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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ARDENDO VIVA / Shannon K. Butcher
ARDENDO VIVA / Shannon K. Butcher

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ARDENDO VIVA

 

   Três raças descendentes de antigos Guardiões da Humanidade, cada uma, possui habilidades únicas em sua batalha para proteger a humanidade contra seus eternos inimigos – Os Synestryn.

   Agora, um guerreiro deve lutar contra seu próprio desejo, se quiser descobrir o poder que se encontra junto a seu verdadeiro e único amor...

   Helen Day é ameaçada por visões de si rodeada por chamas, enquanto um homem de cabelos escuros a observa arder. Assim quando vê o homem de seus pesadelos olhando-a fixamente de uma mesa afastada tenta fugir em vez de terminar nos braços do homem. Ali, ela despertará uma força mais poderosa e atraente do que nunca pôde imaginar. Já que o homem é o Guerreiro Theronai Drake, cuja dor é afastada pela presença de Helen.

   Juntos, podem transformar-se em mais que amantes, podem converter-se em uma arma de luz que poderá equilibrar a balança da guerra e salvar a gente de Drake...

 

 

     27 de Junho, Olathe, Kansas.

   O homem ia ficar e observar enquanto Helen se calcinava como o seu café preto.

     Helen levantou os olhos de seu menu e, cruzando o pequeno restaurante, viu-o ali sentado, nem a seis metros de distância. Era o homem de seus sonhos – ou melhor dizendo, de suas visões. Tecnicamente, só era uma visão. Ela se repetia uma e outra vez. Ela explodia em chamas enquanto ele a observava. Sorrindo para ela.

     —Vê algo que você goste? —Perguntou Lexi, a única garçonete de serviço no restaurante.

     Só estava trabalhando no Gertie´s Diner há alguns meses, mas havia algo nela que fazia com que Helen confiasse na mulher o bastante para compartilhar coisas que nenhuma outra pessoa viva sabia, incluindo as visões de Helen sobre sua própria morte.

     —O cozinheiro tirou o dia livre, assim tudo o que temos é guisado, frango assado e carne assada. Escolha sua porção.

     Do outro lado de Helen, sua companheira de mesa, a senhorita Mabel, levantou-se sobre suas botas de vinil vermelho. Seus velhos ombros mal ultrapassavam a mesa. Suas mãos rígidas agarravam a capa do menu, a qual se sacudia tanto que Helen não estava segura de como podia lê-lo sem que se movesse mais lentamente.

     —Que tal está o guisado? —Perguntou à senhorita Mabel.

     Lexi tinha entre vinte e vinte e cinco anos, com um corpo magnífico e um cérebro combinado. O que estava fazendo servindo mesas no Olathe, Kansas, e vivendo em seu carro, era um total mistério para Helen – um que Lexi se negava a resolver sem importar quantas vezes o perguntasse. Tinha chamado Lexi para ficar com ela até que encontrasse um lugar, mas Lexi disse que não traria problemas a porta de Helen quando obviamente já tinha muitos com os seus próprios.

     Lexi se inclinou até que as mechas de seus cabelos loiros platinados ameaçaram arrancar um olho da senhorita Mabel.

     —Salvar-se-ia de comer o boi atropelado há dois dias, o qual é o que suponho, que Paulo está usando para fazer o guisado. Partiu antes que começasse a perguntar sobre isso. É um homem escorregadio.

   A senhorita Mabel empalideceu um pouco.

     —Definitivamente o guisado não. Pedirei carne assada.

     Lexi deu uma piscada e escreveu em sua caderneta de anotar os pedidos.

     —E você, Helen? O que posso trazer para você hoje?

     Helen tentou centrar-se em seu menu enquanto o sustentava no alto para proteger seu rosto de forma que o “Homem da Visão” não pudesse vê-la. Suas mãos tremiam, fazendo com que as palavras ficassem imprecisas para ela. Já estava à beira do pânico. Se ele a pegasse observando-o, tinha certeza de que seria sua completa perdição.

     Helen queria gritar para Lexi que jogasse a cafeteira de café fumegante em seu colo e fugisse. Em vez disso, lutou contra seu pânico crescente por uma chance de saber algo mais a respeito dele com a esperança de escapar da visão.

     Afundou-se em seu assento e tentou fingir que tudo estava bem, o que fazia maravilhosamente. Helen tinha um bocado de prática em fingir que tudo estava bem.

     —Não tenho certeza. — disse Helen para obter mais tempo, esperando que suas mãos deixassem de tremer com tanta força para que pudesse ler o menu.

     Contra seu melhor julgamento, afastou o menu para um lado, de modo que pudesse dar uma rápida olhada. Possivelmente tinha imaginado que era ele.

     Não. Era o “Homem da Visão”. Em carne e osso.

     Escutava o que o homem sentado em frente a ele estava dizendo enquanto sorvia seu café. Tinha um braço delgado estendido através do respaldo da cabine e tudo o que pôde ver foi algum tipo de tatuagem sob a camiseta dele. Fios de cabelos, possivelmente? Videiras?

     Não podia ter certeza a essa distância e não pensava em ficar olhando-o tempo suficiente para adivinhar o que era em um pequeno movimento. Não queria que percebesse que o estava contemplando. Eventualmente, tampouco queria chamar sua atenção para ela.

     Tinha os finos cabelos castanhos longos o suficiente para que parecessem um pouco encaracolados. E isso era a única coisa nele que parecia suave. Tinha maçãs do rosto altas, quase afiladas, com profundas covinhas. Sua boca estava pressionada em uma dura e fina linha, enquanto escutava a seu amigo, sua expressão era tensa, quase zangada. Os músculos em sua mandíbula se avultavam como se estivesse apertando os dentes, e Helen teve a distinta impressão de que sentia dor. Montões de dor.

     Bem. Ele merecia por vê-la morrer. Não é que tivesse cometido esse crime em particular ainda, mas o faria. Sabia, como sabia que o sol se poria em alguns minutos. Não havia nada impreciso ou distorcido em sua visão. Tinha tentado durante anos encontrar alguma pista, algum indício de dúvida de que o que via fosse real. Tentou e falhou. E agora sabia que seu momento estava perto.

     O homem em sua visão era esse homem, não uma velha versão dele.

     Helen ia morrer logo. Talvez naquela noite.

     O alívio e o medo se instalaram em seu peito e lutou para diminuí-los. Concentrando-se em sua respiração foi relaxando cada pequeno músculo começando por seus dedos. Tinha aprendido a técnica de seu terapeuta, o qual estava convencido de que estava sofrendo algum tipo de alucinação. Tudo o que tinha que fazer era confrontá-lo e isso partiria. Bom, agora o estava confrontando e não ia para nenhum lugar.

     Cinquenta mil dólares e muitos anos depois, ainda se enganava, mas ao menos podia manter o temor distante. Respirando e relaxando era a única maneira que sabia para controlar o pânico.

     A única maneira para impedir a si mesma de gritar de terror.

     Queimada viva. Que fodido e asqueroso destino.

     Tinha tentado preparar-se para isso, mas obviamente, tinha falhado. Era muito cedo. Não estava preparada para morrer ainda. Tinha ainda tanto trabalho para fazer. Tantas pessoas que necessitavam de sua ajuda.

     —Está bem? —Perguntou Lexi, sua testa, pálida, franzida em um cenho.

     Deu uma olhada sobre o ombro para onde Helen estava tentando não olhar. O “Homem da Visão” e outros dois estavam sentados tomando um café e comendo bolo como se tivessem todo o tempo do mundo. Homem, isso não era encantador?

     —Esses caras a preocupam? —Perguntou Lexi, soando mais preocupada com a falta de resposta de Helen.

     —Uh, não. — apenas respire. Isso era tudo o que tinha que fazer. Dentro. Fora. —Também pedirei carne assada.

     Lexi se virou.

     —Agora sei que algo não vai bem. O que esta acontecendo? Você nunca come carne vermelha.

     —Sim, bom, não se pode viver para sempre. — disse Helen.

     O pequeno corpo de Lexi se endireitou e Helen quase pôde ouvir os saltos virando-se em sua cabeça.

     —Meu Deus! É ele, não é verdade? —Perguntou Lexi em um próximo sussurro.

     Helen desejou pela milionésima vez ter mantido a boca fechada, ou que Lexi não fosse tão intuitiva. Lexi deveria ser jurista ou interrogadora em vez de garçonete, pela forma que era capaz de fazer uma mulher cuspir seus segredos.

     Os lábios vermelhos da senhorita Mabel se curvaram para baixo em um cenho desaprovador.

     —Pensei que tinha ouvido conversa desse tipo o suficiente quando deixei de ensinar no colégio.

     —Sinto muito, senhorita Mabel. — disse Lexi, dando batidinhas na mão da anciã. — A torta é meu pagamento por minha boca de urinol desta noite.

     —Esqueça a torta, me fale sobre o homem.

     A senhorita Mabel girou o corpo inclinando-se ao redor de seu assento de modo que pudesse ver para onde estava olhando Lexi. Não é que os homens fossem fáceis de passarem despercebidos, já que eram os únicos clientes para o jantar, muito depois do apressado jantar.

     Helen sentiu uma frenética bolha de temor elevar-se em seu interior.

     —Não olhe!

     —Nunca me disse que tinha um namorado. — disse a senhorita Mabel como se fosse o crime do século. Uma enorme traição para sua amizade que tivesse guardado um segredo.

     —Não é meu namorado. Deixe de olhar!

     Estava começando a beirar o pânico. E se as pegasse o olhando? O que ocorreria se fosse até ali agora mesmo e a olhasse com seu meio sorriso no rosto, o que tinha quando a via morrer?

     Estes poderiam ser seus últimos minutos sobre a terra e o único consolo que podia encontrar era o que seu testamento estava em dia e todo o dinheiro que herdou de sua mãe ajudaria às vítimas pediátricas de queimaduras.

     Lexi, bendita seja, moveu seus quadris magros de modo que estavam entre os homens e o atento e óbvio olhar da senhorita Mabel. Helen sabia que se os homens se incomodassem em olhar ali, uma olhada ao traseiro de Lexi seria suficiente distração para que qualquer homem com sangue nas veias, esquecesse o que estava pensando.

     A senhorita Mabel lutou para conseguir que sua frágil coluna cooperasse, mas não conseguiu se esquivar de Lexi, não com seus reflexos de garçonete. A anciã deixou escapar um suspiro frustrado.

     —Alguma de vocês vai me dizer o que está acontecendo ou pegarei meu andador e irei lá e descobrirei por mim mesma.

     Lexi dedicou a ela uma careta de desculpa.

     —Deveria manter minha boca fechada. Se quiser, os colocarei para fora.

     —Isso realmente não ajudaria a tudo isso de “tentar-não-chamar-a-atenção” que estou tentando obter aqui. — disse Helen.

     —Por que não quer que esses homens a vejam? São assaltantes? Devo chamar à polícia? —Perguntou à senhorita Mabel. —Sei que devia ter comprado um desses telefones celular.

     —Não. — disse Helen, tentando pensar rápido o bastante para burlar uma mulher que esteve na escola pública durante trinta anos.

     —É só é um cara a quem tenho dado uma olhada. Não quero que ele saiba.

     —Por que não? É uma garota adorável e deveria ir lá e pedir para sair com ele. Assim é como se faz estes dias, e se eu não sou muito velha para saber disso, então você tampouco.

     —Não posso fazer isso. — Helen deslizou afundando-se no assento e levantou o menu para proteger seu rosto de novo.

     —Bom, então, eu farei. Necessita de um homem, Helen. Não vou deixar que acabe velha e sem filhos como eu.

     E com essa declaração, a senhorita Mabel alcançou seu andador posto do outro lado do assento colocando-o de modo que pudesse levantar-se.

     Helen tinha que conseguir deter a senhorita Mabel antes que o “Homem da Visão” a visse. Talvez se Helen saísse dali sem que a visse, houvesse tempo antes de morrer. Inclusive se só fosse por poucos dias mais, ou inclusive horas, Helen queria cada um deles.

     —Não pode. É casado.

     A mentira saiu tão suavemente de sua boca que surpreendeu Helen. Era a primeira vez em sua vida que mentia para uma professora, e seu estômago já estava se revolvendo por isso.

     A cabeça da senhorita Mabel se virou mais rápido do que Helen teria acreditado possível, considerando seu frágil pescoço e o peso do coque gigante que mantinha preso por um simples lápis amarelo de nº. 2.

     —Está atrás um homem casado? —Sussurrou como se dizer as palavras fosse um pecado. —OH, carinho, não sabe que isso só pode acabar mau?

     Graças a Deus, a senhorita Mabel engoliu a mentira.

     —Sei, — disse Helen, mantendo a cabeça ainda estrategicamente colocada atrás do menu — é por isso que me mantenho afastada dele. Não posso evitar sentir o que sinto por ele, assim mantenho distância.

     —Nós nos encarregaremos de que o faça. — disse a senhorita Mabel, usando sua voz de leitura. — Talvez devêssemos ir e jantar em outro lado.

     Aleluia!

     —Boa ideia. Podemos ir a qualquer lugar que queira. — disse Helen a senhorita Mabel.

     Elas sempre saíam para jantar nas terças-feiras à noite. Tinha passado os últimos dez anos tentando fazer algo significativo com sua vida. Não era inteligente o bastante para encontrar uma cura para o câncer, nem forte o bastante para unir-se aos militares ou valente o bastante para unir-se à polícia ou aos bombeiros, mas fazia a diferença para alguns poucos, levando comida e companhia para eles ou só os mantinha fora de casa durante algumas horas. Para ela não significava muito, mas para eles sim. Via isso em seus olhos cada vez que aparecia em suas portas e cada vez que partia. Para algumas dessas pessoas, era tudo o que eles tinham e isso era suficiente para ela. Tinha que ser.

     —Acredito que é muito tarde para fugir. —disse Lexi. — Está olhando para cá.

     Helen baixou o menu o suficiente para dar uma olhada por cima e assegurar-se, Lexi tinha razão.

    

   Drake viu a bela jovem tentando esconder-se dele. Sob circunstâncias normais, não teria olhado duas vezes para um humano – bonito ou não – mas algo nela atraiu sua atenção. Cada vez que a olhava, um pouco da pressão em seu interior se aliviava. O fato de ela estar tentando passar despercebida só aumentava sua curiosidade.

     —Algum de vocês viu a mulher de tranças antes? —Perguntou a seus companheiros, Thomas e Zach.

     Thomas se virou, inclinando-se de modo que pudesse ver além de Zach. Encolheu seus enormes ombros.

     —Não que eu possa recordar.

     —Sinto muito, cara. — disse Zach, com um apreciativo sorriso em seu rosto moreno.

     —Está olhando para a garçonete. — protestou Drake.

     —Sim, estou.

     Sem desculpar-se como sempre, Zach esfregou uma mão sobre a mandíbula e olhou à garçonete com o nome na etiqueta de identificação que dizia LEXI.

     Drake pensou em recordar a Zach o quanto que se distraía, mas sabia que não serviria de nada. Além disso, nada era muito importante para Zach. Podia olhar para todas as mulheres que quisesse e se as coisas fossem para o inferno, ainda teria sua espada na mão mais rápido que qualquer dos outros homens na mesa. O que era bom, considerando sua missão.

     Ele, Zach e Thomas estavam atrás do rastro quente dos Demônios Synestryn que pegaram a espada de Kevin depois de havê-lo matado, e a última coisa de que necessitavam agora era uma distração.

     Esta cidade suburbana do Kansas estava infestada de demônios. Literalmente. Ou ao menos, seria assim quando o sol se pusesse.

     Drake olhou seu relógio. Oito e trinta e dois. Nove minutos para a porta do sol. Então Logan apareceria e todos eles voltariam ao trabalho. Isso lhe deixava oito minutos para descobrir quem era essa mulher e por que se escondia dele.

     Drake se levantou e foi fazer justamente isso.

     A garçonete se interpôs em seu caminho como se realmente pudesse detê-lo. Que graça. Duvidava que medisse mais de um metro e meio, incluindo aquelas ridículas mechas loiras pontudas saindo de sua cabeça.

     —Posso trazer mais café para você? —Perguntou com um alegre e falso sorriso.

     —Não. Embora meus amigos possam querer mais um. — Zack esteve olhando para a garçonete toda a noite e no que a Drake concernia, podia tê-la. Era só uma mulher descartável, muito frágil para a verdadeira diversão.

     A tímida morena por outro lado… tinha potencial. Tinha a visto entrar no restaurante com a anciã, sendo muito cuidadosa ao ajudá-la a caminhar sem danificar o orgulho da mulher idosa.

     Era toda suaves curvas e brilhante calor. Seu cabelo castanho claro caía sobre seus ombros em duas tranças, atraindo seus olhos diretamente a seus seios. Como se necessitasse de ajuda para encontrá-los. Enchiam sua camiseta, o que obviamente notou. Era cinco centímetros mais alta que a média e toda essa altura extra estava em suas pernas – longas, depiladas, nuas sob o short curto de cor cáqui. Tudo nela era curvilíneo, suave e feminino, e Drake odiava ter se dado conta.

     Tinha coisas mais importantes em que pensar – como matar um pântano de demônios – e era bastante difícil centrar-se no trabalho quando a dor se tornava pior a cada dia. Seguro como o inferno que não necessitava de nenhuma suave e curvilínea distração.

     A garçonete não pegou a indireta e ainda se interpunha em seu caminho. Não era uma boa ideia considerando que nunca deixava que nada se interpusesse no caminho do que queria – certamente não. Não algo que pesava tanto quanto uma semana de lavanderia.

     —O que acha de um pouco mais de torta? —Perguntou ela.

     —Não, obrigado.

     Levantou-a por debaixo dos braços, igual a uma menina, e a colocou de lado.

     —Ei! —Ouviu-a balbuciar atrás dele e quase esperou que saltasse em suas costas.

     —Tenho-a. — disse Zach, sua voz profunda e satisfeita com a tarefa de manter Lexi afastada.

     Drake deu uma olhada por cima do ombro e viu a garçonete olhando fixamente para Zach como se estivesse a ponto de comê-lo inteiro. Talvez estivesse. As mulheres humanas iam para Zach. Tão frequentemente quanto podiam.

     Drake sentiu um meio sorriso estirando sua boca.

     —Aposto que o fará.

     A morena voltou a se esconder atrás do menu e tinha começado a recolher seu moedeiro e os óculos de sol para ir embora. Nem remotamente. Ao menos não até que estivesse preparado para deixá-la ir.

     Drake cobriu a distância entre eles e colocou uma mão sobre o respaldo da cabine e a outra sobre a mesa, enjaulando-a dentro. Ela deslizou para a beira do assento, mas com Drake em seu caminho, não tinha nenhum lugar aonde ir. Inclinou-se, o fazendo saber com sua linguagem corporal que estava presa. Examinou seu rosto, a lisa curva de sua face e a plenitude de sua boca. Ela tinha permanecido sob o sol no passar do dia e seu nariz e o topo de suas bochechas estavam rosadas. Não era mortalmente magnífica, mas era adorável. Dali, era fácil ver o medo em seus claros olhos pardos, ressaltando as aparas de ouro e verde.

     Tinha medo dele. Não tinha ideia do porque, e seguro como o inferno que não gostava.

     —Por favor, deixe-me ir. — disse.

     Sua voz era baixa. Suave, igual ao resto dela, e deslizava sobre seus sentidos como uma carícia.

     Um leve calor cintilou através dele, lavando décadas de tensão e tortura. Pela primeira vez em mais de um século, Drake não sentia a dor agonizante. Deixou sair uma lenta respiração de alívio. Inclusive a inesgotável pressão do poder que continha não golpeou em seu interior procurando uma saída, tentando abrir caminho através da carne e o osso. Cada desenfreado pedacinho de energia em seu interior se aquietou ante o som de sua voz como se a escutasse.

     Sem a dor que tinha sido sua companheira constante durante mais anos do que a maioria das pessoas vivia, uma onda de atordoante revelação ameaçou pô-lo de joelhos. Agarrou o assento e a mesa para manter-se em pé, mas não pôde evitar que seus olhos se fechassem, só por um momento. O prazer de simplesmente não estar dolorido era tão intenso que era quase como uma própria espécie de dor. Não tinha certeza de quanto levou para recuperar seus sentidos, mas quando o fez, ela estava o olhando, os olhos abertos desmesuradamente e tremendo.

     —Quem é? —Exigiu.

     Ela piscou como se tivesse se surpreendido pela pergunta.

     —Por favor. Deixe ir. Não quero morrer.

     Morrer? Que infernos?

     —Não vou machucá-la. — disse, seu tom foi um pouco mais rude do que tinha pensado.

     Tinha passado sua longa vida no inferno defendendo os humanos dos Synestryn com um grande custo pessoal. Não havia maneira de que ela pudesse saber disso, mas ainda o aborrecia que concluísse que estava ali para machucá-la.

     O que realmente queria era tocá-la e ver se era tão suave como parecia. Todas essas curvas suaves e femininas o enlouqueciam um pouco. E a loucura era a única explicação para o que estava sentindo – essa incontrolável necessidade de tocar uma mulher que nem sequer conhecia. Uma mulher humana. Talvez ela fosse puro sangue – uma descendente dos Solarc – e essa fosse à razão de sua reação tão forte. Nunca tinha experimentado nada igual a isso antes, inclusive com um sangue puro humano, e não estava completamente seguro de que gostava. A parte de liberar-se da dor era fantástica, realmente fantástica, mas nada de bom vinha sem um preço.

     —Tenho que levar a senhorita Mabel para casa. Está ficando tarde. — sua boca tremeu um pouquinho e maldito fosse se não queria inclinar-se e beijá-la para fazer que parasse.

     Isto era uma loucura. Drake respirou profundamente, mas só conseguiu encher seus pulmões com sua essência.

     Lilás. Cheirava a lilás.

     Drake não tinha nenhuma aterradora oportunidade de resistir a ela. Estava se aproximando, completamente, a beira da loucura.

     Inclinou-se até que seu nariz ficou na curva de seu pescoço, e a inspirou para seu interior. Não havia nada que pudesse fazer para deter-se, e o fato dela não retroceder afastando-se simplesmente o enlouquecia muito mais. Os sedosos fios de sua trança fizeram cócegas em seu nariz e a flexível faixa da luceria ao redor de seu pescoço cantarolou feliz, enviando um tremor descendo por suas costas. Sentia algo mudando em seu interior. Profundo e duro, quase dolorosamente. Esta mulher o modificou de algum jeito, com sua mera presença, e nunca seria o mesmo outra vez.

     Quem quer que ela fosse, a conservaria.

    

   Helen não se atreveu a mover-se. Não com o “Homem da Visão” estando tão perto, quase a tocando. Sentiu sua respiração quente escorregando sobre seu pescoço, girando ao redor de seu ouvido.

     Estava ronronando – um baixo e profundo som de satisfação – e o ronrono ressoou em seu interior.

     Tudo o que podia ver era o lado de seu pescoço grosso onde se unia ao seu ombro, os cachos de seu cabelo escuro e um pedaço daquele colar que usava – algum tipo de gargantilha iridescente de dois centímetros e meio de largura. Cada cor imaginável girava no interior da flexível faixa como as luzes do restaurante jogando nessa superfície. Sentiu a urgência de tocá-lo para ver se era tão escorregadio quanto parecia, se era tão quente em sua pele.

     Em vez disso, abraçou seu moedeiro com mais força contra seu peito, ainda o sustentando, rogando que ele se afastasse dela, antes que perdesse a cabeça e passasse seus dedos sobre a faixa.

     Estava respirando muito rápido, fazendo-a enjoar. Fechou os olhos para bloquear a visão dele, de modo que pudesse acalmar-se, mas em vez disso a visão cintilou em sua cabeça, afastando tudo.

     Ele estava de pé a poucos passos. Tudo estava escuro ao redor deles e a única razão pela qual podia quase ver seu rosto era que o fogo que consumia seu corpo refletia os afilados planos de sua face, a sombria linha de sua mandíbula, os fortes tendões de seu corpo e a ampla extensão de seus ombros.

     As chamas dançavam refletidas em seus olhos castanhos dourados e um meio sorriso orgulhoso inclinava sua boca. Podia sentir sua carne se queimando, sentir o calor consumindo-a. A dor de sua pele cheia de ampolas quando se enegrecia era muito para suportar. Gritou, rogando que a morte viesse reclamá-la.

     A realidade se encaixou a pressão novamente em seu lugar, afastando a visão. Helen ofegou em uma desesperada respiração. Não estava morta. Ao menos não ainda. As brilhantes luzes do restaurante feriram suas retinas e o aroma de carne queimada foi substituído pelo de cebolas e batatas fritas. Um rastro da saída do ar condicionado refrescou sua pele, fazendo-a tremer. Obrigou seu corpo a relaxar, a recordar onde estava. Só respire. Seus pulmões se expandiram, absorvendo a essência do homem que a matinha presa. Sabão. Café. Pele masculina limpa. Cheirava bem. Com certeza. E se isso não era a coisa mais ridícula que já tinha pensado, então não sabia o que era. Se havia uma pessoa no planeta em cuja proximidade não estava segura, era ele, não importando como cheirasse.

     Ainda estava afastado dela só alguns centímetros, emitindo aquele baixo ronrono em seu peito. Helen não tinha certeza se queria empurrá-lo para longe ou esfregar ligeiramente seu dedo sobre a curva daquela intrigante gargantilha que usava. Algo nela impulsionou de suas lembranças, embora tivesse certeza de que nunca tinha visto algo assim antes.

     Ele não a usava em sua visão. A revelação brotou dentro ela. Sua camisa era diferente – não a preta de algodão que vestia agora, e sim uma luminosa. Curtida. Com algum tipo de árvore pintada em cima.

     Os detalhes de sua visão não combinavam com o que estava acontecendo naquele momento, o que queria dizer que estava a salvo, ao menos por agora.

     Um pouco do pânico que sentia se drenou dela, fazendo-a sentir-se fraca, líquida. Sabia que devia se afastar, gritar ou fazer algo. Inclusive se não estivesse ali para vê-la morrer naquela noite, ainda estava muito perto.

     Ele se inclinou aproximando-se mais uma fração de centímetros e rodeou seus longos dedos ao redor de suas tranças.

     Em seu dedo tinha um anel que combinava com o colar e este cintilava em um intrigante padrão de cores remoinhando que fazia querer olhá-lo. Um insistente puxão em sua trança a fez inclinar-se para trás, tinha certeza de que sentia os lábios dele passando ao longo de seu pescoço e sua face.

     Helen estremeceu e ouviu um pequeno gemido abandonando sua boca. Cada célula em seu corpo permanecia atenta a esse único e pequeno toque. Sua pele se tornou mais quente e seu abdômen se contraiu contra um aumento de calor. Queria algo que não podia nomear. Necessitava-o. Não era só desejo. Era mais profundo que isso. Profundo até os ossos. Profundo até a alma. Ele tinha algo que lhe pertencia e ela o queria.

     Inclusive se isso a matasse.

     Seus lábios deslizaram sobre sua face, mal a tocando. Talvez, nem sequer tocando-a, só acariciando o fino pelo de sua pele. O que fosse que estivesse fazendo, era maravilhoso, aterrador ou não. Sentia como se estivesse sendo cheia de energia. Inclusive sentia-se mais viva que antes.

     Tudo procedente do toque do homem que a veria morrer…

     Assombrosamente irônico.

    

   De algum lugar longínquo, Drake ouviu a anciã ofegar em estado de choque e lutou contra o impulso de ir para ela.

     Teria feito isso se não fosse pela maneira que ela agarrava sua bolsa contra o peito igual a um escudo. Ainda tinha medo dele. Merda.

   —Diga-me seu nome. — ordenou ele, sem se importar que sua voz soasse rude.

     Necessitava de seu nome. Maldição, necessitava muito mais que isso, mas com a audiência que tinha, ia ter que se conformar com pequenos fragmentos.

     —Helen Day.

     Deus, amava o som de sua voz, tão suave e doce. Fechou novamente os olhos, deixando que o som dela e seu aroma, penetrassem nele. Poderia passar meio ano só escutando-a falar, deixando que a agradável cadência de sua voz o acalmasse.

     Estava muito concentrado em ver como podia diminuir o pequeno espaço entre eles quando ouviu um grito de advertência de Thomas meio segundo muito tarde. O andador da senhorita Mabel resvalou sobre sua cabeça, enviando uma pontada de dor ao seu crânio.

     —Volte para sua esposa, seu… seu, mulherengo! —Gritou a anciã, elevando seu andador para outro golpe.

     —Mulherengo? Esposa?

     Drake não tinha ideia do que ela estava falando, mas não ficou ali o bastante para perguntar. Já podia sentir um galo elevando-se na parte de atrás de seu crânio. A anciã talvez parecesse frágil, mas descobriu um modo de lhe dar murros.

     Drake se estirou para a senhorita Mabel, tentando tirar cuidadosamente a arma de alumínio de suas mãos antes que ferisse a si mesma. Ou a ele.

     Chegou muito tarde. Thomas já tinha se encarregado da velha dama com seus braços grossos, sustentando-a cuidadosamente apesar de seus esforços.

     Helen se levantou, rodeando Drake para chegar até a anciã.

     —Deixa-a ir!

     Thomas a ignorou, ainda sustentando a anciã, tentando acalmá-la com palavras suaves:

     —Não vou machucar você, senhora. Nenhum de nós vai ferir a nenhuma de vocês. Não é verdade, Zach?

     A um metro e meio de distância, Zach matinha Lexi aprisionada contra a parte de cima da caixa registradora, quase inclinada sobre suas costas. Ela estava brigando com ele, batendo e arranhando, mas Zach aceitava seus golpes, fazendo uma careta como se lhe fizessem cócegas.

     —Ei, ela é a única que está tentando me ferir. Eu só queria falar. — a voz de Zach se tornou mais baixa e seu sorriso se ampliou. —Mas estou disposto a jogar se você quiser, carinho. Não me importa se você gosta da rudeza.

     Lexi grunhiu e bateu em Zach com seus punhos.

     Pelo canto dos olhos, Drake viu Helen começar a fazer um movimento para Thomas e a anciã, mas Drake foi mais rápido. Segurou-a rodeando sua cintura com um braço e a puxou contra seu peito. Isso foi um erro. Assim que teve seu suave e curvilíneo corpo contra o seu, seu cérebro começou a vir abaixo. De uma vaga, imprecisa distância, podia senti-la lutando para liberar-se, empurrando e puxando seu braço. Podia ouvir a assustada voz pronunciando os nomes de suas amigas. Podia sentir o pânico em seu interior, a frenética força incrementando-se a cada pulsar de seu coração. Não podia imaginar o que significava tudo aquilo ou o que deveria fazer. Tudo o que sabia era que não podia deixá-la ir. Necessitava dela.

     Toda aquela situação ficou completamente fora de controle, mas isso não o importava. Tinha Helen em seus braços, contrariada como estava, e não queria machucar ninguém. Pela primeira vez em décadas, sentia-se bem. Era tão surpreendente que o deixou vacilante, contemplando estupidamente a parte entre suas sedosas e escuras tranças. Queria inclinar a cabeça e beijar a sedosa pele de sua nuca com tanto desespero que tremia.

     Drake se inclinou para fazer justamente isso quando sua mão se afrouxou e Helen escapou de seu agarre.

     A dor golpeou dentro dele com força evidente e ele caiu de joelhos ali mesmo, sobre o chão de azulejos. O poder o inundava e atravessava suas veias, martelando seus ossos em profunda agonia.

     Estava seguro de que tinha quebrado algum e que seus órgãos tinham sido pulverizados. Nada poderia explicar tanto dor. Não podia manter-se em pé. Não podia ver. Não podia respirar.

     O poder que hospedava no interior de seu corpo tinha crescido lentamente, firme, ao longo dos anos. A pressão aumentou ao longo das décadas, lhe dando uma oportunidade de conseguir utilizar a dor que causava isso. Mas agora tudo voltou a inundá-lo no espaço de um segundo e seu cérebro não conseguia ajustar-se.

     Seu corpo não podia funcionar. Nas cinzentas bordas de sua mente, ouviu ele mesmo gritar, um terrível e agudo som. Sabia que estava morrendo, mas nesse momento isso era algo bom. Tudo terminaria logo, mas não parecia ser rápido o bastante.

 

     Helen não tinha certeza do que havia feito ao “Homem da Visão” para pô-lo de joelhos, mas não parou para preocupar-se com isso. A senhorita Mabel ainda estava tentando afastar o enorme boxeador que a sustentava, e parecia como se tivesse corrido uma maratona.

     Lexi, por outro lado, estava aguentando contra o terceiro homem. Ele a tinha empurrado para baixo, de modo que quase estava deitada sobre o balcão próximo à caixa registradora.

     —Deixe de lutar comigo antes que machuque a si mesma. — disse.

     Lexi jogou o vidro de chicletes no chão, fazendo que se pulverizasse por toda parte.

     Pôs um joelho entre eles e empurrou, mas não funcionou.

     O homem simplesmente pressionava a parte baixa de seu corpo com mais força contra o dela até que não teve lugar para manobrar.

     —Vai continuar?

     Sua mão apalpou sobre o balcão até que encontrou a varinha de metal com pé em um extremo e ponta no outro que usava para unir os tíquetes dos pedidos e afundou a afiada e aguda ponta no braço de seu captor.

     Ele baixou os olhos para o aguilhão de metal saindo de sua pele e sorriu. Realmente sorriu.

     —Bom disparo, mulher. — soava como se estivesse orgulhoso de Lexi, o que era completamente uma loucura, mas ao menos Lexi ainda era capaz de lutar.

     A senhorita Mabel não, e Helen não estava segura de como ia conseguir libertá-la. O homem que a sustentava era enorme. Alto, pesado e musculoso. Provavelmente superava a ela e a senhorita Mabel juntas em força.

     —Deixe-a ir. — exigiu Helen, instigando seu cérebro a procurar algo para fazer.

     Helen estava ficando sem ideias, assim jogou com o melhor que tinha. Agarrou o açucareiro, mas antes que pudesse jogá-lo, o gigante deu um passo para frente e simplesmente entregou a senhorita Mabel a Helen. Não tinha certeza do que o fez mudar de opinião, mas não ia questionar sua boa sorte.

     Agradecida, recebeu a tarefa de segurar a senhorita Mabel. Foi cuidadoso com seu corpo frágil, gentil. Sem apressar-se em fazer a transferência e então, quando ela ficou livre, lançou-se para o chão, onde o “Homem da Visão” estava retorcendo-se de dor.

     —Zach! —Gritou. — Necessito de um pouco de ajuda aqui com Drake quando tiver terminado de brincar com a garota.

     O homem que tinha pego Lexi – Zach – deixou-a ir, arrancando o estilete de seu braço e deixando-o sobre o balcão, ensanguentando os tíquetes que restavam no lugar. Lexi mal conseguiu ficar de pé antes que ele também fosse para o “Homem da Visão”. Zach se virou para Helen, fulminando-a com os olhos. Seus claros olhos verdes destacavam em intenso contraste contra sua pele bronzeada, parecendo quase como se estivessem iluminados de dentro.

     —O que fez com Drake?

     Helen sustentou a senhorita Mabel um pouco mais perto, virando-a para a saída. Tinham que sair dali tão rápido quanto fosse possível.

     —Nada. Foi ele que me atacou.

   —Não estava fazendo outra coisa mais que tentar falar com você. Você é a única alucinada. O que fez a ele? —Exigiu.

     O “Homem da Visão” – Drake, como o chamavam – ainda estava convulsionando no chão, seu corpo dobrado em um poderoso arco. Esteve gritando um momento atrás, mas agora fazia esses horríveis sons sufocados, como se não pudesse respirar. As veias em seu pescoço e têmporas estavam inchadas e algo estranho estava acontecendo com a brilhante gargantilha que usava. As cores que se viam, giravam em uma mistura de vermelhos, laranjas e amarelos. Finos fios de fumaça saiam do colar e anel combinando sua mão direita.

     Helen podia sentir o aroma de carne queimada – igual a sua visão.

     O homem que tinha sustentado a senhorita Mabel verificou seu relógio, com expressão contraída.

     —Três minutos até o pôr do sol. Logan não vai chegar a tempo para salvá-lo.

     Zach se levantou e deu um passo para Helen. Lexi tinha recuperado sua mobilidade e encontrou uma enorme faca em algum lugar atrás do balcão. E a sustentava como se soubesse o que estava fazendo. Esta noite poderia ser mais estranha?

     Zach devia ter visto Lexi movendo-se para ele, porque se virou e apontou um magro dedo em sua direção.

     —Mantenha-se fora disto. Não é seu assunto.

     —Maldito seja se não o é. Elas são minhas amigas.

     —E Drake é o meu. — Zach se virou para Helen. — Deixe a anciã e venha aqui. — aquilo não era um pedido e Helen tinha certeza de que se não fizesse o que ele disse, alguém ia sair ferido quando a obrigasse a fazê-lo, provavelmente a senhorita Mabel.

     A coisa estava assim. Helen estava bastante segura de ter alcançado o final da linha. Não ia levar a senhorita Mabel com ela, assim deixou a frágil mulher sentada em um assento e lhe deu o que esperava que fosse um valente murmúrio.

     A senhorita Mabel apertou o braço de Helen com os fracos e retorcidos dedos.

     —Não vá carinho.

     —Estarei bem. — mentiu ela.

     Helen se virou para Zach e deu um passo para frente. O cara enorme estava sustentando Drake no chão de modo que não machucasse a si mesmo batendo ao redor, mas não parecia um trabalho fácil. Drake era forte – seus braços e pernas estavam densamente torneados por músculos. Podia ver toda aquela força que apertava seu corpo contra as convulsões. O grandalhão levou uma cotovelada no estômago por seu esforço, deixando escapar um dolorido grunhido. Zach segurava Drake pelas pernas, mas não afastava seus olhos de Helen. Tinha certeza de que se não continuasse movendo-se para ele, ele iria buscá-la.

     Homem, não queria estar ali naquele momento. Não queria estar no meio daquela confusão, completamente confusa pelo que estava acontecendo e totalmente aterrada por estar tão perto de um homem que a fazia sentir-se melhor com quase uma carícia que todas as verdadeiras carícias de todos os homens em sua vida juntos.

     —Vai ficar bem. — disse a ele, dando outro meio passo para frente.

     —Como sabe? —Perguntou Zach.

     Fantástico. Agora ia e encurralava a si mesma em um canto. Não podia dizer a ele exatamente que sabia que ele estaria bem porque viveria o bastante para vê-la morrer.

     —Só sei.

     Outro meio passo e ficou perto o bastante para que Zach levantasse seu longo braço e a agarrasse pelo pulso.

     —O que quer que tenha feito a ele, desfaça.

     —Não fiz nada! Juro. Tudo o que fiz foi afastar seu braço e ele caiu.

     O profundo cenho de Zach saltou durante um segundo, então aqueles claros olhos verdes se abriram desmesuradamente como se simplesmente acabasse de dar-se conta do que estava errado.

     —Venha aqui. — ordenou, puxando-a para o chão até que sua mão pressionou diretamente contra o estômago de Drake – seu nu, duro e quente estômago que deveria estar completamente coberto por sua camiseta, mas não estava.

     Toda aquela incompreensível dor trabalhou sobre seus rins e podia ver a metade de uma longa tatuagem subindo por seu flanco direito. Era uma árvore, colorida com cores realistas e perfeitamente detalhada. Cada retorcido nó, cada retorcida raiz da árvore era tão real que tinha certeza de que quase poderia sentir a dureza do ramo debaixo de seus dedos. Finos fios de raízes desciam sobre seu estômago e desapareciam debaixo da cintura de seu jeans. Negou-se a pensar para onde conduziam.

     Seus dedos tocaram sua pele, e não passaram dois segundos completos para que Drake relaxasse. Ambos os homens a olharam atônitos, então, olharam um ao outro, compartilhando algum segredo entre eles. Não tinha a menor pista do que estava acontecendo, e a estas alturas, não estava segura de querer saber. Tudo o que queria era levar a senhorita Mabel de volta para casa e mergulhar em um profundo banho quente durante uma semana. Estava completamente segura de que não poderia queima viva em uma banheira, e essa era a única hora que realmente relaxava.

     —Virá conosco. — disse o grandalhão.

     Seus brilhantes olhos azuis observavam o corpo de Drake, a preocupação impelindo suas sobrancelhas.

     —Não, não o farei. — disse Helen.

     Zach soltou o pulso de Helen e se levantou. Deveria ter se afastado e se dirigido à porta, mas algo a deteve. Estava acontecendo algo sob sua mão. A pele de Drake estava quente e ela estava inundada com aquele estranho murmúrio de energia que havia sentido antes. Esta, encheu-a interiormente, como uma luz cálida, encontrando todo o frio, as pequenas e escuras fendas e buracos em seu interior. Havia uma sensação como de um leve fundir e o sabor do mel em sua boca e o aroma da chuva em seu nariz. Sentiu-se leve. Radiante. Isso não estava certo. Sentia-se incrivelmente bem, mas não estava bem. Não se supunha que acontecesse. Não podia ser real.

     Começou a afastar seus dedos, mas a mão de Drake agarrou a sua antes que ela acabasse de afastá-la de sua pele. Seus dedos se enroscaram ao redor de seu pulso e pôde sentir aquela estranha energia afundando-se nela onde cada um de seus magros dedos se encontrava com sua pele.

     Ele se levantou, parecendo alerta e coerente, e sentiu a suave sensação de sua camisa contra o pulso.

     Ele manteve sua mão no lugar e se inclinou para frente até que mal havia cinco centímetros entre eles.

     —Não a deixarei se afastar. Não, até que descubramos o que é esta coisa que há entre nós.

     Isso era um juramento. Podia sentir seu poder assentando-se entre os dois, afastando-os do resto do mundo.

     Isso não era real. Não podia estar acontecendo. Um montão de coisas estranhas aconteceu ao longo de sua vida, mas isto era a cereja das coisas estranhas.

     —Não há nada entre nós.

     Deu a ela aquele meio sorriso de sua visão.

     —Agora sim.

     Atrás dele, justo no interior da janela que levava para a cozinha do restaurante, surgiram chamas laranja, cuspindo para cima igual a um gêiser.

     Fogo. O aroma da carne queimada.

     O mundo de Helen veio abaixo, para um pico de pânico do qual não podia escapar. Infiltrou-se em seu interior e lhe roubou todo oxigênio. Nem sequer podia recordar como respirar.

    

     Zach gostava de um pouco de caráter em suas mulheres, mas isto era ridículo. Tinha visto a pequena e sexy garçonete sair de um canto com uma faca. Depois da habilidade com que tinha usado aquele aguilhão, não duvidou nem por um segundo que a usaria. Sabia que o faria. O rastro de sangue que descia por seu braço era a prova disso.

     —Quer brincar, pequenina? —Perguntou a ela, aproximando-se à espreita. Era tão malditamente bonita que só queria devorá-la. Os grandes olhos castanhos eram escuros, como chocolate amargo, o qual supunha combinava bem com sua personalidade. Foi toda doçura e sorrisos quando lhes tomou os pedidos e levou o jantar, mas assim que pensou que suas amigas estavam em perigo, toda aquela doçura voou, deixando à verdadeira mulher que havia debaixo. Feroz. Adorável. Seu queixo encantadoramente acentuado não o enganava. Era toda espírito e escuridão e a adorava.

     Lexi não era muito grande, mas isso não era culpa dela. Estava muito bem constituída em sua mente, não em quantidade, e aqueles cabelos arrepiados de garota má e o breve vislumbre da tatuagem que descia por suas costas realmente o excitava. Zach não tinha certeza de qual imagem era – só teve uma vaga visão das sinuosas curvas – mas não importava. Gostava que fosse resistente o bastante para aceitar a dor, que tivesse vontade de fazer aquele pequeno sacrifício por algo que ela achava bonito.

     Esta ponta de perversão que mostrava agora era apenas um bônus a mais.

   Agora, se pudesse conseguir que baixasse a faca, poderiam ter um encantador e longo bate-papo, e possivelmente se o deixasse fazer seu trabalho, deixaria que ele visse quão longe chegava aquela tatuagem em suas calças baixas.

     Pelo canto do olho, Zach viu que a pequena anciã tinha recuperado seu andador e estava se dirigindo ao telefone. A última coisa que precisavam era que ela chamasse uma equipe da polícia humana para rematar as coisas.

     Essa captura que Drake havia feito era diversão suficiente para uma noite.

     Drake agora estava sentado, o que era um bom sinal, mas o pôr do sol seria em menos de um minuto, e quando isso acontecesse, as coisas iriam de feio à malditamente feio em um batimento de coração. Esses demônios eram iguais a esfomeados insetos que saíam das escuras e úmidas tocas e começavam a caçar. O aroma do sangue que descia pelo braço de Zach seria um dos primeiros lugares em que fariam uma parada.

     Lexi estava rodeando-o a sua direita, para a anciã, para protegê-la. Como se algum dos Sentinelas fosse ferir alguma anciã. É obvio, ela não podia saber disso.

     —Baixe a arma, carinho. Já houve bastante sangue derramado esta noite.

     —Direi a você quando tiver tido bastante sangue. —Cuspiu.

     Zach queria beijar aquela boca violenta dela. Antes, quando tinha sido Lexi a Garçonete, tinha pensado que era bastante bonita, mas agora que era Lexi a Vingadora, era gloriosa. Atordoante.

     Moveu-se para frente, mantendo os olhos sobre a faca enquanto reunia uma pequena porção de energia do ar. O aplique de poder feria como o inferno, mas precisava marcá-la. Não podia deixá-la ir, não sem assegurar-se que tinha uma maneira de manter as marcas sobre ela. Um pequeno toque e deixaria uma marca que seria capaz de seguir a qualquer lugar. Tudo o que tinha que fazer era aproximar-se o bastante para tocá-la sem fazê-lo abertamente. Logan não gostaria de ter que prescindir dele antes que a noite houvesse sequer começado realmente.

     Lexi não se virou. Não cedeu uma polegada. A faca brilhou em seu punho e Zach sentiu a si mesmo sorrindo. Que mulher.

     Aproximou-se, contando os segundos que a anciã levaria para alcançar o telefone. Talvez quinze. Era suficiente para desarmar Lexi e deixar a marca.

     Zach se lançou contra ela, chutando a faca quando esta deslizou ante ele a um escasso segundo de ser muito tarde para fazer algum dano. Agarrou o pulso dela para manter a faca afastada, e puxou seu corpo contra o dele, suas costas contra seu peito. Baixou o braço que cruzou sobre seu corpo para sustentá-la, podia sentir a rápida subida e descida de seus seios e o frenético batimento de seu coração.

     Durante um breve segundo, vacilou. Tinha medo dele. Não queria isso.

     Deixou ir a energia que tinha reunido e sentiu um ardente ataque de poder saltando de sua mão através do indicador, o qual pressionou levemente contra o antebraço de Lexi. Ela ofegou em um apavorado ofego e se deixou ir.

     Zach abriu a boca para tranquiliza-la, mas antes que pudesse dizer uma só palavra, uma gigante coluna de fogo saiu da cozinha e varreu através do teto, fazendo um buraco no terraço.

 

     Ficaram sem tempo, os demônios estavam ali e estavam de saco cheio.

     —Mudança de planos. — gritou Thomas. Drake mal pôde o ouvir por cima do barulho dos pratos explodindo pelo calor do fogo na cozinha do restaurante. Rápido como estava se propagando o fogo, não havia maneira de que aquilo fosse natural.

     Algum dos demônios que caçavam, tinham o poder de chamar o fogo. Usavam-no para criar pânico, de modo que pudessem reuni-los em grupos e assediá-los quando fugissem.

     Os Synestryn que tinham causado aquele fogo deviam estar perto deles, talvez até espreitando no exterior, esperando que as últimas frestas de sol se desvanecessem.

     Drake tinha que pôr às mulheres a salvo. Especialmente Helen.

     Puxou Helen apertando-a contra ele, assegurando-se de que sua cabeça estava inclinada para protegê-la das brasas voadoras. Assim que viu o fogo, congelou-se com um olhar de rígido terror no rosto. Estava pálida, trêmula, e já não resistia a ele. Não era um bom sinal.

     Thomas ainda estava junto de Drake, embora Lexi agitasse uma faca ao redor, parecendo alguma espécie de tênue ordem, e a Senhorita Mabel avançava dando pequenos passinhos para o telefone.

     —Vamos sair daqui. — gritou Thomas. — Logan terá que nos alcançar. Pode caminhar?

     —Não há problemas. — disse Drake. O que quer que tenha acontecido quando seu poder interno o fez sentir-se mau, agora estava bem. Melhor que bem. Estava preparado para lançar-se sobre toda a hierarquia Synestryn e recuperar a espada de Kevin com uma só mão se fosse necessário.

     Ainda estava agarrando o pulso de Helen e se asseguraria de não deixá-la sair. Aquela maré de dor agônica que se precipitou sobre ele quando ela o afastou foi uma eficiente professora. Não era uma lição que necessitava de uma segunda vez para aprender.

     —Encarregue-se dela. — disse Thomas. — Eu pegarei à anciã e deixaremos que Zach se arrume com a Rambinha.[1]

     Drake assentiu e ficou de pé, puxando Helen com ele. Ela mal respondia, os olhos grudados no fogo.

     Tinha deixado sua bolsa cair em algum lugar, a qual se deteve para recolher junto com a da Senhorita Mabel.

     Não tinha sentido deixar pistas óbvias das mulheres na cena do que poderia ter sido um incêndio provocado. Os incêndios como esses frequentemente eram reportados como provocados, porque ninguém poderia imaginar como começaram. Supunha que provavelmente não havia um pequeno arquivo onde aparecesse a palavra magia na maioria dos informes de incêndios.

     Drake levantou o obediente corpo de Helen em seus braços e se dirigiu a seu Chevy Tahoe. Os últimos raios da luz do sol piscaram entre as longas sombras, acautelando os demônios que começaram o fogo para que atrasassem o óbvio ataque por mais alguns segundos.

     Levou vários desses segundos para conseguir levá-la ao assento traseiro do SUV e pôr o cinto de segurança ao redor de sua cintura. Nenhuma só vez deixou de tocar sua pele, o que não era difícil de forma alguma.

     No momento em que fez aquilo, Thomas deixou a Senhorita Mabel no assento dianteiro e seu andador no de atrás, mas não via Zach em nenhum lugar.

     As chamas já tinham irrompido através do terraço e a parede de trás do restaurante. Uma pequena multidão de espectadores estava se formando no outro lado da rua.

     As sirenes ululavam à distância e quando estivessem ali, Drake e seus companheiros tinham que ter partido há tempos. Lidar com as autoridades não era algo para o que tivessem tempo naquela noite. A espada de Kevin estava aí fora, capaz de fazer sérios danos se os humanos, se topassem com ela – capaz de fazer um dano muito mais infernal nas mãos de um dos Synestryn.

     —Onde está Zach? —Perguntou Thomas, observando o pequeno estacionamento lotado.

     Pneus chiaram sobre o asfalto e Drake viu Zach correndo atrás de um velho Funda com Lexi atrás do volante. Zach era rápido, mas não tão rápido, e não tinha nenhuma chance de alcançá-la com seu hábito de “sair–disparada–do–inferno”. Zach levou uns dez segundos para dar-se conta de que não ia alcançá-la e mudou de direção em um rápido girou para o SUV.

     —Temos que alcançá-la. — disse Zach, respirando com dificuldade.

     —Deixe em paz essa pobre garota. — ordenou a Senhorita Mabel. — Já fizeram o bastante para uma noite. Colocar fogo no restaurante. No que estavam pensando?

     Esse fogo não era exatamente parte de seus planos, tinham planejado sair do restaurante antes que os demônios despertassem, mas ninguém se incomodou de lhe explicar essa parte. As sirenes eram ouvidas com mais intensidade e Thomas já estava atrás do volante, ligando o motor. Zach entrou e fechou a porta de repente. Com força.

     —Viu qual foi o caminho que tomou? —Perguntou a ele.

     —Este. Tentarei encontrá-la. — Thomas conduziu o veículo para dentro do tráfico e pegou o primeiro semáforo.

     —Merda! —Gritou Zach. — Atravesse o cruzamento.

     —Quer dizer passar por cima desse encantador casal de jovens no conversível em frente a nós? —Perguntou Thomas, olhando fixamente para Zach pelo espelho retrovisor.

     —Se isso for o que tiver que fazer.

     —Acredito que não. Encontraremos ela, Zach. Relaxe.

     Zach golpeou o assento próximo com frustração.

     —Não posso acreditar que ela escapou.

     Drake também custava a acreditar, mas nesse momento sua prioridade principal era Helen e descobrir por que não havia dito uma palavra ou oferecido resistência alguma desde o momento em que viu aquelas chamas.

     Não era de forma alguma um bom sinal.

 

   Lexi agarrou o volante com tanta força que suas mãos se crisparam. Odiou deixar Helen e a Senhorita Mabel para trás, mas não havia nada que pudesse fazer por elas nem por Zach. Deveria ter sido mais consciente, permitiu-se aproximar o suficiente para se importar com o que acontecesse aos clientes regulares do Gertie´s Dinner. Já deveria ter aprendido a lição.

     Afeiçoar-se tanto a alguém era estupidez.

     Helen e a Senhorita Mabel se foram. Os Sentinelas as tinham, e quando agarravam alguém, nunca a deixavam ir embora. Sua mãe tinha gravado essa lição nela desde antes que tivesse idade suficiente para caminhar.

     Esteve muito perto de ser sequestrada agora mesmo. Muito perto. Zach a afligiu com seu tamanho, o que era algo que podia dirigir. Mas também a afligiu com sua personalidade. Era uma inquietante mistura de humor encantador e mortal caçador e não estava preparada para a maneira que a olhava. A maneira que sorria para ela.

     Tinha parecido um paquerador inofensivo durante o jantar, por isso não deixou que os homens com tatuagens e colares a alarmassem. Enquanto pensassem que era humana, estava a salvo, assim fez sua parte. Inclusive correspondeu ao flerte, aceitando o número de telefone quando o ofereceu.

     Ficar tinha sido um erro.

     Quando a atacou, soube que tinha descoberto seu segredo. Voltou a lutar com tanta força quanto podia, mas era muito forte. Apunhalou-o e ele sorriu. Quem diabos fazia algo assim? Só um lunático. Quem a não ser um lunático?

     Um lunático cuja marca tinha em seu braço. Tinha que fazer algo assim que fosse possível.

     Maldito fosse. Adorava seu trabalho. Amava as pessoas que via todos os dias. Era quase como ter uma família, e Zach tinha roubado tudo isso dela, apenas aparecendo e intrometendo-se em sua vida.

     Lexi deixou escapar um enfurecido grito, fazendo as janelas de sua Funda vibrarem. Odiava isso, odiava estar assustada, odiava estar sozinha, odiava ter que reconstruir sua vida a cada poucos meses, mas era hora de mover-se. De novo. O dano estava feito e já não estaria a salvo ali.

     Tudo o que possuía era aquele velho e vibrante carro. Deixava o pagamento de uma semana para trás, mas não havia nada que pudesse fazer. Tinha economizado dinheiro suficiente para afastar-se e manter-se em movimento durante algumas semanas, o que era exatamente o que ia fazer.

     Sua mãe a tinha advertido que nunca deixasse que os Sentinelas a encontrassem. Eram homens perigosos que escravizavam mulheres, as obrigando a fazer o inefável mal. Sua mãe nunca esteve completamente lúcida, mas nos dias em que estava lúcida, essa era a única coisa com que perfurava a cabeça de Lexi uma e outra vez, e Lexi dava muita importância a essa advertência. Sabia o que aconteceria se descobrissem seu segredo, se descobrissem que não era completamente humana.

     Teria que usar um novo nome, mudar sua aparência, e encontrar uma nova cidade. Estava se tornando cada vez mais difícil trocar de identidade, e os papéis custavam cada vez mais, mas não havia nada que fazer. Era livre e continuaria dessa maneira ou morreria tentando. Não podia cair nas mãos do inimigo. A vida de muitas mulheres, especialmente mulheres como ela, estavam em perigo.

  

   Helen nem sequer podia gritar. Estava muito aterrada para conseguir que entrasse o ar suficiente. Vendo aquele pilar de chamas enquanto Drake tinha aquele meio sorriso em seu rosto… Era tão parecido a sua visão que simplesmente esperava que acontecesse.

     Mas não aconteceu. E embora houvesse similitudes entre a realidade e sua visão, não era exatamente igual. Podia ver muito de seus arredores, o interior era brilhante, não escuro, e o fogo estava atrás de Drake, não a engolindo. Essa era a enorme diferença, a única que realmente importava. Não estava ardendo viva.

     Respire. Apenas respire. Isso era tudo o que tinha que fazer.

     Ainda não podia abrir os olhos. Podia sentir a vibração de um carro sob as coxas e a leve inclinação de seu corpo como quando giravam nas esquinas. Alguém a sustentava. Podia sentir o enormemente pesado e quente braço de um homem ao redor dos ombros. Fortes dedos desenhando confortáveis círculos sobre seu braço nu. A cabeça estava apoiada contra seu ombro e podia sentir o cheiro da fumaça incrustado em sua camiseta, um sutil cheiro de sabonete escapando de sua pele. Fios de energia que sentia igual a borbulhante água quente, gotejavam em sua carne onde a outra mão rodeava seu pulso.

     Drake. Era Drake quem a segurava, evitando que saísse voando. Tinha tirado-a do edifício em chamas. Não tinha observado-a morrer.

   Talvez sua visão estivesse equivocada. Ou talvez fosse só que ainda não era sua hora de morrer. De toda forma, estava agradecida por ainda estar com vida.

     —Vire aí. — ouviu um homem dizer, e obrigou seus olhos a se abrirem o bastante para dar uma olhada nos arredores.

     Estava na parte de atrás de algum enorme utilitário e embora as janelas estivessem completamente pintadas, podia ver que o céu sulino tinha um profundo laranja rosado. A Senhorita Mabel estava a salvo e a ouvia no assento dianteiro, e Zach estava quase no colo do condutor, o ajudando a conduzir o carro.

     —Bem-vinda de novo. — disse Drake. Sua cabeça estava inclinada e não havia maneira de que pudesse havê-la visto abrir os olhos, mas sabia que estava novamente consciente.

   Helen se sentou direito, o que ele permitiu, então tentou escorregar e pôr alguns centímetros entre eles, o que ele não permitiu fazer. Pôs o braço firmemente sobre seus ombros, mantendo-a direita contra seu corpo. Seu muito quente, muito firme e muito másculo corpo.

     —Aqui, Thomas! Vire aqui! —Gritou Zach. Estava frenético por algo, mas Helen não podia sequer perguntar a ele o que era que o deixava tão frenético. Tinha problemas piores, por exemplo, como ia tirar a Senhorita Mabel daquela confusão e voltar para a segurança de suas toalhas de mesa e a gigante coleção de livros antigos.

     —Está bem? —Perguntou a ela, inclinando-se, se aproximou um pouco mais de modo que pudesse ouvi-la por cima das exaltadas orientações de Zach.

     Helen engoliu, esperando que sua voz não saísse em um lamento infantil.

     —Estarei bem uma vez me leve de volta a meu carro.

     —Não posso fazer isso. Os bombeiros e a polícia provavelmente já estão se reunido no restaurante. Quem sabe quanto demorarão a apagar o fogo.

     Fogo. Certo. Podiam ficar com seu carro. Não ia para as imediações de nenhum fogo, não enquanto ele estivesse por perto.

     —Para casa, então. Pode me levar e a Senhorita Mabel para casa.

     —Maldição! Perdi-a. — Zach passou frustrado uma mão pelos longos e ondulados cabelos, arrastando mais da metade, tirando o elástico que mantinha o rabo-de-cavalo em seu lugar.

     —Pensei que tinha dito que pôs uma marca nela. — disse Thomas, o condutor.

     Ela? Lexi. OH não.

     —Fiz isso. — assentiu Zach. — Também pensei que seria forte, mas aparentemente não é. Como pode ter escapado tão facilmente. Não faz sentido.

     —Diga-me que Lexi conseguiu sair do incêndio. — disse Helen, levantando os olhos para o sombreado rosto de Drake.

     —Fez. E o cozinheiro já tinha pedido o dia, o qual foi uma sorte para ele.

     —Isso não foi sorte, só vadiagem. — queixou-se Helen. Paulo sempre saia cedo, fazendo que Lexi limpasse o restaurante a maioria das noites.

     —Ela não só saiu. — disse Zach entre dentes. — Também voou. Sabe onde mora? —Perguntou a Helen.

     —Não tenho ideia. —O que não era exatamente a verdade. Sabia que Lexi vivia em seu carro, só não sabia onde estava esse carro. — E se soubesse, não diria a você. —O que era exatamente a verdade.

     —Acredito que já tive bastante aventura por um dia. — disse a Senhorita Mabel. — Estou pronta para ir para casa.

     Helen estava absolutamente de acordo com a parte da aventura.

     —Realmente eu gostaria de saber que infernos está acontecendo. Quem são vocês, e o que querem de nós?

     —Nós somos os caras bons. — disse Drake. — Queremos manter vocês a salvo. Isso é tudo.

     —Então nos deixe sair daqui. Podemos nos cuidar sozinhas.

     —Nem sonhe com isso. —Disse Drake. —Não até que descubramos por que tem esse efeito em mim. Além disso, está escuro. Não estarão a salvo correndo por aí uma vez que o sol se ponha.

     —Bem. Ao menos deixem a Senhorita Mabel ir.

     —Não vou deixar você com esses rufiões. — disse a Senhorita Mabel. —Estamos juntas nisto. Darei uma olhada nestes meninos.

     —Temos que voltar para trabalho. — disse Thomas. Era calmo onde Zach era frenético, movendo o enorme veículo através do tráfico com grande perícia. Os ombros largos se sobressaíam de ambos os lados do assento do motorista e a cabeça estava só a alguns centímetros do teto do utilitário. —Logan deveria ter acabado de alimentar-se por agora e precisará saber onde encontrar-se conosco.

     —Em minha casa. —Disse a Senhorita Mabel. — Tem que encontrar-se com vocês em minha casa.

     OH, não. Helen não ia deixar que aqueles homens soubessem onde vivia a Senhorita Mabel. Era uma anciã indefesa e aqueles homens emulavam[2] com o estranho e o inexplicável. Não era uma boa combinação.

     —Não acredito que isso seja uma boa ideia. Apenas nos levem a estação. Algum lugar público. A Senhorita Mabel e eu podemos pegar um ônibus ou um táxi.

     —Não quer que os grandes lobos maus saibam onde vive? —Perguntou Drake. Sentiu as palavras deslizarem por sua têmpora em uma cálida onda que contrastava com a fria zombaria em seu tom.

     —Não sou idiota. — disse ela.

     —Não, mas é um mistério. Um que vou necessitar de algum tempo para descobrir.

     —Não temos muito tempo, aqui, Drake. —Disse Thomas. — Temos um trabalho a fazer e só oito horas e meia para fazê-lo.

     Sentiu o corpo de Drake retesar-se ao seu lado. Segurou em seu braço com mais força e os dedos se apertaram sobre seu pulso como se não quisesse deixá-la ir. E isso só deixava Helen mais nervosa.

     Inclusive aqueles agradáveis fios de energia que flutuavam nela onde quer que sua pele se tocasse com a dela, não estava segura de gostar a onde estava conduzindo sua linguagem corporal.

     —Sei disso, — disse Drake— mas também sei que não vou sobreviver a outro ataque igual ao último, assim será melhor encontrar algum lugar para fazer um pequeno teste. E para isso, necessitamos de Logan. De todo modo a casa da Senhorita Mabel é um bom lugar para isso.

     —Não. — disse Helen, um pouco rápido demais. — Em vez disso vamos para minha casa. Está mais perto. —Estava muito melhor equipada para manipular aqueles homens do que a Senhorita Mabel, mesmo que isso não significasse muito. Ao menos o lar de trinta anos da Senhorita Mabel estaria a salvo. Talvez Helen pedisse para mudar-se para a casa dela depois que tudo isto terminasse.

     —Bem. Por onde? —Perguntou Thomas.

     Helen deu as instruções a ele, rogando que não tivesse cometido o maior erro de sua vida.

  

   Drake não podia deixar de tocar Helen. Não tinha certeza se era porque temia que a dor voltasse se o fizesse, ou porque sua pele era incrivelmente suave em cada lugar que tocava. De qualquer modo, estava indefeso em uma briga a menos que descobrisse a maneira de separar-se dela.

     E lutar estava definitivamente na agenda daquela noite. Não ia ser fácil fazer a ruptura, mas não tinha escolha. Tinham que recuperar aquela espada, e se não o fizessem antes da saída do sol, toda a horda de demônios a localizaria e não podia dizer quando encontrariam outro que os conduzisse a sua localização.

     Kevin era um feroz e valoroso guerreiro. Morreu com honra e Drake prometeu a ele recuperar a espada e pendurá-la no Hall dos Mortos. Para fazer isso, ia necessitar de ambas as mãos.

     Manteve uma cuidadosa sujeição sobre o pulso de Helen, relutante em romper o contato até que fosse absolutamente necessário.

     Talvez Logan soubesse o que fazer para arrumar aquela confusão. Todos os Sanguinar, incluído Logan, tinham estranhas e fortes habilidades quando se tratava de curar. Sabiam curar o que quer que estivesse malditamente ruim nos corpos dos humanos e nos dos Sentinelas por igual. Se alguém sabia o que fazer para separá-lo de Helen sem dor, seria Logan ou um dos outros Sanguinar.

   Rodaram pelo caminho de entrada de Helen e desceram em grupo do utilitário. Era uma vizinhança encantadora. Velho, mas bem conservado, e embora tivesse certeza que as árvores foram derrubadas quando o edifício foi construído, as novas árvores tiveram tempo para voltar a crescer, servindo para dar sombra as casa do abrasador sol do Kansas durante o dia. Na crescente escuridão, essas mesmas árvores deixavam partes sombreadas pelo caminho da calçada e entre as casas.

     Zach estava sangrando, graças a Lexi. Não muito, mas o bastante para atrair a cada Synestryn no raio de uma milha de distância até a porta principal de Helen. Até que Logan o curasse, Zach era um alvo andante, fazendo de todo mundo próximo a ele um alvo.

     Incluindo Helen.

     Deu uma rápida olhada nela quando caminhavam até sua porta principal. A curva de sua face brilhava rosada na débil luz do sol e podia entrever uma porção de sardas sobre o ombro esquerdo. Os braços eram lisos e femininos, bonitos, mas não fortes o bastante para lutar com os demônios que vinham nessa direção. Era muito suave para enfrentar os Synestryn, e se sua reação ao fogo fosse uma pista, também era muito frágil. Parte dele desejava nunca havê-la visto, mas o resto estava fazendo uma ridícula dança, aliviado de seu estado de dor.

     Não sabia o que ia fazer com ela mais do que sabia o que ela ia fazer com ele.

     Thomas levou a Senhorita Mabel até a porta principal do elevado rancho de Helen, o bastante para que tivesse que subir as escadas com o andador. Ela se queixou, dando palmadas ineficazes nos musculosos braços, mas Thomas a ignorou.

     Zach estava dando uma olhada no grupo, protegendo a retaguarda, observando as sombras em busca de demônios ou algum dos outros asquerosos Synestryn que queriam uma parte deles.

     Helen ficou sob a luz amarela de seu alpendre dianteiro, procurando na bolsa só com uma mão, porque Drake não ia soltar o pulso. Sua teima ganhou um mal-humorado cenho franzido por parte dela, mas era homem suficiente para confrontá-lo.

     —Não vai matá-lo me dar dez segundos para encontrar minhas chaves. — disse.

     —Possivelmente sim. Quer aproveitar essa oportunidade?

     Realmente se deteve um momento como se considerasse isso como uma opção. Um breve brilho de dor obscureceu os olhos cor avelã um segundo, então se foi, deixando a triste aceitação em seu rastro.

     —Bem. — disse e moveu a bolsa contra suas costelas. —Pode sustentá-la enquanto eu procuro.

     Drake ficou olhando a parte de cima de sua cabeça inclinada. Os cabelos castanhos eram brilhantes na luminosa luz do alpendre, e embora as duas tranças estivessem um pouco soltas, ainda o enlouqueciam.

     Asas. Isso foi tudo o que pôde pensar quando as viu. A mulher tinha trancado asas em seus cabelos, justo como se um homem pudesse agarrá-las e guiar a cabeça aonde quisesse que fosse. Certamente tinha se dado conta disso. Certamente sabia que entre essas duas tranças e sua suave e cheia boca, havia só um lugar ao que sua mente podia ir. Um maravilhoso, mau e perverso lugar onde estava nua e começando a lhe fazer todas aquelas travessas e deliciosas coisas. E ele faria cada uma delas antes de deixá-la ir. Duas vezes. Mas nesse momento tudo o que realmente queria era agarrar aquelas duas asas, puxar sua cabeça para cima e beijá-la até esquecer tudo a respeito da morte de seu amigo, a perda da espada e o braço sangrento de Zach, o qual estava chamando todos os demônios para que viesse dar uma dentada no bufê Theronai.

     —Encontrei-as. —Disse ela, sacudindo as chaves.

     Graças a Deus. Ao menos agora teriam uma porta para pôr entre eles e os demônios. Não faria muito frente a um ataque, mas era melhor que ficar ali desprotegidos.

     Helen abriu a fechadura da porta e todos eles se precipitaram para dentro com Zach fechando o grupo na parte de trás. Thomas carregou a Senhorita Mabel no meio lance de escadas que conduziam ao salão e a deixou no chão. Sustentou-a até que agarrou com força o andador, o que o fazia um homem mais valente que Drake. O andador era uma arma perigosa em suas mãos, do qual falava o palpitante galo na parte de atrás de sua cabeça, e Thomas ainda estava perto o suficiente para ser um alvo gigante.

     Helen acendeu as luzes, revelando uma arrumada e diminuta sala de estar. Estava pintada em tons neutros, montões de pardos, bege e cinzas. As paredes estavam nuas e algumas caixas estavam empilhadas em um canto. Helen devia ter se mudado ou estar preparada para fazê-lo. Não podia dizer qual.

     Dois livros da biblioteca se amontoavam sobre a mesa de café de vidro. Ambos tratavam de Combustão Espontânea.

     Inferno de tema, um que definitivamente perguntaria a ela logo que tivessem um momento de calma. Um par de tênis de corrida se encontrava no meio do chão como se os tivesse tirado ali mesmo. Um grande número de extintores estava colocado em estranhos lugares, três na sala de estar, dois colocados sobre o centro da lareira que estava totalmente cheia de tijolos. Outro em frente à porta e podia ver um quinto sobre o balcão da cozinha.

     Aparentemente, a Helen não gostava do fogo.

     —Obrigado por nos trazer para casa. — disse. — Não quero entretê-los. —Uma educada maneira de expulsá-los. Uma que fazia olhando significativamente para os dedos que tinha envolvido ao redor de seu pulso.

     —Boa tentativa. — disse Drake, e só para contrariá-la, deslizou o polegar ao longo do sedoso interior de seu pulso. Era tão suave, tão cálido. Drake não era muito dado a acessórios femininos, mas Helen era um que estava se acostumando a usar, rapidamente.

     Olhou para Thomas, que ainda rondava como uma galinha poedeira a Senhorita Mabel, observando-a como se temesse que caísse a qualquer minuto. Pela maneira que se sacudia, talvez não fosse um movimento tão estúpido afinal.

     —Necessitamos de Logan. — disse Drake. Sem ele, esta noite ia diretamente para o inferno junto com duas humanas atrás. Não podiam deixar que isso acontecesse. Como uma das raças Sentinela, o único propósito dos Theronai na vida, sua razão de ser, era proteger aos humanos e guardar a porta dentro do reino Solarc, mantendo os Synestryn afastados de ambos. Precisavam sair dali e afastarem-se de Helen e da Senhorita Mabel antes que os demônios aparecessem.

     E não havia nenhum questionamento nessa parte. Eles apareceriam.

     Thomas tirou o telefone celular.

     —Logan. Necessitamos que se encontre conosco no 17804 da East Sunflower Lane. —Os brilhantes olhos azuis se demoraram sobre Drake, diretamente onde estava agarrando o pulso de Helen, e a expressão se tornou uma careta. —Sim, temos um problema. E Zach está sangrando, assim faça isso rápido.

     Uh – OH. Esse tom exigente não funcionava tão bem com Logan. Não era um homem a quem pressionar. Nenhum dos Sanguinar eram. Atualmente havia paz entre os Theronai e os Sanguinar porque cada um tinha algo que o outro necessitava, mas essa paz era tênue e Thomas se caracterizava por ser qualquer coisa exceto diplomático. A morte de Kevin devia havê-lo afetado mais do que Drake pensava.

     Thomas tinha sido próximo de Kevin como nenhum outro. Toda aquela raiva fazia de Thomas um inferno mais mortal em uma luta. Desde que aceitaram esta missão, o homem tinha sido uma máquina de matar.

     Os quatro tinham massacrado através de três hierarquias do Synestryn nas semanas anteriores, o que era uma espécie de bom recorde, e Thomas esteve liderando o ataque toda às vezes.

     Mas quando se tinha que obter algo de um dos Sanguinar, a delicadeza era a única forma de se aproximar deles.    

     Thomas aparentemente estava ouvindo tudo a respeito de sua insolência, se a tensão da mandíbula fosse algum sinal.

     —Não, é obvio que não quis dizer isso, Logan. —Os nódulos se tornaram brancos quando segurou o telefone com mais força. —Por favor, se apresse. —Cuspiu, apenas de forma audível.

     Zach olhava fixamente pela janela entre as lâminas das persianas. A mão estava pressionada firmemente sobre o braço que sangrento.

     —Quão perto está? —Perguntou a ele.

     Thomas deslizou o telefone de volta ao bolso e deslizou o punho da espada para que ficasse por fora da roupa. Todos os homens tinham espadas, mas graças a um pequeno feitiço, eram difíceis de ver sempre e quando as tivessem embainhadas.

     —Cinco minutos. —Disse Thomas.

     Zach sacudiu a cabeça.

     —É muito. Vou sair, e afastá-los daqui.

     —Essa não é uma boa ideia. — discutiu Drake. — Vamos necessitar de você.

     —Não se todas as bestas me seguirem. Darei um pouco de tempo para que Logan descubra o que está acontecendo aqui com você. —Apontou com um gesto para Helen.

     Drake não queria deixar Zach só lá fora. Era um Theronai muito bom, mas não era invencível.

     —Vai fazer isso de modo que possa ir atrás da garota.

     Zach disparou um vibrante olhar verde para ele.

     —Quer jogar essa pedra em particular, Drake?

     Merda. Zach tinha razão. Se Helen tivesse partido, também teria querido ir atrás dela. Assumido que sequer fosse capaz de caminhar, o que duvidava.

     —Tome cuidado.

     —Sempre. As chaves, Thomas.

     Thomas lançou para ele as chaves do Tahoe através da sala e Zach saiu do caminho de entrada em quinze segundos.

     Thomas olhou através das persianas e cuspiu uma cáustica palavra, a qual fez que a Senhorita Mabel lhe lançasse um olhar reprovador.

     —Abra a janela. — disse Thomas. — Assim os demônios poderiam sentir o cheiro do sangue e segui-lo. Eu não gosto disto mais que você, mas não tinha muita escolha. Não podia ficar aqui e por em risco as mulheres.

     —Uma das quais está justamente aqui mesmo. — disse Helen. — Ao menos nos dirá que inferno está acontecendo? Por que Zach saiu correndo e que importância tem que tenha baixado a janela?

     OH, infernos. Como ia explicar a ela tudo isso? Não havia muito que esconder para que começasse a entender pelo que estavam passando. Era humana. Protegida. Não era permitido a ela conhecer a existência dos Sentinelas. Um deles ia ter que apagar sua memória.

     —Não vai fugir de mim. Quase nos consumimos em um incêndio. Lexi está sozinha lá fora e agora Zach também está. Algo está vindo para cá, mas aparentemente é muito horrível sequer para falar disso. Por favor, me diga que não me disse só para não me preocupar.

     Estava com problemas. Podia ouvir em seu tom, a raiva, o temor. O que o preocupava não era tanto que estivesse assustada como o fato de que ele realmente não queria que se assustasse. Deveria ter sido capaz de distanciar-se o bastante para mantê-la segura sem todo aquele revoo emocional.

