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ARREBATADAS / Blake Pierce
ARREBATADAS / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Janine pensou ter visto uma sombra escura na água, não muito longe da margem. Era grande e negra, e parecia mover-se ligeiramente nas brandas águas lustrosas.
Sorveu o cachimbo de marijuana e entregou-o ao namorado. Seria aquilo um peixe de grandes dimensões? Ou seria um outro tipo de criatura?
Janine sacudiu-se numa tentativa de não se deixar levar pela sua imaginação. Ter medo estragaria a euforia induzida pela marijuana. O Lago Nimbo era um grande reservatório artificial destinado à pesca, igual a tantos outros lagos do Arizona. Nunca houvera relatos de avistamentos de monstros Nessie por ali.
Ouviu o Colby dizer, “Uau, o lago está a arder!”
Janine virou-se para o namorado. O seu rosto sardento e cabelo ruivo brilhavam à luz tardia do fim do dia. Tinha acabado de fumar o conteúdo do cachimbo e olhava para a água com uma expressão de absurdo temor.
Janine soltou uma risadinha. “Só estás iluminado, meu,” Disse. “Em todos os aspetos.”
“Pois, e o lago também,” Respondeu Colby.
Janine voltou-se e contemplou o Lago Nimbo. Apesar de ainda não ter atingido o apogeu do efeito da marijuana, o que viu era deslumbrante. O sol do fim de tarde iluminava a muralha do desfiladeiro em tons de vermelho e dourado, e a água refletia as cores como se fosse um grande espelho liso.
De súbito lembrou-se que nimbo era a palavra espanhola para auréola. O nome enquadrava-se perfeitamente no cenário que presenciava.
Pegou novamente no cachimbo e inalou profundamente, sentindo um agradável ardor na garganta. A qualquer momento, estaria completamente pedrada. Ia ser divertido.
Ainda assim, que forma negra era aquela na água?
Apenas uma ilusão da luz, Disse Janine para si própria.
Fosse o que fosse, o melhor era ignorar, não ficar amedrontada com aquilo. Tudo o resto era tão perfeito. Aquele era o seu lugar preferido, dela e do Colby – tão belo, aninhado numa das baías do lago, longe de acampamentos, longe de tudo e de todos.
Ela e Colby gostavam de lá ir aos fins-de-semana, mas naquele dia tinham faltado às aulas para lá estar. A doçura daquele fim de verão era demasiado agradável para não ser aproveitada. Ali era bem mais fresco e aprazível do que em Phoenix. O carro velho de Colby estava estacionado na estrada de terra batida logo atrás deles.
Quando percorreu o lago com o olhar, Janine começou a sentir o efeito a apoderar-se dela – a sensação de que a pedrada estava iminente. O lago quase parecia demasiado belo para ser contemplado. Então olhou para Colby. Também ele parecia intensamente belo. Agarrou-se a ele e beijou-o. Ele retribuiu o beijo. O sabor dele era incrível. Tudo nele parecia e sabia maravilhosamente.
Apartou os lábios dos dele, olhou-o nos olhos e disse ofegante, “Nimbo significa auréola, sabias?”
“Uau,” Exclamou Colby. “Uau.”
Pela sua reação, parecia ter acabado de ouvir a coisa mais interessante que alguém já lhe dissera na vida. Ele parecia e soava tão engraçado ao dizer aquilo, quase como se fosse algo religioso. Janine começou a rir e Colby seguiu-lhe o exemplo rindo também. Dali a momentos, estavam completamente embrulhados nos braços um do outro.
Janine conseguiu desembaraçar-se.
“O que é que se passa?” Perguntou Colby.
“Nada,” Respondeu Janine.
De repente, tirou o top. Colby abriu muito os olhos.
“O que é que estás a fazer?” Perguntou ele.
“O que é que te parece que estou a fazer?”
Ela começou a tentar tirar-lhe a T-shirt.
“Espera,” Disse Colby. “Aqui?”
“E por que não aqui? Sempre é melhor do que no banco traseiro do teu carro. Ninguém está a ver.”
“Mas talvez um barco...”
Janine riu. “E se houver um barco? Que importa?”
Colby ficou mais animado, ajudando-a a tirar-lhe a T-shirt. A excitação tornava-os desajeitados, aumentando ainda mais o entusiasmo. Janine não compreendia porque é que ainda não o tinham feito ali. Não era propriamente a primeira vez que fumavam erva naquele lugar.
Mas Janine não conseguia deixar de pensar na forma que avistara na água. Alguma coisa era e até descobrir o quê, não ia descansar.
Ofegante, ergueu-se.
“Vem,” Disse. “Vamos ver uma coisa.”
“O quê?” Perguntou Colby.
“Não sei. Limita-te a vir.”
Pegou na mão de Colby e tropeçaram na encosta escarpada que dava para a margem. A pedrada de Janine começava a amargar. E ela odiava que isso acontecesse. Quanto mais rapidamente descobrisse que se tratava de algo perfeitamente inofensivo, mais depressa voltaria a sentir-se bem.
Ainda assim, começava a desejar que a pedrada não tivesse surgido tão rapidamente e com tanta força.
A cada passo que davam, o objeto começava a ganhar forma. Era feito de plástico preto e, aqui e ali, bolhas subiam à superfície. E havia qualquer coisa pequena e branca ao lado dele.
A cerca de um metro de distância da água, Janine pode ver que se tratava de um grande saco preto do lixo. Estava aberto na extremidade e dessa abertura espreitava a forma de uma mão, anormalmente pálida.
Talvez um manequim, Pensou Janine.
Debruçou-se sobre a água para ver melhor. As unhas estavam pintadas de um vermelho vivo que contrastava com a palidez da pele. Uma terrível perceção atravessou o corpo de Janine como se de uma corrente elétrica se tratasse.
A mão era real. Era a mão de uma mulher. O saco continha um cadáver.
Janine começou a gritar e ouviu Colby também a gritar.
E soube que o grito uníssono de ambos se prolongaria por muito tempo.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

Riley sabia que os diapositivos que estava prestes a apresentar iriam chocar os seus alunos da Academia do FBI. Alguns deles não iam aguentar. Perscrutou os jovens rostos ávidos que a observavam dos lugares dispostos em forma de meio círculo.

Vamos ver como reagem, Pensou. Isto pode ser importante para eles.

É claro que Riley sabia que na ampla gama de ofensas criminais, o homicídio em série era raro. Mas mesmo assim, aqueles jovens tinham que aprender tudo o que houvesse para aprender. Aspiravam a ser agentes de campo do FBI e em breve descobririam que a grande maioria dos responsáveis locais não tinha qualquer experiência em casos de homicídios em série. E a Agente Especial Riley Paige era uma autoridade nesse campo.

Carregou no controlo remoto. As primeiras imagens a surgirem no grande ecrã plano eram tudo menos violentas. Tratava-se de cinco retratos a carvão de mulheres, com faixas etárias que variavam entre jovens e a meia-idade. Todas as mulheres eram atraentes e sorridentes, e os retratos haviam sido produzidos com arte e engenho.

Ao passar as imagens, Riley apontava, “Estes cinco retratos foram feitos há oito anos por um artista chamado Derrick Caldwell. Todos os verões, Caldwell ganhava bom dinheiro a desenhar retratos de turistas no calçadão de Dunes Beach aqui na Virginia. Estas mulheres estavam entre as suas últimas clientes.”

Depois de mostrar o último dos cinco retratos, Riley carregou novamente no controlo. A fotografia que se seguiu era uma hedionda imagem de uma arca frigorífica aberta repleta de partes de corpos femininos desmembrados. A reação dos alunos foi imediatamente audível.

“Isto foi o que restou daquelas mulheres,” Sentenciou Riley. “Enquanto as desenhava, Derrick Caldwell convenceu-se, nas suas próprias palavras, que elas ‘eram demasiado belas para viver.’ Por isso perseguiu uma a uma, matou-as, desmembrou-as e guardou-as na arca frigorífica.”

Entretanto Riley passou às imagens seguintes que eram ainda mais chocantes do que as anteriores. Eram fotografias tiradas pela equipa do médico-legista após reagrupamento dos corpos.

Riley prosseguiu, “Caldwell ‘baralhava’ as partes dos corpos numa tentativa de as desumanizar e tornar irreconhecíveis.”

Riley voltou-se para os alunos e não pode deixar de reparar que um deles se dirigia apressadamente para a saída, nitidamente agoniado. Outros pareciam à beira de vomitar. Alguns choravam. Apenas uma minoria aparentava estar imperturbável.

Paradoxalmente, Riley tinha a certeza de que os alunos que demonstravam aquela tranquilidade seriam os que não iriam sobreviver à formação na academia. Para esses, o que ela mostrara eram apenas imagens, nada de real. Não seriam capazes de enfrentar o verdadeiro horror quando se deparassem com ele ao vivo e a cores. Também não conseguiriam enfrentar as consequências pessoais, o stress pós-traumático de que poderiam sofrer. Riley ainda era ocasionalmente assombrada por visões de um maçarico flamejante, mas o seu SPT encontrava-se em fase decrescente. Estava a curar-se. Mas Riley tinha a certeza de que antes de se recuperar de algo, tinha que se sentir esse algo.

“E agora,” Declarou Riley, “Vou fazer algumas afirmações e vocês vão-me dizer se se tratam de mitos ou factos. Aqui vai a primeira. ‘A maioria dos assassinos em série mata por motivação sexual.’ Mito ou facto?”

Mãos erguidas entre os alunos. Riley apontou na direção de um aluno particularmente ansioso na primeira fila.

“Facto?” Perguntou o aluno.

“Sim, facto,” Anuiu Riley. “Apesar de poderem existir outras razões, a componente sexual é a mais frequente. Pode assumir as mais variadas formas, às vezes bastante bizarras. O Derrick Caldwell é um exemplo clássico. O médico-legista concluiu que cometera atos de necrofilia nas vítimas antes de as desmembrar.”

Riley apercebeu-se que a maioria dos alunos teclava notas nos seus portáteis. E prosseguiu, “Agora, uma outra afirmação. ‘Os assassinos em série infligem mais violência às vítimas à medida que continuam a matar.’”

Outra vez mãos erguidas. Desta vez, Riley apontou na direção de um aluno que se encontrava numas filas mais atrás.

“Facto?” Disse o aluno.

“Mito,” Contrariou Riley. “Apesar de já me ter deparado com algumas exceções, na maior parte dos casos não se verifica essa mudança com o passar do tempo. O nível de violência de Derrick Caldwell permaneceu consistente no espaço de tempo em que matou. Mas era imprudente, não era propriamente um cérebro maléfico. Tornou-se demasiado ganancioso, ávido. Matou as vítimas num período de apenas um mês e meio. Ao despertar esse tipo de atenção, tornou a sua captura inevitável.”

Riley olhou para o relógio e constatou que a sua hora tinha terminado.

“É tudo por hoje,” Disse. “Mas há muitas suposições erradas acerca dos assassinos em série e muitos mitos ainda circulam por aí. A Unidade de Análise Comportamental recolheu e analisou os dados, e eu trabalhei em casos de homicídios em série no campo um pouco por todo o país. Ainda temos muita informação a coligir.”

A turma dispersou-se e Riley começou a arrumar as suas coisas para ir para casa. Três ou quatro alunos reuniram-se à volta da sua secretária para fazer perguntas.

Um jovem perguntou, “Agente Paige, não esteve envolvida no caso Derrick Caldwell?”

“Sim, estive,” Respondeu Riley. “Isso é uma história para outro dia.”

Também era uma história que Riley não ansiava por contar, embora não o tivesse verbalizado.

Uma jovem perguntou, “O Caldwell foi executado pelos crimes cometidos?”

“Ainda não,” Respondeu Riley.

Tentando não parecer indelicada, Riley começou a caminhar em direção à saída. A iminente execução de Caldwell não era algo que gostasse de discutir. Na verdade, esperava o seu agendamento para breve. Enquanto agente que o capturara, fora convidada a assistir à sua morte. Ainda não decidira se aceitava ou não o convite.

Riley sentia-se bem caminhando para fora do edifício rumo a uma agradável tarde de setembro. Ainda estava de licença.

Sofria de SPT desde que um assassino maníaco a mantivera prisioneira. Tinha conseguido fugir e matar o seu inimigo. Mas mesmo nessa altura, não ficara de baixa. Continuara a trabalhar para concluir outro caso de contornos terríveis ocorrido no estado de Nova Iorque e que terminara com o assassino a suicidar-se à sua frente.

Aquele momento ainda a assombrava. Quando o chefe de Riley, Brent Meredith, a abordou para trabalhar noutro caso, ela declinou a proposta. Por sugestão de Meredith, concordara em contrapartida dar aulas na Academia do FBI em Quantico.

Ao entrar no carro e começar a conduzir, Riley pensou na sensatez da sua decisão. Finalmente a sua vida estava preenchida por uma persistente sensação de paz e harmonia.

E contudo, ao conduzir rumo a casa, uma sensaçã arrepiante e familiar começou a instalar-se, um sentimento que provocou o súbito bater acelerado do seu coração num belo dia de céu azul. Compreendeu que se tratava de uma sensação intensificada de antecipação, de algo nefasto que se aproximava.

E por muito que se tentasse imaginar envolta naquela tranquilidade para sempre, Riley sabia que não era algo para durar.


CAPÍTULO DOIS

 

Riley estremeceu de medo ao sentir a vibração do telemóvel na mala. Parou à porta da sua nova casa e pegou no telemóvel. O seu coração bateu com mais força.

Era uma mensagem de Brent Meredith.

Ligue-me.

Riley ficou preocupada. O chefe poderia apenas querer saber se estava tudo bem. Fazia-o muitas vezes. Por outro lado, podia querer que ela voltasse ao trabalho. O que faria ela se fosse esse o caso?

Digo que não, claro, Pensou Riley.

No entanto, isso podia não ser tarefa fácil. Ela gostava do chefe e sabia que ele conseguia ser muito convincente. Era uma decisão que não queria tomar, por isso largou o telemóvel.

Quando abriu a porta e penetrou no espaço luminoso e arejado da sua casa nova, a ansiedade momentânea que experimentara há segundos desapareceu. Tudo parecia tão em ordem desde que se mudara.

Uma voz agradável perguntou.

“¿Quién es?”

 

“Soy yo,” Respondeu Riley. “Cheguei, Gabriela.”

A robusta mulher guatemalteca de meia-idade saiu da cozinha, secando as mãos num pano. Era bom ver o rosto sorridente de Gabriela. Era empregada da família há anos, muito antes de Riley se divorciar de Ryan. Riley estava grata por Gabriela ter concordado em mudar-se com ela e com a filha.

“Como foi o seu dia?” Perguntou Gabriela.

“Foi ótimo,” Disse Riley.

“¡Qué bueno!”

 

Entretanto Gabriela regressou à cozinha. Os odores do maravilhoso jantar que preparava inundavam a casa. Ouviu Gabriela começar a cantar em Espanhol.

Riley dirigiu-se para a sala de estar para desfrutar do espaço. Ela e a filha tinham-se mudado para aquela casa há pouco tempo. A pequena casa onde tinham vivido após o fim do casamento revelara-se demasiado isolada para a segurança de ambas. Para além disso, Riley sentira uma necessidade urgente de mudança, tanto por ela como por April. Agora que o divórcio se tinha oficializado e que Ryan finalmente se mostrava generoso no apoio financeiro à filha, chegara o momento de começar a vida do zero.

Ainda havia uns toques finais a acrescentar. Parte da mobília era bastante velha e não se enquadrava num ambiente tão imaculado. Tinha que a substituir. Uma das paredes parecia demasiado nua e Riley não tinha nada para ali colocar. Tinha que fazer umas compras com a April no próximo fim-de-semana. Essa ideia fez Riley sentir-se confortavelmente normal, uma mulher com uma simpática família e não uma agente à caça de um qualquer perverso assassino.

Naquele momento perguntou-se onde estaria April?

Parou para ouvir. Não havia música proveniente do quarto de April. Depois ouviu a filha a gritar.

A voz de April vinha do quintal. Riley sobressaltou-se e atravessou a sala de jantar que dava para o quintal das traseiras. Quando avistou o rosto e tronco de April acima da vedação entre quintais, Riley demorou apenas alguns momentos a perceber o que se estava a passar. Depois descontraiu-se e riu para si mesma. O seu pânico automático fora uma reação excessiva, mas instintiva. Ainda estava fresco na sua memória o salvamento de April das garras de um louco que a aprisionara para se vingar de Riley.

April desapareceu de vista e depois surgiu novamente a guinchar de prazer. Pulava no trampolim da vizinha de quem ficara amiga, uma adolescente da idade dela que até frequentava a mesma escola.

“Tem cuidado!” Disse Riley a April.

“Está tudo bem, mãe!” Gritou April sem fôlego.

Riley riu novamente. Era um som pouco familiar que jorrava de sentimentos de que já quase se esquecera. Queria habituar-se novamente a rir.

Também se queria voltar a habituar à expressão de alegria estampada no rosto da filha. Ainda há pouco tempo April se mostrara demasiado rebelde e caprichosa, mesmo para uma adolescente. Mas Riley não a podia culpar. Ela sabia que deixara muito a desejar enquanto mãe e só queria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para mudar essa situação.

Isso era uma das coisas de que mais gostava em estar de licença do trabalho de campo, um trabalho que lhe roubava muitas e imprevisíveis horas em locais distantes. Agora o seu horário coincidia com o de April e Riley temia a probabilidade de que um dia as coisas tivessem que mudar.

O melhor é aproveitar enquanto posso, Pensou.

Riley voltou para dentro de casa mesmo a tempo de ouvir a campainha tocar.

Disse alto, “Eu vejo quem é, Gabriela.”

Abriu a porta e ficou surpreendida por ver diante de si um homem sorridente que nunca tinha visto antes.

“Olá,” Cumprimentou o homem timidamente. “Chamo-me Blaine Hildreth e vivo aqui ao lado. A sua filha está lá com a minha filha Crystal.” Estendeu uma caixa a Riley e acrescentou, “Bem-vinda à vizinhança. Trouxe-lhe um pequeno presente de boas-vindas.”

“Oh,” Disse Riley, espantada com aquela insólita cordialidade. Levou algum tempo a dizer, “Entre, por favor.”

Aceitou a caixa desajeitadamente e convidou o vizinho a sentar-se numa cadeira da sala de estar. Riley sentou-se no sofá, segurando a caixa que Blaine lhe oferecera no colo. Blaine Hildreth olhava para Riley ansiosamente.

“Foi muito amável da sua parte,” Agradeceu Riley ao mesmo tempo que abria o pacote que continha um conjunto de coloridas canecas de café, duas decoradas com borboletas e as outras duas com flores.

“São adoráveis,” Disse Riley. “Toma café?”

“Aceito,” Respondeu Blaine.

Riley chamou Gabriela que logo surgiu vinda da cozinha.

“Gabriela, pode trazer-nos café nestas canecas?” Pediu Riley, entregando-lhe duas das canecas. “Blaine, como prefere o seu?”

“Simples, obrigado.”

Gabriela levou as canecas para a cozinha.

“Chamo-me Riley Paige,” Apresentou-se a Blaine. “Obrigado pela visita e obrigado pelo presente.”

“De nada,” Disse Blaine.

Gabriela regressou com duas canecas de delicioso café quente e depois voltou para a cozinha. Para seu constrangimento, Riley deu por si a tirar as medidas ao seu vizinho. Agora que era solteira, não conseguia resistir. Esperava que ele não tivesse reparado.

Que se dane, Pensou. Talvez ele esteja a fazer o mesmo comigo.

A primeira coisa em que reparou foi que não tinha aliança de casamento. Imaginou que seria viúvo ou divorciado.

Depois, calculou que teria mais ou menos a sua idade, talvez um pouco mais novo, quase nos quarenta anos.

Por último, era atraente ou, pelo menos, razoavelmente atraente. Começava a apresentar os primeiros sinais de calvície, o que não era necessariamente negativo. Também parecia ser magro e estar em forma.

“Então, o que faz na vida?” Perguntou Riley.

Blaine encolheu os ombros. “Sou dono de um restaurante. Já ouviu falar do Blaine’s Grill na baixa?”

Riley ficou agradavelmente impressionada. O Blaine’s Grill era um dos locais mais simpáticos para se comer em Fredericksburg. Ouvira dizer que os jantares eram magníficos, mas ainda não tivera a oportunidade de experimentar.

“Já lá estive,” Disse.

“Bem, é meu,” Afirmou Blaine. “E você?”

Riley respirou profundamente. Nunca era fácil partilhar com um desconhecido a sua profissão. Sobretudo com os homens que não raro se sentiam intimidados.

“Trabalho no FBI,” Disse. “Sou agente de campo.”

Os olhos de Blaine dilataram-se.

“A sério?” Perguntou.

“Bem, de momento estou de licença. Estou a dar aulas na academia.”

Blaine inclinou-se mais na sua direção, demonstrando um crescente interesse.

“Uau. Imagino que tenha histórias incríveis. Gostava de ouvir alguma.”

Riley riu-se nervosamente. Ocorreu-lhe se alguma vez conseguiria falar sobre algumas das coisas que vira fora do FBI. Talvez fosse ainda mais difícil falar sobre as coisas que tinha feito.

“Não me parece,” Disse rispidamente. Riley percebeu que Blaine se retraiu e que o seu tom tinha sido bastante indelicado.

Blaine baixou a cabeça e declarou, “Peço desculpa. Não queria fazê-la sentir-se desconfortável.”

Conversaram durante mais alguns minutos, mas Riley tinha consciência de que o seu novo vizinho se mostrava agora mais reservado. Depois de Blaine educadamente se despedir, Riley fechou a porta e suspirou. Teve a noção de que não se mostrara acessível. A mulher que agora iniciava uma nova página na sua vida era a mesma Riley de sempre.

Mas aquilo não interessava. Uma relação amorosa era a última coisa de que precisava naquele momento. Precisava de clarificar algumas coisas na sua vida e ainda agora começava a avançar nessa direção.

Ainda assim, tinha sido agradável conversar durante algum tempo com um homem atraente e um alívio ter finalmente vizinhos – e ainda para mais vizinhos simpáticos.

 

*

 

Quando Riley e April se sentaram à mesa para jantar, April não tirava as mãos do smartphone.

“Pára de enviar mensagens,” Disse Riley. “É hora de jantar.”

“Só um minuto,” Disse April, continuando a teclar.

Riley estava ligeiramente irritada com o comportamento tipicamente adolescente de April. Mas a verdade era que havia uma vantagem. April estava a portar-se lindamente na escola naquele ano e a fazer novos amigos. E por aquilo que Riley já pudera observar, não havia dúvidas de que eram bem melhores do que aqueles com quem April se dera antes. Riley imaginou que April estava a trocar mensagens com um rapaz de quem gostava apesar de, até àquele momento, April não o ter mencionado uma única vez.

April parou de teclar quando Gabriela veio da cozinha com um tabuleiro de chiles rellenos. Ao colocar os fumegantes pimentões recheados na mesa, April deu uma risadinha maliciosa.

“Suficientemente picante, Gabriela?” Perguntou.

“Sí,” Respondeu Gabriela, também a rir.

Era uma piada recorrente entre as três. Ryan não gostava de comida demasiado condimentada. Na verdade, não podia ingerir comida condimentada. Mas para April e Riley, quando mais picante melhor. Gabriela já não tinha que se conter, pelo menos não tanto como anteriormente. Riley duvidava que ela e April aguentassem as receitas guatemaltecas originais de Gabriela.

Quando Gabriela acabou de colocar a comida na mesa, dirigiu-se a Riley, “O senhor é guapo, não?”

Riley sentiu-se ruborizar. “Bonito? Não me apercebi, Gabriela.”

Gabriela soltou uma risada franca. Acabara de sentar-se para comer e começou a cantarolar uma música. Riley imaginou que fosse uma canção de amor da Guatemala. April fitou a mãe.

“Que senhor, mãe?” Perguntou.

“Oh, o nosso vizinho passou por cá há bocado...”

April interrompeu-a entusiasmada. “Ó Meu Deus! Era o pai da Crystal? Foi mesmo! Não é lindo?”

“E penso que é solteiro.” Acrescentou Gabriela.

“Ok, deixem-se disso,” Disse Riley libertando uma risada. “Dêem-me espaço para viver. Não preciso que vocês as duas me tentem impingir o vizinho do lado.”

Comeram os pimentões recheados e quando o jantar estava prestes a terminar Riley sentiu o telemóvel vibrar no bolso.

Raios, Pensou. Não o devia ter trazido para a mesa.

A vibração não parava. Ela podia muito bem não o ter atendido. Desde que chegara a casa, Brent Meredith deixara mais dois SMS e Riley convencera-se de que lhe ligaria mais tarde. Já não podia adiar aquela decisão por mais tempo. Pediu desculpa, levantou-se da mesa e atendeu o telefone.

“Riley, desculpe incomodá-la,” Disse o chefe. “Mas preciso mesmo da sua ajuda.”

Riley ficou alarmada por ouvir Meredith a tratá-la pelo nome próprio. Era raro. Apesar de se sentir muito próxima dele, geralmente dirigia-se a ela como Agente Paige. Meredith era habitualmente muito profissional, por vezes chegando a ser brusco.

“O que se passa?” Perguntou Riley.

Meredith nada disse durante alguns segundos. Riley interrogou-se porque estaria ele a ser tão reticente. E de repente, foi invadida por uma sensação funesta. Tinha a certeza de que ele era o portador das notícias que ela mais temia.

“Riley, vou fazer-lhe um pedido pessoal,” Disse, parecendo muito menos autoritário do que o normal. “Foi-me pedido que investigasse um homicídio em Phoenix.”

Riley ficou surpreendida. “Um único homicídio?” Perguntou. “Porque é que precisam do FBI?”

“Tenho um velho amigo no gabinete de Phoenix,” Explicou Meredith. “Garreth Holbrook. Andámos juntos na academia. A vítima foi a sua irmã Nancy.”

“Lamento muito,” Disse Riley. “Mas a polícia local...”

Havia um raro tom de súplica na voz de Meredith.

“O Garreth quer a nossa ajuda. Ela era prostituta. Desapareceu e o corpo foi encontrado num lago. Ele quer que investiguemos o caso como se se tratasse da obra de um assassino em série.”

Riley considerou o pedido estranho. As prostitutas desapareciam com frequência sem serem mortas. Por vezes decidiam trabalhar noutro local ou simplesmente abandonar essa vida.

“Ele tem algum motivo para pensar isso?” Perguntou Riley.

“Não sei,” Respondeu Meredith. “Talvez queira pensar dessa forma para nos envolver. Mas também sabe que é verdade que as prostitutas são alvos frequentes dos assassinos em série.”

Riley sabia que era um facto. O estilo de vida das prostitutas tornavam-nas alvos fáceis. Estavam visíveis e acessíveis, sozinhas com estranhos, muitas vezes eram toxicodependentes.

Meredith continuou, “Ligou-me a título pessoal. Prometi-lhe que enviaria os melhores agentes a Phoenix. E é claro que você está incluída.”

Riley ficou comovida. Meredith não lhe estava a facilitar a vida.

“Tente compreender,” Principiou Riley. “Não posso aceitar um novo caso.”

Riley sentiu-se vagamente desonesta. Não posso ou não quero? Perguntou a si própria. Depois de ser capturada e torturada por um assassino em série, todos tinham insistido que deixasse de trabalhar. Tinha tentado fazê-lo, mas dera por si a desejar desesperadamente regressar ao trabalho. Agora pensava o que significara aquele desespero. Tinha sido imprudente e autodestrutiva, e fora extremamente difícil recuperar a sua vida. Quando finalmente matou Peterson, o seu carrasco, pensou que tudo voltaria à normalidade. Mas ele ainda a assombrava e começava a ter problemas com a resolução do seu último caso.

Após um momento de silêncio, Riley acrescentou, “Preciso de ficar mais tempo afastada do trabalho de campo. Ainda estou tecnicamente de licença e estou a tentar recompor a minha vida.”

Seguiu-se um prolongado silêncio. Não parecia que Meredith fosse argumentar ou impor a sua vontade. Mas também não ia dizer que concordava. Não ia desistir de a pressionar.

Ouviu Meredith libertar um triste e longo suspiro. “O Garreth já não tinha qualquer contacto com a Nancy há vários anos. Agora o que lhe aconteceu está a corroê-lo por dentro. Penso que há uma lição qualquer a retirar daqui, não é? Não dês nada nem ninguém como certo na tua vida. Vai sempre ao encontro do que é importante.”

Riley quase deixou cair o telefone. As palavras de Meredith atingiram uma parte dela que não era tocada há muito tempo. Riley não contactava com a sua própria irmã mais velha há vários anos. Estavam afastadas e nem sequer pensava na Wendy há muito tempo. Não fazia a mínima ideia do que a sua própria irmã fazia agora.

Após outra pausa, Meredith disse, “Prometa-me que pensa no assunto.”

“Prometo,” Disse Riley.

Terminaram a chamada.

Riley sentia-se pessimamente. Meredith acompanhara-a em momentos difíceis e nunca mostrara tamanha vulnerabilidade como naquele momento. Não queria desiludi-lo. E acabara de lhe prometer que pensaria no assunto.

E por muito desesperadamente que quisesse, Riley não sabia se seria capaz de recusar.


CAPÍTULO TRÊS

 

O homem estava sentado no seu carro no parque de estacionamento, observando a prostituta enquanto ela se aproximava. Chamava-se a si própria “Chiffon”. Obviamente que não era o seu nome verdadeiro e ele tinha a certeza de que havia muito mais a seu respeito que ele desconhecia.

Podia obrigá-la a dizer-me, Pensou. Mas não aqui. Não hoje.

E também não a mataria hoje e ali. Não, não ali tão perto do seu pouso habitual – o “Kinetic Custom Gym”. A partir do local onde ele se encontrava sentado, podia observar as decrépitas máquinas de exercícios – três passadeiras, uma máquina de remos e um par de máquinas de pesos, nenhuma a funcionar. Tanto quanto ele sabia, ninguém lá ia para fazer exercício.

Pelo menos não de uma forma socialmente aceitável, Pensou, sorrindo sarcasticamente.

Não ia àquele lugar muitas vezes – não desde que levara aquela morena que ali trabalhara há vários anos. É evidente que não a tinha morto ali. Tinha-a atraído para um quarto de motel para “serviços extra” e com a promessa de receber muito mais dinheiro.

E mesmo assim não tinha sido um homicídio premeditado. O saco de plástico na cabeça da mulher apenas se destinava a acrescentar o perigo como elemento de fantasia. Mas uma vez consumado, tinha ficado surpreendido com a profunda satisfação que sentira. Tinha sentido um prazer epicurista, distinto de todos os outros que já experimentara na sua vida povoada de prazeres.

Ainda assim, nos encontros que tivera desde essa altura, tinha sido mais cuidadoso e contido. Ou pelo menos assim tinha sido até à semana passada, altura em que o mesmo jogo mortal acontecera com aquela acompanhante... Como é que se chamava?

Ah, sim, Lembrou-se. Nanette.

Na altura suspeitou que Nanette poderia não ser o seu nome verdadeiro. Agora nunca descobriria. No seu íntimo, ele sabia que a morte dela não havia sido um acidente. Não propriamente. Ele tivera a intenção de o fazer. E a sua consciência estava impoluta. Estava pronto para o fazer novamente.

A tal da Chiffon aproximava-se a uma distância de meio quarteirão. Envergava um top amarelo e uma saia minúscula, e trotava na direção do ginásio empoleirada nuns saltos altos impossíveis ao mesmo tempo que falava ao telemóvel.

Ele queria mesmo saber se Chiffon era o seu nome verdadeiro. O anterior encontro profissional que haviam tido, tinha sido um fracasso – culpa dela, não dele, disso ele tinha a certeza. Algo nela o havia desencorajado.

Ele sabia perfeitamente que ela era mais velha do que dizia ser. Não era apena o corpo – até prostitutas adolescentes tinham marcas de partos. E também não eram as rugas que já despontavam no seu rosto. As prostitutas envelheciam mais rapidamente.

Não conseguia entender. Mas havia muitas mais coisas nela que o deixavam perplexo. Ela mostrava um certo tipo de entusiasmo falsamente ameninado que não era característica de uma verdadeira profissional, nem mesmo de uma novata.

Dava demasiadas risadinhas como se se tratasse de uma criança a jogar um jogo. Era demasiado ávida. E muito estranhamente, ele suspeitava que ela gostava realmente do que fazia.

Uma prostituta que gosta realmente de sexo, Pensou ele ao vê-la aproximar-se. Quem já ouviu uma coisa destas?

Na verdade, era algo que o excitava.

Bem, pelo menos tinha a certeza que não era uma polícia infiltrada. Tê-lo-ia percebido num instante.

Quando ela se aproximou o suficiente para o ver, ele buzinou. Ela parou de falar ao telemóvel por um momento e olhou na sua direção, protegendo os olhos da luz da manhã. Quando viu quem era, acenou-lhe e sorriu - um sorriso que parecia completamente sincero.

Depois caminhou pelas traseiras do ginásio na direção da entrada de “serviço”. Ele apercebeu-se que ela muito provavelmente teria um compromisso no bordel. Não importava, solicitaria os seus serviços noutro dia quando lhe apetecesse gozar um tipo de prazer mais específico. Entretanto, havia por ali muitas mais prostitutas.

Agora recordava-se em que ponto as coisas tinham ficado no seu último encontro. Ela mostrara-se alegre, bondosa e apologética.

“Volta sempre que quiseres,” Dissera-lhe. “Da próxima vez vai correr melhor. Vamos consegui-lo juntos. Vai ser mesmo excitante.”

“Ah, Chiffon,” Murmurou em voz alta para si próprio. “Nem fazes ideia.”


CAPITULO QUATRO

 

Um tiroteio desfilava à volta de Riley. À esquerda, ouvia os ruídos ensurdecedores de pistolas. À direita, ouvia armas mais pesadas – rebentamentos de espingardas de assalto e o silvar pausado de submetralhadoras.

No meio de todo este clamor, sacou da sua Glock do coldre na anca, descendeu à posição de decúbio ventral e disparou seis rodadas. Ergueu-se para a posição de joelhos e disparou três rodadas. Recarregou a arma rápida e habilmente, depois levantou-se, disparou seis rodadas e, finalmente, ajoelhou-se e disparou mais três rodadas com a mão esquerda.

Levantou-se e guardou a arma no coldre, depois afastou-se da linha de fogo e retirou os protetores auditivos e óculos de proteção. O alvo em forma de garrafa estava a vinte e três metros de distância. Mesmo àquela distância, conseguiu ver que tinha agregado todos os tiros juntos. Nas filas ao lado da sua, estagiários da Academia do FBI continuavam a treinar sob a orientação dos seus instrutores.

Já tinha passado algum tempo desde que Riley disparara uma arma pela última vez, apesar de andar sempre armada em serviço. Tinha reservado aquela fila da carreira de tiro da Academia do FBI para treinar e, como sempre, sentira a satisfação do poderoso recuo da arma, da força bruta que transmitia.

Ouviu uma voz atrás de si.

“És mesmo da velha guarda, não és?”

Voltou-se e viu o sorridente Agente Especial Bill Jeffreys próximo dela. Ela devolveu-lhe o sorriso. Riley sabia muito bem o que ele queria dizer com “velha guarda”. Há alguns atrás, o FBI tinha alterado as regras de fogo real para habilitação no disparo de armas de fogo. Disparar na posição de decúbio ventral fazia parte do antigo exercício e já não era obrigatório. Agora davam mais ênfase ao disparo contra alvos mais próximos, a distâncias entre os três e os seis metros. A isso acrescentou-se ainda uma instalação de realidade virtual onde os agentes eram inseridos em cenários que envolviam confrontos armados em bairros. E os formandos também passavam pelo conhecido Hogan’s Alley, uma cidade de dez acres em tamanho real onde combatiam terroristas com armas de paintball.

“Às vezes gosto de agir à moda da velha guarda,” Disse ela. “Pode ser que um dia tenha que fazer uso de força letal à distância.”

Da sua própria experiência, Riley sabia que as situações mais sérias eram próximas e pessoais, e eram muitas vezes inesperadas. Na verdade, ela já tivera que lutar com as suas próprias mãos em dois casos bem recentes. Tinha morto um assassino com a sua própria faca e outro com uma pedra.

“Achas que alguma coisa prepara estes miúdos para a realidade?” Perguntou Bill, indicando com a cabeça os formandos que se preparavam para abandonar a carreira de tiro.

“Nem por isso,” Respondeu Riley. “Na RV o teu cenário assume o cenário como real, mas não há perigo iminente, não há dor, não há raiva para controlar. Algo no nosso íntimo sabe que não podemos ser mortos.”

“Pois é,” Disse Bill. “Vão ter que o descobrir por si próprios como nós descobrimos há tantos anos atrás.”

Riley observou-o de lado enquanto se afastavam da carreira de tiro.

Tal como ela, Bill tinha quarenta anos e cabelos brancos a despontar da cabeleira escura. Perguntava-se qual o significado de o estar a comparar mentalmente com o seu magro e enjeitado vizinho.

Qual era o nome dele? Questionou-se. Ah, sim... Blaine.

Blaine era atraente, mas não estava certa se batia Bill. Bill era grande, sólido e cativante.

“O que te traz por cá?” Perguntou Riley.

“Soube que estarias cá,” Respondeu Bill.

Riley fitou-o apreensiva. Muito provavelmente, aquela não era uma visita de cortesia. Pela sua expressão, Riley percebeu que ele ainda não estava preparado para lhe contar o que queria.

Bill disse, “Posso cronometrar se quiseres fazer o exercício completo.”

“Agradecia-te,” Disse Riley.

Dirigiram-se a uma secção à parte da carreira de tiro onde não correria o risco de ser atingida por balas perdidas provenientes dos formandos.

Enquanto Bill segurava num cronómetro, Riley ultrapassou todos os níveis do curso de habilitação para manuseamento de arma, disparando contra o alvo a uma distância de três metros, depois cinco, depois sete, depois quinze. A quinta e última fase do exercício era a única parte que Riley considerava pouco desafiante – disparar atrás de uma barricada a uma distância de vinte e três metros.

Quando terminou, Riley retirou os protetores de cabeça. Ela e Bill encaminharam-se para o alvo e observaram o resultado do treino de Riley. Todas as marcas estavam juntas.

“Cem porcento – um resultado perfeito,” Disse Bill.

“Só tinha que ser,” Disse Riley. Não gostaria nada de constatar que estava a perder o jeito.

Bill apontou para o cenário natural atrás do alvo.

“Um tanto surreal, não?” Perguntou Bill.

Vários veados de cauda branca pastavam satisfeitos no alto da colina. Na verdade, tinham-se ali reunido enquanto Riley disparava. Estavam a curta distância, facilmente alcançáveis até para a sua arma. Mas a realidade é que não estavam minimamente incomodados com os milhares de balas que embatiam contra os alvos logo abaixo da cumeeira em que se encontravam.

“Sim,” Concordou Riley, “e belo.”

Naquela altura do ano os veados eram uma presença natural ali na carreira de tiro. Era época de caça e de alguma forma sabiam que ali estavam seguros. De facto, os terrenos da Academia do FBI tinham-se tornado numa espécie de refúgio de vida selvagem para muitos animais, incluindo raposas, perus selvagens e marmotas.

“Há alguns dias atrás um dos meus alunos viu um urso no parque de estacionamento,” Comentou Riley.

Riley aproximou-se da barreira. Os veados ergueram as cabeças, fitaram-na e afastaram-se. Não tinham medo de tiroteio, mas não gostavam que as pessoas se aproximassem demasiado.

“Como é que eles saberão?” Perguntou Bill. “Quero dizer, que aqui é um sítio seguro. Os tiros não soam todos da mesma forma?”

Riley limitou-se a abanar a cabeça. Era um mistério para ela. O pai tinha-a levado a caçar quando era pequena. Para ele, os veados eram simplesmente recursos – comida e pele. Não a tinha incomodado matá-los há tantos anos atrás. Mas isso tinha mudado.

Parecia estranho, agora que se dava ao trabalho de pensar nisso. Não tinha qualquer pejo em usar força letal contra um ser humano quando necessário. Podia matar um homem num abrir e fechar de olhos. Mas matar uma dessas criaturas parecia agora impensável.

Riley e Bill caminharam na direção de uma área de repouso e sentaram-se juntos numa vedação. Fosse qual fosse o motivo que o levara até ali, Bill continuava reticente em verbalizá-lo.

“Como te estás a dar sozinho?” Perguntou Riley com uma voz carinhosa.

Ela sabia que era uma questão delicada e viu-o estremecer. A mulher de Bill tinha-o deixado recentemente após anos de tensão entre o trabalho e a vida familiar. Bill tinha ficado preocupado com a perspetiva de perder o contacto com os filhos ainda tão jovens. Agora vivia num apartamento na cidade de Quantico e passava tempo com os filhos aos fins-de-semana.

“Não sei, Riley,” Disse. “Não sei se alguma vez me vou habituar.”

Era óbvio que Bill se sentia só e deprimido. Riley tinha passado por um processo semelhante depois de recentemente se ter separado e divorciado. Ela também sabia que após uma separação se ficava particularmente frágil. Mesmo que a relação não fosse das melhores, dava-se por si num mundo de estranhos, a sentir falta de anos de familiaridade, sem saber bem o que fazer.

 

Bill tocou-lhe no braço. Com a voz embargada pela emoção, disse, “Às vezes penso que tudo aquilo que me resta na vida... és tu.”

 

Naquele momento, Riley sentiu uma vontade incontrolável de o abraçar. Quando haviam sido parceiros, Bill tinha-a ajudado inúmeras vezes, tanto física como emocionalmente. Mas ela sabia que tinha que ter cuidado. E também sabia que em situações como aquela, as pessoas podiam agir de forma precipitada. Riley tinha telefonado a Bill numa noite de bebedeira e propusera-lhe iniciarem uma relação. Agora os papéis tinham-se invertido. Riley sentia a iminente dependência de Bill em relação a ela, logo agora que ela começava a sentir-se livre e suficientemente forte para estar sozinha.

“Fomos bons parceiros,” Disse Riley. Era uma lamechice mas não lhe ocorrera mais nada para dizer.

Bill respirou fundo.

“Foi por isso mesmo que vim ter contigo,” Disse Bill. “O Meredith disse-me que te tinha ligado sobre o caso de Phoenix. Estou a trabalhar nesse caso e preciso de um parceiro.”

Riley sentiu-se ligeiramente irritada. A visita de Bill parecia-lhe agora uma espécie de cilada.

“Eu disse ao Meredith que ia pensar no assunto,” Respondeu Riley.

“E agora sou eu que te estou a pedir,” Continuou Bill.

Instalou-se o silêncio.

“E a Lucy Vargas?” Perguntou Riley.

A Agente Vargas era uma novata que tinha trabalhado com Bill e Riley no seu último caso. Ambos tinham ficado muito impressionados com o seu trabalho.

“O tornozelo dela não sarou,” Disse Bill. “Não pode regressar ao trabalho de campo pelo menos por mais um mês.”

Riley sentiu-se uma idiota por ter perguntado. Quando ela, Bill e Lucy tinham encontrado Eugene Fisk, o “assassino das correntes”, Lucy tinha caído, partido um tornozelo e quase fora morta. Era óbvio que não podia regressar tão cedo ao trabalho.

“Não sei, Bill,” Retomou Riley. “Esta pausa do trabalho tem-me feito muito bem. Estava a pensar em apenas ensinar a partir de agora. Só te posso dizer aquilo que já disse ao Meredith.”

“Que vais pensar no assunto.”

“Exatamente.”

Bill soltou um resmundo de descontentamento.

“Podemos ao menos encontrar-nos e conversar sobre o assunto?” Perguntou Bill. “Talvez amanhã?”

Riley calou-se novamente por alguns segundos.

“Amanhã não,” Disse. “Amanhã tenho que ver um homem morrer.”


CAPÍTULO CINCO

 

Riley olhou pela janela para a sala onde Derrick Caldwell em breve morreria. Estava sentada ao lado de Gail Bassett, a mãe de Kelly Sue Bassett, a última vítima de Caldwell. O homem tinha assassinado cinco mulheres antes de Riley o apanhar.

Riley tinha vacilado antes de aceitar o convite de Gail para assistir à execução. Só tinha visto outra até à data, dessa vez como testemunha voluntária sentada entre jornalistas, advogados, polícias, conselheiros espirituais e o representante do júri. Agora ela e Gail encontravam-se entre nove familiares de mulheres mortas por Caldwell, todos amalgamados num espaço exíguo, sentados em cadeiras de plástico.

Gail, uma mulher pequena de sessenta anos com um rosto delicado, tinha mantido o contacto com Riley ao longo dos anos. Na altura da execução o marido já tinha morrido e ela tinha escrito a Riley dizendo que não tinha ninguém para a amparar naquele momento tão importante. E Riley concordara em fazer-lhe companhia.

A câmara da morte estava logo ali do outro lado da janela. O único mobiliário visível na sala era a maca destinada à execução, uma mesa em forma de cruz. Uma cortina de plástico azul estava pendurada por cima da cabeceira da maca. Riley sabia que tubos intravenosos e químicos letais se encontravam por detrás daquela cortina.

Um telefone vermelho na parede tinha ligação direta ao gabinete do Governador. Só tocaria caso houvesse uma decisão de última hora ditando a clemência. Mas ninguém esperava que tal sucedesse. Um relógio por cima da porta que dava para a sala da execução, era o outro objeto de decoração visível.

Na Virginia, os criminosos condenados podiam escolher entre a cadeira elétrica e a injeção letal, mas os químicos acabavam por ser a escolha de eleição. Se o prisioneiro se recusasse a optar, era-lhe atribuída a injeção.

Riley quase estava surpreendida por Caldwell não ter optado pela cadeira elétrica. Era um monstro sem remorsos que parecia acolher com agrado a sua própria morte.

O relógio marcava 08:55 quando a porta se abriu. Riley ouviu um rumor silencioso na sala enquanto vários membros da equipa de execução introduziam Caldwell na câmara. Dois guardas flanqueavam-no, agarrando um em cada braço, e um outro seguia logo atrás dele. Um homem bem vestido surgiu atrás de todos os outros – o diretor da prisão.

Caldwell vestia calças e camisola azuis, sandálias sem meias e estava algemado. Riley não o via há vários anos. Durante a sua breve carreira de assassino em série, exibira cabelo comprido e uma barba desgrenhada, um aspeto boémio que condizia com a sua condição de artista de rua. Agora apresentava-se barbeado e com um aspeto absolutamente normal.

Apesar de não reagir ao ambiente que o rodeava, parecia assustado.

Ótimo, Pensou Riley.

Caldwell olhou para a maca, mas desviou rapidamente o olhar. Parecia tentar a todo o custo não olhar para a cortina de plástico azul na cabeceira da maca. Por um instante, fixou a janela da sala onde se encontrava Riley e os familiares das vítimas. Subitamente pareceu mais calmo e mais composto.

“Quem me dera que nos pudesse ver,” Sussurrou Gail.

Estavam protegidos por um vidro especial e Riley não partilhava do desejo de Gail. Caldwell já tinha olhado para ela de demasiado perto para o seu gosto. Para o capturar tivera que se infiltrar. Fingira ser uma turista no passeio de Dunes Beach e contratou-o para lhe desenhar um retrato. Enquanto trabalhava, tinha-a inundado com todo o tipo de elogios, dizendo-lhe que ela era a mulher mais bela que desenhara em muito tempo.

E soube naquele momento que seria a sua próxima vítima. Naquela mesma noite servira de engodo para o atrair, deixando que a perseguisse na praia. Quando ele a tentara atacar, os reforços chegaram e não tinham tido qualquer dificuldade em detê-lo.

A sua captura tinha sido bastante vulgar. A descoberta de como ele tinha desfeito e mantido as vítimas na arca frigorífica fora outra questão. Estar presente no momento em que a arca fora aberta, resultara numas das experiências mais pungentes da carreira de Riley. Ainda sentia pena das famílias das vítimas, entre elas Gail, por terem tido que identificar as mulheres, filhas e irmãs desmembradas...

“Demasiado belas para viverem,” Tinha dito Caldwell.

Riley sentia-se arrepiada só de pensar que ela fora uma das mulheres que ele vira sob essa perspetiva. Nunca se encarara como bela e raramente os homens, mesmo o ex-marido Ryan, lhe diziam que era. Caldwell tinha sido uma crua e horrível exceção.

O que significaria o facto de um monstro patológico a ter considerado tão perfeitamente adorável? Será que tinha reconhecido nela o que havia de monstruoso nele? Depois do julgamento e condenação, Riley tivera durante algum tempo pesadelos com os seus olhos cintilantes, as suas palavras doces e a sua arca frigorífica repleta de partes de corpos.

A equipa de execução ergueu Caldwell na direção da maca de execução, retiraram as algemas, tiraram as sandálias e amarraram-no com tiras de couro – duas no peito, duas nas pernas, duas à volta dos tornozelos e duas nos pulsos. Os pés nus foram virados na direção da janela o que tornava difícil ver o seu rosto.

De repente, as cortinas das janelas fecharam-se. Riley compreendeu que tal sucedera para esconder a fase da execução em que algo de errado podia acontecer, como por exemplo, a equipa ter dificuldade em encontrar uma veia adequada. Ainda assim, Riley estranhou. As pessoas que ali se encontravam estavam prestes a assistir à morte de Caldwell contudo, não lhes era permitido testemunhar a mundana inserção de agulhas. As cortinas oscilaram ligeiramente, aparentemente deslocadas por um dos membros da equipa que se movimentava do lado de lá.

Quando as cortinas se abriram novamente, os tubos intravenosos estavam colocados, dispostos nos braços do prisioneiro por buracos que passavam as cortinas azuis de plástico. Alguns elementos da equipa de execução estavam atrás dessas cortinas onde administrariam as drogas letais.

Um homem segurava no auscultador do telefone, pronto para receber uma chamada que, com toda a certeza, nunca se realizaria. Outro homem falou com Caldwell, as suas palavras quase inaudíveis graças ao fraco sistema de som. Perguntava a Caldwell se queria pronunciar as suas últimas palavras.

De forma contrastante, a resposta de Caldwell surgiu com uma alarmante clareza.

“A Agente Paige está cá?” Perguntou.

Riley estremeceu ao ouvir aquelas palavras.

O homem não respondeu. Não era uma pergunta que Caldwell tivesse o direito de ver respondida.

Após um momento de silêncio tenso, Caldwell falou novamente.

“Digam à Agente Paige que gostava que a minha arte lhe tivesse feito justiça.”

Apesar de Riley não conseguir ver o seu rosto com clareza, julgou ouvir uma risadinha.

“É tudo,” Disse. “Estou pronto.”

Riley foi inundada por uma onda de raiva, horror e confusão. Não esperava que aquilo pudesse acontecer. Derrick Caldwell tinha dedicado os seus últimos momentos de vida a ela. E sentada ali atrás daquela inquebrantável barreira de vidro, sentiu-se incapaz de fazer fosse o que fosse em relação ao que acabara de ouvir.

Tinha-o levado a prestar contas perante a justiça, mas no final, ele parecia ter alcançado um tipo de vingança estranha e doentia.

Riley sentiu a pequena mão de Gail a apertar a sua.

Meu Deus, Pensou Riley. Ela está a reconfortar-me.

Riley reprimiu a náusea que se apoderava dela.

E então Caldwell proferiu mais algumas palavras.

“Vou sentir quando começar?”

Mas mais uma vez, não obteve qualquer resposta à sua pergunta. Riley viu o fluido mover-se nos tubos intravenosos transparentes. Caldwell respirou fundo várias vezes e pareceu adormecer. O seu pé esquerdo contraiu-se algumas vezes e depois parou.

Um momento depois, um dos guardas apertou ambos os pés e não obteve qualquer reação. Parecia um gesto peculiar. Mas Riley compreendeu que o guarda verificava se o sedativo estava a fazer efeito e se Caldwell estava completamente inconsciente.

O guarda disse qualquer coisa de inaudível às pessoas que estavam atrás da cortina. Riley viu um fluxo renovado de fluido movimentar-se nos tubos intravenosos. Ela sabia que uma segunda droga iria agora atuar para parar o funcionamento dos pulmões. Dali a pouco, uma terceira droga parar-lhe-ia o coração.

À medida que a respiração de Caldwell abrandava, Riley deu por si a pensar naquilo que estava a assistir. Quão diferente era aquilo do seu uso de força letal? A verdade é que já tinha morto vários assassinos.

Mas esta era uma morte diferente dessas outras. Por comparação, era bizarramente controlado, limpo, clínico, imaculado. Parecia inexplicavelmente errado. Irracionalmente, Riley deu por si a pensar...

Não devia ter deixado as coisas chegarem a este ponto.

Ela sabia que estava errada, que tinha capturado Caldwell de forma profissional e em concordância com as regras. Mas mesmo assim pensou...

Devia tê-lo morto eu mesma.

Gail agarrou na mão de Riley com força durante dez longos minutos. Por fim, o elemento da equipa de execução junto a Caldwell disse algo que Riley não conseguiu ouvir.

O guarda saiu de trás da cortina e falou numa voz clara para ser compreendido por todas as testemunhas.

“A sentença foi cumprida com sucesso às 09:07.”

Depois as cortinas encerraram-se novamente. As testemunhas já tinham visto tudo o que deviam ver. Os guardas entraram na sala e pediram a todos para saírem o mais rapidamente possível.

Quando o grupo se encaminhava para o corredor, Gail pegou novamente na mão de Riley.

“Lamento que ele tenha dito o que disse,” Afirmou Gail.

Riley ficou sobressaltada. Como é que era possível que Gail estivesse preocupada com os sentimentos de Riley num momento daqueles, quando justiça tinha sido finalmente feita ao assassino da sua própria filha?

“Com está Gail?” Perguntou Riley enquanto se dirigiam apressadamente para a saída.

Gail caminhou em silêncio durante alguns segundos. A sua expressão parecia completamente vazia.

“Acabou,” Disse por fim, a voz entorpecida e fria. “Acabou.”

Dali a nada já estavam no exterior banhado pelo sol da manhã. Riley conseguiu ver dois ajuntamentos de pessoas do outro lado da rua, divididos um do outro e controlados firmemente pela polícia. De um lado estavam as pessoas que se tinham reunido para aplaudir a execução empunhando sinais de ódio, alguns profanos e obscenos. Estavam compreensivelmente jubilantes. Do outro lado estavam manifestantes anti pena de morte com os seus próprios cartazes. Tinham passado ali a noite em vigília. Eram muito mais moderados.

Riley não conseguia sentir simpatia por qualquer um dos grupos. Estas pessoas estavam ali por elas, para fazer um espetáculo público da sua revolta e retidão, agindo por puro comodismo. No que lhe dizia respeito, não tinham o direito de estar ali, não entre pessoas cuja dor e pesar eram tão reais.

Entre a entrada e os ajuntamentos encontrava-se um enxame de jornalistas com as suas carrinhas de notícias por perto. Quando Riley tentou atravessar a multidão, uma mulher correu na sua direção com um microfone e um repórter de imagem logo atrás dela.

“Agente Paige? É a Agente Paige?” Perguntou.

Riley não respondeu. Tentou passar pela jornalista mas ela não desarmou. “Ouvimos dizer que Caldwell a mencionou nas suas últimas palavras. Quer comentar?”

Outros jornalistas se aproximaram, fazendo a mesma pergunta. Riley cerrou os dentes e furou a multidão. Pelo menos ela conseguiu libertar-se.

Quando se apressava na direção do carro, deu por si a pensar em Meredith e em Bill. Ambos lhe tinham implorado para aceitar um novo caso. E ela estava a evitar dar uma resposta a qualquer um deles.

Porquê? Pensou.

Tinha acabado de fugir aos jornalistas. Também estaria a fugir de Bill e Meredith? Estaria a fugir de quem ela era? De tudo o que tinha que fazer?

 

*

 

Riley estava feliz por se encontrar em casa. A morte a que assistira naquela manhã ainda a deixava com uma sensação de vazio e o regresso a Fredericksburg tinha sido cansativo. Mas quando abriu a porta de casa, algo parecia não estar certo.

Estava anormalmente silenciosa. April já devia ter voltado da escola. E onde estava Gabriela? Riley foi até à cozinha e encontrou-a vazia. Um recado repousava na mesa da cozinha.

Me voy a la tienda, Estava escrito. Gabriela tinha ido fazer compras.

Assolada por uma onda de pânico, Riley agarrou com força as costas de uma cadeira. Da outra vez que Gabriela tinha ido fazer compras, April tinha sido raptada da casa do pai.

Escuridão, o vislumbre da chama.

Riley virou-se e correu para junto das escadas.

“April,” Gritou.

Não obteve resposta.

Riley subiu as escadas a correr. Ninguém se encontrava nos quartos. Ninguém estava no seu escritório.

O coração de Riley batia aceleradamente, apesar da cabeça não parar de lhe dizer que estava a ser pateta. Mas o corpo não ouvia e não obedecia ao que a mente lhe dizia.

Desceu as escadas a correr e saiu para a varanda.

“April,” Gritou.

Mas não havia ninguém a brincar no quintal vizinho e não havia crianças à vista.

Impediu-se de soltar outro grito. Não queria que os vizinhos pensassem que era louca. Não tão cedo.

Tateou o bolso e tirou o telemóvel. Enviou um SMS a April.

Não obteve resposta.

Riley voltou para dentro de casa e sentou-se no sofá. Segurava a cabeça entre as mãos.

Estava de volta ao espaço exíguo do cativeiro, deitada na terra e na escuridão.

Mas a pequena luz movia-se na sua direção. Podia ver o seu rosto cruel a brilhar por entre as chamas. Mas não sabia se o assassino vinha para a levar a ela ou para levar April.

Riley obrigou-se a separar a visão da sua realidade presente.

O Peterson morreu, Dizia enfaticamente a si mesma. Nunca mais nos vai torturar.

Sentou-se no sofá e tentou focar-se no aqui e agora. Agora estava ali na sua nova casa, a viver a sua nova vida. Gabriela tinha ido à loja fazer compras. April estava com toda a certeza por perto.

A sua respiração abrandou, mas não se conseguiu erguer. Tinha medo de ir novamente lá fora e gritar.

Depois do que parecia uma eternidade, Riley ouviu a porta da frente abrir-se.

April entrou a cantar.

Agora Riley já se conseguiu levantar. “Onde é que estiveste?”

April parecia chocada.

