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Arquivo X - ASSASSINO IMORTAL
Arquivo X - ASSASSINO IMORTAL

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Arquivo X

ASSASSINO IMORTAL

 

Sete e meia. Enquanto os últimos raios vermelhos do pôr-do-sol rasgavam os céus de Baltimore, multidões de trabalhadores acotovelavam-se nas ruas, procurando voltar depressa para casa, antes que a noite caísse.

Todos, menos George Usher, um homem de negócios de meia-idade, que voltava para o escritório, pronto para uma longa noite de trabalho, só que não estava muito contente com isso.

Quando saiu do elevador, no décimo quinto andar do prédio comercial, Usher suspirou. Cubículos vazios, longos e silenciosos corredores, com uma ou outra luz vermelha indicando as saídas de emergência, que emprestavam um brilho lúgubre no meio da reduzida claridade do começo da noite.

Era uma sensação diferente estar no escritório à noite. Arrepiante. "A segurança é perfeita", lembrou Usher para acalmar-se. "Não entra ninguém que não trabalhe no edifício”. Mesmo assim, estava com uma sensação muito estranha.

Usher foi para sua sala, acendeu a luz e discou um número no telefone. Uma secretária eletrônica respondeu, com a voz de sua mulher pedindo que deixasse o recado depois do sinal.

— Oi, querida — ele disse —, são umas sete e meia, e acho que vou ficar por aqui um bom tempo ainda. A reunião não correu muito bem. Ligue pra mim. Eu te amo. Tchau.

Usher desligou e fixou o olhar no corredor escuro, na frente da porta de sua sala. De repente, sentiu um calafrio, era medo.

"Café", pensou ele, "uma boa xícara de café ajuda." Apanhou sua caneca de porcelana e foi para a máquina de café que ficava do outro lado do escritório. Andando pelo corredor, foi passando por inúmeras salas vazias.

No entanto, a sua sala não estava vazia.

No mesmo instante em que ele saiu, um barulhinho quase inaudível rompeu o silêncio. No alto da parede oposta à mesa de Usher, a grade de metal da passagem de ar condicionado moveu-se, menos de meio centímetro. Os dois parafusos que seguravam a grade começaram a girar. Primeiro o da direita, depois o da esquerda. Aí, bem devagar, longos e finos dedos apareceram pelas fendas da grade e a empurraram para o lado.

Usher tomou o caminho de volta pelo corredor, com a caneca cheia de café feito pela manhã. Parou ao chegar diante da porta de sua sala; era capaz de jurar que tinha deixado a luz acesa lá dentro.

Entrou na sala escura, tateando em busca da luminária que havia sobre sua mesa. Nesse momento a porta fechou-se com uma força fora do comum, e Usher de repente percebeu que não estava sozinho.

Apavorado, correu para a porta, agarrou a maçaneta e fez força para abrir. Mas alguém — ou alguma coisa — o estava segurando.

Usher ficou desesperado, lutou para livrar-se das mãos do estranho e conseguiu escapar. Rolou o corpo sobre a mesa, mas logo sentiu duas mãos muito fortes apertando-lhe a garganta. Não conseguia respirar nem gritar, quando seu corpo foi erguido no ar por aquela força inumana.

Por uma fração de segundos, aquelas mãos afastaram-se de sua garganta, o tempo suficiente para o grito aterrorizado de Usher explodir pelo escritório, no momento em que seu corpo foi arremessado violentamente contra a porta, que não resistiu e se quebrou.

E então fez-se o mais completo silêncio.

Uma hora mais tarde a sala de George Usher estava envolta pela luz fria e branca do luar. O café derramado de sua caneca tombada esparramou-se pelo carpete, que já estava encharcado de sangue. Seu corpo sem vida jazia ali perto.

Diretamente acima do cadáver, um dos parafusos da grade da passagem de ar condicionado começou a girar. Alguma coisa do lado de dentro da tubulação estava aparafusando a grade de novo no lugar. Devagar. Vitoriosamente.

 

O brilho do sol esparramou-se através das janelas de um edifício no centro de Washington D.C. A agente especial do FBI Dana Scully estava almoçando com Tom Colton no átrio de um restaurante.

Para Scully aquele era o intervalo de descanso em um dia de muita atividade. O varandão daquele restaurante era um dos seus prediletos. E Tom era um velho amigo, desde os tempos em que ambos tinham freqüentado a Academia de Quântico, centro de treinamento do FBI.

Fazia tempo que os dois agentes não se encontravam, mas Colton estava exatamente do jeito que ela lembrava: bonito, inteligente e cheio de autoconfiança. Ele sempre tinha gostado de gravatas espalhafatosas, e a que estava usando não fugia à regra: era preta, com enormes bolas brancas. Ele ainda falava rápido, em voz baixa, dando às palavras um tom de urgência. Mas, naquele momento, Colton só estava contando a Scully algumas fofocas.

— Adivinhe quem foi que encontrei noutro dia, e que estudou com a gente em Quântico? — perguntou ele — Marty Neil.

Scully riu.

— J. Edgar Júnior? — perguntou ela.

  1. Edgar Hoover havia sido diretor do FBI durante quase cinqüenta anos, até 1972. Marty Neil, que estudara com eles dois, queria fazer uma carreira igual à de Hoover. Mas Neil não tinha metade da esperteza de Hoover, embora fosse tão paranóico quanto o antigo diretor.

— Neil acaba de ser promovido — comunicou Colton. — Vai trabalhar no Departamento de Contra-Inteligência Estrangeira, na Divisão local de Nova York. Agente Especial Supervisor.

— Supervisor? — ecoou Scully, surpresa — Mas só faz dois anos que ele saiu da Academia! Como foi que conseguiu isso?

Colton forçou o riso e respondeu:

— Teve a sorte de estar na equipe que investigou a explosão no World Trade Center. Um crime importante, que foi solucionado rapidamente.

— Que bom para o Marty — disse Dana.

Scully procurou afastar uma leve sensação de inveja. Ultimamente sua carreira não parecia ser muito promissora. Ela era formada em Astronomia e tinha diploma de Medicina, além de estudos avançados de Física. Na época em que fazia seus estudos de Física, ingressara no FBI. Tinha ido muito bem em Quântico, tão bem que lhe pediram que ficasse como instrutora. E foi assim que recebeu a missão em que estava. O chefe de seção Bevins a havia escalado para trabalhar com Fox Mulder, um agente especializado em investigar casos que ninguém mais queria pegar.

— Sai dessa, Dana — a voz de Colton interrompeu seus pensamentos. — Marty Neil é um bobalhão. E veja onde ele chegou. É onde nós devíamos estar.

Scully olhou bem para seu colega. Ela sabia que Colton não estava tão mal como queria fazer parecer.

— Brad Wilson me contou que o trabalho que você fez, no caso do assassino da Encruzilhada de Washington, o levou direto ao suspeito — disse ela. — Todo mundo diz que você está na linha de frente da Seção de Crimes Violentos.

Colton deu de ombros, como se não fosse grande coisa. Mas Scully sabia que ele estava contente com a fama. Colton sempre tinha sido ambicioso. O progresso rápido era muito importante para ele.

— E você, como vai indo? — perguntou Colton. — Teve algum contato imediato do terceiro grau?

Scully não permitiu que a provocação a incomodasse. Ela sabia que Tom estava brincando. Além do mais, não podia impedi-lo de achar que a missão dela era estranha. Porque era.

— É isso que todo mundo pensa que eu faço? — perguntou ela. — Que ando tendo contatos imediatos?

— Não, não. Claro que não — protestou Colton. — Mas você trabalha com Mulder, o Estranho.

Todos sabiam que o parceiro de Scully, Fox Mulder, era um excelente agente. Tinha-se formado cum lauda em Psicologia, em Harvard e em Oxford. E também era dotado de memória fotográfica. Scully jamais conhecera alguém mais afiado para analisar um caso. Mas Mulder era mais conhecido pelo seu interesse em fenômenos inexplicáveis. Ele acreditava em coisas como ovnis e seres alienígenas. E tinha dedicado sua vida a investigar esses fenômenos.

— Talvez as idéias de Mulder estejam um pouco por fora — admitiu Scully —. Mas ele é um grande agente.

Colton mordeu o seu sanduíche e suspirou:

— Bom, eu tenho um caso fora do comum — disse ele, demonstrando preocupação. — O Departamento de Polícia de Baltimore pediu nossa ajuda para resolver um caso de assassinatos em série. Três mortes. Tudo começou há um mês e meio, com vítimas de idades, sexo e raça variados. Não se encontrou qualquer conexão entre esses casos.

Scully tomou um gole de seu chá e perguntou:

— Imagino que deva haver um padrão comum a esses três crimes.

— É o ponto de entrada do assassino — respondeu Colton —. Na verdade, não se encontrou o ponto de entrada.

— Como é que é? — perguntou Scully.

— Uma das vítimas — explicou Colton — era uma estudante universitária. Foi assassinada em seu quarto, no dormitório da escola. Quando o corpo foi encontrado, as janelas estavam fechadas e a porta trancada por dentro. Ninguém conseguiu descobrir como o assassino entrou. Nem como saiu.

Scully deu toda a sua atenção às palavras de Colton.

— O caso mais recente foi há dois dias, num edifício de segurança total. Nada fora do comum nos monitores de TV da segurança. Foi depois do horário comercial. O sujeito deixou o carro na garagem e tomou o elevador para o décimo quinto andar. Estava voltando ao escritório para trabalhar à noite, entrou e não saiu mais.

— Não poderiam ter sido suicídios? — perguntou Scully. Colton balançou a cabeça, numa negativa. Com todo o cuidado ele tirou uma foto da pasta e passou-a a Scully.

Os olhos de Dana se arregalaram quando viu a fotografia da cena do crime.

— O fígado de todas as vítimas foi removido — explicou Colton.

— Sem ferramentas.

— Quer dizer que o assassino só usou as mãos? — perguntou Scully, boquiaberta. Sua mente procurava por uma explicação racional.

— Ele tinha de ter uma faca ou um bisturi...

Colton interrompeu-a, balançando a cabeça:

— Eu sei que parece impossível, mas foi isso mesmo. Nenhuma ferramenta de corte. Não dá nem para imaginar como foi que o assassino conseguiu fazer tal coisa.

— Parece-me um autêntico Arquivo X.

"Arquivo X" era o nome que o FBI dava aos casos envolvendo acontecimentos estranhos e fenômenos inexplicáveis. Arquivo X era a especialidade de Fox Mulder.

— Vamos mais devagar, menina — advertiu Colton. — Quem vai resolver esses assassinatos sou eu. Não vou passar coisa alguma para Mulder. Só quero que você me ajude a estudar cada um dos casos. Vamos agora até a cena do crime, fica a apenas meia-hora de sua casa.

Scully olhou para ele com ar de interrogação.

— Se é você quem vai solucionar esses mistérios, por que quer que eu o ajude?

Colton evitou o olhar dela, enquanto respondia:

— Talvez por causa dos casos que tem investigado ultimamente... Vai ver as coisas por um ângulo diferente do meu.

Scully ouviu calada. Colton achava que havia alguma coisa estranha no trabalho com os Arquivos X. Ele queria ter a certeza de que, mesmo não sendo um caso estranho, poderia contar com a experiência dela. Mas, se realmente quisesse alguém que entendesse muito sobre os Arquivos X, também precisaria do parceiro dela.

— Quer que eu peça ao Mulder para ajudar? — perguntou Scully. Colton franziu a testa.

— Se Mulder quiser te fazer um favor, tudo bem — disse ele. — Mas é bom ele ficar sabendo que o caso é meu.

Scully examinou a foto uma vez mais. Tinha certeza de que se tratava de um autêntico Arquivo X.

— Dana — disse Colton —, se eu conseguir solucionar um caso como este... eu é que vou subir alguns degraus. E você...

Scully arregalou os olhos para ele:

— Eu o quê?

Colton desviou o olhar ao responder:

— Vão parar de chamar você de "Dona Estranha".

Scully ficou absolutamente imóvel, enquanto Colton apanhava a conta e deixava a mesa. Aquela observação a havia machucado, e estava claro que Colton sabia disso perfeitamente.

 

Na manhã seguinte Scully fez o que Colton lhe havia pedido. Em vez de ir direto para a sede do FBI, ela parou fio edifício onde George Usher trabalhava e estacionou o carro na garagem do porão do prédio. Olhou para os monitores de TV colocados no forro. De fato era um edifício de segurança total.

Ainda era cedo, pouco mais de sete-horas. Scully deixou o elevador no décimo quinto andar. O escritório estava vazio... exceto por uma pessoa: Fox Mulder. Scully tinha pensado muito depois de seu almoço com Colton, e decidira contar a Mulder sobre aquele caso. Tinha muito jeito de Arquivo X, e ela não queria deixar Mulder de fora.

Mulder estava na sala de Usher e espalhava seu kit de medicina legal sobre a mesa. Havia tirado o paletó e arregaçara as mangas da camisa. Numa das mãos vestia uma luva de látex, e pelo jeito fazia algum tempo que estava trabalhando ali.

— Bom dia — disse a Scully.

Fox Mulder era surpreendentemente jovem, considerando toda a experiência que tinha como agente. Era um homem alto e magro, de cabelos mais longos do que o usual para um agente do FBI. Scully percebia alguma coisa na aparência de Mulder que enganava as pessoas. Isso porque seu rosto parecia inocente demais, quase infantil, mas só até alguém encontrar os seus olhos castanho-claros. Nesse momento, qualquer um sentia que Fox Mulder já vira muita coisa neste mundo. E ele mostrava isso.

Scully respondeu a Mulder com um movimento da cabeça. Estava contente por Colton não ter chegado, pois lhe dava a chance de fazer suas próprias anotações na cena do crime. Ela examinou a sala com o olhar treinado.

O corpo de Usher tinha sido removido, mas a sala ainda estava na maior bagunça. A mesa do segurança parecia ter sido cena de um furacão. Sobre o tampo da mesa viam-se lápis, canetas e pastas de arquivo espalhados. A foto de uma mulher, provavelmente sua esposa, tinha sido derrubada. Também estavam caídas uma luminária de mesa e uma caneca de café de porcelana.

E havia manchas de sangue por toda parte: sobre os papéis em cima da mesa, na cadeira, no tapete e nas paredes.

Só havia um cantinho arrumado naquela sala: o lugar onde Mulder tinha colocado o seu kit de medicina legal. O pó de talco para coleta de impressões digitais, as lâminas e tesouras, tudo cuidadosamente arranjado ali.

Mulder também examinou a sala ensangüentada. Então, seu olhar voltou a cair sobre a parceira.

— Bom... como foi que eles não me chamaram? — perguntou a Scully.

Ela ficou calada. Mulder esperou pacientemente pela resposta, enquanto enfiava a mão no bolso em busca de sementes de girassol.

— São amigos meus da Academia — disse finalmente Scully. Estava procurando as palavras certas. — Acho que eles se sentiram mais à vontade falando comigo.

— E por que eu os deixaria pouco à vontade?

Scully tinha um olhar de incerteza. Então, como sempre, decidiu que o melhor era dizer a verdade.

— Deve ser por causa de sua... fama.

— Fama? — repetiu ele, confuso. — Quer dizer que eu tenho fama? Mulder agia deliberadamente, tornando as coisas difíceis para Scully. E ela sabia disso, tanto que se impacientou e disse:

— Olhe, Colton faz tudo de acordo com o manual, e você não. Eles acham que os seus métodos, as suas teorias são...

— Estranhas? — adivinhou Mulder. Tinha nos lábios um sorriso divertido, mas o olhar era sério, quando ele perguntou: — E você? Também acha que eu sou... estranho?

