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ARRANCADA DO MEU MUNDO / Parte II
20
Depois do café da manhã de domingo, Cash me envia uma mensagem, dizendo que vai estar aqui em casa às onze para me pegar. Corro e me arrumo, e, um pouco depois das dez, dou uma passada na casa de Lindsey. Cumprimento Lola e a mãe de Lindsey me acompanha até o quarto dela. Assim que a porta se fecha, ela diz:
— Ele me beijou duas vezes enquanto estávamos na sala de jogos, jogando sinuca.
— E uma vez quando te acompanhou até a porta. — Eu me sento na cama dela.
Lindsey parece chocada.
— Você estava me espionando?
— Não. Estava no carro de Cash quando David trouxe você para casa.
— Cash? Pensei que você tivesse saído com seu pai.
— Eu saí, mas, à meia-noite, Cash me mandou uma mensagem e disse que estava no jipe, em frente à minha casa.
— E...? — ela pergunta.
— Foi muito bom. — Estou sorrindo e pensando em cada arrepio e emoção. Como era a sensação da mão dele nas minhas costas nuas... mas não quero compartilhar essas coisas com Lindsey. É quase como se esses momentos deixassem de ser tão especiais se eu os compartilhasse. Eles são o meu segredo. — Mas diga como foi o seu encontro.
Ela passou a descrever todo o encontro, contando que venceu David na sinuca e que eles riram muito por causa disso, depois acrescentou:
— Ah, adivinha quem veio aqui a noite passada?
— Jonathon — eu respondo. — Eu estava esperando meu pai na varanda quando ele parou a picape. — Contei que a mãe dela tinha fechado a porta na cara de Jonathon. Então contei que ele tinha ido falar comigo.
— Cretino. Veio me ver e depois te convidou para sair.
— Ele não disse um encontro, mas...
— Mas ele quis dizer isso. Ugh! Aquele idiota!
— Sim. Ele é mesmo.
Ela sorri.
— Você vai sair com Cash hoje?
— Às onze.
— Quer que eu ajude você a escolher algo para vestir?
Eu faço uma careta.
— Estava pensando em ir assim mesmo.
— Levante-se.
Eu faço o que ela pede. Ela me olha e de repente me sinto incrivelmente insegura. Lembro-me de Kara e Sandy sempre me dando conselhos de moda.
— O jeans está ótimo. Mas vista aquela sua blusa vermelha e as botas pretas. E passe mais brilho labial e rímel.
— Ok. — Eu me sinto um pouco melhor quando lembro que usei aquela roupa na escola, e não me sinto tão malvestida assim. Pego o celular no bolso para ter certeza de que não vou me atrasar.
— Você perguntou ao seu pai sobre a agência de adoção?
— Sim. — Conto a Lindsey toda a história do meu pai. Os Fuller no restaurante. Ela ouve cada palavra com atenção, sussurrando “Merda!” e “Cruzes!” a cada poucos minutos.
Depois conto a ela que Cash quer fotografar toda a papelada que os Fuller têm sobre Emily.
— Ele diz que deveríamos ir à agência.
— O que você vai fazer se descobrir que é realmente Emily?
A pergunta é simples, mas de repente não me parece nada simples.
— Como assim?
— Você vai morar com eles? Não acha que os Fuller vão esperar isso de você? Quero dizer, você está prestes a ir para a faculdade e eles não a veem há uns... quinze anos?
A pergunta bate no meu peito como uma bola de futebol que não vejo de onde veio — e me tira o fôlego. Morar com eles?
Lindsey continua falando, algo sobre não querer que eu mude de endereço, mas mal estou ouvindo.
Eu não tinha pensado ainda no que os Fuller poderiam esperar de mim. Não fisicamente. Não emocionalmente. Devo amá-los instantaneamente assim como amo minha mãe e meu pai? E se eles me culparem por não me lembrar deles? Por não encontrar meu caminho para casa mais cedo? E se eles de fato esperarem que eu more com eles?
Domingo, quando Cash desceu as escadas para ir à casa de Chloe, o sr. Fuller estava saindo da cozinha.
— Ei, quer fazer uma corrida comigo?
— Não posso. Vou encontrar o grupo de estudo novamente. Eu já disse à sra. Fuller.
O sr. Fuller assentiu.
— Qual é o nome dela?
— O quê? — O sr. Fuller soltou uma risada. — Nenhum cara toma banho e sai cheirando a perfume antes de ir estudar. E você sorriu durante todo o café da manhã. Qual é o nome dela?
Cash queria negar, mas cedeu.
— Chloe.
— Ela é bonita?
Merda. Por que contou a ele?
— Por favor... não conte à sra. Fuller.
— Por quê? Ela ficaria contente.
— Ela vai querer conhecê-la e...
— Por que não quer que a gente conheça a garota? — ele perguntou, a sobrancelha erguida, com preocupação.
— Porque não estamos nessa fase ainda.
O homem se inclinou na direção de Cash.
— Em que fase vocês estão? — Quando Cash não respondeu, ele disse: — Você precisa... de proteção? Porque...
— Não. — Cash percebeu o seu enorme erro ao contar ao sr. Fuller o nome de Chloe. Quando a verdade viesse à tona, ele perceberia que Cash estava saindo com a filha dele.
— Olha, sei o que acontece depois que vocês estão namorando há algum tempo...
— Eu preciso... ir — disse Cash, já abrindo a porta.
Enquanto estava a caminho da casa de Chloe, ele refletiu por um minuto sobre quais seriam as repercussões do namoro entre eles. Droga, se ela fosse Emily, os Fuller provavelmente iriam querer que ela namorasse alguém melhor.
Quanto mais distante Cash estava da casa dos Fuller, no entanto, menos ele se preocupava com isso e mais pensava em Chloe. Em como a noite passada tinha sido maravilhosa. Ele mal tinha dormido à noite, lembrando de cada toque, cada risada, cada sensação do corpo dela contra o dele. Cash nunca havia sentido nada parecido. Sim, ele já tinha saído com muitas garotas. Gostava de estar com elas. Mas não era a mesma coisa. Aquilo era mais intenso. No entanto, de alguma forma, mais confortável.
Quando estava quase na casa dela, ele percebeu que não tinha vontade nenhuma de conhecer a mãe de Chloe. Algo lhe dizia que ela não ia gostar dele.
Quando estacionou em frente à casa de Chloe, ele deixou as preocupações de lado. As pessoas são como cães, conseguem farejar o seu medo!
Ao entrar na varanda, viu a mãe de Chloe através da janela.
Ela estava vestindo jeans muito grandes, uma camiseta e uma bandana. Parecia doente. Jesus, ele esperava que o médico estivesse certo sobre ela estar bem... Cash bateu na porta. A sra. Holden atendeu.
— Oi. — Ele ofereceu o que esperava ser um sorriso descontraído.
— Estou indo! — ele ouviu Chloe gritar.
— Entre — disse a sra. Holden.
— Como vai? — Cash entrou na sala de estar.
— Tudo bem. — Ela o estudou com aquele olhar novamente. Como se ele não fosse bom o bastante. E ela estava certa, mas...
Chloe veio franzindo a testa e praticamente o arrastou porta afora.
— Tudo ok? — ele perguntou.
Chloe olhou para a casa, atrás dela, como que preocupada com a possibilidade de a mãe ouvir.
— Não.
Não? Os dois entraram no jipe dele.
— O que há de errado?
— Eu não sei se consigo fazer isso.
As palavras de Chloe afundaram no peito dele.
— Fiz algo errado ontem à noite?
— Não. Eu quero dizer, a coisa toda de Emily.
— O que aconteceu?
Ela caiu contra o encosto do banco.
— Eu simplesmente não sei como os Fuller vão reagir ou o que eles vão esperar de mim.
Ele começou a dirigir.
— Você disse ontem à noite que queria fazer isso.
— Eu quero, mas...
— Eles vão ficar eufóricos por tê-la encontrado e eu não sei o que você quer dizer sobre o que vão esperar de você.
— Aonde estamos indo? — ela perguntou.
— Para o parque, conversar. — O silêncio os seguiu até chegarem. Quando Cash desligou o motor, olhou para ela.
Ele queria beijá-la, mas não parecia o momento certo.
— Por que está preocupada com isso?
— É só que...
— Você está com medo de saber que seus pais sequestraram você? — Por mais que ele quisesse acreditar que não era esse o caso e por mais que a infância perfeita que Chloe tivera fosse um indício de que eles não eram do tipo que sequestra crianças, Cash ainda tinha dúvidas.
— Não! — Ela retrucou. — Eu já disse que meus pais não fariam isso.
— Então, o que é?
Chloe suspirou.
— E se eles me culparem por não me lembrar deles? Por não encontrar o caminho de volta para casa? Ou se esperarem que eu os ame logo de cara, como eu amo a minha mãe e o meu pai? Eu não conheço os Fuller.
— Culpar você? Você não tinha nem 3 anos de idade. E eles vão ficar tão felizes ao ver que está viva que não vão julgá-la pelo que você sente.
Ela torceu as mãos no colo.
— E se tentarem me fazer morar com eles? Eu não posso abandonar minha mãe. Eu não vou fazer isso.
— Você tem quase 18. Ninguém pode obrigá-la a fazer nada.
— Eles ainda podem tentar e...
— Por que se preocupar com isso agora? Vamos primeiro descobrir se você é de fato Emily.
Ela mordeu o lábio.
— Só se você me prometer uma coisa.
— O quê?
— Mesmo que eu acabe descobrindo que sou filha dos Fuller, é minha escolha contar a eles ou não.
— O quê? Você está dizendo que talvez não conte a eles?
— Eu simplesmente não sei como a minha mãe vai reagir a isso. Preciso saber a verdade, mas não posso deixar que isso a magoe. E...
— E o quê? — Cash perguntou, vendo os olhos dela se encherem de lágrimas.
— Eu me sinto... desleal. Como se querer conhecer meus verdadeiros pais fosse como dizer que os meus pais adotivos não bastam. Como se tudo que eles fizeram por mim não contasse.
— Você não está dizendo isso...
— Eu sei que é loucura, mas minha mãe está sofrendo muito agora.
Cash olhou para ela.
— Você só está com medo.
— Sim, estou com medo. Essa coisa toda é uma loucura.
— Ok, entendi, mas você não pode esconder isso deles.
Droga, Chloe não estava vendo a situação como um todo.
— Você acha que os Fuller não estão sofrendo? Você sabe quantas vezes eu já vi a sra. Fuller chorar? Se você é filha deles, eles merecem saber. Eles não fizeram nada errado.
— Nem meus pais — disse Chloe. — Um dia vou contar a eles. Posso até fazer isso quando descobrirmos. É só que... se minha mãe ainda estiver assim, então quero ter certeza de ela vai conseguir encarar a situação. — Ela suspirou. — Por favor, Cash. Prometa que vai deixar que eu decida isso.
21
Ele me dá sua palavra. Mas posso dizer que não ficou feliz por fazer isso. Saímos do parque e vamos para o Whataburger.
Pedimos os lanches e ficamos ali sentados, quando meu celular toca, avisando sobre a chegada de uma mensagem. É do meu pai. Abro a tela. Uma imagem aparece. É preciso um segundo para descobrir o que é, mas, quando descubro, meu coração dá um salto.
É o meu quarto. O meu quarto! Ele levou minhas coisas de volta. Então leio a mensagem: Seguro do carro pago. Desculpe, estava atrasado. Eu sorrio, mas lágrimas enchem meus olhos.
— O que foi? — pergunta Cash.
— Meu pai me devolveu o meu quarto. — Eu pisco, tentando afastar as lágrimas. — Desculpe.
— Por quê?
— Você já me viu chorar quantas vezes? Sei que garotos odeiam isso. — Eu faço uma careta.
— Eu não me importo. Não se a garota tiver um motivo real. Você anda passando por um bocado de coisa ultimamente. — Ele olha para sua bebida e gira o canudo. — Você nunca chorou na frente de Alex?
Lembro-me de que, quando meu pai foi embora e mesmo quando minha mãe teve câncer, eu guardei tudo dentro de mim. Apenas uma vez realmente perdi o controle na frente de Alex. Foi quando minha mãe foi diagnosticada. Ele me pegou em casa e, quando entrei no carro, comecei a chorar.
Alex me abraçou como se estivesse pouco à vontade e disse que ele entenderia se eu não quisesse ir para a casa dele. Esse foi o jeito de ele dizer que estava tudo bem se não transássemos. Na época, eu vi isso como uma forma de apoio. Mas agora eu me lembro de que ele me levou para casa uma hora depois. Era como se não soubesse lidar com a minha tristeza.
Eu comparo isso com o jeito como perdi o controle na frente de Cash várias vezes. Então me lembro de como pedi desculpas por despejar meus problemas em cima dele. O que foi que ele disse? Eu aguento.
Erguendo o olhar, percebo que Cash está esperando uma resposta.
— Não. Alex não sabia ser muito solidário.
— Eu sabia que não gostava muito dele. — Havia um tom de provocação na voz de Cash, mas também um toque de verdade.
Nossos cheeseburgers e batatas fritas chegam.
Devoro uma batata frita e sinto um pouquinho de ketchup no canto da minha boca. Pego um guardanapo, mas Cash é mais rápido e passa o dedo na minha boca. Nossos olhares se encontram. A lembrança de beijá-lo na última noite, de suas mãos nas minhas costas nuas, provoca um ardor no meu peito. E pelo ardor em seus olhos verdes, sei que ele está pensando a mesma coisa.
No domingo seguinte, estou me vestindo para sair com Cash outra vez. Esta semana eu fui pega numa montanha-russa de emoções. Preocupada com minha mãe, com meu pai, em ser Emily. Até comecei a acordar com medo. Quase como se estivesse revivendo alguma coisa. Eu tento, com todas as minhas forças, ignorar tudo isso. Não adianta voltar ao passado para encontrar problemas. Um passado que pode nada mais ser do que a imaginação de uma criança. Eu já tenho muitos problemas no presente para resolver. Fora isso, quando estou com Cash, parece que estou caminhando nas nuvens.
Como o sr. Fuller tirou alguns dias de folga, Cash não conseguiu colocar as mãos no arquivo até esta manhã, quando os pais adotivos saíram para tomar o café da manhã. Cash está mais chateado com esse atraso do que eu. Não que eu não queira desvendar esse enigma, mas é que minha mãe não está facilitando. Eu até me ofereci para caminhar com ela, mas ela recusou.
— Aonde você vai? — minha mãe pergunta quando saio do meu quarto.
— Vou sair com Cash. Eu te disse ontem.
— Esqueci. — Ela se reclina no sofá.
Minha mãe está esquecendo muita coisa ultimamente.
Ouço o motor do carro de Cash e, como minha mãe ainda está de pijama, eu vou encontrá-lo lá fora.
Nós nos beijamos quando entro no jipe.
— Você está bem? — Cash pergunta.
Ele é bom em entender o meu humor.
— Sim. É só a minha mãe. Ela ainda está no maior baixo astral.
— Lamento. — Ele se dirige para a gráfica, onde vamos tirar cópias.
— A impressora deles tem um cartão de memória. Está aqui comigo.
A impressora deles. Eu olho para Cash.
— Você sempre diz “a casa deles” ou “a impressora deles”, como se nada fosse seu.
— Nada é meu — Cash diz como se não entendesse o que eu quero dizer.
— Eu sei, mas é como se... Você não se sente à vontade lá?
Ele hesita.
— Me sinto, sim.
— Mas você não se sente em casa, não é? — E se Cash não se sente, não sei se eu vou me sentir. Não que eu fosse morar com eles, mas que tipo de pessoas os Fuller são?
A pergunta parece incomodá-lo.
— Eles só estão cuidando de mim temporariamente, por causa do programa de adoção do governo.
Eu tento entender o que ele está dizendo.
— Então eles tratam você como se estivessem apenas oferecendo um lar temporário?
Cash franze a testa.
— Eu estou num lar temporário. — O tom de voz dele provoca um aperto no meu coração.
Ele entra no estacionamento da loja e para o carro. Então olha para mim.
— Eles não me tratam mal. São até bons demais para mim. Eu só não sinto que faça parte daquela família.
— Por que não?
Ele olha para o para-brisa.
— Eles merecem ter a verdadeira filha de volta. Eles merecem você.
— Nós não sabemos se sou Emily.
— Ok, eles merecem alguém como você. Alguém bom.
— Você não é bom?
Cash franze ainda mais a testa.
— Você não entende, porque nunca morou num lar temporário.
De acordo com a minha mãe, morei, sim, mas não me lembro, por isso não conto.
— Esta é a quarta família com quem moro. Você aprende a não começar a pensar nela como sua casa, porque as coisas podem mudar.
Um nó se forma na minha garganta.
— Eu não posso imaginar como seja crescer dessa maneira.
— Não é tão ruim... Só estou explicando por que as coisas são diferentes. A última coisa que eu quero é que você comece a sentir pena de mim. Eu odeio isso. — Cash sai do jipe.
Faço o mesmo.
— Eu não tenho pena de você — minto.
Vamos até um balcão nos fundos da loja.
— Posso ajudá-la? — um rapaz me pergunta.
Cash é quem fala:
— Preciso imprimir algumas cópias de uns arquivos que estão num cartão de memória.
— Tudo bem. — O olhar do cara permanece em mim. — Posso fazer isso pra você.
— Não. Pode deixar que eu faço sozinho — diz Cash. — Já fiz isso antes.
O cara assente e finalmente olha para Cash.
— Vou ligar o número um.
Em alguns segundos, Cash conecta o cartão de memória a um computador e digita algo no teclado. A impressora começa a cuspir papéis.
Cash pega a minha mão.
— Quer ir tomar alguma coisa depois? Podemos examinar tudo enquanto bebemos.
— Certo. Mas preciso estar em casa às quatro. Tenho lição de casa.
— Você deveria ter trazido. Poderíamos fazer juntos.
— Sim. Mas não quero que minha mãe fique sozinha por tanto tempo.
— Ok. — O computador para de imprimir. Cash junta os papéis e pega o cartão de memória.
— Posso dar uma olhada? — fala o cara atrás do balcão.
— Vou pagar no caixa. — Enquanto avançamos, Cash sussurra: — O cara não tira os olhos de você.
— O quê?
— Aquele cara está de olho em você.
— Nada a ver — digo.
Quinze minutos depois, estamos sentados numa pequena lanchonete e ele tira os papéis do envelope e os organiza em duas pilhas.
— Tirei duas cópias de cada, para que cada um de nós possa ficar com uma.
Observo as pilhas crescerem com o que parecem ser cópias de artigos de jornal. Alguns deles têm fotos da bebê Emily Fuller. Fico novamente chocada ao ver como elas se parecem com as fotos do álbum da minha avó.
Cash finalmente termina de arrumar as folhas em duas pilhas iguais, mas ainda está segurando uma folha na mão.
— Droga. Está faltando uma.
— Você acha que deixou no banco de trás do carro?
— Espero que sim. — Ele parece preocupado.
— É um problema se a perdemos?
— Não, é só que... Você nunca deve deixar rastros.
— Rastros?
Cash olha para mim.
— É só algo que o meu pai costumava dizer.
É a primeira vez, desde que nos conhecemos, que o ouço mencionar o pai numa conversa casual.
— Você sente falta dele?
— O quê? — ele pergunta, franzindo a testa.
— Você mencionou seu pai e eu... eu me pergunto se você ainda sente falta dele.
— Não. — Seu tom é brusco.
Lembro-me de Paul mencionando o boato de que Cash havia assassinado o pai. Eu não acreditei na ocasião, e Cash me disse que o pai morreu num acidente de carro, mas, por algum motivo, ele não parece... lamentar a morte do pai.
— Ele era um bom pai?
— Não. — Ele examina a folha em sua mão.
Uma dor aguda atinge o meu peito.
— O que ele fazia?
Cash olha para mim.
— Digamos que, se existe um livro de regras sobre como ser um bom pai, ele nunca o leu.
Eu quero pedir detalhes, mas algo me diz que Cash não quer dar mais nenhum. Acho que, se uma coisa realmente ruim tivesse acontecido comigo, eu também não ia querer falar a respeito. Por outro lado, algo de fato aconteceu na minha vida. Eu fui abandonada por alguém que não me quis ou fui sequestrada. De todo jeito, isso é ruim.
Cash analisa as pilhas de papel.
— Deve ter alguma coisa aqui que nos ajude.
— O que você está procurando?
— Não sei. Algo que possa... acionar a sua memória.
Eu estremeço ao me lembrar de acordar com medo. Quero mesmo que a minha memória seja acionada? Eu quero. Mas também não quero. Passo a mão na parte de trás do meu pescoço.
— O que foi?
— Estou com medo, mas é bobagem. Hoje não é por mim que tenho medo. É como se eu estivesse sentindo o mesmo medo de quando era pequena. Não faz sentido.
— Eu acho que faz, sim. — Ele descansa a mão na minha. — Às vezes o passado nos assombra.
Olho para Cash e vislumbro sua dor.
— O que assombra você?
Ele balança a cabeça.
— Vamos analisar esses papéis. Tenho um palpite de que algo aqui vai nos mostrar onde procurar respostas.
Ele pega uma folha.
— Lembra que eu disse que precisávamos conversar com a babá?
— Sim. — Eu me inclino e chego um pouco mais perto.
— Eu estava lendo um artigo na internet que dizia que a polícia suspeitava que ela havia participado do sequestro.
— Ela foi presa?
— Não, eles não tinham provas. Mas o estranho é que ela até descreveu um homem que disse que falou com você no parque aquele dia. Acho que a polícia não acreditou nela. Estou esperando descobrir algo aqui que nos ajude a encontrá-la, porque o nome dela, Carmen Gonzales, pode muito bem ser falso. E eu também quero ligar para ela ou, melhor ainda, ir vê-la para fazer perguntas.
Essa ideia me assusta.
— Mas, se ela participou do sequestro, não vai nos contar nada.
— Se ela se recusar a conversar, essa será uma pista.
— Mas ela não vai ficar imaginando por que você está fazendo perguntas? Você não pode contar a ela sobre mim.
— Eu não vou. Vou inventar alguma coisa. Talvez dizer que a minha irmã desapareceu na mesma época e estou procurando alguma semelhança entre os dois casos. Ou que eu tinha uma irmã adotiva que parecia Emily Fuller e está na Califórnia agora e eu disse a ela que investigaria.
A resposta de Cash me espanta.
— Uau. Você é bom em... — quase digo “mentir” — inventar histórias.
— Eu disse que vamos descobrir a verdade.
Pego uma folha com uma foto do sr. e da sra. Fuller. Alguns desses artigos são os mesmos que li na biblioteca.
— Eu costumava me perguntar como eram meus pais de verdade. E, quando conhecia outras crianças que se pareciam comigo, eu me perguntava se seriam meus irmãos. Se meus pais me abandonaram, talvez tivessem feito o mesmo com outros filhos. Até eu ter uns 8 ou 9 anos, sempre que minha mãe ou meu pai ficavam chateados comigo, eu tinha medo que também me abandonassem, como meus pais biológicos.
Eu respiro, para aliviar o peso no meu peito, e percebo que provavelmente é assim que Cash se sentiu a vida toda também.
— Então você sempre soube que era adotada? Não é algo que eles acabaram te contando um dia?
— Eu acho que sempre soube. — Minha mente me leva de volta a um mosaico de lembranças de que sou adotada. A maioria delas é dolorosa.
— Na segunda série, minha professora estava grávida. Um dia, cheguei em casa chorando porque ela parecia muito feliz por ter um bebê na barriga, e eu estava com medo de que a minha mãe não conseguisse me amar tanto quanto a professora amava seu bebê, porque eu não tinha nascido da barriga dela.
— O que sua mãe disse? — ele pergunta.
— Que uma pessoa ama com o coração, e não era preciso estar na barriga de alguém para estar no coração. Ela me perguntou se eu a amava menos porque sabia que não tinha nascido da barriga dela.
Cash aperta a minha mão.
— Acho que ela disse a coisa certa.
Lágrimas enchem meus olhos.
— Sim, ela sempre dizia a coisa certa. Eles me amam. Mas... Eu ainda questionava isso. Sempre existiu um vazio aqui. — Coloco a mão no centro do meu peito. — Quando meu pai foi embora e minha mãe e eu nos mudamos para cá, senti isso ainda mais. — Engulo em seco. — Acho que é isso que eu quero no final das contas. Não sentir mais esse vazio.
Ele aperta minha mão outra vez.
— Podemos conseguir isso.
Seu tom é tão carinhoso, seu sorriso é tão acolhedor, que eu sei que nunca recebi isso de Alex. Eu me inclino para a frente e o beijo. Ele me beija de volta.
Quando o beijo termina, estamos ambos sorrindo. Coloco a mão no peito dele.
— O que posso fazer para ajudar você a preencher esse vazio?
Cash parece surpreso.
— Eu não sinto um vazio.
Não discuto com ele, mas sei que é mentira. Tenho certeza de que existe um vazio maior que o meu ali.
Parte de mim se pergunta se isso não foi parte do motivo da atração entre nós. Se não foi o que me levou a defendê-lo para a srta. Anderson. A concordar em encontrá-lo no café. Talvez pessoas feridas sejam inconscientemente atraídas umas para outras.
Isso explicaria por que Alex não conseguiu me compreender. Talvez pessoas que andam por aí com vazios no peito instintivamente se reconheçam.
Também quero ajudá-lo a preencher esse vazio. Eu me lembro das mensagens de texto vermelhas do Skittles e ele comprando as balas para mim e como isso me deixou... feliz.
— Qual é o seu doce favorito?
— Skittles vermelhos. — Cash sorri.
— Esse é o meu. E o seu?
— Aqueles caramelos macios.
— Qual é a sua banda favorita?
— The Black Keys.
— O que você mais gosta de fazer? — pergunto.
Ele sorri e eu sei que ele está pensando em sexo. Bato no peito dele.
— Além disso.
Ele ri.
— Beijar você.
— O que você mais gosta de fazer que não tem a ver comigo. E se responder que é beijar outra pessoa, vou bater em você.
O sorriso dele se amplia.
— Deitar na cama e ouvir música. É como uma recompensa depois de ter concluído alguma coisa, como a lição de casa ou uma prova.
— O que...?
Ele coloca o dedo sobre os meus lábios, como se para eu desistir de fazer perguntas.
— Deveríamos estar lendo estes artigos. São quase três horas.
— Eu sei — digo. — Mas há tantas coisas que eu gostaria de saber sobre você, e isso é bom.
— Sim, é bom. — Ele toca o meu rosto.
Olho as pilhas de papéis.
— O que temos entre nós é maior que tudo isso, certo?
— Claro!
Eu indico os papéis com a mão.
— Isso me assusta.
— Eu sei — Cash diz como se realmente entendesse.
— Isso — eu faço um gesto com a mão entre nós — meio que me assusta também.
— Por quê? — A preocupação enche os olhos dele.
— Porque sou uma idiota insegura às vezes. Porque meu coração já se partiu duas vezes. Uma vez por causa de Alex e outra vez por causa do meu pai. Porque eu tenho medo de perder pessoas e talvez seja porque... — eu aceno para os papéis novamente — eu tenha perdido pessoas muito tempo atrás.
— Eu não vou magoar você. — Ele faz uma pausa e diz: — Se você não sentisse nem um pouco de medo, ai, sim, haveria algo errado. — Cash fala isso como se fosse uma citação de Einstein ou Freud.
— Quem disse isso?
— O idiota do meu pai, mas ele estava certo dessa vez.
— Ele era muito ruim? — Eu vejo a mágoa nos olhos de Cash enquanto faço a pergunta.
— Bem ruim. — Ele olha para baixo, para eu saber que não vai dizer mais nada. Eu quero insistir e dizer que não é justo eu despejar meus problemas nele, enquanto ele não me conta nada. Mas algo me diz que não vai adiantar nada.
Pego a primeira folha da pilha. Ele pega outra. Começamos a ler.
— Diz aqui que Emily nasceu em 6 de novembro. Eu nasci em 18 de novembro.
Ele olha para mim.
— Eles poderiam muito bem ter mentido.
— Verdade. — Continuo lendo. A emoção enche meu peito quando leio os apelos dos Fuller para que o sequestrador devolva a filha deles. Fico olhando para o rosto da sra. Fuller novamente. A sensação desconfortável me traz a lembrança em que estou sentada no sofá manchado. Estou tão triste e apavorada que... Fecho os olhos e ouço a voz novamente. A voz de um homem. Sua mãe e seu pai não te querem mais.
E por um segundo, juro que vejo o rosto dele. Cabelo ruivo. Olhos castanhos. Ele me assusta. Não gosto dele. Então me lembro do machucado na fotografia. Sinto calafrios.
Cash toca meu braço, mas eu suspiro como se...
— Você está bem? — Ele afasta a mão.
— Não. Sim. Eu acho que...
— O quê? — ele pergunta.
— É como se eu me lembrasse de outras coisas, mas são só fragmentos.
— Que tipo de coisas?
— Alguém me dizendo que minha mãe e meu pai não me querem mais. Parte de mim está com muito medo de lembrar, mas outra parte... Se fui mesmo sequestrada, quero que essa pessoa pague por isso. Ele me fez sofrer. Ele fez os Fuller sofrerem.
Naquele momento, eu me dou conta: posso não estar pronta para contar à minha mãe ou até ao meu pai, mas preciso de respostas. E eu preciso delas agora.
— Podemos ir à agência de adoção amanhã?
22
Segunda-feira, a uma hora da tarde, paramos em frente à Agência de Adoção New Hope. Mandei uma mensagem para Lindsey na noite passada e disse a ela que não ia à escola hoje. Ela perguntou se estava tudo bem. Mandei uma mensagem de volta. Explico mais tarde.
Cash e eu nos encontramos e passamos uma hora no Whataburger. Ele ficou me explicando o que eu deveria dizer e o que não deveria. Você só está aqui porque quer conhecer seus pais biológicos. Sou apenas um amigo que veio acompanhá-la. Você precisa agir com calma, não como alguém que parece desesperado.
Mas agora, olhando para o prédio da agência, tudo o que sinto é desespero.
— Vou estragar tudo — digo a ele quando saímos do jipe.
— Não, vai ficar tudo bem. Apenas se lembre do que eu disse.
— Mas estou tremendo. — Estendo as mãos para ele ver. — Não vou conseguir fazer isso.
Cash aperta meu braço.
— Está tudo bem. Você ficaria nervosa se estivéssemos aqui só para perguntar sobre seus pais biológicos.
Eu mordo o lábio.
— Se eles me sequestraram, vão mentir. Por que achamos que isso ia funcionar? Não vai.
— Se eles mentirem, eu vou saber.
— Como? — A palavra sai aguda.
— Sou bom em interpretar pessoas.
— Ninguém consegue interpretar pessoas tão bem.
— Eu consigo. Meu pai me ensinou. Se eles estiverem por trás do sequestro, vão ficar nervosos e eu vou saber.
— Se eles estiverem? Você não acredita que eles estejam por trás disso? Ainda pensa que meus pais me sequestraram! — eu o acuso.
— Não é verdade — diz ele. — No começo eu pensava. Mas não penso mais.
Percebo que estou tendo uma reação exagerada porque estou nervosa.
— Desculpe. Só estou com medo.
— Tudo bem. Estou com você.
Cash pega minha mão e entramos.
— Posso ajudá-los? — pergunta uma mulher vestindo um uniforme verde atrás do balcão. Ela tem a idade da minha mãe.
Eu me forço a falar.
— Sim. — Avanço um pouco e coloco as mãos no balcão para não cair.
— Meu nome é Chloe Holden. Esta agência intermediou a minha adoção, quinze anos atrás. Eu queria algumas informações sobre os meus pais biológicos.
— Ah. Bem... Normalmente, isso é tratado com advogados.
— Ela está representando a si mesma. — O tom de Cash é confiante.
— Você tem horário marcado? — A pergunta soa ríspida.
— Não. — Estou pronta para fugir dali.
— Já estamos aqui — Cash insiste. — Com certeza alguém pode conversar conosco.
— Vou ver se o sr. Wallace pode atendê-los.
Esperamos vinte minutos antes de sermos levados a uma sala de reunião. É uma salinha com uma mesa de maneira comprida e escura e um forte odor de lustra-móveis. Eu percebo que esperava ver a sala com o sofá marrom sujo e o carpete manchado. Nada está sujo. É tudo muito limpo, muito estéril. Mas o ar-condicionado está ligado na sala e espalha ar frio com um zumbido.
Quando a mulher sai, eu cruzo os braços.
— Você está indo muito bem. — Cash se inclina e sussurra: — Há uma câmera aqui, então não diga nada.
Eu concordo com a cabeça. Ele aperta a minha mão. Nós esperamos. Esperamos muito tempo. Um relógio na parede marca o tempo. Um minuto. Dois. Três. Tique-taque, tique-taque, tique-taque.
Cash começa a falar banalidades. Me conta sobre uma viagem que ele e os Fuller fizeram para o Havaí. Eu tento ouvir, mas minha mente fica dando voltas.
— Por que estão demorando tanto? — Estou perdendo a coragem.
Ele não responde porque passos pesados soam do lado de fora. Eu prendo o fôlego.
É como se o tempo desacelerasse quando a porta se abre. Meu coração bate contra o esterno, ouço o sangue jorrando nos meus ouvidos e eu sinto. Sinto a lembrança tomando conta da minha mente. Sou pequena e sinto explodir dentro de mim a dor do abandono. Minha garganta está áspera, como se eu tivesse chorado muito. Estou com medo, medo das pessoas desconhecidas. Medo do homem...
Meus dedos agarram o braço da cadeira como se eu estivesse no dentista. Odeio dentistas.
Cash coloca a mão sobre a minha, como se estivesse me passando confiança.
Olho para o grandalhão de cabelos grisalhos. Será que eles costumavam ser ruivos? Ele tem olhos castanhos. Como o cara que eu imaginei. Está vestindo um terno escuro, mas é a gravata vermelha que prende minha atenção. Forço meu olhar a se erguer para o rosto dele. O ar fica preso na minha garganta. Será que estou olhando para o meu sequestrador?
Eu posso ouvir a voz novamente. Você vai ganhar outra mamãe e outro papai.
Eu não quero outros!, ouço meu eu mais jovem gritar.
Cash sentia a tensão sair de Chloe em ondas. O homem corpulento tinha na mão um bloco amarelo com algumas anotações rabiscadas. O olhar dele estava fixo em Chloe, como se estivesse tentando se lembrar dela.
O homem se aproximou, com sua grande estrutura, e se inclinou sobre a mesa.
— Como vai? — Ele ofereceu a mão para Chloe. — Sou o sr. Wallace.
Cash levantou-se primeiro.
Sua mão carnuda deslizou para a de Cash. E a primeira coisa que Cash notou foi que a palma da mão dele estava úmida.
Nunca deixe suas palmas suarem. É um sinal de que você não está à vontade.
— Minha recepcionista não soube me dizer seu nome — disse Wallace para Cash.
— Cash Colton — respondeu ele. — Amigo de Chloe.
— Certo. — Ele soltou a mão de Cash.
Chloe se levantou e ofereceu a mão ao homem. Ele se inclinou e, quando fez isso, Cash leu a anotação no bloco. Chloe Megan Holden. 18 de novembro.
— É um prazer conhecê-la, srta. Holden. — O sr. Wallace sentou-se em frente a eles. — Está com seu documento?
Nervoso ao pensar no homem vendo a carteira de motorista de Chloe, com todas as informações dela, Cash esperou até que ela a pegasse e tirou o documento da mão dela, cobrindo o endereço com o polegar.
O homem não disse nada.
— Como podemos ajudá-la?
Cash esperou Chloe falar. Ele estava prestes a falar por ela, mas Chloe começou a falar primeiro.
— Gostaria de obter informações sobre meus pais biológicos.
— Entendo — disse Wallace. — Fomos nós quem fizemos a sua adoção?
Por que ele estava fazendo uma pergunta cuja resposta já sabia?
— Sim. — Ela mexeu na cadeira.
— Você tem uma cópia da papelada? — perguntou o homem.
— Não está comigo. — Chloe parecia se desculpar.
— Quantos anos você tem? — O sr. Wallace puxou a gravata.
Como você não sabe? Você anotou o aniversário dela nesse bloco, seu idiota.
— Farei 18 anos no dia 18 de novembro.
O sr. Wallace pegou uma caneta.
— Seus pais estão cientes do seu interesse em encontrar seus pais biológicos?
— Sim. Eles só estão ocupados e não puderam vir.
O homem assentiu.
— Bem, eu certamente posso entender o seu interesse em obter respostas, mas infelizmente você não tem 18 anos ainda e eu não posso dar informações sem o consentimento dos seus pais.
Cash observou o homem ajeitar a gravata novamente e desviar os olhos.
Observe as mãos e os olhos — isso irá dizer se alguém está mentindo.
— Mas são apenas dois meses — disse Chloe.
— Sinto muito. — O sr. Wallace se remexeu na cadeira.
Cash notou gotas de suor na testa do homem.
— Há algum papel que eles possam assinar para poupá-los de vir aqui? — Chloe perguntou, parecendo um pouco menos nervosa.
— Receio que eles ou um advogado tenham que vir. — O homem deu outro puxão na gravata. — Espero que não tenham vindo de muito longe só para perder a viagem.
Não era uma pergunta, mas estava implícita. O homem queria saber onde Chloe morava. Antes que Chloe sentisse o impulso de responder, Cash se adiantou:
— Obrigado pela ajuda. — Ele olhou para Chloe. — Vamos voltar com os pais de Chloe.
Os olhos do sr. Wallace se estreitaram.