     Se não pudesse manter a cabeça clara, ela ia estar mais que assustada, ia estar morta.

     Zach poderia ter enganado a maioria dos demônios afastando-os, mas não havia feito isso com todos.

     Eram como baratas. Sempre havia mais à espreita na escuridão.

     —De acordo. — disse, respirando profundamente. — Sei que tudo isto é bizarro para você, mas necessito que confie em mim.

     Helen o olhou como se acabasse de dizer a ela que era seu meio tio longamente perdido.

     —Confiar em você? Sequestrou-me.

   —Não. Não o fiz. Não tem ideia do que está acontecendo aqui e não há tempo para explicar. Confie em mim.

     —Muito bem. —Disse ela, tirando seu ás da manga. — Fizemos isso aqui. Vou chamar a polícia.

     Dirigiu-se para a cozinha e ele se arrastou atrás dela, mantendo o sólido agarre. Podia chamar a Guarda Nacional, pelo que lhe importava. Isso não ia mudar nada. Não ia deixar que o fizesse.

     —Seria melhor se não tentasse envolvê-los. —Disse a ela.

     —Melhor para você, talvez. —Acendeu as luzes da cozinha e deu um passo para o telefone, mas Drake se ancorou no chão. Tinha alcançado o fio, mas isso era o mais longe que podia chegar. Tropeçou, tendo esperado que ele a seguisse.

     —Ai! —esfregou o ombro.

     Sua dor foi o cúmulo. Não ia deixar que acontecesse de novo. Drake pegou seu corpo e o pressionou contra a parede da cozinha de modo que ela não tinha outra escolha se não prestar atenção nele. Tinham algumas coisas para colocar em ordem, e agora era tão bom momento quanto qualquer outro.

 

   Helen não podia respirar. Não porque o corpo de Drake estivesse tão grudado ao dela que não pudesse tomar fôlego, mas sim porque estava tão apertado contra o seu que podia sentir como o calor dele chegava a ela através da roupa, junto a algo mais. Algo delicioso e poderoso. Aquelas estranhas fibras serpenteantes de energia fluindo para ela, fazendo que sua cabeça desse voltas e que seus olhos se fechassem à deriva.

     Aquilo era tão bom e a assustava endemoniadamente.

     «Confie em mim».

     Sim, claro. Não era um gênio, mas sabia que não devia render-se ante isto. O único problema era que apesar de sua mente está embarcada naquela coisa de não confiar nele, seu corpo não estava. Independentemente do que ele estivesse fazendo, estava provocando um curto-circuito em seu sistema, fazendo que se derretesse por dentro. Está tão perto dele era como deslizar dentro de um banho quente em uma noite fria. Isto lhe provocava calafrios e ela só queria mergulhar nele até dar prioridade a sua mente. Muita prioridade.

     Isto não podia ser bom para ela. Quem quer que ele fosse, não era normal. Ele ia observá-la morrer, pelo amor de Deus. Como ela podia cair naquele tipo de sedução?

     Helen se esforçou para abrir os olhos e imediatamente desejou não havê-lo feito. Ele estava olhando fixamente para sua boca, lambendo os lábios como se estivesse pensando em beijá-la. Logo que ela percebeu a ideia cruzar a face dele, começou a pensar um pouco nessa direção também. Muito bem, talvez mais que um pouco.

     Beijá-lo parecia adorável.

     Sobre eles, um relógio marcava os segundos e ele não se movia. Acaso estremeceu. Ele só ficou olhando sua boca fixamente.

     Ela tinha algo para negociar, algo que ia dizer ou fazer, mas por sua vida que não podia recordar o que era. Já não parecia ser relevante. A única coisa que parecia manter alguma importância era se podia ou não tê-lo um pouco mais perto. Se daria ou não espaço suficiente para ficar nas pontas dos pés e chegar a sua boca porque ele não estava dando o primeiro passo com rapidez suficiente para satisfazê-la.

     Ele tinha um tique no olho, logo sua mandíbula se retesou e seu cálido olhar a percorreu dos olhos à boca e de retorno aos olhos outra vez.

     —Não vamos fazer isto. — disse, embora soasse como se estivesse tentando convencer a si mesmo.

     —Não vamos fazer? —perguntou, parecendo decepcionada e sem fôlego.

     —Não, não o farão. — disse uma voz baixa e culta. Alguém desconhecido. — Ao menos não até que saibamos mais sobre sua… situação.

     —Sua sincronização fede, Logan. — disse Drake.

     Afastou o corpo do dela apenas uma polegada, dando espaço a Helen para respirar profundamente. Isto não ajudou. Sua cabeça, no entanto dava voltas e continuava pensando sobre como seria sentir a boca de Drake contra a sua. Não tinha sido beijada há muito tempo. Muito para seu gosto, e ele tinha uma linda boca. Grande, firme e com um leve toque de suavidade.

     —Drake, você gostaria de me apresentar a sua amiga? —perguntou o desconhecido.

     —Não realmente. — disse Drake, ainda sem tirar os olhos dela. — Mas suponho que não tenho muita escolha, ou sim?

     —Pelo que me disseram, não tem.

     Drake retrocedeu meio passo, mas não foi mais longe. Deslizou o polegar pelo ombro nu dela, acariciando-a como se tivesse direito de fazer isso. E ela não queria que se detivesse. Nem sequer se importava que tivessem audiência, o que devia representar sua própria badalada gigantesca de alarme.

     Ela escutou o homem esclarecendo a garganta e finalmente conseguiu afastar-se de Drake o suficiente para observar o recém-chegado.

     Ele era bonito. Extremamente. Muito bonito como um modelo de perfumes. Era alguns centímetros mais alto que Drake, só que mais magro, quase enxuto, mas fazia que a magreza tivesse um ótimo aspecto. Seus traços faciais eram tão perfeitos, tão simétricos e equilibrados que tinham que ter sido conseguidos cirurgicamente. Ninguém era assim tão perfeito sem um montão de ajuda. Tinha espessos cabelos negros que caíam justamente em cima do colarinho aberto da camisa. Uma onda caía artisticamente sobre sua testa, quase cobrindo um olho azul prateado. Sua pele era pálida e sem defeitos, fazendo-o parecer desumano em sua perfeição.

     Helen desejou ter a metade de sua beleza.

     —Bom, inferno. — resmungou Drake. —Faz isso a todas as mulheres humanas?

     —Não. Geralmente a esta altura elas já começaram a tirar as roupas. Ela está começando a ferir meus sentimentos.

     —Precisamos conseguir para você uma bolsa de papel ou um cachecol gigante ou algo.

     —Sim — disse o homem em tom seco. — Irei trabalhar nisso imediatamente.

     Helen teve que piscar algumas vezes antes de poder deixar de olhar fixamente para ele e sentiu que ruborizava de vergonha. Não havia lugar onde olhar que não estivesse cheio, bem por homens bonitos, ou por homens varonis, assim decidiu que era melhor observar o chão da cozinha.

     —Helen, este é Logan. — disse Drake. — Está aqui para ajudar.

     Bom, ela definitivamente necessitava de ajuda. Disso tinha certeza.

     —Diria “prazer em conhecê-lo,” mas estaria mentindo.

     —Entendo bastante isso. — disse Logan.

     —Podemos concluir as coisas aqui? —Perguntou Drake. — Podemos ter visitantes a qualquer momento e eu gostaria de poder me ocupar deles quando chegarem.

     —Visitantes? — perguntou Helen.

     —Disse a ela? — perguntou Logan a Drake.

     —Dizer-me o quê?

     Drake ignorou sua pergunta, dirigindo-se a Logan:

     —Quanto menos ela souber, melhor.

     —Desculpem-me? —Disse Helen. —Realmente desejo que deixem de falar de mim como se não estivesse parada exatamente aqui.

     Drake apertou a mandíbula com frustração e ela sentiu que seus dedos se apertavam ao redor de seus braços. Ele se inclinou para frente até que ela teve que jogar a cabeça para trás para olhá-lo nos olhos. Havia algo realmente aterrador espreitando ali, algum misterioso poder ou conhecimento que não podia nem sequer começar a entender. E não estava segura de querer fazê-lo.

     Sua voz era um murmúrio baixo que não chegaria ao cômodo do lado onde estava a Senhorita Mabel.

     —Entendo que toda esta situação é confusa para você, mas realmente estou tentando fazer o que é melhor para ambos. Estamos enfrentando sérias limitações de tempo, para não mencionar as coisas más que podem chegar a sua porta a qualquer momento, e se prefere viver o resto de sua vida sem mim como companhia permanente, então cooperará, e deixará que Logan faça seu trabalho.

     Um montão de coisas estranhas aconteceu naquela noite, mas ela estava começando a pensar que aquilo era apenas a ponta do iceberg.

     Tudo o que realmente queria era que a deixasse em paz para poder voltar a sua vida normal e tratar de desejar que nada daquilo tivesse acontecido. Se isso significava cooperar com o “menino lindo”, então realmente não via outra opção.

     —Muito bem. Serei boa.

     —Excelente. — disse Logan. Ele girou os ombros, fazendo que o couro do longo abrigo rangesse.

     Um casaco? Com este calor? Algo estava errado nessa imagem, mas ela julgou que esse era o menor de seus problemas.

     — Thomas disse a você o que aconteceu? —perguntou Drake.

     —Só vagamente. Prefiro ver por mim mesmo, se não se importar.

     Helen não sabia o que Logan queria dizer, mas Drake definitivamente parecia que se importava.

     —Não posso simplesmente contar?

     —Poderia. Também poderia distorcer os fatos ou deixar algo de fora que não considere que seja importante. E tem todo esse assunto do tempo que temos agora. A minha maneira é mais rápida.

     Drake suspirou.

     —Bem. Faremos a sua maneira.

     —Está bem para você? —perguntou Logan a ela.

   —Não tenho ideia do que está falando.

     O polegar de Drake deslizou por seu braço em um relaxante arco

     —Ele quer ver suas lembranças desta noite para poder entender o que está acontecendo conosco.

     Ver suas lembranças?

     —Como isso é possível?

     —Simplesmente é. — disse Drake. — Tic-tac.

     —Prometo a você que não doerá — disse Logan — e só levará um momento.

     Ter alguém rondando dentro de sua cabeça estava quase no topo de sua lista de coisas que não queria que acontecessem. Justamente abaixo de estar permanentemente vinculada a Drake, o que estava justo abaixo de ser queimada viva.

     —O que seja. Só terminemos com isto.

     —Necessitaremos de um quarto tranquilo. — disse Logan.

     —Meu dormitório fica no final do corredor. Isso servirá?

     Logan assentiu.

     Helen conduziu a ambos os homens pelo corredor até seu quarto. Ela podia sentir o peso da presença de Drake a suas costas, o forte agarre de seus dedos ao redor do pulso. Tinha passado muito tempo pensando a respeito de como seria levar algum homem bonito a sua cama, mas nunca imaginou nada como isto. Inclusive se tivesse tempo para encontros neste momento, coisa que não tinha, nunca teria trazido um homem como Drake para casa. Ele era muito… devastador para seu gosto. Necessitava de homem bom, tranquilo. Um contador, talvez.

     Helen acendeu todas as luzes do quarto. Ela não ia se sentar no escuro com esses dois estranhos, não importando o quanto fossem atraentes. Com um pouco de sorte, Logan arrumaria o que fosse que estivesse errado e todos eles iriam embora. Ao menos por um tempo. Ela necessitava de mais tempo antes que Drake retornasse a sua vida para observá-la morrer. Apenas alguns dias. Ela não acreditava que isso fosse pedir muito.

     Logan fechou a porta atrás deles e olhou a seu redor.

     Helen amava aquele espaço mais que qualquer outro na casa. Ela mesma o tinha decorado, usando uma gama de frescos azuis e verdes marinhos. Não havia desordem porque não tinha vivido ali o tempo suficiente para acumulá-la, e os móveis de carvalho claro eram elegantes e simples. Tinha usado o dinheiro do seguro que recebeu quando sua última casa queimou para comprar algumas peças de alta qualidade e amava cada uma delas. Realmente esperava que os inexplicáveis incêndios que a tinham perseguido toda sua vida não destruíssem aquele lugar de relaxamento que amava tanto.

     —Está preparado? —perguntou Logan.

     —Tanto quanto poderia estar. — respondeu Drake.

     —Helen?

     Nunca ia estar preparada para o que quer que eles fossem fazer, mas quanto mais rápido fizesse, mais rápido se livraria deles.

     —Terminemos com isto.

     Drake se sentou na beira da cama, puxando-a para seu lado. Ele acariciou um lado da face dela apenas com um roce de seus dedos. Ela não podia ligar com sua doçura, não quando sabia como iam terminar as coisas entre eles.

     Cobriu a mão dele para deter sua carícia, mas em vem disso, só conseguiu pressionar sua mão contra a face. A pele estremeceu e uma rastro do que só podia descrever como eletricidade serpenteava por seu corpo, através do peito e estômago, descendo pelas pernas até que desapareciam pelos dedos dos pés.

     Drake lhe ofereceu um sorriso tranquilizador.

     —Tudo ficará bem. Prometo.

     Helen fechou os olhos, lutando contra o ardor das lágrimas. Ele não tinha ideia do que ia fazer a ela. Podia ver isso em sua cara, na seriedade de sua expressão. Ele nunca a machucaria de propósito. Ia vê-la morrer, mas não podia acreditar que fosse ele quem a assassinaria.

     Logan se aproximou e pôs uma mão elegante e de longos dedos sobre a cabeça de Drake, depois, fez o mesmo com Helen. Ela sentiu uma sacudida de algo que não podia identificar e logo, de repente estava de volta ao Gertie’s Diner ajudando a senhorita Mabel com seu assento.

        

   Thomas não estava seguro do que fazer exatamente com a senhorita Mabel. Ela continuava olhando a porta da rua como se pensasse que realmente podia ser capaz de transpassá-la. A última coisa que ele queria era que se machucasse fazendo algo estúpido.

     —Não chegou a jantar hoje à noite. Está com fome? —perguntou a ela, esperando ajudá-la a relaxar e que deixasse de pensar em fugir.

     —Acho que estou sim.

     —Acredita que Helen se importaria se mexêssemos em sua geladeira?

     —Estou segura de que não se importará. A mulher não tem um só pensamento egoísta na cabeça.

     Thomas verificou o exterior de novo, esperando que nenhum Synestryn tivesse os encontrado ali. Se Zach tivesse derramado apenas uma gota de sangue no caminho de entrada, esse lugar logo seria uma aglomeração deles.

     —O que está procurando? —perguntou ela. — Está me deixando nervosa com toda essa inquietação travessa.

     Inquietação travessa? Soava como algo que uma criança de dois anos faria. Thomas tratou de não sentir-se ofendido.

     —Só estou me assegurando de que não estão nos seguindo.

     —Por quem?

     Não quem. O quê. Lidar com humanas era uma dor no traseiro. Ele preferiria muitíssimo mais simplesmente ir matar algo. Acreditava que aquela noite ia ser o momento ideal de farra assassina. Esta área estava cheia de demônios, embora ninguém tivesse descoberto ainda por quê. Para Thomas particularmente não importava. Estava ficando quase sem tempo e queria assegurar-se de aproveitar ao máximo o que restava.

     Lá fora o vento mudou de direção e ele sentiu como em sua marca de vida, a última folha da imagem de uma árvore antiga gravada na carne, balançava-se sobre a pele de seu peito. Restava uma folha. Quando se desprendesse, sua alma morreria e sua habilidade de distinguir entre o bem e o mau se desvaneceria. Não se importaria mais com as pessoas que tinha amado. Já não poderia amar.

     Uma parte dele desejava isso. Não mais amor significava não mais dor, e a dor que ele carregava por Kevin se mantinha corroendo-o, devorando-o de dentro para fora. Estava tão profundamente cansado da dor. Cansado de ver seus irmãos morrer. Assim que encontrassem a espada de Kevin, deixaria o Theronai antes que pudesse ferir algum deles. Encontraria o maior ninho de Synestryn que pudesse e mergulharia de cabeça nele.

     Mas antes que pudesse fazer isso, tinha que se assegurar de que eles encontrassem a espada de Kevin, e antes que pudessem fazer isso, tinham que assegurar-se de que Helen e a senhorita Mabel estavam seguras. Sua promessa de proteger os humanos não exigia menos.

     —Escute, — disse ele, tratando de aferrar-se à paciência, apesar da dor e sofrimento que roíam suas vísceras — é realmente muito mais complicado do que parece. Por que simplesmente não comemos um sanduíche ou algo, certo?

     —Não fique todo insolente comigo, jovenzinho.

     Jovenzinho. Thomas não podia evitar sorrir. Ele podia parecer ter ao redor dos trinta, mas tinha passado seu aniversário número quinhentos há alguns anos.

     —Não madame. Não há insolência aqui. Vamos.

     Ajudou-a a levantar do sofá e a acomodou atrás de seu andador. Era tão frágil que ficava preocupado de feri-la cada vez que se aproximava. Cada movimento que fazia com ela era cuidadosamente controlado, lento e metódico. Levou alguns minutos para chegar até a cozinha, e Thomas tratou de ocultar a impaciência. Não tinha ideia de quanto tempo demorariam Logan e Drake, mas quanto mais demorassem, mais perigosas as coisa ficariam.

     Thomas sentou a senhorita Mabel à mesa da cozinha e procurou dentro da geladeira de Helen. Havia várias pilhas de bandejas seladas com tampas transparentes. Dentro de cada uma havia uma refeição completa, embora provavelmente necessitasse de três ou quatro delas para se satisfazer. Havia mais de duas dúzias de bandejas e cada uma delas estava marcada com datas e o conteúdo sobre uma tira de fita adesiva. Cara, aquela garota era organizada.

     —O que quer? Frango e macarrão, Strogonoff ou espaguete com almôndegas?

     —Não podemos comer isso, —disse ela— são as refeições de amanhã.

     Thomas a observou por cima da porta da geladeira.

     —Não há forma de que vocês duas possam comer toda esta comida em um dia.

     —Não só nós. Helen leva comida por todos que cuida, entregando-a a pessoas como eu, que têm problemas para prepará-la por sua conta.

     —Assim ela leva a comida para você?

     —Todos os dias. E saímos ao menos uma vez por semana. Eu gostaria de sair mais frequentemente, mas ela sempre está muito ocupada. Esta noite era nossa noite de sair, a qual vocês meninos arruinaram por completo.

     De novo, Thomas teve que lutar para não sorrir. A senhorita Mabel era linda quando se contrariava.

     —Sinto muito por isso. Não queria estragar sua diversão.

     —Não sei o que está acontecendo lá atrás com a Helen, mas eu não gosto nem um pouco.

     —Não se preocupe com eles. Cuidarão muito bem dela.

     A senhorita Mabel bufou.

     —Tudo o que vocês os homens, fizeram desde que os vimos foi nos acossar. Fizeram que Lexi fugisse, pelo amor do céu. Não confio nem um pouco em vocês. Não me importa o quanto sejam bonitos.

     —Pensa que sou bonito, certo?

     Seu tom de paquera a fez ruborizar.

     —Não foi isso o que quis dizer.

     —Minhas desculpas então, por interpretar você mal.

     Ela se levantou da cadeira e pôde vê-la tremendo pelo esforço que isso representava. A pobre se esgotou com toda a excitação daquela noite.

     —Vou ver como Helen está. —disse ela.

     Thomas fechou a geladeira e se interpôs em seu caminho

     —Essa não é uma boa ideia. Prometo a você que ela está bem. Só lhes dê um pouco de tempo para solucionar as coisas, ok?

     —É minha amiga. — disse a senhorita Mabel.

     A mulher nem sequer chegava ao seu esterno e estava curvada pelo peso da idade, mas havia uma ferocidade em seus olhos que dizia a Thomas que ela faria o que fosse necessário para manter Helen segura.

   —Escutou gritos? —perguntou a ela.

     —Não.

     —Qualquer ruído acidental ou qualquer outra coisa que a leve a acreditar que a estão ferindo?

     —Não, mas isso não significa…

     —Ela está a salvo. Deixe Logan terminar seu trabalho e você e eu simplesmente sentaremos aqui comendo um bom sanduíche de manteiga de amendoim.

     —É um homem insolente. Sabe disso, não é verdade?

     —Sim madame. Disseram-me isso uma ou duas vezes.

     Ela o olhou fixamente por um longo tempo como se estivesse debatendo o que fazer.

     —Eu não gosto disto. — disse ela.

     —Sei.

     —E penso que todos vocês não são bons absolutamente.

     O que havia de novo?

     —Sim, madame.

     —Se fizerem mal a ela, farei vocês pagarem por isso. Posso ser velha, mas isso não significa que não posso fazê-los sofrer.

     —Isso é malditamente correto. Tem a AARP[3] de seu lado.

     —Deixe de ser insolente! Passei trinta anos ensinando em um colégio e sei todas as melhores formas de castigar meninos travessos.

     —Agora simplesmente esta tentando me assustar.

     Ela inclinou a cabeça para trás e ele se perguntou como aquele coque se mantinha firme. Parecia que a única coisa que o sustentava era um simples lápis, mas isso parecia uma impossibilidade arquitetônica.

     —Está além da esperança, certo?

     —Absolutamente. Uma causa perdida andante.

     O olhar dela se suavizou e o observou com algo próximo à lástima. Se ela fosse um homem, a teria derrubado por olhar para ele dessa maneira. Mas ela não era e tudo o que ele pôde fazer foi manter-se ali e aceitá-lo.

     —Você realmente pensa isso, não é mesmo? Que é uma causa perdida?

     Não só pensava, sabia, mas ainda assim não havia razão para ter pena dele. Thomas não podia suportar a forma que ela o estava observando, assim se virou e se afastou até o outro lado da cozinha. Talvez uma porção gigante de manteiga de amendoim a calasse.

     Ele juntou uma pilha de sanduíches e os jogou sobre a mesa.

     Ela olhava expectante a cadeira vazia da frente, depois para ele e simplesmente ficou olhando até que se sentou com ela à mesa. Esperou até que ele alcançou um sanduíche antes de dizer:

     —Esqueceu o leite.

    

     Logan amava caminhar através das lembranças das pessoas. Talvez fosse o voyerista nele, ou talvez fosse uma espécie de viagem de poder, mas o que quer que fosse, não conseguia fazê-lo com suficiente frequência.

     O corpo estava na casa de Helen, mas a consciência estava no pequeno restaurante chamado Gertie’s Diner. Logan tomou as lembranças de ambos, Drake e Helen e os sobrepôs umas sobre as outras até que o tempo ficou sincronizado.

     Quando ele experimentou pela primeira vez a caminhar nas lembranças, foi difícil ajustar-se à sensação de leveza e à realidade distorcida que diferentes pessoas percebiam. Embora muitas pessoas vissem as coisas da mesma maneira, outras não. As cores eram o pior. Enquanto alguns viam o céu azul, outras o viam púrpura ou verde, só que eles aprenderam a chamá-lo de azul porque assim foi como os ensinaram a chamá-lo. Cada vez que ele caminhava nas lembranças de alguém assim, sempre lhe faziam sentir náuseas.

     Talvez fosse sua percepção a que estava equivocada, mas ele nunca tinha deixado que ninguém caminhasse por suas lembranças, assim não havia forma de saber. Preferiria morrer que arriscar-se a deixar alguém escavar sua mente como estava fazendo com Drake e Helen. Tinha muitos segredos para ocultar.

     Se qualquer dos Theronai soubesse o que sua gente estava fazendo aos humanos de sangue puro, seria o fim de sua raça.

     Logan afastou o desagradável pensamento e se concentrou no trabalho. Adiantou as lembranças do casal até que viu Drake levantar-se de seu assento no restaurante quase vazio. Helen estava tentando esconder-se atrás um menu. Ela tinha medo de Drake, embora Logan soubesse, por ter estado em sua mente, que ela nunca o tinha visto antes.

     Logan congelou o avanço de Drake através do chão de ladrilhos e se concentrou em Helen. Ele mergulhou profundamente dentro de sua mente, procurando a fonte daquele medo, em busca de algum fino fio que ele pudesse seguir de volta no tempo até alcançar a origem disso.

     A mente dela estava cheia de preocupações, medo. Estava aterrorizada pelo fogo. Tinha passado pelos incêndios de duas casas e tinha perdido sua mãe no primeiro deles. Ele viu os rostos de muitas pessoas anciãs, alguns que estavam morrendo, alguns já mortos. Aqueles que restavam eram o centro de muitas de suas preocupações, mas havia uma que não encaixava. Uma que ia mais profundo, que se afastava daqueles rostos.

     Ele a seguiu, deixando que sua mente serpenteasse pelo atalho, observando o filme da vida dele repetindo-se, voltando ao passado à velocidade da luz. Viu-a tornar-se mais jovem, sentiu o conhecimento escapar dela. Perder a capacidade de fazer cálculos simples, a habilidade de ler, de falar e ainda assim o fio continuava.

     Era diminuta agora, incapaz inclusive de virar-se em seu berço. O mundo parecia enorme através de seus olhos, e o centro dele era o rosto de uma mulher. Sua mãe.

     Logan se deteve, incapaz de retroceder mais. Ele não tinha ideia de onde o levaria este fio, mas nada do que tinha visto através de suas lembranças parecia significar algo agora. Não havia marco de referência para que ela entendesse o que estava acontecendo, o que significava que ele tampouco. Ela não tinha experiência do mundo e não seria capaz de interpretar nada como informação que ele pudesse usar.

     Com um pensamento, Logan estava de volta ao Gertie’s Diner. Deixou que o tempo girasse para frente, vendo a atração aparentemente inevitável de Drake por Helen. Ele sentiu o desejo de Drake por ela, algo mais à frente do mero sexo. Ele queria algo dela que nem sequer entendia.

     Logan ainda sentia o medo de Helen, mas ligado a isso havia algo novo. Algo prazeroso. Drake estava enviando correntes de poder para ela sem sequer dar-se conta de que o estava fazendo. Geralmente, liberar poder era impossível para os Theronai uma vez era armazenado dentro deles. Esta era a razão de todos eles sofrerem ao envelhecer. Eram como baterias caminhantes, armazenando mais e mais energia até que esta os matava, consumindo-os de dentro para fora. A única saída era através de sua luceria, o conjunto de corrente e anel que eles usavam. Antes que a maioria das fêmeas Theronai fosse assassinada, cada uma escolhia um homem como seu companheiro na batalha. Ela tomaria a luceria dele e a usaria, enlaçando-os. O colar servia como um conduto, canalizando o poder do homem para ela, que então ela podia usar para destruir aos Synestryn. Um casal de Theronai vinculado era um espetáculo humilhante de observar.

     Logan nunca antes tinha visto nada como esta transferência de poder. Inclusive se Drake tivesse podido canalizar um pouco de seu poder para Helen, fazê-lo teria ferido ou possivelmente matado a qualquer mulher humana. Supunha-se que isto era impossível.

     Obviamente, esta hipótese estava errada, porque não havia dúvida sobre o que estava acontecendo. Ele podia sentir o que acontecia sob ambos os pontos de vista, tanto o de Drake quanto o de Helen. Ela estava absorvendo o poder dele e certamente não estava morta. De fato, estava desfrutando disto.

     Logan sentiu a faísca de uma teoria formando-se, mas parecia muito ridícula inclusive para considerá-la. Necessitava de mais informações.

     Adiantou-se nas lembranças, viu Drake beijar Helen, ambos cativados pela sua conexão. A senhora idosa bateu em Drake com seu andador, o que fez Logan sorrir.

     Algo estava acontecendo entre Zach e uma pequena mulher loira, mas não havia informação suficiente em nenhuma de suas lembranças para deduzir o que era. Drake segurou Helen. Ela lutou e finalmente se libertou. Drake caiu pela dor e Logan rapidamente se separou da sensação antes que esta o afligisse. Logan não prestou atenção a dor e se concentrou em Helen. Drake estava quase inconsciente e Logan necessitava dos olhos dela.

     Ele esperou até que ela se virou para olhar para Drake e deteve ali a imagem. Helen estava frenética, preocupada com alguém chamado Lexi e pela mulher idosa, a senhorita Mabel. Ele passou junto a seu medo, tentando ver apenas o que ela via, sem a influência das emoções.

     Logan estudou Drake através de seus olhos. Ele estava paralisado em uma dolorosa convulsão, seu corpo arqueado para cima sobre o chão. Aspirais de fumaça se elevavam de sua mão e pescoço, onde ele usava ambas as partes da luceria.

     Logan deu uma olhada na imagem, tentando averiguar o que o incomodava a respeito dela. Fora o óbvio aroma de carne queimada.

     Logo ele viu. Só ligeiramente. Helen não sabia como devia parecer a luceria e Logan nunca emprestava atenção as cores em uma lembrança porque muitas pessoas os viam diferente. Por isso, ele quase passou por cima da sutil diferença. Em lugar de ser uma faixa prateada iridescente, a luceria era uma mistura de vermelhos e amarelos.

     A única vez que uma luceria mudava de cor era quando entrava em contato com uma fêmea Theronai.

     Helen? De maneira nenhuma. Ela não podia ser uma. Quase todas as suas mulheres tinham sido assassinadas mais de cem anos antes que ela nascesse, e aquelas que restaram eram cuidadosamente custodiadas. A ideia de que alguém pudesse andar por aí desprotegida parecia ridícula.

     Logan ficou aturdido pelo assombro durante um tempo antes que conseguisse recuperar-se. Se isto estivesse correto e Helen fosse uma Theronai, então ele tinha que provar. Necessitava de seu sangue.

     Não havia forma de que Drake fosse deixar que isso acontecesse. Logan sabia muito bem o quanto os Theronai eram protetores com suas mulheres. Inclusive se Drake não soubesse que ela era uma Theronai, seus instintos ainda estariam ali: Guardar e proteger, sua vida pela dela.

     Logan ia ter que achar uma forma de separá-los e não só para que Drake pudesse ter ambas as mãos livres para empunhar sua espada. Ele precisava ter Helen sozinha porque essa era a única chance que teria para obter uma amostra de seu sangue.

 

   Helen olhou fixamente para a parede de relaxante azul em frente, tentando desfazer-se da desagradável desorientação que girava em sua cabeça. O que seja que Logan tivesse feito a ela, ela não queria que o fizesse nunca mais.

     —Como se sente? —perguntou Logan, olhando Helen com aqueles extraordinariamente lindos olhos azuis prateados que quase pareciam resplandecer.

     Ela fechou os olhos, tentando bloquear a luz com a esperança de que a cabeça deixasse de dar voltas.

     —Como se acabasse de dar muitas voltas na montanha russa.

     —Isso passará em alguns minutos. E você Drake?

     —Estou bem. — disse, mas soava como uma mentira, fazendo-a pensar que ele provavelmente se sentia tão mal quanto ela. —Averiguou o que está acontecendo?

     —Talvez.

     Helen sentiu que os dedos de Drake apertavam seu pulso por um momento.

     —As respostas vagas são realmente uma ideia pouco saudável para você neste momento. Termina com a merda misteriosa e me diga o que está acontecendo.

     —Tenho uma teoria, mas isso é tudo. O que quer que esteja acontecendo entre vocês, esta é a primeira vez que me encontrei com isso.

     Ela escutou o suspiro irritado de Drake e o olhou com os olhos entrecerrados. Realmente agora desejava não ter acendido tantas luzes. O brilho a estava matando.

     —Apague as luzes. — disse Drake a Logan, como se estivesse lendo a mente dela. Talvez, de novo ele devia estar sentindo-se da mesma forma.

     Logan apagou as que estavam sobre suas cabeças e ambos os abajures, deixando só o retângulo de luz que entrava da porta do banheiro.

     —Melhor? —perguntou Drake olhando para Helen. Estava fazendo aquela gentil carícia com a ponta dos dedos no interior de seu pulso, o que tornava difícil não pensar em outra coisa mais que na sensação de sua pele nua contra a dela. Um pequeno calafrio percorreu sua espinha dorsal e se assentou em seu abdômen.

     Ela engoliu saliva, o que não soltou sua voz, então esclareceu garganta.

     —Sim, obrigada.

     Drake assentiu com a cabeça para ela e lhe deu uma piscada.

     —Vamos a isso Logan. O que precisamos fazer?

     Logan posou o traseiro perfeito na borda de sua penteadeira e cruzou os braços magros sobre o peito.

     —Penso que o problema foi a maneira que vocês romperam o contato da última vez.

     —O que quer dizer? —perguntou Drake.

     —Helen estava assustada. Frenética. Estava lutando para escapar e você estava lutando para não deixar que isso acontecesse. Eu penso que foi a violência da separação, ou talvez o fato de que nenhum de vocês dois a queria, esse foi o problema.

     —Então o que fazemos? —perguntou Helen

     —Ir com calma. Facilitar a separação. Assegurem-se de que é o que ambos querem.

    —Sim é. — disse ela. —Quer dizer, sinto ter machucado você da última vez, mas realmente temos que arrumar isto. Antes que um dos dois tenha que usar o banheiro. Isso não seria divertido?

     —Ela tem razão. Já estamos aqui há mais de quinze minutos. Zach só será capaz de contê-los por pouco tempo.

     Helen sentiu que seus ombros se retesavam.

     —Conter a quem? Do que estão falando?

     Os lábios de Drake se apertaram e desviou os olhos como se quisesse ter mantido a boca fechada.

     —Bem poderia contar. – disse Logan.

     Drake parecia zangado, mas Helen não tinha ideia do por que.

     —Quanto menos ela souber, mais fácil será limpar sua mente.

     Limpar a mente? Isso não parecia bom. De fato, isso não parecia nada bom.

     —O que é isso?

     —Pode senti-la entrando em pânico? —perguntou Logan. — Se não explicarmos a ela o que está acontecendo, ultrapassará o limite e isso não será bom para nenhum de nós. Temos que contar a ela.    

     Helen estava muito segura de que não ia gostar do que ia escutar, mas também tinha certeza de que não saber tinha que ser pior que saber, inclusive se isso fosse terrível.

     Drake soltou só um palavrão e passou uma mão pelo rosto com frustração.

     —Bem, diremos a ela, mas juro Por Deus que se não for cuidadoso com suas lembranças, assegurar-me-ei de que você recorde disso por um longo, longo tempo.

     Logan sorriu para Drake como se ele tivesse dois anos e acabasse de fazer algo lindo.

     —Serei gentil com ela. Juro.

     Muito Bem. Isto estava parecendo pior a cada segundo. Iriam fazer exatamente o que com suas lembranças e por que Drake estava tão preocupado de que Logan não fosse gentil? Inclusive pior, o que ocorreria se não fosse? Toda aquela situação era muito estrambólica para ser real.

     —Ela está entrando em pânico. — disse Logan.

     —Percebi. — disse Drake com os dentes apertados.

     —Eu posso colocá-la para dormir para você, se quiser.

     —Não! —gritou Helen, tentando não perder o controle. Drake estava acariciando seu pulso para acalmá-la, mas não estava funcionando. Nem sequer aquelas fibras serpenteantes fluindo para ela estavam fazendo algum bem naquele momento.

     —Ninguém vai fazer nada mais comigo até que me digam o que está acontecendo.

     —Muito bem. — concedeu Drake, um pouco rápido demais. —Direi isso a você. Apenas relaxe de acordo?

     Relaxar? Nem imprevisivelmente provável.

     —Cospe. Aparentemente não temos muito tempo antes que cheguem aqui. Quem quer que eles sejam.

     Drake inspirou tão profundamente que estirou o tecido da camisa, mostrando mais músculos do que Helen se deu conta que tinha. OH, céus, tinha-o tão metido na cabeça que nunca ia tirá-lo.

     —Nosso amigo Kevin foi assassinado faz alguns dias. Estamos atrás de seus assassinos.

     Como revelação, essa era extraordinária. Ele tinha perdido um amigo e ela estava muito envolvida em seus próprios problemas para nem sequer pensar a respeito daqueles aos que ele estava enfrentando. Um pouco da tensão saiu dela.

     —Estão seguros de que isso é prudente? Quero dizer, Não deveria ser a polícia a fazer isso?

     —Não neste caso.

     —Por que não?

     Ele inspirou profundamente de novo e se deteve como se realmente não quisesse lhe contar nada mais.

     —Porque esses assassinos não são humanos. São monstros chamados Synestryn.

     Ele falava a sério. Helen se sentou ali, esperando que dissessem que era uma piada, mas isso não ocorreu. Ela olhou de Drake para Logan e ambos tinham traços de expressões de mortal seriedade. Isto não era uma brincadeira.

     —Monstros?

     —Demônios, se preferir o termo.

     —Sim, nem tanto. — disse ela, ainda tentando assimilar o que ele dizia.

     —Esses monstros assassinaram Kevin e tomaram algo dele, algo que devemos recuperar. Essa é a razão pela qual estamos os seguindo.

     —Eu pensava que eles estavam seguindo vocês.

     —Só quando Zach começou a sangrar.

     —O que? —perguntou, franzindo o cenho confusa.

     A mandíbula de Drake se retesou sob a pressão dos dentes apertados. Ele olhou para Logan como se estivesse procurando uma rota de fuga.

     —Estou realmente fazendo um desastre de tudo isto. Ela não precisa conhecer esta parte.

     —Sim, ela precisa. — disse Helen antes que Logan pudesse responder por ela. Virou o rosto de Drake de novo para ela para ter certeza de que tinha sua atenção.

     —Por que, hum, os monstros estão seguindo-os?

     Ele a olhou fixamente por um longo segundo e ela pôde sentir sua vacilação, ver o remorso brilhar em seus olhos café dourado.

     —Eles nos seguem desde que Zach começou a sangrar porque gostariam de… comer-nos.

     OH, Deus. Isso era muito repugnante até mesmo para considerar. Isto tinha que ser uma espécie de brincadeira de mau gosto. Mas ninguém estava rindo.

     —Está me dizendo que estão sendo perseguidos por monstros comedores de homens e que os trouxeram para minha casa?

     Como puderam? A senhorita Mabel era uma indefesa anciã que seria incapaz de fugir se tivesse que fazê-lo.

     —Eles não são comedores de homens. — disse Drake em um tom que acreditava ser tranquilizador. Como se fosse capaz de ser tranquilizada com algo depois daquele tipo de notícias.

     —O quê?

     —Eles não comem humanos.

     —Mas você acabou de dizer…

     —Eu disse que eles nos comeriam. Como ao Thomas, ao Logan, ao Zach e a mim.

     A linha lógica que ele deixou para que ela seguisse era curta.

     —Vocês não são humanos?

     Drake assentiu lentamente.

     Ela tinha que sair dali. Tinha que escapar de toda esta loucura. Tinha deixado a senhorita Mabel lá fora a sós com Thomas. Que não era humano.

     Helen aguentou a primeira onda de temor e se forçou a permanecer calma porque sabia que não seria a última. Tinha que manter a calma. A senhorita Mabel precisava dela. Tentou liberar o pulso, puxando forte, mas o agarre de Drake se manteve.

     —Não faça isto Helen, — disse em um tom calmo— não lute contra mim de novo. Não farei mal a você.

     Não se deteve para averiguar se ele estava ou não dizendo a verdade. Não enquanto a mantivesse cativa. Sentiu que entrava em pânico. A respiração se acelerou, depois fraquejou. O coração bombeava forte e rápido, um batimento se sobrepunha ao seguinte. O suor brotava da pele e a mente se concentrava em um único objetivo. Fugir. Tinha perdido o controle suficientes vezes antes para saber o que sentia. Cada vez que as coisas iam mal e era vital para ela manter a calma, entrava em pânico. Cada vez que via ao menos a chama de uma vela, entrava em pânico.

     Agora Drake estava tentando evitar que fugisse e não se importava se o feriria de novo. Ela precisava fugir. Agora.

  

       —Ainda está assustada. — disse Logan.

     Drake sentia seu medo. Uma complicada e escorregadia emoção corria por sua pele onde os dedos agarravam o agitado pulso dela.

     —Diabos! Diga-me algo que não saiba, como o que fazer a respeito.

     Os olhos cor de avelã de Helen estavam amplamente abertos, suas pupilas reduzidas a pequenos pontos. Sua pele havia ficado pálida e úmida, podia sentir o ritmo selvagem de seu sangue bombeando através do pulso.

     Seu medo fez mal a ela. Finalmente tinha encontrado alguém que fazia sua dor desaparecer e a aterrorizou. Não é que a culpasse. Era um ser humano e não tinha nenhuma experiência com seu mundo. Por que havia pensando alguma vez que podia dizer a ela o que fazia sem aterrorizá-la?

     Ela soltou o braço com um puxão, tentando libertar-se, Drake a levou até a cama, segurando-a com seu corpo. Machucar-se-ia se continuasse assim e Drake não permitiria que isso acontecesse.

     Soltou seu pulso, mas se assegurou de que ainda contatasse com sua pele nua. Não foi difícil.

     Com sua bermuda de verão e sua camiseta sem mangas, havia muita pele nua disponível, ela toda era suave e cálida. Era tão bom tê-la debaixo dele. Realmente desejava tê-la ali em circunstâncias diferentes.

     Helen tentou arranhar seu rosto, por isso segurou suas mãos e as empurrou entre seus corpos, mantendo-as ali. Assim que percebeu que estava imobilizada, deixou de lutar e ficou inerte.

     —É humana. Incapaz de lutar contra isto, Drake. Tem que deixar que eu a faça dormir — disse Logan.

     Estava justamente ali na cama com eles, a preocupação estava danificando seu belíssimo rosto.

     Como inferno Drake ia o deixar perder tempo em sua mente de novo. Ela já estava sofrendo desde o primeiro momento.

     —Pare. Eu me encarregarei disto.    

     Helen fez um som aterrador, metade ofego, metade gemido e completamente dilacerador.

     —Shhh… — disse a ela, apoiando sua boca perto de seu ouvido. —Está bem, vou deixar você ir agora. Apenas relaxe.

     Não teve reação alguma, nada que indicasse que o escutou. Apenas manteve seus olhos fixos, entoando um cântico em voz baixa, sem fôlego.

     —Respire. Somente respire.

     —Assim, carinho. Apenas respire. Está bem. —Era mentira. Não estava bem, mas se a mentira funcionava, a usaria. Olhou para Logan. — Tem certeza de que esta coisa de soltá-la lentamente vai funcionar?

     —Não, não tenho.

     Genial. Exatamente o que Drake queria ouvir. Os Sanguinar – eram os curandeiros mais dotados entre as raças Sentinela, os caras que tinham todas as respostas na hora de determinar o que afligia as pessoas – não tem certeza. Merda.

     Drake baixou a voz a um sussurro e acariciou seus cabelos, afastando-os do rosto de Helen.

     —Está bem agora. Encontra-se a salvo.

     Suas tranças estavam um completo desastre e sua pele estava muito pálida, mas ainda estava bonita e tendo seu corpo curvilíneo debaixo dele sobre uma cama, inclusive uma que compartilhavam com uma sanguessuga, era quase mais do que podia suportar. Desejou que as coisas tivessem iniciado de forma diferente entre eles, que pudesse ter tido uma chance com ela, até mesmo para uma breve relação. Não era propenso a ter relações com humanos, porque simplesmente não valiam a preocupação de que saíssem machucados, mas por Helen, faria uma exceção. Teria se assegurado de que não se machucasse.

     Sim, como se realmente pudesse conseguir isso.

     Drake sentiu ela acalmar-se, só um pouco. Acariciou as mechas de seus cabelos que escaparam das tranças e caiam sobre sua testa. Tinha a pele fria e úmida, mas não se importava.

     Inclusive se sentia melhor sob sua mão que qualquer outra mulher que tinha tido alguma vez.

     Pouco a pouco, sua respiração se acalmou e seu peito estremeceu em um silencioso pranto. Nenhuma só lágrima caiu apesar de poder sentir o quanto estava aterrorizada.

     Abriu os olhos e a olhou. Brilhantes fragmentos verdes brilhavam em seus olhos cor de avelã e apesar da penumbra do quarto, as pupilas estavam diminutas. Podia senti-la acalmando-se, empurrando o pânico para longe e forçando-se a enfrentar a realidade. No que a ele se referia, era a coisa mais valente que tinha visto em muito tempo.

     —Melhor? —Perguntou a ela.

     Ela assentiu nervosamente.

     —Muito bem. —Disse — Vou me afastar agora. Apenas relaxe, não lute comigo e isto logo terminará.

     —Por favor, Drake. —Sua voz se partiu em um soluço. —Não posso fazer isso.

     —Não tem que fazer nada. Só respirar.

     Ela fechou os olhos e respirou profundamente. Tinha ouvido ele e isso era tudo o que pedia.

     Drake mudou de posição, girando e saindo de cima de seu corpo, de tal forma que ficou deitado ao seu lado. Não tentou fugir, o que foi um bom sinal. Deslizou a palma da mão subindo por seu braço, sobre seu ombro e desceu de novo. Podia sentir a sutil vibração de energia que fluía nela através de sua pele. Era vagamente erótica, a forma que recebeu o poder dele dentro de seu corpo. Poderia ter lutado contra seu toque, mas não resistiu aquele fluxo de energia entre eles. Podia dizer que a fazia sentir-se bem, a fazia sentir calor, a fazia perceber um formigamento. OH, sim, definitivamente erótico.

     Seus olhos ainda estavam fechados, não podia deixar de passar os dedos por seu rosto. Fechou os olhos e sentiu a fina textura de sua pele, a delicada estrutura dos ossos, a suave curva da bochecha. A pele das pálpebras o intrigou, mas nem de perto tanto quanto seus lábios. Eram suaves, umedecidos por sua língua, tão cheios e quentes que teve que manter-se quieto por um momento até que a urgência de beijá-la diminuiu.

     Helen deixou escapar o fôlego, seus olhos foram atraídos pelo suave ondular dos seios por cima da camiseta. A roupa não era reveladora, porém havia suficiente dela que não podia ser completamente contida. Sem permissão, seus dedos procuraram mais abaixo, sobre a mandíbula, descendo pela garganta e desenhando pequenos círculos ao longo da clavícula.

     As mãos se apertaram em punhos a seu flanco, sua respiração se acelerou. Sentiu uma rajada de desejo alagar a conexão entre eles, embora não pudesse dizer se era o seu, o dela ou o de ambos. Fosse o que fosse, Drake não pôde resistir a um leve toque, apenas um delicado deslizamento de um dedo sobre a curva superior do seio. O Poder faiscou entre eles, arqueando-se através de seu corpo para dentro do dela.

     Ela respirou fundo, seus mamilos se enrijeceram, Drake se sentiu enrijecer em resposta. Não tinha imaginado. Queria isto tanto quanto ele. Drake estava disposto a dar a ela mais que uma carícia com os dedos quando sentiu a mão de Logan sobre seu ombro, o recordando onde estava. E que tinham audiência.

     Com um suspiro de frustração, Drake afastou os planos de sedução e se concentrou no trabalho que tinha em mãos, conseguir afastá-los em vez de aproximá-los cada vez mais. Que merda de plano.

     Pena que fosse necessário.

     Drake se preparou para a dor que sabia que viria a qualquer momento. Moveu seu toque a um território mais seguro e traçou com apenas um dedo o braço, ao longo da suave pele de bebê do interior do braço, sobre a palma da mão até que a ponta do dedo tocou a ponta do dela. Isso era todo o contato que havia entre eles, Drake podia sentir uma corrente que fluía através desse ponto. Podia notar cada aresta de sua impressão digital onde roçava contra a dele. O calor tornou-se mais intenso nesse lugar até que teve a certeza que uma faísca se acenderia.

     Helen piscou várias vezes e o olhou, depois ao ponto onde as pontas dos dedos se tocavam, onde as faíscas de energia invisível penetravam nela.

     —O que é isso? —Perguntou a ele.

     —Não tenho certeza. —O que tinha certeza era de que não queria retirar-se. Aquela avalanche mortal de dor estava esperando por ele.

     Respirou profundamente, sustentou-a e separou aquele último ponto de contato. A pressão voltou em uma onda gigante, enchendo-o até que teve a certeza que sua pele se abria. Não foi tão ruim como antes, mas estava longe de ser bom.

     Drake apertou os dentes e um grunhido de dor retumbou em seu peito. Agarrou a colcha com os punhos e tentou não lutar contra a dor, tentou abraçá-la. Aceitá-la.

     —Não resista. — ouviu Logan dizer de algum lugar mais à frente da dor. —Pode fazê-lo.

     Drake não tinha certeza. Ao menos não tinha certeza de querer fazê-lo.

     —Tem que fazer algo. —disse Helen. Sua voz era tão doce e clara, só o som dela o ajudou a concentrar-se.

     —Não há nada que possa fazer. Sinto muito.

     Drake pensou em pedir a Logan que o nocauteasse, mas então não seria de muita utilidade para ninguém em uma briga. Tinha que vencê-la. Tinha vivido com a dor durante décadas. Era forte. Poderia suportá-la.

     —Não posso deixá-lo sofrer assim. — disse Helen.

     —Ficarei bem. — disse Drake. — Só me dê um minuto.

     Deus, essa era sua voz? Soava como se suas cordas vocais estivessem destroçadas.

     —Tenho que fazer algo.

     Soava como se estivesse chorando e Drake forçou seus olhos a abrirem-se. Não podia deixá-la chorar.

     —Se não se recuperar logo, então poderá tocá-lo. Seja paciente.

     Esse era Logan. Tranquilo, seguro, não de tudo aborrecido pela dor de Drake. Por outro lado, era a coisa mais parecida com um médico real que tinham e se a dor o assustasse, estava na linha equivocada de trabalho.

     Logan tinha uma mão sobre o ombro de Helen, impedindo-a de chegar a Drake. Fez que Drake quisesse matá-lo por tocá-la. Deu a ele algo por que lutar. Obrigou-se a aceitar a dor. Ninguém jamais ia tocar Helen. Só ele.

     Pareceu uma eternidade, mas começou a acostumar-se à pressão. Ainda doía como um filho da puta, mas ao menos não se retorcia no chão desejando morrer.

     —Está vendo? —Disse Logan. — Já está recuperando-se.

     Recuperando-se. Bela maneira de dizer. Sentia-se como se o tivessem obrigado a engolir um caminhão, mas ao menos esse caminhão já não estava incendiando-se. Como liberação, era uma merda, mas tinha vencido.

     Drake deixou sua respiração diminuir o ritmo antes de tentar mover-se. Quando olhou para Helen, seus olhos avelã brilhavam com lágrimas, estendeu a mão para tocar seu rosto.

     A mão de Logan se disparou mais rápido que um raio, agarrou seu pulso. Colocou seu corpo entre eles para servir de barreira.

     —Não o toque. Teria que passar por tudo isso de novo e não tenho certeza que seu corpo possa suportar isso nesse momento.

     —Juro a vocês que não poderia.

     —Sinto muito. Não sei o que fiz para machucar você, mas o sinto. Seja o que for, eu não queria…

     Drake ainda não tinha recuperado o fôlego e odiava parecer fraco diante dela.

     —Não foi sua culpa.

     —Devo ir ver a senhorita Mabel agora.

     —Espere um minuto — disse Logan. — Tenho que me assegurar de está bem, também.

     Algo no tom de Logan incomodou Drake, mas não estava em seu melhor momento agora e não podia entender o que era. O Sanguinar ficou de pé e seguiu Helen, que estava de pé com sua mão na porta. Drake podia ver seu corpo tremendo um pouco, mas não era totalmente inesperado, levando em conta o que tinha passado aquela noite.

     —Estou bem.

     —Apenas me deixe a examinar. Demorará apenas alguns minutos.

     —Não!

     Separou-se de Logan, seus olhos abrindo-se aterrorizados.

     Maldição, Drake odiava ver aquele olhar em seu rosto. Levantou-se da cama, surpreso de que suas pernas o sustentassem. Penosamente.

     —Deixa-a ir, Logan. Permita que ela vá ver sua amiga.

     —Isto é importante. — disse o Sanguinar. —Não está bem.

     —Estou sim. Só estou preocupada com a senhorita Mabel.

     Drake teve que colocar as mãos nos bolsos de sua calça para evitar chegar a ela. Queria tomá-la em seus braços e lhe dizer que tudo ficaria bem uma e outra vez até que fosse verdade. O que seria nunca. Um deles ainda tinha que apagar de sua mente as lembranças daquela noite, ao menos as partes que pudessem pô-la em perigo ou lhe causar pesadelos.

     Esse processo não era divertido e como não podia tocá-la, não seria ele quem faria isso. Só de pensar nas mãos de Logan sobre ela fazia Drake querer pegar a espada.

     Logan se virou e olhou para Drake. O Menino bonito não tinha nenhuma chance de intimidá-lo, não importava quão poderoso pudesse ser. Drake tinha sido capaz de estar pé a pé com Thomas sem recuar e isso não era uma façanha pequena. Thomas sabia uma coisa ou duas a respeito da intimidação.

     —Não está bem. — soltou Logan, apenas em um sussurro. Era como se não quisesse que Helen ouvisse. — Algo está errado nela. Devo averiguar o que é.

     Drake sentiu a ansiedade deslizar por seu ventre. Se havia feito algo que danificou Helen nunca se perdoaria. Tudo o que lhe tinha acontecido desde o momento em que se aproximou dela no restaurante era sua culpa. Podia ter ficado em seu assento. Poderia ter ignorado o efeito que tinha nele.

     Mas não tinha feito isso. Arrastou-a para seu mundo e agora era responsável por ela.

     —O que quer fazer? —Perguntou Drake.

     —Tem que vir conosco. —disse Logan. — Voltar para o recinto.

     —Sabe o que isso significa.

     Uma vez estivesse ali, ficaria. Sua vida normal teria terminado.

     —Sim, mas não há outra opção.

     —Deixem de falar sobre mim como se não estivesse aqui. Maldito seja! O que está acontecendo com vocês? Agem como se eu fosse uma criança incapaz de tomar minhas próprias decisões.

     Lidar com humanos era tão desnecessariamente complicado.

     —Tem razão. Sinto muito. — disse Drake.

     Olhou para Logan, que não parecia nada apologético.

     —Sentimos muito.

     Helen revirou os olhos, saiu pela porta do dormitório e fechou-a atrás dela.

     A cabeça de Drake palpitava.

     Não restava muito tempo para refletir sobre o problema, no entanto, porque alguns segundos mais tarde, ouviu o som de vidros quebrados na sala, seguido pelo rugido característico dos Demônios Synestryn.

     Um instante depois, Helen gritou.

 

   A janela da frente de Helen explodiu dentro da sala. Uma lasca de vidro cortou sua face, mas mal se deu conta. Sua atenção estava fixa no monstro parado no meio de sua sala. Era vagamente parecido com um lobo, mas duas vezes maior. Seu focinho era totalmente inadequado, entretanto. Tinha a mandíbula ampla de um tubarão, e cheia de afiados dentes serrilhados.

     Aonde seus olhos deviam estar havia vazios buracos negros rodeados de carne chamuscada, como se tivessem sido arrancados fora da cabeça com um ferro quente. Pele cor de cobre cobria seu corpo, e sacudia os pedaços de vidro quebrado como um cão sacudiria as gotas de chuva.

     O sangue corria pela face de Helen, a coisa girou sua cabeça e a olhou fixamente com aqueles vazios buracos negros. Inclusive sem olhos, tinha certeza que a via.

     Helen gritou.

     Ainda estava de pé na sala e viu Thomas correr da cozinha com uma reluzente espada nas mãos. Seu grande corpo a impediu de ver o monstro e lhe deu a oportunidade de recuperar a compostura.

     —Fora do caminho! —Gritou Drake por trás dela, e ela se apertou contra a parede para permitir que ele e Logan tivessem espaço para passar.

     Drake também empunhava uma espada, uma muito pesada e grande que devia ser maior que o braço dela. Passou a seu lado de um salto enquanto um segundo monstro saltava pela janela quebrada. Drake se moveu a sua direita, de modo que ficou entre aquilo e ela. A coisa olhou além dele, direto a ela, com suas órbitas vazias. Mostrou os dentes de tubarão e deixou escapar um grito rápido que a congelou no lugar.

     —Hora de ir. — ordenou Logan.

     Segurou-a pelo braço e puxou-a pelas escadas para a porta da frente.

     —A senhorita Mabel! Não podemos deixá-la para trás.

     Helen se separou de sua mão e viu a senhorita Mabel levantando-se vacilante de uma cadeira da cozinha. Correu para o lado da anciã para ajudá-la a ficar de pé. Havia uma porta que conduzia ao terraço, mas tinha um lance inteiro de escadas até o pátio traseiro. A senhorita Mabel nunca o faria a tempo, e Helen não era forte o suficiente para carregá-la.

     Antes que pudesse gritar pedindo ajuda, outro monstro se lançou contra o vidro da porta de atrás, tentando quebrá-la, e já não importava. Estavam cercados.

     Logan estava ali a seu lado outra vez.

     —Eu a tirarei. Você sai daqui.

     Helen assentiu. Logan levantou a senhorita Mabel em seus braços, surpreendendo-a com sua força. Era muito magro para levantá-la tão facilmente, mas Helen não estava se queixando.

     O monstro lançou seu corpo contra o vidro de novo, e dessa vez, o marco ao redor da porta se estilhaçou. A porta se abriu de repente, e o monstro entrou sobre silenciosas patas.

     —Vá. Agora! —Gritou Logan.

     Helen pegou um dos extintores de fogo próximos e puxou a cavilha que o sustentava.

     —Você primeiro.

     —Com um demônio. — disse Logan. — Drake! Na cozinha! —Gritou.

     O monstro farejou o ar, e uma vez mais ela estava recebendo um olhar sem olhos. Aquilo estava a apenas oito metros de distância, e parecia que queria aproximar-se.

     Helen apontou o extintor de fogo e apertou o gatilho. Pó amarelo saiu a borbotões, batendo diretamente na cara da coisa. Aquilo soltou um rugido de dor, abrindo a grande boca de tubarão.

     Drake correu para dentro da cozinha, e ela viu algo oleoso e negro gotejando da lâmina da espada. Ele deu um passo para frente deles, enfrentando o monstro. Seus ombros eram largos, os músculos de suas costas e braços girando preparados para atacar. Não estava assustado ou com a respiração difícil, como ela. De fato, estava como se isso fosse outro dia normal para ele. Levantar-se. Ir trabalhar. Matar alguns monstros. Ir para casa. Não era grande coisa.

     O monstro rondava na frente dele, mas Drake se mantinha firme.

     —Tire-a daqui.

     Logan não tinha as mãos livres para pegá-la, mas a senhorita Mabel o fez. Agarrou a alça da camiseta de Helen com sua mão ossuda e não a soltou, assim Helen tinha que segui-los ou arriscar-se a ferir a senhorita Mabel. Logan se dirigiu à porta principal, mas através da estreita janela lateral, Helen podia ver ao menos três monstros farejando ao redor, procurando uma maneira de entrar.

     Não iam poder sair daí. De maneira nenhuma.

     —Vamos sair pela garagem. — disse Logan. —Minha caminhonete está lá fora e as chaves estão no contato. Se puder fugir, não nos espere. Apenas vá.

     —Não vou deixá-los para trás. —Helen pegou sua bolsa da mesa perto da porta.

     —Sabemos como nos cuidar. Se ficar, só se atravessará em nosso caminho.

     Antes que tivesse a chance de responder, a porta de madeira que levava a sua garagem tremeu sob o peso de um assalto. Não iam escapar por ali, tampouco.

     —Alguma outra saída? —perguntou Logan.

     —Só através da janela do dormitório.

     —Está a que altura?

     —Dois ou três metros, talvez.

     Logan olhou para a senhorita Mabel.

     —Isso não vai funcionar.

     —Não se atrevam a ficar por mim. — disse a senhorita Mabel. —Tive uma boa carreira. Só me dê um desses extintores de incêndios e os conterei para que possam sair.

     O coração de Helen se quebrou um pouco ao ver o rosto de desinteressada coragem da senhorita Mabel. Pensava que porque era velha, sua vida tinha menos valor que a dos outros. Pelo que Helen sabia, a senhorita Mabel tinha muitos anos mais para viver que ela.

     —Não vai acontecer. — replicou Helen.

     —Todos vamos sair daqui.

     —Novo plano. — disse Logan. — Vocês duas escondam-se no banheiro até que possamos abrir um caminho.

     Não havia janelas em seu banheiro, nenhuma maneira de que os monstros entrassem exceto pela porta. Parecia uma boa ideia. Helen assentiu, pendurou a alça da bolsa no pescoço, e pegou um extintor de incêndios.

     Ao passar pela porta principal, um dos monstros arremeteu contra ela. A fina lâmina de metal se cravou na porta deixando uma abertura à altura da cintura. Helen gritou e subiu pelas escadas, quase se chocando contra Thomas, que estava contendo uma das bestas.    

     Três corpos peludos jaziam derrubados em seu tapete, perdendo o negro sangue. Um quarto monstro saltou na garganta de Thomas e ele o cortou com sua pesada espada. Marcou uma linha fina ao longo de seu peito, mas a coisa continuava vindo. Drake tinha matado outros dois monstros na cozinha, e um terceiro passou por cima de seus irmãos caídos a fim de golpear o rosto de Drake com sua garra.

     A garganta de Helen se fechou em um grito, e seu corpo se retesou.

     Por favor, Deus, não deixe que façam mal a ele.

     Drake esquivou-se do golpe, sua espada brilhou, e a garra cortada do monstro bateu na parede da cozinha, ricocheteando. O sangue oleoso salpicou os armários de carvalho de Helen, e era tudo o que podia fazer para não vomitar. Nunca seria capaz de cozinhar ali de novo. Infernos, nunca seria capaz de entrar nessa casa de novo. Caso fosse capaz de sair com vida dali.

     O monstro que Drake mutilou deixou escapar um grito que pareceu quase humano. Calafrios correram através de seus membros, e ela congelou no lugar. O que provavelmente era o melhor, já que nesse momento Thomas deu um grande passo para atrás. Agachou-se para um peludo corpo, colocou sua espada no ventre dele, e ficou de pé, jogando-o sobre sua cabeça, para o corredor com uma maciça explosão de força. Esteve só a alguns centímetros de atropelá-la.

     O monstro ficou estendido no corredor, imóvel, ensopado o tapete com seu sangue e… algo mais que saia de seu abdômen ferido.

     Agora os cinco estavam juntos na parte superior da escada onde o vestíbulo, a sala e a cozinha se uniam. Havia monstros golpeando a porta principal, quase através dela, e mais estavam subindo pela porta traseira quebrada e a janela dianteira, arrastando-se sobre os cadáveres.

     —Necessitamos de uma saída. — disse Logan em um tom calmo.

     —Trabalho nisso. — disse Thomas.

     Drake manteve seus olhos no monstro aproximando-se que lutava para subir em cima dos corpos escorregadios dos mortos.

     —Temos possivelmente dois minutos até que os Handlers apareçam. Depois as coisas vão ficar feias.

    Ficar feias? Não sabia o que ele estava olhando, mas de onde estava parada, rodeada de monstros mortos gotejando sangue negro sobre seu carpete e cozinha, nunca tinha visto nada mais feio. Nem sequer queria pensar em algo mais feio.

     Sentiu o pânico começar a instalar-se agora que não se movia, e tinha que lutar contra isso com força de vontade. Não podia se dar ao luxo de perder até conseguir pôr a senhorita Mabel a salvo.

     —Vão na frente. — disse Logan— Não vamos fazê-lo a pé junto com os humanos.

     —Thomas? —Perguntou Drake.

     —Estou nisso. — respondeu Thomas.

     —Quanto necessita? —Perguntou Drake.

     Helen não tinha ideia do que estavam falando, mas não parou para fazer perguntas. A lâmina de metal no interior da porta principal estava abrindo-a um pouco mais a cada golpe. Podia ver uma ampla variedade de mandíbulas peludas tentando mordê-la através da fenda. De maneira nenhuma ia distraí-los da missão de assegurar-se que aqueles dentes de tubarão não agarrassem a ela e a senhorita Mabel.

     Thomas deu um passo adiante para enfrentar o monstro que acabava de passar por cima da pilha, gritando e chutando os corpos peludos.

     —Sessenta segundos. — foi a resposta à pergunta de Drake.

     —Tem-nos. —Com isto, Drake e Thomas voltaram à ação, seus potentes corpos fazendo um rápido trabalho com o restante dos monstros.

     Nunca tinha visto nada tão bonito, tão mortal, quanto eles dois armados com suas espadas.

     Com uma mão, Drake levantou a mesa da cozinha de Helen sobre o montão de cadáveres e a utilizou para cobrir o buraco onde a porta de trás costumava estar. Apoiou sua mão esquerda contra ela, sustentando-a em seu lugar enquanto mantinha a mão direita, preparado para atacar. Olhou para Helen, deu um sorriso tranquilizador e piscou para ela.

     —Siga Logan para fora. Levará você para a Van.

     —Não quero deixar você.

     —Não o está fazendo. Estarei atrás de você. Agora vá!

     Helen sentiu um puxão em sua camiseta, os dedos da senhorita Mabel ao redor da alça de sua camiseta outra vez, e foi atrás de Logan. Thomas havia se tornado uma fera, e estava esfaqueando monstro atrás de monstro como se estivesse cortando trigo. Assim que um abria passagem pela janela, cortava-o ou o fazia voar. O suor obscurecia seus cabelos e grudava sua camisa às costas.

     Logan a levou sobre os cadáveres, e tentou não pensar na sensação da pelagem em sua perna nua, ou no chapinho do sangue sob seus pés. Thomas foi através da janela frontal, e Helen se perguntou brevemente se seus vizinhos estavam vendo aquele show completo. Não que se importasse. Desde que todos saíssem com vida, logo pensaria em algo para dizer a eles. Ataque de cães, talvez. Não ia continuar morando ali, de todo modo. Não depois dessa noite. Que os vizinhos pensassem o que quisessem.

     Logan limpou o restante dos fragmentos de vidro para fora do marco da janela com sua bota e saltou. Não tinha certeza de como Thomas fez, mas conseguiu manter sua espada entre eles e cada monstro que os seguiu. E havia muitos. Não parou para contar, mas Thomas já tinha matado um montão e havia ao menos mais quatro vindo atrás deles. Tinham abandonado a ideia de entrar pela porta da frente assim que viram Thomas entrar no jardim frontal. Para um cara grande, era rápido, e utilizou esse impulso para abrir o caminho até a Van estacionada no seu caminho de entrada.

     A senhorita Mabel tinha soltado sua camiseta em algum lugar do caminho, e ela e Logan estavam a poucos metros diante dela. Helen saltou da janela, e olhou por cima de seu ombro com a esperança de ver Drake. Em vez disso, viu seu corpo voar para fora da cozinha, seguido de perto pela mesa da mesma. Bateu no corrimão da parte superior da escada, quase a derrubando. Seu corpo desabou no chão e a mesa da cozinha despedaçou-se contra ele, segurando-o ali. Então, nada se moveu. Não se levantou.

     Frenética, Helen se levantou sustentando-se na janela, sentindo pedaços de vidro cortar as palmas de suas mãos, e passou por cima dos corpos para chegar a ele. Era grande, mas podia tirá-lo. Eram só poucos metros. Podia fazê-lo.

     Helen empurrou a mesa e ele deixou escapar um gemido. Abriu os olhos e moveu a cabeça, para limpá-la. Só demorou alguns segundos para que ficasse lúcido de novo, e quando o fez, olhou-a zangado.

     Abriu a boca para dizer algo a ele, mas depois seus olhos deslizaram para além dela, e Helen virou a cabeça para ver o que estava vendo.

     Aquilo era alto, dois metros, facilmente. Caminhava erguido como um humano, mas não estava nem sequer perto de ser humano. A cabeça da coisa era muito larga, faltava-lhe o nariz, e os lábios cobriam as aberturas de seu crânio. Os dentes pontudos reluziam e gotejavam saliva. Suas pernas estavam dobradas do lado errado. Sua pele era de cor branca neve, totalmente sem cabelos, e para vestir, usava uma capa feita de pele da cor avermelhada dos monstros. Em uma mão sustentava um chicote feito de elos finos de corrente, e na outra uma barra de metal vermelha-encandescente de noventa centímetros de comprimento. Pequenas chamas dançavam na ponta da barra.

     Fogo.

     OH, Deus, não.

     Sentiu seus músculos bloquearem-se de terror. A coisa deu um passo para frente em suas estranhamente articuladas pernas, parecia não ter nenhuma pressa.

     Drake mudou sua espada de mão, e se empurrou sobre os joelhos. Ouviu-o abafar um gemido de dor, e quis chegar a ele, mas não podia. Não podia mover-se. Não podia pensar.

     A coisa estalou o chicote, golpeando o corrimão sobre o ombro de Drake. A madeira explodiu em chamas e inclusive a um metro de distância Helen podia sentir o calor mortal. O corrimão não necessitou de tempo para pegar fogo. Simplesmente subiu em um resplendor, estendendo-se mais rápido do que um fogo normal poderia. Mas então, isso não era normal.

     Drake ainda estava tentando ficar em pé. A perna de sua calça estava empapada de sangue, e podia ver a afiada ponta do osso cravando-se parcialmente contra o resistente tecido. Sua perna estava gravemente quebrada. Não havia forma de que fosse capaz de se levantar, muito menos de brigar.

     Queria dizer isso a ele, mas sua garganta estava fechada apertadamente, muito apertada para falar, muito apertada para respirar.

     A coisa levantou a varinha candente e apontou-a para Helen.

   —Não! —Gritou Drake.

     Em algum lugar, encontrou a força necessária para ficar de pé e investir conta à coisa. Sua espada cortou alto, arrancado o braço que sustentava a varinha.

     O fogo surgiu do lugar em que seu braço costumava estar. Drake lançou seu corpo sobre o dela, atirando-a ao chão debaixo dele.

     Helen sentiu uma rajada de calor e som, mas não podia ver nada. Seu rosto estava enterrado na gordurosa pele de um dos monstros mortos, e o aroma dos pesados animais a deixava doente.

     Podia sentir o sangue frio sob seus joelhos, e o peso de Drake sobre ela.

     O corpo de Drake se retesou, e deixou escapar um gemido de dor cada vez mais forte até que se converteu em um grito. Então, caiu em silêncio e sem forças em cima dela.

     O calor diminuiu e o peso de Drake desapareceu. Helen se levantou. Tudo o que queria era pôr seu ombro embaixo do de Drake e o ajudar a sair dali, perna quebrada ou não.

     Porem era muito tarde.

     Foi Logan quem o levantou, e agora podia ver as queimaduras ao logo do lado direito do corpo de Drake. Seus cabelos e parte de sua roupa tinham sido queimados, revelando as bolhas sob a carne. Algumas eram mais que bolhas, eram manchas negras.

     O belíssimo rosto de Logan se converteu em uma máscara de dor e pena, e Helen soube então que mesmo se Drake estivesse vivo, não ficaria assim por muito tempo.

     Drake tinha utilizado seu corpo para protegê-la do fogo, e agora ia morrer.

    

   Logan tinha que tirar Helen dali antes que outro Handler aparecesse ou antes que o fogo perto da escada começasse a arder fora de controle. Drake tinha matado o Handler, embora Logan não tivesse ideia de como chegou perto o suficiente para fazê-lo. Os Handlers eram frágeis, mas raramente se aproximavam menos do que necessitavam para estalar seu chicote. Isso era, geralmente, suficientemente perto para matar alguém. Inclusive se não fosse, o fogo de seus corpos que queimavam quando eram feridos, queimava rápido o suficiente, e quente o suficiente para acabar com qualquer um com a má sorte de estar em seu caminho.

     Thomas se assegurou de que o Handler estava morto enquanto Logan levantava Drake de cima de Helen. Não gostou de deixar a senhorita Mabel na Van desprotegida, mas Helen era a que importava ali. Tinha que averiguar como foi capaz de absorver o poder de Drake. Podia ser a chave para deter a morte lenta de toda a raça Sentinela.

     Era tão malditamente injusto que Logan queria ajudar. Ter a habilidade de curar seu aliado, mas não a força, deixava-o furioso, lhe dava vontade de arremeter contra tudo, e drenar cada humano de sangue puro que pudesse encontrar. Tomar seu poder e abandonar seus cadáveres para que apodrecessem. Por que inclusive devia se importar com o que acontecesse aos humanos?

     Os ombros largos de Thomas bloquearam a luz do teto, forçando Logan a olhar para cima. Essa era a parte que mais odiava, admitir sua debilidade, esmagar os amigos de Drake com o peso da dor. Viver com esse peso ele mesmo.

     —Qual a gravidade? —Perguntou Thomas, sua voz profunda espessa de raiva.

     Logan apenas sacudiu a cabeça.

     —Posso aliviar sua dor. Não durará muito tempo.

     —Não. — disse Helen. Sua voz era fraca, aguda e sem fôlego. — Não vai morrer.

     Negação. Sempre acontecia. E Logan odiava cada maldito segundo dela.

     —Sinto muito, Helen.

     —Não entende. Não pode morrer. Tem que me ver morrer.

     Logan não tinha ideia do que ela estava falando, mas algo em suas palavras, puxou sua memória.

     —Não temos tempo para isto agora. — disse Thomas. — Temos que sair daqui.

     Logan pegou o pesado corpo de Drake, tomando cuidado de evitar cortar-se com sua espada. As chamas tinham abrasado o punho fechado, prendendo a arma em sua mão. Thomas pegou Helen pelo braço. Atrás deles, a casa de Helen foi rapidamente engolida pelas chamas. Felizmente, estava muito preocupada com Drake para realmente dar-se conta. Um pequeno favor.

     Sirenes sibilavam na distância. As autoridades humanas estavam vindo. Era hora de ir. Puseram Drake na parte de trás da caminhonete sobre uma manta branca e limpa. Nem sequer um gemido. O fedor da carne queimada ardeu o nariz de Logan e fez seu estômago vazio retorcer-se com náuseas.

     Helen se mexeu atrás dele, e chegou perto de Drake, mas Logan a impediu.

     —Não o toque. Tem suficiente dor assim como está.

 

     A caminhonete balançou quando dobrou a esquina, batendo a cabeça de Helen contra a parede de metal.

     —Cuidado. —disse Logan. —Vai ser uma viagem cheia de buracos.    

     Helen nem sequer sentiu o impacto. Estava dormente. Sobrecarregada. Não podia aguentar tudo aquilo. Os monstros, sua casa ardendo. Outra vez. As horríveis queimaduras de Drake. Tudo era muito, e algo dentro dela acabava de se fechar. Sentia como se estivesse movendo-se através de algodão, cada movimento em câmara lenta, sem sentir realmente nada. A única coisa que se sobressaia sobre toda imprecisão era a certeza de que Drake viveria. Aferrou-se a isso, sabendo que era a única coisa que a manteria agora. E tinha que seguir em frente. A senhorita Mabel ainda necessitava dela para enfocar-se, para ter seu lar a salvo.

     —Serão capazes de ajudá-lo no hospital? —Perguntou a Logan.

   A pele dele tinha perdido toda a cor, e parecia mais abatido que antes. Ainda continuava bonito, mas agora havia uma fragilidade que não estava ali antes. Parecia cansado. Frágil. Inclusive a voz soava fraca.

     —Não vamos para o hospital.

     —Temos que fazê-lo. Necessita de ajuda.

     —Não podem ajudá-lo, Helen. Thomas sabe aonde ir.

     Helen pensou em discutir, mas mordeu a língua. Estava fora de seu elemento. Estava lutando acerca de tentar averiguar o que estava acontecendo em seu mundo normal e ordenado. Nada era igual a antes, e provavelmente nunca o voltaria a ser.

     —Como vai tudo aí atrás? —Perguntou Thomas. Estava conduzindo a caminhonete um pouco rápido demais, mas as grandes mãos mantinham o controle das rodas sem esforço.

     —Não muito bem. Falta muito? —Inquiriu Logan.

     —Vamos estar fora da estrada em cinco minutos. Em outros quinze em casa. Fiz uma chamada de ajuda e devemos ter alguns Gerai em uma hora.

     —Não vai durar tanto tempo. — respondeu Logan. A voz estava tranquila, mas havia uma máscara de ira em seu rosto que não se incomodou em ocultar.

     —O que é um Gerai? —Perguntou Helen. — Um remédio? Um médico?

     Logan pressionou a elegante mão contra a testa de Drake. Tinha queimado além do reconhecimento um lado do rosto. Se sobrevivesse, as cicatrizes seriam terríveis.

