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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AS HISTORIAS PERDIDAS / John Flanagan
AS HISTORIAS PERDIDAS / John Flanagan

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Condado de Redman A República dos Estados de Aralan. (Outrora o medieval Reino de Araluen) Julho 1896
O PROFESSOR GILES MACFARLANE GEMIA BAIXINHO, enquanto aliviava a sua dor nas costas. Ele estava ficando muito velho para ficar agachado durante longos períodos, gentilmente batendo a poeira longe da terra onde estava escavando agora a pouco quando achou outro artefato que prendeu a sua atenção durante tanto tempo.
Ele e sua equipe vinham para as ruínas deste castelo há vários anos. Eles haviam mapeado o contorno triangular das muralhas principais - uma forma incomum para um castelo. O coto irregular da torre mantinha-se em pé no centro do espaço que eles haviam aberto. A torre destruída tinha apenas quatro metros agora. Mas mesmo neste estado arruinado, MacFarlane podia ver que tinha sido uma construção formidável.
A primeira temporada da escavação foi usada para determinar os limites da construção. No ano seguinte, eles haviam cavado várias trincheiras em forma de cruz, cavando para baixo para descobrir o que havia sob o acumulo de mil e dezentos anos de terra, rochas e detritos.

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Agora, na terceira temporada, eles faziam um belo trabalho e começavam a descobrir antigos tesouros na escavação. A fivela de um cinto ali, uma ponta de flecha ali. 
 
Uma faca. Uma concha quebrada. Jóias cujo design e aparência datavam do século X da Era Comum.
 
Em um dia memorável, eles haviam descoberto uma placa de granito esculpida na forma de um Javali com grandes presas. Foi, sem dúvida, essa a peça que identificou o local como um castelo.
 
— Este foi o Castelo Redmont — MacFarlane contou a seus assistentes.
 
Castelo Redmont. Contemporâneo ao lendário Castelo Araluen. Sede do Barão Arald, conhecido como um dos mais ferrenhos detentores do lendário Rei Duncan. Se Redmont tivesse realmente existido, então todos os contos do seu povo tinham um fundo de verdade. Talvez, pensou MacFarlane, acreditando além da esperança, ele poderia encontrar provas de que a misteriosa Ordem de Arqueiros de Araluen tivesse mesmo existido. Seria uma descoberta incrivelmente significativa.
 
Mas como a temporada tinha progredido e as trincheiras foram cavadas profundamente, não houve achado mais importante do que o primeiro. MacFarlane tinha de se contentar com os achados normais de uma escavação - pequenas ferramentas enferrujadas de metal, ornamentos, fragmentos de cerâmica e vasos de cozinhar.
 
Eles procuraram, cavaram e escovaram, esperando que em cada dia iriam encontrar seu Santo Graal pessoal. Mas com a temporada de escavação de verão terminado, MacFarlane tinha perdido as esperanças. Para este ano, pelo menos.
 
— Professor! Professor! 
 
Ele levantou-se, esfregando novamente suas costas quando ouviu seu nome sendo chamado. Uma dos jovens voluntários da universidade, que havia aumentado sua equipe remunerada estava correndo através da escavação acenando para ele. Ele franziu o cenho. Uma escavação arqueológica não era lugar para se mover tão imprudentemente. 
Um ligeiro passo em falso poderia arruinar semanas de trabalho paciente. Então ele a reconheceu como Audrey, uma de suas favoritas, e sua expressão suavizou. Ela era jovem. Os jovens agiam imprudentemente às vezes.
 
Ela o alcançou e ficou, com os ombros arqueados, enquanto recuperava o fôlego.
 
— Então Audrey, o que é? — Ele disse, após dar a ela um pouco de tempo.
 
Ainda ofegante ela apontou para baixo da colina em direção ao rio Tarb.
 
— Para lá do rio — Disse ela — Entre um emaranhado de arvores e arbustos. Nós encontramos ruínas de uma cabana.
 
Ele deu de ombros, nem um pouco animado com a revelação. — Havia uma vila lá em baixo — ele disse. — Não é nada surpreendente. — Mas Audrey estava balançando a cabeça e agarrou o seu braço para leva-lo para baixo do morro.
 
— É alem dos limites da vila — ela disse, — Encontrei por conta própria. Você deve vir e ver aquilo! 
 
MacFarlane hesitou. Seria uma longa caminhada morro abaixo e maior ainda para subir novamente. Então ele deu de ombros mentalmente. Entusiasmos como o de Audrey deveriam ser encorajados, não abafados. Ele permitiu que a menina o levasse pelo caminho acidentado e em ziguezague.
 
Eles atravessaram a velha ponte sobre o rio. Sem nunca perder uma chance de ensinar, ele indicou para a menina como os suportes das extremidades eram muito mais velhos que o do meio.
 
— A seção do meio é muito mais nova — ele disse. — Estas pontes eram construídas para que o centro pudesse ser removido caso eles fossem atacados.
 
Normalmente Audrey teria prestado atenção em cada palavra. O professor era um herói pessoal para ela. Mas hoje ela estava em um frenesi de excitação para mostrar a ele a sua descoberta.
 
— Sim, sim — Disse ela distraidamente, exortando-o. Ele sorriu com indulgência quando ela puxou sua manga enquanto levava-o para longe dos restos da antiga vila. O caminho tornou-se mais difícil quando eles entraram na floresta e tiveram que atravessar ao longo de uma trilha estreita, por entre enormes árvores e densa vegetação rasteira. Finalmente, Audrey saiu da trilha, dobrou duas vezes e forçou caminho através de um emaranhado de cipós e trepadeiras. MacFarlane a seguiu desajeitadamente e em seguida, espantado, viu-se em uma pequena clareira cercada por velhos carvalhos e cornisos1 mais modernos.
 
— Como diabos você achou isso? — Ele perguntou.
 
Audrey corou.
 
 — Oh... eu... er... Precisava de um pouco de privacidade... Você sabe. — Disse ela sem jeito.
 
Ele balançou a cabeça, agitando a mão — Não diga mais nada. 
 