— Seria melhor se vocês marcassem um horário. Assim podemos verificar o seu arquivo com antecedência e ver se é possível liberar informações.
— Por que não seria possível?
A confiança de Chloe agora era maior.
— Depende do tipo de adoção. Se for uma adoção fechada, nós...
— Não foi fechada. Meus pais disseram que, sempre que eu quisesse informações, estaria autorizada a procurá-las.
— Claro, mas só vou saber com certeza quando verificar o seu arquivo.
E lá estava. A primeira mentira.
— Precisamos ir. — Cash se levantou.
— Foi uma perda de tempo — digo no segundo em que saímos do prédio. Meu peito está pesado e ainda estou tremendo.
— Não, não foi. — Cash pega a minha mão.
— Não conseguimos porcaria nenhuma. — A única coisa que está me impedindo de chorar é saber que Cash já me viu fazer isso muitas vezes.
— Ele está mentindo.
Lembro-me de Cash dizendo que é bom em interpretar pessoas, mas, sério...
— Como você sabe?
— A mão dele estava suada quando apertou a minha e...
— As minhas também estavam. — Ando mais rápido para acompanhar o passo dele.
— Sim, porque você estava nervosa. Por que você acha que ele estava nervoso?
As palavras de Cash ficam dando voltas na minha cabeça enquanto tento acreditar nelas.
Ele abre as portas do jipe com o controle remoto e depois olha de novo para o prédio, como se achasse que alguém talvez estivesse nos vigiando. Eu me viro e vejo as persianas se mexendo, como se alguém estivesse espiando.
— Você acha que estão nos observando? — Eu baixo a voz.
— Acho — ele responde com convicção. — Merda. Eu sou um idiota. Não deveria ter estacionado aqui.
Entro no jipe. Cash contorna o carro e faz o mesmo.
Sento-me, tentando absorver o que ele acabou de dizer. Então balanço a cabeça.
— Ele não poderia ter mentido. Não nos contou nada.
Cash baixa a cabeça para olhar o prédio outra vez, através da janela do carro.
— Ele disse que não olhou o seu arquivo.
— E você acha que ele olhou?
— Ele tinha seu nome completo escrito no bloco amarelo e sua data de nascimento. Você não chegou a dizer a ele nenhuma dessas duas coisas. Ele está escondendo algo. Só precisamos descobrir o quê.
Cash arranca com o carro.
Ainda estou tentando digerir o que Cash falou, quando ele continua:
— Precisamos ver os papéis da adoção. — Ele olha para mim. — Você procurou em todos os lugares da sua casa?
— Sim... menos no quarto da minha mãe.
— Sua mãe vai a algum lugar hoje?
— Não sei.
Ele faz uma careta.
— Da próxima vez que ela sair, procure os documentos lá, ok?
— Ok. Mas como isso vai ajudar? — A frustração irradia das minhas palavras.
— Acho que lá deve estar escrito se foi uma adoção aberta ou fechada.
Então Cash pragueja:
— Merda.
— O que foi? — pergunto.
— Eu li que, se uma adoção é feita por meio do Estado, então ela é fechada.
— Mas minha mãe sempre disse que eu poderia encontrar meus pais biológicos.
— Talvez ela tenha dito isso para fazer você se sentir melhor.
— Eu acho que não.
Ele aperta meu braço.
— Vai tudo ficar bem.
— Então por que parece que não vai?
Lágrimas enchem meus olhos.
— Eu vou descobrir. — Ele se vira e olha para mim. — Nós precisamos dar um jeito de colocar as mãos no seu arquivo.
— Como? Eles não vão mostrar nada para mim.
— Então nós pegamos.
— Pegamos? — Eu balancei a cabeça. — O que você quer dizer?
Eu o ouço expirar.
— Deixe que eu resolvo isso.
— Resolve o quê?
— Como descobrir isso.
— Você disse que vai pegá-lo. Não pode invadir o lugar.
— Vamos nos concentrar na leitura de toda a papelada do arquivo dos Fuller. Vou continuar tentando encontrar a babá.
— E se não conseguir?
— Vamos conseguir.
Chego em casa na mesma hora que teria chegado se tivesse ido para a escola. Minha mãe está dormindo no sofá. Ela ainda está de pijama. Não saiu para caminhar hoje.
Eu gostaria que ela já tivesse começado a trabalhar.
Tento acordá-la, mas ela murmura algo sobre precisar dormir. Faço meu dever de casa. Mais tarde, preparo um queijo grelhado para nós duas. Ela come apenas metade, se recusa a tomar uma de suas garrafinhas cheias de calorias, então me diz que vai para o quarto ler.
Eu fico assistindo Law & Order, esperando que minha mãe venha me fazer companhia. Ela não vem. Eu finalmente vou para a cama e tiro da mochila os papéis do arquivo dos Fuller. Eu me afasto da porta, pois, se minha mãe entrar, posso escondê-los. Leio o artigo sobre a babá contando à polícia sobre o homem que falou com Emily naquele dia no parque. Sinto calafrios quando leio a descrição dela. Cabelo ruivo. Olhos castanhos. Poderia ter sido o sr. Wallace?
Recordo-me da imagem do rosto que vi na minha lembrança. Os dois homens eram parecidos? Acho que não, mas não tenho certeza.
Meu telefone toca e vejo que é uma mensagem de Cash. Quer conversar? Eu respondo que sim. Ele liga. Enfio os papéis de volta na mochila, apenas para o caso da minha mãe acordar e entrar no meu quarto.
— Você está bem? — A preocupação dele flui através da linha.
— Sim — eu digo, mesmo sem ter certeza de que é verdade, e volto a me deitar.
Ele me conta sobre seu trabalho na oficina e a respeito do seu amigo, Devin, que trabalha lá.
Ele é alguns anos mais velho do que Cash, mas Cash se identifica com ele porque Devin também passou algum tempo num orfanato. Falo sobre Kara e Sandy, minhas antigas amigas. Que fiquei triste quando voltei de El Paso, porque nossa amizade já não era a mesma. Então ele me diz para abrir o YouTube e ouvirmos uma música juntos. Ele escolhe uma música e depois eu escolho outra.
É bom. É fácil. Não tem nada a ver com o que aconteceu hoje. Nada sobre minha adoção ou eu ter sido sequestrada.
Ficamos no telefone por quase uma hora. No final da conversa, ele me diz que planeja ler o resto dos papéis dos Fuller, e tudo volta à minha memória. A incerteza. O medo. As perguntas.
— Você leu mais alguns artigos? — ele pergunta.
— Li um pouco.
Fecho os olhos, não querendo que a conversa tome esse rumo.
— Vou ler mais amanhã.
— Tem certeza de que está ok?
— Tenho — minto de novo, pensando no rosto que imaginei, e o medo percorre minha espinha até o pescoço. Sinto uma dor de cabeça chegando. — Só cansada.
Nós desligamos. Exausta, física e emocionalmente, caio no sono no mesmo instante. Durmo até ser arrancada do sono com minha mãe gritando meu nome.
Levanto da cama num salto. Minha mãe está de pé ao lado da minha cama. Uma tempestade de emoções troveja dentro de mim. Não consigo recuperar o fôlego. Eu me sinto como um peixe fora d’água, ofegante. Meus pulmões finalmente se abrem.
Inspiro o ar.
— Você está bem? Estava gritando.
Meu rosto está molhado de lágrimas.
— Um pesadelo... — murmuro.
— Sobre o quê?
— Não me lembro. — Então eu me recordo. Lembro-me dele gritando para eu dormir no sofá sujo. Eu me lembro de chorar muito. Não quero estar lá com ele. Quero minha mãe e meu pai. Fico chamando pela minha mãe.
Quanto disso é verdade?
Engulo as lágrimas e o desespero. Então abraço minha mãe e me agarro a ela.
— Você ficou repetindo: “Minha mãe me ama”. E não parava de me chamar.
Não era você que eu estava chamando.
Eu a solto.
— Me desculpe, acordei você.
— Tudo bem. Chegue para lá, vou dormir com você.
Eu faço isso. Minha mãe se encolhe ao meu lado, até dividimos meu travesseiro. Passa a mão no meu cabelo do jeito que sempre faz quando estou doente.
— Você está certa. Amo você — ela diz isso para me confortar.
Eu engulo outra rodada de lágrimas.
— Também te amo. — Eu me acomodo junto a ela. Imagens do sonho fazem cócegas na minha mente. Sei que preciso me lembrar delas, tentar entender, mas estou muito abalada. Afasto o sonho. E, nesse instante, o desejo de apenas aceitar o carinho dela, seu conforto, parece um déjà-vu. Já fiz isso antes. Tentei esquecer as lembranças de monstros, a perda de outra pessoa e aceitei minha mãe. Aceitei o amor dela e tentei parar de amar outras pessoas.
Rodney Davis entrou pela parte de trás da agência de adoção. A ex-esposa ligara e dissera que o irmão dela, Jack Wallace, tinha mandado que ele aparecesse na agência depois do trabalho. Rodney normalmente não seguia ordens. Mas talvez Jack precisasse de algo que o ajudasse a embolsar uma boa grana. Trabalhar como segurança não era suficiente para bancar o estilo de vida que ele apreciava, então qualquer chance de ganhar uma graninha extra o atraía.
Ele foi até a porta dos fundos. Quando descobriu que estava trancada, bateu na porta.
A porta se abriu quase imediatamente. Jack estava de pé ali.
Seu cabelo estava arrepiado, seu terno, amassado, e seu rosto, quase tão vermelho quanto a gravata. Pressão alta provavelmente, porque ele havia ganhado vários quilos desde a última vez que Rodney o vira. Mas o maldito Jack parecia um velhote.
— O que houve? — perguntou Rodney.
— Seu esquema finalmente foi descoberto!
— Que esquema?
— Como diabos você pode perguntar isso? Você sabe que esquema.
Sim, Rodney sabia muito bem, mas...
— Isso aconteceu quinze anos atrás. Como pode ser um problema agora?
— Ela está procurando os pais! É por isso que pode ser um problema! — Jack fechou as mãos gordas em punhos apertados.
Rodney esfregou a palma da mão no peito.
— Diga a ela que eles não querem encontrá-la. Ou diga que estão mortos.
— Ela ainda pode querer conhecer o resto da família. E com o acesso fácil aos testes de DNA, pode descobrir! Eu sabia que isso voltaria a nos assombrar! Estávamos ferrados. E você é o culpado. Se tivesse pego a garota do México como disse que faria, nada disso teria acontecido. Nada disso!
— Não estávamos ferrados! — Ele se recusava a admitir. Porque esse tipo de coisa significava prisão. Ele já tinha sido preso oito anos antes e não havia gostado nem um pouco.
Droga, se aquela merda viesse à tona, eles poderiam acusá-lo de ter assassinado a garota. Ele não era culpado da morte dela. Nem a tocara. Ela simplesmente tinha morrido. Então ele fez o que tinha que fazer. Livrou-se do corpo e a substituiu.
Droga. Ele não ia voltar para a cadeia.
— Qual é o nome dela?
— Por que quer saber?
— Qual é o nome dela? — Ele deu um passo para a frente, num gesto intimidador.
— Não. Eu não deveria ter te ligado. Cuido disso eu mesmo. Você já estragou tudo.
Ele agarrou Jack pelo pescoço, apertou a mão ao redor da garganta dele e o encurralou contra a parede.
— Qual. É. O. Nome. Dela?
Quando Jack não respondeu, Rodney apertou ainda mais a garganta dele.
— Chloe Holden — Jack gritou.
— O endereço dela?
— Não sei.
Rodney apertou ainda mais.
Jack pegou a mão dele.
— Já disse que não sei! — Sua voz saiu fraca, sufocada.
Rodney afrouxou um pouco o aperto.
— Tudo o que tenho é o nome dela e a placa do cara que a levou.
— Que cara?
— Outro adolescente. Disse que o nome dele é Cash Colton. A placa do carro é tudo que tenho.
Rodney acreditou nele, mas não soltou seu pescoço.
— Você vai me dar?
Jack, os olhos tão arregalados que pareciam querer saltar das órbitas, assentiu.
Rodney o soltou. O homem massageou o pescoço e afastou-se da parede.
— Vou. Mas você não precisa fazer nada ainda. Ela não tem 18 anos. Farei o que você disse, direi a ela que os pais não querem vê-la. Vou ser convincente.
— Apenas me dê as informações. Me dê tudo que sabe!
23
São dez horas, de uma quarta-feira à noite, e estou na cama, olhando a papelada de Emily, para ver se deixei passar alguma coisa, e esperando Cash chegar em casa da faculdade, para que possa me ligar.
Ontem, depois da escola, Cash e eu ficamos no Whataburger lendo os artigos sobre Emily. Descobrimos muitas coisas que não sabíamos. Por exemplo, o sequestro na verdade aconteceu num parque em Amigo, Texas, a três horas daqui.
Não sabemos por que Emily estava lá, mas o artigo afirma que era a babá quem cuidava dela. Outro artigo dizia que os Fuller não sabiam que a babá tinha levado Emily para Amigo. Isso me fez pensar que os policiais estavam certos. A babá deve ter participado do sequestro.
Então encontramos um artigo com o nome da babá: Carmen Lopez Gonzales. Descobrimos que o sobrenome Lopez ajudaria a restringir as três dezenas de Carmen Gonzales das cidades vizinhas.
Cash começou uma nova busca ontem à noite para achar a babá. Ele diz que, se encontrar o endereço, planeja ir até lá.
Mas ele ainda acredita que o sr. Wallace estava mentindo. Contei a ele sobre o sonho que tive, mas que o homem nele não se parecia com o sr. Wallace. No entanto, Cash insiste em dizer que a agência está por trás de tudo.
Não sei mais em que acreditar. Mas depois de desabafar com Lindsey, ela acha que Cash está certo. Então, talvez ambos estejam certos.
Não apenas isso, mas também descobri que Cash é realmente bom como detetive. Ele percebe coisas nos artigos que eu não noto, como o fato de nenhum deles revelar que eu estava usando uma fantasia de princesa. Eu me pergunto se essa memória é verdadeira.
Por mais louco que isso pareça, ainda estou me sentindo nas nuvens quando se trata de Cash e eu. Eu o vejo na escola todos os dias. Falamos ao telefone toda noite. Ontem à noite, depois do Whataburger, fomos ao parque e ficamos no banco de trás do carro nos beijando, conversando e rindo. Eu fiz mais perguntas tolas sobre ele.
Agora conheço muitas banalidades a respeito de Cash Colton. A cor favorita dele — e, sim, no começo ele disse marrom porque era a cor dos meus olhos, mas eu disse que isso era bobagem. Ele admitiu que gostava de azul.
— Mas não de olhos azuis — ele insistiu.
Eu sei que o vegetal favorito dele é vagem. Ele não gosta de ervilhas. Sei que ele quebrou o braço quando tinha 9 anos. Quando perguntei como, ele disse que caiu de uma árvore, mas algo me diz que ele estava mentindo. Acho que o pai dele fez isso. E mesmo agora, pensando nisso, me alegra pensar que esse homem está morto.
Eu fecho os olhos. Acho que nunca me senti assim com relação a ninguém. Mas odeio o pai de Cash. Por algum motivo, tenho certeza de que a dor que vejo nos olhos dele, a dor que ele tanto se esforça para esconder, foi causada pelo pai. O tempo que Cash passou em lares temporários provavelmente não ajudou a diminuir seu sofrimento.
Mas sempre que ele menciona o pai, vejo seus olhos ficarem mais escuros e meio vazios, como se ele odiasse se lembrar.
Tentei fazer perguntas sobre o pai, mas Cash ou muda de assunto ou diz: “Não gosto de falar sobre isso”. Se eu insistisse, acho que ele falaria, mas sei que as pessoas têm que querer compartilhar. Eu só queria que ele falasse se realmente quisesse compartilhar comigo.
Meu celular toca quando chega uma mensagem. Espero que seja de Cash, mas, não, é do meu pai. Ele está mandando mensagens todos os dias. Só para dizer oi. Eu não o perdoei, mas estou feliz que ele esteja tentando. Estou feliz que ele tenha devolvido o meu quarto. Espero que ele não tenha ficado com o cheiro de Darlene.
Leio a mensagem.
Boa noite, meu raio de sol!
Vou enviar um emoji. Quase escolho aquele com um sorriso e uma lágrima, porque, quando ele usa apelidos carinhosos, eu me lembro de como tudo costumava ser bom antigamente e que agora nada é tão bom quanto antes. Mas desisto da lágrima. Guardo essa pequena mágoa dentro de mim. Envio um emoji com um sorriso de verdade, esperando que logo eu não tenha mais dúvida sobre qual emoji enviar.
Ouço os passos da minha mãe do lado de fora do quarto. Entro em pânico, agarro o travesseiro e cubro com ele as cópias dos artigos de jornal. Meu maior medo é que mamãe os encontre. Até os levei para a escola comigo.
Uma batida na porta. Meu coração acelera.
Ela abre a porta.
— Está acordada?
— Sim. — Vejo uma das folhas na beira da minha cama. É um dos artigos de jornal e tem uma foto de Emily Fuller. Meu coração começa a acelerar no ritmo do tema do filme Tubarão. Se eu tentar esconder, ela pode ver.
E se eu não esconder? Ela pode ver.
— Não consigo dormir — minha mãe diz. — Estou fazendo chocolate quente. Quer um?
— Sim! — Pulo da cama e corro para a porta, fazendo minha mãe voltar para o corredor. Concordaria em comer besouros se isso tirasse minha mãe do meu quarto.
Eu me sento na mesa da cozinha, enquanto ela prepara o chocolate quente.
Ela está muito quieta e sinto que há algo errado. Tenho medo do que seja.
Ela ainda está instável. Tem dias bons e dias ruins. Eu consigo ver a diferença. Nos dias bons, minha mãe está vestida quando chego em casa da escola, e eu sei que ela realmente caminhou, como o terapeuta recomendou. Nos dias ruins, ela ainda está de pijama. Hoje foi um dia em que ela ficou de pijama. O que significa que não seguiu as ordens do médico.
— Você caminhou hoje? — pergunto, esperando que ela se sinta mais propensa a fazer isso se souber que vou perguntar.
— Um pouco. — É mentira, e eu não esperava isso. Quando ela começou a mentir?
Foi caminhar de pijama? Eu mordo a língua.
— Quando você volta ao terapeuta?
— Sexta-feira.
— Talvez deva conversar com ele sobre a possibilidade de tomar algo para a depressão.
Minha mãe faz uma careta.
— Quer marshmallow?
— Claro! — digo. Ela joga pedacinhos brancos nas xícaras e se senta ao meu lado. Espero que me diga o que tem em mente, torcendo para que não seja nada terrível.
Meu celular toca no quarto e sei que é Cash.
— Quer ir buscar o celular? — ela pergunta.
— Não.
Minha mãe olha para mim.
— Acha que é seu pai? — Ela fala “pai” como se falasse aquela palavra de cinco letras.
— Provavelmente é Cash — eu digo.
— Eu não gosto muito dele.
Você não gosta de nada. Foi para dizer isso que você me trouxe aqui na cozinha? Isso não vai acabar bem, porque, no momento, Cash é a única coisa boa na minha vida. Lindsey também, mas Cash se transformou no meu porto seguro.
— Ele é um cara legal — digo, mas, se ela soubesse o que nos aproximou, discordaria.
— Seu pai sabe que você está namorando?
— Mais ou menos.
— Ele sequer se importou?
Vê-la falar mal do meu pai me incomoda muito, tomo um gole do meu chocolate quente; o doce e pegajoso creme de marshmallow deixa meus lábios grudentos.
— Ele acha que é um pouco cedo, mas não disse que eu não podia.
Eu não menciono que não daria a mínima se ele dissesse que não posso namorar.
Ela gira a xícara nas mãos. E respira fundo.
— O que você acha da ideia de ele se casar com aquela insignificante destruidora de lares?
Eu perco o ar.
— Ele vai se casar com Darlene? Ele te contou isso?
Então — bam! — eu me pergunto se é por isso que ele levou minhas coisas de volta para o meu quarto, esperando que eu não ficasse tão chateada. Esqueça meu quarto, pai. Isso é sacanagem!
A espuma doce nos meus lábios não tem mais um gosto tão doce. Tudo tem um gosto amargo. Quero dizer, não pode ser verdade. Meu pai está atrás da vaca nova no pasto. Certamente, um dia Darlene deixará de ser novidade! Não que eu sonhe com o dia em que meus pais voltem a ficar juntos. Não depois de tudo que ele fez para magoar minha mãe. Mas... Não! Simplesmente não dá!
É como se apenas o pensamento já estragasse todas as fotos ainda não tiradas do meu futuro. Aniversários. Dia dos Pais. Meu casamento.
Darlene vai estar em todas elas.
Dói muito saber que ela está morando com ele, morando no lugar onde estão todas as lembranças que vivemos, mas casamento?! Ele não pode fazer isso!
Mas ele pode. Meu pai pode fazer o que quiser. E já fez. Deixou a minha mãe enfrentando o câncer sozinha. Me deixou enfrentando o câncer da minha mãe sozinha.
— Ele disse para você me dizer? É disso que se trata?
— Não.
— Então como você sabe?
— Tem uma compra numa joalheria no cartão de crédito dele.
Estou tentando entender.
— Você não sabe se é um anel de noivado...
— Custou 5 mil dólares — diz ela. — Seu pai tinha uma regra: ele nunca gastava mais de mil dólares numa joalheria. Só fez isso quando comprou meu anel de casamento. E ele se excedeu em apenas 1200 dólares no meu anel. Acho que ele ama mais essa mulher. — A amargura é evidente na voz dela.
Emoções bombardeiam minha mente. Tento mudar a linha de raciocínio. E eu faço isso. Olho para minha mãe.
— Como você sabe o que ele gasta no cartão de crédito?
— Ele não mudou a senha. — Minha mãe deve ter lido minha mente, porque diz: — Se ele não quisesse que eu bisbilhotasse, deveria ter mudado.
— Isso está errado — eu digo. Mas meu pai se casar é pior.
— Por que não liga para ele? — ela diz. — Veja se ele conta para você. Temos o direito de saber, não temos?
Agora eu sei por que fui convocada para o chocolate quente.
Ela quer que eu ligue para o meu pai. Quer que eu fique chateada com ele. Estou chateada com ele. Mas estou chateada com minha mãe por querer que eu fique chateada.
— Vou para a cama! — Pulo da cadeira e a deixo ali, ruminando a sua raiva e bebendo seu chocolate quente sozinha.
Rodney afastou o telefone do ouvido.
— Já lhe disse que estou cuidando disso! — O tom da voz de Jack pelo telefone era estridente.
— Eu não gosto do jeito como você cuida das coisas. — Rodney sentou-se no carro. Ele tinha conseguido as informações sobre a placa do carro do garoto e havia passado para o colega de trabalho. O jipe era de propriedade de um tal Cash Colton, mas o seguro do carro estava em nome de Anthony Fuller. Provavelmente um padrasto.
Trabalhar como guarda de segurança tinha suas vantagens. A primeira era que havia um outro cara na empresa que era policial. E, quando Rodney explicou que aquele carro tinha seguido a sua sobrinha e eles queriam ter certeza de que não era um antigo namorado, o colega ficou feliz em poder ajudar.
— Consegui o endereço do garoto.
— Aquele garoto não tem nada a ver com a história! — disse Jack.
— Não, mas ele sabe onde está a garota.
— Não, Rod. Não faça nada com ele.
Rodney passou a mão no volante.
— Pare de ser covarde. Só vou segui-lo até ele me levar à garota.
— Isso está errado, Rod. Muito errado. Estou falando sério. Estou cuidando de tudo. Vou descobrir. Posso dar conta disso. Além do mais, a garota não ligou nem trouxe os pais. Ela pode até desistir.
— E se não desistir?
Rodney olhou para o endereço.
Joyful, Texas. Hmm... Joyful. Quem já tinha ouvido falar desse lugar? Droga, quando tudo estivesse acabado, talvez ele se mudasse para lá. Com duas ex-mulheres exigindo pensão para as crianças e a namorada bancando a megera e colocando-o para fora de casa, ele bem que precisava de outro lugar para morar.
— Eu disse, já descobri. Vou escrever uma carta como se fosse da mãe da garota. Vou fazer de um jeito que ela não vai mais querer entrar em contato com a mãe. Ninguém vai sair ferido. Então não faça nada.
Rodney esfregou a mão na barba malfeita. Será que dava para confiar naquele velhote? Principalmente porque não era Jack quem poderia acabar com uma acusação de assassinato. Por outro lado, talvez ele conseguisse dar um jeito em tudo... Era tentador.
— Ok, vou me afastar, mas, se descobrir que você está me escondendo alguma coisa, é de mim que você vai ter que fugir. Não vou deixar barato. Entendeu?
Ele desligou.
Então verificou o endereço novamente. Droga, ele poderia ir para casa e brigar com Peggy ou poderia ir atrás de informações. Apenas para o caso de as coisas ficarem pretas. Por outro lado, já era muito tarde. Talvez ele fosse para casa saber se o humor de Peggy estava muito ruim.
— Desculpe, eu estava na cozinha com mamãe — digo quando ligo para Cash, uma hora depois. Demorei todo esse tempo para ficar bem depois da conversa com ela e poder conversar com Cash.
— Está tudo bem? — Ele obviamente ouve a frustração na minha voz.
— Não.
— O que aconteceu?
Percebo que estou fazendo de novo, despejando minhas preocupações sobre ele, ao passo que Cash não me conta nada. Mas eu não paro.
— Preciso que você faça uma coisa para mim.
— O quê?
— Sabe aquele perfil falso do Facebook que você tem? — Docinho pula na cama.
— Sim.
— Você pode ficar amigo de alguém no Face e me dizer o que há na página dessa pessoa?
— Quem?
— Darlene. — Félix esfrega a cara na minha bochecha.
— A namorada do seu pai?
— Sim.
— O que você está querendo saber?
— Se o meu pai a pediu em casamento.
— Caramba! — diz ele.
— Pois é. — Passo a mão no pelo do meu cachorro.
— Você não acha que ela está grávida, acha?
O ar fica preso nos meus pulmões.
— Não! Ai, meu Deus, eu nem tinha pensado nisso. Merda!
— Respire — diz ele, para me acalmar.
— Por que você disse isso? — Eu bato no meu travesseiro.
— Eu não estava... Desculpe. Por que você acha que eles vão se casar?
— A minha mãe está bisbilhotando as faturas do cartão de crédito. Meu pai fez uma compra numa joalheria.
— Isso não significa que seja um anel de noivado.
— Foram 5 mil dólares!
— Ok, então talvez tenha sido. Por que você não pergunta a ele?
— Ah, tenho certeza de que meu pai não vai gostar de saber que minha mãe está bisbilhotando a fatura do cartão de crédito dele.
— Ok, entendi. Você sabe o nome dela no Facebook?
— Sim, ela me enviou um pedido de amizade logo depois que meus pais se divorciaram.
Ele solta uma risada.
— E Darlene pensou que você seria amiga dela?
— Eu nunca disse que ela era inteligente. — Dou a ele as informações sobre Darlene.
— Vou enviar a solicitação e ver se ela aceita.
Ele faz uma pausa.
— Você encontrou mais alguma coisa no arquivo?
— Não. Eu estava lendo e mamãe entrou. — Eu me deito na minha cama.
— Ela não viu, não é?
— Quase.
— Você parece chateada — diz ele.
— Estou bem.
— Quer que eu vá até aí?
— É tarde. Minha mãe não iria gostar.
— Posso esperar uma hora e você se esgueira pela janela. — Há uma provocação na voz dele.
Sorrio, me lembrando.
— Não acho que minha mãe vá conseguir dormir esta noite. Se ela me pegasse, surtaria.
— Acho que ela já surtou esta noite.
Ele deduz mais sobre a minha noite do que eu lhe contei.
— Sim — eu digo.
O silêncio preenche a linha até ele dizer:
— Encontrei a babá.
— O quê?
— Encontrei a babá no Face. Depois achei o número dela na lista telefônica.
Meu coração dispara.
— Você falou com ela?
— Só liguei. Falei com a sobrinha. Ela disse que a tia está no México e só volta daqui a três semanas. Me deu o endereço dela. Mora a cerca de uma hora daqui.
— Você disse a ela o que queria?
— Não, eu disse que desejava falar com a tia dela sobre um conhecido em comum. Deixei meu número e disse que ela poderia ligar. Mas a sobrinha deu a entender que esperaria a tia voltar para dar o recado.
Félix sobe no meu peito. Docinho está lambendo meu braço. Eles sentem que estou aborrecida.
— Precisamos arquitetar um plano.
Um nó se forma na minha garganta.
— Odeio pensar nisso. Está me tirando o sono. Sinto muito pelos Fuller. Sinto muito por Emily. Depois me lembro que eu posso ser Emily. Depois sinto muito pelos meus pais. Parte de mim quer ser Emily, porque isso significaria que não fui abandonada. Parte de mim está assustada com a possibilidade de ser Emily, porque tenho medo de que a vontade de ser ela signifique que não quero os pais que tenho. — Minha voz fica mais aguda. — E, sim, agora com toda a coisa do divórcio e da depressão, eu quase não quero os pais que tenho, mas... É como um furacão de diferentes emoções me sacudindo. E ainda há você.
Eu respiro. Fecho os olhos.
— Eu? — ele pergunta.
— Sim. — É como a noite com meu pai. Eu não consigo me calar. — Você... sabe tudo a meu respeito e nunca me diz nada sobre você. Sei que o seu passado deixou marcas, e quero ajudá-lo do jeito que você está me ajudando. Por que não confia em mim?
Silêncio. Uma batida. Duas. Três.
— Eu confio em você. — A frustração é evidente na voz dele. — Com exceção dos Fuller e dos meus pais adotivos anteriores, que leram meu relatório, você sabe mais sobre mim do que qualquer pessoa.
— Então por que não me conta o resto?
Ficamos calados por um momento.
— Você não entende — ele diz.
— O que não entendo?
— Droga, Chloe! Você é inocente. Todas as coisas que aconteceram com você não são culpa sua. Você não fez nada de errado. Você é perfeita.
As palavras dele confirmam o que eu sempre soube: Cash não se sente digno.
— Pelo que você acha que é culpado? Seja o que for, você está errado. Você só tinha 11 anos quando seu pai morreu! — No mesmo instante, ela se lembra das palavras de Paul. Disseram que ele matou o pai. Atirou bem no coração. Ela não acreditou. Não mesmo. No entanto, ela se lembra da história dele sobre o acidente de carro e como algo pareceu meio estranho.
— Eu já tinha idade suficiente para distinguir o certo do errado. — A dor é evidente nas palavras dele. Então, Cash diz: — Merda. Tenho que desligar. Está vindo alguém.
Eu acharia que era mentira se não tivesse ouvido a voz da sra. Fuller dizendo:
— Vi sua luz acesa. Está tudo bem? — O som está abafado, como se ele tivesse colocado o telefone na cama, mas o som ainda é audível.
— Só não consigo dormir — diz Cash.
— Nem eu. Vou fazer um chá calmante. Quer uma xícara?
— Claro! — Cash responde. Ouço um clique e a linha fica muda.
Fico segurando o aparelho no ouvido. Perguntas em espera no meu coração. Mas sabendo, sabendo com certeza, que Cash não é má pessoa.
24
Vou para a escola cedo, na quinta-feira de manhã. Estou preocupada com minha mãe. Ela não se levantou da cama. Antes de sair, quando enfiei a cabeça pela fresta da porta do quarto dela, ela mal se despediu. Eu queria que começasse a trabalhar logo.
Consulto o relógio, esperando ver Cash antes da primeira aula. Lembro da nossa conversa sobre seus segredos e fico nervosa, me perguntando se ele está chateado comigo.
No caminho, Lindsey fala sem parar. Está comparando David a Jonathon. David é mais bonito, mas o fato de ela estar falando de Jonathon revela que ainda não o esqueceu.
— Então, o que você acha? — Lindsey pergunta.
Eu devo ter desligado, porque não tenho noção do que ela está perguntando.
— Desculpe, ainda estou meio dormindo — digo. E estou mesmo. Não tive outro pesadelo na noite passada, mas acordei pensando nele. Pensando nos Fuller, na babá e no rosto que vi. — O que eu acho sobre o quê?
— De sairmos juntas com nossos namorados, sábado à noite?
— Ah... — eu digo, mas não estou muito a fim. Como não quero deixar a minha mãe muito tempo sozinha e a agenda de Cash é cheia, fico muito pouco tempo com Cash e gostaria de encontrá-lo a sós.
— Por favor, diga que sim...
Agora me sinto culpada.
— Vou ver o que Cash acha.
Chegamos à escola. Lindsey vai procurar David. Eu fico em frente à escola, esperando ver Cash.
Quando o jipe cinza chega, espero enquanto ele estaciona e depois ando na direção dele.
Ele está configurando a câmera quando chego lá. Cash me conta que riscaram o carro dele e que ele suspeita de Paul, por isso instalou a câmera para pegá-lo em flagrante caso tente vandalizar o jipe de novo. Ele também diz que prometeu aos pais adotivos que não iria arranjar outra briga. Estou preocupada com isso. Cash está realmente chateado. Ele adora esse jipe.
Cash faz um gesto para eu entrar no carro.
Eu me sento no banco da frente.
— Bom dia!
Ele se inclina e me beija. O beijo parece desesperado. Quando nos separamos, seu olhar encontra o meu e eu posso ler sua mente. Cash está me implorando para eu não perguntar sobre o passado dele. E eu não vou fazer isso. Porque ele tem de querer confiar em mim. Mas o fato de ele não me contar não me incomoda.
— Darlene aceitou meu pedido de amizade.
Eu estava tão preocupada com os segredos dele que me esqueci dela.
— Você olhou a página dela?
— Sim.
— E, então?
— Não há nenhum comentário sobre ela estar noiva nem fotos de joias caras. Você quer que eu abra a página no meu celular para você ver?
Eu hesito.
— Ela tem fotos do meu pai?
— Sim. E você tem razão. Ela só usa roupas provocantes. Você quer ver?
— Só para eu saber que meu pai pode se casar com uma vadia? — Suspiro. — Não, eu não quero ver.
— Você não sabe se ele comprou um anel de noivado — ele me lembra.
— Tem razão... — Meu celular toca avisando sobre a chegada de uma mensagem. Claro, é meu pai.
Tenha um ótimo dia!
Eu mostro a Cash. Ele diz:
— Sinto muito.
Quero mandar uma mensagem para o meu pai, falando uns desaforos, mas não faço isso. Porque, se eu falasse uns desaforos, isso depois exigiria uma explicação. E como sei que ele ficaria chateado com a minha mãe por bisbilhotar a fatura do cartão de crédito dele, não posso fazer isso. No entanto, não respondo à mensagem dele. Não posso nem mesmo enviar um emoji.
Lembro-me do pedido de Lindsey para que façamos um programa juntos no sábado. Pergunto a Cash sobre isso. Sua expressão diz que ele não quer. Estou prestes a desistir, quando de repente ele diz:
— Pode ser divertido.
Quando estou na primeira aula, percebo a razão por que Cash pode ter dito sim. Não vamos ficar sozinhos e ele não vai se sentir pressionado a me contar seus segredos.
Será que ele vai desistir de ir ao parque esta tarde?
Por que ele não pode me contar nada? Cash diz que confia em mim, mas não estou muito convencida.
O sinal toca e estou a caminho do meu armário quando ouço o meu nome. Olho para trás e vejo que é Paul. Meu impulso é simplesmente continuar andando, sem dar atenção a ele, mas minha intuição diz que Paul simplesmente vai me seguir.
Ele se aproxima e fica na minha frente. Muito perto. Dou um passo para trás.
— O que você quer?
— Tenho uma festa amanhã à noite. Queria saber se você gostaria de ir comigo?
Estou tão chocada que levo um minuto para entender que ele está me convidando para sair.
— Ah... — Tento encontrar uma resposta, mas, quando não consigo pensar em nenhuma, apenas disparo um “não”.
— Por que não? — ele pergunta.
Porque você pratica bullying. Porque não gosto de você. Porque estou namorando Cash.
— Você está realmente namorando aquele garoto adotado? — Paul pergunta quando eu não respondo.
Eu realmente não gosto dele.
— Sim.
— Ele foi para o centro de detenção juvenil. Não é bom sujeito.
Eu levanto o queixo e sinto a minha boca se contrair de raiva.
— Obviamente, não concordo com você.
Ele se inclina.
— Então você gosta de delinquentes. — Paul quase encosta o rosto no meu. — Também posso ser bem malvado se você quiser...
Eu olho bem nos olhos dele.
— Você é um babaca. — Dou um passo para trás.
— Você vai se arrepender — diz ele. — Pode acreditar.
Eu o vejo ir embora, os punhos fechados, os ombros tensos, a raiva fazendo minha cabeça zumbir. Meu primeiro pensamento é encontrar Cash e contar a ele. Dizer que ficaria feliz se ele desse um soco no nariz daquele cara. O segundo pensamento é que não posso fazer isso. Não posso contar a Cash. Ele confrontaria Paul. Arranjaria outra briga.
Quando chego em casa da escola, minha mãe ainda está de pijama, esticada no sofá com Félix. Então ela não foi caminhar. Mas pelo menos está acordada. Lembro-me de tê-la deixado sozinha na cozinha, ontem à noite, depois que me contou sobre a joia que meu pai comprou.
— Oi. — É triste ver como é fácil empurrar as coisas para baixo do tapete.
— Como foi seu dia? — Ela se senta no sofá.