     O que não coincidia com a visão dela de tudo. Pela primeira vez em sua vida, Helen estava começando a duvidar de que a visão fosse real. Queria tranquilizar-se com essa esperança, mas não se isso significasse que Drake ia sofrer. Só desejava saber o que era que estava fazendo quando a puxou. Teria detido ele. Não estava segura de como, mas talvez pudesse tê-lo afastado.

     —Não. — replicou Logan. —Um Gerai é um tipo especial de pessoa que pode doar sangue para ajudar Drake. Embora não esteja seguro de que inclusive isso possa ajudar neste ponto.

     —Eu doarei se puder ajudar. Como posso saber se sou um desses Gerai?

     Logan a olhou, e algo terrível passou por aqueles olhos azuis prateados. Durante um segundo não pareceu bonito. Parecia mortal. Faminto.

     A imagem desapareceu tão rápido que quase se convenceu de que tinha imaginado. Quase.

     Logan lançou um olhar furtivo para Thomas, depois para baixo ao Drake, como se estivesse verificando que ninguém tinha visto. Falou em um sussurro baixo, apenas alto o suficiente para que o ouvisse acima do som do tráfico.

     —Compartilharia seu sangue?

     —Ajudaria?

     —Com toda certeza.

     —Como?

     —Sou capaz de usar o poder em seu sangue para curar.

     —Como?

     —É o que faço. Não sou humano, recorda?

     De acordo. Não humano. E oferecia sangue a ele.

     Logan lambeu os lábios e afastou a mão da cabeça de Drake. Não havia muito espaço na parte de trás da caminhonete, mas de repente parecia muito menor. Logan se inclinou para frente com um brilho predador em seus olhos, estendendo a mão para Helen.

   A mão boa de Drake disparou, agarrando o pulso de Logan.

     —Não. — ordenou a Logan. A única palavra rasgou através dos lábios arruinados.

     Helen ofegou, não esperava que Drake estivesse suficientemente consciente para mover-se. A dor retorcia seu rosto, ou talvez fosse a raiva. Não podia ter certeza, mas uma coisa estava clara: Drake não queria que Logan a tocasse.

     —Ela ofereceu. —disse Logan. — É meu direito.

     —Não, hoje não é. — as palavras de Drake foram articuladas como se a boca tentasse mover-se contra a opressão das queimaduras.

     —Necessito de seu sangue. Você vai morrer se não estiver suficientemente forte para salvá-lo.

     —Então morrerei. Não quero que a obrigue. — os olhos de Drake se apertaram ofegando para respirar.

    —Não é tão exigente sem eu bloqueando a dor, não é verdade?

     Drake fez horríveis ruídos de asfixia, e ela pôde ver que lhe custava respirar. O que fosse que Logan estivesse fazendo, estava matando Drake.

     —Basta! Pare de maltratá-lo.

     —O que está acontecendo aí atrás? —Perguntou Thomas olhando sobre o ombro.

     Logan o ignorou e a olhou de novo. Já não havia nenhuma dúvida sobre a pergunta de se tinha visto algo estranho em seu rosto. Tinha visto. Não era humano. Nem sequer de perto. Logan era algo mais. Algo aterrador, poderoso e faminto.

     —Pode ajudá-lo, Helen. Tudo o que preciso é um pouco de seu sangue.

     —Não. — exalou Drake entre ofegos sufocados.

     —Que inferno está acontecendo? —Gritou Thomas.

     —Helen, está bem? —Perguntou a senhorita Mabel.

     —Morrerá sem sua ajuda. — seguiu Logan. —Sofrerá horrivelmente e depois morrerá.

     Helen não ia permitir que isso acontecesse.

     —Pode tomar tanto sangue quanto for necessário.

     Uma luz de triunfo brilhou nos olhos de Logan.

     —Jura.

     —Não. — ofegou Drake, apenas audível. Estava morrendo. Cada segundo mais fraco.

     —Juro. — Helen sentiu o poder de seu voto rodeando-a, tornando-se parte dela. Uma parte de seu livre arbítrio se esgotou tornando-se cinzas. Não tinha nem ideia do que tinha feito, mas o que acabava de acontecer tinha mudado sua vida para sempre.

    Logan sorriu com um frio e desumano sorriso. Tão belo. Não podia deixar de olhar para ele.

     Ela sentiu que relaxava, ficando à deriva. Já não podia recordar por que estava tão aborrecida. Tudo o que sabia era que o mundo tinha desaparecido, e a única coisa que restava era o belo rosto de Logan. Aqueles inquietantes olhos prateados que pareciam quase resplandecer.

     —Feche os olhos. — disse ele, alcançando-a.

     Justo antes que obedecesse viu as afiadas presas brancas alongando-se entre os lábios entreabertos.

 

     Drake não podia mover-se. Mal podia respirar. Não tinha certeza se era algo que Logan tinha feito a ele, ou se era por causa dos ferimentos, mas não importava. Não podia salvar Helen. Tinha dado seu juramento de sangue ao Sanguinar, e estaria presa a ele durante o resto de sua vida.

     Drake se engasgou com a ira, lutando contra a debilidade e a dor que afligiam seu corpo. Tudo o que podia fazer era olhar como Logan descendia a cabeça contra o pescoço de Helen, seu belo e suave pescoço que cheirava a lilás, e afundava profundamente as presas nela. Helen nem se alterou. Seu corpo estava inerte nos braços de Logan, incapaz de lutar. Não que tivesse tido alguma chance. O juramento se assegurava disso. Durante o resto de sua vida, Logan seria capaz de alimentar-se dela cada vez que quisesse.

     Drake ouviu uma lastimosa choramingação, e se deu conta que era dele. Não suportava ver isso, mas tampouco podia afastar os olhos. Tudo o que podia fazer era testemunhar a traição de Logan, e rezar para que se detivesse antes que fosse muito tarde.

     —Já basta. — disse Thomas com a voz tensa de preocupação. —Estou me aproximando.

     A caminhonete freou, mas não o suficiente para fazer uma diferença.

     Logan se separou do pescoço de Helen, e um segundo depois a ferida se fechou como se nunca tivesse estado ali. Não ficou sequer um ponto rosa. Estendeu seu corpo inerte com suavidade no piso da caminhonete, e apartou delicadamente seus cabelos do rosto. O toque era doce e terno, e fez que o estômago de Drake sacudisse desagradavelmente.

     Logan se virou para Drake, e este pôde ver algo diferente nele. Logan já não estava tão pálido ou abatido como antes, e tinha uma expressão de vitória. Conquista.

     Thomas agora estava com eles na parte de trás da caminhonete, mas era muito tarde. Não havia nada que pudesse fazer para ajudar Helen. O dano já estava feito.

     Drake tentou avisar Thomas que Logan os tinha traído, mas não podia falar.

     —O que aconteceu com ela? —Perguntou Thomas.

     —Desmaiou. Está tudo bem. Simplesmente dirija.

     —Como está Drake?

     —Acordado. Sofrendo. Deixe-me cuidar dele. Seu trabalho é nos levar ao Gerai antes que seja muito tarde.

     Thomas titubeou como se pressentisse que algo estava errado. Apertou o dedo polegar contra o pulso de Helen, verificando a pulsação.

     —Sabia que está sangrando? —Levantou a mão de Helen.

     Havia vários cortes profundos cruzando a palma e vidro ainda encravado em um deles.

     —Ocupar-me-ei dela. Vá — a voz de Logan era tranquila e casual.

     Drake tentou falar. Os olhos estavam abertos pedindo silenciosamente a Thomas que entendesse que algo estava errado. Saíram aqueles malditos ruídos asfixiados, mas nada mais. Nada coerente.

     Thomas pôs a mão sobre seu estômago e deu a Drake um olhar aflito.

     —Tem que fazer algo com sua dor.

     —Farei.

     Thomas apertou a mão de Drake. Se era para tranquiliza-lo ou para despedir-se, Drake não tinha certeza. Um pouco depois, Thomas partiu e a caminhonete começou a mover-se de novo.

     —Agora vou curar você, — disse a Drake— mas antes de fazê-lo, quero que escute. Sei que assim que seu corpo estiver são de novo, é mais provável que me mate do que me dê obrigado.

     Ao menos Logan sabia o resultado. Agora Drake não tinha obrigação de advertir que ia matá-lo por tomar o sangue de Helen.

     —Helen é um dos nossos. — sussurrou Logan com uma voz reverente. —Não sei como é possível, mas acredito que é uma Theronai. Sua Theronai. Deveria escolher reclamá-la.

     Drake tinha dificuldades para aceitar o que Logan acabava de dizer. Não tinha nenhum sentido. Entre a aguda dor das queimaduras, e os ossos quebrados, não podia pensar com claridade suficiente para aceitar.

     —Precisamos dela. — continuou Logan. —E ela precisa de você. Quem sabe se algum dos outros Theronai será compatível com ela? Nem Thomas nem Zach são, ou teriam sabido esta noite como você o fez. Teriam subjugado a ela de algum jeito. Necessita de você para trazê-la ao nosso mundo, mas se tentar me matar não sobreviverá. Assegurar-me-ei disso. Antes que cure você, deve fazer um acordo de paz.

     Não! Drake lutou, mas o movimento só conseguiu fazer que os extremos quebrados das costelas roçassem um nos outros. Uma onda de dor se apoderou dele, e teve que lutar para permanecer consciente.

     Um acordo de paz com um Sanguinar que machucou Helen. Não podia suportar a mera ideia. Os Sanguinar eram conhecidos por pôr uma espécie de mecanismo de autodestruição nas pessoas que curavam como garantia de que seus pacientes não tentariam matá-los quando estivessem bem. A guerra entre as raças Sentinelas foi comum durante séculos, e o Sanguinar necessitava dessa segurança. Entretanto não era feito há anos. As linhagens humanas tinham crescido muito fracas, e nenhum dos Sanguinar era forte o suficiente para exercer aquele tipo de magia.

     Talvez só estivesse se vangloriando para que Drake não tentasse matá-lo assim que tivesse uma oportunidade.

     —Acredita que não sou forte o suficiente, mas está enganado. O sangue de Helen é quase puro. Não sei como é possível, mas é. Não voltarei a ser o fraco que chegou a conhecer.

     Drake se obrigou a olhar o belíssimo rosto do Sanguinar.

     OH, infernos. Era verdade. Drake podia ver isso na expressão triunfante de Logan. Podia ver o poder brilhar por trás daqueles olhos claros.

     Logan sorriu, a beleza muito intensa para que Drake a olhasse muito tempo. Afastou os olhos e rezou para que qualquer que fosse o poder que Logan tivesse, não pudesse usá-lo para machucar algum humano. Não havia nada que os Theronai pudessem fazer para deter um Sanguinar com toda sua força. Nem sequer os Slayers tinham esse tipo de poder, e eles eram virtualmente máquinas de matar.

    —Acredito que nos entendemos. — afirmou Logan com a satisfação ressoando em sua voz. Abriu o que sobrou da camisa de Drake, soltando pequenos pedaços de algodão carbonizado pelo ar. Logan pôs as mãos sobre o peito de Drake e fechou os olhos.

     Uma fria corrente de poder varreu Drake, tão suave quanto uma brisa. Em um abrir e fechar de olhos as queimaduras se foram, a perna estava inteira, e as costelas já não estavam esmagadas. Drake nunca tinha visto ou sentido nada igual antes. Fora curado pelos Sanguinar um montão de vezes, mas nunca como aquilo. A Cura das lesões. Toda a dor da recuperação estava encerrada em um curto intervalo de tempo, aumentando a intensidade. Os Sanguinar normalmente não tinham poder suficiente para curar e evitar a dor. Os Theronai tinham aprendido a aceitar a dor como parte do preço da recuperação, e Drake tinha esperado o pior considerando a extensão das queimaduras.

     Não só a cura não tinha doído, além disso, se sentia bem. Calmante, como água fresca rolando suavemente sobre a pele.

     Drake olhou para Logan. O Sanguinar se sentou sobre os calcanhares.

     —Você gostaria de fazer uma troca justa, agora que sabe que as medidas que pus em marcha são reais?

     Drake se impulsionou para levantar-se. Bater nele teria sido divertido, mas inclusive pensar nisso fazia sua cabeça doer. Qualquer dano físico que causasse em Logan voltaria para ele em dobro. Um murro naquela linda mandíbula poderia custar a Drake todos seus dentes, ou ao mesmo quebrar seu pescoço.

     Tinha tido dor o suficiente por uma noite, e precisava cuidar de Helen, assegurar-se de que o Sanguinar não havia causado nenhum dano permanente a ela.

     —Arrume as mãos e o rosto de Helen. — ordenou Drake. — Deve ao menos isso a ela.

     Assim que Logan fizesse isso, Drake ia trazer Thomas de volta para lá para bater nele até o inferno. Drake não podia tocar nele, mas seguro como o inferno que Thomas poderia. Com força.

     Logan levou apenas alguns segundos para tirar o vidro dos ferimentos e unir de novo a pele. Inclusive o sangue evaporou, deixando apenas a suave e rosada pele.

     Drake desejava tocá-la para verificar suas lesões, mas se conteve. Havia muitas coisas estranhas acontecendo entre eles, e tinha que as averiguar antes de tocá-la de novo.

     Quando o fizesse, sabia que seus pensamentos se desviariam e sua racionalidade voaria pela janela. Sentia-se muito bem sob aquelas mãos. Muito bem.

     —Desperte-a.

     Logan se estirou para ela, mas deixou a mão cair.

     —Não. Faça isso você mesmo.

     —Terei que tocá-la.

     Logan sorriu.

     —Sei.

     Isso foi tudo. Drake teria que ligar com Logan. Era a hora de Thomas lhe dar um punho de ajuda.

     —Thomas, freie. Agora.

     Thomas deu um rápido olhar sobre o ombro, viu Drake acordado e lúcido e parou bruscamente a caminhonete.

     Logan não ia esperar o tempo suficiente para que Drake dissesse a Thomas o que tinha feito. Drake não seria capaz de feri-lo, mas Thomas era totalmente diferente.

     Antes que Thomas parasse completamente a caminhonete, Logan saltou pela porta de trás e correu para as árvores que ladeavam o caminho rural de Kansas. Seu corpo vibrava pelo poder, e inclusive correndo não respirava com dificuldade. Ligou para Tynan esperando que ali o sinal do celular fosse forte o suficiente para permanecer conectado.

     —Sim. — respondeu Tynan com voz suave e profunda. Tinha perdido o sotaque com o passar dos anos, e nem sequer restou algo que fizesse notar sua origem estrangeira em um país que já não existia. Os pés de Logan golpeavam o chão. O ar estava quente, e cheirava a terra recém lavrada e as ervas das pradarias.

     —Necessito que me recolha imediatamente. Estou a pé.

     —Não está com Drake?

     —Já não. Tive que partir. Minha companhia já não era bem-vinda.

     Felizmente Tynan não perguntou mais. Como líder dos Sanguinar estaria em seu direito, mas Tynan era um homem que apoiava a ação, assim como a proteção de sua própria raça.

     —Posso ter alguém em seu caminho em uma hora. Temos um montão de homens na área.

     —Não. — respondeu Logan. — Necessito que seja você.

     —Estou mais longe. Levarei ao menos seis horas para alcançá-lo.

     Maldição. Era muito perto do amanhecer para o gosto de Logan.

     —Onde está?

     —Justo ao norte de Dallas.

     —No projeto Lullaby? —Perguntou Logan.

     —Sim.

     —Então definitivamente vai querer se reunir comigo. Informar-me sobre seu progresso para que eu possa ajudar.

     —Pensei que houvesse dito que não era capaz de ajudar porque não estava forte o suficiente. — comentou Tynan com um tom de irritação. —Por isso foi designado para caçar com um Theronai.

     —As coisas mudaram. — o que era um eufemismo. Seu mundo completo tinha mudado. Pela primeira vez em dois séculos não estava morrendo. Não estava fraco. Queria uivar de triunfo, mas isso só denunciaria sua localização.

     —O que mudou exatamente?

     —Não por telefone. Reúna-se comigo no Dabyr assim que possa.

     O Theronai Nicholas gostava de seus aparelhos, e Logan não se surpreenderia de tudo se descobrisse que os usava para escutar as conversas telefônicas quando lhe convinha.

     —Será melhor que meu tempo valha a pena. — disse Tynan.

     —Valerá.

   —Quer que vá atrás dele? —Perguntou Thomas.

     Drake viu Logan desaparecer nas árvores, movendo-se mais rápido do que tinha visto qualquer Sanguinar correr. Pegá-lo não seria fácil, e ainda havia duas mulheres a quem vigiar, uma inconsciente, e a outra sem seu andador para mover-se.

    —Não. Deixe-o ir. No fim voltará.

     —O que aconteceu? Está como se nunca tivesse sido arruinado pelo Handler. Inclusive seus cabelos voltaram a crescer.

     —Logan o fez. Imediatamente depois de enganar Helen com um juramento de sangue e alimentar-se dela.

     Thomas deixou escapar um assobio baixo.

     —É uma Blooded[4]?

     —Não só uma Blooded. Logan disse que era uma de nós. Uma Theronai. —Ainda não podia acreditar que Helen fosse de sua espécie. Não lhe parecia possível apesar de que explicaria muito sobre a maneira que a tinha percebido. A maneira que havia se sentido obrigado a tocá-la, não importando o quanto doesse afastar-se. Tinha que colocar as mãos profundamente nos bolsos para evitar fazer precisamente isso.

     Thomas se deteve por um momento como se absorvesse as palavras, depois olhou para o corpo estendido de Helen. Uma de suas tranças tinha perdido a fita que a amarrava, desfazendo-se em sua maior parte.

     Tinha o rosto sujo de fuligem, assim como os braços nus. Oleosos emplastros negros escureciam seus joelhos e a parte de baixo da bermuda. Sangue Synestryn. Teriam que lavá-la assim que fosse possível, apesar de Drake suspeitar de que se isso tivesse deixado alguma mácula em seu corpo, Logan a teria neutralizado.

     —Se for um dos nossos… se sentiria atraído por ela. Pode se unir a ela.

     Drake assentiu.

     —Acredita que também seria capaz de fazê-lo?

     A desesperada esperança iluminou os olhos de Thomas fazendo o peito de Drake se apertar. Thomas era mais velho que Drake. Teve mais anos para acumular poder em seu corpo, mais anos para sofrer sob a insuportável dor de contê-lo, como uma bola de sopro obrigada a conter muito ar, esticando até o ponto de ruptura. Mesmo assim, Thomas nunca se queixou, nunca ignorou seu dever porque era muito doloroso para seguir em frente.

     Thomas já havia tocado Helen várias vezes naquela noite, e se havia sentido algo estranho, nunca disse. Drake entendia agora a que Logan se referia quando disse que Helen necessitava dele. Até o momento, Drake era o único dos Theronai que poderia unir-se a Helen e trazê-la ao seu mundo, mostrar a ela o lugar que lhe correspondia. Só os homens que fossem capazes de se unirem a ela seriam atraídos por ela. O poder entre um casal de Theronai vinculado tinha que ser compatível. Essa inexplicável e quase magnética atração era o modo que sua natureza lhes dava para conhecer quais companheiros poderiam fazer um uso efetivo de seu poder. Se Thomas houvesse sentido não perguntaria agora. Já saberia.

     Thomas estendeu a grande mão de dedos chatos lentamente, como se temesse machucá-la, pondo-a na testa dela. Drake queria detê-lo. Não gostava da ideia de que qualquer outro homem a tocasse, no entanto se conteve. Silêncio.

     Thomas precisava saber a verdade, e a única maneira de fazê-lo era sentir por si mesmo. Não sentiu nada quando tocou Helen. Nem atração, nem faísca, nem calor. Nada mais que fresca e suave pele.

     Helen nunca poderia ser dele.

     Restava uma folha, apenas alguns dias até que caísse e sua alma murchasse, e pela primeira vez em mais de dois séculos uma Theronai feminina tinha entrado em suas vidas. Isso era pelo que todos rezavam. Era a única coisa que mantinha os Theronai apesar da dor, apesar das constantes batalhas e o derramamento de sangue. Apenas essa preciosa esperança de que algum dia encontrariam uma mulher que pudesse os salvar e os ajudar a combater. Ele tinha encontrado a mulher, mas não havia nada que ela pudesse fazer para salvá-lo.

     Não tinha certeza se devia rir ou chorar, ou simplesmente renunciar a tudo. A vontade separando-se de seu corpo sob a tensão de manter muita energia, e finalizar seu sofrimento.

     Thomas fechou os olhos e se afastou de Drake, sem querer compartilhar seu fracasso com ninguém. Negava-se a chorar. Negava-se a cair na autocompaixão. Sabia há muito tempo que estava perto do final. Isto não mudava nada. Ao menos não para ele.

     Drake podia reclamá-la. Ao menos Thomas poderia ter algum consolo no fato de que seu amigo já não sofreria. Não era muito, mas era algo.

     Thomas esclareceu a garganta.

     —Estamos a apenas alguns quilômetros da granja onde se supõe que nos reuniríamos com o Gerai. Devemos seguir adiante.

     —Thomas.

     Drake tinha se aproximado dele, mas Thomas o viu aproximar-se e se afastou para um lado.

     —Esqueça. Estou bem.

     —Quanto tempo resta? —o peito de Drake estava nu, apenas com os pedaços da camisa esfarrapada pendurados nos ombros. Havia ao menos uma dúzia de folhas penduradas na árvore de Drake.

     Debaixo de sua própria camisa, Thomas podia sentir o minúsculo peso da última folha pendurada em sua marca de vida. Colocou a mão contra ela como se pudesse ajudá-la a sustentar-se só um pouco mais. Poderia viver durante anos inclusive depois que tivesse caído, mas o estaria fazendo sem alma. Bom. Mau. Logo tudo seria o mesmo para ele. O que fosse para conseguir um trabalho bem feito.

     Thomas não ia deixar que isso acontecesse. Não ia se converter nos monstros que caçavam.

     —Tempo suficiente para encontrar a espada de Kevin. Vamos.

     Drake não se moveu. Ainda estava de pé ao lado de Thomas, o olhando.

     —Pode não ser a única. O que acontecerá se houver outras como ela lá fora? Tem que aguentar.

     —Farei isso. — mentiu Thomas. —Deixe de se preocupar comigo. Helen é única com quem precisamos nos preocupar agora.

     Drake assentiu.

     —Preciso limpá-la. Queimar suas roupas.

     Estavam manchadas de sangue, tanto vermelho quanto preto. Muito perigoso para deixá-lo para trás. O aroma atrairia aos demônios há quilômetros. O que era só uma razão a mais para manter-se em movimento.

     —Não deveria estar tocando-a, ao menos não até que saiba que pode parar sem se machucar. Se o Synestryn vier de novo, ela o necessitará para lutar.

     —Serei capaz.

     —Seguro como o inferno que não era capaz de lutar quando esteve no chão do restaurante, convulsionando.

     —Agora é melhor.

     —Sim, porque está tocando-a, idiota. — Thomas odiou o som de ira em sua voz. Gostava de Drake como a um irmão. Não era culpa de Drake que Helen não pudesse salvá-lo.

     —Sinto muito, Thomas.

     —Esqueça. — Thomas olhou para Helen ainda deitada na parte de trás da caminhonete. Ela era um milagre, só que não o seu. Quanto menos tempo passasse pensando nisso, olhando-a, melhor. — Vamos sair daqui.

     Drake conseguiu manter as mãos longe de Helen durante o resto da viagem, mas quando chegaram à granja isolada, seus nódulos doíam de tanto apertar os punhos com força.

     O Gerai já tinha chegado e os esperava do lado de fora. Dois homens jovens e uma garota, que não podia ter terminado o segundo grau, estavam sentados nos degraus que conduziam ao alpendre coberto. Estavam armados como o faziam os humanos, cada um carregava uma pistola e uma escopeta. A garota tinha os cabelos claros sob um boné de beisebol, e os olhos alertas apareciam sob a viseira.

     Os dois homens que estavam com ela pareciam ter perto de vinte anos, ambos robustos, compartilhando traços faciais suficientes para identificá-los como irmãos.

     Drake saiu da caminhonete mantendo a mão perto da espada enquanto inspecionava a área em busca de sinais dos Synestryn.

     —É seguro. — disse a garota. Ficou de pé e estendeu a mão para ele em um incongruente gesto masculino. —Sou Carmen, e estes são meus primos Slade e Vance. Vivemos em um condado mais à frente, assim pensamos que poderíamos ajudar. Alexander nos contatou.

     Alexander o Broody[5]. Um Sanguinar. Genial. Justamente o que necessitava naquela noite. Outro fodido chupa sangue.

     Drake apertou sua mão, verificando para assegurar-se que usava o anel dos Gerai. Era uma faixa simples de prata com uma só folha gravada. Um anel que era dado a cada um dos humanos de sangue puro e que se comprometiam a ajudar os Sentinelas. Estavam sob juramento de oferecer ajuda quando fosse necessário, e não era raro que famílias inteiras jurassem lealdade. Também eram obrigados a guardar o segredo. A maioria das vezes os Gerai eram humanos que tinham sido salvos dos Synestryn ao menos em algum momento de sua ascendência. Um humano que tinha a maioria do sangue Athanasian correndo por suas veias, era mais difícil de apagar suas lembranças. Às vezes era mais fácil contratar as pessoas que lavar seus cérebros.

     O anel de Carmen emitia um sutil murmúrio de poder que qualquer um dos Sentinelas podia sentir. Só funcionava para o que tinha sido criado. Se alguém roubasse um anel seria inútil para fazer-se passar por Gerai. Ela era autêntica apesar de sua juventude.

     Talvez Drake estivesse envelhecendo.

     Os dois irmãos desceram e também ofereceram suas mãos. Ambas limpas.

     —Sou Drake. Thomas é o cara grande. A senhorita Mabel está no assento da frente. Perdemos seu andador, por isso necessita que algum de vocês, rapazes, a ajude a entrar. Com cuidado.

     —Estou nisso. — disse Slade, saltando os degraus. Não era muito alto, mas tinha a constituição sólida de um homem que cresceu trabalhando duro. Tendo em conta que aquele era um país agrícola, era bastante provável.

     Carmen tateou sob o corrimão do alpendre até que encontrou a chave escondida que os permitiria passar.

     —Espere. — disse Thomas. —Deixe-me verificar primeiro.

     Carmen jogou a cabeça para trás até que pôde vê-lo por debaixo do boné.

     —Estou dizendo que este lugar é seguro. Sempre posso sentir os Synestryn quando estão perto. E não estão.

     —Tenho certeza que pode, mocinha. Também tenho certeza de que não vou deixar você entrar em uma casa escura sem sequer uma navalha de bolso para protegê-la.

     Ela acariciou a escopeta.

     —Tenho ao Hazel.

     Thomas olhou para baixo a sua arma, levantando uma escura sobrancelha.

     —Não a ensinaram que a maioria dos demônios não pode ser assassinada sem uma espada ou magia, não é verdade?

     —Com certeza. Também sei que se Hazel os atingir primeiro, terei um montão de tempo tranquilo para cortá-los em pedaços.

     Thomas grunhiu.

     —Apenas fique atrás de mim e mantenha Hazel apontada em uma direção diferente das minhas costas.

     Carmen aceitou a ordem como um pequeno bom soldado e deu a Thomas a chave.

     —Vance, — ordenou Drake — carregue os utensílios nas costas e traga-os, assim poderemos inventariá-los.

     —Não sabe o que tem em sua própria caminhonete? —Perguntou.

     Drake abriu a porta traseira da caminhonete de Logan. Não havia janelas lá atrás, e uma pesada cortina podia ser corrida para bloquear a luz. O sacana ia desfrutar encontrando refúgio antes que saísse o sol.

     A ideia fez Drake sorrir.

     —Não é minha caminhonete. Também traga a maca em que está deitada. Tem sangue e precisamos queimá-la.

     Helen não se moveu e estava pálida. Drake queria matar Logan, mas só a ideia lhe deu uma violenta dor de cabeça.

     —Levá-la-ei. — ofereceu-se Vance.

     Drake deveria concordar, mas o som interessado aquecendo a voz de Vance o fez mudar de ideia.

     Sofreria a dor de soltá-la de novo se tivesse que fazê-lo, mas não ia deixar que alguns humanos soubessem que não podia tocá-la.

     —Como o inferno. — disse Drake.

     Levantou-a nos braços e, no segundo que as peles se tocaram, inundou-o um sentido de realização que preencheu todos os espaços vazios, aliviando a dor que nem sequer sabia que tinha. Apertou-a contra o peito nu fechando os olhos, permitindo que seus poderes penetrassem nela, deixando-a levar a pressão que já tinha construído protegendo níveis dolorosos. Menos de meia hora sem tocá-la e já sofria. Como poderia deixá-la ir?

     Não a deixaria. Essa era a pura verdade. Ia reclamá-la. Nunca seria capaz de esperar o tempo suficiente para levá-la de volta e averiguar se alguns dos outros Theronai eram capazes de vincular-se a ela. Ia reclamá-la como dele, e ao inferno com as consequências. Não ia pôr Helen em exibição e deixar que outros Theronai a tocassem. Tinha encontrado ela, e ia guardá-la para ele. Essa parte era fácil. A parte difícil ia ser convencê-la a querer ficar.

  

     —Hora de levantar, dorminhoca.

     Helen escutou a voz de Drake em sua cabeça tanto quanto a ouvia em seus ouvidos. Era uma estranha sensação, um tipo de eco ressoante que vibrava em seu cérebro. Podia sentir seu toque dentro dela ao mesmo tempo em que por fora, dedos gentis acariciando seu rosto e braços, gentis pensamentos acariciando sua mente.

     —Vamos. Temos que assear você. Tirá-la dessas roupas.

     Sentiu um puxão em seu cinto e o botão sendo aberto. Estava tirando seu short.

     Isso fez sua mente ativasse. Despertou, com seus braços caindo para afastar as mãos dele. Forçou suas pálpebras pesados a abrirem-se e se achou no banheiro, sentada no colo dele. Suas coxas duras estavam quentes debaixo de seu traseiro e um longo braço estava ao redor dela envolvendo-a, justamente por baixo de seus seios, evitando que escorregasse até o chão.

     O banheiro era grande, velho e um pouco destroçado, mas limpo. Uma gigante tina com pés em forma de garras estava cheia de água e podia ouvir o leve som de milhares de bolhas ao longo da superfície da água. O ar estava vaporoso e cheirava a lavanda.

     Helen olhou fixamente para água com desejo. Estava segura na água, e ao mesmo tempo em que as lembranças da noite a inundavam de novo, o que realmente queria era sentir-se a salvo. Saber que a senhorita Mabel e Lexi estavam a salvo. Que Drake estava a salvo, não ardendo horrivelmente e morrendo.

     Mas se ele estava morrendo, quem a sustentava no colo? Confusa, Helen levantou os olhos para Drake. Ele estava inteiro – nenhuma queimadura ou cicatriz à vista. Inclusive seus cabelos haviam voltado a crescer.

     Estava sonhando? Ou o ataque tinha sido um sonho? Sua cabeça ainda estava ofuscada pelo sono e parecia não poder achar sentido ao que estava ocorrendo.

     —Shhhh. — ele deslizou uma mão por seus cabelos como se quisesse acalmá-la. —Não tente solucionar as coisas ainda. Realmente saiu disso, graças ao Logan. Dê-se uma chance de despertar, primeiro.

     —Queimaram você.

     —Sim, mas estou bem agora. Não estava tão mal quanto parecia.

     —Mentiroso.

     Provavelmente tinha sido um inferno muitíssimo pior do que parecia. Ao menos para ele. Helen fez uma vasta investigação sobre queimaduras, graças a sua visão, e sabia que era um dos mais dolorosos ferimentos possíveis.

     —Falaremos depois. Agora mesmo precisamos limpar este sangue.

     Helen baixou os olhos para ela e se acovardou. Estava suja. Havia manchas de sangue sobre suas roupas e pele e algo que parecia azeite. Ou que parecia como tal, mas que não era. Era sangue daqueles monstros. Tinha seu sangue sobre ela. Era muito asqueroso para pôr em palavras.

     Helen sentiu uma onda de náuseas percorrê-la. Tentou lutar contra esta. Apertou os dentes e respirou pelo nariz.

     Drake a elevou nos braços e se levantou, depois deixou que seus pés caíssem ao chão. Agora podia ver que estiveram sentados sobre a tampa da privada, a qual estava baixada como assento.

     —Está bem. — disse ele. — Apenas respire.

     Estava. Estava respirando e Drake estava respirando com ela, e lentamente começou a funcionar. Sentiu o áspero polegar de Drake deslizando-se ao longo da parte interna de seu braço, enviando raios de energia, consoladora energia, percorrendo por ela toda. Seu estômago se estabeleceu o suficiente para ter certeza de que, ao menos, não vomitaria. E estava levantada sobre seus próprios pés, o que também era um avanço. Drake ainda a sustentava perto e ainda tinha seu antebraço envolvendo-a, mas não a tinha suspensa. Estava fazendo isso por si mesma. Graças a Deus.

     Helen precisava assear-se. Esse foi o seguinte pensamento racional que apareceu em sua cabeça. Queria cada centímetro daquela… coisa – a qual não ia nomear – fora dela.

     —Estou bem agora. — disse. — Só me dê alguns minutos para me banhar.

     Ele levantou seu braço para mostrar a ela seus longos dedos envoltos ao redor de seu pulso.

     —Sinto muito. Estamos conectados de novo. Não se preocupe. Serei um bom menino e fecharei os olhos.

     —Não pode se afastar de novo? Como fez antes?

     —Poderia, mas doeria. E não quer que eu sinta dor, não é mesmo?

     Estava jogando com ela, tentando fazê-la sentir-se culpada. E estava funcionando.

     Helen se virou e levantou seus olhos para ele. Os afiados ângulos de seu rosto estavam altamente iluminados pela luz da lâmpada descoberta sobre o lavabo. Estava sem camiseta, e podia ver a tatuagem sobre seu peito, claramente, agora. Era uma árvore que se situava por todo seu flanco esquerdo. As raízes serpenteavam até debaixo de seu cinturão e os ramos chegavam até em cima, até que alguns deles se estendiam sobre seu ombro e parcialmente ao longo de seu braço esquerdo. Os ramos estavam em sua maior parte nus, com apenas algumas folhas e o trabalho artístico era tão perfeitamente vívido que se imaginasse podia ver as folhas oscilando a cada respiração que ele tomava. Surpreendente.

     Bonito.

     Sem perceber o que estava fazendo, Helen levantou uma mão e deslizou seu dedo sobre os ramos, passando pelo tronco até que se transformou em espessas raízes. Calor e poder borbulhando debaixo de seu dedo e sentiu que se tornava mais forte, mais lúcida, a cada segundo.

     O estômago de Drake se contraiu até que pôde ver uma cordilheira de músculos elevando-se, e a mão dele posou sobre a dela, prendendo-a entre seus músculos. Agradável.

     —Se descer mais, não será a única que irá se despir carinho.

     Por um louco momento, pareceu-lhe uma grande ideia – chegar a ver toda aquela varonil carne nua, próxima e íntima. E depois recordou onde estava. Quem era ele. Estava excitando-se com um homem que era pior que meramente incorreto para ela. Ele estaria lá quando ela morresse. Logo.

     O rosto de Helen se ruborizou junto com o resto de seu corpo e teve que suprimir um estremecimento. Ele a olhava fixamente e podia jurar que aqueles olhos castanhos dourados resplandeciam. Seus olhos observaram seu rubor, seguindo-o ao longo de seu pescoço e mais abaixo, onde podia sentir seus mamilos enrijecendo-se.

     Os músculos da mandíbula dele se retesaram e suas fossas nasais se ampliaram ao mesmo tempo em que respirava profundamente.

     —Com certeza sabe como tentar um homem. — disse com voz rouca. —E estou mais que feliz de entrar nessa tina com você e me assegurar de que esteja bem limpa por toda parte, mas não podemos esperar mais tempo para tirar você dessas roupas.

     OH, homem. Tudo aquilo soava tão bem, cada louca parte daquilo. Tinha passado um longo tempo desde que havia se sentido assim por um homem. Talvez nunca houvesse se sentido assim. Mesmo assim, não ia se permitir envolver-se com um homem que ia observá-la morrer. De algum eito, aquele pensamento tornava toda a visão ainda mais horrível – dando-lhe um girou que nunca pensou antes. Uma coisa era ter um estranho observando-a morrer. Era completamente diferente se a pessoa parada ali fosse alguém que a interessasse, uma que supunha que se interessava por ela.

     Uma batida na porta soou e a voz de Thomas se ouviu através da madeira grossa.

     —Acendi um fogo. Precisamos queimar suas roupas agora.

     Helen sentiu seu corpo retesar-se ante a menção do fogo. Tinha tido suficiente disso por uma noite. O fogo no restaurante e outro em sua casa. O corpo queimado de Drake. Era muito, assim deixou de pensar nisso.

     Helen levou um tempo para esclarecer a cabeça e recapitular o que ele acabava de dizer. Queimar suas roupas?

     O sangue. Dirigiu os monstros até eles.

     Para Helen já não importava ter audiência. Tirou o short e puxou o Top do busto por cima de sua cabeça e os entregou a Drake. Afastou a mão dele com pressa e ele ofegou de dor antes de recapturar seu pulso.

     —Sinto muito. — disse com uma careta. —Não queria ferir você.

     Ele assentiu entendendo, abriu a porta de repente e jogou as roupas fora.

     Helen baixou seu olhar a seu sutiã, sua calcinha e meias, procurando sinais de sangue.

     —Não vejo mais sangue, e você?

     Não era uma encantadora mulher magra, e inclusive assim, estava tão coberta quanto se estivesse em um traje de banho, ainda assim se sentia nua. Exposta. Vestir-se escondia um montão de pecados, e o céu sabia que seu corpo tinha muito deles para esconder. Desejava com loucura ter começado realmente aquele programa de exercícios que prometeu que faria na véspera do Ano Novo.

     A mandíbula de Drake voltou a retesar-se ao mesmo tempo em que a olhava fixamente. Suas mãos encontraram sua cintura e se estabeleceram ali, agarrando-a e liberando-a como se estivesse preso em um círculo, tentando decidir o que fazer. Estava olhando seus seios, seus quadris, suas pernas. Certo, tinha pedido a ele que verificasse se tinha sangue, mas o que estava fazendo era mais que só um olhar casual. Sabia que seu firme sutiã e sua modesta calcinha a mantinham coberta, mas isso não o detinha de encontrar a maneira de fazê-la sentir-se nua.

     Helen nunca tinha visto ninguém a olhar daquela maneira anteriormente, nem sequer os homens com quem compartilhou a cama, que foram poucos. Drake a olhava como se sua vida dependesse disso, como se o mundo inteiro estivesse ali e nada mais importasse.

     —Deus, é bonita.

     De todas as coisas que esperava ouvi-lo dizer, essa nem mesmo estava na lista. Ficou sem palavras ante sua absurda afirmação. Certo, não era horrorosa, mas tinha visto bastante televisão para saber o tipo de mulher que os homens realmente queriam e ela nem sequer se aproximava.

     —Um. —foi tudo o que conseguiu dizer.

     —Algo mais? —Thomas perguntou do outro lado da porta, parecendo impaciente.

     Os olhos de Drake flamejaram de esperança.

     Helen lutou contra a urgência de cobrir-se com os braços.

     —Vê mais sangue? —Perguntou de novo.

     —Vire-se. — ordenou a ela em um tom rouco carregado de pecado.

     Helen o fez e fechou os olhos com força com a esperança de que toda aquela situação embaraçosa desaparecesse. Estava segura de poder sentir Drake olhando fixamente para seu traseiro. Como se não fosse vê-lo.

     —Suas roupas estão bem. — disse com uma nota perceptível de decepção. Logo, mais alto, para a porta: — É tudo, Thomas. Obrigado.

     Assim, ali estava ela, de pé, dando as costas a ele e vendo seu rosto pelo espelho do banheiro. Ele ainda olhava para baixo, com uma expressão que teria chamado de luxúria em qualquer outra circunstância, ou se ele estivesse olhando para outra mulher. Mas estava olhando para ela, continuava olhando e não se detinha. Helen sentiu o rubor cobrindo sua pele, ou talvez fosse só o quente e úmido ar que a reaqueceu.

     Ele ainda matinha seu pulso esquerdo preso folgadamente e o usou para empurrar sua espalda contra o peito nu dele. OH, Deus. Rapidamente um calor a encheu, um enxame completo daquelas serpentinas de energia que faziam seu corpo cantar. Pressionou sua mão sobre suas costelas e a sustentou fortemente. Ela podia ver seus dedos desdobrados sobre sua pele clara através do espelho. Segurou seu pulso atrás de suas costas, preso entre seus corpos. A forma que a segurava era muito íntima. Muito possessiva.

     E, nossa, gostava. Não queria mover-se.

     Observava-o pelo espelho ao mesmo tempo em que ele descia sua cabeça até que sua boca apenas roçou seu pescoço. Ele não se moveu, não a beijou, apenas respirou profundamente.

     Resmungou algo contra sua pele.

     —O quê? —Foi apenas um sussurrou, mas a ouviu do mesmo modo.

     Olhou para cima, só elevando o rosto o suficiente para olhá-la pelo espelho. Depois sorriu, um misterioso e sensual sorriso que dizia a ela que sabia que esteve o observando.

     —Cheira como lilás. Sempre gostei dos lilases.

     O que podia dizer ante isso?

     —Uh, obrigada.

     Ao mesmo tempo em que deu a resposta, seu tom foi um dez na escala de rouquidão.

     Ele simplesmente riu e ela sentiu o profundo som reverberar em seu peito. Ele se afastou um pouco, mas suas mãos permaneceram sobre ela, dispersando seus pensamentos.

     —Devemos parar antes que me esqueça por que estamos aqui.

     —Aqui onde? —Perguntou, pasma.

     —No banheiro. Para um banho.

     —OH, certo.

     Esqueceu-se, mas tinha uma desculpa. Um belo homem estava olhando para ela como se ela fosse uma modelo da Vitória´s Secret que possuía a chave do significado da vida. Nunca tinha acontecido aquilo antes com ela e não estava segura de tudo de como reagir.

     —Deve sair agora, assim poderei me despir.

     —Não vai acontecer. Passei bastante tempo com dor esta noite. Mas prometo não olhar. A menos que queira que o faça. — essa era uma oferta que nem sequer ela podia rechaçar.

     —Não. Olhar é definitivamente uma má ideia.

     —Parece uma grande ideia para mim, mas prometo jogar limpo. — fechou os olhos, mas manteve seu pulso cativo.

     —Vai ser difícil me despir sem minha mão.

     —Fico feliz em ajudá-la.

     —Nossa. Obrigada. Que gentil.

     Ele riu.

     —Está bem, está bem. Pronto. — pousou suas mãos sobre a cintura dela de novo, com um agradável sorriso. — Agora suas mãos estão livres.

     —Está desfrutando disto, não é verdade?

     —Não tanto quanto o faria com meus olhos abertos, mas vale o sacrifício.

     Helen sacudiu a cabeça, mas não pôde evitar o sorriso que curvou sua boca. Gostava daquele lado de Drake, seu lado tentador e brincalhão, que nunca teria adivinhado que existia.

     Fez um rápido trabalho com o restante de sua roupa, pegou uma toalha, e guiou Drake nos poucos passos que havia para chegar à banheira. Entrou na água morna. Estava perfeita e deixou sair um pequeno suspiro.

     —Não é justo. — disse ele. — Sons como esses me fazem querer ver.

     —Não se atreva.

     —Desmancha-prazeres.

     —Pervertido. — retrucou.

     Drake riu e apertou suas mãos sobre ela.

     Helen abriu as mãos que ele tinha sobre sua cintura e se sustentou nelas enquanto descia para a água. A tina era profunda e se afundou até o pescoço. Pura e efervescente felicidade. Não pôde evitar gemer de prazer.

     —Está me matando com esses sons, Helen. Tenha um pouco de piedade.

     —Sinto muito.

     Estava coberta dos dedos dos pés ao pescoço com bolhas, assim disse:

     —Sente-se e terminarei o mais rápido que puder.

     Drake se sentou no chão com suas costas contra a tina e pousou os dedos dela sobre seu ombro nu.

     —Tem que segurar em mim ao menos uma vez.

     Helen olhou fixamente para sua mão. Sobre o ombro dele. Não era grande coisa, não é mesmo? Era uma mulher adulta e havia tocado muitos ombros de homens em sua vida. Inclusive alguns nus. De acordo, nunca um tão largo ou esculpido como o de Drake, e certamente nenhum com ramos intrincadamente tatuados sobre eles, mas isso não queria dizer que tivesse alguma razão para estar olhando fixamente, incapaz de mover-se ou inclusive piscar. Era só um ombro. Nem sequer era uma parte íntima.

     O que trouxe uma coleção completa de imagens a sua cabeça. Partes íntimas, de fato. Partes íntimas de um Drake nu. Hum.

     Estou perdendo o juízo. Era a afirmação de um fato a esta altura. Ou talvez perdido estivesse mais perto da verdade. Tempo passado. Não voltará de novo. Nenhuma esperança.

     —Não escuto nenhum chapinho ai atrás. — disse ele. —Necessita de alguma ajuda?

     Muita ajuda. Da variedade psiquiátrica. Mais da que ele poderia lhe dar.

     —Estou bem. — saiu como um chiado e Helen deu um pulo.

     —Não parece bem. — começou a virar a cabeça.

     Helen se assustou e cobriu os seios cheios de espuma com seus braços.

     —Não olhe!

     Drake deixou sair um doloroso ofego e se dobrou sobre si mesmo.

     Merda. Tinha soltado ele.

     —Sinto muito. — gritou, e engatinhou até sentar-se perto o suficiente para alcançá-lo. A água se derramou pelo lado da banheira, fazendo uma poça no chão. Pressionou uma mão gotejante contra a parte de baixo das costas dele – o mais próximo a ela – e Drake inspirou profundamente.

     —Filha da puta!

     —Sinto tanto, Drake. — acariciou sua espinha, esperando aliviar sua dor.

     Respirava com dificuldade e uma fina camada de suor cobria suas costas. Levou algum tempo para se recuperar, mas Helen não tentou apressá-lo. Já se sentia bastante mal por ter esquecido que ele necessitava que mantivesse o contato. Depois de ter posto seu corpo entre ela e o monstro manipulador de fogo, além disso, recordar essa pequena coisa, era o mínimo que podia fazer. Sentia-se horrível por ter esquecido.

     —Já estou bem. — disse, mas soava como uma mentira. Ainda estava rígido, sustentando seus braços ao redor da cintura como se seu estômago doesse.

     Inclinou-se para trás e Helen o acariciou durante alguns minutos, passando a mão lentamente sobre suas costas nuas. Isso parecia ajudá-lo a relaxar, assim deixou sua mão continuar deslizando por cima de sua espinha até situá-la na nuca. Uma parte de seus cabelos escuros caía sobre sua mão e pôde sentir a escorregadia largura da iridescente[6] gargantilha que usava. Não havia nenhum fecho que pudesse detectar e se perguntou como a tirava.

     —Vou procurar na água e sustentar seu tornozelo, e juro por Deus que se tirar minha mão ou se assustar de novo vou entrar nessa tina com você e me assegurar que bastante de nossas peles se toquem e assim não haja possibilidade de outro engano. Entendeu?

     OH, sim. Tinha entendido essa imagem em todo seu úmido e escorregadio detalhe. Haveria uma forte resistência, para fazê-lo entrar na tina com ela, mas estava bastante segura de que podiam chegar a ser suficientemente criativos para conseguir.    

     —Não me assustarei.

     Sem virar-se, levantou sua mão para trás e encontrou seu tornozelo dentro da água morna. Seus dedos se curvaram ao redor dele e só então deixou sair um suspiro de alívio.

     —Acredita que pode fazer isso rápido? Isto de ter você nua é um pouco mais difícil para mim do que tinha imaginado.

     Não ia perguntar quão duro era. Não. Nem sequer com uma oportunidade como aquela. Em vez disso, se pôs em movimento no processo do asseio, esfregando-se da cabeça aos pés, e terminou em menos de três minutos exatos. Seus cabelos ainda gotejavam sobre seu rosto quando alcançou a toalha que deixou ao lado da banheira. Parte desta se encharcou com a água que derramou fora da tina, mas não se importava. Tampouco tinha ideia onde estavam seus elásticos para os cabelos, mas se pudesse encontrar uma escova, sentiria-se afortunada.

     Helen abriu o ralo da tina e se levantou um pouco sem jeito sobre seus pés. Tomou cuidado de não tirar a mão de Drake enquanto fazia um rápido trabalho secando-se. Tudo dos joelhos para baixo ainda estava gotejando, mas o restante dela estava bem. Quando a toalha estava assegurada ao redor de seu torso, disse:

     —Tudo bem. Estou coberta.

     —Uma pena — replicou ele.

     Sorriu para ele e ofereceu uma mão a Drake. Ele, galantemente a ajudou a sair da escorregadia tina, depois entrelaçou seus dedos com os dela.

     —Agora o quê? —Perguntou a ele. —Além da parte onde deixo de estar nua. Obviamente.

     Ele parecia como se o tivessem golpeado nos intestinos.

     —Não vou sobreviver a você, mulher.

     A visão de sua morte apareceu durante meio segundo, as chamas e o sorridente rosto de Drake bloqueando todo o resto. Um segundo depois, estava de novo no banheiro, úmida e nua, mas a salvo. Sentiu um tremor percorrer seus membros e tentou oferecer um sorriso brincalhão a Drake. Estava bastante segura que saiu mais parecido com uma careta.

     —Na realidade, estou bastante segura de que sobreviverá a mim muito bem.

     Ele a olhava e sua cabeça se inclinou para ficar ao nível dos olhos dela.

     —O que imagina que isso significa? E o que era isso que acabo de sentir, essa onda de medo?

     —Nada. Esqueça isso.

     —Como o inferno que o farei. Não é a primeira vez que a sinto, tampouco. O que foi isso?

     —Não é realmente grande coisa.

     —Algo que causa tanto medo a você tão rápido é uma grande coisa. É meu trabalho matar tudo o que a aterrorize dessa maneira. Diga-me o que é e o matarei por você.

     Falava a sério. Realmente, literalmente, queria dizer que mataria algo por ela. Não tinha certeza se estava desgostosa ou lisonjeada. Realmente sabia como surpreender uma mulher com uma afirmação de cavernícola como aquela.

     —Que tal se em vez disso encontrasse algo para eu vestir? —Sugeriu.

     —Agora está tentando me distrair, me recordando que está toda úmida e nua debaixo dessa toalha.

     OH, sim, como se realmente acreditasse que um homem como ele poderia cambalear por pensar em seu “não-tão-sexy-corpo”. Que ridículo.

     —Está funcionando? —Brincou, lhe dando a oportunidade de rir.

     Não o fez. De fato, a fez retroceder até que se encontrou contra a porta. O corpo dele empurrou o dela e manteve seus pulsos contra a porta, justo acima de sua cabeça.

     —A distração funcionaria melhor se você tirasse a toalha.

     —Q… o que está fazendo? —Perguntou só porque não tinha certeza.

     —Desejando você. Precisando de você.

     —Sim, claro. — zombou.

     —Não acredita em mim? —Perguntou, muito suavemente.

     Pressionou seu quadril para frente, forte contra ela, e pôde sentir a inconfundível extensão de sua rígida ereção contra seu ventre.

     As palavras falharam. A respiração falhou, também. Apenas o olhou com um olhar de “veado-ante-os-faróis-de-um-automóvel” porque não podia fazer nada mais.

     Seu olhar se dirigiu para sua boca e se manteve ali ao mesmo tempo em que inclinava a cabeça, aproximando-se mais e mais. Helen sabia que ia beijá-la e que não havia nada que pudesse fazer para convencer-se a detê-lo.

  

      Drake estava morrendo por beijá-la. Queria mais que apenas um beijo, mas a parte do beijo já não era uma opção. Ela só ia deixar que ele a provasse. Depois, poderia espernear, gritar e destrambelhar, mas justo agora ia ter que lhe enfrentar. Ia beijá-la e isso era tudo, justo como esteve desejando fazer desde o momento em que se aproximou o suficiente para ver sua boca, aquela suave e cheia boca, que agora estava aberta com a respiração alterada. Estava olhando para ele como se realmente não acreditasse que ele fosse fazer aquilo, e esse tipo de desafio era simplesmente demais para resistir.

     Baixou a cabeça e viu seus olhos piscando em aceitação. A emoção da vitória corria através dele, mas não se permitiu apressar-se. Não nisso. Beijou-a, só um pouco, só uma suave pressão de seus lábios contra os dela. Quase casto. Não deveria ter sido suficiente até mesmos para excitá-lo — não seria com qualquer outra mulher — mas em vez disso, a luxúria ferveu através dele até que se sentiu excitado, queimado interiormente como se estivesse queimando vivo e amando cada segundo disso.

     Ela fez um suave som de assombro, que abriu seus lábios, e Drake se aproveitou da abertura. Deslizou a ponta da língua por seu lábio superior, obtendo uma pequena amostra dela.

     Querido, doce e piedoso céu, tinha um gosto bom. Seu estômago se retesou e tentou recordar-se de tomar cuidado. Ir devagar. Desfrutar do passeio. Em teoria, era uma boa ideia, mas na realidade, com o suave corpo contra o seu e os tentadores lábios entreabertos, a contenção não era factível. Necessitava mais dela. Tudo o que tivesse para lhe dar.

     Enredou os dedos em seus cabelos úmidos e jogou a cabeça dela para trás como esteve esperando fazer toda a noite. Pena que aquelas perversas tranças se foram, porque estava muito seguro de que as puxando ficaria mais quente que os fogos do inferno. Ela obedeceu com entusiasmo, indo onde ele a guiava até que o ângulo ficou perfeito para que ele atormentasse sua boca aberta, lhe dando espaço para saboreá-la mais profundamente, afundando-se em seu interior e deixando seus sentidos embeberem-se dela.

     Faíscas de poder saltaram através dele e foram absorvidas onde quer que pele nua tocasse pele nua. O ímpeto da sensação o atordoou, ávido por mais. Não queria nenhuma barreira entre eles, nem espaço, nem roupas, nada.

     Os dedos dela se curvaram sobre seu ombro nu e se aferrou como se acreditasse que ele pudesse tentar escapar. Não parecia muito provável. Ela fazia adoráveis ruidinhos desesperados que o deixou a meio caminho da loucura pela necessidade. Tudo o que podia pensar era que sons ela faria quando a tivesse nua deitada e aberta, e se deslizasse em seu interior, enchendo-a. Sentir-se-iam aquelas rajadas de energia como agora? Ela seria capaz de suportar a intensidade? Faria isso? Ou ambos se inclinariam à beira do prazer e não voltariam nunca mais? Estava mais que preparado para descobrir.

     Os dedos de Helen se afundaram em seu ombro e ficou nas pontas dos pés, pressionando mais seus corpos. A toalha entre eles zangou Drake, por isso a arrancou, expondo seus seios nus contra o dele. Era tão suave, seus seios moldados contra os duros contornos de seu peito como se tivesse sido feita para fazer exatamente isso. Era perfeito. O modo que se encaixava contra ele, seu cheiro, seus gosto. Tudo nela era perfeito e ele não podia ter o suficiente.

     Suas mãos deslizaram pelas costas dela até que pôde segurar seu suave traseiro, completamente nu e quente sob seu controle. Poderia morrer agora e seria feliz por ter tido precisamente esta grande parte dela. Queria mais, mas inclusive isto — só a sensação do corpo dela contra o seu, o doce jogo da língua sobre a sua — o estava satisfazendo em algum profundo e visceral nível que nunca tinha conhecido antes. Toda a pressão que conduzia parecia escoar, o fazendo sentir-se mais forte, como se pudesse fazer tudo se isso significasse que conseguiria outro momento com ela em seus braços.

     Helen se separou de sua boca e pressionou uma linha de beijos sobre sua mandíbula e desceu por seu pescoço até que alcançou sua luceria[7]. A úmida e sexual rota que sua boca e língua desenharam em sua pele o fez estremecer e apertou, mais forte seu traseiro até que se assegurou que ela podia sentir o quanto estava rígido. Helen suspirou e meneou os quadris, esquivando-se dele.

     OH, sim, definitivamente poderia morrer feliz sabendo que o desejava também.

     Sua língua deslizou sob a luceria, e esse contato fez que ambos, o colar e o anel combinando zumbissem em resposta. Tanto o poder quanto o desejo surgiam de seu interior, misturando-se até que não pôde distinguir a diferença entre os dois. Alguma parte instintiva dele o instigava a deixar sair esse poder, enviando-o para Helen. De algum jeito, esse poder pertencia a ela e só o esteve guardando o tempo suficiente para encontrá-la.

     Drake não tinha certeza do que estava fazendo, mas seguiu seus instintos e permitiu que uma onda imensa de energia saísse dele. Atravessou seu corpo, cheia de poder, concentrando-se no único raio que correu ao longo de sua principal marca de vida, descendo por seu braço esquerdo, ao interior do anel iridescente.

     Helen ofegou e se separou de seu colar como se tivesse sido surpreendida. Colocou a mão trêmula sobre a boca e o olhou com os olhos obscurecidos pelas pálpebras pesadas.

     —O que foi isso?

     —Não sei. — disse ele, esperando que o que quer que fosse, não a tivesse aborrecido ou prejudicado.

     Um calafrio a sacudiu e sentiu que apertava as coxas juntas e seus mamilos se enrijeceram contra seu peito. Dirigiu-lhe um olhar tão cheio de desejo que quase derreteu o botão metálico de seu jeans.

     —Pode fazer de novo?

     Drake deixou escapar um gemido baixo.

     —OH, sim. Qualquer coisa por você, carinho.

     Ela lhe deu um lento e sensual sorriso que fez que suas tripas dessem um nó de necessidade.

     A porta do banheiro se sacudiu sob o peso de um pesado punho golpeando-a.

     — Vai sair em algum momento deste século, ou devo ir procurar a espada de Kevin sem você? —Perguntou Thomas.

     Drake fechou os olhos pela frustração e lutou para recuperar um ponto de apoio para sua saúde mental. Teve que fazer um grande esforço, mas finalmente, encontrou o suficiente de si mesmo para reunir um pensamento coerente. Thomas tinha razão. Mesmo Drake desfrutando tanto daquilo, ainda tinha trabalho a fazer.

     —Vamos sair em um segundo. Pode encontrar algo para Helen vestir? —Só fazer essa pergunta era como rasgar seu próprio braço. Queria que permanecesse nua por muito tempo.

     Parecia que acabava de se dar conta que estava ali de pé nua, pressionando-se contra ele dos joelhos ao peito, e tentou afastar-se e cobrir-se. Drake não estava disposto a deixar que isso acontecesse. Ainda não. Manteve uma mão em seu arredondado traseiro e a outra entre suas omoplatas. Não ia a nenhum lugar até que a deixasse.

     —Não vou deixar que se torne tímida agora. — disse. — Assim que terminar este trabalho, você e eu vamos voltar aqui mesmo e terminar o que começamos. Quero que recorde onde paramos. Você nua. Eu quase. Grave a fogo esta imagem em sua cabeça porque é justo como quero você quando voltarmos.

     Um profundo rubor cobriu seu pescoço e rosto.

     —Isto não está acontecendo.

     Drake deu um pequeno apertão no traseiro dela.

     —Sente-se como se estivesse acontecendo comigo.

     —Asseguro que foi um erro. Um temporário lapso de falta de juízo de minha parte. Não voltará a acontecer.

     —Você gostou.

     —Sim, bom, isso foi parte do lapso.

     —Você gostará de novo. — Ele prometeu.

     Ela fechou os olhos e deixou a cabeça cair sobre seu peito.

     —Só se for suficientemente estúpida para me despir enquanto estiver por perto. Acredito que é hora de tomarmos caminhos diferentes. Permanentemente desta vez.

     —Não quer dizer isso. —Não podia dizer isso. Drake não podia suportar a ideia de ser o único a ficar ali excluído pendurando em luxurilândia[8]. Necessitava dela exatamente ali, com ele, desejando-o tanto quanto desejava a ela.

     —Nunca quis dizer algo tão a sério em minha vida. — Era a sério. Toda a suavidade havia sido drenada para fora dela e estava rígida em seus braços. Assustada.

     Bom, infernos. Isso quanto a seus planos de continuarem o que tinham interrompido mais tarde.

     Odiava vê-la assim e só desejava que pudessem voltar para onde estava lhe pedindo e que a fizesse sentir-se bem outra vez. Mas pela forma que estava se fechando mais a cada segundo — nua em seus braços ou não — não acreditava que isso fosse acontecer. Merda.

     E tinha que encontrar a espada de Kevin. Não poderia fazer isso bem com ela pendurada nele. Poderia sair ferida se fosse com ele, e se não fosse, Thomas poderia sair ferido.

     Era o momento de morder a bala. À hora de afastar-se dela e assumir a dor como um homem.

     —Não se mova. — ordenou, soando mais áspero do que previu.

     Fechou os olhos, colocando de lado seu desejo, ignorando sua maldita ereção, e deu um passo para trás. De maneira nenhuma ia olhar seu corpo nu e não arder. Não havia uma chance no inferno. Assim manteve seus olhos fechados e deslizou as pontas dos dedos por seus braços, preparando-se lentamente como Logan ensinou. Quando a única coisa em contato entre eles era a ponta dos dedos no dorso da mão dela, respirou profundamente e se afastou.

     A dor rasgou através dele e sentiu como se fosse se partir em um milhão de pedaços em chamas. Um gélido nó de agonia se apoderou de seu estômago e teve que lutar para manter-se erguido. Podia sentir a pele sob sua luceria e seu anel, queimar e criar bolhas e teve que apertar os dentes contra a compulsão de alcançá-la, forçá-la a fazer sua dor parar.

     Drake se aferrou a seu controle por um fino fio e aceitou a dor, convertendo-a em parte dele até que definisse sua resistência. Tudo o que sentia era dor. Fervente, ardente, triturante dor. Nada mais.

     Lentamente, seu corpo se ajustou e sua mente começou a funcionar de novo. Quando abriu os olhos, Helen o olhava fixamente, apertando a toalha ensopada contra o peito. Seu braço estava estendido como se estivesse tentado alcançá-lo, mas sua mão estava fechada em um apertado punho. Seus olhos castanhos estavam abertos com faíscas douradas e verdes destacando sua preocupação por ele.

     —Sinto muito — disse ela. —Nunca acreditei que o machucaria assim. Se houvesse outra maneira…

     —Sei. —E de algum jeito, saber que ela se importava, fazia com que doesse menos.

    

   Helen salpicou água fria no rosto esperando que sua cabeça se esclarecesse. No que estava pensando para deixar que Drake a beijasse assim? E o mais importante, o que estava pensando quando correspondeu ao beijo? E, OH, homem, havia correspondido ao beijo dele. A boca aberta, as línguas entrelaçadas, pele nua contra pele nua. Só de pensar seus dedos dos pés se curvavam.

     Não ia sobreviver a outro ataque de luxúria como aquele. Não tinha a menor chance. Sua única opção era manter distância e esperar nunca voltar a vê-lo de novo até o dia de sua morte.

     Helen passou a enorme camiseta que Thomas enfiou no banheiro pela cabeça e vestiu a bermuda de corrida. O descuidado aspecto não era exatamente o de uma elegante garota esportista, mas era definitivamente melhor que aquelas roupas ensanguentadas ou a toalha muito fina. Definitivamente não era melhor que sentir Drake nu, seu peito viril esfregando-se contra seus mamilos.

     Não ia aí. Não se quisesse manter distância de Drake.

     Agora que estava decente, Helen saiu do banheiro para ver se levariam ela e a senhorita Mabel para um hotel naquela noite para amanhã poder começar a limpar os restos de sua vida. Ia precisar encontrar alguém que pudesse levar mantimentos às pessoas que ela abastecia até que pudesse averiguar o que tinha acontecido com seu carro. E depois ia ter que ir enfrentar o inspetor de incêndios e a companhia de seguros. De novo. Ia ter todo tipo de diversão.

     Com um suspiro cansado, Helen saiu do banheiro e foi pelo estreito corredor. Deteve-se ante a porta do quarto onde a senhorita Mabel estava dormindo. O quarto estava escuro, mas a luz do corredor se derramava sobre a cama e o pequeno vulto que o corpo da senhorita Mabel fazia debaixo da desbotada colcha. Parecia pálida e frágil e Helen quis chutar-se por arrastar a pobre mulher para aquela confusão. Um pouco por ser cuidadora. Agora a senhorita Mabel nem sequer podia mover-se por si mesma, o que ia irritar seu sentido de independência e só a recordar do quanto era frágil na realidade. Helen odiava ser a causadora do que aconteceu.

     Ia ter a senhorita Mabel de volta sobre seus dois pés logo que fosse possível para evitar qualquer insulto a seu orgulho.

    Helen ouviu vozes no corredor e foi reunir-se com eles. Entrou em uma cozinha que não havia sido redecorada desde 1965. O papel das paredes laranja e amarelo desbotado esteve ali tempo suficiente para estar de volta à moda, mas nada poderia ter trazido o azulejo verde gritante[9] de novo a moda. Uma pesada mesa deteriorada se estendia ao longo de uma parede e apesar de está arranhada e amassada, parecia suficientemente forte para ficar durante outros quarenta anos de duro uso.

     Drake se apoiava contra uma parede próxima à mesa, falando com Thomas, e assim que ela entrou no cômodo, ficou em silêncio e seus olhos se cravaram nela. Viu sua expressão relaxada mudar, seus olhos escureceram para um belo castanho e sua mandíbula se retesou. Não tinha certeza se seu olhar se devia à ira, ao desejo ou há um pouco de ambos, mas o que fosse, estava fazendo-a desejar ficar daquele lado do cômodo, longe o suficiente para estar fora de seu alcance.

     Thomas se afastou da mesa e do mapa que tinha estendido em frente a ele. Observou-a com os olhos fixos, mas algo na forma que a olhava era diferente. Havia algo triste em seus olhos azuis, algum tipo de dor que não entendia. Assentiu com a cabeça em sinal de saudação e estendeu a mão para um assento vazio.

     —Quer um café?

     —Provavelmente quer jantar. — disse Drake. — O seu foi interrompido.

     Interrompido. Essa era uma maneira de dizer.

     —Estou nisso. — disse um dos dois homens jovens que eram quase idênticos. Tinha uma testa grande e o nariz chato, mas seu sorriso era tão amável que o tornava atraente. Abriu um armário e debruçou-se dentro dele.

     —Quer fazer um lanche? —Perguntou a ela.

     Helen olhou sem ver as filas de produtos enlatados e pegou algo ao azar.

     —Beterrabas em escabeche? —Perguntou, curvando o lábio com desgosto.

     Argh. Não.

     —Sinto muito. —Leu as etiquetas desta vez e pegou uma lata de massa pré-cozida.

     —Melhor. — disse o homem. —Sou Slade, de qualquer forma. Meu irmão é Vance e essa é Carmen. —Moveu a cabeça para a adolescente que estava sentada no balcão, balançando as penas delgadas enquanto olhava para Thomas. Helen reconheceu o olhar no rosto da jovem mulher, um que proclamava que seus hormônios adolescentes a devastavam.

     Thomas estava completamente alheio ao olhar de Carmen. Uma presa despreparada.

     —Sou Helen. — respondeu.

     —Então, é um tanto estranho, hum? —Perguntou Slade de uma maneira amistosa que a fez relaxar um pouco. — Toda essa magia e coisas monstruosas?

     —Uh, sim. Estranho. —O eufemismo do século.

     —Sei. Quero dizer, soube de tudo isto desde que era uma criança, nossa própria família trabalhou para os Sentinelas durante gerações, mas a primeira vez que o vê, é como uau, sabe?

     Menino, ela o fazia sempre.

     —Sentinelas?

     Slade apontou com a cabeça para Drake e Thomas.

     —Você sabe. Esses caras.

     —E, o que faz por eles? Além de doar sangue.

     Slade deu de ombros.

     —Montões de coisas. Cuidamos de suas propriedades, vigiamos os Synestryn. Informamos qualquer fato estranho. Esse tipo de coisa.

     —O que é um Synestryn?

     Ele sorriu e moveu as sobrancelhas.

     —Monstros. Demônios. Bestas. As coisas que se arrastam na escuridão e comem…

     —Helen. — disse Drake cruzando o cômodo, interrompendo, a cada vez mais inquietante, lista de Slade. —Deve vir se sentar. Tem que tomar uma decisão.

     Uh! OH, isso não parecia bom.

     —Que decisão? —deslizou em um banco junto a Thomas, e a boca de Drake se apertou. Sua escolha de assento provavelmente não estava fazendo Carmen nada feliz, tampouco.

     —Pode vir com Thomas e comigo ou os Gerai podem levar você para a nossa casa.

     O pensamento de Helen estava mais na linha de pegar um quarto de hotel, por isso aquilo a surpreendeu um pouco.

     —Ficarei com o que há atrás da porta número três.

     —Não há porta número três. — disse Drake, com a expressão dura e inflexível.

     —Claro que existe. É a que leva a senhorita Mabel e eu de volta a Olathe e vivemos felizes para sempre.

     —A senhorita Mabel pode voltar assim que tenhamos assegurado sua segurança. Você, por outro lado, não pode.

     —Sim, olhe, aqui está a coisa. Sou o que chamam de adulto. —Fez aspas no ar com os dedos só para incomodá-lo. —O que significa que posso tomar minhas próprias decisões. Se não estiver disposto a me levar de volta à cidade, então com muito gosto chamarei um táxi.

     Drake deu um passo para frente, então se deteve, fechando as mãos em punhos aos lados.

     —Pensei que tinha visto o suficiente esta noite para tirar toda a estupidez para fora de você, mas ao que parece, estava equivocado.

     —Não é estupidez querer ir para casa.

     —Não tem casa. Tudo o que tem é um montão de cinzas e escombros enegrecidos.

     Helen estremeceu ante aquelas palavras, sentindo uma doentia contração na boca do estômago. Ele tinha razão, e ela sabia, mas isso não fazia parecer mais fácil. Tinha chegado a amar sua nova casa e agora já não existia.

     —Não seja um asno insensível, Drake. — repreendeu-o Thomas. — Dou-me conta do que está em jogo aqui, mas essa não é a maneira de conseguir um acordo com Helen.

     —Que acordo? —Perguntou. —Não sei nada sobre nenhum acordo.

     O micro-ondas soou e Slade pôs uma fumegante terrina de ravióli em sua frente. Helen comeu um pouco porque necessitava da comida mais do que a queria.

     Drake passou uma mão pelos cabelos pela frustração. Tinha encontrado jeans secos e uma camisa limpa em algum lugar, o que Helen tinha que admitir era uma maldita lástima. Ficava bem sem camisa, inclusive quando estava zangada com ele.

     —Vai precisar de um pouco de ajuda para voltar a continuar com sua vida. — disse como se fosse o começo de um discurso que tivesse praticado em frente ao espelho. —E quero ajudar você a fazer isso.

     —Aprecio a oferta, mas ficarei bem. Tenho obrigações. Preciso voltar para a cidade e assim poder fazer os arranjos para as refeições e as visitas de amanhã.

     —Não pode voltar para a cidade. — disse Slade atrás dela. —Estão procurando você como uma “pessoa de interesse” em relação aos incêndios desta noite.

     —Eu o quê? —Não tinha intenção de gritar, mas isso era muito ruim.

     O amistoso sorriso do Slade desapareceu de seu rosto, deixando um franco aspecto de traços planos.

     —Ouvi no noticiário. Encontraram seu carro no restaurante. Então quando sua casa queimou… suponho que a polícia pensou que deveriam encontrar você. O repórter disse que não era o primeiro incêndio ligado ao seu nome. Quero dizer, não o disseram nem nada, mas fizeram parecer que era procurada por piromania.

     Bom, não era isso apenas o creme batido em cima da pilha de merda que foi seu dia. Não havia maneira de ser capaz de explicar a polícia o que tinha acontecido sem ser acusada de piromaníaca ou jogada em um manicômio. Ou ambos. Definitivamente ambos se o caminho que sua vida estava tomando fosse alguma indicação.

     De repente Helen se sentiu muito cansada para mover-se. Deixou-se cair e apoiou a cabeça nas palmas das mãos, olhando para a terrina com a fumegante comida de criança. Uma mão quente e forte foi colocada sobre suas costas e soube instantaneamente que não era de Drake.

     —Tire suas mãos dela, Thomas. — grunhiu Drake. Quase se podia ouvir o som de seus dentes rangendo em suas palavras.

     —Que o fodam. A mulher necessita de consolo.

     Helen necessitava muito mais que isso, mas manteve a boca fechada. Não tinha energia suficiente para queixar-se. Mal tinha energia para preocupar-se que seu mundo inteiro tivesse virado pelo avesso. Se não fosse por todas aquelas pessoas que contavam com ela, poderia simplesmente encontrar um belo e confortável lugar no chão e fugir de seus problemas no esquecimento do sono.

     Mas tinha essas pessoas que contavam com ela, assim se forçou a pensar. A preocupar-se. A reagrupar-se para assim poder cumprir com suas responsabilidades.

     —Algum de vocês me emprestará um carro ou não?

     —Não. — disse Drake. — Mas me assegurarei que as pessoas de quem cuida estejam a salvo.

     Helen levantou os olhos.

     —Como? Pensei que tinha que ter alguma espada para continuar ou algo. Realmente acredita que terá algumas horas para passar preparando e entregando mantimentos a anciões confinados?

     —Slade e Vance podem fazer isso amanhã, não é verdade? —Olhou fixamente para os dois homens jovens, ambos assentiram com a cabeça e sorriram, dispostos a ajudar.

     —Eu, também. — disse Carmen.

     —Tem idade suficiente para dirigir? —Perguntou Thomas, dando um olhar cético para ela.

     Carmen lançou para ele um olhar cheio de hormônios, vidrado de luxúria.

     —Tenho dezoito, velha o suficientemente para qualquer serviço que possa necessitar que eu proporcione a você, Theronai.

     OH, sim. Carmen estava a caminho de Thomas, mas nenhum dos homens parecia perceber.

     —Bem. — disse Drake. — Então pode ajudar também.

     Carmen esboçou um lento e sexy sorriso e os olhos de Thomas se estreitaram de confusão quando a olhou. Inclinou a cabeça de um lado a outro como um cão tentando entender uma palavra nova. Uma fração de segundo mais tarde, os olhos de Thomas se arregalaram assombrados e o rubor deslizou até seu grosso pescoço.

     Thomas tinha descoberto. Finalmente. Ao menos se deu conta que Carmen se apaixonou por ele. Se tinha descoberto o que fazer a respeito ou não era outra história.

     Thomas voltou para seu mapa lentamente e o olhou como se ali estivesse o significado da vida.

     —O que vai acontecer a senhorita Mabel? —Perguntou Helen. — Precisa de um novo andador e de voltar para casa.

     —Precisa mais do que isso. — disse Thomas, agarrando o tema como um salva-vidas. — Vai precisar que as lembranças desta noite sejam apagadas de sua mente.

     —Vai o quê? —Pediu Helen. Ficou em pé bruscamente.

     —Uh, sinto muito — disse Thomas, olhando entre ela e Drake e vice-versa. —Pensei que sabia.

     —Que vai foder a mente de minha amiga? Acredito que teria recordado disso. A menos que haja feito algo com minhas lembranças, também. —Só a ideia a fazia adoecer. Era uma violação tão íntima, e nada em sua experiência lhe dava nenhuma maneira de justificar uma coisa tão horrível.

     —Ninguém alterou suas lembranças. — assegurou Drake.

     —Sim, como se pudesse acreditar que me diz a verdade. Como alguém pode confiar em um grupo de pessoas que pode apagar lembranças? É como confiar em um grupo de pedófilos para trabalhar em uma creche.

     Drake rodeou a mesa, com a boca apertada de ira, mas antes que pudesse alcançá-la, Thomas empurrou Helen para trás de seu grande corpo.

     —Disse-me que não o deixasse tocá-la de novo. Recorda da dor?

     Drake cuspiu uma sibilante maldição, retrocedeu um passo e enfiou as mãos nos bolsos. Quando falou, suas palavras foram cortantes e precisas, cheias de raiva.

