse viking era Wulfgar. Ele era cuidadoso com o que falava, mas nas ocasiões em que Sophia saía do navio, abaixava a voz e fazia revelações.
Sim, Lucian estava morto, ele informara com pesar. Bem, não exatamente morto. Agora era um morto-vivo. Para sobreviver, precisava de sangue, que podia ser
de animal, quando boas fontes humanas não estivessem disponíveis.
Sophia mantinha alguns de sua espécie com ela o tempo todo, como aqueles três vampiros. Um deles era sempre mais próximo, um protetor, como Darian no momento.
Houvera um líder antes, mas ela se fortalecera e o destruíra.
Havia algumas regras. Cada vampiro podia criar apenas dois outros por século, ao morder a vítima. Eles não podiam matar uns aos outros, nem ser pegos no ato
de vampirismo por qualquer grande poder ou autoridade. Não podiam atrair tamanha fúria contra eles que forças maiores pudessem derrotá-los. Tinham suas fraquezas,
e podiam ser mortos. Sua mordida era infecciosa, com esse toque, criavam outros de sua espécie, mas, por causa de seus apetites, o número precisava ser limitado.
- É por isso que as cabeças devem ser removidas. Caso contrário, muitas vítimas iriam despertar. - Wulfgar encolheu os ombros. - Como você despertou.
- Escutei lendas. Os mortos-vivos se movem à noite. Sophia faz isso tanto de noite quanto de dia.
- Enquanto você fica exausto. Sim, ela é muito forte e idosa. Aprendeu, experimentou... O tempo lhe dará mais força. - Hesitou. - Sangue lhe dá força. E ela
também é melhor e mais poderosa à noite. Algumas vezes, a luz do sol a drena.
- Mas não a mata. Eu ouvi dizer que...
- Há muitas lendas. Algumas são verdadeiras, a maioria, não. Você precisará se alimentar, mas não com tanta freqüência... E poderá viver para sempre.
- Desprezado, detestado, temido?
- Grandes líderes são vistos dessa forma e, ainda assim, gostariam de viver para sempre! Você tem poder, algo que é sempre temido... e odiado.
Naquela noite, houve outro ataque. Lucian permaneceu no navio, escutando os gritos. Sentiu-a convocá-lo e se lembrou de Wulfgar dizer-lhe que ele se fortaleceria.
Era uma questão de vontade. Precisava que a sua fosse maior do que a dela. Conseguiu não responder ao chamado. Ela não tentou forçá-lo, pois tinha certeza de que,
com o tempo, sua fome o levaria à loucura e ele seria obrigado a segui-la.
No dia seguinte, a dor começou. Fome, angústia, uma necessidade tão violenta que seu corpo inteiro doía. Achou que ficaria doente e sentiu sua força abandoná-lo.
Da proa do navio, avistou um golfinho, e suas entranhas se torceram com tanta intensidade que ele quase se dobrou ao meio, cego de dor. Mesmo à distância, sentia
o sangue quente do mamífero.
Foi então que descobriu o próprio poder. Concentrando-se no golfinho, fechou os olhos e se moveu junto com ele, sentindo-lhe o movimento na água. Incitou-o
a se aproximar até o navio. Poderia estender a mão, agarrá-lo... Contudo, ao abrir os olhos, deu-se conta da beleza da criatura e da confiança que depositara nele.
Estava com as mãos sobre o animal e poderia tê-lo puxado sem esforço.
Nade, pensou. Nade para longe.
O golfinho afastou-se depressa, e Lucian sentou-se no chão do navio, tremendo. Não queria pessoas, não queria um mamífero. Sentindo uma dor diferente, olhou
para as mãos. A água salgada o queimara! Água salgada podia matar. Com essa descoberta, voltou para a cama.
Quando dormia, ela o visitava. O dia era o momento. Ele não tinha poder, vontade nem força. Ainda assim, o que ela o fazia sentir! Nunca fora mais viril, nem
chegara a um clímax tão violento. E quando terminava... sentia uma imensa aversão a si mesmo.
No dia seguinte, foi até a proa do navio e considerou a idéia de se jogar no mar. Ficou ali durante horas, pensando, até escutar Wulfgar se aproximar.
- Não faça isso. Não se destrua.
- Por quê?
Wulfgar encarou-o por um longo tempo, imaginando uma resposta. Por fim, encontrou-a.
- Porque você poderia ficar... para destruí-la.
- Um dia, meu amigo, eu poderia me voltar contra você. Perder o controle, destroçá-lo.
- Sim, mas não fará isso.
Ele escutou o assobio do vento e sentiu sua grande força. Havia muitas coisas no mundo que eram más, porém poucas como ela. Viver para destruí-la. Aquilo fazia
sentido.
Mais tarde, naquela mesma noite, sentiu-se contente.
Lucian aprendeu a controlar a fome com ratos, pássaros e outros pequenos animais. Aprendera que o sangue lhe dava força, e aprendera também a se mover com
a mente e a caminhar na água, como ela fizera.
O dia em que se sentiu melhor em um longo tempo foi logo após encontrar um javali. Saíra do navio sozinho, chegara à terra firme e o caçara. Farejara o animal
no ar e sentira-se transformar em um caçador, em um lobo. Correra atrás do javali e o atacara, drenando-lhe até a última gota de sangue. Sabia que desejava sangue
humano e que haveria uma época em que os humanos certos apareceriam diante dele. Fora líder de um povo das Terras Altas, constantemente envolvido em batalhas. Matara
antes, e mataria novamente. Mas, se Deus escutasse uma criatura desprezível como ele, com certeza lhe daria poder e força, pois havia um equilíbrio na natureza e,
caso se tornasse forte, poderia evitar a morte de inocentes.
Eles viajaram pelo mar, provocando destruição da Escócia à Irlanda, Inglaterra e País de Gales. Sophia parou de se divertir ao dar-se conta de que criara um
ser determinado a resistir a ela.
Certa noite, abordou-o.
- Por quê? Você sabe o que é, e não pode voltar atrás. Eu lhe ofereço a chance de governar comigo, de se tornar meu consorte. Sou poderosa, bonita e lhe ofereci
tanto! É um tolo teimoso por me rejeitar.
Dessa vez, fora ele quem sorrira, divertido.
- Você é a tola, mulher ridícula. Acha que tudo o que precisa fazer é tomar, para que um homem, que já foi um ser humano, seja seu. Você não tem noção de beleza.
É horrenda para mim. Não tem ideia do que significa um homem estar com uma mulher. É destituída de amor, de compaixão e até mesmo de razão. Você governa? Não por
muito tempo. Mesmo em nosso mundo, deve haver equilíbrio. Você mata pelo prazer de matar, pelo esporte da crueldade. Se mantiver tais excessos, irá condenar toda
a nossa espécie, e a si mesma!
Afastara-se, sentindo prazer com a fúria que vira nos olhos dela. Mas ela ainda governava o navio e a tripulação viking, e eles continuaram navegando e destruindo.
Um dia, quando o sol estava se pondo e a força da noite se aproximava, chegaram a um vilarejo. Ele sabia que haveria matança. Sofria por quem tinha sido, e
pelas pessoas que morreriam.
Haverá um tempo em que eu governarei. E saberei quem sou, uma criatura, um monstro, um caçador, mas haverá regras para a caça, e elas serão seguidas, e haverá
racionalidade e sanidade, mesmo em meio ao horror...
Ele ouviu os gritos, sentiu o cheiro do sangue, e seu apetite foi despertado. Contudo, resistindo à tentação, permaneceu onde estava. Até que Sophia o chamou,
com a voz provocante e ameaçadora. Foi até a borda do navio, e um horror arrepiante tomou conta dele ao perceber que haviam retornado à sua terra natal. Enquanto
os guerreiros lutavam, Sophia alcançara as mulheres, que corriam com as crianças. Ela agarrou Igrainia.
- Sophia!
Furioso, gritou o nome dela, pronto para ir até a costa. Porém, a batalha terminara, com a vitória dos monstros. Antes que alcançasse a terra, ela retornou
ao navio, com os homens que a seguiam arrastando sua esposa, que tremia, molhada.
- Igrainia... - O nome era um sussurro em seus lábios, uma carícia.
Ela sorriu, um sorriso que dizia que o amor nunca morria, e fitou-o. Os lindos olhos da cor do mar revelavam confiança nele, em sua palavra, em seus pensamentos.
- Ela vai morrer hoje, chefe - afirmou Sophia. Ela ergueu os cabelos de Igrainia, sorriu e entreabriu os lábios, salivando.
Lucian avançou, surpreso com a própria força, e alcançou-a antes que os lábios chegassem ao pescoço de Igrainia. Pegou-a pelo cabelo e pela cintura, afastando-a
de sua esposa. Sophia cambaleou, mas logo recuperou o equilíbrio e atingiu-o com tamanha força que ele foi lançado ao chão. Levantando-se, agarrou-a outra vez pela
cintura, mas levou um pontapé no queixo. Desesperado e enfurecido, socou-a no estômago e, quando ela se dobrou ao meio, atingiu-a no maxilar, fazendo-a gritar de
dor.
Toda a tripulação estava imóvel, assistindo. Ela o fitou e virou-se, deslizando pela extensão do navio até Igrainia. Ele voou atrás dela, não lhe dando tempo
para mordê-la. Sophia, contudo, conseguiu atingi-la com força e lançá-la sobre a proa, no mar.
Lucian agarrou a criatura e atirou-a ao chão com tanta violência que ela permaneceu deitada. No entanto, nada mais importava. Sua esposa estava no mar. Rastejou
até a amurada, pronto para pular atrás de Igrainia, que desaparecera sob as ondas, mas braços fortes o seguraram pelos ombros.
Wulfgar, com os olhos fixos nos dele, disse:
- Não! Você vai morrer...
- Não me importo.
- Mas ela também vai morrer. Nós iremos atrás dela. Nós...
De súbito, Lucian sentiu uma dor intensa e, atordoado, tentou se virar. O lacaio de Sophia, Darian, enfiara uma espada em seu pescoço.
Seu mundo foi invadido pela escuridão.
Quando despertou, a primeira coisa que Lucian viu foi o rosto de Wulfgar.
- Você sobreviveu. É forte. Eles quase cortaram sua cabeça, o que seria o fim.
Lucian sentou-se, esfregando o pescoço, e olhou ao redor. Redes adornavam as paredes. Sentiu o cheiro do mar e escutou o grito de uma gaivota. Aparentemente,
estavam em um pequeno chalé de pescador.
- Onde estamos?
- Na Ilha dos Mortos. O tempo é bravio, e poucos vêm até aqui. Dizem que é um lugar de bastardos, anões, safados, corcundas e leprosos. Foi um lar para os
druidas, bruxas e espíritos. Ninguém vai questionar seu poder.
- Sophia?
- Trouxemos você para cá antes que ela acordasse. Ela acha que você vai morrer. Ninguém acreditou que sobreviveria à profundidade daquela ferida. Sophia ficou
furiosa, pois você a machucou bastante. Teve que dormir envolta em sua mortalha, cercada por pilhas de terra.
- E Igrainia?
- Sabe que ela caiu no mar.
- Sim, mas você foi atrás dela, jurou...
- Eu fiz isso. Procurei, mergulhei diversas vezes... Não consegui encontrá-la, chefe.
Lucian sabia que Wulfgar tentara, mas o pensamento não amenizou a dor que sentia. A escuridão caiu sobre ele, agarrando-o de forma terrível, pior do que qualquer
sofrimento ou agonia que já experimentara. Igrainia. Tudo tinha sido tolerável quando imaginara que, ao menos, suas ações haviam lhe salvado a vida.
- Não se desespere totalmente. Alguns dos homens juram que a viram andando na praia. Ela vem de dia, e desaparece à noite.
- O quê?! Então ela pode estar viva?
- Não sei. Talvez seja seu... espírito.
- Não. Se ela foi vista, é real. Não acredito em fantasmas.
- E por que não? Os escandinavos acreditam em espíritos. Eles nos guiam. Nossos ancestrais nos mandam mensagens por meio das runas. Escutamos nossos oráculos.
Existem muitas forças que não podemos tocar ou ver. Os habitantes locais dizem que ela vem como...
- Como o quê?
- A ilha é irlandesa, meu amigo. E os irlandeses aceitam o fato de você estar morto, mas ainda encontrar-se aqui. E eles crêem no poder da água, do mar. Há
muitas lendas. Sim, você está morto, mas poupou o golfinho aquele dia. Talvez os mestres do mar tenham aceitado Igrainia, e lhe dado uma nova vida.
- O que está dizendo? É louco, homem?
- Eles acreditam em selkies. Mulheres de dia, criaturas do mar à noite. Salvas pelo mar, ou nascidas no mar, elas podem andar pela terra, tocar o homem, mas
então... devem retornar para a água.
- Não. Ela deve ter sobrevivido. Talvez tenha vindo para esta ilha, mas esteja ferida, e não saiba quem é.
- Quem sabe? Talvez você tenha razão, talvez eu esteja certo. Há mais coisas no meu Valhalla, ou no seu céu e inferno, e até mesmo nesta Terra que compartilhamos,
do que qualquer homem um dia saberá.
- Eu não acredito...
- Não acredita? Em espíritos, fantasmas, fadas... ou em sugadores de sangue? Em vampiros? - Wulfgar sugeriu de forma inocente.
- Vou procurar Igrainia até a eternidade.
- Mais tarde, você poderá fazer isso. Por enquanto, precisa recuperar a força.
Ele desejara morrer, mas agora queria viver. Para encontrar Igrainia, se ela ainda vivesse. Para destruir Sophia. Mas Darian o ferira gravemente, e estava
muito fraco. Algumas vezes, mal podia se mover, mesmo à noite. Pouco a pouco, contudo, curava-se.
Cavalgava pela ilha com Wulfgar e tornou-se o líder dos desajustados que ali residiam. Passou a caminhar até a praia durante a noite, quando sua força era
maior. Bebia grandes quantidades de sangue de ovelha. Porém, desejava mais e sabia que, ferido como estava, precisava de mais.
Havia um fazendeiro na ilha que espancava cruelmente a esposa. Lucian escutou as discussões entre eles algumas vezes, durante suas cavalgadas noturnas, quando
procurava mamíferos para atacar. Ela era uma jovem incansável, que trabalhava duro na terra e servia ao marido, um ladrão que fugira da forca em Dublin e a levara
para a ilha.
Certa noite, ouviu-a gritar. Olhou para Wulfgar, desmontou e caminhou até onde o marido a açoitava com um chicote. Atormentado pela fome, Lucian dirigiu-se
até ele, arrancou o chicote de suas mãos e, irado, mordeu-o no pescoço. A mulher observou-o drenar o sangue do homem. Após terminar, ele olhou para a vítima com
repulsa, afastou-se e fitou as mãos cobertas de sangue. Lembrou-se então de decapitar o fazendeiro. A mulher continuava observando. Quando seus olhos encontraram
os dela, a jovem não recuou.
- Obrigada - ela disse suavemente.
- Você sabe o que eu sou. Não tem medo?
- Deveria ter?
- Não.
No dia seguinte, ele teve força suficiente para caminhar até a praia enquanto o sol estava alto, e foi lá que viu sua esposa. Igrainia! Um fantasma? Ele a
chamou.
- Igrainia... - Selkie, diziam os irlandeses. Não acreditava nessas coisas.
Mas poderia tê-la criado com o poder da mente? Ela desapareceria se corresse até lá, para tocá-la, sentir a suavidade de seus cabelos, seu hálito contra o
rosto? Correu, e ela permaneceu onde estava. Era real, carne, sangue e osso. Tocou-a, e seus olhos se encontraram.
-Minha esposa, meu amor... -Tremendo, caiu de joelhos na areia.
- Marido... - ela sussurrou, pondo a mão em sua cabeça. Ele olhou para cima e viu-a sorrir.
- Meu Deus, Igrainia... - Levantou-se e pegou-a no colo, caminhando até o chalé de pescador que transformara em lar. - Como pode estar aqui? - murmurou, deitando-a
na cama. Amava-a tanto e, ainda assim... Sentia seu calor, escutava seu sangue. Nunca poderia feri-la. Ou poderia? A agonia o dominaria? Ele perfuraria seu pescoço
com os dentes, faria amor com ela, roubando seu sangue, seu coração, sua alma?
- Preciso lhe contar...
- Não! - Pressionou o dedo sobre os lábios dele.
- Precisa compreender...
- Eu sei o que você é. E sei que não vai me machucar. - Ergueu os lábios, e se beijaram profundamente. Pressionando as formas femininas contra o corpo, ele
sentiu luxúria e ternura, e era doce experimentar desejo com amor, um desejo profundo, que não dilacerava quaisquer resquícios de alma que lhe tivessem restado,
ao contrário da violência e dos impulsos conhecidos por Sophia.
De maneira insana, tirou as roupas dos dois. Beijou-a nos seios, no ventre, entre as coxas, sentindo-a estremecer, saboreando-lhe a doçura. Pulsando e gemendo,
deliciou-se com as sensações, sentiu-se consumido pelo desejo e pelo intenso prazer e, ainda assim... quase levou os dentes à veia que pulsava no pescoço macio.
Sufocou essa ânsia com todas as forças. Igrainia não parecia consciente disso. Selvagem, com os quadris colados aos seus, os seios contra seu peito, os dedos delicados
agarrando suas costas, os sussurros, as palavras, a úmida explosão...
Ele também atingiu o clímax e, deitando-se ao lado dela, tomou-a entre os braços.
- Achei que tivesse perdido você, que tivesse se afogado. O mar estava frio. As ondas altas, o vento forte. Como pode estar aqui? - ele sussurrou.
- Isso importa? Apenas me ame, como eu amo você.
Ele a abraçou. Quando o sol ficou mais forte, Lucian enfraqueceu. Sentando-se na cama, ela acomodou-lhe o rosto entre os seios e acariciou-o.
- Igrainia. - Ele queria falar. Ficar acordado.
- Durma. Descanse. Cure-se.
Os dedos suaves eram mágicos e, no chalé escuro, ele dormiu. Quando acordou, ela não estava mais ali.

Antes que Jade conseguisse sair, o telefone tocou pela segunda vez. Era Shanna, dizendo que passaria em sua casa, caso Rick tivesse ido embora.
- Na verdade, ele não ficou.
- O quê? E eu saí cedo da cama e fui até a casa de papai bancar a babá apenas para Liz não perturbar seu pequeno ninho de amor!
- Está tudo bem?
- Sim. Peter teve uma febre, mas foi medicado. Eu levantei da cama porque achei que você estivesse ocupada! Vai ter de explicar quando eu chegar aí!
- Shanna...
Ela desligou. Algum tempo depois, ao chegar, estava impaciente e desgostosa.
- Nada aconteceu? Por que Rick foi embora?
- Ele estava exausto e doente. Bem, eu estava indo à delegacia e, como você está aqui, pode ir comigo. Rick pediu a Gavin que descobrisse mais sobre o que
aconteceu em Nova York.
- Ah, meu Deus! Que bem isso vai fazer? Digamos que você esteja em perigo... nem sequer vai se esforçar para dormir com um bom policial! - Shahna meneou a
cabeça, virou-se e saiu. - Não acredito que deixou Rick ir embora.
- Shanna, ele está doente, e sexo não vai melhorar nada. Pare com isso. Está me perturbando.
- Certo, vou deixá-la em paz. Vocês dois podem continuar com essa relação doce, platônica e entediante. Não vou mais torturá-la.
- Promete? - Não.
Andaram até a delegacia, que não ficava longe. Jade sabia que não encontraria Rick, mas ficou feliz ao saber que ele telefonara e dissera que dormiria o dia
todo.
- Ele está com uma gripe horrível - o sargento comentou.
- Eu sei. Vou fazê-lo ir ao médico se ele não melhorar. Você poderia chamar Gavin para mim, por favor?
- Claro.
Gavin Newton era um dos melhores amigos de Rick. Rechonchudo e gentil, era um excelente detetive de homicídios. Após cumprimentá-las, levou-as até sua mesa.
- Ele era mesmo o seu sujeito. Recebi as informações hoje. Vejamos... aqui está o fax sobre Hugh Riley.
Estendeu a Jade uma folha de papel. Nela, havia o nome dele, altura, peso, cor dos olhos e do cabelo e idade. Aparentemente, ao regressar da Escócia, ele trocara
de fraternidade e, para ser admitido na nova, passara por alguns testes. Na última noite, tivera de contar histórias de fantasmas no cemitério. Fora quando os homicídios
tinham ocorrido.
- À meia-noite - Jade murmurou. - Meu Deus, Gavin, é a mesma coisa que aconteceu na Escócia!
- Jade, se houver semelhanças, o FBI entrará em contato com você. Eles serão chamados. - Mexeu nos papéis sobre a mesa, selecionando um jornal. - Você não
é a única que se lembra do que aconteceu. Este repórter comenta o fato de Hugh Riley ter sobrevivido a um ataque na Escócia apenas para morrer em Nova York.
Jade leu rapidamente o artigo e passou-o para a irmã.
- O que você acha? - Shanna indagou. - São as mesmas pessoas?
- Talvez - Gavin admitiu.
- E talvez haja um novo culto no mundo. - Escutaram a voz profunda de Al Harding, o parceiro de Gavin, que se aproximou. - Não tenha medo. Os detetives de
Nova York são excelentes, Eles vão esquadrinhar aquele cemitério atrás de cada evidência e pegarão os malucos!
- Com todo o respeito aos policiais nova-iorquinos, os ingleses da Scotland Yard não são tolos e esquadrinharam o cemitério também, mas não encontraram nada.
Eu imagino se deveria ligar para alguém. Talvez eu possa ajudar.
- E talvez possa apenas reviver um pesadelo - interferiu Shanna. - E quem sabe a mídia divulgue seu nome e, caso isso se trate de um grande culto e alguém
esteja atrás de você, possa se colocar em um perigo ainda maior.
- Vou falar com alguém que esteja investigando o caso - disse Gavin. - E, se alguém quiser conversar com você a esse respeito, pedirei para serem discretos.
Está bem?
- Sim, Gavin. Ótimo. Obrigada.
- Jade - começou Al -, pelo que li e escutei... Você falou a respeito do homem que a salvou e desapareceu, e sobre pessoas que saíram de caixões para atacar
o grupo. Bem, quero dizer, espero que você perceba que... elas eram apenas pessoas doentes. - Ele corou. - Você falou sobre... sobre...
- Vampiros? - Shanna sugeriu.
- Sim - concordou Al. - Você sabe que não pode ir ao FBI falando maluquices como essas.
- Talvez existam vampiros, Al.
De novo, foram interrompidos por outro oficial que entrava. Era alto, bonito e tinha cabelos escuros.
- Ah, tenente Canady, só porque aqueles velhos assassinatos...
- Al, com licença. - Ele andou até Jade, sorriu e estendeu a mão. - Sean Canady. Como vai? Se estamos lidando com um culto, é possível que pessoas que acreditem
ser vampiros estejam envolvidas. E a mente humana é muito poderosa. Poucos irão acreditar que você se deparou com um culto real de vampiros, mas posso lhe prometer
que, se souber de algo, se pensar em algo, se recordar algo, eu ficarei mais do que feliz em ouvi-la.
- Muito obrigada - disse Jade. Shanna deu um passo à frente.
- Ela é Jade MacGregor.
- Eu sei. Vi os artigos a respeito dos assassinatos na Escócia no ano passado.
- E eu sou a irmã dela, Shanna.
- Muito prazer. - Ele sorriu. - Se esses palhaços estiverem debochando de vocês, liguem para mim. Vou escutá-las. - Olhou para Jade. - Vi que Hugh Riley estava
entre as vítimas em Nova York.
- E você lembrou o nome dele dos artigos sobre a Escócia? - indagou Gavin.
- Assassinatos acontecem todo dia, no mundo todo, e você reparou no nome dos sobreviventes de um massacre na Escócia? - Shanna perguntou, desconfiada.
- Sou um detetive.
- E um bom detetive - admitiu Al. - Eles o designaram para o caso do garoto?
- Sim. Haverá uma força-tarefa. Jade, Shanna, foi um prazer conhecê-las. Se houver algo que eu possa fazer, é só falar.
Elas agradeceram, e Sean saiu da sala.
- Aí vai um homem lindo. - Shanna suspirou.
- Ele é casado - informou Gavin -, mas eu estou disponível.
- E você é incrível! - ela apressou-se a dizer.
- Mas você é linda, tem vinte e quatro anos, e eu não. - Ele sorriu. - Se algum dia ficar desesperada...
- Uma garota não teria que estar desesperada - Shanna garantiu com doçura. - E eu teria ido com você ao cinema hoje... se tivéssemos tido essa conversa ontem.
- O que aconteceu desde ontem? - indagou Jade.
- Eu conheci alguém hoje de manhã, na cafeteria, antes de ir à sua casa.
- Você não me contou!
- Eu só concordei em sair com ele. Na realidade, nem isso. Eu apenas disse que ia ao cinema, mas ele estava doente, e pode ser que não apareça.
- Ainda assim, não me contou que conheceu alguém.
- Bem, eu estava ansiosa para saber da sua vida. - Sorriu para Gavin e Al. - A vida dela é bem mais interessante do que a minha. Por enquanto.
- Precisamos ir - disse Jade - e deixar os cavalheiros voltar ao trabalho.
- Ah, Gavin, com as garotas aqui, eu quase me esqueci - falou Al. - Fomos chamados ao necrotério. O legista fez uma descoberta curiosa a respeito do jovem
que morreu no acidente. Vamos?
- Claro, vou apenas pegar minha jaqueta. Não está sendo um outubro ótimo, meninas?
- Sim. Bonito, fresco, agradável - Shanna concordou. - Na verdade, vamos sair agora e comprar algumas abóboras para enfeitar para o Halloween, não é, Jade?
- Claro. Bem, obrigada, rapazes. Até mais - Jade despediu-se.
As duas foram até o mercado de rua comprar as abóboras e voltaram ao apartamento de Jade. Passaram algum tempo esculpindo-as para o Halloween antes que Shanna
anunciasse que tinha de ir, pois precisava se arrumar para o encontro no cinema.
- Jade, aposto que Rick virá aqui hoje. Tente não estragar as coisas - recomendou ao sair.
- E você, não aceite se encontrar outra vez com esse sujeito até sabermos mais a respeito dele.
- Sim, senhora! Tranque a porta.
Shanna mal havia saído quando o telefone começou a tocar. Era Rick.
- Não conseguirei ir até aí hoje à noite - ele falou. - Estive péssimo o dia todo. Dormi bastante, mas agora preciso ir ao necrotério, pois o legista parece
acreditar que há algo errado no caso do acidente.
- Ah, a força-tarefa para a investigação...
- Ei, o que você sabe a esse respeito?
- Shanna e eu fomos falar com Gavin hoje.
- Jade, eu disse que iria com você.
- Eu estou bem. - Ela hesitou antes de prosseguir: - Eu até conheci um policial que acha que pode haver gente que acredite ser vampiro e...
- Sean - ele a interrompeu. - Tenente Canady. Houve alguns terríveis assassinatos aqui em Nova Orleans. Sean participou da solução deles, mas muita coisa não
foi respondida.
- Você parece não confiar nele.
- Não é isso, eu apenas acho que ele poderia reavivar medos antigos e... Ele é um bom sujeito. Só talvez não bom para você no momento.
Ela não respondeu.
- Então você está indo para o necrotério?
- Sim, e de volta para casa. Mal consigo ficar em pé. Você me perdoa por eu estar imprestável?
- Não há nada para perdoar.
- Você é a melhor coisa que já me aconteceu.
- Você também, Rick. Ligue para mim amanhã.
- Ligo, sim.
Ela desligou. Curiosamente, sentia-se... aliviada. Voltou à sala de jantar, onde Shanna e ela tinham trabalhado com as abóboras, secou-as e pôs velas dentro
de cada uma. Ao observá-las, notou que a de Shanna parecia malévola.
Sentiu-se desconfortável e, para sua surpresa, percebeu que estava com medo. Apagou as velas e colocou as duas abóboras na varanda. Ao entrar, deu-se conta
de que estava agitada e decidiu que não queria ficar em casa.
Escutava a música e as risadas que vinham da rua. Aquela era sua cidade. O bairro francês era lindo, e ela conhecia os lojistas da vizinhança e os garçons
das cafeterias. Iria tomar um drinque ou um café.
Escovou os cabelos, pegou uma jaqueta e saiu. Talvez estivesse mesmo precisando de uma caminhada.

Terry Broom era jovem e relativamente novo no trabalho de legista, para o qual fora contratado por Pierre LePont. Após mostrar ao chefe suas descobertas, ele
o orientara a convocar os detetives de homicídios.
Um legista representava a última grande esperança de uma vítima. A tarefa precisava ser executada com o máximo respeito e com muito esforço, a fim de garantir
que o assassino fosse levado à justiça ou de concluir que se tratara realmente de um terrível acidente.
Dessa vez, Terry quase fora enganado pelo que aparentara ser óbvio. Vidro por toda parte, cortes em todo lugar... Era fácil ver como atravessar o pára-brisa
podia causar danos trágicos a um ser humano. Porém, desde que examinara o corpo pela primeira vez, algo o perturbara. Algo além do óbvio.
No momento, cercado por policiais, ele fez um gesto para que o jovem assistente retirasse o lençol. Daniel, pálido, obedeceu. Os policiais ficaram imóveis,
fitando o cadáver. Com um dedo enluvado, Terry tocou a fenda no pescoço da vítima.
- Se observarem minha preocupação... Não acho que a violência e a força com que o garoto foi lançado pelo pára-brisa pudessem causar esses recortes em forma
de dente.
Ao olhar para cima, ele percebeu que todos o encaravam. O tenente Sean Canady, seu parceiro, Jack Delaney e o terceiro policial em sua equipe, Mike Astin,
estavam de um lado da maça. Do outro, Gavin Newton e Al Harding.
O sexto policial não fazia parte do setor de homicídios. Rick Beaudreaux trabalhava com jovens, drogas e relações públicas. Ele explicaria aquela morte para
a família do garoto e para a imprensa. Rick estava gripado. Esforçava-se para não espirrar e estava ainda mais pálido que os outros homens. Na verdade, parecia quase
tão mal quanto o cadáver.
- Recortes em forma de dente?
- Estão vendo isto aqui? - Apontou as bordas denteadas da carne. - Isso é o que se obtém esfregando o vidro para a frente e para trás. Vêem como parece carne
cortada? Esse tipo de ferimento é feito com uma faca, ou um objeto cortante, raspando, rasgando a carne...
- Sim, estamos vendo - Sean o interrompeu. - Então, o garoto já estava morto quando atravessou o pára-brisa?
- E o que eu acho.
- Ele foi morto e posto no carro, que foi conduzido por mais alguém em direção à árvore - disse Sean.
- Isso não faz sentido - disse Gavin.
- Na verdade - murmurou Jack -, faria sentido se você fosse um assassino que quisesse escapar da acusação de assassinato.
- Ele já estava morto, foi lançado pelo pára-brisa e quase decapitado com o vidro? - questionou Al.
- Por alguém usando o vidro quebrado como uma faca... para serrar - disse Sean. - É isso, dr. Broom?
- Sei como isso soa, mas... sim.
- Bem, cavalheiros - Sean olhou para os colegas -, foi homicídio.
- Será um caso e tanto para resolver - Al comentou. - O garoto estava assustado.
- Duvido que possamos começar a imaginar o quão assustado - resmungou Sean, virando-se em direção à saída. Chegando à porta, deteve-se. - Ouvi dizer que o
rapaz estava usando outro nome. Vocês conseguiram os documentos com sua identidade verdadeira?
- Sim. - Após olhar os papéis, Terry respondeu à pergunta.
De repente, Sean parecia pior do que Rick. Ele baixou a cabeça e saiu da sala.

* * *
Outubro era uma época festiva em Nova Orleans, que adorava uma boa desculpa para festas a fantasia. Casas mal-assombradas espalhavam-se em diversas partes
da cidade, mas havia também as atrações habituais. Um lugar que oferecia striptease ao lado de uma loja de brinquedos, uma livraria e cafeteria perto de um respeitável
hotel histórico, vizinho a uma sex shop. Jazz tocava em duas esquinas, um casal de negros cantava na rua. Um jovem bêbado bateu no ombro de Jade e se desculpou profusamente.
Ela entrou no Drake's. Conhecera Derrick Clayton, o proprietário do bar, e garçom às sextas-feiras à noite, na escola, e ele se casara com Sally Eaton, uma
de suas melhores amigas. Cada vez que ia até lá, ele tinha novas fotos dos filhos para mostrar.
- Olá, Derrick! - cumprimentou-o, sentando-se em um banquinho nos fundos.
- Olá, minha linda.
- Tem alguma nova foto?
- Sempre. Sabe que vou fazer você vê-las, não é? O que vai beber?
- Uma cerveja.
Derrick serviu-a e entregou-lhe um envelope com fotos. Vendo-as, Jade experimentou uma leve sensação de perda, um desejo maternal e um arrepio. Encontrara
o homem certo, e seu negócio era um sucesso. Poderia se casar, se parasse de ter sonhos eróticos com um estranho que entrara e saíra de sua vida em uma noite de
puro terror.
Quando Derrick terminou de servir os outros clientes no balcão, voltou para falar com ela.
- Os garotos estão lindos, como sempre.
- Obrigado, Jade. E você? Quando vai começar a procriar com aquele policial com quem está namorando?
- Nós não somos nem mesmo noivos. Mas quando eu for me casar, você será o primeiro a saber.
- Ótimo. Ah, com licença, preciso atender a excursão que está chegando.
- Não sabia que você estava no circuito das excursões.
- Não estou, mas há muitas companhias pequenas no momento, por causa da temporada do Halloween. - Ele a deixou.
Jade continuou tomando sua cerveja. O grupo de turistas havia enchido o bar. Sabia que, durante a Guerra Civil, a dona daquela casa tinha se enforcado no andar
de cima após alguém divulgar seu relacionamento com um soldado da União. O guia contava essa história. A princípio, ela apenas ouvia o som da voz dele. Porém, logo
se conscientizou de que ele soava levemente familiar. Enrolava os erres...
Levantou-se e andou na direção do grupo, que estava saindo do bar. Meia dúzia de pessoas bloqueava a saída. Adiante, avistou o guia, que vestia uma capa negra.
Seu coração acelerou. Muitos guias usavam capas de Drácula em Nova Orleans, afinal, era a cidade de Anne Rice. Contudo, eles não necessariamente tinham sotaque escocês.
Ele estava muito à frente. Jade o seguia. Começou a correr pela rua, aterrorizada, mas decidida. Colidiu com um grupo de farristas fantasiados, que se dirigiam
a uma festa de Halloween.
- Com licença, com licença...
Continuou correndo, desviando-se das pessoas. Na Bourbon Street, o movimento aumentou, e ela tentou acompanhá-lo. Quando alcançou um homem usando uma capa
negra, pegou-o pelo ombro e o virou. Nunca o vira antes. Desculpou-se e permaneceu parada no meio da rua, sentindo a multidão passar por ela, escutando risos e música...
De súbito, a rua pareceu esvaziar diante de si. Mais à frente, sob a luz da rua, havia um homem.
O homem. Ele.
Fazia mais de um ano que Jade não o via, exceto em sonhos. E ele estava ali. Alto, moreno, impressionante. Sua camisa de mangas compridas era preta, como a
calça. As mãos estavam enfiadas casualmente nos bolsos. Ele poderia ser um turista atraente: um homem de negócios, um músico, um político... qualquer turista. Mas
não era.
Começou a caminhar na direção dele, quase certa de que ele desapareceria. Porém, ele permaneceu imóvel, aguardando. Não se virou, nem sumiu.
Jade era razoavelmente alta, mas foi obrigada a olhar para cima para fitá-lo. Sim, era ele mesmo, em carne e osso. O cabelo escuro, o físico delgado e musculoso.
Os olhos... como âmbar. Como fogo.
- Olá, Jade - ele disse suavemente. - Precisamos conversar.
Precisavam conversar? Ele estivera presente durante a noite em que correra um enorme perigo e em que se sentira apavorada. Provavelmente salvara sua vida,
antes de ir embora, deixando a polícia acreditar que ela era louca, levando-a a duvidar da própria sanidade. E então entrara em seus sonhos, invadira seu sono, roubara
sua alma. Ele a tocara, de alguma forma. Fora real. Arruinara suas chances com o homem mais perfeito que já conhecera.
- Jade?
- Seu bastardo! - Estapeou-o com força.
Talvez tivesse sido uma atitude insensata. Ele era alto e forte e, se levasse a mal... O medo, ou talvez o instinto, a fez erguer o braço outra vez, mas ele
o segurou, levando-a a atacá-lo com palavras.
- Bastardo! Você estava lá. Viu tudo e desapareceu. E, o mais espantoso, eu comecei a sonhar com você...
Ele pegara sua mão no ar, e agora segurava seu pulso. Com gentileza? Não sentia o aperto, mas sabia que não teria conseguido mover-se, caso tentasse.
- Que diabos está acontecendo? - ela indagou.
- Não sei o que quer dizer.
- Acho que sabe, sim. De repente, ele se afastou.
- Eu mal conheço você. Com licença.
Para seu espanto, ele se virou e começou a se afastar. Boquiaberta, com as mãos nos quadris, ela ficou olhando.
- Com licença? - repetiu e correu atrás dele. - Ei! - Pegou-o pelo ombro. - Você não pode simplesmente se afastar de mim.
- Eu deveria ficar parado para você me bater outra vez?
- Não, não... mas você... tem que falar comigo!
Ele arqueou a sobrancelha, fazendo-a ter vontade de atingi-lo de novo. Ele era atraente de uma forma quase assustadora, devastadoramente bonito, com um ar
de autoconfiança, segurança, e até de arrogância. Ela cerrou os punhos.
- Ótimo! Não fale comigo! - Começou a se distanciar. Ao notar que ele não a seguia, Jade parou e voltou-se.
Ele estava esperando, com um leve sorriso nos lábios carnudos.
- Quem diabos é você? - ela sussurrou. - O que está acontecendo?
- Onde está o seu policial, o oficial Beaudreaux?
- Ele... está doente. Espere um minuto, o que você sabe sobre...
- Estou em Nova Orleans há alguns dias. Naturalmente, desejava vê-la e fiz algumas perguntas.
- É mesmo? - Voltou para perto dele. - E com quem você falou?
- Um homem nunca entrega suas fontes.
Jade teve o impulso de afastar-se de novo, mas se conteve. O homem estava ali e, mesmo ele sendo impossível, era onde queria mantê-lo. Talvez ele tivesse sentido
que estivera prestes a se distanciar, pois colocou a mão em, seu braço. Ela estremeceu, lembrando-se de estar com ele...
- Eu... Eu...
- Vamos tomar um drinque? Podemos ir ao bar de seu amigo.
- Por que não? - Ela começou a caminhar. De repente, empalideceu e virou-se para fitá-lo. - Eu achei ter visto... achei ter ouvido...
- Sim, eu também achei.
- Espere um minuto! Eu não terminei minha frase. Achei ter visto...
- O guia turístico da Escócia. Eu sei. Não era ele.
- Tem certeza?
- Sim.
Quando chegaram ao bar, ela quase pulou ao sentir a mão dele nas costas. Era assim que se desejava alguém, pensou. O toque mais leve, aqui, ali, em qualquer
lugar, à noite, de manhã, na dor, no prazer...
Derrick os viu retornando.
- Ei, garota, vi você correndo. Tome uma cerveja fresca. - Fez um gesto de cabeça para seu acompanhante. - Senhor, o que vai beber?
- O mesmo que Jade.
- Derrick Clayton, este é...
- Lucian DeVeau - ele apresentou-se, apertando a mão de Derrick.
- Lucian, prazer em conhecê-lo.
- O prazer é meu.
Sentaram-se, e Jade o encarou, tomando um gole de cerveja. Ali estava ele, finalmente. Deveria chamar a polícia, mas sabia que ele desapareceria antes que
os oficiais chegassem. Ele se virou no banquinho, olhando a banda que começara a tocar. Estudou-lhe o rosto poderoso, charmoso e arrogante. Era um homem que conhecia
sua força e habilidades.
- É real? - ela indagou.
- O quê? - Fitou-a, com os olhos negros como a noite, com aquele vago reflexo avermelhado.
- Seu nome.
- Sim, é real.
- É francês. Eu o encontrei na Escócia. Você disse que vinha de lá, mas DeVeau não é escocês.
- As pessoas se mudam.
- Então de onde sua família é, originalmente?
- É provável que da França.
- Você fala francês?
- Sim, gosto da língua.
Frustrada, ela não conseguia chegar a lugar nenhum.
- Você salvou minha vida, mas depois sumiu, deixando que todos pensassem que eu era viciada em drogas ou maluca.
Ele tomou um gole de cerveja, sem fitá-la.
- Eles sabiam que não usava drogas. Levaram você para o hospital e, tenho certeza, examinaram cada fluido em seu corpo.
- Mas você... foi embora!
- Eu tive de ir. Não estava em muito boa forma.
- Você sabia o que ia acontecer.
- Não, eu temia que algo pudesse acontecer - ele a corrigiu.
- Você não é um policial.
- Não.
- Obviamente. Se fosse, teria ficado para falar com os outros.
- Já lhe disse que estava ferido.
- Sabe de uma coisa? Não acho que você seja real. Mesmo agora, sentado a meu lado. Vai desaparecer no ar outra vez a qualquer instante...
- Jade! Lucian!
Jade virou-se depressa, surpresa por alguém que conhecia saber quem era ele, e deparou com Daniel Thacker. Encarou Lucian, que deu de ombros. Seus olhos falavam
de forma eloqüente: Veja, sou real, estou aqui!
Danny estava evidentemente alcoolizado.
- Meu Deus, é bom ver vocês dois! - Pôs um braço ao redor de cada um.
- Danny... - Jade murmurou. - Você conhece Lucian?
- Claro. Ei, Jade, Luke está pensando em escrever. Acho que ele podia se juntar ao nosso grupo de quarta-feira. - Inclinou-se para mais perto de Jade e sussurrou:
- Ele é rico. Velha aristocracia européia. Poderíamos aproveitá-lo!
Ela arqueou a sobrancelha. Seria verdade?
- Eu gostaria de me unir ao grupo - disse Lucian.
- Não somos um grupo de verdade - ela esclareceu.
- Ah, sim, de repente ela e o sr. Durante estão nas listas dos mais vendidos, e não somos mais um grupo.
- Danny, você está muito bêbado! Acho que eu deveria levá-lo para casa - sugeriu Jade.
- Não, você não pode ficar sozinha. Mesmo aqui, no bar do Derrick. Há coisas ruins acontecendo.
- Danny, estamos em Nova Orleans. Temo que haja muitas coisas ruins acontecendo.
- Não, nós temos cadáveres.
- Pessoas mortas normalmente são cadáveres, Danny.
- Normalmente - Lucian murmurou. - Você tem razão, Jade, precisamos levá-lo para casa.
- Você não sabe o que eu vi, Luke. Lucian.
- Acho que eu sei - ele retrucou. Quando Jade o encarou, prosseguiu: - Depois eu conto para você.
- Conta mesmo? Ou vai desaparecer?
- Não vou desaparecer.
- É isso mesmo. Não vou deixar você sumir. Vamos levar Danny para casa, e então você irá até o meu apartamento.
Lucian hesitou, baixando a cabeça por um instante. Quando ele a fitou, Jade sentiu uma estranha onda de calor percorrer sua espinha. A misteriosa chama vermelha
havia aparecido nos olhos dele outra vez.
- Isso é um convite?
- É uma ordem - murmurou, apesar de saber que ele não obedecia a ordens, a não ser que desejasse.
Danny pôs as duas mãos no rosto de Lucian, forçando-o a encará-lo.
- Ela precisa ser muito, muito cuidadosa, Luke.
- Deve ter sido um dia difícil no necrotério - Lucian comentou. - Vamos levar você para casa. Acho que estamos todos seguros hoje à noite.
- Ah, é? - Danny indagou. - E como você sabe?
- Intuição.
Lucian levantou-se. Ele era ainda mais alto que seu amigo, que não era pequeno. Apesar de fazer muito tempo que conhecia Danny, Jade nunca o vira daquele jeito.
Ia pôr dinheiro no balcão para pagar as bebidas, mas, ao notar que Lucian já fizera isso, encarou-o.
- O mínimo que posso fazer é pagar um drinque para você.
- E ele vai protegê-la das criaturas da noite - Danny acrescentou.
- E como eu sei que ele não é uma das criaturas da noite?
- Você não sabe - retrucou Lucian. - Vamos?
Ele passou um braço pelas costas de Danny, que se pendurou no ombro dele, seus pés mal tocavam o chão.
Do lado de fora, ouvia-se o som de jazz, luzes de néon estavam acesas e risos preenchiam as ruas. A costumeira cacofonia de sexta-feira à noite reinava.

Sean chegou à velha mansão da família, onde vivia com a esposa e o filho. Ela aguardava na entrada, como se soubesse que ele estava chegando. Algumas vezes,
ainda tinha essa habilidade. As mãos estavam cruzadas diante do corpo. Tentava aparentar serenidade, mas a agitação se revelava em seus olhos.
- Você sabe? - ele indagou.
- Tentei falar com você na delegacia e no celular, mas a bateria tinha acabado.
Ele entrou e beijou-a apaixonadamente antes de se afastar.
- Eles estão de volta - Sean afirmou simplesmente.
- Sim. Lucian esteve aqui. Quer um drinque?
- Um bem grande.
Ela se dirigiu à sala de estar e serviu-lhe um uísque.
- Eu estive no necrotério o dia inteiro porque o acidente de carro noticiado nos jornais não foi um acidente. O rapaz estava morto antes de bater na árvore.
A cabeça estava quase separada do corpo porque foi serrada com o vidro quebrado do pára-brisa após a morte.
Boquiaberta, ela não disse nada.
- Onde está Lucian? - ele indagou.
- Ele queria falar com você, mas como você demorou, insistiu que precisava ir. Porém, prometeu que voltaria.
- Ele está preocupado com a garota MacGregor?
- A mulher que sobreviveu aquela noite na Escócia? Ele não falou nada. Como suspeitávamos, ele estava lá. Sabe quem... destruiu aquelas pessoas em Nova York.
Falou um pouco, mas não estava bem, e eu o fiz descansar. Quando acordou, sentiu-se desassossegado e foi embora.
- Então ele foi atrás dela.
- Sean, Lucian acha que feriu esse sujeito gravemente, e que ele terá de ir para algum outro lugar enquanto se cura.
- Tem certeza de que não sabe para onde Lucian foi?
- Ele não me disse... Pode estar em qualquer lugar, mas vai voltar. Quer ver você. E acho que ele precisa de nós.
- Maggie, ele precisa saber quem era o rapaz morto na colisão.
O pequeno apartamento de Danny ficava na sobreloja de uma sex shop. No caminho, ele cochilara algumas vezes. Lucian o carregara, enquanto ela apontava o caminho.
- Aquelas escadas ali - Jade indicou.
Levaram-no para cima. Danny começou a cantar enquanto subiam os degraus. No último, ele riu.
- Entrem, venham conhecer a minha mansão! Lucian o levou para dentro, e Jade correu para abrir o sofá-cama, no qual o amigo desabou.
- Nunca o vi assim - ela comentou, tirando-lhe os sapatos.
- Todos os homens têm um limite, às vezes, eles precisam perder o controle.
- Hum, diga-me, você costuma perder o controle?
- Não. Vamos?
- Você já perdeu o controle?
- Sim. Vamos?
- A trava vai se fechar automaticamente quando sairmos, mas eu gostaria que houvesse uma forma de trancarmos a porta.
- Ele ficará bem.
- Como pode ter certeza? Ele está com medo de alguma coisa.
- Ele está em casa, adormecido. Vai ficar bem.
Jade não soube por quê, mas acreditou. Desceu as escadas, consciente da presença dele e da ridícula sensação de já terem estado juntos. Bem, isso acontecera,
pelo, menos de certa forma. Ele admitira ter salvado sua vida em Edimburgo, e ela fora encontrada em uma mortalha, portanto, ele estava familiarizado com ela. Por
inteiro.
Enrubesceu enquanto caminhavam. Ele tomou-lhe a mão, conduzindo-a pela multidão. De súbito, ela se deteve, fazendo-o parar.
- Por que estou sonhando com você?
- Porque eu sou devastadoramente bonito? - ele sugeriu.
- Tenho saído com um homem que é doce, gentil e devastadoramente bonito.
- Mas não sonha com ele.
Jade corou de novo e voltou a caminhar.
- Eu não disse com o que tenho sonhado - murmurou. Ele a seguiu, e logo chegaram ao apartamento.
- Quer beber algo? - ela ofereceu ao entrarem.
- O mesmo que você.
Ela optou por vinho e serviu-o. Tomou um gole da bebida antes de indagar:
- Por que você sumiu em Edimburgo?
- Foi necessário.
- Poderia ter ajudado a polícia.
- Não, eu não poderia.
- Eles mataram de novo em Nova York.
- Acredito que sim.
- Por que você está em Nova Orleans?
Lucian hesitou um instante e então encolheu os ombros.
- Por sua causa.
O coração de Jade batia com força. Não o conhecia de verdade. Escócia. Alguns sonhos eróticos. E agora. Deixando a taça sobre a mesa, aproximou-se dele e o
encarou.
- Estava em Edimburgo por minha causa?
- Não - ele retrucou com um sorriso pesaroso. - Estava lá porque ouvi a respeito de um guia e de um passeio turístico pelos subterrâneos e suspeitei daqueles
que estavam envolvidos.
- E tinha razão. Você vai detê-los?
- Sim.
- Mas não é um policial?
- Não. - Tocou-a no rosto. - Digamos que sou o chefe de um grupo que tem interesse no que está acontecendo.
- E o que está acontecendo? - ela sussurrou, sentindo os dedos dele em seu rosto. Nada em sua vida fora tão atraente ou sedutor. Desejava mais daquele toque.
Aproximou-se, e ele tomou-lhe o rosto entre as mãos. - Você disse que está aqui por mim... porque...
- Você pode estar em perigo.
- Mas eu...
Namoro um policial. Não pronunciou as palavras. Chegou ainda mais perto e ficou na ponta dos pés. A lógica a lembrou de que ele era suspeito, de que mal o
conhecia, o instinto lhe disse que sabia tudo o que precisava saber.
Quando os lábios dele tocaram os seus, não houve dúvidas quanto ao desfecho da noite. O calor da boca sensual era delicioso, a língua invadiu-a, enroscando-se
com a sua em um beijo apaixonado e exigente. Envolveu-o pelo pescoço, e ele a ergueu, apertando-a de encontro ao corpo. Sentia a pressão do peito forte em seus seios,
da virilha contra seus quadris, e isso, aliado aos movimentos da língua em sua boca, excitou-a profundamente. Enterrou os dedos nos cabelos negros, deslizando-os
até a nuca. Ele pousou os lábios em seu pescoço, por um instante, manteve-os ali...
E Jade pôde sentir uma forte pulsação. Seriam os batimentos do coração dele? Não, eram do seu. Pareciam permear seus membros, palpitar entre suas pernas. Sentia
o jeans contra a pele, o tecido da calcinha, o ar, a noite, até mesmo o tiquetaquear do tempo. Ele a abraçava, inspirando e expirando em seu pescoço, e o fogo do
hálito morno a estimulou.
Por fim, ele a conduziu ao quarto. Não sabia como ele chegara ali tão facilmente, tampouco se importava. Agarrou o tecido da camisa dele ao perceber que não
conseguia tirar-lhe a jaqueta com rapidez suficiente. Ele mesmo se despiu e se deitou sobre ela na cama, os ombros largos é musculosos tocados pelo brilho do luar.
Jade estava nua. Não sabia como... não se lembrava. Suas roupas eram uma mescla de algodão e seda na cama, entremeando-se à jaqueta, à camisa e à calça de
Lucian. Ele era lindo, enorme, poderoso... A língua em sua pele, os dedos em seu corpo, o erótico roçar dos dentes em seu pescoço, a palma fechada em seu seio...
Ele a incendiava. Tomou seu mamilo entre os lábios, fazendo-a mover-se de encontro a ele, dominada por ondas de desejo. Beijou o vale entre os seios e chegou ao
umbigo, provocando-a. Acariciou-a nas coxas, baixou ainda mais a cabeça, tocou-a no sexo, que apartou com os dedos e invadiu com a língua. Ela gritou, cravando as
unhas nos ombros fortes...
Quando ele se ergueu, estava sem energia, trêmula, suada, convicta de que não poderia sentir mais, fazer mais... Porém, ele a penetrou, invadindo-a, despertando-a,
completando-a... E como ele se movia!
Atingiu o clímax outra vez, gritando, agarrando-se a ele. Por fim, começou a retornar do lugar aonde fora transportada, e pensou que o sonho que havia tido
fora bom, mas a realidade... Meu Deus, a realidade!
Ainda tremia, ainda sentia... Estava impregnada pelas sensações e pelo sabor masculino. Nunca esqueceria, nunca desejaria outra coisa. Era como a vida, e era
como a morte, como conhecer a sensação real do calor do sol.
Levantou-se de repente, com a certeza de que ele havia ido embora. Contudo, ele se encontrava à seu lado. Era real! Observou-o. Os pelos escuros e encaracolados
no peito afinavam na cintura, e tornavam-se mais espessos outra vez mais abaixo. As pernas eram longas e musculosas, os ombros, largos, como ela sempre suspeitara,
o abdômen, firme...
Ele se apoiou em um cotovelo e indagou suavemente:
- O que foi?
- Você está aqui.
- Sim, estou.
- Sonhei com você - ela sussurrou.
- E eu estive à altura?
Jade não respondeu, pois ele já era arrogante o suficiente. Viu então a cicatriz, longa e branca, no pescoço e ombro, e percorreu-a com o dedo.
- Cicatriz de uma velha batalha?
- Sim, de uma batalha muito antiga.
- Vai me falar sobre isso?
- Agora não.
- Você vai desaparecer?
Ele sorriu, tocou-a no rosto e afastou-lhe o cabelo da testa.
- Agora não. O policial poderia se recuperar da gripe.
- Como você sabe que ele está gripado?
- Algumas vezes, eu sei tudo o que preciso saber. Outras vezes, não. Em geral, posso sentir quando... - Meneou a cabeça. - Esta noite... Nova Orleans está
sossegada.
- Sossegada? É outubro, movimentado como... - Interrompeu-se e o fitou. - Você sabe quem matou as pessoas em Nova York e está temeroso por mim. Tem medo que
eles venham atrás de mim, mas não acha que estejam aqui... ainda.
- Não acho que estejam aqui... esta noite.
Ela o fitou nos olhos. Mal o conhecia, e estava na cama com ele, após o melhor sexo que já imaginara. Virou-se, tentando pensar no que acontecera. Lucian deitou-se
sobre ela.
- Não está arrependida, está?
- Não. Nunca conheci alguém como você.
- Não.
- Nunca alguém... tão arrogante. Ele riu.
- Bem, acho que sim... Mas não, nunca conheceu alguém como eu. E reze para nunca conhecer.
- Você vai embora?
- Não até de manhã... se eu puder ficar.
- Está me pedindo?
- Sim.
- Vai falar comigo?
- Claro. Eu tenho falado com você.
- Sim, mas nunca dizendo realmente a verdade.
- Nunca menti.
- E promete que não vai mentir?
- Prometo que farei o melhor para explicar a verdade, sempre. - Ele se inclinou e a beijou.
Apesar de estar exausta, o toque a despertou outra vez. Se estivesse sonhando, desejava nunca acordar. Mas ele era real. Podia vê-lo, senti-lo, tocá-lo, conhecê-lo...
Mais tarde, quando ele a abraçou, suspirou de felicidade.
- Isso é insano. Eu não conheço verdadeiramente você. É uma criatura da noite? - ela sussurrou.
Ele já estaria dormindo ou havia respondido?
Oh, sim, definitivamente, sou uma criatura da noite.

O mês de outubro havia se tornado comercialmente melhor que o Natal. A Cidade do Terror, um parque temático na Nova Inglaterra, vinha lucrando bastante nos
últimos doze anos. O local crescera e, durante a temporada, muitas pessoas iam trabalhar lá.
Darcy Granger, uma estudante de vinte e um anos, adorava seu emprego. Os efeitos especiais eram ótimos, com luzes negras e máquinas de fazer neblina. O tema
de sua seção era "Noites da Transilvânia". Ela se vestia de negro, com uma maquiagem fabulosa e, deitada em um caixão, assustava as pessoas, levantando-se de repente.
Era divertido. O público gritava e depois ria.
Apreciava a maior parte de seus colegas que, como ela, estavam ganhando algum dinheiro e se divertindo. Eles seguiam as regras. Pareciam assustadores, faziam
as pessoas gritar, mas nunca tentavam provocar um enfarte em alguém.
Com exceção de Tony Alexander. Ele ficara furioso alguns dias atrás porque um rapaz tentara assustá-lo. O sujeito fora um imbecil, mas Tony agira de forma
ainda pior, escurecendo totalmente o lugar e fazendo-o tropeçar. O homem reclamara e gritara com Tony, que tinha descontado a raiva em cada garotinho que visitara
o lugar desde então, sussurrando ameaças e fazendo-os chorar. Depois bancara o inocente, e outro funcionário fora demitido. Além disso, ele costumava assediar as
garotas. Como era sobrinho do proprietário, conseguia manter o emprego.
Com a aproximação do Halloween, a procura pela Cidade do Terror era grande. Darcy estava em um dos trailers onde os funcionários sé maquiavam quando viu o
recém-chegado. Ele era alto e esbelto, mas tinha ombros fortes. Sentiu uma estranha inquietação quando ele a olhou, mas deduziu que ele estivesse desconfortável
com sua primeira noite no emprego.
- Ei, não fique assustado. É divertido.
- Não se preocupe. - Ele sorriu. - Pretendo me divertir. Você gosta de vampiros?
- Claro. São assustadores e sensuais, certo?
- Você é muito sensual - ele disse de forma casual, com um sorriso amigável.
Ela sorriu e, terminando a maquiagem, tocou-o no ombro.
- Boa sorte.
- Obrigado. Boa caçada.
Darcy dirigiu-se ao seu lugar. Sorriu para Thayer Harding, um dos técnicos, que checava as molas do caixão no qual ela ficaria. A trilha pela casa assombrada
era sinuosa, e havia outros garotos em diversas câmaras pequenas como a que ela ocupava. Walkie-talkies ficavam nas paredes em áreas iluminadas de azul, para o caso
de ocorrer algum problema.
- Está tudo bem aí, Darcy? - indagou Thayer. - Eu já terminei. Estamos abrindo.
- Estou dentro. Tudo certo.
Thayer saiu. No interior aveludado do caixão, Darcy fechou os olhos e pensou em sua apresentação para a aula de Literatura Inglesa. O tempo passou, e as pessoas
começaram a se aproximar. Sabia disso, pois um pequeno sensor fazia acender uma minúscula luz vermelha no caixão.
De repente, ela se ergueu. Uma mulher, acompanhada de duas crianças, pulou, assustada, e depois começou a rir. Os meninos também gritaram e riram. Ela mostrou
os dentes e fez um ruído. Quando eles se afastaram, Darcy fechou a tampa do caixão e voltou a praticar sua apresentação.
Jimmy Ersldne adorava casas mal-assombradas, pois faziam as garotas gritar. E tendo Cassie em seus braços... Aquela era a noite em que conseguiria levá-la
para a cama. Havia encontrado o lugar certo. Seria o herói durão, rindo no trajeto da casa do horror, abraçando-a, mantendo-a perto.
Começaram a andar pelo local dos vampiros, que era bastante assustador, repleto de névoa, caixões, luzes escuras e personagens que surgiam aqui e ali. Retardou
o passo, para que ficassem sozinhos.
Ao entrarem em um corredor, Jimmy não se deu conta do caixão adiante, que se abriu com um rangido assustador. A garota que apareceu o fez com tanta energia
que ele pulou.
Sentindo-se idiota, corou e viu o sorriso da vampira, ciente de que o assustara.
- Dentes horríveis! Vestido ruim, caixão ruim.
A garota voltou ao caixão e fechou a tampa. Retomaram a caminhada. Ele estava irritado, pois as coisas não iam tão bem. Ao ver um homem alto e magro vestido
como um vampiro, ele parou.
- Cuidado, aí vou eu! - o sujeito disse, avançando na direção deles.
Cassie gritou de medo, aproximando-se ainda mais de Jimmy. Embora fosse o que ele desejava, sua irritação persistia. E agora aquele idiota estava perto deles.
O ar parecia mais do que enevoado, fazia frio. E os dedos do sujeito, com aquelas unhas longas... Não gostou dele, e teve vontade de socá-lo.
- Não pode me tocar - Jimmy afirmou. - Afaste-se de mim, seu idiota fajuto! Vou quebrar a sua cara.
- Jimmy, por favor! - pediu Cassie. - Esse homem é obviamente um perturbado. Vamos continuar.
Mas Jimmy era um rapaz durão, que já estava bravo por causa do susto que levara.
- Não. Venha, você já era, companheiro.
- Jimmy, não! - suplicou Cassie.
- Pobrezinha - o vampiro disse para ela antes de se virar para Jimmy. - Certo. O jogador de futebol quer me pegar, é? Venha.
Jimmy atacou. Era bom nisso, já quebrara alguns ossos jogando. Porém, o sujeito se movia com uma rapidez impressionante. Golpeando o ar, foi parar no chão
e bateu a cabeça em algo. Tonto, conseguiu se levantar e viu que seu oponente estava perto de Cassie. Impossível. Ninguém poderia ter se movido com tamanha velocidade
naquele espaço estreito. Ela estava imóvel e pálida, com os olhos fixos naquela imitação de vampiro.
- Agora você já era, cretino - ele ameaçou. Atacou-o de novo, mas, dessa vez, o homem não se moveu.
Jimmy chocou-se contra ele, o que se assemelhou a colidir com uma rocha gelada. Ficou paralisado. Seus nervos e músculos pareciam estremecer. A criatura o
pegou, e ele sentiu algo como um hálito de fogo no rosto. Viu-lhe os olhos e fitou o abismo...
Impotente, observou o sorriso do vampiro se aprofundar antes que ele abrisse a boca e enterrasse as presas em seu pescoço. Ouvia-o beber seu sangue enquanto
o calor era drenado de seu corpo. Até o fim, escutou o som... e Cassie... chorando.
Quando a criatura terminou, ergueu-o e torceu-lhe a cabeça, separando-a do corpo. Cassie ainda assistia à cena, aterrorizada, chorando.
O vampiro fitou a garota encantadora. E desfrutou de seu tempo com ela.
O grupo seguinte era composto por pai, mãe, tia, três adolescentes e um tio-avô. Eles permaneceram juntos, assustados, divertindo-se, pulando ante qualquer
efeito especial. Ao verem os pedaços de corpos, emitiram exclamações deliciadas. A Cidade do Terror fizera um trabalho excelente. O sangue e as vísceras pareciam
tão reais!
Prosseguiram o passeio tranqüilamente.

* * *
Ela escutou uma batidinha no caixão.
- Darcy, estamos fechando. Abriu a tampa e viu que era Tony.
- Recebi uma chamada no walkie-talkie. Estão tendo problemas com as luzes e acham que alguns garotos estão se escondendo, pois não reapareceram. Vamos, me
dê a mão, querida. Vou ajudá-la a sair daí.
Darcy poderia ter saído sozinha, mas, não querendo ser rude, aceitou a ajuda.
- Obrigada. - Começou a se dirigir à saída dos fundos.
- Por que está com pressa? Poderíamos nos divertir um pouquinho por aqui.
- Obrigada, mas não.
De súbito, ela se deteve. O sujeito novo que vira no camarim encontrava-se diante dela, bloqueando o caminho. Usava uma capa e estava sem maquiagem, mas ainda
assim, alguma coisa em seus olhos era esquisito e assustador.
Parecendo não perceber que havia um motivo para ela estar parada, Tony agarrou-a por trás.
- Darcy, sei como se sente a meu respeito, e sei também que você não deveria sair com um colega de trabalho, mas eu sou praticamente o chefe aqui...
Ele respirava em sua nuca. Na verdade, quase babava em sua nuca.
- O quê? - Incrédula, ela tentou se soltar. - Eu não gosto de você, nem acho que seja o chefe.
Qual era o problema com ele? Havia algo errado ali. Tinham acrescentado alguns itens à atração: cabeças, corpos, sangue. Não conseguia enxergar direito com
tantas sombras. De repente, o sujeito falou:
- Agora chega disso. Sou o único que lambe pescoços por aqui.
Tony assustou-se com a voz, pois ainda acreditava estar sozinho com Darcy.
- Quem é você? Não me disseram que alguém tinha sido contratado para esta seção!
- Ah, que tristeza! Eles não lhe contam tudo. E aqui estou eu. Assustado, rapaz?
- Assustado? Cretino! Vamos, Darcy. Os diretores ficarão sabendo disso. Mexa-se.
- Não é uma boa idéia, Darcy - disse o homem. - Não se mexa.
Ela queria muito sair dali, mas não conseguia se mover. Sentia-se paralisada, incapaz de desviar os olhos daquele rosto. Na realidade, como não tirara os olhos
dele desde que o avistara, não compreendia como, de um instante para o outro, ele não estava mais sozinho. Havia uma mulher alta, magra e de cabelos escuros a seu
lado.
- Darcy, isso é algum tipo de brincadeira? - Tony indagou. - Alguns de vocês sendo idiotas, tentando me...
- Cale-se, Tony! - ordenou o homem.
- Esse é o meu, querido? - a mulher perguntou ao companheiro, rindo. Avaliou Tony de cima a baixo e lambeu os lábios. Então olhou para Darcy, fazendo-a sentir
um arrepio na espinha. - Não que eu seja seletiva quanto ao sexo.
- Primeiro as damas - ele disse. - Minha pequena vampira parece doce. Posso sentir daqui o coração dela batendo. A expectativa é tão agradável...
- Darcy, vá!
- Tony, você não pode ficar...
- Saia daqui! - ele insistiu. - Eu conheço vocês - sussurrou.
- Que memória, garotão!
- Como ele poderia nos esquecer, querido?
- Bem, ele fumou um pouco de maconha e bebeu bastante uísque.
- Vá! - Tony ordenou, empurrando-a com força. - Corra, Darcy!
Com isso, ele rompeu o feitiço que os olhos medonhos haviam lançado sobre ela, dando-lhe o impulso para correr em meio ao ar gélido que tomava o ambiente.
Ao passar correndo pelo homem, viu o divertimento em seus olhos. Se quisesse, ele a deteria apenas com sua vontade. Porém, algo em sua expressão mudou de leve ao
fitá-la, revelando indiferença. Ele a estava deixando ir!
Com os lábios secos e os pulmões ardendo, ela correu, em pânico. Avistou a saída de emergência e se lançou contra a porta. Escutando os gritos de Tony, saiu
para a noite, berrando histericamente.

Jade acordou tarde no sábado, sobressaltada. Ele estivera ali, com ela, em carne e osso. Porém, ao se virar, constatou que ele havia ido embora.
- Por que eu esperava isso? - murmurou.
Levantou-se e tomou uma ducha, refletindo se havia alguma possibilidade de estar imaginando aquilo tudo. De qualquer forma, devia estar enlouquecendo, pois,
mesmo que fosse realidade, passara a noite com um estranho, traindo um homem decente.
Vestiu-se e fez café. O que diria a Rick? Precisava revelar a verdade, pois ele merecia a honestidade total.
No começo da tarde, decidiu ligar para ele, mas, como ele não atendeu, deixou um recado na secretária eletrônica. Mal desligara quando o telefone tocou. Ao
escutar uma voz de mulher, ficou tensa, imaginando que talvez fosse a mesma que nada dissera no dia anterior. Contudo, além de ter o sotaque diferente, ela não desligou,
pelo contrário, perguntou por Lucian DeVeau.
- Sinto muito, mas ele não está.
- Ele saiu?
Jade imaginou como alguém poderia saber que ele estivera lá.
- Ele não está aqui - repetiu com cuidado.
- Desculpe incomodá-la, mas é importante que eu fale com ele. Por favor, se o vir, diga-lhe para entrar em contato com Maggie o mais rápido possível.
- Se eu o vir, dou o recado.
Ela pôs o fone no gancho, perplexa. O telefonema significava pelo menos uma coisa: Lucian era real.
Após tentar falar de novo com Rick, sem sucesso, ligou para a delegacia. Gavin informou-a de que ele não fora trabalhar, pois ainda estava doente. Antes de
desligar, ele perguntou:
- Jade, você viu as notícias hoje? Nesse momento, alguém bateu à porta.
- Pode esperar um instante, Gavin?
Sem aguardar resposta, pôs o fone sobre a mesa e abriu a porta. Era Shanna, que entrou com um jornal na mão.
- Você viu? - perguntou ela.
- O quê? Não, ainda não olhei os jornais. Só um instante, estou no telefone. - Pegou o aparelho. - Gavin?
- Sim, estou aqui. Jade, leia o jornal. Os membros da seita atacaram outra vez, em um parque temático em Massachusetts. Olhe e depois me ligue.
Quando ele desligou, Jade pegou o jornal das mãos de Shanna e leu o artigo.
- Ah, meu Deus... - sussurrou. - Tony Alexander estava no passeio na Escócia.
Nesse momento, o telefone tocou Outra vez, e Shanna adiantou-se para atender.
- Alô! - Ela franziu o cenho. - Lucian DeVeau? Não conheço nenhum Lucian...
Jade apressou-se a pegar o telefone de suas mãos.
- Quem está falando e o que você quer?
- Desculpe incomodá-la outra vez, mas é muito importante que eu fale com Lucian. Achei que ele pudesse ter voltado.
- Não, ele não está aqui, e não tenho idéia de quando vai voltar.
- Por favor, diga-lhe que precisa entrar em contato com Maggie com urgência. Obrigada.
Quando a mulher desligou, Jade virou-se para enfrentar o olhar da irmã.
- Quem é Lucian DeVeau? Se você está tão familiarizada com ele, por que eu não o conheço?
- Shanna, aquele homem que me resgatou e depois desapareceu em Edimburgo está na cidade, e o nome dele é Lucian DeVeau.
- Ele esteve aqui?
- Sim. Eu o encontrei, tomamos um drinque no Drake's e viemos para cá.
- E quanto a Rick?
- Shanna, algo não estava certo. Rick teria ficado comigo, talvez... Eu acho, mas não sei mais.
O som chocado que a irmã emitiu alertou Jade para o fato de que, até aquele instante, ela não se dera conta do rumo que as coisas tinham tomado.
- Jade! Você não fez isso. Com um estranho!
- Ele não é exatamente um estranho. Salvou minha vida na Escócia.
- Salvou? Ou fazia parte daquilo? Não acha impressionante que ele tenha desaparecido e que, agora que as pessoas estão sendo horrivelmente assassinadas nos
Estados Unidos, ele tenha voltado?
- Ele está aqui, e os assassinatos foram em Massachusetts!
- Qual é a explicação dele?
- Ele...
- Ótimo. Ele não tem uma explicação, e você o convidou para a sua cama!
- Pelo menos, eu o conhecia. E quanto a você?
- Eu fui ao cinema, e Dave não apareceu. Ele está doente, como Rick. Lembra? Aquele policial incrível com quem você estava namorando.
- Vou terminar com ele assim que possível.
- Excelente! Ele está doente, e você vai partir seu coração. E onde está esse Lucian agora?
- Não sei.
- Ele desapareceu de novo. Jade, Jade...
As duas se assustaram quando o telefone começou a tocar.
- Alô? - Jade atendeu.
- Srta. MacGregor, aqui é o detetive Sean Canady.
- Olá, tenente Canady, como vai?
- Preocupado, no momento. Está sozinha?
- Minha irmã está comigo.
- E Lucian?
- Como você sabe a respeito dele?
- Ele está aí?
- Você conhece alguém chamada Maggie?
- Sim. É minha esposa.
- Ela está procurando por ele também.
- Eu sei. Não pretendo alarmá-la, mas achei que você deveria saber que conhecia o jovem envolvido no acidente de carro. Também precisa saber que não foi um
acidente. Foi assassinato. O nome do garoto era Tom Marlow. Você o conheceu na Escócia.
O rosto e o nome vieram à sua mente. Jade umedeceu os lábios, lutando contra uma onda de pânico.
- Mas eu li as notícias sobre o acidente, e o nome era Tad Madsen.
- Tad era um apelido. Acho que ele estava usando Madsen de propósito, como se tivesse medo de que alguém o estivesse procurando. Ele tinha acabado de se transferir
para cá, de uma universidade no Norte. Talvez estivesse tentando se esconder. Sinto muito por dar-lhe essas notícias, mas quero que seja cuidadosa. E o que é mais
importante, tenha cuidado com estranhos. Não saia e não convide ninguém para nada. Eu gostaria de conversar com você. Pode me encontrar no restaurante francês ao
lado de sua casa em meia hora?
- Sim, eu posso. Até mais. - Ela desligou e relatou a Shanna o teor da conversa.
Tinha acabado de falar quando o telefone tocou de novo. Dessa vez, nenhuma das duas se adiantou para atender, e a secretária eletrônica foi ativada.
- Jade, é Gavin. Por favor, me ligue o mais rápido possível. Eu...
Ela correu e pegou o aparelho.
- Olá, Gavin!
- Olá, garota. Sinto muito, mas tenho más notícias. Rick foi levado ao hospital. Ele está péssimo. Estão fazendo transfusões de sangue... e agora chamaram
um padre para dar a extrema-unção. Sinto muito.
Atordoada, Jade largou o telefone, pegou a bolsa e dirigiu-se à porta.
- Jade! - Shanna gritou, fazendo-a virar-se.
- Rick pode estar morrendo.
- Meu Deus!
A irmã uniu-se a ela. As duas desceram e pegaram um táxi, esquecendo-se completamente do encontro com Sean Canady.
Maggie.
Ela estava recolhendo as roupas do bebê do varal. Fechou os olhos, espantada por ouvir seu nome com tanta clareza. Era a voz de Lucian. Ele ainda conseguia
alcançá-la.
Lucian, onde-diabos você está?
No cemitério. Senti que estava tentando falar comigo.
Sim! Eles mataram em Massachusetts ontem à noite. E mataram aqui. Acho que sua amiga Jade corre sério perigo. Um por um, eles estão eliminando os sobreviventes
da Escócia. Tentei falar com você na casa de Jade. Sean por fim falou com ela e ficou de encontrá-la.
Graças a Deus! Ela está a salvo por enquanto.
Sim, por enquanto. Lucian, você precisa detê-los.
Sei disso. Maggie, tome cuidado. Eles podem suspeitar de nossa ligação.
Maggie olhou ao redor. Havia alho em todo o lugar, cobrindo as janelas. Ela visitara a igreja e pegara água benta. Transformara dezenas de cabos de vassoura
em estacas afiadas, que colocara em locais de fácil acesso.
Sei lidar com eles, Lucian.
Mas tome cuidado. Diga a Sean que eu sei o que aconteceu e que vou encontrá-lo.
Vou dizer a Sean que você me telefonou, Lucian. Sei o quanto ele me ama, e que ele tem certo respeito reservado por você, mas prefiro que ele não saiba que
ainda consegue tocar minha mente.
Lucian ficou em silêncio por um instante. Ela quase podia vê-lo sorrir.
Quando eu o vir, vou dizer que telefonei para você. Tome cuidado, Lucian, por favor. Você também.

Havia alguém na varanda, mas Liz MacGregor não suspeitou de nenhum perigo. Afinal, vivia em um lugar seguro. Saiu e olhou ao redor.
- Olá?
- Olá! Eu ia tocar a sua campainha. - O homem alto e magro, com um sorriso charmoso, usava um uniforme cinza e carregava uma caixa preta e uma prancheta. -
Sra. MacGregor, sou o técnico da tevê a cabo.
- Eu não chamei ninguém. Não estamos com problemas.
- Sei disso, mas estamos testando um novo canal infantil, com muitos programas novos, e gostaríamos que sua família participasse da fase de avaliação. Se eu
puder ver seu decodificador por alguns instantes... Será muito rápido.
Liz sorriu. Era sempre bom contar com mais programas infantis de qualidade.
- Ficaria feliz em participar. Entre - ela convidou.

Não permitiram que Shanna visse Rick. Apenas Jade foi autorizada a entrar, pois era a pessoa mais próxima, uma vez que ele não tinha família. Ela não acreditava
com que rapidez o vírus havia agido. Ele estava inconsciente, usava uma máscara de oxigênio, recebia sangue e alimentação intravenosa. Sentou-se ao lado dele e tomou-lhe
a mão.
Ficou ali durante uma hora antes que o médico chegasse.
- Srta. MacGregor, é a noiva dele, certo?
Ela hesitou, mas decidiu mentir. Não tinha intenção de ser expulsa do hospital.
- Sim.
- Estou contente que esteja aqui. Esta coisa o atacou, drenou-o, desidratou-o... Ele precisava muito de sangue. Ainda estamos fazendo exames, mas fico satisfeito
em dizer que ele está melhorando.
- Fico agradecida, mas... do que se trata?
- Não sabemos. Trouxemos vários especialistas e fizemos diversos exames. Ainda estamos trabalhando nisso, mas conseguimos estabilizá-lo. Pode ficar com ele
mais um pouco? Acho que ele sabe que você está aqui.
- Claro. Eu ficarei. - Sentou-se ao lado dele outra vez, segurando-lhe a mão. E rezou.

Shanna estava na cafeteria do hospital quando Sean sentou-se à mesa. Arregalou os olhos ao vê-lo.
- Tenente!, Sinto muito, nós esquecemos completamente do encontro com você. Eles ligaram para falar de Rick e...
- Eu sei.
- Não me deixaram entrar. Ele está tão doente! Eu não consigo acreditar.
- Gostaria de vê-lo - Sean murmurou. - Jade está com ele, certo?
- Sim.
- Eu preciso falar com ela. Acho que está correndo perigo.
- Vou ficar aqui até que ela saia. Depois pegaremos um táxi para casa.
- Vou esperar aqui com você... se não se importa.
- Claro que não.
- Você joga baralho? Tem uma loja aqui no hospital.
- Sim.
Eles jogaram cartas, e o tempo passou.

Havia força e paz na escuridão e no silêncio do túmulo. Ele buscara essa tranqüilidade, ciente de que precisava do conforto da terra fria e do mármore ao seu
redor.
Precisava se concentrar. Séculos lhe haviam dado o poder para ver bem, para perceber a agitação na ordem das coisas, a malignidade mortal direcionada a ele.
Sim, seus sentidos estavam afinados. Os olhos eram os de um lobo na noite, a audição, perfeitamente aguçada. Precisava apenas sentir...
Nem sempre fora assim. Suas lições haviam sido amargas, e a retaliação, ainda mais rápida. Mas agora... Eles andavam pela Terra outra vez. Enfurecidos.
Ela não percebera a profundidade de seu ódio. Mas então... ele a subestimara.






Capítulo III



O tempo passava na Ilha dos Mortos. A vida era esquisita. Porém, Lucian não esperava mais, pois se encontrava entre os que caminhavam nas sombras da Terra.
Wulfgar permanecera ali e se apaixonara pela viúva do fazendeiro. Homens de diversos locais se agregaram a eles, assentando-se na ilha, unindo seus destinos ao estranho
líder dos mortos-vivos.
E, quando a ocasião exigia, iam para o mar com seus grandes navios. Deixavam a decisão para ele, o chefe, o homem que se tornava lendário através dos mares
como o rei da Ilha dos Mortos.
Igrainia vinha ao amanhecer. Lucian sentia quando ela entrava na escuridão de seu quarto e se deitava a seu lado. Dormia, sabendo que ela estava ali. Ao crepúsculo,
despertava, e os dois desfrutavam de seu tempo juntos. Mais tarde, quando fechava os olhos, ela desaparecia.
- Por que você tem de partir? - ele perguntava.
- Por que você tem de dormir durante o dia? - ela retrucava.
- Porque sou um monstro. E você nunca será nada além de um anjo.
- Há muitas coisas entre monstros e anjos, muitos tons de cinza entre o preto e o branco - ela dizia. - Não estamos em condição de questionar muito.
Algumas vezes, um navio aportava na ilha, e os tripulantes pediam ajuda contra ataques cruéis. Depois que Igrainia e ele os escutavam, ela lhe dizia que era
necessário que se unisse à luta dos guerreiros.
E ele navegava. Ao enfrentar inimigos desumanos, descobria um novo padrão de selvageria, e se perguntava no que se transformara. Para Wulfgar, estava livrando
o mundo de criaturas muito piores do que ele.
Na ilha, muitos recorriam a ele. Sentava-se em uma cadeira de madeira talhada, com Igrainia ao lado, e eram como a realeza, escutando os pedidos. Ainda assim,
logo após o crepúsculo, ela ia embora.
- Ela caiu no mar - Wulfgar lhe disse certa noite. - E o mar a trouxe de volta. Os irlandeses a chamam de selkie. O que importa o nome que se dá à vida, quando
vocês têm a possibilidade de desfrutar de algumas horas juntos? Se você é um monstro, e ela um anjo, que diferença faz onde se encontram? Ouso dizer que essas horas
são mais preciosas do que as compartilhadas pela maioria dos homens e suas esposas.
Seu tempo era, de fato, precioso, apesar de parco. Viviam no chalé de pescadores, escurecido durante o dia, e sempre cheirando a terra, pois ele aprendera
que precisava dormir com solo nativo por perto, nem que fosse apenas um punhado. Quando não fazia isso, ficava fraco demais para se levantar, para se expor à luz
do dia. E não desistiria do dia. Sua esposa, seu anjo, sua razão de existir vinha durante o dia.
Para sempre, ele se lembraria daqueles dias em que, lado a lado, a esposa e ele escutavam, julgavam e governavam em seu mundo dos condenados. A imagem se gravara
em sua mente. As cadeiras à frente da lareira, a fumaça saindo pela chaminé, as peles que usavam para se proteger do frio e da umidade, as espadas depositadas no
chão diante deles, os guerreiros que se aproximavam... Lembrava-se da voz dela, da forma calorosa como cumprimentava tanto os recém-chegados quanto os velhos amigos.
Recordava-se dos olhos da cor do mar.
Um dia, Aidan, um dos reis da costa, o procurou. O Ard-Ri, rei de toda a Irlanda, enviara mensagens alertando que estava sendo cercado por invasores de um
lugar remoto ao Norte. Eram homens selvagens, com uma língua própria, mais corrompidos na batalha do que o pior dos guerreiros nórdicos.
Sua total desconsideração pela vida humana deixara o rei supremo à sua mercê, os outros reis inventaram desculpas para não ajudá-lo. Na realidade, tinham medo,
o que não era dito, assim como não se mencionava que esse inimigo contava com poderes sobrenaturais. Mesmo a Irlanda tendo adotado o cristianismo, era difícil deixar
de crer totalmente nos velhos mitos.
Foi Igrainia quem ouviu as histórias de como as crianças e as mulheres pereciam nas mãos dos invasores. Quando ficaram a sós, ele a lembrou de que as criaturas
de sua própria espécie eram conhecidas por destruir com prazer os seres humanos mais vulneráveis e inocentes, e se zangou, pois, ao ouvir as histórias dos atacantes,
ouvia sobre o monstro que era. Sua esposa negou que ele fosse uma criatura como aquelas, e ele recordou o momento em que descobrira que se regalava com sangue. Mas
ela desejava que fosse, e ele iria.
Igrainia partiu após o anoitecer. Observou-a ir até a praia, desfazer-se da roupa de seda e pele que a envolvia e mergulhar no oceano. Nunca a vira ir embora
antes. À distância, no horizonte, avistou o movimento de caudas de golfinhos. Marujos falavam de sereias desde os tempos antigos. Homens corajosos mencionavam dragões
que atacavam os barcos. Lucian acreditava ser um homem são, primeiro um líder guerreiro, e depois um marinheiro tão bom quanto os vikings que haviam lhe ensinado
o ofício. Vira muitas baleias encalhadas na praia, golfinhos e até mesmo enormes polvos e lulas. Apreciara o mar e o açoite das ondas em suas pernas. Agora, mesmo
o sal tendo se tornado fatal para ele, ainda caminhava na praia e gostava de navegar. Porém, não acreditava em dragões, nem em sereias.
Na manhã seguinte, eles partiram. Os ferozes inimigos de Ard-Ri eram humanos, afinal. Uma tribo paga, cujo total desrespeito pela vida humana tornava sua coragem
ilimitada. Para Lucian, eram um banquete. Não receava atacá-los, fartando-se deles, equiparando-se àquele povo em selvageria.
Eles investiam de manhã, e Lucian reduzia suas fileiras à noite. Não estava sozinho, pois, dentre os muitos homens de diferentes nacionalidades, havia alguns
de sua espécie. Aprendera a reconhecê-los instantaneamente, na verdade, sabia localizá-los no mundo. Via-os e os comandava, e se orgulhava de seu poder.
Quando, por fim, o apetite deles conseguira dizimar o exército bárbaro, e ele se despedia do rei a quem haviam servido, Lucian sentiu uma nova inquietação
na escuridão do que fora sua alma.
Sophia!
Experimentou um medo intenso, terror, angústia. Fechando os olhos, transportou-se de volta à Ilha dos Mortos. O navio seguia velozmente atrás dele. Chegou
ao chalé, mas, como não encontrou Igrainia, correu até a praia. As pessoas se reuniam ao redor de algo. Ao vê-lo, afastaram-se, com um profundo pesar refletido nos
olhos.
Andando pela areia, avistou na margem o que parecia um golfinho, por causa da cauda lustrosa. Talvez tivesse piscado, pois, ao olhar outra vez, havia ali um
corpo de mulher, com o coração atravessado por uma lança.
Não o corpo de qualquer mulher. O corpo de Igrainia.
Ajoelhou-se a seu lado. Ela o tocou no rosto, fitando-o com os olhos da cor do mar.
- Meu amor... - ela sussurrou, antes de baixar a mão e fechar os olhos. Os cílios espessos sombrearam para sempre a beleza azulada que fora seu mundo.
Quando Lucian olhou para cima, agoniado e furioso, viu Sophia e Darian, ambos com uma postura provocadora.
- Nós só estávamos... pescando! - Sophia exclamou. Ela subestimara o monstro que havia criado. Com a força da mente e do corpo, Lucian atacou-a, arremessando-a
ao solo e, caindo sobre ela, esmurrou-a, odiando...
Darian aproximou-se com a espada, tentando cortar-lhe a cabeça. Porém, um dos insulanos que se encontrava ali, um anão banido da própria sociedade e valorizado
na ilha por sua habilidade de interpretar as runas, conseguiu, com esforço, pegar uma espada no chalé e teve a coragem de entregá-la a Lucian, que estava caído entre
os dois inimigos.
Com a arma, aparou os golpes de Darian, enquanto Sophia saltava sobre ele, rasgando seus ombros.
Ao investir contra Darian com fúria, quase lhe arrancou o braço. Segurando o membro dependurado, o oponente se afastou. Lucian agarrou Sophia por trás e, com
a força de sua cólera enlouquecida, atirou-a longe. Ela caiu na praia, atordoada, parcialmente dentro da água. De repente, começou a gritar, e o ar ficou impregnado
pelo cheiro de carne queimada. Ele se deu conta de que a atirara na água salgada. Logo, avistou Darian aproximando-se da aliada.
Apesar de a lei não escrita dos condenados o proibir de eliminar alguém de sua espécie, Lucian andou na direção deles, pronto para desferir os golpes mortais,
e para morrer. Destruir Sophia fora a única razão de sua existência. Contudo, Darian alcançou-a primeiro e ergueu-a da água. Depois, ambos se tornaram névoa...
Lucian não morreu, nem cessou de existir. Ali, à beira do mar, caiu de joelhos e urrou. Era o som assombrado e solitário de um lobo à noite, uivando para a
lua, era o guincho de um condenado, de um homem perdido. Até mesmo o que sobrara de sua alma fora tomado.
Foi um grito horripilante, que dançou com o vento, foi levado pelas ondas e carregado de costa a costa pelos mares. Os irlandeses se persignaram, e os reis
nórdicos oraram aos ancestrais e aos deuses.
Nesse momento, seus navios, transportando os desajustados e os poderosos, já haviam alcançado a Ilha dos Mortos e, quando Lucian poderia ter se lançado ao
mar salgado, sua tripulação o dominou.
Luz do dia. Ele estava exausto para além da morte.
O corpo de Igrainia foi banhado e adornado em seda, jóias e pele. Com o ritual reservado à realeza, ela foi colocada em um ataúde. Fogo foi ateado ao esquife
antes que o lançassem ao mar.
Lucian dormiu. Ao despertar, foi convencido por Wulfgar de que deveria viver. Sophia fora derrotada, e havia um mundo de loucura que precisava ser governado.
Ele seria o rei dos mortos-vivos, pois era necessário que houvesse sanidade e bom-senso. Quanto mais se perpetuavam no tempo, mais importante era que houvesse um
equilíbrio com o mundo ao redor.
Portanto, ele viveu. Ou permaneceu morto-vivo.
E mais de um século se passaria antes que ele sentisse Sophia causando destruição no mundo dos vivos de novo...
Abriu os olhos. Sentia a escuridão ao seu redor, o conforto de sua toca. Mas naquele abrigo, descobriu o que desejava saber. Sentiu o distúrbio no universo.
No seu universo.

Liz foi até a cozinha e deixou o simpático jovem da tevê a cabo trabalhando. Ouvia os gêmeos rir enquanto ele mexia com os cabos na sala de recreação.
Olhando para o relógio, constatou que já era tarde. Não estava acostumada a que Peter ficasse tanto tempo fora de casa, mas ele a avisara de que estavam trabalhando
com afinco no caso dos assassinatos. Percebera na voz do marido a preocupação com Jade. Quando chegasse, conversaria com ele a respeito do assunto.
Escutou de novo o riso dos filhos. O funcionário já deveria ter ido embora. Ficara ali bastante tempo e mantivera os meninos felizes. Contente com isso, secou
as mãos em um pano de prato e foi ver o que estava acontecendo.
Ao entrar na sala, encontrou Peter e James em silêncio, olhando fixamente para a televisão. Franzindo a testa, passou pelo rapaz e virou-se para a tela, ofegando
diante do que viu: um pesado filme pornô era exibido.
- Como ousa!? - Virou-se para o homem, furiosa. Porém, havia algo diferente no modo como ele a fitava.
Liz queria se mover, mas não conseguia, queria gritar, mas nenhum som saía de sua garganta.
- Liz, qual é o problema? É uma mulher bonita, no auge da sexualidade. Venha, vamos olhar melhor. Acho que vai gostar.
O sujeito pôs as mãos em seu pescoço. Estava horrorizada, mas... a sensação era boa. Os dedos abriam os botões de sua blusa. Aquilo, estranhamente, parecia
certo. Ele a virou para a televisão, e Liz sentiu-se... inchada. Queria ser tocada daquela forma, e ele faria isso.
Os gêmeos choravam, mas ela não se importava. De repente, viu-se deitada no tapete.
- Quer que eu me livre dessas crianças? - Ele riu. - Por enquanto... vou colocá-las no berço.
Mesmo depois que ele saiu, Liz não conseguiu se mover e continuou olhando para a televisão. Achou que havia um motivo para não agir daquela forma, mas não
imaginava qual poderia ser. Esforçou-se. Havia um homem em sua vida, um bom marido, alguém que, amava, mas ele estava longe. Uma névoa sensual a envolveu. O homem
da tevê a cabo estava ali, sorrindo. E ele precisava... de algo.
Escutou um gemido, e percebeu que era seu. Estava mesmo fazendo aquilo. Sentiu uma dor aguda em algum lugar, o que apenas realçou a sensação. Estava pegajosa
com... algo vermelho, mas ele lambeu tudo.
Mais tarde, a imagem da tevê sumiu. Liz estava fraca, deitada no tapete. No andar de cima, os gêmeos não paravam de gritar.

- Ei! - O médico tocou-a na mão.
Jade acordou e endireitou o corpo. Estivera dormindo apoiada na cama, e seu pescoço doía. Encarou ó médico, que era mais velho que o anterior. Ele sorria.
- Sou o dr. Wainwright, patologista.
- Jade MacGregor. Doutor, como ele...
- Você foi o toque mágico. O rapaz está muito melhor. A pressão e a respiração estão boas, e o sangue está circulando normalmente. Agora, você deve ir para
casa descansar. Não quero mais uma paciente por aqui. Volte amanhã.
- Certo. - Beijou a testa de Rick e sussurrou: - Continue melhorando. - Virou-se para o médico. - Até logo, doutor. Obrigada.
Ao sair do quarto, bocejando, Jade reparou que uma enfermeira passava pelo corredor empurrando um carrinho de medicamentos. Continuou andando e, ao virar-se,
notou que a mulher sumira. Teria entrado no quarto de Rick? O médico ainda estava lá, é claro. Rick estava muito melhor, e ela podia ir para casa.
Pegou o elevador, imaginando se Shanna ainda estaria esperando. Conhecendo a irmã, talvez. Decidiu dirigir-se à cafeteria. Estava fechada, mas na entrada havia
uma área com máquinas de café. Ao avistar a irmã, notou que ela não estava sozinha. Cochilava, apoiada ao ombro de Sean Canady.
- Tenente - Jade murmurou, aproximando-se. Shanna acordou, assustada.
- Jade, ah, meu Deus, ele está...
- Melhor - ela completou. - O médico quis que eu fosse para casa. Tenente, sinto muito, mas esqueci do nosso encontro. Quando Gavin me ligou...
- Eu entendo. Vou dar uma olhada rápida em Rick, mas não quero que vá a lugar nenhum sem mim. Espere aqui.
- Certo.
Ele pegou o elevador. Jade comprou café na máquina e sentou-se ao lado da irmã.
- Ele parece bem preocupado, não é, Shanna?
- Sim. O que está acontecendo é realmente assustador.
- Eu sei. - Apertou a mão da irmã. - Obrigada por ter ficado. Você é um amor.
Em silêncio, elas esperaram.
Quando Sean entrou no quarto de Rick, o médico fora embora. Uma enfermeira de cabelos escuros, de costas para a porta, mexia no tubo intravenoso de Rick.
- Ei! - Sean chamou. - O que está fazendo com ele?
- Transfusão de sangue - ela respondeu, virando-se.
- Quem é o senhor?
- Tenente Canady. Homicídios.
- Estão chamando detetives por causa de gripe?
- É gripe? - Sean indagou.
A enfermeira lançou-lhe um olhar esquisito antes de se inclinar outra vez sobre o paciente.
Ela vai mordê-lo no pescoço!, ele pensou. Puxando depressa um frasco de água benta do bolso, espargiu o líquido na mulher, que se ergueu e o encarou.
- O que diabos está fazendo? Policial ou não, vai ter de sair daqui!
Decididamente, ela não era uma vampira, Sean concluiu, sentindo-se um tolo.
- Sinto muito! Nós... estamos trabalhando sob muita pressão.
- Nós também, tenente. E, o senhor não pode prender o vírus da gripe, e nem afogá-lo. - Sorriu. - Ele está melhorando. Vá descansar e pare de jogar água nas
pessoas.
- Sim, é claro. Boa noite.
Sean saiu do quarto e afastou-se, mal notando as mulheres no posto de enfermagem. Uma delas, no entanto, observou-o ir embora. Seus olhos o seguiram até o
elevador antes que ela se virasse em direção ao quarto de Beaudreaux.

Lucian soube que chegara tarde demais assim que entrou na bela casa. Darian partira. Instintivamente, dirigiu-se à sala onde Liz se encontrava deitada no chão.
Pôs um dedo em seu pescoço, buscando pulsação. Depois pegou a manta de lã que estava sobre o sofá para cobri-la, pegou o telefone e chamou a polícia. Subiu e verificou
os gêmeos. Ainda choravam, mas não pareciam feridos. Não tentou acalmá-los, pois o som das sirenes se aproximava, e o socorro chegaria logo.
Saindo para a varanda, concentrou-se. Darian não podia estar longe. Por fim, sentiu-o e seguiu pela rua. Não soube por quanto tempo correu, mas percebeu que
voltava ao cemitério. Entrou e ficou parado.
Silêncio, cheiro de sangue... Moveu-se de novo, passando por anjos e cruzes de mármore, em meio aos raios lunares que incidiam no terreno e às sombras lançadas
pelos carvalhos.
De repente, um vulto saltou sobre ele, e algo o atingiu no braço, provocando-lhe uma onda aguda de dor. Um sopro de vento indicou que Darian estava voltando,
com uma faca na mão, pois o aço da lâmina produziu um silvo ao cortar o ar. Lucian esquivou-se, mas logo foi atacado outra vez. Saltou, alcançando uma barra de ferro
quebrada, que fechava uma tumba. Quando Darian planou sobre ele, ergueu o ferro, esperando que o oponente o atacasse diretamente e fosse atravessado pela arma improvisada.
Quase deu certo, mas Darian percebeu sua intenção a tempo e guinou, gritando ao sentir o ferro atingir seu peito, arrancando tecido e carne.
- Seu bastardo idiota! - Darian rugiu. - Ela não vai apenas destruí-lo. Vai fazê-lo ver cada um desses tolos inocentes expirar em uma morte lenta e torturante
antes de acabar com você.
- Deixe essas pessoas em paz. Ou, quando sua hora chegar, vou pregá-lo a uma estaca e retalhar cada uma de suas extremidades antes de decapitá-lo.
- Está louco pela vadia MacGregor, não é? Aquela era apenas a madrasta, mas ela era boa, Lucian. Esqueceu como é bom? Você, o autodenominado rei dos vampiros!
Comedor de ratos! Não se lembra do gosto de uma mulher? Ela era boa e me desejava, começou a jorrar assim que minhas presas tocaram seu pescoço...
Lucian desferiu um golpe forte com o ferro, acertando-o no pescoço. Darian urrou, virou-se e saiu correndo, tropeçando nas pedras. Começou a segui-lo.
Ajude-me!
Surpreso com a força da voz em seus ouvidos, Lucian parou.
Sophia! Maldita seja!
Fechando os olhos, viu o hospital, concentrou-se... De repente, encontrava-se no quarto de Rick. A cabeça do jovem policial estava virada para o lado. Duas
minúsculas feridas recentes marcavam seu pescoço.
Lucian apertou o botão de emergência e se escondeu nas sombras, observando a equipe do hospital trabalhar.
Jade estava no assento dianteiro do carro de Sean, fitando-o enquanto ele tentava explicar-se. Shanna adormecera no banco de trás.
- Você compreende?
- Não tenho certeza. Houve alguns assassinatos terríveis aqui alguns anos atrás, de prostitutas, cafetões... e os casos foram solucionados. Os assassinatos
que estão acontecendo são muito semelhantes àqueles, mas os criminosos são outros. Porém, a abordagem dos casos deve ser a mesma.
- Os assassinos são muito perigosos.
- Hum, eu diria que isso é bem óbvio.
- Gostaria que Maggie estivesse aqui. Ela explicaria melhor. Se eu tentar, você vai me achar louco.
- Ora, tenente, estou começando a pensar que somos todos loucos.
- Do que você se lembra de Edimburgo?
- Muito sangue e horror. De repente, os cadáveres pareceram despertar e ir atrás das pessoas. Tenho certeza de que o guia rasgou o pescoço de Sally com os
dentes. Eu vi.
- Seu guia está ocupado outra vez. E... você vai ter de tomar algumas precauções malucas.
- Você acredita em vampiros, não é?
- Não importa no que acredito, e sim o que você vai fazer.
- Você acha que Rick foi atacado por um vampiro?
Ele corou, parecendo desconfortável.
- Eu... bem, eu... Rick parece bem. Acho que pegou um vírus terrível, e agora está se recuperando.
Chegaram ao apartamento de Jade. Sean estacionou diante do edifício, virou-se para trás e acordou Shanna.
- Ela não mora aqui - Jade esclareceu.
- Mas vai ficar aqui hoje à noite, assim como eu.
Ela não quis discutir, pois estava muito cansada.
- Certo. Shanna dorme no sofá-cama do escritório e você pode usar o da sala.
Os três subiram e, vinte minutos depois, as acomodações estavam preparadas.
- Bem, boa noite - Shanna despediu-se, indo se deitar. Jade observou o tenente remover a jaqueta. Assombrada, viu que ele tirava diversos frascos do bolso
do casaco e os colocava na mesinha ao lado do sofá, Quando se virou e percebeu que era observado, franziu o cenho.
- Água benta? - ela indagou com ceticismo.
- Sim.
- Você acredita mesmo...
- Você esteve em Edimburgo - ele a interrompeu enquanto se deitava. - Se algo a perturbar, por favor, me chame. Boa noite.
- Obrigada. Boa noite.
Jade entrou em seu quarto, deixando a porta entreaberta. Deitou-se, achando que não conseguiria dormir, mas seus olhos se fecharam e, quase imediatamente,
ela adormeceu.

Peter MacGregor estava sentado ao lado da esposa na ambulância, espantado com o fato de ela ter adoecido com tamanha rapidez. Segurou-lhe a mão, fitando o
rosto pálido. Não podia perdê-la!
Ao chegarem ao hospital, ela foi levada para a emergência. Impedido de acompanhá-la, ele se sentou na sala de espera, desnorteado.
Ligara para as filhas depois que os policiais o localizaram na redação do jornal. Já havia tentado falar com elas, pois as queria em casa. Estavam ocorrendo
muitos assassinatos no país, semelhantes aos que Jade presenciara em Edimburgo. Porém, como não conseguira contato com elas, deixara os gêmeos na casa da vizinha.
Não compreendia o que tinha acontecido com Liz. Ela fora atacada? Apenas adquirira uma febre e rasgara a própria roupa num desespero delirante para se refrescar?
Passou os dedos pelo cabelo. Precisava tentar falar com as filhas outra vez.
Ligou para a casa de Shanna, mas ninguém atendeu. Estava prestes a telefonar para Jade, quando um médico se aproximou. Ao ver-lhe a expressão severa, o coração
de Peter disparou.
- Doutor...
- Ela está reagindo. Conseguimos abaixar a febre e fizemos uma transfusão de sangue. Ela está chamando você.
- Graças a Deus! - Peter exclamou, trêmulo. - Pela sua expressão, imaginei o pior.
- Sinto muito. E que é nosso segundo, caso igual, e nós não temos idéia do que seja. Mas ela está estabilizada.
- Graças a Deus! - ele repetiu, seguindo o médico em direção ao quarto da esposa.
Venha. Mesmo dormindo, Jade ouviu a voz.
Não seja ridículo. Estou dormindo, usando uma fina camisola de algodão.
Sabia que estava sonhando. Porém, ao ouvir um choro, que parecia o de uma criança perdida e assustada, seu coração acelerou. Seria um dos gêmeos?
Não, isso é um disparate! Não podia escutá-los dali. Encontrava-se em seu quarto. Mas, se estava sonhando, não haveria problemas em seguir a voz.
Em seu sonho, sabia que o policial que dormia em sua sala a impediria de sair. Portanto, deixou o quarto pela varanda, escalando os tijolos e a calha. Chegou
à rua, e seus pés descalços tocaram o pavimento sujo.
Começou a caminhar. Adorava Nova Orleans, mas sabia que devia evitar certas ruas. Aquele era, de fato, um sonho perigoso, pensou.
A voz alcançou-a de novo: Por favor, continue vindo, me ajude...
Escutou outra vez um choro de criança. Era um dos gêmeos.
Em geral, distinguia as vozes de um e de outro, mas agora...
Cuidado nessa rua lateral. Há um policial vindo, e ele vai pará-la, mas você precisa vir, por favor...
Ela se escondeu em um beco e esperou até poder retomar seu caminho. Quase corria. Ao chegar a uma rua maior, soube que se dirigia ao cemitério. Curioso...
Cemitérios ficavam fechados à noite. Eram perigosos.
Seus pés doíam. Passara por terra, líquidos derramados, galhos e até vidro quebrado. A bainha da camisola branca fora manchada pela sujeira da cidade.
Mas ali estava, diante dos grandes portões, que se abriram para ela. Entrou e, de imediato, o chão pareceu sumir sob a névoa densa e cinzenta que a envolveu.
- Estou aqui! - anunciou.
Venha para mais perto... Por favor...
Para mais perto, onde?, perguntou-se, e começou a ouvir o choro outra vez.
- James? Peter? Está tudo bem, estou indo...
Pisou em um fragmento de pedra e estremeceu, parando para tocar o pé que doía. Era um sonho bastante real.
Jade...
Após o nome, escutou o som terrível de um soluço. Caminhando em direção ao interior do cemitério, olhou para trás. A bruma continuava alta, encobrindo a saída.
Virou-se de novo para a frente e viu as sepulturas em meio à névoa prateada e às sombras mais escuras que a morte.
Tola! Andar sozinha em um cemitério à noite, procurando problemas. Qualquer idiota sabe que...
Jade!
Sentiu seu nome ser sussurrado às suas costas, e a sensação que percorreu sua espinha era de pura maldade.
Não! Começou a correr em câmera lenta, impulsionada pelo terror, mas retida pela força do mal sussurrando seu nome... Os gêmeos não a haviam chamado. Fora
enganada. Precisava continuar correndo.
No sonho, sentia os próprios batimentos cardíacos, a pulsação de sua vida, o ribombar desesperado... Era tão real!
A terra sob os pés, cruel, cortante, as pedras quebradas, as ervas daninhas enroscando-se em sua camisola... Acreditava conhecer os caminhos do cemitério,
mas, rodeada pela névoa sombria, não conseguia encontrar a saída. Estava sendo perseguida, sentia o hálito quente no pescoço.
Jade...
Agarrada pelo cotovelo, foi virada e jogada sobre a pedra fria de uma lápide. Gritou o mais alto possível, agitando os punhos. Havia alguém sobre ela, usando
uma capa escura, alguém, algo, um mal terrível...
Gritou de novo, repelindo com força o vulto que se inclinava. Cambaleou e, agarrando-se a uma imagem da Virgem Maria, conseguiu se levantar. Voltou a correr.
Os anjos alados se moviam, uma gárgula zombava dela, um Ceifador de Almas ergueu-se do pedestal e começou a caminhar a seu lado. De repente, passou por ela, bloqueando-lhe
o caminho. Agitando a foice em sua direção, ergueu a cabeça. Os olhos eram cavernosos, vermes rastejavam para fora, sobre a face esquelética.
- Venha...
Com uma das mãos, levantou a foice e, com a outra, acenou para ela. Pronta para disparar para o outro lado, ela se virou, deparando com um peito largo, no
qual começou a bater histericamente.
- Não, não, não...
- Jade!
Braços fortes a envolveram. Percebendo que ela não parava de gritar, ele a chacoalhou, fazendo-a abrir os olhos e ver-lhe o rosto.
- Está tudo bem, Jade! Você está segura.
Era Lucian. Ele usava calça e camisa pretas. Os cabelos estavam penteados para trás, e os olhos, mais escuros que a noite, a estudavam.
- Está tudo bem, é claro. É apenas um sonho...
Não era um sonho. Estava ali, com ele, no cemitério. Com a camisola suja, e os pés descalços e feridos, sentia frio.
- Meu Deus... - Afastou-se dele. - Você me fez vir até aqui!
- Não, Jade, eu não fiz...
- Seu bastardo! - Virou-se. A névoa que imaginara havia desaparecido, os anjos estavam imóveis, nenhuma voz era ouvida. Endireitando os ombros, começou a se
afastar.
- Jade!
Ela prosseguiu, mas, após fazer uma curva, começou a tremer. Tinha achado que encontraria a saída. Sentiu de novo um arrepio, como se algo...
Disparou a correr, escutando passos atrás de si. Lucian a seguia.
- Jade! - ele a chamou outra vez.
Não! Lucian estava diante dela. Poderia confiar nele, após tudo o que acontecera? Ousaria não confiar? O que quer que aquilo fosse, frio, o mal, um pesadelo,
estava bem atrás dela.
- Lucian! - ela gritou. Corria cada vez mais rápido. Havia um vulto adiante. O Ceifador de Almas? A Morte? Ou... algo ainda mais sombrio, uma criatura pior
do que a morte? Ela estava praticamente voando, e era tarde demais para parar...
- Jade! - Lucian emergiu das sombras, pegou-a nos braços e começou a afastá-la daquele lugar.
- Você me chamou! - acusou-o.
- Não fui eu. Tenho inimigos.
- Meu Deus... - ela murmurou, horrorizada. - Ele me chamou, e eu vim e... ele me tocou.
O cemitério não parecia mais medonho. Voltara a ser o mesmo de sempre. Já estavam no portão.
- Teve sorte de não ser baleada por um traficante ou pega por um cafetão - ele disse, zangado.
- Posso muito bem caminhar - ela afirmou, debatendo-se em seus braços.
Ele a colocou no chão, mas, quando seus pés feridos tocaram o solo, Jade agarrou-lhe o braço. Lucian segurou-a. Parecia maior do que nunca. As feições eram
severas, impressionantes, poderosas.
- Certo, eu não posso caminhar tão bem no momento - ela sussurrou. - Foi o guia, não é?
- Sim.
- Ele matou aquelas pessoas na Escócia. Depois foi para Nova York e massacrou um grupo lá. Veio para Nova Orleans atrás de Tom Marlow. Então, foi para Massachusetts
e destroçou mais gente.
- Acredito que sim. E ele não está sozinho.
- A mulher que saiu do túmulo e rasgou o pescoço de Jeff Dean está com ele, certo?
- Sim. - Ele começou a caminhar. Mancando, ela o seguiu.
- Lucian!
Ele olhou para trás.
- Vai ter de confiar em mim - ele falou.
- Confiar em você? Não sei o que você é. Não ouso acreditar no que... parece que seus amigos são!
- Eles são maus.
- E você?
- Não sou muito melhor. Mas não matei nenhuma daquelas pessoas, e estou tentando salvar sua vida.
- Por que está tão disposto a lutar por mim?
- Por causa da cor dos seus olhos - ele disse simplesmente, e voltou a caminhar. Ao perceber que ela não o seguia, virou-se. - Precisamos voltar. Há um policial
no seu apartamento, que já deve ter enlouquecido. Sua irmã está preocupa-díssima, e seu pai tem telefonado. Sua madrasta está doente.
- Ela está mal?
- Vai sobreviver.
- Como você sabe disso tudo? - Meneou a cabeça. - Por que eu pergunto? Você sabia que eu viria no meio da noite até o cemitério e sabe o que está acontecendo
com toda a minha família.
- Sim.
Ela estava assustada. Sentia vontade de bater nele outra vez, mas não queria que ele a deixasse. Nunca ficara tão feliz ao ver alguém em toda a sua vida! Mesmo
tendo medo... estava segura. Quisera bater nele apenas para que Lucian a abraçasse.
- Lucian... Por que você significa tanto para mim? Por que estou tolerando tudo isso? Por que não estou gritando, atraindo a atenção da polícia?
Ele sorriu de repente.
- Isso eu não sei - respondeu e, tomando seu rosto entre as mãos, beijou-a com gentileza.
Sim, ele era real. Os sonhos tinham acabado, e ele estava ali...
- É impossível, mas acho que amo você - ela disse. - E eu nem sequer o conheço.
- Talvez você saiba o suficiente - ele retrucou. - Eu sempre a amei.
Lucian voltou a caminhar. Quando ela tropeçou, pegou-a no colo, e Jade não protestou. A situação toda já era absurda demais. Ocorreu-lhe a estranha cena que
formavam. Ele, extremamente alto, moreno, vestido de preto, ignorando a escuridão e as sombras da noite, carregava uma mulher em uma esvoaçante camisola de algodão
branco pela rua, rumo ao alvorecer.

Peter estava ao lado da esposa, segurando-lhe a mão. Ela tentava falar, mas se sentia angustiada e confusa. Não se lembrava do que acontecera.
- Liz, você teve uma febre, e esteve muito doente - ele explicou. - Querida, temos sorte por você estar melhorando.
- Mas as crianças, Peter, elas estavam nos berços. Estão mesmo bem?
- Sim, e estão com a nossa vizinha. Você deve ter colocado os dois na cama quando começou a se sentir mal.
- Eu não me lembro de nada, exceto... do homem da tevê a cabo.
- Havia algo errado com o cabo?
- Não... Peter, isso é terrível. Eu não consigo me lembrar. Você ligou para as meninas?
- Elas não atenderam, e eu deixei recado, mais de um. Ainda é cedo.
- Se você não conseguir falar com elas, vá até os apartamentos das duas. Não sei por quê, mas estou preocupada. Por favor...
- Liz, papai!
Peter virou-se e viu as filhas.
- Papai, sinto muito... Shanna e eu passamos a maior parte da noite aqui. Meu amigo Rick está internado no andar de cima. Estávamos aqui quando nos ligou pela
primeira vez.
- Vocês saíram daqui sozinhas no meio da noite?
- Eu estava com elas.
Peter reconheceu Sean Canady. Familiarizara-se com o detetive por causa de seu trabalho no jornal. As palavras dele, no entanto, não eram tranquilizadoras.
Por que era necessário que um policial cuidasse de suas filhas?
- Peter, é bom ver você e saber que sua esposa está melhor - disse Sean.
Nesse momento, Peter reparou que havia outro homem com as meninas e o detetive.
- Como vai? - indagou o estranho, dando um passo adiante.
- Papai, este é Lucian DeVeau - apresentou Shanna.
- Um velho amigo - Sean explicou. - Fiquei inquieto com as coisas que estão acontecendo. O caso em Nova York...
- Sim, e o massacre no parque temático. Trabalhamos intensamente nas reportagens sobre os assassinatos ontem. Por isso, eu não estava em casa quando... - Peter
interrompeu-se. - Jade está correndo algum perigo?
- Não vamos nos arriscar.
- Você também é policial? - Peter perguntou a Lucian.
- Não.
- Ele é um amigo, Peter. Alguém que eu conheci...
- Sr. DeVeau! - Liz interrompeu, sorrindo. - Já nos encontramos antes?
- Quem sabe, sra. MacGregor? É um mundo pequeno. - Ele caminhou na direção de Liz e pôs a mão em sua testa.
- Parece bem. Como está se sentindo?
- Muito melhor, obrigada. - Os olhos dela brilharam ao fitá-lo.
- Então, sr. DeVeau, o senhor é médico? - Peter indagou, surpreso com a pontada de ciúme que sentiu.
- Ele é escritor, papai - Shanna apressou-se a responder.
- É mesmo? E vocês acabaram de se conhecer?
- Shanna, sim. Lucian e eu nos conhecemos na Escócia - Jade explicou, aproximando-se dele. - Papai, você está com uma aparência péssima, o que é compreensível.
Precisa comer alguma coisa, tomar um café. Shanna vai levá-lo até a cafeteria enquanto eu fico aqui com Liz.
- Sim, Peter, vá, por favor - Liz insistiu.
Shanna pegou-o pelo braço. Desconfiado, ele olhou para trás enquanto era conduzido para fora do quarto.
- Voltarei logo! - ele avisou.
Por que estava preocupado? Sua filha o encarava com os lindos e inocentes olhos cor de turquesa. Gostava do policial. Não conhecia o maldito estranho, era
isso. E Jade parecia conhecê-lo bem demais!
Assim que seu pai saiu do quarto, Jade voltou para o lado de Liz.
- Você está mesmo se sentindo bem?
- Muito melhor.
Lucian também estava ao lado dela, sorrindo, tocando-a no rosto, virando sua face para um lado e para o outro. Liz encarou-o, permitindo que fizesse aquilo.
- Você não é médico, mas sinto que o conheço. E que você fez algo por mim.
- Do que você se lembra?
- De nada além do homem da tevê a cabo. Estavam testando um novo mercado. O que isso tem a ver com qualquer coisa? Eu apenas fiquei doente, não é? - Fitou-os
com esperança, mas então pareceu preocupada. - Eu não sei bem, mas sinto... que algo ruim aconteceu. Não posso dizer isso para Peter... nem sequer sei o que estou
tentando dizer.
- Sra. MacGregor - falou Sean -, caso se lembre de algo, ou mesmo ache que imaginou algo, por favor, me ligue.
Ela encarou Lucian.
- Tome conta de Jade, sim?
- É o que pretendo fazer - ele afirmou, encarando Jade intensamente.

- Matt Durante! Venha aqui!
Matt estava batendo à porta de Jade quando Renate apareceu no corredor.
- O que foi, Renate? Estou tentando falar com Jade.
- Ela não está.
- Bem, então...
- Droga, Matt, isso é importante!
- Está bem! O que é?
- Entre. Não posso falar com você aqui no corredor. - Pegou-o pelo braço e arrastou-o até seu apartamento.
Quando entraram, ela se apoiou dramaticamente na porta, como se eles tivessem sido seguidos e se encontrassem em grande perigo.
- O que foi?
- Jade está namorando um vampiro! Ele meneou a cabeça.
- Jade está namorando um policial chamado Rick Beaudreaux.
- Rick está no hospital, provavelmente morrendo por causa da mordida de uma vampira, e Jade está dormindo com o chefe dos sugadores de sangue!
- Renate, você bebeu?
- Não, eu não bebi, e estou dizendo a verdade.
- E eu estou indo embora. - Caminhava para a saída quando ouviu uma batida à porta. - Os vampiros? - indagou.
- Danny Thacker. Pedi que ele viesse. Ela abriu a porta, e Danny entrou.
- Certo, Renate. Estou aqui. Olá, Matt, como vai?
- Renate acha que Jade está namorando um vampiro - Matt anunciou, revirando os olhos.
- Achei que Rick fosse policial - disse Danny.
- Rick é policial! - Renate exclamou, irritada. - Estou dizendo a vocês que ela está dormindo com...
- Luke? - Danny indagou, arregalando os olhos.
- Você o conhece?
- O nome dele é Luke... Lucian DeVeau. Um sujeito bacana. Quer ser escritor.
- Ele não quer ser escritor - afirmou Renate. - Quer apenas se aproximar de nós. Quer que nós o convidemos a entrar... É assim que funciona. Um vampiro precisa
ser convidado.
- Você vai conhecê-lo, Matt - disse Danny. - Ele é realmente decente. Outra noite, eu estava caindo de bêbado depois de passar a noite com o cadáver daquele
rapaz, e Jade e Lucian me levaram para casa. Ela o conheceu na Escócia, eu acho. Eu o conheci aqui mesmo, em um café em Nova Orleans.
- Eles o levaram para casa! - Renate falou. - Você o convidou para entrar!
- Sim, e eu ainda estou andando e falando.
- E eu estou usando uma cruz! - disse ela. - Verifique o pescoço dele, Matt.
- Vocês dois podem verificar. - Danny virou o rosto, e Renate estudou-lhe o pescoço. - Se ele é um vampiro, não estava com fome naquela noite.
- Ele não vai atrás de você porque está seduzindo Jade.
- Você disse que Jade já está dormindo com ele - Matt observou.
- Sim, mas... ele provavelmente quer seduzi-la para a causa dele. Não sei exatamente o que ele quer, só tenho certeza de que ele é um vampiro e de que coisas
terríveis estão acontecendo. E temos de nos proteger, e proteger Jade...
- Por que você acha que esse sujeito é um vampiro?
- Bem, eu tenho escutado a freqüência da polícia no rádio... Mas vamos voltar um pouco. Jade vai para a Escócia e volta péssima, assustada, magra, fazendo
terapia. Ela conheceu esse homem lá. Há terríveis assassinatos em Nova York, e outro dos sobreviventes da Escócia está entre as vítimas.
- Há o rapaz no necrotério - Danny comentou.
- O quê? - Matt quis saber.
- O rapaz morto... não foi um acidente. Ele usava um nome falso e morreu antes de ser lançado pelo pára-brisa. Depois... alguém fez o trabalho em seu pescoço
com vidro quebrado.
- Ele é outro dos sobreviventes da Escócia - esclareceu Renate. - Assim como uma das vítimas do massacre em Massachusetts.
- Logo os assassinos vão ficar sem sobreviventes, certo? - Matt indagou, e em seguida percebeu o que acabara de dizer. - Meu Deus! Jade é uma sobrevivente.
Mas como isso tudo faz desse sujeito um vampiro?
- Bem, tenho quase certeza de que ele é escocês...
- DeVeau? - Matt murmurou.
- Na verdade, sim, ele é escocês - disse Danny. - O nome veio da Normandia, centenas de anos atrás ou algo assim.
- Viram? - retrucou Renate.
- Renate, vampiros em geral são da Transilvânia, não?
- Como podemos saber de onde eles realmente vêm? E esse o meu ponto! Os vampiros são muito antigos, e podem estar em qualquer lugar. Vejam! - Ela pegou um
livro intitulado Estranhas Histórias das Américas. - São todos casos documentados pela Justiça dos Estados Unidos. Este aconteceu na época da Guerra Civil. - Abriu
o livro e começou a ler: - "Linda e jovem, Sally Anderson apaixonou-se por um charmoso desconhecido. Após o noivado, ela ficou doente, com febre alta, fraqueza generalizada
e uma terrível palidez. Morreu duas semanas após o primeiro encontro com o noivo. Foi enterrada pelos pais. O desconhecido alto e charmoso desapareceu. Dois dias
após o enterro, sua irmã adoeceu".
- Foi provavelmente uma doença contagiosa - Matt opinou.
- Matt, escute! - Ela continuou lendo: - "A irmã disse que Sally ia até ela à noite, pedia para entrar no quarto e beijava seu pescoço, deixando-a ainda mais
doente. A jovem sofreu da mesma fraqueza, febre e palidez. Uma semana depois, morreu e foi enterrada no mesmo cemitério. Então, uma terceira irmã adoeceu. Ela também
se queixava de ser visitada pelas duas irmãs mortas, que desejavam abraçá-la, pois queriam ser beijadas e aquecidas. Foi vítima da mesma misteriosa doença." - Renate
encarou-os. - Logo, ela também morreu.
- Esses sintomas podem ser várias coisas - disse Matt.
- Você ainda não ouviu o final. - Renate voltou a ler: - "Desesperados para salvar a filha que restara, além do filho caçula, os pais pediram ajuda, O clérigo
local orientou-os a desenterrar os cadáveres das filhas, cortar e queimar os corações, e separar as cabeças dos corpos. E eles assim o fizeram. Os corpos estavam
como no dia em que haviam sido enterrados. A mãe escreveu no diário que achou que a filha mais velha abrira os olhos, e que estivera prestes a falar. Mas o clérigo
cravou a estaca no coração da menina." - Interrompeu a leitura. - E vocês sabem o que aconteceu?
- Não, Renate. Conte-nos.
- Ela gritou.
- Coisas assim já aconteceram - Danny falou. - Com o passar do tempo, são feitas novas descobertas sobre fisiologia humana. Talvez tenha havido uma liberação
súbita de gases ou...
- Tenho mais livros - Renate o interrompeu. - Aqui está um que acho que deveria ver, Daniel. - Mostrou-lhe o volume cujo título era Uma História da Escócia:
Famílias em Risco, e começou a virar as páginas. - Vários nomes de clãs atuais vêm da época da conquista normanda, e de antes. O famoso rei escocês, Robert Bruce,
descendia de um sujeito que veio da Inglaterra após a conquista, e cuja família era originária da Normandia. No começo do século, parte da família passou a ser De
Brus. Este livro fala da inimizade entre os Bruce e os DeVeau. Há também uma história de um herdeiro DeVeau lutando ao lado de Robert Bruce contra os ingleses.
- A Escócia era cheia de rivalidades feudais. Não entendo. Primeiro, falamos de vampiros. Depois, da História da Escócia...
- Vejam! - Empurrou o livro na direção deles. - O conflito entre eles surgiu por causa de uma mulher louca abrigada pela família De Brus. Havia rumores de
que ela era uma feiticeira e uma assassina, e DeVeau queria que ela fosse julgada diante do rei e que fosse executada.
- E o que aconteceu? - quis saber Danny.
- Não há nada neste livro a respeito de uma execução. Não consigo encontrar um nome para ela, nem outras informações. Mas vocês precisam ver esta foto.
Matt e Danny olharam a página. Havia um homem a cavalo, usando uma cota de malha sobre uma túnica com o brasão da família. Parecia um dragão vermelho, ou um
lobo, em um campo dourado. Carregava um estandarte e uma espada. A pintura era de um afresco criado para uma igreja perto de Edimburgo.
- O sujeito parece esse meu novo amigo - comentou Danny. - A pintura é o retrato, tal e qual, de Lucian DeVeau.
- Ele é um DeVeau. Deve ser uma semelhança familiar - opinou Matt.
- Oh, seus tolos! - gritou Renate. - Ele não é um DeVeau. Ele é o mesmo DeVeau.

