Já não era uma mocinha, e, além disso, não tinha dote.
Assim, a senhorita Constance Woodley não entendia por que tinha despertado o interesse de uma das mais respeitadas damas da alta sociedade de Londres.
Entretanto, com a ajuda de sua benfeitora, transformou-se em uma fascinante criatura que chamou a atenção do bonito, encantador e ligeiramente libertino Lorde Dominic Leighton.
E, ante o olhar de assombro de toda Londres, a presente ninguém e o visconde libertino demonstraram que, inclusive no cruel mercado do matrimônio, quando o amor estava em jogo, todas as apostas eram válidas.
Lady Haughston contemplou à multidão que havia abaixo dela, com uma mão apoiada ligeiramente no corrimão de nogueira negra e brilhante. Era consciente de que a as pessoas se viravam para olhá-la. De fato, teria se sentido decepcionada se não fosse assim.
Francesca Haughston tinha sido uma das belezas reinantes da alta sociedade durante mais de uma década; aos trinta e três anos, não lhe interessava o fato de ser precisa quanto ao tempo que tinha transcorrido desde sua apresentação em sociedade. A natureza a tinha dotado com uma grande beleza: tinha o cabelo loiro, quase dourado, os olhos azuis e grandes, a pele suave e branca, o nariz reto, ligeiramente arrebitado, e os lábios um pouco curvados para cima pelas comissuras, o que conferia a seu sorriso um ar vagamente felino. Tinha também um pequeno lunar na face, perto da boca, cujo único efeito era o de acentuar a perfeição de seus traços. Era de estatura média, mas suas formas esbeltas e seu porte elegante faziam com que parecesse mais alta.
Entretanto, inclusive com todas as vantagens que a natureza tinha concedido a Francesca, ela sempre se assegurava de aparecer em público impecavelmente arrumada e de modo que suas características se vissem ainda mais realçadas. Sempre levava os melhores vestidos, o calçado que melhor complementasse os trajes e o penteado que mais favorecesse ao seu rosto. Seu traje sempre seguia os ditados da última moda, mas ela não escolhia as tendências passageiras, porém só aquelas cujos matizes ressaltassem melhor a cor de sua pele, de seus olhos e de seu cabelo, e os estilos que mais embelezassem sua figura.
Aquela noite usava um vestido de cetim, de cor azul clara, com o decote à altura adequada para deixar à vista, de uma maneira sedutora, mas não vulgar, os seios e seus ombros brancos e suaves. O decote estava adornado com bordado prateado, que também rematava os baixos do vestido e que se derramava como uma cascata pela meia cauda na traseira da saia. Levava um simples, mas maravilhoso colar de diamantes e um bracelete a jogo, e também um penteado com alguns brilhantes disseminados pelo cabelo.
Francesca estava segura de que ao vê-la ninguém se teria imaginado que suas finanças eram bem parcas. A verdade era que seu defunto marido, do qual não tinha saudades, absolutamente, Lorde Andrew Haughston, tinha morrido lhe deixando em herança enormes dívidas por causa de seu vício de jogo e de apostas. Ela tinha tido trabalho para ocultar aquela realidade. Ninguém sabia que as jóias que levava eram cópias das verdadeiras, que tinha tido que vender. Tampouco ninguém, nem sequer a mais vivida das damas da sociedade londrina, suspeitava que tivesse cuidado dos sapatos que levava com esmero, de modo que já estavam em sua terceira temporada. Nem que seu vestido estava confeccionado a partir de outro que tinha usado durante a temporada anterior, e que sua habilidosa criada tinha convertido em um traje digno da moda francesa mais recente.
Um dos poucos que conheciam sua situação verdadeira era o homem elegante e esbelto que estava ao seu lado, sir Lucien Talbot. Ele se tinha unido ao círculo de admiradores de Francesca durante sua primeira temporada, quando era uma mocinha , e embora o interesse romântico que tinha mostrado por ela não fosse mais que uma agradável ficção em que os dois participavam; sua devoção por ela era bastante real, e durante os anos que tinham transcorrido, tinham chegado a ser grandes amigos.
Sir Lucien era um homem muito elegante e engenhoso, e aquelas duas características, unidas ao seu estado de perpétuo celibato, convertiam-no em um convidado muito procurado nas festas. Era bem sabido que não tinha dinheiro, como toda a família Talbot, mas isso não prejudicava sua reputação nem lhe impedia de acessar aos círculos mais seletos; esta era uma qualidade que as anfitriãs da alta sociedade tinham em muito alta consideração. Sempre se podia contar com ele para que animasse uma conversa com um ou dois comentários mordazes, nunca fazia cenas, era um bailarino excelente e seu selo de aprovação para uma festa era suficiente para estabelecer a boa reputação de um anfitrião.
- Vá, que multidão - comentou naquele momento, observando com o monóculo às pessoas que havia abaixo deles.
- Acho que Lady Welcombe tem a profunda convicção de que um baile deve estar o mais concorrido possível, com o único limite de que os convidados tenham espaço para dançar. - concordou Francesca, enquanto se abanava com frouxidão - Receio descer. Sei que pisarão em mim, sem remédio.
- E não é esse o objetivo de um baile?
Aquela pergunta tinha sido formulada por uma voz grave que provinha de trás, ligeiramente à direita. Francesca conhecia aquela voz.
- Rochford - disse antes de voltar à cabeça - Surpreende-me encontrá-lo aqui.
Lucien e Francesca viraram para saudar o recém-chegado, que fez uma ligeira reverência e respondeu:
- Seriamente? Parece-me que alguém pode pensar que verá todos seus conhecidos neste baile.
Depois, apertou os lábios com uma careta familiar que era quase, embora não de tudo, um sorriso. Chamava-se Sinclair e era o quinto duque do Rochford, e se a presença do Lucien era solicitada pelas anfitriãs, a assistência do Rochford a uma festa era a máxima aspiração de todas elas.
Rochford era um homem alto, magro e de ombros largos. Ia vestido de impecável negro e branco, tal e como se requeria nas ocasiões formais; levava um broche de rubis no lenço do pescoço e abotoaduras a jogo. Era um dos homens mais poderosos da aristocracia, e, além disso, muito bonito. Seu comportamento, igual a sua forma de vestir, era elegante e discreto. Causava admiração entre os homens por sua habilidade no manejo dos cavalos e por sua certeira pontaria, e era perseguido pelas mulheres devido a sua grande fortuna, suas maçãs do rosto marcadas e seus olhos negros. Tinha quase quarenta anos e nunca se casara, e como conseqüência, converteu-se no desespero da maioria das damas da alta sociedade, inclusive daquelas com mais determinação.
Francesca não pôde evitar sorrir um pouco ante sua resposta.
- Provavelmente têm razão.
- Como sempre, é uma visão, Lady Haughston - disse Rochford.
- Uma visão? - perguntou Francesca, arqueando uma de suas delicadas sobrancelhas - Me dou conta de que não disse que tipo de visão. Poderiam encontrar-se muitas formas de terminar essa frase.
Brilharam os olhos de Rochford, mas respondeu em tom neutro:
- Ninguém que tivesse olhos imaginaria algo que não fosse uma visão de beleza.
- Uma excelente recuperação - lhe disse Francesca.
Sir Lucien se inclinou para Francesca e lhe sussurrou:
- Não olhe. Lady Cuttersleigh está se aproximando.
Uma mulher alta e muito magra se aproximava deles, seguida de seu marido, um homem baixo e robusto. Lady Cuttersleigh era filha de um conde, mas se tinha casado com um barão, e costumava recordar a seu marido, e ao resto do mundo, que seu matrimônio estava abaixo de suas possibilidades. Considerava que era seu dever casar a suas numerosas filhas com alguém digno de sua elevada linha de sangue.
Entretanto, dado que suas filhas se pareciam muito a ela no físico e o caráter, estava-lhe sendo difícil. Aquela era uma das poucas mulheres que não tinha retrocedido no empenho de conseguir o duque do Rochford como genro.
Rochford fez uma leve careta de dor antes de voltar-se e executar uma perfeita reverência para saudar o casal que se aproximara.
- Minha senhora Cuttersleigh.
- Lady Haughston - disse Lady Cuttersleigh para saudar Francesca, e depois assentiu desinteressadamente para sir Lucien, cujo título estava muito abaixo de suas aspirações. Virou-se novamente para o Rochford com um sorriso e afirmou - Maravilhosa festa, não acham? A festa da temporada, diria eu.
Rochford não disse nada, limitou-se a sorrir com dissimulação.
- Pergunto-me quantas festas da temporada haverá este ano - ironizou sir Lucien.
Lady Cuttersleigh o olhou com desdém.
- Só pode haver uma.
- OH, me parece que haverá três, ao menos - interveio Francesca - Uma delas é a que conta com uma maior assistência de convidados, que será esta, certamente; mas também há a festa ganhadora deste ano quanto ao luxo com o que está decorada a casa.
- E também há a que ganhará pela importância dos convidados que forem - acrescentou sir Lucien.
- Bom, eu sei que minha Amanda sentirá ter perdido esta - disse Lady Cuttersleigh.
Francesca e Lucien se olharam, e Francesca abriu seu leque e o ergueu até seu rosto para ocultar seu sorriso. Fora qual fosse o assunto de que estivessem falando, Lady Cuttersleigh arranjava um jeito para pôr suas filhas na conversa.
Lady Cuttersleigh começou a descrever detalhadamente a febre que tinha prostrado as suas duas filhas mais novas, e a maneira tão comovedora em que sua filha mais velha, Amanda, ficou em casa para cuidar delas. Francesca se perguntou onde estava o instinto maternal daquela mulher, pois era sua filha que tinha tido que ficar cuidando das duas meninas doentes.
Lady Cuttersleigh seguiu espraiando-se com as virtudes da Amanda até que Rochford interveio.
- Sim, minha senhora, está claro que sua filha mais velha é uma Santa. Verdadeiramente, entendo que só o mais virtuoso dos homens seria um marido apropriado para ela. Posso sugeri-la ao reverendo Hubert Paulty? É um homem excelente, e muito adequado para ela.
Lady Cuttersleigh ficou sem palavras. Olhou ao duque com abatimento, piscando rapidamente e tentando recuperar-se daquele golpe para retomar seus esforços.
Rochford, entretanto, foi muito rápido para ela.
- Lady Haughston, acho que me tinha prometido que me apresentaria a seu estimado primo - disse a Francesca, lhe oferecendo o braço.
Francesca lhe lançou um olhar divertido, e lhe disse em um tom de voz recatado:
- É obvio. Se nos desculparem, Lady Cuttersleigh. Sir Lucien.
Sir Lucien se inclinou para ela e sussurrou:
- Traidora.
Francesca não pôde reprimir um risinho enquanto se afastava pelo braço do Rochford.
- Meu estimado primo? – repetiu - Refere-se ao que tanto carinho professa a seu oponente, ou ao que fugiu ao Continente depois de um duelo?
Um vago sorriso se desenhou nos lábios do duque.
- Refiro-me, minha formosa senhora, a qualquer que possa me liberar de Lady Cuttersleigh.
Francesca sacudiu a cabeça.
- Que mulher tão horrível. Está assegurando celibato de todas suas filhas com esses esforços para casá-las. Não só é muito torpe na hora de impor-lhe às pessoas, mas também suas expectativas excedem com muito as possibilidades das moças.
- Você, conforme percebo, é uma perita nesses assuntos – disse Rochford, em um tom ligeiramente zombador.
Francesca o olhou com as sobrancelhas arqueadas.
- Seriamente?
- Oh, sim. Ouvi dizer que é aquela a que terá de se consultar quando se faz uma incursão nas tempestuosas águas do mercado do matrimônio. Entretanto, alguém se pergunta por que você mesma não pôs nas listas de novo.
Francesca lhe soltou o braço e se voltou para o corrimão para olhar à multidão que havia abaixo deles.
- Encontro-me a gosto em meu status de viúva, Excelência.
- Excelência? - repetiu ele zombeteiramente - Depois de tantos anos? Parece-me que a ofendi uma vez mais. Temo que seja bastante propenso a fazê-lo.
- Sim, parece que é perito nisso - respondeu Francesca - Não, não me ofendeu. Entretanto, pergunto-me se... estão-me pedindo ajuda?
Ele soltou uma gargalhada.
- Não, não. Só estava conversando.
Francesca se virou de novo para o duque e o observou fixamente, perguntando-se por que teria puxado aquele assunto. Possivelmente se tivessem estendido rumores sobre seus esforços de casamenteira? Durante aqueles últimos anos, Francesca tinha ajudado a mais de um casal de pais que estava tentando casar com êxito a uma filha. Esses pais sempre lhe tinham demonstrado sua gratidão com algum presente, é obvio, depois que Francesca tinha guiado à moça, sob seu amparo, pelos difíceis caminhos da alta sociedade para os braços do marido adequado.
Entretanto, aqueles presentes se davam com a máxima discrição por ambas as partes, e Francesca não entendia como tinha podido saber-se que certo broche de prata ou certo anel de rubi se empenharam no estabelecimento de algum prestamista.
Rochford a olhou também, e Francesca detectou a faísca da curiosidade em seus olhos escuros. Então disse, rapidamente:
- Sem dúvida, acha insignificante essa qualidade.
- Claro que não. Conheci muitas mães formidáveis e empenhadas em converter a suas filhas em duquesas, muitas para desdenhar os esforços de uma casamenteira.
- Realmente, é assombroso - continuou Francesca -, contemplar como muitas dessas mães dirigem a questão da forma mais equivocada. Não só Lady Cuttersleigh. Olhem a aquelas moças.
Francesca apontou para um grupo que havia abaixo deles, junto ao vaso de uma palmeira. Uma mulher de meia idade, vestida de cor arroxeada, estava junto a duas jovens que, claramente, eram filhas dela, tendo em conta a desafortunada semelhança que havia entre elas.
- Normalmente, as mulheres que não têm idéia de como vestir-se, se empenham em escolher a roupa de suas filhas - comentou Francesca - Neste caso, a mãe vestiu às filhas de cor lavanda, um tom mais juvenil do que o arroxeado que ela usava; e qualquer tom dessa cor é desastroso com sua cor de pele, porque só serve para fazê-la mais amarelada. Além disso, levam muitos babados, muito bordado e muitos laços. E olhe como a mãe fala e fala, sem deixar que suas filhas pronunciem uma só palavra.
- Sim, já vejo - respondeu Rochford - Mas certamente este é um exemplo extremo. Não acredito que tivessem muitas esperanças inclusive sem uma mãe tão dominante.
Francesca emitiu um som desdenhoso.
- Eu o conseguiria...
- Vamos, querida... - disse ele, com um olhar de diversão.
Francesca arqueou as sobrancelhas.
- Duvidam de mim?
- Inclino-me acima de tudo seu conhecimento - disse ele -, mas penso que nem sequer você conseguiria casar certas moças.
Aquele tom zombeteiro irritou Francesca. Sem deter-se para pensar, disse:
- Sim poderia. Poderia fazer que qualquer garota desta sala estivesse comprometida antes do final da temporada.
Ele conteve um sorriso de um modo decididamente aborrecido e disse com despreocupação:
- Quer fazer uma aposta?
Francesca pensou que tinha sido impetuosa, mas não podia retirar-se ante aquele tom de voz de brincadeira.
- Sim, Quero.
- Qualquer moça da sala? -perguntou Rochford.
- Qualquer moça.
- E tomaria sob seu amparo até que estivesse comprometida com um candidato aceitável, antes do fim da temporada social?
- Sim - respondeu Francesca, olhando-o com frieza. Ela não era das que se amedrontavam ante um desafio - E você pode escolher à moça.
- Mas, o que no apostaremos? Vejamos... se eu ganhar, deve aceitar nos acompanhar, a minha irmã e a mim, quando formos fazer nossa visita anual a nossa tia avó.
- Lady Odelia? - perguntou Francesca com um pouco de horror.
Quando respondeu, brilhavam os olhos de Rochford.
- Vá, pois claro. Lady Odelia professa um grande carinho a você, se por acaso não sabia.
- Sim, o mesmo carinho que professa um falcão a um coelho gordo – respondeu Francesca - Entretanto, aceito porque sei que não vou perder a aposta. E o que conseguirei eu quando você perder?
Ele a olhou, pensativamente, durante um momento antes de responder:
- Acho que um bracelete de safiras da mesma cor que seus olhos. Acho que as safiras agradam a você - seus olhares ficaram apanhados um no outro durante uns instantes. Então, Francesca se virou e disse de maneira insossa:
- Sim, agradam-me. Isso estará bem.
Apertou um pouco seu leque, ergueu o queixo e fez um gesto para os convidados da festa.
- Bem, a que moça escolhe?
Ela esperava que Rochford escolhesse a uma das duas jovens tão pouco agraciadas sobre as que tinham estado falando.
- A que leva o enorme laço na cabeça, ou a que leva a pluma abatida?
- A nenhuma - respondeu ele, surpreendendo-a. Depois assinalou, assentindo, à mulher alta e esbelta que havia atrás das moças, vestida com um traje cinza simples.
Estava claro, pela simplicidade daquele vestido, que a mulher tinha ido à festa em qualidade de acompanhante e não de debutante - Escolho a aquela.
Constance Woodley estava aborrecida.
Supunha-se que devia sentir gratidão, tal e como lhe dizia freqüentemente sua tia Blanche, por estar em Londres durante a temporada social e por poder ir a grandes festas como aquela. Entretanto, Constance não podia alegrar-se muito pelo fato de acompanhar a suas primas a tão numerosos bailes. Havia uma grande diferença entre desfrutar da temporada social como protagonista, caso de Georgiana e Margaret, e observar em um segundo plano como alguém desfrutava daqueles eventos. Sua oportunidade de ter uma temporada social tinha passado fazia muito tempo.
Quando ela fez dezoito anos e chegou o momento de sua apresentação, seu pai se havia ficado doente, e ela tinha passado os cinco anos seguintes cuidando-o enquanto sua saúde decaía progressivamente. Ele tinha morrido quando ela tinha vinte e três anos, e como sua propriedade estava vinculada aos herdeiros masculinos e Constance não tinha irmãos, a propriedade tinha ido parar às mãos de seu tio, Roger. A Constance, solteira e sem meios econômicos suficientes para manter-se, além da pequena soma que seu pai lhe tinha deixado em herança e que tinha investido integralmente em recursos públicos, tinha permitido que permanecesse na casa quando sir Roger e sua família se instalaram nela.
Sua tia Blanche lhe havia dito que com eles sempre teria um lar, embora pensasse que seria melhor que Constance deixasse seu quarto e ocupasse outro muito menor na parte traseira da casa. O quarto maior, com suas lindas vistas ao jardim, era mais adequada para as duas filhas dos donos da casa.
Aquele movimento tinha sido um gole amargo para Constance, mas se tinha consolado pensando que ao menos tinha um quarto para si, e que não devia compartilhá-lo com suas primas; daquele modo, podia retirar-se ali de vez em quando para desfrutar da paz e da tranqüilidade.
Constance tinha passado aqueles últimos anos vivendo com seus tios e suas primas. Tinha ajudado a sua tia com as meninas e com a casa para ser útil e lhe agradecer o fato de que a tivessem acolhido, mas também porque estava claro que eles esperavam aquele gesto em compensação pela habitação e o alojamento.
Pacientemente, Constance economizava e reaplicava os pequenos ganhos que recebia de sua herança, com a esperança de que algum dia acumularia o suficiente para poder manter-se e viver sozinha.
Dois anos antes, quando sua prima mais velha, Georgiana, tinha completado dezoito anos, seu tio e sua tia tinham decidido que, devido aos gastos que supunha uma estréia, seria melhor esperar que a segunda moça também fizesse dezoito anos e apresentar em sociedade a suas duas filhas de uma vez.
Constance podia ir com eles a Londres, havia-lhe dito com deferência sua tia, em qualidade de dama de companhia das moças. Não se tinha mencionado que participasse daquele rito social de nenhum outro modo. Embora a temporada londrina fosse em parte uma espécie de mercado matrimonial para mães com filhas casadouras, nem Constance nem sua tia pensavam que Constance fosse um bom partido para nenhum marido. Era uma mulher atraente; tinha os olhos de cor cinza e grandes e uma cabeleira espessa de cor castanha escura e avermelhada, mas aos vinte e oito anos se convertera em uma solteirona, porque fazia tempo que tinha ultrapassado a idade conveniente para apresentar-se em sociedade. Já não podia vestir-se de cores claras nem fazer caracóis no cabelo. De fato, a tia Blanche preferia que Constance levasse uma touca, mas embora Constance aceitasse levá-la durante o dia, para as festas recusava colocar aquele símbolo definitivo de suas esperanças malogradas.
Constance fazia todo o possível por cumprir com as expectativas de sua tia, porque sabia que seus tios não tinham obrigação de acolhê-la depois da morte de seu pai. Que o tivessem feito principalmente por medo à desaprovação social e por ter uma criada grátis para suas filhas não eram motivos suficientes para não lhes professar gratidão.
Entretanto, às vezes lhe era muito difícil suportar o falatório de suas primas, que eram tolas e inexplicavelmente presunçosas. E embora também fosse algo presunçoso de sua parte, Constance detestava levar aqueles aborrecidos vestidos de cor cinza, marron e azul marinho, as cores que sua tia considerava mais adequadas para uma mulher solteira de certa idade.
Observar às pessoas brilhantes da alta sociedade produzia certo prazer, é obvio, e Constance estava concentrada naquele passatempo. Estava observando ao casal que havia no alto da escadaria, olhando aos convidados da festa como monarcas que tivessem contemplado a seus súditos. Aquela era uma analogia idônea, porque o duque do Rochford e Lady Francesca Haughston estavam entre os membros reinantes da sociedade londrina. Constance, é obvio, não conhecia nenhum dos dois, porque eles se moviam em um círculo muito superior ao de seu tio Roger e sua tia Blanche. Só naqueles eventos tão grandes como aquele baile Constance via-os.
Naquele momento, eles dois começaram a descer pelas escadas, e Constance perdeu sua visão entre a multidão. Sua tia se virou para ela naquele mesmo momento e lhe disse:
- Constance, querida, busque o leque da Margaret. Parece que deixou cair.
Constance passou os minutos seguintes procurando o leque, assim não se deu conta de que se aproximavam duas mulheres até que a respiração agitada de sua tia a alertou de que acontecia algo estranho. Ergueu a vista e se deu conta de que Lady Haughston caminhava para eles junto à sorridente anfitriã da festa, a mesma Lady Welcombe.
- Lady Woodley, sir... né...
- Roger - disse o tio de Constance.
- É obvio, sir Roger. Espero que ambos estejam desfrutando de minha festa - disse a dama, fazendo um gesto para a grande sala, que estava abarrotada de gente. Seu sorriso desdenhoso era indicação de que compreendia o humorístico de seu comentário.
- Oh, sim, minha senhora. É um maravilhoso baile. O melhor da temporada, asseguro. Justamente estava dizendo ao sir Roger que é o evento mais esplêndido ao que participamos até agora.
- Bom, a temporada ainda é jovem - replicou Lady Welcombe com modéstia - Só espero que ainda seja recordado em julho.
- Oh, estou segura de que assim será - disse a tia Blanche, e se apressou a elogiar profusamente as flores, as velas, a decoração.
Inclusive a anfitriã devia se aborrecer com tanta adulação.
- Por favor, me permitam que os apresente Lady Haughston - disse na primeira oportunidade que teve, e se virou para Francesca - Lady Haughston, apresento-lhes sir Roger Woodley e a sua esposa Lady Blanche, e elas são... né... suas encantadoras filhas.
- Encantada - disse Lady Haughston, estendendo sua esbelta e branca mão.
- Oh, minha senhora! É uma honra! - exclamou a tia Blanche, sufocada pela excitação - Me alegro tanto de conhecê-la. Por favor, me permitam que lhe apresente a nossas filhas, Georgiana e Margaret. Meninas, saúdem Lady Haughston.
Lady Haughston sorriu levianamente a cada uma das moças e depois se aproximou de Constance, que estava ligeiramente afastada.
- E quem é você?
- Constance Woodley, senhora - respondeu Constance com uma ligeira reverência.
- Desculpe - interveio a tia Blanche rapidamente - A senhorita Woodley é a sobrinha de meu marido, e vive conosco desde que faleceu seu pobre pai, faz alguns anos.
- Por favor, aceitem minhas condolências - disse Lady Haughston, e acrescentou depois de uma breve pausa - Pela morte de seu pai.
- Obrigada, senhora - respondeu Constance.
Percebeu certa diversão nos olhos profundamente azuis da outra mulher, e não pôde deixar de perguntar-se se Lady Haughston não estava insinuando algo distinto com o que havia dito. Conteve o sorriso que lhe produziu aquele pensamento e devolveu o olhar, com amabilidade a Lady Haughston.
Lady Welcombe se despediu e se afastou, mas para surpresa de Constance, Lady Haughston ficou falando com eles durante uns instantes. Constance se surpreendeu ainda mais quando a dama disse que devia partir e se virou para ela.
- Importar-se-ia de dar um passeio comigo pela sala, senhorita Woodley?
Constance ficou muito assombrada para responder. Depois se adiantou com presteza e disse:
- Sim, eu gostaria muito, obrigada.
Recordou em olhar a sua tia para lhe pedir permissão, embora Constance soubesse que iria com Lady Haughston embora a tia Blanche o tivesse negado. Felizmente, sua tia só pôde assentir com perplexidade, e Constance partiu com Lady Haughston.
Francesca tomou pelo braço e começou a caminhar pela enorme sala, conversando despreocupadamente.
- Ah, mal se pode ver alguém conhecido entre tal multidão. É impossível encontrar-se com alguém - comentou.
Constance sorriu em resposta. Ainda estava atônita pelo interesse de Lady Haughston nela, e não sabia o que dizer, nem sequer lhe ocorria o mais tópico dos comentários. Não podia imaginar o que queria dela uma das grandes damas da aristocracia. Não acreditava que Francesca se dera conta, com um breve olhar, de que Constance era merecedora de sua amizade.
- É esta sua primeira temporada? - continuou Francesca.
- Sim, senhora. Meu pai estava muito doente quando chegou o momento de minha apresentação - explicou Constance - Morreu uns anos depois.
- Ah, entendo - disse Francesca.
Constance olhou a sua acompanhante. Nos olhos de Francesca havia um olhar de perspicácia que dava a entender que entendia mais coisas do que lhe tinha contado
Constance. Que entendia o passar lento do tempo enquanto Constance cuidava de seu pai, os dias de aborrecimento e tristeza, intercalados com momentos de trabalho duro e confusão quando sua enfermidade piorara.
- Sinto sua perda - disse Lady Haughston amavelmente. Depois de um momento, acrescentou - Assim agora vive com seus tios. E sua tia a amadrinhou. Que bondoso de sua parte.
Constance notou que lhe ruborizavam as faces. Não podia negar aquelas palavras, porque teria sido um detalhe ingrato, mas tampouco era capaz de dar a entender que sua tia atuava por bondade. Assim, limitou-se a dizer:
- Sim. Bom, suas filhas já têm idade para debutar, e...
- Estou certa de que é uma grande ajuda para ela - disse Lady Haughston.
Constance a olhou de novo e teve que sorrir. Lady Haughston não era tola; entendia muito bem por que a tia Blanche tinha levado a Constance a Londres: não por bem-estar de sua sobrinha, mas sim por seu próprio benefício. Embora Constance se perguntava qual seria o propósito da dama, sentia-se a gosto com ela sem poder evitá-lo. Lady Haughston tinha uma calides de trato pouco comum entre a maioria dos membros da aristocracia.
-Mesmo assim - continuou Lady Haughston -, deve ter tempo para conhecer Londres, também.
- Visitei alguns dos museus -respondeu Constance - Gostei muito.
- Seriamente? Bom, isso é excelente, mas eu estava pensando em algo mais parecido A... digamos que a ir às compras.
- De compras? - repetiu Constance, que acabava de alcançar o máximo ponto de confusão-. Comprar o que, senhora?
- Bom, eu nunca limito a uma só coisa - respondeu Lady Haughston com um sorriso de felino satisfeito - Isso seria muito aborrecido. Sempre saio com a idéia de explorar e procurar o que houver por aí. Possivelmente poderia me acompanhar amanhã.
Constance a olhou com verdadeiro assombro.
- Desculpe?
- Me acompanhar às lojas - repetiu a dama com uma suave gargalhada - Não deve me olhar assim. Prometo que não será nada horrível.
-Eu... sinto-o - disse Constance, ruborizando-se de novo - Deve acreditar que sou uma boba. O que ocorre é que seu oferecimento me tomou de surpresa. De fato, eu gostaria muito de ir com você, embora ache que devo lhe dizer que me dou muito mal com as compras.
- Não têm que se preocupar. - respondeu Lady Haughston com os olhos brilhantes. - Asseguro que sou bastante perita para comprar pelas duas.
Constance sorriu. Não sabia com exatidão o que estava ocorrendo, mas a expectativa de passar um dia inteiro longe de sua tia e suas primas era deliciosa. E Constance era humana, assim não pôde evitar sentir certa satisfação perversa ao pensar na cara que poria sua tia quando soubesse que Constance tinha sido escolhida por uma das mulheres mais aristocráticas e conhecidas de Londres.
- Então, decidido - continuou Lady Haughston - Passarei para buscá-la amanhã, digamos que à uma, e iremos às compras.
- É muito amável.
Francesca sorriu e apertou a mão a Constance para despedir-se. Depois, partiu.
Constance observou como se afastava, sem entender por que Lady Haughston estava interessada nela. Entretanto, pensou que poderia ser interessante averiguá-lo. Voltou-se e olhou para o lugar no qual tinham ficado seus tios e suas primas, e os divisou entre a multidão. Então pensou que sua tia não saberia exatamente em que momento se separaram Lady Haughston e ela. Possivelmente pudesse passar um pouco mais de tempo afastada deles sem expor-se à censura da tia Blanche.
Constance olhou a seu redor e viu uma porta que se abria ao corredor. Avançou entre as pessoas e a atravessou. Depois de percorrer aquele corredor, descobriu outro mais estreito, e nele, uma porta dupla e parcialmente aberta. Constance se deu conta de que era uma biblioteca. Com um sorriso nos lábios, entrou. Era uma grande biblioteca, com efeito, com estantes repletas de livros que chegavam até o teto e que cobriam as quatro paredes salvo nos lugares ocupados pelas janelas muito altas. E, suspirando de puro prazer, ficou a contemplar os volumes que ocupavam as estantes.
Seu pai tinha sido um homem culto, muito mais disposto a colocar o nariz entre as páginas de um livro que a ocupar-se da contabilidade de sua propriedade. A biblioteca de sua casa também tinha estado cheia de livros de todos os tamanhos e assuntos, mas aquele lugar era muito menor, e não podia conter nem um terço dos livros que havia ali.
Constance passeou pelas estantes da parede oposta à porta, e estava lendo os títulos quando ouviu uns passos apressados que se aproximavam pelo corredor. Um momento depois, um homem irrompeu no aposento com uma expressão de angústia.
Olhou a seu redor durante uns instantes e se fixou em Constance, que se tinha ficado muito surpreendida.
Ele pôs um dedo sobre os lábios para lhe indicar que guardasse silêncio e se escondeu atrás da porta.
Constance, perplexa, não soube como reagir. Dirigiu-se para a saída da biblioteca, mas naquele mesmo momento apareceu uma mulher de baixa estatura, gordinha, vestida com um traje rosa de cetim muito pouco favorecedor. A mulher olhou acusadoramente a Constance e lhe espetou:
- Viu o visconde?
- Aqui? Na biblioteca? - perguntou-lhe Constance, arqueando as sobrancelhas.
A outra mulher se mostrou cética.
- Parece algo improvável - admitiu. Depois olhou a ambos os lados do corredor e ao interior da biblioteca - Mas estou segura de que vi Lorde Leighton entrar aqui.
- Havia um homem correndo pelo corredor há um momento - disse Constance - Provavelmente entrou no corredor principal.
A mulher entrecerrou os olhos.
- Certamente foi ao salão de fumantes.
Voltou-se e, apressadamente, continuou com sua perseguição. Quando o som de seus passos sossegou, o homem saiu de detrás da porta e deixou escapar um suspiro de alívio.
- Querida senhora, estar-lhe-ei eternamente agradecido - disse a Constance com um encantador sorriso.
A Constance também lhe escapou um sorriso. Era um homem muito bonito, e tinha maneiras muito agradáveis. Era mais alto que a média, e esbelto, com um corpo musculoso que insinuava uma força física considerável. Estava vestido com elegância; levava um traje negro e uma camisa branca, e um lenço atado ao pescoço, sofisticado, mas sem os adornos e babados de um dandi. Tinha os olhos muito azuis, e a boca ampla e expressiva. Quando sorria, como naquele momento, se formava uma covinha na face e lhe brilhavam os olhos, sinais que certamente conseguiriam que todo mundo se unisse a seu bom humor. Tinha o cabelo loiro escuro, com mechas mais claras, e um pouco mais longo do que seria aconselhável pela moda reinante.
Pareceu a Constance uma pessoa muito atraente e encantadora, e pensou que, certamente, ele conhecia o efeito que produzia aos outros, sobre tudo as mulheres. Ela sentiu uma atração visceral, coisa que demonstrava o poder daquele homem, pensou, e decididamente, tentou controlar os nervos que atendiam o estômago. Tinha que ser imune aos sorrisos de paquera que pudessem lhe dirigir os homens, porque, depois de tudo, ela não era um bom partido para ninguém, e qualquer outra opção era inaceitável.
- Presumo que é o visconde Leighton... - disse-lhe com ligeireza.
- Ah, assim é, para meu castigo -respondeu ele, e lhe fez uma amável reverencia - E qual é seu nome, senhora?
- Sou senhorita - respondeu ela -, e seria impróprio, parece-me, dizê-lo a um estranho.
- Ah, mas não tão impróprio como estar a sós com um estranho, como está agora - replicou ele - Entretanto, uma vez que me disser seu nome, já não seremos estranhos, e então, tudo será perfeitamente respeitável.
Ela riu ante aquele raciocínio.
- Sou a senhorita Woodley, milord. A senhorita Constance Woodley.
- Senhorita Constance Woodley - repetiu ele - Agora deve me oferecer sua mão.
- Seriamente? Devo fazê-lo? - perguntou Constance, divertida. Não recordava quando tinha paquerado pela última vez a um homem, e o achou muito estimulante.
- Oh, sim - disse ele, gravemente - Porque, se não o fizer, como vou inclinar-me ante ela?
- Mas se já fez uma perfeita reverência - assinalou Constance.
- Sim, mas não enquanto tinha a grande fortuna de estar em posse de sua mão - replicou ele.
Constance lhe estendeu a mão, dizendo:
- É um indivíduo muito persistente.
Tomou a mão e se inclinou sobre ela, segurando-a um pouco mais do que seria adequado. Quando a soltou, sorriu, e Constance sentiu a calidez de seu sorriso por todo o corpo, até as pontas dos dedos dos pés.
- Agora somos amigos, assim tudo é muito próprio.
- Amigos? Só somos conhecidos - afirmou Constance.
- Ah, mas me salvou de Lady Taffington. Isso a converte em minha amiga.
- Então, como amiga, posso tomar a liberdade de perguntar por que estava se escondendo de Lady Taffington na biblioteca. Não parecia uma mulher tão aterradora para afugentar um homem.
- Se diz isso é porque não conhece Lady Taffington. É a mais terrível das criaturas: uma mãe decidida a casar a sua filha.
- Então, deve tomar cuidado de não tropeçar com minha tia – advertiu Constance.
Ele riu.
- Temo que estejam por toda parte. A perspectiva de um futuro condado é mais do que podem resistir.
- Alguns pensariam que não é mal ser tão solicitado.
Ele encolheu os ombros.
- Possivelmente... se a perseguição tivesse algo que ver comigo, e não com meu título.
Constance suspeitou que solicitavam Lorde Leighton por algo mais que por seu título. Depois de tudo, era um homem muito bonito e encantador. Entretanto, pareceu-lhe muito atrevido dizer algo assim.
Como ela ficou em silêncio, ele continuou:
- E para quem tenta sua tia caçar marido? - perguntou a Constance, e olhou seu dedo sem aliança antes de dizer - Não para você, certamente. Parece-me que seria uma tarefa muito fácil, se este fosse o caso.
- Não, não para mim. Eu já passei essa idade - disse, e sorriu um pouco para suavizar as palavras - Eu só vim ajudar a tia Blanche como dama de companhia de suas filhas. Estão em sua estréia.
Ele arqueou uma sobrancelha.
- Você? Dama de companhia? - perguntou-lhe, e sorriu também - Espero que me perdoe o que vou dizer, mas isso é absurdo. Você é muito jovem e bonita para ser uma dama de companhia. Temo que sua tia se dará conta de que os pretendentes de suas filhas visitam a casa para ver você.
- E você, senhor, é um adulador - disse Constance, e olhou para a porta – Devo ir.
- Abandona-me? Vamos, não parta ainda. Certamente suas primas poderão viver um pouco mais sem seu acompanhamento.
Para falar a verdade, Constance não sentia muito desejo de partir. Era muito mais divertido conversar com aquele visconde tão bonito que ver como suas primas falavam e paqueravam. Entretanto, temia que se ficasse muito tempo, sua tia iria procurá-la, e a última coisa que queria era que a tia Blanche a encontrasse ali, a sós com um homem estranho.
Além disso, não desejava absolutamente que sua tia conhecesse Lorde Leighton e se convertesse em uma mais do grupo de senhoras que o perseguiam para casá-lo com uma de suas filhas.
- Sem dúvida, mas eu estou descuidando de meu dever - respondeu ela, e lhe estendeu a mão - Adeus, milord.
- Senhorita Woodley - disse ele com um grande sorriso, e tomou a mão – Me alegrou a noite grandemente.
Constance lhe devolveu o sorriso, sem saber que o fato de desfrutar daqueles momentos tinha conferido brilho a seus olhos e rubor a suas faces. Nem sequer a severidade de seu vestido e de seu penteado pôde mascarar seu atrativo.
Não lhe soltou a mão imediatamente; ficou olhando-a com fixidez, e então, para surpresa de Constance, inclinou-se para ela e a beijou.
Constance ficou imóvel. Aquele beijo foi algo tão inesperado que ela não se afastou, e depois de um momento se deu conta de que não queria fazê-lo. Sentia os lábios daquele homem de uma maneira ligeira e suave, mas o contato lhe produziu um comichão por todo o corpo. Pensou que ele seria quem se afastaria, mas, para sua surpresa, tampouco o fez. Em vez disso, beijou-a cada vez mais profundamente, afundando os lábios nos de Constance, e com suavidade, inexoravelmente, conseguindo que sua boca se abrisse para ele. Constance ergueu as mãos por instinto e as apoiou em seu peito.
Sabia que tinha que empurrá-lo com indignação, mas em vez disso, agarrou-se às lapelas de sua jaqueta e se aferrou ao caudal de sensações que a embargavam.
Posou a mão na sua cintura, e com a outra lhe segurou a nuca enquanto seguia beijando-a.
Com sinceridade, Constance se alegrou de que ele a segurasse, porque tinha a sensação de que iriam falhar lhe os joelhos. Nunca havia se sentido daquela maneira, nem sequer quando tinha dezenove anos e se apaixonara por Gareth Hamilton. Gareth a tinha beijado quando lhe tinha pedido que se casasse com ele, e Constance tinha pensado que nada poderia ser tão doce como aquele beijo. Tinha lhe sido mais difícil rechaçar a seu pretendente para poder cuidar de seu pai durante sua enfermidade.
Entretanto, o abraço de Lorde Leighton não era doce absolutamente; era forte e exigente. E a estava marcando a fogo com seu beijo. Embora Constance mal conhecesse aquele homem, estava tremendo e tinha perdido a capacidade de pensar com clareza.
Ele ergueu a cabeça, e durante um longo momento se olharam o um ao outro, mais afetados e trêmulos do que teriam querido admitir. Leighton tomou ar e se separou dela. Constance o olhou com os olhos totalmente abertos, incapaz de falar.
Depois virou-se e saiu correndo da biblioteca.
Não havia ninguém no corredor, felizmente. Constance não queria imaginar que aspecto tinha. Se parecesse com o que sentia por dentro, então estava certa de que todo mundo ficaria olhando-a. O coração lhe pulsava rapidamente e tinha os nervos à flor da pele.
Constance se aproximou de um dos espelhos que pendia na parede e contemplou seu reflexo. Tinha os olhos suaves e brilhantes, e as faces e os lábios avermelhados. Deu-se conta de que estava mais bonita. Seria tão evidente para que as pessoas soubessem o que tinha feito?
Com as mãos trêmulas, ajeitou o coque. Depois respirou profundamente várias vezes e tentou acalmar-se e ordenar seus pensamentos.
Por que a teria beijado Lorde Leighton? Acaso não era mais que um mulherengo, um sedutor que tinha querido aproveitar-se de uma mulher em uma situação vulnerável?
Constance achava difícil acreditar nisso. Ele tinha sido tão agradável... não era só um homem bonito, mas tinha um brilho especial no olhar e um grande senso de humor.
Entretanto, possivelmente os libertinos seriam assim. Aquilo tinha sentido. Sem dúvida, era muito mais fácil seduzir a alguém sendo encantador.
Entretanto, Constance não podia acreditar algo assim de Lorde Leighton. Quando se tinha afastado dela, depois de beijá-la, tinha uma expressão de surpresa no rosto, como se ele tampouco esperasse o que tinha acontecido. E não tinha tentado seduzi-la depois, embora ela não houvesse posto resistência, tão centrada estava no beijo.
Claramente, o fato de que ele tivesse interrompido aquele beijo provava que era muito cavalheiresco para aproveitar-se da situação.
Ele tinha querido beijá-la, é obvio, embora tivesse sido um gesto impulsivo. Mas Constance recordou como o beijo, que a princípio só tinha sido um ligeiro toque, tinha se feito mais profundo e apaixonado. Acaso ele só pretendia lhe dar um beijinho, como uma espécie de travessura, e se tinha visto apanhado pelo desejo, como ela?
Aquele pensamento fez com que Constance sorrisse. Gostaria de pensar que ela não tinha sido a única que se vira apanhada pela paixão.
Olhou-se de novo no espelho. Seria possível que o visconde Leighton a tivesse achado atraente apesar da simplicidade com a qual ia vestida? Observou seu rosto, de traços regulares e com uma agradável forma oval. Constance não acreditava que parecesse muito mais velha que vinte anos. E tinha havido um ou dois homens além do Gareth que, quando era jovem, haviam-lhe dito que tinha uns formosos olhos e que seu cabelo era muito brilhante. Teria visto Leighton que além de sua atual falta de brilho havia uma jovem bonita?
Gostaria que a tivesse visto como uma mulher atraente e desejável, e não que tivesse pensado, simplesmente, que era um alvo fácil para suas atenções.
Sem deixar de pensar naquele encontro, Constance percorreu o corredor de volta ao salão de baile. O aposento continuava abarrotado e o ambiente era cansativo. Abriu passagem entre as pessoas e voltou com seus tios.
Para sua surpresa, sua tia não lhe reprovou que tivesse passado muito tempo afastada deles. Em vez disso, dedicou a Constance um sorriso resplandecente e tomou pelo braço para aproximá-la.
- O que lhe disse? - perguntou sua tia Blanche ansiosamente, inclinando-se para ela a fim de fazer-se ouvir por cima do ruído. Depois, sem esperar a resposta de Constance, prosseguiu - Pensar que Lady Haughston se fixou em nós! Fiquei aniquilada quando Lady Welcombe nos apresentou. Nunca teria esperado que uma dama tão distinta percebesse nossa existência, e muito menos que quisesse nos conhecer. O que lhe disse? Como é?
Constance custou um pouco de esforço recordar seu passeio com Lady Haughston pelo salão. O que tinha ocorrido depois o tinha tirado da cabeça por completo.
- É muito agradável - disse Constance - Me foi muito simpática.
Perguntou-se se devia dizer a sua tia que Lady Haughston lhe tinha proposto ir às compras no dia seguinte. Em realidade, a Constance parecia improvável que a mulher houvesse dito a sério. A conversa tinha sido muito agradável, mas era absurdo pensar que uma mulher da posição de Lady Haughston fizesse qualquer esforço por converter-se em sua amiga. Constance provinha de uma família respeitável, é obvio, cujos antepassados provinham da família Tudor, mas o título de seu pai tinha sido só de barão, e, além disso, não tinha uma grande fortuna. Seu pai e ela tinham levado uma vida tranqüila no campo. De fato, aquela era a primeira vez que Constance visitava Londres.
A tia Blanche lhe fez um sem-fim de perguntas sobre sua conversa com Lady Haughston e se gabou de tudo o que sua influência podia fazer por Georgiana e Margaret; entretanto, Constance não tinha notado nenhum interesse particular em suas primas por parte da dama. De fato, Lady Haughston tinha requerido a companhia de Constance, embora ela não tivesse nem a mínima idéia do motivo. Não obstante, Constance não considerou uma boa idéia fazê-la notar a sua tia.
Assim, não disse nada quando a tia Blanche e as duas moças continuaram especulando alegremente sobre as vantagens que lhes reportaria o fato de conhecer Lady Haughston na hora de aumentar seu status, e sobre o que podiam fazer para melhorar sua vestimenta para a seguinte saída. De fato, apenas as escutou durante o trajeto de volta a casa, porque seus próprios pensamentos estavam muito longe da carruagem e de sua família. Tampouco pensou no interesse que Lady Haughston pudesse ter nela, nem em se verdadeiramente iria procurá-la no dia seguinte para ir às compras, embora em circunstâncias normais, teria se feito muitas perguntas sobre tudo aquilo.
Entretanto, aquela noite, enquanto descia da carruagem e subia as escadas para seu quarto na casa que seus tios haviam alugado, enquanto se despia para pôr a camisola e escovava a espessa cabeleira, tinha a mente posta nos olhos azuis e na risada de certo visconde, e a pergunta que não a deixou conciliar o sono até muito depois de deitar-se foi se voltaria a vê-lo alguma vez.
Constance se vestiu com mais atenção do que normal na manhã seguinte. Embora se tivesse negado a confiar muito em que Lady Haughston a visitasse realmente, não ia desprezar a possibilidade por completo e a ter que sair com a mulher, finalmente, com um de seus piores vestidos. Assim vestiu o melhor traje de tarde que tinha, confeccionado em musselina de cor marrom chocolate. Seu orgulho não lhe permitia ser vista sem nenhum estilo nem graça em companhia da elegante Lady Haughston.
O relógio deu a uma em ponto e Lady Haughston não apareceu. Constance tentou não sentir-se decepcionada. Depois de tudo, sempre tinha sido consciente de que a apresentação da noite anterior tinha sido uma casualidade. Possivelmente Lady Haughston teria pensado que ela era outra pessoa, ou se teria tido piedade da moça a que ninguém tirava para dançar, e naquela manhã não teria tido interesse em prosseguir com a relação.