“O que é que se passa, mãe?”

“Onde é que estavas? Porque é que não respondeste à minha mensagem?”

“Desculpa, tinha o telemóvel no silêncio. Estava na casa da Cece do outro lado da rua. Quando saímos do autocarro da escola a mãe dela ofereceu-nos gelado.”

“E como é que eu podia adivinhar onde é que tu estavas?”

“Pensei que ainda não estivesses em casa.”

Riley ouvia-se a gritar e não conseguia parar. “Não quero saber o que pensaste. Não pensaste. Tens que me informar sempre...”

As lágrimas a correr no rosto de April impediram-na finalmente de continuar a gritar.

Riley acalmou-se e precipitou-se a abraçar a filha. Inicialmente, o corpo de April estava rígido de raiva, mas Riley sentiu que relaxava gradualmente. E apercebeu-se que pelo seu rosto também corriam lágrimas.

“Desculpa,” Disse Riley. “Desculpa. É só porque passámos por tanto... tanto horror.”

“Mas agora já acabou,” Disse April. “Já acabou, mãe.”

Sentaram-se no sofá, um sofá novo comprado quando se tinham mudado. Tinha-o comprado para a sua nova vida.

“Eu sei que acabou,” Disse Riley. “Eu sei que o Peterson está morto. Estou a tentar habituar-me a isso.”

“É tudo tão melhor agora, mãe. Não tens que te preocupar comigo de minuto a minuto. E não sou uma criancinha estúpida, já tenho quinze anos.”

“E és muito esperta,” Disse Riley. “Eu sei. Só vou ter que me lembrar sempre disso. Amo-te April,” Disse. “É por isso que às vezes enlouqueço.”

“Eu também te amo mãe,” Disse April. “Mas não te preocupes tanto.”

Riley ficou deliciada por ver a filha sorrir novamente. April tinha sido raptada, mantida em cativeiro e ameaçada com um maçarico. Parecia novamente uma adolescente normal, ainda que a mãe ainda não tivesse recuperado a sua estabilidade.

Ainda assim, Riley não conseguia evitar perguntar-se se aquelas memórias negras ainda espreitavam algures na mente da filha, à espera do momento certo para irromper.

Quanto a ela, sabia que precisava de falar com alguém sobre os seus medos e pesadelos recorrentes. Tinha que o fazer muito em breve.


CAPÍTULO SEIS

 

Riley agitava-se na cadeira ao tentar pensar no que queria dizer a Mike Nevins. Sentia-se inquieta e insegura.

“Demora o tempo que for preciso,” Disse o psiquiatra forense, inclinando a cadeira para a frente e fitando-a com preocupação.

Riley deu uma risadinha pesarosa. “O problema é esse,” Disse. “Eu não tenho tempo. Tenho andado a arrastar-me. Tenho que tomar uma decisão. Já a adiei por demasiado tempo. Alguma vez me viste tão indecisa?”

Mike não respondeu. Limitou-se a sorrir e juntou as pontas dos dedos.

Riley estava habituada àquele tipo de silêncio da parte dele. Aquele homem elegante e exigente tinha sido muitas coisas para ela ao longo doa anos. Um amigo, um terapeuta, em alguns momentos uma espécie de mentor. Mais recentemente, ligava-lhe para obter a sua perspetiva sobre a mente obscura de criminosos. Mas esta visita era diferente. Tinha-lhe ligado a noite passada depois de chegar a casa vinda da execução e passara pelo seu gabinete de D.C. naquela manhã.

“Então afinal que escolhas são essas?” Perguntou ele por fim.

“Bem, parece que tenho que decidir o que vou fazer para o resto da minha vida – se ensino ou se sou agente de campo. Ou pensar em qualquer coisa completamente diferente.”

Mike riu-se. “Espera lá. Vamos tentar não planear toda a tua vida futura hoje. Vamos ficar-nos pelo agora. O Meredith e o Jeffreys querem que aceites um caso. Só um caso. Ninguém te disse que tinhas de desistir de ensinar. E tudo o que tens que fazer é dizer sim ou não. Então, qual é o problema?”

Chegara a vez de Riley se calar. Ela não sabia qual era o problema. Era por isso que ali estava.

“Presumo que tens medo de alguma coisa,” Disse Mike.

Riley engoliu em seco. Era isso. Ela tinha medo. Recusava-se a admiti-lo, mesmo a si própria. Mas agora Mike ia obrigá-la a falar sobre isso.

“Então, de que é que tens medo?” Perguntou Mike. “Disseste que andavas a ter pesadelos.”

Riley permaneceu calada.

“Isto está relacionado com o teu problema de SPT,” Disse Mike. “Ainda tens flashbacks?”

Riley estava à espera daquela pergunta. No final de contas, Mike contribuíra mais do que ninguém para ela ultrapassar o trauma de uma experiência particularmente horrível.

Inclinou a cabeça para trás na cadeira e fechou os olhos. Por um momento, estava novamente na gaiola negra de Peterson e ele ameaçava-a com um amaçarico. Meses depois de Peterson a ter mantido cativa, aquela memória impusera-se de forma sistemática na sua mente.

Mas foi então que ela apanhara e matara Peterson. Na verdade, tinha-o espancado até ele se transformar num pedaço de carne sem vida.

Se isso não é um ponto final na história, então não sei o que será, Pensou Riley.

Agora as memórias pareciam impessoais, como se assistisse ao desdobramento da história de outra pessoa.

“Estou melhor,” Disse Riley. “São mais curtos e menos frequentes.”

“E a tua filha?”

A pergunta ferira-a como o gume de uma faca. Sentiu um eco do horror que vivera quando Peterson tinha capturado April. Ainda conseguia ouvir os gritos de ajuda de April a ecoar na sua cabeça.

“Acho que ainda não ultrapassei isso,” Disse. “Acordo com medo de que ela tenha sido novamente levada. Tenho que ir ao quarto dela e certificar-me que ela está lá, segura e a dormir.”

“É por isso que não queres aceitar outro caso?”

Riley estremeceu. “Não quero sujeitá-la outra vez a uma coisa daquelas.”

“Isso não responde à minha pergunta.”

“Pois não,” Disse Riley.

O silêncio instalou-se no gabinete de Mike Nevins.

“Tenho a sensação de que há algo mais,” Disse Mike. “Que mais te provoca pesadelos? Que mais te acorda a meio da noite?”

Estremecendo, um terror escondido subiu à superfície da sua mente.

Sim, havia algo mais.

Mesmo com os olhos bem abertos, conseguia ver o rosto dele - o rosto ameninado e grotescamente inocente de olhos brilhantes de Eugene Fisk. Riley olhara para o fundo desses olhos durante o seu confronto fatal.

O assassino ameaçava Lucy Vargas com uma navalha apontada ao seu pescoço. Naquele momento, Riley sondara os seus mais terríveis medos. Falara sobre as correntes – aquelas correntes que ele acreditava que falavam consigo, forçando-o a cometer homicídio atrás de homicídio, acorrentando mulheres e cortando-lhes as gargantas.

“As correntes não querem que leves esta mulher,” Dissera-lhe Riley. “Ela não é aquilo que elas querem. Tu sabes o que é que as correntes querem.”

Com os olhos a cintilarem com lágrimas, Eugene anuiu. Depois infligiu a si próprio a mesma morte que infligira às suas vítimas.

Cortou a sua própria garganta à frente de Riley.

E agora, ali sentada no gabinete de Mike Nevins, Riley quase sufocava com o seu próprio horror.

“Eu matei o Eugene,” Disse com um tremor súbito.

“Queres dizer, o assassino das correntes. Bem, ele não foi o primeiro homem que mataste.”

Era verdade, ela já usara força letal várias vezes. Mas com Eugene fora muito diferente. Pensava frequentemente na sua morte, mas nunca falara sobre aquilo com ninguém.

“Eu não usei uma arma ou uma pedra ou os meus punhos,” Disse Riley. “Matei-o com compreensão, com empatia. A minha própria mente é uma arma letal. Nunca me apercebera disso antes. E aterroriza-me, Mike.”

Mike anuiu, compreendendo o que Riley lhe transmitia. “Sabes o que é que Nietzsche disse sobre olhar demasiado tempo para um abismo,” Disse Mike.

“O abismo devolve-te o olhar,” Disse Riley, concluindo a célebre frase. “Mas eu fiz muito mais do que olhar para o abismo. Eu praticamente vivi nele. Quase me sentia confortável lá. É uma segunda casa. Assusta-me de morte, Mike. Um destes dias, posso entrar nesse abismo e nunca mais sair de lá. E quem sabe quem posso magoar ou matar.”

“Nesse caso,” Disse Mike, recostando-se na cadeira. “Talvez estejamos a caminhar na direção certa.”

Riley não tinha tanta certeza. E ela não se sentia mais próxima de tomar uma decisão.

 

*

 

Quando Riley atravessou a porta de entrada da sua casa um pouco mais tarde, April surgiu a descer as escadas na sua direção.

“Tens que me ajudar, mãe! Vem!”

Riley seguiu April pelas escadas acima até ao seu quarto. Uma mala estava aberta em cima da cama e roupas estavam espalhadas por todo o lado.

“Não sei o que hei-de levar!” Disse April. “Nunca tive que fazer isto antes!”

Sorrindo perante a combinação de pânico e entusiasmo da filha, Riley ajudou-a a arrumar as coisas. April partia no dia seguinte para uma viagem de estudo – uma semana perto de Washington, D.C. Ia na companhia de um grupo de alunos de História Americana e professores.

Quando Riley assinara os impressos e pagara o valor da viagem, sentira algumas reservas em fazê-lo. Peterson mantivera April presa em Washington e apesar de ter sido nas franjas da cidade, Riley estava preocupada com o facto de a viagem poder trazer o trauma à tona. Mas April parecia estar a sair-se muito bem tanto a nível académico como emocional. E a viagem era uma oportunidade fantástica.

Enquanto ela e April brincavam de forma despreocupada sobre aquilo que April devia levar, Riley apercebeu-se de que se estava a divertir. O abismo de que ela e Mike tinham falado há pouco parecia longínquo. Ela ainda tinha uma vida fora desse abismo. Era uma boa vida e fosse qual fosse a sua decisão, estava determinada em mantê-la.

Enquanto estavam a arrumar as coisas, Gabriela entrou no quarto.

“Señora Riley, o meu táxi vai chegar a qualquer momento,” Disse a sorrir. “Tenho tudo pronto. As minhas malas estão à porta.”

Riley quase se tinha esquecido que Gabriela também estava de partida. Como April ia estar fora, Gabriela pedira uns dias para visitar parentes no Tennessee e Riley tinha concordado.

Riley abraçou Gabriela e disse, “Buen viaje,”

E com o sorriso a desvanecer um pouco, Gabriela disse, “Me preocupo.”

“Estás preocupada?” Perguntou Riley, surpreendida. “O que é que te preocupa Gabriela?”

“Você,” Declarou Gabriela. “Vai ficar sozinha nesta casa.”

Riley riu. “Não te preocupes, eu sei tomar bem conta de mim.”

“Mas não está sola desde que tantas coisas más aconteceram,” Disse Gabriela. “Preocupo-me.”

As palavras de Gabriela tocaram Riley. O que ela dizia era verdade. Desde que ocorrera aquela situação com Peterson, pelo menos a April estivera sempre presente. Poderia abrir-se um vazio escuro e assustador na sua nova casa? Será que mesmo agora o abismo a queria engolir?

“Vou ficar bem,” Tranquilizou-a Riley. “Vai e diverte-te com a tua família.”

Gabriela sorriu e entregou um envelope a Riley. “Isto estava na caixa do correio,” Disse.

Gabriela abraçou April, depois abraçou Riley outra vez e desceu as escadas para esperar pelo táxi.

“O que é mãe?” Perguntou April.

“Não sei,” Disse Riley. “Não tem selo.”

Riley abriu o envelope e encontrou no seu interior um cartão de plástico. Letras decorativas no cartão anunciavam o “Blaine’s Grill”. Por baixo lia-se, “Jantar para dois”.

“Parece que é um cartão presente do nosso vizinho,” Afirmou Riley. “Foi simpático da parte dele. Podemos ir lá jantar quando regressares.”

“Mãe!” Exclamou April. “Ele não quer que o jantar seja para nós as duas.”

“Por que não?”

“Ele está a convidar-te para jantar.”

“Achas mesmo? Não diz nada aqui.”

April abanou a cabeça. “Não sejas pateta. O homem quer sair contigo. A Crystal disse-me que o pai dela gosta de ti. E ele é mesmo giro.”

Riley sentiu-se corar. Já não se lembrava da última vez que alguém a convidara para sair. Estivera casada com Ryan durante vários anos. Desde que se tinham divorciado que ela se tinha focado em instalar-se na sua nova casa e em tomar decisões relacionadas com o trabalho.

“Estás a corar, mãe,” Disse April.

“Vamos arrumar as tuas coisas,” Grunhiu Riley. “Penso em tudo isto mais tarde.”

Ambas voltaram à escolha da roupa. Após alguns minutos de silêncio, April disse, “Estou um bocado preocupada contigo, mãe. Como a Gabriela disse...”

“Eu fico bem,” Disse Riley.

“Ficas mesmo?”

A dobrar uma blusa, Riley ficou sem saber o que responder. Tinha enfrentado muito recentemente pesadelos bem mais complicados do que uma casa vazia – psicopatas assassinos obcecados com correntes, bonecas e maçaricos, só para nomear alguns. Mas será que uma legião de demónios se soltaria quando ela estivesse sozinha? De repente, uma semana começou a parecer-lhe muito tempo. E a perspetiva de decidir se saíria ou não com um vizinho não lhe parecia menos assustadora.

Eu resolvo tudo, Pensou Riley.

Para além disso, ainda tinha outra opção. E já era altura de tomar uma decisão de uma vez por todas.

“Pediram-me para trabalhar num caso,” Disse Riley a April. “Tinha que partir já para o Arizona.”

April parou de dobrar a roupa e olhou para Riley.

“E então vais, não é?” Perguntou.

“Não sei, April,” Disse Riley.

“Qual é a novidade? É o teu trabalho, não é?”

Riley olhou a filha nos olhos. Os tempos difíceis entre ambas pareciam mesmo ser coisa do passado. Desde que ambas tinham sobrevivido aos horrores infligidos por Peterson que estavam ligadas por um novo e inquebrantável laço.

“Tenho andado a pensar em não voltar ao trabalho de campo,” Disse Riley.

Os olhos de April abriram-se muito, surpreendidos.

“O quê? Mãe, apanhar maus da fita é o que fazes melhor.”

“Também sou boa a ensinar,” Declarou Riley. “Sou muito boa a ensinar. E adoro fazê-lo. Gosto mesmo.”

April encolheu os ombros, como se não compreendesse o que Riley lhe dizia. “Bem, então força e ensina. Ninguém te impede. Mas não pares de os apanhar. É tão importante como ensinar.”

Riley abanou a cabeça. “Não sei, April. Depois de tudo por que te fiz passar...”

April ficou incrédula. “Depois de tudo por que me fizeste passar? Do que é que estás a falar? Não me fizeste passar por nada. Fui apanhada por um psicopata chamado Peterson. Se não me tivesse levado a mim, tinha levado outra pessoa qualquer. Não te culpes de nada.”

Depois de um momento de silêncio, April disse, “Senta-te mãe. Temos que falar.”

Talvez precise mesmo de sermão, Pensou Riley.

April sentou-se ao pé de Riley.

“Alguma vez te falei da minha amiga Angie Fletcher?” Perguntou April.

“Penso que não.”

“Bem, éramos muito chegadas mas ela mudou de escola. Ela era muito esperta, estava apenas um ano à minha frente. Ouvi dizer que ela tinha começado a comprar drogas a um tipo que toda a gente chamava de Trip. Ela começou a consumir heroína a sério. E quando ficava sem dinheiro, o Trip punha-a a trabalhar como prostituta. Treinou-a pessoalmente, obrigou-a a mudar-se para casa dele. A mãe estava tão mal que mal notou a ausência da Angie. O Trip até fazia publicidade a ela no site, obrigou-a a fazer uma tatuagem a jurar que era dele para sempre.”

Riley estava chocada. “O que é que lhe aconteceu?”

“Bem, o Trip acabou por ser preso e a Angie foi para um centro de reabilitação. Isto aconteceu este verão enquanto estávamos em Nova Iorque. Não sei o que é que lhe aconteceu depois disso. Só sei que tem dezasseis anos e tem a vida arruinada.”

“Tenho muita pena,” Disse Riley.

April resmungou com impaciência.

“Não estás mesmo a perceber, pois não mãe? Não tens que lamentar nada. Passaste a tua vida inteira a evitar este tipo de situação. E prendeste tipos como o Trip – alguns deles para sempre. Mas se parares de fazer aquilo que fazes melhor, quem é que o vai fazer por ti? Alguém tão bom como tu? Duvido, mãe. Duvido muito.”

Riley nada disse durante alguns segundos. Então, sorrindo, apertou carinhosamente a mão de April.

“Acho que tenho que fazer um telefonema,” Disse.


CAPÍTULO SETE

 

Quando o avião do FBI levantou voo de Quantico, Riley tinha a certeza que ia enfrentar outro monstro. E sentia-se desconfortável com essa pespetiva. Tinha querido afastar-se de assassinos durante algum tempo, mas aceitar aquela investigação parecia a decisão mais acertada. Meredith tinha ficado claramente aliviado quando ela aceitara.

April tinha partido para uma visita de estudo de uma semana naquela manhã e agora Riley e Bill estavam a caminho de Phoenix. Pela janela do avião, Riley assistira à tarde a converter-se em noite e via a chuva bater ferozmente no vidro. Riley manteve-se presa ao assento até o avião atravessar as ameaçadoras nuvens cinzentas, subindo até um pedaço de céu tranquilo. Por baixo deles avistava-se uma vasta superfície almofadada que escondia a terra onde o mais provável era as pessoas estarem a tentar manter-se secas. E, pensou Riley, dedicarem-se aos seus prazeres ou horrores de todos os dias ou a qualquer outra coisa intermédia.

Assim que o avião estabilizou, Riley virou-se para Bill e perguntou, “O que tens para me mostrar?”

Bill abriu o seu portátil na mesa à frente deles. Mostrou uma foto de um grande saco do lixo preto não inteiramnete submerso em águas pouco profundas. Era visível uma mão branca sem vida a sair da abertura do saco.

Bill explicou, “O corpo de Nancy Holbrook foi encontrado num lago artificial no sistema hídrico à saída de Phoenix. Era uma acompanhante de trinta anos que prestava serviços por elevados preços. Por outras palavras, era uma prostituta de luxo.”

“Afogou-se?” Perguntou Riley.

“Não. A causa de morte mais provável é asfixia. Depois foi colocada dentro de um saco do lixo e atirada para o lago. O saco do lixo continha pedras para fazer peso.”

Riley examinou a fotografia com mais atenção. Na sua mente já se perfilavam muitas perguntas.

“O assassino deixou alguma prova física?” Perguntou. “Impressões digitais, fibras, ADN?”

“Nada.”

Riley abanou a cabeça. “Não percebo. Quero dizer, a forma como se descartou do corpo. Porque é que o assassino não foi mais cuidadoso? Um lago de água doce é perfeito para alguém se livrar de um corpo. Os corpos afundam-se e decompõem-se mais rapidamente em água doce. Claro que podem voltar a emergir mais tarde devido ao inchaço e aos gases. Mas pedras suficientes no saco teriam resolvido o problema. Porquê deixá-la em águas pouco profundas?”

“Acho que nos compete a nós descobrir isso,” Disse Bill.

Bill mostrou entretanto várias outras fotos da cena do crime, mas não acrescentaram grande coisa.

“Então o que te parece?” Perguntou Riley. “Estamos perante um assassino em série ou não?”

Bill franziu o sobrolho pensativo.

“Não sei,” Disse. “A sério, só temos uma prostituta assassinada. Claro, outras prostitutas desapareceram em Phoenix. Mas isso não tem nada de novo. Isso acontece com frequência em todas as grandes cidades do país.”

A palavra “frequência” naquele contexto desagradava a Riley. Como é que o desaparecimento continuado de um certo tipo de mulheres podia ser considerado algo normal e rotineiro? Ainda assim, ela sabia que o que Bill dizia era verdade.

“Quando o Meredith telefonou deu a entender que era algo urgente,” Disse Riley. “E agora dá-nos tratamento VIP com voo direto para lá num avião da UAC.” Riley pensou por um momento. “As suas palavras exatas foram que o seu amigo queria que encarássemos aquele homicídio como o trabalho de um assassino em série. Mas parece que ninguém tem a certeza que se trata de um assassino em série.”

Bil encolheu os ombros. “Pode não ser. Mas o Meredith parece ser muito próximo do irmão de Nancy Holbrook, Garrett Holbrook.”

“Pois,” Disse Riley. “Ele disse-me que tinham frequentado a academia juntos. Mas isto é tudo muito invulgar.”

Bill não contestou. Riley reclinou-se no seu banco e considerou a situação. Parecia bastante óbvio que Meredith estava a contornar as regras do FBI como favor ao amigo. Isso não era nada habitual em Meredith.

Mas isso não fez com que Riley tivesse menos consideração por Meredith. Aliás, ela admirava a devoção que demonstrava em relação ao amigo. E pensou...

Se haveria alguém por quem contornaria as regras? Talvez o Bill?

Ao longo dos anos ele fora muito mais do que um mero parceiro e até mais do que um amigo. Ainda assim, Riley não tinha a certeza. E isso fê-la pensar no quão próxima se sentia dos colegas de trabalho, incluindo o Bill.

Mas não fazia muito sentido pensar naquilo naquele momento. Riley fechou os olhos e adormeceu.

 

*

 

O dia estava limpo e solarengo quando aterraram em Phoenix.

Ao saírem do avião, Bill cutucou Riley e disse, “Uau, que tempo fantástico. Talvez tenhamos algum tempo livre nesta viagem.”

Riley duvidou que a estadia em Phoenix lhe proporcionasse qualquer diversão. Já se passara muito tempo desde que tivera umas férias a sério. A sua última tentativa em Nova Iorque com a April tinha sido encurtada pelo caos e desordem que faziam parte da sua vida.

Um destes dias, tenho que descansar a sério, Pensou.

Um jovem agente local foi ter com eles ao avião e levou-os até às instalações do FBI de Phonenix, um vistoso edifício moderno. Ao estacionar o carro no parque de estacionamento do Bureau, comentou, “Design fixe, não é? Até ganhou um prémio qualquer. Conseguem adivinhar o que é suposto parecer?”

Riley olhou para a fachada. Era completamente lisa com longos retângulos e estreitas janelas verticais. Tudo estava cuidadosamente disposto e o padrão parecia familiar. Riley deteve-se e observou o edifício durante alguns momentos.

“Sequenciamento de ADN?” Perguntou Riley.

“Sim,” Disse o agente. “Mas aposto que não consegue adivinhar com que se assemelha o labirinto de pedra visto de cima.”

Mas entraram no edifício antes de Riley e Bill arriscarem uma hipótese. No interior do edifício, Riley viu o motivo de ADN reproduzido nos azulejos do chão. O agente conduziu-os por entre paredes e divisórias horizontais de aspeto severo até chegarem ao gabinete do Agente Especial Responsável Elgin Morley.

Riley e Bill apresentaram-se a Morley, um homem pequeno na casa dos cinquenta com um negro e espesso bigode, e óculos redondos. Outro homem estava à espera deles no gabinete. Estava na casa dos quarenta, era alto, esquelético e ligeiramente curvado. Riley pensou que tinha um ar cansado e deprimido.

Morley disse, “Agentes Paige e Jeffreys, apresento-vos o Agente Garrett Holbrook. A sua irmã foi a vítima encontrada no Lago Nimbo.”

Cumprimentaram-se com apertos de mão e por fim os quatro agentes sentaram-se para discutir o caso.

“Obrigado por terem vindo,” Disse Holbrook. “Isto tem sido bastante avassalador.”

“Fale-nos da sua irmã,” Principiou Riley.

“Não vos consigo dizer muita coisa,” Disse Holbrook. “Não a conhecia lá muito bem. Era meia-irmã. O meu pai era um idiota mulherengo, deixou a minha mãe e teve filhos de três mulheres diferentes. A Nancy era quinze anos mais nova do que eu. Tivemos muito pouco contacto ao longo dos anos.”

Durante alguns momentos, fitou o chão com um olhar vazio, os dedos a tamborilarem de forma ausente no braço da cadeira. Depois, sem olhar para os colegas disse, “A última vez que soubera dela, estava a trabalhar num escritório e a ter aulas numa escola comunitária. Isso foi há alguns anos. Fiquei chocado quando soube o rumo que tinha seguido. Não fazia ideia.”

Depois calou-se. Riley teve a sensação de que algo ficara por dizer, mas acabou por se capacitar de que talvez aquilo fosse mesmo tudo o que o homem sabia. No final de contas, o que é que Riley podia dizer da sua própria irmã mais velha caso alguém a interpelasse? Ela e a Wendy estavam sem saber uma da outra há tanto tempo que bem podiam nem ser irmãs.

Ainda assim, Riley pressentiu algo mais do que pesar no comportamento de Holbrook e não pode deixar de considerar estranho este seu primeiro depoimento.

Morley sugeriu que Riley e Bill fossem com ele à Patologia Forense onde poderiam observar o corpo. Holbrook assentiu e referiu que iria para o seu gabinete.

Ao seguirem o Agente Responsável pelo corredor, Bill perguntou, “Agente Morley, qual a razão para pensarmos que estamos perante um assassino em série?”

Morley abanou a cabeça. “Não sei bem se temos uma razão concreta para pensar dessa forma,” Disse. “Mas quando o Garrett soube da morte da Nancy, não sossegou. É um dos nossos melhores agentes e tentei protegê-lo. Ele tentou avançar com a sua própria investigação, mas não chegou a lado nenhum. A verdade é que durante todo este tempo não tem estado em si.”

Riley tinha notado que Garrett parecia terrivelmente inquieto. Talvez um pouco mais do que deveria um agente experiente, mesmo tratando-se da morte de um familiar. Afinal, ele tornara claro que ele e a irmã não eram chegados.

Morley conduziu Riley e Bill até à área de Patologia Forense do edifício onde os apresentou à chefe de equipa, Dra. Rachel Fowler. A patologista abriu a unidade refrigerada onde se encontrava guardado o corpo de Nancy Holbrook.

Riley estremeceu ligeiramente perante o odor familiar a decomposição, apesar do cheiro ainda não estar particularmente forte. Reparou que a mulher possuíra estatura baixa e fora muito magra.

“Não esteve muito tempo dentro de água,” Disse Fowler. “A pele estava a começar a enrugar quando foi encontrada.”

A Dra. Fowler apontou para os pulsos.

“Podem ver-se queimaduras de corda. Parece ter sido amarrada quando foi morta.”

Riley reparou em marcas empoladas no cotovelo de um dos braços da vítima.

“Parecem marcas de toxicodependente,” Disse Riley.

“Pois é. Ela consumia heroína. O meu palpite é que ela estava a entrar completamente no vício.”

Parecia a Riley que a mulher tinha sido anorética e isso era consistente com a teoria de adição aventada por Fowler.

“Esse tipo de vício parece algo deslocado quando falamos de uma acompanhante de luxo,” Disse Bill. “Como é que podemos saber que era viciada?”

Fowler mostrou um cartão de negócios laminado que estava dentro de um saco de prova. Tinha uma foto provocadora de uma mulher morta nele. O nome no cartão era simplesmente “Nanette” e o negócio era “Ishtar Escorts”.

“Este cartão estava com a vítima quando foi encontrada,” Explicou Fowler. “A polícia entrou em contacto com a Ishtar Escorts e descobriu o nome verdadeiro da mulher, o que tornou possível identificá-la como a meia-irmã do Agente Holbrook.”

“Como é que foi asfixiada?” Perguntou Riley.

“Tem nódoas negras no pescoço,” Disse Fowler. “O assassino pode ter enfiado a cabeça da vítima num saco de plástico.”

Riley observou as marcas mais atentamente. Teria aquilo sido um jogo sexual que correu mal ou um ato homicida deliberado? Ainda não podia ter a certeza.

“O que tinha vestido quando foi encontrada?” Perguntou Riley.

Fowler abriu uma caixa que continha a roupa da vítima. Usava um vestido rosa com um decote cavado, mas não demasiado, claramente um degrau acima da típica prostituta de rua. Era o vestido de uma mulher que queria parecer muito sexy e ao mesmo tempo adequado como traje para clubes noturnos.

Junto ao vestido estava um saco de plástico com joias.

“Posso ver?” Perguntou Riley a Fowler.

“Força.”

Riley pegou no saco e observou o seu conteúdo. A maioria era bijuteria de razoável gosto – um colar de contas, pulseiras e brincos simples. Mas um elemento se destacava entre os outros. Um elegante anel de ouro com um diamante. Pegou nele e mostrou-o a Bill.

“Verdadeiro?” Perguntou Bill.

“Sim,” Respondeu Fowler. “Ouro verdadeiro e diamante verdadeiro.”

“O assassino não se deu ao trabalho de o roubar,” Comentou Bill. “Não teve nada a ver com dinheiro.”

Riley virou-se para Morley. “Gostava de ver o local onde o corpo foi encontrado,” Disse. “Agora mesmo, enquanto ainda temos luz do dia.”

Morley parecia intrigado.

“Podemos lá chegar de helicóptero,” Disse. “Mas não sei o que espera encontrar. Polícias e agentes passaram aquilo a pente fino.”

“Confie nela,” Disse Bill. “Ela vai encontrar alguma coisa.”


CAPÍTULO OITO

 

A ampla superfície do Lago Nimbo parecia quieta e tranquila quando o helicóptero se aproximou.

Mas as aparências enganam, Lembrou Riley a si mesma. Ela sabia melhor do que ninguém que superfícies calmas podiam esconder segredos terríveis.

O helicóptero desceu, oscilando enquanto pairava à procura de um lugar para aterrar. Riley sentiu-se um pouco enjoada graças àquele movimento irregular. Ela não gostava muito de helicópteros. Olhou para Bill sentado a seu lado. Não parecia melhor do que ela.

Mas quando Riley olhou para o Agente Holbrook, viu um rosto vazio. Mal tinha proferido uma palavra durante o voo de meia hora de Phoenix. Riley ainda não sabia muito bem o que pensar a respeito dele. Estava habituada a decifrar as pessoas facilmente, às vezes demasiado facilmente para o seu próprio gosto. Mas Holbrook ainda era para ela um enigma.

Finalmente o helicóptero tocou no solo e os três agentes do FBI pisaram terra firme, baixando-se debaixo das hélices que rodavam por cima das suas cabeças. A estrada onde o helicóptero aterrara não passava de uma faixa no meio das ervas do deserto onde se avistavam marcas de pneus paralelas.

Riley reparou que a estrada não parecia ser muito frequentada. Ainda assim, parecia que haviam passado por ali suficientes veículos na semana anterior para ocultar quaisquer marcas deixadas pelo veículo conduzido pelo assassino.

O ruidoso motor do helicóptero parou, tornando mais fácil a Riley e Bill conversarem com Holbrook enquanto o seguiam a pé até ao local onde o corpo fora encontrado.

“Diga-nos o que puder sobre lago,” Pediu Riley a Holbrook.

“É um de uma série de reservatórios criados por barragens ao longo do Rio Acacia,” Disse Holbrook. “É o mais pequeno dos lagos artificiais. Tem muito peixe e é um popular lugar de recreação, mas as áreas públicas estão situadas do outro lado do lago. O corpo foi descoberto por dois adolescentes pedrados. Vou mostra-vos o local exato.”

Holbrook levou-os para fora da estrada até um cume de pedra com vista para o lago.

“Os miúdos estavam aí onde está,” Disse. Apontou na direção da margem do lago. “Olharam lá para baixo e viram-na. Disseram que lhes parecia apenas uma forma escura na água.”

“Em que altura do dia é que os miúdos estiveram aqui?” Perguntou Riley.

“Um pouco mais cedo do que agora,” Respondeu Holbrook. “Tinham faltado à escola e pedraram-se.”

Riley abarcou a cena. O sol estava baixo e o topo das falésias vermelhas do outro lado do lago estavam iluminadas pelo sol. Alguns barcos flutuavam na água. A distância entre o local e a água não era muita, talvez apenas três metros.

Holbrook apontou para um lugar próximo onde o declive não era tão acentuado.

“Os miúdos foram até lá abaixo para verem mais de perto,” Disse. “Foi aí que descobriram do que é que se tratava.”

Pobres miúdos, Pensou Riley. Já haviam passado duas décadas desde que ela tinha experimentado marijuana na faculdade. Mesmo assim, podia muito bem imaginar o ampliado horror da descoberta sob a influência da droga.

“Queres ir até lá abaixo para vermos mais de perto?” Perguntou Bill a Riley.

“Não, vê-se bem daqui,” Disse Riley.

O seu instinto dizia-lhe que estava certa no essencial. Afinal de contas, de certeza que o assassino não tinha arrastado o corpo por aquele declive por onde os miúdos tinham descido.

Não, Pensou. Ele ficou aqui mesmo.

Parecia que a vegetação esparsa ainda estava quebradiça no local onde ela se encontrava.

Respirou fundo algumas vezes, tentando ver as coisas sob a perspetiva do assassino. Sem dúvida que ali tinha estado à noite. Mas a noite estava sem nuvens ou nublada? Bem, naquela época do ano no Arizona, o mais provável era a noite estar sem nuvens. E lembrou-se que a lua estaria luminosa há uma semana atrás. Na noite estrelada e banhada de luar, conseguiria ver o que estava a fazer com bastante nitidez – muito possivelmente até sem precisar de uma lanterna.

Riley imaginou o assassino a pousar o corpo ali. Mas o que fizera de seguida? Obviamente que fizera o corpo rebolar. Caíra diretamente na água.

Mas algo neste cenário parecia não bater certo. Pensou novamente, como já o fizera no avião, por que é que ele fora tão descuidado.

Na verdade, dali o mais certo era ele não ter conseguido ver que o corpo não se afundara muito. Os miúdos tinham descrito o saco como “uma forma negra na água”. Daquela altura, o saco submerso estaria provavelmente invisível até numa noite sem nuvens. Ele assumira que o corpo se tinha afundado, como sucede com os cadáveres recentes na água doce, sobretudo quando auxiliados pelo peso de pedras.

Mas porque é que ele partiu do princípio de que ali a água era profunda?

Espreitou na direção da água clara. À luz do fim de tarde, conseguia facilmente ver o ressalto submerso onde o corpo tinha aterrado. Era uma pequena área horizontal, não mais do que a ponta de uma pedra. À sua volta, a água era negra e profunda.

Olhou em redor do lago. Falésias despontavam de todos os lados na água. Era possível perceber que o Lago Nimbo tinha sido um desfiladeiro profundo antes da barragem o encher de água. Apenas detetara alguns locais onde se podia caminhar ao longo da margem. Os lados da falésia caíam na direção das profundezas.

À direita e à esquerda, Riley viu cumes semelhantes aos que vira do local onde se encontrava, a erguerem-se a uma altura aproximada. A água abaixo das falésias era negra, não mostrando sinais do tipo de ressalto que estava logo abaixo.

E foi então que Riley compreendeu.

“Ele já fez isto antes,” Disse a Bill e Holbrook. “Há outro corpo neste lago.”

 

*

 

Na viagem de helicóptero de regresso à sede da Divisão de Phoenix do FBI, Holbrook disse, “Então pensa que afinal sempre pode ser um caso de assassino em série?”

“Sim, acredito que sim,” Afirmou Riley.

Holbrook disse, “Eu não tinha a certeza. Estava sobretudo ansioso por ter na investigação alguém realmente bom. O que é que viu que a fez mudar de ideias?”

“Há outros ressaltos muito semelhantes àquele para onde ele empurrou o corpo,” Explicou Riley. “Já tinha usado um desses pontos antes e esse corpo afundara como era suposto. Mas talvez desta vez não tivesse encontrado esse mesmo local. Ou talvez pensasse que se tratava do mesmo local. De qualquer das formas, ele esperava obter o mesmo resultado desta vez e enganou-se.”

Bill disse, “Eu disse que ela ia encontrar alguma coisa.”

“Os mergulhadores vão ter que fazer buscas neste lago,” Acrescentou Riley.

“Isso vai exigir muito trabalho,” Disse Holbrook.

“Tem que ser feito de qualquer das formas. Há outro corpo algures. Podem ter a certeza que há. Não sei há quanto tempo lá está, mas está lá.”

Parou por um momento, avaliando mentalmente o que tudo aquilo indicava acerca da personalidade do assassino. Era competente e capaz. Não era um zé-ninguém patético como Eugene Fisk. Era mais como Peterson, o assassino que a tinha capturada a ela e a April. Era astuto e preparado, e gostava de matar – mais um sociopata do que um psicopata. Acima de tudo, ele era alguém confiante.

Talvez demasiado confiante para o seu próprio bem, Pensou Riley.

Essa confiança podia muito facilmente vir a ser a sua queda.

Riley disse, “O homem que procuramos não é um marginal. Aposto que é um cidadão normal, razoavelmente bem-educado, talvez com mulher e família. Ninguém que o conheça pensa que é um assassino.”

Riley observou o rosto de Holbrook à medida que falavam. Apesar de agora saber mais detalhes sobre o caso, Holbrook ainda lhe parecia completamente impenetrável.

O helicóptero circulou o edifício do FBI. Já anoitecera e a área em baixo estava bem iluminada.

“Olha para ali,” Disse Bill, apontando para a janela.

Riley olhou para onde Bill tinha apontado. Ficou surpreendida ao ver que dali o jardim de pedras parecia uma impressão digital gigantesca. Espalhava-se debaixo deles como um sinal de boas-vindas. Algum paisagista excêntrico decidira que aquela imagem de pedra era mais adequada para o novo edifício do FBI do que seria um jardim convencional. Centenas de pedras haviam sido cuidadosamente colocadas em filas curvas para criar a ilusão.

“Uau,” Disse Riley a Bill. “Que impressão terão usado? Alguém lendário. O Dillinger, talvez?”

“Ou talvez John Wayne Gacy. Ou Jeffrey Dahmer.”

Riley pensou que era um estranho espetáculo. No solo, ninguém poderia adivinhar que o arranjo de pedras seria algo mais do que um labirinto sem significado.

Quase lhe pareceu um sinal de aviso. Este caso ia exigir que ela visse as coisas sob uma nova e perturbadora perspetiva. Estava prestes a sondar uma escuridão que nem ela julgava possível existir.


CAPÍTULO NOVE

 

O homem gostava de observar as prostitutas. Gostava da forma como se juntavam na esquina e percorriam os passeios, geralmente aos pares. Considerava-as muito mais alegres do que as call girls ou as acompanhantes, propensas a perder as estribeiras mais facilmente.

Por exemplo, naquele preciso momento, vira uma a praguejar contra um grupo de rapazes malcriados que haviam tirado uma fotografia sua a partir de um carro. O homem não a censurava. Porque afinal de contas, ela estava ali para trabalhar, não para servir de cenário.

Onde está o respeito? Pensou o homem com um sorriso de escárnio. Estes miúdos de hoje em dia.

Agora os rapazes riam-se dela e gritavam-lhe obscenidades. Mas não conseguiam estar à altura das suas coloridas réplicas, algumas delas em Espanhol. O homem gostava do estilo dela.

Naquela noite estava à espreita, estacionado junto a uma fila de motéis baratos onde as prostitutas se reuniam. As outras raparigas tinham menos vivacidade do que aquela que ele vira praguejar. Em comparação, as suas tentativas de parecerem sexy eram estranhas e as suas tentativas de aliciamento de clientes eram cruas e vazias. Enquanto as observava viu uma delas a levantar a saia para mostrar as minúsculas cuecas ao condutor de um carro que passava em marcha lenta. O condutor não parou.

O homem mantinha debaixo de olho aquela que primeiro lhe tinha chamado a atenção. Andava por ali de forma pouco digna, a queixar-se às outras raparigas.

O homem sabia que a teria se quisesse. Podia muito bem ser a sua próxima vítima. Tudo o que tinha a fazer para chamar a sua atenção era conduzir na sua direção.

Mas não, não o faria. Nunca o fazia. Nunca abordara uma prostituta na rua. Ela é que tinha que o abordar. E o mesmo acontecia com as prostitutas que conhecia através de um serviço ou de um bordel. Fazia com que o encontrassem sozinho em separado, sem nunca perguntar diretamente. Assim, pareceria que a ideia partira delas.

Com alguma sorte, a rapariga alegre repararia no seu carro caro e encaminhar-se-ia na sua direção. O seu carro era um magnífico chamariz. E também o facto de se vestir bem.

Mas independentemente de como a noite terminasse, teria que ter mais cuidado do que da última vez. Fora descuidado ao largar o corpo naquele local à espera que se afundasse.

E que alvoroço tinha despoletado! A irmã de um agente do FBI! E até tinham chamado os melhores agentes de Quantico. Não lhe agradava. Ele não queria publicidade ou fama. Só queria satisfazer os seus desejos.

E não os tinha todas as noites? Que homem adulto saudável não tinha os seus desejos?

Agora iam enviar mergulhadores para o lago para procurarem corpos. Ele sabia bem o que lá podiam encontrar, mesmo passados três anos. E não lhe agradava nada.

E não era só por si. Estranhamente, sentia pena do lago. Mergulhadores a sondarem e espreitarem cada canto submerso e escuso, parecia-lhe algo obsceno e invasivo, uma indesculpável violação. Afinal, o lago não tinha feito nada de mal. Porque deveria ser importunado?

De qualquer das formas, não estava preocupado. Não havia forma de ligarem qualquer das vítimas a ele. Era simplesmente impossível de acontecer. Mas não ia regressar àquele lago. Ainda não decidira onde ia depositar a próxima vítima, mas tinha a certeza que tomaria uma decisão antes do fim da noite.

Agora a rapariga alegre olhava para o seu carro. Começou a caminhar atrevidamente na sua direção.

Baixou a janela do lado do passageiro e ela introduziu a cabeça lá dentro. A mulher era uma latina de pele morena, pesadamente maquilhada com batôn espesso, sombras coloridas e sobrancelhas ferozes que pareciam tatuagens. Os brincos eram crucifixos enormes e dourados.

“Belo carro,” Disse a mulher.

Ele sorriu.

“O que é que uma rapariga tão bonita como tu faz tão tarde na rua?” Perguntou o homem. “Não é hora de dormir?”

“Talvez me quisesses aconchegar,” Disse a mulher a sorrir.

Reparou que os dentes dela eram incrivelmente brancos e direitos. De facto, parecia notavelmente saudável. Isso era algo muito raro de encontrar ali nas ruas onde a maior parte das raparigas eram consumidoras de metanfetaminas.

“Gosto do teu estilo,” Disse o homem. “Muito chola.”

O sorriso dela alargou-se. Ele percebeu que se sentira elogiada.

“Como te chamas?” Perguntou o homem.

“Socorro.”

Ah, “socorro”, Pensou. A palavra espanhola para “ajuda”.

“Aposto que serias um grande socorro,” Disse o homem num tom malicioso.

E os olhos profundos e castanhos da mulher devolveram-lhe a malícia. “Parece que precisas de algum socorro neste momento.”

“Talvez precise,” Disse o homem.

Mas antes de começarem a discutir as condições, um carro parou logo atrás dele. Ouviu um homem a gritar da janela do condutor.

“¡Socorro!” Gritou. “¡Vente!”

A mulher ergueu-se com uma clara demonstração de indignação.

“¿Porqué?” Gritou ela.

“Vente aquí, ¡puta!”

O homem detetou um laivo de medo nos olhos da mulher. Não podia ser porque o homem no carro a chamara de puta. Assumiu que o homem fosse o proxeneta a ver ificar quanto dinheiro ela tinha ganho até àquele momento.

“¡Pinche Pablo!”Murmurou o insulto entredentes. Depois caminhou na direção do carro.

O homem ali ficou, a pensar se ela voltaria, se ainda quereria ir com ele. De qualquer das formas, ele não gostou daquilo. Esperar não era o seu estilo.

O seu interesse na rapariga desapareceu subitamente. Não, não se ia ralar com ela. Não tinha a menor ideia da sorte que tinha.

Para além disso, o que fazia ele ali? A sua próxima vítima tinha que ter mais classe.

Chiffon, Pensou. Quase se tinha esquecido da Chiffon. Mas talvez a esteja a reservar para uma ocasião especial.

Ele podia esperar. Não tinha que ser naquela noite. Saiu do bairro, regozijando-se com a sua demonstração de contenção apesar dos seus imensos desejos. Considerava aquela uma das suas melhores qualidades.

Afinal, ele era um homem muito civilizado.


CAPÍTULO DEZ

 

As três jovens mulheres que se encontravam na sala de interrogatório não se pareciam minimamente com aquilo que Riley esperava. Durante alguns momentos, limitou-se a observá-las através do vidro. Estavam vestidas com elegância, quase como secretárias bem pagas. Tinham-lhe dito que se chamavam Mitzi. Koreen e Tantra. É claro que Riley tinha a certeza de que aqueles não eram os seus nomes verdadeiros.

Riley também duvidava que se vestissem de forma tão aceitável quando estavam a trabalhar. A trabalhar por cerca de 250 dólares à hora, com certeza que investiriam em guarda-roupas elaborados para se ajustarem a todas as fantasias dos seus clientes. Tinham sido colegas de Nancy “Nanette” Holbrook na Ishtar Escorts. As roupas que Nancy Holbrook vestia quando foi morta eram nitidamente menos próprias. Mas Riley presumiu que quando não estivessem a trabalhar, aquelas mulheres queriam ter uma aparência respeitável.

Apesar das prostitutas terem desempenhado um papel em alguns dos casos que Riley investigara no passado, aquela era a primeira vez que trabalhava tão de perto com elas. Aquelas mulheres eram elas próprias potenciais vítimas. Até podiam ser potenciais suspeitas, apesar de virtualmente todos os homicídios daquele género serem executados por homens. Riley tinha a certeza que aquelas mulheres não eram o tipo de monstros com que tantas vezes se deparara nas suas investigações.

Já era domingo à tardinha. Na noite anterior, Riley e Bill tinham-se instalado nos seus confortáveis quartos de hotel, não muito distantes do edifício do FBI. Riley ligara a April que se encontrava em Washington, D.C. numa visita de estudo de história. April estava risonha e feliz, e avisara a mãe que não tinha muito tempo a perder com chamadas. “Amanhã envio-te uma mensagem,” Disse April, gritando por cima do barulho adolescente que a rodeava.

Riley sentia que grande parte do dia já tinha sido desperdiçado. Levara a maior parte do dia a sinalizar as prostitutas e levá-las até ali. Riley tinha dito ao Agente Especial Responsável Elgin Morley que queria falar com as mulheres sem que estivesse qualquer homem presente. Talvez fossem mais abertas com outra mulher. Agora observava-as e ouvi-as sem ser vista durante alguns minutos antes de as interrogar. Através do altifalante, conseguia ouvir a sua conversa.

Os seus estilos e personalidades eram distintos. Mitzi era baixa, loira, atraente, apresentava a imagem algo estereotipada de vizinha de cidade pequena.

“Então o Kip já te pediu em casamento?” Perguntou Mitzi a Koreen.

“Ainda não,” Respondeu Koreen com um sorriso conspirativo. Era uma elegante morena com a graça de uma bailarina. “Mas tenho a sensação que comprou um anel.”

“Ele ainda quer ter quatro filhos?” Perguntou Mitzi.

Koreen soltou um riso alto e cadenciado. “Convenci-o a serem apenas três. Mas cá entre nós, só vai conseguir dois.”

Mitzi riu-se.

Tantra deu uma cotovelada a Koreen. Era uma Afro-Americana alta com uma compleição admirável. Parecia ter adotado a pose glamorosa de uma supermodelo.

“O melhor é ele não descobrir o que fazes, miúda,” Disse Tantra.

E as três mulheres riram com vontade. Riley foi apanhada de surpresa. Estas três prostitutas falavam em ter família como qualquer mulher normal faria num salão de beleza. Seria aquela normalidade realmente possível para elas? Não conseguia imaginar que tal fosse possível.

Riley decidira que já as fizera esperar tempo suficiente. Quando entrou na sala de interrogatório, sentiu a atmosfera descontraída desfazer-se num ápice. Agora as mulheres estavam claramente apreensivas.

“Sou a Agente Riley Paige,” Apresentou-se. “Gostaria de vos fazer algumas perguntas.”

As três mulheres soltaram suspiros de desalento.

“Oh, meu Deus, mais perguntas não!” Disse Mitzi. “Já falámos com a polícia.”

“Gostava de vos colocar algumas perguntas minhas se não se importarem,” Disse Riley.

Mitzi abanou a cabeça. “Isto já parece assédio,” Disse.

“O que fazemos é perfeitamente legal,” Disse Koreen.

“Não me interessa o que fazem,” Disse Riley. “Sou uma investigadora do FBI, não uma juíz.”

Koreen murmurou, “Pode crer.”

Mitzi olhou para o relogio. “Podemos despachar-nos?” Perguntou. “Tenho três aulas hoje.”

“Quantos créditos fazes este semestre?” Perguntou Koreen.

“Vinte,” Respondeu Mitzi.

Koreen suspirou. “É uma carga valente.”

“Pois é, mas quero terminar os estudos o mais rapidamente possível.”

Riley foi novamente apanhada de surpresa.

A Mitzi vai para a faculdade, Pensou.

Já tinha ouvido dizer que por vezes as mulheres que querem prosseguir os estudos escolhiam a prostituição como forma de pagar as propinas. Com o dinheiro que ganhava, não teria que se endividar demasiado. Ainda assim, pareceu a Riley algo perturbador.

“Vou tentar ser breve,” Disse Riley. “Só quero saber mais sobre a Nanette.”

De repente, a expressão de Koreen ficou pensativa. “Pobre Nanette,” Disse.

Mas Mitzi parecia não ter ficado perturbada. “O que aconteceu com a Nanette não tem nada a ver connosco,” Disse.

“Temo que tenha,” Disse Riley. “Temos bons motivos para acreditar que o seu carrasco é um assassino em série. E posso dizer-vos com base em muitos anos de experiência, que os assassinos em série são implacáveis. Ele vai matar novamente. E uma de vocês pode ser a próxima vítima.”

Mitzi franziu o sobrolho desdenhosamente.

“Nem pensar,” Afirmou. “Nós não somos como a Nanette.”

Agora Riley estava chocada. Será que aquelas mulheres eram suficientemente ingénuas para pensarem que o que faziam era seguro?

“Mas vocês trabalham para a mesma empresa, fazem o mesmo tipo de trabalho,” Afirmou Riley.

Mitzi começava a assumir uma postura defensiva.

“Ei, pensava que não estava aqui para julgar,” Disse. “Pode olhar-nos de cima se quiser. Mas o que fazemos é tão respeitável quanto possível. E seguro. Podemos recusar os clientes de que não gostamos. O sexo é seguro e fazemos checkups regulares, por isso não temos doenças. Se um tipo se torna estranho ou violento, podemos ir embora. Mas geralmente não chega a tanto.”

Riley refletiu naquela palavra “geralmente”. Com certeza que o que faziam não as levava ao País das Maravilhas de Alice. E quão “seguro” podia ser sexo pago? Durante quanto tempo podiam continuar sem serem vítimas da SIDA?

“No que diz respeito à Nanette,” Continuou Mitzi, “ela estava numa fase descendente. Tinha perdido toda a classe. Encontrava-se com clientes fora do serviço, injetava-se, comprometia a saúde e o aspeto. Não duraria muito mais tempo na Ishtar. Teria sido despedida de certeza.”

Enquanto Riley tirava apontamentos, olhou para as mulheres, tentando entendê-las melhor. Pouco a pouco, pressentiu algo para lá das suas expressões plácidas. Tinha quase a certeza que se tratava de negação. Recusavam-se a aceitar que o tipo de vida que levavam era um desperdício e que todas acabariam por cair mais cedo ou mais tarde no declínio em que caíra Nanette. Os seus sonhos de família, educação e sucesso estavam, em última análise, condenados. E bem no fundo, elas sabiam-no.

Riley reparou que Tantra se tinha calado e tinha o olhar fixo no vazio. Tinha algo a dizer que ainda não tinha verbalizado.

Riley prosseguiu, “Cremos que a Nanette foi morta há uma semana, possivelmente no sábado. Sabem com que cliente esteve nessa noite?”

Koreen encolheu os ombros. “Não faço a mínima ideia.”

“Eu também não,” Disse Mitzi. “Aliás, não é da nossa conta, teria que fazer essa pergunta à Ishtar.”

Riley sabia que a polícia local já andava à procura da proprietária da empresa e que mal a encontrassem a trariam para ser interrogada.

“E outros locais de trabalho?” Perguntou Riley.

“Estamos vinculadas à Ishtar,” Disse Mitzi firmemente. “Não devemos fazer o mesmo tipo de trabalho para outra empresa ou por nossa conta.”

As outras duas mulheres olhavam para o chão, evitando o olhar de Riley que acabou por fazer a pergunta de forma mais direta.

“A Nanette fazia trabalho extra noutro lugar? Ela saía sozinha sem ter encontro marcado através da Ishtar?"

Na sala reinava um silêncio pesado. Por fim, numa voz quase inaudível, Tantra disse, “Ela disse-me que tinha começado a trabalhar no Hank’s Derby.”

“O quê?” Reagiu Mitzi, parecendo surpreendida.

“Ela não queria que eu dissesse a ninguém,” Disse Tantra às outras mulheres.

“Meu Deus,” Disse Mitzi. “Então ela estava a transformar-se numa prostituta de baixa categoria. Estava pior do que eu imaginava.”

A cabeça de Riley girava com perguntas.

“O que é uma prostituta de baixa categoria?” Perguntou.

“É a pior espécie de prostituta,” Disse Koreen. “Trabalham em paragens de camiões como o Hank’s Derby. É uma vida mesmo difícil.”

“Ela estava tão deprimida,” Disse Tantra. “Já não conseguia os clientes que conseguia na Ishtar. Ela disse-me que não ganhava o suficiente para alimentar o hábito. Disse que só o fazia de vez em quando. Eu disse-lhe que era perigoso. Quero dizer, desaparecem prostitutas de paragens de camiões constantemente. Mas ela não me ouvia.”

Uma nuvem de tristeza abateu-se sobre as três mulheres. Riley achava que não teriam mais informações a dar. Já lhe tinham dado a pista mais importante até àquele momento.

“Penso que é tudo,” Disse-lhes Riley.

Mas quando se preparavam para sair, começaram novamente a falar como se nada de estranho estivesse a acontecer.

Não percebem mesmo, Pensou Riley. Ou não querem perceber.

“Ouçam,” Disse, “este assassino é perigoso. E há muitos homens iguais a ele. Estão a tornar-se alvos. Se pensam que estão seguras a fazer o que fazem, estão a enganar-se a vocês próprias.”

“E o seu trabalho é mais seguro, Agente Paige?” Perguntou Mitzi.

Esta réplica deixou Riley sem palavras.

Será que ela está mesmo a comparar o que ela faz com o que eu faço? Questionou-se.

Quando acompanhava as mulheres para fora da sala de interrogatórios, sentiu o coração apertar. Sentiu-se tão desesperançada por elas como se fossem prostitutas de rua. De certa forma, até parecia pior. A sua superficial aparência de respeitabilidade camuflava uma vida de degradação até delas próprias. Mas nada que pudesse dizer ou fazer as faria enfrentar a verdade.

Riley tinha a certeza que este assassino continuaria a matar prostitutas. Estaria a sua próxima vítima ali naquele momento ou seria alguém que Riley não conhecia e não alertara?

 

*

 

Riley encontrava-se no corredor do gabinete de campo à procura de Bill quando o telemóvel tocou. A chamada era de Quentin Rosner, o responsável pela equipa de mergulho que fazia buscas no Lago Nimbo.

O seu coração começou a bater mais rapidamente. De certeza que ele e os seus mergulhadores já tinham encontrado um segundo corpo por aquela altura.

“Olá, Sr. Rosner,” Atendeu Riley ansiosamente.

A voz do outro lado da linha disse, “Liguei ao Agente Especial Responsável Morley. Ele disse-me que devia falar diretamente consigo.”

“Ótimo,” Disse Riley. “O que tem para mim? Encontraram o outro corpo no lago?”

Riley ouviu um ténuo resmungo silencioso, seguido das palavras, “Agente Paige, não vai gostar de ouvir o que tenho para lhe dizer.”

“Então?”

“Não há nenhum corpo naquele lago. É uma área grande mas procurámos por todo o lado.”

Riley não conseguiu acreditar no que ouvia. O seu palpite estaria errado?

Não, ela ainda tinha a certeza de que o assassino de Nancy Holbrook tinha despejado outro corpo naquele lago anteriormente. Ajudava a explicar porque é que ele não se tinha certificado de que a última vítima desaparecera nas profundezas do lago.

Enquanto tentava encontrar as palavras certas para proferir, viu Bill a caminhar pelo corredor.

“Vou entrevistar Ishtar Haynes,” Disse. “No seu gabinete. Queres vir?”

Riley anuiu com a cabeça, mas antes tinha que tentar esclarecer as coisas com Rosner.

“Que tal era a visibilidade?” Perguntou Riley.

“Não lhe vou mentir, é muito má lá em baixo,” Disse Rosner. “Inundar um desfiladeiro agita muita terra e vegetação apodrecida, e pode levar vários anos até que a água fique limpa. Alguma coisa que tenha sido atirada para ali quando o lago era recente, pode estar enterrada debaixo de destroços.”

“O corpo que procuro pode ter sido para lá atirado há vários anos.”

“Então é um problema. Mas sabemos o que estamos a fazer, Agente Paige. Somos uma unidade bem treinada. E temos a certeza de que não há nenhum corpo neste lago.”

Riley pensou por um momento. Gostava que Morley tivesse requisitado mergulhadores do FBI. A Underwater Search and Evidence Response Team era fantástica e aqueles mergulhadores teriam considerado todas as possibilidades sem qualquer hesitação. Mas em vez disso Morley requisitara os serviços de uma escola local de formação em mergulho. Alegara que não havia nenhuma razão legítima para o FBI estar envolvido naquele caso. Não ia mandar vir uma equipa do FBI desde Los Angeles.

Riley teve a noção de que apesar do que lhe tinha sido relatado, Morley ainda considerava aquela morte como uma morte isolada que investigavam apenas como favor a um colega agente. Ia ter que trabalhar com a equipa que tinham. Mas o que é que lhes poderia ter escapado?