Scully ficou parada, perguntando a si mesma se Mulder merecia uma resposta direta. Sabia que estava sendo testada, porque fazia pouco tempo que os dois trabalhavam juntos. E Mulder sabia que, a princípio, Scully tinha sido mandada para espioná-lo. O FBI queria uma boa desculpa para poder fechar de uma vez por todos os Arquivos X. Mas Scully era uma garota de mente aberta. Embora nem sempre concordasse com as teorias de Mulder, respeitava os métodos dele. Dissera a verdade aos seus chefes: que Mulder era um excelente agente e que os casos que ele investigava eram reais. Mas agora achava que já era tempo de Mulder confiar nela.

Scully não chegou a responder a essa pergunta de Mulder porque, naquele momento, Tom Colton entrou na sala.

— Dana, desculpe o meu atraso — disse ele.

— Tudo bem, também acabamos de chegar — respondeu Scully. — Este é Fox Mulder. Mulder, Tom Colton.

Os dois homens apertaram-se as mãos.

— Então, Mulder — disse Colton, em tom de zombaria —, o que pensa disso tudo? Acha que foram os homenzinhos verdes?

Scully olhou com pena para Mulder.

— Cinzentos — respondeu Mulder, com a maior seriedade.

— O quê? — perguntou Colton.

— Cinzentos — explicou Mulder. — Você falou de "homenzinhos verdes", acontece que a pele dos reticulianos é cinzenta. Sabe-se que eles gostam de extrair fígados humanos por causa da falta de ferro na galáxia reticuliana.

Scully chegou a desejar que Mulder não fizesse aquilo, por mais que Colton merecesse. Ela sabia que Colton tinha preconceitos contra Mulder e agora ele só estava tornando as coisas piores.

Colton parecia confuso, como se não soubesse se Mulder estava brincando ou não, e arriscou:

— Não está falando sério, está?

— Por acaso você sabe quanto valem os fígados e as cebolas em Reticulum? — perguntou Mulder. E, antes que Colton pudesse responder, pediu licença e continuou examinando a cena do crime.

O rosto de Colton ficou vermelho de vergonha. Olhou zangado para Mulder e se afastou para o outro lado da sala. Scully suspirou e foi atrás de Colton, pensando que talvez não fosse tarde demais para colocar panos quentes nas relações entre os dois agentes.

Mulder não deu atenção à conversa entre Scully e Colton, continuando a fazer sua investigação na sala de Usher e procurando nos cantos vivos da mesa por quaisquer fibras que pudessem ter sido arrancadas das roupas do assassino.

Enfiando a mão no bolso, em busca de mais sementes de girassol, Mulder dirigiu-se à janela. Cuidadosamente, foi procurar por pontos de entrada. Não se mostrou muito surpreso ao não encontrar. Depois, caminhou ao longo das paredes do aposento. Buscava qualquer coisa que o assassino pudesse ter deixado cair, ou algo em que pudesse ter tocado. Resumindo, qualquer prova que pudesse levá-los a um suspeito do crime. Mulder parou quando viu alguma coisa brilhando sobre o carpete. Ajoelhou-se e apertou de leve o dedo indicador sobre o carpete. Havia alguma coisa ali, limalhas muito finas de metal prateado.

Usando um par de pinças, Mulder apanhou-as e levantou-as contra a luz. Ficou pensativo por um momento e depois ergueu o olhar. Na parte mais alta da parede estava a grade de metal que servia de tampa para a entrada de ar condicionado do escritório.

Mulder levantou-se e foi direto para o seu kit de medicina legal. Apanhou o pó de talco, a fita adesiva para gravar impressões digitais e o pincel. Esfregou o pincel rapidamente entre as duas mãos, para limpar os pêlos, e começou a pincelar o pó de talco em toda a área ao redor da grade de metal.

Isso chamou a atenção de Colton.

— Que diabo ele está fazendo? — perguntou a Scully, em tom desconfiado.

Mulder fez que não ouviu. Toda a sua atenção estava no pincel, esperando que pudesse colher impressões digitais bem claras. Colton não acreditava no que via.

— Aquela passagem não tem mais de trinta centímetros de largura — disse ele a Mulder. — Mesmo que um reticuliano conseguisse passar, a grade que serve de tampa está aparafusada no lugar!

Mulder ignorou Colton e continuou a esfregar o pincel ao longo da grade de metal. Pouco a pouco, uma impressão digital começou a aparecer, longa e estreita. Tinha algumas das qualidades de uma impressão digital humana, mas não era humana.

Mulder continuou calado, mas os seus olhos se arregalaram de assombro. Ele já vira aquelas impressões antes.

 

Scully puxou uma cadeira para sentar-se ao lado de Mulder, no pequeno escritório que ele ocupava, no porão do prédio-sede do FBI. Como sempre, a pequena sala estava cheia de montanhas de livros e papéis. O quadro de avisos de Mulder estava coberto de fotos de objetos embaçados. Talvez fossem ovnis, talvez não, Scully não sabia. Mas a atitude de Mulder em relação ao seu trabalho era clara, a julgar pelo pôster que havia na parede, e onde se lia EU QUERO ACREDITAR.

Scully fez que não viu uma enorme pilha de relatórios que ameaçava desabar ao chão. Concentrou sua atenção nos slides que Mulder lhe mostrava. Eram seis, e ela não sabia do que se tratava, cada um deles mostrando uma impressão digital alongada. Eram marcas finas e longas demais para serem humanas.

Mulder apontou para um dos slides e comentou:

— Esta é a impressão que eu tirei ontem, do escritório de Usher. As outras são dos Arquivos X.

— Sobre quantos assassinatos estamos falando? — perguntou Scully, surpresa.

— Onze, contando com Usher — respondeu Mulder. — Onze assassinados antes dele, e todos na região de Baltimore. Em nenhum desses casos se sabe como foi que o assassino entrou. Todas as vítimas foram mortas do mesmo modo. Estas impressões — ele colocou cinco slides lado a lado — vieram de cinco daquelas outras dez cenas de crimes.

— Dez outros assassinatos? — Scully ainda não acreditava. — Colton nunca falou nada...

— Duvido que ele esteja a par — disse Mulder. E apontou para três dos slides. — Estas três impressões foram tiradas em 1963, cinco anos antes de Colton ter nascido. E estas duas foram tiradas em 1933.

Scully arregalou os olhos e perguntou:

— Está me dizendo que o mesmo assassino esteve agindo há trinta anos, e também há sessenta anos?

       — E há noventa anos — disse Mulder. — Infelizmente não temos as impressões desse caso. A técnica de levantamento de impressões digitais só começou a ser usada em 1903, e os registros policiais tampouco eram completos naquela época. Mas é sabido que houve pelo menos um assassinato semelhante há noventa anos.

       — Claro! — exclamou Scully com um ar sarcástico. — "É só deixar tudo por conta de Mulder", pensou ela, "que ele vem com uma história completamente inacreditável."

       Mulder ignorou o tom de voz dela e começou a somar as provas que tinha, dizendo:

       — Cinco assassinatos a cada trinta anos. Significa que ele ainda tem de matar mais duas pessoas este ano.

       Scully levantou e afastou-se de seu parceiro.

       "Tem de haver uma explicação mais lógica", pensou ela. Ela era uma cientista, uma médica. Não podia acreditar... Ela parou. Talvez não tivesse compreendido Mulder.

       — Está me dizendo que o assassino é um imitador? — perguntou ela. — Alguém que sabe dos crimes de antigamente e está copiando o mesmo modo de agir?

       Mulder girou sua poltrona para ficar de frente para ela.

       — O que foi que aprendemos no nosso primeiro dia na Academia, Scully? — perguntou ele, com zombaria na voz. — Toda impressão digital é única. E estas são absolutamente idênticas.

       Scully ouviu com atenção. Ela sabia onde Mulder queria chegar. Uma coisa era ele ter suas idéias malucas, outra era esperar que ela acreditasse nelas.

       — Por acaso está sugerindo que eu vá à Seção de Crimes Violentos e diga a eles que esses assassinatos foram cometidos por... um alienígena? — perguntou ela.

       — Claro que não — respondeu Mulder, sem demonstrar emoção alguma. — Ainda não encontrei nenhuma prova do envolvimento de alienígenas.

       Scully arregalou os olhos e perguntou:

       — Então o que é? Acha que isso é obra de um assassino de 100 anos, capaz de dominar um saudável homem de negócios de dois metros de altura?

Mulder riu para ela e disse:

       — E seria fácil encontrar um sujeito desses em qualquer multidão, com dedos de vinte e cinco centímetros de comprimento.

       — Mulder, se você acha que isso é brincadeira...

       — Os Arquivos X investigam crimes não solucionados, que compreendem fenômenos inexplicáveis — lembrou Mulder. — Este caso deveria ser nosso. E estou falando sério.

       — O caso é de Colton — afirmou Scully.

       Mulder estendeu um arquivo amarelado na direção dela e disse:

       — O Arquivo X data de 1903. Era nosso antes.

       Scully suspirou. Ela não queria ofender Mulder, mas às vezes ele era tão teimoso que não lhe restava alternativa.

       — Mulder — disse ela com educação —, eles não querem ver você envolvido, não querem ouvir as suas teorias. Foi por isso que o chefe Bevins colocou você escondido aqui no porão.

       Mulder não parecia estar ofendido com isso.

       — Você está aqui também — disse ele, rindo.

       Scully deixou o corpo afundar na poltrona, sentindo-se cansada daquela discussão. Não seria ele capaz de aceitar um não como resposta? Mulder veio para o lado dela e sugeriu:

       — Poderíamos fazer o seguinte: Colton e seu grupo realizam sua investigação e nós fazemos a nossa. E os dois não precisam nem se encontrar. Concorda?

       Scully olhou para ele, sem poder responder. E sem poder recusar.

       O relógio marcava 22:00. Scully estava sentada sozinha em seu apartamento, de olhos pregados na tela do computador. Espalhadas sobre a mesa estavam suas anotações sobre o caso. Ela havia estudado as provas encontradas no escritório de Usher e tinha lido as pastas do Arquivo X que Mulder lhe dera. Agora estava preparando um perfil do assassino.

       Uma vez mais levou em consideração a teoria de Mulder, mas decidiu ficar com sua teoria.

       "Depois de um cuidadoso exame da forte e violenta natureza desses assassinatos", escreveu ela, "acredito que o assassino é do sexo masculino e tem entre 25 e 35 anos. Tem uma inteligência acima da média. Seu método de entrar ainda não foi determinado. Isso pode ser resultado de seu superior conhecimento da estrutura interna dos edifícios e dos dutos de ar condicionado".

       Scully olhou para a planta do edifício comercial onde ficava o escritório de Usher e continuou escrevendo: "Ou ele pode, na verdade, esconder-se à vista de todos. Por exemplo, pode estar fazendo-se passar por entregador ou operário de manutenção. As testemunhas em geral não prestam atenção nesses profissionais. Seus uniformes muitas vezes os tornam invisíveis para os observadores casuais".

       Uma vez mais Scully estudou o slide da impressão digital alongada. Acabou por colocar a foto de novo sobre a mesa, sentindo-se frustrada. Não conseguia encontrar explicação para aquela estranha marca, nem pretendia tentar. Em vez disso, preferiu tratar de outro aspecto dos assassinatos.

       "A remoção do fígado parece ser o mais importante aspecto destes crimes. O fígado possui qualidades de restauração. Serve para limpar o sangue..."

       Na manhã seguinte Scully apresentou seu relatório à Seção de Crimes Violentos. Sabia que era importante ter uma aparência profissional e se mostrar segura de si mesma. Não pretendia mencionar as estranhas teorias de Mulder, nem as suas próprias dúvidas. Diante dela, do outro lado da mesa da sala de conferências, estavam Colton e seu chefe, O agente Fuller, ouvindo com atenção.

       Com toda a calma Scully explicou a teoria que tinha para o fato de o assassino ter arrancado o fígado das vítimas.

       — Ao pegar esse troféu, o assassino acredita que está limpando a sí mesmo de suas impurezas — disse ela. — Acho que ele está agindo de acordo com a forma clássica de comportamento obsessivo-compulsivo.

       Vários dos agentes presentes balançaram a cabeça negativamente.

       — Como as vítimas não tinham parentesco entre si — continuou Scully —, não podemos prever quem será o próximo alvo. Portanto, temos de usar o fato de os assassinos em série nem sempre serem bem-su-cedidos em encontrar uma vítima. Quando isso acontece, o assassino pode retornar, frustrado, para o local do crime anterior.

       — E por que ele faria isso? — perguntou um agente de cabelos bastante ralos.

       — Estaria tentando recapturar o embalo emocional do último crime — explicou Scully.      — Portanto, acho que nosso melhor plano de ação é manter guarda sobre os lugares onde ele já agiu.

       O agente Fuller levantou-se.

       — Bom trabalho, agente Scully — disse ele, e se voltou para os agentes que tinha sob seu comando: — Se ninguém fizer objeção eu sugiro que comecemos a campana nessas cenas de assassinatos já a partir dista noite. Estaremos procurando por um homem, entre 25 e 35 anos. Talvez esteja usando uniforme da companhia de gás, do correio ou coisa assim — então Fuller se dirigiu de novo a Scully: — Se você não se importar com as horas extras, pode juntar-se a nós. Isto é, se não tiver problema em trabalhar numa área um pouco menos teórica.

       Scully forçou um sorriso, enquanto os outros agentes riam da piada sem graça de Fuller. Ela sabia que Mulder tampouco ia achar aquilo engraçado.

 

       Três dias depois Scully estacionou seu carro outra vez na garagem de segurança máxima, no porão do edifício comercial onde George Usher tinha sido assassinado. A Seção de Crimes Violentos tinha aceito sua recomendação. Os agentes estavam realizando campanas nas cenas de todos os assassinatos anteriores. Scully tinha-se apresentado como voluntária para aquele local. Colocou um pequeno par de fones de ouvido e preparou-se para esperar.

       Embora mal tivesse acabado de anoitecer, a garagem estava deser-ta. Scully ficou imaginando se as pessoas estavam saindo cedo do trabalho por causa do assassinato de Usher.

       — Posto dez, fazendo checagem de rádio — disse uma voz nos fones de ouvido.

— Posição dez, ouvindo bem — sussurrou Scully. Seus olhos percorreram toda a área, tentando identificar todas as sombras. A garagem era mal iluminada. O silêncio ensurdecedor. Ela começou um segundo exame visual de toda a área. Nada. Foi então que ouviu passos. Não estava sozinha ali.

       Devagar, e em silêncio, Scully desceu do carro, sacou o revólver e apontou a lanterna para o lugar de onde viera o barulho.

       Os passos pararam. Scully viu a luz da lanterna brilhando no pi-so manchado de graxa, virou o facho para as enormes colunas de con-creto, mas não viu coisa alguma, além da garagem vasta e vazia.

       Aí ouviu os passos de novo. Alguém caminhava a passos rápidos e decididos, e esse alguém vinha em sua direção.

       De costas viradas para a parede, Scully moveu-se na direção do som, que estava chegando perto. Quem quer que fosse que estivesse na garagem com ela se encontrava do outro lado daquela parede.

       Scully colocou a lanterna na cintura das calças, virou-se rapidamente para o outro lado da parede, com as duas mãos segurando firmemente a arma. Apontou bem na sua frente... diretamente no peito de Mulder.

       Seu parceiro ergueu as mãos, entregando-se.

       — Não atiraria num homem desarmado, não? — disse ele, em tom de zombaria.

       Scully olhou para ele com uma expressão de desaprovação e colocou a arma de volta no coldre.

       — Mulder! — sussurrou ela. — O que está fazendo aqui?

       — Ele não vai voltar aqui — afirmou ele, ignorando a pergunta. — Nosso suspeito gosta do desafio de entrar onde parece ser impossível. Se você tivesse lido o Arquivo X sobre este caso, teria chegado à mesma conclusão.