Entretanto, para Constance foi difícil não sentir-se abatida.
Lady Haughston tinha agradado muito à Constance e, além disso, era suficientemente sincera para admitir que havia sentido certo orgulho ao ter chamado a atenção de uma das damas mais célebres da alta sociedade. E, sobre tudo, conhecê-la tinha aliviado um pouco o aborrecimento que lhe supunha a vida em Londres.
Durante o tempo que estavam ali, Constance se tinha dado conta de que preferia a vida no campo a rutilante vida da cidade. Só ia às festas em qualidade de acompanhante, e ninguém lhe prestava mais atenção que ao mobiliário; não lhe pediam uma dança, nem a incluíam nas conversas que sua tia e suas primas mantinham com outros convidados.
Durante o dia se aborrecia igualmente. A governanta que tinham contratado em Londres levava a casa com eficiência, e Constance não tinha muitas tarefas; tampouco tinha as relações sociais que lhe tinham ocupado parte do tempo no passado: costumava fazer visitas de cumprimento aos arrendatários de seu pai e às pessoas do povoado, como o pastor e sua esposa, e ao advogado que dirigia os assuntos de seu pai. Também costumava visitar seus amigos e conhecidos. Entretanto, em Londres não conhecia ninguém além de sua família e, para falar a verdade, não encontrava muito enriquecedora sua companhia.
Assim, em grande parte devido ao aborrecimento, Constance tinha desejado aquela saída com Lady Haughston com mais ímpeto que teria querido admitir. À medida que passavam os minutos, seu desânimo crescia.
Então, um pouco antes das duas, justo quando Constance estava pensando em subir ao seu quarto para escapar de uma tola discussão de suas primas, uma criada anunciou a chegada de Lady Haughston.
- Oh, Deus Santo! - exclamou a tia Blanche, sobressaltando-se como se alguém a tivesse beliscado - Sim, sim, claro. Faça entrar à senhora - disse à criada enquanto ajeitava o cabelo e alisava a saia do vestido - Recolha o cabelo, Margaret. Em pé, meninas. Constance, aqui, tome meu trabalho.
Constance se aproximou de sua tia para tirar do chão o trabalho de bordado que sua tia tinha derrubado ao saltar da cadeira, e depois o dobrou cuidadosamente e o guardou na mesa de costura. Estava inclinada e ligeiramente virada quando Lady Haughston entrou na sala. A tia Blanche se apressou a recebê-la, tomando ansiosamente ambas as mãos.
- Minha senhora! Que honra! Por favor, sente-se. Posso lhe oferecer um chá?
- Oh, não - respondeu Lady Haughston, que estava muito bela com um vestido de passeio em seda verde. Com um sorriso, puxou as mãos brandamente e assentiu para saudar georgiana e a Margaret - Não posso ficar. Só vim um instante para pegar à senhorita Woodley. Onde está?
Olhou além da tia Blanche e viu Constance.
- Ah, aí está. Vamos? Não devo deixar os cavalos esperando durante muito tempo, ou o cocheiro me repreenderá - disse, e sorriu ante o absurdo daquela afirmação, com os olhos azuis muito brilhantes - Espero que não tenha esquecido nossa saída de compras...
- Não, claro que não. Não estava certa... bom, de que o houvesse dito a sério.
- E por que não? - perguntou Lady Haughston, com as sobrancelhas arqueadas de assombro. - Se refere a minha demora? Bem, não deve se preocupar. Todo mundo dirá que sempre chego assombrosamente tarde a todas as partes. Não sei o motivo.
Então encolheu os ombros com tanta graça, que Constance deu por assentado que muita gente não se incomodaria pela impontualidade de Lady Haughston.
- Vão às compras? Com Constance? - perguntou, sem sair de seu assombro, tia Blanche.
- Espero que não se importe - disse Lady Haughston - A senhorita Woodley me prometeu que me ajudaria a escolher um chapéu hoje à tarde. Estou indecisa entre os dois que selecionei.
- Oh! -murmurou a tia Blanche - Sim, bem, é claro.
Voltou-se para Constance com uma mescla de confusão e irritação no semblante, enquanto dizia:
- Foi muito amável de sua parte convidar a minha sobrinha.
Constance se sentiu um pouco culpada por não haver mencionado a sua tia o convite de Lady Haughston; entretanto, não podia lhe explicar suas dúvidas em presença da dama. Assim, disse somente:
- Sinto muito, tia Blanche. Me esqueci de dizer-lhe isso. Espero que não se importe.
A tia Blanche não podia fazer outra coisa que permitir aquela expedição se queria gozar do favor de Lady Haughston, e Constance esperava que se desse conta. Do contrário, sua tia provavelmente se negaria por aborrecimento.
Entretanto, Lady Woodley foi suficientemente inteligente para assentir.
- Suponho que não, querida minha - disse a Constance, e depois se voltou para Lady Haughston - Não sei o que faria sem a ajuda de Constance. É tão boa que aceitou vir a Londres para me ajudar com as meninas e ser sua dama de companhia - disse a tia Blanche, e olhou com carinho a suas filhas - É muito difícil manter o ritmo de duas jovens tão animadas, e de tantas festas!
- Estou segura disso. Irão amanhã ao baile de Lady Simmington? Espero que vê-los todos ali.
A tia Blanche seguiu com o sorriso nos lábios, embora ao ouvir as palavras de Francesca deu a impressão de que engolia um inseto. Finalmente, disse:
- Eu... né... temo que perdi o convite.
- Oh, que desafortunado. Bem, se querem ir, darei-lhes meu convite. Eu não gostaria de perder sua companhia amanhã.
- Minha senhora! - exclamou a tia Blanche, com o rosto rubro de felicidade. Lady Simmington era uma anfitriã de importância, e a tia Blanche tinha passado grande parte da semana lamentando o fato de não ter recebido seu convite.
- É muito generoso de sua parte. Oh, aha, é obvio que iremos.
Sua alegria foi tal que sorriu a sua sobrinha com verdadeira vontade ao despedir-se delas. Constance colocou rapidamente o chapéu e as luvas e seguiu a Lady Haughston antes que ocorresse à sua tia alguma desculpa para enviar a suas primas com elas.
Entretanto, por muito contente que estivesse Constance por poder escapar, finalmente, com Lady Haughston, não pôde evitar perguntar-se quais eram as intenções da dama. Claramente, o fato de lhe dar de presente o convite de um dos bailes mais exclusivos da temporada social a sua tia era um detalhe muito generoso por parte de Francesca, embora a Lady Haughston ninguém negaria a entrada em uma casa apesar de não levar esse convite. Entretanto, por que o teria feito? Parecia uma pessoa amistosa e boa, mas isso não explicava o estranho interesse que tinha demonstrado pela família de Constance.
Não era verossímil que se houvesse sentido tão intrigada por Constance, pela tia
Blanche ou por suas filhas para solicitar à anfitriã de um baile que as apresentasse. E Constance mal tinha falado duas palavras com ela antes que a aristocrata lhe pedisse que a acompanhasse para dar um passeio pelo salão de baile. Depois, para rematar aquele fato tão surpreendente, tinha-lhe perguntado se a acompanharia em uma tarde de compras. Estranhamente, tinha cumprido com sua palavra e tinha ido em busca de Constance, e, expertamente, colocou à tia Blanche no bolso ao lhe oferecer o convite para o baile de Lady Simmington.
A que jogava Lady Haughston? E algo muito mais desconcertante ainda: por quê?
As duas mulheres se sentaram na brilhante carruagem negra de Lady Haughston, e quando o veículo começou a mover-se, Francesca se voltou para Constance.
- Em realidade, é certo que vi dois preciosos chapéus na chapelaria -disse-, mas temos tempo de sobra para nos deter em qualquer outro lugar. Vamos a Oxford Street? O que você gostaria de comprar?
Constance sorriu.
- Conformo-me indo onde você queira, senhora. Não desejo comprar nada em
particular.
- OH, mas não podemos descuidá-la - disse Francesca alegremente-.
Certamente, necessitará de laços, ou luvas, ou algo do gênero -comentou, e olhou pensativamente a Constance-. um pouco de bordado para gola desse vestido, por exemplo.
Surpreendida, Constance olhou o vestido marrom chocolate. Certamente, seria muito mais bonito com um pouco de bordado na gola e nas mangas. Um bordado cor champanha, por exemplo.
Sacudiu a cabeça ao mesmo tempo que, sem dar-se conta, deixava escapar um ligeiro suspiro.
- Temo que então não seria suficientemente simples.
- Simples? -perguntou Francesca com consternação-. Não será uma qualquer, não é verdade?
Constance riu.
- Não, senhora. Não sou uma qualquer. Entretanto, não é apropriado que uma dama de companhia chame a atenção.
- Dama de companhia! -exclamou Francesca-. Querida, do que está falando?
É muito jovem e bonita para ser uma mera acompanhante.
- Minha tia necessita que a ajude. Tem duas filhas debutantes.
- Ajudá-la? A que? A olhar como as meninas dançam e conversam? Parece-me que toma muito a sério este assunto. Estou certa de que ela não espera que fique imóvel durante todos os bailes. Deve dançar amanhã, na festa de Lady Simmington. Seus músicos sempre são excelentes. Eu falarei com sua tia.
Constance se ruborizou.
- Duvido que alguém me pedisse uma dança, senhora.
- Tolices... Claro que sim. Sobre tudo, quando tivermos animado um pouco seu vestuário. Tenho um vestido de cetim azul que já pus muito, e receio que devo me desprender dele. Entretanto, a você assentaria maravilhosamente. Minha criada fará alguns acertos, mudá-lo um pouco para que ninguém o reconheça. Deve vir a minha casa antes da festa e deixar que ela o arrume para você.
- Minha senhora! Isso é muito amável de sua parte. Não posso aceitar um presente tão generoso.
- Então, não será um presente. Poderá-me devolvê-lo quando terminar a temporada. E, por favor, já chega de formalidades.
Constance ficou olhando-a com um desconcerto total.
- Eu... não sei o que dizer.
- Bem, o que lhe parece algo como "obrigada pelo vestido, Francesca"? - respondeu sua interlocutora com um sorriso.
- Agradeço-lhe por isso ... agradeço-lhe muito por isso, mas eu...
- O que? Não quer ser minha amiga?
- Não é isso! - respondeu apressadamente Constance - Eu gostaria muito de ser sua amiga. Entretanto, é muito generosa.
- Estou segura de que há pessoas que lhe diriam que não sou generosa absolutamente -replicou Francesca.
- Faz com que seja muito difícil dizer que não - disse Constance.
Francesca sorriu mostrando seus branquíssimos dentes.
- Sei. Estive muitos anos praticando. Ah, já chegamos à chapelaria. Agora, deixe os protestos e me ajude a decidir entre esses dois chapéus.
Constance seguiu Lady Haughston ao interior do estabelecimento. A empregada saudou-as com um sorriso e, momentos depois, uma mulher de meia idade que, evidentemente, era a proprietária, saiu do fundo da loja para atendê-las em pessoa.
Francesca provou os dois chapéus nos quais estava interessada. Um era de veludo azul escuro, com uma aba estreita da qual pendia um delicado véu de encaixe que cobria os olhos. O outro era um chapeuzinho de palha rematado com seda azul e com um laço que se atava ao queixo. Ambos favoreciam muito os olhos azuis de Francesca, e Constance também se viu incapaz de inclinar-se por algum.
- Prove-os você - sugeriu Francesca-. Deixe que veja como ficam.
Constance quis protestar, mas, em realidade, desejava ver como ficaria o chapeuzinho de palha. Quando o provou, não pôde evitar sorrir ao ver-se no espelho.
- Oh! - exclamou Lady Haughston, aplaudindo - Fica perfeitamente! Você é quem deve ficar com ele. Eu levarei o de veludo azul.
Constance titubeou enquanto se olhava no espelho. O arremate e o forro azul de seda favoreciam tanto a uns olhos cinzas como a uns azuis, pensou. Era um chapéu lindo , e ela não comprara um desde há muito tempo. Possivelmente pudesse gastar um pouco de dinheiro.
Entretanto, finalmente e com um suspiro, sacudiu a cabeça.
- Não, temo que deve ser muito caro.
- Oh, estou certa de que não. Acho que o preço está rebaixado, não é assim, senhora Downing? -perguntou Francesca à proprietária da chapelaria, voltando-se para ela.
A senhora Downing, que era consciente dos benefícios que significava ter Lady Haughston como cliente, sorriu e assentiu.
- Pois sim. Têm razão, senhora. O preço é... né... um terço menor do que indica a etiqueta -disse. Ao ver o sorriso de Francesca, assentiu novamente - Isso é. Um terço menos. Uma verdadeira pechincha.
Constance olhou o preço e fez um rápido cálculo mental. Nunca tinha gasto tanto dinheiro em um chapéu. Entretanto, tampouco nunca tinha visto um chapéu tão bonito e elegante como aquele.
- Está bem - concordou, despedindo-se das economias daquele mês – Levarei ele.
Francesca ficou encantada com a compra de Constance, e por sua vez adquiriu o chapéu de veludo azul. Depois se empenhou em comprar um ramalhete de capullitos de seda para que Constance adornasse o cabelo.
- Tolices - disse quando Constance começou a protestar - Ficarão perfeitos com o vestido azul que vou lhe emprestar. É um presente. Não pode recusá-lo.
Uma vez realizada a compra, Constance e Francesca voltaram para carruagem com as caixas dos chapéus e ocuparam seus assentos. Quando se puseram em marcha, Constance se voltou para sua nova amiga.
- Senhora... Francesca, por que está fazendo isto?
Lady Haughston a olhou com uma expressão de suprema inocência.
- Fazendo o que, querida?
- Tudo isto - disse Constance, e fez um gesto vago a seu redor - me Convidar a sair consigo esta tarde. me oferecer um vestido. Convidar a minha família ao baile de Lady Simmington.
- Ah, porque me cai muito bem -respondeu Francesca - por que ia ter outro motivo?
- Não sei - respondeu Constance sinceramente - Mas não posso acreditar que nos visse minha tia, a minhas primas e a mim no baile e se sentisse tão encantada conosco para fazer com que Lady Welcombe nos apresentasse.
Francesca olhou pensativamente a Constance e suspirou.
- Muito bem. Tem razão. Tinha uma razão para querer conhecê-la. Agrada-me muito; é uma jovem encantadora e tem um olhar inteligente e de bom humor. Eu gostaria de ser sua amiga. Mas não foi essa a razão pela qual me aproximei para conhecê-la. A verdade
é que... fiz uma aposta com alguém.
- Uma aposta? - repetiu Constance, desconcertada - A respeito de mim? Que tipo de aposta?
- Estava fanfarroneando. Deveria aprender a conter a língua - admitiu Francesca.
- Rochford me desafiou e... bom, apostei com ele que poderia lhe encontrar um marido antes de que terminasse a temporada.
Constance ficou boquiaberta. Durante um instante não soube o que pensar nem o que dizer.
- Sinto-o - disse Francesca ao mesmo tempo que apoiava uma mão, com um gesto conciliador, sobre o braço de Constance-. Sei que não deveria havê-lo feito, e o lamentei imediatamente. E tem todo o direito de se zangar comigo. Entretanto, rogo que não o faça. Não queria lhe fazer mal, seriamente.
- Não queria me fazer mal! - exclamou Constance, zangada e ressentida. - Não, claro que não. Por que ia importar-me que me pusesse em ridículo diante de todo mundo?
- Em ridículo? - repetiu Lady Haughston, alarmada - por que pensa isso?
- E o que outra coisa vou pensar se me fez objeto de uma aposta pública?
- Oh, não, não. Não foi pública absolutamente. Foi algo entre o Rochford e eu, unicamente. Ninguém mais sabe, asseguro-lhe - assegurou Francesca com sinceridade-. E prometo-lhe que ele não contará a ninguém. Nunca conheci a um homem mais hermético -disse com certa exasperação.
- E se supõe que com isso se arruma tudo? - perguntou Constance.
Francesca lhe tinha agradado muito desde o começo, e depois de saber aquilo, sentia-se traída. Embora tivesse umas dúvidas razoáveis sobre a atitude da dama, Constance achava humilhante que Lady Haughston não tivesse procurado sua amizade mas sim só a estivesse usando como prova de suas habilidades como casamenteira.
- Por que fui eu a escolhida? Acaso era a mulher com menos possibilidades de encontrar marido de todo o baile?
- Não, por favor, não deve pensar isso! -exclamou Francesca, angustiada-. Oh, estraguei tudo. A verdade é que fizemos a aposta e depois Rochford escolheu à mulher. Quando escolheu a você eu me senti muito aliviada, porque pensei que ia selecionar a uma de suas primas, e então a tarefa seria formidável. Não sei por que escolheu a você, além de estar claramente relegada a um segundo plano por sua tia e suas primas. Rochford deve ter pensado que, por parte de sua família, eu não obteria nenhuma ajuda.
- Isso é muito certo - disse Constance, sem poder dissimular sua amargura.
- Minha querida Constance - Francesca tomou uma mão e a estreitou brandamente - Eu soube, imediatamente, que ele tinha cometido uma tolice ao escolhê-la, porque convertê-la em uma das belezas da temporada seria muito fácil para mim. É muito difícil dar a uma pessoa engenho ou beleza quando não tem nenhuma das duas coisas. Entretanto, estar a falta de uma fortuna não é algo difícil de superar, ao menos quando se tem estilo, inteligência e uma boa figura, além de beleza.
- Não vai conseguir me enganar com adulações - lhe advertiu Constance.
Entretanto estava sendo difícil continuar zangada com Lady Haughston. Aquela mulher era muito honesta, e tinha um sorriso difícil de resistir.
- Não estou tentando enganá-la - assegurou Francesca.
- Então, o que pretende?
- Só sugiro que você e eu unamos forças. Que trabalhemos juntas para lhe encontrar um marido.
- Quer que a ajude a ganhar a aposta? - perguntou Constance com incredulidade.
- Não. Quero dizer, sim, claro que quero, mas esse não é o motivo pelo qual você desejaria me ajudar.
- Eu não desejo ajudá-la - afirmou Constance.
- Ah, mas deveria. Possivelmente eu só ganhe uma aposta, mas os benefícios para você são muito maiores.
Constance a olhou com cepticismo.
- Não esperará que acredite que vou conseguir um marido com tudo isto.
- E por que não?
Constance enrugou o nariz.
- Eu não gosto muito de enumerar minhas desvantagens, embora saiba que são evidentes. Não tenho fortuna. Já passei da idade para me casar, e não sou nenhuma beleza. Só estou em Londres para ajudar que minhas primas se casem. Sou sua acompanhante, não uma mocinha em sua estréia.
- A falta de fortuna é um obstáculo - admitiu Francesca -, mas não é impossível de superar. Quanto a seu aspecto, bem, se pentear-se adequadamente e buscar algo que exiba seu físico atraente, em vez de escondê-lo, seria uma mulher muito atraente. E tampouco pareceria muito mais velha que suas primas. me diga uma coisa, quem decidiu que sempre se vista de marrom e de cinza?
- A minha tia parece mais apropriado para uma solteira, embora não me obrigue a vestir assim.
- Mas você, é claro, sente certas obrigações para com ela, porque vive sob seu teto.
- Sim, mas... não só é isso. Tampouco quero parecer uma idiota.
- Uma idiota? por que?
Constance encolheu os ombros.
- Estou acostumada viver no campo. Não tenho nenhuma sofisticação. De fato, nunca tinha estado em Londres. Não tenho vontade de dar tropeções ante toda a alta sociedade. Não quero fazer o ridículo me vestindo de uma maneira pouco apropriada para uma mulher de minha idade.
- Querida Constance, se vestir-se de acordo com meus conselhos, asseguro que ninguém pensará que sua aparência é pouco apropriada.
Constance não pôde conter uma suave gargalhada.
- Estou certa de que não, Francesca, mas a verdade é que abandonei qualquer esperança de me casar.
- Quer passar o resto da vida vivendo com seus tios? Estou segura de que está muito agradecida a eles, mas não acredito que seja muito... feliz com eles.
Constance lhe lançou um olhar de remorso.
- É tão evidente?
- As diferenças que há entre vocês são muito claras - disse Francesca sem rodeios-. Não se pode ser feliz vivendo com gente com a que se tem tão pouco em comum. Além disso, eu não penso que seus tios andaram bem consigo. Ontem à noite me disse que não te apresentou em sociedade porque seu pai ficou doente. Você foi uma filha boa e carinhosa. Mas, quando seu pai faleceu e foi viver com seus tios, quantos anos tinha?
- Vinte e dois. Muito tarde para minha estréia.
- Não era muito tarde para participar de sua primeira temporada social – replicou Francesca - Se tivessem querido comportar-se bem com você, eles teriam procurado que tivesse essa oportunidade. Sei que não deveria falar mal de seus parentes, mas tenho que lhe dizer que me parece que seus tios foram egoístas. economizaram-se o gasto de uma temporada e a mantiveram em sua casa para que estivesse a sua inteira disposição, cuidando de suas filhas e fazendo os recados. E agora, em vez de deixar que desfrute nas festas, sua tia a obrigou a ser a dama de companhia de suas primas, assegurando-se de que levasse roupa escura e o cabelo sem arrumar - disse. Depois olhou a Constance com perspicácia e acrescentou - Claro que quer que esteja o mais insípida possível. Já faz sombra a suas filhas desta maneira.
Constance se moveu com desconforto no assento. A descrição que Lady Haughston fazia de sua vida com a tia Blanche era muito acertada.
- Não pode passar a vida vivendo com eles - prosseguiu Francesca, aproveitando a oportunidade do silêncio de Constance - Além disso, me parece que é uma mulher independente e com opiniões próprias. Não deseja ter sua própria casa, sua própria vida? Um marido e filhos?
Constance recordou aquele breve tempo, anos atrás, com Gareth, quando ela tinha acreditado que aquela vida podia ser a sua.
- Nunca quis me casar só para alcançar uma posição na vida - lhe disse Constance silenciosamente - Possivelmente acreditará que sou tola, mas eu gostaria de me casar por amor.
Constance não conseguiu decifrar o significado do olhar de Lady Haughston enquanto a contemplava.
- Espero que encontre o amor - lhe disse a dama gravemente -, mas se ame ou não se ame, o casamento proporciona independência a uma mulher. Terá um lugar na vida, um status que não se pode encontrar nem sequer na mais feliz das situações, com pais carinhosos e ricos. E não há comparação, é obvio, com o fato de viver sob o suposto amparo de parentes exigentes e egoístas.
- Sei - respondeu Constance em voz baixa - Mas não posso me atar a um homem sem o querer para toda a vida.
Francesca afastou o olhar. Finalmente, depois de um longo instante, disse:
- Em realidade, não há razão para pensar que não se pode encontrar a um marido a quem queira durante a temporada social. Ninguém a obrigará a se casar com o primeiro que lhe peça isso. Mas, não quereria ter a oportunidade de buscá-lo? Não acha que é justo que experimente aquilo que perdeu?
Aquilo tocou uma fibra sensível a Constance. Ela tinha ficado com seu pai durante seus anos de enfermidade, e tinha tentado por todos os meios não sentir melancolia por como poderiam ter sido as coisas. Entretanto, não podia negar que, em certos momentos, perguntou-se como teriam sido as coisas se tivesse podido apresentar - se em sociedade em Londres. Não tinha podido evitar o desejo de experimentar algo daquele glamour.
Francesca, ao notar a vacilação de Constance, seguiu expondo seus argumentos.
-Você não gostaria de desfrutar de uma temporada, de ter vestidos bonitos e paquerar com seus pretendentes? Você não gostaria de dançar com os melhores partidos de toda a Inglaterra?
Constance pensou no visconde Leighton. Como seria paquerar com ele? Dançar com ele? Desejava com todas suas forças vê-lo de novo, levando roupa bonita e o cabelo caindo ao redor do rosto em caracois.
- Mas, como vou ter eu uma temporada social? - perguntou a Francesca - vim a Londres em qualidade de acompanhante de minhas primas. E minha roupa...
- Me deixe isso . Eu me assegurarei de que receba convites para as festas adequadas. E estarei ali para guiá-la por entre as águas perigosas da alta sociedade. Convertê-la-ei na mulher mais solicitada de Londres.
Constance riu.
- Não acredito que pudesse me converter nessa criatura, por muito que você se esforçasse.
Francesca lhe lançou um olhar de altivez.
- Acaso duvida de minha habilidade?
Constance supôs que se alguém podia conseguir o que Francesca lhe havia dito, seria a própria Francesca. E de qualquer modo, embora não a convertesse na mulher mais solicitada de Londres, podia ajudá-la a experimentar vivencias muito mais interessantes da temporada social que as que estava experimentando com sua família. É obvio, a tia Blanche se incomodaria. Aquela idéia produziu a Constance uma ligeira e perversa satisfação.
- Eu me encarregarei de sua tia - continuou Francesca, como se tivesse lido o pensamento de Constance-. Acredito que ela não se queixará, porque sua família, ao fim e ao cabo, receberá os mesmos convites que você. E ela não quererá me contrariar. Se a escolher como amiga, não acredito que se oponha. Quanto à roupa, pode ser que não acredite, mas sou muito boa economizando. Repassaremos seu guarda-roupa e veremos como podemos conseguir que seus vestidos sejam mais atraentes. Por exemplo, o vestido que levava ontem à noite, com um decote ligeiramente mais baixo e um pouco de bordado por aqui e por lá, parecerá outra coisa. Minha criada Maisie é uma maravilha com a agulha. Ela saberá o que fazer. Amanhã enviarei a minha carruagem para buscá-la e trará seus melhores vestidos a minha casa.Veremos o que podemos fazer com suas coisas e veremos que vestidos meus podemos usar.
Constance sentiu entusiasmo. Pensou em suas economias. Podia usar algo daquele dinheiro para comprar um ou dois vestidos bonitos. Algo que pudesse fazer que um homem, por exemplo, Lorde Leighton, aproximasse-se dela do outro extremo do salão de baile. Embora isso significasse que tinha que viver uns meses mais com seus tios, ou possivelmente uns anos mais, ao menos teria um maravilhoso verão que recordar. Uma temporada cheia de diversão e emoção, lembranças que durariam toda a vida. Constance se voltou para Francesca.
- E faria tudo isto para ganhar a aposta?
Francesca sorriu.
- Isto é algo mais que uma simples aposta. É algo a respeito de um cavalheiro a quem quero demonstrar que está equivocado. Além disso, será divertido. Então, quer fazê-lo?
Constance titubeou durante um momento e depois respirou profundamente.
- Sim. Sim, quero ter uma temporada de verdade.
Francesca sorriu novamente.
- Maravilhoso. Então, comecemos já.
Constance passou o resto do dia em uma orgia de compras. Para surpresa de Constance, Lady Haughston era uma perita adquirindo pechinchas. Só foram necessárias umas palavras e um sorriso para sua costureira favorita e a mulher reduziu grandemente o preço do vestido que interessava mais a Constance. Além disso, a senhorita do Plessis também tirou um vestido de festa que lhe tinham encarregado mas que não tinham pago nem recolhido, e que aceitou a vender a Constance por uma pequena fração de seu preço original.
Depois, Francesca e Constance se dirigiram a lojas mais baratas onde encontrar complementos para seu guarda-roupa. Sua seguinte parada foi Grafton House, onde compraram bordados, laços, passamanarias, botões e todo o necessário para animar os vestidos de Constance, além de luvas e um par de leques.
Quando terminaram as compras, aquela tarde, Constance estava exausta, mas quase embriagada de emoções. Estava impaciente por chegar a casa e repassar tudo o que tinha adquirido.
- Sinto-me decadente - disse a Francesca, sorrindo, enquanto saíam da última loja e se dirigiam à carruagem-. Nunca tinha esbanjado tanto.
- Deveria fazê-lo mais freqüentemente. me parece que esbanjar é um bom estimulante para a alma. Asseguro-me de fazê-lo freqüentemente.
O cocheiro tomou as bolsas de Constance e de Francesca e as colocou na boléia, junto a seu assento, pois o porta-malas e parte dos assentos interiores já estavam cheios. Francesca tomou a mão que lhe oferecia o criado para subir à carruagem quando ouviu uma voz masculina que a chamava.
- Francesca!
Lady Haughston se deteve e se voltou para o homem. Seu rosto se iluminou e lhe dedicou um sorriso esplêndido.
- Dominic!
- Francesca, querida. De compras outra vez?
Constance se virou também para o homem que caminhava para elas tirando o chapéu. Tomou a mão a Francesca e a sorriu com uma calidez e um afeto evidentes.
Constance ficou olhando-o, surpreendida. Quer a ela, pensou, com uma profunda consternação.
- Parece que essa é a única forma em que posso vê-lo - disse Francesca, rindo. - Nunca vai ver-me. É o homem mais separado do mundo.
Ele riu também.
- Sei que sou incorrigível. Detesto fazer visitas.
- Olhe, quero apresentá-lo a alguém - disse Francesca, voltando-se para Constance.
O homem seguiu seu olhar e abriu os olhos de par em par.
- Senhorita Woodley!
- Lorde Leighton.
- Conhecem-se? - perguntou Francesca, assombrada.
- Conhecemo-nos ontem à noite - respondeu Constance, com a esperança de que seu tom de voz soasse natural.
Era algo absurdo que se sentisse tão abatida pelo fato de que o visconde Leighton e Lady Haughston tivessem uma relação, evidentemente, tão próxima. Em realidade, não tinha pensado nunca que tivesse oportunidade de lhe parecer atraente. E de qualquer modo, aquele homem era claramente um libertino, porque ia por aí roubando beijos a mulheres à quem mal conhecia.
- A senhorita Woodley é muito modesta -disse Leighton, com os olhos azuis iluminados pela diversão - Me salvou a vida ontem à noite no rout de Lady Welcombe.
- Isso é um exagero - murmurou Constance.
- Claro que sim -insistiu ele, voltando-se para Francesca-. Lady Taffington me estava perseguindo ontem à noite, e a senhorita Woodley foi muito amável e a desviou de meu rastro.
Francesca riu.
- Então sou duplamente amiga tua, Constance. Temo que meu irmão necessita freqüentemente esse tipo de ajuda. É muito bom e não pode suportar ser mal educado. Deveria tomar exemplo do Rochford, Dom. Ele é um perito extinguindo pretensões. Constance não ouviu a resposta de Lorde Leighton à brincadeira de Francesca. O visconde era o irmão de Lady Haughston! Constance se disse, rapidamente, que era absurdo permitir-se sentir alívio ao conhecer a relação que havia entre eles. Para ela não significava nenhuma diferença que o afeto que existia entre Lorde Leighton e Francesca proviesse dos laços familiares e não de uma atração romântica.
- Venha conosco -disse Francesca a seu irmão-. terminamos com as compras, assim não tem que temer que o arrastemos a alguma loja.
- Nesse caso, aceito sua amável oferta -disse Lorde Leighton, e ofereceu a mão a sua irmã para ajudá-la a subir à carruagem.
Depois se voltou para Constance e ofereceu a mesma ajuda. Deu-lhe a mão, sentindo perfeitamente seu contato, apesar de ser muito breve e ambos levassem luvas. Olhou-o no rosto ao subir à carruagem, e não pôde evitar recordar aquele momento no qual ele a tinha beijado na biblioteca, e, por seu olhar, soube que ele também o estava recordando. Constance se ruborizou e afastou o olhar. Entrou rapidamente na carruagem e se sentou junto a Francesca. Leighton subiu também e ocupou o assento que havia frente a elas, rindo enquanto afastava a profusão de caixas.
- Já vejo que teve uma tarde muito frutífera - lhes disse - Espero que tudo isto não lhe pertença, Francesca.
- Não, claro que não. A senhorita Woodley é proprietária de uma boa parte. Temos intenção de deixar assombrado a todo mundo no baile de Lady Simmington de amanhã.
- Estou seguro de que as duas o conseguirão -respondeu Dominic galantemente.
- Vai ao baile? -perguntou-lhe Francesca-. Deveria nos acompanhar.
Constance vai vir a minha casa antes para que nos preparemos, e depois iremos juntas.
- Essa será uma tarefa muito agradável -respondeu ele-. Será uma honra acompanhá-las.
-Protegeremos você das mães casamenteiras - prometeu Francesca em tom de brincadeira.
Leighton respondeu no mesmo tom ligeiro, e sua conversa continuou enquanto a carruagem seguia avançando pelas ruas de Londres. Constance contribuiu pouco à conversa. Conhecia muito pouco da gente de quem estavam falando e, de qualquer modo, ela se conformava escutando e observando.
Tinha pensado que talvez recordasse o visconde mais bonito do que era, mas vendo-o naquele momento, pensou que a realidade superava todas suas lembranças. À luz do dia, seu queixo era marcado e limpo, seus olhos de um azul assombroso e seu cabelo loiro e brilhante sob o sol. Era um homem alto e largo de ombros, e sua presença masculina enchia a carruagem.
Para Constance não era difícil entender por que as mães casamenteiras e suas filhas o perseguiam. Era um homem muito bonito, e além disso tinha um título importante.
Se recordava corretamente as coisas que sua tia havia dito sobre Lady Haughston, seu pai era conde, e visconde era o título que se outorgava normalmente ao herdeiro de um condado. Por aquele título, tão somente, ele seria muito solicitado. E o fato de ser tão bonito e tão encantador, além disso, assegurava que muitas mulheres quisessem lhe dar caça.
É obvio, aquilo fazia muito mais impensável que Constance pudesse ter alguma oportunidade com ele. Embora Francesca tivesse razão em seu encargo otimista de que Constance podia encontrar um marido aquela temporada, ela sabia que sem dúvida aspirava a algo menos elevado que um título para ela. E o beijo de Lorde Leighton, por muito maravilhoso que tivesse sido para Constance, não era algo sobre o que fundar esperanças; ela estava segura de que para ele não tinha significado nada. No melhor dos casos, tinha-lhe demonstrado que se sentia atraído por ela. No pior, que tinha o costume de beijar a qualquer moça a que se encontrasse a sós. Não significava que ele tivesse interesse nela; talvez justamente o contrário. Depois de tudo, um homem cavalheiresco não tomava aquelas liberdades com uma mulher com quem não estivesse pensando em casar-se, mas só com a que pretendesse ter uma aventura.
É obvio, Constance não tinha intenção de manter uma aventura com ele. Entretanto, um pouco de paquera... isso era diferente.
Constance olhou pela janela para ocultar um pequeno sorriso. Estava desejando que chegasse o baile do dia seguinte. Seria muito agradável o fato de que Lorde Leighton a visse em seu melhor momento.
A carruagem se deteve frente a uma espaçosa casa de tijolo vermelho, e Leighton olhou por sua janela.
- Ah, já chegamos - disse. Abriu a porta e desceu à rua - Obrigado por este trajeto tão agradável - disse, e depois fez uma reverência geral para elas - Estou desejando vê-las de novo amanhã - acrescentou, e depois olhando a Constance - Me alegro muito de tê-la encontrado outra vez, senhorita Woodley. Deve me prometer que dançara comigo a primeira valsa.
Constance lhe devolveu o sorriso.
- Farei isso.
- Então, me despeço - disse Lorde Leighton. Fechou a porta e se afastou da carruagem, que se pôs outra vez em marcha.
- Seu irmão é uma pessoa muito agradável - disse Constance a Francesca depois de um momento.
- Sim - respondeu Francesca, sorrindo com uma expressão de afeto - É muito fácil ter simpatia por Dominic. Mas há muito mais do que se acredita. Ele lutou na Península.
- Seriamente? - Constance olhou a Francesca com surpresa - Estava no exército? - perguntou. Aquilo lhe era estranho porque era muito pouco comum que o primogênito e herdeiro de uma família com fortuna e título fosse à guerra.
Francesca assentiu.
- Sim. Com os hussardos. De fato, foi ferido, mas felizmente sobreviveu. E depois, claro, quando Terence morreu, Dom teve que voltar para casa. Acredito que sente falta do exército.
Constance assentiu, entendendo-o tudo. Sim era comum que os filhos mais novos fizessem a carreira militar, ou entrassem no corpo diplomático, ou na igreja; entretanto, se o primogênito morresse, o segundo devia ocupar seu lugar como herdeiro, e seu futuro mudava. Um dia, ele herdaria toda a riqueza e as responsabilidades do patrimônio familiar, e a carreira que tinha estado desenvolvendo passava a um segundo plano.
- E agora que é herdeiro, converteu-se no alvo de todas as moças casadouras.
Francesca riu.
- Sim, pobrezinho. Ele não o passa bem, asseguro. Suponho que há homens que desfrutariam muito com esse tipo de popularidade, mas Dom não. É obvio, um dia terá que casar-se, mas suspeito que vai adiar esse dia tanto como lhe seja possível. Acredito que gosta um pouco de flertar.
Constance se perguntou se Francesca estava lhe fazendo uma ligeira advertência sobre seu irmão, dizendo a Constance, em resumo, que não pusesse suas esperanças nele. Constance a olhou fixamente, mas não encontrou no semblante de Francesca indicação alguma de que estivesse pensando algo semelhante. Entretanto, Constance não necessitava de advertências. Sabia muito bem que um homem da posição de Lorde Leighton não se casaria com alguém como ela.
Desde que mantivesse aquilo em mente, não obstante, e não lhe entregasse seu coração, não teria nada de mau paquerar um pouco com aquele homem. Podia dançar com ele, rir com ele, divertir-se um pouco. E depois de tudo, aquilo era o que podia esperar da temporada, pensando-o bem.
Quando chegaram a casa de seus tios, Lady Haughston entrou com Constance. A tia Blanche olhou com os olhos exagerados todas as bolsas e pacotes que o cocheiro levou a vestíbulo, seguido por Constance e pela mesma Lady Haughston.
- Minha senhora! Oh, Meu deus. Annie, vêem aqui e toma essas bolsas. O que...?
Tia Blanche ficou petrificada, olhando a sua sobrinha e a aristocrata com total desconcerto.
- Não compramos todas as lojas, Lady Woodley - lhe assegurou Francesca alegremente - Entretanto, acredito que sua sobrinha e eu deixamos um bom buraco nos armazéns de Oxford Street.
- Constance? - perguntou a tia Blanche - comprou tudo isto?
- Sim - respondeu Constance - Lady Haughston me assegurou que meu guarda-roupa era muito reduzido.
- Constance! - exclamou Francesca, rindo-se. - Eu nunca disse semelhante coisa. Sua tia vai pensar que sou uma mal educada. Eu só sugeri que acrescentasse umas quantas coisas por aqui e por lá.
Francesca se voltou para Lady Woodley.
- Parece-me que as garotas raramente se dão conta de todos os complementos que se necessitam para uma temporada, não lhe parece?
Tal como era de esperar, Lady Woodley assentiu, sem atrever-se a mostrar desacordo com uma das damas mais importantes da alta sociedade.
- Sim, mas eu... bom, Constance, isto é um pouco inesperado.
- Sim, sei. Mas estou segura de que tenho lugar no armário para tudo. E Lady Haughston aceitou amavelmente me ajudar a decidir o que devo fazer com meus vestidos.
Ao saber que aquela mulher elegante e aristocrática ia subir ao pequeno quarto de sua sobrinha e a olhar os poucos vestidos que tinha, Lady Woodley ficou entre o êxtase e a vergonha.
- Mas, senhora, certamente... quero dizer, que Constance não deveria lhe ter pedido algo assim - disse finalmente, engasgando-se com as perguntas.
- Oh, ela não me pediu - disse Francesca - Eu me ofereci voluntariamente. Não há nada que eu goste mais do que animar um guarda-roupa. É todo um desafio, não acha?
Começou a subir as escadas atrás de Constance, com Lady Woodley atrás, balbuciando oferecimentos de chá e doces, intercalados com advertências a Constance para que não abusasse de Lady Haughston.
Na porta do quarto de Constance, a tia Blanche titubeou. Era um dormitório muito pequeno, e tudo estava cheio de bolsas e caixas. Mal havia lugar para as três, mas claramente Lady Woodley não gostava absolutamente de afastar-se de Lady Haughston. assim, ficou na entrada, com aspecto de encontrar-se desconfortável mas sem deixar de tagarelar, enquanto Francesca e Constance tiravam os vestidos de Constance e os estendiam sobre a cama.
- Que poucos vestidos, meu amor - disse a tia Blanche a sua sobrinha - Disse que devia trazer mais à cidade. Mas claro, uma moça nunca prevê todos os vestidos que vai precisar - acrescentou, e olhou a Francesca procurando sua cumplicidade - E, é obvio, Constance é só a dama de companhia das meninas.
- Isso é desatinado - disse Lady Haughston com energia - Constance é muito jovem para desempenhar esse papel... como, sem dúvida, você dirá isso freqüentemente.
- Oh, é obvio! - exclamou a tia Blanche - Mas, o que se pode fazer? Constance é por natureza muito introvertida, e, depois de tudo, já tem muita idade para apresentar-se em sociedade.
Francesca emitiu um ruído de desdém.
- Faltam muitos anos para que Constance alcance esse ponto. Só terá que olhá-la para dar-se conta do ridículo que é lhe pôr uma data arbitrária à estréia de uma moça.
Algumas mulheres são muito mais belas a esta idade que quando saíram da escola. Você mesma o terá notado, estou certa.
- Bom - disse a tia Blanche com incerteza.
Não podia mostrar desacordo com as afirmações de Lady Haughston, sobre tudo, tendo em conta a facilidade com a que vinculava seus pensamentos com os da tia de Constance.
Blanche Woodley observou como Francesca e Constance emparelhavam laços com vestidos e descartavam outros para os vestidos de dia, e escutou como falavam de descer decotes e acrescentar sobre-saias e caudas, ou de substituir mangas com outras de uma cor que contrastasse com o corpo dos vestidos.
Constance também havia sentido certa vergonha ao expor seu pobre armário a Lady Haughston, mas Francesca não foi outra coisa que objetiva e prática. Tinha muito bom olho para a cor, o que não surpreendeu a Constance, dada a elegância com a que se vestia.
Mas Constance achava estranho que alguém como Lady Haughston soubesse tantas maneiras de modificar, de pôr ao dia e de melhorar o guarda-roupa de alguém.
Era tão estranho como o fato de que conhecesse os lugares onde comprar laços, encaixe e acessórios ao melhor preço. Constance não pôde deixar de perguntar-se se a própria Lady Haughston não estaria também em uma situação econômica difícil. Ela não tinha ouvido nenhum rumor, mas claramente Francesca era uma perita ocultando-o, ao menos quanto à vestimenta.
Depois de pouco tempo, Georgiana e sua irmã apareceram pelo corredor e ficaram junto a sua mãe, contemplando com assombro como Francesca se movia pelo pequeno dormitório.
Quando, finalmente, a dama partiu, recordando a Constance que devia ir a sua casa no dia seguinte, à tarde, antes do baile, as duas garotas se voltaram para sua mãe e começaram a queixar-se.
- Por que vai ela a casa de Lady Haughston? - perguntou-lhe Georgiana com um olhar depreciativo para Constance - por que não podemos ir nós também?
- Eu vou porque Lady Haughston me pediu isso.
- Isso já sei - replicou Georgiana - Mas, por que? por que quer que você vá? E por que a levou às compras hoje com ela?
Constance encolheu os ombros. Não estava disposta a contar a suas parentes os planos que Francesca tinha para ela.
- E como comprou todas estas coisas? - perguntou-lhe Margaret, olhando os vestidos e os adornos que tinha espalhados pela cama.
- Com o dinheiro que estive economizando.
- Sim, bom, se tiver tanto dinheiro, poderia ter pensado em nos ajudar um pouco - disse a tia Blanche com expressão ofendida-. Nós lhe demos teto e comida durante estes seis últimos anos.
- Tia Blanche! Sabe que lhe dou dinheiro todos os meses! - protestou Constance.
- E sempre pago minhas coisas.
Sua tia encolheu os ombros, como se o argumento de Constance não tivesse nada que ver com o que ela havia dito.
- Não entendo por que Lady Haughston tem preferência por você. É inexplicável. Por que não saiu com Georgiana?
- E eu? - perguntou Margaret com indignação.
- Eu sou a mais velha - disse Georgiana a sua irmã com altivez.
As duas garotas começaram a discutir. Então, Constance deu a volta e começou a dobrar e guardar as coisas que tinha sobre a cama. depois de uns minutos, sua tia e suas primas se afastaram de seu quarto e continuaram falando na sala de estar.
Entretanto, o assunto não ficou resolvido. Georgiana e Margaret voltaram a puxá-lo durante o jantar, e foi tanta sua insistência que finalmente seu pai, que normalmente era imperturbável e indiferente, mandou-as calar. As duas moças ficaram em silencio com uma careta.
Depois de jantar, Constance se retirou logo, alegando que tinha dor de cabeça. No dia seguinte ficou em seu quarto o maior tempo possível, trabalhando em silencio nas pequenas coisas que Francesca e ela tinham decidido fazer em seus vestidos. As mais difíceis faria a criada de Lady Haughston.
Constance pensou inclusive em saltar a comida; entretanto, se não aparecesse em todo o dia ante sua família, daria uma desculpa a sua tia Blanche para argumentar que estava doente e que não podia ir, tampouco, ao baile daquela noite. Assim, desceu as escadas, jurando-se que não responderia às provocações de suas primas e sua tia.
Tal e como tinha temido, Georgiana e Margaret começaram a criticar o que consideravam uma injustiça antes inclusive de sentar-se à mesa. Constance fez todo o possível para não prestar atenção, mas não pôde calar quando, ao final, sua tia lhe disse:
- Constance, estou pensando que, se este assunto for provocar tanto desacordo e tristeza na casa, possivelmente não deveria ir a casa de Lady Haughston esta tarde.
Constance a olhou, tentando dissimular seu alarme, e pensou brevemente qual era a melhor maneira de enfrentar a sua tia.
- Eu não gostaria de ofender a Lady Haughston, tia. É muito poderosa dentro da alta sociedade, e insistiu muito em que fosse a sua casa esta tarde.
- Sim, bom, estou segura de que entenderá a situação se lhe enviar uma carta dizendo que não se sente bem e que não pode ir - disse Lady Woodley, e de repente, a expressão de seu rosto se animou-. De fato, as meninas e eu poderíamos visitá-la e levar sua mensagem pessoalmente – afirmou - Sim, isso é o melhor.
Constance sentiu fúria, mas a controlou.
- Mas não me sinto mal absolutamente, e eu gostaria de ir a casa de Lady Haughston esta tarde -respondeu com calma-. Não lhe agradará que não vá. Pode ser inclusive que retire o convite ao baile de Lady Simmington se fique perturbada.
- Não pode pensar que vai a sua casa se estiver doente -lhe disse a tia Blanche, olhando-a com frieza.