Então perguntou, “Analisaram mapas do desfiladeiro antes de ter sido inundado?”

Rosner ficou calado durante alguns momentos.

“Não, mas de que é que adiantava?” Perguntou.

Riley conteve um grunhido de impaciência.

Que raio de treino é que este tipo afinal tem? Perguntou-se. Será que tenho que lhe dizer como deve fazer o seu trabalho?

Riley prosseguiu, “Como pode ter a certeza de que percorreu cada canto sem conhecer o terreno?”

Novo silêncio.

“Deverá conseguir localizá-lo no seu portátil,” Acrescentou Riley.

“Vamos tratar disso,” Disse Rosner por fim, contrariado.

“Tratem mesmo,” Disse Riley.

Terminou a chamada e ficou parada no corredor a pensar em que acreditar. Não haveria, afinal, um segundo corpo? Se não houvesse, então nem seria um caso de assassino em série. Sentiu-se arrebatada por sentimentos contraditórios. Odiava errar. Mesmo assim, a possibilidade de que o assassinato de Nancy Holbrook não fosse obra de um assassino em série podia constituir uma boa notícia.

Mas o instinto de Riley ainda lhe dizia que havia outro corpo no lago. E de que este era um tipo de monstro familiar que atacaria de novo.


CAPÍTULO ONZE

 

Quando Riley e Bill entraram nos escritórios da Ishtar Escorts, ocorreu a Riley que se assemelhava bastante a uma agência de viagens de gabarito. Um quadro apresentava imagens do que fazer em Phoenix, sugerindo visitas a museus, galerias de arte, parques e jardins botânicos. Uma mesa estava repleta de brochuras com detalhes sobre uma variedade de locais a visitar. O pormenor que não existiria numa agência de viagens era o segundo quadro no qual eram visíveis as fotografias das acompanhantes. Riley reconheceu aquelas com quem tinha falado naquele dia. Nas fotos estavam todas muito bem vestidas como se para um evento elegante, com um flash ocasional de decotes aqui e ali.

A mulher na receção não parecia nada incomodada com a presença de agentes do FBI. A rececionista explicou que muitos clientes eram visitantes que não estavam devidamente informados sobre atividades culturais ou recreativas.

“Ajudamo-los. Até reservamos bilhetes para o teatro ou eventos desportivos. Queremos que os nossos visitantes se divirtam durante a sua estadia.”

Carregou num botão e falou pelo telefone, “Os agentes chegaram.” A rececionista guiou-os até ao gabinete da proprietária.

Ishtar Haynes estava de pé para os cumprimentar e com um gesto indicou que se sentassem. Riley considerou a aparência da mulher ainda mais alarmante do que a das acompanhantes com quem tinha estado anteriormente. Ishtar Haynes vestia um terno caro e exibia o cabelo perfeitamente arranjado. Uns óculos de leitura estavam empoleirados no seu comprido nariz. Parecia a CEO de uma empresa normal.

“Deixem-me ver se compreendi o objetivo da vossa visita,” Disse, sentando-se atrás de uma ampla secretária. “Querem que vos dê o nome do cliente da Nanette na noite em que foi morta.”

Dirigiu as perguntas a Bill que anuiu. Riley deixou-o conduzir a entrevista enquanto aproveitava a oportunidade para observar o gabinete de luxo em que se encontravam.

“É isso mesmo,” Disse Bill. Ishtar Haynes sorriu. Riley viu um mundo de frieza naquele sorriso profissional. Não se tratava do rosto austero de uma competente mulher de negócios, era o rosto gélido de uma pessoa que não sabia o que eram sentimentos reais há muitos anos.

“Agente Jeffreys, que espécie de negócio é que pensa que giro?” Perguntou. “Não que tenha alguma razão para suspeitar que a Nanette e um cliente estivessem envolvidos em algo especialmente ilícito na noite em causa. Se se tivessem, digamos, afeiçoado, isso era da sua inteira responsabilidade. Mas os meus clientes confiam em mim para que tudo permaneça confidencial.”

“Mas tem registos dos seus clientes,” Disse Bill.

Ishtar Haynes encolheu os ombros. “Bem, sim,” Disse. “Insistimos em obter documentos de identificação com foto, que digitalizamos e guardamos numa base de dados. Mas pode ter a certeza de que não lhe vou dar acesso a esse tipo de informação sem um mandado.”

Aquilo era o que Riley esperava ouvir. E tinha a certeza de que Bill também o previra. Num fim de tarde de domingo, obter um mandado seria um processo lento ou praticamente impossível. Perguntou-se como é que Bill resolveria a situação.

Bill tamborilou os dedos na secretária e disse, “Sabe, podíamos simplesmente divulgar que tem todo o prazer em colaborar connosco. E que três das suas funcionárias falaram connosco. Os seus clientes continuariam a confiar em si depois de saberem isso?”

Haynes falou com uma alegria petrificante. “Sim, já ouvi essa história. E é agora que me diz que a lei pode prejudicar o meu negócio. Lamento, mas essa pequena ameaça não me diz nada. Estou à frente de uma empresa honesta e legal que presta um serviço respeitável.”

Ao analisar o rosto da mulher, Riley notou a sua frieza e crueldade a emergirem gradualmente. Depois as feições da mulher formaram um sorriso seco.

Haynes inclinou-se na secretária em direção a Bill. “Mas podia fazer-me um favor,” Disse ela. “E talvez eu possa retribuir. Tenho a certeza que ficará chocado por saber que há algumas maçãs podres entre os polícias locais. Tratam-me como uma criminosa comum. São uma verdadeira chatice.”

Pegou num bloco de notas e escreveu qualquer coisa.

“Vou anotar alguns nomes. E se tratar deste meu pequeno problema, bem...”

Ishtar Haynes fez o papel deslizar na secretária em direção a Bill.

Esta estratégia apanhou Riley de surpresa e percebeu que Bill também estava espantado. Os polícias em causa estavam, sem dúvida, a massacrar Haynes para subornos ou favores especiais. Tirá-los das ruas seria bom para ela e para a polícia local. Era uma jogada ousada, mas inteligente.

“Vou ver isso,” Disse Bill, colocando o pedaço de papel no bolso.

O sorriso de Haynes alargou-se, acentuando os traços sinistros do seu rosto.

“Bem, nesse caso,” Disse, “podemos fazer negócios.”

Virou-se para o computador e começou a percorrer a sua base de dados. Quando descobriu o que procurava, disse, “Tenho um nome para si. E não me importo de o dar. Talvez já tenha ouvido falar dele – Calvin Rabbe. O avô fez uma fortuna com uma cadeia de restaurantes. Calvin herdou a fortuna da família, nunca trabalhou na vida. Já tinha ponderado bani-lo dos nossos serviços. As raparigas queixaram-se das suas... inclinações.”

“Então ele foi o cliente da Nanette na noite em que ela foi morta?” Perguntou Bill.

Haynes acomodou os óculos de leitura para analisar o registo com mais atenção.

“Bem, sim e não,” Disse. “Ele tinha pago pela companhia dela no sábado à noite, mas depois reclamou de ela não ter comparecido, tive que lhe devolver o dinheiro. Por isso, o que aconteceu à rapariga não esteve relacionado com o seu trabalho na minha empresa.”

Haynes encerrou o seu portátil e arrumou-o no saco.

“Presumo que é tudo o que precisam de mim,” Disse. “Agora se não se importam, tenho que trabalhar, E já agora, Agente Jeffreys – presumo que veio de Quantico para ficar alguns dias.”

Bill anuiu. Ainda a sorrir, Haynes entregou-lhe um cartão.

“Bem, quando tiver resolvido o caso, ligue-nos,” Disse. “Podemos mostrar-lhe o significado da hospitalidade aqui por estas bandas.”

Quando Riley e Bill abandonaram as instalações, Riley sentiu-se inquieta pela atitude confiante daquela mulher.

Alguém tem que a parar, Pensou.

Para Riley, Haynes parecia tão maldosa e perigosa como muitos dos assassinos que matara ou prendera. De certa forma, parecia até pior – uma fria exploradora de mulheres, sem dúvida um espelho do mal.

Quanto a Mitzi, Koreen e Tantra, o que seria do seu futuro? Se sobrevivessem, podiam tornar-se tão frias como a sua patroa. Mas mesmo isso era um grande “se”. O mais provável era afundarem-se no desespero como Nancy Holbrook, até conhecerem o mesmo destino.

“Parece que Calvin Rabbe é um provável suspeito,” Comentou Riley enquanto caminhavam na direção do carro. “O mais certo era estar a encobrir o seu rasto ao queixar-se que a rapariga não tinha aparecido.”

“Talvez,” Disse Bill. “Um pervertido rico e mimado está próximo do perfil que temos em mente. Conseguiste alguma coisa das mulheres com quem falaste?”

“Parece que a Nancy Holbrook trabalhava numa paragem de camiões chamada Hank’s Derby. Podia estar por lá quando foi morta.”

“Temos que cobrir todas as hipóteses,” Disse Bill. “Vamos também a essa paragem de camiões.”

Riley concordou. “Tu vais ter com esse Rabbe,” Disse. “Eu vou ao Hank’s Derby.”

Quando começou a caminhar, Bill gritou, “Tem cuidado.”

Parecia um bom conselho. Por aquilo que as raparigas tinham dito, Riley suspeitava que iria ali encontrar sombras que até ela nunca tinha enfrentado.


CAPÍTULO DOZE

 

Riley viu duas mulheres a pedir boleia com o típico gesto dos polegares em riste. Vestiam-se de forma praticamente idêntica, sem soutien, com t-shirts rasgadas na zona do ventre e mini-saias de ganga. Eram obviamente prostitutas e era fácil de perceber que se vendiam como pacote único.

Travando a fundo, o camião parou. O condutor debruçou-se sobre a janela e acenou às raparigas. Galoparam para a porta do passageiro e entraram. Depois o camião começou a andar e prosseguiu o seu caminho. Foi desconcertante para Riley imaginar o que aquele trio faria de seguida. Mas agora não era o momento para se distrair. Competia-lhe descobrir se Nancy Holbrook se tinha encontrado com o seu assassino naquele local.

A tarde já caíra quando Riley chegou ao Hank’s Derby. Mesmo a partir da autoestrada dera para perceber que aquele era um local bem mais sombrio do que a maioria das paragens de camiões modernas. Um sinal em néon piscava de forma instável. Tanto o restaurante como o bar adjacente pareciam estar longe dos seus melhores dias.

Riley estacionou, saiu do carro e caminhou na direção do edifício principal. Algumas mulheres vestidas de forma provocadora encontravam-se no exterior do edifício. Parecia que a prostituição por aquelas bandas era um negócio tão próspero como a gasolina e a comida. Riley já sabia que muito tráfico de seres humanos ocorria em paragens de camiões. Demasiadas vezes as vítimas eram crianças fugidas de casa.

Antes de se dirigir ao local, Riley fizera uma pesquisa online. No Arizona, a situação era especialmente má e o FBI tinha colaborado com as autoridades locais no sentido de acabar com as bolsas de prostituição existentes um pouco por todo o estado. Tinham-se concentrado em locais como aquele, sobretudo para retirar raparigas menores de idade daquela vida.

Mas de alguma forma, covis de tráfico humano como o Hank’s Derby conseguiam sobreviver. E Riley não estava minimamente surpreendida. Aprendera há muito que os males do mundo possuíam uma estranha capacidade de regeneração em muito semelhante às ervas daninhas, mesmo quando julgávamos que nos tínhamos livrado deles.

Ao passar por uma fila de contentores de lixo, Riley recordou-se de um caso em que o corpo de uma adolescente tinha sido encontrado num contentor do lixo de uma paragem de camiões. Um assassino em série assombrara paragens por todo o país dando boleia a raparigas. Algumas delas nunca mais foram vistas.

Riley não tinha trabalhado nesse caso e o assassino tinha sido preso há muito tempo. Ainda assim, arrepiava-a olhar para aqueles contentores. Será que também aqueles conteriam os restos mortais de algum ser humano? O pensamento era uma mera distração e Riley não ia andar à procura de partes de corpos humanos naqueles grandes contentores de metal. Tinha que se concentrar.

Junto ao edifício principal bem iluminado estava um pequeno bar de ripas denominado Yucca Lounge. Riley sabia que tinha que entrar lá e fazer algumas perguntas, mas a perspetiva preocupava-a. Tinha combatido a sua dependência do álcool recentemente e tinha parado de beber. Estava a sair-se muito bem, mas entrar num bar significava ir diretamente para a boca do lobo e poder cair em tentação.

Garantiu a si própria que era suficientemente forte e profissional para resistir e entrou no edifício. O Yucca Lounge era um local mal iluminado com música country a tocar numa jukebox. Naquele momento não havia muita gente – só alguns camionistas e poucas mulheres parcamente vestidas.

Riley ainda não sabia bem qual a melhor forma de atuar. Tinha uma foto de Nancy Holbrook que queria mostrar, mas exibir o distintivo e acenar com a foto a todos causaria demasiada agitação e podia não obter o efeito pretendido.

Reparou num homem tosco e barbudo sentado junto à porta. Era obviamente o segurança. Aproximou-se silenciosamente dele e mostrou-lhe o distintivo.

“Sou a Agente Riley Paige do FBI,” Disse. Quando os olhos do segurança se abriram muito, Riley acrescentou, “Não se preocupe, não estou aqui para armar confusão.”

Tirou a foto da mala e mostrou-lha.

“Reconhece esta mulher?” Perguntou. “Acredito que terá estado cá no último sábado.”

“Não trabalho cá há tanto tempo,” Grunhiu o homem.

Riley tirou uma nota de vinte dólares da mala.

“Queria que me confirmasse isto. Pergunte calmamente a todas as pessoas se viram esta mulher. Se alguém a tiver visto, peça-lhe para vir falar comigo.”

O homem pegou no dinheiro e encaminhou-se na direção do bar. Riley sentou-se e observou-o a percorrer o lugar, mostrando a foto a todas as pessoas que ali se encontravam. Viu muitas pessoas a abanarem a cabeça negativamente.

Por fim, mostrou a fotografia a uma mulher sentada no bar que assentiu com a cabeça. O segurança apontou para Riley e a mulher fez sinal para Riley ir ter com ela e sentar-se junto dela. A mulher estava vestida como qualquer outra das raparigas que ali trabalhavam mas parecia cansada e parecia ter a idade de Riley – demasiado velha para aquele tipo de trabalho.

Riley sentou-se ao pé dela. Uma fila de copos de shot vazios e um copo meio cheio de cerveja estavam à frente da mulher. O cheiro do whisky fez com que a gargata de Riley ardesse com a expetativa de prazer alcoólico, mas o empregado não teve tempo de perguntar se queria beber alguma coisa.

A mulher chamou o empregado com uma voz áspera, “Cabot, pago o que esta rapariga do FBI quiser. Traz-lhe o que eu estou a beber. E já agora traz-me outra rodada.”

A ordem fora proferida antes de Riley poder declinar a oferta. Cabot trouxe dois copos de shot e uma cerveja para Riley.

“Chamo-me Justine,” Apresentou-se a mulher. Despejou o conteúdo do copo de shot de um trago, empurrando com um gole de cerveja. “Estamos a beber whisky Fireball Cinnamon. Já o experimentou? Se não, então não viveu. Arde, mas é doce como uma guloseima de Natal. Espero que não se importe.”

Riley sentiu o estômago embrulhar-se com a ideia de um whisky com sabor a doces. Afinal, não ia ser tão difícil resistir à tentação.

“Estou de serviço,” Disse Riley.

“Como quiser,” Disse Justine. “Eu dou-lhe bom fim,” Acrescentou, dando uma palmada no seu próprio estômago.

Entregou a foto a Riley.

“Via-a por aqui. Chama-se Nanette, não é?”

“É isso mesmo,” Respondeu Riley.

“Como é que ela está?”

Riley hesitou por um momento. Justine interrompeu antes que Riley conseguisse falar.

“A Nanette está morta, não está?”

Riley assustou-se. A expressão de Justine era séria e calma.

“Como sabe?” Perguntou Riley.

Justine emitiu uma risada grave. “Oh, não é difícil de adivinhar. Toda a gente morre mais cedo ou mais tarde. No nosso caso, é sempre mais cedo. Às vezes demasiado cedo. E nunca é bonito de se ver.”

Justine engoliu mais um gole de cerveja.

“Parece que eu já estou ultrapassada,” Disse. “Só estou a matar o tempo.”

A mulher parecia resignada, mas não amarga. Riley sentiu alguma compaixão por ela. Não sabia o que era pior – viver uma mentira como as acompanhantes com quem falara naquela tarde ou enfrentar os factos duros como Justine. Não conseguia perceber como é que aquela mulher chegara àquele ponto. Quão miserável se tornara a sua existência para nem sequer tentar mudar de vida?

“O que me pode dizer sobre a Nanette?” Perguntou Riley.

“Só a vi umas poucas vezes,” Disse Justine. “Era nova por estas bandas. Percebi logo que não ia durar muito.”

Riley disse, “Pensamos que tenha sido morta no sábado passado. Viu-a nessa noite?”

Justine pensou por um momento.

“Penso que a última vez que a vi foi na sexta-feira,” Disse. “Acho que não a vi no sábado. Mas podia ter cá estado e eu não a apanhei. Podia estar ocupada, se é que me faço entender. Tenho uma agenda bastante preenchida para uma velha senhora.”

Justine entristeceu-se, mostrando agora alguma da sua tristeza e cansaço.

Com uma voz ligeiramente abafada, Justine disse, “Isto não é lugar para alguém da sua espécie. Acho que o melhor é desandar daqui agora mesmo para descobrir o filho da mãe que a matou.”

“É o que vou fazer Justine,” Disse Riley. “Obrigada.”

Riley saiu do balcão. Não lhe parecia que fosse encontrar o filho da mãe por ali. Mas antes de se ir embora, queria explorar melhor o local. O edifício principal teria uma loja e balneários para os camionistas. E lá fora, havia o grande parque de estacionamento ocupado por dezenas de camiões. O que descobriria ali? Fosse o que fosse, Riley tinha a certeza de que ia ser mau de mais.


CAPITULO TREZE

 

O estômago de Riley contraiu-se de medo ao encaminhar-se para a última parte do Hank’s Derby que precisava de investigar. Depois de sair do bar, tinha mostrado a foto de Nanette na loja da paragem, mas ninguém fora de grande utilidade. Agora tinha que ver o que podia estar a acontecer nos camiões estacionados e não estava propriamente ansiosa.

Quando saiu do edifício principal para o quente ar noturno do exterior não viu nenhuma prostituta. Talvez lhes tenha sido dito que andava por ali uma agente do FBI.

Filas de camiões ocupavam um grande parque de estacionamento. A maioria das luzes do parque de estacionamento não estavam a funcionar e as poucas que funcionavam criavam estranhas sombras gigantes. Riley caminhou lentamente na direção dos enormes veículos.

Tudo estava muito silencioso e a princípio Riley pensou que afinal não estaria ali ninguém. Mas quando Riley se esgueirou entre dois camiões, a porta de um deles escancarou-se. Um homem corpulento com uns enormes bíceps tatuados saiu e postou-se à sua frente.

“Quem temos aqui?” Disse o homem, olhando maliciosamente para Riley. “Não pareces ser uma das nossas raparigas habituais. Muito formal. Coitadinha, deves ter-te perdido. Talvez queiras uma boleia para casa.”

“Não me parece,” Disse Riley, tentando passar por ele.

Ele segurou-a no braço, rodou-a e empurrou-a de costas contra o camião. Ele inclinou-se, imobilizando-a com os braços. Riley não conseguia fugir. Sentiu a raiva a subir, alimentada pela sua profunda convicção de que homens como aquele viam as mulheres como meras presas.

“Porque não, querida?” Disse o homem. “Parece que és nova por aqui e não sabes como é que as coisas funcionam. Entra no camião comigo. Garanto-te que chegas a casa sã e salva. Juro.”

Sem proferir uma palavra, Riley levantou o joelho rapidamente, apontando ao escroto. Mas ele conseguiu amortecer o golpe com a sua própria perna. Era forte e pesava mais do dobro de Riley.

“Oh, com que então vais dar luta, é?” Rosnou o homem. “Eu gosto disso.”

O homem agarrou nos braços de Riley e segurou-a com força. Ao aproximar-se, Riley sentiu o seu hálito de cerveja.

A raiva de Riley transmutou-se em fúria. O rosto que via à sua frente já não era o de um camionista bêbedo. Parecia-lhe estar a olhar para um homem profundamente mau que mantivera em cativeiro Riley e a filha. Um homem que tinha morto outras mulheres e torturado uma boa amiga até ela acabar por se suicidar. Um homem que conhecia bem demais...

Peterson.

Riley rugiu, deu uma cabeçada ao homem que a prendera, tirou a Glock e apontou-a ao rosto do homem.

O homem à sua frente recuou chocado e com medo.

“Ei! Ei!” Gritou. “Não é preciso nada disso!”

A imagem do rosto de Peterson desvaneceu-se e deu lugar à imagem de um cobarde assustado.

Não é um assassino, Disse Riley a si mesma. Tu já mataste o Peterson.

A sua mão tremia. Estivera quase a disparar a arma – quase a matar um homem a sangue frio. Lentamente baixou a arma. Agora sabia que era apenas o camionista que estava à sua frente, mas a raiva não se dissipara. Deu um pontapé na virilha do homem com a ponta aguçada do sapato e não com o joelho. Ele debruçou-se sobre si próprio, grunhindo e arfando de dor.

Depois embateu a coronha da arma na cabeça do homem. Ele caiu redondo no chão. Riley colocou a arma no coldre e ajoelhou-se junto ao homem. Agarrou-o pelos cabelos, puxando-lhe a cabeça para trás. O rosto estava ensanguentado.

Com dificuldade em respirar, Riley conseguiu falar num tom de gozo bondoso.

“Sou a Agente Riley Paige do FBI. E tem razão, sou a modos que nova por estas bandas por isso talvez me possa ajudar com uma coisinha.”

Ainda a segurá-lo pelos cabelos, tirou a foto de Nancy e segurou-a à sua frente.

“Alguma vez viu esta mulher? Dava-se a conhecer pelo nome de Nanette.”

Ele grunhiu, “Huh-uh.”

Puxou-lhe o cabelo com mais força, arrancando alguns pela raiz. “Tem a certeza?”

“Tenho.”

“OK. Obrigado.”

Libertou-o. O homem cambaleou de forma desequilibrada até se erguer e encaminhou-se para a paragem, praguejando.

E foi então que Riley ouviu uma voz saída da janela do passageiro do camião estacionado ao lado.

“Ei, durona do FBI.”

Riley olhou para cima e viu o rosto de uma jovem a espreitar na sua direção. Fez um sinal de aprovação com o polegar.

“Muito fixe,” Disse a jovem.

Parecia o tipo de calão que a sua própria filha usaria.

“Presumo que isso queira dizer que foi bom,” Disse Riley.

“Sim. Quer dizer, dez numa escala de um a dez. Talvez me pudesse dar umas aulas de autodefesa.”

Riley esfregou a testa, doía-lhe bastante.

“Para começar, utiliza as cabeçadas só como último recurso,” Disse. Depois observou a rapariga com mais atenção.

“Como te chamas?” Perguntou.

“Chamam-me Trinda.”

A rapariga parecia chocantemente jovem.

“Quantos anos tens?” Perguntou Riley.

“Não tem nada a ver com isso, minha senhora.”

Trinda usava maquilhagem pesada, como uma menininha a tentar parecer-se com uma mulher adulta. Parecia ter a idade de April.

“Deves ter uns quinze anos, não tens?” Disse Riley.

Trinda não respondeu, mas Riley percebeu na sua expressão que tinha acertado em cheio. Riley entrou na cabina do camião. Havia um colchão lá atrás e um par de algemas.

“Meu Deus,” Disse Riley. “O que fazes aqui?”

“O que é que acha que faço aqui? Faço o que todas as outras raparigas fazem. E o melhor é pirar-se daqui rápido. O meu john está só a beber uma cerveja e volta não tarda nada. É grande e mau, até mesmo para si.”

“Fazes ideia do que ele te pode fazer?”

Trinda encolheu os ombros. “Ele diz que me vai pagar cem. Pode fazer aquilo que quiser.”

Riley sentiu-se agoniada.

“Vem comigo,” Disse. “Eu tiro-te daqui. Limpo-te e levo-te para um lugar decente para viver.”

Trinda zombou. “Não há lugares decentes para se viver. Já experimentei todos. O que acha que devia fazer? Vender hambúrgueres a oito dólares à hora? Numa boa noite aqui consigo fazer trezentos dólares. E é dinheiro fácil – pelo menos a maior parte das vezes.”

Depois, encolhendo os ombros, acrescentou, “E quando não é tão fácil... bem, eu sou forte. Eu aguento.”

Riley quase tremia de raiva e frustração.

“Não devias estar a vender hambúrgueres e não devias trabalhar por oito dólares à hora ou trezentos dólares por noite, e não devias estar aqui. Devias estar na escola.”

“E ir para uma simpática casa depois da escola com uma mãe e pai carinhosos, certo? Acredite em mim quando lhe digo que isso não é opção. Olhe, se se vai armar em Madre Teresa de Calcutá, deixe-me em paz, OK? Faça o seu trabalho, seja ele qual for. Tenho a certeza de que tem muito mais para fazer do que incomodar raparigas trabalhadoras.”

Riley abriu a porta do camião.

“Quero que venhas comigo,” Insistiu.

A rapariga fechou novamente a porta.

“Nem pensar. Faça isso outra vez e grito a pedir ajuda. Vão aparecer camionistas de todo o lado. Matam-na – depois de fazerem tudo o que quiserem.”

Riley não sabia o que fazer. Com a Glock e as suas habilidades de luta, conseguiria arrumar com uns camionistas bêbedos. Mas o que traria de bom uma cena desse tipo? Sem dúvida que Trinda se escaparia no meio da confusão.

Ainda assim, compreendeu que havia algo que podia fazer. Caminhou junto ao camião.

“Boa viagem, senhora!” Gritou Trinda.

Enquanto Riley anotava a matrícula do camião, Trinda gritou outra vez.

“Ei, se quer mesmo ajudar uma miúda em sarilhos, vá até ali.”

Riley olhou e viu que Trinda apontava para a fila de camiões.

“Vá até um camião no fim da fila,” Disse. “Vai encontrar uma miúda chamada Jilly. Ela precisa mesmo de ajuda. Nunca fez nada disto. Não tem nada que estar cá.”

Trinda fechou a janela e desapareceu no interior do camião. Riley caminhou na direção do último camião.

“Jilly?” Chamou.

Uma voz pequena e assustada respondeu, “O que quer?”

Riley trepou os degraus do camião e espreitou pela janela aberta para a cabina. Agachada no colchão estava uma rapariga magra e negra que não parecia ter mais de treze anos. Não estava vestida como uma prostituta. Calçava ténis, usava calções e uma t-shirt como qualquer outra rapariga da idade dela. Riley estava abismada.

“És a Jilly?” Perguntou Riley.

A rapariga anuiu.

“O que é que fazes aqui?” Questionou-a Riley.

“Estou à espera do Rex,” Disse a rapariga num sussurro.

“Quem é o Rex?”

A rapariga não disse nada. Parecia absolutamente aterrorizada.

“Quem é o Rex?” Perguntou Riley novamente.

“Não sei,” Disse Jilly. “Mas o tipo na caixa disse que ele queria passar um bom bocado. Disse-me para vir para aqui e esperar por ele.”

Riley abriu a porta e entrou na cabina. “Vou-te tirar daqui,” Disse, estendendo a mão a Jilly.

“Quem é você?” Perguntou Jilly.

“Riley mostrou-lhe o distintivo. “Chamo-me Riley Paige e sou Agente do FBI. Vais estar segura comigo. Prometo.”

A rapariga olhou Riley nos olhos. Avançou e Riley colocou um braço por cima dos seus ombros. A rapariga tremia.

Antes de conseguirem sair do camião, Riley ouviu uma voz vinda de baixo.

“Ei! Quem está no meu camião?”

Riley olhou para baixo e viu um homem de meia-idade com feições bovinas.

“Chama-se Rex?” Perguntou.

“Sim, o que é que tem a ver com isso?”

Riley sabia que devia mostrar o distintivo, mas não podia largar a rapariga. Entretanto, o homem viu Jilly.

“Ei, o que é está a fazer com esta coitada?” Perguntou a Riley.

“O que é que faz você com ela?”

A boca de Rex abriu-se em sinal de descrença.

“Por amor de Deus, não estou a fazer nada com ela! Não passa de uma criança. Quem é você? Que raio de merda pervertida tem em mente?”

Naquele momento, Riley afastou-se ligeiramente da criança e mostrou o distintivo.

“Agente Riley Paige, FBI,” Disse.

Rex sorriu, parecendo genuinamente aliviado. “Folgo em ouvi-lo. Temos que levar esta miúda para casa.”

“Eu não vou para casa,” Disse Jilly. “O meu pai espanca-me se eu voltar.”

Rex olhou para Riley. “Talvez a pudesse levar para os Serviços de Proteção de Menores.”

Riley pegou nas mãos de Jilly. Saíram da cabina. Ainda não sabia muito bem o que pensar de Rex.

“Vou fazer isso mesmo,” Disse Riley. “Mas a Jilly disse que um tipo qualquer lhe disse para vir aqui. Disse que queria passar um bom bocado.”

Rex encolheu os ombros. “Claro, gosto tanto de ir às putas como qualquer outro homem. Mas só com mulheres, por amor de Deus, não com crianças. Tire-me esta fugitiva daqui.”

Riley levou Jilly para o seu carro, a sentir-se mais intrigada do que nunca. Rex parecia um tipo com bom coração. Ainda assim, gostava de ir às putas. Será que ele não compreendia que cada mulher que ali trabalhava já tinha sido criança, tal como a Jilly? Nada daquilo fazia sentido para ela.

Riley meteu Jilly no carro, sentou-se no lugar do condutor e ligou para a polícia local. Deu-lhe a matrícula que anotara e descrevera o camião.

“Estou no Hank’s Derby,” Disse. “O condutor tem com ele uma adolescente chamada Trinda. Venham rapidamente antes que ele a leve para algum lado. E prendam-no por tráfico de crianças.”

Quando a mulher polícia ao telefone concordou em enviar alguém ao local, Riley disse, “Há mais uma coisa que preciso saber. Tenho uma menor de idade comigo, uma menina de catorze anos que diz não poder ir para casa. Preciso da morada dos Serviços de Proteção de Menores ou outra instituição que esteja aberta neste momento.”

A polícia deu a Riley a morada de um abrigo de emergência no centro de Phoenix. “Vou ligar-lhes e dizer-lhes que vai a caminho,” Disse.

Riley virou-se para Jilly que olhava para ela com uma expressão preocupada.

“Aperta o cinto,” Disse Riley. “Vou levar-te para um lugar onde te vão ajudar.”

Jilly atrapalhou-se ao tentar apertar o cinto com as mãos ainda a tremer. E Riley ajudou-a a apertá-lo. Depois começou a conduzir.

“Para onde vamos?” Perguntou Jilly com a voz um pouco mais firme.

“Há pessoas que te podem dar um lugar onde ficar. Até te podem encontrar uma nova casa se precisares,” Disse Riley.

Jilly parecia estar a refletir naquilo. “Já não posso ir para casa,” Comentou finalmente.

Riley perguntou, “Disseste que o teu pai te batia. E a tua mãe?”

“Não vive connosco,” Disse Jilly. “Foi-se embora há anos. O meu irmão mais velho também se foi embora.”

“Então és só tu e o teu pai?”

“Sim,” Respondeu Jilly. “E ele agora bebe muito.”

Riley concentrou-se na condução, seguindo as instruções do GPS para o abrigo. A seu lado, Jilly afundou-se no assento e parecia ter adormecido. Riley perguntou-se o que aconteceria agora àquela criança. Fugiria novamente? Acabaria como Justine? Ou viveria sequer tanto tempo?

Tocou à campainha do abrigo de emergência e após alguns minutos uma voz surgiu no altifalante. Riley identificou-se e uma mulher cansada mas preocupada veio à porta e deixou-as entrar.

Jilly ainda segurava na mão de Riley, por isso acompanhou-as por um corredor até um gabinete. Pensou que o local era limpo e que a mulher parecia genuinamente interessada na criança. Jilly soltou a mão de Riley e sentou-se numa cadeira junto a uma secretária. Riley deu o seu cartão à mulher e disse que ligava no dia seguinte. Quando se foi embora, Jilly respondia às perguntas que lhe eram feitas enquanto a mulher registava as respostas no computador.

Quando Riley voltou para o carro, apercebeu-se que não tinha feito qualquer progresso no que dizia respeito à morte de Nancy Holbrook. Podia ter que voltar ao Hank’s Derby para averiguar melhor. Tudo dependia de como Bill se tinha safado com o seu suspeito, Calvin Rabbe. Tinha que falar com ele logo que possível.

Entretanto, o nojo de tudo o que vira ameaçava apoderar-se dela.

Espero que o Bill tenha alguma pista, Pensou. Quero que este caso termine rapidamente.


CAPÍTULO CATORZE

 

Bill sentiu um assomo de expetativa ao aproximar-se dos portões da casa de estilo colonial espanhol de Calvin Rabbe. Era muito provável que o homem que ali vivia fosse o assassino que tinha tirado a vida de uma mulher e atirado o seu corpo para um lago. Bill estava determinado em descobrir a verdade.

Tinha feito algumas pesquisas sobre Calvin Rabbe antes de se dirigir a sua casa. Ishtar Haynes tinha razão – o mimado filho da mãe nunca tinha trabalho um único dia na vida. Tinha passado a infância e adolescência a ser expluso de colégios internos, depois fora corrido das melhores universidades da Ivy League sem obter um diploma.

Agora vivia com a sua mãe divorciada naquela mansão.

Faz sentido, Pensou Bill.

A dependência de Rabbe da matriarca da família era mais um motivo de suspeita para Bill. O homem parecia cada vez mais o menino mimado e rico da mamã que poderia ter muitos ressentimentos por resolver. Bill começava a querer mesmo engaiolar aquele tipo.

Mas ao entrar na propriedade, pensou que poderia ser difícil encontrar-se com Rabbe. Até ter autorização para entrar nos terrenos envolveria alguma diplomacia. As câmaras de segurança flanqueavam os portões da propriedade. Tinha que se premir uma campainha para se fazer anunciar. Bill não sabia muito bem como agir.

O que aconteceria se conseguisse entrar, anunciando que era um agente do FBI? E com quem acabaria por conversar quando fosse permitida a sua entrada? A noite caíra e a casa estava bem iluminada. Era possível que várias pessoas se encontrassem lá dentro. Bill não podia ter a certeza de que Calvin Rabbe fosse uma delas.

Na curva seguinte, Bill virou o carro para passar pelos portões da frente novamente.

No caminho bem iluminado, viu um elegante carro desportivo a atravessar o terreno em direção ao portão. A capota estava em baixo e Bill pode ver quem o conduzia. O homem era jovem com cabelos louros arenosos e vestia um polo. Enquadrava-se perfeitamente nas fotos que Bill tinha visto de Calvin Rabbe. Ele tinha a aparência de uma estrela de cinema a aproximar-se da meia-idade, mas que ainda tentava projetar uma imagem despreocupada e jovem.

De repente, Bill sentiu-se com sorte. Agora já não teria que se infiltrar na mansão. Rabbe estava de saída, muito possivelmente a caminho de uma noite na cidade. Se Bill conseguisse segui-lo, o homem poderia denunciar-se. O portão abriu-se e o carro saiu pela rua fora. Bill seguiu-o, mantendo uma distância discreta.

A noite adensou-se enquanto Bill seguiu o carro desportivo pelo bairro elegante. Perguntou-se o que estaria Riley a fazer naquele momento. Teria sido uma boa ideia deixá-la ir para aquele lugar sozinha? Hank’s Derby soava a lugar vil e perigoso para uma mulher.

Bill não sabia ao certo por que é que estava preocupado. Riley era, de longe, a mulher mais resistente e capaz que já conhecera. Ele vira-a arrumar com algumas pessoas verdadeiramente perigosas. Era difícil imaginar que tipo de homem poderia constituir uma ameaça para ela.

Chegou à conclusão que o seu desconforto estava relacionado com o facto de o caso estar a perturbá-lo. E pensou que também estava a afetar Riley. Bill duvidou que qualquer um deles se sentisse satisfeito por apanhar aquele assassino. Apanhar quem quer que tivesse morto Nancy Holbrook era apenas a ponta de um icebergue, um sintoma de um mal muito maior. Só Deus sabia quantas outras mulheres estavam a ser exploradas, maltratadas e mortas. Eles estavam ali para deter um homem, mas todo aquele universo horrível continuaria a existir.

Dali a pouco Bill notou que Calvin Rabbe estava a entrar num bairro especialmente desagradável. As ruas estavam repletas de bares, motéis e casas de strip. Rabbe estacionou o seu carro à frente de um lugar chamado Lariat Strip Club.

O letreiro mostrava um laço de néon semi-animado caindo à volta da silhueta de uma mulher nua e apertado em torno da sua cintura. Abaixo do sinal havia um de menores dimensões que anunciava "NUS AO VIVO". Tão pouco tempo depois de ver o cadáver nu de Nancy Holbrook, o sinal impressionou Bill que o considerou ironicamente arrepiante. Teria o assassino ali ido para caçar outro alvo vivo?

Bill estacionou alguns lugares atrás de Rabbe e observou-o a sair do carro. No meio da ralé local de drogados e prostitutas, Rabbe destacava-se pela forma como se vestia. Mas Bill rapidamente percebeu que Rabbe não se dirigia para a entrada principal do clube. Em vez disso, ele seguiu pela esquina do prédio e desapareceu de vista.

Bill saiu do carro e caminhou apressadamente. Quando chegou à esquina, viu Rabbe a afastar-se na direção do beco situado nas traseiras do clube de strip. Bill esperou que desaparecesse de vista e depois continuou a segui-lo. Uma vez no beco, Bill conseguiu esconder-se ao lado de um contentor de lixo e ver o que Rabbe estava a tramar.

Rabbe bateu na porta das traseiras do clube de strip. A porta abriu-se e Rabbe entrou. A porta fechou-se atrás dele.

Bill sentia-se cada vez mais alerta. Se Rabbe estava a fazer um negócio de drogas, isso poderia dar a Bill a desculpa perfeita para o deter. Mas tinha de ser paciente. Tinha que ter a certeza.

Cerca de cinco minutos depois, Rabbe saiu novamente para o beco. Tirou um pequeno pacote do bolso da frente e desdobrou-o. Esfregou o dedo pelo conteúdo, depois esfregou-o dentro da boca à volta das gengivas. Estava a testar o produto.

Bingo! Pensou Bill.

Bill mostrou-se, exibindo o distintivo.

“FBI,” Disse. "Está preso."

Rabbe dobrou o pacote apressadamente e enfiou-o no bolso das calças. Por um momento, olhou para Bill com uma expressão ligeiramente aturdida como um veado encadeado por um farol. Então sorriu amplamente, atirou a cabeça para trás e riu.

"FBI? Oh, isto é uma piada. Isto tem que ser uma piada.”

“Não é uma piada,” Disse Bill. “Mãos atrás das costas.”

Bill trouxera um par de algemas. Ao tirá-las do cinto, pensou se iria precisar de usar a sua arma.

A abanar a cabeça com aparente descrença, Rabbe colocou as mãos atrás das costas.

“Não, realmente” Disse Rabbe. "Isto é uma piada. Eu sei que é uma piada. Quem o obrigou a fazer isto? "

Bill algemou-o. Quando começou a ler-lhe os direitos, Rabbe interrompeu.

“Acredite que sei quais são os meus direitos. Estou habituado a este tipo de coisa da polícia local, mas o FBI? A sério, não acredito. Por que é que me está a prender?”

O canto do pacote de papel espreitava do bolso das calças de Rabbe. Bill puxou-o para fora e acenou-o à frente do seu rosto.

"Isto serve", Disse Bill.

"Oh, poupe-me. Deve estar a brincar."

Bill retomou a leitura dos direitos.

“Eu disse que sei quais são os meus direitos,” Disse Rabbe, interrompendo novamente.

“Faça-me a vontade,” Disse Bill. Quando terminou, levou Rabbe para o carro.

Ele tinha a sensação de que este homem podia realmente ser o assassino. Esperava que Riley regressasse ao gabinete de campo do FBI a tempo de o ajudar a ter certeza absoluta.


CAPÍTULO QUINZE

 

Riley recebeu um SMS de Bill, quando saía do abrigo de emergência onde deixara Jilly. Só dizia que tinha detido Calvin Rabbe. Riley apressou-se de regresso ao edifício do FBI de Phoenix.

Encontrou Bill no exterior da sala de interrogatório.

"O que é que aconteceu?" Perguntou Riley sem fôlego. "Por que é que o detiveste? Nem sequer temos um mandado.”

“Posse de cocaína,” Disse Bill. "Tive sorte, muita sorte. Ainda bem que chegaste. Estava mesmo a preparar-me para falar com ele. Entra e dá-me uma ajuda.”.

Riley seguiu Bill para a sala de interrogatório. Calvin Rabbe estava ali sentado, algemado, a gozar com a situação como se fosse um aluno mal-comportado que fora enviado ao gabinete do diretor.

“Alguém me vai dizer de que se trata?” Perguntou Rabbe. "Eu não sou um idiota. Eu sei que não é por causa da coca. O motivo tem que ser outro.”

Riley e Bill sentaram-se na mesa à sua frente. Riley olhou para ele calmamente, tentando decidir como lidar com ele. Não se poderia acusá-lo imediatamente de matar Nancy Holbrook. Ele arranjaria forma de se safar e escorregaria por entre os seus dedos. Uma abordagem menos direta parecia a forma mais eficaz de conduzir o interrogatório.

Riley disse, “Sabemos que é um cliente ocasional da Ishtar Escorts.”

“Quem lhe disse isso?” Perguntou Rabbe. “Isso não é verdade.”

“O seu nome foi-nos dados pela própria Ishtar,” Declarou Bill.

Rabbe parecia surprendido, mas não chocado, nem mesmo especialmente aborrecido.

“Bem, essa velha puta,” Disse Rabbe. “Que mundo é este em que vivemos? Se não podemos confiar em putas, em quem podemos confiar?”

Riley debruçou-se sobre a mesa na sua direção.

“Então gosta de prostitutas, Calvin?” Atirou.

Rabbe encolheu os ombros. “Com as mulheres que por aí andam, as putas acabam por ser melhores do que a maioria.”

“Então tem um problema com mulheres?” Perguntou Riley.

“Não me povoque,” Rosnou Rabbe, desviando o olhar.

Pus o dedo na ferida, Compreendeu Riley que começava a sentir que o interrogatório ia no caminho certo.

“Fale-nos um pouco sobre a Nanette,” Continuou Riley.

“Quem é a Nanette?”

“Oh, vá lá,” Disse Riley. “Sabe muito bem de quem é que estou a falar. Uma das meninas da Ishtar. Encontrou-se com a Nanette no último sábado à noite.”

Rabbe deixou escapar um esgar de desdém. “Eu não me encontrei com ela,” Disse. “É claro que tinha encontro marcado com ela. Mas ela não apareceu e estragou a minha noite. Era suposto acompanhar-me a um evento de caridade patrocinado pela minha mãe. Apareceu nas notícias. Talvez já tenham ouvido falar na Fundação Judith Rabbe.”

Ele proferiu as palavras com uma repugnância palpável. Riley estava a ficar intrigada.

“Não, não posso dizer que tenha ouvido falar,” Disse Riley.

Rabbe revirou os olhos.

“Oh, a minha mãe tem essa mania de educar meninas em todos os países com nomes impronunciáveis. Tenta corrigir um problema que nem sequer é um problema. Eles têm a ideia certa sobre as mulheres nesses lugares. Nada parecido com a cultura invertida que aqui temos.”

Riley podia ver Rabbe com mais clareza agora.

Um porco misógino, Pensou. Exatamente o tipo de homem que procuramos.

Bill fez a próxima pergunta. “Como é que a sua mãe encara o facto de levar acompanhantes aos seus eventos elegantes?”

Pareceu a Riley uma excelente pergunta. Lembrou-se da roupa menos respeitável que Nancy Holbrook usava quando o seu corpo foi encontrado. E depois enquadrou isso no tipo de evento de caridade de luxo que a mãe de Rabbe havia certamente patrocinado.

Um sorriso amplo e satisfeito formou-se no rosto de Rabbe.

“Podem ter a certeza de que não gosta,” Indicou. “E só lhe fica bem. Mas a Nanette deixou-me apeado naquela noite. Sem tempo para a substituir. Eu fiquei lá sozinho naquela casa repleta de harpias estridentes que não paravam de falar sobre a opressão e a hegemonia patriarcal e esse tipo de coisas. Um horror.”

A sua expressão alterou-se. Parecia ter-lhe ocorrido alguma coisa.

“Esperem lá,” Disse. “É sobre o vício de heroína da Nanette? Foi por isso que me trouxeram para aqui? Eu não tinha nada a ver com isso.”

Era mentira e Riley imediatamente o percebeu.

“Mas não se importava que ela estivesse pedrada, não é?” Atirou Riley.

Rabbe deu uma risadinha.

“Eu gosto delas dóceis, se é que me faço entender,” Disse. “Mais como a natureza pretendia que elas fossem. Devia ler um pouco de psicologia evolucionária, querida. As mulheres não estão destinadas a fazer um trabalho como o seu, a viver o tipo de vida que vive. A natureza concebeu-vos para ficarem na caverna enquanto os homens saíam para caçar. Deviam ter filhos e cuidar bem deles.”

Ele olhou-a fixamente nos olhos.

“Só se estão a tornar infelizes,” Disse-lhe Rabbe. “A combater o seu próprio código genético, quero dizer. E eu sinto pena do seu namorado ou marido - a não ser que seja lésbica, o que faria sentido.”

Riley sabia que ele estava a tentar enervá-la. Mas a estratégia não ia resultar. Ia precisar de muito mais do que um antifeminismo pseudocientífico para despoletar a sua reação, especialmente depois da cruel realidade que acabara de testemunhar no Hank’s Derby.

Rabbe disse, “Consigo farejá-la a milhas. Conheço o seu tipo bem demais. E aposto tudo o que quiser que é péssima na cama.”

Chegara a vez de Riley sorrir. “Isso vindo de um homem que só consegue ir para a cama com alguém se pagar,” Respondeu Riley.

O comentário parecia não ter tido qualquer impacto nele.

“Oh, eu consigo comapnhia,” Disse. “Eu posso conseguir todas as mulheres que quiser, à hora que quiser. É uma arte e uma ciência, e eu sou um mestre. Eu poderia tê-la a si se quisesse. Eu poderia fazê-la implorar se me esforçasse.”

Riley quase riu perante a ideia de Rabbe tentar esta estratégia de engate com ela. Ainda assim, detetou que ele estava quase a dizer a verdade. Era esperto e amoralmente enganador, e sabia exatamente o que estava a fazer. Ela sentiu que ele poderia abandonar essa maneira vulgar de odiar as mulheres e adotar uma personalidade muito mais galante e atraente. Podia apresentar-se como atencioso, delicado e sensível perante uma mulher. Ele poderia conseguir o que queria com muitas mulheres antes de se aperceberem do seu erro.

Mas elas vivem sempre para se arrependerem, Pensou.

Ou talvez algumas não tivessem vidido para se arrepender.

E este crápula não tinha remorsos. De nada do que fazia. E de nada do que dissesse. Ela sentia o seu nojo inato por este tipo de homem a revirar-lhe as entranhas. “Então, por que recorre a prostitutas?” Perguntou Bill.

Rabbe olhou para Bill. “Acredite em mim, amigo, as putas são o melhor. Ou talvez já saiba isso. Elas são honestas. Não temos que pechinchar o ‘consentimento.’ Hoje em dia é tudo ‘posso’ isto e ‘posso’ aquilo. Um homem pode ir para a prisão apenas por ter relações sexuais com a sua própria mulher.”

“Sexo não consensual,"”Disse Bill.

“No casamento não existe tal coisa.”

Rabbe fez questão de o dizer diretamente a Riley. Mas ela não teve qualquer dificuldade em manter-se calma. Sentiu que agora era um bom momento para chegar ao cerne da questão.

“Esteve de alguma forma relacionado com a morte da Nanette?” Perguntou Riley.

Riley tentou perscrutar algum tipo de reação. O rosto de Rabbe não mostrou qualquer mudança de expressão.

“Ela está morta?” Perguntou suavemente.

“Foi morta na noite de sábado,” Disse Riley.

Bill acrescentou, “Na noite em que tinha um encontro com ela.”

Agora Rabbe parecia realmente entediado.

“Bem, lamento muito o que aconteceu,” Disse, fingindo abafar um bocejo. “Então é disso que se trata. Vocês julgam que fui eu. Bem, eu tenho um álibi. Eu estava no evento de caridade da minha mãe. Até podem encontrar fotos minhas lá na Internet.”

Recostou-se na sua cadeira.

“OK, agora acabou a brincadeira,” Disse Rabbe. “Quero fazer o meu telefonema. Quero o meu advogado.”

Riley não tinha a certeza se fora do bocejo artificial ou do comentário sobre brincadeira, mas já não ouvia nada. Saltou para a mesa e agarrou Rabbe pelo colarinho da sua camisa cara.

“Muito bem!” Gritou Riley. “Acabou a brincadeira.”

O grito que ele emitiu quando Riley o atirou ao chão fora profundamente satisfatório. Ela atirou-se a ele e ele tentou fugir recuando para trás no chão, movendo-se com espantosa destreza para alguém que se encontrava algemado. Dois agentes mais jovens correram para a sala, agarrando os braços de Riley de ambos os lados, mas ela ainda estava a mover-se na direção de Rabbe. Começou por tentar afastá-los, mas não resistiu a Bill quando ele a abraçou por trás, segurando-lhe nos braços.

“Chega,” Disse Bill. “Vais ser suspensa outra vez,” Disse Bill com severidade.

“Outra vez?” Perguntou um dos agentes mais jovens.

“Tudo bem,” Disse Riley. "Tudo bem." A sua fúria diminuíra agora. Descontraiu o corpo e Bill soltou-a.

Naquele momento, Rabbe gritava que queria o seu advogado e lançava ameaças de processos judiciais. Riley olhou para ele e ele ficou quieto.

Ele era um suspeito raro, percebeu Riley - do tipo que ela não conseguia decifrar. Riley virou-se para Bill.

“Vamos falar lá fora,” Disse friamente.

Ela e Bill saíram da sala de interrogatório.

“Acho que o devíamos deixar ir embora,” Afirmou Riley.

Bill parecia chocado e surpreendido.

“Pensas que não é quem procuramos?” Perguntou Bill.

“Não sei.”

“Então não o devíamos interrogar mais?”

Riley soltou um suspiro desanimado. “Podemos confirmar o seu álibi. Mas neste momento tudo o que temos é uma acusação de droga. Apenas posse de uma pequena quantidade. E com o tipo de advogado que ele pode pagar, nós não estaremos à altura. Sai daqui em dois tempos. Se o deixarmos ir agora, podemos colocar alguns agentes a segui-lo. Talvez o consigamos apanhar em falso.”

Bill abanou a cabeça.

“Não gosto nada disto,” Disse. “Mas fazemos como dizes. Talvez isso o impeça de apresentar queixa contra ti.”

Riley viu pela janela Bill a tirar as algemas a Rabbe e a dizer-lhe que se podia ir embora. Rabbe olhou na direção da janela. Ele sabia obviamente que Riley o estava a observar. Rabbe sorriu de forma afetada e baixou os olhos, saindo apressado da sala.

Riley não estava habituada a duvidar de si. E agora lembrava-se de que o chefe da equipa de mergulho lhe havia dito que não havia um segundo corpo no lago. Ela ainda não tinha tido a oportunidade de contar aquilo a Bill, mas fora algo que abalara a sua confiança. Enquanto esperava que Bill acabasse de acompanhar Rabbe para fora do edifício, sentiu a sua mente encher-se de perguntas. Poderia ela realmente ter a certeza de que os mergulhadores estavam errados? Seria possível que este afinal não fosse um caso de assassino em série?

Ela estava acostumada a seguir o seu instinto, mas agora o seu instinto transmitia-lhe sinais contraditórios. Talvez todo o trauma dos últimos meses - ser mantida em cativeiro e tendo que resgatar April do cativeiro - tivesse embotado os seus instintos. Talvez ela já não estivesse à altura deste tipo de trabalho. Ainda assim, havia uma coisa que ela queria fazer, mesmo que este fosse o último trabalho que executasse como agente de campo. Queria apanhar o assassino de Nancy Holbrook. Mas estaria certa em suspeitar de Rabbe?

Ou será que ela queria que ele fosse culpado?


CAPÍTULO DEZASSEIS

 

Ao passear pelo elegante corredor do hotel com o homem que se intitulava T.R., a mulher questionava-se que tipo de diversão estaria reservada para ela hoje. A situação tinha-a deixado um pouco inebriada e fez questão de se lembrar severamente a si própria...

O teu nome é "Chiffon". Não te esqueças.

Não era que ela tivesse dificuldades em lembrar-se do nome do seu alter-ego de prostituta. Ela gostava realmente do nome Chiffon e já o tinha utilizado com dezenas de johns sem se enganar uma única vez. Mas T.R. era diferente. De alguma forma, desarmava-a.

Talvez porque tivesse mostrado um sinal de vulnerabilidade na única outra vez em que tinham estado juntos. As coisas não tinham corrido bem para o pobre rapaz. Claro, ela tinha assumido a culpa e alegremente se oferecera para o compensar.

Há pouco, a meio do dia, ela tinha-o visto sentado no seu carro estacionado a um quarteirão de distância do Kinetic Custom Gym. Já a tinha abordado perto do ginásio anteriormente, embora ele insistisse que se encontrassem noutro lugar para se divertirem. Ela pensou que seria porque ele era muito elegante para um lugar como aquele. Desta vez, fora ela a abordá-lo e sugerira que tentassem novamente.

Naquele momento, sentia-se um tanto avassalada. Ela estava habituada a fazer o trabalho no seu pequeno cubículo sórdido atrás do ginásio ou às vezes num motel barato. Mas hoje ele tinha perguntado onde é que ela gostaria de ir se pudesse escolher. Ela pensou que era um jogo. Em tom de gozo, ela havia sugerido aquele hotel caro. Nunca ali tinha estado, mas sabia que era um local de férias para turistas abastados.

Quando deu por si, ele já estava a fazer uma reserva pelo telefone. Pouco depois estava no seu carro e a caminho do lugar. T.R. era uma caixinha de surpresas. Questionou-se o que mais teria ele reservado para ela naquela noite. Ela mal podia esperar por contar aquilo à Mitzi. Ela tinha a certeza de que a sua amiga que também trabalhava no ginásio nunca tinha estado num lugar como aquele.

Ele tinha-a deixado no carro e ido ao hotel sozinho para fazer o check-in, levando uma mala e envergando uma peruca e óculos caros que alteravam a sua aparência. Ela ficara surpreendida com o quão diferente aquelas pequenas mudanças o tornavam.

Em pouco tempo, ele tinha voltado para o carro para acompanhá-la por uma porta lateral para o quarto. Quando abriu a porta do quarto, viu que era bonito e espaçoso. A casa de banho era bastante elegante. Uma porta deslizante fazia a comunicação entre o quarto e um pátio onde eram visíveis vasos com flores.

"É tudo tão bonito," Exclamou, dirigindo-se ao pátio.

Mas ele gentilmente bloqueou-lhe o caminho. "Desculpa," Disse com um sorriso. Depois correu as pesadas cortinas da porta deslizante.

Claro, Compreendeu a mulher. Sou tão parva. Era óbvio que ele não queria ser visto com ela, e era melhor ela ficar completamente fora de vista.

Ela não estava incomodada. Por que estaria? Fazia parte do trabalho.

Sentou-se à beira da cama e olhou à sua volta, ansiosa para descobrir o que é que aquele john queria que ela fizesse a seguir. Aquele lugar era caro e ele tinha-lhe prometido muito dinheiro - dinheiro que ela não teria que partilhar com Jaybird, o gerente do ginásio. Estava encantada com a oportunidade, mas uma coisa a incomodava. Ela percebeu que T.R. desejava passar muito tempo com ela naquele local. Isso poderia ser um problema.

O john parecia não estar com pressa, preparando-se para uma tarde despreocupada e langorosa. Retirou uma garrafa de vinho branco fresco do mini-bar e serviu dois copos. Entregando-lhe um, sentou-se numa poltrona de pelúcia com o seu. Ele acenou com a cabeça e gesticulou como se estivesse a fazer um brinde, então bebeu o seu vinho e pareceu relaxar na cadeira.

Ela bebeu o seu próprio vinho. Então ela levantou-se com coragem suficiente para lhe dizer, “Peço desculpa, mas não posso ficar muito tempo.”

“Por que não?”

Ela ficou em silêncio. Não sabia o que dizer. Nunca contara a nenhum john a verdade sobre si. Nem tinha contado tudo a Mitzi. Jaybird era a única pessoa que sabia.

O homem sorriu de forma gentil e simpática.

Ela não disse nada.

Ele riu um pouco. “Compreendo. A sério que compreendo. Eu também tenho os meus próprios segredos” Então, depois de uma pausa, ele acrescentou. “E tenho uma confissão a fazer. Sinto uma verdadeira afinidade por ti. Sinto que nos entendemos de uma maneira especial.”

Ela estava a ficar bastante comovida. Nunca tinha conhecido um john que demonstrasse aquele tipo de abertura. Muitos nem sequer se davam ao trabalho de falar.

“Fala-me sobre isso.” Disse ele dando uma palmadinha na mala. “Tenho uma pequena surpresa para ti. Dou-ta se me contares.”

A mulher respirou fundo.

“O meu nome não é Chiffon,” Disse a mulher.

“Bem, o meu não é T.R.,” disse o homem, rindo novamente. “Diz-me alguma coisa que ambos não saibamos. Diz-me o teu verdadeiro nome.”

Sentia-se como se estivesse à beira de um precipício. Mas sim, ela queria realmente dizer-lhe. Seria emocionante dizer-lhe. Seria um novo tipo de aventura.

“O meu nome é Gretchen,” Disse ela.

“E?” Perguntou o homem.

“E... sou casada. Tenho filhos.”