     —Não compare o que fazemos com pervertidos como esses. Não tem nem ideia dos sacrifícios que fazemos para manter pessoas como a senhorita Mabel a salvo. Vi centenas de pessoas que amo morrer para proteger os humanos. Centenas.

     Helen não tinha nada que dizer quanto a isso. Tinha falado com ira, mas talvez tivesse julgado muito rápido. Tinha razão a respeito de não ter nem ideia sobre como era sua vida. Como poderia? Tudo o que tinha visto nessa noite estava completamente fora de sua esfera de realidade.

     Tudo isto estava saindo se seu controle e se quisesse cuidar da senhorita Mabel, tinha que engolir o orgulho, aceitar sua ignorância, e encarar a verdade: Necessitava da cooperação de Drake.

     —Sinto haver comparado você com um pervertido, mas não posso permitir que machuque a senhorita Mabel. Não posso deixar você confundir sua mente.

     Ele inspirou profundamente e deixou sair lentamente como se expelisse sua frustração.

     —É importante, Helen. Temos que tirar suas lembranças dos Synestryn e de nós mesmos. Não pode saber nada sobre nenhum de nós. Não seria seguro para ela.

     —Por quê? Porque é muito velha para enfrentar isto?

     —Não, porque a lembrança desses demônios deixa para trás um rastro psíquico, uma espécie de farol que tem o potencial de atrair mais Synestryn para ela. Não querem que os humanos saibam que eles existem. É mais fácil mover-se e alimentar-se dos humanos se não estiverem sendo caçados por eles. Quando os humanos sabem sobre os Synestryn, estes os sentem e matam esse humano antes que possam difundir a mensagem de que os monstros são reais. Até mesmo uma pequena lembrança pode atuar como chamariz, e se um dos Synestryn encontrar a senhorita Mabel, nunca sobreviverá.

     O medo deslizou através de Helen e sentiu que suas pernas começavam a ceder. Alcançou a mesa para sustentar-se, e Thomas – homem cortês onde os houvesse – Puxou-a pelo braço e a ajudou a sentar-se.

     —Está dizendo que apenas saber que esses monstros existem pode os fazer irem atrás de você?

     —Exatamente.

     —Como porra é isso?

   Atrás dela, um dos rapazes riu.

     —Não é uma brincadeira, — advertiu Drake com uma severa reprimenda. —quanto mais esperemos para retirar suas lembranças, mais profundo teremos que escavar e mais difícil será para ela. E a pesar que ela golpearia minha cabeça de novo se me ouvisse dizer isto, é frágil. Vai necessitar de alguém que cuide dela por alguns dias. Ficará desorientada, enjoada.

     Pobre senhorita Mabel.

     —Tem certeza de que é necessário?

     —Sinto muito. — disse Drake, parecendo sincero.

     Helen desejou que não fosse tão compassivo. Pelo menos se fosse um idiota poderia entender por que se afastava e a olhava morrer sem fazer nada. Toda aquela bondade a confundia até o ponto em que queria que a tomasse em seus braços e lhe dissesse que tudo era uma brincadeira de mau gosto. Que eles tinham plantado essa visão na cabeça dela. Que não era real.

     Os bons desejos não estavam a fazendo chegar a lugar nenhum, assim os colocou de lado e se concentrou no que tinha que fazer.

     —Ficarei com a senhorita Mabel até que esteja melhor. Não ter casa me dá uma boa desculpa para ficar na sua por um tempo assim não machucarei seu orgulho.

     —Não pode ficar com ela. Tem que vir conosco.

     —Esta é a parte que não compreendo. — disse a Drake. —Pegue minhas lembranças, também, se for necessário, mas de maneira nenhuma vou a nenhum lugar com você.

     —Por favor, não me faça obrigar você, Helen.

     —Assim está admitindo que me obrigará? Em frente a todas estas testemunhas? —Apontou para os jovens que estavam atrás dela.

     —Não são testemunhas, são Gerai. São leais a nós.

     Helen se virou para olhá-los, convencida de que veria olhar de horror em seus rostos ante o que Drake estava sugerindo. Roubar lembranças, sequestros. Cada um permaneceu imóvel em seu lugar, olhando para Drake como se esperassem instruções.

     —É verdade? —Perguntou a eles. —Realmente deixariam ele me sequestrar?

     O mais velho cruzou os braços sobre o peito. Sem o sorriso suavizando seus traços, parecia frio, quase sinistro.

     —Faremos o que o Theronai disser. É nosso trabalho.

     Não estava mentindo. Fariam isso. Incluindo Drake e Thomas, eram cinco deles e ela somente uma e tinha que proteger a senhorita Mabel também. Não havia maneira em que pudesse vencer esse tipo de adversidades.

     —Eu não gosto disto. — disse Thomas. —Deveria ter escolha.

     Drake levantou uma escura sobrancelha.

     —Sentiria o mesmo se estivesse vinculada a você?

     Thomas apertou a boca e seus olhos azuis resplandeceram com ira.

     —Deveria ter escolha. — repetiu, desta vez com os dentes apertados.

     —Tem tanta escolha quanto nós tivemos. É uma Theronai. Tem que ocupar o lugar que lhe corresponde.

     —Ela nem sequer sabe de que demônios estão falando. — disse Helen. — O que é um Theronai e por que acredita que sou uma?

     Os olhos dourados de Drake cruzaram com os seus e o sustentou.

     —Sabe o que sente quando nos tocamos?

     Menino, o fazia.

     —Sim.

     —Assim é como sei o que é. Logan sentiu isso também. É como Thomas e eu. Somos Theronai. Lutamos contra os Synestryn, aqueles monstros, protegendo os humanos deles.

     —E acredita que sou uma, também? —Perguntou, sem ocultar sua incredulidade.

     —Sei que é. — disse Drake.

     —Mas acreditava que todas as mulheres Theronai tinham sido assassinadas há duzentos anos. — disse Carmen.

     —Foram. — respondeu Drake. —Não sei como Helen chegou até aqui, mas é uma das coisas que vamos averiguar.

     Helen ficou em pé, cansada de que falassem dela quando deveriam estar falando com ela.

     —Perdão, mas cheguei aqui de um modo normal. Algum cara deixou minha mamãe grávida e pronto, aqui estou. Não há um grande mistério aí.

     —Mas não deveria existir. — disse Drake.

     —Então talvez não o faça. Talvez seja apenas uma grande invenção de sua imaginação, e nesse caso, não deveria se preocupar se vou ou não com a senhorita Mabel.

     Drake deixou escapar um desesperado suspiro.

     —Isso é tudo. Parei de tentar raciocinar com você. Vou pôr isto agradável e limpo para que não haja nenhuma confusão.

     Helen não gostou de como isso soava de forma alguma. Tampouco gostou da forma que Drake rondava mais perto de onde ela estava. Deu mais um passo para perto de Thomas.

     —Não quer fazer isto, Drake. — advertiu Thomas.

     —Sim, sei. Estamos ficando sem tempo e se não encontrarmos a guarida esta noite, poderá passar semanas antes que peguemos a pista de novo. Quer realmente a espada de Kevin por aí? Presumindo que sejamos capazes de encontrar algo.

     —Sabe que não, mas esta não é a maneira de lidar com ela. Levaremo-la de volta ao Dabyr e deixaremos Joseph endireitar isto.

     —Joseph iria diretamente ao Sanguinar. Não vou deixar nenhuma dessas sanguessugas perto dela. Não depois do que Logan fez.

     Helen concordava com ele nisso. Não queria nenhuma sanguessuga, quem ou o que quer que fossem, perto dele, tampouco. Uma débil lembrança piscou em sua cabeça. Algo a respeito dela oferecendo-se para doar sangue.

     Thomas colocou um pesado braço em frente à Helen como se estivesse se preparando para empurrá-la para trás dele de novo.

     —Não tem direito de fazer isto.

     —Estou reclamando meu direito. — disse Drake, mas não estava falando com Thomas, estava olhando para ela, lançando um olhar tão faminto para ela que a fez perguntar-se o que exatamente queria dizer reclamando.

     Drake deu um ameaçador passo para frente e Thomas empurrou Helen para trás de suas costas, afastando-a.

     —Não pode. Pode haver outros Theronai compatíveis com ela que a necessitam mais.

     —Encontrei-a. Estou conservando-a.

     —De acordo. — disse Helen. —Ninguém me conserva e isso é definitivo. Esta rotina de homem das cavernas foi muito longe. Alguém vai começar a responder as perguntas ou vou embora daqui agora mesmo, inclusive se tiver que levar a senhorita Mabel nos braços.

     —Não temos tempo. — disse Drake.

     —Crie tempo.

     Thomas disse:

     —Tem direito de saber em que está se metendo.

     Drake apertou a mandíbula.

     —Ambos sabemos que poderia levar anos para saber de tudo.

    —Que tal começar com alguns conceitos básicos? —Disse Helen. —O que querem exatamente que eu faça?

     —Ajudar-nos a encontrar a espada perdida de nosso amigo morto.

     —Por quê? O que é tão importante sobre ela?

     —É perigosa. — disse Drake.

     —Perigosa em outras maneiras que a óbvia?

     —Se um humano cruzar com ela, causará todo tipo de perguntas inconvenientes sobre sua origem, perguntas que poderiam fazer pessoas inocentes morrerem. E se um Synestryn a encontra, poderia quebrar a lâmina e liberar as almas tortuosas de incontáveis criaturas malvadas, que Kevin matou em seus seis séculos e meio de batalhas. A balança já está muito inclinada a favor dos Synestryn. Perder a soma do trabalho de toda a vida de Kevin seria devastador.

     Seis séculos e meio de batalhas?

     —Faz soar como se estivesse em guerra. — disse Helen.

     —Estamos.

     —E ninguém sabe ainda? Parece difícil de acreditar.

     —Isso é porque estamos fazendo bem nosso trabalho, ocultando a guerra aos humanos o melhor que podemos.

     —Se ocultam a guerra aos humanos, então, o que acredita que uma insignificante humana como eu poderia fazer para encontrar uma espada que vocês grandes homens varonis não podem?

     A boca de Drake se torceu como se não quisesse dizer as palavras.

     —Acreditamos que é especial.

     Helen conteve um bufo de incredulidade por pura força de vontade.

     —Especial como?

     —Essa sensação que tem quando nos tocamos? Acredito que significa que tem… poderes.

     Esta vez o bufo saiu.

     —De verdade. Não acredita que eu saberia se fosse verdade?

     —Talvez. Talvez não. Se estiver equivocado, você continuará em seu alegre caminho com minha promessa de vigiar e proteger a senhorita Mabel e a todas as pessoas com quem se importa.

     Depois de ter visto o que Drake fazia com uma espada, era mais que simplesmente tentadora a oferta. Mesmo assim, tinha que perguntar.

     —E se estiver certo?

     —Prometerá ficar comigo.

     Esse lado possessivo de Drake era um pouco atemorizante e muito entristecedor. Nunca teve um homem agindo assim com ela e não tinha certeza de como dirigi-lo. Porém tinha certeza de que queria todos seus amigos a salvo. Se não estivesse lá para cuidar deles, não haveria ninguém. De qualquer forma seus dias estavam contados agora que conheceu Drake. Sua visão deveria acontecer logo. Esta era a chance de ver que todo mundo que amava seria protegido. Talvez sua única chance. Não deveria deixá-la passar.

     —Quanto? —Perguntou. —Quanto tempo tenho que ficar com você?

   Um brilho dourado de triunfo iluminou os olhos de Drake, mas o escondeu rapidamente.

     —Até que encontremos a espada de Kevin.

     —Podemos nunca encontrá-la. — sustentou Thomas. —Não pode amarrá-la a você durante tanto tempo.

     —Posso e o farei. Se não encontrarmos a espada, vamos necessitar dela mais que nunca, por isso esse é o trato. É pegar ou largar.

     Helen tinha certeza de que estava entrando em algo do qual sabia pouco, mas também sabia que se havia um homem vivo que protegeria às pessoas que amava, esse seria Drake. Tinha o visto brigar. Tinha o visto lançar o corpo em frente ao dela e receber a rajada de fogo daquele monstro. Era valente e queria tê-lo ao seu lado, cuidando de seus amigos.

     —Quero que me prometa que se encarregará de todos da minha lista, inclusive se algo acontecer comigo. Mantê-los-á a salvo durante o tempo que vivam.

     —Não vou deixar que nada aconteça a você. — disse Drake.

     Salvo que o faria. Ia a deixar queimar.

     —Essa é minha única condição. É pegar ou largar. — devolver as palavras dele a fez sentir-se bem, mas essa sensação não durou muito.

     —Feito. —Assim que disse, Helen sentiu o peso de sua promessa situado entre seus ombros. O que tinha ocorrido não era normal ou como algo que já tivesse experimentado, mas era potente. Vinculante. Inquebrável.

  

     O sorriso de satisfação na cara de Drake o tornou ainda mais atraente para Helen. Como se necessitasse de alguma ajuda nesse departamento.

     —Para selar o pacto, deverá usar minha luceria.

     —Não posso ver você fazer isso. — disse Thomas, e saiu como um furação da cozinha.

     Carmen foi atrás dele, mas nenhum pareceu se importar com a adolescente que saía à escuridão para seguir um homem adulto por quem estava excitada. Drake nem sequer deu uma olhada. Seus olhos estavam fixos em Helen.

     —Usar seu o quê?

     —Meu colar. Faremos um pacto vinculante e a luceria será o sinal desse pacto para todos os outros Theronai.

     —De modo que não tentem roubar você. — disse Slade.

     —Silêncio. — prorrompeu Drake.

     Ambos os jovens retrocederam e pareceram contritos.

     —Não acredito entendê-lo. Que use o colar é realmente importante?

     —Absolutamente.

     Helen suspirou e estendeu a mão para ele.

     —Bem, dê-me ele.    

     —Tem que vir tirá-la.

     Recordou que sentiu a escorregadia extensão da luceria quando o beijou, e não havia fecho. Além disso, a verdade era que não queria mais estar perto de Drake enquanto tivesse aqueles olhos quentes e famintos.

     —Não sei como tirá-la.

     —Tudo o que tem que fazer é tirá-la. Pense em levá-la ao redor de sua garganta e cairá em suas mãos.

     Isso não parecia bom, mas de novo, muito do que aconteceu nessa noite não era normal. Deu um tímido passo aproximando-se e se deteve. Não era uma covarde, mas algo na maneira que Drake a olhava a fazia sentir-se assediada.

     —Venha aqui, Helen.

     —Supus que não ia me tocar, recorda-se?

     —Não teremos que nos preocupar com isso uma vez leve minha luceria.

     —Não combina realmente com meu estilo.

     —Está assustada.

     —Infernos, sim, estou assustada. Meu mundo ficou de penas para o ar esta noite. Não entendo a metade do que vi e agora faço uma promessa a um homem que está me olhando como…

     —O que, Helen? Como a olho?

     —Nada.

     —Bem pode me dizer.

     —Não, obrigado.

     —De todo modo serei capaz de saber tudo o que quiser sobre você assim que estivermos vinculados.

     —Não haverá vinculação. Nenhuma. Só prometi ajudar você a encontrar a espada.

     —E para fazer isso, tem que se unir a mim. Essa é a única maneira.

     Drake lançou um ameaçador olhar aos dois jovens que estavam observando-os com extasiada atenção.

     —Deixem-nos.

     Slade e Vance se apressaram a obedecer, deixando Helen e Drake a sós na cozinha.

     —Não quero que tenha medo de mim. — disse Drake enquanto se aproximava mais dela. — Isto só tornará este processo mais fácil para você.

     —Sabe o que faria este processo mais fácil para mim? Não fazê-lo.

     Helen retrocedeu até que ficou contra o balcão. O pânico começava a percorrê-la junto com a emoção de algo mais. Algo mais misterioso e mais excitante.

     —Essa não é uma opção. —Drake deu dois passos e diminuiu a distância. Pegou o balcão em ambos os lados dela, prendendo-a entre seus braços, mas nenhuma parte dele a tocou. —Necessito de você e não deixarei que se afaste. Toque na luceria, Helen.

     Seus olhos baixaram a sua garganta e a iridescente faixa que a envolvia. Brilhantes cores se refletiam nesta, como um arco-íris sobre uma bolha de sabão. Ficou olhando-a, fascinada pelas flutuantes fitas de cor. Parte dela queria tocá-la, mas sua parte racional a advertia do perigo. Drake não havia dito tudo. Tinha certeza disso.

     —Continue, Helen. — a urgiu em um tom baixo, sedutor. —Não tenha medo. Nunca deixarei que nada faça mal a você.

     Parecia sincero. Ela tinha melhor critério, mas essa sinceridade em sua voz a estava desfazendo. Estirou apenas um dedo para a faixa e deixou a ponta do dedo tocar a superfície.

     Drake deixou escapar um gemido baixo de prazer e seus olhos se obscureceram chegando a desfocar-se.

     —Está bem. Agora, imagine que se abre, veja-se o usando.

     Helen o fez, e o sinuoso peso da faixa deslizou por seu pescoço. Pegou-a antes que pudesse cair.

     O calor do corpo dele irradiava da faixa, infiltrando-se em sua palma.

     Helen suprimiu um estremecimento de prazer.

     As cores se congelaram no lugar como se necessitassem do toque de Drake para fluir. Ele estendeu a mão esquerda, mostrando a ela o anel combinando que usava. As cores ainda estavam lá.

     —Olhe. — disse. — O que acontece em uma parte da luceria, acontece em ambas. É uma conexão entre nós, nos unindo.

     Virou sua mão, pedindo silenciosamente a ela que lhe desse o colar. Helen o deixou cair em sua mão, tomando cuidado para não tocá-lo. Encontrou os frouxos extremos e deu um olhar tão cheio de reverente esperança para ela que quase trouxe lágrimas a seus olhos.

     —Levante o cabelo para mim.

     As mãos de Helen tremiam, mas fez o que ele pediu. Seus braços a rodearam e ele se inclinou de modo que seus olhos ficassem ao nível dos dela. Estes reluziam com uma brilhante luz de esperança.

     —Enquanto o usar nunca estará perdida. Nunca estará necessitada. Nunca estará sozinha.

     Ouviu os extremos da luceria fechar-se com um mudo clique, e todo seu corpo se congelou no lugar. Podia ouvir e ver, mas não podia mover-se.

     Drake fez aparecer uma espada do ar e se ajoelhou em frente a ela. Puxou a camiseta, dando um leve corte sob seu coração e dizendo:

     —Minha vida pela tua.

     Então ficou de pé, pressionando seus dedos no sangue que saia do corte e tocou com eles a luceria.

     Ela não tinha ideia de que estava fazendo e estava bastante segura que não queria ser parte de mais sangue, seu ou dele. Tentou dizer isso a ele, mas não saiu nada. Sua boca não podia articular as palavras.

     Helen sentiu a faixa encolher-se até fixar-se junto a sua pele. Esta se tornou mais cálida e vibrante. Esse calor gotejou nela, crescendo até que pôde sentir uma cascata de calor enchendo-a. Todos os lugares sombrios e vazios em seu interior, seus temores, sua solidão e suas preocupações, todos se desvaneceram até que ali não restou nada, se não um brilhante rubor de energia cobrindo-a. Cada célula em seu corpo vibrava ao mesmo tempo em que a luceria. Esta cantarolou feliz ao redor de seu pescoço, pulsando com uma vivaz energia que podia sentir muito mais extensamente que nada que soubesse que existia. As cores encheram seus olhos, uma rodopiante massa de vermelhos e laranjas com explosões de amarelo que faiscavam enquanto isso. Estava cega pela beleza. Podia sentir-se caindo, mas isso não importava. Não estava preocupada. Não havia lugar para a preocupação em seu interior.

     Sentiu as mãos de Drake agarrando seus antebraços e mantendo-a firme. Os fios de poder se dispararam por ela onde cada um de seus longos dedos tocava sua pele. Ouviu a si mesma ofegar ante a nova sensação, sentindo a repentina respiração enchendo seus famintos pulmões. Só então percebeu que se esqueceu de respirar.

     Drake disse algo, mas as palavras soavam abafadas e longínquas. O rugido de poder em seus ouvidos soava igual a uma cascata e bloqueava todo o resto. Sentiu-o dar uma pequena sacudida nela e um pouco de seu desespero se filtrou nela através da luceria.

     Não tinha ideia de como tinha acontecido isso, mas sabia que estava sentindo o que ele sentia. Só que não podia imaginar por que estava preocupado.

     As rodopiantes cores em sua visão se esclareceram, mas não viu a cozinha antiquada em que estava.

     Em vez disso, viu um prado rodeado por altas colinas. Tudo era verde exceto o céu. Este era de um azul tão brilhante que machucava seus olhos. Um grupo de meninos brincava no prado, espadas de madeira em suas mãos golpeando contra a dos outros enquanto um homem adulto dava instruções a eles.

     Um dos meninos era Drake, pequeno. Ria enquanto lutava, a excitação brilhando em seus olhos castanhos dourado. Lançou-se com sua arma de práticas de madeira, errando seu alvo e levando um pesado golpe nas costelas pelo erro.

     Helen sentiu como se quebraram suas costelas, sentiu a lacerante dor disparar-se através de seu corpo.

     Antes que tivesse tempo para ofegar de dor, a sensação se foi. Sua visão mudou para outro momento e lugar.

     Montanhas se elevavam havia um frio vento invernal iluminado apenas pelo brilho da lua. Drake e outros três homens permaneciam em uma estreita brecha entre duas lajes de pedra. Do estreito buraco saiam dúzias de monstros.

     Eram insetos enormes, de três metros e meio de altura com brilhantes corpos negros e afiadas e enormes garras. Os homens fatiavam os monstros, mas suas espadas estremeciam na dureza dos exoesqueletos[10], deixando apenas arranhões para trás.

     Um dos homens cujo flamejante cabelo vermelho brilhava sob a luz da lua gritou algo em um idioma que Helen não conseguiu entender. Drake havia devolvido o grito em reconhecimento e se precipitou em uma frenética rajada de movimentos. Sua espada brilhou a luz da lua até que esta foi quase um borrão em movimento. Deixou escapar um áspero e primitivo rugido e conduziu um dos monstros ao homem que tinha gritado para ele. O ruivo se agachou, encontrando uma abertura e empurrou sua espada entre os segmentos invertebrados do corpo do monstro.

     Sangue negro espumou da criatura e derreteu os mortos sobre o chão. Um vitorioso sorriso curvou os lábios de Drake e saltou em cima do cadáver para enfrentar ao monstro seguinte. Seu companheiro estava atrás dele, preparado para tentar de novo o trabalho. Apontou sua espada para uma das coisas. Drake assentiu. O ruivo de repente ficou rígido e baixou os olhos para onde a ponta de uma garra negra o atravessava saindo de seu peito. Das profundas sombras da montanha chegou um dos monstros que ninguém tinha visto. Este o apunhalou com uma de suas seis pernas atravessando completamente o corpo do companheiro de Drake.

     Drake deixou escapar um enfurecido bramido e saltou ao chão para enfrentar à coisa que tinha a seu amigo. Mas era muito tarde. O ruivo caiu, seu corpo deslizando-se na morte.

     A fúria se fechou de repente em Helen enquanto compartilhava as emoções de Drake. Esse homem tinha sido seu amigo durante anos. Tinham empreendido incontáveis batalhas juntos e agora tinha partido. O primeiro dos amigos de Drake a morrer.

     Mas não o último.

     O pesar que sentiu vindo dele estava conectado a outros incontáveis momentos da vida de Drake. Incontáveis fisionomias. A cada pulsar de seu coração um novo rosto aparecia de sua memória. Viu um rosto após o outro – todos aos que Drake amou, perdidos pelas mãos dos Synestryn. A pulsante visão parecia que ia continuar para sempre. Homens, mulheres, crianças. Ninguém estava a salvo. Alguns morreram em batalha, mas a maioria foi assassinada simplesmente enquanto dormia. Não fizeram nada para merecer suas mortes. Existiam e para os Synestryn isto era razão suficiente para destruí-los.

     Um soluço rasgou o peito de Helen, forçando a respiração a seus pulmões. Tanta morte. Tanto sofrimento. Não tinha ideia de como ele podia continuar vivendo sob o peso daquilo e estava frenética para descobrir a maneira de voltar para ele, ao aqui e agora de modo que pudesse abraçá-lo. Consolá-lo.

     Ninguém deveria ter sofrido esse tipo de dor sozinho.

     Helen lutou contra a opressão que a visão tinha sobre ela. Apertou com força os olhos, mas nada podia bloquear o desfile das mortes cintilando em sua mente. Queria que parasse, rogando por qualquer poder que controlasse aquela visão que tivesse piedade.

     Finalmente, as imagens começaram a tornarem-se mais lentas até que a última apareceu e se manteve rapidamente em sua mente. Kevin. O homem cuja espada Drake procurava. Era bonito de uma maneira quase juvenil, com os cabelos loiros desordenados e profundos olhos verdes. Parecia rondar os vinte, mas sentia que era muito mais velho que isso. Igual a Drake.

     Nunca o conheceu, mas podia sentir a profunda e acre dor da perda que Drake sentia por sua morte, o sentimento de culpa de Drake por não ter sido capaz de salvá-lo, que não tivesse tomado o lugar de Kevin.

     Só de pensar que Drake desejava ter sido ele que tivesse morrido foi suficiente para dar a Helen à força para encontrar a maneira de voltar para ele. Estendeu-se para o poder que a enchia e o seguiu de volta à fonte. Drake.

     Levou um tempo para limpar sua mente do que tinha visto, para obrigar-se a concentrar-se no azulejo verde gritão e o antiquado papel pintado da cozinha do rancho. Respirava com dificuldade. Tremendo.

     —Como pode suportar? —Perguntou. Sua voz estava rouca, fazendo-a se perguntar se estivera gritando.

     —Suportar o que, doçura? O que viu? —O rosto de Drake se contraiu com a preocupação e passou sua longa mão sobre seus cabelos como se tentasse se convencer de que estava bem.

     Helen engoliu o nó em sua garganta.

     —Perdeu tantas pessoas.

     Sua mandíbula se retesou e ela sentiu seus dedos apertarem-se ao redor de seus cabelos.

     —Mas não vou perder você.

     Helen piscou, tentando fazer que seu cérebro nublado entendesse o que ele estava dizendo a ela. Não fazia nenhum sentido. Já tinha prometido ir com ele e o ajudar a encontrar a espada.

     —O quê?

     —A luceria nos dá vislumbres a cada um do outro para que possamos começar a aprender a trabalhar juntos. Isto nos ajuda a nos entendermos e agora entendo algo sobre você.

     Helen não tinha ideia de que parte de sua vida a luceria tinha escolhido para mostrar a ele, mas qualquer que fosse, o havia fodido. Podia ver a contrariedade ao redor de sua boca e na maneira rígida com que mantinha seu corpo. Embora seu toque fosse gentil, estava sentindo qualquer coisa exceto isso.

     —O que entendeu?

     —Acredita que vou ver você morrer.

  

     Thomas olhou fixamente para o céu noturno, lutando contra o ciúme que o embargava e lhe deixava um sabor amargo no fundo da garganta. Nunca antes foi um homem ciumento. Não queria ser agora. Queria estar feliz por Drake. Ele encontrou uma mulher que podia salvar sua vida. Acabar com seu sofrimento. Isso era algo digno de celebração.

     Mas em vez de sentir regozijo, Thomas sentia-se ferido por Drake. Queria jogar seu amigo no chão e tomar Helen para ele. Nem sequer importava que ela não pudesse ajudá-lo. Parte dele queria fazê-la tentar, queria obrigá-la a ser algo que não era. Sua salvação. O peito de Thomas doía com o peso do ciúme e o esfregou com sua ampla mão em um esforço para aliviar a dor. Isto não lhe fazia nenhum bem, é obvio. Agora nada podia ajudá-lo. Inclusive se houvesse outras mulheres ali fora iguais a Helen, Thomas não tinha tempo suficiente para encontrar uma. Seu tempo tinha acabado há cinco minutos, quando sentiu que a última folha caía de sua marca de vida e sua alma começou a morrer.

     Podia senti-la tremendo, deixando um triste e vazio adormecimento para trás. Tudo o que restava agora era olhar para frente para não perder a si mesmo no pântano cinza da desalmada amoralidade.

     Ouviu o leve rangido da grama atrás dele e se virou para ver Carmen caminhando diretamente para ele com passos resolvidos.

     Tirou o boné de beisebol e seus cabelos claros reluziram sob a luz da lua.

     Conservava bastante de si mesmo para preocupar-se por tê-la visto facilmente, mesmo na escuridão. Sua mão foi até a sua espada, assegurando-se de estar preparado para o caso de algum Synestryn os encontrar ali fora sozinhos. Certificar-se-ia de que estivesse protegida.

     Esse pensamento lhe facilitou um pouco as coisas. Ao menos não estava completamente demente. Ainda.

     —O que está fazendo aqui? —Perguntou a ela. —Não é seguro.

     —Estava preocupada com você. — respondeu.

     Deus, era jovem, mal uma mulher, mas com todas as encantadoras armadilhas. Tinha o brilho da juventude, uma espécie de frescor que o ajudava a recordar por que lutou toda sua vida para manter as vidas de outros a salvo. Toda sua vida se estendia ante ela, cheia de escolhas e promessas.

     Desejava poder dizer o mesmo de si mesmo.

   —Estou bem. Só quero ficar sozinho. — disse.

     Ela se sentou ao seu lado, compartilhando o espaço sobre a árvore caída que encontrou sob os velhos carvalhos atrás da casa.

     —Não acredito que seja bom para você ficar sozinho nesse momento.

     Thomas deu para ela um olhar interrogante de soslaio.

     —Ah, sim? E o que você sabe sobre disso? É só uma menina.

     —Já disse a você, tenho dezoito. Não sou só uma menina. Além disso, é tão velho que inclusive a Senhorita Mabel é uma menina para você. Aceite isso.

     Que o aceitasse?

     —Essa é a maneira que fala com um Theronai? Supõe-se que deve mostrar respeito. Obediência.

     Deu de ombros e isto atraiu sua atenção para a delgada linha de seus braços. Era magra em todos os lugares, mas em uma proporção que deixou Thomas olhando-a durante muito tempo.

     —Dê-me uma ordem que não seja estúpida e a seguirei.

     —Aqui há uma. Volte para dentro.

     Ela bufou.

     —Tente outra vez, He-Man.

     He-Man? Isso não era um desenho animado?

     Thomas estava começando a sentir-se um pouco mais que ofendido por sua atitude casual quando ela ficou de pé e ficou atrás dele.

     —O que está fazendo? —Perguntou franzindo o cenho para ela.

     —Está muito tenso. Vou massagear suas costas.

     Perigo. Sentiu o perigo, mas não tinha certeza do por quê. Era apenas uma pequena menina. Uma humana de sangue puro, mas ainda humana. Seus dedos pousaram sobre seus ombros e apertou profundamente seus músculos cansados. Era tão bom. Não podia recordar a última vez que se sentiu tão bem. Esteve brigando durante muitos dias sem uma pausa. Sobretudo, desde que Kevin morreu. Não podia descansar enquanto a espada de seu amigo estivesse perdida e, até agora, não tinha se dado conta do peso que isso representava ao seu corpo. Estava dolorido dos pés a cabeça, dentro e fora. Estava usando a dor – constante e intensa dor – mas Carmen estava o fazendo sentir-se melhor.

     Deixou escapar um gemido de satisfação.

     —Alegro-me de que você goste. — disse ela enquanto se inclinava aproximando-se.

     Podia sentir o volume de seus seios contra suas costas e a sensação de perigo aumentou.

     Ela acariciou com suas mãos a parte de atrás de seu pescoço em uma lenta e gentil carícia, e ele se deu conta de que o alarme era por isso. Queria sua atenção. Não da maneira que uma estudante quer a aprovação de um professor, o que podia dirigir e ficaria encantado de proporcionar, e sim da maneira que uma mulher quer a atenção de um homem.

     Thomas se moveu levantando-se e retrocedendo para longe dela surpreso, quase tropeçando.

     Ela sorria e não era o sorriso de uma menina. OH, não. Esse sorriso era completamente de desejo feminino e fome adulta.

     —O que aconteceu? —Perguntou. —Não me deseja?

     Thomas ficou com a boca aberta, então a fechou de novo. O que se dizia a algo como aquilo? Nunca sequer considerou a ideia. Desejá-la? Era apenas uma menina. Um nobre e honorável homem como ele não desejava meninas.

     Ela se adiantou, emparelhando seu horrorizado retraimento passo a passo. Seus quadris se sacudiam e seus seios saltavam e o obrigou a pensar nisso mais do que gostaria. Deixar que ela o fizesse sentir-se bem durante um longo tempo. Deixá-la tocar mais que em suas costas. Deixá-la recebê-lo em seu doce corpo e perder-se nas sensações da carne.

     E que importância tinha se fizesse sexo com ela? Obviamente ela queria e era tecnicamente uma adulta segundo os padrões dos dias atuais. Merecia um pouco de diversão antes de morrer. Melhor possuir uma mulher agora que quando sua antiga forma desse passagem a seus instintos mais básicos. Agora ainda podia ser gentil.

     Não é verdade?

     O pensamento fez seu estômago retorcesse-se com repugnância. E se não pudesse? E se ele se entregasse a sua luxúria e esta assumisse o controle? Não tinha ideia de que lhe aconteceria agora que todas as suas folhas tinham caído. Era tão forte que poderia machucá-la facilmente.

     —Não. — disse, usando cada pingo de convicção que pôde reunir.

     A perseguição de Carmen se deteve bruscamente e levantou o os olhos para ele com a dor do rechaço brilhando neles.

     —Não me deseja.

     —Não é isso.

     —Deve ser. Ouvi-o falar das mulheres humanas. Não pode me transmitir nenhuma enfermidade e não pode me deixar grávida, assim a única coisa que o deteria seria o fato de não me desejar. A menos que tenha alguma mulher humana em algum lugar e o preocupe enganá-la.

     —Não tenho. É muito jovem.

     —Sou bastante velha para saber quando quero ter sexo. E quero. Com você.

     Colocou uma mão magra sobre seu peito e deixou que deslizasse lentamente para baixo.

     O estômago de Thomas se contraiu e ele mordeu um gemido de necessidade.

     —Não é tão simples.

     —É, se quiser que seja.

     Sentiu que seu controle se escapulia. Estava oferecendo a ele uma oportunidade de escapar de sua vida, só por um pequeno instante e ele queria tomá-lo. Depois de séculos de serviço merecia um pouco de felicidade, mesmo que esta fosse efêmera.

     Thomas apertou seus ombros com as mãos, inseguro se para afastá-la ou aproximá-la.

     Via-se pequena de pé em frente a ele. Sentia-se pequena sob seus dedos. Sempre gostou disso nas mulheres, como podiam ser tão delicadas e tão fortes ao mesmo tempo. Essa era uma maravilha que nunca deixou de assombrá-lo.

     —Sei que está ferido. — disse ela em um tom suave, baixo. — Deixe-me fazer você sentir-se bem.

     Encontrou a força para perguntar.

     —Por quê?

     —Porque posso. Porque quero fazê-lo.

     Sua resolução se esmiuçava a cada segundos. Ela estava dizendo todas as coisas corretas para enganar facilmente sua consciência. Não a forçaria. Infernos, nem sequer estava tentando seduzi-la. Ela estava fazendo tudo por sua própria vontade.

     Carmen colocou as mãos ao redor de seu pescoço e apertou seu corpo contra o dele. Podia sentir os batimentos de seu coração contra suas costelas, ver o rubor de excitação arrastando-se para cima por sua face.

     —Sei exatamente como fazer você sentir-se bem.

     Algo nisso o incomodou. Fechou os olhos, bloqueando sua sedutora visão de modo que pudesse concentrar-se no que estava errado.

     —Como sabe? É muito jovem.

     Ela riu.

     —Não sabe nada sobre a juventude de hoje em dia, não? Pensa que sou virgem ou algo assim?

   Certamente, esse pensamento cruzou sua mente, mas o guardou para si mesmo.

     —OH, cara, isso não tem preço. Comecei a dormir com os rapazes quando tinha treze.

     —Treze? —Pareceu indignado, mas não pôde evitar. Era apenas um bebê então. —Que diabos estava fazendo tendo sexo aos treze?

     O corpo de Carmen ficou rígido, deixou as mãos caírem e deu um passo para trás.

     —Parece meu tio. Jezz!

     Não seu pai, seu tio.

     —Onde estava seu pai quando sua garotinha estava fazendo sexo?

     —Está brincando, não é verdade? Ofereço-me para deitar contigo e você quer falar de meu pai? Foda-se. — revirou os olhos e começou a afastar-se.

     Thomas a deteve. Envolveu uma mão ao redor de seu braço e ela não teve escolha exceto deter-se.

     —Diga-me. — ordenou isso, usando sua voz oficial de Theronai, a que geralmente fazia os Gerai saltarem para cumprir suas demandas.

     Viu que ela considerava suas opções, tentar afastar-se ou responder.

     —Bem, quer saber? Direi isso a você. Meu querido e velho pai começou a me violar quando tinha oito anos. Quando estava com dez, mamãe descobriu e tentou detê-lo. Ele a matou por seus esforços e foi para a prisão. O que veio a ser uma justiça poética já que acabou ele mesmo morrendo depois de ser violado pela quadrilha. Não é uma linda história? Todos os anos a ponho no cartão de natal.

     Thomas estava atônito, mudo. O que devia dizer a algo assim? Sua vida, sua curta vida, tinha sido destruída pelo homem que supostamente a protegeria, e aqui estava ele aborrecido pelo fato de que depois de viver quase quatrocentos anos, estava morrendo. Deus, que asno egoísta era.

     —Venha aqui. — sussurrou, e puxou Carmen para seus braços.

     Sustentou-a apertado, negando-se a deixá-la ir quando ela lutou contra ele. Lentamente, parou de lutar e deixou que ele a sustentasse. Ele só podia imaginar o quanto ela se sentia só no mundo. Tinha sido violada, aterrorizada e ficado órfã. Aparentemente, seu tio a recolheu, mas nunca poderia substituir a um pai. E nada compensaria a traição que sofreu em suas mãos.

     Thomas desejava que seu pai não tivesse morrido, porque se encantaria de matar o homem ele mesmo. Lentamente.

     Ela balbuciou algo, o som foi amortecido por seu peito.

     —Não vou me deitar com você, assim esqueça.

     Afastou-se o suficiente para poder levantar seu queixo e fazê-la olhá-lo.

     —Tem mais a oferecer ao mundo que apenas sexo. É uma Gerai. É importante.

     Ela bufou.

     —Isso é o que meu tio diz, mas é estúpido. Não tenho poder algum que não seja o de captar quando um Synestryn está perto, e muitos de nós podem fazer isso. Ambos, Slade e Vance encontraram seus dons, mas eu não tenho nenhum.

     —Isso não é verdade. É só que ainda não o descobriu. Dê-se tempo.

     Um cauteloso olhar se demorou em seus traços e pôde ver como seu lábio inferior tremia antes que o controlasse.

     —Já não tenho mais tempo. Meu tio diz que tenho que me mudar no final do verão.

     —Deveria ir à universidade. Os Sentinelas pagarão sua matrícula.

     —Nunca fui boa o bastante no colégio para ir à universidade.

     —Tem trabalho?

     Sacudiu a cabeça.

     —Não há trabalho suficiente na área. Minha amiga se mudou para cidade do Kansas e conseguiu um trabalho de bailarina. Diz que poderia ir trabalhar com ela.

     Dançando?

     —Quer dizer strip-tease. — o pensamento dela degradando-se daquela maneira o adoeceu.

     —Não é tão ruim quanto parece. As gorjetas são boas e ninguém toca às bailarinas.

     Uma merda que ia tirar a roupa por dinheiro.

     Thomas a pegou pela mão e a arrastou de volta à caminhonete de Logan. Levou vários minutos procurando, mas finalmente encontrou um pequeno bloco de notas de papel embaixo de um dos assentos. Escreveu um bilhete nele e assinou seu nome, então tirou sua espada.

     Carmen deu um enorme passo para atrás, mas não podia culpá-la. O letal brilho de sua espada era uma visível ameaça, exatamente como gostava. Fez um pequeno corte na ponta do dedo e pressionou o ponto sangrento sobre a assinatura. Qualquer Sanguinar seria capaz de autenticar a marca como dele.

     Dobrou o papel e o estendeu.

     —Quero que me prometa duas coisas.

     —Por que deveria fazer isso?

     —Porque se o fizer, vou me assegurar de que tenha um lugar seguro para viver durante o resto de sua vida e algo significativo para fazer com ela. Entendeu?

     Carmen assentiu, mas parecia cética. Não que pudesse culpá-la. Sua vida não foi exatamente um caminho de ventura e bondade.

     —Um, não leia o bilhete até depois que o dê a um homem chamado Joseph Rayd.

     Seus olhos se arregalaram.

     —Mas ele é o líder dos Sentinelas. Nunca serei capaz de conhecê-lo.

     Sua declaração só demonstrava ao Thomas o pouco que valorizava a si mesma.

   —Verá você. Basta dá o bilhete a ele.

     —Bem. Posso fazer isso. De toda forma, sempre me perguntei como ele era. Que mais?

     A primeira foi fácil, mas a última não ia ser. Respirou fundo, esperando para lançar a seguinte.

     —Prometa-me que não fará sexo de novo até que se apaixone.

     Ela deixou escapar uma áspera gargalhada.

     —Convenceu-me por um minuto. Sinto muito, mas isso nunca acontecerá.

     Thomas não deixou isso passar. Estava empenhado a encontrar uma maneira de protegê-la, de lhe dar uma oportunidade para curar.

     —É sua escolha. Faça que aconteça. Prometa.

     —Está me pedindo algo estúpido. Não o farei.

     —Então já está perdida e não há nada que possa fazer para ajudar você. Valoriza-se tão pouco que quer jogar um dos presentes mais preciosos que tem para dar.

     —Sou boa, mas não tão boa.

     Ele capturou o queixo dela e o sustentou em sua mão de modo que ela teve que olhar para ele – tinha que ver que dizia a verdade.

     —Sim. É. É ainda muito jovem para conhecer seu próprio valor e muito ferida para sequer ver que não pode. Prometa-me isso Carmen.

     Ela ficou em silêncio durante tanto tempo que Thomas pensou que a tinha perdido. Mas então viu o brilho das lágrimas em seus olhos e soube que a tinha alcançado, embora fosse um pouco, mas isso teria que ser suficiente. Não tinha certeza de que isso a ajudaria, mas tinha que tentar.

     —Prometo. — disse ela.

     Thomas sentiu o poder de seu voto os rodeando igual a uma vibrante manta e ela ofegou, sentindo isso também.

     Olhou ao redor como se esperasse ver algo saltar para fora dela.

     —O que foi isso?

     —Vinculou nossas palavras. Este é um dos poderes que os Sentinelas possuem. Quando nos fazem uma promessa, esta se estabelece.

     —Fiz isto quando me transformei em uma Gerai, mas não foi tão… intenso.

     —Esta é uma grande promessa.

     —Assim nada de sexo até que me apaixone, hum? —Soava quase aliviada.

     —Assim é.

     Engoliu nervosamente, parecendo incerta e dolorosamente jovem.

     —Acredita que você e eu poderíamos, já sabe, nos apaixonar?

     Uma voz tão baixa para uma pergunta tão grande. Isto fazia que seu coração se rompesse ao ouvir tanto anseio em suas palavras.

     Thomas não deixou que nenhuma das esmagadoras aflições que sentia transparecesse em sua voz ou expressão. Não daria a ela nem sequer a mínima indireta de que estava se transformando lentamente em um monstro ou que já estava planejando sua morte para impedir que acontecesse aquela eventualidade. Em vez disso, acariciou sua face com os nódulos dos dedos e lhe disse o resto da verdade.

     —Apaixonar-me por você e ter seu amor em troca, faria-me o homem mais feliz da terra. E qualquer um a quem escolha entregar seu coração se sentirá da mesma maneira.

    

   Lexi saiu da estrada em direção a Wichita depois das duas da manhã. Precisava de gasolina, cafeína e de um salão de tatuagens. Nessa ordem.

     Levou cinco minutos para encontrar os dois primeiros, mas o último ia ser um desafio maior.

     Passou muitas horas ziguezagueando através do estado, esperando despistar qualquer um que a seguisse. Por culpa disso, ainda tinha um longo caminho até a fronteira de Oklahoma onde um montão de salões de tatuagens cresceu sem necessidade.

     Oklahoma foi o último Estado da nação a legalizar o tatuar, e por causa disso, durante anos, os adolescentes bêbados dirigiam atravessando a fronteira, entrando no Kansas, Texas ou Arkansas para tatuar-se. A lei de oferta e procura ditava que ali sempre haveria alguém esperando para pegar seu dinheiro, e conhecia muitos daqueles “alguém” por sua reputação de chutadora de traseiros solitária. Conhecia só três artistas na fronteira que eram bons o bastante para cobrir a marca que Zach deixou sobre seu braço. A única coisa que podia usar para rastreá-la.

     Mas Lexi não ia chegar tão longe. Não queria esperar outra hora para cobrir a maldita coisa, e inclusive se o fizesse, não tinha certeza de que os salões estivessem abertos quando chegasse lá. Ia procurar um artista local e esperava que fosse bom o bastante para mascarar a marca de Zach. A marca que desenhou com o aguilhão não ia fazer mais que atrasá-lo, se o fizesse.

     Lexi ligou o celular e verificou as chamadas de Helen. Tinha deixado três mensagens para ela desde que deixou a cidade e inclusive ligou para a polícia para informar um possível sequestro. Lexi desejava poder fazer mais, mas inclusive se descobrisse para onde as Sentinelas tinham levado Helen e a senhorita Mabel, não seria capaz de fazer nada a respeito. Não tinha nada que fazer contra aquele tipo de poder. O diário de sua mãe era detalhado com as coisas que as Sentinelas podiam fazer.

     Estava discando o número do artista que mascarou a marca de nascimento sobre suas costas para ver se ele conhecia alguém da região com talento a quem pudesse ligar quando viu “Chamada desconhecida”.

     Durante um segundo, Lexi se debateu em deixar na caixa de voz, mas, e se fosse Helen? E se estivesse pedindo ajuda?

     Lexi inspirou profundamente e pressionou o botão de receber a ligação.

     —Alô?

     Uma profunda e bela voz encheu a linha.

     —Olá, carinho.

     Zach. OH, Deus. Estava fodida.

     A mão de Lexi começou a tremer segurando o telefone e teve que engolir duas vezes antes de poder falar. Não havia como ele ter sido capaz de rastrear seu número pré-pago.

     —Como conseguiu este número?

     —Roubei-o do telefone celular de Helen. Mas isso não é realmente o que quer saber, não é verdade? —Sua voz era profunda e preguiçosa, e fazia que um calafrio percorresse sua pele. — O que quer saber realmente é, onde estou?

     Estava zombando dela. Podia ouvir o sorriso zombador em sua voz. Podia vê-lo em sua cabeça – aquele sorriso que deu quando o apunhalou. Aquele que queria dizer que fosse o que fosse que fizesse a ele, nunca deixaria de persegui-la.

     Tentou soar aborrecida, despreocupada.

   —Não me preocupa onde esteja.

     —Sim, o faz. Quer saber se já a encontrei.

     —Se o tivesse feito, não estaria me falando por telefone.

     —Bastante certo. Alegro-me de não ter que explicar as coisas a você.

     —Não tente me seguir. — disse a ele.

     Ele riu, um som belo, pecaminoso, que vibrou ao longo de seus nervos e a fez retorcer-se em seu assento.

     Isto não podia estar acontecendo. Não deixaria que ele conseguisse o que queria. Sua mãe a advertiu que isso era o que faziam — enfeitiçavam a passagem deles em sua vida, jogando-a abaixo, deixando-a em ruínas, deixando você para limpar os restos de sua vida, presumindo que pelo menos lhe deixassem com vida.

     —Não tento apenas, carinho. Tenho êxito. Imagino que está bastante cansada agora. Toda aquela adrenalina teve tempo para desvanecer-se e está começando a desfalecer. Logo terá que dormir. Eu não. Posso passar dias sem descansar. Será muito mais fácil para ambos se me disser onde está.

     Durante um batimento de coração, realmente considerou facilitar as coisa para ele. Estava cansada de fugir. Tudo o que queria era parar. Descansar. Não tinha vivido no mesmo lugar durante mais de seis meses desde que tinha dezessete. Não, desde a noite em que os Sentinelas foram atrás de mãe.

     Lexi apoiou a cabeça contra o volante. Tinha razão. Estava cansada, mas não o suficiente para deixar que fizessem com ela o que eles fizeram com sua mãe. Nem sequer de perto.

     —Omaha. — mentiu.

     Zach riu entre dentes.

     —Vamos, carinho. Não precisa ter medo de mim.

     —Disse a aranha à mosca.

     —Tanto quanto eu gostaria de envolvê-la em seda e devorá-la por completo, isso não é o que tenho em mente. — fez uma pausa e ouviu que respirava profundamente. — Preciso de você.

     Essas três palavras foram terrivelmente sérias, sem um pingo de brincadeira.

     Ele havia dito isso antes quando estava lutando com ele no restaurante, quando a esqueceu sobre o balcão, antes que o apunhalasse. Tinha olhado para ela com aqueles olhos verde claro que brilhavam luminosos em contraste com sua pele morena. Olhos de leopardo.

     Ele ficou olhando-a e lhe disse exatamente isso. Preciso de você. Estava tão sério e suplicante que quase se entregou então.

     Era como sua mãe havia dito. Os Sentinelas eram mestres da sedução. Zach sabia exatamente o que dizer.

     Lexi nunca foi necessitada antes. Por ninguém. Talvez não fosse tão ruim depois de tudo deixar que a encontrasse.

     —É muito grande e forte para precisar de alguém. Só está tentando me enganar.

     —Alegro-me que me ache um homem grande e forte, mas está equivocada. Não tem ideia do quanto. Apenas encontre-se comigo. Deixe-me mostrar a você o quanto preciso de você.

     OH, não. Não havia forma de que o deixasse aproximar-se tanto.

     —Boa tentativa, mas pus um montão de quilômetros entre nós dois, assim aqui estamos.

     —Não fuja, Lexi. Nunca faria mal a você.

     Ali estava de novo, dizendo exatamente o correto com a quantidade exata de sinceridade que a fazia questionar sua decisão. Odiava que pudesse fazer isso com ela tão facilmente. Era mais forte que isso. Não deixava que os homens influíssem em sua confiança.

     —Mentira. Todas elas.

     —Nenhuma palavra era mentira. Encontre-se comigo e provarei isso a você. Por favor.

     O peito de Lexi se oprimiu. Não podia ficar durante mais tempo. Tinha que desligar o telefone antes que a levasse ao limite e a convencesse a simplesmente render-se. Não podia fazer isso. Tinha prometido a sua mãe que não o faria.

     —Sinto muito. Não volte a ligar. Não atenderei.

     Lexi finalizou a chamada e jogou o telefone pela janela do carro de modo que não pudesse ser tentada a converter-se em uma mentirosa e atender quando voltasse a ligar para ela. Porque sabia que ele voltaria a ligar. Não ia deixar de procurá-la até que a encontrasse.

     Seus dias de morar em um só lugar durante seis meses se acabaram. Ia ter que viver correndo se quisesse permanecer livre.

     Pela primeira vez em sua vida, perguntou-se se sua liberdade valia a pena.

  

   Drake não podia afastar os olhos de Helen. Ficou olhando a luceria ao redor de sua garganta e quis gritar de alegria. Era dele. Salvou-o. Já podia sentir algo acontecendo ao longo dos ramos de sua marca de vida. Uma sensação faiscante cravando-se sobre sua pele, igual a milhões de bolhas que estouravam.

     Tirou a camiseta, precisando ver a prova de que a união tinha funcionado. Ante seus olhos, novos brotos se formavam sobre os ramos, então se abriam em folhas recém-nascidas. A clara cor verde do novo crescimento era bonita, e o brilho perfeito de cada diminuta folha era testemunho do milagre que Helen lhe deu.

     —Uau. —Ofegou, passando um dedo delicadamente sobre as complicadas linhas da árvore. O corpo de Drake se contraiu de desejo.

     —O que é isso?

     —Chama-se marca de vida. É algo como um calibrador visual da saúde de minha alma. Nasci com isso, quando era apenas uma semente. Quando cresci, também o fez a árvore, até que cheguei aos oitenta e o poder em meu interior se tornou muito forte. A árvore começou a morrer e as folhas a caírem e estiveram caindo desde então. Até agora.

     —Que poder?

     —Sou igual a um ímã, atraio as moléculas de energia perdidas ao meu redor. Minúsculas faíscas no ar, calor da terra, luz do sol. Tudo isso flui para mim, acumulando-se ao longo dos anos. Não posso deter isso, e eventualmente, sem um modo de escapamento, esse poder me mataria. —Podia ver a confusão nos olhos de Helen e queria explicar tudo a ela, mas primeiro, tinha que pôr em ordem sua mente. Tinha visto sua visão quando estavam vinculados. Isso foi a única coisa dela que a luceria escolheu mostrar para ele.

     Estava escuro onde se encontravam. Tão escuro que não podia ver nada além da esfera de luz que emitia o fogo. Ela estava vestida toda de preto exceto pelos salpicos vermelho ardente ao redor de seu pescoço, a luceria. Os cabelos estavam recolhidos em duas tranças, como os tinha na noite anterior. Os braços estendidos, quase como se estivesse amarrada, mas ele não podia ver correntes ou cordas segurando-as. As chamas a engoliam, alcançando-a dos pés até elevar-se a três metros no ar. O rosto era uma máscara de dor e gritava, um desesperado e ensurdecedor grito que fez cada pelo sobre seu corpo se arrepiar em protesto. Contudo na visão, ele permanecia ali de pé. Sem fazer nada. Observando como as chamas enegreciam as roupas e empolavam a pele. Observava-a enquanto ela o olhava fixamente com terror e agonia arregalando os olhos cor avelã.

     Drake não queria acreditar na visão de Helen. Se não tivesse visto ele mesmo, não teria acreditado. Simplesmente não era capaz de ver uma mulher morrer sem fazer algo para deter isso. Era?

     Ao menos agora sabia por que estava tão assustada desde o momento em que o viu. Odiava isso, mas ao menos agora fazia sentido. Segurou seu rosto entre as mãos, deleitando-se na sensação da pele suave contra suas mãos calosas.

     —Sua visão não vai acontecer, Helen. Nunca ficarei parado e olharei você morrer. Nunca.

     —Quero acreditar em você.

     —Então faça isso. Conheço pessoas, pessoas poderosas, que podem nos ajudar a arrumar isto. Levarei você até eles esta noite.

     Thomas empurrou a porta da cozinha a tempo de ouvir o último comentário.

     —Não, não o fará. Vamos atrás da espada de Kevin. Agora mesmo.

     Carmen irrompeu na cozinha e se dirigiu diretamente para o banheiro. Os olhos estavam vermelhos como se tivesse chorado.

     Drake franziu o cenho ante Thomas, lutando com a urgência de perguntar o que tinha acontecido. Não era de sua incumbência, mas o que quer que fosse, tinha transtornado Thomas. Parecia diferente. Mais duro.

     Os olhos de Thomas caíram sobre a luceria ao redor da garganta de Helen e apertou a mandíbula. Ele desembainhou a espada, ajoelhando-se, e abriu uma fina linha sobre o coração sem se preocupar em tirar a camiseta. Pronunciou o costumeiro “Minha vida é tua”, antes de levantar-se. O sangue gotejava descendo por seu peito, empapando a fina camiseta de algodão que vestia, mas Thomas não lhe prestou a mínima atenção.

     —Desejava que não fizesse isso. — disse Helen.

     —Sinto muito. —Disse Drake. —É nosso costume.

     —É um costume violento.

     —Somos pessoas violentas. — disse Thomas enquanto limpava o sangue de sua espada com uma toalha de papel.

     —Não é sangue o que atrai aos monstros?

     —Sim. — grunhiu Thomas. — É.

     —Então por que fizeram isso? Parece algo estúpido sangrar quando se sabe que isso fará que os monstros venham.

     Drake pegou sua mão.

     —Isto é prova de nossa dedicação. De nossa coragem. Não só estamos dispostos a sangrar por você, também estamos preparados e somos capazes de lutar qualquer que seja o perigo que possa vir sem temor. É o símbolo de nossa dedicação a você e nossa vontade de arriscar nossas vidas em seu nome.

     —Suponho que Hallmark não fez um cartão de felicitação para isso, hum?

 

     Thomas franziu o cenho.

     —Será melhor nos movermos.

     —Aonde vamos? —Perguntou Helen.

     —Levarei você para vê Sibyl.

     —O inferno que o fará. —Disse Thomas. — Vai vir procurar a espada de Kevin com a gente.

     A ideia de arrastar Helen para a batalha fez com que as mãos de Drake tremessem. Sabia que era uma estupidez, que agora era mais capaz de proteger-se em uma batalha do que ele, mas isso não queria dizer que ela soubesse.

     —Não está preparada. Nem sequer sabe como utilizar meu poder ainda.

     —Não temos tempo para esperar. O rastro se dissipará ao amanhecer.

     —Que rastro? —Perguntou Helen. Os dedos estavam firmemente agarrados ao redor de seu braço e inclusive sem a ajuda da luceria vinculando-os, foi capaz de sentir seu medo. Passou por muita coisa aquela noite e isso começava a lhe passar a fatura.

     Thomas se aproximou mais e ele pôde ver a diferença em Thomas mais claramente agora. Não restava mais calor nos brilhantes olhos azuis. Nem humor. Tudo o que ficou foi o frio, e a mortal intenção.

     —Thomas? Está bem, homem?

     Thomas deu as costas para ele, dirigindo-se ao corredor sem o olhar de volta.

     —Irei procurar a espada de Kevin em dez minutos. Com ou sem você.

     Isso não era bom. Sem Zach por perto, iria sozinho, e mesmo Thomas sendo tão resistente, não era rival para todo um ninho de demônios.

     —Muitas coisas. —Uma das quais era que ele estava morrendo. Não tinha tirado a camiseta quando ofereceu a Helen seu juramento. Isso era um mau sinal. Um dos primeiros sinais de que o fim de um Theronai estava aproximando-se. Drake se perguntava quantas folhas restavam.

     Não muitas se não queria que Drake as visse.

     —O que podemos fazer?

     Drake engoliu com força para aliviar a tensão na garganta. Ele e Thomas foram amigos durante décadas. De fato, eram mais irmãos que amigos. Todos os Theronai morriam lentamente, mas se a marca de vida de Thomas estivesse quase nua, então o processo se aceleraria. E não havia forma de saber quanto. Cada homem era diferente. Drake só podia esperar que Thomas fosse um dos afortunados e tivesse ao menos alguns anos a mais.

     —Nada. Não há nada que qualquer um de nós possa fazer por ele agora.

     Helen ofegou e pressionou a mão contra o peito.

     —OH, Deus. Está morrendo. Posso sentir sua aflição por ele.

     Drake amaldiçoou. Esqueceu que o vínculo que compartilhavam permitia que as emoções se filtrassem. Ia ter que ter mais cuidado com ela e assegurar-se que mantinha as emoções sob um estrito controle.

     Respirou profundamente e se concentrou em esclarecer a mente.

     —Sinto muito. Está melhor?

     Ela assentiu, mas ainda podia ver o pesar rondando seu rosto.

     —Tenho um montão de coisas para ensinar a você e pouco tempo para fazê-lo. Está preparada para isso?

     —Tenho escolha?

     —Se quiser, levarei você para minha casa. Ali teremos todo o tempo que necessitarmos.

     —E Thomas ficaria sozinho.

     Drake assentiu.

     Estava assustada. Podia sentir provindo de seu vínculo, podia ver na forma em que seus olhos mudavam de cor, inclinando-se para o verde como faziam todas as vezes que se assustava. Estava assustada pelo que estava acontecendo com ela, tinha medo pela senhorita Mabel, temia o desconhecido, mas também estava assustada pelo Thomas.

     —Não podemos deixá-lo ir sozinho, Drake. Não podemos deixá-lo morrer.

     Não podia resistir à urgência de puxá-la, envolvê-la em seus braços e sustentá-la perto. Era tão bom tê-la ali. Perfeito. Ainda não podia acreditar no quanto era afortunado por havê-la encontrado. Sua capacidade de se importar com o que acontecia aos outros o humilhava e o fazia querer protegê-la. Em vez disso, devia lançá-la de cabeça em seu mundo e ensiná-la a utilizar seu verdadeiro potencial.

     Manteve um firme controle sobre seus pensamentos de modo que ela não pudesse senti-los. Não queria que soubesse que ainda se fossem com Thomas, não havia nada que pudesse fazer para salvá-lo. A única pessoa que poderia fazê-lo seria outra mulher como Helen. Presumindo que existisse outra fêmea Theronai.

     Tinha que acreditar que era verdade. Pensar em ver seus amigos morrer com uma horrível dor, um por um, não era algo que pudesse suportar. Tanto quanto o odiava, os Sanguinar já tinham uma amostra de seu sangue. Provavelmente já estavam analisando sua ascendência para descobrir de onde vinha.

     Se houvesse mais mulheres como ela, os Sanguinar provavelmente seriam os primeiros a encontrá-las.

     Um aterrador pensamento. Eram cordeiros para a matança.

     Helen ficou rígida em seus braços. O controle sobre seus pensamentos estava escapando e o fechou de repente em seu lugar. Teriam bastante tempo para pensamentos severos como aquele depois que encontrassem a espada de Kevin.

     —Devemos nos pôr em movimento. — disse ela.

     Os dedos deslizaram através de seus sedosos cabelos e desejou que tivesse mais tempo para levá-la a um dos quartos vazios no primeiro andar e beijá-la até que ambos estivessem muito enlouquecidos para deter-se e esquecessem de todos os Synestryn. Inferno, se conformaria se tivesse tempo para compartilhar uma conversa com ela de modo que pudesse explicar a ela como funcionava sua união.

     —Tem certeza de que quer ir com Thomas? —Perguntou a ela.

     —Sim. Precisa de nós.

   —De acordo então. Iremos, mas vai ter que confiar em mim. Se soubéssemos que era uma Theronai, estaria aprendendo sobre suas habilidades e o que podia fazer com elas desde o momento em que aprendeu a falar. Não tem nenhum treinamento e todo o tempo que temos é o que Thomas leve para rastrear o ninho dos Synestryn.

     —Do que está falando? Que poder?

     Infernos, ia levar uma eternidade para explicar isso a ela. Como poderia levá-la se nem sequer soubesse que a magia era real e fosse capaz de dirigir tudo isso em uma só tarde? Não parecia possível.

     Pegou sua mão.

     —Venha comigo. Vai ser mais fácil, mais rápido, mostrar isso a você do que dizer.    

     Drake a conduziu ao exterior, bem afastados dos veículos e da casa.

     —De acordo, vê aquele toco dali? —Perguntou, apontado para o campo.

     —Não. Está muito escuro.

     Certo. Esqueceu-se. Nem sequer sabia como tirar dele poder o suficiente para ver na escuridão.

     —De acordo, o primeiro é o primeiro. Assim é como funciona. Em meu interior está esse depósito de energia, mas eu não posso fazer muita coisa com ela. Tudo o que posso fazer é armazená-la. Você, por outro lado, é capaz de tirar essa energia de mim e utilizá-la, mas não pode armazená-la em você. É como um sistema de controle e balanço de modo que nenhuma pessoa maneje muito poder.

     —Poder para fazer o quê?

     —O que queira. Posso dizer a você o que vi as mulheres fazerem antes, mas só a predisporia contra seus próprios instintos e possibilidades. Cada mulher tem sua própria e única habilidade, coisas nas quais é melhor que as outras.

     —Então, pode ser que eu precise me predispor, porque não tenho nem ideia a que se refere.

     Drake se negou a frustrar-se. Ela salvou sua vida, o mínimo que podia fazer era lhe dar sua paciência.

     —Começaremos com algo pequeno. Diga-me algo que pode ver.

     Ela indicou uma rocha a uns quinze metros de distância. Muito perto para sua comodidade, mas teria que valer.

     —De acordo, quero que imagine a rocha elevando-se do chão. Vou tocar com meu anel seu colar para fortalecer o vínculo e assegurar que seja mais fácil para você extrair o poder de mim.

     —Nem sequer sei por onde começar a fazer algo como isso. —Drake podia sentir a confusão e incerteza. Estava empurrando-a muito depressa. Esperando muito.

     Maldição. Não supunha que fosse assim. Acreditava que o vínculo seria fácil. Natural. Talvez fosse melhor levá-la ao complexo e ir ele mesmo com Thomas.

     —Não. Não o deixarei ir sozinho.

     Drake sentiu uma pequena explosão de entusiasmo atravessando-o.

     —Ouviu esse pensamento?

     Ela franziu o cenho.

     —Não sei se “ouvir” é a palavra correta, mas sim. Soube o que estava pensando.

     —Isso é bom. Tente fazer isso de novo, só que desta vez, vou mostrar a você o que necessito que faça, certo?

     Ela assentiu e Drake fechou os olhos, tentando formar a imagem do que necessitava dela na mente. Formou a imagem de seu poder como um leve e brilhante charco de energia em seu interior. Colocou a mão sobre a garganta dela de modo que o anel fizesse um firme contato com o colar.

     Imediatamente, sentiu o fluxo de energia saindo dele. Essa luz verteu-se nela através da luceria até que a pele brilhou com a força desta.

     Ouviu-a fazer um som de assombro, mas não abriu os olhos. Em vez disso, visualizou a imagem de sua mão pegada na dela e estendendo-a para a rocha. Enviou a luz irradiando de sua mão até que esta engolisse a rocha, então lentamente, levantou a mão, fazendo que a rocha flutuasse para cima no interior da luz.

     Drake abriu os olhos para ver se tinha entendido. Não só tinha entendido, como o estava fazendo.

     Não havia luz brilhante, mas a mão estava estendida e a rocha estava há um metro acima do chão.

     —Fez. — murmurou, não querendo interromper sua concentração. Seu lábio inferior estava preso entre os dentes e tremia pelo esforço. Uma linha de suor brotava ao longo da linha do cabelo, e seu peito, seu adorável e feminino peito, estava subindo e descendo em uma rápida sucessão, fazendo estragos em sua concentração.

     O braço baixou até que a rocha voltou para o chão, e embora estivesse sem ar, olhou-o com uma luz de excitação nos olhos. A boca se curvou em um orgulhoso sorriso e deixou escapar uma alegre risada.

     —Posso utilizar a magia!

     Entre a felicidade que brilhava em suas feições e o calor de sua alegria enchendo-o através de seu vínculo, não pôde fazer outra coisa se não rir com ela.

     —Claro que pode.

     —É a coisa mais legal que já fiz. —Gritou em círculo e pela primeira vez desde que a encontrou, a separação física não o feriu. Já não tinha que tocá-la para livrar-se da dor. Aparentemente o vínculo da sua luceria era conexão suficiente. Não estava seguro se estava aliviado porque era muito mais convincente, ou se sentia saudades de ter a desculpa para tocá-la.

     Tinha que encontrar outra desculpa porque não estava seguro de que fosse deixar de tocá-la.

     —Quero tentar algo. — disse ela.

     —Algo como o quê?

     —Não sei. O que posso fazer?

     —Honestamente não tenho ideia. Vai ter que descobrir por si mesma. Cada mulher é diferente e tem sua própria força e debilidade.

     —Quantas mulheres mais há como eu?

     —Não muitas.

     —Posso conhecê-las?

     —Conhecerá Gilda assim que voltarmos para meu lar.

     Aquele belo sorriso dela fez sua respiração ficar presa na garganta. Ela era um presente tão precioso e não tinha ideia do quanto ele estava agradecido por salvá-lo.

     —Sei. — disse, como se respondesse a seus pensamentos. Deslizou as mãos sobre seus ombros e puxou sua cabeça para baixo, para ela. A boca se fechou sobre a sua em um beijo terno, e o gentil toque dos suaves lábios afastou todos os outros pensamentos de sua cabeça.

   A ternura não era suficiente para ele. Nem de longe. Queria mais. Envolveu os braços ao redor dela e a aproximou de modo que não houvesse espaço entre eles. O aroma do sabonete de lilás encheu seu nariz, e debaixo desse calmante aroma estava uma essência muito mais excitante de ardente e feliz mulher. Ele acariciou seus lábios abertos com a língua até que ela permitiu que ele acessasse sua boca. Não perdeu tempo para reclamar o lugar como dele, aprendendo cada suave contorno e afilada borda. Saboreou seu suspiro de prazer e lhe ofereceu um dele.

     Sua pele ardia tanto que até o sol de verão parecia fresco deslizando-se contra ele. O sangue golpeava através de seu corpo, quente e preparado para mais dela. Deixou-a sentir sua luxúria, forçando-a através do enlace de modo que não teve escolha se não senti-la. Queria que soubesse o quanto a desejava. Queria deixar que sua própria necessidade aumentasse a dela. Queria-a desesperada por ele. Desejando-o.

     Ela deixou escapar um gemido de necessidade e todo seu corpo se suavizou em seus braços.

     Um embriagador ataque de vitória se fechou de repente sobre ele, fazendo que ele a segurasse com mais força para suportar a potência desta. Perder-se nela era tão fácil, sentia-se tão bem. Estava excitada, ofegante, faminta e era sua para possuí-la. E possuí-la era exatamente o que tinha em mente.

     Queria senti-la novamente nua em seus braços, só que desta vez, queria terminar de explorar seu corpo e lhe dá prazer. Queria saborear cada suave centímetro até que estivesse tremendo em seus braços, rogando para que ele terminasse. A suave curva dos seios contra seu peito o acariciava e a sensação do traseiro enchendo suas mãos o enlouquecia.

     Estava rígido, doendo por ela, arqueando-se de modo que pudesse sentir o quanto o deixava duro. Estava preparado para deitá-la ali na grama, sob as estrelas. Ela também o deixaria, mas uma lasca de prudência o deteve.

     Parou de beijá-la e aspirou profundamente o ar da meia noite. Os grilos cantavam ao seu redor, sem preocuparem-se com a batalha que empreendia consigo mesmo para conter-se. A boca se moveu a um novo território, deixando uma linha quente de beijos descendo por seu pescoço. Os dedos se enredaram em seus cabelos e se não tomasse cuidado, ficaria careca ao separá-los.

     Mesmo querendo-a tanto, não havia tempo para o amor cuidadoso que tinha em mente, e mesmo se houvesse, ele e Thomas sangraram dando a ela seu juramento. As essências de seus sangues sem dúvida atrairiam aos Synestryn de qualquer sombrio buraco no que se escondessem.

     —Temos que parar antes que não possamos. — disse a ela. Sua respiração era pesada e seu corpo tremia ressentido por ter que deixá-la ir.

     Ela, no entanto, estava abstraída e se deu conta muito tarde de que deixou que muitos de seus pensamentos fluíssem através do vínculo.

     Sabia que os Synestryn viriam atrás deles e não se preocupou em ocultar esse conhecimento dela. Ela sentiu sua ansiedade e isto circulou em seu interior, apagando todos os rastros da luxúria.

     Helen se afastou, mas não o olhou nos olhos.

     —Não posso acreditar que estava fazendo isso. Beijando você enquanto esperamos que os monstros apareçam. Desejando que fizéssemos muito mais que nos beijar enquanto há uma casa cheia de gente a nem sequer vinte e oito metros de distância. No que estava pensando?

     —Nenhum dos dois estava pensando muito.

     —Sim, bom, ao menos teve bastante senso comum para deter-se. — afastou os cabelos do rosto com uma mão trêmula. — Sinto por haver me deixado levar.

     Estava envergonhada. Não necessitava do vínculo entre eles para presumir isso. As manchas de rubor nas bochechas eram evidências suficientes.

     —Nunca sinta por isso. Eu adoro que se deixe levar. Faz com que eu me sinta completamente másculo.

   Um indício de sorriso brincou no canto de sua boca e baixou os olhos a sua virilha, onde a ereção apertava o zíper da calça jeans.

     —Se fosse mais másculo, me assustaria.

     —Se não parar de falar nisto, não sairá.

     —Por que isso seria ruim…?

     Só havia um caminho para onde podia conduzir essa conversa e era a grama com ambos nus e amando-se.

     —Devemos voltar para a caminhonete. Não estranharia se Thomas tentasse ir sem nós.

     —Aonde vamos?

     —Encontramos um rastro que conduz ao ninho onde pensamos que os Synestryn levaram a espada de Kevin. Está nos subúrbios de Spring Hill, não muito longe daqui.

     —E vamos segui-lo e recuperar a espada, correto?

     —Exatamente. Se tivermos sorte, os Synestryn estarão caçando e não teremos que lutar com todo o ninho para recuperar a espada.

     —Disse que era invisível. Como vamos encontrá-la?

     —Só é invisível quando está embainhada. Gilda infundiu todas as nossas espadas com esse poder de modo que pudéssemos usá-las sem a interferência das autoridades humanas.

     —É por isso que sua espada aparece justamente de lugar nenhum? —perguntou.

     —Sim. Quer senti-la?

     Ela arqueou uma sobrancelha escura.

     —Por favor, me diga que não acabou de me dizer que sinta sua espada.

     Drake deixou escapar uma gargalhada. Ela o fazia sentir-se bem, estava rindo e não podia recordar a última vez que desfrutou de tão simples prazer. Meses, talvez anos.

     Pegou sua mão e enlaçou os dedos com os dela enquanto caminhavam sobre a grama para a caminhonete.

     Thomas estava ajudando a colocar a senhorita Mabel na caminhonete de Slade enquanto Carmen falava em voz baixa com Vance. Ele não parecia feliz, mas deu um forte abraço nela e observou-a quando ela se afastou em seu próprio veículo estropiado.

     —Vou dizer adeus a senhorita Mabel. — disse Helen.

     Quase disse a ela que o fizesse rapidamente, mas se conteve. Não lhes faria mal esperar um minuto a mais para que Helen se assegurasse que tudo ia estar bem com a anciã. Ia precisar ter a mente livre de distrações durante as próximas horas.

     Drake seguiu Thomas ao interior do rancho, onde reuniu uma braçada de ferramentas que tinham tirado da caminhonete do Logan. Seu amigo nem sequer o olhou nos olhos quando lhe disse:

     —Troque de camiseta antes que consiga que nos matem a todos.

     Certo. Assim não havia muitos sentimentos duros.

     —Não se renda ainda, Thomas. Ainda há tempo para que encontremos outra mulher como Helen. Não pode ser a única.

     —Sei o quanto você gosta de brincar de animadora, mas não vou comprar sua merda. Assim pare com isso.

     —Assim que… O quê? Tive sorte e já nem sequer pode ser meu amigo? É isso?

     Thomas se deteve bruscamente em suas tarefas e deixou que tudo o que carregava nos braços caísse ao chão. E carregava muito.

     Virou-se lentamente, com um olhar que Drake nunca tinha visto em seu rosto. Sem esperança. Desesperado.

     —Queria estar feliz por você, Drake, mas é muito tarde para isso.

     —O inferno que o é. Somos como irmãos. Assim que encontrarmos a espada de Kevin, Helen e eu o ajudaremos a encontrar outra fêmea Theronai. Sei que ela vai querer fazer isso por você.

     —Que parte de “é muito tarde” não captou? — Thomas apertou os dentes em um óbvio esforço para controlar-se e quando falou de novo, viu um vislumbre do homem que recordava. Gentil. Amável. Paciente. A voz era um baixo sussurro de derrota e pressionou a mão sobre sua marca de vida como se doesse. —Estou fora de tempo. Já posso sentir a mudança vindo para mim. Está acontecendo mais rápido do que imaginava e não posso controlá-la.

     —Não. — disse Drake, negando-se a acreditar que fosse verdade. — Não pode se dar por vencido ainda. Helen muda tudo.

     —Para você, sim. Não para mim.

     —Prometa que aguentara até que encontremos a sua Helen.

     —Não.

     —Maldição! Prometa-me isso

     Thomas não disse nada. Recolheu as coisas que tinha deixado cair e seguiu para o rancho em silêncio.

     A cada passo zangado, podia ver mais do amável homem que foi Thomas desvanecendo-se lentamente.