Ela o guiou para frente, olhando para onde ela apontava, o seu olho treinado podia ver claramente o contorno de uma cabana ou chalé. A maior parte da estrutura tinha apodrecido, é claro. Mas havia uns poucos vestígios de algumas colunas restantes.
 
— Carvalho — Ele disse — dura por séculos.
 Os contornos dos quartos e paredes divisórias ainda eram visíveis - fracos sinais impressos no solo ao longo do tempo, mesmo que a estrutura original tenha-se ido a muito tempo. E o chão aplainado, o nível do solo no interior, era tudo muito obvio.
 
— Pode ter havido um estábulo nos fundos — ela disse, sua vos parecia baixa em um lugar tão antigo. — Encontrei algumas poucas peças de metal - pedaços que poderiam ser uma fivela arnês. E os restos de um balde.
 
MacFarlane girou lentamente, estudando o contorno escuro da construção.
 
— É diferente da disposição das casas do vilarejo — ele disse, quase que para si mesmo — completamente diferente.
 
Ele deu um par de passos, com a intenção de medir as dimensões da cabana, então parou abruptamente.
 
— Você ouviu isso?
 
Audrey balançou a cabeça, com os olhos arregalados.
 
— O seu ultimo passo. Soou como se o chão estivesse oco.
 
Eles ficaram ambos de joelhos e começaram a raspar a sujeira, mofo e folhas. Audrey bateu os nós dos dedos no chão e novamente eles ouviram o som de um espaço oco por baixo. MacFarlane nunca ia a lugar nenhum sem uma pequena pá de mão em seu cinto. Ele a pegou e começo a jogar a terra para o lado. Então a lâmina bateu em algo sólido - sólido, mas com um certo elasticidade.
 
Trabalhando rapidamente, testando o terreno para saber exatamente de onde vinha o som oco, ele abriu um espaço retangular de aproximadamente quarenta por cinquenta centímetros. Audrey se aproximou e começou a escovar a terra a partir do centro. Eles se encontraram olhando para um antigo painel de madeira desidratada. Um anel de bronze fora colocado em um lado e MacFarlane gentilmente usou a pá para alavancar e  levantalo.
 
1 - O mas cornus (também conhecida como corniso), é uma espécie de planta pertencente ao género Cornus, conhecida pelos seus frutos semelhantes a cerejas.
 
O painel veio junto, se dividindo e meio desintegrando, para revelar abaixo um espaço com pedras muito bem alinhadas.
 
Um espaço que continha um antigo baú de madeira e latão.
 
Mais uma vez, MacFarlane usou a pá, a colocou no vão da abertura para abrir o baú. Audrey colocou a mão para Pará-lo.
 
— Deveríamos mesmo estar fazendo isto? — Ela perguntou.  Ela sabia que MacFarlane normalmente nunca iria mexer num artefato antigo como este sem ter o máximo de cuidado para preservá-lo de danos.
 
Ele encontrou o seu olhar.
 
— Não — Ele disse. — Mas eu não aguento mais esperar.
 
Ele abriu a tampa com surpreendente facilidade. Dobradiças de latão, ele pensou. Se fosse de ferro, teriam virado pó devido a ferrugem há muito tempo. Suavemente, mal contendo seu entusiasmo, ele levantou a tampa para trás e olhou para dentro.
 
O baú estava cheio de páginas e manuscritos em pergaminho ou velino, que agora estavam delicados e frágeis. Gentilmente, ele levantou uma folha do monte.  As bordas desmoronaram, porém o centro ficou intacto. Ele se inclinou para frente, esticando o pescoço para ler mais de perto as palavras escritas na página.  Cuidadosamente, ele estudou outras páginas, manuseando os frágeis manuscritos com um cuidado de perito, checando nomes, lugares e acontecimentos.
 
Então ele gentilmente recolocou as páginas no baú, se inclinando para trás e se apoiando nos calcanhares, os olhos brilhando de excitação
 
— Audrey — Ele disse. — Você sabe o que nós encontramos?
 
Ela balançou a cabeça. Obviamente, pela sua reação era algo grande. Não, ela pensou, mais do que isso , algo sem precedentes.
 
— O que é? — Ela perguntou.
 
MacFarlane jogou a cabeça para trás e riu, ainda não queria acreditar.
 
 — Nós nunca soubemos o que tinha acontecido com eles. — ele disse e quando ela inclinou a cabeça em uma pergunta não formulada, ele explicou.
 
— Os arqueiros, Halt, Will do Tratado e os outros. As crônicas e lendas apenas nos contam até o ponto em que eles retornaram de Nihon-Ja. Mas agora temos isto.
 
— Mas o que são estes, professor?
 
MacFarlane riu alto. 
 
— Eles são o resto da história, minha menina! Nós encontramos as Histórias Perdidas de Araluen!
 
A Morte de Um Herói
TINHAM SIDO TRÊS DIAS LONGOS E DUROS.
Will tinha estado em um tour pelas aldeias ao redor do Castelo Redmont. Isso era algo que ele fazia com uma base regular, manter o contato com os aldeões e seus chefes, mantendo o controle dos acontecimentos do cotidiano.  Às vezes ele tinha aprendido, pequenas partes de fofocas, algo que era trivial no momento, mas que poderia ser útil na hora de problemas e atritos dentro do feudo.
 
Isso era parte de ser um Arqueiro. Informação, não importa o quão insignificante possam parecer à primeira vista, mas foi um elemento vital para a Ordem.
 
Agora, no final da tarde, enquanto cavalgava cansado para a sua cabana junto às árvores, ele ficou surpreso ao ver luzes acesas e a silhueta de alguém sentado na pequena varanda.
 
A surpresa tornou-se prazer quando reconheceu Halt. Nestes dias o mentor de Will era um visitante pouco frequente para a cabana, passando a maior parte do tempo em quartos fornecidos para ele e Lady Pauline no castelo.
 
Will desmontou da sela e esticou os músculos cansados com gratidão.
 
— Olá! — Ele disse. — O que te traz por aqui? Espero que tenha trazido café.
 