O homem parecia muito satisfeito agora.

“Dois filhos?” Tentou adivinhar.

“Não, três.”

Ele susteve o seu olhar por um momento. Sim, era bom estar a fazer aquilo. Ela não sabia exatamente porquê, mas parecia absolutamente certo.

“Eu deveria estar em casa agora,” Disse ela. “Eu deveria estar a fazer aquilo que as mães que ficam em casa fazem. É o que meu marido acha que estou a fazer. Mas não é vida para mim. Há muitas horas num dia. Não me consigo manter ocupada.”

“E ficas entediada,” Disse ele.

Ela deu uma risada, aliviada por poder admitir isso em voz alta.

“Ah, sim! Mais entediada do que se possa imaginar! Mas preciso de estar em casa quando as crianças voltarem da escola.”

O homem dedilhou a mala. “E não precisas do dinheiro?”

“Não. Bem, o dinheiro é bom. O meu marido não é propriamente um mãos largas. Eu gosto de ter dinheiro meu.”

O homem levantou-se da cadeira e caminhou até à cama, levando a mala consigo. Sentou-se ao lado de Chiffon. Abriu a mala um pouco, segurando-a para que ela não pudesse ver o seu conteúdo.

“Fecha os olhos,” Disse ele.

Ela fechou-os.

Ela sentiu as suas mãos na parte de trás do seu pescoço. Colocava algo à volta do seu pescoço.

“Agora já podes olhar,” Disse ele.

Ela abriu os olhos e dirigiu-se a um espelho próximo para se ver, depois gritou de surpresa. Ela estava a usar um fino colar de prata com um sinal de infinito. Uma pequena pedra brilhava no centro. Ela tinha a certeza que era um diamante verdadeiro.

Devia ter custado uma fortuna. Por um momento, ela não soube o que dizer. Deveria aceitá-lo? Não sabia quando ou onde o poderia usar. Era evidente que o marido não o poderia descobrir.

Ainda assim, fora um gesto delicado. Seria rude rejeitá-lo.

“Obrigada,” Disse. Depois acrescentou, “Quero mostrar-te o quanto isto significa para mim.”

O homem não disse nada. Ela olhou-o nos olhos, uns olhos que pareciam estar plenos de afeto.

“Não me vais dizer o teu nome agora?” Perguntou a mulher.

O homem assentiu. “Daqui a alguns minutos. Vai-te preparar.”

Ela considerava fascinante a forma como ele dava ordens. De alguma forma, as suas ordens não pareciam autoritárias. A sua voz e o seu rosto eram demasiado agradáveis.

Ela deu uma risada alegre e foi para a casa de banho.

Esperem até a Snowflake ver isto, Pensou. Vai ficar para morrer!

E ela tinha a certeza de que T.R. ainda tinha outras surpresas reservadas para ela. Foi emocionante tentar imaginar o que viria a seguir.


CAPITULO DEZASSETE

 

O homem quase riu em voz alta quando a putazinha saiu da casa de banho usando apenas o colar que ele acabara de lhe oferecer. A visão do seu corpo nu não o excitou. Ele sabia que precisaria de algo mais para ter alguma satisfação.

Ele ainda estava completamente vestido, sentado na grande poltrona em frente à cama. Ele sorriu para ela.

“Vai para a cama,” Ordenou-lhe o homem.

Sem dizer uma palavra, ela dirigiu-se aos luxuosos lençóis de cetim.

Ela puxou os cobertores à sua volta, como se fosse uma menina tímida.

Não, Pensou o homem. Ela parece uma prostituta a fingir ser uma menina tímida.

Ele sorriu amplamente e detetou um sinal de alívio no rosto da mulher. Ela estava a esforçar-se muito para lhe agradar. Quando ele se levantou e caminhou em direção à cama, ela puxou o lençol para baixo para mostrar os seus seios fartos.

Ela sorriu para ele e o homem ficou impressionado com a indiferença que os seus esforços lhe suscitavam. As suas pequenas brincadeiras não surtiam qualquer efeito. E o seu sorriso confiante estava na verdade a incomodá-lo.

“Põe as mãos atrás das costas,” Disse o homem.

Ela rolou de lado, afastando-se dele, e fez o que ele tinha ordenado.

“Está bem assim,” Disse ele. “Fica assim.”

Ele tinha colocado a sua mala numa mesa perto da cama e agora retirava de lá aquilo que precisava. Sentado na cama atrás da prostituta, o homem amarrou habilmente uma corda à volta dos seus pulsos.

"Oh, meu Deus," Exclamou a mulher. Mas não se queixou. Ele tinha a certeza de que não era o primeiro john a amarrá-la. E depois da sua demonstração de generosidade, merecia fazer com ela aquilo que bem entendesse. E faria exatamente o que entendesse.

“Agora senta-te,” Disse ele. “Vou-te ajudar.”

“Muito bem,” Disse ela. “O que queres fazer a seguir?” A mulher ria-se novamente, talvez um pouco nervosamente, pensou o homem.

“Não te vires,” Disse ele.

De joelhos na cama atrás dela, ele afagou o seu cabelo.

“Isso é bom,” Murmurou a mulher.

E foi então que ele enfiou um saco de plástico na cabeça dela. A mulher já não se ria agora. Aturdida, permaneceu imóvel por um momento. Então começou a lutar. Ele segurou o saco com força. Ela esticou as pernas e empurrou os lençóis de cetim. Tentou alcançá-lo com os seus braços amarrados. Com as mãos, o homem segurou o saco e impediu que ela se afastasse dele.

Alguns momentos depois, ele sussurrou, “Agora vou-te dizer o meu nome.”

Mas ele sabia que ela já não o podia ouvir e libertou-a.

Depois sentou-se na beira da cama, olhando para a nua e patética amostra de mulher ali deitada. Tudo tinha acontecido de forma muito mais rápida do que ele previra. Tinha pensado em conversar com ela horas a fio, até depois de escurecer. Mas acabou por ter que agir mais rapidamente depois de ela lhe dizer que não tinha muito tempo.

Não que ele estivesse desapontado. Pelo contrário, ter que improvisar e mudar as suas táticas eram elementos que acrescentavam prazer ao ato. E ele experimentara uma maravilhosa sensação de conexão com ela antes de o ter feito. Esta morte dera-lhe mais prazer do que qualquer uma das outras.

Agora o prazer prosseguia num brilho silencioso de satisfação. Ele decidiu ficar simplesmente ali sentando e saborear aquela encantandora sensação. Das outras vezes, sentira que fora apressado na forma como se livrara dos corpos. Mas não havia absolutamente nenhuma razão para se apressar desta vez. Ele poderia esperar aqui até escurecer.

E o que faria até lá? Bem, podia ver televisão. Mas não, isso não parecia a coisa mais adequada. Chiffon - Gretchen - merecia mais respeito, um pouco de mimo e atenção mesmo na morte. Da última vez que estivera com ela, achara-a um pouco desagradável, e não tinha a certeza se gostava dela. Mas agora as coisas eram diferentes.

Ele acariciou o seu cabelo suavemente e lembrou-se do que ela tinha dito...

"Há muitas horas num dia. Não me consigo manter ocupada.”

Ele admirava o sentimento. Admirava mesmo. A maioria das pessoas que ele conhecia viviam as proverbiais "vidas de desespero calmo" de que Thoreau falara, dia após dia. Não sabendo muito bem o que fazer consigo próprios, não faziam muito de nada.

Não a Gretchen. Ela tinha sido uma vítima digna. Tinha sido agradável matá-la.

O tempo passou num ritmo relaxado e meditativo. Ele observou atentamente as sombras a deslocarem-se sobre o corpo de Gretchen enquanto a noite se instalava. Ficou surpreendido com a rapidez com que o escuro se apoderou do dia. O que tinha a fazer de seguida era simples trabalho braçal em comparação com o ato em si. Mesmo assim, tinha que ser feito.

Tirou um saco preto da mala. Ele usara sacos de lixo simples no passado, mas agora chegara à conclusão que um saco de cadáver era um recetáculo muito mais seguro. Deitou-o sobre a cama, e depois colocou o corpo no seu interior, ainda nu, exceto pelo colar de prata.

Então ele fechou o saco e saiu para o pátio para se certificar de que não havia ninguém por perto. O seu carro estava estacionado a poucos metros de distância.

Voltou para dentro, atirou a carga incrivelmente leve para cima do seu ombro, e levou-o para o carro. Abriu a mala e colocou-o lá dentro.

Voltou para o quarto e olhou em redor à procura de qualquer coisa que Gretchen pudesse ter deixado ali. A mala e roupas que usava encontravam-se numa pilha arrumada no chão da casa de banho. Dentro da mala, ele encontrou o telemóvel, algum dinheiro, algumas chaves e alguns lenços de papel. Ele pegou no telefone e olhou para ele por um momento. Tinha certeza de que ela não tinha tido tempo para fazer uma chamada, mas quando alguém começasse a procurá-la, tentariam localizar aquele telefone. Pô-lo no chão e esmagou-o com o sapato. A carteira continha a carta de condução, algumas fotos de crianças e algum dinheiro. Atirou-a para a mala, depois colocou todas as suas coisas num saco do lixo para despejar nalgum contentor, distante da sua insuspeita vida.

Depois palmilhou o quarto certificando-se de que nada fora deixado para trás, como qualquer hóspede do hotel que se preparasse para sair. Pendurou o sinal de "NÃO INCOMODAR" na porta do quarto. Ele não ia fazer já o checkout. Voltaria amanhã de manhã e faria isso, para que parecesse que tinha passado a noite ali sozinho. Claro que tinha feito o check-in com um cartão de crédito com um nome falso.

Por fim, saiu pelo pátio, entrou no carro e arrancou. Ao conduzir na noite cada vez mais profunda, fez um balanço da sua situação atual. As coisas estavam num ponto perigoso agora. Devido ao seu descuido com o corpo de Nanette, a polícia andava à sua procura. Encontrava-se numa situação de grande risco.

Para seu gáudio, Chiffon-Gretchen abraçou esse tipo de risco, na verdade viveu para ele. Mas a sua abordagem à vida era diferente. Como connoisseur e epicurista que era, a sua vida não era para ser vivida no limite. Ele não queria ser famoso. Era-lhe indiferente descobrirem ou não os seus homicídios. Tudo o que ele desejava era aproveitar o momento da morte de uma mulher. Era uma questão privada entre ele e as suas vítimas.

Será pedir muito da vida? Questionou-se.

Não tinha a mínima dúvida de que merecia esses prazeres.

Pensamentos como esse passaram-lhe pela cabeça durante as duas horas de viagem até ao lago. Desta vez, escolhera um lago diferente - um que estivesse mais distante de Phoenix, onde ninguém pensasse sequer em procurar. Este também era um lago artificial de água doce criado pela inundação de um desfiladeiro profundo. Ele gostava de divertir-se em lagos como estes e conhecia bem aquele.

Com os faróis apagados, conduziu por uma estrada de cascalho até encontrar o local de que estava à procura. Desta vez não se enganou. Era um ressalto perto da estrada que pendia sobre a água, e ele sabia que caía diretamente para profundidades consideráveis.

Estacionou, saiu do carro e olhou à sua volta. A lua brilhava, embora desmaiadamente através de um espesso amontoado de nuvens. As condições atmosféricas eram-lhe favoráveis.

Tirou o saco com o corpo da mala. Abriu-o e colocou várias pedras pesadas à volta do corpo. Fechou o saco novamente e empurrou-o para o lago. O som do saco a mergulhar na água foi mais ruidoso do que esperava.

De repente, surgiu uma luz. Parecia provir de um barco a algumas centenas de metros da costa. Supôs que alguém estivesse ali a pescar. Mas por que tinham acendido a luz? Teriam ouvido o splash?

Ele duvidava. Estariam provavelmente a mudar a isca ou algo do género. De qualquer modo, mesmo com a luz, ele tinha a certeza de que não o conseguiam distinguir àquela distância. Voltou para o carro, entrou e começou a conduzir, mantendo os faróis desligados até que se encontrasse a uma distância razoável.

Foi uma noite maravilhosa, Pensou.

Sentiu alguma melancolia por tudo ter terminado. Mas prometeu a si mesmo que repetiria a proeza em breve.


CAPÍTULO DEZOITO

 

Depois de Riley e Bill terem passado outro dia entediante no edifício do FBI, Riley começou a sentir-se invadida pela exaustão. O pessimismo. Já era tarde e chegara o momento de arrumar as coisas. Tinham estado desde sábado em Phoenix sob o pretexto frágil de que o homicídio de Nancy "Nanette" Holbrook poderia ser obra de um assassino em série. Mas a cada momento que passava, tal parecia cada vez menos provável. E se a morte de Nancy tivesse sido um ato isolado, chegara o momento de o FBI devolver o caso à polícia local - e de Bill e Riley regressarem a Quantico.

Era óbvio que se o álibi de Calvin Rabbe não fosse confirmado, ela e Bill continuariam a ter um motivo para permanecer no caso. Riley esperava que tudo ficasse clarificado em breve.

Riley estava cansada e apreensiva quando entrou no laboratório de informática com a sua enorme variedade de ecrãs e equipamento. No centro da vasta gama de computadores estava a responsável pelo departamento de tecnologia digital, uma jovem que se intitulava simplesmente Igraine. Sem dúvida que era uma personagem estranha – não era o género de técnico com que Riley estava habituada em Quantico. O Agente Especial Responsável Elgin Morley tinha dito a Riley que Igraine era uma autoproclamada pagã tecnológica.

Igraine tinha os cabelos pintados em vários tons e cortado à escovinha, e o seu rosto e orelhas estavam perfurados com uma vasta gama colorida de alfinetes. Por contraste, vestia de preto gótico. O seu posto de trabalho estava enfeitado e repleto de amuletos e pequenos círculos de pedras coloridas e cristais.

“O que tem para mim, Igraine?” Perguntou Riley, sentando-se a seu lado.

“Não tenho nada,” Declarou Igraine. “Oh, muitos homicídios de prostitutas, é claro. Tivemos uma série de estrangulamentos nos anos noventa. Mas nenhum desses MO se encaixam com aquilo que temos em mãos.”

Riley não sabia muito bem como sentir-se em relação a estas notícias. A realidade era que o número aparentemente interminável de homicidios e desaparecimentos não resolvidos de prostitutas a incomodava.

Riley perguntou, “Verificou as mortes em que o elemento água estivesse presente, ocorridas nos últimos anos?”

“Sim, pesquisei duas décadas. Uma prostituta morta foi encontrada num riacho, mas o seu assassino foi apanhado e condenado. Um assassino em série matou uma das suas vítimas numa banheira, mas nenhuma das vítimas era prostituta, e ele está neste momento no corredor da morte. De vez em quando outros corpos são encontrados nos lagos à volta de Phoenix. Afogamentos acidentais, acidentes de barco e natação, esse tipo de coisa, e as vítimas são na sua maioria homens. Quanto ao uso dos lagos para a eliminação de cadáveres, não encontrei nada.”

“Há mais alguma coisa que possa fazer?” Perguntou Riley.

Igraine recostou-se na cadeira e soltou um urro de impaciência.

“Quer dizer, para transformar magicamente um único homicídio num caso de série? Não, sem recorrer às forças das trevas. Francamente, não me parece que o FBI se deva meter nessas coisas. Deixem as artes negras a cargo da CIA. Acreditem em mim, experimentei cada feitiço cibernético que me ocorreu. Se for mais longe farei com que os espíritos superiores se zanguem.”

Riley sabia que Igraine, utilizando a sua linguagem especial, estava a dizer a verdade.

“Tudo bem, Igraine, já chega por hoje.”

Riley saiu do laboratório a tempo de encontrar Bill no corredor.

“O que tens?” Perguntou-lhe Bill.

“Nada. E tu?”

“Bem, confirmámos o álibi de Rabbe. Ele estava em casa, no evento de caridade da mãe. Está limpo.”

Riley suspirou. Embora já estivesse à espera daquele desfecho, não lhe agradou minimamente. Na sua opinião, o lugar de Rabbe era na prisão.

“Bem, é tudo o que podemos fazer esta noite,” Disse Bill. “Vamos embora.”

 

*

 

Cerca de uma hora e meia mais tarde, Riley e Bill estavam sentados no bar do hotel. Ela tinha acabado de pedir o seu segundo bourbon com gelo. Há muito tempo que não tomava uma bebida, mas naquela noite não haveria problema. Ainda assim, Riley sabia que não devia abusar. Aquela seria a sua última bebida da noite.

De qualquer das formas, Riley percebeu que Bill precisava de alguém com quem beber e conversar. Naquele momento, Bill bebia o seu whisky a um ritmo bem mais acelerado do que Riley. Desde há alguns minutos que Bill falava sobre o desmoronamento do seu casamento.

“É difícil ver isto acontecer,” Continuou, cansado. “Quero dizer, doze anos de casamento, dois filhos e tudo o resto. É como se um grande pedaço da minha vida estivesse a ser arrancado. E está a deixar um grande espaço vazio.”

Ele parou por um momento e bebeu outro gole.

Depois disse, “Quero dizer, sim, eu compreendo o seu ponto de vista. Casar-se com um agente do FBI é difícil. Mas eu pensei que ela soubesse no que se estava a meter. Eu já era agente quando nos casámos. Mas aos poucos começaram a surgir todo o tipo de ressentimentos. E quando os miúdos nasceram, ela queria que eu saísse da agência de vez. Mas o que é que eu ia fazer?”

Riley limitou-se a assentir. Ela compreendia tudo aquilo muito bem. Afinal, recentemente ela própria tentara afastar-se daquele tipo de trabalho. Mas quer gostasse quer não, parecia estar destinada a lá ficar por muito, muito tempo. Ensinar não tinha sido suficiente para ela e estar num gabinete a tentar ignorar todos os males do mundo estava simplesmente fora de questão.

Ainda assim, ela não disse nada, apenas deixou que Bill continuasse a falar.

“Sabes, acho que talvez no início, ela pensou que ser casada com um agente seria romântico e emocionante. Mas quando fiquei ferido há cinco anos, ela passou-se. As coisas nunca voltaram a ser como dantes.”

Riley tentou ver as coisas na perspetiva de Maggie.

“Bem, pelo menos ela preocupou-se contigo,” Afirmou Riley. “O Ryan mal parecia notar que eu tinha um trabalho. Ele não se conseguiu habituar ao facto de que eu não era a pequena anfitriã social perfeita.” Depois pensou por um momento e acrescentou, “Talvez a Maggie tenha acabado tudo porque te ama.”

Bill encarou-a longamente com curiosidade.

“Essa é a coisa mais estúpida que já ouvi,” Disse Bill.

Riley começou a rir.

“É, não é?” Disse ela.

De repente, estavam ambos a rir. Sabia bem falar e rir com Bill daquela maneira. Durante anos, ele tinha sido o seu melhor amigo. Mas os últimos casos haviam deixado uma marca negativa na sua amizade. Quase se tinha esquecido de quão próxima e confortável se sentia ao pé dele.

Claro, ela também sabia que o bourbon a ajudava a relaxar.

Calma, Disse a si mesma. Não fiques demasiado confortável.

Mais uma vez lhe veio à memória aquela horrível noite de embriaguez em que ligara a Bill e lhe propusera iniciarem um caso. As feridas desse incidente apenas agora começavam a sarar e ela não queria deixá-las novamente em carne viva.

“Mas chega da minha autocomiseração,” Disse Bill. “O que se passa com aquela miúda que salvaste?”

“Queres dizer a Jilly? Bem, ‘salvar’ talvez seja uma palavra muito forte. Ela tem um longo caminho a percorrer e precisa de muita ajuda. Liguei para os Serviços de Proteção de Menores algumas vezes para saber como é que ela estava. Ela está bem e esperam conseguir retirá-la ao pai. Ele é um homem realmente abusivo.”

“Então, o que é vai ser feito dela?” Perguntou Bill.

“Penso que vai acabar numa família adotiva. A não ser que ...”

Riley calou-se. Uma possibilidade remota começou a formar-se na sua mente. Bill conseguiu ler-lhe a expressão imediatamente.

“Oh, meu Deus,” Exclamou Bill. “Estás a pensar em adotá-la, não é?”

Riley não respondeu. É claro que ele a tinha compreendido perfeitamente. Mas ela tinha a certeza de que as bebidas começavam a fazer efeito. Agora sentia-se definitivamente embriagada - e mais do que melancólica em relação a Jilly.

Bill sorria-lhe compreensivamente.

“Riley, não me parece uma boa ideia,” Disse. “Só Deus sabe o tipo de traumas por que essa pobre miúda passou. Ela nem sabe o que é ser amado e acarinhado. Vai precisar de anos de ajuda profissional e tu não tens recursos para isso.”

“Eu sei,” Concordou Riley, sentindo um nó na garganta.

Bill tinha razão. Então, por que é que esse impulso lhe sobreveio? Talvez estivesse relacionado com a forma como andava a pensar na irmã ultimamente. Lembrou-se que Wendy lhe tinha enviado uma carta há alguns anos atrás, numa tentativa de retomar os laços interrompidos. Mas Riley não lhe respondera. Vendo as coisas em retrospetiva, não sabia porquê. Mas arrependera-se. E agora não fazia ideia de onde estava e como estava Wendy.

Riley não conseguia afastar a sensação de que tinha abandonado Wendy. Agora não queria abandonar ninguém.

Mas agora não havia tempo para falar sobre tudo aquilo. Limitou-se a estar ali a apreciar o calor tranquilo e compreensão de Bill. E foi então que uma estranha fantasia começou a surgir na sua mente.

O Bill e eu seríamos os pais perfeitos para uma menina como aquela, Pensou.

Por um instante pareceu tudo tão real - ela e Bill a viverem como um casal, a fazerem o possível para dar uma vida melhor a Jilly.

“Em que é que estás a pensar?” Perguntou Bill.

Riley riu desajeitadamente. Perguntou-se se lhe deveria contar. Então o seu telemóvel vibrou. Era um SMS de April.

A divertir-me imenso! Edifício do Capitólio hoje. Casa Branca amanhã! Como estás?

Riley sorriu. A mensagem surgira no momento certo. Ela já tinha uma filha, e ainda para mais corajosa e brilhante. Agora não era o momento de Riley estragar a sua vida e mudar tudo.

Ela respondeu:

Tudo bem. Continua a divertir-te.

Abril respondeu, Vou continuar!

Bill disse, “Presumo que seja uma mensagem da April?”

Riley riu um pouco. “Como é que adivinhaste?”

“Oh, talvez fosse apenas por causa desse olhar de mãe galinha orgulhosa.”

As amáveis palavras de Bill pareciam algo melancólicas. O seu sorriso parecia um pouco mais triste agora. Riley adivinhou que ele estava a pensar nos seus próprios filhos e na batalha pela custódia que ele e Maggie travavam. De repente, Riley sentiu-se uma felizarda por não ter que passar por tudo isso com April.

O melhor era mesmo mudar de assunto.

“Sabes que temos que apresentar um relatório ao Morley,” Disse Riley.

“Sim, eu sei,” Respondeu Bill com algum cansaço na voz. “Parece-me que estamos a adiar isso.”

“O que é que lhe vamos dizer?”

Bill tamborilou os dedos na mesa.

“Não há nada a dizer, exceto que não temos nada,” Disse ele. “Não temos nenhuma razão para crer que estamos perante um assassino em série. Isso significa que não temos motivos para estar aqui. É claro que o Garrett Holbrook vai ficar desapontado. Ele esperava realmente que pudéssemos resolver o mistério do homicídio da irmã.”

“Achas mesmo?” Perguntou Riley.

Bill pareceu surpreendido com a pergunta.

“Claro. De que outra forma se sentiria?”

Riley limitou-se a encolher os ombros. As palavras tinham-lhe saído antes de pensar. Não podia explicar o seu significado. Era só porque Garrett Holbrook ainda era um enigma para ela. Riley tinha a certeza de que havia algo que ele lhes estava a ocultar. Mas agora provavelmente nunca descobririam o que era.

Riley disse, “Bem, acho que podemos redigir o nosso relatório amanhã de manhã. Depois vamos embora. Achas que o FBI nos contempla com um avião exclusivo para o regresso?”

Bill riu-se.

“Nada de tão cerimonioso,” Disse. “Quase que aposto que regressamos em classe económica.”

“Deves ter razão.”

Riley viu que Bill tinha terminado a sua bebida. A sua ainda estava a meio mas chegou à conclusão que atingira o seu limite. Já se sentia um pouco tonta. Afastou a bebida. Soube-lhe bem decidir conscientemente que já bastava por uma noite.

Ela e Bill pagaram a conta. Bill acompanhou-a ao quarto. Pararam um pouco desconfortavelmente à porta e mantiveram uma certa distância entre eles. Riley tinha a certeza de que Bill estava a pensar no mesmo que ela. Se eles se abraçassem, as coisas poderiam ficar fora de controlo. E nenhum deles queria isso. Pelo menos não esta noite.

“És uma boa mulher, Riley Paige,” Disse Bill.

Lágrimas quase brotaram dos olhos de Riley.

“E tu és um bom homem,” Disse ela. “E um bom amigo.”

Bill virou-se e caminhou pelo corredor. Ela entrou no seu quarto e sentou-se na cama. Não conseguia deixar de se sentir desiludida com aquela viagem. Desejava no mínimo ter conseguido apanhar o assassino de Nancy Holbrook.

Além disso, o seu instinto indicara-lhe que estavam a lidar com um assassino em série. Ela não estava acostumada a que a sua intuição a iludisse.

Ou estou realmente enganada desta vez? Questionou-se


CAPÍTULO DEZANOVE

 

A polícia novata Robin Mastin desceu o lado do penhasco subaquático com a sua lanterna que mal penetrava a escuridão circundante. Ela aproximava-se da base do penhasco, a cerca de quinze metros para baixo e a visibilidade era quase nula.

Ela e a sua turma tinham passado dois dias a remexer as profundezas do Lago Nimbo à procura do corpo de uma mulher. Este seria o terceiro dia de buscas, mas o chefe de mergulho, Quentin Rosner, tinha certeza de que não havia ali qualquer corpo para ser encontrado. Quando se reuniram ali bem cedo naquela manhã, ele anunciara que iriam cessar as buscas.

Robin implorou pela oportunidade de fazer mais uma tentativa. Ela lembrara a Rosner que estavam a fazer aquela busca por ordem da Agente Especial Riley Paige de Quantico. Rosner finalmente concordou em procurar durante mais uma hora, mas ela sabia que a hora concedida já se tinha esgotado.

Riley Paige! Aquele nome inspirava a Robin temor e admiração. A mulher era uma lenda e Robin queria ser como ela. E se Riley Paige acreditava que havia um corpo naquele lago, então Robin também acreditava que havia. Se Robin conseguisse encontrá-lo, faria nome antes de obter o seu certificado. Talvez então conseguisse colocação numa equipa subaquática do CSI.

Essa esperança era a razão pela qual se matriculara na escola de mergulho, apesar dos amigos se terem rido dela. Não se cansavam de lhe lembrar que o Arizona não era o lugar mais provável para encontrar trabalhos de mergulho. Mas Robin tinha grandes planos. Ela já se tornara numa mergulhadora exímia e quando obtivesse a certificação CSI, andaria de local em local e teria uma carreira brilhante.

Agora nadara os últimos metros descendentes, examinando cada centímetro quadrado. Quando tocou no fundo, sentiu um incómodo puxão na corda amarela com ligação à superfície. Era Rosner, dizendo-lhe que era hora de partir.

Sentia-se esmagada pela deceção. Ela tinha a certeza de que a busca tinha sido de alguma forma mal conduzida e tinha a certeza de que algo lhes tinha escapado.

Por insistência de Paige, Rosner e a turma examinaram pormenorizadamente o aspeto do lago antes de se tornar num lago. Se havia um corpo, Rosner estava absolutamente certo de que estava algures no fundo do lago.

Tinham procurado em cada recanto sem descobrir nada, apenas pedaços de lixo e alguns ossos de animais. Um dos seus colegas tinha encontrado um cadáver de um cão. Ninguém fazia ideia de como lá fora parar. Afinal de contas, os cães conseguiam nadar.

Rosner rira de Robin quando ela disse que queria procurar no lado desse penhasco em particular.

Robin lembrou-se do que Rosner tinha dito.

"Pensa que ela caiu numa superfície vertical? A gravidade não funciona assim.”

Ela não conseguiu pensar num argumento válido para o rebater. Mesmo assim, ali estava ela, tentando provar que ele estava errado. Seria humilhante vir à superfície uma última vez para admitir o seu fracasso. Mas mesmo naquele momento, ela não se iria apressar. Escalou o penhasco com o mesmo cuidado com que desceu, sentindo e observando tudo o mais atentamente que pôde.

A uns sete metros da superfície, uma sensação estranha fê-la parar. Ficou muito sossegada. Teria sentido mesmo alguma coisa ou seria apenas a sua imaginação?

Mas ali estava. Ela sentira uma ligeira corrente na água. Mas de onde poderia vir?

Ela estendeu a mão e sentiu a extremidade de uma saliência. Parecia que o lado do penhasco estava quebrado por rochas salientes. A corrente vinha de algum lugar à volta dessas rochas.

Levantou-se mais para olhar acima do ressalto. A visibilidade era terrível, não mais do que trinta centímetros. Mas agora compreendia a fonte da corrente. Ela tinha encontrado uma pequena entrada para uma gruta que poderia estender-se várias milhas sob a rocha. Poderia até drenar-se separadamente para o rio que tinha sido represado para formar aquele lago.

Uma teoria começava a formar-se rapidamente na sua mente. Possivelmente, apenas possivelmente, um corpo atirado de cima atingira aquele ressalto e fora sugado para a gruta, pelo menos a uma curta distância.

A entrada era tão pequena que ela teve que se encolher para conseguir entrar. Não demorou muito a que os seus dedos encontrassem algo que se movia debaixo de uma camada de sedimento. Esfregou vigorosamente e viu que era plástico preto.

Agora, o seu coração batia descompassadamente. Lembrou-se de que o corpo anterior fora encontrado dentro de um saco de lixo plástico preto. Esses sacos degradavam-se muito lentamente, especialmente em temperaturas mais baixas. Esforçou-se para manter a sua respiração sob controlo. Seria perigoso deixar-se levar pela excitação àquela profundidade, naquele espaço tão limitado.

Ela procurou e encontrou a abertura do saco. Lá dentro, pôde ver com clareza - uma superfície redonda de osso branco onde as suturas se uniam.

Era a parte superior de uma caveira.


CAPÍTULO VINTE

 

Riley ainda estava a dormir quando o telefone tocou. Não acordara cedo porque ela e Bill deveriam regressar a Quantico naquele dia. Olhou para o relógio. Ainda tinham várias horas para chegar ao aeroporto.

Mas a chamada não era de Bill. Era de Morley.

“Temos um novo corpo,” Disse.

De repente, Riley ficou bem desperta.

“Outra prostituta?” Perguntou ela.

“Parece que sim.”

“No lago?”

“Foi encontrada noutro, no Lago Gaffney. Mas foi despejada lá num saco preto. É um MO semelhante. Quero que você e o Jeffreys vão para lá. Vou enviar-vos num helicóptero, mas ainda vai demorar uma hora a estar disponível.”

“Há quanto tempo é que o corpo está na água?”

“Só desde ontem à noite.”

Riley disse a Morley que iriam para lá e logo de seguida ligou para Bill que lhe disse que estava a fazer as malas, até ela lhe contar os últimos desenvolvimentos.

“Parece que tinhas razão,” Declarou Bill. “Podemos mesmo estar perante um assassino em série.”

Riley não respondeu. Estar certo sobre algo daquela natureza não lhe dava nenhum prazer. Mas significava que tinham trabalho a fazer. E significava que havia um monstro à solta que lhes competia apanhar e impedir de matar mais mulheres.

“Levo-te café,” Disse Bill.

“E um bagel,” Acrescentou Riley. Bill concordou e desligou o telefone.

Enquanto se vestia, Riley sentiu-se grata por quem quer que tivesse encontrado este corpo ter feito a ligação.

“Lago Gaffney,” Disse em voz alta. Lembrava-se de ter visto aquele lago no mapa. Era outro lago artificial situado nas colinas perto de Phoenix. E interrogou-se se os mergulhadores no Lago Nimbo estariam a ter sorte com a sua busca.

 

*

 

Riley ajoelhou-se ao lado da mulher morta que observou dentro do saco de cadáver aberto. A vítima estava nua e os pulsos estavam amarrados com uma corda de varal comum. Apenas usava um fino colar de prata com um único diamante.

“Outra pedra verdadeira?” Perguntou Bill.

“Tenho a certeza que sim,” Respondeu Riley.

“Só pode ser obra do mesmo tipo.”

Riley olhou para Garrett Holbrook, o agente que pedira ajuda a Quantico quando a meia-irmã fora encontrada assassinada. Hoje juntara-se a Bill e Riley no voo de helicóptero para o Lago Gaffney, onde o novo corpo tinha sido encontrado.

“Estou feliz por ter insistido no envolvimento da UAC neste caso,” Disse ela ao agente de Phoenix.

Riley ainda não sabia o que pensar dele. Como de costume, quase não falara durante o voo. E até agora, a sua participação no caso tinha sido bastante periférica.

Holbrook assentiu sombriamente. “Ainda bem que concordaram em vir,” Disse ele. Depois virou-se para o corpo recém-encontrado.

“Este está num saco para transporte de cadáveres,” Disse Holbrook. “O corpo da Nancy estava num saco plástico de lixo.”

Riley reparava sempre numa vaga emoção a apoderar-se da sua voz sempre que dizia o nome da meia-irmã – Nancy e ainda não conseguira interpretar de forma exata essa emoção. Ela acreditava que algo para além da morte da meia-irmã atormentava aquele homem.

“A presença do saco de cadáver mostra planeamento e premeditação,” Disse Riley. “O homicídio da sua irmã pode ter sido espontâneo, talvez acidental. Mas desta vez, ele queria mesmo matar.”

Riley olhou para o Ranger distrital Nick Fessler, agachado do outro lado do corpo.

“Como é que a encontrou?” Perguntou Riley.

Vigoroso, mas taciturno, Fessler parecia desalentado com a pergunta.

“Já devo ter contado à polícia umas cem vezes,” Disse.

“Conte-me outra vez,” Pediu Riley. Apesar de já ter conhecimento das circunstâncias da descoberta, queria ouvir da própria boca de Fessler.

“Eu estava a pescar ontem à noite no lago. Ouvi um splash vindo dali, perto do penhasco. Pensei que fosse um idiota a despejar lixo ou algo assim. Fui até lá, pensando que podia fazer alguma coisa. Mas não havia nada a flutuar e pareceu-me estranho. Então, esta manhã vesti o meu equipamento de mergulho e desci para ver de que é que se podia tratar.”

Calou-se. Riley não precisava de ouvir mais nada. Fessler tinha encontrado o saco com o corpo e tinha sido ajudado pelo seu pessoal a trazê-lo para a superfície. Depois chamou a polícia.

Infelizmente, alguém da sua equipa tinha indiscretamente enviado um e-mail a um amigo sobre a descoberta e a notícia tornou-se imediatamente viral na internet. Os meios de comunicação social rapidamente acorreram ao Lago Gaffney. Agora, polícia tinha circunscrito a área e envidava todos os esforços para manter os jornalistas e as equipas de reportagem o mais longe possível.

“Ela deu à luz,” Disse Garrett Holbrook a Bill e Riley, apontando para as estrias visíveis no ventre da vítima. “E parece mais velha do que a Nancy.”

Riley percebeu de imediato que ele tinha razão. E acrescentou, “Ambas tiveram os pulsos presos. Desta vez, não se deu ao trabalho de tirar a corda.”

Bill tirou cuidadosamente o colar do pescoço da mulher e colocou-o num saco de prova.

“O corpo anteriormente encontrado usava um anel com um diamante,” Disse ele. “Esta mulher está a usar um colar caro, também com um diamante. Não há dúvida de que temos um padrão.”

Riley concordou. Agora uma foto do colar circulava na internet. Felizmente, nenhuma foto mostrando o corpo inteiro havia sido publicada.

Riley chamou o médico-legista do condado que se encontrava ali perto com a sua equipa.

“Já a pode levar.”

O médico-legista e a equipa fecharam obedientemente o saco e levaram-no para o seu veículo.

Riley afastou-se dos seus colegas e olhou à sua volta. Além das colinas e parcelas de verde que cercavam o lago, tudo ali se resumia a terra e erva seca. Cactos Saguaro perfilavam-se como sentinelas. As coisas pareciam muito mais vivas no lago. O dia estava ensolarado e a água parecia cristalina e azul. Riley podia ver que a marina em frente ao lago tinha bastante movimento. As pessoas divertiam-se.

Alguns velejadores na água tentavam ver o que se passava por ali. A segurança do lago mantinha-os afastados.

Era um lago bonito, mas pelo que o líder da equipa de mergulho lhe dissera no outro dia, ela sabia que essa aparência era enganosa. As profundezas dos lagos como aquele eram escuras e cheias de torrões e fuligem.

Tal como este caso, Pensou Riley.

Fessler tinha trazido o corpo para terra para o local onde se encontravam agora. Aparentemente tinha sido atirado para a água de um penhasco próximo. Mas à volta de grande parte do lago, os montes afunilavam-se gradualmente para a borda da água. O assassino devia conhecer bem a área para encontrar um dos poucos lugares onde poderia largar um corpo diretamente para o precipício e esperar que ele se afundasse na água. Era óbvio que o assassino conhecia ambos os lagos. Ele estava familiarizado com o território. Era provável que fosse um velejador de recreio, como aqueles que ali estavam agora.

O telemóvel de Riley tocou e viu que o telefonema era de Quentin Rosner, o chefe da equipa de mergulho. Ela colocara-o sobre muita pressão para continuar as buscas, apesar da sua insistência de que não havia um segundo corpo no Lago Nimbo. Agora não sabia que tipo de notícia esperar dele.

“O que tem para mim, Sr. Rosner?” Perguntou.

“Agente Paige,” Começou Rosner.

Hesitou.

“Nós encontrámos um corpo,” Disse.

O coração de Riley disparou.

“Conte coisas,” Pediu ela.

“Um dos meus mergulhadores encontrou um crânio numa gruta subaquática. Há um esqueleto inteiro lá, dentro de um saco de plástico preto. Parece uma mulher. Ela deve ter sido morta há alguns anos, tempo suficiente para a carne se decompor completamente. Mas o esqueleto é muito sólido. Podemos ser capazes de identificá-la a partir de registros dentários.”

Riley perguntou, “Havia alguma joia no corpo?”

“Não sei, mas vou confirmar,” Respondeu Rosner.

Naquele momento, Riley ouviu o Agente Holbrook chamar por ela e Bill.

“Bom trabalho, Rosner,” Disse Riley. “Tenho que ir.”

O agente Holbrook olhava para o seu smartphone quando Riley e Bill se aproximaram dele.

“Acabei de receber algumas notícias da divisão,” Transmitiu-lhes Holbrook. “Encaminharam-me isto.”

Holbrook mostrou a Bill e Riley uma imagem no seu smartphone. Era uma selfie de uma mulher sorridente a segurar um colar. Parecia estar numa casa de banho. Riley imediatamente reconheceu a mulher como a vítima cujo corpo tinha acabado de ser encontrado. E o colar parecia exatamente com o que Bill acabara de retirar do seu cadáver nu.

“De onde veio isso?” Perguntou Riley a Holbrook.

“Uma mulher que se identificou como Snowflake ligou para a linha de emergência da polícia,” Disse Holbrook. “Disse que a sua amiga Chiffon lhe enviara aquela foto com um SMS ontem à tarde. O texto de Chiffon dizia que um ‘cavalheiro’ lho tinha dado, e que tinham tido um ‘momento’, e que ela mais tarde ligaria a Snowflake para lhe dar mais pormenores.”

“Deixe-me adivinhar,” Prosseguiu Riley. "Chiffon não voltou a entrar em contacto com Snowflake."

Holbrook assentiu. “É verdade. E Snowflake ficou preocupada. E esta manhã, Snowflake viu a foto do colar a circular na internet. Ela teve a certeza de que Chiffon devia ser a vítima.”

Riley estava a processar aquela informação.

Snowflake e Chiffon, Pensou. Soam a nomes de prostitutas. E Nancy Holbrook era uma acompanhante que se apelidava de Nanette.

“A Snowflake disse mais alguma coisa?” Questionou Bill.

“Sim, disse que ela e Chiffon trabalhavam num lugar em Phoenix chamado Kinetic Custom Gym. Ela disse que devíamos falar com um tipo de lá chamado Jaybird.”

Riley começou a caminhar em direção ao helicóptero do FBI.

“Vamos.”


CAPÍTULO VINTE E UM

 

Riley pensou que o Kinetic Custom Gym parecia mesmo a fachada de um bordel. O lugar tinha mau aspeto e estava decrépito, ainda mais do que o bairro problemático em que se encontrava. Um sinal de "FECHADO" estava pendurado à porta, mas ela tinha a certeza de que o lugar estava aberto e a funcionar para um tipo de negócio bem diferente.

O carro em que ela e Bill chegaram era o único veículo no parque de estacionamento. Quando saíram e caminharam em direção ao edifício, puderam ver algumas máquinas de exercícios pelas janelas da frente. A única pessoa à vista era um homem sentado na receção. Ele devorava uma cópia do Scientific American. Riley presumiu que se tratava de Jaybird, o homem que Snowflake indicara. E Riley tinha certeza de que ele era um proxeneta.

Se ele era ou não o assassino que procuravam, isso era outra questão.

Bill estava prestes a tirar o seu distintivo para o mostrar pela janela.

“Ainda não,” Disse-lhe Riley.

Ela queria tirar algumas conclusões sobre o homem antes de descobrir quem eles eram. Ela sorriu agradavelmente e bateu na janela. O homem levantou os olhos da revista. Ela acenou como se ela e Bill fossem apenas clientes que quisessem ver o lugar.

O homem apontou para o sinal FECHADO e continuou a ler. Riley bateu na janela novamente, sempre a sorrir. O homem fitou-a mais uma vez, percebendo que ela e Bill não se iriam embora.

Levantou-se e caminhou em direção à porta. O homem era louro e tinha cerca de trinta anos - um homem baixo e musculoso que andava de forma arrogante e orgulhosa com os punhos cerrados. Riley conseguia decifrar muita coisa na forma como se movimentava. Soube que tinha experimentado muita violência na vida e que a podia eliminar quando precisasse ou quisesse.

É este o homem que procuramos? Questionou-se. Começou a parecer algo bastante provável.

O homem destrancou a porta e espreitou para o exterior.

“Estamos fechados,” Disse. “Não sabem ler o sinal?”

Sorrindo tão encantadoramente como sempre, Riley apontou para as horas indicadas nas portas de vidro.

E disse, “Sim, mas de acordo com isto, deviam estar abertos. Só queremos dar uma vista de olhos.”

“Não me parece,” Ripostou o homem.

Chegara o momento de parar de fingir. Riley mostrou o seu distintivo.

“Sou a Agente Paige e este é o meu parceiro, Agente Jeffreys.”

Do rosto do homem irrompeu um sorriso endiabrado. Se estava intimidado, não o demonstrou.

“Com que então, FBI?” Disse. “Por que não disseram logo? Entrem.”

Bill e Riley entraram.

Riley olhou à sua volta, reparando nas decrépitas máquinas - esteiras, uma máquina de remo, duas máquinas de pesos. Cheirava a coisas velhas e estagnadas. Riley também tirou as medidas ao espaço total daquela área visível e concluiu que devia haver muito espaço na parte de trás para a realização de serviços ilícitos.

“O seu nome é Jaybird?” Perguntou Bill.

“Sim, sou eu,” Respondeu o homem. “Mas penso que devem precisar do meu nome verdadeiro para, do tipo, fins oficiais. Chamo-me Jerome Kehoe.”

Ele não oferecera uma cadeira a Bill e Riley propositadamente, não fazendo qualquer esforço para os deixar confortáveis. Mesmo assim, mantinha uma aparência de hospitalidade.

“Sabem, vocês são mesmo as pessoas com quem quero falar agora. Quero dizer, vocês fazem parte de uma força policial. Isso significa que estão interessados em questões de livre arbítrio, certo? Porque não tenham dúvidas que eu estou.”

Jaybird pegou na revista que estava a ler e acenou-a na direção de Riley e Bill.

“Este artigo diz que os cientistas provaram que a nossa realidade é apenas uma simulação de computador,” Despejou ele muito rapidamente. “Quero dizer, olhem à vossa volta, olhem para tudo que veem, cheiram, saboreiam, tocam. Tudo não passa de realidade virtual numa moldura gigante.”

Riley percebeu que ele os estava a distrair com aquela conversa absurda. Mas também captou que o seu interesse era genuíno. Ele era inteligente, até filosófico.

Também teve a certeza de que era emocionalmente volátil - extremamente. Ela pressupôs que a sua hiperatividade era periodicamente interrompida por colisões emocionais, marcadas por terríveis acessos de fúria. Mesmo fúria assassina, tinha a certeza.

Acima de tudo, ele era bom a enganar as pessoas, a mantê-las desequilibradas, manipulando-as. Se ela e Bill não se chegassem à frente, o mais certo seria deixarem aquele lugar com nada mais do que uma subscrição de um ano de um ginásio inexistente.

Ele continuou, “Quero dizer, pensem nas implicações ontológicas dessa merda, para o tipo de trabalho que vocês fazem. Porque se eu cometer um crime, mas é pré-programado em algum tipo de máquina de Deus onipotente, eu sou realmente culpado? Sou responsável pelo meu próprio comportamento? Vocês são? Alguém é? É uma pergunta interessante, não é?”

Riley sabia que era melhor não se envolver em qualquer discussão. Era hora de passar ao cerne da questão.

“Gostaríamos de saber onde estava e o que estava a fazer ontem à noite,” Principiou Riley.

“A que horas?” Perguntou Jaybird.

“Entre o pôr-do-sol e a aurora,” Disse Bill.

Jaybird grunhiu um pouco impaciente. “Isso são muitas horas. E as minhas noites podem ser bastante ocupadas, se é que me faço entender. E eu não durmo. Eu nunca durmo. Ando sempre por aí. Então, é uma pergunta difícil. Eu não sou um erudito constitucional, mas tenho a certeza que não estão aqui para me prender, mas ainda assim, tenho a certeza de que não tenho que responder a nenhuma pergunta. Corrijam-me se estiver enganado. Estou enganado?”

Riley ergueu abruptamente o seu telemóvel para lhe mostrar a selfie de Chiffon.

“Esta é uma das suas meninas, não é?” Perguntou Riley.

Riley percebeu pela sua expressão que finalmente conseguira desequilibrá-lo. Nem valia a pena mentir.

“Sim,” Anuiu. “Chama-se Chiffon. Ela trabalha aqui.”

“O que é que ela faz?” Perguntou Bill.

Jaybird encolheu os ombros.

“Dá massagens,” Declarou. “Tenho mulheres aqui que fazem isso. Não há nada de errado em dar massagens.”

“Ninguém disse que havia,” Ripostou Bill com ironia. “A minha parceira disse que havia algo de errado com isso? Eu disse que havia algo de errado com isso? Quem é que disse que havia alguma coisa de errado com isso?”

Riley gostou de ver Bill a meter-se com aquele tipo, a virar o feitiço contra o feiticeiro. Ela pressentiu que Jaybird começava a ficar um pouco intimidado. Jaybird podia ser duro, mas Bill era maior e igualmente imponente.

Vou deixar o Bill levar a dele durante um bocado, Pensou.

“Não, ninguém disse isso,” Disse Jaybird. “Mas a Chiffon não está cá.”

“ Nós sabemos,” Continuou Bill. “Ela está morta.”

Jaybird não disse nada. Riley não sabia como interpretar a sua reação - ou falta dela. Talvez Bill pudesse compreendê-lo melhor.

Naquele momento, o telemóvel de Riley tocou. Ela afastou-se de Bill e Jaybird para atender a chamada. Era Elgin Morley a ligar da sede. Riley podia ouvir Bill e Jaybird a falarem durante o telefonema.

“Agente Paige, tivemos alguma sorte,” Disse Morley. “Fizemos uma busca de registos dentais para o crânio encontrado esta manhã e encontrámos uma correspondência. O nome da vítima era Marsha Kramer. A família informou que estava desaparecida há três anos. Ela estava na faculdade quando desapareceu.”

“Podia enviar-me uma foto dela?” Pediu Riley.

“Envio-lhe já,” Disse Morley.

Enquanto Riley esperava, ouviu Bill e Jaybird prosseguirem o debate. Bill tentava obrigá-lo a falar mais sobre Chiffon, sem muito sucesso. Riley tinha que regressar àquela conversa.

Entretanto recebeu a foto de Marsha Kramer.

Riley agradeceu a Morley e terminou a chamada. Entretanto, caminhou para junto de Bill e Jaybird, e mostrou a foto.

“E esta jovem?” Perguntou Riley. “Conhece-a?”

Jaybird não disse nada, mas viu um flash de reconhecimento nos seus olhos.

Bill disse, “Jaybird - Sr. Kehoe... Vamos parar com os joguinhos. Nós não temos um mandado, mas não teremos problemas em conseguir um. Tudo correrá melhor para si se cooperar.”

“Sim, eu lembro-me dela,” Disse Jaybird. “Já lá vai muito tempo. Anos, talvez. Não me lembro dela muito bem. Sinceramente, não. Talvez a minha mulher pudesse ajudar.”

Jaybird virou-se e caminhou em direção a uma porta que dava para a parte traseira do edifício. Riley seguiu-o, determinada a não o perder de vista. Jaybird não fez nenhum esforço para a impedir. Ouviu os passos de Bill logo atrás de si.

A caminho das tarseiras, passaram por uma porta aberta. Riley parou e olhou lá para dentro. O quarto era uma sauna com painéis de cedro. Mas não estava a ser utilizado naquele momento e provavelmente não era há anos.

Em vez disso, o quarto agora parecia ser uma área de descanso para as mulheres que ali trabalhavam. Seis delas de proveniências várias e escassamente vestidas estavam lá naquele momento. Nenhum delas era atraente e todas pareciam cansadas, doentes e apáticas.

Riley estremeceu. Uma imagem brilhou na sua mente, a gaiola escura de Peterson e a sua chama de propano. Ela não tinha a certeza por que lhe surgira agora aquela imagem. Sacudiu-a da memória. Havia trabalho a fazer.

“Estas são as minhas meninas de massagem,” Disse Jaybird. “E se tiver tempo, oferecemos-lhe uma massagem grátis.” E dirigindo-se a Riley, acrescentou, “Você também. Mas parece que está de serviço. Bem, talvez noutra altura.”

Riley sabia que aquilo não era bluff, pelo menos não exatamente. Se ela ou Bill pedissem, qualquer uma daquelas mulheres estava preparada para lhes dar, pelo menos, uma espécie de massagem. Ainda assim, ela tinha a certeza de que nenhuma das mulheres estava certificada ou treinada para aquele serviço.

Jaybird conduziu-os por um corredor ladeado de cubículos com cortinas, onde os clientes certamente obtinham os seus serviços. A privacidade não era obviamente uma prioridade num negócio de baixo nível como aquele.

O corredor terminou na entrada das traseiras. Uma mulher na casa dos vinte anos estava sentada a uma secretária a ver televisão num pequeno aparelho e a mastigar pastilha elástica. Estava vestida como as outras mulheres e a sua expressão era igualmente vaga. Riley sentia-se bastante segura de que os clientes usavam esta entrada traseira em vez da frente, e que aquela mulher era rececionista.

“Esta é a minha mulher, Chrissy,” Disse Jaybird a Riley e Bill. “Chrissy, estão aqui uns agentes do FBI.”

Chrissy parecia preocupada.

“Não te preocupes, vêm em paz,” Disse Jaybird com uma risada. “Só querem fazer algumas perguntas.”

Riley interrogou-se se Jaybird e Chrissy eram realmente casados. Nem usavam uma aliança de casamento. Qualquer que fosse o seu relacionamento real, Riley tinha a certeza de que não era exclusivo.

“Eles têm más notícias sobre a Chiffon,” Disse Jaybird. “Dizem que ela está morta.”

Chrissy soltou um esgar de choque. Riley percebeu que ela devia ter conhecido bem a vítima.

“Quem a matou?” Perguntou Chrissy.

As palavras pareceram reveladoras a Riley – ela não perguntara “Como é que morreu?”, mas “Quem a matou?”

Antes que Riley pudesse responder, Jaybird riu e disse, “Bem, se ouvires estes dois, vais pensar que fui eu. Dizem que foi ontem à noite. Mas tu sabes que não fui eu, não é, Chrissy?”

Chrissy sorriu debilmente.

“Com certeza que não foi o Jaybird,” Disse ela. “Eu sei o que é que ele estava a fazer a noite passada.”

“Sim, a Chrissy sabe,” Disse Jaybird com uma risada grosseira. “Ela até pode contar alguns detalhes. Mas nem tudo seria muito apropriado para a senhora,” Acrescentou, indicando Riley novamente.

“Eu tinha um mau pressentimento acerca dela,” Continuou Chrissy. “Ela às vezes passava muito tempo sem vir trabalhar, mas desta vez parecia diferente de alguma forma. O marido já sabe?”

A pergunta apanhou Riley de surpresa. E Bill tivera a mesma reação.

“Ela era casada?” Perguntou Bill.

“Sim, o marido fazia qualquer coisa relacionada com computadores,” Disse Chrissy. “Ela tem... Teve... Três filhos.”

Chrissy encolheu os ombros e acrescentou: “Ela não precisava de trabalhar aqui. Quero dizer, ela não precisava do dinheiro. Ela só estava aborrecida.”

Riley detetou os olhares que Chrissy trocara com Jaybird. Ela estava a ter cuidado para não dizer nada que ele não quisesse que ela dissesse. Ele lançava-lhe todo o tipo de olhares, acenos e piscadelass como indicações não-verbais. Ainda assim, naquele momento, Jaybird não parecia preocupado com o que Riley e Bill sabiam sobre o negócio. Era óbvio que não era um segredo. E afinal de contas, eles não estavam ali para o matar.

Mas pode ter mais com que se preocupar, Pensou Riley.

Riley ainda não conseguia decifrar se ele seria o assassino.

Riley disse, “Chiffon não era o seu nome verdadeiro, pois não Chrissy?”

Chrissy abanou a cabeça. “Chamava-se Gretchen qualquer coisa. Oh, sim. Gretchen Lovick.”

Riley mostrou-lhe a foto da mulher que acabara de ser identificada, Marsha Kramer.

“Conhecia esta mulher?” Perguntou a Chrissy.

Chrissy franziu as sobrancelhas enquanto se tentava lembrar.

“Oh, sim,” Disse por fim. “Foi há muito tempo. Chamava-se Ginger. Nunca soube o seu nome verdadeiro. Pensei que tivesse morrido. Quer dizer, talvez ela não tenha muito tempo para viver. Ela...”

Jaybird cortou-lhe a frase com um grunhido. Mas Riley debruçou-se para perto dela e disse gentilmente, “Ela era o quê, Chrissy?”

“Ela estava muito doente,” Concluiu Chrissy.

Riley percebeu que Chrissy agora tinha medo de Jaybird. O melhor era não forçar o assunto. Além disso, o que Chrissy quisera dizer era óbvio. Marsha "Ginger" Kramer tinha sido seropositiva.

Então Bill perguntou a Chrissy, “Conhece uma mulher chamada Snowflake?”

“Sim, ela trabalhava aqui, ela...”

Mas Jaybird pigarreou e ela parou a meio da frase.

“A Snowflake já não trabalha aqui,” Atirou Jaybird.

Mais uma vez, Riley não viu necessidade de forçar mais o assunto. Tudo estava bem claro para ela. Snowflake tinha fugido deste lugar horrível por causa da brutalidade de Jaybird. Só porque estava livre de Jaybird é que ousara colaborar.

“Ei, esperem lá,” Disse Jaybird. “Esperem lá. Eu sei quem é que vocês devem investigar.”

“Quem?” Perguntou Riley.

“Calma,” Disse Jaybird. “Só vos digo se não me incomodarem. Estou apenas a gerir um negócio honesto.”

O estômago de Riley deu uma volta só de pensar em fazer qualquer tipo de acordo com aquele homem.

“OK,” Concordou Riley, “mas só se a dica for boa.”

“É um tipo que se chama Clay Hovis. Sim, eu recordo-me da Ginger ter medo dele. Todas as nossas miúdas tinham medo dele. Especialmente a Chiffon. Na verdade, eu acabei por correr com ele daqui porque tinha sido muito duro com a Chiffon. Não é verdade, Chrissy?”

Chrissy assentiu em silêncio.

Jaybird disse: “Sim, tem que ser o Clay. Ele é realmente má rês. Dá-me um papel para eu escrever o nome e a morada.”

Chrissy entregou a Jaybird um papel e um lápis, e Jaybird anotou algo. Enquanto Bill lhe pedia alguns detalhes sobre Hovis, Riley virou-se para observar Chrissy.

Riley ficou com o coração apertado. Ainda em silêncio, Chrissy olhava para ela com uma expressão implorante. Depois de todos os sinais não ditos que Chrissy e Jaybird tinham trocado, Riley teve a certeza de que Jaybird iria bater-lhe mal ela e Bill se fossem embora. A pobre mulher queria desesperadamente alguém para resgatá-la daquela vida horrível. Mas Riley sabia que qualquer resgate seria temporário. Esta mulher tinha que estar disposta a resgatar-se. E todas as outras também.

Enquanto os homens conversavam, Riley inclinou-se e sussurrou a Chrissy, “Pode vir agora comigo se quiser.”

Chrissy olhou para ela sem entender.

“Eu posso levá-la para um lugar onde pode ficar. Há pessoas que podem ajudá-la.”

Chrissy disse que não com a cabeça. Agora Riley sentia-se doente.

Ela tem demasiado medo para sequer pensar em ir embora, Compreendeu Riley.

Entregou o cartão a Chrissy e sussurrou, “Ligue-me se mudar de ideias.”

Chrissy aceitou o cartão, mas desviou o olhar.

Agora Riley sabia por que as mulheres doentes, cansadas e desesperadas na sauna a fizeram recordar a gaiola de Peterson. O seu tormento tinha durado apenas alguns dias. Chrissy e o resto das mulheres que ali viviam, cumpriam pena de prisão perpétua.

De certa forma, não importava muito se Jaybird era o assassino que procuravam, ou Hovis, ou qualquer outro homem.