       — Você está atrapalhando a minha campana — informou Scully, com raiva na voz. Estava trabalhando para a Seção de Crimes Violentos agora, e Mulder não tinha o direito de se meter. E não tinha o direito de lhe dizer que suas teorias estavam erradas.

       O agente estendeu a mão para ela, com a palma virada para cima, e perguntou, com doçura na voz:

       — Quer uma semente de girassol? Scully deu-lhe as costas, fervendo de raiva.

       — Está perdendo seu tempo — disse Mulder. — Eu vou para casa. Ele ficou observando-a enquanto ela voltava para seu carro, para desaparecer no meio da escuridão.

       Mas Mulder não foi para casa. Estava intrigado demais com aquele caso, para poder desligar. Horas mais tarde, ele ainda estava caminhando entre as sombras da garagem. A noite havia caído, e a não ser Scully, todos pareciam ter deixado o prédio. Mulder conseguia ouvir o zumbido insistente da bomba de circulação de ar e o lamento do sistema elétrico do edifício. Então ele ouviu uma pancada metálica.

       Rapidamente escondeu-se atrás de uma das colunas de concreto I procurou ver a origem daquele barulho. As pancadas pareciam estar vindo de uma área fechada por uma tela de arame.

       Curioso, Mulder aproximou-se da área cercada. O barulho estava ficando mais forte. A cerca fechava a área onde estavam os grandes motores do sistema de circulação de ar do prédio, os quais eram cobertos de chapas de ferro. Mulder afastou-se um pouco, estudando o sistema. A partir daquele ponto, os dutos do sistema de ar espalhavam-se por todo o prédio.

       Aproximou-se de novo, de lanterna em punho, examinando o sistema com mais cuidado. O barulho de lata batendo contra lata estava ficando mais forte. Não havia mais dúvida de que vinha de dentro dos dutos. Era como se houvesse alguma coisa lá dentro. Um dos painéis de metal que faziam parte da cobertura dos motores estava fora do lugar, como se tivesse sido aberto.

       Uma vez mais Mulder varreu a área com o facho da lanterna. Foi então que descobriu estar aberto o portão da tela de arame. Entreaberto o bastante para uma pessoa passar bem apertada. Não poderia ter sido aquele o ponto de entrada? Não poderia ter o assassino entrado pelo edifício através daquele sistema de passagem de ar?

       Mulder espremeu-se pelo portão da cerca de tela e congelou. O duto de ventilação moveu-se. Curvou-se de dentro para fora, quase como se estivesse respirando.

       Alguma coisa estava escalando o duto, pelo lado de dentro.

       Mulder saiu correndo.

       — Scully! — gritou ele, correndo na direção do carro dela. — Chame as unidades de apoio e corra até aqui!

       Scully apertou o botão do microfone:

       — Posto dez, pedindo unidades de apoio!

       Então ela saiu do carro e seguiu Mulder até a área cercada de tela.

       — Lá dentro! — disse Mulder, apontando para os canos de ar. Scully sacou o revólver e gritou:

       — Agente federal! Estou armada! Não se mova! — parou todo o movimento no duto de metal. — Desça daí... devagar — ordenou Scully.

       Houve um momento de silêncio, e então o duto de metal começou a ranger de novo, enquanto descia a pessoa que estava dentro.

       Scully e Mulder ficaram esperando. Os painéis de metal curvaram-se e pareciam pulsar, até que a pessoa que estava dentro finalmente parou de se mexer.

       Scully manteve a arma apontada para o painel aberto, na base dos motores.

       — Muito bem. Agora saia de uma vez — ordenou ela. Sua voz era firme, mas seus músculos doíam de tanta tensão. O que estaria se arrastando pelas passagens de ar do sistema de refrigeração do edifício?

       Scully sentiu a tensão ceder um pouco, quando ouviu as unidades de apoio chegando. Quatro outros agentes, inclusive Colton, correram na direção dos dois, apontando suas armas para o painel aberto.

       Scully fixou toda atenção no olhar e conseguiu ver um homem agachado na escuridão da abertura. Ele hesitou antes de entrar no clarão das lanternas dos agentes. Aí engatinhou de costas para fora.

       Parecia ter pouco mais de 20 anos. Tinha um rosto quase infantil e a testa alta, enquadrada pelos cabelos que tombavam dos lados. Usava um uniforme com um emblema onde se lia Controle Animal. Seu rosto brilhava por causa do suor. Tremendo, ele ergueu as mãos por cima da cabeça; parecia estar morrendo de medo, como um animal surpreendido pela forte luz das lanternas.

— Levem-no — ordenou Colton.

       Os outros agentes aproximaram-se e colocaram-lhe um par de algemas.

       — Está preso — anunciou um dos agentes ao suspeito. — Tem o direito de ficar calado, qualquer coisa que disser será usada contra você, num Tribunal de Justiça...

       Colton voltou-se para Scully.

       — Bom trabalho, Dana — elogiou ele, procurando ter certeza de que Mulder também ouvia.

       Scully nada respondeu. Não estava com vontade de comemorar, pelo menos não na frente de Mulder, que parecia perturbado. Mulder aproximou-se de Scully.

       — Você tinha razão — disse ele. — O perfil que você traçou encaixou direitinho nele — então se afastou sem nenhum outro comentário.

       Scully ficou olhando seu parceiro ir embora. Ela estava certa, é pela primeira vez, e Mulder errado. Então, por que ela não se sentia feliz?

      

       Scully sentou-se atrás do vidro espelhado da janela que dava para uma sala onde ficavam os suspeitos sob interrogação, na sede do Departamento de Polícia de Baltimore. Com ela estavam Mulder, Colton, Fuller e dois policiais, todos observando uma mulher de cabelos louros e curtos que se preparava para aplicar um teste no suspeito com o detector de mentiras.

       O rapaz estava vestido com um macacão alaranjado, típico dos prisioneiros. Estava sentado em uma cadeira, de frente para a janela de Vidro espelhado. Scully sabia que, embora o pudessem ver, lá do outro lado ele só via sua própria imagem refletida no espelho.

       Um dos braços do suspeito estava amarrado no braço da cadeira, com uma faixa para medir a pressão. Os diversos fios que saíam da máquina e terminavam em sensores foram colocados nas pontas dos seus dedos.

       Scully sabia que iam ser medidos a pressão sangüínea, o batimento cardíaco e a respiração. Uma mudança em qualquer dessas medições poderia indicar que ele estava mentindo. O suspeito estava com a mesma aparência que tinha naquela noite, na garagem: jovem e assustado. Scully estava curiosa sobre o que iria acontecer durante o teste com o detector de mentiras.

       A operadora ajustou a máquina, fazendo a tinta correr livremente pelas agulhas de registro, e para que o papel rodasse direito.

       E começou o teste com uma pergunta bem simples.

       — Seu nome completo é Eugene Victor Tooms?

       — Sim — respondeu o suspeito.

       — Você mora no Estado de Maryland?

       — Sim — respondeu Tooms.

       — Trabalha para o Departamento Municipal de Controle de Animais de Baltimore?

       — Sim — respondeu ele de novo.

       A examinadora observou o papel que se movia na máquina e assinalou "7+" ao lado da resposta. Até ali Scully sabia que o suspeito estava dizendo a verdade.

       — Eugene, você tem intenção de mentir para mim, a respeito de qualquer coisa que eu perguntar hoje? — perguntou a examinadora.

       — Não — afirmou Tooms. Ele falava sem inflexão alguma na voz, e seus olhos pareciam vidrados, como se estivesse hipnotizado.

       — Você estudou na faculdade?

       — Sim.

       — Estudou em alguma Faculdade de Medicina?

       — Não.

       — Alguma vez removeu o fígado de uma pessoa humana?

       — Não — respondeu Tooms.

       — Por acaso já matou alguma criatura viva?

       — Sim.

       Do mesmo modo que sua voz, a expressão de Tooms era completamente neutra, vazia de qualquer emoção.

       — Por acaso já matou algum ser humano?

       — Não — respondeu ele.

       — Alguma vez esteve na sala de George Usher? — perguntou a examinadora.

       — Não — respondeu Tooms.

       — Você matou George Usher?

       — Não — respondeu ele de novo.

       — Você tem mais de 100 anos?

       Tooms hesitou, surpreendido pela pergunta. E respondeu:

       — Não.

       Do outro lado do vidro espelhado, Colton também ficou surpreso com aquela pergunta estranha e disse:

       — Deve ser uma pergunta de controle.

       — Na verdade — disse Mulder —, eu pedi a ela que perguntasse isso.

       Colton olhou intrigado para Mulder e depois voltou suas atenções para o teste com o detector de mentiras.

       — Alguma vez esteve em Powhatan Mill? — perguntou a examinadora.

       — Sim — respondeu Tooms.

       — Em 1933?

       De novo o suspeito hesitou, antes de responder.

       — Não.

       Colton fez uma careta para Mulder e perguntou:

       — Foi você de novo?

       Mulder balançou a cabeça afirmativamente, sem tirar os olhos de Hugene Tooms.

       — Tem medo de ser reprovado neste teste? — perguntou a examinadora.

       Tooms parecia não saber o que dizer. Agora ele estava sendo pressionado pra valer.

       — Bem... Sim! — admitiu ele. — Porque eu não fiz nada.

       A examinadora olhou para o papel da máquina e balançou a cabeça, dizendo:

       — Muito bem. Obrigada, sr. Tooms. Era só isso que eu precisava. Algum tempo depois, Tooms tinha sido levado de volta à sua cela pelos policiais. Scully, Mulder e Colton permaneciam na sala de interrogatório, esperando pelos resultados do teste.

       — Eugene Tooms saiu-se bem — comentou a examinadora. — Muito bem. Pelo que vi no teste, ele não matou aquelas pessoas.

       Mulder não parecia satisfeito com isso. Apanhou o papel dos registros, que estava sobre a máquina, e se sentou para examiná-lo. O agente Fuller entrou na sala suspirando e anunciou:

       — Tooms disse a verdade. O pessoal da manutenção do edifício onde Usher trabalhava confirmou ter chamado o Departamento de Controle Animal, por causa de mau cheiro no sistema de ventilação. Foi encontrado um gato morto nos dutos metálicos do segundo andar.

       Colton levantou-se e disse:

       — Bom, assunto encerrado.

       — Não, ainda não — disse Scully. — Ainda não ficou explicado o que Tooms estava fazendo lá no meio da noite.

       Fuller encolheu os ombros, dizendo:

       — Talvez ele seja um dos nossos poucos funcionários públicos que trabalham com dedicação. E o vamos prender por isso?

       — Tooms estava subindo sozinho pelo duto e sem avisar o pessoal da segurança — lembrou Scully.

       — Dana — disse Colton —, Tooms passou no teste do detector. A história que ele contou é verdadeira. Ele não é o cara. Mas isso não quer dizer que esteja errado o perfil que você traçou.

       — Scully tem razão — disse Mulder. Seus olhos ainda estavam fixos no papel do detector. E ele falou com total confiança: — Tooms é o cara.

       Fuller olhou para Mulder como se ele tivesse acabado de anunciar que a lua era roxa.

       — Pois bem, Mulder — disse ele, em um tom de voz paciente, como se fosse um pai falando com uma criança problemática —, o que descobriu?

       Mulder apontou para o papel tirado do detector de mentiras e explicou:

       — Tooms mentiu nas respostas doze e catorze. Os registros quase saem para fora do papel.

       Fuller estudou o papel com uma expressão descrente e perguntou:

       — A pergunta número doze é aquela sobre os 100 anos? Pois deixe que lhe diga: eu também reagi do mesmo jeito àquela pergunta idiota. E que diabo foi aquilo sobre Powhatan Mill?

       — Dois assassinatos perpetrados com métodos semelhantes ocorreram em Powhatan Mill, em 1933 — disse Mulder calmamente.

       A examinadora pigarreou e disse:

       — Minha interpretação dessas reações... Fuller já não tinha mais paciência e gritou:

       — Não preciso de você ou de sua máquina para me dizer se Tooms estava vivo em 33!

       — Ele é o cara — afirmou Mulder, calmamente.

       Fuller arregalou os olhos para ele.

       — Pois bem, se ele é ou não, não me interessa. Vou deixá-lo ir embora!

       Com isso o supervisor deixou a sala, pisando duro. Ao sair, bateu a porta com força.

       Colton levantou-se devagar e foi na direção da porta. Pela expressão do seu rosto, Scully sabia que ele concordava com Fuller, e que não acreditava nem um pouco em Mulder.

       — Você vem? — perguntou Colton a Scully.

       Ela hesitou. Poderia passar a trabalhar na Seção de Crimes Violentos ou continuar trabalhando com Mulder.

       — Tom — começou ela —, eu... Quero agradecer por me deixar trabalhar em sua seção. Mas estou oficialmente escalada para os Arquivos X.

       Os olhos de Colton fixaram-se em Mulder, que ainda estava examinando a fita de papel do detector, e disse:

       — Vou ver o que posso fazer a respeito.

       — Tom — disse Scully —, eu posso cuidar de mim mesma. E não quero que você...

       — Mas você disse que Mulder era "meio doido" — interrompeu Colton.

       Mulder ergueu os olhos para ele, demonstrando um certo interesse. Scully chegou a desejar que estivesse em outro lugar, bem longe dali.

       — Só que Mulder é mais do que "meio doido" — continuou Colton. — Ele é maluco.

 

       Scully estava calada quando saiu com Mulder da sala de interrogatório, para deixar a sede da polícia de Baltimore. Ela acabara de fazer uma escolha. Poderia ter passado a trabalhar com Colton na Seção de Crimes Violentos, um lugar onde teria o respeito de qualquer agente do FBI. Em vez disso tinha decidido continuar trabalhando com Mulder, nos Arquivos X. Esperava nunca se arrepender daquela decisão.

       Enquanto seguiam o seu caminho, pelas salas e corredores da movimentada sede da polícia, ela perguntou:

       — Mulder, por que você faz isso?

       — Faz o quê? — perguntou ele, com um ar inocente.

       — Depois do teste no detector de mentiras — lembrou Scully —, você disse a Fuller e Colton ter certeza de que Tooms cometeu os assassinatos de 1933. Sabia que eles nunca iriam acreditar em você. Por que tinha de provocá-los tanto?

       — Talvez porque eu esteja convencido de que realmente pegamos

       O cara certo — disse Mulder.

       Scully balançou a cabeça. Havia trabalhado o suficiente com Mul-der para saber que aquela era apenas metade da resposta. E perguntou:

       — E daí?

       — Muito bem — continuou Mulder. — Daí que talvez eu esteja cansado de discutir com gente hostil, que não consegue abrir a mente para... a possibilidade de...

       — De quê? — interrompeu Scully.

       Mulder lhe deu um dos seus raros sorrisos e disse:

       — De que algumas vezes minha necessidade de mexer com a cabeça deles é maior do que o meu medo de parecer um imbecil.

       — Pois eu acho que era mais do que isso — disse Scully. — Parecia que você estava agindo como um animal acuado, defendendo seu território.

       — Claro que estava — concordou ele. — Nos casos que investigamos, você nem sempre concorda com aquilo que eu espero encontrar, mas pelo menos respeita o processo. Colton só respeita Colton. Acho que isso me faz desejar que ele fique bem longe da nossa investigação.     E não me importo que ele saiba que está sendo mantido a distância — Scully ficou calada, surpresa com a confissão de Mulder, que arrematou: — Mas, se você deseja continuar trabalhando com eles, tudo bem comigo.

       — Oh, não! — disse Scully, balançando a cabeça. — Você não vai se livrar de mim com tanta facilidade. Eu sei que deve ter alguma coisa além dos resultados do teste no detector de mentiras para usar como base para sua estranha teoria. E quero saber do que se trata!