— Ok — minto, meus pensamentos em Paul.
— Apenas ok? — minha mãe pergunta. — Aconteceu alguma coisa?
— Não — minto de novo, entregando a ela um pacote de biscoitos recheadas.
— O que é isso? — ela pergunta.
— Eu parei numa loja de conveniência e sei que você gosta destas biscoitos. — Docinho late na porta dos fundos. Eu o deixo entrar.
— Obrigada. — Minha mãe abre o pacote e morde um biscoito.
— Que delícia! — diz ela com a boca cheia de chocolate. Percebo que seus olhos parecem vermelhos, como se ela tivesse chorado.
Meu coração se aperta. Eu preciso que ela melhore. Preciso parar de sentir que estou pisando em ovos cada vez que estou perto dela.
Eu preciso disso porque quero perguntar a ela sobre a adoção. Quero que ela vá comigo obter informações sobre meus pais biológicos. Quero muito, mas, olhando para minha mãe agora, sei que ela não vai conseguir encarar isso numa boa.
— Você almoçou? — Eu me agacho para acariciar Docinho.
— Sim... — Ela não parece ter certeza.
Aposto que não e decido preparar algo bem calórico para o jantar. Então me lembro que a despensa está quase vazia.
— Você foi ao supermercado? — pergunto, com medo de que a resposta seja não.
— Eu meio que tirei o dia de folga — diz ela.
Minha mãe está tirando muitos dias de folga.
— Podemos fazer isso neste fim de semana — sugere ela. — Você pode comer um sanduíche. Este é o meu jantar. — Ela levanta o pacote de biscoitos.
Mordo a língua e me lembro do dia em que minha mãe preparou o frango assado com parmesão. Quando a casa cheirava a comida e amor. Eu quero aquela mãe de volta.
— Cash e eu vamos levar Docinho ao parque. — Docinho ouve a palavra “parque” e começa a abanar o rabo.
— Ok. — Pela voz dela, sei que não gostou. Eu ignoro.
Nada de quebrar ovos com minha mãe. Não quando ela está tão arrasada. Além disso, pareço reservar esse privilégio ao meu pai, pelo menos às vezes. Ele me mandou outra mensagem logo após a escola e eu a ignorei também.
Escovo os dentes e pego um cobertor para levar ao parque.
Quando volto, minha mãe está dormindo.
Ouço uma porta de carro se fechar e, pensando que é Cash, pego as balas de caramelo que comprei e enfio no bolso.
Coloco a guia em Docinho. Depois, com o cobertor, a bola e o cachorro a tiracolo, vou para fora, poupar Cash de ver minha mãe deprimida.
Quando saio na varanda, vejo que não é o carro de Cash que ouvi. É Jonathon.
Ele me lança um sorriso enquanto caminha até a casa de Lindsey. Sorrio de volta.
Ouço a porta da frente de Lindsey se abrir e ela dizer algo que não compreendo. Então Jonathon entra.
— Que merda... — Eu me preocupo que Lindsey esteja a ponto de estragar um relacionamento bom com David. Mas não tenho muito tempo para me preocupar, porque Cash chega.
Em quinze minutos, estamos no parque, sentados no cobertor.
Docinho, deitado ao nosso lado, já está cansado de pegar a bola que Cash joga para ele.
Deitamos no cobertor. O ombro dele está encostado no meu e ele segura a minha mão. Eu olho para Cash e vejo que está observando o céu.
— Estou vendo um elefante. — Ele aponta para cima.
Eu sorrio.
— Onde?
— Ali. Veja a tromba. Mas ele só tem três pernas. — Cash ri. — Mas tem um monte de elefantes de três pernas mais para lá, certo?
Eu fico olhando.
— Estou vendo.
— Acho que você quer um destes. — Ele pega um pacote de Skittles. Então se apoia num cotovelo. — Vou encontrar um vermelho para você.
— Trouxe uma coisa para você também. — Pego os caramelos no bolso.
O sorriso dele se alarga.
— Você me trouxe caramelos! — Cash diz como se fosse um grande presente, como se ele não tivesse acabado de me dar um pacote de balas que comprou para mim.
— Sim. — Abro a embalagem, tiro um do pacotinho e depois desembrulho a bala.
— Abra. — Coloco a bala em sua boca.
Ele geme de prazer.
— Desculpa. Mas isso é melhor do que Skittles.
— Não é, não. — Pego o pacote da mão dele e encontro um Skittle vermelho.
Ficamos deitados ali, chupando balas e olhando as nuvens brancas e fofas. Lembro-me de Paul e quase me sinto culpada por não contar a Cash sobre o que aconteceu, mas sei que pode terminar mal.
Eu o sinto olhando para mim. Inclino a cabeça para o lado.
— O que foi?
Ele relaxa e seus lábios tocam os meus. O gosto agridoce do Skittle e a doçura do caramelo se misturam no beijo.
Quando paramos, nossos olhos se abrem, se encontram e se fixam. Os sons do parque flutuam ao nosso redor, pessoas conversando, um cachorro latindo, Docinho roncando e alguns pássaros cantando, mas de alguma forma parece que só nós estamos ali.
— Não é que eu não confie em você, Chloe. É que... isso... — ele gesticula com as mãos — ... está tão bom... Eu gosto do jeito como está. Gosto que isso não tenha nada a ver com o meu passado. O que aconteceu comigo é ruim, e isto é bom. É tão bom que eu não quero estragar. Isso faz sentido?
Eu olho fixamente os olhos verdes de Cash e juro que vejo sua alma. E vejo o vazio ali. O mesmo vazio que eu tenho.
— Mais ou menos — digo. — Mas não acho que algo poderia estragar isto.
Ele me beija novamente.
Meu celular toca. Tiro o aparelho do bolso e franzo a testa.
— É o meu pai.
— Atenda se quiser — diz Cash.
— Não. Não estou preparada para falar com ele. — Nós nos deitamos e continuamos olhando para o céu. — Você viu se Darlene postou alguma coisa sobre um anel?
— Eu cheguei e ela não postou nada.
Ficamos em silêncio novamente, e eu gosto de estar tão perto dele. Estamos de mãos dadas. Seu ombro, seu braço e sua perna estão pressionados contra mim. Sinto um formigamento por toda parte e gostaria que Cash estivesse ainda mais perto.
Ele se mexe.
— Ontem à tarde, antes de eu ir para a aula na faculdade, fui até a casa da babá.
Eu engulo em seco.
— Por quê? Você disse que ela não estava em casa.
— Ela não está. Foi só para saber onde ela mora. Pensei em ligar para a sobrinha novamente. Mas não quero parecer muito ansioso. Isso pode fazê-la desconfiar.
— Acho que ela vai suspeitar de qualquer maneira — eu digo.
— Você não sabe. — Mas ele franze a testa.
Fico de lado e o encaro.
— Você vai ficar muito decepcionado se eu não for Emily?
— Não. Vou me surpreender, porque acho que você é ela, mas não vou ficar desapontado. Por que acha que eu ficaria?
Eu suspiro.
— Não sei. Parece que você quer que eu seja ela.
— Sinceramente, seria melhor se não fosse. Você sabe, por causa do nosso namoro, mas... acho que você é Emily. — Ele toca meu rosto. — Como você quer que essa história acabe? — ele pergunta. — E esqueça esse medo de magoar seus pais.
Eu reflito antes de responder.
— Por um lado, eu quero ser ela... saber que não fui abandonada. Mas, por outro, eu não quero. Sempre pensei que, se eu pudesse descobrir quem são meus pais de verdade, eu poderia... descobrir quem sou. Agora, parece que... se eu descobrir quem eu era nessa outra vida, vou perder parte da pessoa que sou. Sei que não faz sentido, mas...
— Faz sentido — diz ele. — Mas não acho que isso vá mudar quem você é.
— Mãe, já cheguei! — grito quando entro em casa.
Fico ali, esperando sentir o cheiro da comida cozinhando no fogão. Quero dizer, sim, eu sei que isso é bem improvável, mas, ei, posso ter esperança de que minha mãe de repente tenha acordado, ido ao supermercado e decidido ser mãe, não tenho?
Minha mãe não responde.
— Mãe? — Vou para a sala de estar, o sofá está vazio.
Ando em direção ao quarto dela. A porta está entreaberta. Minha mãe está na cama e a luz está apagada.
— Mãe? — Eu me inclino contra o batente da porta.
Não ouço nada.
— Vou pedir comida chinesa para o jantar.
Nada. Eu poderia ter passado mais tempo com Cash...
Meu celular avisa que chegou uma mensagem.
Dou uma olhada na tela. É Lindsey.
Por favor, venha aqui!
Percebo que a picape de Jonathon já não está mais ali.
Lindsey provavelmente quer falar sobre a visita dele. Mas, juro que, se ela estiver pensando em reatar com aquele brutamonte, vou matá-la.
— Mãe, vou à casa da Lindsey. Pedirei a comida chinesa quando voltar.
Minha mãe nem se mexe, mas responde:
— Parece bom, Chloe. Vejo você quando voltar — ela fala como se eu fosse a mãe dela.
Então murmuro:
— Obrigada por ser o adulto aqui.
Com raiva, vou para a casa de Lindsey.
Antes de sair na varanda, meu celular toca. É meu pai de novo.
Não. Não estou a fim de encarar isso agora. Prefiro conversar com Lindsey e falar sobre os problemas dela com Jonathon.
Eram quase seis horas quando Cash pegou a saída para o bairro dos Fuller. Às quintas-feiras, geralmente só ficavam ele e a sra. Fuller em casa. Ele tinha enviado uma mensagem para ela cerca de uma hora atrás, avisando que talvez chegasse atrasado. Ela havia mandado outra, para falar que estava indo ao supermercado e perguntar o que ele queria jantar. Ele disse a ela para surpreendê-lo.
Quando chegou em casa, havia um sedan preto estacionado na garagem. A porta da garagem estava aberta. O carro da sra. Fuller estava lá dentro, mas o porta-malas estava aberto e as sacolas das compras ainda estavam lá.
Ele achou que ela tinha chegado em casa mais cedo. Pegou algumas sacolas e entrou. Ao chegar na cozinha, ouviu a voz dela falando num tom estridente.
— Eu disse que ela estava viva. Eu sabia! Meu Deus, alguém pegou a foto da progressão da idade que coloquei no Walmart. Pode ter sido ela.
As palavras da sra. Fuller e a emoção em sua voz fizeram Cash parar no meio do caminho. O medo ficou represado na boca do estômago. Sem fazer barulho, ele colocou as sacolas no balcão da cozinha.
— Senhora — disse uma voz masculina —, não conte muito com isso. Estamos desconfiados de que seja outro golpe. Talvez o mesmo sujeito que os enganou da última vez.
Cash congelou ao ouvir isso.
— Mas você disse que ele a viu. Você disse...
Ele a viu? Merda. Alguém viu a foto da progressão da idade e reconheceu Chloe?
— Olha, o funcionário disse que a foto parecia ser de uma garota que esteve na loja. Eles queriam tirar fotocópias, mas...
Fotocópias?
Droga! Era a cópia que tinha ficado na gráfica.
A voz do pai ecoou em sua cabeça. Nunca deixe rastros.
— Olha, é terrível ter de dizer isso, mas provavelmente é como da última vez.
— Nós não sabemos — disse a sra. Fuller. — Pode ser ela. Espere. Você disse que eles queriam tirar fotocópias? Quem estava com ela? Talvez fossem os sequestradores. Eles ainda poderiam estar prendendo-a contra a vontade. A testemunha deu uma descrição do homem?
Cash encostou no balcão. Ele estava ferrado agora. Caramba!
— Ele deu uma olhada melhor na garota do que no cara. Mas acha que o rapaz tinha uns 20 anos, então é improvável que seja o sequestrador.
— O que vocês vão fazer? Por favor, me diga que vão investigar.
O desespero ficou evidente na voz da sra. Fuller e afundou no coração de Cash. Ele se lembrou de que ela tinha chorado por quase dois meses depois que o homem os enganara da última vez. Mas só que agora não era um reles vigarista que iria magoá-la. Era Cash. Ele causara tudo aquilo.
Droga! Ele tinha que descobrir a verdade. E rápido. Não podia esperar para conversar com a babá. Precisava colocar as mãos nos documentos da adoção de Chloe. Mas como?
Fico uma hora na casa de Lindsey, convencendo-a a se afastar de Jonathon. Uma hora ela está me ouvindo e jurando que não vai mais vê-lo, mas depois...
— Sei que esse cara não presta — diz ela. — Mas ainda gosto dele.
— Você não pode reatar esse namoro. Ele vai trair você de novo.
Lindsey faz uma careta.
— Jonathon disse que não estava dando em cima de você, ele só ficou com pena.
Ah, certo! E você acredita? Ela está mais iludida do que eu pensava.
— Eu sei que tenho que dizer que não. Mas...
— Sem “mas” — eu digo. — Sério, eu não seria sua amiga se deixasse você voltar com ele.
Ela franze a testa.
— Jamie disse que eu deveria dar uma segunda chance a ele.
Fico sentada ali na cama dela, tentando pensar na coisa certa a dizer.
— Bem. Então volte para ele, mas depois não fale que não avisei.
Meu celular toca. É meu pai de novo.
— É Cash? — ela pergunta.
— Não. Meu pai.
— Você perguntou a ele sobre o anel?
— Não. — O telefone para de tocar. Eu concluo que ele vai deixar uma mensagem.
Olho para Lindsey.
— Preciso ir. Tenho que pedir o jantar.
Ela faz beicinho.
— O que devo fazer com Jonathon?
Balanço a cabeça.
— Tire-o da sua vida.
— Isso não é radical demais? — ela pergunta num tom irritado. — Seu pai traiu sua mãe e você ainda fala com ele.
As palavras dela me dão nos nervos.
— Sim e você, mais do que qualquer pessoa, sabe que ainda não o perdoei por isso. Olhe a bagunça que ele fez na minha vida. — Eu me levanto. — Dane-se! Faça o que você quiser! Mas não diga que ele não estava dando em cima de mim, porque estava.
Eu vou embora. Estou quase na minha casa quando meu celular toca novamente com uma mensagem de áudio do meu pai.
Paro na varanda para apagá-la. Mas, em vez disso, coloco o celular no ouvido.
— Chloe, onde você está? Estou preocupado com a sua mãe. Liguei algumas horas atrás e ela não estava falando coisa com coisa. Dê uma olhada nela e me ligue!
Não estava falando coisa com coisa? Eu me apresso para abrir a porta da frente. Corro para o quarto dela.
— Mãe! — grito. Ela não responde. Está imóvel na cama. Acendo a luz. E a primeira coisa que vejo é o frasco de comprimidos aberto na mesa de cabeceira. — Não! — Corro para ela. — Deus não, não! Mãe? — grito.
25
Estou prestes a chamar uma ambulância quando ela murmura: — O que foi? — Ela abre os olhos devagar. Tenta se sentar, mas não consegue.
Eu olho para o frasco. Ainda há comprimidos dentro dele.
— O que você está tomando? — Pego o frasco e leio o rótulo. É um sedativo. — Quando você começou a tomar comprimidos para dormir? — pergunto.
Ela se senta, mas se desequilibra, como se estivesse bêbada.
— Por quê? — Ela está irritada.
Eu leio o rótulo que diz que ela deveria tomar apenas um por noite.
— Quantos você tomou?
Ela franze a testa.
— Quantos?
— Eu sou enfermeira. Sei quantos posso aguentar.
— Então você tomou mais de um?
— Pare. Não precisa fazer esse estardalhaço todo. — Ela pega o frasco.
— Não, é você que precisa parar! Me responda! Quantos você tomou? — Eu olho para ela. Vejo a data em que os comprimidos foram aviados. — Posso contar e descobrir.
Ela balança a cabeça.
— Me dê meus comprimidos!
— Não. Você não vai abusar de remédios agora! — Lágrimas enchem meus olhos. — Você sabe quanto medo eu senti achando que você não acordasse mais? Você não dá a mínima para mim!
— Não fale assim, mocinha!
— Ah, não! Você não pode reclamar do jeito que eu falo enquanto se entope de comprimidos pra dormir!
— Eu não... Eu só precisava dormir!
— Quantos você tomou? E não minta porque vou contá-los!
Ela finalmente parece envergonhada.
— Tomei dois, mas...
Balanço a cabeça.
— Isso não tem desculpa!
Minha reação parece deixá-la zangada, mas minha mãe não pode ficar mais zangada do que estou agora.
— Por que você não vai gritar com seu pai em vez de gritar comigo? — ela diz. — Ele vai se casar!
— Eu não me importo com o que o meu pai está fazendo. Eu me preocupo com o que você está fazendo. — Jogo os comprimidos na mão e começo a contá-los, piscando para conter as lágrimas. Conto vinte. Leio o rótulo para ver quantos comprimidos havia nele.
— Mãe, aqui tinha trinta comprimidos. Você tomou dez! Dez comprimidos em quatro dias!
— Eu tomei alguns durante o dia. — Ela enxuga as lágrimas. — Quando durmo, não me lembro do que ele fez para nós.
Eu tampo o frasco de comprimidos.
— Vou ficar com estes comprimidos. Você pode me pedir um à noite se precisar. Agora, você precisa se levantar e comer alguma coisa! — E ela também precisa combater o efeito dos remédios e se recompor.
Quando minha mãe não levanta da cama, eu digo:
— Levante-se. Não vou deixar você fazer isso consigo mesma ou comigo! Amanhã você vai pedir um remédio para depressão ao seu médico. Se não estiver com a receita quando chegar em casa, eu mesma vou pedir ao médico! — Saio com tudo do quarto dela e entro no meu, batendo a porta o mais forte que posso.
Jogo o frasco de comprimidos na mochila e caio na cama. Começo a chorar. Lembro-me da mensagem do meu pai. Vou mandar uma mensagem para ele, mas não sei o que dizer. Digo a verdade? Será que ele não vai insistir para que eu vá morar com ele?
Com ele e Darlene. A noiva dele.
Estou tão brava com a minha mãe que não consigo nem ficar no mesmo cômodo que ela, mas não posso deixá-la sozinha. Não posso morar com Darlene.
Enxugo as lágrimas para escrever a mensagem. Digito: Mamãe está bem. Depois desligo o celular, pego um travesseiro e resolvo dar vazão às lágrimas pelo tempo e com a intensidade que for necessário.
— Droga! — Rodney pegou a saída onde havia uma enorme estátua de um cavalo e uma placa. Mas era um daqueles condomínios fechados. Então a garotinha que ele havia tirado da família anos atrás estava se dando muito bem na vida. Ele daria qualquer coisa para encontrar alguém rico para sustentá-lo...
Ele parou. Precisaria de uma senha para entrar. Então olhou com mais atenção e percebeu que precisava de mais do que uma senha. Havia um guarda sentado dentro de uma guarita de vidro.
Como ele tinha saído do trabalho às dez da noite e Peggy o chutara para fora de casa no dia anterior, decidiu ir até Joyful. Mas agora tudo lhe parecia pura perda de tempo. Ele bateu no volante com a palma da mão.
Naquele momento, um par de faróis iluminou o carro dele. Um veículo estava saindo do condomínio. A cancela se levantou. Rodney inclinou-se contra o volante para ter uma visão melhor.
Por um segundo, ele imaginou ver algo. Depois piscou. Não, ele não estava imaginando. Um jipe cinza-escuro estava saindo pelo portão.
Mas que sorte! Ele deixou o jipe passar e depois o seguiu. Chegou perto o suficiente apenas para se certificar de que era a placa correta.
Era.
Acordo com um barulho. Eu me levanto e minha cabeça dói. Meu rosto está inchado de tanto chorar.
Ouço o barulho novamente. Rolo na cama. Tenho certeza de que é apenas Félix com um brinquedo. Então ouço Docinho soltar um rosnado baixo. Abro os olhos e vejo um rosto na janela. Quase grito.
Mas então reconheço o rosto.
Jogo as cobertas para o lado. Olho para o meu corpo e vejo a minha camisola. É velha, desbotada e tem o desenho da Pequena Sereia na frente, mas não me importo. Abro a janela. No momento, nada me parece melhor do que estar nos braços de Cash.
— Entre. — Eu recuo.
Ele entra pela janela e olha para mim.
— Qual o problema?
Eu me vejo no espelho da cômoda. O rímel está manchando meu rosto. Começo a explicar, mas só tentar pensar em como explicar faz com que eu volte a chorar.
Ele me abraça. Coloco a cabeça no peito dele e deixo as lágrimas rolarem.
— O que aconteceu, Chloe?
Finalmente me afasto e tento deter o fluxo de lágrimas.
— Lembra que meu pai estava tentando falar comigo?
Ele diz que sim.
— Bem, quando cheguei em casa, minha mãe estava na cama. Fui à casa de Lindsey e meu pai continuava tentando falar comigo. Ele deixou uma mensagem e disse que minha mãe estava agindo de forma estranha. Corri para casa e não conseguia acordá-la. — Ela solta um soluço. — Havia um frasco de comprimidos na mesa de cabeceira. Pensei... que ela estava morta.
— Nossa! Ela está bem?
— Ela por fim acordou, mas está tomando muitos comprimidos para dormir. Tomou dez em quatro dias. Só deveria tomar um por dia. Fiquei furiosa.
— Você tinha mesmo que ficar! — Cash diz. — Isso é loucura. O que o seu pai falou?
— Não contei a ele. Só mandei uma mensagem dizendo que minha mãe estava bem e desliguei o celular. Não quero falar com ele. Minha mãe disse que ele vai se casar com Darlene. — Recuo e desabo na cama. — Me desculpe, eu deveria ter percebido que você me ligaria. Eu só... estava muito chateada.
— Tudo bem.
— Guardei os comprimidos — digo. — Disse que, se ela não pedisse um remédio para depressão amanhã, eu ligaria para o médico. E vou fazer isso.
Solto outro suspiro.
— Eu pensei que ela estava morta. E tudo que eu conseguia pensar era que a culpa era minha, porque não atendi à ligação do meu pai mais cedo.
— Não. — Ele cai na cama ao meu lado. — Não seria culpa sua. Você a levou para o hospital?
— Não. Ela ficou bem, depois. Eu a fiz se levantar e comer alguma coisa. Eu a ouvi andando pela cozinha, então tenho certeza de que comeu. — Olho para o relógio e é quase uma da manhã.
Ele me abraça e eu não me sinto tão sozinha.
— Estou tão cansada de me preocupar com ela, quando eu mesma tenho toda essa história da adoção com que lidar.
Ele me beija na testa.
— Eu sei.
Em alguns minutos, estamos deitados na cama. Estou de lado. O braço dele está em volta da minha cintura e minha cabeça está apoiada no peito dele. Lembro-me de que estou sem sutiã novamente e algo me diz que ele também percebeu. Não que esteja fazendo algo errado.
Eu levanto a cabeça e o beijo. Ele me beija de volta. Isso parece tão certo, quando tudo na minha vida parece errado. Sei que minha mãe está dormindo no final do corredor, mas de repente não me importo mais. Aprofundo o beijo.
Ele me acompanha, mas não vai mais longe. Eu quero ir mais longe.
Sento-me na cama e tiro a camisola. Os olhos dele se arregalam.
— Chloe...?
Meus instintos me dizem que ele vai me dizer para vesti-la novamente. Eu o beijo antes que ele possa falar alguma coisa. As mãos dele estão nas minhas costas nuas. Seu toque é incrível. Cash é incrível.
Eu me deito na cama, a boca dele encontra a minha. Suas mãos estão nos meus seios. Eu deslizo minha mão para baixo da camisa dele.
— Não. — Ele se afasta. Eu me deito na cama.
Cash olha para mim. Para minha pele nua. Seus olhos estão nos meus seios. Então seu olhar se desvia para minha calcinha rosa.
— Nós não podemos...
— Por quê? — Eu me sinto rejeitada.
— Não — ele diz como se soubesse o que estou sentindo. — Você é linda e eu adoraria... Mas não assim. Não com sua mãe aqui. Ele olha em volta e encontra minha camisola.
Envergonhada, fecho os olhos.
Ele se deita ao meu lado.
— Olhe para mim.
Eu obedeço.
— Quero muito isso, mas não agora que você está chateada e sua mãe pode nos pegar no flagra. — Ele me beija e depois me afasta. Seu olhar baixa novamente. — Vista isso antes que eu mude de ideia.
Eu me sento. Ele desliza a camisola pela minha cabeça. As mãos de Cash roçam nos meus seios, enquanto abaixa a camisola até a minha cintura.
Eu me deito outra vez. Ele se deita ao meu lado e me puxa para mais perto.
— Sinto muito — eu digo. — Eu não deveria ter...
— Não, jamais se desculpe por isso. — A voz dele está rouca. Cash se apoia num cotovelo. — Isso foi um presente que eu apreciei muito. E vai acontecer. Só que não agora.
Eu começo a chorar novamente. Cash se deita e me puxa para perto dele. Coloca a mão na minha cintura. E eu fico deitada ali, a cabeça no peito dele, ouvindo seu coração bater. Seu peito é forte, firme e reconfortante. Quando estou com Cash, minha vida não parece tão tumultuada.
Tudo que sei, depois disso, é que ele me acorda com um beijo.
— Tenho que ir — diz Cash.
Sorrio, sem saber direito se é uma hora da manhã ou três, e percebo como foi bom dormir um pouquinho com ele, mesmo que só tenhamos dormindo.
— Obrigada por ficar.
— Eu é que agradeço — ele diz.
Enquanto eu o observo saltando pela janela, um leve sentimento invade meu peito. E eu sei o que é. É algo que nunca senti por Alex.
Estou me apaixonando por Cash Colton.
Rodney recostou-se no banco do velho Honda e olhou para a casa antiga.
Ele tinha seguido o garoto para outro bairro. Um bairro com casas velhas e caixas de correio caindo aos pedaços. O jipe estava estacionado em frente a uma casinha com uma pequena varanda, onde uma luz atraía insetos. Mas em vez de ir para a varanda, o rapaz foi até a janela da frente.
No início, Rodney pensou que ele fosse espiar pelo vidro. Mas, não, ficou de pé ali apenas por um segundo antes de escalar a janela.
Quer apostar que é ela quem mora aí?
Adolescentes fazendo suas estripulias.
Ele pensou em ir embora, mas resolveu ficar até saber se era de fato a casa dela.
Droga, Rodney não tinha um pingo de sono e tudo o que esperava por ele em Fort Landing era o quarto de um hotel barato. Por que não ficar? O carro era mais confortável do que aquela maldita cama.
Uma hora e meia se passou antes que ele visse o garoto escalando novamente a janela.
Ele viu o jipe sair. Então esperou mais meia hora. Saiu do carro, checando para se certificar de que ninguém o vira, e foi até a janela.
Um cachorro latiu do outro lado da rua e ele hesitou, esperando para ver se o animal se aproximaria. Quando nada aconteceu, ele foi até a janela. Com cautela, apoiou-se no parapeito e deu uma olhada.
Uma luz noturna brilhava ao lado da cama, e ele viu uma garota deitada. Não que ela parecesse uma garota, parecia mais uma mulher.
Os cabelos escuros estavam espalhados pelo travesseiro. Ela usava uma camisola que delineava suas curvas.
Rodney se perguntou como ela reagiria se ele fizesse uma visitinha ao seu quarto.
Mas seria realmente ela? Avançando, estudou o rosto da garota e tentou se lembrar de como ela era quando criança. Cabelos e olhos castanhos, pele clara. Para Rodney, ela era apenas outra criança ilegal.
Mas ele se lembrou de que ela falava um inglês perfeito. E que isso o preocupara, mas não o suficiente para que ele fizesse algo a respeito. E ela lutava como gente grande. Tinha coragem. Gritou como uma alma penada. Mas Rodney só precisou bater nela uma vez para que calasse a boca. Depois disso, ela começou a ouvi-lo.
Ele continuou a espiar a moça. Sim, poderia ser ela. Já crescida. O olhar dele foi atraído para as curvas dela novamente, as pernas longas, nuas, para fora das cobertas.
Seria uma pena se ele tivesse que matá-la. Talvez Jack realmente conseguisse consertar isso. Talvez. Mas se não conseguisse, ele faria o que fosse preciso. Rodney não iria para o xadrez.
De repente, um latido ecoou de dentro da sala e um cachorro deu um salto. Suas patas pousaram no parapeito da janela, o focinho bateu no vidro e ele arreganhou os dentes.
Rodney caiu no chão.
Estava quase correndo quando ouviu a janela se abrir. Ele se arrastou para o outro lado da casa e se escondeu atrás do carro do vizinho. Droga.
— Cash? — Uma voz chamou baixinho, da janela.
Rodney ficou onde estava e não respirou até ouvir a janela se fechar.
Ele estava prestes a voltar para o carro quando uma luz se acendeu numa janela na parte de trás da casa.
Ele olhou de trás do carro e viu uma sombra se mover para a janela.
Outra mulher.
Alta. Mas não cheia de curvas. A mãe dela, talvez? Seria tão bonita quanto a filha?
Ele ficou atrás do carro do vizinho por mais dez minutos, antes de voltar para o seu próprio carro.
Na manhã seguinte, estou terminando meu café da manhã quando ouço a porta do quarto da minha mãe se abrir.
Eu paro de comer meu cereal. A raiva cresce dentro de mim mais uma vez.
Ela vem e se senta ao meu lado na mesa.
— Chloe...
— Não — eu digo. — Eu não quero ouvir você dizer quanto está arrependida ou que a culpa é do papai. Isso só tem a ver com você.
— Eu não estava tentando me matar — diz ela num tom recriminador. Mas ela não tem o direito de me repreender.
Eu me levanto.
— Não, você estava apenas abusando de drogas! — acuso-a. — O que você diria se eu tivesse feito isso, mãe? Posso pegar três ou quatro para tomar hoje à noite?
A culpa ronda os olhos dela.
— Sinto muito. Eu...
— Eu não quero ouvir isso! — Fico ereta. — Se quiser compensar, vá à sua consulta e peça remédios para depressão. Se não estiver com eles quando eu voltar para casa, não sei o que vou fazer. Te amo, mãe, mas não vou ficar assistindo você se matar.
— Eu não estava...
— Apenas faça o que eu disse!
— Vou fazer. Prometo. — A voz dela fraqueja.
Saio de casa. Acho que a briga vai rolar solta. Estou quebrando os ovos com minha mãe agora.
Lindsey está de pé ao lado do meu carro, olhando para mim quase com a mesma culpa que minha mãe. Droga, esqueci que estava brava com ela também.
— Você ainda vai me dar carona? — Lindsey pergunta.
— Sim — digo.
— Sinto muito — diz ela. — Eu não deveria ter dito aquilo sobre o seu pai.
Entramos no carro. Eu olho para Lindsey e digo:
— Me desculpe, explodi com você. Não gosto de Jonathon. Não acho que eu esteja errada no que disse, mas também não cabe a mim falar o que você deve fazer.
Ela faz uma careta.
— Eu sei. Só queria que você não estivesse certa. Ainda somos amigas?
— Sim. — Eu quase digo a ela sobre minha mãe, mas parece um tópico muito pesado para tratar logo pela manhã. Pela mesma razão, coloco meu celular só para vibrar e vou para a escola. Mas eu sinto o aparelho zumbindo agora no meu bolso de trás. Provavelmente meu pai.
Nem desliguei o motor quando vejo Cash andando na direção do meu carro. Ele está sorrindo e meu coração acelera. Sei que ele está pensando na noite passada. E, embora eu não me arrependa, ainda estou envergonhada. Eu nunca era a primeira a tomar a iniciativa com Alex.
Lindsey vê Cash.
— Vou na frente para que você aproveite seu beijo matinal.
Cash cumprimenta Lindsey e depois entra no meu carro.
Ele se inclina sobre o console e me beija. É um beijo carinhoso. Mas um pouco mais quente do que antes.
— Eu não consegui dormir nada depois que fui embora. — Ele toca meu rosto.
— Sinto muito. — Sorrio.
— Não sinta. Coloquei uma música, deitei na cama e fiquei pensando em você.
— Sobre como eu sou terrível? — Abaixo a cabeça.
Cash ri.
— Você pode ser terrível comigo sempre que quiser.
Bato no peito dele com a palma da mão.
— Como estava sua mãe esta manhã? — ele pergunta.
Conto a Cash sobre a nossa discussão.
Depois de alguns minutos, ficamos calados e ele diz:
— Algo aconteceu na noite passada. Eu não contei, porque... você já estava chateada. — Seu tom é muito sério.
— O que foi?
— Lembra-se da fotocópia do artigo que deixamos na gráfica?
— Sim.
Cash me conta que havia detetives na casa dele e eu imediatamente começo a entrar em pânico.
— O que eles vão fazer?
— Tudo o que disseram é que vão investigar.
— Mas como? O que eles podem fazer?
— Podem colocar algo no noticiário local. Perguntar às pessoas se elas viram você.
— Caramba! As pessoas me reconheceriam. — Meu estômago dá um nó quando penso em como isso afetaria mamãe. — Minha mãe não vai conseguir enfrentar isso agora, Cash. Ela jura que não estava tentando se matar, mas eu não sei com certeza. Ela é um esqueleto ambulante, sem vontade de viver. Não tem nada além de mim. Sou tudo o que ela tem. E, se ela pensar que vai me perder... — Lágrimas escorrem dos meus olhos.
— Eu não estou dizendo que eles vão fazer isso. Essa hipótese é só o pior que poderia acontecer.
— Eu odeio essa situação... — digo e um nó se forma na minha garganta.
— E o seu pai? Você acha que poderia pedir a ele para ir com você à agência?
— Pedir ao meu pai? Eu nem estou falando com ele agora! E não acho que ele faria isso sem avisar minha mãe. — As emoções rodopiam no meu estômago. — Pensei que ela estivesse morta. Não posso correr o risco de fazê-la piorar agora. Simplesmente não posso. — O nó na minha garganta se torna um caroço no meu coração. Uma grande bola de dor indesejada.
— Então você pode pelo menos pedir que ele encontre os papéis da adoção? Se nós os tivéssemos em mãos...
— Como vou explicar isso?
— Eu não sei, mas temos que fazer alguma coisa. A sra. Fuller está...
— Você disse que ia falar com a sobrinha da babá novamente.
— Eu tentei. Ninguém está atendendo ao telefone. Deixei uma mensagem, mas ela não retornou.
— Então ligue outra vez. Eu quero descobrir tudo isso, mas não posso magoar minha mãe.
Cash olha para mim e a compreensão que sempre vejo em seus olhos não está presente ali agora.
— E depois? — ele pergunta.
— Depois o quê?
— Quando você descobrir a verdade? Vai contar à sua mãe? Contar aos Fuller?
Uma onda de raiva toma conta de mim.
— Você prometeu que era escolha minha resolver quando contar.
— Eu sei, mas você não entende, Chloe. Sua mãe não é a única que está sofrendo. A sra. Fuller também está.
Ele sai do carro e me deixa ali, chorando sozinha.
26
Durante todo o dia, temi que a polícia tivesse divulgado minha foto e alguém na escola tivesse me reconhecido. Estou sofrendo. Estou com raiva. Do mundo, e até de Cash! Ele não falou comigo durante a aula de Literatura Americana, mas me encontra a caminho do estacionamento depois das aulas. Ele não diz nada a princípio. Apenas me abraça. Minha raiva evapora.
— Sinto muito — diz ele. — Eu não quis...
— Eu sei. Também sinto muito. — Fico na ponta dos pés e o beijo.
— Vou desvendar isso — diz ele.
Lindsey se aproxima, Cash me beija novamente e se afasta. Lindsey e eu vamos para casa.
O carro da minha mãe está na entrada para carros, quando chego em casa.
Eu estaciono. Minhas mãos estão suando. Eu me pergunto se é porque estou nervosa, com receio de que minha mãe não tenha trazido o remédio dela ou se é porque estou preocupada que a polícia já tenha colocado meu rosto nos noticiários.
Coloco a mochila no ombro, lembrando-me de que os comprimidos da minha mãe ainda estão escondidos lá dentro e eu não posso largá-la sobre a mesa, então entro na cozinha.
Um estranho silêncio reina na casa, como se não houvesse ninguém. Mas o carro de minha mãe está estacionado na frente.
— Mãe?
Ela não responde. Largo a mochila no meu quarto, então vou ao quarto dela. A porta está aberta. A cama feita. Essa é a primeira vez depois de muito tempo.
— Mãe? — Bato na porta do banheiro.
Sem resposta. Meu coração bate acelerado. Meu olhar se volta para a cama dela. Lembro-me dos segundos mais longos que já vivi quando pensei que minha mãe estivesse morta. Estou prestes a entrar em pânico. Então percebo que Docinho não está em casa também. Ela provavelmente foi dar um passeio.
Nesse momento, a porta da frente se abre. Vou até a sala.
— Oi. — Minha mãe solta o Docinho. Ela está usando uma peruca e jeans que realmente parecem ser do tamanho dela. — Como foi a escola?
— Ok. — Eu fico ali, esperando que ela me diga. Por favor, mãe, diga que você trouxe o remédio para depressão! — Mãe?
— Peguei minha receita. Está na mesa da cozinha.
Eu me inclino para trás até ver que a receita está realmente ali, ao lado do laptop de minha mãe.
— Um dos efeitos colaterais é que esse remédio pode me fazer engordar. Então isso é bom. Ah, recebi ordens médicas para começar a escrever de novo.
Pelo menos parte da tensão que carrego no meu peito evapora. Ela fez o que pedi. Foi buscar a receita do remédio para depressão. Estou tão aliviada que uma onda de lágrimas arde nos meus olhos. Eu pisco.