     Thomas estava fora de tempo e não havia nada que pudesse fazer para deter isso.

 

     Zach quis gritar. Não, gritar não faria nada para acalmar sua raiva. Queria despedaçar a SUV com as mãos nuas e jogar cada pedaço no lago. Isso talvez o afastasse do limite.

     Lexi Partiu. Não que tivesse partido e a tivesse encontrado depois. Ela tinha se esfumado[11]. Realmente esfumado. Não havia rastro dela.

     Tinha marcado-a com uma marca de sangue um tipo de dispositivo de rastreamento biológico que deveria ter sido capaz de localizá-la a meio caminho do outro lado do planeta, e sabia que ela não tinha ido tão longe. Inclusive se tivesse tomado um avião, deveria ter sido capaz de sentir ao menos a direção que tomou.

     Tinha ido em direção a Tahoe margeando uma estrada desértica do Kansas assim que percebeu que não podia sentir o sutil puxão dela. Poderia manter a direção para o sul, mas isso não lhe serviria muito. Uma vez que alcançasse o oceano, teria que parar.

     O vento da noite varreu através da janela aberta, trazendo consigo o som dos grilos. Não se preocupou em lavar o sangue do braço, embora tivesse jogado a camiseta pela janela há poucas horas em outra estrada igualmente desértica. Não restou muito sangue que pudesse atrair a algum snarlies, e inclusive se o fizesse, estava desejoso por uma luta. Inferno, talvez o ajudasse a queimar um pouco da tensão ansiosa que crescia nele a cada segundo.

     Como tinha se livrado tão facilmente? Não parecia possível.

     Zach ligou para Nicholas, esperando fazer algum progresso em outro caminho.

     —O que há, Zach? — respondeu Nicholas, parecendo o bastante amigável para aborrecer ainda mais ao Zach.

     —Necessito que ponha todos os seus pequenos artefatos rastreadores sobre uma garçonete chamada Lexi.

     —Eu estou bem. E você?

     —Corta essa merda cara. Isto é sério.

     —Seus grunhidos são minhas ordens. Lexi quem?

     —Como posso saber? Tudo o que consegui foi o nome em sua placa de identificação.

     —Pensou que talvez tenha pegado emprestada a placa de outra garçonete?

     Zach não ia admitir ser tão estúpido. Nem de brincadeira.

     —Apenas me ajude, por favor.

     Ai, esse quase rogo doeu.

     —Uau. Deve estar desesperado para usar a palavra com “p”.

     —Foda-se. — balbuciou Zach em voz baixa.

     —Sim. Esse é o Zach que eu conheço e amo. Sempre encantador. De acordo, que mais pode me dar?

     —Que mais? Já dei seu nome a você.

     —Sou bom, mas inclusive eu vou precisar de um pouco mais que isso.

     —Ela dirigia um velho Funda Civic.

     —Matrícula?

     —Estava muito ocupado perseguindo-a a pé para anotá-la.

     —Pagaria para ver essa corrida.

     —Não me faça voltar e ferir você, cara.

     —Sim, sim. Você é enorme, resistente e mau e estou tremendo em minhas botas. De que cor?

     —É loira. Com olhos com mesclas de marrom chocolate e…

     —O carro, idiota. De que cor era o carro?

     —OH. Uh. Laranja escuro. Principalmente cinza. Talvez um pouco azul em algum lugar.

     —Azul. Certo. Recorda de que Estado era a matrícula?

     —Kansas.

     —Isso ajudará. Algo mais que possa me dar? Outros nomes pelos quais as pessoas a chamassem? Quem sabe escreveu seu número de telefone em um guardanapo e o passou para você.

     —Número de telefone! —Zach moveu-se através do registro de chamadas até que encontrou o número que Thomas tirou do telefone celular de Helen. Estava registrado vinte vezes, de modo que não era difícil de localizar. Leu o número para Nicholas.

     Depois de algumas batidas no teclado, Nicholas disse:

     —Pré-pago. Não há nome. Pagou em dinheiro. Isso não nos serve de nada. Sinto muito, cara.

     —Tenho que encontrá-la.

     —Por quê? Deve dinheiro a você? —Perguntou Nicholas.

     —Engraçadinho.

     —Tento.

     Zach controlou o pânico. Aterrar-se não faria nenhum bem a ninguém.

     —De acordo. Pergunta hipotética. Se coloquei uma marca de sangue sobre alguém e algumas horas depois esta desapareceu, o que significa?

     —Pôs uma marca sobre ela e desapareceu? Isso nem sequer é possível. Nem sequer se estivesse morta.

     —Diria o mesmo há meia hora.

     Nicholas emitiu um assobio baixo.

     —Tem que ligar para o Logan para isso. Ou para Tynan. Sou bom com os rastreadores eletrônicos, mas se você pôs uma marca de sangue e ela se desfez desta, não tenho pista alguma de como ajudar você.

     —Pode ao menos utilizar seu sinal para ver se pode encontrá-la através de seu cartão de crédito ou algo assim?

     —Posso tentar. Tudo o que temos é o modelo de seu carro, talvez a cor, o estado em que estava registrado, e um nome que tinha posto em uma placa. Nada disso é sólido, cara, mas farei tudo o que puder.

     —Obrigado.

     Zach cortou a ligação e deixou o telefone antes de lançá-lo contra o interior do para-brisa. Não acreditava que Thomas apreciasse que destroçassem seu carro dessa maneira.

     Subiu a janela e acionou o ar condicionado. Suas opções eram segui-la sem saber que caminho tomou, ou ajudar seus companheiros a chutar alguns traseiros.

     Não era uma escolha difícil. Lexi se foi e ele estava com um puto humor para chutar traseiros.

    

     Quando Drake disse “ninho” Helen imaginou uma enorme pilha de paus e folhas assentadas em algum lugar sobre o chão. Igual a um ninho de um hamster gigante ou algo assim.

     Não imaginou as negras bocas abertas de uma mina abandonada situada no meio de lugar nenhum.

     A refeição que havia substituído pela barra que comeu durante a viagem estava considerando a oportunidade de escapar para não ter que ficar ali com ela.

     —Não tem claustrofobia, não é mesmo? —Perguntou Drake.

     —Agora sim. — disse, incapaz de imaginar-se indo mais para baixo naquele buraco negro.

     Thomas desligou o motor da caminhonete, deixando as chaves no contato. Para uma partida rápida, sem dúvida. Isso fez pouco para aliviar a crescente ansiedade de Helen.

     Thomas a olhou com algo que se aproximava do desgosto.

     —Se for para ser uma carga, pode malditamente bem ficar na caminhonete.

     Ser uma carga parecia malditamente bom nesse momento, inclusive se isso fosse à saída dos covardes.

     —Fará isso bem. — acalmou-a Drake. Deslizou a mão sobre seus cabelos, os quais tinha prendido em tranças para afastá-los da frente dos olhos. Que sua mão a tocasse a fazia sentir-se bem. Estava começando a acostumar-se a tê-lo ao seu redor, tocando-a como se tivesse direito de fazer isso. Era agradável. Consolador. E nesse momento ela podia utilizar cada migalha de amabilidade que pudesse encontrar.

     —Conte outra vez o que estamos fazendo aqui. — Talvez o plano parecesse melhor na terceira vez que o ouvisse.

     Thomas revirou os olhos e saiu da caminhonete, fechando a porta com força atrás dele.

     Helen se sentia igual a uma menina estúpida. Drake já havia dito a ela o que esperar. Duas vezes. Mas se estava tão frustrado por sua ansiedade como Thomas estava, não demonstrou. Em vez disso, pegou as mãos dela e acariciou suas palmas com os polegares.

     —Eu irei primeiro, você no meio e Thomas fechará a retaguarda. A maioria dos Synestryn saiu para caçar durante uma ou duas horas, assim teremos tempo suficiente para encontrar a espada de Kevin. Recuperá-la-emos e sairemos daqui. Nem suaremos.

     —E está seguro de que está aqui?

     —Tão seguro quanto posso estar.

     Eles tinham utilizado algum artefato eletrônico que era um cruzamento entre um GPS e um monitor de glicose no sangue. Drake tinha pego uma amostra do sangue negro que trazia com ele em um pequeno frasco e pôs uma gota na máquina. Apareceu um mapa sobre uma pequena tela colorida, mostrando a localização da mina. Menos de uma hora ao sul de Olathe.

     —De qualquer forma, como isso funciona?

     —Não tenho ideia de como funciona. É algo que Nicholas e um dos Sanguinar descobriram. É constituída por magia principalmente e também por um pouco de eletrônica assassina. Mas posso dizer a você o que faz. Pomos uma gota de sangue dos Synestryn nela e ela rastreia o monstro de que procede.

     —Está me dizendo que sabe que há um desses monstros nessa mina?

     —Temo que sim.

     —OK, tenho que perguntar. Como conseguiu o sangue? Duvido que a coisa se sentou e enrolou sua manga.

     O rosto de Drake se torceu em uma careta.

     —Não estou seguro de que queira saber disso.

     —Estou segura de que não saber é a única coisa que fará minha imaginação enlouquecer, o que me assustará muito mais.

     Drake suspirou e abriu o zíper da bolsa de lona. Tirou três máscaras de plástico, como as que às vezes se utilizam em cirurgias.

     —O Theronai que estava com Kevin quando o assassinaram foi envenenado. Ainda não temos certeza de que vai viver — Ele disse como se tivesse que significar algo para ela.

     —Ainda não entendi. Havia sangue ou algo nele?

     —Foi envenenado com sangue Synestryn. Foi injetado em seu corpo através das presas do monstro.

     Imaginou uma enorme serpente, e aquela imagem era agora a número três de sua lista “Coisas Mais Repugnantes Que Nunca”.

     Drake continuou.

     —Um dos Sanguinar conseguiu extrair bastante sangue de Torr para que caçássemos a coisa, mas isto só aguenta bem umas vinte e quatro horas. Agora estamos com dois a menos. —Drake deu a ela uma das máscaras protetoras. —Ponha isso. Alguns cospem. E quando digo cuspir, refiro-me a ácido.

     Não, esta era a número três.

     —Isto está ficando mais feio a cada minuto.

     —Se não quiser fazer isso, basta dizer. Não a obrigarei.

     Ficar para trás era uma considerável tentação. Helen não era uma heroína. Só os atrasaria sem importar quantas rochas pudesse levantar.

     —Seria seguro para eu ficar aqui? Quero dizer..... Não acabaria assediada por um punhado dessas coisas fugindo dos másculos homens que manejam espadas, não é mesmo?

     Sua boca se contraiu em um sorriso, mas este se foi um segundo depois.

     —Estaria perfeitamente a salvo porque eu estaria aqui mesmo com você. De forma alguma vou deixar você perambular por aqui sozinha. Muitas coisas poderiam sair errado. Incluindo sermos ultrapassados por um enxame de Synestryn.

     —Mas Thomas necessita que vá ajudá-lo.

     —Thomas conhece os riscos. Você não. Além disso, ambos fizemos um juramento a você e assim será.

     —Quer dizer aquela coisa de minha vida pela sua?

     —Exatamente.

     —Realmente quiseram dizer isso?

     —Cada palavra.

     Ficou olhando-o durante um longo tempo, esperando ver algum indício de que estivesse brincando. Não estava. Estava mortalmente sério. E estava esperando sua decisão.

     —Não quero ir. Também sei que se algo acontecer ao Thomas porque não estava lá para ajudá-lo, não me perdoaria. Assim vamos.

     Os lábios de Drake se curvaram em um sorriso orgulhoso.

     —É um inferno de mulher. Alegro-me de tê-la encontrado primeiro.

     Puxou-a para perto e deu um rápido beijo na boca dela, o qual afastou todos os pensamentos desagradáveis de sua cabeça tão rápido que a atordoou.

     Amava sua boca, suave, firme e quente, inclusive se esta estivesse contra a sua por um breve segundo. Esse beijo rápido fez mais por ela que uma hora de sexo com a maioria dos homens com quem esteve. Não tinha certeza de que isso a fazia uma afortunada ou um desgraçada. Mas sabia que se atravessar aquela mina com vida era tudo o que tinha que fazer para conseguir mais de sua boca sobre a dela, então encontraria a forma de transformar-se na Mulher Maravilha. O que quer que fosse que isso lhe custasse, queria mais de Drake e seus deliciosos beijos.

     Ele abriu as portas de trás da caminhonete, arrastando a bolsa com ele. Thomas estava agachado perto da entrada da mina, olhando fixamente para o chão. Sua espada estava em sua mão, brilhando com letal intenção sob a luz da lua.

     Drake estendeu para ele uma das máscaras e se apressou para seu próprio lugar.

     —Alguma ideia do que há aí embaixo? —Perguntou ao Thomas.

     —Ao menos três sgath. Quatro, possivelmente cinco haest. Nenhum malkaia que possa detectar, graças a Deus.

     —Algum anguis?

     —Não.

     —Bom. Seria difícil respirar aí embaixo se eles sugassem todo o oxigênio.

     Helen não queria saber o que significava. Ir para baixo da terra para lutar com monstros já era bastante ruim. Fazer isso enquanto se preocupava com ter oxigênio suficiente era aterrador.

     —Vocês dois têm certeza de que isto é necessário? Quero dizer, se as almas de todos esses monstros forem liberadas, não irão para o inferno?

     Thomas deu um ameaçador passo para frente e Drake deslizou o corpo no caminho do avanço do grandalhão.

     —Não entende. Não é sua culpa. Foi criada como uma humana.

     —Sou humana. — disse Helen. E era apegada a sua história. De maneira alguma ia deixar que aqueles caras lhe dissessem o contrário, não enquanto estava ocupada dirigindo-se a um úmido ninho de monstros.

     Thomas grunhiu e ela pôde ver um lampejo de algo aterrador e selvagem brilhando em seus olhos azuis. Algo definitivamente não humano.

     Drake era um cara enorme, mas Thomas era aterradoramente grande. Drake teve que inclinar todo seu peso contra Thomas para evitar que seguisse adiante, e mesmo assim, patinou sobre o chão alguns metros antes de detê-lo.

     —Tolere isso, Thomas. Concentre-se no trabalho.

     Helen retrocedeu vários passos assustada.

     —Deveria ter mais respeito. — grunhiu Thomas.

     —Terá quando entender. Retroceda. Não quer fazer isto.

     O corpo de Thomas estremeceu e os olhos se fecharam. Quando os abriu de novo, aquela selvageria desumana havia sumido e ofereceu a Helen uma careta de desculpa.

     —Sinto muito. Não sou… eu mesmo.

     —Nosso tempo está acabando. — disse Drake. — Temos que nos mover.

     —Estou preparado. — disse Thomas.

     Ambos os homens se viraram para ela com olhos expectantes. Helen lutou contra a urgência de voltar para a caminhonete e afastar-se conduzindo. Teria sido mais fácil que dar o primeiro passo para frente.

     —Eu também estou preparada. —Que grande mentira era essa.

     —De acordo então. Ponhamos-nos em movimento. — disse Thomas.

     Drake pegou a mão de Helen e lhe deu um rápido apertão.

     —Será fantástica. Apenas escute a seus instintos e confie em mim. Se disser ao chão ou corra, não perca tempo fazendo perguntas. Apenas faça-o. De acordo?

     Helen assentiu, sentindo seu interior adormecer.

     Drake colocou o escudo da viseira dela em seu lugar e entregou uma pequena lanterna a ela.

   —Pode necessitar dela. Ao menos até que descubra como ver na escuridão.

     —Posso fazer isso?

     Drake assentiu.

     —Claro que pode. Desejaria ter tido mais tempo para ensinar a você. Sinto por isso.

     Assim como ela, mas guardou isso para si mesma. Tinha que se concentrar em ser valente o bastante para não sair correndo. Pôr um pé na frente do outro estava lhe custando toda a sua concentração.

     Entraram na mina e seguiram um túnel artificial que se inclinava para baixo em um ângulo constante. A lanterna mostrou a ela onde pôr os pés e manteve os dedos da mão esquerda ao redor do cinturão de Drake para evitar atrasar-se. Não ia ficar só em um lugar como aquele. Só a ideia já era suficiente para enviar um medo estremecedor através de seu sistema nervoso.

     —Respire profundamente, Helen. — a voz de Drake era calma e segura e a ajudava a manter-se sob controle.

     O chão embaixo deles era uma mistura de sujeira, rochas e matéria negra em que não ia parar para pensar. Um aroma almiscarado de animal encheu o ar junto com algo que não podia identificar.

     Algo putrefato, estagnado e opressivo.

     Depois de andar cerca de quinze metros, chegaram a uma bifurcação. Drake verificou o Caçador de monstros e girou à esquerda. Atrás dela, ouviu o ruído de algo raspando e se virou. Thomas estava raspando uma flecha na sujeira com as botas, que apontava por onde tinham vindo.

     Homem com recursos.

     —É capaz de vê-la? —Perguntou a ela.

     Helen assentiu.

     —Deixarei uma cada vez que virarmos. Se ficar sozinha, ao menos saberá o caminho.

     Nem sequer queria pensar a respeito do por que deveria ficar sozinha. Estar ladeada por dois competentes peritos no manejo da espada era uma coisa, perambular lá embaixo sozinha era completamente diferente. Completamente aterrador.

     Drake se estirou para trás e apertou a mão curvada ao redor de seu cinturão.

     —Apenas aguente, Helen. Está fazendo isso de forma fantástica.

     —Não me sinto fantástica.

     —Sei. Sairemos daqui a poucos minutos. Já estamos quase lá.

     Drake foi mais lento e virou de lado de modo que seu corpo estivesse pressionado contra a parede. Helen seguiu seu jogo, igual a Thomas atrás dela. Por instinto, apagou a lanterna, temendo que esta delatasse sua posição. A escuridão a engoliu e sentiu que uma bolha de pânico se rompeu em seu interior. Fortaleceu-se ante a necessidade de fugir e se concentrou em respirar pela boca. Apenas respire. Quase podia ouvir a voz de Drake acariciando sua mente em uma calmante carícia, e a luceria se tornou mais cálida contra sua garganta.

     Precisava ver. A escuridão estava sufocando-a, faíscas de um medo primário que não podia controlar. Se ao menos tivessem tido mais tempo e ele tivesse sido capaz de lhe ensinar como ver na escuridão. Havia dito a ela que poderia fazer isso. Precisava descobrir como.

     Um fio de energia apareceu entre eles, uma conexão invisível correndo de seu anel ao colar. Puxou esse fio, empurrando um pouco de seu poder ao seu interior em um esforço para descobrir como aproveitá-lo. Os olhos eram o problema, assim redirigiu um pouco de poder ao seu interior.

     Instantaneamente, o mundo cintilou em um brilhante enfoque. Podia ver o túnel onde estavam com perfeita claridade. Cada faísca do mineral que se quebrado se dispersava e brilhavam ao longo das paredes e chão. A textura do granito das rochas dispersas de maneira desordenada destacando-se sobre o chão. Enfocou-se em uma até que pôde ver cada fenda e buraco. Era como olhar por um microscópio. Assombroso.

     Estava tão distraída com seu novo descobrimento que o repentino puxão do cinturão de Drake nos dedos a assustou. Esbarrou em suas costas e sentiu a enorme mão de Thomas rodeando seu braço para sustentá-la.

     —Sinto muito. — sussurrou.

     Por cima de suas cabeças, algo se moveu em resposta ao ruído.

     OH, merda. Isso não era bom.

     Drake alcançou as costas e a pressionou contra a parede, esmagando também seu próprio corpo. Em uma voz tão baixa que mal podia ser ouvida, disse:

     —Dois haest, alimentando-se. Parede sul.

     Helen não tinha ideia de qual era o sul. Ou o que era um haest.

     —Irei sozinho. — sussurrou Thomas. —Posso me encarregar dos dois.

     Drake sacudiu a cabeça e ela pôde ver a severidade de sua boca com sua nova visão perfeita.

     —Há mais túneis que se ramificam. Esses dois podem não estar sozinhos.

     —Vê a espada? —Perguntou Thomas.

     —Não.

   —Deixe-me olhar. — disse Helen, antes que as palavras pudessem filtrar-se através de seu cérebro.

     —E um inferno. — disse Drake.

     —Fiz algo a meus olhos. Agora posso ver perfeitamente.

     Drake ficou em silêncio por um momento como se decidindo.

     —Se tiver extraído seu poder, pode ser mais forte do que você e eu juntos. — disse Thomas. — Deixe-a tentar.

     Helen não estava segura a respeito disso, mas com uma silenciosa maldição sobre os lábios, Drake retrocedeu para deixá-la deslizar para sua posição no início do túnel. Seu coração golpeava o peito e a respiração estava muito rápida, mas encontrou a coragem para inclinar-se para frente o suficiente para olhar. Era uma área aberta que era aproximadamente três vezes mais larga que o túnel e quinze metros e meio mais alta. Largas seções de parede tinham sido raspadas com ferramentas de metal. Ela podia ver diminutas manchas de metal ainda aferradas em algumas rochas. Antigas vigas de madeira sustentavam o teto, mas estavam tão deterioradas pelos danos causados pelos cupins que não acreditava que pudessem segurar nada muito mais. O chão estava coberto com pedacinhos de pele, osso e folhas secas. O grande material estava amontoado perto das paredes. Ela podia ver coisas movendo-se sob os destroços, pequenas coisas – pequenas bolas peludas com espinhos - que ninguém nunca viu exibidas em um zoológico.

     Reprimiu um estremecimento de repulsão, mas não por muito tempo. Ao longo do que supunha que fosse a parede sul havia duas criaturas gigantes parecidas com mosquitos, tão altas quanto um homem. Cada uma delas tinha duas compridas e pronunciadas presas saindo de suas cabeças. Os outros extremos das presas estavam cravados no ventre de uma vaca morta. Através dos tubos semitransparentes, podia vê-los bombear algo negro da vaca até que a pele se expandiu a ponto de se romper. Algum deles fez um som de estalo, o qual foi devolvido pelo outro. Então em uníssono, começaram a sugar algo negro da vaca – uma mistura de sangue e pedaços de músculos e ossos. O estômago da vaca desabou até parecer ficar nos ossos e as duas coisas começaram o processo de novo.

     O estômago de Helen embrulhou-se, revolvendo-se com as náuseas.

     A número um em sua lista de “Coisas Mais Repugnantes Que Nunca”.

     Fechou os olhos, amaldiçoando sua visão perfeita por um momento antes de obrigar-se a olhar novamente pela abertura. Observou a sala, dizendo-se a si mesma que se concentrasse em procurar algo brilhante. Várias peças de quartzo chamaram sua atenção, igual a uma garrafa de cerveja vazia, um pedaço de papel alumínio e os olhos de vidro de uma boneca. Sem corpo. Só a cabeça. Horripilante.

     Sentiu a mão de Drake sobre seu pescoço como se fosse puxá-la de volta, mas em vez disso, seu anel tocou o colar e sentiu uma onda de energia. Já que tinha canalizado seus poderes aos olhos, aí foi onde sortiu efeito, e por alguns minutos pôde ver através de tudo. Podia ver o esqueleto da vaca, as grossas placas dos corpos dos monstros, os ossos pontudos das escorregadias coisas parecidas com os ratos que se escondiam nos montões de despojos orgânicos. Inclusive podia ver as nervuras dos minerais que passavam através das paredes da mina.

     Enterrada debaixo de um dos montões de despojos estava a inequívoca forma de uma espada. A ponta desta se sobressaía para fora, mas estava coberta com sangue seco e nada brilhante, por isso não a viu antes.

     Helen se escondeu de volta no túnel e se obrigou a manter a voz baixa em um árduo ato de vontade.

     Vibrava com energia e excitação e a emoção de encontrar o tesouro perdido.

     —Está aqui. — disse a eles. — Embaixo de um daqueles montões de pele e coisas. Na parede mais afastada. O montão do meio.

     Drake ofereceu a ela um sorriso orgulhoso e desviou os olhos para sua boca. Pensava em beijá-la e ela amava isso nele. Nada como ter um homem ardente querendo beijá-la para distraí-la de todas as coisas repugnantes do mundo.

     —Ocuparei-me dos haest. — disse Thomas. — Você consegue a espada.

     Drake assentiu.

     —Não os incomode a menos que tenha que fazê-lo. Acabaram de se alimentar. Estão fortes.

     —E o que eu faço? —Perguntou Helen. Estava exaltada pela vitória, a adrenalina e a emoção de saber que logo sairiam dali.

     —Fique aqui. Advirta-nos se vê algo que nós não vemos.

     Isso ela podia fazer.

     —Mantenha um olho também sobre suas costas.

     Um pouco da emoção desapareceu com essas palavras, recordando-a que ainda não tinham saído do perigo.

     Drake se virou para Thomas.

     —Ao seu sinal.

     Thomas ajustou a viseira e agarrou sua pesada lâmina com ambas as mãos.

     —Vamos.

     Ambos os homens se moveram para a abertura sobre seus silenciosos pés, cruzando rapidamente à distância. Thomas permaneceu perto de Drake, mantendo um vigilante olho sobre as duas criaturas parecidas com mosquitos que chamou de haest. Drake se moveu diretamente para a espada.

     Helen olhava por cima do ombro a cada três segundos, mas ali não havia nada.

     Drake viu a enegrecida extremidade da espada e a empurro com a ponta da bota. O montão estralou em uma explosão de movimentos quando as coisas espinhosas parecidas com ratos escapuliram em todas as direções.

     Os haest ouviram o ruído e viraram suas cabeças dentuças para o ruído.

     Thomas sorriu e avançou para frente, quadrando os pesados ombros para o ataque.

     Drake se inclinou para pegar a espada.

     Algo parecido a um atoleiro de alcatrão caiu do teto, engolindo o montão de lixo e a espada dentro dele. Drake gritou e tirou a mão de um puxão. Helen podia sentir sua própria mão ardendo onde o alcatrão o tocou.

     —Kajmelas! —Gritou Drake em advertência, mas era muito tarde. Uma segunda coisa parecida com o alcatrão gotejou do teto e deslizou para Helen.

     Helen ficou olhando, tentando decidir o que fazer. Sentia as pernas pesadas e o cérebro cuspia para ela ordens aterrorizadas que a impulsionavam a fugir, mas esteve ouvindo-as toda a noite e tentou lutar contra elas. Tampouco estava segura do que se supunha tinha que fazer agora. O tempo que levou para pensar sobre isso fez a decisão discutível.

     Um grosso e oleoso tentáculo se lançou para ela.

     Saltou para trás. Ambos os homens arremeteram contra aquilo, mas Thomas estava mais perto dele que Drake. Lançou-se para ela sobre suas poderosas pernas e empurrou Helen para trás. Tropeçou e aterrissou sobre o traseiro.

     A coisa golpeou Thomas em lugar de a ela. Esta envolveu um lamacento tentáculo em suas pernas. Thomas gritou de dor e reduziu radicalmente a coisa com sua espada. Não serviu de nada. A espada deslizou através daquilo, só para que o corte se fechasse como se nunca tivesse estado ali.

     A matéria negra exalou em cima do corpo de Thomas, cobrindo-o centímetro a centímetro. Thomas ainda gritava em alaridos de agonia.

     Helen sentiu o pânico de Drake, algo que nunca sentiu antes nele. Isto assegurou o começo de seu próprio pânico e teve que lutar para permanecer coerente.

     Drake deu um passo para Thomas e a coisa lamacenta disparou um tentáculo para suas pernas. Os dois monstros mosquitos fizeram uma série de excitados sons de estalo e se equilibraram sobre o sujo chão nas fracas patas de inseto.

     Drake ficou preso entre eles.

     Helen tentou gritar para que corresse, mas os pulmões se expandiram e tudo o que saiu foi um abafado chiado. Drake manteve sua posição até o último segundo e saltou afastando-se do caminho. Os monstros mosquito colidiram com a coisa de lodo, a qual começou a comê-los metodicamente. Eles fizeram frenéticos ruídos de estalos para tentar livrarem-se da pegajosa besta, mas não eram rivais para o lento avanço do montão oleoso.

     Drake deu uma olhada rápida para ver se seu plano tinha funcionado e correu para o lado de Thomas.

     Helen não sabia o que fazer ou como ajudar. Sua mente movia-se com rapidez para encontrar uma maneira de salvar Thomas, mas não podia pensar em nenhuma.

     Helen sentiu aquelas vacilantes ondas de energia flutuando entre eles e tentou puxá-las. A energia fluiu para ela, mas não tinha ideia do que fazer.

     O segundo montão de lodo absolveu os dois monstros mosquito, deixando só as desengonçadas pernas dos insetóides. Agora estava procurando um novo objetivo.

     Drake estava perto e a coisa se dirigiu diretamente para ele em um montão fluído de limo.

     Tinha que detê-lo. Não tinha ideia do que ia fazer, mas não podia ficar ali parada. Tinha que fazer algo.

     Gritou uma advertência em sua mente, mas se Drake a ouviu, não respondeu. Estava muito ocupado com a palpitante coisa que comia Thomas.

     Hellen extraiu mais poder de Drake. Muito. Tinha que concentrar-se para evitar dobrar-se pela dor. A energia fluiu para ela em um agonizante ataque. Estendeu-se em seu interior até que pensou que quebraria suas costelas explodindo seu peito. Seu corpo ardeu até que os olhos e a boca secaram. Era difícil pensar com aquela dor. Difícil de respirar. Tinha que livrar-se da energia antes que a matasse.

     Enviou uma rápida prece esperando fazer o correto e se enfocou sobre a coisa de lodo que se dirigia a Drake. Empurrou a energia para fora dela e construiu um muro invisível ao redor desta. Fez que o ar se espessasse, forçando as moléculas a se juntarem até que um cilindro transparente rodeou a coisa.

     Helen não sabia o que aconteceria se relaxasse, assim manteve a concentração, extraindo mais poder de Drake para manter a barreira no lugar.

     Respirava com dificuldade e a visão falhava próximo aos cantos. A luceria zumbiu e esquentou até que teve a certeza de que fariam empolas sob a faixa.

     Já não podia ver Drake, mas podia sentir seu desespero para salvar Thomas.

  

     A espada de Drake não servia de nada contra a Kajmela, assim a deixou cair e pegou um pau grosso do chão. Os gritos de Thomas se elevaram um oitavo até serem estridentes e arrepiantes. Não ia durar muito tempo mais.

     Thomas tinha dado a volta a sua espada, sustentando-a pela lâmina e usando o punho em um esforço para afastar a coisa dele. Tinha as mãos escorregadias de sangue por haver cortado as palmas das mãos com a espada. Tão forte como eram os braços de Thomas, o punho era de pouca utilidade contra a coisa que estava comendo-o inteiro.

     Necessitavam de fogo. Era a única coisa que podia matar uma Kajmela, e Helen era a única que podia fazê-lo.

     Sentia Helen puxando seu poder, mas ainda não havia fogo. Nem sequer uma faísca.

     Drake golpeou a Kajmela com o pau, e uma grande mancha de lodo se desprendeu da massa, chocando-se contra a parede do fundo. Golpeou-a uma e outra vez, arrancando pedaços da Kajmela, mas sempre havia mais para encher os buracos.

     Necessitavam de fogo, maldita seja. Por que Helen não estava usando seu poder para dar fogo a eles?

     Porque não tinha nem ideia do que devia fazer. De repente recordou que ela nunca tinha sido treinada. Só esperava que houvesse tempo suficiente para ensiná-la agora.

     Agora Thomas estava coberto até o peito, a coisa se contraiu ao redor dele até que já não podia tomar fôlego para gritar. O ácido Synestryn dissolvia a carne onde o tocava, fazendo Thomas sangrar profusamente em todas as partes que a Kajmela e a pele humana se tocavam.

     Drake continuou golpeando-a, desesperado para salvar seu amigo apesar de saber que era inútil.

     A luta de Thomas cessou, e Drake pôde ver que Thomas tinha aceitado seu destino. Ia morrer.

     Enquanto continuava lutando contra a Kajmela, Drake formou uma imagem mental do que queria que Helen fizesse, e a enviou através de seu já congestionado vínculo. Ele podia sentir seu rechaço ante a ideia, assim pressionou mais exigindo que ela o escutasse.

     —Pegue minha espada. — pediu Thomas. —Não quero que ela machuque ninguém. — sua voz estava rouca pelos gritos, e superficial pela falta de fôlego.

     A Kajmela avançou até que estava quase na garganta de Thomas. Thomas apertou os dentes contra a dor, e lançou a espada sangrenta para Drake. Drake a deixou chocar-se contra o chão. Quando Drake pegou a espada de Thomas, seu amigo se deu por vencido. Poderia muito bem estar morto.

     Drake atacou a Kajmela, liberando toda a fúria sobre a coisa. Esta não era a forma que Thomas devia terminar. Supunha-se que ia viver. Supunha-se que ia encontrar sua própria Theronai. Supunha-se que sua vida terminaria pacificamente depois de muitos anos, quando até o último Synestryn fosse expulso da terra.

     Não se supunha que ia morrer sofrendo em um buraco escuro, sabendo o que ia acontecer.

     —Vá, Drake. — disse com voz entrecortada.

     —Não o deixarei. — o peito de Drake gritou por ar. O suor cobria seu corpo. Golpeou a Kajmela sem piedade até que quase metade dela estava cobrindo a parede de rocha.

     —De qualquer maneira estou morto. Minha marca de vida está vazia. Vá. Pegue minha espada.

     —Não! — Drake lançou um furioso bramido, e golpeou a Kajmela. O pau se quebrou em suas mãos.

     —Salve... a Helen.

     Helen. Ainda estava desviando mais poder de que era seguro, e ainda assim não havia fogo. Finalmente descobriu o que era que estava fazendo com ele. Estava bloqueando a outra Kajmela para que não o matasse. Estava protegendo suas costas, mas não seria capaz de fazer isso por muito mais tempo.

     Drake sabia o que tinha que fazer, e odiava cada segundo disso. Olhou fixamente para os olhos de Thomas, memorizando cada linha de sofrimento no rosto de seu amigo. Pegou a espada de Thomas, assegurando-se de que visse que a tinha a salvo e em seu poder. A espada de Thomas nunca faria mal a ninguém.

     —Amo você, Thomas. Jamais será esquecido.

     Thomas não podia falar. A Kajmela tinha enchido sua boca. Uma lágrima caiu dos brilhantes olhos azuis de Thomas antes que também fossem consumidos pelo oleoso lodo negro.

     Quando não restava nada do Thomas, Drake se virou deixando de lado a dor de seu pesar, concentrando-se no que tinha que fazer. Obter a espada de Kevin e sair dali enquanto ainda podia.

     Pegou sua espada do chão, meteu-a na bainha, e foi para o lado de Helen. Respirava com dificuldade e tremia. Tinha a pele de um tom cinza doentio que o assustou como o inferno.

     —Libere-a agora. — ordenou. A voz estava áspera e tensa pela dor.

     Ela não respondeu. Drake pôs a mão esquerda em sua nuca, conectando as duas partes da Luceria.

     —Deixe-a ir, Helen. Precisa deixá-la ir.

     Ela estremeceu desabando contra o flanco. O muro ao redor da Kajmela se dissolveu, e a coisa escorreu para eles. Agora estava maior. Mais rápida. Em algum lugar dentro daquela massa estava a espada de Kevin. A única forma de tirá-la era queimar a Kajmela até fazê-la cinzas.

     Helen ficou parada, muito alterada para mover-se. Tinha o corpo débil e trêmulo. Se não fosse pelo apoio de Drake, teria afundado no chão.

     Drake se virou para ela, o rosto uma máscara de torturado pesar.

     —Precisa chamar o fogo. — disse a ela.

     Helen não entendia. Não entendia nada do que estava acontecendo.

     —Tem que queimar a Kajmela para eu poder tirar a espada de Kevin. Agora, enquanto há tempo.

     Helen sentiu a seu colar esquentar, e em uma fração de segundo viu a imagem do que Drake queria que fizesse. Viu-se de pé no túnel, com fogo saindo de seus dedos. O alcatrão que se dirigia a eles, explodindo em chamas.

     Drake queria que fizesse sair fogo de seu corpo? De maneira nenhuma. Drake quase morreu pelo fogo. Sua mãe morreu pelo fogo. Sua casa se incendiou três vezes. A cafeteria se incendiou quando todo mundo estava lá. Ia arder viva em uma escuridão bastante parecida com aquela, e Drake ia ver como acontecia.

     Como ele podia pedir isso a ela?

     —Necessitamos da espada de Kevin.

     Sentia o tranquilo desespero de Drake golpeando-a. Estava esmagado sob uma montanha de dor e culpa, mas de algum jeito recuperar a espada ainda encabeçava sua lista de prioridades.

     O monstro de lodo escorria para frente, fundindo-se com o que comeu Thomas. Os dois se converteram em um, um muito maior. Drake a arrastou pelo túnel enquanto a coisa avançava lentamente para eles.

     —Por favor Helen, tente. Necessitamos da espada. — disse com voz uniforme.

     Helen levantou a mão e fechou os olhos. Não queria fazer aquilo, mas não havia alternativa a não ser tentar. Estava segura como o inferno que nem tão cedo ia querer voltar ali.

     Pôs nela a fita de poder, juntando-o dentro dela, mantendo a aterradora imagem que Drake deu a sua mente. Fogo saindo de seus dedos. Ele pensava que podia fazer isso. Estava louco, mas tinha fé nela.

     O poder dentro dela se fortalecia e esquentava. Suas costelas doíam como se estivessem sendo empurradas por dentro. A dor aumentou até que começou a suar e tremer por sua força. O suor queimava sua pele, elevando-se em aspirais de vapor que cheiravam a medo. Enquanto o poder dentro dela se fortalecia, também o fazia o calor. Não podia suportá-lo, e ainda não saía fogo de sua mão.

     Seu interior tinha que estar empolado. Era muito calor. Ia explodir em chamas. Ser consumida por elas. Ia morrer. Esta era a forma que ia acontecer.

     Algo se quebrou dentro dela, algo entrou em pânico, uma parte infantil que não podia controlar. Não podia fazer isso. Não podia utilizar o poder dele desta maneira. Um profundo sentido de autopreservação misturado com um medo visceral ao fogo o fez impossível.

     Sentiu-se afastar-se e fechar-se, sentia como seu corpo quentíssimo voltava a ficar frio e a adormecer, e viu sua visão mergulhar em uma neblina cinza. Ainda podia ouvir Drake animando-a, mas não podia fazer isso. Não podia chamar o fogo. Não ao fogo.

     Drake sentiu a mente de Helen ficando em branco pelo terror e fechar-se. Seu medo ao fogo tinha ganhado. A espada estava perdida.

     Era o momento de sair dali antes que eles também estivessem perdidos.

     Puxou a mão de Helen, mas ela não se moveu. Alcançou sua mente e a encontrou aconchegada no terror.

     Ele tirou seu traseiro fora da mina.

     A pálida luz da alvorada mostrou a ela a entrada. Inclusive se a Kajmela os tivesse seguido, não sairia com o amanhecer tão próximo.

     O vento soprava seu rosto, secando as lágrimas de dor. Thomas tinha partido. Helen não respondia, e a espada de Kevin continuava perdida.

     Tinha falhado com todos.

     Helen começou a recuperar pouco a pouco a lucidez. Sentiu Drake instalando-a no assento dianteiro da caminhonete e pondo o cinto de segurança. Uma porta fechando-se. Outra se abrindo e fechando-se de repente. Um motor arrancando.

     Estavam partindo. Os monstros estavam atrás deles. Não tinha morrido em um incêndio. Thomas estava morto. Helen não podia deixar de repetir esse pensamento em sua mente. Estava viva, mas Thomas estava morto. De algum modo não parecia correto, era como se alguém tivesse cometido um engano gigantesco, e tivesse que voltar a qualquer momento para arrumá-lo. Todos voltariam para a mina, e desta vez fariam bem as coisas.

     Mas os minutos transcorreram, e nada aconteceu.

     A caminhonete sacudia enquanto avançavam pela estrada regional cheia de buracos. A mina estava a mais de uma milha atrás deles, mas ainda podia sentir a opressiva maldade daquele lugar, o aroma pútrido grudado à pele.

     Thomas estava morto, e eles nem sequer tinham a espada de Kevin para mostrar seu sacrifício. Essa parte era culpa dela, e seu fracasso a adoecia.

     Drake estava sentado em silêncio enquanto dirigia, com as mãos apertadas sobre o volante. A parte de trás de sua mão direita estava inchada, com bolhas onde o monstro de alcatrão o tocou, mas não parecia perceber. Sua atenção estava fixa na estrada de cascalho.

     O interior de Helen queimava, embora não tivesse certeza se era pelos danos físicos, ou pela sobrecarga emocional.

     Drake fez a curva em um caminho pavimentado, em direção ao Leste. O sol não tinha quebrado o horizonte, mas o céu estava cada vez mais claro. Apesar de seus olhos arderem, Helen deu boas-vindas à luz. Instintivamente sabia que uma escuridão como a que enfrentaram na mina não seria capaz de tolerar a pureza da luz solar.

     —Não vamos para longe. — disse Drake. Sua voz era áspera e dura no silêncio da caminhonete.

     Helen assentiu. Sem confiar em si mesma para falar. Tinha medo de que uma só palavra a fizesse chorar, e nunca seria capaz de deter-se. Por mais que desejasse deixar-se ir e ceder às lágrimas, Drake necessitava dela. Podia sentir o quanto estava sofrendo. Sua dor a diminuía, fluindo sobre seu vínculo em estremecedoras ondas de agonia. Ele amava Thomas como a um irmão, e ela só o conheceu por uma noite. Queria ser forte para Drake, encontrar uma forma de ajudá-lo a aliviar sua dor, e se chorasse seria inútil. De novo.

     Não havia nada que pudesse fazer para compensar sua covardia, mas talvez pudesse oferecer a Drake um pouco de consolo. Era a única coisa em que podia pensar para fazer em honra a Thomas.

     Caso Drake quisesse o consolo de uma mulher que tinha fracassado tão completamente.

     —Não foi sua culpa.

     Dirigiu um olhar duro para ela. Todo o calor de seus olhos dourados se foi.

     Helen engoliu, apesar de sentir as lágrimas obstruindo sua garganta. Seus olhos brilhavam pela necessidade de chorar.

     —Devia ter chamado... feito o que me pediu. — nem sequer podia dizer a palavra fogo.

     —Não deveria ter pedido isso a você sem ter ensinado primeiro o que precisava saber. É um erro que não repetirei. Vamos encontrar um lugar para descansar algumas horas. Logo a levarei para casa. Quando conhecer Gilda, terá uma compreensão muito melhor do que pode fazer.

     —É a mulher de quem me falou. A mulher como eu.

     —Sim. E também iremos ver Sybil. Saberá o que fazer com a visão de sua morte.

     Helen estremeceu involuntariamente ao recordá-la.

     —O que acredita que pode fazer? Fazer-me esquecê-la?

     —Não. Mas pode ser capaz de dizer a você que não é real. Possivelmente foi algo que plantaram em você para evitar que alcance seu potencial máximo.

     —Acredita que alguém pôs essa visão em minha cabeça?

    —É possível. Sybil saberá.

     Havia algo que não estava contando a ela. Podia ver isso na forma em que se negava a olhá-la, sentia a culpa formigando ao longo do vínculo.

     —O quê? —Perguntou. — O que está escondendo?

     —Fodida luceria. — queixou-se. — Não é nada. Apenas trate de descansar um pouco. Estaremos em um lugar seguro em alguns minutos.

     —Há algo. O que está escondendo? Cospe.

     Ficou calado alguns minutos, apertando e relaxando repetidamente a mandíbula.

     —Logan disse que havia algo errado com você. Acredito que isto é o que ele queria dizer.

     —Algo está errado em mim? Por que não disse nada? — Não podia acreditar em sua arrogância ao pensar que tinham o direito de esconder coisas dela. — Maldito seja, Drake, tenho o direito de saber esse tipo de coisa.

     Sua boca se torceu em uma careta de desgosto.

     —Disse a você tudo o que sei. Além disso, nem sempre se pode acreditar em tudo o que Logan diz. Retorceria a verdade, ou mentiria descaradamente se servisse a seu propósito.

     —Assim pode ser que não haja nada errado?

     —Oxalá soubesse. O que posso dizer a você é que vamos descobrir, e passaremos por isso juntos.

     Ela deixou escapar um suspiro de cansaço.

     —Estou cansada de sentir que estou dois passos atrás de todos os outros.

     —Helen. Já não há “todos os outros”. Agora é só você e eu.

     Tinha razão. Estavam por sua conta e essa era uma realidade aterradora. Drake era forte e capaz, mas ela não. Temia nunca ser.

     E se o que ocorreu ao Thomas acontecesse com Drake? Os dois fizeram aquele estúpido juramento, suas vidas pela dela. Não podia deixar que Drake fizesse o mesmo.

     —Já basta. — ordenou a ela. — As coisas deram errado esta noite, mas ficarão bem.

     —Como pode saber? Pode ver o futuro?

     —Não, mas lembro do passado. Por mais que ame ao Thomas, meu pesar por ele se desvanecerá com o tempo. Sei por que já ocorreram dúzias de vezes. Dói como um filho da puta agora, mas com o tempo, a dor desaparecerá. O pesar diminuirá e a vida continuará. Não temos o luxo de nos fechar e desmoronar em nossa dor. Temos um trabalho a fazer.

     —A espada de Kevin. — arriscou.

     —Sim. Ainda temos que encontrá-la. Pendurá-la junto à do Thomas no Salão dos Caídos.

     —É isso o que fazem? Quando um de você morre, quero dizer.

     Drake assentiu engolido a saliva e pestanejando várias vezes.

     —É a maneira que os honramos. Como os recordamos.

     Olhou para trás, para a caminhonete vazia. Nenhuma luz iluminava ali, não havia janelas, mas ainda podia ver o brilho da espada de Thomas onde Drake a deixou. O sangue de Thomas a cobria por toda parte, igual a algumas negras viscosidades do monstro que o matou. Incomodava-a que sua espada estivesse atirada no chão da caminhonete. Parecia-lhe uma falta de respeito com o homem que a manejou. O homem que salvou sua vida.

     Helen foi à parte traseira da caminhonete. Encontrou um lençol branco limpo guardado em uma bolsa de lona, e envolveu a espada nele tomando o cuidado de não se sujar com o sangue ou com o ácido negro. Colocou-a dentro da bolsa de lona e fechou o zíper.

     Considerou como jogar a pá de terra sobre sua tumba. Definitivo.

     —Encontraremos a espada de Kevin. — disse a Drake.

     Não tinha conhecido Kevin, mas se Thomas e Drake estavam dispostos a arriscar suas vidas para recuperar sua arma, então devia ter sido um inferno de homem. Merecia ser honrado de acordo com suas tradições.

     —Está dizendo que ainda está disposta a me ajudar? —Perguntou Drake lançando um rápido olhar sobre o ombro.

     —Fiz uma promessa a você. Tenho a intenção de mantê-la ou morrer tentando. — sabia qual dessas duas era a mais possível, mas manteve isso para si mesma.

  

     Drake necessitava de um pouco de tempo para refazer-se antes de enfrentar Gilda e o restante dos Theronai com a notícia da morte de Thomas. As más notícias podiam esperar. Ao menos disse isso a si mesmo como forma de justificar a protelação.

     Daqui a três horas conduziria ao recinto, mas havia uma casa Sentinela a menos de dez minutos, justamente nos subúrbios de Carbondale, Kansas. Tinha que levar Helen para lá e dar a ela uma chance de descansar, também. Esteve acordada toda a noite, a fadiga e a tensão por usar a magia fizeram seus olhos se injetarem com sangue e seus ombros afundarem.

     Não deveria tê-la pressionado tanto. Deu-se conta agora, mas era muito tarde para fazer algo exceto dar a ela tempo para dormir. De toda forma, mal se continha. Não era bom para ninguém assim, raivoso em seu interior até o ponto de querer gritar e arremeter contra o mundo por ter afastado Thomas dele.

     Suas emoções eram quase opressivas e necessitava de um pouco de tempo para meditar e ir a terra. Precisava empurrar sua dor e cólera para a terra, deixá-las serem absorvidas profundamente pelas pedras para que assim não pudessem machucar ninguém. Era uma ferramenta que todos os Theronai aprendiam desde que eram jovens como meio para lidar com a dor de seu poder crescente. Aqueles homens que não pudessem dominar a técnica não ultrapassavam seu centésimo aniversário.

     Drake pensava que quando encontrasse sua dama já não necessitaria dessa habilidade, mas agora podia ver o quanto estava equivocado.

     Ingressou no caminho de entrada da pequena casa de tijolos. Estava assentada em poucos hectares de terra que foram colhidas recentemente. Ninguém morava ali, mas um dos deveres dos Gerai – os humanos de sangue puro que ajudavam aos Sentinelas na guerra – era manter esses lugares como um refúgio seguro. Isso significava dar a eles a aparência de estar habitados assim os humanos os deixariam sozinhos. Muitos Gerai passavam suas vidas estando poucos dias em casas por todo o país, assegurando-se de que seus vizinhos sabiam que viajavam a negócios, ou estavam desfrutando de suas aposentadorias vendo o país. Seja qual fosse a história que usassem, assegurar-se-iam de bloqueá-los e que os vizinhos circundantes não se entremetessem muito nos negócios dos Sentinelas. A última coisa que os Sentinelas precisavam era de atenção extra.

     Drake esteve nessa casa em particular antes. Estava limpa, bem sortida de produtos frescos e carne, em lugar das típicas comidas não perecíveis que normalmente se encontravam nas casas Sentinelas. Tinha passado muito tempo desde sua última refeição e esperava que aquele que cuidava deste lugar ainda fosse tão consciencioso quanto antes. Apesar da dor e da tristeza, seu corpo não podia seguir adiante sem combustível, e tinha que seguir adiante.

     —Vamos descansar um pouco aqui. — disse a Helen, forçando a voz para que saísse estável e calma. — Então a levarei para minha casa.

     Helen fez um gesto cansado e saiu da caminhonete. Drake encontrou a chave grudada na parte de trás da arandela do alpendre e abriu a porta. Mais que ao aroma rançoso pelo desuso, a casa cheirava a flores silvestres e pão recém assado. Seu estômago roncou de apreciação.

     —Está com fome? —Perguntou a Helen.

     Ela assentiu.

     —Não realmente. Estou a ponto de cair.

     —Vamos ver se há algo rápido aqui.

     Drake abriu a geladeira, encontrou um recipiente gigante de salada e uma panela com uma nota grudada na tampa que dava instruções de como esquentar a lasanha. Quem sortia aquela casa merecia um aumento de salário e uma promoção.

     Deixou a salada no balcão e colocou a lasanha no forno, seguindo as instruções cuidadosamente escritas. Não demorou muito para encontrar os pratos, cobertos e a fogaça de pão ainda quente situada no balcão.

     —Sinto-me como se estivesse invadindo a casa de alguém. — disse Helen.

     —Não o faz. Os Sentinelas são os donos da propriedade e pagam ao pessoal para mantê-la. Assim aqui temos um lugar seguro para descansar.

     —Boa política. — podia ouvir o cansaço em sua voz.

     Helen lavou as mãos e serviu um pouco de salada para os dois.

     —Tivemos um montão de anos para fazê-lo bem. Ainda lembro de quando as únicas comodidades que tínhamos eram as que nossos cavalos podiam levar.

     Helen se deteve no processo de encher seu prato de alface.

     —Que idade tem?

     —Velho. — disse. — Realmente velho.

     —Está começando a me impressionar de má maneira.

     —Por isso não vou dizer a você exatamente o quanto sou velho. Está esgotada. Vamos comer agora e responderei às perguntas depois de que tenha dormido.

     O fato de que não discutisse demonstrava o quanto estava cansada.

     O sol do amanhecer penetrava através das janelas da cozinha e pôde ver claramente as linhas de tensão ao redor de sua boca. Suas roupas emprestadas estavam sujas e penduravam dela. Sentava-se se deixando cair, parecia frágil. E no final de suas forças. Derrotada.

     Sabia o que era e lhe dava vontade de puxá-la para seus braços e fazer que todas as coisas ruins desaparecessem. Queria encontrar uma maneira de mostrar a ela as partes boas de sua vida. Convencê-la de que nem tudo era luta, sangue e morte. Queria ensinar a ela que podiam ficar juntos, como uma poderosa força para fazer aos Synestryn retroceder a seu próprio mundo negro e salvar a raça humana da destruição. Mas temia que quando se inteirasse que havia outros homens que podia escolher, visse o tempo que passaram juntos como perdido. Quisesse começar de novo com um homem que fosse mais cuidadoso com ela. Um que pudesse introduzi-la facilmente em seu mundo e lhe mostrasse a alegria de ser um Theronai.

     Quando se inteirasse que poderia ter algum outro homem, poderia perdê-la. A ideia fez que suas mãos se enroscassem em punhos e sabia que evitaria que isso ocorresse com cada fôlego de seu corpo. Era dele e a ia reter. Encontraria a forma de compensar a dor e o terror que sofreu essa noite. Havia tempo para prepará-la para que confiasse em seu poder. Com um pouco de sorte em tudo, nunca encontrariam a espada de Kevin e estaria atada a ele para sempre.

     Drake se deteve quando a ideia entrou em sua mente, enraizando-se. Não podia fazer isso a ela. Não podia fazer isso ao Kevin. Levava seu juramento de proteger aos humanos a sério, e permitir que a espada de Kevin vagasse livremente nas mãos dos Synestryn era uma violação direta desse juramento. Nenhum dos Synestryn que viu na mina tinham mãos para manejar a espada, porém finalmente, alguém poderia reclamá-la como sua. Ou pior ainda, um dos Synestryn suficientemente poderoso para usar a magia poderia encontrá-la, usando seu poder para alimentar sua magia. Um demônio forte poderia libertar todas as almas sombrias que foram assassinadas pela lâmina de Kevin e um sem-fim de humanos morreria quando essas almas possuíssem seus corpos.

     Drake não podia deixar que isso acontecesse. Nem sequer se isso significasse uma vida livre da dor e uma mulher ao seu lado. A ideia era tentadora, mas não valia o que trair seu juramento custaria a ele.

     Afastou os pensamentos sombrios e olhou para Helen. Tinha a cabeça apoiada contra o braço estendido e tinha adormecido.

     Tinha a pressionado muito. Era hora de compensá-la por sua má conduta.

     —Helen. — disse em voz baixa, e esperou que abrisse os olhos antes de pegá-la. Não queria mais assustá-la. Queria que sua adrenalina estivesse feliz e tranquila para que pudesse dormir. Então poderiam falar.

     Ela dirigiu a ele um olhar surpreso, mas logo se acalmou e deixou a cabeça cair contra seu peito. Sentia-se tão bem a sustentando que não queria descê-la. Não sabia como ia encontrar a força para contar tudo a ela. Os segredos que guardava poderiam afastá-la dele quando soubesse da verdade.

     —Quer comer antes de dormir? —Perguntou.

     Ela negou com a cabeça, e a sedosa trança se esfregou contra seu braço.

     —Muito cansada.

     Drake a levou a um dos dormitórios e a deixou na cama tamanho gigante. A maioria das casas Sentinelas tinha camas grandes porque os Sentinelas tendiam a ser homens grandes. Esta tinha guarnições de um belo azul real, e combinava com as cortinas que cobriam as janelas para permitir dormir tranquilo durante o dia.

     Helen esfregou os olhos e bocejou.

     —O armário e a cômoda estão cheios de roupas limpas etiquetadas por medidas e o banheiro deve estar abastecido com xampu, escovas de dentes novos, pasta de dente, esse tipo de coisas. Se necessitar de algo, faça-me saber.

     —Onde vai estar?

     Drake apontou para a porta do outro lado do corredor.

     —Ali.

     A menos que queira que fique aqui. Quase não se continha de dizer as palavras. Queria tê-la perto, lhe dar consolo e receber o seu em troca. Tinha suficiente confiança em sua dignidade para admitir que necessitava de uma boa dose de consolo nesse momento. As coisas estavam complicadas.

     Thomas estava morto.

     Seu peito doía por seu amigo perdido e a carga que sua morte traria para todos aqueles que o amavam. Tanta gente o amava.

     Helen se levantou e rodeou seu corpo com os braços. Até então, tinha esquecido seu vínculo. Ainda não estava acostumado a ele. Tinha deixado seus sentimentos sem controle, ela sentiu sua necessidade de consolo.

     Apoiou a face contra seu peito e passou seus dedos pelas costas dele com um movimento suave. Não dizia palavras mundanas de consolo ou palavras vazias de simpatia. Simplesmente o abraçou e o fez saber que não estava sozinho. Era mais do que merecia, mas não ia deixar que se detivesse.

     Sustentou-a contra ele e aspirou ao aroma de seus cabelos. Lavanda. De seu banho na última noite.

     A lembrança dela nua na banheira, nua em seus braços, chegou até ele de novo em toda sua inadequação. Sentiu seu corpo enrijecer-se e a afastou para protegê-la de sua inoportuna luxúria, enquanto ao mesmo tempo, protegia seus pensamentos disso também. Não tinha nada que pensar sobre o que queria seu corpo em um momento como aquele. E inclusive se o fizesse, Helen estava muito cansada para o tipo de amor que queria lhe dar.

     Drake se afastou, sentindo que estava deixando um pedaço de sua alma para trás com o esforço que tomou.

     —Tome banho se quiser. Trata de dormir se for possível. Tenho que fazer algumas ligações, assim ficarei acordado por um tempo se necessitar de algo.

     —Estamos seguros aqui?

     Uma pergunta tão inocente, mas que fez seu coração se quebrar um pouco. Tinha posto em seus pensamentos muito temor e dor, sabia que só havia mais por vir.

     —Sim. Estaremos a salvo durante o dia. Vamos estar em casa antes do anoitecer e este lugar é uma fortaleza. Não poderá entrar nada que não queiramos que entre.

     —Promete?

     —Prometo.

  

   Helen despertou horas mais tarde com a sensação de que algo estava errado. Abriu os olhos, mas ficou quieta, escutando. Levou um minuto para recordar seu entorno. Levou ao menos o dobro de tempo para recordar por que estava ali e os acontecimentos que a conduziram a esse ponto.

     Tudo lhe chegou de volta rapidamente, e Helen teve que sufocar um gemido. Tanta dor, sangue e morte. Não sabia como Drake podia suportar viver uma vida como aquela.

     O lampejo de inquietação que a despertou aumentou e tentou averiguar o que era. Algo estava errado e precisava arrumá-lo.

     O quarto estava na penumbra pelas cortinas escuras e tudo estava banhado com uma luz de cor azul real. Ainda estava com os cabelos úmidos da ducha rápida que tomou e os lençóis suaves deslizavam sobre seus seios quando respirava. Não tinha tido energia para vestir-se depois de usar suas últimas forças para tomar banho, assim tinha fechado a porta do dormitório, se enfiado na cama nua, e desmaiou.

     Não podia ouvir nenhum ruído, mas ainda sentia a mesma inquietação ardendo em sua mente. Vestiu o grande roupão de flanela que encontrou pendurando no banheiro e silenciosamente abriu a porta.

     Do outro lado do corredor, a porta do quarto de Drake estava aberta. Viu-o ajoelhado no chão. Seu peito e seus pés estavam nus e podia ver que a árvore que cobria o lado esquerdo de seu corpo tinha mudado de algum modo. Inclusive mais folhas novas e brilhantes tinham surgido dos ramos e estava segura de que podia vê-las balançando-se com algum vento invisível. Não havia sinal algum de que já houvesse se cortado, nem sequer havia uma crosta. A seu lado estavam seu cinturão e sua bainha, a qual podia ver agora que não estava grudada a seu corpo. Em frente dele jazia a espada, brilhando na penumbra do quarto. As cortinas eram de um vermelho escuro e lançavam uma luz de cor vermelha sangue ao longo da lâmina nua.

     Seus olhos estavam fechados e se mantinha em uma posição quase de oração. Talvez estivesse rezando. Não tinha certeza. Pelo que sabia, podia ser assim que dormia.

     Do que estava segura era de que tinha encontrado a fonte de sua inquietação. Era uma dor moderada com a aceitação e vinha de Drake, gotejando nela através da luceria que rodeava seu pescoço. Sofria pela perda de seu amigo, e podia sentir a crua e palpitante ferida que deixou em seu interior. Agora mesmo queria mais que nada encontrar uma maneira de aliviar sua dor.

     Helen se aproximou e acariciou a faixa flexível, maravilhando-se do que a magia tinha criado. Na mina, esteve segura de que tinha criado bolhas em sua garganta, mas tinha se olhado no espelho e sua pele estava bem. Deveria ter imaginado as queimaduras ou exagerado o que pensava haver sentido.

     Ainda não estava segura de quanto gostava da ideia de saber que podia sentir suas emoções através da coisa, mas agora estava agradecida pela conexão. Sem ela, nunca teria sido capaz de sentir a profundidade de sua dor. Nada disso chegava a ela através de sua expressão e instintivamente soube que ia tentar lhe ocultar essa parte dele.

     Mal o conhecia, mas a necessidade de consolá-lo era opressora. Tinha sofrido tanto ao longo de sua vida, que não queria que sofresse mais. Precisava sustentá-lo e lhe dar o consolo animal básico do contato humano. Fazê-lo saber que não estava sozinho.

     —Está acordada. — disse sem abrir os olhos. Sua voz profunda a envolveu e fez que o ar em seus pulmões ressoasse em resposta.

     Helen sentiu um pequeno calafrio percorrendo sua pele.

     —Eu… senti você. Senti sua dor.

     —Sinto muito. Não queria compartilhá-la com você. Estava tentando me bloquear para você.

     Ela podia ver uma tensão sutil atravessando seus membros como se estivesse se esforçando contra um grande peso. Não podia entender porque se esforçava, mas podia sentir quão firmemente sustentava seu controle. Não tinha certeza do porque o estava afastando, mas o que quer que fosse, era suficientemente poderoso para fazer tremer seu forte corpo.  

     Não podia suportar seu sofrimento, mas não tinha certeza de como ajudá-lo. Inclusive não tinha certeza de que pudesse ajudá-lo.

     —Talvez devesse compartilhá-la.

     —Não isto, Helen. As coisas boas, sim, mas não isto. Não sou muito perito no bloqueio da conexão que temos ainda, mas estou melhorando.

     Não tinha certeza se estava mais preocupada com essa notícia ou agradecida.

     —Não tentei bloqueá-lo, nem sequer sei como poderia.

     Ainda não tinha aberto os olhos e estava começando a perguntar-se se tinha interrompido algo, talvez algum ritual. Estava a ponto de desculpar-se e o deixar com o que quer que estivesse fazendo quando ele falou.

     —Realmente não deveria tentar me manter fora.

     —Assim está bem que você o faça, mas não eu?

     Tentou não soar indignada, mas não pôde evitar.

     —Precisamente.

     —Parece um pouco machista para mim.

     —Não machista. Prático. Esse vínculo está aí por uma razão.

     —Que razão poderia existir para uma conexão mental entre nós que só vai a um caminho? Soa como algum tipo de monitor para bebês e não sou um bebê.

     Ele abriu os olhos e a olhou. Realmente a olhou. Seu olhar foi desde sua cabeça a seus pés descalços e de volta, no momento em que terminou seu passeio, seus dourados olhos se escureceram para um belo castanho.

     —Não. É toda mulher, Helen. Não pense que não o notei.

     Não ia responder a isso com nada que não a envergonhasse mais, assim ficou em silêncio.

     Drake continuou.

     —Supõe-se que devo ser capaz de ler seus pensamentos em batalha assim poderei me posicionar mais efetivamente, antecipando seus atos. Se não conhecer sua mente, como poderei saber onde quer que eu vá?

     —Acredita que vou ser capaz de dizer a você aonde ir? Em uma batalha? Que ideia mais ridícula.

     —Sim. Talvez não ainda, mas um dia o fará.

     —Tem muita fé em mim.

     E estava falando sobre um dia, o que o fazia soar como se fossem ficar juntos muito tempo, o tempo suficiente para transformar-se em um gênio militar, ao que parecia. Supunha-se que só iam ficar juntos o suficiente para encontrar a espada, mas ele parecia dar a entender algo mais… duradouro. A ideia a emocionava mais do que deveria.

     E Drake sentia essa emoção. Viu isso em seu rosto, na forma em que suas angulosas maçãs do rosto se elevaram em um sorriso de satisfação.

     —Não, você é a única com um montão de fé caminhando ao meu redor coberta com nada mais que um pedaço de tecido frágil. Certamente sabe quanto a desejo. Não é exatamente um grande segredo.

     De repente, sentiu uma parte do que ele esteve retendo, uma quente onda de luxúria. Bateu contra ela, quase a pôs de joelhos. Imediatamente seu corpo começou a esquentar-se e suavizar-se, preparando-a para que a possuísse.

     Helen conteve com a boca fechada um suave gemido de necessidade.

     Drake ficou em pé, parecendo maior do que recordava. Mais poderoso. Talvez fosse porque seu peito estava nu e podia ver facilmente os pesados blocos de músculos deslizando-se sob sua pele. Seus braços eram grossos e duros, especialmente os antebraços, que tinham se desenvolvido em apertados cordões de músculos que a maioria dos homens não tinha. Músculos de manejar espadas.

     Só vê-lo tão gloriosamente nu como estava lhe dava vontade de sentir cada centímetro de seu torso descoberto sob seus dedos.

     —Ouvi isso. — disse Drake. Um sedutor sorriso se ampliou em sua boca e deu um comprido passo para ela.

     Helen sentiu seus mamilos apertarem-se contra a suave flanela e um lento calor se expandiu por seu ventre. Mal o conhecia, mas isso não parecia fazer seu corpo parar de querer aproximar-se mais. Nua e mais perto.

     Em vez disso, fez o mais covarde, deu um passo para trás e se chocou contra o marco da porta.

     —Por que corre? —Perguntou. — Sei que quer isto tanto quanto eu.

     —Vim aqui para abraçar você. Consolar você.

     Elevou suas escuras sobrancelhas.

     —É mesmo?

     Ela assentiu.

   —Se me abraçar, não serei capaz de me conter de tomar mais de você. Deixarei a ambos nus e nos farei esquecer porque estamos aqui. Esse é o tipo de consolo que quero, Helen.

     E ela o queria, também. Tão louco quanto era.

     —Não o conheço. —Mas o queria. Tanto.

     —Sabe mais de mim que quase todas as pessoas vivas. Viu dentro de minha cabeça e pode sentir o que sinto. Tenho alguma intenção malvada para você?

     Tinha bastante.

     —Não.

     Deu outro passo, o qual o levou exatamente para frente dela. Podia sentir o cheiro do xampu que usou e ver o brilho de sua mandíbula recém barbeada. Esfregou a parte posterior de seus dedos contra sua face em uma carícia insuportavelmente terna.

     —Tão suave. — ronronou. — Eu adoro a sua suavidade. Faz-me querer tocar mais em você. Saboreá-la.

     Helen estremeceu e não pôde deixar de inclinar-se para sua carícia. Sentia-se muito bem para não fazê-lo. Fez que ela tivesse fome de mais carícias, mas ainda se conteve, negando-se a deixar-se ir na direção que sabia ele queria. A direção que ela queria. Só queria oferecer consolo, aliviar a dor com sua presença. Nada mais. Não podia chegar a ter intimidades com um homem que conheceu há menos de vinte e quatro horas antes.

     Ou sim?

     Que pergunta insidiosa e tentadora. Ficou presa em seu cérebro, circulando através de um cacho de cabelo uma e outra vez.

     —Acredita que quero machucar você? —Perguntou em um sedoso e profundo tom.

     Deslizou-se por seus sentidos, retumbando em seu interior, convertendo-se em parte dela.

     Abriu sua mente a ela, deixando-a sentir o que ele sentia. Outra embriagadora explosão de luxúria chocou-se contra ela através de seu vínculo, fazendo Helen gemer e apertar as coxas. Ele fez isso com um propósito. Sentia-o, também. Queria que soubesse quanto a desejava. Como se sua ereção elevando a frente de seu jeans não fosse prova suficiente.

     —Bem? —Perguntou, deixando que as pontas de seus dedos roçassem suavemente a boca dela. — Acredita que quero machucar você?

     —Nunca.

     Soube a um instintivo e profundo nível nos ossos. Não só não a machucaria, mas também mataria a qualquer um que o tentasse. Tinha-o visto, também, uma breve olhada em sua honra, um cavalheiro vinculado que lhe deu seu voto.

     —Então, que mais precisa saber, amor? Que mais posso dizer ou mostrar a você para conseguir que acredite em mim? Abrir-se para mim?

     A mão dele continuou sua descida pela linha de sua mandíbula até a palma de sua mão que estava aberta contra sua garganta. Podia sentir o quanto o anel perto do colar. Ambas as partes da luceria vibravam com a necessidade de unir-se.

     —Confio em você. — acertou a dizer.

     Era verdade. Fazia isso. Não o conhecia nem há um dia completo, mas confiava nele como não o fazia em outra pessoa. Tinha arriscado sua vida por ela. Tinha protegido a senhorita Mabel. Assegurou-se que seus amigos idosos fossem alimentados quando ela não estivesse ali para fazê-lo. Era prova suficiente de que era um bom homem.

     —Então por que retrocede? Posso sentir que me deseja.

     Desejava-o, de acordo. Mais do que nunca desejou a nenhum homem em sua vida. Só isso era uma ideia aterradora.

     —Não tem que preocupar-se. — disse com uma voz misteriosa como o pecado. —Vou cuidar bem de você.

     Forçou uma imagem mental através da luceria, não lhe dando outra opção se não vê-la. Viu-se nua estendida na cama, coberta com um fino brilho de suor. Suas pernas estavam abertas obscenamente, as grandes mãos dele sustentando suas coxas separadas. A cabeça escura se movia entre elas e podia quase sentir sua boca sobre ela, sua língua quente entre suas dobras úmidas.

     Uma onda de vertiginosa luxúria se apoderou dela e se aproximou para manter o equilíbrio. As mãos se pressionaram contra seu peito, a única coisa estável em seu mundo giratório.

     Cada folha de sua tatuagem estremeceu ao contato de pele sobre pele e Drake inspirou com aspereza.

     —Se continuar me tocando, não vou dar mais escolha a você.

     Sim. Era isso o que queria. Sem escolhas. Sem decisões. Sem responsabilidades. Só o prazer de um homem que sabia dá-lo, suficiente prazer para lavar todas as coisas ruins de sua vida durante um pequeno lapso. Sem morte ou sangue ou sofrimento. Sem fogo. Só prazer.

     —Seus desejos são minhas ordens.

     Moveu a mão para que o anel e o colar finalmente se conectassem, bloqueando-se entre eles como ímãs.

     Uma faiscante corrente de eletricidade ziguezagueou através dela, fazendo-a arquear-se. As imagens se chocavam contra ela, uma atrás da outra, fazendo uma rápida colagem a fogo de todas as coisas que ele queria fazer com ela. Coisas que nunca tinha considerado, que nunca tinha acreditado possíveis, perversas coisas selvagens que a deixaram trêmula com uma mistura de excitação e apreensão. Era muito. Queria muitas coisas dela, coisas que a queimariam viva.

     Antes que pudesse expressar sua preocupação, sua boca cobriu a dela em um beijo que roubou seu fôlego e já não importou se queria muito. Queria ser a que o desse. A única.

     Acolheu com prazer sua língua na boca, recebeu com alegria o escorregadio avanço e retrocesso que a obrigou a pensar no que estava por vir. Sua mão ainda rodeava sua garganta e soube que podia sentir cada gemido desesperado de necessidade que emitiu, cada frenético batimento golpeando contra sua palma.

     O cinto de seu robe não era mais que um aborrecimento passageiro. Um rápido puxão e as bordas se abriram para ele. Separou-se de sua boca, a segurou pelo pescoço contra o marco da porta quando abriu seu robe e olhou seu corpo. Seu agarre era cuidadoso, mas inquebrável, e não podia fazer nada para deter seu escrutínio.

     Normalmente, sob tão severo controle, teria pensado em todas suas áreas problemáticas e todos os defeitos físicos que eram muitos para nomeá-los. Mas isto estava longe de ser normal. Seu olhar quente, a forma que as asas[12]de seu nariz se agitavam, e a profunda coloração de luxúria pintada no alto de suas bochechas eram suficientes para afastar qualquer dúvida sobre si mesmo de sua mente. Olhava-a como se fosse a coisa mais sexy que já tivesse visto, como se pudesse morrer se tivesse que afastar os olhos.

     —Tão bonita. — grunhiu com uma voz que fez enroscar seus dedos dos pés contra o tapete. — Quase não posso esperar para vê-la gozar.

     Um gemido saiu de seus lábios.

     Sustentou-a imóvel enquanto baixava a boca para seu seio. A ponta da língua se aproximou e lambeu o mamilo enrijecido.

     Helen ofegou e seu corpo se arqueou para ele.

     —Justo assim, amor. Ensine-me como você gosta.

     Fez. Utilizou seu exemplo e empurrou uma imagem através de seu vínculo, mostrando a ele o que queria.

     Drake gemeu, fazendo um som quase animal de necessidade.

     —O que quer que deseje, Helen. Tudo o que quiser.

     O calor úmido de sua boca se aferrou a ela, tomando seu mamilo mais profundamente na boca. Um raio atravessou seus nervos, fazendo que seu ventre se apertasse e seu corpo se umedecesse mais.

     Sua mão direita deslizou debaixo do robe solto e abrangeu o traseiro dela. Seus dedos a apertaram possessivamente, moldando a carne a seu gosto. Helen se sentiu instável e débil, aferrou-se a seu pulso grosso para manter o equilíbrio. Quis uma cama embaixo dela e Drake em cima roçando seu bonito peito nu contra o dela.

     Seu mundo girou e quando a vertigem se assentou, estava exatamente onde queria estar sobre a grande cama. Drake estava sobre ela, sustentando seu peso para não esmagá-la. Seu rosto estava tenso pela luxúria, um faminto olhar predador que a fez sentir-se vulnerável e segura ao mesmo tempo. Não pôde entender como o fez, nem tinha intenção de gastar preciosos segundos preocupando-se. Não quando finalmente estava livre para ter o que desejava.

     Pressionou as mãos contra o peito dele, fechou os olhos, e deixou que deslizassem ao redor, bebendo a sensação dele. Pele suave sobre músculo duro. Uma fina camada de pelos. Suor frio que testemunhava seu autocontrole.

     Estava refreando-se com ela. Mantendo o controle para não assustá-la. Notou isso nas rígidas linhas de seu corpo, sentiu isso fluindo através da conexão que tinham entre eles. Era doce, mas não era tudo o que queria. Não queria que se retivesse. Queria tudo dele. Duro, potente e suficientemente quente para queimar sua alma.

     Uma de suas coxas grossas pressionava entre suas pernas, e elevou os quadris, esfregando-se contra o suave jeans que cobria o duro músculo.

     Drake gemeu e caiu pesadamente sobre ela, tomando sua boca em um feroz beijo. Forçou-a a abrir os lábios e cravou sua língua. Sua mão deslizou sob seu traseiro e a ajudou a encontrar seu ritmo enquanto montava sua perna. A fricção do jeans contra seus clitóris fez que seu corpo se contraísse e seus nervos faiscarem. Nunca esteve tão perto de chegar ao orgasmo com tanta rapidez em sua vida.

     Tentou refrear-se, mas Drake tinha outras ideias. Sua boca se perdia em quentes beijos úmidos sobre sua mandíbula, descendo por seu pescoço. Deteve-se para brincar um momento com a luceria antes de mover-se para baixo. Mordiscou sua clavícula, deixando a ardência das pequenas dentadas em seu rastro, cada uma fazendo Helen estremecer e empurrar seu montículo mais forte contra sua coxa.

     —Vamos, meu amor. — sussurrou contra sua pele. — Dê-me o que quero.

     Os lábios encontraram seu seio e ela se arqueou tratando de fazê-lo ir aonde queria. Desejava que ele introduzisse seu mamilo de novo na boca, sabendo que a sensação adicional a enviaria ao limite. Sua língua formava redemoinhos sobre a tenra parte inferior de seu seio, deixando um fresco caminho ao longo de sua pele quente. Moveu-se de novo, mas ele se esquivou dela e deixou escapar uma baixa risada zombadora.