       No dia seguinte Scully sabia exatamente o que Mulder tinha como base para sua teoria. Estava sentada com ele em frente a um computador que haviam tomado emprestado, no Departamento de Polícia de Baltimore. Mulder tinha aberto o arquivo onde estava o relatório da prisão de Eugene Tooms.

       Digitando um comando no teclado, ele disse:

       — Aqui estão as impressões digitais de Tooms.

       Ele digitou mais alguns comandos e as impressões aumentaram de tamanho, enchendo a tela.

       Mulder digitou outro comando.

       Apareceu uma impressão alongada na tela, e ele explicou:

       — Esta é a impressão digital que eu obtive na sala de Usher. Ela combina com as antigas, guardadas no Arquivo X. Esta é a impressão digital encontrada na cena de um dos crimes de Powhatan Mill, em 1933.

       Scully não via ligação entre as impressões digitais de Tooms e aquelas estranhas marcas que faziam parte dos Arquivos X. Olhou para Mulder e encolheu os ombros.

       — Obviamente não combinam — admitiu ele. — Mas e se... de algum modo...

       Mulder digitou outro comando. As impressões humanas normais de Tooms apareceram apenas na metade esquerda da tela. As marcas alongadas ficaram na metade da direita.

       Trabalhando mais depressa, Mulder usou o mouse para separar apenas a impressão do dedo médio esquerdo de Tooms. Digitou outra tecla, e o computador estendeu a impressão digital de Tooms, até que ficasse tão longa e estreita quanto a outra, tirada no escritório de George Usher.

       Scully ficou de queixo caído, quando percebeu onde ele queria chegar.

       — Veja isto — disse Mulder, num sussurro.

       Correu com o mouse pela almofada, e as duas imagens moveram-se para o centro da tela, até ficarem alinhadas. O computador apitou.

       Uma pequena caixa acendeu bem no centro da tela, e piscou uma indicação: "100% idênticas".

       A princípio a pergunta de Scully ficou presa na garganta, mas, por fim, ela conseguiu articular uma pergunta:

       — Como? Como pode a impressão digital de Tooms ser idêntica a essa outra, tirada da cena de um assassinato cometido há mais de sessenta anos?

       — A única coisa que sei com certeza — disse Mulder, sem tirar OS olhos da tela do computador —, é que o colocaram em liberdade.

 

       Estava escuro quando Thomas Werner parou o carro na entrada da garagem. Tinha trabalhado até tarde no escritório, e agora estava pronto para um drinque e uma boa noite de sono. Procurou pela pasta e abriu a porta do carro. Aí, parou. Alguma coisa estava diferente naquela noite. Ele ficou sentado ali um instante, tentando identificar aquela sensação.

       Uma brisa fria de outono entrava pela porta aberta do carro. As folhas faziam barulho ao serem sopradas sobre a grama e espalhadas sobre o asfalto. Durante todo o dia as ruas do bairro onde Werner morava estavam cheias do barulho de crianças brincando. Mas agora era tarde e o bairro inteiro estava em silêncio. Estava tudo tão quieto que Werner podia ouvir o vento soprando nos galhos das árvores e até o barulho que fazia o motor do seu carro, ao esfriar. O silêncio era tanto que ele conseguia ouvir o próprio coração batendo.

       Werner procurou lembrar a si mesmo que o silêncio não era um problema. Afinal de contas, ele se mudara para aquele bairro justamente pelo fato de ser um lugar bastante silencioso.

       Ele desceu do carro. A luz automática de segurança, na parede lateral de sua casa, acendeu no mesmo instante em que ele passou diante do sensor, iluminando toda a entrada da garagem com uma luz branca e muito forte. Werner olhou para os lados, tentando livrar-se da idéia de |ue alguma coisa estava errada.

       Sua casa branca, de três andares, estava exatamente do mesmo jeito que estivera todas as noites. Como a sua vida, a casa era limpa, organizada, bem conservada. "Tudo está perfeito", disse Werner a si mesmo, "apenas estou imaginando coisas."

       Werner caminhou na direção da casa, apanhou a chave e entrou pela porta lateral da casa.

       Só havia um luar muito pálido iluminando a rua. Mas o homem que observava Werner sair do carro e entrar em casa não teve dificuldade nenhuma em ver. Seus olhos irradiavam um brilho inumano, vermelho como fogo.

       Tooms ficou agachado atrás dos arbustos, do outro lado da rua. Esperando. Observando. Quando Werner entrou, Tooms se levantou e, movendo-se rapidamente, atravessou a rua e foi direto para a casa de Werner, como um animal seguindo o seu faro.

       Passou diretamente na frente do sensor da luz automática, e ela não se acendeu.

Werner não estava imaginando coisas. Alguma coisa estava errada, muito errada. Ele estava sendo caçado.

       Metodicamente Tooms começou a procurar seu ponto de entrada. Mantendo-se escondido atrás dos arbustos, ele foi pela lateral da casa. A residência de Werner era bem protegida, sem janelas nem portas que Tooms pudesse usar, sem disparar o alarme.

       De repente Tooms parou. Diante dele, estendendo-se pela lateral da casa, havia uma chaminé: encontrara a entrada.

       Tooms ergueu os braços, agarrando-se nos tijolos com as pontas dos dedos, e começou a impulsionar o corpo para cima, subindo pela chaminé com a mesma facilidade que um lagarto sobe pela parede. Escalava a chaminé devagar, com segurança, silenciosamente.

       Tooms foi para cima, passando pela janela do primeiro andar. Passou pela janela do segundo andar, estendeu os dedos e procurou agarrar-se ao beirai. Com uma força fantástica, ele ergueu o corpo para cima do telhado.

       Olhou ao redor, na escuridão, e seus olhos se fixaram sobre a parte superior da chaminé. Agora, nada o poderia impedir de entrar. Thomas Werner estava condenado.

       Werner estava em pé, na cozinha. Desfez o nó da gravata e franziu a testa ao começar a ler a correspondência do dia. Mais contas. Mais gente pedindo dinheiro. Então ele parou de ler e olhou para cima. Tinha ouvido um barulho, como um homem gemendo com esforço. "Não", disse Werner consigo mesmo, "não pode ser." Tirou o paletó e começou a preparar um drinque.

       No telhado, Tooms olhou para dentro da abertura da chaminé. Era bastante estreita, não devia ter mais de trinta por quinze centímetros. Aquela não ia ser fácil. Ele se concentrou e o suor lhe correu pela testa. Então curvou-se para a frente, enfiou um braço bem fundo na chaminé e esticou. Esticou até o ponto em que os ossos finos dos seus dedos estalaram com o esforço. Esticou até que sua mão desceu os três andares... e segurou os tijolos que ficavam na parte mais baixa do cano da chaminé.

       Cuidadosamente, Tooms enfiou a cabeça na chaminé. O espaço retangular era ainda mais estreito do que ele tinha calculado. Mal havia espaço para sua cabeça. Tentou enfiar os ombros, mas eram largos demais.

       Com um desagradável e surdo "poc", Tooms destroncou seu ombro esquerdo e o escorregou pela abertura estreita. Outra vez o barulho surdo, "poc", e o ombro direito repetiu o mesmo procedimento. Tooms podia sentir o cheiro do suor de Thomas Werner, até mesmo o calor do sangue correndo em suas veias. Com todos os sentidos concentrados em sua vítima, era fácil realizar seu próximo passo. Usando toda a sua extraordinária força, Tooms começou a descer, escorregando pela estreita chaminé.

       Werner olhou para cima uma segunda vez, quando ouviu um barulho seco que vinha da sala de visitas. Curioso, foi na direção do ruído. Como sempre, tudo na sala estava no seu lugar, em perfeita urdem.

       Exceto as portas de vidro atrás da lareira, que estavam entreabertas. Uma brisa vinha de fora, e minúsculas partículas de cinza Voaram sobre o tapete.

       Werner começou a fechar as portas de vidro, então pensou melhor, e decidiu acender o fogo. A lareira acesa faria a casa vazia parecer mais aconchegante.

       Ele apanhou um pedaço de lenha e o atirou na lareira, ajoelhou-se e acendeu a chama por baixo. Alguns segundos depois ergueu-se uma brilhante labareda amarela. Werner ficou observando a dança do fogo.

       De repente o fogo apagou-se. Por um instante Werner ficou imaginando se alguma coisa estaria bloqueando a chaminé. Abriu a caixa de fósforos em busca de outro palito, mas estava vazia. Ele se levantou. Claro que devia haver mais fósforos em uma das gavetas da cozinha. Ele se voltou na direção da cozinha e parou no mesmo instante.

       Havia alguma coisa dentro de casa com ele. Parecia um homem, mas não podia ser, pois fosse quem fosse, ou o que fosse, tinha olhos que ardiam vermelhos como fogo.

       Werner não teve sequer a chance de gritar. Movendo-se com inacreditável rapidez, o seu atacante enfiou um pedaço de pano em sua boca. Aterrorizado, Werner tentou reagir, mas todos os seus esforços foram inúteis. Seu atacante o derrubou, com uma força incrível, e a cabeça de Werner bateu com força no chão duro. A luta tinha acabado.

       Thomas Werner estava inconsciente quando Eugene Tooms tirou aquilo que tinha vindo buscar.

 

       Thomas Werner tinha vivido uma vida solitária. Raramente tivera visitas, mas, no dia seguinte, sua casa estava cheia de gente. Eram policiais tentando reconstituir o que havia acontecido na noite anterior. Em algum lugar, na casa de Werner, devia haver alguma pista que os acabaria levando ao assassino.

       O detetive Johnson, da polícia de Baltimore, abriu uma trena de metal. Deu a ponta para um policial uniformizado, que segurou a ponta da trena junto aos pés de Werner. O detetive Johnson desenrolou a outra ponta até a parede, atrás da cabeça do cadáver, anunciando:

       — Um metro e noventa e cinco centímetros da parede sul.

       Ele soltou a ponta da fita, que enrolou automaticamente. Pelo que era possível observar, a vítima tinha morrido na noite anterior, e o corpo não tinha sido movido depois que ocorrera a morte. Mas aquele assassinato era tão misterioso quanto os anteriores. De novo, não havia ponto de entrada, e, outra vez, o fígado da vítima tinha sido arrancado.

       Johnson virou-se rapidamente quando Tom Colton entrou correndo na casa. O jovem agente do FBI parecia tenso e frustrado.

       — Vamos fazer um levantamento de todos os transplantes de fígado que ocorrerem nas próximas 24 horas — ordenou Colton. — Talvez isso tenha a ver com o mercado negro. Pode ser que alguém esteja ganhando dinheiro com a venda de fígados a pessoas desesperadas pelo transplante.

       Johnson não se deixou impressionar por essa teoria. Na verdade, Colton não o impressionava nem um pouquinho.

       — Ora, qual é? — disse ele, impaciente. — Deve estar brincando!

       — Do jeito que as coisas andam, estou aceitando qualquer teoria — disse Colton, passando os dedos pelos cabelos. — Quero dizer, qualquer teoria que não seja maluca.

       Colton mostrou-se ainda mais tenso quando Scully e Mulder passaram pelo guarda que estava na porta e entraram na casa. Colton foi rapidamente na direção deles, dizendo:

       — Desculpe, Dana, mas só vou admitir membros qualificados da equipe de investigação na cena do crime.

       — Qual é o problema, Colton? — perguntou Mulder, calmo. — Está com medo de que eu resolva o seu caso?

       Mulder caminhou na direção do cadáver, mas Colton avançou e o segurou pelo braço. Mulder permaneceu calmo, mas olhou para Colton de tal maneira que o outro entendeu não ter autoridade para barrar outro agente. Colton soltou o braço de Mulder no mesmo instante, mas continuou bloqueando sua passagem.

       Scully enfiou-se entre os dois homens.

       — Tom, nós temos autorização para o acesso a esta cena de crime — informou ela a seu ex-colega de classe.

       Nem Mulder nem Colton se moveu. Estava criado o impasse. Scully sabia que dependia dela a solução do problema, infelizmente, porém, Colton era tão teimoso quanto Mulder.

       Mas ela dispunha de uma arma para usar contra Colton, a única coisa com que ele de fato se preocupava: sua carreira. Então, com firmeza na voz, disse:

       — Tom, um relatório nosso dizendo que você obstruiu o trabalho de outro investigador pode manchar a sua ficha pessoal.

       Os olhos dele se arregalaram para ela, e Scully soube que a amizade dos dois havia terminado ali, mas ele se afastou, permitindo que Mulder examinasse a cena do crime. Então Colton se virou para Scully e disse, em um tom de voz baixo e furioso:

       — Dana, de que lado você está, afinal?

       — Do lado da vítima — respondeu Scully.

       Ela se afastou de Colton e foi indagar dos policiais o que tinham descoberto até então.

No outro lado da sala, Mulder ficou olhando para os policiais que tomavam as medidas em toda a cena do crime. Faziam o trabalho com eficiência, mal olhando para o cadáver, no centro de toda a atividade.

       Werner tinha morrido com uma expressão de insuportável terror no rosto, e Mulder procurava pensar em Werner como mais do que um cadáver. Tinha sido um homem, provavelmente igual a todos aqueles homens que estavam naquela sala. Um homem que não merecia a morte que tinha tido.

       Mulder observou Johnson estendendo a trena, da mão de Werner até a lareira. Os olhos de Mulder se arregalaram, quando ele viu uma coisa que o detetive não tinha visto: uma mancha de cinza acima da lareira. E havia algo perturbadoramente familiar no seu formato longo e ovalado.

       — Um metro e sessenta e dois centímetros de distância da lareira — informou Johnson, aborrecido. Recolheu a trena e fez anotações em sua caderneta.

       Mulder aproximou-se da lareira e ajoelhou-se no chão para examinar a mancha com mais cuidado. Não era uma impressão muito clara, mas parecia bastante semelhante às outras que estavam nos arquivos. Mulder percebeu outra mancha de cinza, na parte superior da lareira.

       Curioso, ele a examinou com atenção. A maior parte das pessoas preenche a parte de cima da lareira com fotos e objetos de decoração. Sobre a lareira de Werner não havia nada, exceto uma fina camada de poeira.

       Mulder olhou bem de perto. Talvez a lareira não estivesse tão vazia como ele havia pensado. E, no meio da poeira, havia um círculo bastante limpo, onde devia ter repousado algum objeto, pensou Mulder.

       Um objeto que tinha sido removido muito recentemente.

       Mulder deu as costas para a lareira, quando Scully se aproximou dele.

       — O nome da vítima era Thomas Werner — informou ela. — Solteiro, 52 anos...

       — Foi Tooms — interrompeu Mulder. — E ele tirou alguma coisa de cima da lareira.

 

       Mulder estava sentado diante da tela de um aparelho de micro-fichas, no porão da sede da polícia de Baltimore. Vários rolos de filme estavam amontoados ao lado da máquina e os olhos de Mulder estavam pregados na tela, enquanto antigas lotos e documentos passavam como relâmpago.

       Ele parou a máquina quando na tela apareceu a imagem de um formulário preenchido à máquina. A primeira linha dizia "Censo de 1903". Mulder sabia que o censo lhe diria quem morava em Baltimore naquela época.

       Mulder avançou por mais algumas páginas de formulários do censo. Curvou-se ansioso para a frente ao descobrir o que estava procu-rando. Aquela página do censo tinha sido preenchida à mão, a frase, em grafia antiga, dizia: "Eugene Victor Tooms". Mulder recostou-se na cadeira, sorrindo de satisfação. Finalmente as peças do quebra-cabeça começavam a se encaixar.

       A porta da sala abriu-se, atrás de Mulder. Scully entrou, com uma caderneta de notas na mão.