— Você adorava escrever.
— Eu sei. Li os três primeiros capítulos. — Ela sorri. — Estão realmente muito bons. Pensei que eu ia ler e descobrir que estavam horríveis. Mas não.
— Você não tinha quase terminado o livro quando... — Quando percebeu que papai estava traindo você?... — parou de escrever?
— Sim, só tenho mais uns dois capítulos para terminar. Mas vou reler tudo primeiro. Até procurei na internet e descobri que há um grupo de escritores aqui na cidade. Eles se reúnem nas noites de quinta-feira. Eu acho que vou.
— Isso seria muito bom! — Lembro-me de quando minha mãe participava de um grupo de escritores em El Paso. Ela vivia feliz.
Ela olha para baixo por um segundo, depois para mim.
— Sei que tem sido difícil para você e isso não é justo. Sei que prometi antes, mas estou falando sério desta vez. Vou melhorar.
Eu vejo verdade nos olhos dela. Pode ser excesso de otimismo, mas acredito nela. Eu a abraço. É um abraço apertado. E longo. Não consigo disfarçar as lágrimas. Então uma grande onda de medo me assalta. Se a foto com a progressão de idade aparecer nos noticiários, isso voltará a abater mamãe?
Mais tarde, vou para o meu quarto pensando em ligar para Cash.
— Você conseguiu gravar alguma coisa com a sua câmera? — pergunto. Sei que ele verifica a filmagem todo dia, esperando pegar Paul no flagra. Também espero que ele pegue. O idiota não falou mais comigo desde que me convidou para sair, mas eu ainda não gosto dele.
— Não. Mas não vou desistir. Cada vez que passo por ele na escola, ele sorri para mim para me provocar, como se quisesse que eu reagisse.
— Mas, mudando de assunto, como está sua mãe?
— Parece melhor. — Eu me reclino na cama. Félix pula e se acomoda no meu colo. — Ela quer que eu vá jantar e fazer compras com ela. Está lendo o livro que escreveu, pensando em recomeçar a escrever.
— Muito bom! — diz ele. — Talvez ela comece vida nova.
— Sim — eu digo com esperança, depois, pergunto: — Como estão as coisas aí?
— Ninguém em casa ainda. O que é estranho, porque os dois chegam cedo às sextas-feiras. Félix está me seguindo para todo lado.
Uma pergunta louca me ocorre. O gato dos Fuller se lembraria de mim se eu fosse Emily? Afasto esse pensamento.
— Você trabalha hoje à noite, certo?
— Sim. Entro à cinco.
— Lembre-se de que vamos sair com Lindsey e David amanhã.
— Não me esqueci disso. — Ele não parece muito animado.
Coloco meu Félix ao meu lado.
— O que vamos fazer se eles mostrarem a foto da progressão no noticiário?
— Se alguém reconhecer você, vamos precisar dizer a verdade.
— E se acusarem meus pais de me sequestrarem? E os Fuller não vão ficar chateados com você por não ter contado a eles logo de início? — Minha linha emite um sinal sonoro. — Merda... — digo.
— O que foi? — Cash pergunta.
— Meu celular está bipando. Deve ser uma mensagem do meu pai.
— Você vai ter que falar com ele, mais cedo ou mais tarde — Cash diz. Lembro-me dele dizendo que eu deveria perguntar ao meu pai sobre a coisa toda da adoção ou pelo menos perguntar sobre a documentação.
— Você fala como se fosse fácil.
— Não foi minha intenção. Sei que é difícil.
O telefone bipa outra vez, avisando que recebi uma mensagem.
— Ligue para o seu pai. A gente se fala quando eu sair do trabalho.
Dez minutos depois, me deito na cama, reunindo coragem para falar com meu pai. Então verifico as mensagens de áudio para ter certeza de que são dele.
São. Está insistindo para que eu ligue para ele. Está preocupado. Ele me ama. Eu sou filha dele. Está preocupado com a minha mãe.
Ah, sério! Ele está preocupado com a minha mãe? Ele não se importou quando ela teve câncer! Paro de ouvir a mensagem e ligo. Ele atende no primeiro toque.
— Chloe, ando muito preocupado.
— Sinto muito não ter atendido as suas ligações. — Sinto minhas mãos para ver se elas estão úmidas. Elas estão. Droga, Cash estava certo sobre as palmas das mãos suarem quando mentimos.
— Liguei antes de você ir para a escola e mandei cinco mensagens na noite passada.
— Desculpa. Eu estava... com mamãe.
Meu pai suspira.
— Ela está bem?
— Sim.
— Ela estava bebendo ontem à noite, não estava?
— Não. — Eu encaro minha colcha.
— Estava sim. Ela não falava coisa com coisa.
Fecho os olhos. Félix esfrega a carinha no meu rosto.
— Ela tomou comprimidos para dormir.
— Muitos?
— Ela não tem dormido bem — digo, sem responder à pergunta dele.
Meu pai não diz nada. O silêncio permanece e eu me pergunto se ele está se sentindo culpado, sabendo que é o motivo de ela não conseguir dormir, razão pela qual tem que tomar comprimidos para esquecer.
De repente, Docinho late e apoia as patas da frente na janela, para olhar para fora. Eu me lembro dele fazendo o mesmo ontem à noite. Pensei que Cash tivesse voltado, mas não.
Meu pai continua:
— Vou para Fort Landing a trabalho na quarta-feira. Farei uma parada em Joyful na volta. Podemos jantar na quinta-feira?
Eu hesito. Será que minha mãe vai ficar chateada? Então me lembro de que ela vai estar na reunião dos escritores. Pelo menos é o que eu espero.
— Tudo bem — digo, pensando em pedir a ele que vá na agência de adoção comigo. Apenas o pensamento faz meus pulmões se comprimirem, prendendo o ar.
— Ótimo — diz ele. — Podemos conversar, então.
Conversar? É quando percebo que ele provavelmente virá para contar sobre o casamento.
— Só você? — pergunto de uma maneira não muito amorosa.
— Sim — meu pai retruca.
E — bam! — estou irritada com ele outra vez. Não, estou mais do que irritada. Estou muito chateada e volto a quebrar ovos novamente.
— Se você vai vir para me dizer que vai se casar com Darlene, você...
— Eu não vou me casar com Darlene! — meu pai logo explica.
— Mas mamãe disse...
— Sim, ela me falou isso também. E, quando neguei, ela me chamou de mentiroso. Então ela me disse que viu o boleto do meu cartão de crédito. Que diabos ela está pensando quando...?
— Você não comprou um anel de noivado para Darlene?
— Não. Meu cartão de crédito foi roubado. Fizeram várias compras com ele...
O alívio vem quando meus pulmões liberam o ar.
— Jura?
— Eu não minto para você.
Quero perguntar se ele está pensando em pedi-la em casamento no futuro, mas decido ficar feliz com a notícia que acabo de receber.
Ficar feliz até quinta-feira, quando, no fundo, sei que preciso falar com ele sobre a adoção. Só tenho que descobrir uma maneira de convencê-lo a não contar à mamãe.
Cash estava morrendo de fome quando chegou em casa do trabalho aquela noite. Ele foi para a cozinha dos Fuller, abriu a geladeira e viu uma embalagem branca para viagem com o nome dele na tampa. A sra. Fuller tinha trazido o jantar para ele novamente.
Ele franziu a testa, mas estava com muita fome para recusar.
Jogou num prato o que parecia ser frango com parmesão e colocou no micro-ondas. Enquanto a refeição esquentava, comeu uma torrada.
Então ouviu vozes e passos na sala de jantar. Não, não apenas vozes, vozes raivosas. Ele desligou o micro-ondas antes que a campainha do eletrodoméstico tocasse.
— Você não quer encontrar a nossa filha? — a sra. Fuller gritou.
— Eu também a amava, Susan — disse o sr. Fuller. — Perdi minha garotinha. Mas não vou suportar passar por tudo aquilo novamente.
— Passar pelo quê? — A voz da sra. Fuller falhou.
— Ver você afundar de novo na depressão. Perder você.
— Alguém viu a nossa filha!
— Não. Alguém viu uma garota que se parecia com ela. É um golpe, assim como os policiais disseram. Assim como o último cara para quem você deu dinheiro.
— Nós não sabemos. E tudo o que fiz foi pedir à polícia que solicite as gravações em vídeo do Walmart para ver quem tirou a foto dela do quadro, no mês passado. Isso pode nos levar a ela.
O estômago de Cash se contrai. Por que diabos ele havia tirado aquela foto de lá?
— Seria bom se você pudesse pelo menos me apoiar — ela disse.
— Eu te apoiei. Fui com você à delegacia, não fui?
— Mas se você insistisse...
O sr. Fuller gemeu.
— Eu não insisti porque sabia que eles não iam fazer nada. Só porque uma foto desapareceu de um quadro de avisos, isso não significa...
— Eles a viram! — a sra. Fuller gritou.
Cash encostou no balcão.
Droga. Ele tinha causado tudo aquilo. Era culpa dele.
— Tudo o que eles precisam fazer é assistir à gravação em vídeo — disse a sra. Fuller.
— Por quanto tempo, Susan? Você não sabe quando levaram a foto. Pode ter sido meses atrás. A loja fica aberta dezessete horas por dia, sete dias por semana.
— Eu teria assistido ao vídeo para eles. Eu ficaria acordada noite e dia para encontrar minha garotinha.
— É disso que estou falando. E o trabalho, Susan? E os seus pacientes? E eu? E Cash. Pensei que você o considerava sua prioridade, que queria provar que ele faz parte da nossa família. Se você for para o fundo do poço novamente...
Cash se sentiu magoado com as palavras do pai adotivo.
— Não entendo por que você não quer procurá-la! — A dor e o desespero eram evidentes nas palavras da sra. Fuller.
— Ela se foi, Susan!
— Não! Ela está viva! — a sra. Fuller gritou. — Uma mãe sabe se o seu filho está vivo ou não.
Passos subiram as escadas. Cash engoliu em seco, cheio de culpa. Culpa por causar isso a eles. Culpa porque ele tinha feito isso com mãe de um garotinho que se parecia com ele.
Então ouviu mais passos.
Cash virou-se. O sr. Fuller estava ali parado, olhando para ele.
— Desculpe. Não sabíamos que você...
— Está tudo bem.
— Tem comida na geladeira para você.
— Estou esquentando no micro-ondas.
O sr. Fuller foi até a geladeira e pegou uma cerveja.
— Alguém estava fazendo cópias de um artigo publicado sobre Emily. Nossa filha. O artigo tinha a foto da progressão de idade. Eles deixaram uma cópia na gráfica e o funcionário que atendia no balcão disse que a garota que havia solicitado as cópias se parecia com a da foto.
Cash assentiu como se não soubesse.
— O que a polícia vai fazer?
— Nada. Eles têm certeza de que é um golpe. E eu tenho muito medo do que isso vai causar a Susan... Ela está prestes a cair novamente naquele poço escuro...
Cash queria contar a ele. Contar sobre Chloe. Dizer que a sra. Fuller não estava louca. Admitir tudo. Confessar que ele havia tirado a foto do quadro de avisos e deixado a cópia do artigo na impressora. No entanto, não podia pensar só nos pais adotivos. Agora tinha que pensar em Chloe também.
O sr. Fuller olhou para Cash.
— Antes de você, ela... só pensava em Emily. Ela a perdeu de novo quando aquele cretino nos enganou. Por causa de você, ela... ela conseguiu superar. Eu não sei se vamos ter a mesma sorte desta vez! — O desespero soou forte na voz do sr. Fuller. — Vejo você amanhã. — Ele saiu da cozinha.
Cash ficou observando o pai adotivo se afastar, sentindo a mesma impotência no peito, o mesmo desespero que ouvira na voz do sr. Fuller. Fechou as mãos em punho, com vontade de bater em alguma coisa. Não, o que ele queria era consertar tudo isso.
Certamente, quando Chloe descobrisse a verdade, quando soubesse com certeza que era filha dos Fuller, ela faria a coisa certa. Ele tinha ligado para o número da babá novamente a caminho do trabalho, mas ninguém atendera. Mesmo se ele falasse com a babá, isso provaria alguma coisa?
Ele precisava de provas. Provas sólidas.
Naquele momento, Cash sabia o que precisava fazer. Tinha que pegá-los. Pegar os papéis da adoção.
Ele retirou o prato do micro-ondas e o levou para o quarto.
Ele e o pai haviam invadido museus. Uma agência de adoção seria muito mais fácil. Ele lembrou como ele e o pai tinham entrado no museu. É isso que ele tinha de fazer.
27
Sábado à tarde, Rodney parou na frente da casa de Jack. Tinha pego o endereço com a ex-esposa, irmã de Jack. O ex-cunhado obviamente tinha se dado bem nos últimos quinze anos, porque seu estilo de vida estava muito mais sofisticado. O sobrado de tijolos aparentes ficava num bairro agradável. Isso incomodava Rodney. Ele deveria ter melhorado de vida também. Ajudara o homem a construir o seu negócio, fornecendo crianças no primeiro ano da agência de adoção.
Criado por uma madrasta hispânica, ele falava espanhol desde os 5 anos de idade. Não tinha dificuldade para encontrar famílias carentes no México e na América Central que desistiam de um filho para tentar uma vida melhor nos Estados Unidos, em troca de alguns milhares de dólares. E como Jack ganhava cinco vezes mais de famílias desesperadas para ter um filho, era um negócio muito rentável.
Às vezes, Rodney não tinha nem que pagar às famílias e, nesse caso, ele ficava com o dinheiro de Jack. Pessoas pobres queriam uma vida melhor para os filhos também. Por isso ele encontrava o mesmo tipo de família nos Estados Unidos, que estava desesperada para oferecer uma criança para adoção. Era dinheiro fácil.
Tudo acabou quando aquela garota morreu. Jack o culpou. Então ele surtou, dizendo que a polícia estava na cola dele. Rodney garantiu que poderia substituir a garota. Ele até já tinha uma família em vista no México, pronta para desistir de uma criança, mas, no último minuto, eles tinham mudado de ideia.
Desesperado e talvez um pouco fora de si (naquela época ainda se drogava), encontrou outra garota. Ele pensou que ela era apenas uma criança adotada ilegalmente. Como diabos poderia adivinhar que uma babá traria o filho de médicos ricos para a parte mais pobre da cidade?
Ainda olhando para a casa, ele desligou o motor, saiu do seu Honda e foi bater na porta da frente.
A esposa de Jack, Linda, atendeu à porta. No segundo em que seus olhos se encontraram, ela fez cara feia.
— Então você é a razão da pressão alta do meu marido?
— Prazer em vê-la também. — Rodney tentou entrar.
Ela não se afastou da porta.
— Vá embora, Rod. Ele não precisa de gente como você na vida dele.
— Não pode fazer isso, Linda. Diga a ele que estou aqui!
Por um segundo, ele pensou que teria de forçar a porta para passar. Mas ela cedeu. Rodney entrou e, em seguida, Linda saiu do cômodo. Ele ficou ali, admirando os móveis elegantes.
— O que você está fazendo aqui? — Jack perguntou, ao entrar na sala. Sem o seu terno de executivo, vestindo shorts cáqui, ele parecia mais velho ainda. E, caramba, o homem era apenas cinco anos mais velho que Rodney!
— Parece que você está muito bem de vida. Quem contratou para fazer o meu trabalho?
— Ninguém. Ando fazendo as coisas do jeito certo. O que você quer?
— Pensei em contar as novidades.
O rosto de Jack ficou vermelho.
— Que novidades? — O medo fez o velho arregalar os olhos. — Eu disse que já estou cuidando de tudo. Não quero fazer parte de nada do que você estiver planejando.
— Calminha. Só queria contar que encontrei a garota — disse Rodney. — A menos que...? Aconteceu alguma coisa? A garota voltou? — Ele deu um passo em direção a Jack, observando-o.
— Não. Não me procurou mais.
— Então por que você está quase sujando as calças de medo?
— Eu não estou. Já escrevi a carta e tudo mais.
— Que carta?
— Eu já disse. Vou entregar à garota uma carta que ela vai pensar que é da mãe biológica. Lá diz que a mãe não quer vê-la. Vai dar certo.
— Espero que sim. — Rodney virou-se em direção à porta, depois parou. — Você tem aí umas cem pratas?
— Por quê? — A expressão de Jack enrijeceu.
— Porque estou precisando. E porque, pelo que parece, você está montado na grana.
Nosso encontro duplo na noite de sábado foi bom, mas Cash estava meio quieto. Distante. Ele me contou que ouvira uma briga dos pais adotivos. E que o sr. Fuller tinha contado que a polícia não estava investigando o caso de Emily Fuller. Embora para mim isso fosse bom, Cash não parecia nada feliz.
Eu sei que ele está preocupado com os Fuller. Parte de mim se preocupa com a possibilidade de que ele me culpe por eles estarem sofrendo.
Nós não nos vimos no domingo, porque Cash disse que os Fuller queriam que ele os ajudasse a podar as plantas do jardim.
Então, quando as aulas terminam na segunda-feira, espero poder passar algum tempo com Cash. E, como hoje é o primeiro dia de trabalho da minha mãe, peço a ele que vá à minha casa.
Cash me segue, no carro dele, da escola até em casa, mas Lindsey mal saiu do meu carro quando ele me diz:
— Não posso ficar muito tempo. Estou fazendo uns turnos de trabalho extras esta semana.
— E a sua aula na quarta-feira?
— Vou perder uma aula. Mas não importa.
Como não passo de uma tola insegura, me pergunto até que ponto eu importo. Começo a me perguntar se ele simplesmente não gosta mais de mim.
— O que há de errado? — Pego a mão dele. — Você está com raiva de mim?
— Não. É só que... A sra. Fuller não foi para o trabalho hoje. Esta manhã, parecia que ela nem tinha dormido.
— Eles ainda estão brigando?
— Não. Mas eles não estão conversando. Ela está dormindo no seu quarto.
— O quê? — pergunto, achando que não entendi direito o que ele disse.
Cash franze a testa como se tivesse dito algo que não deveria ter revelado.
— No quarto de Emily.
Minha mente dispara.
— Eles moram na mesma casa que na época...?
— Não. Mas eles têm um quarto. É pintado de rosa e tem tudo que era seu... todas as coisas de Emily. Roupas. Brinquedos. Livros. As fotos. É como um santuário. A sra. Fuller está dormindo lá.
Cash vai embora logo depois, mas o estado de espírito dele fica comigo.
De alguma forma, minha preocupação com a minha mãe ofuscou toda a história da adoção versus sequestro. Mas foi apenas temporariamente, porque a ideia da sra. Fuller dormindo no quarto com todas as coisas que a fazem se lembrar da filhinha que pode ser eu traz tudo de volta. E eu ouço a voz novamente, Sua mãe e seu pai não querem mais você.
Mas, se eu sou Emily, eles me queriam. Eles me amavam. Me amavam tanto que, mesmo quinze anos depois, ainda têm um santuário para mim.
Eu me jogo no sofá. Pego a foto do álbum da minha avó e folheio até encontrar aquela foto minha. Uma foto minha com a minha boneca Emily. Vejo o meu olhar vazio.
Nós a esquecemos num parque alguns meses depois que você a ganhou. Nós voltamos, mas alguém já tinha pego. Você chorou por semanas, querendo Emily de volta.
Eu me pergunto se eu chorava pela boneca ou por tudo que havia perdido. Meus pais. Talvez até eu mesma.
Eu me perdi de quem eu era. Eu me perdi de Emily Fuller. Será esse o vazio que sinto?
Minha mãe chega por volta das seis da tarde.
— Nossa, que cheiro bom!
Depois de passar uma hora sentindo pena de mim mesma, lembrei-me de que queria surpreender minha mãe com um jantar.
No sofá, tiro Félix do meu colo e encontro minha mãe na cozinha.
— Como foi o dia? — Quando a vejo sorrindo, forço um sorriso também.
Ela coloca a bolsa na mesa, depois tira a peruca.
— Foi cansativo. Mas bom. Tudo foi bom. Os médicos são simpáticos. Tive uma hora de almoço e fui a um café ao lado do consultório, escrevi um pouco e tomei uma sopa. Essa foi a melhor parte do dia.
Ela me abraça. Eu a abraço de volta. Quando nos separamos, olho para ela.
— Uau, seu cabelo está crescendo, mãe!
Ela toca a cabeça.
— Eu sei, notei isso hoje de manhã. Talvez mais uma semana e eu não precise mais da peruca.
— Acho que você poderia deixar de usá-la agora. Coloque uns brincos grandes, batom vermelho e vá ser feliz.
Nós rimos. Depois jantamos e conversamos sobre o livro dela.
Após o jantar, ela pega o laptop, senta-se no sofá e escreve. Eu vou para o meu quarto fazer minha lição de casa. Félix se junta a mim. Enquanto o acaricio, penso no outro Félix. Nos Fuller. Na sra. Fuller dormindo no quarto de uma garotinha desaparecida que pode ser eu.
E me pergunto: se entrasse naquele quarto, eu me sentiria como se ele fosse meu? Será que o vazio que ainda sinto no meu coração iria embora?
Na quarta-feira, Cash aparece antes de ir para o trabalho. Assim que ele entra, sei que algo está errado. Seus olhos estão brilhando de raiva.
— Consegui.
— O quê?
— Peguei aquele idiota, Paul. A câmera registrou. — Ele me entrega o celular. O vídeo mostra Paul ao lado do jipe de Cash, com outro jogador de futebol de cabelo ruivo.
Paul diz:
— Você acha que ele percebeu que fomos nós que riscamos o carro?
— Provavelmente não — responde o ruivo. — Ele é um idiota.
— Talvez ele note agora. — Paul muda de posição e ouve-se o barulho de metal arranhando metal.
— Eles fizeram de novo? — pergunto.
— Sim, mas agora estão na minha mão!
Eu observo Cash. Acho que nunca o vi tão fora de si.
— Você vai mostrar o vídeo ao diretor?
— Vou fazer melhor do que isso. Ele vai desejar nunca ter tocado meu jipe. — A tensão sai dele em ondas.
— Você não pode provocar outra briga. Vai arranjar problema.
— Problema é meu nome do meio. Já nasci causando problemas. É o que as pessoas esperam de mim.
— Estou falando sério, Cash.
— Eu também.
— Entregue o vídeo ao diretor e deixe que ele resolva.
— Não. Eles fizeram isso comigo, não com o diretor.
— Cash, não...
— Você está outra vez se negando a quebrar ovos, Chloe. Não entende?...
— Pense nos Fuller. Se fizer alguma coisa, vai magoá-los.
— Não estou tentando magoá-los. — Seu tom é de raiva. — Mas aqueles idiotas danificaram a única coisa que eu deixei que os Fuller me dessem. É a única coisa nova que já tive. Ele era perfeito. Eles o arruinaram.
Suas palavras vêm carregadas de emoção.
— Mas vai magoar os Fuller. Eles já estão sofrendo o suficiente agora. — Os olhos dele brilham.
— Isso é exatamente o que eu digo desde que me levaram para a casa deles. Eu não pertenço àquele lugar! — ele grita.
Eu imploro para ele pensar melhor. Mas ele não está ouvindo.
Eu desabafo com Lindsey, que diz todas as coisas certas, mas isso não me ajuda. Quanto mais penso no que aconteceu, mais me culpo por não lidar melhor com a situação. Eu sabia quanto Cash amava o jipe. É a única coisa nova que eu já tive. Ele era perfeito. Eu lamento muito por ele.
Resolvo mandar uma mensagem para Cash. Ele não responde. Eu telefono. Ele não atende.
Sei que ele está no trabalho, mas não poderia pelo menos me responder? Preciso dizer a ele que sinto muito.
Envio uma mensagem para minha mãe: Vou ver Cash. Estarei em casa em uma hora.
Como ele me mostrou onde trabalha, sei o caminho.
Enquanto dirijo, tento inventar o pedido de desculpas perfeito, que diga que não acho que ele tenha intenção de magoar os Fuller.
Eu chego à oficina. As luzes estão acesas no escritório, mas as portas da oficina estão fechadas.
Estaciono. Quando entro no escritório, um cara aparece por uma porta lateral.
— Olá — cumprimento.
— Oi. — Ele é jovem. Lembro-me de Cash dizendo que ele é amigo de outro funcionário, Devin.
— Cash está aí? — pergunto.
Ele sorri.
— Você é Chloe?
Eu forço um sorriso.
— Sim.
— Ele fala de você o tempo todo.
— Obrigada. Posso vê-lo?
Devin parece confuso.
— Ele só trabalha nos fins de semana agora. Acho que tem aula às quartas-feiras.
— Mas eu... — Ele me disse que ia faltar à escola para trabalhar. — Tudo bem. — Sinto como se mil formigas andassem sobre o meu peito, criando buracos de dúvida, corroendo tudo que acredito saber a respeito de Cash. Sobre nós.
Eu vou embora, mas estaciono a um quarteirão de distância para tentar entender.
Meu celular toca. É uma mensagem. Eu a leio. É ele.
Ele: Desculpe. Só estava chateado com Paul.
Eu: Onde você está?
Ele: No trabalho.
Eu: ...
O que devo dizer? Por que ele mentiria sobre estar no trabalho? Então me lembro que minha mãe me fez essa mesma pergunta sobre o meu pai. E agora sabemos o que papai estava fazendo.
Lembro-me de Cash assistindo aulas com garotas da faculdade. Garotas com quem ele pode ter saído antes. Agora aquelas mil formigas estão corroendo meu coração.
Cash esperou que Chloe respondesse. Ela não respondeu.
Ele enviou outra mensagem.
Posso passar aí mais tarde?
Sem resposta.
Ela ainda estava chateada? Era bem provável, ele tinha agido como um idiota.
Cash ligou para ela. A ligação caiu direto no correio de voz. Ele deveria ir à casa de Chloe agora? Olhou para o prédio da agência de adoção. Não, ele precisava ficar. Tinha ido lá todas as noites naquela semana e até agora os funcionários da empresa de limpeza não haviam aparecido. E, para conseguir o que queria, sem se dar mal, ele precisava saber quando viriam.
Certamente a agência tinha um serviço de limpeza. Toda empresa tem.
Ele se recostou no jipe, parado no estacionamento de uma farmácia do outro lado da rua. A parte mais difícil do trabalho era a preparação. Ele se lembrou das noites em que tinha dormido no carro enquanto o pai estudava suas próximas vítimas.
Uma hora se passou. Duas. Seu estômago roncou.
Ótimo.
Agora ele estava com fome, infeliz, pensando no cretino do pai e irritado com Paul.
Mandou uma mensagem para Chloe novamente. Sem resposta.
Ligou outra vez. Sem resposta. Deixou uma mensagem novamente, dizendo a ela que estava arrependido.
Uma hora depois, viu uma van estacionar no prédio do outro lado da rua. Ele esperou e viu duas mulheres saírem de lá com vassouras e um aspirador de pó.
— Finalmente.
Eram onze horas quando Cash foi embora. Ele mandou uma mensagem para o sr. Fuller e disse que estava ajudando alguns colegas de escola a trocar um pneu. Então correu para a casa de Chloe.
A casa estava às escuras. Felizmente, isso significava que a mãe dela já estava dormindo. Ele foi até a janela de Chloe e bateu no vidro. Ele viu Chloe deitada na cama.
Mas ela não se levantou.
Ele bateu de novo.
Chloe se sentou na cama e olhou para a janela.
Tentou abri-la. Estava trancada. Por quê...?
Ela por fim se levantou, mas, quando abriu a janela, colocou a cabeça para fora.
— Eu não quero falar com você.
— Sei que eu estava furioso com Paul e que descarreguei tudo em cima de você. Me desculpe.
— Vá embora. — Ela começou a fechar a janela, mas ele a impediu e subiu no parapeito. — Você não passa de um mentiroso. — A mágoa irradiava das palavras dela, doendo como um tapa no rosto.
— Mentiroso?
Ela ficou parada ali, rígida. Ele nunca a vira com tanta raiva.
— Eu fui me desculpar com você no seu trabalho. Você não estava lá. Você disse que estaria no trabalho toda noite. Por acaso está saindo com alguma garota da faculdade?
— Garota? — Ele finalmente entendeu tudo. — Não. Não estou saindo com garota nenhuma. Você tem razão, eu não estava no trabalho. Menti porque... Sabia que você tentaria me convencer a desistir...
— Desistir do quê? Você foi arranjar briga com Paul?
— Não. Eu estava fazendo tocaia na agência de adoção. Temos que conseguir aqueles arquivos para provar que você é Emily.
— “Fazendo tocaia”? Está pensando em invadir a agência ou algo assim?
— Sim, tipo isso.
— Você está ficando louco? — ela sibilou.
— Não.
— Isso é contra a lei!
— São só papéis. Só vou encontrá-los.
— Você pode ir para a cadeia.
— Não vão me pegar. Nem vou roubar nada. Vou apenas tirar fotos, como fiz com os documentos dos Fuller.
— O que você vai fazer é arrombamento e invasão.
— Não vou arrombar a agência. Vou te contar o que farei.
28
— Meu frango marsala está ótimo! — minha mãe diz. — O seu prato está bom?
É quinta-feira. Não sei como consegui suportar a escola mesmo estando tão brava com Cash, mas agora estou sentada num restaurante italiano com meu pai. Minhas mãos estão suando e tenho certeza de que há abelhas rastejando no meu pescoço. Eu estou assustada. Mas não estou com tanto medo de magoar os sentimentos do meu pai do que estou do plano de Cash. Então coloco meu plano em prática.
Vou levar meu pai à agência comigo. A única coisa terrível que poderia acontecer hoje à noite, além de meu pai dizer não, é ele insistir em contar à minha mãe. Mas eu tenho um plano para isso também. Ele pode incluir quebrar mais ovos, mas eu vou fazer isso.
— Onde está sua mãe hoje à noite? — ele pergunta.
Eu coloco na boca uma garfada de macarrão.
— Na reunião de escritores.
— Ela está escrevendo?
— Sim. Ela está melhor. — Olho para meu pai disfarçadamente. Percebo algo diferente. O cabelo dele. Está com o penteado que ele costumava usar antes do divórcio.
— Eu preciso pedir um favor a você — deixo escapar.
Meu pai abaixa o garfo como se pudesse sentir a seriedade na minha voz.
— O que é?
Engulo em seco.
— Lembra quando você e mamãe disseram que, se eu quisesse conhecer meus pais biológicos, eu poderia?
— Sim. — Ele se endireita na cadeira. — E você quer?
— Sim.
Meu pai olha para mim.
— Bem, você tem quase 18 anos. Não deve ser difícil.
— Eu quero fazer isso agora — eu digo.
— Agora?
— Amanhã.
Meu pai parece confuso.
— Fazer o que amanhã?
— Ir à agência de adoção com você e ver os documentos da adoção.
Ele olha para mim surpreso.
— Bem... Não sei se é assim que funciona. Acho que precisamos procurar um advogado.
— Não. Eu já fui à agência. Disseram que não podem me dizer nada porque não tenho 18 anos, que eu precisava do consentimento dos meus pais. Nós podemos fazer isso.
Ele puxa sua cerveja mais para perto.
— Isso é... Você está querendo encontrá-los por causa... do que eu fiz?
Eu olho para meu pai.
— Não. Só preciso saber das coisas.
Ele se acomoda outra vez na cadeira.
— O que a sua mãe acha disso?
Suspiro.
— Mamãe não sabe. E você não vai dizer a ela. Ela finalmente está melhorando. Não posso correr o risco de preocupá-la.
— Esse é mais um motivo para esperar mais alguns meses — ele argumenta. — Você já vai ter...
— Não. — Bato com a mão na mesa. — Amanhã.
— Querida, eu trabalho amanhã.
— Então agora o seu trabalho e Darlene são mais importantes do que eu?
— Chloe, você não está sendo justa.
Provavelmente não, mas não vou desistir. Vou ser durona.
— É justo o que você fez à mamãe? O que você fez comigo? Não pedi nada a você desde que arruinou a minha vida. E você não pode fazer isso por mim? Só isso?
Meu pai olha para mim. Está funcionando?
A culpa nos olhos dele revela que está funcionando.
— É tão importante assim para você?
— Sim.
Ele fica sentado ali, como se estivesse refletindo, então balança a cabeça, como se resistisse.
— Se eu fizer isso pelas costas da sua mãe, ela vai me odiar.
— Tarde demais, pai. Ela já te odeia. Ela quer matar você. Agora você só tem que se certificar de que eu não comece a te odiar também.
— Como foi o jantar? — minha mãe pergunta quando chego em casa.
Eu havia contado a ela que ia jantar com meu pai. Achei que, se mentisse e ela descobrisse, seria pior.
— Foi bom — eu digo. — Como foi a reunião com os escritores?
— Boa.
Eu sorrio.
— Como você se sentiu? Sem a peruca? — Eu a incentivei a fazer isso.
Ela sorri.
— Uma mulher veio me dizer que estava morrendo de vontade de cortar o cabelo tão curto quanto o meu. Eu disse a ela que tinha quase morrido também. Eu não disse literalmente.
Dou risada, e é como se um grande peso saísse do meu peito, sabendo que ela não vai ficar reclamando do fato de eu ter ido ver meu pai. Talvez, apenas talvez, a minha vida vá melhorar, no final das contas.
Vou para a cama, coloco meu pijama de ovelha e ligo para Cash.
— Como foi o jantar? — Seu tom é preocupado e doce como deve ser o de um namorado.
— Ele vai fazer o que pedi.
— Sério?
— Sim. — Docinho pula e se encolhe ao lado da minha perna.
— E ele não vai contar à sua mãe?
— Ele queria, mas eu o ameacei.
— Com o que você o ameaçou?
— Fazer picadinho com os testículos dele.
— O quê?
Solto uma risada.
— Brincadeira. Ele vai ficar num hotel esta noite e me buscar amanhã, depois que minha mãe sair para o trabalho. Vou me arrumar e fingir que vou para a escola.
— Uau! — diz ele. — Você vai ficar bem?
— Sim. — Sorrio. — Como estão as coisas por aí?
A pausa diz que não estão boas. A felicidade com o meu sucesso desaparece. Faço carinho no meu cachorro, que me olha com amor.
— Eles ainda não estão se falando. Ela também não foi trabalhar hoje.
— Ela dormiu no meu quarto? — Então me corrijo. — No quarto de Emily? — Sabendo da certeza de Cash e da minha quase certeza de que sou Emily, não posso deixar de imaginar como vou me sentir se descobrir que não sou ela. Se eu tiver que voltar a acreditar que meus pais não me quiseram.
— Sim. — Cash faz uma pausa. — Ah, decidi o que fazer com o vídeo de Paul.
Meu estômago dá um nó.
— O quê?
— Peguei o número de Paul com Mike, o cara que eu sei que está namorando a irmã de Paul. Vou enviar o vídeo para Paul.
— O que você vai dizer a ele?
— Só que eu sei que ele fez isso e, se me provocar novamente ou mexer com alguém na escola, eu o entregarei.
— Você... não vai entregá-lo?
— Não. Quando falei com Mike, ele me contou algumas coisas.
— Que tipo de coisas?
— Paul não se dá bem com o pai. A mãe dele morreu vários anos atrás. Mike disse que, no ano passado, um assistente social estava pensando em tirar a guarda do pai, depois que Paul levou uma surra brutal.
— E ele ainda está morando com o pai agora?
— Sim. Se o pai aceitar assistir a algumas aulas, eles não tiram o filho dele.
— Isso está errado.
— Sim. Então não quero ser motivo para o pai de Paul ser violento com ele. Quero dizer, os Fuller têm seguro e ele cobre o conserto do Jipe.
Meu peito de repente parece pesado e leve ao mesmo tempo. Parte de mim não quer que ele releve o mau comportamento de Paul. No entanto, estou orgulhosa com a atitude de Cash.
— Acho que te amo — murmuro. Quando ouço o que eu disse, bato a palma da mão na testa.
— O quê? — Cash pergunta.
Eu poderia mentir, mas...
— Eu disse que acho que te amo. — Engulo em seco, com medo de que seja cedo demais.
Ele fica quieto por um longo e desconfortável segundo.
— Você acha que me ama? Mas não tem certeza?
Eu respiro e depois solto uma risada.
— Amo você — digo. — Paul não merece que você faça isso, mas por você ser quem é... eu te amo.
Cash fica quieto novamente.
— Acho que também te amo.
Eu limpo a garganta.
— Acha?
— Eu amo você. — Ele suspira. — Não vou negar que fico apreensivo com tudo isso que está acontecendo, pensando se vai dar certo... Mas vamos tentar, não é?
— Você quer dizer, se eu for realmente Emily?
— Sim.
— Não importa. Não somos parentes.
— Eu sei, mas acho que pode ser estranho... para eles. Os Fuller.
Essa revelação de Cash toca fundo em mim, porque sei quanto ele ama os pais adotivos. Ah, ele não me disse, mas eu sei. — Eu não quero te perder. Não importa quem eu seja.
— Vamos resolver isso. Eu também não quero te perder.
— Promete? — pergunto.
— Prometo — garante ele. — Agora, responda a uma pergunta. E eu quero a verdade, ok?
— Ok. — Fico nervosa, sem saber o que pode ser tão importante.
— O que você quis dizer com “fazer picadinho com os testículos dele”?
Nós caímos na risada ao mesmo tempo.
Meu pai e eu somos levados para a mesma sala de antes. Embora o sr. Wallace tenha recomendado que marcássemos hora, eu tinha medo de que ele se recusasse a nos receber. Então, simplesmente aparecemos. Eu me sento e me abraço por causa do frio e do nervosismo. O fato de não ter conseguido dormir na noite passada não ajuda muito.