— O café está pronto — Respondeu Halt. — Cuide de Puxão e depois venha se juntar a mim. Preciso falar com você. — Sua voz soou tensa.
 
Com a curiosidade atiçada, Will levou Puxão ao estábulo atrás do chalé, tirou a sela, escovou o pelo de cima para baixo e deu comida e água fresca. O pequeno cavalo tremeu o ombro como forma de gratidão. Ele deu um tapinha no pescoço de Puxão e voltou para a cabana.
 
Halt ainda estava na varanda. Ele tinha conseguido duas xícaras de café em uma mesa pequena e Will sentou em uma das cadeiras de madeira e lona, bebericou um gole com gratidão da bebida refrescante. Ele sentiu o fluxo de calor através de seus músculos rígidos e gelados. O inverno estava chegando e o vento tinha sido frio e cortante o dia inteiro.
 
Ele olhou para Halt. O arqueiro de barba grisalha parecia estranhamente desconfortável. E apesar da alegação de que deveria conversar com Will, uma vez que os comprimentos de costume estavam fora do caminho, ele parecia estar relutante em começar a conversa. 
 
— Você tem alguma coisa para me dizer? — Will solicitou.
 
Halt se mexeu desconfortavelmente na cadeira. Então, com um esforço obvio, ele começou.
 
— Tem algo que você deveria saber — Ele disse. — Algo que eu provavelmente deveria ter lhe dito a muito tempo. É só... O momento nunca pareceu o certo.
 
A curiosidade de Will cresceu. Ele nunca tinha visto Halt de um modo tão inseguro. Ele esperou, dando tempo para seu mentor organizar os pensamentos.
 
— Pauline acha que é hora de eu lhe dizer. — Ele disse. — Assim como Arald. Ambos sabem disso já faz um tempo. Então, talvez eu deva... ir em frente.
 
— É algo ruim? — Will perguntou, e Halt olho diretamente para ele pela primeira vez em vários minutos.
 
— Eu não tenho certeza — Ele disse — Você pode achar que sim.
 
Por um momento, Will se perguntou se queria mesmo ouvir, o que quer que seja. Então vendo o desconforto na face de Halt, ele percebeu que, bom ou mal, era algo que o seu mestre tinha de tirar do peito. Ele gesticulou para Halt continuar.
 
Halt parou por alguns segundos, então começou.
 
— Suponho que começou logo após as batalhas contra as forças de Morgarath, em Hackman Heat. Eles estavam em retirada durante vários dias. Então eles pararam e ficaram em posição. Nós tínhamos rechaçado o ataque principal e estávamos forçandoos para trás. Mas eles foram se reunindo no lado direito, onde eles acharam um ponto fraco na nossa linha...
 
Sul de Hackham Heath  
— MAJESTADE! O FLANCO DIREITO ESTÁ EM PERIGO! 
Duncan, o jovem Rei de Araluen, ouviu o arauto gritar acima do barulho da terrível batalha. O som de armas e escudos, os gritos e soluços dos feridos e moribundos, os gritos de ordens dos comandantes para suas tropas se reagruparem e os gritos involuntários e inarticulados dos soldados enquanto eles cortavam, esfaqueavam e se lançavam, implacavelmente, sobre a formação inimiga. Uma quase ensurdecedora mistura de sons a seu redor.  
 
Duncan deu mais uma estocada no Wargal que rosnava diante dele, sentiu a espada trespassar a carne e viu o rosnado mudar para uma expressão intrigada quando a criatura percebeu que já estava morta. Então ele deu um passo para trás, desvencilhando-se imediatamente da batalha — física e mentalmente. 
 
Um jovem cavaleiro da Academia de Batalha de Araluen rapidamente tomou o seu lugar na linha, com a espada já se movendo em um arco assassino quando ele deu um passo à frente, cortando de um lado a outro a linha de frente dos Wargals, como uma foice em meio a grama alta. 
 
Duncan descansou por um momento, apoiado em sua espada, respirando com dificuldade. Ele sacudiu a cabeça para clareá-la. 
 
— Majestade! O flanco direito — o arauto recomeçou, mas Duncan já acenava com a mão para pará-lo. 
 
— Eu ouvi o que disse — respondeu ele. 
 
Já havia se passado três dias desde a batalha de Hackham Heath, onde o exército de Morgarath tinha sido acuado em um ataque surpresa, liderado pelo arqueiro Halt, em sua retaguarda. Os inimigos estavam em plena retirada. Morgarath já deveria ter se rendido. Mas ele continuou resistindo, o que custava simplesmente mais e mais baixas, para ambos os lados. Mas o Lorde da rebelião nunca se preocupou em preservar vidas. Ele sabia que fora derrotado, mas ainda queria infringir a Duncan e seus homens o máximo de dano possível. Se eles tivessem de sair vitoriosos, que então pagassem muito caro por isso.
 
Com relação as suas próprias forças, ele pouco se importava com as perdas. Nada mais eram do que ferramentas para ele, e ele estava disposto a continuar jogando-os para cima do exército real, sacrificando centenas de tropas, mas causando centenas de mortes no processo. 
 
Depois de três dias, ele recuou para sudoeste, onde o terreno passou a favorecê-lo, proporcionando uma série de selvagens e custosas batalhas. Ele havia selecionado muito bem o local para esta última batalha. Uma estreita planície entre duas colinas escarpadas, onde a chuva, recentemente, tinha suavizado o terreno e impedido que Duncan utilizasse a sua cavalaria. De modo que sua infantaria fosse obrigada a se lançar em uma luta direta contra os Wargals, batendo e combatendo desesperadamente. 
 
E, sempre à espreita, no fundo da mente de Duncan ele podia ver o exército Wargal tomando a frente mais uma vez, devido a um erro dele ou a um lance de sorte dos dados de Morgarath. A sorte na batalha é uma amante inconstante e a guerra que Duncan tinha esperanças que terminasse em Hackham Heath ainda precisava ser ganha - ou perdida, devido a uma ordem descuidada ou uma manobra mal considerada. 
 
E este era um momento decisivo para Duncan. Tudo era relevante em uma situação como esta. E era vital que continuassem em frente. Fazendo-os recuar. 
 