- Não estou doente.
- Lady Haughston não saberá - replicou sua tia.
- Sim saberá - esclareceu Constance com firmeza.
Sua tia a olhou perplexa. Passou um instante antes que pudesse falar de novo.
- Está-me... desafiando?
- Tenho intenção de ir a casa de Lady Haughston esta tarde – respondeu Constance - Não quero desafiá-la, é obvio que não. Portanto, espero que não me proíba ir.
Lady Woodley estava cada vez mais estupefata, e Constance aproveitou a falta de palavras momentânea de sua tia para lhe dizer com gravidade.
- Lady Haughston é uma mulher muito importante. Seu pai é conde. Ela é amiga do duque do Rochford. Pode fazer muito por você e pelas meninas, como bem sabe. Por isso seria muito negativo para você zangá-la. Por favor, por muito zangada que esteja comigo, não ofenda a Francesca.
- Francesca? - perguntou ao fim sua tia - Ela lhe deu permissão para que a trate desse modo?
Constance assentiu. Tinha mencionado o nome de batismo de Francesca deliberadamente, porque isso indicava que sua relação era muito próxima. E se alegrou ao comprovar que sua tia o tinha compreendido.
- Por favor - disse Constance - Sei que você não gosta disto, mas pensa no baile desta noite. Pensa em como seria contar a sua amiga, a senhora Merton, o que lhe disse Lady Haughston quando a visitou ontem. Depois, pensa em não poder dizer nenhuma dessas coisas no futuro.
- Ingrata - lhe espetou sua tia - depois de tudo o que tenho feito por você!
- Sei muito bem o que tem feito por mim, e o contei a Lady Haughston. Não desejo ter má relação consigo. Estou segura de que a amizade de Lady Haughston não chegará além da temporada, e depois, nossas vidas voltarão para a normalidade. Mas pensa no muito que pode conseguir para suas filhas nos próximos meses, se nenhum de nós agir de maneira leviana.
A tia Blanche soltou um bufo e engoliu a saliva. Entretanto, aos poucos momentos relaxou os punhos e exalou longamente. Então disse com uma grande frieza.
- Naturalmente, não a impedirei de ir a casa de Lady Haughston esta tarde apesar de , sua insolência. Estremece-me pensar o que haveria sentido seu pobre pai se tivesse visto como se dirigiu a mim.
Como Constance sabia que seu pai não suportava a sua tia e que procurava ausentar-se quando ela chegava de visita sua casa, soube também que o defunto Lorde Woodley teria aplaudido suas ações. Entretanto, conteve-se e não o disse a sua tia.
Terminou de comer rapidamente e subiu ao seu quarto.
Sem perder um minuto, começou a recolher seus vestidos e os guardou em algumas das bolsas do dia anterior. Depois se sentou sobre a cama a esperar a que chegasse a carruagem de Lady Haughston. Por sorte não teve que esperar muito. Quando a avisaram de que estavam esperando-a embaixo, Constance se esforçou por despedir-se agradavelmente de sua tia e de suas primas e saiu à rua.
Não foi uma surpresa para ela que Haughston House, uma elegante mansão de pedra branca, estivesse no centro do Mayfair, o mais seleto dos bairros de Londres.
Constance, ao sair da carruagem e ver a imponente grade de ferro forjado, e a enorme casa que havia atrás dela, sentiu-se bastante intimidada. Era fácil esquecer, quando se estava com Francesca, que Lady Haughston era descendente de homens e mulheres que tinham vivido com os reis e os príncipes, e que era também viúva de um homem que provinha de uma família similar.
Constance se perguntou durante um instante como teria sido o marido de Francesca. Ela não o tinha mencionado, nem sequer quando estavam falando do matrimônio e do amor. Constance sabia que o homem tinha morrido alguns anos antes e que Francesca não havia tornado a casar-se. Corria o rumor de que tinha querido a Lorde Haughston muito para casar-se com outro homem. Entretanto, Constance pensou que possivelmente a verdade fosse exatamente o contrário; que seu primeiro marido lhe teria causado um profundo rechaço ao matrimônio.
A ansiedade que poderia provocar aquela mansão a Constance se desvaneceu, entretanto, quando Lady Haughston desceu as escadas para recebê-la em pessoa e afetuosamente.
- Constance! Sobe a meu quarto. Maisie esteve fazendo maravilhas, como de costume. Estou impaciente por que o veja.
Francesca indicou a um dos criados que tomasse as bolsas de Constance, e depois ambas subiram pela escadaria curvada que levava a piso superior.
- Sua casa é maravilhosa - comentou Constance com admiração.
- Sim. Lady Haughston, a mãe de meu marido, tinha muito bom gosto. Se tivesse sido coisa do velho Lorde Haughston, temo que tudo estaria cheio de cenas de caça e enormes móveis jacobinos de madeira escura -disse Francesca, e estremeceu com exagero - Claro que a casa é muito grande para mantê-la aberta. Tenho toda a parte oeste fechada -explicou enquanto fazia um vago gesto para o outro lado das escadas.
Guiou a Constance até seu quarto, que era um aposento muito amplo e agradável com vistas ao jardim traseiro. Tinha grandes janelas de ambos os lados e estava cheio de luz e do suave ar do verão. Os móveis eram elegantes e leves.
Uma criada as estava esperando com um vestido azul cuidadosamente estendido sobre a cama, a seu lado. A mulher se voltou e fez uma reverência quando apareceram Constance e Francesca.
- Oh, excelente, Maisie - disse Francesca, adiantando-se a contemplar o traje - Constance, venha vê-lo. Este é o vestido do que te falei. Maisie já o arrumou. Tirou-lhe o encaixe com babados Vão Dyck - explicou, assinalando uma franja de tecido em que estavam costurados os triângulos de seda azul escuro-, e tirou também as mangas, que eram muito longas. Pôs esta sobre-saia azul claro de gaze e umas mangas curtas e um pouco abauladas. Acredito que este estilo é muito mais juvenil e a favorecerá muito mais.
- Prove-o senhorita - disse Maisie a Constance -, e assim poderei ver de que
largura tenho que pôr a extremidade embaixo.
- É uma maravilha - disse Constance, extasiada ao contemplar aquela delicada confecção.
Com ajuda do Maisie, Constance provou o vestido e se olhou ao espelho. Ao ver-se, ficou sem respiração. Estava muito mais bonita e parecia muito jovem. Constance sorriu encantada, sem dar-se conta de que a maioria da beleza e a juventude que via no espelho eram devidas à felicidade que irradiava seu rosto.
- É perfeito. OH, Francesca, não sei como lhe agradecer.
Francesca aplaudiu com entusiasmo.
- Não tem por que. Vê-la assim é suficiente recompensa. Sabia que este vestido
ficaria muito bem. E não lhe disse que Maisie é uma perita com a agulha?
- Tinha razão - disse Constance, e voltou a olhar-se no espelho enquanto Maisie se ajoelhava para tomar com alfinetes uma longa banda de encaixe na bainha do vestido.
- Só lhe falta um adorno simples no pescoço, acho - disse Francesca - Eu diria que um relicário. E tenho um xale que irá perfeitamente com o vestido -acrescentou.
Diante dos protestos de Constance, sacudiu firmemente a cabeça e argumentou - Só será um empréstimo, e isso não é nada mau, não?
Quando Maisie terminou de prender a bainha com alfinetes, Constance e Francesca tiraram a roupa que Constance tinha levado e falaram com a criada sobre as mudanças que queriam fazer com os materiais que tinham comprado no dia anterior. Passaram o resto da tarde falando alegremente de decotes, sobre-saias e encaixes. Tomaram o chá no jardim e depois subiram de novo ao quarto de Francesca onde, com ajuda do Maisie,
arrumaram-se para o baile.
Constance não recordava quando tinha passado tão bem pela última vez. Aquilo devia ser muito parecido a ter uma irmã, ou ao que teria podido ser arrumar-se com suas primas se não tivesse que passar todo o tempo as ajudando as vestir-se e a pentear-se ou procurando suas luvas e seus leques.
Quando Maisie terminou e as duas estiveram preparadas, Francesca sorriu como uma mãe orgulhosa. Constance se olhou ao espelho.
- Oh, vá -disse brandamente, sem poder evitá-lo.
Tinha o cabelo recolhido em um coque de cachos e adornado com uma chuva de pequenos casulos de seda rosa, os que Francesca lhe tinha presenteado no dia anterior. O vestido lhe sentava extraordinariamente bem; o corpo lhe erguia os seios, e a saia caía da cintura formando elegantes dobras que se balançavam com seus movimentos ao caminhar.
Constance se ruborizou de emoção. Tinha os enormes olhos cinzas muito brilhantes.
Sabia que nunca tinha estado mais bonita que naquele momento.
- Ah, parece-me ouvir a voz do Dominic abaixo - disse Francesca, e ambas saíram do quarto e desceram pela escadaria.
Lorde Leighton estava no vestíbulo, aos pés da escada, e se voltou ao ouvir o som de seus suaves passos. Olhou para cima e ficou imóvel, com os olhos totalmente abertos, ao ver Constance.
Inconscientemente deu um passo para diante com uma expressão de assombro no rosto. Constance não poderia ter esperado algo mais encantador.
- Senhorita Woodley - lhe disse ele, recuperando-se e fazendo uma reverência - Me cortou a respiração.
Francesca riu e disse:
- Tome cuidado com ele, Constance. É capaz de enfeitiçar aos pássaros das árvores.
- Sei que é um adulador - disse ela, no mesmo tom de voz ligeiro.
- As duas cometem uma injustiça comigo - protestou em brincadeira Dominic.
Depois se voltou para Constance - Recorde que me prometeu a primeira dança, senhorita Woodley - lhe disse.
- Não o esquecerei, milord -respondeu Constance, e se dirigiu para a porta atrás de Francesca.
Aquela noite, pensou, era o começo de uma vida diferente.
Constance sentiu agudamente o contato da mão de Lorde Leighton ao redor da sua quando este a ajudava a subir à carruagem. E, apesar da penumbra que havia no interior da carruagem, soube que ele a observava enquanto começavam o trajeto para o baile pelas ruas de Londres.
- Vai ao Redfield a semana que vem, Dom? -perguntou Francesca a seu irmão.
A careta com que ele respondeu à pergunta não indicava que fosse provável, pensou Constance.
- Não se tiver algo melhor que fazer - respondeu Dominic, e acrescentou - E não me parece que isso vai ser difícil.
- Deveria ir. A propriedade é seu dever, e sabe. É o herdeiro.
Ele encolheu os ombros.
- Duvido que me sintam falta .
- Claro que sim. Todo mundo pergunta por você, sempre.
Leighton arqueou as sobrancelhas com cepticismo.
- O conde e a condessa?
Não eram os condes os pais do Leighton?, perguntou-se Constance. Parecia-lhe estranho que se referisse a eles com tanta formalidade. Não parecia que houvesse muito amor entre o Dominic e seus pais, sobre tudo tendo em conta que Francesca respondeu a aquela pergunta com um incômodo silêncio.
Leighton sorriu vagamente.
- Eu não entendo por que você vai, francamente.
- Tenho uma horrível tendência a fazer o que se espera de mim.
- E quer que eu faça o mesmo? - perguntou ele.
- Não. Só quero que me alegre a estadia - disse Francesca, com um sorriso - Sabe que papai e mamãe convidam gente muito aborrecida. Só quero animar a reunião.
Com o olhar brilhante, voltou-se para Constance entusiasmada.
- Tem que me acompanhar.
Constance a olhou com grande surpresa.
- Para visitar seus pais?
- Não é só uma reunião familiar -lhe assegurou Francesca - Todos os anos dão uma grande festa no Redfields. É nossa casa de campo. É uma casa enorme e desmantelada, e convidam a muitíssima gente.
- Nossos pais e todos seus aborrecidos convidados não soa muito divertido, Francesca - assinalou seu irmão, sorrindo.
- Oh, mas não será aborrecido - disse Francesca a Constance - Não deve pensar isso. Eu convidarei as pessoas interessantes.
Tinha o olhar iluminado. Quase se podiam ver funcionando as engrenagens de sua mente. Constance teve a suspeita de que, com "pessoas interessantes", Francesca se referia a homens que pudessem ser bons candidatos para seus planos.
Suas suspeitas se viram confirmadas quando Francesca acrescentou:
- Será uma oportunidade perfeita para que conheça gente.
- Mas seus pais não sabem quem sou -protestou Constance automaticamente, embora a perspectiva de ir a uma festa no campo era muito sedutora.
- Isso não importa. Haverá gente que conhece. Eu irei, e meu amigo, sir Lucien Talbot. Apresentarei-o esta noite. E Dominic também irá.
- Seriamente? - perguntou ele em tom divertido.
- Sim, claro que sim. Já os evitaste durante suficiente tempo. É hora de que os visite, e sabe disso. Não acha que será muito mais fácil para você se for quando a casa estiver cheia de gente?
- Pode ser que tenha razão.
Constance se perguntou que problema se interporia entre Lorde Leighton e seus pais. Parecia como se levasse bastante tempo evitando-os, e ela sentia muita curiosidade para saber o motivo.
Sua carruagem chegou à fila de carruagens das quais desciam os convidados, elegantemente vestidos. Leighton desceu do veículo e ajudou a descer primeiro a sua irmã e depois a Constance. Uma mulher de outra carruagem se aproximou de Francesca imediatamente e a levou para a porta enquanto lhe falava animadamente.
Lorde Leighton ofereceu o braço a Constance, e eles continuaram a passo mais lento. Ela esperava que o visconde não notasse o ligeiro tremor de seus dedos. Estar tão perto dele lhe deixava a mente em branco e a fazia sentir coisas muito desconcertantes.
Caminharam em silêncio, e ela se sentiu sobressaltada. Tentou encontrar ansiosamente algo que dizer.
- Irá então à festa do Redfields?
- Possivelmente -respondeu ele, encolhendo os ombros. Olhou-a e sorriu com um brilho travesso nos olhos-. Se vocês estiverem ali, a idéia de ir tem muito mais atrativo.
Constance sentiu um comichão ao ouvir suas palavras, mas tentou aparentar despreocupação.
- Parece-me, senhor, que adora flertar.
Ele riu.
- Julga-me equivocadamente, senhorita Woodley.
Ela se deu conta de que ele não tinha negado suas palavras, o que fez que se sentisse um pouco menos animada. disse-se uma vez mais que não devia ser tola; estava muito claro o tipo de homem que era Lorde Leighton. Ela o tinha sabido no mesmo momento em que ele a tinha beijado na festa anterior. Sua própria irmã o tinha advertido, por muito afeto com que o houvesse dito Francesca.
Lorde Leighton e Constance chegaram à porta da mansão Simmington e se encontraram com Francesca, que se voltou para eles com alívio e se separou de sua companhia. Os três esperaram em fila para subir as escadas que conduziam ao grande salão de baile. Francesca e seu irmão receberam a saudação das pessoas que os rodeavam, e houve muitos outros convidados que se aproximaram desde diferentes pontos da cauda.
Constance se deu conta de que atraíam muitos olhares de curiosidade.
Francesca apresentou a muita gente. Constance estava segura de que não conseguiria recordar todos os nomes. Francesca se voltou para ela e lhe sussurrou:
- Está causando um grande rebuo esta noite.
- Eu? - perguntou Constance com surpresa. Sabia que a tinham olhado, mas tinha pensado que as pessoas sentiam curiosidade por saber quem era a mulher desconhecida que acompanhava a Lady Haughston e Lorde Leighton.
- Oh, sim - disse Francesca com satisfação - Todos se perguntam quem é a bela mulher que está conosco.
Constance riu.
- Certamente que não.
- É a verdade! - protestou Francesca - Por que acha que se aproxima tanta gente a nos saudar? Querem conhecê-la.
Constance suspeitava que Francesca estava exagerando, mas não pôde evitar sentir um pouco de agrado ao ouvir aquelas palavras.
- Ah, olhem, aí está Lucien - disse Francesca, e fez gestos a um homem que acabava de entrar na casa.
Ele sorriu e se dirigiu para eles, parando a falar com algumas pessoas pelo caminho.
Constance pensou que era o epítome do cavalheiro elegante e mundano. Levava uma roupa deliciosa que ficava perfeitamente. Francesca o apresentou a Constance quando finalmente se aproximou, e lhe fez uma galante reverencia.
- Bem, parece que Lady Simmington está à altura de sua reputação - comentou sir Lucien, jogando um olhar a seu redor.
A casa estava muito bem decorada, com grinaldas de hera e laços pendentes do corrimão das escadas, e havia enormes centros de flores espalhados pelas mesas. Por toda parte, as velas acesas iluminavam a festa. Do salão de baile chegavam os sons da música por cima do som das vozes das pessoas.
- Todo mundo veio esta noite - prosseguiu sir Lucien - Claro que a ninguém ocorreria não vir, porque se poderia pensar que não recebeu convite.
Na parte superior das escadas, Lady Simmington lhes deu as boas-vindas com gravidade, como se estivesse lhes concedendo uma honra. Francesca apresentou a Constance, mas Constance pensou que a mulher mal tinha ouvido seu nome enquanto a saudava e fazia um gesto com a mão para o salão de baile, fazendo que a fila progredisse.
Quando entraram no salão, Constance olhou a seu redor. Era uma sala muito maior que aquela em que Lady Welcombe tinha feito seu baile. Assim como às escadas e o vestíbulo, estava decorada com flores, grinaldas e candelabros. As altas janelas estavam com cortinas de veludo, e alinhadas à parede havia infinidade de cadeiras para os convidados. Ao outro lado da sala, sobre um estrado, estava a orquestra.
Junto a uma das janelas, Constance viu seus tios e a suas primas, que pareciam sobressaltados. Constance pensou que tudo aquilo era muito diferente das festas e reuniões que sua família e ela freqüentavam no campo. E nenhuma das festas que tinham ido até o momento em Londres os tinha preparado para aquilo.
Em pouco tempo, os convidados cessaram de chegar, e Lorde Leighton se voltou para Constance.
- Acho que me tinha prometido esta dança.
O coração dela acelerou. Posou a mão em seu braço e caminhou com ele até a zona de baile enquanto a orquestra começava a tocar a valsa. Constance tinha um nó de nervos no estômago. Tinha dançado antes a valsa, mas não muitas vezes. No campo, as festas eram mais conservadoras que em Londres, e a valsa ainda se considerava uma dança muito atrevida. E certamente, ela não a tinha dançado com ninguém mais que com homens a quem conhecia desde que era menina. Temia cometer um engano, escorregar ou pisar em Leighton, e que ele pensasse que era uma torpe.
Ele voltou o rosto para ela, tomou uma mão e posou a outra em sua cintura.
Constance ficou de repente em branco, e se deu conta de que tinha esquecido os passos. Então, ele a levou até o centro da sala, e todos seus medos desapareceram.
Leighton se movia com uma graça e uma força que Constance nunca tinha percebido em seus outros companheiros de baile, e a guiou expertamente pela pista de baile. Estar entre seus braços era delicioso e natural a uma só vez, e ela se moveu sem pensar, sentindo unicamente a alegria da música, a excitação da vizinhança daquele homem.
Olhou-o no rosto e sorriu, sem dar-se conta de que seu sorriso era deslumbrante. Ele tomou ar com brusquidão, e durante um instante, sua mão se esticou na cintura de Constance.
- Não entendo por que não a tinha visto antes da outra noite... - disse Dominic - Chegou recentemente à cidade?
- Minha família e eu estamos aqui há três semanas.
Ele sacudiu a cabeça.
- Não posso tê-la visto e não me ter fixado em você.
Constance estava segura de que aquilo era muito possível. Até aquela noite, ela sempre tinha estado em segundo plano, monótona e desapercebida com sua roupa de solteirona. Entretanto, não queria dizer-lhe assim sugeriu:
- Possivelmente tenhamos assistido a festas diferentes.
- Claramente, estive nos lugares equivocados.
Ela riu.
- Têm muita lábia, senhor.
- E você é injusta - respondeu ele com os olhos brilhantes - Só lhe disse a verdade.
- Esquece, milord, que sei por suas próprias explicações que é muito solicitado.
Queria que achasse que se fixou em todas e cada uma dessas garotas?
- Não em todas e cada uma. Só em você.
Constance tentou reprimir a calidez que lhe provocaram aquelas palavras, mas não pôde. Quando lhe sorria assim, era -lhe muito difícil recordar que tinha que manter a cabeça fria com respeito a aquele homem. Entretanto, como ia consegui-lo se lhe dizia aquelas coisas?
Tentando que seu tom de voz fosse um pouco seco, replicou:
- E aquelas com as que tentam entretê-lo nas bibliotecas... recorda-as a todas?
- Ah - respondeu ele, olhando-a com inteligência - Vejo que me joga em rosto meus pecados. Por favor, me acredite quando lhe digo que, em realidade, não me entretenho com as damas, nem na biblioteca nem em nenhum outro lugar.
- Seriamente? - perguntou-lhe ela com uma sobrancelha arqueada.
- Não. A verdade, senhorita Woodley, é que têm algo que me faz atuar... de uma maneira fora do ordinário.
- Não sei se isso devo tomar o como um cumprimento ou como um desdém.
- Não é um desdém, asseguro.
Constance não soube o que dizer. Sob os olhos azuis de Lorde Leighton lhe era difícil manter-se distante e ser engenhosa; A única coisa que queria era dançar entre seus braços, olhá-lo aos olhos, viver o momento e a música.
Entretanto, a valsa terminou muito rápido, e o casal se deteve. Depois de uma breve vacilação, Leighton afastou os braços dela e deu um passo atrás. Constance inspirou profundamente e voltou para mundo real.
Leighton lhe ofereceu o braço e ela tomou, e juntos foram reunir se com Francesca.
Assim que chegaram, Lucien pediu a Constance que dançasse com ele, e a levou de novo. Quando voltaram, Constance se deu conta, com consternação, de que Lorde Leighton já não estava com Francesca.
Entretanto, esteve muito ocupada durante o resto da noite para se preocupar.
Francesca se viu assediada por inumeráveis jovens que queriam que os apresentasse a sua nova amiga, e ela os agradou com muito prazer. antes da metade da noite, Constance tinha o cartão de baile cheio. Estava segura de que a razão pela que se convertera em alguém tão solicitado de repente era que Lorde Leighton e sir Lucien tinham dançado com ela. Não havia nada que estabelecesse o atrativo de uma mulher como a atenção de outros homens.
Entretanto, Constance estava desfrutando tanto da festa que não pensou nas motivações de seus admiradores. Enquanto dançava, conversava e paquerava, não se sentiu absolutamente como uma mera acompanhante, e menos como uma solteirona. Sentia-se jovem e bonita, e se divertia como fazia muito tempo que não se divertira. Desde a morte de seu pai, de fato.
Embora não podia dizer que seu tio ou sua tia lhe infligissem mau trato ou fossem cruéis com ela, tampouco podia dizer que a quisessem. Era menos querida como membro da família do que poderia ser uma faxineira. Além disso, Constance não desfrutava de sua companhia; sua felicidade provinha de pequenas coisas como um passeio na primavera, uma visita a alguma amiga do povoado ou uma hora lendo a sós. Não era algo faiscante e emocionante como aquela noite, em que tinha vontade de rir. Não se tinha dado conta, até aquele momento, do cinza que se tornou sua existência. Pensou que sempre sentiria gratidão para Francesca por aquele sentimento, e sabia que, passasse o que passasse, fazia bem ao aceitar unir-se ao plano de Francesca.
A única coisa que perturbou sua felicidade aquela noite foi encontrar-se, em certo momento, com o intenso olhar de ódio de uma jovem morena e de sua mãe. Ambas eram muito parecidas fisicamente, com os mesmos olhos azuis, e a jovem tinha uma expressão fria e desdenhosa.
Ao perceber o veneno de seu olhar, Constance se viriou , insegura e perplexa.
Não conhecia aquelas mulheres, e não entendia por que a olhavam com tanto desagrado. voltou-se para Francesca para lhe perguntar quem eram, mas Francesca estava conversando com um jovem que, rapidamente, apresentou a Constance. Quando o jovem se afastou, um momento depois, as mulheres que Constance tinha visto já não estavam. Encolhendo os ombros, esqueceu-se delas e se dirigiu à pista de baile com seu seguinte companheiro.
Francesca passou a maior parte da noite olhando a Constance como se fosse uma mãe orgulhosa. Tinha pedido a sir Lucien que dançasse com Constance, tal como Constance tinha suspeitado, mas Francesca se sentiu muito satisfeita quando seu amigo, depois que terminou o baile, disse-lhe que sua protegida era muito bonita e encantadora.
- De qualquer forma , que intenções tem com esta moça? – perguntou - Lucien a Francesca com perspicácia-. Sei que não é uma dessas meninas cujos pais lhe pedem que as estabeleça bem em sociedade. Por isso sei que é em realidade uma parente pobre dessa horrível mulher, Lady Woodley.
- Vá, Lucien, destroça-me - disse Francesca em brincadeira - Me acha uma completa mercenária?
- Querida menina, sei que não o é. Poderia ter se casado com muitos homens ricos durante estes últimos cinco anos, e não o fez. Mas não entendo por que escolheu a essa garota. Já passou da idade de apresentar-se em sociedade.
- É mais jovem que eu, assim não falemos da idade, por favor. Mas se quer sabê-lo, é por culpa do Rochford.
- Rochford! - exclamou Lucien com surpresa - O que tem que ver ele em tudo isto?
- Desafiou-me.
- Ah - disse Lucien, e sorriu - E, é obvio, você não pôde deixar passar um desafio dele.
Lançou-lhe um olhar de irritação.
- Conseguirei um bracelete de safiras se tiver êxito, e quero tê-lo.
- Já. E o que tem que fazer para ganhar?
- Encontrar um marido para Constance durante esta temporada.
- Ah, uma insignificância, então - Lucien fez um gesto vago com a mão - Não tem fortuna. Seus parentes, claramente, não são uma vantagem. E é mais velhas que quase todas as moças casadouras. O que lhe parece? Será muito fácil para você. E o que importa que tenha passado já mais de um mês da temporada? Não tenho nenhuma dúvida de que encontrará um conde em algum lugar... ou ao menos, um barão.
- Não disse que tinha que ser um matrimônio brilhante. Só um aceitável.
- Ah, bom, então - disse Lucien com um sorriso zombador.
- Está bem, reconheço que isto poderia ser difícil. Mas precisamente por isso é tão importante que você lhe tenha mostrado seu favor hoje -continuou Francesca, sorrindo-lhe - Como você a aprovou publicamente, custará-me duas semanas menos dá-la a conhecer.
Seu amigo a olhou desconfiadamente.
- O que quer de mim?
- Lucien! Como se tivesse que querer algo de você para lhe fazer um cumprimento...
Ele não disse nada. limitou-se a esperar, observando-a fixamente.
- Oh, está bem. Pensei que possivelmente pudesse me acompanhar ao Redfields a semana que vem.
Ele fez uma careta de sofrimento.
- Ao campo? Francesca, querida, sabe que é o amor de meu coração, mas, viajar ao campo?
- Está no Kent, Lucien. Não te estou pedindo que vá à selva.
- Não, mas, uma festa campestre? O mais provável é que seja muito aborrecida.
- Sem dúvida o será, já que a festa é dada por meus pais. Mas essa é a razão pela qual necessito que vá, para fazer que tudo seja mais interessante.
- Mas, por que?
- Porque decidi que esta festa será a ocasião perfeita para apresentar a Constance a vários homens que sejam bons partidos. Como ela não tem fortuna, devo me assegurar de que os homens tenham oportunidade de passar tempo com ela e apaixonar-se por sua inteligência e seu sorriso.
- Não sei por que necessita de mim para isso. Só estaria ocupando o espaço necessário para um dos pretendentes da garota.
- Porque necessito que venham esses pretendentes. Quantos cavalheiros virão à festa se pensarem que estarão sentados junto a meus pais, a Lorde Basingstoke e o almirante Thornton, tomando porto e falando da juventude de hoje em dia? Ou jogando cartas com a duquesa viúva do Chudleigh?
- Deus Santo, ela vai estar?
- É a madrinha de minha mãe, assim estará ali como todos os anos. Por isso necessito que os jovens saibam que haverá alguém mais animado. Acredito que Dominic também irá. Esta noite me pareceu mais razoável.
- Então não me necessita.
- Não me atrevo a contar com meu irmão por completo. E embora venha, não é seguro que meu pai e ele não tenham uma briga no primeiro dia e Dominic volte para Londres. Além disso, seria melhor ter a mais de um homem interessante. Dominic promoverá o exercício físico, e você promoverá uma boa conversa.
- Minha querida Francesca, suspeito que seu cabelo e sua figura serão mais que suficientes para que muitos solteiros acudam encantados à festa de seus pais - lhe disse sir Lucien - Entretanto, eu também irei. Acredito que, depois de tudo, será divertido presenciar o resultado de suas maquinações.
- Sabia que podia contar consigo.
- E você... não sei como chamá-lo... sua cruz? Seu amigo?
Francesca ficou desconcertada.
- Rochford - lhe esclareceu Lucien.
- Oh. Ele - Francesca encolheu os ombros. - Suponho que, ao menos, irá ao Redfields para o baile, se estiver em sua casa do Dancy Park -disse, mencionando o nome da casa de campo do duque, uma de tantas, que não estava longe da casa em que Francesca se criou.
- E espera que faça algo para jogar no ar seus esforços?
- Sinclair? -perguntou Francesca, e riu-. Não imagino que se incomode em tentá-lo. Prefere observar, como se fosse um deus do Olimpo, como nós, os insignificantes mortais, brincamos de correr para para cá e para lá tratando de dirigir nossas vidas.
Sir Lucien arqueou as sobrancelhas ao perceber um deixe de amargura em sua voz.
- Bom, pois me parece que ao menos no momento desceu que Monte Olimpo.
Fez um gesto com a cabeça, e Francesca olhou na direção que lhe tinha indicado. O duque do Rochford se dirigia para eles, detendo-se de vez em quando a saudar alguém.
Entretanto, quando levantou a vista, e seus olhos se cruzaram com os de Francesca, ela soube com segurança que ela própria era seu objetivo. retirou-se ligeiramente para trás para observar aos que dançavam, como a viva imagem da indiferença. Entretanto, soube exatamente quando Rochford chegou a seu lado, e nem sequer se voltou quando ele se deteve junto a ela e olhou também para a zona de baile.
- Converteu nosso patinho feio em um cisne, minha senhora - disse ele depois de uns momentos, em um tom de voz divertido.
Francesca o olhou então. A expressão de seu rosto moreno era, como sempre, indecifrável.
- Custou-me muito pouco, asseguro-lhe. Temo, Rochford, que escolheu à candidata errada se queria ganhar a aposta.
Ele sorriu.
- Então, pensa que tudo vai ser muito fácil, não é assim?
- Não fácil, não -respondeu Francesca - Mas tem muito mais possibilidades que as outras duas.
- Mmm. Possivelmente tenha eleito apressadamente - admitiu ele - E sem dúvida, você aproveitou minha debilidade.
- É obvio.
A dança tinha terminado, e Constance e seu companheiro se dirigiam de volta para onde Francesca conversava com o duque, junto ao Lucien. Francesca viu que Constance olhava com certa apreensão ao Rochford.
Francesca apresentou ao Rochford a sua protegida. Pensou que aquela era a razão pela qual ele se aproximara. Entretanto, ficou um pouco surpreendida ao ouvir que o duque, depois de fazer uma reverência a Constance, pedia-lhe a dança seguinte.
Constance ficou boquiaberta, e olhou a Francesca, e depois de novo ao Rochford.
- Eu... né... temo que já tenho o baile comprometido, senhoria -disse, com expressão mais de alívio que de consternação.
- Ah, já entendo - disse o duque, e olhou a um homem que se aproximava - Com o Micklesham?
Constance estava desconcertada.
- O que? - voltou-se e olhou na direção que lhe indicou Rochford - OH, sim. Exato. Com o Micklesham.
Rochford esboçou um sorriso perverso quando saudou o recém-chegado.
- Ah, Micklesham. Estou seguro de que não se importará me ceder esta dança com a senhorita Woodley, não é verdade?
Micklesham, um jovem baixo de estatura, ruivo e com muitas sardas no rosto, ficou aniquilado quando o duque se dirigiu a ele. ruborizou-se e se mostrou sobressaltado.
- Oh. Né... a você? Vá, sim. Claro -balbuciou, e fez uma reverência ao duque - É um prazer. Quer dizer... bom... me desculpem, senhorita Woodley - disse em tom suplicante, olhando a Constance.
- Perfeito, então. Senhorita Woodley? - Rochford estendeu a mão a Constance, que titubeou, sorrio e aceitou.
Francesca observou o par dirigir-se para a zona de baile.
- E que demônios está tramando? - murmurou.
- Possivelmente queira assustar a seu passarinho - sugeriu Lucien.
- Não, Rochford não tentaria sabotar meus planos - respondeu Francesca – Tinha razão quando disse que para ele seria rebaixar o fato de tentar influenciar o resultado.
Observou como Constance e o duque começavam a dançar a valsa. Estava lhe sorrindo. Francesca sentiu uma pontada de irritação.
- Que se vá ao demônio - disse, e se voltou.
Sir Lucien a olhou com atenção.
- Então, o que acha que está fazendo?
- Com toda probabilidade, está tentando me incomodar - disse ela.
- Pois parece que o conseguiu.
- Oh, se cale, Lucien - disse Francesca com aborrecimento -, e me tire para dançar.
- É claro, meu amor - respondeu ele com uma reverência.
Constance notou um suor frio pelas costas. Nunca, em toda sua vida, tinha esperado que dançaria com um duque. De fato, nem sequer tinha imaginado que conheceria um duque.
Lorde Leighton seria conde um dia, é obvio, mas seu sorriso contagioso e seu caráter encantador faziam que alguém esquecesse com facilidade seu título e sua linhagem. Entretanto, Rochford era um duque; suas maneiras não eram exatamente estirados, mas tinha as costas tão direita como uma tábua, e se conduzia com a classe de segurança que só podiam ter os que desciam da mais antiga aristocracia. Seu rosto anguloso era tão intimidante como sua conduta. Não era um homem com quem fosse fácil sentir-se confortável, pensou Constance.
Ela não se sentia confortável, certamente. O duque se manteve em silencio durante um momento, e ela se alegrou, porque estava concentrada nos passos da valsa. Parecia-lhe que seria pior tropeçar ou fazer um movimento errôneo com aquele homem que com qualquer um dos outros com quem tinha dançado aquela noite.
Ele, aparentemente, não achava estranho aquele silêncio. Constance supôs que estava acostumado às reações que suscitava nas pessoas. Além disso, não fez nenhum esforço para aliviar a situação; limitou-se a olhá-la com aqueles olhos negros tão inquietantes.
- Vejo que Lady Haughston a tomou sob seu amparo - disse a Constance por fim.
Suas palavras a sobressaltaram um pouco.
- Sim - respondeu com cautela - Lady Haughston é muito amável.
- Isso ouvi dizer - comentou o duque em um tom vagamente irônico.
Constance o olhou, perguntando-se por que aquele tom de voz. Não sabia com segurança se o duque e Francesca eram amigos, conhecidos ou possivelmente inclusive inimigos. Aquilo era difícil de determinar; ela tinha descoberto rapidamente que naquele mundo da capital, os inimigos mais acérrimos freqüentemente se sorriam o um ao outro como se fossem amigos.
O duque perguntou a Constance de onde era, e ela o disse, lhe explicando que vivia com seus tios.
- E estão desfrutando de sua estadia em Londres? - prosseguiu ele.
- Sim, obrigada. Muito. E foi muito mais divertida desde que conheci Lady Haughston.
- Geralmente acontece assim.
Aquele era o diálogo mais corriqueiro que pudesse imaginar-se. Constance não entendia por que o duque a tinha tirado para dançar. Claramente, não tinha sido para manter uma conversa faiscante.
- Se seguirem o conselho de Lady Haughston, irá muito bem, estou seguro - continuou o duque.
- Espero isso - respondeu Constance, e depois acrescentou - Embora acredite que isso não seria benéfico para Sua Senhoria.
Ela mesma ficou surpreendida de seu atrevimento, mas com sinceridade, estava começando a aborrecer-se de como passavam nas pontas dos pés ao redor do elo que os unia.
Ele arqueou as sobrancelhas de uma maneira que, certamente, teria amedrontado muita gente.
- Seriamente? E por que pensa que lhe desejo mau, senhorita Woodley?
- Não mal, precisamente. Mas conheço a aposta que fez com Lady Haughston.
- Ela lhe contou isso? - perguntou-lhe o duque com surpresa.
- Não sou completamente boba -respondeu Constance - E é um pouco difícil fazer-se uma mulher amiga de alguém sem lhe revelar com que intenção.
- Suponho que isso é certo - comentou ele. Constance esteve quase segura de que tinha visto o reflexo de um sorriso em seus olhos - E você está de acordo com seus planos?
- Não espero que Lady Haughston ganhe a aposta - lhe disse Constance – Não conto com isso. Entretanto, acredito que a idéia de experimentar uma temporada social é... atraente.
Definitivamente, o duque sorriu naquela ocasião, embora fora com brevidade.
- Então, espero que seja estupenda para você, senhorita Woodley.
Terminaram a valsa em silêncio, embora Constance já não se sentia tão desconfortável.
O duque a acompanhou junto a Francesca. Francesca, entretanto, estava a ponto de sair para dançar naquele momento. Constance se voltou, pensando em que devia procurar a sua tia. Estava passando-o tão bem que não tinha pensado em sua família, e se sentiu um pouco culpada por isso.
Enquanto passeava pela sala, voltou a ver a jovem que a tinha olhado com ódio no começo da noite. Já não estava com sua mãe, mas se dirigia a dançar pelo braço de Lorde Leighton.
Poderia ser que aquela mulher a tivesse olhado assim porque Lorde Leighton tinha dançado com ela? Constance pensou que era absurdo, porque só tinham dançado uma vez. Entretanto, ela não podia negar que estava sentindo ciúmes ao ver o Leighton caminhar junto a outra mulher.
De qualquer modo, não havia nada que ela pudesse fazer a respeito, assim tentou tirar isso da cabeça enquanto continuava procurando a suas primas e a seus tios.
Encontrou-os pouco depois, ao bordo da pista de baile. Quando se aproximava deles, percebeu que sua tia a olhava com uma expressão séria. Constance suspirou por dentro.
Estava claro que sua tia continuava zangada com ela. Constance a saudou com um sorriso, mas a tia Blanche não se deixou abrandar.
- Bem, assim por fim decidiu honrar a sua família com sua presença - lhe disse com sarcasmo - Embora suponha que agora já não somos importantes para você. Lady Haughston e seus amigos são tudo o que te interessa.
- Isso não é certo, tia - respondeu Constance, lutando por manter a calma - Mas como Lady Haughston foi tão amável de nos convidar a esta festa, pareceu-me apropriado permanecer a seu lado durante o baile.
- Oh, sim, muito apropriado o fato de te pôr em ridículo. De dançar com a metade dos homens que há aqui. De se comportar como se fosse uma mocinha em vez de uma mulher amadurecida. De se vestir assim. Estou segura de que todo mundo esteve rindo de você e de sua atitude.
Constance se ruborizou, não soube se de vergonha ou de ira.
- Tia Blanche! Leva-Está sendo má comigo. por que diz que tenho feito o ridículo? Lady Haughston apresentou a todos os homens com os que dancei. E estou segura de que não tem nada de mau que tenha dançado com eles se Lady Haughston os apresentou. Quanto a meu vestido, não tem nada de indecente.
- É de uma cor muito juvenil para você - disse a tia Blanche - Já não é uma jovem, Constance. Uma mulher de sua idade dançando desse modo, paquerando com os homens como esteve fazendo ... bom, é vergonhoso.
- Não sabia que não se podia dançar ao chegar a certa idade – respondeu Constance com frieza-. Estou segura de que poderia informar dessa regra a muitas das mulheres que estão dançando neste momento.
- Não falo das mulheres casadas. Se alguem está casada, é perfeitamente aceitável dançar com seu marido ou um amigo. Mas não é o que deve fazer uma solteira.
- Por que? por que não pode dançar uma mulher se não está casada? A que idade tem que deixar de dançar se não está casada? Aos vinte? Aos vinte e cinco? E também devem seguir essa norma os homens? Os solteiros não podem dançar?
- Claro que sim, não seja tola. Não há regras rígidas. Simplesmente, dá-se por feito que se uma mulher não se casou, ela...
- Deixa de existir? De verdade, tia Blanche, fala como se uma mulher deveria retirar-se da vida pública, envergonhada, se não foi capaz de caçar um marido.
- Bom, se você não o conseguiu na sua idade, é difícil que vai conseguir agora - replicou sua tia de mau humor - Veio a Londres para me ajudar com Georgiana e Margaret, e em vez disso, está... dançou com todos esses homens, e não apresentou a suas primas a nenhum deles. dançou com o duque do Rochford, um duque!, e nem sequer fez o mínimo esforço por lhes apresentar a minhas filhas.
- Oh - sussurrou Constance, e olhou a suas primas, que a estavam observando com uma careta de descontentamento. Então, ela se sentiu culpada.
Sua tia tinha razão quando dizia que Constance não tinha pensado absolutamente em suas primas. deixou-se levar pelo entusiasmo. Poderia ter tornado junto a sua família depois de dançar e ter apresentado a seus companheiros de dança. depois de tudo, não era culpa das meninas que sua mãe as forrasse de babados e de laços como se fossem bolos de casamento. Iriam necessitar de toda a ajuda que pudessem conseguir, e Constance se deu conta de que, ao menos, devia lhes haver apresentado alguns solteiros.
- Sinto-o – disse - Trarei meu próximo companheiro de dança a conhecer Georgiana e Margaret. Entretanto, Lady Haughston me disse que o duque é um solteiro contumaz.
- Bom, terá que casar-se algum dia, não? -replicou Lady Woodley - Deve ter um herdeiro. E minhas filhas têm tantas possibilidades como qualquer uma.
Sabiamente, Constance se absteve de corrigir a sua tia. O processo mental de sua tia se apoiava em raciocínios sem base, e ela tinha aprendido tempo atrás que qualquer esforço de esclarecer enganos da tia Blanche só serviria para enfurecê-la.
Constance sentiu um grande alívio quando viu aproximar-se Francesca. Ergueu-se e sorriu.
- Lady Haughston.
A tia Blanche se virou e dedicou um esplêndido sorriso a Francesca. Depois disse, elevando o tom de voz:
- Lady Haughston! Sinto não tê-la visto antes. Há tanta gente nesta festa...
Meninas, saúdem Lady Haughston.
Georgiana e Margaret obedeceram, e Francesca sorriu e assentiu.
- Como estão, Lady Woodley? Me alegro muito de os ver novamente.
Trocaram alguns comentários corteses de rigor e, depois, Francesca perguntou à tia Blanche:
- Constance lhes disse que a convidei ao Redfields a semana que vem?
A tia Blanche olhou a Francesca sem compreender nada.
- O que? Aonde?
- É a propriedade de meu pai. Está no Kent. Todos os verões dão uma festa. Não está longe de Londres, a só umas horas de caminho. Pedi a Constance que me acompanhe.
Espero que não se importem. Será uma estadia de duas semanas, e receio que me aborrecerei muito sem sua companhia.
A tia Blanche se virou para Constance, e a moça percebeu um profundo desagrado em seu olhar.
- Oh, minha senhora, que amável por sua parte - disse a tia Blanche, voltando-se de novo para Francesca - Mas receio que não posso deixar a Constance que se vá sozinha dessa maneira. Seria pouco apropriado que estivesse sozinha, entre estranhos, durante duas semanas. depois de tudo, devo pensar em sua reputação.
Francesca arqueou as sobrancelhas delicadamente e disse com frieza:
- Estaria comigo, Lady Woodley. E posso assegurar que as festas de meu pai, o conde, são eventos muito respeitáveis.
- Oh, disso estou segura, Lady Haughston. E sua reputação, é obvio, está acima de toda recriminação. Entretanto, eu tomo minha responsabilidade para Constance com muita seriedade. Não posso deixar que viagem só e esteja tanto tempo afastada de sua família.
- Já vejo - disse Francesca, estudando o rosto da tia de Constance.
Estava perfeitamente claro o que queria sua tia, pensou Constance, e sentiu muita vergonha. Temeu que Francesca se retraisse e não a levasse a festa do Redfields. De repente, Constance se deu conta do muito que desejava ir. Esperou, contendo a respiração.
-Bem -disse Francesca depois de um momento-. É obvio, quando fiz o convite, não me referia somente a Constance. Sir Roger, suas filhas e você mesma também estão convidados.
- É muito amável, minha senhora -disse a tia Blanche, e desceu o olhar para dissimular seu sorriso de triunfo.
Uma semana mais tarde, Constance tomou a cadeira de posta junto a seus tios e suas primas e se dirigiu para o Kent. Saíram logo pela manhã e chegaram a seu destino depois do meio-dia, atravessando um lindo parque de castanheiros e espinheiros em flor, e saindo por fim a uma clareira da qual se divisava a casa da família de Francesca.
-Oh! -murmurou Constance com admiração, e pôs a cabeça pela janela para ter uma vista melhor.
O sol banhava a casa com um suave brilho e arrancava brilhos aos vidros das numerosas janelas. Era um lindo edifício de três pisos com o telhado de pico e de traçado clássico em forma do E. Em conjunto, a casa era a uma vez majestosa e atraente. Do telhado se sobressaíam muitas chaminés, e neste lado havia uma ala longa de um só piso que em seu terraço tinha um passeio com uma balaustrada.
Era uma casa maravilhosa. Como era possível que Lorde Leighton fosse tão resistente a visitá-la? Constance pensou que se ela fosse a herdeira daquela casa, passaria ali a maior parte de seu tempo.
Seu veículo se deteve ante a fachada central, e todos desceram e olharam com reverência a casa, que era muito mais impressionante de perto. Rapidamente, a porta se abriu e apareceu um lacaio uniformizado que os conduziu para o salão principal da residência. Ali estava sentada Francesca, conversando com uma mulher que se parecia tanto a ela que devia ser sua mãe. Constance passeou o olhar por toda a sala. Ali, junto a uma janela, estava Lorde Leighton. viriou-se para a porta quando eles entravam, e a luz da janela caía sobre seus belos traços. Acelerou o coração de Constance quando o notou.
Francesca saltou do assento com um suave gritito quando os viu, e correu para Constance para pegá-la pela mão. Depois a guiou até a mulher com quem estava falando e começou as apresentações.
Lady Selbrooke, que era efetivamente a mãe de Francesca, tinha os mesmos olhos azuis que sua filha, e também seu mesmo cabelo loiro, embora com algumas mechas de cinza. Entretanto, seu semblante não tinha nada da animação que alegrava o rosto de sua filha. Sua expressão era de cuidadoso controle, inclusive de frieza, pensou Constance. Lady Selbrooke saudou a família Woodley amavelmente, e murmurou um comentário de boas-vindas, mas não havia interesse real nela.
