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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AQUELE HOMEM MISTERIOSO / Pamela Wallace
AQUELE HOMEM MISTERIOSO / Pamela Wallace

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

AQUELE HOMEM MISTERIOSO

 

Ela o deseja com paixão desenfreada

Que beijo... Que beijo! Trêmula de excitação, Maggie deixa que os seus sentidos sejam capturados pela poderosa masculinidade daquele homem. Faz oito anos que ela espera por Michael, que anseia por esse beijo.

Há oito anos, a adolescente Maggie experimentou, pela primeira vez na vida, dois sentimentos poderosos: medo da morte e atração por um homem. Rejeitada por Michael, sentiu-se morrer. Agora, ela quer, precisa satisfazer seu orgulho. E também seu corpo de mulher!

 

"Faz oito anos que sonho com esse homem."

Maggie Russell estremeceu, e com a respiração suspensa observou o homem alto, de cabelos escuros, saltar da lancha para o cais de madeira. Viu-o parar por um instante, segurando uma valise numa das mãos, enquanto a outra se escondia casualmente no bolso da calça jeans. Camisa azul aberta nos primeiros botões, mangas arregaçadas até os cotovelos, ele olhou para trás quando Chuck, o capitão, amarrou a pequena embarcação com segurança ao cais.

Do segundo andar da casa, cravada numa colina, Maggie tinha uma vista excelente da pequena baía. A distância de trezentos metros impedia-a de ver o rosto do homem; apenas o corpo alto e magro chegava de forma nítida aos seus olhos. As passadas largas e o porte altivo, todavia, foram o suficiente para fazer as lembranças voltarem com toda a força. Era incrível como, mesmo oito anos depois, elas ainda eram intensas.

Num segundo, dissolvia-se a barreira do tempo. Lá estava Maggie com dezesseis anos novamente, de volta às selvas do pequeno país da América Central, San Sebastian. A revolução estourara repentinamente, surpreendendo Maggie na zona rural, só e desamparada, separada do pai, que se encontrava numa cidade não muito distante dali. Uma experiência apavorante: a pobre infeliz aterrorizada, escondida, sem ninguém que pudesse defendê-la. Foi então que ele apareceu, surgindo sabe Deus de onde.

— Vou levá-la para casa, Maggie — dissera simplesmente, a guerrilha agindo à volta deles. — E, antes que você pergunte, meu nome é Michael Curry.

Com uma clareza impressionante, ela podia se lembrar de cada detalhe daquela escapada perigosa, da jornada angustiante que a livrara da morte para trazê-la de volta à segurança. Ficaram juntos por duas semanas, esquivando-se dos guerrilheiros, buscando com cautela o caminho que os levaria ao México. Aquelas duas semanas marcaram em Maggie a transição da adolescência para a maturidade. A jovenzinha de dezesseis anos ficaria para sempre esquecida nas selvas sangrentas de San Sebastian. A princípio, ela se ressentira do temperamento dominador de Michael, da maneira rude e muitas vezes cruel com que ele a tratava. Chegara a detestá-lo em diversos instantes. Mas afinal acabou por render-se àquela personalidade forte e viril.

Dez anos mais velho do que ela, experiente e seguro a ponto de parecer arrogante, Michael trazia em torno de si a aura do perigo, característica tremendamente excitante aos olhos inconseqüentes de Maggie. Ela estava bem certa de que o título de adido político na embaixada americana de San Sebastian não era mais do que um disfarce do seu real trabalho: espionagem. Comparados a um homem desse, namorados e amigos adolescentes não passavam de bebês recém-saídos das fraldas.

Maggie não era tão ingênua a ponto de não perceber que ele estava irritado com a tarefa que o governo lhe impusera: arriscar a vida para tirar aquela pirralha do conflito armado.

Separaram-se tão logo chegaram ao México, onde o pai a aguardava, aflito e ansioso.

— Você é uma menina e tanto, Maggie — Michael despediu-se dela com um sorriso, para acrescentar em seguida: — Quando crescer, vai partir uma centena de corações.

Deu-lhe um casto beijo no rosto e desapareceu da vida dela tão abruptamente como entrara.

Maggie, porém, não se esqueceria dele, nem daquelas palavras, nem daquele beijo. Michael passou a ser o ponto de referência, o parâmetro pelo qual, instintivamente, ela começou a julgar os outros homens. Desnecessário dizer que todos saíam perdendo na comparação.

Todos, exceto Richard, lembrou-se a tempo, baixando os olhos para o magnífico solitário que ostentava na mão direita.

Olhou de novo pela janela. Michael já estava no jipe que o levaria até a casa, no alto da colina.

Sentiu o estômago contrair-se. Depois de todos aqueles anos, via-o entrar novamente na sua vida. Há uma semana apenas, seu pai lhe contara que havia convidado Michael para uma visita, e ela sabia muito bem o que estava por trás do convite. Entretanto, um só pensamento martelara a sua mente naquela semana angustiante e interminável: iria vê-lo outra vez!

Só que agora seria diferente, garantia uma voz que vinha lá de dentro. Não era mais a menina ingênua e inexperiente do passado. Amadurecera, tornara-se mulher. Havia de mostrar a ele. Mas mostrar o quê? Provar o quê? Nem ela própria o sabia. A única coisa que poderia dizer com certeza era que Michael nunca saíra do seu pensamento. Permanecera como um negócio inacabado. Agora, finalmente, Maggie teria a oportunidade de destruir dentro de si o mito Michael Curry.

Afinal de contas, refletia, o desconhecido sempre atrai as pessoas e é mais excitante do que o previsível. Não existem limites quando a mente começa a tecer fantasias. Michael Curry era o desconhecido, o homem misterioso com que ela dividira, num curto período, uma experiência dramática, cheia de suspense e de lances perigosos. Mas o mistério estava para ser desfeito. Maggie descobriria que ele era um homem igual aos outros. Para início de conversa, o atraente Michael Curry de anos atrás estava mais velho agora. E, considerando a natureza do trabalho dele, era bem provável que tivesse envelhecido bastante.

"Assim que eu puser os olhos nele", raciocinava, "vou me perguntar o que foi que vi nesse homem. E vou me recuperar daquela humilhação. Não sou a adolescente boboca de antes. Por que ter medo? Não há a menor razão para que ele se julgue superior a mim".

Olhou para o guarda-roupa aberto e procurou o vestido que usaria para o jantar. Sofisticado e sensual. As sandálias de salto alto aumentariam consideravelmente a sua estatura fazendo-a ficar quase no nível do olhar dele. Maggie estaria perfeita, linda, uma mulher madura como ele jamais ousaria supor. E o encararia de frente.

O jipe aproximava-se da porta da frente, bem abaixo da janela do quarto. Maggie escondeu-se atrás das cortinas, para observá-lo sem correr o risco de ser vista. Porém, no exato instante em que ouviu a porta maciça de carvalho abrir-se e fechar-se em seguida, entrou em pânico, Michael Curry estava na sua casa! Meu Deus, como era fácil imaginar coisas mirabolantes, tecer planos para impressioná-lo, esquematizar diálogos que o deixariam sem fala. Qual o quê! Bastou um segundo para que toda a sua determinação caísse por terra e ela voltasse a ser a adolescente desajeitada que ele vira pela última vez, oito anos atrás.

Sentiu uma ânsia irracional de escapar dali. Abriu a porta do quarto e saiu correndo em direção à escada. Quase atropelou Anne, a sua madrasta.

— Marguerite, o convidado de seu pai acaba de chegar...

— Eu volto logo — Maggie foi avisando já no último degrau, e, sem dar à outra tempo de abrir a boca, saiu pela porta dos fundos, fechando-a atrás de si com um estrondo.

Essa demonstração de covardia não era do seu feitio. Normalmente era tão corajosa a ponto de ser imprudente. Naturalmente impulsiva e um tanto voluntariosa, possuía energias de sobra e estava acostumada a aceitar todos os desafios que lhe apareciam pela frente. Fugir? Nunca! Não existiam perigos ou situações embaraçosas que não pudessem ser enfrentados.

A possibilidade de um reencontro, todavia, acabou por provocar dentro de Maggie uma série de sentimentos conflitantes. Estava morrendo de curiosidade para ver Michael outra vez e mostrar a ele o que havia perdido por tê-la dispensado anos atrás. Por outro lado e concomitantemente sentia-se nervosa ao extremo, atingida por uma ansiedade que chegava aos limites do insuportável.

Chegando aos estábulos, foi até a baia onde se encontrava o seu magnífico cavalo árabe. Estava com muita pressa e por isso dispensou a sela.

— Para onde vai?

Red McCoy, que cuidava dos estábulos desde que Maggie se conhecia por gente, estava sentado na cerca, com um palito de dentes no canto da boca.

— Passear — respondeu laconicamente, sem dar a ele muita atenção.

— Pensei que seu pai estivesse com visita — Red continuou, na fala arrastada que não o abandonara desde que trocara o Texas pela Califórnia, trinta anos atrás.

Lançando a ele um olhar irritado, Maggie retrucou:

— Você disse bem: a visita é para meu pai, não para mim. — E montou no cavalo.

Red tirou o palito da boca. As rugas ao redor dos olhos azuis se acentuaram quando estes se estreitaram em sinal de reprovação.

— É falta de educação sair de casa quando chega gente, menina. — Maggie sabia que alcançaria a velhice ouvindo-o chamá-la de "menina". Nem se importava mais. Já estava habituada.

— Quer parar de se meter na minha vida, Red? — explodiu. — O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta!

— Agora, escute aqui, menina: se você voltar a falar desse jeito comigo, eu lhe dou umas palmadas no traseiro. Já fiz isso antes e não vejo problema em repetir a dose.

De fato, na única vez em que Red tomara tal tipo de atitude, Maggie não tinha mais do que cinco anos. Imprudentemente e contrariando ordens expressas, havia entrado no curral para ver de perto o touro bravio, recém-adquirido pelo pai. Mesmo tão pequena, ela compreendeu que fora o temor pela sua segurança, e não a raiva pela desobediência, que fizera a mão de Red se erguer para lhe aplicar uma valente palmada. Embora não tivesse doído tanto, o corretivo surtira o efeito desejado. Sempre que discutiam, o que ocorria com certa frequência, Maggie acabava por ouvi-lo. Red era muito mais do que um empregado. Maggie não conseguia imaginar a fazenda — ou ela própria — sem ele. Baixou o tom de voz e retrucou com mais calma:

— É só uma volta, Red. Não vou me demorar.

Ele balançou a cabeça e suspirou, resignado. Tornou a levar o palito à boca e, saltando da cerca, tratou de abrir a porteira.

— Faça o favor de tomar cuidado. Não saia galopando por estas colinas como se quisesse ganhar um Grande Prêmio.

Ela atravessou a porteira e sorriu.

— Aprendi a andar a cavalo com você. Se não gosta do modo como eu monto, a culpa é toda sua.

— Escute aqui, menina...

Mas antes que ele pudesse continuar, Maggie deu risada e saiu a todo galope.

Passou pelas instalações da fazenda: o enorme celeiro vermelho, os currais e suas cercas pintadas de branco, a casa principal. Então, tomando um atalho que conduzia às colinas mais baixas, logo desapareceu de vista.

Pouco depois, parou no topo de uma delas e olhou à sua volta. Nessa tarde quente e clara de fim de junho, a ilha de Santa Rita estava esplendorosa. Nem uma nuvem maculava o azul forte do céu, e o sol ainda estava alto, brilhante e amarelo como uma bola de ouro. A distância Maggie conseguia apenas divisar os contornos apagados das montanhas de Santa Inês. Logo abaixo, ela sabia, ficava Santa Bárbara.

Era uma cidade bonita, adornada por uma magnífica arquitetura espanhola. As praias muito limpas e claras, a cultura, que misturava o novo com o antigo, atraíam as pessoas de dinheiro e as celebridades de Los Angeles, que costumavam descer a costa para ali se refugiarem nos fins de semana.

Maggie, entretanto, preferia a simplicidade rústica de Santa Rita. Uma ilha pequena, com vales e colinas verdejantes, de propriedade da família Russell há três gerações. Um dia Maggie seria a dona de tudo aquilo. E como amava aquele lugar, a quietude, a sensação de isolamento do resto do mundo! Os pássaros, o murmúrio das ondas e do vento e, ocasionalmente, o mugido sonolento do gado eram os únicos sons que se faziam ouvir pela ilha.

Maggie gostava da vida na fazenda. Era simples, mas muito mais compensadora do que qualquer coisa que a cidade pudesse oferecer.

Agora, no trote preguiçoso do cavalo, ela percorria uma trilha conhecida. A horrível ansiedade que a expulsara para longe de casa momentos atrás havia desaparecido e ela começava a relaxar. O caminho levava ao norte da ilha. Nesse lado prevaleciam os desfiladeiros cobertos de bosques e os penhascos íngremes. Maggie fez o cavalo parar e por alguns instantes ficou contemplando o continente. Naquela tarde límpida ele aparecia nitidamente como se estivesse a um pulo de distância. Nos dias nublados, entretanto, quando Santa Rita era envolvida por um halo acinzentado, o continente dava a impressão de haver recuado e a sua aparência tornava-se ameaçadora.

Maggie fez o cavalo prosseguir, dirigindo-o para o lado sul da ilha. Ali, colinas de tonalidade amarelada desciam para as praias; regatos serpenteavam em direção ao oceano; várias e pequenas enseadas compunham refúgios que se superavam em beleza.

Após cavalgar durante algum tempo, Maggie desmontou e amarrou o cavalo a uma árvore próxima a um de seus recantos prediletos. A praia era pequena e primitiva, as ondas mansas. Aquele era o seu espaço, local inacessível aos vaqueiros que trabalhavam na fazenda. O dia continuava quente. Com gestos rápidos, tirou as botas, o jeans e a camisa. A água estava fria e refrescante quando ela deu o primeiro mergulho. Depois de algumas braçadas, e sentindo-se revigorada, voltou para a areia e deitou-se, com a intenção de secar-se ao sol, antes de, tornar a vestir as roupas.

Esticada na areia, semi-adormecida, pensando em Michael, Maggie sentiu uma estranha palpitação.

"A mesma sensação daquela noite", lembrou-se, "quando ele me socorreu e nós nos embrenhamos na selva". Uma noite que esteve presente nos sonhos dela durante todos aqueles anos.

Eles haviam conseguido despistar os guerrilheiros que estavam no seu encalço. Embora Michael tivesse levado um tiro, os dois prosseguiram na fuga, embrenhando-se na mata, e só pararam quando se sentiram a salvo daquela perseguição. Maggie ajudou-o então a tirar a camisa. Por sorte o ferimento era superficial: a bala pegara-lhe o braço de raspão. Improvisou rapidamente uma atadura com um pedaço da camisa e protegeu o braço ferido de Michael. Ele estava reclinado contra o tronco de uma árvore e Maggie, depois de haver feito o curativo, sentou-se perto dele. Seus olhos pousaram sobre o peito largo e coberto de pêlos. Sentiu algo estranho, uma sensação que o seu corpo adolescente até então só experimentara de forma vaga. Um frio no estômago, um arrepio na espinha, e por um segundo mal conseguiu respirar. A proximidade dele, a masculinidade, o perigo que os envolvia deixaram-na atordoada.

Mas agora, quando lutava para afastar aquelas lembranças do pensamento, a sensação sobrevinha-lhe tão intensamente como naquela noite distante. Recordava-se de cada detalhe, de como cuidara do ferimento dele, evitando encará-lo de frente. Mas como ignorar aquela presença máscula? Tudo era tão irreal... O absurdo daquela situação, o terror, a ameaça de morte, pareciam aguçar-lhe os sentidos.

Naquela noite de oito anos atrás, hesitante, tocou-o de leve, uma força irresistível atraindo-a para ele.

— Eu... eu estou com medo — disse Maggie em voz baixa. — Por favor... — Não foi capaz de continuar, mas o seu olhar revelava o que ela queria naquele momento.

Michael abriu os olhos e encarou-a num silêncio atônito. Então, com uma voz estranhamente áspera, perguntou:

— Quantos anos você tem?

— D... dezesseis.

— Ora, vá dormir, garota. Assim que amanhecer, sairemos daqui.

Maggie virou-se de bruços na areia e apertou os olhos com força. Não queria se lembrar de mais nada. Por que não se esquecia daquela humilhação? Por que aquela cena teimava em lhe voltar à cabeça? Já não bastava a vergonha de ter sido repelida de forma tão rude? Por que então continuar a atormentar-se depois de tantos anos?

Forçando a mente a pensar em outra coisa, ela foi pouco a pouco perdendo a consciência e, com as pálpebras cada vez mais pesadas, entregou-se cheia de preguiça aos raios de sol que aqueciam o seu corpo ainda úmido.

 

Depois do vôo cansativo que o trouxera de San Sebastian, Michael só estava pensando em tomar ar fresco e ter um pouco de sossego. Por isso, educada mas firmemente, recusara a companhia de Adam Russell para aquele passeio. Numa ilha tão pequena, não corria o menor risco de perder-se pelo caminho.

A trilha que levava ao sul era bem marcada e ele resolveu seguir por ela. Então, rodeando uma colina, chegou até uma pequena enseada e...

Deteve-se surpreso e admirado. Maggie. Sem conseguir desviar os olhos dela, aproximou-se devagar.

Maggie continuava a dormir, totalmente alheia ao que se passava. O olhar dele viajou dos cabelos loiros e curtos para as costas bronzeadas, e passou para as curvas suaves das nádegas, descendo ainda mais, até as pernas longas e bem torneadas.

Subitamente Michael descobriu por que aceitara o convite de Adam Russell: queria ver Maggie outra vez.

O corpo dourado parecia fazer inveja ao sol que aquecia a ilha. Apenas as minúsculas marcas deixadas pelo biquíni demonstravam como a pele era naturalmente alva.

Ele se recordava dos movimentos de Maggie: graciosos e cheios de vivacidade. Só não se lembrava daquelas curvas exuberantes.

Oito anos atrás, ele conhecera uma menina linda, forte e corajosa, que o deixara irritado e ao mesmo tempo intrigado. Uma menina que, a partir de então, jamais lhe saíra da cabeça, a despeito das mulheres maravilhosas que sempre o acompanhavam. Como seria ela aos dezoito anos? Vinte? Vinte e quatro? Teria algum namorado? Marido? Filhos? Ao imaginá-la com outro homem, sentia-se tremendamente frustrado e aborrecido. Bolas, isso era inevitável, dizia a si mesmo inúmeras vezes. Os lábios carnudos, aquele corpo divino haviam sido feitos para o amor. E aquele espírito corajoso era fascinante demais para não atrair os homens feito um ímã.

Como estaria ela agora?, ele se perguntava de tempos em tempos.

Pois, naquele exato instante, acabava de obter a resposta. Maggie transformara-se numa mulher ainda mais linda e sensual. Ela sempre fora sexy, admitiu, lembrando-se especificamente daquela noite em que a vira aproximar-se e oferecer-se a ele timidamente. Deus, o quanto lhe custara repeli-la! Lutara com todas as suas forças para recusar uma oferta tão tentadora.

Teria continuado tão charmosa como aos dezesseis anos?

Só havia uma maneira de descobrir.

— Você cresceu, Maggie.

Antes mesmo de abrir os olhos, Maggie reconheceu aquela voz rouca e atrevida. Michael Curry.

Ele estava montado num cavalo, mãos cruzadas sobre a sela, e olhava para ela com ar divertido, um brilho muito longe de ser inocente.

Instintivamente ela agarrou a blusa. Mas logo em seguida mudou de idéia.

"Não, Michael", pensou, "desta vez não vou me comportar como uma adolescente envergonhada".

Forçando-se a agir com calma, apoiou-se sobre os cotovelos, cruzando os braços de modo a esconder os seios. Tudo isso sem desviar os olhos dele, determinada a não corar, nem ao menos piscar diante daquele olhar penetrante.

— Quer fazer o favor de virar o rosto para que eu possa me vestir?

Ele alargou o sorriso.

— Uma vez você me disse que eu não era um cavalheiro, lembra-se?

Droga, ela não ia passar pelo vexame de vestir-se diante dele, sabendo que os seus movimentos seriam observados nos mínimos detalhes. Por outro lado, não poderia ficar ali indefinidamente, mantendo aquele ar de fingida naturalidade.

Para seu alívio, entretanto, Michael deu uma risada e acrescentou:

— Vou provar que você está enganada. Serei um perfeito cavalheiro. Desta vez — fez questão de frisar.

Virou então o rosto, fixando os olhos numa colina distante.

Enquanto Maggie se vestia às pressas, um único pensamento perpassava-lhe a mente: ele era tudo quanto ela se lembrava. Muito mais até. Os anos não haviam diminuído, mas acentuado o seu charme. No rosto bronzeado, ressaltavam-se os olhos verdes, duas contas impenetráveis. Através deles era impossível descobrir o que Michael estaria pensando ou sentindo. Mesmo quando sorria — se é que aquele risinho de mofa no canto dos lábios podia ser considerado sorriso —, a expressão rude não se suavizava. Era preciso reconhecer que naquela arrogância, naquele ar assumidamente superior, residia o seu poder de atração. Pelo menos aos olhos de Maggie.

Embora não fosse padrão de beleza masculina, era o homem mais atraente que ela conhecera. Chegava a ser irresistível naquele corpo um tanto magro para o seu gosto.

Maggie estava frustrada e louca da vida com o inesperado daquela situação. Planejara estar linda, vestida e maquilada de um modo sofisticado para aquele reencontro. Queria vê-lo boquiaberto diante da sua transformação.

Bem, refletiu com um toque de humor, de qualquer modo ela acabara provando que não era mais uma menina.

— Pronto — avisou-o assim que fechou o último botão. Custara-lhe um tremendo esforço pronunciar aquela palavra com naturalidade.

Com um movimento ágil, montou no cavalo, e somente naquele instante os olhos de Michael descobriram o anel de noivado que ela trazia na mão direita. Sem demonstrar nenhuma reação, colocou-se ao lado de Maggie e os dois iniciaram o caminho de volta à fazenda.

Depois de alguns segundos no mais completo silêncio, ele comentou casualmente:

— Faz muito tempo, Maggie.

— É verdade — concordou no mesmo tom indiferente. O que diria ele se ela acrescentasse quantos dias, minutos e segundos durara aquela separação?

— O que você fez nesse tempo todo, além de ter ficado noiva?

Ela se enganara, pensando que Michael não faria nenhum comentário acerca do anel. Deu de ombros e respondeu.

— Continuei a estudar e me formei pela Universidade de Santa Bárbara. Nada de excepcional, como vê.

— E ainda mora aqui.

Era uma afirmação, não uma pergunta. Por isso Maggie não se incomodou em assentir.

— Estou surpreso que você não tenha tentado fazer carreira numa cidade grande — Michael prosseguiu.

Ela se permitiu uma rápida olhada na direção dele para constatar que era observada com interesse.

— Eu gosto da fazenda — retrucou.

— Isso eu estou vendo.

— Você ainda tem muito o que ver, Michael — afirmou com sarcasmo.

Ele riu e, pela primeira vez, Maggie viu aqueles lábios se abrirem com espontaneidade. Como parecia jovem quando sorria daquela maneira! Que distância do homem arrogante e inacessível que ela conhecera.

Surpresa, Maggie sentiu-se invadida por uma onda de ternura. Precisou desviar os olhos para reassumir o controle de si mesma.

— E você o que tem feito? — perguntou, mais interessada em afastar aquela sensação do que propriamente em ouvir o que ele tinha a dizer.

— O mesmo de sempre. Quando eles reabriram a embaixada americana em San Sebastian, voltei para o meu cargo de adido político.

— Você quer dizer espião.

Olhou depressa para Michael a fim de não perder a reação que aquelas palavras pudessem ter provocado. Naquelas duas semanas que haviam passado juntos, ele se recusara a explicar a natureza do seu trabalho na embaixada. Maggie esperava que agora, depois de tanto tempo, ele pudesse esclarecer aquele mistério.

Michael sustentou o seu olhar por um breve instante. Seria imaginação dela ou havia uma nota divertida naqueles olhos verdes? Era bem possível que a estivesse julgando uma bisbilhoteira. Ou, quem sabe, ficara surpreso com aquela demonstração de esperteza? Entretanto, da mesma forma que antes, ele simplesmente desviou o assunto.

— Sua ilha é magnífica. Quando seu pai me convidou para vir até aqui, referiu-se a uma fazenda de criação de gado. Não pensei que se tratasse de uma ilha particular.

Maggie suspirou, frustrada. Não haveria um modo de chegar até esse enigmático Michael Curry?

— Conte-me sobre a fazenda — continuou ele. — Há quanto tempo a sua família está aqui?

— Meu bisavô comprou a ilha e trouxe o gado. Foi ele quem mandou construir o cais. Naquele tempo só se podia chegar até aqui de barco.

— Vi uma pista de pouso também.

— Temos um avião de seis lugares. No momento ele está na revisão. Caso contrário, meu pai o teria enviado a Los Angeles para apanhar você.

— Pois achei ótimo ter vindo de barco. A paisagem é linda e eu ainda não conhecia Santa Bárbara. — Após um momento ele acrescentou: — Seu bisavô deve ter sido um homem interessante. Um tanto solitário, talvez, já que preferiu se instalar longe da cidade. — Olhou em volta com ar de aprovação. — Ê um lugar muito bonito realmente. — E, olhando de novo para ela, disse quase sem pensar: — combina com você.

Sem saber como responder ao elogio, Maggie cortou o assunto.

— Já está ficando tarde. É melhor nos apressarmos ou nos atrasaremos para o jantar. — Esporeou o cavalo e saiu a galope.

Imaginou que o tivesse deixado para trás. Minutos mais tarde compreendeu que se enganara. Ao chegar defronte ao celeiro, antes mesmo de desmontar, notou que Michael estava às suas costas.

Como se não o tivesse visto, entregou as rédeas a um dos homens e caminhou com passos rápidos na direção da casa. Dali a segundos sentiu em seu braço uma mão firme, ainda que gentil.

— Foi uma corrida e tanto — Michael comentou, andando ao lado dela.

Maggie não olhou para ele, mas o toque daqueles dedos acelerou a sua pulsação. Essa era a prova de que o homem que costumava aparecer em seus sonhos há tantos anos não era uma fantasia. Ele existia de fato, não era produto da sua imaginação. E estava bem ali ao seu lado.

Michael continuava a falar:

— Foi uma estupidez. Você poderia ter caído e se machucado.

— Estupidez? Eu conheço aquela trilha como a palma da minha mão. Mas você não, Michael Curry. Se alguém correu risco de cair do cavalo, esse alguém foi você.

— Mesmo assim, foi uma estupidez e você sabe disso. Só que é muito turrona para admitir.

Maggie parou e voltou o rosto para ele. Desvencilhando-se dos dedos que ainda seguravam seu braço, plantou as duas mãos na cintura.

— Agora escute aqui, Michael. Este não é o seu território, é o meu. E acontece que eu não sou mais uma menina indefesa que precisa da sua ajuda. Sou uma mulher.

— Isso eu já notei, Maggie.

O tom, mais do que o conteúdo da frase, fez com que ela perdesse a fala. A voz dele era baixa, rouca, sugestiva. Maggie ergueu os olhos para encará-lo.

Por um instante, sentiu uma estranha justaposição de emoções — como se fosse novamente a menina inocente que ele conhecera e ao mesmo tempo uma mulher experiente, com os desejos e os sentimentos de uma pessoa madura e vivida.

Dividida entre essas emoções conflitantes, que ela ainda não conseguia entender completamente, Maggie teve vontade de correr, mas os seus pés estavam plantados no chão.

Naqueles instantes em que seus olhares se cruzavam, Michael detectou um brilho voluntarioso nos olhos de um castanho dourado. A boca bem delineada, o nariz levemente arrebitado, tudo nela o impressionava mais do que ele gostaria de admitir.

— Maggie...

Ah, aquela voz... Deus, ela quase se esquecera do quanto podia ser sedutora quando ele falava daquele modo macio e surpreendentemente terno. Toda a raiva e a frustração dos primeiros momentos na enseada, quando vira os seus planos caírem por terra, dissolveram-se completamente. Maggie sentia-se derreter diante daquele olhar tão penetrante. O corpo tornara-se leve como uma pluma e não havia mais nada no mundo a não ser os olhos de Michael sustentando os seus.

A custa de muito esforço, ela conseguiu voltar à realidade, para pouco a pouco readquirir o autocontrole. Pondo-se de costas para ele, continuou a andar na direção da casa, Michael, todavia, acompanhou-a no mesmo passo, dessa vez sem tocá-la. Sem encará-lo, Maggie confessou:

— Fiquei surpresa por você ter aceito o convite de papai tão rapidamente. Logo deduzi que não havia nada prendendo-o em San Sebastian.

— Você está querendo saber se me casei, Maggie?

Era exatamente aquilo que ela gostaria de ter perguntado mas ficou furiosa ao perceber que ele captara o seu interesse. Tentando dominar-se, replicou no tom mais calmo que lhe foi possível:

— Eu não preciso perguntar, meu caro. Tenho certeza de que não se casou. Você é muito egoísta, arrogante e dominador. Nenhuma mulher conseguiria suportá-lo.

Para sua surpresa, Michael caiu na risada.

— Agora sim. Esta é a Maggie que conheço: voluntariosa e atrevida. Quando a vi pela primeira vez depois de tanto tempo me perguntei o que é que havia acontecido com você. Parece mudada e estava educada demais para o meu gosto. Fico contente que as suas boas maneiras sejam apenas superficiais.

Maggie concentrou toda a raiva no olhar e, reprimindo um palavrão, deu-lhe as costas e saiu correndo.

 

Do pequeno terraço do quarto de hóspedes, braços apoiados na sacada, Michael observava o cenário. A lua brilhava sobre a ilha, iluminando a fazenda e as colinas distantes. Santa Rita era de fato uma beleza. Ele descobrira isso tão logo o barco atracara no cais e o passeio daquele final de tarde só fizera confirmar a primeira impressão.

O trabalho obrigava-o a passar a maior parte do tempo nas cidades. Mas ele crescera no campo e jamais poderia se esquecer dos momentos felizes de uma infância cercada de natureza. Uma paz que acabara por ser estilhaçada, fazendo-o crer que ela durara não mais do que um segundo. Seu rosto se endureceu diante das lembranças amargas, mas, como sempre, fez-se de forte e tratou de desviar o pensamento, concentrando-o na figura de Adam Russell. Por que esse homem o teria convidado para conhecer a ilha? Fazia oito anos que Michael salvara Maggie da guerrilha, portanto seria de se estranhar que só agora o pai resolvesse demonstrar o seu agradecimento.

Não, estava claro que a razão era bem outra. Só que ele ainda não atinara com o porquê daquele convite tão inesperado. Para ser sincero, não estava nem um pouco preocupado com o que poderia se esconder por trás daquilo. O que realmente 154importava era ter a oportunidade de ver Maggie mais uma vez. Que coisa inacreditável o modo como essa menina se intrometera em seus pensamentos. Menina?, corrigiu-se. Que piada!

Dali a pouco estaria com ela novamente. Só em pensar nos momentos atrás, quando vira Maggie dormindo, tão inocente e ao mesmo tempo tão sedutora na sua nudez, Michael sentia o sangue correr forte nas veias.

Oito anos antes ele se sentira atraído por ela. Uma menina adorável e, além disso, contestadora. Não demonstrara medo nem mesmo diante das circunstâncias mais apavorantes. Ao contrário vivia discutindo com ele, querendo sempre saber o porquê de certas ordens. Rebelde, não era do tipo que aceitava imposições Por outro lado, e era isso que mais o intrigava, Maggie podia ser dócil e frágil como nenhuma outra. Difícil de se lidar, mas sabia ela o quanto aquele temperamento imprevisível aumentava-lhe o charme e o poder de sedução.

Quando ela se oferecera a ele... Michael balançou a cabeça ao lembrar-se da cena. A pouca idade e a inocência que transpareciam naquele olhar suplicante fizeram-no rejeitar a oferta tentadora. E, enquanto lutava para pegar no sono, vendo-a dormir a poucos centímetros de distância, só Deus sabe do esforço que fizera para não se mover de onde estava. Também era só o que faltava, pensara então: seduzir uma virgem de dezesseis anos.

Mas e agora? Maggie estava com vinte e quatro e só um tolo imaginaria que ela se mantivera intocável nesse tempo todo. A simples idéia de outro homem haver tirado a inocência daquela menina deixava-o atormentado e furioso. Maggie era dele! Não fora ele quem a tirara daquela mata e a trouxera sã e salva para os braços do pai? Isso não era mais do que suficiente para dar-lhe direitos sobre ela?

Lembrando-se daquele ofuscante anel de noivado, Michael riu diante da própria arrogância. Não, ela não pertencia a ele. Era de outro homem.

Como seria o tal noivo? Será que Maggie o amava de verdade? Não, claro que não, decidiu com aquela insolência que ela tanto 154detestava. Alguma coisa no modo como ela o olhava dava a entender que o seu coração não pertencia a nenhum outro homem. E, já que era assim, ainda havia uma chance para ele.

Se Maggie estivesse casada, a situação seria muito diferente. Michael faria das tripas coração, mas haveria de conseguir abafar o desejo que sentia por ela. Só que, felizmente, não era o caso. Desmanchar um noivado não é o mesmo que desmanchar um casamento. O tal noivo, fosse quem fosse, poderia ser logo descartado. Afinal de contas, se o idiota não tivera juízo bastante para casar-se com ela mais do que depressa, isso era sinal de que não a merecia.

Depois de tê-la visto à tarde, Michael soube com certeza o que viera fazer em Santa Rita: queria que Maggie repetisse a oferta de oito anos atrás. Só que, desta vez, ele não tinha a menor intenção de recusá-la.

 

Sentada no banquinho em frente ao espelho, Maggie dava os últimos retoques à maquilagem. Normalmente ela não se preocupava com isso. Seus dias eram muito cheios para que tivesse tempo de ocupar-se consigo mesma. Mesmo quando se preparava para sair com Richard, dificilmente pintava o rosto. Hoje, todavia, era uma ocasião especial. E ela estava determinada a seguir adiante com o que havia planejado. Apareceria para o jantar como uma mulher sofisticada e estonteante, e faria Michael Curry engolir aquele sorriso de superioridade.

Virando o rosto de um lado para o outro diante do espelho, Maggie chegou à conclusão de que não poderia estar melhor. Com os cabelos presos e a maquilagem um tanto carregada, parecia alguns anos mais velha. Melhor assim.

Agora só estava faltando o vestido. Levantando-se, foi até o armário e apanhou o vestido preto escolhido com todo cuidado para a ocasião. O tecido amoldava-se ao seu corpo e tinha uma queda bastante sensual, detalhe que pesou na escolha. Só havia um problema, descobriu ela, enquanto lutava para fechar os minúsculos botões às suas costas: precisava de ajuda. Seus braços não alcançavam a metade deles. Droga, gostaria de sair impecável daquele quarto.

Abriu a porta e pôs a cabeça para fora. Felizmente o corredor estava deserto. Seria o fim do mundo encontrar-se naquele instante com Michael. Com o vestido abotoado pela metade, desceu correndo a escada e entrou na cozinha.

Delia, a cozinheira, que também era mulher de Red, estava junto ao fogão, acabando de preparar o jantar. O aroma que se desprendia das panelas era delicioso e abriria o apetite de Maggie se ela não estivesse tão ansiosa aquela noite.

— O que está fazendo aqui? — a mulher perguntou, surpresa por vê-la entrar. — Seu pai e Anne estão no escritório esperando por você.

— Eu sei, Delia. Mas é que não consigo abotoar esta droga.

— Não fale assim. Não são modos de uma moça educada. Vamos, vire-se.

Delia havia tentado, sem muito sucesso, fazer com que Maggie se tornasse mais feminina. Quatro anos atrás, quando Adam se casara pela segunda vez, a cozinheira teve esperanças de que, com o exemplo da madrasta, Maggie aprendesse a se comportar como uma mulher sofisticada e de gestos delicados. Mas nada disso acontecera, para desapontamento da pobre mulher.

— É um vestido muito bonito — disse ela, ao fechar o último botão. — Não me lembro de ter visto você com ele.

— Foi um presente de Anne — Maggie respondeu, contrariada. Era duro admitir, mas a madrasta tinha bom gosto. Quando ganhara o vestido, simplesmente agradecera e deixara-o de lado, decidida a não usá-lo nunca. Mas ele servia tão bem aos seus propósitos para aquela noite que ela não pôde resistir, vendo-se obrigada a dar o braço a torcer.

Delia não disse nada. Já discutira inúmeras vezes com ela respeito da madrasta e não estava disposta a começar tudo de novo.

— Você pelo menos vai calçar um par de sapatos, não é? — brincou ao olhar para os pés de Maggie.

Lógico. Deu um beijo na mulher e, depois de murmurar um obrigada, saiu correndo em direção à escada. Estava ansiosa para acabar de se vestir e fazer a tão sonhada entrada triunfal. Mal podia esperar para ver a cara de Mi... Parou no meio do corredor, ao vê-lo sair do quarto. Droga, justo agora?

Por um instante ele pareceu surpreso. Então os olhos desviaram-se do rosto dela e desceram para os pés. Dos pés novamente para o rosto.

Bonito vestido comentou educadamente.

Obrigada. Mas que azar! Será que nada daria certo naquele dia? Bem, vejo você daqui a pouco.

Passou por ele e, antes de entrar no quarto, ouviu-o dizer:

Gostei dos seus pés. Combinam com o vestido.

"Idiota!", praguejou, e bateu a porta com mais força do que mandava a boa educação.

Dez minutos mais tarde, Maggie estava entrando no gabinete de trabalho do pai. Um local aconchegante e confortável, repleto de achados arqueológicos — artefatos e fósseis índios, acondicionados em estojos de vidro. Tapetes da índia, alegremente coloridos, estendiam-se sobre o assoalho de madeira. Pinturas, na sua maioria aquarelas de cenas locais, cobriam a parede branca atrás do sofá de couro. Elas haviam sido a contribuição de Anne à decoração da sala, e Maggie nunca aceitara aquela intromissão no refúgio do pai.

Anne estava sentada no sofá, ao lado de Adam, impecavelmente vestida, como sempre. A pele morena e os cabelos negros formavam um vívido contraste com a blusa branca de linho. Ela descendia de uma família tradicional da Califórnia, e a boa educação que recebera revelava-se nas suas maneiras graciosas e delicadas. Várias vezes Maggie se perguntara por que uma mulher tão fina teria trocado as badalações da alta sociedade de Santa Bárbara por uma vida tão sossegada em Santa Rita. Aos quarenta, Anne era quinze anos mais nova que o marido.