       — A polícia de Baltimore foi investigar o apartamento de Tooms — disse ela. — O endereço era falso. Ninguém jamais morou naquele lugar, e Tooms não apareceu mais no emprego, desde o dia em que foi preso.

       — Eu o encontrei — anunciou Mulder. Scully olhou intrigada para ele, e Mulder continuou: — Como podemos investigar o presente? Olhando para o passado. Foi aqui que tudo começou: em 1903, na Rua Exeter — e apontou para a tela.

       Scully começou a ler o formulário do censo, na tela da máquina de microfichas:

       — Eugene Victor Tooms. Data de nascimento: desconhecida. Residência: apartamento 103, Rua Exeter, n. 66, Baltimore, Maryland. Profissão: apanhador de cachorros. Uma profissão semelhante à do Tooms de hoje — comentou ela.

       — Agora veja o endereço daquele primeiro assassinato, em 1903 — disse Mulder.

       Scully abriu o Arquivo X, procurando pela cópia de um relatório policial escrito em 1903, onde leu:

       — Endereço da vítima, Rua Exeter, n. 66, apartamento 203 — seus olhos azuis se arregalaram, quando ela percebeu onde Mulder pretendia chegar. — Ele matou o cara que morava no apartamento de cima!

       — Talvez o vizinho tocasse a vitrola muito alto — sugeriu Mulder.

       Scully fez que não ouviu a piada.

       — Esse Eugene Tooms deve ser o avô do nosso Tooms — disse ela.

       — E o que me diz das impressões digitais? — perguntou Mulder.

       — Não se esqueça de que as impressões são sempre únicas, e as que te-mos no Arquivo X combinam perfeitamente.

       — A genética talvez possa explicar a semelhança dos padrões — argumentou Scully.       Mulder deu de ombros, sem concordar nem discordar, e ela continuou: — A genética talvez possa explicar também as atitudes e comportamentos sociopáticos.

       Scully estava ansiosa por encontrar uma explicação racional e científica para todas aquelas estranhas coincidências.

       — Como? — perguntou Mulder.

       Scully ficou em silêncio um instante, recordando os estudos que fizera na faculdade de Medicina, e explicou:

       — Começa com um membro da família que cria filhos que têm comportamento sociopático.

       — Pequenos assassinos — traduziu Mulder.

       — Ou criminosos — concordou Scully. — Na maior parte dos casos trata-se de crianças violentas, ou seja, uma família cujos filhos têm sérias perturbações. Então, se essa criança cresce e também cria um filho igualmente perigoso...

       Mulder olhou bem para ela e perguntou:

       — Ei, o que é isso? Uma campanha contra os Waltons?

       — Bom, o que você acha? — perguntou Scully. Estava começando a se sentir frustrada, como sempre ficava ao tentar convencer Mulder Com alguma explicação racional.

       — Acho que devemos tratar de encontrar o rastro de Eugene Tooms — respondeu ele. —Já temos quatro vítimas este ano, e ainda falta uma. Se não o agarrarmos agora, nossa próxima chance será apenas...

       — No ano 2023 — calculou Scully.

       — E você vai ser diretora geral do Bureau nessa época — acrescentou Mulder, sem perder o embalo. — Portanto, acho que devemos estudar o censo. Vou investigar direitinho todos os casamentos, nascimentos e atestados de óbito deste século. E... — a voz dele sumiu, quando olhou para a tela e compreendeu como era monumental a tarefa que escalava para si mesmo.

       — E o quê? — perguntou Scully.

       — Por acaso tem um comprimido contra enjôo e tontura? — perguntou ele de volta, olhando para a máquina de microfichas com ar de desgosto. — Porque essas coisas me deixam enjoado.

       Scully disfarçou o riso e foi procurar outra máquina de microfichas.

       Mulder abriu uma pequena caixa e tirou outro rolo de filme. Pacientemente, começou a manipular a máquina, mas antes desapertou o nó da gravata, arregaçou as mangas da camisa e colocou os óculos de leitura. Tinha longas horas de trabalho pela frente.

       Mulder e Scully examinaram informações referentes a vários anos, na cidade de Baltimore. Nas telas das máquinas de microfichas os anos passavam depressa. 1904... 1909... 1912. E, para cada ano que passava, os dois agentes do FBI investigavam informações relativas a milhares de pessoas. Estavam procurando por alguma coisa, qualquer coisa, sobre Eugene Victor Tooms.

       Horas mais tarde, Mulder recostou-se em sua cadeira e tirou os óculos, e esfregou a parte superior do nariz. Estava cansado e aborrecido, começando a achar que sua idéia sobre aquela pesquisa talvez não tivesse sido tão boa. No entanto, sabia que não podia se sentir derrotado. Tentou encontrar ânimo para voltar à máquina de microfichas e aos intermináveis registros.

       Viu um pequeno fio de esperança quando Scully veio se sentar ao seu lado, algum tempo depois, e lhe perguntou:

       — Encontrou alguma coisa?

       Scully parecia estar tão cansada quanto ele.

       — Não — respondeu ela. — Eugene Tooms parece nunca ter estado na face da Terra. O que foi que você encontrou?

       — Nunca nasceu, nunca se casou, nunca morreu — respondeu Mulder com desânimo.

       — Pelo menos não na comarca de Baltimore — emendou Scully. Mulder suspirou. Scully tinha razão. E se Tooms tivesse passado parte da vida em outro lugar? Como poderiam seguir sua pista?

       — Só que eu encontrei uma coisa — anunciou Scully.

       — O quê? — perguntou ele, ansioso.

       — O endereço do policial que investigou os assassinatos de Powhatan Mill em 1933.

 

       Scully e Mulder caminharam pelo salão de recreação da Casa de Retiro Lynn Acres. Um grupo de residentes estava reunido diante da TV, assistindo ao seu programa predileto. A maior parte deles estava em cadeiras de rodas, e quase todos pareciam ter pelo menos 80 anos. Todo o prédio cheirava a velhice.

       Scully olhou para o grupo e logo virou-se para o outro lado. Lugares como aquele a faziam sentir-se triste. Seria possível eles encontrarem uma pista sobre Eugene Tooms naquele asilo? Uma enfermeira veio até eles e perguntou:

       — Acabei de verificar. Frank Briggs está lá em cima, no seu apartamento, de número 793. Já está esperando por vocês.

       — Obrigada — agradeceu Scully.

       Cinco minutos depois ela e Mulder estavam no corredor do sétimo andar, diante da porta do apartamento de Briggs, que se encontrava entreaberta. Mulder bateu.

       — Entrem! — respondeu uma voz rouca, lá de dentro.

       Scully entrou na frente, pelo pequeno apartamento. Uma cama de casal, coberta com uma colcha alaranjada, ocupava a maior parte do espaço. Sobre uma alta cômoda que ficava em frente à janela, havia um abajur e um relógio barato, cujo pêndulo fazia bastante barulho.   As paredes davam testemunho da carreira de Briggs como policial. Scully notou a foto tirada com os colegas da polícia e um certificado de honra ao mérito.

       Frank Briggs estava sentado na frente da janela, em uma cadeira de rodas. Scully calculou que ele devia ter uns 85 anos. Usava uma camisa esporte amarela, de colarinho aberto, esticada sobre a barriga. Por um instante Dana estudou o rosto do detetive aposentado. Tinha cabelos brancos, bigode e o nariz amassado e torto de quem já esteve em mais de uma briga. Atrás dos óculos de armação dourada, seus olhos azuis ainda estavam bastante alertas.

       Briggs apontou para duas cadeiras que estavam aos pés da cama, onde Scully e Mulder se sentaram.

       — Faz vinte e cinco anos que estou esperando por vocês! — disse Briggs.

       — Como? — perguntou Scully.

       — Eu me aposentei em 1968 — explicou o velho —. Depois de quarenta e cinco anos como policial.

       — Pode nos dizer alguma coisa sobre os assassinatos ocorridos em 1933, em Powhatan Mill? — perguntou Mulder.

       Briggs fez que sim, com um movimento da cabeça, e começou a narrativa:

       — Eu era xerife na época... — sua voz fraquejou, como se o assunto fosse difícil para ele.

       "Sessenta anos se passaram", pensou Scully, "e o velho policial ainda se deixa emocionar pela lembrança dos fatos".

       Durante algum tempo os únicos barulhos vinham do tique-taque do relógio e dos suspiros do policial aposentado. Ele fez um sinal para que os dois se aproximassem, e continuou falando, em um tom de voz bastante baixo. Falava por meio de frases curtas, como se não tivesse fôlego suficiente.

       — Powhatan Mill foi diferente de tudo. Eu tinha visto muitas mortes antes disso, e muito sangrentas. Mas dava para ir pra casa, jogar bola com meu filho, esquecer tudo depressa. A gente precisa esquecer, quando é policial. Senão, acaba ficando louco. Certo?

       Scully balançou a cabeça. O que Briggs dizia era verdade. No trabalho policial, a pessoa tem de conseguir deixar o trabalho no escritório, antes de voltar para sua casa.

       E Briggs continuou:

       — Mas os assassinatos de Powhatan Mill foram demais. Quando entrei naquele aposento, o meu coração ficou gelado. Minhas mãos adormeceram. Dava para sentir aquilo...

       — Sentir o quê? — perguntou Mulder.

       Scully ficou observando, enquanto o velho piscava e procurava sufocar as lágrimas, tentando explicar.

       — Em 1945 — disse ele —, logo depois que terminou a Segunda Guerra Mundial, eu ouvi falar sobre aquelas coisas horríveis que aconteciam nos campos de concentração nazistas. E me lembrei da cena do crime de Powhatan Mill. E agora, quando vejo os curdos e os bósnios na televisão... lembro-me daquela cena.

       — Não estou entendendo o que uma coisa tem a ver com a outra — disse Scully.

       O velho suspirou.

       — O que eu vi naquele aposento... foi como se estivessem ali todos os atos mais horríveis que as pessoas podem cometer... Como se tivesse nascido algum tipo de monstro humano. Aquele aposento, em Powhatan Mill, mostrava as provas do que esse monstro podia fazer. Eu vi os cadáveres que ele deixou para trás.

       Briggs virou o rosto para o outro lado, como se estivesse envergonhado da emoção que carregava na voz.

       Scully apoiou a mão sobre o braço dele e disse:

       — Tudo bem. Acho que compreendo como o senhor se sentiu. Briggs respirou fundo e continuou:

       — Por isso é que eu disse que estava esperando por vocês. Porque eu sabia que aquilo jamais iria embora. E sempre estive esperando que voltasse — ele olhou para Mulder e perguntou: — A coisa matou de novo, não foi?

       — Quatro vezes, até agora — contou Mulder.

       Briggs apontou para um baú que havia no canto, ao lado da cama, dizendo:

       — Tem uma caixa dentro daquele baú. Apanhe pra mim, por favor.

       Mulder abriu o baú e tirou de dentro uma velha caixa de papelão, de cantos reforçados. Colocou-a sobre a cama e empurrou a cadeira de rodas para que Briggs pudesse chegar mais perto. O velho policial tirou a tampa, e Scully viu que a caixa estava cheia de velhas pastas de papel.

       Briggs gesticulou com a mão sobre a caixa e disse aos dois agentes:

       — Estas são todas as provas que eu consegui reunir. Oficial e extra-oficialmente. Podem dar uma olhada.

       — Extra-oficialmente? — perguntou Scully, enquanto ela e Mulder começavam a folhear as pastas.

       Briggs colocou a mão na boca e tossiu. Depois, disse:

       — Eu sabia que aqueles assassinatos ocorridos em 1963 foram obra da mesma... pessoa. A mesma que havia matado em 33. Mas nessa época eu já havia sido encostado como investigador, e era funcionário burocrático. Disseram que eu era velho demais. Não me deixaram nem chegar perto do caso. Mas procurei colher minhas próprias provas e fazer anotações. Eu sabia que um dia apareceria alguém a quem eu poderia passar as coisas que descobri.

       Scully enfiou a mão na caixa e tirou de dentro um recipiente de vidro, com um líquido claro, que devia ser formol. Um pedaço de tecido vermelho flutuava dentro daquele líquido.

       — É um pedaço de fígado humano? — perguntou ela. Briggs fez que sim, com um sinal da cabeça. E explicou:

       — Foi deixado na cena do crime. Você sabe, ele não arrancava apenas os fígados das vítimas.

       — Como? O que quer dizer? — perguntou Mulder.

       — Em cada um dos casos, os membros da família informaram sobre o desaparecimento de pequenos objetos pessoais — respondeu Briggs.

       O olhar de Mulder encontrou-se com o de Scully. Ela sabia que ambos estavam pensando no objeto desaparecido da lareira de Werner. E Briggs continuou:

       — Desapareceu uma escova de cabelos durante o assassinato de Walters. Uma caneca de café no caso Taylor...

       — Alguma vez ouviu falar no nome Eugene Victor Tooms? — perguntou Mulder, ajoelhado ao lado da cadeira de rodas de Briggs.

       O velho ficou parado, de olhos arregalados.

       — Claro que sim! — e começou a vasculhar a caixa de papelão, de onde tirou uma pasta cheia de papéis. — Quando não permitiram que eu ajudasse na investigação, em 1963, eu trabalhei sozinho, e tirei estas fotos — começou então a mexer num monte de fotografias em papel brilhante, em preto-e-branco. Depois entregou uma a Mulder, dizendo: — Aqui está. Este é Tooms.

       Mulder estudou a foto, sem fazer comentário algum, e a passou a Scully.

       — Claro que este era o Tooms há trinta anos — disse Briggs. Tudo naquela foto, os carros, as placas na vitrine da loja, parecia antigo. Tudo, menos Eugene Tooms. Briggs o tinha fotografado quando ele estava saindo de um furgão, usando uniforme de apanhador de cachorros. E tinha o mesmo estilo de cabelos. Até a expressão de menino assustado era a mesma.

       Scully sentiu um calafrio quando percebeu que, em 1963, Tooms tinha exatamente a mesma aparência que ela havia visto, trinta anos depois. Não envelhecera um dia sequer.

       Mulder apanhou outra foto.

       E Brigss disse:

       — Esta é do apartamento onde Tooms morava. Ficava na... ahn...

       — Rua Exeter, n. 66? — adivinhou Mulder.

       — Sim, exatamente! — confirmou Briggs, com uma expressão de satisfação. — É isso mesmo!

       Mulder passou a fotografia a Scully e ela a examinou mais detalhadamente. Via-se um prédio alto, de fachada de tijolos, que mais parecia um armazém, numa rua estreita. Uma placa na frente dizia: BERRE PARIS & FILHOS.

       Scully reconheceu, pelo estilo do prédio, que devia ter sido construído na virada do século. Mas, em 1963, ainda estava em boas condições.

       Mulder estendeu a mão para Frank Briggs, dizendo:

       — Obrigado. O senhor nos ajudou bastante. — Virou-se para Scully e disse: — Está na hora de nos dirigirmos à Rua Exeter, n. 66.

       Scully concordou, balançando a cabeça, mas alguma coisa mexeu com seu estômago. Eles estavam chegando perto de Tooms, pressentia isso, mas não podia evitar o temor que sentia em relação ao que poderiam encontrar.

 

       Scully tinha as mãos no volante, os olhos fixos no tráfego que ia na frente. Sua mente, porém, estava na conversa que haviam tido na Casa de Retiro Lynn Acres.

       — O que você achou de Frank Briggs? — perguntou ela a Mulder.

       Ela virou por uma rua que levava para uma das partes mais antigas da cidade de Baltimore. Estavam a caminho do prédio visto na foto de Briggs, ou seja, aquele que ficava na Rua Exeter, n. 66.

       — Achei uma pena Briggs ter-se aposentado — comentou Mulder. — Ele era um bom policial.