Quando o pai e a irmã voltaram ao quarto do hospital, Jade pediu licença para subir e ver como Rick estava. Logo percebeu que Lucian estava atrás dela.
- Eu deveria fazer isso sozinha - ela disse.
- Preciso ver seu amigo.
- Ele estava melhorando, e pode estar consciente. - Deteve-se e pôs a mão no peito dele. - Lucian, eu...
- Está preocupada que ele me encontre? - indagou, envolvendo-lhe o pulso com os dedos para afastar sua mão, os olhos frios. - Acha mesmo que as coisas podem
voltar a ser como eram antes?
- Não... sim... talvez. Ainda não sei nada a seu respeito. Você invadiu minha vida...
- Sabe tudo o que há para saber. Se for capaz de admitir isso - ele disse, e continuou andando.
Lucian sabia o caminho para o quarto de Rick, que ainda estava na UTI. A enfermeira a princípio queria impedi-los de entrar, mas acabou reconhecendo-a.
- Ah, você é a noiva!
Corando ao sentir Lucian atrás de si, Jade apenas assentiu.
- Ele ainda está inconsciente, mas melhor. Vá e fale com ele. Talvez lhe faça bem.
Jade entrou e se aproximou da cama, segurando a mão de Rick. Pela janela, viu Lucian conversando com a enfermeira, que sorriu e abriu a porta.
- O que você disse para ela?
- Que era um amigo. - Caminhou até Rick e examinou seu pescoço, parecendo perplexo.
- Marcas de mordida, é? - ela provocou.
Lucian fez um gesto para que ela se aproximasse. Parecia haver duas pequenas marquinhas, mas não os grandes círculos vermelhos que ela vira em filmes.
- Não deveriam ser maiores? - Jade sussurrou, imaginando se estava enlouquecendo.
- Sophia está apenas brincando. Ele está se mantendo firme no momento, mas não deve ficar sozinho. Vou avisar Sean.
- Eu não entendo. E não acredito que ele esteja doente por causa desses pontinhos no pescoço. Isso é loucura.
- É, sim - ele concordou. Virou-se e deixou-a no quarto.
À luz do dia, no mundo estéril e organizado do hospital, Jade sentia que o bizarro tomava conta de sua mente. Não acreditaria em tudo aquilo com tanta facilidade.
Sempre havia respostas lógicas na vida. Algumas vezes, era apenas difícil encontrá-las. Permaneceu ao lado de Rick, segurando-lhe a mão.
Alguns minutos depois, viu um jovem charmoso pegar uma cadeira e sentar-se, com um jornal, diante do quarto. Saiu e olhou para ele, recebendo um sorriso amigável
de volta.
- Olá! Jade, não é? Sou Jack Delaney. Trabalho com Sean. Vou tomar conta de Rick por enquanto.
- Ele não está sendo caçado pela Máfia, nem nada assim. Foi internado porque está doente.
- Certo. Bem, ele é um bom policial. Espero que não se importe com minha presença aqui.
- Claro que não. - Percebendo que Jack não lhe daria mais informações, despediu-se: - Acho que vou embora, já que Rick está em boas mãos. Até logo.
- Até logo.
Quando Jade voltou ao quarto da madrasta, Sean e Shanna esperavam por ela, mas Lucian tinha ido embora. As saídas dele estavam se tornando muito irritantes.
- Ele tinha alguns assuntos para resolver - Sean explicou. - Maggie quer conhecê-la. Já falei com sua irmã. Espero que vocês me acompanhem até em casa para
comer algo e descansar um pouco.
- Não sei - disse Jade. - Papai, e as crianças?
- Está tudo bem, Jade, elas estão com a vizinha. Por que você e Shanna não comem e descansam um pouco? Podemos precisar de vocês nos próximos dias.
- Certo. Bem, estou louca para conhecer sua esposa, tenente.
Ao saírem do quarto, Jade reparou no homem negro alto e bonito parado à porta, que Sean apresentou como Mike Astin. Surpreendeu-se com o fato de sua madrasta
também precisar de um segurança.
Era tudo muito estranho. Ao retornarem a seu apartamento pela manhã, tanto Sean quanto Shanna tinham estado desvairados. O policial conhecia Lucian, e não
ficara surpreso ao vê-lo carregando-a para dentro de casa. Shanna, que estivera preparada para não gostar dele, agira de forma oposta, apresentando-se, observando-o,
interrogando-o e, por fim, parecendo fascinada por ele.
Era tudo muito estranho, pensou de novo, já dentro do carro do tenente.
Ao chegarem à casa dele, Jade admirou-se com a bela mansão. Mal tinham subido os degraus da entrada quando a porta se abriu, e uma mulher com uma criança no
colo apareceu. Era alta e elegante, o bebê tinha olhos azuis e cabelos escuros encaracolados.
- Meu marido conseguiu trazê-las aqui! Você é Jade, e você é Shanna - ela disse, nomeando-as corretamente. - Obrigada por terem vindo.
- Obrigada pelo convite. E este é... - Jade indicou o bebê.
- É o sr. Brent Canady - Maggie apresentou o filho.
- Ele é adorável! - Shanna elogiou.
- Obrigada. Por favor, entrem.
A casa era maravilhosa também por dentro, tanto requintada quanto acolhedora. Porém, tinha um cheiro estranho. Quando chegaram à cozinha, Jade percebeu que
havia dentes de alho pendurados nas janelas e nas portas francesas, assim como estacas de madeira nos cantos.
Maggie deixou o filho no chão da sala de estar, com seus brinquedos, antes de perguntar:
- Querem beber alguma coisa? É cedo, mas eu faço um ótimo Cosmopolitan.
- Seria ótimo - Shanna aceitou.
- Para mim, também - disse Jade.
- Sean, você pode ir ao porão buscar mais groselha, por favor?
- Claro. - Ele saiu.
Shanna foi ficar com o bebê na sala, e Jade apoiou-se no balcão perto da anfitriã.
- Maggie... Há alho espalhado por toda a sua casa.
- Alho suficiente pode funcionar.
- Contra...
- Vampiros.
- E as estacas?
- Também funcionam. Apesar de ser necessário cortar o coração ou remover a cabeça.
- E cruzes?
- Têm algum poder, dependendo do vampiro. Eu, pessoalmente, sempre apreciei uma bela cruz.
- Maggie, como você poderia saber o que funciona ou não contra vampiros, caso tais criaturas de fato existam?
- Eu já fui uma vampira.
Jade ficou imóvel. Estava realmente enlouquecendo!
- Você foi uma vampira... e agora não é mais. Passou de uma medonha sugadora de sangue a pacata esposa de um policial?
- Eu nunca fui uma assassina cruel. O mundo não é tão simples, Jade, nem mesmo o dos mortos-vivos.
- Vampiros não podem existir.
- Podem, sim, e existem.
- Não acredito nisso. - Sentiu lágrimas nos olhos. - Não posso, porque acho que está tentando me dizer que Lucian DeVeau é assim, que eu realmente estava com
um grupo atacado por vampiros na Escócia, que eles estão matando pelo país, que... - Interrompeu-se.
Maggie apenas a observava, esperando que ela aceitasse tudo aquilo. Shanna se levantara e, do outro aposento, olhava para elas. Sean retornou.
- Acho que vou preparar os drinques agora - avisou Maggie. - Obrigada, meu amor - ela murmurou, pegando a garrafa de groselha das mãos do marido. - Jade, você
pegaria gelo para mim, por favor?
Jade atendeu ao pedido e voltou para perto de Maggie.
- Você era uma vampira? E simplesmente desistiu de ser?
Maggie deixou o jarro sobre o balcão e fitou Jade.
- Nada no mundo é tão simples - repetiu. - Há leis estranhas que regem a vida e a morte. Eu acredito em Deus. Sempre mantive a fé, e talvez por isso tenha
sido recompensada. Muito antes da Guerra Civil, eu conheci um homem. Meu pai sabia o que ele era, eu, não. Ele nunca quis me ferir, pois realmente acreditava que
seu amor era forte o suficiente para dar vida a nós dois. Meu pai o matou, e eu fiquei maculada.
- Antes da Guerra Civil?! - Jade indagou.
- Se você quiser sobreviver ao que está acontecendo, sugiro que abra sua mente e escute Maggie - Sean aconselhou.
- Eu estou escutando! Não quero ser rude, mas...
- Meu Deus, Jade! - Shanna exclamou. - Não se lembra do que aconteceu na Escócia? Eu não estava lá, mas me lembro bem de como você ficou, depois do que aconteceu.
- Esses drinques estão prontos, Maggie? - Jade indagou, trêmula.
Maggie terminou rapidamente de preparar a bebida e entregou um copo a Jade, que bebeu de uma vez.
- Eu... não... bem... Você era uma vampira e usava uma cruz?
- É uma preferência pessoal, mas garanto a você que Darian não gosta de cruzes.
- Darian... o guia turístico, é claro... e o alho deve significar algo.
- Acho que pode oferecer proteção contra Darian e Sophia. Faz mal a Lucian.
- Não consigo acreditar que estamos tendo esta conversa.
- Você acredita, Jade - a irmã lhe disse -, por causa da Escócia.
- Esse Darian é... o pior e o mais cruel dos vampiros. É isso o que vocês estão tentando me dizer?
- Entre eles, sim. Na verdade, Sophia é o epítome do mal.
- Sophia, a mulher de cabelos escuros que estava na cripta... Ela é mais forte que Lucian?
- Lucian é muito forte - respondeu Maggie.
- Ele é o rei dos vampiros - completou Sean.
- O rei dos vampiros! - Jade repetiu, sentindo-se histérica.
- Você precisa entender que tudo começou em uma época diferente. Vampiros são muito antigos, quase tanto quanto os homens e, naquele tempo, os homens eram
tão brutais quanto quaisquer outras criaturas.
- É ilegal e imoral sair por aí matando pessoas hoje em dia! - Jade exclamou.
- Sim, claro, nos tornamos mais civilizados. Conforme o homem evoluiu, o mesmo aconteceu com as outras criaturas. Nós compartilhamos o mundo. A maioria dos
mortos-vivos aprendeu a viver discretamente. O sangue humano ainda é a maior tentação, e Deus sabe que os vampiros matam, mas a maioria é cuidadosa. Seleciona os
enfermos, os idosos...
- Oh! Criaturas bondosas, praticando uma forma gentil de eutanásia! - Jade ironizou.
- Algumas vezes, a morte é uma bênção - disse Maggie.
- Mas não estou dizendo que qualquer criatura tenha o direito de bancar Deus.
- Já vimos alguém que amamos morrer de câncer - Shanna lembrou a irmã. - Há coisas piores que a morte.
- Ser morto-vivo? - Jade indagou, fitando Maggie.
- Minha esposa está tentando ajudá-la - Sean interferiu com voz dura.
- É muita coisa para aceitar - murmurou Jade. - Eu apenas...
- Tudo bem, Sean. Ela está certa. E nossa refeição está pronta. Vamos comer?
Sentaram-se à mesa e, após a oração de graças, começaram a se servir.
- Você realmente acredita em Deus - Jade observou. - Eu agradeço todos os dias pela vida que tenho.
- Mas também acredita...
- É muito simples - Sean interrompeu. - Existe o Bem e o Mal. Qualquer criança sabe disso.
- Rick e Liz foram atacados por um desses vampiros? - perguntou Jade.
- Acreditamos que sim - disse Sean.
- Até agora, os dois apenas brincaram, tentando criar confusão, fazer Lucian perceber que podem atacar da maneira que quiserem. Eles não provocaram nenhum
grande dano. Se tivessem mesmo mordido os dois... - Maggie murmurou.
- Se isso tivesse acontecido - Sean prosseguiu -, os dois estariam maculados. Seriam eles, mas ao mesmo tempo não seriam. Seriam cruéis. E então...
- Uma mordida de verdade transforma a pessoa em um monstro? - Shanna quis saber.
- Se Sophia ou Darian quisessem de fato morder alguém, provavelmente criariam um monstro. Não sabemos bem como, mas pode até ser algum tipo de condição do
sangue. Portanto, de criaturas com essa veia malévola, obtém-se outra criatura assim quando o sangue é infectado. Vi isso acontecer uma vez com um conceituado soldado.
Ele ficou louco e matou cruelmente os homens que estavam feridos no campo de batalha.
- O que podemos fazer? - Jade perguntou. - Meu Deus, Liz e Rick estão vulneráveis...
- Eles estão sendo vigiados - Sean lembrou-a.
- Sophia tem sido má há mais tempo do que qualquer um pode se lembrar. Lucian derrotou-a antes e deve fazer isso de novo.
- Por que eles não foram destruídos?
- É uma lei: vampiros não podem destruir uns aos outros.
- Por que eles estão atacando pessoas próximas a mim? - Jade indagou.
- Por que não torturar você, debilitando Lucian no processo? - Maggie retrucou. - Eles estão atrás de você.
- Porque eu vi o que eles fizeram na Escócia.
- Não sei - disse Maggie. - Acho que eles fizeram aquilo na Escócia para você. - Ela hesitou. - Você é muito parecida com alguém que Lucian conheceu anos atrás.
Sophia a odiava. Ela viu você... e a odeia.
- E onde Lucian está agora?
- Vou levá-la até ele em breve. - Maggie levantou-se para tirar a mesa.
- Eu devo ir com Jade? - Shanna quis saber.
- Esta noite, você deve ficar aqui.
Jade começou a lavar os pratos, Shanna foi ficar com o bebê na sala e Sean retirou o lixo.
- Quando você conheceu Lucian? - indagou Jade.
- Quando eu me transformei em vampira.
- Vocês eram...
- Somos velhos amigos agora, nada mais. Lucian teve seu tempo de amargura e de arrogância. Era o rei, um professor. Eu teria perecido sem ele. Aprendi as regras,
ele me socorreu. Eu não estaria aqui com Sean se ele não tivesse feito isso. Nem sempre ele foi bom, e não é necessariamente bom agora. Mas é razoável, coerente,
e sempre teve sua ética. Dizem que um vampiro verdadeiro não tem alma. Não é verdade. Ele é como um homem, Jade. Seu mundo não é branco ou preto. Há muitas sombras
nele.
- Sim, mas...
- Ele me desejou uma vez, mas nunca me amou de verdade.
- Eu não estava perguntando...
- Estava, sim.
- Eu mal o conheço,
- Talvez você o conheça melhor do que imagina.
- O que quer dizer?
- Quando conheci Sean, ele tinha um ancestral que havia sido soldado durante a Guerra Civil. Sean me lembrou muito ele. Acho que talvez ele fosse Sean.
- E você acha que eu posso ser alguém que viveu muito tempo atrás?
- Quem sabe? Lucian amou uma vez, mais de um milênio atrás. Eu não estava lá, pois ele é muito velho. Era um líder nas Terras Altas, e tinha uma esposa, Igrainia,
a quem amava muito. Ela foi lançada ao mar, onde ele não podia alcançá-la. Mas a história diz que certos poderes do mar a devolviam, durante algumas horas, para
ele. Ainda assim, Sophia descobriu-a e matou-a quando vinha para a terra, afastando-a das águas que a teriam salvado.
- Ela veio do mar? Ora, Maggie, isso é ridículo!
- Mas você se atrai por ele, certo? Fica brava, pois ele vem e vai, porque há muitas perguntas não respondidas, porque você tem medo... Mas está ligada a ele
e, se Lucian de repente saísse de sua vida, você ficaria devastada.
Ela se recusou a responder ao comentário.
- Mas com Sophia...
- Acredito que ela ache que você é Igrainia. Que você voltou. E a raiva dela é incrível. Há muito tempo, ela conheceu Lucian, quando estava com os vikings,
aterrorizando a costa da Escócia. Ela o viu, desejou-o, criou-o, e ninguém rejeita Sophia, que é linda e poderosa. Mas ele a desprezava, por causa de Igrainia. Sempre
a odiou, e agora ela quer destruí-lo.
- Tenho medo de acreditar nisso tudo, e de não acreditar.
- Mas você quer ver Lucian?
- Sim.
- Já terminamos a louça. Vou levá-la até ele. Sua irmã ficará segura aqui com Sean e o bebê.
Jade abraçou a irmã antes de sair com Maggie. No carro, mantiveram silêncio durante o trajeto, até Jade perceber que estavam no cemitério.
- Maggie...
- Não se preocupe, pois ele está sozinho. Está esperando você. Quer que compreenda o que ele é.
Jade umedeceu os lábios, vendo as elaboradas sepulturas por cima dos muros. Lembrou-se de quando estivera ali, acreditando que sonhava.
Confie em mim!
Escutou a voz dele na mente. As palavras eram fortes, como se tivessem sido pronunciadas em voz alta. Abriu a porta do passageiro e olhou para Maggie, que
afirmou:
- Você ficará bem.
- Porquê?
- Ele ama você. - Maggie inclinou-se para fechar a porta e afastou-se.
Dessa vez, Jade sabia que não estava sonhando. Com escuridão e sombras por toda a parte, entrou no cemitério.
Por aqui.
Ela seguiu a voz. Andou por caminhos repletos de pedras e por trechos de grama, passou por uma gárgula enorme e por diversos mausoléus, aprofundando-se cada
vez mais na morada dos mortos.
Por fim, avistou-o. Estava parado diante de uma cripta lindamente esculpida, guardada por leões alados, vitrais retratavam cenas de São Jorge matando o dragão
e da ascensão de Lázaro. Ele usava camisa e calça pretas, mesclando-se com a noite. Esperou-a, apoiado na parede.
Jade se deteve a alguma distância, encarando-o.
- Por que estou aqui? - ela sussurrou.
- Queria que visse onde eu vivo, ou não vivo.
Quando Lucian se aproximou, sentiu vontade de correr, pois não queria crer naquilo. Porém, mais do que tudo, desejava estar com ele.
- Venha, vou lhe mostrar. - Ele tomou sua mão. Conforme ela era conduzida aos degraus, sua mente se rebelou. Ele a arrastaria para baixo e a trancaria com
os mortos. Não queria nem começar a imaginar os cadáveres que haveria no mausoléu.
Quando ele abriu a porta, Jade avistou caixões em uma das paredes e, no centro do aposento, um altar sob outro vitral: Cristo se levantando dos mortos. Havia
mais um caixão de cada lado. No altar, ela leu o nome DeVeau.
- Parentes? - ela sussurrou. Ele meneou a cabeça, sorrindo.
- Não há uma alma enterrada aqui. Nesses caixões, mantenho apenas terra da Escócia. Exceto por aquele... com roupas. Tento ficar atualizado em relação aos
estilos em voga.
Jade andou pelo aposento, imaginando se agiria como uma tola ao tentar erguer a tampa de um caixão que poderia estar selado havia décadas. A tampa abriu e,
como ele dissera, estava cheio de roupas.
- E o outro? - ela indagou.
- Eu não preciso dormir aqui. - Ele se aproximou, erguendo-lhe o queixo. - Volto para cá quando estou exausto, precisando de força.
Estava sozinha com ele, e Lucian alegava ser um vampiro. Não se sentia tentado?
- Sim - ele respondeu suavemente.
Jade sabia que não fizera a pergunta em voz alta.
- Como você não...
- Livre-arbítrio.
- Podemos ir embora?
Ele segurou seu rosto entre as mãos, estudando-lhe os olhos. A escuridão era completa, e Jade não via nada lá dentro, mas sabia que ele a via.
- Nós?
- Sim. Se você não precisa ficar aqui, podemos ir para a minha casa?
- Por enquanto, sim. Depois, quero voltar ao hospital, mesmo que agora não tenhamos que nos preocupar. Sean levará sua irmã amanhã de manhã.
- Os amigos de Sean podem mesmo proteger Liz e Rick?
- Mais do que qualquer um.
- Eles acreditam...
- Sabem o suficiente para não se recusarem a usar o que funciona. Mas ninguém está sendo atacado agora, ou eu sentiria.
- É claro - ela murmurou.
Saíram do cemitério. Não havia neblina naquela noite. As gárgulas e os anjos permaneciam em seus pedestais.
Na rua, Lucian chamou um táxi.
Ao chegarem, Jade entrou no apartamento e, mal fechara a porta, viu-se nos braços dele. O beijo foi selvagem, ardente. Apesar de sentir-se fraca de desejo,
agarrou-se aos ombros largos, afastando-se.
- Eu não sou...
- Você é tudo.
- Lucian, não sou alguém que você conheceu! Sou apenas eu, Jade MacGregor, e...
- E eu a desejo muito, srta. Jade MacGregor.
Ela o tocou na face, com os olhos fixos nos dele. Lucian livrou-se da jaqueta e levou os dedos aos botões de sua blusa, roçando cada pedacinho de pele que
desnudava, despertando-lhe sensações que se espalhavam por todo o seu corpo. Jade tomou o rosto dele entre as mãos, adorando a estrutura da face masculina, a forma
como ele a fitava. Sua blusa deslizou pelos ombros e caiu no chão, e ele a virou de costas para soltar o sutiã. Ergueu seu cabelo, e ela sentiu o hálito quente e
sensual na nuca, e o beijo, líquido e quente, deixando uma umidade que, tocada pelo ar, era excitante, como todo o resto. Beijou-a ao longo da espinhadas mãos detiveram-se
no cós de sua calça, circundaram seu corpo para encontrar o zíper na frente e o abriram. Acariciou-a no ventre, e cada vez mais para baixo, conforme ia tirando seu
jeans. Jade gemeu, pulsando com a pressão daquele toque. Livrou-se da calcinha e virou-se de frente para ele, sentindo o corpo forte e quente contra o seu. Beijou-o,
e o contato pareceu afetá-la por completo, derretendo-a. Quando ele a tomou nos braços, soube que aquilo era o que mais desejava no mundo.
Lucian sentiu-se à vontade em sua cama, era o amante perfeito, arrogante e terno, sabendo exatamente onde e como tocá-la, provocando-a, excitando-a, nunca
hesitando, sempre exigindo mais. Ela se deliciou ao sentir-lhe a pele, a pulsação, os músculos sob seus dedos, os quadris delgados, a ereção. Não queria mais perguntas
naquela noite, não queria pensar, nem temer. Fechou os olhos. Tudo o que desejava era Lucian.
Ele se deitou sobre Jade, penetrou-a, tornou-se parte dela. Era um fogo que ardia e, naquele momento, ela acreditou em mágica.

- Peguem-no! Cuidado! Não Jade, apenas ele!
De algum lugar em seu sono, ela escutou uma voz semelhante à de Renate.
- Tem certeza de que isso vai funcionar? Danny?
- Sim, nós não queremos apenas irritar um vampiro, Renate.
Aquele era Matt.
Jade acordou com os sussurros, dando-se conta de que não estava sonhando. Ao abrir os olhos, avistou Renate, Danny e Matt que, em pé ao lado de sua cama, a
encaravam, com estacas na mão.
- Ele não está aqui! - Renate anunciou. Cobrindo-se com o lençol, Jade olhou para o lado e, constatando que Lucian não estava mesmo lá, fitou o trio.
- O que vocês estão fazendo aqui?!
- Nós o perdemos. Eu disse que esperamos demais. - Renate sentou-se na cama, suspirando. - Jade, querida, você está dormindo com um vampiro.
- Nós... hum... - Matt corou. - Renate insistiu que viéssemos.
- Vamos ajudar você a matá-lo - ofereceu Renate.
- Vocês vão ter de estar muito mais bem preparados do que isso, se quiserem matar um vampiro.
Jade arfou, Lucian retornara. Tinha tomado um banho e estava vestido, apoiado ao batente da porta, com os braços cruzados sobre o peito e os olhos cor de ébano
revelando divertimento.
Renate levantou-se de um salto, erguendo a estaca. Lucian mal pareceu se mover, mas de repente se encontrava diante dela. Pegou a estaca e quebrou-a no joelho.
Matt e Danny largaram as que estavam segurando e recuaram.
- Nunca hesite diante de um vampiro - Lucian aconselhou.
Renate encarou-o, ofegando, antes de desmaiar aos pés dele. Lucian ergueu-a e a acomodou em uma poltrona diante da janela.
- Vou buscar um pouco de amônia na cozinha - avisou Matt.
Ele logo retornou e passou a substância sob o nariz de Renate. Ela abriu os olhos, mas, ao ver Lucian em pé a seu lado, afundou outra vez na poltrona.
- Com licença, rapazes. - Jade suspirou. - Vocês lidem com Renate. Eu vou tomar uma ducha rápida e me vestir, caso não se importem.
Danny e Matt estavam corados... e pareciam temerosos. Quase chegava ao banheiro quando Matt chamou-a. Ela virou-se para trás.
- Você está saindo com um vampiro - ele informou.
- Eu sei! Não se preocupe. Ele não vai machucar você - ela o tranqüilizou e correu para o chuveiro.
Quando Jade saiu do banheiro, encontrou todos sentados à mesa da cozinha, tomando café.
- Deve haver uma forma de descobrir quem exatamente ela é - Renate dizia.
Ela parecia totalmente controlada e no domínio da situação. Lucian estava sentado em uma das grandes cadeiras estofadas. Após servir-se de café, Jade se encostou
ao braço da cadeira, e ele distraidamente pousou a mão em suas costas. Era um gesto íntimo e caseiro, e ela se sentiu completa e realizada com aquele toque-simples.
- Sei exatamente o que ela é - Lucian afirmou. - É o Mal.
- Ele está nos pondo a par da situação - Matt explicou.
- Estou tentando fazer seus amigos entenderem que precisam ficar longe disso - Lucian disse a Jade antes de voltar-se para eles. - É maravilhoso que tenham
tentado protegê-la de mim, mas não devem se envolver.
- Agora sabemos ao que precisamos ficar atentos - Danny falou.
- Não, vocês não podem nem imaginar o que estariam enfrentando. Eu aprecio seus esforços, e o fato de não mais quererem me atravessar com uma estaca, me decapitar
e me transformar em cinzas, mas não são policiais ou soldados. São... escritores!
- Com licença, mas você nunca ouviu dizer que a pena é mais poderosa que a espada? - indagou Matt.
- Temo que algumas vezes isso não seja bem verdade. E vocês estão querendo enfrentar uma criatura anciã, que é muito poderosa e deve estar com o medalhão.
- Que medalhão? - indagou Renate.
- Anos atrás...
Algumas vezes havia vantagens em ser um morto-vivo. Como quando o arrogante conde De Brus cavalgou pela primeira vez para a Escócia. Ele praticara a crueldade
em suas propriedades no Sul da Inglaterra, guerreara contra os lordes nas fronteiras e dirigira-se ao Norte, onde o astuto rei dos escoceses lutava para manter o
país longe das garras de Guilherme, o Conquistador.
Nessa época, seu grupo original de vikings já se fora havia muito tempo. Apenas Wulfgar permanecia com ele, pois a doença que o atingira ainda jovem levara
Lucian a garantir-lhe o dom, ou a maldição, mesmo tendo prometido a si mesmo que nunca faria isso. Ambos se deslocavam pelo mundo juntos, sempre alegando parentesco
com a família DeVeau, um nome que permanecera na região, inalterado, mesmo quando os das demais nacionalidades começaram a se adaptar à tendência escocesa.
Enquanto a Escócia lutava para criar e manter sua independência, normandos invadiam do Sul, às vezes, vikings ainda atacavam do Norte. E, dentro do país, lordes
brigavam por terras e por riquezas. De Brus se estabeleceu perto de Edimburgo e, alegando que a terra era sua, decapitou o proprietário legítimo. Lordes vizinhos
tentaram enfrentá-lo, grandes clãs das Terras Altas dirigiram-se às Terras Baixas para vencê-lo. Porém, seu poder parecia maior que o do rei.
Um dia, Justin de Ayr, um jovem padre, foi sozinho à Ilha dos Mortos, levando um saco de moedas de ouro, que depositou diante de Lucian.
- Ouvi falar a respeito do que você é.
- E me traz ouro. Não vem me destruir? Que estranho! Um homem do clero! - Lucian debochou.
- Dizem que havia um proprietário de terras perto daqui que perseguia e enforcava os pobres que roubavam seus cervos, e que ele desapareceu quando você retornou.
- Eu o assei e comi - Lucian mentiu.
- Fará o mesmo com esse De Brus?
O padre falou durante a noite. De Brus tinha um estranho poder, e era temido pelos próprios parentes. Guerreiros que o sitiavam eram encontrados mutilados
e decapitados nos campos de batalha no dia seguinte. Homens corajosos fugiam dele. Nas vilas próximas, jovens mulheres eram escolhidas para ser entregues a De Brus
e levadas ao castelo. Dizia-se que ele tinha uma filha, ou que se casara com uma mulher que lhe dava poder em troca de vida humana. Ela bebia sangue, e se banhava
nele.
- E como você se envolveu nisso? - Lucian indagou, temendo que Sophia tivesse se curado e estivesse de volta.
- Quando voltei para casa, após uma peregrinação, descobri que minha irmã havia sido levada.
Lucian olhou para Wulfgar. No dia seguinte, eles viajaram com o padre.
Às muralhas do castelo, ele sentiu uma esmagadora onda de poder atingi-lo. Não poderia entrar sem ser convidado. Observou os portões durante a noite. Quando
amanheceu, Lucian viu uma mulher cavalgar sozinha para fora da fortaleza e seguiu-a. Ao chegar a uma clareira, ela desmontou, sentou-se em um toco de árvore e chorou.
Aproximou-se dela. Ao perceber sua presença, ela gritou.
- Eles me avisaram para não vir até aqui, pois eu cairia nas mãos dos nossos inimigos. Disseram que toda a família De Brus corre perigo por causa do pacto
que fizemos com aquela demônia... a nova esposa de meu pai. Dizem que ela é uma De Brus, mas não é. É uma cria do inferno. Eu ouço as meninas gritando...
- Convide-me para entrar.
- Você pode detê-la? Meu pai o matará. E há um homem com ela, que lhe obedece. Eles dormem juntos e riem, mas meu pai não se importa.
- Convide-me para entrar - ele repetiu.
- Caro senhor, quem quer que seja, se puder impedir que isso prossiga...
Eles cavalgaram até o castelo, parando para pegar Wulfgar e o padre. Era dia, não o momento de seu maior poder, mas tampouco da força mortal de Sophia. Ainda
assim, ela sabia que se dirigiam para lá. Estava no salão nobre com o lorde quando entraram, e levantou-se de imediato, chamando os soldados.
- Detenham-no! Matem esse homem!
Os soldados avançaram. O padre e Wulfgar, de costas um para o outro, enfrentavam cada homem que se aproximava dele.
- A cabeça, seus tolos! Cortem a cabeça, arranquem o coração do corpo! - ela gritava.
Darian atacou-o. Suas espadas se chocavam, e eles se moveram, pelas escadas, por cima da grande mesa, para perto do fogo. O braço de Lucian estava ferido,
sua cintura, golpeada. Ele causou um ferimento profundo na coxa do oponente e atravessou-lhe o peito com a lâmina. De repente, Sophia gritou e avançou com incrível
força, brandindo incansavelmente a espada. Quando Darian voltou a investir contra ele, Wulfgar uniu-se à batalha.
Sophia era como um vendaval. Lucian mal conseguia ver o que acontecia no aposento, tão ocupado estava enfrentando aquele poder impressionante. Ele não atacava,
apenas se defendia. Cortou-a várias vezes, mas ela não parecia dar-se conta, não vacilava, lutava com facilidade.
Ao ouvir um grito, Lucian virou-se e viu que Wulfgar caíra de joelhos.
- Cortem a cabeça dele! - Sophia ordenou.
Um dos soldados desferiu o golpe certeiro, e no segundo seguinte Wulfgar estava morto.
Quando Sophia avançou de novo, Lucian estendeu a mão para detê-la. Seus dedos se enroscaram nos cabelos dela e na corrente dourada do medalhão que ela usava,
arrancando-a do pescoço.
- Devolva! - ela gritou.
Lucian olhou para o poder que detinha na mão, sentiu o objeto queimando e fitou Sophia, que investia com fúria, arranhando seu rosto. Segurando a corrente,
ele a golpeou com a espada, talhando-a da garganta à virilha.
- Darian! - ela berrou.
Ela era real, e era névoa. Cambaleou para fora do castelo. Lucian tentou alcançá-la, mas tropeçou e caiu. Achou que, por fim, estava morto.
Porém, mais tarde despertou, e soube que tinham encontrado Sophia e que a haviam sepultado e coberto o túmulo com chumbo, para que ela não pudesse levantar-se
mais.
Ele foi até a cripta. As leis antigas o proibiam de abrir o túmulo e decapitá-la. Os De Brus, que tinham pavor dela, não fariam isso. O padre estava satisfeito
ao ver que ela se fora.
Lucian estava de posse do medalhão. Era de ouro, com uma estranha insígnia, semelhante a um gato com olhos de ébano.
A primeira noite em que dormiu com o objeto, acordou com uma fome intensa. Ainda se encontrava no castelo. Quando uma empregada entrou em seu quarto, saltou
sobre ela e quase lhe rasgou a garganta. Contudo, ao ver seu reflexo hediondo em um escudo na parede, com saliva escorrendo de suas presas, empurrou a criada de
lado, surpreso com a própria força. Ajudou-a, mas ela estava apavorada e começou a gritar.
Era o medalhão, pensou. Dava-lhe grande força, mas alimentava sua fome e sua crueldade. Os homens do castelo puseram-se diante dele, encarando-o com horror.
- Preciso do corpo de Sophia! - ele gritou.
O medalhão tinha de ser enterrado... Sophia precisava ser destruída.
- Ela não vai se levantar de novo! - lady Gwendolyn, a filha do castelo, lhe disse. - Vamos enterrar o talismã do mal.
Os restos de Wulfgar o esperavam. Levou embora seu querido amigo, e um esquife foi feito para ele, posto em chamas e lançado ao mar.
Antes disso, Lucian colocou o medalhão no que restara da mão de Wulfgar.
Devia ter queimado, derretido... e caído no fundo do mar.
Ao terminar sua história, Lucian olhou ao redor.
- O que aconteceu com a irmã do padre? - indagou Renate.
- Foi encontrada. Ela havia sido mantida com as outras moças em uma cela. Estava maculada, transformada, e foi viver com freiras em Reims.
- Que triste! E lady Gwendolyn?
- Casou-se alguns anos mais tarde.
- Você acha que Sophia está como medalhão outra vez?
- Ela saiu de uma tumba chumbada e teve força para sair matando mundo afora. Eu diria que ela contou com alguma ajuda.
- Darian?
- Obviamente.
- Ela está usando o medalhão? - Jade indagou.
- Não sei.
- Há coisas que podemos fazer - Renate insistiu. - Desenhe o medalhão. Vamos encontrá-lo.
- Como?
- Progresso e tecnologia!
- Ela quer dizer que vamos procurar na internet - Matt esclareceu.
- E temos que ir ao hospital - Jade lembrou. Lucian olhou lentamente de Matt para Jade e assentiu.

Peter, ainda muito confuso, informou Jade que Mike fora designado para vigiar o quarto de Liz, que ainda ficaria alguns dias em observação. Disse também que
conhecera Maggie, que tinha ido ao hospital com o marido. Shanna pegara os gêmeos e os levara à casa dos Canady, onde tomaria conta deles e de Brent.
- Onde está Maggie?
- No momento, eu não sei. Sean veio render Mike, e está à porta de Liz. Não sei por que ele acha que precisa ficar de guarda dessa maneira - disse o pai, preocupado.
- Mal não vai fazer, papai.
Desconfiado, Peter fitava Lucian, que conversava com Liz.
- Ela está melhorando, mas ainda não se lembra do que aconteceu. Algo a respeito do homem da tevê a cabo, mas... eles não mandaram ninguém naquele dia. Acho
que ela devia estar com muita febre. É inquietante. Até agora não entendi quem chamou a polícia.
- Papai, o que isso importa? Alguém chamou, e a ajuda chegou. O importante é que ela está aqui e vai ficar bem. - Ao vê-lo, assentiu e beijou-o no rosto. -
Vou subir e ver como Rick está.
Ela saiu do quarto, avisou Sean para onde estava indo e pegou o elevador. Encontrou Maggie, que tomara o lugar do policial diante do quarto de Rick.
- Como ele está?
- Bem - respondeu Maggie. - Oscila entre a consciência e a inconsciência, mas tente falar com ele. Os médicos dizem que é importante.
- Obrigada. - Jade entrou no quarto.
Rick tinha uma boa aparência e parecia respirar sem dificuldade. Sentou-se ao lado dele e tomou-lhe a mão entre as suas, apoiando nelas a cabeça.
- Olá, garota! - A voz não passava de um sussurro.
- Rick, graças a Deus!- ela exclamou. Levantou-se e o beijou na testa.
- Obrigado por estar aqui, Jade.
- Você nos assustou. Teve uma febre horrível. - Afastou-lhe o cabelo do rosto, olhando para as feições bonitas e para os francos olhos azuis. - Rick...
Ele meneou a cabeça, pegou sua mão e encarou-a.
- Está tudo bem. Não precisa dizer nada.
- Eu preciso, sim. Eu...
- Não está apaixonada por mim - ele afirmou com gentileza.
Jade ficou tão surpresa que permaneceu em silêncio por um longo momento.
- Rick, eu sinto muito...
- Tudo bem. Sei que você gostaria de estar. Mas, Jade, com esta febre... eu estava tendo uns sonhos bizarros. E não eram com você. Havia essa mulher que eu
conheci por acaso, ao dar-lhe informações, e era ela no meu sonho. E eu estava pensando... bem, as pessoas têm fantasias na vida. No final, somos todos animais,
mas... Eu percebi que você quer me amar, mas não me ama.
- Rick... - Interrompeu-se ao perceber que ele olhava por sobre seu ombro. Virou-se para trás e viu que Lucian havia entrado. - Rick, este é Lucian DeVeau.
Nós nos conhecemos na Escócia. Ele também é amigo dos Canady.
Rick ofereceu a mão para Lucian e disse:
- Eu conheço você de algum lugar.
- Estive aqui com Jade.
- Não... É estranho, mas tenho a sensação de que o conheço muito bem. Você mora em Nova Orleans?
- Tenho uma casa aqui.
- Talvez seja isso. Quem sabe tenhamos nos encontrado em algum lugar.
- Talvez. Como você se sente?
- Fraco, mas bem.
- Posso falar a sós com Rick um instante? - Lucian pediu a Jade.
Espantada, ela não tinha certeza de querer que os dois ficassem sozinhos.
- Lucian, Rick não está bem...
- E não é nenhum tonto. Já percebeu o que aconteceu.
- Tudo bem, Jade. - Rick apertou sua mão. - Mesmo. Ao sair do quarto, ela encontrou Maggie no corredor.
- Homens! Eles são uma droga. E ele me envolveu nisso tudo! - Jade explodiu. - Esses são meus amigos e...
- Há muito em jogo - disse Maggie.
- Acho que preciso de um café. Pode dizer a Lucian que estou na cafeteria? Não, não se incomode. Ele saberá, não é?
- Ele conseguirá encontrá-la.
- Hum... Talvez ele não devesse conseguir me encontrar. E sabe o que mais? Eu posso parecer com essa tal de Igrainia, mas não sou ela. Não sou a reencarnação
de um... peixe!
- Por que não vai tomar um cafezinho fresco? - Maggie sugeriu, após deixá-la extravasar a raiva.
- Obrigada. - Jade suspirou. - Sinto muito, Maggie.
- Não tem problema.
- Droga, eu sinto que você é alguém que eu conheço muito bem - Rick insistiu. - Você foi à escola aqui? Quero dizer, você é obviamente de algum outro lugar,
mas... esse sotaque não é francês, é?
- Do continente, eu acho. Nasci na Escócia, mas passei muito tempo na França. Paris é uma cidade incrível.
- Quem sabe eu a conheça um dia. E então, o que aconteceu? Você estava por lá durante o que ocorreu na Escócia, encontrou Jade e fizeram sexo?
- Não foi assim.
- O que eu posso fazer, rastejar desta cama e bater em você? Não hoje. Mas ainda sou louco por Jade. Portanto, se pretende magoá-la...
- Pretendo ajudá-la. Sei que isso vai soar esquisito, mas preciso saber mais a respeito da mulher que você conheceu.
- Dormi com ela apenas em sonho.
- Poderia me falar a respeito dela?
- Cabelos escuros, pele pálida, exótica. Seios fartos, cintura fina, quadris arredondados. Tudo aquilo de que são feitas as fantasias.
- Ela tinha nome?
- Não que tenha me dito.
- Como estava vestida?
- Não estava. Você está se esquecendo da natureza das fantasias.
- Acho que a mulher da sua fantasia pode ser real. Ela parece alguém que eu conheço e que provavelmente está em Nova Orleans.
- É mesmo? Se você a encontrar, pode mandá-la entrar. Eu tinha uma namorada, mas não tenho mais.
- Sinto muito.
- Acredito em você. Ainda assim, é estranho. Eu ficaria mais bravo se não achasse que o conheço de algum lugar. Claro, se você fosse um amigo, o que fez seria
ainda pior.
- Rick, você disse que essa mulher estava nua. Ela usava algum tipo de jóia?
- Não. Se estivesse usando, acredite, eu teria notado.
- Obrigado pela ajuda.
- Não por isso. Vejo você por aí, meu novo amigo... ou meu velho amigo, o que quer que você seja. - Sorriu, e então estremeceu. - Seria bom ter minha força
de volta.
- Vai voltar - Lucian garantiu antes de sair do quarto. Maggie ainda estava no corredor.
- Você acha que ele vai ficar bem? - ela indagou.
- Não sei. Espero que sim... Maggie, Rick a lembra de alguém?
- Não de alguém que eu conheça.
- Mas você acredita... em pessoas retornando.
- Sabe que estou convencida de que conheci Sean antes. Mas devo alertá-lo de que Jade está bastante aborrecida. Ela me disse que não era um pei... - Interrompeu-se,
determinada a poupar os sentimentos dele. - Ela me disse que não era Igrainia.
- E como ela sabe a respeito de Igrainia?
- Talvez eu à tenha mencionado - Maggie murmurou.
- Vou falar com ela. Tive medo que Rick não me contasse o que eu queria saber se ela estivesse junto. Sophia não está usando o talismã, mas sei que ela o tem.
Está usando o medalhão para recobrar as forças, para curar Darian quando ele se fere. Preciso encontrá-lo.
- Jade está na cafeteria.
Após alguns instantes, LuCian meneou a cabeça.
- Não mais. Ela foi para a capela, achando que eu não conseguirei encontrá-la.



Capítulo IV



A capela era moderna e universal, com o piso branco, um vitral abstrato e um altar simples. Jade estava no primeiro banco. Rezara por Liz, por Rick e por si
mesma. Assustou-se quando Lucian sentou-se a seu lado.
- Achei que não pudesse vir aqui.
- Alguns podem.
- Sei. Você é um bom vampiro, certo?
- Não. Já lhe disse... Tive meus momentos de extrema violência e crueldade.
- Mas está aqui.
- Talvez porque acredite em Deus.
- Deve haver algum lugar aonde você não possa ir.
- Não posso entrar na casa ou na vida de ninguém sem-ser convidado.
- Eu convidei você?
- Em alto e bom som. Ela desviou o olhar.
- O que acontece se Liz ou Ríck morrerem? Eles se tornam assassinos alucinados e maníacos?
- Não. Se eles morrerem, nós cortamos as cabeças deles. Ela começou a tremer.
- Eu odeio você. Detesto que tenha entrado na minha vida, e o que fez com todos ao meu redor. - Fitou-o. - E quero que vá embora.
- Não posso.
- Pode, sim. Você sai daqui e vai para qualquer lugar onde esteve nos últimos séculos.
- Jade, eu não posso mudar o que você significa para mim.
- Com certeza, você pode! Vai me dizer que não houve dezenas, talvez centenas, de mulheres em sua longa vida... ou morte? O que me torna diferente? Não sou
sua esposa, nem na vida real, nem um sonho, nem reencarnada, ou saída do mar. Não sou ela. Você a amava e a perdeu. Mas houve outras, obviamente. E todas fazem parte
do seu passado. Deixe-me ser passado também. Vá embora!
- Jade, não posso arriscar sua vida.
- Minha vida não é sua para que a arrisque! É minha. - Estava próxima às lágrimas, exausta, preocupada.
Convidara-o em alto e bom som. Sim. Algo acontecera entre eles naquela noite em Edimburgo. Desde que ele a tocara, parecia não suportar ficar longe dele. Precisava
dele, da forma como os olhos escuros a fitavam, da força do corpo alto e firme a seu lado. Amava seu riso, sua força, o tom de sua voz... E ele vivia em um túmulo.
- Você poderá ter sua vida de volta - ele afirmou, com frieza - quando eu tiver certeza de que terá uma vida para viver.
Ela baixou a cabeça. Lucian levantou-se e estendeu-lhe a mão.
- Venha. Vamos dizer a seus pais que voltaremos mais tarde.
- E então?
- Você vai até seus amigos ver se a caneta, ou a internet, é mais poderosa que a espada. Sob nenhuma circunstância, deve convidar alguém para entrar em seu
apartamento. E não vai sair até eu chegar.
- E onde você vai estar?
- Das cinzas às cinzas. Vou ao lugar onde minha força é maior, e vou dormir... Talvez sonhar.

Renate estivera muito ocupada. Deixara os rapazes no apartamento de Jade e voltara à sua casa para trabalhar por conta própria. Após uma pesquisa exaustiva,
encontrara o que buscava. Estava prestes a descer para o apartamento de Jade quando o interfone tocou. Ela atendeu, impaciente.
- Sim?
- Srta. Renate DeMarsh, vim entregar alguns livros encomendados na livraria Coffee & Crime.
Ela havia comprado livros? Não se lembrava, mas provavelmente tinha feito a compra. Apertou o botão que abria a porta da rua.
- Pode entrar e deixar os livros aí embaixo. Obrigada. - Apressou-se a sair do apartamento.

Sombra, escuridão e frialdade o envolviam, névoa redemoinhava. Permitiu que a bruma e a doce sensação da noite o circundassem. Com os olhos da mente, viu o
talismã. A corrente dourada, a criatura entalhada no ouro, o gato com olhos cor de ébano...
A forma de capturar um gato... como um lobo.
Havia névoa, árvores, arbustos... uma floresta à noite. O lobo, com os olhos vermelhos, trotou, seguindo o rastro. Diminuiu o passo, imobilizou-se e ergueu
o focinho, farejando o ar. Começou a correr outra vez ao longo da trilha na mata. Adiante, a lua lançava estranhos brilhos dourados sobre as edificações de pedra.
O cemitério.
O gato estava à frente. Podia senti-lo, podia vê-lo, os olhos cor de ébano como um farol... Ouviu gemidos e gritos no vento. Eram os lamentos daqueles que
tinham deixado negócios inacabados, as lágrimas dos que haviam traído, os fantasmas do cemitério, entoando um uivo de morte que ressoava na noite, que fazia parte
do mundo dos que mudavam de forma, o lobo que vinha, que buscava...
Um anjo de mármore subitamente levantou-se no teto de um mausoléu, abrindo as asas, que sombrearam a pedra branca. As asas eram um grande manto que tremulava.
Escondido sob um capuz negro, o rosto da criatura voltou-se para o lobo.
Onde os mortos escondem seus tesouros, lobo? Pense, sinta, fareje o ar, veja com os olhos da mente. Você está caçando um felino esperto e ligeiro... Onde os
mortos guardam seus tesouros?
Ele sentiu a força dos músculos que se moviam conforme corria, sentiu o ar frio da noite e o suave abraço da lua. Tinha de continuar correndo, porque sentia,
via...
Onde os mortos guardam seus tesouros?
Despertou na escuridão, ciente de que algo mudara. O dia se fora, o sol se pusera.
E, de fato, algo perturbava a escuridão da noite.
Jack Delaney foi enfeitiçar Maggie por volta das cinco horas. Ela o questionou, querendo assegurar-se de que ele estava preparado para qualquer visitante estranho
que aparecesse.
- Maggie, aquela garrafa de refrigerante está cheia de água benta.
Ela assentiu. Algumas vezes, imaginava se, mesmo sendo parceiro de Sean e já tendo visto muito, Jack compreendia a situação. Temia partir, mas a assustava
ainda mais estar longe de casa por tanto tempo.
- Jogue a água benta primeiro, pergunte depois! - ela o orientou.
- Sim, senhora - ele respondeu com um sorriso. - Agora, vá.

Shanna estava cansada enquanto ia para o hospital após ter cuidado dos irmãos. Sentira-se grata quando Maggie retornara à mansão, e sentia-se grata também
pelo fato de os gêmeos estarem lá. James a assustara muito quando, ao assistir à televisão, dissera:
- Eu gosto da tevê deles. O homem do cabo veio e quebrou a nossa. Quebrou ela inteira... e mamãe também. - E começara a chorar.
As lágrimas a fizeram imaginar o que tinha acontecido, e rezar para que Liz nunca se lembrasse.
Quando, por fim, chegou ao estacionamento do hospital, parou o mais perto possível da entrada da emergência. Saiu do carro depressa e caminhou até a porta,
avistando um homem que se dirigia para o mesmo lugar. Diminuiu o passo, e então o acelerou. Sentiu medo, mas tentou tranquilizar-se, lembrando-se de que estava em
um lugar público...
- Deixe-me abrir para você.
O estranho passou por ela e abriu a porta. Temerosa, ela se apressou a entrar, e só então se virou para ver-lhe o rosto. Ofegou, aliviada. Era Dave, o sujeito
que conhecera na cafeteria... e que não comparecera ao encontro no cinema.
- Você!
- Shanna! Estou tão contente por encontrá-la. Tentei ligar para você, mas não consegui falar. Estive muito doente, e não pude ir ao cinema, mas pretendia vê-la
outra vez.
- Bem... pode me ligar.
- Ainda serei bem-vindo?
- Sim. - Ela o estudou, subitamente preocupada. - Não está aqui porque piorou, não é?
- Não. Estou aqui para ver um velho amigo. E você?
- Minha madrasta e um amigo. Acho que devo ir agora. Os dois foram juntos até o elevador.
- Vou ao segundo andar - ela disse.
- E eu, ao terceiro.
Entraram, e ele se manteve próximo. Shanna surpreendeu-se ao sentir-se ao mesmo tempo inquieta e incrivelmente atraída. Ele era bonito, charmoso, e estar ao
lado dele era, de alguma forma, excitante. Ficou feliz quando o elevador parou. Saiu e voltou-se para ele.
- Imagino que nos veremos.
- Pode apostar que vai me ver. É uma promessa - ele afirmou, sorrindo.
A porta do elevador se fechou, e Shanna apressou-se pelo corredor em direção ao quarto de Liz.
Quando Maggie foi embora, Jack sentou-se para vigiar o quarto de Rick. As horas passaram. Ele leu, fez palavras cruzadas, conversou com as enfermeiras que
iam e vinham e comeu um hambúrguer.
Às onze horas o turno mudou, e a enfermeira da noite aproximou-se pelo corredor, carregando uma bandeja de medicamentos. Tinha um rosto e um corpo lindos,
e os cabelos estavam perfeitamente presos sob o chapéu. Ela era incrível, e o uniforme lhe caía especialmente bem. Deveria estar na capa de alguma revista de moda,
ele pensou.
- Olá, policial. Como vai meu paciente?
- Parece bem.
- O senhor está mantendo a gentalha longe daqui, eu presumo?
- Sim, moça, esse é o meu trabalho.
- Então, é bom tê-lo aqui.
Jack sorriu e voltou a ler seu livro enquanto ela entrava no quarto do paciente. De repente, ocorreu-lhe que a mulher não parecia uma enfermeira. Era requintada
demais, parecia perfeita demais. Seria alguém que posaria para uma foto, uma atriz... e não uma enfermeira de verdade.
Levantou-se depressa e, ao olhar para o corredor, piscou com força, pois achou ter visto um lobo correndo em sua direção. Estava mesmo exausto!
Ao abrir os olhos, notou que era apenas um homem, o velho amigo de Sean, Lucian DeVeau. Nesse instante, soube que estivera certo quanto à mulher. Sem esperar
que ele o alcançasse, entrou no quarto.
A mulher estava esticada sobre o paciente, e voltou-se ao ouvi-lo entrar. Os olhos eram selvagens, impressionantes, hipnóticos. Sangue da garganta de Rick
escorria de sua boca...
Jack avançou na direção dela, mas Lucian o ultrapassou e atacou-a, afastando-a da cama. O frasco de soro quebrou, e uma bandeja caiu.
- A água benta! - ele gritou.
Jack correu para buscar a garrafa, enquanto o alarme soava no hospital. No entanto, voltando ao corredor, deparou-se com um homem alto, de cabelos avermelhados,
que segurava a garrafa de refrigerante, rindo.
- Procurando por isto, policial?
- Dê-me! - Jack ordenou. - Sou um oficial da lei... - Começou a caminhar na direção do homem, mas ele se aproximou, pegou-o pelo braço e, sem esforço algum,
lançou-o pelo ar.
Jack caiu, mas conseguiu entrar no quarto a tempo de agarrar o sujeito pelos pés, derrubando-o e fazendo a garrafa voar. A mulher com quem Lucian ainda estava
atracado saltou e, pisando na água que se espalhara, deu um grito terrível. Caído, o homem conseguiu virar-se e golpear Jack na cabeça, com força.
Enquanto o aposento mergulhava na escuridão, ele viu a mulher desaparecer no ar.

Renate estava excitada. Todos se encontravam no apartamento de Jade, esperando.
- Sei que estou certa. A criatura é uma deusa-gata, e ela dá poder. Mal posso esperar por Lucian. Jade, quando ele volta?
Jade bocejou.
- Logo, imagino.
Quantas vezes Renate perguntara aquilo? Danny, Matt e ela já haviam cochilado, mas Renate nem sequer se sentara.
Nesse instante, o telefone tocou. Jade despertou de imediato, levantou-se e atendeu.
- Jade?
- Shanna! Oh, meu Deus, Liz está bem?
- Sim, mas é que... é que... Rick morreu. Tentaram ressuscitá-lo, mas... ele se foi, Jade.
O mundo girou ao seu redor, e Jade largou o telefone. Matt a segurou e deixou-a chorar nos seus braços enquanto Danny pegava o aparelho.
- Alô? - Danny escutou o que Shanna dizia. - Nós a levaremos até aí.
Rick já fora limpo quando os funcionários do hospital permitiram que Jade o visse. Dentre os policiais, ela ainda era considerada a noiva. Houvera muitas perguntas,
que Jack respondera da melhor forma possível. Ele estava desmaiado no chão quando a equipe do hospital chegara após ouvir o alarme. Ao despertar, tinha tentado explicar
que uma falsa enfermeira fora ver Rick. O corpo havia sido mantido ali para os fotógrafos da polícia e para a equipe técnica, que passara horas procurando vestígios.
Contudo, apesar das gotas pequenas de sangue na roupa dele, não havia outras marcas em seu corpo.
Algumas pessoas suspeitavam que Jack, por causa da falta de sono, imaginara a enfermeira assassina. Claro, haveria uma autópsia, mas a morte provavelmente
decorrera da anemia provocada por febre e desidratação.
O corpo de Rick começou a ser embrulhado para a transferência ao necrotério. Ele morrera apenas porque a conhecia, Jade pensou. Estava soluçando quando Sean
informou-a que estavam todos indo para a capela. Ao chegar lá e avistar Lucian, ela correu e socou-o no peito com fúria. Ele ficou imóvel por um longo tempo, permitindo
que ela o golpeasse. Por fim, segurou-lhe os pulsos.
- Jade...
- Eu não quero ouvir nada de você.
Ela tentou se afastar, mas descobriu que era impossível. Shanna envolveu-a com os braços, tentando acalmá-la. Jack entrou na capela e começou a se desculpar:
- Sinto muito, foi culpa minha. Os médicos acham que se trata de um novo vírus. Pensam que eu adormeci e sonhei com a mulher que entrou no quarto.
- Jack, você não falhou - garantiu Sean. - Há uma força muito poderosa em ação.
- Eu nunca vou convencer o hospital e a polícia de que Rick foi morto por... o quê? Um mal antigo?
Ninguém respondeu. Aborrecida demais para ficar ali, Jade se dirigiu à porta da capela.
- Jade, o que está fazendo? - Shanna indagou. - Não pode simplesmente...
- Jack, você pode segui-la e levá-la para a casa de Maggie? - Lucian pediu. - Sean e eu temos que cuidar de algumas coisas por aqui.
Ao ouvir isso, Jade voltou para perto de Lucian e o encarou.
- O que acham que vão fazer?
- Você sabe o que precisa ser feito.
- Acha que vai até o necrotério decepar a cabeça dele e arrancar seu coração? Não! Você não vai fazer isso!
- Jade! - Lucian segurou-a pelos ombros. - Isso precisa ser feito.
- Não! Se ele pode voltar, deixe-o voltar. Ele vai retornar como você.
- Talvez não - Sean objetou. - Ele pode voltar com uma tendência cruel ao homicídio.
- Quem é você para julgar quem deve ou não retornar? - ela indagou.
- Deixe-me dizer por que ele não deveria voltar! - A raiva de Lucian subitamente equiparou-se à dela. - Ele era um sujeito decente. Você quer mesmo que ele
seja condenado, que anseie por sangue, sofrendo a cada dia que não tomar uma vida humana?
- E assim que você vive?
-, Foi assim que vivi por muito tempo. Jack, leve-a embora do hospital.
- Não! Por favor, dêem uma chance a ele... Se Rick foi mesmo maculado, pode ser morto depois.
- Não por mim - lembrou-a Lucian. - Você não entende?
- Sean pode matá-lo.
- E se ele voltar com uma incrível capacidade para o mal? - Sean indagou.
- Isso não vai acontecer. Estou lhes dizendo, eu conheço Rick. E, droga, Lucian, olhe para você!
- Hum, olhe para mim. Foi necessário muito tempo para que isso acontecesse. Você não sabe como eu voltei, nem conhece as coisas horríveis que fiz.
- Ele poderá contar com você.
- Eu também tive um guia... - Lucian começou, mas se interrompeu ao lembrar o que Rick lhe dissera: Droga, eu sinto que você é alguém que eu conheço muito
bem! E havia algo tão familiar a respeito dele...
- O que foi? - indagou Jade.
- Você é um policial, e conhecia Rick - Lucian disse a Sean. - Você decide.
- Não sei... É perigoso - disse Sean.
- Perigoso! - Jade exclamou. - Sean Canady, Jack Delaney, vocês estão aqui conversando tranqüilamente com um homem que alega ser um vampiro. Um assassino.
O rei dos monstros desprezíveis. E ele não pegou nenhum dos dois para um lanchinho noturno. Como podem sequer pensar em ir ao necrotério fatiar Rick?!
- Por favor, vamos lhe dar uma chance - Shanna intercedeu. - Talvez Sophia o tenha infectado, mas ela também infectou você, Lucian. Além disso, pode precisar
de ajuda para lutar contra ela e Darian, e Rick era uma excelente pessoa.
- Jack? - indagou Sean.
- Eu não estava gostando da idéia de cortar a cabeça de Rick.
- Certo, vamos tentar. - Sean concordou. - Mas, de alguma forma, precisaremos roubar o corpo dele. Porque, se ele não acordar antes da autópsia, será um vampiro
retalhado, nervoso e muito faminto.
Eles esperaram várias horas. Lucian se compadeceu dos administradores do hospital. Problemas no banco de sangue, uma morte misteriosa e um cadáver desaparecido.
Não ficaria bem para eles, mas não havia outra solução.
O corpo de Rick estava aguardando transferência para o necrotério, e havia apenas um funcionário no local. Lucian desceu e conversou alguns segundos com ele,
assim que o atendente ficou com um olhar vazio, convocou Jack e Sean. Usando uniformes do hospital, eles empurraram a maça de Rick até uma sala vazia e o vestiram.
Lucian e Sean, um de cada lado, apoiaram-no, dando a impressão de que carregavam um bêbado. Com espantosa facilidade, conseguiram sair do hospital e colocá-lo no
carro.
- Para onde vamos levá-lo? - indagou Sean, que dirigia.
- É quase dia. Vamos para o cemitério - Lucian decidiu.
Chegando lá, estacionaram na rua e retiraram o cadáver do carro. Erguendo Rick nos braços, Lucian virou-se para Jack e Sean.
- Vocês não precisam prosseguir. Eu assumo daqui.
- O que acontecerá agora? - Jack indagou.
- Sophia e Darian ficaram bastante feridos na última luta. Água benta queima mais do que ácido na pele humana. Eles só vão conseguir caçar alguém fraco, e
ficarão desesperados para escapar do sol. Posso tentar localizá-los. Encontrei-os ontem à noite, apesar de... um pouco tarde.
- Quais são seus planos?
- Vou para a Escócia.
- Ótimo. Vampiros descontrolados assolam Nova Orleans, e você vai para a Escócia. - Jack meneou a cabeça, em aprovação.
- Acho que sei onde encontrar o talismã de Sophia. E, se eu for para lá, eles me seguirão. Acredito que os dois estão matando os sobreviventes do ataque na
Escócia porque, de alguma forma, ela exibiu o talismã naquela noite, e teme perdê-lo de novo. Acho que o medalhão está nas profundezas da cripta.
- Mas de que lhe serve o talismã na Escócia?
- Está em posse dela, na cripta da família. Um homem muito rico não mantém seu dinheiro à mão, ele o guarda no banco.
- Eu não entendo, Lucian. Você é o líder, o mais velho, o mais poderoso. Não pode ordenar...
- Antigamente, íamos sempre para a guerra, e qualquer um podia ser convocado para a batalha. Assim como os homens, os vampiros mudaram com o tempo. A maioria
se alimenta discretamente dos que estão morrendo, visitam prisões, ajudam a livrar as ruas da escória humana e freqüentam bancos de sangue. É a sobrevivência. Foi
isso o que eu ensinei. Não fui contra a natureza, apenas tentei controlá-la para a mudança dos tempos. Algumas vezes, surge algo terrível, como Sophia, e então agimos.
Em geral, sou eu quem ajo, em uma reprimenda física que deixa o transgressor se curando por um século ou dois, ou recrutando um ser humano para o golpe final, o
que é sempre arriscado, considerando-se que eu também sou um morto-vivo. Há aqueles a quem eu poderia pedir ajuda, mas todos temem Sophia. Nenhum rei comanda sujeitos
em rebelião, e é por isso que ela permanece. Eu usurpei seu poder e fiz mudanças. Deixem-me agora. Verei vocês de novo quando cair a noite.
Sean e Jack observaram enquanto Lucian carregava o corpo de seu amigo para as profundezas do cemitério.
- Vamos para a minha casa - disse Sean. - É mais seguro, e nós precisamos dormir um pouco.
- Você acha que Rick ficará bem?
- Eu não sei. Meu Deus, espero que tenhamos tomado a decisão certa!
Shanna estava preocupada com a irmã. Na casa de Maggie, no entanto, Jade se acalmou após tomar uma xícara de chá c adormeceu. Depois de conversar um pouco
mais com a anfitriã, Shanna decidiu se deitar. O quarto de hóspedes tinha portas francesas, que levavam a uma varanda, mas naquela noite tudo fora fechado. A casa
estava protegida,
Além de ter sedado sua irmã, Maggie devia ter colocado algo também em seu chá, pois ela adormeceu assim que se deitou. Teve um sono agitado e sonhou com Dave.
Não estou bem. Preciso de ajuda. Era com se estivessem conversando na porta do hospital. Eu pretendia ligar para você. Vou vê-la de novo, com certeza.
Eu preciso ir.
Não fique brava. Estou doente e preciso de ajuda. Por favor, deixe-me entrar.
Apesar de ele ser lindo e de ter um sorriso encantador, Shanna fez que não com a cabeça.
Não. Meu amigo morreu, e preciso lidar com a minha família.
Deixe-me entrar, Shanna. Abra aquelas portas. Livre-se daquele alho fedido que Maggie mantém em todo o lugar.
- Não! Vá embora! Estou cansada!
Ela se levantou, assustada, ao perceber que falara em voz alta. Olhando ao redor, notou que as portas francesas estavam entreabertas, resguardadas apenas pelos
arranjos de alho. Saiu da cama e fechou-as.
Ao ouvir um choro, correu para o quarto dos gêmeos e viu que Jade já estava lá, com o pequeno James nos braços.
- Jade, dê James para mim e volte para a cama. Você está com uma aparência péssima.
- Você não está muito melhor.
- Melhor do que você, com certeza. Maggie não exagerou na minha sedação.
Jade arqueou a sobrancelha, mas não ficou surpresa de fato.
- Está bem. - Beijou o garoto, entregou-o para a irmã e saiu do quarto.
- E então, querido, como você está? - perguntou Shanna.
- Sonhos ruins. O homem da tevê a cabo estava aqui.
- Dê um abraço na sua irmã. Vamos dormir algumas horas, e ficar bem. Certo?
- Sim. Shanna, o homem foi embora, mas ele estava aqui. De verdade.
- Estou contente que ele tenha ido. Vamos dormir.
Era bem tarde quando Renate foi se deitar. Ficara na casa de Jade com os rapazes por um longo tempo. Todos sentiam a morte de Rick e imaginavam como a amiga
estava devastada.
- É a culpa também - ela opinara. - Jade não o amava. Pobrezinho... E agora ele está morto.
- Você não precisa sentir-se culpado para se aborrecer com isso! - afirmara Matt.
Eles tinham sido tão frios com ela que Renate decidira voltar para seu apartamento. Deitou-se, mas ficou se revirando na cama, sonhando.
Havia um homem em seu sonho. Ela o conhecia, parecia lembrar-se de tê-lo convidado para entrar antes. Era muito bonito, mas estava ferido. Disse seu nome suavemente,
e o sussurro era como o mais gentil e sensual toque em seu rosto.
Renate, aqueles tolos não apreciam o que têm, uma pessoa inteligente, generosa, gentil...
- São terríveis - ela falou em voz alta. - Amigos horríveis.
Eu preciso de você. Toque-me, cure-me, deixe-me entrar, tome conta de mim.
Ela sorriu. O sonho era ótimo. Ele era sedutor e a desejava. Estava de joelhos diante dela.
Preciso de você, Renate...
- Querido, eu preciso de você - ela disse, virando-se na cama.
E não estava sozinha.

Lucian, por fim, descansou. Preparara as coisas de que necessitaria quando Rick despertasse e o deixara repousar no santuário de seu caixão, acomodando-se
em um sobretudo e em um travesseiro diante do vitral. Odiava estar tão vulnerável, mas fechou os olhos e permitiu que o poder de sua mente alçasse voo.
Havia um quarto, em cujo centro estavam dispostas cadeiras entalhadas. Uma estava vazia, como estivera nas últimas centenas de anos. Porém, algumas vezes,
ele ainda a via lá, o corte da túnica de linho, o cinto elegantemente trabalhado sobre os quadris, os cabelos soltos, os olhos da cor do mar...
A cadeira dela estava vazia. Sentou-se na sua própria e convocou-os: Ragnor, das ilhas ao Norte, Yves d'Pres, de Bruges, o espanhol Roberto Domano, Lisa Clay,
de Seattle, seu consorte, o artista, Fucello, Jean d'Amores, da Borgonha, Chris Adair, de Limerick. Eles surgiam ao seu redor. Foi Ragnor quem deu um passo adiante
e anunciou:
- Ela voltou. Sophia escapou da tumba.
- Lucian, por que não deixá-la provocar destruição entre os homens até que acabem com ela? - Yves sugeriu.
- Ela criará tanto tumulto que as pessoas começarão a crer em lendas e, acreditando, estarão prontas a matar - Lisa opinou. - Haverá um furor, e todos nós
seremos caçados. Concordo com Lucian. Ela acabará conosco.
- Mas nós somos caçadores, guerreiros, lobos! - Yves protestou. - Lucian, você é o rei de nossa espécie, e isso é algo que eu nunca discutiria, mas não posso
ajudá-lo a caçar um dos nossos. Ela veio antes de você. Essa luta é sua.
- Você está enfraquecendo, Lucian? -: Roberto indagou. - Preocupando-se demais com o destino daqueles que nos caçariam?
- Não enfraqueci, Roberto. Salvei muitas vidas dos de nossa espécie, mantendo-os afastados dos massacres que seriam sua ruína. Não quero que me ajudem a derrotar
Sophia, pois poucos de vocês são velhos o suficiente para conhecer a extensão de seu poder, de sua malignidade. O que eu quero é Nova Orleans a salvo.
- Tomarei conta de sua cidade, Lucian - ofereceu Ragnor.
- Quero também alertá-los para que não se unam a Sophia e a Darian. Não se enganem, achando que eles me derrotarão, pois isso não vai acontecer. Se quiserem
se unir a mim, serão bem-vindos. Não é uma ordem que eu possa dar, mas vocês estão cientes do perigo que enfrentamos. Não destruímos os de nossa espécie, é o que
diz a lei, tão antiga quanto o apetite que nos governa. Mas os tempos mudaram. E quando todos somos ameaçados pelos excessos de poucos, há guerra. Como eu governei
durante tantos anos, digo-lhes que não tenho escolha, e que preciso buscar a justiça que permitirá nossa sobrevivência. E se a lei é de ordem natural e se eu explodir
em chamas diante desse ato, que assim seja. Não permitirei que a depravação de Sophia destrua o mundo deles, nem o nosso.
Uma série de murmúrios afirmativos percorreu o grupo.
Lucian liberou-os e notou que Chris Adair permanecia.
- Vou lutar com você, Lucian.
- Agirei melhor sozinho, no máximo com um novo integrante de nossa espécie que vai despertar em breve. Ragnor vigiará Nova Orleans. Eu ficaria grato se você
se mantivesse atento aos que estão entre nós.
- Sim, Lucian, ficarei atento...

- Uau! Onde estou? Sinto muita fome, homem! - Rick saiu do caixão, esfregando o pescoço e fitando Lucian. - Você está parecendo uma ótima pessoa para abraçar,
para satisfazer meu apetite... Nossa, o que diabos estou dizendo?
- Eu não sou o que você está procurando. Do que se lembra?
- A mulher mais sensual do universo inclinada sobre mim e... - Rick dobrou-se ao meio. - Sinto tanta dor... E eu poderia ter jurado... - Endireitou-se devagar.
- Achei que estivesse morto.
- Você estava.
- Qual é o problema comigo? Eu quero beber sangue quente e fresco. Desesperadamente.
No fundo da cripta, ouviram guinchos. Lucian obtivera alguns dos maiores e mais gordos ratos que conseguira encontrar no cemitério.
- Ratos? - Rick sussurrou.
- Eles vão servir.
Rick não teve forças para resistir ao aroma e ao calor das criaturas, e se deleitou com elas. Após terminar, encostou-se ao caixão e olhou para Lucian.
- Estou morto, e no inferno. Ou não estou, e este é o pior pesadelo que já tive. Ou é real, e eu sou um... vampiro.
- Sim. Eu sinto muito. Não fui muito favorável à idéia.
- Deixe-me adivinhar. Você queria cravar uma estaca em mim, mas Jade não deixou, certo?
- Foi uma decisão coletiva.
- Não se preocupe. Ela provavelmente fez isso porque não me ama. Mas estou contente. E, apesar de não estar nos meus planos, vou conseguir fazer isso. - Ficou
em silêncio um instante. - Quero encontrar os assassinos. Prefiro ser o que sou, um comedor de ratos no momento, e conseguir fazer algo. Eu não vou surtar e começar
a atacar pessoas que amei, certo?
- Já aconteceu. Mas eu pretendo estar com você. Há regras neste mundo, mas você terá de aprendê-las enquanto vamos indo. O tempo é importante.
- Como você disser.
Lucian virou-se para sair da tumba, lembrando-se de que Rick levaria algum tempo para aprender o poder da névoa e do movimento, da mente e da matéria. Quando
os portões de ferro se abriram, ele começou a andar, seguido por Rick. Ao ouvir um choro baixinho, hesitou. Havia uma garota ajoelhada diante de um túmulo. Ela soluçava,
e era possível sentir a pulsação da veia em seu pescoço.
- Lute contra isso - ele disse.
- Está tudo bem - Rick garantiu, e eles prosseguiram. - Estou bem, chefe.
- Do que me chamou?
- Não sei. Ah... de "chefe".
- E por que me chamou assim?
- Você é escocês, certo? Mesmo com o nome DeVeau.
- Eu fui. Muito tempo atrás - retrucou Lucian, estudando-o.
- E agora...
- Agora, é hora de ir para casa.

Jade estava convencida de que a estavam enganando. Tinham fingido que salvariam Rick, mas haviam ido ao necrotério para cortá-lo em pedaços.
Exausta, dormira a maior parte do dia, mas, assim que despertou, viu as notícias sobre o sumiço do corpo de Rick. Com mãos trêmulas, baixou o jornal e olhou
para Maggie.
- Eles não mentiriam, Jade. Temos de esperar que Rick retorne... decentemente.
Estavam sozinhas na sala de jantar. Shanna ainda dormia, com os gêmeos.
- Se a pessoa era boa, poderia voltar como um... vampiro decente?
- "Racional" é provavelmente uma palavra melhor. O ímpeto está lá... de imediato... O impulso de atacar, de se alimentar. Mas pode ser controlado. Lucian nem
sempre foi tão... discernente. Mas, mesmo naqueles dias, quando ele era mais cruel e inflexível, não acho que gostasse de matar. Não depois de Igrainia. Acho que
ele desejava apenas vingar-se de Sophia. E quando ela foi sepultada... ele passou a existir para manter a ordem. - Ao ouvir o telefone tocar, Maggie disse: - Deve
ser aquela sua vizinha irritante, Renate, que já ligou várias vezes. Acho que deveria falar com ela.
Jade atendeu o telefone, e percebeu que Renate parecia cansada e mal-humorada.
- Onde está Lucian?
- Foi uma noite agitada, e não sei onde ele está no momento.
- Precisa trazê-lo aqui. Escute, o medalhão está relacionado a uma antiga deusa-gata egípcia, que era chamada de Ura. Não se sabe muito sobre ela porque, ao
adotarem uma nova religião, eles destruíram tudo o que se referia a ela, cada gravura, cada estátua, pois ela era uma "bebedora de sangue", a quem sacrifícios eram
feitos. Quando, por fim, foi destruída, diz a lenda que a queimaram. No entanto, havia as cinzas que, se guardadas em um medalhão, dariam ao possuidor o poder do
puro mal. E, a menos que o proprietário do talismã também fosse destruído no fogo, o poder permaneceria. Portanto, Sophia tem de ser queimada.
- São ótimas informações! Você foi maravilhosa.
- Eu... gostaria de me sentir maravilhosa. Estou exausta, não dormi. Bem, me ligue ou peça para Lucian me ligar.
- Certo. Obrigada - Jade disse e desligou.
- Ela sabe? - perguntou Maggie.
- Ela é uma pesquisadora. Encontrou uma lenda a respeito de uma deusa e do medalhão... Aparentemente, Sophia precisa ser queimada.
- É mais fácil falar do que fazer. E também há toda essa questão a respeito de vampiros não poderem destruir uns aos outros. Bem, teremos de pensar nisso.
- Maggie, você o admira, não é? Acha que Lucian pode cuidar disso?
- Cuidar disso? Lucian... sim, ele tem um incrível poder interior. Ainda assim... Ele me ensinou muito, mas não tudo. Antes de Sean, eu me apaixonei por um
homem que me transformou em vampira, acreditando que nossa união nos libertaria. Mas meu pai o matou para garantir minha segurança. Não acho que Lucian realmente
acreditasse que tal força pudesse funcionar, até que Sean e eu nos unimos. Ele é cínico e inflexível. Vencerá Sophia no final? Acho que sim. A não ser que, de alguma
forma, hesite.
- Por minha causa?
- Eu não disse isso.
- Mas pensou.
- No momento, ele precisa permanecer cínico e inflexível, e manter a força para derrotar Sophia. Sim, eu o admiro. Ele me atraiu quando eu o odiava. Tornou-se
um bom amigo quando eu mais precisei de seu poder. Bem, agora, por que não toma um banho e se veste para irmos ao hospital? - sugeriu Maggie, encerrando o assunto.
- Certo.
Uma hora mais tarde, Sean levou-as ao hospital. Peter estava aterrorizado ao pensar que a doença que matara Rick pudesse também matar Liz.
- Estão pensando em liberá-la. E se... - Interrompeu-se, não querendo dizer nada diante da esposa.
- Seu pai está preocupado - explicou Liz. - Rick estava melhorando, e então morreu. Ele tem medo que isso aconteça comigo.
- Você não deve ficar sozinha, é claro - Maggie falou.
- Por que não vai ficar em casa com Sean e comigo?
- Ah, não poderíamos! - Liz protestou.
- Estou falando a sério. Minha governanta é incrível, e as crianças a adoram. As garotas vão ficar lá por algum tempo também.
- Maggie, posso falar com você um instante no corredor? - pediu Jade.
- Claro.
As duas saíram do quarto.
- Maggie, isso é uma loucura! Se levar meu pai e Liz para sua casa, eles vão perceber que... que Lucian é...
- Lucian não tem ido à minha casa. Eu a tornei muito desconfortável para os da espécie dele.
- Mas... - Jade interrompeu-se ao avistar um homem que não conhecia montando guarda diante do quarto de Liz. Era mais alto que Lucian, tinha ombros muito largos
e cabelos loiros. - Quem é ele, Maggie?
- Ragnor, um amigo muito antigo de Lucian.
- Está tudo bem - ele garantiu, sorrindo. - Não vou arrancar um pedaço de sua garganta.
- Obrigada - ela disse, forçando um sorriso.
- Você se parece muito com Igrainia.
- Eu não sou...
Ele ergueu a mão, impaciente com a negativa.
- Ninguém se aproximará de sua família - garantiu. Jade agradeceu e olhou para Maggie.
- Onde está Lucian?
- Não sei. Vamos nos encontrar à meia-noite na capela.
O tempo pareceu se arrastar, mas quando o horário chegou, ela, Maggie e Shanna foram à capela, onde encontraram Sean e Jack.
- Onde está Lucian? - Jade perguntou a Sean.
- Ele voltou para a Escócia. Acha que sabe onde está o medalhão e pretende pegá-lo.
- Mas ter o medalhão não irá ajudá-lo! Sophia precisa ser queimada! - Jade explodiu. - Não acredito! Ele não poderia ter partido, ter me deixado, sem dizer
nada...
- Jade, você estava brava com ele ontem - Jack comentou.
- Mas... mas... Rick. Onde ele está?
- Com Lucian.
- Meu Deus!
- Jade, você lhe disse que o queria fora de sua vida - lembrou Maggie. - E Lucian está preocupado com você e com sua família. Sabe que ficarão em segurança
porque, assim que perceberem pára onde ele foi, Sophia e Darian irão atrás dele. E vocês vão ficar conosco. Foi a melhor forma que ele encontrou de fazer as coisas.
Jade fitou-os, sentindo-se impotente, furiosa, temerosa e envergonhada. Não deixaria Lucian sozinho. Precisava estar ao lado dele.
- Vou para à Escócia - anunciou.
- Você não vai - rebateu Sean com firmeza.
Ela baixou a cabeça. Não discutiria. Concordaria, e depois faria o que quisesse.
- Tudo bem. - Permitiu que as lágrimas que gostaria de verter assomassem a seus olhos. - Iremos para a sua casa, Maggie. Minha família estará a salvo com você.
Ela saiu da capela, com a cabeça e os ombros baixos. Assim que se afastou, correu até os telefones públicos e, em alguns minutos, tinha uma passagem da British
Airways.
Quando o telefone de Jade tocou, Matt atendeu sem pensar.
- Alô?
- Quem está falando?
- Matt Durante. E aí?
- É Jenny Dansen, sua colega escritora, lembra?
- Ah, olá, Jenny. Como vão as coisas?
- Diga-me você. O que está fazendo na casa de Jade?
- É uma longa história. Rick ficou doente...
- E morreu e desapareceu, eu li. Estou ligando por causa de Renate. Ela está agindo de forma muito estranha. Tentei falar com ela, e um homem atendeu o telefone.
Ele desligou e, quando eu tentei de novo, ela atendeu e negou que alguém tivesse atendido antes.
- Você pode ter ligado para o número errado.
- Posso, mas não fiz isso, Meu telefone grava os números chamados.
- Ela deve estar com alguém, e não quer que nós saibamos.
- Ou está com algum sujeito com quem não queira estar. Vá checá-la, Matt, por favor. A propósito, o que você está fazendo aí? Onde está Jade?
- Ela está bem. Danny e eu estamos aqui para o caso de ela precisar de algo. Agora, vou verificar Renate. Até logo, Jenny.
- Até logo.
Danny estava na cozinha, fazendo café.
- Jenny parece pensar que alguém está mantendo Renate refém - disse Matt. - Se ela estiver com um homem, não vai gostar da nossa interferência.
- Mesmo assim, acho que deveríamos ir.
Foram até o apartamento de Renate e bateram na porta, mas ela não respondeu.
- Renate? - Danny bateu com mais força. - Renate!
A porta se abriu. Ela estava de roupão, enxugando o cabelo.
- O que foi?
- Estamos preocupados com você.
- Ah, agora estão preocupados comigo... - Ela bocejou. - Preciso dormir mais.
- Renate, seu ferro está ligado, sobre aquela camisa... que está queimando. - Matt entrou no apartamento e desligou o ferro de passar. - Você vai queimar sua
casa!
- Bem, obrigada. Agora, saiam. Estou cansada. - Pôs a mão no peito de Matt e empurrou-o para fora. Virou-se e olhou feio para Danny, que ainda não se movera.
- Estou indo! - ele disse e, ao chegarem ao corredor, comentou: - Algo ruim está acontecendo.
- Como você sabe?
- Eu vi o que ela fazia no computador. Renate estava checando horários de vôos. Jade vai partir para a Escócia em menos de duas horas.

Jade conseguiu sair da casa com facilidade. Tinha se levantado, tomara um banho e se vestira, levando apenas a bolsa. Por sorte, carregava o passaporte.
Ao chegar ao aeroporto, checou seu voo, comprou café e esperou. Era louca. Estava indo encontrar um homem no cemitério no qual quase fora morta um ano antes.
Não. Um vampiro. No entanto, era algo que precisava fazer. Ele tinha de saber sobre a estranha deusa-gata do mal.
Ansiosa, verificou o relógio e, ao erguer os olhos, percebeu que fora descoberta. Maggie, Shanna, Sean, Jack e as três crianças caminhavam em sua direção.
Levantando-se, começou a falar:
- Eu estou indo. Por favor, não tentem me deter, ou vou gritar e fazer um escândalo inacreditável. Até mesmo vocês policiais...
- Jade - Maggie a interrompeu -, está tudo bem. Sabemos que não podemos impedi-la de ir.
- Portanto, você tem companhia - Jack anunciou. - Shanna e eu vamos com você.
- Não, não...
- Jack e eu temos passagens, irmãzinha.
- Como sabiam em que avião eu ia?
- Danny e Matt viram o computador de Renate e descobriram que, de alguma forma, ela sabia em que voo você estava.
- Mas isso não faz sentido...
Nesse momento, o voo foi anunciado no alto-falante.
- Vocês não devem ir comigo.
- Maggie e Sean vão cuidar das coisas por aqui - disse Jack. - E nós vamos ajudá-la a encontrar Lucian.
- Eles estão chamando para o embarque - alertou Maggie.
Jade parou ao lado dos gêmeos. Abraçou Peter e James, e Shanna fez o mesmo. Após despedirem-se de todos, os três se afastaram. Ao ouvirem James chorar, viraram-se
para trás.
- Ele vai ficar aborrecido - Jade comentou.
- Não, ele está apontando para... alguém - disse Shanna.
- O moço da tevê a cabo! - James gritou.
- O quê? - Jade não entendeu.
- O homem da tevê a cabo, lembra? - disse Shanna. - Oh! Eu conheço aquele sujeito. É aquele Dave que eu encontrei. Ele aparece em todo lugar.
- O aeroporto é público - Jade falou, distraída, ainda observando o irmão.
Sean ergueu a mão, sinalizando que o menino ficaria bem.
- Meninas, o avião vai partir sem nós - Jack apressou-as.
Jade virou-se e andou rapidamente até o avião, perguntando-se por que se sentia tão perturbada.

- Jesus! - Danny gritou. Estava no computador de Jade, usando os mesmos recursos ilegais para acessar os registros da companhia aérea que usara antes para
verificar o que vira na tela de Renate.
Sim, Jack e Shanna haviam comprado passagens para o mesmo voo. Mas alguém mais estava nele.
- O que foi? - Matt quis saber.
- Renate está tentando seguir Jade.
- Aquela idiota. Ela vai acabar se matando. - Matt suspirou. - Isso é terrível, não? Ficar aqui sentados, esperando. Não podemos abrir a porta para ninguém,
precisamos ter cuidado... e apenas ficar de guarda.
- Sim, mas... vigiar o quê? Jade, Renate e Shanna se foram, e nós... estamos aqui.
Matt olhou para ele, e ambos se levantaram ao mesmo tempo.

Em Edimburgo, eles se registraram no Hotel Balmoral, e Lucian avisou a recepcionista que eles não deveriam ser perturbados de forma nenhuma.
Conseguira tirar Rick da Louisiana sem dificuldade, tendo acessado um computador do governo estadual para dar-lhe um novo nome: Richard Miller.
- Ótimo hotel - Rick comentou, caminhando para o quarto. - Vamos jantar ratos ou camareiras? - Sorriu quando Lucian o encarou com ar de censura. - Estou brincando.
- Vamos encontrar um açougue mais tarde. E quando sairmos da cidade em direção ao cemitério, você vai encontrar muitos roedores.
- Não deveríamos ir ao cemitério agora? - No corredor, ele tropeçou. Ainda era praticamente inútil de dia. - Acho que não.
- Não gosto de ter você comigo, pois ainda é muito novo, mas fiquei com medo de deixá-lo em Nova Orleans.
- Eu nunca a machucaria.
- Sim... Há vezes em que não se pretende fazer mal, mas se começa a sentir o sangue, o calor, a pulsação... a fome.
- Já disse que vou ficar bem.
- Você precisará ficar bem, e ser forte. Sophia o criou. Ela terá poder sobre você.
- Ela não tem sobre você.
- Já teve.
Chegaram aos quartos, que eram contíguos. Apesar de ter providenciado solo da Louisiana, Lucian ficou contente ao ver que Rick se lembrara de levar terra nativa.
Para um novo membro da sociedade dos mortos-vivos, ele estava se saindo muito bem.
- Descanse um pouco - Lucian aconselhou. - Você vai precisar.
Ao se registrarem no Hotel Balmoral, Jade descobriu que ninguém chamado Lucian DeVeau estava hospedado ali, e ficou desapontada.
- Por que achou que ele estaria aqui? - Shanna indagou quando chegaram ao quarto.
- Não sei. Acho que... ele sabe que foi aqui que eu fiquei da outra vez.
- Talvez ele não esteja em um hotel - Jack sugeriu.
- Ele deveria estar em um hotel, a alguma distância do cemitério, mas perto o suficiente da cidade para alcançá-la com facilidade.
- Jade, não havia garantias de que o encontraríamos - Jack falou.
- Eu sei ir ao cemitério.
- Vamos esperar amanhecer.
- Lucian irá à noite - ela disse.
- Jade, está tão ansiosa assim para morrer? Vamos nos preparar antes. - Jack fitou-a com paciência. - Ele partiu rapidamente, determinado a sair antes que
Sophia soubesse, e deu certo.
- Sim, mas ele não sabe a respeito do medalhão.
- Jack está certo - Shanna interferiu. - Temos de dormir um pouco e conseguir algumas armas.
- Sim, compraremos vassouras e afiaremos os cabos.
- Ainda precisamos encontrar Lucian - Jade insistiu. De repente o telefone tocou, e ela correu para atender, esperançosa. Mas era Maggie, checando se eles
haviam chegado bem.
- Ah, seu amigo Matt ligou. Quer saber se vocês já encontraram Renate.
- Renate está aqui?
- De acordo com os registros de voo, ela estava no seu avião.
- Ela não nos procurou! Talvez tenha perdido o avião e pegado outro voo.
- Mantenham os olhos abertos. Matt tem certeza de que ela, achando-se a rainha do mistério, vai se meter em confusão.
- Certo, Maggie. Até mais.
- Tomem cuidado. Até logo.
Ao desligar, relatou a Shanna e a Jack o teor da conversa.
- É estranho. Espero vê-la logo - disse Jade.
- Bem, meninas, eu vou fazer a barba, e depois podemos sair para fazer as compras.
- Vocês se importam de ir sem mim? Quero ficar aqui para o caso de Renate estar tentando nos encontrar, ou para o caso...
- De Lucian tentar encontrar você - Shanna completou.
- Acho que não há problema, se você não abrir a porta para ninguém. Nem para o serviço de quarto - acrescentou Jack.
- Combinado.

Naquela noite, Rick teve sua primeira lição.
- Está no que você vê com os olhos da mente - Lucian explicou. - Pense nisso, e será isso. Mova-se com o poder do ar e da névoa, e você é o ar e a névoa. Hoje
à noite precisamos nos mover com a escuridão.
- Sophia está aqui? Você sentiria, se ela estivesse?
- Não está no cemitério ainda, mas sabe que estamos aqui. E pode se mover com rapidez. Hoje será nossa única chance de procurar livremente na tumba.
- E Darian?
- Está perto. Precisamos agir depressa. Pense na beleza e na graça da escuridão. Mova-se com a névoa, com a sombra. Desconsidere portões, cercas e portas de
ferro. Feche os olhos. Sinta o vento, escute o ar, ouça cada pulsação ao seu redor. O sussurro das folhas, as formigas andando, o tremular das asas de um pássaro.
Sinta a si mesmo. A força dos seus músculos, a agilidade do seu corpo. Sinta a terra com os pés, e corra...
Eles haviam comprado uma dúzia de vassouras, o que não fora difícil, pois as lojas estavam preparadas para o Halloween, e bruxas eram comuns em festas a fantasia.
Além disso, tinham conseguido entrar em uma igreja católica e convenceram o padre da importância de alguns momentos para rezar. Shanna ficara conversando com
o sacerdote, enquanto Jack enchia com água benta pequenas garrafas de bebida que haviam pegado no avião. Ela o persuadira, inclusive, a vender-lhes cruzes abençoadas
da pequena loja da igreja.
Quando voltaram ao hotel, ligaram para o quarto. Jade estava na cama, assistindo à televisão, desapontada por não ter recebido notícias de Lucian.
Decidiram ficar no bar, e pediram bebidas. Shanna não percebera o quanto gostava de Jack até passar diversas horas com ele no avião. Ele era bonito, corajoso
e confiável. Estava contente por ficarem em quartos contíguos naquela noite. Estava inquieta e com medo desde que tinham saído de casa, o choro de James no aeroporto
a perturbara.
Gostaria de estar ali em outras circunstâncias. Havia fogo na lareira, o vinho era bom, e a companhia, agradável. Mas pensar em Jack a lembrou do outro homem
que encontrara, aquele que conhecera na cafeteria e que reaparecera no hospital. E depois no aeroporto.
- O que foi? - perguntou Jack.
- Eu estava apenas pensando. Em pessoas... no tempo certo das coisas na vida. Eu...
O homem da tevê a cabo. James sonhara com ele, ela sonhara com Dave. James chorara no aeroporto, ela vira Dave. Rick morrera no hospital, ela vira Dave lá.
- Jack... como era o homem que foi até você enquanto Sophia atacava Rick?
- Alto, esbelto, mas musculoso. Cabelos avermelhados, feições bonitas...
- Ele está aqui.
- O quê?
- Darian está aqui. Em algum lugar, de alguma forma, eu... eu o conheci. Em uma cafeteria em Nova Orleans. Marcamos um encontro, mas ele não apareceu. Foi
na noite seguinte aos assassinatos em Massachusetts. Eu o vi de novo no hospital. - Decidiu não mencionar o sonho. Ele tentara entrar na casa de Maggie. De alguma
forma, com a graça de Deus, ela o impedira. Mas ele estava ali! Levantou-se. - Jack, ele está aqui. Precisamos ir até Jade. Rápido.
Jade olhava a tevê sem prestar atenção. Estava exausta, mas não conseguia dormir. Voltava-se para o telefone de vez em quando. Lucian, onde você está?
Ao ouvir uma batida na porta, correu para atender, mas então se deteve. Lucian não precisaria bater, pois ela o convidara fazia muito tempo.
- Sim? - indagou, espiando pelo olho mágico. - Renate! - Abriu a porta.
- Sim, sou eu. Não vai me convidar para entrar?
- Claro! O que está fazendo aqui? Eu prestei atenção em tudo o que me disse e pretendo contar a Lucian. O que... - Interrompeu-se quando Renate foi empurrada
para dentro.
- Convide-me para entrar - o homem ordenou a Renate.
- Entre - ela disse automaticamente. Jade recuou enquanto ele entrava.
- Darian... - Era o guia turístico do ano anterior.
- Então me conhece, srta. MacGregor. E me olha como se eu fosse o próprio Satã!
- O que você fez com Renate?
- Nem a metade do que farei com você. Soube que você era a melhor assim que a vi com aquele grupo de estudantes no Castelo de Edimburgo. E estava tão curiosa
a respeito de tudo! Realmente amava história, e a cidade. Estava disposta a aprender, a falar com as pessoas, a conquistar o mundo. Eu observei seus cabelos, seus
olhos, seu sorriso. Sophia, claro, foi quem viu a semelhança com Igrainia.
- Não sou Igrainia!
- Quem sabe? O policial, com certeza, é... era... bem parecido com Wulfgar.
- Que policial? E quem é Wulfgar?
- Ah! Aí está você, olhando para o relógio. Bancando a tonta, ganhando tempo. Está esperando ajuda? Não vai conseguir com rapidez suficiente. Lucian deveria
ter tomado seu sangue e lhe dado o dom. Mas eis o bom e velho Lucian, rei dos vampiros, um monstro com consciência, recusando-se a condenar as pessoas, que é como
ele vê. Eu vejo apenas o túmulo. Do pó ao pó, das cinzas às cinzas. Há os poderosos, como nós, e o gado, como você, querida. Apesar de ser o melhor filé. Há a fome
e a luxúria, e você inspira ambos.
Quando ele se aproximou, Jade atingiu-o comum travesseiro, fazendo-o rir. Renate estava imóvel, como se não os visse.
- Renate, me ajude! - Jade gritou. Correu até a cama, subiu e desceu do outro lado.
- Corra! - ele disse, sorrindo, com as presas para fora.
- Eu adoro quando os humanos correm. Faz o coração bater mais rápido, o sangue percorrer com paixão as veias.
Jade pegou um frasco de xampu no criado-mudo e apontou-o para ele.
- Afaste-se. É água benta. Sei o que isso pode provocar.
- Tome isso dela, Renate! - ele ordenou, parando.
Renate pegou-a pelo braço e socou-a com força, primeiro no queixo, depois no estômago. Jade dobrou-se ao meio antes de reagir, espantada. Endireitou-se e golpeou
Renate com força, fazendo-a cambalear, mas não antes que o frasco de xampu tivesse se espatifado no chão. Darian saltou para trás, temendo o contato com o líquido.
Porém, ao ver a espessura do conteúdo, meneou a cabeça, sorrindo.
- Jade! Você não tem nada à mão. Lucian, o grande protetor, está longe, e seus companheiros a abandonaram para ir buscar armas, deixando-a de mãos vazias,
sozinha, esperando.
- Lucian está aqui e não permitirá que você faça isso.
- Ele não pode nos enfrentar, querida. Vá em frente, corra, e enquanto isso, diga-me mais sobre como Lucian virá resgatá-la.
- Ele sabe que estou aqui.
- Acho que não. É melhor correr, Jade, porque eu estou indo agora. Esperei, mas aqui estamos, juntos, por fim. - Lambeu os lábios e sorriu. As presas brilharam.
Ela correu até o quarto contíguo e dirigiu-se para a porta que levava ao corredor, mas foi detida antes de abri-la. Ele a tocou no rosto.
- Você é preciosa, algo a ser desejado, cobiçado. Adorei suas perguntas naquela noite. Adorei a forma como tentou ser amável e educada, e o modo como revirava
os olhos quando a turma se comportava mal. Você é arrebatadora. Posso ver como manteve Lucian preso durante todos esses anos.
- Eu não fiz isso. Não sou Igrainia.
Ele a prendia contra a porta. Levou as mãos ao seu rosto, e ela tentou recuar.
- Você gostou de mim na noite da excursão.
- Isso foi antes de perceber que você mastigava estudantes universitários.
- Estudantes! Eu queria o menininho. O sangue das crianças é tão doce... Mas graças ao velho Lucian, a mulher os levou embora mais cedo. Mas até que a garota
valeu a pena.
- Sophia não se incomoda que você vá atrás das vítimas de maneira tão...
- Predatória? Ou sensual? Sophia e eu não temos ciúmes um do outro. Se não fosse assim, a obsessão dela por Lucian teria me destruído há muito tempo. Esse
é um caso triste. Ela o deseja quase tanto quanto deseja destruí-lo. O que, no final, vai acabar acontecendo. Ela tem o talismã. - Colocou a mão no peito de Jade.
- Sinta o seu coração!
- Tire suas malditas mãos de cima de mim! - Empurrou-lhe a mão e afastou-se dele.
Surpreso e divertido ao mesmo tempo, ele a deixou ir.
- Você não tentou gritar.
- Vou fazer isso. Gritarei e trarei todos os policiais de Edimburgo até você.
- Não, você não fará isso.
Ela mal o viu mover-se, mas Darian estava diante dela outra vez, tocando-a.
- Chegou a hora.
- Não!
Ele puxou seu cabelo, mirando as presas em sua jugular.
Jade sentia o próprio coração, o sangue, quente, pulsando nas veias, as presas, o calor, a saliva, o toque dele...
De repente, ouviu o som de vidro estilhaçando. A janela se rompera violentamente, e os cacos pareciam voar em câmera lenta. Estavam no terceiro andar.
Um lobo, enorme e prateado, lançou-se pelo vidro e aterrissou em Darian com força, arrancando-o de perto de Jade e lançando-o até a outra parede. Após o choque,
o vampiro se levantou e correu de volta ao aposento contíguo, com o lobo em seus calcanhares.
Jade correu atrás deles, mas o lobo se fora. Lucian estava no centro do aposento, desafiando Darian, que pegara o corpo inerte de Renate para usá-lo como escudo.
- Ela o deixou entrar! - Jade gritou. - Ela está...
- Não está morta, ainda não é uma criatura dele - disse Lucian. - E se ele a machucar mais... - Começou a caminhar na direção de Darian.
- Fique longe, e eu deixarei a mulher.
Ignorando-o, Lucian continuou andando. Porém, antes de alcançá-lo, a porta abriu-se de súbito, distraindo-o por um instante.
Renate caiu no chão, Darian dissolveu-se na névoa, Jack e Shanna entraram, cada um carregando uma estaca de madeira e um frasco de água benta.
- Jade! - Shanna gritou, correndo até a irmã e abraçando-a.
- Não sabíamos onde você estava - Jack disse a Lucian.
- Eu sei. Não achei que vocês viriam para a Escócia, seus tolos. Teriam ficado em segurança. Sophia tinha de me seguir, e sabe que não pode me enfrentar sozinha.
- Viemos ajudá-lo! - Jade exclamou.
- Deveria ter sido mais esperta e não ter vindo.
- Você precisava de nós porque não sabe de tudo! Renate estava certa... Conhecimento é força! - Ergueu os punhos para socá-lo no peito, mas apenas os apoiou
no tórax largo, e ele a abraçou.
- Escutei você me chamando - ele murmurou, trêmulo. - Mal cheguei a tempo.
- Ele escapou - disse Shanna. - Jade, Darian é Dave, o sujeito que eu conheci na cafeteria. Eu poderia ter terminado como...
- Eu?
Todos se viraram e viram Rick à porta. Jade separou-se de Lucian e correu até ele, abraçando-o com força.
- Rick, eu sinto muito. Você não pode imaginar...
- Jade - ele disse com gentileza, afastando-a. - Algumas coisas, talvez, sejam destino. Está tudo bem. Agora, precisamos pensar rápido. Os seguranças do hotel
estão subindo, por conta da janela quebrada.
- O que vamos fazer? - indagou Shanna.
- Bancar os inocentes - Jade respondeu. - De repente, o vidro estilhaçou. Achamos que algo foi atirado aqui, mas não conseguimos encontrar o objeto.
- Quando Renate chegou? - Jack quis saber.
- Coloque-a na cama. Eu explico mais tarde. E Rick, Lucian...
- Estaremos no bar - avisou Rick.
Ambos saíram a tempo. Dois funcionários da segurança chegaram em seguida. Jade mostrou-lhes a janela e ficou agradecida ao perceber que eles pareciam apenas
perplexos. Era óbvio que a janela fora quebrada por algo vindo de fora, e elas precisariam de outro local para passar a noite.
Ao fazerem a troca de quartos, Jack carregou Renate, explicando que ela adormecera de exaustão, por causa do voo.
- Vamos descer - disse Jack, após se acomodarem.
- E Renate? - Shanna indagou.
- Ela ficará bem. Não vamos nos demorar.
Quando chegaram ao bar, Jade surpreendeu-se ao ver como Rick parecia bem. Ele apertou-lhe os dedos quando se sentaram à mesa.
- Obrigado - murmurou.
- Obrigado? Eu o envolvi...
- Com certeza, é um novo rumo para a minha vida. - Ele sorriu e virou-se para Lucian. - Renate está bem?
- Acho que ela ficará bem hoje à noite. Não há razão para Darian voltar, pois ela serviu ao propósito dele, que era chegar até Jade.
Jade estava entre ele e Rick à mesa, observando-os. Estranho, era como se eles sempre tivessem sido amigos... Após pedirem as bebidas, Lucian virou-se para
ela.
- Por que você está aqui, Jade? Deixei ordens estritas para que...
- Você não pode deixar ordens para mim, Lucian.
- Jade, foi tolo e perigoso vir até aqui.
- Você não entende. Há uma longa história a respeito do talismã, que Renate descobriu. É o símbolo de uma deusa-gata, que recebia sacrifícios humanos. Ela
era tão terrível que todas as suas imagens foram destruídas. Foi queimada, mas suas cinzas estão no talismã, e tirá-lo de Sophia não vai resolver. Sophia precisa
ser queimada.
- E você veio até aqui para se certificar de que eu soubesse disso?
- Sim. O conhecimento pode fazer milagres.
- Obrigado, mas não deveria ter feita isso.
- Mas ela fez - Jack interferiu. - Você procurou Sophia e o talismã esta noite?
- Começamos a fazer isso, mas algo nos chamou de volta. - Lucian fitou Jade. - Alguém.
- Então poderia ter encontrado o medalhão se não fosse por minha causa.
- Eu não disse isso.
- Mas quis dizer.
- Não faria muita diferença se eu o tivesse encontrado. Ainda pertence a Sophia, de acordo com o que está me dizendo, certo? Então começaremos amanhã. - De
repente, ele jogou uma chave sobre a mesa para Jack. - Temos um quarto no segundo andar. Jade e eu vamos ficar em um dos quartos de vocês.
- Isso significa que eu... fico com Renate? - Shanna perguntou.
- Não há problema. Ela não se transformou e não está sob o poder de Darian. Ele a abandonou. Além disso, estaremos perto. Amanhã decidiremos se a levamos conosco,
para segurança dela, ou se ela representa um perigo para nós. Amanhã...
- É amanhã... o Halloween - Shanna murmurou.
- As pessoas estarão nas ruas quando anoitecer - Jack comentou.
- É natural que estejam nas ruas. Junto com aqueles que pretendem causar o mal - disse Lucian, - Precisamos estar preparados. É tarde. Meus amigos humanos,
já esgotados pela viagem de avião, vocês precisam descansar. - Deixou dinheiro sobre a mesa e se virou.
Jade olhou para a irmã e encolheu os ombros.
- Ele tem um problema com essa questão da arrogância.
- Vocês vêm? - Lucian perguntou.
Todos o seguiram. No quarto, Renate permanecia adormecida.
- Ela não vai mesmo virar um monstro no meio na noite e arrancar meu pescoço? - Shanna sussurrou.
- Ela está maculada, mas ele não entrou em suas veias o suficiente para provocar a morte. Há duas formas de se alimentar, uma é morder, drenar o corpo, matar
a vítima, a outra é roubar um pouco de sangue a cada noite, entrar no corpo e na alma da pessoa, hipnotizar, seduzir, controlar. Esse era o plano com Renate, mas
agora ele perdeu o interesse e a abandonou. Ela ficará bem.
- Certo - concordou Shanna.
Lucian sorriu para ela, que retribuiu o gesto antes de bocejar e dizer-lhes boa noite.
Pegando Jade pela mão, Lucian conduziu-a ao outro quarto. Não disse nada. Ergueu-lhe o queixo e beijou-a nos lábios. Depois, fitando-a intensamente, abriu
os botões de sua blusa. Deslizou os dedos por sua nuca e ombros, afastando a roupa, tocando-a com os lábios. Jade sentiu o doce ardor e gemeu, envolvendo-o pelo
pescoço. Beijou-o e abraçou-o, retirando-lhe o suéter e a camisa de algodão. As roupas de cama foram parar no chão, junto com as deles.
E então estavam deitados, os corpos entrelaçados.
Ela desejava o fogo líquido daqueles beijos, os lábios em sua pele. Sentia a força dos músculos sob seus dedos, movendo-se ritmicamente. Ele manteve os olhos
fixos nos dela, com um brilho negro que a marcava no corpo e na alma. Macio e firme, ele era o lobo na noite, o protetor feroz, a força do vento, mais do que o predador
da escuridão.
Ele é as duas coisas, disse a si mesma.
Não importava. Ansiava por fazer amor com ele, ardia por sentir-lhe a pele nua, por experimentar a pressão do corpo forte contra o seu e a sensação provocada
pelo toque sensual. Queria recebê-lo dentro de si, em um fogo que implodia e explodia, que queimava em seu interior e na noite...
- Sua tola - ele murmurou em algum momento, fitando-a. - Não deveria ter vindo. Por que veio? - Abraçou-a.
- Porque eu amo você.
Ele a estreitou entre os braços com mais força, e Jade sentiu o profundo calor e a tensão erótica dos lábios dele contra sua pele.
- Lucian... Maggie diz que... há uma forma. Se você me amar também, se tomar o meu sangue, se me drenar ao ponto da morte, a química pode se combinar, as estrelas
podem colidir, algo pode acontecer que possa... que possa...
Ele se imobilizou, deitado ao lado dela.
- Algo que possa me transformar em um ser humano outra vez? - indagou amargamente.
- Sim.
Ele se virou e deitou-se sobre ela, prendendo-a na cama.
- E se ela estiver errada? E se a química, as estrelas, o sentimento... o coração não estiver lá o suficiente? E se eu for incapaz de doar o bastante? E se
você for condenada, e nada mais?
Jade sentiu sua força, o abraço era quase doloroso. Não sabia se ele gostaria ou não que fosse assim, mas não recuou.
- Estou disposta a arriscar.
Lucian sorriu lentamente e meneou a cabeça.
- Não posso. Sou condenado há muito tempo, uma criatura da noite. Sei que você de repente é meu mundo, que anseio por estar a seu lado para sempre, mas é amor
suficiente? Eu não faria isso com você, nem mesmo para tê-la comigo. E há mais. Não posso renegar o que sou agora, não posso falhar contra meus inimigos. Deixá-los
soltos pelo mundo, sem controle. Eu ainda sou o rei da minha espécie, e o único com uma força capaz de deter Sophia e Darian.
Jade tocou-o no rosto.
- Eu faria qualquer coisa por você.
Ele arqueou a sobrancelha.
- Você me conhece agora. Não conheceu o homem que fui em eras passadas. Ou a criatura.
- Eu supostamente sou tão parecida com Igrainia...
- Mas você não tem uma visão do passado, recordações, lampejos de uma vida que se foi,
- Não. Sou Jade. Mas Lucian, eu amo você - ela sussurrou, acariciando-lhe a face, subitamente ávida por algo além do momento. Por uma vida juntos.
- Eu já disse que não vou arriscar sua vida, ou sua morte.
- Então, o que temos?
- A noite.
- E isso é tudo o que você me oferece?
- É tudo o que posso prometer.
- Não é o bastante.
- Então...
- Servirá! - Jade estava brava, magoada, relutante ao desejá-lo tanto, quando ele oferecia tão pouco. E, ainda assim, compreendia.
Lucian amou-a até que estivessem ambos exaustos. E então, abraçou-a. Sonolenta, Jade sabia que ele estava acordado, e que a deixaria.
- Você está indo embora - sussurrou.
- Preciso de um tipo diferente de paz. Quando anoitecer outra vez, todos nós precisaremos estar preparados. Voltarei amanhã, antes da escuridão. Fique em segurança
e preparada. Voltarei para você. Compreende, Jade?
- Ficarei bem. Eles também precisarão descansar para estar preparados.
Lucian ficou em silêncio.
- Você poderia me levar junto - ela o lembrou.
Os braços dele enrijeceram. Lucian não aceitou sua sugestão. Ela o abraçou, quase tentando não dormir. Não tinha tanto medo de perder a vida quanto tinha de
perdê-lo.

Shanna deu um grito capaz de despertar os mortos.
Jade sentou-se na cama, desorientada. Virou-se para procurar Lucian, mas ele se fora. Envolveu-se nas cobertas e saiu correndo.
Sua irmã estava de pé, e parecia bem. Jade olhou para a cama onde Renate ainda dormia.
- Eu estava sonhando - Shanna murmurou. - Sonhei que Renate acordou e me atacou com presas enormes.
- Talvez devêssemos dar uma olhada nela.
Shanna andou até a cama de Renate, abriu-lhe a boca para verificar seus dentes e suspirou, aliviada.
- O que estão fazendo comigo? - Renate indagou, despertando.
- Apenas checando.
Ela olhou ao redor, desorientada.
- Onde estou?
- Na Escócia. Você cruzou o Atlântico. Não se lembra de ter vindo até aqui?
- Acho que não me lembro de... nada - Renate disse, desgostosa. - Nada além de um entregador. O que está acontecendo? Por que meu queixo dói tanto?
- Jade bateu em você, Mas você estava tentando matá-la.
- Oh! - Renate tocou o próprio pescoço, em pânico. - Eu... estou bem?
- Esperamos que sim.
- Vocês poderiam me explicar?
- É uma longa história - disse Shanna. - Acho melhor nos levantarmos para enfrentar o dia.
- Também acho. Vou pedir café. - Jade se deteve ao lado do telefone. - Sem serviço de quarto, lembra? Vou tomar um banho e buscar café lá embaixo.
Voltando ao quarto, notou que Lucian deixara um bilhete sobre o travesseiro. De um modo estranho, aquilo a tocou profundamente. Não tinha nada tangível dele.
Agora, havia um bilhete. A letra era grande, larga, uma escrita arrogante. No mundo dele, arrogância significava sobrevivência.
Preparando-me para a noite, o sol está muito forte hoje. Eu, seu amigo inumano, também preciso descansar. Fiquem juntos, carreguem água benta, me esperem.
Voltarei ainda de dia, atacaremos antes do anoitecer. Tome cuidado. Por mim.
Ele não assinou, não havia um "Com amor, Lucian" encerrando o bilhete. Não importava. Tinha de ser suficiente, pois era tudo o que ele pretendia oferecer.
Jade tomou uma ducha, vestiu uma saia comprida e um suéter preto. Fazia frio, e a roupa, além de quente, se mesclaria à escuridão da noite. Anoitecia muito
cedo naquela época, por volta das quatro da tarde.
Foi até o restaurante do hotel, que estava cheio. Por causa do Halloween, a garçonete informara, o movimento era intenso. Levaria mais alguns minutos para
que houvesse café fresco.
Jade decidiu ir buscar a bebida em uma cafeteria do lado de fora. Ao sair do hotel, fechou os olhos e escutou a conversação normal do cotidiano, marcada pelo
charmoso sotaque escocês. O céu tinha toques de cinza, mas ainda assim estava muito claro. Adorava Edimburgo, mesmo no friozinho do outono. O sol brilhava.
O som da gaita de foles chegou até ela. Era bom estar ao ar livre, sentir o sol, o calor, a luz, a normalidade de um dia agradável. Dirigiu-se ao centro comercial
do lado esquerdo da rua, era ali que um músico extraía do instrumento um lamento misteriosamente atraente.
Um palco pequeno, como o usado por ciganos, fora montado diante da moderna disposição de lojas, e uma mulher vestida de bruxa comandava o espetáculo. Alguns
trabalhadores andando nas ruas estavam fantasiados, ao menos em parte, com bigodes e caudas de gato, crianças vestidas de Mickey Mouse a Frankenstein povoavam as
ruas.
- Venham ver o show! - a velha bruxa chamou, acenando para as crianças. Um homem vestido como o Gato de Botas surgiu de trás do palco e uniu-se a ela.
Jade parou para vê-los. Ele provocou a bruxa, que bateu em sua cabeça com um pretenso filão de pão. O homem convocou voluntários da platéia, e foi a vez de
uma garotinha acertar a cabeça da bruxa. As pessoas riram, e Jade viu-se em meio à multidão.
O gato começou a pular, chamando mais voluntários. Uma linda princesa, com cabelos da cor do pôr do sol. Haveria um príncipe também, é claro, ou talvez um
sapo, pois todos sabiam que uma princesa tinha de beijar uma porção de sapos até encontrar um príncipe.
Jade ria quando o homem-gato aproximou-se com o pedaço de pão. Encarou-a e, tarde demais, ela o reconheceu. Vendo os olhos atrás da máscara, abriu a boca para
gritar, mas o pão atingiu-a na cabeça, e não era mais um pão. Acertou-a com força...
Voluntários, voluntários! Como não percebera? Caiu nos braços do homem-gato. Ele e a bruxa a levaram até os fundos do palco.
Depois, terminaram o espetáculo, com todas as crianças se divertindo, achando que ela fazia parte da cena. Porque, quando a princesa beijou o sapo, a história
prosseguiu e, infelizmente, ele não se transformou em príncipe, em vez disso, a princesa virou sapo.
As crianças riram. Era outono e anoitecia cedo. Logo a escuridão cairia...
O céu estava cinza, o ar, frio. Lucian sentiu o sopro de vento ao seu redor, envolvendo-o e, sozinho, foi até a Ilha dos Mortos.
Era menos populosa agora do que séculos atrás. Casas de fazenda salpicavam a paisagem escarpada, cercada pelo mar.
A única forma de chegar à ilha era por meio de uma balsa. Uma nova igreja fora construída sobre o que restara da anterior, perto das ruínas do antigo chalé
de pescador. Às vezes, o local era visitado por historiadores e estudantes. A população era muito pequena para criar um negócio turístico, e aqueles que viviam e
trabalhavam nas montanhas gostavam de privacidade.
Ele foi até lá e lembrou-se de outras épocas. De um tempo distante, quando tinha sido ingênuo de uma forma inimaginável, de muitos anos atrás, quando fora
mau e amargo. Tantos anos de aprendizado. E, ainda assim, quanta angústia, nas várias vezes em que se sentia amaldiçoado e condenado, desesperado para matar e aliviar
a sede que ardia em seu corpo, não importando o quanto se achasse civilizado.
Houvera as guerras da independência na Escócia, uma época, para se fartar, com inimigos tão brutais que seus atos nem sequer eram percebidos. Houvera a Europa
medieval, quando os honrados matavam os inocentes, e seu julgamento não era menos misericordioso que o dos homens considerados "bondosos". Houvera seus dias na França,
um período de revolução, quando um vampiro corria tanto perigo quanto um homem mortal. Guerras, mais guerras, e uma nova era... Lembrar, ir até lá, tanto tempo atrás.
E, mesmo assim, aquele era o passado mais forte em sua memória.
Ele não se deslocara de fato até lá. Ao menos, não com o corpo. Não ousava usar esse tipo de energia, quando precisava tanto de sua força. Fisicamente, fora
a Saint Giles. Encontrara uma velha entrada sob a igreja, para um esconderijo em que estavam enterrados mortos do começo do século dezesseis.
Sua viagem ocorria apenas na mente, durante o sono. Lucian viu o passado, viu Igrainia e sentiu um enorme pesar, como se tudo tivesse acontecido no dia anterior.
E então se preparou para viver o futuro. Se houvesse um.
De repente, seu sono foi interrompido. Sombras negras, como as grandes asas de um morcego gigante, surgiram diante de si. Era Darian.
Estou com ela, Lucian. Outra vez.
Vou matá-lo, destruí-lo completamente!
Você se acha tão forte! Acredita que é o senhor de todos nós, que governa os mortos-vivos. Pensou que estaria em segurança hoje. Ah, o sol! Levaremos a cabo
nossos... planos para o jantar. Claro, você pode mudar tudo isso. Venha até Sophia, e talvez nós a deixemos ir. Entregue-se, curve-se a ela de novo. Sophia o criou.
Devolva-lhe o poder, e talvez soltemos sua amante mortal.
O ar se moveu, o bater de asas soou.
Lucian abriu os olhos e se ergueu. Rick, deitado a seu lado, fez o mesmo. Desacostumado à posição, ele bateu a cabeça no pavimento da igreja. Acima dele, um
turista gritou, convencido de que Saint Giles era mesmo assombrada.
- Eles estão com Jade - disse Lucian.

Shanna, que adormecera profundamente, despertou ao sentir alguém sacudir seu ombro.
- Pare, por favor! - ela gemeu. - Finalmente, consegui dormir.
- Onde está Jade? - Era Jack.
- Está tudo bem. Ela foi apenas buscar café.
- Quando?
- Não sei. Talvez por volta das onze.
- São três da tarde! Está quase escurecendo.
- Oh, meu Deus! - Shanna pulou da cama, horrorizada. - Ela não voltou. Temos de encontrá-la. Mas, Jack, com certeza eles precisariam descansar. O sol brilhava.
Eles deviam saber que iríamos esta noite, e precisariam de força...
- Aparentemente, eles estão se preparando - disse Renate, da outra cama. - Para encontrar Lucian. Pegaram Jade porque sabem que ele irá atrás dela. Que melhor
arma para derrotá-lo? É uma armadilha para ele.
Jade acordou com o barulho. Era o Halloween, pensou. No entanto, não escutava crianças pequenas, e aqueles que falavam pareciam estar distantes. Sentiu cheiro
de terra, úmida e fétida, e uma dureza fria sob o corpo. Estava escuro, mas, ao abrir os olhos, conseguiu ver o suficiente.. A cripta estava iluminada por tochas,
presas na parede por antigos suportes de ferro.
Tentou mover-se, mas não conseguiu, e escutou um retinir de correntes. Estava algemada... Seu sangue ficou tão frio quanto a Jade de pedra à qual a haviam
prendido. Encontrava-se nas profundezas da mesma cripta em que estivera um ano antes, quando vira Darian massacrar quatro jovens em um horrendo banho de sangue.
O frio se infiltrara em seu corpo, a cabeça e a garganta doíam. Tentou soltar o pulso do que parecia ser um grilhão secular. Virou-se na direção da face esquelética
de um cavaleiro morto havia muito tempo e deparou-se com a cavidade vazia dos olhos. Algum tipo de verme rastejou para fora de um deles. Abriu a boca para gritar,
mas, sem saber como, conseguiu fechar os olhos e engolir o grito. Ele era praticamente só ossos, e o que sobrara de seus dedos envolvia a espada com a qual fora
enterrado. Não gritaria. Precisava tomar cuidado e recuperar o controle. Libertar as mãos. Talvez eles estivessem perto, apenas esperando que ela despertasse. Então...
ouviu a voz de Darian.
- Vocês querem sentir medo, não é? Muito medo? Venham, meus amigos, até as profundezas escuras, até as entranhas da terra. Venham, e farei o possível para
assustá-los.
Jade estava deitada na beirada da última prateleira, ao lado do velho cavaleiro. Havia cadáveres acima e abaixo. Caixões espalhavam-se pela cripta. O de Sophia
estava no mesmo lugar de antes. Ela, estava ali, dormindo, descansando, reunindo forças. E Darian conduzia até lá embaixo um grupo de pessoas fantasiadas para o
Halloween.
Jade inspirou e sentiu teias de aranha na boca. Sentia o cheiro da morte. Ainda não a tinham matado, pois naquela noite o espetáculo seria ainda maior do que
no ano anterior. Seu coração estava acelerado, Darian, com certeza, ouvia os batimentos. Mesmo no caixão, Sophia devia escutar a pulsação frenética.
Estava escuro, mas as tochas lançavam seu brilho avermelhado no interior da câmara dos mortos.
- Venha, minha bela!
Jade abriu os olhos e torceu-se em direção ao grupo que se aproximava. Darian estava conduzindo uma garota vestida de odalisca. Seu acompanhante, fantasiado
de Freddy Krueger, parecia ameaçador.
- Sim, assuste-nos, garotão. Vá em frente. Estamos esperando.
- Seus tolos! - Jade gritou de repente, desistindo de ficar em silêncio. Não suportava pensar em outro massacre. Moveu os pulsos furiosamente, tentando escapar.
- Vão embora. Gente, vocês não leram sobre o que já aconteceu aqui?!
- Ah, os mortos-vivos! Eis que ela se ergue. Igrainia, eles a chamavam. Esposa do antigo chefe, Lucian. Ela não era deste mundo. Sereia, diziam uns, peixe,
afirmavam outros. Uma pena que a bela tenha partido deste mundo e, independentemente do que tenha sido, transformou-se em... morta!
O jovem casal começou a rir.
- Volte, Igrainia! Pelo menos, por enquanto. Estamos esperando seu amante, o poderoso chefe. Ele ainda não veio. Quando chegar, você verá Sophia em ação de
novo. E depois será a sua vez. - Sorrindo, Darian tocou-a e fitou seus olhos assustados. Lentamente, ele a lambeu no rosto. - Deliciosa!
- Lucian irá destruí-lo - ela prometeu, furiosa, desesperada e impotente.
- É melhor ele se apressar. Estou desapontado. Achei que já estaria aqui. - Darian correu a língua por sua face outra vez. - E a pergunta é: amigos, o anjo
vingador dela virá com rapidez suficiente? Apenas o tempo dirá!

Jack andava com determinação à frente, e as meninas o seguiam, uma de cada lado. Carregavam estacas e tinham frascos de água benta atados aos cintos que haviam
confeccionado para a ocasião.
- Legal! Você é Buffy, a Caça-Vampiros, com seus amigos? - gritou alguém.
Estavam caminhando pelas ruas e passavam por um bar. Aqueles festeiros em particular já deviam ter bebido várias cervejas. Uma bruxa usava um chapéu torto,
um vampiro falso tinha espinafre entre as presas, o halo de um anjo estava curvado.
- Algo assim! - Shanna respondeu, apressando-se.
O passo de Jack era acelerado. Correu para alcançá-lo e, após virar uma esquina, viu a velha igreja, iluminada pelo luar, gótica, assustadora. Ali, no silêncio,
na tranqüilidade e na escuridão da noite, estava o cemitério. A lua brilhava e o vento sussurrava, lembrando um uivo.
- Chegamos - Jack anunciou.
- Por que Lucian não apareceu? - Shanna indagou, assustada.
- Deus sabe o que fizeram com ele, ou com sua irmã. Temos de encontrá-los e trazê-los de volta. De alguma forma. Mantenha sua estaca pronta e use a água benta.
- Onde fica a cripta?
- É aquela ali - respondeu Renate, apontando o lugar. - De Brus.
Renate tomou a dianteira, e eles a seguiram até a cripta. Uma névoa parecia emanar de lá, iluminada por um estranho brilho carmesim vindo das profundezas da
terra. Ou das entranhas do inferno.
O portão aberto parecia acenar para eles.
Jade estremeceu de dor. Estava com cãimbras e tinha frio. Sua língua parecia uma lixa. Sentia-se ferida, fraca. Darian não parava de sorrir.
- Apreciei cada toque. Tão tentadora! Mas hoje Sophia desperta, e aproveitaremos o momento juntos. - Virou-se para a odalisca. - Ei, belezinha! Venha cá. Prometo
que vou assustar você.
A jovem se aproximava cada vez mais. Jade puxou o braço com força e, para seu espanto, a velha algema se abriu. Estendeu a mão até a espada do velho guerreiro.
- Não, querida! - Darian envolveu-a com o braço e puxou-a com tamanha força que a outra algema também se abriu.
Jade foi lançada ao chão e colidiu com o caixão de Sophia. Os garotos riam e davam gritinhos. Darian passou a cariciar a odalisca.
- Vocês não entendem? - Jade gritou, desesperada, tentando levantar-se. - Isso é real, eles são reais...
- Ela é muito boa! - disse o garoto vestido de Freddy Krueger. - Melhor do que você, companheiro.
Atrás de Freddy, estavam dois monges e um Ceifador de Almas.
- Saiam daqui! - ela berrou.
- Eles nunca sairão vivos daqui. A menos que Lucian apareça. - Darian foi até ela e pegou-a pelo cabelo. - Chame-o agora. Diga-lhe que está prestes a morrer.
Eu não vou saboreá-la, vou atacar brutalmente suas veias até que não sobre uma única gota de sangue, e até que sua cabeça seja separada de seus ombros. Faça isso.
Chame-o!
Ela cerrou os dentes, por causa da dor que ele provocava ao segurá-la com força pelos cabelos, mas conseguiu encará-lo.
- Chamá-lo para que você possa destruí-lo e depois a todos nós?
- Faça isso! Ou é possível que você morra lentamente.
- Jade!
Ela se surpreendeu ao ouvir seu nome. Um dos monges livrou-se do capuz e, para seu absoluto espanto, viu que se tratava de Matt. De baixo do longo traje marrom,
tirou uma estaca.
- Matt, o que está fazendo aqui?
- Sophia está atrás de você! - ele gritou. - Precisa escapar de Darian e chegar até nós. Rápido!
Escapar de Darian? Eles não podiam imaginar a força das mãos dele. Jade torceu-se sob o aperto impiedoso e constatou que Matt estava certo. Sophia abria os
olhos e sentava-se. Morena, exótica e linda, levantou-se, sorrindo para ela.
- Desta vez, você é minha! - Olhou divertida para os demais. - Darian, o tolo acha que ela pode escapar de você. Acho que vou matá-la agora.
- Não! - Matt cruzou o aposento, erguendo a estaca.
Darian segurou-o com uma das mãos, arrancou-lhe a estaca e quebrou-a entre os dedos. Nesse instante, o segundo monge gritou, avançando. Era Danny, Jade percebeu,
horrorizada. Ele não se saiu melhor que o amigo. Darian simplesmente ergueu a mão, acertando-o com tamanha força que ele foi lançado contra a parede de pedra.
Saindo com graça de seu caixão, Sophia andou até Jade, que se debatia, segurando os cabelos para tentar evitar parte da dor enquanto Darian os puxava. De repente,
ele não mais a segurava, porém, Jade não estava livre, e sim presa em uma armadilha, com Darian atrás dela, e Sophia, adiante.
Foi então que viu Jack entrar na tumba. Ele corria, seguido por sua irmã e Renate, e agitava um frasco de água benta.
- Solte-a agora ou vou jogar essa água em você.
- Faça isso, garotão! - Darian provocou. Jack lançou a água benta, mas nada aconteceu.
- Mas... - Jack não entendia.
- É apenas água, Jackie - disse Darian. - Renate, querida, você me serviu muito bem. Agora venha até aqui. Preciso separar sua cabeça de seu corpo. Acho que
posso ter tomado muito de seu sangue, e não tenho certeza de gostar de você por toda a eternidade!
Renate começou a caminhar até ele.
- Não! - Shanna gritou. - Afaste-se dele, Renate. Ele vai matá-la. Jack! Faça alguma coisa para impedi-la.
- Você acha que Jack pode detê-la? - Sophia indagou.
- Eu vou detê-la - gritou Jade.
Mas Sophia pegou-a pelos cabelos e arrastou-a de volta, torcendo sua cabeça de forma a mantê-la inclinada em um ângulo doloroso.
- Agora! - Sophia grunhiu. - Chame Lucian! - ordenou, fazendo-a ajoelhar-se. - Você está morta, sua selkie ordinária! Eu a matei uma vez, e vou fazer isso
de novo.
Nesse momento, o Ceifador de Almas, que se mantivera atrás do grupo, manifestou-se. De repente, Lucian estava atrás de Sophia, afastando-a de Jade. Pega de
surpresa, Sophia foi apanhada e, sentindo o aperto de aço ao redor do pescoço, começou a gritar.
- Jade, afaste-se de Darian! - Lucian comandou.
Darian entrou em ação, pronto para agarrá-la, mas um cadáver subitamente rolou de uma das lajes, empurrando o linho que envolvera seu corpo. Era Rick. Ele
foi atrás de Darian, e começaram a lutar. Era uma batalha repugnante e mortal. Lucian torceu o braço de Sophia às costas, forçando-a a ajoelhar-se no meio do aposento.
- Uma estaca! - Jade gritou. - Vou lançar-lhe uma estaca!
- Ele não pode me matar! - Sophia exclamou, triunfante. - As regras...
- As regras estão prestes a mudar - declarou Lucian. - Você queria adaptá-las. Então, é o que vamos fazer! Eu sou o rei de nossa espécie. O tempo e a moderação
me transformaram no que sou. Vou mudar as regras, conforme meu desejo. Você é uma ameaça para toda a nossa espécie. Mesmo dentre os nossos pares, deve haver um tipo
de justiça.
Jade rastejou até uma das estacas quebradas no chão. Enquanto lutava para libertar-se de Lucian, Sophia começou a entoar um cântico, estranhas palavras que
soavam como um lamento. De repente, outros corpos começaram a erguer-se. Foi como havia sido antes, os mortos voltando à vida, atacando os vivos. Por fim, a jovem
fantasiada de odalisca começou a berrar.
- Saia daqui! - Jack gritou, tentando empurrar a garota enquanto lutava com um cadáver que envolvera as mãos ossudas em seu pescoço.
Outro corpo chutou para longe a estaca que Jade quase pegara. Foi então que ela viu a espada na mão do velho cavaleiro. Os dedos ossudos estremeciam, como
se estivessem prestes a voltar à vida. Avançou até ele, pegou a espada e separou o crânio do cavaleiro de seu esqueleto.
Lucian puxava Sophia pelos cabelos. Ela tentava prosseguir com os cânticos, mas ele a arrastava com tamanha rapidez que ela mal conseguia emitir algum som.
Apesar do talismã, ele estava no controle.
Darian derrubara Rick e estava sobre ele, pegando uma faca embainhada na panturrilha. Sem soltar Sophia, Lucian chutou-o com uma força impressionante, fazendo-o
gritar de dor, os dedos se quebraram, a faca voou de sua mão. Ele apoiou-se sobre os joelhos, arrastando-se até a arma.
Jade balançou com força a espada que pegara, e a lâmina atingiu o pescoço de Darian. Contudo, o golpe não fora intenso o suficiente. Gritou, desesperada, tentando
outra vez. Ele berrou, furioso, virando-se para ela. Jade investiu de novo, separando a cabeça dele dos ombros. E então Darian estava morto, decompondo-se, virando
cinza...
Sophia soltou um berro diferente de tudo o que Jade já escutara e levantou-se, quase escapando das mãos de Lucian. Porém, foi puxada de volta e voltou a entoar
um cântico maligno. De repente, todos os cadáveres na cripta passaram a perseguir Lucian e Jade.
- Mexa-se! - Lucian ordenou a Jack. - Tire os outros daqui!
Jack empurrou Shanna, que empurrou a odalisca. Matt agarrou Freddy Krueger e correu, parando no caminho para pegar Danny, que ainda estava atordoado. Os corpos
estavam ao redor deles...
- A tocha! - gritou Lucian.
Nesse instante, Jade percebeu que ele estivera forçando Darian e Sophia a se afastarem da entrada da cripta, enquanto incitava os demais em direção à porta.
Avistando a tocha presa à parede, agarrou-a e correu de volta até ele.
Repentinamente, Lucian afastou Sophia, arremessando-a contra a parede oposta, nas profundezas da cripta, e tomou a mão de Jade, pronto para correr.
- Você não pode me matar! - Sophia berrou. - Será destruído. Eles o matarão, os outros de nossa espécie...
- É um novo tempo, Sophia - Lucian retrucou. - Uma nova justiça.
- Ele não vai matá-la - disse Jade. - Eu vou.
- Saia daqui! - Lucian empurrou-a à frente dele. - Agora... atire a tocha!
- E se apagar?
- Não vai apagar. Há turfa lá embaixo. Vai queimar. Atire!
Ela obedeceu, e o lugar imediatamente pegou fogo, as chamas tão próximas que quase a queimaram no rosto. Ele a virou, e ambos correram. Conforme subiam até
o portão de ferro que levava para fora da cripta, escutavam os gritos de Sophia. O som era terrível. Era o ruído da morte.
Ao saírem para a noite, Jade imobilizou-se. Jack estava lá, assim como Shanna, Renate, Matt, Danny, a odalisca e Freddy Krueger. Atrás dela, a tumba ardia.
Adiante, havia um estranho grupo de pessoas, talvez vinte ou trinta. Pálidas, fortes, silenciosas, firmes. Pareciam ser de diferentes nacionalidades, idades e sexos.
Eram mortos-vivos, Jade pensou, em pânico.
Quando Lucian se pôs diante deles, um homem alto e moreno, que parecia espanhol, manifestou-se.
- Acabou?
- Sim - respondeu Lucian.
Outro homem adiantou-se. Alto e claro, assentiu para Lucian e virou-se para os outros.
- O rei não virou poeira, e a ameaça está destruída. Lucian olhou desse homem para o espanhol.
- Eu não fui derrotado. Disse que destruiria os meus inimigos... e os seus. Acabou!
- Sim - o espanhol concordou. - E você tem razão. Deve haver ordem e justiça, mesmo entre nós.
Ele recuou, e uma névoa começou a subir, envolvendo as lápides, cobrindo as pessoas em pé diante deles.
- Acabou mesmo - Shanna sussurrou. - Não é, Lucian?
- Sim.
Os joelhos de Jade começaram a se dobrar, e Lucian a segurou. Estavam de novo sobre a tumba com o nome MacGregor gravado.
- Vamos sair daqui - disse Lucian. - A polícia está a caminho. E eu não quero tentar explicar nada disso.
Ele apoiou Jade, que, fraca, mal conseguia manter-se em pé, e a levou embora daquele lugar de escuridão, mal e... morte.
Eles conversaram bastante. Encontraram um ótimo bar com um aposento privado no qual havia uma enorme lareira ao fundo.
Renate achava que estava mesmo bem: Desculpou-se repetidamente por ter esvaziado os frascos de água benta enquanto Shanna e Jack dormiam, ela não sabia o que
estava fazendo. Jade agradeceu a Matt e a Danny por terem ido até lá.
- Vocês poderiam ter sido mortos. Quase foram.
- No final, eu extraí uma história e tanto disso tudo! - disse Matt.
- Ninguém nunca acreditará em você, é claro - Danny falou. - Minha versão, no entanto, será mais sutil. Sei que venderá! Vou descrever tudo isso do ponto de
vista de um legista.
- Vejam! - Jack exclamou de repente.
A televisão do bar exibia o noticiário da noite. A grande história era o incêndio no cemitério, provocado provavelmente por uma turma de jovens. A tumba fora
sabotada com uma substância inflamável antes de atearem fogo. Todos encararam Lucian.
- Eu ainda não encontrei o talismã. Acho que está na cripta. - Ele deu de ombros. - Sabia que ela precisava ser queimada, mas eles estavam com Jade, então
eu tive de agir com muito cuidado. E, de repente, todos vocês estavam lá.
- Mas ela se foi agora, certo?
- Sim.
Nenhum deles conseguiria dormir. Quase amanhecia quando voltaram ao hotel. Abraçaram-se e beijaram-se ao dizer boa-noite.
Por fim, Jade ficou sozinha com Lucian.
- Você estará comigo de manhã? - ela perguntou.
- Amanhã de manhã, sim - ele respondeu, e aquilo tinha de bastar.
Ela não se importava.
- Eu ficaria com você em qualquer lugar. Dormiria na terra com você, em um caixão, entre os mortos. Você pode morder meu pescoço a qualquer momento.
Ele a beijou com carinho.
- Essa é uma decisão muito séria.
- O que sinto por você é um amor muito sério. Ele meneou a cabeça, pesaroso.
- E o que sinto por você é um amor muito sério. Portanto, vamos esperar. Há coisas que você precisa saber.
- Talvez haja uma saída. Quero dizer, Maggie era uma vampira até Sean...
- Não sei se posso desistir do que sou. Não agora. Não até que eu tenha certeza. Jade, eu não encontrei o talismã. E posso manter a ordem e a sanidade...
- Eu amo você. Ele sorriu.
- Ama? Mesmo? Você pode me amar?
- Sim. Eu não creio ser sua Igrainia que voltou. Sou Jade. Você realmente ama a mim, Jade?
- Eu amo você... Jade.
Ela o abraçou, sentindo-o acariciar seu cabelo. Sentia-se um pouco... diferente. Não sabia se isso significava algo ou não. Em algum momento durante a noite,
ele perceberia. Veria as minúsculas marcas no seu pescoço, deixadas por Darian quando ele a tocara na cripta.
Assim que acordou, Jade telefonou para Nova Orleans.
- Maggie?
- Sim, Jade? Está tudo bem? - ela indagou, ansiosa. Jade ainda estava na cama, com Lucian a seu lado, abraçando-a.
- Sim. Estou preocupada com vocês. Meu pai, Liz, os gêmeos...
- Eles estão bem.
- Graças a Deus! Maggie, por favor, diga a papai e a Liz que nós os amamos, e que estamos bem. E diga a James... que nos livramos do homem malvado da tevê
a cabo.
Os braços de Lucian se estreitaram ao seu redor antes que ele tomasse o telefone de suas mãos.
- Ei, Maggie, tudo esta muito bem. O sujeito da tevê a cabo se foi, o monstro está morto. Estamos bem. Veremos você em breve. E... obrigado. Por tudo. - Ele
desligou, olhou para Jade e correu os dedos por seu pescoço. - Sinto muito. Eu sabia que, se aparecesse como ele queria, ele teria me matado, e depois você. Eu...
Ela pôs o dedo sobre seus lábios.
- Não havia nada que você pudesse ter feito. Mas... o que isso significa? Estou apenas... maculada? Vou me curar?
- Provavelmente. E talvez...
- Sim?
- Eu não sei.
- Mas você... estará comigo? Ele sorriu lentamente, e assentiu.
Lucian significava tanto para ela! Tudo. Em tão pouco tempo, ele se tornara seu mundo! Ainda não acreditava que o tivesse conhecido antes, que podia ser sua
Igrainia. Ele simplesmente era tudo para ela agora.
- Eu estarei com você - ele garantiu. - Soube que estão com poucos policiais em Nova Orleans. Poderia ser um lugar tão bom quanto outro qualquer onde trabalhar
no futuro. - Beijou-a nos dedos. - Mas, por enquanto... Eu lhe disse que realmente amo a Escócia, um dos lugares mais bonitos do mundo? Deslumbrante, colorida...
uma terra selvagem, vigorosa, apaixonante! Quando o vento sopra e as ondas batem nos penhascos... é como o pulsar do coração. Tão sensual...
Ela sorriu e beijou-o. Podia não tê-lo amado antes, mas o amava agora. E o amaria por toda a eternidade...


Eles fariam com que cada segundo valesse a pena!