Até que enfim Adam saudou alegremente a chegada da filha.

Michael, em pé, próximo à janela, voltou-se com um enorme sorriso nos lábios. Maggie recebeu aquela manifestação com um olhar — era o que ela esperava — impenetrável.

Caminhou até o pai e deu-lhe um beijo afetuoso. Então depois de uma breve, mas perceptível, hesitação, inclinou-se e beijou Anne também. Era preciso ser educada com a madrasta para não magoar o pai. Decididamente ela não gostava daquela mulher.

Adam se levantou e foi até o bar, um pesado carrinho de madeira entalhada a mão, vindo do México especialmente para ele. Era um homem alto e de constituição forte, os cabelos castanhos apresentando um leve toque prateado nas têmporas. Adorava a vida ao ar livre, e a pele fortemente bronzeada dava testemunho disso. Maggie tinha loucura pelo pai: aos olhos dela nenhum outro homem tinha tanta presença. Agora, todavia, quem dominava o ambiente era Michael. O escritório parecia pequeno demais para ele.

— Quer tomar alguma coisa antes do jantar, Marguerite? — perguntou o pai.

Notando que Michael segurava um copo de vinho branco, Maggie respondeu:

— O de sempre, papai: vinho.

Vinho? O de sempre? Adam hesitou e olhou para a filha com ar de estranheza. Ela detestava bebidas alcoólicas. Normalmente, antes do jantar, refrigerante ou água mineral eram os seus aperitivos. Percebendo a relutância do pai, Maggie sorriu e acrescentou:

— Gelado, por favor.

Ele sorriu e balançou sutilmente a cabeça, enquanto atendia ao pedido da filha.

A semelhança entre os dois, Michael logo percebeu, ia além dos traços físicos. Os mesmos olhos, o mesmo queixo determinado não eram características tão marcantes quanto a perfeita afinidade que parecia existir entre ambos. Desviou o olhar para Anne e captou uma certa tristeza naquele rosto suave.

"Ela sente que está sobrando", logo deduziu.

Na sua profissão, Michael aprendera rapidamente a julgar o caráter das pessoas. Tinha sensibilidade o bastante para captar o que estava por trás de certos gestos, de certas palavras. Não fosse assim, não teria conseguido sobreviver por muito tempo.

Agora, olhando de novo para Maggie, percebeu que ela observava o pai com amor e orgulho.

Depois de estender à filha o copo de vinho. Adam tornou a se sentar.

— Gostou do passeio desta tarde, Michael? — perguntou ao hóspede.

— Muito. A ilha é realmente uma beleza, sr. Russell — respondeu olhando de relance para Maggie.

— Pode me chamar de Adam. Afinal, de certo modo, somos velhos amigos.

Michael sorriu e deixou que o olhar se movesse casualmente para onde estava Maggie. Sentada numa poltrona de couro, ela se esforçava para engolir aquela bebida intragável, e parecia determinada a evitar os olhos dele.

— Por onde você andou? — continuou o anfitrião.

— Bom, eu saí sem destino e de repente me vi numa bela enseada. — Fez de conta que não percebeu a agitação súbita de Maggie. — Encontrei sua filha por acaso e voltamos juntos.

— Muito bem — Adam respondeu distraidamente. — Amanhã eu lhe mostrarei os pontos mais bonitos de Santa Rita — prosseguiu. — Temos recantos maravilhosos espalhados pela ilha. Alguns deles são de interesse até mesmo para os que gostam de arqueologia.

Nessa altura, Anne interveio:

— Adam se interessa mais por arqueologia do que pelas coisas da fazenda. — E lançou um sorriso indulgente para o marido.

— Você não deixa de ter razão, minha querida — admitiu ele. — A fazenda é uma responsabilidade que herdei dos meus pais. Claro que gosto dela. Mas a minha paixão é a arqueologia. — E voltando-se para Michael: — Foi exatamente por isso que eu entrei em contato com você depois de tanto tempo.

Michael tomou o último gole de vinho, descansou o copo na mesinha e aguardou, intrigado, o que o outro tinha a dizer.

— Lembra-se daquela ruína pela qual você e Marguerite passaram na fuga para o México?

— Claro. — Michael voltou o pensamento para a noite em que os dois haviam buscado refúgio entre umas ruínas cobertas pelo mato. A princípio pensara tratar-se de um monte de pedras. Só ao amanhecer percebeu claramente que aquilo não era nada mais nada menos do que um templo maia.

Adam prosseguiu:

— Pois bem, eu estava folheando um livro sobre as ruínas da civilização maia quando Marguerite apontou um templo, dizendo que vocês dois haviam se refugiado numa construção exatamente igual àquela.

Michael olhou para Maggie, mas ela trazia no rosto uma expressão neutra. Aonde quer que Adam estivesse pretendendo chegar com aquele discurso cheio de voltas, ela queria deixar bem claro que não tinha nada a ver com aquilo.

Michael voltou a atenção para o homem, que continuava a dar detalhes sem ir direto ao ponto.

— Mesmo depois de ter pesquisado a respeito, eu não consegui encontrar nenhuma referência sobre um templo naquela área. Procurei alguns amigos arqueólogos que lecionam na Universidade de Los Angeles, e eles afirmaram que os maias jamais habitaram tal região. Mas se você e Marguerite estiverem certos, e eu acredito que sim, todas as teorias cairão por terra.

Só agora Michael percebia aonde o outro queria chegar e não estava gostando nada disso. Antes que Adam pudesse continuar, uma mulher roliça e de meia-idade apareceu para anunciar que o jantar estava servido.

— Obrigado, Delia — Adam respondeu. Embora o tom fosse cortês, era óbvio que não gostara da interrupção.

Anne se levantou e segurou o braço do marido.

— Querido, por que não continuamos esta conversa depois do jantar? Eu gostaria que Michael apreciasse a deliciosa comida de Délia e...

— Já sei, já sei — interrompeu ele, sorrindo para a mulher. E voltando-se para Michael, que também se levantara: — Prometo não incomodá-lo durante o jantar. Você vai gostar, garanto. Délia é uma ótima cozinheira. Depois que Anne lhe ensinou alguns truques, temos passado muito bem por aqui.

De fato a comida era deliciosa. Ao tradicional rosbife fora acrescentado um molho soberbo. Que saudades de uma comida caseira e tão bem temperada, pensava Michael entre uma garfada e outra. Não fez cerimônia e repetiu a sobremesa, um mousse de framboesa como ele jamais provara. Quando terminou, teve a sensação de haver comido por uma semana. Maggie, ao contrario, ele notara, comera muito pouco e falara menos ainda.

A conversa à mesa girou em torno da fazenda, do clima e de outros tópicos neutros. Agora Adam estava sugerindo que tomassem o cafezinho no escritório, ansioso por continuar o assunto interrompido.

Enquanto se sentava na confortável poltrona e aceitava a xícara de café que Anne lhe oferecia, Michael aguardou que Adam terminasse de dizer o que ele já suspeitava.

— Bem, como eu estava dizendo — Adam retomou o fio —, não encontrei nenhuma pista acerca do tal templo. E acredite-me: eu fiz uma pesquisa exaustiva. Cheguei então à conclusão de que se trata de um templo maia que ainda não foi descoberto, pelo menos oficialmente.

Michael olhou rapidamente para Maggie, que estava junto à janela, aparentemente alheia ao que dizia o pai.

Inclinando-se para a frente e olhando diretamente para Michael, Adam concluiu:

— Eu quero procurar esse templo. Agora que San Sebastian está novamente aberto aos americanos, não há nada que me impeça de ir até lá.

— Nada, a não ser o bom senso — retrucou Michael. — Escute, você não conhece nada por lá. Nem eu tampouco me lembro do local exato daquelas ruínas. Na época eu estava mais preocupado em fugir dos guerrilheiros do que em fazer um mapa do terreno.

— Claro, claro, eu compreendo. Não pense que estou esperando que você me leve exatamente ao ponto. No entanto, Maggie desenhou, mais ou menos, um mapa para mim e, se ela pôde se lembrar de alguma coisa, você pode muito mais. Afinal de contas, foi treinado para isso.

— Eu fui treinado para sobreviver — Michael corrigiu, começando a se exaltar. — Ter entrado naquela selva e conseguido sair de lá para contar a história foi o maior golpe de sorte de toda a minha vida.

Adam sorriu.

— Não exagere, Michael. Eu sei que você e Marguerite passaram por maus bocados, mas as coisas estão mudadas agora. A situação política já se estabilizou.

— Por quanto tempo? San Sebastian não pode ser considerado um país estável. Nos últimos vinte anos, não dá para contar quantos presidentes estiveram no poder. É uma sucessão de golpes e contragolpes que já viraram rotina. Revoluções e guerrilhas são um meio de vida para eles. A embaixada americana está aberta agora, mas pode fechar na próxima semana, ninguém sabe.

— Meu Deus, quanto pessimismo, meu jovem.

Michael engoliu uma resposta grosseira. Teve de lembrar a si mesmo que Adam Russell simplesmente não tinha a menor idéia do que ele estava falando.

— Eles odeiam os americanos, é isso. Sempre odiaram e a minha suspeita é de que vai ser assim por muitos anos.

— Mas eles são aliados do governo americano.

— Claro, porque nós damos a eles auxílio econômico e militar. Entretanto, vá dizer isso ao povo. Adam, acredite: eles nos odeiam. Acho até que têm razão. O nosso governo não deixa em paz a América Central. Por isso é que se multiplicam os seqüestros de americanos por lá.

— Mas não tenho nada a ver com isso. Não sou um soldado e nem represento o governo — Adam ponderou. — Quero visitar aquelas ruínas. Meu interesse é apenas explorar o local. Tudo o que descobrir ficará para o governo daquele país.

— Com todo o respeito, Adam, você ainda não entendeu. Os grupos que fazem as guerrilhas não estão interessados em saber se você é arqueólogo ou militar. E pode ter a certeza de que ainda existem vários desses grupos operando por lá.

Os olhos de Adam brilhavam de excitação.

— Você é que não está entendendo, meu caro. Pense na importância de uma descoberta como essa. Um templo maia que ainda não foi localizado pelos arqueólogos! Meu Deus, pode ter existido uma cidade naquela área! E quem vai explorar tudo aquilo serei eu!

Michael meneou a cabeça.

— Ir a San Sebastian é uma operação arriscada para qualquer americano, quanto mais embrenhar-se naquela mata. Se você está procurando um idiota, Adam, esse idiota não sou eu.

— O que é isso, Michael? Eu não...

— Querido, por favor — Anne interrompeu-o com um tom gentil, porém bastante firme. — Michael é nosso hóspede. Você acha justo encostá-lo na parede desse jeito? Ele vai pensar que não somos hospitaleiros.

Adam hesitou. Respirou fundo e sorriu para a mulher.

— Como sempre, você tem razão, meu bem. Peço que me desculpe, Michael. Eu tenho uma certa tendência a ficar empolgado quando discuto o meu hobby, e acabo passando dos limites.

— Não, por favor. Eu é que peço desculpas por ter me exaltado. Claro que entendo o seu ponto de vista. Mas, acredite-me: quem consegue sair daquela selva com vida só volta para lá se estiver completamente louco.

— Então vamos fazer o seguinte — Adam propôs. — Por ora não se toca mais nesse assunto, certo? Quero que você 154aproveite a sua estada aqui. Fique conosco por alguns dias e prometo não aborrecê-lo.

Michael sorriu e agradeceu.

Na verdade, eu só preciso voltar a San Sebastian daqui a duas semanas.

— Ótimo. Estou certo de que você vai gostar daqui. Enquanto isso, quem sabe, eu ainda consiga convencê-lo. Estou disposto a pagar muito bem por um guia e...

Adam! a mulher o repreendeu. Você prometeu!

Certo, desculpe. Não está mais aqui quem falou.

Michael deve estar cansado depois de ter viajado tanto prosseguiu ela como uma perfeita anfitriã.

Então está bem, vamos deixá-lo à vontade concordou ele, pondo-se de pé. Boa-noite, Michael. Vejo você no café da manhã.

Assim que o casal saiu, Michael voltou-se para Maggie, que permanecera o tempo todo junto à janela, olhando distraidamente para fora.

Você sabia sobre essa conversa?

Ela fez que sim e acrescentou:

Eu tentei dissuadi-lo de todas as maneiras possíveis, mas ele é teimoso como uma mula.

Essa deve ser uma característica da família Michael retrucou em tom de provocação.

Apesar de Maggie haver decidido manter um ar distante, não conseguiu reprimir o sorriso.

A obstinação é a marca dos Russell, concordo. Isso vem do fato de vivermos isolados nesta ilha e termos as nossas próprias leis.

Michael se levantou e foi até ela. Aquela proximidade inesperada balançou as frágeis defesas de Maggie. Nervosa, procurou alguma coisa para dizer.

Você deve estar cansado. Não gostaria de ir para o seu quarto?

Não.

Saindo de perto dele, ela foi para a porta de vidro que levava ao pátio.

— Bem, acho que vou tomar um pouco de ar fresco antes de dormir. Até amanhã, Michael.

— Você se importa se eu for junto?

Sem se voltar, Maggie respondeu, lutando para dar firmeza a voz.

— Naturalmente que não.

Lá fora, a noite estava clara e quente, como costumava acontecer durante o mês de junho. Devido à pouca iluminação, o céu aparecia coalhado de estrelas. Maggie foi para perto de um muro e lá ficou em silêncio, olhando para o alto.

Michael, ao contrário, olhava para ela. Ao lado de Maggie, quem se importaria com o céu ou com as estrelas?

Ela parecia diferente esta noite. E ele não estava pensando na maquilagem ou no cabelo cuidadosamente penteado. O ar atrevido e o jeito de menina é que estavam fazendo falta. Então, ao lembrar-se de como a vira surgir no corredor, elegantemente vestida, mas descalça, ele sorriu. Na verdade, era preciso muito mais do que uma maquilagem estudada e um vestido estupendo para transformar a verdadeira Maggie.

Não queria que ela mudasse nem um pouquinho. É verdade que ele conhecera mulheres muito mais bonitas e sofisticadas, que sabiam como agradar a um homem. Mas nenhuma delas era tão atraente aos seus olhos quanto essa jovem teimosa e de hábitos simples.

Ela se afastou com um movimento sutil, quase imperceptível, quando Michael chegou mais perto. Ótimo, isso era sinal de que ele a perturbava. Maggie não era tão indiferente quanto tentava aparentar.

— Sua ilha é muito bonita, Maggie.

— Obrigada — a voz rouca e baixa soou como tremendamente sexy aos ouvidos de Michael. Ela era toda mulher, pensou, louco para beijá-la. Mas inconsciente do desejo que provocava nele, Maggie prosseguiu: — Quando eu era pequena, pensava que Santa Rita era aquilo que as pessoas chamavam de paraíso. Afinal, o que mais alguém poderia querer?

Ele sorriu.

— Como você era quando criança?

Uma endiabrada. Minha mãe morreu quando eu tinha alguns meses. Daí você pode deduzir o quanto fui mimada pelo meu pai.

A naturalidade com que ela dera aquela informação revelava que a perda não trouxera traumas. Agora Michael entendia por que ela olhava para o pai com tamanha adoração. Ele era tudo o que lhe restava.

Você se importaria se eu lhe perguntasse como foi que ela morreu?

Maggie hesitou um instante. Há muito tempo não conversava com ninguém sobre aquilo. Sem encontrar o olhar de Michael, ela começou devagar:

O cavalo em que ela estava montada sofreu uma queda. Ninguém sabe como foi, pois não havia testemunha por perto. Encontraram o animal caído, com uma perna quebrada, e por isso o sacrificaram imediatamente. Minha mãe... Bem, ela teve morte instantânea.

Michael arregalou os olhos, surpreso. Como é que Maggie tinha coragem de cavalgar daquele modo imprudente depois do que acontecera com a mãe?

O silêncio dele era mais eloqüente do que mil palavras. Maggie logo deduziu o que estaria pensando. Balançou a cabeça e sorriu.

Pelas histórias que ouvi a respeito de minha mãe, tenho certeza de que ela não gostaria que a filha fosse uma mulher medrosa. Nesse ponto me pareço bastante com ela. Não sou de meias medidas e não tenho medo de nada. De nada frisou, olhando diretamente para ele.

Michael sentiu o desafio implícito naquelas palavras e naquele modo de olhar. A mensagem fora bem clara: Maggie não queria ser tratada como a menina de dezesseis anos que ele conhecera. Era uma adulta e jamais se submeteria a ninguém.

Ótimo, ele gostava disso. Devolveu-lhe o sorriso e prosseguiu a conversa:

— Você deve ter dado um bocado de trabalho ao seu pai.

— Isso se ele fosse severo — retrucou com ar divertido. — Coitado! Acho que fiz gato e sapato dele. Sempre tive tudo o que quis. Não estou me referindo a coisas materiais, por que nenhum de nós dois liga para isso, graças a Deus. O que estou querendo dizer é que ele era incapaz de falar não. Quer um exemplo? Aos quatro anos, eu já tinha o meu pônei porque havia decidido que estava pronta para andar a cavalo. Aos seis, percorria toda a ilha sozinha. Somente uma vez ele tentou me forçar a fazer algo que eu não queria.

— E o que foi?

— Quando completei doze anos, ele achou que eu deveria aprender a me comportar como uma mocinha.. Para tanto, me enviou a uma escola caríssima em Massachusetts, que não tinha nada a ver comigo. Pois bem, foi um desastre. Eu não suportava aquelas esnobes que eram as minhas colegas de classe. E os professores então? Pareciam mais preocupados com as boas maneiras do que com a educação escolar. Agüentei três semanas e depois telefonei ao meu pai, dizendo que ou ele me mandava buscar ou eu sairia de lá sozinha.

— Agora eu entendo por que você é tão teimosa. Passou a vida inteira se aperfeiçoando nisso.

— E você? — retrucou imediatamente. — Onde foi que aprendeu a ser tão turrão? Lembro-me bem de que às vezes você se comportava como um verdadeiro tirano.

Hum, esta conversa me parece familiar. Estamos voltando exatamente ao ponto onde paramos há oito anos.

— Não necessariamente.

Olhando para ela, o vestido aderindo ao corpo, moldando-lhe seios e os quadris, Michael só pôde dar-lhe razão: não necessariamente. Hoje as coisas eram bem diferentes: eles não estavam mais em San Sebastian, nem ela tampouco era a jovenzinha de dezesseis anos que precisava da sua ajuda.

— Você ainda pensa naquelas duas semanas, Maggie? — perguntou suavemente.

Ela gostaria de poder mentir. De dizer não, claro que não. Aquilo fazia parte de um passado distante e agora havia coisas mais importantes para pensar.

Em vez disso, achou melhor ser honesta.

— Durante muito tempo tive pesadelos horríveis. Principalmente... — fez uma pausa e, desviando-se do olhar dele, prosseguiu com dificuldade: — Principalmente com aquele homem que foi morto.

Pela maneira como Maggie contava aquilo, era evidente que não havia superado totalmente o trauma causado por uma experiência tão dramática. Bastava ler naqueles olhos o sofrimento provocado pela recordação. Na verdade, ela não amadureceu tanto assim, a ponto de olhar friamente para o passado.

Enquanto procurava alguma coisa para dizer, Maggie se antecipou:

— Hoje em dia já não penso tanto a respeito. Ou melhor vejo aquelas duas semanas como uma aventura emocionante. E, dando à voz um tom propositadamente casual, pergunto — Você também pensa nisso algumas vezes? — Como ele custasse a responder, ela prosseguiu: — Aposto que aquilo não foi nada. Você deve estar acostumado a fazer esse tipo de coisa.

Michael sorriu, cheio de ironia:

— Ah, claro. Faz parte do meu trabalho diário tirar meninas bonitas do meio das guerrilhas.

Bonita. Maggie se concentrou apenas naquela palavra. Era o primeiro elogio direto que recebia dele. Tentando disfarçar o contentamento, ela se justificou:

— Bem, já que você nunca fala a respeito, não posso ter a menor idéia de como é o seu trabalho.

— Eu já lhe disse o que faço: sou adido político na embaixada americana em San Sebastian.

Maggie o encarou com ar de esperteza.

— Quer dizer que é uma prática comum enviarem-se funcionários da embaixada para missões de salvamento?

— Por que você está tão interessada nisso? Não acha que está dando importância demais a uma coisa tão simples?

— Simples? Você se enfiou no meio de uma revolução pondo a própria vida em risco, só para me tirar de lá. Não consigo acreditar que este seja um trabalho para um adido político. — Decidida a cercá-lo por todos os lados, mudou de tática: — O que você fez durante os doze anos em que a embaixada esteve fechada em San Sebastian?

Ele sorriu. Que mulher impossível! Teimosa era muito pouco para defini-la.

— Trabalhei em outras embaixadas.

— É mesmo? Onde?

Michael sabia onde ela queria chegar, mas respondeu assim mesmo:

— Em vários países: Irã, Líbano...

— Hum, lugares que não são propriamente pacíficos — comentou.

— Eu preferia estar falando sobre você, Maggie.

— Aposto que sim, só para se ver livre dessa conversa.

— Acredite em mim, o meu trabalho não é tão interessante quanto você pensa.

— E por que eu deveria acreditar em você, Michael?

— Alguma vez já menti para você?

— Como vou saber?

Em vez de se sentir insultado, ele riu. A sinceridade era uma das qualidades que mais apreciava nela.

— Droga, Michael, por que não confia em mim? — insistiu.

— Escute, quer esquecer esse assunto? — retrucou, impaciente. — Você está se comportando como uma menina teimosa.

— Vá para o inferno, Michael Curry! Não me trate como se eu fosse uma criança. Sou uma mulher e quero ser tratada como tal.

T154ão logo as palavras escaparam-lhe da boca, ela compreendeu o seu erro. No mesmo instante a expressão de Michael se modificou. As linhas nos cantos dos lábios se acentuaram, os músculos pareceram contrair-se. Os olhos verdes falsearam quando ele avisou:

— Não se esqueça de que foi você quem pediu. E sem dar a ela tempo de retrucar, puxou-a pelos ombros e beijou-a com violência.

 

Não havia a menor sombra de gentileza naquele beijo. Ao contrário: era enérgico, exigente, possessivo. Os lábios de Michael comprimiam os dela, enquanto a língua sondava o interior de sua boca com volúpia e sofreguidão. Maggie tinha a sensação de estar sendo devorada. Nem em sonhos julgara-se capaz de despertar nele tamanho ímpeto.

No primeiro instante, ficara surpresa demais para reagir. Depois, vendo o próprio corpo achegar-se ao dele, e as mãos erguerem-se até o peito para agarrarem-lhe a camisa, logo compreendeu que não tinha a menor vontade de resistir.

Estava sendo tragada por uma onda de desejo tão violento, que qualquer sensação experimentada anteriormente só poderia ser qualificada de insípida. Meu Deus, o que tinha aquele beijo para deixá-la tonta, com as pernas fracas e com o coração pulando furiosamente dentro do peito? Nada, nada em sua vida a preparara para o impacto daquele momento.

Surpreendeu-se gostando daquilo. Nada de rodeios e gentilezas. A ternura e o carinho podiam ficar para mais tarde. Agora ela só queria que aquele beijo se prolongasse indefinidamente, com o mesmo ardor e a mesma violência. Sem nem um milímetro sequer de resistência, soltou a mente e deixou que os sentidos fossem capturados pela poderosa masculinidade daquele homem. Que beijo, meu Deus, que beijo...

Impossível precisar quanto tempo havia-se passado até o momento em que Michael a soltou. Segundos, com certeza, mas que tiveram a duração de uma eternidade. Maggie suspirou e abriu os olhos devagar. No escuro, os olhos dele pareciam negros e não traziam nenhum sinal de emoção, depois de um momento tão eletrizante como o que haviam compartilhado há pouco.

Mas que coisa!, pensou ela, irritada. Será possível que ele mantivesse em guarda, enquanto ela própria ainda sentia rastros do desejo? Seria tão frágil a ponto de ter medo de expressar os sentimentos? Ou, quem sabe, não estava sentindo nada, afinal de contas? Droga, era isso, agora Maggie tinha certeza. O beijo não significara nada de especial para ele. Que idiota ela fora. Bem que gostaria de dizer-lhe algo, qualquer coisa que soasse bem sarcástica aos ouvidos dele. Mas não, não conseguiria. Sentia-se sem forças depois de tudo.

Pensando bem, o que poderia dizer que valesse a pena? Melhor sair dali o quanto antes.

Em silêncio, Maggie deu-lhe as costas e entrou na casa, deixando-o sozinho no jardim.

Deitado na cama, mãos à nuca, Michael olhava fixamente para o teto. Sabia que Maggie estava do outro lado do corredor e isso bastava para que o desejo descesse sobre ele, instigando-o, atormentando-o. A paciência não era uma de suas virtudes. Sempre que queria algo ou alguém, saía em busca do seu objetivo com uma determinação que não admitia fracassos. Não que fosse compulsivo em relação às mulheres. Mas quando se sentia atraído por uma delas, não perdia tempo com rodeios, era sempre direto. Elas pareciam gostar desse tipo de aproximação.

Maggie, porém, era diferente. O olhar dela, a expressão daquele rosto logo após o beijo... Era difícil de entender, mas ela lhe parecera sobressaltada, como se... como se jamais houvesse experimentado algo semelhante até aquele momento.

E o tal noivo? Seria possível que ele não tivesse habilidade para fazer aflorar uma paixão verdadeira dentro dela? Nesse caso devia ser um perfeito idiota, porque Maggie tinha paixão em abundância. Michael se surpreendera com a maneira pela qual ela correspondera ao beijo. Por outro lado, não havia por que ser tímida, uma vez que, dona de sentimentos fortes e honestos, ela só poderia expressá-los com igual força e honestidade. Mesmo aos dezesseis anos, fora um exemplo de coragem. Agora, aos vinte e quatro, e confirmando o que Michael previra, tornara-se uma mulher maravilhosa. O tipo de mulher que um homem procura a vida inteira com poucas chances de sucesso.

Michael já tivera vários relacionamentos, todos de curta duração. Nunca se envolvera emocionalmente com ninguém. A única intimidade que permitia a elas era de ordem física. Mais do que isso seria perigoso demais.

Não se incomodava com a solidão. Muito ao contrário, ela o fazia sentir-se seguro. Era um hábito que ele não tinha o menor desejo de quebrar.

Não até esta noite. Quando beijara Maggie, o desejo que sentira por ela desde o primeiro instante crescera de forma assustadora. E mais ainda: pela primeira vez uma mulher rompia aquela couraça que ele construíra ao seu redor. Nenhuma outra conseguira tocá-lo de modo tão intenso, fazendo-o recordar-se do significado da palavra carinho.

Uma estranha sensação de posse tomou conta de Michael. Sempre pensara em Maggie como sendo dele. Não apenas por ter-lhe salvo a vida, mas também por haver-lhe ensinado as regras mais elementares da sobrevivência. De certa forma ele a moldara segundo a sua própria imagem, e isso estabelecia entre ambos um vínculo que jamais seria rompido.

Agora, depois daquele beijo, o sentimento de posse tornara-se mais agudo. Estava muito além do desejo físico ou do direito que ele julgava ter sobre ela, acima de qualquer outro homem.

Michael não costumava sentir medo. Nada o assustava porque não tinha nada a arriscar e, portanto, nada a perder. Mas esse sentimento inesperado o deixava apavorado.

Ainda assim não era homem de fugir. Esta noite ele acendera uma fagulha de desejo em Maggie. Agora haveria de empenhar toda a sua existência para pôr fogo naquele corpo inteiro.

Maggie estava sentada junto à janela, queixo apoiado nos joelhos, os braços em volta das pernas. Uma brisa gostosa entrava no quarto e brincava com as mangas rendadas da camisola. Há muito já passara de meia-noite e, sem conseguir pegar no sono, ela se levantara para apreciar a noite lá fora.

"Será que eu estava esperando por aquele beijo?", perguntou-se. "Era por isso que estava tão preocupada em parecer bonita?"

Por mais que tentasse se enganar, dizendo que tudo acontecera de forma inesperada, Maggie conhecia-se o suficiente para entender o que se passava dentro dela. Jamais deixara de pensar em Michael. Há oito anos esperava por aquele beijo.

Meu Deus, mas como podia ser isso? Estava noiva, iria se casar. E amava Richard!, concluiu com firmeza e decisão. E, mesmo que não fosse assim, Michael não era o tipo de homem por quem ela pudesse se apaixonar. Aquele trabalho clandestino e perigoso, a personalidade enigmática e nebulosa, nada disso lhe agradava. Maggie nunca se dera bem com as aparências. Preferia a verdade, a clareza e a sinceridade, terrenos onde ela podia pisar firme e sem medo.

Suspirou, desanimada. O melhor que tinha a fazer era ficar longe dele. Depois de duas semanas, Michael sairia novamente da sua vida, desta vez para sempre. Ela então se casaria com Richard e o passado estaria definitivamente enterrado.

Cheia de determinação, voltou para a cama. Só que o sono não veio.

Às sete da manhã, Maggie desceu para a cozinha. Normalmente o café era servido às oito, mas ela não queria encontrar-se com Michael. Continuava firme no seu propósito de vê-lo o menos possível.

Délia devia estar no alojamento dos trabalhadores da fazenda preparando-lhes a primeira refeição, mas deixara o café aquecendo na cafeteira elétrica. Maggie serviu-se de uma xícara e colocou duas torradas na torradeira.

— Bom-dia. Você se levantou cedo. — Era Anne quem entrava.

— Você também — Maggie retrucou, voltando-se para as torradas.

— Vou preparar fettuccine para o jantar e preciso começar a fazer o molho — explicou a madrasta, servindo-se de uma xícara de café e sentando-se à mesa em seguida.

Maggie espalhou manteiga nas torradas e sentou-se também. Tomar café na companhia de Anne não era o que ela considerava um bom começo de dia. Por outro lado, não tinha o menor cabimento demonstrar sua irritação.

— Obrigada mais uma vez pelo vestido — agradeceu na falta do que dizer.

— De nada. Você ficou linda nele — Anne hesitou antes de ir adiante. — Fico feliz que tenha gostado, Marguerite.

Maggie não disse mais nada e voltou a concentrar-se no café com torradas. Como sempre, sentia-se pouco à vontade na companhia da madrasta, apesar dos esforços que ela fazia para se aproximar.

— Por falar nisso, gostei bastante do seu Michael — Anne prosseguiu.

Maggie ergueu os olhos e retrucou asperamente:

— Ele não é o meu Michael.

— Bem, só quis dizer que... — titubeou meio sem jeito. — Ele é um homem interessante. Mais novo do que eu imaginava. Não sei o porquê, mas eu pensava que ele fosse militar ou qualquer coisa parecida.

— Pois não é militar nem qualquer coisa parecida. Ele é... Ah, deixa pra lá.

Anne sorriu.

— De qualquer modo, ele é muito simpático.

Simpático? Essa não era exatamente a palavra que Maggie escolheria para defini-lo. Misterioso, arrogante, carismático, atraente pareciam combinar melhor com ele.

Encontrou o olhar curioso da madrasta, mas se fez de desentendida. Não estava disposta a conversar, muito menos falar a respeito de Michael. Anne, todavia, ainda não pusera um ponto final no assunto.

— Achei uma graça o modo como ele se refere a você, Maggie. Nunca ouvi ninguém chamá-la assim. Marguerite é um nome lindo, mas pomposo demais. Você não gostaria que nós a chamássemos de Maggie?

— Não — respondeu ela com firmeza. Tomou o último gole de café e levantou-se da mesa. — Com licença, tenho muito trabalho a fazer. Até mais tarde.

— Até mais tarde, Marguerite — Anne respondeu, baixando os olhos tristes para a xícara de café.

Depois de passar a manhã juntando algumas reses desgarradas e levá-las até o curral para serem marcadas a ferro, Maggie considerou seriamente a possibilidade de não aparecer para o almoço. Não queria encontrar-se com Michael e nem sabia se estava preparada para isso. Mas se fizesse tal coisa, seu pai ficaria zangado, ela podia apostar. Além do mais, estava morrendo de fome depois daquelas horas de trabalho desgastante.

De volta à casa, lavou o rosto e as mãos e penteou os cabelos. Nem se incomodou em trocar os jeans e a camisa, pois pretendia retomar o trabalho logo após o almoço. Na sala de refeições, encontrou o pai, Anne e Michael já sentados à mesa.

— Você está um pouco atrasada — Adam observou.

— Desculpe, papai. Eu estava juntando algumas cabeças para serem marcadas ainda hoje. Descobri meia dúzia delas num barranco ao-norte da ilha.

Olhou rapidamente para Michael, que a observava com interesse. E então se concentrou na salada que Délia preparara como entrada.

— Seu pai e eu vamos até a cidade depois do almoço — informou Anne. — Você não quer nos acompanhar e fazer algumas compras? — E voltando-se para Michael: — O convite é extensivo a você.

— Infelizmente não posso — Maggie foi logo respondendo. — Ainda tenho muito trabalho para esta tarde.

— Por que não faz uma pausa, minha filha? — Adam propôs. — Você já fez muito por hoje. Poderia aproveitar para se encontrar com Richard.

— Ele ainda não voltou de San Francisco. — Com o canto dos olhos, percebeu que Michael estava atento àquele detalhe da conversa.

Adam explicou ao hóspede:

— Richard é o noivo de Marguerite. É um bom rapaz. Pertence a uma família tradicional de Santa Bárbara. Não quer vir conosco e conhecer a cidade?

— Eu gostaria muito. — E olhando para Maggie, acrescentou: — Mas fica para uma outra oportunidade, se é que não se importa. Hoje prefiro ficar por aqui e ajudar sua filha no trabalho com o gado.

Surpresa, Maggie arregalou os olhos.

— Você entende alguma coisa sobre isso?

— Cresci numa fazenda — explicou ele e sorriu. — Aposto que sou tão bom quanto você nesse tipo de trabalho.

— O que é isso, Michael? — interveio Adam. — Você está aqui como nosso convidado. Nem pense em fazer outra coisa a não ser descansar e se distrair.

— Pois isso seria uma ótima distração para mim. Há muito tempo não mexo com essas coisas e quero ver se ainda estou em forma. De qualquer modo, só o fato de estar longe da minha escrivaninha e daquela papelada toda já é uma forma de descanso.

— Nesse caso...

Sorrindo rapidamente para Maggie, Michael acrescentou:

— De qualquer forma, obrigado pelo convite.

Meia hora mais tarde, enquanto os dois selavam os cavalos, podiam ouvir ao longe o ruído do barco a motor que levaria Adam e Anne até Santa Bárbara.

"Michael deveria estar naquele barco também", Maggie pensou, irritada. Fora por água abaixo o plano da noite anterior de evitá-lo a todo custo.

— Pronto? — ouviu-o perguntar, já sobre o dorso de Goldie, a mesma égua que ele montara no dia anterior.

Decidida a fazer uma última tentativa para dissuadi-lo, ela avisou:

— Olhe, isso não vai ser nada divertido. Tem certeza de que quer ir?

— Temos conceitos diferentes acerca do que é divertido — retrucou ele.

Maggie suspirou e, dando uma pancadinha no cavalo, pôs-se a caminho.

Depois de alguns minutos de silêncio, Michael perguntou casualmente:

— Diga-me uma coisa, Maggie, por que é que você não simpatiza com Anne?

— Como?

— Você entendeu muito bem. — E prosseguiu no mesmo tom de perplexidade: — Ela é tão agradável e parece bastante interessada em ser sua amiga. Por quê...

— Espere um pouco, Michael — interrompeu-o, zangada. — Não acha que está se intrometendo em algo que não é da sua conta?

— Você tem razão. Mas acontece que as coisas que não são da nossa conta são as mais interessantes, não concorda? Você tem ciúme dela? — perguntou à queima-roupa.

— Ciúmes? Eu? — e soltou uma risada sarcástica. — Era só o que faltava: sentir ciúme de Anne.

— Pode guardar a sua ironia, minha cara. Não está me convencendo nem um pouco.

— Como se eu me importasse com a sua opinião. — Mas para que ele lhe desse sossego, decidiu agir de modo diferente e, com a voz fria, explicou: — Não tenho nada contra ela. Só que não existem afinidades entre nós.

— Existe uma — corrigiu ele. — Vocês duas amam seu pai.

— Não estou pondo em dúvida os sentimentos dela. O que quero dizer é que somos muito diferentes.

— Diferentes em quê?

— Ela vem de uma família rica e tradicional de Santa Bárbara. Adora fazer compras, ir a festas, enfim, coisas que não fazem o meu gênero. Agora chega — arrematou com impaciência.

— Se Anne fosse essa deslumbrada que você acredita que seja, não teria se casado com seu pai e se enfiado aqui nesta ilha — Michael persistiu. — Acho que você a está julgando mal.

— Ah, você acha, é?

— Acho muito mais: que você a rotulou dessa maneira só porque não quer gostar dela.

— Mas era só o que faltava, eu ficar ouvindo um lindo sermão de alguém que nem sabe o que está dizendo. Você está por fora do que acontece conosco, meu caro. E, para quem está de fora, é muito fácil falar. — Inesperadamente, teve uma idéia. Aproveitando a deixa, perguntou: — E já que estamos no assunto, por que não me conta a respeito dos seus pais?

Cansei de ficar na berlinda.

— O que você quer saber? — Michael perguntou com uma naturalidade desconcertante.

— Se você vive bem com eles.

— Meus pais morreram há algum tempo. — Como sempre, o tom de voz era neutro; o rosto, uma máscara impenetrável. Mas havia qualquer coisa nele, talvez um sutil tremor nos lábios, que traía emoção.

Lançando-lhe um olhar furtivo, Maggie sentiu-se culpada. Não queria ter provocado lembranças dolorosas. Mas, ainda assim, ele não parecia triste; quando muito, distante.

Durante toda a tarde, os dois trabalharam muito, laçando o gado e conduzindo-o ao curral onde estava sendo feita a marcação. Quase não trocaram palavras, ambos concentrados no que tinham a fazer sob aquele sol de fogo.

Finalmente, quase ao cair da tarde, fizeram uma pausa. Apearam e sentaram-se sobre uma enorme pedra com vistas para o oceano. Maggie espreguiçou-se e esticou as pernas apoiando-se sobre os cotovelos.

Observando-a, Michael pensou em como ela era bonita dentro daquela simplicidade. De calça jeans e camisa folgada, estava muito mais atraente do que as mulheres com quem ele se habituara a se relacionar e que não passavam menos de duas horas em frente ao espelho. Se elas pudessem adivinhar que nada daquilo o impressionava, talvez não perdessem tanto tempo consigo mesmas.