— Você está bem? — meu pai pergunta.
— Nervosa.
— Está tudo bem. — Ele coloca a mão no meu ombro. O toque dele só deixa meu coração mais apertado. As panquecas que comi pela manhã agora parecem pesadas no meu estômago, não doces.
Sorrio, pois sei que meu pai está fazendo isso porque pedi e o pressionei. De qualquer maneira, sei que ele só está tentando fazer média comigo, para subir um pouquinho no meu conceito.
A porta da sala se abre. Dou um salto na cadeira. Como havíamos aguardado muito tempo da última vez, eu esperava que o mesmo acontecesse hoje.
— Olá. — O sr. Wallace entra. Juro que ele está usando o mesmo terno preto e a mesma gravata vermelha. Mas percebo algo diferente. Na mão ele tem um envelope pardo. Minha documentação?
— Sr. Holden, eu presumo?
Como meu pai teve que mostrar um documento de identidade ao funcionário, o homem não está apenas presumindo.
— Sim. — Meu pai se levanta e oferece a mão ao sr. Wallace. — Acho que já nos conhecemos.
— Sim, tem razão.
Eu levanto e ofereço minha mão também. Fico alarmada ao ver como a palma da mão do sr. Wallace está úmida. Ele está pensando em mentir novamente?
Nós nos sentamos.
— Obrigado por concordar em nos receber sem hora marcada — meu pai diz.
— Sem problema.
O olhar do sr. Wallace se desvia para mim.
— Estou realmente feliz por você ter nos procurado. Tentei ligar, mas o contato que temos não está atualizado.
Graças a Deus.
— De qualquer forma, depois que você foi embora, na semana passada, srta. Holden, abri o seu arquivo. Fiquei decepcionado quando vi que se tratava de uma adoção fechada.
— Fechada? — Meu pai se inclina para a frente.
— Sim. Isso significa...
— Eu sei o que isso significa — diz meu pai —, mas nos disseram que, se nossa filha decidisse saber mais sobre a adoção, ela poderia.
— Sim, poderia. Entramos em contato com os pais biológicos para ver se eles estavam dispostos a encontrá-la. Em última análise, é uma escolha dos pais biológicos. Mas a filha de vocês veio da assistência social do governo e, como devem saber, todas essas adoções são fechadas.
Lembro-me de Cash ter me dito isso. Então o sr. Wallace não está mentindo. Não sobre isso.
Meu pai balança a cabeça.
— Eu poderia jurar que nos disseram que nossa adoção seria considerada aberta.
O sr. Wallace franze a testa.
— Sinto muito, vocês estão equivocados. Acho que tenho uma cópia... — Ele enfia a mão no envelope e pega alguns papéis. Ele os desliza sobre a mesa para que meu pai os veja.
Ele se inclina para lê-los.
— Veja o terceiro parágrafo da segunda página.
Meu pai pega o documento. Ele o lê, depois vai para a última página e eu o vejo procurar as assinaturas na parte inferior.
— Acho que entendemos errado. — Meu pai olha para mim consternado. — Eu poderia jurar que conversamos sobre isso.
— O processo de adoção é um momento muito delicado, os fatos muitas vezes são mal interpretados. No entanto, como vi que sua filha estava realmente atrás de respostas — seu olhar se desvia para mim —, entrei em contato com a mãe biológica.
Ouço o que ele está dizendo e percebo que isso significa que não sou Emily Fuller. Meu coração se aperta e sinto diferentes emoções disputando espaço no meu peito. Arrependimento. Ressentimento. Então, eu queria ser Emily. Queria ser ela, porque, se fosse, isso significaria que não fui abandonada. Queria acreditar que meus pais ainda me amavam. Que eles construíram um santuário para mim.
O sr. Wallace puxa a gravata.
— Infelizmente, ela não desejava um reencontro. No entanto, decidiu escrever uma carta na esperança de oferecer algumas respostas. Espero que isso a ajude a descobrir o que acha que precisa.
Eu não sei o que esperava sentir, mas não era isso.
De repente, estou com raiva, furiosa — tão irritada que eu quero gritar. Ela me entregou para adoção aos 3 anos de idade e acha que não mereço conhecê-la?! Cinco minutos comigo. Dez. O que custaria a ela?
— Isso não é justo! — digo. — Eu mereço conhecê-la!
Em cerca de três minutos, estamos fora da agência. Estou sentada no assento do carro esportivo do meu pai. Olho para o envelope na minha mão. Pedi para ficar com a papelada e o sr. Wallace concordou. Certamente, se os documentos fossem falsos, ele não teria permitido...
— Você vai ler agora? — meu pai pergunta.
— Não! — Enfio tudo na minha bolsa.
— Você quer almoçar? — A voz dele é suave. Sabe que estou sofrendo. Ele se importa. Isso não deveria bastar? Saber que eu tenho uma mãe e um pai que me amam?
Por que não é suficiente?
— Não. Quero ir para casa.
— Eu posso ficar até...
— Não. Eu vou ficar bem. Apenas me leve para casa. Por favor.
Olho pela janela para que ele não veja minhas lágrimas.
29
Quando chegamos em casa, meu pai me abraça forte e diz quanto me ama. Eu acho que ele quer ser meu super-herói novamente, mas isso não é possível. Acho que ele não pode mais consertar as coisas. Não acho que alguém possa. Antes que vá embora, ele me faz prometer que vou ligar para ele depois que ler a carta.
Eu entro em casa. Sou recebida por Docinho e Félix.
Lembro-me do quanto me surpreendi ao saber que os Fuller e eu temos gatos com o mesmo nome.
Entro no meu quarto, seguida por oito patas. Sento-me na beirada da cama e olho para a carta.
Deslizo o dedo pelo papel e sinto a fisgada de um corte.
— Merda. — Coloco o dedo na boca para diminuir a dor. Sinto o gosto de sangue na língua. Digo a mim mesma que não preciso abrir a carta. Por que eu deveria me importar com ela? Meu lábio começa a tremer e me lembro de estar sentada no sofá com aquele traje de princesa, me sentindo sozinha. Abandonada.
Eu não tenho ideia do que a carta diz, mas lê-la não pode me fazer sofrer mais do que já estou sofrendo.
Pego a carta.
Antes de começar a ler, vejo a folha de papel manchada de sangue. Por alguma razão, isso me parece poético. Nós compartilhamos o mesmo sangue. Talvez o mesmo sorriso, as mesmas características faciais, mas eu nunca vou saber. Então me concentro na caligrafia. É fluida e feminina. Quase bonita.
Eu pisco para afastar as lágrimas e começo a ler.
Querida garotinha,
Eu estou sentada aqui, nesta cadeira de madeira dura, há mais de uma hora tentando pensar em como explicar as coisas sem dizer a você verdades cruéis. E finalmente cheguei à conclusão de que, se vou escrever esta carta, é melhor que eu seja sincera.
Eu tinha 18 anos de idade. Era ingênua e acreditava que todo mundo tem um lado bom. Conheci um rapaz na faculdade e ele me pediu para ajudá-lo a fazer sua mudança. Eu concordei. Ele parecia um cara legal.
Mas não era.
Eu suspiro e coloco a mão nos meus lábios trêmulos ao perceber o que ela está dizendo. Tenho que enxugar os olhos para continuar a ler a carta.
Os hematomas na minha pele desapareceram, mas não as feridas que ficaram no meu coração. Não contei a ninguém. Estava morta de vergonha.
Abandonei a faculdade no mês seguinte e voltei para a casa da minha família. Seis semanas depois, soube que estava grávida. Eu era contra o aborto. Não sabia o que fazer. Pensei na adoção. Mas, quanto mais próxima ela ficava, mais eu queria acreditar que eu não conseguiria. Eu queria acreditar que conseguiria ficar com você.
Quando você nasceu, era tão bonita... Eu queria te amar. Eu de fato te amei de muitas maneiras, mas, às vezes, quando você olhava para mim, eu podia vê-lo. Eu tentei, garotinha, tentei ficar com você. Lutei contra a depressão, a raiva, os pesadelos de reviver aquela noite terrível.
Eu sei que você não é ele. E você não tem culpa; por favor, não pense que tem, mas, por causa do que ele fez, eu fique traumatizada e... você tinha os olhos e os lábios dele, e eu sabia que nunca te amaria como você merece ser amada. Fiquei tão mal que não conseguia nem pegar você no colo.
Solto um suspiro triste, Docinho aparece e descansa a cabeça no meu colo. Félix põe as patas no meu braço.
Aquele homem me roubou a vida que eu merecia, mas eu me recusei a roubar a vida que você merece. Espero que a sua vida seja cheia de amor e risadas. Eu rezo para você entender que oferecê-la para adoção foi uma tentativa que fiz para dar a você uma chance.
Peço que me perdoe por ser uma pessoa fraca e por não me dispor a conhecê-la. Sei que estou lhe pedindo perdão mesmo sabendo que talvez não possa me perdoar. Mas peço a você que me perdoe não por mim, mas por si mesma. A amargura é como um câncer. Pode consumir você viva. Minha vida é triste. E, quando penso em você, e eu penso em você, imagino-a cheia de felicidade e sonhos.
Atenciosamente,
Sua Mãe Biológica
Meu telefone toca. É uma mensagem. Inclino-me e vejo o nome de Cash na tela. Sei que ele quer que eu seja Emily. Neste momento, eu daria tudo para ser Emily.
Estendo a mão para pegar o aparelho, mas desisto. Não quero falar. Desligo o celular. Me deito na cama e choro até dormir.
Três horas depois, acordo com as batidinhas familiares na minha janela.
Eu me levanto. Meu rosto está inchado, meu peito e minha garganta doem. Vejo a janela aberta e Cash saltando para dentro.
— Você vai ter que desistir de desligar o celular. Não vou me conformar com isso. — Ele se aproxima, dá uma olhada em mim e não precisa nem perguntar nada. Ele me puxa para um abraço e eu caio no choro.
Quando não estou mais soluçando desesperadamente, ele se afasta um pouco.
— O que aconteceu?
Mordo o lábio.
— Não sou Emily. Meu pai era um estuprador. Minha mãe não podia suportar a ideia de tocar em mim.
Ele apenas me olha.
— Quem disse isso?
— Ela me escreveu uma carta. — Eu faço um gesto para a mesa de cabeceira. Cash fica ali, com descrença nos olhos.
— Eles até me deram uma cópia dos papéis da adoção.
— Posso vê-los? — ele pergunta.
Eu concordo.
Cash pega a carta.
— Isso é sangue?
— Cortei o dedo no papel. — E sinto como se tivessem cortado meu coração também. Ele lê. Contrai a mandíbula a cada palavra que absorve. Então deixa a carta de lado e olha os outros documentos.
— É mentira, Chloe. Eu não acredito nisso.
Balanço a cabeça.
— A agência não me daria tudo isso se fosse mentira. As assinaturas dos meus pais estão no documento. A assinatura dela também está lá.
— Pode ser tudo falso.
— Não é falso.
Ele me abraça novamente. Seus braços são tão quentes... Ele se inclina e diz no meu ouvido:
— É mentira, Chloe.
Eu olho para Cash.
— Por que alguém mentiria sobre isso? Por que alguém escreveria uma coisa tão horrível se não fosse verdade?
— Para convencê-la a parar de procurar seus pais.
Balanço a cabeça.
— Cash, acabou. Eu não sou Emily. Sei que você gostaria que eu fosse. — Sinto mais lágrimas se formando. — Eu daria qualquer coisa para ser ela agora. Mas não é verdade. Eu sou o resultado de um estupro.
— Não! Não entende? Eles escreveram uma carta para impedi-la de tentar descobrir mais alguma coisa.
Eu desabo na cama.
— Pare! Desista! Só preciso aceitar isso.
Acabo convencendo Cash a ir embora. Pego meu celular e vejo que recebi dez mensagens do meu pai. Escrevo para ele, dizendo que estou bem e agradeço por ter ido comigo à agência. Ele envia uma mensagem de volta e pergunta se pode me ligar. Eu respondo que não estou pronta para conversar.
Passo o resto da tarde com um pano frio no rosto, para que, quando minha mãe chegar em casa, não perceba que estive chorando.
Claro, não adiantou. Quando ela entra pela porta, me abraça e diz que me ama, eu me desfaço em lágrimas. Culpo o fato de ser nova na escola. Dou a desculpa de que sinto falta dos meus antigos amigos. Culpo a TPM.
Ela tenta culpar meu pai, depois Cash.
— Não. Eu juro.
Saímos ao ar livre e nos sentamos no balanço da varanda. Minha mãe se senta e eu descanso as pernas no braço do balanço e coloco a cabeça no colo dela. Ela corre os dedos pelo meu cabelo, do jeito como costumava fazer quando eu estava chateada com alguma coisa. Com uma voz calma, fala sobre seu dia e seu livro. Ela ri e sorri, e percebo quanto senti falta dela. Quanto eu a amo. E quanto ainda é profundo o medo que sinto de que o câncer possa voltar.
Também percebo que minha mãe biológica fez a coisa certa. Ela pode não ter me amado. Mas agora eu tenho uma mãe que me ama. Sim, ela passou por um período difícil, mas todo mundo tem o direito de surtar às vezes.
Terça-feira era o dia do pagamento. E, quando Rodney viu seu cheque, constatou que só teria duzentas pratas para pagar as contas. Felizmente, ele sabia onde conseguir mais. E como queria falar com Jack de qualquer maneira, por que não fazer isso cara a cara?
Ele entrou no carro e seguiu para a Agência de Adoção New Hope. Quando entrou, havia um casal sentado na sala de espera. Ele caminhou até o balcão, onde uma mulher de meia-idade estava folheando alguns papéis.
— Jack está? — Ele se inclinou contra o balcão.
— Você tem horário marcado? — Seu tom era arrogante.
— Não preciso. — Ele começou a andar pelo corredor.
— Senhor? — ela gritou, mas Rodney a ignorou.
Ele seguiu em direção a um escritório nos fundos e abriu a porta sem bater. Jack, sentado em sua mesa, olhou para ele. A expressão foi instantaneamente de medo.
A suspeita de Rodney aumentou.
— Ela veio te procurar de novo, não foi?
— Não — disse Jack. Mas a mentira estava estampada na cara dele.
Rodney fechou a porta. Disparou até a mesa, apertou a mão em torno do pescoço gordo de Jack e empurrou-o, com cadeira e tudo, até prensá-lo contra a parede.
— Não minta para mim, Jack. Odeio quando as pessoas mentem! — Ele apertou mais o pescoço do homem, até sentir os ossos a ponto de se quebrarem. — Agora, vou soltar você, mas, se não começar a abrir o bico, vou terminar este servicinho aqui. Entendeu?!
O homem assentiu.
Deus, ele era presa fácil!
Rodney o soltou e deu ao homem três segundos para recuperar o fôlego.
— O que aconteceu?
— Ela... — a voz dele fraquejou. — Veio aqui com o pai adotivo. Fiz o que prometi. Dei uma carta a ela, como se fosse da mãe. — Jack passou a mão no pescoço. — Ela não vai mais querer saber dos pais biológicos.
— Você não sabe!
— Você não vai fazer nada! — disse Jack. — Não pode machucar aquela garota, Rod. Ela não fez nada.
— Ela pode falar.
— E dizer o quê? Ela tinha 3 anos de idade. Nem se lembra de você. Meu negócio é que está em jogo. Deixe-a em paz.
Rodney olhou para o velho. Jack estava certo.
A garota talvez não se lembrasse dele, mas isso o fez lembrar de alguém que poderia reconhecê-lo. A babá. Rodney tinha lido no jornal a descrição que ela dera do homem que viu conversando com a criança.
Que inferno! Ele teria que matar a babá também.
A questão era: quem matar primeiro? Ele se apressou para a porta.
— Espere! — implorou Jack. — E se eu lhe der dinheiro? Dez mil dólares. Você pode desaparecer. Esquecer tudo.
Rodney parou e olhou para trás.
— Vinte e cinco mil.
Quarta de manhã, Cash saiu do quarto com uma mochila contendo tudo de que precisaria de dia e à noite.
Chloe havia passado os últimos três dias tentando se recuperar do desânimo que a envolvera. Cash parou de tentar convencê-la de que ela estava errada e fingiu que estava conformado. Mas, caramba, seus instintos lhe diziam que ela era Emily! E ele iria provar isso.
Depois de dar apenas alguns passos no corredor, ouviu os Fuller discutindo novamente. Ele parou e ficou remoendo a culpa. Então uma porta bateu e ele presumiu que era melhor sair logo de casa.
Quando desceu as escadas, viu que o sr. Fuller estava na sala. Reconhecendo isso como uma oportunidade, Cash disse:
— Um grupo de amigos meus está se reunindo para estudar e talvez gente passe a noite na casa de Jack.
— Não durante a semana — disse o sr. Fuller.
Cash se encolheu.
— Eu não acho que ficar acordado até tarde uma noite vá me prejudicar. Além disso, faço 18 anos daqui a três semanas. Vejo vocês amanhã!
Ele foi para a garagem e estava prestes a entrar no jipe quando o sr. Fuller apareceu.
Cash ficou rígido, preparado para discutir, mas o sr. Fuller disse:
— Você pergunta primeiro.
— O quê?
— Sei que você não vai estudar. Então não se esqueça de perguntar primeiro se ela quer fazer sexo.
Cash balançou a cabeça.
— Não vou...
— Apenas ouça...
— Não — disse Cash. — Pare de se preocupar comigo e se preocupe com sua esposa. — Caramba, doía vê-los tão infelizes, especialmente porque ele é que causara toda aquela confusão. E se dizer a verdade a eles não fosse magoar Chloe, ele confessaria. Mas não podia fazer isso. Não que ele estivesse desistindo. Naquela noite ele conseguiria a prova.
— Estou, sim, bastante preocupado com ela — disse o sr. Fuller, parecendo ofendido. — Mas ela vai sair dessa. — Então, ele balançou a cabeça. — Olha, hoje em dia você não deixa simplesmente acontecer. Você pergunta. E, pelo amor de Deus, use proteção.
— Isso não é... Eu tenho que ir para a escola!
Quarta-feira à tarde, quase às cinco horas, Cash estacionou o carro no estacionamento de uma galeria de lojas, a uma quadra da agência de adoção. O dia estava nublado e anoitecera mais cedo. Ele pegou o celular pré-pago no porta-luvas. Tinha comprado o aparelho de um estudante que costumava frequentar a escola particular. O garoto trabalhava numa loja de conserto de celulares e ganhava um dinheiro extra vendendo os aparelhos mais antigos.
Depois de verificar as horas, Cash desceu do jipe e pegou a mochila. Começou a andar pelo quarteirão, em direção à Agência de Adoção New Hope.
Sim, Cash ainda acreditava que Chloe era Emily. E já era hora de provar isso.
Ele sabia que Chloe ficaria chateada, por isso não tinha contado a ela que faria isso. No entanto, ela já estava chateada pelo fato de ele não ter acreditado que aquela carta idiota era da verdadeira mãe dela. Não que eles tivessem discutido por causa isso, mas Cash sentia a tensão entre os dois. Ele também sentia a dor de Chloe ao pensar que o verdadeiro pai dela era um estuprador.
Sim, ele podia compreender como Chloe se sentia porque ele tinha convivido com o próprio pai, um ser humano absolutamente desprezível. Quase sem perceber, ele tocou a cicatriz no centro do peito. A cicatriz da bala que quase o matara. A bala de uma arma que seu pai poderia muito bem ter disparado.
A buzina de um carro o arrancou do devaneio e lançou-o de volta à tarefa que tinha pela frente.
Parado na farmácia novamente, ele se escondeu na lateral do prédio, para ficar longe da vista de quem saísse da agência. Quando viu o SUV preto, que sabia pertencer ao sr. Wallace, percebeu que estava quase na hora. Se eles fizessem como de hábito, o sócio de Wallace na agência sairia em cinco a dez minutos. A recepcionista sempre saía quinze minutos depois. Nesse meio-tempo, ele teria que entrar em ação.
No horário previsto, o carro do sócio de Wallace saiu da agência.
Cash calçou as luvas e esperou até que o automóvel descesse o quarteirão para então atravessar a rua.
Ele foi para a parte de trás do prédio da agência, onde a recepcionista estacionava seu Cruze azul. Da rua, era possível ver apenas parte do carro dela. Olhando em volta para garantir que não estava sendo observado, ele pegou na mochila seu abridor de portas universal e foi direto ao trabalho. Já havia verificado e sabia que o carro dela não tinha alarme, o que facilitava muito o trabalho dos ladrões de carros.
Em segundos, ele ouviu o leve clique da fechadura. Era bom saber que arrombar carros era como andar de bicicleta. Cash entrou no veículo, abriu o porta-malas e a porta do passageiro também.
Com a adrenalina correndo nas veias, ele saiu do carro e foi para a parte de trás do edifício. Retirando da mochila uma jaqueta grossa e uma máscara de esqui, vestiu ambos. Depois enfiou a mochila dentro do casaco, dando tapinhas para criar a aparência de um homem com uma barriga de cerveja. Por fim, pegou o celular pré-pago, comprado especialmente para a ocasião, e discou.
Ele já tinha ligado várias vezes para garantir que, desta vez, ela atenderia ao telefone depois que todos tivessem ido embora. Ela atendeu.
O telefone tocou uma vez.
Duas.
Três vezes.
Se ela não atendesse, o plano não iria funcionar. Os músculos do pescoço de Cash estavam tensos.
— Agência de Adoção New Hope. Posso ajudar?
O alívio tomou conta dele.
— Sim, eu sou Charles Tannon e trabalho ao lado da sua agência. Acabei de ver um cara nos fundos tentando arrombar um Cruze azul. Eu gritei, ele fugiu, mas deixou o carro aberto.
— Ah, não... Ele fugiu? — ela perguntou, em pânico.
— Sim. Entrou em outro carro e saiu cantando pneu.
— Obrigada! Poderia se encontrar comigo...?
Cash desligou e foi para a extremidade oposta do edifício, do ponto de vista do carro estacionado.
Ouviu a porta da frente se abrir e passos apressados. Quando a recepcionista dobrou a esquina, ele correu para a porta. Antes de entrar, vestiu a máscara de esqui.
Sem diminuir o passo, disparou para o banheiro masculino, ao lado da sala de espera. A porta estava aberta, então ele a deixou assim. Entrou num cubículo, subiu no vaso sanitário e apoiou os dois pés na parede.
Ele escutou a sra. Carter voltar falando... ao telefone? Ele escutou a conversa.
— Não. O cara assustou o ladrão. Ele não mexeu nem no porta-luvas. Meus vinte dólares de emergência ainda estão lá. — Pausa. — Não. Não quero esperar a polícia. — Pausa. — E dizer o quê? Alguém arrombou o meu carro? Estou voltando para casa. Ligue o forno e eu colocarei o frango para assar quando chegar.
Cash podia jurar que ouviu a porta abrir e fechar, mas ainda esperou quase uma hora para sair do banheiro.
Com a máscara ainda no rosto e a mochila servindo como barriga postiça, ele procurou câmeras. Não tinha certeza se havia alguma, mas, como sabia da existência de uma na sala de reuniões, imaginou que poderia haver outras. Mas, se tudo transcorresse como Cash planejara, eles nunca nem verificariam as fitas.
Ele vestiu as luvas e foi até o arquivo.
Ali não havia um arquivo com o sobrenome Holden. Merda! Se eles tivessem destruído tudo, não adiantaria nada ter invadido a agência.
Cash estava ali, fumegando de raiva, quando percebeu que o arquivo ainda podia estar na mesa de alguém. Correu para trás do balcão e entrou no primeiro escritório. Ali havia pilhas de arquivos. Ele foi verificá-los. Sua respiração parecia restringida pela máscara de esqui.
Um arquivo. Dois. Três...
Sete. Não estava ali.
Saiu do escritório e entrou em outro. E ali, bem em cima da mesa, estava o arquivo Holden.
Como ele tinha feito tocaia no prédio por apenas uma semana, não tinha certeza se a equipe de limpeza vinha no mesmo horário toda noite. Ele pegou o celular e, página por página, fotografou os documentos. Embora não tivesse tempo para ler, observou uma fotocópia da carta que tinham dado a Chloe.
Seu coração disparou. Ele continuou tirando fotos. A cada poucos minutos, jurava ouvir algo.
Não entre em pânico. Você sempre estraga tudo quando entra em pânico. Lembre-se, isso é um jogo. É divertido.
Podia ter sido o jogo do pai dele, mas Cash nunca gostou de jogar. E, com certeza, não era divertido.
Quando terminou, ele juntou as folhas do arquivo e colocou-o onde estava antes. Então foi para a frente do escritório, encontrar o melhor lugar para se esconder enquanto a equipe de limpeza não chegava.
Como as luzes dos fundos do prédio tinham sido acesas primeiro, nos dias em que ele estivera de tocaia ali, presumiu que limpavam primeiro os escritórios.
Cash olhou ao redor. Se ele se escondesse atrás do balcão e um dos faxineiros ficasse para trás, ele seria visto. Se entrasse no banheiro e eles decidissem limpar o banheiro primeiro, Cash seria pego com certeza.
Sua opção mais segura era atrás do balcão.
Ele se sentou no chão.
Ficou encolhido ali, lembrando de trabalhos parecidos que fizera com o pai. Depois afastou esses pensamentos e sentiu vontade de começar a ler os arquivos. Ele tinha acabado de tirar o celular do bolso quando os faróis de um carro inundaram a sala da frente.
Será que a equipe de limpeza viera mais cedo? Na semana anterior, só tinham aparecido às onze da noite. E não era nem nove ainda.
Ou será que um dos funcionários tinha voltado?
Segurando a respiração, ele ficou ali, sem se mexer, esperando e apurando os ouvidos. Se fosse um funcionário, Cash estaria encrencado.
A fechadura da porta fez um clique. A porta se abriu. A luz do escritório da frente se acendeu. Vozes encheram a sala com o barulho de rodinhas.
Era a equipe de limpeza.
— Vamos a terminar rapido. Quiero estar em casa pronto.
Uma das famílias adotivas com quem ele tinha morado era hispânica, por isso ele entendeu o que a mulher dizia. Ela queria chegar em casa cedo.
— Si. Yo voy limpiar los banos primero. Tu limpias las oficinas.
Uma iria limpar os banheiros primeiro e a outra, os escritórios.
Passos ecoaram. Mas não para o banheiro ou para os escritórios. Em direção a ele. Cash fechou os olhos. Não respirou.
O som de papel de bala soou no balcão e ele se lembrou do pote de bombons no balcão. Ótimo, uma faxineira viciada em doces seria sua ruína.
Ele ficou imóvel. A vontade de sair correndo era grande.
Fique calmo, nunca se precipite.
Os passos começaram a se afastar para o outro lado. Ele esperou até ouvir a porta do banheiro se fechar. Dizendo a si mesmo que estava na hora, Cash enfiou a mochila embaixo da jaqueta e saiu correndo de trás do balcão.
Ele mal havia entrado na sala da frente quando ouviu um grito do corredor.
Você é tão desastrado, garoto, que nem posso acreditar que tenha meu sangue! Ele ouviu as palavras do pai.
Merda!
30
Levou dois segundos para ele girar a chave que as faxineiras tinham deixado na fechadura, antes de sair do prédio. Tempo — suficiente para que a outra faxineira saísse do banheiro e gritasse também. Quando ele saiu do estacionamento, arrancou a máscara, mas continuou andando. Estava quase escuro. Cash disparou entre duas lojas, recuperou o fôlego, arrancou a jaqueta e enfiou de volta na mochila, junto com a máscara.
Com a mochila no ombro, ele saiu andando, tentando parecer calmo. Não olhou para trás, apenas continuou andando, marcando os passos para a liberdade e para o seu jipe.
Entrou no carro. A camiseta estava encharcada de suor. Ligou o motor e arrancou. Quando desceu a rua, um carro da polícia, com as sirenes ligadas, passou por ele.
Só então ele se lembrou do telefone. E se tivesse caído da mochila? Ou será que ele havia esquecido o aparelho no escritório e estava realmente em maus lençóis?
Ele encostou o carro, abriu a mochila e não respirou até encontrar o celular. Ainda em pânico, voltou a dirigir, ouvindo as rodas rolarem no asfalto e o coração bater na garganta.
Tentando controlar a respiração, disse a si mesmo que estava tudo bem. Ele tinha tomado precauções. Estava usando máscara, jaqueta e a barriga postiça para parecer mais gordo.
Cash continuou dirigindo por trinta minutos antes de decidir se era seguro encostar. Viu um Whataburger e entrou no estacionamento. Com o coração ainda batendo forte, pegou o celular para ler os arquivos.
Viu que recebera uma ligação e duas mensagens de Chloe.
Ele leu uma: Onde você está? Por favor, me diga que não está fazendo o que disse que faria!
A mensagem de voz dizia a mesma coisa.
Ele mandou uma mensagem de volta. Estou bem. Ligo depois.
Então abriu as imagens dos arquivos e começou a ler.
Leu uma página e depois passou para a seguinte. Cada uma delas o deixava mais apreensivo. Ali estavam documentos assinados com os nomes dos Holden e outro de uma Marie Garza, a mulher que a agência alegava ser a mãe biológica de Chloe. As imagens seguintes eram uma cópia da carta manuscrita para a garotinha adotada.
Ali havia um envelope apenas com o nome de Maria Garza no campo do endereço do remetente e outra carta manuscrita para a agência.
Caro sr. Wallace,
Me desculpe, fiquei chateada quando ligou. Sei que não é sua culpa se a criança precisa de respostas.
Infelizmente, não estou disposta a divulgar minhas informações.
No entanto, escrevi uma carta e peço para o senhor entregar a ela.
Me desculpe, agora não estou preparada, nem acredito que estarei um dia, para conhecê-la.
Ela tinha assinado a carta: Maria Garza.
Cash suspirou. A frustração aumentou dentro dele. Passou as imagens e na tela apareceu uma certidão de nascimento. Era de uma criança nascida em 18 de novembro e chamada Christina Garza.
Se ele acreditasse no que estava lendo, era verdade.
Chloe não era Emily.
Merda! Como ele poderia estar tão errado?
O telefone tocou. O número de Chloe apareceu na tela.
— Onde você está? — ela perguntou.
— Estou indo para a sua casa. Podemos conversar?
— Sobre o quê? O que você fez, Cash?
— Me encontre lá fora. Espere na varanda. Vamos dar uma volta no parque e conversar. Estarei aí em trinta minutos.
Com os bolsos agora cheios de dinheiro, Rodney decidiu faltar no trabalho. Em vez disso, comprou uma arma na rua, pois ele nunca usaria a dele. E também arranjou um gorro. Um daqueles que as pessoas usavam no inverno e que cobria as orelhas. E que esconderia também seus cabelos ruivos, que já estavam ficando grisalhos. Ele roubou um carro também. Um Corolla preto que não se destacaria na rua. Não precisava comprar um carro quando tantos idiotas deixavam os seus destrancados.
Durante anos ele tinha ganhado a vida roubando carros. Não importava que tinha sido preso por causa disso e pegara quase um ano de prisão.
Felizmente, ele aprendera com seus erros.
Jack tinha sido burro ao pensar que ele iria embora. Rodney não passaria a vida toda fugindo. Ele mesmo resolveria seus problemas. Sempre fora assim.
Não gostava do que ia fazer, mas não tinha alternativa. Jack agradeceria a ele também. Aquele velho gordo não sobreviveria muito tempo na prisão.
Com a garota fora do caminho, amanhã ele iria a uma biblioteca e pesquisaria todos os artigos antigos que tinham sido publicados sobre o caso. Ele lembrava que um deles citava o nome da babá. Felizmente, não seria muito difícil encontrá-la.
Rodney parou o carro em frente à casa da garota. As luzes ainda estavam acesas. Desligou o motor e acomodou-se no banco do carro.
Esperaria até ela dormir. Iria até a janela dela e bang. Trabalho fácil.
Nesse momento, a porta da frente se abriu. Ela saiu. Sozinha. Ele pegou a arma. No final das contas, talvez não tivesse nem que esperar.
Vou para a varanda no escuro; o ar tem um aroma de chuva e outono. Disse a mamãe que ia dar uma volta de carro com Cash. São quase onze.
— Só quinze minutos — eu disse a ela, lembrando-a de que eu não estava pedindo muito.
Minha mãe concordou.
Faróis iluminam a rua. É ele. Quando para, corro para o jipe de Cash e entro.
— Você invadiu a agência de adoção?
Ele começa a dirigir, depois olha para mim. A culpa é evidente nos seus olhos.
— Sim.
Ele vira à direita como se estivesse indo para o parque.
— Eu disse para você não fazer isso.
— Eu sei. Eu só... achei que estava certo.
Ouço algo na voz dele.
— E agora você sabe que não estava, não é? — Jurei que deixaria de acreditar, mas talvez eu não tenha conseguido. Porque sinto outra onda de decepção encher meu peito.
Ele entra no estacionamento do parque.
— O que dizem os documentos? — pergunto.
Cash estaciona o carro e me entrega o celular.
— Há uma certidão de nascimento de uma tal Christina Garza, nascida em 18 de novembro.
Eu leio o que está na tela do celular.
— Christina Garza. — Sinto meus lábios tremerem. — Esse é o meu nome. — Meu nome antes de me tornar Chloe Holden.
O pai está como desconhecido. Claro, ela não iria colocar o nome dele.
Deslizo a tela para ver o que mais Cash encontrou. Há uma foto de um envelope endereçado à Agência de Adoção New Hope, apenas com o nome do remetente: Maria Garza. Mas não há nenhum endereço de correspondência. Eu amplio a imagem e observo o selo carimbado. NASHVILLE, TENNESSEE e a data carimbada é de quatro dias atrás.
Engulo em seco.
— Então, eu sou realmente a filha de um estuprador.
— Só porque ele é um mau caráter, isso não significa que você também seja.
Ouço as palavras dele e depois me lembro.
— Você me disse que “problema” era o seu nome do meio. — Inspiro, expiro e percebo quanta coisa Cash e eu temos em comum.
— Eu estava errado. O que importa não é quem são os nossos pais, é quem somos. Mas eu tinha tanta certeza... — Ele se inclina e me beija.
— Pelo menos o nosso namoro não vai ser um problema para os Fuller — eu digo.
— Tem razão — diz Cash.
Eu o beijo.
— Obrigada por fazer isso por mim. Eu sei meu nome agora. Mas, se você tivesse sido pego, eu ficaria arrasada.
O olhar dele encontra o meu. Cash parece estar prestes a dizer alguma coisa. Receio que ainda queira me convencer de que isso é uma mentira, então eu o beijo de novo só para não ter que ouvir, mas o beijo torna-se mais ardente e me delicio com a sensação dos lábios dele nos meus.
Cash se afasta.
— Descobri que a casa do lago dos Fuller vai ficar vazia no domingo. Poderíamos passar o dia todo lá. Se o dia estiver quente, podemos nadar no lago, preparar hambúrgueres na churrasqueira, apenas curtir.
Eu sorrio.
— Seria ótimo.
— Concordo — diz Cash. — Ah, e eu acho que tenho boas notícias para você!
— O que é?
— Darlene mudou o status dela na página do Facebook. Ela está solteira agora.
— Sério?
— Sim, e também postou que o namorado a largou porque o irmão fez besteira. Eu acho que o irmão da Darlene roubou o cartão de crédito do seu pai.
Eu solto uma risadinha.
— É ruim da minha parte achar que sejam boas notícias?
— Não.
Quando Cash se afasta, digo:
— Eu te amo.
— Você não só “acha” que me ama? — ele pergunta.
— Não só “acho” — eu digo.
Nesse momento, faróis brilham atrás de nós. Ouço a porta de um carro bater.
— Quem será? — Cash se vira.
Passos soam do lado de fora do carro.
Um homem caminha até o jipe. Não, não apenas um homem. Um policial.
Ele bate na janela de Cash.
— Merda... — Cash murmura baixinho, antes de baixar o vidro do carro.
— O que vocês estão fazendo?
— Apenas conversando — respondo.
Ele se inclina e levanta o rosto como se estivesse tentando farejar algo no ar. Provavelmente acha que temos maconha ou algo assim. Ele olha para Cash.
Sinto que Cash está ficando tenso, mas posso dizer que ele está tentando agir como se não estivesse nervoso.
— Só estávamos conversando, seu guarda. Não estamos fazendo nada de errado.
— Bem, o parque está fechado. É melhor levar sua namorada para casa.
Cash liga o motor e saímos do estacionamento atrás de um Corolla preto.
— Você está bem? — pergunto, olhando para Cash de perfil e reparando na testa franzida.
— Sim. Não gosto de policiais.
— Por que não?
— Sou adotado. Eles nos culpam por qualquer coisa.
Dou de ombros.
— Você realmente acredita nisso?
— Eu sei disso. O vizinho dos Fuller teve um carro roubado. Eu estava lá havia alguns meses. Eles disseram aos policiais que poderia ter sido eu. A polícia veio e conversou com os Fuller e comigo. Me acusou de roubá-lo. O policial era um verdadeiro idiota. Uma semana depois, descobriram que a filha do vizinho tinha levado o carro para dar um passeio, batido o veículo e o largado na casa do namorado.
— Sinto muito. — Pego a mão de Cash.
— Eu também. — Ouço a emoção na voz dele.
Droga! Rodney teve sorte de ter visto o policial. Ele tinha seguido o jipe até o parque e encontrado a oportunidade perfeita. Estava quase saindo do carro quando o maldito policial apareceu. Ao olhar pelo retrovisor, viu o jipe deixar o estacionamento do parque atrás dele. Mas o policial estava logo atrás do jipe.