Quando a noite cai...
Em um cemitério escocês, a agradável viagem de Jade MacGregor ao exterior é arruinada por uma tragédia aparentemente fortuita. Um ano depois, de volta à sua casa em Nova Orleans, ela começa a ter sonhos perturbadores com um homem de rosto familiar e olhos misteriosos...
E o terror toma conta...
Lucian DeVeau sabe o que Jade viu naquela noite distante, e está à espreita, disposto a resgatá-la do mal que se aproxima... Mesmo desejando manter distância, a atração que sente por ela sobrepuja seu controle, e de repente ambos se veem envolvidos de uma forma que vai além da razão. Porém, inimigos poderosos, alimentados por forças sobrenaturais, porão à prova o intenso sentimento que os une...
A inocência morre...


https://img.comunidades.net/bib/bibliotecasemlimites/2_AO_CAIR_DA_NOITE.jpg



- Vocês querem sentir muito medo, não é? Então vamos até as profundezas escuras, até as entranhas da Terra! - o guia turístico exclamou, cobrindo dramaticamente
o ombro com sua capa negra. Ele tinha o sotaque agradável e refinado de Edimburgo: erres enrolados, enunciação clara. - Sim. Para aqueles de vocês que zombam dos
fantasmas de assassinos ou dos lamentos assombrados de suas vítimas, nós vamos prosseguir.
- Mal posso esperar - disse Jeff Dean, um rapaz de cabelos escuros e boa aparência.
- Sim, vamos adiante, pelo amor de Deus! - Sally Adams, a namorada de Jeff, acrescentou. Ela era uma loira bonita que conseguira arruinar o efeito de sua juventude
e beleza com uma blusa colante e uma saia justíssima.
- Sim, por favor, faça alguma coisa assustadora! - pediu outro dos garotos.
Alto, magro e de cabelos avermelhados, ele se chamava Sam Spinder, e sua atitude era de enfado e escárnio ao mesmo tempo.
Jade MacGregor se unira ao passeio com os três jovens, além de seis outros visitantes mais ou menos da mesma idade deles. Encontrara-os pouco antes, quando
visitava o castelo, e eles haviam sugerido a excursão noturna. Apesar de eles serem um grupo mais novo, de garotos ricos visitando a Europa com o dinheiro dos pais,
e de ela ser uma escritora e editora iniciante, pesquisando a vida medieval, achara a idéia do tour intrigante e importante para seu trabalho. Por isso, acabara
se reunindo a eles.
Quisera ir à Escócia por conta própria, mas conhecer outro país sozinha podia ser uma experiência muito solitária. As pessoas com quem estava eram cerca de
três ou quatro anos mais novas que ela, que tinha vinte e cinco. Mesmo não sendo uma grande diferença, sentia-se uma cinquentona em comparação a eles, que pareciam
viver numa eterna adolescência, em um mundo de futebol, fraternidades, drogas e rock.
Espantara-se ao descobrir a extensão do uso recreativo de drogas do grupo, que possuía um arsenal de comprimidos e uma variedade de coisas para fumar. Considerava
preocupante que se arriscassem dessa maneira em um país estranho e havia sido provocada quando se recusara a consumir quaisquer das substâncias.
Mesmo assim, o tour estava sendo divertido. Era uma bela noite de lua cheia e, ao lado de antigas superstições, o aspecto comercial do Halloween tomara a cidade.
As ruas estavam decoradas para a ocasião, demônios e fantasmas enfeitavam as vitrines. Era uma noite agradável para sair.
Seus companheiros, no entanto, além de inconseqüentes, estavam se revelando rudes. Jade não sabia que tipo de drogas haviam utilizado naquela noite, mas com
certeza os estava tornando ousados e impetuosos, assim como insultuosamente cruéis. Estavam se divertindo em perturbar o guia que, contudo, parecia ter a habilidade
de lidar bem com a situação.
- Já estou morrendo de medo! - disse Jeff, fingindo estremecer. - Onde você conseguiu esse discurso, esse sotaque... essa aparência? No curso de teatro da
escola? Oh, estou apavorado!
O sarcasmo direcionando ao diligente guia era injusto, Jade pensou. Ele estava na casa dos trinta, era alto, magro e, sim, dramático, talvez um candidato a
Hamlet que tivesse encontrado uma forma de sobreviver como guia turístico, imprimindo paixão às narrações sobre o antigo mal que flagelara as ruas da Escócia. Ele
se regozijara ao exaltar a inumanidade do ser humano, explicando mortes por pragas, por execuções e por assassinatos torpes. O grupo havia visitado as ruas subterrâneas,
sobre as quais a cidade nova fora construída, local em que, no passado, ficavam casas, lojas, tavernas, enfim, a vida cotidiana da população. Não mais. Agora, à
noite, os subterrâneos estavam vazios, exceto pelos passeios turísticos. Fantasmas eram apresentados em lugares diversos, terríveis homicídios eram descritos em
detalhes. Essa era, afinal, a cidade dos assassinos em série Hare e Burke, de crimes da realeza, da espionagem e da maior carnificina imaginável do mundo medieval.
O conhecimento de História do guia era excelente. Jade sabia disso, pois estudara muitos dos fatos.
Partindo dos fundos da Catedral de Saint Giles, o guia os conduzira por ruas escuras e repletas de sombras até descerem às vielas. Um casal mais velho exclamara
apreciativamente nos lugares apropriados, um casal jovem com duas crianças de nove e dez anos fizera perguntas e recebera respostas, apreciando muito o passeio.
Havia um homem sozinho no grupo, mais velho que os universitários, mas Jade não conseguira precisar sua idade. Era muito bonito, com fascinantes olhos escuros, que
pareciam pretos num instante e clareavam no minuto seguinte para uma curiosa tonalidade castanha, e até mesmo... vermelha. Era bastante alto, talvez um metro e noventa
e, por causa da altura, parecia magro, mas tendo estado perto dele em várias paradas ao longo da excursão, Jade sabia que os ombros eram muito largos e que, sob
o tecido do casaco bem talhado, ele era musculoso.
Ele observava o guia com interesse. Não se sobressaltara nem emitira exclamações admiradas, mas escutara tudo o que fora dito em um silêncio respeitoso. Mantivera-se
um pouco atrás dos demais, nas sombras, sem nada dizer. Na verdade, apenas o grupo de nove universitários tinha assobiado, escarnecido e perturbado.
- Aonde vamos? - perguntou Tony, um dos garotos que mais importunara até então.
Ele era jogador de futebol, tinha a cabeça raspada, ombros muito largos, e parecia considerar-se durão demais para conhecer o conceito de medo. Junto com Jeff,
ele fora voluntário em um dos pontos da excursão. Fingindo serem condenados por traição, eles haviam sido levemente açoitados com o chicotinho do guia e tinham virado
de costas para o grupo para uma pretensa estripação e enforcamento. Fizeram dos procedimentos uma grande piada, e o guia os acompanhara nas tolices.
- Talvez não devêssemos perguntar - sugeriu, um tanto hesitante, Marianne, a namorada de Tony.
- Não seja ridícula! - retrucou Ann, uma ruiva alta e magra, com o ar impaciente de uma estudante entediada. - Se você não perguntar, não vai saber. Nem vai
poder decidir se quer ir ou não.
- Ei, ela está certa! Aonde estamos indo? - insistiu Tony.
- Vocês disseram que queriam sentir medo - o guia os lembrou.
- Com certeza, queremos algo melhor do que o que vimos até agora - falou Jeff. - Então, para onde estamos indo?
- Até os mortos! - declarou o guia.
- Até os mortos... - Jeff repetiu, fazendo sua melhor imitação de Boris Karloff.
Jade percebeu que o homem alto e silencioso franzira de leve o cenho antes de notar que ela o observava. Os olhos dele encontraram os seus. Eram incrivelmente
escuros, negros como a noite. Não... estavam mais claros de novo, aqueles olhos que mudavam constantemente. Castanhos outra vez, com reflexos de fogo.
Por um instante, ela não conseguiu se mover, e foi tomada, por uma estranha sensação de calor.
- E onde fica isso? - Sally indagou, interrompendo a sensação que Jade experimentava, de uma mariposa sendo atraída pela chama.
Sim, a chama estava nos olhos dele. Agora eram olhos âmbar... olhos de fogo, de um lobo à noite. Cativantes. Sensuais.
Subitamente desconfortável por sentir-se dessa forma, lembrou a si mesma que ele era um estranho em uma terra estranha. Considerava-se uma moça esperta. Era
inteligente e amigável, mas sabia se defender e ter cuidado. Com certeza, não era do tipo que se deixava seduzir por um desconhecido sob circunstâncias inusitadas.
Ainda assim... ele era atraente.
Sensual. Não apenas bonito, mas muito sexy. Aqueles olhos... Sim, ela o observava.
E ele sabia. Estaria se divertindo? Talvez não, pois ele também a fitava.
- Vocês verão. Primeiramente, vamos parar na taverna Ye Olde Hangman, para tomar um uísque escocês, ou uma cerveja, ou mesmo um vinho, se vocês quiserem.
Sally torceu o nariz, claramente duvidando de que a tal taverna tivesse algum vinho que ela considerasse palatável, e virou-se. Jade, olhando para o guia,
enervou-se ao ver a maneira como ele fitava a garota. Um jeito estranho, arrepiante. Ao longo da excursão, ele lidara bem com as provocações, parecendo mais magoado
do que ofendido. Não que se mostrasse bravo no momento. O olhar era mais para... calculista, como o de um caçador à espreita da caça.
- Sigam-me! - ele disse, voltando a sorrir.
Conforme caminhavam, Jade viu que o homem alto, de olhos cor de âmbar, conversava com os pais das duas crianças, avisando-os que a visita ao cemitério poderia
ser perturbadora. A mulher começou a argumentar, mas logo se interrompeu e disse ao marido:
- Peter, vamos abandonar a excursão.
- Mary! Esta será a melhor parte...
- Uma grande caneca de cerveja será a melhor parte para você, Peter. Depois, vamos levar os garotos de volta ao Hotel Balmoral.
Quando chegaram, o taberneiro, ao ver o guia, chamou uma das funcionárias, indicando que os servisse sem demora. Sally e Jeff sentaram-se à mesa com Jade,
na parte central da taverna.
- Acha que ele pode nos assustar "entre os mortos"? - perguntou Sally.
- Isso é apenas um monte de bobagens - Jeff afirmou com desprezo. - Vamos apenas ver algumas lápides velhas.
- Ah, meus amigos! - O guia se virou e agitou a capa. - Eu os desapontei esta noite! Angus! - ele chamou o bartender - Sirva a estes jovens uma dose do seu
melhor uísque. Bebam, por minha conta. Prometo que, com uma amostra do melhor da Escócia em suas veias, o que estou prestes a lhes mostrar vai impressioná-los! Que
os santos me ajudem! Ele riu.
- Se o uísque é por sua conta, eu quero! - Jeff declarou. Ergueu o copo que fora levado até ele, tomou o líquido em um só gole e, em seguida, bebeu a cerveja.
Jade ignorou o copo diante dela.-Sentiu o guia encarando-a e sorriu.
- Você já me assustou o suficiente - ela assegurou. Ele inclinou de leve a cabeça e virou-se para os demais.
- Vou lhes contar uma história sobre a cripta que exploraremos. É a câmara mortuária da família De Brus. É verdade que alguns dos De Brus viraram Bruce, como
nosso famoso rei, Robert Bruce. Porém, havia outra família, que teimosamente permaneceu De Brus. Dentre eles, existia um primo ilegítimo, amaldiçoado com uma doença.
Alguns dizem que era sífilis, outros, que ele era hemofílico. De qualquer forma, esse primo enlouqueceu e foi morto pelos próprios familiares. Isso ocorreu por volta
de 1080. Ele deixou uma filha, de rara beleza, mas os parentes a trancaram em uma torre. Ainda assim, pretendentes iam até lá, e alguns conseguiam entrar...
- E então? - Sally perguntou, impaciente.
- E então eles tentavam abaixar as calças dela - disse Jeff, e o grupo inteiro riu.
- Elas usavam calças naquela época? - indagou Tom Marlow, o mais quieto dos rapazes. Era a primeira vez que Jade o ouvia falar naquela noite.
- Shhh! - Sam Spinder o reprimiu. - E então?
- Eles nunca mais eram vistos - prosseguiu o guia. - Mas ossos eram encontrados em pântanos. Jovens mulheres também desapareciam. Diz-se que a pobre e bela
De Brus gritava, e sua angústia assemelhava-se aos uivos de um milhão de demônios na noite. A agonia era tamanha que seus parentes levavam até ela pobres camponesas...
que nunca mais eram vistas, também, pois ela gostava de se banhar em sangue. Quanto mais jovem e puro, melhor.
- Essa é a história da condessa de Báthory! - manifestou-se Hugh Riley, outro dos jogadores de futebol. Ele parecia conhecer História e estivera prestando
atenção a noite toda.
- E a condessa de Báthory é um personagem histórico real, cruel, desumano e sem consciência - afirmou Jade. - Ela causou a morte de centenas, talvez milhares,
de jovens mulheres. Ela se banhava em sangue, e seu apetite era voraz.
Sentindo de novo um estranho calor, como se estivesse sendo observada de trás, Jade se virou. O homem estava sozinho em uma mesa no canto da taverna. Bebia
uma cerveja tão escura que parecia vermelha. Talvez fosse um copo grande de vinho tinto, que ergueu em sua direção, como se concordasse. Quase podia ouvir a voz
dele em seu ouvido: Sim, o Mal existe neste mundo. As crueldades de um homem com o outro não precisam ser exageradas...
Ele não falou, apenas inclinou a cabeça e bebeu. Jade desviou o olhar.
- Grande história! Essa vadia gosta do sangue de virgens, é? - Sam indagou.
- Então você não corre perigo, Sally! - provocou Jeff.
- Vocês vão para o inferno! - ela respondeu, afastando-se do namorado.
- Ora, Sal, estamos apenas brincando...
- Nossa dama gostava de sangue jovem - o guia prosseguiu. - Quanto maior a decadência, melhor. Sim, ela era uma mulher sensual! Bebam, meus amigos! Está na
hora de nos aventurarmos na cripta.
Os pais das duas crianças partiram com elas, assim como o casal mais velho. Jade pensou em encerrar a noite, mas tinha a sensação de que aquela excursão não
era oferecida com freqüência. Aparentemente, as provocações dos garotos haviam levado o guia a realizar um passeio especial, e essa poderia ser sua única oportunidade
de ver algo incomum. O estranho de olhos escuros também ficaria com eles.
Deixando a taverna, andaram por ruas escuras, pegando atalhos e desvios. Logo chegaram a uma igreja abandonada no alto de uma colina. A construção era cercada
por túmulos descuidados, com lápides irregulares, quebradas e cobertas de liquens. A brancura de alguns dos mausoléus brilhava sob a luz da lua.
Jade olhou para cima enquanto atravessavam os portões de ferro do cemitério. A lua estava cheia, perfeita para o passeio.
- E é quase meia-noite! - anunciou uma garota chamada Julie.
Ela riu e abraçou Hugh. Como Sally, ela usava uma blusa justa que revelava o vão entre os seios fartos.
- Meia-noite! - exclamou o guia, erguendo as mãos para o céu. - A hora tradicional para toda a feitiçaria, para que os demônios se levantem, para a sede de
sangue dos mortos-vivos! - Venham ver a cripta.
Enquanto caminhava pelo terreno irregular, Jade observava a arquitetura da velha igreja. De repente, tropeçou em uma lápide, mas sua queda foi interrompida
por um par de mãos fortes. Ao virar-se, surpresa, deparou com o rosto do estranho alto e reservado.
- Você está bem? - perguntou ele, com um leve sotaque.
Seria escocês? Ela não tinha certeza. A voz dele era profunda, refinada, rouca, atraente... tão sensual quanto os olhos. E, ao mesmo tempo, soava perfeitamente
normal. O que, por si só, era estranho...
- Se eu estou bem? - repetiu, sentindo-se uma tola. Sentiu que corava. - Eu... é claro. Fui apenas um pouco desajeitada.
- Este cemitério não é um bom lugar para se estar à noite. Ele ainda a encarava, com os perturbadores olhos cor de âmbar. Fitando-a intensamente, afastou para
trás um cacho de seu cabelo, no que lhe pareceu um gesto bastante íntimo.
- Por quê? - ela indagou e sorriu. - Você acha que os fantasmas se levantam dos túmulos para se vingar dos vivos?
- Só acho que há muitas coisas neste mundo que não têm explicação. Você é americana - ele afirmou. Parecia um pouco desapontado? Como se achasse que a conhecia,
que ela fosse outra pessoa?
- Sou. Mas de ascendência escocesa. MacGregor.
- Você é do Sul?
- Sim, de Nova Orleans. Conhece a cidade?
- Conheço - ele respondeu e apontou para a pedra na qual ela tropeçara. - Curioso...
- O quê?
Jade olhou para baixo. A pedra estava em pedaços, perto de uma lápide na qual era possível ler claramente sob a luz da lua o sobrenome "MacGregor".
Ela se arrepiou e sentiu o sangue fugir de seu rosto. Aquilo era sinistro. Nunca tivera medo dos mortos antes, de cemitérios, de lugares "assombrados". Mas
naquele momento, sentiu medo.
- Preciso ir embora - ela murmurou. - Achei o tour excelente, mas estou cansada. Parei de prestar atenção por onde ando.
- Não - disse o estranho, tomando seu braço. Ela o fitou, franzindo o cenho.
- Eu disse que acho que devo ir...
- É muito perigoso ir embora agora, sozinha. A Escócia tem sua cota de assassinos. Não é a melhor vizinhança.
- Você é daqui?
- Eu fui. Há muito tempo.
- Venham! - o guia os chamou.
Eles tinham chegado ao outro lado do cemitério. Ali, os mausoléus despontavam do solo, como casas mal-assombradas dos mortos. Em alguns lugares, as pedras
estavam quebradas, portões de ferro encontravam-se semiabertos, trepadeiras cresciam em todos os lugares.
Virando-se, Jade não conseguiu mais ver a rua sinuosa pela qual haviam caminhado para chegar até lá. Via apenas a velha igreja e as lápides, que brilhavam
sob a luz da lua cheia. Nesse momento, uma forte neblina começou a avançar.
- Vejam isso! - exclamou Julie, espantada.
- Ele tem uma máquina de fazer neblina escondida em algum lugar, aposto - disse Tony. - A qualquer instante, vamos ouvir a música do Além da Imaginação.
- A cripta está ali - anunciou o guia, virando-se e agitando sua capa negra.
Era uma construção grande e decadente. Gárgulas lindamente entalhadas guardavam os quatro cantos de uma grade de ferro trabalhada. Liquens e trepadeiras cobriam
as paredes e os degraus que levavam ao portão.
- Venham! - chamou o guia, avançando pela escada e acenando para o grupo.
Todos o seguiram. Assim que entraram, viram os caixões alinhados nas paredes. Estavam em prateleiras, cobertos por entulho e teias de aranha.
- Oh, assustador! - entoou Jeff.
- Fica ainda melhor lá embaixo. E eu prometi assustá-los - o guia acrescentou teatralmente, agitando outra vez a capa. Conduziu-os em direção ao fundo da cripta,
onde degraus estreitos e úmidos levavam ao subsolo.
Conforme se dirigiam para a escuridão abaixo, Jade não sabia se ficava contente com o toque protetor do desconhecido em suas costas ou ainda mais assustada.
Pensou se não deveria se afastar e refugiar-se atrás de um dos rapazes do grupo, mas nesse momento o guia riscou um fósforo na parede de pedra e acendeu uma tocha,
iluminando a catacumba.
Julie foi a primeira a gritar. Os mortos se encontravam em diversos estágios de decomposição sob mortalhas esfarrapadas. Caveiras fitavam o abismo da noite
sem fim, dedos ossudos se entrelaçavam sobre peitos cobertos com restos de seda e linho. Aqui e ali, havia ossos espalhados no chão. Ratos guinchavam e corriam diante
deles, e um morcego voou pela grande tumba subterrânea, arrancando um grito assustado de Sally.
- É muito interessante, mas não estou com medo - gabou-se Jeff.
- Porque você ainda não viu Sophia - retrucou o guia.
- E acho que deveria ser o primeiro a encontrá-la. Venha. Vai se voluntariar outra vez para ser a vítima, não vai?
Jeff deu um passo adiante.
- Claro. Venha. Bata em mim, me torture.
- E sua namorada? - o guia questionou.
- Ah, eu não sei... - Sally começou.
- Sally, seja ousada. Realize minha fantasia... ménage à trois! - Jeff provocou.
- Oh, meu bem! - Tony exclamou. Sally fez uma careta para ele.
Sorrindo, o guia conduziu-os a um sarcófago que parecia estar fechado com uma pedra pesada, mas que cedeu, com um rangido agudo e enervante, quando ele o empurrou
para o lado. Dentro, havia um caixão de madeira todo trabalhado que, de alguma forma, fora preservado ao longo do tempo. Era decorado com relevos de gárgulas e criaturas
de aparência demoníaca.
- Sophia e seus seguidores! - O guia estava atrás de Sally, erguendo os cabelos loiros, movendo os dedos em seu pescoço, sobre os seios, e de volta ao pescoço.
- O lugar... para os mortos jantarem! Pois aqui a vida pulsa com força...
O toque dele na garota era quase indecente, Jade pensou, pronta para manifestar-se. A menina, parecendo hipnotizada, virou-se para o guia, inclinando a cabeça
para trás. Ele sorriu para o grupo e amparou-a em um dos braços, tocando-a delicadamente com os nós dos dedos, do pescoço ao vale entre os seios. Depois tirou-lhe
a camiseta. Ninguém se moveu.
A menina sorriu, e Jeff encarou o guia.
Aquilo já bastava! Jade estava prestes a interferir quando o desconhecido puxou-a para trás.
- Não - ele sussurrou. - Não faça nada agora.
Aquilo era uma atuação que fazia parte do passeio? O lado adulto da excursão? Em outras circunstâncias, Jade teria se livrado do toque do estranho, mas sentiu
um arrepio na espinha, e uma voz interior a alertou: Não fale. Não se mova. Se fizer isso, estará em perigo!
E se corresse? Não, ela não podia correr. O guia a veria e poderia arrastá-la de volta...
- Abra a tampa do caixão - ele ordenou.
Jeff aproximou-se para obedecer, aparentemente alheio ao fato de que o homem que ele havia ridicularizado quase desnudara sua namorada, que sorria enquanto
era acariciada. Ele ergueu a tampa do caixão. Dentro, havia uma mulher jovem, bonita, com cabelos negros, usando um vestido de linho branco rendado. Seus olhos se
abriram. Encarando Jeff, ela sorriu e se levantou.
É uma representação. Tudo isso faz parte de uma encenação.
- Eles temiam Sophia como não temiam a Deus, nem a Satã! - o guia recomeçou. - Sim, os parentes tinham medo dela. Então, para mantê-la feliz e distante, eles
lhe providenciavam beleza e juventude, e a alimentavam. Levavam para ela o sangue de carne fresca. Jeff, seja um voluntário... mostre a ela o sangue que pulsa em
você, ofereça-lhe seu pescoço.
Jeff aproximou-se da mulher e ajudou-a a sair do caixão, sorrindo como um tolo ao abraçá-la. Ela o beijou com erotismo, inclinou a cabeça dele e, para surpresa
de todos, mordeu-o. Ele gritou.
- Assustado, agora, não? - provocou o guia, sorrindo.
Com aquele sorriso, sua atuação dramática chegou ao ápice, pois ele agora tinha, no lugar dos caninos, enormes presas brancas, que brilhavam sob a luz das
tochas.
Ele começou a rir e, inclinando-se, mordeu o pescoço de Sally. Ela berrou, era o grito dos aflitos, dos condenados. O sangue começou a jorrar, derramando-se
sobre o caixão e no solo.
É real! Meu Deus, é real!
Os outros, em pânico, passaram a emitir gritos estridentes, correndo para os degraus. Nas prateleiras da tumba, os mortos começaram a despertar. Cadáveres,
semicobertos pelas mortalhas, e antes ocultos pelas teias de aranha, levantaram-se de repente, bloqueando os degraus. Berros de terror enchiam a catacumba, enquanto
os mortos tentavam alcançar os vivos. Jade, horrorizada, tentou correr, mas o estranho a puxou para trás.
- Não! Fique aqui, quieta, no canto. Espere.
Ela teria desobedecido, mas o guia apareceu de repente diante dela, coberto com o sangue de Sally, sorrindo. De repente, o estranho estava entre os dois. O
guia pulou na direção dele e disse algo, um nome, que Jade não compreendeu.
- Achei que era você. Bastardo, você tinha que interferir...
- Você destruiria tudo.
O guia tentou golpeá-lo, mas o desconhecido aparou e revidou os golpes, fazendo o oponente voar pelo aposento e bater com toda a força do outro lado.
As pessoas gritavam alto o suficiente para despertar os mortos!, Jade pensou, histérica. Precisava sair dali, tinha de encontrar uma saída. Onde? Estava tudo
escuro... e vermelho, pois havia sangue em todo lugar. Um dos cadáveres estava atacando Julie!
Finalmente, ela conseguiu reagir. Agarrou uma das tochas e investiu contra o cadáver, que recuou. Havia outro às suas costas. Virou-se, agitando o fogo diante
de si. De repente, todos pareciam persegui-la, aproximando-se cada vez mais...
Porém, um por um, eles foram afastados e arremessados para longe. Voavam, gritando, furiosos. Jade sentia os olhares, a fome, o ódio deles. Estava ficando
louca. Ou sonhando. Aquilo não podia estar acontecendo.
Nesse momento, viu o guia caminhando até ela. Ao ser alcançada, lutou, mas ele era incrivelmente forte e impediu-a de se virar ou de soltar-se. Sorria enquanto
ela gritava e se debatia, rasgando a blusa branca que ela usava.
- Shhh... Você é o que há de melhor, à meia-noite! - ele disse.
Jade viu as presas enquanto ele se aproximava de seu pescoço. E então o sorriso desvaneceu, e ele foi afastado por uma incrível força que o ergueu do chão.
Ela caiu e bateu a cabeça na pedra. Escutou o guia gritar de ódio, proferindo obscenidades.
Viu de novo o desconhecido, inclinando-se sobre ela, viu-lhe os olhos, escuros e profundos, iluminados pelo fogo da tocha, refletindo um estranho toque dourado
de chama e luz do luar. Sentiu a dor em sua têmpora aumentar. Sim, ela havia batido a cabeça na pedra, e o mundo estava sumindo...
A tocha que ela segurara ainda queimava, no chão. Pensou nisso enquanto ouvia os gritos e começava a ser envolvida pela escuridão.
Jade foi encontrada sobre a lápide com o nome de sua família, MacGregor. Estava deitada e desnuda, mas enrolada em linho branco. Uma mortalha.
Ao despertar, percebeu a presença da polícia e o som de sirenes. Sua consciência oscilou, ao retomá-la, deu-se conta de que a sirene pertencia à ambulância
que a levava ao hospital.
Tentou contar aos policiais o que havia acontecido. Falou a respeito do guia turístico, da taverna e do monstro, Sophia De Brus, que se levantara do caixão.
Eles, porém, acharam que ela se encontrava sob a influência de narcóticos, assim como os demais sobreviventes.
Sim, quatro tinham morrido, mas outros haviam escapado. Além dela, foram encontrados com vida Hugh Riley, Tom Marlow, Tony Alexander, Ann Thorson e Marianne
Williams, todos entre as lápides, alguns nus, outros em farrapos, feridos, balbuciando, confusos, meio enlouquecidos, mas vivos.
A polícia determinou que os praticantes de um culto satânico eram os responsáveis. Jeff, Sally, Julie e Sam foram drenados de sangue, suas gargantas cortadas
de um lado a outro, duas cabeças estavam quase decepadas, e duas tinham desaparecido.
Jade nunca soube quais haviam sumido. Os demais foram encontrados como ela, inconscientes, incoerentes e, por fim, admitiram a ingestão de drogas e álcool.
Jade insistiu perante os oficiais que não usara drogas, conforme comprovavam seus exames de sangue e urina, mas ninguém acreditou. Queriam seguir em frente
e procurar os assassinos, esperando que aquilo nunca se repetisse. Ela precisava ir para casa e deixar a polícia fazer seu trabalho. Tivera muita sorte.
Sim, mas... os policiais estavam errados. Jade não conseguia se lembrar de tudo, pois o que recordava era absurdo. Não podia ser real, e a versão oficial com
certeza era plausível. Muito daquilo havia sido uma encenação. Ilusório. Claro...
Cadáveres não retornavam à vida. Não existiam mortos-vivos, nem vampiros.
Ainda assim, algo muito estranho acontecera, porque não fora um pesadelo, e ela não usara alucinógenos, tampouco o homem de olhos escuros. Que homem?, eles
tinham indagado. Jade o descrevera, mas a polícia não o vira. Tal homem, um herói ou um demônio, não fora encontrado. E ela não sabia seu nome, onde estava hospedado,
nem se era nativo ou estrangeiro. Quem quer que fosse, de onde quer que tivesse vindo, ele lutara contra os cadáveres e contra o guia bebedor de sangue, disso ela
tinha certeza.
Os policiais acharam que o terror da noite havia perturbado seu raciocínio. Os cadáveres na cripta eram apenas cadáveres, eles asseguraram, restos mortais.
Não existia nenhuma Sophia De Brus na História da Escócia. O que havia acontecido fora terrível, e ela precisava ir para casa, esquecer tudo aquilo. Eles tinham
de encontrar o assassino, o jovem guia responsável pelo massacre.
A verdade bizarra da qual Jade se lembrava começou a desvanecer em sua consciência. A mente protegia sua sanidade. A polícia continuou a interrogá-la, tentando
compreender o que acontecera. Onde ela estivera antes? Por que se juntara à excursão? Como era o guia? Havia muitos passeios na cidade, mas nenhum com o nome que
o guia lhes dera. Tampouco existia uma taverna chamada Ye Olde Hangman.
Os policiais estavam certos. Suas recordações eram apenas uma ilusão. O que pensara ter visto não podia ser real. Era um ritual doentio. Assassinatos trágicos
cometidos por seres humanos doentes.
Mas o guia turístico, que os conduzira ao terror e à morte, conseguira desaparecer, sem deixar pistas quanto à sua identidade ou seu destino. Se havia membros
de uma seita envolvidos, quem eram os que haviam ajudado o suposto guia naqueles assassinatos?
O homem com os olhos cor de âmbar.
Se ela conseguisse dar-lhes mais algumas informações... Contudo, não era capaz de fazer isso, nem os outros sobreviventes. Os investigadores colheram sangue
das lápides e estudaram os corpos, mas os assassinos não tinham deixado vestígios, nem uma gota do próprio sangue, nem um fio de cabelo.
Quanto mais o tempo passava, mais tudo aquilo parecia irreal, confuso, envolto em uma névoa surreal de escuridão e sombra.
Por fim, Jade não tinha mais como contribuir com os policiais, nem eles podiam lhe dizer mais nada. Lidariam com o problema, e chamariam a Scotland Yard e
o FBI, para que realizassem uma perícia. Todas as possíveis pistas seriam seguidas, cada crime semelhante no país e no mundo seria analisado para comparação.
Jade fora poupada e tinha de retomar a vida normal. Sua irmã, Shanna, foi à Escócia buscá-la e permitiu que falasse bastante, tentando organizar os pensamentos.
Claro, a irmã tinha certeza de que os assassinos eram praticantes de um culto, pessoas bestificadas e sem consideração pela vida humana. Jade tivera sorte, e deveria
ficar feliz por estar viva.
Estava indo para casa. Para longe do horror.
Estava muito feliz, e agradecida.
E, sim, a vida podia voltar ao normal...

Um ano depois, isso quase havia acontecido. Jade começara a namorar um policial chamado Rick e publicara um pequeno livro com fotos sobre igrejas medievais.
Porém, em uma noite de lua cheia, quando fazia quase um ano da data do trágico evento, ela passou a sonhar com o homem.
Com ele...
Em seu sonho, a escuridão era iluminada apenas pelo brilho da lua. Sombras cruzavam a terra, a névoa se erguia... Ela estava lá, arrepiada sob a brisa fria.
Sabia que estava vulnerável, nua... Não, envolta apenas no linho branco da mortalha de um homem... E ele andava em sua direção, o homem com os olhos de ébano e fogo...
Acordou assustada, tremendo, e olhou para ò relógio ao lado da cama.
Era meia-noite.





Capítulo I



- Bom dia, Srta. Irmã Maravilhosa! Jade não precisou olhar para cima para saber que Matt Durante se aproximara de sua mesa. Estava tão acostumada com a voz
dele quanto com as bochechas de querubim, o sorriso largo e os cintilantes olhos azuis. Tudo a respeito dele era contrastante. Nunca conhecera alguém com uma atitude
tão alegre em relação à vida, estava sempre sorrindo e disposto a ajudar quem precisasse. O que escrevia, no entanto, era sombrio. Criava contos assustadores, que
deixavam os leitores arrepiados.
Ela baixou o jornal e fitou-o, ajustando os óculos escuros.
- Bom dia, "irmã maravilhosa"? Isso significa que minha irmãzinha fez alguma maldade esta manhã? Encontrou algum defeito no último capítulo que você escreveu?
Sorrindo, ele se acomodou a seu lado. Jade costumava passar as manhãs no Café du Monde. Além de apreciar o café e as rosquinhas, gostava de observar o movimento
turístico enquanto lia o jornal. Os amigos sempre sabiam onde encontrá-la. Muitos deles, como Matt, eram escritores. Tinham feito amizade, pois formavam um dos mais
ecléticos grupos de autores que já se reunira. Jade era especializada em turismo e História, sua irmã recentemente enveredara pela literatura fantástica, Matt adorava
o macabro, Jenny Danson escrevia comédia, e assim por diante. Haviam começado como o Grupo das Quartas-Feiras à Noite, dando a si mesmos uma denominação tão simples
porque o que os unira fora apenas o amor pela palavra escrita, sem que o assunto realmente importasse.
- Vi sua errante irmã caçula ontem à noite. Jantamos juntos e fomos comprar enfeites de Halloween. Ela é um amor. Doce e linda. E, mesmo comigo, um grosseirão
desajeitado, foi muito gentil.
- Sim, concordo com você. Minha irmã é ótima. Mas por que, de repente, eu virei tão maravilhosa?
- Você é doce e linda, mas esta manhã é também talentosa. - Matt colocou alguns papéis sobre a mesa. - Sabe como eu sou obcecado - ele disse, sorrindo.
Matt era o maior sucesso comercial do grupo, razoavelmente bem pago e conhecido, e seus livros continuavam chegando às listas importantes de mais vendidos.
Porém, ele era obsessivo. Cada vez que um de seus trabalhos era publicado, ele agia como um garotinho. Ficava ansioso e consultava sem parar a internet para descobrir
a posição da obra naquela semana.
O que ele colocara sobre a mesa era a lista impressa do USA Today. Não apenas a relação dos cinqüenta primeiros, que costumava aparecer no jornal, mas a lista
de cento e cinqüenta, que podia ser encontrada online.
Jade olhou para as páginas antes de fitá-lo.
- Centésimo - Matt falou.
- Centésimo?
- Seu livro sobre catedrais e igrejas, que você mesma publicou, chegou ao centésimo lugar da lista. Jade, isso é praticamente inédito!
Incrédula, ela pegou o jornal. O tipo de livro que ela publicara não tendia a ser um sucesso popular. Por outro lado, isso podia ter acontecido pelo fato de
ela ser sua própria editora. A internet lhe dera a possibilidade de alcançar mercados que, de outra forma, não teria conseguido atingir. Também devido ao acesso
à internet, fora escolhida pelas grandes redes, assim como por várias livrarias independentes, especializadas em História ou em qualquer assunto ligado à Idade Média.
- Você não acha que pode ter havido um erro? - ela indagou.
- Está falando como eu.
- Estou apenas surpresa. E feliz, é claro.
- É um grande livro, com fotografias fabulosas. E você fez tudo sozinha.
- Quase tudo. Shanna participou. É inacreditável!
- E então, quando vai ser a festa?
- Que festa?
- Sem dúvida, você vai convidar o Grupo das Quartas-Feiras à Noite para ir à sua casa.
- Mas hoje é quinta.
- Eu sei. Mas você vai comprar um monte de champanhe bom... e talvez até um pouco de caviar.
- Você odeia caviar!
- Não importa. Em uma ocasião dessas, caviar é obrigatório. E vamos todos brindar a você e dizer coisas boas e celebrar.
- Talvez devêssemos mesmo fazer isso. Mas você acha que dará tempo de reunir todo mundo?
- Jade, por que você acha que estou aqui tão cedo? Nós vamos começar a convidar todos agora.
- Nós?
- Bem, meu último livro está entre os dez primeiros - ele revelou humildemente, tirando o jornal do bolso.
- É mesmo? - ela perguntou, animada, olhando a lista. - Parabéns! Mas, se você está ainda mais alto na lista, por que eu estou dando a festa?
- Porque seu apartamento é mais agradável.
- Você acha?
- Um apartamento em um edifício colonial, ao lado de um restaurante francês que serve a melhor sobremesa do mundo? Com uma sacada florida no segundo andar,
voltada para a rua bem-cuidada, com vista para um elegante clube de jazz? Hum... deixe-me pensar... Eu tenho um apartamento no terceiro andar de um prédio sem elevador,
em uma zona da cidade que os turistas são aconselhados a evitar. Sim, acho que o seu é mais agradável. Você dá a festa.
- Está bem. Vou convidar todo mundo.
- Chame apenas sua irmã. - Matt corou. - Eu já dei alguns telefonemas. - Ao vê-la arquear a sobrancelha, prosseguiu: - Bem, você precisava concordar, estar
animada e desejar comemorar! Vou comprar o caviar, e você cuida do champanhe, certo?
- Certo. E a que horas será a festa?
- Às oito. - Ele sorriu e começou a se afastar. Percebendo que ainda tinha o jornal nas mãos, Jade o chamou:
- Matt! Seu USA Today!
- Pode ficar com ele. Eu comprei vinte exemplares - ele disse e foi embora.
Jade olhou outra vez para a lista. Tinha de admitir que estava feliz. Imaginou se convidaria Rick para a esta. Sargento Rick Beaudreaux. Estavam saindo juntos
fazia três meses. Ele era tudo o que buscara a vida inteira... até o momento.
Qual era o problema com ela? Rick era maravilhoso. Loiro, bronzeado, musculoso, com lindos olhos azuis. Além da aparência, era um ótimo ser humano, agradável,
gentil, seguro de si, com um temperamento tranqüilo... Atuava no Departamento de Narcóticos, dava palestras em colégios e entrevistas para a imprensa. Era educado,
atencioso e sempre cheirava bem. Dançava, andava de bicicleta, gostava de caminhar aos domingos e de passear no campo. Tinha um sorriso devastador. Importava-se
com ela e admirava seu trabalho.
Ele ainda não dissera nada, mas devia estar se perguntando por que ainda não haviam dormido juntos. Jade se perguntava a mesma coisa.
Iria, sim, convidá-lo. E, quando os outros fossem embora, ele ficaria. Não queria perdê-lo. Não que Rick a estivesse pressionando. Ela lhe contara o que havia
acontecido na Escócia, e ele compreendia que havia sido traumático.
Mas Jade não comentara nada com ele a respeito dos sonhos.
Jade fechou o jornal e olhou para a primeira página. Seu coração quase parou de bater. Na manchete, lia-se: Massacre em Nova York. Assassinatos rituais chocam
os cidadãos.
Ele a observava do outro lado da rua. Sentada do lado de fora do café, sob o toldo, ela inclinava com freqüência o rosto na direção do sol e sorria ao sentir
o calor na face. Ele se lembrava de seu aroma, da suavidade de sua pele, do perfume delicado na escuridão e nas sombras. Ela brilhava para ele, que sabia de seu
paradeiro a cada segundo.
Tinha lindos olhos, azuis e profundos, com um toque de verde. Olhos da cor do mar, ele pensou, com um estranho estremecimento. Eram emoldurados por sobrancelhas
claras e cabelos da cor dos raios solares e das sombras, castanho-claros, com mechas naturais de puro ouro e alguns, fios vermelhos. Tão familiar, tão diferente...
Ele se encontrava em uma mesa do lado de dentro. As portas estavam fechadas, o ar-condicionado zunia e uma lâmpada barata iluminava o cardápio e o interior
do pequeno restaurante. Óculos escuros protegiam seus olhos, mas do brilho do sol, e não dela. Era simples logística. Ele a observava, ela não podia vê-lo.
Fazia alguns dias que a seguia, apesar de a tentação vir de longa data. Resistira até o momento, mas seus inimigos estavam ressurgindo.
Ela lhe perguntara certa vez se conhecia a cidade. Sim, era um de seus locais prediletos, e fora fácil encontrá-la. Sabia onde ela vivia, com quem se relacionava,
os lugares que freqüentava, o que costumava fazer. Conhecia os hábitos dela. E se ele sabia... outros também poderiam saber.
- Mais café?
Olhou para cima. A garçonete, com um sorriso no rosto bonito, fizera a pergunta. Era jovem, com cabelos loiros, grandes olhos castanhos e pernas bem-torneadas,
reveladas pelo uniforme curto. No passado, ela teria representado uma deliciosa tentação para ele, como uma trufa para um chocólatra. Sabia que ela não era de Nova
Orleans. Aprendera, ao longo dos anos, a identificar sotaques.
- Sim, obrigado.
- Você não é daqui - ela observou, enquanto o servia.
- Não. Nem você. Pittsburgh?
- Como você sabe? - Ela arregalou os olhos.
- Essa é fácil.
- Tem razão. Ei, meus pais não puseram você para me seguir, não é?
- Não. - Ele sorriu. - Eu não estou seguindo você. E não conheço seus pais.
- Sinto muito. - Ela corou. -. Eu... estou freqüentando a Universidade Tulane, mas eles não acham que seja uma escola séria. Eu amo o que faço e trabalho bastante.
Mas eles acham que as melhores faculdades ficam no norte.
- Ah... E está se saindo bem? :
- Sim.
- Continue firme, então. Seus pais irão entender. Ela assentiu, ainda embaraçada, e sorriu.
- Meu nome é Cathy - apresentou-se, estendendo a mão.
Ele hesitou de leve, antes de retribuir o cumprimento.
- Pode me chamar de Luke.
- Luke, foi bom tê-lo aqui, e espero não ter feito um gigantesco papel de tola. Até mais...
- Até mais.
Ao vê-la afastar-se, ele tomou um gole de café e olhou de novo para o outro lado da rua. Algo acontecera. Jade estava de pé, e a xícara de café tinha virado,
sem que percebesse. Estava olhando para baixo, para...
Ele precisou se levantar para ver, mas nesse momento um veículo passou entre eles.
Deixando uma generosa gorjeta para Cathy, saiu do restaurante. Correu até o outro, lado da rua, mas ela se fora. Andou até onde ela estivera e viu a manchete
no jornal coberto de café sobre a mesa.
- Você está levando isso a sério demais! - Shanna afirmou.

Jade voltou à sala, onde sua irmã dobrava guardanapos. Ela era bonita, tinha cabelos cor de mel e grandes olhos azuis. Era um ano mais nova e, apesar de terem
brigado como cão e gato durante os dezoito anos que viveram na casa da família, haviam-se tornado grandes amigas quando Jade saíra de casa para ir à faculdade em
Nova York. Shanna freqüentara uma universidade na Califórnia e, quando ambas terminaram os cursos, retornaram para Nova Orleans.
Shanna trabalhara como modelo fotográfico durante o curso superior, mas, para sua surpresa, descobrira que, como a irmã, adorava escrever. Redigira alguns
roteiros, porém logo se encantara com Tolkien e passara a criar literatura fantástica. No entanto, como era bastante realista no tocante ao aspecto financeiro, incluía
Jade em qualquer trabalho eventual que conseguisse, o que lhes garantia uma renda extra. Não que elas corressem o risco de ficar desamparadas. Apesar de sua mãe
ter morrido de pneumonia havia nove anos, o pai ainda vivia na mesma casa e ganhava um bom salário como jornalista.
Peter MacGregor casara-se outra vez e tivera filhos com Liz, os gêmeos de dois anos Peter e James. Apesar de ele adorar as duas filhas, elas não queriam depender
do pai, e ambas haviam trabalhado durante o período de faculdade. Jade pretendera que seu interesse em edição fosse um risco exclusivamente seu, mas havia ficado
feliz em contar com a irmã na empreitada.
Excetuando-se a devastadora morte da mãe, tivera uma vida normal e repleta de amor, e sabia que tinha sorte. Contava com uma família maravilhosa e sobrevivera
a um massacre.
- Shanna, você leu o artigo?
A irmã parou o que estava fazendo e a encarou.
- Sim. Quatro pessoas foram brutalmente mortas em Nova York. Jade, você sabe como os nova-iorquinos seriam felizes se pudessem dizer que quase nunca acontecem
assassinatos por lá?
- Sim, assassinatos acontecem. Mas num cemitério? Corpos encontrados nus e decapitados em cemitérios?!
- Há pessoas completamente loucas neste mundo.
- Os crimes podem estar relacionados.
- Jade, quando você voltou da Escócia, me assustou de verdade. Achei que precisaria de tratamento psiquiátrico pelo resto da vida. Estava convencida de que
criaturas do mal saíram dos túmulos e voltaram à vida...
- Espere! Sei que eu estava histérica, assustada, e que disse muitas coisas esquisitas. Mas, Shanna, eu acordei envolvida numa mortalha, em cima de uma lápide!
E os responsáveis não foram presos. Você não acha que podem ser os mesmos?
- Escutei que eles têm excelentes detetives no Departamento de Homicídios em Nova York. Sem falar do FBI.
- Talvez eu possa ajudar.
- Como? Chamando atenção para si mesma? Dizendo: Ei, pessoal, estou aqui, vocês não conseguiram da última vez! Jade... Você se lembra mesmo de alguma coisa?
Poderia ajudar de verdade? Eles não têm nenhum suspeito. Eu li o artigo e sei por que está aborrecida. E não, não quero você envolvida outra vez.
- É enervante.
- Eu concordo. - Shanna sorriu. - Então, durma com o policial. Você é louca, mantendo esse rapaz à distância! Querida, ele é... o máximo! É lindo, tem um salário
fixo, é forte, e nem sequer é um cretino. Seu ele fosse meu, garanto que não me arriscaria a perdê-lo.
- Shanna, os homens tropeçam uns nos outros para se aproximar de você. Homens bonitos, ricos e fortes.
- E, mas os que estiveram atrás de mim até agora são cretinos. Durma com o policial. Além de dormir protegida, você vai ter também... bem, você sabe. Uma ardente
noite de paixão.
- É, estou pensando nisso. Você o convidou para vir aqui hoje à noite, não?
- Sim. E, a propósito, Matt já ficou convencido com o sucesso?
- Não, ele parece um garotinho, todo excitado. E vai comprar caviar, mesmo detestando.
- Eu estou feliz de ser sua sócia nas Publicações MacGregor! - Shanna sorriu. - Estouraremos um champanhe hoje para celebrar. E Jade... Estamos festejando.
Não vamos ficar paranóicas com o que aconteceu em Nova York, certo?
- Certo.

Sabia onde ela morava. Já estivera lá antes. Sentindo no rosto o toque da brisa e o beijo gentil da lua, olhou para a sacada. As portas estavam abertas, e
o vento agitava as cortinas.
Poderia subir. Descobrir mais.
Não. Apenas observaria. Ficaria de guarda.
Fechou os olhos, e depois os abriu, consciente de que ela fora até a varanda. Estranhamente, sentiu que ela o procurava. Deu um passo para trás, escondendo-se
nas sombras. Ela apoiou os braços na grade, e o queixo nas mãos, fitando a rua.
Deixe-me entrar, ele pensou. Ela teria permitido. Não. Mantenha-se afastado.
Permaneceu nas sombras, observando. Viera para vigiar, para proteger.
Então sentiu aquela estranha inquietude e soube que eles estavam na cidade. Houvera um tempo em que ele sentia qualquer mudança, qualquer desordem, um tempo
em que poderia ter invocado qualquer um de sua espécie, mediado controvérsias, imposto a lei, e sua palavra teria encerrado o problema.
Mas agora ela estava livre. Sophia e Darian caminhavam pelo mundo outra vez e eram capazes de se esconder dele, apesar do estrago que ele fizera, de novo,
aquela noite em sua pátria. Conseguia apenas pensar: Ela encontrou o talismã, e eu preciso recuperá-lo!
Jade continuava na varanda. Ela afastou o cabelo do pescoço, sentiu a brisa contra a pele e soltou-o de novo.
Ele precisava partir. Agir. A sensação ficava cada vez mais forte. Onde eles estariam? Por mais que soubesse que ele mesmo era mau, havia um mal que não permitiria
que ressurgisse.
Ali estava ela. A garota americana. Jade.
Gostaria de tocá-la. Apenas tocá-la. Sentir... Lembrar.
A inquietação aumentava, tornava-se mais forte. Caso se concentrasse, caso sentisse o seu poder, conseguiria ver. Seus inimigos estavam ocupados.
Virou-se na escuridão, em direção ao mal que conhecia tão bem.

- Mas você viu isso?
Renate DeMarsh, que morava no mesmo edifício de Jade e era criadora de uma série de mistério, fora à festa carregando uma porção de jornais de Nova York. Shanna
tentara barrá-la na porta, mas não conseguira.
Aos trinta e oito anos, ela obtivera aclamação da crítica por suas histórias. Eram mistérios resolvidos diante da lareira por uma avó doce, de cabelos brancos.
Os leitores amavam os livros, e ela estava sempre dando entrevistas na televisão.
Renate era pequena e bonita, com cabelos cor de platina e olhos violeta. Apesar de viver bem, sentia-se frustrada por não ter feito a fortuna que acreditava
merecer. Gostava de dizer a Matt que ele escrevia livros doentios por dinheiro demais, enquanto ela produzia literatura de qualidade por muito pouco. Os comentários
não o ofendiam. Ele gostava de ganhar dinheiro, e não dava importância a programas de entrevista. Ainda assim, admitia que apreciaria contar com a aclamação dos
críticos, e ela respondia que adoraria um fluxo financeiro como o dele. Os dois costumavam se solidarizar.
No momento, contudo, Matt estava aborrecido. Aquela era, afinal, sua grande celebração, e não se falava de outro assunto a não ser os assassinatos.
- Renate, eu não queria que Jade tivesse visto o que aconteceu! - ele disse. - Esqueci da notícia quando deixei o jornal com ela.
- Não! - Renate exclamou, impaciente. - É importante que ela leia. Aquelas mesmas pessoas podem estar envolvidas!
- Ora, Renate... - Matt começou.
- Vocês todos lidam com o fantástico - ela o interrompeu - enquanto eu lido com procedimentos policiais verdadeiros. Sempre há um motivo.
- Sim, mas existem membros de rituais no mundo inteiro - interferiu Jenny Danson.
Era uma moça bonita, roliça e animada. Mãe e enfermeira durante vinte anos antes de começar a escrever, conquistara um êxito rápido com histórias sobre os
conflitos entre a carreira e a família, e os percalços cotidianos.
- Renate, você não lê jornais melhor do que qualquer um de nós! Não é detetive de homicídios nem cientista comportamental. Jack, o Estripador já morreu há
muito tempo, Bundy também, mas sempre haverá outros assassinos em série. Eles não serão os mesmos, nem estarão todos atrás de Jade.
- Eu sugeri isso? - exigiu Renate.
- De certa forma - respondeu Danny Thacker.
Jovem e delgado, ele era a imagem de um artista esfaimado. Publicara diversos artigos e histórias em revistas, mas ainda não conseguira vender seu romance.
Trabalhava meio período no necrotério da cidade.
- Não estou dizendo isso, Daniel - afirmou Renate.
- Renate, todos nós sabemos ler e sabemos o que aconteceu - disse Matt. - Você vai assustar Jade!
- O conhecimento não vai me assustar - Jade manifestou-se. - Não saber das coisas é que é assustador.
- Mas com certeza não é necessário saber mais a respeito de Nova York - opinou Todd, o marido de Jenny. - Jade, você está em sua cidade natal, com seus amigos.
- Vocês todos estão confusos! - Renate afirmou. - Jade tem razão, e ela é sensata. Eu sempre digo que uma pessoa prevenida vale por duas.
- Sim, você diz. Várias vezes em cada livro - Matt observou.
Renate olhou feio para ele antes de insistir:
- Jade, eu estou falando a sério. E importante que você leia isto!
Jade arqueou uma sobrancelha, pegou o artigo da mão de Renate e o leu. O texto era objetivo, nem um pouco sensacionalista. Era quase frio. Sangue e vísceras,
puro horror. Os fatos, descritos de maneira nua e crua.
De repente, deu-se conta do que Renate desejava tanto que ela visse: a lista dos mortos. E um nome que parecia se destacar.
- Hugh Riley! - ela exclamou, lembrando-se do garoto que ficara em silêncio a maior parte do tempo e que se manifestara quando o assunto se voltara para a
condessa de Báthory. Recordou o rosto dele, os olhos... Na Escócia, ele sobrevivera, tendo sido encontrado envolto em uma mortalha em meio às lápides.
Fora outra vez encontrado entre as lápides, em Nova York. Só que, dessa vez, decapitado.

Cathy Allen ficou até tarde no restaurante naquela noite.
Em geral, trabalhava de manhã, e às vezes na hora do almoço, mas era a primeira vez que ajudava com o jantar. Como dois de seus colegas tinham adoecido, ela
ficara.
Na última mesa que servia, encontrava-se um homem, que não parecia nem muito jovem, nem velho. Usava calça e jaqueta pretas, tinha sardas e cabelos avermelhados.
Foi gentil quando ela derramou um pouco de vinho, sorrindo e lambendo a gota da mão.
- Mil perdões!
- Não tem problema.
- Obrigada.
- Ei, você sabe algo a respeito de passeios turísticos por aqui?
Cathy notou o sotaque. Aquele era o dia dos estrangeiros.
- Existem algumas agências, e com a chegada do Halloween, deve haver muitos passeios novos.
- É, talvez... Por que não me traz a conta? Ouvi você dizer para aquela garota ali que precisava ir porque está exausta.
- Nossa, se você me ouviu, devo ter falado mais alto do que pensei. Não quis ofender.
- Claro que não. Você foi muito prestativa.
- Bem, a respeito dos passeios...
- Sou um ator desempregado. Conseguir um trabalho narrando histórias dramáticas seria divertido.
- A maioria dos grupos faz testes para checar se você conhece os fatos históricos e se sabe contar uma história.
- Eu conheço História e sei narrar muito bem. Agora, dê a minha conta, assim, você pode sair daqui. - Ele sorriu. - Precisa de uma carona para algum lugar?
- Oh... eu... hum... - ela balbuciou. Apesar de ele ser agradável, não aceitaria carona de um estranho.
- Esqueça. Péssima pergunta. - Ele pegou a conta de sua mão e pagou-a. - Nós nos vemos por aí.
- Obrigada.
Quando o cliente se afastou, Cathy reparou na quantidade de dinheiro que ele deixara. Virou-se para agradecer, mas ele já se fora. Como se tivesse desaparecido
no ar.
Por duas vezes naquele dia, tivera sorte com os clientes homens.
Quando saiu, as ruas ainda estavam movimentadas. O problema era que ela tinha um bom caminho a percorrer para chegar ao velho carro que usava para ir trabalhar.
Deixava-o fora da região turística, pois naquela área os estacionamentos eram muito caros, e andava por ruas que não eram totalmente seguras. Durante o dia não havia
perigo, mas à noite...
Precisava passar pelo cemitério. Não que tivesse medo. Na verdade, adorava a história do lugar. E Nova Orleans era uma cidade ímpar, com seus diferentes sotaques
e culturas.
Havia nuvens no céu, e alguns trechos das ruas eram bem escuros. Estava na metade do caminho quando escutou passos. Apertou a bolsa contra o peito. Que ótimo...
Seria assaltada no primeiro dia em que as gorjetas tinham sido excelentes. Os dois clientes, um logo cedo, e o último da noite, haviam sido bastante generosos.
O ruído prosseguiu, e ela se virou, tentando ver quem a seguia. Passou a caminhar mais rápido, e logo ouviu passos de novo. Girou ao redor de si mesma, sem
deixar de andar.
Atrás dela! Uma sombra negra. Não, diante dela! Algo voando... Não, o luar, assustando, provocando. Então, de novo, o som de passos. Furtivos, ameaçadores...
- Ei! - Cathy gritou. - Eu carrego spray de pimenta! E uma pistola!
Risos... Ela tinha escutado risos, ou era um eco em sua mente? Olhou outra vez ao redor. Não havia ninguém.
Sombras, passos, risos... Começou a correr.
Os passos se tornaram cada vez mais rápidos. A sombra voou, erguendo-se como um pássaro preto gigante, passando sobre sua cabeça.
A lua gloriosa, encoberta por sombras, a escuridão caindo, e então... o toque.
Cathy gritou.

Rick Beaudreaux chegou tarde, e Jade notou de imediato que ele parecia muito cansado. Era óbvio que vira o artigo no jornal, pois, quando a fitou, havia uma
indagação em seus olhos.
Uma pequena multidão recebeu-o à porta. Todos os convidados estavam ali, observando-o.
Ele arqueou as sobrancelhas, parado na entrada. Quando olhou para ela e sorriu, Jade sentiu o coração se acelerar um pouco. Ele era perfeito. Sim, exatamente,
ele é perfeito!, disse para si mesma, um pouco brava. Ele era tudo o que desejara na vida... e, de uma forma estranha, sentia que relacionar-se com ele seria trair
outra pessoa.
Quem, sua idiota? Mas tivera uma sensação esquisita quando fora até a sacada. Como se alguém estivesse ali. Como se tivesse sido... tocada. A brisa fora quase
insuportavelmente sensual. Sim, estou esperando...
Sozinha, ela quase pronunciara as palavras. Então a irmã a chamara, e ela se sentira uma idiota, tendo fantasias sexuais com a brisa quando havia um homem
maravilhoso querendo entrar em sua vida.
Bem, seria naquela noite. Definitivamente.
- Entre... se eles deixarem - ela convidou, sorrindo.
Rick também sorriu, contente ao ver que ela parecia bem.
- Olá, pessoal!
- Deixe disso - Renate manifestou-se. - Sei que você é um policial, que sabe ler e compreender o que está nas entrelinhas. Estas pessoas acham que estou falando
bobagens. E Jade está assustada...
- Não estou exatamente assustada - Jade murmurou.
- Ela ficará louca se Renate não parar - Shanna observou.
- Ela precisa ter cuidado - Renate alertou.
- Quer champanhe, Rick? - ofereceu Matt. - Estamos comemorando.
- Claro, por que não? Parabéns, Matt!
- Então, o que você acha, Rick? - Shanna indagou. Ele hesitou antes de responder, encarando Jade.
- Acho que Nova York é longe.
- Um dos sobreviventes da Escócia foi morto lá - Jade informou-o. - Hugh Riley.
- Talvez seja o mesmo nome, e não a mesma pessoa - arriscou Matt.
- Qual era a idade do rapaz que você conheceu na Escócia? - Jenny quis saber.
- Vinte e um, ou vinte e dois.
- É muita coincidência - disse Renate, pegando o jornal.
- Este aqui tinha vinte e três.
- Posso verificar tudo isso - ofereceu Rick. - Não precisamos ficar aqui especulando. - Ao perceber que era encarado por todos, clareou a garganta. - Quero
dizer, mais tarde. Temos uma festa hoje, não é?
Shanna se aproximou, com uma taça na mão.
- Sim. Champanhe para o policial!
- Obrigado.
- De nada. Agora, um brinde! A Jade e a Matt!
- A emoções, calafrios e sucesso! - Jenny completou.
- E à História e às grandes igrejas e catedrais.
- Como vocês podem ficar aí, agindo como tolos, quando algo tão terrível aconteceu? - questionou Renate, indignada.
- E você, Rick, é um policial! Não pode descobrir mais agora?
- Renate! - Jade admoestou-a.
- Não - ele respondeu, - Preciso voltar para o trabalho por algumas horas.
- Precisa? Por quê? - Jade perguntou, desconsolada. Justamente no dia em que ela ia pedir a Rick que ficasse para passar a noite, apesar do que ela sentira
na varanda... Ou talvez... por causa do que sentira.
- Houve um acidente feio hoje. Estou indo ao necrotério para descobrir mais a respeito da vítima, um jovem universitário. Tenho de saber se ele estava envolvido
com drogas, conversar com a família...
- Que pena!! - manifestou-se Danny.
- É, a vida é uma droga, e depois você morre - Renate afirmou.
- Bem, acho que eu preciso de um pouco de ar - disse Jade.
Passou o braço pelo de Rick e o conduziu à sacada.
- Graças a Deus, eles não nos seguiram! - ele comentou.
- Entenderam a dica. - Jade sorriu.
Dali, escutava-se um jazz excelente, que vinha do clube em frente. A lua estava alta. Era uma agradável noite de outubro.
- Você está bem mesmo? - Rick indagou, fitando-a.
- Foi alarmante ler aquelas notícias.
- Sim, é bizarro. As mesmas pessoas podem estar envolvidas. Eles nunca prenderam os assassinos da Escócia.
- De Edimburgo a Nova York. É estranho, não?
- Depende. Há cultos perigosos por aí.
- O mais estranho é que os assassinatos aconteceram em um cemitério de novo.
- Sim. Você não passa os dias andando em cemitérios, não é?
- Devo admitir que, às vezes, sim. É difícil escrever sobre velhas catedrais e igrejas sem passar por alguns cemitérios. Dias, sim, noites, não. Não mais.
- Ela ficou pensativa, por alguns segundos. - Rick, você acha que são as mesmas pessoas?
- Acho improvável. Mas não é impossível, claro.
- É muita coincidência o rapaz se chamar Hugh Riley.
- Há muitas universidades em Nova York. Você me disse que eles eram universitários. Garotos de fraternidade, jogadores de futebol, debochados, viciados em
drogas.
- Eram apenas garotos.
- Infelizmente, os jovens não são imunes ao desastre, apesar de pensarem o contrário.
- Não posso acreditar que você tenha de voltar ao trabalho hoje. Eu ia...
Ele se aproximou, os olhos brilhantes e esperançosos.
- Você ia...?
- Achei que você pudesse passar a noite aqui.
- É mesmo? - Ele a tomou nos braços.
Jade sentiu o coração de Rick acelerar, e os lábios dele encontraram os seus. Já tinham se beijado e se acariciado antes. Ele era firme, quente, sensual...
Ela correspondeu à carícia, movendo-se de encontro ao corpo sólido, pronta, esperando, desejando... excitar-se.
Mas não conseguiu.
Droga! Deveria ter acontecido. Deveria...
Não se importava. De uma forma ou de outra, iria acontecer.
Rick se afastou, fitando-a.
Por favor, Deus, não o deixe perceber que não há nada aqui, que estou correspondendo a ele com uma mentira, que estou enlouquecendo, desejando...
- Volte quando terminar - Jade disse.
- Será muito tarde, talvez quase de manhã. E eu nem deveria ter beijado você, porque estou incubando alguma coisa, talvez um resfriado.
- Não me importo se estiver resfriado.
- Nem se eu chegar muito tarde?
- Vou lhe dar a chave.
- Combinado.
- Me dê um beijo antes de ir?
Rick sorriu e beijou-a ardentemente. A forma como ele a tocava, na sacada, era quase indecente. Por fim, ele se afastou e respirou fundo.
- Preciso ir. Tentarei não voltar muito tarde.
Jade assentiu, sentindo-se entorpecida. De mãos dadas, voltaram para dentro.
- Jade, estava esperando vocês para agradecer e me despedir - disse Danny. - Fui chamado ao necrotério, Eles precisam de ajuda.
- Hoje é quinta-feira - lembrou Todd. - Acho que também devemos ir, querida.
- Sim - Jenny concordou. - Jade, obrigada. - Sorrindo, abraçou-a.
- Boa noite a todos - despediu-se Danny, saindo. Rick seguiu-o, dizendo para Jade:
- Vou pegar uma carona com Danny. - Beijou-a de leve e saiu.
Jade teve certeza de que a irmã os tinha visto. Os Danson saíram em seguida. Logo depois, Renate, achando que passara a noite com um grupo de pessoas teimosas
e estúpidas, anunciou que iria embora.
- Acho que eu também vou - disse Matt, por fim. Abraçou e beijou Jade. -Obrigado.
Quando todos saíram, Jade e Shanna pegaram suas taças de champanhe e sentaram-se no sofá, lado a lado.
- Rick vai voltar, não é? - Shanna perguntou.
- Sim.
- Bem, eu também vou embora para você se preparar. Tome um banho de espuma. Torne essa ocasião especial.
- Claro, é o que vou fazer.
Shanna já estava a caminho da porta quando Jade se levantou para acompanhá-la. A irmã beijou-a no rosto e a abraçou, antes de fitá-la nos olhos.
- O que há de errado?
- Nada.
- Você está com medo?
- De quê? Ah, se está se referindo às notícias, não. Estou bem.
- Claro. Seu policial vai voltar. Ele é especial.
- Eu sei.
Shanna observou-a por mais alguns instantes. Jade sentiu que a irmã podia ler sua mente, perceber de alguma forma que... ela não estava sentindo nada, que
estava apenas desesperada para fazer aquilo dar certo. Jade sorriu.
- Obrigada, Shanna. Por tudo.
- Mal posso esperar para falar com você amanhã! Ligue para mim assim que estiver sozinha,
- Eu prometo.
Jade fechou a porta e apoiou-se nela por alguns instantes. Depois, trancou-a e afastou-se, determinada. Pôs canecas de cerveja no freezer e foi para o banheiro,
decidida a desfrutar um longo e delicioso banho de espuma.
Abriu a torneira da banheira. O vapor quente subia enquanto ela avaliava as diversas fragrâncias para o banho. Escolheu um óleo oriental e despejou-o na água.
Em seguida recostou-se na banheira e fechou os olhos. Aquecida, sentiu-se envolvida pelo silêncio, era como se estivesse ao seu redor, suave como a água perfumada,
doce, sensual... como se a acariciasse. A água a embalava e seduzia. Quase adormecida, sonhou. Havia um vulto, andando em meio à névoa e ao vapor que encobria a
banheira.
Você está aí, na água.
Sim.
Estou indo.
Estou esperando...
As palavras não eram reais, mas ela podia vê-lo, o amante por quem esperava. Ele avançava a passos largos, de forma suave e confiante, com a leveza de um gato,
ágil, sinuoso, magnífico...
- Sim, venha até mim...
Ela pulou, assustando-se e recuperando a consciência ao falar em voz alta. A água estava esfriando, o vapor desvanecera.
- Vou me afogar aqui - resmungou, exasperada. - Meu Deus, o que está acontecendo comigo?
Levantou-se, pegou a toalha, secou-se e se enrolou nela. Viu seu reflexo no espelho sobre a pia. Estava pálida.
- Será que estou enlouquecendo de medo? - sussurrou.
Mas ela não estava com medo, pelo menos não a ponto de sentir pânico. Pensando nisso, abriu a porta que levava ao quarto, contente por ter deixado as luzes
acesas. Nada. Verificou o restante da casa e as portas. Estavam trancadas.
Suspirando, voltou ao quarto e ligou a televisão. Passava Robin Hood, com Errol Flynn. Enquanto assistia ao filme, imaginava o que deveria vestir para receber
Rick. Algo curto ou longo? Discreto ou revelador? Sensual ou sutil?
Longo, discreto e sutil. Na verdade, não possuía nada muito revelador. Tinha uma camisola preta de seda, comprida e decotada, que seria perfeita. Descartando
a toalha, vestiu a camisola, escovou os cabelos e os dentes e passou um creme no corpo. Deitou-se, determinada a assistir ao filme, mas seus olhos começaram a fechar.
Acordara cedo, e o dia fora longo. E estava tarde...
Preciso esperar acordada! Dera a Rick a chave, mas...
Seria uma grande noite. Precisava estar acordada, encantar, seduzir, conhecer o homem que poderia fazer parte do resto de sua vida... Algo não saíra muito
certo, mas seria resolvido. Ela faria dar certo.
Estava muito cansada. Concentre-se no filme! Seus olhos começaram a fechar. Champanhe demais, ou de menos... Fique acordada... Fique acordada...

Daniel estava acostumado ao necrotério. Aprendera o trabalho seguindo as ordens dos médicos legistas. Era competente no que fazia, mesmo considerando a atividade
apenas um emprego, uma vez que precisava do salário e não se incomodava com os horários estranhos.
Já vira homens e mulheres idosos, alguns serenos como se dormissem, outros contorcidos pela dor final de um ataque cardíaco ou destruídos pelo câncer e pelo
enfisema. Vira crianças e bebês, vira vítimas de assassinatos, maridos esfaqueados, esposas espancadas. Vira de tudo nos três anos em que trabalhava ali.
Não. Quando o lençol foi retirado de cima do rapaz que sofrera o acidente, ele quase vomitou. Não tinha visto nada, até aquele momento...

Jade conscientizou-se lentamente de uma mudança... de algo diferente ao seu redor. Havia acordado durante a noite? Se fosse o caso, não conseguiu identificar
o motivo. O quarto permanecia escuro, a única luz vinha da televisão. Robin Hood não estava mais sendo exibido, a menos que tivessem sido acrescentadas cenas em
que Robin e Marion estavam...
Suspiros e sussurros. Um homem e uma mulher, fazendo amor.
A bruma preenchia o aposento, envolvendo-a em suavidade e calor. Jade ouviu música, um som tão suave que poderia provir de dentro de si mesma, a batida podia
ser sua pulsação. Estivera esperando por ele. Sim.
E ele estava lá. Tocou-a, e ela sentiu o calor da respiração dele contra sua pele. Havia algo incrivelmente sensual na forma como ele apreciava seu aroma,
seu sabor. Os dedos que a roçavam estavam quentes e a seduziam. Moveu-se contra ele, surpresa por desejá-lo tanto. Seu corpo se arrepiava, doía, ardia.
- Você está aqui - ela sussurrou. Eu deveria estar?
- Eu o convidei.
Você tem me convidado. Eu não deveria ter vindo. Mas você me convidou.
- Eu esperei. Eu quis você.
Sentiu-lhe o peso, o roçar dos dedos no rosto, a seda esfregando-se contra sua pele, o corpo masculino, a força discreta do peito dele, os beijos...
Excitou-se como nunca. A vida despertava dentro dela. Sentia cores ao seu redor, matizes de vermelho, queimando, dançando, erguendo-se em meio à bruma e à
escuridão. A frieza da névoa e da brisa a tocou, o fogo a envolveu... os beijos dele a incendiavam. Fogo, cor e névoa tremulavam, sentiu a força dele, o calor...
a pulsação. Os batimentos do coração dele. Não, os batimentos de seu próprio coração.
E então, foi como se um relâmpago atravessasse o quarto.
O sol, a explosão de uma estrela nova... Jade não conseguia respirar nem pensar, o desejo pulsava, ondulava, avassalador... Ela mal conseguia se manter à tona
naquele mar de sensações, e ainda assim deu-se conta de um sussurro...
Por que está comigo?
- Porque você é perfeito.
Estou longe de ser perfeito.
- Perfeito, íntegro...
Meu Deus, não! Estou tão longe disso que você não conseguiria nem começar a imaginar. Meus pecados são como o peso do mundo...
- Você não é quem pensa ser.
Sou exatamente quem você acha que eu sou. Você viu, você conheceu...
- Não.
Você não pode fechar os olhos...
Mas os olhos dela estavam fechados. Meneou a cabeça. Não queria pensar nem falar, queria apenas sentir. O sol, a terra, o céu estavam dentro dela, estrelas
explodiam, e ela nunca esperara que nada pudesse ser tão sensualmente, sexualmente, selvagemente... bom.
Jade acordou ensopada de suor, com lembranças que a fizeram enrubescer, confusa. O quarto estava imerso em sombras. Era ainda muito cedo, pensou, sonolenta.
O sol ainda não nascera. Escutou ruídos estranhos. A televisão estava ligada.
Afastou os cabelos úmidos e embaraçados dos olhos e espiou a televisão. Sim. O filme erótico que começara a ser exibido no respeitável canal a cabo na noite
anterior ainda não havia terminado. Balançou a cabeça, espantada consigo mesma. Constrangida.
Estendeu a mão, certa de que Rick estaria a seu lado. Sabia que ele chegara à noite, e que seus medos tinham sido ridículos. Ele era perfeito. Tudo o que desejara
em um homem, inteligente, bondoso e... Conseguiria encará-lo?
- Rick... - Virou-se, mas não o encontrou. Franzindo o cenho, começou a se levantar. A camisola preta estava no chão. As cobertas, emaranhadas na cama. - Rick?
Ele teria se levantado para fazer café? Ou, como para ele ainda era noite, teria pegado uma cerveja?
Jade saiu da cama, foi até o banheiro, vestiu o robe e dirigiu-se à sala.
- Rick?
Sem resposta. Logo ela ouviu a chave na fechadura, e ele entrou, parecendo esgotado. Encarou-o, e ele a fitou, tocando a gola de seu roupão.
- Me desculpe.
- Rick? - ela sussurrou. - Você...
- Eu lhe disse que chegaria muito tarde. Ou cedo - ele se desculpou. - Não deveria ter vindo, Jade. Está muito tarde, e a noite foi terrível. Estou me sentindo
cada vez mais doente, e mal consigo parar em pé. Acho melhor ir para casa.
- Para casa? Mas... você... não estava aqui?
- Você acabou de me ver abrindo a porta.
Ela sentiu o corpo gelar, e achou que desmaiaria.
- Jade?
Ela mal ouviu sua voz. O mundo preencheu-se de... névoa.
E ela desfaleceu.

Janice Detrick bocejou. Gostava do turno da manhã no hospital, mas naquele dia estava cansada.
Vira alguns funcionários na entrada da emergência. Todos falavam do horrível acidente que quase decapitara um rapaz. Coisas estranhas estavam acontecendo,
como aqueles assassinatos em Nova York. Não que Nova Orleans fosse um lugar comum, mas, nos dias atuais, o vodu fazia parte da indústria turística. Claro que sempre
havia aqueles que o encaravam como pura religião, que acreditavam em zumbis, no poder de ressuscitar os mortos, de lançar feitiços e maldições, de fazer coisas esquisitas.
Ser enfermeira não era esquisito. Ao contrário, era comum e monótono. Ela era uma boa profissional.
Dirigiu-se ao terceiro andar, onde trabalhava no setor cirúrgico. A equipe da noite estava se preparando para a troca de turno. Como de costume, as enfermeiras
que chegavam conversavam a respeito dos pacientes com as que estavam saindo. Enquanto se atualizava a respeito de seu pequeno paciente, Janice achou ter visto algo.
Uma sombra escura passando sobre o posto de enfermagem. Teve a estranha sensação de... asas.
Tolice. Pegou o corredor à esquerda do posto. Ali havia sombras. As luzes da área de trabalho esmoreciam, e ainda não havia amanhecido, os medicamentos ainda
não estavam sendo ministrados, e o desjejum não seria servido na próxima meia hora.
Ainda assim, algo pareceu atraí-la para o estoque, mas ela se deteve no corredor. Ali, bem à sua frente, havia um homem. Ele parecia estar na sombra. Ou ele
era a sombra. Usando uma capa? Quem era ele, e o que estava fazendo? Seria o paciente sonâmbulo? Não, o sr. Clark tinha setenta anos, e aquele homem era jovem e
forte. De repente, ele se contorceu, como se estivesse sentindo muita dor.
- Deixe-me ajudá-lo - ela ofereceu.
Teve certeza de que ele nunca estivera em um dos quartos. Se o tivesse visto antes, teria se lembrado. Ele era diferente. Atraente, viril, admirável... Mas
estava pálido e ferido.
- Está machucado - ela disse, e a compaixão suplantou qualquer inquietação.
Por um instante, ele sorriu. Um sorriso estranhamente charmoso.
- Bobagem! Você deveria ver o outro sujeito. E então... eu achei que estava bem e parei para ver essa garota... Muito esforço, não é?
- Deixe-me ajudar você! - Tentou pôr o braço dele sobre seu ombro.
- Não! Afaste-se! - ele pediu. A voz era profunda, rouca e autoritária.
- Está ferido.
Por um instante, achou que via os olhos e o rosto dele. Estava tão pálido! Ele sorriu outra vez, mas o sorriso logo se apagou. Os olhos estavam focados em
seu pescoço.
Um arrepio de medo lhe percorreu a espinha, mas ela parecia hipnotizada. Achou que ele ainda sorria, apesar do olhar cortante fixo em seu rosto. Era um sorriso
triste. Ele não pretendera ser visto, pensou. Seu coração batia com força, suas veias pulsavam. Era como... música.
- Vá! - ele ordenou, mas ela não conseguiu se mover. - Vá! - ele repetiu, afastando-a. - Estou ferido. Vá buscar ajuda.
Janice deu alguns passos, mas parou ao ver que ele caía no chão. Precisava conseguir ajuda. Ele era grande demais para que o auxiliasse sozinha. Virou-se e
foi atrás de Jasper, um dos enfermeiros, que acabara de chegar.
- Jasper, rápido, temos um homem ferido! - ela exclamou, aproximando-se do posto de enfermagem. - Ele é muito pesado. Venha me ajudar!
- Claro - ele concordou, seguindo-a.
Quando chegaram ao local, o estranho desaparecera sem deixar rastros.
- Ele não devia estar gravemente ferido - Jasper comentou.
- Eu juro que ele estava aqui.
- Eu acredito. Talvez estivesse baleado.
- Não pode ser. Não há uma mancha de sangue em lugar nenhum.
- Ei! - Jasper exclamou de repente. - Olhe.
A porta para o estoque, sempre trancada, estava aberta. Os medicamentos e o sangue que utilizavam para transfusões eram mantidos ali.
Eles se entreolharam e entraram juntos no aposento, que estava devastado, como se tivesse sido atingido por um furacão. As prateleiras haviam sido quebradas,
os armários revirados, as gavetas esvaziadas. E os frascos estavam espalhados por toda parte.
- Jasper...
- Janice... - ele sussurrou, fitando-a com os olhos arregalados. - Não sobrou uma gota de sangue aqui!

Pouco depois das sete horas da manhã, Lucian estava sentado à sua mesa no restaurante. Seu rosto estava limpo, o cabelo, cuidadosamente penteado, as feições
revelavam cansaço.
Jade não se encontrava no Café du Monde, e Cathy não aparecera para trabalhar. Na verdade, não esperara nenhuma das duas. Estava ali por causa de Daniel. Exausto,
após o dia clarear, vira o rapaz sair do necrotério e o seguira, ciente das amizades dele. Ambos gostavam do mesmo restaurante. Observou Daniel passar os dedos pelos
cabelos, pressionar as têmporas e menear a cabeça repetidas vezes.
Quando a garçonete que o atendia, uma garota chamada Shelly, aproximou-se, Lucian perguntou sobre Cathy. Ela não iria trabalhar aquela manhã, mas a moça não
sabia o motivo. Percebendo que Daniel acompanhava sua conversa com a moça, Lucian olhou para ele, que sorriu de leve.
- Desculpe, não pretendia me intrometer, mas notei seu sotaque. Você não é daqui.
- Não - Lucian retrucou.
- É inglês?
- Escocês.
- E britânico, de qualquer forma.
- Há uma pequena diferença. Pergunte a qualquer escocês ou inglês!
- Certo. Escocês - repetiu Daniel, assentindo. Concordaria com qualquer coisa. Queria companhia, alguém com quem conversar.
- Você é daqui? - Lucian indagou.
- De uma cidade próxima, Metairie.
- É uma boa cidade.
- Sim. - Daniel hesitou um instante antes de fitá-lo intensamente. - Tive uma noite difícil.
- É mesmo? - Lucian indicou a cadeira vazia à sua mesa. - Sinta-se à vontade para me contar.
Daniel levantou-se com tanta rapidez que derrubou a cadeira. Corando, ele a ergueu, pegou seu café e juntou-se a Lucian.
- Daniel Thacker - apresentou-se, estendendo a mão para cumprimentá-lo.
- Lucian... DeVeau - acrescentou após uma hesitação. O nome soava estranho em seus lábios. Fazia muito tempo que não o usava.
- Não é um nome escocês.
- Francês. Normando, na verdade. Cerca de mil anos atrás, minha família se mudou para o Norte. Um antepassado saiu de Reims em um navio mercante, foi atacado
por escandinavos e se uniu a eles na busca por riquezas célticas. Estabeleceu-se lá.
- Interessante - murmurou Daniel, encarando-o.
Lucian repreendeu-se. Raramente oferecia informações a respeito de seu sobrenome.
- Já vi você antes? - Daniel perguntou.
- Talvez. Venho aqui às vezes.
- Eu também. Sinto como se o conhecesse. Ei, isso soou estranho! Não estou tentando... Quero dizer, tenho uma namorada. Bem, tinha, porque ela terminou comigo,
mas...
- Não se preocupe - Lucian tranquilizou-o, divertido.
- Estou tentando ser escritor. Acho que tenho talento, e meus amigos também acham. São escritores bem-sucedidos.
- Deve ir em frente! Eu mesmo gostaria de escrever.
- O que você faz?
- Viajo.
- Ah, você é rico. Tem um castelo no seu país, ou um título de nobreza?
- Não exatamente. - Lucian inclinou-se para a frente. - Então, por que está tão aborrecido?
- Oh! Eu... hum... eu... tenho um emprego esquisito para conseguir pagar minhas contas. Trabalho no necrotério. É interessante, e eu aprendi muito, mas...
ontem à noite, tivemos uma vítima de acidente. Um rapaz, que saiu pelo pára-brisa do carro.
- Retalhado, imagino?
- Sim. Mas o mais terrível foi... - Ele olhou para baixo e inspirou fundo. - Foi a cabeça. Estava... separada do corpo, mas não completamente. Estava pendurada
por pedaços de carne e tendões, e... havia sangue, mas não muita quantidade, e os olhos... Meu Deus, ele viu o que ia acontecer...
Lucian imobilizou-se por um instante, mas logo perguntou:
- Estão convencidos de que foi um acidente?
- O que mais poderia ser? Encontraram o carro esmagado contra uma árvore. O motorista tinha atravessado o pára-brisa. Aconteceu não muito longe daqui, perto
do Cemitério Saint Louis. Foi terrível! Nunca vi nada como os olhos daquele rapaz,
- Você deveria ir para casa dormir um pouco.
- Não estou muito cansado. Ou talvez esteja. Parece que não consigo me livrar daquela imagem. - Daniel olhou para ele. - Sim, estou cansado, mas não consigo
dormir.
- Consegue, sim.
- Eu...
- Você consegue.
- Sim, obrigado. Vou para casa agora. Dormir. - Levantou-se. - Foi um prazer conhecer você.
Lucian assentiu e observou-o sair do restaurante.

Quando Jade acordou, estava no sofá, com Rick a seu lado.
- Você está bem?
Uma sensação de pânico apoderou-se dela. O que dissera e fizera? Nada. Ele tinha entrado, chegara bem tarde e não estivera lá antes. Ela desmaiara. Sonhara
que tinham estado juntos.
Não era ele!
Mas sim, tinha que ser ele! Quem mais permitiria que entrasse em um sonho como aquele?
- Você está mesmo aborrecida, não é? Eu não a culpo.
Aborrecida? Estava enlouquecendo, isso sim!
- Eu... hum...
- Sem querer ofendê-la, mas sua aparência está péssima. E eu estou me sentindo muito mal.
Sua aparência estava péssima? Acreditava nele, assim como acreditava, que ele não se sentia bem. Rick estava fatigado. Nunca o vira daquele jeito. Estendeu
a mão e acariciou-lhe o rosto.
- Você deve estar exausto. Teve uma noite difícil?
- Terrível. Até seu amigo Danny ficou enjoado. - Olhou-a, constrangido. - Veja, eu nunca estive tão excitado com o fato de alguém querer estar comigo, mas...
acho que devo ir para casa. Estou mesmo péssimo. Quero que a nossa primeira vez seja especial, fazê-la perceber que o mundo nunca mais será o mesmo sem mim. Mas
não tenho certeza de conseguir isso no momento.
- Eu entendo. Eu... também não tenho certeza de poder corresponder.
- Você não conseguiu dormir. Teve pesadelos?
- Hum, sim, sonhos. Não era mentira, era?
- Pedi detalhes da cena do crime em Nova York. Gavin receberá as informações hoje. Quando eu acordar, podemos ir à delegacia juntos para ver o que ele conseguiu.
- Obrigada, Rick. Você parece exaurido. Se quiser, pode dormir aqui.
- Preciso ir para casa. Quero roupas limpas. Depois do necrotério... Sinto muito.
- Não, está tudo bem.
- Vou compensá-la.
- Não, sou eu quem vai compensá-lo.
Rick levantou-se e se deteve ao chegar à porta.
- Mesmo durante o dia, mantenha as portas fechadas. Os assassinatos aconteceram longe daqui. Existem muitos loucos no mundo, e não há motivo para pensar que
isso faça parte da mesma insanidade, mas mesmo assim...
- Ei, estamos em Nova Orleans. Sou uma garota esperta. Sempre mantenho a porta fechada.
- Está bem. Até mais.
Ela roçou-lhe os lábios com um beijo leve e sentiu-se estranha, como se o tivesse traído. Ou como se estivesse traindo outra pessoa com ele.
- Rick... - murmurou, experimentando sentimentos de culpa e vergonha. - Sabe que amo você, não é?
- E eu adoro você. - Ele sorriu e tocou-a no rosto antes de sair. - Tranque a porta.
- Certo.
A porta se fechou.
Rick escutou-a trancar a porta. Caminhou pelo corredor, mas logo parou e olhou para trás. Idiota! Volte.
Aquilo era loucura. Esperara tanto tempo... Jade era uma pessoa forte, mas ficara fragilizada pelo horror que testemunhara na Escócia. Ele compreendia. Apaixonara-se
por ela e decidira aguardar. Ela nunca o manipulara. Desde o princípio fora honesta, carinhosa, divertida e encantadora.
Podia esperar um pouco mais. Ela não estava bem, e ele se sentia péssimo. Grande parte do problema fora o cadáver, mas começara antes disso... quando aquela
mulher na rua lhe pedira informações na noite anterior, em seu caminho para a casa de Jade. Era muito bonita, uma turista atraente e perdida, com um sotaque suave
e um jeito que levava um policial a desejar não apenas indicar-lhe o caminho, mas levá-la pessoalmente. Ela espirrara, ele devia ter pegado algum vírus.
E agora estava péssimo. Inútil. Ainda assim... Conforme se afastava da casa de Jade, tinha a estranha sensação de que deixara alguma coisa intangível escorrer
por seus dedos e que, ao fazer isso, perdera algo. Um estranho medo apertou seu coração.
Volte!, uma voz o instou. Porém, decidiu afastar todas aquelas sensações esquisitas. Afinal de contas, era um policial, pelo amor de Deus!

A jovem sentou-se diante de Lucian, na cadeira que Daniel Thacker desocupara pouco antes. Ele a fitou, surpreso por vê-la ali. Talvez não devesse ter se surpreendido,
nem se importado. Tivera sua cota de escuridão e crueldade, e não havia nada diferente a respeito do que era agora: um sobrevivente, aquele que fazia a lei ser cumprida,
que mantinha o equilíbrio.
Mas o mundo mudara para ele naquela noite, na Escócia. Sentira de novo a ameaça de seus inimigos pela primeira vez em eras. Haviam travado uma batalha, e ele
ganhara a luta, mas estava ciente de que era uma guerra e, para eles, uma busca por vingança. Conhecia sua própria força e seu poder, que fora brutalmente conquistado.
Mesmo assim, havia outra sensação que experimentava de novo, algo que em determinado momento conseguira afastar, como a seus inimigos: o medo.
- Era você ontem à noite, não? - a moça indagou.
- Não sei o que quer dizer.
- Sabe, sim. Tenho certeza de ter visto você... Estava apavorada, sabendo que seria assaltada ou morta, e você... o deteve. A sombra, o medo, os passos. Ele
não me alcançou. Você me disse para correr. E eu corri tão rápido! Cheguei ao carro, entrei, liguei o motor e saí voando dali. Eu teria sido assassinada se não fosse
por você.
- Você foi seguida.
- E você salvou minha vida.
- Não deveria sair daqui tarde da noite sozinha.
- Não farei isso nunca mais. Deus, você é maravilhoso! Ele se levantou, impaciente.
- Não, Cathy, não sou maravilhoso, mas você tem de me escutar agora. Precisa ser muito cuidadosa. Sair durante o dia, ter cuidado à noite, andar sempre em
grupos. - Agitou um dedo sob seu nariz. - E não convide estranhos para nada, entendeu?
Ela assentiu, espantada com sua ferocidade. Lucian virou-se e saiu para a rua, ansioso para afastar-se. O sol brilhava muito. De repente, dobrou-se ao meio,
atingido por uma excruciante agonia. Precisava ir para casa. Imediatamente. Tinha de descansar. Sua força era admirável, mas o sol brilhava demais naquele mês de
outubro.
Você deveria ver o outro sujeito!, ele dissera mais cedo.
E era verdade. Agora sabia que eles estavam ali. Tinham sido os responsáveis pelo massacre em Nova York, e haviam ido até ali. Da última vez, ele os destroçara,
mas eles se curaram. Ainda não vira Sophia, que se mantinha distante, pronta a sacrificar aquele tolo, Darian. Conseguira afastá-lo de Cathy, mas ele escapara.
Lucian ainda podia ouvir a voz do adversário.
Quem você pensa que é? O que você pensa que é? Para os outros, você é menos horrendo e repulsivo?
Sou o rei, o governante.
Vai ter de brigar para se manter no poder.
Farei isso.
Você enfraquece, eu fico mais forte. E ela se torna ainda mais forte.
Tolo. Nunca será mais forte que eu! Não permitirei que isso aconteça. Para si mesmo, acrescentou: Porque meu ódio é maior, minha amargura é mais profunda:
Manterei o poder com minha força de vontade, e não é a fraqueza que me governa, ou uma consciência, mas inteligência, lógica e desejo de sobreviver.
Somos o que somos, Darian provocou. Caçadores. Lobos. E lobos caçam ovelhas.
Não quando há carne, nem quando caçar trará sobre nós a vingança centuplicada dos fazendeiros que possuem as ovelhas. Você viu através dos tempos. Todos lutaremos
para sobreviver. Os fazendeiros, com tanta ferocidade quanto nós:
Está ficando tolo, sentimental e fraco. Nós esperamos o momento propício, nos curamos, nos fortalecemos. E, no final, nós o venceremos, e eu serei rei. Ela
o fez e vai desfazê-lo também. O que ela criou, pode destruir.
Nunca... Você acha que conhece o ódio? Não tem idéia do que é o ódio, a fúria, a perda...
Por você achar que a encontrou de novo, acredita que tem uma alma. Você vê Igrainia naquela mulher. Mas o que ela veria em você? É uma criatura da noite, sórdida,
repugnante, abominável. Pecou como poucos, devastou, matou... Você é escuridão, morte, o próprio fogo do inferno...
Sua cabeça estava quase explodindo. Lucian cerrou os dentes e se endireitou. Raramente precisava de ajuda. Não tinha ninguém próximo.
O talismã! Ela devia estar com o talismã outra vez. Diabos, o sol brilhava! Precisava do lar que mantinha ali, de um lugar escuro para descansar... Não, precisava
mais do que estar em casa, precisava de ajuda. E, apesar de ter jurado que manteria distância, tinha uma velha amiga na cidade...
Caminhou com a multidão, e então se transformou em sombra.

A luz do dia, Jade convenceu-se de que precisava de um psiquiatra. Tentou analisar a si mesma, e concluiu que estava frustrada e temerosa desde a viagem à
Escócia.
Sem querer estender-se em seus pensamentos, decidiu ir até a delegacia. Gavin, um amigo de Rick, trabalhava no setor de Homicídios, e era uma excelente pessoa.
Se soubesse de algo, com certeza lhe diria. Quando estava de saída, Renate surgiu à sua porta.
- Estava saindo?
- Sim.
- Achei que Rick estivesse aqui.
- Ele estava, mas já foi embora.
- Eu esperava descobrir mais a respeito do rapaz que morreu no acidente.
- Sinto muito. Ele não está aqui. - Não revelou que iria até a delegacia, pois não queria que Renate a acompanhasse.
- A história do acidente está no jornal. Havia álcool no sangue do rapaz. Não que tenham encontrado muito sangue, nem mesmo no carro ou na árvore em que ele
bateu. Ele não deveria estar dirigindo. Tinha bebido e batido na namorada... Sei que Rick gosta dos jovens, que se orgulha de seu trabalho, mas aquele... Jade, fazia
menos de seis meses que ele freqüentava a faculdade e já estava metido em problemas sérios. Estou lhe dizendo, esse menino era... não era boa coisa.
- Ainda assim, é uma morte terrível. E, se ele era jovem, poderia ter mudado, ter deixado de ser um delinqüente.
- E também poderia ter matado outras pessoas.
- Renate, de vez em quando...
- Eu deveria tentar ver o lado bom, eu sei. Mas eu escrevo histórias de mistério, em que acontecem crimes. Faço pesquisas, e sei que as pessoas podem ser más
com mais freqüência do que podem ser boas. Mesmo pessoas que acreditamos ser boas provavelmente não seriam tanto assim se achassem que não seriam punidas.
- Existem pessoas boas e más, e muitas tonalidades de cinza no meio.
- Sei...
Para alívio de Jade, o telefone começou a tocar.
- Com licença, Renate, mas tenho que atender.
- Certo. Bem, se conseguir alguma informação boa, vai me contar, não?
- Claro.
Jade fechou a porta e correu para o telefone. Porém, quando alcançou o aparelho, a secretária eletrônica já havia sido acionada.
- Alô! - ela disse rapidamente.
- Jade MacGregor? - Era uma voz feminina, suave e baixa.
- Sim?
Silêncio. E então um clique indicou que a mulher desligara.

Ele poderia ter entrado, mas não o fez. Hesitante, permaneceu diante da bela mansão. Não pretendera voltar ali, nem ver Maggie. A história que haviam vivido
juntos fora longa e rica, mas acabara. Achara que um dia escutaria a respeito da morte dela, uma avó já idosa, e que retornaria para jogar rosas em seu caixão. Ela
conseguira o que queria: uma nova vida. E a certeza da morte.
Ficou ali por diversos minutos até se lembrar de que precisava bater à porta, o que logo fez. Maggie surgiu e ofegou ao ver seu estado.
- Você!
- Sim, sou eu. Sinto muito.
- Meu Deus...
- Eu não vim interferir na sua vida. Há problemas surgindo e...
Olhando para o sol intenso, ela o puxou para dentro pelo ombro.
- Venha, seu tolo. Meu Deus, você está horrível!
Eram velhos amigos e velhos inimigos. Ela podia dizer-lhe aquilo. Sorriu e, pela segunda vez naquele dia, disse:
- Você deveria ver o outro sujeito!
- Eu tive medo ao ver no jornal as coisas que estão acontecendo aqui... Vi as reportagens a respeito dos assassinatos na Escócia. E agora em Nova York. Lucian,
o que está acontecendo?
- Rebelião. O passado se erguendo. Um passado que eu fiz o possível para enterrar para sempre. Nunca expliquei para você como me tornei...
- Lucian, você não teria me explicado nada. Você era o poder, e ditava as regras. Mas eu escutei coisas ao longo dos anos. Vampiros falam - ela provocou. -
Aparentemente a morte não faz nada para deter a necessidade de fofocar.
- Você ouviu falar em Sophia?
- Sim.
- Ela despertou, e Darian, seu lacaio, a protege.
- Você lutou com ele?
- Sim.
- Mas ele não está...
- Morto? Não - admitiu com amargura.
- E você não pode matá-lo, certo?
- Não pelas leis antigas, das quais eu sou o guardião. Mas a depravação deles pode prejudicar a todos nós e, sendo esse o caso...
- Você pode distorcer a lei.
- Sim. Mas eu me arrisco a uma insurreição.
- Eu nunca vi ninguém com a sua força.
- Darian acabou de escapar. Talvez eu tenha sido confiante demais. Na Escócia, eu não sabia, até que chegássemos às tumbas, que ele estava com Sophia. Eu feri
os dois ali, mas não o suficiente. Eles têm se preparado, reunindo força, bebendo quantidades enormes de sangue. Sophia passou séculos fortalecendo-se para me derrubar.
E havia um talismã... um medalhão de ouro, que ela sempre usou, preenchido com o sangue de um anjo caído.
- E onde esse talismã estava?
- No fundo do mar.
- Quando ela...
- Recuperou-o? Não sei. Não tenho certeza se ela está de posse do talismã, mas ela alegava que era sua maior fonte de poder. Qualquer que seja o motivo, ambos
se curaram e recobraram a força.
- Você precisa dormir e se recuperar.
- Não posso revelar fraqueza - ele murmurou. Estava exausto.
- É verdade. Não pode. - Tocou-o com gentileza no rosto. - Você aprendeu tanto... Aprenda a confiar em uma velha amiga. Foi por isso que veio até aqui, não
foi? Entre.
Lucian assentiu e entrou na casa dela, um lar normal, repleto de calor, com um aroma delicioso e tentador vindo da cozinha, o chorinho de um bebê, a maciez
de um colchão, o conforto de um travesseiro.
- Trouxe terra? - ela indagou. - Um pouco do velho país?
- No meu bolso.
- Quarto de hóspedes.
- Obrigado. Tenho de explicar que...
- Mais tarde. Durma agora. Você parece precisar de algum tempo para se curar. - Fitou-o com cautela. - Já se... alimentou?
Maggie soara um pouco temerosa?, ele se perguntou. Ela vivia uma vida diferente agora. Sorriu.
- Sim.
- Lucian, por favor, diga-me que você não tem se aproveitado dos inocentes. Diga-me que tem mordido ditadores corruptos, assassinos condenados, pedófilos...
- Eu não me alimentei de ninguém. Fui ao banco de sangue no hospital.
- Tenho certeza de que isso estará nos jornais amanhã - ela comentou, sorrindo. - Bem, eu me casei com um policial, lembra? Você pode muito bem ser o que se
situa entre todos nós e a insanidade total. Durma. Precisará de toda a sua força. Mais tarde Sean estará em casa. Ele saberá mais e poderá ajudá-lo. E você... poderá
ajudá-lo. Agora, venha comigo.
Eles subiram a escada.
- Você feriu Darian o suficiente para ganhar algum tempo?
- Sim. Não acho que ele arriscará outro encontro comigo tão cedo. Mas ele não está sozinho. Tem, pelo menos, Sophia.
- Ainda assim, ferido... Você tem razão. Ele não vai querer brigar com você até que tenha recuperado as forças. Eles devem achar uma presa em algum lugar.
- Temo que isso seja verdade.
- Talvez você consiga encontrá-los. - Sorriu. - Você sempre conseguiu me encontrar.
Os lábios dele se curvaram de leve.
- Eu estava apaixonado por você.
- Se eu tivesse cedido, você teria se cansado de mim em pouco tempo. Eu não era quem você desejava de verdade. Era um brinquedo para você.
- Uma feiticeira, que de repente precisava de orientação.
- Durma um pouco. Conversaremos mais tarde.
No conforto escuro do quarto de hóspedes, Lucian se atreveu a fechar os olhos e dormir. E foi então que os anos voltaram... décadas, séculos, eras.
Sua anfitriã, observando-o, afastou com ternura o cabelo de sua testa. Lembrava-se de um tempo em que o odiava. Ele tivera sua época de poder absoluto, tão
autocrático e exigente quanto qualquer governante versado no direito divino dos reis. Ele tomara o que quisera, ensinara, zombara, exigira... e a resgatara, arriscando
a própria posição.
No sono, ele era deslumbrante. Alto, esbelto, musculoso, com o cabelo liso e escuro caindo no rosto, mesmo ela tendo acabado de afastá-lo. Sua face era impressionante...
seus olhos. Como se lembrava daqueles olhos! Seus lábios se moveram.
- Igrainia - ele sussurrou.
E Maggie soube. Até os vampiros sonhavam. Com os dias mortais do passado.



Capítulo II



985 d.C.
Costa Centro-Oeste, Escócia.
Navios vikings no horizonte! Oh, Deus! Eles navegam no horizonte.
Lucian ouviu os gritos enquanto observava delicados trabalhos em ouro no mercado. Igrainia, que estava a seu lado, acabara de emitir um gritinho deliciado
ante a beleza da jóia em forma de cruz. Tendo pechinchado o preço com o artesão, ele mal colocara a peça ao redor do pescoço dela quando ouviu o alarme. De onde
estava, viu o mastro alto do navio se aproximando acima dos penhascos.
Conhecia o significado daqueles navios no horizonte. Como o de muitos escoceses ao largo da costa, seu sangue era mesclado ao dos antigos invasores, principalmente
normandos, ingleses e nórdicos. Embora os ataques tivessem diminuído nos últimos cinqüenta anos, ainda eram freqüentes, pois havia grandes prêmios a serem buscados
na costa. Ali, as pessoas, lideradas por monges e seus alunos, criavam joias, relíquias para a igreja e ricos manuscritos. Mesmo que os jovens que ganhavam a vida
com dificuldade no solo escarpado não soubessem ler, e que as superstições antigas coexistissem com os ensinamentos cristãos, os padres e clérigos aprendiam a palavra
de Deus nos lindos livros arduamente elaborados pelos monges. Talentosos artistas confeccionavam colares, brincos e anéis, além de outros objetos. Eram, portanto,
muitas riquezas a ser saqueadas.
Quando os gritos aumentaram e iniciou-se a confusão, Lucian agarrou sua esposa pelos ombros.
- Vá! - ordenou.
Os olhos dela encontraram os seus. Eram de um azul-esverdeado, lindos como o mar sob o sol, e revelavam compreensão. Ela deveria correr para os penhascos,
como esposa do líder local, precisava reunir as outras mulheres e crianças e mantê-las afastadas até que não houvesse mais perigo.
- Marido... - ela disse com suavidade e, na ponta dos pés, beijou-o nos lábios. A palavra lhe era preciosa. Virou-se então, incitando as outras a segui-la.
- Mantenham-se fortes, filhos de MacAlpin! - Lucian gritou, lembrando-os do primeiro rei a reunir as grandes tribos da Escócia, formando uma nação que agora
enfrentava a dissidência das colônias vikings, estabelecidas em certas ilhas e terras que haviam tomado de outras tribos. Apesar de serem semelhantes, eram inimigos.
Todos buscavam um sustento, e a violência fazia parte da vida. - Resistam! - bramiu, correndo em meio à multidão para alcançar Malachi, seu imenso cavalo negro.
Montou-o enquanto desembainhava a espada, chamando a atenção de seu povo. - Resistam ou morram e entreguem a esses bárbaros o que é de vocês!
Seus gritos despertaram coragem nos homens, que pararam de correr de um lado para o outro. Aqueles que já haviam lutado como guerreiros pegaram as armas e
os cavalos, os que eram fazendeiros e pastores pegaram seus piques e foices.
- Arqueiros, para o penhasco!
Ele esporeou o cavalo e dirigiu-se até lá, distribuindo comandos e, observando a aproximação dos navios vikings. Eram três, repletos de homens das nações escandinavas,
guerreiros furiosos, aventureiros que acreditavam que a morte na batalha os levaria ao céu, o Valhalla.
- Agora! - ordenou aos homens que haviam escalado o solo escarpado para atacar o inimigo ainda no mar:
Flechas foram disparadas. Os vikings, surpresos com o ataque, gritaram, e muitos morreram.
- Outra vez! - ele comandou.
De novo, flechas voaram, matando muitos invasores. Mas não o suficiente. Os navios alcançaram o ancoradouro, e os inimigos desembarcaram.
Lucian cavalgou em direção à horda que se aproximava, e foi nesse momento que a viu pela primeira vez.
Ela estava em um dos grandes navios, tão ereta, desafiadora e corajosa quanto a figura do dragão na proa da embarcação. Era uma imagem surpreendente, com os
cabelos negros contrastando com os claros da maioria dos homens que se dirigiam à praia. Sob um suntuoso manto de pele, usava um vestido preto, cujo decote revelava
o pescoço gracioso e a curva dos seios, entre os quais pendia uma fina jóia de ouro. O queixo projetava-se para a frente, altivo, os olhos grandes faiscavam com
o fogo da batalha... e com uma ponta de divertimento. Ela ignorava a chuva de flechas que atravessava o ar, assim como os gritos de homens e cavalos, e a agonia
dos que estavam morrendo. Permanecia impassível, envolta no manto de arminho, observando a carnificina sem piscar ou encolher-se.
Um grande guerreiro com cabelos vermelhos atacou Lucian, que baixou sua espada viking de guerra, herdada de um antepassado, e golpeou-o nas costas. Seu pai
lhe ensinara a vantagem de lutar montado contra homens a pé, devido à força do golpe desferido do alto. Portanto, manteve-se sobre Malachi, talhando os que desejavam
derrubá-lo. O ruivo foi seguido por um velho guerreiro loiro, por um jovem e por um homem enlouquecido, que espumava ao lutar. Todos morreram. A água rasa diante
dele tornara-se uma poça de homens, sangue e mar encrespado.
Tenso, aguardando o próximo ataque, Lucian olhou para o navio e notou que a mulher o observava, com os lábios curvados em um sorriso. Só percebeu que não conseguira
desviar os olhos dela quando foi atacado pelas costas. Malachi coiceou um homem, derrubando-o, mas havia mais meia dúzia de guerreiros tentando atingi-lo e, apesar
de sua experiência sobre a sela e de sua fúria com a espada, Lucian foi arrastado de cima da montaria. Lutou ferozmente e, quando perdeu a arma, usou os punhos.
Os atacantes o mantiveram debaixo da água, e seus pulmões começaram a queimar. Conseguiu libertar-se e, tateando a água à margem, encontrou sua espada e tentou se
levantar. A água fria gelava a cota de malha que usava, e tornava pesados seu casaco e suas botas de couro. Pondo-se de pé, constatou que estava cercado.
E pior... De costas para os navios, olhando a praia, viu que os vikings tinham derrotado seus homens. Eles haviam lutado bem, mas os inimigos eram muitos,
e não houvera tempo para esperar auxílio de outros locais ao longo da costa ou do interior. Tinham sido apanhados junto com as mulheres e as crianças que fugiam.
- Desista, chefe, e nós os deixaremos viver.
Lucian escutou a voz melodiosa da mulher, que, estranhamente, não se encontrava mais no navio, mas diante dele. A bainha do vestido preto parecia manter-se
acima da superfície. Imaginou ter recebido um golpe forte demais na cabeça, pois a via pairar acima da água.
- Qual é a garantia disso? - ele quis saber.
- Libertar as crianças... deixar aqueles fazendeiros ir com elas. Soltar as camponesas tolas e as mulheres, com exceção daquela ali. - Apontou para Igrainia.
- Aquela! - disse a um dos guerreiros. - Decapite-a para que ele saiba que seremos inclementes.
Lucian sentiu o coração bater com força.
- Ordene que a soltem ou juro que matarei você. Eu também posso ser inclemente.
- Chefe, eu o acho... curioso. - Havia riso em sua voz. - Vamos negociar. Como ele assim deseja, deixe a moça com a cabeça - falou para seu homem.
- Lucian, não dê nada por mim! Não negocie por minha vida! - Igrainia gritou.
- Ela está pedindo para morrer - afirmou a mulher.
- Não a toque! - ordenou Lucian.
A mulher sorriu lentamente, com crueldade.
- Tentarei me conter. Agora, entregue-me sua espada.
- Deixe-a ir com os outros - ele exigiu.
Após observá-lo por um longo instante, a mulher aproximou-se dele. Não acreditava em tais coisas, mas... ela estava andando sobre a água!
Feiticeira!
Lucian ouviu o murmúrio da multidão. A cristandade chegara às ilhas britânicas havia centenas de anos, mas as superstições persistiam. Ela era algum tipo de
bruxa, que praticava magia negra.
Ilusões! Não acredite no que vê.
- Você não precisa dela. Terá a mim. Ilusão! Negue-a!
Porém, seus lábios estavam pesados, a garganta, enrijecida. As palavras não se formavam. Esforçou-se para desviar os olhos e, por fim, conseguiu falar:
- Não tenho necessidade de uma bruxa como você.
- Está mentindo.
E estava. Ela tinha poder. Algo gerava calor em sua virilha, um desejo que nunca sentira antes. Queria tocá-la. Com a esposa, que adorava, em perigo diante
de si, com uma audiência de guerreiros, fazendeiros e crianças, com Deus acima... ele a desejava. Na água, na terra, na lama. Imediatamente.
Lutou para recobrar a razão.
- Deixe-a correr atrás das crianças.
- Diga-me para ir até você. Convide-me... para conhecê-lo.
- Pode me conhecer, madame, fazer o que quiser, mas deixe a mulher ir!
Ela sorriu, triunfante.
- Soltem-na.
Quando os homens largaram Igrainia, os olhos dela encontraram os seus e, por um instante, ele se libertou do misterioso poder da feiticeira. Deus, como amava
sua esposa! Os olhos, o riso, a suavidade da voz, o amor pelos livros, pela arte... Inclinou a cabeça. Corra! Ajude-me a lutar por minha vida, sabendo que espera
por mim. Igrainia fitou-o por mais um momento antes de ir atrás das crianças.
Lucian sabia que os guerreiros vikings podiam facilmente persegui-los outra vez, pois seus homens estavam mortos, feridos, abalados. Apesar de também saberem
disso, os vikings estavam cientes de que, quanto mais demorassem, maior a probabilidade de outros clãs se darem conta de sua chegada à costa e atacá-los.
- A mulher já se foi. - A bruxa virou-se para Lucian, irritada. - Talvez eu devesse arrancar sua cabeça tola para provar a todos que vamos tomar o que desejamos.
Ele a encarou, raivoso.
- Talvez alguém devesse arrancar a sua cabeça tola para que perceba que o mundo não é seu parque de diversões.
- Sua espada, chefe.
Lentamente, ele estendeu o braço e largou a espada na água. Quando ela assentiu e começou a se afastar, Lucian ouviu um ruído às suas costas. Virou-se, deparando-se
com vikings atrás dele. Sentiu um golpe na cabeça e caiu. A dor deu lugar à escuridão...
Sabia que permanecia em um lugar estranho e de escuridão, conforme o tempo passava. Começou a sonhar, e lutou contra isso. Sofria, sentia-se arder da cabeça
aos pés.
Vou curá-lo...
Ela estava lá, a bruxa de cabelos escuros.
Afaste-se, bruxa vil e fétida!
Ela riu.
Vou curá-lo. Vou lhe dar uma força que nunca imaginou. Você me convidou.
Nunca.
Ah, você me convidou.
Lucian experimentou uma dor que o fez gritar, ao mesmo tempo violenta e extraordinária, horrível e excitante, terrível e extasiante. O suor embebeu seu corpo,
e ele sentiu um prazer profundo e vergonhoso junto com a dor. Estava sendo sufocado pelos cabelos negros e longos, em agonia, tremendo de desejo e, ainda assim,
tinha certeza de que nada daquilo podia ser real. Tudo fazia parte da escuridão e do pesadelo.
Devia ser o golpe que levara na cabeça, pois ela também estava ali. Igrainia. Chamando-o, como num canto de sereia. Encontrava-se na água, com o braço estendido,
a palma virada para cima, tentando alcançá-lo. Os cabelos cor de mel ondulavam às suas costas com a brisa... ou flutuavam na água, não tinha certeza.
Ela podia tocar o mar. Por algum motivo, ele não conseguia.
Igrainia!
Ele gritou seu nome na alma, mas não conseguiu alcançá-la.
Lucian despertou mais tarde, ciente da água batendo no casco de um barco. Sua cabeça latejava, todo o seu corpo doía. Abriu os olhos. Estava deitado na parte
coberta de um navio viking, em uma cama de peles.
- Você está conosco.
Ele a viu, sentada a seu lado.
- Parece que estou vivo.
- Descansou bem?
- Vá para o inferno, madame, e arda lá para sempre.
- Está com fome?
- Não.
Ele mentia. Parecia que suas entranhas estavam sendo roídas. Sentia-se dolorosamente faminto.
- Beba. - Ela lhe entregou um odre.
Lucian queria recusar, mas sua boca estava tão seca que morreria se não sorvesse o líquido. Bebeu, sem pensar no conteúdo, que escorreu por seu queixo e caiu
em sua mão. A gota parecia sangue. Algo dentro de si pareceu se contorcer.
- Onde estamos? - indagou.
- Perto da terra. - Ela se levantou e saiu.
Lucian não sabia por quanto tempo havia dormido e, portanto, não fazia idéia de quanto tinham avançado. Levantou-se, cambaleando.
Falando e rindo, os guerreiros se armavam. De repente, o barulho tornou-se ainda mais alto, homens e cavalos saíam do navio para as águas rasas, em direção
à costa. Apenas alguns permaneceram a bordo.
O povoado despertou com os gritos de guerra altos e selvagens que cortavam o ar da noite. O ataque teve início. A pequena vila de pescadores foi invadida e
saqueada. Lucian escutou orações, dando-se conta de que não eram ditas no gaélico de sua terra natal nem em irlandês.
Norueguês!, ele concluiu. Haviam chegado às ilhas Hébridas, dominadas por líderes vikings. Eles estavam atacando seu próprio povo!
Um ataque cruel e feroz, um massacre rápido e terrível. Preferia lutar, e até mesmo morrer, a testemunhar tamanha brutalidade. Percebeu que os sobreviventes
estavam sendo levados para a praia e que a mulher de cabelos negros andava entre eles.
Estranhamente, àquela grande distância, conseguia identificar nos olhos dos homens o ódio e a ânsia de matá-la, podia escutar os pensamentos deles... Tentando
sufocar esse clamor em sua mente, pressionou as mãos nos ouvidos.
De repente, a mulher puxou pela mão uma menina loira, que estava atrás de um guerreiro de barba branca. O homem reagiu, desembainhando a espada, mas não teve
chance. O golpe certeiro de um dos asseclas da feiticeira separou do corpo a cabeça branca, que caiu na areia. A garota pareceu não ver a morte do pai, pois seus
olhos estavam fixos nos da mulher, que se inclinou sobre o pescoço delicado e mordeu-o.
Lucian ficou horrorizado, mas sua virilha pulsava, os lábios estavam ressecados, suas entranhas se torciam... Tinha sede. Escutava a mulher bebendo, o sangue
jorrando, o coração da garota batendo cada vez mais lentamente. Quando terminou, a mulher jogou o corpo para o lado, e um de seus homens decapitou a menina.
Ela se virou para o navio ancorado e ergueu a mão. Logo, três dos homens que haviam permanecido a bordo surgiram em terra firme, passando a andar entre a multidão
e a selecionar suas vítimas.
Lucian gritou de dor, escutando o jorrar do sangue e o ruído que os homens faziam ao sorvê-lo, sentindo o aroma. Cerrou os punhos, contraindo cada músculo
do corpo, lutando contra o apetite... Porém, forçado a olhar para cima, viu-a sorrir, encarando-o e, de súbito, encontrou-se junto a ela, sem se lembrar de ter se
movido.
Ela estava ao lado de um corpo, para o qual Lucian se recusou a olhar. Segurava a vítima pelos cabelos e lhe oferecia o pescoço. De repente, ele estava ajoelhado.
Tentou fechar os olhos e os ouvidos, mas escutava o sangue fluindo. Estava gelado e faminto, e o sangue quente o saciaria, amenizando a dor excruciante que estava
sentindo.
Morda...
O comando não foi pronunciado em voz alta, mas ele o escutou.
Não.
A mulher mordeu o pescoço da vítima, e o sangue manchou a pele pálida. Ela lambeu e sugou, até que Lucian não pôde mais suportar. Passando os dedos por seu
cabelo, a bruxa conduziu seus lábios ao pescoço que segurava. Ele saboreou o sangue, experimentando a pulsação e o calor. Abriu a boca e, segurando ele mesmo o corpo
em seus braços, bebeu ruidosamente, até ficar saciado... até não haver mais pulso nem calor naquele corpo. Ficou imóvel antes de urrar em uma agonia que vinha da
alma. Era uma jovem mulher. Linda, loira, perfeita, com uma família, um lar, um futuro adiante... Sem vida.
Ao ouvir a mulher rir, largou o corpo inerte, levantou-se e atacou-a, pronto para destruir aquele monstro. No entanto, quando avançou, ela se moveu, fazendo-o
colidir com um de seus seguidores. Foi lançado para trás, surpreso por sua força não significar nada contra aqueles homens. Meio enlouquecido, tentou atingi-la outra
vez. Ela torceu seu braço, assombrando-o com tamanha força, obrigando-o a ajoelhar-se. Praguejou e, ao ser solto, ergueu-se, atacando-a de novo, mas ela reagiu,
lançando-o pelos ares. Quando se levantou, um dos homens o alcançou e derrubou-o. Ele lutou, encontrando alguma força. Afinal, fora um grande guerreiro, um líder.
Atingindo a lateral de uma árvore, caiu na areia da praia. Apoiou-se em um cotovelo e viu, espantado, que os sobreviventes da vila ainda estavam lá. Com os
rostos inexpressivos, eram como cordeiros, alheios àquela batalha e ao horror que haviam testemunhado.
Subitamente, ela estava em pé perto dele, sorrindo.
- Monstro - ele disse.
- O sangue estava delicioso, não é mesmo?
- Não. Ela riu.
- Raramente tem um sabor tão doce. Ela era jovem, uma verdadeira inocente.
O lacaio dela, o homem que interferira na luta, estava a seu lado. Alto, delgado, tinha o cabelo avermelhado e olhos castanho-claros.
- Compreenda que você também é um monstro - ele disse.
- Não. - Apesar de negar, sentia-se doente, pois o sangue fora bom. Saciara-o, aquecera-o, detivera a agonia que o dilacerava, a dor intolerável.
- Levante-se - ela ordenou.
- Não.
- Fará o que digo.
- Nunca serei seu escravo, feiticeira. Como ele. - Indicou o lacaio.
O homem avançou, pronto para atacá-lo outra vez, mas ela o impediu, erguendo a mão.
- Será sim - ela afirmou. - Darian é meu braço direito. Poderoso, protegido... - Tocou o medalhão que usava no pescoço. - Protegido pelo meu poder. Vou permitir
que você exista por enquanto. Talvez aprenda, Não destruímos uns aos outros, é isso o que dizem as leis antigas. Mas eu estou acima da lei, eu sou a lei. Eu o transformei
e posso destruí-lo, se for lento ao aprender.
Lucian sabia o que precisava fazer. Levantou-se e tomou, a espada de um dos vikings que estavam ali. Darian, achando que ele pretendia matar a mulher, puxou-a
para trás, mas Lucian enfiou a arma no próprio estômago. Sentiu uma dor lancinante e caiu de joelhos, escutando-a rir outra vez.
- Darian, leve-o de volta ao navio.
Não teve certeza de como chegou na embarcação. Deveria estar morto, mas não estava. A ferida estava quase curada. Quando ela se aproximou, ele não mais sofria.
Estava apenas cansado.
- O que você é?
- Sou tudo. Seu sol, sua lua, suas estrelas. Sou sua governante, sua deusa.
- Não é nada para mim.
- Você é teimoso, chefe, mas é tentador. Vou lhe dar uma chance. Acho que vai aprender.
- Você me faz vomitar.
Ela começou a rir outra vez, aquele som profundo, terrível e cruel.
- Você me deseja, e mente para si mesmo. Acha que ainda tem uma alma, ou um coração. Não tem. Vai esquecer sua pequena esposa com cabelos cor de mel...
- Esquecê-la? Por você? Esquecer o som de seu riso por causa do cacarejo de uma bruxa?
- Veremos. - Sorriu. - Quer saber o que sou, chefe? Alguns homens me chamam de lâmia. É esse o nome que dão a criaturas como eu no Leste. Dentre os tártaros,
hunos e gauleses, meu nome é sussurrado. Vampira. Mas não sou apenas isso. Sou a mais velha e a mais poderosa: Eu governo, crio e destruo. Tome cuidado, ou vou me
cansar de suas queixas. Acredite em mim, vou destruí-lo.
- Já me destruiu.
- Eu lhe dei poder, e uma vida que vai durar para sempre.
- Sou um homem morto.
- Sua fome o manterá vivo. - Ela o deixou. O lacaio ajoelhou-se a seu lado.
- Ela o deseja agora. Você é um tolo, e ela se cansará de você. E, quando isso acontecer, pode ter certeza de que irei destruí-lo. - Ele também se retirou.
Lucian não conseguia se mover. Não tinha força nem poder. O sol estava raiando. Fechando os olhos, sentiu a mais profunda dor e uma terrível angústia. Achou
que estava morrendo, mas não se importou, pelo contrário, ficou contente. Porém, ele apenas dormiu.

Rick ardia em febre. Nunca estivera tão doente, e justamente quando estava apaixonado. Sorriu, pensando em Jade. Gostaria de estar com ela.
Ele dormia, acordava, tomava remédios. Deixou de distinguir o dia da noite. Assim que conseguisse levantar-se e se vestir, consultaria um médico.
A sede que sentia não parecia ceder, independentemente do que bebesse. Acabara de sair da cama para ir à cozinha quando escutou a campainha tocar. Parou, pois
em geral atendia à porta, mas decidiu que não faria isso naquele momento.
Abriu a geladeira. Escolheu uma garrafa de Bloody Mary e bebeu dois litros de uma vez. Na prateleira de baixo, encontrou carne de hambúrguer, que provavelmente
estava velha. Crua, vermelha e envolta em celofane. Pegou-a, sentindo uma fome tão grande quanto a sede que o afligia. Arrancou o invólucro da carne e começou a
enfiá-la na boca. O gosto não era ruim. Apenas poderia estar mais fresca...
A campainha tocou de novo.
- Droga! Um homem está doente aqui. Vá embora!
Viu de relance seu rosto na superfície de alumínio da cafeteira. Não se barbeara, pedaços de carne crua estavam grudados nos fios loiros em sua face. Meneou
a cabeça, desgostoso, e lavou o rosto. Olhou para a carne que sobrara. Bem, talvez seu corpo doente estivesse precisando de ferro ou de algo parecido.
A campainha ainda tocava.
- Inferno! - Começou a caminhar para a porta, mas mudou de idéia e voltou para o quarto, onde se fechou, pondo o travesseiro sobre a cabeça.
Nunca tirava folga e sempre pagava os credores. O que quer que fosse, precisavam deixá-lo em paz.
Shanna acordou com o telefone tocando, mas a secretária eletrônica foi acionada antes que se levantasse.
Olá, querida, é Liz. Esperava encontrar você em casa. Odeio incomodar, mas tudo bem, vou tentar falar com Jade.
Oh, não! Jade provavelmente estava dormindo com o policial, Shanna pensou. Levantou-se e correu até o telefone.
- Liz, estou aqui.
- Sinto muito, sabe que eu detesto incomodar, mas Peter está com uma infecção no ouvido e a temperatura dele não para de subir. Preciso levá-lo ao hospital.
Seu pai saiu de madrugada, pois está envolvido em uma história para o jornal e...
- Liz - Shanna a interrompeu -, você precisa que eu olhe James?
- Sim, só até eu conseguir falar com seu pai.
- Não precisa falar com ele. Estou indo.
- Ah, obrigada. Não sei o que eu faria sem você.
- Sem problema, Liz. O garotinho é meu meio-irmão. Logo estarei aí.
Shanna tomou uma ducha rápida, vestiu-se e saiu correndo. Em vez de pegar o carro na garagem, preferiu chamar um táxi e chegou ao antigo lar em tempo recorde.
Liz, uma morena bonita e delgada, estava na porta, com Peter nos braços. Parecia aborrecida e preocupada.
- Você não vai dirigir - Shanna decidiu. - Entre naquele táxi e me ligue quando souber o que está acontecendo.
James começou a chorar assim que a mãe foi embora. Shanna pegou-o no colo, levou-o para dentro e leu para ele uma história. Depois, foram até a cozinha, e
ela preparou panquecas.
- Aqui estão, bebê - ela disse, servindo as panquecas frescas.
- Não sou um bebê! - ele protestou.
- Claro que não, Que boba eu sou! Você tem quase três anos.
James apontou para a janela com seu garfo.
- Tem um homem, Shanna.
- Um homem? - Ela se virou. Mesmo ele não sendo um bebê, não conseguia pronunciar bem seu nome. - Não estou vendo ninguém.
- Eu vi! Olhando para dentro.
- Vou verificar. - Shanna saiu da cozinha, passou pela sala de jantar e se dirigiu à porta da frente, que fora deixada aberta. Abriu a porta de tela, foi até
a varanda e olhou ao redor. - Olá! Há alguém aí? Se estiver aí, apareça.
Nesse momento, o telefone começou a tocar.
- Deve ser Liz! - Voltou a entrar e deixou a porta de tela batendo. Correu até a cozinha e pegou o telefone. - Alô!
- Shanna! Estava ficando preocupada. Você está ofegante.
- Corri um pouco.
- Eu me assustei quando você não atendeu. Tantas coisas horríveis estão acontecendo hoje em dia... Estou indo para casa. Deram uma injeção maravilhosa em Peter
e nos mantiveram sob observação por uma hora. Agora a temperatura está normal, e ele melhorou muito.
- Que ótimo! Mas nós estamos bem. Não precisa se apressar.
- Estou exausta. Ficarei feliz em voltar para casa. Mantenha tudo fechado, certo?
Shanna experimentou uma sensação estranha.
- Por quê? Quero dizer, eu cresci aqui, Liz, e a vizinhança é muito segura.
- Eu sei, mas é que... não sei exatamente o quê, mas algo ruim aconteceu na cidade, e seu pai está trabalhando porque eles não têm certeza do que querem na
mídia. Não que estejam tentando reprimir a liberdade de informação, mas houve um assassinato, eu acho, e eles não querem que as pessoas conheçam os detalhes.
- Estamos trancados e teremos cuidado. Até mais.
Shanna desligou e correu de novo até a frente da casa. A porta de tela estava escancarada, convidando qualquer maluco que estivesse passando por ali a entrar.
- Droga! - Rapidamente, trancou as portas e voltou à cozinha.
- Mamãe está vindo com Peter? - James perguntou.
- Sim, ele está bem melhor. Os dois estão voltando para casa.
Ela estremeceu e olhou ao redor. A casa esfriara muito. Não. Estava imaginando coisas.
- Frio, Shanna.
- Ah, frio, é? Vamos acender o fogo e esperar a mamãe.

Agitado, Rick virou-se na cama repetidas vezes. Imagens do garoto que atravessara o vidro do carro e parara na árvore imiscuíam-se em seus sonhos. O jovem
falava com ele:
- Isso dói. Você não sabe o que eu vi. Eu não estava tão bêbado. Só dirigia rápido. Corria. Mas você não pode correr rápido o suficiente, sabe? Não, você não
sabe, não sabe quem eu sou, o que eu vi, como eu corri...
A imagem do rapaz apagou-se de seu sonho febril e, de repente, outro rosto surgiu. Muito melhor. Era a bonita turista de cabelos escuros que lhe pedira informações.
- Olá, Rick. Sinto muito por vê-lo sofrendo.
A voz era gentil e doce. Ela flutuava do lado de fora de sua janela, no segundo andar. De qualquer forma, era muito melhor do que ter o garoto decapitado assombrando
seus sonhos,
- É só uma gripe. Você conseguiu chegar aonde queria naquela noite?
- Estou chegando lá, pouco a pouco.
- Rick! - Era o jovem decapitado, que parecia pairar ao lado de sua cama.
- Vá embora. Ela é um delírio muito melhor.
- Você não sabe, você pode correr...
- Rick - ela disse com suavidade -, está frio aqui fora. Eu preciso entrar.
- Claro. Entre.
O rapaz sumiu de novo. Graças a Deus!
- Eu toquei a campainha, Rick, mas você não atendeu.
- Sinto muito. Estou doente. - Encarou-a, espantado.
- Bem, é claro que você estava com frio. Está nua.
Uau! Ela era deslumbrante. Seios perfeitos, mamilos rosados, cintura fina, quadris arredondados, pernas longas e bem torneadas...
- Você pode... hum... pegar um robe emprestado.
- Não acho que eu vá precisar. - Sentou-se na cama, afastando o cabelo úmido do rosto dele. - Pobrezinho. Está com frio.
- Não. Acho que estou ardendo. E você é uma invenção da minha febre. - Percorreu-a com os olhos. - Normalmente eu não sou tão inventivo.
- Hum, talvez você esteja quente. Sangue quente, oficial? Eu estou com muito frio. Talvez queira compartilhar comigo... - Esfregou nele o corpo, excitando-o.
- Você está fria - sussurrou, sentindo-a mover-se sobre ele.
- E você está quente... - Inclinou-se, engolfando-o.
- Tão quente... Obrigada por ter me convidado para entrar - murmurou antes de beijá-lo. Moveu-se, provocando-lhe espasmos, e beijou-o de novo...
A febre devia ter piorado. As alucinações sumiram. Após pensar em como seus sonhos eram fantásticos, ele perdeu a consciência.
Quando o telefone tocou mais tarde, ele não escutou.

Depois do retorno de Liz, Shanna ficou ansiosa para ir embora. A manhã fora longa, e sentia-se desconfortável, com frio. A parte interna da casa estava mais
gelada do que o lado de fora, e o fogo não melhorara em nada a sensação. Após beijar os meninos, abraçou a madrasta e pegou um táxi.
Ao chegar ao bairro francês, ainda estava tão enregelada que pediu ao motorista que a deixasse em uma cafeteria.
Após fazer seu pedido no balcão, percebeu que alguém parava a seu lado.
Ele obviamente também sentia frio, pois esfregava as mãos. Estava pálido e magro, dando a impressão de que ficara doente por algum tempo. No entanto, era um
homem bem-apessoado e interessante. Fazia-a lembrar-se de uma raposa, talvez fosse astuto como o animal. Os cabelos eram avermelhados, e ele tinha sardas. Era bonito
e sorriu para ela.
- Muito frio lá fora, não? - ele comentou.
A voz era agradável. Profunda, melodiosa... excitante.
- Está muito úmido. - Seu café chegou, e ela envolveu a xícara com os dedos.
- É, acho que sim. Meu nome é... Dave.
- Olá, Dave. Sou Shanna.
- Você é linda.
- Obrigada. - Ela sorriu.
- Sei que sou um completo estranho... mas gostaria de vê-la.
- Pode ser divertido conhecer você.
- Ah, prometo que sou... diferente.
- Aposto que sim.
Ele sorriu, mas de repente começou a tossir e se afastou.
- Sinto muito, acho que estou ficando doente.
- Você deveria estar na cama. E, bem, caso durma um pouco e se sinta melhor, eu vou ao cinema hoje à noite.
Até o momento, ela não tivera a mínima intenção de assistir a um filme. Gostaria de vê-lo de novo, mas não cometeria a tolice de convidar um estranho para
ir à sua casa.
- Tentarei ir. Mas você sabe...
- Meu sobrenome é MacGregor e meu telefone está na lista.
- Ótimo. É um convite?
- Claro. Pode me ligar. - Não querendo parecer muito ansiosa, ergueu a xícara de café para ele e saiu, alegre.
Do lado de fora, olhou para trás e franziu o cenho ao ver que ele dobrava o corpo ao meio. Nesse momento, uma multidão barulhenta de adolescentes passou por
ela, bloqueando-lhe a visão. Preocupada, correu de volta ao café, mas ele já se fora. Como se tivesse desaparecido no ar.