       — Falei sobre a teoria dele — explicou ela —, de que Tooms é algum tipo de monstro. As piores coisas que um ser humano é capaz de fazer, tudo concentrado em uma única pessoa.

       Mulder encolheu os ombros e disse:

       — Não sei se Tooms é o mesmo tipo de monstro que Hitler era. Não sei se ele pensa do mesmo jeito. Talvez ele nem mesmo pense. Tooms pode ser mais como um animal, matando em nome da própria sobrevivência. Seja como for, os resultados são os mesmos, ou seja, ele é um assassino brutal, que tem de ser preso e punido.

       Com o tráfego ficando livre, Scully começou a dirigir mais rápido. Não havia prédios de escritórios nem lojas naquela parte da cidade. Dos dois lados da rua só existiam armazéns e velhas fábricas, e quase to-dos esses prédios pareciam desertos.

       De repente, ela pisou no freio e fez uma curva fechada, dizendo:

       — E aqui.

       A Rua Exeter era estreita e escura, pois os altos prédios que ladeavam a rua bloqueavam a luz do sol. Scully achava que a Rua Exeter parecia mais com um beco sem saída. Ela estacionou o carro do outro lado, na frente do número 66.

       — Bairro sossegado — observou Mulder.

       — Quer dizer abandonado — disse Scully.

       Havia barris de lixo amontoados do lado de fora dos prédios. Toda a rua estava cheia de lixo; parecia que os prédios não tinham sido conservados, nem ocupados por ninguém, durante muitos anos.

       O edifício do número 66 de fato era o mesmo que tinham visto na foto tirada por Frank Briggs. Scully logo reconheceu a fachada de tijolos e os dois prédios menores que havia ao lado. Mas, agora, o edifício de tijolos vermelhos estava desmoronando, suas janelas estavam lacradas com tábuas, a placa com o nome PIERRE PARIS & FILHOS estava bastante descorada. E toda a parede do andar térreo estava suja de grafite.

       Scully olhou bem para o prédio. Se Mulder e Briggs estavam certos, era ali que Eugene Victor Tooms morara em 1903, mas também em 1963. Estaria ele ali agora? Boa pergunta.

       Ela sacou do revólver e acompanhou Mulder pela entrada semiblo-queada com tábuas. Tinha chegado a hora de descobrir.

       Scully entrou no prédio de número 66 da Rua Exeter e acendeu a lanterna. Ao lado dela, Mulder fez o mesmo.

       Estavam em um corredor estreito. A escuridão era total, ali dentro, havia poeira e teias de aranha por toda parte. O lugar tinha um forte cheiro de bolor e podridão.

       Os dois agentes moviam-se em silêncio pelo velho prédio. Adiante deles, os fachos das lanternas iam cortando a escuridão.

       Aos pés de uma escada de madeira, Scully e Mulder trocaram olhares. Estavam dispostos a examinar os apartamentos de cima, se não houvesse outro jeito. Mas, primeiro, tinham de investigar o piso térreo.

       Scully foi na frente pelo corredor, para o apartamento onde Eugene Tooms tinha morado.

       — Este é o 103 — disse ela, parando na frente de uma porta que estava quase caindo.

       Ela virou o trinco e empurrou. A porta se abriu com facilidade e Scully entrou primeiro, com as tábuas do assoalho rangendo debaixo de seus pés.

       Era só um apartamento velho. As janelas estavam todas lacradas, com tábuas pregadas. Raios bem finos de luz passavam pelas frestas. Exceto pelo lixo que havia no chão, a sala estava vazia, mas Scully não conseguiu impedir a expressão de horror que tomou conta de seu rosto.

       Mulder balançou a cabeça, compreensivo, e disse:

       — O velhote tinha razão. Dá pra sentir a presença daquilo. Nada que Scully tinha aprendido, nos seus estudos científicos, a havia preparado para aquilo. E não se tratava de um tipo de fenômeno em que ela acreditava, o de uma pessoa entrar em um aposento e sentir algo terrível, ou mesmo uma lembrança aprisionada nas paredes, pairando no ar. Mas Briggs estava certo. Alguma coisa horrível tinha acontecido ali. E a sensação disso ainda estava naquela sala, tão real quanto a arma que estava em sua mão.

       Scully varreu as paredes com o facho da lanterna, determinada a concentrar-se nos aspectos físicos da investigação. Queria provas que pudesse tocar com os dedos, provas que pudesse levar ao Tribunal.

       Notou que a fachada de tijolos aparecia nos buracos da forração interna. A tinta tinha desgrudado das paredes. Viu um lavatório sujo, embaixo de um armário com as portas arrancadas, e um colchão manchado, encostado contra uma parede. Mas não havia sinal de Tooms. Tudo indicava que fazia muitos anos que aquele apartamento estava inabitado.

       — Não há nada aqui — disse Scully. — Vamos embora.

       Mas Mulder parecia interessado no velho colchão. Ele o desencostou da parede e iluminou a parte de trás com a lanterna. Deixou o colchão cair, dizendo:

       — Dê uma olhada.

       Scully viu o que havia atraído a atenção dele: um buraco de pouco menos de um metro e meio de altura, aberto na forração da parede. Parecia grande o suficiente para dar passagem a um homem.

       Ela iluminou a passagem com a lanterna e viu uma escada que descia para a escuridão.

       — O que há lá embaixo? — perguntou Mulder.

       — Não sei — respondeu Scully. Ela enfiou o revólver na cintura e disse: — Vamos descobrir.

       Sem hesitar, Scully desceu pela escada de metal. O berloque de seu colar balançou no ar, quando ela começou a descer.

       Mulder vinha logo atrás.

       Desceram apenas meia dúzia de degraus e chegaram ao fundo. Estavam numa área completamente escura, mais ainda do que o corredor de cima. Scully apontou a lanterna para cima da cabeça. O facho iluminou vários canos de metal, que iam de um lado para o outro, o que deixava dúvidas de que estavam no porão do prédio.

       O lugar era frio e úmido, o que fez Scully se sentir ainda pior do que no apartamento. Lutou para parar de tremer, pois não queria que as teorias de Frank Briggs, nem a sua imaginação, tomassem conta dela.

       Com todo o cuidado, os dois agentes começaram a investigar o porão. Por fim, Scully balançou a cabeça e disse, desapontada:

       — Nada. Isto aqui é apenas a antiga área de armazenamento de carvão.

       — O que é aquilo? — perguntou Mulder, apontando a lanterna para a frente. Alguma coisa brilhante refletia a luz do farolete. Ele caminhou na direção do objeto brilhante e perguntou: — Alguma família que está se mudando resolveu vender seus pertences?

       Em uma caixa de madeira havia uma coleção de objetos: um cachimbo, uma caneca de café, um acendedor de cigarros feito de vidro, uma caixa esmaltada, uma bonbonnière e um peso de papel, com um modelo da Terra na parte de dentro.

       Mulder ajoelhou-se para examinar a coleção. Apanhou o acendedor de cigarros, de maneira que Scully pudesse ver a sua base, e comentou:

       — Tem o mesmo formato da marca encontrada na lareira de Werner.

Scully balançou a cabeça, lembrando o que Frank Briggs tinha dito a eles sobre o suspeito:

       — Briggs falou que Tooms gostava de troféus.

       — Será que Tooms mora aqui? — pensou Mulder, em voz alta. Ainda ajoelhado, ele dirigiu o facho da lanterna para o outro lado do depósito de carvão. Scully viu que a parede estava manchada e úmida.

       — Parece que a parede está apodrecendo — disse ela.

       — Não — disse Mulder. — Foi alguém que a deixou daquele jeito. Antes que Scully pudesse perguntar o que ele queria dizer,

       Mulder já estava indo examiná-la. Alguns segundos depois ele já estava lá, e ela viu que Mulder tinha razão. Alguém tinha amontoado uma série de coisas junto à parede: trapos sujos, pedaços de folhas de jornal e até lixo, tudo grudado junto para formar um monte bastante grande. Ia do piso ao teto, e de parede a parede.

       — É um ninho — disse Mulder em voz baixa, estupefato. Scully observou que as coisas que formavam o ninho tinham sido coladas com uma substância pegajosa, de cor amarelo-esverdeado. No Centro do monte havia um buraco.

       — Olhe aqui — disse ela —, veja esta abertura. Acha que tem alguma coisa dentro?

       Como se fosse em resposta à pergunta dela, Mulder enfiou a mão no buraco.

       Scully estava a ponto de fazer o mesmo... quando percebeu o que era a substância pegajosa.

       — Oh, meu Deus, Mulder! — ela tentou se controlar, mas sentiu O estômago revirar. — Tem cheiro de... Acho que é bílis. Tooms deve ter tirado isso do fígado de suas vítimas.

       — Oh — exclamou Mulder, que parecia estar sentindo enjôo. — Acha que vou poder limpar isso dos dedos sem desmanchar minha aparência de frieza?

       Scully não se preocupou em responder.

       Mais do que depressa, Mulder limpou a mão no chão.

       Aí levantou-se e examinou o ninho de novo, para dizer em seguida:

       — Não acho que Tooms esteja morando aqui — sua mente trabalhava depressa, tratando de montar um padrão que explicasse os dados do Arquivo X sobre aquele caso. — Acho que é aqui que Tooms... hiberna.

       — Hiberna? — repetiu Scully.

       — Escute — disse Mulder —, e se algum tipo de mutação genética permitisse a um homem despertar a cada trinta anos?

       — Mulder...! — exclamou Scully. Dessa vez até ele estava exagerando. Nem mesmo ele poderia acreditar em teoria tão absurda.

       Mas Mulder estava aceso demais com aquela idéia, para parar por ali.

       — E se os cinco fígados pudessem proporcionar suficiente substância para esse período? — continuou ele. — E se permitissem a ele regenerar as células de seu corpo, de maneira a nunca ficar velho? E se Tooms fosse um mutante genético do século 20?

       Scully ficou pensando a respeito por uns cinco segundos, para em seguida descartar a idéia. Os troféus e o ninho eram estranhos, sim, mas não bastavam para tornar possível aquela teoria. Só que não era hora de discutirem a respeito. Ela e Mulder tinham coisa muito mais importante com que se preocupar.

       — Seja como for — disse ela —, Tooms não está aqui agora. Mas vai voltar.

       Mulder concordou e sugeriu:

       — Vamos precisar montar uma campana neste lugar.

       Scully deu uma risada amarela. Sabia que não iria ser fácil conseguir apoio para aquela campana. Desde o começo Colton tinha lutado contra qualquer possibilidade de envolvimento com os Arquivos X, portanto, não iria ficar nada contente quando Scully fosse lhe pedir para colocar mais agentes com eles.

       — Vamos precisar usar muitos truques para conseguir isso — disse ela a Mulder.

       — Então eu fico de olho por aqui — disse ele —, enquanto você vai à cidade e procura aplicar todos os truques que conhece.

       Scully concordou. Faria tudo o que fosse possível.

       Os dois agentes trataram de sair do depósito de carvão, mas dessa vez Mulder seguiu na frente, quando Scully parou de repente, por falta de fôlego. Gritou:

       — Espere! Eu estou...

       Mulder virou-se depressa e perguntou:

       — O que foi?

       — Acho que fiquei presa em alguma coisa... — disse ela, torcendo o corpo. Fosse o que fosse que a havia prendido, já a havia soltado. E ela disse: — Tudo bem, tudo bem...

       E ela seguiu Mulder pela escada, para fora do porão.

       O teto do depósito de carvão do prédio era cheio de encanamentos. Se Scully tivesse levantado o facho da lanterna acima da cabeça, mais uma vez, talvez tivesse visto uma mão no meio dos canos. Uma mão que havia roubado o seu colar.

       Se ela tivesse levantado o facho da lanterna um pouco mais alto, teria visto os olhos vermelhos como fogo de Eugene Tooms. Ele tinha estado ali o tempo todo. Agora, seus olhos acompanhavam os agentes, que deixavam o porão. Suas mãos se apertaram ao redor do colar de Scully. Um troféu para cada vítima, quatro vítimas feitas, só faltava uma.

       E ele acabara de encontrar sua vítima número cinco.

 

       Mulder ficou sentado em seu carro, bem na frente do prédio número 66 da Rua Exeter. Mesmo à luz do dia o velho prédio parecia assustador, como se guardasse muitos segredos, como se a escuridão que havia lá dentro pudesse sair pela cidade e espalhar-se, até que a própria luz do dia acabasse sendo sufocada.

       Mulder enfiou a mão no bolso, tirou um lenço e limpou os dedos, pela terceira vez. Sabia que era tolice, mas não conseguia evitar, Gostaria de poder esquecer o nojo que sentira ao tocar a bílis que revestia o ninho de Tooms. Sabia que Tooms não era um homem comum e não conseguia evitar o pensamento de que a maldade daquele ser infectava tudo o que tocava.

       Mulder virava de um lado para o outro, no banco do carro, apesar de tentar dominar a impaciência. Afinal de contas esperar era uma parte importante do seu trabalho. Mas a verdade é que não estava gostando nada daquilo.

       Seus olhos se fixaram no espelho retrovisor, quando a porta de trás do carro se abriu e um homem de meia-idade, de terno e gravata, entrou. Alguns segundos depois, um segundo homem entrou e se sentou no banco da frente. Mulder, aliás, estava esperando por eles. Eram os agentes Kennedy e Kramer, do Departamento de Crimes Violentos. Mulder consultou o relógio:

       — Já era hora de aparecerem.

       Kramer passou a mão pela sua cabeça, quase totalmente careca, e perguntou:

       — E aí? O que é que estamos investigando aqui?

       Mulder mostrou a ordem de prisão e as fotos de Tooms.

       — Eugene Tooms. Está desarmado, mas pode considerá-lo perigoso.

       Os dois agentes balançaram a cabeça. Eram bastante altos e fortes, mais velhos do que Mulder. Ambos pareciam cheios de autoconfiança, como se já tivessem resolvido o caso.

       — Scully e eu voltaremos para substituí-los dentro de oito horas, se Tooms não aparecer — prometeu Mulder. — Aqui mesmo.

       — Certo! — concordou Kennedy, acrescentando, num tom de voz mais baixo: — Estranho...

       Os dois agentes ficaram rindo. Mulder hesitou por um momento, seu rosto, porém, não mostrou nenhuma reação. Podiam chamá-lo do que quisessem, nunca se preocupara com apelidos. O que o preocupava, sim, era a certeza de que Eugene Tooms iria matar de novo.

       Num pequeno escritório no prédio da polícia de Baltimore, Scully consultou o relógio. Já eram quase seis e meia da tarde, faltando apenas pouco mais de duas horas para que se juntasse a Mulder na campana. Talvez devesse ir para casa um pouco. A idéia de um banho quente a agradava, porque se sentia suja de certo modo, como se o ar do depósito de carvão de Tooms tivesse grudado em sua pele.

       Ela estava colocando suas coisas na pasta quando se abriu a porta do escritório e Tom Colton entrou por ela. Bateu a porta com tanta força que a bandeira de vidro quase se quebrou.

       Scully ergueu uma sobrancelha quando deu com Colton, que parecia estar furioso com alguma coisa. Ele nunca tinha sido capaz de esconder suas emoções.

       O agente atirou uma folha de papel sobre a mesa e disse, em tom severo:

       — Temos de conversar.

       Scully já imaginava do que se tratava, e a última coisa que queria era discutir o assunto com Colton.

       — Não posso conversar agora. Tenho de me encontrar com Mulder.

       — É exatamente sobre isso que temos de falar — insistiu Colton. Ele se curvou para a frente e bateu na mesa, enquanto falava: — Vocês estão usando dois dos meus agentes para ficarem de campana na frente de um prédio que já foi condenado e desocupado há dez anos!