Por que você faz isso? perguntou em voz baixa. É um trabalho duro para uma mulher.

Maggie pareceu surpresa com a indagação.

Porque eu gosto, oras. Embora seja um trabalho duro, como você diz, ele me traz satisfação. Sempre estive em contato com a natureza e não consigo imaginar minha vida longe daqui, fazendo outro tipo de coisa.

Você falou a respeito das mulheres da sociedade. Nunca quis ser uma delas?

Ela sorriu.

Nem pensar. Tive uma amostra do que é estar na alta sociedade quando freqüentei aquele colégio em Massachusetts.

Mas, no entanto, está noiva de um rapaz de família rica retrucou ele, sondando-lhe a expressão.

Richard é diferente afirmou, lacônica.

Diferente em quê?

Maggie não estava com a menor vontade de falar sobre o noivo. Ignorando a pergunta, prosseguiu:

Eu não ligo para badalações. É claro que saio daqui diversas vezes, que faço programas noturnos, que freqüento algumas rodas em Santa Bárbara... Mas é aqui que me sinto bem. Sempre que viajo, não vejo a hora de voltar. Nenhuma atividade poderia me dar maior prazer do que o trabalho na fazenda. Voltou-se para ele e perguntou, interessada:

— Você gosta do que faz, Michael?

Ele deu de ombros.

— Sim ou não? — insistiu ela.

— Você pode não acreditar, mas é um trabalho sem graça. Passo a maior parte do tempo coletando informações. Nada de emocionante, como você imagina — sorriu secamente. — Não sou nenhum James Bond, nem tenho licença para matar.

— Mas você matou aquele homem. — A voz dela havia perdido o tom de casualidade.

Por uns bons momentos, Michael simplesmente ficou olhando para Maggie. Então perguntou com cuidado:

— Você nunca esqueceu aquilo, não é?

— Como eu poderia?

Sem que ele tivesse tempo de dizer alguma coisa, Maggie se pôs de pé e bateu com as mãos na calça para limpar a poeira.

— É melhor irmos andando. Já está ficando tarde.

Michael a seguiu sem dizer nada. Mas se sentia profundamente perturbado. Desde que pusera os pés naquela ilha, tivera a certeza de que Maggie seria dele. O tal noivo não era empecilho. Mas aquele... aquele maldito acontecimento do passado se colocava entre eles como uma parede de aço. Pela primeira vez, Michael se encontrava diante de um obstáculo que parecia ser instransponível.

Naquela noite, Richard telefonou. Maggie já estava na cama quando o telefone tocou. Aquela era a sua linha particular e apenas os amigos ou Richard costumavam utilizá-la. Antes mesmo de pegar o fone, ela já sabia de quem se tratava.

— Oi, amor, que saudades! — Richard foi logo dizendo, assim que Maggie atendeu. Como sempre, a voz dele era calma, suave, reflexo de quem se sente em paz consigo mesmo. Ele sabia exatamente quem era e o que queria. Fora essa serena autoconfiança que atraíra Maggie.

— Oi, querido. Tudo bem em San Francisco?

— Está brincando? Sem você o que pode ter graça?

Ela sorriu, aquecida por uma onda de ternura.

— Aposto que você diz isso a todas as suas noivas — brincou.

Richard riu, divertido.

— Estou dizendo isso para aquela com quem vou me casar dentro em breve.

O sorriso desapareceu do rosto de Maggie. Sentiu-se incomodada, sem saber ao certo o motivo.

Como custasse a responder, ele continuou:

— Marguerite, você não está pensando em adiar outra vez o casamento, não é?

— Não, claro que não — ela respondeu mais do que depressa e ouviu um suspiro de alívio do outro lado da linha.

— Ainda bem. Porque se eu suspeitasse que você iria sugerir um outro dia, viajaria para Santa Rita agora mesmo e levaria você a Las Vegas para uma daquelas cerimônias rápidas.

— Nem brinque — retrucou no mesmo tom. — Sua mãe morreria de vergonha. Se não nos casarmos na igreja, com uma recepção para quinhentos dos amigos mais chegados da sua família, ela não vai poder encarar a alta sociedade de Santa Bárbara.

Richard caiu na risada, sempre recebendo com bom humor as piadas que Maggie fazia a respeito da sua família. Mas ela sabia que o noivo estava bem enquadrado nos negócios do pai e logo passaria à testa de tudo. Ela precisava se acostumar a idéia.

— O que você tem feito além de, naturalmente, flertar com todas as garotas bonitas que lhe aparecem pela frente?

— Não caçoe. Estou até aqui de trabalho. Por que não vem se encontrar comigo? Estou morto de saudades.

— Nosso avião está sendo reparado — ela respondeu mais do que depressa.

— E para que existem os vôos comerciais?

Ela hesitou. Bem que podia pegar um avião em Santa Bárbara e ir ao encontro dele. Mas...

— Nós estamos com hóspede, Richard — respondeu afinal. — Meu pai ficaria chateado se eu saísse.

— E quem é ele? Algum amigo de Anne?

— Não. — Fez uma pausa e respondeu com uma naturalidade estudada: — É aquele homem que me socorreu em San Sebastian há oito anos. Lembra-se? Eu já lhe contei a respeito.

— Claro que me lembro. O que ele está fazendo aí?

— Meu pai está tentando convencê-lo a participar de uma expedição arqueológica em San Sebastian.

Richard achou graça.

— Seu pai não toma jeito mesmo. Por que ele não vende a ilha e vai desenterrar fósseis pelo mundo afora?

— Não fale assim, por favor.

— Desculpe, eu só estava brincando.

— É melhor desligarmos, Richard. Estou muito cansada. Tive um dia duro hoje.

— Estou notando pela sua voz. Quando nos casarmos, você não vai fazer nada disso. Chega de estar metida com gado.

Ela não respondeu. Volta e meia Richard insistia naquele assunto. Maggie já se cansara de dizer a ele que não podia imaginar sua vida como uma dondoca, sem ter outra coisa a fazer a não ser participar de eventos sociais. De qualquer modo, não estava com disposição para discutir aquilo novamente. Com o tempo, ele aceitaria o fato e tudo entraria nos eixos.

— Bom, vou desligar, minha querida — despediu-se ele com um bocejo. — Amanhã terei um longo dia. Boa-noite, meu amor. Te amo.

— Eu te amo também — murmurou, desejando que aquilo fosse verdade.

 

Durante todos os dias da semana seguinte, Michael acompanhou Maggie no trabalho com o gado. Embora fosse uma rotina desgastante, ele nunca parecia cansado. Ao contrário, o tempo passava rápido e, pouco a pouco, se sentia menos tenso, com a expressão mais alegre e descontraída. Era evidente que estava se divertindo.

Depois daquela primeira noite, Maggie tomou todo o cuidado para não ficar sozinha na companhia dele, exceto quando estivessem trabalhando. Estava decidida a não deixar que aquele beijo se repetisse. Por outro lado, não conseguia tirá-lo da cabeça. Pensava noite e dia naqueles lábios ardentes explorando os seus com tanta paixão. Tomara Deus que Richard voltasse logo de San Francisco.

Uma manhã, Maggie estava selando o cavalo, quando Red apareceu mancando, com uma fisionomia de dor.

— O que foi? — ela perguntou preocupada.

— Aquele maldito cavalo me deu um coice — respondeu irritado.

Maggie não pôde evitar o sorriso. O cavalo de Red era mesmo uma peste de tão mal-humorado. Ele e o dono há anos viviam em constante antagonismo, se é que se podia dizer assim.

Vendo-a sorrir, Red reagiu:

— Não vejo graça nenhuma.

— Desculpe, Red. Talvez seja melhor você ir até a cidade e consultar um médico. Papai pode levá-lo de avião.

Ele desanuviou a expressão e respondeu mais calmo:

— Não é preciso, obrigado. Não estou tão mal assim.

— Nesse caso, peça a Délia para cuidar dessa perna e tire o resto do dia para descansar.

— Mais tarde. Agora eu tenho de vacinar aquele touro.

— Eu posso fazer isso.

— Não senhora. Fique longe dele, menina.

— Red, já cuidei desse animal outras vezes. Não se preocupe, ele não vai me fazer nada.

E eu já disse a você que os touros são imprevisíveis e perigosos. Não vou deixar...

Uma voz chegou até os ouvidos deles, interrompendo o diálogo:

Eu posso ajudar, se vocês quiserem — ofereceu-se Michael.

Não é preciso, obrigada — insistiu Maggie. — Eu vi esse touro nascer. Cuido dele desde que era filhote.

— Um touro não é um animal de estimação, menina — teimou Red. — Já vi muitos deles partirem para cima de pessoas sem nenhum motivo.

— Então me deixem fazer isso — Michael tornou a dizer.

— Boa idéia, sr. Curry — Red concordou rapidamente. — Eu vou selar um cavalo para o senhor e...

— Não, nada disso! — Maggie interveio, furiosa, as mãos plantadas nos quadris. — Eu posso resolver tudo à minha maneira sem a ajuda de vocês, muito obrigada.

Michael sorriu para Red.

— Ela é sempre assim?

— Sempre — respondeu o outro. — Nem uma mulher consegue ser tão teimosa — tirando um palito do bolso, colocou-o na boca e pôs-se a mascá-lo, pensativo.

Maggie tornou a se concentrar na tarefa de selar o cavalo.

Volto dentro de alguns minutos com o touro avisou já em cima da montaria.

Vou com você, se não se importa Michael anunciou Estou com vontade de dar um giro por aí.

Maggie fez o cavalo dar meia-volta e então partiu a galope, Michael saiu logo atrás e os dois cavalgaram lado a lado, em silêncio, por vários minutos, até avistarem o touro junto a um barranco. Jásper, o cavalo de Maggie, era treinado para tocar o gado, e em pouco tempo o touro tomava a direção do curral.

Belo espécime Michael falou, admirando a imponência do animal. Como Maggie não fizesse nenhum comentário, prosseguiu: Mas Red tem razão. Tocar um touro não é serviço para você.

Virando-se na sela, Maggie encarou-o zangada.

Quer fazer o favor de parar com isso? Não queira ensinar o padre-nosso ao vigário. Durante toda a minha vida venho lidando com o gado e posso ser melhor do que qualquer um dos vaqueiros de meu pai.

Os olhos castanhos cintilavam, orgulhosos e irritados, não era mais uma criança, Michael pensou. Não era mais a sua pequena Maggie, a menina a quem ele devia proteger, não importava o quanto ela protestasse. Aquela constatação o deixou de certa forma comovido.

Enquanto sustentava o olhar dele, Maggie sentiu a expressão irritada do próprio rosto suavizar-se pouco a pouco. "Meu Deu; que capacidade tem esse homem de mexer comigo", constatou "E o mais incrível é que ele parece nem se dar conta disso.” Confusa, desviou os olhos e concentrou a atenção no touro, que estava a poucos metros de distância.

Poucos minutos mais tarde, chegavam até o cercado onde o animal seria vacinado.

Pode deixar Maggie foi dizendo, apeando antes que ele se oferecesse para abrir a porteira.

E foi então que tudo aconteceu.

Sem que ela esperasse isso, o touro se voltou na sua direção, cabeça baixa, pronto para avançar.

— Oh, Meu Deus! — sussurrou, desesperada, ao ver aqueles chifres pontiagudos apontados contra ela, a uma distância curta demais para que tivesse tempo de fugir. Pensou em escalar a cerca, mas uma cerca não era empecilho para um touro bravio.

O cavalo, pressentindo o perigo, saiu em disparada, deixando-a cara a cara com aquele animal enorme que, raspando as patas no chão, preparava-se para o ataque.

Não havia saída. Ela estava perdida. E lá vinha ele, santo Deus, bufando como se soltasse fogo pelas ventas.

Antes que Maggie tivesse tempo de reagir, Michael apareceu entre ela e o touro, gritando e mexendo os braços. O animal estacou, tendo a atenção desviada para o outro alvo. Olhou, incerto, de Maggie para Michael e depois para ela novamente.

Por sorte, Red surgiu naquele exato instante. Com certeza presenciara tudo, porque vinha a todo galope com um laço na mão. Como o touro estivesse parado, foi uma brincadeira de criança laçá-lo e conduzi-lo para dentro do cercado.

Michael desmontou e correu na direção de Maggie, que se encontrava paralisada pelo medo.

— Sua louca! — acusou-a aos brados. — Você poderia ter morrido!

— Eu... eu... não pensei... — gaguejou quase sem voz.

— Diabos! Claro que não pensou. Você é teimosa demais para dar ouvidos a Red ou a mim.

Diante daquela reação furiosa, os olhos de Maggie se encheram de água. E embora não quisesse chorar na frente de Michael, as lágrimas rolaram, teimosas, sobre o seu rosto. Começou a tremer incontrolavelmente e sentiu que ia desmaiar ali mesmo.

Antes que fosse ao chão, dois braços a seguraram com firmeza.

— Maggie! — Michael murmurou, aflito, e trouxe-a de encontro ao peito. — Você está bem, minha querida?

— Tudo bem com você, menina? — Red também perguntou, indo ao encontro deles.

— Tudo — murmurou ela, erguendo o rosto molhado para Michael. E então com voz mais firme, confirmou: — Eu estou bem, não se preocupem comigo.

— Agradeça ao sr. Curry — Red prosseguiu. — Se não fosse por ele...

— Vamos esquecer isso — Michael propôs, e, soltando-a devagar, mas sem desviar os olhos, acrescentou: —Acho melhor você ficar de repouso por hoje, Maggie.

— É isso mesmo, menina. Cama. Você levou um susto e tanto.

Ela não discutiu e deixou que os dois a conduzissem até o quarto. Atirou-se na cama, esgotada, enquanto ouvia a conversa do outro lado da porta:

— Homem, nunca vi tanta coragem junta! — admirava-se Red, referindo-se à pronta intervenção de Michael.

— Não foi tanto assim — retrucou ele, e as vozes desapareceram no corredor.

"Não foi tanto assim", repetiu Maggie mentalmente. Era a segunda vez que Michael arriscava a vida para salvar a dela. Só que agora a iniciativa partira dele, pois não estava a serviço de ninguém e muito menos recebendo ordens. Maggie jamais se esqueceria daquele olhar aflito e preocupado de instantes atrás. Agora tinha certeza de que era importante para ele.

E o beijo que haviam trocado naquela primeira noite revestiu-se de um significado todo especial.

Depois de descansar por cerca de meia hora, Maggie levantou-se. Ficar deitada, ruminando sobre o perigo que correra, não era do seu feitio. O incidente, por mais horrível que tivesse sido, já havia passado. De nada adiantava ficar se atormentando.

Vestiu-se rapidamente e saiu de casa, com a intenção de pegar o barco. Isso sim seria mais repousante do que ficar estirada numa cama sem ter o que fazer.

Já havia soltado as amarras do pequeno barco a vela, quando Michael apareceu no cais.

— Está se sentindo melhor? — ele perguntou. Já havia se acalmado. A expressão não guardava o menor sinal da raiva e do susto de momentos antes.

— Bem melhor — respondeu laconicamente. E então, percebendo que não estava sendo muito gentil com o homem que arriscara a pele por sua causa, convidou: — Não quer dar um passeio?

Michael fez que sim e pulou para dentro do barco.

— Precisa de ajuda? — ofereceu-se, solícito.

Maggie sorriu, enquanto manejava as velas.

— Você entende disso também?

— Um pouco.

— Ah, claro: mais um dos seus talentos insuspeitados.

— A gente faz o que pode — brincou ele.

— Só que desta vez não vou precisar do seu auxílio. Estou acostumada a velejar desde pequena. Não precisa ter medo. Prometo que não vou fazer nenhuma bobagem.

Quando chegaram em alto-mar, Maggie ligou o piloto automático e sentou-se perto dele. Entreolharam-se por alguns segundos.

— Acho que ainda não lhe agradeci — disse ela em voz baixa.

— Nem é preciso. Salvar você já está se tornando um hábito agradável para mim.

Deram risada e ficaram novamente em silêncio. Olhando furtivamente para ele, Maggie sentiu vontade de saber mais a respeito daquele homem que sempre estava por perto quando ela precisava.

— De onde você é, Michael?

— De uma porção de lugares — respondeu ele preguiçosamente.

— Por exemplo.

— Nasci em San Sebastian e me criei no Novo México.

Que estranho! Ela não se surpreendia que ele tivesse crescido no Novo México, pois aquele jeito de cowboy não negava que fosse um homem do oeste. Mas San Sebastian?

— Seus pais eram de San Sebastian? — perguntou, sentindo crescer o interesse.

— Não, apenas minha mãe — explicou ele sem muita vontade. — Meu pai era americano.

— Como foi que eles se conheceram?

Michael sorriu, tentando disfarçar a impaciência.

— Por que tantas perguntas, Maggie? Você não se cansa nunca?

— Se pareço incansável é porque você nunca me satisfaz com as respostas.

Observou-o atentamente.

— Você é tão fechado, Michael...

Novo silêncio caiu entre eles. Maggie sabia que não adiantaria prosseguir naquele assunto. Ele nunca a deixaria aproximar-se.

Então alguma coisa chamou-lhe a atenção. Cerca de cem metros adiante, uma lontra marinha boiava de costas.

Seguindo a direção do olhar de Maggie, Michael perguntou:

— O que ela está fazendo?

— Descansando num leito de algas, digamos assim. As lontras eram muito comuns por aqui. Hoje estão à beira da extinção. A pele delas é muito valiosa, você sabe, e os caçadores vivem rondando esta área.

— Inacreditável. Eu pensei que Santa Rita fosse o recanto mais pacífico do mundo. Mas até aqui...

Não terminou o pensamento. Nem precisaria. Maggie entendeu o significado daquelas palavras. Numa profissão como a dele não havia paz, apenas sangue e violência.

Novamente sentiu vontade de conhecê-lo, de desbloquear aquele coração, de fazê-lo abrir-se. Queria saber dos motivos que o levavam a comportar-se daquele modo tão estranho.

— Você cursou alguma faculdade?

— No Novo México — respondeu ele —, mas não cheguei a tirar o diploma.

— Por quê?

Michael hesitou um segundo e só então respondeu:

— Fui convocado para a guerra do Vietnã.

— Você não pensou em ir para o Canadá? Muitos jovens fizeram isso na época.

— Eu sei, mas eu não. Escute Maggie, não estou com a menor vontade de falar sobre isso.

Ele estava zangado e ela mais ainda diante daquela recusa estúpida de falar sobre si mesmo.

— Você nunca tem vontade de falar a seu respeito, Michael! Esse negócio de bancar o tipo forte e misterioso já passou das medidas!

Por um momento ele olhou, surpreso, para Maggie. E então, inesperadamente, caiu na risada.

— Você é mesmo incrível, sabia?

Ela ficou sem saber se aquilo era um elogio ou não, embora estivesse aliviada ao ver que ele amenizara a expressão zangada de antes.

— O que aconteceu depois da guerra? — insistiu.

— Se eu responder, você promete que vai parar com essas perguntas?

— Prometo. Pelo menos por agora.

Ele assumiu um ar neutro, enquanto explicava:

— Depois da guerra, tive uma chance de trabalhar para o governo e, como não estava com nenhuma outra perspectiva em vista, aceitei o emprego. Pronto, agora vamos esquecer o assunto e apreciar o passeio.

Dizendo isso, puxou-a para perto e fez com que ela descansasse a cabeça em seu ombro. Rodeou-lhe o corpo com um dos braços e ficou acariciando-lhe de leve os cabelos, fazendo-a sentir-se deliciosamente protegida e segura.

Maggie desejaria poder parar o tempo. Nada mais parecia ter tanta importância quanto estar ali com ele, sentindo a caricia suave daqueles dedos sobre os seus cabelos. Gostaria de ser beijada novamente como naquela noite, mas sabia que não teria coragem de tomar a iniciativa. E nem deveria, lembrou-se a tempo. Afinal, estava para se casar com outro homem e, por mais que Michael lhe excitasse a mente e o corpo, tudo aquilo estava prestes a acabar. Dentro de alguns dias ele iria embora e...

Ergueu a cabeça, incomodada por aquele pensamento.

— É melhor voltarmos — disse quase secamente. — Já está ficando tarde.

 

Na noite de 4 de julho, Maggie vestia-se para uma reunião na casa dos pais de Richard, que voltara de San Francisco naquela tarde. Esta seria a primeira vez que os dois se encontrariam depois de uma separação de duas semanas. Nunca haviam ficado tanto tempo longe um do outro.

Só que, enquanto aplicava algumas gotas de perfume atrás da orelha, não era em Richard que Maggie estava pensando.

Durante a viagem até Santa Bárbara, primeiro no avião e em seguida no carro que estava à espera deles no aeroporto, Maggie aguardou que Michael fizesse algum elogio a respeito do vestido de chiffon que ela escolhera para a ocasião. Tanto o pai quanto Anne haviam feito comentários entusiasmados acerca da roupa; Michael, porém, não abrira a boca.

Bolas, e daí?, pensou com uma indiferença forçada. Ela não se vestira para ele, mas para o noivo. Não estava dando a mínima para a opinião de Michael.

Ainda assim, o silêncio dele a incomodava, fazia-a sentir-se insegura. Será que o vestido não era tão atraente quanto ela pensara?

Quando chegaram à maravilhosa vila dos Martindale, toda em estilo mediterrâneo, Maggie já estava convencida de que a escolha daquela roupa fora um fracasso.

— Don e Abby convidaram metade da cidade, como sempre — Anne comentou em voz baixa ao depararem com a sala lotada.

— Apenas a melhor metade, minha querida — Adam emendou, trocando um olhar significativo com a esposa.

Era de fato a nata da sociedade de Santa Bárbara. Todas aquelas jóias reunidas dariam para sustentar uma família de classe média por vários anos, Maggie pensou, sentindo-se um tanto deslocada por estar usando apenas o anel de noivado E o seu vestido, diante daqueles modelos exclusivos da alta costura, parecia mais apropriado para um almoço de domingo.

Como se tivesse lido os pensamentos dela, Michael inclinou-se e sussurrou:

— Você é a mais linda dê todas as mulheres aqui.

Maggie mal teve tempo de lançar um olhar surpreso para ele antes que Richard aparecesse.

— Oi, amor — cumprimentou-a com um beijo rápido no rosto.

Richard era loiro, alto e de pele bronzeada. Como sempre, Maggie surpreendeu-se com a beleza dele e com a elegância daquele porte. Um gatão, suas amigas costumavam comentar, invejosas. E era mesmo, ela só podia concordar com aquilo.

Voltando-se para Anne e para Adam, Richard acrescentou:

— É um prazer vê-los novamente.

Adam apresentou-o a Michael, e os dois trocaram um formal aperto de mão.

— Ah, sim, o cavalheiro que salvou a vida de Maggie. É uma satisfação conhecê-lo.

— O prazer é todo meu — Michael retrucou friamente, mas com expressão neutra. Maggie ficou sem saber se estava sendo rude ou se aquele era o modo como ele agia naturalmente.

— Imagino que você esteja contente por ter voltado dessa viagem de negócios — Adam comentou.

— Muito contente — Richard retrucou, sorrindo para Maggie. E, olhando novamente para o futuro sogro, informou: — Meu pai está no escritório conversando com os McGuire e algumas outras pessoas que o senhor conhece.

— Negócios, imagino.

Richard fez que sim e acrescentou sorrindo:

— O que mais poderia ser? O senhor conhece bem meu pai. Por que não vamos até lá e o convencemos a deixar essa conversa para outro dia?

— Certo, vamos tentar, embora eu não ponha muita fé no nosso sucesso.

Richard conduziu-os ao escritório, elegantemente decorado com móveis de couro e uma profusão de plantas. Depois dos cumprimentos e das apresentações, Anne desculpou-se:

— Enquanto vocês conversam, vou ver se encontro Abby por aí.

Maggie preferiu ficar e sentou-se no sofá, ao lado de Richard. Quando este passou o braço em volta dos seus ombros, num gesto característico de posse, ela captou uma nota estranha no olhar de Michael.

— Estou contente por você ter vindo, meu caro Adam — revelou o pai de Richard. — Estávamos justamente falando sobre a ilha de Santa Rita.

— Ah, é?

Enquanto Michael se sentava ao lado de Adam, Don Martindale explicou, introduzindo-o na conversa:

— Nós estamos tentando persuadir Adam a expandir os negócios na ilha.

— Don acha que eu deveria explorar petróleo — Adam acrescentou. — Sabemos da existência de uma jazida sob o Canal de Santa Bárbara.

— Ou explorar ou vender a ilha — prosseguiu Don, entusiasmado. — Há um enorme potencial lá embaixo, que pode dar lucro a muita gente.

Você entende disso melhor do que eu — Adam retrucou com ar desinteressado.

— Claro que entendo. Estamos falando de muito dinheiro meu caro.

— E da devastação da natureza — Maggie interveio, fazendo com que todos os olhares se voltassem para ela. — A exploração de petróleo põe em risco o equilíbrio ecológico — continuo determinada, sem se importar com o sorriso indulgente daqueles que não consideravam o assunto apropriado para mulheres.

— Espero que você mude a cabeça dessa mocinha, meu filho. — Don observou bem-humorado.

— Mas ela não deixa de ter razão, se me permite dizer — Michael ponderou com voz firme. — Um vazamento num oleoduto pode arruinar as praias, destruir os pássaros e a vida marinha, além, é claro, de pôr em risco a vida das populações costeiras.

Maggie agradeceu com o olhar aquele apoio inesperado.

— Bom, chega de negócios por hoje — disse Richard pondo-se de pé. — Pelo menos para Maggie e eu. Vamos aproveitar a festa, querida? — Estendeu-lhe a mão e ajudou-a a se levantar. — Com sua licença, cavalheiros.

Deixaram o escritório e foram para o pátio. Lá fora, na pista construída sobre o gramado, diversos casais dançavam ao som de uma pequena banda. A esplêndida piscina estava rodeada por várias mesas, alegremente decoradas em branco e vermelho.

— Oi, Maggie!

Virando-se na direção daquela voz, Maggie deparou com Lorie Bergman sorrindo para ela. Lorie era uma morena alta e vistosa, que fora colega de Maggie na faculdade e ainda continuava a ser uma de suas melhores amigas.

— Oi, Lorie! Que bom ver você!

— Você acha que eu ia perder uma festa como esta, freqüentada pelos melhores partidos de Santa Bárbara? — brincou.

— E, por falar nisso, quem é aquela graça de homem que veio com você?

Maggie olhou para Richard, para ver como ele recebia a admiração da outra. Viu-o sorrir pacientemente e respondeu no lugar dela:

— O nome dele é Michael Curry.

— Não me diga que é aquele que tirou você do meio de uma revolução — Lorie quis saber, cada vez mais interessada.

— O mesmo — Maggie respondeu prontamente.

Hum, sempre pensei nele como um tipo meio certinho e totalmente sem sal. Vejo que me enganei.

— Interessada? — Richard provocou-a com ar zombeteiro.

— Só se você não estiver disponível — ela revidou no mesmo tom brincalhão.

Não era a primeira vez que passava pela cabeça de Maggie a possibilidade de Lorie estar apaixonada por Richard. Elas o haviam conhecido na mesma época. Na verdade fora Lorie quem pusera os olhos nele primeiro. Mas fora por Maggie que Richard se interessara desde o início. A partir de então as duas nunca mais conversaram a respeito.

Lorie continuava a provocação:

— Mas obviamente você não está disponível, a julgar pelo tamanho do anel que Maggie está usando. Para quando é o casamento?

Antes que Richard respondesse, Maggie se antecipou:

— Ainda não estamos muito certos quanto à data.

— Mas vai ser logo, eu garanto — Richard completou, olhando de modo significativo para a noiva.

Michael apareceu naquele exato instante. Maggie apresentou-o a amiga, que não se preocupou em disfarçar o ar de admiração. De fato, ele estava mais do que atraente naquele smoking. Havia algo dentro dele, uma vitalidade poderosa, um brilho fascinante, que fazia com que todos os outros homens da festa parecessem fantoches.

— Já ouvi muito a seu respeito, Michael — Lorie cumprimentou-o empolgada.

Ele ergueu uma das sobrancelhas e sorriu:

— Verdade?

Maggie sentiu uma ponta de ciúme diante da clara investida da amiga.

— Leve-me para dançar — prosseguia Lorie —, que eu lhe contarei tudo o que ouvi.

— Nesse caso, quer me dar a honra, srta. Bergman?

— Com todo o prazer, sr. Curry.

Quando os dois se afastaram em direção à pista, Richard propôs:

— Vamos dançar também?

Maggie sorriu, tomou o braço que ele lhe oferecia e foram se juntar aos outros casais.

Por entre os diversos pares que dançavam ao som de uma música lenta, os olhos de Maggie estavam atentos aos movimentos de Michael e Lorie. Aborrecida, notou que a amiga não; apenas trazia o corpo colado ao dele, como também sorria provocativa, murmurando-lhe coisas ao ouvido. Lorie não podia ser considerada um modelo de beleza, mas sabia ser envolvente. Maggie sabia que vários homens já haviam passado pelas mãos dela e, ao que tudo indicava, Michael tinha tudo para ser o próximo. Poucos resistiam ao charme e à exuberância daquela morena.

Só então Maggie se deu conta de que Richard estava falando sem que ela houvesse prestado atenção em nenhuma palavra.

— Desculpe, Richard, me distraí um pouco. — Olhou diretamente para ele e perguntou: — O que você estava dizendo?

— Que você não havia me contado que Michael era jovem atraente.

— Ciúme? — provocou.

— Não sei... Sempre confiei em você, mas... Quanto tempo ficaram juntos naquela selva?

Ela achou graça da pergunta.

— Duas semanas. Mas não acha que é um pouco tarde para ficar preocupado?

— Não estou preocupado. Afinal, você era uma criança e...

Dezesseis anos — corrigiu ela. — Não tão criança assim.

Ele sorriu e apertou-a de encontro ao peito.

Já vi tudo. Você quer que eu fique me roendo de ciúme.

— Não senhor. Não existe a menor razão para que você se sinta enciumado — garantiu, mais para convencer a si própria.

— Eu sei disso, minha querida.

A música terminou e Michael apareceu sozinho.

— Posso dançar a próxima com a sua noiva, Richard?

Ele hesitou um instante, mas cedeu amavelmente.

Uma vez entre os braços de Michael, tudo ao seu redor adquiriu um brilho fulgurante. Com uma clareza cristalina, Maggie podia ouvir a música, que antes chegava apenas de forma vaga aos seus ouvidos. Só agora era capaz de sentir a brisa suave que fazia ondular a superfície lisa da piscina. Cada milímetro do seu corpo parecia estar atento ao mais leve roçar de pernas.

— Dançamos muito bem, não acha, Maggie? — Michael sussurrou aos ouvidos dela, com um tom de voz gentil e ao mesmo tempo sedutor.

"É verdade" Maggie concordou em pensamento. "Nossos corpos combinam perfeitamente."

Onde está Lorie? — perguntou, tentando camuflar o melhor possível o seu interesse.

— Não sei. Deve estar batendo perna por aí.

— Nesse caso, devo deduzir que você não se interessou por ela.

Não faz o meu gênero — admitiu. — Você e Richard formam um belo par, sabia?

Ela não respondeu, preferindo ignorar a ironia daquelas palavras.

Claro que existe um pequeno problema relacionado com o destino que futuramente será dado a Santa Rita — prosseguiu ele — Vocês dois têm opiniões opostas a esse respeito.

— Como você pode afirmar isso com tanta certeza? Apenas porque o pai dele é um tanto ganancioso, não significa que Richard seja igual.

— É mesmo? Então me diga uma coisa: ele trabalha para quem?

Depois de hesitar um pouco, ela respondeu, relutante:

— Para o pai, mas...

— Pois então. E eu não o ouvi discordar do sr. Martindale nem por um instante lá no escritório.

— Richard é educado demais para discutir sobre negócios numa festa.

— Ah, sim, naturalmente — Michael retrucou com sarcasmo.

Zangada, Maggie revidou:

— Você não conhece Richard!

— E você? Tem certeza de que o conhece o suficiente?

— Absoluta!

Mas, por dentro, não estava tão certa disso quanto pretendia aparentar. Na verdade, os dois nunca falavam sobre negócios. Maggie simplesmente não julgava que isso fosse necessário. Tinha absoluta convicção de que o noivo entendia o quanto a ilha de Santa Rita significava para ela. Seu pai jamais concordaria em estragar aquele local e era evidente que ela pensava o mesmo.

Pela primeira vez, entretanto, ficou preocupada acerca do modo como Richard encarava a ilha. No futuro, aquelas terras seriam dela e, uma vez casada, do marido também.

Observando-a atentamente, Michael percebeu uma sombra de dúvida naquele olhar.

— Você está começando a questionar as intenções dele.

— Não estou não! — mentiu com veemência, para não dar o braço a torcer. — Como ousa se meter em algo que não é da sua conta? O que quer que venha a acontecer com Santa Rita não lhe diz respeito, Michael Curry! Volte para o seu trabalho, seja ele qual for, e me deixe casar com o homem que amo.

A expressão dele endureceu por um instante. A transformação fora rápida e assustadora. Maggie sentiu uma ponta de medo. Então, com mão firme, Michael a puxou pelo braço, obrigando-a a sair do meio dos outros casais. Passaram pelas coloridas lanternas japonesas que ornamentavam as árvores e Maggie viu-se con154duzida para uma parte escura e deserta do jardim, onde o gramado estendia-se ininterruptamente até um penhasco escarpado com vistas para o oceano.

Quer me soltar? — Maggie ordenou, tentando desvencilhar-se dele.

No céu, os fogos de artifício compunham um esplendoroso círculo de luzes e cores. Fulgurantes rajadas de ouro, prata, verde e vermelho tingiam a escuridão. Maggie, todavia, parecia alheia à surpresa que os Martindale haviam preparado para aquela noite. Fogos ainda mais intensos estouravam entre ela e Michael.

Ele se voltou para encará-la. Ao invés de soltá-la, puxou-a de encontro ao corpo.

Você nunca vai pertencer àquele idiota! — afirmou, numa voz que era ao mesmo tempo fogo e gelo. — Não vai pertencer a homem nenhum, porque você é minha, só minha, e sempre será!

Ele beijou-a furiosamente. Maggie viu-se atirada para fora do tempo e da realidade. Se aquele primeiro beijo causara-lhe impacto, este parecia sacudir-lhe os ossos. Todo o resto cessou de existir. Havia apenas Michael e o gosto dele nos seus lábios. Apenas a sensação daquele peito comprimindo o seu, como se quisesse submetê-la pela força física. Apenas as mãos explorando suas costas com movimentos fortes e rápidos, como se quisesse machucá-la.

Era uma declaração de posse, muito mais do que uma demonstração de desejo. Embora aquele beijo extasiasse os sentidos de Maggie, como nenhum outro beijo de Richard era capaz de fazer, ela lutou desesperadamente para se soltar.

Eu nunca vou pertencer a você! — gritou com a voz rouca de emoção. — Quem é você afinal? Alguém em quem eu possa depositar a minha confiança? Não sei nada a seu respeito a não ser que pode matar uma pessoa com o mesmo sangue-frio que mata um inseto.

— Maggie, entenda pelo amor de Deus: aquilo foi por questão de sobrevivência.

— Não consigo aceitar que...

— Está bem, então tente entender pelo menos isto — interrompeu-a. — Eu jamais me esqueci de você. Durante oito anos me perguntei como você seria ao se tornar adulta. Agora eu já sei. E quero você. E vou tê-la.

Beijou-a novamente, mas desta vez Maggie não conseguiu resistir, nem teve forças para lutar. Ela o queria também. Deus como queria aquele homem! E era verdade, compreendeu, desesperada: sempre pertencera a ele.

Quando finalmente reuniu coragem para se afastar, encarou-o com frieza. Sem dizer nada, deu meia-volta e saiu de lá correndo, como se fugisse do próprio diabo.

Entrou na casa e procurou por Lorie. Assim que a encontrou foi logo perguntando:

— Posso ficar na sua casa esta noite?

— Claro — olhou para ela, intrigada. — Mas...

— Sem perguntas, está bem? Vou falar com papai e encontrarei você no carro em cinco minutos.

Adam e Anne estavam dançando no jardim. Afetando um ar de naturalidade, Maggie comunicou que Lorie a convidara para dormir na casa dela. Afinal, fazia tanto tempo que não conversavam.

— Certo — concordou o pai. — Telefone-me amanhã e mandarei o avião para buscá-la.

Maggie saiu apressada e encontrou Lorie já sentada no carro.

— Podemos ir — disse à amiga, assim que se sentou ao lado dela.

Enquanto o carro se afastava, Maggie ainda conseguiu avistar Michael pelo espelho lateral. Ele estava parado em frente à casa e observava, inerte, aquela fuga precipitada.

— Eu sei que deveria controlar a minha curiosidade — ouviu Lorie dizer, atenta ao volante —, mas simplesmente não consigo. O que foi que aconteceu? Você e Richard brigaram?

Richard! Oh, meu Deus, lembrou-se, desnorteada. Nem se despedira dele. Era incrível o que Michael conseguia fazer com ela.

— Vamos, estou esperando — Lorie pressionou-a, incapaz de conter.

— Não, não briguei com Richard — confessou relutante. — Não aconteceu nada demais, sossegue.

A primeira coisa que fez ao chegar à casa da amiga foi telefonar para o noivo.

— Marguerite! Onde você está?

— Na casa de Lorie. Eu... eu tive uma dor de cabeça insuportável. — Não estava acostumada a mentir e teve medo de não ter sido convincente.

— Procurei você pela casa inteira. Avisou seu pai, pelo menos?

— Claro. Mas não consegui encontrar você. A cabeça doía tanto que...

— Marguerite, o que está havendo? Você está estranha e o que fez hoje não é do seu feitio. Eu vou até aí para conversarmos.

— Não! — Percebendo que fora enfática demais, suavizou a voz:

— Não, Richard, hoje não, por favor. Amanhã, está bem?

— Certo, logo de manhã estarei aí.

— Acho melhor almoçarmos juntos — contrapôs. De algum modo, queria adiar o quanto fosse possível aquele encontro com o noivo. — Vou ver se durmo até tarde. Estou precisando descansar.

— Então está bem. Pego você ao meio-dia. — E acrescentou, preocupado: — Você tomou algum comprimido para dor de cabeça?

— Ainda não, mas já vou providenciar, fique tranqüilo.

— Faça isso. Boa-noite, Marguerite.

— Boa-noite, Richard.

Ao desligar, percebeu que Lorie a observava atentamente.

— É Michael Curry, não é?