Nos dias que se seguiram, Lucian sofreu sua primeira derrota nas mãos de Sophia.
Um jovem viking, com uma farta barba loira e cintilantes olhos azuis, tornara-se seu professor, seu mentor, seu guia e, por fim, seu amigo. Lucian soube que
a mulher chamada Sophia vivera entre o povo dele por muito tempo, um dos antepassados a trouxera de um ataque às ilhas britânicas anos atrás. Ninguém sabia de onde
ela viera originalmente, mas quando invadiram e saquearam a vila em que vivia, descobriram que haviam pegado muito mais do que imaginavam. Fizeram as pazes com a
cativa, que quase matara todos.
Dois dos vampiros à disposição dela eram bastante idosos. O terceiro homem, Darian, ela tinha trazido de um ataque não muito tempo atrás. Ele era perigoso,
mais cruel do que qualquer guerreiro, astuto, mau. E instruído. Conhecia história, lendas, deuses e feiticeiros.
A tripulação viking navegava os mares com a vampira e com os seguidores dela. Conseguiam vítimas para seus mestres e, em troca, mantinham as riquezas saqueadas,
além de suas vidas e das vidas de suas famílias.
O nome desse viking era Wulfgar. Ele era cuidadoso com o que falava, mas nas ocasiões em que Sophia saía do navio, abaixava a voz e fazia revelações.
Sim, Lucian estava morto, ele informara com pesar. Bem, não exatamente morto. Agora era um morto-vivo. Para sobreviver, precisava de sangue, que podia ser
de animal, quando boas fontes humanas não estivessem disponíveis.
Sophia mantinha alguns de sua espécie com ela o tempo todo, como aqueles três vampiros. Um deles era sempre mais próximo, um protetor, como Darian no momento.
Houvera um líder antes, mas ela se fortalecera e o destruíra.
Havia algumas regras. Cada vampiro podia criar apenas dois outros por século, ao morder a vítima. Eles não podiam matar uns aos outros, nem ser pegos no ato
de vampirismo por qualquer grande poder ou autoridade. Não podiam atrair tamanha fúria contra eles que forças maiores pudessem derrotá-los. Tinham suas fraquezas,
e podiam ser mortos. Sua mordida era infecciosa, com esse toque, criavam outros de sua espécie, mas, por causa de seus apetites, o número precisava ser limitado.
- É por isso que as cabeças devem ser removidas. Caso contrário, muitas vítimas iriam despertar. - Wulfgar encolheu os ombros. - Como você despertou.
- Escutei lendas. Os mortos-vivos se movem à noite. Sophia faz isso tanto de noite quanto de dia.
- Enquanto você fica exausto. Sim, ela é muito forte e idosa. Aprendeu, experimentou... O tempo lhe dará mais força. - Hesitou. - Sangue lhe dá força. E ela
também é melhor e mais poderosa à noite. Algumas vezes, a luz do sol a drena.
- Mas não a mata. Eu ouvi dizer que...
- Há muitas lendas. Algumas são verdadeiras, a maioria, não. Você precisará se alimentar, mas não com tanta freqüência... E poderá viver para sempre.
- Desprezado, detestado, temido?
- Grandes líderes são vistos dessa forma e, ainda assim, gostariam de viver para sempre! Você tem poder, algo que é sempre temido... e odiado.
Naquela noite, houve outro ataque. Lucian permaneceu no navio, escutando os gritos. Sentiu-a convocá-lo e se lembrou de Wulfgar dizer-lhe que ele se fortaleceria.
Era uma questão de vontade. Precisava que a sua fosse maior do que a dela. Conseguiu não responder ao chamado. Ela não tentou forçá-lo, pois tinha certeza de que,
com o tempo, sua fome o levaria à loucura e ele seria obrigado a segui-la.
No dia seguinte, a dor começou. Fome, angústia, uma necessidade tão violenta que seu corpo inteiro doía. Achou que ficaria doente e sentiu sua força abandoná-lo.
Da proa do navio, avistou um golfinho, e suas entranhas se torceram com tanta intensidade que ele quase se dobrou ao meio, cego de dor. Mesmo à distância, sentia
o sangue quente do mamífero.
Foi então que descobriu o próprio poder. Concentrando-se no golfinho, fechou os olhos e se moveu junto com ele, sentindo-lhe o movimento na água. Incitou-o
a se aproximar até o navio. Poderia estender a mão, agarrá-lo... Contudo, ao abrir os olhos, deu-se conta da beleza da criatura e da confiança que depositara nele.
Estava com as mãos sobre o animal e poderia tê-lo puxado sem esforço.
Nade, pensou. Nade para longe.
O golfinho afastou-se depressa, e Lucian sentou-se no chão do navio, tremendo. Não queria pessoas, não queria um mamífero. Sentindo uma dor diferente, olhou
para as mãos. A água salgada o queimara! Água salgada podia matar. Com essa descoberta, voltou para a cama.
Quando dormia, ela o visitava. O dia era o momento. Ele não tinha poder, vontade nem força. Ainda assim, o que ela o fazia sentir! Nunca fora mais viril, nem
chegara a um clímax tão violento. E quando terminava... sentia uma imensa aversão a si mesmo.
No dia seguinte, foi até a proa do navio e considerou a idéia de se jogar no mar. Ficou ali durante horas, pensando, até escutar Wulfgar se aproximar.
- Não faça isso. Não se destrua.
- Por quê?
Wulfgar encarou-o por um longo tempo, imaginando uma resposta. Por fim, encontrou-a.
- Porque você poderia ficar... para destruí-la.
- Um dia, meu amigo, eu poderia me voltar contra você. Perder o controle, destroçá-lo.
- Sim, mas não fará isso.
Ele escutou o assobio do vento e sentiu sua grande força. Havia muitas coisas no mundo que eram más, porém poucas como ela. Viver para destruí-la. Aquilo fazia
sentido.
Mais tarde, naquela mesma noite, sentiu-se contente.
Lucian aprendeu a controlar a fome com ratos, pássaros e outros pequenos animais. Aprendera que o sangue lhe dava força, e aprendera também a se mover com
a mente e a caminhar na água, como ela fizera.
O dia em que se sentiu melhor em um longo tempo foi logo após encontrar um javali. Saíra do navio sozinho, chegara à terra firme e o caçara. Farejara o animal
no ar e sentira-se transformar em um caçador, em um lobo. Correra atrás do javali e o atacara, drenando-lhe até a última gota de sangue. Sabia que desejava sangue
humano e que haveria uma época em que os humanos certos apareceriam diante dele. Fora líder de um povo das Terras Altas, constantemente envolvido em batalhas. Matara
antes, e mataria novamente. Mas, se Deus escutasse uma criatura desprezível como ele, com certeza lhe daria poder e força, pois havia um equilíbrio na natureza e,
caso se tornasse forte, poderia evitar a morte de inocentes.
Eles viajaram pelo mar, provocando destruição da Escócia à Irlanda, Inglaterra e País de Gales. Sophia parou de se divertir ao dar-se conta de que criara um
ser determinado a resistir a ela.
Certa noite, abordou-o.
- Por quê? Você sabe o que é, e não pode voltar atrás. Eu lhe ofereço a chance de governar comigo, de se tornar meu consorte. Sou poderosa, bonita e lhe ofereci
tanto! É um tolo teimoso por me rejeitar.
Dessa vez, fora ele quem sorrira, divertido.
- Você é a tola, mulher ridícula. Acha que tudo o que precisa fazer é tomar, para que um homem, que já foi um ser humano, seja seu. Você não tem noção de beleza.
É horrenda para mim. Não tem ideia do que significa um homem estar com uma mulher. É destituída de amor, de compaixão e até mesmo de razão. Você governa? Não por
muito tempo. Mesmo em nosso mundo, deve haver equilíbrio. Você mata pelo prazer de matar, pelo esporte da crueldade. Se mantiver tais excessos, irá condenar toda
a nossa espécie, e a si mesma!
Afastara-se, sentindo prazer com a fúria que vira nos olhos dela. Mas ela ainda governava o navio e a tripulação viking, e eles continuaram navegando e destruindo.
Um dia, quando o sol estava se pondo e a força da noite se aproximava, chegaram a um vilarejo. Ele sabia que haveria matança. Sofria por quem tinha sido, e
pelas pessoas que morreriam.
Haverá um tempo em que eu governarei. E saberei quem sou, uma criatura, um monstro, um caçador, mas haverá regras para a caça, e elas serão seguidas, e haverá
racionalidade e sanidade, mesmo em meio ao horror...
Ele ouviu os gritos, sentiu o cheiro do sangue, e seu apetite foi despertado. Contudo, resistindo à tentação, permaneceu onde estava. Até que Sophia o chamou,
com a voz provocante e ameaçadora. Foi até a borda do navio, e um horror arrepiante tomou conta dele ao perceber que haviam retornado à sua terra natal. Enquanto
os guerreiros lutavam, Sophia alcançara as mulheres, que corriam com as crianças. Ela agarrou Igrainia.
- Sophia!
Furioso, gritou o nome dela, pronto para ir até a costa. Porém, a batalha terminara, com a vitória dos monstros. Antes que alcançasse a terra, ela retornou
ao navio, com os homens que a seguiam arrastando sua esposa, que tremia, molhada.
- Igrainia... - O nome era um sussurro em seus lábios, uma carícia.
Ela sorriu, um sorriso que dizia que o amor nunca morria, e fitou-o. Os lindos olhos da cor do mar revelavam confiança nele, em sua palavra, em seus pensamentos.
- Ela vai morrer hoje, chefe - afirmou Sophia. Ela ergueu os cabelos de Igrainia, sorriu e entreabriu os lábios, salivando.
Lucian avançou, surpreso com a própria força, e alcançou-a antes que os lábios chegassem ao pescoço de Igrainia. Pegou-a pelo cabelo e pela cintura, afastando-a
de sua esposa. Sophia cambaleou, mas logo recuperou o equilíbrio e atingiu-o com tamanha força que ele foi lançado ao chão. Levantando-se, agarrou-a outra vez pela
cintura, mas levou um pontapé no queixo. Desesperado e enfurecido, socou-a no estômago e, quando ela se dobrou ao meio, atingiu-a no maxilar, fazendo-a gritar de
dor.
Toda a tripulação estava imóvel, assistindo. Ela o fitou e virou-se, deslizando pela extensão do navio até Igrainia. Ele voou atrás dela, não lhe dando tempo
para mordê-la. Sophia, contudo, conseguiu atingi-la com força e lançá-la sobre a proa, no mar.
Lucian agarrou a criatura e atirou-a ao chão com tanta violência que ela permaneceu deitada. No entanto, nada mais importava. Sua esposa estava no mar. Rastejou
até a amurada, pronto para pular atrás de Igrainia, que desaparecera sob as ondas, mas braços fortes o seguraram pelos ombros.
Wulfgar, com os olhos fixos nos dele, disse:
- Não! Você vai morrer...
- Não me importo.
- Mas ela também vai morrer. Nós iremos atrás dela. Nós...
De súbito, Lucian sentiu uma dor intensa e, atordoado, tentou se virar. O lacaio de Sophia, Darian, enfiara uma espada em seu pescoço.
Seu mundo foi invadido pela escuridão.
Quando despertou, a primeira coisa que Lucian viu foi o rosto de Wulfgar.
- Você sobreviveu. É forte. Eles quase cortaram sua cabeça, o que seria o fim.
Lucian sentou-se, esfregando o pescoço, e olhou ao redor. Redes adornavam as paredes. Sentiu o cheiro do mar e escutou o grito de uma gaivota. Aparentemente,
estavam em um pequeno chalé de pescador.
- Onde estamos?
- Na Ilha dos Mortos. O tempo é bravio, e poucos vêm até aqui. Dizem que é um lugar de bastardos, anões, safados, corcundas e leprosos. Foi um lar para os
druidas, bruxas e espíritos. Ninguém vai questionar seu poder.
- Sophia?
- Trouxemos você para cá antes que ela acordasse. Ela acha que você vai morrer. Ninguém acreditou que sobreviveria à profundidade daquela ferida. Sophia ficou
furiosa, pois você a machucou bastante. Teve que dormir envolta em sua mortalha, cercada por pilhas de terra.
- E Igrainia?
- Sabe que ela caiu no mar.
- Sim, mas você foi atrás dela, jurou...
- Eu fiz isso. Procurei, mergulhei diversas vezes... Não consegui encontrá-la, chefe.
Lucian sabia que Wulfgar tentara, mas o pensamento não amenizou a dor que sentia. A escuridão caiu sobre ele, agarrando-o de forma terrível, pior do que qualquer
sofrimento ou agonia que já experimentara. Igrainia. Tudo tinha sido tolerável quando imaginara que, ao menos, suas ações haviam lhe salvado a vida.
- Não se desespere totalmente. Alguns dos homens juram que a viram andando na praia. Ela vem de dia, e desaparece à noite.
- O quê?! Então ela pode estar viva?
- Não sei. Talvez seja seu... espírito.
- Não. Se ela foi vista, é real. Não acredito em fantasmas.
- E por que não? Os escandinavos acreditam em espíritos. Eles nos guiam. Nossos ancestrais nos mandam mensagens por meio das runas. Escutamos nossos oráculos.
Existem muitas forças que não podemos tocar ou ver. Os habitantes locais dizem que ela vem como...
- Como o quê?
- A ilha é irlandesa, meu amigo. E os irlandeses aceitam o fato de você estar morto, mas ainda encontrar-se aqui. E eles crêem no poder da água, do mar. Há
muitas lendas. Sim, você está morto, mas poupou o golfinho aquele dia. Talvez os mestres do mar tenham aceitado Igrainia, e lhe dado uma nova vida.
- O que está dizendo? É louco, homem?
- Eles acreditam em selkies. Mulheres de dia, criaturas do mar à noite. Salvas pelo mar, ou nascidas no mar, elas podem andar pela terra, tocar o homem, mas
então... devem retornar para a água.
- Não. Ela deve ter sobrevivido. Talvez tenha vindo para esta ilha, mas esteja ferida, e não saiba quem é.
- Quem sabe? Talvez você tenha razão, talvez eu esteja certo. Há mais coisas no meu Valhalla, ou no seu céu e inferno, e até mesmo nesta Terra que compartilhamos,
do que qualquer homem um dia saberá.
- Eu não acredito...
- Não acredita? Em espíritos, fantasmas, fadas... ou em sugadores de sangue? Em vampiros? - Wulfgar sugeriu de forma inocente.
- Vou procurar Igrainia até a eternidade.
- Mais tarde, você poderá fazer isso. Por enquanto, precisa recuperar a força.
Ele desejara morrer, mas agora queria viver. Para encontrar Igrainia, se ela ainda vivesse. Para destruir Sophia. Mas Darian o ferira gravemente, e estava
muito fraco. Algumas vezes, mal podia se mover, mesmo à noite. Pouco a pouco, contudo, curava-se.
Cavalgava pela ilha com Wulfgar e tornou-se o líder dos desajustados que ali residiam. Passou a caminhar até a praia durante a noite, quando sua força era
maior. Bebia grandes quantidades de sangue de ovelha. Porém, desejava mais e sabia que, ferido como estava, precisava de mais.
Havia um fazendeiro na ilha que espancava cruelmente a esposa. Lucian escutou as discussões entre eles algumas vezes, durante suas cavalgadas noturnas, quando
procurava mamíferos para atacar. Ela era uma jovem incansável, que trabalhava duro na terra e servia ao marido, um ladrão que fugira da forca em Dublin e a levara
para a ilha.
Certa noite, ouviu-a gritar. Olhou para Wulfgar, desmontou e caminhou até onde o marido a açoitava com um chicote. Atormentado pela fome, Lucian dirigiu-se
até ele, arrancou o chicote de suas mãos e, irado, mordeu-o no pescoço. A mulher observou-o drenar o sangue do homem. Após terminar, ele olhou para a vítima com
repulsa, afastou-se e fitou as mãos cobertas de sangue. Lembrou-se então de decapitar o fazendeiro. A mulher continuava observando. Quando seus olhos encontraram
os dela, a jovem não recuou.
- Obrigada - ela disse suavemente.
- Você sabe o que eu sou. Não tem medo?
- Deveria ter?
- Não.
No dia seguinte, ele teve força suficiente para caminhar até a praia enquanto o sol estava alto, e foi lá que viu sua esposa. Igrainia! Um fantasma? Ele a
chamou.
- Igrainia... - Selkie, diziam os irlandeses. Não acreditava nessas coisas.
Mas poderia tê-la criado com o poder da mente? Ela desapareceria se corresse até lá, para tocá-la, sentir a suavidade de seus cabelos, seu hálito contra o
rosto? Correu, e ela permaneceu onde estava. Era real, carne, sangue e osso. Tocou-a, e seus olhos se encontraram.
-Minha esposa, meu amor... -Tremendo, caiu de joelhos na areia.
- Marido... - ela sussurrou, pondo a mão em sua cabeça. Ele olhou para cima e viu-a sorrir.
- Meu Deus, Igrainia... - Levantou-se e pegou-a no colo, caminhando até o chalé de pescador que transformara em lar. - Como pode estar aqui? - murmurou, deitando-a
na cama. Amava-a tanto e, ainda assim... Sentia seu calor, escutava seu sangue. Nunca poderia feri-la. Ou poderia? A agonia o dominaria? Ele perfuraria seu pescoço
com os dentes, faria amor com ela, roubando seu sangue, seu coração, sua alma?
- Preciso lhe contar...
- Não! - Pressionou o dedo sobre os lábios dele.
- Precisa compreender...
- Eu sei o que você é. E sei que não vai me machucar. - Ergueu os lábios, e se beijaram profundamente. Pressionando as formas femininas contra o corpo, ele
sentiu luxúria e ternura, e era doce experimentar desejo com amor, um desejo profundo, que não dilacerava quaisquer resquícios de alma que lhe tivessem restado,
ao contrário da violência e dos impulsos conhecidos por Sophia.
De maneira insana, tirou as roupas dos dois. Beijou-a nos seios, no ventre, entre as coxas, sentindo-a estremecer, saboreando-lhe a doçura. Pulsando e gemendo,
deliciou-se com as sensações, sentiu-se consumido pelo desejo e pelo intenso prazer e, ainda assim... quase levou os dentes à veia que pulsava no pescoço macio.
Sufocou essa ânsia com todas as forças. Igrainia não parecia consciente disso. Selvagem, com os quadris colados aos seus, os seios contra seu peito, os dedos delicados
agarrando suas costas, os sussurros, as palavras, a úmida explosão...
Ele também atingiu o clímax e, deitando-se ao lado dela, tomou-a entre os braços.
- Achei que tivesse perdido você, que tivesse se afogado. O mar estava frio. As ondas altas, o vento forte. Como pode estar aqui? - ele sussurrou.
- Isso importa? Apenas me ame, como eu amo você.
Ele a abraçou. Quando o sol ficou mais forte, Lucian enfraqueceu. Sentando-se na cama, ela acomodou-lhe o rosto entre os seios e acariciou-o.
- Igrainia. - Ele queria falar. Ficar acordado.
- Durma. Descanse. Cure-se.
Os dedos suaves eram mágicos e, no chalé escuro, ele dormiu. Quando acordou, ela não estava mais ali.

Antes que Jade conseguisse sair, o telefone tocou pela segunda vez. Era Shanna, dizendo que passaria em sua casa, caso Rick tivesse ido embora.
- Na verdade, ele não ficou.
- O quê? E eu saí cedo da cama e fui até a casa de papai bancar a babá apenas para Liz não perturbar seu pequeno ninho de amor!
- Está tudo bem?
- Sim. Peter teve uma febre, mas foi medicado. Eu levantei da cama porque achei que você estivesse ocupada! Vai ter de explicar quando eu chegar aí!
- Shanna...
Ela desligou. Algum tempo depois, ao chegar, estava impaciente e desgostosa.
- Nada aconteceu? Por que Rick foi embora?
- Ele estava exausto e doente. Bem, eu estava indo à delegacia e, como você está aqui, pode ir comigo. Rick pediu a Gavin que descobrisse mais sobre o que
aconteceu em Nova York.
- Ah, meu Deus! Que bem isso vai fazer? Digamos que você esteja em perigo... nem sequer vai se esforçar para dormir com um bom policial! - Shahna meneou a
cabeça, virou-se e saiu. - Não acredito que deixou Rick ir embora.
- Shanna, ele está doente, e sexo não vai melhorar nada. Pare com isso. Está me perturbando.
- Certo, vou deixá-la em paz. Vocês dois podem continuar com essa relação doce, platônica e entediante. Não vou mais torturá-la.
- Promete? - Não.
Andaram até a delegacia, que não ficava longe. Jade sabia que não encontraria Rick, mas ficou feliz ao saber que ele telefonara e dissera que dormiria o dia
todo.
- Ele está com uma gripe horrível - o sargento comentou.
- Eu sei. Vou fazê-lo ir ao médico se ele não melhorar. Você poderia chamar Gavin para mim, por favor?
- Claro.
Gavin Newton era um dos melhores amigos de Rick. Rechonchudo e gentil, era um excelente detetive de homicídios. Após cumprimentá-las, levou-as até sua mesa.
- Ele era mesmo o seu sujeito. Recebi as informações hoje. Vejamos... aqui está o fax sobre Hugh Riley.
Estendeu a Jade uma folha de papel. Nela, havia o nome dele, altura, peso, cor dos olhos e do cabelo e idade. Aparentemente, ao regressar da Escócia, ele trocara
de fraternidade e, para ser admitido na nova, passara por alguns testes. Na última noite, tivera de contar histórias de fantasmas no cemitério. Fora quando os homicídios
tinham ocorrido.
- À meia-noite - Jade murmurou. - Meu Deus, Gavin, é a mesma coisa que aconteceu na Escócia!
- Jade, se houver semelhanças, o FBI entrará em contato com você. Eles serão chamados. - Mexeu nos papéis sobre a mesa, selecionando um jornal. - Você não
é a única que se lembra do que aconteceu. Este repórter comenta o fato de Hugh Riley ter sobrevivido a um ataque na Escócia apenas para morrer em Nova York.
Jade leu rapidamente o artigo e passou-o para a irmã.
- O que você acha? - Shanna indagou. - São as mesmas pessoas?
- Talvez - Gavin admitiu.
- E talvez haja um novo culto no mundo. - Escutaram a voz profunda de Al Harding, o parceiro de Gavin, que se aproximou. - Não tenha medo. Os detetives de
Nova York são excelentes, Eles vão esquadrinhar aquele cemitério atrás de cada evidência e pegarão os malucos!
- Com todo o respeito aos policiais nova-iorquinos, os ingleses da Scotland Yard não são tolos e esquadrinharam o cemitério também, mas não encontraram nada.
Eu imagino se deveria ligar para alguém. Talvez eu possa ajudar.
- E talvez possa apenas reviver um pesadelo - interferiu Shanna. - E quem sabe a mídia divulgue seu nome e, caso isso se trate de um grande culto e alguém
esteja atrás de você, possa se colocar em um perigo ainda maior.
- Vou falar com alguém que esteja investigando o caso - disse Gavin. - E, se alguém quiser conversar com você a esse respeito, pedirei para serem discretos.
Está bem?
- Sim, Gavin. Ótimo. Obrigada.
- Jade - começou Al -, pelo que li e escutei... Você falou a respeito do homem que a salvou e desapareceu, e sobre pessoas que saíram de caixões para atacar
o grupo. Bem, quero dizer, espero que você perceba que... elas eram apenas pessoas doentes. - Ele corou. - Você falou sobre... sobre...
- Vampiros? - Shanna sugeriu.
- Sim - concordou Al. - Você sabe que não pode ir ao FBI falando maluquices como essas.
- Talvez existam vampiros, Al.
De novo, foram interrompidos por outro oficial que entrava. Era alto, bonito e tinha cabelos escuros.
- Ah, tenente Canady, só porque aqueles velhos assassinatos...
- Al, com licença. - Ele andou até Jade, sorriu e estendeu a mão. - Sean Canady. Como vai? Se estamos lidando com um culto, é possível que pessoas que acreditem
ser vampiros estejam envolvidas. E a mente humana é muito poderosa. Poucos irão acreditar que você se deparou com um culto real de vampiros, mas posso lhe prometer
que, se souber de algo, se pensar em algo, se recordar algo, eu ficarei mais do que feliz em ouvi-la.
- Muito obrigada - disse Jade. Shanna deu um passo à frente.
- Ela é Jade MacGregor.
- Eu sei. Vi os artigos a respeito dos assassinatos na Escócia no ano passado.
- E eu sou a irmã dela, Shanna.
- Muito prazer. - Ele sorriu. - Se esses palhaços estiverem debochando de vocês, liguem para mim. Vou escutá-las. - Olhou para Jade. - Vi que Hugh Riley estava
entre as vítimas em Nova York.
- E você lembrou o nome dele dos artigos sobre a Escócia? - indagou Gavin.
- Assassinatos acontecem todo dia, no mundo todo, e você reparou no nome dos sobreviventes de um massacre na Escócia? - Shanna perguntou, desconfiada.
- Sou um detetive.
- E um bom detetive - admitiu Al. - Eles o designaram para o caso do garoto?
- Sim. Haverá uma força-tarefa. Jade, Shanna, foi um prazer conhecê-las. Se houver algo que eu possa fazer, é só falar.
Elas agradeceram, e Sean saiu da sala.
- Aí vai um homem lindo. - Shanna suspirou.
- Ele é casado - informou Gavin -, mas eu estou disponível.
- E você é incrível! - ela apressou-se a dizer.
- Mas você é linda, tem vinte e quatro anos, e eu não. - Ele sorriu. - Se algum dia ficar desesperada...
- Uma garota não teria que estar desesperada - Shanna garantiu com doçura. - E eu teria ido com você ao cinema hoje... se tivéssemos tido essa conversa ontem.
- O que aconteceu desde ontem? - indagou Jade.
- Eu conheci alguém hoje de manhã, na cafeteria, antes de ir à sua casa.
- Você não me contou!
- Eu só concordei em sair com ele. Na realidade, nem isso. Eu apenas disse que ia ao cinema, mas ele estava doente, e pode ser que não apareça.
- Ainda assim, não me contou que conheceu alguém.
- Bem, eu estava ansiosa para saber da sua vida. - Sorriu para Gavin e Al. - A vida dela é bem mais interessante do que a minha. Por enquanto.
- Precisamos ir - disse Jade - e deixar os cavalheiros voltar ao trabalho.
- Ah, Gavin, com as garotas aqui, eu quase me esqueci - falou Al. - Fomos chamados ao necrotério. O legista fez uma descoberta curiosa a respeito do jovem
que morreu no acidente. Vamos?
- Claro, vou apenas pegar minha jaqueta. Não está sendo um outubro ótimo, meninas?
- Sim. Bonito, fresco, agradável - Shanna concordou. - Na verdade, vamos sair agora e comprar algumas abóboras para enfeitar para o Halloween, não é, Jade?
- Claro. Bem, obrigada, rapazes. Até mais - Jade despediu-se.
As duas foram até o mercado de rua comprar as abóboras e voltaram ao apartamento de Jade. Passaram algum tempo esculpindo-as para o Halloween antes que Shanna
anunciasse que tinha de ir, pois precisava se arrumar para o encontro no cinema.
- Jade, aposto que Rick virá aqui hoje. Tente não estragar as coisas - recomendou ao sair.
- E você, não aceite se encontrar outra vez com esse sujeito até sabermos mais a respeito dele.
- Sim, senhora! Tranque a porta.
Shanna mal havia saído quando o telefone começou a tocar. Era Rick.
- Não conseguirei ir até aí hoje à noite - ele falou. - Estive péssimo o dia todo. Dormi bastante, mas agora preciso ir ao necrotério, pois o legista parece
acreditar que há algo errado no caso do acidente.
- Ah, a força-tarefa para a investigação...
- Ei, o que você sabe a esse respeito?
- Shanna e eu fomos falar com Gavin hoje.
- Jade, eu disse que iria com você.
- Eu estou bem. - Ela hesitou antes de prosseguir: - Eu até conheci um policial que acha que pode haver gente que acredite ser vampiro e...
- Sean - ele a interrompeu. - Tenente Canady. Houve alguns terríveis assassinatos aqui em Nova Orleans. Sean participou da solução deles, mas muita coisa não
foi respondida.
- Você parece não confiar nele.
- Não é isso, eu apenas acho que ele poderia reavivar medos antigos e... Ele é um bom sujeito. Só talvez não bom para você no momento.
Ela não respondeu.
- Então você está indo para o necrotério?
- Sim, e de volta para casa. Mal consigo ficar em pé. Você me perdoa por eu estar imprestável?
- Não há nada para perdoar.
- Você é a melhor coisa que já me aconteceu.
- Você também, Rick. Ligue para mim amanhã.
- Ligo, sim.
Ela desligou. Curiosamente, sentia-se... aliviada. Voltou à sala de jantar, onde Shanna e ela tinham trabalhado com as abóboras, secou-as e pôs velas dentro
de cada uma. Ao observá-las, notou que a de Shanna parecia malévola.
Sentiu-se desconfortável e, para sua surpresa, percebeu que estava com medo. Apagou as velas e colocou as duas abóboras na varanda. Ao entrar, deu-se conta
de que estava agitada e decidiu que não queria ficar em casa.
Escutava a música e as risadas que vinham da rua. Aquela era sua cidade. O bairro francês era lindo, e ela conhecia os lojistas da vizinhança e os garçons
das cafeterias. Iria tomar um drinque ou um café.
Escovou os cabelos, pegou uma jaqueta e saiu. Talvez estivesse mesmo precisando de uma caminhada.

Terry Broom era jovem e relativamente novo no trabalho de legista, para o qual fora contratado por Pierre LePont. Após mostrar ao chefe suas descobertas, ele
o orientara a convocar os detetives de homicídios.
Um legista representava a última grande esperança de uma vítima. A tarefa precisava ser executada com o máximo respeito e com muito esforço, a fim de garantir
que o assassino fosse levado à justiça ou de concluir que se tratara realmente de um terrível acidente.
Dessa vez, Terry quase fora enganado pelo que aparentara ser óbvio. Vidro por toda parte, cortes em todo lugar... Era fácil ver como atravessar o pára-brisa
podia causar danos trágicos a um ser humano. Porém, desde que examinara o corpo pela primeira vez, algo o perturbara. Algo além do óbvio.
No momento, cercado por policiais, ele fez um gesto para que o jovem assistente retirasse o lençol. Daniel, pálido, obedeceu. Os policiais ficaram imóveis,
fitando o cadáver. Com um dedo enluvado, Terry tocou a fenda no pescoço da vítima.
- Se observarem minha preocupação... Não acho que a violência e a força com que o garoto foi lançado pelo pára-brisa pudessem causar esses recortes em forma
de dente.
Ao olhar para cima, ele percebeu que todos o encaravam. O tenente Sean Canady, seu parceiro, Jack Delaney e o terceiro policial em sua equipe, Mike Astin,
estavam de um lado da maça. Do outro, Gavin Newton e Al Harding.
O sexto policial não fazia parte do setor de homicídios. Rick Beaudreaux trabalhava com jovens, drogas e relações públicas. Ele explicaria aquela morte para
a família do garoto e para a imprensa. Rick estava gripado. Esforçava-se para não espirrar e estava ainda mais pálido que os outros homens. Na verdade, parecia quase
tão mal quanto o cadáver.
- Recortes em forma de dente?
- Estão vendo isto aqui? - Apontou as bordas denteadas da carne. - Isso é o que se obtém esfregando o vidro para a frente e para trás. Vêem como parece carne
cortada? Esse tipo de ferimento é feito com uma faca, ou um objeto cortante, raspando, rasgando a carne...
- Sim, estamos vendo - Sean o interrompeu. - Então, o garoto já estava morto quando atravessou o pára-brisa?
- E o que eu acho.
- Ele foi morto e posto no carro, que foi conduzido por mais alguém em direção à árvore - disse Sean.
- Isso não faz sentido - disse Gavin.
- Na verdade - murmurou Jack -, faria sentido se você fosse um assassino que quisesse escapar da acusação de assassinato.
- Ele já estava morto, foi lançado pelo pára-brisa e quase decapitado com o vidro? - questionou Al.
- Por alguém usando o vidro quebrado como uma faca... para serrar - disse Sean. - É isso, dr. Broom?
- Sei como isso soa, mas... sim.
- Bem, cavalheiros - Sean olhou para os colegas -, foi homicídio.
- Será um caso e tanto para resolver - Al comentou. - O garoto estava assustado.
- Duvido que possamos começar a imaginar o quão assustado - resmungou Sean, virando-se em direção à saída. Chegando à porta, deteve-se. - Ouvi dizer que o
rapaz estava usando outro nome. Vocês conseguiram os documentos com sua identidade verdadeira?
- Sim. - Após olhar os papéis, Terry respondeu à pergunta.
De repente, Sean parecia pior do que Rick. Ele baixou a cabeça e saiu da sala.

* * *
Outubro era uma época festiva em Nova Orleans, que adorava uma boa desculpa para festas a fantasia. Casas mal-assombradas espalhavam-se em diversas partes
da cidade, mas havia também as atrações habituais. Um lugar que oferecia striptease ao lado de uma loja de brinquedos, uma livraria e cafeteria perto de um respeitável
hotel histórico, vizinho a uma sex shop. Jazz tocava em duas esquinas, um casal de negros cantava na rua. Um jovem bêbado bateu no ombro de Jade e se desculpou profusamente.
Ela entrou no Drake's. Conhecera Derrick Clayton, o proprietário do bar, e garçom às sextas-feiras à noite, na escola, e ele se casara com Sally Eaton, uma
de suas melhores amigas. Cada vez que ia até lá, ele tinha novas fotos dos filhos para mostrar.
- Olá, Derrick! - cumprimentou-o, sentando-se em um banquinho nos fundos.
- Olá, minha linda.
- Tem alguma nova foto?
- Sempre. Sabe que vou fazer você vê-las, não é? O que vai beber?
- Uma cerveja.
Derrick serviu-a e entregou-lhe um envelope com fotos. Vendo-as, Jade experimentou uma leve sensação de perda, um desejo maternal e um arrepio. Encontrara
o homem certo, e seu negócio era um sucesso. Poderia se casar, se parasse de ter sonhos eróticos com um estranho que entrara e saíra de sua vida em uma noite de
puro terror.
Quando Derrick terminou de servir os outros clientes no balcão, voltou para falar com ela.
- Os garotos estão lindos, como sempre.
- Obrigado, Jade. E você? Quando vai começar a procriar com aquele policial com quem está namorando?
- Nós não somos nem mesmo noivos. Mas quando eu for me casar, você será o primeiro a saber.
- Ótimo. Ah, com licença, preciso atender a excursão que está chegando.
- Não sabia que você estava no circuito das excursões.
- Não estou, mas há muitas companhias pequenas no momento, por causa da temporada do Halloween. - Ele a deixou.
Jade continuou tomando sua cerveja. O grupo de turistas havia enchido o bar. Sabia que, durante a Guerra Civil, a dona daquela casa tinha se enforcado no andar
de cima após alguém divulgar seu relacionamento com um soldado da União. O guia contava essa história. A princípio, ela apenas ouvia o som da voz dele. Porém, logo
se conscientizou de que ele soava levemente familiar. Enrolava os erres...
Levantou-se e andou na direção do grupo, que estava saindo do bar. Meia dúzia de pessoas bloqueava a saída. Adiante, avistou o guia, que vestia uma capa negra.
Seu coração acelerou. Muitos guias usavam capas de Drácula em Nova Orleans, afinal, era a cidade de Anne Rice. Contudo, eles não necessariamente tinham sotaque escocês.
Ele estava muito à frente. Jade o seguia. Começou a correr pela rua, aterrorizada, mas decidida. Colidiu com um grupo de farristas fantasiados, que se dirigiam
a uma festa de Halloween.
- Com licença, com licença...
Continuou correndo, desviando-se das pessoas. Na Bourbon Street, o movimento aumentou, e ela tentou acompanhá-lo. Quando alcançou um homem usando uma capa
negra, pegou-o pelo ombro e o virou. Nunca o vira antes. Desculpou-se e permaneceu parada no meio da rua, sentindo a multidão passar por ela, escutando risos e música...
De súbito, a rua pareceu esvaziar diante de si. Mais à frente, sob a luz da rua, havia um homem.
O homem. Ele.
Fazia mais de um ano que Jade não o via, exceto em sonhos. E ele estava ali. Alto, moreno, impressionante. Sua camisa de mangas compridas era preta, como a
calça. As mãos estavam enfiadas casualmente nos bolsos. Ele poderia ser um turista atraente: um homem de negócios, um músico, um político... qualquer turista. Mas
não era.
Começou a caminhar na direção dele, quase certa de que ele desapareceria. Porém, ele permaneceu imóvel, aguardando. Não se virou, nem sumiu.
Jade era razoavelmente alta, mas foi obrigada a olhar para cima para fitá-lo. Sim, era ele mesmo, em carne e osso. O cabelo escuro, o físico delgado e musculoso.
Os olhos... como âmbar. Como fogo.
- Olá, Jade - ele disse suavemente. - Precisamos conversar.
Precisavam conversar? Ele estivera presente durante a noite em que correra um enorme perigo e em que se sentira apavorada. Provavelmente salvara sua vida,
antes de ir embora, deixando a polícia acreditar que ela era louca, levando-a a duvidar da própria sanidade. E então entrara em seus sonhos, invadira seu sono, roubara
sua alma. Ele a tocara, de alguma forma. Fora real. Arruinara suas chances com o homem mais perfeito que já conhecera.
- Jade?
- Seu bastardo! - Estapeou-o com força.
Talvez tivesse sido uma atitude insensata. Ele era alto e forte e, se levasse a mal... O medo, ou talvez o instinto, a fez erguer o braço outra vez, mas ele
o segurou, levando-a a atacá-lo com palavras.
- Bastardo! Você estava lá. Viu tudo e desapareceu. E, o mais espantoso, eu comecei a sonhar com você...
Ele pegara sua mão no ar, e agora segurava seu pulso. Com gentileza? Não sentia o aperto, mas sabia que não teria conseguido mover-se, caso tentasse.
- Que diabos está acontecendo? - ela indagou.
- Não sei o que quer dizer.
- Acho que sabe, sim. De repente, ele se afastou.
- Eu mal conheço você. Com licença.
Para seu espanto, ele se virou e começou a se afastar. Boquiaberta, com as mãos nos quadris, ela ficou olhando.
- Com licença? - repetiu e correu atrás dele. - Ei! - Pegou-o pelo ombro. - Você não pode simplesmente se afastar de mim.
- Eu deveria ficar parado para você me bater outra vez?
- Não, não... mas você... tem que falar comigo!
Ele arqueou a sobrancelha, fazendo-a ter vontade de atingi-lo de novo. Ele era atraente de uma forma quase assustadora, devastadoramente bonito, com um ar
de autoconfiança, segurança, e até de arrogância. Ela cerrou os punhos.
- Ótimo! Não fale comigo! - Começou a se distanciar. Ao notar que ele não a seguia, Jade parou e voltou-se.
Ele estava esperando, com um leve sorriso nos lábios carnudos.
- Quem diabos é você? - ela sussurrou. - O que está acontecendo?
- Onde está o seu policial, o oficial Beaudreaux?
- Ele... está doente. Espere um minuto, o que você sabe sobre...
- Estou em Nova Orleans há alguns dias. Naturalmente, desejava vê-la e fiz algumas perguntas.
- É mesmo? - Voltou para perto dele. - E com quem você falou?
- Um homem nunca entrega suas fontes.
Jade teve o impulso de afastar-se de novo, mas se conteve. O homem estava ali e, mesmo ele sendo impossível, era onde queria mantê-lo. Talvez ele tivesse sentido
que estivera prestes a se distanciar, pois colocou a mão em, seu braço. Ela estremeceu, lembrando-se de estar com ele...
- Eu... Eu...
- Vamos tomar um drinque? Podemos ir ao bar de seu amigo.
- Por que não? - Ela começou a caminhar. De repente, empalideceu e virou-se para fitá-lo. - Eu achei ter visto... achei ter ouvido...
- Sim, eu também achei.
- Espere um minuto! Eu não terminei minha frase. Achei ter visto...
- O guia turístico da Escócia. Eu sei. Não era ele.
- Tem certeza?
- Sim.
Quando chegaram ao bar, ela quase pulou ao sentir a mão dele nas costas. Era assim que se desejava alguém, pensou. O toque mais leve, aqui, ali, em qualquer
lugar, à noite, de manhã, na dor, no prazer...
Derrick os viu retornando.
- Ei, garota, vi você correndo. Tome uma cerveja fresca. - Fez um gesto de cabeça para seu acompanhante. - Senhor, o que vai beber?
- O mesmo que Jade.
- Derrick Clayton, este é...
- Lucian DeVeau - ele apresentou-se, apertando a mão de Derrick.
- Lucian, prazer em conhecê-lo.
- O prazer é meu.
Sentaram-se, e Jade o encarou, tomando um gole de cerveja. Ali estava ele, finalmente. Deveria chamar a polícia, mas sabia que ele desapareceria antes que
os oficiais chegassem. Ele se virou no banquinho, olhando a banda que começara a tocar. Estudou-lhe o rosto poderoso, charmoso e arrogante. Era um homem que conhecia
sua força e habilidades.
- É real? - ela indagou.
- O quê? - Fitou-a, com os olhos negros como a noite, com aquele vago reflexo avermelhado.
- Seu nome.
- Sim, é real.
- É francês. Eu o encontrei na Escócia. Você disse que vinha de lá, mas DeVeau não é escocês.
- As pessoas se mudam.
- Então de onde sua família é, originalmente?
- É provável que da França.
- Você fala francês?
- Sim, gosto da língua.
Frustrada, ela não conseguia chegar a lugar nenhum.
- Você salvou minha vida, mas depois sumiu, deixando que todos pensassem que eu era viciada em drogas ou maluca.
Ele tomou um gole de cerveja, sem fitá-la.
- Eles sabiam que não usava drogas. Levaram você para o hospital e, tenho certeza, examinaram cada fluido em seu corpo.
- Mas você... foi embora!
- Eu tive de ir. Não estava em muito boa forma.
- Você sabia o que ia acontecer.
- Não, eu temia que algo pudesse acontecer - ele a corrigiu.
- Você não é um policial.
- Não.
- Obviamente. Se fosse, teria ficado para falar com os outros.
- Já lhe disse que estava ferido.
- Sabe de uma coisa? Não acho que você seja real. Mesmo agora, sentado a meu lado. Vai desaparecer no ar outra vez a qualquer instante...
- Jade! Lucian!
Jade virou-se depressa, surpresa por alguém que conhecia saber quem era ele, e deparou com Daniel Thacker. Encarou Lucian, que deu de ombros. Seus olhos falavam
de forma eloqüente: Veja, sou real, estou aqui!
Danny estava evidentemente alcoolizado.
- Meu Deus, é bom ver vocês dois! - Pôs um braço ao redor de cada um.
- Danny... - Jade murmurou. - Você conhece Lucian?
- Claro. Ei, Jade, Luke está pensando em escrever. Acho que ele podia se juntar ao nosso grupo de quarta-feira. - Inclinou-se para mais perto de Jade e sussurrou:
- Ele é rico. Velha aristocracia européia. Poderíamos aproveitá-lo!
Ela arqueou a sobrancelha. Seria verdade?
- Eu gostaria de me unir ao grupo - disse Lucian.
- Não somos um grupo de verdade - ela esclareceu.
- Ah, sim, de repente ela e o sr. Durante estão nas listas dos mais vendidos, e não somos mais um grupo.
- Danny, você está muito bêbado! Acho que eu deveria levá-lo para casa - sugeriu Jade.
- Não, você não pode ficar sozinha. Mesmo aqui, no bar do Derrick. Há coisas ruins acontecendo.
- Danny, estamos em Nova Orleans. Temo que haja muitas coisas ruins acontecendo.
- Não, nós temos cadáveres.
- Pessoas mortas normalmente são cadáveres, Danny.
- Normalmente - Lucian murmurou. - Você tem razão, Jade, precisamos levá-lo para casa.
- Você não sabe o que eu vi, Luke. Lucian.
- Acho que eu sei - ele retrucou. Quando Jade o encarou, prosseguiu: - Depois eu conto para você.
- Conta mesmo? Ou vai desaparecer?
- Não vou desaparecer.
- É isso mesmo. Não vou deixar você sumir. Vamos levar Danny para casa, e então você irá até o meu apartamento.
Lucian hesitou, baixando a cabeça por um instante. Quando ele a fitou, Jade sentiu uma estranha onda de calor percorrer sua espinha. A misteriosa chama vermelha
havia aparecido nos olhos dele outra vez.
- Isso é um convite?
- É uma ordem - murmurou, apesar de saber que ele não obedecia a ordens, a não ser que desejasse.
Danny pôs as duas mãos no rosto de Lucian, forçando-o a encará-lo.
- Ela precisa ser muito, muito cuidadosa, Luke.
- Deve ter sido um dia difícil no necrotério - Lucian comentou. - Vamos levar você para casa. Acho que estamos todos seguros hoje à noite.
- Ah, é? - Danny indagou. - E como você sabe?
- Intuição.
Lucian levantou-se. Ele era ainda mais alto que seu amigo, que não era pequeno. Apesar de fazer muito tempo que conhecia Danny, Jade nunca o vira daquele jeito.
Ia pôr dinheiro no balcão para pagar as bebidas, mas, ao notar que Lucian já fizera isso, encarou-o.
- O mínimo que posso fazer é pagar um drinque para você.
- E ele vai protegê-la das criaturas da noite - Danny acrescentou.
- E como eu sei que ele não é uma das criaturas da noite?
- Você não sabe - retrucou Lucian. - Vamos?
Ele passou um braço pelas costas de Danny, que se pendurou no ombro dele, seus pés mal tocavam o chão.
Do lado de fora, ouvia-se o som de jazz, luzes de néon estavam acesas e risos preenchiam as ruas. A costumeira cacofonia de sexta-feira à noite reinava.

Sean chegou à velha mansão da família, onde vivia com a esposa e o filho. Ela aguardava na entrada, como se soubesse que ele estava chegando. Algumas vezes,
ainda tinha essa habilidade. As mãos estavam cruzadas diante do corpo. Tentava aparentar serenidade, mas a agitação se revelava em seus olhos.
- Você sabe? - ele indagou.
- Tentei falar com você na delegacia e no celular, mas a bateria tinha acabado.
Ele entrou e beijou-a apaixonadamente antes de se afastar.
- Eles estão de volta - Sean afirmou simplesmente.
- Sim. Lucian esteve aqui. Quer um drinque?
- Um bem grande.
Ela se dirigiu à sala de estar e serviu-lhe um uísque.
- Eu estive no necrotério o dia inteiro porque o acidente de carro noticiado nos jornais não foi um acidente. O rapaz estava morto antes de bater na árvore.
A cabeça estava quase separada do corpo porque foi serrada com o vidro quebrado do pára-brisa após a morte.
Boquiaberta, ela não disse nada.
- Onde está Lucian? - ele indagou.
- Ele queria falar com você, mas como você demorou, insistiu que precisava ir. Porém, prometeu que voltaria.
- Ele está preocupado com a garota MacGregor?
- A mulher que sobreviveu aquela noite na Escócia? Ele não falou nada. Como suspeitávamos, ele estava lá. Sabe quem... destruiu aquelas pessoas em Nova York.
Falou um pouco, mas não estava bem, e eu o fiz descansar. Quando acordou, sentiu-se desassossegado e foi embora.
- Então ele foi atrás dela.
- Sean, Lucian acha que feriu esse sujeito gravemente, e que ele terá de ir para algum outro lugar enquanto se cura.
- Tem certeza de que não sabe para onde Lucian foi?
- Ele não me disse... Pode estar em qualquer lugar, mas vai voltar. Quer ver você. E acho que ele precisa de nós.
- Maggie, ele precisa saber quem era o rapaz morto na colisão.
O pequeno apartamento de Danny ficava na sobreloja de uma sex shop. No caminho, ele cochilara algumas vezes. Lucian o carregara, enquanto ela apontava o caminho.
- Aquelas escadas ali - Jade indicou.
Levaram-no para cima. Danny começou a cantar enquanto subiam os degraus. No último, ele riu.
- Entrem, venham conhecer a minha mansão! Lucian o levou para dentro, e Jade correu para abrir o sofá-cama, no qual o amigo desabou.
- Nunca o vi assim - ela comentou, tirando-lhe os sapatos.
- Todos os homens têm um limite, às vezes, eles precisam perder o controle.
- Hum, diga-me, você costuma perder o controle?
- Não. Vamos?
- Você já perdeu o controle?
- Sim. Vamos?
- A trava vai se fechar automaticamente quando sairmos, mas eu gostaria que houvesse uma forma de trancarmos a porta.
- Ele ficará bem.
- Como pode ter certeza? Ele está com medo de alguma coisa.
- Ele está em casa, adormecido. Vai ficar bem.
Jade não soube por quê, mas acreditou. Desceu as escadas, consciente da presença dele e da ridícula sensação de já terem estado juntos. Bem, isso acontecera,
pelo, menos de certa forma. Ele admitira ter salvado sua vida em Edimburgo, e ela fora encontrada em uma mortalha, portanto, ele estava familiarizado com ela. Por
inteiro.
Enrubesceu enquanto caminhavam. Ele tomou-lhe a mão, conduzindo-a pela multidão. De súbito, ela se deteve, fazendo-o parar.
- Por que estou sonhando com você?
- Porque eu sou devastadoramente bonito? - ele sugeriu.
- Tenho saído com um homem que é doce, gentil e devastadoramente bonito.
- Mas não sonha com ele.
Jade corou de novo e voltou a caminhar.
- Eu não disse com o que tenho sonhado - murmurou. Ele a seguiu, e logo chegaram ao apartamento.
- Quer beber algo? - ela ofereceu ao entrarem.
- O mesmo que você.
Ela optou por vinho e serviu-o. Tomou um gole da bebida antes de indagar:
- Por que você sumiu em Edimburgo?
- Foi necessário.
- Poderia ter ajudado a polícia.
- Não, eu não poderia.
- Eles mataram de novo em Nova York.
- Acredito que sim.
- Por que você está em Nova Orleans?
Lucian hesitou um instante e então encolheu os ombros.
- Por sua causa.
O coração de Jade batia com força. Não o conhecia de verdade. Escócia. Alguns sonhos eróticos. E agora. Deixando a taça sobre a mesa, aproximou-se dele e o
encarou.
- Estava em Edimburgo por minha causa?
- Não - ele retrucou com um sorriso pesaroso. - Estava lá porque ouvi a respeito de um guia e de um passeio turístico pelos subterrâneos e suspeitei daqueles
que estavam envolvidos.
- E tinha razão. Você vai detê-los?
- Sim.
- Mas não é um policial?
- Não. - Tocou-a no rosto. - Digamos que sou o chefe de um grupo que tem interesse no que está acontecendo.
- E o que está acontecendo? - ela sussurrou, sentindo os dedos dele em seu rosto. Nada em sua vida fora tão atraente ou sedutor. Desejava mais daquele toque.
Aproximou-se, e ele tomou-lhe o rosto entre as mãos. - Você disse que está aqui por mim... porque...
- Você pode estar em perigo.
- Mas eu...
Namoro um policial. Não pronunciou as palavras. Chegou ainda mais perto e ficou na ponta dos pés. A lógica a lembrou de que ele era suspeito, de que mal o
conhecia, o instinto lhe disse que sabia tudo o que precisava saber.
Quando os lábios dele tocaram os seus, não houve dúvidas quanto ao desfecho da noite. O calor da boca sensual era delicioso, a língua invadiu-a, enroscando-se
com a sua em um beijo apaixonado e exigente. Envolveu-o pelo pescoço, e ele a ergueu, apertando-a de encontro ao corpo. Sentia a pressão do peito forte em seus seios,
da virilha contra seus quadris, e isso, aliado aos movimentos da língua em sua boca, excitou-a profundamente. Enterrou os dedos nos cabelos negros, deslizando-os
até a nuca. Ele pousou os lábios em seu pescoço, por um instante, manteve-os ali...
E Jade pôde sentir uma forte pulsação. Seriam os batimentos do coração dele? Não, eram do seu. Pareciam permear seus membros, palpitar entre suas pernas. Sentia
o jeans contra a pele, o tecido da calcinha, o ar, a noite, até mesmo o tiquetaquear do tempo. Ele a abraçava, inspirando e expirando em seu pescoço, e o fogo do
hálito morno a estimulou.
Por fim, ele a conduziu ao quarto. Não sabia como ele chegara ali tão facilmente, tampouco se importava. Agarrou o tecido da camisa dele ao perceber que não
conseguia tirar-lhe a jaqueta com rapidez suficiente. Ele mesmo se despiu e se deitou sobre ela na cama, os ombros largos é musculosos tocados pelo brilho do luar.
Jade estava nua. Não sabia como... não se lembrava. Suas roupas eram uma mescla de algodão e seda na cama, entremeando-se à jaqueta, à camisa e à calça de
Lucian. Ele era lindo, enorme, poderoso... A língua em sua pele, os dedos em seu corpo, o erótico roçar dos dentes em seu pescoço, a palma fechada em seu seio...
Ele a incendiava. Tomou seu mamilo entre os lábios, fazendo-a mover-se de encontro a ele, dominada por ondas de desejo. Beijou o vale entre os seios e chegou ao
umbigo, provocando-a. Acariciou-a nas coxas, baixou ainda mais a cabeça, tocou-a no sexo, que apartou com os dedos e invadiu com a língua. Ela gritou, cravando as
unhas nos ombros fortes...
Quando ele se ergueu, estava sem energia, trêmula, suada, convicta de que não poderia sentir mais, fazer mais... Porém, ele a penetrou, invadindo-a, despertando-a,
completando-a... E como ele se movia!
Atingiu o clímax outra vez, gritando, agarrando-se a ele. Por fim, começou a retornar do lugar aonde fora transportada, e pensou que o sonho que havia tido
fora bom, mas a realidade... Meu Deus, a realidade!
Ainda tremia, ainda sentia... Estava impregnada pelas sensações e pelo sabor masculino. Nunca esqueceria, nunca desejaria outra coisa. Era como a vida, e era
como a morte, como conhecer a sensação real do calor do sol.
Levantou-se de repente, com a certeza de que ele havia ido embora. Contudo, ele se encontrava à seu lado. Era real! Observou-o. Os pelos escuros e encaracolados
no peito afinavam na cintura, e tornavam-se mais espessos outra vez mais abaixo. As pernas eram longas e musculosas, os ombros, largos, como ela sempre suspeitara,
o abdômen, firme...
Ele se apoiou em um cotovelo e indagou suavemente:
- O que foi?
- Você está aqui.
- Sim, estou.
- Sonhei com você - ela sussurrou.
- E eu estive à altura?
Jade não respondeu, pois ele já era arrogante o suficiente. Viu então a cicatriz, longa e branca, no pescoço e ombro, e percorreu-a com o dedo.
- Cicatriz de uma velha batalha?
- Sim, de uma batalha muito antiga.
- Vai me falar sobre isso?
- Agora não.
- Você vai desaparecer?
Ele sorriu, tocou-a no rosto e afastou-lhe o cabelo da testa.
- Agora não. O policial poderia se recuperar da gripe.
- Como você sabe que ele está gripado?
- Algumas vezes, eu sei tudo o que preciso saber. Outras vezes, não. Em geral, posso sentir quando... - Meneou a cabeça. - Esta noite... Nova Orleans está
sossegada.
- Sossegada? É outubro, movimentado como... - Interrompeu-se e o fitou. - Você sabe quem matou as pessoas em Nova York e está temeroso por mim. Tem medo que
eles venham atrás de mim, mas não acha que estejam aqui... ainda.
- Não acho que estejam aqui... esta noite.
Ela o fitou nos olhos. Mal o conhecia, e estava na cama com ele, após o melhor sexo que já imaginara. Virou-se, tentando pensar no que acontecera. Lucian deitou-se
sobre ela.
- Não está arrependida, está?
- Não. Nunca conheci alguém como você.
- Não.
- Nunca alguém... tão arrogante. Ele riu.
- Bem, acho que sim... Mas não, nunca conheceu alguém como eu. E reze para nunca conhecer.
- Você vai embora?
- Não até de manhã... se eu puder ficar.
- Está me pedindo?
- Sim.
- Vai falar comigo?
- Claro. Eu tenho falado com você.
- Sim, mas nunca dizendo realmente a verdade.
- Nunca menti.
- E promete que não vai mentir?
- Prometo que farei o melhor para explicar a verdade, sempre. - Ele se inclinou e a beijou.
Apesar de estar exausta, o toque a despertou outra vez. Se estivesse sonhando, desejava nunca acordar. Mas ele era real. Podia vê-lo, senti-lo, tocá-lo, conhecê-lo...
Mais tarde, quando ele a abraçou, suspirou de felicidade.
- Isso é insano. Eu não conheço verdadeiramente você. É uma criatura da noite? - ela sussurrou.
Ele já estaria dormindo ou havia respondido?
Oh, sim, definitivamente, sou uma criatura da noite.

O mês de outubro havia se tornado comercialmente melhor que o Natal. A Cidade do Terror, um parque temático na Nova Inglaterra, vinha lucrando bastante nos
últimos doze anos. O local crescera e, durante a temporada, muitas pessoas iam trabalhar lá.
Darcy Granger, uma estudante de vinte e um anos, adorava seu emprego. Os efeitos especiais eram ótimos, com luzes negras e máquinas de fazer neblina. O tema
de sua seção era "Noites da Transilvânia". Ela se vestia de negro, com uma maquiagem fabulosa e, deitada em um caixão, assustava as pessoas, levantando-se de repente.
Era divertido. O público gritava e depois ria.
Apreciava a maior parte de seus colegas que, como ela, estavam ganhando algum dinheiro e se divertindo. Eles seguiam as regras. Pareciam assustadores, faziam
as pessoas gritar, mas nunca tentavam provocar um enfarte em alguém.
Com exceção de Tony Alexander. Ele ficara furioso alguns dias atrás porque um rapaz tentara assustá-lo. O sujeito fora um imbecil, mas Tony agira de forma
ainda pior, escurecendo totalmente o lugar e fazendo-o tropeçar. O homem reclamara e gritara com Tony, que tinha descontado a raiva em cada garotinho que visitara
o lugar desde então, sussurrando ameaças e fazendo-os chorar. Depois bancara o inocente, e outro funcionário fora demitido. Além disso, ele costumava assediar as
garotas. Como era sobrinho do proprietário, conseguia manter o emprego.
Com a aproximação do Halloween, a procura pela Cidade do Terror era grande. Darcy estava em um dos trailers onde os funcionários sé maquiavam quando viu o
recém-chegado. Ele era alto e esbelto, mas tinha ombros fortes. Sentiu uma estranha inquietação quando ele a olhou, mas deduziu que ele estivesse desconfortável
com sua primeira noite no emprego.
- Ei, não fique assustado. É divertido.
- Não se preocupe. - Ele sorriu. - Pretendo me divertir. Você gosta de vampiros?
- Claro. São assustadores e sensuais, certo?
- Você é muito sensual - ele disse de forma casual, com um sorriso amigável.
Ela sorriu e, terminando a maquiagem, tocou-o no ombro.
- Boa sorte.
- Obrigado. Boa caçada.
Darcy dirigiu-se ao seu lugar. Sorriu para Thayer Harding, um dos técnicos, que checava as molas do caixão no qual ela ficaria. A trilha pela casa assombrada
era sinuosa, e havia outros garotos em diversas câmaras pequenas como a que ela ocupava. Walkie-talkies ficavam nas paredes em áreas iluminadas de azul, para o caso
de ocorrer algum problema.
- Está tudo bem aí, Darcy? - indagou Thayer. - Eu já terminei. Estamos abrindo.
- Estou dentro. Tudo certo.
Thayer saiu. No interior aveludado do caixão, Darcy fechou os olhos e pensou em sua apresentação para a aula de Literatura Inglesa. O tempo passou, e as pessoas
começaram a se aproximar. Sabia disso, pois um pequeno sensor fazia acender uma minúscula luz vermelha no caixão.
De repente, ela se ergueu. Uma mulher, acompanhada de duas crianças, pulou, assustada, e depois começou a rir. Os meninos também gritaram e riram. Ela mostrou
os dentes e fez um ruído. Quando eles se afastaram, Darcy fechou a tampa do caixão e voltou a praticar sua apresentação.
Jimmy Ersldne adorava casas mal-assombradas, pois faziam as garotas gritar. E tendo Cassie em seus braços... Aquela era a noite em que conseguiria levá-la
para a cama. Havia encontrado o lugar certo. Seria o herói durão, rindo no trajeto da casa do horror, abraçando-a, mantendo-a perto.
Começaram a andar pelo local dos vampiros, que era bastante assustador, repleto de névoa, caixões, luzes escuras e personagens que surgiam aqui e ali. Retardou
o passo, para que ficassem sozinhos.
Ao entrarem em um corredor, Jimmy não se deu conta do caixão adiante, que se abriu com um rangido assustador. A garota que apareceu o fez com tanta energia
que ele pulou.
Sentindo-se idiota, corou e viu o sorriso da vampira, ciente de que o assustara.
- Dentes horríveis! Vestido ruim, caixão ruim.
A garota voltou ao caixão e fechou a tampa. Retomaram a caminhada. Ele estava irritado, pois as coisas não iam tão bem. Ao ver um homem alto e magro vestido
como um vampiro, ele parou.
- Cuidado, aí vou eu! - o sujeito disse, avançando na direção deles.
Cassie gritou de medo, aproximando-se ainda mais de Jimmy. Embora fosse o que ele desejava, sua irritação persistia. E agora aquele idiota estava perto deles.
O ar parecia mais do que enevoado, fazia frio. E os dedos do sujeito, com aquelas unhas longas... Não gostou dele, e teve vontade de socá-lo.
- Não pode me tocar - Jimmy afirmou. - Afaste-se de mim, seu idiota fajuto! Vou quebrar a sua cara.
- Jimmy, por favor! - pediu Cassie. - Esse homem é obviamente um perturbado. Vamos continuar.
Mas Jimmy era um rapaz durão, que já estava bravo por causa do susto que levara.
- Não. Venha, você já era, companheiro.
- Jimmy, não! - suplicou Cassie.
- Pobrezinha - o vampiro disse para ela antes de se virar para Jimmy. - Certo. O jogador de futebol quer me pegar, é? Venha.
Jimmy atacou. Era bom nisso, já quebrara alguns ossos jogando. Porém, o sujeito se movia com uma rapidez impressionante. Golpeando o ar, foi parar no chão
e bateu a cabeça em algo. Tonto, conseguiu se levantar e viu que seu oponente estava perto de Cassie. Impossível. Ninguém poderia ter se movido com tamanha velocidade
naquele espaço estreito. Ela estava imóvel e pálida, com os olhos fixos naquela imitação de vampiro.
- Agora você já era, cretino - ele ameaçou. Atacou-o de novo, mas, dessa vez, o homem não se moveu.
Jimmy chocou-se contra ele, o que se assemelhou a colidir com uma rocha gelada. Ficou paralisado. Seus nervos e músculos pareciam estremecer. A criatura o
pegou, e ele sentiu algo como um hálito de fogo no rosto. Viu-lhe os olhos e fitou o abismo...
Impotente, observou o sorriso do vampiro se aprofundar antes que ele abrisse a boca e enterrasse as presas em seu pescoço. Ouvia-o beber seu sangue enquanto
o calor era drenado de seu corpo. Até o fim, escutou o som... e Cassie... chorando.
Quando a criatura terminou, ergueu-o e torceu-lhe a cabeça, separando-a do corpo. Cassie ainda assistia à cena, aterrorizada, chorando.
O vampiro fitou a garota encantadora. E desfrutou de seu tempo com ela.
O grupo seguinte era composto por pai, mãe, tia, três adolescentes e um tio-avô. Eles permaneceram juntos, assustados, divertindo-se, pulando ante qualquer
efeito especial. Ao verem os pedaços de corpos, emitiram exclamações deliciadas. A Cidade do Terror fizera um trabalho excelente. O sangue e as vísceras pareciam
tão reais!
Prosseguiram o passeio tranqüilamente.

* * *
Ela escutou uma batidinha no caixão.
- Darcy, estamos fechando. Abriu a tampa e viu que era Tony.
- Recebi uma chamada no walkie-talkie. Estão tendo problemas com as luzes e acham que alguns garotos estão se escondendo, pois não reapareceram. Vamos, me
dê a mão, querida. Vou ajudá-la a sair daí.
Darcy poderia ter saído sozinha, mas, não querendo ser rude, aceitou a ajuda.
- Obrigada. - Começou a se dirigir à saída dos fundos.
- Por que está com pressa? Poderíamos nos divertir um pouquinho por aqui.
- Obrigada, mas não.
De súbito, ela se deteve. O sujeito novo que vira no camarim encontrava-se diante dela, bloqueando o caminho. Usava uma capa e estava sem maquiagem, mas ainda
assim, alguma coisa em seus olhos era esquisito e assustador.
Parecendo não perceber que havia um motivo para ela estar parada, Tony agarrou-a por trás.
- Darcy, sei como se sente a meu respeito, e sei também que você não deveria sair com um colega de trabalho, mas eu sou praticamente o chefe aqui...
Ele respirava em sua nuca. Na verdade, quase babava em sua nuca.
- O quê? - Incrédula, ela tentou se soltar. - Eu não gosto de você, nem acho que seja o chefe.
Qual era o problema com ele? Havia algo errado ali. Tinham acrescentado alguns itens à atração: cabeças, corpos, sangue. Não conseguia enxergar direito com
tantas sombras. De repente, o sujeito falou:
- Agora chega disso. Sou o único que lambe pescoços por aqui.
Tony assustou-se com a voz, pois ainda acreditava estar sozinho com Darcy.
- Quem é você? Não me disseram que alguém tinha sido contratado para esta seção!
- Ah, que tristeza! Eles não lhe contam tudo. E aqui estou eu. Assustado, rapaz?
- Assustado? Cretino! Vamos, Darcy. Os diretores ficarão sabendo disso. Mexa-se.
- Não é uma boa idéia, Darcy - disse o homem. - Não se mexa.
Ela queria muito sair dali, mas não conseguia se mover. Sentia-se paralisada, incapaz de desviar os olhos daquele rosto. Na realidade, como não tirara os olhos
dele desde que o avistara, não compreendia como, de um instante para o outro, ele não estava mais sozinho. Havia uma mulher alta, magra e de cabelos escuros a seu
lado.
- Darcy, isso é algum tipo de brincadeira? - Tony indagou. - Alguns de vocês sendo idiotas, tentando me...
- Cale-se, Tony! - ordenou o homem.
- Esse é o meu, querido? - a mulher perguntou ao companheiro, rindo. Avaliou Tony de cima a baixo e lambeu os lábios. Então olhou para Darcy, fazendo-a sentir
um arrepio na espinha. - Não que eu seja seletiva quanto ao sexo.
- Primeiro as damas - ele disse. - Minha pequena vampira parece doce. Posso sentir daqui o coração dela batendo. A expectativa é tão agradável...
- Darcy, vá!
- Tony, você não pode ficar...
- Saia daqui! - ele insistiu. - Eu conheço vocês - sussurrou.
- Que memória, garotão!
- Como ele poderia nos esquecer, querido?
- Bem, ele fumou um pouco de maconha e bebeu bastante uísque.
- Vá! - Tony ordenou, empurrando-a com força. - Corra, Darcy!
Com isso, ele rompeu o feitiço que os olhos medonhos haviam lançado sobre ela, dando-lhe o impulso para correr em meio ao ar gélido que tomava o ambiente.
Ao passar correndo pelo homem, viu o divertimento em seus olhos. Se quisesse, ele a deteria apenas com sua vontade. Porém, algo em sua expressão mudou de leve ao
fitá-la, revelando indiferença. Ele a estava deixando ir!
Com os lábios secos e os pulmões ardendo, ela correu, em pânico. Avistou a saída de emergência e se lançou contra a porta. Escutando os gritos de Tony, saiu
para a noite, berrando histericamente.

Jade acordou tarde no sábado, sobressaltada. Ele estivera ali, com ela, em carne e osso. Porém, ao se virar, constatou que ele havia ido embora.
- Por que eu esperava isso? - murmurou.
Levantou-se e tomou uma ducha, refletindo se havia alguma possibilidade de estar imaginando aquilo tudo. De qualquer forma, devia estar enlouquecendo, pois,
mesmo que fosse realidade, passara a noite com um estranho, traindo um homem decente.
Vestiu-se e fez café. O que diria a Rick? Precisava revelar a verdade, pois ele merecia a honestidade total.
No começo da tarde, decidiu ligar para ele, mas, como ele não atendeu, deixou um recado na secretária eletrônica. Mal desligara quando o telefone tocou. Ao
escutar uma voz de mulher, ficou tensa, imaginando que talvez fosse a mesma que nada dissera no dia anterior. Contudo, além de ter o sotaque diferente, ela não desligou,
pelo contrário, perguntou por Lucian DeVeau.
- Sinto muito, mas ele não está.
- Ele saiu?
Jade imaginou como alguém poderia saber que ele estivera lá.
- Ele não está aqui - repetiu com cuidado.
- Desculpe incomodá-la, mas é importante que eu fale com ele. Por favor, se o vir, diga-lhe para entrar em contato com Maggie o mais rápido possível.
- Se eu o vir, dou o recado.
Ela pôs o fone no gancho, perplexa. O telefonema significava pelo menos uma coisa: Lucian era real.
Após tentar falar de novo com Rick, sem sucesso, ligou para a delegacia. Gavin informou-a de que ele não fora trabalhar, pois ainda estava doente. Antes de
desligar, ele perguntou:
- Jade, você viu as notícias hoje? Nesse momento, alguém bateu à porta.
- Pode esperar um instante, Gavin?
Sem aguardar resposta, pôs o fone sobre a mesa e abriu a porta. Era Shanna, que entrou com um jornal na mão.
- Você viu? - perguntou ela.
- O quê? Não, ainda não olhei os jornais. Só um instante, estou no telefone. - Pegou o aparelho. - Gavin?
- Sim, estou aqui. Jade, leia o jornal. Os membros da seita atacaram outra vez, em um parque temático em Massachusetts. Olhe e depois me ligue.
Quando ele desligou, Jade pegou o jornal das mãos de Shanna e leu o artigo.
- Ah, meu Deus... - sussurrou. - Tony Alexander estava no passeio na Escócia.
Nesse momento, o telefone tocou Outra vez, e Shanna adiantou-se para atender.
- Alô! - Ela franziu o cenho. - Lucian DeVeau? Não conheço nenhum Lucian...
Jade apressou-se a pegar o telefone de suas mãos.
- Quem está falando e o que você quer?
- Desculpe incomodá-la outra vez, mas é muito importante que eu fale com Lucian. Achei que ele pudesse ter voltado.
- Não, ele não está aqui, e não tenho idéia de quando vai voltar.
- Por favor, diga-lhe que precisa entrar em contato com Maggie com urgência. Obrigada.
Quando a mulher desligou, Jade virou-se para enfrentar o olhar da irmã.
- Quem é Lucian DeVeau? Se você está tão familiarizada com ele, por que eu não o conheço?
- Shanna, aquele homem que me resgatou e depois desapareceu em Edimburgo está na cidade, e o nome dele é Lucian DeVeau.
- Ele esteve aqui?
- Sim. Eu o encontrei, tomamos um drinque no Drake's e viemos para cá.
- E quanto a Rick?
- Shanna, algo não estava certo. Rick teria ficado comigo, talvez... Eu acho, mas não sei mais.
O som chocado que a irmã emitiu alertou Jade para o fato de que, até aquele instante, ela não se dera conta do rumo que as coisas tinham tomado.
- Jade! Você não fez isso. Com um estranho!
- Ele não é exatamente um estranho. Salvou minha vida na Escócia.
- Salvou? Ou fazia parte daquilo? Não acha impressionante que ele tenha desaparecido e que, agora que as pessoas estão sendo horrivelmente assassinadas nos
Estados Unidos, ele tenha voltado?
- Ele está aqui, e os assassinatos foram em Massachusetts!
- Qual é a explicação dele?
- Ele...
- Ótimo. Ele não tem uma explicação, e você o convidou para a sua cama!
- Pelo menos, eu o conhecia. E quanto a você?
- Eu fui ao cinema, e Dave não apareceu. Ele está doente, como Rick. Lembra? Aquele policial incrível com quem você estava namorando.
- Vou terminar com ele assim que possível.
- Excelente! Ele está doente, e você vai partir seu coração. E onde está esse Lucian agora?
- Não sei.
- Ele desapareceu de novo. Jade, Jade...
As duas se assustaram quando o telefone começou a tocar.
- Alô? - Jade atendeu.
- Srta. MacGregor, aqui é o detetive Sean Canady.
- Olá, tenente Canady, como vai?
- Preocupado, no momento. Está sozinha?
- Minha irmã está comigo.
- E Lucian?
- Como você sabe a respeito dele?
- Ele está aí?
- Você conhece alguém chamada Maggie?
- Sim. É minha esposa.
- Ela está procurando por ele também.
- Eu sei. Não pretendo alarmá-la, mas achei que você deveria saber que conhecia o jovem envolvido no acidente de carro. Também precisa saber que não foi um
acidente. Foi assassinato. O nome do garoto era Tom Marlow. Você o conheceu na Escócia.
O rosto e o nome vieram à sua mente. Jade umedeceu os lábios, lutando contra uma onda de pânico.
- Mas eu li as notícias sobre o acidente, e o nome era Tad Madsen.
- Tad era um apelido. Acho que ele estava usando Madsen de propósito, como se tivesse medo de que alguém o estivesse procurando. Ele tinha acabado de se transferir
para cá, de uma universidade no Norte. Talvez estivesse tentando se esconder. Sinto muito por dar-lhe essas notícias, mas quero que seja cuidadosa. E o que é mais
importante, tenha cuidado com estranhos. Não saia e não convide ninguém para nada. Eu gostaria de conversar com você. Pode me encontrar no restaurante francês ao
lado de sua casa em meia hora?
- Sim, eu posso. Até mais. - Ela desligou e relatou a Shanna o teor da conversa.
Tinha acabado de falar quando o telefone tocou de novo. Dessa vez, nenhuma das duas se adiantou para atender, e a secretária eletrônica foi ativada.
- Jade, é Gavin. Por favor, me ligue o mais rápido possível. Eu...
Ela correu e pegou o aparelho.
- Olá, Gavin!
- Olá, garota. Sinto muito, mas tenho más notícias. Rick foi levado ao hospital. Ele está péssimo. Estão fazendo transfusões de sangue... e agora chamaram
um padre para dar a extrema-unção. Sinto muito.
Atordoada, Jade largou o telefone, pegou a bolsa e dirigiu-se à porta.
- Jade! - Shanna gritou, fazendo-a virar-se.
- Rick pode estar morrendo.
- Meu Deus!
A irmã uniu-se a ela. As duas desceram e pegaram um táxi, esquecendo-se completamente do encontro com Sean Canady.
Maggie.
Ela estava recolhendo as roupas do bebê do varal. Fechou os olhos, espantada por ouvir seu nome com tanta clareza. Era a voz de Lucian. Ele ainda conseguia
alcançá-la.
Lucian, onde-diabos você está?
No cemitério. Senti que estava tentando falar comigo.
Sim! Eles mataram em Massachusetts ontem à noite. E mataram aqui. Acho que sua amiga Jade corre sério perigo. Um por um, eles estão eliminando os sobreviventes
da Escócia. Tentei falar com você na casa de Jade. Sean por fim falou com ela e ficou de encontrá-la.
Graças a Deus! Ela está a salvo por enquanto.
Sim, por enquanto. Lucian, você precisa detê-los.
Sei disso. Maggie, tome cuidado. Eles podem suspeitar de nossa ligação.
Maggie olhou ao redor. Havia alho em todo o lugar, cobrindo as janelas. Ela visitara a igreja e pegara água benta. Transformara dezenas de cabos de vassoura
em estacas afiadas, que colocara em locais de fácil acesso.
Sei lidar com eles, Lucian.
Mas tome cuidado. Diga a Sean que eu sei o que aconteceu e que vou encontrá-lo.
Vou dizer a Sean que você me telefonou, Lucian. Sei o quanto ele me ama, e que ele tem certo respeito reservado por você, mas prefiro que ele não saiba que
ainda consegue tocar minha mente.
Lucian ficou em silêncio por um instante. Ela quase podia vê-lo sorrir.
Quando eu o vir, vou dizer que telefonei para você. Tome cuidado, Lucian, por favor. Você também.

Havia alguém na varanda, mas Liz MacGregor não suspeitou de nenhum perigo. Afinal, vivia em um lugar seguro. Saiu e olhou ao redor.
- Olá?
- Olá! Eu ia tocar a sua campainha. - O homem alto e magro, com um sorriso charmoso, usava um uniforme cinza e carregava uma caixa preta e uma prancheta. -
Sra. MacGregor, sou o técnico da tevê a cabo.
- Eu não chamei ninguém. Não estamos com problemas.
- Sei disso, mas estamos testando um novo canal infantil, com muitos programas novos, e gostaríamos que sua família participasse da fase de avaliação. Se eu
puder ver seu decodificador por alguns instantes... Será muito rápido.
Liz sorriu. Era sempre bom contar com mais programas infantis de qualidade.
- Ficaria feliz em participar. Entre - ela convidou.

Não permitiram que Shanna visse Rick. Apenas Jade foi autorizada a entrar, pois era a pessoa mais próxima, uma vez que ele não tinha família. Ela não acreditava
com que rapidez o vírus havia agido. Ele estava inconsciente, usava uma máscara de oxigênio, recebia sangue e alimentação intravenosa. Sentou-se ao lado dele e tomou-lhe
a mão.
Ficou ali durante uma hora antes que o médico chegasse.
- Srta. MacGregor, é a noiva dele, certo?
Ela hesitou, mas decidiu mentir. Não tinha intenção de ser expulsa do hospital.
- Sim.
- Estou contente que esteja aqui. Esta coisa o atacou, drenou-o, desidratou-o... Ele precisava muito de sangue. Ainda estamos fazendo exames, mas fico satisfeito
em dizer que ele está melhorando.
- Fico agradecida, mas... do que se trata?
- Não sabemos. Trouxemos vários especialistas e fizemos diversos exames. Ainda estamos trabalhando nisso, mas conseguimos estabilizá-lo. Pode ficar com ele
mais um pouco? Acho que ele sabe que você está aqui.
- Claro. Eu ficarei. - Sentou-se ao lado dele outra vez, segurando-lhe a mão. E rezou.

Shanna estava na cafeteria do hospital quando Sean sentou-se à mesa. Arregalou os olhos ao vê-lo.
- Tenente!, Sinto muito, nós esquecemos completamente do encontro com você. Eles ligaram para falar de Rick e...
- Eu sei.
- Não me deixaram entrar. Ele está tão doente! Eu não consigo acreditar.
- Gostaria de vê-lo - Sean murmurou. - Jade está com ele, certo?
- Sim.
- Eu preciso falar com ela. Acho que está correndo perigo.
- Vou ficar aqui até que ela saia. Depois pegaremos um táxi para casa.
- Vou esperar aqui com você... se não se importa.
- Claro que não.
- Você joga baralho? Tem uma loja aqui no hospital.
- Sim.
Eles jogaram cartas, e o tempo passou.

Havia força e paz na escuridão e no silêncio do túmulo. Ele buscara essa tranqüilidade, ciente de que precisava do conforto da terra fria e do mármore ao seu
redor.
Precisava se concentrar. Séculos lhe haviam dado o poder para ver bem, para perceber a agitação na ordem das coisas, a malignidade mortal direcionada a ele.
Sim, seus sentidos estavam afinados. Os olhos eram os de um lobo na noite, a audição, perfeitamente aguçada. Precisava apenas sentir...
Nem sempre fora assim. Suas lições haviam sido amargas, e a retaliação, ainda mais rápida. Mas agora... Eles andavam pela Terra outra vez. Enfurecidos.
Ela não percebera a profundidade de seu ódio. Mas então... ele a subestimara.






Capítulo III



O tempo passava na Ilha dos Mortos. A vida era esquisita. Porém, Lucian não esperava mais, pois se encontrava entre os que caminhavam nas sombras da Terra.
Wulfgar permanecera ali e se apaixonara pela viúva do fazendeiro. Homens de diversos locais se agregaram a eles, assentando-se na ilha, unindo seus destinos ao estranho
líder dos mortos-vivos.
E, quando a ocasião exigia, iam para o mar com seus grandes navios. Deixavam a decisão para ele, o chefe, o homem que se tornava lendário através dos mares
como o rei da Ilha dos Mortos.
Igrainia vinha ao amanhecer. Lucian sentia quando ela entrava na escuridão de seu quarto e se deitava a seu lado. Dormia, sabendo que ela estava ali. Ao crepúsculo,
despertava, e os dois desfrutavam de seu tempo juntos. Mais tarde, quando fechava os olhos, ela desaparecia.
- Por que você tem de partir? - ele perguntava.
- Por que você tem de dormir durante o dia? - ela retrucava.
- Porque sou um monstro. E você nunca será nada além de um anjo.
- Há muitas coisas entre monstros e anjos, muitos tons de cinza entre o preto e o branco - ela dizia. - Não estamos em condição de questionar muito.
Algumas vezes, um navio aportava na ilha, e os tripulantes pediam ajuda contra ataques cruéis. Depois que Igrainia e ele os escutavam, ela lhe dizia que era
necessário que se unisse à luta dos guerreiros.
E ele navegava. Ao enfrentar inimigos desumanos, descobria um novo padrão de selvageria, e se perguntava no que se transformara. Para Wulfgar, estava livrando
o mundo de criaturas muito piores do que ele.
Na ilha, muitos recorriam a ele. Sentava-se em uma cadeira de madeira talhada, com Igrainia ao lado, e eram como a realeza, escutando os pedidos. Ainda assim,
logo após o crepúsculo, ela ia embora.
- Ela caiu no mar - Wulfgar lhe disse certa noite. - E o mar a trouxe de volta. Os irlandeses a chamam de selkie. O que importa o nome que se dá à vida, quando
vocês têm a possibilidade de desfrutar de algumas horas juntos? Se você é um monstro, e ela um anjo, que diferença faz onde se encontram? Ouso dizer que essas horas
são mais preciosas do que as compartilhadas pela maioria dos homens e suas esposas.
Seu tempo era, de fato, precioso, apesar de parco. Viviam no chalé de pescadores, escurecido durante o dia, e sempre cheirando a terra, pois ele aprendera
que precisava dormir com solo nativo por perto, nem que fosse apenas um punhado. Quando não fazia isso, ficava fraco demais para se levantar, para se expor à luz
do dia. E não desistiria do dia. Sua esposa, seu anjo, sua razão de existir vinha durante o dia.
Para sempre, ele se lembraria daqueles dias em que, lado a lado, a esposa e ele escutavam, julgavam e governavam em seu mundo dos condenados. A imagem se gravara
em sua mente. As cadeiras à frente da lareira, a fumaça saindo pela chaminé, as peles que usavam para se proteger do frio e da umidade, as espadas depositadas no
chão diante deles, os guerreiros que se aproximavam... Lembrava-se da voz dela, da forma calorosa como cumprimentava tanto os recém-chegados quanto os velhos amigos.
Recordava-se dos olhos da cor do mar.
Um dia, Aidan, um dos reis da costa, o procurou. O Ard-Ri, rei de toda a Irlanda, enviara mensagens alertando que estava sendo cercado por invasores de um
lugar remoto ao Norte. Eram homens selvagens, com uma língua própria, mais corrompidos na batalha do que o pior dos guerreiros nórdicos.
Sua total desconsideração pela vida humana deixara o rei supremo à sua mercê, os outros reis inventaram desculpas para não ajudá-lo. Na realidade, tinham medo,
o que não era dito, assim como não se mencionava que esse inimigo contava com poderes sobrenaturais. Mesmo a Irlanda tendo adotado o cristianismo, era difícil deixar
de crer totalmente nos velhos mitos.
Foi Igrainia quem ouviu as histórias de como as crianças e as mulheres pereciam nas mãos dos invasores. Quando ficaram a sós, ele a lembrou de que as criaturas
de sua própria espécie eram conhecidas por destruir com prazer os seres humanos mais vulneráveis e inocentes, e se zangou, pois, ao ouvir as histórias dos atacantes,
ouvia sobre o monstro que era. Sua esposa negou que ele fosse uma criatura como aquelas, e ele recordou o momento em que descobrira que se regalava com sangue. Mas
ela desejava que fosse, e ele iria.
Igrainia partiu após o anoitecer. Observou-a ir até a praia, desfazer-se da roupa de seda e pele que a envolvia e mergulhar no oceano. Nunca a vira ir embora
antes. À distância, no horizonte, avistou o movimento de caudas de golfinhos. Marujos falavam de sereias desde os tempos antigos. Homens corajosos mencionavam dragões
que atacavam os barcos. Lucian acreditava ser um homem são, primeiro um líder guerreiro, e depois um marinheiro tão bom quanto os vikings que haviam lhe ensinado
o ofício. Vira muitas baleias encalhadas na praia, golfinhos e até mesmo enormes polvos e lulas. Apreciara o mar e o açoite das ondas em suas pernas. Agora, mesmo
o sal tendo se tornado fatal para ele, ainda caminhava na praia e gostava de navegar. Porém, não acreditava em dragões, nem em sereias.
Na manhã seguinte, eles partiram. Os ferozes inimigos de Ard-Ri eram humanos, afinal. Uma tribo paga, cujo total desrespeito pela vida humana tornava sua coragem
ilimitada. Para Lucian, eram um banquete. Não receava atacá-los, fartando-se deles, equiparando-se àquele povo em selvageria.
Eles investiam de manhã, e Lucian reduzia suas fileiras à noite. Não estava sozinho, pois, dentre os muitos homens de diferentes nacionalidades, havia alguns
de sua espécie. Aprendera a reconhecê-los instantaneamente, na verdade, sabia localizá-los no mundo. Via-os e os comandava, e se orgulhava de seu poder.
Quando, por fim, o apetite deles conseguira dizimar o exército bárbaro, e ele se despedia do rei a quem haviam servido, Lucian sentiu uma nova inquietação
na escuridão do que fora sua alma.
Sophia!
Experimentou um medo intenso, terror, angústia. Fechando os olhos, transportou-se de volta à Ilha dos Mortos. O navio seguia velozmente atrás dele. Chegou
ao chalé, mas, como não encontrou Igrainia, correu até a praia. As pessoas se reuniam ao redor de algo. Ao vê-lo, afastaram-se, com um profundo pesar refletido nos
olhos.
Andando pela areia, avistou na margem o que parecia um golfinho, por causa da cauda lustrosa. Talvez tivesse piscado, pois, ao olhar outra vez, havia ali um
corpo de mulher, com o coração atravessado por uma lança.
Não o corpo de qualquer mulher. O corpo de Igrainia.
Ajoelhou-se a seu lado. Ela o tocou no rosto, fitando-o com os olhos da cor do mar.
- Meu amor... - ela sussurrou, antes de baixar a mão e fechar os olhos. Os cílios espessos sombrearam para sempre a beleza azulada que fora seu mundo.
Quando Lucian olhou para cima, agoniado e furioso, viu Sophia e Darian, ambos com uma postura provocadora.
- Nós só estávamos... pescando! - Sophia exclamou. Ela subestimara o monstro que havia criado. Com a força da mente e do corpo, Lucian atacou-a, arremessando-a
ao solo e, caindo sobre ela, esmurrou-a, odiando...
Darian aproximou-se com a espada, tentando cortar-lhe a cabeça. Porém, um dos insulanos que se encontrava ali, um anão banido da própria sociedade e valorizado
na ilha por sua habilidade de interpretar as runas, conseguiu, com esforço, pegar uma espada no chalé e teve a coragem de entregá-la a Lucian, que estava caído entre
os dois inimigos.
Com a arma, aparou os golpes de Darian, enquanto Sophia saltava sobre ele, rasgando seus ombros.
Ao investir contra Darian com fúria, quase lhe arrancou o braço. Segurando o membro dependurado, o oponente se afastou. Lucian agarrou Sophia por trás e, com
a força de sua cólera enlouquecida, atirou-a longe. Ela caiu na praia, atordoada, parcialmente dentro da água. De repente, começou a gritar, e o ar ficou impregnado
pelo cheiro de carne queimada. Ele se deu conta de que a atirara na água salgada. Logo, avistou Darian aproximando-se da aliada.
Apesar de a lei não escrita dos condenados o proibir de eliminar alguém de sua espécie, Lucian andou na direção deles, pronto para desferir os golpes mortais,
e para morrer. Destruir Sophia fora a única razão de sua existência. Contudo, Darian alcançou-a primeiro e ergueu-a da água. Depois, ambos se tornaram névoa...
Lucian não morreu, nem cessou de existir. Ali, à beira do mar, caiu de joelhos e urrou. Era o som assombrado e solitário de um lobo à noite, uivando para a
lua, era o guincho de um condenado, de um homem perdido. Até mesmo o que sobrara de sua alma fora tomado.
Foi um grito horripilante, que dançou com o vento, foi levado pelas ondas e carregado de costa a costa pelos mares. Os irlandeses se persignaram, e os reis
nórdicos oraram aos ancestrais e aos deuses.
Nesse momento, seus navios, transportando os desajustados e os poderosos, já haviam alcançado a Ilha dos Mortos e, quando Lucian poderia ter se lançado ao
mar salgado, sua tripulação o dominou.
Luz do dia. Ele estava exausto para além da morte.
O corpo de Igrainia foi banhado e adornado em seda, jóias e pele. Com o ritual reservado à realeza, ela foi colocada em um ataúde. Fogo foi ateado ao esquife
antes que o lançassem ao mar.
Lucian dormiu. Ao despertar, foi convencido por Wulfgar de que deveria viver. Sophia fora derrotada, e havia um mundo de loucura que precisava ser governado.
Ele seria o rei dos mortos-vivos, pois era necessário que houvesse sanidade e bom-senso. Quanto mais se perpetuavam no tempo, mais importante era que houvesse um
equilíbrio com o mundo ao redor.
Portanto, ele viveu. Ou permaneceu morto-vivo.
E mais de um século se passaria antes que ele sentisse Sophia causando destruição no mundo dos vivos de novo...
Abriu os olhos. Sentia a escuridão ao seu redor, o conforto de sua toca. Mas naquele abrigo, descobriu o que desejava saber. Sentiu o distúrbio no universo.
No seu universo.

Liz foi até a cozinha e deixou o simpático jovem da tevê a cabo trabalhando. Ouvia os gêmeos rir enquanto ele mexia com os cabos na sala de recreação.
Olhando para o relógio, constatou que já era tarde. Não estava acostumada a que Peter ficasse tanto tempo fora de casa, mas ele a avisara de que estavam trabalhando
com afinco no caso dos assassinatos. Percebera na voz do marido a preocupação com Jade. Quando chegasse, conversaria com ele a respeito do assunto.
Escutou de novo o riso dos filhos. O funcionário já deveria ter ido embora. Ficara ali bastante tempo e mantivera os meninos felizes. Contente com isso, secou
as mãos em um pano de prato e foi ver o que estava acontecendo.
Ao entrar na sala, encontrou Peter e James em silêncio, olhando fixamente para a televisão. Franzindo a testa, passou pelo rapaz e virou-se para a tela, ofegando
diante do que viu: um pesado filme pornô era exibido.
- Como ousa!? - Virou-se para o homem, furiosa. Porém, havia algo diferente no modo como ele a fitava.
Liz queria se mover, mas não conseguia, queria gritar, mas nenhum som saía de sua garganta.
- Liz, qual é o problema? É uma mulher bonita, no auge da sexualidade. Venha, vamos olhar melhor. Acho que vai gostar.
O sujeito pôs as mãos em seu pescoço. Estava horrorizada, mas... a sensação era boa. Os dedos abriam os botões de sua blusa. Aquilo, estranhamente, parecia
certo. Ele a virou para a televisão, e Liz sentiu-se... inchada. Queria ser tocada daquela forma, e ele faria isso.
Os gêmeos choravam, mas ela não se importava. De repente, viu-se deitada no tapete.
- Quer que eu me livre dessas crianças? - Ele riu. - Por enquanto... vou colocá-las no berço.
Mesmo depois que ele saiu, Liz não conseguiu se mover e continuou olhando para a televisão. Achou que havia um motivo para não agir daquela forma, mas não
imaginava qual poderia ser. Esforçou-se. Havia um homem em sua vida, um bom marido, alguém que, amava, mas ele estava longe. Uma névoa sensual a envolveu. O homem
da tevê a cabo estava ali, sorrindo. E ele precisava... de algo.
Escutou um gemido, e percebeu que era seu. Estava mesmo fazendo aquilo. Sentiu uma dor aguda em algum lugar, o que apenas realçou a sensação. Estava pegajosa
com... algo vermelho, mas ele lambeu tudo.
Mais tarde, a imagem da tevê sumiu. Liz estava fraca, deitada no tapete. No andar de cima, os gêmeos não paravam de gritar.

- Ei! - O médico tocou-a na mão.
Jade acordou e endireitou o corpo. Estivera dormindo apoiada na cama, e seu pescoço doía. Encarou ó médico, que era mais velho que o anterior. Ele sorria.
- Sou o dr. Wainwright, patologista.
- Jade MacGregor. Doutor, como ele...
- Você foi o toque mágico. O rapaz está muito melhor. A pressão e a respiração estão boas, e o sangue está circulando normalmente. Agora, você deve ir para
casa descansar. Não quero mais uma paciente por aqui. Volte amanhã.
- Certo. - Beijou a testa de Rick e sussurrou: - Continue melhorando. - Virou-se para o médico. - Até logo, doutor. Obrigada.
Ao sair do quarto, bocejando, Jade reparou que uma enfermeira passava pelo corredor empurrando um carrinho de medicamentos. Continuou andando e, ao virar-se,
notou que a mulher sumira. Teria entrado no quarto de Rick? O médico ainda estava lá, é claro. Rick estava muito melhor, e ela podia ir para casa.
Pegou o elevador, imaginando se Shanna ainda estaria esperando. Conhecendo a irmã, talvez. Decidiu dirigir-se à cafeteria. Estava fechada, mas na entrada havia
uma área com máquinas de café. Ao avistar a irmã, notou que ela não estava sozinha. Cochilava, apoiada ao ombro de Sean Canady.
- Tenente - Jade murmurou, aproximando-se. Shanna acordou, assustada.
- Jade, ah, meu Deus, ele está...
- Melhor - ela completou. - O médico quis que eu fosse para casa. Tenente, sinto muito, mas esqueci do nosso encontro. Quando Gavin me ligou...
- Eu entendo. Vou dar uma olhada rápida em Rick, mas não quero que vá a lugar nenhum sem mim. Espere aqui.
- Certo.
Ele pegou o elevador. Jade comprou café na máquina e sentou-se ao lado da irmã.
- Ele parece bem preocupado, não é, Shanna?
- Sim. O que está acontecendo é realmente assustador.
- Eu sei. - Apertou a mão da irmã. - Obrigada por ter ficado. Você é um amor.
Em silêncio, elas esperaram.
Quando Sean entrou no quarto de Rick, o médico fora embora. Uma enfermeira de cabelos escuros, de costas para a porta, mexia no tubo intravenoso de Rick.
- Ei! - Sean chamou. - O que está fazendo com ele?
- Transfusão de sangue - ela respondeu, virando-se.
- Quem é o senhor?
- Tenente Canady. Homicídios.
- Estão chamando detetives por causa de gripe?
- É gripe? - Sean indagou.
A enfermeira lançou-lhe um olhar esquisito antes de se inclinar outra vez sobre o paciente.
Ela vai mordê-lo no pescoço!, ele pensou. Puxando depressa um frasco de água benta do bolso, espargiu o líquido na mulher, que se ergueu e o encarou.
- O que diabos está fazendo? Policial ou não, vai ter de sair daqui!
Decididamente, ela não era uma vampira, Sean concluiu, sentindo-se um tolo.
- Sinto muito! Nós... estamos trabalhando sob muita pressão.
- Nós também, tenente. E, o senhor não pode prender o vírus da gripe, e nem afogá-lo. - Sorriu. - Ele está melhorando. Vá descansar e pare de jogar água nas
pessoas.
- Sim, é claro. Boa noite.
Sean saiu do quarto e afastou-se, mal notando as mulheres no posto de enfermagem. Uma delas, no entanto, observou-o ir embora. Seus olhos o seguiram até o
elevador antes que ela se virasse em direção ao quarto de Beaudreaux.

Lucian soube que chegara tarde demais assim que entrou na bela casa. Darian partira. Instintivamente, dirigiu-se à sala onde Liz se encontrava deitada no chão.
Pôs um dedo em seu pescoço, buscando pulsação. Depois pegou a manta de lã que estava sobre o sofá para cobri-la, pegou o telefone e chamou a polícia. Subiu e verificou
os gêmeos. Ainda choravam, mas não pareciam feridos. Não tentou acalmá-los, pois o som das sirenes se aproximava, e o socorro chegaria logo.
Saindo para a varanda, concentrou-se. Darian não podia estar longe. Por fim, sentiu-o e seguiu pela rua. Não soube por quanto tempo correu, mas percebeu que
voltava ao cemitério. Entrou e ficou parado.
Silêncio, cheiro de sangue... Moveu-se de novo, passando por anjos e cruzes de mármore, em meio aos raios lunares que incidiam no terreno e às sombras lançadas
pelos carvalhos.
De repente, um vulto saltou sobre ele, e algo o atingiu no braço, provocando-lhe uma onda aguda de dor. Um sopro de vento indicou que Darian estava voltando,
com uma faca na mão, pois o aço da lâmina produziu um silvo ao cortar o ar. Lucian esquivou-se, mas logo foi atacado outra vez. Saltou, alcançando uma barra de ferro
quebrada, que fechava uma tumba. Quando Darian planou sobre ele, ergueu o ferro, esperando que o oponente o atacasse diretamente e fosse atravessado pela arma improvisada.
Quase deu certo, mas Darian percebeu sua intenção a tempo e guinou, gritando ao sentir o ferro atingir seu peito, arrancando tecido e carne.
- Seu bastardo idiota! - Darian rugiu. - Ela não vai apenas destruí-lo. Vai fazê-lo ver cada um desses tolos inocentes expirar em uma morte lenta e torturante
antes de acabar com você.
- Deixe essas pessoas em paz. Ou, quando sua hora chegar, vou pregá-lo a uma estaca e retalhar cada uma de suas extremidades antes de decapitá-lo.
- Está louco pela vadia MacGregor, não é? Aquela era apenas a madrasta, mas ela era boa, Lucian. Esqueceu como é bom? Você, o autodenominado rei dos vampiros!
Comedor de ratos! Não se lembra do gosto de uma mulher? Ela era boa e me desejava, começou a jorrar assim que minhas presas tocaram seu pescoço...
Lucian desferiu um golpe forte com o ferro, acertando-o no pescoço. Darian urrou, virou-se e saiu correndo, tropeçando nas pedras. Começou a segui-lo.
Ajude-me!
Surpreso com a força da voz em seus ouvidos, Lucian parou.
Sophia! Maldita seja!
Fechando os olhos, viu o hospital, concentrou-se... De repente, encontrava-se no quarto de Rick. A cabeça do jovem policial estava virada para o lado. Duas
minúsculas feridas recentes marcavam seu pescoço.
Lucian apertou o botão de emergência e se escondeu nas sombras, observando a equipe do hospital trabalhar.
Jade estava no assento dianteiro do carro de Sean, fitando-o enquanto ele tentava explicar-se. Shanna adormecera no banco de trás.
- Você compreende?
- Não tenho certeza. Houve alguns assassinatos terríveis aqui alguns anos atrás, de prostitutas, cafetões... e os casos foram solucionados. Os assassinatos
que estão acontecendo são muito semelhantes àqueles, mas os criminosos são outros. Porém, a abordagem dos casos deve ser a mesma.
- Os assassinos são muito perigosos.
- Hum, eu diria que isso é bem óbvio.
- Gostaria que Maggie estivesse aqui. Ela explicaria melhor. Se eu tentar, você vai me achar louco.
- Ora, tenente, estou começando a pensar que somos todos loucos.
- Do que você se lembra de Edimburgo?
- Muito sangue e horror. De repente, os cadáveres pareceram despertar e ir atrás das pessoas. Tenho certeza de que o guia rasgou o pescoço de Sally com os
dentes. Eu vi.
- Seu guia está ocupado outra vez. E... você vai ter de tomar algumas precauções malucas.
- Você acredita em vampiros, não é?
- Não importa no que acredito, e sim o que você vai fazer.
- Você acha que Rick foi atacado por um vampiro?
Ele corou, parecendo desconfortável.
- Eu... bem, eu... Rick parece bem. Acho que pegou um vírus terrível, e agora está se recuperando.
Chegaram ao apartamento de Jade. Sean estacionou diante do edifício, virou-se para trás e acordou Shanna.
- Ela não mora aqui - Jade esclareceu.
- Mas vai ficar aqui hoje à noite, assim como eu.
Ela não quis discutir, pois estava muito cansada.
- Certo. Shanna dorme no sofá-cama do escritório e você pode usar o da sala.
Os três subiram e, vinte minutos depois, as acomodações estavam preparadas.
- Bem, boa noite - Shanna despediu-se, indo se deitar. Jade observou o tenente remover a jaqueta. Assombrada, viu que ele tirava diversos frascos do bolso
do casaco e os colocava na mesinha ao lado do sofá, Quando se virou e percebeu que era observado, franziu o cenho.
- Água benta? - ela indagou com ceticismo.
- Sim.
- Você acredita mesmo...
- Você esteve em Edimburgo - ele a interrompeu enquanto se deitava. - Se algo a perturbar, por favor, me chame. Boa noite.
- Obrigada. Boa noite.
Jade entrou em seu quarto, deixando a porta entreaberta. Deitou-se, achando que não conseguiria dormir, mas seus olhos se fecharam e, quase imediatamente,
ela adormeceu.

Peter MacGregor estava sentado ao lado da esposa na ambulância, espantado com o fato de ela ter adoecido com tamanha rapidez. Segurou-lhe a mão, fitando o
rosto pálido. Não podia perdê-la!
Ao chegarem ao hospital, ela foi levada para a emergência. Impedido de acompanhá-la, ele se sentou na sala de espera, desnorteado.
Ligara para as filhas depois que os policiais o localizaram na redação do jornal. Já havia tentado falar com elas, pois as queria em casa. Estavam ocorrendo
muitos assassinatos no país, semelhantes aos que Jade presenciara em Edimburgo. Porém, como não conseguira contato com elas, deixara os gêmeos na casa da vizinha.
Não compreendia o que tinha acontecido com Liz. Ela fora atacada? Apenas adquirira uma febre e rasgara a própria roupa num desespero delirante para se refrescar?
Passou os dedos pelo cabelo. Precisava tentar falar com as filhas outra vez.
Ligou para a casa de Shanna, mas ninguém atendeu. Estava prestes a telefonar para Jade, quando um médico se aproximou. Ao ver-lhe a expressão severa, o coração
de Peter disparou.
- Doutor...
- Ela está reagindo. Conseguimos abaixar a febre e fizemos uma transfusão de sangue. Ela está chamando você.
- Graças a Deus! - Peter exclamou, trêmulo. - Pela sua expressão, imaginei o pior.
- Sinto muito. E que é nosso segundo, caso igual, e nós não temos idéia do que seja. Mas ela está estabilizada.
- Graças a Deus! - ele repetiu, seguindo o médico em direção ao quarto da esposa.
Venha. Mesmo dormindo, Jade ouviu a voz.
Não seja ridículo. Estou dormindo, usando uma fina camisola de algodão.
Sabia que estava sonhando. Porém, ao ouvir um choro, que parecia o de uma criança perdida e assustada, seu coração acelerou. Seria um dos gêmeos?
Não, isso é um disparate! Não podia escutá-los dali. Encontrava-se em seu quarto. Mas, se estava sonhando, não haveria problemas em seguir a voz.
Em seu sonho, sabia que o policial que dormia em sua sala a impediria de sair. Portanto, deixou o quarto pela varanda, escalando os tijolos e a calha. Chegou
à rua, e seus pés descalços tocaram o pavimento sujo.
Começou a caminhar. Adorava Nova Orleans, mas sabia que devia evitar certas ruas. Aquele era, de fato, um sonho perigoso, pensou.
A voz alcançou-a de novo: Por favor, continue vindo, me ajude...
Escutou outra vez um choro de criança. Era um dos gêmeos.
Em geral, distinguia as vozes de um e de outro, mas agora...
Cuidado nessa rua lateral. Há um policial vindo, e ele vai pará-la, mas você precisa vir, por favor...
Ela se escondeu em um beco e esperou até poder retomar seu caminho. Quase corria. Ao chegar a uma rua maior, soube que se dirigia ao cemitério. Curioso...
Cemitérios ficavam fechados à noite. Eram perigosos.
Seus pés doíam. Passara por terra, líquidos derramados, galhos e até vidro quebrado. A bainha da camisola branca fora manchada pela sujeira da cidade.
Mas ali estava, diante dos grandes portões, que se abriram para ela. Entrou e, de imediato, o chão pareceu sumir sob a névoa densa e cinzenta que a envolveu.
- Estou aqui! - anunciou.
Venha para mais perto... Por favor...
Para mais perto, onde?, perguntou-se, e começou a ouvir o choro outra vez.
- James? Peter? Está tudo bem, estou indo...
Pisou em um fragmento de pedra e estremeceu, parando para tocar o pé que doía. Era um sonho bastante real.
Jade...
Após o nome, escutou o som terrível de um soluço. Caminhando em direção ao interior do cemitério, olhou para trás. A bruma continuava alta, encobrindo a saída.
Virou-se de novo para a frente e viu as sepulturas em meio à névoa prateada e às sombras mais escuras que a morte.
Tola! Andar sozinha em um cemitério à noite, procurando problemas. Qualquer idiota sabe que...
Jade!
Sentiu seu nome ser sussurrado às suas costas, e a sensação que percorreu sua espinha era de pura maldade.
Não! Começou a correr em câmera lenta, impulsionada pelo terror, mas retida pela força do mal sussurrando seu nome... Os gêmeos não a haviam chamado. Fora
enganada. Precisava continuar correndo.
No sonho, sentia os próprios batimentos cardíacos, a pulsação de sua vida, o ribombar desesperado... Era tão real!
A terra sob os pés, cruel, cortante, as pedras quebradas, as ervas daninhas enroscando-se em sua camisola... Acreditava conhecer os caminhos do cemitério,
mas, rodeada pela névoa sombria, não conseguia encontrar a saída. Estava sendo perseguida, sentia o hálito quente no pescoço.
Jade...
Agarrada pelo cotovelo, foi virada e jogada sobre a pedra fria de uma lápide. Gritou o mais alto possível, agitando os punhos. Havia alguém sobre ela, usando
uma capa escura, alguém, algo, um mal terrível...
Gritou de novo, repelindo com força o vulto que se inclinava. Cambaleou e, agarrando-se a uma imagem da Virgem Maria, conseguiu se levantar. Voltou a correr.
Os anjos alados se moviam, uma gárgula zombava dela, um Ceifador de Almas ergueu-se do pedestal e começou a caminhar a seu lado. De repente, passou por ela, bloqueando-lhe
o caminho. Agitando a foice em sua direção, ergueu a cabeça. Os olhos eram cavernosos, vermes rastejavam para fora, sobre a face esquelética.
- Venha...
Com uma das mãos, levantou a foice e, com a outra, acenou para ela. Pronta para disparar para o outro lado, ela se virou, deparando com um peito largo, no
qual começou a bater histericamente.
- Não, não, não...
- Jade!
Braços fortes a envolveram. Percebendo que ela não parava de gritar, ele a chacoalhou, fazendo-a abrir os olhos e ver-lhe o rosto.
- Está tudo bem, Jade! Você está segura.
Era Lucian. Ele usava calça e camisa pretas. Os cabelos estavam penteados para trás, e os olhos, mais escuros que a noite, a estudavam.
- Está tudo bem, é claro. É apenas um sonho...
Não era um sonho. Estava ali, com ele, no cemitério. Com a camisola suja, e os pés descalços e feridos, sentia frio.
- Meu Deus... - Afastou-se dele. - Você me fez vir até aqui!
- Não, Jade, eu não fiz...
- Seu bastardo! - Virou-se. A névoa que imaginara havia desaparecido, os anjos estavam imóveis, nenhuma voz era ouvida. Endireitando os ombros, começou a se
afastar.
- Jade!
Ela prosseguiu, mas, após fazer uma curva, começou a tremer. Tinha achado que encontraria a saída. Sentiu de novo um arrepio, como se algo...
Disparou a correr, escutando passos atrás de si. Lucian a seguia.
- Jade! - ele a chamou outra vez.
Não! Lucian estava diante dela. Poderia confiar nele, após tudo o que acontecera? Ousaria não confiar? O que quer que aquilo fosse, frio, o mal, um pesadelo,
estava bem atrás dela.
- Lucian! - ela gritou. Corria cada vez mais rápido. Havia um vulto adiante. O Ceifador de Almas? A Morte? Ou... algo ainda mais sombrio, uma criatura pior
do que a morte? Ela estava praticamente voando, e era tarde demais para parar...
- Jade! - Lucian emergiu das sombras, pegou-a nos braços e começou a afastá-la daquele lugar.
- Você me chamou! - acusou-o.
- Não fui eu. Tenho inimigos.
- Meu Deus... - ela murmurou, horrorizada. - Ele me chamou, e eu vim e... ele me tocou.
O cemitério não parecia mais medonho. Voltara a ser o mesmo de sempre. Já estavam no portão.
- Teve sorte de não ser baleada por um traficante ou pega por um cafetão - ele disse, zangado.
- Posso muito bem caminhar - ela afirmou, debatendo-se em seus braços.
Ele a colocou no chão, mas, quando seus pés feridos tocaram o solo, Jade agarrou-lhe o braço. Lucian segurou-a. Parecia maior do que nunca. As feições eram
severas, impressionantes, poderosas.
- Certo, eu não posso caminhar tão bem no momento - ela sussurrou. - Foi o guia, não é?
- Sim.
- Ele matou aquelas pessoas na Escócia. Depois foi para Nova York e massacrou um grupo lá. Veio para Nova Orleans atrás de Tom Marlow. Então, foi para Massachusetts
e destroçou mais gente.
- Acredito que sim. E ele não está sozinho.
- A mulher que saiu do túmulo e rasgou o pescoço de Jeff Dean está com ele, certo?
- Sim. - Ele começou a caminhar. Mancando, ela o seguiu.
- Lucian!
Ele olhou para trás.
- Vai ter de confiar em mim - ele falou.
- Confiar em você? Não sei o que você é. Não ouso acreditar no que... parece que seus amigos são!
- Eles são maus.
- E você?
- Não sou muito melhor. Mas não matei nenhuma daquelas pessoas, e estou tentando salvar sua vida.
- Por que está tão disposto a lutar por mim?
- Por causa da cor dos seus olhos - ele disse simplesmente, e voltou a caminhar. Ao perceber que ela não o seguia, virou-se. - Precisamos voltar. Há um policial
no seu apartamento, que já deve ter enlouquecido. Sua irmã está preocupa-díssima, e seu pai tem telefonado. Sua madrasta está doente.
- Ela está mal?
- Vai sobreviver.
- Como você sabe disso tudo? - Meneou a cabeça. - Por que eu pergunto? Você sabia que eu viria no meio da noite até o cemitério e sabe o que está acontecendo
com toda a minha família.
- Sim.
Ela estava assustada. Sentia vontade de bater nele outra vez, mas não queria que ele a deixasse. Nunca ficara tão feliz ao ver alguém em toda a sua vida! Mesmo
tendo medo... estava segura. Quisera bater nele apenas para que Lucian a abraçasse.
- Lucian... Por que você significa tanto para mim? Por que estou tolerando tudo isso? Por que não estou gritando, atraindo a atenção da polícia?
Ele sorriu de repente.
- Isso eu não sei - respondeu e, tomando seu rosto entre as mãos, beijou-a com gentileza.
Sim, ele era real. Os sonhos tinham acabado, e ele estava ali...
- É impossível, mas acho que amo você - ela disse. - E eu nem sequer o conheço.
- Talvez você saiba o suficiente - ele retrucou. - Eu sempre a amei.
Lucian voltou a caminhar. Quando ela tropeçou, pegou-a no colo, e Jade não protestou. A situação toda já era absurda demais. Ocorreu-lhe a estranha cena que
formavam. Ele, extremamente alto, moreno, vestido de preto, ignorando a escuridão e as sombras da noite, carregava uma mulher em uma esvoaçante camisola de algodão
branco pela rua, rumo ao alvorecer.

Peter estava ao lado da esposa, segurando-lhe a mão. Ela tentava falar, mas se sentia angustiada e confusa. Não se lembrava do que acontecera.
- Liz, você teve uma febre, e esteve muito doente - ele explicou. - Querida, temos sorte por você estar melhorando.
- Mas as crianças, Peter, elas estavam nos berços. Estão mesmo bem?
- Sim, e estão com a nossa vizinha. Você deve ter colocado os dois na cama quando começou a se sentir mal.
- Eu não me lembro de nada, exceto... do homem da tevê a cabo.
- Havia algo errado com o cabo?
- Não... Peter, isso é terrível. Eu não consigo me lembrar. Você ligou para as meninas?
- Elas não atenderam, e eu deixei recado, mais de um. Ainda é cedo.
- Se você não conseguir falar com elas, vá até os apartamentos das duas. Não sei por quê, mas estou preocupada. Por favor...
- Liz, papai!
Peter virou-se e viu as filhas.
- Papai, sinto muito... Shanna e eu passamos a maior parte da noite aqui. Meu amigo Rick está internado no andar de cima. Estávamos aqui quando nos ligou pela
primeira vez.
- Vocês saíram daqui sozinhas no meio da noite?
- Eu estava com elas.
Peter reconheceu Sean Canady. Familiarizara-se com o detetive por causa de seu trabalho no jornal. As palavras dele, no entanto, não eram tranquilizadoras.
Por que era necessário que um policial cuidasse de suas filhas?
- Peter, é bom ver você e saber que sua esposa está melhor - disse Sean.
Nesse momento, Peter reparou que havia outro homem com as meninas e o detetive.
- Como vai? - indagou o estranho, dando um passo adiante.
- Papai, este é Lucian DeVeau - apresentou Shanna.
- Um velho amigo - Sean explicou. - Fiquei inquieto com as coisas que estão acontecendo. O caso em Nova York...
- Sim, e o massacre no parque temático. Trabalhamos intensamente nas reportagens sobre os assassinatos ontem. Por isso, eu não estava em casa quando... - Peter
interrompeu-se. - Jade está correndo algum perigo?
- Não vamos nos arriscar.
- Você também é policial? - Peter perguntou a Lucian.
- Não.
- Ele é um amigo, Peter. Alguém que eu conheci...
- Sr. DeVeau! - Liz interrompeu, sorrindo. - Já nos encontramos antes?
- Quem sabe, sra. MacGregor? É um mundo pequeno. - Ele caminhou na direção de Liz e pôs a mão em sua testa.
- Parece bem. Como está se sentindo?
- Muito melhor, obrigada. - Os olhos dela brilharam ao fitá-lo.
- Então, sr. DeVeau, o senhor é médico? - Peter indagou, surpreso com a pontada de ciúme que sentiu.
- Ele é escritor, papai - Shanna apressou-se a responder.
- É mesmo? E vocês acabaram de se conhecer?
- Shanna, sim. Lucian e eu nos conhecemos na Escócia - Jade explicou, aproximando-se dele. - Papai, você está com uma aparência péssima, o que é compreensível.
Precisa comer alguma coisa, tomar um café. Shanna vai levá-lo até a cafeteria enquanto eu fico aqui com Liz.
- Sim, Peter, vá, por favor - Liz insistiu.
Shanna pegou-o pelo braço. Desconfiado, ele olhou para trás enquanto era conduzido para fora do quarto.
- Voltarei logo! - ele avisou.
Por que estava preocupado? Sua filha o encarava com os lindos e inocentes olhos cor de turquesa. Gostava do policial. Não conhecia o maldito estranho, era
isso. E Jade parecia conhecê-lo bem demais!
Assim que seu pai saiu do quarto, Jade voltou para o lado de Liz.
- Você está mesmo se sentindo bem?
- Muito melhor.
Lucian também estava ao lado dela, sorrindo, tocando-a no rosto, virando sua face para um lado e para o outro. Liz encarou-o, permitindo que fizesse aquilo.
- Você não é médico, mas sinto que o conheço. E que você fez algo por mim.
- Do que você se lembra?
- De nada além do homem da tevê a cabo. Estavam testando um novo mercado. O que isso tem a ver com qualquer coisa? Eu apenas fiquei doente, não é? - Fitou-os
com esperança, mas então pareceu preocupada. - Eu não sei bem, mas sinto... que algo ruim aconteceu. Não posso dizer isso para Peter... nem sequer sei o que estou
tentando dizer.
- Sra. MacGregor - falou Sean -, caso se lembre de algo, ou mesmo ache que imaginou algo, por favor, me ligue.
Ela encarou Lucian.
- Tome conta de Jade, sim?
- É o que pretendo fazer - ele afirmou, encarando Jade intensamente.

- Matt Durante! Venha aqui!
Matt estava batendo à porta de Jade quando Renate apareceu no corredor.
- O que foi, Renate? Estou tentando falar com Jade.
- Ela não está.
- Bem, então...
- Droga, Matt, isso é importante!
- Está bem! O que é?
- Entre. Não posso falar com você aqui no corredor. - Pegou-o pelo braço e arrastou-o até seu apartamento.
Quando entraram, ela se apoiou dramaticamente na porta, como se eles tivessem sido seguidos e se encontrassem em grande perigo.
- O que foi?
- Jade está namorando um vampiro! Ele meneou a cabeça.
- Jade está namorando um policial chamado Rick Beaudreaux.
- Rick está no hospital, provavelmente morrendo por causa da mordida de uma vampira, e Jade está dormindo com o chefe dos sugadores de sangue!
- Renate, você bebeu?
- Não, eu não bebi, e estou dizendo a verdade.
- E eu estou indo embora. - Caminhava para a saída quando ouviu uma batida à porta. - Os vampiros? - indagou.
- Danny Thacker. Pedi que ele viesse. Ela abriu a porta, e Danny entrou.
- Certo, Renate. Estou aqui. Olá, Matt, como vai?
- Renate acha que Jade está namorando um vampiro - Matt anunciou, revirando os olhos.
- Achei que Rick fosse policial - disse Danny.
- Rick é policial! - Renate exclamou, irritada. - Estou dizendo a vocês que ela está dormindo com...
- Luke? - Danny indagou, arregalando os olhos.
- Você o conhece?
- O nome dele é Luke... Lucian DeVeau. Um sujeito bacana. Quer ser escritor.
- Ele não quer ser escritor - afirmou Renate. - Quer apenas se aproximar de nós. Quer que nós o convidemos a entrar... É assim que funciona. Um vampiro precisa
ser convidado.
- Você vai conhecê-lo, Matt - disse Danny. - Ele é realmente decente. Outra noite, eu estava caindo de bêbado depois de passar a noite com o cadáver daquele
rapaz, e Jade e Lucian me levaram para casa. Ela o conheceu na Escócia, eu acho. Eu o conheci aqui mesmo, em um café em Nova Orleans.
- Eles o levaram para casa! - Renate falou. - Você o convidou para entrar!
- Sim, e eu ainda estou andando e falando.
- E eu estou usando uma cruz! - disse ela. - Verifique o pescoço dele, Matt.
- Vocês dois podem verificar. - Danny virou o rosto, e Renate estudou-lhe o pescoço. - Se ele é um vampiro, não estava com fome naquela noite.
- Ele não vai atrás de você porque está seduzindo Jade.
- Você disse que Jade já está dormindo com ele - Matt observou.
- Sim, mas... ele provavelmente quer seduzi-la para a causa dele. Não sei exatamente o que ele quer, só tenho certeza de que ele é um vampiro e de que coisas
terríveis estão acontecendo. E temos de nos proteger, e proteger Jade...
- Por que você acha que esse sujeito é um vampiro?
- Bem, eu tenho escutado a freqüência da polícia no rádio... Mas vamos voltar um pouco. Jade vai para a Escócia e volta péssima, assustada, magra, fazendo
terapia. Ela conheceu esse homem lá. Há terríveis assassinatos em Nova York, e outro dos sobreviventes da Escócia está entre as vítimas.
- Há o rapaz no necrotério - Danny comentou.
- O quê? - Matt quis saber.
- O rapaz morto... não foi um acidente. Ele usava um nome falso e morreu antes de ser lançado pelo pára-brisa. Depois... alguém fez o trabalho em seu pescoço
com vidro quebrado.
- Ele é outro dos sobreviventes da Escócia - esclareceu Renate. - Assim como uma das vítimas do massacre em Massachusetts.
- Logo os assassinos vão ficar sem sobreviventes, certo? - Matt indagou, e em seguida percebeu o que acabara de dizer. - Meu Deus! Jade é uma sobrevivente.
Mas como isso tudo faz desse sujeito um vampiro?
- Bem, tenho quase certeza de que ele é escocês...
- DeVeau? - Matt murmurou.
- Na verdade, sim, ele é escocês - disse Danny. - O nome veio da Normandia, centenas de anos atrás ou algo assim.
- Viram? - retrucou Renate.
- Renate, vampiros em geral são da Transilvânia, não?
- Como podemos saber de onde eles realmente vêm? E esse o meu ponto! Os vampiros são muito antigos, e podem estar em qualquer lugar. Vejam! - Ela pegou um
livro intitulado Estranhas Histórias das Américas. - São todos casos documentados pela Justiça dos Estados Unidos. Este aconteceu na época da Guerra Civil. - Abriu
o livro e começou a ler: - "Linda e jovem, Sally Anderson apaixonou-se por um charmoso desconhecido. Após o noivado, ela ficou doente, com febre alta, fraqueza generalizada
e uma terrível palidez. Morreu duas semanas após o primeiro encontro com o noivo. Foi enterrada pelos pais. O desconhecido alto e charmoso desapareceu. Dois dias
após o enterro, sua irmã adoeceu".
- Foi provavelmente uma doença contagiosa - Matt opinou.
- Matt, escute! - Ela continuou lendo: - "A irmã disse que Sally ia até ela à noite, pedia para entrar no quarto e beijava seu pescoço, deixando-a ainda mais
doente. A jovem sofreu da mesma fraqueza, febre e palidez. Uma semana depois, morreu e foi enterrada no mesmo cemitério. Então, uma terceira irmã adoeceu. Ela também
se queixava de ser visitada pelas duas irmãs mortas, que desejavam abraçá-la, pois queriam ser beijadas e aquecidas. Foi vítima da mesma misteriosa doença." - Renate
encarou-os. - Logo, ela também morreu.
- Esses sintomas podem ser várias coisas - disse Matt.
- Você ainda não ouviu o final. - Renate voltou a ler: - "Desesperados para salvar a filha que restara, além do filho caçula, os pais pediram ajuda, O clérigo
local orientou-os a desenterrar os cadáveres das filhas, cortar e queimar os corações, e separar as cabeças dos corpos. E eles assim o fizeram. Os corpos estavam
como no dia em que haviam sido enterrados. A mãe escreveu no diário que achou que a filha mais velha abrira os olhos, e que estivera prestes a falar. Mas o clérigo
cravou a estaca no coração da menina." - Interrompeu a leitura. - E vocês sabem o que aconteceu?
- Não, Renate. Conte-nos.
- Ela gritou.
- Coisas assim já aconteceram - Danny falou. - Com o passar do tempo, são feitas novas descobertas sobre fisiologia humana. Talvez tenha havido uma liberação
súbita de gases ou...
- Tenho mais livros - Renate o interrompeu. - Aqui está um que acho que deveria ver, Daniel. - Mostrou-lhe o volume cujo título era Uma História da Escócia:
Famílias em Risco, e começou a virar as páginas. - Vários nomes de clãs atuais vêm da época da conquista normanda, e de antes. O famoso rei escocês, Robert Bruce,
descendia de um sujeito que veio da Inglaterra após a conquista, e cuja família era originária da Normandia. No começo do século, parte da família passou a ser De
Brus. Este livro fala da inimizade entre os Bruce e os DeVeau. Há também uma história de um herdeiro DeVeau lutando ao lado de Robert Bruce contra os ingleses.
- A Escócia era cheia de rivalidades feudais. Não entendo. Primeiro, falamos de vampiros. Depois, da História da Escócia...
- Vejam! - Empurrou o livro na direção deles. - O conflito entre eles surgiu por causa de uma mulher louca abrigada pela família De Brus. Havia rumores de
que ela era uma feiticeira e uma assassina, e DeVeau queria que ela fosse julgada diante do rei e que fosse executada.
- E o que aconteceu? - quis saber Danny.
- Não há nada neste livro a respeito de uma execução. Não consigo encontrar um nome para ela, nem outras informações. Mas vocês precisam ver esta foto.
Matt e Danny olharam a página. Havia um homem a cavalo, usando uma cota de malha sobre uma túnica com o brasão da família. Parecia um dragão vermelho, ou um
lobo, em um campo dourado. Carregava um estandarte e uma espada. A pintura era de um afresco criado para uma igreja perto de Edimburgo.
- O sujeito parece esse meu novo amigo - comentou Danny. - A pintura é o retrato, tal e qual, de Lucian DeVeau.
- Ele é um DeVeau. Deve ser uma semelhança familiar - opinou Matt.
- Oh, seus tolos! - gritou Renate. - Ele não é um DeVeau. Ele é o mesmo DeVeau.