       — Isso não interfere de modo algum com a sua investigação — defendeu-se Scully, com toda a calma do mundo.

       O olhar de Colton ficou mais frio.

       — Quando almoçamos, noutro dia, eu achei que seria ótimo trabalharmos juntos. Você era uma ótima agente, Dana, mas agora, depois de ver como Mulder lhe aplicou uma verdadeira lavagem cerebral... não vejo a hora de tê-la bem longe de mim.

       Scully levantou-se. Já tinha ouvido o suficiente, e Colton estava agindo como um garotinho mimado. Sem ao menos olhar para ele, levantou-se e caminhou para a porta.

       Mas Colton a fez parar, com uma informação desagradável:

       — Não precisa mais ir pra lá. Mandei cancelar a campana. Scully virou-se de frente para ele, sem se preocupar em controlar seus nervos, e disparou:

       — Você não pode fazer isso! Colton sorriu de modo cínico.

       — Tem razão. Eu não posso, mas o meu supervisor regional podia, especialmente depois que eu lhe contei sobre o desperdício irresponsável de horas-homem.

       Scully foi para o telefone, mas Colton apanhou o aparelho primeiro, suplicando:

       — Não, por favor, me deixe ligar eu mesmo para Mulder, porque quero lhe dar as "boas notícias".

       Scully tremia de ódio enquanto Colton discava. E pensar que eles estavam tão perto de agarrar Tooms! Colton, com seu exagerado egoísmo e ambição pessoal, estava pondo tudo a perder.

       — É isso que se deve fazer para "subir na vida"? — perguntou ela furiosa, forçando um tom baixo de voz.

       — Até o degrau mais alto — garantiu Colton.

— Então eu vou ficar esperando para ver o dia em que você vai cair e quebrar a cara! — prometeu ela.

       Colton, sorrindo, observava Dana sair pisando duro. Tiraria Mulder e Scully daquele caso, de uma vez por todas.

       Depois de discar o número de Mulder, ficou ouvindo a gravação na secretária eletrônica do agente.

       "Aqui é Fox Mulder. No momento, não estou. Por favor, deixe seu recado."

       "Vai ser um prazer", pensou Colton, enquanto esperava pelo sinal. "Vai ser um prazer dizer-lhe que sua campana acaba de ser cancelada, Mulder."

       Scully estava distraída quando pegou o carro para voltar para casa. Sua mente girava ao redor do caso, como se ele fosse rodeado por uma parede de concreto, sem uma porta por onde pudesse entrar. Seus pensamentos voltaram-se para Briggs, e ela se lembrou de tê-lo ouvido dizer que sempre tinha conseguido esquecer os casos que investigava, quando ia para casa. E de como isso era importante para o policial que desejasse fazer o seu trabalho sem acabar ficando louco.

       Scully entendia perfeitamente o que ele queria dizer. A mera visão do velho e bonito prédio em que morava normalmente era o bastante para deixar para trás toda a pressão do seu trabalho. Naquela noite, no entanto, isso parecia impossível, pois aquele caso permanecia com ela, durante cada segundo do dia, como se fosse uma segunda pele.

       Scully estacionou na frente do prédio e caminhou para a porta de entrada, bem iluminada. O que ela não sabia era que aquele caso de fato tinha ido para casa com ela.

       Eugene Tooms escondeu-se atrás do carro que estava estacionado na frente do dela, e ficou observando cada movimento que Scully fazia.

 

       A escuridão encobriu a cidade. A hora de pico de tráfego já havia passado, e as calçadas estavam vazias, na área central. Mulder encontrou-se voltando para a Rua Exeter, n. 66, depois de ter ficado agitado o dia todo. Não tinha conseguido nem comer nem dormir, tampouco conseguira fazer o trabalho no escritório.

       Ainda faltavam mais de duas horas para iniciar o seu turno na campana, mas não poderia esperar mais. Não agora, que tinha encontrado o ninho de Tooms, principalmente agora, que estava tão perto de agarrá-lo!

       Virou na Exeter e estacionou do outro lado, na frente do número 66. Ali não havia postes com luzes acesas, por isso a sombra do prédio estendia-se ameaçadora por quase toda a rua, projetada pelo luar. Ele via a nuvem de vapor que saía de uma boca-de-lobo perto da calçada. A rua parecia ainda mais vazia do que havia estado durante o dia.

       Mas a rua não devia estar vazia, Mulder deu-se conta, após consultar o relógio. Kennedy e Kramer ainda deveriam estar ali, observando o prédio.

       Mulder saiu do carro e olhou para todos os lados da rua. Não havia nenhum sinal dos dois agentes, nem do carro deles.

       — Onde está todo mundo? — disse ele, em voz alta, para gritar depois: — Kramer! Kennedy!

       Não ouviu resposta.

       — Scully? — chamou ele —, você está aí?

       De novo, a única resposta foi o silêncio.

       Mulder tinha um péssimo pressentimento a respeito daquilo tudo. Havia algo de errado, muito errado!

       E ele saiu correndo na direção do prédio onde Eugene Tooms morava.

       Scully entrou em seu apartamento.

       Tinha-se mudado para aquele prédio logo depois de formada na Academia, e havia trabalhado muito para tornar aquele lugar um lar perfeito para refugiar-se depois do trabalho. Os aposentos bem arejados eram todos decorados com a predominância de cores cálidas e ensolaradas. Tudo era limpo e bem arrumado, nos lugares certos.

       Naquela noite, no entanto, Scully não prestou atenção na aparência do seu apartamento. Com movimentos rápidos, e até violentos, ela dependurou o casaco e chutou os sapatos para longe. Ainda estava furiosa pelo fato de Colton ter cancelado a campana. Não sabia o que iria dizer a Mulder, e como ele estaria reagindo.

       Encheu um copo com água mineral e apanhou o telefone sem fio.

       Discou o número de Mulder e suspirou, enquanto ouvia a gravação na secretária eletrônica dele. "Por que Mulder nunca está em casa, quando eu preciso tanto falar com ele?"

       — Mulder — começou ela —, acho que você saiu, já que Colton nos deu folga esta noite. Precisamos fazer uma queixa formal contra ele. Estou furiosa. Ligue pra mim quando chegar em casa. Tchau.

       Ela desligou o telefone e foi preparar seu banho. Adorava a velha banheira de ferro fundido e os azulejos coloridos nas paredes do banheiro. Acima da banheira ela colocara as toalhas e pequenas prateleiras cheias de sais de banho. Uma janela bem alta, com vidraças opacas, enchia o banheiro de luz durante o dia. À noite, os brilhantes azulejos tornavam esse aposento bastante aconchegante.

       Scully abriu os registros de água quente e fria, ajustando os dois até que a água atingisse a temperatura ideal.

       Queria que Mulder ligasse logo. Não conseguiria relaxar enquanto não tivesse conversado com ele, enquanto não a ajudasse a decidir como passar por cima de Colton. E, principalmente, enquanto não capturassem Tooms.

       Estava a ponto de prender os cabelos para cima quando se lembrou de que a escova estava em sua bolsa, que ela colocara no quarto. Então saiu do banheiro para apanhar a escova.

       Foi por isso que não viu o perfil do corpo de um homem, encostado à janela do banheiro.

       Mulder empurrou a porta quebrada do prédio 66 da Rua Exeter.

       Não conseguia entender o que poderia ter acontecido com os dois agentes do FBI, pois eles ainda deveriam estar de campana. Também não conseguia esquecer que Tooms já tinha assassinado alguém naquele mesmo prédio. Só esperava que ele não tivesse assassinado outra pessoa ali de novo.

       Acendeu a lanterna e entrou pelo corredor deserto, em direção ao apartamento 103, cuja porta ainda estava aberta.

       Seu coração disparou no mesmo instante em que ele entrou no apartamento vazio. Nunca se dera conta de que o espírito do mal era uma presença viva, como todos nós, mas acabara de entrar no seu covil. Não tinha mais dúvidas: Tooms tinha voltado ali.

       Mulder não queria nada além de poder correr para tão longe e tão depressa quanto pudesse! Mas procurou convencer-se da necessidade de ir adiante, mesmo correndo o risco de encontrar Eugene Tooms.

       O velho colchão permanecia no mesmo lugar onde ele e Scully o haviam deixado. Segurando a lanterna em uma das mãos, ele sacou o revólver com a outra. Lentamente, passou através do buraco na parede e desceu a escada, a caminho do depósito de carvão.

       Varreu os espaços escuros com a luz da lanterna. O porão também parecia intocado, porém isso não fazia sentido. "Tooms deve ter voltado, eu posso sentir isso!"

       Com o coração batendo forte, Mulder atravessou o porão e lançou o facho da lanterna sobre a caixa de madeira. Os troféus de Tooms refletiram a luz. Mulder reconheceu o peso de papel com a imagem da Terra, o cachimbo e o acendedor de cigarros de Werner.

       Mas havia um novo troféu ali, um troféu que fez congelar o sangue em suas veias. Dependurado na caixa de madeira estava o reluzente colar de Scully.

 

       Scully estava em pé no quarto, de frente para o espelho, prendendo os cabelos para tomar seu banho de imersão, mas nem via o próprio reflexo no espelho. Sua mente ainda estava no caso. Sabia que eles haviam chegado bem perto de encontrar Tooms naquele dia, e o que tinham encontrado a havia deixado muito agitada.

       "Será que Mulder poderia estar certo?", pensou ela. "Será que Tooms é algum tipo de mutante que hiberna durante trinta anos para depois despertar? E será que ele se mantém vivo à custa de matar pessoas e comer o fígado delas? Será que ele viveu mesmo desde o princípio do século? Ou até antes?"

       Com um riso inconformado, Scully balançou a cabeça. Enquanto não visse exames médicos que provassem o contrário, ela iria continuar considerando Eugene Victor Tooms um ser humano. Um ser humano, porém, extremamente perigoso.

       Scully consultou o relógio. Se tomasse o seu banho, Mulder teria mais uma hora para responder ao seu recado. Depois do banho, tivesse ele telefonado ou não, ela iria voltar para a Rua Exeter. Mesmo se ele não checasse os recados recebidos em sua secretária eletrônica, ele sabia que a encontraria lá. E, se tivessem de terminar a campana sozinhos, assim seria. Ela não estava a fim de permitir que Colton estragasse as investigações dela e de seu parceiro.

       Ela voltou para o banheiro bem a tempo de fechar os registros, pois a banheira estava quase cheia. Estendeu a mão a uma das prateleiras onde havia óleos e loções de banho, escolheu um frasco com um líquido azul e derramou um pouco na água quase fervente da banheira. O banheiro se encheu com o aroma de alecrim.

       Scully começou a tirar a roupa. Primeiro, abriu os dois botões de baixo da blusa, mas parou assim que percebeu ter esquecido de levar o roupão para o banheiro.

       "Sem dúvida alguma este caso me deixou distraída", pensou consigo mesma, "ou isso, ou então estou ficando perturbada."

       Ela começou a voltar para o quarto, e foi nesse momento que sentiu aquilo, alguma coisa úmida no pulso. Levantou a mão na direção da luz e viu duas gotas de um líquido verde-amarelado.

       Aquilo não fazia sentido, porque o óleo de banho era azul. Além disso, não havia derramado nada. Ela parou para pensar por um segundo: o prédio não era tão novo, talvez houvesse algum vazamento no teto, vindo do apartamento de cima.

       Ela olhou para o forro e sentiu os músculos do peito endurecerem de medo. Bem em cima dela havia uma grade do sistema de aquecimento central, de onde um líquido amarelado e espesso estava escorrendo por um dos cantos.

       "Não!", pensou ela. E tentou dominar a onda de pânico que começava a tomar conta dela. Ergueu a mão e cheirou o líquido. Todo o seu corpo congelou de terror quando reconheceu aquele cheiro.

       De repente percebeu o quanto estava sozinha e deu-se conta de que havia muitos lugares para uma pessoa se esconder em seu apartamento. Especialmente para alguém que conseguia se esconder dentro de um cano, ou debaixo de uma estante, ou nos dutos do sistema de ar condicionado, no forro de seu apartamento.

       Scully tocou a substância verde-amarelada. Tinha de ter certeza, e infelizmente teve mesmo. Não estava enganada, só podia ser bílis de um fígado humano.

       "Oh, meu Deus!", disse ela baixinho.

       Mulder estava sentado no carro, com os olhos arregalados olhando para as luzes vermelhas e azuis que piscavam ao longe. Apoiou uma das mãos sobre o volante e segurou a cabeça com a outra mão. Não acreditava no que estava passando. Com todos os lugares do mundo, um acidente tinha de acontecer justo naquela avenida, bem na frente dele! O tráfego não tinha saído do lugar nos últimos vinte minutos.

       A única coisa em que conseguia pensar era o que tinha encontrado no porão do prédio 66 da Rua Exeter. Tooms estava com o colar dela, Tooms havia pegado o colar de Scully! Isso só poderia significar uma coisa: Scully seria a próxima vítima.

       Mulder apanhou o telefone celular e discou o número de Scully pela vigésima vez. Estivera tentando falar com ela desde que saíra da Rua Exeter. Uma vez mais, o telefone de Scully chamou, e chamou. Mulder não conseguia compreender o que estava acontecendo. Scully tinha uma secretária eletrônica, portanto, se ela não estivesse em casa, a máquina deveria estar ligada.

       "Vamos, Scully", resmungou ele, "atenda!"

       Mas só ouviu o telefone chamando sem parar. De certo modo, isso o assustou mais do que o fato de ter encontrado o colar no ninho de Tooms.

       Mulder suspirou aliviado quando começaram a se mover as luzes que piscavam adiante. Alguns segundos depois também se moviam os carros que estavam à frente dele.

       Mulder ligou para o número de Scully uma vez mais, enquanto esperava que o tráfego andasse à velocidade normal. Aí atirou o telefone para o lado e pisou fundo no acelerador. Esperava não estar atrasado, esperava que houvesse algum motivo simples e bobo pelo qual Scully não estava atendendo o telefone.

       Na verdade, havia uma razão pela qual Scully não estava atendendo, no entanto não era um motivo simples e bobo. Ela não atendia porque o telefone não tocava, portanto Mulder não iria conseguir falar, nem que tentasse a noite inteira. Ninguém conseguiria porque, no porão do prédio dela, alguém havia cortado os fios do telefone de Scully.

       Durante alguns segundos, o pânico manteve congelados todos os músculos do corpo de Scully.

       "Estou sozinha no apartamento, com Tooms." Seu coração disparou, fazendo o sangue correr em ritmo de terror, por suas veias. "Tooms está me caçando."

       Ela ordenou a si mesma que respirasse bem fundo, mas o pânico irrompeu e o instinto de sobrevivência tomou conta. Ela correu para o quarto. "Meu revólver, preciso pegar o meu revólver."

       Tinha deixado só uma luz acesa no quarto, a do abajur de cabeceira. Todo o resto do quarto estava na penumbra. Tooms poderia estar em qualquer lugar: no armário, debaixo da cama, agachado no meio das sombras.

       "Por favor, meu Deus", pediu ela, "que ele não esteja aqui!"

       Conseguiu chegar à mesa, que ficava na parte mais escura do quarto. Desesperada, procurou pelo revólver. Sua mão tocou em papéis, no computador portátil, numa caixa de clipes de papel, mas a arma não estava lá.

       Scully procurou concentrar-se, para pensar com calma. Onde teria deixado o revólver? Sabia que havia trazido a arma consigo para casa, na bolsa. O revólver ainda estava na bolsa, e a bolsa estava sobre a cama.

       Ela correu pelo quarto, alcançou a bolsa e abriu o mais depressa que conseguiu. Seu coração só desacelerou um pouco quando seus dedos tocaram num frio tambor de metal.

       Agora ela era a caçadora.