     Helen não estava à cima da guerra suja para conseguir o que queria. Deslizou as mãos para baixo entre eles até que pôde sentir o longo volume de sua ereção sob os dedos. O leve roce o fez aspirar uma baforada de ar e ficar rígido. Gostou tanto de sua resposta, que o fez de novo, só que desta vez, pressionou mais firmemente. Seu profundo gemido foi a recompensa e repercutiu em seu interior, fazendo-a estremecer de satisfação.

     Drake deixou que mais de seu peso a pressionasse. Não só o fez prendendo suas caprichosas mãos, também se esfregava nela no ponto exato. Sua boca se fechou sobre o mamilo, chupando profunda e fortemente. Não podia evitar chocar-se contra sua separação. Nem sequer tentou.

     Seu orgasmo a arrasou em ondas de luminosa sensação. Cada músculo tenso em resposta as poderosas demandas de seu corpo. Ela existia só no prazer e nada mais podia penetrar nele. Não havia nada aqui exceto luz, calor e brilhante gozo abrasador.

     Quando o prazer retrocedeu, desabou e Drake se afastou lentamente, dando suaves toques quentes com a língua sobre sua pele. Estava muito relaxada para fazer outra coisa que não deixar que ele fazer o que quisesse, sua mente muito nebulosa para inclusive considerar fazer o contrário.

     —Isso foi bonito. — disse ele. Podia sentir seu fôlego varrendo ao longo de seu estômago, que ainda tremia pelas réplicas de seu orgasmo. —Acredito que gostaria de vê-lo de novo.

     OH, não. Não tão cedo. Estava muito sensível e esgotada do orgasmo para até mesmo começar a considerar outro.

     E então sentiu a língua batendo as asas sobre a carne muito sensível entre suas coxas e soube que tinha se equivocado. Não era muito cedo. Não para o que Drake estava fazendo a ela. Seu corpo se uniu ao fugaz toque faminto. Necessidade voraz.

     —Mmm. Assim é, amor.

     Seu fôlego sobre suas coxas a excitou e a fez girar os quadris. Drake as cobriu, sustentando-as apertadamente com suas mãos grandes.

     —Vai ficar quieta enquanto a saboreio.

     Não queria ficar quieta. Queria tocá-lo, e sabia que não devia o deixar dirigi-la assim, mas no instante seguinte, sua língua estava lisa e quente contra ela e não pôde pensar em nada mais exceto no quanto era bom. Podia fazer o que quisesse com ela sempre e quando continuasse fazendo isso.

    

   Drake não ia resistir muito mais tempo. Não com Helen dando todos aqueles pequenos gemidos de necessidade. Estava enlouquecendo com o ruído. Seu sabor. Sempre desfrutou de dar prazer a uma mulher com a boca, mas com Helen, ia além do desfrute, era a perfeição.

     Sua língua continuava atormentando a marca de nascimento no alto da face interna da coxa dela, o anel de cor vermelho profundo que a identificava como um Theronai. Cada vez que a lambia, absorvia um surpreso fôlego como se o prazer a sobressaltasse. Sua reação o impulsionava grosseiramente.

     Seu anel há muito tempo havia ficado quente pela tensão que punha sobre seu vínculo, mantendo o controle sobre seu prazer. Ela estava alucinada por isso, desesperada pelo que ele queria lhe fazer.

     E queria fazer tantas coisas com ela.

     Mostrou a ela só algumas delas. As coisas mais dóceis que pensou que podia dirigir. Manteve suas necessidades mais baixas para si mesmo, guardando-as para quando tivesse estabelecido uma reclamação permanente sobre ela.

     E o faria. Não havia escolha sobre essa parte agora. Não podia deixá-la partir sabendo quão perfeitamente se adaptava a ele. Tanto que ela necessitava o que só ele podia lhe dar e vice-versa.

   A ereção de Drake pulsava dolorosamente. Precisava estar dentro dela, precisava introduzir-se profundamente até que não houvesse nenhum espaço entre eles. Já tinha deslizado em sua mente. Era o momento de seu corpo seguir seu exemplo.

     Estava escorregadia e quente sob sua língua, facilitando deslizar um dedo no interior de sua apertada vagina. Ofegou ante a pequena penetração e suas mãos se converteram em punhos sobre a colcha. O sexy gemido que deu o fez tremer de necessidade, mas se conteve. Só um momento mais era tudo o que necessitava para estar preparada para ele.

     Empurrou dois dedos em seu interior, sondando-a, estendendo-a. Estava úmida e perfeita, suficientemente relaxada pelo clímax que tinha certeza que não a machucaria.

     Drake tirou os jeans e estava de novo sobre ela antes que tivesse tido tempo de perguntar-se aonde tinha ido. Seus seios e rosto estavam rosados com o desejo, seus olhos estavam fechados de gozo, e estava caprichosamente estendida, toda curvas femininas e pele suave. Nunca a olharia o suficiente, tão bela e brilhante e feita só para ele. Estava convencido disso agora. Tinha sido feita para tentá-lo, o agradar e o levar a loucura com a luxúria. E amava a cada segundo disso.

     Seus olhos se abriram e pôde ver dourados fragmentos de paixão brilhando neles. Deu um lento e sexy sorriso para ele e um segundo mais tarde estava atordoado pelas borbulhantes ondas de desejo. Dela. Mesclava-se com sua própria necessidade rasgada, cortando os limites até que não pôde suportar.

     Durante um tempo, Drake não pôde tomar fôlego. Nunca havia sentido nada parecido antes e não tinha certeza se ia sobreviver. Não a menos que pudesse introduzir-se nela. Completamente. Agora.

     Tomou sua boca em um beijo com a intenção de distraí-la, cativá-la. Não tinha certeza se poderia ser amável por mais tempo e a uma parte dele nem sequer se importava. Estava preparada para que a possuísse, aberta e disposta. Assim a possuiu. Pressionou sua ereção contra a abertura dela e deslizou para dentro a ponta rombuda.

     Helen ofegou e ficou rígida, pôde sentir sua comoção ante a invasão. Drake deveria haver parado, se afastado, e a deixado acostumar-se a ele, mas não podia. Não agora. A necessidade desenfreada de ser parte dela golpeou através de seu corpo. Estava trêmulo por sua força, incapaz de parar de pressionar para frente, deslizando-se mais profundamente, fazendo-a receber mais dele.

     Helen deixou escapar um gemido irregular. Se era de prazer ou dor, Drake não sabia. Sua mente estava ficando sem sentido pela sensação de seu calor escorregadio apertando-se ao redor dele lentamente centímetro a centímetro. Restou honra suficiente para abrir um caminho ao longo da conexão cheia de luxúria entre eles e forçar uma ordem para que ela relaxasse. Suavizando-a. Deixando-o entrar.

     Drake sentiu isso acontecer. Ambos, sua mente e seu corpo abertos para ele com uma aceitação voluntária. Não queria esperar para tomar vantagem dela. Afastou-se apenas meros centímetros e deslizou para o interior em um lento e poderoso impulso que o introduziu até o punho.

     Helen suspirou em sua boca enquanto Drake estremecia com a sensação do aperto contra sua ereção.

     Encontrou prudência suficiente para perguntar:

     —Está bem?

     Ela deu a ele um relaxado quase sonolento olhar. Sem dor ou mal-estar. Graças a Deus.

     —Apenas se mova.

     Drake não necessitava de maior estímulo. Moveu-se. Fortes e profundos embates que fizeram seus seios se agitarem sedutoramente e seu fôlego se precipitar para fora de seu corpo. Seus dedos se aferraram aos cabelos dele e forçou sua boca até seus seios.

     Adorou que não fosse tímida e mostrasse a ele o que queria. Adorava a forma que gemia quando chupava seus mamilos com força e os sensuais ofegos que dava quando usava os dentes.

     Drake sabia que não ia ser capaz de resistir muito mais, mas queria que ela gozasse com ele. Queria sentir as sedosas contrações de seu corpo quando gozasse. Queria escutar seus gritos desesperados quando chegasse ao ponto culminante ressoando em seus ouvidos enquanto ejaculava em seu interior.

     As unhas dela se cravavam em suas costas e arqueou os quadris para receber seus famintos embates. Cada vez que se afundava, soltava um desesperado grito, cada um mais forte que o anterior. Compassou a sucção de sua boca com os golpes de seus quadris, ambos sentindo-se a centímetros da liberação.

     Sua mão rodeou sua garganta e seu anel se aferrou a seu colar em apertão inquebrável. A conexão entre eles ardia e se ampliava, pôde de repente sentir o que era para ela tomá-lo no interior de seu corpo. Podia sentir o modo que sua ereção a estirava, como o ângulo de seu eixo afetava exatamente os pontos corretos de seu interior. Podia sentir a corrente de calor abrasador fluindo através de seu ventre cada vez que sua boca puxava seu mamilo. Era incrível.

     As sensações dela se acumularam sobre as suas até que foram demais para suportá-las. Seus testículos se apertaram contra seu corpo justamente quando a primeira contração percorreu o ventre dela. Sentiu o orgasmo golpeá-la um momento antes do dele. Enterrou-se em seu interior e deixou escapar um gemido esmigalhado enquanto sua semente bombeava em fortes jorros, enchendo-a. Contraiu-se ao redor dele a cada um, ordenhando-o, tornando a sensação mais intensa do que nunca havia sentido antes. Sentimentos, emoções, necessidade e satisfação. Pôde sentir tudo de uma vez. Seu corpo e o dela, seu orgasmo e o dela, sua mente e a dela. Obstruiu seu cérebro com prazer até que não pôde aguentar nada mais.

     Devia ter desmaiado durante alguns segundos, o que não era exatamente a coisa mais viril que podia ter feito. Só que não se importou de forma alguma. Seu corpo completo estava pulsando e zumbindo com um gozo alegre, um brilhante prazer que era parte de ambos. Apenas se deixou flutuar nele. Deixou-se encharcar com ele. Podia sentir Helen fazendo o mesmo, só que ela estava com problemas para respirar. Estava esmagando-a.

     Drake girou até que a pôs sobre ele. Estava fraca e saciada, ficou ali onde a pôs. Ela levantava e baixava com sua respiração entrecortada, sua cabeça era um peso quente exatamente em cima de seu coração.

     Um sentido de satisfação se moveu o comovendo e não podia dizer se era de Helen, dele ou uma combinação de ambos. Mas gostava. Normalmente não era um homem sentimental, especialmente depois de um sexo alucinante, mas fez uma exceção. O que compartilharam não foi apenas sexo. Nem sequer foi fazer amor. Foi além de tudo que já tinha conhecido. Durante alguns segundos, compartilharam o espaço, os sentimentos e as emoções. Tinham sido tão profundamente parte um do outro que não podia dizer onde terminava ele e começava ela.

     Algo disso foi desconcertante, mas inclusive assim, a experiência foi incrível. Das que mudam a vida.

     Drake finalmente soube o que Angus queria dizer quando lhe disse que ele e Gilda eram verdadeiramente um. Não eram fisicamente a mesma pessoa, mas se o que experimentavam era algo como o que Helen e ele sentiram, era como compartilhar a alma.

     Tinha o encantado. Queria fazê-lo de novo, mas ainda podia sentir o prazer de Helen desvanecendo-se e a sua mente reagindo. Tinha sentido o mesmo que ele e apesar de tê-la encantado em seu momento, não a estava encantando agora.

     Fechava-se para ele, bloqueando-o.

     Aumentou seu abraço sobre ela.

     —O que acabamos de compartilhar muda as coisas entre nós. Não deixarei você me manter de fora.

     —Não vou dar nenhuma opção. — disse. — Necessito de um pouco de tempo a sós para pensar. Minha cabeça já está bastante cheia sem você movendo-se por lá, também.

     —Não levou muito tempo para averiguar como me tirar fora.

     —Sou uma rápida aprendiz. — respondeu.

     Drake suspirou. Nada era fácil quando se tratava de mulheres.

  

   Helen estava muito cansada para assustar-se. Não tinha a energia para isso. Especialmente depois de um sexo como aquele. Foi como um cataclismo para ela, dando volta em seu mundo e rachando suas bases até que já não sentia como se estivesse sobre o chão sólido.

     Tinha sentido coisas através de Drake. Visto através de suas percepções. Finalmente tinha visto o que ele viu quando a viu, pele lisa e suave, curvas gentis, pernas longas e bem delineadas. Foi bizarro ver a si mesma, mas não se sentiu da forma que supunha que se sentia a respeito de seu corpo. Tinha se excitado e isso era verdadeiramente perturbador. Ao menos o era agora. Naquele momento, tinha amado isso, descobrir a maneira que podia fazer Drake suar com a necessidade de investir dentro dela. Como podia não amá-lo um pouco quando podia ver o quanto o homem era nobre e cuidadoso? O que sacrificou para proteger a humanidade? Que nem uma vez pensou a respeito do que deveria receber em retribuição por seus esforços?

     Não, o que a assustava era o fato de que se o deixasse chegar muito perto, quando ela morresse, essa proximidade apenas o faria sofrer, e já sofria muito. Não queria isso para ele. Não queria que a amasse e tivesse que vê-la morrer da maneira que fez com Thomas, da maneira que fez com os incontáveis rostos que viu em sua mente. Não era justo que fizesse isso com ele sem importar o quanto a ideia de ser amada por um homem como Drake a entusiasmasse. Não se deixaria ser tão egoísta sem importar quão tentador fosse.

     Tinha uma responsabilidade para com Drake de manter distância. Não chamaria o que compartilharam de erro, foi muito bonito para isso, mas não podia deixar que voltasse a acontecer. Essa espécie de intimidade era muito perigosa para sua resolução de protegê-lo.

     —Pare com isso. — sua voz retumbou em seu ouvido, que estava pressionado firmemente contra seu peito.

     Helen se elevou, sentindo que sua pele cálida esfriava ao contato com o ar.

     —Parar com o quê?

     Uma grande mão segurou sua cabeça e voltou a pousá-la sobre seu peito enquanto a outra roçava ao longo de suas costas em uma suave carícia.

     —Está deixando-me de fora. Isso não me agrada.

     Não tinha a força para lutar contra sua sujeição, assim se permitiu desfrutar da sensação de estar entre seus braços, de deitar contra seu peito musculoso. Podia ser a última vez que sentia essa sensação de estar segura e saciada.

     —Estou me sentindo um pouco vulnerável neste momento.

     —Junte-se ao clube. Isso foi… incrível.

     OH, bebê. Foi muito mais que isso, mas não ia inflar seu ego dizendo a ele. Já ia ser bastante difícil resistir a ele agora que sabia como era. Não ia dar mais munição a ele.

     —E desordenado. — O que a recordou. — Não usamos proteção. Não posso acreditar que nem sequer pensei nisso.

     Um pequeno jorro de medo a fez retesar-se ante a compreensão. Não podia permitir-se ficar grávida. Não podia levar outra vida com ela quando morresse.

     —Tudo bem. — disse, sustentando-a no lugar, assim não podia afastar-se dele. — Não posso transmitir doenças para você, e tampouco posso lhe dar uma criança.

     —Como pode saber?

     —Somos estéreis. Nenhum Theronai teve filhos há mais de duzentos anos. — sua voz estava tensa, quase zangada, mas suas mãos eram gentis sobre suas costas.

     Permitiu-se relaxar contra ele, tentando entender o significado daquelas poucas palavras.

     —Isso o faz ter mais de duzentos anos de idade?

     —Sim, faz.

     Está bem, isso era um pouquinho horripilante, no entanto estava ao mesmo tempo no curso das coisas desde que viu Drake. Tudo que testemunhou na última noite tinha tornado-se um horripilante.

     —Conte-me como é.

     —Ser velho assim?

     —Não, viver uma vida como a de vocês. Todos os monstros. Carregando uma espada. Vivendo com magia. É tudo tão… estranho.

     Sentiu-o encolher os ombros sob sua bochecha. Seus músculos fluíram com uma leve força e, entretanto estava tão esgotada para fazer algo a respeito disso, apreciava seu corpo e a maneira que a fazia zumbir por dentro só de estar perto dele.

     —Nasci na comunidade Sentinela. Meus pais foram Theronai enlaçados. Cresci brigando contra os Synestryn durante toda minha vida, assim não conheço outra forma.

     —Se seus pais eram Theronai e tiveram você, então o que o faz pensar que os Theronai não podem ter filhos?

     —Fizemos estudos. Todos nossos homens são estéreis. Nunca fomos um povo muito prolífico, assim é difícil determinar quando ou como ocorreu. A teoria Sanguinar é que é algo que os Synestryn nos fizeram sem nosso conhecimento, possivelmente algum tipo de envenenamento.

     Essa era uma ideia horrível. Não podia imaginar-se sendo violada dessa maneira e não podia evitar tentar dar um pouco de consolo a ele.

     Acariciou seu peito e sentiu a calidez da luceria. Até que sentiu o calor, não se precaveu que esteve tentando alcançá-la para ele, tentando consolá-lo dessa maneira também. Usando o enlace que era cada vez mais natural para ela. Ia ter que ser cuidadosa, porque era tal a conexão íntima, algo que nunca compartilhou com ninguém anteriormente.

     Helen precisava pôr um pouco de distancia entre eles. Necessitava de um pouco de privacidade e uma oportunidade para esclarecer seus pensamentos. Seu mundo estava de penas para o ar e necessitava de um pouco de espaço para endireitá-lo.

     —Vou arrumar-me.

     Drake a soltou lentamente, como se lhe desse a liberdade a contra gosto. Deixou sair um suspiro pesaroso.

     —Precisamos nos pôr em movimento de novo, de todos os modos. Quero estar em casa antes do anoitecer.

     —Quando os monstros saem. — recordou-se.

     Sentou-se e escovou os cabelos embaraçados afastando-os do rosto.

     —Isso, e o fato de que quero encontrar para você alguma ajuda com sua visão. Sei que acredita que é real, que vai arder até a morte, mas não posso acreditar nisso. Não quero que você acredite, tampouco. Tanto tempo quanto acredite que vai morrer, vai me manter a distância de um braço, e isso nem sequer é o bastante perto para mim.

     Helen viu uma luz possessiva brilhar em seus olhos, recordando-a de todas as coisas que ele mostrou que queria fazer com ela, todas as travessas e maravilhosas coisas que a esperavam. Um profundo calor pulsava em seu baixo ventre e seus mamilos se retesaram. Tinha que recordar-se de respirar.

     —Não é? —Conseguiu pronunciar.

     —Tenho planos para você, Helen, e a maioria deles nos envolvem estando muito perto e muito nus por um longo, longo tempo. É melhor para ambos, você se acostumar à ideia.

     —Não estou segura de que possa me acostumar a alguma dessas ideias suas.

     O sorriso que ele deu para ela era puro e letal pecado.

     —Amará cada uma delas. Assegurar-me-ei disso.

    

   Helen dormiu a caminho da casa de Drake. Despertou quando a caminhonete diminuiu a velocidade ao mesmo tempo em que se aproximava do que só podia pensar como uma fortaleza. Um espesso muro de pedra rodeava mais acres do que podia ver. Todas as árvores próximas ao muro tinham sido podadas, deixando a vertical superfície de granito brilhando a luz do sol. O muro tinha que ter quinze metros de altura, e ao longo de seu topo havia um enredado arame farpado e longos picos de metal que pareciam bem afiados. O único caminho que podia ver era uma enorme entrada de ferro.

     Drake se dirigiu a essa entrada e pressionou sua mão em um painel luminoso. Ao menos três lentes de câmaras se enfocaram neles.

     —ID[13]. — disse uma profunda voz de um alto-falante montado no painel.

     —Sou Drake, idiota. Abra.

     —Não está sozinho.

     —Com ciúmes, Nicholas?

     —Absolutamente. Informarei a Joseph que está aqui.

     A porta gigante se abriu mais rápido do que pensou dado ao seu tamanho. Drake dirigiu através dela, e a coisa voltou a se fechar antes que seu para-choque limpasse a entrada.

     Não estava segura se esse tipo de atenção aos detalhes quanto à segurança a fazia sentir-se melhor ou muito, muito pior.

     —Estamos seguros aqui. — disse Drake, dando um rápido olhar para ela.

     Helen evitou olhá-lo nos olhos. Desde que saiu de sua cama, esteve observando-a como se medisse suas emoções. Tinha mantido uma forte sujeição no vínculo entre eles e podia dizer que estava começando a irritá-lo.

     Que pena. Ia ter que aprender a dirigir isso. Ao menos até que encontrassem a espada de Kevin. Ou até que ela morresse. O que fosse que ocorresse primeiro.

     Helen olhou pela janela. A terra ali era selvagem e muito elevada em alguns lugares e cuidadosamente recortada em outros. Antigas e altas árvores sombreavam tudo, protegendo a área do caloroso sol de verão.

     Entre as árvores, podia vislumbrar uma longa estrutura. Como o muro, era feita de uma pedra cintilante que refletia os rosados e alaranjados do pôr do sol. Havia vários andares de altura, e embora fosse muito mais alta que qualquer casa de campo que já tinha visto, tinha o mesmo tipo de estrutura elegantemente simples.

     Ao aproximar-se mais, pôde ver que o edifício da frente era só uma parte da enorme estrutura. Atrás dele havia alas gêmeas projetadas para a parte de trás, e cada uma daquelas tinha duas alas se sobressaindo por sua vez.

     —O que é este lugar?

     —Meu lar. Nós os chamamos de Dabyr. É também o lar de aproximadamente quinhentas Sentinelas e humanos.

     —É enorme.

     —Tem que ser. Do contrário mataríamos uns aos outros. — parecia sério. — Vê a ala norte?

     Assentiu, sabendo para onde estava o norte só porque o sol estava se pondo atrás deles.

     —Ali é onde os Theronai vivem. Minha suíte é a terceira do final.

     Dirigiu para um edifício separado, uma garagem grande o bastante para albergar ao menos duzentos automóveis. Estacionou em um lote vazio e numerado e desligou o motor.

     —O que quer que aconteça aqui, é importante que saiba que estou de seu lado. — sua voz estava sombria.

     —Isso soou um pouco detestável.

     —Nem todos vão ficar contentes por eu tê-la encontrado. Nossos homens estão morrendo, Helen. Alguns deles a verão como um sinal de esperança de que haja outras mulheres lá fora como você, mas não todos. Alguns verão só o que não podem ter. É importante que não vague pelos arredores sozinha. É… doloroso ser um macho Theronai sem nenhuma forma de liberar todo esse poder. Nem todos podem controlar seus impulsos quando enfrentam tanta dor.

     —Está dizendo que tentariam me machucar?

     —Não. Tentariam tomá-la para eles, mas ao fazê-lo, machucariam você. Permaneça perto de mim. Ou de Angus.

     —Quem é Angus?

     —O marido de Gilda. O único outro Theronai emparelhado aqui. Só tem olhos para Gilda, assim estará a salvo com ele.

     Não a agradava como soava nada daquilo.

     —Quanto tempo temos que ficar aqui?

     —O tempo suficiente para descobrir o que é o que sua visão está tentando dizer a você e para escolher a direção seguinte sobre a espada de Kevin.

     E para pendurar a espada de Thomas no Salão dos Caídos.

     Escutou o pensamento dele dentro de sua cabeça, conectado com um profundo e doloroso pesar que não podia esconder.

     Já não importava que estivesse tentando manter distância. Não podia deixá-lo sofrer sua dor em solidão.

     Desabotoou o cinto de segurança e se arrastou até seu colo, sem ligar para o quanto era difícil caber atrás do volante. Drake necessitava de consolo, maldição, e ia dar isso a ele.    

     Sustentou-o em silêncio enquanto acariciava seu peito, lhe dando o pequeno apoio que podia. Ele voltou a fechar fortemente sua mente, mas podia senti-lo lutando contra a dor de outras maneiras. Estava rígido e sustentando-a em um quase desesperado abraço, como se não pudesse suportar a ideia de deixá-la ir. Nunca.

     Por um louco momento, Helen quis isso mais do que tinha querido qualquer outra coisa em sua vida. Estava se apaixonando por ele muito rápido, muito profundamente. Seu sofrimento silencioso a estava matando. Sabia que era forte o suficiente para sobreviver, mas não o queria apenas sobrevivendo. Queria-o feliz. Queria-o sendo amado. Queria que tivesse todas as coisas da vida que estava protegendo para outros. Família, segurança, paz.

     Drake deu um duro apertão nela e ela pôde senti-lo empurrando seu controle de novo ao seu redor como um manto. O corpo dele relaxou, aspirou um profundo fôlego, e o deixou sair em um suspiro de aceitação.

     —Estão esperando por nós. Devemos nos pôr em movimento.

     —Quem está esperando?

     —Já verá. Vamos.

     Guiou-a para um túnel subterrâneo que se dirigia ao enorme edifício em que vivia. Foram através de um corredor que se abria a um enorme cômodo. Um céu sem nuvens de vidro de quinze metros de altura deixava entrar a luz do entardecer e lançava um rosado brilho sobre tudo. Altas plantas verdes estavam em grupos aqui e lá, crescendo sob a generosa luz do sol que a habitação tinha durante o dia.

     A maior parte do cômodo era uma área de refeitório com uma confusão de mesas e cadeiras. Cada mesa estava decorada com uma alegre toalha quadriculada de amarelo e branco e um pequeno vaso com flores frescas. Poucas pessoas se encontravam sentadas às mesas bebendo café ou lendo livros, parecendo tão à vontade quanto se estivessem em suas próprias casas. O resto do cômodo era para o entretenimento. Havia uma mesa de bilhar e quatro televisores de alta tecnologia, cada um rodeado por um par de sofás e várias cadeiras aparentemente confortáveis. Dois grupos de crianças estavam jogando aos videogame, desdenhando os móveis, pois assim podiam sentar-se mais perto dos televisores. Três mulheres sentadas confortavelmente, desfrutavam de uma tranquila conversa enquanto mantinham os olhos sobre as crianças.

     —Pensei que tinha dito que não podiam ter filhos. — disse ela.

     —Essas são crianças humanas. Há várias famílias humanas vivendo aqui e algumas crianças foram deixadas órfãos pelos Synestryn.

     —Quer dizer que há um montão de humanos que sabem a respeito de vocês? Pensava que era um grande segredo. Disse que a senhorita Mabel não podia saber nunca sobre vocês, que era perigoso para ela.

     —É. É por isso que muitas dessas pessoas estão aqui. Não podemos apagar a memória de todos de maneira efetiva. Sua única chance é viver aqui ou arriscar-se lá fora.

     —Com razão necessitam de um lugar tão grande.

     A boca de Drake se apertou de frustração.

     —Necessitaríamos de um muito maior se as pessoas não fossem tão teimosas. A maioria das pessoas escolhe arriscar.

     —O que ocorre a elas?

     —Morrem. — seu tom era tão sombrio e zangado que a deixou estupefata. — Às vezes somos afortunados o suficiente para salvar as crianças quando os pais são assassinados, mas não muito frequentemente.

     Helen não podia imaginar o que isso devia ser, advertir às pessoas do perigo e ser ignorado. Que isso acontecesse uma e outra vez e ser impotente para fazer nada salvo limpar os pedaços, o que nesse caso eram crianças órfãs.

     Entrelaçou seus dedos com os dele e sentiu o zumbido em resposta de seu anel contra sua pele.

     —Sinto muito, Drake. Tem tanto horror em sua vida. Não sei como suporta.

     Deu de ombros, mas estava muito rígido para que parecesse casual.

     —É para o que fui criado. Temos um trabalho a fazer e cair na autocompaixão não vai terminá-lo. Além disso, salvamos alguns deles, — disse, seus olhos se aqueceram ao mesmo tempo em que via os meninos jogar — e isso faz que as partes duras sejam muito mais fáceis de serem suportadas.

     Uma pesada porta de vidro que dava para um pátio se abriu, deixando entrar a essência da grama fresca aparada e da minguante luz do sol. Zack entrou no cômodo, sem camiseta e brilhando de suor. Tinha uma tatuagem de uma árvore como Drake em seu peito moreno e as poucas folhas ondeavam enfurecidamente sobre seu peito moreno. Dirigiu-se diretamente para Helen com sua larga mandíbula duramente tensa. Seus claros olhos verdes estavam fixos nela e brilhavam de raiva.

     Sentiu a tensão de Drake que se adiantou protetoramente em frente a ela. Sua mão se situou no punho de sua espada, e embora não pudesse vê-la antes, agora que ele estava tocando-a, notou um ondeante brilho de metal entrar e sair de vista.

     Helen realmente esperava que não tivesse que tirá-la. Recordava muito bem do que era capaz com aquela arma.

     —Onde ela está? — Grunhiu Zack em um som quase animal.

     Helen deu um involuntário passo para trás ante a visão de seu poderoso aborrecimento. Sua mente ficou em branco e tudo em que pôde pensar para dizer foi:

     —Quem?

     —Lexi. Onde ela está se escondendo?

     Lexi? Helen esteve tão envolvida em seus próprios problemas que se esqueceu que Lexi estava envolvida naquele desastre também. Então entendeu o significado de suas palavras e se sentiu um pouco melhor. Zack não sabia onde Lexi estava. Tinha fugido antes que tivesse visto qualquer dos monstros, assim sua mente estava a salvo.

     —Não sei.

     A boca de Zack se curvou em um grunhido.

     —Está mentindo. Diga-me onde está. Agora.

     Helen viu que as pessoas no enorme cômodo se viravam para olhá-los e queria esconder-se em um buraco. Ou talvez não. Ali era onde os monstros viviam.

     —Não está mentindo. — disse Drake em uma voz baixa e calma.

     Sustentava sua mão esquerda no alto, mostrando ao Zack o anel que estava cintilando com brilhantes e ferozes vermelhos e alaranjados.

     —Saberia se ela estivesse fazendo isso.

     Os olhos de Zack se dirigiram ao anel e se arregalaram com atordoamento.

     —Reclamou-a? Ela é… Como é possível?

     —Não sei, mas tenho o pressentimento de que Logan está trabalhando para descobrir isso. — a voz de Drake estava tensa por causa da irritação quando mencionou o nome de Logan, embora Helen não soubesse por quê.

     Afinal ele tinha salvado Drake.

     Zack olhava de Helen para o anel e de novo para ela. As sombrias linhas de seu rosto mudaram do aborrecimento para uma desesperada espécie de esperança.

     —Tenho que encontrar Lexi. Por favor, me ajude. — estava rogando e podia dizer pela rouquidão de sua voz que não era um homem acostumado a rogar por nada.

     Helen sofria por ele, pela dor que sabia que estava sofrendo, pela frustração que retesava seu grande corpo.

     —Desejaria poder fazê-lo, mas não posso. Somos amigas, mas nunca me disse muito a respeito de si mesma. Tenho a sensação de que estava fugindo de alguém.

     Zack foi atrás de seu braço, mas Drake o interceptou e segurou com força seu grosso pulso.

   —Sem tocar. — disse.

     Zack lhe deu um rígido assentimento e retrocedeu a mão.

     —O que a faz pensar que está fugindo?

     Helen tratou de expressar suas razões.

     —Era hiper vigilante. Estava a par do que acontecia em seus arredores, o que é uma das coisas que a tornava tão grandiosa garçonete. E… — Helen se calou, tendo a sensação que de alguma forma estava traindo sua amiga.

     —E o quê? —Demandou Zack.

     Drake se virou para ela e segurou seu ombro com sua grande mão. A calidez penetrou em sua pele e não podia evitar inclinar a cabeça para um lado, esperando que movesse esse calor, fazendo-o subir por sua garganta. Cada vez que o anel dele estava perto da fita ao redor do seu pescoço, sentia a necessidade de ambos de conectarem. Era estranho sentir o impulso magnético de um objeto inanimado, quase como se a coisa pudesse ter desejos por si mesmo.

     —Se souber de algo, precisa nos dizer isso. Juro a você que Zack nunca machucaria Lexi.

     —Eu sei disso. — disse. —Mas também sei que Lexi é uma pessoa reservada. Quais quer que sejam os problemas que tenha, quer arrumá-los sozinha.

     —Poderia não ser capaz de fazer isso. — disse Drake.

     Os olhos de Zack imploravam a ela.

   —É só uma pequena coisinha, Helen. Não a deixe sozinha lá fora. Preciso encontrá-la.

     —Pode ser pequena, mas dificilmente é indefesa.

     —Se os Synestryn estiverem atrás dela, será.

     Helen não tinha pensado nisso dessa maneira. Talvez tivessem razão. Talvez Lexi precisasse ser encontrada.

     —Vivia em seu automóvel. Se fugisse, teria tudo o que necessitava para continuar fugindo.

     —Filha da puta. — disse Zack entre dentes.

     Vários jovens sorriram e alguns adultos que os observavam franziram o cenho para Zack.

     —Sinto muito. — murmurou envergonhado.

     —Pode pensar em algum lugar ao qual poderia ter ido? Tinha família? Mencionou alguma vez uma cidade em particular? — Perguntou Drake.

     —Não. Nunca falou de si mesma. Nem sequer quando perguntei a ela. Por algum tempo, acreditei que estava fugindo de um marido abusivo, mas depois comecei a conhecê-la.

     —E isso a fez mudar de parecer? —Perguntou Zack, dando toda sua atenção a ela.

     Era mais que uma pequena intimidação ser o foco de tanta determinação.

     —Lexi não fugiria de um homem que tivesse batido nela. Haveria jogado seu traseiro no cárcere ou devolvido o golpe.

     —Não brinque. — Zack esfregou o braço onde o ferimento da punhalada que Lexi lhe deu estava quase curado.

     Helen se perguntava se Logan tinha tido a oportunidade de curá-lo também. Parecia muito cedo para que a marca tivesse desaparecido deixando pele nova em seu lugar.

     —Pensa que está em perigo? —Perguntou Helen a Drake.

     Rogava que não. Não queria nenhuma outra de suas amigas feridas. Já bastava a pobre senhorita Mabel.

     Drake baixou a mochila que estava carregando e a puxou contra ele em um gentil abraço. Não lutou para livrar-se, embora soubesse que devia fazê-lo. Depender dele para que a consolasse os aproximava um passo mais. Aproximava-a um passo mais de apaixonar-se por ele.

     —Preciso encontrá-la, Helen. Necessito dela.

     A cabeça de Drake se elevou muito rápido para que ela não o notasse.

     —Necessita-a como?

     Os claros olhos de Zack deslizaram para ele.

     —Preciso tocá-la. Estar perto dela. Não entendo, mas isso não parece importar. Necessito dela.

     —Sei exatamente como se sente. —Cada palavra foi lenta e precisa. —Foi assim que me senti quando vi Helen. Não pode ser uma coincidência.

     —O que pode ser? —Perguntou Helen, confusa.

     —Quero acreditar, mas se estiver equivocado, não estou seguro de poder enfrentar isso. — disse Zack.

     —Deve averiguar. — replicou Drake.

     —Averiguar o quê? — Perguntou Helen.

     —Se Lexi é como você. Como nós.

     Zack passou uma longa mão pelo rosto.

     —Homem, nem sequer o diga. Trará má sorte.

     A comissura da boca de Drake se elevou em um meio sorriso.

     —É supersticioso agora?

     —Se funcionar, infernos sim. —Zack olhou para Helen. — Tem que me ajudar a encontrá-la.

     —Não sei como. Desejaria fazê-lo. Eu não gosto da ideia dela dando voltas por aí, sozinha.

     Zack pressionou uma mão em seu peito como se este doesse.

     —Eu tampouco.

     —Talvez Nicholas possa ajudar.

     —Não foi capaz até agora. Estava contando que Helen soubesse de algo mais.

     Helen sentiu um remorso que não pôde evitar, e uma enorme preocupação por Zack. Parecia grosseiramente desesperado e um pouco doente do estômago.

     —Sinto muito. Queria saber de algo.

     —Se pensar em algo mais, inclusive algo pequeno, me dirá?

     —Prometo.

     Uma gentil compreensão surgiu a seu redor. Tinha sentido isso antes que lhe desse sua palavra. Era estranho.

     —Tem que deixar de fazer isso. — advertiu Drake. — Vai procurar problemas realizando tantas promessas.

     —Não o escutei se queixar quando foi o que as recebia. — recordou-o.

     —Sim, bem, há um montão de coisas que pode fazer comigo que não quero que faça com outro homem. —Uma deliciosa e travessa luz aqueceu seus olhos, e Helen sentiu que seu corpo se suavizava em resposta.

     Ia ter que levantar sérias barreiras se pensava em ter a chance de manter distância. Um olhar como aquele da parte dele e estava preparada para encontrar um agradável e tranquilo lugar e despir-se com ele por umas poucas horas.

     —Eu gostaria. — disse a ela em uma voz baixa que derretia seu interior.

     Drake deslizou um dedo sobre sua face e por seu lábio inferior. Os olhos de Helen se fecharam contra sua vontade, e sua língua saiu para alcançá-lo.

     Um homem que não conhecia caminhou para eles e esclareceu a garganta.

     —Estão esperando por ela.

     Drake suspirou pesadamente.

     —Correto. A cerimônia.

     O estômago de Helen se retesou em um súbito ataque de ansiedade.

     —Que cerimônia? Ninguém me disse nada a respeito de uma cerimônia.

   Estava vestida com calça de ginástica emprestada e uma camiseta remendada. Não era exatamente o traje para uma cerimônia.

     —Não demorará muito. — assegurou Drake. — Os Theronai querem conhecer você e dar boas-vindas a nossa família.

     Bem, isso não soava muito ruim. De fato, parecia algo agradável.

  

   Não foi bonito de forma alguma. A cerimônia foi uma combinação de homens meio nus, sangue e culpa.

     —Vou matar você por isso. — sussurrou Helen em voz baixa para Drake.

     Ele se limitou a sorrir, exibindo-se orgulhoso por ter tido a chance de mostrá-la a sua improvisada, provisória, família.

     Entretanto, outro homem sem camisa e com uma árvore tatuada se adiantou para a parte onde estava junto de Drake. Tirou sua espada, ajoelhou-se a seus pés e a deslizou cortando seu peito, prometendo…

     —Minha vida pela tua.

     … em um tom reverente.

     Havia perto de uma dúzia de Theronai ali e cada um deles passou pelo mesmo processo. Cada vez que pronunciavam essas palavras, sentia que a curvavam. A promessa de cada homem de dar sua vida em defesa da dela não era em vão.

     Thomas tinha demonstrado a ela que estava além de qualquer dúvida. Esses homens morreriam para salvá-la e odiava isso. Queria gritar para eles que deixassem de ser estúpidos. Sua vida estava a ponto de terminar e não valia a pena salvá-la. Inclusive se não estivesse destinada a morrer logo, ainda teria odiado suas violentas promessas. Eram muito mais fortes que ela. Mais valentes. Mais capazes de lutar contra os Synestryn. O mundo necessitava deles muito mais do que necessitava dela.

     Drake se inclinou e sussurrou em seu ouvido:

     —É mais valiosa do que você possa imaginar. Vou demonstrar isso a você.

     Sim, justo depois de ensinar aos porcos a voar.

     Outro homem se adiantou. Era mais magro que Drake, mas ainda agradavelmente musculoso. Tinha cabelos escuros e resplandecentes olhos verdes que brilhavam com inteligência. Como a maioria dos homens ali, só poucas folhas penduravam de sua árvore, sua marca de vida como a chamou Drake.

     Diferente dos outros homens, sorriu para ela.

     —Obrigado por escolher se unir a nós. — disse.

     —Escolher?

     Helen revirou os olhos. Não teve outra escolha se não assistir à cerimônia, mas não ia dizer isso.

     O homem franziu o cenho para Drake.

     —Obrigou-a?

     Drake se retesou e Helen pôde sentir um único pulso vibrante de ira empurrá-la antes que ele bloqueasse seu vínculo.

     —A decisão final de usar minha luceria foi dela.

     —E sabe o que significa? Tanto para ela quanto para você?

     A mandíbula de Drake se apertou e permaneceu em silêncio.

     —Do que ele está falando, Drake?

     O homem se virou para ela e seus olhos se deslizaram para a luceria. Deu-se conta de que um montão de homens olhava para lá e não estava segura de como se sentia a respeito. Estava acostumada a que os homens olhassem seus seios, mas aqueles homens pareciam mais interessados em seu colar. Estava tentando não sentir-se insultada.

     —Drake explicou a você o que significa usar a luceria? Não só para ele, mas também para todos nós?

     —Uh. De algum modo.

     Pôde ouvir Drake apertando os dentes.

     —Disse a você o que aconteceria a ele se você a tirasse?

     A cabeça de Helen se moveu a tempo de captar o rubor furioso de Drake. Estava mais que zangado, estava colérico.

     —Basta! —Ladrou. — Este não é seu lugar, Paul.

     —Infernos se não é. Alguém tem que dizer a ela o que está acontecendo. Deveria ter sabido antes de fazer seu compromisso.

     —Não havia tempo.

     —Sempre há tempo para permitir a alguém o livre-arbítrio. Violou-a. — disse Paul.

     Helen não se sentia violada. Assustada? Com certeza. Confusa? Absolutamente. Mas não violada.

     —Realmente não acredito que este seja nem o momento nem o lugar para ter esta discussão. — disse a ele — Ainda há três homens esperando seu momento de sangrar e eu gostaria de terminar com isto de verdade.

     Paul se virou para olha-a e baixou a cabeça.

     —É obvio, minha senhora.

     Senhora? De onde tinha saído isso?

     Antes que pudesse perguntar, Paul tirou sua espada, ajoelhou-se e fez seu juramento de morrer por ela. De todas as promessas que lhe foram dadas hoje, era a de maior peso. Não tinha nem ideia do porquê.

     Então levantou sua mão para ela. O anel de sua mão esquerda vibrava visivelmente e começava a formar redemoinhos com mais cor vermelha que qualquer outra cor.

     —Poderia reclamá-la também, Drake. Lembre-se disso quando disser a ela o resto da verdade. Pode decidir escolher um homem que nunca mentiria para ela.

     —Nunca menti para Helen. — espetou Drake.

     —Não lhe deu a verdade completa. É o mesmo.

     Helen estava sentindo-se incômoda rapidamente. Agarrou o braço de Drake.

     —Do que ele está falando?

     Drake a olhou com algo parecido com o medo em seus olhos dourados.

     —Prometo a você que lhe direi isso tudo, mas agora não é o momento.

     Paul lançou ao Drake um sorriso zombador.

     —Não. Estou seguro que não pensa em fazê-lo.

   —Deixe-nos. — ordenou Drake.

     Paul olhou para Helen com seus bondosos olhos e sentiu um pequeno puxão estranho.

     —Irei, mas não muito longe. Tudo o que tem que fazer é dizer meu nome e a escutarei, Helen. Ouvirei você e virei por você.

     Paul saiu correndo do cômodo enquanto ainda podia caminhar. Uma vez lá fora no corredor, fora da vista, deixou-se cair contra a parede para apoiar-se e pressionou a palma de sua mão contra o peito. O suor brotava de sua pele e seus joelhos já não quiseram sustentar seu peso. A dor golpeava contra suas costelas a cada pulsar de seu coração até que inclusive respirar ficou difícil.

     Helen poderia ter sido dele. Poderia haver salvado a ele. Mas Drake a encontrou primeiro.

     Depois da vida de dor e solidão, sua gente encontrou uma mulher que podia pôr fim a seu sofrimento e ela escolheu outro homem.

     Não era que Drake tivesse lhe dado muitas opções, aparentemente. Por outro lado, era difícil culpar Drake por suas ações quando uma parte de Paul queria precipitar-se de novo na cerimônia e reduzir Drake onde estava. Então Helen seria livre para unir-se a ele. Terminar com sua dor.

     Uma aguda e penetrante sensação em seu peito levou o fôlego de seu corpo. Caiu sobre um joelho e olhou para seu peito ainda nu, meio que esperado ver uma lâmina saindo de suas costelas. Em vez disso, viu como uma folha de sua marca de vida caiu e aterrissou sobre o sempre crescente montão na base de sua árvore.

     Sua alma estava morrendo. Estava ficando sem tempo.

     —Posso ajudar você. — uma voz profunda chegou até ele da escura soleira através do corredor.

     Paul levantou os olhos e encontrou Logan espreitando a não mais de três metros de distância. Os prateados olhos azuis do Sanguinar brilhavam com uma fome predadora e a mão de Paul se deslocou até sua espada. Esteve evitando Logan durante dias, desde que Sibyl, que tinha visões do futuro, disse que ele devia aceitar a oferta do Sanguinar quando ela chegasse. Não queria nada que Logan tivesse para lhe oferecer. Não confiava em nenhum dos Sanguinar, especialmente em Logan. No que a ele concernia, os Sanguinar venderiam a cada um dos Theronai se lhes conviesse.

     Logan levantou as mãos em sinal de rendição.

     —Não há necessidade de violência. Parece um pouco indisposto. Simplesmente queria oferecer minha ajuda a você.

     Tão fraco como estava, Paul encontrou forças para zombar da sanguessuga. Os da espécie de Logan estavam mais desesperados a cada dia e apesar de muitos Sentinelas estarem convencidos que uma raça tão bonita e encantadora nunca faria mal a eles, Paul não se deixava enganar. Os Sanguinar eram tão perigosos quanto ardilosos. A paz que seus povos desfrutavam agora não seria uma paz duradoura.

     —Não necessito nada de você, sanguessuga.

     Logan nem se alterou ante o insulto, o ouviu continuamente antes.

     —Tem certeza? —Seus olhos deslizaram para a marca de vida de Paul e de volta a seu rosto. — Parece o contrário. Se minha hipótese estiver correta, depois do breve contato que teve com Helen provavelmente a velocidade que sua marca de vida está desprendendo as folhas vai acelerar. Segundo minhas contas, restam seis. Isso não deixa você com muito tempo.

     Uma pontada de pânico revolveu o estômago de Paul. E se estivesse correto? Os rumores diziam que Logan na realidade tinha olhado na mente de Helen. O que tinha visto lá? Era tão bonita em seu interior como em seu exterior? Ela interessava-se realmente por Drake ou Paul tinha uma chance? Pela primeira vez em sua vida, Paul invejou um dos Sanguinar.

     —Tão dotado como pode ser como curador, nem sequer você pode mudar isso.

     —Não. Mas de todo modo posso ser capaz de ajudar você.

     —Como?

     —Sou um Caçador de sangue.

     Paul ficou de pé, tentando ocultar seu assombro. Embora todos soubessem que os Sanguinar tinham caçadores de sangue entre suas filas, homens que rastreavam linhas de sangue só pelo aroma, ninguém sabia quem eram. Era um segredo cuidadosamente guardado.

     —E? Por que deveria me importar?

     —Porque bebi o sangue de Helen.

     Essa admissão zangou Paul e de novo procurou sua espada. Não queria ninguém tocando o sangue de Helen. Era muito precioso.

     Paul empurrou Logan contra a parede e pôs a borda de sua espada contra a garganta do Sanguinar.

     —Nunca volte a fazer isso.

     Logan apenas sorriu como se Paul fosse um menino fazendo algo bonito.

     —Deveria me agradecer, Theronai. Agora que provei seu sangue, se houver mais mulheres lá fora relacionadas com ela, posso encontrá-las.

     A esperança explodiu brilhante no interior de Paul, fazendo-o deter-se enquanto tentava absorver completamente as importantes palavras de Logan.

     —Ajudar-me-ia a procurar a outra como Helen? Uma mulher que pudesse ser minha?

     —Sim.

     Era algum tipo de truque? Paul procurou sinais de armadilhas, mas seu entusiasmo o distraia. A atração de sua própria dama era potente.

     —Inclusive se encontrarmos outra mulher Theronai, isso não garante que seja capaz de unir-se a mim.

     —Não, mas se Helen é compatível com você e seu poder, então é lógico pensar que outra mulher de sua linha de sangue poderia ser também.

     —Ninguém parece saber de onde vem. Nem mesmo sabemos se há outras lá fora como ela?

   A voz de Logan caiu para um sedutor tom baixo.

     —Não, mas não prefere que seja você quem a encontre em primeiro lugar em vez de um dos outros homens?

     Todos seus irmãos procurariam uma mulher para si. Não havia nenhuma dúvida sobre isso. A única coisa que impedia Paul de planejar fazer o mesmo era Helen. Queria estar perto dela. Para o caso dela precisar dele.

     Paul se empurrou para longe de Logan e guardou a espada. Tinha que pensar, averiguar porque o Sanguinar queria ajudá-lo.

     —Nunca faria algo por nada. O que ganha com isso?

     Logan deu de ombros como se estivesse se preparado para não pedir nada mais que uma bagatela.

     —Meu povo morre de fome. Morro de fome. Só peço seu sangue, tanto quanto possa dar com segurança cada vez que tenha necessidade.

     —Um juramento de sangue? Esse tipo de vínculo daria a você muito poder sobre mim. Seria capaz de me obrigar a fazer coisas que de outro modo não faria.

     —É verdade, mas não sou uma espécie de monstro. Não tenho nenhuma intenção de usar seus serviços de maneiras nefastas. E não esqueça que sua marca de vida está nua e sua alma murcha, não necessitará que ninguém o obrigue a fazer coisas que agora acha… de mau gosto. Fará tudo que o faça sentir-se bem. Nós dois vimos isso antes.

     E frequentemente era feio. Homens que uma vez foram nobres e generosos se convertiam em algo irreconhecível. Era imprudentes com as vidas de outros, interessados só em seus próprios desejos e dispostos a fazer tudo que fosse necessário para conseguir o que queriam. Não importando a quem machucasse.

     Paul queria acreditar que era mais forte que esses homens, mas sabia que era uma mentira. Converter-se-ia no que muitos de seus irmãos foram caso se permitisse viver tanto tempo.

     Os olhos de Logan se acenderam com uma faminta e brilhante luz.

     —É um intercâmbio justo, Theronai. Salvo sua vida o ajudando a encontrar a sua dama, e em troca, você salva a minha. — seus olhos se moveram deliberadamente para a marca de vida de Paul. —Pelo aspecto dela, se falhar em ajudar você, nosso juramento de sangue terá uma curta vida.

     Logan tinha um ponto.

     —O que tem a perder? —Perguntou Logan.

     Não muito.

     Poderia ser duro afastar-se de Helen, mas estava vinculada a Drake, e não mentiu quando disse a ela que a ouviria se o chamasse. Sabia que o faria.

     Mas o que aconteceria se nunca o chamasse?

     Sua mão esfregou sua marca de vida. Logan tinha razão. Podia sentir, suas folhas murchando. Seu tempo estava acabando mais rápido que antes. Helen, sem querer, tinha acelerado a morte de sua alma com sua mera presença.

     Que opção Paul tinha? Estava sobrevivendo sem esperança e Logan oferecia a ele uma rica fonte. Tudo o que tinha que fazer era sangrar um pouco. Não era grande coisa. Acontecia todo o tempo com um homem que lutava contra os Synestryn.

     —Bem. — disse Paul. —Vou aceitar seu acordo se acrescentar a ele uma estipulação: se encontrarmos minha senhora, me prometa que não fará nada que possa pôr em perigo sua segurança. Nosso juramento de sangue não pode me impedir de fazer meus deveres.

     —É obvio. — concordou Logan. Seu sorriso era um brilhante cintilar de dentes brancos que revelava seu par de afiadas presas. —Nunca poderia pensar em fazer mal a uma de nossas mulheres.

     —Tomou o sangue de Helen.

     —Parece doente? Ferida?

     —Não.

     —Isso é porque não está. Inclusive se conceber a ideia de que só estou em busca de seu sangue, deve perceber que isso não me serve para prejudicar a aqueles de quem me alimento. Estou cansado do desgosto de sua gente por nossa existência. Não é minha culpa ter que beber sangue mais do que é a sua ter que haver uma saída para seu poder. Somos como fomos criados para ser, não importa o quanto desejemos ser de outra maneira.

     Paul sentiu o rubor da culpa subir até a parte posterior do pescoço.

     —Sei que não é sua culpa precisar se alimentar. Isso não significa que quero ser o que o alimenta.

     Logan ondeou uma elegante mão como se desdenhasse dele.

     —Temos um acordo, Theronai? Seu sangue em troca de minha ajuda e que nenhuma de minhas ações machuque a sua senhora?

     —É um pacto.

     Paul se preparou para o peso de seu voto, mas este se estabeleceu suavemente a seu redor, convertendo-se em parte dele facilmente. Não tinha nem ideia se Logan sentiu o mesmo, mas se o fez, não o surpreendeu.

     —Quando vamos? —Perguntou Paul.

     Logan deu um sorriso vitorioso para ele que lhe mostrou suas presas.

   —Assim que tiver me alimentado.

    

    Drake queria matar Paul. Só o fato de Paul ter razão detinha sua mão.

     Podia sentir o silêncio preocupado de Helen enquanto faziam seu percurso pelos corredores. Tinha deixado a espada de Thomas com Nicholas com a esperança de que fosse capaz de usar o sangue nela para encontrar um novo caminho para a espada de Kevin.

   O caminho da liberdade de Helen dele.

     Drake sofreu um princípio de desespero e apertou mais forte sua mão. Não podia deixar de tocá-la, nem sequer o tempo suficiente para chegar a sua habitação. Precisava saber que ainda estava a seu lado. Que não tinha decidido deixá-lo por Paul. Ainda.

     O fodido bastardo.

     Não tinha o direito de colocar seu nariz nos assuntos de Helen. Não importava o quanto tivesse falhado com ela por mantê-la na escuridão.

     —Tem que me dizer o que está acontecendo, Drake. — sua voz era dura, mas podia sentir o murmúrio de inquietação espreitando em seu interior, gotejando através de seu vínculo.

     Drake abriu a porta e a levou para dentro. Sua habitação era como a maioria das dessa ala. A sala era grande e o restante era pequeno. Por um curto corredor, havia dois quartos com banheiros privados. Ao longo da parede interna havia uma eficiente cozinha em miniatura, grande o suficientemente apenas para que duas pessoas pudessem comer confortavelmente, mas Drake raramente a usava. Preferia fazer suas refeições na área comum a todos os outros quando estava em casa.

     A sala tinha duas janelas olhando para o leste e uma porta corrediça de vidro que levava ao pátio. Todo vidro era tratado com uma capa refletiva para que pudessem ter ao Sanguinar visitando-os quando o sol estivesse alto se fosse necessário. Durante o dia, a vista do lago era bonita, mas agora mesmo não se podia ver além do jardim a menos que utilizasse sua visão noturna. Sua habitação estava completamente escura, por isso acendeu algumas luzes para torná-la mais cômoda para Helen. Podia ver na escuridão também, se quisesse, mas não parecia ser um bom momento para recordá-la.

     —Quer comer algo? —Perguntou a ela.

     —Sim. Estou morrendo de fome. Também quero algumas respostas.

     Respostas. Tinha um montão, só que não queria dá-las a ela.

     Drake não tinha muita coisa em sua geladeira, assim decidiu ligar para os Gerai do turno na cozinha principal.

     —Cozinha. — respondeu uma jovem mulher do outro lado da linha. Não reconheceu a voz.

     —Eu gostaria que me enviassem duas refeições, por favor.

     —Sim, senhor. Temos frango assado e sobrou bife do jantar. O que prefere?

     —Um de cada estará bom. Obrigado.

     —Número do quarto?

     —Um – zero – quatro.

     —Estará ai em poucos minutos, senhor.

     —Obrigado.

     Helen estava olhando para ele quando desligou o telefone.

     —Está me evitando. Isso me deixa nervosa.

     —Não estou evitando você. Simplesmente acredito que algumas coisas se conduzem melhor com o estômago cheio.

     Helen olhou fixamente para ele durante um bom tempo e teve que lutar contra o desejo de cruzar o espaço que os separava e atraí-la para seus braços. Podia distraí-la com suas mãos, sua boca. Podia levá-la de volta a seu quarto e afastar seus pensamentos de algo mais além do calor de seus corpos unidos. Podia amá-la lentamente e fazê-la esquecer todas as perguntas que via espreitando em seus olhos.

     É obvio, quando tudo tivesse terminado, as perguntas ainda estariam ali, e quanto mais demorasse a respondê-la, mais traída se sentiria. Não podia suportar esse pensamento.

     Assim ficou em seu lado do cômodo e a olhou enquanto caminhava ao redor, olhando sua coleção de móveis e quinquilharias. Pegou uma adaga especialmente bonita que tinha sido entregue a ele por um príncipe russo décadas antes que ela nascesse. Seus magros dedos vagavam delicadamente pelo punho de pedras preciosas e Drake teve que apertar os dentes para evitar rogar a ela que o tocasse assim.

     O ar frio bateu em seus tornozelos e percebeu que ainda estava com a porta da geladeira aberta a procura de bebidas geladas.

     Com uma maldição silenciosa, arrancou os olhos de Helen e tirou duas latas de coca-cola. No momento em que encheu os copos com gelo e coca-cola e os pôs sobre a mesa, bateram na porta.

     Abriu para uma moça que não conhecia. Tinha os cabelos negros encaracolados caindo desordenadamente ao redor de um rosto doce e angélico. Ela sorriu, o que fez que suas definidas bochechas se arredondassem, e levantou a bandeja de comida.

     —Boa noite, senhor.

     —É nova aqui. Como se chama?

     —Grace, senhor.

     Drake sentiu o corpo de Helen aproximar-se. O anel em sua mão zumbia, exigindo que a tocasse, mas se conteve. Se começasse a tocá-la, não se deteria até que a comida estivesse fria e o abismo de segredos entre eles crescesse muito para cruzá-lo. Tinha que manter seu enfoque e protegê-la, inclusive se isso significasse protegê-la de si mesmo.

     Ofereceu um sorriso a Grace que estava seguro que não lhe tocou os olhos.

     —Sou Drake Asher e esta é minha senhora, Helen Day.

     Os olhos de Grace saíram das órbitas ante a menção de Helen como uma senhora.

     —Pensei que a Dama Cinza fosse a única aqui.

     Drake pegou a bandeja de suas mãos. Assim que suas mãos se moveram para ela, deu um pulo, mas cobriu sua reação rapidamente.

     —Encontrei Helen ontem. — disse olhando-a enquanto saía do alcance de sua mão.

     Grace se ruborizou, deu um pequeno passo para trás, e olhou para baixo à entrada de azulejos.

     —Sinto muito, senhor. Sempre pergunto muito. Por favor, me perdoe.

     Drake olhou para seu anel de novo. Era radiante e brilhante sem nenhum sinal de arranhões ou de estar opaco. Poderia ser uma Gerai, mas não o era há muito tempo.

     Fez que sua voz soasse suave.

     —Não há nada que perdoar, Grace. Todos estão um pouco surpresos pela chegada de Helen.

     Grace assentiu, mas não levantou os olhos. Em vez disso, se evadiu da forma em que alguém busca um lugar para esconder-se.

     —Está bem? — Perguntou Helen.

     —Suponho que sim. Um pouco tímida, talvez, mas é nova. Acostumar-se-á a nós depois que esteja aqui um tempo.

     Fechou a porta com um pé e pôs a bandeja de comida sobre a mesa da cozinha.

     —Viu as contusões?

     Drake sentiu uma fria quietude assentar-se em seu corpo, do tipo que sentia antes de assassinar.

     —Não. Não o fiz.

     —Os braços e a parte de trás de suas coxas estavam cobertos delas. A maioria estava desvanecida, assim não eram novas.

     —Merda. Não entranho que estremecesse. Continue e comece a comer. Vou fazer uma ligação Telefônica.

     Helen assentiu com a cabeça e Drake foi para o dormitório e fechou a porta. Não queria que ouvisse a conversa que ia ter com Joseph sobre se a pessoa que havia feito isso a Grace tinha sido castigada ou ia ter o prazer de fazê-lo ele mesmo.

     Helen não pôde sentir nada vindo de Drake em seu dormitório. Tinha bloqueado fortemente seu vínculo e nada lhe chegava através dele. Não é que necessitasse muita ajuda para determinar o quanto se zangou quando falou para ele das contusões de Grace. Era evidente em seu rosto. Estava bastante segura de que ia necessitar de um bom dentista depois de apertar tanto os dentes como o fez.

     Estava na metade da refeição quando ele saiu do quarto. Parecia mais relaxado, todavia aquela ira ainda estava cozendo-se a fogo lento nele o que a fazia sentir compaixão por quem decidisse encará-la.

     Sentou-se e mexeu a comida com eficiência mecânica.

     —Tudo bem? —Perguntou.

     —Bem.

     —Quer falar sobre isso?

     Olhou para seu prato.

     —Não é uma boa conversa para o jantar. Talvez em outro momento.

     Helen não o pressionou. Não estava segura se realmente queria saber quem, ou o que, fez aquelas contusões, de todo modo. Era bastante supondo e nenhuma de suas hipóteses era agradável.

     —Fazem uma carne formidável. — ofereceu Helen, esperando aliviar seu estado de ânimo.

     Drake se deteve no meio da mastigação de um bocado, como se tivesse que parar para pensar em provar a comida em lugar de simplesmente consumi-la.

     —Sim. Está bom.

     —Como o restante. — Helen não sabia do que Drake gostava, assim pôs um pouco de tudo em um prato para ambos. —E há bolo de chocolate.

     Drake assentiu, mas seu olhar estava muito longe. Distraído.

     Helen terminou de comer e se reclinou na cadeira, bebendo o refrigerante.

     —Estou preparada quando você estiver.

     —Sei.

     Limpou a boca com um guardanapo e se levantou. A parte queimada no dorso de sua mão estava quase curada, e só tinham passado algumas horas. Estava a ponto de lhe fazer perguntas a respeito quando ele disse:

     —Estive procurando desculpas o tempo suficiente. Vamos.

     Estendeu para ela suas amplas e calosas mãos e Helen não pôde deixar de pegá-las. Nem sequer o tentou.

     Drake a levou para o sofá de veludo e se sentou a seu lado. Orientou seu corpo para ela e não soltou sua mão.

     —Preciso saber que tentará entender por que não disse tudo isto antes a você.

     Helen franziu o cenho confusa.

     —O que quer dizer?

     —Quero dizer, deveria ter dito a você tudo antes de vinculá-la a mim. Mas não o fiz. Estava muito desesperado. Era muita dor. Necessitava de você a qualquer preço e agora é o momento de começar a pagar.

     —Acredita que vou me zangar?

     —Sei que vai se zangar. Posso dirigir isso. Não quero que se sinta ferida. Usada.

     Tudo o que sentia nesse momento era temor. Na realidade, não estava totalmente segura de querer saber o que estava acontecendo.

     —Por que simplesmente não me diz tudo e eu decidirei como me sinto?

     Drake suspirou profundamente e isso fez que sua justa camisa de tricô se apertasse sobre os músculos que Helen não poderia esquecer jamais. Agora era ela quem estava sentindo-se distraída.

     —Sabe que tem que ficar comigo até que encontremos a espada de Kevin, correto?

     —Sim.

     Esteve olhando-a nos olhos, mas agora, com o sentimento de culpa, deslizou-os para o tapete.

     —Também se deu conta de que se nunca a encontrarmos, nunca ficará livre de mim?

     —Até que eu morra. — recordou a ele.

     Talvez isso fosse um grande assunto para outras mulheres, mas Helen sabia que seus dias estavam contados. Desde que houvesse feito algo bom com eles, estava contente.

     —O que acredita que será logo. Não estranho que não esteja histérica por essa parte. — sua mão deslizou pelos cabelos dela em uma carícia consoladora. —Não se preocupe. Solicitei que Sibyl a veja. Se alguém pode averiguar o que significa realmente sua visão, essa é ela.

     Não tinha nem ideia de quem era Sibyl, mas na realidade não se importava. Se o fazia sentir-se melhor que visse a mulher, faria isso.

     —Drake, não quero morrer, mas aprendi que é melhor não iludir-se com este tipo de coisa. A aceitação é mais fácil.

     —Não vou aceitar que vá morrer. Acabo de encontrar você. Por que a encontraria agora só para perdê-la? Não tem nenhum sentido.

     —O fato de ter esta visão não tem nenhum sentido completamente. Não é exatamente normal. Minha mãe tentou me convencer de que era um presente, uma maneira de me recordar que cada dia era precioso. Quando era jovem, costumava pensar que estava louca, mas agora me dou conta que tinha razão. Cada dia é um presente.

     Os olhos dele brilharam dourados com determinação.

     —Não vou perder você.

     Não ia a nenhum lugar com ele a este ritmo.

     —Só me diga o restante, Drake. Diga-me por que Paul estava tão enlouquecido.

     Demorou poucos segundos para relaxar seu corpo e soltar o agarre mortal que tinha sobre sua mão. Como se percebesse que esteve sustentando-a muito forte massageou sua mão como desculpa.

     —Estamos em guerra contra os Synestryn. Estivemos durante milênios. Estamos perdendo terreno a cada dia e se algo não mudar, vamos fracassar.

     Isso não parecia bom.

     —O que acontecerá se falharem?

     —Os Synestryn transformarão a terra em uma coleção gigante de currais de gado e usarão os seres humanos como comida enquanto começam a preparar o caminho para outro mundo chamado Athanasia.

     —Athanasia? Precisa reduzir a velocidade. Os Synestryn querem nos comer?

     —Sim. Sobretudo, querem os humanos de sangue puro, que são descendentes dos Athanasians, para alimentar sua magia, mas os humanos normais são um fonte de alimento tão boa quanto qualquer outra.

     O qual era muito brutal para pensar.

     —O que significa isso? Sangue puro?

     Drake passou uma mão pelo rosto com frustração.

     —Deveriam ter ensinado tudo isto a você desde que era um bebê. Há muito que contar.

     —Só me dê os aspectos mais importantes.

     —Basicamente, os Sentinelas, que são de várias raças, incluídos nós os Theronai, foram criados para proteger outro mundo chamado Athanasia. A terra é o único lugar com porta de entrada para esse mundo, e os Synestryn querem chegar lá. Estão dispostos a fazerem tudo para chegar lá.

     —Por quê?

     —Porque os que vivem lá são antigos e poderosos. Seu sangue é como magia líquida. Se os Synestryn chegarem lá, serão incansáveis.

     —O que seria ruim.

     —Extremamente.

     —Assim, o sangue puro, onde entra?

     —Há milhares de anos, alguns Athanasians se misturaram com os humanos e tiveram filhos. Esses filhos tiveram filhos e assim sucessivamente, e agora os vestígios do sangue antigo neles são diminutos, mas estão lá. Isso é o que queremos dizer quando dizemos sangue puro. Só os seres humanos que descendem de um dos Athanasians são sangue puro.

     —Por que os Synestryn querem esse sangue?

     —Esse sangue antigo é a fonte de sua magia. Os Synestryn precisam dele para sobreviver.

     Tudo isso parecia um pouco exagerado para ser verdade, mas então de novo, a maior parte do que viu no dia anterior sustentava esse algo um pouco exagerado.

     —De acordo, assim os Synestryn querem os humanos sangue puro porque são a única fonte disponível de magia para eles. Entendi. Como eu entro nisto? Acredita que sou um desse humanos sangue puro?

     —Sei que é. De fato, a única forma em que pudesse ter suficiente sangue antigo para se vincular a mim é por algum estranho acidente genético, ou se, como eu, seus pais fossem Theronai, o que é duvidoso. Inclusive mais duvidoso é que possa ser uma descendente direta de um dos antigos.

     O mundo de Helen se inclinou e sua pele esfriou quando as peças do quebra-cabeças se uniram em sua cabeça. Seu pai foi uma aventura de uma noite. A mãe de Helen nunca o viu de novo.

     —Meu pai poderia ser algum tipo de alienígena?

     —Não. Não um alienígena. Athanasian.

     —Qual é a diferença?

     Drake a olhou perplexo. Abriu a boca e voltou a fechá-la, mas não saiu nada durante um bom tempo.

     —Seu pai não pôde ter sido um qualquer. O Solarc está zangado com os Sentinelas, assim, como castigo, fechou a passagem entre os dois mundos de modo que ninguém pudesse passar, e proibiu sua gente de sair de seu mundo para nos ajudar. Basicamente, estamos exilados na terra.

     —O que é um Solarc?

     Drake ondeou uma mão e sacudiu a cabeça.

     —O rei de Athanasia. É um tirano megalomaníaco que controla sua gente com punho de aço. Nega-se a ajudar em nossa guerra contra os Synestryn porque se sente insultado por algo que fizeram meus antepassados. Está convencido que a porta fechada é suficiente para conter um ataque Synestryn.

     —É?

     Drake deu de ombros.

     —Talvez. Reze para que nunca tenhamos que averiguar isso.

     Não era exatamente uma ideia reconfortante.

     —Assim, não sabe como tenho tanto sangue antigo em mim, mas o tenho, e é por isso que você e eu temos esta… conexão?

     Parecia aliviado de que o entendesse.

     —Isso é correto.

     —Ainda não vejo por que Paul estava tão aborrecido com você. Não é sua culpa que eu seja algum tipo de caso estranho da genética.

     —Não era sobre isso que Paul estava falando.

     —De acordo, assim, sobre o que estava falando? Por que estava tão zangado com você? —Perguntou.

     —Quando tocou a luceria ao redor de meu pescoço… mudou.

     Uma gelada onda de medo fez que a comida em seu estômago congelasse em uma massa.

     —Mudou-me como?

     —Despertou a parte em você que a faz Theronai.

     Isso não parecia horrível, mas sua expressão lhe disse que talvez fosse.

     —O que significa? Exatamente?

     —Viveu uma vida bastante normal, não é verdade? Sem contar suas visões. Sem monstros a caçando por seu sangue.

     —Correto.

     —Isso é porque o sangue antigo em você estava mascarado. Escondido como um meio de proteção. Esta é a razão do porquê os Synestryn não a caçavam cada vez que arranhava os joelhos ou cada vez que menstruava.

     Por alguma estúpida razão, seu discurso franco sobre algo tão pessoal a fez enrubescer.

     —Como estava oculto?

     —É algo que os Athanasians fizeram a seus filhos recém-nascidos para protegê-los, para permitir que eles os escondessem a vista entre os humanos. Qualquer que seja a magia que usaram para mascarar o aroma se converteu em um traço genético que se transmite através de gerações.

     —Assim herdei esse mecanismo de sobrevivência e meu ancestrais estão escondidos. Até que o conheci. — supôs.

     —Sim. — era um sussurro culpado.

     —Por favor, me diga que não significa o que acredito que significa.

     —Oxalá pudesse. Sinto muito. — aproximou a mão, mas ela se afastou.

     —Não me toque. Diga exatamente o que fez comigo.

     Ele deixou a mão cair.

     —Durante o resto de sua vida, os Synestryn a caçarão por seu sangue. Saberão que está à vista e tentarão matá-la. Ou pior. Nunca será capaz de se esconder como esteve fazendo toda sua vida.

     OH, sim. Isso era definitivamente o que estava esperando que ele não dissesse.

     —Converteu-me em um cartaz de “Tudo o que possa comer”?

     Drake assentiu tristemente.

     —E isso não é tudo.

     O estômago de Helen se contraiu ante a ideia de mais notícias ruins.

     —Não estou segura de querer ouvir.

     —Estou seguro de que não quer, mas necessita.

     Helen fechou os olhos, preparando-se.

     —Para todas as tentativas e propósitos, alistei você em nossa guerra. Ver-se-á obrigada a ir para a batalha a meu lado e lutar contra os Synestryn.

     —Que querem me comer.

     —Sim.

     Nunca tinha escutado a voz dele tão cheia de ódio para si mesmo. Ao menos, restava um montão de consciência.

     —Não pode me obrigar a lutar.

     —Não vou fazer isso. Os Synestryn o farão com ou sem sua cooperação. Sem nada mais, terá que lutar para sobreviver.

     Helen se sentiu enjaulada de repente. Apanhada. Tudo sobre sua vida anterior se foi. Não ia ser capaz de ver seus amigos por temor de atrair esses monstros para eles. Inferno, deixou de ser capaz de estar rodeada de pessoas, e ponto. Qualquer pessoa que estivesse perto dela estaria em perigo. Drake tinha roubado sua vida e lhe dado uma nova com a qual não queria ter nada a ver. Não queria passar o que lhe restava de vida lutando. Queria paz e o consolo de seus amigos e vizinhos preenchendo os dias que restavam.

     —Como pôde? — Perguntou com a voz trêmula de ira. — Como pôde tirar minhas escolhas desta maneira?

     —Estava desesperado.

     —Isso não é uma desculpa para arruinar o resto de minha vida, por curta que possa ser.

     —Deixe de falar assim. Não vou deixar você morrer.

     —Não será capaz de deter isso. Estará lá, recorda? Ver-me-á queimar até morrer.

     —Nunca faria isso.

     —Quase comecei a acreditar em você, mas então me diz tudo isto. Já me pôs em perigo, por que deveria acreditar que não me deixará morrer?

     —Devido a meu juramento. Estou obrigado a protegê-la.

     —Tomando minha proteção natural? Isso não tem nenhum sentido.

     —É uma Theronai. Uma de nós. É seu dever lutar como o é o meu.

     Helen levantou as mãos em sinal de derrota. Não ia entender seus complicados pensamentos e não ia perder tempo tentando.

     —Há alguma coisa mais que não me disse?

     —Tantas coisas. Levará anos para aprender.

     Helen não tinha anos. Podia sentir isso em seu coração. Sua visão ia acontecer logo.

     —Há algo que não me disse que afeta diretamente meu futuro imediato?

     Fez uma pausa como se fosse dizer algo e depois mudasse de ideia.

     —Sinto muito, Helen. Deveria haver tomado mais tempo para explicar tudo antes de vincular você, mas sentia muita dor e a fez desaparecer. Depois de décadas de agonia, fez-me sentir bem. Não podia deixá-la ir.

     O que devia ter sido isso para ele? O quanto o tornava desesperado esse tipo de agonia? Ela havia sentido só uma fração de seu poder quando pôs o escudo ao redor do monstro de lodo e pensou que a pressão a mataria. Ele esteve vivendo com muito mais que isso durante mais tempo de que estava viva. Não podia nem mesmo começar a imaginar o que era.

     Drake afastou os olhos dela. Podia ver sua frustração nas tensas linhas de seu corpo, escutar a forma em que sua voz tremia com pesar.

     —Não posso mudar o que fiz, mas me dê uma oportunidade de ajudar você a entender por que o fiz.

     —Entendo-o perfeitamente. Inclusive minha visão tem sentido agora. Diz que nunca me olhará morrer, mas a verdade é que quando pôs esta coisa ao redor de meu pescoço, assinou meu certificado de morte você mesmo. Já estou morta. É só questão do monstro chegar até mim primeiro.

     —Não é assim. Meu trabalho é manter você a salvo.

     —Como manteve Thomas a salvo?

     Arrependeu-se de suas palavras no momento em que saíram de sua boca, inclusive antes que ele sentisse a dor que o golpeava por seu comentário sarcástico.

     Sua voz foi fraca e fria.

     —Tem razão. Devia ter salvado Thomas, mas só havia uma maneira de poder fazer isso. Devia estar mais perto da kajmela do que ele estava assim teria morrido em seu lugar. Nenhum de nós deixaria você morrer, Helen. É o momento de que veja porquê.

     Pegou-a pelo pulso e a conduziu para fora da habitação pelo corredor. Pensou em tentar resistir, mas não era uma batalha que pudesse ganhar. Que lhe mostrasse o que queria que visse. No fim não importaria.

   —Não há nada que possa me mostrar que vá mudar o que penso. — disse.

     Passaram meia dúzia de habitações antes de chegarem a uma bifurcação. Drake foi direto e ela seguiu seus passos, incapaz de afastar-se de seu firme agarre.

     —Bem. Se deseja manter um forte domínio em sua justa indignação, eu a convido, mas é meu dever lhe mostrar porque necessitamos de você. Isto não é um jogo.

     —Deveria ter tido a opção de querer ou não fazer parte de seu mundo, parte de sua luta.

     Drake nunca parou e Helen se negou a lançar um ataque. Olharia o que ele tinha que mostrar a ela e em seguida lhe daria uma bofetada na cara por maltratá-la. Não mudaria nada, mas poderia a fazer sentir-se melhor.

     Sua voz era baixa, mas pôde ouvi-la bem no silencioso corredor.

     —A nenhum de nós foi dada a escolha, mas pode pensar que sim se isso a ajudar a dormir de noite, mas você goste ou não, faz parte desta guerra agora e vai necessitar de toda a ajuda que possa obter nesse departamento.

     —Está tentando me assustar?