Quando o pai e a irmã voltaram ao quarto do hospital, Jade pediu licença para subir e ver como Rick estava. Logo percebeu que Lucian estava atrás dela.
- Eu deveria fazer isso sozinha - ela disse.
- Preciso ver seu amigo.
- Ele estava melhorando, e pode estar consciente. - Deteve-se e pôs a mão no peito dele. - Lucian, eu...
- Está preocupada que ele me encontre? - indagou, envolvendo-lhe o pulso com os dedos para afastar sua mão, os olhos frios. - Acha mesmo que as coisas podem
voltar a ser como eram antes?
- Não... sim... talvez. Ainda não sei nada a seu respeito. Você invadiu minha vida...
- Sabe tudo o que há para saber. Se for capaz de admitir isso - ele disse, e continuou andando.
Lucian sabia o caminho para o quarto de Rick, que ainda estava na UTI. A enfermeira a princípio queria impedi-los de entrar, mas acabou reconhecendo-a.
- Ah, você é a noiva!
Corando ao sentir Lucian atrás de si, Jade apenas assentiu.
- Ele ainda está inconsciente, mas melhor. Vá e fale com ele. Talvez lhe faça bem.
Jade entrou e se aproximou da cama, segurando a mão de Rick. Pela janela, viu Lucian conversando com a enfermeira, que sorriu e abriu a porta.
- O que você disse para ela?
- Que era um amigo. - Caminhou até Rick e examinou seu pescoço, parecendo perplexo.
- Marcas de mordida, é? - ela provocou.
Lucian fez um gesto para que ela se aproximasse. Parecia haver duas pequenas marquinhas, mas não os grandes círculos vermelhos que ela vira em filmes.
- Não deveriam ser maiores? - Jade sussurrou, imaginando se estava enlouquecendo.
- Sophia está apenas brincando. Ele está se mantendo firme no momento, mas não deve ficar sozinho. Vou avisar Sean.
- Eu não entendo. E não acredito que ele esteja doente por causa desses pontinhos no pescoço. Isso é loucura.
- É, sim - ele concordou. Virou-se e deixou-a no quarto.
À luz do dia, no mundo estéril e organizado do hospital, Jade sentia que o bizarro tomava conta de sua mente. Não acreditaria em tudo aquilo com tanta facilidade.
Sempre havia respostas lógicas na vida. Algumas vezes, era apenas difícil encontrá-las. Permaneceu ao lado de Rick, segurando-lhe a mão.
Alguns minutos depois, viu um jovem charmoso pegar uma cadeira e sentar-se, com um jornal, diante do quarto. Saiu e olhou para ele, recebendo um sorriso amigável
de volta.
- Olá! Jade, não é? Sou Jack Delaney. Trabalho com Sean. Vou tomar conta de Rick por enquanto.
- Ele não está sendo caçado pela Máfia, nem nada assim. Foi internado porque está doente.
- Certo. Bem, ele é um bom policial. Espero que não se importe com minha presença aqui.
- Claro que não. - Percebendo que Jack não lhe daria mais informações, despediu-se: - Acho que vou embora, já que Rick está em boas mãos. Até logo.
- Até logo.
Quando Jade voltou ao quarto da madrasta, Sean e Shanna esperavam por ela, mas Lucian tinha ido embora. As saídas dele estavam se tornando muito irritantes.
- Ele tinha alguns assuntos para resolver - Sean explicou. - Maggie quer conhecê-la. Já falei com sua irmã. Espero que vocês me acompanhem até em casa para
comer algo e descansar um pouco.
- Não sei - disse Jade. - Papai, e as crianças?
- Está tudo bem, Jade, elas estão com a vizinha. Por que você e Shanna não comem e descansam um pouco? Podemos precisar de vocês nos próximos dias.
- Certo. Bem, estou louca para conhecer sua esposa, tenente.
Ao saírem do quarto, Jade reparou no homem negro alto e bonito parado à porta, que Sean apresentou como Mike Astin. Surpreendeu-se com o fato de sua madrasta
também precisar de um segurança.
Era tudo muito estranho. Ao retornarem a seu apartamento pela manhã, tanto Sean quanto Shanna tinham estado desvairados. O policial conhecia Lucian, e não
ficara surpreso ao vê-lo carregando-a para dentro de casa. Shanna, que estivera preparada para não gostar dele, agira de forma oposta, apresentando-se, observando-o,
interrogando-o e, por fim, parecendo fascinada por ele.
Era tudo muito estranho, pensou de novo, já dentro do carro do tenente.
Ao chegarem à casa dele, Jade admirou-se com a bela mansão. Mal tinham subido os degraus da entrada quando a porta se abriu, e uma mulher com uma criança no
colo apareceu. Era alta e elegante, o bebê tinha olhos azuis e cabelos escuros encaracolados.
- Meu marido conseguiu trazê-las aqui! Você é Jade, e você é Shanna - ela disse, nomeando-as corretamente. - Obrigada por terem vindo.
- Obrigada pelo convite. E este é... - Jade indicou o bebê.
- É o sr. Brent Canady - Maggie apresentou o filho.
- Ele é adorável! - Shanna elogiou.
- Obrigada. Por favor, entrem.
A casa era maravilhosa também por dentro, tanto requintada quanto acolhedora. Porém, tinha um cheiro estranho. Quando chegaram à cozinha, Jade percebeu que
havia dentes de alho pendurados nas janelas e nas portas francesas, assim como estacas de madeira nos cantos.
Maggie deixou o filho no chão da sala de estar, com seus brinquedos, antes de perguntar:
- Querem beber alguma coisa? É cedo, mas eu faço um ótimo Cosmopolitan.
- Seria ótimo - Shanna aceitou.
- Para mim, também - disse Jade.
- Sean, você pode ir ao porão buscar mais groselha, por favor?
- Claro. - Ele saiu.
Shanna foi ficar com o bebê na sala, e Jade apoiou-se no balcão perto da anfitriã.
- Maggie... Há alho espalhado por toda a sua casa.
- Alho suficiente pode funcionar.
- Contra...
- Vampiros.
- E as estacas?
- Também funcionam. Apesar de ser necessário cortar o coração ou remover a cabeça.
- E cruzes?
- Têm algum poder, dependendo do vampiro. Eu, pessoalmente, sempre apreciei uma bela cruz.
- Maggie, como você poderia saber o que funciona ou não contra vampiros, caso tais criaturas de fato existam?
- Eu já fui uma vampira.
Jade ficou imóvel. Estava realmente enlouquecendo!
- Você foi uma vampira... e agora não é mais. Passou de uma medonha sugadora de sangue a pacata esposa de um policial?
- Eu nunca fui uma assassina cruel. O mundo não é tão simples, Jade, nem mesmo o dos mortos-vivos.
- Vampiros não podem existir.
- Podem, sim, e existem.
- Não acredito nisso. - Sentiu lágrimas nos olhos. - Não posso, porque acho que está tentando me dizer que Lucian DeVeau é assim, que eu realmente estava com
um grupo atacado por vampiros na Escócia, que eles estão matando pelo país, que... - Interrompeu-se.
Maggie apenas a observava, esperando que ela aceitasse tudo aquilo. Shanna se levantara e, do outro aposento, olhava para elas. Sean retornou.
- Acho que vou preparar os drinques agora - avisou Maggie. - Obrigada, meu amor - ela murmurou, pegando a garrafa de groselha das mãos do marido. - Jade, você
pegaria gelo para mim, por favor?
Jade atendeu ao pedido e voltou para perto de Maggie.
- Você era uma vampira? E simplesmente desistiu de ser?
Maggie deixou o jarro sobre o balcão e fitou Jade.
- Nada no mundo é tão simples - repetiu. - Há leis estranhas que regem a vida e a morte. Eu acredito em Deus. Sempre mantive a fé, e talvez por isso tenha
sido recompensada. Muito antes da Guerra Civil, eu conheci um homem. Meu pai sabia o que ele era, eu, não. Ele nunca quis me ferir, pois realmente acreditava que
seu amor era forte o suficiente para dar vida a nós dois. Meu pai o matou, e eu fiquei maculada.
- Antes da Guerra Civil?! - Jade indagou.
- Se você quiser sobreviver ao que está acontecendo, sugiro que abra sua mente e escute Maggie - Sean aconselhou.
- Eu estou escutando! Não quero ser rude, mas...
- Meu Deus, Jade! - Shanna exclamou. - Não se lembra do que aconteceu na Escócia? Eu não estava lá, mas me lembro bem de como você ficou, depois do que aconteceu.
- Esses drinques estão prontos, Maggie? - Jade indagou, trêmula.
Maggie terminou rapidamente de preparar a bebida e entregou um copo a Jade, que bebeu de uma vez.
- Eu... não... bem... Você era uma vampira e usava uma cruz?
- É uma preferência pessoal, mas garanto a você que Darian não gosta de cruzes.
- Darian... o guia turístico, é claro... e o alho deve significar algo.
- Acho que pode oferecer proteção contra Darian e Sophia. Faz mal a Lucian.
- Não consigo acreditar que estamos tendo esta conversa.
- Você acredita, Jade - a irmã lhe disse -, por causa da Escócia.
- Esse Darian é... o pior e o mais cruel dos vampiros. É isso o que vocês estão tentando me dizer?
- Entre eles, sim. Na verdade, Sophia é o epítome do mal.
- Sophia, a mulher de cabelos escuros que estava na cripta... Ela é mais forte que Lucian?
- Lucian é muito forte - respondeu Maggie.
- Ele é o rei dos vampiros - completou Sean.
- O rei dos vampiros! - Jade repetiu, sentindo-se histérica.
- Você precisa entender que tudo começou em uma época diferente. Vampiros são muito antigos, quase tanto quanto os homens e, naquele tempo, os homens eram
tão brutais quanto quaisquer outras criaturas.
- É ilegal e imoral sair por aí matando pessoas hoje em dia! - Jade exclamou.
- Sim, claro, nos tornamos mais civilizados. Conforme o homem evoluiu, o mesmo aconteceu com as outras criaturas. Nós compartilhamos o mundo. A maioria dos
mortos-vivos aprendeu a viver discretamente. O sangue humano ainda é a maior tentação, e Deus sabe que os vampiros matam, mas a maioria é cuidadosa. Seleciona os
enfermos, os idosos...
- Oh! Criaturas bondosas, praticando uma forma gentil de eutanásia! - Jade ironizou.
- Algumas vezes, a morte é uma bênção - disse Maggie.
- Mas não estou dizendo que qualquer criatura tenha o direito de bancar Deus.
- Já vimos alguém que amamos morrer de câncer - Shanna lembrou a irmã. - Há coisas piores que a morte.
- Ser morto-vivo? - Jade indagou, fitando Maggie.
- Minha esposa está tentando ajudá-la - Sean interferiu com voz dura.
- É muita coisa para aceitar - murmurou Jade. - Eu apenas...
- Tudo bem, Sean. Ela está certa. E nossa refeição está pronta. Vamos comer?
Sentaram-se à mesa e, após a oração de graças, começaram a se servir.
- Você realmente acredita em Deus - Jade observou. - Eu agradeço todos os dias pela vida que tenho.
- Mas também acredita...
- É muito simples - Sean interrompeu. - Existe o Bem e o Mal. Qualquer criança sabe disso.
- Rick e Liz foram atacados por um desses vampiros? - perguntou Jade.
- Acreditamos que sim - disse Sean.
- Até agora, os dois apenas brincaram, tentando criar confusão, fazer Lucian perceber que podem atacar da maneira que quiserem. Eles não provocaram nenhum
grande dano. Se tivessem mesmo mordido os dois... - Maggie murmurou.
- Se isso tivesse acontecido - Sean prosseguiu -, os dois estariam maculados. Seriam eles, mas ao mesmo tempo não seriam. Seriam cruéis. E então...
- Uma mordida de verdade transforma a pessoa em um monstro? - Shanna quis saber.
- Se Sophia ou Darian quisessem de fato morder alguém, provavelmente criariam um monstro. Não sabemos bem como, mas pode até ser algum tipo de condição do
sangue. Portanto, de criaturas com essa veia malévola, obtém-se outra criatura assim quando o sangue é infectado. Vi isso acontecer uma vez com um conceituado soldado.
Ele ficou louco e matou cruelmente os homens que estavam feridos no campo de batalha.
- O que podemos fazer? - Jade perguntou. - Meu Deus, Liz e Rick estão vulneráveis...
- Eles estão sendo vigiados - Sean lembrou-a.
- Sophia tem sido má há mais tempo do que qualquer um pode se lembrar. Lucian derrotou-a antes e deve fazer isso de novo.
- Por que eles não foram destruídos?
- É uma lei: vampiros não podem destruir uns aos outros.
- Por que eles estão atacando pessoas próximas a mim? - Jade indagou.
- Por que não torturar você, debilitando Lucian no processo? - Maggie retrucou. - Eles estão atrás de você.
- Porque eu vi o que eles fizeram na Escócia.
- Não sei - disse Maggie. - Acho que eles fizeram aquilo na Escócia para você. - Ela hesitou. - Você é muito parecida com alguém que Lucian conheceu anos atrás.
Sophia a odiava. Ela viu você... e a odeia.
- E onde Lucian está agora?
- Vou levá-la até ele em breve. - Maggie levantou-se para tirar a mesa.
- Eu devo ir com Jade? - Shanna quis saber.
- Esta noite, você deve ficar aqui.
Jade começou a lavar os pratos, Shanna foi ficar com o bebê na sala e Sean retirou o lixo.
- Quando você conheceu Lucian? - indagou Jade.
- Quando eu me transformei em vampira.
- Vocês eram...
- Somos velhos amigos agora, nada mais. Lucian teve seu tempo de amargura e de arrogância. Era o rei, um professor. Eu teria perecido sem ele. Aprendi as regras,
ele me socorreu. Eu não estaria aqui com Sean se ele não tivesse feito isso. Nem sempre ele foi bom, e não é necessariamente bom agora. Mas é razoável, coerente,
e sempre teve sua ética. Dizem que um vampiro verdadeiro não tem alma. Não é verdade. Ele é como um homem, Jade. Seu mundo não é branco ou preto. Há muitas sombras
nele.
- Sim, mas...
- Ele me desejou uma vez, mas nunca me amou de verdade.
- Eu não estava perguntando...
- Estava, sim.
- Eu mal o conheço,
- Talvez você o conheça melhor do que imagina.
- O que quer dizer?
- Quando conheci Sean, ele tinha um ancestral que havia sido soldado durante a Guerra Civil. Sean me lembrou muito ele. Acho que talvez ele fosse Sean.
- E você acha que eu posso ser alguém que viveu muito tempo atrás?
- Quem sabe? Lucian amou uma vez, mais de um milênio atrás. Eu não estava lá, pois ele é muito velho. Era um líder nas Terras Altas, e tinha uma esposa, Igrainia,
a quem amava muito. Ela foi lançada ao mar, onde ele não podia alcançá-la. Mas a história diz que certos poderes do mar a devolviam, durante algumas horas, para
ele. Ainda assim, Sophia descobriu-a e matou-a quando vinha para a terra, afastando-a das águas que a teriam salvado.
- Ela veio do mar? Ora, Maggie, isso é ridículo!
- Mas você se atrai por ele, certo? Fica brava, pois ele vem e vai, porque há muitas perguntas não respondidas, porque você tem medo... Mas está ligada a ele
e, se Lucian de repente saísse de sua vida, você ficaria devastada.
Ela se recusou a responder ao comentário.
- Mas com Sophia...
- Acredito que ela ache que você é Igrainia. Que você voltou. E a raiva dela é incrível. Há muito tempo, ela conheceu Lucian, quando estava com os vikings,
aterrorizando a costa da Escócia. Ela o viu, desejou-o, criou-o, e ninguém rejeita Sophia, que é linda e poderosa. Mas ele a desprezava, por causa de Igrainia. Sempre
a odiou, e agora ela quer destruí-lo.
- Tenho medo de acreditar nisso tudo, e de não acreditar.
- Mas você quer ver Lucian?
- Sim.
- Já terminamos a louça. Vou levá-la até ele. Sua irmã ficará segura aqui com Sean e o bebê.
Jade abraçou a irmã antes de sair com Maggie. No carro, mantiveram silêncio durante o trajeto, até Jade perceber que estavam no cemitério.
- Maggie...
- Não se preocupe, pois ele está sozinho. Está esperando você. Quer que compreenda o que ele é.
Jade umedeceu os lábios, vendo as elaboradas sepulturas por cima dos muros. Lembrou-se de quando estivera ali, acreditando que sonhava.
Confie em mim!
Escutou a voz dele na mente. As palavras eram fortes, como se tivessem sido pronunciadas em voz alta. Abriu a porta do passageiro e olhou para Maggie, que
afirmou:
- Você ficará bem.
- Porquê?
- Ele ama você. - Maggie inclinou-se para fechar a porta e afastou-se.
Dessa vez, Jade sabia que não estava sonhando. Com escuridão e sombras por toda a parte, entrou no cemitério.
Por aqui.
Ela seguiu a voz. Andou por caminhos repletos de pedras e por trechos de grama, passou por uma gárgula enorme e por diversos mausoléus, aprofundando-se cada
vez mais na morada dos mortos.
Por fim, avistou-o. Estava parado diante de uma cripta lindamente esculpida, guardada por leões alados, vitrais retratavam cenas de São Jorge matando o dragão
e da ascensão de Lázaro. Ele usava camisa e calça pretas, mesclando-se com a noite. Esperou-a, apoiado na parede.
Jade se deteve a alguma distância, encarando-o.
- Por que estou aqui? - ela sussurrou.
- Queria que visse onde eu vivo, ou não vivo.
Quando Lucian se aproximou, sentiu vontade de correr, pois não queria crer naquilo. Porém, mais do que tudo, desejava estar com ele.
- Venha, vou lhe mostrar. - Ele tomou sua mão. Conforme ela era conduzida aos degraus, sua mente se rebelou. Ele a arrastaria para baixo e a trancaria com
os mortos. Não queria nem começar a imaginar os cadáveres que haveria no mausoléu.
Quando ele abriu a porta, Jade avistou caixões em uma das paredes e, no centro do aposento, um altar sob outro vitral: Cristo se levantando dos mortos. Havia
mais um caixão de cada lado. No altar, ela leu o nome DeVeau.
- Parentes? - ela sussurrou. Ele meneou a cabeça, sorrindo.
- Não há uma alma enterrada aqui. Nesses caixões, mantenho apenas terra da Escócia. Exceto por aquele... com roupas. Tento ficar atualizado em relação aos
estilos em voga.
Jade andou pelo aposento, imaginando se agiria como uma tola ao tentar erguer a tampa de um caixão que poderia estar selado havia décadas. A tampa abriu e,
como ele dissera, estava cheio de roupas.
- E o outro? - ela indagou.
- Eu não preciso dormir aqui. - Ele se aproximou, erguendo-lhe o queixo. - Volto para cá quando estou exausto, precisando de força.
Estava sozinha com ele, e Lucian alegava ser um vampiro. Não se sentia tentado?
- Sim - ele respondeu suavemente.
Jade sabia que não fizera a pergunta em voz alta.
- Como você não...
- Livre-arbítrio.
- Podemos ir embora?
Ele segurou seu rosto entre as mãos, estudando-lhe os olhos. A escuridão era completa, e Jade não via nada lá dentro, mas sabia que ele a via.
- Nós?
- Sim. Se você não precisa ficar aqui, podemos ir para a minha casa?
- Por enquanto, sim. Depois, quero voltar ao hospital, mesmo que agora não tenhamos que nos preocupar. Sean levará sua irmã amanhã de manhã.
- Os amigos de Sean podem mesmo proteger Liz e Rick?
- Mais do que qualquer um.
- Eles acreditam...
- Sabem o suficiente para não se recusarem a usar o que funciona. Mas ninguém está sendo atacado agora, ou eu sentiria.
- É claro - ela murmurou.
Saíram do cemitério. Não havia neblina naquela noite. As gárgulas e os anjos permaneciam em seus pedestais.
Na rua, Lucian chamou um táxi.
Ao chegarem, Jade entrou no apartamento e, mal fechara a porta, viu-se nos braços dele. O beijo foi selvagem, ardente. Apesar de sentir-se fraca de desejo,
agarrou-se aos ombros largos, afastando-se.
- Eu não sou...
- Você é tudo.
- Lucian, não sou alguém que você conheceu! Sou apenas eu, Jade MacGregor, e...
- E eu a desejo muito, srta. Jade MacGregor.
Ela o tocou na face, com os olhos fixos nos dele. Lucian livrou-se da jaqueta e levou os dedos aos botões de sua blusa, roçando cada pedacinho de pele que
desnudava, despertando-lhe sensações que se espalhavam por todo o seu corpo. Jade tomou o rosto dele entre as mãos, adorando a estrutura da face masculina, a forma
como ele a fitava. Sua blusa deslizou pelos ombros e caiu no chão, e ele a virou de costas para soltar o sutiã. Ergueu seu cabelo, e ela sentiu o hálito quente e
sensual na nuca, e o beijo, líquido e quente, deixando uma umidade que, tocada pelo ar, era excitante, como todo o resto. Beijou-a ao longo da espinhadas mãos detiveram-se
no cós de sua calça, circundaram seu corpo para encontrar o zíper na frente e o abriram. Acariciou-a no ventre, e cada vez mais para baixo, conforme ia tirando seu
jeans. Jade gemeu, pulsando com a pressão daquele toque. Livrou-se da calcinha e virou-se de frente para ele, sentindo o corpo forte e quente contra o seu. Beijou-o,
e o contato pareceu afetá-la por completo, derretendo-a. Quando ele a tomou nos braços, soube que aquilo era o que mais desejava no mundo.
Lucian sentiu-se à vontade em sua cama, era o amante perfeito, arrogante e terno, sabendo exatamente onde e como tocá-la, provocando-a, excitando-a, nunca
hesitando, sempre exigindo mais. Ela se deliciou ao sentir-lhe a pele, a pulsação, os músculos sob seus dedos, os quadris delgados, a ereção. Não queria mais perguntas
naquela noite, não queria pensar, nem temer. Fechou os olhos. Tudo o que desejava era Lucian.
Ele se deitou sobre Jade, penetrou-a, tornou-se parte dela. Era um fogo que ardia e, naquele momento, ela acreditou em mágica.

- Peguem-no! Cuidado! Não Jade, apenas ele!
De algum lugar em seu sono, ela escutou uma voz semelhante à de Renate.
- Tem certeza de que isso vai funcionar? Danny?
- Sim, nós não queremos apenas irritar um vampiro, Renate.
Aquele era Matt.
Jade acordou com os sussurros, dando-se conta de que não estava sonhando. Ao abrir os olhos, avistou Renate, Danny e Matt que, em pé ao lado de sua cama, a
encaravam, com estacas na mão.
- Ele não está aqui! - Renate anunciou. Cobrindo-se com o lençol, Jade olhou para o lado e, constatando que Lucian não estava mesmo lá, fitou o trio.
- O que vocês estão fazendo aqui?!
- Nós o perdemos. Eu disse que esperamos demais. - Renate sentou-se na cama, suspirando. - Jade, querida, você está dormindo com um vampiro.
- Nós... hum... - Matt corou. - Renate insistiu que viéssemos.
- Vamos ajudar você a matá-lo - ofereceu Renate.
- Vocês vão ter de estar muito mais bem preparados do que isso, se quiserem matar um vampiro.
Jade arfou, Lucian retornara. Tinha tomado um banho e estava vestido, apoiado ao batente da porta, com os braços cruzados sobre o peito e os olhos cor de ébano
revelando divertimento.
Renate levantou-se de um salto, erguendo a estaca. Lucian mal pareceu se mover, mas de repente se encontrava diante dela. Pegou a estaca e quebrou-a no joelho.
Matt e Danny largaram as que estavam segurando e recuaram.
- Nunca hesite diante de um vampiro - Lucian aconselhou.
Renate encarou-o, ofegando, antes de desmaiar aos pés dele. Lucian ergueu-a e a acomodou em uma poltrona diante da janela.
- Vou buscar um pouco de amônia na cozinha - avisou Matt.
Ele logo retornou e passou a substância sob o nariz de Renate. Ela abriu os olhos, mas, ao ver Lucian em pé a seu lado, afundou outra vez na poltrona.
- Com licença, rapazes. - Jade suspirou. - Vocês lidem com Renate. Eu vou tomar uma ducha rápida e me vestir, caso não se importem.
Danny e Matt estavam corados... e pareciam temerosos. Quase chegava ao banheiro quando Matt chamou-a. Ela virou-se para trás.
- Você está saindo com um vampiro - ele informou.
- Eu sei! Não se preocupe. Ele não vai machucar você - ela o tranqüilizou e correu para o chuveiro.
Quando Jade saiu do banheiro, encontrou todos sentados à mesa da cozinha, tomando café.
- Deve haver uma forma de descobrir quem exatamente ela é - Renate dizia.
Ela parecia totalmente controlada e no domínio da situação. Lucian estava sentado em uma das grandes cadeiras estofadas. Após servir-se de café, Jade se encostou
ao braço da cadeira, e ele distraidamente pousou a mão em suas costas. Era um gesto íntimo e caseiro, e ela se sentiu completa e realizada com aquele toque-simples.
- Sei exatamente o que ela é - Lucian afirmou. - É o Mal.
- Ele está nos pondo a par da situação - Matt explicou.
- Estou tentando fazer seus amigos entenderem que precisam ficar longe disso - Lucian disse a Jade antes de voltar-se para eles. - É maravilhoso que tenham
tentado protegê-la de mim, mas não devem se envolver.
- Agora sabemos ao que precisamos ficar atentos - Danny falou.
- Não, vocês não podem nem imaginar o que estariam enfrentando. Eu aprecio seus esforços, e o fato de não mais quererem me atravessar com uma estaca, me decapitar
e me transformar em cinzas, mas não são policiais ou soldados. São... escritores!
- Com licença, mas você nunca ouviu dizer que a pena é mais poderosa que a espada? - indagou Matt.
- Temo que algumas vezes isso não seja bem verdade. E vocês estão querendo enfrentar uma criatura anciã, que é muito poderosa e deve estar com o medalhão.
- Que medalhão? - indagou Renate.
- Anos atrás...
Algumas vezes havia vantagens em ser um morto-vivo. Como quando o arrogante conde De Brus cavalgou pela primeira vez para a Escócia. Ele praticara a crueldade
em suas propriedades no Sul da Inglaterra, guerreara contra os lordes nas fronteiras e dirigira-se ao Norte, onde o astuto rei dos escoceses lutava para manter o
país longe das garras de Guilherme, o Conquistador.
Nessa época, seu grupo original de vikings já se fora havia muito tempo. Apenas Wulfgar permanecia com ele, pois a doença que o atingira ainda jovem levara
Lucian a garantir-lhe o dom, ou a maldição, mesmo tendo prometido a si mesmo que nunca faria isso. Ambos se deslocavam pelo mundo juntos, sempre alegando parentesco
com a família DeVeau, um nome que permanecera na região, inalterado, mesmo quando os das demais nacionalidades começaram a se adaptar à tendência escocesa.
Enquanto a Escócia lutava para criar e manter sua independência, normandos invadiam do Sul, às vezes, vikings ainda atacavam do Norte. E, dentro do país, lordes
brigavam por terras e por riquezas. De Brus se estabeleceu perto de Edimburgo e, alegando que a terra era sua, decapitou o proprietário legítimo. Lordes vizinhos
tentaram enfrentá-lo, grandes clãs das Terras Altas dirigiram-se às Terras Baixas para vencê-lo. Porém, seu poder parecia maior que o do rei.
Um dia, Justin de Ayr, um jovem padre, foi sozinho à Ilha dos Mortos, levando um saco de moedas de ouro, que depositou diante de Lucian.
- Ouvi falar a respeito do que você é.
- E me traz ouro. Não vem me destruir? Que estranho! Um homem do clero! - Lucian debochou.
- Dizem que havia um proprietário de terras perto daqui que perseguia e enforcava os pobres que roubavam seus cervos, e que ele desapareceu quando você retornou.
- Eu o assei e comi - Lucian mentiu.
- Fará o mesmo com esse De Brus?
O padre falou durante a noite. De Brus tinha um estranho poder, e era temido pelos próprios parentes. Guerreiros que o sitiavam eram encontrados mutilados
e decapitados nos campos de batalha no dia seguinte. Homens corajosos fugiam dele. Nas vilas próximas, jovens mulheres eram escolhidas para ser entregues a De Brus
e levadas ao castelo. Dizia-se que ele tinha uma filha, ou que se casara com uma mulher que lhe dava poder em troca de vida humana. Ela bebia sangue, e se banhava
nele.
- E como você se envolveu nisso? - Lucian indagou, temendo que Sophia tivesse se curado e estivesse de volta.
- Quando voltei para casa, após uma peregrinação, descobri que minha irmã havia sido levada.
Lucian olhou para Wulfgar. No dia seguinte, eles viajaram com o padre.
Às muralhas do castelo, ele sentiu uma esmagadora onda de poder atingi-lo. Não poderia entrar sem ser convidado. Observou os portões durante a noite. Quando
amanheceu, Lucian viu uma mulher cavalgar sozinha para fora da fortaleza e seguiu-a. Ao chegar a uma clareira, ela desmontou, sentou-se em um toco de árvore e chorou.
Aproximou-se dela. Ao perceber sua presença, ela gritou.
- Eles me avisaram para não vir até aqui, pois eu cairia nas mãos dos nossos inimigos. Disseram que toda a família De Brus corre perigo por causa do pacto
que fizemos com aquela demônia... a nova esposa de meu pai. Dizem que ela é uma De Brus, mas não é. É uma cria do inferno. Eu ouço as meninas gritando...
- Convide-me para entrar.
- Você pode detê-la? Meu pai o matará. E há um homem com ela, que lhe obedece. Eles dormem juntos e riem, mas meu pai não se importa.
- Convide-me para entrar - ele repetiu.
- Caro senhor, quem quer que seja, se puder impedir que isso prossiga...
Eles cavalgaram até o castelo, parando para pegar Wulfgar e o padre. Era dia, não o momento de seu maior poder, mas tampouco da força mortal de Sophia. Ainda
assim, ela sabia que se dirigiam para lá. Estava no salão nobre com o lorde quando entraram, e levantou-se de imediato, chamando os soldados.
- Detenham-no! Matem esse homem!
Os soldados avançaram. O padre e Wulfgar, de costas um para o outro, enfrentavam cada homem que se aproximava dele.
- A cabeça, seus tolos! Cortem a cabeça, arranquem o coração do corpo! - ela gritava.
Darian atacou-o. Suas espadas se chocavam, e eles se moveram, pelas escadas, por cima da grande mesa, para perto do fogo. O braço de Lucian estava ferido,
sua cintura, golpeada. Ele causou um ferimento profundo na coxa do oponente e atravessou-lhe o peito com a lâmina. De repente, Sophia gritou e avançou com incrível
força, brandindo incansavelmente a espada. Quando Darian voltou a investir contra ele, Wulfgar uniu-se à batalha.
Sophia era como um vendaval. Lucian mal conseguia ver o que acontecia no aposento, tão ocupado estava enfrentando aquele poder impressionante. Ele não atacava,
apenas se defendia. Cortou-a várias vezes, mas ela não parecia dar-se conta, não vacilava, lutava com facilidade.
Ao ouvir um grito, Lucian virou-se e viu que Wulfgar caíra de joelhos.
- Cortem a cabeça dele! - Sophia ordenou.
Um dos soldados desferiu o golpe certeiro, e no segundo seguinte Wulfgar estava morto.
Quando Sophia avançou de novo, Lucian estendeu a mão para detê-la. Seus dedos se enroscaram nos cabelos dela e na corrente dourada do medalhão que ela usava,
arrancando-a do pescoço.
- Devolva! - ela gritou.
Lucian olhou para o poder que detinha na mão, sentiu o objeto queimando e fitou Sophia, que investia com fúria, arranhando seu rosto. Segurando a corrente,
ele a golpeou com a espada, talhando-a da garganta à virilha.
- Darian! - ela berrou.
Ela era real, e era névoa. Cambaleou para fora do castelo. Lucian tentou alcançá-la, mas tropeçou e caiu. Achou que, por fim, estava morto.
Porém, mais tarde despertou, e soube que tinham encontrado Sophia e que a haviam sepultado e coberto o túmulo com chumbo, para que ela não pudesse levantar-se
mais.
Ele foi até a cripta. As leis antigas o proibiam de abrir o túmulo e decapitá-la. Os De Brus, que tinham pavor dela, não fariam isso. O padre estava satisfeito
ao ver que ela se fora.
Lucian estava de posse do medalhão. Era de ouro, com uma estranha insígnia, semelhante a um gato com olhos de ébano.
A primeira noite em que dormiu com o objeto, acordou com uma fome intensa. Ainda se encontrava no castelo. Quando uma empregada entrou em seu quarto, saltou
sobre ela e quase lhe rasgou a garganta. Contudo, ao ver seu reflexo hediondo em um escudo na parede, com saliva escorrendo de suas presas, empurrou a criada de
lado, surpreso com a própria força. Ajudou-a, mas ela estava apavorada e começou a gritar.
Era o medalhão, pensou. Dava-lhe grande força, mas alimentava sua fome e sua crueldade. Os homens do castelo puseram-se diante dele, encarando-o com horror.
- Preciso do corpo de Sophia! - ele gritou.
O medalhão tinha de ser enterrado... Sophia precisava ser destruída.
- Ela não vai se levantar de novo! - lady Gwendolyn, a filha do castelo, lhe disse. - Vamos enterrar o talismã do mal.
Os restos de Wulfgar o esperavam. Levou embora seu querido amigo, e um esquife foi feito para ele, posto em chamas e lançado ao mar.
Antes disso, Lucian colocou o medalhão no que restara da mão de Wulfgar.
Devia ter queimado, derretido... e caído no fundo do mar.
Ao terminar sua história, Lucian olhou ao redor.
- O que aconteceu com a irmã do padre? - indagou Renate.
- Foi encontrada. Ela havia sido mantida com as outras moças em uma cela. Estava maculada, transformada, e foi viver com freiras em Reims.
- Que triste! E lady Gwendolyn?
- Casou-se alguns anos mais tarde.
- Você acha que Sophia está como medalhão outra vez?
- Ela saiu de uma tumba chumbada e teve força para sair matando mundo afora. Eu diria que ela contou com alguma ajuda.
- Darian?
- Obviamente.
- Ela está usando o medalhão? - Jade indagou.
- Não sei.
- Há coisas que podemos fazer - Renate insistiu. - Desenhe o medalhão. Vamos encontrá-lo.
- Como?
- Progresso e tecnologia!
- Ela quer dizer que vamos procurar na internet - Matt esclareceu.
- E temos que ir ao hospital - Jade lembrou. Lucian olhou lentamente de Matt para Jade e assentiu.

Peter, ainda muito confuso, informou Jade que Mike fora designado para vigiar o quarto de Liz, que ainda ficaria alguns dias em observação. Disse também que
conhecera Maggie, que tinha ido ao hospital com o marido. Shanna pegara os gêmeos e os levara à casa dos Canady, onde tomaria conta deles e de Brent.
- Onde está Maggie?
- No momento, eu não sei. Sean veio render Mike, e está à porta de Liz. Não sei por que ele acha que precisa ficar de guarda dessa maneira - disse o pai, preocupado.
- Mal não vai fazer, papai.
Desconfiado, Peter fitava Lucian, que conversava com Liz.
- Ela está melhorando, mas ainda não se lembra do que aconteceu. Algo a respeito do homem da tevê a cabo, mas... eles não mandaram ninguém naquele dia. Acho
que ela devia estar com muita febre. É inquietante. Até agora não entendi quem chamou a polícia.
- Papai, o que isso importa? Alguém chamou, e a ajuda chegou. O importante é que ela está aqui e vai ficar bem. - Ao vê-lo, assentiu e beijou-o no rosto. -
Vou subir e ver como Rick está.
Ela saiu do quarto, avisou Sean para onde estava indo e pegou o elevador. Encontrou Maggie, que tomara o lugar do policial diante do quarto de Rick.
- Como ele está?
- Bem - respondeu Maggie. - Oscila entre a consciência e a inconsciência, mas tente falar com ele. Os médicos dizem que é importante.
- Obrigada. - Jade entrou no quarto.
Rick tinha uma boa aparência e parecia respirar sem dificuldade. Sentou-se ao lado dele e tomou-lhe a mão entre as suas, apoiando nelas a cabeça.
- Olá, garota! - A voz não passava de um sussurro.
- Rick, graças a Deus!- ela exclamou. Levantou-se e o beijou na testa.
- Obrigado por estar aqui, Jade.
- Você nos assustou. Teve uma febre horrível. - Afastou-lhe o cabelo do rosto, olhando para as feições bonitas e para os francos olhos azuis. - Rick...
Ele meneou a cabeça, pegou sua mão e encarou-a.
- Está tudo bem. Não precisa dizer nada.
- Eu preciso, sim. Eu...
- Não está apaixonada por mim - ele afirmou com gentileza.
Jade ficou tão surpresa que permaneceu em silêncio por um longo momento.
- Rick, eu sinto muito...
- Tudo bem. Sei que você gostaria de estar. Mas, Jade, com esta febre... eu estava tendo uns sonhos bizarros. E não eram com você. Havia essa mulher que eu
conheci por acaso, ao dar-lhe informações, e era ela no meu sonho. E eu estava pensando... bem, as pessoas têm fantasias na vida. No final, somos todos animais,
mas... Eu percebi que você quer me amar, mas não me ama.
- Rick... - Interrompeu-se ao perceber que ele olhava por sobre seu ombro. Virou-se para trás e viu que Lucian havia entrado. - Rick, este é Lucian DeVeau.
Nós nos conhecemos na Escócia. Ele também é amigo dos Canady.
Rick ofereceu a mão para Lucian e disse:
- Eu conheço você de algum lugar.
- Estive aqui com Jade.
- Não... É estranho, mas tenho a sensação de que o conheço muito bem. Você mora em Nova Orleans?
- Tenho uma casa aqui.
- Talvez seja isso. Quem sabe tenhamos nos encontrado em algum lugar.
- Talvez. Como você se sente?
- Fraco, mas bem.
- Posso falar a sós com Rick um instante? - Lucian pediu a Jade.
Espantada, ela não tinha certeza de querer que os dois ficassem sozinhos.
- Lucian, Rick não está bem...
- E não é nenhum tonto. Já percebeu o que aconteceu.
- Tudo bem, Jade. - Rick apertou sua mão. - Mesmo. Ao sair do quarto, ela encontrou Maggie no corredor.
- Homens! Eles são uma droga. E ele me envolveu nisso tudo! - Jade explodiu. - Esses são meus amigos e...
- Há muito em jogo - disse Maggie.
- Acho que preciso de um café. Pode dizer a Lucian que estou na cafeteria? Não, não se incomode. Ele saberá, não é?
- Ele conseguirá encontrá-la.
- Hum... Talvez ele não devesse conseguir me encontrar. E sabe o que mais? Eu posso parecer com essa tal de Igrainia, mas não sou ela. Não sou a reencarnação
de um... peixe!
- Por que não vai tomar um cafezinho fresco? - Maggie sugeriu, após deixá-la extravasar a raiva.
- Obrigada. - Jade suspirou. - Sinto muito, Maggie.
- Não tem problema.
- Droga, eu sinto que você é alguém que eu conheço muito bem - Rick insistiu. - Você foi à escola aqui? Quero dizer, você é obviamente de algum outro lugar,
mas... esse sotaque não é francês, é?
- Do continente, eu acho. Nasci na Escócia, mas passei muito tempo na França. Paris é uma cidade incrível.
- Quem sabe eu a conheça um dia. E então, o que aconteceu? Você estava por lá durante o que ocorreu na Escócia, encontrou Jade e fizeram sexo?
- Não foi assim.
- O que eu posso fazer, rastejar desta cama e bater em você? Não hoje. Mas ainda sou louco por Jade. Portanto, se pretende magoá-la...
- Pretendo ajudá-la. Sei que isso vai soar esquisito, mas preciso saber mais a respeito da mulher que você conheceu.
- Dormi com ela apenas em sonho.
- Poderia me falar a respeito dela?
- Cabelos escuros, pele pálida, exótica. Seios fartos, cintura fina, quadris arredondados. Tudo aquilo de que são feitas as fantasias.
- Ela tinha nome?
- Não que tenha me dito.
- Como estava vestida?
- Não estava. Você está se esquecendo da natureza das fantasias.
- Acho que a mulher da sua fantasia pode ser real. Ela parece alguém que eu conheço e que provavelmente está em Nova Orleans.
- É mesmo? Se você a encontrar, pode mandá-la entrar. Eu tinha uma namorada, mas não tenho mais.
- Sinto muito.
- Acredito em você. Ainda assim, é estranho. Eu ficaria mais bravo se não achasse que o conheço de algum lugar. Claro, se você fosse um amigo, o que fez seria
ainda pior.
- Rick, você disse que essa mulher estava nua. Ela usava algum tipo de jóia?
- Não. Se estivesse usando, acredite, eu teria notado.
- Obrigado pela ajuda.
- Não por isso. Vejo você por aí, meu novo amigo... ou meu velho amigo, o que quer que você seja. - Sorriu, e então estremeceu. - Seria bom ter minha força
de volta.
- Vai voltar - Lucian garantiu antes de sair do quarto. Maggie ainda estava no corredor.
- Você acha que ele vai ficar bem? - ela indagou.
- Não sei. Espero que sim... Maggie, Rick a lembra de alguém?
- Não de alguém que eu conheça.
- Mas você acredita... em pessoas retornando.
- Sabe que estou convencida de que conheci Sean antes. Mas devo alertá-lo de que Jade está bastante aborrecida. Ela me disse que não era um pei... - Interrompeu-se,
determinada a poupar os sentimentos dele. - Ela me disse que não era Igrainia.
- E como ela sabe a respeito de Igrainia?
- Talvez eu à tenha mencionado - Maggie murmurou.
- Vou falar com ela. Tive medo que Rick não me contasse o que eu queria saber se ela estivesse junto. Sophia não está usando o talismã, mas sei que ela o tem.
Está usando o medalhão para recobrar as forças, para curar Darian quando ele se fere. Preciso encontrá-lo.
- Jade está na cafeteria.
Após alguns instantes, LuCian meneou a cabeça.
- Não mais. Ela foi para a capela, achando que eu não conseguirei encontrá-la.



Capítulo IV



A capela era moderna e universal, com o piso branco, um vitral abstrato e um altar simples. Jade estava no primeiro banco. Rezara por Liz, por Rick e por si
mesma. Assustou-se quando Lucian sentou-se a seu lado.
- Achei que não pudesse vir aqui.
- Alguns podem.
- Sei. Você é um bom vampiro, certo?
- Não. Já lhe disse... Tive meus momentos de extrema violência e crueldade.
- Mas está aqui.
- Talvez porque acredite em Deus.
- Deve haver algum lugar aonde você não possa ir.
- Não posso entrar na casa ou na vida de ninguém sem-ser convidado.
- Eu convidei você?
- Em alto e bom som. Ela desviou o olhar.
- O que acontece se Liz ou Ríck morrerem? Eles se tornam assassinos alucinados e maníacos?
- Não. Se eles morrerem, nós cortamos as cabeças deles. Ela começou a tremer.
- Eu odeio você. Detesto que tenha entrado na minha vida, e o que fez com todos ao meu redor. - Fitou-o. - E quero que vá embora.
- Não posso.
- Pode, sim. Você sai daqui e vai para qualquer lugar onde esteve nos últimos séculos.
- Jade, eu não posso mudar o que você significa para mim.
- Com certeza, você pode! Vai me dizer que não houve dezenas, talvez centenas, de mulheres em sua longa vida... ou morte? O que me torna diferente? Não sou
sua esposa, nem na vida real, nem um sonho, nem reencarnada, ou saída do mar. Não sou ela. Você a amava e a perdeu. Mas houve outras, obviamente. E todas fazem parte
do seu passado. Deixe-me ser passado também. Vá embora!
- Jade, não posso arriscar sua vida.
- Minha vida não é sua para que a arrisque! É minha. - Estava próxima às lágrimas, exausta, preocupada.
Convidara-o em alto e bom som. Sim. Algo acontecera entre eles naquela noite em Edimburgo. Desde que ele a tocara, parecia não suportar ficar longe dele. Precisava
dele, da forma como os olhos escuros a fitavam, da força do corpo alto e firme a seu lado. Amava seu riso, sua força, o tom de sua voz... E ele vivia em um túmulo.
- Você poderá ter sua vida de volta - ele afirmou, com frieza - quando eu tiver certeza de que terá uma vida para viver.
Ela baixou a cabeça. Lucian levantou-se e estendeu-lhe a mão.
- Venha. Vamos dizer a seus pais que voltaremos mais tarde.
- E então?
- Você vai até seus amigos ver se a caneta, ou a internet, é mais poderosa que a espada. Sob nenhuma circunstância, deve convidar alguém para entrar em seu
apartamento. E não vai sair até eu chegar.
- E onde você vai estar?
- Das cinzas às cinzas. Vou ao lugar onde minha força é maior, e vou dormir... Talvez sonhar.

Renate estivera muito ocupada. Deixara os rapazes no apartamento de Jade e voltara à sua casa para trabalhar por conta própria. Após uma pesquisa exaustiva,
encontrara o que buscava. Estava prestes a descer para o apartamento de Jade quando o interfone tocou. Ela atendeu, impaciente.
- Sim?
- Srta. Renate DeMarsh, vim entregar alguns livros encomendados na livraria Coffee & Crime.
Ela havia comprado livros? Não se lembrava, mas provavelmente tinha feito a compra. Apertou o botão que abria a porta da rua.
- Pode entrar e deixar os livros aí embaixo. Obrigada. - Apressou-se a sair do apartamento.

Sombra, escuridão e frialdade o envolviam, névoa redemoinhava. Permitiu que a bruma e a doce sensação da noite o circundassem. Com os olhos da mente, viu o
talismã. A corrente dourada, a criatura entalhada no ouro, o gato com olhos cor de ébano...
A forma de capturar um gato... como um lobo.
Havia névoa, árvores, arbustos... uma floresta à noite. O lobo, com os olhos vermelhos, trotou, seguindo o rastro. Diminuiu o passo, imobilizou-se e ergueu
o focinho, farejando o ar. Começou a correr outra vez ao longo da trilha na mata. Adiante, a lua lançava estranhos brilhos dourados sobre as edificações de pedra.
O cemitério.
O gato estava à frente. Podia senti-lo, podia vê-lo, os olhos cor de ébano como um farol... Ouviu gemidos e gritos no vento. Eram os lamentos daqueles que
tinham deixado negócios inacabados, as lágrimas dos que haviam traído, os fantasmas do cemitério, entoando um uivo de morte que ressoava na noite, que fazia parte
do mundo dos que mudavam de forma, o lobo que vinha, que buscava...
Um anjo de mármore subitamente levantou-se no teto de um mausoléu, abrindo as asas, que sombrearam a pedra branca. As asas eram um grande manto que tremulava.
Escondido sob um capuz negro, o rosto da criatura voltou-se para o lobo.
Onde os mortos escondem seus tesouros, lobo? Pense, sinta, fareje o ar, veja com os olhos da mente. Você está caçando um felino esperto e ligeiro... Onde os
mortos guardam seus tesouros?
Ele sentiu a força dos músculos que se moviam conforme corria, sentiu o ar frio da noite e o suave abraço da lua. Tinha de continuar correndo, porque sentia,
via...
Onde os mortos guardam seus tesouros?
Despertou na escuridão, ciente de que algo mudara. O dia se fora, o sol se pusera.
E, de fato, algo perturbava a escuridão da noite.
Jack Delaney foi enfeitiçar Maggie por volta das cinco horas. Ela o questionou, querendo assegurar-se de que ele estava preparado para qualquer visitante estranho
que aparecesse.
- Maggie, aquela garrafa de refrigerante está cheia de água benta.
Ela assentiu. Algumas vezes, imaginava se, mesmo sendo parceiro de Sean e já tendo visto muito, Jack compreendia a situação. Temia partir, mas a assustava
ainda mais estar longe de casa por tanto tempo.
- Jogue a água benta primeiro, pergunte depois! - ela o orientou.
- Sim, senhora - ele respondeu com um sorriso. - Agora, vá.

Shanna estava cansada enquanto ia para o hospital após ter cuidado dos irmãos. Sentira-se grata quando Maggie retornara à mansão, e sentia-se grata também
pelo fato de os gêmeos estarem lá. James a assustara muito quando, ao assistir à televisão, dissera:
- Eu gosto da tevê deles. O homem do cabo veio e quebrou a nossa. Quebrou ela inteira... e mamãe também. - E começara a chorar.
As lágrimas a fizeram imaginar o que tinha acontecido, e rezar para que Liz nunca se lembrasse.
Quando, por fim, chegou ao estacionamento do hospital, parou o mais perto possível da entrada da emergência. Saiu do carro depressa e caminhou até a porta,
avistando um homem que se dirigia para o mesmo lugar. Diminuiu o passo, e então o acelerou. Sentiu medo, mas tentou tranquilizar-se, lembrando-se de que estava em
um lugar público...
- Deixe-me abrir para você.
O estranho passou por ela e abriu a porta. Temerosa, ela se apressou a entrar, e só então se virou para ver-lhe o rosto. Ofegou, aliviada. Era Dave, o sujeito
que conhecera na cafeteria... e que não comparecera ao encontro no cinema.
- Você!
- Shanna! Estou tão contente por encontrá-la. Tentei ligar para você, mas não consegui falar. Estive muito doente, e não pude ir ao cinema, mas pretendia vê-la
outra vez.
- Bem... pode me ligar.
- Ainda serei bem-vindo?
- Sim. - Ela o estudou, subitamente preocupada. - Não está aqui porque piorou, não é?
- Não. Estou aqui para ver um velho amigo. E você?
- Minha madrasta e um amigo. Acho que devo ir agora. Os dois foram juntos até o elevador.
- Vou ao segundo andar - ela disse.
- E eu, ao terceiro.
Entraram, e ele se manteve próximo. Shanna surpreendeu-se ao sentir-se ao mesmo tempo inquieta e incrivelmente atraída. Ele era bonito, charmoso, e estar ao
lado dele era, de alguma forma, excitante. Ficou feliz quando o elevador parou. Saiu e voltou-se para ele.
- Imagino que nos veremos.
- Pode apostar que vai me ver. É uma promessa - ele afirmou, sorrindo.
A porta do elevador se fechou, e Shanna apressou-se pelo corredor em direção ao quarto de Liz.
Quando Maggie foi embora, Jack sentou-se para vigiar o quarto de Rick. As horas passaram. Ele leu, fez palavras cruzadas, conversou com as enfermeiras que
iam e vinham e comeu um hambúrguer.
Às onze horas o turno mudou, e a enfermeira da noite aproximou-se pelo corredor, carregando uma bandeja de medicamentos. Tinha um rosto e um corpo lindos,
e os cabelos estavam perfeitamente presos sob o chapéu. Ela era incrível, e o uniforme lhe caía especialmente bem. Deveria estar na capa de alguma revista de moda,
ele pensou.
- Olá, policial. Como vai meu paciente?
- Parece bem.
- O senhor está mantendo a gentalha longe daqui, eu presumo?
- Sim, moça, esse é o meu trabalho.
- Então, é bom tê-lo aqui.
Jack sorriu e voltou a ler seu livro enquanto ela entrava no quarto do paciente. De repente, ocorreu-lhe que a mulher não parecia uma enfermeira. Era requintada
demais, parecia perfeita demais. Seria alguém que posaria para uma foto, uma atriz... e não uma enfermeira de verdade.
Levantou-se depressa e, ao olhar para o corredor, piscou com força, pois achou ter visto um lobo correndo em sua direção. Estava mesmo exausto!
Ao abrir os olhos, notou que era apenas um homem, o velho amigo de Sean, Lucian DeVeau. Nesse instante, soube que estivera certo quanto à mulher. Sem esperar
que ele o alcançasse, entrou no quarto.
A mulher estava esticada sobre o paciente, e voltou-se ao ouvi-lo entrar. Os olhos eram selvagens, impressionantes, hipnóticos. Sangue da garganta de Rick
escorria de sua boca...
Jack avançou na direção dela, mas Lucian o ultrapassou e atacou-a, afastando-a da cama. O frasco de soro quebrou, e uma bandeja caiu.
- A água benta! - ele gritou.
Jack correu para buscar a garrafa, enquanto o alarme soava no hospital. No entanto, voltando ao corredor, deparou-se com um homem alto, de cabelos avermelhados,
que segurava a garrafa de refrigerante, rindo.
- Procurando por isto, policial?
- Dê-me! - Jack ordenou. - Sou um oficial da lei... - Começou a caminhar na direção do homem, mas ele se aproximou, pegou-o pelo braço e, sem esforço algum,
lançou-o pelo ar.
Jack caiu, mas conseguiu entrar no quarto a tempo de agarrar o sujeito pelos pés, derrubando-o e fazendo a garrafa voar. A mulher com quem Lucian ainda estava
atracado saltou e, pisando na água que se espalhara, deu um grito terrível. Caído, o homem conseguiu virar-se e golpear Jack na cabeça, com força.
Enquanto o aposento mergulhava na escuridão, ele viu a mulher desaparecer no ar.

Renate estava excitada. Todos se encontravam no apartamento de Jade, esperando.
- Sei que estou certa. A criatura é uma deusa-gata, e ela dá poder. Mal posso esperar por Lucian. Jade, quando ele volta?
Jade bocejou.
- Logo, imagino.
Quantas vezes Renate perguntara aquilo? Danny, Matt e ela já haviam cochilado, mas Renate nem sequer se sentara.
Nesse instante, o telefone tocou. Jade despertou de imediato, levantou-se e atendeu.
- Jade?
- Shanna! Oh, meu Deus, Liz está bem?
- Sim, mas é que... é que... Rick morreu. Tentaram ressuscitá-lo, mas... ele se foi, Jade.
O mundo girou ao seu redor, e Jade largou o telefone. Matt a segurou e deixou-a chorar nos seus braços enquanto Danny pegava o aparelho.
- Alô? - Danny escutou o que Shanna dizia. - Nós a levaremos até aí.
Rick já fora limpo quando os funcionários do hospital permitiram que Jade o visse. Dentre os policiais, ela ainda era considerada a noiva. Houvera muitas perguntas,
que Jack respondera da melhor forma possível. Ele estava desmaiado no chão quando a equipe do hospital chegara após ouvir o alarme. Ao despertar, tinha tentado explicar
que uma falsa enfermeira fora ver Rick. O corpo havia sido mantido ali para os fotógrafos da polícia e para a equipe técnica, que passara horas procurando vestígios.
Contudo, apesar das gotas pequenas de sangue na roupa dele, não havia outras marcas em seu corpo.
Algumas pessoas suspeitavam que Jack, por causa da falta de sono, imaginara a enfermeira assassina. Claro, haveria uma autópsia, mas a morte provavelmente
decorrera da anemia provocada por febre e desidratação.
O corpo de Rick começou a ser embrulhado para a transferência ao necrotério. Ele morrera apenas porque a conhecia, Jade pensou. Estava soluçando quando Sean
informou-a que estavam todos indo para a capela. Ao chegar lá e avistar Lucian, ela correu e socou-o no peito com fúria. Ele ficou imóvel por um longo tempo, permitindo
que ela o golpeasse. Por fim, segurou-lhe os pulsos.
- Jade...
- Eu não quero ouvir nada de você.
Ela tentou se afastar, mas descobriu que era impossível. Shanna envolveu-a com os braços, tentando acalmá-la. Jack entrou na capela e começou a se desculpar:
- Sinto muito, foi culpa minha. Os médicos acham que se trata de um novo vírus. Pensam que eu adormeci e sonhei com a mulher que entrou no quarto.
- Jack, você não falhou - garantiu Sean. - Há uma força muito poderosa em ação.
- Eu nunca vou convencer o hospital e a polícia de que Rick foi morto por... o quê? Um mal antigo?
Ninguém respondeu. Aborrecida demais para ficar ali, Jade se dirigiu à porta da capela.
- Jade, o que está fazendo? - Shanna indagou. - Não pode simplesmente...
- Jack, você pode segui-la e levá-la para a casa de Maggie? - Lucian pediu. - Sean e eu temos que cuidar de algumas coisas por aqui.
Ao ouvir isso, Jade voltou para perto de Lucian e o encarou.
- O que acham que vão fazer?
- Você sabe o que precisa ser feito.
- Acha que vai até o necrotério decepar a cabeça dele e arrancar seu coração? Não! Você não vai fazer isso!
- Jade! - Lucian segurou-a pelos ombros. - Isso precisa ser feito.
- Não! Se ele pode voltar, deixe-o voltar. Ele vai retornar como você.
- Talvez não - Sean objetou. - Ele pode voltar com uma tendência cruel ao homicídio.
- Quem é você para julgar quem deve ou não retornar? - ela indagou.
- Deixe-me dizer por que ele não deveria voltar! - A raiva de Lucian subitamente equiparou-se à dela. - Ele era um sujeito decente. Você quer mesmo que ele
seja condenado, que anseie por sangue, sofrendo a cada dia que não tomar uma vida humana?
- E assim que você vive?
-, Foi assim que vivi por muito tempo. Jack, leve-a embora do hospital.
- Não! Por favor, dêem uma chance a ele... Se Rick foi mesmo maculado, pode ser morto depois.
- Não por mim - lembrou-a Lucian. - Você não entende?
- Sean pode matá-lo.
- E se ele voltar com uma incrível capacidade para o mal? - Sean indagou.
- Isso não vai acontecer. Estou lhes dizendo, eu conheço Rick. E, droga, Lucian, olhe para você!
- Hum, olhe para mim. Foi necessário muito tempo para que isso acontecesse. Você não sabe como eu voltei, nem conhece as coisas horríveis que fiz.
- Ele poderá contar com você.
- Eu também tive um guia... - Lucian começou, mas se interrompeu ao lembrar o que Rick lhe dissera: Droga, eu sinto que você é alguém que eu conheço muito
bem! E havia algo tão familiar a respeito dele...
- O que foi? - indagou Jade.
- Você é um policial, e conhecia Rick - Lucian disse a Sean. - Você decide.
- Não sei... É perigoso - disse Sean.
- Perigoso! - Jade exclamou. - Sean Canady, Jack Delaney, vocês estão aqui conversando tranqüilamente com um homem que alega ser um vampiro. Um assassino.
O rei dos monstros desprezíveis. E ele não pegou nenhum dos dois para um lanchinho noturno. Como podem sequer pensar em ir ao necrotério fatiar Rick?!
- Por favor, vamos lhe dar uma chance - Shanna intercedeu. - Talvez Sophia o tenha infectado, mas ela também infectou você, Lucian. Além disso, pode precisar
de ajuda para lutar contra ela e Darian, e Rick era uma excelente pessoa.
- Jack? - indagou Sean.
- Eu não estava gostando da idéia de cortar a cabeça de Rick.
- Certo, vamos tentar. - Sean concordou. - Mas, de alguma forma, precisaremos roubar o corpo dele. Porque, se ele não acordar antes da autópsia, será um vampiro
retalhado, nervoso e muito faminto.
Eles esperaram várias horas. Lucian se compadeceu dos administradores do hospital. Problemas no banco de sangue, uma morte misteriosa e um cadáver desaparecido.
Não ficaria bem para eles, mas não havia outra solução.
O corpo de Rick estava aguardando transferência para o necrotério, e havia apenas um funcionário no local. Lucian desceu e conversou alguns segundos com ele,
assim que o atendente ficou com um olhar vazio, convocou Jack e Sean. Usando uniformes do hospital, eles empurraram a maça de Rick até uma sala vazia e o vestiram.
Lucian e Sean, um de cada lado, apoiaram-no, dando a impressão de que carregavam um bêbado. Com espantosa facilidade, conseguiram sair do hospital e colocá-lo no
carro.
- Para onde vamos levá-lo? - indagou Sean, que dirigia.
- É quase dia. Vamos para o cemitério - Lucian decidiu.
Chegando lá, estacionaram na rua e retiraram o cadáver do carro. Erguendo Rick nos braços, Lucian virou-se para Jack e Sean.
- Vocês não precisam prosseguir. Eu assumo daqui.
- O que acontecerá agora? - Jack indagou.
- Sophia e Darian ficaram bastante feridos na última luta. Água benta queima mais do que ácido na pele humana. Eles só vão conseguir caçar alguém fraco, e
ficarão desesperados para escapar do sol. Posso tentar localizá-los. Encontrei-os ontem à noite, apesar de... um pouco tarde.
- Quais são seus planos?
- Vou para a Escócia.
- Ótimo. Vampiros descontrolados assolam Nova Orleans, e você vai para a Escócia. - Jack meneou a cabeça, em aprovação.
- Acho que sei onde encontrar o talismã de Sophia. E, se eu for para lá, eles me seguirão. Acredito que os dois estão matando os sobreviventes do ataque na
Escócia porque, de alguma forma, ela exibiu o talismã naquela noite, e teme perdê-lo de novo. Acho que o medalhão está nas profundezas da cripta.
- Mas de que lhe serve o talismã na Escócia?
- Está em posse dela, na cripta da família. Um homem muito rico não mantém seu dinheiro à mão, ele o guarda no banco.
- Eu não entendo, Lucian. Você é o líder, o mais velho, o mais poderoso. Não pode ordenar...
- Antigamente, íamos sempre para a guerra, e qualquer um podia ser convocado para a batalha. Assim como os homens, os vampiros mudaram com o tempo. A maioria
se alimenta discretamente dos que estão morrendo, visitam prisões, ajudam a livrar as ruas da escória humana e freqüentam bancos de sangue. É a sobrevivência. Foi
isso o que eu ensinei. Não fui contra a natureza, apenas tentei controlá-la para a mudança dos tempos. Algumas vezes, surge algo terrível, como Sophia, e então agimos.
Em geral, sou eu quem ajo, em uma reprimenda física que deixa o transgressor se curando por um século ou dois, ou recrutando um ser humano para o golpe final, o
que é sempre arriscado, considerando-se que eu também sou um morto-vivo. Há aqueles a quem eu poderia pedir ajuda, mas todos temem Sophia. Nenhum rei comanda sujeitos
em rebelião, e é por isso que ela permanece. Eu usurpei seu poder e fiz mudanças. Deixem-me agora. Verei vocês de novo quando cair a noite.
Sean e Jack observaram enquanto Lucian carregava o corpo de seu amigo para as profundezas do cemitério.
- Vamos para a minha casa - disse Sean. - É mais seguro, e nós precisamos dormir um pouco.
- Você acha que Rick ficará bem?
- Eu não sei. Meu Deus, espero que tenhamos tomado a decisão certa!
Shanna estava preocupada com a irmã. Na casa de Maggie, no entanto, Jade se acalmou após tomar uma xícara de chá c adormeceu. Depois de conversar um pouco
mais com a anfitriã, Shanna decidiu se deitar. O quarto de hóspedes tinha portas francesas, que levavam a uma varanda, mas naquela noite tudo fora fechado. A casa
estava protegida,
Além de ter sedado sua irmã, Maggie devia ter colocado algo também em seu chá, pois ela adormeceu assim que se deitou. Teve um sono agitado e sonhou com Dave.
Não estou bem. Preciso de ajuda. Era com se estivessem conversando na porta do hospital. Eu pretendia ligar para você. Vou vê-la de novo, com certeza.
Eu preciso ir.
Não fique brava. Estou doente e preciso de ajuda. Por favor, deixe-me entrar.
Apesar de ele ser lindo e de ter um sorriso encantador, Shanna fez que não com a cabeça.
Não. Meu amigo morreu, e preciso lidar com a minha família.
Deixe-me entrar, Shanna. Abra aquelas portas. Livre-se daquele alho fedido que Maggie mantém em todo o lugar.
- Não! Vá embora! Estou cansada!
Ela se levantou, assustada, ao perceber que falara em voz alta. Olhando ao redor, notou que as portas francesas estavam entreabertas, resguardadas apenas pelos
arranjos de alho. Saiu da cama e fechou-as.
Ao ouvir um choro, correu para o quarto dos gêmeos e viu que Jade já estava lá, com o pequeno James nos braços.
- Jade, dê James para mim e volte para a cama. Você está com uma aparência péssima.
- Você não está muito melhor.
- Melhor do que você, com certeza. Maggie não exagerou na minha sedação.
Jade arqueou a sobrancelha, mas não ficou surpresa de fato.
- Está bem. - Beijou o garoto, entregou-o para a irmã e saiu do quarto.
- E então, querido, como você está? - perguntou Shanna.
- Sonhos ruins. O homem da tevê a cabo estava aqui.
- Dê um abraço na sua irmã. Vamos dormir algumas horas, e ficar bem. Certo?
- Sim. Shanna, o homem foi embora, mas ele estava aqui. De verdade.
- Estou contente que ele tenha ido. Vamos dormir.
Era bem tarde quando Renate foi se deitar. Ficara na casa de Jade com os rapazes por um longo tempo. Todos sentiam a morte de Rick e imaginavam como a amiga
estava devastada.
- É a culpa também - ela opinara. - Jade não o amava. Pobrezinho... E agora ele está morto.
- Você não precisa sentir-se culpado para se aborrecer com isso! - afirmara Matt.
Eles tinham sido tão frios com ela que Renate decidira voltar para seu apartamento. Deitou-se, mas ficou se revirando na cama, sonhando.
Havia um homem em seu sonho. Ela o conhecia, parecia lembrar-se de tê-lo convidado para entrar antes. Era muito bonito, mas estava ferido. Disse seu nome suavemente,
e o sussurro era como o mais gentil e sensual toque em seu rosto.
Renate, aqueles tolos não apreciam o que têm, uma pessoa inteligente, generosa, gentil...
- São terríveis - ela falou em voz alta. - Amigos horríveis.
Eu preciso de você. Toque-me, cure-me, deixe-me entrar, tome conta de mim.
Ela sorriu. O sonho era ótimo. Ele era sedutor e a desejava. Estava de joelhos diante dela.
Preciso de você, Renate...
- Querido, eu preciso de você - ela disse, virando-se na cama.
E não estava sozinha.

Lucian, por fim, descansou. Preparara as coisas de que necessitaria quando Rick despertasse e o deixara repousar no santuário de seu caixão, acomodando-se
em um sobretudo e em um travesseiro diante do vitral. Odiava estar tão vulnerável, mas fechou os olhos e permitiu que o poder de sua mente alçasse voo.
Havia um quarto, em cujo centro estavam dispostas cadeiras entalhadas. Uma estava vazia, como estivera nas últimas centenas de anos. Porém, algumas vezes,
ele ainda a via lá, o corte da túnica de linho, o cinto elegantemente trabalhado sobre os quadris, os cabelos soltos, os olhos da cor do mar...
A cadeira dela estava vazia. Sentou-se na sua própria e convocou-os: Ragnor, das ilhas ao Norte, Yves d'Pres, de Bruges, o espanhol Roberto Domano, Lisa Clay,
de Seattle, seu consorte, o artista, Fucello, Jean d'Amores, da Borgonha, Chris Adair, de Limerick. Eles surgiam ao seu redor. Foi Ragnor quem deu um passo adiante
e anunciou:
- Ela voltou. Sophia escapou da tumba.
- Lucian, por que não deixá-la provocar destruição entre os homens até que acabem com ela? - Yves sugeriu.
- Ela criará tanto tumulto que as pessoas começarão a crer em lendas e, acreditando, estarão prontas a matar - Lisa opinou. - Haverá um furor, e todos nós
seremos caçados. Concordo com Lucian. Ela acabará conosco.
- Mas nós somos caçadores, guerreiros, lobos! - Yves protestou. - Lucian, você é o rei de nossa espécie, e isso é algo que eu nunca discutiria, mas não posso
ajudá-lo a caçar um dos nossos. Ela veio antes de você. Essa luta é sua.
- Você está enfraquecendo, Lucian? -: Roberto indagou. - Preocupando-se demais com o destino daqueles que nos caçariam?
- Não enfraqueci, Roberto. Salvei muitas vidas dos de nossa espécie, mantendo-os afastados dos massacres que seriam sua ruína. Não quero que me ajudem a derrotar
Sophia, pois poucos de vocês são velhos o suficiente para conhecer a extensão de seu poder, de sua malignidade. O que eu quero é Nova Orleans a salvo.
- Tomarei conta de sua cidade, Lucian - ofereceu Ragnor.
- Quero também alertá-los para que não se unam a Sophia e a Darian. Não se enganem, achando que eles me derrotarão, pois isso não vai acontecer. Se quiserem
se unir a mim, serão bem-vindos. Não é uma ordem que eu possa dar, mas vocês estão cientes do perigo que enfrentamos. Não destruímos os de nossa espécie, é o que
diz a lei, tão antiga quanto o apetite que nos governa. Mas os tempos mudaram. E quando todos somos ameaçados pelos excessos de poucos, há guerra. Como eu governei
durante tantos anos, digo-lhes que não tenho escolha, e que preciso buscar a justiça que permitirá nossa sobrevivência. E se a lei é de ordem natural e se eu explodir
em chamas diante desse ato, que assim seja. Não permitirei que a depravação de Sophia destrua o mundo deles, nem o nosso.
Uma série de murmúrios afirmativos percorreu o grupo.
Lucian liberou-os e notou que Chris Adair permanecia.
- Vou lutar com você, Lucian.
- Agirei melhor sozinho, no máximo com um novo integrante de nossa espécie que vai despertar em breve. Ragnor vigiará Nova Orleans. Eu ficaria grato se você
se mantivesse atento aos que estão entre nós.
- Sim, Lucian, ficarei atento...

- Uau! Onde estou? Sinto muita fome, homem! - Rick saiu do caixão, esfregando o pescoço e fitando Lucian. - Você está parecendo uma ótima pessoa para abraçar,
para satisfazer meu apetite... Nossa, o que diabos estou dizendo?
- Eu não sou o que você está procurando. Do que se lembra?
- A mulher mais sensual do universo inclinada sobre mim e... - Rick dobrou-se ao meio. - Sinto tanta dor... E eu poderia ter jurado... - Endireitou-se devagar.
- Achei que estivesse morto.
- Você estava.
- Qual é o problema comigo? Eu quero beber sangue quente e fresco. Desesperadamente.
No fundo da cripta, ouviram guinchos. Lucian obtivera alguns dos maiores e mais gordos ratos que conseguira encontrar no cemitério.
- Ratos? - Rick sussurrou.
- Eles vão servir.
Rick não teve forças para resistir ao aroma e ao calor das criaturas, e se deleitou com elas. Após terminar, encostou-se ao caixão e olhou para Lucian.
- Estou morto, e no inferno. Ou não estou, e este é o pior pesadelo que já tive. Ou é real, e eu sou um... vampiro.
- Sim. Eu sinto muito. Não fui muito favorável à idéia.
- Deixe-me adivinhar. Você queria cravar uma estaca em mim, mas Jade não deixou, certo?
- Foi uma decisão coletiva.
- Não se preocupe. Ela provavelmente fez isso porque não me ama. Mas estou contente. E, apesar de não estar nos meus planos, vou conseguir fazer isso. - Ficou
em silêncio um instante. - Quero encontrar os assassinos. Prefiro ser o que sou, um comedor de ratos no momento, e conseguir fazer algo. Eu não vou surtar e começar
a atacar pessoas que amei, certo?
- Já aconteceu. Mas eu pretendo estar com você. Há regras neste mundo, mas você terá de aprendê-las enquanto vamos indo. O tempo é importante.
- Como você disser.
Lucian virou-se para sair da tumba, lembrando-se de que Rick levaria algum tempo para aprender o poder da névoa e do movimento, da mente e da matéria. Quando
os portões de ferro se abriram, ele começou a andar, seguido por Rick. Ao ouvir um choro baixinho, hesitou. Havia uma garota ajoelhada diante de um túmulo. Ela soluçava,
e era possível sentir a pulsação da veia em seu pescoço.
- Lute contra isso - ele disse.
- Está tudo bem - Rick garantiu, e eles prosseguiram. - Estou bem, chefe.
- Do que me chamou?
- Não sei. Ah... de "chefe".
- E por que me chamou assim?
- Você é escocês, certo? Mesmo com o nome DeVeau.
- Eu fui. Muito tempo atrás - retrucou Lucian, estudando-o.
- E agora...
- Agora, é hora de ir para casa.

Jade estava convencida de que a estavam enganando. Tinham fingido que salvariam Rick, mas haviam ido ao necrotério para cortá-lo em pedaços.
Exausta, dormira a maior parte do dia, mas, assim que despertou, viu as notícias sobre o sumiço do corpo de Rick. Com mãos trêmulas, baixou o jornal e olhou
para Maggie.
- Eles não mentiriam, Jade. Temos de esperar que Rick retorne... decentemente.
Estavam sozinhas na sala de jantar. Shanna ainda dormia, com os gêmeos.
- Se a pessoa era boa, poderia voltar como um... vampiro decente?
- "Racional" é provavelmente uma palavra melhor. O ímpeto está lá... de imediato... O impulso de atacar, de se alimentar. Mas pode ser controlado. Lucian nem
sempre foi tão... discernente. Mas, mesmo naqueles dias, quando ele era mais cruel e inflexível, não acho que gostasse de matar. Não depois de Igrainia. Acho que
ele desejava apenas vingar-se de Sophia. E quando ela foi sepultada... ele passou a existir para manter a ordem. - Ao ouvir o telefone tocar, Maggie disse: - Deve
ser aquela sua vizinha irritante, Renate, que já ligou várias vezes. Acho que deveria falar com ela.
Jade atendeu o telefone, e percebeu que Renate parecia cansada e mal-humorada.
- Onde está Lucian?
- Foi uma noite agitada, e não sei onde ele está no momento.
- Precisa trazê-lo aqui. Escute, o medalhão está relacionado a uma antiga deusa-gata egípcia, que era chamada de Ura. Não se sabe muito sobre ela porque, ao
adotarem uma nova religião, eles destruíram tudo o que se referia a ela, cada gravura, cada estátua, pois ela era uma "bebedora de sangue", a quem sacrifícios eram
feitos. Quando, por fim, foi destruída, diz a lenda que a queimaram. No entanto, havia as cinzas que, se guardadas em um medalhão, dariam ao possuidor o poder do
puro mal. E, a menos que o proprietário do talismã também fosse destruído no fogo, o poder permaneceria. Portanto, Sophia tem de ser queimada.
- São ótimas informações! Você foi maravilhosa.
- Eu... gostaria de me sentir maravilhosa. Estou exausta, não dormi. Bem, me ligue ou peça para Lucian me ligar.
- Certo. Obrigada - Jade disse e desligou.
- Ela sabe? - perguntou Maggie.
- Ela é uma pesquisadora. Encontrou uma lenda a respeito de uma deusa e do medalhão... Aparentemente, Sophia precisa ser queimada.
- É mais fácil falar do que fazer. E também há toda essa questão a respeito de vampiros não poderem destruir uns aos outros. Bem, teremos de pensar nisso.
- Maggie, você o admira, não é? Acha que Lucian pode cuidar disso?
- Cuidar disso? Lucian... sim, ele tem um incrível poder interior. Ainda assim... Ele me ensinou muito, mas não tudo. Antes de Sean, eu me apaixonei por um
homem que me transformou em vampira, acreditando que nossa união nos libertaria. Mas meu pai o matou para garantir minha segurança. Não acho que Lucian realmente
acreditasse que tal força pudesse funcionar, até que Sean e eu nos unimos. Ele é cínico e inflexível. Vencerá Sophia no final? Acho que sim. A não ser que, de alguma
forma, hesite.
- Por minha causa?
- Eu não disse isso.
- Mas pensou.
- No momento, ele precisa permanecer cínico e inflexível, e manter a força para derrotar Sophia. Sim, eu o admiro. Ele me atraiu quando eu o odiava. Tornou-se
um bom amigo quando eu mais precisei de seu poder. Bem, agora, por que não toma um banho e se veste para irmos ao hospital? - sugeriu Maggie, encerrando o assunto.
- Certo.
Uma hora mais tarde, Sean levou-as ao hospital. Peter estava aterrorizado ao pensar que a doença que matara Rick pudesse também matar Liz.
- Estão pensando em liberá-la. E se... - Interrompeu-se, não querendo dizer nada diante da esposa.
- Seu pai está preocupado - explicou Liz. - Rick estava melhorando, e então morreu. Ele tem medo que isso aconteça comigo.
- Você não deve ficar sozinha, é claro - Maggie falou.
- Por que não vai ficar em casa com Sean e comigo?
- Ah, não poderíamos! - Liz protestou.
- Estou falando a sério. Minha governanta é incrível, e as crianças a adoram. As garotas vão ficar lá por algum tempo também.
- Maggie, posso falar com você um instante no corredor? - pediu Jade.
- Claro.
As duas saíram do quarto.
- Maggie, isso é uma loucura! Se levar meu pai e Liz para sua casa, eles vão perceber que... que Lucian é...
- Lucian não tem ido à minha casa. Eu a tornei muito desconfortável para os da espécie dele.
- Mas... - Jade interrompeu-se ao avistar um homem que não conhecia montando guarda diante do quarto de Liz. Era mais alto que Lucian, tinha ombros muito largos
e cabelos loiros. - Quem é ele, Maggie?
- Ragnor, um amigo muito antigo de Lucian.
- Está tudo bem - ele garantiu, sorrindo. - Não vou arrancar um pedaço de sua garganta.
- Obrigada - ela disse, forçando um sorriso.
- Você se parece muito com Igrainia.
- Eu não sou...
Ele ergueu a mão, impaciente com a negativa.
- Ninguém se aproximará de sua família - garantiu. Jade agradeceu e olhou para Maggie.
- Onde está Lucian?
- Não sei. Vamos nos encontrar à meia-noite na capela.
O tempo pareceu se arrastar, mas quando o horário chegou, ela, Maggie e Shanna foram à capela, onde encontraram Sean e Jack.
- Onde está Lucian? - Jade perguntou a Sean.
- Ele voltou para a Escócia. Acha que sabe onde está o medalhão e pretende pegá-lo.
- Mas ter o medalhão não irá ajudá-lo! Sophia precisa ser queimada! - Jade explodiu. - Não acredito! Ele não poderia ter partido, ter me deixado, sem dizer
nada...
- Jade, você estava brava com ele ontem - Jack comentou.
- Mas... mas... Rick. Onde ele está?
- Com Lucian.
- Meu Deus!
- Jade, você lhe disse que o queria fora de sua vida - lembrou Maggie. - E Lucian está preocupado com você e com sua família. Sabe que ficarão em segurança
porque, assim que perceberem pára onde ele foi, Sophia e Darian irão atrás dele. E vocês vão ficar conosco. Foi a melhor forma que ele encontrou de fazer as coisas.
Jade fitou-os, sentindo-se impotente, furiosa, temerosa e envergonhada. Não deixaria Lucian sozinho. Precisava estar ao lado dele.
- Vou para à Escócia - anunciou.
- Você não vai - rebateu Sean com firmeza.
Ela baixou a cabeça. Não discutiria. Concordaria, e depois faria o que quisesse.
- Tudo bem. - Permitiu que as lágrimas que gostaria de verter assomassem a seus olhos. - Iremos para a sua casa, Maggie. Minha família estará a salvo com você.
Ela saiu da capela, com a cabeça e os ombros baixos. Assim que se afastou, correu até os telefones públicos e, em alguns minutos, tinha uma passagem da British
Airways.
Quando o telefone de Jade tocou, Matt atendeu sem pensar.
- Alô?
- Quem está falando?
- Matt Durante. E aí?
- É Jenny Dansen, sua colega escritora, lembra?
- Ah, olá, Jenny. Como vão as coisas?
- Diga-me você. O que está fazendo na casa de Jade?
- É uma longa história. Rick ficou doente...
- E morreu e desapareceu, eu li. Estou ligando por causa de Renate. Ela está agindo de forma muito estranha. Tentei falar com ela, e um homem atendeu o telefone.
Ele desligou e, quando eu tentei de novo, ela atendeu e negou que alguém tivesse atendido antes.
- Você pode ter ligado para o número errado.
- Posso, mas não fiz isso, Meu telefone grava os números chamados.
- Ela deve estar com alguém, e não quer que nós saibamos.
- Ou está com algum sujeito com quem não queira estar. Vá checá-la, Matt, por favor. A propósito, o que você está fazendo aí? Onde está Jade?
- Ela está bem. Danny e eu estamos aqui para o caso de ela precisar de algo. Agora, vou verificar Renate. Até logo, Jenny.
- Até logo.
Danny estava na cozinha, fazendo café.
- Jenny parece pensar que alguém está mantendo Renate refém - disse Matt. - Se ela estiver com um homem, não vai gostar da nossa interferência.
- Mesmo assim, acho que deveríamos ir.
Foram até o apartamento de Renate e bateram na porta, mas ela não respondeu.
- Renate? - Danny bateu com mais força. - Renate!
A porta se abriu. Ela estava de roupão, enxugando o cabelo.
- O que foi?
- Estamos preocupados com você.
- Ah, agora estão preocupados comigo... - Ela bocejou. - Preciso dormir mais.
- Renate, seu ferro está ligado, sobre aquela camisa... que está queimando. - Matt entrou no apartamento e desligou o ferro de passar. - Você vai queimar sua
casa!
- Bem, obrigada. Agora, saiam. Estou cansada. - Pôs a mão no peito de Matt e empurrou-o para fora. Virou-se e olhou feio para Danny, que ainda não se movera.
- Estou indo! - ele disse e, ao chegarem ao corredor, comentou: - Algo ruim está acontecendo.
- Como você sabe?
- Eu vi o que ela fazia no computador. Renate estava checando horários de vôos. Jade vai partir para a Escócia em menos de duas horas.

Jade conseguiu sair da casa com facilidade. Tinha se levantado, tomara um banho e se vestira, levando apenas a bolsa. Por sorte, carregava o passaporte.
Ao chegar ao aeroporto, checou seu voo, comprou café e esperou. Era louca. Estava indo encontrar um homem no cemitério no qual quase fora morta um ano antes.
Não. Um vampiro. No entanto, era algo que precisava fazer. Ele tinha de saber sobre a estranha deusa-gata do mal.
Ansiosa, verificou o relógio e, ao erguer os olhos, percebeu que fora descoberta. Maggie, Shanna, Sean, Jack e as três crianças caminhavam em sua direção.
Levantando-se, começou a falar:
- Eu estou indo. Por favor, não tentem me deter, ou vou gritar e fazer um escândalo inacreditável. Até mesmo vocês policiais...
- Jade - Maggie a interrompeu -, está tudo bem. Sabemos que não podemos impedi-la de ir.
- Portanto, você tem companhia - Jack anunciou. - Shanna e eu vamos com você.
- Não, não...
- Jack e eu temos passagens, irmãzinha.
- Como sabiam em que avião eu ia?
- Danny e Matt viram o computador de Renate e descobriram que, de alguma forma, ela sabia em que voo você estava.
- Mas isso não faz sentido...
Nesse momento, o voo foi anunciado no alto-falante.
- Vocês não devem ir comigo.
- Maggie e Sean vão cuidar das coisas por aqui - disse Jack. - E nós vamos ajudá-la a encontrar Lucian.
- Eles estão chamando para o embarque - alertou Maggie.
Jade parou ao lado dos gêmeos. Abraçou Peter e James, e Shanna fez o mesmo. Após despedirem-se de todos, os três se afastaram. Ao ouvirem James chorar, viraram-se
para trás.
- Ele vai ficar aborrecido - Jade comentou.
- Não, ele está apontando para... alguém - disse Shanna.
- O moço da tevê a cabo! - James gritou.
- O quê? - Jade não entendeu.
- O homem da tevê a cabo, lembra? - disse Shanna. - Oh! Eu conheço aquele sujeito. É aquele Dave que eu encontrei. Ele aparece em todo lugar.
- O aeroporto é público - Jade falou, distraída, ainda observando o irmão.
Sean ergueu a mão, sinalizando que o menino ficaria bem.
- Meninas, o avião vai partir sem nós - Jack apressou-as.
Jade virou-se e andou rapidamente até o avião, perguntando-se por que se sentia tão perturbada.

- Jesus! - Danny gritou. Estava no computador de Jade, usando os mesmos recursos ilegais para acessar os registros da companhia aérea que usara antes para
verificar o que vira na tela de Renate.
Sim, Jack e Shanna haviam comprado passagens para o mesmo voo. Mas alguém mais estava nele.
- O que foi? - Matt quis saber.
- Renate está tentando seguir Jade.
- Aquela idiota. Ela vai acabar se matando. - Matt suspirou. - Isso é terrível, não? Ficar aqui sentados, esperando. Não podemos abrir a porta para ninguém,
precisamos ter cuidado... e apenas ficar de guarda.
- Sim, mas... vigiar o quê? Jade, Renate e Shanna se foram, e nós... estamos aqui.
Matt olhou para ele, e ambos se levantaram ao mesmo tempo.

Em Edimburgo, eles se registraram no Hotel Balmoral, e Lucian avisou a recepcionista que eles não deveriam ser perturbados de forma nenhuma.
Conseguira tirar Rick da Louisiana sem dificuldade, tendo acessado um computador do governo estadual para dar-lhe um novo nome: Richard Miller.
- Ótimo hotel - Rick comentou, caminhando para o quarto. - Vamos jantar ratos ou camareiras? - Sorriu quando Lucian o encarou com ar de censura. - Estou brincando.
- Vamos encontrar um açougue mais tarde. E quando sairmos da cidade em direção ao cemitério, você vai encontrar muitos roedores.
- Não deveríamos ir ao cemitério agora? - No corredor, ele tropeçou. Ainda era praticamente inútil de dia. - Acho que não.
- Não gosto de ter você comigo, pois ainda é muito novo, mas fiquei com medo de deixá-lo em Nova Orleans.
- Eu nunca a machucaria.
- Sim... Há vezes em que não se pretende fazer mal, mas se começa a sentir o sangue, o calor, a pulsação... a fome.
- Já disse que vou ficar bem.
- Você precisará ficar bem, e ser forte. Sophia o criou. Ela terá poder sobre você.
- Ela não tem sobre você.
- Já teve.
Chegaram aos quartos, que eram contíguos. Apesar de ter providenciado solo da Louisiana, Lucian ficou contente ao ver que Rick se lembrara de levar terra nativa.
Para um novo membro da sociedade dos mortos-vivos, ele estava se saindo muito bem.
- Descanse um pouco - Lucian aconselhou. - Você vai precisar.
Ao se registrarem no Hotel Balmoral, Jade descobriu que ninguém chamado Lucian DeVeau estava hospedado ali, e ficou desapontada.
- Por que achou que ele estaria aqui? - Shanna indagou quando chegaram ao quarto.
- Não sei. Acho que... ele sabe que foi aqui que eu fiquei da outra vez.
- Talvez ele não esteja em um hotel - Jack sugeriu.
- Ele deveria estar em um hotel, a alguma distância do cemitério, mas perto o suficiente da cidade para alcançá-la com facilidade.
- Jade, não havia garantias de que o encontraríamos - Jack falou.
- Eu sei ir ao cemitério.
- Vamos esperar amanhecer.
- Lucian irá à noite - ela disse.
- Jade, está tão ansiosa assim para morrer? Vamos nos preparar antes. - Jack fitou-a com paciência. - Ele partiu rapidamente, determinado a sair antes que
Sophia soubesse, e deu certo.
- Sim, mas ele não sabe a respeito do medalhão.
- Jack está certo - Shanna interferiu. - Temos de dormir um pouco e conseguir algumas armas.
- Sim, compraremos vassouras e afiaremos os cabos.
- Ainda precisamos encontrar Lucian - Jade insistiu. De repente o telefone tocou, e ela correu para atender, esperançosa. Mas era Maggie, checando se eles
haviam chegado bem.
- Ah, seu amigo Matt ligou. Quer saber se vocês já encontraram Renate.
- Renate está aqui?
- De acordo com os registros de voo, ela estava no seu avião.
- Ela não nos procurou! Talvez tenha perdido o avião e pegado outro voo.
- Mantenham os olhos abertos. Matt tem certeza de que ela, achando-se a rainha do mistério, vai se meter em confusão.
- Certo, Maggie. Até mais.
- Tomem cuidado. Até logo.
Ao desligar, relatou a Shanna e a Jack o teor da conversa.
- É estranho. Espero vê-la logo - disse Jade.
- Bem, meninas, eu vou fazer a barba, e depois podemos sair para fazer as compras.
- Vocês se importam de ir sem mim? Quero ficar aqui para o caso de Renate estar tentando nos encontrar, ou para o caso...
- De Lucian tentar encontrar você - Shanna completou.
- Acho que não há problema, se você não abrir a porta para ninguém. Nem para o serviço de quarto - acrescentou Jack.
- Combinado.

Naquela noite, Rick teve sua primeira lição.
- Está no que você vê com os olhos da mente - Lucian explicou. - Pense nisso, e será isso. Mova-se com o poder do ar e da névoa, e você é o ar e a névoa. Hoje
à noite precisamos nos mover com a escuridão.
- Sophia está aqui? Você sentiria, se ela estivesse?
- Não está no cemitério ainda, mas sabe que estamos aqui. E pode se mover com rapidez. Hoje será nossa única chance de procurar livremente na tumba.
- E Darian?
- Está perto. Precisamos agir depressa. Pense na beleza e na graça da escuridão. Mova-se com a névoa, com a sombra. Desconsidere portões, cercas e portas de
ferro. Feche os olhos. Sinta o vento, escute o ar, ouça cada pulsação ao seu redor. O sussurro das folhas, as formigas andando, o tremular das asas de um pássaro.
Sinta a si mesmo. A força dos seus músculos, a agilidade do seu corpo. Sinta a terra com os pés, e corra...
Eles haviam comprado uma dúzia de vassouras, o que não fora difícil, pois as lojas estavam preparadas para o Halloween, e bruxas eram comuns em festas a fantasia.
Além disso, tinham conseguido entrar em uma igreja católica e convenceram o padre da importância de alguns momentos para rezar. Shanna ficara conversando com
o sacerdote, enquanto Jack enchia com água benta pequenas garrafas de bebida que haviam pegado no avião. Ela o persuadira, inclusive, a vender-lhes cruzes abençoadas
da pequena loja da igreja.
Quando voltaram ao hotel, ligaram para o quarto. Jade estava na cama, assistindo à televisão, desapontada por não ter recebido notícias de Lucian.
Decidiram ficar no bar, e pediram bebidas. Shanna não percebera o quanto gostava de Jack até passar diversas horas com ele no avião. Ele era bonito, corajoso
e confiável. Estava contente por ficarem em quartos contíguos naquela noite. Estava inquieta e com medo desde que tinham saído de casa, o choro de James no aeroporto
a perturbara.
Gostaria de estar ali em outras circunstâncias. Havia fogo na lareira, o vinho era bom, e a companhia, agradável. Mas pensar em Jack a lembrou do outro homem
que encontrara, aquele que conhecera na cafeteria e que reaparecera no hospital. E depois no aeroporto.
- O que foi? - perguntou Jack.
- Eu estava apenas pensando. Em pessoas... no tempo certo das coisas na vida. Eu...
O homem da tevê a cabo. James sonhara com ele, ela sonhara com Dave. James chorara no aeroporto, ela vira Dave. Rick morrera no hospital, ela vira Dave lá.
- Jack... como era o homem que foi até você enquanto Sophia atacava Rick?
- Alto, esbelto, mas musculoso. Cabelos avermelhados, feições bonitas...
- Ele está aqui.
- O quê?
- Darian está aqui. Em algum lugar, de alguma forma, eu... eu o conheci. Em uma cafeteria em Nova Orleans. Marcamos um encontro, mas ele não apareceu. Foi
na noite seguinte aos assassinatos em Massachusetts. Eu o vi de novo no hospital. - Decidiu não mencionar o sonho. Ele tentara entrar na casa de Maggie. De alguma
forma, com a graça de Deus, ela o impedira. Mas ele estava ali! Levantou-se. - Jack, ele está aqui. Precisamos ir até Jade. Rápido.
Jade olhava a tevê sem prestar atenção. Estava exausta, mas não conseguia dormir. Voltava-se para o telefone de vez em quando. Lucian, onde você está?
Ao ouvir uma batida na porta, correu para atender, mas então se deteve. Lucian não precisaria bater, pois ela o convidara fazia muito tempo.
- Sim? - indagou, espiando pelo olho mágico. - Renate! - Abriu a porta.
- Sim, sou eu. Não vai me convidar para entrar?
- Claro! O que está fazendo aqui? Eu prestei atenção em tudo o que me disse e pretendo contar a Lucian. O que... - Interrompeu-se quando Renate foi empurrada
para dentro.
- Convide-me para entrar - o homem ordenou a Renate.
- Entre - ela disse automaticamente. Jade recuou enquanto ele entrava.
- Darian... - Era o guia turístico do ano anterior.
- Então me conhece, srta. MacGregor. E me olha como se eu fosse o próprio Satã!
- O que você fez com Renate?
- Nem a metade do que farei com você. Soube que você era a melhor assim que a vi com aquele grupo de estudantes no Castelo de Edimburgo. E estava tão curiosa
a respeito de tudo! Realmente amava história, e a cidade. Estava disposta a aprender, a falar com as pessoas, a conquistar o mundo. Eu observei seus cabelos, seus
olhos, seu sorriso. Sophia, claro, foi quem viu a semelhança com Igrainia.
- Não sou Igrainia!
- Quem sabe? O policial, com certeza, é... era... bem parecido com Wulfgar.
- Que policial? E quem é Wulfgar?
- Ah! Aí está você, olhando para o relógio. Bancando a tonta, ganhando tempo. Está esperando ajuda? Não vai conseguir com rapidez suficiente. Lucian deveria
ter tomado seu sangue e lhe dado o dom. Mas eis o bom e velho Lucian, rei dos vampiros, um monstro com consciência, recusando-se a condenar as pessoas, que é como
ele vê. Eu vejo apenas o túmulo. Do pó ao pó, das cinzas às cinzas. Há os poderosos, como nós, e o gado, como você, querida. Apesar de ser o melhor filé. Há a fome
e a luxúria, e você inspira ambos.
Quando ele se aproximou, Jade atingiu-o comum travesseiro, fazendo-o rir. Renate estava imóvel, como se não os visse.
- Renate, me ajude! - Jade gritou. Correu até a cama, subiu e desceu do outro lado.
- Corra! - ele disse, sorrindo, com as presas para fora.
- Eu adoro quando os humanos correm. Faz o coração bater mais rápido, o sangue percorrer com paixão as veias.
Jade pegou um frasco de xampu no criado-mudo e apontou-o para ele.
- Afaste-se. É água benta. Sei o que isso pode provocar.
- Tome isso dela, Renate! - ele ordenou, parando.
Renate pegou-a pelo braço e socou-a com força, primeiro no queixo, depois no estômago. Jade dobrou-se ao meio antes de reagir, espantada. Endireitou-se e golpeou
Renate com força, fazendo-a cambalear, mas não antes que o frasco de xampu tivesse se espatifado no chão. Darian saltou para trás, temendo o contato com o líquido.
Porém, ao ver a espessura do conteúdo, meneou a cabeça, sorrindo.
- Jade! Você não tem nada à mão. Lucian, o grande protetor, está longe, e seus companheiros a abandonaram para ir buscar armas, deixando-a de mãos vazias,
sozinha, esperando.
- Lucian está aqui e não permitirá que você faça isso.
- Ele não pode nos enfrentar, querida. Vá em frente, corra, e enquanto isso, diga-me mais sobre como Lucian virá resgatá-la.
- Ele sabe que estou aqui.
- Acho que não. É melhor correr, Jade, porque eu estou indo agora. Esperei, mas aqui estamos, juntos, por fim. - Lambeu os lábios e sorriu. As presas brilharam.
Ela correu até o quarto contíguo e dirigiu-se para a porta que levava ao corredor, mas foi detida antes de abri-la. Ele a tocou no rosto.
- Você é preciosa, algo a ser desejado, cobiçado. Adorei suas perguntas naquela noite. Adorei a forma como tentou ser amável e educada, e o modo como revirava
os olhos quando a turma se comportava mal. Você é arrebatadora. Posso ver como manteve Lucian preso durante todos esses anos.
- Eu não fiz isso. Não sou Igrainia.
Ele a prendia contra a porta. Levou as mãos ao seu rosto, e ela tentou recuar.
- Você gostou de mim na noite da excursão.
- Isso foi antes de perceber que você mastigava estudantes universitários.
- Estudantes! Eu queria o menininho. O sangue das crianças é tão doce... Mas graças ao velho Lucian, a mulher os levou embora mais cedo. Mas até que a garota
valeu a pena.
- Sophia não se incomoda que você vá atrás das vítimas de maneira tão...
- Predatória? Ou sensual? Sophia e eu não temos ciúmes um do outro. Se não fosse assim, a obsessão dela por Lucian teria me destruído há muito tempo. Esse
é um caso triste. Ela o deseja quase tanto quanto deseja destruí-lo. O que, no final, vai acabar acontecendo. Ela tem o talismã. - Colocou a mão no peito de Jade.
- Sinta o seu coração!
- Tire suas malditas mãos de cima de mim! - Empurrou-lhe a mão e afastou-se dele.
Surpreso e divertido ao mesmo tempo, ele a deixou ir.
- Você não tentou gritar.
- Vou fazer isso. Gritarei e trarei todos os policiais de Edimburgo até você.
- Não, você não fará isso.
Ela mal o viu mover-se, mas Darian estava diante dela outra vez, tocando-a.
- Chegou a hora.
- Não!
Ele puxou seu cabelo, mirando as presas em sua jugular.
Jade sentia o próprio coração, o sangue, quente, pulsando nas veias, as presas, o calor, a saliva, o toque dele...
De repente, ouviu o som de vidro estilhaçando. A janela se rompera violentamente, e os cacos pareciam voar em câmera lenta. Estavam no terceiro andar.
Um lobo, enorme e prateado, lançou-se pelo vidro e aterrissou em Darian com força, arrancando-o de perto de Jade e lançando-o até a outra parede. Após o choque,
o vampiro se levantou e correu de volta ao aposento contíguo, com o lobo em seus calcanhares.
Jade correu atrás deles, mas o lobo se fora. Lucian estava no centro do aposento, desafiando Darian, que pegara o corpo inerte de Renate para usá-lo como escudo.
- Ela o deixou entrar! - Jade gritou. - Ela está...
- Não está morta, ainda não é uma criatura dele - disse Lucian. - E se ele a machucar mais... - Começou a caminhar na direção de Darian.
- Fique longe, e eu deixarei a mulher.
Ignorando-o, Lucian continuou andando. Porém, antes de alcançá-lo, a porta abriu-se de súbito, distraindo-o por um instante.
Renate caiu no chão, Darian dissolveu-se na névoa, Jack e Shanna entraram, cada um carregando uma estaca de madeira e um frasco de água benta.
- Jade! - Shanna gritou, correndo até a irmã e abraçando-a.
- Não sabíamos onde você estava - Jack disse a Lucian.
- Eu sei. Não achei que vocês viriam para a Escócia, seus tolos. Teriam ficado em segurança. Sophia tinha de me seguir, e sabe que não pode me enfrentar sozinha.
- Viemos ajudá-lo! - Jade exclamou.
- Deveria ter sido mais esperta e não ter vindo.
- Você precisava de nós porque não sabe de tudo! Renate estava certa... Conhecimento é força! - Ergueu os punhos para socá-lo no peito, mas apenas os apoiou
no tórax largo, e ele a abraçou.
- Escutei você me chamando - ele murmurou, trêmulo. - Mal cheguei a tempo.
- Ele escapou - disse Shanna. - Jade, Darian é Dave, o sujeito que eu conheci na cafeteria. Eu poderia ter terminado como...
- Eu?
Todos se viraram e viram Rick à porta. Jade separou-se de Lucian e correu até ele, abraçando-o com força.
- Rick, eu sinto muito. Você não pode imaginar...
- Jade - ele disse com gentileza, afastando-a. - Algumas coisas, talvez, sejam destino. Está tudo bem. Agora, precisamos pensar rápido. Os seguranças do hotel
estão subindo, por conta da janela quebrada.
- O que vamos fazer? - indagou Shanna.
- Bancar os inocentes - Jade respondeu. - De repente, o vidro estilhaçou. Achamos que algo foi atirado aqui, mas não conseguimos encontrar o objeto.
- Quando Renate chegou? - Jack quis saber.
- Coloque-a na cama. Eu explico mais tarde. E Rick, Lucian...
- Estaremos no bar - avisou Rick.
Ambos saíram a tempo. Dois funcionários da segurança chegaram em seguida. Jade mostrou-lhes a janela e ficou agradecida ao perceber que eles pareciam apenas
perplexos. Era óbvio que a janela fora quebrada por algo vindo de fora, e elas precisariam de outro local para passar a noite.
Ao fazerem a troca de quartos, Jack carregou Renate, explicando que ela adormecera de exaustão, por causa do voo.
- Vamos descer - disse Jack, após se acomodarem.
- E Renate? - Shanna indagou.
- Ela ficará bem. Não vamos nos demorar.
Quando chegaram ao bar, Jade surpreendeu-se ao ver como Rick parecia bem. Ele apertou-lhe os dedos quando se sentaram à mesa.
- Obrigado - murmurou.
- Obrigado? Eu o envolvi...
- Com certeza, é um novo rumo para a minha vida. - Ele sorriu e virou-se para Lucian. - Renate está bem?
- Acho que ela ficará bem hoje à noite. Não há razão para Darian voltar, pois ela serviu ao propósito dele, que era chegar até Jade.
Jade estava entre ele e Rick à mesa, observando-os. Estranho, era como se eles sempre tivessem sido amigos... Após pedirem as bebidas, Lucian virou-se para
ela.
- Por que você está aqui, Jade? Deixei ordens estritas para que...
- Você não pode deixar ordens para mim, Lucian.
- Jade, foi tolo e perigoso vir até aqui.
- Você não entende. Há uma longa história a respeito do talismã, que Renate descobriu. É o símbolo de uma deusa-gata, que recebia sacrifícios humanos. Ela
era tão terrível que todas as suas imagens foram destruídas. Foi queimada, mas suas cinzas estão no talismã, e tirá-lo de Sophia não vai resolver. Sophia precisa
ser queimada.
- E você veio até aqui para se certificar de que eu soubesse disso?
- Sim. O conhecimento pode fazer milagres.
- Obrigado, mas não deveria ter feita isso.
- Mas ela fez - Jack interferiu. - Você procurou Sophia e o talismã esta noite?
- Começamos a fazer isso, mas algo nos chamou de volta. - Lucian fitou Jade. - Alguém.
- Então poderia ter encontrado o medalhão se não fosse por minha causa.
- Eu não disse isso.
- Mas quis dizer.
- Não faria muita diferença se eu o tivesse encontrado. Ainda pertence a Sophia, de acordo com o que está me dizendo, certo? Então começaremos amanhã. - De
repente, ele jogou uma chave sobre a mesa para Jack. - Temos um quarto no segundo andar. Jade e eu vamos ficar em um dos quartos de vocês.
- Isso significa que eu... fico com Renate? - Shanna perguntou.
- Não há problema. Ela não se transformou e não está sob o poder de Darian. Ele a abandonou. Além disso, estaremos perto. Amanhã decidiremos se a levamos conosco,
para segurança dela, ou se ela representa um perigo para nós. Amanhã...
- É amanhã... o Halloween - Shanna murmurou.
- As pessoas estarão nas ruas quando anoitecer - Jack comentou.
- É natural que estejam nas ruas. Junto com aqueles que pretendem causar o mal - disse Lucian, - Precisamos estar preparados. É tarde. Meus amigos humanos,
já esgotados pela viagem de avião, vocês precisam descansar. - Deixou dinheiro sobre a mesa e se virou.
Jade olhou para a irmã e encolheu os ombros.
- Ele tem um problema com essa questão da arrogância.
- Vocês vêm? - Lucian perguntou.
Todos o seguiram. No quarto, Renate permanecia adormecida.
- Ela não vai mesmo virar um monstro no meio na noite e arrancar meu pescoço? - Shanna sussurrou.
- Ela está maculada, mas ele não entrou em suas veias o suficiente para provocar a morte. Há duas formas de se alimentar, uma é morder, drenar o corpo, matar
a vítima, a outra é roubar um pouco de sangue a cada noite, entrar no corpo e na alma da pessoa, hipnotizar, seduzir, controlar. Esse era o plano com Renate, mas
agora ele perdeu o interesse e a abandonou. Ela ficará bem.
- Certo - concordou Shanna.
Lucian sorriu para ela, que retribuiu o gesto antes de bocejar e dizer-lhes boa noite.
Pegando Jade pela mão, Lucian conduziu-a ao outro quarto. Não disse nada. Ergueu-lhe o queixo e beijou-a nos lábios. Depois, fitando-a intensamente, abriu
os botões de sua blusa. Deslizou os dedos por sua nuca e ombros, afastando a roupa, tocando-a com os lábios. Jade sentiu o doce ardor e gemeu, envolvendo-o pelo
pescoço. Beijou-o e abraçou-o, retirando-lhe o suéter e a camisa de algodão. As roupas de cama foram parar no chão, junto com as deles.
E então estavam deitados, os corpos entrelaçados.
Ela desejava o fogo líquido daqueles beijos, os lábios em sua pele. Sentia a força dos músculos sob seus dedos, movendo-se ritmicamente. Ele manteve os olhos
fixos nos dela, com um brilho negro que a marcava no corpo e na alma. Macio e firme, ele era o lobo na noite, o protetor feroz, a força do vento, mais do que o predador
da escuridão.
Ele é as duas coisas, disse a si mesma.
Não importava. Ansiava por fazer amor com ele, ardia por sentir-lhe a pele nua, por experimentar a pressão do corpo forte contra o seu e a sensação provocada
pelo toque sensual. Queria recebê-lo dentro de si, em um fogo que implodia e explodia, que queimava em seu interior e na noite...
- Sua tola - ele murmurou em algum momento, fitando-a. - Não deveria ter vindo. Por que veio? - Abraçou-a.
- Porque eu amo você.
Ele a estreitou entre os braços com mais força, e Jade sentiu o profundo calor e a tensão erótica dos lábios dele contra sua pele.
- Lucian... Maggie diz que... há uma forma. Se você me amar também, se tomar o meu sangue, se me drenar ao ponto da morte, a química pode se combinar, as estrelas
podem colidir, algo pode acontecer que possa... que possa...
Ele se imobilizou, deitado ao lado dela.
- Algo que possa me transformar em um ser humano outra vez? - indagou amargamente.
- Sim.
Ele se virou e deitou-se sobre ela, prendendo-a na cama.
- E se ela estiver errada? E se a química, as estrelas, o sentimento... o coração não estiver lá o suficiente? E se eu for incapaz de doar o bastante? E se
você for condenada, e nada mais?
Jade sentiu sua força, o abraço era quase doloroso. Não sabia se ele gostaria ou não que fosse assim, mas não recuou.
- Estou disposta a arriscar.
Lucian sorriu lentamente e meneou a cabeça.
- Não posso. Sou condenado há muito tempo, uma criatura da noite. Sei que você de repente é meu mundo, que anseio por estar a seu lado para sempre, mas é amor
suficiente? Eu não faria isso com você, nem mesmo para tê-la comigo. E há mais. Não posso renegar o que sou agora, não posso falhar contra meus inimigos. Deixá-los
soltos pelo mundo, sem controle. Eu ainda sou o rei da minha espécie, e o único com uma força capaz de deter Sophia e Darian.
Jade tocou-o no rosto.
- Eu faria qualquer coisa por você.
Ele arqueou a sobrancelha.
- Você me conhece agora. Não conheceu o homem que fui em eras passadas. Ou a criatura.
- Eu supostamente sou tão parecida com Igrainia...
- Mas você não tem uma visão do passado, recordações, lampejos de uma vida que se foi,
- Não. Sou Jade. Mas Lucian, eu amo você - ela sussurrou, acariciando-lhe a face, subitamente ávida por algo além do momento. Por uma vida juntos.
- Eu já disse que não vou arriscar sua vida, ou sua morte.
- Então, o que temos?
- A noite.
- E isso é tudo o que você me oferece?
- É tudo o que posso prometer.
- Não é o bastante.
- Então...
- Servirá! - Jade estava brava, magoada, relutante ao desejá-lo tanto, quando ele oferecia tão pouco. E, ainda assim, compreendia.
Lucian amou-a até que estivessem ambos exaustos. E então, abraçou-a. Sonolenta, Jade sabia que ele estava acordado, e que a deixaria.
- Você está indo embora - sussurrou.
- Preciso de um tipo diferente de paz. Quando anoitecer outra vez, todos nós precisaremos estar preparados. Voltarei amanhã, antes da escuridão. Fique em segurança
e preparada. Voltarei para você. Compreende, Jade?
- Ficarei bem. Eles também precisarão descansar para estar preparados.
Lucian ficou em silêncio.
- Você poderia me levar junto - ela o lembrou.
Os braços dele enrijeceram. Lucian não aceitou sua sugestão. Ela o abraçou, quase tentando não dormir. Não tinha tanto medo de perder a vida quanto tinha de
perdê-lo.

Shanna deu um grito capaz de despertar os mortos.
Jade sentou-se na cama, desorientada. Virou-se para procurar Lucian, mas ele se fora. Envolveu-se nas cobertas e saiu correndo.
Sua irmã estava de pé, e parecia bem. Jade olhou para a cama onde Renate ainda dormia.
- Eu estava sonhando - Shanna murmurou. - Sonhei que Renate acordou e me atacou com presas enormes.
- Talvez devêssemos dar uma olhada nela.
Shanna andou até a cama de Renate, abriu-lhe a boca para verificar seus dentes e suspirou, aliviada.
- O que estão fazendo comigo? - Renate indagou, despertando.
- Apenas checando.
Ela olhou ao redor, desorientada.
- Onde estou?
- Na Escócia. Você cruzou o Atlântico. Não se lembra de ter vindo até aqui?
- Acho que não me lembro de... nada - Renate disse, desgostosa. - Nada além de um entregador. O que está acontecendo? Por que meu queixo dói tanto?
- Jade bateu em você, Mas você estava tentando matá-la.
- Oh! - Renate tocou o próprio pescoço, em pânico. - Eu... estou bem?
- Esperamos que sim.
- Vocês poderiam me explicar?
- É uma longa história - disse Shanna. - Acho melhor nos levantarmos para enfrentar o dia.
- Também acho. Vou pedir café. - Jade se deteve ao lado do telefone. - Sem serviço de quarto, lembra? Vou tomar um banho e buscar café lá embaixo.
Voltando ao quarto, notou que Lucian deixara um bilhete sobre o travesseiro. De um modo estranho, aquilo a tocou profundamente. Não tinha nada tangível dele.
Agora, havia um bilhete. A letra era grande, larga, uma escrita arrogante. No mundo dele, arrogância significava sobrevivência.
Preparando-me para a noite, o sol está muito forte hoje. Eu, seu amigo inumano, também preciso descansar. Fiquem juntos, carreguem água benta, me esperem.
Voltarei ainda de dia, atacaremos antes do anoitecer. Tome cuidado. Por mim.
Ele não assinou, não havia um "Com amor, Lucian" encerrando o bilhete. Não importava. Tinha de ser suficiente, pois era tudo o que ele pretendia oferecer.
Jade tomou uma ducha, vestiu uma saia comprida e um suéter preto. Fazia frio, e a roupa, além de quente, se mesclaria à escuridão da noite. Anoitecia muito
cedo naquela época, por volta das quatro da tarde.
Foi até o restaurante do hotel, que estava cheio. Por causa do Halloween, a garçonete informara, o movimento era intenso. Levaria mais alguns minutos para
que houvesse café fresco.
Jade decidiu ir buscar a bebida em uma cafeteria do lado de fora. Ao sair do hotel, fechou os olhos e escutou a conversação normal do cotidiano, marcada pelo
charmoso sotaque escocês. O céu tinha toques de cinza, mas ainda assim estava muito claro. Adorava Edimburgo, mesmo no friozinho do outono. O sol brilhava.
O som da gaita de foles chegou até ela. Era bom estar ao ar livre, sentir o sol, o calor, a luz, a normalidade de um dia agradável. Dirigiu-se ao centro comercial
do lado esquerdo da rua, era ali que um músico extraía do instrumento um lamento misteriosamente atraente.
Um palco pequeno, como o usado por ciganos, fora montado diante da moderna disposição de lojas, e uma mulher vestida de bruxa comandava o espetáculo. Alguns
trabalhadores andando nas ruas estavam fantasiados, ao menos em parte, com bigodes e caudas de gato, crianças vestidas de Mickey Mouse a Frankenstein povoavam as
ruas.
- Venham ver o show! - a velha bruxa chamou, acenando para as crianças. Um homem vestido como o Gato de Botas surgiu de trás do palco e uniu-se a ela.
Jade parou para vê-los. Ele provocou a bruxa, que bateu em sua cabeça com um pretenso filão de pão. O homem convocou voluntários da platéia, e foi a vez de
uma garotinha acertar a cabeça da bruxa. As pessoas riram, e Jade viu-se em meio à multidão.
O gato começou a pular, chamando mais voluntários. Uma linda princesa, com cabelos da cor do pôr do sol. Haveria um príncipe também, é claro, ou talvez um
sapo, pois todos sabiam que uma princesa tinha de beijar uma porção de sapos até encontrar um príncipe.
Jade ria quando o homem-gato aproximou-se com o pedaço de pão. Encarou-a e, tarde demais, ela o reconheceu. Vendo os olhos atrás da máscara, abriu a boca para
gritar, mas o pão atingiu-a na cabeça, e não era mais um pão. Acertou-a com força...
Voluntários, voluntários! Como não percebera? Caiu nos braços do homem-gato. Ele e a bruxa a levaram até os fundos do palco.
Depois, terminaram o espetáculo, com todas as crianças se divertindo, achando que ela fazia parte da cena. Porque, quando a princesa beijou o sapo, a história
prosseguiu e, infelizmente, ele não se transformou em príncipe, em vez disso, a princesa virou sapo.
As crianças riram. Era outono e anoitecia cedo. Logo a escuridão cairia...
O céu estava cinza, o ar, frio. Lucian sentiu o sopro de vento ao seu redor, envolvendo-o e, sozinho, foi até a Ilha dos Mortos.
Era menos populosa agora do que séculos atrás. Casas de fazenda salpicavam a paisagem escarpada, cercada pelo mar.
A única forma de chegar à ilha era por meio de uma balsa. Uma nova igreja fora construída sobre o que restara da anterior, perto das ruínas do antigo chalé
de pescador. Às vezes, o local era visitado por historiadores e estudantes. A população era muito pequena para criar um negócio turístico, e aqueles que viviam e
trabalhavam nas montanhas gostavam de privacidade.
Ele foi até lá e lembrou-se de outras épocas. De um tempo distante, quando tinha sido ingênuo de uma forma inimaginável, de muitos anos atrás, quando fora
mau e amargo. Tantos anos de aprendizado. E, ainda assim, quanta angústia, nas várias vezes em que se sentia amaldiçoado e condenado, desesperado para matar e aliviar
a sede que ardia em seu corpo, não importando o quanto se achasse civilizado.
Houvera as guerras da independência na Escócia, uma época, para se fartar, com inimigos tão brutais que seus atos nem sequer eram percebidos. Houvera a Europa
medieval, quando os honrados matavam os inocentes, e seu julgamento não era menos misericordioso que o dos homens considerados "bondosos". Houvera seus dias na França,
um período de revolução, quando um vampiro corria tanto perigo quanto um homem mortal. Guerras, mais guerras, e uma nova era... Lembrar, ir até lá, tanto tempo atrás.
E, mesmo assim, aquele era o passado mais forte em sua memória.
Ele não se deslocara de fato até lá. Ao menos, não com o corpo. Não ousava usar esse tipo de energia, quando precisava tanto de sua força. Fisicamente, fora
a Saint Giles. Encontrara uma velha entrada sob a igreja, para um esconderijo em que estavam enterrados mortos do começo do século dezesseis.
Sua viagem ocorria apenas na mente, durante o sono. Lucian viu o passado, viu Igrainia e sentiu um enorme pesar, como se tudo tivesse acontecido no dia anterior.
E então se preparou para viver o futuro. Se houvesse um.
De repente, seu sono foi interrompido. Sombras negras, como as grandes asas de um morcego gigante, surgiram diante de si. Era Darian.
Estou com ela, Lucian. Outra vez.
Vou matá-lo, destruí-lo completamente!
Você se acha tão forte! Acredita que é o senhor de todos nós, que governa os mortos-vivos. Pensou que estaria em segurança hoje. Ah, o sol! Levaremos a cabo
nossos... planos para o jantar. Claro, você pode mudar tudo isso. Venha até Sophia, e talvez nós a deixemos ir. Entregue-se, curve-se a ela de novo. Sophia o criou.
Devolva-lhe o poder, e talvez soltemos sua amante mortal.
O ar se moveu, o bater de asas soou.
Lucian abriu os olhos e se ergueu. Rick, deitado a seu lado, fez o mesmo. Desacostumado à posição, ele bateu a cabeça no pavimento da igreja. Acima dele, um
turista gritou, convencido de que Saint Giles era mesmo assombrada.
- Eles estão com Jade - disse Lucian.

Shanna, que adormecera profundamente, despertou ao sentir alguém sacudir seu ombro.
- Pare, por favor! - ela gemeu. - Finalmente, consegui dormir.
- Onde está Jade? - Era Jack.
- Está tudo bem. Ela foi apenas buscar café.
- Quando?
- Não sei. Talvez por volta das onze.
- São três da tarde! Está quase escurecendo.
- Oh, meu Deus! - Shanna pulou da cama, horrorizada. - Ela não voltou. Temos de encontrá-la. Mas, Jack, com certeza eles precisariam descansar. O sol brilhava.
Eles deviam saber que iríamos esta noite, e precisariam de força...
- Aparentemente, eles estão se preparando - disse Renate, da outra cama. - Para encontrar Lucian. Pegaram Jade porque sabem que ele irá atrás dela. Que melhor
arma para derrotá-lo? É uma armadilha para ele.
Jade acordou com o barulho. Era o Halloween, pensou. No entanto, não escutava crianças pequenas, e aqueles que falavam pareciam estar distantes. Sentiu cheiro
de terra, úmida e fétida, e uma dureza fria sob o corpo. Estava escuro, mas, ao abrir os olhos, conseguiu ver o suficiente.. A cripta estava iluminada por tochas,
presas na parede por antigos suportes de ferro.
Tentou mover-se, mas não conseguiu, e escutou um retinir de correntes. Estava algemada... Seu sangue ficou tão frio quanto a Jade de pedra à qual a haviam
prendido. Encontrava-se nas profundezas da mesma cripta em que estivera um ano antes, quando vira Darian massacrar quatro jovens em um horrendo banho de sangue.
O frio se infiltrara em seu corpo, a cabeça e a garganta doíam. Tentou soltar o pulso do que parecia ser um grilhão secular. Virou-se na direção da face esquelética
de um cavaleiro morto havia muito tempo e deparou-se com a cavidade vazia dos olhos. Algum tipo de verme rastejou para fora de um deles. Abriu a boca para gritar,
mas, sem saber como, conseguiu fechar os olhos e engolir o grito. Ele era praticamente só ossos, e o que sobrara de seus dedos envolvia a espada com a qual fora
enterrado. Não gritaria. Precisava tomar cuidado e recuperar o controle. Libertar as mãos. Talvez eles estivessem perto, apenas esperando que ela despertasse. Então...
ouviu a voz de Darian.
- Vocês querem sentir medo, não é? Muito medo? Venham, meus amigos, até as profundezas escuras, até as entranhas da terra. Venham, e farei o possível para
assustá-los.
Jade estava deitada na beirada da última prateleira, ao lado do velho cavaleiro. Havia cadáveres acima e abaixo. Caixões espalhavam-se pela cripta. O de Sophia
estava no mesmo lugar de antes. Ela, estava ali, dormindo, descansando, reunindo forças. E Darian conduzia até lá embaixo um grupo de pessoas fantasiadas para o
Halloween.
Jade inspirou e sentiu teias de aranha na boca. Sentia o cheiro da morte. Ainda não a tinham matado, pois naquela noite o espetáculo seria ainda maior do que
no ano anterior. Seu coração estava acelerado, Darian, com certeza, ouvia os batimentos. Mesmo no caixão, Sophia devia escutar a pulsação frenética.
Estava escuro, mas as tochas lançavam seu brilho avermelhado no interior da câmara dos mortos.
- Venha, minha bela!
Jade abriu os olhos e torceu-se em direção ao grupo que se aproximava. Darian estava conduzindo uma garota vestida de odalisca. Seu acompanhante, fantasiado
de Freddy Krueger, parecia ameaçador.
- Sim, assuste-nos, garotão. Vá em frente. Estamos esperando.
- Seus tolos! - Jade gritou de repente, desistindo de ficar em silêncio. Não suportava pensar em outro massacre. Moveu os pulsos furiosamente, tentando escapar.
- Vão embora. Gente, vocês não leram sobre o que já aconteceu aqui?!
- Ah, os mortos-vivos! Eis que ela se ergue. Igrainia, eles a chamavam. Esposa do antigo chefe, Lucian. Ela não era deste mundo. Sereia, diziam uns, peixe,
afirmavam outros. Uma pena que a bela tenha partido deste mundo e, independentemente do que tenha sido, transformou-se em... morta!
O jovem casal começou a rir.
- Volte, Igrainia! Pelo menos, por enquanto. Estamos esperando seu amante, o poderoso chefe. Ele ainda não veio. Quando chegar, você verá Sophia em ação de
novo. E depois será a sua vez. - Sorrindo, Darian tocou-a e fitou seus olhos assustados. Lentamente, ele a lambeu no rosto. - Deliciosa!
- Lucian irá destruí-lo - ela prometeu, furiosa, desesperada e impotente.
- É melhor ele se apressar. Estou desapontado. Achei que já estaria aqui. - Darian correu a língua por sua face outra vez. - E a pergunta é: amigos, o anjo
vingador dela virá com rapidez suficiente? Apenas o tempo dirá!

Jack andava com determinação à frente, e as meninas o seguiam, uma de cada lado. Carregavam estacas e tinham frascos de água benta atados aos cintos que haviam
confeccionado para a ocasião.
- Legal! Você é Buffy, a Caça-Vampiros, com seus amigos? - gritou alguém.
Estavam caminhando pelas ruas e passavam por um bar. Aqueles festeiros em particular já deviam ter bebido várias cervejas. Uma bruxa usava um chapéu torto,
um vampiro falso tinha espinafre entre as presas, o halo de um anjo estava curvado.
- Algo assim! - Shanna respondeu, apressando-se.
O passo de Jack era acelerado. Correu para alcançá-lo e, após virar uma esquina, viu a velha igreja, iluminada pelo luar, gótica, assustadora. Ali, no silêncio,
na tranqüilidade e na escuridão da noite, estava o cemitério. A lua brilhava e o vento sussurrava, lembrando um uivo.
- Chegamos - Jack anunciou.
- Por que Lucian não apareceu? - Shanna indagou, assustada.
- Deus sabe o que fizeram com ele, ou com sua irmã. Temos de encontrá-los e trazê-los de volta. De alguma forma. Mantenha sua estaca pronta e use a água benta.
- Onde fica a cripta?
- É aquela ali - respondeu Renate, apontando o lugar. - De Brus.
Renate tomou a dianteira, e eles a seguiram até a cripta. Uma névoa parecia emanar de lá, iluminada por um estranho brilho carmesim vindo das profundezas da
terra. Ou das entranhas do inferno.
O portão aberto parecia acenar para eles.
Jade estremeceu de dor. Estava com cãimbras e tinha frio. Sua língua parecia uma lixa. Sentia-se ferida, fraca. Darian não parava de sorrir.
- Apreciei cada toque. Tão tentadora! Mas hoje Sophia desperta, e aproveitaremos o momento juntos. - Virou-se para a odalisca. - Ei, belezinha! Venha cá. Prometo
que vou assustar você.
A jovem se aproximava cada vez mais. Jade puxou o braço com força e, para seu espanto, a velha algema se abriu. Estendeu a mão até a espada do velho guerreiro.
- Não, querida! - Darian envolveu-a com o braço e puxou-a com tamanha força que a outra algema também se abriu.
Jade foi lançada ao chão e colidiu com o caixão de Sophia. Os garotos riam e davam gritinhos. Darian passou a cariciar a odalisca.
- Vocês não entendem? - Jade gritou, desesperada, tentando levantar-se. - Isso é real, eles são reais...
- Ela é muito boa! - disse o garoto vestido de Freddy Krueger. - Melhor do que você, companheiro.
Atrás de Freddy, estavam dois monges e um Ceifador de Almas.
- Saiam daqui! - ela berrou.
- Eles nunca sairão vivos daqui. A menos que Lucian apareça. - Darian foi até ela e pegou-a pelo cabelo. - Chame-o agora. Diga-lhe que está prestes a morrer.
Eu não vou saboreá-la, vou atacar brutalmente suas veias até que não sobre uma única gota de sangue, e até que sua cabeça seja separada de seus ombros. Faça isso.
Chame-o!
Ela cerrou os dentes, por causa da dor que ele provocava ao segurá-la com força pelos cabelos, mas conseguiu encará-lo.
- Chamá-lo para que você possa destruí-lo e depois a todos nós?
- Faça isso! Ou é possível que você morra lentamente.
- Jade!
Ela se surpreendeu ao ouvir seu nome. Um dos monges livrou-se do capuz e, para seu absoluto espanto, viu que se tratava de Matt. De baixo do longo traje marrom,
tirou uma estaca.
- Matt, o que está fazendo aqui?
- Sophia está atrás de você! - ele gritou. - Precisa escapar de Darian e chegar até nós. Rápido!
Escapar de Darian? Eles não podiam imaginar a força das mãos dele. Jade torceu-se sob o aperto impiedoso e constatou que Matt estava certo. Sophia abria os
olhos e sentava-se. Morena, exótica e linda, levantou-se, sorrindo para ela.
- Desta vez, você é minha! - Olhou divertida para os demais. - Darian, o tolo acha que ela pode escapar de você. Acho que vou matá-la agora.
- Não! - Matt cruzou o aposento, erguendo a estaca.
Darian segurou-o com uma das mãos, arrancou-lhe a estaca e quebrou-a entre os dedos. Nesse instante, o segundo monge gritou, avançando. Era Danny, Jade percebeu,
horrorizada. Ele não se saiu melhor que o amigo. Darian simplesmente ergueu a mão, acertando-o com tamanha força que ele foi lançado contra a parede de pedra.
Saindo com graça de seu caixão, Sophia andou até Jade, que se debatia, segurando os cabelos para tentar evitar parte da dor enquanto Darian os puxava. De repente,
ele não mais a segurava, porém, Jade não estava livre, e sim presa em uma armadilha, com Darian atrás dela, e Sophia, adiante.
Foi então que viu Jack entrar na tumba. Ele corria, seguido por sua irmã e Renate, e agitava um frasco de água benta.
- Solte-a agora ou vou jogar essa água em você.
- Faça isso, garotão! - Darian provocou. Jack lançou a água benta, mas nada aconteceu.
- Mas... - Jack não entendia.
- É apenas água, Jackie - disse Darian. - Renate, querida, você me serviu muito bem. Agora venha até aqui. Preciso separar sua cabeça de seu corpo. Acho que
posso ter tomado muito de seu sangue, e não tenho certeza de gostar de você por toda a eternidade!
Renate começou a caminhar até ele.
- Não! - Shanna gritou. - Afaste-se dele, Renate. Ele vai matá-la. Jack! Faça alguma coisa para impedi-la.
- Você acha que Jack pode detê-la? - Sophia indagou.
- Eu vou detê-la - gritou Jade.
Mas Sophia pegou-a pelos cabelos e arrastou-a de volta, torcendo sua cabeça de forma a mantê-la inclinada em um ângulo doloroso.
- Agora! - Sophia grunhiu. - Chame Lucian! - ordenou, fazendo-a ajoelhar-se. - Você está morta, sua selkie ordinária! Eu a matei uma vez, e vou fazer isso
de novo.
Nesse momento, o Ceifador de Almas, que se mantivera atrás do grupo, manifestou-se. De repente, Lucian estava atrás de Sophia, afastando-a de Jade. Pega de
surpresa, Sophia foi apanhada e, sentindo o aperto de aço ao redor do pescoço, começou a gritar.
- Jade, afaste-se de Darian! - Lucian comandou.
Darian entrou em ação, pronto para agarrá-la, mas um cadáver subitamente rolou de uma das lajes, empurrando o linho que envolvera seu corpo. Era Rick. Ele
foi atrás de Darian, e começaram a lutar. Era uma batalha repugnante e mortal. Lucian torceu o braço de Sophia às costas, forçando-a a ajoelhar-se no meio do aposento.
- Uma estaca! - Jade gritou. - Vou lançar-lhe uma estaca!
- Ele não pode me matar! - Sophia exclamou, triunfante. - As regras...
- As regras estão prestes a mudar - declarou Lucian. - Você queria adaptá-las. Então, é o que vamos fazer! Eu sou o rei de nossa espécie. O tempo e a moderação
me transformaram no que sou. Vou mudar as regras, conforme meu desejo. Você é uma ameaça para toda a nossa espécie. Mesmo dentre os nossos pares, deve haver um tipo
de justiça.
Jade rastejou até uma das estacas quebradas no chão. Enquanto lutava para libertar-se de Lucian, Sophia começou a entoar um cântico, estranhas palavras que
soavam como um lamento. De repente, outros corpos começaram a erguer-se. Foi como havia sido antes, os mortos voltando à vida, atacando os vivos. Por fim, a jovem
fantasiada de odalisca começou a berrar.
- Saia daqui! - Jack gritou, tentando empurrar a garota enquanto lutava com um cadáver que envolvera as mãos ossudas em seu pescoço.
Outro corpo chutou para longe a estaca que Jade quase pegara. Foi então que ela viu a espada na mão do velho cavaleiro. Os dedos ossudos estremeciam, como
se estivessem prestes a voltar à vida. Avançou até ele, pegou a espada e separou o crânio do cavaleiro de seu esqueleto.
Lucian puxava Sophia pelos cabelos. Ela tentava prosseguir com os cânticos, mas ele a arrastava com tamanha rapidez que ela mal conseguia emitir algum som.
Apesar do talismã, ele estava no controle.
Darian derrubara Rick e estava sobre ele, pegando uma faca embainhada na panturrilha. Sem soltar Sophia, Lucian chutou-o com uma força impressionante, fazendo-o
gritar de dor, os dedos se quebraram, a faca voou de sua mão. Ele apoiou-se sobre os joelhos, arrastando-se até a arma.
Jade balançou com força a espada que pegara, e a lâmina atingiu o pescoço de Darian. Contudo, o golpe não fora intenso o suficiente. Gritou, desesperada, tentando
outra vez. Ele berrou, furioso, virando-se para ela. Jade investiu de novo, separando a cabeça dele dos ombros. E então Darian estava morto, decompondo-se, virando
cinza...
Sophia soltou um berro diferente de tudo o que Jade já escutara e levantou-se, quase escapando das mãos de Lucian. Porém, foi puxada de volta e voltou a entoar
um cântico maligno. De repente, todos os cadáveres na cripta passaram a perseguir Lucian e Jade.
- Mexa-se! - Lucian ordenou a Jack. - Tire os outros daqui!
Jack empurrou Shanna, que empurrou a odalisca. Matt agarrou Freddy Krueger e correu, parando no caminho para pegar Danny, que ainda estava atordoado. Os corpos
estavam ao redor deles...
- A tocha! - gritou Lucian.
Nesse instante, Jade percebeu que ele estivera forçando Darian e Sophia a se afastarem da entrada da cripta, enquanto incitava os demais em direção à porta.
Avistando a tocha presa à parede, agarrou-a e correu de volta até ele.
Repentinamente, Lucian afastou Sophia, arremessando-a contra a parede oposta, nas profundezas da cripta, e tomou a mão de Jade, pronto para correr.
- Você não pode me matar! - Sophia berrou. - Será destruído. Eles o matarão, os outros de nossa espécie...
- É um novo tempo, Sophia - Lucian retrucou. - Uma nova justiça.
- Ele não vai matá-la - disse Jade. - Eu vou.
- Saia daqui! - Lucian empurrou-a à frente dele. - Agora... atire a tocha!
- E se apagar?
- Não vai apagar. Há turfa lá embaixo. Vai queimar. Atire!
Ela obedeceu, e o lugar imediatamente pegou fogo, as chamas tão próximas que quase a queimaram no rosto. Ele a virou, e ambos correram. Conforme subiam até
o portão de ferro que levava para fora da cripta, escutavam os gritos de Sophia. O som era terrível. Era o ruído da morte.
Ao saírem para a noite, Jade imobilizou-se. Jack estava lá, assim como Shanna, Renate, Matt, Danny, a odalisca e Freddy Krueger. Atrás dela, a tumba ardia.
Adiante, havia um estranho grupo de pessoas, talvez vinte ou trinta. Pálidas, fortes, silenciosas, firmes. Pareciam ser de diferentes nacionalidades, idades e sexos.
Eram mortos-vivos, Jade pensou, em pânico.
Quando Lucian se pôs diante deles, um homem alto e moreno, que parecia espanhol, manifestou-se.
- Acabou?
- Sim - respondeu Lucian.
Outro homem adiantou-se. Alto e claro, assentiu para Lucian e virou-se para os outros.
- O rei não virou poeira, e a ameaça está destruída. Lucian olhou desse homem para o espanhol.
- Eu não fui derrotado. Disse que destruiria os meus inimigos... e os seus. Acabou!
- Sim - o espanhol concordou. - E você tem razão. Deve haver ordem e justiça, mesmo entre nós.
Ele recuou, e uma névoa começou a subir, envolvendo as lápides, cobrindo as pessoas em pé diante deles.
- Acabou mesmo - Shanna sussurrou. - Não é, Lucian?
- Sim.
Os joelhos de Jade começaram a se dobrar, e Lucian a segurou. Estavam de novo sobre a tumba com o nome MacGregor gravado.
- Vamos sair daqui - disse Lucian. - A polícia está a caminho. E eu não quero tentar explicar nada disso.
Ele apoiou Jade, que, fraca, mal conseguia manter-se em pé, e a levou embora daquele lugar de escuridão, mal e... morte.
Eles conversaram bastante. Encontraram um ótimo bar com um aposento privado no qual havia uma enorme lareira ao fundo.
Renate achava que estava mesmo bem: Desculpou-se repetidamente por ter esvaziado os frascos de água benta enquanto Shanna e Jack dormiam, ela não sabia o que
estava fazendo. Jade agradeceu a Matt e a Danny por terem ido até lá.
- Vocês poderiam ter sido mortos. Quase foram.
- No final, eu extraí uma história e tanto disso tudo! - disse Matt.
- Ninguém nunca acreditará em você, é claro - Danny falou. - Minha versão, no entanto, será mais sutil. Sei que venderá! Vou descrever tudo isso do ponto de
vista de um legista.
- Vejam! - Jack exclamou de repente.
A televisão do bar exibia o noticiário da noite. A grande história era o incêndio no cemitério, provocado provavelmente por uma turma de jovens. A tumba fora
sabotada com uma substância inflamável antes de atearem fogo. Todos encararam Lucian.
- Eu ainda não encontrei o talismã. Acho que está na cripta. - Ele deu de ombros. - Sabia que ela precisava ser queimada, mas eles estavam com Jade, então
eu tive de agir com muito cuidado. E, de repente, todos vocês estavam lá.
- Mas ela se foi agora, certo?
- Sim.
Nenhum deles conseguiria dormir. Quase amanhecia quando voltaram ao hotel. Abraçaram-se e beijaram-se ao dizer boa-noite.
Por fim, Jade ficou sozinha com Lucian.
- Você estará comigo de manhã? - ela perguntou.
- Amanhã de manhã, sim - ele respondeu, e aquilo tinha de bastar.
Ela não se importava.
- Eu ficaria com você em qualquer lugar. Dormiria na terra com você, em um caixão, entre os mortos. Você pode morder meu pescoço a qualquer momento.
Ele a beijou com carinho.
- Essa é uma decisão muito séria.
- O que sinto por você é um amor muito sério. Ele meneou a cabeça, pesaroso.
- E o que sinto por você é um amor muito sério. Portanto, vamos esperar. Há coisas que você precisa saber.
- Talvez haja uma saída. Quero dizer, Maggie era uma vampira até Sean...
- Não sei se posso desistir do que sou. Não agora. Não até que eu tenha certeza. Jade, eu não encontrei o talismã. E posso manter a ordem e a sanidade...
- Eu amo você. Ele sorriu.
- Ama? Mesmo? Você pode me amar?
- Sim. Eu não creio ser sua Igrainia que voltou. Sou Jade. Você realmente ama a mim, Jade?
- Eu amo você... Jade.
Ela o abraçou, sentindo-o acariciar seu cabelo. Sentia-se um pouco... diferente. Não sabia se isso significava algo ou não. Em algum momento durante a noite,
ele perceberia. Veria as minúsculas marcas no seu pescoço, deixadas por Darian quando ele a tocara na cripta.
Assim que acordou, Jade telefonou para Nova Orleans.
- Maggie?
- Sim, Jade? Está tudo bem? - ela indagou, ansiosa. Jade ainda estava na cama, com Lucian a seu lado, abraçando-a.
- Sim. Estou preocupada com vocês. Meu pai, Liz, os gêmeos...
- Eles estão bem.
- Graças a Deus! Maggie, por favor, diga a papai e a Liz que nós os amamos, e que estamos bem. E diga a James... que nos livramos do homem malvado da tevê
a cabo.
Os braços de Lucian se estreitaram ao seu redor antes que ele tomasse o telefone de suas mãos.
- Ei, Maggie, tudo esta muito bem. O sujeito da tevê a cabo se foi, o monstro está morto. Estamos bem. Veremos você em breve. E... obrigado. Por tudo. - Ele
desligou, olhou para Jade e correu os dedos por seu pescoço. - Sinto muito. Eu sabia que, se aparecesse como ele queria, ele teria me matado, e depois você. Eu...
Ela pôs o dedo sobre seus lábios.
- Não havia nada que você pudesse ter feito. Mas... o que isso significa? Estou apenas... maculada? Vou me curar?
- Provavelmente. E talvez...
- Sim?
- Eu não sei.
- Mas você... estará comigo? Ele sorriu lentamente, e assentiu.
Lucian significava tanto para ela! Tudo. Em tão pouco tempo, ele se tornara seu mundo! Ainda não acreditava que o tivesse conhecido antes, que podia ser sua
Igrainia. Ele simplesmente era tudo para ela agora.
- Eu estarei com você - ele garantiu. - Soube que estão com poucos policiais em Nova Orleans. Poderia ser um lugar tão bom quanto outro qualquer onde trabalhar
no futuro. - Beijou-a nos dedos. - Mas, por enquanto... Eu lhe disse que realmente amo a Escócia, um dos lugares mais bonitos do mundo? Deslumbrante, colorida...
uma terra selvagem, vigorosa, apaixonante! Quando o vento sopra e as ondas batem nos penhascos... é como o pulsar do coração. Tão sensual...
Ela sorriu e beijou-o. Podia não tê-lo amado antes, mas o amava agora. E o amaria por toda a eternidade...


Eles fariam com que cada segundo valesse a pena!