São todos monstros, Pensou Riley.

E não havia forma de os deter a todos.

Riley afastou-se de Chrissy e caminhou ameaçadoramente na direção de Jaybird.

“Espero bem que a dica seja boa,” Trovejou Riley. “Dê-me só uma desculpa. Dê-me o mais ínfimo motivo. E abato-o como um cão.”

Jaybird olhou para ela sombriamente.

“Vamos,” Disse Bill a Riley. “Vamos ter com este Clay Hovis.”


CAPÍTULO VINTE E DOIS

 

Não era longa a viagem até ao apartamento de Clay Hovis. Situava-se no mesmo bairro do Kinetic Custom Gym. Riley não estava ansiosa para entrevistar o homem. Depois de uma já longa carreira a lidar com o horror, não fazia ideia de como ainda era surpreendida pelos horrores deste mundo. Naquele momento, o caso parecia estar a ficar cada vez mais complicado.

“Estás bem?” Perguntou Bill a Riley enquanto ela conduzia.

Riley não respondeu. Ela simplesmente não sabia o que dizer.

Então Bill perguntou, “O que te parece o Jaybird? Achas que é o nosso homem?”

Riley pensou por um momento.

“Não,” Disse ela. “Ele é apenas um homem de negócios. Oh, ele é um empresário que odeia as mulheres. E ele sente-se bem a bater e a abusar de mulheres. Faz parte da sua linha de trabalho. Mas o homicídio é mau para o negócio. Ele não gosta disso.”

Riley pensou por um momento, depois acrescentou, “E ele não é impotente.”

“E o nosso assassino é?” Perguntou Bill.

“Intermitentemente, pelo menos,” Afirmou Riley. “Embora eu tenha a certeza de que ele não gosta de o admitir, mesmo para si mesmo. E talvez não quando começou a matar. Mas agora o desempenho sexual é um problema para ele. Ele obtém o seu prazer com os homicídios, não com sexo ou violência sexual.”

Ela pensou nisso por mais um momento. “E o Jaybird não é assim,” Disse Riley. “A sua fanfarronice e bravata são genuínas, não uma forma de compensar a falta de virilidade.”

“Então esta dica sobre este tal Clay Hovis pode ser legítima?” Perguntou Bill.

“Pode ser,” Confirmou Riley.

Fazia cada vez mais sentido para ela. Jaybird parecia muito irritado com Hovis. O homem deve ter causado algum problema real para Jaybird o ter proibido de frequentar o lugar. E Jaybird estava, sem dúvida, preocupado com o que aconteceria se ou quando se soubesse daqueles homicídios. Era algo que realmente prejudicaria o seu negócio. Se Hovis era o assassino, Jaybird tinha razões de sobra para o querer fora de cena.

“É melhor ligares para o quartel-general,” Disse Riley a Bill, ao virar numa esquina de uma zona especialmente perigosa do bairro. “Temos que obter informações sobre a Gretchen Lovick. Temos que localizar os seus parentes mais próximos. A Chrissy disse que o marido fazia algum tipo de trabalho relacionado com computadores. Não deve ser difícil encontrá-lo.”

Bill pegou no telefone. Enquanto Bill falava com Morley, Riley percebeu que ela e Bill poderiam ter que informar Lovick que a mulher estava morta. Esse pensamento não melhorou a sua disposição. Tendo em consideração que o corpo não tinha sido identificado até agora, o marido provavelmente não saberia que ela tinha sido assassinada. A menos que, claro, ele a tivesse morto, mas isso não era de todo provável num caso com três prostitutas mortas ao longo de um período de vários anos. O homem que iam ver agora era um suspeito muito mais provável.

Riley estacionou o carro à frente de um prédio de apartamentos grande, com aspeto degradado onde vivia Clay Hovis. Saíram do carro e subiram três lances de escadas. Enquanto seguiam pelo corredor em direção ao apartamento de Hovis, uma cacofonia de música e vozes altas cercaram-nos. Era difícil a Riley imaginar pessoas a viver ali. Como é que alguém poderia dormir ou até mesmo pensar?

Ao aproximarem-se da porta do apartamento de Hovis, ouviram um cão a ladrar lá dentro. Antes mesmo de baterem à porta, ouviram um grunhido hostil e o arranhar de garras contra a porta. O animal parecia grande e extremamente perigoso.

Depois de um momento de fúria animal, ouviram a voz de um homem perguntar.

“Quem é?”

Riley percebeu que o ocupante do apartamento estava a espreitar através do olho mágico. Riley recuou para estar totalmente à vista. Tirou o distintivo.

“Agentes Paige e Jeffreys, FBI,” Disse Riley. “Gostaríamos de lhe fazer algumas perguntas.”

O cão começou a ladrar oura vez.

“Têm um mandado?” Gritou o homem através da porta.

“Não,” Respondeu Bill em voz alta. “Só queremos conversar.”

O ruído animal prosseguiu.

“Não,” Disse o homem.

Riley disse, “Sr. Hovis - penso que estamos a falar com o Sr. Hovis – tudo será muito mais fácil se cooperar.”

Mais uma vez, o homem respondeu, “Não.”

Riley olhou para Bill, sem saber o que fazer. As coisas seriam diferentes se tivessem um mandado para o deter ou para fazer buscas na sua casa. Naquela situação, Clay Hovis estava no seu direito em não querer abrir a porta, mesmo a uma força policial. E ele parecia saber isso.

Bill gritou por cima do latido, “Tudo bem, Sr. Hovis. Nós entendemos. Não tem que conversar connosco se não quiser.”

Riley olhou para Bill surpreendida. Bill mostrou-lhe um meio sorriso que lhe assegurou que ele sabia exatamente o que estava a fazer.

Quando a fúria do cão cresceu, Riley rapidamente compreendeu a tática de Bill. Embora Hovis tivesse o direito de não falar com eles, ela e Bill tinham todo o direito de ficar onde estavam. E enquanto eles ficassem à frente da porta, a intranquilidade do cão continuaria. Hovis não conseguia acalmar a criatura e a situação dentro do apartamento parecia estar a tornar-se insustentável.

Passados alguns momentos, a porta abriu-se ligeiramente, parada por uma corrente. Riley agora podia ver o focinho negro de um doberman pinscher. O seu nariz enfiou-se tanto quanto podia na abertura. Mostrava aos estranhos uns dentes enormes e os seus olhos chispavam fúria. A criatura ladrou furiosamente.

Um homem Afro-Americano também espreitou pela abertura.

“O que é que querem?” Perguntou por cima do ladrar.

“Como eu disse, só queremos conversar,” Repetiu Bill.

O homem praguejou e destrancou a corrente. Abriu a porta, segurando o cão firmemente pela coleira.

“Está tudo bem, Genghis,” Disse o homem ao cão. Então ele disse a Riley e a Bill, “Entrem.”

Riley e Bill entraram cautelosamente no apartamento. O cão grunhia, mas agora que o dono os convidara a entrar estava mais calmo. O homem amarrou uma trela à coleira do cão, levou a grosseira criatura para uma poltrona e sentou-se.

“Genghis, senta,” Ordenou o homem.

O cão obedeceu, deitando-se ao lado da cadeira com um lamento. Parou de rosnar, mas continuava a observá-los atentamente. Então Hovis encarou Riley e Bill.

Bill começou, “Foi-nos dito que frequentou o Kinetic Custom Gym.”

“Sim,” Confirmou o homem.

Riley acrescentou, “O que é que sabe sobre duas das suas empregadas - Chiffon e Ginger? Ginger trabalhou lá há muito tempo. Mas a Chiffon é muito recente.”

“Nunca ouvi falar delas,” Respondeu Hovis.

O rosto e a voz do homem eram tão vazios de expressão que Riley não podia discernir se estava ou não a mentir.

“As duas mulheres estão mortas,” Disse Bill. “A Chiffon morreu ontem à noite. Ginger morreu há cerca de três anos.”

Hovis não disse nada.

Riley prosseguiu, “Será que nos pode dizer onde estava e o que estava a fazer a noite passada, entre o pôr-do-sol e o amanhecer?”

"Estava aqui,” Respondeu Hovis.

“Tem alguma testemunha que o possa comprovar?” Perguntou Bill.

“Não.”

Então caiu novamente o silêncio. O ar ainda estava cheio de ruído ambiente dos apartamentos vizinhos e o cão continuava a ganir um pouco. Hovis não estava obviamente a querer colaborar. Riley ainda não sabia se ele escondia algo ou se era reticente por natureza.

Mas tanto ela como Bill sabiam por experiência que o melhor era não apressar uma situação daquelas. Era melhor deixar Hovis pensar que não tinham pressa.

Riley observou o homem com atenção. Era negro, alto e bastante desajeitado. O seu olhar era direto e muito intenso. Ela notou que ele vestia uma t-shirt de mangas compridas e calças de ganga, apesar do ar condicionado do compartimento estar a funcionar audivelmente e a sala estar demasiado quente.

Um instante depois, Riley disse, “Conversámos com Jaybird. Parece que vocês tiveram uma desavença.”

Hovis soltou um leve sorriso cínico.

“Qualquer coisa do género.”

Bill disse, “Quer contar-nos o que aconteceu?”

“Negócios,” Disse Hovis sucintamente.

Riley continuou, “Jaybird disse-nos que estava a ser bruto com as mulheres. Ele disse que tanto Ginger quanto Chiffon tinham medo de si.”

Pareceu a Riley que o homem parecia vagamente ofendido.

“Eu nunca toquei nas mulheres dele,” Disparou.

Riley olhou para o apartamento. Era pobre e miserável, e todos os móveis pareciam velhos e usados. Ainda assim, o lugar estava incrivelmente limpo. Clay Hovis era tudo menos preguiçoso.

Próximo encontrava-se um tabuleiro de xadrez numa mesa de cozinha dos anos 50. Parecia que um jogo estava em progresso. Teria Hovis companhia para jogar xadrez com ele de vez em quando ou estava a jogar sozinho? De qualquer das formas, Riley teve a sensação de que Hovis era um excelente jogador.

E a julgar pelos livros existentes numa estante próxima, Riley deduziu que Hovis era inteligente e autodidata. Tudo isso era consistente com o perfil do assassino. Mas não lhe era possível chegar a qualquer conclusão.

Riley devolveu o olhar do suspeito. Ele manteve contato visual inabalável com ela. E ela começava a decifrar algo naquele rosto. Só não sabia exatamente o quê. Lembrou-se então novamente de que não se devia apressar, não forçar. Este homem exigia paciência.

Então Hovis perguntou, “Como é que elas morreram?”

Riley detetou algo na sua expressão. Fora um flash de preocupação? Não, Riley percebeu que era mais profundo do que isso.

Culpa, talvez, Pensou Riley.

“Foram assassinadas,” Disse Bill.

Riley continuou a estudar o seu rosto, tentando avaliar a sua reação.

“Suspeitam de Jaybird?” Perguntou Hovis.

“Não descartámos ninguém,” Declarou Riley. Ela perguntou-se se ele sabia que ela estava a mentir a respeito de Jaybird.

Hovis não tentou fugir ao olhar de Riley. Pelo contrário, ele mantinha os olhos fixos nos dela.

“O que é que faz para ganhar a vida, Sr. Hovis?” Perguntou Riley.

“Trabalho de construção independente,” Disse ele.

Riley detetou tanto na sua voz quanto no seu olhar que era mentira. Também sentiu que ele não se importava muito que ela soubesse que era mentira. Até parecia querer que ela soubesse. Parecia querer dizer-lhe algo. Mas era algo que ele não podia dizer abertamente.

Ele quer que eu analise isto de alguma forma, Depreendeu Riley.

“Sr. Hovis,” Prosseguiu ela calmamente, “vou dizer algumas coisas. Afirmações, não perguntas. O senhor não tem que dizer nada. Não tem que fazer absolutamente nada. Só quero que ouça.”

Um ligeiro sorriso esboçou-se nos seus lábios. Sim, era isso que ele queria.

Ela olhou à volta do apartamento esparsamente decorado. Não viu um único objeto de valor real. Então, por que é que Hovis tinha um cão de guarda tão grande e feroz? O que é que ele estava guardar?

Riley voltou a olhar para Hovis. Ela notou que o seu rosto e as suas mãos eram estranhamente pastosos para uma pessoa negra. E novamente observou aquelas mangas e calças compridas. Ele estava de meias. Não usava cinto. Ele vestira aquelas roupas à pressa quando ela e Bill chegaram. Ele queria encobrir alguma coisa.

E de repente, Riley percebeu...

Marcas de agulhas. Em todo o corpo.

“É um toxicodependente,” Disse ela.

Ele olhou para ela. Nada no seu olhar a contradisse.

Então ela continuou, “É um viciado, mas é um viciado com elevado desempenho.”

Aquela espécie de sorriso apareceu novamente.

“Não trabalha na construção,” Afirmou Riley.

A sua cabeça inclinou-se ligeiramente para a frente, quase um aceno de cabeça.

As coisas a fazerem sentido na mente de Riley, sem Hovis dizer uma palavra. Ele era um traficante de droga, mas não um traficante de droga sociopata. Ele fora obrigado a vender drogas para manter o seu vício.

Então ela lembrou-se da pergunta que ele tinha feito antes

“Como é que elas morreram?”

Ela pensou novamente nas mulheres do Kinetic Custom Gym - quão cansadas e desgastadas pareciam. E Chrissy também. Hovis tinha medo de que ele fosse responsável pelas suas mortes.

“Você não as matou,” Disse Riley.

Riley viu algo novo na expressão de Hovis. Quase parecia gratidão. Ela sabia que o seu pequeno jogo de xadrez com Hovis tinha chegado ao fim. Terminara num empate, o que convinha aos propósitos de ambos.

“Agora vamos embora, Sr. Hovis,” Disse Riley. “Obrigado pelo seu tempo.”

Bill parecia apenas ligeiramente surpreendido por Riley estar a encurtar o interrogatório. Ela sabia que ele estava habituado às suas conclusões silenciosas.

Quando ela e Bill saíram do prédio, Riley disse, “Ele não é o nosso homem. Mas ele vendia para o Jaybird. O Jaybird gosta de manter as suas mulheres dependentes e desamparadas. Hovis não gostou. Ele prefere fazer negócios com dependentes como ele, pessoas que têm algum controlo sobre as suas vidas. Então ele cortou o fornecimento ao Jaybird.”

“Já percebi,” Disse Bill. "Então o Jaybird estava chateado e deu-nos o nome de Hovis só para se vingar dele."

“Sim - o filho da mãe traiçoeiro. Hovis só se queria eliminar como suspeito, para podermos continuar o nosso trabalho. Na verdade ele estava a tentar ajudar.”

Ela pensou por um momento e acabou por acrescentar, “O nosso acordo com o Jaybird fica sem efeito. A pista era falsa. Assim que tiver a oportunidade, vou assegurar-me que o negócio dele chega ao fim.”

Bill sugeriu, “Se dermos uma dica à polícia local, eles limpam o local.”

“Eu sei,” Disse Riley. Ela pensou por um momento, depois disse, “Mas também quero dar a essas mulheres algum tipo de alternativa. Quero que a Chrissy tenha a oportunidade de sair daquela vida. Ela odeia aquilo, mas tem medo do Jaybird. Tenho a certeza de que há abrigos na cidade que trabalham com prostitutas que querem abandonar aquela vida.”

“Se conseguirmos prender o Jaybird será mais fácil para as mulheres. Mas vão precisar de muita ajuda.”

Riley sabia que a maioria das prostitutas tinha sido vítima de violência ou negligência antes de entrar na vida. Elas tinham tido vidas terríveis e muitas vezes não se consideravam dignas de salvação. Algumas delas tinham problemas de SPT tão devastadores quanto o seu.

“Tenho certeza de que existem organizações em Phoenix que ajudarão,” Disse Riley. “Vou por alguém a tratar disso.”

O telefone de Bill vibrou quando estavam a entrar no carro. Viu quem era e disse, “Uma mensagem do Morley. Têm o nome e morada do marido de Gretchen Lovick. Ligaram-lhe e ele está em casa, vão enviar agentes para dar a notícia.”

Riley agonizou em silêncio por um momento. Ela sabia o que tinha que ser feito de seguida.

“Diz ao Morley que nós vamos falar com ele. Vê qual é a morada, dá-me as coordenadas e vamos até lá.”

Enquanto conduzia, Riley foi assombrada pela memória do olhar silencioso de Hovis. Ela tinha encontrado uma variedade estranha e perturbadora de pessoas ultimamente. Alguns deles eram simplesmente exploradores e abusadores, como Ishtar Haynes, Calvin Rabbe e Jaybird. Outros eram simplesmente vítimas, como Justine, Trinda, Jilly e Chrissy.

Mas outros eram mais difíceis de perceber. Houvera Rex, o motorista - um homem que gostava das suas prostitutas, mas ficou horrorizado quando no meio delas viu uma criança. E agora havia Hovis, um homem que não queria prejudicar ninguém, mas que, no entanto, destruíra vidas com as drogas que vendia.

Era um estranho território moral e Riley não se sentia confortável nele.

Mas agora tinha que afastar esses pensamentos da sua mente. Chegara o momento de fazerem uma visita ao marido de Gretchen Lovick e contar-lhe a terrível notícia. Uma vez que o corpo não tinha sido previamente identificado, o mais certo era nem saber que ocorrera um homicídio. No que lhe dizia respeito, esse tipo de coisa era a pior parte do seu trabalho. E desta vez seria pior do que o normal.

Como é que Riley e Bill iriam explicar este caso doentio ao marido da mulher assassinada?


CAPÍTULO VINTE E TRÊS

 

Riley não conseguia imaginar como é que iria explicar a morte não natural de Gretchen Lovick à sua família. O bairro onde ela vivera era composto de fileiras de impecáveis casas modernas com pequenos, mas imaculados relvados e arbustos bem tratados. Ocasionalmente, altas e magras palmeiras ficavam presas ao longo da rua como plumas de penas gigantes.

Riley disse a Bill, “Eu pensei que isto fosse um deserto. Mas olha para aquela relva toda. E há palmeiras de todos os tipos em a Phoenix.”

“As pessoas estão dispostas a gastar o que for necessário para o que consideram importante,” Respondeu Bill. “Parece que as pessoas por aqui podem pagar alguns extras. Aposto que há uma piscina em cada uma destas casas.”

Riley parou na morada que lhes tinha sido dada. A casa e o quintal estavam escrupulosamente arrumados e tratados.

Porquê? Questionou-se Riley.

Porque é que uma mulher que morava aqui escolheu um caminho tão desviante? Como é que foi parar a um lugar tão desprezível como o Kinetic Custom Gym? Como é que ela tolerava um proxeneta como o Jaybird?

Ao caminharem na direção da porta de entrada, teve que se perguntar se iriam dar esta notícia terrível ao homem errado. Mas Cyrus Lovick estava à sua espera e abriu a porta assim que eles tocaram à campainha. O homem vestia um polo e calças desportivas que poderiam ser vestuário de golfe, mas ele parecia um pouco amarrotado e ansioso.

“São do FBI?” Perguntou. “Disseram-me que alguém vinha a caminho.”

Riley e Bill mostraram os distintivos e apresentaram-se. Entraram no interior climatizado.

“O que é aconteceu?” Perguntou Lovick.

“Pedimos desculpa por ter que lhe dizer isto,” Disse Riley, “mas a sua mulher, Gretchen, foi encontrada morta.”

“Lamentamos a sua perda,” Acrescentou Bill.

“Oh, meu Deus,” Disse Lovick, caindo abruptamente numa poltrona. Por um momento, olhou em redor da sala, como se esperasse ver algo que não estava lá. Quando falou de novo, a sua voz soou entorpecida. “Eu tinha receio de que algo... Ela... Ontem, quando as crianças chegaram a casa, ela não estava aqui. Lexie - a minha filha mais velha – ligou-me, preocupada. Vim logo para casa. Algum tempo depois, liguei para a polícia e dei conta do desaparecimento. Então esta tarde o FBI ligou. Eu sabia que devia ter acontecido algo horrível.”

Ele olhava incessantemente de Riley para Bill e vice versa, “Mas como é que ela...?”

Riley disse-o tão gentilmente quanto possível, “Receio que tenha sido assassinada. O seu corpo foi encontrado esta manhã no Lago Gaffney.”

Lovick parecia atordoado. Depois de alguns instantes, perguntou, “A Gretchen afogou-se?”

Riley olhou para Bill e ele começou a explicar o ocorrido. Riley observou as expressões de Lovick quando soube que a mulher tinha sido sufocada e que o seu corpo tinha sido colocado num saco de cadáveres repleto de pedras. Ela pensou que as reações do marido perturbado pareciam reais, mas que ele não estava tão chocado quanto ela pensaria que ficasse.

Alguns momentos depois, Lovick perguntou, “Sabem quem fez isso? Sabem porquê?”

Bill explicou que o FBI estava a trabalhar nessas questões. Era por isso que ele e Riley estavam ali. A expressão do homem mostrava cada vez mais desânimo.

Riley disse, “Sr. Lovick, temos que perguntar. Pode dizer-nos onde esteve a noite passada?”

Lovick parecia não entender o motivo da pergunta.

“Eu estive aqui. A noite toda.”

Bill perguntou, “Alguém pode confirmar o seu paradeiro?”

“Penso que os meus filhos,” Respondeu Lovick.

Parecia a Riley que ele não compreendia que estavam a tentar eliminá-lo como suspeito. A verdade era que ainda não o tinham conseguido. Teriam que conversar com os filhos. E mesmo assim, podiam restar algumas dúvidas sobre se ele os instruíra com o seu álibi.

Naquele momento, porém, ele parecia nada mais do que um marido aflito. E, por enquanto, Riley sabia que ela e Bill tinham de proceder tendo em mente que ele era exatamente isso.

Riley tentou pensar na forma de não o sobrecarregar com o que ela e Bill ainda tinham para lhe dizer.

“Onde trabalha, Sr. Lovick?” Perguntou Riley.

“Eu sou analista de sistemas. Tenho o meu próprio negócio. Hoje fiquei em casa.”

Ele ficou em silêncio novamente. Então conseguiu murmurar uma pergunta.

“Como é que isto pôde acontecer?”

Aquelas quatro palavras foram para Riley como um soco no estômago. As coisas estavam prestes a ficar extremamente difíceis.

Mas antes que ela ou Bill pudessem falar, ouviram o barulho de vozes jovens na porta da frente. A porta abriu-se e entraram três crianças - uma miúda adolescente, talvez com doze anos de idade, e dois irmãos mais novos. Um parecia ter cerca de dez anos, o outro cerca de oito. A julgar pela hora, Riley calculou que deviam estar a chegar da escola.

A conversa das crianças parou assim que viram o pai sentado com dois visitantes. O sorriso desapareceu de imediato do rosto da miúda.

“A mãe já voltou?” Perguntou.

Por um momento, Lovick não conseguiu responder.

Por fim, disse, “Lexie, leva os teus irmãos lá para fora. Vão brincar para a piscina.”

Com um olhar profundamente preocupado, a menina conduziu os irmãos para fora da casa.

Riley estudou o rosto de Lovick. Ele tinha um rosto esguio e o maxilar pequeno de um homem que poderia ter sido um nerd e um desajustado enquanto criança, mas que entretanto se convertera em alguém completamente enquadrado, bem-sucedido e sem dúvida acarinhado.

Falando devagar e gentilmente, Riley perguntou, “Sr. Lovick, sabia que a sua mulher estava a viver uma vida dupla?”

Lovick pareceu perplexo. “O que é que quer dizer com isso?”

Riley olhou para Bill, inquieta.

Bill disse, “Parece que a sua mulher trabalhava como prostituta de dia. Num bordel chamado Kinetic Custom Gym. Tinha conhecimento disso?”

Riley estudou a mudança na expressão de Lovick. Detetou menos choque no seu rosto do que seria de esperar. Em vez disso, parecia que algo começava a fazer sentido para ele.

“Eu sabia que havia alguma... Coisa de estranho,” Disse ele. “Mas não sabia o que era.”

Para Riley, tudo aquilo ainda era completamente desconcertante. Mas ocorreu-lhe uma possibilidade.

Então disse, “Sr. Lovick, a sua mulher sofria de algum tipo de transtorno dissociativo?”

Lovick olhou para ela e Riley prosseguiu, “Quero dizer, algo como um transtorno de identidade dissociativo? Ela já exibira personalidades múltiplas?”

“Não, isso não,” Disse Lovick. Mas não pareceu surpreendido com a pergunta.

Então ele disse, “Ela manifestou... Mudanças de humor extremas que me assustavam às vezes. Como, há alguns anos atrás, quando levámos as crianças ao Grand Canyon. Eu estava a conduzir pela South Rim, e de repente ela disse-me para parar. Eu parei e ela saiu do carro. Ela correu na direção do desfiladeiro. Eu fiquei cheio de medo e as crianças também. Parecia que ela se ia atirar do penhasco. Mas parou na borda. Abriu os braços, olhou para o desfiladeiro e riu.”

“Ela era bipolar, não era?” Perguntou Riley.

Lovick anuiu. “Os medicamentos ajudavam um pouco - quando os tomava. Mas ela não gostava deles. E quando deixou de os tomar, o seu comportamento ficou errático, ou pior. Quando estava deprimida, não conseguia sair da cama durante dias. Quando era maníaca, assumia riscos loucos, bebia demais, conduzia muito depressa, esse tipo de coisa. Ultimamente estava tudo pior. Eu não sabia o quão mau realmente era. Obviamente.”

Lovick abanou a cabeça.

“Eu só queria que ela fosse feliz,” Disse. “Eu sempre quis que ela fosse feliz. Nós conhecemo-nos quando andávamos na faculdade, e ela tinha todos os tipos de talento, poderia ter sido uma ótima programadora se quisesse. Mas ela disse que não queria. Ela disse que queria ser mãe e ficar em casa, pelo menos até ver. Haveria tempo para uma brilhante carreira mais tarde, dizia.”

Ele parou de falar, mas não foi difícil para Riley preencher o resto da sua história. Eles começaram a ter filhos quando eram ambos muito jovens. Gretchen descobriu que não estava destinada a ser apenas dona de casa e mãe. O marido estava a construir um negócio enquanto ela estava presa em casa, loucamente entediada.

E foi assim que terminou. Com a sua morte.

De repente, Riley percebeu que o seu rosto estava quente, as palmas das mãos suavam e as mãos tremiam. Ela sabia o que significavam esses sintomas.

Ela estava furiosa. Ela estava furiosa como tudo.

A emoção apoderou-se dela completamente de surpresa. Naquele mesmo dia, ela tinha falado com um traficante de drogas, um homem vil cujo único trabalho na vida era lidar com a morte e o desespero. A própria Gretchen seguramente se tinha abastecido da sua terrível mercadoria.

Mas Riley não tinha ficado zangada com Clay Hovis. Pelo contrário, ela quase sentira uma estranha empatia por ele.

Mas agora estava zangada. Estava zangada com aquele homem, Cyrus Lovick. O marido de Gretchen.

Porquê? Questionou-se. Seria ele culpado?

A resposta a essa pergunta rasgou a sua mente como o gume de uma faca.

Sim.

Mas não fazia sentido. Ela sabia que estava a ser exagerada. Ela sabia que estava a ser irracional. E tinha que se manter concentrada com o que tinha em mãos.

“Sr. Lovick,” Prosseguiu Riley, “Não fazia realmente ideia do que estava a acontecer? Que a sua mulher tinha essa outra vida?”

Ele pareceu chocado com o seu tom. Também ela se sentiu chocada com o seu tom.

Ele disse, “É como lhe disse, eu sabia que havia alguma coisa.”

“Mas como podia não saber?” Interrogou-o Riley, com a voz trémula agora. “Nunca lhe perguntou?”

Ele fixou Riley.

“Você não faz ideia da quantidade de vezes que perguntei,” Disse ele.

Agora o homem parecia magoado e zangado. Mas Riley não se importava. O seu humor piorara. Mas porquê? Sentiu-se a cair numa espiral sem controlo.

Atirou-lhe, “O Sr. disse que pensava que ela queria ser dona de casa. Mas deve ter chegado um momento em que viu que isso não estava a funcionar para ela. Certamente sabia que ela se sentia vazia, perdida e entediada. Por que não fez nada? Por que não a ajudou? “

Riley sentiu a mão forte de Bill no seu ombro.

Bill disse a Lovick, “Gostaria de conversar em particular com a minha colega por um momento.”

Lovick acenou com a cabeça, parecendo horrorizado com a postura de Riley. Bill apressadamente escoltou Riley para a cozinha e fechou a porta atrás deles.

“Que raio achas que estás a fazer ali?” Perguntou-lhe Bill. “Estás a tratá-lo como um suspeito.”

“Tanto quanto sabemos ele é um suspeito,” Disse Riley.

Bill mal conseguia acreditar no que ouvia.

“Riley, por amor de Deus, pensa por um momento. Usa a cabeça. Achas realmente que este homem matou a sua própria mulher? E aquelas outras duas mulheres? Uma delas há três anos? Foram apenas ensaios ou chamarizes ou o quê? Isto não é um estúpido programa de TV. Não faz sentido e tu sabes.”

Riley não sabia se sabia ou não. Ela sabia que não fazia sentido - ou pelo menos não parecia fazer sentido.

“Temos que conversar com as crianças,” Insistiu. “Confere o álibi dele.”

“Era o que mais faltava,” Rosnou Bill.

“É o procedimento.”

Bill parecia lutar para não desatar a gritar.

“Para o inferno com o procedimento. Riley, vais dar a notícia a essas crianças, de que a mae foi assassinada e depois escalpelizar com elas o que o pai estava a fazer quando ela foi morta? O mundo deles acabou de ser destruído. Queres tornar tudo ainda pior? O que é que se passa contigo?”

“Estou a tentar fazer o meu trabalho.”

“Não. Não estás. Há uns dias atrás quase espancaste um suspeito. Também vais bater neste homem?”

Riley mal podia acreditar na insinuação.

“Isto é diferente,” Disse ela.

“Sim,” Disse Bill. “É pior.”

Aquelas palavras acabaram com Riley. Ela começava a cair em si.

“Vamos embora daqui,” Concluiu Bill.

Riley seguiu-o de volta à sala. Bill conseguiu dirigir-se a Lovick com voz firme e calma.

“Sr. Lovick, lamentamos muito a sua perda. Não temos mais perguntas a fazer.”

Lovick olhou-o silenciosamente. Bill deu-lhe um cartão.

“Aqui tem o número de uma linha de atendimento para vítimas. Penso que não deve esperar para ligar.”

Riley percebeu que Bill tinha vindo preparado com essa informação. Em contraste, ela não estava preparada.

Saíram da casa e caminharam para o carro. Bill impediu que Riley se dirigisse para o lado do condutor.

“Tu não vais conduzir,” Disse ele. “Não no teu estado de espírito.”

Ela não podia discordar, embora Bill estivesse muito agitado. Ela foi para o lado do passageiro e entrou.

“Para onde vamos agora?” Perguntou Riley.

“Voltamos para o quartel-general, acho.”

Bill começou a conduzir em silêncio.

Riley repetiu mentalmente as suas palavras e ações dos últimos minutos. Em que é que ela estava a pensar? O que provocara a sua raiva?

Começava agora a entender. Ela e a sua própria filha tinham sido trancadas em compartimentos exíguos, as meninas de Jaybird passavam os dias numa cela de uma sauna extinta, meninas como Trinda eram atiradas de camião para camião, e só Deus sabia que tipos de tormento Justine tinha suportado nas mãos de incontáveis homens.

Mas Gretchen Lovick tinha sido atormentada na sua própria respeitável casa de classe média alta. Ela tinha vivido num inferno que odiava tanto, a ponto de se refugiar noutro tipo de inferno.

Não admirava que a situação tivesse deixado Riley no limite. Mas desde quando é que ela deixava esse tipo de coisa levar-lhe a melhor?

Tenho que me controlar, Pensou.

Entretanto o seu telemóvel tocou. Viu que o telefonema era de Morley.

“O que tem para mim, Agente Paige?” Perguntou quando ela atendeu.

Riley não respondeu. Não conseguia dizer a palavra "nada".

Havia uma nota de raiva débil na voz de Morley. “Nós trouxemos vocês de Quantico. Esperávamos resultados.”

A fúria de Riley começou a emergir de novo. Ela e Bill tinham chegado no sábado, e eles nem sequer tinham tido a certeza de que estavam a lidar com um assassino em série até àquela manhã. Que tipo de resultados é que Morley esperava?

Mas Riley conteve a sua fúria.

“Vamos conseguir resultados,” Garantiu Riley. “Estamos a caminho da sede.”

“Podem crer que sim,” Disse Morley. “Vamos ter uma reunião daqui a vinte minutos. Vamos reagrupar-nos. Temos que resolver isto antes que mais mulheres acabem mortas.”

“ Lá estaremos,” Disse Riley.

Ela terminou a chamada.

“Morley?” Perguntou Bill.

“Sim. Vai fazer uma reuniao. Chegamos mesmo a tempo.”

“Presumo que ele não esteja satisfeito,” Comentou Bill.

“Não. Não está.”

Bill continuou a conduzir e um silêncio frio interpôs-se entre eles. Riley não podia culpar Bill por estar aborrecido com ela. Sentia-se afogada num mar de dúvidas. Ela não sabia o que fazer com este caso. E começava a parecer que ela não sabia o que fazer consigo mesma.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO

 

Riley pressentiu uma urgência de cortar à faca na sala de conferências do FBI quando ela e Bill chegaram. Sentaram-se numa extremidade da grande mesa e olharam para o grupo de pessoas que se acomodavam. O Agente Especial Responsável Elgin Morley queria certificar-se de que não deixava ninguém fora de fora.

Rachel Fowler, a patologista-chefe, também lá se encontrava. Assim como Igraine. Riley até reconheceu os rostos dos dois agentes que a a tinham impedido de agredir Calvin Rabbe. Havia vários outros que ela não conhecia e Riley questionava-se sobre o que todos esperariam daquela reunião.

Ela viu o Agente Garrett Holbrook a colocar a sua cadeira junto à mesa perto da porta. Ficou na dúvida se ele estava apenas a tentar ser discreto ou se estaria a planear uma saída prematura. Talvez as duas, Pensou.

Na extremidade da sala, um gigantesco mapa foi projetado, mostrando os locais onde os três corpos haviam sido encontrados. As dimensões do mapa eram exageradas mas, apesar disso, não era particularmente informativo. Ainda assim, deixava clara a mensagem que Morley fazia questão em transmitir - que estavam empenhados em apanhar o assassino.

Quando todos já se tinham acomodado, Morley levantou-se para iniciar a reunião. Não era um homem grande, mas tinha uma presença imponente que chamava a atenção de todos. Tornava-se cada vez mais óbvio para Riley porque é que ele era o Responsável.

“Ainda bem que cá estão todos," Pronunciou Morley. "Agora sabemos com toda a certeza que estamos a lidar com um assassino em série. Vai ser um caso difícil e não temos um momento a perder. Neste preciso momento, o homem que procuramos pode ter a próxima vítima debaixo de olho - ou talvez já a tenha morto. Temos que detê-lo agora e o mais rapidamente possível.”

Riley detetou sinais de impaciência na sua voz. E já o tinha notado anteriormente. Se Morley tinha um defeito, era esperar que fossem feitos progressos a um ritmo impossível. Ainda assim, ela admirava sua vontade indómita na obtenção de resultados.

Morley fez um gesto para a mesa em direção a Riley e Bill.

“Penso que a maioria de vocês já conheceu os Agentes Paige e Jeffreys. Eles vieram de Quantico para nos ajudar com a sua experiância. Vamos ouvir o que têm a dizer sobre o ponto da situação.”

Morley sentou-se. Riley e Bill trocaram olhares. Ela assentiu levemente e Bill sorriu quase impercetivelmente. Trocavam silenciosamente um sinal familiar. Riley queria que ele falasse primeiro para que ela pudesse captar os rostos e as reações das pessoas presentes.

Riley ficou satisfeita por ainda poderem comunicar sem que palavras fossem proferidas. Fora assim que haviam trabalhado juntos nos seus tempos áureos, apoiando-se mutuamente. Era bom para Riley regressar a a essa realidade.

Bill levantou-se. “Aqui está o que temos até agora,” Começou. “O Agente Morley tem razão. Estamos a lidar com um assassino em série e ele está a acelerar o ritmo..”

E fez um resumo do que tinha acontecido nos últimos dias, começando com a descoberta do corpo de Nancy Holbrook. Riley sabia que ele continuaria a relatar tudo o que tinham feito desde a sua chegada no sábado. Mas ela não precisava de todas aquelas explicações. Em vez disso, dedicou-se a centrar a sua atenção nas pessoas sentadas à sua volta. A sua experiência permitia-lhe detetar os elos fracos da equipa - agentes que não estavam preparados para o trabalho ou cuja capacidade de julgamento não fosse a mais adequada. Ela também detetaria alguém que se estivesse a refrear, talvez a não partilhar informações que todos tinham o direito de saber.

Ficou agradavelmente surpreendida ao deparar-se com um pequeno mar de entusiasmo, agilidade e aparente competência.

Nenhum elo fraco óbvio aqui, Pensou.

Mas algo lhe chamou a atenção. Garrett Holbrook levantou-se da cadeira e dirigiu-se para a porta. Parecia estar bastante agitado e abalado. Ela disse a si mesma que ele estava simplesmente perturbado por ter que rever os detalhes da morte da sua irmã. Talvez ele pensasse que não seria capaz de lidar com aquilo novamente.

Isso fazia sentido para Riley – ou talvez não. Afinal, Holbrook era um agente do FBI - um profissional treinado. Ele estava acostumado a lidar com crimes horríveis. Além disso, a ideia de chamar o FBI tinha sido sua.

Holbrook saiu pela porta e desapareceu. O que mais incomodava Riley era que ela ainda não sabia o que pensar dele. Ela não tinha sido capaz de discernir o que é que a incomodava no irmão de uma vítima de homicídio.

Outra presença pairava na mente de Riley - o próprio assassino. Onde estaria ele naquele momento? Estaria a rir-se dos seus esforços para o localizar?

Não, Pensou. Não somos assim tão importantes para ele.

Mas ele importava muito a Riley. A fim de derrubá-lo, ela sabia que teria que encontrar uma maneira de mergulhar nos recessos escuros da sua mente. Riley saia estarem perante um homem que controlava totalmente o que fazia, um homem seguro...

As suas meditações foram interrompidas pelas palavras de Bill, “E agora a minha parceira, Agente Paige, vai falar-nos do perfil que apurámos até ao momento.”

Riley levantou-se e falou para o grupo.

“Podemos fazer algumas suposições. O assassino era um homem com idade compreendida entre os vinte e um e os quarenta e três anos de idade quando cometeu o seu primeiro homicídio, e provavelmente ainda estará dentro dessa faixa etária. Ele tem pelo menos um nível de ensino médio, e tenho certeza que passou algum tempo na faculdade. Na verdade, pode ter uma educação muito acima da média. Ele tem um emprego, provavelmente um emprego bem pago. Há uma boa hipótese de ter mulher e filhos, ou que pelo menos tenha sido casado e tido filhos. Ele é muito inteligente e muito seguro de si mesmo.”

Uma mão levantou-se. Um dos agentes que haviam tirado Riley de cima de Rabbe tinha uma pergunta.

“Quanto do que diz é facto e quanto é hipótese?” Perguntou.

Riley sorriu. Era uma boa pergunta.

“Os factos ainda são escassos neste momento,” Disse Riley. “Mas eu não estou a inventar o que vos transmiti.”

Uma onda de riso percorreu a sala.

“São mais opiniões abalizadas,” Prosseguiu. “A UAC reuniu dados importantes sobre assassinos em série de prostitutas. Estou a basear algumas das minhas suposições nesses dados. Por exemplo, em cada um dos casos que vimos aqui, o assassino transportou o corpo para longe da cena do crime e atirou-o para a água. Estes tipos de assassinos em série querem colocar tempo e distância entre eles e as suas vítimas. Ao contrário de assassinos em série que procuram publicidade, eles não querem que ninguém saiba que ocorreu um homicídio. Eles não obtêm prazer do pânico do público.”

O agente que fizera a pergunta parecia pensativo. Por fim, acrescentou, “Então este tipo obtém todos os estímulos da morte em si?”

“Certo,” Anuiu Riley, “e se me é permitido dizer, parte do que estou a dizer provém dos meus muitos anos de experiência de campo. E eu acredito que este assassino é atípico em alguns aspetos. Por exemplo, penso que não tem registo criminal. Algo que tornará mais difícil a sua localização. O seu comportamento quotidiano é provavelmente bastante normal. Trata-se de um sociopata que ataca prostitutas porque estão mais facilmente disponíveis. Ele considera-as descartáveis.”

“É inteligente, mas não um criminoso com prática. Ele teria conseguido safar-se com o primeiro homicídio se não se tivesse atrapalhado com o segundo. O terceiro foi um caso de má sorte, mas também um sinal de que ele não antecipou todas as possibilidades. Ele pode mudar o seu MO da próxima vez... E haverá uma próxima vez.”

Outra mão se ergueu. Riley não reconheceu a jovem.

“Como se chama?” Perguntou Riley.

“Robin Mastin,” Disse a mulher. “Faço parte da polícia local.”

Riley reconheceu o nome de imediato. Tratava-se da aluna de mergulho que encontrara o esqueleto de Marsha "Ginger" Kramer. Riley também sabia que a jovem novata insistira em continuar as buscas mesmo depois do líder da equipa, Quentin Rosner, querer desistir.

Riley disse, “Fez um excelente trabalho no Lago Nimbo.”

Robin Mastin sorriu e corou. “Obrigada, Agente Paige,” Agradeceu Robin.

Riley teve a forte sensação de que a jovem apreciava especialmente o elogio de um agente experiente.

“A sua pergunta?” Perguntou Riley.

“O corpo que encontrei ainda usava uma pulseira de aparência cara. Isso é significativo?”

“De facto, é,” Disse Riley. “O corpo de Nancy Holbrook ainda usava um anel de diamante. Gretchen Lovick usava um colar, também com um diamante. Não peças demasiado caras, mas muito para além do que poderíamos esperar encontrar.”

Riley pensou que aquele era o momento adequado para dar à novata uma possibilidade de brilhar.

“O que é que isso lhe sugere?” Perguntou.

A jovem pensou por um momento.

“Bem, parece provável que o assassino tenha oferecido esses acessórios às mulheres como presentes. Isso deve querer dizer que tinha um bom relacionamento com elas quando as matou. Elas pensaram que podiam confiar nele.”

“Muito bem,” Disse Riley. Robin Mastin enrubesceu novamente e sorriu orgulhosamente.

Riley continuou, “É importante ter isto em mente. O nosso assassino não arrebata as suas vítimas na rua, nem as rapta pela força. Ele usa algum tipo de ardil. Podemos ter a certeza de que ele se apresenta como um john - mas um john gentil e generoso. É um vigarista mortal.”

Riley parou por um momento e disse, “Aqui está um detalhe importante. A sua primeira vítima era seropositiva. É muito provável que o assassino também seja. Se assim for, o mais certo é sabê-lo.”

A patologista Dra. Rachel Fowler ergueu os olhos do seu bloco de notas.

“Isso é interessante,” Disse Fowler. “As duas últimas vítimas não tinham VIH. Mas a verdade é que ele não teve qualquer relação sexual com elas ou pelo menos não quando as matou. Os restos mortais de Marsha Kramer estavam demasiado decompostos para podermos efetuar uma avaliação segura.”

“De acordo com pessoas que a conheciam, Kramer tinha o vírus,” Disse Riley. “E eu tenho um palpite de que o nosso assassino era sexualmente ativo há três anos e foi infetado por ela. Considerando o seu provável estatuto social, ele estará provavelmente a tomar medicação de forma ilícita ou através de receita médica.”

Riley dirigiu-se a Igraine.

“Igraine, há alguma forma de usar esta informação para o localizar?” E sem ironia, acrescentou, “Com a magia que tem à sua disposição?”

Igraine remexeu num dos seus piercings pensativamente.

“Eu não ficaria otimista, Agente Paige,” Disse. “Podemos tentar obter um relatório de farmácias. Mas mais de dez mil pessoas na área são conhecidas por serem seropositivas ou por terem SIDA. Mesmo se deixarmos de lado as mulheres, os idosos ou os muito jovens, ainda ficam muitas pessoas para avaliar com a rapidez suficiente para ser um auxílio imediato.”

Riley ficou impressionada com a demonstração de conhecimento de Igraine.

“Eu entendo, Igraine,” Disse ela. “Vamos pensar noutra abordagem para si e para a sua equipa.”

Agora Riley percebeu que Morley se tinha levantado e se dirigia à porta. Parecia estar a retribuir uma mensagem SMS.

Deve ser algo importante, Pensou Riley enquanto ele se afastava silenciosamente.

Riley e Bill responderam a mais algumas perguntas, até darem a reunião por concluída. Todos saíram da sala, exceto eles os dois.

“Onde está o Holbrook?” Perguntou Bill. “Pensei que ficasse por aqui.”

“Vi-o ir-se embora logo no início,” Disse Riley.

“Isso é um bocado estranho,” Disse Bill.

“Ele é um bocado estranho,” Concordou Riley.

Morley regressou à sala, parecendo mais animado do que o habitual.

“Acabámos de receber uma dica,” Disse a Riley e Bill. “É de uma mulher chamada Ruthie Lapham, que gere o bar no Desert King. É outra paragem de camiões por onde prostitutas andam. Ruthie é uma espécie de mãe para as prostitutas de lá, cuida delas tanto quanto pode. Está preocupada com uma mulher chamada Clover que está desaparecida há alguns dias.”

Bill abanou a cabeça.

“Uma prostituta desaparecida não é propriamente uma pista,” Disse ele.

Riley tinha que concordar. “É triste, mas acontece todos os dias.”

Morley disse, “Sim, e com a cobertura dos meios de comunicação social dos homicídios, as nossas linhas foram inundadas com falsas pistas. Mas isto pode ser diferente. Ruthie diz que um sujeito suspeito para por lá de vez em quando. Ele destaca-se. A clientela habitual são os motoristas de camião e aquele homem simplesmente não se encaixa naquele perfil. Sempre as deixou nervosas e, claro, agora ainda estão mais sobressaltadas do que o habitual. Mas Ruthie acha que elas podem ter razão em relação a este homem.”

O interesse de Riley foi instigado. “Então por que é que Ruthie só agora ligou?” Perguntou.

“Porque o homem acabou de aparecer lá novamente,” Disse Morley. “Ela acha que talvez devêssemos ir até lá.”

“Pode já ter ido embora quando chegarmos,” Disse Bill. “Ainda assim, é melhor arriscarmos ir. Sempre podemos falar com as mulheres e descobrir o que sabem sobre ele.”

Mas Riley lembrou-se de como fora difícil conversar com a maioria das mulheres no Hank’s Derby.

“Não vai bastar entrarmos como FBI,” Disse ela. “Nunca o apanharemos dessa forma. E acreditem, elas não vão falar connosco.”

“Só têm que as fazer falar,” Redarguiu Morley.

Um longo silêncio se seguiu e, por fim, Riley tomou uma decisão.

“Só há uma maneira de fazer isto,” Decidiu Riley.

Eles olharam para ela.

“Vou infiltrar-me.”

“E como é que pretende fazer isso?” Perguntou Morley.

“Vou-me juntar às prostitutas,” Explicou Riley.

Bill parecia atordoado, enquanto Morley a fitava, franzindo o cenho.

Bill balbuciou, “Na paragem de camiões?”

Riley assentiu.

“Isso é muito perigoso,” Protestou Bill. “Vais fazer de ti um alvo para um assassino.”

Riley sabia que assim era mas não conseguia deixar de pensar na vida dessas mulheres, na urgência que se impunha. Ela não podia ficar de braços cruzados enquanto outra mulher morria.

“Está fora de questão,” Sentenciou Morley. “Não o vou permitir.”

Então Riley disparou.

“Não estou a pedir permissão,” Disse. “Vou fazê-lo.”


CAPÍTULO VINTE E CINCO

 

Bill paru na paragem de camiões Desert King e estacionou o carro que lhe havia sido atribuído. Escolheu um espaço suficientemente distante do edifício principal para não chamar muita atenção de ninguém lá dentro, mas suficientemente perto para observar todas as movimentações. Ele tinha insistido estar presente se Riley fosse avante com o disfarce de prostituta.

Bill tinha que reconhecer que infiltrar-se era realmente uma ideia muito boa, mesmo que perigosa. Se o assassino realmente estivesse a perseguir vítimas por ali, Riley poderia conseguir atraí-lo para o exterior.

Riley ainda não tinha aparecido. Ela dissera a Bill que tinha que encontrar roupas mais apropriadas. Ele não sabia quanto tempo poderia demorar, mas ela estava a planear ir diretamente para o bar quando chegasse. Bill iria ficar de olho lá fora e dar-lhe apoio se precisasse. Ele observou que a loja de conveniência e o Iguana Lounge estavam situados num único edifício, por isso conseguiria ver quem entrava e saía de qualquer dos lugares.

Ele também esperava conversar com algumas das mulheres, descobrir o que pudesse sobre o homem que as alarmara. Elas deviam lidar com alguns personagens estranhos numa base regular e ele tinha que saber porque é que aquele era tão diferente.

Claro, ele não esperava que nenhuma delas falasse abertamente com um agente do FBI. Tinha decidido assumir o papel de cliente.

“É tudo ou nada,” Murmurou para si mesmo em voz alta.

Saiu do carro e ficou encostado a ele, esperando parecer um potencial cliente. Viu quatro mulheres escassamente vestidas, de pé, ao lado da loja de conveniência. Ele acenou na sua direção e todas olharam para ele.

Ele sorriu e acenou com a cabeça em direção ao carro. Elas olharam para ele por um momento, depois juntaram-se um pouco mais, não fazendo nenhum movimento na sua direção.

Devo estar a fazer alguma coisa errada, Pensou.

Ele viu outro par de mulheres caminhando entre os carros em direção ao edifício. Desta vez, ele assobiou para chamar a sua atenção. Elas olharam para ele e ele acenou. Elas continuaram a andar em direção ao edifício um pouco mais apressadamente do que antes.

Então, ouviu uma voz de mulher próxima.

“O peixe não morde o isco esta noite, hein?”

Bill virou-se e viu uma mulher que era obviamente uma prostituta a aproximar-se. Já não era muito jovem e a sua maquilhagem espalhafatosamente pesada não a fazia parecer mais jovem. Os seus cabelos eram uma sombra impossível de vermelho e o seu físico era flácido.

A mulher encostou-se no carro ao lado de Bill.

“Espero que não se importe se eu fumar,” Disse ela. “Eu sei, é um hábito desagradável. E não é o único.”

Ela pegou num cigarro, acendeu-o e inalou o fumo longamente.

“A propósito, chamo-me Opal.”

“Eu chamo-me Jerry,” Disse Bill.

A mulher soltou uma pequena risada.

OK, ela não acredita, Pensou Bill. Ele percebeu que muitas pessoas poderiam usar nomes falsos num lugar daqueles, mas de repente sentiu-se nervoso e inseguro sobre o que fazer de seguida. Ele não fazia nenhum trabalho infiltrado a sério há anos e nunca tentara fazer de john antes.

“Talvez pudéssemos só conversar,” Disse Bill.

Ela riu novamente. “És novo por aqui, não és?”

“Podes bem dizê-lo,” Disse Bill.

Ela cutucou-o com o cotovelo.

“Bem, se estás à procura de passar um bom bocado, escolheste um lugar estranho para o fazer,” Argumentou a mulher.

“A sério? Ouvi dizer que aqui há mulheres.”

Ela riu novamente. “Se és um camionista, claro. Mas tu não és camionista. Nem estás a fingir ser camionista. Regra geral, as mulheres aqui não vão com ninguém que não entre aqui de camião. É uma questão de segurança.”

Ela aconchegou-se a ele sedutoramente.

“Eu sou diferente,” Disse ela. “Eu não tenho que ser tão exigente. Eu sou o que podes chamar de uma vítima da lei da oferta e da procura. A minha capacidade de ‘oferta’ tem enfraquecido com o passar dos anos, por isso não posso ser muito exigente com a ‘procura’.”

Depois, sussurrando no seu ouvido, acrescentou, “Além disso, não tenho nada contra a polícia.”

Bill sentiu uma sacudida de surpresa. E tinha a certeza de que ela a notara também.

Opal disse, “Não, eu não tenho nenhum problema com a polícia. Eu estive presa muitas vezes para que isso me incomode. Posso até fazer negócios lá quando preciso.”

Bill ficou envergonhado, mas não percebeu que não valia a pena mentir.

Tirou o distintivo.

“Na verdade, sou do FBI.”

Opal ronronou divertida. “Não me diga? Bem, devias ter entrado em contacto com os Camionistas Contra o Tráfico. Eles podiam ter-te transformado num camionista de verdade.”

“Já ouvi falar deles,” Disse Bill. “Bons homens. Mas eu estou realmente só aqui para apoiar a minha parceira. E não estamos aqui para prender prostitutas.”

“Bem, então ainda podemos fazer negócios. Posso falar tão bem quanto fazer as outras coisas.”

Ela estendeu a mão. Era óbvio o que ela queria. Bill pegou na carteira e deu-lhe uma nota de cem dólares.

“Ora vejam só,” Disse Opal satisfeita, colocando a nota no decote. “Isto vai dar para muita conversa! Bem, eu não gosto de fazer nada de profissional ao ar livre. Vamos entrar no seu carro, vamos? Para ficarmos mais confortáveis.”

Sentindo-se completamente desconfortável, Bill caminhou até à porta do passageiro e deixou a mulher entrar. Então entrou no lado do condutor. Opal continuou a fumar.

Bill disse, “Ouvi dizer que uma mulher desapareceu aqui recentemente.”

“Vais ter que ser mais específico,” Disse Opal. “Mulheres que desaparecem aqui é uma coisa normal.”

“Ela chamava-se Clover.”

Opal suspirou tristemente.

“Oh, sim. Clover. Ela ficou assustada por causa desse tipo que se chama de T.R. Ele ofereceu-lhe algum tipo de joia na semana passada - brincos de diamante, acho que foi isso. A verdade é que os johns normais não dão presentes como aquele, especialmente não a mulheres como nós aqui no Desert King. Ela ficou assustada, pensou que talvez ele estivesse a ficar obcecado com ela, que lhe podia fazer algo terrível.”

“Achas que ele lhe fez alguma coisa?” Perguntou Bill.

Opal sacudiu a cabeça. “Oh, não, ela não lhe deu hipótese. Ela desandou daqui - de Phoenix, provavelmente do estado. Ela disse-me que queria ir para onde ele nunca a encontrasse. Eu disse-lhe que ela estava a exagerar, a levar as suas atenções muito a peito, que ele provavelmente fazia isso com muitas mulheres. Mas Clover não quis ouvir. Não faço ideia de onde possa estar agora.”

Opal estendeu a mão e acariciou a coxa de Bill.

“Já agora, podemos fazer muito mais do que falar. Basta quereres.”

Bill afastou firmemente a mão dela.

Nesse momento, Riley apareceu, caminhando em direção ao bar. Ela vestia uns calções curtos muito apertados e uma blusa que estava sensualmente desabotoada. Exibia curvas e decotes, e tinha o cabelo arranjado de forma diferente. Bill tinha que admitir que ela estava muito atraente. Nuns saltos extremamente altos, desapareceu no bar sem sequer dirigir um aceno na sua direção.

Agora cabia-lhe a ele vigiar. Entretanto, talvez pudesse descobrir mais coisas. Começou a pensar em mais perguntas para colocar a Opal.

 

*

 

O homem estava sentado no seu carro estacionado quando viu a mulher entrar no bar.

Meu Deus, Pensou. Ela acha realmente que vai passar por puta?

Sorriu só de pensar. Bem podia ter um sinal a dizer POLÍCIA pendurado ao pescoço. Ele olhou à sua volta, mas não viu qualquer apoio óbvio.

Ainda assim, estava intrigado. Ela estava sem dúvida à sua procura. Mas o que a tinha feito vir aqui? Como conseguira aquela pista? Estariam a tentar cobrir todos os pontos de prostitutas? Se assim fosse, significava apenas que não sabiam onde procurar.

Ou ela estava ali porque aquela puta esquisita se tinha queixado dele?

Decidiu que não importava. Não ia deixar que a presença da mulher arruinasse a sua noite. No que lhe dizia respeito, só estava a tornar as coisas mais interessantes.

Até agora, ainda não tinha engatado uma vítima neste lugar e ficava sempre surpreendido com a sua necessidade ocasional de ir até ali. Se engatar prostitutas de rua era baixo, recorrer a putas de paragem de camiões era ainda pior. Também significava que tinha que tomar certas precauções - por exemplo, alugar um carro usado barato. O seu veículo caro atrairia o tipo errado de atenção. Uma visita àquele local não era propriamente conveniente.

Mas outras questões se impunham naquele momento. A notícia dos seus homicídos tornava até as prostituras de rua medrosas. E o ginásio de Jaybird acabara por ser invadido e encerrado. E ele já não confiava no serviço de acompanhantes. Essa cadela da Ishtar Haynes não tinha qualquer noção do que significava a palavra confidencialidade.

Além disso, ele estava estranhamente fascinado pelas putas que povoavam o Desert King. Estavam mais desesperadas do que as de rua, eram menos alegres e exuberantes. E eram estranhamente esquivas. Por alguma razão, raramente se aproximavam dele. E considerando que ele fizera questão de nunca abordar uma prostituta, isso significava que não tinha muito contacto direto com elas.

Clover tinha sido uma exceção, no entanto. Ela tinha sido amigável no início, mas ele descuidara-se e assustou-a. Não podia oferecer joias às prostitutas até que estivessem inteiramente sob o seu controlo. Era isso que parecia ter afastado Clover – a sua extravagante generosidade.

Lembrou-se do que ela disse quando fugiu...

"Estou a ir embora para sempre. Não tentes encontrar-me. Não vais conseguir.”

Riu-se um pouco daquela recordação. Como se Clover valesse a pena!

Mas a mulher que acabara de entrar no bar – seria ela um desafio único? Nunca tentara a sua sorte com uma infiltrada. Nunca lhe ocorrera. No mínimo, ele tinha a certeza de que ela entraria no seu carro.

E depois disso?

O descaramento do desafio era tentador. No entanto, não ia precipitar-se. Ia dar tempo ao tempo.