Lorde Selbrooke se levantou de sua cadeira para saudá-los também. Sua conduta era tão reservada como a de sua mulher, e embora fosse um homem de meia idade muito bonito, não tinha o mesmo bom humor no olhar que fazia de seu filho alguém tão extremamente atraente.
- Conhece Lady Rutherford e à senhorita Muriel Rutherford? – prosseguiu Francesca, voltando-se para outros convidados que estavam presentes na sala. - Lady Rutherford, senhorita Rutherford, permitem-me lhes apresentar a sir Roger e Lady Woodley? A senhorita Constance Woodley.
Constance se voltou na direção que lhe indicava Francesca e viu uma mulher morena e uma moça com seu mesmo cabelo negro sentada a seu lado. Ambas olharam friamente a Constance. Ela se deu conta, com assombro, de que eram as duas mulheres que tinham estado observando-a com algo próximo ao ódio durante o baile da semana anterior.
Constance lhes fez uma reverência, murmurando uma amável saudação, e discretamente as estudou enquanto Francesca apresentava a suas primas. Muriel Rutherford estava sentada com as costas muito reta e uma expressão severa no semblante. Tinha os olhos de um azul muito claro, que incrementava seu aspecto distante. Era uma versão mais jovem de sua mãe, e tinha seu mesmo nariz estreito e sua boca reta.
- Senhorita Woodley! - disse Lorde Leighton.
Constance deixou seu estudo da senhorita Rutherford e se aproximou dele. Leighton estava sorrindo e tinha seu habitual brilho de malicia nos olhos. Tomou a mão de Constance e lhe fez uma reverência, segurandoa-a mais do que era necessário. De soslaio, Constance viu que Muriel Rutherford apertava os lábios com desagrado.
- É um prazer voltar a vê-la - disse Leighton.
Constance se esqueceu da senhorita Rutherford rapidamente, e sorriu ao Leighton.
- Lorde Leighton. Por favor, me permita que o presente a meu tio e a minha tia.
Ele se virou para outros membros de sua família, sorrindo com sua amabilidade costumeira.
- Sir Roger, Lady Woodley, senhorita Woodley, senhorita Woodley. Espero que tenham tido uma agradável viagem.
Georgiana e Margaret se ruborizaram e soltaram risinhos nervosos ante o sorriso do Leighton. Inclusive a tia Blanche pareceu deixar-se seduzir por seu encanto.
- Oh, sim, muitíssimo obrigada, milord -respondeu a mulher, quase com paquera - É muito amável de sua parte perguntar.
- Entretanto, certamente estarão cansados - interveio Francesca - Posso lhes mostrar seus quartos?
Francesca os levou ao piso superior, caminhando junto a Constance, a quem tinha pego pelo braço.
Constance se sentiu muito agradecida à sua amiga ao comprovar que seu quarto estava junto à de Francesca, e do outro lado do corredor dos que foram ocupar seus tios e suas primas. Suspeitou que Francesca o tinha planejado assim e a bendisse.
Seria muito mais fácil evitar ter que ajudar a suas primas com seu guarda-roupa se não estivesse na porta do lado.
Seu baú já estava no dormitório, e havia uma criada tirando sua roupa e pondo-a na cômoda. Fez uma reverência a Constance.
- Sou Nan, senhorita. Se quiser algo, só tem que me chamar - afirmou, e apontou uma campainha que havia junto à porta. - Lady Haughston disse que Maisie ia penteá-la, mas eu estou aqui para ajudá-la com a roupa. O jantar é às oito. Gostaria de descansar primeiro?
Nan ajudou Constance a tiraro casaco de viagem enquanto falava. Quando terminou, Constance se lavou para tirar o pó das mãos e do rosto, e escovou o cabelo.
Mais tarde se estendeu na cama, não com intenção de dormir, mas pensando em como delicioso era gozar da paz absoluta depois do estalo continuado da viagem e o incessante falatório de suas primas e sua tia. Nem sequer se deu conta de que ficara adormecida até que despertou um pouco mais tarde por causa do ruído da criada, que voltava a entrar no quarto. Nan levava o vestido que Constance tinha escolhido para colocar aquela noite, recém engomado. Era de bordado e cetim branco, com um decote baixo e bordeado também de bordado branco.
Nan a ajudou a pôr o vestido novo, e estava terminando de lhe abotoar as costas quando alguém bateu na porta, e Francesca entrou seguida por sua criada.
- Oh, Constance! - disse Francesca com admiração - É lindo. A senhora do Plessis fez um maravilhoso trabalho. Que bonita está. Agora, sente-se, e Maisie a penteará.
Constance obedeceu gostosamente, e Maisie começou a fazer magia, como de costume, recolhendo e ondulando o cabelo até que a cabeleira lhe caiu em uma profusão de cachos em redor do rosto. Enquanto Maisie trabalhava, Francesca se sentou em uma cadeira e observou enquanto falava.
- Haveria companhia interessante esta noite -prometeu a Constance, e se interrompeu um instante devido a um espirro-. Deus Santo, me perdoe. Cyril Willoughby, recordá-lo-á porque dançou com ele na festa de Lady Simmington, está aqui. E Alfred Penrose. Lorde Dunborough.
Constance escutou só pela metade enquanto Francesca lhe falava sobre os convidados, sobre tudo dos solteiros, e descrevia suas personalidades e sua aparência.
Constance só podia pensar na noite que se aproximava e em ver Lorde Leighton de novo.
- Já está! - exclamou por fim Francesca, com um sorriso resplandecente - Está muito bela. Perfeita. Olhe-se.
Constance fez o que lhe tinha indicado Francesca; aproximou-se do espelho que havia em um canto do dormitório e não pôde evitar sorrir ao ver seu reflexo. A mulher que via não só era bonita, mas também sofisticada. Ninguém a tomaria por uma dama de companhia.
Francesca se aproximou dela e lhe passou o braço pela cintura.
- Preparada?
Constance assentiu.
- Sim. Acredito que sim.
- Bem. Então, desçamos as escadas e capturemos uns quantos corações.
Todos os convidados se reuniram na sala de espera do jantar e estavam conversando enquanto esperavam que se servisse o jantar. Constance se deteve na entrada, assombrada pelo grande número de rostos desconhecidos que aguardavam.
- Não se preocupe, logo conhecerá todo mundo -lhe assegurou Francesca.
Então, Francesca levou Constance pela sala e apresentou aos convidados. Foi vertiginoso e Constance receou que não recordaria a metade dos nomes que lhe estavam dizendo. Foi um alívio ver o Cyril Willoughby, a quem recordava de uma festa anterior, e conhecer outras moças que pareciam muito mais agradáveis que Muriel Rutherford. Com sorte, não teria que passar muito tempo com aquela mulher e com sua mãe.
Enquanto seguiam caminhando pela sala, Constance viu entrar Lorde Leighton e dirigir-se para saudar sua mãe e à duquesa viúva do Chudleigh, que estava a seu lado. Depois, ele fixou a vista em Constance e sorriu antes de saudar outro dos convidados. O trajeto do Leighton foi lento e serpeteante, com muitas pausas para saudar e ser saudado, mas Constance sabia que se dirigia para elas. Enquanto isso, Francesca apresentou a Lorde Dunborough, um cavalheiro que começou a fazer um relato muito prolixo de sua viagem ao Redfields de Londres; por sorte, quando Leighton por fim chegou junto a sua irmã, o cavalheiro acabava de despedir-se.
Francesca suspirou de alívio, e Dominic a olhou divertido.
- Dunny estava entretendo-as com sua narração da roda rota?
- Sim. Se sua viagem até aqui foi tão aborrecida como sua forma de contá-lo, surpreende-me que não tenha morrido durante o caminho.
- E por que o apresentou à senhorita Woodley? - perguntou-lhe Leighton.
- Tinha-o evitado durante tanto tempo que me tinha esquecido como é confuso - admitiu Francesca - Por favor, me perdoe, Constance. Excluiremos ele da lista - disse, e olhou para a porta - Ah, aí estão seus tios. Devo apresentá-los. Faça companhia à senhorita Woodley, por favor, Dom.
- Será um prazer - assegurou Leighton.
Francesca os deixou e Lorde Leighton se virou para Constance.
- Lista? A que lista se refere Francesca?
Constance se ruborizou um pouco.
- Não é nada. Lady Haughston me adotou como seu novo projeto. Está decidida a me encontrar marido.
- Quer casá-la? - perguntou ele com desconcerto, arqueando uma sobrancelha.
Constance sacudiu a cabeça.
- Não. Não deve se preocupar que me uma ao grupo de suas perseguidoras. Não tenho interesse em mudar de estado civil.
- Então, prefere o celibato?
- Não é isso, mas prefiro não me casar com alguém a quem não tenha escolhido. E uma mulher sem dote não tem muita oportunidade de escolher - explicou Constance encolhendo os ombros, com um sorriso para suavizar as palavras.
- Ah, então somos compatriotas, senhorita Woodley, fugitivos do mercado do matrimônio.
- Sim, embora eu não tenho que fugir de meus admiradores - replicou ela com zombaria.
- Isso não acredito. Há tão poucos homens inteligentes?
- Possivelmente, como você, não tenham interesse em casar-se – disse Constance - E qualquer interesse de outro tipo é perigoso para uma mulher.
Constance estava desfrutando da conversa, mas em um determinado momento ergueu a vista e de novo se encontrou com o olhar de antagonismo da senhorita Rutherford. Constance não entendia a que se devia a inimizade daquela mulher.
Possivelmente teria algo a ver com Lorde Leighton, e ela se perguntou se haveria algum tipo de vínculo entre a senhorita Rutherford e ele.
Constance olhou de novo o rosto do Leighton. Ele também a estava olhando, e em seu rosto não havia nada salvo a mesma diversão alegre que ela estava sentindo com sua conversa. Aquele não podia ser o semblante de um homem que estava comprometido com outra mulher. Nem tampouco seus comentários jocosos sobre escapar do matrimônio davam alguma indicação de que o estivesse. Constance pensou que devia estar equivocada quanto à razão do desagrado evidente que a senhorita Rutherford sentia para com ela. Fosse qual fosse aquele motivo, Constance tomou a determinação de fazer caso omisso daquela mulher no futuro.
Leighton começou a falar de novo, mas naquele momento se anunciou o jantar, e ele teve que desculpar-se para acompanhar a sua mãe à sala de jantar. Lorde Selbrooke os guiou a todos até as portas duplas da sala e abriu-as. A duquesa viúva do Chudleigh caminhou cambaleando em seu braço para a grande sala, e depois entraram Lorde Leighton e Lady Selbrooke, e o resto dos convidados passou atrás deles.
Sir Lucien, a quem Constance não tinha visto até aquele momento, apareceu a seu lado e lhe ofereceu o braço, e lhe sorriu com gratidão. Sem Francesca se sentia um pouco perdida entre tantos estranhos. Ela estava sentada quase ao final da mesa, a certa distância de Francesca e de Lorde Leighton, que estavam sentados no outro extremo.
Felizmente, ela se encontrava entre sir Lucien e Cyril Willoughby, um homem muito agradável de uns trinta anos e de inteligentes olhos castanhos. Constance havia sentido um pouco de preocupação por saber como seria a conversa durante o jantar, mas sabia que sir Lucien era capaz de proporcionar um bate-papo interessante e, além disso, ela tinha falado em outras ocasiões com o senhor Willoughby e sabia que era amável e bom conversador.
A comida, portanto, foi um evento agradável que durou uma hora. Sir Lucien proporcionou a Constance, com discrição, uma história social de cada um dos comensais, e Constance e o senhor Willoughby falaram sobre um dos períodos favoritos da história, a Guerra das Rosas. Além disso, lhe contou que possuía uma casa de campo no Sussex, e descreveu com evidente afeto o lugarejo onde se encontrava.
Constance desfrutou de sua conversa com ele, e entendeu por que Francesca o tinha incluído como possível pretendente. Era inteligente, culto e refinado, além de boa pessoa. Um homem com o que qualquer mulher estaria contente de casar-se. Entretanto, apesar de todas aquelas qualidades, o senhor Willoughby não causava a Constance nenhuma pequena parte da emoção e excitação que se apropriavam dela sempre que Lorde Leighton lhe aproximava.
É obvio, ela não esperava nada de Lorde Leighton, e não tinha a intenção de cometer o engano de apaixonar-se por ele, porque sabia que não tinha nenhuma possibilidade de consegui-lo. Entretanto, tampouco concebia a idéia de casar-se com um homem pelo qual não sentia nenhuma paixão. Por muito agradável que fosse o senhor Willoughby, Constance não se via passando o resto de sua vida com ele. E embora não tivesse passado muito tempo com nenhum deles, suspeitava que sentiria o mesmo pelo resto dos homens que Francesca tinha convidado a aquela reunião. Esperava sinceramente que Francesca não se sentisse muito decepcionada quando, finalmente, Constance não se comprometesse com ninguém. depois de tudo, ela tinha advertido, mas...
Quando terminou o jantar, os cavalheiros se retiraram ao salão de fumantes e as mulheres à sala de música. Lady Selbrooke lhe sugeriu à senhorita Rutherford que as entretivesse tocando piano, e a moça obedeceu. aproximou-se do instrumento e procurou uma partitura. Depois se sentou a tocar.
Muriel Rutherford era uma boa pianista, teve que reconhecer Constance. Entretanto, embora tocasse com uma técnica perfeita, não tinha nenhuma paixão, e a peça que tinha escolhido era escura e lenta. Por causa daquela música e da comida copiosa que acabavam de terminar, Constance se viu lutando por manter os olhos abertos. A duquesa anciã não tinha conseguido e estava dando cabeçadas.
Junto a Constance, Francesca suspirou e se abanou suavemente. Elevou o leque para ocultar a parte inferior de seu rosto e murmurou:
- Minha mãe se deita cedo. Acho que quer animar ao resto das convidadas para que façam o mesmo, e por isso pediu à Muriel que toque.
Constance sorriu e baixou a cabeça para dissimular.
- É muito má.
- Mas sincera. O que daria de ser um homem agora para poder escapar disto - replicou Francesca - Não entendo por que mamãe... - então não pôde prosseguir devido a um espirro. Espirrou duas vezes mais rapidamente, fazendo todo o possível por afogar o som - Demônios! Continuo espirrando. Espero não ter apanhado um resfriado.
Lady Rutherford, que estava sentada em uma cadeira próxima ao piano, voltou-se com o cenho franzido para ver quem estava interrompendo a atuação de sua filha com seus espirros. Francesca lhe lançou um sorriso de desculpa. Um momento depois, ergueu-se e olhou a Constance com malicia. Agitou o leque de novo, inclinou-se para ela e lhe sussurrou:
- Me siga a corrente.
Constance assentiu, confusa. Francesca se apoiou no espaldar da cadeira, movendo o leque com uma expressão suspeitamente angélica. Então começou a tossir. Primeiro uma vez, e depois várias vezes, intercalando as tosses com espirros. O fez com tanto realismo que Constance sentiu uma pontada de preocupação.
- Está bem? - perguntou-lhe em voz baixa.
Francesca, que estava cobrindo-a boca, não pôde responder. Negou com a cabeça e começou a levantar-se. Constance se levantou também e tomou pelo braço. Murmurando desculpas, Constance ajudou a Francesca, que continuava tossindo, a sair do aposento.
Uma vez fora, Francesca tossiu umas quantas vezes mais enquanto percorria o corredor, olhando a Constance com um sorriso. Constance conteve uma gargalhada e se apressou a seguir sua amiga.
- Está bem? - perguntou-lhe de novo quando chegaram à escada.
Francesca sorriu perversamente, cobriu o rosto com o lenço e voltou a espirrar.
- Não sei - respondeu sinceramente - A tosse era fingida, mas os espirros... Espero não estar doente e ter que perder a saída de amanhã.
- Que saída? - perguntou Constance enquanto subiam as escadas.
- É uma excursão ao povoado para ver a igreja. O reitor vai nos dar um bate-papo sobre sua história. Parece que é um bom exemplo de torre normanda... OH, e outras coisas mais que não recordo. Estou segura de que será aborrecido, mas ao menos é uma saída, e a duquesa, minha mãe e Lady Rutherford não irão, assim isso a faz mais interessante.
Constance riu.
- Entretanto - advertiu Francesca -, sua tia se ofereceu voluntariamente para acompanhar ao grupo, coisa que minha mãe aceitou rapidamente. De qualquer modo, acredito que haverá oportunidade para falar um pouco e possivelmente para paquerar...
Observou a Constance com um olhar de esperança e interrogação ao mesmo tempo.
- Não me oponho a isso - disse Constance.
- Vi que estava sentada junto ao senhor Willoughby -continuou Francesca – O que lhe pareceu?
- É um homem muito agradável - respondeu Constance.
- Mas? - perguntou-lhe Francesca.
- Espero que não me ache uma ingrata, Francesca, mas tenho que dizer que acho que há poucas esperanças de que eu... bom, seguro que parece presunçoso por minha parte dizer isto, porque apenas nos conhecemos e duvido que ele me proponha nunca o matrimônio, mas seriamente acredito que, embora o fizesse, eu não poderia aceitar. É um homem muito agradável, mas eu não acredito que pudesse querê-lo, e...
- Sss, vamos, não se angustie - disse Francesca, lhe apertando brandamente a mão - Não me incomodarei consigo se não se comprometer. E além disso, não espero que aconteça em duas semanas! Temos muito tempo, e há muitos homens no mundo além do Cyril Willoughby, aqui e em Londres.
A ansiedade que tinha sentido Constance diminuiu grandemente.
- Me alegro de que me diga isso. Sou consciente do muito que tem feito por mim, e seriamente, estoumuito agradecida.
- Tolices. Eu me estou divertindo muito. Além disso, o que tenho feito, além de ir às lojas e conseguir alguns convites? Deveria ser eu a que agradecesse por animar esta festa. Sempre é muito aborrecida.
Tinham chegado já ao quarto de Francesca, e ela decidiu avisar a sua criada e despir-se para deitar-se.
- Dada minha representação da sala de música, suponho que o melhor será que vá para cama.
Assim Constance foi para seu quarto. Sua paz era preferível a escutar tocar o piano por Muriel Rutherford. Entretanto, ainda não tinha sono, e não sabia o que fazer.
Decidiu descer à biblioteca para procurar um livro. deu-se conta de onde estava a biblioteca. Ao descer para jantar com Francesca, e era um grande aposento com centenas de livros. Estava segura de que poderia encontrar algo com o que passar a noite. Desceu as escadas e percorreu o corredor para a biblioteca, movendo-se tão silenciosamente como um camundongo. Entrou, fechou a porta e ficou a observar os livros que havia sobre as estantes do fundo.
Houve um ruído atrás dela e Constance se virou rapidamente com o coração acelerado. Soltou um grito ao ver um homem sentado no sofá, olhando-a. Imediatamente reconheceu a Lorde Leighton, e com um imenso alívio, posou-se a mão sobre o coração.
- Temos que deixar de nos encontrar assim -lhe disse ele - Alguém vai começar a falar.
- Assustou-me - disse Constance - Onde estava? Não o vi ao entrar.
- Estava deitado - disse ele, levantando-se e aproximando-se dela – Se escondendo de novo, não? De quem esta vez? Da tia? Não, espera. Conheço a resposta. Sem dúvida, é pela mesma pessoa pela que me estou escondendo eu. Muriel está torturando o piano.
Constance soltou um risinho, mas tentou aparentar severidade quando disse:
- É uma excelente pianista.
- Sem dúvida. Mas tem razão. Expressei-me mau. Em realidade, ela tortura a sua audiência.
- Certamente, vocês estavam a salvo no salão de fumantes, com outros homens - disse Constance.
- OH, não, porque meu pai está lá - assinalou ele.
Constance arqueou as sobrancelhas. Claramente, pai e filho estavam distanciados, tal e como ela tinha suspeitado pelo modo tão distante no que Leighton mencionava a seus pais e pelo fato de que mal visitava Redfields. Constance se perguntou por que, mas teria sido de muito má educação formular aquela questão, assim não o fez.
- Sinto te haver importunado em seu retiro - lhe disse.
- Sua presença nunca pode ser aboreecida - disse ele galantemente-.Vamos.
Fique e fale comigo.
Leighton lhe fez um gesto e lhe assinalou o sofá e as cadeiras que havia no meio da sala.
Constance olhou para a porta. Não era próprio estar a sós, a aquelas horas da noite, com um homem estranho em uma sala cuja porta estava fechada, embora fosse uma sala tão pública como a biblioteca.
Ele se aproximou dela e lhe disse:
- Tem medo de estar a sós comigo? Prometo que não comprometerei sua virtude.
Acelerou o pulso de Constance. Recordava a última vez que tinha estado a sós com o Leighton e o que tinha ocorrido então. Olhou-o nos olhos e viu que se iluminavam de repente, e soube que ele também estava pensando naquele beijo.
Ele ergueu a mão e lhe acariciou o queixo com os nódulos.
- Sei. Não pude resistir a você da última vez, assim, por que iria confiar agora em mim? É o que pensa, não?
- Acredito que é uma pergunta legítima, sim -respondeu ela com a respiração entrecortada. Notava calor na pele, nos pontos onde lhe tinha acariciado com os dedos, e lhe pulsava o coração com tanta força que Constance se perguntou se ele o ouviria.
- Aquela vez só foi por diversão - lhe disse ele brandamente - Não a conhecia, e não pensava que a veria de novo. Foi só... um momento de tolice, um pouco de prazer.
- E agora?
- Agora é diferente, não?
- Refere-se ao fato de ser amiga de sua irmã? - perguntou ela, tentando aparentar
que seu olhar não a afetava.
- Não. Porque agora significaria algo.
Olharam-se o um ao outro durante um longo momento. Constance pensou que possivelmente ele a beijasse novamente. E era um pouco chocante saber que isso era exatamente o que queria. Constance se ruborizou, sem saber se aquele calor em suas faces o provocava a vergonha ou o desejo.
Parecia que o ar chispava entre eles. Então, deixou cair a mão e deu um passo atrás. Constance engoliu a saliva e se voltou.
- Eu... será melhor que volte para meu quarto.
- Mas se não escolheu nenhum livro -lhe fez notar ele.
- Oh -sussurrou ela. Virou-se de novo para as estantes e tomou um livro às cegas. Segurou-o com força contra o peito, quase como se fosse um escudo, e disse - Boa noite, milord.
- Boa noite, senhorita Woodley. Que durma bem.
Havia muito poucas possibilidades de que conseguisse conciliar o sono, ia pensando Constance enquanto caminhava apressadamente para as escadas para subir a seu quarto. Estava tão nervosa e era tão consciente de seus sentidos, e tinha a mente tão cheia de pensamentos sobre o que acabava de ocorrer, que não acreditava que pudesse dormir.
"Porque agora significaria algo", havia-lhe dito Dominic. A que se referia? Ao amor? Ao casamento? Não, claramente aquilo era algo absurdo. Eles apenas se conheciam. Entretanto, não significaria algo vazio e passageiro, uma mera diversão. Então, por contraste, significaria algo profundo? Ou ao menos, um passo na direção de algo profundo?
Constance entrou em seu quarto e fechou a porta. aproximou-se da janela e olhou para a escuridão. Possivelmente o que ele tinha querido dizer, simplesmente, era que, se voltassem a beijar-se, ela estaria dando um passo que só podia conduzi-la para sua desgraça social.
O herdeiro de um condado não se casava com a filha pobre de um barão. A noite em que Francesca tinha confeccionado a lista de possíveis pretendentes que assistiriam ao Redfields, Constance se tinha dado conta de que não mencionava a Lorde Leighton.
Constance sabia que Francesca lhe professava afeto, mas claramente não a considerava uma noiva aceitável para seu irmão. E muito menos, Lorde e Lady Selbrooke. Portanto, com toda probabilidade, suas palavras tinham sido uma advertência.
Entretanto, a Constance não tinham parecido assim; francamente, tinha-lhe parecido mais como um convite...
Apoiou a cabeça contra o batente da janela e, com os olhos fechados, recordou aquele beijo, o roçar de sua respiração contra a pele, a sensação de firmeza de seus lábios, o calor e o desejo que se apropriaram dela.
Constance sacudiu a cabeça para tirar da mente todos aqueles pensamentos e se afastou da janela. deu-se conta de que ainda tinha o livro agarrado fortemente contra o peito e o afastou do corpo para poder ler o título.
Era Leviatã, do Thomas Hobbes. Uma leitura relaxante para aquela noite, pensou com ironia. Deixou o livro sobre a cômoda e, com um suspiro, começou a desabotoar o vestido.
A criada, Nan, havia-lhe dito que a chamasse quando necessitasse de ajuda, mas a Constance não gostava de ter companhia naquele momento. Queria estar a sós com seus pensamentos. Certamente, iriam mantê-la em vigília durante muito tempo, mas não tinha importância. Pela primeira vez desde há muito tempo, sentia-se viva. E tinha intenção de desfrutar daquela sensação ao máximo.
À manhã seguinte, quando Constance desceu para tomar o café da manhã, Francesca não estava na sala. Ela teve uma agradável conversa com as duas senhoritas Norton, um par de irmãs jovens muito agradáveis que tinham ido ao Redfields com seu irmão Philip, desde sua propriedade de Norfolk. As moças tinham dezessete e dezoito anos, e portanto estavam em idade de fazer sua estréia em sociedade.
Estava claro que ambas consideravam sua visita ao Redfields como algo muito sofisticado em comparação com as assembléias de seu condado e as pequenas festas que se celebravam no âmbito rural, e que deviam ter constituído toda sua vida social até o momento. Ambas estavam muito emocionadas com a excursão ao povoado daquele dia.
Haveria um landau aberto para as senhoras e aqueles que não montassem a cavalo, disseram a Constance, mas os convidados que desejassem cavalgar disporiam de cavalos. E isso era o que elas tinham pensado fazer.
- Embora, é obvio, pareceremos muito torpes em comparação com a senhorita Rutherford -disse a senhorita Elinor Norton a Constance, com um sorriso que dava a entender sua despreocupação a respeito.
- É uma excelente amazona, conforme soube. Inclusive trouxe suas própria montaria - acrescentou sua irmã, Lydia.
- Ontem nos disse que não podia suportar montar outro cavalo que não fosse o seu.
- Não esperaria outra coisa - ironizou Constance.
- Sabe você montar a cavalo, senhorita Woodley? - perguntou-lhe seu irmão Philip.
Ela sorriu.
- Não sou tão perita como a senhorita Rutherford, mas sim, sei montar. Entretanto, faz muitos anos que não o faço e, além disso, não me ocorreu trazer o traje de amazona.
Em realidade, nem sequer tinha levado o traje a Londres, porque nunca tivera pensado que o necessitaria. Assim teria que ir ao povoado no landau com as senhoras. Ao menos, assim não teria que formar parte do mesmo grupo que Muriel Rutherford, o que era algo positivo.
Quando terminou o café da manhã, Constance subiu ao quarto de Francesca, porque lhe parecia preocupante a ausência de sua amiga. Por desgraça, descobriu que sua preocupação era acertada, pois Francesca estava na cama, abrigada e apoiada contra a cabeceira, com o rosto avermelhado, o nariz congestionado e os olhos lacrimejantes.
- Oh, Constance - disse com voz queixosa e rouca - Sinto muitíssimo. Parece que apanhei um terrível resfriado.
- Por Deus, não me peça desculpas. Você não se resfriou de propósito.
- Mas não poderei ir à igreja - disse Francesca, e depois se interrompeu para espirrar várias vezes.
- Claro que não. Tem que ficar na cama para se curar. Eu ficarei consigo e a cuidarei, de acordo?
- Oh, não! Não deve fazer isso! - grasnou Francesca - Maisie me atenderá e me porá panos úmidos sobre a testa. me prometa que irá à excursão!
Francesca estava tão alarmada que Constance se apressou a assegurar iria, tal como lhe tinha pedido.
- Mas me angustia deixá-la aqui sozinha, sentindo-se tão doente.
Francesca tossiu, mas sacudiu a cabeça firmemente.
- Não. Não convidei ao Redfields para que fique cuidando de uma enferma.Vá e se divirta.
Constance se sentiu muito egoísta ao abandonar a sua amiga, mas Maisie entrou no quarto com uma terrina de água e ervas aromáticas, que deixou sobre a mesinha de sua senhora. Depois assegurou a Constance que Francesca preferia que partisse.
- A verdade é, senhorita - disse a Constance confidencialmente, enquanto a acompanhava para a porta-, que ela odeia que qualquer um a veja assim. Está acostumada a mim, e eu sei o que tenho que fazer.
Constance pensou que a fiel criada de Francesca estava há muitos anos cuidando-a e sem dúvida o faria muito melhor que ela mesma. Assim com a consciência tranqüila, desceu para reunir-se aos outros.
Não pôde negar que sentiu uma pontada de inveja ao ver o Muriel Rutherford erguida sobre seu cavalo. Levava um traje de amazona de corte masculino, cinza escuro, e um chapéu de ar militar, e controlava com facilidade sua montaria. Tinha um olhar quase de calidez nos olhos. Claramente, aquele era o entorno que melhor se adaptava a ela.
Leighton também ia a cavalo, como a maioria da gente jovem. Constance se fixou, imediatamente, em sua assombrosa figura. Era alto e largo de ombros, e parecia que tinha nascido sobre a sela. Recordou que Francesca lhe tinha contado que seu irmão tinha formado parte dos Hussardos, e Constance imaginou cavalgando, dirigindo uma carga contra o inimigo.
Constance se resignou a viajar no landau com sua prima Georgiana, que não suportava os cavalos, com a senhorita Cuthbert, uma moça solene e calada, que se Constance recordava bem, era sobrinha neta da duquesa, e com sua tia Blanche.
Durante o trajeto, enquanto Constance escutava pela metade o incessante falatório de sua tia, que se desfazia em louvores para Lady Muriel, ficou assombrada ao ver que Lorde Leighton se separava do grupo a cavalo e se aproximava do landau. Fez uma reverência geral, tirando o chapéu; então, Georgiana e a tia Blanche se ergueram e o saudaram efusivamente. Constance notou que inclusive a senhorita Cuthbert se animava um pouco mais em sua presença.
Ele olhou para Constance.
- Senhorita Woodley, sinto que não monte a cavalo hoje.
- Sim, milord. Tomara pudesse, mas não pensei em trazer o traje de amazona - respondeu ela com sinceridade.
- Com certeza isso tem remédio -lhe disse ele-. Provavelmente, em casa haverá algum que lhe assente bem. Devemos sair para montar alguma tarde. Eu gostaria de lhe mostrar a propriedade.
- Isso eu gostaria muito -respondeu Constance, e pela extremidade do olho, viu que sua tia e sua prima a fulminavam com o olhar.
- Acho que têm uma linda casa de verão -interveio a tia Blanche - Seguro que os jovens adorarão vê-la. Você não gostaria, Georgiana?
- Oh, sim, mamãe - respondeu Georgiana com entusiasmo.
- Direi a minha mãe - respondeu Leighton com suavidade - Possivelmente ela organize uma excursão para visitar a casa de verão, se não tiver nenhuma outra preparada.
Constance conteve um sorriso ao ver o habilmente que ele tinha evitado aceitar à petição implícita de levar Georgiana a ver aquele lugar, que tinha feito sua tia Blanche.
Ele continuou junto ao landau, conversando sobre a visita à igreja e outros assuntos do gênero. Constance não se importava com o assunto de conversa. Para ela era uma delícia ir em sua companhia. Inclusive a presença de sua tia e sua prima era mais suportável com ele a seu lado.
Constance se deu conta de que, mais de uma vez, Muriel Rutherford se voltava a olhá-los com uma expressão gelada. Finalmente, quando o landau se deteve sobre uma pequena ponte de pedra para admirar a vista, a senhorita Rutherford deteve seu cavalo e se aproximou deles.
- Ocorre algo? – perguntou - Precisa voltar para a casa?
Constance soube com segurança que Muriel desejava estar certa. E se sentiu muito satisfeita ao poder jogar ao vento suas esperanças.
- Não, só nos detivemos a contemplar a vista. É uma preciosidade, não lhes parece?
Muriel a olhou por cima do ombro, como se estivesse surpreendida de que Constance se dirigisse a ela. Olhou com indiferença para o rio, cujas ribeiras estavam ladeadas de salgueiros chorões.
- Sim, suponho que sim - respondeu. Depois olhou ao Leighton - Assombra que se tenha ficado atrás, Dominic. Está ferido Arion?
- Não, está tão são como sempre -respondeu Leighton, e deu uns golpezinhos no pescoço do cavalo.
- Deve estar irritado por ter que ir a um passo tão lento - comentou Muriel com um sorriso desdenhoso.
Dominic arqueou uma sobrancelha, com uma expressão divertida no rosto.
- Está criticando como manejo minha montaria, Muriel?
A senhorita Rutherford se ruborizou ante sua pergunta.
- Por Deus, não, claro que não. Todo mundo sabe que é um cavaleiro excepcional. Só estava... surpreendida por que cavalgasse tão devagar.
- Estava desfrutando da conversa com estas encantadoras senhoras - respondeu Leighton amavelmente - Talvez queira se unir a nós.
A senhorita Rutherford olhou a carruagem. Constance suspeitou que, para aquela mulher, cavalgar junto ao landau seria rebaixar-se . Entretanto, Muriel encolheu os ombros e sorriu ao Leighton.
- Claro, por que não?
O resto do trajeto não foi tão agradável, porque Muriel fez tudo o que pôde por entabular com o visconde uma conversa sobre gente, lugares e sucessos que as outras mulheres não conheciam. Felizmente, não faltava muito para alcançar seu destino. Pouco depois de passar a ponte, chegaram ao tranqüilo povoado de Cowden. A torre almenada da igreja se divisava por cima das árvores, e logo chegaram até ela; ao lado estava o cemitério, ao qual se chegava por uma porta com telhado.
Os outros membros do grupo já tinham desmontado e estavam no lado sombrio do pátio da igreja, conversando. Tinham entregue as rédeas dos cavalos aos dois cavalariços que os acompanhavam.
Leighton desmontou e se voltou para ajudar a descer às damas do landau. Quando todos se reuniram, o reitor saiu para recebê-los. Era um homem de cabelo branco, corpulento, que lhes dedicou um amplo sorriso.
- Muito bem, muito bem. Sejam bem-vindos à igreja de São Edmundo – disse alegremente - Não é freqüente que tenhamos visitantes tão distintos. Lorde Leighton - disse ao visconde, com um sorriso inclusive maior.
Depois os conduziu até a igreja, explicando as características e a história da torre normanda, que datava do século treze, e do lindo metal forjado que adornava as portas e janelas de madeira. Dentro do edifício, continuou elogiando as virtudes históricas e arquitetônicas do tempo, fazendo notar as janelas com vidraças flamencas, através das quais se filtrava o sol e derramava cores brilhantes sobre o chão de pedra. Passaram junto a tumbas cobertas com as efígies de damas e cavalheiros, incluindo o ponto principal da igreja, uma lápide muito detalhada que rendia comemoração a sir Floreiam FitzAlan, um cavalheiro do século treze que era o precursor de todos os outros senhores Leighton e condes do Selbrooke cujas tumbas se estavam junto ao muro leste do templo. Estava representado em uma escultura vizinha, com a espada presa ao flanco, as mãos dobradas em atitude de oração sobre o peito e os pés apoiados sobre o lombo de seu fiel sabujo de caça.
Enquanto o grupo seguia ao reitor em sua explicação do resto das tumbas, dos bancos jacobinos de madeira de nogueira e do púlpito, Constance ficou um pouco atrasada, admirando as efígies e os monumentos, atraída pelos detalhes artísticos e as vistas daqueles cavalheiros.
- Os FitzAlan são uma multidão de presunçosos, não é? - murmurou com ironia uma voz masculina a suas costas.
Constance se voltou e viu Lorde Leighton, que apontava para uma placa de bronze que relatava todas as virtudes do primeiro conde do Selbrooke.
Constance sorriu.
- Suponho que a maioria das tumbas e suas lápides descrevem a seus ocupantes em termos aduladores.
- Mmm, sem dúvida. Mas eu vi o retrato deste sujeito, e asseguro que parece mais um tirano que "um homem bondoso e gentil, pai e senhor". Este outro, entretanto - prosseguiu Dominic, apontando outra placa de bronze que havia alguns metros mais à frente -, tinha um queixo fraco e um olhar de atormentado. diz-se que sua mulher era um tubarão, e possivelmente por isso tenha essa expressão de medo.
Constance riu e lhe respondeu em voz baixa:
- Acho que é muito severo com seus antepassados.
- Não diria isso se tivesse visto a galeria de seus retratos. Mostrarei isso amanhã, e o entenderá melhor.
Seguiram caminhando lentamente pela igreja, olhando as estátuas. Dominic lhe apontou certas frases e nomes que lhe tinham chamado a atenção durante anos, murmurando a Constance comentários sarcásticos sobre muitos deles.
- Já basta! - disse ela com uma severidade zombadora - Vai conseguir que me ponha a rir na igreja.
Ele olhou ao grupo, que estava reunido na pequena capela lateral, escutando a explicação do sacerdote sobre o estilo perpendicular das janelas. Depois a puxou pelo braço e apontou com um gesto da cabeça para a saída traseira.
- Então vamos para fora, onde não alteremos a santidade deste lugar.
Constance o seguiu até que saíram ao antigo cemitério que havia atrás do templo.
O cemitério era um lugar verde e fresco, sombreado por altos carvalhos e discos. As lajes das tumbas estavam cobertas de líquens, e havia flores nas urnas de pedra. Dominic e Constance passearam tranqüilamente, sem falar, por entre as tumbas e as estátuas, detendo-se de vez em quando para ler as inscrições das lápides.
Constance se sentia relaxada com o Dominic. Falaram das tumbas e dos defuntos cujos nomes ele conhecia. Falaram sobre a igreja, sobre o povoado, sobre o Redfields. Lhe perguntou por seus pais, e lhe falou de sua mãe, a quem mal recordava, e sobre seu pai, quem a tinha criado e com quem a unia um forte vínculo.
- Parece que o queria muito -lhe comentou ele.
- Sim. Ainda sinto falta deele. Passávamos muitas horas juntos, conversando ou lendo. Sei que a esposa do pastor freqüentemente se desesperava com ele. Ela pensava que ele devia fazer um esforço para me ajudar a estabelecer minha posição na vida.
Freqüentemente ouvi como o reprovava que era egoísta. Entretanto, ele não podia saber que se atrasava um ou dois anos o fato de me levar a Londres para me apresentar em sociedade, ficaria doente e não poderia fazê-lo. E, quando adoeceu, eu não podia deixá-lo.
- Deve ter sido doloroso - disse Leighton compreensivamente - Mas também deve ter sido uma coisa maravilhosa ter essa relação de carinho com um pai.
- Você e seu pai não têm uma relação estreita? - perguntou-lhe ela com tato.
Ele sacudiu a cabeça com um sorriso de ironia nos lábios.
- Não, não temos uma relação estreita. Esse é um modo... delicado de descrevê-lo.
Chegaram a uma parte do cemitério que se distinguia das demais porque estava rodeada de uma mureta. Estava muito cuidada. Havia uma cripta de pedra que reproduzia um Partenon em miniatura, em cuja parte superior anjos esculpidos em pedra seguravam um brasão com o nome do FitzAlan. Ao redor do mausoléu central havia outras tumbas, cada uma com sua lápide de mármore.
- Este é o panteão da família - lhe disse Leighton enquanto passeavam ao redor da mureta que o rodeava - Aqui descansam os membros menos conhecidos, e os que faleceram mais recentemente. Parece que nos preocupamos de que não nos recordem.
Constance o seguiu, lendo os nomes e as datas das lápides. Dominic se deteve ante uma das tumbas. Pela primeira vez desde que o tinha conhecido, viu uma sombra de tristeza em seu olhar.
Ela olhou o nome do sepulcro: Lady Ivy FitzAlan, Amada Filha. Lady Ivy tinha morrido doze anos antes, em janeiro, e Constance se deu conta, pelas datas de seu nascimento e sua morte, de que tinha morrido muito jovem, aos dezesseis anos.
- Era minha irmã - disse Dominic em voz baixa - A mais pequena de todos.
Instintivamente, Constance tomou a mão.
- Sinto-o muitíssimo. Eram muito unidos?
- Não tanto como eu deveria ter estado -respondeu ele com amargura.
Constance o olhou, perguntando-se o que queria dizer. Entretanto, não podia fazer perguntas sobre algo tão privado. limitou-se a lhe apertar a mão brandamente. Ele a olhou e sorriu, lhe devolvendo a pressão da mão.
- Obrigado - murmurou.
Do outro lado do cemitério ouviram o som de vozes, e ambos olharam para a igreja. O grupo estava passeando por entre as tumbas. Muriel Rutherford caminhava junto ao senhor Willoughby, mas estava olhando a seu redor.
- Suponho que não podemos escapar mais - lhe disse ele, com algo que parecia um gesto de irritação. Depois, suavemente , soltou-lhe a mão.
Voltaram com outros. Muriel os viu, e Constance soube com segurança que o olhar que lhe cravava a jovem era de ira, ou de algo pior. Arranca-rabo firmemente do braço do senhor Willoughby, Muriel se aproximou deles.
- Leighton - disse ao Dominic - O que está fazendo aqui no cemitério?
Olhou Constance com desprezo, soltou ao senhor Willoughby e se agarrou no braço do Dominic em atitude possessiva.
- Devia estar muito desesperado por escapar do sermão do reitor para ter se deixado arrastar aqui fora a olhar as tumbas de seus antepassados. Algo muito aborrecido, diria eu. Mas claro, suponho que as tumbas das pessoas importantes são interessantes para outras pessoas.
A jovem olhou por cima do ombro a Constance. O que queria dizer estava bem claro: Constance era uma pessoa de classe social inferior, e portanto, devia sentir reverência por famílias como os FitzAlan, mas Muriel, é obvio, não, porque pertencia ao mesmo círculo que Leighton. Constance apertou com força o punho do guarda-sol, e sentiu um forte desejo de dar uma guarda-chuvada na outra mulher.
- Assim a você, minha família lhe é de pouca importância, Muriel? – perguntou Leighton, com as sobrancelhas arqueadas, em um tom de ironia.
- Como? - perguntou Muriel, surpreendida. Então se ruborizou, e Constance sentiu satisfação ao vê-la tão desconcertada-. Bom, não... claro que não, não queria dizer isso...
Então ficou sem saber o que dizer. Constance a olhou em silêncio, relutante a sair em ajuda daquela mulher. Entretanto, quando o silêncio se tornou algo opressivo, Constance cedeu.
- Sem dúvida, a senhorita Rutherford conhece muito bem a sua família para ter curiosidade sobre ela, milord - disse Constance - Somos nós, os estranhos, os que queremos aprender mais coisas sobre eles.
Dominic olhou a Constance agradado, e murmurou:
- Bem explicado, senhorita Woodley.
Muriel, longe de agradecer a ajuda a Constance, fulminou-a com o olhar.
- Acredito que é hora de voltar para o Redfields, Dominic.
- Sem dúvida, tem razão - disse brandamente Leighton.
Despediu-se de Constance e do senhor Willoughby com um gesto da cabeça e caminhou com Muriel agarrada ao seu braço para a igreja. Willoughby os olhou durante um momento, e depois se virou para Constance.
- Estranha mulher. - comentou com um sorriso - Esteve muito bem de sua parte dizer o que disse.
Constance encolheu os ombros.
- Foi um momento embaraçoso. Possivelmente a senhorita Rutherford não queria ser insultante.
- Possivelmente não - conveio ele - Verdadeiramente, sua forma de falar é tão universalmente insultante que não se sabe se ela entende o que diz. Mais ou menos, me disse que eu teria que equivaler a acompanhante pelo cemitério, posto que Lorde Leighton e Lorde Dunborough já estavam ocupados.
Constance riu.
- Então, eu diria que é bondoso por lhe ter dado seu braço.
Ele sorriu.
- Veja, eu estava disposto a me conformar com ela porque você estavam ocupada, assim que tudo encaixou -lhe explicou ele. Depois lhe ofereceu o braço - Posso acompanhá-la à carruagem?
Constance assentiu pensando que era completamente injusto que posar a mão sobre o antebraço daquele homem não lhe produzisse o mínimo comichão no coração.
um pouco mais tarde, quando chegaram à casa, Constance foi diretamente a ver Francesca. Sua amiga estava dormindo, mas Maisie disse a Constance que não estava melhor. Inclusive tinha piorado, porque aquele dia tinha tido febre.
Constance disse ao Maisie que ela ficaria durante o serão daquela noite com Francesca. Ao princípio, a donzela protestou, mas Constance lhe disse que precisaria descansar se quisesse passar a noite atendendo a sua senhora, tal como lhe havia dito a donzela. Maisie se rendeu ante aquele raciocínio e permitiu que Constance ocupasse seu lugar durante umas horas.
Foi um trabalho fácil. Só requeria que Constance estivesse sentada junto à cama de Francesca e, periodicamente, pusesse-lhe um pano fresco com água sobre a fronte para baixar a febre. Francesca despertou algumas vezes, e outra vez, Constance a despertou para lhe dar uma colherada de tônico. Não tinha muita febre, assim estava lúcida, e bastante irritada e intranqüila por ter que estar na cama.
- É muito boa por ficar comigo - disse a Constance.
- Tolices. Nem sequer estaria aqui se não fosse por você - respondeu ela - De qualquer modo, estou muito contente por não ter que passar o serão em companhia de ninguém. estive apanhada em um landau com minha tia durante muito tempo esta tarde, e juro que ainda me ardem os ouvidos.
Francesca riu, e então fez um gesto de dor, porque seu risinho se transformou em tosse. Quando finalmente se acalmou, disse:
- E por que foi no landau? Por que não foi a cavalo?
- Não tenho o traje de montar aqui. Deixei-o em casa, no Wyburn.
- Oh, vá. Deveria ter pensado nisso... - disse Francesca, sacudindo a cabeça - Bem, não importa. Direi à Maisie que baixe a bainha do meu. Quando estiver sobre o cavalo, não se notará embora fique um pouco curto.
- Oh, não, não deve me emprestar o seu.
- Bom, eu não vou usá-lo. Agora não posso, e quando me curar, não acredito que deva montar. Além disso, o que é uma estadia no campo se não se pode montar a cavalo?
Constance cedeu. Sabia que Francesca tinha razão. Entretanto, não pôde evitar sentir uma pontada de culpa. Estaria Francesca tão disposta a lhe emprestar seu traje de amazona se soubesse que Lorde Leighton lhe tinha pedido que fosse montar com ele?