Quando a noite cai...
Em um cemitério escocês, a agradável viagem de Jade MacGregor ao exterior é arruinada por uma tragédia aparentemente fortuita. Um ano depois, de volta à sua casa em Nova Orleans, ela começa a ter sonhos perturbadores com um homem de rosto familiar e olhos misteriosos...
E o terror toma conta...
Lucian DeVeau sabe o que Jade viu naquela noite distante, e está à espreita, disposto a resgatá-la do mal que se aproxima... Mesmo desejando manter distância, a atração que sente por ela sobrepuja seu controle, e de repente ambos se veem envolvidos de uma forma que vai além da razão. Porém, inimigos poderosos, alimentados por forças sobrenaturais, porão à prova o intenso sentimento que os une...
A inocência morre...


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- Vocês querem sentir muito medo, não é? Então vamos até as profundezas escuras, até as entranhas da Terra! - o guia turístico exclamou, cobrindo dramaticamente
o ombro com sua capa negra. Ele tinha o sotaque agradável e refinado de Edimburgo: erres enrolados, enunciação clara. - Sim. Para aqueles de vocês que zombam dos
fantasmas de assassinos ou dos lamentos assombrados de suas vítimas, nós vamos prosseguir.
- Mal posso esperar - disse Jeff Dean, um rapaz de cabelos escuros e boa aparência.
- Sim, vamos adiante, pelo amor de Deus! - Sally Adams, a namorada de Jeff, acrescentou. Ela era uma loira bonita que conseguira arruinar o efeito de sua juventude
e beleza com uma blusa colante e uma saia justíssima.
- Sim, por favor, faça alguma coisa assustadora! - pediu outro dos garotos.
Alto, magro e de cabelos avermelhados, ele se chamava Sam Spinder, e sua atitude era de enfado e escárnio ao mesmo tempo.
Jade MacGregor se unira ao passeio com os três jovens, além de seis outros visitantes mais ou menos da mesma idade deles. Encontrara-os pouco antes, quando
visitava o castelo, e eles haviam sugerido a excursão noturna. Apesar de eles serem um grupo mais novo, de garotos ricos visitando a Europa com o dinheiro dos pais,
e de ela ser uma escritora e editora iniciante, pesquisando a vida medieval, achara a idéia do tour intrigante e importante para seu trabalho. Por isso, acabara
se reunindo a eles.
Quisera ir à Escócia por conta própria, mas conhecer outro país sozinha podia ser uma experiência muito solitária. As pessoas com quem estava eram cerca de
três ou quatro anos mais novas que ela, que tinha vinte e cinco. Mesmo não sendo uma grande diferença, sentia-se uma cinquentona em comparação a eles, que pareciam
viver numa eterna adolescência, em um mundo de futebol, fraternidades, drogas e rock.
Espantara-se ao descobrir a extensão do uso recreativo de drogas do grupo, que possuía um arsenal de comprimidos e uma variedade de coisas para fumar. Considerava
preocupante que se arriscassem dessa maneira em um país estranho e havia sido provocada quando se recusara a consumir quaisquer das substâncias.
Mesmo assim, o tour estava sendo divertido. Era uma bela noite de lua cheia e, ao lado de antigas superstições, o aspecto comercial do Halloween tomara a cidade.
As ruas estavam decoradas para a ocasião, demônios e fantasmas enfeitavam as vitrines. Era uma noite agradável para sair.
Seus companheiros, no entanto, além de inconseqüentes, estavam se revelando rudes. Jade não sabia que tipo de drogas haviam utilizado naquela noite, mas com
certeza os estava tornando ousados e impetuosos, assim como insultuosamente cruéis. Estavam se divertindo em perturbar o guia que, contudo, parecia ter a habilidade
de lidar bem com a situação.
- Já estou morrendo de medo! - disse Jeff, fingindo estremecer. - Onde você conseguiu esse discurso, esse sotaque... essa aparência? No curso de teatro da
escola? Oh, estou apavorado!
O sarcasmo direcionando ao diligente guia era injusto, Jade pensou. Ele estava na casa dos trinta, era alto, magro e, sim, dramático, talvez um candidato a
Hamlet que tivesse encontrado uma forma de sobreviver como guia turístico, imprimindo paixão às narrações sobre o antigo mal que flagelara as ruas da Escócia. Ele
se regozijara ao exaltar a inumanidade do ser humano, explicando mortes por pragas, por execuções e por assassinatos torpes. O grupo havia visitado as ruas subterrâneas,
sobre as quais a cidade nova fora construída, local em que, no passado, ficavam casas, lojas, tavernas, enfim, a vida cotidiana da população. Não mais. Agora, à
noite, os subterrâneos estavam vazios, exceto pelos passeios turísticos. Fantasmas eram apresentados em lugares diversos, terríveis homicídios eram descritos em
detalhes. Essa era, afinal, a cidade dos assassinos em série Hare e Burke, de crimes da realeza, da espionagem e da maior carnificina imaginável do mundo medieval.
O conhecimento de História do guia era excelente. Jade sabia disso, pois estudara muitos dos fatos.
Partindo dos fundos da Catedral de Saint Giles, o guia os conduzira por ruas escuras e repletas de sombras até descerem às vielas. Um casal mais velho exclamara
apreciativamente nos lugares apropriados, um casal jovem com duas crianças de nove e dez anos fizera perguntas e recebera respostas, apreciando muito o passeio.
Havia um homem sozinho no grupo, mais velho que os universitários, mas Jade não conseguira precisar sua idade. Era muito bonito, com fascinantes olhos escuros, que
pareciam pretos num instante e clareavam no minuto seguinte para uma curiosa tonalidade castanha, e até mesmo... vermelha. Era bastante alto, talvez um metro e noventa
e, por causa da altura, parecia magro, mas tendo estado perto dele em várias paradas ao longo da excursão, Jade sabia que os ombros eram muito largos e que, sob
o tecido do casaco bem talhado, ele era musculoso.
Ele observava o guia com interesse. Não se sobressaltara nem emitira exclamações admiradas, mas escutara tudo o que fora dito em um silêncio respeitoso. Mantivera-se
um pouco atrás dos demais, nas sombras, sem nada dizer. Na verdade, apenas o grupo de nove universitários tinha assobiado, escarnecido e perturbado.
- Aonde vamos? - perguntou Tony, um dos garotos que mais importunara até então.
Ele era jogador de futebol, tinha a cabeça raspada, ombros muito largos, e parecia considerar-se durão demais para conhecer o conceito de medo. Junto com Jeff,
ele fora voluntário em um dos pontos da excursão. Fingindo serem condenados por traição, eles haviam sido levemente açoitados com o chicotinho do guia e tinham virado
de costas para o grupo para uma pretensa estripação e enforcamento. Fizeram dos procedimentos uma grande piada, e o guia os acompanhara nas tolices.
- Talvez não devêssemos perguntar - sugeriu, um tanto hesitante, Marianne, a namorada de Tony.
- Não seja ridícula! - retrucou Ann, uma ruiva alta e magra, com o ar impaciente de uma estudante entediada. - Se você não perguntar, não vai saber. Nem vai
poder decidir se quer ir ou não.
- Ei, ela está certa! Aonde estamos indo? - insistiu Tony.
- Vocês disseram que queriam sentir medo - o guia os lembrou.
- Com certeza, queremos algo melhor do que o que vimos até agora - falou Jeff. - Então, para onde estamos indo?
- Até os mortos! - declarou o guia.
- Até os mortos... - Jeff repetiu, fazendo sua melhor imitação de Boris Karloff.
Jade percebeu que o homem alto e silencioso franzira de leve o cenho antes de notar que ela o observava. Os olhos dele encontraram os seus. Eram incrivelmente
escuros, negros como a noite. Não... estavam mais claros de novo, aqueles olhos que mudavam constantemente. Castanhos outra vez, com reflexos de fogo.
Por um instante, ela não conseguiu se mover, e foi tomada, por uma estranha sensação de calor.
- E onde fica isso? - Sally indagou, interrompendo a sensação que Jade experimentava, de uma mariposa sendo atraída pela chama.
Sim, a chama estava nos olhos dele. Agora eram olhos âmbar... olhos de fogo, de um lobo à noite. Cativantes. Sensuais.
Subitamente desconfortável por sentir-se dessa forma, lembrou a si mesma que ele era um estranho em uma terra estranha. Considerava-se uma moça esperta. Era
inteligente e amigável, mas sabia se defender e ter cuidado. Com certeza, não era do tipo que se deixava seduzir por um desconhecido sob circunstâncias inusitadas.
Ainda assim... ele era atraente.
Sensual. Não apenas bonito, mas muito sexy. Aqueles olhos... Sim, ela o observava.
E ele sabia. Estaria se divertindo? Talvez não, pois ele também a fitava.
- Vocês verão. Primeiramente, vamos parar na taverna Ye Olde Hangman, para tomar um uísque escocês, ou uma cerveja, ou mesmo um vinho, se vocês quiserem.
Sally torceu o nariz, claramente duvidando de que a tal taverna tivesse algum vinho que ela considerasse palatável, e virou-se. Jade, olhando para o guia,
enervou-se ao ver a maneira como ele fitava a garota. Um jeito estranho, arrepiante. Ao longo da excursão, ele lidara bem com as provocações, parecendo mais magoado
do que ofendido. Não que se mostrasse bravo no momento. O olhar era mais para... calculista, como o de um caçador à espreita da caça.
- Sigam-me! - ele disse, voltando a sorrir.
Conforme caminhavam, Jade viu que o homem alto, de olhos cor de âmbar, conversava com os pais das duas crianças, avisando-os que a visita ao cemitério poderia
ser perturbadora. A mulher começou a argumentar, mas logo se interrompeu e disse ao marido:
- Peter, vamos abandonar a excursão.
- Mary! Esta será a melhor parte...
- Uma grande caneca de cerveja será a melhor parte para você, Peter. Depois, vamos levar os garotos de volta ao Hotel Balmoral.
Quando chegaram, o taberneiro, ao ver o guia, chamou uma das funcionárias, indicando que os servisse sem demora. Sally e Jeff sentaram-se à mesa com Jade,
na parte central da taverna.
- Acha que ele pode nos assustar "entre os mortos"? - perguntou Sally.
- Isso é apenas um monte de bobagens - Jeff afirmou com desprezo. - Vamos apenas ver algumas lápides velhas.
- Ah, meus amigos! - O guia se virou e agitou a capa. - Eu os desapontei esta noite! Angus! - ele chamou o bartender - Sirva a estes jovens uma dose do seu
melhor uísque. Bebam, por minha conta. Prometo que, com uma amostra do melhor da Escócia em suas veias, o que estou prestes a lhes mostrar vai impressioná-los! Que
os santos me ajudem! Ele riu.
- Se o uísque é por sua conta, eu quero! - Jeff declarou. Ergueu o copo que fora levado até ele, tomou o líquido em um só gole e, em seguida, bebeu a cerveja.
Jade ignorou o copo diante dela.-Sentiu o guia encarando-a e sorriu.
- Você já me assustou o suficiente - ela assegurou. Ele inclinou de leve a cabeça e virou-se para os demais.
- Vou lhes contar uma história sobre a cripta que exploraremos. É a câmara mortuária da família De Brus. É verdade que alguns dos De Brus viraram Bruce, como
nosso famoso rei, Robert Bruce. Porém, havia outra família, que teimosamente permaneceu De Brus. Dentre eles, existia um primo ilegítimo, amaldiçoado com uma doença.
Alguns dizem que era sífilis, outros, que ele era hemofílico. De qualquer forma, esse primo enlouqueceu e foi morto pelos próprios familiares. Isso ocorreu por volta
de 1080. Ele deixou uma filha, de rara beleza, mas os parentes a trancaram em uma torre. Ainda assim, pretendentes iam até lá, e alguns conseguiam entrar...
- E então? - Sally perguntou, impaciente.
- E então eles tentavam abaixar as calças dela - disse Jeff, e o grupo inteiro riu.
- Elas usavam calças naquela época? - indagou Tom Marlow, o mais quieto dos rapazes. Era a primeira vez que Jade o ouvia falar naquela noite.
- Shhh! - Sam Spinder o reprimiu. - E então?
- Eles nunca mais eram vistos - prosseguiu o guia. - Mas ossos eram encontrados em pântanos. Jovens mulheres também desapareciam. Diz-se que a pobre e bela
De Brus gritava, e sua angústia assemelhava-se aos uivos de um milhão de demônios na noite. A agonia era tamanha que seus parentes levavam até ela pobres camponesas...
que nunca mais eram vistas, também, pois ela gostava de se banhar em sangue. Quanto mais jovem e puro, melhor.
- Essa é a história da condessa de Báthory! - manifestou-se Hugh Riley, outro dos jogadores de futebol. Ele parecia conhecer História e estivera prestando
atenção a noite toda.
- E a condessa de Báthory é um personagem histórico real, cruel, desumano e sem consciência - afirmou Jade. - Ela causou a morte de centenas, talvez milhares,
de jovens mulheres. Ela se banhava em sangue, e seu apetite era voraz.
Sentindo de novo um estranho calor, como se estivesse sendo observada de trás, Jade se virou. O homem estava sozinho em uma mesa no canto da taverna. Bebia
uma cerveja tão escura que parecia vermelha. Talvez fosse um copo grande de vinho tinto, que ergueu em sua direção, como se concordasse. Quase podia ouvir a voz
dele em seu ouvido: Sim, o Mal existe neste mundo. As crueldades de um homem com o outro não precisam ser exageradas...
Ele não falou, apenas inclinou a cabeça e bebeu. Jade desviou o olhar.
- Grande história! Essa vadia gosta do sangue de virgens, é? - Sam indagou.
- Então você não corre perigo, Sally! - provocou Jeff.
- Vocês vão para o inferno! - ela respondeu, afastando-se do namorado.
- Ora, Sal, estamos apenas brincando...
- Nossa dama gostava de sangue jovem - o guia prosseguiu. - Quanto maior a decadência, melhor. Sim, ela era uma mulher sensual! Bebam, meus amigos! Está na
hora de nos aventurarmos na cripta.
Os pais das duas crianças partiram com elas, assim como o casal mais velho. Jade pensou em encerrar a noite, mas tinha a sensação de que aquela excursão não
era oferecida com freqüência. Aparentemente, as provocações dos garotos haviam levado o guia a realizar um passeio especial, e essa poderia ser sua única oportunidade
de ver algo incomum. O estranho de olhos escuros também ficaria com eles.
Deixando a taverna, andaram por ruas escuras, pegando atalhos e desvios. Logo chegaram a uma igreja abandonada no alto de uma colina. A construção era cercada
por túmulos descuidados, com lápides irregulares, quebradas e cobertas de liquens. A brancura de alguns dos mausoléus brilhava sob a luz da lua.
Jade olhou para cima enquanto atravessavam os portões de ferro do cemitério. A lua estava cheia, perfeita para o passeio.
- E é quase meia-noite! - anunciou uma garota chamada Julie.
Ela riu e abraçou Hugh. Como Sally, ela usava uma blusa justa que revelava o vão entre os seios fartos.
- Meia-noite! - exclamou o guia, erguendo as mãos para o céu. - A hora tradicional para toda a feitiçaria, para que os demônios se levantem, para a sede de
sangue dos mortos-vivos! - Venham ver a cripta.
Enquanto caminhava pelo terreno irregular, Jade observava a arquitetura da velha igreja. De repente, tropeçou em uma lápide, mas sua queda foi interrompida
por um par de mãos fortes. Ao virar-se, surpresa, deparou com o rosto do estranho alto e reservado.
- Você está bem? - perguntou ele, com um leve sotaque.
Seria escocês? Ela não tinha certeza. A voz dele era profunda, refinada, rouca, atraente... tão sensual quanto os olhos. E, ao mesmo tempo, soava perfeitamente
normal. O que, por si só, era estranho...
- Se eu estou bem? - repetiu, sentindo-se uma tola. Sentiu que corava. - Eu... é claro. Fui apenas um pouco desajeitada.
- Este cemitério não é um bom lugar para se estar à noite. Ele ainda a encarava, com os perturbadores olhos cor de âmbar. Fitando-a intensamente, afastou para
trás um cacho de seu cabelo, no que lhe pareceu um gesto bastante íntimo.
- Por quê? - ela indagou e sorriu. - Você acha que os fantasmas se levantam dos túmulos para se vingar dos vivos?
- Só acho que há muitas coisas neste mundo que não têm explicação. Você é americana - ele afirmou. Parecia um pouco desapontado? Como se achasse que a conhecia,
que ela fosse outra pessoa?
- Sou. Mas de ascendência escocesa. MacGregor.
- Você é do Sul?
- Sim, de Nova Orleans. Conhece a cidade?
- Conheço - ele respondeu e apontou para a pedra na qual ela tropeçara. - Curioso...
- O quê?
Jade olhou para baixo. A pedra estava em pedaços, perto de uma lápide na qual era possível ler claramente sob a luz da lua o sobrenome "MacGregor".
Ela se arrepiou e sentiu o sangue fugir de seu rosto. Aquilo era sinistro. Nunca tivera medo dos mortos antes, de cemitérios, de lugares "assombrados". Mas
naquele momento, sentiu medo.
- Preciso ir embora - ela murmurou. - Achei o tour excelente, mas estou cansada. Parei de prestar atenção por onde ando.
- Não - disse o estranho, tomando seu braço. Ela o fitou, franzindo o cenho.
- Eu disse que acho que devo ir...
- É muito perigoso ir embora agora, sozinha. A Escócia tem sua cota de assassinos. Não é a melhor vizinhança.
- Você é daqui?
- Eu fui. Há muito tempo.
- Venham! - o guia os chamou.
Eles tinham chegado ao outro lado do cemitério. Ali, os mausoléus despontavam do solo, como casas mal-assombradas dos mortos. Em alguns lugares, as pedras
estavam quebradas, portões de ferro encontravam-se semiabertos, trepadeiras cresciam em todos os lugares.
Virando-se, Jade não conseguiu mais ver a rua sinuosa pela qual haviam caminhado para chegar até lá. Via apenas a velha igreja e as lápides, que brilhavam
sob a luz da lua cheia. Nesse momento, uma forte neblina começou a avançar.
- Vejam isso! - exclamou Julie, espantada.
- Ele tem uma máquina de fazer neblina escondida em algum lugar, aposto - disse Tony. - A qualquer instante, vamos ouvir a música do Além da Imaginação.
- A cripta está ali - anunciou o guia, virando-se e agitando sua capa negra.
Era uma construção grande e decadente. Gárgulas lindamente entalhadas guardavam os quatro cantos de uma grade de ferro trabalhada. Liquens e trepadeiras cobriam
as paredes e os degraus que levavam ao portão.
- Venham! - chamou o guia, avançando pela escada e acenando para o grupo.
Todos o seguiram. Assim que entraram, viram os caixões alinhados nas paredes. Estavam em prateleiras, cobertos por entulho e teias de aranha.
- Oh, assustador! - entoou Jeff.
- Fica ainda melhor lá embaixo. E eu prometi assustá-los - o guia acrescentou teatralmente, agitando outra vez a capa. Conduziu-os em direção ao fundo da cripta,
onde degraus estreitos e úmidos levavam ao subsolo.
Conforme se dirigiam para a escuridão abaixo, Jade não sabia se ficava contente com o toque protetor do desconhecido em suas costas ou ainda mais assustada.
Pensou se não deveria se afastar e refugiar-se atrás de um dos rapazes do grupo, mas nesse momento o guia riscou um fósforo na parede de pedra e acendeu uma tocha,
iluminando a catacumba.
Julie foi a primeira a gritar. Os mortos se encontravam em diversos estágios de decomposição sob mortalhas esfarrapadas. Caveiras fitavam o abismo da noite
sem fim, dedos ossudos se entrelaçavam sobre peitos cobertos com restos de seda e linho. Aqui e ali, havia ossos espalhados no chão. Ratos guinchavam e corriam diante
deles, e um morcego voou pela grande tumba subterrânea, arrancando um grito assustado de Sally.
- É muito interessante, mas não estou com medo - gabou-se Jeff.
- Porque você ainda não viu Sophia - retrucou o guia.
- E acho que deveria ser o primeiro a encontrá-la. Venha. Vai se voluntariar outra vez para ser a vítima, não vai?
Jeff deu um passo adiante.
- Claro. Venha. Bata em mim, me torture.
- E sua namorada? - o guia questionou.
- Ah, eu não sei... - Sally começou.
- Sally, seja ousada. Realize minha fantasia... ménage à trois! - Jeff provocou.
- Oh, meu bem! - Tony exclamou. Sally fez uma careta para ele.
Sorrindo, o guia conduziu-os a um sarcófago que parecia estar fechado com uma pedra pesada, mas que cedeu, com um rangido agudo e enervante, quando ele o empurrou
para o lado. Dentro, havia um caixão de madeira todo trabalhado que, de alguma forma, fora preservado ao longo do tempo. Era decorado com relevos de gárgulas e criaturas
de aparência demoníaca.
- Sophia e seus seguidores! - O guia estava atrás de Sally, erguendo os cabelos loiros, movendo os dedos em seu pescoço, sobre os seios, e de volta ao pescoço.
- O lugar... para os mortos jantarem! Pois aqui a vida pulsa com força...
O toque dele na garota era quase indecente, Jade pensou, pronta para manifestar-se. A menina, parecendo hipnotizada, virou-se para o guia, inclinando a cabeça
para trás. Ele sorriu para o grupo e amparou-a em um dos braços, tocando-a delicadamente com os nós dos dedos, do pescoço ao vale entre os seios. Depois tirou-lhe
a camiseta. Ninguém se moveu.
A menina sorriu, e Jeff encarou o guia.
Aquilo já bastava! Jade estava prestes a interferir quando o desconhecido puxou-a para trás.
- Não - ele sussurrou. - Não faça nada agora.
Aquilo era uma atuação que fazia parte do passeio? O lado adulto da excursão? Em outras circunstâncias, Jade teria se livrado do toque do estranho, mas sentiu
um arrepio na espinha, e uma voz interior a alertou: Não fale. Não se mova. Se fizer isso, estará em perigo!
E se corresse? Não, ela não podia correr. O guia a veria e poderia arrastá-la de volta...
- Abra a tampa do caixão - ele ordenou.
Jeff aproximou-se para obedecer, aparentemente alheio ao fato de que o homem que ele havia ridicularizado quase desnudara sua namorada, que sorria enquanto
era acariciada. Ele ergueu a tampa do caixão. Dentro, havia uma mulher jovem, bonita, com cabelos negros, usando um vestido de linho branco rendado. Seus olhos se
abriram. Encarando Jeff, ela sorriu e se levantou.
É uma representação. Tudo isso faz parte de uma encenação.
- Eles temiam Sophia como não temiam a Deus, nem a Satã! - o guia recomeçou. - Sim, os parentes tinham medo dela. Então, para mantê-la feliz e distante, eles
lhe providenciavam beleza e juventude, e a alimentavam. Levavam para ela o sangue de carne fresca. Jeff, seja um voluntário... mostre a ela o sangue que pulsa em
você, ofereça-lhe seu pescoço.
Jeff aproximou-se da mulher e ajudou-a a sair do caixão, sorrindo como um tolo ao abraçá-la. Ela o beijou com erotismo, inclinou a cabeça dele e, para surpresa
de todos, mordeu-o. Ele gritou.
- Assustado, agora, não? - provocou o guia, sorrindo.
Com aquele sorriso, sua atuação dramática chegou ao ápice, pois ele agora tinha, no lugar dos caninos, enormes presas brancas, que brilhavam sob a luz das
tochas.
Ele começou a rir e, inclinando-se, mordeu o pescoço de Sally. Ela berrou, era o grito dos aflitos, dos condenados. O sangue começou a jorrar, derramando-se
sobre o caixão e no solo.
É real! Meu Deus, é real!
Os outros, em pânico, passaram a emitir gritos estridentes, correndo para os degraus. Nas prateleiras da tumba, os mortos começaram a despertar. Cadáveres,
semicobertos pelas mortalhas, e antes ocultos pelas teias de aranha, levantaram-se de repente, bloqueando os degraus. Berros de terror enchiam a catacumba, enquanto
os mortos tentavam alcançar os vivos. Jade, horrorizada, tentou correr, mas o estranho a puxou para trás.
- Não! Fique aqui, quieta, no canto. Espere.
Ela teria desobedecido, mas o guia apareceu de repente diante dela, coberto com o sangue de Sally, sorrindo. De repente, o estranho estava entre os dois. O
guia pulou na direção dele e disse algo, um nome, que Jade não compreendeu.
- Achei que era você. Bastardo, você tinha que interferir...
- Você destruiria tudo.
O guia tentou golpeá-lo, mas o desconhecido aparou e revidou os golpes, fazendo o oponente voar pelo aposento e bater com toda a força do outro lado.
As pessoas gritavam alto o suficiente para despertar os mortos!, Jade pensou, histérica. Precisava sair dali, tinha de encontrar uma saída. Onde? Estava tudo
escuro... e vermelho, pois havia sangue em todo lugar. Um dos cadáveres estava atacando Julie!
Finalmente, ela conseguiu reagir. Agarrou uma das tochas e investiu contra o cadáver, que recuou. Havia outro às suas costas. Virou-se, agitando o fogo diante
de si. De repente, todos pareciam persegui-la, aproximando-se cada vez mais...
Porém, um por um, eles foram afastados e arremessados para longe. Voavam, gritando, furiosos. Jade sentia os olhares, a fome, o ódio deles. Estava ficando
louca. Ou sonhando. Aquilo não podia estar acontecendo.
Nesse momento, viu o guia caminhando até ela. Ao ser alcançada, lutou, mas ele era incrivelmente forte e impediu-a de se virar ou de soltar-se. Sorria enquanto
ela gritava e se debatia, rasgando a blusa branca que ela usava.
- Shhh... Você é o que há de melhor, à meia-noite! - ele disse.
Jade viu as presas enquanto ele se aproximava de seu pescoço. E então o sorriso desvaneceu, e ele foi afastado por uma incrível força que o ergueu do chão.
Ela caiu e bateu a cabeça na pedra. Escutou o guia gritar de ódio, proferindo obscenidades.
Viu de novo o desconhecido, inclinando-se sobre ela, viu-lhe os olhos, escuros e profundos, iluminados pelo fogo da tocha, refletindo um estranho toque dourado
de chama e luz do luar. Sentiu a dor em sua têmpora aumentar. Sim, ela havia batido a cabeça na pedra, e o mundo estava sumindo...
A tocha que ela segurara ainda queimava, no chão. Pensou nisso enquanto ouvia os gritos e começava a ser envolvida pela escuridão.
Jade foi encontrada sobre a lápide com o nome de sua família, MacGregor. Estava deitada e desnuda, mas enrolada em linho branco. Uma mortalha.
Ao despertar, percebeu a presença da polícia e o som de sirenes. Sua consciência oscilou, ao retomá-la, deu-se conta de que a sirene pertencia à ambulância
que a levava ao hospital.
Tentou contar aos policiais o que havia acontecido. Falou a respeito do guia turístico, da taverna e do monstro, Sophia De Brus, que se levantara do caixão.
Eles, porém, acharam que ela se encontrava sob a influência de narcóticos, assim como os demais sobreviventes.
Sim, quatro tinham morrido, mas outros haviam escapado. Além dela, foram encontrados com vida Hugh Riley, Tom Marlow, Tony Alexander, Ann Thorson e Marianne
Williams, todos entre as lápides, alguns nus, outros em farrapos, feridos, balbuciando, confusos, meio enlouquecidos, mas vivos.
A polícia determinou que os praticantes de um culto satânico eram os responsáveis. Jeff, Sally, Julie e Sam foram drenados de sangue, suas gargantas cortadas
de um lado a outro, duas cabeças estavam quase decepadas, e duas tinham desaparecido.
Jade nunca soube quais haviam sumido. Os demais foram encontrados como ela, inconscientes, incoerentes e, por fim, admitiram a ingestão de drogas e álcool.
Jade insistiu perante os oficiais que não usara drogas, conforme comprovavam seus exames de sangue e urina, mas ninguém acreditou. Queriam seguir em frente
e procurar os assassinos, esperando que aquilo nunca se repetisse. Ela precisava ir para casa e deixar a polícia fazer seu trabalho. Tivera muita sorte.
Sim, mas... os policiais estavam errados. Jade não conseguia se lembrar de tudo, pois o que recordava era absurdo. Não podia ser real, e a versão oficial com
certeza era plausível. Muito daquilo havia sido uma encenação. Ilusório. Claro...
Cadáveres não retornavam à vida. Não existiam mortos-vivos, nem vampiros.
Ainda assim, algo muito estranho acontecera, porque não fora um pesadelo, e ela não usara alucinógenos, tampouco o homem de olhos escuros. Que homem?, eles
tinham indagado. Jade o descrevera, mas a polícia não o vira. Tal homem, um herói ou um demônio, não fora encontrado. E ela não sabia seu nome, onde estava hospedado,
nem se era nativo ou estrangeiro. Quem quer que fosse, de onde quer que tivesse vindo, ele lutara contra os cadáveres e contra o guia bebedor de sangue, disso ela
tinha certeza.
Os policiais acharam que o terror da noite havia perturbado seu raciocínio. Os cadáveres na cripta eram apenas cadáveres, eles asseguraram, restos mortais.
Não existia nenhuma Sophia De Brus na História da Escócia. O que havia acontecido fora terrível, e ela precisava ir para casa, esquecer tudo aquilo. Eles tinham
de encontrar o assassino, o jovem guia responsável pelo massacre.
A verdade bizarra da qual Jade se lembrava começou a desvanecer em sua consciência. A mente protegia sua sanidade. A polícia continuou a interrogá-la, tentando
compreender o que acontecera. Onde ela estivera antes? Por que se juntara à excursão? Como era o guia? Havia muitos passeios na cidade, mas nenhum com o nome que
o guia lhes dera. Tampouco existia uma taverna chamada Ye Olde Hangman.
Os policiais estavam certos. Suas recordações eram apenas uma ilusão. O que pensara ter visto não podia ser real. Era um ritual doentio. Assassinatos trágicos
cometidos por seres humanos doentes.
Mas o guia turístico, que os conduzira ao terror e à morte, conseguira desaparecer, sem deixar pistas quanto à sua identidade ou seu destino. Se havia membros
de uma seita envolvidos, quem eram os que haviam ajudado o suposto guia naqueles assassinatos?
O homem com os olhos cor de âmbar.
Se ela conseguisse dar-lhes mais algumas informações... Contudo, não era capaz de fazer isso, nem os outros sobreviventes. Os investigadores colheram sangue
das lápides e estudaram os corpos, mas os assassinos não tinham deixado vestígios, nem uma gota do próprio sangue, nem um fio de cabelo.
Quanto mais o tempo passava, mais tudo aquilo parecia irreal, confuso, envolto em uma névoa surreal de escuridão e sombra.
Por fim, Jade não tinha mais como contribuir com os policiais, nem eles podiam lhe dizer mais nada. Lidariam com o problema, e chamariam a Scotland Yard e
o FBI, para que realizassem uma perícia. Todas as possíveis pistas seriam seguidas, cada crime semelhante no país e no mundo seria analisado para comparação.
Jade fora poupada e tinha de retomar a vida normal. Sua irmã, Shanna, foi à Escócia buscá-la e permitiu que falasse bastante, tentando organizar os pensamentos.
Claro, a irmã tinha certeza de que os assassinos eram praticantes de um culto, pessoas bestificadas e sem consideração pela vida humana. Jade tivera sorte, e deveria
ficar feliz por estar viva.
Estava indo para casa. Para longe do horror.
Estava muito feliz, e agradecida.
E, sim, a vida podia voltar ao normal...

Um ano depois, isso quase havia acontecido. Jade começara a namorar um policial chamado Rick e publicara um pequeno livro com fotos sobre igrejas medievais.
Porém, em uma noite de lua cheia, quando fazia quase um ano da data do trágico evento, ela passou a sonhar com o homem.
Com ele...
Em seu sonho, a escuridão era iluminada apenas pelo brilho da lua. Sombras cruzavam a terra, a névoa se erguia... Ela estava lá, arrepiada sob a brisa fria.
Sabia que estava vulnerável, nua... Não, envolta apenas no linho branco da mortalha de um homem... E ele andava em sua direção, o homem com os olhos de ébano e fogo...
Acordou assustada, tremendo, e olhou para ò relógio ao lado da cama.
Era meia-noite.





Capítulo I



- Bom dia, Srta. Irmã Maravilhosa! Jade não precisou olhar para cima para saber que Matt Durante se aproximara de sua mesa. Estava tão acostumada com a voz
dele quanto com as bochechas de querubim, o sorriso largo e os cintilantes olhos azuis. Tudo a respeito dele era contrastante. Nunca conhecera alguém com uma atitude
tão alegre em relação à vida, estava sempre sorrindo e disposto a ajudar quem precisasse. O que escrevia, no entanto, era sombrio. Criava contos assustadores, que
deixavam os leitores arrepiados.
Ela baixou o jornal e fitou-o, ajustando os óculos escuros.
- Bom dia, "irmã maravilhosa"? Isso significa que minha irmãzinha fez alguma maldade esta manhã? Encontrou algum defeito no último capítulo que você escreveu?
Sorrindo, ele se acomodou a seu lado. Jade costumava passar as manhãs no Café du Monde. Além de apreciar o café e as rosquinhas, gostava de observar o movimento
turístico enquanto lia o jornal. Os amigos sempre sabiam onde encontrá-la. Muitos deles, como Matt, eram escritores. Tinham feito amizade, pois formavam um dos mais
ecléticos grupos de autores que já se reunira. Jade era especializada em turismo e História, sua irmã recentemente enveredara pela literatura fantástica, Matt adorava
o macabro, Jenny Danson escrevia comédia, e assim por diante. Haviam começado como o Grupo das Quartas-Feiras à Noite, dando a si mesmos uma denominação tão simples
porque o que os unira fora apenas o amor pela palavra escrita, sem que o assunto realmente importasse.
- Vi sua errante irmã caçula ontem à noite. Jantamos juntos e fomos comprar enfeites de Halloween. Ela é um amor. Doce e linda. E, mesmo comigo, um grosseirão
desajeitado, foi muito gentil.
- Sim, concordo com você. Minha irmã é ótima. Mas por que, de repente, eu virei tão maravilhosa?
- Você é doce e linda, mas esta manhã é também talentosa. - Matt colocou alguns papéis sobre a mesa. - Sabe como eu sou obcecado - ele disse, sorrindo.
Matt era o maior sucesso comercial do grupo, razoavelmente bem pago e conhecido, e seus livros continuavam chegando às listas importantes de mais vendidos.
Porém, ele era obsessivo. Cada vez que um de seus trabalhos era publicado, ele agia como um garotinho. Ficava ansioso e consultava sem parar a internet para descobrir
a posição da obra naquela semana.
O que ele colocara sobre a mesa era a lista impressa do USA Today. Não apenas a relação dos cinqüenta primeiros, que costumava aparecer no jornal, mas a lista
de cento e cinqüenta, que podia ser encontrada online.
Jade olhou para as páginas antes de fitá-lo.
- Centésimo - Matt falou.
- Centésimo?
- Seu livro sobre catedrais e igrejas, que você mesma publicou, chegou ao centésimo lugar da lista. Jade, isso é praticamente inédito!
Incrédula, ela pegou o jornal. O tipo de livro que ela publicara não tendia a ser um sucesso popular. Por outro lado, isso podia ter acontecido pelo fato de
ela ser sua própria editora. A internet lhe dera a possibilidade de alcançar mercados que, de outra forma, não teria conseguido atingir. Também devido ao acesso
à internet, fora escolhida pelas grandes redes, assim como por várias livrarias independentes, especializadas em História ou em qualquer assunto ligado à Idade Média.
- Você não acha que pode ter havido um erro? - ela indagou.
- Está falando como eu.
- Estou apenas surpresa. E feliz, é claro.
- É um grande livro, com fotografias fabulosas. E você fez tudo sozinha.
- Quase tudo. Shanna participou. É inacreditável!
- E então, quando vai ser a festa?
- Que festa?
- Sem dúvida, você vai convidar o Grupo das Quartas-Feiras à Noite para ir à sua casa.
- Mas hoje é quinta.
- Eu sei. Mas você vai comprar um monte de champanhe bom... e talvez até um pouco de caviar.
- Você odeia caviar!
- Não importa. Em uma ocasião dessas, caviar é obrigatório. E vamos todos brindar a você e dizer coisas boas e celebrar.
- Talvez devêssemos mesmo fazer isso. Mas você acha que dará tempo de reunir todo mundo?
- Jade, por que você acha que estou aqui tão cedo? Nós vamos começar a convidar todos agora.
- Nós?
- Bem, meu último livro está entre os dez primeiros - ele revelou humildemente, tirando o jornal do bolso.
- É mesmo? - ela perguntou, animada, olhando a lista. - Parabéns! Mas, se você está ainda mais alto na lista, por que eu estou dando a festa?
- Porque seu apartamento é mais agradável.
- Você acha?
- Um apartamento em um edifício colonial, ao lado de um restaurante francês que serve a melhor sobremesa do mundo? Com uma sacada florida no segundo andar,
voltada para a rua bem-cuidada, com vista para um elegante clube de jazz? Hum... deixe-me pensar... Eu tenho um apartamento no terceiro andar de um prédio sem elevador,
em uma zona da cidade que os turistas são aconselhados a evitar. Sim, acho que o seu é mais agradável. Você dá a festa.
- Está bem. Vou convidar todo mundo.
- Chame apenas sua irmã. - Matt corou. - Eu já dei alguns telefonemas. - Ao vê-la arquear a sobrancelha, prosseguiu: - Bem, você precisava concordar, estar
animada e desejar comemorar! Vou comprar o caviar, e você cuida do champanhe, certo?
- Certo. E a que horas será a festa?
- Às oito. - Ele sorriu e começou a se afastar. Percebendo que ainda tinha o jornal nas mãos, Jade o chamou:
- Matt! Seu USA Today!
- Pode ficar com ele. Eu comprei vinte exemplares - ele disse e foi embora.
Jade olhou outra vez para a lista. Tinha de admitir que estava feliz. Imaginou se convidaria Rick para a esta. Sargento Rick Beaudreaux. Estavam saindo juntos
fazia três meses. Ele era tudo o que buscara a vida inteira... até o momento.
Qual era o problema com ela? Rick era maravilhoso. Loiro, bronzeado, musculoso, com lindos olhos azuis. Além da aparência, era um ótimo ser humano, agradável,
gentil, seguro de si, com um temperamento tranqüilo... Atuava no Departamento de Narcóticos, dava palestras em colégios e entrevistas para a imprensa. Era educado,
atencioso e sempre cheirava bem. Dançava, andava de bicicleta, gostava de caminhar aos domingos e de passear no campo. Tinha um sorriso devastador. Importava-se
com ela e admirava seu trabalho.
Ele ainda não dissera nada, mas devia estar se perguntando por que ainda não haviam dormido juntos. Jade se perguntava a mesma coisa.
Iria, sim, convidá-lo. E, quando os outros fossem embora, ele ficaria. Não queria perdê-lo. Não que Rick a estivesse pressionando. Ela lhe contara o que havia
acontecido na Escócia, e ele compreendia que havia sido traumático.
Mas Jade não comentara nada com ele a respeito dos sonhos.
Jade fechou o jornal e olhou para a primeira página. Seu coração quase parou de bater. Na manchete, lia-se: Massacre em Nova York. Assassinatos rituais chocam
os cidadãos.
Ele a observava do outro lado da rua. Sentada do lado de fora do café, sob o toldo, ela inclinava com freqüência o rosto na direção do sol e sorria ao sentir
o calor na face. Ele se lembrava de seu aroma, da suavidade de sua pele, do perfume delicado na escuridão e nas sombras. Ela brilhava para ele, que sabia de seu
paradeiro a cada segundo.
Tinha lindos olhos, azuis e profundos, com um toque de verde. Olhos da cor do mar, ele pensou, com um estranho estremecimento. Eram emoldurados por sobrancelhas
claras e cabelos da cor dos raios solares e das sombras, castanho-claros, com mechas naturais de puro ouro e alguns, fios vermelhos. Tão familiar, tão diferente...
Ele se encontrava em uma mesa do lado de dentro. As portas estavam fechadas, o ar-condicionado zunia e uma lâmpada barata iluminava o cardápio e o interior
do pequeno restaurante. Óculos escuros protegiam seus olhos, mas do brilho do sol, e não dela. Era simples logística. Ele a observava, ela não podia vê-lo.
Fazia alguns dias que a seguia, apesar de a tentação vir de longa data. Resistira até o momento, mas seus inimigos estavam ressurgindo.
Ela lhe perguntara certa vez se conhecia a cidade. Sim, era um de seus locais prediletos, e fora fácil encontrá-la. Sabia onde ela vivia, com quem se relacionava,
os lugares que freqüentava, o que costumava fazer. Conhecia os hábitos dela. E se ele sabia... outros também poderiam saber.
- Mais café?
Olhou para cima. A garçonete, com um sorriso no rosto bonito, fizera a pergunta. Era jovem, com cabelos loiros, grandes olhos castanhos e pernas bem-torneadas,
reveladas pelo uniforme curto. No passado, ela teria representado uma deliciosa tentação para ele, como uma trufa para um chocólatra. Sabia que ela não era de Nova
Orleans. Aprendera, ao longo dos anos, a identificar sotaques.
- Sim, obrigado.
- Você não é daqui - ela observou, enquanto o servia.
- Não. Nem você. Pittsburgh?
- Como você sabe? - Ela arregalou os olhos.
- Essa é fácil.
- Tem razão. Ei, meus pais não puseram você para me seguir, não é?
- Não. - Ele sorriu. - Eu não estou seguindo você. E não conheço seus pais.
- Sinto muito. - Ela corou. -. Eu... estou freqüentando a Universidade Tulane, mas eles não acham que seja uma escola séria. Eu amo o que faço e trabalho bastante.
Mas eles acham que as melhores faculdades ficam no norte.
- Ah... E está se saindo bem? :
- Sim.
- Continue firme, então. Seus pais irão entender. Ela assentiu, ainda embaraçada, e sorriu.
- Meu nome é Cathy - apresentou-se, estendendo a mão.
Ele hesitou de leve, antes de retribuir o cumprimento.
- Pode me chamar de Luke.
- Luke, foi bom tê-lo aqui, e espero não ter feito um gigantesco papel de tola. Até mais...
- Até mais.
Ao vê-la afastar-se, ele tomou um gole de café e olhou de novo para o outro lado da rua. Algo acontecera. Jade estava de pé, e a xícara de café tinha virado,
sem que percebesse. Estava olhando para baixo, para...
Ele precisou se levantar para ver, mas nesse momento um veículo passou entre eles.
Deixando uma generosa gorjeta para Cathy, saiu do restaurante. Correu até o outro, lado da rua, mas ela se fora. Andou até onde ela estivera e viu a manchete
no jornal coberto de café sobre a mesa.
- Você está levando isso a sério demais! - Shanna afirmou.

Jade voltou à sala, onde sua irmã dobrava guardanapos. Ela era bonita, tinha cabelos cor de mel e grandes olhos azuis. Era um ano mais nova e, apesar de terem
brigado como cão e gato durante os dezoito anos que viveram na casa da família, haviam-se tornado grandes amigas quando Jade saíra de casa para ir à faculdade em
Nova York. Shanna freqüentara uma universidade na Califórnia e, quando ambas terminaram os cursos, retornaram para Nova Orleans.
Shanna trabalhara como modelo fotográfico durante o curso superior, mas, para sua surpresa, descobrira que, como a irmã, adorava escrever. Redigira alguns
roteiros, porém logo se encantara com Tolkien e passara a criar literatura fantástica. No entanto, como era bastante realista no tocante ao aspecto financeiro, incluía
Jade em qualquer trabalho eventual que conseguisse, o que lhes garantia uma renda extra. Não que elas corressem o risco de ficar desamparadas. Apesar de sua mãe
ter morrido de pneumonia havia nove anos, o pai ainda vivia na mesma casa e ganhava um bom salário como jornalista.
Peter MacGregor casara-se outra vez e tivera filhos com Liz, os gêmeos de dois anos Peter e James. Apesar de ele adorar as duas filhas, elas não queriam depender
do pai, e ambas haviam trabalhado durante o período de faculdade. Jade pretendera que seu interesse em edição fosse um risco exclusivamente seu, mas havia ficado
feliz em contar com a irmã na empreitada.
Excetuando-se a devastadora morte da mãe, tivera uma vida normal e repleta de amor, e sabia que tinha sorte. Contava com uma família maravilhosa e sobrevivera
a um massacre.
- Shanna, você leu o artigo?
A irmã parou o que estava fazendo e a encarou.
- Sim. Quatro pessoas foram brutalmente mortas em Nova York. Jade, você sabe como os nova-iorquinos seriam felizes se pudessem dizer que quase nunca acontecem
assassinatos por lá?
- Sim, assassinatos acontecem. Mas num cemitério? Corpos encontrados nus e decapitados em cemitérios?!
- Há pessoas completamente loucas neste mundo.
- Os crimes podem estar relacionados.
- Jade, quando você voltou da Escócia, me assustou de verdade. Achei que precisaria de tratamento psiquiátrico pelo resto da vida. Estava convencida de que
criaturas do mal saíram dos túmulos e voltaram à vida...
- Espere! Sei que eu estava histérica, assustada, e que disse muitas coisas esquisitas. Mas, Shanna, eu acordei envolvida numa mortalha, em cima de uma lápide!
E os responsáveis não foram presos. Você não acha que podem ser os mesmos?
- Escutei que eles têm excelentes detetives no Departamento de Homicídios em Nova York. Sem falar do FBI.
- Talvez eu possa ajudar.
- Como? Chamando atenção para si mesma? Dizendo: Ei, pessoal, estou aqui, vocês não conseguiram da última vez! Jade... Você se lembra mesmo de alguma coisa?
Poderia ajudar de verdade? Eles não têm nenhum suspeito. Eu li o artigo e sei por que está aborrecida. E não, não quero você envolvida outra vez.
- É enervante.
- Eu concordo. - Shanna sorriu. - Então, durma com o policial. Você é louca, mantendo esse rapaz à distância! Querida, ele é... o máximo! É lindo, tem um salário
fixo, é forte, e nem sequer é um cretino. Seu ele fosse meu, garanto que não me arriscaria a perdê-lo.
- Shanna, os homens tropeçam uns nos outros para se aproximar de você. Homens bonitos, ricos e fortes.
- E, mas os que estiveram atrás de mim até agora são cretinos. Durma com o policial. Além de dormir protegida, você vai ter também... bem, você sabe. Uma ardente
noite de paixão.
- É, estou pensando nisso. Você o convidou para vir aqui hoje à noite, não?
- Sim. E, a propósito, Matt já ficou convencido com o sucesso?
- Não, ele parece um garotinho, todo excitado. E vai comprar caviar, mesmo detestando.
- Eu estou feliz de ser sua sócia nas Publicações MacGregor! - Shanna sorriu. - Estouraremos um champanhe hoje para celebrar. E Jade... Estamos festejando.
Não vamos ficar paranóicas com o que aconteceu em Nova York, certo?
- Certo.

Sabia onde ela morava. Já estivera lá antes. Sentindo no rosto o toque da brisa e o beijo gentil da lua, olhou para a sacada. As portas estavam abertas, e
o vento agitava as cortinas.
Poderia subir. Descobrir mais.
Não. Apenas observaria. Ficaria de guarda.
Fechou os olhos, e depois os abriu, consciente de que ela fora até a varanda. Estranhamente, sentiu que ela o procurava. Deu um passo para trás, escondendo-se
nas sombras. Ela apoiou os braços na grade, e o queixo nas mãos, fitando a rua.
Deixe-me entrar, ele pensou. Ela teria permitido. Não. Mantenha-se afastado.
Permaneceu nas sombras, observando. Viera para vigiar, para proteger.
Então sentiu aquela estranha inquietude e soube que eles estavam na cidade. Houvera um tempo em que ele sentia qualquer mudança, qualquer desordem, um tempo
em que poderia ter invocado qualquer um de sua espécie, mediado controvérsias, imposto a lei, e sua palavra teria encerrado o problema.
Mas agora ela estava livre. Sophia e Darian caminhavam pelo mundo outra vez e eram capazes de se esconder dele, apesar do estrago que ele fizera, de novo,
aquela noite em sua pátria. Conseguia apenas pensar: Ela encontrou o talismã, e eu preciso recuperá-lo!
Jade continuava na varanda. Ela afastou o cabelo do pescoço, sentiu a brisa contra a pele e soltou-o de novo.
Ele precisava partir. Agir. A sensação ficava cada vez mais forte. Onde eles estariam? Por mais que soubesse que ele mesmo era mau, havia um mal que não permitiria
que ressurgisse.
Ali estava ela. A garota americana. Jade.
Gostaria de tocá-la. Apenas tocá-la. Sentir... Lembrar.
A inquietação aumentava, tornava-se mais forte. Caso se concentrasse, caso sentisse o seu poder, conseguiria ver. Seus inimigos estavam ocupados.
Virou-se na escuridão, em direção ao mal que conhecia tão bem.

- Mas você viu isso?
Renate DeMarsh, que morava no mesmo edifício de Jade e era criadora de uma série de mistério, fora à festa carregando uma porção de jornais de Nova York. Shanna
tentara barrá-la na porta, mas não conseguira.
Aos trinta e oito anos, ela obtivera aclamação da crítica por suas histórias. Eram mistérios resolvidos diante da lareira por uma avó doce, de cabelos brancos.
Os leitores amavam os livros, e ela estava sempre dando entrevistas na televisão.
Renate era pequena e bonita, com cabelos cor de platina e olhos violeta. Apesar de viver bem, sentia-se frustrada por não ter feito a fortuna que acreditava
merecer. Gostava de dizer a Matt que ele escrevia livros doentios por dinheiro demais, enquanto ela produzia literatura de qualidade por muito pouco. Os comentários
não o ofendiam. Ele gostava de ganhar dinheiro, e não dava importância a programas de entrevista. Ainda assim, admitia que apreciaria contar com a aclamação dos
críticos, e ela respondia que adoraria um fluxo financeiro como o dele. Os dois costumavam se solidarizar.
No momento, contudo, Matt estava aborrecido. Aquela era, afinal, sua grande celebração, e não se falava de outro assunto a não ser os assassinatos.
- Renate, eu não queria que Jade tivesse visto o que aconteceu! - ele disse. - Esqueci da notícia quando deixei o jornal com ela.
- Não! - Renate exclamou, impaciente. - É importante que ela leia. Aquelas mesmas pessoas podem estar envolvidas!
- Ora, Renate... - Matt começou.
- Vocês todos lidam com o fantástico - ela o interrompeu - enquanto eu lido com procedimentos policiais verdadeiros. Sempre há um motivo.
- Sim, mas existem membros de rituais no mundo inteiro - interferiu Jenny Danson.
Era uma moça bonita, roliça e animada. Mãe e enfermeira durante vinte anos antes de começar a escrever, conquistara um êxito rápido com histórias sobre os
conflitos entre a carreira e a família, e os percalços cotidianos.
- Renate, você não lê jornais melhor do que qualquer um de nós! Não é detetive de homicídios nem cientista comportamental. Jack, o Estripador já morreu há
muito tempo, Bundy também, mas sempre haverá outros assassinos em série. Eles não serão os mesmos, nem estarão todos atrás de Jade.
- Eu sugeri isso? - exigiu Renate.
- De certa forma - respondeu Danny Thacker.
Jovem e delgado, ele era a imagem de um artista esfaimado. Publicara diversos artigos e histórias em revistas, mas ainda não conseguira vender seu romance.
Trabalhava meio período no necrotério da cidade.
- Não estou dizendo isso, Daniel - afirmou Renate.
- Renate, todos nós sabemos ler e sabemos o que aconteceu - disse Matt. - Você vai assustar Jade!
- O conhecimento não vai me assustar - Jade manifestou-se. - Não saber das coisas é que é assustador.
- Mas com certeza não é necessário saber mais a respeito de Nova York - opinou Todd, o marido de Jenny. - Jade, você está em sua cidade natal, com seus amigos.
- Vocês todos estão confusos! - Renate afirmou. - Jade tem razão, e ela é sensata. Eu sempre digo que uma pessoa prevenida vale por duas.
- Sim, você diz. Várias vezes em cada livro - Matt observou.
Renate olhou feio para ele antes de insistir:
- Jade, eu estou falando a sério. E importante que você leia isto!
Jade arqueou uma sobrancelha, pegou o artigo da mão de Renate e o leu. O texto era objetivo, nem um pouco sensacionalista. Era quase frio. Sangue e vísceras,
puro horror. Os fatos, descritos de maneira nua e crua.
De repente, deu-se conta do que Renate desejava tanto que ela visse: a lista dos mortos. E um nome que parecia se destacar.
- Hugh Riley! - ela exclamou, lembrando-se do garoto que ficara em silêncio a maior parte do tempo e que se manifestara quando o assunto se voltara para a
condessa de Báthory. Recordou o rosto dele, os olhos... Na Escócia, ele sobrevivera, tendo sido encontrado envolto em uma mortalha em meio às lápides.
Fora outra vez encontrado entre as lápides, em Nova York. Só que, dessa vez, decapitado.

Cathy Allen ficou até tarde no restaurante naquela noite.
Em geral, trabalhava de manhã, e às vezes na hora do almoço, mas era a primeira vez que ajudava com o jantar. Como dois de seus colegas tinham adoecido, ela
ficara.
Na última mesa que servia, encontrava-se um homem, que não parecia nem muito jovem, nem velho. Usava calça e jaqueta pretas, tinha sardas e cabelos avermelhados.
Foi gentil quando ela derramou um pouco de vinho, sorrindo e lambendo a gota da mão.
- Mil perdões!
- Não tem problema.
- Obrigada.
- Ei, você sabe algo a respeito de passeios turísticos por aqui?
Cathy notou o sotaque. Aquele era o dia dos estrangeiros.
- Existem algumas agências, e com a chegada do Halloween, deve haver muitos passeios novos.
- É, talvez... Por que não me traz a conta? Ouvi você dizer para aquela garota ali que precisava ir porque está exausta.
- Nossa, se você me ouviu, devo ter falado mais alto do que pensei. Não quis ofender.
- Claro que não. Você foi muito prestativa.
- Bem, a respeito dos passeios...
- Sou um ator desempregado. Conseguir um trabalho narrando histórias dramáticas seria divertido.
- A maioria dos grupos faz testes para checar se você conhece os fatos históricos e se sabe contar uma história.
- Eu conheço História e sei narrar muito bem. Agora, dê a minha conta, assim, você pode sair daqui. - Ele sorriu. - Precisa de uma carona para algum lugar?
- Oh... eu... hum... - ela balbuciou. Apesar de ele ser agradável, não aceitaria carona de um estranho.
- Esqueça. Péssima pergunta. - Ele pegou a conta de sua mão e pagou-a. - Nós nos vemos por aí.
- Obrigada.
Quando o cliente se afastou, Cathy reparou na quantidade de dinheiro que ele deixara. Virou-se para agradecer, mas ele já se fora. Como se tivesse desaparecido
no ar.
Por duas vezes naquele dia, tivera sorte com os clientes homens.
Quando saiu, as ruas ainda estavam movimentadas. O problema era que ela tinha um bom caminho a percorrer para chegar ao velho carro que usava para ir trabalhar.
Deixava-o fora da região turística, pois naquela área os estacionamentos eram muito caros, e andava por ruas que não eram totalmente seguras. Durante o dia não havia
perigo, mas à noite...
Precisava passar pelo cemitério. Não que tivesse medo. Na verdade, adorava a história do lugar. E Nova Orleans era uma cidade ímpar, com seus diferentes sotaques
e culturas.
Havia nuvens no céu, e alguns trechos das ruas eram bem escuros. Estava na metade do caminho quando escutou passos. Apertou a bolsa contra o peito. Que ótimo...
Seria assaltada no primeiro dia em que as gorjetas tinham sido excelentes. Os dois clientes, um logo cedo, e o último da noite, haviam sido bastante generosos.
O ruído prosseguiu, e ela se virou, tentando ver quem a seguia. Passou a caminhar mais rápido, e logo ouviu passos de novo. Girou ao redor de si mesma, sem
deixar de andar.
Atrás dela! Uma sombra negra. Não, diante dela! Algo voando... Não, o luar, assustando, provocando. Então, de novo, o som de passos. Furtivos, ameaçadores...
- Ei! - Cathy gritou. - Eu carrego spray de pimenta! E uma pistola!
Risos... Ela tinha escutado risos, ou era um eco em sua mente? Olhou outra vez ao redor. Não havia ninguém.
Sombras, passos, risos... Começou a correr.
Os passos se tornaram cada vez mais rápidos. A sombra voou, erguendo-se como um pássaro preto gigante, passando sobre sua cabeça.
A lua gloriosa, encoberta por sombras, a escuridão caindo, e então... o toque.
Cathy gritou.

Rick Beaudreaux chegou tarde, e Jade notou de imediato que ele parecia muito cansado. Era óbvio que vira o artigo no jornal, pois, quando a fitou, havia uma
indagação em seus olhos.
Uma pequena multidão recebeu-o à porta. Todos os convidados estavam ali, observando-o.
Ele arqueou as sobrancelhas, parado na entrada. Quando olhou para ela e sorriu, Jade sentiu o coração se acelerar um pouco. Ele era perfeito. Sim, exatamente,
ele é perfeito!, disse para si mesma, um pouco brava. Ele era tudo o que desejara na vida... e, de uma forma estranha, sentia que relacionar-se com ele seria trair
outra pessoa.
Quem, sua idiota? Mas tivera uma sensação esquisita quando fora até a sacada. Como se alguém estivesse ali. Como se tivesse sido... tocada. A brisa fora quase
insuportavelmente sensual. Sim, estou esperando...
Sozinha, ela quase pronunciara as palavras. Então a irmã a chamara, e ela se sentira uma idiota, tendo fantasias sexuais com a brisa quando havia um homem
maravilhoso querendo entrar em sua vida.
Bem, seria naquela noite. Definitivamente.
- Entre... se eles deixarem - ela convidou, sorrindo.
Rick também sorriu, contente ao ver que ela parecia bem.
- Olá, pessoal!
- Deixe disso - Renate manifestou-se. - Sei que você é um policial, que sabe ler e compreender o que está nas entrelinhas. Estas pessoas acham que estou falando
bobagens. E Jade está assustada...
- Não estou exatamente assustada - Jade murmurou.
- Ela ficará louca se Renate não parar - Shanna observou.
- Ela precisa ter cuidado - Renate alertou.
- Quer champanhe, Rick? - ofereceu Matt. - Estamos comemorando.
- Claro, por que não? Parabéns, Matt!
- Então, o que você acha, Rick? - Shanna indagou. Ele hesitou antes de responder, encarando Jade.
- Acho que Nova York é longe.
- Um dos sobreviventes da Escócia foi morto lá - Jade informou-o. - Hugh Riley.
- Talvez seja o mesmo nome, e não a mesma pessoa - arriscou Matt.
- Qual era a idade do rapaz que você conheceu na Escócia? - Jenny quis saber.
- Vinte e um, ou vinte e dois.
- É muita coincidência - disse Renate, pegando o jornal.
- Este aqui tinha vinte e três.
- Posso verificar tudo isso - ofereceu Rick. - Não precisamos ficar aqui especulando. - Ao perceber que era encarado por todos, clareou a garganta. - Quero
dizer, mais tarde. Temos uma festa hoje, não é?
Shanna se aproximou, com uma taça na mão.
- Sim. Champanhe para o policial!
- Obrigado.
- De nada. Agora, um brinde! A Jade e a Matt!
- A emoções, calafrios e sucesso! - Jenny completou.
- E à História e às grandes igrejas e catedrais.
- Como vocês podem ficar aí, agindo como tolos, quando algo tão terrível aconteceu? - questionou Renate, indignada.
- E você, Rick, é um policial! Não pode descobrir mais agora?
- Renate! - Jade admoestou-a.
- Não - ele respondeu, - Preciso voltar para o trabalho por algumas horas.
- Precisa? Por quê? - Jade perguntou, desconsolada. Justamente no dia em que ela ia pedir a Rick que ficasse para passar a noite, apesar do que ela sentira
na varanda... Ou talvez... por causa do que sentira.
- Houve um acidente feio hoje. Estou indo ao necrotério para descobrir mais a respeito da vítima, um jovem universitário. Tenho de saber se ele estava envolvido
com drogas, conversar com a família...
- Que pena!! - manifestou-se Danny.
- É, a vida é uma droga, e depois você morre - Renate afirmou.
- Bem, acho que eu preciso de um pouco de ar - disse Jade.
Passou o braço pelo de Rick e o conduziu à sacada.
- Graças a Deus, eles não nos seguiram! - ele comentou.
- Entenderam a dica. - Jade sorriu.
Dali, escutava-se um jazz excelente, que vinha do clube em frente. A lua estava alta. Era uma agradável noite de outubro.
- Você está bem mesmo? - Rick indagou, fitando-a.
- Foi alarmante ler aquelas notícias.
- Sim, é bizarro. As mesmas pessoas podem estar envolvidas. Eles nunca prenderam os assassinos da Escócia.
- De Edimburgo a Nova York. É estranho, não?
- Depende. Há cultos perigosos por aí.
- O mais estranho é que os assassinatos aconteceram em um cemitério de novo.
- Sim. Você não passa os dias andando em cemitérios, não é?
- Devo admitir que, às vezes, sim. É difícil escrever sobre velhas catedrais e igrejas sem passar por alguns cemitérios. Dias, sim, noites, não. Não mais.
- Ela ficou pensativa, por alguns segundos. - Rick, você acha que são as mesmas pessoas?
- Acho improvável. Mas não é impossível, claro.
- É muita coincidência o rapaz se chamar Hugh Riley.
- Há muitas universidades em Nova York. Você me disse que eles eram universitários. Garotos de fraternidade, jogadores de futebol, debochados, viciados em
drogas.
- Eram apenas garotos.
- Infelizmente, os jovens não são imunes ao desastre, apesar de pensarem o contrário.
- Não posso acreditar que você tenha de voltar ao trabalho hoje. Eu ia...
Ele se aproximou, os olhos brilhantes e esperançosos.
- Você ia...?
- Achei que você pudesse passar a noite aqui.
- É mesmo? - Ele a tomou nos braços.
Jade sentiu o coração de Rick acelerar, e os lábios dele encontraram os seus. Já tinham se beijado e se acariciado antes. Ele era firme, quente, sensual...
Ela correspondeu à carícia, movendo-se de encontro ao corpo sólido, pronta, esperando, desejando... excitar-se.
Mas não conseguiu.
Droga! Deveria ter acontecido. Deveria...
Não se importava. De uma forma ou de outra, iria acontecer.
Rick se afastou, fitando-a.
Por favor, Deus, não o deixe perceber que não há nada aqui, que estou correspondendo a ele com uma mentira, que estou enlouquecendo, desejando...
- Volte quando terminar - Jade disse.
- Será muito tarde, talvez quase de manhã. E eu nem deveria ter beijado você, porque estou incubando alguma coisa, talvez um resfriado.
- Não me importo se estiver resfriado.
- Nem se eu chegar muito tarde?
- Vou lhe dar a chave.
- Combinado.
- Me dê um beijo antes de ir?
Rick sorriu e beijou-a ardentemente. A forma como ele a tocava, na sacada, era quase indecente. Por fim, ele se afastou e respirou fundo.
- Preciso ir. Tentarei não voltar muito tarde.
Jade assentiu, sentindo-se entorpecida. De mãos dadas, voltaram para dentro.
- Jade, estava esperando vocês para agradecer e me despedir - disse Danny. - Fui chamado ao necrotério, Eles precisam de ajuda.
- Hoje é quinta-feira - lembrou Todd. - Acho que também devemos ir, querida.
- Sim - Jenny concordou. - Jade, obrigada. - Sorrindo, abraçou-a.
- Boa noite a todos - despediu-se Danny, saindo. Rick seguiu-o, dizendo para Jade:
- Vou pegar uma carona com Danny. - Beijou-a de leve e saiu.
Jade teve certeza de que a irmã os tinha visto. Os Danson saíram em seguida. Logo depois, Renate, achando que passara a noite com um grupo de pessoas teimosas
e estúpidas, anunciou que iria embora.
- Acho que eu também vou - disse Matt, por fim. Abraçou e beijou Jade. -Obrigado.
Quando todos saíram, Jade e Shanna pegaram suas taças de champanhe e sentaram-se no sofá, lado a lado.
- Rick vai voltar, não é? - Shanna perguntou.
- Sim.
- Bem, eu também vou embora para você se preparar. Tome um banho de espuma. Torne essa ocasião especial.
- Claro, é o que vou fazer.
Shanna já estava a caminho da porta quando Jade se levantou para acompanhá-la. A irmã beijou-a no rosto e a abraçou, antes de fitá-la nos olhos.
- O que há de errado?
- Nada.
- Você está com medo?
- De quê? Ah, se está se referindo às notícias, não. Estou bem.
- Claro. Seu policial vai voltar. Ele é especial.
- Eu sei.
Shanna observou-a por mais alguns instantes. Jade sentiu que a irmã podia ler sua mente, perceber de alguma forma que... ela não estava sentindo nada, que
estava apenas desesperada para fazer aquilo dar certo. Jade sorriu.
- Obrigada, Shanna. Por tudo.
- Mal posso esperar para falar com você amanhã! Ligue para mim assim que estiver sozinha,
- Eu prometo.
Jade fechou a porta e apoiou-se nela por alguns instantes. Depois, trancou-a e afastou-se, determinada. Pôs canecas de cerveja no freezer e foi para o banheiro,
decidida a desfrutar um longo e delicioso banho de espuma.
Abriu a torneira da banheira. O vapor quente subia enquanto ela avaliava as diversas fragrâncias para o banho. Escolheu um óleo oriental e despejou-o na água.
Em seguida recostou-se na banheira e fechou os olhos. Aquecida, sentiu-se envolvida pelo silêncio, era como se estivesse ao seu redor, suave como a água perfumada,
doce, sensual... como se a acariciasse. A água a embalava e seduzia. Quase adormecida, sonhou. Havia um vulto, andando em meio à névoa e ao vapor que encobria a
banheira.
Você está aí, na água.
Sim.
Estou indo.
Estou esperando...
As palavras não eram reais, mas ela podia vê-lo, o amante por quem esperava. Ele avançava a passos largos, de forma suave e confiante, com a leveza de um gato,
ágil, sinuoso, magnífico...
- Sim, venha até mim...
Ela pulou, assustando-se e recuperando a consciência ao falar em voz alta. A água estava esfriando, o vapor desvanecera.
- Vou me afogar aqui - resmungou, exasperada. - Meu Deus, o que está acontecendo comigo?
Levantou-se, pegou a toalha, secou-se e se enrolou nela. Viu seu reflexo no espelho sobre a pia. Estava pálida.
- Será que estou enlouquecendo de medo? - sussurrou.
Mas ela não estava com medo, pelo menos não a ponto de sentir pânico. Pensando nisso, abriu a porta que levava ao quarto, contente por ter deixado as luzes
acesas. Nada. Verificou o restante da casa e as portas. Estavam trancadas.
Suspirando, voltou ao quarto e ligou a televisão. Passava Robin Hood, com Errol Flynn. Enquanto assistia ao filme, imaginava o que deveria vestir para receber
Rick. Algo curto ou longo? Discreto ou revelador? Sensual ou sutil?
Longo, discreto e sutil. Na verdade, não possuía nada muito revelador. Tinha uma camisola preta de seda, comprida e decotada, que seria perfeita. Descartando
a toalha, vestiu a camisola, escovou os cabelos e os dentes e passou um creme no corpo. Deitou-se, determinada a assistir ao filme, mas seus olhos começaram a fechar.
Acordara cedo, e o dia fora longo. E estava tarde...
Preciso esperar acordada! Dera a Rick a chave, mas...
Seria uma grande noite. Precisava estar acordada, encantar, seduzir, conhecer o homem que poderia fazer parte do resto de sua vida... Algo não saíra muito
certo, mas seria resolvido. Ela faria dar certo.
Estava muito cansada. Concentre-se no filme! Seus olhos começaram a fechar. Champanhe demais, ou de menos... Fique acordada... Fique acordada...

Daniel estava acostumado ao necrotério. Aprendera o trabalho seguindo as ordens dos médicos legistas. Era competente no que fazia, mesmo considerando a atividade
apenas um emprego, uma vez que precisava do salário e não se incomodava com os horários estranhos.
Já vira homens e mulheres idosos, alguns serenos como se dormissem, outros contorcidos pela dor final de um ataque cardíaco ou destruídos pelo câncer e pelo
enfisema. Vira crianças e bebês, vira vítimas de assassinatos, maridos esfaqueados, esposas espancadas. Vira de tudo nos três anos em que trabalhava ali.
Não. Quando o lençol foi retirado de cima do rapaz que sofrera o acidente, ele quase vomitou. Não tinha visto nada, até aquele momento...

Jade conscientizou-se lentamente de uma mudança... de algo diferente ao seu redor. Havia acordado durante a noite? Se fosse o caso, não conseguiu identificar
o motivo. O quarto permanecia escuro, a única luz vinha da televisão. Robin Hood não estava mais sendo exibido, a menos que tivessem sido acrescentadas cenas em
que Robin e Marion estavam...
Suspiros e sussurros. Um homem e uma mulher, fazendo amor.
A bruma preenchia o aposento, envolvendo-a em suavidade e calor. Jade ouviu música, um som tão suave que poderia provir de dentro de si mesma, a batida podia
ser sua pulsação. Estivera esperando por ele. Sim.
E ele estava lá. Tocou-a, e ela sentiu o calor da respiração dele contra sua pele. Havia algo incrivelmente sensual na forma como ele apreciava seu aroma,
seu sabor. Os dedos que a roçavam estavam quentes e a seduziam. Moveu-se contra ele, surpresa por desejá-lo tanto. Seu corpo se arrepiava, doía, ardia.
- Você está aqui - ela sussurrou. Eu deveria estar?
- Eu o convidei.
Você tem me convidado. Eu não deveria ter vindo. Mas você me convidou.
- Eu esperei. Eu quis você.
Sentiu-lhe o peso, o roçar dos dedos no rosto, a seda esfregando-se contra sua pele, o corpo masculino, a força discreta do peito dele, os beijos...
Excitou-se como nunca. A vida despertava dentro dela. Sentia cores ao seu redor, matizes de vermelho, queimando, dançando, erguendo-se em meio à bruma e à
escuridão. A frieza da névoa e da brisa a tocou, o fogo a envolveu... os beijos dele a incendiavam. Fogo, cor e névoa tremulavam, sentiu a força dele, o calor...
a pulsação. Os batimentos do coração dele. Não, os batimentos de seu próprio coração.
E então, foi como se um relâmpago atravessasse o quarto.
O sol, a explosão de uma estrela nova... Jade não conseguia respirar nem pensar, o desejo pulsava, ondulava, avassalador... Ela mal conseguia se manter à tona
naquele mar de sensações, e ainda assim deu-se conta de um sussurro...
Por que está comigo?
- Porque você é perfeito.
Estou longe de ser perfeito.
- Perfeito, íntegro...
Meu Deus, não! Estou tão longe disso que você não conseguiria nem começar a imaginar. Meus pecados são como o peso do mundo...
- Você não é quem pensa ser.
Sou exatamente quem você acha que eu sou. Você viu, você conheceu...
- Não.
Você não pode fechar os olhos...
Mas os olhos dela estavam fechados. Meneou a cabeça. Não queria pensar nem falar, queria apenas sentir. O sol, a terra, o céu estavam dentro dela, estrelas
explodiam, e ela nunca esperara que nada pudesse ser tão sensualmente, sexualmente, selvagemente... bom.
Jade acordou ensopada de suor, com lembranças que a fizeram enrubescer, confusa. O quarto estava imerso em sombras. Era ainda muito cedo, pensou, sonolenta.
O sol ainda não nascera. Escutou ruídos estranhos. A televisão estava ligada.
Afastou os cabelos úmidos e embaraçados dos olhos e espiou a televisão. Sim. O filme erótico que começara a ser exibido no respeitável canal a cabo na noite
anterior ainda não havia terminado. Balançou a cabeça, espantada consigo mesma. Constrangida.
Estendeu a mão, certa de que Rick estaria a seu lado. Sabia que ele chegara à noite, e que seus medos tinham sido ridículos. Ele era perfeito. Tudo o que desejara
em um homem, inteligente, bondoso e... Conseguiria encará-lo?
- Rick... - Virou-se, mas não o encontrou. Franzindo o cenho, começou a se levantar. A camisola preta estava no chão. As cobertas, emaranhadas na cama. - Rick?
Ele teria se levantado para fazer café? Ou, como para ele ainda era noite, teria pegado uma cerveja?
Jade saiu da cama, foi até o banheiro, vestiu o robe e dirigiu-se à sala.
- Rick?
Sem resposta. Logo ela ouviu a chave na fechadura, e ele entrou, parecendo esgotado. Encarou-o, e ele a fitou, tocando a gola de seu roupão.
- Me desculpe.
- Rick? - ela sussurrou. - Você...
- Eu lhe disse que chegaria muito tarde. Ou cedo - ele se desculpou. - Não deveria ter vindo, Jade. Está muito tarde, e a noite foi terrível. Estou me sentindo
cada vez mais doente, e mal consigo parar em pé. Acho melhor ir para casa.
- Para casa? Mas... você... não estava aqui?
- Você acabou de me ver abrindo a porta.
Ela sentiu o corpo gelar, e achou que desmaiaria.
- Jade?
Ela mal ouviu sua voz. O mundo preencheu-se de... névoa.
E ela desfaleceu.

Janice Detrick bocejou. Gostava do turno da manhã no hospital, mas naquele dia estava cansada.
Vira alguns funcionários na entrada da emergência. Todos falavam do horrível acidente que quase decapitara um rapaz. Coisas estranhas estavam acontecendo,
como aqueles assassinatos em Nova York. Não que Nova Orleans fosse um lugar comum, mas, nos dias atuais, o vodu fazia parte da indústria turística. Claro que sempre
havia aqueles que o encaravam como pura religião, que acreditavam em zumbis, no poder de ressuscitar os mortos, de lançar feitiços e maldições, de fazer coisas esquisitas.
Ser enfermeira não era esquisito. Ao contrário, era comum e monótono. Ela era uma boa profissional.
Dirigiu-se ao terceiro andar, onde trabalhava no setor cirúrgico. A equipe da noite estava se preparando para a troca de turno. Como de costume, as enfermeiras
que chegavam conversavam a respeito dos pacientes com as que estavam saindo. Enquanto se atualizava a respeito de seu pequeno paciente, Janice achou ter visto algo.
Uma sombra escura passando sobre o posto de enfermagem. Teve a estranha sensação de... asas.
Tolice. Pegou o corredor à esquerda do posto. Ali havia sombras. As luzes da área de trabalho esmoreciam, e ainda não havia amanhecido, os medicamentos ainda
não estavam sendo ministrados, e o desjejum não seria servido na próxima meia hora.
Ainda assim, algo pareceu atraí-la para o estoque, mas ela se deteve no corredor. Ali, bem à sua frente, havia um homem. Ele parecia estar na sombra. Ou ele
era a sombra. Usando uma capa? Quem era ele, e o que estava fazendo? Seria o paciente sonâmbulo? Não, o sr. Clark tinha setenta anos, e aquele homem era jovem e
forte. De repente, ele se contorceu, como se estivesse sentindo muita dor.
- Deixe-me ajudá-lo - ela ofereceu.
Teve certeza de que ele nunca estivera em um dos quartos. Se o tivesse visto antes, teria se lembrado. Ele era diferente. Atraente, viril, admirável... Mas
estava pálido e ferido.
- Está machucado - ela disse, e a compaixão suplantou qualquer inquietação.
Por um instante, ele sorriu. Um sorriso estranhamente charmoso.
- Bobagem! Você deveria ver o outro sujeito. E então... eu achei que estava bem e parei para ver essa garota... Muito esforço, não é?
- Deixe-me ajudar você! - Tentou pôr o braço dele sobre seu ombro.
- Não! Afaste-se! - ele pediu. A voz era profunda, rouca e autoritária.
- Está ferido.
Por um instante, achou que via os olhos e o rosto dele. Estava tão pálido! Ele sorriu outra vez, mas o sorriso logo se apagou. Os olhos estavam focados em
seu pescoço.
Um arrepio de medo lhe percorreu a espinha, mas ela parecia hipnotizada. Achou que ele ainda sorria, apesar do olhar cortante fixo em seu rosto. Era um sorriso
triste. Ele não pretendera ser visto, pensou. Seu coração batia com força, suas veias pulsavam. Era como... música.
- Vá! - ele ordenou, mas ela não conseguiu se mover. - Vá! - ele repetiu, afastando-a. - Estou ferido. Vá buscar ajuda.
Janice deu alguns passos, mas parou ao ver que ele caía no chão. Precisava conseguir ajuda. Ele era grande demais para que o auxiliasse sozinha. Virou-se e
foi atrás de Jasper, um dos enfermeiros, que acabara de chegar.
- Jasper, rápido, temos um homem ferido! - ela exclamou, aproximando-se do posto de enfermagem. - Ele é muito pesado. Venha me ajudar!
- Claro - ele concordou, seguindo-a.
Quando chegaram ao local, o estranho desaparecera sem deixar rastros.
- Ele não devia estar gravemente ferido - Jasper comentou.
- Eu juro que ele estava aqui.
- Eu acredito. Talvez estivesse baleado.
- Não pode ser. Não há uma mancha de sangue em lugar nenhum.
- Ei! - Jasper exclamou de repente. - Olhe.
A porta para o estoque, sempre trancada, estava aberta. Os medicamentos e o sangue que utilizavam para transfusões eram mantidos ali.
Eles se entreolharam e entraram juntos no aposento, que estava devastado, como se tivesse sido atingido por um furacão. As prateleiras haviam sido quebradas,
os armários revirados, as gavetas esvaziadas. E os frascos estavam espalhados por toda parte.
- Jasper...
- Janice... - ele sussurrou, fitando-a com os olhos arregalados. - Não sobrou uma gota de sangue aqui!

Pouco depois das sete horas da manhã, Lucian estava sentado à sua mesa no restaurante. Seu rosto estava limpo, o cabelo, cuidadosamente penteado, as feições
revelavam cansaço.
Jade não se encontrava no Café du Monde, e Cathy não aparecera para trabalhar. Na verdade, não esperara nenhuma das duas. Estava ali por causa de Daniel. Exausto,
após o dia clarear, vira o rapaz sair do necrotério e o seguira, ciente das amizades dele. Ambos gostavam do mesmo restaurante. Observou Daniel passar os dedos pelos
cabelos, pressionar as têmporas e menear a cabeça repetidas vezes.
Quando a garçonete que o atendia, uma garota chamada Shelly, aproximou-se, Lucian perguntou sobre Cathy. Ela não iria trabalhar aquela manhã, mas a moça não
sabia o motivo. Percebendo que Daniel acompanhava sua conversa com a moça, Lucian olhou para ele, que sorriu de leve.
- Desculpe, não pretendia me intrometer, mas notei seu sotaque. Você não é daqui.
- Não - Lucian retrucou.
- É inglês?
- Escocês.
- E britânico, de qualquer forma.
- Há uma pequena diferença. Pergunte a qualquer escocês ou inglês!
- Certo. Escocês - repetiu Daniel, assentindo. Concordaria com qualquer coisa. Queria companhia, alguém com quem conversar.
- Você é daqui? - Lucian indagou.
- De uma cidade próxima, Metairie.
- É uma boa cidade.
- Sim. - Daniel hesitou um instante antes de fitá-lo intensamente. - Tive uma noite difícil.
- É mesmo? - Lucian indicou a cadeira vazia à sua mesa. - Sinta-se à vontade para me contar.
Daniel levantou-se com tanta rapidez que derrubou a cadeira. Corando, ele a ergueu, pegou seu café e juntou-se a Lucian.
- Daniel Thacker - apresentou-se, estendendo a mão para cumprimentá-lo.
- Lucian... DeVeau - acrescentou após uma hesitação. O nome soava estranho em seus lábios. Fazia muito tempo que não o usava.
- Não é um nome escocês.
- Francês. Normando, na verdade. Cerca de mil anos atrás, minha família se mudou para o Norte. Um antepassado saiu de Reims em um navio mercante, foi atacado
por escandinavos e se uniu a eles na busca por riquezas célticas. Estabeleceu-se lá.
- Interessante - murmurou Daniel, encarando-o.
Lucian repreendeu-se. Raramente oferecia informações a respeito de seu sobrenome.
- Já vi você antes? - Daniel perguntou.
- Talvez. Venho aqui às vezes.
- Eu também. Sinto como se o conhecesse. Ei, isso soou estranho! Não estou tentando... Quero dizer, tenho uma namorada. Bem, tinha, porque ela terminou comigo,
mas...
- Não se preocupe - Lucian tranquilizou-o, divertido.
- Estou tentando ser escritor. Acho que tenho talento, e meus amigos também acham. São escritores bem-sucedidos.
- Deve ir em frente! Eu mesmo gostaria de escrever.
- O que você faz?
- Viajo.
- Ah, você é rico. Tem um castelo no seu país, ou um título de nobreza?
- Não exatamente. - Lucian inclinou-se para a frente. - Então, por que está tão aborrecido?
- Oh! Eu... hum... eu... tenho um emprego esquisito para conseguir pagar minhas contas. Trabalho no necrotério. É interessante, e eu aprendi muito, mas...
ontem à noite, tivemos uma vítima de acidente. Um rapaz, que saiu pelo pára-brisa do carro.
- Retalhado, imagino?
- Sim. Mas o mais terrível foi... - Ele olhou para baixo e inspirou fundo. - Foi a cabeça. Estava... separada do corpo, mas não completamente. Estava pendurada
por pedaços de carne e tendões, e... havia sangue, mas não muita quantidade, e os olhos... Meu Deus, ele viu o que ia acontecer...
Lucian imobilizou-se por um instante, mas logo perguntou:
- Estão convencidos de que foi um acidente?
- O que mais poderia ser? Encontraram o carro esmagado contra uma árvore. O motorista tinha atravessado o pára-brisa. Aconteceu não muito longe daqui, perto
do Cemitério Saint Louis. Foi terrível! Nunca vi nada como os olhos daquele rapaz,
- Você deveria ir para casa dormir um pouco.
- Não estou muito cansado. Ou talvez esteja. Parece que não consigo me livrar daquela imagem. - Daniel olhou para ele. - Sim, estou cansado, mas não consigo
dormir.
- Consegue, sim.
- Eu...
- Você consegue.
- Sim, obrigado. Vou para casa agora. Dormir. - Levantou-se. - Foi um prazer conhecer você.
Lucian assentiu e observou-o sair do restaurante.

Quando Jade acordou, estava no sofá, com Rick a seu lado.
- Você está bem?
Uma sensação de pânico apoderou-se dela. O que dissera e fizera? Nada. Ele tinha entrado, chegara bem tarde e não estivera lá antes. Ela desmaiara. Sonhara
que tinham estado juntos.
Não era ele!
Mas sim, tinha que ser ele! Quem mais permitiria que entrasse em um sonho como aquele?
- Você está mesmo aborrecida, não é? Eu não a culpo.
Aborrecida? Estava enlouquecendo, isso sim!
- Eu... hum...
- Sem querer ofendê-la, mas sua aparência está péssima. E eu estou me sentindo muito mal.
Sua aparência estava péssima? Acreditava nele, assim como acreditava, que ele não se sentia bem. Rick estava fatigado. Nunca o vira daquele jeito. Estendeu
a mão e acariciou-lhe o rosto.
- Você deve estar exausto. Teve uma noite difícil?
- Terrível. Até seu amigo Danny ficou enjoado. - Olhou-a, constrangido. - Veja, eu nunca estive tão excitado com o fato de alguém querer estar comigo, mas...
acho que devo ir para casa. Estou mesmo péssimo. Quero que a nossa primeira vez seja especial, fazê-la perceber que o mundo nunca mais será o mesmo sem mim. Mas
não tenho certeza de conseguir isso no momento.
- Eu entendo. Eu... também não tenho certeza de poder corresponder.
- Você não conseguiu dormir. Teve pesadelos?
- Hum, sim, sonhos. Não era mentira, era?
- Pedi detalhes da cena do crime em Nova York. Gavin receberá as informações hoje. Quando eu acordar, podemos ir à delegacia juntos para ver o que ele conseguiu.
- Obrigada, Rick. Você parece exaurido. Se quiser, pode dormir aqui.
- Preciso ir para casa. Quero roupas limpas. Depois do necrotério... Sinto muito.
- Não, está tudo bem.
- Vou compensá-la.
- Não, sou eu quem vai compensá-lo.
Rick levantou-se e se deteve ao chegar à porta.
- Mesmo durante o dia, mantenha as portas fechadas. Os assassinatos aconteceram longe daqui. Existem muitos loucos no mundo, e não há motivo para pensar que
isso faça parte da mesma insanidade, mas mesmo assim...
- Ei, estamos em Nova Orleans. Sou uma garota esperta. Sempre mantenho a porta fechada.
- Está bem. Até mais.
Ela roçou-lhe os lábios com um beijo leve e sentiu-se estranha, como se o tivesse traído. Ou como se estivesse traindo outra pessoa com ele.
- Rick... - murmurou, experimentando sentimentos de culpa e vergonha. - Sabe que amo você, não é?
- E eu adoro você. - Ele sorriu e tocou-a no rosto antes de sair. - Tranque a porta.
- Certo.
A porta se fechou.
Rick escutou-a trancar a porta. Caminhou pelo corredor, mas logo parou e olhou para trás. Idiota! Volte.
Aquilo era loucura. Esperara tanto tempo... Jade era uma pessoa forte, mas ficara fragilizada pelo horror que testemunhara na Escócia. Ele compreendia. Apaixonara-se
por ela e decidira aguardar. Ela nunca o manipulara. Desde o princípio fora honesta, carinhosa, divertida e encantadora.
Podia esperar um pouco mais. Ela não estava bem, e ele se sentia péssimo. Grande parte do problema fora o cadáver, mas começara antes disso... quando aquela
mulher na rua lhe pedira informações na noite anterior, em seu caminho para a casa de Jade. Era muito bonita, uma turista atraente e perdida, com um sotaque suave
e um jeito que levava um policial a desejar não apenas indicar-lhe o caminho, mas levá-la pessoalmente. Ela espirrara, ele devia ter pegado algum vírus.
E agora estava péssimo. Inútil. Ainda assim... Conforme se afastava da casa de Jade, tinha a estranha sensação de que deixara alguma coisa intangível escorrer
por seus dedos e que, ao fazer isso, perdera algo. Um estranho medo apertou seu coração.
Volte!, uma voz o instou. Porém, decidiu afastar todas aquelas sensações esquisitas. Afinal de contas, era um policial, pelo amor de Deus!

A jovem sentou-se diante de Lucian, na cadeira que Daniel Thacker desocupara pouco antes. Ele a fitou, surpreso por vê-la ali. Talvez não devesse ter se surpreendido,
nem se importado. Tivera sua cota de escuridão e crueldade, e não havia nada diferente a respeito do que era agora: um sobrevivente, aquele que fazia a lei ser cumprida,
que mantinha o equilíbrio.
Mas o mundo mudara para ele naquela noite, na Escócia. Sentira de novo a ameaça de seus inimigos pela primeira vez em eras. Haviam travado uma batalha, e ele
ganhara a luta, mas estava ciente de que era uma guerra e, para eles, uma busca por vingança. Conhecia sua própria força e seu poder, que fora brutalmente conquistado.
Mesmo assim, havia outra sensação que experimentava de novo, algo que em determinado momento conseguira afastar, como a seus inimigos: o medo.
- Era você ontem à noite, não? - a moça indagou.
- Não sei o que quer dizer.
- Sabe, sim. Tenho certeza de ter visto você... Estava apavorada, sabendo que seria assaltada ou morta, e você... o deteve. A sombra, o medo, os passos. Ele
não me alcançou. Você me disse para correr. E eu corri tão rápido! Cheguei ao carro, entrei, liguei o motor e saí voando dali. Eu teria sido assassinada se não fosse
por você.
- Você foi seguida.
- E você salvou minha vida.
- Não deveria sair daqui tarde da noite sozinha.
- Não farei isso nunca mais. Deus, você é maravilhoso! Ele se levantou, impaciente.
- Não, Cathy, não sou maravilhoso, mas você tem de me escutar agora. Precisa ser muito cuidadosa. Sair durante o dia, ter cuidado à noite, andar sempre em
grupos. - Agitou um dedo sob seu nariz. - E não convide estranhos para nada, entendeu?
Ela assentiu, espantada com sua ferocidade. Lucian virou-se e saiu para a rua, ansioso para afastar-se. O sol brilhava muito. De repente, dobrou-se ao meio,
atingido por uma excruciante agonia. Precisava ir para casa. Imediatamente. Tinha de descansar. Sua força era admirável, mas o sol brilhava demais naquele mês de
outubro.
Você deveria ver o outro sujeito!, ele dissera mais cedo.
E era verdade. Agora sabia que eles estavam ali. Tinham sido os responsáveis pelo massacre em Nova York, e haviam ido até ali. Da última vez, ele os destroçara,
mas eles se curaram. Ainda não vira Sophia, que se mantinha distante, pronta a sacrificar aquele tolo, Darian. Conseguira afastá-lo de Cathy, mas ele escapara.
Lucian ainda podia ouvir a voz do adversário.
Quem você pensa que é? O que você pensa que é? Para os outros, você é menos horrendo e repulsivo?
Sou o rei, o governante.
Vai ter de brigar para se manter no poder.
Farei isso.
Você enfraquece, eu fico mais forte. E ela se torna ainda mais forte.
Tolo. Nunca será mais forte que eu! Não permitirei que isso aconteça. Para si mesmo, acrescentou: Porque meu ódio é maior, minha amargura é mais profunda:
Manterei o poder com minha força de vontade, e não é a fraqueza que me governa, ou uma consciência, mas inteligência, lógica e desejo de sobreviver.
Somos o que somos, Darian provocou. Caçadores. Lobos. E lobos caçam ovelhas.
Não quando há carne, nem quando caçar trará sobre nós a vingança centuplicada dos fazendeiros que possuem as ovelhas. Você viu através dos tempos. Todos lutaremos
para sobreviver. Os fazendeiros, com tanta ferocidade quanto nós:
Está ficando tolo, sentimental e fraco. Nós esperamos o momento propício, nos curamos, nos fortalecemos. E, no final, nós o venceremos, e eu serei rei. Ela
o fez e vai desfazê-lo também. O que ela criou, pode destruir.
Nunca... Você acha que conhece o ódio? Não tem idéia do que é o ódio, a fúria, a perda...
Por você achar que a encontrou de novo, acredita que tem uma alma. Você vê Igrainia naquela mulher. Mas o que ela veria em você? É uma criatura da noite, sórdida,
repugnante, abominável. Pecou como poucos, devastou, matou... Você é escuridão, morte, o próprio fogo do inferno...
Sua cabeça estava quase explodindo. Lucian cerrou os dentes e se endireitou. Raramente precisava de ajuda. Não tinha ninguém próximo.
O talismã! Ela devia estar com o talismã outra vez. Diabos, o sol brilhava! Precisava do lar que mantinha ali, de um lugar escuro para descansar... Não, precisava
mais do que estar em casa, precisava de ajuda. E, apesar de ter jurado que manteria distância, tinha uma velha amiga na cidade...
Caminhou com a multidão, e então se transformou em sombra.

A luz do dia, Jade convenceu-se de que precisava de um psiquiatra. Tentou analisar a si mesma, e concluiu que estava frustrada e temerosa desde a viagem à
Escócia.
Sem querer estender-se em seus pensamentos, decidiu ir até a delegacia. Gavin, um amigo de Rick, trabalhava no setor de Homicídios, e era uma excelente pessoa.
Se soubesse de algo, com certeza lhe diria. Quando estava de saída, Renate surgiu à sua porta.
- Estava saindo?
- Sim.
- Achei que Rick estivesse aqui.
- Ele estava, mas já foi embora.
- Eu esperava descobrir mais a respeito do rapaz que morreu no acidente.
- Sinto muito. Ele não está aqui. - Não revelou que iria até a delegacia, pois não queria que Renate a acompanhasse.
- A história do acidente está no jornal. Havia álcool no sangue do rapaz. Não que tenham encontrado muito sangue, nem mesmo no carro ou na árvore em que ele
bateu. Ele não deveria estar dirigindo. Tinha bebido e batido na namorada... Sei que Rick gosta dos jovens, que se orgulha de seu trabalho, mas aquele... Jade, fazia
menos de seis meses que ele freqüentava a faculdade e já estava metido em problemas sérios. Estou lhe dizendo, esse menino era... não era boa coisa.
- Ainda assim, é uma morte terrível. E, se ele era jovem, poderia ter mudado, ter deixado de ser um delinqüente.
- E também poderia ter matado outras pessoas.
- Renate, de vez em quando...
- Eu deveria tentar ver o lado bom, eu sei. Mas eu escrevo histórias de mistério, em que acontecem crimes. Faço pesquisas, e sei que as pessoas podem ser más
com mais freqüência do que podem ser boas. Mesmo pessoas que acreditamos ser boas provavelmente não seriam tanto assim se achassem que não seriam punidas.
- Existem pessoas boas e más, e muitas tonalidades de cinza no meio.
- Sei...
Para alívio de Jade, o telefone começou a tocar.
- Com licença, Renate, mas tenho que atender.
- Certo. Bem, se conseguir alguma informação boa, vai me contar, não?
- Claro.
Jade fechou a porta e correu para o telefone. Porém, quando alcançou o aparelho, a secretária eletrônica já havia sido acionada.
- Alô! - ela disse rapidamente.
- Jade MacGregor? - Era uma voz feminina, suave e baixa.
- Sim?
Silêncio. E então um clique indicou que a mulher desligara.

Ele poderia ter entrado, mas não o fez. Hesitante, permaneceu diante da bela mansão. Não pretendera voltar ali, nem ver Maggie. A história que haviam vivido
juntos fora longa e rica, mas acabara. Achara que um dia escutaria a respeito da morte dela, uma avó já idosa, e que retornaria para jogar rosas em seu caixão. Ela
conseguira o que queria: uma nova vida. E a certeza da morte.
Ficou ali por diversos minutos até se lembrar de que precisava bater à porta, o que logo fez. Maggie surgiu e ofegou ao ver seu estado.
- Você!
- Sim, sou eu. Sinto muito.
- Meu Deus...
- Eu não vim interferir na sua vida. Há problemas surgindo e...
Olhando para o sol intenso, ela o puxou para dentro pelo ombro.
- Venha, seu tolo. Meu Deus, você está horrível!
Eram velhos amigos e velhos inimigos. Ela podia dizer-lhe aquilo. Sorriu e, pela segunda vez naquele dia, disse:
- Você deveria ver o outro sujeito!
- Eu tive medo ao ver no jornal as coisas que estão acontecendo aqui... Vi as reportagens a respeito dos assassinatos na Escócia. E agora em Nova York. Lucian,
o que está acontecendo?
- Rebelião. O passado se erguendo. Um passado que eu fiz o possível para enterrar para sempre. Nunca expliquei para você como me tornei...
- Lucian, você não teria me explicado nada. Você era o poder, e ditava as regras. Mas eu escutei coisas ao longo dos anos. Vampiros falam - ela provocou. -
Aparentemente a morte não faz nada para deter a necessidade de fofocar.
- Você ouviu falar em Sophia?
- Sim.
- Ela despertou, e Darian, seu lacaio, a protege.
- Você lutou com ele?
- Sim.
- Mas ele não está...
- Morto? Não - admitiu com amargura.
- E você não pode matá-lo, certo?
- Não pelas leis antigas, das quais eu sou o guardião. Mas a depravação deles pode prejudicar a todos nós e, sendo esse o caso...
- Você pode distorcer a lei.
- Sim. Mas eu me arrisco a uma insurreição.
- Eu nunca vi ninguém com a sua força.
- Darian acabou de escapar. Talvez eu tenha sido confiante demais. Na Escócia, eu não sabia, até que chegássemos às tumbas, que ele estava com Sophia. Eu feri
os dois ali, mas não o suficiente. Eles têm se preparado, reunindo força, bebendo quantidades enormes de sangue. Sophia passou séculos fortalecendo-se para me derrubar.
E havia um talismã... um medalhão de ouro, que ela sempre usou, preenchido com o sangue de um anjo caído.
- E onde esse talismã estava?
- No fundo do mar.
- Quando ela...
- Recuperou-o? Não sei. Não tenho certeza se ela está de posse do talismã, mas ela alegava que era sua maior fonte de poder. Qualquer que seja o motivo, ambos
se curaram e recobraram a força.
- Você precisa dormir e se recuperar.
- Não posso revelar fraqueza - ele murmurou. Estava exausto.
- É verdade. Não pode. - Tocou-o com gentileza no rosto. - Você aprendeu tanto... Aprenda a confiar em uma velha amiga. Foi por isso que veio até aqui, não
foi? Entre.
Lucian assentiu e entrou na casa dela, um lar normal, repleto de calor, com um aroma delicioso e tentador vindo da cozinha, o chorinho de um bebê, a maciez
de um colchão, o conforto de um travesseiro.
- Trouxe terra? - ela indagou. - Um pouco do velho país?
- No meu bolso.
- Quarto de hóspedes.
- Obrigado. Tenho de explicar que...
- Mais tarde. Durma agora. Você parece precisar de algum tempo para se curar. - Fitou-o com cautela. - Já se... alimentou?
Maggie soara um pouco temerosa?, ele se perguntou. Ela vivia uma vida diferente agora. Sorriu.
- Sim.
- Lucian, por favor, diga-me que você não tem se aproveitado dos inocentes. Diga-me que tem mordido ditadores corruptos, assassinos condenados, pedófilos...
- Eu não me alimentei de ninguém. Fui ao banco de sangue no hospital.
- Tenho certeza de que isso estará nos jornais amanhã - ela comentou, sorrindo. - Bem, eu me casei com um policial, lembra? Você pode muito bem ser o que se
situa entre todos nós e a insanidade total. Durma. Precisará de toda a sua força. Mais tarde Sean estará em casa. Ele saberá mais e poderá ajudá-lo. E você... poderá
ajudá-lo. Agora, venha comigo.
Eles subiram a escada.
- Você feriu Darian o suficiente para ganhar algum tempo?
- Sim. Não acho que ele arriscará outro encontro comigo tão cedo. Mas ele não está sozinho. Tem, pelo menos, Sophia.
- Ainda assim, ferido... Você tem razão. Ele não vai querer brigar com você até que tenha recuperado as forças. Eles devem achar uma presa em algum lugar.
- Temo que isso seja verdade.
- Talvez você consiga encontrá-los. - Sorriu. - Você sempre conseguiu me encontrar.
Os lábios dele se curvaram de leve.
- Eu estava apaixonado por você.
- Se eu tivesse cedido, você teria se cansado de mim em pouco tempo. Eu não era quem você desejava de verdade. Era um brinquedo para você.
- Uma feiticeira, que de repente precisava de orientação.
- Durma um pouco. Conversaremos mais tarde.
No conforto escuro do quarto de hóspedes, Lucian se atreveu a fechar os olhos e dormir. E foi então que os anos voltaram... décadas, séculos, eras.
Sua anfitriã, observando-o, afastou com ternura o cabelo de sua testa. Lembrava-se de um tempo em que o odiava. Ele tivera sua época de poder absoluto, tão
autocrático e exigente quanto qualquer governante versado no direito divino dos reis. Ele tomara o que quisera, ensinara, zombara, exigira... e a resgatara, arriscando
a própria posição.
No sono, ele era deslumbrante. Alto, esbelto, musculoso, com o cabelo liso e escuro caindo no rosto, mesmo ela tendo acabado de afastá-lo. Sua face era impressionante...
seus olhos. Como se lembrava daqueles olhos! Seus lábios se moveram.
- Igrainia - ele sussurrou.
E Maggie soube. Até os vampiros sonhavam. Com os dias mortais do passado.



Capítulo II



985 d.C.
Costa Centro-Oeste, Escócia.
Navios vikings no horizonte! Oh, Deus! Eles navegam no horizonte.
Lucian ouviu os gritos enquanto observava delicados trabalhos em ouro no mercado. Igrainia, que estava a seu lado, acabara de emitir um gritinho deliciado
ante a beleza da jóia em forma de cruz. Tendo pechinchado o preço com o artesão, ele mal colocara a peça ao redor do pescoço dela quando ouviu o alarme. De onde
estava, viu o mastro alto do navio se aproximando acima dos penhascos.
Conhecia o significado daqueles navios no horizonte. Como o de muitos escoceses ao largo da costa, seu sangue era mesclado ao dos antigos invasores, principalmente
normandos, ingleses e nórdicos. Embora os ataques tivessem diminuído nos últimos cinqüenta anos, ainda eram freqüentes, pois havia grandes prêmios a serem buscados
na costa. Ali, as pessoas, lideradas por monges e seus alunos, criavam joias, relíquias para a igreja e ricos manuscritos. Mesmo que os jovens que ganhavam a vida
com dificuldade no solo escarpado não soubessem ler, e que as superstições antigas coexistissem com os ensinamentos cristãos, os padres e clérigos aprendiam a palavra
de Deus nos lindos livros arduamente elaborados pelos monges. Talentosos artistas confeccionavam colares, brincos e anéis, além de outros objetos. Eram, portanto,
muitas riquezas a ser saqueadas.
Quando os gritos aumentaram e iniciou-se a confusão, Lucian agarrou sua esposa pelos ombros.
- Vá! - ordenou.
Os olhos dela encontraram os seus. Eram de um azul-esverdeado, lindos como o mar sob o sol, e revelavam compreensão. Ela deveria correr para os penhascos,
como esposa do líder local, precisava reunir as outras mulheres e crianças e mantê-las afastadas até que não houvesse mais perigo.
- Marido... - ela disse com suavidade e, na ponta dos pés, beijou-o nos lábios. A palavra lhe era preciosa. Virou-se então, incitando as outras a segui-la.
- Mantenham-se fortes, filhos de MacAlpin! - Lucian gritou, lembrando-os do primeiro rei a reunir as grandes tribos da Escócia, formando uma nação que agora
enfrentava a dissidência das colônias vikings, estabelecidas em certas ilhas e terras que haviam tomado de outras tribos. Apesar de serem semelhantes, eram inimigos.
Todos buscavam um sustento, e a violência fazia parte da vida. - Resistam! - bramiu, correndo em meio à multidão para alcançar Malachi, seu imenso cavalo negro.
Montou-o enquanto desembainhava a espada, chamando a atenção de seu povo. - Resistam ou morram e entreguem a esses bárbaros o que é de vocês!
Seus gritos despertaram coragem nos homens, que pararam de correr de um lado para o outro. Aqueles que já haviam lutado como guerreiros pegaram as armas e
os cavalos, os que eram fazendeiros e pastores pegaram seus piques e foices.
- Arqueiros, para o penhasco!
Ele esporeou o cavalo e dirigiu-se até lá, distribuindo comandos e, observando a aproximação dos navios vikings. Eram três, repletos de homens das nações escandinavas,
guerreiros furiosos, aventureiros que acreditavam que a morte na batalha os levaria ao céu, o Valhalla.
- Agora! - ordenou aos homens que haviam escalado o solo escarpado para atacar o inimigo ainda no mar:
Flechas foram disparadas. Os vikings, surpresos com o ataque, gritaram, e muitos morreram.
- Outra vez! - ele comandou.
De novo, flechas voaram, matando muitos invasores. Mas não o suficiente. Os navios alcançaram o ancoradouro, e os inimigos desembarcaram.
Lucian cavalgou em direção à horda que se aproximava, e foi nesse momento que a viu pela primeira vez.
Ela estava em um dos grandes navios, tão ereta, desafiadora e corajosa quanto a figura do dragão na proa da embarcação. Era uma imagem surpreendente, com os
cabelos negros contrastando com os claros da maioria dos homens que se dirigiam à praia. Sob um suntuoso manto de pele, usava um vestido preto, cujo decote revelava
o pescoço gracioso e a curva dos seios, entre os quais pendia uma fina jóia de ouro. O queixo projetava-se para a frente, altivo, os olhos grandes faiscavam com
o fogo da batalha... e com uma ponta de divertimento. Ela ignorava a chuva de flechas que atravessava o ar, assim como os gritos de homens e cavalos, e a agonia
dos que estavam morrendo. Permanecia impassível, envolta no manto de arminho, observando a carnificina sem piscar ou encolher-se.
Um grande guerreiro com cabelos vermelhos atacou Lucian, que baixou sua espada viking de guerra, herdada de um antepassado, e golpeou-o nas costas. Seu pai
lhe ensinara a vantagem de lutar montado contra homens a pé, devido à força do golpe desferido do alto. Portanto, manteve-se sobre Malachi, talhando os que desejavam
derrubá-lo. O ruivo foi seguido por um velho guerreiro loiro, por um jovem e por um homem enlouquecido, que espumava ao lutar. Todos morreram. A água rasa diante
dele tornara-se uma poça de homens, sangue e mar encrespado.
Tenso, aguardando o próximo ataque, Lucian olhou para o navio e notou que a mulher o observava, com os lábios curvados em um sorriso. Só percebeu que não conseguira
desviar os olhos dela quando foi atacado pelas costas. Malachi coiceou um homem, derrubando-o, mas havia mais meia dúzia de guerreiros tentando atingi-lo e, apesar
de sua experiência sobre a sela e de sua fúria com a espada, Lucian foi arrastado de cima da montaria. Lutou ferozmente e, quando perdeu a arma, usou os punhos.
Os atacantes o mantiveram debaixo da água, e seus pulmões começaram a queimar. Conseguiu libertar-se e, tateando a água à margem, encontrou sua espada e tentou se
levantar. A água fria gelava a cota de malha que usava, e tornava pesados seu casaco e suas botas de couro. Pondo-se de pé, constatou que estava cercado.
E pior... De costas para os navios, olhando a praia, viu que os vikings tinham derrotado seus homens. Eles haviam lutado bem, mas os inimigos eram muitos,
e não houvera tempo para esperar auxílio de outros locais ao longo da costa ou do interior. Tinham sido apanhados junto com as mulheres e as crianças que fugiam.
- Desista, chefe, e nós os deixaremos viver.
Lucian escutou a voz melodiosa da mulher, que, estranhamente, não se encontrava mais no navio, mas diante dele. A bainha do vestido preto parecia manter-se
acima da superfície. Imaginou ter recebido um golpe forte demais na cabeça, pois a via pairar acima da água.
- Qual é a garantia disso? - ele quis saber.
- Libertar as crianças... deixar aqueles fazendeiros ir com elas. Soltar as camponesas tolas e as mulheres, com exceção daquela ali. - Apontou para Igrainia.
- Aquela! - disse a um dos guerreiros. - Decapite-a para que ele saiba que seremos inclementes.
Lucian sentiu o coração bater com força.
- Ordene que a soltem ou juro que matarei você. Eu também posso ser inclemente.
- Chefe, eu o acho... curioso. - Havia riso em sua voz. - Vamos negociar. Como ele assim deseja, deixe a moça com a cabeça - falou para seu homem.
- Lucian, não dê nada por mim! Não negocie por minha vida! - Igrainia gritou.
- Ela está pedindo para morrer - afirmou a mulher.
- Não a toque! - ordenou Lucian.
A mulher sorriu lentamente, com crueldade.
- Tentarei me conter. Agora, entregue-me sua espada.
- Deixe-a ir com os outros - ele exigiu.
Após observá-lo por um longo instante, a mulher aproximou-se dele. Não acreditava em tais coisas, mas... ela estava andando sobre a água!
Feiticeira!
Lucian ouviu o murmúrio da multidão. A cristandade chegara às ilhas britânicas havia centenas de anos, mas as superstições persistiam. Ela era algum tipo de
bruxa, que praticava magia negra.
Ilusões! Não acredite no que vê.
- Você não precisa dela. Terá a mim. Ilusão! Negue-a!
Porém, seus lábios estavam pesados, a garganta, enrijecida. As palavras não se formavam. Esforçou-se para desviar os olhos e, por fim, conseguiu falar:
- Não tenho necessidade de uma bruxa como você.
- Está mentindo.
E estava. Ela tinha poder. Algo gerava calor em sua virilha, um desejo que nunca sentira antes. Queria tocá-la. Com a esposa, que adorava, em perigo diante
de si, com uma audiência de guerreiros, fazendeiros e crianças, com Deus acima... ele a desejava. Na água, na terra, na lama. Imediatamente.
Lutou para recobrar a razão.
- Deixe-a correr atrás das crianças.
- Diga-me para ir até você. Convide-me... para conhecê-lo.
- Pode me conhecer, madame, fazer o que quiser, mas deixe a mulher ir!
Ela sorriu, triunfante.
- Soltem-na.
Quando os homens largaram Igrainia, os olhos dela encontraram os seus e, por um instante, ele se libertou do misterioso poder da feiticeira. Deus, como amava
sua esposa! Os olhos, o riso, a suavidade da voz, o amor pelos livros, pela arte... Inclinou a cabeça. Corra! Ajude-me a lutar por minha vida, sabendo que espera
por mim. Igrainia fitou-o por mais um momento antes de ir atrás das crianças.
Lucian sabia que os guerreiros vikings podiam facilmente persegui-los outra vez, pois seus homens estavam mortos, feridos, abalados. Apesar de também saberem
disso, os vikings estavam cientes de que, quanto mais demorassem, maior a probabilidade de outros clãs se darem conta de sua chegada à costa e atacá-los.
- A mulher já se foi. - A bruxa virou-se para Lucian, irritada. - Talvez eu devesse arrancar sua cabeça tola para provar a todos que vamos tomar o que desejamos.
Ele a encarou, raivoso.
- Talvez alguém devesse arrancar a sua cabeça tola para que perceba que o mundo não é seu parque de diversões.
- Sua espada, chefe.
Lentamente, ele estendeu o braço e largou a espada na água. Quando ela assentiu e começou a se afastar, Lucian ouviu um ruído às suas costas. Virou-se, deparando-se
com vikings atrás dele. Sentiu um golpe na cabeça e caiu. A dor deu lugar à escuridão...
Sabia que permanecia em um lugar estranho e de escuridão, conforme o tempo passava. Começou a sonhar, e lutou contra isso. Sofria, sentia-se arder da cabeça
aos pés.
Vou curá-lo...
Ela estava lá, a bruxa de cabelos escuros.
Afaste-se, bruxa vil e fétida!
Ela riu.
Vou curá-lo. Vou lhe dar uma força que nunca imaginou. Você me convidou.
Nunca.
Ah, você me convidou.
Lucian experimentou uma dor que o fez gritar, ao mesmo tempo violenta e extraordinária, horrível e excitante, terrível e extasiante. O suor embebeu seu corpo,
e ele sentiu um prazer profundo e vergonhoso junto com a dor. Estava sendo sufocado pelos cabelos negros e longos, em agonia, tremendo de desejo e, ainda assim,
tinha certeza de que nada daquilo podia ser real. Tudo fazia parte da escuridão e do pesadelo.
Devia ser o golpe que levara na cabeça, pois ela também estava ali. Igrainia. Chamando-o, como num canto de sereia. Encontrava-se na água, com o braço estendido,
a palma virada para cima, tentando alcançá-lo. Os cabelos cor de mel ondulavam às suas costas com a brisa... ou flutuavam na água, não tinha certeza.
Ela podia tocar o mar. Por algum motivo, ele não conseguia.
Igrainia!
Ele gritou seu nome na alma, mas não conseguiu alcançá-la.
Lucian despertou mais tarde, ciente da água batendo no casco de um barco. Sua cabeça latejava, todo o seu corpo doía. Abriu os olhos. Estava deitado na parte
coberta de um navio viking, em uma cama de peles.
- Você está conosco.
Ele a viu, sentada a seu lado.
- Parece que estou vivo.
- Descansou bem?
- Vá para o inferno, madame, e arda lá para sempre.
- Está com fome?
- Não.
Ele mentia. Parecia que suas entranhas estavam sendo roídas. Sentia-se dolorosamente faminto.
- Beba. - Ela lhe entregou um odre.
Lucian queria recusar, mas sua boca estava tão seca que morreria se não sorvesse o líquido. Bebeu, sem pensar no conteúdo, que escorreu por seu queixo e caiu
em sua mão. A gota parecia sangue. Algo dentro de si pareceu se contorcer.
- Onde estamos? - indagou.
- Perto da terra. - Ela se levantou e saiu.
Lucian não sabia por quanto tempo havia dormido e, portanto, não fazia idéia de quanto tinham avançado. Levantou-se, cambaleando.
Falando e rindo, os guerreiros se armavam. De repente, o barulho tornou-se ainda mais alto, homens e cavalos saíam do navio para as águas rasas, em direção
à costa. Apenas alguns permaneceram a bordo.
O povoado despertou com os gritos de guerra altos e selvagens que cortavam o ar da noite. O ataque teve início. A pequena vila de pescadores foi invadida e
saqueada. Lucian escutou orações, dando-se conta de que não eram ditas no gaélico de sua terra natal nem em irlandês.
Norueguês!, ele concluiu. Haviam chegado às ilhas Hébridas, dominadas por líderes vikings. Eles estavam atacando seu próprio povo!
Um ataque cruel e feroz, um massacre rápido e terrível. Preferia lutar, e até mesmo morrer, a testemunhar tamanha brutalidade. Percebeu que os sobreviventes
estavam sendo levados para a praia e que a mulher de cabelos negros andava entre eles.
Estranhamente, àquela grande distância, conseguia identificar nos olhos dos homens o ódio e a ânsia de matá-la, podia escutar os pensamentos deles... Tentando
sufocar esse clamor em sua mente, pressionou as mãos nos ouvidos.
De repente, a mulher puxou pela mão uma menina loira, que estava atrás de um guerreiro de barba branca. O homem reagiu, desembainhando a espada, mas não teve
chance. O golpe certeiro de um dos asseclas da feiticeira separou do corpo a cabeça branca, que caiu na areia. A garota pareceu não ver a morte do pai, pois seus
olhos estavam fixos nos da mulher, que se inclinou sobre o pescoço delicado e mordeu-o.
Lucian ficou horrorizado, mas sua virilha pulsava, os lábios estavam ressecados, suas entranhas se torciam... Tinha sede. Escutava a mulher bebendo, o sangue
jorrando, o coração da garota batendo cada vez mais lentamente. Quando terminou, a mulher jogou o corpo para o lado, e um de seus homens decapitou a menina.
Ela se virou para o navio ancorado e ergueu a mão. Logo, três dos homens que haviam permanecido a bordo surgiram em terra firme, passando a andar entre a multidão
e a selecionar suas vítimas.
Lucian gritou de dor, escutando o jorrar do sangue e o ruído que os homens faziam ao sorvê-lo, sentindo o aroma. Cerrou os punhos, contraindo cada músculo
do corpo, lutando contra o apetite... Porém, forçado a olhar para cima, viu-a sorrir, encarando-o e, de súbito, encontrou-se junto a ela, sem se lembrar de ter se
movido.
Ela estava ao lado de um corpo, para o qual Lucian se recusou a olhar. Segurava a vítima pelos cabelos e lhe oferecia o pescoço. De repente, ele estava ajoelhado.
Tentou fechar os olhos e os ouvidos, mas escutava o sangue fluindo. Estava gelado e faminto, e o sangue quente o saciaria, amenizando a dor excruciante que estava
sentindo.
Morda...
O comando não foi pronunciado em voz alta, mas ele o escutou.
Não.
A mulher mordeu o pescoço da vítima, e o sangue manchou a pele pálida. Ela lambeu e sugou, até que Lucian não pôde mais suportar. Passando os dedos por seu
cabelo, a bruxa conduziu seus lábios ao pescoço que segurava. Ele saboreou o sangue, experimentando a pulsação e o calor. Abriu a boca e, segurando ele mesmo o corpo
em seus braços, bebeu ruidosamente, até ficar saciado... até não haver mais pulso nem calor naquele corpo. Ficou imóvel antes de urrar em uma agonia que vinha da
alma. Era uma jovem mulher. Linda, loira, perfeita, com uma família, um lar, um futuro adiante... Sem vida.
Ao ouvir a mulher rir, largou o corpo inerte, levantou-se e atacou-a, pronto para destruir aquele monstro. No entanto, quando avançou, ela se moveu, fazendo-o
colidir com um de seus seguidores. Foi lançado para trás, surpreso por sua força não significar nada contra aqueles homens. Meio enlouquecido, tentou atingi-la outra
vez. Ela torceu seu braço, assombrando-o com tamanha força, obrigando-o a ajoelhar-se. Praguejou e, ao ser solto, ergueu-se, atacando-a de novo, mas ela reagiu,
lançando-o pelos ares. Quando se levantou, um dos homens o alcançou e derrubou-o. Ele lutou, encontrando alguma força. Afinal, fora um grande guerreiro, um líder.
Atingindo a lateral de uma árvore, caiu na areia da praia. Apoiou-se em um cotovelo e viu, espantado, que os sobreviventes da vila ainda estavam lá. Com os
rostos inexpressivos, eram como cordeiros, alheios àquela batalha e ao horror que haviam testemunhado.
Subitamente, ela estava em pé perto dele, sorrindo.
- Monstro - ele disse.
- O sangue estava delicioso, não é mesmo?
- Não. Ela riu.
- Raramente tem um sabor tão doce. Ela era jovem, uma verdadeira inocente.
O lacaio dela, o homem que interferira na luta, estava a seu lado. Alto, delgado, tinha o cabelo avermelhado e olhos castanho-claros.
- Compreenda que você também é um monstro - ele disse.
- Não. - Apesar de negar, sentia-se doente, pois o sangue fora bom. Saciara-o, aquecera-o, detivera a agonia que o dilacerava, a dor intolerável.
- Levante-se - ela ordenou.
- Não.
- Fará o que digo.
- Nunca serei seu escravo, feiticeira. Como ele. - Indicou o lacaio.
O homem avançou, pronto para atacá-lo outra vez, mas ela o impediu, erguendo a mão.
- Será sim - ela afirmou. - Darian é meu braço direito. Poderoso, protegido... - Tocou o medalhão que usava no pescoço. - Protegido pelo meu poder. Vou permitir
que você exista por enquanto. Talvez aprenda, Não destruímos uns aos outros, é isso o que dizem as leis antigas. Mas eu estou acima da lei, eu sou a lei. Eu o transformei
e posso destruí-lo, se for lento ao aprender.
Lucian sabia o que precisava fazer. Levantou-se e tomou, a espada de um dos vikings que estavam ali. Darian, achando que ele pretendia matar a mulher, puxou-a
para trás, mas Lucian enfiou a arma no próprio estômago. Sentiu uma dor lancinante e caiu de joelhos, escutando-a rir outra vez.
- Darian, leve-o de volta ao navio.
Não teve certeza de como chegou na embarcação. Deveria estar morto, mas não estava. A ferida estava quase curada. Quando ela se aproximou, ele não mais sofria.
Estava apenas cansado.
- O que você é?
- Sou tudo. Seu sol, sua lua, suas estrelas. Sou sua governante, sua deusa.
- Não é nada para mim.
- Você é teimoso, chefe, mas é tentador. Vou lhe dar uma chance. Acho que vai aprender.
- Você me faz vomitar.
Ela começou a rir outra vez, aquele som profundo, terrível e cruel.
- Você me deseja, e mente para si mesmo. Acha que ainda tem uma alma, ou um coração. Não tem. Vai esquecer sua pequena esposa com cabelos cor de mel...
- Esquecê-la? Por você? Esquecer o som de seu riso por causa do cacarejo de uma bruxa?
- Veremos. - Sorriu. - Quer saber o que sou, chefe? Alguns homens me chamam de lâmia. É esse o nome que dão a criaturas como eu no Leste. Dentre os tártaros,
hunos e gauleses, meu nome é sussurrado. Vampira. Mas não sou apenas isso. Sou a mais velha e a mais poderosa: Eu governo, crio e destruo. Tome cuidado, ou vou me
cansar de suas queixas. Acredite em mim, vou destruí-lo.
- Já me destruiu.
- Eu lhe dei poder, e uma vida que vai durar para sempre.
- Sou um homem morto.
- Sua fome o manterá vivo. - Ela o deixou. O lacaio ajoelhou-se a seu lado.
- Ela o deseja agora. Você é um tolo, e ela se cansará de você. E, quando isso acontecer, pode ter certeza de que irei destruí-lo. - Ele também se retirou.
Lucian não conseguia se mover. Não tinha força nem poder. O sol estava raiando. Fechando os olhos, sentiu a mais profunda dor e uma terrível angústia. Achou
que estava morrendo, mas não se importou, pelo contrário, ficou contente. Porém, ele apenas dormiu.

Rick ardia em febre. Nunca estivera tão doente, e justamente quando estava apaixonado. Sorriu, pensando em Jade. Gostaria de estar com ela.
Ele dormia, acordava, tomava remédios. Deixou de distinguir o dia da noite. Assim que conseguisse levantar-se e se vestir, consultaria um médico.
A sede que sentia não parecia ceder, independentemente do que bebesse. Acabara de sair da cama para ir à cozinha quando escutou a campainha tocar. Parou, pois
em geral atendia à porta, mas decidiu que não faria isso naquele momento.
Abriu a geladeira. Escolheu uma garrafa de Bloody Mary e bebeu dois litros de uma vez. Na prateleira de baixo, encontrou carne de hambúrguer, que provavelmente
estava velha. Crua, vermelha e envolta em celofane. Pegou-a, sentindo uma fome tão grande quanto a sede que o afligia. Arrancou o invólucro da carne e começou a
enfiá-la na boca. O gosto não era ruim. Apenas poderia estar mais fresca...
A campainha tocou de novo.
- Droga! Um homem está doente aqui. Vá embora!
Viu de relance seu rosto na superfície de alumínio da cafeteira. Não se barbeara, pedaços de carne crua estavam grudados nos fios loiros em sua face. Meneou
a cabeça, desgostoso, e lavou o rosto. Olhou para a carne que sobrara. Bem, talvez seu corpo doente estivesse precisando de ferro ou de algo parecido.
A campainha ainda tocava.
- Inferno! - Começou a caminhar para a porta, mas mudou de idéia e voltou para o quarto, onde se fechou, pondo o travesseiro sobre a cabeça.
Nunca tirava folga e sempre pagava os credores. O que quer que fosse, precisavam deixá-lo em paz.
Shanna acordou com o telefone tocando, mas a secretária eletrônica foi acionada antes que se levantasse.
Olá, querida, é Liz. Esperava encontrar você em casa. Odeio incomodar, mas tudo bem, vou tentar falar com Jade.
Oh, não! Jade provavelmente estava dormindo com o policial, Shanna pensou. Levantou-se e correu até o telefone.
- Liz, estou aqui.
- Sinto muito, sabe que eu detesto incomodar, mas Peter está com uma infecção no ouvido e a temperatura dele não para de subir. Preciso levá-lo ao hospital.
Seu pai saiu de madrugada, pois está envolvido em uma história para o jornal e...
- Liz - Shanna a interrompeu -, você precisa que eu olhe James?
- Sim, só até eu conseguir falar com seu pai.
- Não precisa falar com ele. Estou indo.
- Ah, obrigada. Não sei o que eu faria sem você.
- Sem problema, Liz. O garotinho é meu meio-irmão. Logo estarei aí.
Shanna tomou uma ducha rápida, vestiu-se e saiu correndo. Em vez de pegar o carro na garagem, preferiu chamar um táxi e chegou ao antigo lar em tempo recorde.
Liz, uma morena bonita e delgada, estava na porta, com Peter nos braços. Parecia aborrecida e preocupada.
- Você não vai dirigir - Shanna decidiu. - Entre naquele táxi e me ligue quando souber o que está acontecendo.
James começou a chorar assim que a mãe foi embora. Shanna pegou-o no colo, levou-o para dentro e leu para ele uma história. Depois, foram até a cozinha, e
ela preparou panquecas.
- Aqui estão, bebê - ela disse, servindo as panquecas frescas.
- Não sou um bebê! - ele protestou.
- Claro que não, Que boba eu sou! Você tem quase três anos.
James apontou para a janela com seu garfo.
- Tem um homem, Shanna.
- Um homem? - Ela se virou. Mesmo ele não sendo um bebê, não conseguia pronunciar bem seu nome. - Não estou vendo ninguém.
- Eu vi! Olhando para dentro.
- Vou verificar. - Shanna saiu da cozinha, passou pela sala de jantar e se dirigiu à porta da frente, que fora deixada aberta. Abriu a porta de tela, foi até
a varanda e olhou ao redor. - Olá! Há alguém aí? Se estiver aí, apareça.
Nesse momento, o telefone começou a tocar.
- Deve ser Liz! - Voltou a entrar e deixou a porta de tela batendo. Correu até a cozinha e pegou o telefone. - Alô!
- Shanna! Estava ficando preocupada. Você está ofegante.
- Corri um pouco.
- Eu me assustei quando você não atendeu. Tantas coisas horríveis estão acontecendo hoje em dia... Estou indo para casa. Deram uma injeção maravilhosa em Peter
e nos mantiveram sob observação por uma hora. Agora a temperatura está normal, e ele melhorou muito.
- Que ótimo! Mas nós estamos bem. Não precisa se apressar.
- Estou exausta. Ficarei feliz em voltar para casa. Mantenha tudo fechado, certo?
Shanna experimentou uma sensação estranha.
- Por quê? Quero dizer, eu cresci aqui, Liz, e a vizinhança é muito segura.
- Eu sei, mas é que... não sei exatamente o quê, mas algo ruim aconteceu na cidade, e seu pai está trabalhando porque eles não têm certeza do que querem na
mídia. Não que estejam tentando reprimir a liberdade de informação, mas houve um assassinato, eu acho, e eles não querem que as pessoas conheçam os detalhes.
- Estamos trancados e teremos cuidado. Até mais.
Shanna desligou e correu de novo até a frente da casa. A porta de tela estava escancarada, convidando qualquer maluco que estivesse passando por ali a entrar.
- Droga! - Rapidamente, trancou as portas e voltou à cozinha.
- Mamãe está vindo com Peter? - James perguntou.
- Sim, ele está bem melhor. Os dois estão voltando para casa.
Ela estremeceu e olhou ao redor. A casa esfriara muito. Não. Estava imaginando coisas.
- Frio, Shanna.
- Ah, frio, é? Vamos acender o fogo e esperar a mamãe.

Agitado, Rick virou-se na cama repetidas vezes. Imagens do garoto que atravessara o vidro do carro e parara na árvore imiscuíam-se em seus sonhos. O jovem
falava com ele:
- Isso dói. Você não sabe o que eu vi. Eu não estava tão bêbado. Só dirigia rápido. Corria. Mas você não pode correr rápido o suficiente, sabe? Não, você não
sabe, não sabe quem eu sou, o que eu vi, como eu corri...
A imagem do rapaz apagou-se de seu sonho febril e, de repente, outro rosto surgiu. Muito melhor. Era a bonita turista de cabelos escuros que lhe pedira informações.
- Olá, Rick. Sinto muito por vê-lo sofrendo.
A voz era gentil e doce. Ela flutuava do lado de fora de sua janela, no segundo andar. De qualquer forma, era muito melhor do que ter o garoto decapitado assombrando
seus sonhos,
- É só uma gripe. Você conseguiu chegar aonde queria naquela noite?
- Estou chegando lá, pouco a pouco.
- Rick! - Era o jovem decapitado, que parecia pairar ao lado de sua cama.
- Vá embora. Ela é um delírio muito melhor.
- Você não sabe, você pode correr...
- Rick - ela disse com suavidade -, está frio aqui fora. Eu preciso entrar.
- Claro. Entre.
O rapaz sumiu de novo. Graças a Deus!
- Eu toquei a campainha, Rick, mas você não atendeu.
- Sinto muito. Estou doente. - Encarou-a, espantado.
- Bem, é claro que você estava com frio. Está nua.
Uau! Ela era deslumbrante. Seios perfeitos, mamilos rosados, cintura fina, quadris arredondados, pernas longas e bem torneadas...
- Você pode... hum... pegar um robe emprestado.
- Não acho que eu vá precisar. - Sentou-se na cama, afastando o cabelo úmido do rosto dele. - Pobrezinho. Está com frio.
- Não. Acho que estou ardendo. E você é uma invenção da minha febre. - Percorreu-a com os olhos. - Normalmente eu não sou tão inventivo.
- Hum, talvez você esteja quente. Sangue quente, oficial? Eu estou com muito frio. Talvez queira compartilhar comigo... - Esfregou nele o corpo, excitando-o.
- Você está fria - sussurrou, sentindo-a mover-se sobre ele.
- E você está quente... - Inclinou-se, engolfando-o.
- Tão quente... Obrigada por ter me convidado para entrar - murmurou antes de beijá-lo. Moveu-se, provocando-lhe espasmos, e beijou-o de novo...
A febre devia ter piorado. As alucinações sumiram. Após pensar em como seus sonhos eram fantásticos, ele perdeu a consciência.
Quando o telefone tocou mais tarde, ele não escutou.

Depois do retorno de Liz, Shanna ficou ansiosa para ir embora. A manhã fora longa, e sentia-se desconfortável, com frio. A parte interna da casa estava mais
gelada do que o lado de fora, e o fogo não melhorara em nada a sensação. Após beijar os meninos, abraçou a madrasta e pegou um táxi.
Ao chegar ao bairro francês, ainda estava tão enregelada que pediu ao motorista que a deixasse em uma cafeteria.
Após fazer seu pedido no balcão, percebeu que alguém parava a seu lado.
Ele obviamente também sentia frio, pois esfregava as mãos. Estava pálido e magro, dando a impressão de que ficara doente por algum tempo. No entanto, era um
homem bem-apessoado e interessante. Fazia-a lembrar-se de uma raposa, talvez fosse astuto como o animal. Os cabelos eram avermelhados, e ele tinha sardas. Era bonito
e sorriu para ela.
- Muito frio lá fora, não? - ele comentou.
A voz era agradável. Profunda, melodiosa... excitante.
- Está muito úmido. - Seu café chegou, e ela envolveu a xícara com os dedos.
- É, acho que sim. Meu nome é... Dave.
- Olá, Dave. Sou Shanna.
- Você é linda.
- Obrigada. - Ela sorriu.
- Sei que sou um completo estranho... mas gostaria de vê-la.
- Pode ser divertido conhecer você.
- Ah, prometo que sou... diferente.
- Aposto que sim.
Ele sorriu, mas de repente começou a tossir e se afastou.
- Sinto muito, acho que estou ficando doente.
- Você deveria estar na cama. E, bem, caso durma um pouco e se sinta melhor, eu vou ao cinema hoje à noite.
Até o momento, ela não tivera a mínima intenção de assistir a um filme. Gostaria de vê-lo de novo, mas não cometeria a tolice de convidar um estranho para
ir à sua casa.
- Tentarei ir. Mas você sabe...
- Meu sobrenome é MacGregor e meu telefone está na lista.
- Ótimo. É um convite?
- Claro. Pode me ligar. - Não querendo parecer muito ansiosa, ergueu a xícara de café para ele e saiu, alegre.
Do lado de fora, olhou para trás e franziu o cenho ao ver que ele dobrava o corpo ao meio. Nesse momento, uma multidão barulhenta de adolescentes passou por
ela, bloqueando-lhe a visão. Preocupada, correu de volta ao café, mas ele já se fora. Como se tivesse desaparecido no ar.