     Deteve-se em frente a um par de grandes portas de folhas duplas. Diferentes das portas de hotel, de estilo simples do restante das habitações pelas quais passaram, cada uma destas estavam intricadamente esculpidas com uma árvore como a que cobria o peito de Drake. Havia um poder sutil esculpido na madeira. Podia senti-lo aquecendo o ar a seu redor até que brilhou. O impulso de passar os dedos sobre as suaves curva das folhas era quase agonizante.

     Quando Drake falou, teve que piscar algumas vezes antes de ser capaz de afastar os olhos das pranchas.

     —Não, Helen. Não estou tentando assustá-la. Estou tentando demonstrar a você que há um montão de coisas neste mundo que são maiores que o que você ou eu queremos. Sinto ter tirado sua liberdade de escolher esse modo de vida, mas a nenhum de nós foi dado uma escolha. Nascemos nesta guerra. Estivemos lutando durante séculos para manter as pessoas como você a salvo e é o primeiro bocado de esperança que qualquer um de nós encontrou desde que minha mãe e a maioria das Sentinelas fêmeas foram assassinados. Não podia deixar que se fosse.

     Puxou as portas para abri-las e a empurrou para dentro. O cômodo estava na penumbra, feito em escuros e belos tons de vinho, mogno e negro. Duas cadeiras de couro idênticas estavam diante de uma lareira de pedra esculpida, e embora fosse verão, um fogo ardia baixo atrás das portas de vidro.

     Helen afastou os olhos das chamas antes que a deixassem em pânico. Concentrou-se em outros detalhes em um esforço para frear seu coração que pulsava com força. Seus pés se afundavam em um tapete. O ar cheirava um pouco a baunilha. O cômodo estava completamente em silêncio. Nem sequer o fogo se atrevia a crepitar e perturbar a calma reverente.

     As paredes pretas estavam cobertas com espadas penduradas em suportes de prata finamente lavrados formando intrincadas videiras.

     Havia montões de espadas. Dúzias delas. Cobriam cada pequeno espaço vazio disponível na parede.

     —Estas são as espadas dos homens que morreram lutando contra os Synestryn — disse Drake. Não havia ira em sua voz agora, só uma silenciosa dor pela perda e respeito. — Cada um deles deu sua vida para que outra pessoa pudesse viver. Nenhum de nós pode usar nossa magia efetivamente, e sem ela, só temos força bruta. Não é suficiente, não contra um exército que cresce mais forte a cada dia.

     —Esta é a Sala dos Caídos. — disse com assombro. Tinha ouvido Thomas mencioná-la, mas nunca imaginou nada como aquilo. Imaginou algumas lápides esculpidas ou talvez uma placa de bronze com o nome de cada homem gravado sobre ela. Não aquela escura e confortável sala onde as pessoas poderiam vir e serem rodeadas pelas espadas dos mortos. Assim, tantos tinham morrido e não pôde deixar de perguntar-se quantos deles eram pessoas que Drake amava.

     Drake agitou a cabeça tristemente.

     —Não. Este é um lugar de lembranças. Um lugar onde podemos vir, nos sentar e recordar aqueles que caíram recentemente. — empurrou para abrir outro par de portas opostas às que tinham chegado e lhe indicou que entrasse. — Esta é a Sala dos Caídos.

     Helen entrou e o eco de seus passos ressoou em seus ouvidos. A sala era enorme, facilmente de quinze metros de largura com um teto de vidro que se elevava dez metros acima deles. Como na outra sala, as paredes eram pretas e cobertas de espadas. Mais daquela fina prata as pendurava do teto. Centenas delas. Talvez milhares. Algumas tinham a inconfundível faixa de uma luceria rodeando os punhos, mas a maioria não. A maioria daqueles homens morreu sozinha.

     Helen teve que lutar para respirar. Havia muitas espadas para contá-las. Muitas mortes para enfrentar. Todos aqueles homens morreram lutando para salvarem humanos que nem sequer sabiam que os Theronai existiam.

     Era muito triste, muito perturbador para tentar entender o tipo de força que implicava viver com este aviso de morte sempre perto. Não sabia como Drake e seus amigos podiam aguentar, como podiam continuar quando havia tão pouca esperança.

     Sentiu o calor do corpo de Drake em suas costas e se recostou contra sua vivaz calidez, necessitando-a. Ele envolveu os braços em sua cintura e não tentou detê-la. Sua ira anterior parecia pequena e insignificante frente ao que seu povo sofreu. O que tinham perdido.

     —É por isso que necessitamos de você, por isso estava disposto a unir você a mim sem lhe dar a chance de me rechaçar. Parte de minha motivação era egoísta porque queria você para deter a dor, mas também queria dar a nosso povo esperança, uma razão para seguir adiante apesar da dor e o pesar que está conosco todos os dias. Muitos de nós morrem a cada ano e não há mais Theronai nascendo. Nós todos vivemos com uma intensa dor, tentando aguentar o tempo suficiente para ter um raio de esperança. — sua boca passou por seus cabelos. —Tem que ser essa esperança, Helen. Não podemos aguentar mais tempo sem você.

     Helen tinha passado toda sua vida adulta tentando encontrar uma maneira de deixar um legado do bem. Tinha doado a maior parte de sua herança a obras de caridade, oferecido seu tempo, passando incontáveis horas com pessoas que necessitavam de alguém com quem falar. Nenhuma dessas coisas era grande e sempre desejou poder fazer mais.

     Agora podia. Talvez fosse a isto que devia dedicar sua vida. Ou talvez esse desejo que sempre teve de servir aos outros era algo em seus genes. De qualquer maneira, não podia afastar-se de Drake e sua gente. Sua gente agora.

     Suas opções eram poucas. Podia manter-se contra as decisões de Drake e passar todo o tempo que restava zangada com o homem a quem estava ligada, ou podia perdoá-lo por fazer o que acreditava correto e aceitar o que o destino lhe levou. Afinal, olhando as provas de tantas vidas sacrificadas, não era uma decisão difícil.

     Disse:

     —Não resta muito tempo. — quando ele começou a discutir, cobriu sua boca com a mão. —Não. Apenas escute. Quero que encontremos a espada de Kevin.

     Seus braços caíram aos lados e deu um passo para atrás. O ar frio bateu em suas costas e sentiu falta da comodidade de seu calor.

     —Assim poderá se liberar de mim.

     Helen se virou e olhou nos olhos. Tinha-o machucado e não teve essa intenção. Tinha que saber que estava lhe dizendo a verdade.

     —Não. Quero encontrar a espada de Kevin para que possa pendurá-la aqui com as restante.

     O alívio relaxou a tensão de seu rosto anguloso.

     —A espada de Kevin foi engolida por uma kajmela. O único modo de recuperá-la é matar a coisa e o único modo de matá-la é com fogo. Fogo mágico.

     Só ouvir a palavra a fez estremecer, e seu estômago arder.

     —Tem certeza?

     —Lutamos contra eles durante séculos. Tenho certeza.

     Helen não estava segura de poder fazê-lo, mas tinha que tentar. Talvez fosse para onde sua visão a conduzia indevidamente. Seu destino. Levaria a kajmela em chamas com ela, e a espada de Kevin seria recuperada. De algum jeito, parecia melhor que morrer absolutamente por nenhuma razão.

     Endireitou os ombros e rezou por coragem.

     —Está bem. Vamos brincar com fogo.

  

     Logan permaneceu nas sombras, onde Drake não pudesse vê-lo observar Helen. Daria a Drake alguns dias para esfriar antes de aproximar-se de Helen por mais sangue. Já tinha utilizado o poder do sangue que ela tinha lhe dado. Os ferimentos de Drake tomaram muito disso e o Projeto Lullaby requereu o restante. Apenas horas depois de alimentar-se, sua garganta estava de novo retorcendo-se de fome.

     Boa coisa que tivesse passado anos aprendendo a viver com isso.

     —Tem razão. É uma fraude. — disse Gilda quando viu Helen esforçar-se para chamar inclusive a menor chama para sua mão.

     Gilda era tão bonita quanto mortal, de cabelos longos que flutuavam em ricas ondas negras terminando em seus quadris. Sua pele era lisa e impoluta pela passagem dos anos. Só alguns fios prateados, da mesma cor que seu vestido de seda, brilhavam em seus cabelos revelando sua idade avançada.

     O corpo de Helen tremeu pelo esforço enquanto tentava fazer aparecer fogo do ar. Drake permanecia a seu lado sobre a doca de madeira do lago. Logan estava seguro de que Drake escolheu a localização somente para apagar os temores de Helen. Como o fogo podia ser uma ameaça com tanta água literalmente sob seus pés? Drake mantinha a mão contra o dorso de seu pescoço em um esforço para facilitar o fluxo de poder entre eles. Não parecia estar fazendo nenhum bem.

     —Não disse que era uma fraude. Disse que nunca será capaz de chamar o fogo. Essa sua parte está danificada e nunca poderá ser arrumada.

     —É um dos mais dotados curadores sobre a face deste planeta e, contudo, não pôde salvá-la.

     —Não. O que quer que esteja quebrado em seu interior esteve assim desde antes que ela nascesse. Criaram-na com esse defeito.

     —Por quê? — Exigiu a Dama Cinza.

     Chegava ao ombro de Logan, mas sabia que sua diminuta forma era enganosa. O poder dos Theronai crescia com os anos e Gilda era quase a fêmea Sentinela viva mais poderosa. Não é que tivesse muita competição.

     —Não sei por que. — disse honestamente.

     —Descubra. — não era um pedido. — Se não puder ser curada, então matará Drake como fez com Thomas.

     —Matou ao Thomas? Quem disse tal coisa? — Drake nunca diria isso a Gilda, inclusive se fosse verdade. Ele protegia Helen do escrutínio como também do perigo.

     Um toque de tristeza brilhou nos olhos negros de Gilda.

     —Tomei a lembrança da espada de Thomas. Vi o que aconteceu. Se tivesse sido capaz de fazer seu trabalho, essas duas kajmelas teriam explodido em chamas em questão de segundos. Thomas interveio para salvá-la e isso custou sua vida.

     —Foi sua escolha. Helen nunca pediu isso. — Logan tinha lido muito de seu verdadeiro caráter quando passeou por suas lembranças.

     A Dama Cinza se virou e o agarrou pela frente da camisa. Sua cara estava inexpressiva, mas Logan podia ver uma furiosa e perigosa raiva em seus olhos muito escuros.

     Ela não se equiparava a sua força física, mas Logan não se atreveu a soltar-se. Pois embora Logan não pudesse vê-lo, Angus estava por perto, à distância de um golpe, e mataria Logan se tão somente revolvesse seus cabelos.

     —Deveria ter matado a kajmela ela mesma, e não ter deixado que ela tirasse ao Thomas. — disse Gilda.

     Logan não lutaria com ela, mas não deixaria que Helen fosse culpada por algo que não era responsável.

     —Não há maneira de que pudesse saber o que fazer. Sua ignorância é culpa de Drake. Não dela.

     —Far-me-ia matá-lo por seu engano e vinculá-la ao Paul?

     —Não. É obvio que não.

     —Então, o que sugere, sanguessuga?

     Sanguessuga. Logan não pôde evitar que suas mãos se curvassem em punhos ante o insulto. Apertou os dentes para evitar gritar com ela.

     —Não sugiro nada. Saí aqui fora porque pensei que você gostaria de saber o que descobri. A paz entre nossas raças é frágil e eu, dessa vez, acredito que é importante que fomentemos essa paz.

     Gilda liberou sua camiseta e voltou a olhar para Helen como se nada tivesse acontecido entre eles. Não ofereceu a ele uma desculpa por sua conduta ou seu insulto.

     —É uma carga. — disse Gilda.

     —É um milagre. A primeira fêmea Theronai nascida depois de duzentos anos. Talvez haja mais como ela.

     —Descobriu sua linhagem?

     —Não. Gordon está trabalhando nisso. Dei a ele uma amostra de seu sangue e não pôde recordar de ter provado nada igual a isso.

     —Se descobrir algo, me diga imediatamente. — ordenou Gilda.

     Logan não disse nada. Não prometeria nada a ela a menos que fosse obrigado a isso. A experiência o ensinou essa incômoda lição.

     Felizmente, estava tão concentrada no esforço de Helen que não se deu conta de que não tinha aquiescido.

     Logan voltou a deslizar-se na escuridão sem um som. Tinha muito trabalho a fazer essa noite para passar mais tempo com os Theronai. Tinha que preocupar-se com sua própria gente. Pela primeira vez em séculos, os Sanguinar tinham esperanças e o sangue de Helen era a chave.

    

   Drake não ia deixar que Helen se esforçasse mais aquela noite. Esteve trabalhando durante mais de uma hora e não tinha conseguido fazer aparecer mais que uma simples faísca. Estava se matando tentando vencer seu temor ao fogo, e nada bom estava saindo disso. Sua desesperada frustração o estava matando.

     —Basta. — disse enquanto afastava sua mão do pescoço para romper a conexão.

     Seu anel zumbiu com irritação ante a perda do enlace direto, mas o ignorou.

     —Só um pouco mais. — ofegou.

     Sua face estava vermelha, seus olhos injetados de sangue, a camiseta grudava-se a suas curvas com o suor e seu corpo todo tremia de fadiga.

     Drake queria colocá-la em uma confortável e suave cama e deixá-la dormir umas dez horas. Justamente depois de fazê-la gozar por ele outra vez. Estava morrendo para ouvir seus doces gemidos de liberação e ver seu corpo arquear do prazer que dava a ela. Queria sustentá-la em seus braços enquanto seu corpo se acalmava e deslizasse no sono. Queria aquela sensação de alegria que vinha com o conhecimento de que tinha cuidado dela de todas as formas possíveis. Possivelmente era egoísta, mas queria isso de toda forma.

     —Não mais. — disse suavemente. A última coisa que precisava era que se obstinasse com ele, negando-se a escutar a razão. — Já exigiu muito de você esta noite. Hoje dormiu apenas poucas horas e precisa descansar antes de tentar outra vez.

     —Não há tempo. — disse. Sua respiração ainda não tinha se acalmado, mas encontrou a energia para dedicar a ele um olhar feroz. —Disse que se Nicholas encontrasse alguma pista de onde foi essa kajmela, teríamos que nos mover em seguida. Disse que essas coisas se movem para um novo lugar a cada noite e que nossa única chance para encontrá-la seria nos mover tão rápido quanto pudéssemos.

     —Também disse que só podemos matar a kajmela com fogo, e você está a um longo caminho de fazer que isso aconteça. Levá-la até o limite desta maneira não serve de nada.

     —Há outra maneira de matá-la. Alguém tentou com dinamite?

   —Está brincando, não é mesmo?

     —Não. Voemos aquela coisa ao inferno.

     —Isso não a mataria. Seria um desastre e teríamos dúzias menores com as que lutar. Temos que usar fogo. Sinto muito, amor.

     —E se eu não puder? —Perguntou em voz baixa.

   A suave voz de Gilda propagou-se da escuridão.

     —Então será de pouca utilidade para nós a não ser por apagar a dor de nossos guerreiros.

     Gilda, a Dama Cinza, saiu das sombras. Sua pequena forma estava moldada em um longo e vaporoso vestido de seda cinza. Alguns fios prateados se dispersavam em seu ainda negro cabelo, o qual usava solto ao redor dos ombros. O vento brincou com eles, mas não o enredou. Nem sequer o vento se atrevia a zangar alguém tão poderoso quanto a Dama Cinza.

     Drake não tinha ideia do quanto ela era velha, mas tanto quanto sabia, ela e Angus eram os mais velhos Theronai com vida sobre a terra. Os avós de Drake se puseram de joelhos ante eles, tanto magicamente como com temor.

     Drake sempre respeitou Gilda como sua mais velha e formidável aliada, mas não deixaria que se enfurecesse com Helen.

     —Sabe que isso não é verdade. — disse a ela em um tom tão respeitoso quanto podia dirigir.

     As escuras sobrancelhas de Gilda se arquearam amplamente.

     —Não sei tal coisa. O fogo é o mais básico entre os feitiços. Muitos dos Synestryn o temem. Mata a todos, tirando alguns dos de sua classe. Se não puder nem sequer dominar esse pequeno conjuro, então nos servirá melhor ficando aqui e atendendo a nossos feridos.

     —Temos dúzias de Sanguinar se fazendo de enfermeiro. Necessitamos de Helen no campo de batalha.

     —Realmente acredita nisso? —Perguntou a Drake. Então se virou para Helen. —Acredita que seu lugar é o campo de batalha, menina?

     Helen olhou para Drake como se procurasse ajuda. Não a deu, mas enlaçou seus dedos com os dele, recordando-a que estava de seu lado.

     Helen dedicou a ele um pequeno encolhimento de ombros.

     —Todo meu mundo mudou nas passadas vinte e quatro horas. Já não sei qual é meu lugar.

     Gilda assentiu com a cabeça em reconhecimento e seus olhos negros brilharam na escassa luz.

     —Bem dito. Deixe-me dar um exemplo do que se esperará de você, então estará mais bem educada e será capaz de decidir qual é a melhor maneira em que pode servir a nossa causa.

     Drake conhecia Gilda bem o bastante para supor que não estava planejando uma sessão educacional em benefício de Helen. Estava tentando provar sua teoria de que Helen não tinha lugar a seu lado.

     Drake não podia deixar que Gilda sacudisse a tênue confiança de Helen dessa maneira.

     —Não faça isso, Gilda. Não está preparada para isto.

     Gilda inclinou a cabeça como se estivesse confusa quando ele sabia que estava tudo menos isso.

     —Pensei que planejava levá-la à batalha. Não deveria ver qual será seu papel? Prefere simplesmente lançá-la no meio do caos e rogar que aprenda pelo caminho? Pensei que a morte de Thomas tinha demonstrado a você que isso funciona precariamente.

     Drake apertou os dentes e teve que lutar com uma onda de pesar e culpa antes de poder falar.

     —Estava tentando ensinar a ela.

     —E estava funcionando? —Perguntou como se já soubesse a resposta.

     Os dedos de Helen apertaram os dele.

     —Deixe que me mostre isso. Preciso aprender isso ou nunca serei capaz de ajudar você.

     —Há maneiras mais fáceis de aprender. — disse a ela.

     —Mas são as mais rápidas? —Perguntou Helen.

     A bela boca de Gilda se curvou em um sorriso satisfeito.

     —Não. Não são. — estendeu a mão para Helen em uma comum saudação humana. — Sou Gilda e ensinarei a você o que deve saber. Vamos.

     Helen seguiu Gilda para a seção de terra que tinha sido limpa de qualquer sujeira.

     O quente ar do verão se encrespava ao redor dela, secando o suor de sua pele. Ali não havia luzes de segurança e teve que utilizar o poder de Drake para permitir-se ver na escuridão.

     Já estava exausta, e usar inclusive o menor pingo de magia estava rapidamente cobrando seu preço. Tinha que arranjar-se para dar cada passo, e se não fosse pelo forte braço de Drake que a segurava, não estava segura de que tivesse podido arranjar-se para fazer sequer isso.

     Como se tivessem sido convocados, apareceram meia dúzia de homens, todos exceto um, tinham dado a Helen seu juramento de morrer por ela. O único que não havia feito isso era mais velho que o restante, com um rosto anguloso e um absoluto silêncio nele. Ficou junto à Gilda, mantendo o olhar sobre ela. A clara faixa ao redor da garganta dela combinava com o anel de sua mão. Não havia movimento nas cores como havia no colar de Helen, e se perguntou o porquê da diferença.

     Drake ficou junto de Helen, ajudando-a a manter-se em pé e deixando-a descansar contra ele. Suas pernas estavam débeis e tremiam como se tivesse acabado de terminar uma maratona e não confiasse em sustentar-se em pé. Mas confiava em Drake e se apoiou nele em busca de suporte. Ele parecia forte e capaz e ela começava a se perguntar se sua força nunca se esgotaria. Os duros contornos dos músculos que discorriam por sua coluna sob sua mão a tentavam e não pôde fazer nada exceto deslizar os dedos sobre eles, desfrutando da sensação.

     Ele se inclinou mais para perto de seu ouvido enquanto indicava ao homem de rosto anguloso.

     —Esse é Angus, o companheiro e marido de Gilda.

     —Sabe o que esses homens estão fazendo aqui? —Perguntou.

     Gilda estirou a mão e tocou a cada um na testa e sussurrou algo em voz baixa para eles. Todos os homens assentiram e foram ficar na borda da clareira como se esperassem ordens.

     —Gilda está criando uma simulação de batalha para você. Está dando a esses homens seus postos e pondo uma proteção sobre cada um para que sua magia não os mate.

   Caramba. Havia mais de tudo aquilo do que podia começar a imaginar. Achou fascinante, e sim, um pouco inquietante. Era estranho pensar que tudo isso esteve embaixo de seu nariz toda sua vida e nunca tinha tido uma pista.

     —Fez isto antes?

     —Muitas vezes. É como praticamos sem nos matar uns aos outros, embora imagine que Gilda se empenhará mais no show para seu benefício.

     —O que quer dizer com um show?

     —Vai tentar assustar você ou a surpreender para que acredite que não é boa o bastante para o que se espera de você.

     —Por quê? Pensei que toda sua gente queria que eu os ajudasse em sua guerra. Por que tentaria me convencer de outra coisa?

     Mostrou um triste sorriso a ela.

     —Gilda viu crescer a todos nós e nos vê como seus filhos. É protetora. Está preocupada que sua inexperiência faça que me matem ou a outro dos homens.

     —Sabe que tem razão. Se soubesse como salvar Thomas e fosse capaz de fazê-lo, talvez não tivesse morrido.

     Havia tentado não pensar muito nisso porque se preocupava que a culpa pudesse afetá-la, mas não podia ignorar o óbvio. Falhou e agora Thomas estava morto.

     Drake cobriu seu queixo com a mão e a fez olhar para ele. Sua expressão era dura e as brasas de ouro em seus olhos brilhavam com uma luz feroz.

     —Isso não é verdade, e se pensar dessa maneira, vacilando entre os “e se” e os “deveria haver”, nunca será capaz de superar sua própria insegurança. Então realmente será um perigo para aqueles que estejam a seu redor.

     —Não quero que minha falta de habilidade consiga matar a mais ninguém.

     —Somos homens adultos. Estivemos fazendo isto muito tempo e conhecemos os riscos. Olhe para esses homens, e me diga se pensar que a veem como uma ameaça ou uma debilidade.

     Helen olhou para a linha de homens com quem Gilda tinha terminado de falar. Olhavam-na com ganância e algo que não podia nomear. Não era exatamente esperança, embora fosse parte isso. Era mais desejo, se aqueles enormes e melancólicos homens pudessem ser chamados de desejosos. Não estava segura do que pensar sobre isso.

     —Cada um deles deseja ser eu nesse momento. Cada um deles vê em você um sinal de que suas vidas talvez não tenham que ser uma batalha constante com a dor. Deu esperança a eles e é mais do que tiveram em muito, muito tempo. — seu polegar deslizou sobre seu lábio inferior e Helen teve que sufocar um tremor de desejo. Tão cansada como estava, ainda queria que a beijasse. Nada daquilo a preocupava quando ele a beijava.

     —Uma pessoa pode fazer coisas incríveis se ele ou ela têm esperança suficiente. Deve se lembrar disso.

     Helen sabia o que queria dizer. Queria que tivesse bastante confiança para superar sua visão, seu medo do fogo. Ela também queria, mas aceitar não era tão fácil. Especialmente quando acreditava que estava quase sem tempo. Tinha levado um montão de anos para ganhar essa aceitação e não queria voltar a fazer isso outra vez. Não era tão forte.

     —Estamos preparados para começar. — disse Gilda do lado mais afastado da clareira.

     Estavam a trinta metros deles e no centro havia uma enorme pedra na qual gravaram uma série de símbolos.

     Angus estendeu para ela uma espada que parecia ter sido bem usada, e ela a sustentou à vista de todos.

     —A meta é recuperar esta arma de práticas. Os Theronai a guardarão e tentarão mantê-la afastada de mim. Drake e Helen permanecerão no interior do círculo, mas não participarão. Entendido?

     —Sim, minha senhora. — disseram cada um dos homens em uníssono. Incluindo Drake.

     Helen retrocedeu ante o inesperado som de tantas vozes profundas. Gilda estava observando-a e um ligeiro sorriso curvou sua boca quando viu a assustada reação de Helen.

     Gilda abriu as mãos e a espada flutuou sobre as cabeças de todos os homens e se cravou em um ponto na terra atrás deles.

     —Então, comecemos.

  

     Repentinamente, Helen já não estava tão desejosa de ver o que Gilda tinha que lhe mostrar. Apoiada no sorriso ardiloso que tinha, Helen estava segura de que não ia gostar.

     O braço de Drake se apertou ao redor de sua cintura e puxou-a para seu lado.

     —Aguente. — murmurou ao seu ouvido.

     Helen não tinha nem ideia do que queria dizer, mas um momento mais tarde, Gilda levantou as mãos e um anel gigante de fogo brotou da terra, encerrando-os dentro.

     Helen não se preparou para resistir a algo parecido, e deixou escapar um grito de terror. O fogo estava a poucos centímetros de distância deles. Tinha facilmente três metros de altura e crepitava com um som quase ensurdecedor. Um som faminto.

     —Está bem. Só respire.

     Ouviu a voz tranquilizadora de Drake em sua mente, mas não ajudou. Seu coração estava palpitando e estava paralisada de terror. Não havia nenhum lugar para onde pudesse se deslocar, de qualquer maneira. Estava rodeada de fogo por todos os lados. Fogo faminto e crepitante que queria devorá-la viva.

     Sentiu Drake forçar seu caminho dentro de sua mente. Não soube como se empurrou através de seus pensamentos frenéticos, mas esteve ali. Podia sentir sua tranquila presença reconfortante desvanecendo as bordas de seu terror.

     —Não deixarei que se machuque. — sussurrou diretamente em seus pensamentos.

     Não teve opção se não escutá-lo e tentar acreditar nele.

     Capturou seu rosto em suas grandes mãos e a obrigou a olhar seus olhos. Com suas mãos atuando como antolhos[14] e seu rosto enchendo o resto de sua visão, já não podia ver o fogo. Podia ouvi-lo, podia sentir sua ávida presença a apenas centímetros de distância, mas o restante de seus sentidos foram preenchidos com Drake. Podia cheirar sua pele e isso provocou uma lembrança de seu corpo movendo-se sobre o dela, enchendo-a e conduzindo-a para fora de sua mente com prazer.

     Ficou confusa pela lembrança tão intensamente positiva em meio a tanto medo, e essa confusão pôs de novo seu cérebro para funcionar.

     Inspirou profundamente o ar para seus pulmões e o deixou sair de novo.

     —Assim. Simplesmente respire. Tenho você.

     O pânico se retirou o suficiente para que pudesse enfocar a atenção em permanecer tranquila. Seus dedos estavam apertados ao redor dos pulsos dele e se obrigou a afrouxar o agarre.

     —Estou bem. — disse.

     Estava muito longe da verdade, mas não tanto para que ela não pudesse pretender que ele acreditasse.

     —Bom. Está fazendo isso extraordinariamente, Helen. — dirigiu a ela um sorriso orgulhoso.

     Era ridículo. Era uma louca completa e ele se orgulhava dela.

     —Vou baixar minhas mãos agora, está bem?

     Assentiu.

     —O fogo segue em marcha, mas não pode ferir você. Compreende isso?

     Não realmente, mas assentiu de qualquer maneira.

     Lentamente, Drake baixou suas mãos e pôde ver o fogo com sua visão periférica. Sua respiração se acelerou, mas conseguiu manter-se inteira. Ia fazer isto, maldita seja. Não ia permitir que o medo ao fogo ganhasse. Especialmente, não diante de Gilda. Era isso o que a mulher queria, que Helen admitisse a derrota antes de sequer ter tido a chance de tentar.

     Drake se endireitou, assim cravou os olhos em seu peito. Enfocou a atenção na faixa de pele mais clara ao redor de sua garganta onde a luceria esteve durante anos. O restante de sua pele estava ligeiramente bronzeada. Podia ver as pontas dos ramos frondosos de sua árvore aparecendo por debaixo de sua gola aberta.

     Helen não quis afastar os olhos. Drake era uma visão muito mais atraente que o fogo, mas tinha que ser mais dura que isso. Assim foi. Apertou os dentes e girou a cabeça para que não tivesse mais opção que ver a parede de fogo a apenas centímetros atrás deles.

     Mas não emanava nenhum calor. Isso era estranho e tirou sua mente do montão errático de pânico que ameaçava afligi-la. Aferrou-se a esse pânico e o controlou com pura força de vontade.

     —Sua dama está bem? —Gilda perguntou com um rastro de orgulho em seu tom.

     —Quer que eu faça que se detenha? —Perguntou Drake a Helen com uma voz projetada só para ela.

     —Não. Vamos terminar com isto.

     Drake elevou sua voz e se dirigiu a Gilda.

     —Está preparada, Dama Cinza.

     Helen estava a ponto de perguntar a ele por que a chamou disso quando viu Gilda elevar os braços sobre sua cabeça. Esta vez, Helen se preparou para aguentar o pior, mas nenhum outro fogo fluiu do chão. Em vez disso, do outro lado do círculo, onde os homens protegiam a espada, viu-os começar a mudar. O homem mais próximo a eles... um loiro grande com um rosto cheio de cicatrizes... brilhou tenuemente, como tinha visto a espada de Drake fazer quando estava a ponto de tirá-la. Quando a flutuação se deteve, já não parecia humano. Parecia-se com um daqueles monstros mosquito.

     Helen agarrou o braço de Drake, preparada para afastá-lo, mas ele cobriu sua mão.

     —É só uma ilusão de uma reminiscência. Esse ainda é Nicholas.

     Helen tentou relaxar enfrentado essa notícia, mas não pôde. O seguinte homem na linha já estava fazendo aquela coisa de flutuar, e quando se deteve, era um monstro de lama.

     —Como se chama isso? —Perguntou ao Drake em um grito patético.

     —Um kajmela. Provavelmente, lançará um sgath ou dois também. Não se preocupe, todos são apenas efeitos especiais. Gilda está se exibindo para você.

     Helen duvidou que uma mulher tão poderosa quanto Gilda se preocupasse em gabar-se ante alguém. Certamente, não ante Helen, que parecia temer a própria sombra.

     O seguinte homem na fila se transformou em uma mistura peluda de chimpanzé e lobo, com olhos verdes acesos que a assustaram até os dedos dos pés.

     —Isso é um sgath?

     Uma vez que o último homem se transformou em um monstro horrendo, Gilda baixou suas mãos e disse a Helen:

     —Isto é o que se supõe que deve fazer, menina. Julgue bem se é ou não capaz.

     Angus desembainhou a espada, o que aparentemente era o sinal para que os monstros atacassem. O sgath peludo lançou-se ao ataque sobre suas quatro patas, dirigindo-se diretamente para Gilda.

     Angus deu um passo para o lado direito de Gilda, plantou os pés e quadrou os ombros com sua espada levantada. Esta refletia chamas alaranjadas e Helen teve que lutar para permanecer tranquila. As chamas não estavam quentes, assim talvez, fosse simplesmente uma ilusão, também.

     Helen se aferrou a esse pensamento e se convenceu a acreditar nisso. Lentamente, um pouco do pânico residual começou a desvanecer-se e pôde respirar mais facilmente.

     A expressão de Angus era serena, mas seu corpo estava em posição de golpear.

     —Vai matá-los. — disse.

     Drake ainda a abraçava e sua mão deslizou por seu quadril em uma carícia terna.

     —A magia de Gilda os protege. Não se preocupe. Nenhum será ferido.

     Três dos sgath saltaram para Gilda. Ela agitou sua mão uma vez, como se sacudisse água dela. Os sgath se chocaram contra uma barreira invisível e ricochetearam.

     Havia quatro haest e cobriram a distância mais cautelosamente. Dispersaram-se, dando estranhos estalos. Dois se dirigiram para Angus enquanto mais um se moveu para Gilda. Angus tentou inclinar seu corpo para pô-lo entre o haest e Gilda, mas as duas coisas se lançaram sobre ele com aquelas presas longas e transparentes e não lhe restou mais nada se não defender-se. Sua espada se balançou em um arco mortífero que cerceou trinta centímetros das quatro presas.

     Os haest emitiram estalos frenéticos, mas não cederam. Pressionaram-no mais duramente, equilibrando-se com suas cabeças de inseto, mantendo sua espada ocupada esquivando suas tentativas.

     O haest que se aproximava de Gilda golpeou outra barreira invisível e bateu contra ela. Faíscas fluíram da parede enquanto a coisa avançava.

     Os pés de Gilda deslizaram sobre o chão enquanto o haest empurrava de novo a barreira para o anel de fogo.

     Helen se retesou ante a ideia de Gilda queimada, mas Drake acariciou suas costas, dizendo a ela com sua linguagem corporal relaxada que tudo estava bem.

     Gilda sorriu, e um segundo mais tarde, pontas agudas se dispararam do chão, atravessando o haest que a atacava. Este, agitou suas longas pernas no ar, mas não conseguiu nada. A coisa ficou presa nos aguilhões de pedra.

     Estava tão ocupada com esse monstro que não notou o haest que se levantou atrás dela.

     Helen tomou fôlego para gritar uma advertência, mas foi muito tarde. As longas presas se lançaram para as costas de Gilda. Uma fração de segundo antes que pudesse alcançá-la, a coisa saltou no ar e aterrissou rodando a uns seis metros de distância. As presas do haest estavam afundadas no chão e ele puxava-as em um esforço para desenterrá-las.

     Antes que pudesse liberar-se, outra elevação repentina de picos de pedra brotou do chão e o atravessou.

     Nesse momento, um dos kajmela tinha consumido a espada em um esforço para protegê-la e o outro estava fluindo sobre a terra para Angus. Ele tinha matado um dos haest, e o outro estava retrocedendo de seu ataque cruelmente agressivo.

     Retrocedeu diretamente para o kajmela, o qual o absorveu e aumentou de tamanho.

     Angus não prestou atenção a ela. Estava ao lado de Gilda e a ajudava a ficar de pé. Ela sacudiu o pó de sua saia enquanto Angus deslizava a mão sobre sua nuca.

     O ar repicou de poder. Helen podia senti-lo rodeando-a, sentia vibrar as pedras debaixo de seus pés. Gilda inclinou a cabeça e seus cabelos compridos caíram para defender seu rosto.

     Os kajmelas estavam dirigindo-se para o casal, aproximando-se mais e mais a cada momento.

     O ar a seu redor esfriou e quando Gilda levantou a cabeça, Helen pôde ver fogo ardendo em seus olhos. Fogo real. Gilda abriu a boca e uma coluna de chamas explodiu de seus lábios. Levantou a mão para a kajmela e resplandecentes gotas de lava caíram das pontas de seus dedos e se agruparam no chão.

     O rosto de Angus se retorceu em um grunhido de dor e o corpo de Gilda estremeceu um instante antes que um pilar de fogo tão grosso quanto o tronco de uma árvore saísse disparado de sua mão e engolisse o kajmela. O monstro emitiu um horrível e agudo grito, mas continuou avançando, pulverizando fogo em sua queda.

     Gilda desabou, mas Angus envolveu um braço ao redor de sua cintura e a ajudou a descer ao chão. Deixou sua espada cair e estendeu sua mão nua sobre o chão.

     Helen sentiu a terra debaixo de seus pés esfriar.

     —Agora! — Gritou Angus.

     Gilda levantou sua mão debilmente e outra explosão de chamas saiu a jorros, golpeando o segundo kajmela.

     Aquele sibilante grito se duplicou e Helen cobriu os ouvidos para bloqueá-lo. Não importava se nada daquilo fosse real. Parecia real. Soava real.

     Um dos sgath voltou a se pôr de pé e rodeou Angus e Gilda.

     Helen tentou recordar a si mesma que era apenas um treinamento.

     Uma ilusão projetada para assustá-la. Bom, funcionava perfeitamente bem. Queria gritar uma advertência.

     A mão de Drake cobriu sua boca.

     —Deixe-o passar.

     Como se tivesse escolha.

     Os sgath não atacaram desta vez, moveram-se furtivamente, mantendo-se fora da vista dos Theronai. Os kajmelas estavam queimando, diminuindo a cada segundo, mas ainda avançando.

     Angus se empurrou sobre os pés e levantou Gilda com ele. Colocaram-se costas com costas no centro do círculo chamejante usando a gigantesca pedra esculpida para proteger um flanco. Gilda balançava sobre seus pés, mas o olhar em seu rosto era de determinação. As chamas em seus olhos arderam mais brilhantes e lágrimas de fogo se derramaram por sua suave bochecha.

     Angus viu o sgath e preparou sua espada para matá-lo enquanto Gilda olhava em direção dos dois kajmelas ardendo. Todos, os três monstros, atacaram imediatamente. O sgath foi mais rápido e Angus deu um golpe com a espada, falhando.

     Seus olhos resplandeceram verdes de triunfo enquanto ia pelo flanco desprotegido de Gilda.

     Como se lesse a mente de Angus, Gilda girou no último segundo, evitando por pouco as garras negras do sgath, que deu três golpes com as garras afiadas como navalhas em sua saia longa.

     Gilda se agachou. A espada de Angus cerceou onde seu pescoço teria estado e se cravou no peito do sgath.

     Os kajmelas estavam agora suficientemente perto para alcançá-lo com os negros tentáculos oleosos. Um deles saiu disparado para Angus. Gilda deixou escapar um grito de fúria e o bombardeou com um punhado de fogo.

     Angus liberou sua espada do sgath derrotado e levantou Gilda para cima da rocha esculpida com um braço. Sua mão se fechou ao redor de seu tornozelo nu e Helen pôde sentir a conexão entre eles fortalecer-se. Aquela retumbante energia estranha reverberou no ar com o poder da magia que fluiu entre eles.

     Gilda estava ferozmente bela, de pé ali, com seus cabelos escuros e sua saia clara flutuando atrás dela, seus olhos resplandecendo com fogo e um sorriso vitorioso em seus lábios. Helen nunca antes tinha visto nada tão notável em sua vida.

     Gilda elevou ambas as mãos para os kajmelas e soltou outra fonte de chamas para eles. O fogo fluiu das pontas de seus dedos, retorcendo-se e fervendo como se estivesse vivo. Os kajmelas emitiram mais gritos agudos e sibilantes, mas não cedeu. Seu corpo tremeu pelo esforço, mas o fogo continuou, encolhendo os kajmelas até que restaram apenas planos atoleiros gordurentos.

     No centro de um desses atoleiros estava a espada.

     O fogo foi diminuindo e Gilda paralisou em cima da grande rocha redonda. Angus a apanhou facilmente e a manteve muito perto de seu peito.

     O círculo de chamas ao redor do campo de batalha desapareceu e a ilusão dos monstros também. Os homens jaziam no chão, machucados e gemendo, mas nenhum estava sangrando ou queimado. Ficaram de pé e foram para junto de Gilda.

     Drake pegou a mão de Helen e a guiou através do espaço aberto.

     Angus estava sentado sobre o chão, na base da grande rocha redonda, e colocou Gilda em seu colo. Estava inconsciente e pálida. Sua mão esquerda rodeou a garganta dela e sua expressão era uma de concentração profunda.

     —O que está fazendo? —Perguntou Helen.

     —Reanimando-a. Excedeu-se no uso do poder mantendo em funcionamento todas as ilusões assim como protegendo aos homens e combatendo na batalha.

     Helen só podia aturdir-se ante quanta energia tinha que levar-se esse tipo de magia. Helen nem sequer conseguiu fazer uma faísca e estava exausta até o ponto de cair. Quanto poder de fogo possuía Gilda? Foi um pensamento aterrorizante.

     —Angus extrai mais energia da terra e a alimenta através de sua luceria.

     O que fosse que estivesse fazendo estava funcionando. Já preparada, Gilda estava movendo-se e abrindo os olhos. Tinha um pouco de congestão ocular, mas os olhos brilhavam negros outra vez, o que foi um enorme alívio para Helen. Não acreditava que pudesse olhar de frente à mulher se todo aquele fogo estivesse lá.

     Gilda lutou para sentar-se direita e Angus a ajudou.

     —Estou bem. Deixem-nos. — disse aos homens reunidos ali.

   —Sim, minha senhora. — chegou a resposta maciça. Desta vez, Drake não se integrou ao grupo. Ficou e segurou Helen junto dele.

     Parecia estranho que um montão de caras grandes recebesse ordens de uma mulherzinha. É obvio, aquela mulherzinha provavelmente poderia assar qualquer um de seus traseiros inclusive em seu pior dia, mas ainda assim parecia estranho.

     Quando os homens se foram, Gilda olhou para Helen impacientemente.

     —Isso foi assombroso. — disse.

     Angus grunhiu. Não parecia satisfeito. De fato, dirigiu a Gilda um olhar que prometia que escutaria o quanto estava aborrecido mais tarde.

     —Teria sido muito mais assombroso se não tivéssemos passado as duas semanas anteriores assassinando Synestryns a cada noite, mantendo-os distantes, para que nossos homens pudessem encontrar a espada de Kevin. Estava muito cansada para haver feito isto esta noite.

     Tinha uma voz rouca que combinava com seu rosto áspero. Linhas profundas estavam esculpidas ao redor de seus olhos e sua boca. Tudo nele era duro, exceto a cor de seus olhos. Eram de um suave azul céu que parecia tão fora do lugar que não pôde evitar olhá-los fixamente.

     Gilda deu batidinhas com a mão no joelho de Angus.

     —Tinha que ser feito, Angus. Estou bem. — Virou-se em direção a Helen. — Viu agora o que se espera de você?

     —Não há forma de que alguma vez possa fazer o que você fez. Embora não tivesse um medo mortal do fogo, não poderia exercer tanto poder.

     —Talvez ainda não, mas um dia o fará. A pergunta é se deveria ou não tentar. Entrar na batalha sem fogo seria como se um de nossos guerreiros entrasse sem sua espada. Poderia fazê-lo, mas seria tolo e perigoso para todo mundo a seu redor.

     A visão de Helen relampejou em sua mente. O fogo a rodeava, e através das chamas oscilantes, podia ver aquele meio sorriso orgulhoso inclinando a boca de Drake. Só que, diferente das de Gilda, as chamas a queimavam, produzindo bolhas em sua pele. Eram reais e doíam como o demônio.

     Quanto mais conseguia conhecer Drake, quanto mais unida estava a ele, mais lhe doía a visão. Por que simplesmente estava ali e a observava sem tentar ajudá-la? Era toda sua nobreza desinteressada algum tipo de atuação? Ou era algo mais? Talvez estivesse olhando-a com orgulho porque estava fazendo algo digno disso. Estaria disposta a ser queimada viva se fosse por uma boa causa? Se salvasse a vida de outro? Queria acreditar que o faria, mas na verdade, sabia que era uma verdadeira covarde. Talvez, pudesse aceitar algum outro destino se fosse salvar a vida de outro, mas não aquele. Tinha o temido durante muito tempo. Ser queimada viva era seu pior pesadelo.

     —Não quero usar o fogo. — disse a Gilda com uma voz cheia de vergonha. — Jamais.

     Gilda voltou a pôr seus olhos negros sobre Drake. Tão bela como era, havia algo atemorizante nela, alguma qualidade quase estranha que exigia respeito e obediência.

     —O que sei é que não quero pendurar sua espada na Sala dos Caídos. Também sei que se levar esta menina inutilizada ao combate com você, acabarei fazendo exatamente isso.

     —A decisão não é sua. — disse Drake.

     —Não? Poderia matá-la agora mesmo e acabar de uma vez com isto. Não me preocupa nada e felizmente a veria morrer em seu lugar.

     Helen não duvidou nem por um segundo que Gilda dizia a verdade.

     A mão de Drake foi a sua espada e Angus afastou Gilda para um lado e ficou de pé em um movimento tão rápido que foi difícil acreditar que tinha ocorrido.

     —Desista, filho. Não me faça feri-lo.

     A mandíbula de Drake se apertou com força, mas soltou a espada e aspirou profundamente. Helen podia sentir a tensão vibrando em seu corpo, podia senti-la vibrando entre eles. Esse controle havia custado muito esforço a ele.

     —Não fale assim, Gilda. Sabe que necessitamos dela. Necessito dela.

     —A quem mais deveria escutar ela se não a mim? Não há outra fêmea Theronai ao redor.

     —Isso não significa que tenha razão. — insistiu Drake.

     Gilda suspirou.

     —Compreendo o tipo de sentimentos que tem por Helen, mas Logan olhou dentro de sua mente e não há esperança para ela. Está danificada. Nunca será o que quer que seja.

     Helen não estava segura do que a transtornou mais, o fato de que Logan tivesse podido extrair algo parecido de sua mente, ou que pudesse ter razão.

     —Nem sequer lhe deu o benefício da dúvida, mas está disposta a acreditar em um Sanguinar? Acaso sabe o que ele fez a ela? — Exigiu Drake.

     Gilda percorreu Helen com os olhos, que estava muito confusa. Sabia que Logan passeou por suas lembranças e tomou um pouco de seu sangue, mas pela forma que Drake disse, soou como se tivesse violado seus direitos civis ou algo do estilo.

     Uma pressão encheu seus ouvidos e os sons da noite, os grilos cantando e o vento através das árvores, desapareceram completamente. Helen esfregou os ouvidos e tentou bocejar para fazê-los abrirem-se. Um momento mais tarde a sensação se foi, mas tinha perdido algo que Gilda disse.

     Seja o que for que disse, enfureceu Drake. Seu rosto se obscureceu com ira e seus dedos se cravaram em seu quadril.

     —Está Logan ainda aqui? Eu gostaria de ter… umas palavras com ele.

     —Deveria estar mais preocupado com o que sua senhora vai fazer e menos a respeito do que Logan está fazendo.

     —O Sanguinar está escondendo algo. — disse Angus.

     Gilda agitou a mão em um gesto cansado.

     —O Sanguinar sempre esconde algo. É sua natureza.

     Angus puxou Gilda para seu lado.

     —E é minha natureza fazer você descansar. Deu à garota alimento para pensar. Dê-lhe tempo para digeri-lo.

     Digeri-lo? Melhor dizer engoli-lo e rezar para que não a deixasse doente.

     —Prometi que ajudaria Drake a encontrar a espada de Kevin. — disse Helen. —Não faltarei com a minha palavra.

     —Menina idiota. — Gilda murmurou. —Ao menos, fale com Sibyl antes que tente algo tão tolo.

     —Já pedi uma audiência com ela. — disse Drake.

     Os olhos negros de Gilda se estreitaram.

     —Ela a receberá?

     —Não sei ainda. Caín disse que me diria pela manhã se verá Helen.

     —Sibyl a verá. Assegurar-me-ei disso.

     —Obrigado, minha senhora. — disse Drake, inclinando a cabeça formalmente.

     —Não me agradeça isso até depois que Helen tenha falado com Sibyl. — disse.

     —Já basta. — Angus recolheu Gilda em seus braços. —A cama está preparada para você, mulher.

     Helen os observou ir, sentindo seu mundo girar fora de controle debaixo de seus pés. Havia tanto que não compreendia. Parte disso era como poderia ser Gilda uma feroz guerreira exalando fogo em um minuto e pudesse aconchegar-se nos braços de Angus no seguinte. De algum modo parecia totalmente fora de sua índole.

     —Precisa descansar, também. — disse Drake.

     Helen assentiu. Estava cansada até os ossos e dolorida em toda parte, por suas anteriores tentativas de criar fogo mágico.

     —Quem é Sibyl e por que preciso vê-la?

     Drake vacilou como se não quisesse dizer a ela, mas finalmente disse:

     —Sabe como funcionam as visões do futuro.

     —Como?

     —Porque ela mesma as tem.

  

     —Foi terrivelmente dura com aquela garota esta noite. — disse Angus enquanto deitava Gilda em sua cama.

     Não estava segura de que tivesse forças nem sequer para cobrir-se com os lençóis. Tinha chegado muito longe naquela noite. De fato, esteve empurrando-se muito duro durante muitas noites seguidas. Os Synestryn pareciam estar borbulhando por toda parte ultimamente. Algo totalmente ruim ia ocorrer. Podia sentir em seus ossos.

     —Não tive alternativa. — disse a seu marido.

     Angus tirou seus sapatos e deslizou seus pés debaixo dos lençóis frios.

     —Não deveria ter dito a Drake que estava disposta a matá-la. Devia saber que isso só instigaria os instintos protetores do rapaz.

     Gilda olhou para o marido, estudando seus movimentos. Era gentil como sempre, mas havia uma vacilação leve nele que não podia entender. Angus nunca vacilava. Movia-se com segurança e certeiro autocontrole. Era o que mantinha a ambos vivos durante tantos séculos. Talvez ele sentisse, também esse destino iminente que parecia pulsar no ar ao redor de todos os Sentinelas.

     —Acredita que estava alardeando, não é verdade? —Perguntou a ele.

     Os desajeitados dedos de Angus se moveram para o botão superior de seu vestido e começaram a tirá-lo de sua casa. Não a olhou de frente, pelo contrário, enfocou a atenção em sua tarefa.

     —Não o fazia?

     —Não. — manteve suas emoções sob um rígido controle para que nenhuma delas pudesse escapulir de sua união. Estava acostumada a manter os segredos longe dele, por agora. Não gostava, mas era hábil em esconder a verdade. Nunca quereria que soubesse o que havia feito a ele, o que havia feito a todos os Theronai. — Prefiro vê-la morrer antes que ao Drake. Perdemos muitos ultimamente. Thomas, Kevin e Andrew. E isso só nas últimas semanas. Quantos homens mais temos que perder antes que tenha permissão para ficar zangada?

     —Tem permissão para ficar tão zangada quanto queira, Gilda. Mas não tem direito de sacrificar uma pessoa por alguém a quem ama mais.

     —Não posso perder a qualquer um deles. Não agora. Não tão rápido. O pobre Thomas... — sua garganta se apertou enquanto lutava contra as lágrimas que não podia deixar cair.

     Levou vários segundos antes que estivesse segura de que não choraria.

     A morte de Thomas se reproduziu em sua mente outra vez. Tinha extraído suas últimas lembranças de sua espada e se obrigou a revelá-las repetidas vezes até que ficaram gravadas a fogo em seu cérebro. Tinha sido como um filho para ela e tinha morrido com uma dor atormentadora.

     Como tantos outros.

     A longa mão de Angus alisou seus cabelos e a olhou com tanto amor em seus olhos azuis que pensou que poderia partir-se pela culpa. Ele a amava e ela o tinha traído. Ainda o traía com seu silêncio, dia pós dia.

     —Tem que deixar de fazer isso a si mesma. — repreendeu-a suavemente. —Nenhum deles ia querer que carregasse esses últimos momentos de suas vidas.

     Como poderia explicar a ele que era a única maneira que conhecia para evitar que morressem sozinhos? Não pôde estar ali para protegê-los. Não pôde estar ali para aliviar sua dor. Não pôde estar ali para lhes dizer quanto os amava, o quanto estava orgulhosa. Tudo o que podia fazer era carregar suas mortes nela para que nunca mais estivessem sozinhos.

     —Só estou cansada. — disse.

     Ambos sabiam que era uma mentira, mas era uma com a que ambos se sentiam cômodos. Uma com a que ambos podiam viver.

     Angus terminou de desabotoar seu vestido e o tirou completamente por sua cabeça. Nunca conseguiu acostumar-se à roupa íntima moderna, assim estava nua debaixo da seda suave.

     Sentiu um batimento de desejo pulsar através do enlace antes que Angus tivesse tempo para controlar-se.

     Nunca deixava de assombrá-la que, depois de ter à mesma mulher durante várias centenas de anos, Angus ainda pudesse excitar-se por algo tão simples como vê-la nua. Mas, em vez de fazer algo a respeito, ele subiu os lençóis suaves sobre ela e a beijou na testa.

     —Durma, minha senhora. Esclareceremos o que fazer com Helen amanhã.

     —Vou obrigar Sibyl a vê-la. De qualquer forma é a única que saberá se a visão de Helen é real.

     A mão de Angus se apertou no lençol.

     —Realmente acredita que essa é uma boa ideia? Sibyl ainda está furiosa com você, e obrigá-la a fazer algo só piorará as coisas entre vocês.

     Como se pudessem ficar piores.

     —Tem uma ideia melhor?

     Angus expulsou um suspiro cansado.

     —Helen não está preparada para Sibyl. Não está, inclusive, preparada para enfrentar que é uma de nós. Não quero pressioná-la muito severamente ou muito rápido.

     —Prefere que eu simplesmente mate a garota?

     —Não pode fazer isso. — sua voz foi dura, definitiva.

     —Não acredita que seja capaz de matar a uma inocente?

     Angus dirigiu a ela uma sacudida triste de sua cabeça.

     —Não, sei exatamente do que é capaz de fazer. Mas ainda assim, não pode matá-la. Se o fizer, matará Drake também. Está ligado a ela quase permanentemente.

     Permanentemente? Não podia ser. Gilda sentiu uma punhalada de medo.

     —Não. É muito cedo para isso. Deveriam restar semanas, se não meses.

     —Só restam alguns dias, no melhor dos casos.

     —Como sabe?

     —As cores de sua luceria quase se solidificaram.

     —Mas não completamente. Ainda formavam redemoinhos esta noite. Eu mesma o vi.

     —Estava muito cansada para sentir o que eu senti. Passou tanto tempo desde que vi outro casal unido que quase esqueci como era estar perto deles. Há uma espécie de harmonia no ar ao seu redor.

     Gilda inspirou profundamente enquanto recordava daquela harmonia de sua juventude e a comparava com a desta noite.

     —Tem razão. Estava lá. Como pode ser isso? Não houve tempo ainda para que se unissem permanentemente.

     Angus encolheu seus largos ombros.

     —Não estou seguro se foi porque ele esperou tanto por ela ou se foi porque ela já usou um pouco de seu poder. Em todo caso, estão quase vinculados. Se tentar matá-la, depois de que tenha ocorrido, Drake não sobreviverá. De uma ou outra maneira.

     Gilda fechou os olhos contra uma onda de pânico. Não poderia salvar Drake a menos que obrigasse Helen a cooperar. Tinha que fazer algo para que isso acontecesse. Todos os seus rapazes, sua família adotiva, estavam morrendo um a um. Já tinha perdido a todos os seus filhos biológicos. Todos os séculos passados não aliviaram a persistente dor de ver um filho morrer. Recordava do rosto de seu filhinho. Seus sorrisos.

     Nenhum de seus bebês poderia sorrir nunca mais.

     Tinha perdido Thomas, Kevin, Andrew e incontáveis outros. Não ia perder Drake, também.

    

   Drake esperava encontrar Helen dormindo quando retornou a sua câmara. Estava exausta, razão pela qual a deixou sozinha para começar. Sabia que se ficasse ali e a ajudasse a enfiar-se na cama da forma em que seus instintos protetores clamavam que fizesse, terminaria em cima, arrastando-se direto para ela. Despiria a ambos, cobriria seu corpo curvilíneo com o dele, e se empurraria dentro dela até que estivesse enterrado tão profundamente que não pensaria em nada além do calor escorregadio dela o agarrando. Até que não houvesse espaço para o medo, a preocupação ou o pesar... só os dois lutando por aquele prazer perfeito onde nada de ruim poderia tocá-los.

     Mas quando se permitiu retornar a sua suíte e verificar se estava dormindo profundamente, encontrou uma cama vazia. As mantas nem sequer estavam amassadas.

     Drake amaldiçoou e enfocou a atenção em seu enlace no intento de encontrá-la. Sabia que estava segura ali, ao menos dos Synestryn, mas não gostava da ideia dela perambulando pelos arredores sozinha. Havia muitas coisas que poderiam lhe ocorrer, ainda por obra daqueles que considerava aliados. Havia muitos homens ali que poderiam feri-la sem querer. Muitos homens que necessitavam dela para coisas que ela ainda não compreendia. O pacto de sangue de Logan tinha provado isso.

     O simples pensamento de que Logan tivesse o direito de exigir que ela lhe desse sangue cada vez que quisesse fez Drake querer matá-lo. E esse pensamento violento fez sua cabeça martelar. Fodida união de paz.

     Custou-lhe várias respirações profundas antes que Drake pudesse esclarecer a cabeça o suficiente para decidir onde tinha ido Helen. Seguiu o sutil puxão de seu anel, o qual o conduziu para as portas corrediças de vidro do pátio traseiro de sua suíte.

     Nunca havia feito nada com o terreno como fizeram alguns dos residentes do Dabyr. Não plantou nenhum vaso de barro com flores, comprou móveis de jardim ou instalou uma banheira de água quente. Poucas vezes tinha tempo para desfrutar de sua casa, e seu pátio era um quadrado desolado de cimento que resplandecia pálido na escuridão.

     Helen estava sentada na borda exterior do pátio de cara aos terrenos. Dali, tinha a vista do lago onde tinham trabalhado mais cedo. A seu lado, havia um jarro vazio, o qual, apoiando-se em seus cabelos e sua roupa ensopada, tinha esvaziado sobre si mesma. O algodão fino de sua camiseta se aferrava a sua pele e o estômago de Drake se apertou contra uma corrente de desejo.

     Via-se bem à luz da lua. Mais suave, o que não pensava que fosse possível. Conhecia o suave que era em todos os lugares, e só a lembrança quase o fez ficar de joelhos. Desejava tanto tocá-la que sentia suas mãos tremerem e teve que dar várias respirações profundas antes de confiar em si mesmo para aproximar-se dela.

     Drake abriu a porta de vidro e deu um passo para fora da habitação. Helen não se virou. Não fez nada como estremecer ou sequer reconheceu sua presença. Ficou completamente quieta, com suas pernas cruzadas, seus antebraços descansando sobre os joelhos e sua palmas para cima.

     Foi nesse momento que sentiu, um diminuto fluxo de poder fluindo para fora dela, tão pequeno, que não o havia sentido antes. Estava tentando chamar o fogo.

     Drake se sentou a suas costas, aproximando seu corpo do dela tanto quanto podia sem chegar a tocá-la. Era uma bela forma de tortura, mas estar tão juntos não era, nem de longe, suficientemente perto. Podia cheirar sua pele, quente pelo esforço, o ar abafadiço da noite e o perfume de não importa que sabão da lavanderia que os Gerai tivessem usado para lavar sua roupa. A água gotejava de seus dedos e seus cabelos. Sua pele estava salpicada de umidade assim refulgia sob a débil luz.

     Ainda não o tinha visto. Sua concentração era muito intensa. Podia sentir a tensão de seu esforço mental vibrando em seus músculos e ossos delicados. Seu corpo estava rígido e Drake quis pegá-la em seus braços e diminuir a tensão.

     Não gostava que se pressionasse desta forma. Era muito. Necessitava descansar, e como seu Theronai, era parte de seu trabalho procurar que conseguisse qualquer coisa que necessitasse.

     É obvio, parte do que necessitava nesse momento era a confiança de que podia fazer o trabalho para o qual foi criada. Gilda sacudiu a fé de Helen em si mesma mais da conta esta noite e esta era sua forma de tentar restabelecer algo daquela confiança. Drake sabia isso. Não gostava, mas sabia por que ela sentia a necessidade de pressionar-se tão duramente.

     Tinha só duas escolhas. Podia ajudá-la a recuperar a confiança ou impedir que machucasse a si mesma. Tanto sua saúde física como a emocional eram importantes e era difícil pôr uma acima da outra.

     Drake se perguntou se Angus alguma vez teve que ocupar-se daquele tipo de dilema. Não era algo costumeiro durante todas aquelas longas lições sobre o que seriam seus deveres para sua senhora. E não tinha tido nenhuma experiência durante tanto tempo que não estava seguro de quanto disso recordava, de qualquer maneira. Depois que os Synestryn mataram a maior parte de suas mulheres, os Theronai perderam a esperança de que alguma vez tivessem a sorte de encontrar uma mulher como Helen.

     Drake ainda não podia acreditar em sua sorte e sabia que tinha que conseguir fazer bem isto. Tinha que protegê-la e convencê-la a ficar com ele.

     Helen estremeceu e ofegou. Seu corpo caiu para frente e Drake não duvidou mais. Tinha que tocá-la. Tinha que segurá-la e convencê-la a descansar. Não ia fazer nenhum progresso tão cansada como estava.

     Drake a puxou para trás, contra seu peito, e ela saltou ante o contato antes de relaxar sobre ele.

     —Drake. — ofegou. —Não sabia que estava aqui.

     A água ensopou sua camisa, mas não se importou. Conduzia o calor de seu corpo, deixando-o fluir para ela. Sua pele estava fria e percorreu seus braços de cima a baixo com suas mãos com o intento de esquentá-la.

     —Estava ocupada. — disse baixinho.

     Recostou sua cabeça para trás e o olhou. O branco de seus olhos estava quase vermelho, mais congestão ocular do que ele tinha visto alguma vez. Tinha ouvido que podia ocorrer se uma mulher tentasse canalizar muito poder, mas tinha visto Gilda dirigir muita quantidade de magia de uma vez e seus olhos nunca tiveram mais que uma leve congestão ocular. Nem de longe como aquilo. Se necessitava de qualquer prova de que o que fazia era o correto, era esta. Helen tinha se pressionado muito.

     Seus braços se apertaram ao redor dela contra sua vontade e conteve o desejo primitivo de abrir passagem dentro de sua mente, deixá-la inconsciente, e acabar de uma vez com isto. A única coisa que o deteve foi o conhecimento seguro de que se fizesse isso, não o agradariam quão resultados chegassem pela manhã.

     Queria a confiança de Helen, não sua fúria.

     Seus pulmões ainda trabalhavam muito e, a cada poucos segundos, tremia como se estivesse febril. Drake pressionou uma mão em sua cabeça. Estava fria e úmida.

     Helen fechou os olhos e deixou escapar um suspiro ante seu toque.

     —Está quente.

     Sua voz suave e tranquila penetrou nele, esquentando-o ainda mais. Amava sua voz. Especialmente quando gritava seu nome em sua liberação.

     Seu corpo respondeu à lembrança com uma explosão de necessidade que o fez endurecer tão rapidamente que doeu. Moveu o corpo de Helen para defendê-la de sua indisciplinada falta de controle, mas não ia poder manter a distância durante muito tempo. Ela precisava estar seca, quente e na cama. Sozinha.

     —Eu gostaria que descansasse. — disse em seu tom mais diplomático.

     É obvio, com seu sangue pulsando calorosamente através de suas veias e seu membro duro o suficiente para escavar em busca de diamantes, sua voz soou mais como uma ordem resmungada.

     —Acredito que quase consegui. — disse ela. — Quero fazer outra tentativa.

     —Não esta noite.

     —Sim, esta noite. Podemos não ter outro dia para praticar.

     —Então não o faremos. Não pode exigir mais de você esta noite. Vai ferir a si mesma.

     —Estou sendo cuidadosa.

     —Não sabe como ser cuidadosa. Como poderia? Nunca a ensinaram.

     Sacudiu a cabeça um pouco e gotas de água os salpicaram.

     —Posso sentir... como algum tipo de sistema interno de advertência.

     Drake nunca tinha escutado sobre tal coisa, mas se alegrou de que o tivesse.

     —Está exausta igual a mim.

     Essa última parte era uma mentira, mas não sentiu nem sequer uma pontada de culpa.

     O avermelhamento, de aparência dolorosa, de seus olhos o incomodava mais a cada segundo, mas permaneceu tranquilo para não assustá-la.

     Talvez precisasse chamar um dos Sanguinar para atendê-la. Não gostava da ideia de outro homem tocando-a, mas gostava menos da ideia dela sofrendo.

     —Seus olhos estão bastante ruins. Como os sente?

     —Como se estivessem queimando, mas viverei.

     —Quer que chame alguém para curá-los? —Perguntou.

     Dirigiu a ele uma débil careta.

     —Um desses vampiros? Não, obrigada. Prefiro sofrer.

     Drake sorriu. Vampiros. Logan ia odiar quando o chamasse assim, exatamente o motivo pelo que não a corrigiu.

     —Então, ao menos, me deixe ajudar você com a dor.

     —Pode fazer isso?

     Em vez de responder, Drake colocou a mão ao redor de sua garganta até que as duas partes da luceria ficaram conectadas. Sentiu uma corrente de prazer no toque... completa e absoluta correção e satisfação... e teve que manter conscientemente seu agarre relaxado e não dobrar os dedos ao redor de seu pescoço em uma carícia acalorada. Levou um tempo enfocar-se o suficiente para encontrar a dor em sua mente e tirá-la para a sua.

   Seus olhos ardiam como se alguém tivesse passado um maçarico sobre eles. Teve que pestanejar várias vezes antes que pudesse limpar as lágrimas que tinham brotado para combater as aguilhoadas. Depois de alguns minutos, acostumou-se à sensação de ardor e a ignorou. Se havia uma coisa que sabia fazer, era ignorar a dor.

     —Nossa, essa é uma tremenda aspirina. — disse a ele, sorridente. —Obrigada.

     Ficou nas pontas dos pés e deixou um casto beijo em sua boca.

     A sensação de seus lábios nos dele fez seu corpo contrair-se completamente contra uma rajada quente de luxúria. Não tinha tentado excitá-lo com aquele beijo. Sabia isso, mas não importou. Fez isso de qualquer maneira.

     A mão de Drake envolveu a parte de atrás de sua cabeça, enquanto a outra se apertou levemente ao redor de sua garganta. Não poderia ir a nenhum lugar, não poderia afastar-se dele. Observou-a compreender isso e esperou ver um brilho de medo ou repugnância em seus olhos, mas nunca chegou. Ao contrário, relaxou ligeiramente, aceitando sua decisão de abraçá-la, ainda esperando para vê o que ele faria.

     Ela lambeu os lábios e os olhos de Drake foram atraídos pelo movimento como uma traça à chama. Tinha melhor critério que beijá-la. Sabia que se o fizesse, soltaria o último fio de controle que ainda tinha. Se a beijasse, a possuiria, e havia uma razão pela qual se supunha que não faria isso. Não podia pensar em qual era, nem parecia tão importante como tinha sido há um momento, mas havia algo em sua cabeça o advertindo do perigo.

     Helen engoliu e ele sentiu sua garganta mover-se sob sua mão. Estava ali, congelado, tentando esclarecer o que tinha sido tão importante. Porque não devia levá-la para dentro, despi-la e fazê-la gozar repetidas vezes até que desfalecesse. Parecia um plano realmente bom.

     Seu corpo palpitou com a pulsação quente do sangue, o qual, parecia acumular-se em sua virilha. Sua pele esquentou e suas mãos tremeram pelo esforço que fazia para conter-se e não beijá-la.

     Arrastou seus olhos para longe de sua boca, esperando que isso o ajudasse a pensar. Seu rosto estava belo sob a débil luz… sua face tão perfeita, lisa e suave. Era suave em toda parte, especialmente a pele delicada da parte interior de suas coxas e a parte inferior de seus seios. Recordava exatamente o sabor dali, também, e sua boca encheu de água em resposta.

     O corpo de Helen estremeceu outra vez. Tinha frio? Desejava-o tanto quanto ele o fazia? Não tinha certeza, assim olhou diretamente nos seus olhos para lê-la.

     Seus olhos estavam quase ensanguentados. Repentinamente, recordou por que não podia fazer amor com ela agora. Estava cansada. Frágil. Tinha que protegê-la e fazê-la descansar.

     —Descansarei melhor depois que você me ajudar a relaxar. Depois que você me fizer gozar. — murmurou em seu ouvido.

     Tinha ouvido seus pensamentos. Esteve muito distraído por sua atração sobre ele para se dispor a protegê-la. Em um esforço de vontade, bloqueou a visão, mas não podia resignar-se a deixá-la ir. Os únicos lugares aos quais suas mãos queriam mover-se eram o território mais íntimo de seu corpo, assim ficou quieto.

     —Não me deixe de fora, Drake. É a única âncora que tenho nesse momento e preciso de você.

     Drake sentiu uma emoção de triunfo dispersar-se através dele. Necessitava dele. Era mais do que alguma vez esperou ouvi-la dizer. Se necessitava dele, talvez ficasse com ele.

     —Diga outra vez. — pediu.

     Odiou que sua voz fosse tão áspera, mas não pôde evitar.

     —Dizer o quê?

     —Que necessita de mim. Diga outra vez.

     Um olhar estranho cruzou seu rosto, mas não pôde lê-lo através da névoa ensanguentada de seus olhos. Suas próprias emoções corriam quentes, requerendo toda sua concentração e, por mais que tentasse, não podia esclarecer o que estava pensando.

     —Necessito de você, Drake. Deixe-me entrar. — suas palavras mal foram perceptíveis, mas ouviu cada uma delas e quis uivar de vitória.

     Tinha pedido a ele que a deixasse entrar e não podia negar nada a ela. Não agora. Drake deixou de tentar ocultar-se dela. Deixou que visse cada pingo de sua luxúria, esperança e regozijo. Pressionou seus quadris contra o ventre dela e a deixou sentir a ereção da qual esteve protegendo-a também.

     Os olhos de Helen se fecharam agitados e deixou escapar um gemido que sentiu vibrar debaixo de sua mão. Seus mamilos se enrijeceram sob a camiseta molhada e seu rosto acendeu em uma bonita cor rosa.

     Drake estava perdido. Não beijá-la era impossível, assim cobriu seus lábios separados com os dele e, simplesmente, cedeu. Seus dedos se apertaram nos cabelos dela e inclinou sua cabeça para poder deleitar-se em sua boca. As mãos de Helen agarraram seus braços e sua língua girou com a dele.

     Agarrava-se com força e podia sentir o esforço que fazia para permanecer em posição vertical.

     Drake a levantou e a levou para dentro, fechando a porta com seu cotovelo. O ar fresco bateu na pele quente, mas não fez nada para esfriar o forno exacerbado dentro dele. A única coisa que poderia fazer isso era Helen. Precisava estar dentro dela. Agora.

     Não podia arrancar sua boca da dela e, por algum milagre, encontrou o caminho para o quarto e a colocou em sua cama. Em segundos, sua calça esportiva e sua calcinha não eram mais que um montão ensopado em seu tapete. Abriu sua calça jeans o suficiente para liberar sua ereção, abriu suas pernas e empurrar-se dentro dela.

     O estremecimento de Helen foi registrado em algum lugar na parte de atrás de sua mente e se congelou. O suor brotou sobre suas costelas pelo esforço que fazia para não ceder ante sua necessidade de mover-se. Algo não estava bem, mas não podia esclarecer o que era.

     Drake abriu os olhos e baixou o olhar para ela. Seus cabelos estavam deixando uma mancha escura de água em seu travesseiro. Ainda vestia sua camisa. Talvez fosse isso o que estava errado. Queria ela nua, mas não era capaz de recordar como fazer que isso acontecesse. Requeria toda sua atenção permanecer quieto dentro dela.

     Ela se estirou para cima e tocou seu rosto. Um músculo em sua mandíbula saltou e um tremor percorreu sua coluna vertebral. Seus quadris já não o escutaram e pressionou para frente, empurrando Helen no colchão. Seus olhos rodaram para trás e deixou escapar um gemido apenas perceptível.

     Encontrou a parte dele que vivia só para protegê-la e perguntou:

     —Estou machucando você?

     Ela mordeu o lábio inferior e negou com a cabeça.

     —Não. Está bom. Exatamente assim.

     Drake não necessitou de maior incentivo. Deslizou para fora dela, sentindo o calor escorregadio de sua excitação serpenteando entre eles. Era perfeito. Ela era perfeita. Quente, apertada e escorregadia. Feita exatamente para ele.

     Não ia durar muito. Não havia forma de que pudesse conter-se quando tudo nela lhe dava um insano prazer. Apoiou seu peso sobre o cotovelo e envolveu a parte de atrás de seu pescoço em sua mão. Ambas as partes da luceria se encontraram enquanto se empurrava pesadamente dentro dela outra vez.

     Helen ofegou e Drake tentou olhá-la e ver se foi de prazer ou de dor, mas não podia ver. Chamejantes cores dançaram ante seus olhos, cegando-o, girando em uma mistura profunda de vermelhos e laranjas. Tudo o que pôde fazer foi sentir seu prazer pulsar através do enlace e confiar que fosse correto. Seu corpo era flexível debaixo do dele, aceitando seus movimentos poderosos. Seus dedos deslizavam de cima a baixo por sua camisa e se cravaram nos músculos de seu peito.

     As folhas de sua marca de vida tremeram em resposta a seu toque, enviando um calor formigante à base de sua coluna vertebral.

     Sentiu o corpo de Helen apertar-se ao redor de sua ereção em uma contração sedosa no mesmo momento que sentiu seu prazer inflamar-se e alagar seu enlace. Ela deixou escapar um grito suave de prazer e enviou Drake justo ao limite. Seu orgasmo explodiu dentro dele e se enterrou tão profundo quanto pôde, querendo estar tão perto de Helen quanto fosse possível. Derramou-se nela, em mente e corpo, deixando-a sentir suas alvoroçadas emoções pulsando nela ao mesmo tempo em que sua liberação.

     Sua doce voz encheu o espaço, diminuindo em um suspiro ofegante. O corpo de Drake saltou de prazer. Sabia que era muito pesado, em cima dela, mas não podia fazer funcionar suas extremidades para mover-se.

     Levou vários minutos para controlar sua respiração e conseguir que seu corpo cooperasse. Quando encontrou a força para empurrar-se para cima e olhá-la, Helen já estava dormindo.

     As cores da luceria quase haviam se reacomodado em um redemoinho de ricos vermelhos chamejantes.

     A Dama Escarlate. Sua dama.

   Uma sensação profunda até os ossos resplandeceu dentro dele. Sabia que quando as cores deixassem de mover-se, sua união seria completa e isso poderia significar sua morte se ela escolhesse deixá-lo, mas não se importou. Aceitava isso, e ainda se fosse apenas durante pouco tempo, era mais do que alguma vez tinha esperado ter antes de morrer. Cumpriu seu propósito de vida e encontrou sua parelha. Ia fazer tudo o que estivesse em seu poder para conseguir que permanecessem juntos por um longo, longo tempo. Qualquer coisa que Helen quisesse ou necessitasse, seria dela. Faria-a feliz e lhe demonstraria a cada dia o quanto a amava.

     Drake se imobilizou ante o pensamento. Amá-la? Poderia amar verdadeiramente tão rápido? Preocupava-se com ela e queria que estivesse segura e feliz, mas amor?

     Helen mostrou a ele sua força e sua bondade desde o momento em que a conheceu. Protegia aqueles com quem se preocupava e passou a vida ajudando aos outros. Sacrificou seu sangue para salvar sua vida e se entregou livremente para ajudá-lo a passar por seu pesar.

     Tinha olhado dentro de sua mente e havia sentido sua alma roçá-lo todo o tempo que ambas as metades da luceria estiveram conectadas. Era gentil, generosa e forte. Como poderia não amá-la?

     Confessar seu amor por ela o liberou de algum jeito, o satisfez de uma forma que nada mais poderia. Ia fazer tudo que fosse necessário para mantê-la a seu lado.

     Drake afastou uma mecha de seus cabelos escuros para longe de sua suave face. O rubor da paixão em sua pele havia apenas começado a desvanecer-se. Meias luas azuladas de fadiga penduravam debaixo de seus olhos. Sua camisa ainda estava úmida, como o estava a cama debaixo deles.

     Necessitava de descanso e uma cama molhada não ia ser muito confortável para ela, assim se liberou de seu corpo. Rapidamente a acomodou, tirou sua camisa molhada e envolveu seus cabelos em uma toalha. Colocou-a na seca e limpa cama de convidados, despojou-se de sua roupa e se arrastou para dentro da cama com ela, assegurando-se de que sua espada estivesse perto, à mão. Nem sequer se moveu uma vez, o que demonstrou o quanto estava exausta.

     Drake não precisava dormir muito, mas não podia abster-se de dobrar-se ao redor do suave corpo dela e abraçá-la enquanto dormia. Era um presente raro... um que esperava conseguir desfrutar durante longos anos vindouros.

     Sabia que Helen pensava que iria morrer logo, mas Drake se recusava a acreditar nisso. Havia magia suficiente no mundo que encontraria para impedir que sua visão chegasse a se tornar verdadeira. Agora que estavam unidos, havia pouco que não pudessem obter juntos. Mantê-la-ia ao seu lado, a protegeria e nada alguma vez a machucaria. Não permitiria isso.