Não havia como negar. Em primeiro lugar, porque não saberia mentir; em segundo, porque Lorie era esperta demais. Apenas fez um aceno afirmativo com a cabeça e desabou sobre o sofá. A amiga se sentou ao lado dela e prosseguiu:

— Bom, não posso dizer que tenha ficado surpresa. Ele é muito sexy, de fato.

— Ele... ele me beijou — confessou com dificuldade.

— Puxa, gostaria de poder dizer o mesmo — Lorie retrucou com um sorriso. Mas, vendo que a brincadeira não conseguir divertir a amiga, acrescentou em tom mais sério: — Esse cara balançou mesmo você, não é?

Maggie fez que sim e contou:

— Faz oito anos que digo para mim mesma que não é nada, que tudo não passa de fantasia da minha mente. Mas agora sei que não é imaginação. Nunca senti algo tão forte por nenhum outro homem.

— Nem mesmo por Richard?

— Não — murmurou com ar de culpa.

— Pois esqueça, Maggie! Michael Curry só lhe traria problemas. Ele é atraente, admito. Seria excitante ter um caso um homem tão sexy. Mas ele não parece ser do tipo com o qual se possa contar para uma relação mais duradoura.

— E você acha que eu não sei disso?

— Pense em Richard e na sorte que você teve de encontrar alguém tão maravilhoso. Muitas mulheres dariam tudo para estar no seu lugar.

— Você também? — Maggie aproveitou para saber.

Lorie abaixou os olhos, embaraçada, e não respondeu. Nem seria preciso.

— Sinto muito, querida — Maggie murmurou, penalizada — Você nunca me disse que gostava dele.

— Dizer a troco de quê? É de você que ele gosta, é com você que ele vai se casar. Ei, não fique com essa cara — tentou brincar. — Não é culpa sua se estou apaixonada pelo seu noivo.

Maggie sorriu tristemente. Como o mundo era complicado!

— Escute, não estou querendo despachá-la — a outra prosseguiu, forçando uma expressão alegre —, mas estou morta de sono.

— Vá na frente. Eu quero ficar mais um pouco aqui no sofá.

Lorie se levantou e depois de dizer boa-noite, completou já na escada:

— Olhe, está tudo bem. Juro. Espero que você acredite nisso e me convide para dama de honra do seu casamento.

Maggie sorriu gentilmente.

— Já está convidada.

Mais tarde, ainda no sofá, Maggie se atormentava com a lembrança daquele beijo. Recordou-se do que lhe dissera a amiga: Michael era um homem perigoso. Mas, ainda assim, o seu coração dizia que valia a pena correr o risco.

 

— Muito bem, o que foi que aconteceu?

Maggie olhou, com ar de culpada, para Richard.

— O que você quer dizer? — perguntou, tentando ganhar tempo.

— Você sabe muito bem. Por que desapareceu daquele jeito sem ao menos me dizer até logo? E por que passou o almoço todo com esse ar preocupado? — Endureceu a voz e prosseguiu: — Ficamos duas semanas sem nos ver, Eu esperava outra reação da minha noiva.

— Você se importa se nós conversarmos sobre isso em outro lugar? — ela pediu.

— Então vamos. — E acenando para o garçom: — A nota, por favor.

Minutos mais tarde, já no carro, ele perguntou:

— Que lugar você sugere?

Maggie propôs o apartamento de Lorie, já que a amiga havia saído. Lá eles poderiam conversar à vontade.

Entraram na sala. Enquanto Maggie se sentava, Richard permanecia em pé, com as mãos no bolso, visivelmente irritado.

— Vamos logo, Maggie, fale de uma vez. O que está havendo?

— Por que não se senta?

Ele obedeceu e continuou a olhar fixamente para ela. Maggie escolheu as palavras com cuidado.

— Ontem, pela primeira vez, me ocorreu que nós dois temos uma séria divergência sobre algo que é muito importante para mim.

— Divergência? Do que é que você está falando?

— De Santa Rita.

— Diabos, Marguerite, não me diga que vamos brigar por causa de um monte de mato.

— Aí é que está, Richard. É assim que você vê a ilha. E para mim ela é muito mais do que isso. Se nós nos casarmos...

— O que quer dizer com "se nós nos casarmos"?

Maggie continuou, decidida.

— ... ela acabará pertencendo a nós dois um dia. Preciso saber como você se sente em relação a isso.

— Não sinto nada. É apenas um pedaço de terra. Valioso concordo, mas apenas um pedaço de terra — insistiu.

— Você concorda com seu pai, no que diz respeito à exploração do petróleo na ilha?

— Bem, já que você perguntou, concordo, sim. É uma idéia mais do que razoável. Ou você acha que Santa Rita deve permanecer um feudo para sempre? Isso não tem o menor sentido, quando se pensa nos lucros que poderiam advir com a exploração do petróleo.

— Meus Deus, não posso acreditar no que estou ouvindo — Retrucou, nervosa e irritada. — Será que você não percebe o que está fazendo? Simplesmente colocando um enorme empecilho ao nosso casamento. Não posso me casar com alguém que pensa de modo tão diferente de mim.

— Santo Deus, que exagero!

—- Exagero? Por que você não me disse nada sobre isso antes?

— Sei lá, talvez porque o assunto nunca tivesse vindo à baila.

Nesse ponto, Maggie explodiu, dando vazão a todo seu des154contentamento. Impossível descrever o quanto estava decepcionada.

— Nunca veio à baila? Você evitou propositadamente conversar sobre isso, para que eu deduzisse que pensávamos exatamente do mesmo modo. Você sabe o que Santa Rita significa para meu pai ou para mim.

— Droga, Marguerite! Não creio que o nosso problema seja Santa Rita! O xis da questão é Michael Curry! Diga que estou errado, vamos!

— Você está louco? — apesar da ênfase, o desmentido soava nem um pouco convincente.

— Vi o modo como ele olhava para você ontem, enquanto estavam dançando. Depois os dois sumiram. Fiquei pensando a noite inteira. O que foi que aconteceu entre vocês em San Sebastian?

— Nada que eu não tenha lhe contado.

— E depois? — insistiu, cada vez mais irritado.

— Como assim? O que você quer dizer?

Richard olhou-a de modo mais do que eloqüente.

— O que aconteceu entre vocês, desde que ele voltou?

Naquele instante, Maggie percebeu que estava tudo acabado entre ela e Richard. Não podia dizer a ele que nada havia acontecido. E, mesmo que dissesse, sabia que ele não acreditaria, seu silêncio o deixou exasperado. Agarrou-a pelos ombros gritou:

— Você dormiu com ele!

Ela não estava mais se importando em magoá-lo, tão decepcionada ficara.

— Não dormi coisa nenhuma.

— Mentira! — gritou ele novamente, enterrando os dedos nos ombros dela.

— Solte-me! — ordenou com voz baixa e firme.

— Para que você corra para os braços dele? Não senhora, mas não mesmo! Eu sou seu noivo! Tenho direitos sobre você

E, antes que ela pudesse se soltar, atraiu-a com violência e beijou-a desesperadamente. Por dois anos, Maggie tentara a todo custo convencer-se de que o desejava, de que gostava dos beijos e das carícias que vinham dele. Mas só conseguira enganar-se esse tempo todo. Agora sentia nojo.

— Não! — implorou. — Richard, pare!

Mas alguma coisa despertara dentro dele. Num impulso irracional, forçou-a a deitar-se no sofá e colocou-se por cima dela, comprimindo-a com o corpo. A resistência de Maggie parecia estimulá-lo a prosseguir com aqueles beijos violentos, enquanto a mão percorria-lhe o corpo com uma voracidade que a deixou assustada. Não era a paixão que o movia, mas o ódio e o ciúme.

Maggie lutava inutilmente para se libertar, e um movimento mais brusco acabou por rasgar as alças do vestido que Lorie lhe emprestara. O tecido muito fino, próprio para os dias quentes, não resistira às tentativas desesperadas que ela fazia para escapar da violência de Richard. Os seios ficaram expostos e livres para a exploração daquelas mãos outrora tão gentis. Em seguida, cada vez mais excitado, Richard tentou erguer-lhe a saia.

— Não! — gritou assustada mas também furiosa. — Pare com isso! Você está louco!

De repente, alguém estava tirando Richad de cima dela. Com o olhar aterrorizado, Maggie viu Michael atirá-lo para o outro lado da sala. Não podia supor como ele chegara tão oportunamente, mas estava aliviada por vê-lo.

O alívio tornou a se transformar em medo, quando percebeu nele o olhar de ódio e as feições contraídas. Ao vê-lo se arremessar contra Richard, socando-o cego de fúria, ela gritou:

— Michael, pare! Você vai matá-lo!

Por uma fração de segundo, Maggie não teve certeza se seria atendida. Então, depois de um olhar rápido na sua direção, ele voltou para Richard e ordenou com voz baixa, mas ainda assim assustadora:

— Fora daqui!

Depois de hesitar um instante, Richard obedeceu e saiu às pressas pela porta da frente.

Michael ficou parado, recuperando o fôlego e tentando acalmar-se. Maggie sentou-se, reclinou as costas no sofá e soltou um suspiro doloroso.

O coração de Michael se apertou ao vê-la naquele estado: pálida e assustada, enquanto tentava, constrangida, dar um jeito nas alças do vestido.

Deus, ele deveria ter matado aquele bastardo!

Michael sentou-se ao lado dela e abraçou-a, deixando que chorasse à vontade no seu ombro. Enquanto os soluços sacudiam o corpo de Maggie, as lágrimas rolando abundantes, ele lhe afagava os cabelos, confortando-a como se fosse um bebê.

— Vamos, querida, está tudo bem agora.

Pouco a pouco, os soluços cessaram e as lágrimas deixaram de cair. Maggie continuava aninhada entre os braços dele, sem fazer nenhum esforço para se afastar. Michael, por sua vez, não tinha o menor desejo de que ela saísse daquela posição.

Afinal, ela suspirou baixinho e ergueu os olhos para ele, o rosto marcado pelo choro. Michael enxugou-lhe as lágrimas com infinita ternura e então, depois de ajudá-la a improvisar um nó com as alças partidas, carregou-a nos braços e levou-a para fora.

Meia hora mais tarde estavam no barco de volta a Santa Rita.

Quando já haviam saído do canal, Michael ligou o piloto automático e conduziu Maggie para a cabine. Lá, ajudou-a a se despir e envolveu-a com um cobertor. Agia com delicadeza, como se ela fosse feita de porcelana. Maggie jamais sonhara que as mãos de um homem, especialmente as de Michael, pudessem ser tão gentis.

Deitando-a sobre o beliche, ela perguntou baixinho:

— Como foi que você apareceu?

— Seu pai teve de usar o avião para levar Anne até Seattle. A irmã dela está hospitalizada.

— Meu Deus, o que houve? Ela está grávida. Surgiu alguma complicação?

— Aparentemente não é nada sério, mas Anne ficou preocupada e quis ficar com ela. Os dois ficarão fora por dois ou três dias, talvez mais. Seu pai me pediu então que viesse buscá-la. Assim que cheguei à porta, ouvi os seus gritos e fui entrando. — Parou por um segundo e perguntou: — O que aconteceu?

Ela ficou em silêncio, indecisa quanto ao que responder. Não podia dizer a Michael: "Richard ficou furioso porque descobriu que é você que quero, não ele." Afinal, optou pela verdade incompleta.

— Eu disse a Richard que não podia me casar com ele.

Por um instante, a expressão de Michael passou da surpresa para a alegria. Logo em seguida, porém, ele voltou a se colocar na defensiva. Mas o que ela lera naqueles olhos por uma fração de segundos deixou-a satisfeita.

— Ele não era o tipo certo para você.

— Eu sei disso agora.

— O que foi que você viu nele?

Ela refletiu sobre a pergunta. A resposta era a um só tempo fácil e complicada. Por que Richard entre tantos homens?

— Ele era persistente — respondeu afinal. — Não sossegou, enquanto não aceitei sair com ele pela primeira vez. E, por último, continuava a insistir em que marcássemos a data do casamento. Como Já estou com vinte e quatro anos, pensei comigo: por que não me caso de uma vez? Todos se apaixonam e encontram alguém. E eu? O que estou esperando?

Parou subitamente. Num lampejo compreendeu que estivera todo o tempo esperando por Michael. Ergueu os olhos e percebeu que ele lera o seu pensamento, pelo modo como a observava.

Até agora, Maggie estivera perturbada demais com o acontecido para pensar na sua situação com Michael. No entanto, neste exato momento, despertava para o fato de estarem os dois sozinhos naquela cabine estreita e de ela se encontrar nua sob cobertor.

— Estou lhe devendo mais esse favor, Michael — a voz rouca traía a sua emoção.

— Você não me deve nada, Maggie.

— Claro que sim e lhe agradeço por isso — sorriu. — Acho que o meu destino é estar sempre dizendo obrigada a você.

— Não quero a sua gratidão.

— Você quer o quê, Michael?

Os olhos dele pareciam sondar-lhe a alma, quando perguntou:

— O que é que você quer?

"Você", o coração de Maggie gritou: "Eu só quero você."

A distância entre eles era de centímetros. Ainda assim parecia haver muitos quilômetros a percorrer se quisessem chegar um ao outro. Com todas as forças do seu ser, Maggie queria se entregar a esse homem. Mas a sua mente a advertia de que estava brincando com fogo.

Lorie estava certa: Michael era perigoso. De certo modo, mais perigoso do que Richard demonstrara ser. Richard poderia ter abusado do seu corpo, se Michael não aparecesse a tempo. Michael, no entanto, podia abusar do seu coração.

Um sorriso iluminou o rosto dele. Ergueu a mão e com o dedo indicador sustentou-lhe o queixo, forçando-a a encará-lo.

— Está com medo, Maggie? Eu podia jurar que você nunca teria medo de nada.

"De nada, exceto de você", corrigiu-o em pensamento, enquanto os dedos dele traçavam a linha do seu queixo e desciam deliberadamente pela garganta até chegarem à altura dos seios. Pararam onde as mãos dela fechavam o cobertor. E então, com a mesma gentileza de antes, afastou-as devagar. O cobertor caiu até a cintura de Maggie.

Ela sentiu que ia perder o fôlego diante do olhar quente que lhe admirava os seios redondos e firmes.

— Ele não vai tocá-la novamente, Maggie. Nunca mais — 154prometeu com voz sussurrada, enquanto acariciava as manchas deixadas pela violência de Richard. Inclinou-se em seguida e roçou os lábios gentilmente em cada região machucada. — Pronto — murmurou. — Já não vai doer mais.

E ele tinha razão, porque de repente Maggie não sentia mais dores. Elas haviam desaparecido diante do desejo poderoso que crescia dentro dela.

— Michael — implorou num sussurro.

Ele a envolveu novamente na coberta.

— Eu preciso ver o barco — levantou-se e saiu da cabine, deixando Maggie sozinha e com uma terrível sensação de desapontamento.

 

Chegando em casa, Maggie mergulhou numa banheira quente e procurou relaxar um pouco antes do jantar.

Às oito horas, quando desceu para a sala, Michael estava à sua espera. Jantaram sozinhos e em silêncio. Nenhum dos dois parecia disposto a conversar.

Quando Délia trouxe a sobremesa, viu, desapontada, que a comida estava quase que intacta nos pratos. Dispensaram também a sobremesa e Maggie seguiu a mulher até a cozinha, com a desculpa de ajudá-la a lavar a louça.

— Vamos lá, Marguerite, o que foi que houve? — Délia quis saber. — Faz muito tempo que você não entra aqui para me ajudar.

Maggie suspirou. Queria desabafar e ficou agradecida a Délia por poupá-la dos preâmbulos.

— Terminei tudo com Richard — e colocou-a a par do acontecido, tendo o cuidado de omitir os detalhes mais chocantes.

— Pois fico contente que você tenha criado juízo — Délia ponderou ao final do relato. — Aquele homem não servia mesmo para você. Eu e Red já sabíamos disso há muito tempo. Você é uma jovem alegre e espirituosa, cheia de energia. Richard Martindale é um fraco e só pensa em dinheiro. Você precisa é de um homem tão forte quanto você — sorriu e acrescentou: — Estive observando o sr. Curry...

— Delia, por favor...

— Ele sim é que é um homem de verdade — continuou, sem ligar para Maggie. — Bonitão, atraente e de bons sentimentos.

— E o que você sabe a respeito dos sentimentos dele? Michael é tão frio, tão distante...

— Aparências, minha querida. Se os sentimentos dele não vêm à superfície é porque são muito profundos. Pense nisso acrescentou, lançando a Maggie um olhar penetrante. — Aposto que ele é tão quente quanto aquele fogão onde você queimou os dedos quando era criança.

Sorrindo, Maggie perguntou:

— Onde você aprendeu tanto sobre os homens?

— Trabalhei cinco anos num hospital. Lá aprendi muito sobre as pessoas e sobre a vida de um modo geral.

Terminando de enxugar a louça, ela se despediu da mulher com um beijo.

— Boa-noite, Delia.

— Boa-noite, filha.

Maggie subiu até o quarto e aprontou-se para dormir. Mas estava completamente sem sono. Vestiu um robe por cima da camisola e decidiu tomar um pouco de ar.

Já passava das onze, constatou ao olhar para o relógio da sala. Michael devia estar dormindo. Chegando até o pátio, lembrou-se da noite em que ele a beijara. Suspirou, como se sentisse saudades.

O que foi, Maggie? Não consegue dormir?

Dando meia-volta, percebeu que Michael estava sentado poucos metros adiante e que se levantava, caminhando na sua direção. Estava usando um robe azul-marinho, aberto no peito e parecia não trazer nada mais sobre o corpo.

— Você não conseguiu dormir? — perguntou a ela novamente.

— Eu... eu... — "Como ele é alto, pensou, embevecida. E atraente, e..." — Eu só queria tomar um pouco de ar antes. Boa-noite, Michael.

Pensou que pudesse passar por ele.

Pensou errado.

Michael segurou-a pelo braço e atraiu-a de encontro ao corpo.

— Michael...

Ele calou aquele protesto tímido.

— Você já se deu conta de que por duas vezes a vi complemente nua? E que não fiz absolutamente nada? Não espere que eu reaja do mesmo modo agora, Maggie. Não agora, quando sei que você me quer tanto quanto te quero.

A voz dele era uma carícia suave aos ouvidos de Maggie. Fechou os olhos quando as mãos e a boca percorreram-lhe o corpo e o rosto. Estremeceu instintivamente quando ele a tocou por debaixo da camisola. E pensou que fosse morrer quando o viu desatar a fita logo abaixo dos seios.

— Venho pensando neste momento desde que a vi dormindo na praia. Tenho sido paciente até agora, mas não posso suportar mais.

— Não — gemeu, assustada com a intensidade daquelas carícias, temendo que não fosse capaz de resistir a elas.

— Não lute contra o que você sente por mim, Maggie. Não lute contra mim. Seria inútil. Porque pretendo vencer. Você vai ser minha, agora.

Ela balançou a cabeça, desesperada.

— Não! Solte-me pelo amor de Deus!

— Maggie! Não tenha medo. Não vou machucá-la.

As novas e estranhas sensações que subiam pelo seu corpo deixaram-na ainda mais assustada.

— Não, eu não quero. Não quero você!

— Claro que quer! — explodiu ele.

Agarrando-a pelos ombros, falou de modo brusco e áspero:

— Olhe para mim e diga que não gosta disso... — beijou-a com ardor. — Ou disto... — os lábios desceram pelo pescoço de Maggie e não pararam quando alcançaram os seios. Com um gesto impaciente, afastou-lhe a camisola e deteve-se por segundos intermináveis em cada um deles.

Ela gemia e tremia, curvando o corpo para trás, sustentado pelas mãos dele. Não conseguiria discutir, não teria forças para pedir que parasse. Se abrisse a boca, seria para implorar a que continuasse até o fim.

Não precisou dizer nada. Essa era a resposta que ele estava esperando. Erguendo-a nos braços, levou-a para dentro.

 

Michael subiu até o quarto de hospedes e deitou-a gentilmente sobre a cama.

— Oito anos atrás, você queria que fizesse amor com você, mas teve medo de pedir — baixou a voz até que ela se tornasse um murmúrio rouco. — Faça o pedido agora.

Maggie não sabia mais o que era certo ou errado. Poderia arrepender-se pelo resto da vida, mas sabia que aquele era o único modo de chegar até ele, de saber se ele se importava com ela, ou se queria apenas companhia por uma noite. Sorriu:

— Faça amor comigo, Michael.

Inclinando-se sobre ela, Michael a despiu com pressa e agilidade, os dedos explorando cada parte daquele corpo que aparecia mais uma vez nu diante dos seus olhos.

— Oh, Michael... — ela suspirou, atraindo-o com suavidade — Não quero mais nada no mundo, além de você.

— Eu te quero também, Maggie. Nem dá para avaliar o quanto.

Seria o suficiente?, ela pensou, mas o desejo por ele apagou todas as indagações que ainda rodeavam sua mente.

— Quanto tempo esperei para tocá-la deste modo ... — sussurrou, enquanto lhe mordia o lóbulo da orelha. Maggie não pensava em mais nada, apenas reagia.

— Por favor... — gemeu com voz fraca, sem saber exatamente o que estava implorando.

Ele então passou a beijar-lhe os olhos, os lábios, o pescoço. Moveu-se para cima dela, sentindo-lhe os seios contra o peito, pernas contra pernas.

Maggie pensou, deliciada, em como os seus corpos se ajustavam perfeitamente, em como Michael parecia forte e todo-poderoso em contato com a sua fragilidade.

Michael precisava usar de todo o seu autocontrole para não possuí-la imediatamente. Queria satisfazer aquela mulher e para isso era preciso ser paciente. Jamais sentira por nenhuma outra o que experimentava em relação a ela. Jamais se importara tanto em dar prazer a alguém, como a Maggie. Queria possuí-la inteirinha, corpo e alma, e fazer-se bem-vindo dentro dela.

— Maggie, minha Maggie — murmurou, beijando-lhe os lábios.

— Sua, Michael. Sou toda sua.

Ele então afastou-lhe as pernas com uma pressão suave. No momento em que sentiu o calor daquele contato, percebeu que não poderia esperar muito mais. Beijou-a vorazmente, enquanto o corpo se movia sobre o dela.

Nesse instante, porém, Maggie foi assaltada por uma sensação de vulnerabilidade. Como um flash, lembrou-se da tortura a que Richard a submetera, e o medo ressurgiu com toda a força.

— Michael!

Olhando para ela e vendo-a assustada, ele ficou em dúvida quanto a prosseguir. Não pretendia machucá-la, só dar-lhe prazer. Queria ver o seu nome pronunciado com paixão e não com temor.

— Maggie, não tenha medo de mim.

Penetrando na profundeza daqueles olhos verdes, Maggie sentiu o medo se desvanecer automaticamente. Michael se preocupava com ela, não havia como duvidar da sinceridade dele. De repente, sentiu que podia confiar naquele homem.

— Michael, meu querido, eu te quero tanto...

Passou os braços em volta dele e beijou-o, a princípio suavemente e em seguida com paixão e desejo.

O fogo que tomava conta dele somente Maggie seria capaz de apagar. Michael havia se controlado o máximo possível, fizera um esforço sobre-humano até agora, mas não podia mais.

Maggie soltou um grito abafado e agarrou-se a ele, arranhando-lhe as costas.

— Maggie! Maggie! — seus quadris se moviam compassadamente. — Solte-se, Maggie — pedia ele com a voz entrecortada. — Não tenha medo...

— Oh, Michael, não pare. Por favor, não pare — implorava ela entre gemidos de paixão.

Michael não precisou se esforçar para atender àquele apelo e fez muito mais, arrastando-a junto com ele a limites até então inatingíveis.

Passou-se uma eternidade antes que Maggie conseguisse raciocinar normalmente. Por algum tempo, continuou flutuando preguiçosamente entre o estado de semi-inconsciência e o de profunda satisfação. Pouco a pouco foi descendo das nuvens para encontrar-se deitada ao lado daquele homem maravilhoso, sentindo-lhe a respiração quente e o braço que descansava sobre os seus seios. Um sorriso de contentamento iluminou-lhe os lábios.

Então era assim, pensava, maravilhada. Jamais suspeitara que pudesse ser tão bom. Depois disso, nada mais seria o mesmo. Deixara de ser uma menina para transformar-se numa mulher.

Michael tomara tanto cuidado com ela, fora infinitamente paciente e gentil. E terno. Deus, como poderia adivinhar que ele tivesse tanta ternura guardada dentro de si!?

— Em que você está pensando, Maggie?

— No quanto sou sábia — sorriu para ele. — De repente descobri todos os segredos do universo.

Michael ficou de lado e apoiou-se sobre o cotovelo, para observá-la melhor.

— Maggie, você nunca...

— Não — interrompeu-o. — Nunca. Você foi o primeiro.

Uma nuvem desceu sobre o rosto dele.

"Droga!", ela se lamentou. "Será que estraguei tudo?"

Embora ninguém pudesse lhe tirar a satisfação de ter sido o primeiro na vida dela, Michael dividia-se entre outros sentimentos: um, de perplexidade em relação ao idiota daquele noivo, outro, de compaixão por Maggie. Afinal, ela provara ser uma mulher ardente. Isso significava que, durante tantos anos, vira se obrigada a sublimar a própria sexualidade por causa daquele fracasso de homem.

— Maggie... Você foi maravilhosa — murmurou, enternecido.

— Eu... eu agradei você, Michael?

— Como nenhuma outra seria capaz de fazê-lo. — Acariciou lhe um dos seios. — Você foi tão espontânea, respondeu a tudo tão naturalmente...

A mão abandonou os seios e passou a se mover vagarosamente e com sensualidade sobre o estômago de Maggie. Então, inclinando a cabeça, acariciou-lhe os mamilos com a língua.

— Há quanto tempo desejei sentir o gosto da sua pele, Mag — murmurou, fazendo-a soltar um pequeno gemido. — Você é tão feminina... tão mulher... tão sexy...

Abaixou a cabeça em direção ao abdome. Maggie perdeu o fôlego ao pressentir o que ele estava por fazer. Enrijeceu o corpo involuntariamente, mas Michael continuava a abrir caminho com a língua, fazendo com que qualquer resistência da parte dela se tornasse cada vez mais fraca.

— Michael... — ainda tentou protestar timidamente.

— Você é linda, Maggie — murmurou ele, descendo cada vez mais. — Quero experimentá-la toda, saber que gosto você tem.

E à medida que se intensificava aquela carícia tão desconhecida quanto arrebatadora, Maggie contorcia-se como se estivesse agonizando. Meu Deus, o que estaria acontecendo com ela? Que sensação maravilhosa e indescritível era aquela? Sem perceber, enterrou os dedos nos cabelos dele, acompanhando-lhe os movimentos e desejosa de que aquele contato perdurasse indefinidamente. Michael tinha capacidade para despertar nela as fantasias mais absurdas, os sonhos mais inconfessáveis.

— Michael, venha — implorou com voz rouca. — Eu preciso de você agora. Dentro de mim.

Ele não se fez de rogado e penetrou-a com a fúria de um animal selvagem. Desta vez Maggie não sentiu medo. Gritou em êxtase, ao sentir-se inundada por uma onda de prazer. Nada no mundo podia se assemelhar àquela sensação.

Por vários segundos, continuaram deitados lado a lado, sem dizer nada. As palavras não conseguiriam expressar nem metade dos sentimentos dos dois. Então, Michael a puxou para perto, beijou-lhe a testa e, pouco tempo depois, adormeciam um nos braços do outro.

 

Michael acordou aos poucos. Enquanto a mente lutava para chegar à consciência, ele percebeu qualquer coisa diferente. Então compreendeu o que era: não estava sozinho.

Abriu os olhos e viu Maggie ao seu lado, ainda adormecida, o rosto apoiado na dobra do seu braço, uma das mãos descansando sobre o seu peito. Olhou para o relógio. Seis e meia da manhã.

Nunca acordara com outra pessoa na sua cama. As outras mulheres, com quem mantivera relação, sempre ficavam desapontadas ao descobrir que Michael não passaria a noite junto delas. Agora, olhando para Maggie e sentindo-lhe o calor do corpo, ele experimentava uma sensação estranha.

Para sua surpresa, entretanto, parecia a coisa mais natural do mundo ter amanhecido ao lado dela, tão charmosa com as mechas de cabelo desalinhadas e os lábios ainda trazendo as marcas dos beijos da noite anterior. Embora o lençol a estivesse cobrindo até o pescoço, ele sabia que Maggie estava inteiramente despida. Michael lembrava-se de cada detalhe daquele corpo maravilhoso e a simples recordação da noite anterior deixou-o excitado.

Poderia acordá-la para recomeçarem tudo, mas, olhando para ela e vendo-a dormir profundamente, decidiu-se contra aquela idéia.

Na noite passada, Maggie estivera solta e totalmente desinibida. Aquela experiência fora simplesmente fantástica para ele. Michel sempre encarara a relação sexual como uma liberação de energias. Jamais suspeitara que pudesse ser mais do que isso — uma fusão de corações também.

Ontem ele se importara mais com os sentimentos dela do que com qualquer outra coisa. Isso nunca lhe acontecera antes. Às suas parceiras ele se esforçava para dar-lhes prazer, apenas isso. Fazia parte do seu bom desempenho. Entretanto, não costumava preocupar-se com o lado emocional, diferente do que acontecera em relação a Maggie. Michael se preocupara com ela. Era como se a felicidade daquela mulher fosse responsabilidade dele.

Todavia, nem mesmo diante de pensamentos tão insólitos, o seu mecanismo de defesa deixava de funcionar. Possuir Maggie era uma coisa. Qualquer outra hipótese — ele não admitia sequer pensar na palavra amor — deveria ser descartada. Um envolvimento físico era algo com o qual ele se sentia capaz de lidar. Seria perigoso demais ultrapassar esse limite.

A noite passada deveria ser encarada do mesmo modo como tantas outras que haviam acontecido na sua vida. Só que Michael não se sentia capaz de pensar assim, não com Maggie ao seu lado, parecendo tão inocente e tão insuportavelmente querida.

Com cuidado, desembaraçou-se dela e saiu da cama sem perturbar-lhe o sono. Vestiu-se sem fazer o menor ruído e foi para baixo. Na sala de refeições, Délia estava justamente pondo a mesa.

— Bom-dia, sr. Curry.

— Bom-dia, Délia.

Enquanto ele se sentava, ela despejava café na xícara.

— O senhor gosta puro, já notei — comentou.

Michael devolveu-lhe o sorriso e tomou um gole.

Délia prosseguiu:

— E essa não foi a única coisa que percebi, sr. Curry.

Ele ergueu uma das sobrancelhas.

— Não?

— Quer um exemplo? Vejo muito bem como o senhor olha para Marguerite e como ela olha para o senhor.

— E como é que nós nos olhamos?

— Como se fossem as únicas pessoas na face da terra.

Michael sorriu.

— Vamos lá, Délia, pode dizer o que está pensando.

Ela se sentou diante dele e olhou-o como um médico que estuda o paciente, antes de dar-lhe o diagnóstico.

— Essa menina está apaixonada pelo senhor há oito anos. Pensei que fosse uma coisa de criança e que passaria com tempo. Mas me enganei.

— Como você pode estar tão certa disso?

— Vou explicar ao senhor. Marguerite quase se casou com o tal de Richard Martindale. Se estivesse no seu juízo perfeito, nem teria olhado para ele. Mas aí é que está: ela nunca mais foi a mesma desde que voltou de San Sebastian.

— Você tampouco me considera bom o suficiente para ela, não é, Délia?

— Ninguém é — olhou para Michael com ar crítico. — Mas acho que o senhor se aproxima mais do ideal.

Ele sorriu.

— Acho que vou tomar isso como um elogio.

— Mais uma coisa, sr. Curry: não sei quais são as suas intenções, mas, por favor, não machuque aquela criança.

— Não se preocupe. Maggie não é do tipo que se machuca facilmente — retrucou, colocando-se na defensiva. — É mais forte do que muitos que já conheci por esta vida afora.

— Sem dúvida, ela é muito forte. Tinha de ser. Cresceu sem a mãe. O coitado do pai fez o que pôde, mas ficou muito tempo lamentando a morte da mulher, em vez de dar atenção à filha. Eu e Red quando viemos trabalhar aqui, ela já estava com quatro anos. Quando a mãe morreu, não havia ninguém por perto. Pobre criança. Aprendeu a se virar sozinha.

Michael ficou surpreso ao ouvir aquela versão.

— Maggie me contou que o pai sempre fez tudo por ela.

Claro, não lhe deixou faltar nada de material. Adam Russell é um bom pai, mas não deu à filha toda a atenção que as crianças normalmente exigem. Isso fez dela uma menina independente.

Michael insistiu com uma certa impaciência:

Sejam quais forem os motivos que a levaram a ser assim, torno a dizer que Maggie é uma mulher forte. Ninguém conseguiria machucá-la.

Ninguém repetiu a outra, mas acrescentou: A não ser o senhor. E isso significa o quanto o senhor é importante para ela.

Délia, salvei a vida de Maggie por duas vezes. É óbvio que jamais a magoaria.

Não? Tem mesmo certeza disso?

Terminando rapidamente o café, ele se levantou da mesa.

Bom, vou dar uma volta por aí.

Délia apenas o acompanhou com os olhos, sem dizer nada.

 

Maggie bocejou, espreguiçou-se e então sorriu, sonolenta e satisfeita. A noite passada havia sido simplesmente... Procurou a palavra exata, sem encontrá-la. Nada poderia descrever o que estava sentindo agora, o que sentira ontem entre os braços de Michael. Tudo fora inevitável. Ela sabia que isso haveria de acontecer um dia, desde que pousara os olhos nele pela primeira vez em San Sebastian. Oito anos se passaram até que o inevitável acontecesse. E agora, finalmente...

Sorriu, pensativa, lembrando-se da sua ansiedade para agradar a ele. A princípio nem pensara nela própria. Ficara surpresa, depois assustada e, em seguida, empenhada em satisfazê-lo. Mas a medida que as carícias se sucediam, Michael fazia aflorar dentro dela uma paixão tremenda. Maggie, então, passou a agir por instinto, buscando o próprio prazer com a mesma ansiedade com que procurava agradá-lo.

Como fora tola ao pensar que o que sentira um dia por Richard pudesse ser chamado de amor.

"Estou apaixonada por Michael", concluiu serenamente.

Estou apaixonada por Michael repetiu em voz para sentir o efeito daquelas palavras.

Era verdade. Simplesmente não podia amar ninguém mais, a não ser ele.

Considerando-se que lutara contra aquilo durante todos esses anos, e o quanto lutara contra o próprio Michael, tal constatação poderia ser perturbadora. Mas não. Chegara até ela de forma simples e clara e, de certo modo, acompanhada por uma sensação de conforto.

Quando cursava a faculdade, tivera oportunidade de sair com vários rapazes, mas nunca sentira nada de especial em relação a qualquer um deles. Chegara até mesmo a pensar que era fria. Fora esse medo que a levara a ficar noiva de Richard. Queria provar a si mesma que era igual às outras mulheres, que podia sentir as mesmas coisas e experimentar os mesmos prazeres que elas descreviam tão animadas.

Mas, na verdade, Maggie só sentia alguma coisa quando sonhava com Michael. Costumava pensar nele como alguém distante e inacessível, fora da sua realidade. Agora, entretanto, sabia que ele fazia parte da sua vida. Na noite passada sentira tudo o que sente uma mulher ardente e apaixonada, coisas que, nem mesmo nas fantasias mais loucas, ela fora capaz de imaginar.

Olhou para o espaço vazio na cama, para o travesseiro que ainda trazia a marca da cabeça de Michael. De repente, lembrou-se das palavras de Lorie. Meu Deus, será que ela estava com a razão?

Teria sido maravilhoso abrir os olhos e vê-lo ao seu lado velando-lhe o despertar. Ontem, ela pensara em Michael como alguém capaz de amar verdadeiramente uma mulher. Fora tão gentil com ela, tão carinhoso durante e depois do amor... A sensação era de que, nos braços um do outro, eles se completavam não apenas física como também emocionalmente.

Talvez Michael não soubesse lidar com aquele sentimento, tentou explicar a si mesma. Talvez nunca tivesse se apaixonado até então.

Sorriu, confiante. Era preciso ter paciência com ele e dar tempo ao tempo.

 

— Bom-dia, Red.

— Bom-dia, menina — respondeu, sem parar de escovar o cavalo. — Levantou tarde hoje.

Maggie sentiu-se corar instintivamente. Ainda bem que Red estava de costas para ela. Gaguejou uma desculpa:

— Eu... bem... Fiquei acordada até tarde ontem à noite. Você viu o sr. Curry por aí?

— Claro que vi. Ele acordou muito cedo. Selou Goldie e saiu.

— Ele disse para onde estava indo?

— Não. Por quê?

Maggie havia tentado fazer a pergunta de modo casual, mas só conseguira provocar a curiosidade de Red. Parando de escovar o cavalo, ele se voltou para ela e encarou-a por um momento.

— Por nada — respondeu, erguendo os ombros, e enfiando os polegares no bolso da calça. — Bom, vou dar um giro por e ver se encontro alguma rês desgarrada.

— Faça isso, menina. — Deu-lhe novamente as costas, mas Maggie ainda teve tempo de ouvi-lo murmurar: — Encontre uma em especial.

Ela não precisou procurar muito. Foi diretamente ao local em que Michael a vira pela primeira vez quando chegara à ilha. Assim que se aproximou da enseada, Maggie viu a égua amarrada junto a uma árvore. Michael estava na água, mergulhando contra as ondas que estouravam no fundo.

Ele não a havia visto, e Maggie aproveitou a oportunidade para observá-lo à vontade. Por alguns minutos, Michael continuou a nadar, dando braçadas vigorosas e elegantes. Quando afinal saiu do mar, a pele morena adquirira uma tonalidade dourada, refletindo o sol nas gotinhas de água que se espalhavam por todo o corpo.

Ao vê-lo aproximar-se, Maggie se agitou intimamente. Olhar para ele agora e lembrar-se da noite passada deixava-a arrepiada de excitação.

Sem dizer palavra alguma, apeou e foi até ele, caminhando os poucos metros que os separavam. Só parou ao chegar bem perto, tão perto que seus corpos quase se roçaram. Então, erguendo os braços, passou-os em volta do pescoço dele e, erguendo-se alguns centímetros, beijou-lhe os lábios.

Michael correspondeu ao beijo, abraçando-a pela cintura e levantando-a do chão. Quando afinal se separaram, a blusa de Maggie estava totalmente molhada. Ela sorriu com suavidade.

— Bom-dia, Michael.