Constance tinha a sensação de que estava enganando a sua benfeitora ao não lhe contar nada de sua amizade com Lorde Leighton. Entretanto, por outra parte lhe parecia uma tolice, e inclusive algo presunçoso, o fato de dizer a Francesca que seu irmão e ela tinham estado conversando, ou que lhe tinha pedido que dessem um passeio a cavalo juntos, como se acreditasse que o irmão de Francesca tinha algum interesse sério nela. Assim, guardou silêncio, recordando-se que não tinha passado nada entre eles e que o mais provável era que não acontecesse nada.
Constance passou a noite com Francesca; tomou o jantar em seu quarto, em uma bandeja que lhe subiram as criadas. Mais tarde, já de noite, Maisie entrou no quarto seguida de outros criados, que levavam uma caminha para que a moça pudesse dormir junto a sua senhora.
- Já está, senhora - disse a Constance, sorrindo - Já estou aqui, assim pode
deitar-se. foi muito amável ao me substituir - acrescentou Maisie, e se aproximou de Francesca - Como está?
- Dormiu muito - respondeu Constance - Durante um momento esteve intranqüila,
mas depois despertou, e depois voltou a dormir.
- Bom, não parece que tenha mais febre - disse Maisie. Está bem. Espero que não se contagie, senhorita. Minha senhora se desgostaria muito.
- Não me resfriarei - lhe assegurou Constance - Sou muito forte. assim, diga a Lady Haughston que não se preocupe por isso.
Constance disse ao Maisie que passaria a ver Francesca de novo na manhã seguinte e voltou para seu quarto. De novo, foi-lhe difícil conciliar o sono. Não podia deixar de pensar naquela tarde e no passeio que tinha dado com o Dominic. Tentou afastar as lembranças da cabeça, mas não o conseguiu.
A única coisa no que podia pensar era em vê-lo de novo no dia seguinte.
Na manhã seguinte, depois do café da manhã, Constance foi ver sua amiga, e comprovou que Francesca já não tinha febre e que tinha passado uma boa noite. Era evidente que Maisie tinha a situação sob controle, assim Constance não encontrou nenhum motivo para ficar.
Desceu as escadas com um pouco de confusão. Os homens, conforme tinha ouvido durante o café da manhã, tinham saído cedo a caçar, e não havia nenhum entretenimento previsto para aquele dia. sentia-se um pouco desconjurado sem Francesca, assim pensou em ir à biblioteca, tomar um livro e voltar para seu quarto. Entretanto, aquilo teria sido pouco sociável, inclusive de má educação.
Finalmente, caminhou pelo corredor central até que chegou a uma pequena sala onde havia várias mulheres. Ali estavam sentadas Lady Selbrooke, Lady Rutherford e as duas irmãs Norton, que pareciam menos animadas aquela manhã. Constance não sabia se seu silêncio se devia a que se cansaram muito no dia anterior ou a que a companhia era um grande aborrecimento.
Constance titubeou na porta, pensando em dar a volta, mas as irmãs a viram.
- Senhorita Woodley!
- Por favor, sente-se conosco.
Uma das moças se levantou e tomou Constance pela mão para guiá-la até o sofá onde as duas irmãs estavam sentadas. Dado o entusiasmo de sua saudação, Constance pensou que era a companhia das mulheres mais velhas o que tinha tão sonolentas às moças.
- Desfrutou na excursão a São Edmundo? - perguntou-lhe Elinor Norton.
- Sim, foi muito interessante... - respondeu Constance. Antes que pudesse continuar, sua tia a interrompeu e exclamou:
- É obvio que desfrutou! Como não ia passar bem? Foi muito interessante. Minhas filhas não podiam falar de outra coisa durante o serão de ontem. É uma igreja linda, Lady Selbrooke - disse a sua anfitriã, como se a igreja de São Edmundo fosse um lucro pessoal da dama.
Depois, a tia Blanche continuou falando sobre as muitas virtudes da igreja. junto a Constance, Lydia e Elinor Norton se moveram com inquietação em seus assentos, e Constance viu Lady Rutherford e a Lady Selbrooke intercambiar um olhar de exasperação. Constance notou que se ruborizava de vergonha por causa de sua tia, mas estava claro que a tia Blanche não tinha medida e não se dava conta da reação de sua audiência.
Tentando salvar a sua tia de si mesma, Constance interveio na conversa assim que a mulher fez uma pausa para tomar ar, e perguntou ao Elinor o que tinham planejado sua irmã e ela para aquela tarde.
- Tínhamos pensado em dar um passeio pelo jardim - respondeu Elinor, animando-se um pouco.
- Ouvimos dizer que é lindo - disse Lydia - Gostaria de vir conosco?
- Que boa idéia - disse a tia Blanche -, ir explorar o jardim. Sem dúvida, minhas duas filhas também quererão ir. Eu dei um passeio esta manhã e foi delicioso.
Sua tia cantou os louvores do jardim durante um bom momento. Constance tentou desviar a conversa para as demais presentes na sala, mas foi impossível. Finalmente, Lady Selbrooke se levantou, o que fez que o caudal de palavras da tia Blanche cessasse.
- Sinto muito. Espero que me desculpem - disse a dama com um sorriso tenso -,
mas tenho que falar com a governanta sobre o menu desta noite.
Depois se despediu e saiu.
- Que dama tão distinta. - disse a tia Blanche - É maravilhosa.
- Sim, pobre mulher, tem muito que suportar - concordou Lady Rutherford.
- Seriamente? - perguntou a tia Blanche, com os olhos brilhantes de interesse.
Constance pensou que Lady Rutherford tinha encontrado a maneira de sossegar a sua tia: lhe oferecer a possibilidade de mexericar.
- Teve muitas tragédias em sua vida - continuou Lady Rutherford - Sua filha pequena morreu faz dez ou doze anos. Só tinha dezesseis. Faz só dois anos, seu filho mais velho, o herdeiro, Terence, quebrou o pescoço em uma queda de cavalo. É obvio, ela ficou destroçada. Lorde Selbrooke também. Terence era seu preferido. Era um homem muito bonito; se estivesse vivo, seria ele com quem Muriel... - Lady Rutherford ficou calada e sacudiu a cabeça - Mas já não pode ser. O fato é que morreu, e Dominic passou a ser o herdeiro. Entretanto, receio que Lorde Leighton foi uma decepção para seus pais.
- Em que sentido? - perguntou a tia Blanche indiscretamente, para consternação de sua sobrinha.
- É claro, eles não esperavam que igualasse ao Terence; Terence era muito superior ao resto dos homens. Era um grande cavaleiro, um bom esportista e tão bonito como um deus grego. Fazia bem tudo o que se propunha.
- Parece que era um modelo de virtudes - disse Constance secamente, porque as excessivas adulações de Lady Rutherford estavam conseguindo com que ela sentisse um perverso desagrado pelo defunto.
- Sim, era - respondeu Lady Rutherford com veemência - Era de esperar que Dominic não pudesse estar a sua altura. Entretanto, podia esperar-se algo melhor dele, e não que se dedicasse ao jogo, à bebida e às brigas. Leighton se abandona a todo tipo de vícios em Londres. diz-se que é um dissipado -prosseguiu a senhora, e olhou fixamente a Constance enquanto falava - Além disso, dedica-se a cortejar a moças com quem não pensa casar-se, e faz que acreditem que suas intenções são sérias; é obvio, não o são, e as moças são abandonadas.
Constance apertou os punhos. Sem dúvida, aquelas palavras de Lady Rutherford eram uma advertência para ela. negou-se a mostrar algum tipo de reação à mãe de Muriel, nem a ira nem a incredulidade que sentia. negava-se a aceitar o retrato que aquela mulher tinha feito do Dominic. Era só desprezo por parte de Lady Rutherford, Constance estava segura.
Entretanto, a tia Blanche estava encantada com aquela sórdida história.
- Não! E pensar que parece um jovem tão agradável...
Lady Rutherford se encolheu os ombros.
- Sua ruína sempre foi a bebida, inclusive antes de converter-se no herdeiro de sua casa. Assistiu bêbado ao funeral de sua irmã.
- Não! - exclamou a tia Blanche novamente.
- Oh, sim - afirmou Lady Rutherford - Eu estava ali e o vi. Estava bêbado e gritava. Inclusive atacou Terence e lhe deu uns quantos murros quando seu irmão tentou que partisse do cemitério. Lorde e Lady Selbrooke sofreram uma grande humilhação.
- Imagino! - disse a tia Blanche - Deve ter sido horrível.
- Com efeito. Dominic partiu pouco depois e comprou um posto de oficial nos hussardos. Me parece que Lorde Selbrooke o expulsou de Redfields.
A tia Blanche falou, sacudindo a cabeça. Constance olhou às irmãs Norton, que estavam olhando a Lady Rutherford com os olhos totalmente abertos, embebidas na história. Constance lamentou não saber o que tinha acontecido em realidade, porque queria refutar a versão da outra mulher. Enfurecia-lhe que estivesse contando semelhantes coisas do Dominic, manchando sem escrúpulos sua reputação, e não pôde evitar pensar que Lady Rutherford só o fazia para que Constance ouvisse aquelas fofocas.
- E entretanto - disse Constance com calma, olhando à mulher nos olhos -, acho que Lady Muriel é amiga de Lorde Leighton. Não me parece que uma jovem de reputação irrepreensível queria ser vista em companhia de semelhante vagabundo.
Lady Rutherford abriu os olhos de forma inacreditável e, de repente, ruborizou-se.
- Isso é algo inteiramente diferente - disse, e olhou a Constance com desprezo.
- Seriamente? Acreditava que haviam dito que uma moça não estava a salvo em sua companhia...
- Não estava falando de uma jovem como minha filha, é obvio. Sua reputação é impecável. E Lorde Leighton não se aproveitaria de uma jovem de tão boa família.
- Ah, entendo. Entretanto, as aparências...
- Não pode haver aparência de nada impróprio! - exclamou Lady Rutherford, perdendo os estribos - Muriel está comprometida com Lorde Leighton!
Constance sentiu uma rajada fria por dentro. Leighton comprometido com o Muriel Rutherford? Custou-lhe um esforço sobre-humano manter a expressão inalterada quando, em seu interior, estava gritando que não era certo. Notou que sua tia a olhava, esperando alguma reação por sua parte.
Decidida a não permitir que notassem que as palavras daquela mulher tinham suposto um duro golpe para ela, disse com frieza:
- Seriamente? Pois não entendo como permitiu que sua filha se comprometa com um homem como o que descreveu.
Os olhos pálidos de Lady Rutherford estavam ardendo.
- Entre os de nossa classe, senhorita Woodley, os matrimônios são alianças familiares, não um estúpido assunto de amor. Os FitzAlan são uma família proeminente.
Dominic será o conde do Selbrooke algum dia. Essas são as coisas importantes que terá que ter em conta, não as fraquezas pessoais de um homem jovem.
- Ah, sim - replicou Constance - Entendo que muita gente considera mais importante casar-se para melhorar a posição própria que casar-se com uma pessoa perfeita.
A Lady Rutherford lhe saíam os olhos das órbitas. Por um instante, Constance acreditou que ia jogar o bastidor de seu bordado em seu rosto. Pensou que teria preferido semelhante exibição por parte de Lady Rutherford, porque aquilo lhe teria demonstrado a frustração que seu comentário tinha causado a aquela mulher. Constance lhe tinha assinalado com clareza que sua filha Muriel ia casar se para alcançar uma posição social mais elevada. Os Rutherford eram da pequena nobreza. Lorde Rutherford era um barão com um título sem antigüidade, enquanto que os FitzAlan eram uma família aristocrática desde séculos atrás. O nome dos Rutherford não era mais nobre que o dos Woodley.
Semelhante aviso mortificaria a Lady Rutherford, mas, entretanto, não haveria forma de que retirasse sua afirmação sobre o compromisso de sua filha, posto que já o havia dito publicamente.
- Constance! - disse a tia Blanche por fim - Seriamente, que rabugice.
- Rabugice? - perguntou Constance com inocência - Ah, não queria ser impertinente, tia. Sinto muito, Lady Rutherford. Pensava que isso era o que estavam dizendo.
Lady Rutherford a fulminou por enésima vez com o olhar.
- Não espero que entenda semelhantes coisas.
- Sim, acredito que têm razão - conveio Constance - E agora, se me desculparem, senhoras, acho que irei dar um passeio pelo jardim.
Despediu-se de cada qual por seu nome e depois saiu da sala pausadamente. Não queria que ninguém notasse o desesperadamente que desejava sair correndo do jardim, afastar-se todo o possível de Lady Rutherford e da dor que lhe tinham causado suas palavras.
Dominic estava comprometido!
No jardim, ouviu o som de vozes, e tomou então a direção oposta. Seguiu um caminho que a levou até um banco escondido entre os ramos das árvores e ali se sentou para tentar acalmar-se.
O que lhe dizia o instinto, acima de tudo, era que Lady Rútherford tinha mentido. Leighton não podia estar comprometido com aquela moça fria e desagradável. Lady Rutherford o havia dito só para ferir Constance ou para lhe advertir de que se separasse do homem que, evidentemente, tinha escolhido sua filha.
Entretanto, Constance sabia que aquilo era improvável. Se Lady Rutherford tinha proclamado publicamente que estavam comprometidos e logo se soubesse não ser certo, a dama sofreria uma grande humilhação. E aquela mulher não se arriscaria a que todo mundo soubesse que tinha mentido.
Assim, a contra gosto, Constance teve que admitir que Dominic lhe tinha mentido. Aquilo lhe fazia muito dano. Não era que Dominic lhe tivesse mentido diretamente, mas a totalidade de suas ações desde que se encontraram tinha sido uma grande mentira. Nem sequer lhe tinha mencionado que tinha uma noiva. Nunca tinha mencionado o nome de Muriel. Além disso, tinha flertado com Constance, tinha-a procurado em várias ocasiões e tinha falado com ela como se não tivesse nenhum vínculo com outra mulher. E pior, muito pior que isso, tinha-a beijado! Moral e legalmente atado a outra mulher, tinha se insinuado a outra. Seu comportamento era o de um velhaco, e Constance soube que sua única intenção tinha sido seduzi-la. Devia ser, tal e como havia dito Lady Rutherford, um mulherengo.
Constance sentiu uma amarga decepção. sentiu-se ferida e traída. Doía-lhe saber que Dominic estava comprometido com outra mulher, mas lhe doía inclusive mais dar-se conta de quão equivocada tinha estado ao valorizá-lo.
Lentamente, com tristeza, levantou-se do banco e voltou para a casa. Subiu seu quarto e fechou a porta; ali se sentou junto à janela. Queria ir-se, fazer as malas e sair dali, mas era impossível. Não podia dar explicações de por que não queria ficar mais no Redfields.
Devia permanecer na casa, e também, claramente, devia evitar a Lorde Leighton. Entretanto, não podia ficar encerrada em seu quarto, como era seu desejo. Isso seria impossível, e além disso, uma covardia. Além disso, negava-se a que ninguém se desse conta de que as ações do Dominic, ou as palavras de Lady Rutherford, tinham-na incomodado de nenhum modo.
Uma vez que tomou sua decisão, saiu ao corredor e se encaminhou para o quarto de Francesca. Ali se ofereceu para cuidar de sua amiga enquanto Maisie tomava outro descanso. Francesca despertou ao ver Constance e sorriu fracamente. Estiveram juntas até a hora do jantar.
Constance desceu então a sala de jantar e observou atentamente a todo mundo. Rapidamente, viu o Dominic ao outro lado da sala, falando com o senhor Norton e suas irmãs. Ele ergueu a vista e a divisou; então, um sorriso se desenhou em seus lábios. Constance afastou o olhar, procurando alguma outra conversa a que unir-se. Pela extremidade do olho, viu que Lorde Leighton deixava o grupo dos Norton e começava a andar em direção a ela. Rapidamente, Constance se desviou para a esquerda. Sua tia estava sentada junto à parede, e se uniria a ela, se não restasse mais remédio.
Felizmente, sir Lucien, que estava conversando com o Alfred Penrose, voltou-se naquele momento, viu-a e sorriu.
- Ah, querida senhorita Woodley, me alegro de vê-la. Conhece senhor Penrose, não é assim?
- Sim, claro que sim. Me alegro de vê-lo novamente, senhor Penrose – disse Constance, com um sorriso de alívio, tão ampla que Penrose se ergueu e a olhou com interesse.
Conversaram um pouco sobre a visita à igreja; sir Lucien disse, com certo brilho de malicia no olhar, que sentia muito haver a perdido.
- Verdadeiramente, senhor, perdeu-se uma agradável excursão - lhe disse Constance - Foi muito interessante.
O senhor Penrose a olhou com tal assombro que a Constance lhe escapou uma risinho.
- Foi um aborrecimento - disse Penrose ao Lucien sem olhar - A menos que seja um desses tipos poéticos que gosta de passear pelos cemitérios. Ou olhar efígies de gente que morreu faz quatrocentos anos. Dá-me calafrios.
- Ah, senhorita Woodley, o senhor Penrose a envergonhou com sua franqueza. Agora me diga, seriamente desfrutou da excursão?
Constance riu.
- Não vai conseguir que a critique, sir Lucien. Receio que devo ser uma dessas pessoas que gostam das efígies. É uma igreja histórica, e eu não a conhecia, assim desfrutei, sim.
- Ah, ah, senhorita Woodley. Alegra-me ver que é uma firme defensora de nossos pequenos entretenimentos campestres.
Constance se voltou rapidamente ao ouvir o som da voz do Leighton. Ele se tinha aproximado do grupo e estava atrás dela. Sorriu, e ela sentiu um comichão no estômago.
Durante um instante, sua determinação vacilou. Lorde Leighton não podia ser o homem que Lady Rutherford havia descrito. Não podia ser um canalha que perseguisse as mulheres enquanto estava comprometido.
Entretanto, pensou, um mentiroso não teria êxito com seus enganos se tivesse um rosto sincero. Constance se endureceu e se limitou a assentir para saudá-lo, mas nada mais.
- Lorde Leighton.
Depois se voltou para o Lucien, que saudou afetuosamente a Lorde Leighton, como Penrose. Leighton deu um passo para eles para unir-se ao grupo. Constance evitou olhá-lo e, felizmente, sir Lucien iniciou com ele uma conversa, de modo que ela não teve que falar mais. Quando, uns momentos mais tarde, a conversa dos homens diminuiu, Constance olhou ao outro lado da sala, onde estava sua tia, e se desculpou dizendo que tinha que falar com ela.
Acenou em geral para os três cavalheiros. Sir Lucien e o senhor Penrose sorriram e se inclinaram; entretanto, Constance se deu conta de que Lorde Leighton a olhava com os olhos entrecerrados. Ela deu a volta e se afastou antes de que ele pudesse falar.
Pareceria algo estranho e óbvio que ele a seguisse naquele momento, assim estava segura, ao menos, até que chegasse a hora da comida.
Viu-se obrigada a suportar o falatório incessante de sua tia, mas acertou em sua hipótese de que Leighton não se aproximaria dela; mais tarde, durante o jantar, estavam situados em extremos opostos da mesa, e Constance estava sentada entre sir Lucien e Cyril Willoughby. A comida passou agradavelmente, como o resto da noitada. Ela teve a precaução de sentar-se entre a senhorita Cuthbert e sua prima Margaret. A senhorita Cuthbert não disse nada, e sua prima Margaret falou muito; assim, Constance não tinha escolhido uma posição em que pudesse desfrutar da noite, mas se assegurou de que era impossível para Lorde Leighton sentar-se junto a ela quando os homens retornassem do salão de fumantes.
Aquela noite, quando se despediu para subir para deitar-se, não pôde evitar olhar de esguelha ao Leighton de caminho à porta, e descobriu que ele a estava olhando com o cenho franzido. E teve que pagar por ter se retirado tão cedo, porque não conseguiu conciliar o sono até várias horas depois.
Na manhã seguinte despertou cansada e sonolenta, e decidiu saltar o café da manhã. Só tomou chá e uma torrada que lhe subiram em uma bandeja. Depois colocou seu melhor vestido de dia, pensando em que se animaria se visse bem arrumada. Quando terminou de vestir-se, foi ver Francesca. Ainda estava doente, mas se encontrava muito melhor. Constance ficou com ela, lendo para ela durante um bom tempo até que Francesca sentiu sono de novo.
Depois, Constance desceu as escadas e se dirigiu para a sala onde tinha estado no dia anterior com as outras mulheres. Ia entrar, mas viu Lorde Leighton sentado junto à janela, com uma expressão de supremo aborrecimento. Rapidamente se escabulló pelo corredor para a estufa.
- Senhorita Woodley!
Constance ouviu seu nome, e involuntariamente olhou para trás. Leighton tinha saído da sala e estava olhando-a. Sem responder, Constance atravessou a porta da estufa. Saiu ao jardim, e quase tinha chegado ao caminho quando ouviu seu nome de novo, naquela ocasião mais alto. Leighton a tinha seguido.
Ela não olhou para trás, mas sim seguiu avançando pelo caminho. Ouviu os passos do Dominic no cascalho, atrás dela, e soube que seria impossível fugir dele.
- Constance! - disse ele - Demônios, quer parar?
Ela se virou para ele.
- O que?
- Por que foge de mim?
- Por que me segue? - replicou ela.
- Porque não quer falar comigo - respondeu Leighton, com cara de poucos amigos - Que demônios se passa? por que me está evitando?
Constance se ergueu e respondeu com frieza:
- Não tenho costume de passar tempo a sós com homens que estão comprometidos com outras mulheres.
- Comprometido! - repetiu ele, e a olhou sem entender nada durante um instante, até que a ira escureceu seu semblante - Comprometido? - deu dois passos e a tomou pelos pulsos. - Parece-lhe que isto é próprio de alguém comprometido?
Então a puxou e a apanhou passando o braço pela cintura, e mantendo-a junto a si, beijou-a.
Constance estava muito assombrada para mover-se ou protestar. Dominic a abraçava com tanta força que não podia mover-se, e a beijava de uma forma abrasadora. Ela tremeu, sem dar crédito ao desejo que lhe percorria o corpo por causa daquele beijo. De repente, sentia-se grosseiramente viva e receptiva às carícias e as sensações. Sentia o sangue correndo pelas veias.
Levava dias pensando naquele beijo, tinha sonhado com ele; entretanto, nenhum daqueles sonhos podia comparar-se à realidade. Ele afrouxou os braços e deslizou as mãos pelas costas, pelos flancos, lhe roçando os lados dos seios com os dedos enquanto baixava as mãos até sua cintura e seus quadris.
Dominic tinha os dedos estendidos para abranger o mais possível do corpo de Constance; sua pele estava quente e a abrasava através da musselina de seu vestido. Adaptou as mãos às curvas de suas nádegas, acariciando-a e apertando-a, e afundou os dedos em sua carne suave para apertá-la contra si, para que ela sentisse a longitude dura de seu desejo apertando-a no abdômen.
Constance tremeu de desejo. Queria que seus corpos se fundissem em um. Sentiu uma dor entre as pernas, e não soube o que queria, mas sabia que o desejava profundamente. Ele afastou a boca e murmurou seu nome com um sussurro grave, tremente. Beijou seu rosto e o pescoço, e ela deixou cair para trás a cabeça para lhe oferecer a garganta.
Enquanto a devorava, Dominic deslizou as mãos para a parte dianteira de seu corpo e tomou os seios. Ela estremeceu e se moveu com inquietação, desejando mais e mais, mas sem saber o que fazer. Moveu as mãos por instinto e as passou pela nuca do Dominic, e as enterrou em seu cabelo.
De repente, ouviram o som de uma risada e o murmúrio de vozes femininas. Dominic ficou tenso, e rapidamente, olhou a seu redor. Tomou a Constance pelo braço e a tirou do caminho. Guiou-a, cruzando a erva, até uma sebe alta e densa, atrás da qual havia um caramanchão coberto de parra.
Escondidos ali, em sua profunda sombra, esperaram com todos os sentidos alerta, enquanto o som das vozes se aproximava. Constance olhou ao Dominic. Ele tinha o rosto virado e estava olhando entre as folhas de parra para o caminho onde tinham estado uns segundos antes. Constance se deu conta de quão expostos tinham estado, do facilmente que teriam podido vê-los se alguém tivesse estado passeando por ali. Sabia o dano que teria podido lhes fazer se os tivessem surpreendido em uma situação tão comprometedora; sua reputação teria ficado destruída.
Entretanto, inclusive sabendo aquilo, não era o medo o que lhe impregnava até os ossos; era o calor da paixão que ele tinha aceso com seus beijos e suas carícias.
Constance notava que seu corpo ainda vibrava de prazer, ainda pulsava de desejo. Ele teria podido sair-se com a sua e ela não teria feito nada por detê-lo. Como podia ser tão fraca?
As irmãs Norton e Lorde Dunborough apareceram por fim, passeando pelo caminho, e prosseguiram tranqüilamente sem dirigir o olhar para o lugar onde Constance e Dominic estavam ocultos. Dominic os observou até que desapareceram em direção a alameda. Então se relaxou e soltou os ombros de Constance. Ela se separou dele e começou a sair do caramanchão, mas ele a agarrou pelo pulso.
- Não, espere!
- Me solte! - disse ela - Ou vai forçar me aqui mesmo, no jardim de sua mãe?
Ele apertou os lábios.
- É obvio que não - respondeu com aspereza.
- Então, me solte.
Ele obedeceu e lhe soltou o pulso. Depois ergueu as mãos como querendo lhe dar a entender que não ia voltar a tocá-la.
- Desculpe meu comportamento. Estava zangado e... isto não é uma desculpa. Não deveria tê-la agarrado nem... -ao recordar tudo, seus olhos se obscureceram, e seu olhar se fixou durante um instante nos lábios de Constance.
Ela se ruborizou e se virou.
- Espere, por favor - rogou ele, com uma voz mais suave e mais baixa – Nem sequer me vai conceder a oportunidade de me defender? É tão injusta para me condenar sem me escutar primeiro?
- Como se atreve? - replicou Constance - por que se comporta como se eu fosse quem tem feito algo mal? Você é que está se impondo a uma mulher, retendo-a aqui contra sua vontade.
- Não a estou retendo. Por favor, sinto me haver comportado assim. Só estou lhe pedindo que me escute.
Ela cruzou os braços.
- Está bem. Escutarei-o.
- Obrigado.
Então, Dominic a conduziu ao mais profundo do jardim, a uma clareira onde havia um banco de madeira protegido sob a sombra de um salgueiro. Estavam separados de qualquer caminho. Dominic e Constance se sentaram no banco um frente ao outro, um pouco afastados.
- E agora, me conte - pediu ele - O que é ouviu? por que pensa que estou noivo?
- Disse-me isso a própria Lady Rutherford - respondeu ela - Me disse que está comprometido com sua filha Muriel.
Ele arqueou as sobrancelhas.
- Seriamente? - perguntou, pensativamente - Deve estar muito segura de si mesma. Ou muito desesperada.
- Não me parece provável que ela minta sobre algo assim. Seria muito vergonhoso que a surpreendessem em tal engano.
Ele assentiu.
- Sim. Entendo por que acreditou nela. De qualquer modo, é mentira. Não estou comprometido com Muriel Rutherford. Nunca o estive e nunca o estarei. Prometo-lhe isso.
Tremeram as mãos de Constance devido ao alívio que sentiu. De repente, sentiu uma leveza no peito e sacudiu a cabeça, sem saber o que dizer.
- Acredita em mim? - perguntou ele - Prometo que estou dizendo a verdade. Pergunte a Francesca. Pergunte a meus pais. Nunca fiz uma oferta à Muriel.
Constance o olhou fixamente.
- Sim - lhe disse - Sim, acredito em você.
O alívio se refletiu também no rosto do Dominic, e lhe sorriu. Depois tomou a mão e a levou aos lábios.
- Obrigado.
Então, beijou-lhe a palma e, depois, a posou sobre a face.
Constance cedeu a aquele momento de debilidade e apoiou a cabeça em seu braço; depois, com um suspiro, ergueu-se.
- E por que Lady Rutherford fez uma afirmação cuja veracidade é tão fácil de comprovar?
Ele encolheu os ombros.
- Suponho que tinha a esperança de que você não se atrevesse a me perguntar isso diretamente, que assumiria que eu te estava enganando. Ou possivelmente pensasse que podia me obrigar a aceitar um fato consumado se o anunciasse publicamente.
- E por que ia pensar algo assim?
- Porque Lady Rutherford não me conhece. Está acostumada a dobrar a outros para que se submetam a sua vontade. Seu marido e seus filhos a obedecem em tudo. Sei o altiva que é Muriel, e o mau caráter que tem, e o muito que quer sair-se com a sua. Mas também sei que não se atreve a zangar sua mãe. Suponho que Lady Rutherford pensou que também poderia me obrigar a agir a seu desejo.
Dominic suspirou e ficou em pé. Começou a caminhar de um lado a outro enquanto continuava falando:
- Não há nenhum compromisso, nem o mais mínimo entendimento entre o Muriel e eu. Entretanto, meus pais desejam que me case com ela. estiveram tentando me convencer desde o dia em que me converti em herdeiro do título. Meus pais o desejam, e Lady Rutherford o deseja, o que significa que Lorde Rutherford também o deseja.
- E se toda essa gente o deseja, você acabará cedendo finalmente?
- Não! - respondeu ele com veemência - Deus, não! Preferiria levar a uma víbora à cama que me casar com o Muriel. De fato, não acredito que haja diferença entre as duas.
- E seus pais não se dão conta de que você não deseja essa união?
Dominic emitiu um bufo de desprezo.
- Meus pais não se importam com o que eu pense a respeito. Isso não é importante. O que é importante para eles é o patrimônio familiar. A família. Redfields é um imóvel muito grande, mas a terra leva muitos anos acumulando dívidas. A família necessita de uma injeção de capital. Meu pai me escolheu como bode expiatório para conseguir o resultado que deseja.
- E os Rutherford são ricos?
- Muito ricos. Apesar de todas suas pretensões, o título de Lorde Rutherford não é antigo, e tem um rastro de comércio em seu passado. O avô de Lady Rutherford fez fortuna na indústria da lã; ganhou tanto dinheiro que lhe foi fácil conseguir que seu filho se casasse com uma aristocrata e que sua neta se casasse com um barão. Agora, Lady Rutherford está ansiosa para que sua filha se converta em condessa.
- Já entendo.
- Arquitetaram este plano entre meu pai e Lady Rutherford. Convém a eles, e os desejos daqueles que estão envolvidos são corriqueiros. Alguém deve cumprir com seu dever. O mais importante é a família.
- E o que opina Muriel?
- Acredito que ela está de acordo. É ambiciosa e orgulhosa, como sua mãe. Deseja casar-se com um conde porque não pode aspirar a nada mais alto. Se acreditasse que tinha alguma possibilidade com o Rochford, me acredite, tentaria-o. Sem dúvida, eu ocuparia um lugar muito baixo em sua lista de preferências a não ser porque está começando a se desesperar... Verá, acredito que pensa que eu lhe professo pouco respeito a minha posição - explicou Dominic, e esboçou um sorriso - Mas certamente pensa que poderá acabar com toda minha ligeireza por minha parte quando nos casarmos.
- Imagino que é capaz - conveio Constance - Devo confessar que me alegro de que não queira se casar com ela. Não me pode cair bem a senhorita Rutherford.
- Nem a mim. Sabia que meu pai tinha a esperança de que pudesse me forçar a aceitar o compromisso nesta festa. Por isso não queria vir estes dias - disse Dominic. Fez uma pausa, e depois a olhou fixamente - Até que Francesca me disse que iria vir.
Constance também o olhou, mas afastou a vista rapidamente. A calidez de seus olhos a inquietava. alegrou-se muito ao saber que Lady Rutherford tinha mentido, mas também era consciente de que o pai do Dominic seguia tendo os mesmos motivos que antes para querer que seu filho se comprometesse com uma herdeira. Dominic não podia ser para ela. Não lhe tinha mentido, nem se tinha comportado como um canalha, mas, de qualquer modo, algum dia teria que casar-se para agradar a sua família. Constance soube que seria uma tolice deixar cair por aquela colina escorregadia que levava para o amor.
- Mas você não é dos que evitam suas responsabilidades - lhe disse.
Dominic a observou e respondeu em voz baixa:
- Não. Suponho que não. Embora haja feito tudo o que pude para ignorá-las durante estes dois últimos anos.
Constance o olhou. Tinha a mandíbula apertada, e sua habitual expressão de alegria se desvanecera. Ao vê-lo assim, a Constance não custava nenhum esforço acreditar que era um homem capaz de ir à guerra por seu país, que tinha lutado, e sangrado, e levado a seus homens à batalha. Conhecia o sacrifício. Constance alongou o braço e posou a mão suavemente sobre a dele. Era o mesmo gesto de consolo que tinha feito quando estavam frente à tumba de sua irmã. Dominic sorriu e levou a mão de Constance até os lábios para lhe beijar o dorso. Ela sentiu um calafrio de prazer e puxou a mão. Depois se virou e começou a falar.
- Eu estive a ponto de me comprometer uma vez - lhe disse.
- A ponto?
- Sim. Ele me pediu que nos casássemos, mas eu lhe disse que não podia aceitar.
- Não o queria?
- Sim. Ou acreditava nisso. Possivelmente não seja amor se a gente pode recuperar-se com tanta rapidez como me recuperei eu.
- Mas o rechaçou.
- Não podia me casar com ele. Meu pai estava doente. Eu tive de cuidá-lo durante sua enfermidade - disse, e olhou ao Dominic significativamente - Entendo o que é o dever, e sua prioridade sobre as demais coisas.
- E o que foi desse homem? O que fez?
Constance encolheu os ombros.
- Aceitou. Continuou com sua vida. casou-se dois anos depois.
- Foi um idiota - grunhiu Dominic, cravando seu olhar no dela - Foi um idiota por não esperá-la.
Constance ficou sem fôlego. Dominic lhe enviava uma mensagem de desejo com aquele olhar quente e intenso. Ela recordou como a tinha acariciado, recordou o sabor de seus lábios. E inconscientemente, inclinou-se para ele.
Em um instante, as mãos do Dominic estavam sobre seus braços. Puxou ela e a colocou sobre o regaço para beijá-la. E a beijou, longamente, profundamente, enquanto ela se pendurava dele, obstinada a seu pescoço. Parecia que tinha perdido todo o pudor e o acanhamento. apertou-se atrevidamente contra ele, lhe devolvendo o beijo.
Com a mão livre, Dominic percorreu seu corpo, e com impaciência, deslizou os dedos pelo decote de seu vestido. Encontrou a suave pele de seu peito e o acariciou. Constance se sobressaltou ao notar o roçar de seus dedos na carne nua, mas depois de um instante de perplexidade, sua pele respondeu com um comichão e um calor inusitados.
Nada a tinha preparado para as coisas que lhe estava fazendo Dominic, para as sensações selvagens que lhe estava provocando. Quando acariciou seus seios, estes incharam e através deles rios de prazer lhe percorreram o corpo.
Constance devolveu todos os beijos ao Dominic, e notou como ele se endurecia contra seu quadril, como seu desejo lhe pressionava a carne suave, e ela se moveu com inquietação em seu regaço. Dominic emitiu um som abafado, e seus lábios abandonaram a boca de Constance para lhe beijar freneticamente o pescoço e a planície branca de seu torso. Encontrou os suaves montículos de neve de seus seios e beijou com suavidade a carne trêmula, abrindo caminho entre o vestido até o botão carnudo de um mamilo. Beijou-o delicadamente, e o prazer que provocou a Constance foi como uma explosão de calor candente entre suas virilhas. Constance emitiu um gemido de gozo e surpresa, e sentiu uma risada suave, masculina e algo petulante contra sua pele. Teria rechaçado aquele som a não ser porque foi seguido, um instante depois, pelo toque quente e úmido de sua língua, que lhe rodeou o mamilo e ao segundo conseguiu que ela se arqueasse e que todo seu corpo se esticasse.
Constance afundou as mãos entre seu cabelo. Justo quando pensava que não podia sentir nada mais prazenteiro que o contato de sua língua, ele abriu a boca e capturou seu mamilo, cobrindo-o com uma umidade cálida que a fez tremer. Com cada sucção do Dominic, sentia uma excitação mais e mais intensa, uma satisfação mais profunda. Instintivamente, Constance se moveu contra ele, acariciando-o com o quadril, arqueando as costas para trás, lhe oferecendo seu corpo. Dominic grunhiu em resposta a seus movimentos, e seguiu lhe sugando o seio apaixonadamente. Ao mesmo tempo, deslizou-lhe a mão entre as pernas, procurando o centro ardente de seu desejo. Constance se sobressaltou e fechou as pernas com força para lhe negar o acesso. Entretanto, Dominic moveu os dedos ritmicamente, acariciando-a através da roupa, brincando e, sem dar-se conta, ela abriu as pernas convidando-o, sem palavras, a que prosseguisse.
Ficou entre seus braços, lassa, nublada pelo desejo, exposta a ele de um modo que nada tinha que ver com a nudez da carne, mas sim de algo muito mais profundo. Sabia que queria que tomasse, que queria sentir ao Dominic tão intimamente como fosse possível, que queria que ele a enchesse. Queria pertencer-lhe por completo.
- Dominic... - sussurrou com um suspiro - Por favor...
Aquelas palavras o sobressaltaram, e ele ergueu a cabeça.
- Dominic? - repetiu Constance, e o olhou.
Ele tinha o rosto invadido pelo desejo, os olhos meio fechados, a mandíbula apertada. Sua luta por recuperar o controle estava refletida em seu semblante.
- Deus Santo – disse com uma exalação tremente, e fechou os olhos - Não devo... Não podemos...
Constance ficou imóvel durante um momento, ainda muito absorta na mescla de desejo e confusão que a tinha embargado. De repente se deu conta de onde estava, do que estava fazendo. ruborizou-se e se separou dele, subindo o vestido sobre os seios nus.
- Eu... tenho que ir - disse com a voz abafada, à beira das lágrimas. O que tinha feito? O que ia pensar Dominic dela?
- Espere... - lhe rogou ele com a voz rouca. Tomou pelos ombros e fez voltasse para olhá-lo. Então lhe disse - Desejo-a. Desejo-a mais do que nunca tenha desejado a alguma mulher. Mas não posso... não lhe farei mal.
Constance não podia falar. Assentiu e ficou em pé. Depois virou-se e se dirigiu apressadamente para a casa enquanto arrumava o cabelo e colocava as forquilhas. Rezou para não encontrar ninguém, porque por muito que se recompusesse, temia que seu rosto revelasse exatamente o que tinha estado fazendo. Entrou na casa, percorreu depressa o corredor, subiu as escadas e se encerrou em seu quarto. Ali se deixou cair sobre uma cadeira.
Durante um longo tempo ficou imóvel, deixando que cessasse o tremor de seu corpo e que lhe acalmasse a mente. Finalmente ficou em pé e caminhou até o espelho. Tinha os olhos brilhantes, as faces rosadas e os lábios escuros e cheios, quase arroxeados. Parecia exatamente o que tinha ocorrido: que a tinham beijado apaixonadamente. Estava mais bonita que nunca. Com toda clareza, a indecência a favorecia. Sacudiu a cabeça e se separou do espelho.Voltou à cadeira e se sentou.
Durante toda sua vida, tinha recebido advertências contra os pecados da carne. E se deu conta de que, até aquele dia, não sabia a que se referiam os que lhe faziam aquelas advertências.
Ela tinha querido entregar-se ao Dominic. Em realidade, não o tinha feito por causa da contenção dele, não da sua. Ela estava consumida de desejo; a paixão se apropriara dela como um redemoinho.
Recordou as sensações que havia sentido, as chamas que lhe tinham abrasado as entranhas, quentes e ansiosas, e voltou a ruborizar-se de novo. Nunca teria pensado que nela residia uma natureza tão ardente. Não a tinha experientado em sua vida, e lhe entusiasmava a paixão que lhe corria pelas veias. Não queria perder aquele sentimento. Queria sentir mais, francamente. Queria aprender o que ocorria entre um homem e uma mulher, e queria que fosse Dominic quem o ensinasse. O que ocorreria se ela ia a ele aquela noite? Se entregava-se a ele? Beijá-la-ia até que o mundo desaparecesse e só ficasse seu prazer compartilhado? Ou se refrearia de novo, contrário a permitir que ela sacrificasse seu bom nome?
Porque aquele era o único resultado de abandonar-se entre os braços do Dominic. O futuro conde do Selbrooke não podia lhe oferecer o amparo de seu nome. Embora ela tivesse acreditado quando lhe havia dito que não ia casar se com Muriel Rutherford, Constance entendia que Dominic devia casar-se com alguém de fortuna. Era seu dever para a família. Não podia permitir que seu antiquíssimo patrimônio se arruinasse. Como cabeça da família, devia fazer todo o necessário para manter a posição dos FitzAlan. Dominic não era dos que evitavam seu dever. Cumpriria com sua responsabilidade, e sua responsabilidade era fazer um matrimônio vantajoso.
Casar-se com ela seria ruinoso para o Dominic. Constance sabia, além disso, que não havia nenhuma razão para pensar que ele queria casar-se com ela. Não tinha havido palavras de amor entre eles, só um redemoinho quente de desejo. Ele a desejava, sim, mas não a queria. Não podia permitir o luxo de querê-la. Constance devia manter a cabeça clara. Desejava ao Dominic, mas, seria suficiente ter sua paixão sabendo que nenhuma vez teria seu amor nem seu sobrenome? Estava disposta a arriscar tudo pelo desejo?
O momento central do convite dos FitzAlan era um baile que se celebrou duas noites depois. Constance colocou seu melhor traje, um vestido de cetim rosa claro coberto por uma túnica de bordado branco, que se abria por um lado e deixava à vista a saia do vestido. Levava o cabelo recolhido de tal forma que os cachos lhe caíam pela nuca até os ombros, e adornado com diminutas rosas de cetim e laços.
Constance se olhou ao espelho e pensou que o dinheiro que se gastara naquele vestido valia a pena. Sorriu, pensando na cara que poria Dominic quando a visse. Dominic e ela se comportaram com circunspeção desde aquela tarde no jardim. Não se tinham evitado o um ao outro, mas tampouco se viram a sós. Tinham falado, mas unicamente quando estavam acompanhados por outras pessoas, e ele tinha evitado tocá-la de maneira nenhuma, nem sequer tomar a mão em uma reunião nem lhe oferecer o braço para percorrer o corredor.
Parecia que estava decidido a não comprometê-la, e ela, insegura de seus próprios sentimentos, não fez nenhum esforço para animá-lo a nada mais. E, entretanto, sempre que Leighton estava no mesmo aposento que ela e se olhavam, o ar que havia entre eles se carregava de tensão.
Constance suspeitava que não estava bem de sua parte o fato de desejar que a ele acendessem os olhos de desejo quando a visse aquela noite, com aquele vestido. Entretanto, não pôde obrigar-se a levar outra coisa. Antes de descer ao salão, passou a recolher Francesca em seu quarto; aquele era o primeiro dia que sua amiga passava fora da cama, e embora ainda não estivesse restabelecida por completo, não tinha querido perder o baile.
Francesca sorriu ao vê-la entrar em seu quarto.
- Está muito bonita.
- Não tanto como você - respondeu Constance com sinceridade.
Seria bastante difícil estar mais bonita que Francesca, que era a viva imagem da elegância, vestindo um traje negro de tul e cetim, de manga longa e transparente, e com o cabelo loiro derramando-se o pelas costas em uma cascata de cachos.
Francesca sorriu.
- É muito amável por me dizer isso, mas temo que não se dá conta de sua própria belleza.Vamos. Desçamos e deslumbremos a todo mundo.
Tomou Constance pelo braço e juntas desceram as escadas e percorreram o corredor até chegar a um enorme salão que havia na parte traseira da casa. Como a estufa continua, tinha saída para a terraço, e aquela noite todas as janelas estavam totalmente abertas para permitir que entrasse a brisa fresca.
O salão estava decorado em cores brancas e douradas, e iluminado por três lustres de cristal pendurados em fila no centro do salão. Também havia spots de cristal nas paredes. Os músicos estavam situados ao final da sala, sobre um pequeno estrado, discretamente dissimulado por infinidade de plantas. Havia Ramos de rosas em vasos que perfumavam com seu aroma todo o aposento.
Constance respirou profundamente, pensando em como era linda aquela cena. Parecia-lhe o mais belo dos bailes a que tinha ido, embora não sabia o que era exatamente o que fazia dele um evento tão perfeito. Possivelmente sua beleza estivesse originada pela excitação e a alegria que lhe enchia o peito.
Francesca e ela fizeram um circuito pelo salão, detendo-se para falar com todo mundo. Aos hóspedes que tinham passado toda a semana na casa se somaram os convidados ao baile, gente da zona e outros que tinham ido unicamente à celebração e que voltariam para suas casas no dia seguinte. Junto a uma das portas que davam a terraço, encontraram-se com o duque do Rochford, tão elegante e formidável como sempre. Havia uma moça a seu lado, e embora seu rosto tinha tanta animação como severidade a do Rochford, havia uma semelhança entre eles que denotava seu parentesco.
Constance não se surpreendeu quando, depois de lhes fazer uma ligeira reverência a Francesca e a ela a modo de saudação, o duque disse:
- Senhorita Woodley, me permita que lhe apresente a minha irmã, Lady Calandra.
- Minha senhora, é uma honra conhecê-la -disse Constance à moça, que sorriu com os olhos brilhantes.
- O prazer é meu, lhe asseguro - respondeu Calandra, estreitando a mão a Constance - Estava desejando que chegasse esta noite. Passei o último mês no Bath, com a avó, e ali tudo é muito aborrecido. Entusiasmei-me quando Sinclair me deu a notícia de que havia um baile.
Ao contrário que seu irmão, Lady Calandra não era alta, mas tinha o cabelo do mesmo negro brilhante e os olhos igualmente escuros. Tinha traços retos e bem formados, cheios de vivacidade, e uma covinha na face.
Conversou com Francesca e Constance com uma atitude aberta e alegre que se diferenciava muito do comportamento formal de seu irmão. Era muito mais jovem que Rochford, entretanto, não parecia que se sentisse intimidada por ele, coisa que surpreendeu a Constance, porque ela achava que Rochford era uma figura intimidante.
- Devem vir me visitar - disse Calandra a Constance com entusiasmo - Rochford não volta para Londres até a semana que vem, e eu estarei sozinha na casa até então, bom, salvo pelo Rochford, claro, e ele não me faz companhia quando estamos no campo, porque sempre está falando com o administrador e fazendo as contas... – então olhou por cima do ombro de Constance e sorriu-. Leighton! Me alegro muito de o ver!
Constance sentiu um comichão ao ouvir o nome do Dominic, e se voltou a saudá-lo com cuidado de não parecer ansiosa.
- Lorde Leighton.