CAPÍTULO VINTE E SEIS

 

Ao atravessar o bar, Riley sentiu-se terrivelmente exposta.

Bem podia estar nua, Pensou.

Tinha comprado calções desconfortavelmente apertados, sapatos baratos e alguma maquilhagem. Parou num posto de gasolina e mudou de roupa na casa de banho. Riley descobrira na visita ao Hank's Derby que as prostitutas de paragem de camiões variavam em idade, peso e aparência.

Claro, os calções revelavam as suas pernas musculosas. Ela perguntou-se se as prostitutas iriam ao ginásio - um verdadeiro, não do género do de Jaybird.

Provavelmente não, Pensou.

Cambalear em cima dos saltos altos que restringiam severamente os seus movimentos era algo que a fazia sentir-se especialmente vulnerável. Se ela tivesse que correr ou lutar, teria que se descalçar. E para piorar as coisas, não havia lugar para levar a sua arma. Tivera que a deixar no carro.

Mas a verdade era que parecer vulnerável e disponível era exatamente a ideia a transmitir. Ela lembrou a si mesma que as prostitutas eram sempre assim indefesas. Isso só aprofundou a compaixão que sentia por elas. Quão vulneráveis e indefesas se deviam sentir.

Ela só esperava que a sua roupa fosse convincente. Tinha sido tudo pensado à pressa e ela tinha dúvidas sobre o resultado final. Ela estava preocupada com o seu desconforto face ao seu guarda-roupa escasso. As prostitutas que ela observara pareciam completamente confortáveis a mostrar todos os seus recursos.

Uma mulher obesa com um bócio no pescoço trabalhava no bar. Riley tinha a certeza de que era Ruthie Lapham, a proprietária do bar. Antes de ali chegar, ela tinha ligado a Ruthie para dizer que estava a caminho e que se intitularia Tina.

Riley foi direta para o bar. Mas antes que se pudesse apresentar como Tina, Ruthie olhou desanimada para ela.

“Oh, meu Deus,” Exclamou ela.

Disse a um homem que estava sentado numa mesa a ler um jornal.

“Burt, fica aqui só por um bocadinho, OK?”

Burt foi para o bar. Ruthie apareceu em frente ao bar e pegou no braço de Riley suavemente.

“Anda comigo, miúda,” Disse.

Ela levou Riley até uma cabina escura e vazia, onde ambas se sentaram.

Ruthie disse. “Pensei que tivesse dito que se ia disfarçar.”

Desanimada, Riley disse, “E estou.”

“Pois não parece!”

“Eu estava com pressa,” Disse Riley.

“Oh, meu Deus,” Repetiu Ruthie. “Até as etiquetas com o preço deixou à vista. Estas mulheres nunca compram nada novo. Compram sempre em lojas económicas coisas baratas em segunda mão. Nunca vai passar por uma mulher da vida com esse aspeto. Alguma das mulheres a viu entrar?”

Riley lembrava-se de ter olhado para algumas mulheres enquanto caminhava pelo estacionamento. Ela assentiu com a cabeça.

“Bem, pode ter certeza que não estão felizes por vê-la,” Disse Ruthie. “Provavelmente já espalharam a notícia de que está prestes a acontecer uma rusga.”

“Não é por isso que aqui estamos,” Disse Riley.

Ruthie anuiu resignadamente. “Mas não importa, nós vamos conseguir de alguma forma. Como eu disse ao telefone, algumas das mulheres disseram-me que viram o homem de novo – o tal de T.R.. Ele ainda não chegou, mas vem sempre antes de ir para casa. Não se preocupe, consigo ver bem daqui - tanto a porta da frente como o corredor que dá para a loja mais além. Não o vou perder.”

“O que é que me pode dizer sobre esse homem?” Perguntou Riley.

“Bem, ele não é um camionista, isso é certo. Ele tenta passar por um, anda de camisa e calças de ganga, mas nunca ninguém viu o seu equipamento. E ele não tem uma constituição ou olhar de camionista, nem o tipo certo de conversa. Ele vem cá de vez em quando, conversa com as mulheres, mas nunca parece conseguir nada, nem parece tentar com insistência. É como se ele tivesse outra coisa em mente. E pelo que eu vi nas notícias ultimamente, poderia ser algo realmente mau. Foi por isso que liguei.”

“Como é que ele é?” Perguntou Riley.

“Bem, tem uma altura mediana. Cabelo loiro e usa sempre um boné. Óculos grandes. Roupas de aparência cara.”

Ruthie olhou para o outro lado da sala.

“Ali está ele,” Disse ela. "Ali. A espreitar no corredor.”

Riley sabia que era melhor não se mover muito rapidamente. Além disso, tinha que alertar Bill de que estava prestes a agir. Pegou no telemóvel e enviou-lhe um SMS.

Suspeito à vista. Vou atrás dele. Encontramo-nos fora do bar.

O plano era simples. Ela fazia uma proposta ao homem, levava-o para fora do bar onde Bill estaria à espera e pronto. Juntos, ela e Bill, iriam prendê-lo. Com sorte, confessaria enquanto o mantinham sob custódia.

Para seu próprio choque e surpresa, Riley de repente sentiu muito medo. Uma imagem de escuridão e fogo brilhou no fundo da sua mente. Ela tinha sido presa e atormentada por um monstro, e agora ali estava ela, a oferecer-se a outro.

Mas ela não iria deixar que o trauma residual lhe levasse a melhor. Além disso, desta vez ela tinha apoio. Bill estava lá fora.

Levantou-se e saiu da cabine. Ela podia ver o homem de pé no corredor, mas ele mantinha o rosto na sombra. Quando ela olhou para ele, ele virou-se.

Riley atravessou a sala, decidida a caminhar até ao homem e fazer a sua melhor tentativa de aproximação. Ela queria pelo menos ver o seu rosto. Ela queria uma oportunidade para o avaliar como potencial assassino.

Mas tinha dado apenas alguns passos quando uma mulher se postou no seu caminho. Num piscar de olhos, a mulher foi ladeada por mais duas. Eram claramente prostitutas e pareciam furiosas.

“Bem, minhas senhoras, parece que temos uma nova miúda por estas bandas,” Disse a mulher que as liderava com tom de ameaça na voz. “Chamo-me Jewel, e tu?”

“Tina,” Disse Riley, tentando passar por ela.

As três mulheres juntaram-se para bloquear o caminho a Riley. Ela tentou contorná-las, mas as mulheres não a deixavam passar.

Riley estava perplexa. Tinha derrubado muitos homens, muitos deles fortes e resistentes. Em circunstâncias normais, três homens não seriam uma ameaça para ela. Mas mulheres? Ela não queria bater naquelas mulheres e não sabia o que fazer. Além disso, não queria denunciar-se.

“Não seja mal-educada, menina,” Disse Jewel com o rosto demasiado perto do de Riley. “Qual é o problema? Há alguma coisa que não nos queira contar?”

Uma das outras mulheres disparou, “Sim, ela não nos quer dizer que é polícia.”

E então Riley ouviu a voz de um homem à sua direita.

“Polícia? Era o que mais faltava, a Dusty não é polícia. Pára de a incomodar, Jewel. E vocês também.”

Riley virou-se e viu um rosto familiar a caminhar na sua direção. Demorou um momento para reconhecer Rex, o camionista que a ajudara a resgatar Jilly no Hank's Derby. Ele devia ter entrado entretanto, porque ela não o tinha visto sentado no bar quando chegara. Ele pensou rapidamente e inventou um nome.

As mulheres ficaram surpreendidas, mas era óbvio que o conheciam.

Rex ofereceu o braço a Riley e ela agarrou nele.

“Por onde tens andado, Dusty?” Disse Rex, escoltando-a para longe das prostitutas irritadas. “Estava a ver que nunca mais aparecias.”

“Fui barrada,” Disse Riley. E num sussurro acrescentou, “Estou a trabalhar num caso. Tenho que ir.” Guiou-o na direção do corredor e depois soltou-lhe o braço.

“Atrás de um mau da fita, hein?” Sussurrou Rex com uma piscadela. “Não o deixe fugir.”

Riley afastou-se de Rex e entrou no corredor, mas o homem que Ruthie havia apontado não estava lá agora. Ela viu outra porta que conduzia à loja de conveniência adjacente. Obviamente ele tinha saído por ali. Se ela pudesse alcançá-lo, talvez ainda houvesse uma pequena hipótese de lhe propor a sua companhia.

Mas dentro da loja bem iluminada, só viu um punhado de homens que eram obviamente camionistas reais, não aquele de quem estava à procura. Alguns deles olharam-na de alto a baixo com interesse e um até se aproximou dela. Mas Riley não tinha tempo para aquilo. Ela tirou o distintivo do FBI da mala e mostrou-o. Ele parou e o outro ficou subitamente muito interessado nos donuts de uma prateleira próxima.

Ela foi logo para a porta da frente e correu para o exterior. Ninguém estava à vista, à exceção de Bill, que tinha recebido a sua mensagem e estava à espera na porta do bar.

 

*

 

Do outro lado do edifício, o homem ligou o seu carro alugado. Censurou-se pela forma como se arriscara ainda há pouco. A verdade era que ele não sabia como teria lidado com ela se ela se tivesse aproximado dele. E teria ela visto o seu rosto? Ele tinha a certeza de que não.

Quando ela se levantou da cabina, ele correu pelo corredor até à loja de conveniência e juntou-se a vários camionistas que saíam. Ele tinha visto o homem parado em frente ao bar - o parceiro da mulher, pronto para apoiá-la. Ele duvidava que o parceiro o pudesse ter detetado entre os camionistas. Então acabou por se dirigir ao seu carro. Tinha-se safado.

Por um momento, sentiu um desejo de passar por ali e ver se ela iria entrar no carro com ele. Mas ele sabia que ela e o parceiro estavam ambos armados. Já tinha arriscado o suficiente.

Estúpido, Pensou. Eu fui estúpido.

Em quem é que estava a pensar? Desde quando é que se entusiasmava em jogar o jogo do gato-e-rato? Não era simplesmente o seu estilo.

Chega de emoções baratas, Lembrou a si mesmo.

De agora em diante, ficar-se-ia pelo que gostava realmente de fazer - o choque, a respiração ofegante, a luta enfraquecida, o silêncio final. E prometeu a si próprio mimar-se com esse prazer novamente muito em breve.


CAPITULO VINTE E SETE

 

Na manhã seguinte ao pequeno-almoço, Riley e Bill mal se falaram durante algum tempo. Riley não tinha certeza de onde vinha a tensão. Claro, eles ainda estavam desanimados com a tentativa fracassada da noite passada de apanhar o assassino. Mas era mais do que isso. Ela não conseguia perceber.

“Nós vamos apanhá-lo,” Disse finalmente Bill, mastigando um pedaço de torrada. “Pelo que a Opal me disse, ele tem as suas fraquezas.”

Riley não respondeu. Lembrou-se da prostituta idosa que ainda estava sentada no carro de Bill depois do assassino ter conseguido fugir. Bill tinha falado com ela enquanto Riley estava no bar. Pelo que ele lhe transmitira, Opal parecia uma observadora astuta que sabia do que estava a falar.

Ainda assim, Riley sentiu-se amargamente desapontada por ter sido uma noite tão pesada. O seu próprio disfarce precipitado não funcionara muito bem e ainda permitiu que três prostitutas a atrapalhassem o suficiente para deixar o suspeito fugir. E embora Bill tivesse vislumbrado vários grupos de homens a sair da loja de conveniência, não tinha conseguido discernir o suspeito entre eles. Vários camionistas se enquadravam na descrição que tinham obtido de Ruthie e de várias das prostitutas.

T.R. era branco, de constituição pesada, mas de altura mediana. Teria entre os trinta e cinco e os cinquenta anos, e muitas vezes usava um boné de beisebol. Algumas das mulheres haviam mencionado os espessos cabelos louros penteados para a frente. Ruthie não tinha encontrado nenhuma foto visível dele nas filmagens da câmara de segurança. E, claro, eles realmente não tinham nenhuma razão para acreditar que o homem fosse nada mais do que um incómodo para as prostitutas.

Ter que acordar Morley na noite anterior para lhe comunicar a má notícia tinha sido especialmente embaraçoso.

E esta manhã Bill olhava para ela de uma maneira estranha. Riley não sabia o que pensar daquilo. Tomou outro gole de café e tentou limpar a cabeça.

De repente, Bill estendeu a mão sobre a mesa e pousou-a sobre a dela.

“Estou a falar a sério, Riley,” Disse ele. “Vamos apanhá-lo.”

Ele não largava a sua mão. Ela sabia que aquilo era mais do que um gesto tranquilizador. Em circunstâncias diferentes, ela até o poderia ter aceite bem. Mas ela não estava com disposição para aquilo naquele momento. Absolutamente nenhuma disposição.

Ela grunhiu, “Bill, o melhor é tirares a mão se a quiseres conservar.”

Mas Bill não tirou a mão, limitando-se a sorrir.

“Então, Riley.”

“Então o quê?” Ele apertou-lhe a mão e olhou-a diretamente nos olhos.

Não havia dúvida - ele estava a atirar-se a ela. Não foi tão descarado quanto o seu próprio telefonema bêbado há alguns meses atrás que quase havia arruinado a sua amizade. Mas não deixava de ser uma tentativa.

Mas porquê agora? Questionou-se Riley. Então lembrou-se da expressão no rosto de Bill quando ela se juntou a ele depois de perderam o suspeito de vista - uma expressão de interesse a que ela não tinha dado qualquer importância naquele momento. Mas agora, naquela manhã, aquele olhar fazia um desagradável sentido para ela.

“Isto é por causa do papel que desempenhei a noite passada,” Atirou Riley. “Devido à forma como estava vestida e como me comportava.”

Bill corou um pouco. Ela sabia que tinha acertado na mouche. Ela retirou a mão bruscamente.

“Estava atraente para ti porque me parecia como uma puta,” Disse. “Os saltos altos e a pele nua excitaram-te, foi?”

“E se tivessem excitado?” Perguntou Bill.

Riley mal podia acreditar no que ouvia.

“E se tivessem excitado?” Repetiu Riley as palavras de Bill. “Bill, ouve só o que estás a dizer.”

“Bem, tu sabes que é mais do que isso,” Disse Bill. “Tu sabes que me sinto sempre atraído por ti. E não finjas que não é mútuo. Há algo entre nós. Não achas que chegou o momento de parar de fingir?”

Riley sentiu a verdade dessas palavras, mas também se sentiu um pouco perturbada. Pensou em Jaybird e Calvin Rabbe, dois homens que não eram capazes de ver as mulheres como seres humanos.

Seria possível que Bill tivesse algo em comum com eles? O seu parceiro de longa data teria a mesma tendência de pensar nas mulheres como objetos sexuais? Será que todos os homens seriam, no fundo, assim – pelo menos os heterossexuais?

“Não é mútuo neste momento,” Disse ela com firmeza.

“Estás a exagerar.”

Riley estava prestes a disparatar, a contrapor o que ele dizia quando o seu telefone tocou. Ao ver que o telefonema era de April, atendeu de imediato.

“Olá querida. O que se passa?” Atendeu Riley.

Para sua preocupação, ouviu a filha a soluçar.

“Eu vi-o,” Disse April.

“Viste quem?”

“O Peterson. Ele está vivo. Ele olhou para mim. Ele reconheceu-me.”

O coração de Riley batia descompassadamente.

“O que é que se passa?” Perguntou Bill ao aperceber-se da mudança de expressão no rosto de Riley.

Riley não respondeu. Ela precisava de se afastar para poder falar com April sozinha. Saiu do restaurante do hotel e caminhou em direção ao seu quarto.

“Tu sabes que isso não é possível, April,” Afirmou Riley.

E, claro, não era possível. Ela lembrava-se como se fosse ontem. A própria April tinha atingido Peterson com a coronha de uma espingarda, e então Riley tinha atingido a sua testa com uma pedra afiada. Finalmente, havia os seus olhos mortos a fitá-la enquanto a água do rio escorria pelo seu rosto.

Mas mesmo assim, ela não acreditava até April ter dito...

"Mãe. Ele está morto."

O Peterson estava morto, não havia qualquer dúvida. Só devido à compreensão e descrição de Brent Meredith é que Riley não tinha recebido uma rígida reprimenda pelo uso de força excessiva. Mas ela entendia bem demais aquilo por que April estava a passar. Ela própria tinha tido um flashback na noite anetrior no Iguana Lounge e ainda tinha pesadelos.

April ainda soluçava. A sua voz ofegante no telefone parecia aterrorizada.

“Nós estávamos a sair do autocarro da excursão agora mesmo,” Disse. “E lá estava ele, na rua. Ele olhou diretamente para mim. Sorriu. Eu sei que ele me vai matar. Preciso da tua ajuda.”

Estas quatro últimas palavras – “Preciso da tua ajuda” - dilaceraram o coração de Riley. Não importava que Peterson estivesse morto. April precisava dela desesperadamente. Mas ali estava ela, no outro lado país.

“Ligaste para o teu pai?” Perguntou Riley. “Ele provavelmente está em D.C. agora.”

“Não. Não pensei nele.”

Riley suspirou. Ela sabia que após uma vida inteira de distância emocional, April tinha poucas razões para querer ligar ao pai.

“Eu preciso de ti, mãe. Preciso de ti agora mesmo.”

Riley não sabia o que dizer. April parecia ter esquecido que Riley estava em Phoenix. E essa era a última coisa que April precisava de ouvir naquele momento.

“Deixa-me falar com a tua professora,” Disse Riley.

Um momento depois, Riley ouviu uma voz diferente na linha.

“Fala Lorna Culver. Estou a falar com a mãe da April?”

“Sim, fala Riley Paige.”

A voz da mulher soou terrivelmente agitada.

“Senhora Paige, nao sei o que fazer. Ela está mais calma do que há um minuto, mas estava completamente histérica. Tem que vir para cá imediatamente.”

“Não posso,” Disse Riley. “Estou no Arizona.”

“Bem, eu vou levá-la para o hotel,” Disse a professora. “Mas não posso ser responsável por ela enquanto estiver neste estado.”

Riley queria gritar com a mulher.

Não pode ser responsável? Não é essa a sua função?

Mas manteve a voz sob controlo.

“Dê-me o seu número de telemóvel,” Disse ela.

Durante a conversa, Riley tinha regressado ao seu quarto. Ela anotou o número num bloco e deu o seu número à Sra. Culver.

“Vou ligar ao pai da April," Disse Riley à professora, terminando depois a chamada.

Ela andava ansiosamente de um lado para o outro enquanto ligava a Ryan. Ficou aliviada quando conseguiu que fosse Ryan a atender e não um atendedor de chamadas.

“Olá, Riley,” Cumprimentou ele, tentando soar cordial. “Como estás? Já lá vai algum tempo.”

Aquele telefonema era tudo o que Riley podia fazer para evitar chorar.

“Ryan, é a April. Ela está em Washington e está a ter um ataque de SPT. É por causa daquela situação terrível com o Peterson. Ela está...”

Ryan interrompeu-a.

“Espera lá. Desacelera. O que é que ela está fazer em Washington?”

Riley sentou-se na beira da cama. Ela respirou fundo e devagar.

“Está lá numa viagem de estudo,” Explicou Riley, falando devagar e cuidadosamente. “Está lá desde sábado. Era para ser uma viagem de uma semana.”

Ela queria acrescentar, E se te importasses minimamente com a tua filha, já saberias disso. Mas impediu-se de o dizer.

Riley continuou. “Ela pensou ter visto o Peterson - o homem que a raptou. É claro que não o viu. Ele está morto. Mas isto é sério, Ryan. Eu já tive a minha quota de SPT e acredita em mim, é aterrorizante. Tens que ir ajudá-la.”

“Porquê eu? Porque é que tu não podes ir?”

“Porque eu estou em Phoenix, Ryan. Phoenix, Arizona. Estou a trabalhar num caso. Eu simplesmente não consigo chegar lá.”

“Bem, eu estou em Filadélfia. Estou a trabalhar num processo judicial. Também não posso ir lá.”

Riley não conseguia evitar que a sua voz tremesse de raiva.

“Tu podes ir lá, Ryan. Tu podes estar lá numa hora. Que raio, a conduzir podes estar lá em menos de três horas. Eu não consigo chegar lá em tão pouco tempo. Eu não consigo chegar lá.”

Ryan respondeu num tom condescendente que Riley já tinha ouvido milhares de vezes.

“A responsabilidade é tua, Riley. E a culpa dela estar a passar por isto é tua. É esse teu maldito trabalho. Tu é que a colocaste em perigo. Não podias ficar em casa e ser uma mãe normal. Voa tu para D.C.. Agora mesmo. O problema não é meu.”

Riley conseguiu não vociferar contra ele e absteve-se de falar.

“Ouviste o que eu disse, Riley?”

Riley sabia que não havia forma de o fazer enfrentar os factos. Ele sempre tinha assumido o direito de estar distante. O trabalho sempre fora mais importante para ele do que envolver-se em problemas do quotidiano. Ele devia ser bem-sucedido no trabalho. O seu trabalho era tornar os seus clientes ricos ainda mais ricos. Ele nunca aceitara que o trabalho de Riley de apanhar monstros fosse pelo menos tão importante.

“Riley?” Chamou Ryan. “Ouviste-me?”

Tinha que encontrar outra forma de ajudar April e aquilo era uma perda de tempo. Ela desligou.

Quem me dera nunca mais ter que falar com aquele filho da mãe, Pensou.

Para tornar as coisas ainda piores, ele atingira-a onde mais doía, o cerne da culpa e da dúvida. A vida poderia ter sido melhor para os três - Riley, April e Ryan - se ela nunca se tivesse tornado agente? Mas o que seria dela se tivesse ficado em casa? Uma daquelas donas de casa bêbadas? Como é que isso poderia ter sido melhor para alguém?

Pior de tudo, como é que ela não previra aquilo? Ela convencera-se de que April estava bem. Mas é claro que era bom demais para ser verdade. Da sua própria experiência com o SPT, deveria ter reconhecido que não seria tão fácil de ultrapassar. Era impossível April ter recuperado tão rápida e facilmente. Ela não se poderia ter libertado totalmente do trauma do seu cativeiro ou do trauma adicional de ajudar a mãe a matar o raptor.

Uma imagem passou pela mente de Riley.

A sua amiga Marie Sayles, suspensa no ar, pendurada pelo pescoço de uma corda amarrada a um candeeiro no teto do quarto.

A boca de Riley ficou seca perante aquela memória. Marie também fora mantida em cativeiro por Peterson. O medo do seu agressor levara-a ao suicídio. Riley tinha tentado desesperadamente demovê-la do seu medo ao telefone, assegurando-lhe que Peterson estava morto. Mas não fazia diferença.

“Mataste o corpo, mas não mataste o seu mal,” Dissera Marie alguns minutos antes de se matar.

E Riley sabia que April estava a passar exatamente pelo mesmo desespero naquele preciso momento. Ela poderia fazer qualquer coisa para escapar ao seu terror. O seu maior perigo era para si mesma.

Naquele momento, Riley ouviu alguém a bater à porta. Era Bill que estava lá fora.

“Estás bem, Riley?” Perguntou.

Riley ficou aliviada ao vê-lo. Ela percebeu que estava apenas vagamente zangada com ele. Mas naquele momento, ela nem sequer se conseguia lembrar porquê. Parecia algo que ocorrera há muito tempo.

“Entra,” Disse. “É a April. Está a ter um ataque de SPT.”

Bill assentiu compreensivamente. Riley sabia que não precisava de lhe lembrar o trauma que April tinha suportado.

“Bill, não sei o que fazer,” Disse Riley. “O Ryan recusa-se a ajudar. E aqui estou eu, a milhares de quilómetros de distância!”

“E o Mike Nevins?” Perguntou Bill.

A própria menção do nome inundou-a de esperança. Sim, quem melhor para a ajudar naquele momento do que o psiquiatra forense que a tinha ajudado com o seu próprio trauma?

“Claro,” Disse Riley, grata pela sugestão de Bill. Ela estava demasiado perturbada para pensar na solução óbvia. Marcou o número direto dele e depois ouviu uma voz reconfortante e familiar.

“Riley?”

Riley sentiu uma onda de gratidão por Mike ter atendido o telefone.

“Mike, preciso da tua ajuda. A April está em Washington numa viagem de estudo e teve um ataque de SPT. Ela tem a certeza que viu o Peterson. Ela acha que ele a quer matar.”

“Quão grave é?” Perguntou Mike.

“Eu não sei. A professora não parece saber o que fazer. O Ryan está fora da cidade. Não sei a quem mais recorrer.”

Houve uma pequena pausa. Então Mike falou com voz firme e reconfortante.

“Tens o número da professora?” Perguntou.

“Sim.”

“Dá-me o número e o da tua filha também. Vou entrar em contacto com elas. E vou saber onde está a April e vou buscá-la. Entretanto, penso que o melhor é regressares.”

Por um momento, Riley ficou completamente sem palavras. Ainda assim conseguiu dizer, “Obrigada, Mike. Obrigada.” Deu-lhe os números e terminou a chamada.

Bill estava sentado numa cadeira. Riley ainda andava de um lado para o outro.

“Tenho que regressar agora,” Disse a Bill.

“Eu entendo,” Declarou Bill. “Eu explico tudo ao Morley.”

“Não, eu ligo-lhe. Eu digo-lhe tudo.”

Bill abanou a cabeça, inquieto.

“Riley, não sei...”

“É minha responsabilidade, Bill. Isto é tudo a minha responsabilidade. Vou ligar-lhe agora mesmo.”

“Muito bem,” Disse Bill. “Eu vou reservar-te o próximo voo de regresso.”

Riley abriu o seu portátil para Bill usar. Em seguida, ligou para o número do Agente Especial Responsável Elgin Morley. Quando ela ouviu a sua voz grosseira atender, soube que não ia ser fácil.

“Agente Morley, tenho que deixar Phoenix,” Disse ela. “Estou a voltar para Washington.”

“Vai fazer o quê?”

Morley parecia incrédulo.

“A minha filha está a ter um colapso nervoso. Não tenho tempo para lhe contar toda a história. Mas é sério. Ela precisa de mim.”

A voz de Morley soava furiosa agora.

“Nós precisamos de si,” Atirou ele. “Há um assassino à solta e ele vai matar de novo em breve, se não o tiver feito já. Eu não lhe dou permissão para se ir embora. Tem que ficar aqui e fazer o seu trabalho.”

Riley reuniu toda a sua coragem e disse, “Eu não lhe estou a pedir permissão,” Disse. “Vou apanhar o próximo voo.”

“Agente Paige, seria melhor não entrar nesse avião. Já é suficientemente negativo que tenham estragado tudo a noite passada.”

“Voltarei assim que puder,” Disse Riley.

“Não, não vai voltar. Nem se dê ao trabalho. Se se for embora, ligo ao Meredith. Tiro-a do caso. Pode nunca mais trabalhar para o Bureau.”

Riley sabia que se devia aborrecer com aquela ameaça. Mas não podia preocupar-se com aquilo agora.

“Eu entendo,” Disse a Morley e desligou a chamada.

Bill estava a consultar informações no computador.

“Reservei um voo sem escalas,” Disse ele. “Mas temos que nos apressar. Parte daqui a uma hora.”


CAPÍTULO VINTE E OITO

 

Ver a terra lá em baixo era torturante para Riley. O avião parecia estar a mover-se muito lentamente. Mas ela sabia que a lentidão era apenas uma ilusão. Mas também sabia que muito poderia acontecer durante as quatro horas e meia em que estaria no ar.

Coisas terríveis, Pensou. E novamente, lembrou-se do corpo pendurado de Marie.

Mas afastou essa horrível imagem da sua cabeça. Não, nada disso ia acontecer desta vez. Mike tinha entretanto ligado e dissera-lhe que descobrira onde estava April e que já ia a caminho. E antes da decolagem, Riley conseguira falar com a filha, que ainda parecia aterrorizada, mas prometeu-lhe que ficaria bem.

Riley também estava ansiosa devido a outras coisas. Ela lembrava-se da fúria de Morley e do que lhe havia dito há pouco.

“Tiro-a do caso. Pode nunca mais trabalhar para o Bureau.”

Seria verdade? A sua carreira como agente do FBI chegara ao fim? Naquele momento, não estava inteiramente certa de que se importasse. Aquela fora a primeira vez que sobrepusera a sua condição de mãe ao trabalho.

Talvez, pensou, já fosse hora de fazer isso. Talvez essa decisão já devesse ter sido tomada. Ainda assim, ela entendia perfeitamente o ponto de vista de Morley. A sua decisão tinha sido pouco profissional. Ela havia deixado um trabalho importante inacabado. Era como Morley tinha dito...

“Há um assassino à solta e ele vai matar de novo em breve, se não o tiver feito já.”

À medida que o avião ganhava altitude, esse sentido de movimento distorcido tornava-se ainda mais bizarro. Na sua mente, ela ainda estava rastejando em direção à sua filha. Ao mesmo tempo, ela sabia que se estava afastar de uma outra responsabilidade a uma velocidade impensável. Não sabia qual das sensações era pior.

 

*

 

Quando chegou ao Aeroporto Nacional Reagan naquela noite, Riley rapidamente alugou um carro e conduziu pelo trânsito denso para o escritório de Mike Nevins. Demorou pelo menos uma hora a chegar lá. Quando encontrou Mike Nevins sentado numa cadeira fora do seu consultório, sentiu uma pontada de preocupação. Onde estava April?

Mas o sorriso de Mike enquanto se levantava para cumprimentá-la era profundamente reconfortante.

“Ela está aqui, Riley,” Disse ele. “Não te preocupes.”

Ele abriu a porta do escritório, e ele e Riley entraram. Então ela viu April sentada numa cadeira, a conversar com uma jovem que parecia cuidadosa e simpática.

April pôs-se de pé de um salto e atirou-se para os braços da mãe, soluçando.

“Oh, mãe, eu sinto muito,” Disse.

Riley mal conseguia segurá-la direita. A pobre menina sentia-se absolutamente incapacitada e exausta da sua provação.

“De que é que estás a falar?” Disse Riley, acariciando-lhe o cabelo. “Não é culpa tua. Nada é culpa tua.”

“Eu sei que ele está morto. Não sei o que se passou comigo.”

“Está tudo bem,” Tranquilizou-a Riley.

Quando Riley finalmente largou April, a mulher jovem levantou-se para lhe apertar a mão.

Mike explicou, “Riley, esta é Rose Shepard - uma residente. Rose, esta é a mãe de April, Riley.”

“A sua filha vai ficar bem,” Disse Rose.

“Obrigada,” Agradeceu Riley.

“Rose e April estão a fazer um ótimo trabalho juntas,” Disse Mike. “Vamos conversar os dois.”

Mike pegou gentilmente Riley pelo braço e escoltou-a para fora do gabinete. Sentaram-se juntos em duas cadeiras no corredor.

“A April está em boas mãos com a Rose,” Disse Mike. “Ela é jovem, inteligente e empática. Eu estou demasiado habituado a lidar com psicopatas para ajudar numa situação como esta.”

“Como e que ela está?” Perguntou Riley.

Mike acariciou o seu queixo pensativamente.

“Isto já acontece há algum tempo,” Disse ele. “Ela tem reprimido as coisas há demasiado tempo. É bom que comece a libertar essas tensões.”

Riley encolheu-se com a palavra “comece”. Mike queria obviamente dizer que April ainda não tinha afastado os fantasmas que a assombravam.

“Eu devia ter previsto isto,” Disse Riley.

“Culpares-te não vai ajudar, Riley. A April tem que fazer a sua própria cura ao seu próprio ritmo. Não depende de ti. Esta é uma parte necessária do processo.”

Nevins debruçou-se sobre Riley com um olhar preocupado.

“E tu, Riley? Como tens passado?”

Riley encolheu os ombros. “Estou bem.”

“Não, não estás. Consigo perceber pelo teu rosto. Tens que falar comigo.”

Riley queria dizer a Mike que era só a diferença horária que a incomodava. Voar através de fusos horários podia desregular o organismo. Mas ele estava certo, é claro.

“Mike, eu não sei mais o que fazer. Parti a meio de um caso. O chefe do Arizona está furioso. Terei tomado a atitude certa?”

“Só tu o podes saber, Riley.”

Riley suspirou. “Dito como um verdadeiro psiquiatra,” Disse ela.

Mike riu um pouco. “Sim, e tu sabes que é verdade,” Disse ele.

Na verdade, ela sabia que era verdade. E ela sabia que Mike queria que ela falasse sobre isso.

Ela disse, “Eu continuo a ter sempre o mesmo problema. Como é que posso ser agente e mãe? É mesmo possível? Estou errada ao tentar? O Ryan também está zangado comigo. Claro, ele está sempre zangado comigo, mas desta vez quase me pergunto se ele não terá razão. Ele diz que eu deveria ter ficado em casa e ter sido mãe a tempo inteiro. Isso é verdade? Talvez April estivesse melhor com ele.”

Mike zombou um pouco. “Sabes bem que não.”

Riley não disse nada. Mas é claro que Mike estava certo de novo. Sabia bem que April não estava melhor com o pai irresponsável, vagabundo e emocionalmente distante. Ela estava a deixar a sua auto-comiseração levar-lhe a melhor.

“As horas impossíveis são suficientemente más,” Disse ela. “É pior que eu esteja sempre a colocar-me em perigo e que ela possa perder-me um dia destes. Mas eu acabei colocando-a em perigo também e vê o que lhe aconteceu. Tenho tanto medo de que algo assim volte a acontecer.”

Mike franziu a testa, dando às palavras de Riley a sua melhor atenção profissional.

“Pareces pensar que a tua situação é exclusiva,” Disse ele. “Claro, os riscos são mais terríveis para ti do que para a maioria dos pais. Mas tudo se resume ao facto de criar uma criança - não há sempre uma única coisa certa a fazer. A maioria dos pais compreende isso mais cedo ou mais tarde. Mas não tu. Tu continuas a pensar que tens que fazer o impossível. E porquê?”

Os olhos de Riley ardiam repletos de lágrimas. Às vezes magoava o facto de Mike a compreender tão bem. Mas então, era exatamente por isso que ela muitas vezes se voltava para ele para pedir conselho e amizade.

Ele disse, “Eu sei que não é isto que queres ouvir, mas atingiste um ponto de crise. Agora que te estás a libertar do teu SPT, ainda estás cheia de dúvidas. Não me parece que consigas ultrapassar isto sem algum tipo de catarse emocional.”

Um soluço soltou-se da boca de Riley. Ela lutou para se controlar.

“Mike, eu não sei o que fazer a seguir.”

“Não tem mal não saber o que fazer,” Disse Mike.

“Não num momento como este. Eu tenho que tomar uma decisão.”

Mike susteve o seu olhar durante um longo momento.

“Não sei se isto te vai ajudar,” Disse ele cuidadosamente. “Mas a situação da April está sob controlo. Combinei com uma colega minha de Fredericksburg. O seu nome é Lesley Sloat e é uma excelente terapeuta pediátrica. Ela está disposta a trabalhar com a April todos os dias durante o tempo que for necessário. Tu e a April podem ir ter com ela amanhã de manhã.”

Riley detetou uma dica não expressa nas palavras de Mike. Ele parecia estar a dizer que a presença imediata de Riley não seria necessária por muito tempo. Poderia voltar a trabalhar logo se quisesse.

Mas quereria? Sentia-se terrivelmente perdida e confusa.

A porta do gabinete de Mike abriu-se. Rose e April foram para o corredor. O braço de Rose rodeava o ombro de April.

“Acho que fizemos um bom trabalho hoje, não é, April?" Disse Rose com uma voz quente e agradável.

O sorriso de April era fraco, mas genuíno.

“Acho que sim,” Respondeu ela.

“Vamos para casa então,” Disse Riley.

Riley segurava a mão da filha com força enquanto saíam do edifício e caminhavam em direção ao carro.

“Sinto muito por tudo isto, mãe,” Disse April.

“Pára de dizer isso, por favor,” Pediu Riley.

 

*

 

April foi para a cama logo depois de chegarem a casa. Ela estava exausta depois da sua provação e Riley esperava que dormisse profundamente. Mas Riley não se sentia pronta paa dormir. Era mais do que a mudança horária. Estava profundamente perturbada.

Assim que teve a certeza de que April dormia, foi para o seu quarto e estirou-se na cama. Ligou a Bill.

“Riley!” Disse logo Bill ao atender a chamada. “Como está a April?”

“Ela vai ficar bem,” Disse Riley.

Riley ouviu Bill suspirar de alívio. Era bom ouvir a voz dele.

“E o caso?” Perguntou Riley.

“Estamos completamente paralisados aqui. Gostava que ainda aqui estivesses.”

Um silêncio caiu. Riley sentiu que Bill tentava encontrar as palavras certas para algo que ela poderia não querer ouvir.

Finalmente disse, “Riley, o Morley fez o que disse que ia fazer. Ligou ao Brent Meredith em Quantico e deu-lhe um sermão sobre como estava lixado contigo. Ele tirou-te do caso.”

Foi a vez de Riley ficar em silêncio. Ela não fazia ideia do que dizer.

“Riley, eu posso resolver isto,” Disse Bill. “Já liguei ao Meredith. Ele entende aquilo por que estás a passar. Ele pode sobrepor-se à decisão do Morley. Ele pode reintegrar-te. Mas a decisão final depende de ti.”

A ansiedade de Riley era tão intensa que mal conseguia respirar.

“Preciso de um tempo para decidir, Bill,” Disse ela.

Bill soltou um ligeiro lamúrio de impaciência.

“Infelizmente não dispomos de muito tempo,” Disse ele. “O Morley já fala sobre trazer um substituto de Quantico. Eu estou a atrasá-lo por agora, mas não o consigo fazer por muito tempo. E quando um substituto chegar, será muito mais difícil tu voltares.”

“Eu entendo,” Disse Riley. “Obrigado, Bill.”

Terminaram o telefonema. Riley ficou deitada ali na cama, sentindo-se desamparada, indefesa e deprimida. Era uma sensação nova e terrível. Durante a sua vida, ela conhecera a raiva, o terror, a dor e quase todos os outros tipos de emoções negativas que podia imaginar. Mas de alguma forma aquilo era pior. Ela mal se reconhecia agora - uma massa tremulante de indecisão e desespero. Quando terminaria aquela tristeza?

Lembrou-se de algo que Mike Nevins havia dito.

“Não me parece que consigas ultrapassar isto sem algum tipo de catarse emocional.”

No que lhe dizia respeito, aquilo era um mau presságio. As coisas iriam piorar antes de melhorarem. Lembrou-se de como quase chorara quando conversara com Mike naquele dia.

Talvez seja disso que eu preciso agora, Pensou. Chorar.

Mas as lágrimas não surgiram.


CAPÍTULO VINTE E NOVE

 

Na noite seguinte, Riley estava na cozinha a começar a preparar o jantar para si e para April, quando ouviu a porta da frente a abrir.

Uma voz familiar com sotaque espanhol, chamou, “Onde é que está ela? Onde está a minha querida muchacha?”

Então Riley ouviu April gritar alegremente, “Gabriela!”

Riley correu para a sala onde encontrou April e Gabriela abraçadas. A mala de Gabriela estava no chão perto da porta.

“Gabriela!” Disse Riley. “Eu só a esperava cá em casa amanhã.”

“Não pensou que eu não viesse logo depois de tudo o que aconteceu, pois não?”

Riley compreendeu. No dia anterior ela tinha ligado a Gabriela, que ainda estava de visita à sua família no Tennessee. É claro que Riley lhe contou o que tinha acontecido com April. Gabriela era família e Riley nunca a excluíria. Riley não deveria ter ficado surpreendida que Gabriela se tivesse apressado a voltar assim que possível.

“Vá desfazer as malas, Gabriela,” Disse. “Estou a preparar o jantar.”

Riley voltou para a cozinha. Por muito que gostasse dos cozinhados de Gabriela, ela gostava de trocar de lugar com ela para cozinhar de vez em quando. E tinha a certeza de que Gabriela precisava de descansar depois da viagem.

Tinha sido um dia longo e emotivo. No início da tarde, Riley levara April ao consultório da Dra. Lesley Sloat. Primeiro, Riley conversara sozinha por um tempo com a Dra. Sloat, que explicara a sua abordagem terapêutica. Riley imediatamente gostou da mulher baixa, corpulenta e calorosa. Sentia-se tão grata pela ajuda com o stress pós-traumático de April. Ela estremeceu ao pensar naquilo por que a filha estava a passar.

Então a Dra. Sloat conversou com April sozinha durante uma hora. April parecia sentir-se muito melhor depois da sessão ter terminado.

No caminho de volta a casa, April dissera, “O teu amigo, o Dr. Nevins, foi fantástico. Vai ser muito bom conversar com a Dra. Sloat. Ela tem uma maneira de me fazer ver as coisas que eu não poderia descobrir sozinha.”

Agora, a lavar os legumes na cozinha, Riley sentiu-se feliz por Gabriela ter regressado. Ela era uma presença calmante, reconfortante e amorosa nas suas vidas. Riley perguntou-se o que teria feito sem ela nas dificuldades recentes.

April entrou na cozinha e começou a ajudar a mãe.

“Sabes o que isto significa, não é mãe?” Disse April. “O facto de a Gabriela ter voltado, quero dizer.”

“Acho que não,” Disse Riley.

“Significa que podes voltar para Phoenix e voltar ao trabalho.”

Riley ficou surpreendida com a sugestão.

“Mas eu cheguei ontem,” Disse Riley.

April riu um pouco enquanto cortava aipo.

“Olha, não é não é que eu não esteja feliz por estares aqui,” Disse ela. “Mas tu tens que apanhar um homem mau. E eu vou ficar bem. Posso ir ao consultório da Dra. Sloat de autocarro. E se ficar nervosa, tenho o número dela e ela diz que eu posso ligar a qualquer momento. E com aGabriela aqui, bem...”

Gabriela tinha acabado de entrar na cozinha.

“A sua hija está certa,” Disse ela. “Eu e a April aguentamos bem as coisas aqui.”

Riley sentiu invadir-se por uma onda de pânico. April e Gabriela tinham razão, é claro. Ela já não tinha qualquer desculpa para não voltar a Phoenix. Mas, para seu alarme, ela ainda não era capaz de tomar uma decisão.

O que se passa comigo? Pensou.

Então lembrou-se de algo mais que Mike Nevins havia dito...

“Tu continuas a pensar que tens que fazer o impossível. E porquê?”

Num instante, Riley soube qual a resposta para aquela pergunta - ou pelo menos onde e como encontrar uma resposta. Ela sentou-se numa cadeira de cozinha e, finalmente, chorou copiosamente.

Gabriela e April aproximaram-se dela, tentando reconfortá-la.

“Mãe, o que é que se passa?” Perguntou April.

“Eu sei onde tenho de ir,” Disse Riley, continuando a chorar. “Eu sei quem tenho que ver.”


CAPÍTULO TRINTA

 

A chuva caía forte, enquanto Riley subia em direção às Montanhas Apalaches. As estradas de terra estavam atoladas de lama e a condução era difícil. O clima desagradável espelhava os seus sentimentos. As suas raras visitas ao pai nunca haviam sido agradáveis.

Ainda assim, ela sabia que aquela visita era necessária. Ela penetrava em algo mais do que apenas um deserto montanhoso. Ela penetrava nas profundidades da sua dúvida. Era uma parte da sua alma que ela precisava olhar sem hesitar. Caso contrário, nunca se poderia livrar da sua indecisão e incerteza.

Além disso, considerou a chuva estranhamente refrescante. Era certamente uma mudança após a secura do ar quente do Arizona. E a floresta circundante era exuberante e verde. A primeira geada ainda não se tinha abatido sobre as folhas.

A chuva não mostrava nenhum sinal de querer abrandar ao aproximar-se da pequena cabana. O pai tinha comprado aquele lugar e alguma área circundante quando se aposentara dos fuzileiros navais. De um modo geral, os visitantes não eram bem-vindos ali. Ele nem sequer tinha um telefone ou um computador para se comunicar com o mundo exterior, embora às vezes soubesse das notícias nas suas visitas ocasionais à cidade vizinha.

Ela abriu um guarda-chuva e correu para a porta. Ela bateu - não que esperasse que alguém respondesse ou a recebesse lá dentro. O pai não era assim. Mas ela ouviu alguém tossir dentro da cabana.

Abriu a porta e entrou. O único quarto estava quente e seco, aquecido por um fogão a lenha. Cinzento e curvado, o pai estava sentado num banquinho, a esfolar um esquilo morto. Várias carcaças de esquilos estavam amontoadas a seu lado.

“Olá, paizinho,” Cumprimentou Riley.

Ele não ergueu o olhar e ela não esperava que ele o fizesse. Ele tinha acabado de fazer os cortes iniciais e estava a puxar a pele para fora da carcaça. Desde que ela tinha caçado com ele quando menina que admirava a forma como ele fazia aquilo. Executava-o de forma tão suave e graciosa como se estivesse a ajudar uma senhora a despir um casaco num jantar romântico.

Ele tossiu alto por um momento. Riley detetou um som estranho naquele tossicar. Ela não se lembrava nunca de o ter visto doente.

Quando conseguiu controlar a tosse, disse, “Voltaste num instante.”

Riley entendeu o que ele queria dizer. Tinham decorrido alguns meses desde a última vez que o visitara, em julho. Antes disso, mais de dois anos se haviam passado sem que ela tentasse entrar em contacto com ele. E, claro, nunca nenhuma tentativa de contacto viera dele.

Riley sentou-se, o mais confortavelmente possível numa cadeira de vime desconfortável. O pai tossiu novamente. Ele parecia mais pálido do que da última vez que o vira - talvez um pouco mais magro também. O cabelo estava apenas um pouco mais longo do que o habitual.

“Estás doente, paizinho?” Perguntou.

Ele riu, sombrio. “Bem que gostarias, não é? Nada te faria mais feliz do que me ver impotente e doente e às portas da morte. Não estás com sorte, miúda. Não desta vez.”

Riley sentiu o maxilar e o corpo contrairem-se. Aquela visita estava a correr mal, ainda mais rapidamente do que a última.

“Então, no que é que estás a trabalhar agora?” Perguntou o homem.

“O de sempre,” Disse Riley, de forma fria e desapegada, à semelhança das palavras articuladas pelo pai. “Um assassino em série no Arizona. Assassina prostitutas.”

“Com que então Arizona?”

Ele cortou o esquilo pelo abdómen e começou a retirar as entranhas.

“Filho da mãe esquelético,” Resmungou ele.

O cheiro das tripas de esquilo flutuava pelo compartimento na direção de Riley. Ela lembrava-se bem. Não era agradável, mas não era tão mau quanto o odor de um cadáver humano em decomposição.

“Estás muito longe do Arizona,” Disse ele. “O que é que estás a fazer aqui?”

Riley não respondeu. Mais uma vez sentiu os seus músculos contrair-se.

“Não me digas,” Disse ele a rir e tossir em simultâneo. “Não sabes o que fazer. Tens dúvidas se foste talhada para esse tipo de trabalho. Sim, eu também me senti assim de vez em quando no Vietname. Mas nunca fugi. Nem é hipótese desertar quando estás nos Marines. Talvez o Bureau seja um pouco mais indulgente. Mime-vos demais.”

Riley preparou-se emocionalmente. Era hora de abrir-se a um homem que não fazia nenhuma ideia do isso fosse.

“Muita coisa aconteceu desde a última vez que estive aqui,” Disse ela. “A April foi capturado pelo último assassino que eu apanhei. Ela quase morreu.”

“April?” Perguntou com um grunhido.

“A minha filha. Tua neta.”

Ele tossiu um pouco mais. “Oh sim. Como é que ela lidou com isso? Será que se transformou numa bola tremente de medo indefeso?”

Riley sentiu-se satisfeita pela resposta que ia dar.

“Não. Ela ajudou-me a matá-lo.”

O pai atirou o esquilo esfolado e estripado para uma pilha e começou a trabalhar noutra carcaça.

“Linda menina,” Disse. “Devias trazê-la cá um destes dias. Gostava de a conhecer.”

Nunca na vida, Pensou Riley.

O pai continuou a falar.

“Então agora sentes-te culpada. Achas que talvez estejas a fazer o trabalho errado. Queres ser uma boa mãe e criar uma boa menina. Merda. Sabes o que eu penso sobre tudo isso.”

“Há monstros a andar por aí, paizinho,” Disse Riley. “Eu levei-a para um mundo de monstros.”

Ele começou a rir, mas o riso degenerou num ataque de tosse.

“Que monte de merda. Achas que estás a enfrentar um monstro no Arizona? Um homem que mata prostitutas? Achas que estás a lidar com um monstro. Raios, tu nem estás a lidar com o mal. Tu estás a lidar com o que as pessoas chamam de normal. Este teu assassino - quando ele não está a matar, ele é um bom homem, um pilar da comunidade, um bom marido, um bom pai. O oposto de mim e o oposto de ti.”

Riley sabia, pelo perfil que ela mesma montara, que ele não estava completamente errado. Mas isso não respondia a nada.

“Se ele é tão bom, por que é que continua a matar mulheres?” Perguntou Riley.

O pai parou de cortar o esquilo. A pergunta parecia interessá-lo. Ele olhou Riley diretamente nos olhos.

“Por que é que tu continuas a matar homens?” Perguntou.

Riley sentiu que tinha sido mergulhada num lago gelado. Era uma boa pergunta. Era uma pergunta importante. Era exatamente a pergunta que ela esperava ali ver respondida.

“Tu és ums caçadora,” Disse o pai, ainda sustendo o seu olhar. “O que as pessoas chamam de normal – matava-te tentares viver essa vida por muito tempo. A verdade é que mata toda a gente, toda essa maldita normalidade. Não é natural, é contra a natureza humana. Enlouquece as pessoas de tédio. Faz com que matem sem motivo algum. Agora, tu e eu, nós temos as nossas razões para matar. Somos bons animais dessa maneira. Nós sabemos quem somos. Esses assassinos que caçam e matam - eles simplesmente não têm a perspetiva apropriada. Eles não se conhecem. Eles descontrolam-se.”

Ele continuou a olhar para ela.

“Lembra-me um ditado. ‘Num mundo louco, só os loucos são sãos.’ Não me lembro quem disse isto. Mas é verdade e isso é o que nós somos. Pessoas loucas num mundo louco cheio de pessoas que não têm razão para ser sãs. Somos os únicos que sabem o que realmente está a acontecer.”

Ele baixou os olhos, falando quase num sussurro.

“Tu vais regressar ao trabalho. Vais apanhar o próximo avião que conseguires. Eu sei que sim. Não tens escolha. Eu nunca te dei escolha. Eu criei-te como deve ser, para seres uma caçadora. Gostava de ter feito o mesmo com a tua irmã, mas já é tarde demais para emendar isso.”

Riley sentiu como se tivesse recebido um choque elétrico. Não conseguia lembrar-se da última vez que ele mencionara Wendy. Parecia estranho, porque Riley andava a pensar muito nela ultimamente.

“Talvez eu não a tenha tratado devidamente,” Disse ele.

“Tu batias-lhe,” Disse Riley.

O pai grunhiu e assentiu lentamente. “É o que eu quero dizer. Eu só lhe bati com as minhas mãos. Magoei-a fisicamente e foi tudo. Não a atingiu o suficiente. Eu sabia o que fazer. Eu nunca te bati. Eu marquei-te de forma muito mais profunda. E tu aprendeste. Aprendeste.”

Agora o pai tossia muito. Riley percebeu que ele estava muito doente. Mas não fazia sentido falar com ele sobre isso.

Quando a sua tosse abrandou, disse, “Eu convidava-te para um ensopado de esquilo. Mas não aceitavas ficar com um velho filho da mãe como eu. Estás pronta para desandar daqui.”

Ele estava absolutamente certo, mas Riley não o disse.

Em vez disso, declarou, “Eu não te odeio, paizinho.”

“Ou estás a mentir ou és demente,” Disse ele.

Riley ficou irritada com aquela reação.

“Que raio quer isso dizer?”

“Significa exatamente o que eu disse. Se não me odeias, não fiz o meu trabalho como deve ser.”

Ele tossiu um pouco mais. Parecia realmente muito doente. Riley queria ter pena dele. Mas não se ia permitir. Ele deixara-a furiosa.

Sarcasticamente, disse, “Bem, já que estamos no assunto do 'trabalho' que fizeste, talvez eu te deva agradecer. Aprendi muito com o teu exemplo. Eu aprendi tudo o que havia para aprender sobre como não ser pai.”

“Estúpida,” Disse ele. "Provavelmente estás a criar aquela tua filha para te amar. Ela crescerá fraca. E tu vais viver para te arrependeres.”

“O que é que sabes sobre arrependimento?” Estalou Riley.

“Não muito. E tenho orgulho disso. Devias era estar agradecida, sua rameira chorona.”

Riley já suportara o suficiente. Ela tolerou esse tipo de abuso durante toda a vida. Ela nunca tinha lutado. Tudo o que tinha feito fora afastar-se. E o tempo de se afastar chegara ao fim.

Ela estava à frente dele, demasiado perto para o gosto de qualquer um deles.

“Tens espelhos por aqui, paizinho? Aposto que não. Não ias gostar do que visses.”

“E o que é que seria?”

“Um cobarde. Um pequeno homem doente, assustado, que nunca teve a coragem de amar. Um homem que intimidava crianças pequenas em vez de homens do seu próprio tamanho.”

Os seus olhos reviraram-se de fúria. Ergueu a mão aberta e balançou-a na direção do rosto de Riley. Ela habilmente desviou o golpe com o pulso.

“Vá, tenta bater-me,” Disse ela em tom de desafio. “Já não podes. Sou mais forte do que tu agora, paizinho. Não me podes voltar a tocar.”

Com um rugido de raiva, ele levantou-se e tentou atingi-la no rosto. Riley estendeu a mão e pegou o seu punho com a mão dela. Ela deu um passo na direção dele.

“Tenta isso de novo e eu juro por Deus que te mato.”

Agora a sua boca curvava-se num sorriso malicioso. Riley sentiu-se trespassada por um frio indefenível. Ele estava a adorar aquilo. Ele vivia para o seu ódio. Era tudo o que tinha de seu.

Mas ela recusou-se a tornar-se como ele. Ela não iria desperdiçar o seu ódio nele.

Ela soltou o aperto no seu punho e empurrou-o. Olhou-o diretamente nos olhos.

E disse novamente, “Eu não te odeio, paizinho. Eu recuso-me a odiar-te, não importa o quanto queiras.”

Ele parecia ferido agora. Ele não parecia ferido quando o dissera anteriormente. O que mudara?

Desta vez ele acredita em mim, Pensou.

Afinal, era a coisa mais dolorosa que ela lhe poderia dizer. Ela tinha-lhe tirado o seu bem mais precioso no mundo.

Riley virou-se e afastou-se. Assim que ela abriu a porta para sair, ouviu-o gritar mais uma coisa.

“Nunca confies num homem cujos filhos não o odeiam.”

Era algo cínico, mesmo que dito pelo pai. Mas ela não responderia. Saiu e fechou a porta atrás de si. Não se deu ao trabalho de abrir o guarda-chuva. A chuva sabia bem. Ela limitou-se a ficar ali e deixar-se encharcar por ela.

A visita fora azeda, exatamente como ela esperava. Ainda assim, tinha servido o seu propósito. Lembrou-se do que Mike Nevins lhe dissera.

“Não me parece que consigas ultrapassar isto sem algum tipo de catarse emocional.”

O pai tinha-lhe proporcionado essa catarse. E agora até tinha chuva para completar a limpeza.

Sem dúvida, o pai estava doente. Mas se ele não procurava ajuda ou sequer admitia que estava doente, não havia nada que Riley ou qualquer outra pessoa pudesse fazer. Ela não tinha que vê-lo nunca mais. E com certeza que não planeava fazê-lo.

Agora sentia-se ela própria. E pela primeira vez desde que começara a trabalhar naquele caso, sentiu a presença palpável do assassino. E ele não era nem um pouco como ela.

Ele teve uma vida bem-sucedida, Percebeu.

Ao contrário dela, o assassino tinha feito tudo o era suposto fazer e ele nunca sentira qualquer problema quanto a isso. No que lhe dizia respeito, matar putas era apenas uma maneira de desabafar, como jogar golfe ou bridge. Não havia nada de errado naquilo. Não havia nada de errado com ele.

Riley compreendia tudo agora. Ele era um assassino, nada mais. Mas Riley era uma caçadora. Ela sabia o que estava a fazer na vida, ele não. Ele era a sua presa desavisada. E ela ia apanhá-lo.

Entrou no carro e começou a conduzir. Enquanto conduzia pela montanha inundada de chuva, lembrou-se de algo mais que Mike Nevins lhe dissera...

“Não há sempre uma única coisa certa a fazer.”

Ela sorriu. Agora estava em paz.


CAPÍTULO TRINTA E UM

 

Quando o cliente lhe abriu a porta do motel, Socorro perguntou-se por que é se sentia nervosa com ele. T.R. tinha muita classe.

Mas talvez seja isso que é estranho, Pensou enquanto entrava no quarto. Que tipo de cliente elegante quereria uma prostituta de rua? Não seria ele mais do tipo de acompanhante ou call girl?

Quando ele solicitou os seus serviços, ela pensou que ele iria querer ir para o carro como alguns clientes. Em vez disso, ele tinha-a levado até Phoenix, dizendo que queria estar em paz e sossego. Ele trouxera-a para aquele motel próximo de uma pequena cidade e alugado um quarto nas traseiras do edifício. Do que ela vira, não havia nada atrás daquele lugar, a não ser o deserto.

Ela não estava completamente confortável com o cenário. Por um lado, não ia conseguir apanhar um autocarro como costumava fazer na cidade. Teria que esperar por ele para regressar à cidade.

Ela chegaria a casa mais tarde do que o normal. Mas a filha, Mari, tinha idade suficiente para cuidar dos dois irmãos mais novos. Mari poderia prepará-los para jantar, mas ela teria muito pouco tempo para trabalhar aquela noite. Socorro tinha planeado parar a caminho de casa e levar hambúrgueres para todos. E batatas fritas. E algo doce também, talvez batidos.

A maioria dos johns não parecia entender o facto de que ela era uma mãe. Claro, ela esforçava-se muito para não agir como uma. Nas ruas, ela era uma alegre chola latina. Os homens com quem ela ia nunca reconheceriam a mãe que era em casa.

Entretanto, o motel era bem decente e T.R. era muito simpático. Ele trouxera uma garrafa de whisky e serviu-o em dois copos. Entregou-lhe um deles.