Nos dias que se seguiram, Lucian sofreu sua primeira derrota nas mãos de Sophia.
Um jovem viking, com uma farta barba loira e cintilantes olhos azuis, tornara-se seu professor, seu mentor, seu guia e, por fim, seu amigo. Lucian soube que
a mulher chamada Sophia vivera entre o povo dele por muito tempo, um dos antepassados a trouxera de um ataque às ilhas britânicas anos atrás. Ninguém sabia de onde
ela viera originalmente, mas quando invadiram e saquearam a vila em que vivia, descobriram que haviam pegado muito mais do que imaginavam. Fizeram as pazes com a
cativa, que quase matara todos.
Dois dos vampiros à disposição dela eram bastante idosos. O terceiro homem, Darian, ela tinha trazido de um ataque não muito tempo atrás. Ele era perigoso,
mais cruel do que qualquer guerreiro, astuto, mau. E instruído. Conhecia história, lendas, deuses e feiticeiros.
A tripulação viking navegava os mares com a vampira e com os seguidores dela. Conseguiam vítimas para seus mestres e, em troca, mantinham as riquezas saqueadas,
além de suas vidas e das vidas de suas famílias.
O nome desse viking era Wulfgar. Ele era cuidadoso com o que falava, mas nas ocasiões em que Sophia saía do navio, abaixava a voz e fazia revelações.
Sim, Lucian estava morto, ele informara com pesar. Bem, não exatamente morto. Agora era um morto-vivo. Para sobreviver, precisava de sangue, que podia ser
de animal, quando boas fontes humanas não estivessem disponíveis.
Sophia mantinha alguns de sua espécie com ela o tempo todo, como aqueles três vampiros. Um deles era sempre mais próximo, um protetor, como Darian no momento.
Houvera um líder antes, mas ela se fortalecera e o destruíra.
Havia algumas regras. Cada vampiro podia criar apenas dois outros por século, ao morder a vítima. Eles não podiam matar uns aos outros, nem ser pegos no ato
de vampirismo por qualquer grande poder ou autoridade. Não podiam atrair tamanha fúria contra eles que forças maiores pudessem derrotá-los. Tinham suas fraquezas,
e podiam ser mortos. Sua mordida era infecciosa, com esse toque, criavam outros de sua espécie, mas, por causa de seus apetites, o número precisava ser limitado.
- É por isso que as cabeças devem ser removidas. Caso contrário, muitas vítimas iriam despertar. - Wulfgar encolheu os ombros. - Como você despertou.
- Escutei lendas. Os mortos-vivos se movem à noite. Sophia faz isso tanto de noite quanto de dia.
- Enquanto você fica exausto. Sim, ela é muito forte e idosa. Aprendeu, experimentou... O tempo lhe dará mais força. - Hesitou. - Sangue lhe dá força. E ela
também é melhor e mais poderosa à noite. Algumas vezes, a luz do sol a drena.
- Mas não a mata. Eu ouvi dizer que...
- Há muitas lendas. Algumas são verdadeiras, a maioria, não. Você precisará se alimentar, mas não com tanta freqüência... E poderá viver para sempre.
- Desprezado, detestado, temido?
- Grandes líderes são vistos dessa forma e, ainda assim, gostariam de viver para sempre! Você tem poder, algo que é sempre temido... e odiado.
Naquela noite, houve outro ataque. Lucian permaneceu no navio, escutando os gritos. Sentiu-a convocá-lo e se lembrou de Wulfgar dizer-lhe que ele se fortaleceria.
Era uma questão de vontade. Precisava que a sua fosse maior do que a dela. Conseguiu não responder ao chamado. Ela não tentou forçá-lo, pois tinha certeza de que,
com o tempo, sua fome o levaria à loucura e ele seria obrigado a segui-la.
No dia seguinte, a dor começou. Fome, angústia, uma necessidade tão violenta que seu corpo inteiro doía. Achou que ficaria doente e sentiu sua força abandoná-lo.
Da proa do navio, avistou um golfinho, e suas entranhas se torceram com tanta intensidade que ele quase se dobrou ao meio, cego de dor. Mesmo à distância, sentia
o sangue quente do mamífero.
Foi então que descobriu o próprio poder. Concentrando-se no golfinho, fechou os olhos e se moveu junto com ele, sentindo-lhe o movimento na água. Incitou-o
a se aproximar até o navio. Poderia estender a mão, agarrá-lo... Contudo, ao abrir os olhos, deu-se conta da beleza da criatura e da confiança que depositara nele.
Estava com as mãos sobre o animal e poderia tê-lo puxado sem esforço.
Nade, pensou. Nade para longe.
O golfinho afastou-se depressa, e Lucian sentou-se no chão do navio, tremendo. Não queria pessoas, não queria um mamífero. Sentindo uma dor diferente, olhou
para as mãos. A água salgada o queimara! Água salgada podia matar. Com essa descoberta, voltou para a cama.
Quando dormia, ela o visitava. O dia era o momento. Ele não tinha poder, vontade nem força. Ainda assim, o que ela o fazia sentir! Nunca fora mais viril, nem
chegara a um clímax tão violento. E quando terminava... sentia uma imensa aversão a si mesmo.
No dia seguinte, foi até a proa do navio e considerou a idéia de se jogar no mar. Ficou ali durante horas, pensando, até escutar Wulfgar se aproximar.
- Não faça isso. Não se destrua.
- Por quê?
Wulfgar encarou-o por um longo tempo, imaginando uma resposta. Por fim, encontrou-a.
- Porque você poderia ficar... para destruí-la.
- Um dia, meu amigo, eu poderia me voltar contra você. Perder o controle, destroçá-lo.
- Sim, mas não fará isso.
Ele escutou o assobio do vento e sentiu sua grande força. Havia muitas coisas no mundo que eram más, porém poucas como ela. Viver para destruí-la. Aquilo fazia
sentido.
Mais tarde, naquela mesma noite, sentiu-se contente.
Lucian aprendeu a controlar a fome com ratos, pássaros e outros pequenos animais. Aprendera que o sangue lhe dava força, e aprendera também a se mover com
a mente e a caminhar na água, como ela fizera.
O dia em que se sentiu melhor em um longo tempo foi logo após encontrar um javali. Saíra do navio sozinho, chegara à terra firme e o caçara. Farejara o animal
no ar e sentira-se transformar em um caçador, em um lobo. Correra atrás do javali e o atacara, drenando-lhe até a última gota de sangue. Sabia que desejava sangue
humano e que haveria uma época em que os humanos certos apareceriam diante dele. Fora líder de um povo das Terras Altas, constantemente envolvido em batalhas. Matara
antes, e mataria novamente. Mas, se Deus escutasse uma criatura desprezível como ele, com certeza lhe daria poder e força, pois havia um equilíbrio na natureza e,
caso se tornasse forte, poderia evitar a morte de inocentes.
Eles viajaram pelo mar, provocando destruição da Escócia à Irlanda, Inglaterra e País de Gales. Sophia parou de se divertir ao dar-se conta de que criara um
ser determinado a resistir a ela.
Certa noite, abordou-o.
- Por quê? Você sabe o que é, e não pode voltar atrás. Eu lhe ofereço a chance de governar comigo, de se tornar meu consorte. Sou poderosa, bonita e lhe ofereci
tanto! É um tolo teimoso por me rejeitar.
Dessa vez, fora ele quem sorrira, divertido.
- Você é a tola, mulher ridícula. Acha que tudo o que precisa fazer é tomar, para que um homem, que já foi um ser humano, seja seu. Você não tem noção de beleza.
É horrenda para mim. Não tem ideia do que significa um homem estar com uma mulher. É destituída de amor, de compaixão e até mesmo de razão. Você governa? Não por
muito tempo. Mesmo em nosso mundo, deve haver equilíbrio. Você mata pelo prazer de matar, pelo esporte da crueldade. Se mantiver tais excessos, irá condenar toda
a nossa espécie, e a si mesma!
Afastara-se, sentindo prazer com a fúria que vira nos olhos dela. Mas ela ainda governava o navio e a tripulação viking, e eles continuaram navegando e destruindo.
Um dia, quando o sol estava se pondo e a força da noite se aproximava, chegaram a um vilarejo. Ele sabia que haveria matança. Sofria por quem tinha sido, e
pelas pessoas que morreriam.
Haverá um tempo em que eu governarei. E saberei quem sou, uma criatura, um monstro, um caçador, mas haverá regras para a caça, e elas serão seguidas, e haverá
racionalidade e sanidade, mesmo em meio ao horror...
Ele ouviu os gritos, sentiu o cheiro do sangue, e seu apetite foi despertado. Contudo, resistindo à tentação, permaneceu onde estava. Até que Sophia o chamou,
com a voz provocante e ameaçadora. Foi até a borda do navio, e um horror arrepiante tomou conta dele ao perceber que haviam retornado à sua terra natal. Enquanto
os guerreiros lutavam, Sophia alcançara as mulheres, que corriam com as crianças. Ela agarrou Igrainia.
- Sophia!
Furioso, gritou o nome dela, pronto para ir até a costa. Porém, a batalha terminara, com a vitória dos monstros. Antes que alcançasse a terra, ela retornou
ao navio, com os homens que a seguiam arrastando sua esposa, que tremia, molhada.
- Igrainia... - O nome era um sussurro em seus lábios, uma carícia.
Ela sorriu, um sorriso que dizia que o amor nunca morria, e fitou-o. Os lindos olhos da cor do mar revelavam confiança nele, em sua palavra, em seus pensamentos.
- Ela vai morrer hoje, chefe - afirmou Sophia. Ela ergueu os cabelos de Igrainia, sorriu e entreabriu os lábios, salivando.
Lucian avançou, surpreso com a própria força, e alcançou-a antes que os lábios chegassem ao pescoço de Igrainia. Pegou-a pelo cabelo e pela cintura, afastando-a
de sua esposa. Sophia cambaleou, mas logo recuperou o equilíbrio e atingiu-o com tamanha força que ele foi lançado ao chão. Levantando-se, agarrou-a outra vez pela
cintura, mas levou um pontapé no queixo. Desesperado e enfurecido, socou-a no estômago e, quando ela se dobrou ao meio, atingiu-a no maxilar, fazendo-a gritar de
dor.
Toda a tripulação estava imóvel, assistindo. Ela o fitou e virou-se, deslizando pela extensão do navio até Igrainia. Ele voou atrás dela, não lhe dando tempo
para mordê-la. Sophia, contudo, conseguiu atingi-la com força e lançá-la sobre a proa, no mar.
Lucian agarrou a criatura e atirou-a ao chão com tanta violência que ela permaneceu deitada. No entanto, nada mais importava. Sua esposa estava no mar. Rastejou
até a amurada, pronto para pular atrás de Igrainia, que desaparecera sob as ondas, mas braços fortes o seguraram pelos ombros.
Wulfgar, com os olhos fixos nos dele, disse:
- Não! Você vai morrer...
- Não me importo.
- Mas ela também vai morrer. Nós iremos atrás dela. Nós...
De súbito, Lucian sentiu uma dor intensa e, atordoado, tentou se virar. O lacaio de Sophia, Darian, enfiara uma espada em seu pescoço.
Seu mundo foi invadido pela escuridão.
Quando despertou, a primeira coisa que Lucian viu foi o rosto de Wulfgar.
- Você sobreviveu. É forte. Eles quase cortaram sua cabeça, o que seria o fim.
Lucian sentou-se, esfregando o pescoço, e olhou ao redor. Redes adornavam as paredes. Sentiu o cheiro do mar e escutou o grito de uma gaivota. Aparentemente,
estavam em um pequeno chalé de pescador.
- Onde estamos?
- Na Ilha dos Mortos. O tempo é bravio, e poucos vêm até aqui. Dizem que é um lugar de bastardos, anões, safados, corcundas e leprosos. Foi um lar para os
druidas, bruxas e espíritos. Ninguém vai questionar seu poder.
- Sophia?
- Trouxemos você para cá antes que ela acordasse. Ela acha que você vai morrer. Ninguém acreditou que sobreviveria à profundidade daquela ferida. Sophia ficou
furiosa, pois você a machucou bastante. Teve que dormir envolta em sua mortalha, cercada por pilhas de terra.
- E Igrainia?
- Sabe que ela caiu no mar.
- Sim, mas você foi atrás dela, jurou...
- Eu fiz isso. Procurei, mergulhei diversas vezes... Não consegui encontrá-la, chefe.
Lucian sabia que Wulfgar tentara, mas o pensamento não amenizou a dor que sentia. A escuridão caiu sobre ele, agarrando-o de forma terrível, pior do que qualquer
sofrimento ou agonia que já experimentara. Igrainia. Tudo tinha sido tolerável quando imaginara que, ao menos, suas ações haviam lhe salvado a vida.
- Não se desespere totalmente. Alguns dos homens juram que a viram andando na praia. Ela vem de dia, e desaparece à noite.
- O quê?! Então ela pode estar viva?
- Não sei. Talvez seja seu... espírito.
- Não. Se ela foi vista, é real. Não acredito em fantasmas.
- E por que não? Os escandinavos acreditam em espíritos. Eles nos guiam. Nossos ancestrais nos mandam mensagens por meio das runas. Escutamos nossos oráculos.
Existem muitas forças que não podemos tocar ou ver. Os habitantes locais dizem que ela vem como...
- Como o quê?
- A ilha é irlandesa, meu amigo. E os irlandeses aceitam o fato de você estar morto, mas ainda encontrar-se aqui. E eles crêem no poder da água, do mar. Há
muitas lendas. Sim, você está morto, mas poupou o golfinho aquele dia. Talvez os mestres do mar tenham aceitado Igrainia, e lhe dado uma nova vida.
- O que está dizendo? É louco, homem?
- Eles acreditam em selkies. Mulheres de dia, criaturas do mar à noite. Salvas pelo mar, ou nascidas no mar, elas podem andar pela terra, tocar o homem, mas
então... devem retornar para a água.
- Não. Ela deve ter sobrevivido. Talvez tenha vindo para esta ilha, mas esteja ferida, e não saiba quem é.
- Quem sabe? Talvez você tenha razão, talvez eu esteja certo. Há mais coisas no meu Valhalla, ou no seu céu e inferno, e até mesmo nesta Terra que compartilhamos,
do que qualquer homem um dia saberá.
- Eu não acredito...
- Não acredita? Em espíritos, fantasmas, fadas... ou em sugadores de sangue? Em vampiros? - Wulfgar sugeriu de forma inocente.
- Vou procurar Igrainia até a eternidade.
- Mais tarde, você poderá fazer isso. Por enquanto, precisa recuperar a força.
Ele desejara morrer, mas agora queria viver. Para encontrar Igrainia, se ela ainda vivesse. Para destruir Sophia. Mas Darian o ferira gravemente, e estava
muito fraco. Algumas vezes, mal podia se mover, mesmo à noite. Pouco a pouco, contudo, curava-se.
Cavalgava pela ilha com Wulfgar e tornou-se o líder dos desajustados que ali residiam. Passou a caminhar até a praia durante a noite, quando sua força era
maior. Bebia grandes quantidades de sangue de ovelha. Porém, desejava mais e sabia que, ferido como estava, precisava de mais.
Havia um fazendeiro na ilha que espancava cruelmente a esposa. Lucian escutou as discussões entre eles algumas vezes, durante suas cavalgadas noturnas, quando
procurava mamíferos para atacar. Ela era uma jovem incansável, que trabalhava duro na terra e servia ao marido, um ladrão que fugira da forca em Dublin e a levara
para a ilha.
Certa noite, ouviu-a gritar. Olhou para Wulfgar, desmontou e caminhou até onde o marido a açoitava com um chicote. Atormentado pela fome, Lucian dirigiu-se
até ele, arrancou o chicote de suas mãos e, irado, mordeu-o no pescoço. A mulher observou-o drenar o sangue do homem. Após terminar, ele olhou para a vítima com
repulsa, afastou-se e fitou as mãos cobertas de sangue. Lembrou-se então de decapitar o fazendeiro. A mulher continuava observando. Quando seus olhos encontraram
os dela, a jovem não recuou.
- Obrigada - ela disse suavemente.
- Você sabe o que eu sou. Não tem medo?
- Deveria ter?
- Não.
No dia seguinte, ele teve força suficiente para caminhar até a praia enquanto o sol estava alto, e foi lá que viu sua esposa. Igrainia! Um fantasma? Ele a
chamou.
- Igrainia... - Selkie, diziam os irlandeses. Não acreditava nessas coisas.
Mas poderia tê-la criado com o poder da mente? Ela desapareceria se corresse até lá, para tocá-la, sentir a suavidade de seus cabelos, seu hálito contra o
rosto? Correu, e ela permaneceu onde estava. Era real, carne, sangue e osso. Tocou-a, e seus olhos se encontraram.
-Minha esposa, meu amor... -Tremendo, caiu de joelhos na areia.
- Marido... - ela sussurrou, pondo a mão em sua cabeça. Ele olhou para cima e viu-a sorrir.
- Meu Deus, Igrainia... - Levantou-se e pegou-a no colo, caminhando até o chalé de pescador que transformara em lar. - Como pode estar aqui? - murmurou, deitando-a
na cama. Amava-a tanto e, ainda assim... Sentia seu calor, escutava seu sangue. Nunca poderia feri-la. Ou poderia? A agonia o dominaria? Ele perfuraria seu pescoço
com os dentes, faria amor com ela, roubando seu sangue, seu coração, sua alma?
- Preciso lhe contar...
- Não! - Pressionou o dedo sobre os lábios dele.
- Precisa compreender...
- Eu sei o que você é. E sei que não vai me machucar. - Ergueu os lábios, e se beijaram profundamente. Pressionando as formas femininas contra o corpo, ele
sentiu luxúria e ternura, e era doce experimentar desejo com amor, um desejo profundo, que não dilacerava quaisquer resquícios de alma que lhe tivessem restado,
ao contrário da violência e dos impulsos conhecidos por Sophia.
De maneira insana, tirou as roupas dos dois. Beijou-a nos seios, no ventre, entre as coxas, sentindo-a estremecer, saboreando-lhe a doçura. Pulsando e gemendo,
deliciou-se com as sensações, sentiu-se consumido pelo desejo e pelo intenso prazer e, ainda assim... quase levou os dentes à veia que pulsava no pescoço macio.
Sufocou essa ânsia com todas as forças. Igrainia não parecia consciente disso. Selvagem, com os quadris colados aos seus, os seios contra seu peito, os dedos delicados
agarrando suas costas, os sussurros, as palavras, a úmida explosão...
Ele também atingiu o clímax e, deitando-se ao lado dela, tomou-a entre os braços.
- Achei que tivesse perdido você, que tivesse se afogado. O mar estava frio. As ondas altas, o vento forte. Como pode estar aqui? - ele sussurrou.
- Isso importa? Apenas me ame, como eu amo você.
Ele a abraçou. Quando o sol ficou mais forte, Lucian enfraqueceu. Sentando-se na cama, ela acomodou-lhe o rosto entre os seios e acariciou-o.
- Igrainia. - Ele queria falar. Ficar acordado.
- Durma. Descanse. Cure-se.
Os dedos suaves eram mágicos e, no chalé escuro, ele dormiu. Quando acordou, ela não estava mais ali.

Antes que Jade conseguisse sair, o telefone tocou pela segunda vez. Era Shanna, dizendo que passaria em sua casa, caso Rick tivesse ido embora.
- Na verdade, ele não ficou.
- O quê? E eu saí cedo da cama e fui até a casa de papai bancar a babá apenas para Liz não perturbar seu pequeno ninho de amor!
- Está tudo bem?
- Sim. Peter teve uma febre, mas foi medicado. Eu levantei da cama porque achei que você estivesse ocupada! Vai ter de explicar quando eu chegar aí!
- Shanna...
Ela desligou. Algum tempo depois, ao chegar, estava impaciente e desgostosa.
- Nada aconteceu? Por que Rick foi embora?
- Ele estava exausto e doente. Bem, eu estava indo à delegacia e, como você está aqui, pode ir comigo. Rick pediu a Gavin que descobrisse mais sobre o que
aconteceu em Nova York.
- Ah, meu Deus! Que bem isso vai fazer? Digamos que você esteja em perigo... nem sequer vai se esforçar para dormir com um bom policial! - Shahna meneou a
cabeça, virou-se e saiu. - Não acredito que deixou Rick ir embora.
- Shanna, ele está doente, e sexo não vai melhorar nada. Pare com isso. Está me perturbando.
- Certo, vou deixá-la em paz. Vocês dois podem continuar com essa relação doce, platônica e entediante. Não vou mais torturá-la.
- Promete? - Não.
Andaram até a delegacia, que não ficava longe. Jade sabia que não encontraria Rick, mas ficou feliz ao saber que ele telefonara e dissera que dormiria o dia
todo.
- Ele está com uma gripe horrível - o sargento comentou.
- Eu sei. Vou fazê-lo ir ao médico se ele não melhorar. Você poderia chamar Gavin para mim, por favor?
- Claro.
Gavin Newton era um dos melhores amigos de Rick. Rechonchudo e gentil, era um excelente detetive de homicídios. Após cumprimentá-las, levou-as até sua mesa.
- Ele era mesmo o seu sujeito. Recebi as informações hoje. Vejamos... aqui está o fax sobre Hugh Riley.
Estendeu a Jade uma folha de papel. Nela, havia o nome dele, altura, peso, cor dos olhos e do cabelo e idade. Aparentemente, ao regressar da Escócia, ele trocara
de fraternidade e, para ser admitido na nova, passara por alguns testes. Na última noite, tivera de contar histórias de fantasmas no cemitério. Fora quando os homicídios
tinham ocorrido.
- À meia-noite - Jade murmurou. - Meu Deus, Gavin, é a mesma coisa que aconteceu na Escócia!
- Jade, se houver semelhanças, o FBI entrará em contato com você. Eles serão chamados. - Mexeu nos papéis sobre a mesa, selecionando um jornal. - Você não
é a única que se lembra do que aconteceu. Este repórter comenta o fato de Hugh Riley ter sobrevivido a um ataque na Escócia apenas para morrer em Nova York.
Jade leu rapidamente o artigo e passou-o para a irmã.
- O que você acha? - Shanna indagou. - São as mesmas pessoas?
- Talvez - Gavin admitiu.
- E talvez haja um novo culto no mundo. - Escutaram a voz profunda de Al Harding, o parceiro de Gavin, que se aproximou. - Não tenha medo. Os detetives de
Nova York são excelentes, Eles vão esquadrinhar aquele cemitério atrás de cada evidência e pegarão os malucos!
- Com todo o respeito aos policiais nova-iorquinos, os ingleses da Scotland Yard não são tolos e esquadrinharam o cemitério também, mas não encontraram nada.
Eu imagino se deveria ligar para alguém. Talvez eu possa ajudar.
- E talvez possa apenas reviver um pesadelo - interferiu Shanna. - E quem sabe a mídia divulgue seu nome e, caso isso se trate de um grande culto e alguém
esteja atrás de você, possa se colocar em um perigo ainda maior.
- Vou falar com alguém que esteja investigando o caso - disse Gavin. - E, se alguém quiser conversar com você a esse respeito, pedirei para serem discretos.
Está bem?
- Sim, Gavin. Ótimo. Obrigada.
- Jade - começou Al -, pelo que li e escutei... Você falou a respeito do homem que a salvou e desapareceu, e sobre pessoas que saíram de caixões para atacar
o grupo. Bem, quero dizer, espero que você perceba que... elas eram apenas pessoas doentes. - Ele corou. - Você falou sobre... sobre...
- Vampiros? - Shanna sugeriu.
- Sim - concordou Al. - Você sabe que não pode ir ao FBI falando maluquices como essas.
- Talvez existam vampiros, Al.
De novo, foram interrompidos por outro oficial que entrava. Era alto, bonito e tinha cabelos escuros.
- Ah, tenente Canady, só porque aqueles velhos assassinatos...
- Al, com licença. - Ele andou até Jade, sorriu e estendeu a mão. - Sean Canady. Como vai? Se estamos lidando com um culto, é possível que pessoas que acreditem
ser vampiros estejam envolvidas. E a mente humana é muito poderosa. Poucos irão acreditar que você se deparou com um culto real de vampiros, mas posso lhe prometer
que, se souber de algo, se pensar em algo, se recordar algo, eu ficarei mais do que feliz em ouvi-la.
- Muito obrigada - disse Jade. Shanna deu um passo à frente.
- Ela é Jade MacGregor.
- Eu sei. Vi os artigos a respeito dos assassinatos na Escócia no ano passado.
- E eu sou a irmã dela, Shanna.
- Muito prazer. - Ele sorriu. - Se esses palhaços estiverem debochando de vocês, liguem para mim. Vou escutá-las. - Olhou para Jade. - Vi que Hugh Riley estava
entre as vítimas em Nova York.
- E você lembrou o nome dele dos artigos sobre a Escócia? - indagou Gavin.
- Assassinatos acontecem todo dia, no mundo todo, e você reparou no nome dos sobreviventes de um massacre na Escócia? - Shanna perguntou, desconfiada.
- Sou um detetive.
- E um bom detetive - admitiu Al. - Eles o designaram para o caso do garoto?
- Sim. Haverá uma força-tarefa. Jade, Shanna, foi um prazer conhecê-las. Se houver algo que eu possa fazer, é só falar.
Elas agradeceram, e Sean saiu da sala.
- Aí vai um homem lindo. - Shanna suspirou.
- Ele é casado - informou Gavin -, mas eu estou disponível.
- E você é incrível! - ela apressou-se a dizer.
- Mas você é linda, tem vinte e quatro anos, e eu não. - Ele sorriu. - Se algum dia ficar desesperada...
- Uma garota não teria que estar desesperada - Shanna garantiu com doçura. - E eu teria ido com você ao cinema hoje... se tivéssemos tido essa conversa ontem.
- O que aconteceu desde ontem? - indagou Jade.
- Eu conheci alguém hoje de manhã, na cafeteria, antes de ir à sua casa.
- Você não me contou!
- Eu só concordei em sair com ele. Na realidade, nem isso. Eu apenas disse que ia ao cinema, mas ele estava doente, e pode ser que não apareça.
- Ainda assim, não me contou que conheceu alguém.
- Bem, eu estava ansiosa para saber da sua vida. - Sorriu para Gavin e Al. - A vida dela é bem mais interessante do que a minha. Por enquanto.
- Precisamos ir - disse Jade - e deixar os cavalheiros voltar ao trabalho.
- Ah, Gavin, com as garotas aqui, eu quase me esqueci - falou Al. - Fomos chamados ao necrotério. O legista fez uma descoberta curiosa a respeito do jovem
que morreu no acidente. Vamos?
- Claro, vou apenas pegar minha jaqueta. Não está sendo um outubro ótimo, meninas?
- Sim. Bonito, fresco, agradável - Shanna concordou. - Na verdade, vamos sair agora e comprar algumas abóboras para enfeitar para o Halloween, não é, Jade?
- Claro. Bem, obrigada, rapazes. Até mais - Jade despediu-se.
As duas foram até o mercado de rua comprar as abóboras e voltaram ao apartamento de Jade. Passaram algum tempo esculpindo-as para o Halloween antes que Shanna
anunciasse que tinha de ir, pois precisava se arrumar para o encontro no cinema.
- Jade, aposto que Rick virá aqui hoje. Tente não estragar as coisas - recomendou ao sair.
- E você, não aceite se encontrar outra vez com esse sujeito até sabermos mais a respeito dele.
- Sim, senhora! Tranque a porta.
Shanna mal havia saído quando o telefone começou a tocar. Era Rick.
- Não conseguirei ir até aí hoje à noite - ele falou. - Estive péssimo o dia todo. Dormi bastante, mas agora preciso ir ao necrotério, pois o legista parece
acreditar que há algo errado no caso do acidente.
- Ah, a força-tarefa para a investigação...
- Ei, o que você sabe a esse respeito?
- Shanna e eu fomos falar com Gavin hoje.
- Jade, eu disse que iria com você.
- Eu estou bem. - Ela hesitou antes de prosseguir: - Eu até conheci um policial que acha que pode haver gente que acredite ser vampiro e...
- Sean - ele a interrompeu. - Tenente Canady. Houve alguns terríveis assassinatos aqui em Nova Orleans. Sean participou da solução deles, mas muita coisa não
foi respondida.
- Você parece não confiar nele.
- Não é isso, eu apenas acho que ele poderia reavivar medos antigos e... Ele é um bom sujeito. Só talvez não bom para você no momento.
Ela não respondeu.
- Então você está indo para o necrotério?
- Sim, e de volta para casa. Mal consigo ficar em pé. Você me perdoa por eu estar imprestável?
- Não há nada para perdoar.
- Você é a melhor coisa que já me aconteceu.
- Você também, Rick. Ligue para mim amanhã.
- Ligo, sim.
Ela desligou. Curiosamente, sentia-se... aliviada. Voltou à sala de jantar, onde Shanna e ela tinham trabalhado com as abóboras, secou-as e pôs velas dentro
de cada uma. Ao observá-las, notou que a de Shanna parecia malévola.
Sentiu-se desconfortável e, para sua surpresa, percebeu que estava com medo. Apagou as velas e colocou as duas abóboras na varanda. Ao entrar, deu-se conta
de que estava agitada e decidiu que não queria ficar em casa.
Escutava a música e as risadas que vinham da rua. Aquela era sua cidade. O bairro francês era lindo, e ela conhecia os lojistas da vizinhança e os garçons
das cafeterias. Iria tomar um drinque ou um café.
Escovou os cabelos, pegou uma jaqueta e saiu. Talvez estivesse mesmo precisando de uma caminhada.

Terry Broom era jovem e relativamente novo no trabalho de legista, para o qual fora contratado por Pierre LePont. Após mostrar ao chefe suas descobertas, ele
o orientara a convocar os detetives de homicídios.
Um legista representava a última grande esperança de uma vítima. A tarefa precisava ser executada com o máximo respeito e com muito esforço, a fim de garantir
que o assassino fosse levado à justiça ou de concluir que se tratara realmente de um terrível acidente.
Dessa vez, Terry quase fora enganado pelo que aparentara ser óbvio. Vidro por toda parte, cortes em todo lugar... Era fácil ver como atravessar o pára-brisa
podia causar danos trágicos a um ser humano. Porém, desde que examinara o corpo pela primeira vez, algo o perturbara. Algo além do óbvio.
No momento, cercado por policiais, ele fez um gesto para que o jovem assistente retirasse o lençol. Daniel, pálido, obedeceu. Os policiais ficaram imóveis,
fitando o cadáver. Com um dedo enluvado, Terry tocou a fenda no pescoço da vítima.
- Se observarem minha preocupação... Não acho que a violência e a força com que o garoto foi lançado pelo pára-brisa pudessem causar esses recortes em forma
de dente.
Ao olhar para cima, ele percebeu que todos o encaravam. O tenente Sean Canady, seu parceiro, Jack Delaney e o terceiro policial em sua equipe, Mike Astin,
estavam de um lado da maça. Do outro, Gavin Newton e Al Harding.
O sexto policial não fazia parte do setor de homicídios. Rick Beaudreaux trabalhava com jovens, drogas e relações públicas. Ele explicaria aquela morte para
a família do garoto e para a imprensa. Rick estava gripado. Esforçava-se para não espirrar e estava ainda mais pálido que os outros homens. Na verdade, parecia quase
tão mal quanto o cadáver.
- Recortes em forma de dente?
- Estão vendo isto aqui? - Apontou as bordas denteadas da carne. - Isso é o que se obtém esfregando o vidro para a frente e para trás. Vêem como parece carne
cortada? Esse tipo de ferimento é feito com uma faca, ou um objeto cortante, raspando, rasgando a carne...
- Sim, estamos vendo - Sean o interrompeu. - Então, o garoto já estava morto quando atravessou o pára-brisa?
- E o que eu acho.
- Ele foi morto e posto no carro, que foi conduzido por mais alguém em direção à árvore - disse Sean.
- Isso não faz sentido - disse Gavin.
- Na verdade - murmurou Jack -, faria sentido se você fosse um assassino que quisesse escapar da acusação de assassinato.
- Ele já estava morto, foi lançado pelo pára-brisa e quase decapitado com o vidro? - questionou Al.
- Por alguém usando o vidro quebrado como uma faca... para serrar - disse Sean. - É isso, dr. Broom?
- Sei como isso soa, mas... sim.
- Bem, cavalheiros - Sean olhou para os colegas -, foi homicídio.
- Será um caso e tanto para resolver - Al comentou. - O garoto estava assustado.
- Duvido que possamos começar a imaginar o quão assustado - resmungou Sean, virando-se em direção à saída. Chegando à porta, deteve-se. - Ouvi dizer que o
rapaz estava usando outro nome. Vocês conseguiram os documentos com sua identidade verdadeira?
- Sim. - Após olhar os papéis, Terry respondeu à pergunta.
De repente, Sean parecia pior do que Rick. Ele baixou a cabeça e saiu da sala.

* * *
Outubro era uma época festiva em Nova Orleans, que adorava uma boa desculpa para festas a fantasia. Casas mal-assombradas espalhavam-se em diversas partes
da cidade, mas havia também as atrações habituais. Um lugar que oferecia striptease ao lado de uma loja de brinquedos, uma livraria e cafeteria perto de um respeitável
hotel histórico, vizinho a uma sex shop. Jazz tocava em duas esquinas, um casal de negros cantava na rua. Um jovem bêbado bateu no ombro de Jade e se desculpou profusamente.
Ela entrou no Drake's. Conhecera Derrick Clayton, o proprietário do bar, e garçom às sextas-feiras à noite, na escola, e ele se casara com Sally Eaton, uma
de suas melhores amigas. Cada vez que ia até lá, ele tinha novas fotos dos filhos para mostrar.
- Olá, Derrick! - cumprimentou-o, sentando-se em um banquinho nos fundos.
- Olá, minha linda.
- Tem alguma nova foto?
- Sempre. Sabe que vou fazer você vê-las, não é? O que vai beber?
- Uma cerveja.
Derrick serviu-a e entregou-lhe um envelope com fotos. Vendo-as, Jade experimentou uma leve sensação de perda, um desejo maternal e um arrepio. Encontrara
o homem certo, e seu negócio era um sucesso. Poderia se casar, se parasse de ter sonhos eróticos com um estranho que entrara e saíra de sua vida em uma noite de
puro terror.
Quando Derrick terminou de servir os outros clientes no balcão, voltou para falar com ela.
- Os garotos estão lindos, como sempre.
- Obrigado, Jade. E você? Quando vai começar a procriar com aquele policial com quem está namorando?
- Nós não somos nem mesmo noivos. Mas quando eu for me casar, você será o primeiro a saber.
- Ótimo. Ah, com licença, preciso atender a excursão que está chegando.
- Não sabia que você estava no circuito das excursões.
- Não estou, mas há muitas companhias pequenas no momento, por causa da temporada do Halloween. - Ele a deixou.
Jade continuou tomando sua cerveja. O grupo de turistas havia enchido o bar. Sabia que, durante a Guerra Civil, a dona daquela casa tinha se enforcado no andar
de cima após alguém divulgar seu relacionamento com um soldado da União. O guia contava essa história. A princípio, ela apenas ouvia o som da voz dele. Porém, logo
se conscientizou de que ele soava levemente familiar. Enrolava os erres...
Levantou-se e andou na direção do grupo, que estava saindo do bar. Meia dúzia de pessoas bloqueava a saída. Adiante, avistou o guia, que vestia uma capa negra.
Seu coração acelerou. Muitos guias usavam capas de Drácula em Nova Orleans, afinal, era a cidade de Anne Rice. Contudo, eles não necessariamente tinham sotaque escocês.
Ele estava muito à frente. Jade o seguia. Começou a correr pela rua, aterrorizada, mas decidida. Colidiu com um grupo de farristas fantasiados, que se dirigiam
a uma festa de Halloween.
- Com licença, com licença...
Continuou correndo, desviando-se das pessoas. Na Bourbon Street, o movimento aumentou, e ela tentou acompanhá-lo. Quando alcançou um homem usando uma capa
negra, pegou-o pelo ombro e o virou. Nunca o vira antes. Desculpou-se e permaneceu parada no meio da rua, sentindo a multidão passar por ela, escutando risos e música...
De súbito, a rua pareceu esvaziar diante de si. Mais à frente, sob a luz da rua, havia um homem.
O homem. Ele.
Fazia mais de um ano que Jade não o via, exceto em sonhos. E ele estava ali. Alto, moreno, impressionante. Sua camisa de mangas compridas era preta, como a
calça. As mãos estavam enfiadas casualmente nos bolsos. Ele poderia ser um turista atraente: um homem de negócios, um músico, um político... qualquer turista. Mas
não era.
Começou a caminhar na direção dele, quase certa de que ele desapareceria. Porém, ele permaneceu imóvel, aguardando. Não se virou, nem sumiu.
Jade era razoavelmente alta, mas foi obrigada a olhar para cima para fitá-lo. Sim, era ele mesmo, em carne e osso. O cabelo escuro, o físico delgado e musculoso.
Os olhos... como âmbar. Como fogo.
- Olá, Jade - ele disse suavemente. - Precisamos conversar.
Precisavam conversar? Ele estivera presente durante a noite em que correra um enorme perigo e em que se sentira apavorada. Provavelmente salvara sua vida,
antes de ir embora, deixando a polícia acreditar que ela era louca, levando-a a duvidar da própria sanidade. E então entrara em seus sonhos, invadira seu sono, roubara
sua alma. Ele a tocara, de alguma forma. Fora real. Arruinara suas chances com o homem mais perfeito que já conhecera.
- Jade?
- Seu bastardo! - Estapeou-o com força.
Talvez tivesse sido uma atitude insensata. Ele era alto e forte e, se levasse a mal... O medo, ou talvez o instinto, a fez erguer o braço outra vez, mas ele
o segurou, levando-a a atacá-lo com palavras.
- Bastardo! Você estava lá. Viu tudo e desapareceu. E, o mais espantoso, eu comecei a sonhar com você...
Ele pegara sua mão no ar, e agora segurava seu pulso. Com gentileza? Não sentia o aperto, mas sabia que não teria conseguido mover-se, caso tentasse.
- Que diabos está acontecendo? - ela indagou.
- Não sei o que quer dizer.
- Acho que sabe, sim. De repente, ele se afastou.
- Eu mal conheço você. Com licença.
Para seu espanto, ele se virou e começou a se afastar. Boquiaberta, com as mãos nos quadris, ela ficou olhando.
- Com licença? - repetiu e correu atrás dele. - Ei! - Pegou-o pelo ombro. - Você não pode simplesmente se afastar de mim.
- Eu deveria ficar parado para você me bater outra vez?
- Não, não... mas você... tem que falar comigo!
Ele arqueou a sobrancelha, fazendo-a ter vontade de atingi-lo de novo. Ele era atraente de uma forma quase assustadora, devastadoramente bonito, com um ar
de autoconfiança, segurança, e até de arrogância. Ela cerrou os punhos.
- Ótimo! Não fale comigo! - Começou a se distanciar. Ao notar que ele não a seguia, Jade parou e voltou-se.
Ele estava esperando, com um leve sorriso nos lábios carnudos.
- Quem diabos é você? - ela sussurrou. - O que está acontecendo?
- Onde está o seu policial, o oficial Beaudreaux?
- Ele... está doente. Espere um minuto, o que você sabe sobre...
- Estou em Nova Orleans há alguns dias. Naturalmente, desejava vê-la e fiz algumas perguntas.
- É mesmo? - Voltou para perto dele. - E com quem você falou?
- Um homem nunca entrega suas fontes.
Jade teve o impulso de afastar-se de novo, mas se conteve. O homem estava ali e, mesmo ele sendo impossível, era onde queria mantê-lo. Talvez ele tivesse sentido
que estivera prestes a se distanciar, pois colocou a mão em, seu braço. Ela estremeceu, lembrando-se de estar com ele...
- Eu... Eu...
- Vamos tomar um drinque? Podemos ir ao bar de seu amigo.
- Por que não? - Ela começou a caminhar. De repente, empalideceu e virou-se para fitá-lo. - Eu achei ter visto... achei ter ouvido...
- Sim, eu também achei.
- Espere um minuto! Eu não terminei minha frase. Achei ter visto...
- O guia turístico da Escócia. Eu sei. Não era ele.
- Tem certeza?
- Sim.
Quando chegaram ao bar, ela quase pulou ao sentir a mão dele nas costas. Era assim que se desejava alguém, pensou. O toque mais leve, aqui, ali, em qualquer
lugar, à noite, de manhã, na dor, no prazer...
Derrick os viu retornando.
- Ei, garota, vi você correndo. Tome uma cerveja fresca. - Fez um gesto de cabeça para seu acompanhante. - Senhor, o que vai beber?
- O mesmo que Jade.
- Derrick Clayton, este é...
- Lucian DeVeau - ele apresentou-se, apertando a mão de Derrick.
- Lucian, prazer em conhecê-lo.
- O prazer é meu.
Sentaram-se, e Jade o encarou, tomando um gole de cerveja. Ali estava ele, finalmente. Deveria chamar a polícia, mas sabia que ele desapareceria antes que
os oficiais chegassem. Ele se virou no banquinho, olhando a banda que começara a tocar. Estudou-lhe o rosto poderoso, charmoso e arrogante. Era um homem que conhecia
sua força e habilidades.
- É real? - ela indagou.
- O quê? - Fitou-a, com os olhos negros como a noite, com aquele vago reflexo avermelhado.
- Seu nome.
- Sim, é real.
- É francês. Eu o encontrei na Escócia. Você disse que vinha de lá, mas DeVeau não é escocês.
- As pessoas se mudam.
- Então de onde sua família é, originalmente?
- É provável que da França.
- Você fala francês?
- Sim, gosto da língua.
Frustrada, ela não conseguia chegar a lugar nenhum.
- Você salvou minha vida, mas depois sumiu, deixando que todos pensassem que eu era viciada em drogas ou maluca.
Ele tomou um gole de cerveja, sem fitá-la.
- Eles sabiam que não usava drogas. Levaram você para o hospital e, tenho certeza, examinaram cada fluido em seu corpo.
- Mas você... foi embora!
- Eu tive de ir. Não estava em muito boa forma.
- Você sabia o que ia acontecer.
- Não, eu temia que algo pudesse acontecer - ele a corrigiu.
- Você não é um policial.
- Não.
- Obviamente. Se fosse, teria ficado para falar com os outros.
- Já lhe disse que estava ferido.
- Sabe de uma coisa? Não acho que você seja real. Mesmo agora, sentado a meu lado. Vai desaparecer no ar outra vez a qualquer instante...
- Jade! Lucian!
Jade virou-se depressa, surpresa por alguém que conhecia saber quem era ele, e deparou com Daniel Thacker. Encarou Lucian, que deu de ombros. Seus olhos falavam
de forma eloqüente: Veja, sou real, estou aqui!
Danny estava evidentemente alcoolizado.
- Meu Deus, é bom ver vocês dois! - Pôs um braço ao redor de cada um.
- Danny... - Jade murmurou. - Você conhece Lucian?
- Claro. Ei, Jade, Luke está pensando em escrever. Acho que ele podia se juntar ao nosso grupo de quarta-feira. - Inclinou-se para mais perto de Jade e sussurrou:
- Ele é rico. Velha aristocracia européia. Poderíamos aproveitá-lo!
Ela arqueou a sobrancelha. Seria verdade?
- Eu gostaria de me unir ao grupo - disse Lucian.
- Não somos um grupo de verdade - ela esclareceu.
- Ah, sim, de repente ela e o sr. Durante estão nas listas dos mais vendidos, e não somos mais um grupo.
- Danny, você está muito bêbado! Acho que eu deveria levá-lo para casa - sugeriu Jade.
- Não, você não pode ficar sozinha. Mesmo aqui, no bar do Derrick. Há coisas ruins acontecendo.
- Danny, estamos em Nova Orleans. Temo que haja muitas coisas ruins acontecendo.
- Não, nós temos cadáveres.
- Pessoas mortas normalmente são cadáveres, Danny.
- Normalmente - Lucian murmurou. - Você tem razão, Jade, precisamos levá-lo para casa.
- Você não sabe o que eu vi, Luke. Lucian.
- Acho que eu sei - ele retrucou. Quando Jade o encarou, prosseguiu: - Depois eu conto para você.
- Conta mesmo? Ou vai desaparecer?
- Não vou desaparecer.
- É isso mesmo. Não vou deixar você sumir. Vamos levar Danny para casa, e então você irá até o meu apartamento.
Lucian hesitou, baixando a cabeça por um instante. Quando ele a fitou, Jade sentiu uma estranha onda de calor percorrer sua espinha. A misteriosa chama vermelha
havia aparecido nos olhos dele outra vez.
- Isso é um convite?
- É uma ordem - murmurou, apesar de saber que ele não obedecia a ordens, a não ser que desejasse.
Danny pôs as duas mãos no rosto de Lucian, forçando-o a encará-lo.
- Ela precisa ser muito, muito cuidadosa, Luke.
- Deve ter sido um dia difícil no necrotério - Lucian comentou. - Vamos levar você para casa. Acho que estamos todos seguros hoje à noite.
- Ah, é? - Danny indagou. - E como você sabe?
- Intuição.
Lucian levantou-se. Ele era ainda mais alto que seu amigo, que não era pequeno. Apesar de fazer muito tempo que conhecia Danny, Jade nunca o vira daquele jeito.
Ia pôr dinheiro no balcão para pagar as bebidas, mas, ao notar que Lucian já fizera isso, encarou-o.
- O mínimo que posso fazer é pagar um drinque para você.
- E ele vai protegê-la das criaturas da noite - Danny acrescentou.
- E como eu sei que ele não é uma das criaturas da noite?
- Você não sabe - retrucou Lucian. - Vamos?
Ele passou um braço pelas costas de Danny, que se pendurou no ombro dele, seus pés mal tocavam o chão.
Do lado de fora, ouvia-se o som de jazz, luzes de néon estavam acesas e risos preenchiam as ruas. A costumeira cacofonia de sexta-feira à noite reinava.

Sean chegou à velha mansão da família, onde vivia com a esposa e o filho. Ela aguardava na entrada, como se soubesse que ele estava chegando. Algumas vezes,
ainda tinha essa habilidade. As mãos estavam cruzadas diante do corpo. Tentava aparentar serenidade, mas a agitação se revelava em seus olhos.
- Você sabe? - ele indagou.
- Tentei falar com você na delegacia e no celular, mas a bateria tinha acabado.
Ele entrou e beijou-a apaixonadamente antes de se afastar.
- Eles estão de volta - Sean afirmou simplesmente.
- Sim. Lucian esteve aqui. Quer um drinque?
- Um bem grande.
Ela se dirigiu à sala de estar e serviu-lhe um uísque.
- Eu estive no necrotério o dia inteiro porque o acidente de carro noticiado nos jornais não foi um acidente. O rapaz estava morto antes de bater na árvore.
A cabeça estava quase separada do corpo porque foi serrada com o vidro quebrado do pára-brisa após a morte.
Boquiaberta, ela não disse nada.
- Onde está Lucian? - ele indagou.
- Ele queria falar com você, mas como você demorou, insistiu que precisava ir. Porém, prometeu que voltaria.
- Ele está preocupado com a garota MacGregor?
- A mulher que sobreviveu aquela noite na Escócia? Ele não falou nada. Como suspeitávamos, ele estava lá. Sabe quem... destruiu aquelas pessoas em Nova York.
Falou um pouco, mas não estava bem, e eu o fiz descansar. Quando acordou, sentiu-se desassossegado e foi embora.
- Então ele foi atrás dela.
- Sean, Lucian acha que feriu esse sujeito gravemente, e que ele terá de ir para algum outro lugar enquanto se cura.
- Tem certeza de que não sabe para onde Lucian foi?
- Ele não me disse... Pode estar em qualquer lugar, mas vai voltar. Quer ver você. E acho que ele precisa de nós.
- Maggie, ele precisa saber quem era o rapaz morto na colisão.
O pequeno apartamento de Danny ficava na sobreloja de uma sex shop. No caminho, ele cochilara algumas vezes. Lucian o carregara, enquanto ela apontava o caminho.
- Aquelas escadas ali - Jade indicou.
Levaram-no para cima. Danny começou a cantar enquanto subiam os degraus. No último, ele riu.
- Entrem, venham conhecer a minha mansão! Lucian o levou para dentro, e Jade correu para abrir o sofá-cama, no qual o amigo desabou.
- Nunca o vi assim - ela comentou, tirando-lhe os sapatos.
- Todos os homens têm um limite, às vezes, eles precisam perder o controle.
- Hum, diga-me, você costuma perder o controle?
- Não. Vamos?
- Você já perdeu o controle?
- Sim. Vamos?
- A trava vai se fechar automaticamente quando sairmos, mas eu gostaria que houvesse uma forma de trancarmos a porta.
- Ele ficará bem.
- Como pode ter certeza? Ele está com medo de alguma coisa.
- Ele está em casa, adormecido. Vai ficar bem.
Jade não soube por quê, mas acreditou. Desceu as escadas, consciente da presença dele e da ridícula sensação de já terem estado juntos. Bem, isso acontecera,
pelo, menos de certa forma. Ele admitira ter salvado sua vida em Edimburgo, e ela fora encontrada em uma mortalha, portanto, ele estava familiarizado com ela. Por
inteiro.
Enrubesceu enquanto caminhavam. Ele tomou-lhe a mão, conduzindo-a pela multidão. De súbito, ela se deteve, fazendo-o parar.
- Por que estou sonhando com você?
- Porque eu sou devastadoramente bonito? - ele sugeriu.
- Tenho saído com um homem que é doce, gentil e devastadoramente bonito.
- Mas não sonha com ele.
Jade corou de novo e voltou a caminhar.
- Eu não disse com o que tenho sonhado - murmurou. Ele a seguiu, e logo chegaram ao apartamento.
- Quer beber algo? - ela ofereceu ao entrarem.
- O mesmo que você.
Ela optou por vinho e serviu-o. Tomou um gole da bebida antes de indagar:
- Por que você sumiu em Edimburgo?
- Foi necessário.
- Poderia ter ajudado a polícia.
- Não, eu não poderia.
- Eles mataram de novo em Nova York.
- Acredito que sim.
- Por que você está em Nova Orleans?
Lucian hesitou um instante e então encolheu os ombros.
- Por sua causa.
O coração de Jade batia com força. Não o conhecia de verdade. Escócia. Alguns sonhos eróticos. E agora. Deixando a taça sobre a mesa, aproximou-se dele e o
encarou.
- Estava em Edimburgo por minha causa?
- Não - ele retrucou com um sorriso pesaroso. - Estava lá porque ouvi a respeito de um guia e de um passeio turístico pelos subterrâneos e suspeitei daqueles
que estavam envolvidos.
- E tinha razão. Você vai detê-los?
- Sim.
- Mas não é um policial?
- Não. - Tocou-a no rosto. - Digamos que sou o chefe de um grupo que tem interesse no que está acontecendo.
- E o que está acontecendo? - ela sussurrou, sentindo os dedos dele em seu rosto. Nada em sua vida fora tão atraente ou sedutor. Desejava mais daquele toque.
Aproximou-se, e ele tomou-lhe o rosto entre as mãos. - Você disse que está aqui por mim... porque...
- Você pode estar em perigo.
- Mas eu...
Namoro um policial. Não pronunciou as palavras. Chegou ainda mais perto e ficou na ponta dos pés. A lógica a lembrou de que ele era suspeito, de que mal o
conhecia, o instinto lhe disse que sabia tudo o que precisava saber.
Quando os lábios dele tocaram os seus, não houve dúvidas quanto ao desfecho da noite. O calor da boca sensual era delicioso, a língua invadiu-a, enroscando-se
com a sua em um beijo apaixonado e exigente. Envolveu-o pelo pescoço, e ele a ergueu, apertando-a de encontro ao corpo. Sentia a pressão do peito forte em seus seios,
da virilha contra seus quadris, e isso, aliado aos movimentos da língua em sua boca, excitou-a profundamente. Enterrou os dedos nos cabelos negros, deslizando-os
até a nuca. Ele pousou os lábios em seu pescoço, por um instante, manteve-os ali...
E Jade pôde sentir uma forte pulsação. Seriam os batimentos do coração dele? Não, eram do seu. Pareciam permear seus membros, palpitar entre suas pernas. Sentia
o jeans contra a pele, o tecido da calcinha, o ar, a noite, até mesmo o tiquetaquear do tempo. Ele a abraçava, inspirando e expirando em seu pescoço, e o fogo do
hálito morno a estimulou.
Por fim, ele a conduziu ao quarto. Não sabia como ele chegara ali tão facilmente, tampouco se importava. Agarrou o tecido da camisa dele ao perceber que não
conseguia tirar-lhe a jaqueta com rapidez suficiente. Ele mesmo se despiu e se deitou sobre ela na cama, os ombros largos é musculosos tocados pelo brilho do luar.
Jade estava nua. Não sabia como... não se lembrava. Suas roupas eram uma mescla de algodão e seda na cama, entremeando-se à jaqueta, à camisa e à calça de
Lucian. Ele era lindo, enorme, poderoso... A língua em sua pele, os dedos em seu corpo, o erótico roçar dos dentes em seu pescoço, a palma fechada em seu seio...
Ele a incendiava. Tomou seu mamilo entre os lábios, fazendo-a mover-se de encontro a ele, dominada por ondas de desejo. Beijou o vale entre os seios e chegou ao
umbigo, provocando-a. Acariciou-a nas coxas, baixou ainda mais a cabeça, tocou-a no sexo, que apartou com os dedos e invadiu com a língua. Ela gritou, cravando as
unhas nos ombros fortes...
Quando ele se ergueu, estava sem energia, trêmula, suada, convicta de que não poderia sentir mais, fazer mais... Porém, ele a penetrou, invadindo-a, despertando-a,
completando-a... E como ele se movia!
Atingiu o clímax outra vez, gritando, agarrando-se a ele. Por fim, começou a retornar do lugar aonde fora transportada, e pensou que o sonho que havia tido
fora bom, mas a realidade... Meu Deus, a realidade!
Ainda tremia, ainda sentia... Estava impregnada pelas sensações e pelo sabor masculino. Nunca esqueceria, nunca desejaria outra coisa. Era como a vida, e era
como a morte, como conhecer a sensação real do calor do sol.
Levantou-se de repente, com a certeza de que ele havia ido embora. Contudo, ele se encontrava à seu lado. Era real! Observou-o. Os pelos escuros e encaracolados
no peito afinavam na cintura, e tornavam-se mais espessos outra vez mais abaixo. As pernas eram longas e musculosas, os ombros, largos, como ela sempre suspeitara,
o abdômen, firme...
Ele se apoiou em um cotovelo e indagou suavemente:
- O que foi?
- Você está aqui.
- Sim, estou.
- Sonhei com você - ela sussurrou.
- E eu estive à altura?
Jade não respondeu, pois ele já era arrogante o suficiente. Viu então a cicatriz, longa e branca, no pescoço e ombro, e percorreu-a com o dedo.
- Cicatriz de uma velha batalha?
- Sim, de uma batalha muito antiga.
- Vai me falar sobre isso?
- Agora não.
- Você vai desaparecer?
Ele sorriu, tocou-a no rosto e afastou-lhe o cabelo da testa.
- Agora não. O policial poderia se recuperar da gripe.
- Como você sabe que ele está gripado?
- Algumas vezes, eu sei tudo o que preciso saber. Outras vezes, não. Em geral, posso sentir quando... - Meneou a cabeça. - Esta noite... Nova Orleans está
sossegada.
- Sossegada? É outubro, movimentado como... - Interrompeu-se e o fitou. - Você sabe quem matou as pessoas em Nova York e está temeroso por mim. Tem medo que
eles venham atrás de mim, mas não acha que estejam aqui... ainda.
- Não acho que estejam aqui... esta noite.
Ela o fitou nos olhos. Mal o conhecia, e estava na cama com ele, após o melhor sexo que já imaginara. Virou-se, tentando pensar no que acontecera. Lucian deitou-se
sobre ela.
- Não está arrependida, está?
- Não. Nunca conheci alguém como você.
- Não.
- Nunca alguém... tão arrogante. Ele riu.
- Bem, acho que sim... Mas não, nunca conheceu alguém como eu. E reze para nunca conhecer.
- Você vai embora?
- Não até de manhã... se eu puder ficar.
- Está me pedindo?
- Sim.
- Vai falar comigo?
- Claro. Eu tenho falado com você.
- Sim, mas nunca dizendo realmente a verdade.
- Nunca menti.
- E promete que não vai mentir?
- Prometo que farei o melhor para explicar a verdade, sempre. - Ele se inclinou e a beijou.
Apesar de estar exausta, o toque a despertou outra vez. Se estivesse sonhando, desejava nunca acordar. Mas ele era real. Podia vê-lo, senti-lo, tocá-lo, conhecê-lo...
Mais tarde, quando ele a abraçou, suspirou de felicidade.
- Isso é insano. Eu não conheço verdadeiramente você. É uma criatura da noite? - ela sussurrou.
Ele já estaria dormindo ou havia respondido?
Oh, sim, definitivamente, sou uma criatura da noite.

O mês de outubro havia se tornado comercialmente melhor que o Natal. A Cidade do Terror, um parque temático na Nova Inglaterra, vinha lucrando bastante nos
últimos doze anos. O local crescera e, durante a temporada, muitas pessoas iam trabalhar lá.
Darcy Granger, uma estudante de vinte e um anos, adorava seu emprego. Os efeitos especiais eram ótimos, com luzes negras e máquinas de fazer neblina. O tema
de sua seção era "Noites da Transilvânia". Ela se vestia de negro, com uma maquiagem fabulosa e, deitada em um caixão, assustava as pessoas, levantando-se de repente.
Era divertido. O público gritava e depois ria.
Apreciava a maior parte de seus colegas que, como ela, estavam ganhando algum dinheiro e se divertindo. Eles seguiam as regras. Pareciam assustadores, faziam
as pessoas gritar, mas nunca tentavam provocar um enfarte em alguém.
Com exceção de Tony Alexander. Ele ficara furioso alguns dias atrás porque um rapaz tentara assustá-lo. O sujeito fora um imbecil, mas Tony agira de forma
ainda pior, escurecendo totalmente o lugar e fazendo-o tropeçar. O homem reclamara e gritara com Tony, que tinha descontado a raiva em cada garotinho que visitara
o lugar desde então, sussurrando ameaças e fazendo-os chorar. Depois bancara o inocente, e outro funcionário fora demitido. Além disso, ele costumava assediar as
garotas. Como era sobrinho do proprietário, conseguia manter o emprego.
Com a aproximação do Halloween, a procura pela Cidade do Terror era grande. Darcy estava em um dos trailers onde os funcionários sé maquiavam quando viu o
recém-chegado. Ele era alto e esbelto, mas tinha ombros fortes. Sentiu uma estranha inquietação quando ele a olhou, mas deduziu que ele estivesse desconfortável
com sua primeira noite no emprego.
- Ei, não fique assustado. É divertido.
- Não se preocupe. - Ele sorriu. - Pretendo me divertir. Você gosta de vampiros?
- Claro. São assustadores e sensuais, certo?
- Você é muito sensual - ele disse de forma casual, com um sorriso amigável.
Ela sorriu e, terminando a maquiagem, tocou-o no ombro.
- Boa sorte.
- Obrigado. Boa caçada.
Darcy dirigiu-se ao seu lugar. Sorriu para Thayer Harding, um dos técnicos, que checava as molas do caixão no qual ela ficaria. A trilha pela casa assombrada
era sinuosa, e havia outros garotos em diversas câmaras pequenas como a que ela ocupava. Walkie-talkies ficavam nas paredes em áreas iluminadas de azul, para o caso
de ocorrer algum problema.
- Está tudo bem aí, Darcy? - indagou Thayer. - Eu já terminei. Estamos abrindo.
- Estou dentro. Tudo certo.
Thayer saiu. No interior aveludado do caixão, Darcy fechou os olhos e pensou em sua apresentação para a aula de Literatura Inglesa. O tempo passou, e as pessoas
começaram a se aproximar. Sabia disso, pois um pequeno sensor fazia acender uma minúscula luz vermelha no caixão.
De repente, ela se ergueu. Uma mulher, acompanhada de duas crianças, pulou, assustada, e depois começou a rir. Os meninos também gritaram e riram. Ela mostrou
os dentes e fez um ruído. Quando eles se afastaram, Darcy fechou a tampa do caixão e voltou a praticar sua apresentação.
Jimmy Ersldne adorava casas mal-assombradas, pois faziam as garotas gritar. E tendo Cassie em seus braços... Aquela era a noite em que conseguiria levá-la
para a cama. Havia encontrado o lugar certo. Seria o herói durão, rindo no trajeto da casa do horror, abraçando-a, mantendo-a perto.
Começaram a andar pelo local dos vampiros, que era bastante assustador, repleto de névoa, caixões, luzes escuras e personagens que surgiam aqui e ali. Retardou
o passo, para que ficassem sozinhos.
Ao entrarem em um corredor, Jimmy não se deu conta do caixão adiante, que se abriu com um rangido assustador. A garota que apareceu o fez com tanta energia
que ele pulou.
Sentindo-se idiota, corou e viu o sorriso da vampira, ciente de que o assustara.
- Dentes horríveis! Vestido ruim, caixão ruim.
A garota voltou ao caixão e fechou a tampa. Retomaram a caminhada. Ele estava irritado, pois as coisas não iam tão bem. Ao ver um homem alto e magro vestido
como um vampiro, ele parou.
- Cuidado, aí vou eu! - o sujeito disse, avançando na direção deles.
Cassie gritou de medo, aproximando-se ainda mais de Jimmy. Embora fosse o que ele desejava, sua irritação persistia. E agora aquele idiota estava perto deles.
O ar parecia mais do que enevoado, fazia frio. E os dedos do sujeito, com aquelas unhas longas... Não gostou dele, e teve vontade de socá-lo.
- Não pode me tocar - Jimmy afirmou. - Afaste-se de mim, seu idiota fajuto! Vou quebrar a sua cara.
- Jimmy, por favor! - pediu Cassie. - Esse homem é obviamente um perturbado. Vamos continuar.
Mas Jimmy era um rapaz durão, que já estava bravo por causa do susto que levara.
- Não. Venha, você já era, companheiro.
- Jimmy, não! - suplicou Cassie.
- Pobrezinha - o vampiro disse para ela antes de se virar para Jimmy. - Certo. O jogador de futebol quer me pegar, é? Venha.
Jimmy atacou. Era bom nisso, já quebrara alguns ossos jogando. Porém, o sujeito se movia com uma rapidez impressionante. Golpeando o ar, foi parar no chão
e bateu a cabeça em algo. Tonto, conseguiu se levantar e viu que seu oponente estava perto de Cassie. Impossível. Ninguém poderia ter se movido com tamanha velocidade
naquele espaço estreito. Ela estava imóvel e pálida, com os olhos fixos naquela imitação de vampiro.
- Agora você já era, cretino - ele ameaçou. Atacou-o de novo, mas, dessa vez, o homem não se moveu.
Jimmy chocou-se contra ele, o que se assemelhou a colidir com uma rocha gelada. Ficou paralisado. Seus nervos e músculos pareciam estremecer. A criatura o
pegou, e ele sentiu algo como um hálito de fogo no rosto. Viu-lhe os olhos e fitou o abismo...
Impotente, observou o sorriso do vampiro se aprofundar antes que ele abrisse a boca e enterrasse as presas em seu pescoço. Ouvia-o beber seu sangue enquanto
o calor era drenado de seu corpo. Até o fim, escutou o som... e Cassie... chorando.
Quando a criatura terminou, ergueu-o e torceu-lhe a cabeça, separando-a do corpo. Cassie ainda assistia à cena, aterrorizada, chorando.
O vampiro fitou a garota encantadora. E desfrutou de seu tempo com ela.
O grupo seguinte era composto por pai, mãe, tia, três adolescentes e um tio-avô. Eles permaneceram juntos, assustados, divertindo-se, pulando ante qualquer
efeito especial. Ao verem os pedaços de corpos, emitiram exclamações deliciadas. A Cidade do Terror fizera um trabalho excelente. O sangue e as vísceras pareciam
tão reais!
Prosseguiram o passeio tranqüilamente.

* * *
Ela escutou uma batidinha no caixão.
- Darcy, estamos fechando. Abriu a tampa e viu que era Tony.
- Recebi uma chamada no walkie-talkie. Estão tendo problemas com as luzes e acham que alguns garotos estão se escondendo, pois não reapareceram. Vamos, me
dê a mão, querida. Vou ajudá-la a sair daí.
Darcy poderia ter saído sozinha, mas, não querendo ser rude, aceitou a ajuda.
- Obrigada. - Começou a se dirigir à saída dos fundos.
- Por que está com pressa? Poderíamos nos divertir um pouquinho por aqui.
- Obrigada, mas não.
De súbito, ela se deteve. O sujeito novo que vira no camarim encontrava-se diante dela, bloqueando o caminho. Usava uma capa e estava sem maquiagem, mas ainda
assim, alguma coisa em seus olhos era esquisito e assustador.
Parecendo não perceber que havia um motivo para ela estar parada, Tony agarrou-a por trás.
- Darcy, sei como se sente a meu respeito, e sei também que você não deveria sair com um colega de trabalho, mas eu sou praticamente o chefe aqui...
Ele respirava em sua nuca. Na verdade, quase babava em sua nuca.
- O quê? - Incrédula, ela tentou se soltar. - Eu não gosto de você, nem acho que seja o chefe.
Qual era o problema com ele? Havia algo errado ali. Tinham acrescentado alguns itens à atração: cabeças, corpos, sangue. Não conseguia enxergar direito com
tantas sombras. De repente, o sujeito falou:
- Agora chega disso. Sou o único que lambe pescoços por aqui.
Tony assustou-se com a voz, pois ainda acreditava estar sozinho com Darcy.
- Quem é você? Não me disseram que alguém tinha sido contratado para esta seção!
- Ah, que tristeza! Eles não lhe contam tudo. E aqui estou eu. Assustado, rapaz?
- Assustado? Cretino! Vamos, Darcy. Os diretores ficarão sabendo disso. Mexa-se.
- Não é uma boa idéia, Darcy - disse o homem. - Não se mexa.
Ela queria muito sair dali, mas não conseguia se mover. Sentia-se paralisada, incapaz de desviar os olhos daquele rosto. Na realidade, como não tirara os olhos
dele desde que o avistara, não compreendia como, de um instante para o outro, ele não estava mais sozinho. Havia uma mulher alta, magra e de cabelos escuros a seu
lado.
- Darcy, isso é algum tipo de brincadeira? - Tony indagou. - Alguns de vocês sendo idiotas, tentando me...
- Cale-se, Tony! - ordenou o homem.
- Esse é o meu, querido? - a mulher perguntou ao companheiro, rindo. Avaliou Tony de cima a baixo e lambeu os lábios. Então olhou para Darcy, fazendo-a sentir
um arrepio na espinha. - Não que eu seja seletiva quanto ao sexo.
- Primeiro as damas - ele disse. - Minha pequena vampira parece doce. Posso sentir daqui o coração dela batendo. A expectativa é tão agradável...
- Darcy, vá!
- Tony, você não pode ficar...
- Saia daqui! - ele insistiu. - Eu conheço vocês - sussurrou.
- Que memória, garotão!
- Como ele poderia nos esquecer, querido?
- Bem, ele fumou um pouco de maconha e bebeu bastante uísque.
- Vá! - Tony ordenou, empurrando-a com força. - Corra, Darcy!
Com isso, ele rompeu o feitiço que os olhos medonhos haviam lançado sobre ela, dando-lhe o impulso para correr em meio ao ar gélido que tomava o ambiente.
Ao passar correndo pelo homem, viu o divertimento em seus olhos. Se quisesse, ele a deteria apenas com sua vontade. Porém, algo em sua expressão mudou de leve ao
fitá-la, revelando indiferença. Ele a estava deixando ir!
Com os lábios secos e os pulmões ardendo, ela correu, em pânico. Avistou a saída de emergência e se lançou contra a porta. Escutando os gritos de Tony, saiu
para a noite, berrando histericamente.

Jade acordou tarde no sábado, sobressaltada. Ele estivera ali, com ela, em carne e osso. Porém, ao se virar, constatou que ele havia ido embora.
- Por que eu esperava isso? - murmurou.
Levantou-se e tomou uma ducha, refletindo se havia alguma possibilidade de estar imaginando aquilo tudo. De qualquer forma, devia estar enlouquecendo, pois,
mesmo que fosse realidade, passara a noite com um estranho, traindo um homem decente.
Vestiu-se e fez café. O que diria a Rick? Precisava revelar a verdade, pois ele merecia a honestidade total.
No começo da tarde, decidiu ligar para ele, mas, como ele não atendeu, deixou um recado na secretária eletrônica. Mal desligara quando o telefone tocou. Ao
escutar uma voz de mulher, ficou tensa, imaginando que talvez fosse a mesma que nada dissera no dia anterior. Contudo, além de ter o sotaque diferente, ela não desligou,
pelo contrário, perguntou por Lucian DeVeau.
- Sinto muito, mas ele não está.
- Ele saiu?
Jade imaginou como alguém poderia saber que ele estivera lá.
- Ele não está aqui - repetiu com cuidado.
- Desculpe incomodá-la, mas é importante que eu fale com ele. Por favor, se o vir, diga-lhe para entrar em contato com Maggie o mais rápido possível.
- Se eu o vir, dou o recado.
Ela pôs o fone no gancho, perplexa. O telefonema significava pelo menos uma coisa: Lucian era real.
Após tentar falar de novo com Rick, sem sucesso, ligou para a delegacia. Gavin informou-a de que ele não fora trabalhar, pois ainda estava doente. Antes de
desligar, ele perguntou:
- Jade, você viu as notícias hoje? Nesse momento, alguém bateu à porta.
- Pode esperar um instante, Gavin?
Sem aguardar resposta, pôs o fone sobre a mesa e abriu a porta. Era Shanna, que entrou com um jornal na mão.
- Você viu? - perguntou ela.
- O quê? Não, ainda não olhei os jornais. Só um instante, estou no telefone. - Pegou o aparelho. - Gavin?
- Sim, estou aqui. Jade, leia o jornal. Os membros da seita atacaram outra vez, em um parque temático em Massachusetts. Olhe e depois me ligue.
Quando ele desligou, Jade pegou o jornal das mãos de Shanna e leu o artigo.
- Ah, meu Deus... - sussurrou. - Tony Alexander estava no passeio na Escócia.
Nesse momento, o telefone tocou Outra vez, e Shanna adiantou-se para atender.
- Alô! - Ela franziu o cenho. - Lucian DeVeau? Não conheço nenhum Lucian...
Jade apressou-se a pegar o telefone de suas mãos.
- Quem está falando e o que você quer?
- Desculpe incomodá-la outra vez, mas é muito importante que eu fale com Lucian. Achei que ele pudesse ter voltado.
- Não, ele não está aqui, e não tenho idéia de quando vai voltar.
- Por favor, diga-lhe que precisa entrar em contato com Maggie com urgência. Obrigada.
Quando a mulher desligou, Jade virou-se para enfrentar o olhar da irmã.
- Quem é Lucian DeVeau? Se você está tão familiarizada com ele, por que eu não o conheço?
- Shanna, aquele homem que me resgatou e depois desapareceu em Edimburgo está na cidade, e o nome dele é Lucian DeVeau.
- Ele esteve aqui?
- Sim. Eu o encontrei, tomamos um drinque no Drake's e viemos para cá.
- E quanto a Rick?
- Shanna, algo não estava certo. Rick teria ficado comigo, talvez... Eu acho, mas não sei mais.
O som chocado que a irmã emitiu alertou Jade para o fato de que, até aquele instante, ela não se dera conta do rumo que as coisas tinham tomado.
- Jade! Você não fez isso. Com um estranho!
- Ele não é exatamente um estranho. Salvou minha vida na Escócia.
- Salvou? Ou fazia parte daquilo? Não acha impressionante que ele tenha desaparecido e que, agora que as pessoas estão sendo horrivelmente assassinadas nos
Estados Unidos, ele tenha voltado?
- Ele está aqui, e os assassinatos foram em Massachusetts!
- Qual é a explicação dele?
- Ele...
- Ótimo. Ele não tem uma explicação, e você o convidou para a sua cama!
- Pelo menos, eu o conhecia. E quanto a você?
- Eu fui ao cinema, e Dave não apareceu. Ele está doente, como Rick. Lembra? Aquele policial incrível com quem você estava namorando.
- Vou terminar com ele assim que possível.
- Excelente! Ele está doente, e você vai partir seu coração. E onde está esse Lucian agora?
- Não sei.
- Ele desapareceu de novo. Jade, Jade...
As duas se assustaram quando o telefone começou a tocar.
- Alô? - Jade atendeu.
- Srta. MacGregor, aqui é o detetive Sean Canady.
- Olá, tenente Canady, como vai?
- Preocupado, no momento. Está sozinha?
- Minha irmã está comigo.
- E Lucian?
- Como você sabe a respeito dele?
- Ele está aí?
- Você conhece alguém chamada Maggie?
- Sim. É minha esposa.
- Ela está procurando por ele também.
- Eu sei. Não pretendo alarmá-la, mas achei que você deveria saber que conhecia o jovem envolvido no acidente de carro. Também precisa saber que não foi um
acidente. Foi assassinato. O nome do garoto era Tom Marlow. Você o conheceu na Escócia.
O rosto e o nome vieram à sua mente. Jade umedeceu os lábios, lutando contra uma onda de pânico.
- Mas eu li as notícias sobre o acidente, e o nome era Tad Madsen.
- Tad era um apelido. Acho que ele estava usando Madsen de propósito, como se tivesse medo de que alguém o estivesse procurando. Ele tinha acabado de se transferir
para cá, de uma universidade no Norte. Talvez estivesse tentando se esconder. Sinto muito por dar-lhe essas notícias, mas quero que seja cuidadosa. E o que é mais
importante, tenha cuidado com estranhos. Não saia e não convide ninguém para nada. Eu gostaria de conversar com você. Pode me encontrar no restaurante francês ao
lado de sua casa em meia hora?
- Sim, eu posso. Até mais. - Ela desligou e relatou a Shanna o teor da conversa.
Tinha acabado de falar quando o telefone tocou de novo. Dessa vez, nenhuma das duas se adiantou para atender, e a secretária eletrônica foi ativada.
- Jade, é Gavin. Por favor, me ligue o mais rápido possível. Eu...
Ela correu e pegou o aparelho.
- Olá, Gavin!
- Olá, garota. Sinto muito, mas tenho más notícias. Rick foi levado ao hospital. Ele está péssimo. Estão fazendo transfusões de sangue... e agora chamaram
um padre para dar a extrema-unção. Sinto muito.
Atordoada, Jade largou o telefone, pegou a bolsa e dirigiu-se à porta.
- Jade! - Shanna gritou, fazendo-a virar-se.
- Rick pode estar morrendo.
- Meu Deus!
A irmã uniu-se a ela. As duas desceram e pegaram um táxi, esquecendo-se completamente do encontro com Sean Canady.
Maggie.
Ela estava recolhendo as roupas do bebê do varal. Fechou os olhos, espantada por ouvir seu nome com tanta clareza. Era a voz de Lucian. Ele ainda conseguia
alcançá-la.
Lucian, onde-diabos você está?
No cemitério. Senti que estava tentando falar comigo.
Sim! Eles mataram em Massachusetts ontem à noite. E mataram aqui. Acho que sua amiga Jade corre sério perigo. Um por um, eles estão eliminando os sobreviventes
da Escócia. Tentei falar com você na casa de Jade. Sean por fim falou com ela e ficou de encontrá-la.
Graças a Deus! Ela está a salvo por enquanto.
Sim, por enquanto. Lucian, você precisa detê-los.
Sei disso. Maggie, tome cuidado. Eles podem suspeitar de nossa ligação.
Maggie olhou ao redor. Havia alho em todo o lugar, cobrindo as janelas. Ela visitara a igreja e pegara água benta. Transformara dezenas de cabos de vassoura
em estacas afiadas, que colocara em locais de fácil acesso.
Sei lidar com eles, Lucian.
Mas tome cuidado. Diga a Sean que eu sei o que aconteceu e que vou encontrá-lo.
Vou dizer a Sean que você me telefonou, Lucian. Sei o quanto ele me ama, e que ele tem certo respeito reservado por você, mas prefiro que ele não saiba que
ainda consegue tocar minha mente.
Lucian ficou em silêncio por um instante. Ela quase podia vê-lo sorrir.
Quando eu o vir, vou dizer que telefonei para você. Tome cuidado, Lucian, por favor. Você também.

Havia alguém na varanda, mas Liz MacGregor não suspeitou de nenhum perigo. Afinal, vivia em um lugar seguro. Saiu e olhou ao redor.
- Olá?
- Olá! Eu ia tocar a sua campainha. - O homem alto e magro, com um sorriso charmoso, usava um uniforme cinza e carregava uma caixa preta e uma prancheta. -
Sra. MacGregor, sou o técnico da tevê a cabo.
- Eu não chamei ninguém. Não estamos com problemas.
- Sei disso, mas estamos testando um novo canal infantil, com muitos programas novos, e gostaríamos que sua família participasse da fase de avaliação. Se eu
puder ver seu decodificador por alguns instantes... Será muito rápido.
Liz sorriu. Era sempre bom contar com mais programas infantis de qualidade.
- Ficaria feliz em participar. Entre - ela convidou.

Não permitiram que Shanna visse Rick. Apenas Jade foi autorizada a entrar, pois era a pessoa mais próxima, uma vez que ele não tinha família. Ela não acreditava
com que rapidez o vírus havia agido. Ele estava inconsciente, usava uma máscara de oxigênio, recebia sangue e alimentação intravenosa. Sentou-se ao lado dele e tomou-lhe
a mão.
Ficou ali durante uma hora antes que o médico chegasse.
- Srta. MacGregor, é a noiva dele, certo?
Ela hesitou, mas decidiu mentir. Não tinha intenção de ser expulsa do hospital.
- Sim.
- Estou contente que esteja aqui. Esta coisa o atacou, drenou-o, desidratou-o... Ele precisava muito de sangue. Ainda estamos fazendo exames, mas fico satisfeito
em dizer que ele está melhorando.
- Fico agradecida, mas... do que se trata?
- Não sabemos. Trouxemos vários especialistas e fizemos diversos exames. Ainda estamos trabalhando nisso, mas conseguimos estabilizá-lo. Pode ficar com ele
mais um pouco? Acho que ele sabe que você está aqui.
- Claro. Eu ficarei. - Sentou-se ao lado dele outra vez, segurando-lhe a mão. E rezou.

Shanna estava na cafeteria do hospital quando Sean sentou-se à mesa. Arregalou os olhos ao vê-lo.
- Tenente!, Sinto muito, nós esquecemos completamente do encontro com você. Eles ligaram para falar de Rick e...
- Eu sei.
- Não me deixaram entrar. Ele está tão doente! Eu não consigo acreditar.
- Gostaria de vê-lo - Sean murmurou. - Jade está com ele, certo?
- Sim.
- Eu preciso falar com ela. Acho que está correndo perigo.
- Vou ficar aqui até que ela saia. Depois pegaremos um táxi para casa.
- Vou esperar aqui com você... se não se importa.
- Claro que não.
- Você joga baralho? Tem uma loja aqui no hospital.
- Sim.
Eles jogaram cartas, e o tempo passou.

Havia força e paz na escuridão e no silêncio do túmulo. Ele buscara essa tranqüilidade, ciente de que precisava do conforto da terra fria e do mármore ao seu
redor.
Precisava se concentrar. Séculos lhe haviam dado o poder para ver bem, para perceber a agitação na ordem das coisas, a malignidade mortal direcionada a ele.
Sim, seus sentidos estavam afinados. Os olhos eram os de um lobo na noite, a audição, perfeitamente aguçada. Precisava apenas sentir...
Nem sempre fora assim. Suas lições haviam sido amargas, e a retaliação, ainda mais rápida. Mas agora... Eles andavam pela Terra outra vez. Enfurecidos.
Ela não percebera a profundidade de seu ódio. Mas então... ele a subestimara.






Capítulo III



O tempo passava na Ilha dos Mortos. A vida era esquisita. Porém, Lucian não esperava mais, pois se encontrava entre os que caminhavam nas sombras da Terra.
Wulfgar permanecera ali e se apaixonara pela viúva do fazendeiro. Homens de diversos locais se agregaram a eles, assentando-se na ilha, unindo seus destinos ao estranho
líder dos mortos-vivos.
E, quando a ocasião exigia, iam para o mar com seus grandes navios. Deixavam a decisão para ele, o chefe, o homem que se tornava lendário através dos mares
como o rei da Ilha dos Mortos.
Igrainia vinha ao amanhecer. Lucian sentia quando ela entrava na escuridão de seu quarto e se deitava a seu lado. Dormia, sabendo que ela estava ali. Ao crepúsculo,
despertava, e os dois desfrutavam de seu tempo juntos. Mais tarde, quando fechava os olhos, ela desaparecia.
- Por que você tem de partir? - ele perguntava.
- Por que você tem de dormir durante o dia? - ela retrucava.
- Porque sou um monstro. E você nunca será nada além de um anjo.
- Há muitas coisas entre monstros e anjos, muitos tons de cinza entre o preto e o branco - ela dizia. - Não estamos em condição de questionar muito.
Algumas vezes, um navio aportava na ilha, e os tripulantes pediam ajuda contra ataques cruéis. Depois que Igrainia e ele os escutavam, ela lhe dizia que era
necessário que se unisse à luta dos guerreiros.
E ele navegava. Ao enfrentar inimigos desumanos, descobria um novo padrão de selvageria, e se perguntava no que se transformara. Para Wulfgar, estava livrando
o mundo de criaturas muito piores do que ele.
Na ilha, muitos recorriam a ele. Sentava-se em uma cadeira de madeira talhada, com Igrainia ao lado, e eram como a realeza, escutando os pedidos. Ainda assim,
logo após o crepúsculo, ela ia embora.
- Ela caiu no mar - Wulfgar lhe disse certa noite. - E o mar a trouxe de volta. Os irlandeses a chamam de selkie. O que importa o nome que se dá à vida, quando
vocês têm a possibilidade de desfrutar de algumas horas juntos? Se você é um monstro, e ela um anjo, que diferença faz onde se encontram? Ouso dizer que essas horas
são mais preciosas do que as compartilhadas pela maioria dos homens e suas esposas.
Seu tempo era, de fato, precioso, apesar de parco. Viviam no chalé de pescadores, escurecido durante o dia, e sempre cheirando a terra, pois ele aprendera
que precisava dormir com solo nativo por perto, nem que fosse apenas um punhado. Quando não fazia isso, ficava fraco demais para se levantar, para se expor à luz
do dia. E não desistiria do dia. Sua esposa, seu anjo, sua razão de existir vinha durante o dia.
Para sempre, ele se lembraria daqueles dias em que, lado a lado, a esposa e ele escutavam, julgavam e governavam em seu mundo dos condenados. A imagem se gravara
em sua mente. As cadeiras à frente da lareira, a fumaça saindo pela chaminé, as peles que usavam para se proteger do frio e da umidade, as espadas depositadas no
chão diante deles, os guerreiros que se aproximavam... Lembrava-se da voz dela, da forma calorosa como cumprimentava tanto os recém-chegados quanto os velhos amigos.
Recordava-se dos olhos da cor do mar.
Um dia, Aidan, um dos reis da costa, o procurou. O Ard-Ri, rei de toda a Irlanda, enviara mensagens alertando que estava sendo cercado por invasores de um
lugar remoto ao Norte. Eram homens selvagens, com uma língua própria, mais corrompidos na batalha do que o pior dos guerreiros nórdicos.
Sua total desconsideração pela vida humana deixara o rei supremo à sua mercê, os outros reis inventaram desculpas para não ajudá-lo. Na realidade, tinham medo,
o que não era dito, assim como não se mencionava que esse inimigo contava com poderes sobrenaturais. Mesmo a Irlanda tendo adotado o cristianismo, era difícil deixar
de crer totalmente nos velhos mitos.
Foi Igrainia quem ouviu as histórias de como as crianças e as mulheres pereciam nas mãos dos invasores. Quando ficaram a sós, ele a lembrou de que as criaturas
de sua própria espécie eram conhecidas por destruir com prazer os seres humanos mais vulneráveis e inocentes, e se zangou, pois, ao ouvir as histórias dos atacantes,
ouvia sobre o monstro que era. Sua esposa negou que ele fosse uma criatura como aquelas, e ele recordou o momento em que descobrira que se regalava com sangue. Mas
ela desejava que fosse, e ele iria.
Igrainia partiu após o anoitecer. Observou-a ir até a praia, desfazer-se da roupa de seda e pele que a envolvia e mergulhar no oceano. Nunca a vira ir embora
antes. À distância, no horizonte, avistou o movimento de caudas de golfinhos. Marujos falavam de sereias desde os tempos antigos. Homens corajosos mencionavam dragões
que atacavam os barcos. Lucian acreditava ser um homem são, primeiro um líder guerreiro, e depois um marinheiro tão bom quanto os vikings que haviam lhe ensinado
o ofício. Vira muitas baleias encalhadas na praia, golfinhos e até mesmo enormes polvos e lulas. Apreciara o mar e o açoite das ondas em suas pernas. Agora, mesmo
o sal tendo se tornado fatal para ele, ainda caminhava na praia e gostava de navegar. Porém, não acreditava em dragões, nem em sereias.
Na manhã seguinte, eles partiram. Os ferozes inimigos de Ard-Ri eram humanos, afinal. Uma tribo paga, cujo total desrespeito pela vida humana tornava sua coragem
ilimitada. Para Lucian, eram um banquete. Não receava atacá-los, fartando-se deles, equiparando-se àquele povo em selvageria.
Eles investiam de manhã, e Lucian reduzia suas fileiras à noite. Não estava sozinho, pois, dentre os muitos homens de diferentes nacionalidades, havia alguns
de sua espécie. Aprendera a reconhecê-los instantaneamente, na verdade, sabia localizá-los no mundo. Via-os e os comandava, e se orgulhava de seu poder.
Quando, por fim, o apetite deles conseguira dizimar o exército bárbaro, e ele se despedia do rei a quem haviam servido, Lucian sentiu uma nova inquietação
na escuridão do que fora sua alma.
Sophia!
Experimentou um medo intenso, terror, angústia. Fechando os olhos, transportou-se de volta à Ilha dos Mortos. O navio seguia velozmente atrás dele. Chegou
ao chalé, mas, como não encontrou Igrainia, correu até a praia. As pessoas se reuniam ao redor de algo. Ao vê-lo, afastaram-se, com um profundo pesar refletido nos
olhos.
Andando pela areia, avistou na margem o que parecia um golfinho, por causa da cauda lustrosa. Talvez tivesse piscado, pois, ao olhar outra vez, havia ali um
corpo de mulher, com o coração atravessado por uma lança.
Não o corpo de qualquer mulher. O corpo de Igrainia.
Ajoelhou-se a seu lado. Ela o tocou no rosto, fitando-o com os olhos da cor do mar.
- Meu amor... - ela sussurrou, antes de baixar a mão e fechar os olhos. Os cílios espessos sombrearam para sempre a beleza azulada que fora seu mundo.
Quando Lucian olhou para cima, agoniado e furioso, viu Sophia e Darian, ambos com uma postura provocadora.
- Nós só estávamos... pescando! - Sophia exclamou. Ela subestimara o monstro que havia criado. Com a força da mente e do corpo, Lucian atacou-a, arremessando-a
ao solo e, caindo sobre ela, esmurrou-a, odiando...
Darian aproximou-se com a espada, tentando cortar-lhe a cabeça. Porém, um dos insulanos que se encontrava ali, um anão banido da própria sociedade e valorizado
na ilha por sua habilidade de interpretar as runas, conseguiu, com esforço, pegar uma espada no chalé e teve a coragem de entregá-la a Lucian, que estava caído entre
os dois inimigos.
Com a arma, aparou os golpes de Darian, enquanto Sophia saltava sobre ele, rasgando seus ombros.
Ao investir contra Darian com fúria, quase lhe arrancou o braço. Segurando o membro dependurado, o oponente se afastou. Lucian agarrou Sophia por trás e, com
a força de sua cólera enlouquecida, atirou-a longe. Ela caiu na praia, atordoada, parcialmente dentro da água. De repente, começou a gritar, e o ar ficou impregnado
pelo cheiro de carne queimada. Ele se deu conta de que a atirara na água salgada. Logo, avistou Darian aproximando-se da aliada.
Apesar de a lei não escrita dos condenados o proibir de eliminar alguém de sua espécie, Lucian andou na direção deles, pronto para desferir os golpes mortais,
e para morrer. Destruir Sophia fora a única razão de sua existência. Contudo, Darian alcançou-a primeiro e ergueu-a da água. Depois, ambos se tornaram névoa...
Lucian não morreu, nem cessou de existir. Ali, à beira do mar, caiu de joelhos e urrou. Era o som assombrado e solitário de um lobo à noite, uivando para a
lua, era o guincho de um condenado, de um homem perdido. Até mesmo o que sobrara de sua alma fora tomado.
Foi um grito horripilante, que dançou com o vento, foi levado pelas ondas e carregado de costa a costa pelos mares. Os irlandeses se persignaram, e os reis
nórdicos oraram aos ancestrais e aos deuses.
Nesse momento, seus navios, transportando os desajustados e os poderosos, já haviam alcançado a Ilha dos Mortos e, quando Lucian poderia ter se lançado ao
mar salgado, sua tripulação o dominou.
Luz do dia. Ele estava exausto para além da morte.
O corpo de Igrainia foi banhado e adornado em seda, jóias e pele. Com o ritual reservado à realeza, ela foi colocada em um ataúde. Fogo foi ateado ao esquife
antes que o lançassem ao mar.
Lucian dormiu. Ao despertar, foi convencido por Wulfgar de que deveria viver. Sophia fora derrotada, e havia um mundo de loucura que precisava ser governado.
Ele seria o rei dos mortos-vivos, pois era necessário que houvesse sanidade e bom-senso. Quanto mais se perpetuavam no tempo, mais importante era que houvesse um
equilíbrio com o mundo ao redor.
Portanto, ele viveu. Ou permaneceu morto-vivo.
E mais de um século se passaria antes que ele sentisse Sophia causando destruição no mundo dos vivos de novo...
Abriu os olhos. Sentia a escuridão ao seu redor, o conforto de sua toca. Mas naquele abrigo, descobriu o que desejava saber. Sentiu o distúrbio no universo.
No seu universo.

Liz foi até a cozinha e deixou o simpático jovem da tevê a cabo trabalhando. Ouvia os gêmeos rir enquanto ele mexia com os cabos na sala de recreação.
Olhando para o relógio, constatou que já era tarde. Não estava acostumada a que Peter ficasse tanto tempo fora de casa, mas ele a avisara de que estavam trabalhando
com afinco no caso dos assassinatos. Percebera na voz do marido a preocupação com Jade. Quando chegasse, conversaria com ele a respeito do assunto.
Escutou de novo o riso dos filhos. O funcionário já deveria ter ido embora. Ficara ali bastante tempo e mantivera os meninos felizes. Contente com isso, secou
as mãos em um pano de prato e foi ver o que estava acontecendo.
Ao entrar na sala, encontrou Peter e James em silêncio, olhando fixamente para a televisão. Franzindo a testa, passou pelo rapaz e virou-se para a tela, ofegando
diante do que viu: um pesado filme pornô era exibido.
- Como ousa!? - Virou-se para o homem, furiosa. Porém, havia algo diferente no modo como ele a fitava.
Liz queria se mover, mas não conseguia, queria gritar, mas nenhum som saía de sua garganta.
- Liz, qual é o problema? É uma mulher bonita, no auge da sexualidade. Venha, vamos olhar melhor. Acho que vai gostar.
O sujeito pôs as mãos em seu pescoço. Estava horrorizada, mas... a sensação era boa. Os dedos abriam os botões de sua blusa. Aquilo, estranhamente, parecia
certo. Ele a virou para a televisão, e Liz sentiu-se... inchada. Queria ser tocada daquela forma, e ele faria isso.
Os gêmeos choravam, mas ela não se importava. De repente, viu-se deitada no tapete.
- Quer que eu me livre dessas crianças? - Ele riu. - Por enquanto... vou colocá-las no berço.
Mesmo depois que ele saiu, Liz não conseguiu se mover e continuou olhando para a televisão. Achou que havia um motivo para não agir daquela forma, mas não
imaginava qual poderia ser. Esforçou-se. Havia um homem em sua vida, um bom marido, alguém que, amava, mas ele estava longe. Uma névoa sensual a envolveu. O homem
da tevê a cabo estava ali, sorrindo. E ele precisava... de algo.
Escutou um gemido, e percebeu que era seu. Estava mesmo fazendo aquilo. Sentiu uma dor aguda em algum lugar, o que apenas realçou a sensação. Estava pegajosa
com... algo vermelho, mas ele lambeu tudo.
Mais tarde, a imagem da tevê sumiu. Liz estava fraca, deitada no tapete. No andar de cima, os gêmeos não paravam de gritar.

- Ei! - O médico tocou-a na mão.
Jade acordou e endireitou o corpo. Estivera dormindo apoiada na cama, e seu pescoço doía. Encarou ó médico, que era mais velho que o anterior. Ele sorria.
- Sou o dr. Wainwright, patologista.
- Jade MacGregor. Doutor, como ele...
- Você foi o toque mágico. O rapaz está muito melhor. A pressão e a respiração estão boas, e o sangue está circulando normalmente. Agora, você deve ir para
casa descansar. Não quero mais uma paciente por aqui. Volte amanhã.
- Certo. - Beijou a testa de Rick e sussurrou: - Continue melhorando. - Virou-se para o médico. - Até logo, doutor. Obrigada.
Ao sair do quarto, bocejando, Jade reparou que uma enfermeira passava pelo corredor empurrando um carrinho de medicamentos. Continuou andando e, ao virar-se,
notou que a mulher sumira. Teria entrado no quarto de Rick? O médico ainda estava lá, é claro. Rick estava muito melhor, e ela podia ir para casa.
Pegou o elevador, imaginando se Shanna ainda estaria esperando. Conhecendo a irmã, talvez. Decidiu dirigir-se à cafeteria. Estava fechada, mas na entrada havia
uma área com máquinas de café. Ao avistar a irmã, notou que ela não estava sozinha. Cochilava, apoiada ao ombro de Sean Canady.
- Tenente - Jade murmurou, aproximando-se. Shanna acordou, assustada.
- Jade, ah, meu Deus, ele está...
- Melhor - ela completou. - O médico quis que eu fosse para casa. Tenente, sinto muito, mas esqueci do nosso encontro. Quando Gavin me ligou...
- Eu entendo. Vou dar uma olhada rápida em Rick, mas não quero que vá a lugar nenhum sem mim. Espere aqui.
- Certo.
Ele pegou o elevador. Jade comprou café na máquina e sentou-se ao lado da irmã.
- Ele parece bem preocupado, não é, Shanna?
- Sim. O que está acontecendo é realmente assustador.
- Eu sei. - Apertou a mão da irmã. - Obrigada por ter ficado. Você é um amor.
Em silêncio, elas esperaram.
Quando Sean entrou no quarto de Rick, o médico fora embora. Uma enfermeira de cabelos escuros, de costas para a porta, mexia no tubo intravenoso de Rick.
- Ei! - Sean chamou. - O que está fazendo com ele?
- Transfusão de sangue - ela respondeu, virando-se.
- Quem é o senhor?
- Tenente Canady. Homicídios.
- Estão chamando detetives por causa de gripe?
- É gripe? - Sean indagou.
A enfermeira lançou-lhe um olhar esquisito antes de se inclinar outra vez sobre o paciente.
Ela vai mordê-lo no pescoço!, ele pensou. Puxando depressa um frasco de água benta do bolso, espargiu o líquido na mulher, que se ergueu e o encarou.
- O que diabos está fazendo? Policial ou não, vai ter de sair daqui!
Decididamente, ela não era uma vampira, Sean concluiu, sentindo-se um tolo.
- Sinto muito! Nós... estamos trabalhando sob muita pressão.
- Nós também, tenente. E, o senhor não pode prender o vírus da gripe, e nem afogá-lo. - Sorriu. - Ele está melhorando. Vá descansar e pare de jogar água nas
pessoas.
- Sim, é claro. Boa noite.
Sean saiu do quarto e afastou-se, mal notando as mulheres no posto de enfermagem. Uma delas, no entanto, observou-o ir embora. Seus olhos o seguiram até o
elevador antes que ela se virasse em direção ao quarto de Beaudreaux.

Lucian soube que chegara tarde demais assim que entrou na bela casa. Darian partira. Instintivamente, dirigiu-se à sala onde Liz se encontrava deitada no chão.
Pôs um dedo em seu pescoço, buscando pulsação. Depois pegou a manta de lã que estava sobre o sofá para cobri-la, pegou o telefone e chamou a polícia. Subiu e verificou
os gêmeos. Ainda choravam, mas não pareciam feridos. Não tentou acalmá-los, pois o som das sirenes se aproximava, e o socorro chegaria logo.
Saindo para a varanda, concentrou-se. Darian não podia estar longe. Por fim, sentiu-o e seguiu pela rua. Não soube por quanto tempo correu, mas percebeu que
voltava ao cemitério. Entrou e ficou parado.
Silêncio, cheiro de sangue... Moveu-se de novo, passando por anjos e cruzes de mármore, em meio aos raios lunares que incidiam no terreno e às sombras lançadas
pelos carvalhos.
De repente, um vulto saltou sobre ele, e algo o atingiu no braço, provocando-lhe uma onda aguda de dor. Um sopro de vento indicou que Darian estava voltando,
com uma faca na mão, pois o aço da lâmina produziu um silvo ao cortar o ar. Lucian esquivou-se, mas logo foi atacado outra vez. Saltou, alcançando uma barra de ferro
quebrada, que fechava uma tumba. Quando Darian planou sobre ele, ergueu o ferro, esperando que o oponente o atacasse diretamente e fosse atravessado pela arma improvisada.
Quase deu certo, mas Darian percebeu sua intenção a tempo e guinou, gritando ao sentir o ferro atingir seu peito, arrancando tecido e carne.
- Seu bastardo idiota! - Darian rugiu. - Ela não vai apenas destruí-lo. Vai fazê-lo ver cada um desses tolos inocentes expirar em uma morte lenta e torturante
antes de acabar com você.
- Deixe essas pessoas em paz. Ou, quando sua hora chegar, vou pregá-lo a uma estaca e retalhar cada uma de suas extremidades antes de decapitá-lo.
- Está louco pela vadia MacGregor, não é? Aquela era apenas a madrasta, mas ela era boa, Lucian. Esqueceu como é bom? Você, o autodenominado rei dos vampiros!
Comedor de ratos! Não se lembra do gosto de uma mulher? Ela era boa e me desejava, começou a jorrar assim que minhas presas tocaram seu pescoço...
Lucian desferiu um golpe forte com o ferro, acertando-o no pescoço. Darian urrou, virou-se e saiu correndo, tropeçando nas pedras. Começou a segui-lo.
Ajude-me!
Surpreso com a força da voz em seus ouvidos, Lucian parou.
Sophia! Maldita seja!
Fechando os olhos, viu o hospital, concentrou-se... De repente, encontrava-se no quarto de Rick. A cabeça do jovem policial estava virada para o lado. Duas
minúsculas feridas recentes marcavam seu pescoço.
Lucian apertou o botão de emergência e se escondeu nas sombras, observando a equipe do hospital trabalhar.
Jade estava no assento dianteiro do carro de Sean, fitando-o enquanto ele tentava explicar-se. Shanna adormecera no banco de trás.
- Você compreende?
- Não tenho certeza. Houve alguns assassinatos terríveis aqui alguns anos atrás, de prostitutas, cafetões... e os casos foram solucionados. Os assassinatos
que estão acontecendo são muito semelhantes àqueles, mas os criminosos são outros. Porém, a abordagem dos casos deve ser a mesma.
- Os assassinos são muito perigosos.
- Hum, eu diria que isso é bem óbvio.
- Gostaria que Maggie estivesse aqui. Ela explicaria melhor. Se eu tentar, você vai me achar louco.
- Ora, tenente, estou começando a pensar que somos todos loucos.
- Do que você se lembra de Edimburgo?
- Muito sangue e horror. De repente, os cadáveres pareceram despertar e ir atrás das pessoas. Tenho certeza de que o guia rasgou o pescoço de Sally com os
dentes. Eu vi.
- Seu guia está ocupado outra vez. E... você vai ter de tomar algumas precauções malucas.
- Você acredita em vampiros, não é?
- Não importa no que acredito, e sim o que você vai fazer.
- Você acha que Rick foi atacado por um vampiro?
Ele corou, parecendo desconfortável.
- Eu... bem, eu... Rick parece bem. Acho que pegou um vírus terrível, e agora está se recuperando.
Chegaram ao apartamento de Jade. Sean estacionou diante do edifício, virou-se para trás e acordou Shanna.
- Ela não mora aqui - Jade esclareceu.
- Mas vai ficar aqui hoje à noite, assim como eu.
Ela não quis discutir, pois estava muito cansada.
- Certo. Shanna dorme no sofá-cama do escritório e você pode usar o da sala.
Os três subiram e, vinte minutos depois, as acomodações estavam preparadas.
- Bem, boa noite - Shanna despediu-se, indo se deitar. Jade observou o tenente remover a jaqueta. Assombrada, viu que ele tirava diversos frascos do bolso
do casaco e os colocava na mesinha ao lado do sofá, Quando se virou e percebeu que era observado, franziu o cenho.
- Água benta? - ela indagou com ceticismo.
- Sim.
- Você acredita mesmo...
- Você esteve em Edimburgo - ele a interrompeu enquanto se deitava. - Se algo a perturbar, por favor, me chame. Boa noite.
- Obrigada. Boa noite.
Jade entrou em seu quarto, deixando a porta entreaberta. Deitou-se, achando que não conseguiria dormir, mas seus olhos se fecharam e, quase imediatamente,
ela adormeceu.

Peter MacGregor estava sentado ao lado da esposa na ambulância, espantado com o fato de ela ter adoecido com tamanha rapidez. Segurou-lhe a mão, fitando o
rosto pálido. Não podia perdê-la!
Ao chegarem ao hospital, ela foi levada para a emergência. Impedido de acompanhá-la, ele se sentou na sala de espera, desnorteado.
Ligara para as filhas depois que os policiais o localizaram na redação do jornal. Já havia tentado falar com elas, pois as queria em casa. Estavam ocorrendo
muitos assassinatos no país, semelhantes aos que Jade presenciara em Edimburgo. Porém, como não conseguira contato com elas, deixara os gêmeos na casa da vizinha.
Não compreendia o que tinha acontecido com Liz. Ela fora atacada? Apenas adquirira uma febre e rasgara a própria roupa num desespero delirante para se refrescar?
Passou os dedos pelo cabelo. Precisava tentar falar com as filhas outra vez.
Ligou para a casa de Shanna, mas ninguém atendeu. Estava prestes a telefonar para Jade, quando um médico se aproximou. Ao ver-lhe a expressão severa, o coração
de Peter disparou.
- Doutor...
- Ela está reagindo. Conseguimos abaixar a febre e fizemos uma transfusão de sangue. Ela está chamando você.
- Graças a Deus! - Peter exclamou, trêmulo. - Pela sua expressão, imaginei o pior.
- Sinto muito. E que é nosso segundo, caso igual, e nós não temos idéia do que seja. Mas ela está estabilizada.
- Graças a Deus! - ele repetiu, seguindo o médico em direção ao quarto da esposa.
Venha. Mesmo dormindo, Jade ouviu a voz.
Não seja ridículo. Estou dormindo, usando uma fina camisola de algodão.
Sabia que estava sonhando. Porém, ao ouvir um choro, que parecia o de uma criança perdida e assustada, seu coração acelerou. Seria um dos gêmeos?
Não, isso é um disparate! Não podia escutá-los dali. Encontrava-se em seu quarto. Mas, se estava sonhando, não haveria problemas em seguir a voz.
Em seu sonho, sabia que o policial que dormia em sua sala a impediria de sair. Portanto, deixou o quarto pela varanda, escalando os tijolos e a calha. Chegou
à rua, e seus pés descalços tocaram o pavimento sujo.
Começou a caminhar. Adorava Nova Orleans, mas sabia que devia evitar certas ruas. Aquele era, de fato, um sonho perigoso, pensou.
A voz alcançou-a de novo: Por favor, continue vindo, me ajude...
Escutou outra vez um choro de criança. Era um dos gêmeos.
Em geral, distinguia as vozes de um e de outro, mas agora...
Cuidado nessa rua lateral. Há um policial vindo, e ele vai pará-la, mas você precisa vir, por favor...
Ela se escondeu em um beco e esperou até poder retomar seu caminho. Quase corria. Ao chegar a uma rua maior, soube que se dirigia ao cemitério. Curioso...
Cemitérios ficavam fechados à noite. Eram perigosos.
Seus pés doíam. Passara por terra, líquidos derramados, galhos e até vidro quebrado. A bainha da camisola branca fora manchada pela sujeira da cidade.
Mas ali estava, diante dos grandes portões, que se abriram para ela. Entrou e, de imediato, o chão pareceu sumir sob a névoa densa e cinzenta que a envolveu.
- Estou aqui! - anunciou.
Venha para mais perto... Por favor...
Para mais perto, onde?, perguntou-se, e começou a ouvir o choro outra vez.
- James? Peter? Está tudo bem, estou indo...
Pisou em um fragmento de pedra e estremeceu, parando para tocar o pé que doía. Era um sonho bastante real.
Jade...
Após o nome, escutou o som terrível de um soluço. Caminhando em direção ao interior do cemitério, olhou para trás. A bruma continuava alta, encobrindo a saída.
Virou-se de novo para a frente e viu as sepulturas em meio à névoa prateada e às sombras mais escuras que a morte.
Tola! Andar sozinha em um cemitério à noite, procurando problemas. Qualquer idiota sabe que...
Jade!
Sentiu seu nome ser sussurrado às suas costas, e a sensação que percorreu sua espinha era de pura maldade.
Não! Começou a correr em câmera lenta, impulsionada pelo terror, mas retida pela força do mal sussurrando seu nome... Os gêmeos não a haviam chamado. Fora
enganada. Precisava continuar correndo.
No sonho, sentia os próprios batimentos cardíacos, a pulsação de sua vida, o ribombar desesperado... Era tão real!
A terra sob os pés, cruel, cortante, as pedras quebradas, as ervas daninhas enroscando-se em sua camisola... Acreditava conhecer os caminhos do cemitério,
mas, rodeada pela névoa sombria, não conseguia encontrar a saída. Estava sendo perseguida, sentia o hálito quente no pescoço.
Jade...
Agarrada pelo cotovelo, foi virada e jogada sobre a pedra fria de uma lápide. Gritou o mais alto possível, agitando os punhos. Havia alguém sobre ela, usando
uma capa escura, alguém, algo, um mal terrível...
Gritou de novo, repelindo com força o vulto que se inclinava. Cambaleou e, agarrando-se a uma imagem da Virgem Maria, conseguiu se levantar. Voltou a correr.
Os anjos alados se moviam, uma gárgula zombava dela, um Ceifador de Almas ergueu-se do pedestal e começou a caminhar a seu lado. De repente, passou por ela, bloqueando-lhe
o caminho. Agitando a foice em sua direção, ergueu a cabeça. Os olhos eram cavernosos, vermes rastejavam para fora, sobre a face esquelética.
- Venha...
Com uma das mãos, levantou a foice e, com a outra, acenou para ela. Pronta para disparar para o outro lado, ela se virou, deparando com um peito largo, no
qual começou a bater histericamente.
- Não, não, não...
- Jade!
Braços fortes a envolveram. Percebendo que ela não parava de gritar, ele a chacoalhou, fazendo-a abrir os olhos e ver-lhe o rosto.
- Está tudo bem, Jade! Você está segura.
Era Lucian. Ele usava calça e camisa pretas. Os cabelos estavam penteados para trás, e os olhos, mais escuros que a noite, a estudavam.
- Está tudo bem, é claro. É apenas um sonho...
Não era um sonho. Estava ali, com ele, no cemitério. Com a camisola suja, e os pés descalços e feridos, sentia frio.
- Meu Deus... - Afastou-se dele. - Você me fez vir até aqui!
- Não, Jade, eu não fiz...
- Seu bastardo! - Virou-se. A névoa que imaginara havia desaparecido, os anjos estavam imóveis, nenhuma voz era ouvida. Endireitando os ombros, começou a se
afastar.
- Jade!
Ela prosseguiu, mas, após fazer uma curva, começou a tremer. Tinha achado que encontraria a saída. Sentiu de novo um arrepio, como se algo...
Disparou a correr, escutando passos atrás de si. Lucian a seguia.
- Jade! - ele a chamou outra vez.
Não! Lucian estava diante dela. Poderia confiar nele, após tudo o que acontecera? Ousaria não confiar? O que quer que aquilo fosse, frio, o mal, um pesadelo,
estava bem atrás dela.
- Lucian! - ela gritou. Corria cada vez mais rápido. Havia um vulto adiante. O Ceifador de Almas? A Morte? Ou... algo ainda mais sombrio, uma criatura pior
do que a morte? Ela estava praticamente voando, e era tarde demais para parar...
- Jade! - Lucian emergiu das sombras, pegou-a nos braços e começou a afastá-la daquele lugar.
- Você me chamou! - acusou-o.
- Não fui eu. Tenho inimigos.
- Meu Deus... - ela murmurou, horrorizada. - Ele me chamou, e eu vim e... ele me tocou.
O cemitério não parecia mais medonho. Voltara a ser o mesmo de sempre. Já estavam no portão.
- Teve sorte de não ser baleada por um traficante ou pega por um cafetão - ele disse, zangado.
- Posso muito bem caminhar - ela afirmou, debatendo-se em seus braços.
Ele a colocou no chão, mas, quando seus pés feridos tocaram o solo, Jade agarrou-lhe o braço. Lucian segurou-a. Parecia maior do que nunca. As feições eram
severas, impressionantes, poderosas.
- Certo, eu não posso caminhar tão bem no momento - ela sussurrou. - Foi o guia, não é?
- Sim.
- Ele matou aquelas pessoas na Escócia. Depois foi para Nova York e massacrou um grupo lá. Veio para Nova Orleans atrás de Tom Marlow. Então, foi para Massachusetts
e destroçou mais gente.
- Acredito que sim. E ele não está sozinho.
- A mulher que saiu do túmulo e rasgou o pescoço de Jeff Dean está com ele, certo?
- Sim. - Ele começou a caminhar. Mancando, ela o seguiu.
- Lucian!
Ele olhou para trás.
- Vai ter de confiar em mim - ele falou.
- Confiar em você? Não sei o que você é. Não ouso acreditar no que... parece que seus amigos são!
- Eles são maus.
- E você?
- Não sou muito melhor. Mas não matei nenhuma daquelas pessoas, e estou tentando salvar sua vida.
- Por que está tão disposto a lutar por mim?
- Por causa da cor dos seus olhos - ele disse simplesmente, e voltou a caminhar. Ao perceber que ela não o seguia, virou-se. - Precisamos voltar. Há um policial
no seu apartamento, que já deve ter enlouquecido. Sua irmã está preocupa-díssima, e seu pai tem telefonado. Sua madrasta está doente.
- Ela está mal?
- Vai sobreviver.
- Como você sabe disso tudo? - Meneou a cabeça. - Por que eu pergunto? Você sabia que eu viria no meio da noite até o cemitério e sabe o que está acontecendo
com toda a minha família.
- Sim.
Ela estava assustada. Sentia vontade de bater nele outra vez, mas não queria que ele a deixasse. Nunca ficara tão feliz ao ver alguém em toda a sua vida! Mesmo
tendo medo... estava segura. Quisera bater nele apenas para que Lucian a abraçasse.
- Lucian... Por que você significa tanto para mim? Por que estou tolerando tudo isso? Por que não estou gritando, atraindo a atenção da polícia?
Ele sorriu de repente.
- Isso eu não sei - respondeu e, tomando seu rosto entre as mãos, beijou-a com gentileza.
Sim, ele era real. Os sonhos tinham acabado, e ele estava ali...
- É impossível, mas acho que amo você - ela disse. - E eu nem sequer o conheço.
- Talvez você saiba o suficiente - ele retrucou. - Eu sempre a amei.
Lucian voltou a caminhar. Quando ela tropeçou, pegou-a no colo, e Jade não protestou. A situação toda já era absurda demais. Ocorreu-lhe a estranha cena que
formavam. Ele, extremamente alto, moreno, vestido de preto, ignorando a escuridão e as sombras da noite, carregava uma mulher em uma esvoaçante camisola de algodão
branco pela rua, rumo ao alvorecer.

Peter estava ao lado da esposa, segurando-lhe a mão. Ela tentava falar, mas se sentia angustiada e confusa. Não se lembrava do que acontecera.
- Liz, você teve uma febre, e esteve muito doente - ele explicou. - Querida, temos sorte por você estar melhorando.
- Mas as crianças, Peter, elas estavam nos berços. Estão mesmo bem?
- Sim, e estão com a nossa vizinha. Você deve ter colocado os dois na cama quando começou a se sentir mal.
- Eu não me lembro de nada, exceto... do homem da tevê a cabo.
- Havia algo errado com o cabo?
- Não... Peter, isso é terrível. Eu não consigo me lembrar. Você ligou para as meninas?
- Elas não atenderam, e eu deixei recado, mais de um. Ainda é cedo.
- Se você não conseguir falar com elas, vá até os apartamentos das duas. Não sei por quê, mas estou preocupada. Por favor...
- Liz, papai!
Peter virou-se e viu as filhas.
- Papai, sinto muito... Shanna e eu passamos a maior parte da noite aqui. Meu amigo Rick está internado no andar de cima. Estávamos aqui quando nos ligou pela
primeira vez.
- Vocês saíram daqui sozinhas no meio da noite?
- Eu estava com elas.
Peter reconheceu Sean Canady. Familiarizara-se com o detetive por causa de seu trabalho no jornal. As palavras dele, no entanto, não eram tranquilizadoras.
Por que era necessário que um policial cuidasse de suas filhas?
- Peter, é bom ver você e saber que sua esposa está melhor - disse Sean.
Nesse momento, Peter reparou que havia outro homem com as meninas e o detetive.
- Como vai? - indagou o estranho, dando um passo adiante.
- Papai, este é Lucian DeVeau - apresentou Shanna.
- Um velho amigo - Sean explicou. - Fiquei inquieto com as coisas que estão acontecendo. O caso em Nova York...
- Sim, e o massacre no parque temático. Trabalhamos intensamente nas reportagens sobre os assassinatos ontem. Por isso, eu não estava em casa quando... - Peter
interrompeu-se. - Jade está correndo algum perigo?
- Não vamos nos arriscar.
- Você também é policial? - Peter perguntou a Lucian.
- Não.
- Ele é um amigo, Peter. Alguém que eu conheci...
- Sr. DeVeau! - Liz interrompeu, sorrindo. - Já nos encontramos antes?
- Quem sabe, sra. MacGregor? É um mundo pequeno. - Ele caminhou na direção de Liz e pôs a mão em sua testa.
- Parece bem. Como está se sentindo?
- Muito melhor, obrigada. - Os olhos dela brilharam ao fitá-lo.
- Então, sr. DeVeau, o senhor é médico? - Peter indagou, surpreso com a pontada de ciúme que sentiu.
- Ele é escritor, papai - Shanna apressou-se a responder.
- É mesmo? E vocês acabaram de se conhecer?
- Shanna, sim. Lucian e eu nos conhecemos na Escócia - Jade explicou, aproximando-se dele. - Papai, você está com uma aparência péssima, o que é compreensível.
Precisa comer alguma coisa, tomar um café. Shanna vai levá-lo até a cafeteria enquanto eu fico aqui com Liz.
- Sim, Peter, vá, por favor - Liz insistiu.
Shanna pegou-o pelo braço. Desconfiado, ele olhou para trás enquanto era conduzido para fora do quarto.
- Voltarei logo! - ele avisou.
Por que estava preocupado? Sua filha o encarava com os lindos e inocentes olhos cor de turquesa. Gostava do policial. Não conhecia o maldito estranho, era
isso. E Jade parecia conhecê-lo bem demais!
Assim que seu pai saiu do quarto, Jade voltou para o lado de Liz.
- Você está mesmo se sentindo bem?
- Muito melhor.
Lucian também estava ao lado dela, sorrindo, tocando-a no rosto, virando sua face para um lado e para o outro. Liz encarou-o, permitindo que fizesse aquilo.
- Você não é médico, mas sinto que o conheço. E que você fez algo por mim.
- Do que você se lembra?
- De nada além do homem da tevê a cabo. Estavam testando um novo mercado. O que isso tem a ver com qualquer coisa? Eu apenas fiquei doente, não é? - Fitou-os
com esperança, mas então pareceu preocupada. - Eu não sei bem, mas sinto... que algo ruim aconteceu. Não posso dizer isso para Peter... nem sequer sei o que estou
tentando dizer.
- Sra. MacGregor - falou Sean -, caso se lembre de algo, ou mesmo ache que imaginou algo, por favor, me ligue.
Ela encarou Lucian.
- Tome conta de Jade, sim?
- É o que pretendo fazer - ele afirmou, encarando Jade intensamente.

- Matt Durante! Venha aqui!
Matt estava batendo à porta de Jade quando Renate apareceu no corredor.
- O que foi, Renate? Estou tentando falar com Jade.
- Ela não está.
- Bem, então...
- Droga, Matt, isso é importante!
- Está bem! O que é?
- Entre. Não posso falar com você aqui no corredor. - Pegou-o pelo braço e arrastou-o até seu apartamento.
Quando entraram, ela se apoiou dramaticamente na porta, como se eles tivessem sido seguidos e se encontrassem em grande perigo.
- O que foi?
- Jade está namorando um vampiro! Ele meneou a cabeça.
- Jade está namorando um policial chamado Rick Beaudreaux.
- Rick está no hospital, provavelmente morrendo por causa da mordida de uma vampira, e Jade está dormindo com o chefe dos sugadores de sangue!
- Renate, você bebeu?
- Não, eu não bebi, e estou dizendo a verdade.
- E eu estou indo embora. - Caminhava para a saída quando ouviu uma batida à porta. - Os vampiros? - indagou.
- Danny Thacker. Pedi que ele viesse. Ela abriu a porta, e Danny entrou.
- Certo, Renate. Estou aqui. Olá, Matt, como vai?
- Renate acha que Jade está namorando um vampiro - Matt anunciou, revirando os olhos.
- Achei que Rick fosse policial - disse Danny.
- Rick é policial! - Renate exclamou, irritada. - Estou dizendo a vocês que ela está dormindo com...
- Luke? - Danny indagou, arregalando os olhos.
- Você o conhece?
- O nome dele é Luke... Lucian DeVeau. Um sujeito bacana. Quer ser escritor.
- Ele não quer ser escritor - afirmou Renate. - Quer apenas se aproximar de nós. Quer que nós o convidemos a entrar... É assim que funciona. Um vampiro precisa
ser convidado.
- Você vai conhecê-lo, Matt - disse Danny. - Ele é realmente decente. Outra noite, eu estava caindo de bêbado depois de passar a noite com o cadáver daquele
rapaz, e Jade e Lucian me levaram para casa. Ela o conheceu na Escócia, eu acho. Eu o conheci aqui mesmo, em um café em Nova Orleans.
- Eles o levaram para casa! - Renate falou. - Você o convidou para entrar!
- Sim, e eu ainda estou andando e falando.
- E eu estou usando uma cruz! - disse ela. - Verifique o pescoço dele, Matt.
- Vocês dois podem verificar. - Danny virou o rosto, e Renate estudou-lhe o pescoço. - Se ele é um vampiro, não estava com fome naquela noite.
- Ele não vai atrás de você porque está seduzindo Jade.
- Você disse que Jade já está dormindo com ele - Matt observou.
- Sim, mas... ele provavelmente quer seduzi-la para a causa dele. Não sei exatamente o que ele quer, só tenho certeza de que ele é um vampiro e de que coisas
terríveis estão acontecendo. E temos de nos proteger, e proteger Jade...
- Por que você acha que esse sujeito é um vampiro?
- Bem, eu tenho escutado a freqüência da polícia no rádio... Mas vamos voltar um pouco. Jade vai para a Escócia e volta péssima, assustada, magra, fazendo
terapia. Ela conheceu esse homem lá. Há terríveis assassinatos em Nova York, e outro dos sobreviventes da Escócia está entre as vítimas.
- Há o rapaz no necrotério - Danny comentou.
- O quê? - Matt quis saber.
- O rapaz morto... não foi um acidente. Ele usava um nome falso e morreu antes de ser lançado pelo pára-brisa. Depois... alguém fez o trabalho em seu pescoço
com vidro quebrado.
- Ele é outro dos sobreviventes da Escócia - esclareceu Renate. - Assim como uma das vítimas do massacre em Massachusetts.
- Logo os assassinos vão ficar sem sobreviventes, certo? - Matt indagou, e em seguida percebeu o que acabara de dizer. - Meu Deus! Jade é uma sobrevivente.
Mas como isso tudo faz desse sujeito um vampiro?
- Bem, tenho quase certeza de que ele é escocês...
- DeVeau? - Matt murmurou.
- Na verdade, sim, ele é escocês - disse Danny. - O nome veio da Normandia, centenas de anos atrás ou algo assim.
- Viram? - retrucou Renate.
- Renate, vampiros em geral são da Transilvânia, não?
- Como podemos saber de onde eles realmente vêm? E esse o meu ponto! Os vampiros são muito antigos, e podem estar em qualquer lugar. Vejam! - Ela pegou um
livro intitulado Estranhas Histórias das Américas. - São todos casos documentados pela Justiça dos Estados Unidos. Este aconteceu na época da Guerra Civil. - Abriu
o livro e começou a ler: - "Linda e jovem, Sally Anderson apaixonou-se por um charmoso desconhecido. Após o noivado, ela ficou doente, com febre alta, fraqueza generalizada
e uma terrível palidez. Morreu duas semanas após o primeiro encontro com o noivo. Foi enterrada pelos pais. O desconhecido alto e charmoso desapareceu. Dois dias
após o enterro, sua irmã adoeceu".
- Foi provavelmente uma doença contagiosa - Matt opinou.
- Matt, escute! - Ela continuou lendo: - "A irmã disse que Sally ia até ela à noite, pedia para entrar no quarto e beijava seu pescoço, deixando-a ainda mais
doente. A jovem sofreu da mesma fraqueza, febre e palidez. Uma semana depois, morreu e foi enterrada no mesmo cemitério. Então, uma terceira irmã adoeceu. Ela também
se queixava de ser visitada pelas duas irmãs mortas, que desejavam abraçá-la, pois queriam ser beijadas e aquecidas. Foi vítima da mesma misteriosa doença." - Renate
encarou-os. - Logo, ela também morreu.
- Esses sintomas podem ser várias coisas - disse Matt.
- Você ainda não ouviu o final. - Renate voltou a ler: - "Desesperados para salvar a filha que restara, além do filho caçula, os pais pediram ajuda, O clérigo
local orientou-os a desenterrar os cadáveres das filhas, cortar e queimar os corações, e separar as cabeças dos corpos. E eles assim o fizeram. Os corpos estavam
como no dia em que haviam sido enterrados. A mãe escreveu no diário que achou que a filha mais velha abrira os olhos, e que estivera prestes a falar. Mas o clérigo
cravou a estaca no coração da menina." - Interrompeu a leitura. - E vocês sabem o que aconteceu?
- Não, Renate. Conte-nos.
- Ela gritou.
- Coisas assim já aconteceram - Danny falou. - Com o passar do tempo, são feitas novas descobertas sobre fisiologia humana. Talvez tenha havido uma liberação
súbita de gases ou...
- Tenho mais livros - Renate o interrompeu. - Aqui está um que acho que deveria ver, Daniel. - Mostrou-lhe o volume cujo título era Uma História da Escócia:
Famílias em Risco, e começou a virar as páginas. - Vários nomes de clãs atuais vêm da época da conquista normanda, e de antes. O famoso rei escocês, Robert Bruce,
descendia de um sujeito que veio da Inglaterra após a conquista, e cuja família era originária da Normandia. No começo do século, parte da família passou a ser De
Brus. Este livro fala da inimizade entre os Bruce e os DeVeau. Há também uma história de um herdeiro DeVeau lutando ao lado de Robert Bruce contra os ingleses.
- A Escócia era cheia de rivalidades feudais. Não entendo. Primeiro, falamos de vampiros. Depois, da História da Escócia...
- Vejam! - Empurrou o livro na direção deles. - O conflito entre eles surgiu por causa de uma mulher louca abrigada pela família De Brus. Havia rumores de
que ela era uma feiticeira e uma assassina, e DeVeau queria que ela fosse julgada diante do rei e que fosse executada.
- E o que aconteceu? - quis saber Danny.
- Não há nada neste livro a respeito de uma execução. Não consigo encontrar um nome para ela, nem outras informações. Mas vocês precisam ver esta foto.
Matt e Danny olharam a página. Havia um homem a cavalo, usando uma cota de malha sobre uma túnica com o brasão da família. Parecia um dragão vermelho, ou um
lobo, em um campo dourado. Carregava um estandarte e uma espada. A pintura era de um afresco criado para uma igreja perto de Edimburgo.
- O sujeito parece esse meu novo amigo - comentou Danny. - A pintura é o retrato, tal e qual, de Lucian DeVeau.
- Ele é um DeVeau. Deve ser uma semelhança familiar - opinou Matt.
- Oh, seus tolos! - gritou Renate. - Ele não é um DeVeau. Ele é o mesmo DeVeau.