Hesitar, mesmo que por alguns minutos, poderia reverter a vantagem a favor do inimigo. 
 
Ele olhou para sua esquerda. O flanco deste lado, em sua maioria tropas de Norgate e Whitby, reforçado por tropas de alguns feudos menores, avançavam consistentemente. No centro, os exércitos de Araluen e Redmont estavam tendo sucesso semelhante. O que já era esperado. Eles eram os dois maiores feudos do Reino, a espinha dorsal do exército de Duncan. Seus cavaleiros e homens de armas eram os mais bem treinados e disciplinados. 
 
Mas o flanco direito sempre tinha sido uma fraqueza em potencial. Era formado pelo conglomerado de feudos de Seacliff, Aspienne e Culway, e, como os três feudos tinham o mesmo tamanho, não estava claramente definido quem era o líder entre eles. Sabendo disso, Duncan havia nomeado o Mestre de Batalha Norman, de Aspienne, para ser o comandante. Norman era um líder experiente e era o mais capaz de unir forças tão díspares. 
 
Como se estivesse lendo os pensamentos do Rei, o arauto falou novamente. 
 
— O comandante Norman está morrendo, majestade. Uma explosão vinda do exército Wargal atravessou a linha de defesa e o acertou. Norman foi levado para a retaguarda, mas não sabemos quanto tempo de vida ainda tem. Os comandantes Patrick e Marat não sabem o que devem fazer a seguir, e Morgarath está se aproveitando disso. 
 
Claro, pensou Duncan, Morgarath deve ter reconhecido as bandeiras dos feudos menores no flanco direito e imaginou uma possível confusão se o comandante fosse colocado fora de ação. E quando Norman estivesse fora de campo, o comandante rebelde sem dúvida enviaria uma de suas companhias de elite para atacar o flanco direito. 
 
Um novo ímpeto, pensou Duncan. Só que desta vez estava trabalhando contra ele. Duncan olhou atentamente para a luta no lado direito. Observou que a linha havia parado de se mover adiante e viu seus homens darem o primeiro passo hesitante para trás. Ele precisava de um comandante que assumisse a liderança e rápido. Alguém que não hesitasse. Alguém com uma personalidade forte que motivasse as tropas e os fizessem avançar novamente. 
 
Ele lançou um olhar ao redor. Arald de Redmont teria sido sua escolha. Mas Arald estava sendo atendido pelos curandeiros. Uma flecha de besta o tinha atingido na perna e ele estava fora de ação pelo resto da batalha. O jovem comandante de Arald, Rodney, tinha tomado o lugar dele e estava lutando furiosamente, instigando as forças de Araluen a avançarem. Ele também não poderia utilizá-lo. 
 
— Eles precisam de um líder... — Duncan disse para si mesmo. 
 
— Eu vou. — Uma voz calma falou atrás dele. 
 
Duncan virou-se e encontrou os escuros e firmes olhos de Halt, o Arqueiro. A barba e os cabelos escuros e mal aparados ocultavam a maior parte de seu rosto, mas seus olhos demonstravam firmeza e determinação. Este não era um homem de quem se
questionava o comando ou que hesitava sobre o que tinha de fazer. Era um homem de ação. 
 
Duncan assentiu. — Vá em frente, Halt. Faça com que eles avancem novamente ou estaremos perdidos. Diga a Patrick e a Marat...
 
Ele não tinha escolha. Halt sorriu tristemente. — Oh, eu vou dizer a eles, não se preocupe. — Halt disse. Então girou sobre os calcanhares e montou no pequeno cavalo que estava parado à seu lado e partiu a galope em direção ao flanco direito. 
 
OS CASCOS DE ABELARD TROVEJAVAM SUAVEMENTE SOBRE A RELVA, eles estavam se aproximando do ponto problemático. Agora que estava perto, Halt pôde ver que o ataque Wargal estava sendo liderado por uma das unidades especiais de Morgarath. Todos eles eram bem maiores que o normal e tinham sido selecionados pelo tamanho, pela força e pela selvageria. E não estavam preocupados com suas próprias perdas, batiam em quem entrasse no seu caminho. Maças, machados e pesadas espadas de duas mãos subiam e desciam e varriam tudo a sua frente em arcos horizontais. Os homens do exército de Araluen caiam diante deles e a unidade Wargal avançava em uma sólida formação.
 
Halt estava ainda a quarenta metros de distância e já sabia que chegaria tarde demais. A linha de Araluen tinha se curvado para trás antes da investida. A qualquer segundo agora ela iria desfazer-se a menos que ele agisse.
 
Ele freou Abelard até parar por completo.
 
— Firme — disse ele e o pequeno cavalo ficou imóvel como uma rocha, desconsiderando a terrível cacofonia da batalha e o insuportável e metálico cheiro de sangue fresco.
 
Halt armou o seu arco e ficou de pé nos estribos. Então começou a atirar. Ele lançou três flechas no ar antes que a primeira acertasse o Wargal que liderava a unidade de ataque. Halt tinha escolhido o seu mais poderoso arco para a batalha, um com noventa libras de peso quando completamente esticado. Uma arma que poderia acertar um tiro a queima-roupa a quarenta metros de distância. 
 
Era difícil, a primeira das flechas de ponta negra acertou o meio da couraça da besta, feita de couro endurecido e placas de bronze, e caiu onde estava. Então, em uma rápida sucessão, as próximas duas flechas acertaram em cheio mais dois Wargals que morreram. E mais e mais flechas foram atiradas, cada uma delas com um silvo e um baque mortal, assim Halt esvaziou sua aljava com uma explosão devastadora de precisão.
 
Ele apontou para os Wargals na frente da formação, de modo que quando eles caiam impediam o progresso dos que vinham atrás deles. Não era o tipo de sorte no tiro que um arqueiro qualquer tentaria. Se ele errasse, ele podia acertar uma flecha nas costas de um dos soldados de Araluen que estavam de frente para os Wargals.
 
Mas Halt não era um arqueiro qualquer. Ele não falhou.
 