“Água ou gelo?” Perguntou. “Ou alguma coisa para misturar?”

“Está bem assim,” Disse Socorro com um sorriso. Já era uma raridade um cliente sequer servir-lhe uma bebida. Não ia ser picuinhas. Experimentou beber um gole. Sabia a coisa cara.

“Tira a blusa,” Disse ele.

Socorro seguiu as suas ordens. Ela tirou a blusa e recostou-se na cama. Ela não tinha nada por baixo, mas não tinha nenhum problema em ficar meio nua ou completamente nua. Ela faria o que quer que os clientes quisessem no que dizia respeito à roupa e à maioria das suas fantasias também.

“Mais alguma coisa?” Perguntou ela.

“ Para já não.”

Então ela esperaria até que ele lhe dissesse para tirar a saia curta, collants e saltos altos. Ou talvez ele quisesse fazer isso por ela. Socorro disse a si mesma que estava apenas a sentir-se cautelosa porque ele era mais suave e mais lento do que os seus clientes habituais. Ele não estava com pressa, como tantos deles.

Ele sentou-se ao lado dela na cama e começou a acariciar o seu corpo. Passou os dedos pelos seus seios e depois pelas pernas, sentindo-a sob a saia.

Mas algo parecia estranho. Ele respirava de forma muito acelerada - mas não era o tipo de respiração que ela antecipasse com excitação.

Ele está a ter dificuldades em levantá-lo, Apercebeu-se.

Mas ela podia tratar disso. Às vezes os johns não se saíam bem, mas Socorro poderia geralmente fazê-los felizes de uma maneira ou de outra. Ela poderia ter que se esforçar um pouco, mas T.R. valia o esforço.

Afinal, ela estava assustada por nada. Essas histórias das notícias haviam-na deixado muito nervosa - todas essas coisas sobre um assassino em série a matar prostitutas. Não que tivesse havido muitos detalhes. Socorro imaginou que talvez fosse apenas um exagero durante uma semana de notícias aborrecidas. Mas estava a estragar a vida nas ruas. Havia mais polícias a patrulhar do que o habitual, assustando tanto clientes, quanto mulheres.

Mas Socorro não se podia dar ao luxo de sair das ruas. Ela precisava de dinheiro e precisava dele hoje. Ela tinha filhos para alimentar e uma renda para pagar. E apesar de nenhum dos regulares ter aparecido, tinha tido sorte com T.R.

Ela já o vira antes naquele carro grande e caro. Até tinha tentado falar com ele uma vez, mas ele tinha ido embora quando o seu estúpido proxeneta apareceu.

¡Pinche Pablo! Pensou.

De qualquer das formas, T.R. parecia-lhe bem. Ele não se estava a esquivar à lei nem nada que se parecesse.

Depois de alguns momentos de carinho ocioso, levantou-se da cama.

“Eu trouxe um presente para ti,” Disse ele.

Socorro ficou surpreendida. Quem comprava presentes para prostitutas de rua como ela?

Tirou uma pequena caixa do bolso e estendeu-lha.

Socorro derreteu-se quando a abriu. Dentro dela repousava um pequeno colar bonito.

“Isto é para mim?” Perguntou ela.

“Especialmente para ti,” Disse ele. “Eu escolhi-o a pensar em ti. O diamante é verdadeiro.”

Ela sorriu com prazer. Ela sabia que ele estava a mentir, é claro. Ele não a tinha especialmente em mente. Como era isso possível? Ele teria dado o colar a qualquer prostituta que tivesse ido com ele. Mas não estava aborrecida.

“Eu não sei o que dizer,” Disse ela.

Ele sorriu para ela. “Que tal muchísimas gracias?”

Ela riu. “Muchísimas gracias!”

Ele olhou em redor da sala. “Coloca-o,” Disse ele. “Tenho alguns brinquedos no carro. Eu volto já.”

Assim que saiu pela porta, Socorro levantou-se e colocou o colar, examinando-o no espelho. Era uma fina corrente de prata com uma pedra simples e bonita. Ela pensou que parecia bastante glamorosa, nua até à cintura, exceto pelo colar.

Ela suspirou. Merecia aquilo e muito mais. Muitas vezes pensava que deveria tentar um outro tipo de trabalho, como um serviço de acompanhante. E assim poderia fugir do pinche Pablo. Trabalhar com uma Madame em vez de um proxeneta seria uma mudança bem-vinda.

Entretanto, ela não ia ficar toda sentimental com este presente caro. Ela não era nada para T.R., e ele não era nada para ela. Ela venderia o colar assim que tivesse uma oportunidade. Ela podia comprar comida, talvez até tirar uma semana de folga.

Ou talvez não, Pensou.

Se ia subir na vida, não o deveria guardar? Uma call girl ou uma acompanhante precisavam das suas joias. Talvez fosse um começo nessa direção.

Mas quando olhou para si mesma ao espelho, algo vago começou a incomodá-la. Tinha algo a ver com um colar e nudez...

Então lembrou-se. Tinha passado na TV - um colar muito parecido com este. Uma mulher morta fora encontrada em algum lago fora da cidade, nua e usando apenas um colar.

A mulher tinha sido uma das vítimas do assassino.

Socorro deixou-se dominar pelo pânico. Ela não poderia encontrar o mesmo destino. Ela tinha uma vida para viver. Ela tinha filhos para alimentar e cuidar. O que seria deles se ela nunca mais voltasse para casa?

Mas talvez ela estivesse errada. Talvez ela estivesse assustada sem motivo. Talvez tudo estivesse bem.

Ela abriu a porta da frente lentamente, só um pouco, esperando que ele não percebesse. Estava escuro lá fora e a luz da porta estava desligada. O estacionamento não estava bem iluminado. Mesmo assim, ela podia vê-lo pela luz da mala do carro, a não mais de quinze metros de distância. As suas costas estavam voltadas para ela e ele estava à procura de alguma coisa. Numa das mãos, segurava uma corda.

O seu coração batia descompassadamente agora. Deveria gritar? Alguém a ouviria? Ninguém mais estava à vista. Não havia sequer muitos carros estacionados ali. O motel parecia não ter muitos hóspedes.

Só havia uma coisa a fazer. Livrou-se dos sapatos de saltos altos, abriu a porta e desatou a correr. Ela ouviu o homem a praguejar quando passou a correr por ele.

Socorro não sabia para onde correr, então foi para onde os seus pés a levavam. Em alguns momentos, o pavimento do estacionamento deu lugar ao cascalho e depois à terra rochosa. A escuridão fechava-se por todos os lados enquanto ela continuava a correr sem pensar. Os pés doíam-lhe bastante da areia áspera e pedregosa e ervas daninhas do deserto. As pernas e tronco nu foram chicoteados por plantas ásperas. Mas os pés continuavam a transportá-la sem parar.

Não fazia ideia da distância que percorrera. Estava em choque com a dor e o medo. Quanto tempo tinha passado desde que ela fugira daquele quarto de motel? Apenas alguns minutos? Uma hora?

Ela sentiu que o coração iria explodir e que pulmões estourariam. Tropeçou até parar e caiu de joelhos, momentaneamente ensurdecida pela sua própria respiração ofegante e pelo bater do seu coração.

Mas quando a sua respiração desacelerou, ela ouviu outro som. Era trânsito distante. Ela olhou à sua volta e viu faróis movendo-se a uma certa distância.

¡Tonta! Pensou.

No seu pânico, tinha corrido em direção ao deserto em vez de em direção à autoestrada. Voltou-se. As luzes do motel estavam muito atrás dela. Ela não viu ninguém entre ela e o motel. Não a tinha seguido?

Estava magoada e já não conseguiu dar nem mais um passo. Estava frio agora e ela estava quase nua, e tremia tanto do frio quanto do medo.

Mas tinha de se manter em movimento. Ela coxeou dolorosamente em direção à autoestrada.

Quando se aproximou da estrada, um carro que se aproximava abrandou. Era um carro grande e luxuoso - o carro de T.R., ela tinha a certeza. O carro parou ao lado dela.

A porta do passageiro abriu-se. Ela viu T.R. no lado do condutor.

“O que é que se passa contigo?” Gritou. Ele estava a segurar na sua blusa. “Esqueceste-te disto. Entra, veste-te. Vou levar-te casa.”

Mas ela não entraria naquele carro por nada deste mundo.Correu na direção da autoestrada. Grandes faróis aproximavam-se dela. Parecia um camião. Ela esperava que fosse um camião.

Socorro correu em direção às luzes, agitando os braços. Pela primeira vez desde que começara a correr, gritou.


CAPÍTULO TRINTA E DOIS

 

Às sete da manhã, Riley entrou no gabinete do Agente Especial Responsável Elgin Morley. Bill já estava lá e Morley estava sentado na sua secretária.

Bill sorriu para ela. Morley franziu o cenho.

Bem, o sentimento é mútuo, Pensou Riley, sentando-se.

Toda aquela situação parecia um sonho. A sua vida tinha mudado desde que visitara o pai no dia anterior. Assim que voltou para casa, ligou a Brent Meredith para lhe dizer que queria voltar ao trabalho. Ele havia dito que falaria com Morley e que lhe ligaria no dia seguinte.

Em vez disso, ela tinha sido despertada por um telefonema às 3:00 dessa manhã. Era Morley. Ele disse bruscamente que ela era precisa em Phoenix imediatamente. Um carro da UAC tinha-a levado para casa e levou-a para Quantico, onde um avião do FBI esperava para levá-la de regresso a Phoenix.

E agora estava ali, sentindo-se exausta e desorientada. Ao mesmo tempo, estava feliz por estar de volta no trabalho. E estava grata por Gabriela e April terem tudo sob controlo em casa. Elas tinham compreendido que ela precisava de voltar ao trabalho.

O olhar de Morley não era nada amigável. Riley lembrou-se que ele tinha tido razões profissionais perfeitamente sólidas para tirá-la do caso. Ainda assim, não podia deixar de ficar chateada com isso.

Sem uma palavra de saudação, Morley começou logo com as explicações.

“Tivemos um novo desenvolvimento. Talvez até uma revelação no caso. O Bill já conhece os detalhes, mas também a vou informar, Agente Paige.”

Olhou para o que tinha apontado.

“Na noite passada, um casal de camionistas apanhou uma mulher perto da cidade de Luning. Ela estava meio nua, ferida e histérica. Eles não sabiam o que se passava com ela, exceto que parecia estar a fugir de alguém. Eles levaram-na à polícia de Luning e aí perceberam que ela estava a usar um colar caro. Isso levou-os a pensar que poderia ter algo a ver com o nosso caso. Então trouxeram-na para aqui, juntamente com o casal de camionistas.

“Eles ainda estão cá?” Perguntou Riley. “Quero dizer, o casal e a mulher?”

“Estão todos aqui,” Disse Morley. “O casal, Hannah e Troy Coddington, estão na sala de interrogatório agora. Identificámos a mulher como Socorro Barrera. Ela está na clínica, ainda em estado de choque e sem dizer coisa com coisa.”

Riley refletiu sobre a situação. Queria falar com a mulher. Mas seria isso possível? Talvez, mas ela precisava de mais informações primeiro.

“O Bill e eu vamos conversar com o casal,” Disse ela.

“Vamos, lá então,” Disse Morley.

Os três saíram do gabinete e foram para a sala de interrogatório. Riley e Bill entraram na sala e Morley entrou no compartimentoo adjacente. Riley sabia que ele estaria a assistir e a ouvir tudo. Por ela, tudo bem.

Hannah e Troy Coddington estavam sentados à mesa. Eram robustos e pesados. Riley não sabia ao certo qual deles estava mais tatuado.

Quando Bill e Riley se apresentaram, Riley notou que os Coddington pareciam preocupados.

“Devemos entrar em contacto com um advogado?” Perguntou Troy.

Hannah acrescentou, “Nós não temos um advogado, mas talvez nos possam recomendar um.”

Riley ficou um pouco surpreendida com a pergunta.

“Porquê?” Perguntou.

Hannah disse, “Bem, eu e o Troy sabemos que não parece bem apanhar uma mulher meio nua na estrada, e provavelmente uma prostituta. Mas nós não somos traficantes, nós juramos por Deus. Nós odiamos esses filhos da mãe. A sério. Estávamos apenas a tentar ajudar essa pobre mulher.”

Riley e Bill sorriram um para o outro.

“Nós entendemos,” Disse Bill. “Não vos estamos a reter como suspeitos. Aliás, não vos estamos a reter. Mas gostaríamos de obter toda a ajuda que nos possam dar.”

“Poderiam dizer-nos exatamente o que aconteceu?” Perguntou Riley.

Hannah começou, “Bem, já era quase meia-noite. Tínhamos deixado um carregamento em Luning e planeávamos ficar num motel naquela noite.”

“O Nopal Inn,” Disse Troy. “Perto do Luning.”

Hannah prosseguiu. “O Troy estava a conduzir e de repente vimo-la na estrada à nossa frente. Primeiro ela parecia um fantasma ao brilho dos faróis, mas não era um fantasma. Estava nua da cintura para cima e não tinha sapatos calçados. Gritei para que o Troy parasse.”

Troy estremeceu com a memória.

“Assustou-me de morte,” Disse ele. “Eu travei e desviei-me, poderia ter-nos morto a todos. É um milagre nada ter acontecido.”

Hannah também estremeceu e abanou a cabeça. Ela disse, “Ela veio a correr para o meu lado do camião, a gritar em mexicano. Não conseguíamos entender muito, exceto que alguém estava atrás dela e queria que a salvássemos.”

“Não parámos para fazer muitas perguntas,” Disse Troy. “Hannah levou-a para dentro do camião, e saímos dali.”

Hannah disse, “Eu levei-a para a parte de trás da cabina, temos um colchão lá. Coitada, estava toda ferida e as poucas roupas que vestia estavam todas rasgadas. Envolvi-a num cobertor. Ela tremia e os dentes rangiam. Entrou em estado de choque naquele momento - e estou a falar de choque profundo. Nunca mais disse uma palavra.”

“Nós levámo-la diretamnete para a polícia e eles trouxeram-nos para aqui,” Concluiu Troy.

Riley tentou visualizar a cena. Faltavam muitos detalhes. De onde é que a mulher surgira a correr? Tinha saltado de um veículo em movimento? Esperava que Socorro recuperasse o suficiente para contar mais pormenores.

“Viu algum veículo estacionado perto?” Perguntou Bill.

“Havia um carro grande estacionado na berma,” Disse Troy. “Penso que preto. Mas não tenho a certeza. Deviamos ter apontado o número da matrícula, mas aconteceu tudo tão rapidamente. E o carro acabou por arrancar.”

“Tudo bem,” Disse Riley. “Vocês fizeram tudo o que podiam. Na verdade, tenho a certeza que salvaram a vida dessa pobre mulher. Quando ela ficar melhor, tenho a certeza que vos vai querer agradecer pessoalmente.”

Bill virou-se para Riley. Com um olhar, ele perguntava silenciosamente se tinham mais perguntas. Ela negou com a cabeça.

“Podem ir, Sr. e Sra. Coddington. Bill empurrou um bloco de papel e um lápis sobre a mesa “Mas antes de irem, por favor deixem-nos os vossos contactos. E liguem-nos se se lembrarem de mais detalhes. O que quer que seja.”

Após a troca de informações, Bill e Riley escoltaram o casal para fora da sala de interrogatório. Enquanto Troy e Hannah caminhavam pelo corredor, Morley saiu da sala ao lado.

“Eu não disse para os deixarem ir,” Resmungou.

“Eles disseram-nos tudo o que sabem,” Prostestou Riley. “Vamos para a clínica. Quero falar com a mulher.”

“Ela não está em condições de falar,” Advertiu Morley.

“Deixe-me ser eu a julgar isso,” Ripostou Riley.

Enquanto caminhavam para a clínica, Riley percebeu que seria melhor abrandar a sua hostilidade em relação a Morley. Estava cansada e ainda a sofrer os efeitos do jet lag, e estava a deixar que o seu mau humor lhe levasse a melhor. Ele ainda podia tirá-la do caso por insubordinação. E depois da sua anterior suspensão, isso poderia ser um problema real para ela.

Tenta ser diplomática, Disse para si mesma.

Um único médico do sexo masculino estava de plantão na clínica. Socorro Barrera, vestida com uma bata de hospital, estava sentada numa cama. Ela estava a segurar uma corrente de prata, passando-a pelos dedos, a abanar a cabeça monotonamente e murmurando algumas palavras em espanhol.

“Está assim há horas,” Disse o médico. "Estava um pouco mais coerente quando chegou. Estava sempre a perguntar pelas hijas - os filhos. Ela deu-nos uma morada. Enviámos uma assistente social para cuidar dos filhos dela. Estão lá agora. As crianças estão bem. Mas ela tem estado assim desde então.”

A mulher continuava a murmurar e a percorrer a corrente com os dedos.

“Aquele colar é uma prova,” Disse o médico. “Tentámos levá-lo, mas ela não o larga.”

Riley debruçou-se sobre ela. Agora entendia o que estava a dizer...

“Dios te salve, María. Llena eres de gracia: El Señor es contigo ...”

Riley entendeu imediatamente. No seu estado de choque, Socorro convencera-se de que o colar era um rosário. Ela estava a repetir Avé Marias em espanhol.

Raios, o médico já devia ter percebido isso, Pensou.

E agora aqui estava a pobre mulher, cercada de homens, com exceção de Riley.

Riley queria gritar com os outros para sairem da sala. Mas lembrou-se de que deveria manter a calma.

“Gostaria de ficar alguns minutos a sós com ela, por favor,” Pediu Riley.

Os homens saíram da sala, deixando Riley e Socorro Barrera sozinhas.

“Socorro,” Disse Riley com voz suave.

Mas a mulher continuou a percorrer o rosário.

“Santa María, Madre de Dios, ruega por nosotros pecadores ...”

Riley olhou para ela de perto. No seu rosto ainda se detetavam os restos de uma maquilhagem pesada e colorida – um look latino exuberante. Mas a maquilhagem era agora uma trapalhada de lágrimas e suor e porcaria. Socorro estava toda ligada e ferida em muitos outros lugares.

Alguém lhe bateu? Perguntou-se Riley.

Não, não pareciam feridas desse tipo. Não provinham de um punho ou de uma faca. Tinha-os feito a correr, provavelmente por algum terreno difícil. Os camionistas disseram que estavam perto de uma cidade chamada Luning. A cidade devia estar situada no deserto. Os pés da mulher estavam debaixo dos lençóis. Riley supôs que deviam estar especialmente mal tratados.

“Socorro, me llamo Riley. Sei que lhe aconteceu algo terrível. Estou aqui para a ajudar.”

A mulher continuava a murmurar a sua oração e a tocar na corrente.

Riley tocou nos dedos de Socorro. Socorro parou de os mexer e olhou Riley nos olhos. Riley estremeceu. Em todos os seus anos como agente, raramente tinha visto um olhar tão assustado.

“¿Hablas inglés?” Perguntou Riley. Duvidava que o seu espanhol fosse suficientemente bom para realizar uma conversa tão delicada.

Para alívio de Riley, Socorro assentiu.

Riley também tocou na corrente.

“Isto é bonito,” Disse Riley. “Onde é que o arranjou?”

Todo o tempo que Socorro tinha estado a tocar na corrente, não a olhara. Agora sim. Os seus olhos encheram-se de terror. Atrapalhou-se com a corrente, tirando-a e empurrando-a para as mãos de Riley.

“Tómalo,” Dissera. “Leve-o, por favor. Não o quero.”

Riley segurou na corrente para ela a ver.

“Mas é bonito,” Disse Riley. "Onde é que o arranjou?"

Socorro encolheu-se, afastando-se de Riley, tremendo violentamente.

“Ele deu-me,” Disse Socorro.

“Quem é que lhe deu, Socorro?”

Socorro quebrara o contato visual agora e os seus olhos começaram a anuviar-se novamente. Ela estava prestes a voltar ao seu estado de choque. Riley apertou a sua mão suavemente.

“Quero ajudar,” Disse Riley. “Mas tem que falar comigo.”

O toque de Riley e o seu tom amável trouxeram Socorro de volta. Ela olhou para Riley novamente com os olhos de um animal assustado.

“Eu estava a caminhar,” Começou ela, com a mesma voz entorpecida que tinha quando murmurava a oração. “Pela Avenida Conover.”

“Onde vocês trabalham,” Disse Riley.

Socorro assentiu com a cabeça. “Sim, mas eu...”

A sua voz apagou-se. Riley deu-lhe uma palmadinha amigável na mão.

“Está tudo bem, Socorro. Eu não estou aqui para a julgar. Ninguém a vai prender. Estamos todos do seu lado. Tudo o que quero fazer é ajudar.”

Socorro apertou os olhos, tentando lembrar-se.

“Ele tinha um carro bonito e parecia que tinha dinheiro,” Disse ela. “O carro estava estacionado e eu fui ter com ele. Eu disse que gostaria de ir com ele. Disse que podíamos tratar de negócios ali mesmo no carro. Mas ele queria ir para outro lugar. Ele conduziu para fora da cidade. Para um pequeno motel.”

Riley lembrou-se do motel que os Coddington tinham mencionado.

“O Nopal Inn?” Perguntou.

Socorro assentiu com a cabeça.

“Fomos para o quarto,” Disse ela.

“Teve relações sexuais lá?” Perguntou Riley.

Socorro sacudiu a cabeça. “Não. Eu estava pronta. Mas acho que ele não conseguia.”

Riley suspeitava que o assassino tinha problemas em consumar o ato sexual. Mais uma vez segurou o colar para Socorro o ver.

“E ele deu-lhe isto,” Disse ela. “Estava numa caixa?”

“Penso que sim.”

“Tinha o nome de uma loja na caixa?”

Ao tentar recordar-se, um esgar de dor trespassou o rosto de Socorro.

“Não me lembro. Mas então ele foi para o carro e eu fiquei preocupada, porque eu sabia que outra mulher fora assassinada usando um colar. Olhei e ele estava a tirar uma corda do carro.”

“E então fugiu,” Disse Riley.

"Sí."

O resto da história era muito fácil de perceber. A suposição anterior de Riley estava correta. Ela tinha obtido as feridas durante a fuga, a correr entre a vegetação áspera e no chão rochoso. Tinha tido muita sorte.

“Como é que ele era?” Perguntou Riley.

Socorro ficou a olhar para ela como se não não tivesse compreendido a pergunta.

“Era alto, baixo, de altura mediana?” Insistiu Riley.

Socorro parecia ainda mais confusa.

“Consegue lembrar-se de algo específico do seu rosto?” Perguntou Riley. “A cor do cabelo, talvez?”

Lágrimas formaram-se nos olhos de Socorro. A tremer horrivelmente, ela meneou a cabeça.

Riley suspirou. Ela sabia muito bem o que estava a acontecer. Já tinha visto aquilo suceder com testemunhas anteriormente. A pobre mulher estava a reprimir todas as lembranças da aparência do homem. Era simplesmente demasiado doloroso recordar-se. Teriam que a ajudar a recuperar essa imagem, mas ela poderia nunca se permitir lembrar.

Mais uma vez, Riley voltou ao seu próprio cativeiro com Peterson e em como lutara com essas memórias.

Riley não podia culpar Socorro por esse bloqueio. Tentar forçá-la a lembrar só causaria dor e não produziria resultados.

“Desculpe,” Disse Socorro. “Não me lembro.”

Riley acariciou-lhe a mão.

“Não há problema,” Disse Riley. “Eu compreendo.”

Lágrimas começaram a correr pelo rosto da mulher. Ela começou a soluçar.

“Eu pensei que ele era bom. Parecia simpático, elegante. Eu pensei que o T.R. fosse bom.”

As iniciais atingiram Riley como uma bala.

“T.R.?” Perguntou. “O seu nome era T.R.?”

“Sí, era como ele se chamava.”

Riley lembrou-se do que Ruthie tinha dito sobre o homem no Iguana Lounge...

"T.R., é como se intitula."

T.R. era o nome do homem que tinha assustado as mulheres na paragem de camiões de Desert King. Em algum recesso da sua mente, Riley esperara que o suspeito que ela e Bill não tinham conseguido apanhar naquela noite não fosse o verdadeiro assassino. Mas agora não poderia haver nenhuma dúvida.

Se ao menos o tivéssemos apanhado, Pensou Riley. Se ao menos não o tivéssemos deixado fugir.

E agora, depois do seu ataque frustrado a Socorro, Riley sabia exatamente o que esperar.

Ele iria atacar de novo brevemente - se não o tivesse feito já.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS

 

Era de manhã e o homem conduzia pela Avenida Conover. Não viu nenhuma das habituais prostitutas - nem esperava, não àquela hora. A verdade era que ele não sabia o que esperar ou sequer o que pretendia fazer.

Estava exausto. E odiava admiti-lo até para si mesmo, mas estava com medo.

O que sucedera com Socorro na noite passada tinha sido um desastre. Pela primeira vez, uma mulher que elegera como alvo escapara das suas garras. E onde é que ela estava agora?

Depois de ter parado ao lado dela, ela tinha corrido para a estrada e parecia prestes a ser atropelado por um camião. Ele afastou-se rapidamente, mas depois saiu da estrada e parou para ver o que tinha acontecido. Observou uma mulher a ajudar Socorro no camião.

Por que é que a puta não fora morta? Pensou.

Ele tentou seguir o camião, mas rapidamente se separou dele no trânsito. Então, para onde teria ido ela a seguir? Os camionistas levaram-na para a polícia? Teria dito à polícia que um homem tinha tentado matá-la?

Não, não acreditava nisso. Uma prostituta, a pedir ajuda à polícia? Não lhe parecia.

Mesmo assim, não tinha a certeza se estava a pensar de forma racional. Mal tinha dormido na noite passada, apesar de ter tomado um forte sedativo. Não parava de acordar inquieto.

E agora ele estava... À espera de fazer o quê? Será que ele pensava realmente que iria encontrar Socorro aqui esta manhã? Não, mas talvez pudesse obter alguma pista sobre onde encontrá-la. E ele realmente precisava de a encontrar antes que ela falasse. Se não tivesse falado já. Ele tinha que terminar o trabalho que não executara na noite anterior.

Irritou-o e aborreceu-o que matá-la já não fosse um prazer. Nunca antes tinha matado por necessidade. Se ao menos aquelas que ele selecionara não tivessem ido aparecido nas notícias. Se ao menos tivesse sido capaz de as manter como o seu segredo pessoal.

Maldita publicidade, Pensou.

Era a última coisa que ele queria, mas agora tinha que lidar com isso.

Viu uma mulher a caminhar na sua direção - uma prostituta, não havia como confundi-la com qualquer outra coisa.

Ele baixou a janela e chamou-a.

“Ei, será que me podes ajudar.”

A mulher virou-se e sorriu, caminhando na direção do carro.

“Tudo o que quiser, amigo,” Disse ela.

Quando ela se aproximou, ele pensou que reconhecia o seu rosto. Onde a teria visto antes. Ele pensou que poderia ter sido numa dessas paragens de camiões, talvez. No Hank’s Derby. No Desert King.

Ela pareceu reconhecê-lo também e o seu sorriso eclipsou-se.

“Estou à procura de uma mulher chamada Socorro,” Disse ele. “Poderias ajudar-me a encontrá-la?”

A prostituta não respondeu. Virou-se e afastou-se dele.

“Devo-lhe dinheiro,” Gritou. “Eu não tinha o suficiente comigo ontem à noite e não a quero prejudicar. Ela proporcionou-me grandes momentos.”

A mulher parecia não estar a ouvi-lo. Ela tinha agarrado no telemóvel e parecia estar a fazer uma chamada.

Determinada a ignorar-me, Pensou. O que é que se passa com esta puta estúpida?

Mas foi então que se assustou com um forte toque na janela do passageiro. Uma rapariga que ele nunca tinha visto antes batia no vidro.

Baixou a janela.

“Que tal dar-me uma boleia?” Disse a rapariga.

Ela era uma loira magra e tinha uma mochila. Ele sorriu para ela. Ele ficou satisfeito por ela se ter aproximado dele. Fora a primeira coisa que correra bem naquele dia.

“Conheces a Socorro?” Perguntou.

A mulher encolheu os ombros e sorriu.

"Claro. Conhecemo-nos há muito tempo, a Socorro e eu.”

“Então entra,” Disse o homem. Ele destrancou a porta do passageiro e a mulher entrou.

"Então fala-me da Socorro," Começou ele.

“Ei, dê-me uma boleia primeiro,” Disse a mulher. “Para qualquer lado. Para a saída da cidade, talvez. Qualquer lugar.”

O homem perguntou-se se ela realmente conhecia a Socorro. Mas talvez não importasse. Ela era obviamente uma prostituta ou não andaria sozinha naquele bairro. Ela serviria bem os seus propósitos.

Sim, ela era exatamente o que ele precisava agora. Ela libertaria os seus pensamentos de Socorro. Ele ia-se divertir com ela. E ela era tão encantadoramente confiante. Não fazia ideia nenhuma do que aí vinha.

Quando ele começou a conduzir, ouviu alguém a gritar atrás dele. Não conseguia entender as palavras. Então olhou pelo espelho retrovisor e viu a outra prostituta mais velha a perseguir o seu carro, agitando um braço e gritando.

Puta maluca, Pensou.

Ela tinha-o ignorado deliberadamente e agora agia como uma louca por se estar a ir embora com outra.

Para o raio que a parta, Pensou.

Tinha desperdiçado a sua oportunidade. E não fazia ideia da sorte que tinha.


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO

 

Riley ainda estava na clínica do FBI quando um assistente a informou de que estava a ser chamada à sala de reuniões. Morley queria falar com ela e Bill.

Acabar connosco, Pensou Riley com pavor.

Entretanto, ela não estava nada satisfeita com a forma como Socorro tinha sido tratada até àquele momento.

Disse ao médico, “Chame a assistente social que está com os filhos de Socorro em casa. Tragam as crianças até aqui. Elas precisam da mãe e ela precisa delas. Quando Socorro estiver melhor, levem-nos a todos para um abrigo onde estarão seguros.”

O médico sorriu de forma condescendente para Riley.

“Sim, senhora,” Disse ele.

Meu Deus, Pensou Riley. A última coisa de que a Socorro precisa agora é deste porco patriarcal.

“E arranje uma enfermeira para cuidar de Socorro,” Acrescentou ela. “Arranje duas enfermeiras. E quanto a si... Limite-se ao essencial.”

O médico repetiu, “Sim, senhora.”

O sangue de Riley ferveu. Mas agora não havia tempo para perder a paciência. Foi diretamente para a sala de reuniões onde Morley e Bill já estavam à sua espera.

“Obteve informações da mulher na clínica?” Perguntou Morley.

“O homem do Desert King era o nosso homem com toda a certeza,” Disse Riley. “Chama-se T.R.”

“E vocês dois deixaram-no fugir,” Atirou Morley, a fitar Riley.

Riley engoliu em seco.

Bill disse, “Sim, senhor. Deixámo-lo fugir. Não vai acontecer novamente.”

“Ela disse mais alguma coisa?” Perguntou Morley a Riley.

Riley abanou a cabeça.

“Ela está a reprimir os detalhes. Não me conseguiu dar uma descrição física.”

Morley tamborilou os dedos na mesa.

“Talvez devêssemos tê-la hipnotizada,” Disse ele.

Riley respirou devagar. A ideia não lhe agradava. Mas dada a disposição atual de Morley, teve que declarar as suas objeções de forma diplomática.

“Com o devido respeito, quantas vezes é que a hipnose funcionou para si no passado? Pela minha experiência, tudo o que provoca é fazer uma testemunha confabular. É como qualquer tipo de memória recuperada - muito pouco fiável. Enfim, agora não é o momento. Tudo o que faríamos era agravar o trauma sem obter informações.”

Morley assentiu com relutância.

“Então não temos nada,” Disse ele.

Nem Bill, nem Riley responderam. O telefone de Riley tocou. Ela viu que o telefonema era de Ruthie Lapham, a mulher que geria o Iguana Lounge na paragem de Desert King.

“É melhor atender esta chamada,” Disse Riley a Morley e Bill.

Ela retirou-se para o outro lado da sala para conversar com Ruthie.

“Ruthie, o que é que se passa?”

Ruthie parecia ofegante e perturbada.

“Agente Paige, ele apanhou uma mulher. O T.R. apanhou outra mulher.”

“O quê?” Perguntou Riley. “Quem? Como é que sabe?”

Ruthie não disse nada durante alguns segundos. Parecia estar a tentar recompor-se.

“Talvez se lembre da Jewel,” Começou Ruthie. “A mulher que a abordou no meu bar.”

Um sabor amargo inundou a boca de Riley. Ela lembrava-se bem de como Jewel tinha bloqueado o seu caminho exatamente quando o suspeito estava à vista. Flanqueada por outras duas mulheres, Jewel estragara tudo.

“Sim, lembro-me da Jewel,” Disse Riley.

“Bem, a Jewel estava a trabalhar na Avenida Conover. Não é normal saírem de manhã, mas a Jewel precisava de dinheiro e as mulheres em Conover podem ser mais territoriais à noite, então o melhor era ir para lá de manhã e..."

“Por favor, vá ao cerne da questão, Ruthie,” Pediu Riley.

Ouviu Ruthie respirar fundo.

“A Jewel viu uma rapariga na rua com não mais que quatorze anos, com uma mochila, provavelmente uma fugitiva à procura de boleia. Jewel disse à miúda que ela estava num bairro mau, tentou convencê-la a ir para casa, mas ela não queria. Jewel não conseguiu saber o nome dela. Passados poucos momentos, o T.R. surge num carro grande e grita a Jewel algo sobre uma mulher chamada Socorro.”

Os nomes despertaram a atenção de Riley.

Ruthie continuou, “Bem, eu tinha dito às mulheres daqui que T.R. era perigoso e que me ligassem se o vissem. Então a Jewel telefonou-me imediatamente. Mas enquanto ela e eu estávamos a conversar, ela viu aquela pobre miúda entrar no carro de T.R. A Jewel ainda correu atrás deles a gritar, mas T.R. afastou-se e não parou.”

O coração de Riley batia com mais rapidez agora.

“A Jewel conseguiu tirar um número de matrícula?” Perguntou Riley.

Ruthie soltou um suspiro irritado.

“Bem, não, não tirou. Já deve ter reparado que a Jewel não é lá muito inteligente, mesmo para prostituta, o que é dizer muito. Perguntei-lhe e ela disse-me que nem sequer tinha pensado nisso. Mas disse que era um carro grande - um Buick ou um Cadillac ou um BMW, algo desse género.”

Riley pensou rapidamente no que fazer a seguir.

“Pode entrar em contacto com a Jewel?” Perguntou.

“Claro, posso ligar-lhe agora mesmo.”

Riley estava prestes a sugerir que Ruthie dissesse a Jewel para ir à polícia. Mas é claro, uma prostituta não ia fazer isso.

Finalmente, Riley disse, “Diga à Jewel que vá ao seu bar imediatamente. Acha que ela irá? “

“Claro, se eu lhe pedir,” Disse Ruthie.

“Ótimo. Mantenha-a lá até que eu possa enviar um agente para falar com ela. Pode ser que ela se lembre de algo mais.”

“Vou já tratar disso,” Disse Ruthie.

Riley terminou o telefonema e foi logo ter com Bill e Morley.

“O suspeito foi visto. Uma prostituta viu-o a circular na Avenida Conover. Ele levou com ele uma rapariga com uma mochila - provavelmente apenas uma fugitiva adolescente, não uma prostituta de rua.”

Morley estranhou a situação.

“Isso não não parece o seu MO,” Disse ele.

Riley não o disse, mas não podia discordar. O rapto não era o estilo deste homem, nem levar uma mulher que não fosse prostituta. Ela nunca teria previsto que ele arrebatasse uma fugitiva adolescente.

Mas Bill disse, “Não me surpreende. Ele está a ficar descuidado e deixou que as coisas se descontrolassem a noite passada. É bem provável que comece a fazer as coisas de forma diferente. E também é provável que comece a cometer mais erros.”

Aquilo fazia todo o sentido para Riley.

“Bem, neste momento tem com ele uma rapariga,” Disse Riley, “por isso não temos tempo a perder. O nome da prostituta é Jewel. Ela vai estar no Iguana Lounge no Desert King. Tenho de ir lá falar com ela.”

Morley disse, “Podemos enviar um agente para obter o seu depoimento.”

“Tenho que falar com ela pessoalmente. Deve ser comunicado um alerta em relação ao carro.”

“A quê?” Zombou Morley. “Buick? Cadillac? BMW?”

“Não sei. A um carro escuro que tivesse circulado na Avenida Conover.”

“Isso é muito vago para ser útil.”

“Algo útil surgirá,” Disse Riley.

Uma batida na porta da sala de reuniões interrompeu a discussão.

“Entre,” Disse Morley.

Uma extravagante cabeça espreitou pela porta. Era Igraine. Parecia ansiosa e animada.

“Tenho a impressão de que talvez os deuses da tecnologia nos estejam a sorrir,” Disse ela, entrando na sala.

“O que é que tens, Igraine?” Perguntou Morley.

“Bem, Agente Paige, disse que era provável que o nosso assassino fosse seropositivo. E eu disse que não seria fácil encontrá-lo entre dez mil pacientes locais. Mas também mencionou que ele pode estar a tomar medicação ilicitamente. Na verdade, isso parece-me muito provável, não lhe parece também a si?”

Riley pensou por um momento. Afinal o perfil que haviam delineado era o de um homem bem-sucedido e educado. Tal homem poderia fazer toda a questão em manter o seu estado em segredo.

“Faz sentido para mim,” Disse Riley.

Igraine disse, “Fiz algumas pesquisas e deparei-me com um polícia que investigava roubos de medicamentos dos hospitais. Alguns deles são medicamentos contra o IVH. O polícia disse-me que deveríamos entrar em contacto com um certo Dr. Gordon Poole. Ele ofereceu-se para ajudar a polícia em casos como esse. Faz tudo pro bono. Pode ter muita informação útil.”

Morley assentiu aprovadoramente.

“Conheço o Gordon,” Disse ele. “Um homem muito respeitado, especialista em doenças infecciosas. Ajudou-nos em vários casos. Paige, Jeffreys, vão falar com ele agora. Eu aviso-o de que vão a caminho.”

“Pode ser útil,” Disse Bill.

“E,” Disse Morley com firmeza a Riley, “Enviarei um agente para obter o depoimento da Jewel.”

Riley sufocou uma objecção e saiu porta fora.


CAPITULO TRINTA E CINCO

 

Pouco tempo depois, Riley e Bill chegaram à casa do Dr. Gordon Poole.

Não é aqui que sou precisa, Pensou Riley.

Ainda assim, Bill convenceu-a a seguir as ordens.

Poole tinha dito a Morley que não estaria no seu gabiente naquele dia e tinha sugerido que Bill e Riley fossem ter com ele a casa.

Era uma casa grande, moderna, térrea, que se espraiava por um amplo relvado verde. O quintal estava adornado com sebes e árvores frondosas. Ao contrário dos pequenos remendos de verde que ela vira em alguns bairros de Phoenix, os relvados ali eram grandes, com os ricos proprietários a virarem costas ao deserto que se estendia abaixo da cidade.

Foram recebidos à porta por um homem alegre, mas um pouco cansado de cerca de quarenta anos. O Dr. Gordon Poole tinha cabelo ralo e um rosto ameninado com uma expressão aberta e bondosa.

“Meu Deus, não os esperava tão cedo!” Disse. “Entrem!”

Riley estava divertida. Não se conseguia lembrar da última vez que ouvira um homem adulto falar com aquela ligeireza. O homem falava de uma forma deliciosamente pitoresca.

Poole conduziu-os até uma confortável e alcatifada sala de estar, e convidou-os a sentarem-se.

“Está tão quente, não está?” Comentou o Dr. Poole. “Talvez vos soubesse bem uma limonada fresca. Tenho sempre no frigorífico e gosto de a partilhar sempre que tenho oportunidade. Aceitem por favor!”

Riley estava completamente encantada com o seu sorriso e com o brilho inocente dos seus olhos.

“Eu aceito,” Disse ela.

“Eu também,” Disse Bill.

“Excelente!” Disse o Dr. Poole. E desapareceu na direção da cozinha.

Bill sentou-se no sofá, mas Riley foi atraída para um conjunto de fotografias de família penduradas numa parede. Todos elas mostravam o Dr. Poole a partilhar momentos felizes com crianças – os seus filhos, Riley tinha a certeza. Numa delas, o Dr. Poole e um menino de cerca de doze estavam a segurar num peixe enorme que haviam apanhado. Noutra, o Dr. Poole estava radiante ao pé de uma menina vestida de abelha.

Deve ser um fato de Halloween, Pensou Riley. Ou talvez para uma peça da escola.

As suas reflexões foram interrompidas quando o Dr. Poole regressou à sua companhia. Ele trazia uma bandeja com copos e um jarro de limonada.

“Vejo que já descobriu os meus filhos,” Disse ele.

Riley discerniu um mundo de cordialidade e orgulho na sua voz.

“Devem estar na escola agora,” Disse Riley.

Uma pontada de tristeza atravessou o rosto de Poole.

“Já não vivem comigo,” Informou. "A mãe e eu estamos divorciados há quatro anos.”

Riley sentiu-se envergonhada por ter abordado um assunto tão sensível.

“Sinto muito,” Disse ela.

"Oh, Deus, não faz mal!" Disse, regressando aquele sorriso infantil. “Foi perfeitamente amigável. Ela é advogada, conseguiu um emprego no Connecticut que não podia recusar. As minhas raízes aqui são profundas e eu não podia partir.”

O médico parecia um pouco desconfortável, de pé ali ainda a segurar na bandeja. Riley perguntou-se se ter estranhos a observar os seus retratos de família o incomodaria.

Então virou-se e dirigiu-se a umas portas que estavam abertas do outro lado da sala.

“Vamos tomar as nossas bebidas lá fora, sentados à beira da piscina,” Disse ele. “É uma pena desperdiçar um lindo dia como este.”

Riley e Bill seguiram-no para um agradável terraço ao lado de uma grande piscina cercada por jardins paisagísticos. O Dr. Poole colocou a bandeja numa pequena mesa e fechou as portas atrás deles.

Enquanto servia a limonada e entregava a cada um copo, prosseguiu os seus comentários sobre a família.

“Ainda assim, é difícil ter as crianças do outro lado do país a maior parte do tempo. Mas ainda fazemos muitas coisas juntos. Nunca perco uma oportunidade de passar tempo com eles.”

“Bem, é óbvio que os seus filhos o adoram, Dr. Poole,” Disse Riley.

“E eu adoro-os,” Disse ele. “Mas se não se importa, eu não gosto muito de ser trattado de 'Dr. Poole’... Gordon ou Gordy é o normal, mesmo com pessoas que não me conhecem muito bem.” Então, com uma risada, acrescentou, “Se quiser realmente ser formal, pode chamar-me ‘Dr. Gordy’.”

Riley riu-se. Gostava cada vez mais daquele homem. Viu sinais de cansaço no seu rosto e podia entender porquê. Um homem tão gentil e dedicado devia trabalhar muitas horas. Ela sabia o que era isso.

Riley achou o cenário bastante idílico. Ainda assim, teve alguma dificuldade em ficar confortável. Todo aquele luxo parecia tão distante do mundo em que estivera mergulhada nos últimos dias - um mundo de proxenetas, prostitutas e assassinos. Sentia-se vagamente culpada por estar ali.

“Posso aceder a tudo o que quisermos saber a partir aqui,” Disse o Dr. Poole, abrindo um portátil que estava na mesa.

Bill disse, SSabemos que tem ajudado a polícia a investigar os roubos de medicamentos dos hospitais. O Chefe Morley diz que faz esse tipo de coisa pro bono. Isso é muito generoso da sua parte.”

O Dr. Poole encolheu os ombros modestamente.

“Bem, é o mínimo que posso fazer. Phoenix tem sido boa para mim, como podem constatar. Gosto de retribuir quando tenho a oportunidade. E o roubo de medicamentos para o VIH - bem, isso preocupa-me profundamente, e eu sinto que é uma questão pessoal. E o Elgin disse-me que vocês acham que esse assassino em série pode ser seropositivo e roubar medicamentos para si.”

“É o que pensamos,” Disse Riley. “Deparou-se com algum suspeito nessa onda de roubos de medicamentos?”

O Dr. Poole piscou os olhos para o ecrã.

“Por acaso estou a reduzir a lista de suspeitos,” Disse ele. “Há um em particular que...”

Ele parou por um momento.

“Não tenho a certeza se vos devo dar esta informação,” Disse ele.

“Por que não?” Perguntou Bill.

“Bem, a pessoa em questão é um administrador em ascensão num hospital de Phoenix. Ele pode ser o homem de que estão à procura. Mas as provas ainda são muito reduzidas. E para dizer a verdade, espero estar errado.”

O Dr. Poole abanou a cabeça com preocupação.

“Eu odiaria arruinar a reputação de um homem inocente. Ainda assim, tenho a certeza de que o Elgin vai saber como lidar com isto.”

Tirou um bloco de papel do bolso e anotou algo.

“Vamos fazer assim. Vou anotar o nome aqui e vocês podem transmiti-lo ao Elgin. Vou deixar tudo ao seu critério.”

Entregou a Bill o papel. Riley e Bill agradeceram-lhe e saíram da casa. Riley conduziu e Bill cedeu o nome a Morley por telefone.

 

*

 

Quando Riley e Bill voltaram para o edifício do FBI, encontraram Morley andando agitado de um lado para o outro.

“A dica do Dr. Poole não deu em nada,” Disse ele. “O homem está de férias há duas semanas num resort no México. Não há forma de ele ter cometido esses assassinatos recentes. Claro, o Dr. Poole não podia saber isso. Precisamos mantê-lo par, caso tenha outras ideias.”

Morley parou de andar de um lado para o outro e encarou Riley e Bill. Disse, “Parece-me que não estamos mais perto de fechar este caso do que estávamos antes de vocês chegarem.”

Riley estava prestes a dar uma resposta sobre todo o trabalho que tinham feito, mas deteve-se. Conseguiu ouvir Bill sufocar um rosnado. Nenhum deles queria aumentar as suas tensões com Morley.

O toque do seu telemóvel era uma interrupção bem-vinda ao silêncio.

Não reconheceu o número que lhe ligava, mas conhecia muito bem a voz do outro lado da linha. Era Shane Hatcher, um prisioneiro de Sing Sing que tinha sido muito útil no seu último caso.

“Tem que falar comigo,” Disse Hatcher. “Sobre o caso em que está a trabalhar em Phoenix.”

“Ótimo,” Respondeu Riley. “Bem que preciso de ideias frescas. Diga-me.”

“Oh não, não por telefone. Sabe que tenho que ganhar alguma coisa. Uma visita em pessoa é um requisito - um pré-requisito, digamos, para a minha experiência em assuntos desta natureza.”

“Isso não é possível.”

“Tenho certeza de que o tornará possível, Agente Paige. Tenho completa confiança nos seus poderes de persuasão. Afinal, conseguiu convencer o último homem de que falámos a cortar a sua própria garganta.”

Riley ficou em silêncio durante alguns instantes. Ela considerava perturbador que este homem que estava preso ter sempre em sua posse tanta informação. Mas agora, ela gostaria de receber qualquer fonte de luz sobre este caso.

“Vou ver o que consigo arranjar,” Disse e desligou.

Ela percebeu que Morley e Bill estavam a olhar para ela com expectativa.

“Era o Shane Hatcher,” Disse ela.

“A sério?” Perguntou Bill que explicou a Morley quem era Shane Hatcher e sobre o relacionamento incomum que Riley tinha com ele.

Riley disse, “Ele não me vai dizer nada pelo telefone. Eu vou ter que ir lá.”

“Isso é ridículo,” Murmurou Morley. “Sing Sing fica em Nova Iorque.”

“O avião da UAC ainda está no aeroporto,” Disse Riley. “É a maneira mais rápida de chegar lá e voltar.”

“Tem trabalho a fazer aqui,” Explodiu Morley. “Não pode simplesmente deixar o seu trabalho de cada vez que tem outra coisa a fazer.”

Riley viu o rosto de Morley avermelhar. Ela sabia que ele tinha acabado de se impedir de dizer que não iria autorizar a viagem. Ela tinha ignorado a sua autoridade anteriormente e ele não iria querer colocar-se naquela posição novamente.

“Volto logo que puder,” Disse Riley, saindo da sala.

A sua mente já estava focada no homem preso em Sing Sing - o homem mais perigoso que ela já conhecera.

Se havia alguém que podia desbloquear este caso, ela sabia que esse alguém era ele, com as suas percepções estranhas sobre assassinos em série.

Mas a que preço?


CAPÍTULO TRINTA E SEIS

 

Riley passou a manhã seguinte no avião do FBI a caminho de Nova Iorque. O dia quase já tinha terminado quando entrou na pequena sala de visitas de Sing Sing. Já ali tinha estado antes, mas não esperava ali ter que voltar.

Não era uma visita que lhe agradasse.

E lá estava ele - o assassino Shane Hatcher, sentado à mesa à espera dela. Era um Afro-Americano de meia-idade, forte de corpo e mente, e extremamente inteligente. No mais fundo de si mesma, Riley sentia que ele era o ser humano mais perigoso que ela já conhecera.

Hatcher tinha ligado na noite anterior, o homem que tinha dito enigmaticamente...

“Tem que falar comigo.”

Da experiência passada, Riley sabia que devia confiar no que ele dizia.

Sentou-se à sua frente. Como sempre, ele estava vestido com um macacão verde-escuro e usava uns pequenos óculos de leitura.

“Já lá vai algum tempo,” Disse ele.

“Nem por isso,” Disse Riley.

Na verdade, ela visitara-o duas vezes no mês anterior. A conselho de Mike Nevins, ela tinha ido ter com Hatcher devido às suas ideias sobre a mente do assassino das correntes.

Na sua juventude, Hatcher tinha sido um membro de gang implacável que se especializara em matar com correntes. Depois de ter espancado um polícia a ponto de o transformar numa massa irreconhecível e deixado o corpo na sua varanda para a mulher e filhos encontrarem, Hatcher tinha sido condenado e enviado para Sing Sing. Estava ali desde então. E provavelmente ali ficaria para o resto da sua vida.

Isso não incomodava Riley. A verdade era que, na sua opinião, Hatcher não merecia viver - não mais do que Derrick Caldwell merecia viver. Até já lhe tinha dito isso na cara, para seu óbvio prazer.

Mas ela não podia negar que ele era um recurso valioso. Ao longo dos anos, tornara-se num criminologista respeitado. Na verdade, ele era agora um reconhecido especialista na área. Publicara uma série de artigos académicos e fora dessa forma que Mike Nevins soubera da sua existência.

“Disse que me pode ajudar,” Disse ela.

“Eu ajudei-a da última vez, não ajudei?” Perguntou Hatcher.

Riley assentiu com a cabeça. “Como é que soube deste caso?”

Hatcher encolheu os ombros e sorriu.

“Como é que acha? Jornais. Televisão. A Internet.”

Riley olhou para ele com ceticismo.

“E pensa que me pode ajudar, apenas com base na cobertura dos meios de comunicação?”

Ele não respondeu, apenas continuou a sorrir para ela.

“Quer um favor para me ajudar, é claro,” Disse Riley.

“Claro.”

“O que é que quer?”

Ele soltou uma risada sinistra. “Simplesmente o prazer da sua companhia,” Disse.

As palavras fizeram a pele de Riley eriçar-se. Por muito que ele estivesse preso, Riley não conseguia deixar de pensar nele como um perseguidor. Estaria ele obcecado por ela? O telefonema de ontem fora apenas um ardil? Teria ele alguma intenção de a ajudar?

Ela estava determinada em concentrar-se no assunto em questão.

“Houve um novo desenvolvimento no caso,” Disse ela. “O nosso assassino parece ter levado uma rapariga. Não sabemos se ela está viva.”

Hatcher inclinou a cabeça com interesse.

“Um rapto,” Disse ele. “Interessante. Não o seu MO. A rapariga era uma prostituta adolescente?”

“Não sabemos. Não a identificámos. Ela parece ter fugido de casa. A mulher que a viu disse que tinha uma mochila.”

Hatcher afagou o queixo como se estivesse profundamente imerso nos seus pensamentos.

“A coisa toda da prostituição - que mundo feio, não é? Sou a favor de homens e mulheres fazerem o que quiserem. Mas tem tudo a ver com escolha. Eu fiz as minhas escolhas e vou viver com elas. Todos devem ter essa oportunidade. Mas uma criança na rua, bem...”

Fez uma pausa e depois disse, “Há abrigos para crianças assim. Existem grupos que ajudam a tirá-las da rua. Tem que os ver.”

“Faremos isso,” Disse Riley.

Outro silêncio se seguiu. Riley sentia-se desconfortável. Teria ela feito aquela viagem para nada?

“Não tenho tempo para jogos hoje,” Disse ela. “Está em causa a vida de uma rapariga. Diga-me o que sabe.”

Novamente veio aquela risada sombria.

“Não,” Disse Hatcher. “Diga-me o que sabe.”

 

*

 

O homem que se chamava T.R. sentou-se numa cadeira na sua cave, de frente para a rapariga que estava presa a outra cadeira com fita adesiva. Naquele momento a sua boca não estava amordaçada. Ela estava demasiado sedada para gritar. Rolava a cabeça e gemia.

“Não devias ter fugido de casa,” Disse ele.

Ela tentou olhar para os olhos dele. Ele não tinha a certeza se ela compreendia o que ele estava a dizer.

“A tua mãe deve estar preocupada,” Disse ele. “Nunca pensaste em como ela ficaria preocupada?”

Novamente, ela não respondeu.

Ele não gostou nada daquilo. Quando ele a apanhou no dia anterior de manhã, pensou que era apenas mais uma prostituta. Fora um erro estúpido. Estava cansado, assustado e desatento. Além disso, ela disse que conhecia Socorro. Lembrou-se das palavras exatas dela...

“Nós conhecemo-nos há muito tempo, a Socorro e eu.”

Demorara apenas alguns minutos a perceber que ela estava a mentir. Ela era apenas uma adolescente fugitiva que diria qualquer coisa para lhe darem boleia. Mas depois já era tarde demais. A prostituta na Avenida Conover reconhecera-o e agora a rapariga podia identificá-lo.

Felizmente, ele conseguira sedá-la logo no carro. E agora ele não tinha escolha a não ser matá-la. Ele não estava acostumado a matar por necessidade. Não haveria nada de epicurista nessa morte. Foi um desagradável pensamento, ter que matar sem dali retirar prazer.

Mas não se podia evitar e ele não se sentia culpado. Afinal, era culpa da miúda por ter fugido. E da mãe também. A rapariga chamava pela mãe de vez em quando desde que a tinha ali.

“A tua mãe devia ter cuidado melhor de ti,” Disse ele. “Não devias ter fugido.”

Ela gemeu suavemente. Parecia ainda não entender.

Ele não sabia ao certo por que é que ainda não a tinha matado. Mantê-la viva era um problema. De vez em quando, ele expulsava-a do seu estupor por um pouco de comida e água. Algumas vezes até a desatou para que pudesse utilizar a casa de banho da cave. Ela estava demasiado drogada para tentar o que quer que fosse.

Ainda assim, matá-la era inevitável e ele sabia disso. Ele parecia estar à espera do momento certo e esse momento ainda não chegara. Ele era, afinal de contas, um homem civilizado que gostava de fazer as coisas de maneira civilizada.

Mas mantê-la cativa era arriscado. Já assumira um risco demasiado elevado. Outro poderia significar o seu fim. Não gostava de riscos. Não gostava de perigo.

Agora ela gemia um pouco mais alto. Ela conseguiu focar os olhos nele. Ele viu o medo a crescer nos seus olhos. Ele pegou numa agulha hipodérmica e espetou-lha no braço. Ela ficou imediatamente quieta novamente.

 

*

 

“Está muito perto,” Disse Hatcher com um sorriso obscuro.

Riley não fazia ideia do que ele queria dizer. O que é que ele pensava que era aquilo, um jogo de escondidas?

Tinham-se passado duas horas sem que ambos se tivessem levantado. Falaram incessantemente. Até àquele momento, Riley não considerara a conversa informativa, mas estava longe de ser maçadora.

Hatcher tinha-a alertado para detalhes que mesmo Morley ou Brent Meredith não teriam exigido. Ele parecia especialmente intrigado com o enigmático Garrett Holbrook, o irmão da vítima Nancy Holbrook. Hatcher achou estranho que Holbrook insistisse que o assassinato de Nancy se tornasse uma investigação do FBI, para permanecer na periferia desde então. Isso também impressionara Riley.

"O que pensa dele?" Não parava de perguntar a Riley.

Riley desejava saber mas ainda não sabia.

Mas Hatcher parecia menos interessado no que ela tinha observado ou aprendido do que nas suas ações e reações - o que ela realmente estava a fazer e como se sentira, até ao último detalhe sensorial. Ele exigiu saber tudo o que ela tinha experimentado desde que ela e Bill tinham entrado no avião do FBI para Phoenix no último sábado.

O que sentira ao visitar um verdadeiro bordel? Como é que se sentira quando fingiu ser uma prostituta? Quando salvou a adolescente que fugira de casa? Ou quando o suspeito fugiu por entre os seus dedos?

Então ele voltou à questão de ela ter fingido ser prostituta.

Ele disse, “Gostava de ter visto.”

Quando ela não respondeu, acrescentou, “Você é uma mulher bonita. Como é que se está a dar com o seu parceiro? O que é que ele pensa de haver outros homens na sua vida?”

Ela ignorou essas perguntas também. Finalmente, ele acenou com a cabeça e mudou de assunto.

As perguntas tinham-se tornado perturbadoras. O interesse de Hatcher pela vida interior de Riley pareceu-lhe algo distorcido, até mesmo voyeurista. Parecia cada vez mais provável que ele estivesse obcecado por ela. Teria ela feito aquela viagem apenas para satisfazer a sua curiosidade distorcida?

Por fim, a conversa tinha acabado por redundar naquilo que Riley não podia deixar de considerar irrelevâncias. Ele exigiu ouvir um relato completo do colapso mental de April e de como Riley tinha desafiado Morley, indo ao encontro da filha para a ajudar.

E naquele momento, auscultava-a sobre a sua visita ao pai. Ele insistia em saber cada palavra proferida nesse terrível encontro. Recitava tudo de memória.

Porquê? Continuava a interrogar-se Riley.