- Lady Calandra. Rochford. Francesca - disse Dominic, e depois se voltou para Constance - Senhorita Woodley.
Seu olhar foi tudo o que Constance tinha esperado. Ela se ruborizou e baixou os olhos como se supunha que devia fazer uma moça modesta. Entretanto, em seu caso, Constance sabia que o fazia mais para esconder o calor de seu olhar que para agir de uma maneira apropriada.
- Espero que me conceda a próxima dança, senhorita Woodley - lhe disse Dominic.
Constance murmurou uma frase de assentimento e posou a mão no braço que lhe oferecia. As três pessoas que deixaram atrás ficaram observando-os enquanto começavam a dançar.
depois de um momento, Rochford disse em tom ligeiramente zombador:
- Ah, ah, Lady Haughston, acaso lhe parece que é esportivo ganhar nossa aposta desta maneira?
As duas mulheres o olharam, confundidas.
- A que se refere? - perguntou-lhe Francesca.
- Apostou, querida senhora, que encontraria um marido para a senhorita Woodley antes de que terminasse a temporada. Não me parece justo que a tenha emparelhado com seu próprio irmão.
Francesca ficou imóvel, olhando-o fixamente.
- Como?
- De que fala, Sinclair? Que aposta? - perguntou-lhe sua irmã.
- Não é nada - lhe disse Francesca rapidamente, ruborizada - Temos uma aposta tola, isso é tudo.
- Para emparelhar à senhorita Woodley? - perguntou-lhes Calandra com interesse - Que boa idéia! - exclamou, e se voltou para a zona de baile - Fazem muito bom casal.
- Não - protestou Francesca - Rochford, confundiu-se. Eu não propiciei o casal entre Constance e Dominic.
O duque arqueou uma sobrancelha com dissimulação, e então, sem dizer uma palavra, apontou ao casal em questão.
Francesca sentiu de uma vez angustia e irritação, e olhou a Constance e ao Dominic enquanto davam os complicados passos daquela dança folclórica. Inclusive quando estavam separados, seus olhos só se dirigiam um ao outro, e quando se reuniam, juntando as palmas das mãos em alto, para caminhar em primeiro círculo em uma direção e depois na outra, formavam um casal perfeito, inteiramente apartada e alheia a todos outros presentes na sala.
Francesca tomou ar ao dar-se conta da verdade.
- Oh, não... - disse com um pequeno gemido - Oh, Deus Santo, o que fiz?
Constance não era consciente do brilho de seu rosto nem da maneira que tinha Dominic de olhá-la. Só sabia que era feliz. Possivelmente não tivesse futuro com o Dominic, mas aquela noite não tinha importância. Ela queria desfrutar daquele momento e ter aquela lembrança perfeita que entesourar sempre. Podia ser sensata no dia seguinte, e todos os dias posteriores. Mais tarde se repetiria as razões pelas quais não podia apaixonar-se por ele, tudo o que sofreria se o fizesse.
Entretanto, naquele momento desfrutaria do prazer de olhá-lo, de mover-se com ele, de apoiar a palma de sua mão contra a do Dominic enquanto giravam, com seus corpos suficientemente perto um do outro para perceber seu calor e a essência de sua pele.
A música terminou, e Constance lhe fez a reverência que marcava a dança. Depois tomou o braço, mas ele não a guiou de volta até seus amigos, mas sim a conduziu às portas que davam ao terraço. Ela sorriu e o acompanhou.
Havia outros casais respirando ar fresco fora, no alpendre, e algumas que tinham descido ao jardim. Dominic e Constance não desceram, mas sim ficaram no amplo terraço, afastando-se das janelas e das portas iluminadas do salão.
Detiveram-se a borda da zona escura e olharam para o jardim, que estava levemente iluminado pela lua. Sua luz brilhava no céu negro, mais suave e mais cálida que as das estrelas brancas e cintilantes. Constance notou a brisa fresca na pele nua do pescoço e nos ombros. voltou-se e olhou ao Dominic.
Ele estava muito perto, a uns centímetros de distância, e Constance teve vontade de beijá-lo por muito impróprio que fosse. Queria sentir de novo a paixão que havia sentido quando ele a tinha beijado no jardim. Não podia evitar pensar na vida que a esperava quando partisse do Redfields e, em poucas semanas, de Londres. Já não voltaria a ver Dominic.
Passaria o resto de sua vida sem voltar a sentir o tato de seus lábios, sem sentir a paixão? Envelheceria sem conhecer as alegrias de casar-se e ter filhos? Naquele momento, parecia-lhe uma existência muito sombria.
Teve um pensamento. Não seria melhor experimentar a completa profundidade do desejo ao menos uma vez? Pensou de novo em beijar ao Dominic, em abandonar-se entre seus braços e fundir-se com ele. Queria descobrir todos os prazeres que podia lhe proporcionar seu corpo forte; talvez fosse desavergonhado por sua parte, mas queria saber o que era estar com um homem. Não, não com um homem, mas com Dominic. Desejava-o com tanta força que quase tremia. Algo do que estava pensando devia refletir-se o no semblante, porque Dominic emitiu um suave grunhido e a abraçou. Depois a beijou, apertando seus lábios suavemente com a boca, mordiscando-a, acariciando-a com a língua, até que o calor
começou a aumentar entre eles e aquele beijo se tornou mais duro, mais exigente, mais profundo.
A ferocidade do beijo não assustou a Constance. Muito ao contrário, acendeu nela um desejo igualmente feroz. Ambos se sentiram nas garras do desejo. O suave murmúrio de vozes penetrou entre a neblina de sua paixão e, rapidamente, Dominic arrastou a Constance ao mais profundo das sombras. voltaram-se e observaram com atenção; um casal passeava pelo terraço, conversando suavemente.
Constance e Dominic esperaram imóveis, observando o outro casal, com o coração acelerado e a respiração entrecortada. O homem e a mulher se aproximaram justo até a borda das sombras e se detiveram ali durante uns instantes. Depois deram a volta e retomaram o caminho para a casa.
Dominic se voltou para Constance com os olhos brilhantes na escuridão. Tomou a mão e lhe beijou os nódulos.
- Devemos voltar - murmurou com a voz rouca.
Constance assentiu. Não queria voltar, mas era consciente dos perigos de permanecer ali. Provavelmente, já tinham causado falatórios ao desaparecer do baile. Ela levou as mãos ao cabelo e ao vestido para arrumar qualquer imperfeição. Só esperava que a expressão de seu rosto também se apagasse com facilidade. Constance e Dominic voltaram para o salão. Ele pigarreou e lhe disse antes de que chegassem:
- Eu gostaria de lhe mostrar a propriedade.
- Sim, isso seria muito agradável -respondeu Constance com calma.
Quando entraram, seguiram falando em voz baixa de seus planos de ir montar juntos. Constance esperava que o rubor de suas faces não causasse mais comentários que o rubor de outros rostos, provocado pelo exercício e pelo grande número de pessoas que havia no salão de baile.
- Deixe que lhe traga algo de beber - disse Dominic, e sorriu.
- Obrigada.
Com sorte, um pouco de ponche a refrescaria.
Ele a deixou em uma das cadeiras que tinha alinhadas junto à parede do salão e se afastou para a mesa das bebidas, ao outro extremo. Constance o esperou observando distraidamente aos bailarinos enquanto se abanava. Não viu a pessoa que se aproximava até que sua sombra caiu sobre ela.
- O que acha que está fazendo? - perguntou-lhe uma mulher com a voz cheia de raiva.
Assombrada, Constance olhou para cima e viu Muriel Rutherford. Tinha os olhos azuis como ganchos de gelo, e os punhos apertados de fúria. Constance pensou que ia lhe dar um golpe.
- Perdão?
- Como se atreve? -prosseguiu Muriel-. Sei que minha mãe lhe disse que Dominic e eu estamos comprometidos, e entretanto, continua perseguindo-o. Vi-a paquerando com ele. Foi com ele ao terraço.
Constance sentiu uma raiva fria, mas se conteve e respondeu calmamente:
- Tome cuidado, Lady Muriel. Está ultrapassando os limites.
- Afaste-se dele! - disse-lhe Muriel.
- Eu em seu lugar baixaria a voz. Não quererá montar uma cena em frente a toda esta gente.
- Não me importa! - respondeu Muriel - Que todo mundo se inteire do que está tramando!
- Duvido que queira que todo mundo saiba que não está comprometida com Lorde Leighton apesar do que haja dito sua mãe.
Muriel a fulminou com o olhar, e Constance pensou durante um segundo que ia esbofeteá-la. Entretanto, pareceu que Muriel recuperava o controle sobre si mesma, e deixou escapar uma gargalhada de desprezo.
- Realmente acha que vai casar se contigo? Os cavalheiros como Lorde Leighton não se casam com uma joão-ninguém como você. Só têm aventuras com semelhantes mulheres, isso é tudo. casam-se com alguém como eu!
- Sugiro-lhe, Muriel, que deixe de falar antes de fazer mais ridículo do que já fez - disse uma voz masculina.
Ambas as mulheres se voltaram e viram o Dominic a seu lado. Seu rosto era uma máscara de cortesia, mas em seus olhos havia um brilho que delatava seu humor.
- Dou... Dominic - murmurou Muriel com consternação - Não o tinha visto.
- Já me dei conta - respondeu ele - Sua mãe e você devem estar equivocadas quanto a algo, Muriel. Você e eu não estamos comprometidos.
Muriel ficou como se tivesse recebido um forte golpe, mas se recuperou rapidamente, soltou um risinho e disse:
- Bom, é obvio que ainda não o anunciamos, mas...
- Não haverá nenhum anúncio - replicou com firmeza Dominic.
Muriel tomou ar e abriu os olhos de par em par. Depois abriu a boca, mas não disse nada.
- Possivelmente meu pai e sua mãe deveriam me ter consultado antes de fazer seus planos. Concederei-lhe o benefício da dúvida e pensarei que foi meu pai o que animou a você e sua mãe a que pensassem que eu aceitaria os planos de meu pai para o futuro. Entretanto, posso lhe assegurar que não é assim. Sua mãe não deveria ter dito essa falsidade à senhorita Woodley.
- Dominic! Não seja tolo. Sabe que as pessoas como você e como eu se casam por
razões muito mais importantes que um sentimento enjoativo.
- Muriel - respondeu ele com impaciência -, eu não vou A...
- Não! - interrompeu-lhe Muriel com um sorriso forçado - Por favor, não. Não ficarei escutando como diz algo que depois lamentará, quando se tiver esquecido de... Esta tolice - disse, e lançou uma adaga com o olhar a Constance. Depois deu a volta e partiu.
Dominic apertou a mandíbula enquanto a olhava afastar-se. Constance pensou, por um momento, que ia segui-la, mas, naquele instante, Francesca apareceu pelo braço de sir Lucien, sorrindo.
- Dominic, meu amor, aqui está! - disse a seu irmão.
Dominic relaxou visivelmente ao ver Francesca. Voltou-se para Constance e lhe disse:
- Peço-lhe desculpas, senhorita Woodley.
Constance estava tremendo, mas se arrumou para negar com a cabeça e dizer:
- Oh, por favor, não se preocupem comigo, milord. Estou bem, asseguro-lhe.
Estou-me acostumando à maneira de falar de Muriel.
- Então é muito mais valente que eu – lhe disse sir Lucien - Sinceramente, essa mulher me aterroriza.
Os outros sorriram, e a tensão do momento se desvaneceu. Sir Lucien levou a Constance a dançar, e quando Francesca viu como se afastavam seus amigos, voltou-se para o Dominic e cruzou os braços.
- Bem... - lhe perguntou - O que está fazendo?
Dominic ficou tenso e lhe lançou um olhar de aborrecimento.
- O que? Você também?
Virou-se e se afastou. Francesca suspirou e o seguiu. Alcançou-o fora do salão de baile e o agarrou pelo braço.
- Dominic, espere.
Então o levou até a sala que sua mãe utilizava como saleta de estar durante as manhãs e fechou a porta.
- O que quer, Francesca? - perguntou ele com frieza - Você também tem a esperança de que Muriel Rutherford se converta em sua cunhada?
- Deus Santo, não - disse Francesca - Espero que tenha o suficiente bom senso para não se atar a essa mulher. Não me importa com quem se case, mas advirto: não deixarei que faça mal a Constance Woodley. Tomei muito carinho a essa moça.
Ele exalou um suspiro.
- E acha que eu não?
- Temo que você também lhe tem muito carinho. Temo que a animará a apaixonar-se por você, e então lhe romperá o coração.
- E por que dá por feito que lhe romperei o coração?
- Porque os dois sabemos que deve se casar com alguém rico.
- E por que? por que tenho que me casar pelo bem de nossa horrível família? Os dois sabemos que não merecem esse sacrifício.
- Sim, e eu também sei que você cumprirá com seu dever. Sempre o fez, e sempre o fará.
- Condenaria a isso? Precisamente você, que sabe o que é casar-se com alguém a quem não se quer.
Encheram os olhos de lágrimas de Francesca, e deu a volta rapidamente.
- Oh, demônios! - disse Dominic. Cruzou a saleta e tomou a sua irmã pelos ombros, lhe dizendo brandamente - Sinto muito, Francesca. Não deveria ter dito isso. Você não é a pessoa com quem deveria desafogar minha frustração. Por favor, me perdoe.
Ela se voltou e sorriu com tremor.
- Não, sou eu quem deve pedir perdão - disse, e o abraçou - Oh, Dominic, quero que seja feliz. De verdade. Não me importa a família, nem Redfields, nem nada, se você for feliz. Quer Constance? Quer se casar com ela?
- Não... não sei. Não estou seguro de que nenhum de nós seja capaz de sentir amor. Os FitzAlan são patéticos.
Francesca assentiu com tristeza.
- Receio que tem razão. Eu me casei estupidamente, os dois sabemos. Não ajudei à família, e tampouco ajudei a mim mesma. Não quero vê-lo apanhado em um casamento assim. Seria mais feliz se casasse com Constance. Não posso imaginar uma cunhada melhor.
Dominic sacudiu a cabeça.
- Não. Tem razão. Seria um canalha se desse esperanças a Constance. Sei qual é meu dever. Casar-me-ei com quem devo.
Constance não voltou a ver Dominic aquela noite, apesar de buscá-lo discretamente pelo salão várias vezes. Francesca parecia preocupada, e mais de uma vez, Constance a viu com o cenho franzido. Constance estava segura de que Francesca devia estar desgostada por sua cena com o Muriel. Temia que Francesca lamentasse havê-la convidado a sua casa familiar.
Os pais do Dominic queriam que seu filho se casasse com a senhorita Rutherford, e possivelmente Francesca também o desejasse. Dominic lhe havia dito que a família necessitava de dinheiro, e Constance recordou como tinha visto Francesca economizar quando estavam comprando roupa e acessórios. Talvez Francesca também necessitasse que Dominic fizesse um matrimônio vantajoso. E se Francesca, como Muriel, pensasse que tinha a culpa de que Dominic se negasse a casar-se com a outra jovem? Constance não detectou nenhuma mudança de atitude de Francesca para com ela, mas tampouco pôde tirar da cabeça que sua amiga estava preocupada.
Constance se deitou com inquietação, e na manhã seguinte, enquanto se vestia, perguntou-se se deveria partir para Londres. Se ela não estivesse no Redfields, possivelmente Dominic não seria tão resistente a casar-se com quem sua família queria. Entretanto, Constance se dava conta de que Dominic nunca poderia sentir algo por uma moça tão fria e altiva como Muriel, e muito menos apaixonar-se por ela. Constance sabia que Dominic não formaria parte de sua vida no futuro. Embora não se casasse com o Muriel, deveria casar-se com alguma outra herdeira, uma que fosse melhor que Muriel Rutherford. portanto, não acreditava que tivesse importância no esquema geral da vida se ela roubava uns quantos dias de felicidade com o Dominic. O único dano seria para seu próprio coração.
Constance foi até o armário e tirou o traje de amazona que Maisie lhe tinha levado dois dias depois que teve lugar a excursão à igreja. Era de veludo azul, e tinha pertencido a Francesca quando era mais jovem. Ela o tinha deixado no Redfields, e só era necessário descer a bainha para que ficasse bem em Constance.
Francesca, embora estivesse doente, ocupou-se de dizer a sua criada que arrumasse o traje, e aquilo tinha sido comovedor à Constance. Só conhecia Francesca desde há umas semanas, e já era melhor com ela que sua tia e suas próprias primas. Maisie também encontrou um par de botas de Francesca em um armário e, felizmente, Constance e ela tinham o mesmo número de pé, assim podia usá-las.
Constance titubeou, pensando de novo na ausência do Dominic durante a última parte do serão da noite anterior. Possivelmente não desejasse levá-la a montar aquela manhã. Possivelmente se arrependia do que lhe havia dito, ou possivelmente tivesse mudado de opinião sobre Muriel e se deu conta de que devia casar-se com ela apesar de tudo. A Constance lhe encolheu o coração ao pensá-lo. Naquele momento, Maisie pôs a cabeça pela porta para ver se Constance estava pronta para que a penteasse.
- Oh, vai cavalgar, senhorita? - perguntou-lhe, e se aproximou para tirar das mãos o traje de Constance - Então o engomarei enquanto está tomando o café da manhã.
- Eu... não estou certa de que irei montar - disse Constance.
- Não importa. Prepararei-o. E agora, como gostaria que a penteasse hoje? Suponho que algo simples e alto, se for montar a cavalo.
Constance assentiu e deixou que Maisie começasse a fazer suas maravilhas.
Minutos depois, quando entrou na sala de refeições, Constance encontrou mais gente do normal ao redor da mesa. Dominic estava sentado ao outro extremo da mesa, junto a seu pai. Frente a ele, percebeu Constance, estavam sentadas Lady Rutherford e sua filha. Dominic estava falando com a senhora Kenwick e seu filho Parke, que estava sentado entre o Dominic e Francesca. Constance olhou ao Dominic e afastou rapidamente a vista, consciente de que as Rutherford a estavam olhando. Junto a elas estavam os três irmãos Norton e Lady Calandra, a irmã do duque.
Quando Constance tomou o assento livre que havia junto a Francesca, Calandra sorriu.
- Bom dia - disse a Constance - Finalmente Rochford deu permissão ontem à noite para ficar. Ele, é obvio, foi para casa em sua carruagem - acrescentou com um gesto de exasperação - Parece que os livros de contabilidade não podem esperar.
- Me alegro de que ainda estejam aqui - respondeu Constance com sinceridade. A moça lhe tinha caído muito bem.
- Oh, sim - disse Elinor Norton assentindo - Quantos mais sejamos, mais divertida será a excursão a cavalo.
- Excursão? - perguntou Constance.
- Não sabia? Lorde Leighton vai mostrar a todo mundo a propriedade esta tarde – disse Lydia Norton.
- Será muito divertido - disse seu irmão, sir Philip.
Constance olhou ao Dominic diretamente pela primeira vez. Ele tinha uma expressão de causar pena, mas se limitou a dizer:
- A senhorita Woodley já aceitou. Agora não pode voltar atrás.
- Quando soubemos que Lorde Leighton estava planejando uma excursão, quisemos nos unir ao grupo - disse Elinor alegremente.
Constance olhou Muriel, que tinha uma expressão petulante no rosto. Claramente, era ela quem tinha estendido a notícia de que Dominic estava planejando uma excursão pelo imóvel. Devia tê-los ouvido falando e tinha aproveitado a oportunidade para lhes estragar a ocasião de estar juntos.
- Sem dúvida, vocês também irão, senhorita Rutherford -lhe disse, embora sem demonstrar o aborrecimento que sentia.
- Sim, claro - respondeu Muriel com um sorriso frio - Não perderia isso por nada do mundo - acrescentou. Depois ficou em pé e disse - Agora, se me desculparem, Lorde Selbrooke, tenho que me ocupar de algumas coisas
- É obvio, Lady Muriel - respondeu o conde, e continuou conversando com o pai do Muriel.
Constance teve que engolir sua decepção. De qualquer modo, seria melhor que tivessem companhia; desse modo, ela poderia desfrutar da tarde com ele, e não teria que preocupar-se com conter aquela paixão que sempre ameaçava apropriar-se deles quando estavam sozinhos. Era muito melhor. Sim.
- Vai vir conosco, Francesca? - perguntou-lhe Constance.
Francesca negou com a cabeça.
- Não, acho que é muito cedo. Ficarei com mamãe e as demais senhoras.
A prima Margaret se apressou a informar a de que ela também ia, e Lorde Dunborough, o senhor Willoughby e a maioria da gente jovem. De fato, só a tímida senhorita Cuthbert e sua prima Georgiana, que tinha fobia aos cavalos, ficariam com Francesca e as damas.
- Lorde Leighton prometeu que iremos a um promontório do que se divisa todo o vale explicou Lydia Norton.
- Não estou segura de que queira subir tanto - objetou Margaret.
- É uma ladeira difícil -lhes disse Calandra - Entretanto, quando chega ao ponto mais alto, pode se ver todo o campo.
- E tomaremos o chá na casa de verão - acrescentou Elinor.
- Será estupendo - disse Constance.
Depois começou a tomar o café da manhã, deixando que o bate-papo emocionado de outros a envolvesse, e tentou ajustar suas expectativas do dia à realidade.
Mais tarde, Constance se levantou da mesa com Francesca, e ambas subiram juntas as escadas. Quando chegaram à porta do quarto de Constance, Francesca se despediu dela com um sorriso, e Constance entrou. Entretanto, deteve-se em seco e emitiu uma exclamação de angústia.
Ali estava o traje de montar que Maisie tinha engomado e estendido sobre a cama. Entretanto, nunca poderia usá-lo porque parecia em farrapos.
- O que aconteceu? - perguntou Francesca, entrando atrás dela no quarto. Quando viu o desastre, também se queixou - Deus Santo! Quem pôde fazer algo semelhante?
- Não sei - respondeu Constance, incapaz de conter a amargura que sentia – Mas me parece que tenho certa idéia.
- Sim, eu também - disse Francesca. aproximou-se da cama e olhou o traje destroçado. Depois se voltou para sua amiga com os olhos brilhantes de cólera - Não se preocupe. Não permitiremos que Muriel se saia com a sua tão facilmente.
Constance sorriu a Francesca, reconfortada ao ver que queria ajudá-la.
- Mas, como? Já não tenho traje de amazona.
- Porá-te o meu -lhe disse Francesca - Maisie lhe tirará o desço em um minuto. A excursão não vai sair até dentro de uma hora, mais ou menos. Eu me porei o traje de
montar de minha mãe. Não importa que me esteja um pouco longo. Hoje não tenho a
ninguém a quem impressionar.
- Mas eu acreditava que você não foi - disse Constance.
- Não ia, em efeito - respondeu Francesca -, mas Muriel me tem feito trocar de opinião.
Quando o grupo se reuniu no piso de abaixo para sair a dar o passeio, Maisie as tinha arrumado para lhe tirar o baixo ao traje de Francesca e, além disso, tinha subido o do traje de sua mãe para que ficasse bem.
Francesca e Constance se uniram a outros, que estavam esperando no vestíbulo principal. Constance teve que reprimir um sorriso ao ver a rosto de surpresa, e depois de ira, que pôs ao Muriel ao vê-la. Constance lhe devolveu o olhar, sem sorrir, com um desafio. Muriel apertou os lábios e lhe deu as costas.
Durante os seguintes minutos, as pessoas começaram a montar nos cavalos, que os cavalariços tinham levado ao caminho principal. Dominic se aproximou de Constance, lhe dizendo:
- Escolhi a Grei Lady para ti. É uma boa égua, tranqüila e dócil, mas não lenta.
Constance o olhou e sentiu um comichão no estômago, como sempre, ao ouvir o som de sua voz.
- Obrigada. Não montei muito durante estes últimos anos.
- Não estava seguro -respondeu Dominic, e a guiou para a égua.
Constance passou uns instantes conhecendo sua montaria, acariciando sua crina e lhe falando. Depois, Dominic a ajudou a montar e lhe entregou as rédeas. Dominic montou também e se colocou a seu lado.
O pequeno grupo saiu do pátio e tomou o atalho que levava para as granjas da propriedade. Dominic ia à cabeça, e Constance atrás dele.
Rapidamente se deu conta de por que Francesca havia dito que iria à excursão, porque Muriel se aproximou deles.
- Venha, Dominic - disse, sem olhar a Constance. - Estou certa de que Arion quererá estirar as patas. façamos uma corrida até o rio.
- Não posso deixar ao resto do grupo - lhe respondeu Dominic - Eu sou o que guia, além de tudo.
- Claro que não pode - interveio Francesca, que se tinha aproximado trotando - Vamos, Muriel, eu correrei cm você.
Muriel apertou os lábios. Afastar-se do grupo com Francesca não era o que queria. Entretanto, via-se apanhada por sua própria proposta.
- De acordo - disse com cara de poucos amigos, e as duas mulheres saíram cavalgando.
Dominic e Constance observaram como os dois cavalos se afastavam. Como era de se esperar, Muriel ganhou a corrida, porque era uma amazona excelente. Entretanto, Francesca ganhou o dia, porque ficou junto ao Muriel todo o tempo. Por muito que Muriel tentasse manobrar para aproximar-se de Dominic, Francesca arrumava para interpor-se. Constance sorriu para si, reconfortada pela lealdade de Francesca.
Constance não recordava a última vez que tinha desfrutado tanto de um passeio. Dominic e ela conversaram e riram, algumas vezes sós e outras com o resto do grupo. Ele lhes mostrou várias das granjas que havia pelo caminho, os cultivos, os bosques e os prados. Sabia o nome de todas as pessoas com as que se cruzaram, e podia contar a história de qualquer parte do terreno. Por seu tom de voz, estava claro que amava aquela terra.
Constance se perguntou qual era o motivo que o mantinha afastado dela; não podia ser só porque seus pais queriam casá-lo com a senhorita Rutherford. Além disso, ela nunca tinha visto Dominic falar com Lorde Selbrooke mais do que o estritamente necessário.
Claramente, entre eles havia uma relação muito fria, e algo devia ter causado aquela distância.
Voltaram para casa mais tarde, e se detiveram em um pequeno lago ornamental, em cujo extremo havia uma casa de verão com um agradável atalho que rodeava a borda da água. Na casa de verão encontraram dois criados e duas criadas que tinham levado o lanche em cestas da casa principal. Tinham montado duas mesas grandes sobre cavaletes e as haviam coberto com toalhas brancas. Em uma das mesas havia um grande bule, e a cada lado dele, bandejas de bolachas, biscoitos pequenos, madalenas e sanduiches. Depois de ter montado durante toda a tarde, a comida foi mais que bem-vinda, e todo mundo começou a comer com vontade. Depois se sentaram e conversaram preguiçosamente. Sir Philip e suas irmãs quiseram experimentar dois botes pequenos que estavam amarrados no pequeno mole da casa, e o jovem Parke Kenwick, que parecia muito apaixonado pela senhorita Lydia, ofereceu-se para fazer um grupo de quatro.
Pouco depois, Francesca convenceu ao Muriel para que a acompanhasse a dar um passeio pela margem do lago. Muriel não queria, mas Francesca fez caso omisso de sua hesitação e, tomando-a pelo braço, disse que necessitava que lhe desse sua opinião sobre uns planos de decoração para a sala de música, e a levou. Muriel não teve outro remédio que ceder.
junto a Constance, Calandra reprimiu um risinho.
- Parece que Francesca começou a sentir um imenso carinho por Muriel.
Constance a olhou e se deu conta de que Calandra estava a ponto de voltar a rir.
Ela também sorriu e disse:
- Isso parece.
- Pobre Muriel, estou segura de que deve estar muito frustrada. Quer estar pega ao Dominic, mas é muito esnobe para não sentir-se adulada pelas atenções de Lady Haughston.
Constance não sabia o que dizer a jovem. Calandra tinha entendido a situação com clareza, mas Constance não estava segura de se conhecia o motivo das ações de Francesca.
- Bom, deveríamos lhe dar um bom uso ao tempo que Francesca sacrificou por você - disse, e se voltou para seu anfitrião - Dominic, por que não nos mostra o promontório?
- Claro - respondeu Dominic, e olhou para o lago, onde Francesca estava caminhando lentamente pelo braço de Muriel - Sim, suponho que é um bom momento.
Todos ficaram a caminho para o promontório para ver a vista do vale. Imediatamente, rodearam a casa principal e entraram em bosque pelo extremo norte. Calandra cavalgou junto a Constance, e justo atrás delas ia Margaret, paquerando com o loiro e tímido Carruthers. Outros homens dirigiam a expedição, abrindo os ramos das árvores. Logo, o terreno começou a levantar-se, e o passo se fez mais lento.
Em pouco tempo, Dominic deteve seu cavalo e se voltou para o grupo.
- A partir de agora teremos que fazer o resto do caminho andando.
Ante a idéia de caminhar, a idéia de admirar as vistas perdeu todo encanto para a Margaret. Enquanto desmontavam, disse:
- E temos que subir andando até o pico? Eu não levo roupa adequada.
Fez uma careta expressiva enquanto olhava o caminho que subia e seu traje de montar. Então olhou ao Carruthers com expressão suplicante.
- Acho que preferiria ficar aqui. Esta clareira do bosque é muito agradável. Se alguém quisesse ficar comigo, claro...
- Para mim será um prazer - disse o senhor Carruthers com galanteria.
Constance suspirou.
- Possivelmente eu também devesse ficar - disse Constance com um suspiro.
Em realidade, era o último que desejava, mas não se sentia confortável deixando a sua prima só com um homem a quem mal conhecia. Poderia ser perigoso para o bom nome de uma jovem.
Calandra olhou a Constance e depois a Margaret, e disse:
- Oh, não, têm que admirar a vista do vale. Eu ficarei. Estou muito cansada, e subi muitas vezes ao promontório.
Constance olhou a jovem com gratidão.
- Está segura de que não se importa?
- Claro que não - respondeu Calandra - Só vim porque não queria estar ali quando Muriel voltasse de seu passeio pelo lago.
Ao final, o senhor Willoughby, cujo cavalo estava dando sinais de fadiga, decidiu ficar também, assim só Dominic e Constance seguiram o caminho. Caminharam levando as rédeas dos cavalos, e logo estiveram ocultos entre as árvores. O caminho se tornou cada vez mais e mais difícil, e ficaram em silêncio, porque necessitavam do fôlego para subir.
Passaram junto a uma pequena casa com o telhado de palha, junto à qual havia um abrigo. Parecia uma casinha de conto.
- Quem vive aí? - perguntou ao Dominic.
- Ninguém. Está há anos abandonada - respondeu ele - Poderíamos deixar aqui os cavalos - disse, e atou as rédeas dos cavalos a uns ramos baixos.
Seguiram caminhando até o cume, e à medida que avançavam, o terreno se tornou rochoso e as árvores começaram a escassear. de vez em quando ele a agarrava pelo braço para ajudá-la a subir uma pedra, e Constance sentia o toque de sua mão com intensidade. Alcançaram o pico, uma rocha que se sobressaía e se erguia sobre a paisagem, oferecendo uma esplêndida vista.
- Oh! - disse Constance - É lindo!
Dominic assentiu, olhando para o vale.
- Este sempre foi um de meus lugares favoritos. Antes me sentava aqui e sonhava... Todo tipo de tolices.
- Com certeza não eram tolices - lhe disse Constance.
Ele encolheu os ombros.
- Eram coisas impossíveis, de qualquer modo. Hoje em dia não há lugar para um corsário nem um cavalheiro - comentou com um sorriso. Depois apontou adiante - Vê o rio que desce do Cowden? E ali está o campanário de São Edmundo explicou e apontou duas granjas que tinham passado pelo caminho aquela tarde.
- Ama muito esta terra, não é? - perguntou-lhe Constance.
Ele a olhou com surpresa.
- E por que o diz?
- Nota-se na voz. E também se nota porque conhece seus arrendatários e a suas famílias. Perguntou por eles. Surpreende-me que tenha estado afastado de sua propriedade durante tanto tempo.
Ele a olhou com os olhos brilhantes e frios.
- Meu pai e eu estamos... distanciados. Tivemos uma grande briga faz anos. Ele me ordenou que fosse da terra. depois disso não podia voltar, e tampouco teria querido embora tivesse podido. Cortei meus laços com o Redfields então. Desprezava este lugar. Desprezava a minha família.
Constance gemeu suavemente, e ele a olhou.
- Desaprova-o.
- Não. Só... surpreende-me. Não me tinha dado conta de que o passado fosse tão doloroso para você.
- Fiz tudo o que pude por fugir de meu passado, mas é algo difícil de conseguir.
Constance tomou a mão, e ele sorriu.
- Querida Constance - lhe disse - Sempre é tão boa, sempre está disposta a oferecer sua compreensão, seu calor. Receio que ficaria assombrada se soubesse o que era minha família em realidade.
- Estou certa de que não sou tão boa como você pensa - disse ela - E seja o que for sua família, eu conheço sua irmã e você, e nenhum dos dois são maus.
- Talvez Francesca e eu não sejamos maus. Só negligentes... egoístas... - Dominic suspirou. Depois lhe indicou uma rocha -Venha, sente-se comigo e lhe falarei dos FitzAlan.
- Francesca e eu temos muito pouca diferença de idade, só um ano - começou a dizer Dominic quando se sentaram sobre a rocha. Segurava uma de suas mãos entre as suas, e lhe acariciava a palma com um dedo, suavemente, enquanto falava.
- Tínhamos um irmão mais velho, Terence. Era três anos mais velho que eu. E tínhamos uma irmã pequena, Ivy. Era uma menina linda. Lembro que eu pensava que parecia um anjo. Meu irmão, entretanto, não era nenhum anjo. Terence sempre foi um prepotente, um valentão. Aterrorizava a Francesca e a mim quando éramos pequenos, mas Ivy era muito pequena e a ela não incomodava. Nossa babá sabia como era Terence, e fez tudo o que pôde por nos proteger - disse com amargura - Embora não fosse muito, porque nossos pais não queriam ouvir nada mau do Terence. Ele era o herdeiro, o filho perfeito. Para meus pais, não podia fazer nada mau. Por sorte, Francesca e eu nos tínhamos um ao outro, assim pudemos unir forças para combatê-lo. E, finalmente, ele se foi ao Eton e só tivemos que suportá-lo durante as férias.
Fez uma pausa e olhou com tristeza a vista que havia ante eles.
-Terence melhorou quando crescemos. Nunca chegamos a nos levar bem, mas ao menos nos deixava em paz. Não tínhamos que estar muito com ele. depois do Eton, foi a Oxford durante alguns anos, e quando se cansou da universidade, foi visitar o Continente, e viveu em Londres durante um tempo. Finalmente voltou a viver em casa, mas eu já não estava muito no Redfields. Tinha começado em Oxford então, e depois estava muito ocupado vivendo a vida de Londres. Francesca tampouco estava muito em casa. Fez sua estréia e depois se casou. Nenhum dos dois nos demos conta...
Naquele momento, deteve-se. A Constance lhe encolheu o estômago. Quase teve o desejo de que ele não continuasse.
- Mas, finalmente, em uma das ocasiões nas que Francesca veio de visita, Ivy confiou nela. É obvio, tinha muito medo de dizer a meus pais, porque estava segura de que não acreditariam. Ivy disse a Francesca que Terence havia... tinha estado forçando-a durante os dois anos anteriores; minha irmã só tinha quatorze anos. E estava desesperada.
- Oh, Dominic - sussurrou Constance. Abraçou-o e apoiou a cabeça em seu ombro-. Sinto muitíssimo...
Ele se voltou para ela e lhe passou os braços em redor do corpo. Apoiou a face contra sua cabeça, e continuou falando com a voz rouca, em um murmúrio.
- Francesca me escreveu e me pediu que viesse rapidamente ao Redfields para que as ajudasse. Ela tinha medo, mas esperava que enquanto estivesse ali, Terence não tentasse nada com Ivy. Fez que Ivy dormisse em seu quarto, com ela. Sem embargo, Terence tentou passar por cima de Francesca. Quis levar Ivy a montar a cavalo com ele, e Francesca enfrentou a ele. Disse-lhe que sabia tudo o que tinha feito. Ele o negou, é obvio. Jurou que Ivy estava inventando tudo. Francesca foi falar com meus pais, junto à Ivy, e contaram tudo. E meus pais... meus pais ficaram do lado de Terence, como sempre. Não acreditaram em Ivy. Francesca lhes rogou que permitissem que levasse Ivy para viver com ela em Londres; entretanto, negaram-se. Disseram que isso não falaria bem da família, e que temiam que Ivy estendesse suas mentiras sobre Terence e sobre eles por aí...
Dominic soltou a Constance e ficou em pé, como se fosse incapaz de permanecer imóvel durante mais tempo. Caminhou de um lado a outro, e ela o observou com impotência, contemplando sua dor sem poder fazer nada por mitigá-lo.
- Francesca assegurou à Ivy que nem tudo estava perdido. Disse-lhe que quando eu chegasse a tiraríamos dali. Entretanto, Ivy não acreditou -disse Dominic, com os olhos cheios de lágrimas-. E por que ia acreditar? Todos tínhamos falhado. Durante dois anos tinha sofrido os ataques do Terence e não tínhamos feito nada.
- Mas não sabiam! -gritou Constance, ficando em pé de um salto-. Não podia sabê-lo.
- Sim sabia como era meu irmão. Deveria ter prestado mais atenção às coisas quando estava no Redfields. Deveria ter falado com o Ivy. Deus Santo, se a tivesse olhado, certamente me teria dado conta de sua infelicidade. Mas não me dava conta. Minha única ocupação era me divertir em Londres -disse ele. Virou-se e, olhando para o horizonte, prosseguiu - Ivy se suicidou pouco depois de que eu chegara. Roubou a pistola de meu pai, foi ao bosque e disparou na cabeça.
- Oh, Dominic! -Constance foi para ele e o abraçou com o coração encolhido de dor - Sinto. Sinto muitíssimo.
Ele a abraçou também.
- Por isso briguei com o Terence em seu enterro. Sem dúvida, alguém te terá contado já esta história. Não a surpreenderá saber, então, que meu pai ficou do lado de meu irmão outra vez. Expulsou-me e me disse que não voltasse nunca. Eu lhe disse que não queria voltar a pôr os pés nessa casa. Parti. Meu tio, o irmão de minha mãe, comprou-me um posto nos hussardos, e fui à Península. Nunca voltei a ver nem a falar com meus pais nem com meu irmão até que Terence se matou em um acidente de equitação. Meu pai teve que me mandar voltar então. Eu me tinha convertido no herdeiro, e tinha que voltar. Não havia nada que desejasse menos.
Constance o abraçou com mais força, como se quisesse espremê-lo para que a dor saísse dele. Dominic se voltou para ela e a rodeou com seus braços. Ficaram assim durante um longo temo. Depois, lhe beijou o cabelo.
- Obrigado -murmurou.
- Queria fazer com que se sentisse melhor -respondeu ela, esfregando as suas costas com um movimento circular para acalmá-lo.
- Consegue isso. Me acredite, consegue isso -disse Dominic.
Ele titubeou, esticando-se ligeiramente, e ela ficou quieta em resposta, esperando.
Então, uma gota de água caiu em Constance no ombro, e outra nas costas.
- Que demônios...?
Dominic soltou a Constance e se virou para trás, olhando o céu.
A conversa os tinha apanhado tanto que nenhum se deu conta de que se formava uma tormenta. As nuvens brancas que tinham refrescado aquele dia se converteram em um véu cinza.
- Será melhor que voltemos - disse Dominic.
Tomou pelo braço e começaram a descer pela colina. As gotas caíam cada vez com mais freqüência. A chuva enlameou o chão e o fez escorregadio, e eles tiveram que avançar cada vez com mais lentidão para evitar cair. Quando chegaram até as árvores, os ramos lhes serviram de refúgio, mas o vento e a chuva se intensificaram tanto que não serviu de nada. Ele escorregou, e ambos cambalearam. Dominic se agarrou ao ramo de uma árvore, mas os dois caíram ao chão de costas e deslizaram para baixo até que puderam frear contra a raiz proeminente de uma árvore.
Dominic se sentou e a olhou. Constance riu e lhe tirou um raminho que se tinha enganchado no cabelo. Ele riu também. levantaram-se e continuaram descendo até os cavalos. Os animais estavam nervosos pelo som dos trovões.
Dominic apontou o abrigo que havia junto à casinha de campo.
- Entre. Esperaremos aí. Eu vou levar aos cavalos ao abrigo.
Constance assentiu. Enquanto Dominic desatava aos cavalos e os conduzia ao abrigo, ela correu para a casa, segurando a saia do vestido o melhor que podia. Não sabia por que se incomodava, porque já tinha o traje empapado e cheio de gravetos por causa da queda. Além disso, se tinham aderido raminhos e folhas ao veludo da saia, ao deslizar pelo chão.
A porta da cabana se abriu com um rangido, e Constance entrou na habitação. Deixou a porta aberta apesar da chuva, porque dentro havia pouca luz no único cômodo da casa. Além disso, Constance tinha frio com aquela roupa tão molhada, e estremeceu. Abraçada a si mesmo, avançou pela habitação, olhando a seu redor. Não havia muito que ver; era um lugar simples e com poucos móveis. A habitação tinha duas janelas pequenas, e nela havia uma cama contra a parede, uma pequena mesa com uma cadeira no centro e, junto à chaminé, uma cadeira de balanço. Uma capa de pó o cobria tudo. Constance se perguntou quanto tempo estaria desabitada aquela casa, parecia que vários anos.
Dominic entrou na cabana correndo e se deteve olhar a habitação.
- Temo que não há muito aqui - disse. Depois olhou Constance – Está tremendo.
- Só um pouco. É pela umidade.
- A umidade? - Dominic arqueou uma sobrancelha com ironia - Está empapada.
Ele se aproximou da chaminé e se ajoelhou frente a ela.
- Espero que ainda funcione -comentou, enquanto procurava a manivela do tiro. Começou a acender o fogo com os troncos que havia sob a lareira. Constance se ocupou em tirar ramos e folhas que pudesse encontrar-se no cabelo. Dominic demorou um pouco em conseguir que o fogo prendesse. Milagrosamente, o tiro funcionava o suficientemente bem para impedir que a fumaça entrasse na habitação.
Ela tirou as forquilhas que ainda ficavam no cabelo e as deixou na mesa; depois retorceu os cachos para lhes tirar a maior parte da água. Enquanto se penteava o cabelo com os dedos, Dominic conseguiu que o fogo ardesse alegremente.
- Venha, sente-se junto à chaminé - lhe disse. Constance se aproximou e se deteve a seu lado. Ele sorriu e lhe tirou uma folhinha do cabelo.
- Devo parecer um desastre - murmurou Constance.
- Parece uma ninfa do bosque - respondeu ele, e sorriu mais amplamente – Uma ninfa do bosque muito molhada.
- É certo, estou empapada - disse ela, estremecendo-se de novo.
- Deveria tirar a roupa - disse ele.
Seus olhares ficaram apanhados, e as palavras do Dominic ficaram suspensas no ar. De repente, Constance ficou sem fôlego.
- Eu... né...
Sua mente se encheu de imagens de si mesma, tirando-a roupa diante de Dominic, e estranhamente, o calor que sentiu foi menos de vergonha que de impaciência. Seus tremores já não os provocava o frio.
Ele deu a volta bruscamente e olhou a seu redor, e depois atravessou a habitação com movimentos um pouco tensos. Havia um pequeno baú aos pés da cama, e Dominic o abriu. Tirou uma manta e a sacudiu.
- Tenha. Esta manta estará menos suja que a que está sobre a cama. Tire o vestido e se envolva com ela. Depois estenderemos suas coisas na cadeira para que sequem.
Enquanto falava, ele tirou a jaqueta e a pendurou sobre o espaldar da cadeira de balanço, como se quisesse lhe fazer uma demonstração. Quando começou a desabotoar o colete, Constance seguiu seus movimentos sem dar-se conta. Observou como seus dedos longos e flexíveis desabotoavam os botões um a um, incapaz de afastar a vista.
- Vamos - disse ele com a voz rouca - Deve fazê-lo. Do contrário adoecerá. Eu... eu sairei enquanto você se despe.
- Não, molhar-se-á muito se o fizer. Agora chove com mais força – protestou Constance.
- Mas se já estou empapado.
É obvio, tinha razão, mas Constance negou com a cabeça.
- Será... será suficiente que se vire.
Ele assentiu e se aproximou de novo à arca que havia aos pés da cama. Abriu-a e tirou outra manta. Constance se voltou para o fogo e começou a desabotoar o corpete de seu traje de montar com os dedos trêmulos. Depois abriu a saia; pesava muito por causa da água, e a deslizou rapidamente até o chão, onde aterrissou com um golpe úmido. Então, Constance agarrou ambos os lados do corpete e começou a tirá-lo.
Pensou no Dominic, que estava atrás dela, e se perguntou se seriamente continuava olhando à cama ou se estava observando como ela se despia. O calor que sentiu nas entranhas ao pensar em que ele pudesse estar olhando-a fez que se perguntasse o que preferia em realidade. tirou o sutiã e se deteve. Sem poder evitá-lo, olhou por cima de seu ombro para trás.
Não deveria tê-lo feito. equivocou-se, porque Dominic estava comportando-se como todo cavalheiro; estava de costas a ela. tirou as botas e a camisa. Tinha as costas nuas, e Constance pôde admirar a largura de seus ombros em contraste com a fina cintura; ela observou como se moviam os músculos das costas enquanto ele se agarrava os lados das calças e os puxava para baixo. Não era uma tarefa fácil; estavam tão molhadas que teve que afastá-las da pele.
Constance sabia que se enganara. Vê-lo nu era pior, muito pior, que vê-lo com a roupa empapada. Não podia afastar os olhos da curva de suas nádegas e de suas coxas. Tinha as pernas longas, duras e magras. Ela nunca tinha visto um homem nu, e nunca se esperara que fosse tão cativante. Jamais teria pensado que as formas nuas do Dominic poderiam lhe derreter as entranhas.
Deve ter emitido um suave som, porque ele voltou a cabeça, e seus olhares se encontraram. Constance soube que devia virar-se e olhar novamente ao fogo. Deveria sentir-se humilhada pelo fato de que a tivesse surpreendido olhando-o; entretanto, viu-se
a si mesma voltando-se para Dominic.
Lenta, deliberadamente, com os olhos fixos em seu rosto, tirou o sutiã e o deixou cair ao chão. Ficou ante ele vestida unicamente com a camisa e a combinação. Ele se virou lentamente para ela, olhando-a com os olhos obscurecidos e os punhos apertados.
Então, Constance pôde admirar o de pés a cabeça; era poderoso e masculino. Eram marcadas as linhas das costelas e a curva dos músculos sob a suave pele dos braços e do peito. Constance continuou baixando o olhar por seu estômago plano, e foi a vista de seu membro viril o que a deixou assombrada. Não tinha idéia do que esperar, e nunca teria sonhado que a vista do despertar do desejo masculino intensificasse tanto sua própria necessidade.