Ele devolveu o sorriso.

— Bom-dia, Maggie.

Sentaram-se na toalha que ele havia estendido sobre a areia.

— Você se levantou cedo — ela observou.

— Eu sempre me levanto cedo.

A frieza daquela resposta parecia incompatível com o calor do beijo.

— Você normalmente deixa uma mulher dormindo sozinha na sua cama?

— Maggie...

— Não, espere. Eu só estou tentando entender as suas regras, Michael. Afinal, quero aprender a jogar.

— Isso não é um jogo.

— Não? Então por que você ficou tão ansioso para fugir, quando tudo terminou?

— Droga! — ele explodiu. — Não estou acostumado a dormir com uma outra pessoa. — Parou de repente, consciente que havia se exposto mais do que gostaria. Praguejou baixinho novamente.

Ela sorriu, compreensiva. Afinal, já era um começo. Um dia ele haveria de se abrir totalmente. A noite passada, Maggie descobrira que Michael nutria um sentimento forte por ela. Agora, acabava de descobrir que era preciso fazê-lo admitir isso.

Olhando para ele, percebeu que o rosto voltara a ser a máscara impenetrável de sempre. Bem, o jeito era forçá-lo a perder todo aquele autocontrole. E ela sabia como.

— Belo dia para um mergulho — disse. — Acho que vou me juntar a você. — Tirou as botas e as meias e então se levantou para começar a desabotoar a blusa. De relance, percebeu que os olhos de Michael seguiam com interesse os seus movimentos.

Deixou a blusa cair na areia e desceu o zíper da calça de brim. Enquanto isso, Michael parecia acender-se ante a visão dos seios, que surgiam brancos em contraste com o resto do corpo.

Apenas um pequeno triângulo de rendas cobria o corpo de Maggie. Deteve-se, indecisa. Havia começado esse strip-tease com a intenção de provocá-lo. Só que agora o feitiço se voltava contra o feiticeiro. Sem muita prática no jogo da sedução, ela estava sem saber como prossegui-lo.

— Deixe que termino por você — Michael murmurou, colocando-se de joelhos.

Intrometendo os dedos no elástico que circundava os quadris, ele desceu a calcinha de Maggie, deixando-a totalmente nua à sua frente. Ela continuou em pé, trêmula e ansiosa, o rosto de Michael a apenas alguns centímetros do seu corpo. Então, segurando-a firmemente pelos quadris, ele a atraiu para perto e ficou abraçado a ela, sentindo-lhe a maciez da pele.

As mãos de Maggie pousaram automaticamente sobre os ombros dele, como a buscar o equilíbrio roubado por aquela sensação atordoante.

— Não — murmurou, sentindo a língua que lhe acariciava o abdome.

— Sim — retrucou ele.

Maggie fechou os olhos e arqueou o corpo para trás, abafando um gemido quando Michael encontrou o que estava procurando.

— Oh... — suspirou, extasiada, diante daquela intromissão ousada e erótica.

— Isto é só o começo — murmurou ele, fazendo-a deitar-se sobre a toalha.

Amaram-se ali mesmo, com loucura e paixão. A ilha de Santa Rita era o próprio paraíso e eles os seus únicos habitantes.

Ficaram algum tempo em silêncio, exaustos e ofegantes, deitados de costas e olhando para o céu. "Eu te amo, Michael", ela dissera minutos antes, no auge da excitação.

Agora esperava poder ouvir a mesma frase dos lábios dele. Aguardou um minuto... dois... três.

— Que tal um mergulho? — Michael perguntou alegremente.

Maggie suspirou, resignada, e o seguiu até a água.

 

Naquela noite, o pai de Maggie telefonou.

Como está, princesa?

Bem, papai.

Pausa do outro lado da linha.

Tem certeza? ele insistiu, meio hesitante. A sua voz está estranha.

Estou apenas cansada. Trabalhei muito hoje. Decidida a desviar o assunto, perguntou: Como está a irmã de Anne?

Ah, Sherry está ótima. A gravidez estava apresentando uma pequena complicação e o médico optou por fazer uma cesariana. Ela e o bebê estão passando bem.

Fico contente. Imagino que Anne esteja aliviada.

É, ela ficou muito nervosa. Mas agora está tudo ótimo — Fez uma pausa e acrescentou: Estaremos de volta daqui a dois dias, mais ou menos.

Que bom. Estou com saudades, papai.

Eu também, querida. Por falar nisso, Anne está lhe mandando um beijo.

— Dê-lhe lembranças minhas.

E Michael, como vai? Espero que não esteja entediado.

Não, acho que não respondeu, afetando naturalidade. — Há muitas coisas para se fazer por aqui.

— Ele mencionou algo sobre a expedição àquelas ruínas?

— Não, nem chegamos a tocar no assunto.

— Bem, espero que ele ainda mude de idéia a respeito, é muito importante para mim.

Maggie não respondeu. Tinha certeza de que Michael se manteria irredutível naquele ponto, mas não estava disposta a decepcionar o pai, dizendo-lhe tal coisa.

— Vou desligar, Marguerite. Preciso ir à maternidade, visitar Sherry. Até logo, querida.

— Cuide-se bem, papai.

Desligou e foi até o guarda-roupa. Procurou algo bem alegre para vestir e encontrou o vestido azul-claro que há tempos não usava e que costumava cair-lhe muito bem, valorizando o bronzeado e o loiro dos cabelos. Depois de pronta, mirou-se no espelho. Era um tomara-que-caia insinuante e com uma fenda na parte posterior, que lhe deixava boa parte das pernas à mostra conforme o andar. Calçou as sandálias azul-marinho de salto alto e aplicou um brilho nos lábios. O traje fora escolhido para elevar o seu moral, mas o efeito não fora o esperado. Os olhos continuavam apagados e os cantos dos lábios pareciam ligeiramente caídos.

Não era de se admirar que Adam houvesse notado alguma coisa de estranho na sua voz. Estava deprimida, de fato, e a razão era uma só: amava Michael e, ao que tudo indicava, aquele sentimento não era totalmente correspondido.

Ele a desejava, isso era óbvio. E sentia alguma coisa por ela, isso também estava claro. Só que Maggie não sabia exatamente o quê. Como adivinhar, se ele nunca se abria e nunca deixava transparecer o que estava pensando? Não parecia ter a menor vontade de dividir com ela as suas emoções mais íntimas. Por isso, Maggie só podia deduzir que o que ele sentia em relação a ela não era algo tão forte a ponto de balançar aquelas defesas tão bem estruturadas.

"Bem, ainda tenho mais uma noite a sós com ele", pensou. "Talvez eu consiga fazer alguma coisa. Vou-me esforçar para isso. Preciso saber o que Michael sente por mim, ou vou acabar ficando louca."

Erguendo os ombros com determinação, respirou fundo e saiu do quarto.

Durante o jantar, simples mas delicioso, a conversa girou em torno de temas superficiais. Maggie contou que Anne e o pai logo estariam de volta e percebeu que, por um momento, os olhos dele se entristeceram. Entretanto, Michael não fez nenhum comentário a respeito.

"Você guarda os seus sentimentos como se fossem ouro", Maggie pensou. "Mas vou conseguir chegar até eles, Michael Curry. Mais cedo do que pensa."

Depois de saborearem a salada de frutas, que Delia preparara como sobremesa, os dois se levantaram e foram tomar o cafezinho no escritório. Quando terminou, Michael colocou a xícara sobre a mesa de centro e foi até a estante de livros. Percorreu os olhos sobre os diversos volumes relacionados com arqueologia e parou numa prateleira.

— Hum, Agatha Christie, Dorothy Sayers, P. D. James... — Olhou para Maggie e comentou: — Alguém nesta casa adora livros de mistério.

— Sou eu.

Michael retirou um volume da estante e leu o título.

— Assassinato no Oriente Expresso. — Olhou novamente para ela e sorriu. — Não pensei que gostasse de violência.

— Detesto. O que eu gosto nesse tipo de leitura é o suspense, o quebra-cabeça, o que está por trás de cada pessoa. — E concluiu em pensamento: "Você, Michael Curry, é mais interessante do que qualquer quebra-cabeça. E juro que vou desvendar o seu mistério."

Ele tornou a colocar o livro na estante e voltou para o sofá.

— Do que mais você gosta, Maggie, além de livros de suspense?

— Comédias italianas, mobília antiga e política nacional. E você, Michael?

Ele pensou por um momento.

— Acho que gosto de coisas que nunca saem da moda.

— Por exemplo...

— Jazz, xadrez... honestidade.

— Honestidade? — "Era só o que me faltava ouvir", com ironia. "Um espião falando que gosta de honestidade."

Michael sorriu e continuou:

— Eu gosto da sua honestidade, Maggie. — Quando ela arqueou uma das sobrancelhas, surpresa, ele se apressou em explicar. — Você é totalmente transparente. Não consegue mentir nem para salvar a própria vida. Seus sentimentos estão escritos na sua testa. Por exemplo: hoje você está louca da vida comigo. Por quê?

Maggie não podia chegar a ele e confessar: "Porque você não me ama." Seria ridículo e um tanto humilhante admitir que aquilo era tão importante para ela.

Encontrou o olhar de Michael.

— Você gosta de jogar, Michael Curry?

Pela primeira vez, ela parecia ter conseguido pegá-lo de surpresa. Ele levantou uma das sobrancelhas, sem entender.

— Às vezes. Por quê?

— Então vamos fazer uma aposta. Estou desafiando você para uma partida de xadrez. Aquele que vencer terá o direito de fazer perguntas ao outro.

— Qualquer pergunta?

— Qualquer pergunta — Maggie confirmou. — Mas a pessoa tem de ser honesta nas respostas. — Fez uma pausa e perguntou: — Como é, concorda?

Michael ficou refletindo um instante e então perguntou:

— Você é boa no xadrez?

— Sou cobra — respondeu. — Meu pai me ensinou quando eu ainda era criança.

Ele sorriu com ar de apreciação diante daquele desafio sutil.

— Então vamos lá. — Quando se moveram para a mesa onde estava o tabuleiro, Michael advertiu: — Mas fique pronta para me dizer sem rodeios por que está zangada comigo.

— Quanta confiança, sr. Curry.

— É que conheço a minha habilidade no xadrez. Prepare-se.

Maggie pegou uma peça branca e outra preta, escondeu-as nas mãos e virou-se para ele com os braços estendidos e as mãos fechadas.

Michael apontou a mão direita. Ela abriu os dedos e a peça branca surgiu diante dos olhos deles. Isso significava que ele teria a vantagem de começar o jogo. Michael não sorriu, mas trazia um brilho divertido nos olhos.

A partida foi iniciada. Depois de quatro ou cinco lances, nada parecia definido. Os adversários apenas se estudavam.

— Eu diria que até aqui estamos empatados — Maggie comentou após alguns minutos de jogo. — Mas me parece que estou levando uma pequena vantagem. Você é um bom perdedor, Michael?

Sem olhar para ela, ele respondeu:

— Não sei. Nunca perdi até hoje.

Foi então que Maggie compreendeu que estava em apuros.

Sabia que não poderia se dar ao luxo de cometer o menor deslize, porque Michael não daria a ela uma chance para se recuperar. Tratou de se concentrar e estudar as melhores jogadas de ataque.

— Cuidado com a sua rainha — Michael alertou-a em certo ponto.

Ela moveu a peça para fora do alcance do cavalo dele, mas logo percebeu que fora precipitada. Com um bom lance de torre, Michael acabou por deixar a sua rainha sem saída. Sem outra alternativa, Maggie viu-se obrigada a trocá-la pela torre.

— O xadrez é um jogo de conquistas — observou ele ao tomar-lhe a rainha com o cavalo. — É como na guerra: vence aquele que tiver a melhor estratégia.

Maggie não respondeu. Embora agora estivesse em franca desvantagem, lutaria com todas as suas forças para vencer aquele desafio. Uma certa tensão preencheu o ar. Cada lance concluído depois de muita demora. Maggie procurava pensar e usar todo o seu poder de concentração para atacar sem desproteger as suas peças. Agora a partida adquirira contornos dramáticos. Ela não podia perder, não podia!

— Você joga muito bem, Maggie — comentou ele a uma certa altura. — Mas não é boa o suficiente para mim.

— Ah, não? — Moveu o cavalo e tomou-lhe a rainha. Sorriu triunfante, e ergueu o rosto para ele, mas o sorriso logo desapareceu dos seus lábios. Michael movera o bispo em direção ao seu rei.

— Xeque-mate — concluiu ele secamente.

Os olhos de Maggie desceram para o tabuleiro e lá ficaram atônitos e incrédulos diante daquele final tão abrupto quanto inesperado.

— Você se precipitou naquela jogada — explicou ele, sem intenção de se vangloriar. Falava com a serena confiança dos vitoriosos.

Ela se levantou e, olhando irritada para ele, explodiu:

— Vamos logo, faça a sua pergunta e acabemos de uma vez com isso.

Michael também se levantou e encarou-a com tranqüilidade.

— Não tenho nada a perguntar, Maggie. Acho que sei por que você está nervosa comigo. Não preciso da sua confirmação.

Ela engoliu em seco diante daquela humilhação. Tentara vencer o jogo para não admitir o quanto estava desesperada para ouvi-lo dizer que a amava. E ele sabia das suas intenções desde o início.

Aquilo era demais! Michael entrara na sua vida para virá-la pelo avesso. Destruíra todos os planos que ela fizera em relação ao futuro. Impedira-a de amar outro homem a não ser ele próprio. Tudo isso, sem dar a Maggie a menor indicação do que sentia por ela. E, ainda por cima, divertia-se a suas custas.

Segurando o choro, ela lhe deu as costas e saiu do escritório. Subiu a escada em direção ao quarto, mas ouviu os passos de Michael logo atrás. Não esperou por ele. Entrou no quarto e bateu a porta. Uma porta fechada, todavia, não era empecilho para Michael.

— Fora daqui! — ordenou ao vê-lo entrar sem a menor cerimônia.

Depois de girar a chave na fechadura, ele se voltou para ela.

— Venha cá, Maggie.

Ela balançou a cabeça.

— Imagino que você esteja achando tudo muito divertido, Michael. Muito mais divertido do que há oito anos. Bem, eu não estou aqui para ser motivo de riso. Quero você fora do meu quarto, da minha casa e, principalmente, da minha vida!

Ele caminhou na direção dela. Embora começasse a tremer por dentro, Maggie procurou demonstrar firmeza. Quando Michael tentou abraçá-la, ela se desviou. Mas era inútil: ele era muito mais forte.

— Pare com isso, Maggie! Por que você está lutando comigo!

Mas ela não conseguia raciocinar direito. Tudo em que podia pensar agora era que se entregara a ele sem defesas, para vê-lo permanecer frio e distante.

— Vá embora! Deixe-me em paz! Não acha que já fez o suficiente?

— Não. — Prendeu-lhe as mãos nas costas e beijou-a.

Maggie não queria responder, só que o corpo não obedeceu às ordens da mente. Fechou os olhos sentindo-se mergulhar num abismo sem fim.

Quando os lábios de Michael finalmente deixaram os dela.

Maggie lutou para recuperar o autocontrole.

— Maggie — sussurrou. — Você não sabe que te amo?

Ela abriu os olhos devagar e fixou-os nos dele. Então um sorriso de prazer iluminou-lhe o rosto.

— Como poderia? Você tomou todo o cuidado para não deixar transparecer nada.

— Você quer que eu diga novamente?

— Quero — confirmou em voz baixa, contendo-se para não explodir de tanta felicidade.

— Não sou muito bom com as palavras, Maggie, mas se elas são tão importantes para você, então ouça: eu te amo desde que você era uma menina de dezesseis anos. Uma menina irritante e teimosa, devo acrescentar. Nunca deixei de pensar em você. Quando seu pai me escreveu, larguei tudo pela oportunidade de vê-la novamente. Vim apenas por sua causa, Maggie. Fiquei aqui até agora por sua causa. Quase matei aquele idiota do Martindale apenas por sua causa. Estou louco por você, Maggie. Eu te quero. Eu te amo. Isso já é suficiente?

Ela sorriu.

— Mais do que o suficiente.

— Ótimo. Porque quero transformar essas palavras em ação agora mesmo.

Ergueu-a nos braços e carregou-a para a cama. Num segundo despiu-a e inclinou-se para ela.

— Você está me devendo algo por ter perdido aquela partida.

— Ah, é? E o que você tem em mente? — Maggie perguntou com ar de malícia.

Sem dizer nada, ele levou-lhe uma das mãos até os botões camisa. Como a sentisse hesitar, pediu com a voz rouca desejo:

— Tire as minhas roupas, Maggie. Quero os nossos corpos juntos, pele contra pele.

Devagar, ela começou a desabotoar-lhe a camisa. Quando chegou ao último botão, ergueu as mãos e afastou o tecido ombros, fazendo aparecer o tórax bronzeado e coberto de pêlos negros e macios.

Michael acabou de tirar a camisa, jogando-a no chão ao lado da cama.

— Continue — sussurrou, levando-lhe a mão ao zíper da calça.

Maggie obedeceu e, auxiliada por ele, livrou-o do resto das roupas. Deitaram-se bem juntos, saboreando a delícia do contato de seus corpos nus. Pele contra pele, como Michael propusera no início.

Com movimentos impregnados de sensualidade, Maggie começou a acariciá-lo, explorando e se detendo em cada músculo. Os lábios seguiam a trilha deixada pelos dedos. Os ombros largos, o tórax, o abdome, a cintura... Era com uma gloriosa sensação de poder que ela ouvia os gemidos roucos provocados pelas suas caricias.

Quando Michael sentiu os lábios dela descerem abaixo da cintura, gemeu mais forte e fechou os dedos na pele macia daqueles ombros tão pequenos e delicados.

— Assim, Maggie... Isso, meu amor... — orientava de olhos fechados no auge da excitação.

Até que não pôde mais suportar. Fez com que ela se erguesse e se colocasse sobre ele. Auxiliada pelas mãos de Michael à sua cintura, Maggie imprimiu um ritmo cada vez mais rápido aos seus movimentos, os gemidos se misturando aos dele, à medida que pressentiam a chegada do momento culminante.

— Eu te amo, Michael! — gritou ela em êxtase.

— Maggie, Maggie... Eu te amo tanto..."

 

Tarde da noite, muito depois de terem apagado as luzes e adormecido um nos braços do outro, Maggie acordou sobressaltada.

— Michael!

Ele abriu os olhos imediatamente e olhou para aquele rosto assustado.

— Maggie, o que foi? Você está tremendo!

— Foi horrível! Eu estava numa selva. Tudo tão escuro, que não conseguia enxergar nada. Só sentia os galhos das árvores se enroscando no meu corpo, como se fossem garras. Chamei você, mas você não veio...

— Pronto, já passou — murmurou ele, abraçando-a. — Foi só um pesadelo, acalme-se. Agora estou aqui bem perto de você. Não há nada a temer, nada.

Mas aquele medo sem sentido custou a desaparecer e o dia amanheceu, encontrando-a deprimida e angustiada.

 

Pela manhã, Maggie e Michael foram de barco até Santa Bárbara. Maggie telefonara antes para Lorie, avisando-a de que apareceria para devolver o vestido, com as alças devidamente costuradas. Sentindo que ela preferiria ficar sozinha com a amiga, Michael sugeriu que ambos voltassem a se encontrar mais tarde no centro da cidade, quando então poderiam almoçar juntos.

Depois de conversarem sobre banalidades, Maggie decidiu contar a Lorie que o noivado com Richard estava desfeito. Não tinha sentido esconder o fato da sua melhor amiga, embora lhe custasse um pouco falar a respeito. No rosto de Lorie estampou-se em primeiro lugar a surpresa, depois o alívio.

— Apenas uma briguinha de namorados, ou o rompimento é definitivo?

— Mais do que definitivo. Eu... bem, acho que nunca o amei de fato. Estive me enganando esse tempo todo.

— E quando Michael Curry apareceu, a verdade veio à tona dentro de você — Lorie completou, sorrindo com amargura. Maggie não disse nada e ela então prosseguiu: — Ei, não é preciso ser muito esperta para saber que foi isso. Só que acho que você foi louca jogando fora alguém como Richard por alguém que você só conhece através de sonhos e fantasias. Richard poderia ter-lhe dado tudo: segurança, posição social, tudo o que uma garota sempre sonha.

— Não ligo para essas coisas.

Lorie balançou a cabeça, admirada.

— Eu sei. É isso o que faz de você uma mulher diferente, afinal de contas. Eu ligo para essas coisas, Maggie. Deus, estou cansada da vida de solteira, de dormir com rapazes diferentes, de ficar tentando arranjar companhia para sábado à noite, batalhar naquela butique para ter uma droga de salário no final do mês.

A amargura na voz de Lorie pegou Maggie de surpresa.

— Sempre pensei que você gostasse da sua vida. Você é mulher independente, rodeada de admiradores e ganha um salário até que razoável para quem vive sozinha.

— Tudo isso é verdade, mas aí é que está: cansei de viver sozinha. Todas as minhas amigas estão se casando. Eu seria hipócrita se dissesse que isso não me afeta.

— Mas você sempre repudiou a idéia do casamento.

Lorie sorriu.

— Todas dizem isso aos dezoito anos. Mas aos vinte e nove a coisa muda de figura. Deixe que eu lhe diga uma coisa, Maggie. E não ria. Estou louca para participar das reuniões do Rotary Club. Não vejo a hora de poder tomar chazinho com as madames, falar de filhos e dos preços do supermercado. Quero jogar bridge uma vez por semana e oferecer jantares na minha casa uma vez por mês.

Maggie não podia acreditar no que ouvia.

— Lorie, é você mesma?

Viu a outra dar risada.

— Sou. Só quero ter um lar, filhos e um marido que me leve a Paris para comemorar o nosso aniversário de casamento. É difícil entender isso?

Maggie sorriu, compreensiva. Embora os seus conceitos em relação ao casamento fossem diferentes dos da amiga, ela também tinha lá as suas expectativas. Depois de tudo o que acontecera entre ela e Michael, não conseguia mais imaginar-se com a mesma vida de antes. Queria casar-se com ele, dar-lhe filhos... Esse pensamento foi saudado por uma sensação de alegria.

— E lhe digo mais — Lorie prosseguiu: — Richard é o meu príncipe encantado.

Maggie ficou indecisa se contava ou não a ela o que se passara naquele dia, quando Richard quase a violentou. Mas não, não valia a pena. Apaixonada como estava. Lorie nem acreditaria.

— Quer dizer que, no que lhe diz respeito, ele está livre e desimpedido? — Lorie perguntou.

— Completamente. Mas escute. Lorie...

— Nada de mas, minha querida. Não preciso escutar mais nada. Vou atacar esse homem com todas as armas do meu vasto arsenal.

— Lorie, ele...

— Eu sei, você deu o fora nele. Richard ainda está apaixonado. Mas não me importo. Aceito o que ele estiver em condições de me dar. Serei paciente, oferecerei o meu ombro e vou ajudá-lo a juntar os pedaços. Uma vez me afastei do caminho para dar-lhes passagem. Se vocês tivessem se casado, eu não faria absolutamente nada, juro. Mas agora vou lutar com tudo o que tenho, até consegui-lo. Eu o amo, Maggie, desde que o vi pela primeira vez. E vou fazê-lo feliz, nem que morra tentando:

Maggie olhou para a velha amiga. O que mais poderia dizer? Que havia um lado violento em Richard que ela não conhecia? Já que Lorie o amava tanto, provavelmente nunca chegaria a conhecer aquela faceta do príncipe encantado, uma vez que não daria a ele motivos para sentir ciúme. Além do mais, Maggie estava convencida de que aquele episódio desagradável jamais tornaria a acontecer. Richard não era de temperamento agressivo e Maggie tinha certeza de que a essa altura ele devia estar morto de vergonha e de remorso.

— Vamos para a cozinha, enquanto preparo um cafezinho para nós — Lorie sugeriu, toda feliz.

— Sinto muito, não vai dar, querida. Fiquei de me encontrar com Michael no centro para almoçarmos juntos.

— Nesse caso, não serei eu quem vai atrasá-la. — Caminhando até a porta, Lorie ainda procurou certificar-se de que não estava sonhando. — Maggie, se as coisas derem certo, isto é, se conseguir conquistá-lo, você tem certeza de que...

— Ficarei muito feliz por vocês — tranqüilizou-a com sorriso.

Lorie abraçou-a afetuosamente e as duas se despediram, prometendo telefonarem-se com mais freqüência.

Maggie estava prestes a entrar no carro quando ouviu alguém chamar o seu nome. Voltando-se, na direção da voz, viu que Richard vinha apressado ao seu encontro. Por um momento ela entrou em pânico. Mas logo compreendeu que não havia razão para tal. Do modo como estava, Richard não intimidaria nem uma mosca. O rosto pálido e abatido era indício de noites maldormidas. Os ombros caídos evidenciavam um cansaço que não era físico. Maggie estava frente a frente com a própria imagem do desânimo.

— Liguei para a sua casa, mas me disseram que você estava na cidade. Vim até aqui na esperança de encontrá-la... Maggie eu... Oh, Deus, será que você pode me perdoar? Não sei o que deu em mim para tratá-la daquele modo. Como pude ser tão desprezível? Por favor, Maggie, me perdoe.

— Está tudo bem, Richard — ela respondeu, tentando acalmá-lo. A situação não podia ser mais constrangedora para ambos. Olhando para aquelas feições abatidas, Maggie compreendeu que tudo estava superado. Não sentia medo ou raiva, só pena, muita pena.

— Não podemos conversar? — pediu ele. — Temos tanto a discutir... Sei que, assim que você me ouvir, vai compreender que tudo pode voltar a ser como antes. Dê-me uma chance, Maggie.

Richard, por favor... Sinto muito, mas está tudo acabado. Não pense que digo isso apenas por causa daquele... incidente. — Continuou, escolhendo bem as palavras e procurando não magoá-lo. — Compreenda, Richard, tudo acabou há muito tempo. Não nascemos um para o outro, você precisa encarar a verdade. Não estávamos nem sequer casados e você já tinha planos para me transformar na esposa com a qual sempre sonhou. Só que jamais poderia me enquadrar nesse modelo. Nossos anseios e expectativas são opostos, será que você não vê isso? Nunca daria certo.

Ele ergueu uma das mãos e tocou-lhe o rosto.

— Talvez você tenha razão — reconheceu. — Mas eu te amo, isso você não pode negar.

— Amor é essencial, mas não basta, Richard. Existem outras coisas a ser levadas em conta.

— Eu sei — suspirou e encolheu os ombros. — Ainda assim, será que posso ter esperanças?

— Richard, quero que saiba que gosto muito de você e que vou torcer pela sua felicidade. Mas não espere mais nada de mim. — Abriu a bolsa e tirou de dentro o anel de noivado. — Tome. Eu ia mesmo devolvê-lo a você.

— Não o quero de volta, Maggie.

— Pegue o anel, por favor, Richard. Não tem o menor sentido eu guardar uma jóia tão valiosa. Ela não tem mais o significado de antes. — Colocou o anel na mão dele e, olhando-o diretamente, confessou: — Tenho que pedir desculpas também, afinal tentei usá-lo para esquecer Michael. Isso não foi justo.

— E agora? O que vou fazer sem você, Maggie?

Ela sorriu ternamente e apontou na direção da casa de Lorie.

— Acho que ali você pode encontrar uma xícara de chá e muita simpatia. Adeus, Richard. — E entrou no carro, deixando-o na rua, olhando para ela de modo tristonho.

Michael gostava da atmosfera de Santa Bárbara. A arquitetura espanhola e os telhados vermelhos, aliados à beleza da ilha, davam um ar aconchegante ao lugar. Mas a mente de Michael estava apenas parcialmente ligada ao cenário. Maggie dominava os seus pensamentos.

Fora uma decisão consciente possuí-la fisicamente. Não estava dentro dos seus planos, pelo menos no nível racional, apaixonar-se por ela. Mas acontecera exatamente isso. No fundo, sabia que começara a amá-la há oito anos, embora a sua mente não tivesse acordado para o fato. Como fora tolo, tentando enganar-se durante tanto tempo. Ela não lhe saíra da cabeça nem um instante sequer e, se ele fosse mais esperto, teria reconhecido logo aquele sintoma.

Maggie havia conseguido furar as suas defesas tão bem construídas e ele jamais seria o mesmo depois disso. Graças a ela, sentimentos que Michael julgava mortos renasceram com todo o ímpeto. Como era maravilhoso sentir-se assim. Como amava aquela mulher! A felicidade de Maggie seria a única coisa com a qual ele se importaria dali para a frente.

Sentia-se como alguém que, após anos de invalidez, torna a dar os primeiros passos. E tudo graças àquela jovem forte, voluntariosa e decidida. Ah, Maggie querida!

A pergunta agora era: o que fazer em relação a isso? Suas férias estavam prestes a se acabar. O pai dela logo estaria de volta. E como ficariam as coisas? Havia decisões a ser tomadas, vários rumos a ser seguidos! Qual deles seria o melhor? Maggie aceitaria sair de Santa Rita, que ela tanto amava, para viver com ele em San Sebastian? E ele? Será que estava disposto a voltar ao emprego e à vida de sempre?

Embora não tivesse certeza de nada, uma coisa era definitiva: de agora em diante, Maggie Russell tinha de ser parte da vida dele.

Andando ao acaso, Michael viu-se em frente a uma joalheria. Chegou diante da vitrina e instintivamente concentrou a atenção nas alianças. Os modelos eram variados, mas ainda assim pomposos demais. O anel que Martindale dera a Maggie parecia deslocado entre os dedos dela. Ela merecia algo mais de acordo com a sua simplicidade tão cativante. Uma jóia fina, claro, porém leve e delicada.

Então lembrou-se de algo que vira no mercado de Jacinto, a capital de San Sebastian. Um ourives nativo, homenzinho velho e enrugado, costumava expor ali anéis e braceletes do mais puro ouro, jóias de um trabalho simples, mas ainda assim perfeito. Era um daqueles anéis que Michael queria ver no dedo de Maggie.

Enquanto caminhava na direção do restaurante onde combinara encontrar-se com ela, ele pensava em como e quando dizer-lhe que a queria como esposa.

 

Depois do almoço, Maggie convidou Michael para um giro pelos principais pontos da cidade. Servindo de guia, ela lhe mostrou não apenas as vistas mais bonitas como também todos os locais que, de um modo ou de outro, tiveram alguma importância em sua vida.

Quase no final da tarde, ela o levou ao campus da Universidade de Santa Bárbara. Quando se dirigiram para um rochedo onde se via o oceano, Michael comentou:

— Este lugar parece mais uma estância de veraneio do que uma escola. Como alguém consegue estudar aqui? Ou eles apenas dizem "ao diabo com tudo" e passam o tempo todo praticando surfe?

Maggie deu-lhe uma pancadinha no braço.

— Você está com inveja porque o Novo México não tem praia.

Ele sorriu.

— Você tem toda a razão.

Alguns estudantes passaram por eles, carregando livros e conversando sobre as aulas. Outros estavam deitados na grama, lendo ou simplesmente tomando sol. Casais de namorados passeavam de mãos dadas.

Olhando para aqueles estudantes e depois para Michael, Maggie pensou em como ele fazia todos os outros parecerem crianças.

Sentaram-se na grama e ela disse com ar pensativo:

— É engraçado, mas, quando estive aqui como aluna, eu me julgava uma pessoa madura. Pensei que conhecesse muito a respeito da vida.

— E agora?

Ela sorriu.

— Agora compreendo que não conheço quase nada. Como eu era ingênua. Quando me formei, concluí toda orgulhosa: "Pronto, não tenho mais nada para aprender." Afinal, eu havia estudado História da Arte e Literatura Francesa. Sabia conjugar verbos em francês e reconhecer um Van Gogh. Mas a verdade é que o pouco que sei a respeito da vida aprendi naquelas duas semanas em San Sebastian — olhou para Michael. — Com você.

Michael encontrou-lhe o olhar e então disse em voz baixa.

— Sabe o que pensei a seu respeito oito anos atrás?

— Você já disse: que eu era uma menina teimosa e irritante.

Riram-se.

— É verdade — reconheceu ele. — Mas apenas a princípio. Logo compreendi que você era a menina mais corajosa entre todos os adultos que eu conhecia. Corajosa e incrívelmente bonita.

Aproximou-se mais e passou os braços em volta dela.

— Você conseguiu ficar mais bonita agora, Maggie.

Ela engoliu em seco diante do impacto daquele olhar tão intenso. Michael tinha o poder de enfraquecer-lhe o corpo, de sugar-lhe todas as energias.

Desejou que estivessem num local mais isolado, longe daquelas pessoas. Porque, naquele momento, ela queria ser novamente dele. Desejava-o com uma paixão renovada e ainda mais louca.

— Vamos sair daqui, Maggie — ele propôs como se lhe tivesse lido os pensamentos.

Sem dizer nada, ela se levantou e os dois caminharam de mãos dadas de volta para o barco.

Uma vez fora do porto, Michael ligou o piloto automático. Desceram para a cabina e ali, no mesmo beliche estreito em que a despira uma vez, ele a tomou entre os braços, e amaram-se até a mais completa exaustão.

 

Adam e Anne retornaram na manhã seguinte.

— Desculpem-me por não ter podido dar-lhe a atenção que você merece — foi a primeira coisa que Adam disse a Michael. Depois de ter abraçado a filha afetuosamente.

— Não há necessidade de se desculpar — Michael retrucou polidamente.

— Por sorte, as novidades são boas. Anne está louca para mostrar-lhes as fotos do sobrinho — tornou ele com um sorriso indulgente.

— Bem, você mesmo admitiu que ele é um bebê muito bonito. — Anne justificou-se, sorrindo também.

Os quatro estavam no escritório e, sentando-se ao lado da madrasta, Maggie começou a ver as fotografias.

— Elas foram tiradas na maternidade — Anne explicou. — Sherry vai continuar internada por mais alguns dias, até convalescer completamente. — Enquanto Maggie admirava as fotos Anne prosseguia, orgulhosa: — Quase quatro quilos, imaginem só. Ele é enorme para um bebê prematuro: cinqüenta centímetros. Meu cunhado já está dizendo que o filho dará um excelente jogador de basquete — concluiu, sorrindo de satisfação. A primeira vista, qualquer um poderia dizer que a mãe era ela.

Maggie surpreendeu-se sentindo pena da madrasta. Nunca lhe ocorrera que Anne pudesse lamentar o fato de não ter tido filho. E ela, como enteada, deixava muito a desejar. Afinal de contas, o único sentimento que demonstrava pela mulher do seu pai era o de uma mal disfarçada tolerância. Pobre Anne, pensou com uma ponta de remorso.

Desviou o pensamento e se concentrou no diálogo que se desenrolava.

Escute, Michael dizia Adam —, eu detestaria pressioná-lo, mas você chegou pelo menos a pensar naquela proposta? perguntou, referindo-se à expedição.

Sinto muito, Adam, mas não mudei de idéia quanto a ser o seu guia em San Sebastian. Se você se recorda, eu disse que considero essa expedição uma viagem suicida.

A expressão do outro endureceu.

E eu disse a você o quanto isso é importante. Para mim, para a ciência e para o mundo. O que é isso, homem, será que não vê que essa é uma oportunidade única?

A única coisa que vejo é o perigo de nos embrenharmos nas selvas de San Sebastian. Maggie deve ter lhe contado o que passamos naquelas duas semanas.

Claro que contou, mas ela era uma criança na época e as circunstâncias eram outras. Havia uma revolução em andamento. Hoje o país está em paz.

Paz? Os guerrilheiros nacionalistas tomam conta de um quarto do país Michael retrucou asperamente.

Ora, esse é um pequeno risco...

Se você tivesse a menor idéia do que se passa por lá não consideraria os riscos tão pequenos assim.

Uma sombra obscureceu o semblante de Adam. Maggie, que o conhecia muito bem, sabia que aquilo era prenúncio da fúria que estava prestes a explodir. Sentiu o estômago se comprimir, enquanto a tensão tomava conta do ambiente.

Como eu estava dizendo Adam prosseguiu, procurando controlar-se —, não existem riscos, quando se trata de uma descoberta científica desse porte.

— Isso para você, não para mim. Arrisquei a minha vida naquela selva por causa de Maggie, mas não moverei uma palha para satisfazer o seu ego.

Um silêncio ameaçador desceu sobre eles. Maggie olhou de um para outro e, com lágrimas nos olhos, compreendeu que estava tudo acabado. Era o fim daquele romance idílico na ilha de Santa Rita.

— Se você está com medo — Adam tornou a falar com voz fria —, então esqueça. Preciso de alguém com coragem o suficiente para passar por cima de eventuais riscos.

Michael fuzilou-o com o olhar. Se qualquer outro homem o houvesse chamado de covarde, Maggie sabia que ele teria partido para a agressão física. Só estava se controlando por sua causa.

— Vou fazer as malas imediatamente. Seria inconveniente pedir que a lancha me levasse até Santa Bárbara daqui a meia hora?

— Não! — Maggie sussurrou em tom inaudível.

Anne, que estava ao lado dele, ouviu aquele monossílabo desesperado e levantou-se imediatamente, colocando-se entre Michael e o marido.

— Por favor... Acalmem-se vocês dois. Isso é ridículo.

— Sinto muito, sra. Russell. — Michael desculpou-se. Mas fez questão de demonstrar que pedia desculpas a ela, não a Adam. Este se mantinha num silêncio irredutível.

— Michael, você é nosso convidado — Anne começou.

— E agradeço muito pela hospitalidade. Mas já está na hora de ir-me embora. Minhas férias terminam daqui a dois dias.

"Dois dias!" Maggie olhou para ele, incrédula. E Michael não fizera a menor referência acerca do futuro dos dois.

— Vou fazer as malas e dentro de alguns minutos estarei no cais — concluiu ele, saindo do escritório apressadamente.

Maggie sentia-se como que transformada numa estátua de pedra, incapaz de se mover, de respirar e até mesmo de pensar. Seus sentidos captavam vagamente a presença de Adam e Anne.

— Marguerite... — ouviu a madrasta dizer com infinita ternura.

Mas ela não conseguiria falar com ninguém naquele momento. Levantou-se e precipitou-se para fora da sala, ainda a tempo de ouvir Anne dizer ao marido:

— Adam, você se comportou de um modo estúpido!

Uma vez lá fora, Maggie ficou sem saber para onde ir. A distância, viu a lancha que deveria levar Michael para longe da sua vida. Desesperada, começou a descer o caminho que conduzia ao cais.

— Maggie!

Ela ficou paralisada ao ouvir aquela voz.

— Maggie! — insistiu Michael, alcançando-a. — Precisamos conversar — trazia a valise numa das mãos.