Quando as flechas acabaram, ele fez Abelard seguir em frente mais uma vez. E quando chegou a retaguarda da linha, ele saltou da sela e correu para se juntar as tropas que lutavam. No meio do caminho ele parou, jogou sua capa para o lado e pegou um escudo arredondado que havia sido descartado na grama — as suas facas duplas de defesa não teriam muita utilidade contra as pesadas armas dos Wargals. Ele hesitou um segundo, olhando para uma espada longa disposta ao lado da mão estendida de um cavaleiro morto. Mas não era uma arma familiar para ele, de modo que descartou a ideia de usá-la. Ele poderia usar sua faca de caça escandinava, era pesada e a lâmina afiada seria perfeita em uma luta a curta distância. Ele pegou sua faca e correu para a frente, forçando sua passagem entre os soldados.
 —Vamos! — ele gritou. —Sigam-me! Empurrem eles de volta!
 
Os soldados se separaram até que ele estivesse na linha de frente e cara a cara com o enorme líder do pelotão Wargal, que rosnava para ele. O brutamontes era apenas um pouco mais alto que Halt, mas muito mais maciço nos ombros e peito e pesava provavelmente duas vezes mais do que ele. Halt viu a boca vermelha aberta e os dentes arreganhados para o novo inimigo, do Wargal. Uma maça com pontas de ferro se moveu horizontalmente na direção de Halt e ele abaixou-se, imediatamente voltando à posição vertical e dirigindo-se para frente com a faca de caça, enterrando-a profundamente nas costelas da besta.
 
Ele viu uma espada vindo da esquerda, bloqueou-a com o escudo e então empurrou o enorme Wargal com a ponta da faca, fazendo o monstro morrer estatelado no chão.
 
— Vamos! — ele gritou novamente, passando a lâmina e cortando a garganta de outro Wargal e saltando para frente. Ele se esquivou de outra espada e esfaqueou duas vezes um Wargal que estava na frente dele, batendo-o de lado com o escudo fazendo-o se dobrar em agonia. Os Wargals eram imensamente poderosos. Mas eles eram desajeitados e Halt tinha a velocidade e os reflexos de uma cobra. Halt esquivava-se e ziguezagueava cortando e esfaqueando, talhando um caminho para frente. E agora ele sentiu alguém se movendo junto dele, ouviu outra voz ecoando seu grito.
 
— Vamos! Para frente! Empurrem eles para trás.
 
A hesitação no ataque dos Wargals causada pela saraivada de flechas de Halt e a sua aparição repentina lançando-se para frente e enfrentando o inimigo, deu novo ânimo aos soldados de Araluen. Eles começaram a seguir Halt e seu companheiro não identificado, movendo-se para frente mais uma vez.
 
Halt momentaneamente lançou um olhar para trás. Ele viu um sargento atarracado um passo atrás dele à direita, armado com uma lança. Quando Halt olhou, o sargento impulsionou a lança para frente, espetando um Wargal que guinchou em agonia. O homem sorriu para ele.
 
— Continue, Arqueiro! Você está ficando no meu caminho!
 
Atrás dele, outros o estavam seguindo, fazendo agora sua própria formação e dirigindo-se cada vez mais profundamente na direção da linha dos Wargals.
 
Halt ficou na fronte mais uma vez. Um Wargal veio na direção dele, com o machado para trás esboçando um golpe mortal. O sargento atirou a lança para frente por cima do ombro de Halt, atingindo o Wargal na garganta e parando-o, morto.
 
— Obrigado! — Halt disse, sem olhar. Mais dois Wargals estavam vindo na direção dele. Ele evitou o golpe de espada do primeiro, então sentiu pisar no braço de um inimigo morto, o que o fez cair de lado no chão.
 
O segundo Wargal estava balançando uma clava para ele e o tropeço provavelmente havia salvado sua vida. O golpe da clava apenas resvalou em vez de estilhaçar o seu crânio como faria um golpe direto. Mas aturdido e como havia batido no chão, perdeu o controle da sua faca saxônica. Ele tentou se levantar, mas foi impedido por causa do escudo no seu braço esquerdo. Assim, ele percebeu que o Wargal com a clava estava em cima do escudo, impedindo que se levantasse. Ele olhou para cima, ainda atordoado pelo golpe de raspão e viu a clava subir novamente.
 
Então, é isso, ele pensou. Ele se perguntou por que sentiu uma tão impassível aceitação da sua própria morte. Talvez o golpe em sua cabeça o tenha desanimado. Ele observou, esperando calmamente, fatalmente, a queda da clava.
 Em seguida, uma centelha de luz brilhou sobre ele, o brilho da ponta de uma lança que se enterrou no peito do Wargal. A força por trás do golpe da lança empurrou a criatura para trás, que deu um guincho rouco de dor e caiu, passando da linha de visão de Halt. O sargento saltou agilmente sobre a forma caída de Halt, arrancou sua lança do corpo do Wargal morto e parou com os pés afastados, protegendo Halt de novos ataques. Ele empunhou novamente a lança e outro Wargal afastou-se rapidamente. Então um machado de batalha baixou sobre o cabo da lança e a pesada ponta de ferro saiu girando, deixando o sargento com nada mais do que dois metros e meio de cabo de lança.
 
A cabeça de Halt estava embaralhada e sua visão turva. O golpe na cabeça realmente tinha causado algum dano. Seus membros estavam fracos e ele não conseguia encontrar força para se levantar. A cena diante dele parecia se desdobrar em um ritmo lento, como em um sonho.
 
O sargento olhou para a lança sem cabeça, encolheu os ombrose depois girou o pesado cabo em um círculo, esmagando-o contra o elmo de outro Wargal.
 
Segurando o cabo agora com ambas as mãos, como um bastão, ele deu uma estocada nas axilas de um segundo inimigo, enfiando-o profundamente entre as costelas do Wargal.
 
— Cuidado! —  Halt tentou gritar para avisá-lo, mas sua voz não era mais do que um coaxar. Ele viu um terceiro Wargal, abaixado e escondido atrás de seus companheiros, com uma espada de gumes irregulares pronta para dar uma estocada.
 