A respiração de Constance entrecortou-se. Estava excitada e assustada, e sentia outras muitas coisas. Qualquer um lhe diria que não devia fazê-lo. Que deveria vestir a roupa de novo e sair correndo daquela casa. Entretanto, não tinha intenção de fazê-lo. Certamente estava agindo impulsivamente, mas sabia que aquilo era o que queria. Dominic era a pessoa a que desejava. Sabia que ele não podia casar-se com ela, que não ia casar se com ela, e sabia que outros considerariam que estava cometendo um engano. Mas não se importava.
Desejava ao Dominic. Desejava aquele momento. Apesar das demais coisas que pudessem acontecer depois, queria fazer o amor com ele. Queria abrir-se a ele, deixar que tomasse entre seus braços e que lhe ensinasse tudo o que podia haver entre um homem e uma mulher. O resto de sua vida poderia ser sombrio e vazio, mas naquele momento conheceria a paixão.
Constance puxou o laço da gola de sua camisa e o laço se desfez. Lentamente, um por um, desabotoou cada atadura até que os dois lados estiveram separados e deixaram à vista uma estreita franja de sua pele, que baixava do centro de seu peito.
Então, apanhou com as mãos cada lado.
- Constance... - sussurrou Dominic - Não. Não deveria fazê-lo.
- Quero fazê-lo.
Ele engoliu a saliva, olhando-a durante um longo instante, e quando repetiu seu nome, não o fez como uma advertência, mas com um suspiro de desejo:
- Constance...
Caminhou para ela lentamente. Ela, sem deixar de olhá-lo, tirou a camisa e a deixou cair ao chão. Ele se aproximou mais, e ela desatou a lateral de sua combinação de musselina e a soltou até que caísse a seus pés. Ele se deteve tão somente uns centímetros dela. Constance começou a desatar as calças, mas Dominic lhe agarrou com delicadeza as mãos, detendo-a. Com um sorriso, tomou as estreitas fitas que seguravam o objeto e as desatou.
Depois apoiou as Palmas das mãos na cintura de Constance, estendeu os dedos sobre sua pele e os deslizou pelo interior das calças para começar a descê-las. Passou-lhe as palmas pela carne, deixando um rastro de calor e expondo sua pele centímetro a centímetro.
Constance tomou ar bruscamente ao notar as Palmas de suas mãos e as polpas de seus dedos, ásperas depois de anos de equitação, roçando-a com leveza, e sentiu uma dor entre as pernas, uma pulsação frouxa.
Dominic lhe olhou os seios; Constance tinha os mamilos endurecidos como resposta a suas carícias. Seu sorriso se fez mais amplo pela satisfação masculina que sentiu, e terminou de tirar a roupa interior de Constance. ficou imóvel durante um instante, com as mãos sobre os quadris de Constance, explorando todo seu corpo com o olhar.
Ele tinha toda a atenção de Constance com seus olhos, ardentes e intensos, enquanto lhe acariciava os flancos lenta e suavemente, provocando nela até a mais diminuta das sensações. Acariciou-lhe o peito, brincando com seus mamilos, e lhe deslizou as mãos pelas costas, pelas curvas dos quadris, pelas nádegas.
Seu membro pressionava ligeiramente a Constance no abdômen. Ela estava assombrada por cada novo prazer que lhe causavam as mãos do Dominic. E então, assombrando-a mais, lhe passou uma mão entre as pernas. Constance ofegou enquanto, inconscientemente, abria-se para ele. Seus dedos masculinos brincaram com sua carne. Acariciou-a com delicadeza, separando aquelas dobras tão sensíveis. Constance se aferrou a seus braços, porque aquele prazer novo e intenso lhe estava atravessando todo o corpo. Engoliu a saliva, e com uma imensa surpresa refletida nos olhos, olhou-o. Ele continuou olhando-a também, enquanto fazia magia com os dedos, assimilando cada uma das sutis mudanças do semblante de Constance à medida que uma nova sensação se apropriava dela.
Constance nunca havia sentido nada semelhante. Nunca teria imaginado que existia tanto calor, ou tanto prazer, que pudesse consumi-la daquele modo. Dominic nem sequer a tinha beijado ainda, e ela já estava tremendo por causa de uma necessidade entristecedora, uma delícia tão intensa que tinha a impressão de que ia explodir por sua pressão. E então, explodiu seriamente. Emitiu um pequeno grito quando a paixão a invadiu. Estalou no centro de seu ser e se estendeu por seu organismo em ondas. Constance se moveu contra Dominic, com o corpo tão tenso que estava tremendo.
Derreteu-se. Não existia outra palavra para descrevê-lo. Os joelhos lhe fraquejaram, assim a única coisa que a mantinha em pé era o braço que Dominic lhe tinha passado pela cintura. Ela apoiou a cabeça contra seu peito e o abraçou. O coração pulsava com muita força, e tinha a pele quente e úmida. Constance ouvia sua respiração entrecortada.
- Dominic... - susurrou e ergueu os olhos para ele - foi... mais do que eu... foi maravilhoso. Mas, e você? Quero dizer, você... - Constance se interrompeu e se ruborizou.
Ele sorriu. Com os olhos brilhantes, tomou a manta da cadeira e a sacudiu. Depois a estendeu sobre o chão.
- Não se preocupe, querida - lhe disse, tomando-a nos braços e deitando-a com delicadeza sobre a manta. Quando se estendeu junto a ela, acrescentou- Só acabamos de começar.
E, por fim, inclinou-se e a beijou.
Dominic a beijou como se tivesse todo o tempo do mundo, lentamente, procurando todo o prazer. Não houve pressa por satisfazer sua própria necessidade, só uma tranqüila exploração. Constance, assombrada e farta, devolveu-lhe os beijos com um prazer lânguido; teria se conformado permanecendo ali, entre seus braços, para sempre, e não fazendo nada mais.
Deslizou as mãos preguiçosametnte por seus braços, desfrutando do tato de sua pele sob as Palmas, traçando a curva de seus músculos. A tensão que não se notava em seus beijos estava em seu corpo. Constance sabia que era presa do desejo, e que aqueles beijos tranqüilos e ternos eram o resultado de um controle férreo. Agradava-lhe a intensidade de sua paixão, o fato de saber que a desejasse tanto. Acariciou-lhe o centro do peito, e o estremecimento do Dominic acendeu um novo calor nela.
Não tinha acreditado que pudesse excitar-se tão rapidamente depois do cataclismo que já tinha experimentado, e o fogo que começou a devorá-la-a deixou atônita. Devia ter feito algum movimento que mostrou sua surpresa, porque Dominic ergueu a cabeça e a olhou com um sorriso.
- Acreditava que isso era a única coisa que iria ter? - murmurou, e quando Constance assentiu, beijou-lhe a comissura dos lábios - Há mais. Muito mais. Prometo isso.
Dominic lhe beijou as faces, o queixo, as sobrancelhas, as pálpebras. Depois se concentrou no lóbulo da orelha; o lambeu e mordiscou até que ela sentiu dardos de sensações e calor no abdômen. Constance se moveu com inquietação debaixo dele, incapaz de permanecer quieta ante suas carícias brincalhonas. Constance deixou escapar uma exalação e lhe passou as mãos pelas costas. Achava excitante a textura suave de sua pele e a firmeza dos músculos, as linhas duras de suas costelas, os pontos ossudos de seus ombros e clavículas, os cachos de pêlo que lhe adornavam o peito.
Dominic se deitou sobre ela e colocou uma perna entre as suas, fazendo com que as separasse. Apoiou seu peso sobre os antebraços, mas sua carne estava apertada contra a longitude do torso de Constance, e ela o sentia contra a parte mais tenra e íntima de seu corpo, duro e pesado, pulsante. Dominic lhe beijou todo o pescoço, mordiscando-a, e posou a mão sobre um de seus seios, acariciando a suave curva. Depois a beijou, movendo-se com infinita paciência sobre o arco do seio, chegando por fim ao botão endurecido do mamilo. Com a língua, traçou a borda exterior da aréola, desenhando lentamente círculos, uma e outra vez, até que finalmente tocou a ponta ereta do centro. Acariciou-a, brincando com ela de modo que se endurecesse mais e mais.
Constance queria que o tomasse em sua boca. Recordava como o tinha sugado, com a boca quente e úmida, e como cada sucção tinha sido como o puxão de uma corda que conectava com suas vísceras. A cada lambida de sua língua, ela queria mais. Desejava-o tanto que, inconscientemente, afundou os calcanhares e se ergueu. Passou-lhe as unhas, ligeiramente, pelas costas, e afundou os dedos nas nádegas. Ele emitiu um grunhido e, finalmente, tomou o mamilo com a boca, sugou-o e o rodeou com a língua. Ela emitiu um soluço ao sentir o calor que se estava gerando em suas entranhas de novo, tão prazenteiro, tão intenso que quase era dor.
Quando achou que não poderia suportar mais, que explodiria de prazer, ele liberou seu mamilo. Durante um momento, ficou imóvel, com a respiração entrecortada e os músculos contraídos. Depois a beijou entre os seios e tomou entre os lábios o outro mamilo. Constance gemeu e se arqueou contra ele. O desejo pulsava entre suas pernas; estava úmida e dolorida. Ele desceu a mão e a deslizou para as dobras escorregadias de seu corpo; ela tinha achaod que não podia estar mais excitada, mas o calor que sentia se fez quase insuportável ao receber as carícias de sua mão e seus dedos. Moveu os quadris contra ele e ouviu um grunhido de Dominic, que indicava sua última capacidade de controle.
Então, ele se moveu e se colocou entre suas pernas, separando-lhe Constance notou a ponta de seu membro contra o corpo e gemeu, elevando o corpo para receber a Dominic. Notou uma pontada de dor e se queixou brandamente. Ele se deteve, com o corpo rígido e trêmulo pelo esforço. Entretanto, não lhe importava a dor, não podia esperar mais, e lhe acariciou os quadris para urgi-lo a que continuasse.
Dominic penetrou em seu corpo e ela ofegou, assombrada e deleitada. Ele a encheu e a estendeu até seus limites, e foi maravilhoso, como se o vazio que tinha por dentro por fim tivesse sido repleto. Entretanto, ao mesmo tempo, queria mais. Queria que ele penetrasse mais nela, queria que a possuísse, queria possuí-lo.
Ele começou a mover-se, e Constance se deu conta de que isso era exatamente o que queria. Dominic se retirou lentamente, e ela esteve a ponto de protestar para que não a deixasse, mas não foi necessário. Em vez disso, ele a investiu e voltou a afundar-se em seu corpo, mais profundamente e com mais força. Constance emitiu um suave som, em parte gemido, em parte risada, ante o puro gozo que lhe provocavam seus movimentos. Ele a estava acariciando por dentro, movendo-se a um ritmo constante que cada vez era mais rápido, mais duro...
E ela se movia com ele, notando como se formava em seu interior uma bola de prazer que cada investida convertia em algo mais intenso. Constance cravou os dedos na manta que havia debaixo dela e se agarrou com força para não sair voando. Naquela ocasião, a sensação que se estava apropriando de lhe resultava familiar. Sabia como ia explodir a paixão em seu interior, e isso fazia que o desejasse mais. Salvo que então, o gozo era inclusive mais forte, mais selvagem, porque estava unida a ele naquela dança de desejo.
E finalmente, chegou... o prazer a cegou, estalando ao vermelho vivo em seu centro e estendendo-se por cada centímetro de seu corpo. Ela gritou e se arqueou contra Dominic enquanto ele continuava investindo-a até que sua própria respiração se uniu ao de Constance.
Ela o abraçou, e seus corpos ficaram grudados um ao outro, fundidos naquela tormenta de paixão. Dominic se relaxou contra ela, com o rosto contra seu pescoço. Constance percebeu
sua respiração, acalmando-se, e sentiu que seu corpo perdia a tensão anterior; de fato, ela mal tinha a energia necessária para falar ou para agir.
Ele a beijou no pescoço. Depois rodou e se deitou no chão, e passando o braço pelos ombros, fez que se encolhesse a seu lado. Constance achou que sua cabeça se adaptava perfeitamente à curva do ombro do Dominic. Estirou o braço sobre seu peito e começou a lhe acariciar a pele suavemente. sentia-se um pouco dolorida... e completamente satisfeita.
Aquilo, pensou, era amar a um homem. Ela alguma vez o tinha sabido antes, como ia sabê-lo? Nunca havia sentido o alcance do amor ao completo, a maneira em que o coração, a alma e o corpo se abraçavam a outra pessoa, acariciavam-no de todas as formas possíveis. Era algo muito belo.
Entretanto, Constance sabia que tudo se tornara muito mais complicado, e não queria pensar nisso. Naquele momento só queria desfrutar do momento, abandonar-se à alegria e a satisfação. Dominic a beijou na fronte e tomou a mão, entrelaçando seus dedos com os dela. Depois de lhe beijar cada um dos dedos, disse-lhe:
- É a mulher mais bonita do mundo.
Constance soltou um risinho. Sabia que ele era um bobo por pensar aquilo, e se sentia imensamente contente por que o pensasse. Ele enumerou todos os detalhes de sua beleza, até que ela teve que beijá-lo, rindo-se, para que calasse. E então, passaram alguns minutos sem que nenhum dos dois falasse.
- Constance - disse ele por fim, e ela percebeu um tom de voz de algo irrevogável em sua voz, o tom da razão e o pensamento. Estava muito segura de que não queria ouvir o que ele estava a ponto de lhe dizer.
- Não - sussurrou Constance rapidamente, e lhe pôs o dedo sobre os lábios para sossegá-lo. Beijou-o na face, apoiou o rosto no dele e acrescentou - Não falemos disso agora. Mais tarde haverá tempo suficiente.
- Temos que voltar.
- Sei.
Custou-lhe um enorme esforço separar-se dele. ficou em pé e procurou sua roupa interior, que tinha terminado perigosamente perto do fogo. Ao menos, os trajes já estavam quase secos. O traje de amazona, entretanto, continuava bastante úmido. O rico veludo de que estava confeccionado tinha absorvido muita água. Não obstante, não havia mais remédio que pô-lo. Quando terminou de vestir-se, Constance arrumou o cabelo o melhor que pôde com as poucas forquilhas que ficavam.
O fogo já se apagara, mas depois de vestir-se, Dominic o removeu para assegurar-se de que não ficasse nenhuma brasa. Depois, os dois saíram da cabana, tomaram os cavalos e começaram a descer pela colina, levando aos animais pelas rédeas. Tudo estava tranqüilo e cheio de paz; o ar cheirava a chuva. As nuvens se afastaram e estava saindo o sol, banhando tudo em uma luz dourada.
Seguiram caminhando segurando as mãos, olhando o um ao outro cada pouco tempo. A Constance parecia que eram as duas únicas pessoas do mundo. Tudo mudaria quando se
reunissem com outros, mas se negava a pensar e se aferrava a aquele doce momento.
Quando se reunissem com outros, com efeito, teriam que vigiar muito suas palavras e seus atos. Ele não poderia tomá-la pela mão nem abraçá-la. Ela não poderia olhá-lo com o coração nos olhos. Inclusive os movimentos de um casal de noivos se viam restringidos, assim que os de um homem e uma mulher que não estavam comprometidos... bem, simplesmente não poderiam mostrar nenhuma fraqueza pelo outro, e menos fazer algo tão escandaloso como tocar-se, salvo da maneira mais formal.
À medida que se aproximavam da casa de verão, Constance viu que todo mundo de seu grupo estava nas escadas, observando como se aproximavam, e sentiu que lhe encolhia o estômago. Olhou ansiosamente ao Dominic. Ele também estava olhando para o grupo, e a expressão de seu rosto era pétrea. De repente, Constance se deu conta de que não tinham tomado nenhuma precaução para dissimular sua chegada, e Dominic e ela estavam à beira do escândalo.
Não tinham podido evitar que chovesse, é obvio, nem haver-se visto obrigados a procurar refúgio. Entretanto, não havia nenhuma explicação para o fato de ter passado duas
horas juntos e a sós, e a maior parte daquele tempo, na privacidade da casinha.
Já não havia modo de ocultar aquilo. E as poucas esperanças que tivesse tido Constance de que não estalasse o escândalo se desvaneceram quando viu Muriel descendo as escadas para eles, com uma cólera fria refletida no semblante.
- Maldita seja - resmungou Dominic enquanto descia do cavalo. Não olhou ao Muriel enquanto rodeava ao animal para ajudar Constance a descer também.
Depois de um momento, Muriel, incapaz de conter-se, perguntou-lhes:
- Onde estiveram?
Dominic deu um passo adiante e ficou entre o Muriel e Constance. Arqueou uma sobrancelha com altivez e disse:
- Receio que a tormenta nos pegou de surpresa.
- Sim, isso já o vejo - replicou Muriel, e olhou expressivamente a Constance.
Constance se ruborizou e, por instinto, levou uma mão ao cabelo. Era consciente de que todo mundo a estava olhando. Também era consciente de que seu traje estava molhado e manchado de barro, e de que estava muito despenteada. Nem sequer levava chapéu, porque o ar frio da tormenta o tinha tirado da cabeça.
- Estou seguro de que estava preocupada com Constance e por mim – continuou Dominic, olhando Muriel com má vontade - Desculpo.
- Sim, tínhamos medo de que lhes tivesse ocorrido algo - disse rapidamente Francesca, enquanto descia correndo as escadas para eles - Me alegro muitíssimo de que estejam bem - acrescentou enquanto abraçava a Constance - Pobrezinhos, devem tê-lo passado muito mal.
A Os olhos de Constance se encheram de lágrimas de gratidão. Francesca, claramente, estava-a envolvendo com o manto de sua aprovação. E se alguém como Lady Haughston não via nada mau no que tinha ocorrido, quem eram outros para falar?
- Estávamos muito molhados - explicou Dominic -, mas tivemos sorte e encontramos refúgio no pior momento da tormenta.
- Refúgio? - repetiu Muriel, confusa. Depois, quando entendeu tudo, seus olhos despediram faíscas - Nessa cabana? A que há de caminho ao topo do promontório? Estiveram sozinhos nessa casa?
- Muriel, se cale - murmurou Francesca.
Entretanto, Muriel já não podia parar. Sorriu com uma expressão triunfante, virou-se para Constance e declarou gritando:
- Esteve nessa cabana com Lorde Leighton durante horas! Sua reputação, senhorita Woodley, ficou feita em migalhas.
Constance ficou tensa. Atrás de Muriel, ouviu os murmúrios de outros convidados. Seu primeiro impulso foi gritar que não tinha ocorrido nada naquela cabana, mas aquilo não era certo, e não sabia se as pessoas poderiam ler-lhe no rosto.
- Muriel, se cale - insistiu Francesca - Surpreendeu-os a tormenta. O que iriam fazer? Ficar sob a chuva todo o tempo?
- Uma mulher que cuida de seu bom nome, para começar, não teria ido ali só com um homem - disse Muriel com desprezo - E passou muito tempo desde a tormenta, não? Quem sabe o que ocorreu durante esse tempo? - prosseguiu. Era evidente que queria humilhar publicamente a Constance. voltou-se para ela e lhe disse de novo – Sua reputação ficou pelo chão. Ninguém pensaria em casar-se...
- Lady Muriel! - exclamou Dominic - Estou certo de que se o pensarem bem, darão-se conta de que não há nada que possa danificar a reputação da senhorita Woodley por haver-se resguardado da chuva junto ao homem com o que está noiva.
Houve uma exclamação de surpresa em todo o grupo. Francesca e Constance olharam ao Dominic com os olhos totalmente abertos. Muriel ficou pálida ao dar-se conta do que acabava de fazer.
- Não, Dominic... - sussurrou.
Ele a olhou com com calma. Depois se virou para Constance.
- Querida, sinto tê-lo anunciado tão informalmente. Mas, como compreenderá, não podia permitir que ninguém fizesse uma idéia equivocada das coisas.
Depois se voltou para os convidados, cujos rostos refletiam da mais absoluta surpresa a uma imensa curiosidade. Entretanto, sob o olhar do Dominic, todos adotaram uma expressão de cortesia muito a tom com a conduta inglesa.
Foi Calandra quem rompeu aquele momento gelado, dizendo:
- Que notícia mais estupenda! Francesca, não deu nem a mais mínima pista.
- Não podia - respondeu Francesca-. Tinha prometido que manteria o segredo.
- Parabéns, Dominic - prosseguiu Calandra, descendo os degraus para eles - E, Constance, me alegro muito de que vai viver tão perto de nós no futuro. A vizinhança já está mais alegre.
Então, tomou a Constance pelos ombros e lhe deu dois beijos.
- Obrigada - murmurou Constance.
Fez-lhe um nó no estômago. Benditas fossem Calandra e Francesca por seu aprumo e sua bondade. Tinham relaxado aquela situação tão tensa e, talvez, inclusive tinham irradiado certa veracidade às palavras do Dominic.
- Dominic, não seja tolo! - exclamou Muriel com a voz abafada.
- Estou segura de que está tão surpreendida como outros, Muriel, com esta boa notícia - lhe disse Francesca, a modo de advertência.
Seus olhos não vacilaram enquanto olhava ao Muriel de forma eloqüente. Muriel ficou calada. Jogou um olhar venenoso a Constance, virou-se e montou em seu cavalo. Depois se afastou para a casa principal sem olhar atrás.
- Suponho que já é hora de que todos voltemos para casa - disse Francesca com calma, como se o comportamento do Muriel fora muito normal.
- Deve cavalgar a meu lado, Constance -lhe disse Calandra - Quero que me conte todos seus planos de bodas.
Francesca e Calandra flanquearam a Constance durante todo o trajeto de volta a casa. Apesar das palavras de Calandra, não falaram sobre as supostas bodas nem sobre o compromisso. De fato, suas duas companheiras falaram muito pouco. Constance se sentiu muito agradecida por isso. Não queria falar com ninguém, nem sequer com Francesca. Estava muito preocupada com o que sua amiga pudesse pensar dela, e se sentia muito culpada pelo fato de que Dominic tivesse tido que anunciar daquela maneira seu compromisso.
E se ele pensava que Constance tinha dirigido a situação para que ele se visse obrigado a casar-se com ela? Não acreditava que pudesse suportar que Dominic tivesse uma opinião tão baixa dela.
Quando chegaram à casa, os cavalariços se apressaram a tomar as rédeas dos cavalos. Dominic se aproximou de Constance para ajudá-la a descer. Quando ela esteve no chão, olhou-o com ansiedade, mas não viu nada refletido em seu rosto.
- Sinto muito. Devo ir - disse Dominic em voz baixa - Tenho certo assunto de que me ocupar.
Ela sentiu uma pontada de insegurança. Temia que aquele assunto tivesse algo que ver com sua afirmação de que estavam comprometidos.
- Dominic, não... - sussurrou-lhe.
- Francesca ficará com você - disse ele e olhou a sua irmã, que se tinha aproximado deles.
- Claro - disse Francesca.
- Bem - Dominic tomou a mão a Constance e fez uma reverência – Falaremos mais tarde.
Dominic partiu a grandes passadas para a casa e entrou pela porta principal. Constance o olhou com consternação, e depois se virou para Francesca com nervosismo.
- Eu não queria isto! Não queria que ocorresse nada semelhante! Oh, é uma terrível confusão. O que vamos fazer?
- Nada, querida - murmurou Francesca com um sorriso, tomando-a pelo braço - Mantenha-se erguida e sorri. Não deve permitir que ninguém pense que Dominic não disse a verdade.
Constance quis protestar, mas sabia que Francesca tinha razão. Não podiam falar daquele assunto em público. Tinha que pôr boa cara até que estivessem sozinhas. Assim sorriu e caminhou junto a Francesca para a casa. Outros convidados se dirigiram a ela para felicitá-la por seu compromisso, e alguns tentaram lhe fazer algumas perguntas, mas Francesca fugiu das questões com habilidade, dizendo que devia acompanhar a sua futura cunhada para tirar aquela roupa molhada se não quisesse que adoecesse.
Quando por fim conseguiram chegar ao quarto de Constance, Francesca fechou a porta atrás delas e puxou o cordão da campainha.
- Francesca, por favor, tem que me acreditar - disse Constance – Nunca acreditei que pudesse acontecer algo assim.
- Claro que não - disse Francesca - Quem ia pensar que Muriel se comportaria de uma forma tão tola? Estou segura de que sua mãe vai repreendê-la duramente por ter-se feito tanto mal a si mesma. Não é mais do que merece, mas não posso deixar de sentir certa pena dela. Sua mãe é um demônio quando se zanga.
- Mas não está bem! Não é justo que Dominic tenha tido que fingir que estamos comprometidos. Não é culpa dela. Falamos no promontório, e o tempo nos passou voando. Não nos demos conta de que se formou uma tormenta. Então, quando nos surpreendeu a chuva, refugiamo-nos na cabana. Não ocorreu nada - disse, mas ao mentir daquela maneira, Constance não pôde olhar a Francesca no rosto. voltou-se, dizendo - Dominic não me fez nada mau. Ele não deveria ter que casar-se comigo. Por favor, deve me acreditar, eu não tinha intenção de obrigá-lo a algo assim.
- Isso já sei - respondeu Francesca - Acaso pensa que não sei que tipo de pessoa é? foi muito desafortunado que sua ausência fosse tão longa e, além disso, pública. E é ainda mais desafortunado que Muriel tenha sido tão idiota para tentar feri-la de qualquer modo, e arriscar-se a perder precisamente o que mais desejava.
- E por que fez semelhante coisa? - perguntou Constance.
- Estou segura de que não teria feito se soubesse como ia reagir Dominic. Entretanto, julgou equivocadamente a meu irmão, porque não o conhece absolutamente. Ela assume que todo mundo tem a mesma falta de honra e de escrúpulos que ela. Acredito que Muriel deve ter pensado que se destroçasse sua reputação, Dominic se distanciaria de você. Não entendeu, é obvio, que ele não permitiria que sua reputação sofresse, que agiria de uma maneira honrosa.
Enquanto falava, Francesca ajudava a Constance a tirar a jaqueta e a saia do traje de montar.
- Muriel está desesperada. Isso pode lhe haver nublado o entendimento. Sem dúvida, considera que meu irmão é sua última esperança de casar-se. A fortuna de sua família lhe tinha assegurado muitos pretendentes, mas seu temperamento frio e implacável os afugentou a todos. E, é obvio, o número de homens disponíveis aos que ela aceitaria era bastante pequeno de partida, pois Muriel não se conforma com um mero barão como marido. Muriel não vê utilidade ao matrimônio se não for para subir de posição.
Constance sacudiu a cabeça.
- Dominic não deve casar-se com essa mulher - disse, e se voltou para Francesca - Mas tampouco deve casar-se comigo. Você sabe melhor que eu. Ele me falou das cargas que há sobre o imóvel; sei que deve casar-se de modo que ajude à família. Não pode casar-se com alguém que nem sequer tem um dote decente, e menos uma fortuna. Não posso deixar que cometa semelhante engano.
Francesca a observou durante um longo momento.
- Querida, deve deixar que Dominic dita por si mesmo. Francamente, não tem mais remédio. Ninguém pode obrigar ao Dominic a fazer algo que não queira, disso estou segura.
Mesmo assim, Constance não deixava de preocupar-se. Não podia permitir que Dominic arruinasse sua vida por um sentimento de obrigação para com ela.
Depois que Francesca saíra do quarto, enquanto Constance tomava um banho quente, e mais tarde, enquanto Maisie a ajudava a vestir-se, continuou preocupando-se com aquele problema. Não podia suportar que Dominic se visse forçado a casar-se com ela. O que fazia que aquilo fosse pior ainda era que ela queria casar-se com ele. Constance se tinha
dado conta do muito apaixonada que estava do Dominic. Era uma das razões pelas quais tinha feito amor com ele na cabana. Quando se permitia pensar em ser sua mulher, sentia um grande entusiasmo.
Entretanto, não podia deixar-se levar por aquele desejo. Não podia deixar que Dominic sacrificasse seu futuro para conseguir sua própria felicidade. Ele era um homem com responsabilidades, e se casasse com ela, estaria fazendo caso omisso de seu dever.
Além disso, Constance estava segura de que não queria casar-se com ela; tinha anunciado que estavam comprometidos só para proteger sua honra. Ele não a queria. Nem sequer quando estavam fazendo o amor o havia dito. Ele a desejava, disso sim estava certa. Mas não a queria como ela o queria a ele.
As coisas teriam sido diferentes se lhe tivesse pedido que se casassem porque não podia suportar a vida sem ela. Se tivesse passado por cima de seu dever para sua família porque não podia enfrentar à infelicidade de não ter junto a ele à mulher a quem queria, então Constance não teria tido nenhuma objeção. Não lhe teria importado ter que passar o resto de sua existência na pobreza, contanto que estivesse com Dominic.
Mas ele não a queria. Não lhe tinha pedido que se casasse com ela. E naquelas circunstâncias, Constance não queria Dominic. Sabia que devia fazer algo, e ela era a única pessoa que podia fazê-lo. Olhou o relógio de seu quarto. Ainda restava um pouco de tempo para o jantar. Devia fazer o possível para arrumar a situação.
Tomou ar e saiu, decididamente, de seu quarto.
Constance percorreu o corredor para o quarto de seus tios. Bateu suavemente à porta e entrou depois de receber a permissão de sua tia. Seu tio Roger estava sentado em uma cadeira, esperando a sua mulher, que terminava de arrumar o cabelo e de colocar as jóias em frente ao espelho da penteadeira. Ambos se voltaram para olhar Constance com surpresa.
- Bem, entre, menina - disse seu tio alegremente - Não tem por que nos olhar assim. Não estamos zangados consigo. Devo dizer que se arriscou, mas ao final todo saiu bem.
- Vim lhes pedir que me deixem voltar para casa - disse Constance.
- Como? - perguntou seu tio com desconcerto.
- Do que está falando, boba? - interveio tia Blanche - Por que iria querer voltar para casa? Oh, haverá um pouco de odor a escândalo, mas Lorde Leighton fez o correto, e tudo passará rapidamente. A menos, claro, que chame a atenção fugindo como um coelho assustado.
- Sei que Lorde Leighton disse que estamos comprometidos, mas é mentira.
- Possivelmente não era certo quando o disse, mas agora sim o é - respondeu o tio Roger com petulância - Veio me ver faz um momento e me pediu sua mão. É obvio, dava-lhe minha aprovação. Nunca teria imaginado que era tão ardilosa, Constance - lhe disse, e a olhou como se ambos compartilhassem um segredo - Mas arrumou isso muito bem.
- Eu não fiz nada desse gênero! -protestou Constance - Acha que fiz tudo para obrigar ao Dominic a casar-se comigo?
- Se não foi assim - respondeu sua tia Blanche -, teve muita sorte.
- Não posso me casar com ele - insistiu Constance - Dominic não quer casar-se comigo. Só o disse porque Muriel Rutherford estava fazendo o possível por causar um escândalo.
- Essa moça é estúpida - disse sua tia, encolhendo os ombros - Mas bom, o que ela perdeu o ganhamos nós. Apenas pensar que teremos uma condessa na família!
Em seu rosto se desenhou um sorriso esplêndido. Estava emocionada pelo que tinha ocorrido.
- Embora seja difícil de entender, por certo. Esse homem não prestou nem a mínima atenção a Margaret nem a Georgiana, e elas estão em uma idade muito mais apropriada para o matrimônio... mas de qualquer modo, Margaret tem grandes esperanças no senhor Carruthers. Suas atenções foram mais evidentes durante estes passados dias. E uma vez que as meninas estejam aparentadas com um conde, as possibilidades serão inúmeras. Você poderá lhes apresentar à flor e nata da sociedade quando for Lady Leighton.
- Eu não vou apresentar a ninguém - replicou Constance -, porque não vou ser Lady Leighton.
Sua tia a olhou com os olhos arregalados.
- Está louca?
- Não. De fato, estou começando a pensar que sou a única pessoa razoável que há aqui. Dominic não deseja casar-se comigo, assim eu não vou obrigá-lo a fazê-lo.
- Obrigá-lo? - repetiu sir Roger - Do que está falando? Ele pediu sua mão.
- Só porque se sente forçado a fazê-lo. Não entende?
- Claro que se sente obrigado. E é o que deve fazer um cavalheiro. Não se pode jogar com os afetos de uma dama - declarou seu tio.
Constance suspirou. Estava claro que seus tios não entenderiam nunca suas objeções ante a natureza daquela proposta de matrimônio. Estavam muito embebidos nas vantagens que poderia lhes reportar que ela se casasse com o visconde Leighton.
Não encontraria ajuda neles. Devia falar com Dominic. Devia conseguir que raciocinasse.
- Desculpem-me por tê-los incomodado - disse, e se dirigiu para a porta - Por favor, me desculpem.
Seu tio murmurou alguma resposta, mas sua tia a chamou.
- Constance!
- Sim?
- Recorde isto, moça - disse com severidade tia Blanche - Se rechaças sua oferta de matrimônio, sua reputação ficará arruinada. Nunca voltarão a pedi-la em casamento. De fato, nem sequer lhe receberão.
Constance assentiu e continuou a caminho para a porta. Depois desceu as escadas. Quase era hora de jantar, mas talvez tivesse oportunidade de falar com Dominic a sós durante uns minutos.
Quando entrou na sala de espera onde todo mundo se reunia antes do jantar, foi consciente de que houve uma pausa na conversa de todos os pressentes, que dirigiram seus olhares para ela. Dominic lhe aproximou imediatamente e lhe fez uma elegante reverencia.
- Constance, me alegro de ver que tem tão bom aspecto. Espero que se sinta bem.
- Sim, obrigada, estou muito bem. E você? Espero que não tenha se resfriado.
Ele negou com a cabeça.
- Não, absolutamente - disse. Estendeu a mão a Constance e lhe pediu - Venha saudar meus pais e Francesca.
Precisamente, os pais do Dominic eram as pessoas que menos queria ver naquele momento, além de Muriel ou Lady Rutherford. Entretanto, sabia que aquele encontro era a forma mais importante de acabar com qualquer rumor. Certamente, os pais do Dominic seriam amáveis com ela para evitar o escândalo. Entretanto, não podiam estar muito contentes depois de inteirar-se de que seu filho estava comprometido com uma mulher pobre em vez de com a herdeira que eles tinham escolhido.
Felizmente, a saudaram com cortesia, embora com uma frieza que confirmou suas suspeitas. Francesca, ao menos, saudou-a com sua habitual calidez, e prosseguiu com uma conversa agradável, embora contasse com muito pouca ajuda. Nem Lady nem Lorde Selbrooke pareciam muito propensos a falar, e embora Constance tivesse gostado de falar com sua amiga, era muito consciente de que todos os pressentes da sala a estavam observando. É obvio, dado que Constance estava acompanhada pelos pais do Dominic, ela não pôde abordar com ele o assunto de seu compromisso. Sabia que teria que esperar que
terminasse o jantar.
Durante o jantar, o senhor Willoughby, para alívio de Constance, foi tão amável e cavalheiresco como de costume, e depois de felicitá-la discretamente, não voltou a puxar o assunto do compromisso. Tampouco mencionou a excursão daquela tarde. Frente a ela estava sentado sir Lucien, que claramente tinha recebido instruções de sua amiga Francesca, porque se dedicou a conversar, com seu habitual engenho, de algo menos do compromisso. Entretanto, os cavalheiros se ausentaram depois do jantar, e Constance teve que enfrentar às perguntas das mulheres. As irmãs Norton mostraram muito entusiasmo
pelo romantismo que atribuíam a aquele compromisso secreto, e Francesca, habilidosamente, desviou a atenção lhes pedindo que amenizassem o serão tocando o piano.
Todas se dirigiram à sala de música, e a senhorita Lydia começou a tocar. Sua habilidade ao instrumento não era tanta como a de Muriel Rutherford, mas a melodia era muito mais animada, e quando as duas irmãs começaram a cantar, foi muito mais divertido. Os homens se reuniram com as mulheres muito mais rápido do que o comum. Constance, ao ver como Dominic e seu pai se ignoravam o um ao outro, suspeitou que o ambiente na sala de fumantes tinha sido muito mais frio do que os convidados tivessem gostado.
Constance sentiu outra pontada de culpa. Por causa da decisão do Dominic de casar-se com ela, a tensão entre seu pai e ele era pior que nunca. Depois de algumas canções mais, a reunião começou a desfazer-se. Os convidados mais velhos se retiraram. Lady Selbrooke foi das primeiras em fazê-lo, com uma expressão de estar mais irritada que cansada. As pessoas que ficaram no salão de música começaram a formar grupos, alguns ao redor da mesa de cartas, e o senhor Carruthers e outros se uniram às irmãs Norton ao piano. Com suas canções e as conversas de outros, havia suficiente ruído na sala para cobrir uma conversa particular. Assim, quando Dominic se aproximou de onde estava Constance, ela aproveitou a oportunidade para falar com ele.
Deram um passeio pela longa sala retangular, e ela se deteve no extremo mais afastado.
- Dominic, devemos falar.
- Sim, temos que decidir quando e como a pedi que se casasse comigo - respondeu ele, sorrindo ligeiramente.
- Não. Não refiro a isso. Dominic, não deve fazer isto.
Dominic a olhou zombeteiramente.
- Seriamente?
- Não. Não seja difícil. Sabe tão bem como eu que se casar comigo é a última coisa que deve fazer.
- É precisamente o primeiro que devo fazer - a contradisse ele - Estou seguro de que você entende.
- Não permitirei que se sacrifique só porque Muriel Rutherford tenha criado uma cena esta tarde.
- Constance, não estou seguro de que entenda as conseqüências dessa cena. Seu nome ficará manchado se não nos casamos. Não obstante, sei que possivelmente isso não seja o que você quer.
Que não queria?, pensou Constance. Tomara Dominic soubesse que casar-se com ele era exatamente o que desejava; mas não naquelas circunstâncias. Não queria obrigá-lo a que se casasse com ela.
Dominic continuou.
- Está claro que minha forma de lhe pedir isso não teve nenhum romantismo, mas pensei que era muito importante que agisse rapidamente para acabar com os comentários de Muriel.
- Não me importa o caso - disse Constance. Era exasperante para ela que Dominic estivesse dando a volta à conversa, implicando que era ela quem não queria casar-se, a que deveria convencer-se de que era necessário - Sei que minha reputação sofrerá, mas isso não é importante.
- Para mim sim - replicou Dominic - Seriamente acha que ia agir de um modo tão pouco honroso depois do que ocorreu na cabana?
Constance se ruborizou.
- Eu não... eu não fiz isso para que se casasse comigo!
- Sei, mas isso não altera minha responsabilidade. falei com seu tio, e ele me deu permissão para que lhe peça a mão.
- Mas em realidade não o fez - assinalou Constance.
Ele sorriu.
- Sei, e me desculpo por isso. Quer que me ponha de joelhos e o faça agora?
Ele começou a mover-se, e Constance, rapidamente, agarrou-o por braço e sussurrou:
- Dominic, não!
Dominic riu.
- Bom, me alegro de que ache graça nesta situação.
- Temos que fazê-lo - respondeu ele, adquirindo uma expressão séria - Se a desgostar a idéia, sinto muito; entretanto, embora não se importe como o verá o resto do mundo, a mim sim. Eu não quero ser um canalha.
- Não teria que ser assim - lhe disse Constance - Certamente, se deixarmos de falar do compromisso, as pessoas o esquecerão depois de um tempo. depois de tudo, não houve anúncio formal. Se alguém lhe perguntar, pode dizer que foi um mal-entendido.
- Sempre haveria uma suspeita sobre você -respondeu Dominic firmemente.
- Então, está empenhado?
- Sim. Já falei com meus pais. Daremos outro baile ao final desta semana, a noite anterior a que se vão os convidados. E então, faremos o anúncio formal.
Constance suspirou. Claramente, não havia maneira de dissuadir ao Dominic. É obvio, ele faria o que qualquer cavalheiro. Em realidade, Constance não tinha esperado nada menos dele. Entretanto, ela não podia deixar recair aquela carga sobre seus ombros.
Constance não podia enganar-se, por muito que ela desejasse casar-se com Dominic. Havia uma grande diferença entre casar-se porque era o que se esperava de um e casar-se porque houvesse uma obrigação evidente no meio. Sobre tudo, quando casar-se com uma mulher implicava ir contra toda a família. Quando significava que alguém devia viver o resto de sua vida passando estreitezas econômicas, e condenando a sua família a viver do mesmo modo.
Naquela situação, para o Dominic, seu matrimônio seria uma constante causa de irritação. Cada vez que a visse, recordaria que não tinha cumprido o dever para com sua família, que não tinha dinheiro para liberar suas terras das dívidas, que não podia lhes dar tudo o que tivesse querido a seus filhos; e tudo aquilo, por culpa de Constance. Não podia apaixonar-se por ela e chegar a querê-la naquelas circunstâncias. Provavelmente, acabaria por odiá-la.
Assim, Constance não podia render-se e casar-se com ele. Tinha que ser firme. Sabia que tinha que lhe impedir que anunciassem seu matrimônio, e a única forma que lhe ocorria para consegui-lo era partir do Redfields. Falar com o Dominic não tinha servido de nada. Não obstante, ele não poderia anunciar o compromisso se ela não estivesse ali. Então, Dominic se daria conta de que Constance não queria obrigá-lo a que se casasse com ela.
Aquela noite se desculpou logo do serão. Era difícil ser simpática e amável quando sua mente estava ocupada por tantos problemas, e estava muito cansada de sorrir e evitar as perguntas de todo o mundo. Para sua surpresa, quando ia subir as escadas, um dos criados se dirigiu a ela.
- Senhorita?
Ela se deteve.
- Lorde Selbrooke requer sua presença no estúdio.
Constance ficou assombrada.
- Eu... sim, claro. É obvio.
Seguiu ao criado até o estúdio. O moço bateu e abriu a porta para que ela passasse. Depois, fechou. Constance olhou ao outro lado do estudio, onde Lorde Selbrooke estava sentado atrás de sua enorme escrivaninha de mogno. Ele se levantou e lhe indicou uma das cadeiras que havia em frente à escrivaninha.
- Senhorita Woodley, por favor, sente-se.
Constance obedeceu com o estômago encolhido. O conde era uma figura imponente por causa da severidade de sua expressão e de sua altivez. Voltou a sentar-se atrás de sua escrivaninha e se manteve em silencio durante um longo momento. Ela manteve uma expressão amável, esperando.
- Sem dúvida, sabe por que desejava vê-la - disse por fim o conde.
- Não, milord, receio que não sei - respondeu Constance.
- Sabe que este é um matrimônio que não desejaria para meu filho.
- Sim.
- Mas Dominic é muito obstinado - continuou ele.
- É um homem de fortes princípios - conveio Constance.
- Diga como quiser. me parece que será mais fácil tratar com você que com meu filho. Certamente, você será mais compreensiva e saberá o que mais lhe interessa. Eu sei que espera obter muito desta união, e é obvio, não espero que a cancele sem a compensar. Estou disposto a fazê-lo.
Constance ficou boquiaberta.
- Desculpe? Quer me pagar para que não me case com o Dominic?
- Naturalmente - disse ele. Tirou um pequeno saquinho de couro de uma gaveta e o deixou cair sobre a escrivaninha , em frente a sim. Depois puxou as fitas da bolsa, abriu e deixou cair um punhado de moedas de ouro sobre a mesa.
Constance contemplou as moedas e depois olhou ao conde. Estava tão perplexa que não podia falar.
Lorde Selbrooke esboçou um sorriso tenso.
- É obvio. Entendo que não considera suficiente. Não o esperava.
Então, tirou um pacote envolto em veludo e o depositou sobre a escrivaninha, junto às moedas. Cuidadosamente, abriu o pacote e tirou um colar de rubis e diamantes, que brilhava contra a cor negra do suave veludo.
- É uma jóia dos FitzAlan. - explicou a Constance - Esteve na família dos tempos do segundo conde. Minha avó se retratou com este colar. Tem um grande valor. Pode vendê-lo e obter umas boas economias. E tudo, sem a carga de um marido.
Constance se levantou da cadeira. Estava tremendo de cólera, e agarrou as mãos com força para que ele não visse que lhe tremiam.
- É isto o que pensa de mim? Que aceitarei seu dinheiro para não me casar com Dominic? Não o entendo, milord, e claramente, você não me entende. Não podem comprar. Não venderei meu bom nome por moedas e jóias.
Virou-se e se aproximou da porta. antes de sair se voltou com os olhos acesos de ira.
- Não penso me casar com seu filho. Não deixarei que o sentido da honra do Dominic o obrigue a contrair um matrimônio que ele não deseja. Entretanto, nunca o trocaria por dinheiro. Ou para agradar a você. Adeus, milord. Deixarei sua casa assim que me seja possível.
Constance saiu do estudio e percorreu apressadamente o corredor para seu quarto. Teve que fazer um grande esforço por conter as lágrimas. sentia-se humilhada e furiosa, e queria partir imediatamente. Entretanto, não sabia como poderia fazê-lo. Se se visse obrigada a fazê-lo, podia caminhar com sua mala até o povoado, e ali podia tomar a diligência do correio.
Porem, o que poderia fazer se aquela diligência não passasse pelo povoado até o dia seguinte? Onde se esconderia? Suspeitava que, se Dominic se inteirasse de que partiu, iria atrás dela.
Ele se negaria a lhe permitir que destruisse sua reputação. Constance devia fugir rapidamente, devia partir para muito longe. Subiu as escadas e se dirigiu a seu quarto sem deixar de pensar na solução. De repente, deteve-se. ficou imóvel durante um instante; depois se voltou e caminhou pelo corredor em direção contrária a seu quarto. Bateu com energia a um quarto, e uma voz lhe indicou que entrasse. Constance abriu e se encontrou, frente a frente, com Muriel Rutherford.
Muriel arqueou as sobrancelhas com assombro e com desprezo de uma vez.
- O que está fazendo aqui? Veio desfrutar?
- Não. – respondeu Constance - Vim lhe pedir ajuda.
- Pois deve ter muita coragem - disse a voz de outra mulher. Então, Constance se voltou e viu a mãe do Muriel, que estava sentada junto à cama - Acaso pensa que vamos ajudá-la em algo, quando converteu minha filha em uma boba?
Constance conteve o temperamento.
- Lady Rutherford, eu não fiz nada para ferir sua filha, e sei muito bem o que pensam de mim. Entretanto, acredito que estarão disposta a me fazer o favor que vou pedir lhes.
- Por que?
- Porque acredito que coincide com seus interesses.
- Do que está falando? - interveio Muriel.
- Ouvi dizer que amanhã deixarão Redfields. É certo?