Ele virou uma esquina assim que possível e fugiu. Não achava que já estivessem atrás do carro roubado, mas ele não podia arriscar.
Amanhã seria outro dia. Merda, de qualquer maneira, talvez fosse melhor ele cuidar da babá primeiro. Como Jack disse, a garota podia nem se lembrar dele.
Na quinta de manhã, Rodney foi à biblioteca pública de Joyful para ver se conseguia encontrar o nome da babá. Começou pesquisando um sequestro em Amigo, Texas. Encontrou. Havia até uma foto do parque onde ele tinha sequestrado a menina.
Também havia uma foto da garotinha. Era linda. E ela também seria uma mulher bonita, quando crescesse. Bem, ela já era quase uma mulher.
Ele começou a ler. Carmen Lopez Gonzales, contratada como babá por Susan e Anthony Fuller...
Fuller? Ele se lembrava que aquele era o sobrenome da garota que sequestrara. Mas por que parecia tão familiar agora?
Fuller? Fuller?
Ele releu o nome. Anthony Fuller.
Merda! Era um dos proprietários do jipe.
Que diabos aquilo significava? Isso poderia significar apenas uma coisa.
Eles sabiam. Sabiam quem era a garota. Era isso que significava, não era?
Ele continuou lendo o artigo. O parágrafo seguinte incluía uma descrição que a babá fornecera dele. E que incluía até sua tatuagem. Rodney bateu a mão na mesa.
Ele não iria para a prisão.
Não mesmo!
Talvez devesse fazer o que Jack sugerira e fugir. Mas será que realmente queria passar o resto da vida fugindo?
No sábado, depois que Cash chegou em casa do trabalho, planejou contar a verdade aos Fuller. Dizer que ele tinha tirado do quadro de avisos a foto com progressão da idade e tirado as fotocópias, mas, quando entrou em casa, o casal estava aconchegado no sofá, assistindo a um filme.
Eles pareciam felizes e a incerteza o abateu. Se contasse tudo a eles agora, isso causaria mais problemas?
— Temos uma reserva às oito horas no Perry’s Steakhouse — disse a sra. Fuller. — Você vem conosco?
— Não. Eu... preciso fazer alguns deveres de casa.
Ele se sentou numa cadeira, ainda refletindo se deveria contar tudo a eles ou não. Se não contasse, seria porque não queria ser acusado de causar tanta dor aos pais adotivos? Ou seria porque... caramba, ele ainda não acreditava que Chloe não era Emily?
Ou talvez fosse por causa da mensagem que ele recebera da babá aquele dia. Ela deveria estar em casa amanhã. Parte dele ainda queria falar com ela, mas Chloe não iria gostar. Era como se ela quisesse fingir que nada daquilo havia acontecido.
A sra. Fuller levantou-se.
— Bem, vou tomar banho. — Ela se aproximou e bagunçou os cabelos dele. — Estamos orgulhosos de você, Cash. — Então ela foi para o quarto.
O sr. Fuller sentou-se no sofá. Quando ouviu a porta do quarto se fechando, ele olhou para Cash.
— Ela está melhor.
Cash apenas assentiu com a cabeça.
Domingo de manhã, estou parada na janela do meu quarto. Um pouco ansiosa e muito animada para passar o dia inteiro com Cash. O jipe para em frente à minha casa, eu pego a mochila e desço as escadas.
— Vejo você mais tarde, mãe — digo. Vou pegar na cozinha a sacola com as compras que fiz para o churrasco. Claro, Cash tinha insistido em comprar tudo, mas, como ele pagara a conta nas últimas vezes que comemos fora, eu não deixei.
Minha mãe não responde. Volto para a sala, onde ela está no sofá com o laptop no colo.
— Tchau — digo.
Ela não levanta os olhos do computador. O cabelo já tem alguns centímetros de comprimento agora. Ela não está usando peruca. Até já ganhou peso. Parece mais saudável. Até feliz.
Assim que eu superar a história de que sou filha de um estuprador, talvez a minha vida volte a ficar praticamente normal. Bem, se eu não contar a preocupação de que o câncer da minha mãe possa retornar.
— Mãe? — eu digo. — Mamãe!
Ela finalmente olha para mim.
— O que foi?
— Estou indo.
Nesse momento, lembro que meu pai tentara explicar as razões pelas quais ele a traíra. O que foi mesmo que ele havia dito? Sua mãe tem o livro dela. Oh, não, isso não justifica, mas talvez eu possa entender que ele se sentia um pouco sozinho.
— Mãe? — repito. — Mãe!
— Vai para onde? — ela pergunta.
Eu franzo a testa.
— Para a casa no lago com Cash. Pedi a você na quinta à noite, lembra?
— Ah, sim — diz ela. — Os pais dele vão estar lá?
Como estou preocupada que ela desaprove, eu minto.
— Sim. — Eu me sinto um pouco culpada. Especialmente porque... bem, estou achando que hoje é o dia em que as coisas entre mim e Cash vão passar para o próximo nível. Parte de mim tem certeza de que essa é a coisa certa a fazer. Eu estava pronta havia duas semanas, quando tirei a camisola, mas a outra parte está... bem, nervosa.
Pode não ser a minha primeira vez, mas é a minha primeira vez com Cash. E isso parece importante. Parece mais importante do que com Alex. Ou mais importante de um jeito diferente. A última vez foi... um ritual de passagem. Eu gostava de Alex, mas não estava... apaixonada por ele. Desta vez é porque... quero estar com Cash.
— Divirta-se e não chegue muito tarde. Você tem escola amanhã.
Eu digo que tudo bem. Quando vou para a varanda, Cash está saindo do carro.
— Eu preciso entrar? — ele pergunta.
— Não. Ela está escrevendo o livro dela.
Ele pega as compras da minha mão.
— Eu trouxe um isopor com gelo para manter a carne e o queijo gelados. Você pegou seu biquíni?
— Sim. — Faço um gesto para a minha mochila.
— Ótimo. Deve fazer muito calor, então a água do lago vai estar perfeita. — Ele coloca as compras no chão e olha dentro a sacola para retirar a carne e outros itens que precisam ser mantidos no gelo. Quando vê o saquinho de caramelos, olha para mim. — Obrigado.
Entramos no jipe.
— Eu já disse como estou feliz por você ter se mudado para cá? — ele diz.
— Acho que sim — respondo. — Mas você pode me dizer novamente.
Ele passa um dedo sobre os meus lábios.
— Eu nunca estive assim, tão feliz.
— Eu também.
Um sentimento quente enche meu peito.
Leva quase duas horas para chegarmos à casa no lago, mas a hora passa rápido. Ligamos o rádio, mas conversamos sobre música e discutimos sobre a escola. Ele não enviou o vídeo para Paul ainda, mas planeja fazer isso amanhã. Estou um pouco preocupada, achando que Paul talvez queira arranjar briga com ele. Se fizer isso, será que Cash vai conseguir se controlar para não entrar na briga?
Conversamos sobre Lindsey e eu digo que ela e David nos convidaram para jogar sinuca no próximo fim de semana. Cash me conta sobre sua aula de Tecnologia Automotiva e que ele está finalmente trabalhando com motores de carros. Falamos sobre tudo, menos sobre o fato de que eu não sou Emily. Sei que nós dois ainda pensamos a respeito disso. Mas, desde que nos encontramos quarta à noite, não mencionamos o assunto.
Cash finalmente chega a um portão e digita alguns números. A grande cancela de madeira se levanta e nós entramos.
— Maldição! — Rodney viu quando o jipe cinza arrancou. Ele bateu a mão no volante. Outro maldito condomínio fechado.
Ele realmente odiava os ricaços!
Deveria ter dado o tiro na estrada, mas toda vez que pensava em fazer isso, outro carro aparecia.
Ele passou lentamente pelo portão, observando para que lado o jipe tinha virado depois de entrar no condomínio. Pelo menos não havia nenhum guarda por perto.
Ele dirigiu por mais três minutos, depois deu a volta. Tinha passado os últimos dois dias vigiando a residência da babá. Ela não estava em casa.
Ele precisava fazer isso. Pôr um ponto final naquela história. Desde quarta-feira, só conseguia pensar no risco de ser pego e de passar o resto da vida na prisão.
Ele parou no acostamento, ao lado do portão de entrada, e ligou o ar-condicionado. O calor era insuportável. Ficou sentado no carro, suando, esperando outro carro entrar. Não parecia que o condomínio era grande. Ele encontraria o jipe. Encontraria os dois garotos. Terminaria o que viera fazer ali.
Então, se tivesse sorte, Carmen Gonzales estaria em casa e ele poderia cuidar dela. Depois, fugiria do Texas. Iria para algum lugar legal. Algum lugar em que não fizesse aquele maldito calor.
Finalmente, um carro entrou. Rodney parou atrás e conseguiu passar antes que o portão se fechasse. Agora tudo o que ele precisava fazer era encontrar o maldito jipe e liquidar com os dois garotos.
Quando chegamos à casa do lago, fico chocada. Eu tinha imaginado uma casinha rústica. Não é rústica. Nem é pequena. É três vezes maior que a casa onde minha mãe e eu moramos.
Cash para na garagem, saímos do carro e entramos na casa pela cozinha.
— É enorme.
— Sim, é mais um investimento do que qualquer outra coisa. Eles a alugam na maioria das vezes. A gente fica aqui uma semana ou duas no verão e nos fins de semana quando não está reservada.
Ele coloca o isopor no chão da cozinha e o esvazia, guardando as compras na geladeira.
— Você quer nadar agora?
— Sim, vou me trocar. — Olho em volta.
— Há um banheiro logo atrás de você — ele diz.
Entro no banheiro e visto meu biquíni. Eu tinha comprado um novo logo antes de nos mudarmos para cá, então o usei apenas poucas vezes. Estou na frente do espelho. O biquíni não é minúsculo. Na verdade, a parte de baixo é como um short, mas ainda mostra muita pele. Com exceção daquela noite em que arranquei a camisola, Cash não viu muito mais do que isso.
De repente me ocorre que eu nunca vi Cash sem camisa, o que por algum motivo me parece estranho. Alex tirava a camisa sempre que tinha uma chance. E ele não tinha nem metade do corpo que Cash tem.
Olho para a porta do banheiro e me pergunto se talvez eu devesse vestir uma camiseta por cima do biquíni antes de sair, mas isso me parece meio idiota. Então, pego a toalha que trouxe e a amarro na cintura.
Com a mochila no ombro, eu saio do banheiro.
Cash não está na cozinha, então suponho que tenha ido se trocar também.
Ele volta vestido com uma sunga e uma camiseta.
Agora eu realmente gostaria de ter vestido uma camiseta.
Ele olha para mim e sorri. Depois se aproxima e me beija.
— Temos toalhas lá fora. Podemos usar aquelas para que você não tenha de levar para casa uma toalha molhada. E eu também tenho protetor solar. — Ele sorri. — E vou ficar feliz em ajudá-la a passá-lo nas costas.
— Só se eu puder passar nas suas. — Eu sorrio, mas ainda estou um pouco nervosa.
— Claro.
Coloco minha mochila sobre o balcão e jogo minha toalha por cima.
Cash me observa. O olhar dele está fixo em mim.
— Uau... — ele diz. — Você é tão linda...
Ele me faz me sentir bonita — não vulnerável, como alguns caras, quando veem você de biquíni.
Saímos pela porta dos fundos, que leva a um pátio coberto, onde há uma mesa e cadeiras, uma churrasqueira e duas grandes redes.
Ele pega duas toalhas e o protetor solar num armário.
— Isso é legal — eu digo.
O braço dele passa pela minha cintura. A sensação do seu toque na minha pele nua provoca arrepios até os meus dedos dos pés. Andamos até o final do deque que leva à água, onde ele deixa as toalhas e o filtro solar.
Cash tira a camisa por cima da cabeça. Tento não olhar, mas não consigo evitar. Meus olhos devoram sua pele nua. Ele tem uma linha de pelos escuros que começa perto do umbigo e desaparece dentro da sunga. Eu ergo os olhos e, quando faço isso, vejo uma cicatriz. Quase no centro do peito. Ela tem cerca de dez centímetros de comprimento e é reta, exceto no meio, onde é arredondada, do tamanho de uma ervilha.
Ele joga a camiseta sobre a pilha de toalhas.
— O que aconteceu? — pergunto antes de perceber que posso ter sido indiscreta.
31
Cash já esperava a pergunta. Na verdade, ele repassou na cabeça a mentira que contara às outras três garotas que o tinham visto sem camisa. A mentira que incluía um skate e uma garrafa de cerveja quebrada. Mas ele não queria mentir para Chloe.
— Não é uma história bonita — disse ele. Então pegou o protetor solar. — Venha cá, vou colocar um pouco disso nas suas costas.
Ela se aproximou. Seus olhos encontraram os dele e Cash já podia ver empatia ali, como se, de alguma maneira, ela soubesse que era difícil para ele falar a respeito.
— Eu quero saber — disse Chloe.
Ele assentiu.
— Eu fui baleado.
— Seu pai? — Os olhos dela ficaram úmidos.
Ele fechou os olhos por um segundo.
— Ele não puxou o gatilho, mas poderia muito bem ter puxado — Cash se forçou a dizer. — Eu disse que ele não era um cara legal. — Ele ainda precisava dizer isso a si mesmo. — Enganava as pessoas. Roubava carros. Roubava lojas de conveniência. Atacava os mais vulneráveis. Os idosos. Eu fingia ter câncer e as pessoas nos davam dinheiro. Magoei pais como os Fuller. Meu pai viu uma foto com progressão da idade e o garoto parecia um pouco comigo e...
Ele a ouviu prender o ar.
— É por isso ...?
— Sim. — Cash fechou os olhos, rezando para que isso não fizesse ela mudar de opinião a respeito dele. Deles. Mas, se isso acontecesse, ele não poderia culpá-la. — O último crime que ele cometeu foi numa loja de conveniência. Um policial acabou aparecendo por acaso. Eu estava no carro. Era eu que dirigia o carro de fuga.
— Você disse que tinha 11 anos quando ele morreu.
— Eu tinha. Meu pai me ensinou a dirigir quando eu tinha 8 anos. Ele me ensinou tudo. Como dar golpes, enganar as pessoas, roubar.
Chloe balançou a cabeça.
— Como você levou um tiro?
— Um policial entrou quando meu pai estava roubando a loja. Ele puxou uma arma e meu pai atirou nele. — Cash suspirou, lembrando que estava sentado no carro e vendo através do vidro. — Ele normalmente nunca atirava. Sempre dizia que, se um serviço fosse bem executado, não era preciso uma arma.
Engolindo suas emoções, Cash continuou.
— Ele pulou dentro do carro e gritou para eu dirigir. Não tínhamos chegado ao final da rua quando uma radiopatrulha nos alcançou. Eu parei o carro. Não queria morrer. Meu pai estava gritando comigo. Joguei as chaves pela janela. — Cash ainda podia ouvi-lo, ouvir a raiva na voz dele. — Meu pai gritou com os policiais e disse que me mataria se eles não recuassem. Então ele me disse para ir pegar as chaves do carro. Eles atiraram. Várias vezes. Disseram que não esperavam que eu fosse uma criança.
Cash desviou o olhar.
— Fui baleado. Meu pai também. Ele pegou as chaves. Eu o chamei. Fiquei deitado ali, sangrando, morrendo de medo. Ele nem olhou para mim. Deu a partida e foi embora. — Os olhos de Cash arderam. — Ele só andou uns trezentos metros. Bateu num carro parado, mas foi a bala que o matou. Sei que menti sobre isso, eu apenas...
Lágrimas corriam pelo rosto de Chloe.
A vergonha arranhava a consciência de Cash.
— Eu disse que eu era um problema. Fiz coisas terríveis. E não a culpo se você quiser ir embora. Eu não mereço alguém como você.
Ela piscou e algumas lágrimas umedeceram seus cílios.
— Pare de dizer isso! Você tinha 11 anos! Não era culpa sua. — Chloe cerrou o punho. — Eu gostaria que seu pai não estivesse morto, porque queria matá-lo eu mesma.
Cash balançou a cabeça.
— Você não entende. Eu sabia que o que estávamos fazendo era errado, Chloe.
— Ele batia em você também, não batia? — Mais lágrimas escorreram pelo rosto dela. — Ele quebrou seu braço, não quebrou?
— Sim. Mas eu deveria ter...
— Eu odeio o seu pai, Cash! Eu o odeio tanto quanto amo você. — Chloe se aproximou e tocou a cicatriz no peito dele. — Eu não posso acreditar que fico aqui me lamentando por causa da minha vida quando você passou por tudo isso. Me desculpe. — Ela o abraçou e eles ficaram assim no deque, apenas abraçados, por um longo tempo.
Quando ela se afastou, ele viu algo que nunca tinha visto antes. Aceitação.
Sim, os Fuller o aceitavam, mas eles não sabiam das coisas que ele tinha feito. Cash nunca tinha contado a eles.
Nunca tinha contado a ninguém. Ninguém além de Chloe. E ela não o culpava.
— Vamos nadar agora ou o quê? — ela perguntou.
Cash olhou para ela.
— Você tem certeza de que quer ficar comigo?
— Está brincando? — ela disse, indignada.
— Não, me escute, eu entendo se...
— Nós vamos nadar ou o quê? — Chloe repetiu.
— Eu só quero que você...
Ela o empurrou. Cash se desequilibrou e caiu na água. Quando emergiu, estava rindo. Ela ficou no píer, e era só sorrisos, curvas e pele nua. Era a coisa mais linda que ele já vira, e Chloe sabia de todas as coisas ruins que ele tinha feito e ainda assim o amava.
No final das contas, talvez sua vida não fosse a tragédia que ele pensava.
Eles nadaram, correram e brincaram na água por uma hora. Quando saíram, deitaram-se na rede e se beijaram.
Quando as coisas quase foram longe demais, ele parou, desvencilhou-se de Chloe e se sentou.
Cash passou a mão pelos cabelos.
— Nós poderíamos... se você quiser, nós poderíamos...
— Vamos lá para dentro — disse ela.
Ele olhou para Chloe.
— Me disseram que eu tinha de perguntar...
— Perguntar o quê?
— Se você queria... você sabe.
Ela fez uma cara engraçada.
— Quem te disse isso?
Cash riu.
— O sr. Fuller.
— Perguntar deixa tudo meio estranho, não acha?
Ainda sorrindo, ele disse:
— Pensei a mesma coisa. Mas faz um pouco de sentido. Deve ser uma escolha, não... uma precipitação. Não quero que você se arrependa depois.
Chloe assentiu.
— Ok.
Ele levantou uma sobrancelha.
— Ok...?
O sorriso dela aumentou.
— Ok, você pode perguntar.
— Ah — ele disse. — Você quer... ir lá para dentro?
Ela mordeu o lábio.
— A garota com quem você namorou e que tinha uma casa no lago aqui perto... vocês dois, você sabe foram lá para dentro... aqui?
— Aqui não — ele disse com sinceridade.
— Não foi com ninguém aqui?
— Ninguém. — Ele respondeu com sinceridade e imaginou que, se ela tinha perguntado, ele também poderia. Você e Alex...?
— Não aqui — ela disse.
Os lábios dele se apertaram.
— Eu não gosto desse Alex.
Ela sorriu.
— Eu também não gosto dela. — Chloe alisou o cabelo para trás. — Você trouxe proteção?
— Sim. — Então ele se preocupou... — Não que eu planejasse... Quer dizer, eu nunca teria feito nada se...
— Eu sei — disse ela, poupando-o de ter que dizer mais.
Eu acordo. Tudo foi incrível e cheio de emoção. Com muitos “eu te amo”. Eu chorei. Ele imediatamente pensou que algo estava errado. Eu imediatamente o convenci de que não estava.
Cash colocou uma música para tocar, peguei emprestada a camisa dele e nós ficamos deitados na cama por uma hora, rindo, conversando, abraçados um ao outro... até cochilamos. Quando me sento na cama, vejo Cash sentado a uma mesinha de canto, com o celular na mão.
Ele deve ter ouvido algum barulho, porque olha para mim e se levanta para me beijar.
— Está ficando com fome?
— Estou morrendo de fome — eu digo.
— Eu também. Já preparei a grelha.
O cabelo dele está molhado, o que significa que tomou banho. Eu não posso acreditar que não acordei antes...
— Posso tomar banho?
— Sim. Coloquei toalhas limpas no banheiro.
Quando saio do banho, ele ainda está sentado à mesa. Olha para mim. Estou com a mesma calça jeans e a mesma blusa.
— Gosto mais de você com a minha camisa.
Eu sorrio.
Ele checa o celular.
— O que você está olhando? — pergunto.
Ele faz uma cara estranha.
— Não vai ficar brava?
De repente, eu me dou conta.
— As fotos da papelada da agência de adoção?
Ele assente com a cabeça.
— Você trouxe a carta com você?
— Cash...
— Apenas me responda.
— Sim. Eu não queria deixar em casa, para minha mãe não... Está dentro da minha mochila. Por quê?
— Algo me pareceu estranho e eu não consegui descobrir o quê... mas acho que sei o que é.
Eu captei o que ele está dizendo.
— Cash, eu não quero começar...
— Posso só dar uma olhada na carta?
— Sim — eu concordo.
Ele entra no outro cômodo. Quando volta, está com a carta na mão.
— Eu estava certo, Chloe. As cartas são falsas.
Balanço a cabeça.
— Como...? Você não pode saber com certeza...
— Eu sei. Olhe. — Ele pega o celular da mesa e vai até onde estou, na cama.
— O nome da sua mãe biológica na certidão de nascimento é Marie. Mas na assinatura dela, aqui, parece um a no final. Na carta que ela enviou ao sr. Wallace e no envelope que foi enviado, ela assinou como Maria. Veja como ela escreve o M em “Sua Mãe Biológica”. Não é igual a dos documentos da adoção. Você pode ver.
Eu não olho.
— Eu não posso fazer isso, Cash. Eu já aceitei.
— Basta olhar. — Ele segura a carta e o celular.
Eu olho. E ele está certo, mas...
— Minha assinatura não é a mesma o tempo todo.
— Mas tem o nome dela na certidão de nascimento. É Marie, não é Maria. E o nome no envelope é Maria, não Marie.
Eu o ouço, mas... Quando não digo nada, ele acrescenta:
— Ontem recebi uma mensagem da babá. Ela voltou do México. Eu não respondi a mensagem. Mas acho que deveríamos conversar com ela.
Minha mente dispara e meu coração tenta acompanhar.
— Não. Eu não vou começar isso de novo, Cash.
— Não quer saber a verdade?
— Eu sei a verdade.
— Me dê uma chance, Chloe. Vá comigo ver a babá e, se ainda não nos convencermos, deixarei para lá. Eu prometo.
Rodney estacionou em frente ao seu hotel e correu para dentro, para lavar o sangue.
Ele não havia encontrado o garoto e a garota. Mas achara a babá. As luzes dela estavam acesas. Ele ficou de tocaia lá fora, observando e esperando até que os vizinhos fossem dormir.
Foi fácil entrar na casa.
Ele entrou, silencioso como um rato, certificando-se de que ela estava sozinha. Ela estava.
Lavando as mãos na pia do banheiro, observou a água sangrenta ser sugada pelo ralo. Ele não tinha gostado de fazer o que fez. Isso apenas provava que ele não era assim tão ruim. Ele até desejou que a babá não tivesse acordado. Não tivesse acendido a luz do quarto. No entanto, quando ela o viu, Rodney teve certeza de que ela o reconhecera.
— Você! — ela gritou.
Ele hesitou. E isso deu tempo suficiente para a babá vir para cima dele.
Rodney atirou nela à queima-roupa. Então a maldita mulher caiu sobre ele. Sangrou em cima dele. Ele fechou os olhos e lembrou-se de que não tivera alternativa.
Era isso ou a prisão.
Ele não iria para a prisão.
Agora Rodney tinha que cuidar da garota. E o rapaz? Provavelmente teria que cuidar dele também.
A caminho da escola, na segunda-feira, Cash parou para abastecer o carro. Parado ali, ele apertou os botões e enviou o vídeo para o número de Paul. Ainda segurando a bomba, percebeu que estava sorrindo. Não por causa de Paul, mas porque não se lembrava de um dia ter se sentido tão feliz, ou exausto.
Ele mal tinha dormido na noite anterior. Revivendo cada momento do domingo, desejando que Chloe estivesse na cama com ele, e tentando imaginar quando eles poderiam ficar juntos novamente. Naquela tarde não seria possível, porque o pai de Chloe estava na cidade e, no dia seguinte, ela tinha concordado em ir com ele conversar com a babá, logo depois da escola.
Chloe o fizera prometer uma dúzia de vezes que, se não descobrissem nada, ele desistiria. Cash prometeu. Mas, caramba, ele não conseguia deixar de acreditar que estava certo. Chloe era Emily!
Depois de ouvir o clique da bomba, indicando que o tanque estava cheio, ele foi comprar Skittles. Em cima do balcão, havia buquês de rosas à venda. Ele pegou um vermelho.
Voltando para o jipe, viu um homem encostado na porta do passageiro do jipe. Um cara grande e corpulento, com cabelos grisalhos e ralos. Ele observava Cash sem disfarçar. Cash se aproximou com cautela.
As palavras do pai soaram em sua cabeça: Nunca baixe a guarda. Todo mundo quer se aproveitar de você. Todos lá fora querem te pegar.
Ele tirou as chaves do bolso e desejou não estar segurando um buquê de rosas vermelhas.
— Posso ajudar?
— Mas que romântico!... — O homem apontou para as flores.
— O que você quer? — Cash perguntou, aliviado quando outro carro parou na bomba ao lado.
— Acho que sou eu quem pode ajudá-lo. Meu nome é Ken Jennings. — Ele estendeu a mão carnuda.
Cash não retribuiu o cumprimento. Os pelos da nuca estavam arrepiados, de sobreaviso, dizendo que aquele cara era problema.
— Eu não conheço você, então não tem como me ajudar.
— Veja só, pessoas me procuram para resolver os problemas delas.
— Eu não tenho nenhum problema.
Cash fez sinal para o cara se afastar do seu jipe.
O homem não se moveu.
— Você tem, sim. Eu tenho uma fita de vídeo do seu carro estacionado numa lavanderia em Fort Landing. O mais surpreendente é que, na mesma hora, alguém invadiu a Agência de Adoção New Hope.
Os músculos de Cash ficaram tensos. Droga! Ele deveria ter procurado uma câmera antes de estacionar.
— E olha só que coisa, por acaso eu sei que seu passado é problemático. Basta eu fazer algumas ligações e logo você vai estar com um par de algemas, tentando explicar muita merda. Você quer isso?
O coração de Cash bateu forte, mas ele não se atreveu a demonstrar medo.
— Tire a bunda do meu jipe.
— Agora, garoto, me escute. Só peço que esqueça tudo isso. Deixe isso para lá. O cara que me contratou não quer arranjar problemas. Mas tem alguém que não pensa assim. Sua namorada precisa...
— Se você tocar nela, eu vou te matar. Saia da minha frente. — Cash fervia de raiva. O homem se afastou da porta, mas Cash teve que se controlar muito para não esmurrar o cara.
Em vez disso, entrou no jipe e partiu. Que diabos ele ia fazer agora?
32
Chego à escola alguns minutos mais cedo. Estaciono, saio do carro e olho ao redor para ver se Cash está por ali.
David deu carona para Lindsey até a escola, portanto estou sozinha. Vejo o jipe de Cash parar e começo a andar na direção dele.
— Que diabos seu namorado está fazendo? — fala uma voz atrás de mim.
Eu me viro. Paul, com os punhos cerrados, vem como uma bala na minha direção. Cash me disse que iria enviar o vídeo, por isso sei do que se trata.
— Tenho certeza de que ele explicou isso na mensagem — digo e sei disso também, porque ajudei a escrevê-la.
— Ele está querendo acabar com as minhas chances de conseguir uma bolsa de futebol? — Paul grita na minha cara.
Eu dou um passo para trás.
— Afaste-se dela! — Ouço Cash dizer, enquanto corre na nossa direção.
— O que você está tentando fazer? — Paul grita para Cash.
— Nada. Leia a droga da mensagem. Agora pode ir andando — ele diz. A expressão de Cash endurece. A raiva contorce suas feições. Ele parece pronto para lutar.
— O que você vai fazer? Contar para o treinador? — Paul se aproxima.
Cash pega meu braço.
— Vamos.
Eu começo a andar junto com ele.
Paul corre à nossa frente e assume uma posição defensiva.
Cash me solta e agarra Paul pela camiseta e o pressiona contra um carro.
— Escute aqui. Eu sei que seu pai é um otário. Eu também tinha um pai assim. Estou te dando uma chance de se mandar daqui, mas não precisa muito para eu mudar de ideia. Agora, afaste-se de mim! E pare de tentar ser como o cretino do seu pai! Entendido?
O rosto de Paul fica branco.
Cash o solta e me agarra pelo braço.
— Temos que ir.
Eu o deixo me levar.
— Para onde?
— Eu estraguei tudo, Chloe. Agora tenho que consertar.
— Consertar o quê?
Chegamos ao jipe dele.
— Entre. Vou explicar enquanto dirijo.
— Explicar o quê? — Eu vejo a mão dele sangrando. — Você está machucado.
— Por favor. Confie em mim. Pode entrar no carro? — Ele parece desesperado.
Sua tensão é contagiosa. Eu entro, mas, assim que ele se senta atrás do volante, eu começo a interrogá-lo de novo.
— O que está havendo, Cash?
— Eles sabem que invadi a agência de adoção. — Ele se afasta da escola.
— O quê? Você disse que ninguém o viu.
— Mas estava enganado. Eles sabem que eu fui até lá.
— Chamaram a polícia?
— Acho que não.
— Mas eu não compreendo. Por quê...?
— Eles estão tentando esconder o fato de que sequestraram você. Querem que a gente esqueça toda a história. E eles a ameaçaram. Você é Emily. — O medo é evidente nos olhos de Cash.
Minha cabeça está a mil por hora.
— Nós não sabemos.
— Você acha que eles fariam isso se não quisessem esconder alguma coisa? — Ele bate no painel com a palma da mão. — Droga! Você é Emily!
Meu peito aperta, minha cabeça gira.
— O que vamos fazer?
— Vamos contar à polícia. Não. Primeiro, vou pegar a papelada toda, depois nós vamos à polícia. Vamos mostrar tudo a eles.
— Espere. Pare. Vamos pensar primeiro. Eles vão prendê-lo por invadir a agência.
— Eu não me importo. Contanto que peguem aquele cretino.
A tensão dificulta a minha respiração.
— Eu disse para você não invadir essa agência. Eu avisei. Agora veja o que aconteceu.
— Eu sei! — Cash diz. — Sinto muito. — Ele continua dirigindo.
Eu fico tentando entender. Estamos a cerca de dois quilômetros da casa dele.
Mas tudo em que consigo pensar é na confusão que isso vai causar. Para minha mãe. Para Cash. Para o meu pai.
— Meu pai! — Lembro que ele talvez já estivesse na cidade. E lembro também que eu costumava procurá-lo quando estava com problemas. Ele era meu super-herói.
— O que tem seu pai? — pergunta Cash.
— Vou ligar para o meu pai. — Pego meu celular, localizo o número dele e ligo. — Pai? — digo quando ele atende.
— Sim.
Cash fala alto:
— Diga a ele para nos encontrar na delegacia.
Eu olho para Cash. Um soluço escapa dos meus lábios.
— Chloe? Está tudo bem?
— Eu preciso de você. Você pode vir à minha casa?
— Qual o problema, querida?
— Eu não posso explicar agora, apenas venha. Por favor.
— É sobre a adoção?
— Sim — eu digo. — Apenas venha, ok?
— Estou a caminho — diz ele. — Estou a cerca de duas horas daí. Estarei aí o mais rápido que puder. Você tem certeza de que está bem?
— Sim. — Desligo e olho para Cash. — Me leve para casa.
— Vamos pegar os papéis primeiro — diz ele.
— Não! — Eu grito com ele. — Eu quero ir para casa. Droga. Eu te falei para não invadir a agência! Agora veja no que deu.
De repente, ouço um grande estrondo. Vidro se quebrando. Cash pisa no freio.
— Se abaixa! — ele grita. Quando eu não faço isso, ele segura minha cabeça e me empurra para baixo.
Tento me libertar de Cash, mas depois ouço outro estrondo. Então um baque na lateral do carro.
— Por favor, diga que não estão atirando em nós! — eu grito.
Cash não responde, ele está muito ocupado dirigindo.
O jipe dá uma guinada e ouço outro tiro.
Cash gira o volante e o carro dá um solavanco como se tivesse batido em alguma coisa. Estou sendo jogada de um lado para o outro, e o cinto de segurança machuca meu ombro. Eu grito de novo.
Algo colide contra a traseira do jipe. Começamos a girar.
Cash não tira a atenção do volante. Ele finalmente recupera o controle do carro e começa a dirigir em linha reta. Então pisa no acelerador. Está com os nós dos dedos brancos no volante.
— Ele foi embora? — pergunto.
— Fique abaixada! — Cash grita, e ele está olhando para trás. — Eu o tirei da estrada.
Fecho os olhos e rezo. Passam alguns segundos. Depois um minuto. Eu não ouço mais nada. Não ouço o motor de outro carro, apenas o som da minha própria respiração. Mas eu não me sento ereta no banco. Estou com muito medo para me mexer. De repente, Cash vira à direita e faz uma parada brusca.
Abro os olhos e vejo a estátua de um cavalo. Então vejo um homem nos olhando de dentro de uma guarita.
— Devagar, Cash!
— Ligue para a polícia! — Cash grita para o homem. — Alguém está atirando em nós. Envie a polícia à minha casa. E, se um Corolla preto tentar entrar, não deixe! O motorista está armado. Agora, abra este maldito portão!
O homem começa a abrir o portão. Cash afunda o pé no acelerador. Nós avançamos a toda velocidade. Um minuto se passa.
Eu assisto quando Cash pega um controle remoto no quebra-sol do carro. Então ele vira à direita novamente. Ouço o barulho de uma porta de garagem se abrindo. Ele entra ali com o carro e, em seguida, começa a pressionar o botão da garagem para fechar.
Olha por cima do ombro.
— Vamos! — ele diz. — Vamos entrar!
— Estou com medo! — exclamo.
— Vamos, Chloe.
Consigo desafivelar o cinto de segurança. Ele corre para o outro lado do jipe e praticamente me arranca do carro. Depois me pega pelo braço e nos tranca dentro de casa. Da casa dele. Da casa dos Fuller. Ele para na cozinha e olha para trás.
— Me siga.
— Para onde? — pergunto.
— O sr. Fuller tem uma arma na sala de musculação.
— Você acha que ele ainda vai vir atrás de nós?
— Eu não sei, mas não vou esperar para ver.
Meu corpo todo está tremendo. Eu o sigo para o andar de cima, até uma sala de musculação.
Ele corre para um armário e o abre. Então pega uma arma de fogo.
Vê-la me causa outra onda de medo.
— Você sabe como usá-la?
— Sim — diz Cash.
E eu não sei se isso faz eu me sentir pior ou melhor.
— Siga-me — diz ele.
Faço o que ele diz e avançamos pelo corredor. Ele abre uma porta e corre para uma janela.
Eu fico ao lado dele.
Meu coração está batendo rápido. Eu o ouço nos meus ouvidos e o sinto na base do meu pescoço.
Então ouço um miado. Olho para baixo e vejo um velho gato malhado amarelo aos meus pés. Ele se levanta e fareja o ar. Até parece que está me cheirando. Félix. Meu coração se aperta.
Lágrimas enchem meus olhos. Eu olho em volta. O quarto é rosa. Há uma bicama com uma colcha de arco-íris. Os armários estão forrados de fotos, brinquedos e livros. Eu ando até uma prateleira e toco um ursinho de pelúcia — meu coração para. Tudo é familiar. Tudo é... meu.
— Merda! — diz Cash.
— Ele está vindo? — consigo perguntar.
— Não, não é ele. É a sra. Fuller.
Ouço uma porta bater no andar de baixo.
— Droga! — Rodney bateu com o punho no painel e tentou dar partida no motor novamente. Ele engasgou e não pegou.
Sangue escorria da sua testa, onde ele tinha batido a cabeça quando o jipe colidiu propositalmente contra o seu carro. Respirou fundo, tentando pensar no que fazer. Ele ardia de ansiedade para ligar o carro, encontrá-los e resolver o problema de uma vez por todas.
Ele virou a chave novamente. O motor pegou. Ansioso para terminar o serviço, Rodney estava prestes a entrar na rua, quando ouviu sirenes.
— Merda! — Ele agarrou a pistola.
Não iria voltar.
Então, para sua surpresa, as duas radiopatrulhas passaram por ele a toda velocidade.
Ele ficou sentado ali por mais alguns segundos, com seu próprio sangue provocando ardor em seus olhos; depois percebeu que tinha que dar o fora daquele lugar.
Eu fico ali, ouvindo o que Cash acabou de dizer, mas rezando para que não seja verdade.
— Cash? — ouço uma mulher gritar lá embaixo. — Cash, onde você está?
Ele parece tão em pânico quanto eu.
— O que eu faço? — ele pergunta, colocando a mão na cabeça.
Passos soam nas escadas.
— Cash!
Ele corre para a porta. Fico ali, com os pés pregados no chão.
— Estou aqui — ele diz.
— O que aconteceu? — O pânico ecoa na voz dela.