— Conversar, Michael? A respeito de quê?

— Você sabe muito bem sobre o quê.

— Ah, claro. Sobre você ter de estar na embaixada daqui a dois dias. Se não tivesse discutido com meu pai, quando me contaria? Hoje? Amanhã? Ou será que estava planejando sair na surdina?

— Você sabe muito bem o que precipitou a minha partida.

— Como posso saber alguma coisa sobre você, Michael? Não tenho a menor idéia do que pensa, nem do que sente em relação a mim. Você não se abre nunca e eu não sou adivinha.

— Maggie, não faça assim. Como pode imaginar que eu viajaria sem falar com você?

Ela não sabia se acreditava ou não. Queria acreditar nele. Deus, como queria! Mas confiança não era a palavra-chave naquele relacionamento.

Michael percebeu a hesitação naqueles olhos castanhos e, sem demora, aproveitou para dizer:

— Venha comigo, Maggie.

— O quê?

— Venha comigo. Podemos nos casar em San Sebastian.

Por mais que o amasse, por mais que desejasse crer que era amada, Maggie não esperava ouvir aquilo. Sempre vira em Michael a figura do homem solitário. E por isso mesmo intuía o quanto devia ser difícil para ele partilhar a vida com outra pessoa.

Ao ver a surpresa estampada no rosto dela, ele murmurou:

— Maggie, eu te amo. Não duvide disso, pelo amor de Deus.

Por mais que tais palavras enchessem o seu coração de alegria, Maggie sabia que agora elas traziam um apelo dramático. Estava criado o impasse. Duas vidas teriam seus rumos traçados nos próximos segundos. Tudo dependia de sua resposta.

— Eu... eu estou com medo — admitiu, olhando fundo nos olhos dele.

Michael balançou a cabeça.

— Mas por que, meu amor? Não há nada a temer.

— Há muito o que temer, Michael. Você está me pedindo para abandonar o lugar que amo, o único no mundo onde sempre quis estar.

— Eu sei o quanto Santa Rita significa para você, Maggie. Acredite ou não, vejo esta ilha como um paraíso. Nunca encontrei tanta paz em nenhum outro lugar do mundo. Mas não estou lhe pedindo para abandonar a fazenda. Nós podemos voltar para cá algumas vezes.

Ela meneou a cabeça.

— Você não está entendendo. Que tipo de vida posso esperar ao seu lado, Michael? Como é o seu trabalho? Você teve todo o cuidado de não me falar nada a respeito, mas posso deduzir; o quanto é perigoso. Você quer que eu corra o risco de me tornar viúva, antes mesmo de ser mãe? Por falar nisso, nem ao menos sei se quer ter filhos...

— Por que isso agora? Vamos nos casar primeiro e então decidiremos se queremos filhos ou não.

— Aí é que está, não sei o que você pensa a respeito de nada: filhos, casamento, fidelidade. Conheço cada centímetro do seu corpo, Michael, mas nem um milímetro do seu coração.

Por um momento, aqueles olhos normalmente frios se aqueceram e, com voz suave, ele perguntou:

— Não basta que eu te ame e que precise de você, como jamais precisei de mulher alguma?

— Não, Michael, não basta. Existem outras coisas que preciso saber. — Fez uma pausa e prosseguiu, decidida: — Sobre os seus pais, por exemplo. Você mal falou a respeito deles.

— O quê? Como? — titubeou, desprevenido.

— Seus pais -— ela insistiu.

— Já lhe contei tudo o que havia para ser dito: eles morreram.

— Certo. E como foi isso?

— Maggie...

— Preciso saber ao menos uma única coisa importante sobre o seu passado, Michael. Diga-me como seus pais morreram.

Esperou pela resposta, mal ousando respirar. Tudo dependia daquela iniciativa. Se ele revelasse o que ela lhe pedia, estaria dando o primeiro passo para se deixar conhecer.

Quando, afinal, Michael abriu a boca, a voz soou fria e distante.

— Foi há muito tempo, Maggie. Não vejo no que isso possa ter relação conosco.

Com o coração apertado, Maggie reconheceu que não havia mais esperanças. Ela jogara e perdera.

— Ah, Michael, você está enganado. Tudo o que diz respeito ao seu passado e à sua vida tem relação conosco.

Silêncio. Um silêncio mortal e angustiante. Ele então concluiu devagar:

— Você não vem comigo, não é?

— Não posso.

— Maggie, você sempre foi tão corajosa. Não fuja de mim agora.

— Não sou eu quem está fugindo, Michael — retrucou voz baixa.

Ele sorriu tristemente e segurando-lhe o rosto entre as mãos beijou-a de leve nos lábios.

— Eu tinha razão — murmurou. — Você de fato cresceu e se não destruiu milhares de corações, pelo menos destruiu o meu.

Dizendo isso, deu-lhe as costas e foi-se embora. Apenas quando a lancha sumiu de vista, Maggie se deu conta das lágrimas que rolavam pelo seu rosto.

 

Maggie deu uma desculpa qualquer e não desceu para o almoço. Quando, na hora do jantar, Délia veio com o mesmo aviso. Adam resolveu ir até o quarto da filha. Encontrou-a sentada perto da janela, com um livro aberto no colo, tendo porém a atenção voltada para a vista lá fora.

— Marguerite?

— Oi, papai.

Ele se sentou ao lado dela.

— Délia me contou sobre o rompimento do seu noivado. É isto que está perturbando você, querida?

— Mais ou menos.

— Sei que deve ter sido duro. Mas, de qualquer forma, foi melhor assim. Já pensou se você descobrisse tarde demais com que tipo de homem havia se casado? Graças a Deus que Michael chegou a tempo para protegê-la.

Maggie apenas acenou afirmativamente. Estava começando a se arrepender de ter relatado o incidente a Délia. Não queria que o pai se preocupasse em relação a uma coisa, já superada.

Adam suspirou e prosseguiu:

— Michael é um bom rapaz. Fiquei chateado pela cena de hoje de manhã. Afinal, encontrar aquelas ruínas não significa nada para ele, que não vê a coisa do ponto de vista científico como eu.

— Você vai esquecer o assunto? — Maggie perguntou. — Sem Michael para servir de guia...

— Será mais difícil, eu sei. — interrompeu ele. — Mas não impossível. Ainda tenho o mapa que você desenhou.

— Papai, não me diga que você ainda está cogitando de se meter naquela selva! Michael tem razão quando diz que essa pode ser uma viagem suicida. Tire essa idéia da cabeça, pelo amor de Deus!

— Não vamos falar sobre isso agora. Você não está em condições de discutir o assunto.

Ele tinha razão, Maggie pensou, amargurada. Nas últimas vinte e quatro horas ela sofrerá o bastante por toda uma vida.

— Por que não desce para o jantar? Delia preparou o camarão como você gosta.

Maggie colou um sorriso nos lábios.

— Acho que ela está tentando me subornar só para me ver na sala com vocês.

— Então não a decepcione.

Maggie meneou a cabeça.

— Não estou com fome, papai, só isso. Mas amanhã estarei com vocês no café.

— Então está bem — beijou a testa da filha. — Boa-noite, querida.

— Boa noite, papai.

Quando ele saiu, Maggie encostou a cabeça na parede. Seria tão simples se ela ainda fosse criança... Delia preparando os seus pratos favoritos, o pai enchendo-a de mimos... Apenas isso costumava bastar para fazê-la esquecer quaisquer aborrecimentos. Mas agora... Era preciso muito mais para se consertar um coração partido. Levaria tempo. Talvez todo o tempo do mundo.

Tarde da noite, Maggie desceu até a cozinha, com a idéia de preparar um chá. Enquanto despejava a água fervente na xícara, pensou com amargura que aquele era um remédio para tudo: frio e noites longas, insones, solitárias.

Marguerite.

Anne acabava de entrar. Mesmo sem maquilagem e com um simples roupão sobre a camisola, ela parecia linda. Pela primeira vez, Maggie ousou admitir que o pai tinha motivos por ser tão apaixonado.

Eu estava fazendo um pouco de chá explicou.

Anne sorriu com doçura.

Será que há o suficiente para duas xícaras?

Claro.

Ouvindo aquilo, Anne sentou-se ao lado dela.

Que tal algumas rosquinhas de leite? Délia fez uma fornada hoje à tarde.

Não, obrigada Maggie recusou polidamente.

Anne suspirou e então disse um tanto constrangida:

Marguerite, sei que rosquinhas de leite não são a cura para o que está atormentando você. Foi apenas uma tentativa meio desajeitada de demonstrar que estou do seu lado. Acho que... Bem, acho que não tenho muito jeito para ser madrasta.

Anne nunca falara tão francamente. Maggie olhou para ela, surpresa, e então retrucou em voz baixa:

Acho que também não sei me comportar como uma enteada.

De repente, seus olhos se encheram de lágrimas. Antes que pudesse reprimir os soluços, eles lhe escaparam da garganta. Anne abraçou-a e procurou confortá-la.

Ah, minha querida! Lamento tanto por você... Você o ama de fato, não é?

Erguendo os olhos para ela, Maggie conseguiu perguntar com voz entrecortada:

Você percebeu?

Claro que sim respondeu a outra com um sorriso terno.

Estava tão óbvio assim?

— óbvio desde que vi os seus olhares se cruzarem no escritório pela primeira vez.

— E meu pai? Ele também sabe o que sinto por Michael?

— Nem sonha. Os homens não têm a nossa intuição. — Olhou para Maggie por um instante e então, confidenciou: — Sempre desejei ter filhos, mas infelizmente eles não vieram. Pensei que talvez você me deixasse tratá-la como se fosse minha filha. Nunca pretendi ocupar o lugar da sua mãe, mas...

Maggie encontrou-lhe o olhar.

— Anne, neste exato momento estou percebendo o quanto perdi por não ter permitido uma aproximação entre nós duas. Quantas vezes precisei dos conselhos de uma mãe, quantas e quantas vezes precisei confiar em alguém e desabafar. Como agora, por exemplo. Somente outra mulher pode entender o que significa perder para sempre o homem amado.

Os olhos de Anne se encheram de lágrimas.

— Eu gostaria de preencher esse papel, Marguerite. Dê-me uma chance.

Emocionada, Maggie abraçou-a.

— Que idiota tenho sido esse tempo todo. Na verdade, eu é quem deveria estar pedindo uma chance.

— Não, minha querida. Sempre soube o quanto Adam significava para você. Ele era tudo o que você tinha. Era natural que eu passasse a ser uma ameaça diante dos seus olhos. E, infelizmente, também não ajudei muito. Afinal, nunca soube nadar, andar a cavalo, velejar. Coisas que você adora fazer.

— Mas você sempre cuidou do mais importante para mim: a felicidade do meu pai.

— É que o amo de verdade, como jamais uma mulher amou um homem.

— Sinto a mesma coisa em relação a Michael. — Maggie confessou com ar de tristeza. — Mas parece que o amor por si só não basta.

— O que foi que aconteceu?

— Ah, é tão difícil de explicar... Sei lá, sinto que existe uma barreira enorme entre nós dois. Por diversas vezes, tentei atravessá-la, mas ele não permitiu. Nunca vi alguém tão fechado, tão cheio de segredos, tão misterioso.

— Talvez Michael esteja apenas tentando protegê-la. Quanto menos você souber a respeito do trabalho dele, mais segura estará.

— Isso eu poderia entender. Mas por que Michael se recusa a falar da sua vida pessoal? Será que existe algo de horrível no passado dele? Algo que deve ficar trancado a sete chaves? Ah, meu Deus, nem sei o que pensar. Tenho medo que ele seja uma pessoa cruel...

— Cruel? — Anne interrompeu-a. — Não acha que está fantasiando demais?

— Bem, quando eu estava em San Sebastian, algo horrível aconteceu. — Fez uma pausa e pensou no que estava para relatar. Era a primeira vez que punha tudo aquilo em palavras e, mesmo agora, não estava sendo fácil recordar-se daquele episódio.

Respirou fundo e, pondo os pensamentos em ordem, começou:

— Estávamos numa clareira em plena selva. Michael havia se distanciado um pouco para recolher alguns gravetos e, por alguns instantes, fiquei sozinha. Foi então que ouvi um ruído qualquer e me voltei para ver o que era. Do meio do mato, vi sair um soldado. Quase um menino, para ser mais exata. Aquilo aconteceu de forma inesperada. Tanto eu quanto o garoto ficamos nos entreolhando com ar de surpresa. Só então me dei conta de que ele trazia um rifle nas mãos. Entrei em pânico e me pus a correr. Ouvi um clique e pensei: "É agora."

Naquele ponto, Maggie fez uma pausa. Passaram-se alguns segundos, antes que reunisse coragem o bastante para prosseguir.

— Logo em seguida, veio o disparo. A bala não me atingiu, mas estaquei, paralisada pelo medo. Desesperada, me encolhi na expectativa de outro tiro. Nada aconteceu e então me virei para constatar que o rapaz estava caído. Tinha sido Michael quem disparara, matando-o instantaneamente.

— Oh, Marguerite, deve ter sido horrível.

— Deus, eu havia olhado nos olhos dele. Era um menino devia ter a minha idade. E, no instante seguinte, já não era mais nada, apenas um corpo caído no chão.

— Marguerite, Michael fez o que era preciso. Ele não teve outra escolha.

— Eu sei, mas também não demonstrou remorso depois, como se não tivesse acontecido nada demais. Foi isso que me deixou chocada. Como alguém pode matar e continuar insensível?

— As aparências enganam, Marguerite. Michael não me parece do tipo frio, muito menos cruel, como você disse há pouco. Na verdade, é justamente o contrário. Eu o vejo como uma pessoa de sentimentos profundos e intensos, sentimentos que, por algum motivo, ele esconde atrás de uma máscara de indiferença. Não pense que todos são transparentes como você. Mas isso não significa que sejam indiferentes. E tem mais: você chegou a atentar para o fato de que Michael matou para salvar a sua vida e não a dele?

Não, Maggie jamais vira a coisa daquele ângulo. Até então só se concentrara no que Michael havia feito, não no porquê daquilo tudo.

Anne prosseguiu com voz pausada:

— Não quero magoá-la ou prejudicar o nosso relacionamento já tão frágil, mas preciso lhe dizer uma coisa. Sua vida, Marguerite, apesar da morte da sua mãe, tem sido relativamente fácil. Seu pai sempre foi amoroso e devotado. Você nunca precisou enfrentar situações difíceis, a não ser em San Sebastian. E, mesmo lá, alguém apareceu para tomar conta de você, para arriscar a vida por você. De certo modo, minha querida, você nunca deixou de ser uma criança mimada.

Embora Maggie não quisesse aceitar o julgamento da madrasta, no fundo sabia que a outra estava com a razão. Tal qual uma criança, ela sempre batera o pé para que as coisas acontecessem conforme a sua vontade. Em decorrência, recusava-se a enfrentar os fatos que escapavam do seu controle — morte, violência e até mesmo o segundo casamento do pai.

— Quer saber, Anne? — refletiu em voz alta. — Eu costumava pensar que, quando chegasse aos dezoito, seria uma adulta. Os dezoito anos passaram e vi que ainda precisava aprender alguma coisa. Decidi então que aos vinte e um alcançaria a maturidade. Hoje, aos vinte e quatro, percebo que não sei nada.

— Não existe uma idade limite para se alcançar a maturidade, Marguerite. Tenho quarenta e às vezes me sinto como uma criança: confusa, assustada e desajeitada. Tornar-se adulto comporta todo um processo, não é um objetivo com prazo determinado.

Maggie suspirou.

— Você quer dizer que, depois de tudo isso, ainda tenho muito o que aprender?

Anne sorriu.

— Acho que sim. Mas não apenas você. Todos nós estamos aprendendo constantemente.

Maggie balançou a cabeça.

— Pois, no que me diz respeito, não quero aprender mais nada sobre o amor. Essa lição foi muito dolorosa.

— Eu gostaria que tudo tivesse dado certo — Anne comentou com simpatia.

Olhando para ela, Maggie viu o carinho e a amizade estampados naquele rosto. Sempre estiveram ali, ela bem o sabia, só que, cega como estava, fora incapaz de enxergá-los antes.

— Oh, Anne, como algo pode ser tão maravilhoso e ao mesmo tempo trazer tanto sofrimento?

— Essa é a pergunta de todos os apaixonados, desde que o mundo é mundo. Não tenho a resposta, ninguém a tem. Mas, Marguerite, não fique assim. Claro que deve haver alguma maneira de se resolver o seu problema.

— Eu tentei, juro que tentei. Mas o coração de Michael parece mais complicado do que a teoria da relatividade. Por que ele se esconde tanto das pessoas? E pior: por que se esconde de mim, quando sabe que o amo mais do que a minha própria vida?

— Não sei. Alguns homens, acho mesmo que a maioria deles, são assim. Seu pai, graças a Deus, é uma exceção.

— Anne, por que se casou com ele? A vida aqui em Santa Rita é tão diferente da que você estava acostumada.

Anne sorriu.

— Isso prova o quanto amo seu pai. — Fez uma pausa e olhou diretamente para Maggie. — Já que estamos tendo uma conversa tão franca, vou lhe contar algo que você desconhece. Já fui casada antes.

Maggie arregalou os olhos. Aquilo nunca lhe passara pela cabeça.

— Eu tinha dezoito anos na época — Anne prosseguiu. — Ele não era muito mais velho. Nossas famílias praticamente arranjaram o casamento. Diziam que havíamos nascido um para o outro — sorriu com amargura. — Pertencíamos à mesma classe social. O que podia ser mais importante do que isso?

— E o que aconteceu depois?

— Nunca houve nada em comum entre nós. Éramos dois infelizes. Depois de dois anos, consegui enfrentar os meus pais e pedi o divórcio. Tudo foi feito na maior discrição, sem alarde ou comentários nas colunas sociais.

— Foi por isso que você demorou tanto a se casar outra vez? Por que tinha medo de ser infeliz?

— Isso mesmo. Casamento nunca mais, era o que eu pensava. Foi então que conheci seu pai e descobri que um homem pode ser gentil e apaixonado de um modo que eu jamais ousara sonhar. Marguerite, compreendo o que você sente por Michael. É exatamente o mesmo que sinto em relação a Adam. Por isso é que não foi difícil abandonar a minha vida em Santa Bárbara. Tudo o que eu queria estava aqui, ao lado do seu pai.

Era estranho para Maggie pensar no pai como um homem romântico e apaixonado. De certo modo, isso era confortador. Tornava-o mais humano e acessível.

Anne continuou:

— Justamente porque conheci o amor tão tarde, é que dou tanto valor a ele. E é por isso também que lhe dou um conselho: não desista assim tão facilmente, Marguerite. Lute!

Mas, Anne, não quero desistir de Michael. Deus, meu coração está arrebentado. Ainda que aprenda a viver sem ele, sei que nada será como antes.

Então por que não experimenta lutar por aquilo que você quer?

Lutar como? Eu o amo e preciso dele como jamais precisei de alguém. Mas não o conheço. E não creio que um dia ele venha a confiar em mim.

Num impulso, Maggie buscou consolo nos braços da madrasta. Foi naquele instante que Adam entrou na cozinha.

Anne, pensei que você...Parou na porta com uma expressão de surpresa. Que diabos... O que vocês duas estão fazendo aqui?

Apenas tendo uma conversa de mãe para filha Maggie explicou, olhando timidamente para Anne, que sorriu com indisfarçável contentamento.

Ah embora continuasse confuso. Adam sorriu também. O que quer que tivesse acontecido naquela cozinha, uma coisa era certa: pela primeira vez, as duas estavam se entendendo.

Maggie se levantou.

Vou para a cama. De repente fiquei morta de sono.

Durma bem, Marguerite Anne despediu-se afetuosamente.

— Por que não me chama de Maggie? É menos formal, não acha?

Anne sorriu, emocionada.

Durma bem, Maggie.

Quando ela chegou à escada, voltou o rosto para a cozinha e viu o pai inclinar-se e beijar a esposa. Enternecida, começou a subir os degraus. Por que não podia ter sido assim entre ela e Michael?

 

Uma semana depois, Adam partiu para San Sebastian, nada adiantaram os protestos, as súplicas, as lágrimas de Maggie e de Anne. Ele estava determinado a levar adiante aquele projeto, certo de que o mapa que a filha desenhara o levaria as ruínas do templo maia.

Quando as duas viram que não havia jeito, insistiram em acompanhá-lo.

— Nada disso — opôs-se, sem permitir argumentações. — Embora não concorde com Michael acerca dos perigos, sei que não será uma jornada fácil: calor insuportável, insetos, cobras venenosas, enfim, coisas da selva. Prefiro vocês duas aqui, no conforto da nossa casa.

— Pelo menos, deixe-nos ficar numa cidade próxima — insistiu. — Podemos nos instalar num bom hotel.

— Não, Anne. Vocês duas vão ficar aqui em Santa Rita, Quero me dedicar apenas à minha tarefa, sem estar me preocupando com mulher e filha. Vocês só iriam atrapalhar.

— Papai, por favor, você não entende que vamos ficar nervosas, sem ter notícias suas?

— Quem disse que não vão ter notícias? Prometo telefonar assim que chegar e tão logo retorne da expedição. Imagino que em menos de duas semanas, eu encontre as ruínas.

— Suponha que não consiga encontrá-la — Maggie retrucou.

— Se em duas semanas não tiver sucesso, voltarei para a cidade e entrarei em contato com vocês. Depois farei uma nova tentativa, quantas forem necessárias. Mas podem ter certeza de uma coisa: aquele templo existe e só sairei de San Sebastian quando o encontrar.

— Adam, pelo amor de Deus — Anne implorou. — Tire essa idéia da cabeça.

— É a grande chance da minha vida, Anne. Jamais terei outra oportunidade como essa. Um arqueólogo amador dificilmente tem condições de fazer uma descoberta tão importante. Não posso jogar tudo pela janela, só porque Michael Curry meteu na cabeça que o povo de San Sebastian não gosta de americanos.

— Papai, ele vive lá e portanto tem muito mais autoridade que você para fazer um julgamento.

Adam sorriu.

— Não se preocupem comigo. Estarei de volta antes que vocês duas dêem pela minha falta.

Naquele mesmo dia, ele partiu para San Sebastian.

— Tudo vai dar certo — Maggie garantiu a Anne, mais para convencer a si própria.

— Tomara que você tenha razão. Mas me sentiria melhor se Michael estivesse com ele.

"Eu também", Maggie reconheceu, esquecendo-se temporariamente dos próprios problemas. A única coisa em que conseguia pensar no momento era que o pai viajara para um país desconhecido e agitado politicamente. Uma viagem suicida, lembrou-se, amargurada, das palavras de Michael. E ele devia saber o que estava falando, afinal vivia metido em situações perigosas.

Como ele era corajoso! Quantas vezes Maggie testemunhara a força daquele homem! As cenas se sucederam na sua mente: Michael salvando-a dos guerrilheiros, Michael aparecendo milagrosamente para livrá-la do ataque intempestivo de Richard, Michael colocando-se entre ela e aquele touro... Incrível, ele sempre aparecia no momento exato.

Maggie não o conhecia tanto quanto gostaria, mas sabia uma coisa fundamental a respeito dele: Michael não hesitava em arriscar a própria vida para salvar a dela. E, de certo modo, era mais eloqüente do que todas as palavras e explicações que ela ansiava por ouvir.

Naquela noite, Maggie teve um sono agitado. E não apenas por causa do pai.

No dia seguinte. Adam telefonou de San Sebastian.

Estou em Rosário comunicou com voz alegre. — Encontrei um guia que conhece muito bem a área. O nome dele é Felipe Gutierrez. Eu lhe mostrei o mapa e sabe o que ele disse, Maggie? Que os nativos não se aproximam do local devido a uma série de lendas e tabus. Agora entendo por que ninguém descobriu aquelas ruínas até agora.

E o tal Felipe não tem medo? Maggie perguntou, estava na extensão que havia no escritório.

Ele não é daqui. Veio do México. As lendas não o amedrontam. E, além do mais, estou lhe pagando um bom dinheiro.

Adam, tem certeza de que pode confiar nele? perguntou sem esconder a ansiedade.

Adam riu.

Prometi a ele uma gratificação extra se encontrarmos as ruínas. Felipe só porá as mãos no dinheiro se eu voltar em segurança para a cidade. Isso o manterá motivado. Não sou nenhuma criança, Anne. Ele não vai me passar a perna. Bem, tenho de ir. Os cavalos já estão prontos.

Tome cuidado Maggie alertou, segurando o choro.

Pode deixar. Não fiquem preocupadas, meninas. No máximo, daqui a duas semanas vocês terão notícias minhas.

Adam, por favor, telefone mesmo. Se você demorar a dar notícias, eu e Maggie...

Calma, querida. Não vou me esquecer. Prometo telefonar daqui a duas semanas. Vamos combinar o seguinte: dia 15 de agosto, está bem? Nem antes nem depois. Agora vou desligar. Eu amo vocês duas.

Os dias se passaram numa lenta agonia. Sempre que o telefone tocava, Maggie e Anne corriam a atender, na esperança de que fosse Adam. Mas não era.

O dia quinze chegou e as duas se recusaram a pôr os pés fora de casa, temendo perder a ligação. Uma ligação que não veio. À noite, já estavam desesperadas. Esperaram até a meia-noite. Nada. Adam não cumprira a promessa e isso não era do feitio dele.

Algo horrível havia acontecido, Maggie tinha certeza. Olhou para Anne e disse com voz controlada:

— Amanhã vou ligar para o aeroporto e pegaremos o primeiro vôo para San Sebastian.

— Você acha que... — Anne interrompeu a fala, como se tivesse medo de verbalizar os seus temores.

— Não sei o que pensar — Maggie respondeu honestamente. — Só sei que não podemos ficar aqui paradas.

Dois dias depois registravam-se num hotel em Jacinto. Um telefonema para Rosário confirmou que Adam Russell não era visto desde que deixara a estalagem, duas semanas antes.

— Amanhã de manhã vou telefonar para a embaixada americana — Maggie decidiu. — Caso eles não saibam de nada, alugaremos um carro e partiremos para Rosário.

Anne assentiu com a cabeça. Desde que haviam saído de Santa Bárbara, ela mal abrira a boca. Era a própria imagem do sofrimento, embora não demonstrasse desespero.

— Vou telefonar para casa — Maggie prosseguiu. — Quem sabe papai ligou nesse meio-tempo?

Mas, conforme as suas suspeitas. Delia informou que o telefone não tocava há dois dias.

— Vou ligar para Michael — Anne avisou.

— Por quê? — Maggie perguntou mais do que depressa. A simples idéia de vê-lo novamente perturbava-a mais do que gostaria de admitir.

— Ele conhece o país, Maggie. Nós precisamos de ajuda.

Maggie sabia que a madrasta estava certa. Precisariam de Michael, caso fossem obrigadas a embrenhar-se naquela selva. Droga, pensou, zangada. Se ele tivesse concordado em servir de guia, seu pai não estaria nessa enrascada.

Lá no fundo, entretanto, sabia que a acusação era injusta, Mas estava nervosa demais para admitir isso.

Encontrando o olhar preocupado da madrasta, ela afinal concordou.

— Está bem, pode deixar que eu ligo.

— Posso fazer isso, se você preferir — Anne ofereceu-se.

— Não, obrigada. Não quero que Michael pense que o estou evitando.

Michael havia dado a ela o número do telefone em Jacinto. Enquanto esperava que a telefonista do hotel completasse a ligação, Maggie dizia a si mesma que aquilo era algo impessoal. O assunto dizia respeito a seu pai. Se não fosse por isso, jamais falaria com Michael outra vez. Mas, então, por que o coração acelerado e as palmas das mãos molhadas?

— Buenos dias.

Não era ele. Esforçando-se para pôr em prática o seu tosco espanhol, Maggie perguntou se o señor Curry estava em casa.

— Você é americana, por acaso? — a voz masculina perguntou num inglês irrepreensível,

Maggie soltou um suspiro de alívio, O pouco que sabia espanhol não levaria a conversa muito adiante.

— Sou, sim. Por favor, eu gostaria de falar com Michael?

— Michael não está no momento. Quem gostaria de falar com ele?

— Maggie Russell. Eu...

Antes que tivesse tempo de deixar o recado, o homem exclamou com animação:

— Maggie! Puxa, que surpresa! Michael vai ficar chateado por ter perdido o seu telefonema. Você está em Santa Bárbara?

— Não. — Quem seria esse homem, que, evidentemente, ouvira falar dela? Estou aqui mesmo, em Jacinto.

Não me diga! Michael nem vai acreditar.

Você sabe se ele vai demorar? Tenho uma certa urgência em falar com ele.

Logo, logo ele estará de volta, creio. Mas já que é urgente, por que então não vem para cá? Você ganharia tempo.

Não gostaria de incomodá-lo.

Ouviu uma risada macia do outro lado da linha.

Não será incómodo nenhum. Michael anda infernizando a vida de todo mundo, desde que voltou de Santa Bárbara. Acho que agora o temperamento dele vai voltar ao normal. Antes que me esqueça, sou Raul Delgado, primo dele. Vou apanhá-la no hotel. Por falar nisso, onde você está hospedada?

No Hilton.

— Ótimo, estamos bem perto. Estarei aí em dez minutos.

Tem certeza de que não será incômodo?

Ora, o que é isso? Será um prazer, Maggie.

Maggie explicou a Anne que o primo de Michael viria apanhá-la.

Quer que eu vá com você?

Maggie notou as olheiras profundas e o ar de cansaço de Anne. Ela mal fechara os olhos naqueles dois dias. Precisava descansar.

Não há necessidade de irmos nós duas, Anne. Por que não aproveita para dormir um pouco?

Está bem ela concordou, cansada. Mas acorde-me assim que chegar. Quero saber o que Michael disse.

Certo.

O que Michael diria?, Maggie perguntou a si própria. Exatamente dez minutos depois, o telefone tocou. Era Raul avisando que estava à espera no saguão.

Como vou reconhecer você? perguntou ela.

Fácil, fácil. Sou o homem mais bonito aqui do saguão. Rindo, acrescentou: E também o único que está usando um blazer branco.

Segundos depois, Maggie pôde constatar que Raul não exagerara. Cabelos negros e olhos verdes, era parecido com Michael só que muito mais bonito.

Raul? perguntou, caminhando na direção dele.

Como vai, Maggie? Você se importa que eu a chame assim? perguntou, tomando-lhe o braço e conduzindo-a para fora.

Claro que não retrucou cortesmente.

É que Michael fala tanto em você que me sinto como se já a conhecesse.

Entraram num conversível branco, estacionado na frente do hotel. A noite estava quente e abafada.

Maggie ficou um instante saboreando aquela informação. Não podia imaginar que Michael, fechado como era, conversasse com o primo a seu respeito. Teve vontade de perguntar o que que ele havia dito. Mais ainda: de obter de Raul todas as informações que Michael lhe sonegara. Mas mordeu a língua e se concentrou no cenário que corria diante dos seus olhos. A não ser pelas palmeiras que se alinhavam na beira da calçada e pelas folhagens tropicais dos jardins, Jacinto podia ser considerada uma cidade igual a tantas outras. Olhem só: até mesmo um McDonald's, Maggie constatou com ar divertido, sentindo-se quase que em casa.

Raul estacionou o carro diante de um prédio alto e moderno. O elevador deixou-os na cobertura.

Maggie entrou no apartamento e percorreu os olhos à sua volta. Tudo novo e moderno, como se lá não existisse lugar para lembranças do passado. A única exceção era um porta-retrato sobre uma mesinha lateral. Aproximando-se, curiosa, ela constatou que se tratava de uma fotografia de família: um casal e um menino. Maggie reconheceria aqueles olhos verdes em qualquer lugar.

Esse é Michael, quando tinha oito anos, acompanhado dos pais Raul explicou, sem que ela houvesse perguntado nada. A mãe era muito bonita, não acha?

Maggie fez que sim. Muito bonita, de fato, com aqueles cabelos negros e olhos verdes que lembravam os do filho. O pai, ao contrário, era bem diferente, pelo menos fisicamente. Michael podia ser descrito como a versão masculina da mãe.

O que acontecera com eles? Maggie teve vontade de perguntar. Mas controlou a curiosidade, sabendo que não seria justo invadir a privacidade de Michael aproveitando-se de sua ausência.

— Quer beber alguma coisa? — Raul ofereceu.

— Aceito um refrigerante. — Quando ele trouxe a bebida e sentou-se diante dela, Maggie perguntou à toa: — Você mora aqui também?

— Eu me hospedo aqui sempre que estou na cidade, o que não ocorre com freqüência. Costumo viajar muito a trabalho. Michael é quem deveria estar no meu lugar. Mas já que ele nunca demonstrou o menor interesse pelos negócios da família, assumi o controle de tudo.

— E quais são os negócios da família?

— Importação e exportação — respondeu ele. — Michael nunca lhe contou?

— Não — sorriu sem graça. — Ele não se abre muito.

— De fato, mas pensei que com você... Ele contou alguma coisa sobre... hum... sobre os tempos da infância?

Ela meneou a cabeça.

— Interessante — foi o único comentário de Raul.

Embora a companhia fosse agradável, Maggie estava ansiosa para que Michael chegasse. Juntara toda a sua coragem para ir até lá, mas se tivesse de esperar muito, seus nervos acabariam por traí-la.

Levantou-se e foi para o terraço. Raul veio logo atrás.

— Acho que estou entendendo por que o humor do meu primo anda insuportável — observou ele com simpatia. — Vocês discutiram, não é?

— Isso não importa, Raul. A minha vinda tem outro motivo.

— De qualquer modo, não me surpreendo que vocês tenham entrado em desacordo — prosseguiu ele. — Michael é um tanto difícil de se lidar. Muito fechado, você sabe.

— Fechado? — Maggie voltou-se para ele e riu com ironia. — Ele pensa duas vezes até para informar as horas.

Naquele momento a porta da frente se abriu. De onde estava Maggie não conseguiu ver quem acabava de entrar, porém ela sabia que só podia ser uma pessoa.

— Raul? Você ainda está acordado? — Michael perguntou.

Raul deu um passo para dentro da sala, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Michael prosseguiu:

— Não agüento mais essas festas na embaixada. O general Corona acabou se embebedando, como sempre, e aquela mulherzinha, que ele foi arranjar não sei onde, aproveitou para cair em cima de todos os outros homens.

— Ela é vulgar, mas muito bonita — comentou Raul. — A maioria dos homens ficaria contente em ser agraciado com os favores dela — acrescentou com ar malicioso.

— Porque são todos uns idiotas. Eu...

Parou imediatamente quando viu Maggie sair do terraço, apertando o copo entre as mãos. Por um momento ficaram em silêncio, entreolhando-se fixamente.

— Maggie veio conversar com você — Raul explicou sem necessidade. — Bom, acho que vou me deitar. — Sorrindo para ela, despediu-se: — Boa-noite. Foi um prazer conhecê-la. Espero que nos encontremos mais vezes.

— Raul é muito simpático — Maggie comentou assim que ele saiu.

Michael não disse nada, mas continuava com ar de expectativa. Era evidente que estava surpreso e intrigado com aquela vinda inesperada.

— É sobre meu pai — Maggie foi direto ao assunto. — Ele insistiu em levar adiante aquela idéia absurda de descobrir as ruínas. Faz mais de duas semanas que não temos notícias dele e estamos muito preocupadas.

Por um instante, a decepção ficou estampada no rosto de Michael. Não era aquilo que ele pretendia ouvir, isso estava mais do que evidente. Na certa julgara que ela viera em busca da reconciliação.

Percebendo o que se passava com ele, Maggie sentiu uma ponta de remorso. Não pretendia magoá-lo, mas a vida do seu pai era mais importante do que qualquer outra coisa que tivessem a tratar.

— Ele esteve na embaixada logo que chegou — Michael comentou com frieza. — Embora não o tenha visto, fiquei sabendo que ele foi novamente advertido acerca dos perigos de uma expedição como essa.

— Quer que eu admita que você esteve com a razão esse tempo todo? — perguntou, irritada. — Pois bem, reconheço: você estava certo. Mas agora, ajude-me, por favor. Se você tivesse atendido ao pedido do meu pai, nada disso teria acontecido.

— Maggie, você está sendo injusta e sabe disso.

— Tudo o que sei é que algo horrível aconteceu com meu pai!

— Vou ver se consigo descobrir alguma coisa — Michael retrucou secamente.

— Obrigada. Anne e eu nos hospedamos no Hilton. Estamos com idéia de ir até Rosário amanhã de manhã.

— Esperem até que eu consiga alguma informação. De nada adiantaria vocês partirem agora. Conheço o lugar: Rosário não é mais que uma vila e quase ninguém entende inglês por lá.

— Mas não podemos esperar. Vamos enlouquecer de tanta ansiedade.

Michael suavizou a expressão e retrucou, compreensivo:

— Eu sei. Só peço que esperem um pouco. Prometo que terei algo de concreto ainda esta noite. — Então, olhando para ela, observou: — Você está exausta. Vamos, eu a levarei de volta ao hotel.

Ela acenou afirmativamente e pegou a bolsa no sofá. Antes de sair, olhou mais uma vez para o porta-retrato. Michael acompanhou-lhe o olhar e explicou laconicamente:

— Meus pais.

— Eu sei. Raul me contou.

— O que mais ele lhe disse?

— Mais nada. Por quê?

Ele deu de ombros.

— Por nada. É que às vezes ele fala demais.

— Pois achei seu primo muito charmoso.

Michael lançou-lhe um olhar irritado, mas não disse nada. Poucos minutos mais tarde, estavam diante do hotel. Ela pensou que Michael fosse se despedir ali mesmo, no entanto, para sua surpresa, ele saiu do carro e acompanhou-a até o elevador.

— Qual é o andar?

— Décimo — respondeu ela.

Ele apertou o botão e as portas se fecharam. Naquele espaço tão pequeno, os dois isolados do mundo, Maggie sentia o coração bater descompassado. A simples presença daquele homem deixava todos os seus sentidos alerta.

Caminharam em silêncio pelo corredor e, diante do quarto, enquanto procurava a chave na bolsa, Maggie começou:

— Ainda não agradeci...

— Eu já lhe disse uma vez que não quero os seus agradecimentos — ele interrompeu-a bruscamente.

E então, sem que Maggie esperasse, Michael a atraiu de encontro ao corpo e beijou-a com ardor.

O impacto daqueles lábios quentes e vorazes arrastou-a para longe, para os dias em que estiveram juntos em Santa Rita. Mais uma vez, Maggie comprovava o profundo desejo que Michael sentia por ela. Meu Deus, e o que dizer de si própria? Maggie o desejava com tamanha intensidade que não havia como resistir aos impulsos primitivos que ele despertava dentro dela. Nenhum outro homem seria capaz de levá-la à loucura. Nesse momento era somente em Michael que os seus sentidos se concentravam.