- Sim - respondeu Muriel com amargura - Iremos ao amanhecer. Quanto menos testemunhas tenha que nossa humilhação, melhor. E o que tem isso que ver com você?
- Quero lhes pedir que me deixem viajar em sua companhia até Londres.
As outras duas mulheres a olharam como se se tornra louca.
- Está bem da cabeça? - perguntou-lhe Muriel.
- Por que? - perguntou também sua mãe.
-Não quero fazer dor a Lorde Leighton - respondeu Constance - Sei que deve fazer um matrimônio vantajoso. Suas palavras de hoje foram generosas, mas não deve pagar durante o resto de sua vida o fato de haver-se comportado como um cavalheiro.
- Não quer se casar com ele? - perguntou Muriel, sem poder dissimular sua incredulidade.
- Vou fazer o que é melhor para os dois - disse Constance.
- Ou acaso pensou num plano malicioso? - perguntou-lhe Lady Rutherford.
- Não sei a que se referem.
Lady Rutherford a escrutinou durante um momento. Estava segura de que aquela mulher sopesava tudo o que aquela petição podia representar para Muriel. Certamente, pensava que se Constance desaparecesse, ainda poderia conseguir que Dominic se casasse com Muriel. Constance se guardou de lhe dizer que estava certa de que Dominic nunca se casaria com Muriel, fizesse o que fizesse ela.
- Assim... - disse por fim Lady Rutherford - , pensou sair daqui em segredo?
- Sim - respondeu Constance.
- Está bem - disse Lady Rutherford quase agradavelmente - Sairemos amanhã ao amanhecer. Esteja preparada.
Constance assentiu e saiu do aposento. Voltou para seu quarto e começou a fazer a bagagem. O coração lhe pesava como o chumbo no peito. Tentou concentrar-se em fazer os planos. Quando chegasse a Londres, iria a casa de seus tios. Embora seus familiares não estivessem ali, os criados lhe permitiriam entrar. Teria que procurar outro lugar onde viver logo, certamente. A tia Blanche e o tio Roger se enfureceriam com ela por ter causado aquele escândalo e por ter desperdiçado a possibilidade de casar com um conde. Mas ela poderia ficar suficiente em sua casa para retirar um pouco de dinheiro de suas economias e preparar uma viagem ao Bath.
Tinha outra tia que vivia no Bath. Seu pai e ela a tinham visitado freqüentemente quando seu pai estava doente, e Constance pensava que a tia Deborah estaria feliz em acolhê-la. Como a pensão de viuva de sua tia não era muito grande e vivia em uma casa muito pequena, Constance sabia que não poderia ficar muito tempo com ela, mas ao menos lhe daria o tempo suficiente para recuperar-se e averiguar o que podia fazer com sua vida.
Teria que ganhar algum tipo de dinheiro, pensou. A quantidade de dinheiro que recebia de sua pequena herança não era suficiente. Supôs que poderia converter-se em dama de companhia de pagamento para damas anciãs, embora aquela parecia uma vida muito triste. É obvio, possivelmente nem sequer pudesse encontrar aquele trabalho, se o escândalo fosse já associado a seu nome. Possivelmente se sua tia e ela unissem seus recursos, pudessem encontrar um lugar um pouco maior para viver e um modo de manter-se.
Não demorou muito em preparar o baú, apressada por aqueles pensamentos tão tristes. Logo teve a bagagem feita. deteve-se e olhou a seu redor, e durante um instante, esteve a ponto de voltar a chorar. Pensou no fato de que não ia voltar a ver o Dominic. Não veria seu sorriso nem ouviria sua voz, nem voltaria a ver seus olhos. Parecia-lhe algo tão duro, tão injusto, que mal podia suportá-lo. Odiaria-a ele por havê-lo deixado de uma maneira tão brusca, sem uma explicação? Ou respiraria com alívio?
Com aquele peso na alma, preparou-se para deitar-se. tirou as forquilhas do cabelo e o escovou. Depois tirou a roupa e pôs a camisola. Sentou-se na borda da cama e pensou no Dominic, no que tinha ocorrido entre eles aquela tarde. Ocorresse o que ocorresse a partir daquele dia, nada poderia danificar as lembranças da tarde em que tinham feito amor. Constance queria ao Dominic com todo seu coração, e os momentos mais felizes de sua vida os tinha passado em seus braços. Havia-se sentido mais viva que nunca.
Deu-se conta de que não podia partir sem vê-lo de novo, sem experimentar uma vez mais a alegria que tinha conhecido antes. Vestiu o roupão, atando-o bem à cintura. Ia vê-lo. Por muito triste que fosse o resto de sua existência, ao menos teria aquele último momento de amor. Saiu sigilosamente ao corredor, que já estava às escuras, e nas pontas dos pés, percorreu o caminho até o quarto de Dominic. Em vez de bater na porta, para evitar despertar a alguém, girou a maçaneta de sua porta lentamente, entrou em seu quarto e voltou a fechar.
- Que demônios...? - perguntou Dominic. Estava junto a sua cama, e ao ouvir um ruído, deu a volta bruscamente. Quando a viu, relaxou-se, e relaxou também os punhos-. Constance, o que está fazendo aqui?
Ele já tinha começado a despir-se, e só levava as calças postas. Tinha os pés e o torso nus. Constance notou um calor familiar dentro de si ao vê-lo.
- Queria vê-lo - respondeu em voz baixa, e deixou o candelabro na cômoda, junto à porta.
- Não deveria estar aqui. Poderia tê-la visto alguém.
- Preferiria que partisse?
Então, afrouxou-se o cinturão da bata e a tirou. Deixou-a cair de seus ombros ao chão com um atrevimento que nunca teria pensado que tinha, e ficou imóvel.
Dominic seguiu seus movimentos com o olhar. Inclusive a tênue luz da vela, Constance percebeu o desejo refletido em seu rosto.
- Não - respondeu, em voz baixa - Não, não quero que parta.
Ele cruzou a habitação e fechou com chave a porta. Depois se aproximou e se inclinou para ela, inspirando profundamente.
- Cheira a glória - disse, e a vibração grave de sua voz lhe provocou um tremor nas entranhas de Constance.
Ela se apoiou em seu peito. Queria fundir-se com ele. Dominic lhe beijou o cabelo e a agarrou suavemente pelos braços, seguranda-a enquanto escondia o rosto entre seu cabelo, lhe provocando calafrios.
- Está segura? - perguntou Dominic - Se sente... bem? Não quero fazer-lhe mal.
- Não me fará mal. Quero estar consigo outra vez - lhe disse Constance simplesmente.
Então, Dominic apertou a mandíbula e, com um grunhido, abraçou-a com força e desceu a rosto até a curva de seu pescoço para beijá-la.
- Ah, Constance, Constance, destrói minhas melhores intenções - murmurou contra sua garganta.
Os lábios do Dominic viajaram por seu pescoço, e lhe afastou o cabelo com uma mão para que sua boca não encontrasse obstáculos ao explorar. Beijou-lhe a linha da mandíbula, pequenos beijos como plumas que lhe fizeram cócegas nas terminações nervosas, despertando as até que por fim chegou ao lóbulo de sua orelha. Tomou delicadamente entre os dentes e o mordiscou, lhe passando a língua pelo bordo. Constance tomou ar bruscamente, e posou as mãos nos flancos do Dominic. Tinha a pele suave, e debaixo ela, notou os duros ossos das costelas. Deslizou-lhe as mãos pelas costas, e depois para baixo, até chegar à cintura de suas calças. Ali, colocou os dedos sob o tecido, acariciando com as pontas dos dedos a curva das nádegas.
Sentiu que seus movimentos faziam tremer ao Dominic, e sorriu com uma satisfação sensual ao saber que o excitava. Dominic lhe desceu as mãos pelos quadris e agarrou o tecido da camisola para subir o centímetro a centímetro enquanto com a boca causava estragos nos sentidos de Dominic. Beijou-lhe as orelhas, o pescoço, o rosto, aproximando-se de seus lábios até que finalmente sua boca apanhou a dela. Com um suspiro de satisfação, Constance correspondeu com ardor a seu beijo. Rodeou-lhe o pescoço com os braços e ficou nas pontas dos pés, apertando seu corpo contra o dele.
Dominic deslizou as mãos sob sua camisola e lhe acariciou a suave pele das nádegas. Desenhou com os dedos a borda de sua espinha dorsal e lhe acariciou as costas. A pele de suas mãos era mais áspera que a de Constance, e lhe provocava comichões por onde a roçava. Ele explorou sua boca preguiçosamente, e Constance entrelaçou os dedos por seu
cabelo, apertando as polpas dos dedos em sua cabeça quando uma nova sensação a removia. O desejo crescia em suas vísceras, quente e exigente. Esfregou seu corpo contra o do Dominic, procurando a satisfação que desejava. Ele se estremeceu e tomou pelas nádegas para juntá-la a seu corpo.
Constance notou a dura longitude de seu desejo contra o ventre, e aquilo intensificou sua necessidade. moveu-se por instinto, e Dominic emitiu um grunhido que lhe saiu do mais profundo.
Afastou-se dela, agarrou a bainha de sua camisola e a tirou pela cabeça. Atirou-a à cadeira que havia mais perto deles e depois tomou Constance nos braços. Constance soltou uma exclamação de surpresa; depois lhe escapou uma borbulha de risada da garganta. Aferrou-se a seu pescoço e apoiou a cabeça em seu ombro.
Dominic a levou a cama e a estendeu sobre o colchão. Deu um passo atrás e começou a desabotoar as calças, mas tomou as mãos e o impediu. Ele a olhou com uma pergunta nos olhos.
- Deixa que o eu faça - lhe pediu Constance em voz baixa, ajoelhando-se na cama.
Passou as mãos pelo cabelo e a acariciou enquanto ela manipulava os botões. Constance sentia sua carne pressionando contra o tecido, pulsando sob o movimento de seus dedos. Sorriu e se deteve para acariciá-lo.
Ele gemeu.
- Quer me matar?
Constance ergueu o rosto para ele com um sorriso sensual nos lábios.
- Não, só agradá-lo - respondeu. Traçou com um dedo a linha rígida e perguntou - Você não gosta?
- Bruxa - disse ele com um sorriso voraz - Sim, eu gosto. Vou lhe demonstrar quanto eu gosto.
Então, Dominic lhe posou as mãos sobre os ombros como se quisesse deitá-la de novo sobre os lençóis, mas ela negou com a cabeça.
- Não, não, me deixe terminar.
Desabotoou-lhe outro botão, e depois colocou os dedos sob o tecido, afastando-o. As pontas dos dedos se enredaram com o pêlo forte que encontrou ali, enquanto roçava a pele acetinada de seu membro viril e explorava o contraste entre o suave e o áspero. A respiração do Dominic se tornou entrecortada, e aquele som excitou a Constance. Tirou as mãos e desenhou uma forma traçando uma linha a cada lado, perto, mas não tocando a carne que se inchava sob o tecido. Finalmente, desabotoou os dois últimos botões.
A virilidade do Dominic se liberou da roupa que a confinava quando lhe desceu as calças, lhe passando os dedos pelas curvas das nádegas e pelas coxas. Deu um puxão final e a roupa lhe caiu até os pés. Dominic saiu das calças e as afastou com um chute, com o corpo tenso de desejo.
Constance fechou a mão ao redor dele, e com os dedos percorreu sua longitude de cima abaixo. Ele começou a ofegar e, depois de um pequeno puxão de prazer e surpresa, ficou quieto, tremendo sob suas carícias, embora ela se desse conta do esforço que lhe estava custando. Ao vê-lo, ela o soltou e deslizou as mãos por suas coxas.
Tudo nele era tão novo e fascinante... a textura de sua pele, os sons de seu desejo, a forma e força de seus músculos, tudo os sinais de sua excitação... Constance queria saborear e acariciá-lo todo aquela noite, entesourar todas as lembranças que pudesse.
Afastou os olhos da contemplação do belo corpo masculino do Dominic e o olhou no rosto. Seu rosto estava tenso de paixão.
- Quando me olha assim - sussurrou ele, e engoliu saliva -, custa-me muito não explodir.
- Eu adoro olhá-lo - disse ela com sinceridade, e aquela resposta fez com que ele risse. -Constance, vais conseguir que me lance sobre ti como um adolescente inexperiente.
- Não me importaria -murmurou ela, e o acariciou com as pontas dos dedos.
Ele emitiu um gemido afogado e lhe afastou a mão. Então, subiu para a cama e ficou escarranchado sobre as pernas de Constance. Apoiou as Palmas das mãos sobre seu peito e começou a lhe acariciar, lentamente e para baixo, todo o corpo. Levou muito tempo para roçá-la, tocá-la e acariciá-la, procurando cada diminuto lugar que a fizesse gemer ou suspirar ou retorcer-se de prazer.
Depois colocou as mãos entre suas pernas e fez com que as separasse para que se abrisse a ele. Dominic observou seu rosto enquanto a acariciava, enquanto brincava com as dobras úmidas, desenhando círculos sobre o pequeno botão de carne até que ela afundou os calcanhares no colchão e se arqueou para cima, quase soluçando da necessidade que tomou seu corpo. O prazer aumentava e aumentava, lançando-a para uma conclusão explosivo que ela recordava muito bem, mas justo quando a estava roçando, ele afastou a mão.
- Ainda não - murmurou, e se inclinou para lhe beijar os seios.
Ela estava muito excitada, pulsava de impaciência; grunhiu em protesto por aquele atraso, mas o toque de sua língua na carne suave de seus seios foi um contraponto delicioso ao pulso intenso que sentia entre as pernas. Cada roçar da língua de Dominic, cada sucção de sua boca no mamilo, intensificava seu desejo, mas não era suficientemente forte para fazê-la alcançar o clímax.
Constance moveu os quadris sobre a cama, pronunciando seu nome entre suspiros.
- Dominic... por favor. Dominic, desejo-o. Quero o sentir dentro de mim.
A resposta do Dominic foi um grunhido de pura luxúria, e por fim se colocou entre suas pernas. Subiu-lhe os quadris e se deslizou em seu corpo. Constance sentiu uma suave dor, mas seu corpo estava muito ansioso por sentir o do Dominic, e não lhe prestou atenção. Tomou dentro de si, agarrando-se com as pernas a sua cintura, e deleitando-se com o modo em que ele a enchia.
Não houve maneira de conter-se. Só houve uma carreira dura de investidas para a culminação. Seus corpos, famintos e exigentes, moveram-se juntos até que alcançaram o que ambos desejavam. Dominic emitiu um grito áspero e estremeceu, e Constance voltou a cabeça e lhe mordeu o braço para evitar pronunciar palavras de amor quando ela, também, chegou ao clímax.
Ele se desabou sobre ela com a respiração entrecortada.
- Deus Santo - murmurou contra sua pele - Acredito que me matou.
Com um suave grunhido, acariciou-lhe o pescoço com o nariz e virou sobre si até ficar deitado de costas sobre o colchão com Constance sobre seu corpo. Constance riu e ergueu a cabeça para olhá-lo. Teve a impressão de que teria podido ficar olhando-o para sempre. Tinha o rosto relaxado de satisfação, um olhar preguiçoso e as faces tintas. Ela sentiu um amor tão feroz no peito que teve que fazer um grande esforço para não dizer-lhe Sabia que não devia lhe dizer nada do amor que sentia. Não podia lhe oferecer a parte mais preciosa de seu coração e sofrer a dor de não ser correspondida.
Assim, simplesmente, sorriu e se inclinou para lhe dar um beijo de ternura no peito, e depois apoiou a cabeça sobre ele. Ambos ficaram imóveis, alongando o momento de prazer. Ele entrelaçou os dedos, distraidamente, no cabelo de Constance, o enredou na mão e o levou aos lábios. Desenhou círculos no seu braço. Notava como ele estava relaxando debaixo dela; a mão com a que lhe acariciava o cabelo ficou distendida. Cuidadosamente, ela se ergueu e o olhou. Ele tinha ficado adormecido, com o rosto tranqüilo e as pestanas projetando sombras em suas faces. Encolheu o coração dela, de amor no peito. Como ia suportar deixá-lo?
Naquele momento, sentiu uma grande tentação de ficar. Possivelmente Dominic não a quisesse, mas lhe proporcionava prazer. Certamente, aquilo era suficiente para construir uma relação. A Constance parecia muito difícil ter que deixar tudo aquilo. Com um suspiro, deitou-se de costas sobre a cama e olhou ao teto. Sabia que não podia fazer o que estava pensando. Queria muito ao Dominic. Não podia permitir que seus desejos se impusessem sobre o que ela sabia que estava bem. Não podia obrigá-lo a que se casasse com ela por seu cavalheirismo. Voltou-se de novo para ele e o olhou. Era tarde, e ela sabia que devia dormir um pouco, mas não importava. Iria dormir no dia seguinte. Aqueles momentos eram a única coisa que teria do Dominic durante toda sua vida.
Assim o contemplou enquanto dormia. Algumas vezes apoiou a cabeça em seu ombro e sentiu o calor de seu corpo, sua respiração rítmica.
Finalmente, quando pensou que os criados iriam começar a levantar-se, deslizou fora da cama e, nas pontas dos pés, aproximou-se do lugar onde tinham caído sua camisola e seu roupão. vestiu-se e tomou seu candelabro, cuja vela se consumara quase por completo. Olhou uma vez mais, longamente, ao homem que dormia.
Depois abriu a porta e olhou a ambos os lados do corredor. Não havia ninguém, assim, sigilosamente, saiu e fechou a porta. Apressadamente, percorreu o trajeto até seu quarto e ali começou a chorar.
Quando Constance, por fim, secou suas lágrimas, lavou-se e se vestiu. Sabia que não tinha sentido tentar dormir antes da viagem. Estava muito triste para conciliar o sono, e de qualquer modo uma hora de descanso não lhe serviria de nada.
Decidiu escrever uma carta de agradecimento à condessa, apesar do comportamento que o conde tinha tido para ela; e pensou que não podia partir sem escrever também a Francesca para agradecer por sua amizade e sua bondade. Constance sabia que se estava arriscando, mas não podia ser tão mal educada para partir sem uma só palavra. Deixaria as cartas no console da entrada, onde os criados punham o correio. Quando alguém as descobrisse, ela já estaria em Londres. Assim, Constance decidiu que tampouco seria um risco deixar uma carta para o Dominic, porque ele não teria tempo de alcançá-la antes de que chegasse a casa de seus tios. Enquanto escrevia, não pôde evitar de novo as lágrimas.
Terminou as cartas, fechou-as e desceu as escadas silenciosamente para as deixar sobre o console do vestíbulo. Depois subiu de novo a seu quarto e se sentou junto a seu baú a esperar que despertassem as Rutherford. Os criados se levantaram antes de que Lady Rutherford batesse na porta de Constance, e sua criada ficou surpreendida ao ver Constance vestida e com a bagagem preparada. Constance deu uma moeda ao Nan e fez que lhe prometesse que não falaria de sua partida. Assegurou além disso que tinha escrito à condessa. A criada se mostrou dúbia, mas assentiu e meteu a moeda no bolso. Uns minutos depois, Nan partiu e Lady Rutherford apareceu na soleira. Constance ficou em pé de um salto e tomou sua bolsa de mão.
- Devo enviar a um criado para que baixe o baú - disse Constance.
- Oh, não, não tem por que te incomodar. Deixa aqui suas coisas. Meu cocheiro e meu cavalariço as descerão quando subirem pelas nossas - respondeu Lady Rutherford, e Constance ficou atônita ante tanta amabilidade.
É obvio, pensou, Lady Rutherford tinha muitos motivos para lhe facilitar a partida. Certamente, pensava que aquilo seria muito vantajoso para sua filha.
Constance desceu as escadas com Lady Rutherford e ambas subiram à carruagem. Constance teve que ocupar o lugar que olhava para a parte traseira da carruagem, o mais
incômodo. Entretanto, não se importou. Não tinha interesse em olhar a paisagem. Sua intenção era fechar os olhos e fingir que estava dormindo. Daquele modo, não teria que falar com o Muriel e sua mãe. Poucos minutos depois, quando toda a bagagem estava no porta-malas, a carruagem empreendeu a marcha.
Constance, então, fechou os olhos. Não queria arriscar-se a chorar ante as duas mulheres. Não tinha acreditado que pudesse dormir, mas o movimento da carruagem fez que, pouco a pouco, emergisse em uma soneca. Despertou por causa de uns gritos. Abriu os olhos, confundida. A carruagem se estava detendo.
- O que ocorre? Por que paramos? - perguntou a Lady Rutherford.
- Não tenho nem idéia - respondeu a dama com frieza, enquanto abria a cortina da janela para olhar fora.
Constance também correu a cortina e olhou. A carruagem parou por completo e havia dois homens a cavalo junto à portinhola. Um deles falou.
- Senhora?
- Sim? - a mãe de Muriel pôs a cabeça pelo guichê - O que ocorre? A que vêm todos esses gritos?
- Envia-me Lorde Selbrooke, senhora. Deseja que volte para o Redfields imediatamente -respondeu o criado, lhe fazendo uma respeitosa reverência.
Constance tomou ar bruscamente. Não! Não podiam voltar!
- Voltar? Para que? - perguntou Lady Rutherford.
- Não sei, senhora. Mas ele indicou que é muito importante, muito urgente.
- Entendo. Bem... suponho que devemos voltar, se é algo tão importante.
- Lady Rutherford! Não! - exclamou Constance. Se voltassem , seu plano não sairia bem.
- Dê a volta e volte para o Redfields - lhe ordenou Lady Rutherford a seu cocheiro pela janela. Quando a carruagem começou a virar, a dama olhou com desprezo a Constance - Não seja idiota, menina. O que pareceria se não voltarmos?
- Não sei, mas o estragará tudo. Não posso...
- Não seja idiota - disse Lady Rutherford - Dominic não pode obrigá-la a que se case com ele. Se não quer fazê-lo, só tem que dizer-lhe.Eu a trarei para Londres comigo, e isso será tudo.
- Mas, por que nos faz voltar Lorde Selbrooke? Lady Rutherford se encolheu os ombros.
- Logo o averiguaremos. Possivelmente Lorde Leighton se deu conta de que cometeu um engano - afirmou Lady Rutherford com um olhar malicioso. Depois, voltou a olhar pela janela.
A viagem de volta foi uma agonia de nervos para Constance; quando chegaram à casa, estava intumescida de medo. A contra gosto, saiu da carruagem depois do Muriel e de Lady Rutherford, e as seguiu para a porta. Para sua surpresa, dois criados saíram da casa e descarregaram sua bagagem da carruagem. Ela entrou no vestíbulo e viu Lorde e Lady Selbrooke junto à escada. O rosto de Lady Selbrooke era uma máscara de altivez; Lorde Selbrooke parecia furioso. Constance olhou a um lado e viu que quase todos outros convidados tinham descido as escadas, em diversos estados de vestimenta. Dominic estava no primeiro degrau, com uma camisa e as calças, embora estivesse claro que se vestira a toda pressa; tinha o cabelo revolto e não parecia que estivesse zangado, só desconcertado.
Francesca estava um pouco mais acima que Dominic, abrigada com um robe, com o cabelo solto. Constance viu também Calandra, Lorde Dunborough, aos três irmãos Norton... todos estavam sonolentos e confusos, como se os tivessem tirado da cama. Constance olhou de novo a Lorde Selbrooke, cada vez mais desorientada. Ao notar o brilho perverso de seus olhos, soube que tinha alguma maldade em mente.
- Bem! - exclamou o nobre, olhando fixamente a Constance - Senhorita Woodley!
É assim como pagam nossa hospitalidade?
- Pai, o que ocorre? - perguntou Dominic com aspereza, baixando o degrau para eles - Constance? por que está com Lady Muriel? - perguntou a ela, e depois se fixou em seu chapéu e no vestido de viagem - Onde esteve?
Constance se ergueu e olhou ao resto dos convidados. Não podia explicar aquilo diante de todo mundo.
Entretanto, não teve que preocupar-se, porque Lorde Selbrooke não lhe deu ocasião de falar.
- Eu lhe direi. Esta manhã despertei e averigüei que nos roubaram!
Houve uma exclamação de assombro de todo o mundo. Constance olhou ao conde sem compreendê-lo. Não tinha imaginado que pudesse dizer algo assim. A cena se interrompeu quando os criados entraram levando um baú, que depositaram no chão, ante Lorde Selbrooke. Constance se deu conta de que era o seu.
- O colar de rubis de Lady Selbrooke desapareceu - proclamou o conde, olhando fixamente a Constance - O que têm que dizer com respeito a isso, senhorita Woodley?
Constance ficou olhando-o com os olhos totalmente abertos.
- Está louco? - espetou-lhe Francesca a seu pai, descendo as escadas até ele - Não pensará que Constance roubou esse colar!
- Estou seguro - respondeu o conde, sem afastar a vista de Constance - Por que, se não, ia fugir desta maneira? É um pouco estranho, não lhe parece, senhorita Woodley?
De novo, produziu-se um murmúrio na escada. Constance sentiu cólera. Ergueu as costas e disse em voz alta e clara:
- Eu não tomei nada desta casa, milord.
Pela extremidade do olho, viu o Dominic olhando a seu pai e depois a ela, e depois a seu pai novamente, escrutinando-os. Sentiu dor ao pensar em que ele pudesse suspeitar dela.
- Seriamente? - perguntou o conde, arqueando uma sobrancelha.
Apontou o baú com um gesto da cabeça, e um de seus lacaios se ajoelhou e o abriu.
Ali, sobre a roupa dobrada, havia uma pequena caixa. O criado se voltou para o conde; o conde assentiu, e o criado lhe entregou a caixa. O conde a abriu e tirou, de uma peça de veludo negro, um colar de rubis e diamantes.
- Então, como explica isto? - inquiriu o conde.
Começou a dar voltas a cabeça de Constance.
- Planejou tudo! – exclamou - Quando lhe disse que não queria esse colar como suborno, puseram-no em meu baú! Sabia que partia, verdade? - disse-lhe Constance, e se voltou para Lady Rutherford, ao dar-se conta de tudo.
Não entendia por que lhe tinham feito aquilo. Ela se estava partindo do Redfields, deixando ao Dominic; deveria ser suficiente para eles. Mas não. Deviam temer que Dominic persistisse em seus planos, que fosse atrás dela e a convencesse de que voltasse com ele. Se arrumavam para desonrá-la frente a todo mundo, se convenciam ao Dominic de que era uma ladra, ele não quereria casar-se com ela. estavam-se assegurando de que aquele matrimônio não se produzisse, e não lhes importava ter que destroçá-la no processo.
- Jovem! – disse-lhe Lady Rutherford - Tome cuidado com o que diz. Como se atreve a me falar assim? - então, voltou-se para Lady e Lorde Selbrooke - Está claro que acolheu a uma víbora em sua casa, milord. Lady Selbrooke, tudo isto me produz muita lástima. Deve ser um golpe muito duro. E pensar que esteve a ponto de converter-se em sua nora!
Lady Selbrooke não respondeu, mas sim voltou a rosto. Ao menos ela, pensou Constance, teve a decência de envergonhar-se daquele engano.
- Eu não tomei esse colar - insistiu Constance com a voz trêmula pela fúria - Você me ofereceu isso e eu o recusei. Entretanto, parti de Redfields de qualquer modo. Conseguiram o que queriam. Por que fizeram isto?
Então olhou ao Dominic. Ele não a estava olhando a ela. Tinha a vista fixa em Lorde Selbrooke. A Constance lhe encolheu o estômago. Se Dominic acreditava em seu pai, a ela lhe romperia o coração.
Houve um longo silencio. Então, Dominic falou por fim, em um tom gelado.
- Foi o melhor que lhe ocorreu, pai?
Lorde Selbrooke se voltou com uma expressão ofendida para seu filho.
- O que quer dizer? Esta jovem roubou uma herança familiar! Não pode ser tão ingênuo para acreditar em seus protestos.
- Não, não o sou - respondeu Dominic - Nem tampouco acredito que haja ninguém tão inocente neste vestíbulo para acreditar o conto que criou.
O conde abriu os olhos exageradamente.
- Como se atreve?
- Não, pai, como se atreve você? – explorou Dominic, caminhando para o conde e interpondo-se entre Constance e ele - Como pôde permitir que sua cobiça e seus maus sentimentos lhe tenham conduzido a perder a honra?
O conde abriu a boca, preso da indignação, mas Dominic tomou o colar de sua mão, o que deixou a Lorde Selbrooke sem palavras. O conde gaguejou e tentou alcançar o colar sem consegui-lo. Dominic se tinha afastado e o estava mostrando aos convidados que havia na escada, que observavam com supremo interesse a cena.
- Sei que nenhum conhece a senhorita Woodley como eu. Possivelmente ninguém esteja seguro, como eu, de que a idéia de tomar algo que não é seu nunca lhe passaria pela cabeça. Provavelmente ninguém sabe que tentou me persuadir de que não me casasse com ela porque pensa que tenho para minha família o dever de me casar de outro modo.
Fez uma pausa momentânea. Todos o estavam olhando fixamente. Constance sentiu uma grande calidez no peito ao ouvir suas palavras, e lhe encheram os olhos de lágrimas. Se Dominic acreditava nela, nada mais tinha importância.
- Entretanto - continuou ele -, embora ninguém conheça a senhorita Woodley, acredito que todo mundo que tenha um pouco de bom senso se dará conta de que uma mulher que estava a ponto de casar-se com o futuro conde do Selbrooke não teria nenhuma necessidade de roubar um colar que seria seu no futuro, além de todas as jóias da família, além desta casa, as terras do Redfields e todas suas riquezas. Não precisaria roubar um mísero colar.
O silêncio foi ensurdecedor. Finalmente, com a voz abafada, o conde disse:
- Se o roubasse, teria o colar em seguida. Não teria que esperar, e não teria que casar-se.
- Não. Tampouco teria que haver-se casado para obter o colar se tivesse aceito sua oferta de ontem à noite - respondeu Dominic - E se, por acaso, tivesse preferido roubar um colar que teria tido só por casar-se comigo, parece estranho que não o tenha escondido, mas sim o tenha levado no baú, à vista de qualquer que quisesse abri-lo, porque nem sequer se incomodou em lhe pôr um cadeado. Não é uma ação muito inteligente por parte de alguém que foi o suficientemente preparada para entrar em seu estúdio e abrir sua caixa forte sem que ninguém se inteirasse. E, além disso, por que não tomou nenhuma outra jóia da caixa forte? Além do colar, estão os pingentes e o bracelete que formam conjunto com ele. E falando de peculiaridades - prosseguiu Dominic – Me parece muito estranho que tenha descoberto o roubo de madrugada, esta manhã. E que tenha tido o instinto certeiro de procurar diretamente em seu baú. Nem sequer se incomodou em revistar sua bolsa.
Dominic seguiu olhando a seu pai durante um momento. Depois se voltou para Constance.
- Meu pai te ofereceu este colar para que se negasse a se casar comigo?
- Sim.
Ele olhou a Lorde Selbrooke de novo.
- Não teria pensado nunca que cairia tão baixo para tentar subornar a uma jovem com isto.
Deixou cair o colar ao chão. Todo mundo observou a cena com perplexidade.
Dominic levantou o pé e esmagou a jóia com o salto da bota.
- É falsa - anunciou, e levantou a bota para deixar à vista a massa de cristais e corrente.
Todo mundo irrompeu em exclamações de assombro, e todo mundo fixou o olhar no conde. O nobre ficou pálido. Não podia falar.
- Acho que todos entendemos o que ocorreu aqui - continuou Dominic - Entretanto, seria melhor que admitisse o que tentou fazer à senhorita Woodley, para que nada possa manchar seu nome.
Seu pai apertou a mandíbula obstinadamente, e Constance soube que ia negar se. Dominic arqueou uma sobrancelha.
- Ou possivelmente prefira que siga falando de nossa família ante todos os pressentes - disse.
O conde se congestionou de raiva e despediu ódio pelos olhos. Entretanto, voltou-se para a escada e declarou:
- Leighton tem razão. Equivoquei-me ao acusar à senhorita Woodley – se interrompeu e lançou a Constance um olhar cheio de veneno-. Ela não roubou o colar. O criado o pôs aí quando desceu o baú para a carruagem.
O criado de Lady Rutherford, pensou Constance, e se voltou para olhar à mulher.
Lady Rutherford estava observando ao conde com o semblante pálido.
- Selbrooke, é um idiota - lhe disse. Depois se virou para sua filha -Vamos, Muriel.
Então, ambas saíram da casa.
Quando Constance se voltou, deu-se conta de que Lorde e Lady Selbrooke também tinham desaparecido do vestíbulo. Em silêncio, os pressentes se olharam os uns aos outros.
- Bem - disse Francesca - depois disto, acredito que o único recurso é tomar o café da manhã.
Procedeu a guiar a todo mundo para a sala de refeições. Os convidados observavam a Constance quando passavam a seu lado, mas o olhar pétreo do Dominic não os animou a deter-se para falar. Finalmente, ficaram sozinhos. Constance olhou ao Dominic, e a tristeza que viu em seu semblante lhe partiu o coração.
- Sinto-o muitíssimo, Dominic – sussurrou - Se tivesse sabido que ia ocorrer isto, jamais me teria partido. Não queria fazer mal a sua família, e menos ainda a você.
- Tanto te desagradava a idéia de se casar comigo, que teve que fugir? - perguntou ele com gravidade.
- Não! - respondeu Constance, horrorizada, com os olhos cheios de lágrimas - Não, é obvio que não! Não se trata de que não queria me casar consigo. Eu o quero!
Ela não tinha tido a intenção de admiti-lo, mas uma vez pronunciadas aquelas palavras, não podia retirá-las, tal era a dor que percebia nos olhos do Dominic. Então, ele ficou boquiaberto. aproximou-se dela com grande rapidez e tomou as mãos.
- Seriamente? Diz-o a sério?
- Sim. Sim, claro que o digo a sério.
- Constance... - sussurrou ele com um sorriso. Então, levou as mãos aos lábios e beijou-as, e a olhou com cara de felicidade - Tinha essa esperança... tinha pensado que possivelmente, com o tempo, chegaria a me querer, mas então... - Dominic se interrompeu e franziu o cenho - Por que fugiu? E com os Rutherford, precisamente! Devia estar muito desesperada.
- Temia que, se ficasse, convenceria-me de que me casasse contigo.
- E por que teria sido tão mau?
- Dominic, você o sabe. Disse-lhe. Não podia suportar ser a causa de sua desgraça. De que seu pai e você se distanciassem mais, de que não cumprisse o dever para com sua família, de que as dívidas sobre seu patrimônio persistissem... e tudo isto porque você teria se casado com alguém sem fortuna.
- Constance! - disse-lhe ele com exasperação - Eu disse a você que tudo sairia bem, que o solucionaria. E o farei.
- Mas, como? Eu não tenho nada, salvo umas pequenas economias, para contribuir a nosso casamento.
- Tem a você mesma, e isso é mais que suficiente -disse ele-. me Escute. Eu não necessito de muito dinheiro. Além disso, não seremos pobres de solenidade. Pode que ser que tenhamos que economizar, mas isso não me importa. Tenho um pequeno imóvel no Dorset. Deixou-me isso meu tio, o mesmo que me comprou a comissão no exército. Tem uma linda casa de campo, e uma pequena granja que produz o necessário para subsistir.Eu investi o que ganhei no exército, e isso nos proporcionará uns ganhos. Será uma vida muito boa para mim, se para você também o é.
- Para mim seria uma vida maravilhosa! - assegurou-lhe Constance - Mas, e Redfields? E seus pais?
- Eu não me preocuparia com meus pais se fosse você - disse Dominic com mordacidade -, mas claro, essa não é sua natureza. Eu já disse a meu pai que, se aceitar meu plano, deveremos viver ao Redfields e nos faremos cargo do imóvel. Se não quiser, ou se você, depois do que lhe têm feito hoje, não quer viver perto deles, podemos viver na casa do Dorset até que eu herde a propriedade. Então, mudaremo-nos. Venderemos a casa de Londres, que não está vinculada ao título, e usaremos o dinheiro para cancelar parte das dívidas. Depois, iniciaremos uma série de medidas para economizar; em primeiro lugar, não ir passar a temporada social a Londres. Não me interessa viver ali, se você for feliz com uma vida simples no campo.
- Eu seria muito feliz. Esse é o tipo de vida que levei durante toda minha existência até este verão.
- Se nos vemos obrigados a fazê-lo, também podemos vender o que meu tio me deixou. Entretanto, eu preferiria conservá-lo como uma propriedade para os filhos menores. Eu também utilizarei meus investimentos para diminuir as dívidas. estive falando com o filho do administrador da propriedade desde que cheguei, e ele tem muito boas idéias para melhorar os métodos de produção das granjas, de modo que incrementarão os depósitos.E há outras muitas coisas que podemos fazer para minimizar os gastos. Os FitzAlan levam séculos gastando dinheiro acima de suas possibilidades. Forrester e eu chegamos à conclusão de que é possível terminar com as cargas financeiras em cinco ou seis anos. Desse modo, quando nosso filho herdasse o patrimônio, estaria totalmente livre de dívidas.
Constance sorriu, desfrutando de seu entusiasmo. Ele a fazia sentir muitas coisas boas o ouvir falar de "seu filho". Mas...
- Não seria uma vida triste, de qualquer modo -se apressou a assegurar ele.
- Não deve pensar que não teremos nenhum luxo. Nem alegrias.
Para Constance seria suficiente alegria viver com o Dominic. A idéia de compartilhar com ele a vida, de fazer planos, de formar uma família, provocava-lhe tanto desejo que quase tinha vontade de chorar.
- Seria muito mais fácil que se casasse com alguém rico - lhe disse ela brandamente.
Ele sorriu.
- Sim, mas não tão divertido - replicou Dominic- Além disso, não acredito que queria fazer todas essas coisas se não tivesse a você.
- O que? - perguntou Constance - Diz isso de verdade?
- Pois claro - respondeu ele, olhando-a com estranheza - Se não, por que ia pedir que se casasse comigo?
- Mas não me disse! - exclamou Constance - Você nunca há disse queria se casar comigo.
- Não?
- Não. De fato, nem sequer me pediu isso. Só disse a todo mundo que estávamos comprometidos.e o fez porque se viu obrigado ante a atitude de Muriel. Fez isso para evitar que eu me visse em meio ao escândalo. E essa não é razão para que se case comigo! Eu quero seu amor, Dominic. Não quero passar o resto da vida apaixonada por você e sabendo que se casou comigo só porque é um verdadeiro cavalheiro. Sabendo que o lamenta. Terminaria por me odiar, e eu não poderia suportar.
Ele ficou olhando-a sem dar crédito ao que ouvia.
- Odiá-la! Constance, não se dá conta de que isso não é possível? Eu a quero. Nunca lamentaria me ter casado com você. Sinto não ter lhe pedido isso apropriadamente. Muriel me obrigou, é certo, e o sinto, porque tive que soltá-lo diante de todo mundo sem ter podido pedir isso antes a você.
- Quer dizer que tinha intenção de me pedir que me casasse com você antes do que fez Muriel?
- Sim, é obvio. Acha que, do contrário, faria amor com você?
Escapou uma suave risada de Constance.
- E não lhe parece, querido, que me poderia ter dito isso?
- Sou idiota - murmurou ele - Admito. Não tenho outra desculpa que o fato de que sua beleza me privou da capacidade de pensar.
Então, Dominic tomou a mão e se ajoelhou ante ela.
- Senhorita Constance Woodley, é o centro de meu coração. A única mulher a que quis e a que sempre quererei. Ofereço-lhe meu coração, minha mão, minha fortuna, ou melhor, a falta de fortuna. Entretanto, considerarei-me um homem rico se me concederem sua mão e seu coração. Casará-se comigo?
- Sim - respondeu Constance, rindo e chorando ao mesmo tempo - Sim, sim, casarei-me com você. Quero-o. Oh, se levante, bobo, e deixe que o beije.
- Com prazer - respondeu ele, e obedeceu. E ela o beijou.
Dominic e Constance se casaram na igreja de São Edmundo, no Cowden, no fim de julho. Alguns disseram que não foi umas bodas tão grandiosa como as que estavam acostumados a celebrar os FitzAlan no passado, mas todos estiveram de acordo em que foi a mais bonita, e aquela em que os noivos eram mais felizes. depois de tudo, aquele era um casamento por amor.
Lady Calandra e Lady Francesca foram as damas de honra, e embora fossem mulheres muito belas, não puderam competir com a noiva, cujo rosto resplandecia. O amor lhe escapava pelos olhos enquanto caminhava para o altar, onde Lorde Leighton a esperava com o sacerdote. E Leighton a olhava, por sua vez, de uma maneira que fez que mais de uma mulher da igreja suspirasse e se voltasse para seu marido, desejando encontrar a mesma expressão em seu rosto.
Saíram da igreja como marido e mulher e receberam as felicitações dos habitantes do povoado e dos arrendatários. Depois voltaram para o Redfields, onde se celebraria o banquete de bodas.
Se o conde do Selbrooke e sua condessa não estavam de acordo com aquele matrimônio, como se murmurava, os dois o dissimularam bem, sorrindo, dançando e festejando-o com mais entusiasmo do que o comum .
Depois da viagem de lua de mel a Escócia, Lorde e Lady Leighton tinham intenção de estabelecer-se no Redfields. Lorde e Lady Selbrooke se mudariam para outra residência da propriedade, e Dominic se faria encarregado dos deveres de gestão do patrimônio. Avizinhavam-se muitas mudanças, e as pessoas estavam ansiosas por conhecê-las. A família FitzAlan formava parte da história do povoado, e a gente do Cowden estava orgulhosa deles. Entretanto, os condes atuais não eram muito queridos. Com Lorde e Lady Leighton, claramente, tudo seria diferente.
Aquele matrimônio também tinha incrementado a boa fama de Lady Haughston como casamenteira. Se murmurava, não só no Cowden, mas também em Londres, que Lady Francesca tinha descoberto à nova Lady Leighton em uma festa, e que imediatamente se deu conta de que seria a esposa perfeita para seu irmão.
Comentava-se que ela tinha intuição para aquelas coisas, e muitos estavam de acordo em que a dama estava disposta a ajudar a algumas casais a encontrar o melhor destino possível. Certamente, Lady Francesca tinha uma expressão que recordava muito a de um gato que acaba de ingerir um canário, e além disso, sem que ninguém se desse conta.
Na celebração nupcial, Francesca estava a um lado do salão de baile, observando aos noivos enquanto dançavam uma valsa. Dominic sorriu a Constance, e Constance o olhava encantada. Ambos tinham um brilho que fez com que umedecessem os olhos de Francesca de felicidade.
- Conseguiu de novo, senhora - disse uma voz, masculina e profunda, a suas
costas.
Francesca se voltou e viu o duque do Rochford. Não se surpreendeu de encontrá-lo ali, embora não o tinha visto desde a festa anterior, um mês antes. Ele tinha estado viajando entre suas casas para fiscalizar os negócios, como sempre, e Francesca tinha viajado a Londres para ajudar Constance a escolher o vestido de noiva e o enxoval. Entretanto, sabia que o duque assistiria ao casamento, e que a buscaria. Ele era um cavalheiro completo, inclusive quando perdia.
De fato, possivelmente mais quando perdia.
Francesca lhe sorriu.
- Sim, Senhoria, consegui.
- Não só se comprometeram antes de que terminasse a temporada, mas também se casaram, além disso - comentou ele com ironia
- Possivelmente devesse lhes dar um extra.
- O que combinamos será suficiente -respondeu Francesca.
Ele meteu a mão no bolso interior da jaqueta e tirou uma caixa quadrada. Ela tomou e a colocou na bolsa.
- Nem sequer vai olhar? - perguntou ele.
- Confio em você.
- Seriamente? - perguntou-lhe Rochford com curiosidade.
- É claro. Pode ser que seja muito odioso quanto a muitas coisas, mas sempre paga suas dívidas.
Ele encolheu os ombros.
- Pode ser que pague minhas dívidas, querida senhora, mas nunca gosto de perder.
Com uma reverência, Rochford partiu. Francesca o olhou até que desapareceu entre a multidão. Picavam-lhe os dedos de vontades de abrir a caixa que lhe tinha entregue, mas não era correto. Teria que esperar para estar em seu quarto. E isso significava que tinha que esperar que o casal de noivos partisse. Felizmente, parecia que Dominic e Constance estavam ansiosos por começar sua lua de mel. Não ficaram muito tempo depois do jantar, mas subiram a seu quarto, trocaram-se e saíram da casa. Francesca os viu subir à carruagem com um nó na garganta, e se despediu com lágrimas nos olhos.
A festa continuou, mas Francesca já tinha completado com seu dever. Maisie estava em seu quarto quando ela subiu, e se aproximou de sua senhora com um sorriso.
- Não pode ser que se retire tão cedo, senhora.
- Em realidade, sim. Estou um pouco cansada, Maisie.
- Não é de estranhar. Quer que lhe retire as forquilhas e lhe escove o cabelo?
Francesca assentiu e se sentou na penteadeira. Maisie começou a trabalhar. Logo, as espessas mechas loiras de Francesca estavam soltas por suas costas, e Maisie tomou uma escova de prata e começou a escovar.
Francesca tirou a caixa de sua bolsa e a depositou na penteadeira. Depois a abriu, e tomou ar bruscamente ao ver o bracelete.
Era um aprimoramento de safiras tão azuis como seus olhos, intercalados com delicados brilhantes. Francesca passou um dedo pelas maravilhosas pedras.
- Oh, senhora – sussurrou Maisie - É lindo.
- Sim, é - concordou Francesca distraidamente.
O cartão do Rochford estava sob o bracelete, e sua letra clara e angulosa era bem visível.
Ela tirou o bracelete de seu estojo e o colocou sobre o pulso. Era muito bonito, e claramente, muito caro. Exatamente o que ela teria esperado do Rochford.
- Quer que o leve a casa de empenhos, senhora? - perguntou-lhe Maisie.
Aquele era seu costume quando Francesca recebia algum presente de um pai ou uma mãe agradecidos por ter ajudado a sua filha a encontrar o caminho para o altar.
- Não - respondeu Francesca depois de um momento - Acho que ficarei com este.
Maisie a olhou surpreendida, mas não disse nada. Francesca não se deu conta. Estava muito absorta contemplando o bracelete.
Francesca se levantou e se aproximou da cômoda, sobre a qual havia uma caixa grande de teca. Abriu a tampa e apertou um pequeno botão que deixava à vista um compartimento secreto do joalheiro. dentro daquele espaço havia dois brincos de safiras e brilhantes. Eram tão maravilhosos como o bracelete, porque faziam jogo com ele.
Francesca deixou delicadamente o bracelete junto aos brincos e voltou a fechar o compartimento.
- Acredito que já é hora, Maisie - disse enquanto tampava o joalheiro - Devemos começar a pensar a quem escolheremos para nosso próximo projeto.
Candace Camp
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