Cash limpa a garganta.
— A polícia está a caminho. George deve ter chamado.
— Eles estão procurando você. Onde esteve? Tony está a caminho. Eu liguei para você. Por que não atendeu?
— Desliguei o celular. Eu posso... explicar — diz Cash.
— É a polícia, eles estão perguntando por você.
— Eu sei — diz Cash. — Eu pedi a George, o segurança que estava no portão, para chamar a polícia
— O quê? Não. Eles foram ao meu trabalho.
— Mas eu acabei de ligar para eles. — A confusão é evidente em seu tom de voz.
— Você machucou... alguém? — pergunta a sra. Fuller.
Eu posso ver Cash parado no corredor. Os ombros dele estão tensos. Ele está com a arma atrás das costas.
— Estavam atirando em nós — diz Cash. — Eu tirei o carro do sujeito da estrada.
— A polícia acha que você atirou nela?
— O quê? — pergunta Cash. — Atirou em quem? Eu não atirei em ninguém. Foi ele quem atirou.
— Por que você não está na escola? Ah, Deus, Cash. O que você fez, filho?
— Eu não fiz nada. O que estão dizendo?
Eu ouço o pânico na voz da sra. Fuller e então a vejo dar um passo para ficar mais perto de Cash.
Eu não me movo. Sinto-me entorpecida. Meu corpo está tremendo. Estou fria. Muito fria.
Cash olha para mim. Não estou respirando. Estou tonta. Eu me forço a puxar o ar.
Ela me vê. Os olhos da sra. Fuller se arregalam. Ela dá um passo, então coloca as mãos trêmulas sobre a boca.
— Meu Deus!
Ela dá um passo mais para perto. Eu não consigo respirar.
Ela dá outro passo e eu recuo. Não sei por quê, mas não quero que ela me toque. Estou com medo. Medo do que vou sentir. Minha visão fica turva. De repente, vejo pontos pretos diante dos olhos.
— Como é possível? — Ela olha para Cash. — Não compreendo.
Um celular toca. É o da sra. Fuller. Ele está não mão ela. Então uma campainha toca.
A sra. Fuller balança a cabeça.
— Cash? Como...? — Ela corre para mim.
Meus joelhos cedem. Ela me pega nos braços.
Um choro suave sai dos meus lábios. A sra. Fuller me puxa na direção dela. Estou cercada pelo cheiro dela.
De repente, sou uma criança pequena. E ela é minha mãe. Eu sou Emily Fuller. Eu conheço o cheiro dela. Conheço o toque dela. Sei que ela é minha mãe.
Seu pai e sua mãe não te querem mais.
Estou sentada no sofá marrom sujo. Eu quero minha mãe. Eles me querem, sim! Eles me amam!, eu grito.
Sinto o tapa no meu rosto. Sinto meu queixo doer. Sinto meu rosto ardendo. Sinto meu corpo caindo contra o sofá.
— Emily? Emily. — Eu ouço a voz da sra. Fuller. Começo a soluçar no ombro dela. Meus joelhos cedem completamente e eu caio no chão.
Ela se ajoelha ao meu lado.
— Ah, meu bebê. Você está bem...
A campainha continua a tocar. Um telefone continua a tocar. Vejo Cash ir até a janela novamente.
— É a polícia — ouço Cash dizer. — Sra. Fuller, o que eles pensam que eu fiz?
Ela olha para Cash.
— Eles acham que você atirou em Carmen Gonzales.
33
— A babá? — Cash perguntou, olhando para a sra. Fuller. Tudo aconteceu muito rápido. Os tiros. O carro girando na estrada. Nada estava fazendo sentido.
A senhora Fuller assentiu.
— Como você sabe...?
— Eu estava tentando descobrir o que ela sabia sobre Chloe. Sobre Emily — Cash respondeu.
A campainha tocou novamente, seguida de batidas. As batidas ficaram mais altas.
— Eles encontraram seu número de telefone registrado no celular dela. Mensagens. Queriam saber onde você estava ontem. Eu disse que você estava no trabalho. Eles ligaram de volta e disseram que você não estava no trabalho. Onde você estava?
Ele ficou ali, sentindo mil emoções diferentes
— Eu estava na casa do lago.
— Comigo — Chloe disse com uma voz fraca.
— Ok. — A sra. Fuller se levantou. Ele notou que as mãos dela ainda estavam tremendo. Ela se abaixou e ofereceu uma mão a Chloe.
— Vamos abrir a porta.
Cash olhou para a arma que segurava e a colocou na mesa de cabeceira. A sra. Fuller ofegou ao ver a arma.
Será que ela pensava que ele tinha matado a babá?
Ela se virou e começou a descer as escadas. Cash a seguiu.
Chloe andou ao lado dele, um passo de cada vez. Ele segurou o braço de Chloe, com medo de ela cair. Ela recuou. E o olhar de horror no rosto dela o fez querer xingar a si mesmo.
Droga. Eu te falei para não fazer isso! Agora veja o que aconteceu. Cash se lembrou da raiva dela. E sabia que a merecia. Lembrou-se de ver o homem segurando a arma de fogo. Lembrou-se de vê-lo apontando diretamente para Chloe.
Ele tinha causado aquilo. Ele quase a matara.
Quando chegaram ao pé da escada, a sra. Fuller parou.
— Vão para a sala de estar. Vocês dois.
Cash levou Chloe para lá, depois voltou e ficou na entrada.
A sra. Fuller olhou para ele.
— Vá para a sala de estar! Eu falo com eles. Quando Tony chegar, vamos todos para a delegacia.
Cash fez o que a mãe adotiva mandou.
Quando ela abriu a porta da frente, suas palavras flutuaram até a sala de estar.
— Nós o levaremos à delegacia.
— Desculpe — respondeu uma voz grave —, mas há várias coisas em jogo. Existe o ataque a Carmen Gonzales. O guarda de segurança que fica no portão disse que seu filho entrou dizendo que estavam atirando nele, e havia uma garota abaixada no assoalho do carro. Se eu puder apenas falar com ele e com a garota por um minuto, vou embora e deixo que vocês o levem à delegacia mais tarde. Mas preciso vê-los.
Cash saiu da sala. O policial parado ali era o mesmo idiota que o acusara de roubar o carro. O mesmo cara que o tratara como lixo porque ele era adotado.
— Estou aqui — disse Cash.
O homem franziu a testa ao ver Cash.
— Gostaria de explicar o que aconteceu?
— Um homem estava atirando em nós — disse Cash, se empertigando.
— Alguém tentou atirar em vocês? — a sra. Fuller perguntou, com pânico na voz.
— Está tudo bem — Cash disse a ela.
— E onde ocorreram esses supostos tiros? — perguntou o policial.
— Supostos tiros? — perguntou Cash, indignado. — Você é um idiota, sabia?
— Cash — repreendeu-o a sra. Fuller.
Cash a ignorou.
— Meu jipe está na garagem, com vários buracos de bala na lataria. E está amassado onde eu colidi com o outro carro, para tirá-lo da estrada. Vá olhar e depois venha me falar dos “supostos” tiros.
O outro policial se moveu.
— Vou checar a garagem.
O primeiro policial ainda estava lá, encarando Cash.
— O que você sabe sobre Carmen Gonzales?
— Eu nunca vi essa mulher. Mandei uma mensagem para ela e falei com a sobrinha.
— Sobre o quê? — perguntou o policial.
Quando Cash não respondeu, o policial fez outra pergunta.
— Onde estavam ontem?
— Acho que você pode esperar para conversar com ele na delegacia — a sra. Fuller disse.
— Você acha que eu fiz algo a ela? — Cash perguntou ao policial. — Por quê? Porque sou filho do meu pai? Você acha que sou igual a ele? O que você quer fazer? Atirar em mim? Não seria a primeira vez que um policial faz isso!
— Ele está dizendo a verdade. — Chloe se aproximou. — Fiquei com ele o dia todo.
— Qual é o seu nome? — perguntou o policial a Chloe, olhando para ela como se sua associação com Cash de alguma forma já a tornasse suspeita. Já a tornasse um lixo. E, droga, talvez ele fosse de fato uma má influência. Cash quase a matara. Assim como o pai fizera com ele.
— Eu disse que você pode falar com eles mais tarde! — a sra. Fuller repetiu. — Vamos contratar um advogado para os dois.
— Eu não preciso de um advogado! — Cash vociferou. — Não fiz nada! Não tenho nada a esconder.
O outro policial voltou.
— O jipe tem buracos de bala.
Eu fico parada ali enquanto Cash começa a tentar se explicar.
— Espere — diz o policial grosseirão. — Leve-a para fora da sala. — Ele aponta para o outro policial.
Eu começo a contestar, mas percebo que não vai adiantar nada. Vou para a cozinha. O policial faz um gesto para eu me sentar à mesa. Meus joelhos quase cedem antes de eu afundar numa cadeira.
— Não fizemos nada errado — eu digo. — Ficamos juntos o dia todo ontem.
A sra. Fuller entra na cozinha.
— Você não tem que falar a ele.
O olhar do policial se volta para a sra. Fuller.
— A senhora é a mãe dela?
A sra. Fuller hesita. Então sua voz fraqueja quando ela diz:
— Sim!
Lágrimas enchem meus olhos.
A sra. Fuller fica ao meu lado.
— Vai ficar tudo bem.
Nesse momento, meu celular toca. Eu o tiro do bolso. Seco as lágrimas da bochecha e recupero o fôlego.
— É meu pai. Posso atender?
Meu pai ainda está a uma hora de distância. Eu tento explicar, mas sei que apenas o deixei mais confuso.
Ele me faz prometer seis vezes que estou bem. Mas nada soa bem quando você termina o telefonema dizendo, “Estão me levando para a delegacia”.
A porta da cozinha se abre. O sr. Fuller entra. Quando ele me vê, fica paralisado.
Sinto um nó na garganta. Quero chorar. Abaixo a cabeça na mesa e apenas choro.
A sra. Fuller diz:
— Ela está viva — e começa a chorar, e os dois se abraçam.
O sr. Fuller fica me encarando e sinto como se eu fosse desmoronar. Então é hora de ir para a delegacia. Os policiais não querem Cash e eu juntos. A sra. Fuller se recusa a deixá-los me levar num carro de polícia. Ela me leva e o sr. Fuller leva Cash em seu carro. Ela também me diz que o sr. Fuller vai contratar um advogado para nos encontrar lá.
Começo a lembrá-la de que não fiz nada, mas não tenho mais forças. Entramos no SUV dela.
Ela olha para mim.
— Você pode explicar alguma coisa?
Eu engulo o pânico que ainda bloqueia a minha garganta e conto a ela como conheci Cash. Explico que ele pensou que eu estivesse tentando extorqui-los.
— Então, quando ele soube que eu era adotada...
— Adotada? — ela pergunta.
Falo sobre meus pais. Sobre a agência de adoção.
Ela chora mais um pouco. Quando para num sinal vermelho, olha para mim novamente.
— Você não se lembra de mim?
Eu hesito. Mordo o lábio.
— Não... Mas, quando nos abraçamos, reconheci seu cheiro. — Começo a chorar novamente.
Ela se aproxima e pega minha mão.
— Vai ficar tudo bem. Você está em casa agora.
O jeito como ela diz aquilo, “em casa”, deveria fazer com que eu me sentisse bem, mas, em vez disso, me dá um frio na barriga. Eu começo a chorar novamente.
— Eu amo meus pais.
Ela parece quase ofendida e olha de volta para a estrada.
— Vamos descobrir o que aconteceu.
Quando entramos na delegacia, um homem vestindo um terno preto está parado na porta.
— Sra. Fuller?
— Sim. O senhor deve ser o sr. Jordon.
— Sim, senhora.
Ele olha para mim.
— Srta. Holden?
Confirmo com a cabeça.
— Temos uma sala onde podemos conversar. — Ele nos faz entrar.
— Você pode, por favor, chamar o sr. Carter aqui? Ele é o detetive que trabalhou no caso do sequestro da minha filha.
— Eu já falei com ele — diz o sr. Jordon.
A sala com apenas uma mesa e cadeiras em volta me lembra a da agência de adoção, mas, em vez de cheirar a aromatizante, cheira a suor. A medo. E pode ser o meu próprio.
Sentamos e o sr. Jordon diz:
— Falei com o sr. Fuller, mas ainda preciso esclarecer algumas coisas.
— Onde está Cash? — pergunto, lembrando como o policial o tratara. — Ele tem um advogado?
— É claro — diz a sra. Fuller, sentada ao meu lado.
O sr. Jordon pega caneta e papel, e olha para mim.
— A polícia acredita que Cash, possivelmente junto com você, foi ver Carmen Gonzales.
— Nós não fomos! — digo. — Eu juro.
Ele assente e diz:
— Me disseram que seu pai está a caminho. Devemos esperar até ele chegar para conversarmos.
— Não fizemos nada errado — digo e repito a história de como eu conheci Cash.
Ele balança a cabeça, confirmando que compreende.
— Acho que precisamos esperar até que os pais adotivos da srta. Holden estejam aqui.
— Pagaremos pela representação — diz a sra. Fuller.
O homem franze a testa.
— Ela é menor de idade e, antes que eu possa pegar o caso dela, preciso da permissão dos pais.
— Ela é minha filha — diz a sra. Fuller.
A porta da sala se abre e minha mãe entra.
— Deus, Chloe! Seu pai ligou e disse que você estava aqui. O que está acontecendo?
Eu me levanto. Ela passa correndo pela sra. Fuller e me abraça. Eu começo a chorar novamente e a tremer como antes.
Minha mãe se afasta e diz:
— O que aconteceu?
— Alguém tentou atirar neles — diz a sra. Fuller.
— O quê? — Minha mãe olha para ela e, depois, de volta para mim. — Você está ok? — Ela corre as mãos para cima e para baixo nos meus braços.
Eu assinto com a cabeça.
Então minha mãe se volta para a sra. Fuller.
— Quem é você?
Os ombros da sra. Fuller se enrijecem e ela se levanta.
— Eu sou a mãe dela.
Minha mãe não se move. Ela só fica ali parada, como se precisasse absorver as palavras.
— Você não é a mãe dela coisa nenhuma — diz minha mãe, e olha para o sr. Jordon. — Quem é ela?
O homem se levanta.
— Vamos deixar Chloe e a mãe conversarem a sós.
A sra. Fuller se encolhe, mas anda em direção à porta. Então ela para, se vira e vejo raiva em seus olhos. Ela olha para minha mãe.
— Se você é responsável por isso, eu vou descobrir. E não vou descansar até que esteja atrás das grades!
— Do que você está falando? — pergunta minha mãe.
O sr. Jordon se coloca entre as duas mulheres.
— Voltamos daqui a alguns minutos.
A porta se fecha. Minha mãe olha para mim.
— Você tem algumas explicações a me dar, mocinha.
Eu caio na cadeira e, pela terceira vez, começo a contar a história de como conheci Cash.
— Eu sabia que não gostava daquele garoto! — lamenta minha mãe.
— Cash não fez nada de errado! — eu insisto. — Mas eles acham que Cash matou uma mulher. Talvez desconfiem até de mim.
— O quê? — Ela franze a testa e suas mãos estão tremendo. — Isso não faz sentido.
Eu tento explicar sobre a babá.
— Você não é essa garota! Nós adotamos você.
— Achamos que a agência de adoção está por trás do sequestro.
— Você acredita nisso? — Ela olha para mim.
Eu quero tanto proteger minha mãe, esquecer tudo aquilo, mas é tarde demais. É a hora da verdade, eu sei. Sinto como se estivesse me afogando. E talvez eu tenha que assistir minha mãe se afogar também...
— Essa é a coisa mais ridícula que já ouvi. Vamos entrar em contato com a agência de adoção. Eles vão colocar um ponto final em tudo isso.
Engulo em seco.
— Eu já estive lá.
— Na agência de adoção?
Eu confirmo com a cabeça.
— E eles lhe disseram que isso tudo é um equívoco, certo?
Eu não sei nem por onde começar a contar.
— O que eles disseram a você? Negaram tudo, certo?
— Eles mentiram, mãe. Para mim, Cash e até para papai.
Os olhos de minha mãe se arregalam e depois se estreitam.
— Seu pai? Ele foi com você?
— Eu implorei para ele. Você estava deprimida e...
— Ele não tem o direito de fazer isso sem me consultar! Onde ele está?
Que maravilha. Acabei de começar a Terceira Guerra Mundial!
— Ele não queria, mãe, eu insisti.
— Cuido disso mais tarde — diz minha mãe, com a raiva apimentando as palavras. — Como você sabe que eles mentiram?
— Porque alguém procurou Cash e ameaçou a ele e a mim se não parássemos de procurar minha mãe biológica. Então começaram a atirar em nós. — Meu coração volta a bater acelerado. — E eu apenas sei, mamãe. Eu me lembro das coisas. — Lágrimas enchem meus olhos.
Ela coloca a mão na boca e vejo que sua respiração está trêmula.
— Cash atirou na mulher?
A raiva que ferve dentro de mim transborda.
— Não! — eu grito. — Você ouviu alguma coisa do que eu disse, mãe? Ele estava tentando me ajudar. Alguém atirou em nós.
Nesse momento, a porta se abre e meu pai entra.
— Precisamos conversar! — Minha mãe bate a mão na mesa.
— Com quem você está deixando ela sair? — rebate meu pai.
— Parem! — Eu me levanto tão rápido da cadeira que ela desaba no chão. — Eu não vou ficar aqui ouvindo vocês dois discutirem. Tive um dia realmente ruim! Isso é sobre mim agora. Eu sou a filha aqui. E se vocês não querem agir como meus pais, então podem ir embora! — Coloco a mão sobre minha boca e soluço.
Minha mãe se levanta e me abraça. Meu pai fecha a porta.
34
— Não se preocupe comigo — disse Cash ao sr. Murphey, o advogado que os Fuller haviam contratado. — Preocupe-se com Chloe.
— Emily — disse a sra. Fuller. — O nome dela é Emily.
Cash estava sentado numa sala de interrogatórios, ladeado pelos Fuller.
Ele não podia culpar a sra. Fuller por se sentir como se sentia, mas não podia esperar que Chloe esquecesse os últimos quinze anos da vida dela.
— Agora ela se chama Chloe — disse Cash. — Ela não se lembra...
— Senhora — disse o sr. Murphey —, eu não quero interromper, mas preciso entender o que aconteceu entre Cash e Carmen Gonzales.
— Ele está certo — disse o sr. Fuller.
Lágrimas encheram os olhos da sra. Fuller.
— Essas pessoas sequestraram meu bebê.
— Eles não sequestraram — disse Cash. — Estou dizendo que a agência é que está por trás de tudo. Se você tentar fazer com que os pais dela pareçam pessoas ruins, isso não vai funcionar. Ela ama os pais adotivos. Eles a amam. Ela já teve festas de aniversário com palhaços e pula-pula... Não foram eles que a tiraram de você.
— Como você sabe? — ela perguntou.
— O pai dela foi à agência de adoção para tentar obter informações. Se eles estivessem por trás do sequestro, ele não teria feito isso.
— Então ele sabe que ela foi sequestrada e ele não...
— Não. — Cash recostou-se na cadeira. — Não é o que parece.
O sr. Murphey interrompeu.
— Podemos falar sobre Carmen Gonzales?
O sr. Fuller colocou a mão nas costas da esposa.
— Susan, precisamos cuidar de outras coisas primeiro.
Ela assentiu.
Cash contou ao advogado que havia entrado em contato com a babá.
O sr. Murphey assentiu.
— O detetive Logan notou que você tinha um machucado na mão. Como se machucou...?
— Eu nunca vi a babá — disse Cash. — Tive uma discussão com um garoto da escola no estacionamento.
— Alguém viu? — perguntou Murphey.
— Eu não sei.
O advogado franziu a testa.
— Prepare-se para responder perguntas sobre isso. Agora, como você conheceu a babá? — o sr. Murphey perguntou.
Cash engoliu em seco e não olhou para os Fuller quando respondeu.
— Eu peguei o arquivo na mesa do sr. Fuller. O nome da babá estava lá.
Ele continuou e contou a eles sobre o homem que o abordara no posto de gasolina.
— Ok — o sr. Murphey bateu o lápis no papel. — Uma coisa não sei ao certo: por que o homem ameaçou você e não a garota?
Cash suspirou.
— Porque eu invadi a agência.
— Você fez o quê? — perguntou o sr. Fuller.
— Eu entrei e tirei fotos de todos os arquivos dela.
Eu conto a meu pai, mais uma vez, a história sobre como conheci Cash. Minha garganta está ardendo de tanto chorar e falar. Uma batida soa na porta.
O sr. Jordon enfia a cabeça na fresta.
— Podemos conversar?
— Sim — diz meu pai.
Ele entra.
— Quem é você? — minha mãe pergunta.
— Eu sou o sr. Jordon. — Os Fuller me contrataram para representar Chloe.
— Vá embora — disse minha mãe. — Não queremos você aqui. Vamos contratar o nosso próprio advogado. Eles vão tentar levar você embora.
— Eu tenho quase 18 anos — digo. — Não podem fazer isso.
Minha mãe bate a mão na mesa novamente.
— Ela ameaçou me pôr na cadeia!
O sr. Jordon fala:
— Eu não estou aqui para tratar do caso da paternidade. Estou aqui para falar sobre Carmen Gonzales.
— Eu não me importo. Vamos contratar o nosso próprio advogado — minha mãe insiste.
— Espere — diz meu pai. — Eu pago você. Ele trabalha para nós agora.
— Não! — rebate minha mãe.
— Nossa filha pode estar com problemas. Nós precisamos dele.
— Eu não fiz nada — digo. — E Cash ficou comigo o dia todo ontem.
O sr. Jordon se senta.
— A polícia quer conversar com você.
Dez minutos depois, estamos esperando os policiais. Meu pai saiu para pegar uma bebida e um pacote de biscoitos para mim. Quando volta, ele também traz uma Coca Diet para minha mãe.
Quando lhe entrega a lata, ela parece prestes a dizer algo desagradável. Eu limpo a garganta que já está doendo muito.
Ela aceita a oferta do meu pai.
Afasto-me, coloco as pernas sobre a cadeira e encosto a cabeça nos joelhos. Fico sentada ali, preocupada e pensando em Cash. Não falo nada. Não me mexo. Meu pai e minha mãe também permanecem imóveis.
Em alguns minutos, o sr. Jordon entra, acompanhado por dois policiais. Há cadeiras suficientes para todos. Eles se sentam. Eu nunca fui claustrofóbica, mas agora é assim que me sinto. Simplesmente não parece haver oxigênio suficiente na sala.
— Sou o detetive Carter — diz um dos policiais que eu não conheço. Lembro-me da sra. Fuller perguntando por ele, e posso senti-lo olhando para mim. Eu me pergunto se ele ainda acha que isso é uma farsa.
O policial grandalhão, Logan, que foi rude conosco na casa da sra. Fuller, olha para mim.
— Onde você estava ontem?
— Na casa do lago dos Fuller.
— O dia todo?
— Sim. Nós só voltamos depois das sete da noite.
— Ela está dizendo a verdade — afirma minha mãe. — Eu estava em casa.
— Como ela está? — pergunto. — A babá?
— Ela está em coma, mas ainda viva. — O policial muda de posição na cadeira. — Você viu o homem que estava atirando em vocês hoje?
— Não. — Lágrimas enchem meus olhos. Minha mãe pega minha mão. — Cash me empurrou para o assoalho do carro.
— Cash disse quem ele achava que era?
Eu tento pensar.
— Eu não acho que ele chegou a dizer, mas acabou me contando que ele tinha sido ameaçado por um cara naquela manhã, porque estávamos querendo saber sobre a adoção. Então acho que nós dois presumimos que fosse ele.
O policial assentiu.
— O sr. Colton está com a mão machucada. Você sabe me dizer como ele a machucou?
— Ele e um colega de escola discutiram esta manhã. Cash achou que o cara estava me importunando. Ele não bateu, apenas o empurrou contra outro carro.
O policial assentiu mais uma vez.
— E o nome desse colega de escola? — ele perguntou, mas eu poderia dizer que o policial estava apenas me testando.
— Paul Cane. Cash nunca viu a babá. Íamos falar com ela amanhã. Nós é que levamos tiros.
— Vocês encontraram o homem que fez isso? — meu pai pergunta ao policial.
— Encontramos um Corolla preto que se encaixa na descrição do carro, mas não, não localizamos o homem.
— Srta. Holden — diz o detetive Carter, e coloca a mão na mesa. — Você acredita que é Emily Fuller?
Sinto minha mãe e meu pai me encarando.
— Sim — eu digo, e minhas amígdalas se fecham.
— Você se lembra de alguma coisa? — eu faço que sim com a cabeça. — Durante anos, tudo que eu me lembrava era de estar sentada num sofá. Havia um tapete sujo, e eu estava segurando uma tiara e usando, tipo, um vestido de princesa.
Os olhos do homem se arregalam.
— E você se lembrou de mais alguma coisa?
Mais uma vez, eu assinto com a cabeça.
— Um rosto. Um homem de cabelos ruivos. Ele me disse... que minha mãe e meu pai não me queriam mais. — Um nó se forma na minha garganta. — Ele me bateu.
Minha mãe solta um suspiro indignado e pega minha mão.
Agora o detetive Carter assente.
— Gostaríamos de fazer um teste de DNA.
— Não! — diz minha mãe. — Eles vão tentar te levar embora.
— Ninguém vai me levar embora. — Concentro-me novamente no policial.
— Diga onde e quando eu preciso fazer isso.
— Na verdade, eu já tenho o material aqui. Os Fuller já tinham requisitado o teste. Eles têm acesso a um laboratório que fornecerão o resultado do exame mais rápido do que o nosso. — Ele me dá instruções sobre como preparar uma amostra de DNA.
Eu esfrego o interior da bochecha duas vezes com o que parecem cotonetes e o detetive os coloca dentro de um saquinho plástico. Então ele hesita.
— Uma outra coisa — ele diz. — Os Fuller gostariam de falar com você. Mas você é quem decide.
— Não. Chloe está cansada — diz minha mãe.
Minha mãe está certa, estou exausta. Tão cansada que quase concordo com ela, mas percebo que minha mãe precisa saber que isso é escolha minha.
— Eu vou vê-los. — Eu me viro para minha mãe. — Vamos fazer isso do jeito certo.
O tempo passa e, por fim, o sr. e a sra. Fuller entram. Todos os policiais saíram da sala. Só estamos minha mãe, meu pai e eu, mas os Fuller não se sentam. Eles apenas ficam ali, parados na porta.
Ambos olham para mim e depois se concentram na minha mãe e no meu pai.
— Cash está bem? — pergunto.
— Tanto quanto possível — diz o sr. Fuller, e o jeito como ele olha para mim me comove.
— Posso vê-lo? — pergunto.
— Eles não querem que vocês dois se falem até que tudo esteja esclarecido.
— Não fizemos nada — repito.
— É o protocolo ou algo assim... — diz o sr. Fuller.
A sra. Fuller se adianta.
— Preciso me desculpar. — Ela olha para a minha mãe. — Pelo que eu disse antes, sobre querer vê-la atrás das grades. Eu não estava pensando direito. Se o que Cash diz é verdade, não é culpa de vocês... Ele me disse... — Ela cai no choro e sua voz fraqueja.
Meus olhos se enchem de lágrimas também. Lembro-me do cheiro dela... cheiro de lar. Eu sinto uma vontade quase irreprimível de me levantar e abraçá-la de novo, perder-me naquele aroma, mas sei que isso vai ferir minha mãe. E, querendo ou não, neste momento tenho que pensar nela.
A sra. Fuller continua:
— Me desculpem. Eu... eu precisava culpar alguém...
Minha mãe concorda com a cabeça, mas não parece disposta a perdoá-la.
— Outra coisa... — diz o sr. Fuller. — Estamos preocupados que o homem que atirou em Chloe e Cash possa voltar. Queremos ter certeza de que ela vai ficar em segurança. — Ouço a voz dele embargar e meu coração se aperta.
Eu entendo o lado deles. Acabaram de encontrar a filha, que lhes foi roubada, e eles têm que ir embora. Meu peito queima com a injustiça de tudo aquilo.
— Não se preocupem — diz minha mãe. — Eu cuido disso.
Os Fuller vão embora. Ainda se passam algumas horas antes que nos digam que podemos ir embora. Saímos para o estacionamento. É fim de tarde, mas está nublado, o céu está escuro e eu sinto como se fosse meia-noite. Entro no banco de trás do carro da minha mãe e me encolho como se fosse uma bola. Ouço minha mãe e meu pai discutindo sobre algo, mas estou cansada demais para arbitrar.
Ouço minha mãe abrindo a porta do carro.
— Você quer colocar seu cinto de segurança, querida? — diz minha mãe.
— Não — eu digo. — Vou me deitar no banco. — Sei que fui um pouco ríspida, mas não consigo mais ser gentil hoje. Só quero dormir e, por um tempo, me esquecer de tudo isso.
Quando vejo, meu pai já está me acordando.
— Vamos, dorminhoca. Acho que não consigo mais carregá-la no colo. — Eu me levanto. Ele me ajuda a sair do carro e coloca o braço em volta do meu ombro. — Estou tão orgulhoso de você...
Eu olho para ele.
— Por quê?
— O modo como você lidou com tudo isso. Imagino quanto deve ter sido difícil hoje.
Eu me inclino contra ele e deixo mais algumas lágrimas rolarem pelo meu rosto.
— Eu amo vocês.
— Eu também te amo. E sua mãe também. É difícil para ela, mas ela vai superar. Eu prometo.
Chegamos à varanda.
— Está com fome? Posso pedir uma pizza ou coisa assim.
— Não, só quero ir para a cama.
Ele concorda.
— Eu vou ficar aqui — meu pai diz. — Então não se preocupe, pois ninguém vai fazer nenhum mal a você.
Eu olho para ele.
— Mamãe concordou que você fique?
— Ela vai ter que concordar.
Eu continuo olhando para ele.
— Esconda as facas de cozinha antes de ir dormir.
Ele sorri.
— Já pensei nisso.
Entramos em casa. Minha mãe corre para me abraçar. Eu propositalmente inspiro seu perfume e sinto que ela também tem cheiro de lar. Mas não é o mesmo aroma da sra. Fuller. Mais lágrimas ardem nos meus olhos. Eu a abraço mais forte porque me sinto desleal.
— Posso pegar algo para você comer ou beber? — minha mãe pergunta.
— Não. Quero ir para a cama.
Vou para o andar de cima e ela me acompanha.
— Eu te amo — digo antes de entrar no meu quarto e cair na cama.
Tenho certeza de que estarei dormindo em cinco minutos. Mas não. Estou de volta ao sofá marrom sujo. Sinto-me assustada. Solitária. Eu quero minha mãe. Eu me lembro de levar um tapa. Então o tempo parece dar uma guinada e eu me lembro de ouvir o estampido da arma.
Rolo na cama, certa de que não tenho mais lágrimas, mas encontro mais algumas. Penso em Cash. Em como ele parecia magoado quando o policial não acreditou que o jipe tinha sido baleado. Félix e Docinho vêm se deitar ao meu lado.
Quando acordo, está escuro. Minha mãe me traz uma sopa e insiste para que eu coma. Eu consigo tomar algumas colheradas. Meu pai tenta me fazer sair do quarto e assistir televisão com ele, mas eu não tenho vontade.
Eu me encolho na cama e durmo um pouco mais. Mais tarde, ouço meu pai no meu quarto.
— Desculpe — diz ele. — Apenas checando para garantir que sua janela está trancada.
— É provável que não — digo, com as emoções sobrecarregadas demais para me importar que alguém possa estar atrás de mim.
O brilho do sol me acorda e me puxa para o passado. Não para muito tempo atrás, apenas alguns anos. Para os dias de festa do pijama, quando Kara, Sandy e eu ficávamos acordadas a noite toda, conversando sobre meninos, faculdades e nossos grandes planos na vida. Engraçado como nosso próprio passado passa rápido, como se ele pertencesse a outra pessoa. Eu me pergunto se me sentia assim quando tinha 3 anos.
Eu fico deitada na cama por muito tempo, sem me mexer. Me lembro de que meu pai está aqui. Na mesma casa com a minha mãe. Mas não me recordo de ouvi-los discutindo durante a noite. Se eu soubesse que bastava ser acusada de tentativa de assassinato para torná-los cordiais um com o outro, poderia ter considerado essa ideia antes. Então o pensamento sarcástico esbarra na minha consciência e penso na babá. Eu me pergunto se ela está bem.
Eu me sento na cama. Quando faço isso, vejo travesseiros e cobertores estendidos no chão. Instintivamente, sei que meu pai dormiu ali. Provavelmente com medo da minha mãe.
Jogo as cobertas para o lado, mas vejo meu celular na mesa de cabeceira.
Sei que não devo, mas não posso resistir. Pego o celular, olho para a porta do meu quarto fechada e envio uma mensagem para Cash.
Eu: Você está bem?
Prendo a respiração e espero. Então...
Ele: Não podemos nos falar.
Eu: Desde quando você gosta de seguir regras?
Ele:....
Nada. Cinco minutos mais tarde.
Nada ainda.
Eu vejo que Lindsey mandou uma mensagem ontem. Tipo, cinco vezes.
Ela: Você está bem?
Ela: O que está acontecendo?
Ela: Estou preocupada com você.
— Também estou preocupada comigo — murmuro.
Eu me forço a sair da cama. Sinto cheiro de café. Eu raramente bebo, mas hoje vou beber.
Vou ao banheiro e depois desço para a cozinha.
Meu pai está ao telefone. Ele olha para mim e sorri.
— Sim. Mudei a reunião para a próxima semana — diz ele como se estivesse falando com o chefe.
Ele desliga.
— Bom dia!
Vou até o armário pegar uma xícara.
— Onde está mamãe?
— Eu a convenci a ir trabalhar. Ela já ligou três vezes para ver se você estava bem.
Consulto o relógio. São dez horas e... Eu me lembro!
— Eu tinha que levar Lindsey para a escola.
— Sua mãe a levou.
Derramo café na xícara e me apoio no balcão.
— Você dormiu no chão do meu quarto?
— Dormi. Quando vi a janela aberta, fiquei preocupado que... — Ele não termina a frase, mas nem é preciso.
Encosto a xícara nos lábios e falo em meio ao vapor do café.
— Tem certeza de que não estava simplesmente com medo de mamãe?
— Bem, isso também. — Ele sorri, depois fica sério. — Não a culpo por me odiar, Chloe.
Antes que eu possa me conter, as palavras saem:
— Nem eu.
Ele passa a mão no rosto.
— Não acho que isso mude alguma coisa, mas, só para você saber, eu não estou mais com Darlene.
— Era de se esperar, depois que o irmão dela roubou o seu cartão de crédito.
Ele franze a testa.
— Como você...
— Ela postou no Facebook. Cash é amigo dela... — Eu tomo meu primeiro gole de café, amargo e cheio de cafeína. — Darlene achou que Cash fosse um jogador de futebol americano gostosão...
Meu pai toma um gole de café.
— Não estou surpreso.
— Nem eu. — Eu me sento.
— Ah, tenho boas notícias.
Eu olho para ele.
— O quê?
— Um detetive ligou. A babá acordou do coma. Ele vai falar com ela.
O sr. Fuller bateu na porta do quarto de Cash e depois enfiou a cabeça no vão.
— Já acordou?
Acordou? Ele não tinha nem dormido. Mas respondeu:
— Sim.
— Podemos conversar? — perguntou o sr. Fuller.
— Já disse tudo que tinha para dizer... — Quantas vezes ele teria que contar a mesma história? Quantas vezes os policiais já tinham olhado para Cash como se ele fosse o pai?
— Bem, você pode apenas me ouvir, então?
O sr. Fuller entrou no quarto e sentou-se numa cadeira, na escrivaninha de Cash.
— O detetive Logan ligou esta manhã. Carmen Gonzales acordou. Eles acham que ela vai ficar bem. Tudo vai ser esclarecido.
Cash caiu de costas contra os travesseiros.
— Sim, vai ser esclarecido depois que falarem com ela, porque não acreditam em mim.
— Eles estão apenas fazendo o trabalho deles.
Cash se retorceu por dentro. Durante toda a noite, ouviu as palavras de Chloe. Eu te falei para não invadir a agência. Eu avisei. Caramba, ele quase a matara!
Lembrando que o sr. Fuller ainda estava no quarto, Cash olhou para cima.
— Eles encontraram o cara que atirou em nós?
— Ainda não. Estão tentando. — Ele hesitou. — Susan e eu queremos te agradecer novamente.
— Pelo quê? Estraguei tudo! Aquele cara quase matou Chloe. A bala atravessou a janela do passageiro. — O peito de Cash apertou.
— Nada disso é culpa sua.
— É, sim. Fui eu quem tirou a foto do quadro. Fui eu que fiz as fotocópias. Eu magoei a sra. Fuller. E, quando era pequeno, ajudei meu pai a enganar pessoas, como o cara que enganou vocês e levou seu dinheiro. Eu fiz coisas horríveis.
— Isso não tem nada a ver com o que está acontecendo. E, sim, talvez a questão da Emily poderia ter sido tratada de maneira diferente, mas...
— Talvez esse policial esteja certo. Vou estragar tudo porque sou igual ao meu pai.
— Pare! — disse o sr. Fuller. — Você sabe o que eu não entendi? Você ficar com tanta raiva porque as pessoas o julgam, mas você se julga com mais rigor do que qualquer um. Dê um tempo a si mesmo, filho!
Eu não mereço.