Quando finalmente ele se afastou, ela o ouviu murmurar:

— Isso foi para mostrar a você que os meus sentimentos não mudaram.

Atônita, Maggie o seguiu com o olhar até vê-lo desaparecer no elevador.

 

Na manhã seguinte, Maggie e Anne estavam tomando o café no quarto quando o telefone tocou. Anne correu a atender, mas o seu "alô" ansioso logo se transformou em desapontamento.

— Um momento, por favor — estendeu o telefone para Maggie. — Raul Delgado quer falar com você.

— Alô, Raul.

— Bom-dia. Dormiu bem?

— Muito bem, obrigada. — Mentira. Rolara na cama a noite toda e só conseguira adormecer quando o sol estava raiando.

— Fico contente. Michael, em compensação, não pode dizer o mesmo. O humor dele está pior do que nunca. Madre de Dios.

— Raul...

— Ah, claro, vamos direto ao ponto: Michael pediu para lhe avisar que, por enquanto, não obteve notícias sobre o paradeiro de seu pai.

— Oh, não...

— Calma. Ele viajou hoje cedo para Rosário e entrará em contato com você assim que voltar.

— E quando será isso?

— Hoje à noite. Ele foi de helicóptero, por isso a viagem vai ser rápida.

Meu Deus, esperar até a noite... Longas horas de agonia sem notícias. Maggie sentiu-se ainda mais deprimida, quase sem esperanças.

— Obrigada pelo aviso, Raul — a voz mal disfarçava sua angústia.

— Maggie, escute. Por que não me deixa levar você e Anne para almoçar? Sou ótimo para levantar o astral das pessoas. E, pelo que estou sentindo, você está precisando disso.

— Obrigada pelo convite. É muita gentileza sua, mas...

— Gentileza nada — interrompeu ele. — Puro egoísmo, isso sim. Afinal, não é sempre que se pode ter a companhia de uma mulher tão bonita.

Maggie sorriu. Raul estava certo quanto ao conceito que tinha de si mesmo. Era impossível ficar deprimida perto dele.

— Espere um segundo, vou consultar Anne.

Transmitiu à madrasta o recado deixado por Michael e falou-lhe a respeito do convite para almoçar.

— Ah, não, Maggie. Não estou com a menor disposição. Vá você.

— Tem certeza de que não quer sair um pouco? Michael só vai estar aqui à noite.

— Não, querida, prefiro almoçar no hotel. Pode ir sossegada.

— Se é isso mesmo o que você quer... — E voltando a falar com Raul: — Está bem, aceito o seu convite. Anne manda agradecer, mas ainda se sente cansada e prefere ficar repousando.

— Nesse caso, pego você à uma, está bem? Hasta la vista.

Raul foi pontual. Precisamente à uma hora telefonou da portaria, chamando por Maggie.

— Eu poderia ter vindo mais cedo — ele se desculpou, quando ela desceu. — Mas a minha experiência diz que as mulheres levam tempo para se arrumar. — Olhando de modo apreciativo para Maggie, acrescentou: — Só que eu devia ter adivinhado que você não precisa de tempo. A sua beleza dispensa quaisquer artifícios.

Maggie sorriu.

— Este é o tão famoso tratamento latino?

— Bem, eu poderia realmente fazer uso da minha patente de grande conquistador, se não fosse por um problema.

— Qual? — perguntou ela com ar divertido.

— Michael. Respeito a habilidade dele como lutador. Costumávamos brigar muito quando crianças. E, embora odeie reconhecer, ele vencia sempre.

Aquela sugestão nada sutil de que Michael se sentia possessivo em relação a ela deixou Maggie satisfeita e ao mesmo tempo irritada. Para não prolongar o assunto, anunciou:

— Estou morta de fome, Raul. Onde vamos almoçar?

— Num lugar pequeno, mas delicioso, chamado Carmelita's. Você vai adorar.

Ele estava certo. Maggie gostou de tudo: desde a decoração simples até a cozinha típica. Ela e Raul conversaram como se fossem velhos amigos. Tendo o cuidado de não falar em Adam, Raul puxava os mais diversos assuntos, sempre acompanhados por comentários picantes, fazendo-a rir, momentaneamente esquecida do motivo que a trouxera a San Sebastian. Os elogie dele tornaram-se mais efusivos, o flerte mais declarado. Afinal Maggie arriscou:

— Você é ótimo na técnica de paparicar as mulheres. Aposto que anda praticando com alguém muito especial.

Ele riu.

— Ah, Maggie, você também tem o poder de enxergar através das pessoas?

— Espero que não seja indelicadeza perguntar, mas quem é ela?

— Laura, uma americana linda como você. De fato, ela é quase sua vizinha: mora em Los Angeles.

— Você a conheceu numa dessas viagens a negócios?

— Exato. Ela trabalha no mesmo ramo, embora se atenha mais ao comércio com o Oriente. Como nós dois vivemos viajando, quase não temos tempo de ficar juntos. Pelo menos não tanto quanto gostaríamos.

— E por que não se casam? Isso não resolveria todos os problemas?

Raul sorriu com ar de tristeza.

— Não é tão fácil assim. Laura não quer viver em San Sebastian e nem penso em exigir isso dela. O clima político não é muito estável por aqui.

— E você? Não gostaria de morar em Los Angeles?

— Bem... É um pouco assustador pensar em abandonar o país onde fui criado, deixar para trás as raízes e viver numa cultura totalmente diferente. Michael foi embora quando criança, mas, quando se é adulto, as coisas parecem mais difíceis.

— Quer dizer que Michael viveu em San Sebastian quando criança? — Maggie perguntou sem disfarçar a curiosidade.

A surpresa transformou a expressão de Raul.

— Nem isso ele lhe contou?

Ela balançou a cabeça.

— Conforme eu já lhe disse, ele não é muito dado a falar de si mesmo.

Raul ficou refletindo por uns bons momentos.

— As reticências de Michael incomodam você, não é?

— Nem um pouco — retrucou com ar de mal disfarçada superioridade.

Raul sorriu.

— Claro. Você liga tão pouco para Michael, que, quando ele entrou na sala ontem à noite, você ficou tremendo como uma gelatina.

Maggie chegou a abrir a boca para protestar, mas desistiu. Raul não era nenhum idiota, muito ao contrário. Não havia como desconfirmar o que ele acabava de dizer. Ficou quieta.

— Ele também te ama, Maggie — Raul prosseguiu, como se quisesse tranqüilizá-la.

Se não estivesse sentada, Maggie cairia de costas, surpresa com aquela declaração feita com tamanha naturalidade.

— Ele... — pigarreou. — Ele disse isso a você?

Claro que não, não seria do feitio dele. Mas está na cara. Durante anos, Michael falou a seu respeito: uma menina bonita e atraente que ele havia tirado do meio da revolução. De vez em quando, imaginava em voz alta como você estaria, como seria você ao se transformar numa mulher de verdade. Dois dias depois que ele chegou a Santa Rita, telefonou para mim.

Por quê?

Foi uma conversa rápida. Michael queria apenas me contar que você era tudo o que ele tinha imaginado. E muito mais.

Maggie se comoveu ao ouvir aquilo, a raiva dissolvendo instantaneamente numa onda de amor.

Raul observou-a por um instante e então prosseguiu:

Ele não é homem de se apaixonar facilmente. Na verdade isso nunca lhe aconteceu antes. Tenho cá comigo que Michael não deseja estar ligado emocionalmente a ninguém. Mas não conseguiu evitar isso em relação a você. Acho até que ele lutou o mais que pôde, mas acabou se rendendo ao inevitável.

Que motivo ele teria para não querer amar ninguém, Raul?

Pela primeira vez, Raul perdeu o jeito. Maggie logo viu que havia tocado num ponto proibido, caso contrário, ele não teria demonstrado tamanho desconforto.

Não sei se posso responder a essa pergunta.

Não pode ou não deve?

Dá na mesma. Ele hesitou e então pareceu tomar decisão: Venha, Maggie, há uma coisa que quero que veja.

Pagou a conta rapidamente e conduziu-a para fora do restaurante. Maggie estava intrigada demais com aquela mudança súbita de comportamento para fazer objeções. Não fez perguntas e entrou no carro.

O conversível saiu da cidade, atravessou os subúrbios, passou pelos barracos da periferia e chegou ao campo. Não andaram muito e logo Raul fez uma conversão à direita, tomando uma estrada pequena que levava a uma área arborizada. Poucos minutos depois, pararam numa enorme clareira.

Maggie levou alguns segundos para compreender que estava olhando para os destroços queimados daquilo que um dia fora uma casa. Uma mansão, para ser mais exata, a julgar pelas estruturas que permaneciam em pé.

Raul saiu do carro e abriu a porta para Maggie. Um pássaro cantou a distância.

— Que lugar lindo! — sussurrou ela, maravilhada diante de um cenário tão bonito.

— Casa Felicidad era o nome deste sítio — Raul explicou. — A mansão era magnífica: três andares e uma vista espetacular, como você pode perceber.

— Era aqui que Michael morava, certo?

— Certo. Os pais dele eram muito ricos. Especialmente a mãe.

— O que aconteceu?

— Conforme você está vendo, um incêndio destruiu a casa. Puxa, Maggie, eu gostaria que você tivesse visto como isto aqui era lindo. A mansão era maravilhosa, repleta de antigüidades e objetos de arte valiosos. Felicidade era o nome perfeito para retratar o ambiente que reinava na casa.

— Casa Felicidad... — repetiu ela, pensativa. — Como aconteceu o incêndio, Raul?

— Da maneira como tudo é destruído em San Sebastian: por causa da guerra.

— Foi assim que os pais dele morreram?

Raul balançou a cabeça.

— Eu já disse mais do que devia, Maggie. Michael nunca me perdoaria se eu lhe revelasse os seus segredos mais íntimos.

— Por favor, Raul, preciso saber!

— Pergunte a ele então.

— Mas já perguntei! Milhares de vezes! — sem perceber havia elevado a voz e os olhos ficaram nublados.

— Sinto muito, Maggie. Pelo bem dele e da relação de vocês não posso dizer nada sem permissão. Seria bom para Michael se ele lhe contasse tudo. Mas isso é uma coisa que deve partir dele. — Lendo a frustração nos olhos dela, abraçou-a carinhosamente. — Não fique assim. Tudo há de se ajeitar, você vai ver. Uma vez no carro, Maggie começou a divagar em voz alta:

— Suponho que deva ter acontecido algo de terrível por aqui para fazer de Michael um homem tão frio e insensível.

— Insensível? Ele pode ser um tanto difícil de se lidar, mas tem emoções fortes e um coração de ouro, isso lhe garanto.

— Acho que não estamos falando do mesmo homem — retrucou com ironia. — Coração de ouro?

— Ele se preocupa muito com os outros. Quando esteve no Vietnã, por exemplo, salvou muitas vidas, servindo como médico.

Aquela revelação pegou Maggie de surpresa. Médico? Ela sempre pensara que Michael tivesse servido como soldado no campo de batalha. Droga, até isso ele escondera dela?

— Eu o vi tirar a vida de um soldado — contou a Raul. — E fiquei chocada com a frieza que ele demonstrou depois.

— Quando foi isso? — perguntou ele.

Em poucas palavras, ela relatou o incidente de oito anos atrás.

— Aquele soldado era um menino — concluiu.

Raul ficou quieto por um instante. Então começou, escolhendo bem as palavras:

— Maggie, obviamente, há muitas coisas que você desconhece acerca deste país. Lembra-se daquela favela por onde passamos há pouco?

— Claro. Que horrível! Como alguém pode viver em tais condições?

— Acredite ou não, as pessoas que vivem naqueles barracos têm mais sorte do que muitas outras. Este é um país muito pobre. Não existe trabalho para todos e a maioria nem tem o que comer. Por isso, grande parte dos jovens se junta às forças guerrilheiras. É o modo que encontram para não morrerem de fome. No seu país, um menino de treze anos se diverte com jogos de guerra através dos vídeo-games. Aqui, ele estaria aprendendo a matar de verdade. Diga-me: quantos anos tinha o soldado que foi morto por Michael?

— Dezoito ou dezenove, quando muito.

— Sem dúvida, já era um veterano de muitas guerrilhas. Você teve sorte de escapar com vida, pois ele não hesitaria em atirar.

Anne dissera a mesma coisa. Maggie estava começando a achar que se comportara como uma idiota.

— Bem, vamos voltar agora — disse Raul, dando a partida. — Quer saber, Maggie? Tenho certeza de que aquele soldado foi a única pessoa que Michael matou em toda a sua vida. E tenho mais certeza ainda do quanto ele deve ter ficado arrasado, embora demonstrando o contrário a você.

Maggie não respondeu e permaneceu em silêncio durante todo o trajeto de volta.

Naquela noite, Maggie e Anne, encerradas no quarto do hotel, tentavam matar o tempo através da leitura. Maggie não poderia dizer se a madrasta estava conseguindo se concentrar. Quanto a ela, não prestara atenção a nem uma linha sequer. Afinal, desistiu.

— Anne, posso interromper um minuto?

Anne baixou a revista e olhou para ela.

— Claro. Para falar a verdade, não consegui sair da primeira página. Quer conversar um pouco?

— Só queria saber uma coisa: meu pai sempre conversa com você? Quero dizer, ele se abre a respeito de coisas mais íntimas?

Anne sorriu.

— Ele não me esconde nada. Divide tudo comigo: sonhos, frustrações e ansiedades.

Maggie suspirou. Olhou para o relógio. Dez horas. E o telefone, que não tocava! Por onde andaria Michael? Lendo os seus pensamentos, Anne perguntou:

— Tem certeza de que Michael vai ligar ainda hoje?

— Foi o que Raul disse. Talvez ele não tenha chegado de Rosário.

— Pode ser.

Um silêncio tenso e ansioso estendeu-se entre as duas. Subitamente, alguém bateu à porta.

Maggie pulou da cama. Mas Anne chegou na frente.

— Michael!

Ele ficou em silêncio um instante e então perguntou:

— Posso entrar? — trazia no rosto uma expressão neutra.

— Claro, entre.

Maggie enrijeceu o corpo instintivamente. Pressentia más notícias.

— Lamento, mas o que tenho a dizer não é nada agradável.

— Meu Deus! — Anne murmurou, o terror estampado no rosto.

— Diga logo, Michael! O que aconteceu com meu pai?

— Isto aqui é um bilhete de resgate — explicou, estendendo um papel para Anne. — Adam foi seqüestrado.

 

Maggie e Anne caíram sentadas na cama.

— Esta é uma cópia do bilhete que foi deixado na estalagem — Michael explicou. — A embaixada reteve o original como prova, caso os seqüestradores sejam apanhados e levados a julgamento.

Maggie teve um arrepio de horror. Caso sejam apanhados? Aquilo estava muito longe da habitual confiança de Michael. Engolindo as lágrimas, leu o bilhete para Anne, escrito num inglês rudimentar.

— "Temos Adam Russell. Ele está vivo. Mandar trinta mil dólares para as ruínas assinaladas no mapa. Prazo até trinta de agosto. Trazer o dinheiro e não avisar os federales ou Adam Russell morre." E está assinado Contras — Maggie concluiu.

— Meu Deus, como podemos ter certeza que eles estão realmente com Adam? — Anne perguntou com um fio de voz.

— O passaporte dele veio junto com o bilhete. Não há dúvidas: Adam está em poder dos Contras — Michael respondeu.

— E quem são os Contras? — Maggie quis saber.

— Um grupo de rebeldes de esquerda. Na verdade eles ocupam uma grande faixa de toda a zona rural.

Maggie estava olhando para o mapa. Subitamente exclamou:

— Mas é o local exato onde se encontram as ruínas do templo maia! Michael, olhe: o rio, a pedra em forma de pirâmide, as duas montanhas...

Michael pegou o mapa.

— Você tem razão. Isso quer dizer que as ruínas a que os seqüestradores estão se referindo são as mesmas que seu pai queria encontrar.

— Ele falou a respeito de certas superstições, que fazem do local um tipo de zona proibida — Maggie contou. — Por isso é que as ruínas não foram descobertas até hoje.

— Interessante... As coisas começam a se encaixar — refletiu Michael. — Uma zona protegida por lendas e tabus seria um esconderijo perfeito para os Contras.

Anne, que permanecera em silêncio até então, explodiu, desesperada:

— Não quero saber das ruínas ou dos terroristas! Tudo o que quero é meu marido de volta, são e salvo. Vou entrar em contato com o nosso banco amanhã de manhã e, se Deus quiser, levantaremos a quantia em pouco tempo. Michael, você se encarregaria da entrega?

Maggie esperava que ele dissesse que sim imediatamente. Em vez disso, um longo silêncio foi a resposta ao pedido de Anne.

— Se você não for, eu vou — Maggie pressionou, irritada.

— Não, Maggie, você não pode! — Anne se opôs.

— Escutem aqui, vocês duas — Michael ordenou. — Se alguém tiver de se enfiar naquela selva, esse alguém serei eu.

— O que você quer dizer com se? — Maggie reagiu.

Ele hesitou, demonstrando relutância em responder.

— Pelo amor de Deus, Michael, seja honesto conosco — Anne implorou. — Não nos esconda nada.

— Anne, sinto dizer isso, mas o fato é que os Contras já fizeram vários seqüestros com a finalidade de conseguir dinheiro para comprar armas. Muitas das vítimas foram mortas.

— Você está querendo dizer que, mesmo que paguemos o resgate, eles poderão matar Adam?

Michael não respondeu, apenas acenou afirmativamente.

— Mas, se não pagarmos, não haverá chances para meu pai! — Maggie gritou. — Não temos outra escolha a não ser fazer o que eles nos ordenam. Diga-me uma coisa: ninguém escapou com vida dos seqüestros?

— Alguns se salvaram — Michael admitiu. — Mas...

Maggie o interrompeu.

— Nesse caso, pagaremos o resgate.

— Maggie, deixe que a embaixada cuide disso. Eles sabem lidar com situações desse tipo.

— Você diz isso porque não é a vida do seu pai que está em jogo — Maggie murmurou, angustiada.

Anne já estava fazendo os cálculos.

— Temos apenas dez dias até o prazo que eles nos deram. Espero estar com o dinheiro em dois dias. Quanto tempo você acha que pode durar a viagem de Rosário até o ponto assinalado no mapa?

— Uma semana, mais ou menos — Michael respondeu. — A cavalo, o único meio de transporte possível.

— Meu Deus, em cima do prazo que eles exigiram! Precisamos correr.

Anne, compreendo que vocês duas estejam preocupadas e ansiosas. Vão em frente e levantem a quantia, se é o que acham certo fazer. Mas depois aguardem as minhas instruções.

— O bilhete diz para não avisarmos as autoridades. — Maggie apontou. — Se eles descobrirem que você está envolvido...

— Não há perigo. Quando fui a Rosário, fingi ser filho de Adam. Disse que estávamos preocupados porque ele não tinha telefonado, como havia prometido. Portanto, até onde os Contras sabem, apenas a família está a par do seqüestro.

— E o que você pretende fazer, Michael? — Anne perguntou.

— O primeiro passo é interrogar o homem que serviu de guia a Adam.

— Felipe Gutierrez?

— Exato. Fui informado de que ele voltou sozinho à vila. Tenho fortes suspeitas de que ele foi pago pelos Contras para levar Adam direto à armadilha.

Mas onde ele estará agora? Maggie perguntou.

— Disseram-me na estalagem que ele seguiu para o México. Já avisei aos guardas da fronteira.

Ainda assim ele pode passar furtivamente Maggie trucou.

É uma possibilidade admitiu, relutante. Mas tenho esperanças de que ele seja barrado.

Maggie ficou um instante refletindo sobre tudo o que Michael dissera. Parecia haver muito pouco a fazer, antes do prazo dado pelos terroristas. Não havia escolha, decidiu. Elas pagariam o resgate e rezariam para os seqüestradores libertarem Adam.

Vocês estão exaustas Michael Observou. Por que não tentam dormir um pouco? Telefonarei por volta do meio-dia para informar-lhes sobre o andamento das investigações.

Maggie não respondeu.

Está bem Anne afinal consentiu. Esperaremos seu telefonema. E obrigada por tudo, Michael. Sei que você está fazendo o que pode.

Ele foi até a porta e olhou de relance para Maggie, que não se movera de onde estava.

Lembre-se do que eu disse, Maggie — aconselhou-a. — Nós da embaixada cuidaremos de tudo. Não tente fazer as coisas por sua conta.

Ela não respondeu e ele saiu do quarto.

Não sei o que fazer Anne murmurou, desesperançada.

Não se entregue, Anne. Maggie procurou dar-lhe forças, passando o braço em volta dela num gesto confortador. Precisamos continuar acreditando que papai está bem. Vamos ser fortes com ele.

Anne tentou sorrir e apertou a mão que descansava em seu ombro.

Você tem razão. E, olhando para o vazio, murmurou — Deus, eu o amo tanto...

— Eu também — afirmou Maggie. — E é por isso que farei o impossível para tirá-lo dessa situação.

 

Na manhã seguinte, comunicando-se com o banco em Santa Bárbara, Anne constatou com grande alívio que a quantia estaria disponível já naquela tarde. Voltando ao hotel, onde Maggie aguardava o telefonema de Michael, perguntou, ansiosa:

— Alguma notícia?

Maggie meneou a cabeça.

— Não. Raul telefonou, colocando-se à nossa disposição, mas...

— Eu sei: mas não há nada que ele possa fazer — Anne completou e então contou a Maggie sobre o dinheiro.

— Graças a Deus — suspirou ela. — Um problema a menos. Estive pensando, Anne. Eu poderia alugar um helicóptero e voar para Rosário amanhã bem cedo. Lá chegando, pego um cavalo, sigo o mapa e...

— Não senhora! — Anne interrompeu-a com veemência. — Já chega o que aconteceu ao seu pai. Você não ouviu o que Michael disse?

— Michael não apresentou nenhuma sugestão concreta. Ele tentou se mostrar otimista com aquela conversa de barrar o guia na fronteira. Mas a verdade é que não existe mais nada a ser feito, a não ser pagar o resgate. E ele sabe disso.

— Talvez o governo pudesse enviar soldados para...

— Meu Deus, você está louca, Anne? A mensagem foi clara: não avisar aos federales. Se os seqüestradores desconfiarem que a polícia está por trás de tudo, não terão misericórdia. Nem mesmo Michael considerou essa hipótese. Seria a morte certa para papai.

Anne caiu pesadamente sobre a cama.

— Eu sei, você está certa. Mas sei também que seu pai, se pudesse, não permitiria que você nem sequer pensasse em fazer uma loucura como essa.

— Anne, não é tão perigoso quanto possa parecer à primeira vista. Já saí com vida daquela selva uma vez, lembra-se?

— Mas você estava com Michael!

— Agora estou com o dinheiro! E se Michael tivesse aceitado acompanhar meu pai, nada disso teria acontecido! — gritou, exaltada.

— Maggie!

— É a pura verdade e você sabe disso tão bem quanto eu.

— Não é justo culpar Michael pela teimosia de Adam. Seu pai foi alertado sobre todos os perigos dessa viagem.

— Anne, pare com isso, por favor — Maggie pediu com voz cansada. — Não quero discutir com você.

— Está bem, não vamos nos exaltar. — Abraçou-a carinhosamente. — Estamos muito nervosas, mas precisamos manter a cabeça fria para raciocinar com clareza.

— Pelo menos estamos de acordo num ponto: vamos esperar até o telefonema de Michael.

Mas quando ele telefonou, uma hora depois, não trazia nenhuma notícia. Os guardas da fronteira não haviam visto ninguém correspondendo à descrição de Felipe Gutiérrez. Embora Michael não admitisse, era evidente que não sabia que outras providências poderiam ser tomadas. Pediu para falar com Maggie.

— Escute aqui, mocinha, nada de idéias malucas. Amanhã de manhã tornarei a ligar.

— Em primeiro lugar, não considero uma idéia maluca salvar a vida de meu pai — reagiu ela com fúria. — Em segundo lugar, vocês da embaixada não fizeram nada até agora.

— E você acha que vai conseguir fazer alguma coisa? Vai levar um tiro na cabeça, isso sim — revidou ele com fúria.

Maggie ficou em silêncio. Michael concluiu, baixando o tom de voz:

— Voltarei a ligar amanhã bem cedo.

— Até logo — retrucou secamente e bateu o telefone com decisão.

Maggie levantou-se de madrugada. Tomando todo o cuidado para não acordar Anne, foi até o banheiro e trocou a camisola por calças compridas de brim, camisa e botas. Colocou numa mochila algumas mudas de roupa, um estojo de primeiros socorros, e saiu sem fazer barulho.

O funcionário que tomava conta da portaria espantou-se ao vê-la de pé tão cedo. Ficou ainda mais surpreso quando Maggie pediu que ele lhe desse o dinheiro que estava guardado no cofre do hotel desde a tarde anterior.

— Tem certeza, señorita?

— Por favor — insistiu ela. — Ande rápido, que estou com pressa.

— Nesse caso, um instante só.

Poucos minutos mais tarde, Maggie deixou o hotel, levando o pacote de dinheiro cuidadosamente escondido entre as peças de roupa na mochila. Quando Anne saíra para fazer a retirada no banco, Maggie havia aproveitado para telefonar ao aeroporto, requisitando um helicóptero para as primeiras horas da manhã.

— Não sei o que está havendo — comentou o piloto, enquanto se aprontavam para partir. — Rosário ficou popular de repente. Ainda outro dia levei um americano até lá.

Quando decolaram, Maggie rezou para que Anne não acordasse cedo.

 

— Michael, ela desapareceu! — Anne gritou, desesperada, ao telefone, duas horas mais tarde.

— O quê?

— Maggie foi embora, levando o dinheiro. Eu me informei na portaria.

— Anne, fique calma. Vou me comunicar com o aeroporto e ligo em seguida.

Minutos depois, o telefone tocou no quarto do hotel.

— Anne? Ela alugou um helicóptero para levá-la até Rosário.

— Meu Deus! Maggie foi entregar o dinheiro do resgate!

— Eu vou atrás dela, Anne. Quanto a você, não saia daí.

— Está bem.

— Se precisar de alguma coisa, entre em contato com Raul.

— Será que você vai conseguir, Michael? — Anne perguntou ansiosa.

— Eu já a encontrei uma vez. Posso fazer a mesma coisa agora.

Rosário estava longe de ser uma atração turística em San Sebastian. Apenas algumas dezenas de casas agrupavam-se em torno de uma praça. Pouco maior que uma vila, contava ainda com um comércio incipiente, uma igreja antiga e um "hotel", conforme indicava o letreiro na entrada da estalagem. A vila se erguia nas proximidades de uma enorme floresta.

Na estalagem, Maggie conseguiu perguntar num espanhol sofrível onde poderia alugar um cavalo. Uma hora depois, no lombo de uma égua mansa, punha-se a caminho, levando provisões para duas semanas. Antes disso, esperava estar de volta com o pai, ou... Decidiu não pensar na segunda alternativa.

Olhando para o mapa, desenhado atrás do bilhete de resgate, ela constatou que o rio seria o seu guia durante a maior parte do trajeto. Não estava preocupada em se perder, mas em ser obrigada a ficar sozinha durante tanto tempo naquele lugar sinistro. Tinha medo do que iria encontrar, tão logo chegasse às ruínas.

Dando uma pancadinha nos flancos da égua, ela logo desapareceu entre as árvores, recusando-se a ceder aos temores que lhe assaltavam a mente.

À medida que avançava para o coração da selva, Maggie pensava consigo mesma que aquele local fora o berço da civilização maia, que, embora desaparecida antes da chegada dos espanhóis à América, continuava a fascinar o mundo. Não era de se espantar que o pai tivesse tanto interesse em encontrar aquelas ruínas, se bem que, no momento, ela preferisse vê-lo explorando as ilhas da Califórnia.

Pouco a pouco, as clareiras ao longo das margens do rio cederam lugar à exuberante vegetação tropical que permanecia intacta como se jamais houvesse sido penetrada pelo homem.

Antes do pôr-do-sol, Maggie interrompeu a viagem e preparou-se para acampar durante a noite. Fez uma pequena fogueira e, depois de comer alguma coisa, desenrolou o saco de dormir.

Uma hora depois, ainda acordada, ela ouviu um ruído diferente dos sons da floresta. Pareciam passos e estavam cada vez mais próximos.

Aterrorizada e movendo-se sorrateiramente, Maggie escondeu-se atrás de uma árvore. Numa das mãos trazia a arma que comprara na vila, com a esperança de não precisar usá-la. Ao que tudo indicava, porém, era chegado o momento de estrear a compra.

A lua se escondeu atrás de uma nuvem, e, de repente, tudo ficou escuro como breu. Maggie podia ouvir a égua, amarrada numa árvore próxima, mover-se de lá para cá, agitada. Mas não conseguia mais ouvir os passos. Onde estaria ele? Quem seria?

Subitamente viu-se golpeada com violência e jogada ao chão. Caiu de costas, quase inconsciente, e o atacante atirou-se sobre ela, mantendo-a imóvel, prendendo-lhe com firmeza os pulsos no chão, enquanto a obrigava a soltar a arma.

Naquele exato instante a lua se tornou visível, iluminando a floresta novamente.

— Maggie!

— Oh, meu Deus! Michael! — o alívio fez brotar lágrimas dos seus olhos.

Saindo de cima dela, Michael ajudou-a a se levantar. Maggie percebeu que ele estava lívido, furioso.

— Que diabo estava fazendo aí? Eu poderia ter matado você!

— O que eu estava fazendo? Foi você quem me atacou, lembra-se?

— Só vi um vulto com uma arma na mão. O que gostaria que eu fizesse? Que pedisse licença e perguntasse se, por acaso, pretendia atirar em mim?

O alívio que Maggie sentira há pouco transformou-se em irritação.

Bela hora para fazer piada, Michael Curry! Você quase me matou de susto.

— Ótimo. Um susto era o mínimo que você merecia por ser tão teimosa. Eu disse teimosa? Louca, isso sim!

Quer dizer que sou louca por tentar salvar a vida de meu pai? revidou ela. Pelo que me lembro, você não apresentou outra solução. Queria que eu ficasse sentada, esperando inutilmente que você achasse uma saída? Telefonemas não resolveriam nada, meu caro, e você sabe disso.

Será que passou por essa cabeça de vento o quanto Anne ficou preocupada? Já não basta o estado em que ela se encontra por causa do seqüestro do marido?

Sinto muito por ela. Mas no momento só consigo pensar no meu pai.

Maggie, isso não vai ajudá-lo em nada.

Quem pode ter certeza? Se pagarmos o resgate, ele tem uma chance de escapar com vida.

Michael não teve resposta para aquilo. Ficaram em silêncio por alguns segundos, apenas se encarando com ar de desafio.

Vou buscar o meu cavalo anunciou ele afinal. Eu o deixei mais atrás. Quanto a você, é melhor voltar para perto do fogo, caso não queira servir de jantar a algum animal selvagem.

Minutos depois ele voltava, trazendo o cavalo. Maggie estava sentada ao pé do fogo. Michael amarrou o cavalo numa árvore e sentou-se ao lado dela.

Não pense você que vai me levar de volta desafiou ela com voz calma.

É exatamente isso o que vou fazer, senhorita. — Calou-a com um gesto e prosseguiu: Mas não se preocupe. Eu me encarregarei de levar o dinheiro do resgate depois.

Só que vai chegar tarde demais.

Ele ficou quieto, sabendo que Maggie estava com a razão.

Então vamos fazer o seguinte propôs. Você me espera aqui. Eu levarei o dinheiro sozinho.

Espero aqui coisa nenhuma. Vou com você, a menos que me amarre no tronco de uma árvore.

Maggie Russell, você é a mulher mais teimosa e mais estúpida que tive o azar de conhecer!

E você, o mais... o mais... — Vasculhou a mente sem encontrar adjetivos insultuosos o bastante. Quer saber do que mais? Vou dormir. Boa-noite, Michael Curry.

Voltou a se acomodar no saco de dormir, enquanto ouvia Michael preparar as coisas para fazer o mesmo. Embora estivesse zangada, era impossível negar, por outro lado, o quanto se sentia aliviada pela presença dele.

Antes de pegar no sono, ocorreu-lhe que a história de oito anos atrás estava se repetindo. Os dois, mais uma vez, estavam juntos naquela selva. Só que agora havia uma pequena diferença: Maggie não era mais a menina inexperiente de antes.

 

Maggie acordou na manhã seguinte, sentindo cheiro de café. Abriu os olhos, espreguiçou-se e viu Michael sentado junto ao fogo.

Bom-dia disse ele. Quer café?

— Ótima idéia — respondeu depois de reprimir um bocejo. Calçou as botas e foi até ele, sentando-se sobre um tronco e aceitando a caneca que Michael lhe estendia. Não havia açucar ou creme, mas ainda assim estava delicioso. Olhou à sua volta. Todo aquele verde, o cheiro de mato, o rio correndo nas pedras...É estranho comentou —, mas, apesar de tudo, sinto tanta paz aqui... A sensação é a de estar no paraíso.

Pois é, mas mesmo no paraíso havia uma serpente retrucou Michael. E aqui há várias delas, entre outros perigos.

Maggie não respondeu. Sabia a que serpentes ele estava se referindo.

Não compreendo como seu pai teve a coragem de vir sozinho por esta mata. Já que estava tão obcecado em encontrar as ruínas, devia ao menos preparar uma expedição decente.

Eu sei o que se passou pela cabeça dele: não dividir com ninguém a glória de uma descoberta tão importante. Isso o tornaria respeitado entre os arqueólogos de renome. O que mais poderia almejar um amador?

Michael balançou a cabeça, incrédulo.

— De que adianta a gloria depois de morto?

— Você... você acha que ele... — não conseguiu terminar a frase.

Ele a fitou com ar compassivo. Gostaria de poder assegurar-lhe de que estava tudo bem, mas não podia fazer isso.

— Honestamente, não sei. Vamos, é melhor levantarmos acampamento. Temos uma longa caminhada pela frente.

Ela baixou os olhos, mas não disse nada. Arrumaram então as coisas, selaram os cavalos e puseram-se a caminho.

A trilha contornava as curvas do rio, serpenteava por entre as árvores caídas e atravessava áreas pantanosas. Maggie sentiu sede e abriu o cantil. Estava vazio. Desapontada, prosseguiu atrás de Michael, preferindo morrer de sede a pedir-lhe que dividisse a água com ela.

Quando, muito tempo depois, aproximaram-se de um regato que corria para o rio, Maggie pediu:

— Michael, podemos parar por um instante?

— Cansada?

— Não, quero apenas aproveitar para encher o meu cantil.

— Certo. Vamos parar por um minuto.

Maggie desmontou e inclinando-se sobre uma pedra, quase mergulhou a cabeça na água límpida e refrescante. Que delícia, meu Deus. Nada podia ser tão gostoso quanto aquela água gelada descendo pela garganta seca.

Michael, sentado sobre uma pedra, observava-a atentamente.

— Que sede, hein? Há quanto tempo o seu cantil está vazio? — perguntou.

Sem olhar para ele, Maggie respondeu em tom displicente:

— Não reparei.

Depois de encher o cantil, ergueu o rosto e viu que ele trazia um brilho divertido no olhar.

— Você é mesmo orgulhosa, não, Maggie Russell?

— E você um intrometido — revidou. — Que lhe importa quanto tempo o meu cantil ficou vazio?

— Importa muito. Se você desmaiasse de sede, nós nos atrasaríamos mais ainda.

— Escute aqui, não pedi para você vir atrás de mim. Então pare com essa insinuação de que só atrapalho.

— Droga! É isso mesmo que mereço por me preocupar tanto com uma mal-agradecida como você.

De repente Maggie caiu em si. Eles estavam se comportando exatamente como há oito anos, quando ela discutia todas as ordens dele. O mesmo pensamento ocorreu a Michael, e os dois caíram na risada.

— Algumas coisas não mudam nunca hein, Maggie?

— Você continua o dominador de sempre, se é isso que está tentando dizer — caçoou ela.

— E você permanece tão teimosa quanto antes. Só que cada vez mais bonita — acrescentou com voz rouca.

Ficaram olhando um para o outro, como que hipnotizados. Maggie foi a primeira a quebrar o encanto:

— É melhor prosseguirmos.

Michael hesitou um instante e acabou concordando.

— Vamos.

Tornaram a montar e andaram um bom pedaço em silêncio. Maggie tentou concentrar o pensamento em outras coisas e passou a fixar a atenção no cenário.

 

De noite, enquanto tentava em vão conciliar o sono, Maggie admirava a lua, um disco amarelado no céu, pontilhado de estrelas. Apesar das circunstâncias, experimentava uma deliciosa sensação de conforto por estar ao lado de Michael num lugar que era só natureza. Tentou reprimir aquele romantismo fora de hora. Afinal, não estava ali por escolha própria, ela devia estar pensando apenas no pai. Que Deus os ajudasse a concluir com sucesso aquela tarefa tão arriscada.

— Maggie? — Michael chamou-a em voz baixa.

Ela se surpreendeu. Julgava que ele estivesse dormindo. Aguardou um segundo, subitamente nervosa, e só então respondeu:

— Sim?

— Eu só queria que você soubesse de uma coisa: desde que saí de Santa Rita, o meu primeiro momento de felicidade foi naquela noite em que a encontrei no meu apartamento.

Maggie ficou sem ação diante daquela confissão feita com voz suave e de modo tão espontâneo quanto inesperado. Sentiu a garganta se fechar e permaneceu em silêncio, decidida a não se deixar engolir pela onda de amor que lhe inundava o coração. Virou-se para o outro lado e, dali para a frente, não falaram mais nada.

Pouco depois, Maggie ouvia-lhe a respiração serena e compassada. Michael conseguira pegar no sono, o felizardo. Quanto a ela, parecia destinada a ficar acordada a noite inteira.

 

Ao abrir os olhos na manhã seguinte, Maggie viu-se sozinha. Por um instante o pânico cresceu dentro dela. Mas logo sossegou, ao ver que o sleeping ainda estava no chão e que o cavalo de Michael continuava amarrado à árvore. Na certa, ele estava recolhendo gravetos para fazer o fogo ou, quem sabe, pegando água no rio.

Pôs-se de pé e esticou os músculos, doloridos depois de uma noite maldormida. Um barulho chamou-lhe a atenção. Era um som de água corrente, mas não vinha do rio. Abrindo caminho entre as folhagens, logo chegou a uma lagoa, alimentada por uma pequena queda-d'água.