     Drake se deu conta de que estava segurando Helen muito forte e afrouxou seu agarre. Os próximos dias iriam ser difíceis para ela. Ainda estava se ajustando a esta nova vida, e ver Sibyl não seria fácil. E a espada de Kevin ainda estava lá fora.

     Outra vez, a ideia de deixá-la e ir encontrá-la era premente. Helen se veria forçada a ficar com ele para sempre se não a encontrasse, e isso era suficiente para tentar a um santo. Mas Drake não a queria dessa forma... através da força. Queria que ficasse com ele porque se importava com ele.

     Porque o amava, também.

     Drake quase bufou. Estava abrandando-se. Primeiro se apaixonou e agora estava completamente meloso ante a ideia de que Helen o amasse também. Parecia uma ideia ridícula que o fizesse, mas não podia pô-la de lado. Embora isso significasse que tinha se abrandado.

    

   Helen tinha acabado de tomar uma ducha e vestir-se na manhã seguinte quando ouviu um som que era música para seus ouvidos.

     —Quero vê-la agora ou chamo à polícia. — disse a senhorita Mabel com sua voz cansada pela idade.

     Helen saiu rapidamente à sala de estar, chegou até ela e abraçou a senhorita Mabel contra seu peito em um abraço gentil. Teve que lutar para não agarrar a mulher muito forte em sua excitação.

     —O que está fazendo aqui?

     A senhorita Mabel caminhou apressada para o sofá.

     —Aqueles rapazes moços me trouxeram aqui. — murmurou.

     —Que rapazes?

     —Vance e Slade. — respondeu Drake. — Parece que a senhorita Mabel é uma daquelas pessoas estúpidas de quem não se podem apagar as lembranças. Quando Joseph me falou sobre isso, disse a ele que desfrutaria fazendo-a vir viver aqui, no Dabyr, conosco.

     Estava sorrindo para ela e Helen sentiu uma onda de ternura enchendo-a em resposta. Era tão bonito. E havia trazido a senhorita Mabel para ela. Sua amiga estava a salvo.

     A senhorita Mabel franziu o cenho para Drake.

     —Como se tivessem me dado alguma opção. Aqueles dois rapazes não escutaram nenhuma palavra do que eu disse. Eles disseram que não diria nada, mas não escutaram. Quis dar uma chicotada nos dois.

     —Talvez depois. — apaziguou-a Drake. — Por que não tomar o café da manhã conosco em vez disso? O restaurante deve estar um pouco desocupado esta hora e todos nós podemos ir.

     —Isso parece maravilhoso. — disse Helen. — Assim pode me falar sobre tudo o que aconteceu depois que saímos da fazenda.

     A senhorita Mabel começou a censurá-los enquanto saíam pela porta e não terminou até que Helen bebeu sua segunda xícara de café.

     —Assim me disseram que posso ficar aqui para que os monstros não me levem. Suponho que terei minha própria habitação hoje, mais tarde.

     Drake pegou a mão de Helen e a pôs em sua coxa. Acariciou a parte de trás com um deslizamento errante de seus dedos. Helen teve que esforçar-se para concentrar-se no que sua amiga dizia.

     —Isso é maravilhoso. É um lugar muito bonito.

     A senhorita Mabel deu um pequeno bufo.

     —Acredito. Mas não é meu lar.

     Drake dirigiu a senhorita Mabel um sorriso indulgente.

     —Os Gerai se encarregarão de transladar todas as suas coisas para cá, o que a ajudará a estabelecer-se. E é obvio, Helen e eu ajudaremos de qualquer forma que pudermos.

     A senhorita Mabel não pareceu convencida.

     —Eu não gosto de não ganhar meu sustento, e esse seu Joseph se recusou a pegar meu dinheiro.

     —Não precisamos dele — disse Drake. — vivemos o suficiente para compreender o poder do interesse comum.

     —Eu gostaria de ensinar para aqueles rapazes, Slade e Vance, uma coisa ou duas. Os dois não têm modos.

     Drake sorriu de orelha a orelha.

     —Acredito que essa é uma ideia excelente. Temos alguns bons professores aqui, mas sempre poderíamos necessitar de outro. Há muitas crianças humanas que se beneficiariam de sua experiência.

     Os olhos remelentos da senhorita Mabel se iluminaram de um modo que Helen nunca tinha visto antes.

     —Suponho que poderia intercambiar meus serviços educativos por comida e alojamento.

     —Falarei com Joseph sobre isso, se quiser. — ofereceu-se Drake.

     —Não, obrigado. Prefiro falar com ele eu mesma. Para me assegurar de que compreenda como vão funcionar as coisas por aqui.

     O sorriso de Drake se ampliou e Helen esperou que Joseph fosse homem o suficiente para aceitar a senhorita Mabel.

     Antes que pudesse perguntar a senhorita Mabel sobre seus planos, Gilda chegou a sua mesa.

     —Chegou a hora. — disse.

     Gilda estava bonita naquela manhã, com uma suave túnica cinza similar a que tinha vestido ontem, mas com um delicado bordado ao redor do decote. Seus cabelos escuros resplandeciam com fios de prata e seus olhos negros se tornaram frios enquanto baixava seus olhos para Helen.

     —Não é sábio manter Sibyl esperando.

     Drake limpou a boca com um guardanapo e deslizou suavemente sobre os pés. Helen não pôde evitar admirar a maneira que ele se movia, a maneira em que foi formado, como se tivesse sido feito só para seu prazer. O suave tecido de sua camisa se aferrava a seu peito e ombros musculosos, e ainda podia recordar como o sentiu debaixo de sua mãos na noite anterior… completamente duro e ardente… e seus esforços para levá-la ao clímax.

     Drake dirigiu a ela um sorriso secreto, como se tivesse lido seus pensamentos, e lhe ofereceu sua mão. Pegou, contente de ter sua força para estabilizar seus nervos.

     —Se nos desculpar, senhorita Mabel. — disse, inclinando a cabeça para a mulher idosa. — Temos que ir a um encontro.

     A senhorita Mabel agitou uma mão manchada pela idade.

     —Vão, meninos. Tenho um trabalho a fazer.

     Gilda os guiou para fora do restaurante, movendo-se suficientemente rápido para que sua saia longa ondeasse atrás dela.

     —Tem certeza que Sibyl poderá me ajudar a decifrar minha visão? — Perguntou ao Drake enquanto seguiam atrás de Gilda descendo um longo corredor.

     —Sim. — disse Drake ao mesmo tempo em que Gilda dizia “Não”.

     Grandioso. Helen ignorou Gilda. Obviamente a mulher ainda não tinha tomado seu café esta manhã. Parecia cansada, preocupada e zangada, e o coração de Helen saltou compreendendo. Se o que Drake disse era verdade e ela pensava nele como em um filho, então não era de estranhar que Gilda não estivesse encantada. Helen nunca ia ser o que aquelas pessoas queriam. Uma parte dela estava contente porque não podia ver-se fazendo alguma vez o que Gilda havia feito na noite anterior. De nenhuma enlouquecida maneira.

     A mão de Drake deslizou sobre suas costas em uma carícia reconfortante. Helen se permitiu desfrutar disso, recordando muito bem o tipo de magia que suas mãos exerciam. Tinha tido sorte, tinha encontrado uns poucos minutos disponíveis para ter Drake a sós e fazer todas as coisas que pensou fazer com ele antes que caísse adormecida na noite anterior.

     Gilda parou ante uma porta no final de um longo vestíbulo e Helen quase tropeçou com ela. Drake a deteve antes que pudesse envergonhar-se e Helen se deu uma sacudida mental. Precisava concentrar-se. Esta reunião era importante.

     Gilda bateu na porta e foi atendida por um homem enorme. Tinha quase um metro e noventa e cinco de estatura, pesadamente musculoso, com extremidades grossas e vigilantes olhos verde musgo. Seu corpo estava marcado por diversas pequenas cicatrizes, e debaixo do tecido apertado de sua manga esquerda, Helen pôde ver os ramos vazios de sua marca de vida. Era outro Theronai... um com quem não havia se encontrado.

     Ele inclinou a cabeça ante Gilda.

     —Senhora.

     —Bom dia, Caín. Sibyl está preparada?

     Os olhos de Caín se dirigiram a Helen, deslizaram de sua cabeça até seus pés e de volta outra vez como a classificando em um piscar de olhos.

     —Lamento que meus deveres para com Sibyl me impeçam de oferecer a você meu voto. — disse a Helen com uma voz profunda, retumbante.

     Voto? Queria dizer aquele voto sangrento que o restante dos homens tinha dado a ela. O que alguém dizia ante algo parecido?

     —OH, está bem.

     Inclinou a cabeça ante ela como fez ante Gilda.

     —Sibyl a verá agora.

     Caín escancarou a porta e deu um passo para um lado para deixá-los entrar. A suíte estava disposta tal como a de Drake, mas decorada de forma diferente.

     A sala de estar tinha acabamento em uma mistura cheia de babados lavanda e rosa com cortinas de renda e paninhos em todas as partes. O mobiliário era surpreendentemente pequeno, exceto por um grande assento reclinável que era suficientemente grande para o volume de Caín e, inclusive esse, estava coberto por um tecido florido rosa claro.

     Helen apostava que Caín gostava dele.

     Caín olhou para Drake e para Gilda.

     —Por favor, esperem aqui.

     —Vim com ela. — disse Gilda.

     —Não a verá. Sabe disso.

     Uma tristeza frustrada apertou a boca de Gilda e fez cintilar seus olhos negros.

     —Perguntará outra vez, por favor? Por mim?

     Caín deixou escapar um suspiro resignado e assentiu. Virou-se para um dormitório, entrou fechando a porta, e retornou um minuto depois. Realmente esquivou-se do olhar fixo de Gilda.

     —Nada mudou, minha senhora. Sinto muito.

     Gilda respondeu com uma rígida inclinação de cabeça e endireitou os ombros.

     —Esperaremos aqui. — disse a Helen.

     Um tipo tranquilo de apreensão se estabeleceu sobre Helen. Não tinha ideia de quem era Sibyl, mas certamente, não podia imaginar ninguém forte o suficiente para fazer Gilda retroceder. Aquela mulher era feita de aço temperado e preciso. Alguém que fizesse Gilda parecer castigada certamente tinha que ser formidável.

     Drake capturou seu rosto entre as mãos.

     —Estará bem. Prometo. Não deixaria você entrar aí se não acreditasse que é verdade.

     Helen encontrou suficiente confiança para assentir. Drake deu um beijo rápido em sua boca que conseguiu distraí-la de sua preocupação, e seguiu Caín para o dormitório. Ele abriu a porta para ela, mas não a seguiu para dentro. Em vez disso, trancou-a dentro, a sós com Sibyl.

     O dormitório de Sibyl, como a sala, era todo de babados, adornos e tons pastel. Em um extremo do cômodo, debaixo de uma janela com cortinas de renda, estava sua diminuta cama de aço branco. No outro, havia uma pequena mesa e cadeiras feitas de madeira intrincadamente esculpidas. Ela estava em uma daquelas cadeiras. Sibyl era uma garotinha. De não mais de oito ou nove anos de idade.

     —Helen. — a saudou Sibyl com a voz aguda de uma menina. — Venha sentar-se comigo.

     Sibyl vestia um vestido com babados em azul suave que combinava perfeitamente com seus olhos. Seus cabelos loiros caíam em longos cachos e estavam amarrados atrás com uma fita azul combinando. Era uma bela menina com feições como a de uma boneca, grandes olhos claros, uma boca pequena, mas cheia, um nariz insolente e suaves bochechas redondas. Seus sapatos pretos brilhantes e suas meias soquetes cheias de renda apareciam por debaixo da mesa.

     Em frente à Sibyl havia uma boneca que se parecia exatamente a ela, exceto pelos olhos e o vestido. A boneca vestia um severo vestido branco e seus olhos eram tão negros e brilhantes quanto os sapatos de verniz de Sibyl. Diante das duas havia um delicado jogo de chá de porcelana chinesa e um pratinho em um paninho individual de renda. Um terceiro conjunto estava posto... que Sibyl moveu para que Helen o usasse.

     Sem saber o que mais fazer, Helen se sentou na cadeira de tamanho infantil, sentindo-se enorme e desengonçada, enquanto tentava apertar as pernas sob a mesa.

     —Chá? — Sibyl perguntou educadamente.

     Helen assentiu, desconcertada pelas maneiras perfeitas da menina. Sibyl encheu a xícara de Helen com um bule pintado à mão assim como também a sua xícara e a de sua boneca.

     —Fui informada que teve uma visão de sua própria morte. — disse. Sua voz era infantil, mas sua maneira de falar era qualquer coisa menos isso. — Posso vê-la? —perguntou.

     —Eh. Como?

     Sibyl dirigiu um sorriso condescendente a ela e estendeu uma pequena mão até a têmpora de Helen. Sua visão relampejou em sua cabeça com vívidos detalhes. Podia ver a curva de cada língua de fogo enquanto a consumia. Podia escutar seu faminto rugido e sentir o calor consumindo sua vida. Helen ofegou e seu corpo ficou rígido contra a visão, tentando expulsá-la. Tão repentinamente quanto chegou, se foi de novo. Helen estava ofegando e enroscada no chão sobre seu flanco. Sibyl estava em cima dela com uma expressão fracamente curiosa em seu rosto.

     —Está bem? —Perguntou docemente.

     Helen sentiu como se fosse vomitar. Seus músculos estavam contraídos e delicados, o medo oleoso destilava de suas vísceras, adoecendo-a. Mas não ia dizer isso à menina. Em vez disso, engoliu, empurrou-se em posição vertical e assentiu com a cabeça.

     —Estou bem.

     —Mentirosa. — repreendeu-a. — Mas então, todos são.

     —Eu...

     Pelo canto do olho, Helen pensou ter visto a boneca assentir concordando. Endireitou a cadeira, sacudiu a cabeça para esclarecê-la e se obrigou a sentar-se com a garotinha outra vez. A boneca estava quieta, com o olhar completamente fixo no espaço com frágeis olhos negros.

     Helen afastou os olhos da horripilante boneca.

     —Não precisa preocupar-se comigo.

     —Porque sou um menina? —Perguntou Sibyl.

     —Sim.

     —Que doce é por me proteger da fealdade da vida. — disse em um tom, de algum jeito, entre divertido e condescendente. — Só por isso, vou dizer a você o que deseja saber.

     —E o que é?

     Sibyl bebeu seu chá.

     —Quer saber como evitar sua visão.

     —Isso quer dizer que posso evitá-la?

   —Algumas visões são certezas, e outras, possibilidades. A tua é uma definitiva possibilidade.

     Estranha anã evasiva. Sibyl realmente começava a deixar Helen nervosa.

     —Que supõe que isso significa?

     —Quer dizer que esse ponto em sua vida é fixo. Não pode evitá-lo. Se viver até esse ponto, sua visão chegará a acontecer.

     —Então, como é que não é certeza? — Helen perguntou.

     —Não está escutando. Eu disse se viver tanto para que isso aconteça. Sempre pode escolher outra coisa.

     —Quer dizer suicídio?

     Os suaves olhos azuis de Sibyl brilharam de tristeza.

     —Se você não gosta de uma morte, então é seu direito escolher outra.

     Que grande noticia essa era.

     —Quanto tempo eu tenho?

     —Não muito. O tempo está acabando para todos nós, Helen.

     —O que quer dizer? Quem são todos nós?

     —Os Sentinelas. A raça humana. O reino de Solarc. Todos nós. Os Synestryn se tornam mais poderosos a cada saída da lua e agora que têm outra espada Sentinela ao seu dispor, isso só piorará.

     —Quer dizer que a espada de Kevin vai permitir que os Synestryn ganhem?

     Sibyl franziu o cenho e manteve silêncio durante um longo tempo, como se olhasse algo que só ela podia ver.

     —Está se transformando em um ponto para eles. Isso é tudo o que posso ver. O que sei é que se tiverem a espada de Kevin, podem ser capazes de liberar as almas das criaturas assassinadas por sua espada e seu exército crescerá. Os Sentinelas não podem permitir-se semelhante contratempo... o trabalho de uma vida inteira de um guerreiro, desfeito.

     —Então temos que recuperar sua espada.

     Sibyl encolheu um delicado ombro.

     —Não me preocupo com semelhante coisa. É trabalho para vocês, os guerreiros.

     —Eu, um guerreiro? Dificilmente.

     —Sim. É. Apesar de tudo o que a Dama Cinza tenha podido fazer você acreditar. — a voz de Sibyl era tão fria e dura quanto o gelo... em nada era a de uma menina. —Não está adestrada, mas o potencial está aí. Se viver o suficiente para cumprir com esse potencial.

     Helen sentiu um pequeno estremecimento de ansiedade descendo por sua coluna vertebral. Sibyl não era o que aparentava ser. Nem de perto.

     —Gilda disse que serei inútil em combate se não puder usar o fogo. Acredita que minha incapacidade terminará matando Drake.

     —Se tentar combater aos Synestryn ao lado de Drake sem a habilidade para chamar o fogo, então Drake morrerá. Nisso, não há dúvida.

     —Então Gilda estava certa. Não posso brigar.

     Sibyl revirou os olhos.

     —Continua sem escutar. É por isso que me recuso a ver pessoas como você. Nunca escutam.

     —Tento, mas não está dando nenhum sentido a isso.

     Sibyl dirigiu a Helen um olhar duro.

     —Não, só não estou dizendo o que você quer ouvir. Quer que eu diga que tudo vai ficar bem, que todos viverão e serão felizes e daremos as mãos e ninguém nunca sofrerá ou terá fome outra vez. Essa não é a maneira que as coisas acontecem. Não é a maneira que alguma vez será. A verdade é muito menos prometedora e nada que eu possa fazer alguma vez a mudará. Nada.

     Helen repentinamente sentiu pena da garota. Como seria se fosse ela a que soubesse coisas que não deveria?

     Helen só tinha uma visão e tinha sido difícil de suportar. Pelo que todos diziam, Sibyl tinha muitas visões e era só uma menina. Tinha que ser espantoso e solitário para ela.

     —Sinto muito. — disse Helen, tentando alcançar a mão da garota.

     Sibyl pulou para longe de seu contato.

     —Não faça isso. Não quero nada mais de sua vida em minha cabeça.

     Isso não soou bem.

     —O que posso fazer para ajudar você?

     —Não há nada que ninguém possa fazer por mim. Sou como fui criada para ser.

   —Mas sofre.

     —Todos nós sofremos, Helen. Se verdadeiramente quer fazer algo por mim, então trate de não ser estúpida. Deixa que seu amor por Drake guie suas ações.

     Amor por Drake? Gostava dele. Era sexy, compassivo e valente. Não pôde evitar gostar dele. Mas amor? Era muito espantoso para pensar nisso, assim afastou o pensamento por agora. Esclareceria como se sentia por ele mais tarde, quando suas emoções não estivessem tão dispersas.

     —Diga-me uma coisa, por favor. Se decidi… Escolher minha própria morte, isso garantirá que Drake estará seguro?

     Sibyl negou com a cabeça, fazendo que seus cachos loiros oscilassem de cima a baixo.

     —A única garantia que recebemos quando nascemos é que morreremos. Mesmo para um de nossa espécie que vive durante séculos, a morte é inevitável. Meu conselho para você é que abrace sua própria morte em vez de temê-la. Deixe que o momento chegue.

     Essa foi a coisa mais amarga que Helen já tinha ouvido uma menina dizer, e teve que lutar por abster-se de agarrar Sibyl em seus braços para reconfortá-la. Só a preocupação com o que sofreria permitiu a Helen conter-se.

     —Se alguma vez quiser falar, ou se alguma vez necessitar que um amigo apenas a escute, posso fazer isso por você, Sibyl.

     A garotinha pestanejou como se estivesse confusa.

     —Ninguém, nunca, se ofereceu para fazer isso por mim antes.

     —Acredito que todas as pessoas aqui estão um pouco assustada com você.

     Sibyl inclinou a cabeça para um lado.

     —É obvio que estão. Sei como cada um deles vai morrer.

     —Isso é muito louco para pensar muito a respeito.

     —Sim.

     Helen apenas cravou os olhos nela durante um tempo, aniquilada, em silêncio.

     Sibyl bebeu seu chá casualmente.

     —Não vai me perguntar como morrerá?

     —Não. Saber que vou queimar viva se não me matar antes foi mais que suficiente estresse, obrigada.

     Sibyl dirigiu a Helen um sorriso ardiloso, quase sinistro.

     —Não sabe, nem de perto, tanto quanto acredita. Nada em nosso mundo é o que parece.

     —Isso inclui você?

     Sibyl ignorou a pergunta.

     —Deve ir agora. Sua janela de oportunidades é estreita.

     —O que supõe que isso significa?

     Uma luz atemorizante flamejou nos olhos de Sibyl.

     —Quer dizer vá. Agora. E envie Drake para ver-me um momento.

     Poderia parecer-se com uma menina, mas não era. Nenhuma menina teria tanta presença ou tanta força de vontade.

     Helen se levantou desajeitadamente de sua cadeira e saiu do quarto. Justamente antes que a porta fechasse, esteve segura de que ouviu a boneca de Sibyl soltar uma risada.

 

   Nicholas interceptou Helen e Drake justo fora de suas habitações. Os homens caminharam alguns metros pelo corredor para que Helen não pudesse ouvi-los. O confidencialismo deles a incomodava, assim utilizou o poder de Drake para espiar. Canalizou o poder a seus ouvidos, da mesma maneira que fez com seus olhos para melhorar sua visão. Quando um pico de som golpeou seus tímpanos, quase ficou sem fôlego. Baixou o volume até que o pulsar de seu coração e o ar movendo-se entrado e saindo de seus pulmões não abafou a conversa.

     Nicholas entregou ao Drake o aparelho monitor/GPS de sangue que tinha utilizado para rastrear aos Synestryn antes e um pequeno frasco de prata.

     —Só há sangue suficiente aqui para usar uma vez, assim deve encontrar o ninho esta noite.

     Drake apertou a mandíbula com determinação.

     —Terei um helicóptero preparado caso o ninho esteja muito longe para ir dirigindo.

     —Não acredito que esteja. Todos meus dados de pontos de reunião dos Synestryn estão em um raio de cento e sessenta quilômetros daqui. Acredito que estão se aproximando, talvez se preparando para um ataque maciço ao recinto.

     Drake soltou uma maldição em voz baixa, mas Helen a ouviu claramente. Também pôde ouvir o repentino pico de raiva de seu sangue através do corpo, o que foi realmente estranho.

     —Joseph já sabe?

     —Sim. — disse Nicholas. — Esteve ligando para todos os Theronai disponíveis para o caso de ocorrer algo.

     —Quer ficar aqui, também, ou posso convencê-lo a vir conosco esta noite? Sua ajuda viria bem a Helen e a mim.

     —Pensei que Gilda não queria que levassem sua senhora para fora.

     —Não quer, mas não temos muitas opções. Temos que trazer a espada de Kevin de volta.

     —Então deixe outras pessoas irem. Fiquem vocês dois aqui, sãos e salvos.

     Drake olhou por cima do ombro para Helen, que tentava parecer como se não estivesse escutando. Ao que parece, seu truque funcionou.

     —Não posso fazer isso. — sussurrou Drake.

     —Por que infernos não? —Exigiu Nicholas.

     —Porque Sibyl me disse que se Helen não encontrar a espada de Kevin, morrerá em poucos dias. Não posso deixar que isso aconteça.

     Santa merda! Helen não queria ouvir isso. Uma sensação de mal-estar se deslizou em volta de seu ventre, mas era muito tarde para retroceder agora. Tinha que continuar escutando.

     Nicholas passou uma mão por seus cabelos loiro escuro, e seu rosto marcado se obscureceu com a ira.

     —Bom, merda. Isso é justamente o que necessitamos. Mais profecias da menina horripilante para confundir as coisas.

     —Diz isso a mim. Está me matando tentar lutar com minha necessidade de manter Helen segura e a necessidade de fazer meu trabalho, nosso trabalho. As coisas eram muito mais simples quando só tinha que me preocupar comigo mesmo.

     —Não procure simpatia aqui, amigo. Encontrou sua senhora. O restante de nós ainda está sofrendo, assim vá chorar para outra pessoa.

     —Sinto muito. Não deveria me queixar. — Drake esfregou uma mão pela nuca. — Acredito que Helen não é a única. Tem que haver mais mulheres como ela por aí. Possivelmente aquela garçonete de Zach seja a seguinte.

     —Já comecei a procurar Lexi e as outras. Seria capaz de procurar muito mais facilmente se tivesse uma amostra de sangue de Helen para analisar.

     Sentiu um súbito aumento de indignação sair disparado de Drake.

     —Depois do que Logan fez a ela… não me peça isso, por favor.

     Helen estava começando a pensar que o que quer que Logan tivesse feito a ela quando usou seu sangue para salvar Drake tinha mais significado do que sabia. Ia ter que perguntar a Drake sobre isso logo que tivessem um momento a sós. Assim que tivesse passado tempo suficiente para que não se desse conta que ela esteve o escutando.

     —Posso perguntar ao Logan, se isso o fizer sentir-se melhor. — disse Nicholas. — Ficará feliz de ter uma desculpa para tomar mais de seu sangue.

     —Maldito seja! Não se atreva! Se o vê perto dela vou ter que matá-lo. — Drake fez uma careta de dor quando disse as palavras. —Juro que encontrarei a maneira, e isso destruirá a pouca paz que há entre nós. Não podemos nos permitir uma guerra em três frentes. Duas é bastante ruim.

     Nicholas estendeu suas amplas mãos com cicatrizes em um gesto conciliador.

     —Calma, homem. Não tinha intenção de apertar seu botão de psicopata. Nossa. Só é um pouco de sangue.

     —Não, é sangue de Helen. Há uma grande diferença. — disse Drake.

     —Bem. Considere o assunto abandonado. Quando irão?

     —Em umas poucas horas. Se quiser caçar conosco, reúna-se em minha habitação depois do almoço, digamos as duas em ponto.

     —Verei o que posso fazer. Joseph me mantém bastante ocupado rastreando esses ninhos, mas seria bom sair e bater em alguns caras maus durante um tempo. Não quero enferrujar.

     —Enferrujado. — bufou Drake. — Se estivesse enferrujado, deixaria você atrás de uma escrivaninha, não pediria a você que viesse me ajudar a proteger minha senhora.

     —Não me faça ruborizar, imbecil.

     Drake sorriu quando os homens se separaram e Helen achou a paisagem impressa na parede subitamente intrigante. A mão de Drake deslizou ao longo de suas costas.

     —Vamos descansar um pouco. Vai ser uma longa noite.

     —Prefiro praticar. — disse.

     —Seus olhos ainda estão vermelhos e não quero que se canse. Esta noite será da forma real.

     O temor apertou seu estômago. Não estava preparada.

     Drake tomou-a em seus braços.

     —Vai estar bem. Você e eu vamos chutar alguns traseiros Synestryn esta noite e encontrar a espada de Kevin.

     Helen deslizou um dedo sob a luceria.

     —E isto se desprenderá?

     Drake ficou rígido contra ela e apertou seu abraço.

     —Sim.

     —O que acontecerá depois? —Perguntou a ele.

     —Isso depende de você.

     Helen se sentia perdida e assustada. Não tinha nem ideia do que fazer, nem ideia do que aconteceria a Drake depois daquela noite.

     —O que acontecerá se eu não viver apesar disto?

     —Fará. — disse ele, seu tom duro como a pedra, determinado.

     —Mas, o que acontece se não? Nós dois sabemos que é uma possibilidade.

     —Não vou deixar você morrer. — grunhiu Drake.

     —Por favor. Diga-me apenas o que acontecerá se o faço. Preciso saber que estará a salvo.

     Drake inspirou um profundo fôlego que fez que seu peito se expandisse contra seus seios. Adorava a sensação de seu corpo contra o dela, tão forte, duro e quente.

     —Enquanto as cores da luceria se moverem, retornarei onde estava antes de conhecer você, à dor. Só restariam umas poucas folhas.

     Helen levantou a mão dele e olhou para o anel. Tinha que olhar muito para ver qualquer movimento de todas as cores, o anel era quase completamente vermelho sólido, com um único toque de laranja girando ao redor.

     —Quase não temos tempo.

     —Sim. — não parecia aborrecido por esse conceito.

     —O que acontece se morrer depois que as cores se detiverem?

     —Não precisa se preocupar com isso. — disse com uma voz suave.

     —Vou me preocupar mais se não souber.

     Drake suspirou.

     —Quando a luceria tiver escolhido sua cor final, então a conexão entre nós será permanente.

     —O que significa isso? Exatamente?

     De novo, sua voz era baixa e suave.

     —Isso significa que se morrer, é quase certeza que eu também o farei.

     —Isso é estúpido! — enfureceu-se Helen, afastando-se dele e puxando o colar, que de repente parecia um nó corrediço. — Você. Faça que se detenha.

     Drake uniu suas mãos às dela e a impediu de puxar o objeto.

     —Não posso. Tampouco você pode. Essa é a forma que funciona.

     —Então tem que tirar isso de mim. — sentiu que começava a ter pânico e tentou aferrar-se a seu controle.

     —A única maneira de fazê-lo é encontrar a espada de Kevin. — seus olhos castanhos brilharam com fragmentos de ouro pela determinação. — Mas tenho que ser claro, Helen. Não quero que o tire. Nunca.

     —Mas vou morrer, tolo! Viu a visão. Inclusive Sibyl disse que ia acontecer.

     A menos que Helen escolhesse outra morte primeiro.

     Maldito seja! Agora tinha que agir rápido. Sua visão ia acontecer em questão de dias, de acordo com Sibyl. Drake estava quase sem tempo e não podia levá-lo com ela. Não seria a causa de sua morte também.

     Drake pegou o rosto dela e deslizou o polegar por sua bochecha. Helen fechou os olhos contra a necessidade de apoiar-se nele para receber suporte.

     —Não se preocupe sobre o que disse Sibyl. Acredite que as coisas funcionarão. Confie em mim para proteger você.

     Mas, quem o protegeria?

     Sibyl tinha razão. A janela de oportunidades de Helen era estreita. Tinha que agir agora, e lutar com Drake não ia tornar sua escapada mais fácil. Precisava acalmá-lo fazendo-o acreditar que iria com ele. Era um parvo se pensava que estaria disposta a tomar tal descuidada decisão com a vida dele.

     —Confio em você. — disse.

     E o fazia. Confiava nele para fazer exatamente o que Thomas fez e dar sua vida para salvar a dela. Não podia deixar que isso acontecesse.

     Era a hora de Helen, mas não tinha que ser a de Drake. Iria atrás da espada de Kevin e a libertaria, mas tinha que ser naquela noite e não podia deixar que Drake viesse com ela. Sibyl disse que se fossem ao combate sem fogo ele morreria. Tinha que encontrar um modo de mantê-lo ali. Tinha que encontrar uma maneira de lhe dar um futuro.

     Drake havia dito que acreditava que havia outras mulheres como ela por aí e tinha que acreditar nele, também. Queria lhe dar uma oportunidade de encontrar alguém que não se assustasse com o fogo, que não estivesse destinada a morrer tão jovem. Ainda podia ser feliz e isso era o que queria para ele mais que tudo. Tinha passado sua vida sacrificando-se para que outros pudessem ser felizes e era o momento de que conseguisse algo em troca.

     Helen respirou fundo e se obrigou a acalmar-se. Pôs uma forte mordaça em sua conexão assim ele não poderia ver seus planos. Seu caminho estava claro. Sabia exatamente o que tinha que fazer.

     Helen ficou nas pontas dos pés e o beijou. A boca dele se abriu sob a dela e deslizou a língua em seu interior para saboreá-lo. Só um gole mais.

     Drake grunhiu, tomando seus quadris com as mãos, e empurrando-a contra ele. Podia sentir sua necessidade esquentando o ar a seu redor. No espaço de alguns segundos, o beijo passou de ser um meio de distração para começar a ser algo faminto e exigente. Adorava a forma que ele se descontrolava só com um beijo seu. Fazia-a sentir-se poderosa e desejada. A potente combinação foi direto à cabeça e afastou toda a escuridão.

     Agarrou-a pelas tranças e inclinou sua cabeça para trás, mantendo-a em seu lugar enquanto sua boca saqueava a dela. Sua úmida língua imitava o impulso de sua ereção dentro dela, fazendo seu corpo tornar-se líquido e quente. Esse homem roubava toda sua prudência e fazia que adorasse isso. Escaldava sua pele com seus toques e fundia seus ossos com seus beijos até que não restava nada exceto fome e calor. Estava ardendo viva com a necessidade por ele e não se importava. Isto era o que queria, o que desejava. Ele fazia o mundo desaparecer até que não restava nada exceto eles dois e o prazer que arrancava de seu corpo.

     —Preciso estar dentro. — disse Drake contra sua boca.

     Sim. Dentro. Quente, forte e grosso, justo onde necessitava que ele estivesse. As mãos de Helen foram ao botão de seu jeans, desesperadas por tirá-lo.

     —Não no corredor, amor. — grunhiu Drake com a voz áspera pela luxúria.

   Seu corpo se apoiou contra o dela e um momento depois, a porta de sua habitação se abriu amplamente. Drake a colocou dentro, meio carregando-a. Lançou as chaves e as coisas que Nicholas lhe tinha dado sobre a mesa e a olhou com paixão nua brilhando em seus olhos.

     Helen sabia que o mesmo olhar também estava em seus olhos. Necessitava dele. Necessitava dele com uma ferocidade que a assustava.

     —Quero você nu. — disse com uma voz que não parecia nada como a sua. Era densa e rouca e as palavras saíram em curtas e agudas ordens.

     Os olhos de Drake se estreitaram durante um momento como se fosse lhe perguntar algo, mas ela se despojou de sua camiseta e de seu sutiã esportivo pela cabeça, e o que quer que estivesse preparado para lhe perguntar se evaporou no calor de seu olhar contra seus seios nus.

     —Tão bonitos.

     Chegou até ela, mas Helen deu um passo para trás.

     —Nu. — ordenou. — Agora.

     A mandíbula de Drake se apertou e sua face se obscureceu, mas obedeceu. O cinturão da espada saiu em primeiro lugar, invisível até que bateu no chão. Depois se virou, pegou sua camiseta em um punhado, e a tirou por cima da cabeça.

     Helen tirou os sapatos com um pontapé e se deslizou para fora do jeans e a roupa íntima enquanto olhava Drake fazer o mesmo. Seus olhos nunca a deixaram, tomando cada nova faixa de pele nua como se fosse uma revelação. Quando ambos estavam nus, chegou até ela com as mãos trêmulas.

     Helen deu um passo para fora de seu alcance, sabendo que assim que a tocasse, estaria perdida, incapaz de pensar com claridade. Queria olhar para ele, desfrutar da masculina beleza de seu corpo e apreciar o modo que a luz brincava através dos músculos de seu peito e de seus braços. O modo que as folhas de sua marca de vida se balançavam com uma brisa exterior. A maneira que sua ereção se contraía de antecipação por enchê-la. Era bonito, forte e dela.

     As mãos de Drake eram punhos aos lados enquanto esperava que o olhasse por completo. O conjunto de sua mandíbula e sua respiração acelerada lhe dizia o quanto estava impaciente e que não podia fazê-lo esperar mais. Ela não podia esperar mais.

     Helen se apertou contra o peito dele, o fazendo sentir seus rígidos mamilos deslizando-se por suas costelas. Passou os dedos por seus cabelos escuros e pressionou beijos úmidos ao longo dos ramos de sua tatuagem. Drake tomou fôlego e as folhas estremeceram sob seus lábios. Podia senti-las movendo-se, cheirar o fresco aroma de bosque em sua pele.

     Drake deixou escapar um trêmulo suspiro e suas mãos deslizaram por suas costas. Uma agarrou seu traseiro e a outra acariciou sua cabeça.

     —Dê-me sua boca. — disse.

     Helen sentiu o áspero retumbar de sua voz vibrar contra seus lábios e a fez sorrir. Podia senti-lo contendo-se, tentando manter o controle, e não queria isso. Queria que se deixasse levar e lhe desse tudo de si. Não queria que contivesse nada. Sem restrições.

     Um sorriso de sereia curvou sua boca enquanto beijava um caminho por seu peito, descendo pelo complicado tronco da árvore, mais para baixo, onde as raízes se desdobravam por seu abdômen. Ajoelhou-se ante ele e suas mãos deslizaram sobre a suave pele de sua ereção em uma lenta carícia.

     Drake tomou fôlego e seus dedos se fecharam ao redor de uma de suas tranças. Olhou para baixo e os fragmentos de ouro de seus olhos brilharam temperados pela luxúria. Seu corpo tremia enquanto lutava para manter o controle e uma fina capa de suor fez sua pele brilhar.

     Helen sustentou o olhar dele enquanto o tomava na boca. Drake deixou escapar um som irregular, com os olhos virados e as mãos apertando seus cabelos.

     A emoção do poder feminino a percorreu enquanto o olhava e sentia o que podia fazer a um homem tão forte. Fazia amor a ele com os dedos e a boca e isso o pôs de joelhos.

     Drake estava ofegante e suas mãos se moviam incertas contra seus cabelos como se não pudesse decidir se devia puxá-la para mais perto ou afastá-la. Sentiu-o reunir sua vontade, sentiu um pulso quente de determinação fluir através de seu vínculo, e um momento depois, afastou-se e se estendeu no suave tapete do chão da sala.

     Seu corpo quente caiu em cima do dela, segurando suas pernas abertas. Seu corpo se incendiou quando a mão deslizou por suas costelas para sustentar seu seio, e com algo próximo a um grunhido, beliscou a pele justo acima da luceria. Faíscas de prazer dispararam por seus membros e se reuniram entre suas pernas, deixando-a dolorida e vazia. Desejava que a enchesse e afastasse esse vazio, uma e outra vez, até que não pudesse esquecer a sensação de tê-lo dentro dela.

     —Ainda não. — murmurou ele contra sua pele sensível.

     Sua mão deslizou por seu ventre, deixando um rastro de calafrios de calor a sua passagem. Arqueou-se contra ele e agarrou seus quadris em um esforço para aproximá-lo, mas não pôde dirigir seu peso. Os dedos dele a encontraram úmida e preparada e a encheu com eles.

     Helen deixou escapar um suspiro de prazer. Seus dedos eram grossos e hábeis e a levaram a beira do clímax em segundos, Drake sabia exatamente como gostava de ser tocada. Vacilou ali, no limite, e em algum lugar nos cantos empanados de prazer de seu cérebro, encontrou a força para conter-se.

     —Agora. — rogou.

     Sentiu o poderoso corpo de Drake estremecer e depois introduzir-se nela, enchendo-a da forma que desejava, da forma em que o necessitava. Helen se aferrou a ele, o aproximando mais com as pernas a seu corpo, e deixando-o marcar o ritmo. Sabia o que necessitava mais que ela e o deu, sem nenhuma reserva.

     Amava-a. Podia sentir seu amor brilhando através do vínculo. Não tentou ocultá-lo, não tentou negá-lo. Deixou-a vê-lo, obrigando-a a senti-lo para que soubesse que era real.

     Helen se deleitou em seu amor, banhando-se nele até que pensou que podia voar por sua força. Sua pele estremeceu e seu estômago se retesou quando se desvaneceu o último de seu controle. Deixou ir, deixou-se quebrar em pequenos pedaços nos braços de Drake, confiando nele para que os mantivesse juntos. Ele nunca permitiria que nada de ruim acontecesse a ela.

     O corpo dele se retesou e o sentiu cair de cabeça depois de seu orgasmo. Seu corpo ainda estava estremecendo com os tremores de seu êxtase e ele chegou a seu clímax em seu interior, gritando de prazer.

     O peso de Drake abateu-se sobre ela enquanto desabava em cima dela, mas se deleitou com a sensação de seu corpo sobre ela. Acariciou suas costas enquanto sua respiração desacelerava até a normalidade e seu pulso se estabilizava. Suas mãos tremiam, mas duvidava que se desse conta de sua debilidade.

     Helen sorriu para o teto, sentindo-se mais feliz que nunca antes em sua vida. Amava-a. Era a mulher mais afortunada do mundo e não pôde evitar verter um pouco dessa alegria através do vínculo.

     Drake ficou rígido e se ela percebeu seu engano muito tarde. Abriu-se para ele e não tinha como saber quanto de seu plano tinha visto.

     Entrou em pânico. Tinha que protegê-lo e só podia pensar em uma maneira de fazer isso. Reuniu cada grama que pôde de seu poder e quis que dormisse. Se estivesse dormido, poderia sair e encontrar a espada de Kevin e ele ficaria ali são e salvo.

     A cabeça de Drake se disparou e seus olhos brilharam de fúria.

     —Não… — foi tudo o que pôde dizer antes que seus olhos revoassem fechando-se e ele desabasse em cima dela.

     O ar foi expulso de seus pulmões e teve que lutar para empurrá-lo para um lado. Ainda estava duro e úmido dentro dela e Helen sentiu que era a pior espécie de cadela quando se separou dele. Ainda estavam unidos quando o traiu. Só esperava que a traição tornasse mais fácil para ele seguir com sua vida depois que ela tivesse partido.

     Helen fez um trabalho rápido lavando-se e vestindo-se. Em dois minutos, saiu pela porta com a ampola de sangue, o localizador de Synestryn, e as chaves da caminhonete na mão.

  

     Um profundo tamborilar despertou Drake de um profundo e vazio sono. Abriu os nublados olhos, reconhecendo os arredores como seu quarto, mas a familiaridade fez pouco para liberá-lo da pesada sensação de confusão e medo. Algo não ia bem, mas não podia descobrir o que era.

     O tamborilar soou outra vez, mais alto desta vez.

     —Com um inferno, abre, Drake!

     Essa era a voz de Nicholas, seguida de perto pela de Zach.

     —Mova-se. Jogarei a maldita coisa abaixo.

     —Já vou. —Respondeu. A voz estava rouca, trêmula, mas alta o bastante para que o ouvissem.

     Ficou de pé e teve que apoiar-se contra a parede para sustentar-se. Sentia-se bêbado, drogado, ou algo. Não estava seguro, mas certamente não era a maneira que se sentia depois de fazer amor com Helen.

     Helen.

     Sua respiração congelou-se nos pulmões. Deus não. Não podia haver partido. Tinha que estar equivocado a respeito do que tinha a visto planejando fazer. Não podia ser tão estúpida para pensar que poderia ir sozinha atrás da espada de Kevin.

     Tentou alcançá-la, mas não podia sentir sua presença nas imediações. Tudo o que podia sentir era uma desesperada necessidade de fechar os olhos e dormir.

     Uma sensação de urgência afastou seu atordoamento, mas os movimentos ainda eram lentos. Abriu a porta de repente, sem se importar por estar nu e trêmulo como um potro recém-nascido. Zach e Nicholas perceberam sua condição física em um rápido olhar e cada um o agarrou por um braço e o ajudaram a ir para o sofá. O que foi uma boa coisa, porque não estava seguro de que pudesse ter cruzado a sala por si mesmo.

     —Onde está Helen? —Perguntou quando seus amigos o sentaram no sofá. — Digam-me que não atravessou as portas.

     A cara de Nicholas se obscureceu com raiva, a multidão de pequenas cicatrizes sobre a pele destacava em um claro contraste.

     —Sinto muito, Drake. Estava em uma reunião com Joseph quando partiu. Um dos Gerai estava cobrindo a ponte. Sabia que era uma Theronai e não pensou em evitar que se fosse.

     Helen era um Sentinela e os Gerai eram obrigados a fazer sua vontade, inclusive se isto queria dizer deixá-la sair sozinha. Deveria ter sabido que tentaria algo assim. Havia sentido a mudança em sua resolução, mas não parou para pensar no que isso significava. Estava muito ocupado beijando-a. Amando-a.

     O moreno rosto de Zach se torceu em um furioso cenho.

     —Fodidas mulheres escorregadias. Que infernos pensam que estão fazendo?

     Uma onda de fadiga caiu de repente sobre Drake e teve que lutar inclusive para manter os olhos meio abertos. O que quer que fosse isto, não era normal, e se não se livrasse logo, nunca seria capaz de encontrar Helen.

     —Tenho que encontrá-la. — a voz de Drake era aguda, cheia de pânico.

     Nicholas foi a voz da razão.

     —Acalme-se. Será capaz de encontrá-la. Apenas esclareça a mente e se concentre. Pode sentir que caminho tomou?

     Drake fechou os olhos e lutou contra o pânico que arranhava seu interior. Helen tinha partido. Podia sentir um débil puxão em seu anel, mas era tão leve, que tinha que estar à milhas de distância.

     Zach falou no telefone com alguém, mas Drake não estava escutando. Parecia não poder esclarecer a cabeça daquela maldita fadiga. Seus olhos estavam arenosos e sentia como se eles pesassem uns 200 quilos. O suor descia por suas costelas e precisou de toda sua concentração permanecer vertical sobre o sofá.

     —Café. — modulou. — E minha roupa.

     —O café não ajudará. —A voz veio da porta aberta da suíte de Drake. Logan.

     Uma corrente de raiva afastou a sonolência ante o som da voz de Logan.

     —Você, fodido chupa sangue bastardo. — grunhiu. —Falou com ela para que me deixasse e assim poder obter seu sangue, não?

     Seu corpo se impulsionou do sofá e quase cai sobre a mesa de café. Só o forte apertão de Nicholas o manteve direito.

     Um arrogante sorriso cruzou a boca de Logan.

     —Pelo contrário. Prefiro muito mais que fique longe do perigo assim terei muitos anos para me alimentar dela.

     Drake arrancou o braço do de Nicholas e deu um trêmulo passo para frente.

     —Vou matá-lo por uni-la a você dessa maneira.

     —Esqueceu-se que temos um vínculo pacífico?

     Tinha feito isso, mas a palpitação de seu crânio o recordou.

     —Além disso, se me matar, não serei capaz de arrumar o que Helen fez a você. — disse em tom calmo. — Quer que o desfaça de modo que possa encontrá-la antes que seja muito tarde?

     Drake queria golpeá-lo até que só restasse uma sangrenta mancha, mas controlou o impulso. Por agora. Necessitava que ele o curasse de modo que pudesse encontrar Helen.

     —Deve muito a ela depois de roubar dela o juramento de sangue.

     Os olhos claros de Logan brilharam com fome.

     —Não roubei nada. Ela ofereceu seu juramento em troca de sua vida. Faria o mesmo?

     —Faria qualquer coisa por Helen. — disse sem vacilar.

     Uma labareda de vitória inundou os olhos de Logan e deu um ansioso passo para frente.

     —Diga. —Exigiu. — Necessito as palavras para o atar.

     Drake queria uivar de frustração, mas estava muito cansado, muito preocupado. Não podia manter os olhos abertos por mais de uns poucos segundos e Helen precisava dele. Outra onda de sonolência o percorreu, o fazendo cambalear. Nicholas o agarrou pelo braço para evitar que caísse.

     Mal podia levantar seu próprio braço, muito menos manejar uma espada. Era inútil para Helen desta maneira.

     —Bem. Pode ter meu sangue se me ajudar a encontrar Helen.

     —O resto, Theronai. Sabe o que quero. — um ambicioso sorriso curvou a boca de Logan.

     Odiava Logan e o pensamento de estar atado a ele pela eternidade fazia que seu estômago se revolvesse, mas não tinha opção. Tinha que proteger Helen. Aspirou profundamente e deu a ele seu juramento.

     —Pode tomar meu sangue sempre que o necessitar, sempre e quando nada de ruim ocorra a Helen. Não permitirei que me debilite enquanto ela necessitar de mim.

     — Certo. — aceitou.

     Drake caiu de joelhos sob o peso de seu juramento. Este o deixou sem ar, sufocando-o, o fazendo sentir-se enjaulado e frenético. Confiou a si mesmo a um predador.

     Logan deslizou suavemente para frente, sem fazer som algum.

     Drake ainda ofegava quando seus amigos vieram em sua ajuda. Nicholas o ajudou a sentar-se no sofá enquanto Zach o ajudava a vestir o jeans. Ao menos não teria que deixar o Sanguinar chupar seu sangue enquanto ainda estava com o traseiro nu. Algumas coisas simplesmente não podiam ser toleradas, e essa estava perto do começo da lista.

     —Não temos muito tempo. — disse Zach, a raiva ressoando em cada palavra. — O helicóptero nos espera.

     —Não demorarei. —Disse Logan. Ajoelhou-se ao lado de Drake e levou seu pulso à boca. Uma punhalada de dor e um palpitante calor se afundaram no braço de Drake. A boca de Logan trabalhava sobre a ferida e Drake se sentiu pior que antes. Débil. Não podia manter os olhos abertos. Não podia lutar com a necessidade de dormir.

     —Suficiente! —Rugiu Zach, fazendo que Drake despertasse de repente.

     Logan afastou a boca, sem deixar nenhuma ferida para trás. Pressionou a mão na testa de Drake, e um segundo depois, Drake sentiu uma quente espetada de energia sacudindo-se através dele. Cada célula de seu corpo cantarolava com força. Estava completamente acordado, fodido como o inferno, e alcançou a garganta de Logan com a intenção de quebrar seu pescoço.

     A mão se estancou, congelada no meio do ar, incapaz de mover-se sem importar o quanto tentasse.

     Logan dedicou a Drake um ardiloso sorriso que o fez parecer estranhamente bonito.

     —Não pode me ferir.

     —Foda-se. — grunhiu. — Melhor rogar para que Helen saia desta a salvo ou vai ver o quanto posso ferir você.

     —Que gênio, que gênio. — resmungou Logan.

     —Não temos tempo para isto. — disse Zach. —Helen pode ser capaz de desaparecer da mesma maneira que Lexi fez.

     Zach tinha razão e ele afastou o desejo de matar Logan de seus pensamentos.

     Nicholas estendeu sua espada para ele, a qual colocou ao redor da cintura enquanto ficava em pé, quando calçou os sapatos. Sem meias. Saiu pela porta, dirigindo-se ao heliporto com Zach e Nicholas pisando em seus calcanhares.

     Drake assentiu, sentindo um pouco de alívio ao ter seus amigos cobrindo suas costas. Ia necessitar de toda ajuda que pudesse obter.

    

   Por que tinha que ser uma caverna? Uma mina e agora uma caverna. Helen estava começando a desenvolver um sério temor pelos lugares escuros e fechados. Por que os Synestryn não podiam desfrutar em uma encantadora e aberta praia ou talvez até mesmo espreitar em um misterioso bosque? Ao menos dessa maneira não haveria toneladas de sujeira e pedra sobre sua cabeça abatendo-se sobre ela. Isso faria seu trabalho muito mais fácil.

     Helen reforçou sua resolução e tirou poder de Drake. Agora era mais fácil do que tinha sido, o que a fazia pensar que ele devia estar aproximando-se. Havia sentido o momento em que o truque do sono tinha falhado e soube que estava zangado e vinha direto para ela. Estava duas horas adiantada, e rogou que isso fosse o bastante.

     Recordou de Drake dizendo a ela que os Synestryn seriam capazes de vê-la pelo que era agora, e a ideia de entrar naquela caverna, brilhando intensamente como um farol, não lhe caia bem. Assim experimentou fazer-se invisível, igual à espada de Drake. Tentou fazer o corpo torna-se transparente, mas não funcionou e doía como o inferno, assim em vez disso, urgiu a luz a flutuar ao redor dela, algo que a camuflava, e parecia funcionar bastante bem. Verificou seu reflexo no retrovisor da caminhonete e tudo o que viu foi um ponto duvidoso onde deveria estar sua cabeça. Parecia com o calor que se via amortecido no pavimento a certa distância, mas na escura caverna, talvez fosse o bastante para se esconder. Certamente esperava que assim fosse.

     Pegou o localizador de monstro e uma chave de porcas da parte de trás da caminhonete, para o caso de ocorrer algo, e a escondeu nas árvores perto da caverna. O sol ia se pôr a qualquer minuto, e não queria estar no caminho de todos aqueles Synestryn que saíssem para caçar.

     Além disso, talvez ali tivesse morcegos, o que era melhor não pensar. Felizmente seus cabelos estavam trançados de modo que não poderiam conseguir enredar-se neles. Ainda não estava convencida de que era um mito e não ia dar nenhuma oportunidade a eles.

     Trocou para a visão noturna e a superaudição e observou como um enxame de monstros saía torrencialmente da caverna, grunhindo, estalando e uivando.

     Estava segura que as batidas de seu coração a delataria e rogou que todo o ruído que eles faziam cobrisse o som. Conteve a respiração e se imaginou empurrando o ar de modo que seu aroma se afastasse dos monstros.

     Uma leve brisa refrescou o suor de sua pele.

     Um par de brilhantes olhos verdes a fez saltar de seu caminho e o sgath observou o ar como se a detectasse. Este inclinou a peluda cabeça de lobo de lado, confuso e depois de um tempo, limitou-se a seguir o restante da manada.

     Estava tremendo tão forte que seus músculos doíam e teve que fazer um consciente esforço para relaxar a mandíbula.

     O último monstro se foi vários minutos antes que encontrasse a coragem para mover-se para a boca da caverna. A entrada era pequena e teve que agachar-se para entrar. Sua elogiada visão fez que o interior parecesse tão brilhante quanto se fosse de dia, mas podia sentir a opressiva escuridão aferrando-se a sua pele, consumindo sua resolução.

     Ao contrário da mina, não havia túneis que fossem em diferentes direções. A caverna se abria para um longo e estreito buraco que se alargava em uma câmara maior. Era facilmente de uns trinta metros e meio de altura por seis metros de comprimento. A umidade e o aroma de minerais no ar o tornava pesado, com o aroma dos animais em decomposição dos Synestryn. Na distância, podia ouvir a constante destilação da água e o úmido gorjeio de uma kajmela.

     Duas delas, de fato. E estavam dirigindo-se diretamente para ela.

     Sua invisibilidade tinha funcionado bastante bem sobre as coisas com olhos, mas as kajmelas não os tinham. De algum jeito detectaram sua presença.

     Deixou cair a invisibilidade para conservar o poder, então tornou sua visão ao nível de raios x e com bastante segurança, dentro da kajmela maior estava a espada de Kevin junto com algumas das outras coisas que suspeitava que se pareciam com ossos humanos nos que não queria pensar.

     O punho estava corroído e furado, mas a lâmina era antiga e misteriosamente afiada.

     O que quer que tivesse o ácido da kajmelas, não podia danificar a lâmina dos Theronai.

     Fogo.

     A palavra cintilou em sua cabeça, embora se era ideia dela ou de Drake, não podia dizer. De todo modo, deixou-a aterrorizada, suando e tremendo.

     Sentiu Drake aproximando-se, sentiu sua raiva e a sensação de traição por tê-lo deixado.

     Havia feito isso por ele, e todas suas nobres intenções fracassariam se não conseguisse recuperar essa espada e liberar-se dela antes que chegasse ali.

     Helen ouviu a voz de Sibyl soando claramente em sua mente. Se tentar lutar com os Synestryn ao lado de Drake sem a habilidade de chamar o fogo, então Drake morrerá.

     Não podia deixar que isso acontecesse.

     A kajmela se adiantou, transpirando lentamente sobre o chão da caverna. O fogo era a única coisa que podia detê-las.

     Tentou afastar para um lado seu medo do fogo, mas este tinha sido seu companheiro por muito tempo, não podia recordar de quando viveu sem ele. Era parte dela. Irracional. Incontrolável. Ia matar Drake.

     Levantou a mão para a kajmela e fingiu que não estava assustada. Fechou os olhos e reuniu o poder de Drake em seu interior. Recordou-se do que tinha visto Gilda fazer e se obrigou a imitar aquele espantoso ato de chamar o fogo. O calor se construiu em seu peito, tornando difícil respirar. Tinha que livrar-se do calor antes que a matasse, assim tentou empurrá-lo através das pontas dos dedos. Ouviu um som flamejante e abriu os olhos para ver as pontas dos dedos enegrecidas. Então a ardente dor a golpeou e um soluço rasgou seu corpo.

     Empurrou com mais força, tentando conduzir o chamuscante calor para fora dela, mas não saiu fogo algum. Nem sequer uma faísca.

     Ouviu profundas vozes masculinas se aproximando. Estava aqui. E ia morrer se não fizesse algo para deter isto.

     Puxou com força o poder de Drake e deixou que a enchesse inclusive mais. A pressão se construiu dentro dela e a faixa ao redor da garganta se esquentou sob a tensão de controlar tanta energia. Sentia seu interior ferver e a pele debaixo da luceria começava a faiscar.

     O aroma de carne queimada encheu seu nariz, lhe dando ânsia de vômito.

     —Helen! —Gritou Drake.

     As kajmelas vacilaram quando sentiram uma nova presa.

     Mais energia a encheu, estirando-a, amassando seus órgãos até que a dor ameaçou derrubá-la. Tinha todo o poder que necessitava para fritar aquelas kajmelas em um atoleiro gordurento, mas não podia encontrar a coragem para deixá-lo sair em forma de fogo. O instinto gritava para ela que era o momento de sua visão.

     Drake entrou em seu campo visual, seguido de perto por outros homens, mas ela não podia vê-los claramente.

     Seus olhos arderam e sentiu como se saíssem disparados de sua cabeça pela enorme pressão dentro dela, mas se obrigou a olhar para Drake.

     Sua espada estava desembainhada, brilhando com a necessidade de violência. O rosto era uma máscara de dor e raiva, e os olhos brilhavam com furioso ouro quando se encontraram com os dela. Seu corpo disposto a golpear, forte e sólido e desenhado para lhe dar tanto prazer. Só olhar para ele já era um prazer para ela.

     Amava-o.

     Já não podia negar mais, nada de afastar esses pensamentos para um lado até que as coisas se acalmassem. Não tinha tempo. Podia sentir o poder de seu amor por ele excitando-a a agir. Sibyl havia dito a ela que deixasse que seu amor por Drake fosse seu guia, e o faria. Seu último ato sobre esta terra seria um de coragem, sacrifício e amor por Drake. As kajmelas se viraram para a presa maior e lançaram os tentáculos de lodo oleoso para Drake.

     Helen aceitou seu destino. Abraçou-o. Ia queimar até morrer, mas ia levar aquelas fodidas asquerosidades com ela de modo que não pudessem machucar ninguém.

     Elevou a mão para os monstros, ignorando os gritos de medo que se deslizavam por seu estômago e deixou que o fogo viesse a ela. No princípio, houve umas lamentáveis brasas e faíscas em sua mão e não pôde conter um grito apavorado.

     A kajmela se aproximou de Drake estendendo-se com mais velocidade do que acreditou ser possível e seu temor por ele superou o medo do fogo. O poder se concentrou descendo por seus braços, fazendo seus ossos vibrarem com a força daquilo. Deixou escapar um rude grito de batalha e as chamas dispararam de seus dedos, engolindo ambas as kajmelas em um cilindro laranja e vermelho. Um agudo grito aterrorizado e o espesso aroma oleoso e de carne queimando encheram a caverna.

     Os corpos parecidos com os das amebas das kajmelas pulsaram e se contorceram enquanto tentavam escapar do fogo.

     Helen não lhes deu lugar para onde fugir. Extraiu mais energia de Drake e a converteu em chamas, queimando novamente as kajmelas.

     O calor escaldou seus dedos e pescoço enquanto forçava mais fogo de seu corpo. Muito. Agora estava perdendo o controle e se estendeu além de seus dedos. As chamas dançaram ao longo de seu braço, ascendendo até que engoliram seu corpo. Um desigual grito de dor saiu de seu peito e apertou os dentes para cortar o horrível som.

     Através da oscilante onda de calor, viu Drake lutando contra o agarre de seus amigos, que o retinham. Estava gritando algo, mas não podia entender as palavras, não podia ouvir acima do crepitar faminto do fogo consumindo-a.

     Os segundos passavam com agonizante lentidão. Tinha perdido o controle sobre o poder. Não podia deixar de gritar, nem podia fazer nada para deter todo aquele ardente poder.

     O som de seus gritos baixou para um rouco eco de dor que não podia silenciar.

     Nada funcionava em seu interior.

     O fluxo de energia de Drake se apagou repentinamente, mas o fogo ainda ardia. Tentou recordar o que fazer para detê-lo, mas seu cérebro não podia funcionar com tanta dor.

     Então Drake estava ali, justamente em frente a ela com a espada de Kevin nas mãos, o peito nu e a camiseta enrolada ao redor do fumegante punho. Podia ver as feições de Drake através das chamas, ver as lágrimas correndo por sua face. E estava sorrindo, lhe dando aquele orgulhoso sorriso que tinha visto muitas vezes em sua vida para contá-los, o que significava sua morte.

     Drake estava a salvo. Tinha a espada de Kevin. Tudo tinha terminado.

     Helen deixou que a dor ganhasse. Deixou de lutar e deixou que as chamas a tivessem.

  

     Drake agarrou o corpo de Helen quando ela desmaiou. As mortais chama lambiam seu corpo o queimando, mas não se importou. Precisava sustentá-la.

     —Vai ficar boa, não é verdade? — Perguntou a Logan. A pele estava empolada[15] em algumas áreas, mas havia visto piores. Demônios, ele esteve pior. E Helen o salvou com seu sangue.

     —Deixe-me ver. —Disse Logan. Passou as elegantes mãos sobre o corpo dele, verificando o dano.

     Drake já não conseguia sequer se importar que outro homem a estivesse tocando. Estava muito agradecido de que tivesse sobrevivido.

     —Os ferimentos são superficiais, mas não deveria ter nenhum. — disse Logan. — O que saiu errado? Por que seus instintos não evitaram que o fogo a queimasse?

     Drake afastou os cabelos dela do rosto. Amava-a tanto que seu peito doía. Quase a perdeu.

     —Estava assustada. Possivelmente isso cortou seus instintos de autopreservação.

     —Não pensei que fosse capaz de chamar o fogo. — Logan colocou as mãos sobre o cocuruto de Hellen durante um longo tempo e então seus olhos se abriram surpresos. Engoliu com força, parecendo um pouco doente.

     —O quê? — Exigiu Drake

     Logan tinha o rosto muito pálido se suas mãos tremiam.

     —Está, uh… — a voz se desvaneceu, olhando para Helen em estado de choque.

     Pegou Logan pelo pescoço e lhe deu uma forte sacudida. A dor se estendeu por seu braço, mas a ignorou.

     —Ela o quê?

     —Está mudada.

     Drake sentiu uma nauseante sensação enchendo-o por completo. Os Sanguinar não falavam por falar.

     —Mudada como.

     —Essa visão que tinha… Era para protegê-la.

     —Do quê?

     —De transformar-se no que se supunha logo teria que ser, antes que estivesse preparada.

     —E o que se supunha que deveria ser? — Exigiu, sacudindo Logan outra vez para conseguir que se concentrasse. Outra vez, ignorou a dor que lhe custou a sacudida.

     Logan sacudiu a cabeça.

     —Uma arma contra os Synestryn.

     —Todos os Theronai são. — disse, desejando que o que Logan disse tivesse um pouco de sentido.

     —Não como ela.

     Este não era o momento para dar voltas nisso.

     —Apenas cure-a. Tome tanto sangue quanto necessitar e faça-a curar.

     Logan assentiu e voltou ao trabalho.

    

     Helen despertou. Só isso foi suficiente para mantê-la em silêncio.

     Estava na cama de Drake e ele a envolvia, sustentando-a como se nunca quisesse deixá-la ir. Era realmente agradável.

     A luz do sol entrava através das janelas, assim devia ter estado inconsciente poucas horas, mas ainda não podia acreditar que estivesse viva. Uma silenciosa sensação de alegria a aqueceu e sentiu algo que não tinha há muito tempo: esperança de um futuro.

     Um futuro com Drake, se tivesse sorte.

     —Está acordada. — Disse a ela em voz baixa.

     —Sim. — Isso saiu quase como um coaxar.

     Drake se moveu e a ergueu de modo que pudesse beber de uma taça que lhe oferecia. Sentia-se fraca, porém de forma alguma ferida, o qual era uma inesperada surpresa. Uma rápida olhada nos braços não lhe mostrou nada exceto a nova e rosada pele.

     —O que aconteceu? — Perguntou.

     —Queimou as kajmelas como o inferno. O fogo saiu um pouco do controle, mas Logan curou você deixando-a como nova.

     Havia uma estranha qualidade em sua voz que fez soar sinos de advertência em sua cabeça. Ergueu-se de modo que pudesse recostar-se contra a cabeceira e pôr bastante distancia entre eles para poder assim dar uma boa olhada em Drake.

     Parecia cansado, drenado, mas isso não era o que a tinha preocupado. Havia algo mais. Algo que recordava ter visto nele na primeira vez que se viram, um tipo de tensão pouco natural irradiava através de seu corpo. Dor.

     —Está ferido? — Perguntou.

     Vestia um comprido suéter de gola alta e jeans que ocultavam completamente seu corpo.

     Talvez tivesse se ferido e não queria que soubesse. Não podia pensar em outra razão para que vestisse tanta roupa em pleno verão.

     —Tenho algumas queimaduras. Logan se ocupou também de mim. Não se preocupe. —Dedicou a ela um cálido sorriso e beijou seu cocuruto.

     Estendeu-se para ele, tentando empurrar-se em sua cabeça para descobrir o que estava errado, mas bateu em um muro. Não podia sentir nada.

     A mão subiu a seu pescoço, que estava vazio.

     —Caiu.

     —Sim. Encontramos a espada, recorda?

     Sim, recordava, na mistura de acontecimentos de sua memória. Ele tinha sustentado o quente metal utilizando sua camiseta. Estava com seu belo peito nu e as folhas tinham caído de sua marca de vida igual a neve.

     Os olhos de Helen voltaram para seu peito, agora coberto com o algodão cinza. Isso é o que estava ocultando.

     —Tire a camiseta. — ordenou.

     Ele sorriu e piscou para ela, mas podia ver as sutis linhas de tensão ao redor de sua boca.

     —Está muito cansada para isso nesse momento. Apenas fique deitada e descanse.

     Estava cansada, mas não tanto para não lutar com ele por isso.

     —Tire a maldita camiseta e me deixe ver.

     Estirou para pegar a borda da camiseta, mas as mãos dele agarraram as suas e as manteve contra o duro abdômen. Seu rosto estava solene, os olhos obscurecidos pela dor.

     —Estou igual a antes de conhecê-la.

     Provavelmente também se sentia assim.

     —Sente dor.

     Deu de ombros como se não se importasse, mas ao menos não tinha mentido.

     Liberou uma mão antes que pudesse detê-la e procurou sob a gola de seu suéter em busca da luceria. Estava lá, ao redor de seu pescoço, escorregadia e quente pelo calor do corpo dele. A mão de Drake agarrou a sua afastando-a e a deixou, sentindo uma pesada sensação de perda.

     Helen olhou para o anel dele. Este parecia ter voltado a sua irisação[16] original, prata mesclada com muitas cores para contá-las. Não recordava dele, o que, por alguma razão, feria seus sentimentos.

     Mas não tanto quanto o fato de que Drake não querer que usasse outra vez sua luceria. Tinha enganado ele, obrigando-o a dormir e partiu sozinha atrás da espada de Kevin, mas havia feito isso para o seu próprio bem. Com certeza sabia disso. Não era tão estúpido.

     Houve um leve arrasto do outro lado da porta que se dirigia a seu quarto. Sibyl estava ali de pé, hoje vestida de rosa claro, carregando a boneca de olhos negros contra o peito.

     —Sibyl. — disse Drake, em tom de surpresa. — Não a esperava.

     —Ninguém o faz. — disse a menina. Olhou diretamente para Helen. — Temos que falar.

     —Estarei lá fora. —Drake começou a levantar-se, mas Sibyl o deteve com uma delicada mão.

     —Fique, Theronai.

     Helen sentiu Drake ficar tenso, mas voltou a colocar-se a seu lado, mantendo sua mão apertada.

     —O que está acontecendo?

     —Helen tem algumas perguntas para mim e quero me assegurar de ter tempo para respondê-las antes de ir.

     —Ir? —Perguntou Drake. — Aonde vai?

     —Isso não é importante. Helen? Suas perguntas?

     A horripilante moça tinha razão. Helen tinha algumas perguntas para fazer, só que não estava acordada a tempo suficiente para pensar nelas, até agora.

     —Disse que se eu não gostasse da visão de minha morte, deveria escolher outra. Também disse que minha visão não podia ser evitada.

     —E não foi.

     —Mas não era a visão de minha morte.

     —Não.

     —Por que não me disse isso?

     —Não me perguntou isso. Só me perguntou se era real, o que obviamente era. Também me perguntou se podia evitá-la, o que não podia.

     —Então por que não me disse que não ia morrer?

     —Porque se houvesse dito isso a você, teria morrido. Era sua aceitação, sua vontade de sacrificar sua própria vida por alguém mais, o que deu a força para você fazê-lo. Tinha que saber que era forte o bastante.

     —Bastante forte? Para quê? —Perguntou Drake.

     O braço de Sibyl se retesou ao redor da boneca por um momento, parecia igual a uma pequena menina assustada.

     —As coisas estão mudando e a Dama Cinza não será capaz de lutar com o que está se aproximando sem ajuda. O único suficientemente forte para vencer aos Synestryn é o amor e tinha que saber que Helen tinha esse tipo de poder em seu interior.

     —Amor? — Perguntou Drake, olhando para Helen com uma expressão de esperança.

     —Deveria dizer a ele. — disse Sibyl. — É inseguro e precisa ouvir as palavras.

     —Não sou inseguro. — Objetou, parecendo insultado.

     Sibyl girou os olhos azuis em desgosto e abandonou o quarto.

     —Assim… — perguntou com as sobrancelhas arqueadas. —Ela tem razão?

     Sibyl tinha razão. Estava inseguro a respeito de seu amor por ele, o que era tão adorável que teve que reprimir o sorriso.

     —Sim.

     —Então diga. — exigiu. Tornou-se agressivo e montou com uma perna em cada lado sobre o colo dela, observando-a com atenção.

     Helen pensou que era muito belo para expressar com palavras e tinha que tirá-lo de sua miséria.

     —Amo você, Drake.

     Ele deixou escapar um satisfeito sorriso.

     —Há um maldito tempo, eu também.

     —O que quer dizer, com há muito tempo? Conheci você há três dias.

     Inclinou-se para mais perto e pôde ver as faíscas douradas em seus olhos brilhando de felicidade.

     —Aconteceu um montão de coisas nestes três dias.

     —Mais que suficientes. — Aceitou.

     —Não quero que me deixe. Deixarei você ir se isso é o que quer, mas não quero que me deixe. Nunca. — Sussurrou as palavras como se o envergonhasse dizê-las em voz alta.

     —Não quero deixar você, Drake.

     —Porque me ama? —Insistiu ele.

     Assentiu. Tinha a sensação de que não ia render-se até conseguir que o dissesse novamente.

     —Porque o amo.

     —Não por compaixão, não é verdade?

     —Não. Como poderia me compadecer de alguém tão grande e másculo como você?

     —Condenadamente certo. —Disse. —Assim, quer usar outra vez minha luceria?

     A atitude casual quebrou seu coração porque sabia o quanto lhe custou isso. Estava dando a ela todas as oportunidades de afastá-lo sem remorsos, o que só fazia que o amasse ainda mais.

     —Usá-la-ei.

     Drake deu um suspiro aliviado e tirou a camiseta.

     Uma solitária folha pendurava da árvore e estava enrugada e seca, mal pendurando no ramo. Não era estranho que tivesse tido tanta dor. Estava muito pior que quando o conheceu.

     Conteve a respiração e estirou a mão para ele.

     —OH, Drake.

     —Nada de lástima. —Grunhiu para ela. — Recorda.

     Helen mordeu o lábio inferior para evitar que tremesse.

     —Nada de lástima. Só amor.

     Estirou-se e desejou que a luceria deslizasse. A faixa deslizou do pescoço dele e caiu em sua mão. Estendeu-a e ele a colheu com mãos trêmulas.

     —Assim, que promessa farei desta vez? — Perguntou ela.

     —Isso só incumbe a você. Aceitarei o que possa conseguir e tentarei não pedir nada mais. Juro.

     Helen levantou os cabelos.

     —De acordo, então prometo usar a luceria e lutar ao seu lado até que o último dos Synestryn se for.

     —Mas isso pode ser para sempre. E você é uma de nós. Agora vai viver por séculos, assim ficará comigo realmente um longo tempo.

     —Esse é o ponto. A menos que acredite que se cansará de mim.

     —Diabos, não. Amo você, Helen. E já é muito tarde para retirar sua palavra. É minha. —Fechou o colar ao redor de sua garganta e ela acolheu com satisfação o peso uma vez mais.

     Uma rajada de sensações girou em seu interior, mas todas elas eram boas, assustadoras em sua intensidade, mas boas. Amor por Drake, esperança para seu futuro, resolução por mantê-la a salvo e a seu lado para sempre.

     Grunhiu e puxou-a para beijá-la. Helen se fundiu a ele, assombrada uma vez mais com sua boa sorte. Não só tinha obtido uma nova vida, a passaria com Drake. Era a mulher mais afortunada do mundo.

     Drake se separou o suficiente para sorrir para ela com aquele sexy brilho nos olhos castanhos.

     —Mostrarei a você o quanto é afortunada.

     E começou a fazer exatamente isso.

    

   Canaranth tentou não mostrar nenhum sinal de temor enquanto estava de pé ante a gigante escrivaninha de pedra de seu amo.

     A superfície negra brilhava pela resplandecente luz das velas do escritório do Senhor Synestryn.

     Seu mestre, Zillah, juntou os pálidos dedos. Aquelas mãos pareciam quase humanas, só que ligeiramente mais longa e com unhas muito escuras. O rosto de Zillah também tinha um aspecto muito humano. Podia sair em público usando apenas um chapéu que sombreasse seu rosto e ninguém saberia que não encaixava entre a aglomeração.

     Canaranth nem sequer necessitava do chapéu. Desde que ninguém visse seus olhos, pensariam que era completamente humano. Tinha sido muito útil em mais de uma ocasião, e aquela noite não foi à exceção.

     —Encontraram a espada Sentinela, senhor. — disse Canaranth. Estava orgulhoso de que sua voz não vacilasse de forma alguma. —Foi uma excelente distração.

     Zillah se recostou em sua poltrona de couro, sorrindo. Seus afiados dentes brilharam a luz das velas.

     —O sangue puro?

     —Está no térreo com os outros. Ainda é suficientemente jovem para que haja tempo de trocá-la apropriadamente.

     —E os Sentinelas?

     —Estão congregando-se em seu recinto, preparando-se para nosso ataque, como planejou. Nenhum deles estava cuidando de sua casa e seus pais não causaram problemas. Duvido que os Sentinelas sequer saibam que existe.

     —Manteremos isso dessa maneira.

     —E a espada? —Perguntou Canaranth.

     —Deixemos que a tenham. A garota vale a perda da espada. — Zillah sorriu, deixando descoberto mais de seus dentes afiados. — Nos dará belas crianças.

 

[1] Deboche lembrando os filmes de Rambo.

[2] Emular – ter emulação com; competir, igualar. (Aurélio)

[3] AARP : American Associatino of Retired Persons. Organização sem fins lucrativos dos EUA que ajuda as pessoas de mais de 50 anos a melhorarem a qualidade de vida.

[4] Sangue puro

[5] Broody – melancólico.

[6] Iridescente – que apresenta ou reflete as cores do arco-íris. (Aurélio)

[7] Conjunto de colar e anel que usavam os Sentinelas

[8] Luxurilândia – palavra inventada pela autora, significando a Terra da luxúria.

[9] Gritante – diz-se de cores muito vivas. (Aurélio)

[10] Exoesqueletos – esqueleto córneo que reveste os corpo de todos os artrópodes. (Aurélio)

[11] Esfumado – desaparecer pouco a pouco. (Aurélio)

[12] Asa do nariz – contribui para formar a face externa de cada narina. (Aurélio)

[13] ID - identificação

[14] Antolhos – peças que se põem ao lado dos olhos das cavalgaduras para que olhem só para a frente.

[15] Empolada – cheia de empolas.

   Empolas – bolha na pele, cheia de cerosidade; vesícula.

[16] Irisar – das cores do arco-íris a, ou toma-las; martilizar(se). (Aurélio)

 

                                                                                            Shannon K. Butcher  

 

                      

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