— Você pode sair do quarto para que eu possa me levantar?
O sr. Fuller franziu a testa.
— Estou saindo, mas contratamos um segurança. Ele está aqui em frente, num carro.
— Eu não preciso de uma babá! Se você quer contratar alguém, contrate para cuidar de Chloe.
— Eu já fiz isso. Mas não diga nada. Acho que o sr. Holden pode se ofender.
Estou plantada no sofá, vendo televisão, mas sem assistir nada de fato. Meu pai está na cozinha, trabalhando em seu laptop.
Ouço uma batida na porta e me levanto.
— Pare! — Meu pai sai da cozinha. — Volte para a sala.
Eu paro, mas não me movo. Meu coração está acelerado. Estou rezando para que seja Cash. Já descobri o que vou dizer se meu pai não deixá-lo entrar. Vou quebrar todos os ovos da cesta. Até fazer um ovo mexido. Eu preciso ver Cash.
Meu pai vai para a janela da sala de jantar, espia, então olha para trás.
— É o sr. Fuller.
Pronto! Sinto um nó na garganta.
Meu pai abre a porta.
— Entre.
— Obrigado. — O sr. Fuller entra, seu olhar encontra o meu e ele sorri. — Eu só queria... que soubessem que a sra. Gonzales eximiu Cash e Chloe de toda responsabilidade pelo crime.
— Isso é bom — diz meu pai.
— Como está o Cash? — Eu dou um passo mais para perto.
— Ele está aguentando bem. — O olhar do sr. Fuller permanece em mim.
“Aguentando bem” não me parece bom.
Meu pai olha para mim.
— Eu... preciso fazer uma ligação.
Ele levanta o celular e entra no quarto da minha mãe.
O sr. Fuller se aproxima um pouco mais.
— Eu gosto... do seu pai.
Imagino quanto deve ser difícil para ele dizer isso. E também sei quanto é difícil para o meu pai sair da sala. É tudo difícil. Tudo. Eu me forço a dizer:
— Ele é um sujeito muito bom.
— O resultado do teste de DNA deve sair amanhã, mas... eu acho que todos nós...
— Eu sei — digo.
Ele coloca as mãos nos bolsos.
— Estou ciente de que isso é difícil para você.
Eu concordo.
— Eu só... Susan e eu queremos que você saiba que estamos nos esforçando para aceitar que você não nos conhece. E eu sei que Susan já teve chance de falar com você, mas eu não. — Ele desvia o olhar por um segundo. — Eu queria que você soubesse que... eu também amava você. Você era a garotinha do papai. Eu era como uma “mariposa”... Susan costumava dizer isso porque eu andava à sua volta o tempo todo, fazendo tudo que você queria... E era verdade.
Quando o sr. Fuller olha para ela, Chloe vê que os olhos dele estão cheios de lágrimas, assim como os dela.
— Perder você quase nos matou. — Ele passa a mão na boca. — Perdi a esperança de que estivesse viva. Mas sua mãe, não.
Eu respiro fundo.
— Não porque eu te amasse menos, eu apenas...
— Eu entendo — digo.
Ele faz um aceno com a cabeça.
— Queremos que você faça parte da nossa vida. E percebemos que não vai ser fácil resolver tudo isso. Mas estamos determinados a encontrar um jeito.
— Eu também — digo.
Ele tira as mãos dos bolsos.
— Seria muito eu pedir um abraço?
Minha respiração fica presa na garganta. Eu ando até ele, que está com os braços estendidos. Quando minha bochecha toca seu peito, o cheiro, como o da sra. Fuller, é muito familiar e parece seguro, seguro para uma garotinha. E sinto outra coisa, também. Quando encosto no peito dele, meu coração diz: Você conhece este lugar. Já esteve aqui antes.
Quando o abraço termina, enxugo as lágrimas dos olhos.
— A polícia disse se eu e Cash podemos nos falar agora?
— Não falaram nada, mas suponho que tudo bem.
Meu pai volta para a sala e leva o sr. Fuller até a porta. Ele estende a mão para meu pai.
— Obrigado. Agradeço por você ter criado uma garota perfeita.
35
Meu pai e o sr. Fuller estão na varanda conversando. Estou curiosa para saber o que estão falando, mas aproveito o tempo para ir até o meu quarto e ligar para Cash. O telefone dele continua no correio de voz.
— Ei — eu digo. — Podemos conversar agora. Você pode vir aqui? — Não sei por que estou me sentindo insegura sobre nós, mas estou. — Eu te amo. E não simplesmente acho. Eu amo... mesmo.
Desligo. Meus olhos ficam úmidos novamente e não sei se estou chorando por causa do sr. Fuller ou apenas sentindo falta de Cash.
— Oi — diz meu pai. Olho para ele. Ele vê minhas lágrimas e vem me abraçar. O amor que sinto por ele e o que estou sentindo pelo sr. Fuller deixam minhas emoções à flor da pele.
— É como um filme! — diz Lindsey quando termino de contar minha história de trinta minutos, incluindo tudo que aconteceu ontem. Ela veio assim que chegou da escola.
— Tem razão — eu admito.
— Cash já ligou para você?
— Não. Estou com medo... Por que será que ele não me ligou?
Ela franze a testa.
— Não se preocupe. Sei que ele é louco por você. — Então seus olhos se apertam. — Será que os Fuller disseram a Cash que ele não pode namorar você?
Ouvir aquilo envia uma onda de dor ao meu coração já mutilado.
— Eu não sei. Não sei nem se eles sabem que estamos juntos.
Lindsey se reclina contra a cabeceira da minha cama.
— E eu achei que meu dia tinha sido tumultuado.
Deito a cabeça no meu travesseiro.
— O que aconteceu?
— Um verdadeiro caos! — diz ela. — Briga no refeitório. Gente arremessando comida e tudo mais.
— Sério? — Eu pergunto.
— Sim. — Ela sorri. — Foi uma loucura.
— O que aconteceu? — Estou feliz em me concentrar nos problemas dela e fugir dos meus.
— Descobri que Jamie está namorando Jonathon.
Eu me apoio no cotovelo.
— Está brincando! Isso quebra todas as regras que existem entre amigas.
Novamente, Lindsey franze a testa.
— Não acho que ela ainda seja minha amiga. Na verdade, eu sei que ela não é.
— Você falou com ela?
Ela confirma com um aceno de cabeça.
— Você se lembra da Amy? Ela está na minha classe de História.
— Aquela garota alta? — pergunto.
— Sim, ela me contou sobre o namoro dos dois. Durante o almoço, perguntei a Jamie e a princípio ela negou, depois ficou toda irritada. E me chamou de aberração, porque minha mãe é gay. Disse isso em voz alta, como se estivesse tentando me envergonhar. Eu realmente não sei por que já foi amiga dela.
— Sinto muito — eu digo. — O que você fez?
— Eu a chamei de idiota preconceituosa.
— E depois...?
— Não tive que fazer nada. — Lindsey riu. — Jamie não percebeu que estávamos sentadas numa mesa ao lado de Shawn, o cara simpático que sempre diz que adora seu cabelo.
— Sei. — Então eu percebo. — Ah, ele é gay.
Lindsey confirma.
— Conversei com ele sobre minha mãe no ano passado. Ele é legal. De qualquer forma, sempre se senta com seus amigos LGBT.
Eu fico surpresa.
— E?
— Shawn se levantou e, bem calmo, perguntou a Jamie, “Por que isso faz dela uma aberração?”. Todo o refeitório caiu num silêncio mortal e todo mundo ouviu a pergunta dele. Jamie ficou muito irritada e o xingou com alguns palavrões bem cabeludos. E você sabe que todo mundo na escola adora Shawn. Então alguém, eu não sei quem, disse a Jamie para deixar de ser uma vadia. Depois outro aluno jogou um pedaço de pizza nela. Foi tudo tão... poderoso! Como se... não sei, como se eu não precisasse mais me preocupar com o que as pessoas pensam.
Sorrio, sabendo o alívio que Lindsey deve ter sentido.
— Lamento não ter ido à escola hoje. Adoraria ter visto isso de perto.
Ela solta uma risada.
— A pizza acertou Jamie na cara. Ficou grudada na cara. Ela ficou brava comigo, como se eu tivesse jogado a pizza. Ela jogou salada em mim. Antes que eu percebesse, havia comida voando para todos os lados. Uma professora parou a briga. Mas ela tinha ouvido tudo e a única que se ferrou foi Jamie. Ela está suspensa, tipo, para sempre.
Nós ficamos deitadas ali na cama, vendo o ventilador de teto girar. Lindsey finalmente fala.
— Eu não percebia que Jamie era tão pouco minha amiga até conhecer você.
— Me desculpe eu não estar lá para mandar Jamie para o inferno também. Eu teria jogado minha pizza nela.
Lindsey sorri.
— Eu sei que você faria isso. Formamos uma boa dupla. — Ela bate no meu ombro com o dela. — Podemos, tipo, ser amigas para sempre? Mesmo depois da faculdade? E quando formos mais velhas, como nossos pais?
— Sim — digo.
Ela aperta minha mão.
— Você quer que eu ligue para Cash e fale com ele?
— Não. Tenho certeza de que ele ainda está tentando resolver as coisas.
Eu realmente quero acreditar nisso.
Nesse momento, meu celular toca, indicando a chegada de uma mensagem de texto. Tenho certeza de que é de Cash. E é mesmo.
Meu coração está na garganta. São oito palavras. Oito apenas. Eu acho que nós precisamos dar um tempo.
Quando minha mãe chega em casa naquela noite, faz cara feia para meu pai, vê meu rosto inchado e me abraça.
— Eu sinto muito. Não deveria ter ido trabalhar.
— Não. Você deveria ter ido, sim. — Eu não sei como seria ficar em casa com os dois o dia todo. Mas, sim, chorei um pouco esta tarde. Parte de mim quer ligar para Cash e dizer uns desaforos, mas não sei o que falar. Será que esse era o plano dele o tempo todo? Me dar um fora quando a verdade viesse à tona? Minha intuição diz que não. Cash disse que me amava e eu acredito nele. Mas estou muito magoada para dar tanto crédito a ele.
Meu pai pede pizza. Vejo minha mãe ouvindo-o fazer o pedido. Ela se levanta e vai ao banheiro, mas não antes que eu veja seus olhos marejados de lágrimas. Eu sei o que causou o choro. É a normalidade dele pedindo pizza. Metade de abacaxi e metade de lombo canadense. Meu pai escolheu essa porque sabe que é a que minha mãe gosta.
Eu percebo quanto é difícil para ela ver meu pai aqui em casa. Realmente preciso pedir a ele para ir embora. Mas eu também sei que, enquanto ele sentir que estou em perigo, não vai querer ir embora. Ele também me ama. E talvez ainda ame minha mãe. Agora sou eu quem quer chorar.
Minha mãe volta para a sala. Meu pai liga a TV no noticiário e se senta na poltrona mais distante de mamãe. A tensão é visível e meu pai estende a mão para a mesa lateral e pega o nosso álbum de família. Ele começa a folhear, depois para e franze a testa. Leva um minuto para perceber o problema. As fotos editadas da minha mãe. Ele foi cortado das fotos. Quase sinto pena dele, mas percebo que ele fez isso consigo mesmo. E, embora ache que eu praticamente já o perdoei, minha mãe não perdoou ainda. Ela talvez nunca a perdoe.
Ele coloca o álbum de volta no lugar. Trinta minutos depois, a campainha toca.
— Deve ser a pizza. — Meu pai levanta de um salto.
— Posso pagar metade. — Minha mãe pega a bolsa.
Vejo o olhar de meu pai. Ele quer discutir, mas também sabe que merece a ira da minha mãe.
— Me dê mais tarde — ele vai para a porta.
Minha mãe tira uma nota de vinte e coloca na mesa lateral.
Ouço meu pai na porta e não parece que ele está falando com um entregador de pizza. Minha mãe entra na sala, seguida do detetive Carter, que falou conosco ontem à noite.
Ele nos cumprimenta com a cabeça.
— Eu só queria avisar vocês que está quase tudo esclarecido. Você não está mais em perigo.
— A agência confessou? — pergunto.
O detetive confirma com a cabeça.
— Sente-se. — Meu pai vai se sentar ao meu lado no sofá.
O homem se senta numa poltrona.
— As coisas eram piores do que pensávamos. Wallace afirma que não estava por trás do sequestro. Mas ele e o cunhado, Davis, estavam... basicamente comprando bebês para adotar. Quinze anos atrás, Davis conseguiu uma criança que deveria ser adotada por vocês. — Ele olha para meus pais. — Mas depois que ele levou a criança para Wallace, ela morreu, supostamente de causas naturais, mas estamos investigando isso.
— Christina Garza — eu digo.
Ele olha para mim.
— Sim. Esse é o nome que eles nos deram. Com medo de que os negócios ilegais o levassem à prisão, o cunhado enterrou a criança e trouxe outra diferente. Segundo Wallace, ele viu que você não era Christina Garza, mas Davis afirmou que a sra. Garza tinha decidido ficar com a filha e indicado outra mulher, que recentemente havia concordado em desistir da filha também. Quando o sr. Wallace viu as notícias sobre a filha desaparecida dos Fuller, ele percebeu o que havia acontecido e foi pedir satisfação ao cunhado. Supostamente, Davis confessou que Christina tinha morrido e que ele havia sequestrado outra criança para substituí-la. Wallace percebeu que iria para a cadeia com ele, então manteve a boca fechada. O que o torna tão responsável quanto o cunhado.
— Então foi Davis quem atirou em nós e na babá? — pergunto.
— Wallace contou a ele quando você apareceu na agência. Como os jornais tinham revelado que a sra. Gonzales havia dado a descrição do possível sequestrador, Davis sabia que ela poderia identificá-lo. Ele queria ter certeza de que ela não falaria nada. Wallace foi quem contratou um homem para falar com o sr. Colton. Ele jura que estava tentando protegê-la, não ameaçar você.
— Vocês pegaram Davis? — minha mãe pergunta.
— Sim. Nós o pegamos no aeroporto de Houston cerca de duas horas atrás, tentando embarcar em um avião para o México, com o passaporte do marido da ex-mulher. Felizmente, ela percebeu que ele tinha levado o passaporte e o denunciou.
Eu fico sentada ali, as mãos entrelaçadas no colo, enquanto tento absorver tudo. Estou chocada ao ver que, numa questão de minutos e sem nenhuma emoção, o homem deu detalhes sobre como a minha vida, e a vida dos Fuller, foi dilacerada.
Eu vejo o olhar de consternação no rosto dos meus pais. Minha mãe pega minha mão e a aperta.
— Está claro que não sabíamos que a agência estava fazendo algo ilegal? — minha mãe pergunta.
— Ninguém suspeita disso — disse o sr. Carter, levantando-se. — Eu estou simplesmente aliviado com o desfecho do caso. — Ele olha para mim e sei que ele quer dizer que está aliviado por eu estar viva.
Meu pai acompanha o sr. Carter até a porta. Quando volta para a sala, está com a pizza na mão. Ele a coloca no bar entre a sala e a cozinha.
Minha mãe olha para ele.
— Isso significa que você pode ir embora.
Meu pai coloca as mãos nos bolsos.
— Sim, eu vou.
Ele começa a juntar suas coisas. Eu o ouço indo de um lado para o outro, guardando tudo, e meu peito fica mais apertado.
Ele se aproxima de mim e me beija.
— Vou ficar num hotel só até as coisas se resolverem. Vejo você amanhã.
Eu concordo. Meu peito está tão apertado que acho que minhas costelas podem se partir.
Depois de tudo o que aconteceu com os Fuller, Cash e agora isso, eu sei que meu coração está realmente partido.
Ele olha para minha mãe.
— Podemos conversar um minuto?
— Não estou interessada em nada que você tenha a dizer — responde minha mãe.
Eu me levanto e vou para o quarto. Fecho a porta, mas fico ali, ouvindo.
Ouço o meu pai dizer:
— Eu não culpo você por me odiar. E, se eu fosse você, também nunca me perdoaria. Mas só quero que você saiba que percebo agora o que perdi. Você não merecia o que eu lhe fiz.
Espero para ouvir o que minha mãe tem a dizer. Uma pequena parte de mim anseia que ela diga que o perdoa.
Mas ela não faz isso. Minha mãe não diz nada. Ouço meu pai sair.
Mais tarde, mamãe e eu comemos a pizza sozinhas. Tento esconder o fato de que estou morrendo por dentro. E posso dizer que minha mãe está morrendo um pouco também.
Vamos para a cama cedo. Ainda estou acordada, olhando para o meu celular, rezando para que Cash tenha vontade de me ligar, quando minha mãe entra no meu quarto com o travesseiro e o cobertor.
— Posso dormir com você? — ela pergunta.
Eu sorrio.
— Sim.
Ela se deita ao meu lado na cama.
— Estou assustada.
— Eles o pegaram — eu digo.
— Não. Não por causa disso. Tenho medo que você ame mais a ela do que a mim. — Lágrimas enchem os olhos de minha mãe.
— Isso não vai acontecer. — Eu me apoio sobre um cotovelo.
— Eu não sei — ela diz. — Eles têm dinheiro. Podem comprar coisas boas para você. Você... — a voz dela falha — se parece com ela.
Eu enxugo uma lágrima do rosto dela.
— Eu quero conhecê-los. Quero passar um tempo com eles. Mas lembra, na segunda série, quando minha professora ficou grávida? Você me disse que uma pessoa ama com o coração, ela não tem que estar na barriga de alguém para estar no coração.
Minha mãe respira fundo e assente.
— O amor não vem do dinheiro ou da estrutura óssea. Você me ama menos porque eu não me pareço com você?
Cash excluiu a mensagem de Chloe sem ouvi-la. O detetive Logan tinha passado na casa dos Fuller no dia anterior e informado que o sr. Wallace e o cunhado tinham sido presos. Não haveria acusações pela invasão à agência.
— Precisamos comemorar — disse a sra. Fuller quando a polícia foi embora. — Sair para comer.
— Desculpe — disse Cash, recusando o convite.
Ele foi para o quarto e passou a noite e a manhã engendrando seu plano. Agora tudo o que ele tinha que fazer era executá-lo. Iria magoá-los. Eles não iriam compreender. Mas era a coisa certa a fazer.
Cash fechou a mala e a deixou na parte inferior das escadas. Quando os ouviu na cozinha, ele entrou.
A sra. Fuller sorriu e se levantou.
— Panquecas?
— Não estou com fome. — Ele se sentou numa cadeira da cozinha. — Precisamos conversar.
— Claro — disse a sra. Fuller.
O aperto no peito ficou maior.
— Eu não sei se já agradeci por tudo que vocês têm feito por mim.
— Você não precisa agradecer. Somos uma família.
Ele não iria discutir aquela questão agora.
— É sobre você e Chloe? — perguntou o sr. Fuller. — Nós sabemos que vocês dois são... próximos.
— Não, não é isso. — Ele engoliu em seco, preparando-se para ouvir o suspiro da sra. Fuller. — Eu estive pensando sobre isso e agora surgiu uma oportunidade.
— Que oportunidade? — perguntou a sra. Fuller.
— Lembram do Devin? O cara com quem trabalho? O companheiro de quarto dele se mudou no mês passado e acho que é hora de eu seguir em frente e me mudar.
— Se mudar? — perguntou a sra. Fuller. E lá veio. O longo e sincero suspiro que mexia com os sentimentos de Cash. — Você não pode!
— Eu vou fazer 18 anos em duas semanas. E nós sabemos que posso ser declarado adulto agora.
O sr. Fuller levantou-se da cadeira como se estivesse com raiva demais para ficar sentado e depois voltou a se sentar.
— Você me disse que esperaria até se formar.
— Ele te contou sobre isso? — perguntou a sra. Fuller, cada palavra uma acusação.
Cash respirou fundo, esperando desatar o nó de dor.
— Eu não estou fazendo isso para magoar vocês.
— Bem, mas está magoando — disse a sra. Fuller. — E você não pode fazer isso!
— Eu quero cuidar da minha própria vida. Não consigo nem respirar aqui.
— Você não vai ganhar dinheiro suficiente! — disse o sr. Fuller.
— Esta manhã, conversei com o sr. Cantoni, meu chefe. Ele concordou em me contratar em período integral.
— E a escola? — A voz da sra. Fuller era pura dor.
— Amanhã vou conversar com a srta. Anderson, minha conselheira, sobre a possibilidade de eu terminar o ensino médio à noite, num curso para adultos. E, no próximo semestre, vou começar a faculdade.
— Isso é por causa de... Emily? Nós te amamos, Cash. Só porque ficamos emocionados ao encontrá-la, isso não significa que não amamos você.
A emoção provoca um nó na garganta de Cash.
— Não é ela. Como eu disse, preciso do meu espaço. — Ele se levantou. — Me desculpem se isso magoa vocês. — Os olhos dele ardiam. — Mas não vou voltar atrás.
Cash fez menção de sair da sala.
— Volte e sente-se aqui! — mandou a sra. Fuller, e ela estava chorando.
Ele não obedeceu. Pegou a mala, junto com a dor que carregava no peito, a dor que carregava desde que o pai o deixara baleado, na calçada, para morrer, e saiu. Gostaria de ter feito isso muitos anos antes. Assim não doeria tanto.
É quinta-feira e ainda não tenho notícias de Cash. Ele nem sequer apareceu na escola. Sento-me na sala, esperando minha mãe ir para a reunião dos escritores para que eu possa sair. Meu pai fez uma visita na quarta-feira, a caminho de El Paso depois que os Fuller tinham ligado e contado que o teste de DNA tinha dado positivo. Eles perguntaram se eu poderia ligar para eles. Aquela tarde, Docinho e eu demos uma volta no parque. Encontrei um local calmo, me encostei numa árvore, e liguei para os Fuller.
Os dois falaram comigo. Eles são tão gentis... A sra. Fuller perguntou se eu poderia ir à casa deles algum dia. Eu sugeri esta noite, já que minha mãe estaria na reunião dos escritores. Eles pareceram felizes com isso. Acabei contando para minha mãe antes de ela sair para o trabalho esta manhã. Eu não queria que houvesse mentiras entre nós. Ela disse que entendia. Mas, em vez de ir direto para a reunião dos escritores do trabalho, ela passou em casa.
Ela me abraça.
— Você está nervosa?
— Um pouco — digo a ela.
— Não se preocupe. Não há como eles não se encantarem com você. — Então ela me entrega um envelope grosso.
— O que é isso?
— Fotos. Eu fiz cópias. Você pode explicar por que algumas estão cortadas. Mas eu achei que eles iriam querer algumas fotos suas de quando era pequena.
Aperto a mão dela.
— Obrigada por facilitar isso para mim.
Ela mal sai pela porta e meu celular toca. Eu rezo para que seja Cash, mas não é. É o meu pai, me desejando sorte.
— Você está bem? — O amor que sente por mim ecoa em sua voz.
— Sim — eu digo, mas é mentira. Estou devastada por dentro. Não consigo entender por que Cash está fazendo isso. E eu não posso deixar de me perguntar se os Fuller contaram a ele que vou lhes fazer uma visita hoje à noite. Será que ele não quer mais me ver?
Enquanto dirijo para a casa dos Fuller, penso no que Lindsey perguntou: Será que os Fuller disseram a Cash que ele não pode namorar você?
Minha intuição diz que não, mas espero descobrir. Não que eu queira que esta noite o assunto principal seja Cash. Eu sei que é muito mais do que isso. É sobre os primeiros três anos da minha vida. É sobre preencher o vazio que eu carreguei no coração durante a maior parte da minha vida.
Eu tenho que passar pelo portão do condomínio. Mas eles avisaram ao segurança que eu viria. Estaciono na frente da casa deles e, antes de chegar à porta, os dois já estão no alpendre.
Percebo algo imediatamente: os olhos da sra. Fuller. Ela parece triste.
Os dois me abraçam. É um abraço apertado e longo. Mas tudo bem. Acho que eu também precisava desse abraço.
Cash não está presente. Eu me pergunto se ele está no andar de cima. Mas eu faço tudo que posso para afastá-lo dos meus pensamentos.
Sentamo-nos à mesa da sala de jantar. Eu dou a eles as fotos. Eles ficam muito gratos à minha mãe. Fazemos muitas perguntas uns aos outros. Várias vezes, a sra. Fuller e eu começamos a chorar.
O sr. Fuller se esforça muito para não fazer o mesmo. Mas eu o vejo passando a mão no rosto de vez em quando.
Eles querem saber tudo sobre mim. Desde a minha cor favorita até minhas notas na escola. Eles já tinham preparado uma bandeja de sanduíches com todos os tipos de carne, queijo e pão conhecidos pela humanidade! Depois serviram salgadinhos e sobremesas.
Estou muito nervosa, por isso não como muito. Nem eles.
Só depois de várias horas eu tenho coragem de perguntar sobre Cash.
No momento em que o nome dele sai dos meus lábios, a tensão enche a sala.
— Ele se mudou — explica o sr. Fuller.
Estou chocada.
— Mas... mas ele não tem 18 anos ainda.
Eles me contam sobre os planos de Cash.
— Por que ele está fazendo isso? — pergunto.
— Esse garoto pode ser teimoso às vezes — diz a sra. Fuller. Estavam planejando ir vê-lo no próximo final de semana. Verificar onde ele está morando e tentar convencê-lo a voltar.
Eu não sei como abordar o assunto, então apenas pergunto:
— Isso é porque... porque ele e eu nos gostamos?
— Não — ambos dizem ao mesmo tempo. — Pensamos que poderia ser por isso, mas ele jurou que não.
A sra. Fuller acrescenta:
— Chloe, ele teve uma infância difícil. Eu às vezes acho que ele afasta as pessoas porque tem medo de gostar e se apegar demais.
Concordo e percebo que ela está certa. Eu sabia que Cash não achava que merecia o amor dos Fuller, mas acho que talvez seja até mais do que isso. Ele teme que as pessoas o abandonem como o pai fez, assim como todos os outros pais adotivos.
Fico impressionada ao constatar quanto isso é triste, mas essa tristeza se transforma em raiva. Raiva de Cash por me abandonar e abandonar os Fuller.
Não quero essa raiva crescendo dentro de mim. Eu a afasto e me concentro nos Fuller. Mas ela fica no meu peito o resto da noite. Aumentando. Queimando. O que dá a Cash o direito de simplesmente se afastar das pessoas que gostam dele?
Então de repente percebo que já passa das dez da noite.
— Eu preciso ligar para a minha mãe.
— Sim, mas não a preocupe — diz a sra. Fuller.
São onze horas quando chego em casa. Mamãe e eu dormimos juntas novamente. Eu conto a ela sobre a noite. Mas tenho cuidado para não dizer nada que possa fazê-la se sentir menos importante.
36
Sexta-feira, o alarme da minha mãe dispara às seis horas da manhã. Fico deitada por mais dez minutos, então me levanto. Eu tenho coisas para fazer. Me arrumo e deixo minha mãe pensar que vou para a escola. Eu não vou.
Tenho ovos para comprar. Tenho ovos para quebrar. Uma omelete para fazer. Na loja, compro duas dúzias. Ei, se você vai quebrar ovos, pode muito bem fazer isso do jeito certo.
Não sei a que horas Cash vai trabalhar. Vou de carro até a oficina às nove horas. Ele não está lá. Volto às dez. Ele não está.
Eu me preocupo com a possibilidade de ele não trabalhar às sextas-feiras.
Vou a um supermercado e compro... Adivinhe o quê. Ovos.
Quando volto à oficina às onze, o jipe dele está lá. Está no conserto. Já sem buracos de bala.
Eu paro do outro lado do estacionamento.
Estou tremendo. Pego minhas duas dúzias de ovos e vou até o jipe dele. Olho em volta e vejo alguém no escritório. Acho que eles podem me ver e é exatamente isso que eu quero.
Coloco uma caixa de ovos aos meus pés. E eu me levanto, abro a outra caixa e jogo o primeiro ovo. Ele aterrissa no para-brisa, “poft” Pelo canto do olho, vejo um movimento através das paredes de vidro.
Eu jogo o ovo número dois. Ele bate na porta do passageiro. Assisto à gema amarela estourar e escorrer pela lateral do carro.
— O que você está fazendo? — alguém grita da porta do escritório
Eu não digo nada. O ovo número três bate no para-brisa.
Já joguei meia dúzia quando vejo Cash, vestindo um macacão azul-marinho, sair da oficina.
— O que você está fazendo?! — ele pergunta.
Eu o ignoro e vou pegar mais dois ovos. Então olho para ele, parado ali, só me olhando. Só olhando para mim. Estou com tanta raiva que as lágrimas toldam minha visão.
Eu não consigo decifrar sua expressão. Não que eu me importe. Jogo outro ovo.
— O que está fazendo?! — ele pergunta novamente.
— Estou quebrando ovos.
Cash cruza os braços.
— Isso estraga a pintura nova do carro.
— Sim, ouvi dizer. — Eu jogo outro. Então me abaixo e pego a segunda caixa.
Ele abre os braços e dá alguns passos na minha direção.
— Ouça. É melhor assim — diz ele.
Eu jogo um ovo nele.
Cash se esquiva e faz uma careta.
— Você merece alguém... — ele começa a dizer.
— Alguém melhor do que você? Você está certo. Mereço alguém que não tenha medo de gostar das outras pessoas. Que não tenha medo de admitir que se importa com elas.
Ele não diz nada.
— As pessoas se preocupam com você e você não tem nem a decência de admitir que se importa com elas! — Jogo outro ovo nele. Então atiro outro no jipe e, quando os ovos acabam, jogo a caixa nele. É quando vejo pessoas paradas no estacionamento, me observando.
De repente, o que me pareceu uma ideia muito boa agora parece uma palhaçada. Corro para o meu carro e pego na maçaneta da porta. Está trancada.
— Espere! — Cash grita. — Você não pode simplesmente vir aqui, dizer o que quer e ir embora. Não terminamos de discutir.
— Terminamos, sim! — Enfio a mão no bolso para pegar as chaves, mas elas não estão ali.
Puxo a porta como se ela fosse abrir com um passe de mágica dessa vez. Olho pela janela para ver se as deixei na ignição. Eles não estão ali.
Eu o ouço caminhando na minha direção.
— Você está errada.
Eu me viro.
— Sobre o quê?
— Eu admiti! Disse que amava você.
— Sim, mas, quando eu realmente precisava de você, você foi embora. — As lágrimas enchem meus olhos.
— Você estava tão brava comigo, Chloe.
— Quando eu fiquei com raiva de você?
— Quando eu te contei que tinha sido pego por invadir a agência. E não pude culpar você. Estraguei tudo.
— Eu não estava brava com você, eu fiquei chateada. E você errou quando foi embora!
— Eu quase matei você. Eles a acusaram de ser cúmplice da tentativa de assassinato da babá. Por minha causa. Meu passado nunca vai ser esquecido. Ele vai continuar vindo à tona e vai magoar todos à minha volta.
Dou alguns passos para a frente e encosto o dedo indicador no peito dele.
— Você é um idiota! Nada do que aconteceu foi por causa do seu passado. Aconteceu por causa do meu!
— Você poderia ter morrido! — diz ele.
Sei que ele não está ouvindo nada do que digo. Estou perdendo tempo. E mais pessoas agora estão paradas, ouvindo.
Lembro-me de ter colocado as caixas de ovos no chão e percebo que provavelmente larguei as chaves ali também. Corro até lá.
Os passos dele soam em sincronia com os meus.
Eu vejo minhas chaves no asfalto. Pego-as.
Estou a meio caminho do meu carro quando, de repente, Cash se coloca na minha frente.
— Podemos conversar?
— Eu não vim aqui para conversar. Eu vim para quebrar ovos. E estou sem ovos. — Tento passar por ele.
Cash fica na minha frente e bloqueia a porta do meu carro.
— Tudo bem — diz ele. — Eu estava errado! — Sinto um tremor na voz dele.
Eu cruzo os braços.
— Afaste-se do meu carro.
— Me deixe explicar!
— Não há explicação. Você virou as costas para mim.
— Pode me dar uma segunda chance?
— Para você ir embora novamente da próxima vez que surgir algum problema? Não, obrigada! Como você disse, eu mereço coisa melhor.
— Por favor. Estou me sentindo péssimo, Chloe. Eu não consigo dormir. Eu não consigo comer. Bem, não consigo comer nada além... — Ele tira do bolso um pacote amassado e meio vazio de Skittles. Então ele pega outro. Coloca os dois no capô do meu carro — Mas eu não consigo comer os vermelhos, porque... eu sei que você gosta mais deles.
Cash enfia a mão no outro bolso e tira mais dois pacotes de Skittles.
Eu respiro.
— Você me magoou!
Ele assente com a cabeça.
— Eu sei. Sinto muito!
Eu levanto o queixo.
— Você magoou os Fuller. Eles não têm feito nada além de amar você, e você simplesmente foi embora. Você não se importa com o que faz com as outras pessoas. Você as afasta de você.
— Você tem razão. Eu faço isso. Estou cansado de afastar todo mundo. E você está certa quando diz que tenho medo. Todos me deixaram, minha mãe, meu pai. Meus pais adotivos. Mas, se você me der uma chance... — Ele dá um passo na minha direção.
Estendo a mão.
— Você voltará para os Fuller e para a escola?
— Se eles deixarem, sim, mas, como você disse, eu os magoei. E eu não tinha a intenção. — A dor ecoa na voz de Cash.
Balanço a cabeça.
— Eles amam você.
Ele dá outro passo na minha direção. Dessa vez, eu não recuo. Cash chega até onde estou. E eu me jogo nos braços dele. Ele me puxa e eu choro no ombro dele. Então Cash se afasta e me beija.
Eu retribuo o beijo. Ele cheira a óleo e graxa, mas tem gosto de Skittles e irradia amor.
Eu ouço pessoas assobiando e batendo palmas. Mas não ligo. Porque agora, aqui mesmo, acho que aquele vazio no meu coração está finalmente sendo preenchido.
Epílogo
Músicas natalinas ecoam pelo aparelho de som da casa. Uma árvore de Natal de verdade brilha num canto da sala de estar dos Fuller. O aroma de pinho e o cheiro quente de peru e de especiarias flutuam no ar. Sou pega por um momento de nostalgia. Não é do tipo ruim, mas do tipo que diz que está tudo certo.
Dou uma olhada na sala de jantar e ouço a conversa. Meu pai e o sr. Fuller estão falando sobre futebol. Mamãe e a sra. Fuller estão conversando com Brandon e Patrick, primo do meu pai e o marido dele, sobre qual é o melhor acompanhamento para o peru.
Brandon e Patrick tinham nos visitado no Dia de Ação de Graças e conhecido os Fuller, que os convidaram para o Natal. Eles concordaram com a condição de que pudessem preparar a ceia. Eu posso dizer que foi difícil para as minhas mães ficarem fora da cozinha. Mas o que está se tornando um pouco mais fácil é a convivência delas. Ainda me sinto um pouco como se estivesse pisando em ovos, pois não quero que uma se sinta mais importante do que a outra. Eu amo as duas. Mas acho que elas sabem disso, e não é tão difícil como pensei que seria.
— Ah! — diz a sra. Fuller. — Chloe nos contou que você está prestes a vender seu livro para uma editora! Temos que fazer um brinde com champanhe para comemorar isso.
— Não vendeu simplesmente — meu pai falou. — Está em leilão agora, para ver quem paga mais. Várias editoras de Nova York estão querendo publicá-lo.
— Uau! — Cash sussurrou, ficando ao meu lado. — Seu pai parece muito orgulhoso da sua mãe.
Eu olho para ele e sorrio.
— Sim. Ele sabe quanto ela sempre quis isso.
— Eles estão realmente conversando agora?
— Um pouco — eu digo. — Bem, você os viu no Dia de Ação de Graças. E eles conversaram sobre o que eu precisava para o Natal. Ele veio ontem à noite. Minha mãe até esperou ele chegar para ir à festa de Natal do grupo de escritores. Acho que ela queria que ele a visse toda arrumada. Quando saiu, meu pai me perguntou se ela está saindo com alguém.
Cash desliza a mão até a minha cintura.
— Você disse a verdade a ele?
— Sim. Ele parecia chateado. Com ciúme.
— Ele meio que merece isso — diz Cash.
— Eu sei — concordo.
— Você quer que eles voltem a ficar juntos? — ele pergunta.
— Eu só quero que eles sejam felizes.
— Susan! JoAnne! — Brandon chama da cozinha. — Precisamos que provem a comida aqui.
Cash se inclina um pouco mais para perto.
— Os Fuller contaram que compraram a casa em Houston?
— Sim. — Cash tinha sido aceito na Universidade de Houston, então estamos ambos indo para lá. Ele ainda se recusa a deixar que os Fuller paguem sua faculdade, mas eles estavam procurando um imóvel perto do campus para que possamos morar lá. Quartos separados, é claro. Isso já foi dito várias vezes.
Eu imagino que o que eles não souberem não pode magoá-los.
Mais risadas ecoam da sala de jantar.
Eu olho para Cash.
— Você sabe que eu pensava muito sobre como tudo seria na minha vida se eu não tivesse sido sequestrada.
— Sim — diz Cash.
— Bem, não tenho certeza se teria sido tão bom assim. Todos eles são a minha família. Eu não iria querer perder a chance de conhecer nenhum deles.
— Eu concordo — diz Cash. Então ele enfia a mão no bolso e me entrega um saco de Skittles vermelhos.
— Feliz Natal!
Eu sorrio e tiro do bolso as balas de caramelo que escolhi para ele. Então fico na ponta dos pés e o beijo.
— Feliz Natal!
C. C. Hunter
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