Era a última coisa de que queria falar naquele momento. Ela não queria pensar mais no pai. Esperava nunca mais ter que o ver.

Hatcher parecia estar a brincar com ela. E aquilo desagradava-lhe mais a cada minuto que passava.

Finalmente, ele recostou-se na cadeira, com os óculos apoiados na ponta do nariz.

“Está muito perto,” Disse ele novamente.

As palavras eram irritantes.

“O que é que quer dizer com isso?” Perguntou Riley.

E ali ficou ele sentado, sorrindo em silêncio novamente.

“Eu gosto desse seu paizinho,” Disse ele finalmente.

Riley sufocou o desejo de dizer que ela não gostava dele, mas reprimiu-o e não disse nada.

“Ele e eu temos muito em comum,” Disse Hatcher.

Agora Riley tivera que se impedir de dizer que concordava com ele. Hatcher e o pai eram monstros no seu caminho. Ambos tinham tido o seu quinhão de matança - o pai no Vietname, Hatcher nas ruas da sua juventude. Eles eram manipuladores e não davam qualquer importância aos sentimentos das outras pessoas. E nenhum deles parecia realmente capaz de sentir arrependimento.

“Não respeita o seu pai o suficiente,” Declarou Hatcher.

A raiva de Riley aumentava mas esforçou-se por reprimi-la. Ele só ficaria satisfeito se ela descarregasse nele.

Ele inclinou-se para ela, perscrutando os seus olhos profundamente, sorrindo sombriamente.

“Está muito perto,” Continuou a repetir. “Devia dar ouvidos ao seu paizinho.”

Ele susteve o seu olhar durante um interminável momento. Então virou-se e gritou, “Guarda, acho que terminámos.”

Levantou-se da cadeira quando o guarda abriu a porta.

“É tudo o que tem a dizer?” Perguntou Riley.

“Oh, eu disse muito, querida. Eu disse exatamente o que precisava de ouvir. Um dia vai-me agradecer. Acredite, vai-me agradecer.”

Hatcher seguiu o guarda atrás da porta aberta. O guarda fechou de novo a porta com um golpe de ferro pesado.

“E vamos encontrar-nos de novo,” Disse ele através das grades. “Lembre-se do que lhe digo, vamos encontrar-nos de novo.”

 

*

 

Pouco tempo depois, Riley já estava no avião do FBI a observar as Montanhas Catskill a rastejarem debaixo dela. Teria aprendido alguma coisa com Hatcher? Se assim fosse, não compreendia o quê. No entanto, ele tinha sido muito enfático sobre algo...

“Devia dar ouvidos ao seu paizinho.”

Contou-lhe todas as palavras que o pai lhe dissera durante a visita. Ele apanhou alguma coisa. Será que o pai lhe tinha dado uma dica sem que ela se tivesse apercebido?

Riley estava cansada e fechou os olhos. Voltou para o pesadelo do seu cativeiro, a chama brilhando na escuridão. Perguntou-se se talvez devesse ficar ali, naquela memória, naquela escuridão particular. Afinal, os recessos escuros da sua mente tinham-na servido bem no passado. Ela tinha sido capaz de entrar na mente do mais cruel dos assassinos.

Mas então, trespassada por um arrepio, lembrou-se de algo que o pai tinha dito...

"Não estás a lidar com um monstro. Raios, nem sequer estás a lidar com o mal. Estás a lidar com o que as pessoas chamam de normal.”

E ela lembrava-se de como ele o descrevera...

“O oposto de mim e o oposto de ti.”

Talvez - apenas talvez - o pai tivesse deslindado o que a intrigava. Seria possível que ela estivesse finalmente a lidar com um assassino cujo coração não era tão frio e escuro quanto o dela?

Com os olhos ainda fechados, imaginou-se a sair daquela escuridão cativa, longe da chama, subindo em direção à luz do sol.

Sim, ela agora sentia-se mais perto dele. Ela estava no seu encalço. E encontrá-lo-ia a viver uma vida quotidiana normal, num mundo povoado por pessoas que não eram monstros. Porque ele próprio não era um monstro. Ou pelo menos não se via como um monstro.

Não como o meu pai, Pensou. E não como eu.

A sua mente estava agora exposta à luz do dia. Ela podia sentir-se a ver o dia através dos seus olhos, sentir o sol na sua pele, o conforto agradável de uma vida respeitável.

No entanto, ela também podia sentir a sua apreensão e medo. Essas emoções eram-lhe estranhas. Ele não sabia como lidar com elas. Ele estava acostumado apenas à amizade, respeito, autoconfiança e até mesmo a um sentimento de justiça. Mesmo agora, ele não sentia que tivesse feito nada de errado. Mas ele estava fora da sua zona de conforto, esgotado e assustado, e nunca se sentira assim antes.

Ela sorriu para si mesma. Lembrou-se das palavras que Hatcher repetira.

"Está muito perto."

Era verdade. Ela estava perto. Agora só precisava de resolver o caso com Bill. Ligou-lhe.

“Alguma informação relevante?” Perguntou Bill.

Riley pensou por um momento. “Devemos verificar os abrigos de crianças fugidas de casa. Começa com o abrigo onde está a Jilly. Pergunta se talvez a menina poderia ter estado num abrigo em algum lugar em Phoenix. E vê como tem passado a Jilly.”

“Vou fazer isso.”

Bill fez uma pausa. Parecia ter algo em mente.

“Riley, tenho uma ideia,” Disse ele.

“O que é?” Perguntou Riley.

Outro silêncio caiu.

“Ainda estou a montá-la,” Disse ele. “Digo-te quando voltares. Estás de regresso a Phoenix a tempo de me encontrares na sede às oito?”

“Claro,” Disse Riley.

“Então encontramo-nos lá,” Disse Bill.

Terminaram o telefonema. Riley perguntou-se o que teria Bill em mente. Bem, em breve saberia. E o seu instinto dizia-lhe que algo estava prestes a acontecer. Hoje à noite, na verdade. Ela tinha a certeza absoluta.


CAPÍTULO TRINTA E SETE

 

Bill sentiu-se incomodado ao ver as raparigas no abrigo para adolescentes. Brenda, a assistente social residente, levou-o para a sala de estar. As raparigas lá dentro conversavam, viam TV, jogavam jogos em telemóveis, como qualquer adolescente. Mas estas crianças não eram comuns.

Este maldito caso, Pensou ele.

Ao longo dos anos, ele chegou a pensar que era imune ao horror. Mas aquele lugar perturbava-o profundamente. Era, afinal de contas, uma casa intermediária para crianças que tinham fugido do inferno - e ainda para lá poderiam voltar em breve.

Olhou para o relógio. Ainda tinha muito tempo antes que Riley voltasse. Tomaria as providências necessárias para a reunião mais tarde. Ele esperava que a sua intuição estivesse certa. Ele queria fechar o caso o mais rapidamente possível.

Entretanto, havia que salvar uma rapariga. Uma miúda como aquelas. Contudo, ela já poderia estar morta.

Ele podia ver que algumas das raprigas estavam visivelmente feridas. A maioria delas tinha um olhar cauteloso que ele reconheceu como um sinal de contusões emocionais. Todas elas tinham sido levadas para aquele local porque eram prostitutas novatas ou tinham tentado tornar-se prostitutas. Tinham sido encontradas a vaguear nas ruas que ele e Riley tinham conhecido de perto nos últimos dias.

Lembrou-se de que Riley lhe pedira para verificar uma em particular.

Perguntou a Brenda, “Qual delas é a Jilly?”

A assistente social apontou para ela - uma jovem magra, de pele escura, sentada numa mesa com um grupo a jogar um jogo de cartas. Segurava as suas cartas junto ao peito.

“A sua parceira parece ter uma ligação especial com a Jilly,” Disse a assistente social.

“Tem,” Respondeu Bill. Então pensou que uma pequena explicação poderia ser necessária. “Mas a Agente Paige tem uma filha adolescente que passou por algumas dificuldades recentemente.”

A mulher anuiu compreensivamente. Bill pensou em ir até lá e apresentar-se a Jilly como o parceiro de Riley. Mas não sabia como é que ela poderia reagir. Como é que se sentiria ao ser abordada por um agente do FBI do sexo masculino? Parecia melhor manter a distância, pelo menos por enquanto. Mas ele poderia transmitir a Riley que Jilly parecia estar bem.

Brenda disse, “Quando ligou disse que queria que averiguássemos sobre outra rapariga.”

“Já deve ter ouvido falar de um assassino em série que estamos a tentar apanhar,” Disse Bill.

Brenda assentiu. “Aquele que mata prostitutas.”

“Isso mesmo,” Assentiu Bill. “Estamos em crer que ele tenha apanhado uma fugitiva, uma adolescente.”

Brenda demonstrou a sua preocupação. “Elas são tão terrivelmente vulneráveis. Quem é a rapariga?”

“Esse é que é o problema. O FBI montou uma operação, mas nem sequer sabemos de quem se trata. Apenas temos uma descrição vaga. Poderia ajudar se soubéssemos mais sobre ela. Seria ótimo se pudéssemos encontrar uma foto.”

Brenda pensou por um momento.

“Ontem, foi o que disse? Nenhuma das nossas desapareceu nos últimos dias. Mas recebemos alertas de todos os abrigos. Podemos verificar.”

Brenda levou Bill diretamente ao escritório. Ela sentou-se em frente ao computador e começou a procurar.

“O que sabe sobre ela?” Perguntou a Bill.

Bill lembrou-se de alguns pormenores. Jewel, a prostituta que tinha presenciado o seu rapto, tinha-lhes dado uma descrição.

“Provavelmente terá uns quatorze anos,” Disse Bill. “Cerca de um metro e sessenta e sete, talvez menos. Loira, olhos azuis, pele pálida, fina. Tinha uma mochila.”

Brenda percorreu uma lista de nomes.

“Aqui está uma ocorrência de ontem,” Disse ela. “O nome dela é Sandra Wuttke-Sandy. Desapareceu de um centro na Avenida Windermere ontem de manhã cedo. Se estava num dos nossos abrigos, tem que ser ela.”

Brenda clicou no nome e surgiu uma foto no ecrã. Era uma rapariga magra e loira com uma expressão desafiadora. Bill assentiu com a cabeça. Parecia realmnete corresponder à descrição que Jewel fizera.

Brenda marcou o número do centro e colocou a diretora na linha em alta-voz.

“Claudia, tenho um agente do FBI aqui comigo,” Disse ela. “O Agente Bill Jeffreys. Ele está preocupado com uma rapariga que se encaixa na descrição de Sandy Wuttke. Ela pode estar em perigo.”

A voz de Claudia parecia preocupada.

“Que tipo de perigo?” Perguntou ela.

“Lamento dizer isto,” Disse Bill. “Mas ela pode ter sido raptada pelo assassino em série de que se tem falado ultimamente.”

“O homem que está a matar prostitutas?” Perguntou Claudia, com a voz trémula de alarme. “Mas isso não faz sentido. A Sandy nao é uma prostituta a sério. Ela trocou boleia ou comida por sexo algumas vezes. Depois alguém a orientou para aqui. Mas ela andava inquieta. Não fiquei surpreendida quando ela se foi embora.”

Bill perguntou, “Ela usava uma mochila quando se foi embora?”

“Usava, de acordo com as raparigas que a viram partir. Mas eu não posso acreditar que ela foi apanhada por aquele assassino. Talvez tenha ido para casa. Não tivemos tempo para confirmar. Somos tão poucos. Há tantas raparigas.”

Bill sentiu que a mulher estava a tentar arduamente não acreditar no pior.

“Poderia dar-me informações sobre a sua família?” Perguntou Bill.

Brenda parecia olhar para os seus próprios registos.

“Só temos a mãe,” Disse Claudia. “Colleen Wuttke. Ela não tem telefone. Posso mandar alguém a casa dela para confirmar.”

“Obrigado, mas é melhor ser eu a ir,” Disse Bill. “Encaminhe tudo o que tem sobre ela para o FBI local. Brenda, anote a morada para me dar.”

Bill agradeceu a ambas as mulheres e a chamada terminou. Então, munido da morada da mãe de Sandra, saiu do abrigo.

Experimentava sentimentos contraditórios. Estava grato por pessoas como aquelas estarem ali para ajudar Jilly e outras jovens.

Mas por que existiam tantas daquelas miúdas? Questionou-se. Por que é que é tão fácil aos predadores encontrarem presas?

 

*

 

Quando Bill chegou à morada, viu que se tratava de um bloco de apartamentos degradado. As crianças brincavam na calçada e alguns rapazes estavam sentados nos degraus da frente. Os rapazes olharam para ele, mas depois desviaram o olhar quando ele passou por eles e entrou no prédio.

As escadas e corredores escuros eram iluminados apenas por pequenas janelas em cada lance. O apartamento 4D encontrava-se no fundo do corredor no quarto andar.

Quando Bill bateu à porta, ouviu alguém a movimentar-se no interior. Dali a um instante, uma mulher abriu um pouco a porta e olhou para ele.

“Oh,” Disse com uma espécie de rosnado trémulo. “Eu estava à espera... Bem, não era de si que estava à espera. Quem diabos é você?”

“É Colleen Wuttke?” Perguntou Bill.

“Sim. Quem quer saber?”

Bill exibiu o seu distintivo pela estreita abertura.

“Sou o Agente do FBI, Bill Jeffreys. Gostaria de conversar consigo.”

Colleen Wuttke parecia indecisa em abrir-lhe a porta ou bater-lha no nariz. Bill colocou o pé na abertura.

“A sua filha está aqui? Sandy?”

“Nem pensar.”

“Estava à espera dela?” Perguntou.

“Não. Estava à espera de outra pessoa. E não quero falar consigo. Se tentar entrar, eu grito. Alguns tipos grandes vivem por aqui e eles não gostam de polícias.”

Bill não receava os homens, mas não ajudaria nada se ela começasse a gritar.

“Não estou aqui para prender ninguém,” Disse ele. “Eu só preciso de algumas informações.”

De repente ela soltou a porta e afastou-se. Resmungou, “Que raio, quem quero eu enganar? Ninguém se importaria se eu gritasse.”

Bill empurrou a porta gentilmente e ela cedeu. A mulher parecia esquelética e fraca e o seu rosto estava pesadamente marcado. Bill imediatamente reconheceu os sinais do vício prolongado em metanfetamina.

Ele estudou o seu rosto e não encontrou muitas semelhanças com a rapariga da foto. Mas calculou que ela seria loira se alguma vez se dignasse a lavar o cabelo.

Ele viu um quarto com um sofá rafado que obviamente servia de cama, uma mesa raquítica, um prato quente e uma pia. Uma cortina pendurada numa porta estava aberta o suficiente para mostrar uma casa de banho degradada. Uma cama de solteiro numa alcova de um lado estava apinhada de roupa.

A mulher observou-o a olhar em redor. “Isto é tudo,” Disse ela.

Ela sentou-se no sofá de frente para ele.

Bill disse, “A sua filha estava num dos abrigos da cidade para raparigas.”

“Estava?”

“Sim, mas fugiu.”

“Fugiu?”

Enquanto a mulher falava, Bill percebeu que ela não era tão velha quanto pensara. A metanfetamina havia arruinado a sua aparência, mas provavelmente tinha apenas trinta anos. Ela devia ser muito jovem quando teve a filha.

“Quando é que viu a sua filha pela última vez?”

O rosto da mulher ficou vazio. Finalmente disse, “Não faço ideia.”

Com uma das mãos ela tocou na borda da túnica, puxando-a para mostrar as pernas esqueléticas. Bill percebeu que ela estava a tentar engatá-lo e sentiu-se agoniado.

“Então ela não entrou em contacto consigo recentemente?”

“Por que é que o faria, de qualquer das formas?”

Bill não sabia o que responder.

“A Sandy nunca voltará para casa,” Disse Colleen Wuttke.

Ela pegou num par de brincos de metal de aparência barata que se encontrava numa mesa ao lado do sofá.

“Eu tinha muitas coisas destas a dada altura, bonitas, todas em tons de ouro e em forma de flores. Consegui-os baratos de um homem e vendia-os às vezes para ter algum dinheiro extra. Ela levou vários da minha coleção. Penso que já os vendeu todos agora. Eles não valem nada, mas ela não deveria ter roubado. É por isso que está à procura dela? Ela roubou alguma coisa?”

Bill estava prestes a dizer-lhe a verdade - que Sandy poderia estar nas garras de um assassino. Mas foi tomado por uma sensação de impotência. Não fazia sentido. A mulher nem se importaria se a vida da sua própria filha estivesse em perigo.

Ele entregou-lhe um cartão.

“Se ela entrar em contacto consigo, ligue-me,” Disse ele.

“Oh, farei isso com certeza,” Disse a mulher com uma nota de sarcasmo na voz.

A disposição de Bill continuava em baixo ao descer as escadas do prédio. Estava habituado a ver coisas feias e estava habituado ao homicídio. Mas também estava habituado a conseguir contabilizar as vítimas. Neste momento, o mundo parecia estar positivamente repleto de vítimas - se não do assassino, de inúmeros outros atormentadores e agressores.

Mas agora não era o momento de se deixar avassalar pelos sentimentos. Riley estaria de volta em breve. E se o palpite de Bill estava correcto, o caso estaria arrumado naquela mesma noite.


CAPÍTULO TRINTA E OITO

 

Riley correu pelo corredor do edifício do FBI. Eram quase oito e Bill tinha dito que se encontravam ali. Lembrou-se do que ele tinha dito ao telefone quando ainda estava no avião.

“Riley, tive uma ideia.”

Ela queria que ele tivesse dito qual era a ideia. Tinha estado em suspense durante horas. Era possível que aquele caso horrível pudesse estar resolvido em breve - talvez até nos próximos minutos?

Quem lhe dera. Mas dormira pouco durante o voo. E a verdade era que não descansava decentemente desde que fora acordada às três da manhã de sexta-feira passada em Fredericksburg. Estava cansada demais para esperar.

Quando chegou ao gabinete, ficou surpreendida ao ver que Bill não estava sozinho.

Garrett Holbrook estava sentado ali, de braços cruzados, a olhar para o espaço. O corpo de Riley foi sacudido pela surpresa. Agora compreendia. Agora ela sabia exatamente aquilo em que Bill estava a pensar.

Soando tão rígido e distante como sempre, Holbrook disse, “Podemos começar agora? Se me puderem dizer de que se trata?”

Bill olhou para Riley. Ela assentiu com a cabeça. Já era tempo de ver algumas perguntas respondidas.

“Deixe-me ir direto ao assunto,” Começou Bill. “A Agente Paige e eu temos que saber quando é que viu a sua irmã viva pela última vez.”

“Eu disse-vos quando aqui chegaram,” Disse ele com uma voz arrastada e mal-humorada. “Foi há anos. Não me lembro há quanto tempo exatamente.”

Os sentidos de Riley aceleraram. Era mentira. Ela sabia que era. Ela conseguia senti-lo. Ele lembrava-se. Ele lembrava-se da data exata, da hora exata.

Ela aproximou-se dele.

“Queremos que nos diga a verdade, Agente Holbrook,” Disse ela.

Ele continuou a olhar para o espaço, mas ficou mais pálido e os seus olhos começaram a brilhar.

“Não posso acreditar,” Disse ele. “Não posso acreditar que vos tenha levado tanto tempo. Não tenho agido de forma suficientemente suspeita?”

De repente, como se surgido do nada, um horrível soluço subiu-lhe à garganta.

“Porque sou culpado,” Disse ele.

Os soluços e as lágrimas surgiam agora de forma incontrolável. O seu rosto estava distorcido pela angústia. Riley mal conseguia acreditar que se tratava do mesmo homem.

Ele acalmou-se o suficiente para falar hesitantemente.

“Foi há apenas dois anos. Foi quando eu vi a Nancy pela última vez. Ela veio a minha casa. Ela estava mal. Andava metida em drogas. Vendia o corpo. Ela queria a minha ajuda. Disse que não tinha mais ninguém a quem recorrer. Queria um lugar para ficar. Disse que eu poderia ajudá-la a ficar limpa.”

Ele engasgou-se com um soluço horrível.

“Eu disse-lhe para se ir embora.”

Ele chorou por alguns momentos. Então disse, “Porquê? Por que é que eu fiz isso? O que é que eu tinha a perder? Nunca fui casado, nunca tive filhos. Eu tinha um quarto na minha casa, espaço na minha vida. Eu era egoísta. Estava bem na minha carreira, na minha vida de solteiro despreocupado. Ela era apenas a minha meia-irmã, muito mais jovem do que eu, eu senti que mal a conhecia. Eu não queria essa responsabilidade. Eu não queria ser incomodado.”

Os seus soluços começavam agora a acalmar.

Riley disse, “Então é por isso que estava tão distante. Era por isso que ficava à margem.”

Holbrook assentiu com a cabeça.

“Eu sentia que estava a caçar-me a mim próprio. Eu matei-a tanto quanto qualquer outro.”

Bill ficou boquiaberto. Olhou para Riley.

Ela murmurou-lhe em voz baixa, “Ele está a dizer a verdade.”

Bill assentiu com a cabeça, depois pousou uma mão no ombro de Holbrook.

“ Peço desculpa,” Disse ele. “Mas se nos tivesse dito isso mais cedo...”

Holbrook retirou a mão de Bill.

“Agora vou para casa,” Disse Holbrook, quebrado. Levantou-se e caminhou desajeitadamente em direção à porta. Depois voltou-se para Riley e Bill.

Com uma risada negra de auto-aversão, disse, “Bem, penso que me podem eliminar como suspeito. Talvez isso já seja um progresso.”

E saiu do gabinete. Bill e Riley ficaram sentados por um momento em silêncio.

“Porra,” Murmurou finalmente Bill. “Eu tinha a certeza. Eu tinha tanta certeza.”

“Eu também desconfiava dele,” Disse Riley. “O seu comportamento sempre foi estranho e agora sabemos porquê.”

Mas algo começava a despontar dentro de Riley. Aquelas palavras que Holbrook tinha dito...

“Eu nunca fui casada, nunca tive filhos.”

Essas palavras eram importantes por algum motivo. Mas porquê?

A intuição de Riley funcionava em pleno agora, unindo detalhes aparentemente irrelevantes. Juntavam-se como peças de um puzzle, formando algum tipo de conjunto coerente.

Lembrou-se das palavras de Hatcher...

"Devia dar ouvidos ao seu paizinho."

E a que é que o pai dissera deveria dar ouvidos? Ah, ela lembrava-se de toda a conversa cínica, odiosa sobre monstros e loucura e que vis espécimes humanos tanto ela, como ele eram. Mas havia algo mais. O que era?

Então as palavras atingiram-na como um relâmpago.

“Nunca confies num homem cujos filhos não o odeiam.”

Subitamente, ela estava totalmente imersa na mente do assassino. Ela estava atrás dos seus olhos, olhando para a sua próxima vítima - uma adolescente perdida e aterrorizada. Ele ia matá-la. Mas ela não era como as outras. Não haveria alegria naquilo. O homicídio não lhe daria prazer.

Ainda assim, ele iria cometê-lo. Tinha que ser feito. Tinha que ser feito agora. Já o tinha adiado por demasiado tempo.

Ouviu a voz de Hatcher, repetindo mais uma vez...

“Está muito perto.”

Ela não sentia estar perto. Abanou a cabeça desanimadamente.

“Estamos a derrapar, Bill,” Disse ela.

E pensou por um momento.

“Quero falar com o Dr. Gordy,” Prosseguiu. “Ele só nos deu um nome da sua lista de suspeitos de roubo de medicamentos. Precisamos de mais nomes. Alguém insuspeito. Tenho a sensação de que pode ser alguém dessa lista. Alguém de quem não suspeitariamos. Esta pista do VIH é a única pista concreta que temos. Temos que a espremer até à exaustão.”

Marcou o número de telefone do médico. Um serviço de atendimento emitiu uma mensagem. Riley desligou a mensagem sem deixar uma das suas.

“Não temos tempo para esperar que ele nos devolva a chamada,” Disse ela. “Vamos para casa dele agora mesmo.”

Bill olhou para ela como se tivesse perdido a cabeça.

“Meu Deus, Riley, já é tarde. Isso é um ato de desespero.”

É isso mesmo o que isto é, Pensou Riley.

Mas não o disse a Bill. Empurrou a porta com o parceiro a seguir no seu encalço.


CAPÍTULO TRINTA E NOVE

 

Quando chegaram à porta da casa do Dr. Poole, Riley tocou à campainha, mas ninguém abriu a porta. Riley tocou novamente.

Finalmente, o altifalante ao lado da porta ressoou e a voz do médico perguntou.

“Quem é?”

Bill respondeu, “Doutor Gordy, são os Agentes Jeffreys e Paige. Bill e Riley. Conversámos consigo ontem.”

A voz balbuciou um pouco confusa.

“Meu Deus, eu não estava à vossa espera esta noite,” Tartamudeou ele. “Esqueci-me de um encontro que tivéssemos marcado? Acho que não apontei nada... “

“Sinto muito incomodá-lo, Dr. Gordy,” Disse Riley. “Isto é uma emergência. Vamos fazer as coisas o mais rapidamente possível.”

“Uma emergência! Meu Deus!” Exclamou o médico. “Claro, entrem.”

A porta abriu-se e Bill e Riley entraram. Gordon Poole estava completamente vestido com roupas casuais e ténis.

“Desculpe, estamos a incomodá-lo? Ia sair? “ Perguntou Riley.

O médico riu. “A esta hora! Deus do céu, não! Já não sou noctívago. Na verdade, estou quase na minha hora de dormir.”

Riley sentou-se no sofá da sala. Bill sentou-se numa cadeira próxima. O médico permaneceu de pé com as mãos nos bolsos.

“Em que vos posso ajudar?” Perguntou.

Riley disse, “Dr. Gordy, o nosso assassino tem uma adolescente. Uma fugitiva, apenas uma criança. Ele está com ela desde ontem de manhã. Esperávamos encontrá-la agora. E estamos preocupados. Não temos tempo a perder. Receio que estejamos um pouco desesperados.”

“Oh, céus!” Disse o médico, olhando para Riley e Bill com um ar de preocupação.

Riley continuou, “Como dissemos anteriormente, pensamos que o assassino possa ser seropositivo e por isso possa estar a roubar medicamentos. Mas o nome que nos deu não se revelou eficaz. O homem está de férias no México. Precisamos dos nomes que não nos deu. E quaisquer outros que considere que são ainda pequenas possibilidades. Por favor, não retenha qualquer informação. A vida de uma criança está em jogo.”

O médico suspirou e sentou-se no sofá com Riley. Ele disse, “Eu realmente não suporto a ideia de apontar um dedo incriminador a homens inocentes.”

“Precisamos de verificar todas as possibilidades o mais rapidamente possível,” Replicou Riley com real urgência na voz. “É por isso que o estamos a incomodar em casa a esta hora tão tardia.”

O Dr. Gordy franziu a testa e refletiu por um momento.

“Tudo bem,” Disse ele. “Se o assassino está realmente ligado aos roubos, há um número limitado de pessoas que poderiam ter acesso aos medicamentos.”

Riley lutou contra a sua crescente sensação de impotência. “Um número limitado de pessoas” soava horrivelmente pouco específico.

“Sabe se alguma dessas pessoas é seropositivo?”

“Não sei como o poderia saber. Como provavelmente sabe, o VIH é um vírus que ataca o sistema imunológico. Quando as células do sistema imunológico começam a falhar, o corpo fica suscetível a uma variedade de infecções e doenças. Geralmente, os sintomas gripais aparecerão no primeiro ou segundo mês. Fadiga pode ser outro sintoma. Uma erupção ou dor de garganta ou dores de cabeça podem ser sinais.”

Riley e Bill entreolharam-se com desânimo. Ambos sabiam que não podiam andar por aí a acusar qualquer pessoa que tivesse esses sintomas.

O médico acrescentou, “Além disso, ele pode não ter quaisquer sintomas. Estamos a falar de um homem que está a roubar a medicação que precisa, que certamente está a cuidar de si. Com alguém assim, pode não haver sintomas visíveis por vários anos.”

“Pelo menos pode ajudar-nos a estreitar a lista,” Disse Riley. “Se conhece alguém que tem esses sintomas e teve acesso aos medicamentos roubados, isso poderia orientar-nos na direção certa. Não pode haver muitos.”

“Tudo bem,” Disse Gordy, relutante. “Deixem-me só pensar por um momento.”

Durante o silêncio que se seguiu, Riley observou a sala em que se encontravam. Concentrou-se nas fotos da família situadas numa parede próxima. Tinha-as apreciado da última vez que tinham visitado o Dr. Gordy. Havia muitas fotos penduradas em filas, todas mostrando crianças felizes e os parques ou praias onde se divertiam, os peixes que tinham pescado, os prémios que tinham ganho.

Gordy finalmente disse, “Posso dar-lhes dois nomes. Os seus deveres dão-lhes acesso a medicamentos e eu tenho observado alguns sintomas indicadores. Mas tenho que vos avisar que acho muito difícil que estas pessoas sejam culpadas.”

“Vamos ter isso em consideração,” Disse Bill firmemente.

A atenção de Riley vagava enquanto o Dr. Gordy partilhava nomes e informações de contacto com Bill, que tomava notas. Ela não podia deixar de olhar novamente para as fotos na parede. As crianças pareciam tão felizes. Riley perguntou-se por que é que a mãe se tinha ido embora levando-os para tão longe.

Então, por alguma razão, as palavras do pai ecoaram na sua mente.

“Estás a lidar com o que as pessoas chamam de normal.”

Era isso. As fotos continuavam a atrair a sua atenção porque tudo nelas parecia tão normal.

Ela percebeu que Bill e o Dr. Gordy estavam a olhar para ela, esperando algum comentário sobre o que estavam a discutir.

“Peço desculpa,” Disse Riley, “passei muitas horas num avião hoje. Estou cansada e desatenta.”

Bill disse, “Temos mais dois nomes para verificar agora. Eu assegurei ao Dr. Gordy que teremos muito cuidado em fazer acusações.”

“Oh, obrigado,” Disse Riley.

Quando olhou para o genial médico, sentiu que a sua aparência mudava diante dos seus olhos. Começou a questionar-se e o coração começou bater mais rapidamente.

Poderia estar o assassino sentado à frente dela? Este médico perfeitamente normal, eloquente? Nesta casa e subúrbio perfeitamente normais? Com a sua família perfeitamente normal? O mal poderia camuflar-se daquela forma?

Ou estaria a enlouquecer de vez?

Ela tinha que descobrir.

Ela tentou manter a voz firme enquanto escolhia as palavras cuidadosamente.

“Eu não pude deixar de admirar as suas fotos novamente,” Disse ela. “Os seus filhos parecem tão felizes consigo. Consegue vê-los com frequência?”

Ouviu a sua própria voz trémula.

Observou com muita atenção e foi surpreendida ao captar um rápido flash de fúria no rosto do médico antes de sorrir e dizer, “Não tão frequentemente como eu gostaria, é claro. Mas a vida nem sempre corre como planeamos, não é?”

Agora Riley estudava o homem com todos os seus poderes de observação. Ela não sabia muito bem porquê, mas começava a pressentir que havia algo de muito errado com este homem de aparência doce sentado à sua frente.

“Espero que o meu conselho profissional tenha valido a vossa deslocação,” Disse Gordy, com um tom que denotava urgência em terminar a entrevista.

“Claro que valeu,” Disse Riley. “E muito obrigado. Pedimos desculpa por tê-lo incomodado,” Disse Riley com o coração a bater com força demolidora. “Vamos embora e deixá-lo em paz.”

Começou então a perscrutar o cérebro para lhe ocorrer algo para dizer, ao mesmo tempo que se levantava.

“Não se importa que eu vá à casa de banho antes de irmos embora?” Perguntou Riley.

Ele hesitou e depois sorriu com relutância.

“Claro que não,” Disse. Apontando para o corredor. “A casa de banho encontra-se na primeira porta à direita ao fundo do corredor.”

Riley levantou-se e apressou-se na direção do corredor. Ela sentia as palmas das mãos a transpirar.

Estaria ela louca? Estaria a ver coisas onde nada existia?

Riley entrou na casa de banho que o Dr. Poole lhe indicara. Havia um armário de medicamentos por cima do lavatório e algumas portas de armário e gavetas. Mas procurar ali seria perda de tempo. Poole não a teria direcionado para ali se houvesse algo para encontrar.

Não tenho tempo para procurar em todo o lado, Pensou ela. É esperar para ter sorte.

Penetrando nas entranhas da casa do médico, ela passou por várias outras portas e chegou a uma mais elegante no final do corredor. Quando a empurrou, a porta abriu-se para um enorme quarto principal, suavemente iluminado por dois candeeiros elegantes.

Ela entrou e fechou a porta atrás de si. Havia roupeiros, três arcas com gavetas e portas que provavelmente levavam a armários.

Por onde deveria começar?

Dirigiu-se a uma porta aberta do outro lado da sala e encontrou uma casa de banho privativa. Acendeu a luz e entrou. A casa de banho era maior do que o seu próprio quarto. Tinha todos os luxos, além de muitos espelhos e elegantes toques decorativos. Ela teria que percorrer toda uma série de gavetas e portas de armário até encontrar algo. Abriu uma porta do armário, olhou à volta e depois abriu outra.

Não havia nada.

Espero que Bill o mantenha a falar, Pensou.

 

*

 

Bill queria que Riley se despachasse. Se a rapariga desaparecida ainda estivesse viva, não tinham tempo a perder. E se não estivesse, tinham que apanhar o assassino antes que ele atacasse novamente. E já tinham descoberto tudo o que o médico estava disposto a dizer-lhes. Ele olhou para as fotos na parede, procurando um assunto de conversa.

“Então... O Dr. Gordy e os seus filhos parecem gostar de pescar,” Disse ele. “Eu também. Vocês no Arizona têm todas as condições. Tantos lagos, tantos lugares para pescar.”

“Sim, há muitos lagos aqui, não há?” Anuiu o Dr. Poole. “São todos artificiais, como sabe. Os produtos da engenharia hábil, represando rios e enchendo desfiladeiros. A maioria deles também funcionam como reservatórios e são magníficos locais de lazer. O Lago Mead é o maior reservatório dos EUA. Partilhamos esse com o Nevada, como sabe.”

“Que tipo de peixe é que se pode pescar?”

“Oh, truta, dourada, peixe-gato, tilápia e vários tipos de robalo. Uma vez apanhei um robalo enorme.”

O Dr. Poole parecia um pouco distraído. Continuava a olhar para o corredor.

“Invejo o tempo que passa com os seus filhos,” Disse Bill. “É evidente o quanto o amam.”

O Dr. Poole encolheu os ombros, distraído.

“Eles não me podem amar tanto quanto eu os amo,” Disse ele.

“Sim, qualquer um pode ver isso.”

Um silêncio abateu-se e quando Bill olhou à sua volta, algo brilhante no chão chamou a sua atenção. Estava debaixo da mesa, ao lado da sua cadeira, quase escondido no grosso tapete.

Bill levantou-se da cadeira e inclinou-se para ver melhor. Apanhou o objeto para o devolver ao gentil médico.

Era um brinco de metal brilhante - uma coisa barata, em forma de flor.

De repente, na sua mente, ouviu as palavras de Colleen Wuttke.

“Eu tinha muitas coisas destas a dada altura, bonitas, todas em tons de ouro e em forma de flores.”

Era o brinco perdido de Colleen.

O que fazia ali?

O seu coração ribombou quando todas as peças do puzzle se uniram de uma assentada, e percebeu.

Aquilo só poderia significar que...

Mas assim que a compreensão se apoderou dele, assim que estava prestes a pegar na sua arma, de repente, sentiu um duro golpe na nuca.

E então, tudo ficou negro.


CAPÍTULO QUARENTA

 

Riley não estava a encontrar nada de útil e sabia que teria que desistir da busca em breve. Ela não tinha motivos legais para vasculhar a casa do médico - nada além da sua súbita intuição a seu respeito. E se a sua intuição estivesse errada? E se a sua mente paranóica a fizesse suspeitar do médico mais respeitável com quem a polícia já trabalhara?

O tempo esgotava-se e começava a entrar em pânico quando abriu um par de portas de armário e ouviu um ruído quase impercetível. Afastou uma pilha de rolos de papel higiénico.

Muito para trás do armário encontrava-se um pequeno frigorífico. Ela abriu a porta e uma luz saiu de lá de dentro.

O mini-frigorífico estava cheio de grandes garrafas de plástico branco, não frascos de prescrição. Ela pegou numa garrafa e despejou enormes comprimidos cor-de-rosa na sua mão.

Era o medicamento contra o VIH roubado. Ela tinha a certeza. Essas garrafas pareciam ter vindo diretamente de um fabricante e ela sabia que alguns desses medicamentos requeriam refrigeração.

O coração batia-lhe descompassadmente no peito quando todas as peças encaixaram nos seus devidos lugares. A sua intuição estava certa e agora os seus pensamentos atropelavam-se confusamente.

Por que é que não suspeitara de Poole na primeira visita? Por que é que o deixara encantá-la a ponto de gostar dele?

A resposta era simples. Deixara-se enganar pela sabedoria convencional. Era conhecido entre os agentes do FBI que, apesar das histórias sobre assassinos que colobaravam em investigações policiais, tal era algo que sucedia muito raramente. Ela nem sequer tinha considerado essa possibilidade.

Mas Shane Hatcher considerara-a - baseado unicamente no que ela lhe contara sobre o Dr. Poole. Hatcher sabia que Poole era o homem que procuravam. Ele sabia que Riley já tinha encontrado o assassino.

Lembrou-se do seu sorriso sinistro.

“Está muito perto.”

E agora fazia todo o sentido. Que melhor maneira para Poole encobrir os seus próprios roubos de medicamentos para o VIH? A polícia nunca suspeitaria do próprio homem que os estava a ajudar - um homem com uma excelente reputação de honestidade e integridade.

Riley ouviu um som atrás dela, mas antes que se pudesse mover, algo duro bateu nas suas costas. Ela caiu para a frente e feriu a cabeça no topo do armário. Aturdida, ela tinha consciência de que um joelho estava pressionado nas suas costas, mantendo-a contra o chão. Então o joelho afastou-se e as suas mãos foram puxadas para trás e amarradas. Ela sentiu algo a ser puxado sobre a sua cabeça e rosto.

Riley contorceu-se e tentou virar-se. Mas então veio outro brutal empurrão, que atirou o seu rosto contra o chão. Agora ele estava ajoelhado sobre ela, com o peso na parte inferior das costas, mantendo-se fora do seu alcance. Ele já tinha feito aquilo antes. Ele sabia como fazê-lo. E era mais forte do que parecia.

Riley lutou para respirar, dando pontapés loucamente. Ela não podia nem inalar nem exalar. O plástico transparente embaciado em frente dos seus olhos. Agora estava a perder a consciência. Imagens desfilavam defronte dos seus olhos. Ela esperava ver-se de regresso ao inferno da prisão de Peterson, ver o seu rosto iluminado pelo maçarico de propano. Mas em vez disso, viu o rosto do pai. A sua expressão era severa e dura. Ele segurava uma faca junto ao seu rosto.

"Deixa-me ajudar-te a safares-te desta," Dizia ele.

Viera ele em seu auxílio? Não, Riley ainda tinha suficiente presença de espírito para saber que estava a ter alucinações.

"Deixa-me ajudar-te a safares-te desta," Repetiu o pai.

E apontou a faca debaixo do seu queixo. Ela sabia o que é que ele estava prestes a fazer. Ele estava prestes a esventrá-la. Ele iria esfolá-la como um esquilo - arrancar a sua pelagem tão suave e graciosamente como se ajudasse uma senhora a tirar o seu casaco num jantar romântico.

Vou perimitir que isto termine assim? Pensou.

Iria deixar que o pai lhe fizesse aquilo?

Iria deixar o Dr. Poole fazer aquilo?

Iria deixar que aquele mundo feio de abuso e exploração a esvaziasse de tudo o que era e de tudo o que esperava ser?

Riley desbravou o caminho de regresso à consciência. Torceu o corpo com força e rapidamente. Sentiu o peso de Poole ceder quando ele caiu para um lado. Sentiu as cordas amarradas apressadamente nos seus pulsos se soltarem, e então as suas mãos estavam livres.

Tirou o plástico do rosto, e a sua garganta e pulmões ardiam da ingestão de ar. Levantou-se e virou-se.

O Dr. Gordy estava de pé à sua frente e segurava numa arma com as duas mãos. Era a arma de Bill.

Ela tentou falar, para lhe perguntar o que tinha feito a Bill. Mas depois do tempo privada de ar, as palavras não lhe saíam.

Ele segurou a arma tremulamente, parado numa posição absurda para disparar. Era óbvio para Riley que ele nunca tinha disparado uma arma na vida. Mas naquele espaço exíguo, isso não o tornava menos perigoso do que um homem que frequentava todos os dias a carreira de tiro.

Ela saltou na sua direção e ele disparou. Mas ele atrasara-se uma fração de segundo e ela já tinha desviado o seu braço. Ela ouviu a bala bater inofensivamente nos azulejos da casa de banho. A arma caiu da mão do médico e derrapou pelo chão.

Ela deu um passo atrás e bateu com o punho na sua barriga. Ele dobrou-se com um gemido audível. Ela bateu com o seu outro punho duro na parte lateral da sua cabeça que embateu contra o batente da porta e ele caiu sem sentidos no chão.

Riley sacudiu a mão. Aquilo doera como o raio. Mas pensava que não devia estar partida. Algemou o médico numa barra de segurança colocada na parede, certa de que ele não iria a lugar algum.

Pegando na arma, ela cambaleou para fora da casa de banho e atravessou o quarto na direção do corredor.

Agora, finalmente, conseguira gritar.

“Bill! Bill!”

Não obtivera resposta.

As forças de Riley estavam a regressar. Ela correu pelo corredor e entrou na sala de estar. Bill estava deitado no tapete, sangrando de uma ferida na cabeça. Um atiçador de lareira estava no tapete ali próximo.

Riley ajoelhou–se junto ao parceiro. Respirava com dificuldade e os batimentos cardíacos eram fracos. Riley sentiu invadir-se por uma onda de tristeza, de pesar, de culpa. E se ele morresse? Esse homem que ela conhecia melhor que ninguém à face da terra?

Ligou para a linha de emergência do FBI.

“Agente ferido. Preciso de uma ambulância.”

“Entendido,” Responderam-lhe. A voz ao telefone confirmou a morada.

“Depressa,” Disse Riley e desligou. Viu Bill novamente, mas ela sabia que não deveria tentar movê-lo. Tinha que esperar pela ambulância.

Riley levantou-se e olhou em redor da sala. Ela sabia que se a rapariga ainda estivesse viva, provavelmente estava em algum lugar naquela casa. Voltou para o corredor e começou a verificar as portas que tinha passado na sua busca pelos medicamentos. Uma delas abriu-se num patamar e escadas em direção à escuridão.

Riley ligou uma luz e apressou-se a descer os degraus.

No meio da cave bem mobilada estava uma rapariga magra, amarrada a uma cadeira com fita adesiva. Ela tinha virado a cadeira e estava deitada de lado. A sua boca não estava amordaçada, mas Riley percebeu pelo seu olhar vago que se encontrava fortemente sedada.

Riley foi acometida de um júbilo indefinível. A rapariga estava viva.

Ela correu na direção de Sandra Wuttke e começou a desamarrá-la.

A rapariga pareceu compreender o que se estava a passar e começou a chorar.

“Ele ia-me matar,” Disse ela.

Riley segurou-a e embalou-a.

“Agora está tudo bem,” Disse. “Ele já não te pode magoar. Está tudo bem agora.”

Riley sentiu lágrimas a rolar no seu próprio rosto. Esta menina era mais jovem do que April e a sua vida quase tinha sido interrompida. De certa forma, não podia deixar de sentir como se estivesse a amparar April, depois de ter sobrevivido às garras de Peterson.

“Ele tinha um saco de plástico,” Gemeu Sandra. “Ele ia-me matar.”

Riley acariciou os seus cabelos.

“És uma menina corajosa,” Disse ela. “Vais ficar bem. Tudo vai ficar bem.”

Riley ouviu sirenes à distância, a ambulância e, provavelmente, também um carro do FBI.

Riley só esperava que chegassem a tempo de salvar Bill.


CAPÍTULO QUARENTA E UM

 

Bill e Riley estavam a terminar a reunião com Brent Meredith no seu gabinete em Quantico. A cabeça de Bill ainda estava enfaixada e ele sofrera uma leve concussão, mas Riley sabia que o pior já tinha passado. Em suma, ela estava satisfeita com o encerramento do caso em Phoenix.

“Bom trabalho,” Disse Meredith. Então, com uma espécie de meio sorriso para Riley, acrescentou, “Até o Agente Morley parece pensar da mesma forma.”

Riley devolveu o sorriso sem grande convicção. Sim, Morley agradeceu-lhe e a Bill na pista em Phoenix antes de levantarem voo de regresso a Quantico. Mas não havia muito calor nos seus agradecimentos. Ele tinha sido especialmente frio para Riley. E ela não considerara isso surpreendente. E na verdade, não o podia culpar.

Meredith balançava-se na sua cadeira. Riley reconheceu-o como o sinal do chefe de que a reunião estava a terminar. Ele olhou para Riley e abanou ligeiramente a cabeça.

“Agente Paige, no seu próximo caso, espero que me facilite mais as coisas. Tive que a defender bastante. E para referência futura, o nosso avião não é para seu uso particular.”

Agora Riley corou um pouco.

“Estou em dívida para consigo,” Disse ela.

“Pois está,” Disse Meredith.

E ela sabia que estava. Podia agradecer a Meredith não ter sido expulsa do caso - ou expulsa do Bureau, na verdade. Onde é tinha na cabeça para se ausentar a meio de um caso?

É claro que sabia o que é tinha na cabeça. April era o que tinha cabeça. Naquele momento, a sua filha tinha realmente mais importância para ela do que o seu trabalho. Será que ainda se sentia assim?

Sim, sentia-se.

Afinal de contas, não sou o meu pai, Compreendeu.

Meredith perguntou, “A segunda viagem, a de Sing Sing, foi realmente útil?”

Riley considerou a pergunta por um momento. Sem dúvida, Hatcher identificara o assassino, mesmo que só o tivesse dito através de enigmas. Ainda assim, a ideia de o encontrar novamente parecia intolerável a Riley.

“Não planeio consultá-lo nunca mais,” Disse ela.

Meredith levantou-se da sua secretária, indicando o encerramento da reunião.

Bill e Riley abandonaram o edifício. Não disseram nada durante alguns momentos enquanto caminhavam lado a lado. Grande parte da viagem de avião tinha sido assim.

“Posso levar-te a casa,” Disse Bill.

“Não há problema, tenho o carro aqui,” Disse Riley. Ela deixara o seu carro em Quantico quando tinham partido para Phoenix. Agora parecia que tinha sido há séculos.

“Talvez pudéssemos parar em algum lado para tomar uma bebida ou comer alguma coisa,” Sugeriu Bill.

Riley não sabia ao certo o que Bill queria. Depois da sua estranha tentativa de aproximação na última semana, ainda estaria à procura de centelhas românticas entre eles? Talvez não. Talvez só quisesse passar alguns momentos descontraídos com uma amiga e colega.

De qualquer das formas, Riley não estava com disposição.

“Fizemos um bom trabalho juntos em Phoenix,” Disse ela. “Vamos dar o dia por terminado.”

Parecendo um pouco triste, Bill disse, “Então tudo bem.”

Bill começou a afastar-se.

Riley chamou-o. “Bill. Gosto de trabalhar contigo.”

Bill respondeu. “O sentimento é mútuo.”

E cada qual seguiu o seu caminho. Enquanto Riley conduzia para casa, perguntou-se em que ponto estavam realmente as coisas entre eles. Ela estava feliz por funcionarem novamente tão bem como equipa. Mas ainda havia uma tensão não resolvida entre eles.

A verdade era que Riley agora se perguntava como se sentia em relação aos homens em geral. As suas experiências em Phoenix tinham deixado marcas. Proxenetas como Jaybird e misóginos ricos como Calvin Rabbe não lhe inspiravam qualquer confiança. Nem Garrett Holbrook, que ficara tão deslumbrado com a sua vida de solteiro despreocupado que abandonara a sua própria irmã. Até mesmo Bill tinha enojado Riley ao ficar excitado com o seu papel de prostituta.

Talvez os homens já não me digam nada, Pensou.

 

*

 

Riley relaxava no terraço traseiro da sua casa, desfrutando das vistas e dos sons do bairro. Recusou a oferta de limonada fresca de Gabriela, optando pelo refrigerante. A verdade é que a limonada recordar-lá-ia durante muito tempo um assassino que a tinha enganado completamante.

Ainda ouvia na sua mente as expressões simpáticas do Dr. Gordy e ainda via o seu rosto quando a atacou.

Mas April e Crystal, a rapariga que vivia na casa ao lado, estavam a beber a limonada de Gabriela. Elas estavam sentadas no quintal a assistir a um filme no portátil de April. Não paravam de rir e de apontar para o ecrã.

Mesmo sem a limonada, o Dr. Gordy continuava a penetrar na mente de Riley. Felizmente, o homem estava preso e o caso contra ele era sólido. Nunca mais seria livre. Na verdade, o Arizona aplicava a pena de morte aos condenados por vários homicídios, de modo que a arrogância do Dr. Gordy seria definitivamente eliminada.

Infelizmente, nem a sua prisão, nem a sua morte fariam nada pelas três mulheres que matara. Talvez fosse útil para as outras duas que tinha aterrorizado e certamente beneficiaria aquelas que nunca poderia apanhar.

Riley perguntou-se se Socorro voltaria à prostituição ou se encontraria alguma maneira melhor de sustentar os seus filhos. Havia organizações em Phoenix que iriam ajudá-la a fazer uma mudança de vida, se ela quisesse.

April subiu as escadas até ao terraço e interrompeu as suas reflexões. Serviu-se de mais limonada do jarro que Gabriela tinha deixado sobre a mesa. A sua amiga Crystal ainda estava no quintal, colada ao computador.

“Ainda estás a pensar no caso?” Perguntou April.

Riley conseguiu sorrir um pouco. “Por favor, não te preocupes comigo, querida. Volta para a tua amiga e vê o filme.”

“Ei, depois de tudo o que passámos juntas, podes contar-me.”

Então April encolheu os ombros.

“Além disso, é um filme estúpido,” Disse, sentando-se ao lado de Riley.

Riley suspirou.

“Não posso deixar de me perguntar o que acontecerá com algumas das pessoas que conheci. Especialmente as meninas.”

“Como aquela que salvaste do assassino?”

“Sim. Pelo menos a Sandy voltou para um abrigo.”

“Pelo que contaste, com certeza que não volta a fugir.”

Riley não respondeu. Esperava que April tivesse razão. Mas April não tinha visto tudo o que ela tinha visto ultimamente - os rostos sem esperança de mulheres como Chrissy, que simplesmente não conseguiam alcançar uma vida melhor, e os olhares vazios de meninas muito mais jovens que já começavam a perder toda a esperança. Ficou calada durante alguns momentos.

“Havia outra rapariga,” Disse Riley. “Eu tirei-a de uma paragem de camiões e levei-a para um abrigo. O nome dela é Jilly e nunca lhe acontecera nada de bom na vida. Graças a Deus, está receber a melhor ajuda que poderia desejar. Tanto Jilly como Sandy precisarão de algum tempo, mas agora terão uma oportunidade. Elas poderão escolher.”

Riley ouviu novamente as palavras de Shane Hatcher.

“Mas tem tudo a ver com escolha.”

A sua própria escolha, decidira, era nunca mais pedir ajuda a Hatcher. Não havia como negar que ele a ajudara a encontrar o seu caminho através de crimes intrigantes, mas o seu conselho surgiu de um lugar mais escuro do que podia imaginar. E não queria lá voltar nunca mais.

Os seus pensamentos foram interrompidos pelo toque da campainha. Ouviu Gabriela ir à porta e dizer a alguém, “Elas estão lá atrás.”

April levantou-se para ver quem tinha chegado.

Depois olhou para Riley.

“É o pai,” Disse numa voz sem emoção.

Riley sentiu vontade de fugir, mas não se mexeu. Como é que ele se atrevia a aparecer agora, depois de ignorar April, quando ela precisara tanto dele?

Quando Ryan apareceu, Riley olhou fixamente para ele e disse, “O que é que queres?”

Ryan colocou um braço à volta de April e disse, “Estou tão feliz por estares

bem,querida.”

Então virou-se para Riley e acrescentou, “Desculpa, Riley. Eu sei que não fui muito delicado quando telefonaste.”

Quando Riley não respondeu, acrescentou, “Parece que nunca queres falar comigo a menos que precises de alguma coisa.”

Riley respondeu, “A tua filha precisava de alguma coisa.”

“Eu sei. Espero que ambas me possam perdoar.”

April escapou-se ao abraço do pai e voltou para o quintal para se juntar a Crystal.

Sem ser convidado, Ryan ocupou uma cadeira vazia e sentou-se à frente de Riley. Riley ignorava-o ostensivamente.

“Tens uma bela casa,” Disse ele. “Estou feliz por teres saído daquela espelunca em que moravas.”

Riley sabia que ele lhe estava a lembrar que tinha que lhe agradecer. E era verdade. Ela tinha podido comprar esta casa que ela e April e Gabriela tanto amavam, porque Ryan era generoso com a pensão de April. O seu ex-marido não era mesquinho com o seu dinheiro - só consigo mesmo.

“Sim,” Disse Riley relutantemente. “Somos felizes aqui. Agora chego a Quantico rapidamente e a April também chega facilmente à escola.”

Riley finalmente olhou diretamente para ele. E percebeu que Ryan tinha bom aspeto. Estava tão atraente como sempre.

Ele inclinou-se para a frente e falou com seriedade. “Sinto saudades dvossas. Acho que nos deviamos ver mais vezes. Afinal, estivemos juntos durante muito tempo. Ainda somos uma família.”

Riley mal podia acreditar no que estava a ouvir.

“O que aconteceu à..." Riley não se conseguia lembrar do nome da mulher com quem Ryan andava.

“Não era o mesmo com ela.”

Riley ficou surpreendida.

Ele quer-me de volta, Compreendeu.

Será que ele não fazia ideia de como ela estava farta dele?

“Bem,” Disse ela, “tenho a certeza que um dia vais encontrar a mulher certa.”

Agora Ryan parecia magoado. Mas Riley estava decidida a não ser condescendente com ele.

Ela disse, “Dizes que ainda somos uma família. Mas nós nunca fomos uma família - pelo menos não os três. Tu nunca estavas lá.”

“Eu posso mudar,” Disse Ryan.

“Cai na real, Ryan. Tu nunca vais mudar. A April e eu demos-te todas as oportunidades, durante anos e anos. Tu não vais mudar.”

Ela sentiu a sua amargura estampada no rosto.

Ryan olhou para o quintal.

“Provavelmente estás a desfrutar da tua liberdade,” Disse ele.

Riley grunhiu. Era mesmo dele, reduzir os seus motivos ao seu próprio nível. Ela tinha um mundo de razões para não voltar para ele, mas ele tinha que acreditar que este era o mais importante. Ainda assim, ele não estava completamente errado.

Ela disse, “Na verdade, estou a desfrutar da minha liberdade. E tu não estás incluído no pacote.”

Antes que Ryan pudesse responder, a campainha tocou de novo. Em poucos instantes, Gabriela apareceu, acompanhada do seu vizinho, o pai de Crystal, Blaine Hildreth.

Os olhos de Gabriela brilhavam. Incapaz de reprimir uma risadinha, ela virou-se e afastou-se rapidamente.

Blaine olhou para Ryan e Riley, e estacou de repente.

“Oh,” Disse. “Não queria interromper.”

“Mas interrompeu,” Disse Ryan bruscamente.

Oh meu Deus, Pensou Riley. Será que isto se vai transformar numa disputa de machões?

Ryan era o mais alto dos dois, e o mais bem vestido com as suas roupas casuais caras. Mas Riley não o achava minimamente atraente naquele momento. Blaine era mais jovem e parecia mais alegre, mais engajado com o mundo. E naquele momento, mostrava ser mais bem-educado.

“Na verdade, não está,” Disse Riley a Blaine. “O Ryan estava mesmo de saída.”

Ryan olhou para ela, parecendo completamente derrotado, e uma fúria flamejante embaciava-lhe os olhos. Um olhar destinado a intimidar.

Riley, porém, estava farta de ser intimidada. Lembrou-se de como havia bloqueado o soco do pai e finalmente o enfrentou. A memória ficou-lhe e isso era estranhamente poderoso. Depois de todos aqueles anos, Ryan ainda não fazia a mínima ideia com quem estava a lidar, aquilo que ela era capaz de fazer.

Ela susteve o seu olhar e olhou para trás.

Repetiu numa voz de comando, “Não estavas, Ryan?”

Pelo aspeto do seu rosto, Riley tinha a certeza de que ele tinha percebido a mensagem. Sem dizer uma palavra, levantou-se e caminhou para a casa. Ouviu a porta da frente fechar-se atrás dele.

“Bem, acho que acabei de conhecer o seu ex,” Disse Blaine.

Riley riu-se um pouco. “Era ele mesmo.”

Blaine também riu. “Como correram as coisas no Arizona? Alguma história nova para contar?”

“Ainda não,” Disse ela. “Tenho muito que processar antes de poder falar sobre isso.”

“Compreendo.”

Os sons das vozes das miúdas risonhas vinham do quintal. Riley tinha a certeza de que o riso tinha a ver com o que tinha acontecido entre os adultos.

Blaine levantou-se e chamou Crystal.

“Então estás aqui! Estava à tua procura!”

Crystal rolou os olhos, sorrindo de orelha a orelha.

“Então, pai. Isso é tão mau. Nós sabemos muito bem quem vieste ver.”

Blaine corou, completamente envergonhado.

Riley achou graça. Crystal tinha-o apanhado.

Por um segundo, lembrou-se das palavras do pai.

“Nunca confies num homem cujos filhos não o odeiam.”

Ela sorriu interiormente. Pensou que isso tornava Blaine mais que confiável.

Blaine virou-se para ela e ainda claramente envergonhado, respirou fundo e disse, “Agora que está de volta, queria saber se podemos jantar todos juntos no Grill. Nós os quatro.”

Riley sorriu, desta vez de forma visível. Há muito tempo que não era convidada para sair. Sabia bem. E estar com Blaine, embora mal o conhecesse, também sabia bem.

“Seria bom,” Disse ela. “Seria muito bom.”

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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