Um dos Wargals feridos agarrou o cabo da lança, puxando o sargento e tirando seu equilíbrio, e atirou a lâmina da espada para frente como uma serpente que dá o bote. Sangue vermelho fluiu do lado do sargento onde a espada o acertou. Mas ele ainda assim não vacilou. Ele arrancou o cabo da lança das garras do inimigo e, com um movimento rápido das mãos como se estivesse lançando a lança, o atirou com força para frente, ferindo o Wargal diretamente entre os olhos com a extremidade sem corte do cabo.
 
O Wargal gritou e caiu, cobrindo a testa destruída com suas mãos, soltando assim a espada. Instantaneamente, o sargento a agarrou, jogando o cabo da lança de lado. Agora ele golpeou à esquerda e à direita com uma velocidade impressionante, abrindo grandes cortes e feridas em mais dois Wargals. Um caiu onde estava, enquanto o outro cambaleou para longe, tropeçando em seus companheiros, chocando-se contra dois deles antes de cair. O sargento se defendeu de um golpe de uma lança curta de ferro vinda da direita. Outro esfaqueou-o vindo da esquerda e o acertou na coxa. Mais sangue fluiu. Mas ele ainda continuou lutando. Ele matou o Wargal com a lança com uma facilidade quase desdenhosa. Então esfaqueou e cortou cingindo a espada para a direita e para a esquerda, cobrando um terrível preço para qualquer inimigo que ficasse ao seu alcance. Um golpe de faca o cortou na lateral. Ele o ignorou e despachou o dono da faca com um corte desdenhoso.
 
Então Halt viu algo que ele pensou que nunca veria.
 
Enquanto a figura ensanguentada avançou, a espada subindo e descendo, retalhando e cortando, estocando e apunhalando, uma onda de medo varreu os Wargals.
 
A tropa de choque escolhida a dedo de Morgarath, que até agora temiam nada menos do que cavaleiros armados e montados, caiam para trás tamanho era o terror diante da figura ensanguentada com uma espada, enviada pela morte.
 
E assim eles recuavam e os homens do exército de Araluen encontraram um novo coração e varriam em frente na sequência do sargento. Ele estava gravemente ferido,
mas continuava lutando, até que seus companheiros o ultrapassaram, batendo nos desmoralizados Wargals e gritando triunfantemente.
 
Por um momento, o sargento ficou em um espaço vazio do campo de batalha. Então, um segundo pelotão de guerreiros de Araluen passou por ele reforçando o primeiro grupo e a linha Wargal se quebrou e retirou-se em total confusão, seu grito rouco e sem palavras encheu o ar, seus joelhos cederam e ele caiu no chão.
 
O barulho da batalha se afastou deles, recuando como um onda e Halt finalmente conseguiu libertar seu braço do escudo, ainda preso ao chão pelo corpo do Wargal morto. Ele tentou ficar de pé, mas o esforço era muito grande. Em vez disso, ele arrastou-se dolorosamente até o sargento caído, passando por cima dos corpos estatelados dos Wargals que aquele homem havia matado.
 
Apesar dos ferimentos, o sargento ainda respirava e ele virou sua cabeça penosamente para o Arqueiro que se aproximava. Ele deu um sorriso fraco.
 
— Nós mostramos para eles, não foi Arqueiro?
 
Halt mal podia ouvir a voz, e a sua própria era um coaxar ao responder a ele. — Nós mostramos sim. Qual o seu nome, sargento?
 
 — Daniel.
 
Halt segurou o antebraço dele. — Espere, Daniel. Os curandeiros vão chegar aqui em breve.
 
Ele tentou colocar o máximo de encorajamento nas palavras. Mas o sargento meneou a cabeça.
 
— É tarde demais para mim. — Subitamente os olhos do homem se encheram com urgência. Ele tentou se levantar, mas caiu para trás.
 
— Fique calmo. — Halt disse a ele, mas Daniel levantou a cabeça, cansado e se inclinou para ele.
 
— Minha esposa... — ele conseguiu dar um suspiro. — Minha esposa e o bebê. Me prometa... — Ele tossiu e sangue escorreu pelo seu queixo.
 
— Eu vou procurá-los. — Halt disse a ele. —Mas não se preocupe. Você vai ficar bem,  os verá em breve.
 
Daniel acenou e deixou sua cabeça cair para trás. Ele tomou um longo fôlego, que o fez estremecer. Então pareceu relaxar e sua respiração se tornou mais fácil, como se a promessa de Halt tivesse tirado um enorme fardo de sua mente.
 
Halt ouviu vozes e passos se aproximando. Então mãos gentis o estavam rolando e ele se viu olhando para os rostos preocupados de um par de atendentes médicos que estavam estendendo uma maca ao lado dele. Ele gesticulou fracamente em direção a Daniel.
 
— Está tudo bem comigo — ele disse. —Cuidem do sargento primeiro.
 
O atendente mais próximo deu uma olhada rapidamente em Daniel e balançou a cabeça.
 
— Não há nada que nós possamos fazer por ele — disse o atendente. — Ele está morto.
 
HALT ACORDOU
Por alguns segundos, ele se perguntou onde estava. Estava deitado de costas, olhando para o teto de lona dentro de um pavilhão com grandes dimensões. Ele podia ouvir pessoas se deslocando silenciosamente nas proximidades, falando em voz baixa. Em algum lugar, mais distante, um homem estava gemendo. Ele tentou virar a cabeça, mas um súbito clarão de agonia acompanhou o movimento e ele grunhiu de dor.
 
 Ele ergueu a mão até a testa e sentiu um grosso curativo. Em seguida, a memória começou a voltar.
 
 A batalha com os Wargals. Ele se lembrou. Lembrou-se da pancada que tinha levado no lado da cabeça. Que devia ser a causa da dor de cabeça que sentia. E se lembrou de um sargento. Qual era o seu nome? David? Não! Daniel. Daniel tinha salvado sua vida.
 
 Em seguida, ele foi dominado pela tristeza ao lembrar das palavras do portador da sua maca. Daniel estava morto.
 