Quando o pai e a irmã voltaram ao quarto do hospital, Jade pediu licença para subir e ver como Rick estava. Logo percebeu que Lucian estava atrás dela.
- Eu deveria fazer isso sozinha - ela disse.
- Preciso ver seu amigo.
- Ele estava melhorando, e pode estar consciente. - Deteve-se e pôs a mão no peito dele. - Lucian, eu...
- Está preocupada que ele me encontre? - indagou, envolvendo-lhe o pulso com os dedos para afastar sua mão, os olhos frios. - Acha mesmo que as coisas podem
voltar a ser como eram antes?
- Não... sim... talvez. Ainda não sei nada a seu respeito. Você invadiu minha vida...
- Sabe tudo o que há para saber. Se for capaz de admitir isso - ele disse, e continuou andando.
Lucian sabia o caminho para o quarto de Rick, que ainda estava na UTI. A enfermeira a princípio queria impedi-los de entrar, mas acabou reconhecendo-a.
- Ah, você é a noiva!
Corando ao sentir Lucian atrás de si, Jade apenas assentiu.
- Ele ainda está inconsciente, mas melhor. Vá e fale com ele. Talvez lhe faça bem.
Jade entrou e se aproximou da cama, segurando a mão de Rick. Pela janela, viu Lucian conversando com a enfermeira, que sorriu e abriu a porta.
- O que você disse para ela?
- Que era um amigo. - Caminhou até Rick e examinou seu pescoço, parecendo perplexo.
- Marcas de mordida, é? - ela provocou.
Lucian fez um gesto para que ela se aproximasse. Parecia haver duas pequenas marquinhas, mas não os grandes círculos vermelhos que ela vira em filmes.
- Não deveriam ser maiores? - Jade sussurrou, imaginando se estava enlouquecendo.
- Sophia está apenas brincando. Ele está se mantendo firme no momento, mas não deve ficar sozinho. Vou avisar Sean.
- Eu não entendo. E não acredito que ele esteja doente por causa desses pontinhos no pescoço. Isso é loucura.
- É, sim - ele concordou. Virou-se e deixou-a no quarto.
À luz do dia, no mundo estéril e organizado do hospital, Jade sentia que o bizarro tomava conta de sua mente. Não acreditaria em tudo aquilo com tanta facilidade.
Sempre havia respostas lógicas na vida. Algumas vezes, era apenas difícil encontrá-las. Permaneceu ao lado de Rick, segurando-lhe a mão.
Alguns minutos depois, viu um jovem charmoso pegar uma cadeira e sentar-se, com um jornal, diante do quarto. Saiu e olhou para ele, recebendo um sorriso amigável
de volta.
- Olá! Jade, não é? Sou Jack Delaney. Trabalho com Sean. Vou tomar conta de Rick por enquanto.
- Ele não está sendo caçado pela Máfia, nem nada assim. Foi internado porque está doente.
- Certo. Bem, ele é um bom policial. Espero que não se importe com minha presença aqui.
- Claro que não. - Percebendo que Jack não lhe daria mais informações, despediu-se: - Acho que vou embora, já que Rick está em boas mãos. Até logo.
- Até logo.
Quando Jade voltou ao quarto da madrasta, Sean e Shanna esperavam por ela, mas Lucian tinha ido embora. As saídas dele estavam se tornando muito irritantes.
- Ele tinha alguns assuntos para resolver - Sean explicou. - Maggie quer conhecê-la. Já falei com sua irmã. Espero que vocês me acompanhem até em casa para
comer algo e descansar um pouco.
- Não sei - disse Jade. - Papai, e as crianças?
- Está tudo bem, Jade, elas estão com a vizinha. Por que você e Shanna não comem e descansam um pouco? Podemos precisar de vocês nos próximos dias.
- Certo. Bem, estou louca para conhecer sua esposa, tenente.
Ao saírem do quarto, Jade reparou no homem negro alto e bonito parado à porta, que Sean apresentou como Mike Astin. Surpreendeu-se com o fato de sua madrasta
também precisar de um segurança.
Era tudo muito estranho. Ao retornarem a seu apartamento pela manhã, tanto Sean quanto Shanna tinham estado desvairados. O policial conhecia Lucian, e não
ficara surpreso ao vê-lo carregando-a para dentro de casa. Shanna, que estivera preparada para não gostar dele, agira de forma oposta, apresentando-se, observando-o,
interrogando-o e, por fim, parecendo fascinada por ele.
Era tudo muito estranho, pensou de novo, já dentro do carro do tenente.
Ao chegarem à casa dele, Jade admirou-se com a bela mansão. Mal tinham subido os degraus da entrada quando a porta se abriu, e uma mulher com uma criança no
colo apareceu. Era alta e elegante, o bebê tinha olhos azuis e cabelos escuros encaracolados.
- Meu marido conseguiu trazê-las aqui! Você é Jade, e você é Shanna - ela disse, nomeando-as corretamente. - Obrigada por terem vindo.
- Obrigada pelo convite. E este é... - Jade indicou o bebê.
- É o sr. Brent Canady - Maggie apresentou o filho.
- Ele é adorável! - Shanna elogiou.
- Obrigada. Por favor, entrem.
A casa era maravilhosa também por dentro, tanto requintada quanto acolhedora. Porém, tinha um cheiro estranho. Quando chegaram à cozinha, Jade percebeu que
havia dentes de alho pendurados nas janelas e nas portas francesas, assim como estacas de madeira nos cantos.
Maggie deixou o filho no chão da sala de estar, com seus brinquedos, antes de perguntar:
- Querem beber alguma coisa? É cedo, mas eu faço um ótimo Cosmopolitan.
- Seria ótimo - Shanna aceitou.
- Para mim, também - disse Jade.
- Sean, você pode ir ao porão buscar mais groselha, por favor?
- Claro. - Ele saiu.
Shanna foi ficar com o bebê na sala, e Jade apoiou-se no balcão perto da anfitriã.
- Maggie... Há alho espalhado por toda a sua casa.
- Alho suficiente pode funcionar.
- Contra...
- Vampiros.
- E as estacas?
- Também funcionam. Apesar de ser necessário cortar o coração ou remover a cabeça.
- E cruzes?
- Têm algum poder, dependendo do vampiro. Eu, pessoalmente, sempre apreciei uma bela cruz.
- Maggie, como você poderia saber o que funciona ou não contra vampiros, caso tais criaturas de fato existam?
- Eu já fui uma vampira.
Jade ficou imóvel. Estava realmente enlouquecendo!
- Você foi uma vampira... e agora não é mais. Passou de uma medonha sugadora de sangue a pacata esposa de um policial?
- Eu nunca fui uma assassina cruel. O mundo não é tão simples, Jade, nem mesmo o dos mortos-vivos.
- Vampiros não podem existir.
- Podem, sim, e existem.
- Não acredito nisso. - Sentiu lágrimas nos olhos. - Não posso, porque acho que está tentando me dizer que Lucian DeVeau é assim, que eu realmente estava com
um grupo atacado por vampiros na Escócia, que eles estão matando pelo país, que... - Interrompeu-se.
Maggie apenas a observava, esperando que ela aceitasse tudo aquilo. Shanna se levantara e, do outro aposento, olhava para elas. Sean retornou.
- Acho que vou preparar os drinques agora - avisou Maggie. - Obrigada, meu amor - ela murmurou, pegando a garrafa de groselha das mãos do marido. - Jade, você
pegaria gelo para mim, por favor?
Jade atendeu ao pedido e voltou para perto de Maggie.
- Você era uma vampira? E simplesmente desistiu de ser?
Maggie deixou o jarro sobre o balcão e fitou Jade.
- Nada no mundo é tão simples - repetiu. - Há leis estranhas que regem a vida e a morte. Eu acredito em Deus. Sempre mantive a fé, e talvez por isso tenha
sido recompensada. Muito antes da Guerra Civil, eu conheci um homem. Meu pai sabia o que ele era, eu, não. Ele nunca quis me ferir, pois realmente acreditava que
seu amor era forte o suficiente para dar vida a nós dois. Meu pai o matou, e eu fiquei maculada.
- Antes da Guerra Civil?! - Jade indagou.
- Se você quiser sobreviver ao que está acontecendo, sugiro que abra sua mente e escute Maggie - Sean aconselhou.
- Eu estou escutando! Não quero ser rude, mas...
- Meu Deus, Jade! - Shanna exclamou. - Não se lembra do que aconteceu na Escócia? Eu não estava lá, mas me lembro bem de como você ficou, depois do que aconteceu.
- Esses drinques estão prontos, Maggie? - Jade indagou, trêmula.
Maggie terminou rapidamente de preparar a bebida e entregou um copo a Jade, que bebeu de uma vez.
- Eu... não... bem... Você era uma vampira e usava uma cruz?
- É uma preferência pessoal, mas garanto a você que Darian não gosta de cruzes.
- Darian... o guia turístico, é claro... e o alho deve significar algo.
- Acho que pode oferecer proteção contra Darian e Sophia. Faz mal a Lucian.
- Não consigo acreditar que estamos tendo esta conversa.
- Você acredita, Jade - a irmã lhe disse -, por causa da Escócia.
- Esse Darian é... o pior e o mais cruel dos vampiros. É isso o que vocês estão tentando me dizer?
- Entre eles, sim. Na verdade, Sophia é o epítome do mal.
- Sophia, a mulher de cabelos escuros que estava na cripta... Ela é mais forte que Lucian?
- Lucian é muito forte - respondeu Maggie.
- Ele é o rei dos vampiros - completou Sean.
- O rei dos vampiros! - Jade repetiu, sentindo-se histérica.
- Você precisa entender que tudo começou em uma época diferente. Vampiros são muito antigos, quase tanto quanto os homens e, naquele tempo, os homens eram
tão brutais quanto quaisquer outras criaturas.
- É ilegal e imoral sair por aí matando pessoas hoje em dia! - Jade exclamou.
- Sim, claro, nos tornamos mais civilizados. Conforme o homem evoluiu, o mesmo aconteceu com as outras criaturas. Nós compartilhamos o mundo. A maioria dos
mortos-vivos aprendeu a viver discretamente. O sangue humano ainda é a maior tentação, e Deus sabe que os vampiros matam, mas a maioria é cuidadosa. Seleciona os
enfermos, os idosos...
- Oh! Criaturas bondosas, praticando uma forma gentil de eutanásia! - Jade ironizou.
- Algumas vezes, a morte é uma bênção - disse Maggie.
- Mas não estou dizendo que qualquer criatura tenha o direito de bancar Deus.
- Já vimos alguém que amamos morrer de câncer - Shanna lembrou a irmã. - Há coisas piores que a morte.
- Ser morto-vivo? - Jade indagou, fitando Maggie.
- Minha esposa está tentando ajudá-la - Sean interferiu com voz dura.
- É muita coisa para aceitar - murmurou Jade. - Eu apenas...
- Tudo bem, Sean. Ela está certa. E nossa refeição está pronta. Vamos comer?
Sentaram-se à mesa e, após a oração de graças, começaram a se servir.
- Você realmente acredita em Deus - Jade observou. - Eu agradeço todos os dias pela vida que tenho.
- Mas também acredita...
- É muito simples - Sean interrompeu. - Existe o Bem e o Mal. Qualquer criança sabe disso.
- Rick e Liz foram atacados por um desses vampiros? - perguntou Jade.
- Acreditamos que sim - disse Sean.
- Até agora, os dois apenas brincaram, tentando criar confusão, fazer Lucian perceber que podem atacar da maneira que quiserem. Eles não provocaram nenhum
grande dano. Se tivessem mesmo mordido os dois... - Maggie murmurou.
- Se isso tivesse acontecido - Sean prosseguiu -, os dois estariam maculados. Seriam eles, mas ao mesmo tempo não seriam. Seriam cruéis. E então...
- Uma mordida de verdade transforma a pessoa em um monstro? - Shanna quis saber.
- Se Sophia ou Darian quisessem de fato morder alguém, provavelmente criariam um monstro. Não sabemos bem como, mas pode até ser algum tipo de condição do
sangue. Portanto, de criaturas com essa veia malévola, obtém-se outra criatura assim quando o sangue é infectado. Vi isso acontecer uma vez com um conceituado soldado.
Ele ficou louco e matou cruelmente os homens que estavam feridos no campo de batalha.
- O que podemos fazer? - Jade perguntou. - Meu Deus, Liz e Rick estão vulneráveis...
- Eles estão sendo vigiados - Sean lembrou-a.
- Sophia tem sido má há mais tempo do que qualquer um pode se lembrar. Lucian derrotou-a antes e deve fazer isso de novo.
- Por que eles não foram destruídos?
- É uma lei: vampiros não podem destruir uns aos outros.
- Por que eles estão atacando pessoas próximas a mim? - Jade indagou.
- Por que não torturar você, debilitando Lucian no processo? - Maggie retrucou. - Eles estão atrás de você.
- Porque eu vi o que eles fizeram na Escócia.
- Não sei - disse Maggie. - Acho que eles fizeram aquilo na Escócia para você. - Ela hesitou. - Você é muito parecida com alguém que Lucian conheceu anos atrás.
Sophia a odiava. Ela viu você... e a odeia.
- E onde Lucian está agora?
- Vou levá-la até ele em breve. - Maggie levantou-se para tirar a mesa.
- Eu devo ir com Jade? - Shanna quis saber.
- Esta noite, você deve ficar aqui.
Jade começou a lavar os pratos, Shanna foi ficar com o bebê na sala e Sean retirou o lixo.
- Quando você conheceu Lucian? - indagou Jade.
- Quando eu me transformei em vampira.
- Vocês eram...
- Somos velhos amigos agora, nada mais. Lucian teve seu tempo de amargura e de arrogância. Era o rei, um professor. Eu teria perecido sem ele. Aprendi as regras,
ele me socorreu. Eu não estaria aqui com Sean se ele não tivesse feito isso. Nem sempre ele foi bom, e não é necessariamente bom agora. Mas é razoável, coerente,
e sempre teve sua ética. Dizem que um vampiro verdadeiro não tem alma. Não é verdade. Ele é como um homem, Jade. Seu mundo não é branco ou preto. Há muitas sombras
nele.
- Sim, mas...
- Ele me desejou uma vez, mas nunca me amou de verdade.
- Eu não estava perguntando...
- Estava, sim.
- Eu mal o conheço,
- Talvez você o conheça melhor do que imagina.
- O que quer dizer?
- Quando conheci Sean, ele tinha um ancestral que havia sido soldado durante a Guerra Civil. Sean me lembrou muito ele. Acho que talvez ele fosse Sean.
- E você acha que eu posso ser alguém que viveu muito tempo atrás?
- Quem sabe? Lucian amou uma vez, mais de um milênio atrás. Eu não estava lá, pois ele é muito velho. Era um líder nas Terras Altas, e tinha uma esposa, Igrainia,
a quem amava muito. Ela foi lançada ao mar, onde ele não podia alcançá-la. Mas a história diz que certos poderes do mar a devolviam, durante algumas horas, para
ele. Ainda assim, Sophia descobriu-a e matou-a quando vinha para a terra, afastando-a das águas que a teriam salvado.
- Ela veio do mar? Ora, Maggie, isso é ridículo!
- Mas você se atrai por ele, certo? Fica brava, pois ele vem e vai, porque há muitas perguntas não respondidas, porque você tem medo... Mas está ligada a ele
e, se Lucian de repente saísse de sua vida, você ficaria devastada.
Ela se recusou a responder ao comentário.
- Mas com Sophia...
- Acredito que ela ache que você é Igrainia. Que você voltou. E a raiva dela é incrível. Há muito tempo, ela conheceu Lucian, quando estava com os vikings,
aterrorizando a costa da Escócia. Ela o viu, desejou-o, criou-o, e ninguém rejeita Sophia, que é linda e poderosa. Mas ele a desprezava, por causa de Igrainia. Sempre
a odiou, e agora ela quer destruí-lo.
- Tenho medo de acreditar nisso tudo, e de não acreditar.
- Mas você quer ver Lucian?
- Sim.
- Já terminamos a louça. Vou levá-la até ele. Sua irmã ficará segura aqui com Sean e o bebê.
Jade abraçou a irmã antes de sair com Maggie. No carro, mantiveram silêncio durante o trajeto, até Jade perceber que estavam no cemitério.
- Maggie...
- Não se preocupe, pois ele está sozinho. Está esperando você. Quer que compreenda o que ele é.
Jade umedeceu os lábios, vendo as elaboradas sepulturas por cima dos muros. Lembrou-se de quando estivera ali, acreditando que sonhava.
Confie em mim!
Escutou a voz dele na mente. As palavras eram fortes, como se tivessem sido pronunciadas em voz alta. Abriu a porta do passageiro e olhou para Maggie, que
afirmou:
- Você ficará bem.
- Porquê?
- Ele ama você. - Maggie inclinou-se para fechar a porta e afastou-se.
Dessa vez, Jade sabia que não estava sonhando. Com escuridão e sombras por toda a parte, entrou no cemitério.
Por aqui.
Ela seguiu a voz. Andou por caminhos repletos de pedras e por trechos de grama, passou por uma gárgula enorme e por diversos mausoléus, aprofundando-se cada
vez mais na morada dos mortos.
Por fim, avistou-o. Estava parado diante de uma cripta lindamente esculpida, guardada por leões alados, vitrais retratavam cenas de São Jorge matando o dragão
e da ascensão de Lázaro. Ele usava camisa e calça pretas, mesclando-se com a noite. Esperou-a, apoiado na parede.
Jade se deteve a alguma distância, encarando-o.
- Por que estou aqui? - ela sussurrou.
- Queria que visse onde eu vivo, ou não vivo.
Quando Lucian se aproximou, sentiu vontade de correr, pois não queria crer naquilo. Porém, mais do que tudo, desejava estar com ele.
- Venha, vou lhe mostrar. - Ele tomou sua mão. Conforme ela era conduzida aos degraus, sua mente se rebelou. Ele a arrastaria para baixo e a trancaria com
os mortos. Não queria nem começar a imaginar os cadáveres que haveria no mausoléu.
Quando ele abriu a porta, Jade avistou caixões em uma das paredes e, no centro do aposento, um altar sob outro vitral: Cristo se levantando dos mortos. Havia
mais um caixão de cada lado. No altar, ela leu o nome DeVeau.
- Parentes? - ela sussurrou. Ele meneou a cabeça, sorrindo.
- Não há uma alma enterrada aqui. Nesses caixões, mantenho apenas terra da Escócia. Exceto por aquele... com roupas. Tento ficar atualizado em relação aos
estilos em voga.
Jade andou pelo aposento, imaginando se agiria como uma tola ao tentar erguer a tampa de um caixão que poderia estar selado havia décadas. A tampa abriu e,
como ele dissera, estava cheio de roupas.
- E o outro? - ela indagou.
- Eu não preciso dormir aqui. - Ele se aproximou, erguendo-lhe o queixo. - Volto para cá quando estou exausto, precisando de força.
Estava sozinha com ele, e Lucian alegava ser um vampiro. Não se sentia tentado?
- Sim - ele respondeu suavemente.
Jade sabia que não fizera a pergunta em voz alta.
- Como você não...
- Livre-arbítrio.
- Podemos ir embora?
Ele segurou seu rosto entre as mãos, estudando-lhe os olhos. A escuridão era completa, e Jade não via nada lá dentro, mas sabia que ele a via.
- Nós?
- Sim. Se você não precisa ficar aqui, podemos ir para a minha casa?
- Por enquanto, sim. Depois, quero voltar ao hospital, mesmo que agora não tenhamos que nos preocupar. Sean levará sua irmã amanhã de manhã.
- Os amigos de Sean podem mesmo proteger Liz e Rick?
- Mais do que qualquer um.
- Eles acreditam...
- Sabem o suficiente para não se recusarem a usar o que funciona. Mas ninguém está sendo atacado agora, ou eu sentiria.
- É claro - ela murmurou.
Saíram do cemitério. Não havia neblina naquela noite. As gárgulas e os anjos permaneciam em seus pedestais.
Na rua, Lucian chamou um táxi.
Ao chegarem, Jade entrou no apartamento e, mal fechara a porta, viu-se nos braços dele. O beijo foi selvagem, ardente. Apesar de sentir-se fraca de desejo,
agarrou-se aos ombros largos, afastando-se.
- Eu não sou...
- Você é tudo.
- Lucian, não sou alguém que você conheceu! Sou apenas eu, Jade MacGregor, e...
- E eu a desejo muito, srta. Jade MacGregor.
Ela o tocou na face, com os olhos fixos nos dele. Lucian livrou-se da jaqueta e levou os dedos aos botões de sua blusa, roçando cada pedacinho de pele que
desnudava, despertando-lhe sensações que se espalhavam por todo o seu corpo. Jade tomou o rosto dele entre as mãos, adorando a estrutura da face masculina, a forma
como ele a fitava. Sua blusa deslizou pelos ombros e caiu no chão, e ele a virou de costas para soltar o sutiã. Ergueu seu cabelo, e ela sentiu o hálito quente e
sensual na nuca, e o beijo, líquido e quente, deixando uma umidade que, tocada pelo ar, era excitante, como todo o resto. Beijou-a ao longo da espinhadas mãos detiveram-se
no cós de sua calça, circundaram seu corpo para encontrar o zíper na frente e o abriram. Acariciou-a no ventre, e cada vez mais para baixo, conforme ia tirando seu
jeans. Jade gemeu, pulsando com a pressão daquele toque. Livrou-se da calcinha e virou-se de frente para ele, sentindo o corpo forte e quente contra o seu. Beijou-o,
e o contato pareceu afetá-la por completo, derretendo-a. Quando ele a tomou nos braços, soube que aquilo era o que mais desejava no mundo.
Lucian sentiu-se à vontade em sua cama, era o amante perfeito, arrogante e terno, sabendo exatamente onde e como tocá-la, provocando-a, excitando-a, nunca
hesitando, sempre exigindo mais. Ela se deliciou ao sentir-lhe a pele, a pulsação, os músculos sob seus dedos, os quadris delgados, a ereção. Não queria mais perguntas
naquela noite, não queria pensar, nem temer. Fechou os olhos. Tudo o que desejava era Lucian.
Ele se deitou sobre Jade, penetrou-a, tornou-se parte dela. Era um fogo que ardia e, naquele momento, ela acreditou em mágica.

- Peguem-no! Cuidado! Não Jade, apenas ele!
De algum lugar em seu sono, ela escutou uma voz semelhante à de Renate.
- Tem certeza de que isso vai funcionar? Danny?
- Sim, nós não queremos apenas irritar um vampiro, Renate.
Aquele era Matt.
Jade acordou com os sussurros, dando-se conta de que não estava sonhando. Ao abrir os olhos, avistou Renate, Danny e Matt que, em pé ao lado de sua cama, a
encaravam, com estacas na mão.
- Ele não está aqui! - Renate anunciou. Cobrindo-se com o lençol, Jade olhou para o lado e, constatando que Lucian não estava mesmo lá, fitou o trio.
- O que vocês estão fazendo aqui?!
- Nós o perdemos. Eu disse que esperamos demais. - Renate sentou-se na cama, suspirando. - Jade, querida, você está dormindo com um vampiro.
- Nós... hum... - Matt corou. - Renate insistiu que viéssemos.
- Vamos ajudar você a matá-lo - ofereceu Renate.
- Vocês vão ter de estar muito mais bem preparados do que isso, se quiserem matar um vampiro.
Jade arfou, Lucian retornara. Tinha tomado um banho e estava vestido, apoiado ao batente da porta, com os braços cruzados sobre o peito e os olhos cor de ébano
revelando divertimento.
Renate levantou-se de um salto, erguendo a estaca. Lucian mal pareceu se mover, mas de repente se encontrava diante dela. Pegou a estaca e quebrou-a no joelho.
Matt e Danny largaram as que estavam segurando e recuaram.
- Nunca hesite diante de um vampiro - Lucian aconselhou.
Renate encarou-o, ofegando, antes de desmaiar aos pés dele. Lucian ergueu-a e a acomodou em uma poltrona diante da janela.
- Vou buscar um pouco de amônia na cozinha - avisou Matt.
Ele logo retornou e passou a substância sob o nariz de Renate. Ela abriu os olhos, mas, ao ver Lucian em pé a seu lado, afundou outra vez na poltrona.
- Com licença, rapazes. - Jade suspirou. - Vocês lidem com Renate. Eu vou tomar uma ducha rápida e me vestir, caso não se importem.
Danny e Matt estavam corados... e pareciam temerosos. Quase chegava ao banheiro quando Matt chamou-a. Ela virou-se para trás.
- Você está saindo com um vampiro - ele informou.
- Eu sei! Não se preocupe. Ele não vai machucar você - ela o tranqüilizou e correu para o chuveiro.
Quando Jade saiu do banheiro, encontrou todos sentados à mesa da cozinha, tomando café.
- Deve haver uma forma de descobrir quem exatamente ela é - Renate dizia.
Ela parecia totalmente controlada e no domínio da situação. Lucian estava sentado em uma das grandes cadeiras estofadas. Após servir-se de café, Jade se encostou
ao braço da cadeira, e ele distraidamente pousou a mão em suas costas. Era um gesto íntimo e caseiro, e ela se sentiu completa e realizada com aquele toque-simples.
- Sei exatamente o que ela é - Lucian afirmou. - É o Mal.
- Ele está nos pondo a par da situação - Matt explicou.
- Estou tentando fazer seus amigos entenderem que precisam ficar longe disso - Lucian disse a Jade antes de voltar-se para eles. - É maravilhoso que tenham
tentado protegê-la de mim, mas não devem se envolver.
- Agora sabemos ao que precisamos ficar atentos - Danny falou.
- Não, vocês não podem nem imaginar o que estariam enfrentando. Eu aprecio seus esforços, e o fato de não mais quererem me atravessar com uma estaca, me decapitar
e me transformar em cinzas, mas não são policiais ou soldados. São... escritores!
- Com licença, mas você nunca ouviu dizer que a pena é mais poderosa que a espada? - indagou Matt.
- Temo que algumas vezes isso não seja bem verdade. E vocês estão querendo enfrentar uma criatura anciã, que é muito poderosa e deve estar com o medalhão.
- Que medalhão? - indagou Renate.
- Anos atrás...
Algumas vezes havia vantagens em ser um morto-vivo. Como quando o arrogante conde De Brus cavalgou pela primeira vez para a Escócia. Ele praticara a crueldade
em suas propriedades no Sul da Inglaterra, guerreara contra os lordes nas fronteiras e dirigira-se ao Norte, onde o astuto rei dos escoceses lutava para manter o
país longe das garras de Guilherme, o Conquistador.
Nessa época, seu grupo original de vikings já se fora havia muito tempo. Apenas Wulfgar permanecia com ele, pois a doença que o atingira ainda jovem levara
Lucian a garantir-lhe o dom, ou a maldição, mesmo tendo prometido a si mesmo que nunca faria isso. Ambos se deslocavam pelo mundo juntos, sempre alegando parentesco
com a família DeVeau, um nome que permanecera na região, inalterado, mesmo quando os das demais nacionalidades começaram a se adaptar à tendência escocesa.
Enquanto a Escócia lutava para criar e manter sua independência, normandos invadiam do Sul, às vezes, vikings ainda atacavam do Norte. E, dentro do país, lordes
brigavam por terras e por riquezas. De Brus se estabeleceu perto de Edimburgo e, alegando que a terra era sua, decapitou o proprietário legítimo. Lordes vizinhos
tentaram enfrentá-lo, grandes clãs das Terras Altas dirigiram-se às Terras Baixas para vencê-lo. Porém, seu poder parecia maior que o do rei.
Um dia, Justin de Ayr, um jovem padre, foi sozinho à Ilha dos Mortos, levando um saco de moedas de ouro, que depositou diante de Lucian.
- Ouvi falar a respeito do que você é.
- E me traz ouro. Não vem me destruir? Que estranho! Um homem do clero! - Lucian debochou.
- Dizem que havia um proprietário de terras perto daqui que perseguia e enforcava os pobres que roubavam seus cervos, e que ele desapareceu quando você retornou.
- Eu o assei e comi - Lucian mentiu.
- Fará o mesmo com esse De Brus?
O padre falou durante a noite. De Brus tinha um estranho poder, e era temido pelos próprios parentes. Guerreiros que o sitiavam eram encontrados mutilados
e decapitados nos campos de batalha no dia seguinte. Homens corajosos fugiam dele. Nas vilas próximas, jovens mulheres eram escolhidas para ser entregues a De Brus
e levadas ao castelo. Dizia-se que ele tinha uma filha, ou que se casara com uma mulher que lhe dava poder em troca de vida humana. Ela bebia sangue, e se banhava
nele.
- E como você se envolveu nisso? - Lucian indagou, temendo que Sophia tivesse se curado e estivesse de volta.
- Quando voltei para casa, após uma peregrinação, descobri que minha irmã havia sido levada.
Lucian olhou para Wulfgar. No dia seguinte, eles viajaram com o padre.
Às muralhas do castelo, ele sentiu uma esmagadora onda de poder atingi-lo. Não poderia entrar sem ser convidado. Observou os portões durante a noite. Quando
amanheceu, Lucian viu uma mulher cavalgar sozinha para fora da fortaleza e seguiu-a. Ao chegar a uma clareira, ela desmontou, sentou-se em um toco de árvore e chorou.
Aproximou-se dela. Ao perceber sua presença, ela gritou.
- Eles me avisaram para não vir até aqui, pois eu cairia nas mãos dos nossos inimigos. Disseram que toda a família De Brus corre perigo por causa do pacto
que fizemos com aquela demônia... a nova esposa de meu pai. Dizem que ela é uma De Brus, mas não é. É uma cria do inferno. Eu ouço as meninas gritando...
- Convide-me para entrar.
- Você pode detê-la? Meu pai o matará. E há um homem com ela, que lhe obedece. Eles dormem juntos e riem, mas meu pai não se importa.
- Convide-me para entrar - ele repetiu.
- Caro senhor, quem quer que seja, se puder impedir que isso prossiga...
Eles cavalgaram até o castelo, parando para pegar Wulfgar e o padre. Era dia, não o momento de seu maior poder, mas tampouco da força mortal de Sophia. Ainda
assim, ela sabia que se dirigiam para lá. Estava no salão nobre com o lorde quando entraram, e levantou-se de imediato, chamando os soldados.
- Detenham-no! Matem esse homem!
Os soldados avançaram. O padre e Wulfgar, de costas um para o outro, enfrentavam cada homem que se aproximava dele.
- A cabeça, seus tolos! Cortem a cabeça, arranquem o coração do corpo! - ela gritava.
Darian atacou-o. Suas espadas se chocavam, e eles se moveram, pelas escadas, por cima da grande mesa, para perto do fogo. O braço de Lucian estava ferido,
sua cintura, golpeada. Ele causou um ferimento profundo na coxa do oponente e atravessou-lhe o peito com a lâmina. De repente, Sophia gritou e avançou com incrível
força, brandindo incansavelmente a espada. Quando Darian voltou a investir contra ele, Wulfgar uniu-se à batalha.
Sophia era como um vendaval. Lucian mal conseguia ver o que acontecia no aposento, tão ocupado estava enfrentando aquele poder impressionante. Ele não atacava,
apenas se defendia. Cortou-a várias vezes, mas ela não parecia dar-se conta, não vacilava, lutava com facilidade.
Ao ouvir um grito, Lucian virou-se e viu que Wulfgar caíra de joelhos.
- Cortem a cabeça dele! - Sophia ordenou.
Um dos soldados desferiu o golpe certeiro, e no segundo seguinte Wulfgar estava morto.
Quando Sophia avançou de novo, Lucian estendeu a mão para detê-la. Seus dedos se enroscaram nos cabelos dela e na corrente dourada do medalhão que ela usava,
arrancando-a do pescoço.
- Devolva! - ela gritou.
Lucian olhou para o poder que detinha na mão, sentiu o objeto queimando e fitou Sophia, que investia com fúria, arranhando seu rosto. Segurando a corrente,
ele a golpeou com a espada, talhando-a da garganta à virilha.
- Darian! - ela berrou.
Ela era real, e era névoa. Cambaleou para fora do castelo. Lucian tentou alcançá-la, mas tropeçou e caiu. Achou que, por fim, estava morto.
Porém, mais tarde despertou, e soube que tinham encontrado Sophia e que a haviam sepultado e coberto o túmulo com chumbo, para que ela não pudesse levantar-se
mais.
Ele foi até a cripta. As leis antigas o proibiam de abrir o túmulo e decapitá-la. Os De Brus, que tinham pavor dela, não fariam isso. O padre estava satisfeito
ao ver que ela se fora.
Lucian estava de posse do medalhão. Era de ouro, com uma estranha insígnia, semelhante a um gato com olhos de ébano.
A primeira noite em que dormiu com o objeto, acordou com uma fome intensa. Ainda se encontrava no castelo. Quando uma empregada entrou em seu quarto, saltou
sobre ela e quase lhe rasgou a garganta. Contudo, ao ver seu reflexo hediondo em um escudo na parede, com saliva escorrendo de suas presas, empurrou a criada de
lado, surpreso com a própria força. Ajudou-a, mas ela estava apavorada e começou a gritar.
Era o medalhão, pensou. Dava-lhe grande força, mas alimentava sua fome e sua crueldade. Os homens do castelo puseram-se diante dele, encarando-o com horror.
- Preciso do corpo de Sophia! - ele gritou.
O medalhão tinha de ser enterrado... Sophia precisava ser destruída.
- Ela não vai se levantar de novo! - lady Gwendolyn, a filha do castelo, lhe disse. - Vamos enterrar o talismã do mal.
Os restos de Wulfgar o esperavam. Levou embora seu querido amigo, e um esquife foi feito para ele, posto em chamas e lançado ao mar.
Antes disso, Lucian colocou o medalhão no que restara da mão de Wulfgar.
Devia ter queimado, derretido... e caído no fundo do mar.
Ao terminar sua história, Lucian olhou ao redor.
- O que aconteceu com a irmã do padre? - indagou Renate.
- Foi encontrada. Ela havia sido mantida com as outras moças em uma cela. Estava maculada, transformada, e foi viver com freiras em Reims.
- Que triste! E lady Gwendolyn?
- Casou-se alguns anos mais tarde.
- Você acha que Sophia está como medalhão outra vez?
- Ela saiu de uma tumba chumbada e teve força para sair matando mundo afora. Eu diria que ela contou com alguma ajuda.
- Darian?
- Obviamente.
- Ela está usando o medalhão? - Jade indagou.
- Não sei.
- Há coisas que podemos fazer - Renate insistiu. - Desenhe o medalhão. Vamos encontrá-lo.
- Como?
- Progresso e tecnologia!
- Ela quer dizer que vamos procurar na internet - Matt esclareceu.
- E temos que ir ao hospital - Jade lembrou. Lucian olhou lentamente de Matt para Jade e assentiu.

Peter, ainda muito confuso, informou Jade que Mike fora designado para vigiar o quarto de Liz, que ainda ficaria alguns dias em observação. Disse também que
conhecera Maggie, que tinha ido ao hospital com o marido. Shanna pegara os gêmeos e os levara à casa dos Canady, onde tomaria conta deles e de Brent.
- Onde está Maggie?
- No momento, eu não sei. Sean veio render Mike, e está à porta de Liz. Não sei por que ele acha que precisa ficar de guarda dessa maneira - disse o pai, preocupado.
- Mal não vai fazer, papai.
Desconfiado, Peter fitava Lucian, que conversava com Liz.
- Ela está melhorando, mas ainda não se lembra do que aconteceu. Algo a respeito do homem da tevê a cabo, mas... eles não mandaram ninguém naquele dia. Acho
que ela devia estar com muita febre. É inquietante. Até agora não entendi quem chamou a polícia.
- Papai, o que isso importa? Alguém chamou, e a ajuda chegou. O importante é que ela está aqui e vai ficar bem. - Ao vê-lo, assentiu e beijou-o no rosto. -
Vou subir e ver como Rick está.
Ela saiu do quarto, avisou Sean para onde estava indo e pegou o elevador. Encontrou Maggie, que tomara o lugar do policial diante do quarto de Rick.
- Como ele está?
- Bem - respondeu Maggie. - Oscila entre a consciência e a inconsciência, mas tente falar com ele. Os médicos dizem que é importante.
- Obrigada. - Jade entrou no quarto.
Rick tinha uma boa aparência e parecia respirar sem dificuldade. Sentou-se ao lado dele e tomou-lhe a mão entre as suas, apoiando nelas a cabeça.
- Olá, garota! - A voz não passava de um sussurro.
- Rick, graças a Deus!- ela exclamou. Levantou-se e o beijou na testa.
- Obrigado por estar aqui, Jade.
- Você nos assustou. Teve uma febre horrível. - Afastou-lhe o cabelo do rosto, olhando para as feições bonitas e para os francos olhos azuis. - Rick...
Ele meneou a cabeça, pegou sua mão e encarou-a.
- Está tudo bem. Não precisa dizer nada.
- Eu preciso, sim. Eu...
- Não está apaixonada por mim - ele afirmou com gentileza.
Jade ficou tão surpresa que permaneceu em silêncio por um longo momento.
- Rick, eu sinto muito...
- Tudo bem. Sei que você gostaria de estar. Mas, Jade, com esta febre... eu estava tendo uns sonhos bizarros. E não eram com você. Havia essa mulher que eu
conheci por acaso, ao dar-lhe informações, e era ela no meu sonho. E eu estava pensando... bem, as pessoas têm fantasias na vida. No final, somos todos animais,
mas... Eu percebi que você quer me amar, mas não me ama.
- Rick... - Interrompeu-se ao perceber que ele olhava por sobre seu ombro. Virou-se para trás e viu que Lucian havia entrado. - Rick, este é Lucian DeVeau.
Nós nos conhecemos na Escócia. Ele também é amigo dos Canady.
Rick ofereceu a mão para Lucian e disse:
- Eu conheço você de algum lugar.
- Estive aqui com Jade.
- Não... É estranho, mas tenho a sensação de que o conheço muito bem. Você mora em Nova Orleans?
- Tenho uma casa aqui.
- Talvez seja isso. Quem sabe tenhamos nos encontrado em algum lugar.
- Talvez. Como você se sente?
- Fraco, mas bem.
- Posso falar a sós com Rick um instante? - Lucian pediu a Jade.
Espantada, ela não tinha certeza de querer que os dois ficassem sozinhos.
- Lucian, Rick não está bem...
- E não é nenhum tonto. Já percebeu o que aconteceu.
- Tudo bem, Jade. - Rick apertou sua mão. - Mesmo. Ao sair do quarto, ela encontrou Maggie no corredor.
- Homens! Eles são uma droga. E ele me envolveu nisso tudo! - Jade explodiu. - Esses são meus amigos e...
- Há muito em jogo - disse Maggie.
- Acho que preciso de um café. Pode dizer a Lucian que estou na cafeteria? Não, não se incomode. Ele saberá, não é?
- Ele conseguirá encontrá-la.
- Hum... Talvez ele não devesse conseguir me encontrar. E sabe o que mais? Eu posso parecer com essa tal de Igrainia, mas não sou ela. Não sou a reencarnação
de um... peixe!
- Por que não vai tomar um cafezinho fresco? - Maggie sugeriu, após deixá-la extravasar a raiva.
- Obrigada. - Jade suspirou. - Sinto muito, Maggie.
- Não tem problema.
- Droga, eu sinto que você é alguém que eu conheço muito bem - Rick insistiu. - Você foi à escola aqui? Quero dizer, você é obviamente de algum outro lugar,
mas... esse sotaque não é francês, é?
- Do continente, eu acho. Nasci na Escócia, mas passei muito tempo na França. Paris é uma cidade incrível.
- Quem sabe eu a conheça um dia. E então, o que aconteceu? Você estava por lá durante o que ocorreu na Escócia, encontrou Jade e fizeram sexo?
- Não foi assim.
- O que eu posso fazer, rastejar desta cama e bater em você? Não hoje. Mas ainda sou louco por Jade. Portanto, se pretende magoá-la...
- Pretendo ajudá-la. Sei que isso vai soar esquisito, mas preciso saber mais a respeito da mulher que você conheceu.
- Dormi com ela apenas em sonho.
- Poderia me falar a respeito dela?
- Cabelos escuros, pele pálida, exótica. Seios fartos, cintura fina, quadris arredondados. Tudo aquilo de que são feitas as fantasias.
- Ela tinha nome?
- Não que tenha me dito.
- Como estava vestida?
- Não estava. Você está se esquecendo da natureza das fantasias.
- Acho que a mulher da sua fantasia pode ser real. Ela parece alguém que eu conheço e que provavelmente está em Nova Orleans.
- É mesmo? Se você a encontrar, pode mandá-la entrar. Eu tinha uma namorada, mas não tenho mais.
- Sinto muito.
- Acredito em você. Ainda assim, é estranho. Eu ficaria mais bravo se não achasse que o conheço de algum lugar. Claro, se você fosse um amigo, o que fez seria
ainda pior.
- Rick, você disse que essa mulher estava nua. Ela usava algum tipo de jóia?
- Não. Se estivesse usando, acredite, eu teria notado.
- Obrigado pela ajuda.
- Não por isso. Vejo você por aí, meu novo amigo... ou meu velho amigo, o que quer que você seja. - Sorriu, e então estremeceu. - Seria bom ter minha força
de volta.
- Vai voltar - Lucian garantiu antes de sair do quarto. Maggie ainda estava no corredor.
- Você acha que ele vai ficar bem? - ela indagou.
- Não sei. Espero que sim... Maggie, Rick a lembra de alguém?
- Não de alguém que eu conheça.
- Mas você acredita... em pessoas retornando.
- Sabe que estou convencida de que conheci Sean antes. Mas devo alertá-lo de que Jade está bastante aborrecida. Ela me disse que não era um pei... - Interrompeu-se,
determinada a poupar os sentimentos dele. - Ela me disse que não era Igrainia.
- E como ela sabe a respeito de Igrainia?
- Talvez eu à tenha mencionado - Maggie murmurou.
- Vou falar com ela. Tive medo que Rick não me contasse o que eu queria saber se ela estivesse junto. Sophia não está usando o talismã, mas sei que ela o tem.
Está usando o medalhão para recobrar as forças, para curar Darian quando ele se fere. Preciso encontrá-lo.
- Jade está na cafeteria.
Após alguns instantes, LuCian meneou a cabeça.
- Não mais. Ela foi para a capela, achando que eu não conseguirei encontrá-la.



Capítulo IV



A capela era moderna e universal, com o piso branco, um vitral abstrato e um altar simples. Jade estava no primeiro banco. Rezara por Liz, por Rick e por si
mesma. Assustou-se quando Lucian sentou-se a seu lado.
- Achei que não pudesse vir aqui.
- Alguns podem.
- Sei. Você é um bom vampiro, certo?
- Não. Já lhe disse... Tive meus momentos de extrema violência e crueldade.
- Mas está aqui.
- Talvez porque acredite em Deus.
- Deve haver algum lugar aonde você não possa ir.
- Não posso entrar na casa ou na vida de ninguém sem-ser convidado.
- Eu convidei você?
- Em alto e bom som. Ela desviou o olhar.
- O que acontece se Liz ou Ríck morrerem? Eles se tornam assassinos alucinados e maníacos?
- Não. Se eles morrerem, nós cortamos as cabeças deles. Ela começou a tremer.
- Eu odeio você. Detesto que tenha entrado na minha vida, e o que fez com todos ao meu redor. - Fitou-o. - E quero que vá embora.
- Não posso.
- Pode, sim. Você sai daqui e vai para qualquer lugar onde esteve nos últimos séculos.
- Jade, eu não posso mudar o que você significa para mim.
- Com certeza, você pode! Vai me dizer que não houve dezenas, talvez centenas, de mulheres em sua longa vida... ou morte? O que me torna diferente? Não sou
sua esposa, nem na vida real, nem um sonho, nem reencarnada, ou saída do mar. Não sou ela. Você a amava e a perdeu. Mas houve outras, obviamente. E todas fazem parte
do seu passado. Deixe-me ser passado também. Vá embora!
- Jade, não posso arriscar sua vida.
- Minha vida não é sua para que a arrisque! É minha. - Estava próxima às lágrimas, exausta, preocupada.
Convidara-o em alto e bom som. Sim. Algo acontecera entre eles naquela noite em Edimburgo. Desde que ele a tocara, parecia não suportar ficar longe dele. Precisava
dele, da forma como os olhos escuros a fitavam, da força do corpo alto e firme a seu lado. Amava seu riso, sua força, o tom de sua voz... E ele vivia em um túmulo.
- Você poderá ter sua vida de volta - ele afirmou, com frieza - quando eu tiver certeza de que terá uma vida para viver.
Ela baixou a cabeça. Lucian levantou-se e estendeu-lhe a mão.
- Venha. Vamos dizer a seus pais que voltaremos mais tarde.
- E então?
- Você vai até seus amigos ver se a caneta, ou a internet, é mais poderosa que a espada. Sob nenhuma circunstância, deve convidar alguém para entrar em seu
apartamento. E não vai sair até eu chegar.
- E onde você vai estar?
- Das cinzas às cinzas. Vou ao lugar onde minha força é maior, e vou dormir... Talvez sonhar.

Renate estivera muito ocupada. Deixara os rapazes no apartamento de Jade e voltara à sua casa para trabalhar por conta própria. Após uma pesquisa exaustiva,
encontrara o que buscava. Estava prestes a descer para o apartamento de Jade quando o interfone tocou. Ela atendeu, impaciente.
- Sim?
- Srta. Renate DeMarsh, vim entregar alguns livros encomendados na livraria Coffee & Crime.
Ela havia comprado livros? Não se lembrava, mas provavelmente tinha feito a compra. Apertou o botão que abria a porta da rua.
- Pode entrar e deixar os livros aí embaixo. Obrigada. - Apressou-se a sair do apartamento.

Sombra, escuridão e frialdade o envolviam, névoa redemoinhava. Permitiu que a bruma e a doce sensação da noite o circundassem. Com os olhos da mente, viu o
talismã. A corrente dourada, a criatura entalhada no ouro, o gato com olhos cor de ébano...
A forma de capturar um gato... como um lobo.
Havia névoa, árvores, arbustos... uma floresta à noite. O lobo, com os olhos vermelhos, trotou, seguindo o rastro. Diminuiu o passo, imobilizou-se e ergueu
o focinho, farejando o ar. Começou a correr outra vez ao longo da trilha na mata. Adiante, a lua lançava estranhos brilhos dourados sobre as edificações de pedra.
O cemitério.
O gato estava à frente. Podia senti-lo, podia vê-lo, os olhos cor de ébano como um farol... Ouviu gemidos e gritos no vento. Eram os lamentos daqueles que
tinham deixado negócios inacabados, as lágrimas dos que haviam traído, os fantasmas do cemitério, entoando um uivo de morte que ressoava na noite, que fazia parte
do mundo dos que mudavam de forma, o lobo que vinha, que buscava...
Um anjo de mármore subitamente levantou-se no teto de um mausoléu, abrindo as asas, que sombrearam a pedra branca. As asas eram um grande manto que tremulava.
Escondido sob um capuz negro, o rosto da criatura voltou-se para o lobo.
Onde os mortos escondem seus tesouros, lobo? Pense, sinta, fareje o ar, veja com os olhos da mente. Você está caçando um felino esperto e ligeiro... Onde os
mortos guardam seus tesouros?
Ele sentiu a força dos músculos que se moviam conforme corria, sentiu o ar frio da noite e o suave abraço da lua. Tinha de continuar correndo, porque sentia,
via...
Onde os mortos guardam seus tesouros?
Despertou na escuridão, ciente de que algo mudara. O dia se fora, o sol se pusera.
E, de fato, algo perturbava a escuridão da noite.
Jack Delaney foi enfeitiçar Maggie por volta das cinco horas. Ela o questionou, querendo assegurar-se de que ele estava preparado para qualquer visitante estranho
que aparecesse.
- Maggie, aquela garrafa de refrigerante está cheia de água benta.
Ela assentiu. Algumas vezes, imaginava se, mesmo sendo parceiro de Sean e já tendo visto muito, Jack compreendia a situação. Temia partir, mas a assustava
ainda mais estar longe de casa por tanto tempo.
- Jogue a água benta primeiro, pergunte depois! - ela o orientou.
- Sim, senhora - ele respondeu com um sorriso. - Agora, vá.

Shanna estava cansada enquanto ia para o hospital após ter cuidado dos irmãos. Sentira-se grata quando Maggie retornara à mansão, e sentia-se grata também
pelo fato de os gêmeos estarem lá. James a assustara muito quando, ao assistir à televisão, dissera:
- Eu gosto da tevê deles. O homem do cabo veio e quebrou a nossa. Quebrou ela inteira... e mamãe também. - E começara a chorar.
As lágrimas a fizeram imaginar o que tinha acontecido, e rezar para que Liz nunca se lembrasse.
Quando, por fim, chegou ao estacionamento do hospital, parou o mais perto possível da entrada da emergência. Saiu do carro depressa e caminhou até a porta,
avistando um homem que se dirigia para o mesmo lugar. Diminuiu o passo, e então o acelerou. Sentiu medo, mas tentou tranquilizar-se, lembrando-se de que estava em
um lugar público...
- Deixe-me abrir para você.
O estranho passou por ela e abriu a porta. Temerosa, ela se apressou a entrar, e só então se virou para ver-lhe o rosto. Ofegou, aliviada. Era Dave, o sujeito
que conhecera na cafeteria... e que não comparecera ao encontro no cinema.
- Você!
- Shanna! Estou tão contente por encontrá-la. Tentei ligar para você, mas não consegui falar. Estive muito doente, e não pude ir ao cinema, mas pretendia vê-la
outra vez.
- Bem... pode me ligar.
- Ainda serei bem-vindo?
- Sim. - Ela o estudou, subitamente preocupada. - Não está aqui porque piorou, não é?
- Não. Estou aqui para ver um velho amigo. E você?
- Minha madrasta e um amigo. Acho que devo ir agora. Os dois foram juntos até o elevador.
- Vou ao segundo andar - ela disse.
- E eu, ao terceiro.
Entraram, e ele se manteve próximo. Shanna surpreendeu-se ao sentir-se ao mesmo tempo inquieta e incrivelmente atraída. Ele era bonito, charmoso, e estar ao
lado dele era, de alguma forma, excitante. Ficou feliz quando o elevador parou. Saiu e voltou-se para ele.
- Imagino que nos veremos.
- Pode apostar que vai me ver. É uma promessa - ele afirmou, sorrindo.
A porta do elevador se fechou, e Shanna apressou-se pelo corredor em direção ao quarto de Liz.
Quando Maggie foi embora, Jack sentou-se para vigiar o quarto de Rick. As horas passaram. Ele leu, fez palavras cruzadas, conversou com as enfermeiras que
iam e vinham e comeu um hambúrguer.
Às onze horas o turno mudou, e a enfermeira da noite aproximou-se pelo corredor, carregando uma bandeja de medicamentos. Tinha um rosto e um corpo lindos,
e os cabelos estavam perfeitamente presos sob o chapéu. Ela era incrível, e o uniforme lhe caía especialmente bem. Deveria estar na capa de alguma revista de moda,
ele pensou.
- Olá, policial. Como vai meu paciente?
- Parece bem.
- O senhor está mantendo a gentalha longe daqui, eu presumo?
- Sim, moça, esse é o meu trabalho.
- Então, é bom tê-lo aqui.
Jack sorriu e voltou a ler seu livro enquanto ela entrava no quarto do paciente. De repente, ocorreu-lhe que a mulher não parecia uma enfermeira. Era requintada
demais, parecia perfeita demais. Seria alguém que posaria para uma foto, uma atriz... e não uma enfermeira de verdade.
Levantou-se depressa e, ao olhar para o corredor, piscou com força, pois achou ter visto um lobo correndo em sua direção. Estava mesmo exausto!
Ao abrir os olhos, notou que era apenas um homem, o velho amigo de Sean, Lucian DeVeau. Nesse instante, soube que estivera certo quanto à mulher. Sem esperar
que ele o alcançasse, entrou no quarto.
A mulher estava esticada sobre o paciente, e voltou-se ao ouvi-lo entrar. Os olhos eram selvagens, impressionantes, hipnóticos. Sangue da garganta de Rick
escorria de sua boca...
Jack avançou na direção dela, mas Lucian o ultrapassou e atacou-a, afastando-a da cama. O frasco de soro quebrou, e uma bandeja caiu.
- A água benta! - ele gritou.
Jack correu para buscar a garrafa, enquanto o alarme soava no hospital. No entanto, voltando ao corredor, deparou-se com um homem alto, de cabelos avermelhados,
que segurava a garrafa de refrigerante, rindo.
- Procurando por isto, policial?
- Dê-me! - Jack ordenou. - Sou um oficial da lei... - Começou a caminhar na direção do homem, mas ele se aproximou, pegou-o pelo braço e, sem esforço algum,
lançou-o pelo ar.
Jack caiu, mas conseguiu entrar no quarto a tempo de agarrar o sujeito pelos pés, derrubando-o e fazendo a garrafa voar. A mulher com quem Lucian ainda estava
atracado saltou e, pisando na água que se espalhara, deu um grito terrível. Caído, o homem conseguiu virar-se e golpear Jack na cabeça, com força.
Enquanto o aposento mergulhava na escuridão, ele viu a mulher desaparecer no ar.

Renate estava excitada. Todos se encontravam no apartamento de Jade, esperando.
- Sei que estou certa. A criatura é uma deusa-gata, e ela dá poder. Mal posso esperar por Lucian. Jade, quando ele volta?
Jade bocejou.
- Logo, imagino.
Quantas vezes Renate perguntara aquilo? Danny, Matt e ela já haviam cochilado, mas Renate nem sequer se sentara.
Nesse instante, o telefone tocou. Jade despertou de imediato, levantou-se e atendeu.
- Jade?
- Shanna! Oh, meu Deus, Liz está bem?
- Sim, mas é que... é que... Rick morreu. Tentaram ressuscitá-lo, mas... ele se foi, Jade.
O mundo girou ao seu redor, e Jade largou o telefone. Matt a segurou e deixou-a chorar nos seus braços enquanto Danny pegava o aparelho.
- Alô? - Danny escutou o que Shanna dizia. - Nós a levaremos até aí.
Rick já fora limpo quando os funcionários do hospital permitiram que Jade o visse. Dentre os policiais, ela ainda era considerada a noiva. Houvera muitas perguntas,
que Jack respondera da melhor forma possível. Ele estava desmaiado no chão quando a equipe do hospital chegara após ouvir o alarme. Ao despertar, tinha tentado explicar
que uma falsa enfermeira fora ver Rick. O corpo havia sido mantido ali para os fotógrafos da polícia e para a equipe técnica, que passara horas procurando vestígios.
Contudo, apesar das gotas pequenas de sangue na roupa dele, não havia outras marcas em seu corpo.
Algumas pessoas suspeitavam que Jack, por causa da falta de sono, imaginara a enfermeira assassina. Claro, haveria uma autópsia, mas a morte provavelmente
decorrera da anemia provocada por febre e desidratação.
O corpo de Rick começou a ser embrulhado para a transferência ao necrotério. Ele morrera apenas porque a conhecia, Jade pensou. Estava soluçando quando Sean
informou-a que estavam todos indo para a capela. Ao chegar lá e avistar Lucian, ela correu e socou-o no peito com fúria. Ele ficou imóvel por um longo tempo, permitindo
que ela o golpeasse. Por fim, segurou-lhe os pulsos.
- Jade...
- Eu não quero ouvir nada de você.
Ela tentou se afastar, mas descobriu que era impossível. Shanna envolveu-a com os braços, tentando acalmá-la. Jack entrou na capela e começou a se desculpar:
- Sinto muito, foi culpa minha. Os médicos acham que se trata de um novo vírus. Pensam que eu adormeci e sonhei com a mulher que entrou no quarto.
- Jack, você não falhou - garantiu Sean. - Há uma força muito poderosa em ação.
- Eu nunca vou convencer o hospital e a polícia de que Rick foi morto por... o quê? Um mal antigo?
Ninguém respondeu. Aborrecida demais para ficar ali, Jade se dirigiu à porta da capela.
- Jade, o que está fazendo? - Shanna indagou. - Não pode simplesmente...
- Jack, você pode segui-la e levá-la para a casa de Maggie? - Lucian pediu. - Sean e eu temos que cuidar de algumas coisas por aqui.
Ao ouvir isso, Jade voltou para perto de Lucian e o encarou.
- O que acham que vão fazer?
- Você sabe o que precisa ser feito.
- Acha que vai até o necrotério decepar a cabeça dele e arrancar seu coração? Não! Você não vai fazer isso!
- Jade! - Lucian segurou-a pelos ombros. - Isso precisa ser feito.
- Não! Se ele pode voltar, deixe-o voltar. Ele vai retornar como você.
- Talvez não - Sean objetou. - Ele pode voltar com uma tendência cruel ao homicídio.
- Quem é você para julgar quem deve ou não retornar? - ela indagou.
- Deixe-me dizer por que ele não deveria voltar! - A raiva de Lucian subitamente equiparou-se à dela. - Ele era um sujeito decente. Você quer mesmo que ele
seja condenado, que anseie por sangue, sofrendo a cada dia que não tomar uma vida humana?
- E assim que você vive?
-, Foi assim que vivi por muito tempo. Jack, leve-a embora do hospital.
- Não! Por favor, dêem uma chance a ele... Se Rick foi mesmo maculado, pode ser morto depois.
- Não por mim - lembrou-a Lucian. - Você não entende?
- Sean pode matá-lo.
- E se ele voltar com uma incrível capacidade para o mal? - Sean indagou.
- Isso não vai acontecer. Estou lhes dizendo, eu conheço Rick. E, droga, Lucian, olhe para você!
- Hum, olhe para mim. Foi necessário muito tempo para que isso acontecesse. Você não sabe como eu voltei, nem conhece as coisas horríveis que fiz.
- Ele poderá contar com você.
- Eu também tive um guia... - Lucian começou, mas se interrompeu ao lembrar o que Rick lhe dissera: Droga, eu sinto que você é alguém que eu conheço muito
bem! E havia algo tão familiar a respeito dele...
- O que foi? - indagou Jade.
- Você é um policial, e conhecia Rick - Lucian disse a Sean. - Você decide.
- Não sei... É perigoso - disse Sean.
- Perigoso! - Jade exclamou. - Sean Canady, Jack Delaney, vocês estão aqui conversando tranqüilamente com um homem que alega ser um vampiro. Um assassino.
O rei dos monstros desprezíveis. E ele não pegou nenhum dos dois para um lanchinho noturno. Como podem sequer pensar em ir ao necrotério fatiar Rick?!
- Por favor, vamos lhe dar uma chance - Shanna intercedeu. - Talvez Sophia o tenha infectado, mas ela também infectou você, Lucian. Além disso, pode precisar
de ajuda para lutar contra ela e Darian, e Rick era uma excelente pessoa.
- Jack? - indagou Sean.
- Eu não estava gostando da idéia de cortar a cabeça de Rick.
- Certo, vamos tentar. - Sean concordou. - Mas, de alguma forma, precisaremos roubar o corpo dele. Porque, se ele não acordar antes da autópsia, será um vampiro
retalhado, nervoso e muito faminto.
Eles esperaram várias horas. Lucian se compadeceu dos administradores do hospital. Problemas no banco de sangue, uma morte misteriosa e um cadáver desaparecido.
Não ficaria bem para eles, mas não havia outra solução.
O corpo de Rick estava aguardando transferência para o necrotério, e havia apenas um funcionário no local. Lucian desceu e conversou alguns segundos com ele,
assim que o atendente ficou com um olhar vazio, convocou Jack e Sean. Usando uniformes do hospital, eles empurraram a maça de Rick até uma sala vazia e o vestiram.
Lucian e Sean, um de cada lado, apoiaram-no, dando a impressão de que carregavam um bêbado. Com espantosa facilidade, conseguiram sair do hospital e colocá-lo no
carro.
- Para onde vamos levá-lo? - indagou Sean, que dirigia.
- É quase dia. Vamos para o cemitério - Lucian decidiu.
Chegando lá, estacionaram na rua e retiraram o cadáver do carro. Erguendo Rick nos braços, Lucian virou-se para Jack e Sean.
- Vocês não precisam prosseguir. Eu assumo daqui.
- O que acontecerá agora? - Jack indagou.
- Sophia e Darian ficaram bastante feridos na última luta. Água benta queima mais do que ácido na pele humana. Eles só vão conseguir caçar alguém fraco, e
ficarão desesperados para escapar do sol. Posso tentar localizá-los. Encontrei-os ontem à noite, apesar de... um pouco tarde.
- Quais são seus planos?
- Vou para a Escócia.
- Ótimo. Vampiros descontrolados assolam Nova Orleans, e você vai para a Escócia. - Jack meneou a cabeça, em aprovação.
- Acho que sei onde encontrar o talismã de Sophia. E, se eu for para lá, eles me seguirão. Acredito que os dois estão matando os sobreviventes do ataque na
Escócia porque, de alguma forma, ela exibiu o talismã naquela noite, e teme perdê-lo de novo. Acho que o medalhão está nas profundezas da cripta.
- Mas de que lhe serve o talismã na Escócia?
- Está em posse dela, na cripta da família. Um homem muito rico não mantém seu dinheiro à mão, ele o guarda no banco.
- Eu não entendo, Lucian. Você é o líder, o mais velho, o mais poderoso. Não pode ordenar...
- Antigamente, íamos sempre para a guerra, e qualquer um podia ser convocado para a batalha. Assim como os homens, os vampiros mudaram com o tempo. A maioria
se alimenta discretamente dos que estão morrendo, visitam prisões, ajudam a livrar as ruas da escória humana e freqüentam bancos de sangue. É a sobrevivência. Foi
isso o que eu ensinei. Não fui contra a natureza, apenas tentei controlá-la para a mudança dos tempos. Algumas vezes, surge algo terrível, como Sophia, e então agimos.
Em geral, sou eu quem ajo, em uma reprimenda física que deixa o transgressor se curando por um século ou dois, ou recrutando um ser humano para o golpe final, o
que é sempre arriscado, considerando-se que eu também sou um morto-vivo. Há aqueles a quem eu poderia pedir ajuda, mas todos temem Sophia. Nenhum rei comanda sujeitos
em rebelião, e é por isso que ela permanece. Eu usurpei seu poder e fiz mudanças. Deixem-me agora. Verei vocês de novo quando cair a noite.
Sean e Jack observaram enquanto Lucian carregava o corpo de seu amigo para as profundezas do cemitério.
- Vamos para a minha casa - disse Sean. - É mais seguro, e nós precisamos dormir um pouco.
- Você acha que Rick ficará bem?
- Eu não sei. Meu Deus, espero que tenhamos tomado a decisão certa!
Shanna estava preocupada com a irmã. Na casa de Maggie, no entanto, Jade se acalmou após tomar uma xícara de chá c adormeceu. Depois de conversar um pouco
mais com a anfitriã, Shanna decidiu se deitar. O quarto de hóspedes tinha portas francesas, que levavam a uma varanda, mas naquela noite tudo fora fechado. A casa
estava protegida,
Além de ter sedado sua irmã, Maggie devia ter colocado algo também em seu chá, pois ela adormeceu assim que se deitou. Teve um sono agitado e sonhou com Dave.
Não estou bem. Preciso de ajuda. Era com se estivessem conversando na porta do hospital. Eu pretendia ligar para você. Vou vê-la de novo, com certeza.
Eu preciso ir.
Não fique brava. Estou doente e preciso de ajuda. Por favor, deixe-me entrar.
Apesar de ele ser lindo e de ter um sorriso encantador, Shanna fez que não com a cabeça.
Não. Meu amigo morreu, e preciso lidar com a minha família.
Deixe-me entrar, Shanna. Abra aquelas portas. Livre-se daquele alho fedido que Maggie mantém em todo o lugar.
- Não! Vá embora! Estou cansada!
Ela se levantou, assustada, ao perceber que falara em voz alta. Olhando ao redor, notou que as portas francesas estavam entreabertas, resguardadas apenas pelos
arranjos de alho. Saiu da cama e fechou-as.
Ao ouvir um choro, correu para o quarto dos gêmeos e viu que Jade já estava lá, com o pequeno James nos braços.
- Jade, dê James para mim e volte para a cama. Você está com uma aparência péssima.
- Você não está muito melhor.
- Melhor do que você, com certeza. Maggie não exagerou na minha sedação.
Jade arqueou a sobrancelha, mas não ficou surpresa de fato.
- Está bem. - Beijou o garoto, entregou-o para a irmã e saiu do quarto.
- E então, querido, como você está? - perguntou Shanna.
- Sonhos ruins. O homem da tevê a cabo estava aqui.
- Dê um abraço na sua irmã. Vamos dormir algumas horas, e ficar bem. Certo?
- Sim. Shanna, o homem foi embora, mas ele estava aqui. De verdade.
- Estou contente que ele tenha ido. Vamos dormir.
Era bem tarde quando Renate foi se deitar. Ficara na casa de Jade com os rapazes por um longo tempo. Todos sentiam a morte de Rick e imaginavam como a amiga
estava devastada.
- É a culpa também - ela opinara. - Jade não o amava. Pobrezinho... E agora ele está morto.
- Você não precisa sentir-se culpado para se aborrecer com isso! - afirmara Matt.
Eles tinham sido tão frios com ela que Renate decidira voltar para seu apartamento. Deitou-se, mas ficou se revirando na cama, sonhando.
Havia um homem em seu sonho. Ela o conhecia, parecia lembrar-se de tê-lo convidado para entrar antes. Era muito bonito, mas estava ferido. Disse seu nome suavemente,
e o sussurro era como o mais gentil e sensual toque em seu rosto.
Renate, aqueles tolos não apreciam o que têm, uma pessoa inteligente, generosa, gentil...
- São terríveis - ela falou em voz alta. - Amigos horríveis.
Eu preciso de você. Toque-me, cure-me, deixe-me entrar, tome conta de mim.
Ela sorriu. O sonho era ótimo. Ele era sedutor e a desejava. Estava de joelhos diante dela.
Preciso de você, Renate...
- Querido, eu preciso de você - ela disse, virando-se na cama.
E não estava sozinha.

Lucian, por fim, descansou. Preparara as coisas de que necessitaria quando Rick despertasse e o deixara repousar no santuário de seu caixão, acomodando-se
em um sobretudo e em um travesseiro diante do vitral. Odiava estar tão vulnerável, mas fechou os olhos e permitiu que o poder de sua mente alçasse voo.
Havia um quarto, em cujo centro estavam dispostas cadeiras entalhadas. Uma estava vazia, como estivera nas últimas centenas de anos. Porém, algumas vezes,
ele ainda a via lá, o corte da túnica de linho, o cinto elegantemente trabalhado sobre os quadris, os cabelos soltos, os olhos da cor do mar...
A cadeira dela estava vazia. Sentou-se na sua própria e convocou-os: Ragnor, das ilhas ao Norte, Yves d'Pres, de Bruges, o espanhol Roberto Domano, Lisa Clay,
de Seattle, seu consorte, o artista, Fucello, Jean d'Amores, da Borgonha, Chris Adair, de Limerick. Eles surgiam ao seu redor. Foi Ragnor quem deu um passo adiante
e anunciou:
- Ela voltou. Sophia escapou da tumba.
- Lucian, por que não deixá-la provocar destruição entre os homens até que acabem com ela? - Yves sugeriu.
- Ela criará tanto tumulto que as pessoas começarão a crer em lendas e, acreditando, estarão prontas a matar - Lisa opinou. - Haverá um furor, e todos nós
seremos caçados. Concordo com Lucian. Ela acabará conosco.
- Mas nós somos caçadores, guerreiros, lobos! - Yves protestou. - Lucian, você é o rei de nossa espécie, e isso é algo que eu nunca discutiria, mas não posso
ajudá-lo a caçar um dos nossos. Ela veio antes de você. Essa luta é sua.
- Você está enfraquecendo, Lucian? -: Roberto indagou. - Preocupando-se demais com o destino daqueles que nos caçariam?
- Não enfraqueci, Roberto. Salvei muitas vidas dos de nossa espécie, mantendo-os afastados dos massacres que seriam sua ruína. Não quero que me ajudem a derrotar
Sophia, pois poucos de vocês são velhos o suficiente para conhecer a extensão de seu poder, de sua malignidade. O que eu quero é Nova Orleans a salvo.
- Tomarei conta de sua cidade, Lucian - ofereceu Ragnor.
- Quero também alertá-los para que não se unam a Sophia e a Darian. Não se enganem, achando que eles me derrotarão, pois isso não vai acontecer. Se quiserem
se unir a mim, serão bem-vindos. Não é uma ordem que eu possa dar, mas vocês estão cientes do perigo que enfrentamos. Não destruímos os de nossa espécie, é o que
diz a lei, tão antiga quanto o apetite que nos governa. Mas os tempos mudaram. E quando todos somos ameaçados pelos excessos de poucos, há guerra. Como eu governei
durante tantos anos, digo-lhes que não tenho escolha, e que preciso buscar a justiça que permitirá nossa sobrevivência. E se a lei é de ordem natural e se eu explodir
em chamas diante desse ato, que assim seja. Não permitirei que a depravação de Sophia destrua o mundo deles, nem o nosso.
Uma série de murmúrios afirmativos percorreu o grupo.
Lucian liberou-os e notou que Chris Adair permanecia.
- Vou lutar com você, Lucian.
- Agirei melhor sozinho, no máximo com um novo integrante de nossa espécie que vai despertar em breve. Ragnor vigiará Nova Orleans. Eu ficaria grato se você
se mantivesse atento aos que estão entre nós.
- Sim, Lucian, ficarei atento...

- Uau! Onde estou? Sinto muita fome, homem! - Rick saiu do caixão, esfregando o pescoço e fitando Lucian. - Você está parecendo uma ótima pessoa para abraçar,
para satisfazer meu apetite... Nossa, o que diabos estou dizendo?
- Eu não sou o que você está procurando. Do que se lembra?
- A mulher mais sensual do universo inclinada sobre mim e... - Rick dobrou-se ao meio. - Sinto tanta dor... E eu poderia ter jurado... - Endireitou-se devagar.
- Achei que estivesse morto.
- Você estava.
- Qual é o problema comigo? Eu quero beber sangue quente e fresco. Desesperadamente.
No fundo da cripta, ouviram guinchos. Lucian obtivera alguns dos maiores e mais gordos ratos que conseguira encontrar no cemitério.
- Ratos? - Rick sussurrou.
- Eles vão servir.
Rick não teve forças para resistir ao aroma e ao calor das criaturas, e se deleitou com elas. Após terminar, encostou-se ao caixão e olhou para Lucian.
- Estou morto, e no inferno. Ou não estou, e este é o pior pesadelo que já tive. Ou é real, e eu sou um... vampiro.
- Sim. Eu sinto muito. Não fui muito favorável à idéia.
- Deixe-me adivinhar. Você queria cravar uma estaca em mim, mas Jade não deixou, certo?
- Foi uma decisão coletiva.
- Não se preocupe. Ela provavelmente fez isso porque não me ama. Mas estou contente. E, apesar de não estar nos meus planos, vou conseguir fazer isso. - Ficou
em silêncio um instante. - Quero encontrar os assassinos. Prefiro ser o que sou, um comedor de ratos no momento, e conseguir fazer algo. Eu não vou surtar e começar
a atacar pessoas que amei, certo?
- Já aconteceu. Mas eu pretendo estar com você. Há regras neste mundo, mas você terá de aprendê-las enquanto vamos indo. O tempo é importante.
- Como você disser.
Lucian virou-se para sair da tumba, lembrando-se de que Rick levaria algum tempo para aprender o poder da névoa e do movimento, da mente e da matéria. Quando
os portões de ferro se abriram, ele começou a andar, seguido por Rick. Ao ouvir um choro baixinho, hesitou. Havia uma garota ajoelhada diante de um túmulo. Ela soluçava,
e era possível sentir a pulsação da veia em seu pescoço.
- Lute contra isso - ele disse.
- Está tudo bem - Rick garantiu, e eles prosseguiram. - Estou bem, chefe.
- Do que me chamou?
- Não sei. Ah... de "chefe".
- E por que me chamou assim?
- Você é escocês, certo? Mesmo com o nome DeVeau.
- Eu fui. Muito tempo atrás - retrucou Lucian, estudando-o.
- E agora...
- Agora, é hora de ir para casa.

Jade estava convencida de que a estavam enganando. Tinham fingido que salvariam Rick, mas haviam ido ao necrotério para cortá-lo em pedaços.
Exausta, dormira a maior parte do dia, mas, assim que despertou, viu as notícias sobre o sumiço do corpo de Rick. Com mãos trêmulas, baixou o jornal e olhou
para Maggie.
- Eles não mentiriam, Jade. Temos de esperar que Rick retorne... decentemente.
Estavam sozinhas na sala de jantar. Shanna ainda dormia, com os gêmeos.
- Se a pessoa era boa, poderia voltar como um... vampiro decente?
- "Racional" é provavelmente uma palavra melhor. O ímpeto está lá... de imediato... O impulso de atacar, de se alimentar. Mas pode ser controlado. Lucian nem
sempre foi tão... discernente. Mas, mesmo naqueles dias, quando ele era mais cruel e inflexível, não acho que gostasse de matar. Não depois de Igrainia. Acho que
ele desejava apenas vingar-se de Sophia. E quando ela foi sepultada... ele passou a existir para manter a ordem. - Ao ouvir o telefone tocar, Maggie disse: - Deve
ser aquela sua vizinha irritante, Renate, que já ligou várias vezes. Acho que deveria falar com ela.
Jade atendeu o telefone, e percebeu que Renate parecia cansada e mal-humorada.
- Onde está Lucian?
- Foi uma noite agitada, e não sei onde ele está no momento.
- Precisa trazê-lo aqui. Escute, o medalhão está relacionado a uma antiga deusa-gata egípcia, que era chamada de Ura. Não se sabe muito sobre ela porque, ao
adotarem uma nova religião, eles destruíram tudo o que se referia a ela, cada gravura, cada estátua, pois ela era uma "bebedora de sangue", a quem sacrifícios eram
feitos. Quando, por fim, foi destruída, diz a lenda que a queimaram. No entanto, havia as cinzas que, se guardadas em um medalhão, dariam ao possuidor o poder do
puro mal. E, a menos que o proprietário do talismã também fosse destruído no fogo, o poder permaneceria. Portanto, Sophia tem de ser queimada.
- São ótimas informações! Você foi maravilhosa.
- Eu... gostaria de me sentir maravilhosa. Estou exausta, não dormi. Bem, me ligue ou peça para Lucian me ligar.
- Certo. Obrigada - Jade disse e desligou.
- Ela sabe? - perguntou Maggie.
- Ela é uma pesquisadora. Encontrou uma lenda a respeito de uma deusa e do medalhão... Aparentemente, Sophia precisa ser queimada.
- É mais fácil falar do que fazer. E também há toda essa questão a respeito de vampiros não poderem destruir uns aos outros. Bem, teremos de pensar nisso.
- Maggie, você o admira, não é? Acha que Lucian pode cuidar disso?
- Cuidar disso? Lucian... sim, ele tem um incrível poder interior. Ainda assim... Ele me ensinou muito, mas não tudo. Antes de Sean, eu me apaixonei por um
homem que me transformou em vampira, acreditando que nossa união nos libertaria. Mas meu pai o matou para garantir minha segurança. Não acho que Lucian realmente
acreditasse que tal força pudesse funcionar, até que Sean e eu nos unimos. Ele é cínico e inflexível. Vencerá Sophia no final? Acho que sim. A não ser que, de alguma
forma, hesite.
- Por minha causa?
- Eu não disse isso.
- Mas pensou.
- No momento, ele precisa permanecer cínico e inflexível, e manter a força para derrotar Sophia. Sim, eu o admiro. Ele me atraiu quando eu o odiava. Tornou-se
um bom amigo quando eu mais precisei de seu poder. Bem, agora, por que não toma um banho e se veste para irmos ao hospital? - sugeriu Maggie, encerrando o assunto.
- Certo.
Uma hora mais tarde, Sean levou-as ao hospital. Peter estava aterrorizado ao pensar que a doença que matara Rick pudesse também matar Liz.
- Estão pensando em liberá-la. E se... - Interrompeu-se, não querendo dizer nada diante da esposa.
- Seu pai está preocupado - explicou Liz. - Rick estava melhorando, e então morreu. Ele tem medo que isso aconteça comigo.
- Você não deve ficar sozinha, é claro - Maggie falou.
- Por que não vai ficar em casa com Sean e comigo?
- Ah, não poderíamos! - Liz protestou.
- Estou falando a sério. Minha governanta é incrível, e as crianças a adoram. As garotas vão ficar lá por algum tempo também.
- Maggie, posso falar com você um instante no corredor? - pediu Jade.
- Claro.
As duas saíram do quarto.
- Maggie, isso é uma loucura! Se levar meu pai e Liz para sua casa, eles vão perceber que... que Lucian é...
- Lucian não tem ido à minha casa. Eu a tornei muito desconfortável para os da espécie dele.
- Mas... - Jade interrompeu-se ao avistar um homem que não conhecia montando guarda diante do quarto de Liz. Era mais alto que Lucian, tinha ombros muito largos
e cabelos loiros. - Quem é ele, Maggie?
- Ragnor, um amigo muito antigo de Lucian.
- Está tudo bem - ele garantiu, sorrindo. - Não vou arrancar um pedaço de sua garganta.
- Obrigada - ela disse, forçando um sorriso.
- Você se parece muito com Igrainia.
- Eu não sou...
Ele ergueu a mão, impaciente com a negativa.
- Ninguém se aproximará de sua família - garantiu. Jade agradeceu e olhou para Maggie.
- Onde está Lucian?
- Não sei. Vamos nos encontrar à meia-noite na capela.
O tempo pareceu se arrastar, mas quando o horário chegou, ela, Maggie e Shanna foram à capela, onde encontraram Sean e Jack.
- Onde está Lucian? - Jade perguntou a Sean.
- Ele voltou para a Escócia. Acha que sabe onde está o medalhão e pretende pegá-lo.
- Mas ter o medalhão não irá ajudá-lo! Sophia precisa ser queimada! - Jade explodiu. - Não acredito! Ele não poderia ter partido, ter me deixado, sem dizer
nada...
- Jade, você estava brava com ele ontem - Jack comentou.
- Mas... mas... Rick. Onde ele está?
- Com Lucian.
- Meu Deus!
- Jade, você lhe disse que o queria fora de sua vida - lembrou Maggie. - E Lucian está preocupado com você e com sua família. Sabe que ficarão em segurança
porque, assim que perceberem pára onde ele foi, Sophia e Darian irão atrás dele. E vocês vão ficar conosco. Foi a melhor forma que ele encontrou de fazer as coisas.
Jade fitou-os, sentindo-se impotente, furiosa, temerosa e envergonhada. Não deixaria Lucian sozinho. Precisava estar ao lado dele.
- Vou para à Escócia - anunciou.
- Você não vai - rebateu Sean com firmeza.
Ela baixou a cabeça. Não discutiria. Concordaria, e depois faria o que quisesse.
- Tudo bem. - Permitiu que as lágrimas que gostaria de verter assomassem a seus olhos. - Iremos para a sua casa, Maggie. Minha família estará a salvo com você.
Ela saiu da capela, com a cabeça e os ombros baixos. Assim que se afastou, correu até os telefones públicos e, em alguns minutos, tinha uma passagem da British
Airways.
Quando o telefone de Jade tocou, Matt atendeu sem pensar.
- Alô?
- Quem está falando?
- Matt Durante. E aí?
- É Jenny Dansen, sua colega escritora, lembra?
- Ah, olá, Jenny. Como vão as coisas?
- Diga-me você. O que está fazendo na casa de Jade?
- É uma longa história. Rick ficou doente...
- E morreu e desapareceu, eu li. Estou ligando por causa de Renate. Ela está agindo de forma muito estranha. Tentei falar com ela, e um homem atendeu o telefone.
Ele desligou e, quando eu tentei de novo, ela atendeu e negou que alguém tivesse atendido antes.
- Você pode ter ligado para o número errado.
- Posso, mas não fiz isso, Meu telefone grava os números chamados.
- Ela deve estar com alguém, e não quer que nós saibamos.
- Ou está com algum sujeito com quem não queira estar. Vá checá-la, Matt, por favor. A propósito, o que você está fazendo aí? Onde está Jade?
- Ela está bem. Danny e eu estamos aqui para o caso de ela precisar de algo. Agora, vou verificar Renate. Até logo, Jenny.
- Até logo.
Danny estava na cozinha, fazendo café.
- Jenny parece pensar que alguém está mantendo Renate refém - disse Matt. - Se ela estiver com um homem, não vai gostar da nossa interferência.
- Mesmo assim, acho que deveríamos ir.
Foram até o apartamento de Renate e bateram na porta, mas ela não respondeu.
- Renate? - Danny bateu com mais força. - Renate!
A porta se abriu. Ela estava de roupão, enxugando o cabelo.
- O que foi?
- Estamos preocupados com você.
- Ah, agora estão preocupados comigo... - Ela bocejou. - Preciso dormir mais.
- Renate, seu ferro está ligado, sobre aquela camisa... que está queimando. - Matt entrou no apartamento e desligou o ferro de passar. - Você vai queimar sua
casa!
- Bem, obrigada. Agora, saiam. Estou cansada. - Pôs a mão no peito de Matt e empurrou-o para fora. Virou-se e olhou feio para Danny, que ainda não se movera.
- Estou indo! - ele disse e, ao chegarem ao corredor, comentou: - Algo ruim está acontecendo.
- Como você sabe?
- Eu vi o que ela fazia no computador. Renate estava checando horários de vôos. Jade vai partir para a Escócia em menos de duas horas.

Jade conseguiu sair da casa com facilidade. Tinha se levantado, tomara um banho e se vestira, levando apenas a bolsa. Por sorte, carregava o passaporte.
Ao chegar ao aeroporto, checou seu voo, comprou café e esperou. Era louca. Estava indo encontrar um homem no cemitério no qual quase fora morta um ano antes.
Não. Um vampiro. No entanto, era algo que precisava fazer. Ele tinha de saber sobre a estranha deusa-gata do mal.
Ansiosa, verificou o relógio e, ao erguer os olhos, percebeu que fora descoberta. Maggie, Shanna, Sean, Jack e as três crianças caminhavam em sua direção.
Levantando-se, começou a falar:
- Eu estou indo. Por favor, não tentem me deter, ou vou gritar e fazer um escândalo inacreditável. Até mesmo vocês policiais...
- Jade - Maggie a interrompeu -, está tudo bem. Sabemos que não podemos impedi-la de ir.
- Portanto, você tem companhia - Jack anunciou. - Shanna e eu vamos com você.
- Não, não...
- Jack e eu temos passagens, irmãzinha.
- Como sabiam em que avião eu ia?
- Danny e Matt viram o computador de Renate e descobriram que, de alguma forma, ela sabia em que voo você estava.
- Mas isso não faz sentido...
Nesse momento, o voo foi anunciado no alto-falante.
- Vocês não devem ir comigo.
- Maggie e Sean vão cuidar das coisas por aqui - disse Jack. - E nós vamos ajudá-la a encontrar Lucian.
- Eles estão chamando para o embarque - alertou Maggie.
Jade parou ao lado dos gêmeos. Abraçou Peter e James, e Shanna fez o mesmo. Após despedirem-se de todos, os três se afastaram. Ao ouvirem James chorar, viraram-se
para trás.
- Ele vai ficar aborrecido - Jade comentou.
- Não, ele está apontando para... alguém - disse Shanna.
- O moço da tevê a cabo! - James gritou.
- O quê? - Jade não entendeu.
- O homem da tevê a cabo, lembra? - disse Shanna. - Oh! Eu conheço aquele sujeito. É aquele Dave que eu encontrei. Ele aparece em todo lugar.
- O aeroporto é público - Jade falou, distraída, ainda observando o irmão.
Sean ergueu a mão, sinalizando que o menino ficaria bem.
- Meninas, o avião vai partir sem nós - Jack apressou-as.
Jade virou-se e andou rapidamente até o avião, perguntando-se por que se sentia tão perturbada.

- Jesus! - Danny gritou. Estava no computador de Jade, usando os mesmos recursos ilegais para acessar os registros da companhia aérea que usara antes para
verificar o que vira na tela de Renate.
Sim, Jack e Shanna haviam comprado passagens para o mesmo voo. Mas alguém mais estava nele.
- O que foi? - Matt quis saber.
- Renate está tentando seguir Jade.
- Aquela idiota. Ela vai acabar se matando. - Matt suspirou. - Isso é terrível, não? Ficar aqui sentados, esperando. Não podemos abrir a porta para ninguém,
precisamos ter cuidado... e apenas ficar de guarda.
- Sim, mas... vigiar o quê? Jade, Renate e Shanna se foram, e nós... estamos aqui.
Matt olhou para ele, e ambos se levantaram ao mesmo tempo.

Em Edimburgo, eles se registraram no Hotel Balmoral, e Lucian avisou a recepcionista que eles não deveriam ser perturbados de forma nenhuma.
Conseguira tirar Rick da Louisiana sem dificuldade, tendo acessado um computador do governo estadual para dar-lhe um novo nome: Richard Miller.
- Ótimo hotel - Rick comentou, caminhando para o quarto. - Vamos jantar ratos ou camareiras? - Sorriu quando Lucian o encarou com ar de censura. - Estou brincando.
- Vamos encontrar um açougue mais tarde. E quando sairmos da cidade em direção ao cemitério, você vai encontrar muitos roedores.
- Não deveríamos ir ao cemitério agora? - No corredor, ele tropeçou. Ainda era praticamente inútil de dia. - Acho que não.
- Não gosto de ter você comigo, pois ainda é muito novo, mas fiquei com medo de deixá-lo em Nova Orleans.
- Eu nunca a machucaria.
- Sim... Há vezes em que não se pretende fazer mal, mas se começa a sentir o sangue, o calor, a pulsação... a fome.
- Já disse que vou ficar bem.
- Você precisará ficar bem, e ser forte. Sophia o criou. Ela terá poder sobre você.
- Ela não tem sobre você.
- Já teve.
Chegaram aos quartos, que eram contíguos. Apesar de ter providenciado solo da Louisiana, Lucian ficou contente ao ver que Rick se lembrara de levar terra nativa.
Para um novo membro da sociedade dos mortos-vivos, ele estava se saindo muito bem.
- Descanse um pouco - Lucian aconselhou. - Você vai precisar.
Ao se registrarem no Hotel Balmoral, Jade descobriu que ninguém chamado Lucian DeVeau estava hospedado ali, e ficou desapontada.
- Por que achou que ele estaria aqui? - Shanna indagou quando chegaram ao quarto.
- Não sei. Acho que... ele sabe que foi aqui que eu fiquei da outra vez.
- Talvez ele não esteja em um hotel - Jack sugeriu.
- Ele deveria estar em um hotel, a alguma distância do cemitério, mas perto o suficiente da cidade para alcançá-la com facilidade.
- Jade, não havia garantias de que o encontraríamos - Jack falou.
- Eu sei ir ao cemitério.
- Vamos esperar amanhecer.
- Lucian irá à noite - ela disse.
- Jade, está tão ansiosa assim para morrer? Vamos nos preparar antes. - Jack fitou-a com paciência. - Ele partiu rapidamente, determinado a sair antes que
Sophia soubesse, e deu certo.
- Sim, mas ele não sabe a respeito do medalhão.
- Jack está certo - Shanna interferiu. - Temos de dormir um pouco e conseguir algumas armas.
- Sim, compraremos vassouras e afiaremos os cabos.
- Ainda precisamos encontrar Lucian - Jade insistiu. De repente o telefone tocou, e ela correu para atender, esperançosa. Mas era Maggie, checando se eles
haviam chegado bem.
- Ah, seu amigo Matt ligou. Quer saber se vocês já encontraram Renate.
- Renate está aqui?
- De acordo com os registros de voo, ela estava no seu avião.
- Ela não nos procurou! Talvez tenha perdido o avião e pegado outro voo.
- Mantenham os olhos abertos. Matt tem certeza de que ela, achando-se a rainha do mistério, vai se meter em confusão.
- Certo, Maggie. Até mais.
- Tomem cuidado. Até logo.
Ao desligar, relatou a Shanna e a Jack o teor da conversa.
- É estranho. Espero vê-la logo - disse Jade.
- Bem, meninas, eu vou fazer a barba, e depois podemos sair para fazer as compras.
- Vocês se importam de ir sem mim? Quero ficar aqui para o caso de Renate estar tentando nos encontrar, ou para o caso...
- De Lucian tentar encontrar você - Shanna completou.
- Acho que não há problema, se você não abrir a porta para ninguém. Nem para o serviço de quarto - acrescentou Jack.
- Combinado.

Naquela noite, Rick teve sua primeira lição.
- Está no que você vê com os olhos da mente - Lucian explicou. - Pense nisso, e será isso. Mova-se com o poder do ar e da névoa, e você é o ar e a névoa. Hoje
à noite precisamos nos mover com a escuridão.
- Sophia está aqui? Você sentiria, se ela estivesse?
- Não está no cemitério ainda, mas sabe que estamos aqui. E pode se mover com rapidez. Hoje será nossa única chance de procurar livremente na tumba.
- E Darian?
- Está perto. Precisamos agir depressa. Pense na beleza e na graça da escuridão. Mova-se com a névoa, com a sombra. Desconsidere portões, cercas e portas de
ferro. Feche os olhos. Sinta o vento, escute o ar, ouça cada pulsação ao seu redor. O sussurro das folhas, as formigas andando, o tremular das asas de um pássaro.
Sinta a si mesmo. A força dos seus músculos, a agilidade do seu corpo. Sinta a terra com os pés, e corra...
Eles haviam comprado uma dúzia de vassouras, o que não fora difícil, pois as lojas estavam preparadas para o Halloween, e bruxas eram comuns em festas a fantasia.
Além disso, tinham conseguido entrar em uma igreja católica e convenceram o padre da importância de alguns momentos para rezar. Shanna ficara conversando com
o sacerdote, enquanto Jack enchia com água benta pequenas garrafas de bebida que haviam pegado no avião. Ela o persuadira, inclusive, a vender-lhes cruzes abençoadas
da pequena loja da igreja.
Quando voltaram ao hotel, ligaram para o quarto. Jade estava na cama, assistindo à televisão, desapontada por não ter recebido notícias de Lucian.
Decidiram ficar no bar, e pediram bebidas. Shanna não percebera o quanto gostava de Jack até passar diversas horas com ele no avião. Ele era bonito, corajoso
e confiável. Estava contente por ficarem em quartos contíguos naquela noite. Estava inquieta e com medo desde que tinham saído de casa, o choro de James no aeroporto
a perturbara.
Gostaria de estar ali em outras circunstâncias. Havia fogo na lareira, o vinho era bom, e a companhia, agradável. Mas pensar em Jack a lembrou do outro homem
que encontrara, aquele que conhecera na cafeteria e que reaparecera no hospital. E depois no aeroporto.
- O que foi? - perguntou Jack.
- Eu estava apenas pensando. Em pessoas... no tempo certo das coisas na vida. Eu...
O homem da tevê a cabo. James sonhara com ele, ela sonhara com Dave. James chorara no aeroporto, ela vira Dave. Rick morrera no hospital, ela vira Dave lá.
- Jack... como era o homem que foi até você enquanto Sophia atacava Rick?
- Alto, esbelto, mas musculoso. Cabelos avermelhados, feições bonitas...
- Ele está aqui.
- O quê?
- Darian está aqui. Em algum lugar, de alguma forma, eu... eu o conheci. Em uma cafeteria em Nova Orleans. Marcamos um encontro, mas ele não apareceu. Foi
na noite seguinte aos assassinatos em Massachusetts. Eu o vi de novo no hospital. - Decidiu não mencionar o sonho. Ele tentara entrar na casa de Maggie. De alguma
forma, com a graça de Deus, ela o impedira. Mas ele estava ali! Levantou-se. - Jack, ele está aqui. Precisamos ir até Jade. Rápido.
Jade olhava a tevê sem prestar atenção. Estava exausta, mas não conseguia dormir. Voltava-se para o telefone de vez em quando. Lucian, onde você está?
Ao ouvir uma batida na porta, correu para atender, mas então se deteve. Lucian não precisaria bater, pois ela o convidara fazia muito tempo.
- Sim? - indagou, espiando pelo olho mágico. - Renate! - Abriu a porta.
- Sim, sou eu. Não vai me convidar para entrar?
- Claro! O que está fazendo aqui? Eu prestei atenção em tudo o que me disse e pretendo contar a Lucian. O que... - Interrompeu-se quando Renate foi empurrada
para dentro.
- Convide-me para entrar - o homem ordenou a Renate.
- Entre - ela disse automaticamente. Jade recuou enquanto ele entrava.
- Darian... - Era o guia turístico do ano anterior.
- Então me conhece, srta. MacGregor. E me olha como se eu fosse o próprio Satã!
- O que você fez com Renate?
- Nem a metade do que farei com você. Soube que você era a melhor assim que a vi com aquele grupo de estudantes no Castelo de Edimburgo. E estava tão curiosa
a respeito de tudo! Realmente amava história, e a cidade. Estava disposta a aprender, a falar com as pessoas, a conquistar o mundo. Eu observei seus cabelos, seus
olhos, seu sorriso. Sophia, claro, foi quem viu a semelhança com Igrainia.
- Não sou Igrainia!
- Quem sabe? O policial, com certeza, é... era... bem parecido com Wulfgar.
- Que policial? E quem é Wulfgar?
- Ah! Aí está você, olhando para o relógio. Bancando a tonta, ganhando tempo. Está esperando ajuda? Não vai conseguir com rapidez suficiente. Lucian deveria
ter tomado seu sangue e lhe dado o dom. Mas eis o bom e velho Lucian, rei dos vampiros, um monstro com consciência, recusando-se a condenar as pessoas, que é como
ele vê. Eu vejo apenas o túmulo. Do pó ao pó, das cinzas às cinzas. Há os poderosos, como nós, e o gado, como você, querida. Apesar de ser o melhor filé. Há a fome
e a luxúria, e você inspira ambos.
Quando ele se aproximou, Jade atingiu-o comum travesseiro, fazendo-o rir. Renate estava imóvel, como se não os visse.
- Renate, me ajude! - Jade gritou. Correu até a cama, subiu e desceu do outro lado.
- Corra! - ele disse, sorrindo, com as presas para fora.
- Eu adoro quando os humanos correm. Faz o coração bater mais rápido, o sangue percorrer com paixão as veias.
Jade pegou um frasco de xampu no criado-mudo e apontou-o para ele.
- Afaste-se. É água benta. Sei o que isso pode provocar.
- Tome isso dela, Renate! - ele ordenou, parando.
Renate pegou-a pelo braço e socou-a com força, primeiro no queixo, depois no estômago. Jade dobrou-se ao meio antes de reagir, espantada. Endireitou-se e golpeou
Renate com força, fazendo-a cambalear, mas não antes que o frasco de xampu tivesse se espatifado no chão. Darian saltou para trás, temendo o contato com o líquido.
Porém, ao ver a espessura do conteúdo, meneou a cabeça, sorrindo.
- Jade! Você não tem nada à mão. Lucian, o grande protetor, está longe, e seus companheiros a abandonaram para ir buscar armas, deixando-a de mãos vazias,
sozinha, esperando.
- Lucian está aqui e não permitirá que você faça isso.
- Ele não pode nos enfrentar, querida. Vá em frente, corra, e enquanto isso, diga-me mais sobre como Lucian virá resgatá-la.
- Ele sabe que estou aqui.
- Acho que não. É melhor correr, Jade, porque eu estou indo agora. Esperei, mas aqui estamos, juntos, por fim. - Lambeu os lábios e sorriu. As presas brilharam.
Ela correu até o quarto contíguo e dirigiu-se para a porta que levava ao corredor, mas foi detida antes de abri-la. Ele a tocou no rosto.
- Você é preciosa, algo a ser desejado, cobiçado. Adorei suas perguntas naquela noite. Adorei a forma como tentou ser amável e educada, e o modo como revirava
os olhos quando a turma se comportava mal. Você é arrebatadora. Posso ver como manteve Lucian preso durante todos esses anos.
- Eu não fiz isso. Não sou Igrainia.
Ele a prendia contra a porta. Levou as mãos ao seu rosto, e ela tentou recuar.
- Você gostou de mim na noite da excursão.
- Isso foi antes de perceber que você mastigava estudantes universitários.
- Estudantes! Eu queria o menininho. O sangue das crianças é tão doce... Mas graças ao velho Lucian, a mulher os levou embora mais cedo. Mas até que a garota
valeu a pena.
- Sophia não se incomoda que você vá atrás das vítimas de maneira tão...
- Predatória? Ou sensual? Sophia e eu não temos ciúmes um do outro. Se não fosse assim, a obsessão dela por Lucian teria me destruído há muito tempo. Esse
é um caso triste. Ela o deseja quase tanto quanto deseja destruí-lo. O que, no final, vai acabar acontecendo. Ela tem o talismã. - Colocou a mão no peito de Jade.
- Sinta o seu coração!
- Tire suas malditas mãos de cima de mim! - Empurrou-lhe a mão e afastou-se dele.
Surpreso e divertido ao mesmo tempo, ele a deixou ir.
- Você não tentou gritar.
- Vou fazer isso. Gritarei e trarei todos os policiais de Edimburgo até você.
- Não, você não fará isso.
Ela mal o viu mover-se, mas Darian estava diante dela outra vez, tocando-a.
- Chegou a hora.
- Não!
Ele puxou seu cabelo, mirando as presas em sua jugular.
Jade sentia o próprio coração, o sangue, quente, pulsando nas veias, as presas, o calor, a saliva, o toque dele...
De repente, ouviu o som de vidro estilhaçando. A janela se rompera violentamente, e os cacos pareciam voar em câmera lenta. Estavam no terceiro andar.
Um lobo, enorme e prateado, lançou-se pelo vidro e aterrissou em Darian com força, arrancando-o de perto de Jade e lançando-o até a outra parede. Após o choque,
o vampiro se levantou e correu de volta ao aposento contíguo, com o lobo em seus calcanhares.
Jade correu atrás deles, mas o lobo se fora. Lucian estava no centro do aposento, desafiando Darian, que pegara o corpo inerte de Renate para usá-lo como escudo.
- Ela o deixou entrar! - Jade gritou. - Ela está...
- Não está morta, ainda não é uma criatura dele - disse Lucian. - E se ele a machucar mais... - Começou a caminhar na direção de Darian.
- Fique longe, e eu deixarei a mulher.
Ignorando-o, Lucian continuou andando. Porém, antes de alcançá-lo, a porta abriu-se de súbito, distraindo-o por um instante.
Renate caiu no chão, Darian dissolveu-se na névoa, Jack e Shanna entraram, cada um carregando uma estaca de madeira e um frasco de água benta.
- Jade! - Shanna gritou, correndo até a irmã e abraçando-a.
- Não sabíamos onde você estava - Jack disse a Lucian.
- Eu sei. Não achei que vocês viriam para a Escócia, seus tolos. Teriam ficado em segurança. Sophia tinha de me seguir, e sabe que não pode me enfrentar sozinha.
- Viemos ajudá-lo! - Jade exclamou.
- Deveria ter sido mais esperta e não ter vindo.
- Você precisava de nós porque não sabe de tudo! Renate estava certa... Conhecimento é força! - Ergueu os punhos para socá-lo no peito, mas apenas os apoiou
no tórax largo, e ele a abraçou.
- Escutei você me chamando - ele murmurou, trêmulo. - Mal cheguei a tempo.
- Ele escapou - disse Shanna. - Jade, Darian é Dave, o sujeito que eu conheci na cafeteria. Eu poderia ter terminado como...
- Eu?
Todos se viraram e viram Rick à porta. Jade separou-se de Lucian e correu até ele, abraçando-o com força.
- Rick, eu sinto muito. Você não pode imaginar...
- Jade - ele disse com gentileza, afastando-a. - Algumas coisas, talvez, sejam destino. Está tudo bem. Agora, precisamos pensar rápido. Os seguranças do hotel
estão subindo, por conta da janela quebrada.
- O que vamos fazer? - indagou Shanna.
- Bancar os inocentes - Jade respondeu. - De repente, o vidro estilhaçou. Achamos que algo foi atirado aqui, mas não conseguimos encontrar o objeto.
- Quando Renate chegou? - Jack quis saber.
- Coloque-a na cama. Eu explico mais tarde. E Rick, Lucian...
- Estaremos no bar - avisou Rick.
Ambos saíram a tempo. Dois funcionários da segurança chegaram em seguida. Jade mostrou-lhes a janela e ficou agradecida ao perceber que eles pareciam apenas
perplexos. Era óbvio que a janela fora quebrada por algo vindo de fora, e elas precisariam de outro local para passar a noite.
Ao fazerem a troca de quartos, Jack carregou Renate, explicando que ela adormecera de exaustão, por causa do voo.
- Vamos descer - disse Jack, após se acomodarem.
- E Renate? - Shanna indagou.
- Ela ficará bem. Não vamos nos demorar.
Quando chegaram ao bar, Jade surpreendeu-se ao ver como Rick parecia bem. Ele apertou-lhe os dedos quando se sentaram à mesa.
- Obrigado - murmurou.
- Obrigado? Eu o envolvi...
- Com certeza, é um novo rumo para a minha vida. - Ele sorriu e virou-se para Lucian. - Renate está bem?
- Acho que ela ficará bem hoje à noite. Não há razão para Darian voltar, pois ela serviu ao propósito dele, que era chegar até Jade.
Jade estava entre ele e Rick à mesa, observando-os. Estranho, era como se eles sempre tivessem sido amigos... Após pedirem as bebidas, Lucian virou-se para
ela.
- Por que você está aqui, Jade? Deixei ordens estritas para que...
- Você não pode deixar ordens para mim, Lucian.
- Jade, foi tolo e perigoso vir até aqui.
- Você não entende. Há uma longa história a respeito do talismã, que Renate descobriu. É o símbolo de uma deusa-gata, que recebia sacrifícios humanos. Ela
era tão terrível que todas as suas imagens foram destruídas. Foi queimada, mas suas cinzas estão no talismã, e tirá-lo de Sophia não vai resolver. Sophia precisa
ser queimada.
- E você veio até aqui para se certificar de que eu soubesse disso?
- Sim. O conhecimento pode fazer milagres.
- Obrigado, mas não deveria ter feita isso.
- Mas ela fez - Jack interferiu. - Você procurou Sophia e o talismã esta noite?
- Começamos a fazer isso, mas algo nos chamou de volta. - Lucian fitou Jade. - Alguém.
- Então poderia ter encontrado o medalhão se não fosse por minha causa.
- Eu não disse isso.
- Mas quis dizer.
- Não faria muita diferença se eu o tivesse encontrado. Ainda pertence a Sophia, de acordo com o que está me dizendo, certo? Então começaremos amanhã. - De
repente, ele jogou uma chave sobre a mesa para Jack. - Temos um quarto no segundo andar. Jade e eu vamos ficar em um dos quartos de vocês.
- Isso significa que eu... fico com Renate? - Shanna perguntou.
- Não há problema. Ela não se transformou e não está sob o poder de Darian. Ele a abandonou. Além disso, estaremos perto. Amanhã decidiremos se a levamos conosco,
para segurança dela, ou se ela representa um perigo para nós. Amanhã...
- É amanhã... o Halloween - Shanna murmurou.
- As pessoas estarão nas ruas quando anoitecer - Jack comentou.
- É natural que estejam nas ruas. Junto com aqueles que pretendem causar o mal - disse Lucian, - Precisamos estar preparados. É tarde. Meus amigos humanos,
já esgotados pela viagem de avião, vocês precisam descansar. - Deixou dinheiro sobre a mesa e se virou.
Jade olhou para a irmã e encolheu os ombros.
- Ele tem um problema com essa questão da arrogância.
- Vocês vêm? - Lucian perguntou.
Todos o seguiram. No quarto, Renate permanecia adormecida.
- Ela não vai mesmo virar um monstro no meio na noite e arrancar meu pescoço? - Shanna sussurrou.
- Ela está maculada, mas ele não entrou em suas veias o suficiente para provocar a morte. Há duas formas de se alimentar, uma é morder, drenar o corpo, matar
a vítima, a outra é roubar um pouco de sangue a cada noite, entrar no corpo e na alma da pessoa, hipnotizar, seduzir, controlar. Esse era o plano com Renate, mas
agora ele perdeu o interesse e a abandonou. Ela ficará bem.
- Certo - concordou Shanna.
Lucian sorriu para ela, que retribuiu o gesto antes de bocejar e dizer-lhes boa noite.
Pegando Jade pela mão, Lucian conduziu-a ao outro quarto. Não disse nada. Ergueu-lhe o queixo e beijou-a nos lábios. Depois, fitando-a intensamente, abriu
os botões de sua blusa. Deslizou os dedos por sua nuca e ombros, afastando a roupa, tocando-a com os lábios. Jade sentiu o doce ardor e gemeu, envolvendo-o pelo
pescoço. Beijou-o e abraçou-o, retirando-lhe o suéter e a camisa de algodão. As roupas de cama foram parar no chão, junto com as deles.
E então estavam deitados, os corpos entrelaçados.
Ela desejava o fogo líquido daqueles beijos, os lábios em sua pele. Sentia a força dos músculos sob seus dedos, movendo-se ritmicamente. Ele manteve os olhos
fixos nos dela, com um brilho negro que a marcava no corpo e na alma. Macio e firme, ele era o lobo na noite, o protetor feroz, a força do vento, mais do que o predador
da escuridão.
Ele é as duas coisas, disse a si mesma.
Não importava. Ansiava por fazer amor com ele, ardia por sentir-lhe a pele nua, por experimentar a pressão do corpo forte contra o seu e a sensação provocada
pelo toque sensual. Queria recebê-lo dentro de si, em um fogo que implodia e explodia, que queimava em seu interior e na noite...
- Sua tola - ele murmurou em algum momento, fitando-a. - Não deveria ter vindo. Por que veio? - Abraçou-a.
- Porque eu amo você.
Ele a estreitou entre os braços com mais força, e Jade sentiu o profundo calor e a tensão erótica dos lábios dele contra sua pele.
- Lucian... Maggie diz que... há uma forma. Se você me amar também, se tomar o meu sangue, se me drenar ao ponto da morte, a química pode se combinar, as estrelas
podem colidir, algo pode acontecer que possa... que possa...
Ele se imobilizou, deitado ao lado dela.
- Algo que possa me transformar em um ser humano outra vez? - indagou amargamente.
- Sim.
Ele se virou e deitou-se sobre ela, prendendo-a na cama.
- E se ela estiver errada? E se a química, as estrelas, o sentimento... o coração não estiver lá o suficiente? E se eu for incapaz de doar o bastante? E se
você for condenada, e nada mais?
Jade sentiu sua força, o abraço era quase doloroso. Não sabia se ele gostaria ou não que fosse assim, mas não recuou.
- Estou disposta a arriscar.
Lucian sorriu lentamente e meneou a cabeça.
- Não posso. Sou condenado há muito tempo, uma criatura da noite. Sei que você de repente é meu mundo, que anseio por estar a seu lado para sempre, mas é amor
suficiente? Eu não faria isso com você, nem mesmo para tê-la comigo. E há mais. Não posso renegar o que sou agora, não posso falhar contra meus inimigos. Deixá-los
soltos pelo mundo, sem controle. Eu ainda sou o rei da minha espécie, e o único com uma força capaz de deter Sophia e Darian.
Jade tocou-o no rosto.
- Eu faria qualquer coisa por você.
Ele arqueou a sobrancelha.
- Você me conhece agora. Não conheceu o homem que fui em eras passadas. Ou a criatura.
- Eu supostamente sou tão parecida com Igrainia...
- Mas você não tem uma visão do passado, recordações, lampejos de uma vida que se foi,
- Não. Sou Jade. Mas Lucian, eu amo você - ela sussurrou, acariciando-lhe a face, subitamente ávida por algo além do momento. Por uma vida juntos.
- Eu já disse que não vou arriscar sua vida, ou sua morte.
- Então, o que temos?
- A noite.
- E isso é tudo o que você me oferece?
- É tudo o que posso prometer.
- Não é o bastante.
- Então...
- Servirá! - Jade estava brava, magoada, relutante ao desejá-lo tanto, quando ele oferecia tão pouco. E, ainda assim, compreendia.
Lucian amou-a até que estivessem ambos exaustos. E então, abraçou-a. Sonolenta, Jade sabia que ele estava acordado, e que a deixaria.
- Você está indo embora - sussurrou.
- Preciso de um tipo diferente de paz. Quando anoitecer outra vez, todos nós precisaremos estar preparados. Voltarei amanhã, antes da escuridão. Fique em segurança
e preparada. Voltarei para você. Compreende, Jade?
- Ficarei bem. Eles também precisarão descansar para estar preparados.
Lucian ficou em silêncio.
- Você poderia me levar junto - ela o lembrou.
Os braços dele enrijeceram. Lucian não aceitou sua sugestão. Ela o abraçou, quase tentando não dormir. Não tinha tanto medo de perder a vida quanto tinha de
perdê-lo.

Shanna deu um grito capaz de despertar os mortos.
Jade sentou-se na cama, desorientada. Virou-se para procurar Lucian, mas ele se fora. Envolveu-se nas cobertas e saiu correndo.
Sua irmã estava de pé, e parecia bem. Jade olhou para a cama onde Renate ainda dormia.
- Eu estava sonhando - Shanna murmurou. - Sonhei que Renate acordou e me atacou com presas enormes.
- Talvez devêssemos dar uma olhada nela.
Shanna andou até a cama de Renate, abriu-lhe a boca para verificar seus dentes e suspirou, aliviada.
- O que estão fazendo comigo? - Renate indagou, despertando.
- Apenas checando.
Ela olhou ao redor, desorientada.
- Onde estou?
- Na Escócia. Você cruzou o Atlântico. Não se lembra de ter vindo até aqui?
- Acho que não me lembro de... nada - Renate disse, desgostosa. - Nada além de um entregador. O que está acontecendo? Por que meu queixo dói tanto?
- Jade bateu em você, Mas você estava tentando matá-la.
- Oh! - Renate tocou o próprio pescoço, em pânico. - Eu... estou bem?
- Esperamos que sim.
- Vocês poderiam me explicar?
- É uma longa história - disse Shanna. - Acho melhor nos levantarmos para enfrentar o dia.
- Também acho. Vou pedir café. - Jade se deteve ao lado do telefone. - Sem serviço de quarto, lembra? Vou tomar um banho e buscar café lá embaixo.
Voltando ao quarto, notou que Lucian deixara um bilhete sobre o travesseiro. De um modo estranho, aquilo a tocou profundamente. Não tinha nada tangível dele.
Agora, havia um bilhete. A letra era grande, larga, uma escrita arrogante. No mundo dele, arrogância significava sobrevivência.
Preparando-me para a noite, o sol está muito forte hoje. Eu, seu amigo inumano, também preciso descansar. Fiquem juntos, carreguem água benta, me esperem.
Voltarei ainda de dia, atacaremos antes do anoitecer. Tome cuidado. Por mim.
Ele não assinou, não havia um "Com amor, Lucian" encerrando o bilhete. Não importava. Tinha de ser suficiente, pois era tudo o que ele pretendia oferecer.
Jade tomou uma ducha, vestiu uma saia comprida e um suéter preto. Fazia frio, e a roupa, além de quente, se mesclaria à escuridão da noite. Anoitecia muito
cedo naquela época, por volta das quatro da tarde.
Foi até o restaurante do hotel, que estava cheio. Por causa do Halloween, a garçonete informara, o movimento era intenso. Levaria mais alguns minutos para
que houvesse café fresco.
Jade decidiu ir buscar a bebida em uma cafeteria do lado de fora. Ao sair do hotel, fechou os olhos e escutou a conversação normal do cotidiano, marcada pelo
charmoso sotaque escocês. O céu tinha toques de cinza, mas ainda assim estava muito claro. Adorava Edimburgo, mesmo no friozinho do outono. O sol brilhava.
O som da gaita de foles chegou até ela. Era bom estar ao ar livre, sentir o sol, o calor, a luz, a normalidade de um dia agradável. Dirigiu-se ao centro comercial
do lado esquerdo da rua, era ali que um músico extraía do instrumento um lamento misteriosamente atraente.
Um palco pequeno, como o usado por ciganos, fora montado diante da moderna disposição de lojas, e uma mulher vestida de bruxa comandava o espetáculo. Alguns
trabalhadores andando nas ruas estavam fantasiados, ao menos em parte, com bigodes e caudas de gato, crianças vestidas de Mickey Mouse a Frankenstein povoavam as
ruas.
- Venham ver o show! - a velha bruxa chamou, acenando para as crianças. Um homem vestido como o Gato de Botas surgiu de trás do palco e uniu-se a ela.
Jade parou para vê-los. Ele provocou a bruxa, que bateu em sua cabeça com um pretenso filão de pão. O homem convocou voluntários da platéia, e foi a vez de
uma garotinha acertar a cabeça da bruxa. As pessoas riram, e Jade viu-se em meio à multidão.
O gato começou a pular, chamando mais voluntários. Uma linda princesa, com cabelos da cor do pôr do sol. Haveria um príncipe também, é claro, ou talvez um
sapo, pois todos sabiam que uma princesa tinha de beijar uma porção de sapos até encontrar um príncipe.
Jade ria quando o homem-gato aproximou-se com o pedaço de pão. Encarou-a e, tarde demais, ela o reconheceu. Vendo os olhos atrás da máscara, abriu a boca para
gritar, mas o pão atingiu-a na cabeça, e não era mais um pão. Acertou-a com força...
Voluntários, voluntários! Como não percebera? Caiu nos braços do homem-gato. Ele e a bruxa a levaram até os fundos do palco.
Depois, terminaram o espetáculo, com todas as crianças se divertindo, achando que ela fazia parte da cena. Porque, quando a princesa beijou o sapo, a história
prosseguiu e, infelizmente, ele não se transformou em príncipe, em vez disso, a princesa virou sapo.
As crianças riram. Era outono e anoitecia cedo. Logo a escuridão cairia...
O céu estava cinza, o ar, frio. Lucian sentiu o sopro de vento ao seu redor, envolvendo-o e, sozinho, foi até a Ilha dos Mortos.
Era menos populosa agora do que séculos atrás. Casas de fazenda salpicavam a paisagem escarpada, cercada pelo mar.
A única forma de chegar à ilha era por meio de uma balsa. Uma nova igreja fora construída sobre o que restara da anterior, perto das ruínas do antigo chalé
de pescador. Às vezes, o local era visitado por historiadores e estudantes. A população era muito pequena para criar um negócio turístico, e aqueles que viviam e
trabalhavam nas montanhas gostavam de privacidade.
Ele foi até lá e lembrou-se de outras épocas. De um tempo distante, quando tinha sido ingênuo de uma forma inimaginável, de muitos anos atrás, quando fora
mau e amargo. Tantos anos de aprendizado. E, ainda assim, quanta angústia, nas várias vezes em que se sentia amaldiçoado e condenado, desesperado para matar e aliviar
a sede que ardia em seu corpo, não importando o quanto se achasse civilizado.
Houvera as guerras da independência na Escócia, uma época, para se fartar, com inimigos tão brutais que seus atos nem sequer eram percebidos. Houvera a Europa
medieval, quando os honrados matavam os inocentes, e seu julgamento não era menos misericordioso que o dos homens considerados "bondosos". Houvera seus dias na França,
um período de revolução, quando um vampiro corria tanto perigo quanto um homem mortal. Guerras, mais guerras, e uma nova era... Lembrar, ir até lá, tanto tempo atrás.
E, mesmo assim, aquele era o passado mais forte em sua memória.
Ele não se deslocara de fato até lá. Ao menos, não com o corpo. Não ousava usar esse tipo de energia, quando precisava tanto de sua força. Fisicamente, fora
a Saint Giles. Encontrara uma velha entrada sob a igreja, para um esconderijo em que estavam enterrados mortos do começo do século dezesseis.
Sua viagem ocorria apenas na mente, durante o sono. Lucian viu o passado, viu Igrainia e sentiu um enorme pesar, como se tudo tivesse acontecido no dia anterior.
E então se preparou para viver o futuro. Se houvesse um.
De repente, seu sono foi interrompido. Sombras negras, como as grandes asas de um morcego gigante, surgiram diante de si. Era Darian.
Estou com ela, Lucian. Outra vez.
Vou matá-lo, destruí-lo completamente!
Você se acha tão forte! Acredita que é o senhor de todos nós, que governa os mortos-vivos. Pensou que estaria em segurança hoje. Ah, o sol! Levaremos a cabo
nossos... planos para o jantar. Claro, você pode mudar tudo isso. Venha até Sophia, e talvez nós a deixemos ir. Entregue-se, curve-se a ela de novo. Sophia o criou.
Devolva-lhe o poder, e talvez soltemos sua amante mortal.
O ar se moveu, o bater de asas soou.
Lucian abriu os olhos e se ergueu. Rick, deitado a seu lado, fez o mesmo. Desacostumado à posição, ele bateu a cabeça no pavimento da igreja. Acima dele, um
turista gritou, convencido de que Saint Giles era mesmo assombrada.
- Eles estão com Jade - disse Lucian.

Shanna, que adormecera profundamente, despertou ao sentir alguém sacudir seu ombro.
- Pare, por favor! - ela gemeu. - Finalmente, consegui dormir.
- Onde está Jade? - Era Jack.
- Está tudo bem. Ela foi apenas buscar café.
- Quando?
- Não sei. Talvez por volta das onze.
- São três da tarde! Está quase escurecendo.
- Oh, meu Deus! - Shanna pulou da cama, horrorizada. - Ela não voltou. Temos de encontrá-la. Mas, Jack, com certeza eles precisariam descansar. O sol brilhava.
Eles deviam saber que iríamos esta noite, e precisariam de força...
- Aparentemente, eles estão se preparando - disse Renate, da outra cama. - Para encontrar Lucian. Pegaram Jade porque sabem que ele irá atrás dela. Que melhor
arma para derrotá-lo? É uma armadilha para ele.
Jade acordou com o barulho. Era o Halloween, pensou. No entanto, não escutava crianças pequenas, e aqueles que falavam pareciam estar distantes. Sentiu cheiro
de terra, úmida e fétida, e uma dureza fria sob o corpo. Estava escuro, mas, ao abrir os olhos, conseguiu ver o suficiente.. A cripta estava iluminada por tochas,
presas na parede por antigos suportes de ferro.
Tentou mover-se, mas não conseguiu, e escutou um retinir de correntes. Estava algemada... Seu sangue ficou tão frio quanto a Jade de pedra à qual a haviam
prendido. Encontrava-se nas profundezas da mesma cripta em que estivera um ano antes, quando vira Darian massacrar quatro jovens em um horrendo banho de sangue.
O frio se infiltrara em seu corpo, a cabeça e a garganta doíam. Tentou soltar o pulso do que parecia ser um grilhão secular. Virou-se na direção da face esquelética
de um cavaleiro morto havia muito tempo e deparou-se com a cavidade vazia dos olhos. Algum tipo de verme rastejou para fora de um deles. Abriu a boca para gritar,
mas, sem saber como, conseguiu fechar os olhos e engolir o grito. Ele era praticamente só ossos, e o que sobrara de seus dedos envolvia a espada com a qual fora
enterrado. Não gritaria. Precisava tomar cuidado e recuperar o controle. Libertar as mãos. Talvez eles estivessem perto, apenas esperando que ela despertasse. Então...
ouviu a voz de Darian.
- Vocês querem sentir medo, não é? Muito medo? Venham, meus amigos, até as profundezas escuras, até as entranhas da terra. Venham, e farei o possível para
assustá-los.
Jade estava deitada na beirada da última prateleira, ao lado do velho cavaleiro. Havia cadáveres acima e abaixo. Caixões espalhavam-se pela cripta. O de Sophia
estava no mesmo lugar de antes. Ela, estava ali, dormindo, descansando, reunindo forças. E Darian conduzia até lá embaixo um grupo de pessoas fantasiadas para o
Halloween.
Jade inspirou e sentiu teias de aranha na boca. Sentia o cheiro da morte. Ainda não a tinham matado, pois naquela noite o espetáculo seria ainda maior do que
no ano anterior. Seu coração estava acelerado, Darian, com certeza, ouvia os batimentos. Mesmo no caixão, Sophia devia escutar a pulsação frenética.
Estava escuro, mas as tochas lançavam seu brilho avermelhado no interior da câmara dos mortos.
- Venha, minha bela!
Jade abriu os olhos e torceu-se em direção ao grupo que se aproximava. Darian estava conduzindo uma garota vestida de odalisca. Seu acompanhante, fantasiado
de Freddy Krueger, parecia ameaçador.
- Sim, assuste-nos, garotão. Vá em frente. Estamos esperando.
- Seus tolos! - Jade gritou de repente, desistindo de ficar em silêncio. Não suportava pensar em outro massacre. Moveu os pulsos furiosamente, tentando escapar.
- Vão embora. Gente, vocês não leram sobre o que já aconteceu aqui?!
- Ah, os mortos-vivos! Eis que ela se ergue. Igrainia, eles a chamavam. Esposa do antigo chefe, Lucian. Ela não era deste mundo. Sereia, diziam uns, peixe,
afirmavam outros. Uma pena que a bela tenha partido deste mundo e, independentemente do que tenha sido, transformou-se em... morta!
O jovem casal começou a rir.
- Volte, Igrainia! Pelo menos, por enquanto. Estamos esperando seu amante, o poderoso chefe. Ele ainda não veio. Quando chegar, você verá Sophia em ação de
novo. E depois será a sua vez. - Sorrindo, Darian tocou-a e fitou seus olhos assustados. Lentamente, ele a lambeu no rosto. - Deliciosa!
- Lucian irá destruí-lo - ela prometeu, furiosa, desesperada e impotente.
- É melhor ele se apressar. Estou desapontado. Achei que já estaria aqui. - Darian correu a língua por sua face outra vez. - E a pergunta é: amigos, o anjo
vingador dela virá com rapidez suficiente? Apenas o tempo dirá!

Jack andava com determinação à frente, e as meninas o seguiam, uma de cada lado. Carregavam estacas e tinham frascos de água benta atados aos cintos que haviam
confeccionado para a ocasião.
- Legal! Você é Buffy, a Caça-Vampiros, com seus amigos? - gritou alguém.
Estavam caminhando pelas ruas e passavam por um bar. Aqueles festeiros em particular já deviam ter bebido várias cervejas. Uma bruxa usava um chapéu torto,
um vampiro falso tinha espinafre entre as presas, o halo de um anjo estava curvado.
- Algo assim! - Shanna respondeu, apressando-se.
O passo de Jack era acelerado. Correu para alcançá-lo e, após virar uma esquina, viu a velha igreja, iluminada pelo luar, gótica, assustadora. Ali, no silêncio,
na tranqüilidade e na escuridão da noite, estava o cemitério. A lua brilhava e o vento sussurrava, lembrando um uivo.
- Chegamos - Jack anunciou.
- Por que Lucian não apareceu? - Shanna indagou, assustada.
- Deus sabe o que fizeram com ele, ou com sua irmã. Temos de encontrá-los e trazê-los de volta. De alguma forma. Mantenha sua estaca pronta e use a água benta.
- Onde fica a cripta?
- É aquela ali - respondeu Renate, apontando o lugar. - De Brus.
Renate tomou a dianteira, e eles a seguiram até a cripta. Uma névoa parecia emanar de lá, iluminada por um estranho brilho carmesim vindo das profundezas da
terra. Ou das entranhas do inferno.
O portão aberto parecia acenar para eles.
Jade estremeceu de dor. Estava com cãimbras e tinha frio. Sua língua parecia uma lixa. Sentia-se ferida, fraca. Darian não parava de sorrir.
- Apreciei cada toque. Tão tentadora! Mas hoje Sophia desperta, e aproveitaremos o momento juntos. - Virou-se para a odalisca. - Ei, belezinha! Venha cá. Prometo
que vou assustar você.
A jovem se aproximava cada vez mais. Jade puxou o braço com força e, para seu espanto, a velha algema se abriu. Estendeu a mão até a espada do velho guerreiro.
- Não, querida! - Darian envolveu-a com o braço e puxou-a com tamanha força que a outra algema também se abriu.
Jade foi lançada ao chão e colidiu com o caixão de Sophia. Os garotos riam e davam gritinhos. Darian passou a cariciar a odalisca.
- Vocês não entendem? - Jade gritou, desesperada, tentando levantar-se. - Isso é real, eles são reais...
- Ela é muito boa! - disse o garoto vestido de Freddy Krueger. - Melhor do que você, companheiro.
Atrás de Freddy, estavam dois monges e um Ceifador de Almas.
- Saiam daqui! - ela berrou.
- Eles nunca sairão vivos daqui. A menos que Lucian apareça. - Darian foi até ela e pegou-a pelo cabelo. - Chame-o agora. Diga-lhe que está prestes a morrer.
Eu não vou saboreá-la, vou atacar brutalmente suas veias até que não sobre uma única gota de sangue, e até que sua cabeça seja separada de seus ombros. Faça isso.
Chame-o!
Ela cerrou os dentes, por causa da dor que ele provocava ao segurá-la com força pelos cabelos, mas conseguiu encará-lo.
- Chamá-lo para que você possa destruí-lo e depois a todos nós?
- Faça isso! Ou é possível que você morra lentamente.
- Jade!
Ela se surpreendeu ao ouvir seu nome. Um dos monges livrou-se do capuz e, para seu absoluto espanto, viu que se tratava de Matt. De baixo do longo traje marrom,
tirou uma estaca.
- Matt, o que está fazendo aqui?
- Sophia está atrás de você! - ele gritou. - Precisa escapar de Darian e chegar até nós. Rápido!
Escapar de Darian? Eles não podiam imaginar a força das mãos dele. Jade torceu-se sob o aperto impiedoso e constatou que Matt estava certo. Sophia abria os
olhos e sentava-se. Morena, exótica e linda, levantou-se, sorrindo para ela.
- Desta vez, você é minha! - Olhou divertida para os demais. - Darian, o tolo acha que ela pode escapar de você. Acho que vou matá-la agora.
- Não! - Matt cruzou o aposento, erguendo a estaca.
Darian segurou-o com uma das mãos, arrancou-lhe a estaca e quebrou-a entre os dedos. Nesse instante, o segundo monge gritou, avançando. Era Danny, Jade percebeu,
horrorizada. Ele não se saiu melhor que o amigo. Darian simplesmente ergueu a mão, acertando-o com tamanha força que ele foi lançado contra a parede de pedra.
Saindo com graça de seu caixão, Sophia andou até Jade, que se debatia, segurando os cabelos para tentar evitar parte da dor enquanto Darian os puxava. De repente,
ele não mais a segurava, porém, Jade não estava livre, e sim presa em uma armadilha, com Darian atrás dela, e Sophia, adiante.
Foi então que viu Jack entrar na tumba. Ele corria, seguido por sua irmã e Renate, e agitava um frasco de água benta.
- Solte-a agora ou vou jogar essa água em você.
- Faça isso, garotão! - Darian provocou. Jack lançou a água benta, mas nada aconteceu.
- Mas... - Jack não entendia.
- É apenas água, Jackie - disse Darian. - Renate, querida, você me serviu muito bem. Agora venha até aqui. Preciso separar sua cabeça de seu corpo. Acho que
posso ter tomado muito de seu sangue, e não tenho certeza de gostar de você por toda a eternidade!
Renate começou a caminhar até ele.
- Não! - Shanna gritou. - Afaste-se dele, Renate. Ele vai matá-la. Jack! Faça alguma coisa para impedi-la.
- Você acha que Jack pode detê-la? - Sophia indagou.
- Eu vou detê-la - gritou Jade.
Mas Sophia pegou-a pelos cabelos e arrastou-a de volta, torcendo sua cabeça de forma a mantê-la inclinada em um ângulo doloroso.
- Agora! - Sophia grunhiu. - Chame Lucian! - ordenou, fazendo-a ajoelhar-se. - Você está morta, sua selkie ordinária! Eu a matei uma vez, e vou fazer isso
de novo.
Nesse momento, o Ceifador de Almas, que se mantivera atrás do grupo, manifestou-se. De repente, Lucian estava atrás de Sophia, afastando-a de Jade. Pega de
surpresa, Sophia foi apanhada e, sentindo o aperto de aço ao redor do pescoço, começou a gritar.
- Jade, afaste-se de Darian! - Lucian comandou.
Darian entrou em ação, pronto para agarrá-la, mas um cadáver subitamente rolou de uma das lajes, empurrando o linho que envolvera seu corpo. Era Rick. Ele
foi atrás de Darian, e começaram a lutar. Era uma batalha repugnante e mortal. Lucian torceu o braço de Sophia às costas, forçando-a a ajoelhar-se no meio do aposento.
- Uma estaca! - Jade gritou. - Vou lançar-lhe uma estaca!
- Ele não pode me matar! - Sophia exclamou, triunfante. - As regras...
- As regras estão prestes a mudar - declarou Lucian. - Você queria adaptá-las. Então, é o que vamos fazer! Eu sou o rei de nossa espécie. O tempo e a moderação
me transformaram no que sou. Vou mudar as regras, conforme meu desejo. Você é uma ameaça para toda a nossa espécie. Mesmo dentre os nossos pares, deve haver um tipo
de justiça.
Jade rastejou até uma das estacas quebradas no chão. Enquanto lutava para libertar-se de Lucian, Sophia começou a entoar um cântico, estranhas palavras que
soavam como um lamento. De repente, outros corpos começaram a erguer-se. Foi como havia sido antes, os mortos voltando à vida, atacando os vivos. Por fim, a jovem
fantasiada de odalisca começou a berrar.
- Saia daqui! - Jack gritou, tentando empurrar a garota enquanto lutava com um cadáver que envolvera as mãos ossudas em seu pescoço.
Outro corpo chutou para longe a estaca que Jade quase pegara. Foi então que ela viu a espada na mão do velho cavaleiro. Os dedos ossudos estremeciam, como
se estivessem prestes a voltar à vida. Avançou até ele, pegou a espada e separou o crânio do cavaleiro de seu esqueleto.
Lucian puxava Sophia pelos cabelos. Ela tentava prosseguir com os cânticos, mas ele a arrastava com tamanha rapidez que ela mal conseguia emitir algum som.
Apesar do talismã, ele estava no controle.
Darian derrubara Rick e estava sobre ele, pegando uma faca embainhada na panturrilha. Sem soltar Sophia, Lucian chutou-o com uma força impressionante, fazendo-o
gritar de dor, os dedos se quebraram, a faca voou de sua mão. Ele apoiou-se sobre os joelhos, arrastando-se até a arma.
Jade balançou com força a espada que pegara, e a lâmina atingiu o pescoço de Darian. Contudo, o golpe não fora intenso o suficiente. Gritou, desesperada, tentando
outra vez. Ele berrou, furioso, virando-se para ela. Jade investiu de novo, separando a cabeça dele dos ombros. E então Darian estava morto, decompondo-se, virando
cinza...
Sophia soltou um berro diferente de tudo o que Jade já escutara e levantou-se, quase escapando das mãos de Lucian. Porém, foi puxada de volta e voltou a entoar
um cântico maligno. De repente, todos os cadáveres na cripta passaram a perseguir Lucian e Jade.
- Mexa-se! - Lucian ordenou a Jack. - Tire os outros daqui!
Jack empurrou Shanna, que empurrou a odalisca. Matt agarrou Freddy Krueger e correu, parando no caminho para pegar Danny, que ainda estava atordoado. Os corpos
estavam ao redor deles...
- A tocha! - gritou Lucian.
Nesse instante, Jade percebeu que ele estivera forçando Darian e Sophia a se afastarem da entrada da cripta, enquanto incitava os demais em direção à porta.
Avistando a tocha presa à parede, agarrou-a e correu de volta até ele.
Repentinamente, Lucian afastou Sophia, arremessando-a contra a parede oposta, nas profundezas da cripta, e tomou a mão de Jade, pronto para correr.
- Você não pode me matar! - Sophia berrou. - Será destruído. Eles o matarão, os outros de nossa espécie...
- É um novo tempo, Sophia - Lucian retrucou. - Uma nova justiça.
- Ele não vai matá-la - disse Jade. - Eu vou.
- Saia daqui! - Lucian empurrou-a à frente dele. - Agora... atire a tocha!
- E se apagar?
- Não vai apagar. Há turfa lá embaixo. Vai queimar. Atire!
Ela obedeceu, e o lugar imediatamente pegou fogo, as chamas tão próximas que quase a queimaram no rosto. Ele a virou, e ambos correram. Conforme subiam até
o portão de ferro que levava para fora da cripta, escutavam os gritos de Sophia. O som era terrível. Era o ruído da morte.
Ao saírem para a noite, Jade imobilizou-se. Jack estava lá, assim como Shanna, Renate, Matt, Danny, a odalisca e Freddy Krueger. Atrás dela, a tumba ardia.
Adiante, havia um estranho grupo de pessoas, talvez vinte ou trinta. Pálidas, fortes, silenciosas, firmes. Pareciam ser de diferentes nacionalidades, idades e sexos.
Eram mortos-vivos, Jade pensou, em pânico.
Quando Lucian se pôs diante deles, um homem alto e moreno, que parecia espanhol, manifestou-se.
- Acabou?
- Sim - respondeu Lucian.
Outro homem adiantou-se. Alto e claro, assentiu para Lucian e virou-se para os outros.
- O rei não virou poeira, e a ameaça está destruída. Lucian olhou desse homem para o espanhol.
- Eu não fui derrotado. Disse que destruiria os meus inimigos... e os seus. Acabou!
- Sim - o espanhol concordou. - E você tem razão. Deve haver ordem e justiça, mesmo entre nós.
Ele recuou, e uma névoa começou a subir, envolvendo as lápides, cobrindo as pessoas em pé diante deles.
- Acabou mesmo - Shanna sussurrou. - Não é, Lucian?
- Sim.
Os joelhos de Jade começaram a se dobrar, e Lucian a segurou. Estavam de novo sobre a tumba com o nome MacGregor gravado.
- Vamos sair daqui - disse Lucian. - A polícia está a caminho. E eu não quero tentar explicar nada disso.
Ele apoiou Jade, que, fraca, mal conseguia manter-se em pé, e a levou embora daquele lugar de escuridão, mal e... morte.
Eles conversaram bastante. Encontraram um ótimo bar com um aposento privado no qual havia uma enorme lareira ao fundo.
Renate achava que estava mesmo bem: Desculpou-se repetidamente por ter esvaziado os frascos de água benta enquanto Shanna e Jack dormiam, ela não sabia o que
estava fazendo. Jade agradeceu a Matt e a Danny por terem ido até lá.
- Vocês poderiam ter sido mortos. Quase foram.
- No final, eu extraí uma história e tanto disso tudo! - disse Matt.
- Ninguém nunca acreditará em você, é claro - Danny falou. - Minha versão, no entanto, será mais sutil. Sei que venderá! Vou descrever tudo isso do ponto de
vista de um legista.
- Vejam! - Jack exclamou de repente.
A televisão do bar exibia o noticiário da noite. A grande história era o incêndio no cemitério, provocado provavelmente por uma turma de jovens. A tumba fora
sabotada com uma substância inflamável antes de atearem fogo. Todos encararam Lucian.
- Eu ainda não encontrei o talismã. Acho que está na cripta. - Ele deu de ombros. - Sabia que ela precisava ser queimada, mas eles estavam com Jade, então
eu tive de agir com muito cuidado. E, de repente, todos vocês estavam lá.
- Mas ela se foi agora, certo?
- Sim.
Nenhum deles conseguiria dormir. Quase amanhecia quando voltaram ao hotel. Abraçaram-se e beijaram-se ao dizer boa-noite.
Por fim, Jade ficou sozinha com Lucian.
- Você estará comigo de manhã? - ela perguntou.
- Amanhã de manhã, sim - ele respondeu, e aquilo tinha de bastar.
Ela não se importava.
- Eu ficaria com você em qualquer lugar. Dormiria na terra com você, em um caixão, entre os mortos. Você pode morder meu pescoço a qualquer momento.
Ele a beijou com carinho.
- Essa é uma decisão muito séria.
- O que sinto por você é um amor muito sério. Ele meneou a cabeça, pesaroso.
- E o que sinto por você é um amor muito sério. Portanto, vamos esperar. Há coisas que você precisa saber.
- Talvez haja uma saída. Quero dizer, Maggie era uma vampira até Sean...
- Não sei se posso desistir do que sou. Não agora. Não até que eu tenha certeza. Jade, eu não encontrei o talismã. E posso manter a ordem e a sanidade...
- Eu amo você. Ele sorriu.
- Ama? Mesmo? Você pode me amar?
- Sim. Eu não creio ser sua Igrainia que voltou. Sou Jade. Você realmente ama a mim, Jade?
- Eu amo você... Jade.
Ela o abraçou, sentindo-o acariciar seu cabelo. Sentia-se um pouco... diferente. Não sabia se isso significava algo ou não. Em algum momento durante a noite,
ele perceberia. Veria as minúsculas marcas no seu pescoço, deixadas por Darian quando ele a tocara na cripta.
Assim que acordou, Jade telefonou para Nova Orleans.
- Maggie?
- Sim, Jade? Está tudo bem? - ela indagou, ansiosa. Jade ainda estava na cama, com Lucian a seu lado, abraçando-a.
- Sim. Estou preocupada com vocês. Meu pai, Liz, os gêmeos...
- Eles estão bem.
- Graças a Deus! Maggie, por favor, diga a papai e a Liz que nós os amamos, e que estamos bem. E diga a James... que nos livramos do homem malvado da tevê
a cabo.
Os braços de Lucian se estreitaram ao seu redor antes que ele tomasse o telefone de suas mãos.
- Ei, Maggie, tudo esta muito bem. O sujeito da tevê a cabo se foi, o monstro está morto. Estamos bem. Veremos você em breve. E... obrigado. Por tudo. - Ele
desligou, olhou para Jade e correu os dedos por seu pescoço. - Sinto muito. Eu sabia que, se aparecesse como ele queria, ele teria me matado, e depois você. Eu...
Ela pôs o dedo sobre seus lábios.
- Não havia nada que você pudesse ter feito. Mas... o que isso significa? Estou apenas... maculada? Vou me curar?
- Provavelmente. E talvez...
- Sim?
- Eu não sei.
- Mas você... estará comigo? Ele sorriu lentamente, e assentiu.
Lucian significava tanto para ela! Tudo. Em tão pouco tempo, ele se tornara seu mundo! Ainda não acreditava que o tivesse conhecido antes, que podia ser sua
Igrainia. Ele simplesmente era tudo para ela agora.
- Eu estarei com você - ele garantiu. - Soube que estão com poucos policiais em Nova Orleans. Poderia ser um lugar tão bom quanto outro qualquer onde trabalhar
no futuro. - Beijou-a nos dedos. - Mas, por enquanto... Eu lhe disse que realmente amo a Escócia, um dos lugares mais bonitos do mundo? Deslumbrante, colorida...
uma terra selvagem, vigorosa, apaixonante! Quando o vento sopra e as ondas batem nos penhascos... é como o pulsar do coração. Tão sensual...
Ela sorriu e beijou-o. Podia não tê-lo amado antes, mas o amava agora. E o amaria por toda a eternidade...


Eles fariam com que cada segundo valesse a pena!

 

 

                                                   Shannon Drake         

 

 

 

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