O cenário era de tirar o fôlego. As águas cristalinas, o verde luxuriante da vegetação, o cantar alegre dos pássaros... Meu Deus, aquilo era o próprio paraíso!, constatou, extasiada.

Michael se banhava bem no meio da lagoa. A pulsação de Maggie se acelerou diante da visão daquele corpo bronzeado e tão bem proporcionado: os músculos retesados sob a pele molhada, os quadris estreitos, as coxas longas e fortes. Os cabelos, esticados para trás deixavam ainda mais pronunciados os ângulos do rosto. Havia algo de animal naquele homem, um ar rebelde e indomável capaz de seduzir qualquer mulher. Como Maggie admirava a força que dele se emanava, o autocontrole, os gestos firmes e decididos! Muito embora lutasse contra o domínio que Michael exercia sobre ela, Maggie não podia negar que era exatamente ali que residia todo o seu fascínio. Quem poderia ficar indiferente àquele sex appeal?

Sentindo-se observado, Michael se voltou para ela. A ternura que transparecia naqueles olhos verdes pegou-a totalmente de surpresa. Ficou paralisada, vendo-o sair da lagoa e aproximar-se devagar.

Michael parou a poucos centímetros dela, e, com um brilho divertido no olhar, confidenciou:

A água está ótima. Não quer tomar um banho?

Incapaz de se mover, Maggie não esboçou a menor reação ao vê-lo desabotoar a sua blusa, e deixou-se despir como uma criança dócil. Quando a última peça foi descartada, Michael tomou-a nos braços e carregou-a para dentro da lagoa. Pegou o sabonete que havia deixado sobre uma pedra e começou a ensaboá-la, com movimentos impregnados de gentileza e sensualidade. As mãos deslizavam sobre o corpo de Maggie, as pontas dos dedos fazendo uma pressão suave sobre a sua pele.

Ela ardia de desejo, mesmo tendo a metade do corpo imersa na água gelada. Qs bicos dos seios despontavam, ansiosos para serem tocados. Sem perceber o que estava fazendo, molhou os lábios com a língua.

Maggie ele murmurou com voz rouca, demonstrando o esforço que fazia para manter o autocontrole. Dormir ao seu lado sem tocá-la foi a coisa mais insuportável pela qual já passei em toda a minha vida.

E então deixou o sabonete cair. Colocou as duas mãos sobre os quadris de Maggie e atraiu-a para a frente, colando o corpo ao dela. Os lábios iniciaram uma exploração minuciosa na direção dos seios. Maggie fechou os olhos e arqueou o corpo ao sentir a língua acariciar-lhe demoradamente os mamilos. Gemeu quando a boca se fechou sobre cada um dos seios, detendo-se neles sem misericórdia. Já totalmente fora de controle, ela enterrou os dedos nos ombros dele e implorou:

— Agora, Michael! Quero ser sua agora!

Ele a beijou com ardor e só se afastou para tomá-la uma vez mais entre os braços, carregando-a para fora da lagoa. Ali mesmo, sobre o tapete de grama, Michael a penetrou sem hesitação, seus corpos movendo-se num ritmo alucinante até a explosão do delírio final.

Continuaram deitados, pernas entrelaçadas. Era como se não existisse nenhuma barreira entre eles. "Agora", Maggie decidiu.

Aproveitando-se daquele momento de intimidade, revelou:

— Conheci a Casa Felicidad.

Por um momento, Michael ficou sem fala. Olhou bem para ela e então se afastou, sentando-se e fitando a lagoa.

— Raul a levou até lá? — perguntou com voz distante.

— É, fui com ele — confirmou, ansiosa para ver o que Michael teria a dizer.

— O que... o que foi que ele lhe contou?

— Na verdade, disse-me que não poderia falar nada sem a sua permissão.

Ele se voltou para ela, tenso e com uma expressão de dor. Era a primeira vez que expunha suas emoções de modo tão intenso e Maggie teve a certeza de que a verdade estava prestes a vir à tona. Michael parecia não suportar mais o peso de uma carga tão grande.

— Maggie, eu te amo — começou ele. — E é esse amor que me faz ter coragem de dividir com você algo terrível, que vem me acompanhando a vida inteira.

Ela aguardou, sem ousar interrompê-lo.

— Se pareço frio em determinadas ocasiões — prosseguiu —, é porque sou um homem atormentado. Minha infância, ao contrário, foi uma época feliz e tranqüila. Até hoje sinto falta daqueles tempos. De vez em quando, um perfume qualquer me lembra o de minha mãe, uma certa música me recorda as cantigas que ela cantava para eu dormir. Tornei-me muito apegado a ela, pois meu pai vivia viajando a negócios.

A voz de Michael era neutra, quase casual. Ainda assim, Maggie sabia do esforço que ele fazia para pronunciar cada palavra. Ela ouvia atentamente, procurando encorajá-lo com o olhar.

— Quando completei oito anos, julguei que já estava bastante crescido. Minha mãe sempre me cercava de cuidados e aquilo me incomodava. Afinal, eu era um homem. Por isso ignorava as recomendações para que tomasse cuidado e vivia testando meus próprios limites. Meu pai entendeu o que se passava comigo e disse a ela que aceitasse o fato de eu estar crescendo embora ainda parecesse pequeno e vulnerável aos olhos deles.

Fez uma pausa. Maggie sentiu que agora a revelação atingiria o ponto nevrálgico. Continuou em silêncio, mal ousando respirar.

— Numa manhã, quando meu pai saiu para mais uma viagem de negócios, abaixou-se para mim e, pousando as mãos nos meus ombros, disse o seguinte: "Você é, o homem da casa, enquanto eu estiver fora, meu filho. Tome conta de sua mãe. Você será responsável por ela até eu voltar." Não preciso dizer o quanto fiquei orgulhoso com aquela incumbência.

— Oh, Meu Deus! — Maggie murmurou, intuindo o que estava por vir.

— A guerra civil estava fermentando havia algum tempo, através de conflitos menores. E então estourou violentamente. Os soldados rebeldes incendiaram a Casa Felicidad. Fui alvejado e eles me julgaram morto. Só que eu não tinha morrido e acompanhei com os meus próprios olhos o assassinato da minha mãe.

Lágrimas rolavam silenciosamente pelo rosto de Maggie. Michael prosseguiu com voz pausada:

— Meu pai me levou para o Novo México, onde vivia a família dele. Embora tivesse tentado recomeçar tudo, nunca mais foi o mesmo. Morreu quando eu estava com vinte anos.

E então repetiu com amargura:

— As últimas palavras de meu pai, naquele dia, antes de viajar foram: "Você é o responsável por sua mãe. Tome conta dela."

Maggie passou os braços em volta dele e o abraçou com força, como se aquele gesto pudesse protegê-lo de todas as dores.

— Ah, meu querido, lamento tanto... — repetiu inúmeras vezes.

Em sua mente formava-se a visão patética daquele menino, ansioso para crescer, e que falhara na sua primeira responsabilidade como homem. Uma tarefa que — era fácil de compreender — o pai lhe dera apenas para enaltecer-lhe o ego. Quem poderia supor a desgraça que se sucederia a partir dali?

— Michael, você sabe que não foi sua culpa. Você era apenas uma criança, não poderia fazer nada contra os soldados — tentava confortá-lo, engolindo as próprias lágrimas.

— Eu sei — respondeu ele com ar cansado —, mas isso não faz com que eu me sinta melhor.

Deixou que Maggie o abraçasse, sem fazer a menor tentativa para afastá-la. Ela gostaria que Michael chorasse, gritasse, que fizesse qualquer coisa, enfim, para expulsar aquela angústia mortal. Qual nada, ele se mantinha firme como uma rocha, esforçando-se ao máximo para preservar aquele estúpido autocontrole.

Agora ela entendia o porquê de ele ser tão fechado e de não querer dividir com ninguém os seus sentimentos mais íntimos. Isso o obrigaria a recordar-se do sofrimento do passado e a enfrentar novamente o complexo de culpa em relação à morte da mãe. Só agora Maggie compreendia por que ele lutava contra ela também. Era evidente que não queria amá-la, pois o amor implica responsabilidade e, na sua visão de menino, ele fracassara ao tomar sob os seus cuidados a pessoa a quem mais amara na vida. A dor fora tão grande que Michael não queria correr o mesmo risco outra vez. Nunca mais.

O fato de ele ter se rendido ao amor que sentia por Maggie era prova do quanto a amava.

— Eu te amo — disse ela novamente. — Ah, Michael, como eu te amo!

Ele lhe beijou a testa com ternura.

— Eu sei. E nunca deixo de me admirar, quando penso no pouco que tenho feito para merecer esse amor.

— Você me perdoa por ter feito acusações tão injustas? Nunca o considerei responsável pela situação em que meu pai se encontra. Nem sei por que disse aquilo. Acho que a gente tem mania de procurar culpados, quando as coisas não dão certo. Por favor, me desculpe. Eu estava muito nervosa.

— Tudo bem, Maggie. Não se preocupe com isso.

— Que idiota tenho sido.

Michael sorriu.

— Estou tentado a concordar — brincou, mas acrescentou em tom sério: — Eu te amo, Maggie.

Embora o amor transpirasse por todos os seus poros, ela experimentou uma amarga sensação de inutilidade. De que adiantava um sentimento tão forte se ele, por si só, não bastava para arrancar de Michael um complexo de culpa absurdo, acumulado durante tantos anos?

— Precisamos nos pôr a caminho — observou ele.

Maggie fez que sim. Enquanto se vestia, pensava no perigo que teriam de enfrentar quando chegassem ao seu destino. Como estaria seu pai? Entretanto, a maior parte do tempo, era a confissão de Michael que dominava os seus pensamentos. Pela primeira vez, ele ousara romper a couraça que protegia seu coração tão vulnerável. E isso era prova de que afinal havia esperanças para eles, quando esse calvário pelas selvas estivesse terminado.

 

Cinco noites depois, deitados a alguns metros de distância do fogo, eles conversavam sobre o final daquela jornada. De acordo com os cálculos de Michael, faltavam apenas alguns quilômetros para que alcançassem as ruínas assinaladas no mapa.

— A partir de amanhã, continuo sozinho — anunciou ele.

Maggie sentou-se no sleeping.

— Não senhor. Eu vou junto.

Michael se sentou também para encará-la de frente.

— Agora ouça uma coisa: não sabemos o que está nos esperando. Nem ao menos podemos ter certeza se seu pai está vivo.

— Eu vou com você — insistiu ela.

— Quer parar de ser teimosa pelo menos uma vez na vida e ouvir a voz da razão? Você vai esperar aqui. Vou prosseguir e checar a situação. Se conseguir avistar seu pai, talvez eu possa tirá-lo de lá.

— E se ele não estiver à vista?

Michael hesitou, mas respondeu friamente:

— Se eu constatar que ele está morto, não há sentido em se pagar o resgate e arriscarmos as nossas vidas.

— Ele não está morto — reagiu ela, cheia de esperanças. — E não gosto da idéia de você prosseguir sozinho.

— Não se preocupe comigo, sei como fazer isso. Prefiro que você fique aqui. Estando tranqüilo a seu respeito, poderei me concentrar apenas em encontrar seu pai e evitar os guerrilheiros.

— Michael... — Maggie suspirou, passando os braços em volta dele. — Tenho tanto medo por todos nós.

Ele lhe acariciou os cabelos e beijou-lhe a testa.

— Não vai acontecer nada, prometo.

Quando Maggie ergueu os olhos para ele, Michael beijou-a de leve nos lábios. Ela respondeu com desespero, consciente de que aquela poderia ser a última vez.

 

Michael amarrou o cavalo junto a uma árvore e prosseguiu a pé. De acordo com o mapa e pelo que ele podia se lembrar de quando lá estivera com Maggie, não tardaria a ver as ruinas. Movia-se com cuidado, olhando bem por onde pisava. Qualquer ruído poderia colocar tudo a perder. Um passo em falso e a sua presença seria notada pelos guerrilheiros. A única chance de que dispunha era o fator surpresa. Caso contrário, seria um homem morto.

A floresta era menos densa naquele local, o sol passava com facilidade pelas árvores, sinal de que a clareira assinalada no mapa estava próxima.

Foi então que Michael avistou por entre as árvores um monumento feito de um só bloco de pedra. Era exatamente como ele se lembrava: uma pirâmide com pouco mais de dez metros de altura, tendo os degraus de pedra quase que totalmente cobertos pelo mato. Na verdade, a maior parte do templo estava escondida por trepadeiras. Com toda a cautela, ele deu a volta pela clareira até chegar à parte posterior das ruínas. Como era de se esperar, dois Contras estavam de guarda, empunhando rifles automáticos. Aparentemente estavam prontos a surpreender a pessoa que viesse entregar o dinheiro do resgate.

Michael preparou o rifle e aguardou o momento exato de atacar. Quando os soldados se distraíram por um instante, ele não perdeu tempo.

— Não se movam! — ordenou em espanhol, apontando-lhes a arma nas costas.

Os dois ficaram como que congelados, susto e medo estampados em seus rostos.

— Joguem as armas para mim! — Michael prosseguiu. Eles obedeceram. Muito jovens, mal saídos da adolescência, davam a entender pelo seu comportamento que não tinham grande experiência como guerrilheiros. Vendo que um deles trazia um par de algemas no cinto, Michael teve a idéia de algemá-los. Feito isso, amarrou-os no tronco de uma árvore.

— Agora vamos ter uma conversinha. — anunciou com um sorriso.

Em poucos minutos, os dois contaram tudo o que ele queria saber. Seis homens estavam tomando conta de Adam. Um deles conhecia Felipe Gutiérrez, a pessoa contratada por Adam para servir-lhe de guia. Felipe entrara em contato com o amigo e ficara acertado que, em troca de uma porcentagem do resgate, ele levaria o americano à toca do lobo.

Michael perguntou-lhes então se o americano estava vivo, certo de que a resposta seria negativa. Para sua surpresa, eles disseram que sim. Claro que poderiam estar mentindo, mas era preciso ir até lá averiguar. Indagados sobre onde estava situado o acampamento, eles responderam que ficava a um quilômetro de distância dentro da selva.

Deixando-os amarrados, Michael tornou a se embrenhar na floresta, carregando os rifles que tomara deles. Poucos metros adiante, escondeu as armas numa moita, esperando que aquela que levava consigo fosse suficiente. Movendo-se furtivamente como um tigre, ele foi abrindo caminho até chegar ao acampamento dos Contras.

O que avistou em seguida deixou-o perplexo. Michael pensara em encontrar barracas ou, na melhor das hipóteses, toscas choupanas de sapé. Entretanto, o que tinha diante dos olhos eram as ruínas de uma cidade maia. Construções parcialmente destruídas e cobertas de líquen agrupavam-se em torno de uma praça, calçada com cimento de calcário e flanqueada por plataformas e santuários. Enormes blocos de pedra, chamados esteias, nos quais eram gravados os feitos notáveis, jaziam aqui e ali, onde haviam caído ao longo dos séculos, desde que a cidade fora abandonada.

A praça estava quase que inteiramente coberta de grama e os prédios e templos forrados por trepadeiras. Mas ainda era uma cidade. A cidade que Adam tivera esperança de encontrar, O templo onde Michael e Maggie haviam pernoitado há oito anos não passava de um anexo daquele centro magnífico.

No meio da praça estavam montadas as barracas. No interior de uma delas, Michael pôde ver dois soldados jogando baralho. Numa outra, alguém estava deitado sobre uma cama de lona. Um dos soldados, um pouco mais afastado, cortava lenha. Mais os dois que deixara amarrados um quilômetro atrás... Isso somava seis. Isto é, se eles não houvessem mentido acerca do número.

Olhando atentamente para cada um daqueles prédios em ruínas, Michael notou que o templo mais afastado da praça tinha a entrada barrada por alguns galhos de árvores, como se fosse uma cela improvisada. Pela primeira vez desde que soubera do seqüestro de Adam, ele teve esperanças de encontrá-lo vivo. Quem mais poderia estar preso lá dentro?

Dando uma volta enorme e esgueirando-se entre os blocos de pedra, afinal alcançou uma das paredes do templo. Olhou rapidamente para os soldados e constatou que todos continuavam entretidos nas mesmas tarefas. Sempre colado à parede, chegou até a entrada e espiou lá dentro. Alguns segundos se passaram antes que os seus olhos se acostumassem à escuridão. Logo em seguida, conseguiu avistar Adam, estirado sobre um cobertor, parecendo fraco e abatido, mas vivo, graças aos céus.

Mais uma olhada na direção dos guardas e então...

— Adam! — sussurrou.

— Quem é? — perguntou ele em voz baixa, erguendo o corpo e estreitando os olhos para enxergar contra a claridade.

— Sou eu, Michael. Espere, não diga nada.

Aquela seria a parte mais arriscada, mas não havia outra escolha. Certificando-se mais uma vez de que os homens estavam distraídos, ele cortou com uma faca um dos nós que mantinham os galhos presos. Logo conseguiu uma abertura suficiente para poder entrar.

Adam havia se levantado e movia-se com extrema dificuldade em direção à saída. A perna esquerda estava grosseiramente enfaixada.

— Graças a Deus, Michael, que é você. Temia que Marguerite fizesse a loucura de vir atrás de mim.

— Pois saiba que ela veio. Está esperando por nós a alguns quilômetros daqui. Custei a convencê-la de que era melhor eu vir sozinho. Você está bem? Acha que pode caminhar?

— Estou ótimo, a não ser por esta maldita perna. Eles atiraram em mim quando tentei escapar. Posso andar, mas receio que não possa me locomover com rapidez. Fui um estúpido! Antes tivesse escutado os seus conselhos. Agora, por minha causa, você e Marguerite estão correndo perigo.

— Calma, vamos sair daqui. Apoie-se em mim.

Adam, porém, estava pior do que Michael supunha. Mal haviam dado alguns passos e o homem parecia exausto, tamanho o esforço despendido para se equilibrar.

— Não adianta — reconheceu ele, com uma careta de dor. — Não vou conseguir ir muito longe desse jeito.

— Não desista. Adam. Temos de sair daqui — insistiu Michael, arrastando-o para uma das paredes laterais do templo.

Tarde demais. O ruído seco de uma arma sendo engatilhada soou bem atrás deles.

 

Maggie estava sentada numa pedra à margem do rio e distraía-se jogando pedrinhas na água. Já se haviam passado duas horas desde que Michael partira, e Maggie sentia que não agüentaria esperar um minuto mais. Ficara combinado que ela deveria esperar por ele até o meio-dia. Caso não desse sinal de vida até então, Maggie retornaria imediatamente para Rosário. O prazo estava se esgotando e, embora ela se sentisse aterrorizada ante a idéia de voltar sozinha, era exatamente o que iria fazer, se Michael não aparecesse nos próximos minutos.

 

Os soldados haviam mentido. Não eram seis, mas sete homens. O sétimo ficara de vigia no alto de uma das ruínas e vira Michael entrar no templo. Agora, com a arma apontada para eles, conduzia-os até as barracas onde estavam os demais soldados.

O líder, que, sem dúvida era o mais velho e mais experiente, interrogou Michael com rispidez. Onde estava o dinheiro? Viera sozinho? Avisara os federales?

Michael respondeu que ninguém sabia da sua vinda e que não trouxera a soma exigida por eles.

— Adam Russell é apenas um arqueólogo amador — explicou em espanhol. — Não é um homem de posses.

— Mentira! — retrucou o líder, dando-lhe um violento tapa no rosto. — Ele estava usando um relógio de ouro. Só alguém com muito dinheiro poderia comprar uma jóia dessas. — E voltando-se para dois soldados: — Dêem uma busca por aí. Vamos ver se ele também está mentindo sobre ter vindo sozinho.

Adam e Michael foram jogados para dentro de uma barraca e o interrogatório prosseguiu durante meia hora. Michael não foi poupado. Insatisfeito com as respostas, o líder demonstrava a sua fúria dando-lhe socos e pancadas. Ele agüentava firme, sempre mantendo o ar voluntarioso, mas intimamente pedia a Deus que Maggie tivesse feito conforme o combinado. Era só nisso que pensava. Se aqueles miseráveis pusessem as mãos nela...

— Oh, não. Não! — ouviu Adam murmurar desesperado.

Seguindo a direção do olhar dele, Michael sentiu uma pontada no estômago. Os dois soldados que haviam saído antes acabavam de voltar, trazendo Maggie com eles.

Ela se debatia e tentava se soltar, mas não tinha forças para impedir que eles a arrastassem até a barraca. Um dos homens trazia o pacote de dinheiro e, ao ver o líder, ergueu o braço com ar vitorioso:

— Olhem só o que nós encontramos — exclamou alegremente, apontando para o pacote. E, com a expressão de quem estava achando tudo aquilo muito divertido, acrescentou: — Essa boneca estava tomando conta da grana para nós.

O líder abriu o pacote mais do que depressa e contou o dinheiro. Feito isso, respondendo ao olhar de expectativa dos seus homens, ordenou:

— Levem-nos para a floresta. Temos de matá-los agora mesmo e sair daqui, antes que nos encontrem. Pode haver muitos americanos espalhados por aí. Este lugar deixou de ser seguro.

— E o que vamos fazer com Pedro e Diego? — um deles perguntou, referindo-se obviamente aos dois homens que Michael surpreendera nas ruínas do templo.

— Depois a gente vê. Vamos logo, acabem com isso de uma vez. Temos de sair daqui o mais rápido possível.

Ainda lutando, Maggie deu um pontapé na canela daquele que prendia o seu pulso. O homem deu um grito de dor e apontou o rifle para ela.

— Não! — Michael reagiu, desesperado, atirando-se na direção dele. Mas um dos guardas deu-lhe uma coronhada na cabeça, fazendo-o cair no chão, inconsciente.

— Michael! — ajoelhando-se perto dele, Maggie viu que a cabeça sangrava no local da pancada. Foi só o que teve tempo de fazer, uma vez que um dos soldados a colocou novamente em pé com um movimento brusco.

— Por favor — Adam implorou. — Não há razão para matá-la. Deixem que ela se vá. Posso mandar trazer-lhes o dobro do dinheiro. — proclamou ingenuamente.

— E mais americanos, não é? — o outro acrescentou sorrindo ironicamente. E mudando a expressão: — O que você acha que sou? Algum idiota? — Dirigiu-se para os demais soldados: — Acabem com eles!

— E esse outro? — um deles perguntou, apontando para Michael, desmaiado no chão.

— Eu mesmo me encarrego dele.

Maggie e Adam foram arrastados para longe das barracas. Ela pensava desesperadamente em como escapar daquela situação. Mas o que poderiam fazer? Não havia a menor possibilidade de fuga. Os homens estavam armados e Michael inconsciente. Estava tudo acabado.

 

Michael lutava para chegar à consciência. A cabeça doía-lhe terrivelmente e ele não tinha forças para se levantar. Mas não podia se entregar. Maggie precisava dele. Abriu os olhos devagar e viu os soldados empurrando os dois para dentro da selva.

Um velho quadro se desenhou na sua mente. Um menino ferido, assistindo, indefeso, à morte da própria mãe. Estava acontecendo novamente. Desta vez com Maggie.

"Oh, Deus, não!"

Olhando na direção do líder do grupo, percebeu que ele estava atento aos soldados, que se distanciavam rapidamente. O rifle descansava no chão, quase ao alcance das mãos de Michael. Ele não pensou duas vezes. Apanhou a arma e apontou-a para o homem, antes que este tivesse tempo de reagir.

— Chame os seus homens de volta! — Michael ordenou. Ainda estava no chão, mas segurava o rifle com firmeza, o cano apontado para o coração do outro. — Faça o que estou dizendo, vamos! — insistiu ao ver que o homem hesitava. — Se eles não estiverem aqui em trinta segundos, terei o maior prazer em estourar esse coraçãozinho de manteiga que você traz dentro do peito.

O líder estava pálido. Gotas de suor porejavam na sua testa. Ele não era nenhum louco. Sabia reconhecer alguém que não brincava em serviço.

Gritou para os soldados que largassem as armas e voltassem imediatamente.

 

Devido ao estado de Adam, cada vez mais fraco e doente, a volta para Rosário foi penosa e demorada. Assim que chegaram, um helicóptero levou-os diretamente para um hospital em Jacinto, onde, felizmente, os médicos constataram que o ferimento não era grave.

Na sala de espera, enquanto tomava um gole de café, Maggie sentia-se como se tivesse feito uma viagem de ida e volta ao inferno.

— Maggie!

— Oi, Raul. Puxa, você nem imagina como é bom vê-lo novamente! — Levantou-se e aceitou o abraço demorado que ele lhe deu.

— Você está bem?

Ela sorriu com ar cansado.

— Mais ou menos. Só sei de uma coisa: espero nunca mais pisar numa selva. Vou evitar até mesmo os filmes de Tarzã.

Raul sorriu, compreensivo.

— Michael acabou de chegar ao apartamento. Ele estava cansado demais para entrar em detalhes, mas disse que encontraria vocês aqui no hospital. O que aconteceu, afinal?

Resumindo o máximo possível, Maggie relatou os acontecimentos das últimas semanas.

— Madre de Dios! — exclamava Raul entre uma pausa e outra. Quando ela concluiu, ele perguntou: — E seu pai, como está agora?

— Os médicos dizem que daqui a alguns meses a perna estará nova. Claro, a recuperação será demorada, porém o que importa é que o estado geral dele é muito bom. — Sorriu... — Imagine que ele já disse a Anne que pretende voltar ao local das ruínas, dessa vez fazendo parte de uma expedição arqueológica.

— Está brincando! A sua madrasta não tentou dissuadi-lo?

— Claro que tentou. Mas quem pode contra a teimosia de meu pai?

— E agora, o que vocês pretendem fazer? Voltar para Santa Rita?

— O mais rápido possível. Não vemos a hora de estarmos novamente em casa. Por falar nisso, Michael viajará conosco. Papai vai estar numa cadeira de rodas e a viagem pode ser complicada. Talvez precisemos da ajuda dele.

— Michael pretende ficar por lá? — Raul perguntou, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.

Maggie suspirou.

— Isso não sei.

— Mas você disse que ele lhe contou tudo acerca da morte da mãe. Um sinal mais do que evidente de que as coisas estão bem entre vocês.

— Cheguei a pensar assim, mas... Ah, Raul, ele está tão diferente. Durante a viagem de volta mal abriu a boca, só me olhava de relance. Nunca o senti tão distante.

— Talvez porque estivesse preocupado com seu pai.

— Isso não seria motivo para me tratar com tanta indiferença. Quer saber? Tenho certeza que ele se arrependeu de ter desabafado comigo.

Raul meneou a cabeça.

— Pobre Maggie... Você aceitou um desafio e tanto ao se apaixonar pelo meu primo.

Ela encontrou o olhar dele e sorriu.

— Agora chega de falarmos a meu respeito. Quero saber de você. Como estão as coisas?

Raul deu de ombros.

— Na mesma. Os negócios continuam de vento em popa. Eu até estou pensando em mudar o meu quartel-general para Los Angeles.

Maggie arqueou as sobrancelhas.

— Não me diga! E o que Laura acha disso?

Ele abriu um sorriso.

— Que já está mais do que na hora de nos casarmos e termos um filho.

Maggie abraçou-o afetuosamente. Sempre se comovia com finais felizes. No entanto, uma nuvem obscureceu-lhe o semblante, ao comparar a situação de Raul com a sua própria. Haveria também um final feliz para ela e Michael?

 

Michael olhava para o mar de cima de um rochedo. Naquela manhã clara e quente de setembro, Santa Rita estava gloriosa. Tudo ali era tão diferente de San Sebastian. Ah, aquela atmosfera de paz e tranqüilidade... O que mais alguém poderia almejar? Quando saíra de lá, após a discussão com Adam, Michael sentira saudades. Mais do que gostaria de admitir. E agora que voltara à ilha, já estava prestes a partir novamente. Fazer o quê? A licença que tirara na embaixada terminaria amanhã e ele precisava voltar ao trabalho. Bem, aqui não tinham mais necessidade dele. Adam, Maggie e Anne estavam de volta à segurança do lar.

— Estou interrompendo? — Maggie havia se aproximado sem que ele percebesse.

Voltando-se para ela, notou o quanto estava bonita, especialmente bonita. Havia qualquer coisa de diferente naqueles olhos castanhos. Maggie não era mais uma menina. Era uma mulher, não apenas física, mas emocionalmente também. Quando isso acontecera? Talvez durante aquelas horas em que se vira sozinha na selva, sem ninguém para protegê-la. Ou, quem sabe, ao ver a morte de perto no acampamento dos guerrilheiros.

— Você cresceu, Maggie Russell.

Ela sorriu.

— Você já me disse isso uma vez.

— Antes eu estava me referindo apenas ao crescimento físico. Agora...

Fez uma pausa sem saber se deveria prosseguir. Maggie entendeu o que ele queria dizer.

— De fato, amadureci muito nessas últimas semanas — completou, lendo-lhe o pensamento.

— O que o médico falou sobre o estado do seu pai?

— Basicamente, a mesma coisa que os médicos de San Sebastian. Ele terá de ficar de cama algumas semanas e depois usar uma cadeira de rodas até a completa recuperação. Mas, ajudado pela fisioterapia, ele tornará a andar dentro de poucos meses, o médico garantiu.

— Tenho certeza de que Anne será uma ótima enfermeira.

— Eu também — ficou pensativa por um instante. — Sabe, a minha madrasta é uma pessoa muito especial.

— Ainda bem que você chegou a essa conclusão.

— Conforme você disse há pouco, eu cresci, Michael Curry. Não tenho mais aquele ciúme bobo e sem fundamento.

— Vai ser difícil tocar o trabalho aqui na fazenda até que seu pai se recupere — observou ele.

— Se vai — Maggie confirmou, olhando significativamente para ele. — Mas você poderia me ajudar, não acha?

Michael não respondeu. Limitou-se a olhar para ela em silêncio.

— Fique aqui, Michael — insistiu. — Você se daria bem em Santa Rita.

— Essa é uma demonstração de gratidão por eu ter trazido seu pai de volta?

— Gratidão é a palavra errada, Michael. Eu te amo. É um amor que vem crescendo dentro de mim há oito anos. Não posso viver sem você.

As palavras mais doces que ele já ouvira. Entretanto, decidir uma vida não era tão fácil assim.

Como Michael se conservasse pensativo, ela prosseguiu:

— Você também me ama, Michael Curry. Se antes eu não tinha tanta certeza, agora estou segura do que digo.

Ele sorriu.

— Está segura porque arrisquei novamente a vida por você?

— Não tanto por isso, mas porque você dividiu comigo um sofrimento que vinha guardando desde criança.

— Aí é que está, Maggie. Você está sempre exigindo o máximo de mim.

— Não, senhor. Quero apenas conhecer o seu coração do mesmo modo que conheço o seu corpo. Não acho que isso seja demais.

— Não para você, que é a espontaneidade em pessoa. Não sou assim, Maggie, compreenda. Não estou acostumado a me expor, a confessar os meus sentimentos, a dizer o que estou pensando.

— Mas você fez isso uma vez. Pode conseguir de novo.

— Dentro do meu trabalho, já cumpri diversas missões secretas. Acho que não soube separar as coisas e acabei estendendo essa reserva à minha vida particular também. Agora estou velho para mudar.

— Nunca se é velho demais para tentar, Michael. Não posso acreditar que você não queira se dar ao menos uma chance para ser feliz. Por exemplo: sei que você não gosta do seu trabalho. O que pretende fazer a respeito?

Ele não respondeu. A verdade é que não tinha a menor vontade de voltar ao serviço na embaixada. Mas desistir da profissão não era a solução para o problema dele. Michael não se sentia preparado para romper com todos os seus mecanismos de defesa. Tinha medo de revelar o seu íntimo, de dividir emoções, de contar com alguém. De certa forma, isso era mais assustador do que todas as situações perigosas que enfrentara até então.

— Você não confiava em mim antes — esquivou-se.

— Mas agora confio, Michael. Com todo o meu coração.

— Somos diferentes um do outro.

Maggie sorriu, maliciosa.

— Isso já notei. Ainda bem, você não acha?

Michael continuava sério. Pela primeira vez ocorreu a ela que tudo poderia estar se acabando entre eles. Imaginara que, uma vez em Santa Rita, Michael não teria coragem de voltar para San Sebastian. Agora Maggie compreendia que fora confiante em excesso.

— Michael...

Ele a fez calar com um gesto.

— Quando lhe pedi que fosse viver comigo em San Sebastian, não havia avaliado todas as conseqüências. Fui impulsivo. Tudo o que queria era estar perto de você. — Fez uma pausa e prosseguiu. — Vendo-a nas mãos daqueles guerrilheiros, a um passo da morte, compreendi o quanto estava sendo egoísta. Maggie, você não nasceu para viver num lugar como San Sebastian, não nasceu para viver ao lado de alguém como eu. — Balançou a cabeça e concluiu: — Não tenho condições de lhe dar o que você precisa. Você jamais seria feliz a meu lado, Maggie.

— Michael...

— Acho melhor partir agora mesmo.

— Partir? Como você pode fazer isso, depois de tudo o que aconteceu entre nós?

— É melhor assim. Mais cedo ou mais tarde, você vai acabar compreendendo. — Hesitou um segundo e então acrescentou: — Agora preciso pedir a Chuck que apronte a lancha.

Deu-lhe as costas e caminhou na direção da casa.

O primeiro pensamento de Maggie foi sair correndo atrás dele e implorar-lhe que ficasse. Mas, pensando melhor, não iria adiantar nada. Ela ficaria histérica, ele se manteria irredutível e as coisas continuariam na mesma.

"Dane-se, Michael Curry!", pensou com um misto de ressentimento e desespero. Ele era tão covarde que precisara daquela encenação para convencer-se a si próprio. Preocupado com a felicidade dela... Pois sim! Era muito conveniente para Michael pensar desse modo, pois não seria obrigado a encarar a realidade.

Depois de oito anos separados, depois de terem enfrentado a morte juntos, era isso o que eles mereciam? Michael jogara a felicidade dos dois pela janela por causa de um medo estúpido e irracional. Ela mal podia acreditar que tudo isso estivesse acontecendo de fato. Ficou parada, deixando as lágrimas escorrerem pelo rosto. Não tinha a menor idéia do que fazer ou para onde ir. Era como se não tivesse forças para mais nada. Sem perceber, começou a andar à toa e chegou até a cocheira.

Cinco minutos depois, quando se preparava para montar, Anne apareceu correndo.

— Maggie! Eu estava louca à sua procura. Michael está indo embora!

— Eu sei — respondeu friamente.

— Mas por quê...

— Porque é um covarde! — explodiu. — Ele é capaz de enfrentar a morte, mas não tem coragem de assumir uma vida comigo.

— E você vai deixá-lo partir? Assim, sem fazer nada?

— O que você quer que eu faça? Que o obrigue a ficar? Anne ficou um segundo escolhendo as palavras e então começou:

— Maggie, você é uma mulher decidida, que sempre lutou pelo que quis. Nunca a vi desistir diante de quaisquer barreiras e sempre a admirei por isso. Você não o ama de verdade?

— Claro, mas...

— Então mostre um pouco daquela fibra característica dos Russell.

Por um instante, Maggie ficou parada, os pensamentos fervilhando na sua cabeça. Mas não demorou a tomar uma decisão.

— Diga a Chuck que ninguém vai usar a lancha hoje.

— O que você vai fazer?

— Vou seguir o seu conselho. Michael não porá os pés fora desta ilha, ou não me chamo Maggie Russell.

Agarrando um laço, que estava enrolado e pendurado num prego, Maggie montou rapidamente e saiu a todo galope.

Na frente da casa, Michael esperava que Chuck aparecesse com o jipe para conduzi-lo até o cais. Colocou a mala no chão e olhou para os lados, impaciente. Quanto mais demorasse, mais difícil seria a partida. Onde estaria Chuck? Andou alguns metros para ver se ele estava chegando, mas em vez do jipe, era Maggie que vinha galopando na sua direção. Sem entender, Michael olhou para o laço que ela girava na mão direita.

— Que diabo...

Antes que pudesse terminar, viu-se literalmente laçado, a corda prendendo os braços ao corpo. Tentou se soltar, porém Maggie fez a égua retroceder, apertando ainda mais o laço.

— Quer me explicar o que está pretendendo? — perguntou, zangado.

— Pensei que estivesse óbvio — retrucou ela com ar divertido. — É simples, Michael. Eu te amo demais e não vou deixar que vá embora.

Ele deu um passo adiante, tentando afrouxar o nó, mas a égua era muito bem treinada para não deixar escapar as reses.

— Eu não faria isso, se fosse você — Maggie aconselhou. — Goldie está atenta. Ela não vai deixar você se livrar tão facilmente.

Recusando-se a acreditar, Michael tornou a andar para a frente, mas o laço ficou ainda mais apertado.

— Pare com isso, Maggie! — exclamou. — Esta droga machuca.

Ela não pôde reprimir um sorriso de satisfação.

— Ótimo. Assim você pára de ser tão teimoso.

— Isso é ridículo!

— Eu sei — Maggie concordou tranqüilamente.

— Quanto tempo você acha que pode me deixar preso?

Maggie fingiu refletir na resposta.

Bom, isso não sei. Tudo depende da resistência de Goldie.

Maggie Russell, você é a criatura mais irritante, mais cabeçuda, mais... — mordeu o lábio, nervoso.

Ela deu uma risada gostosa.

Encare desse modo, Michael: nós jamais ficaremos cansados um do outro.

Ele ficou olhando para ela. De repente, a expressão de raiva dissolveu-se numa gargalhada divertida. Balançou a cabeça e falou com ar de riso:

Você é terrível, Maggie.

Eu sei.

Eu te amo.

Sei disso também.

Como é, não vai me soltar?

Depende. Você vai ficar?

E tenho outra escolha? retrucou ele, erguendo os ombros.

Para ser sincera, não.

Gosto do seu estilo, Maggie. Está bem, pode me considerar propriedade de Santa Rita. Depois não diga que não a avisei.

Ela soltou a corda que estava presa na sela e largou-a no chão.

Finalmente Michael conseguiu afrouxar o laço. Esfregou os braços por alguns instantes para reativar a circulação e caminhou na direção dela. Ajudou-a a desmontar, pegando-a pela cintura, e abraçou-a demoradamente.

Maggie, meu amor, eu já lhe disse que você se transformou numa mulher e tanto?

Ela ficou na ponta dos pés e passou os braços em volta do pescoço dele.

Sua mulher, Michael. Para sempre.

E beijaram-se apaixonadamente.

 

                                                                                Pamela Wallace  

 

                      

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