 Por quanto tempo ele tinha estado ali? Ele se lembrou de que quando os enfermeiros tinham o erguido sobre a maca, ele tinha perdido a consciência. Parecia a ele que tinha acontecido há poucos minutos atrás. Ele tentou levantar a cabeça e sentiu uma enxaqueca espetar por trás de seus olhos novamente. Mais uma vez ele grunhiu de dor e desta vez um cara entrou em seu campo de visão, olhando para ele.
 
 — Você está acordado — disse o homem de plantão, dando um sorriso encorajador. Ele se abaixou e colocou a palma da mão na testa de Halt, testando sua febre. Aparentemente convencido de que não havia nada, ele tocou o curativo levemente, certificando-se que ainda estava apertado.
 
 — Quanto... tempo... — A voz de Halt estava arrastada e sua garganta estava grossa e seca. O enfermeiro levou uma xícara de água fria aos seus lábios, levantou sua cabeça com cuidado para permiti-lo beber. A água estava maravilhosa. Ele a engoliu em seco e ela o sufocou, e tossiu de tal forma que a água borbulhou para fora de sua boca. A tosse trouxe sua enxaqueca novamente e ele fechou os olhos de tanta dor.
 
 — Ainda com dor de cabeça, pelo visto? — Disse o homem de plantão. — Bem, os curandeiros disseram que não houve danos graves. Você só precisa descansar mais alguns dias e a dor de cabeça vai passar.
 
 — Há quanto tempo... estou aqui?
 
 O enfermeiro franziu os lábios.
 
 — Vamos ver. Te trouxeram na noite de anteontem, então eu diria que cerca de trinta e seis horas.
 
 Trinta e seis horas! Ele tinha ficado dormindo ali por um dia e meio! Um arrepio de medo súbito o atingiu.
  — Será que nós ganhamos? — Disse. Lembrou-se que os Wargals tinham recuado frente o ataque de Daniel, mas que poderia ter sido um evento localizado.
 
 O enfermeiro sorriu, acenando com a cabeça.
 
 — Oh sim, de fato. Morgarath e seus brutamontes foram completamente batidos. Alguém se referiu a isto como uma derrota. Eu ouvi dizer que você teve um pouco a ver com isso, é verdade?
 
 Ele acrescentou a última palvara com curiosade, como se estivesse interessado em ouvir mais sobre as façanhas de Halt no campo de batalha. Mas o Arqueiro deixou isso de lado.
 
 — Então Morgarath está recuando novamente? — Perguntou ele.
 
 — Sim. A cavalaria está perseguindo o inimigo, é claro. Mas o resto do exército ainda está aqui. Não por muito tempo, no entanto. Eles vão sair em breve.
 
 — Para onde irão?
 
 — Irão desbandar. A guerra acabou. Os homens voltarão para suas fazendas e suas famílias. E muito em breve.
 
 Fazendas e famílias. As palavras mexeram em outra memória na mente de Halt. Daniel tinha falado de uma mulher e de um bebê. Halt prometeu ajudá-los. Mas agora ele percebeu que não tinha ideia de onde estavam e se o exército realmente estivesse se separando, ele nunca poderia encontrá-los. Ele sentou-se sem pensar e balançou as pernas para o lado da cama, em seguida, se dobrou, sentindo uma dor incapacitante. O enfermeiro tentou ajudá-lo.
 
 — Por favor! Se acalme, Arqueiro! Você precisa descansar.
 
 Mas Halt agarrou seu antebraço e conseguiu ficar de pé, balançando, ao lado da cama. Ele piscou várias vezes. A dor diminuiu um pouco. Mas ainda estava lá.
 
 — Eu não tenho tempo — disse ele. — Me dê alguma coisa para essa dor de cabeça. Eu tenho que descobrir onde ele morava.
 
 
 Ele recordou que os homens que tinham sido enviados para ele liderar eram um grupo misto de Seacliff, Aspienne e Culway. Os soldados em sua volta usavam como crista de um texugo negro sobre suas túnicas, ele percebera quando passava pelas linhas de frente. Ele tinha visto a mesma crista em Daniel. Ele não tinha ideia de qual grupo marchara sob essa bandeira, por isso ele foi para a tenda de comando, para ver o Mestre de Batalha do rei.
 
 Quando chegou ao centro de comando, o Mestre de Batalha tinha ido. Claro, ele estava liderando a perseguição a Morgarath e aos Wargals em direção ao canto sudeste do reino. Mas seu secretário ainda estava lá, fazendo anotações de feridos, substituições e promoções. Ele olhou para cima quando Halt entrou e sorriu calorosamente. Todo o exército tinha ouvido falar dos feitos de Halt durante a batalha.
 
 — Bom dia, Arqueiro — disse ele. Então ele percebeu o curativo ensanguentado e viu como Halt balançava ao entrar na tenda, chegando e se encostando contra a mesa onde o secretário estava sentado.
 
 — Você está bem? — Disse ele ansiosamente. Ele se levantou e correu para encontrar um banco para Halt. O Arqueiro caiu sobre ele com gratidão. Ele piscou várias
vezes. Sua visão ainda estava embaçada. Ele esperava que ficasse assim apenas temporariamente. Não poderia se imaginar atirando com a visão tão fraca.
 
 — Apenas uma dor de cabeça — disse ele. — Eu preciso de uma informação. Eu acho que assumi o comando das tropas da ala direita na fase final da batalha.
 
 — Na verdade você fez! — O secretário disse calorosamente. — O exército inteiro já ouviu falar sobre isso.
 
 — Havia um soldado. Um sargento chamado Daniel. Na verdade, ele liderou o ataque enquanto eu estava derrubado. Alguém mencionou seu nome completo ou  alguém tem um registro de onde ele viveu?
 
 O funcionário balançou a cabeça.
 
 — Eu não mantenho uma lista completa. Cada força individual cuida de seus próprios homens. A que unidade ele pertence?
 
 — Eu não tenho certeza. Eles usavam um texugo negro como sua crista.  Os olhos do balconista se estreitaram em concentração por alguns segundos, então sua expressão se pagou.
 