       Agarrou a coronha do revólver com ambas as mãos, levantou-o bem na sua frente e começou a andar devagar pelo apartamento, procurando por Tooms.

       Com um movimento de ombro, Scully acendeu a luz do quarto. Olhou debaixo da cama, no armário, debaixo da mesa, em todos os lugares onde ele poderia se esconder. Mas ela estava sozinha no quarto, apesar de ter certeza de que Tooms estava no apartamento, bem escondido.

       Com todo o cuidado, ela foi para a sala de visitas. Lembrando-se das marcas encontradas na casa de Werner, ela foi checar a lareira. Nenhum sinal de Tooms.

       "Será que ele ainda está escondido no sistema de aquecimento central, no teto do banheiro?"

       Ela foi pelo corredor que levava ao banheiro, movendo-se devagar, em silêncio total. Sentia como se estivesse ouvindo com todo o seu corpo, esperando que Tooms fizesse o mínimo ruído.

       Olhou pelo duto de ventilação no forro do corredor. Nada. Virou-se depressa, quando pensou ter ouvido um barulho atrás de si. Deliberadamente apontou a arma para uma grade do sistema de ar condicionado, pouco acima do piso. Mais uma vez, nada.

       Ela respirou fundo, aliviada, e voltou para o banheiro.

       Não viu a grade do sistema de aquecimento abrir-se. Só ouviu a pancada seca que fez a peça de metal pesado quando voou da parede e caiu sobre o assoalho de madeira.

       No mesmo instante a mão de Tooms saiu de dentro do duto e fechou ao redor do tornozelo de Scully, puxando com toda a força.

       Scully bateu com força contra o chão e a arma caiu de suas mãos e voou para longe, escorregando pelo piso, para baixo da banheira.

       Ela conseguiu se virar e ficar de costas para o chão. O terror a fez ficar paralisada, quando olhou para Tooms. O rosto dele tinha ficado marcado pela grade do duto de ventilação.        Já não tinha a expressão amedrontada e inocente. Mais parecia um violento predador, pronto para devorar sua vítima.

       Durante um longo instante os olhares dos dois se cruzaram. Então, um rosnado baixo e animalesco tomou conta do apartamento e Tooms, usando uma força inacreditável, começou a puxá-la em sua direção.

       Scully viu que nunca havia enfrentado nada parecido com Tooms, que aquela seria a luta mais dura de toda a sua vida e que, se ela não vencesse, também seria a última.

 

       O carro de Mulder parou cantando pneus na frente do prédio onde Scully morava.       Saltou rapidamente e ficou parado por um instante, para olhar as janelas do quarto andar. Havia uma luz acesa no apartamento de Scully.

       "Então ela está lá, e sou capaz de apostar qualquer coisa que Tooms também está!"

       Mulder correu para a entrada do edifício e foi voando pelo corredor, a caminho da escada. Não queria se arriscar a ficar preso no elevador.

       Foi pela escada, subindo dois degraus de cada vez, e disparou pelo corredor que levava ao apartamento de Scully.

       — Scully! —, gritou, batendo forte na porta; não houve resposta. — Scully!

       Ainda nenhuma resposta. Ele tentou girar o trinco, mas Dana tinha sido cuidadosa, como sempre, e deixara a porta bem trancada.

       Mulder encostou a orelha à porta e ouviu barulhos vindos lá de dentro, que denotavam luta.

       "Pelo menos ela está livre", pensou Mulder. Mas sabia que, se não entrasse logo, Scully teria apenas alguns minutos de vida.

       Scully sabia que tinha de fazer duas coisas: escapar das mãos fortes de Tooms e recuperar seu revólver, caso contrário, não teria a mínima chance de sobreviver.

       Desesperadamente ela se agarrou ao batente da porta do banheiro, usando toda a força de que era capaz, e puxou o corpo na direção da porta. Ao mesmo tempo chutou violentamente o braço que a agarrava pelo tornozelo. E chutou de novo, até que conseguiu se livrar dos punhos de aço de Tooms.

       Ainda deitada de costas ela escorregou para longe do duto de ventilação, entrando no banheiro. Fez uma pausa de menos de um segundo, aterrorizada e sem fôlego. Sem acreditar nos seus olhos, ela viu então que o corpo de Tooms estava se esticando, alongando, assumindo um comprimento impossível, ficando inacreditavelmente estreito até escapar de dentro do duto de ventilação. Scully nem teve tempo de gritar. Num segundo ele estava no ar, e no instante seguinte caía por cima dela, prendendo-a ao chão.

       Scully lutou furiosamente para escapar, mas Tooms era forte demais para ela. Ele estava de joelhos e de pernas abertas, e a prendia ao chão com a força de dez homens. Exalava um horrível fedor de suor e de bílis.

       Scully deu um puxão com o corpo, tentando derrubá-lo de cima dela, mas Tooms nem se moveu. Agarrou o queixo de Dana com uma das mãos e levantou a outra mão. Ela percebeu o que ele estava planejando. Pretendia atingi-la com força e fazê-la desmaiar, para que pudesse tirar o que queria, sem resistência alguma da vítima.

       Scully não sabia se teria força suficiente para escapar, embora tivesse certeza de que poderia tornar as coisas bastante difíceis para ele. Antes que Tooms a pudesse atingir, ela lhe deu um violento soco no queixo, fazendo com que sua cabeça tombasse para trás, o que a fez sentir um fio de esperança. Pelo menos era possível feri-lo.

       Tooms tornou a erguer o braço. Dessa vez Scully reagiu com ambas as mãos. Como uma gata, ela atacou os olhos dele com as unhas, ar-ranhando-os e tentando furá-los. Se conseguisse cegá-lo, teria uma boa chance de escapar.

       Com um grito de fúria, Tooms agarrou-a pelos pulsos e, quando ele a empurrou violentamente contra o chão, ela quase perdeu o fôlego. Levantando-lhe os pulsos acima da cabeça, Tooms os prendeu com uma única mão.

       Com a outra mão ele puxou a blusa dela até as costelas, expondo o seu ventre. Seus olhos ardiam com uma expressão faminta.

       O coração de Scully batia com tamanha violência que ela temia que explodisse. O terror tomou conta dela, como se um relâmpago tivesse estourado bem diante dos seus olhos. Sua hora tinha chegado. Ela sabia exatamente o que estava para acontecer, ou seja, a mesma coisa que tinha acontecido com George Usher e com Thomas Werner. Tooms ia matá-la... de maneira que ele pudesse continuar vivendo e matando de novo.

       E ela nada podia fazer para impedi-lo.

 

       Mulder chutou com força a porta de Scully, provocando uma dor insuportável em sua perna. Era típico de Scully escolher um apartamento com uma porta que parecia ser de ferro.     Ele jogou a perna para trás e mandou outro violento chute contra a porta, e dessa vez conseguiu começar a quebrar a madeira. Chutou de novo... por fim a porta se escancarou.

Mulder entrou no apartamento escuro com o revólver apontado.

       — Scully, você está aí? — gritou ele. Como resposta ouviu um grito abafado.

       Ele acendeu a luz da sala de visitas. O aposento estava limpo, em ordem, vazio.

       — Scully?

       Ouviu de novo os sons abafados. Dessa vez deu para identificar que vinham do banheiro.

       Mulder estendeu a mão para a porta aberta do banheiro e, por uma fração de segundo, nem notou a presença de Tooms. Tudo o que viu foi que Scully ainda estava viva.

       Então o cérebro de Mulder rapidamente assimilou todo o cenário. Tooms a havia soltado e estava com o rosto encostado na janela. Um barulho de vidro quebrado encheu o banheiro quando Tooms arrebentou a vidraça com um único soco. Com uma força inumana ele estendeu a mão e começou a impulsionar o corpo na direção da abertura da janela.

       Mas Scully já tinha se levantado e não estava disposta a deixar Que Tooms escapasse. De um salto ela se agarrou aos tornozelos dele.

       — Parado! — gritou Mulder, mas não podia atirar, porque Scully estava entre ele e o assassino.

       Mulder sentiu um frio na espinha quando Tooms se voltou para Scully.

       Ele a agarrou pela garganta e a empurrou para trás. Mulder sabia até que ponto ia a força de Tooms, e Dana estava a um segundo de ter o seu pescoço quebrado.

       Rapidamente Mulder abriu as algemas e foi atrás de Tooms. Agarrou-o pelo braço, mas não foi suficientemente rápido para poder algemá-lo.

       Tooms soltou Scully e decidiu enfrentar Mulder e, como um touro enraivecido, atacou, derrubando o agente no chão.

       Mulder rolou pelo piso e deu violento chute em Tooms. Não foi o suficiente para que ele parasse, mas ao menos Mulder ganhou um pouco de tempo e distância. Sabia que, se Tooms o conseguisse segurar, ele não teria nenhuma chance.

       Tooms jogou-se em cima dele, urrando como um animal ferido e levantou a mão aberta, como se fosse uma faca, pronto para enfiá-la no ventre de Mulder.

       Scully agarrou o outro braço de Tooms, fechou a algema ao redor do pulso dele e prendeu a outra extremidade no cano da torneira da banheira.

       Mulder levantou-se no mesmo instante, com o revólver apontado para o assassino, que puxou o braço com força, tentando soltar a algema. Mas o velho encanamento era bastante resistente, e gradualmente Tooms foi ficando mais calmo. Sabia que dessa vez não conseguiria escapar.

       Com a arma apontada para Tooms, Mulder olhou para Scully, encostada à parede, ainda respirando com dificuldade.

       — Você está bem? — Mulder perguntou a ela.

       Scully balançou a cabeça, para dizer que sim. Estava tremendo e parecia exausta.

       Mulder olhou de volta para seu prisioneiro e disse:

       — Muito bem. Parece que não vai conseguir a cota que precisava para este ano.

       Scully sorriu, pela primeira vez naquele dia.

 

       O sol forte da manhã entrava pelas janelas da Casa de Retiro Lynn e Acres. Frank Brigss estava sentado em seu apartamento, lendo os jornais da manhã. Estava em sua cadeira de rodas e sozinho, como sempre.

       "Já faz muito tempo que eu não posso interferir nas notícias, nada posso mudar", refletiu consigo mesmo. "Mas, pelo menos, ainda posso informar-me a respeito".

       Um peso" de tristeza tomou conta dele quando leu a manchete da primeira página: AS CONSEQÜÊNCIAS DA LIMPEZA ÉTNICA. A primeira página ainda estampava uma foto das vítimas da guerra.

       "É hediondo!", pensou Briggs. "Pior ainda, é interminável! Por que os homens insistem em fazer essas coisas uns com os outros?"

       Balançando a cabeça de tristeza, Briggs virou a página. Suas sobrancelhas se ergueram de surpresa quando ele viu uma manchete muito menor: PRESO SUSPEITO DE ASSASSINATOS EM SÉRIE. E, ao lado da manchete, estava a foto de Eugene Victor Tooms.

       Briggs limpava as lágrimas enquanto lia a reportagem. Aqueles dois agentes do FBI, Mulder e Scully, tinham conseguido! Tinham colocado atrás das grades o monstro chamado Tooms. Um caso que ele começara a investigar em 1933 havia sido, por fim, encerrado.

       Briggs suspirou, permitindo-se um raro momento de alegria. Finalmente ele tinha feito a sua parte para ajudar a pôr fim àquele terror.

       Em uma minúscula cela, no Instituto Estadual de Psiquiatria de Maryland, Eugene Tooms estava sentado sobre o estreito catre da prisão, segurando o mesmo jornal que Briggs lia. Durante um instante seus olhos repousaram sobre sua foto. Então, metodicamente, ele começou a rasgar o jornal em tiras longas e estreitas.

       Tooms ergueu uma das tiras e esfregou a língua nela. Amassou o pedaço de jornal nas mãos e o atirou contra a parede, no canto de sua cela. A tira molhada escorregou para o chão, na base de um monte crescente de papéis rasgados. Tooms apanhou outra tira de jornal e esfregou na língua. Olhou para o canto da cela com expressão de alegria no rosto, quando notou que se parecia muito com a parede no porão do prédio 66 da Rua Exeter.

       Mulder estava do lado de fora da cela de Tooms e olhou pela pequena janela de observação. Sabia que a porta era feita de aço e que a cela inteira era reforçada com uma malha de aço. Tooms estava seguro naquela ali, então, por que ele ainda estava tão assustado?

       Mulder ficou observando enquanto Tooms metodicamente rasgava as tiras de jornal e ia juntando os pedaços à pilha que fazia junto à parede. Mulder não tirou os olhos dele quando ouviu os passos de Scully vindos em sua direção, do outro lado do corredor.

       — Olhe para ele — disse Mulder, com irritação na voz. — Está construindo outro ninho.

A simples visão de Tooms causava arrepios em Scully, e o fato de ele estar construindo outro ninho não era um bom sinal. Mas ele estava preso. Finalmente.

       — Tudo foi arquivado — disse Scully. — Estão com as nossas declarações, e as provas foram catalogadas. Agora podemos deixar o restante da investigação para o Bureau de Baltimore.

       Mulder nada respondeu, e Scully continuou:

       — Colton chegou a tentar ficar com as glórias da descoberta, mas seus superiores não caíram na dele, e ele acabou sendo transferido do Departamento de Crimes Violentos. — Ela tentou afastar o tom de triunfo da própria voz, quando acrescentou: — Foi mandado para o Departamento de Crimes do Colarinho Branco, no Bureau de Sioux Falls.

       Mulder deu de ombros. Colton não lhe importava, aliás, jamais importara.

       Depois de alguns instantes de silêncio, Scully informou:

       — Você deve se interessar em saber que mandei fazer uma série de testes genéticos em Tooms. Os exames médicos preliminares revelaram um desenvolvimento bastante anormal nos sistemas musculares e no esqueleto.

       Mulder deu uma risadinha e disse:

       — Eu não precisava de nenhum exame médico para saber disso. Scully ignorou seu comentário e continuou:

       — O funcionamento do metabolismo de Tooms também mostra declínio contínuo. O metabolismo de seu corpo mergulha abaixo dos níveis registrados em condições de sono profundo — ela hesitou um instante, e perguntou: — Por acaso está me ouvindo, Mulder?

       Dentro da cela, Tooms rasgou outra tira de papel e passou sobre a língua.

       — Estou sim — respondeu Mulder, em tom aborrecido. — É que eu estava pensando em todas as pessoas que colocam grades em suas portas e janelas, gastando tanto dinheiro em sistemas de alarme para se sentirem seguras. Aí eu olho para este sujeito repulsivo e chego à conclusão de que não é suficiente. Nada disso é suficiente.

       Scully colocou a mão sobre os ombros de Mulder e disse:

       — Vamos. Já é hora de ir embora.

       Eugene Tooms mal percebeu que Mulder e Scully se afastaram. Rasgou outra tira de jornal, molhou-a com saliva e atirou sobre o ninho. Parou ao ouvir passos do lado de fora da porta da cela.

       Abriu-se uma pequena fresta na porta. Um guarda colocou uma bandeja com alimentos por essa fresta.

       Tooms levantou-se e apanhou a bandeja, voltando para sentar-se na cama, sem se preocupar com a comida. Já havia se alimentado com tudo o que precisava para continuar vivo.

       Seus olhos estavam fixos na porta da cela. O guarda tinha deixado a fresta aberta, para que Tooms colocasse a bandeja assim que acabasse de comer.

       Tooms ouviu os passos do guarda desaparecendo na distância.

       Seus olhos brilharam, vermelhos, quando ele olhou para a luz que passava pela estreita fresta na porta. Um sorriso acendeu-se no rosto dele. Era uma abertura bastante pequena, apenas uns quinze centímetros de altura, por outros quinze de largura. Mas isso não era um problema, para quem sabe se espremer...

                                                                               

 

                      

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