 — Um texugo negro? Esta seria a companhia do Capitão Stanton, do Feudo Aspienne. Eles estão acampados mais ao norte, em uma pequena colina. Stanton foi ferido gravemente antes de você reurnir seus homens. Está sendo levado de volta enfermo para Castelo Aspienne. Mas o seu sargento deve ser capaz de ajudá-lo.
 
 — Obrigado por sua ajuda. — Halt deixou a tenda. Ele parou por um momento, olhando para o norte. Sobre uma colina baixa há várias centenas de metros de distância, ele podia ver um grupo de tendas em torno de um estandarte. Era longe demais para ver o símbolo da bandeira, mas podia ver que era de cor preta. Ele foi em direção às tendas.
 
 Como era o costume, o estandarte indicava a posição da tenda do oficial comandante. Enquanto Halt se aproximava, ele podia ver que estava certo. A figura no estandarte era de um texugo negro. Ele parou na entrada aberta. A tenda de comando era maior do que as simples unidades de quatro homens que a rodeavam.
 
 O comandante e sua equipe trabalhavam ali, por isso ela era usada como o escritório da companhia. Na parte de trás, uma seção separada ficava do lado de fora, formando os quartos onde vivia o capitão. Agora, é claro, isso não fazia diferença. Mas uma figura corpulenta estava sentada em uma mesa na parte da frente, franzindo a testa sobre folhas de papel. Ele era um homem mais velho, um tanto grisalho e com um olhar inconfundível de experiência e autoridade, sem dúvida, o sargento major que o funcionário tinha mencionado. Ele olhou para cima quando Halt entrou na tenda, vendo a capa e o curativo do Arqueiro em torno de sua cabeça.
 
 — Você tem a aparência de já quem esteve em guerra — disse ele, sorrindo. Halt permitiu-se um leve sorriso.
 
 — Apenas em uma. A mesmo que você esteve participando. Eu estou tentando encontrar o endereço da casa de um de seus homens. Um sargento chamado Daniel.
 
 O sorriso desapareceu e o sargento major balançou a cabeça tristemente.
 
 — Daniel? Ele era um homem bom. O perdemos na batalha final, eu temo.
 
 — Eu sei. Ele salvou minha vida pouco antes de morrer.  O homem mais velho considerou Halt com um interesse crescente.
 
 — Oh — ele disse. — É você o tal Arqueiro, não é? — Levantou-se de trás da mesa e ofereceu sua mão. — É uma honra conhecê-lo. Meu nome é Griff.
 
 Halt se sentiu desconfortável. Ele não gostava de ser o centro das atenções. Não era de seu feitiu. Ele preferiu passar sua vida discretamente, passando despercebido sempre que possível. Mas ele apertou a mão do homem.
 
 — Eu sou Halt — disse ele.
 
 Griff acenou em direção a uma cadeira e sentou-se mais uma vez. Ele franziu os lábios, pensativo.
 
 — Não tenho certeza que posso te dizer muito. Tudo aconteceu muito rápido quando nós mobilizamos o exército, e Daniel era muito novo para o feudo. Ele e sua esposa tinha se mudado de Norgate não muito tempo antes do início da guerra. — Indicou as pilhas de papéis e pergaminhos sobre a mesa que servia como uma escrivaninha. — Nós não tivemos tempo para anotar todos os detalhes dos homens antes de termos de marchar para a luta. Eu estou fazendo isso agora.
 
 — Você pode me dizer alguma coisa sobre ele?  — Halt perguntou.
 
 — Ele tinha uma fazenda, creio eu, em algum lugar na parte sudeste de Aspienne. Mas onde ela possa ficar, eu não tenho idéia.
 
 — Ele tem amigos na companhia que poderiam saber?
 
 O sargento estava balançando a cabeça antes mesmo de Halt terminar a pergunta.
 
 — Ele pode ter. Embora, como um sargento, ficou um pouco distante dos outros homens. Mas você poderia perguntar a eles. Ele tinha o comando do sexto plantel. Você vai encontrá-los uma fileira e meia à frente.
 
 — Eu agradeço — disse Halt. Ele se levantou, estremecendo mais uma vez com a dor através de sua testa. Ele colocou a mão sobre a mesa para se firmar.
 
 Griff olhou para ele com alguma preocupação.
 
 — Você tem mesmo de ir procurá-los? Você não me parece bem.
 
 Halt balançou a cabeça e imediatamente desejou não o ter feito.
 
 — Eu vou ficar bem — disse ele. — Foi apenas uma pancada. Eu estou melhor no ar fresco do que na abafada tenda dos curandeiros.
 
 — Isso é verdade. — Griff olhou para os formulários e papéis em sua mesa com um ar de decepção, como se tivesse esperança de que eles iriam se preencherem sozinhos enquanto ele falava. — Bem... me desculpe, mas não posso ser de mais ajuda.
 
 Halt acenou com a mão, agradecendo.
 
 — Qualquer informação já ajuda — disse ele.
 
 Ele avançou pelas fileiras de tendas, e passou entre duas para alcançar a próxima fileira seguinte. Cerca de dez metros abaixo, viu um cartaz gravado com o número 6 pregado sobre um eixo de lança. Ele olhou para baixo, para as próximas cinco tendas, e viu que havia um cartaz semelhante, desta vez com o número 7. Cinco tendas, quatro homens para cada uma, o que fazia vinte homens no total. Assumindo que todos tinham sobrevivido, o que ele sabia não ter acontecido. Três soldados descansavam ao sol do lado de fora da tenda. Se entreolharam quando sua sombra caiu sobre eles. Tinham uma
pitada de desconfiança nos olhos, mas desde que Crowley e ele tinham reformulado a Corporação Arqueiro, Halt tinha se acostumando a isso. Oficiais e sargentos avaliavam as habilidades dos Arqueiros trazidos ao exército, mas os recrutas se sentiam pouco à vontade ao redor das figuras vestidas de verde e cinza. Ele sabia que circulavam rumores de que os Arqueiros praticavam feitiçaria.
 
 — Bom dia — ele disse uniformemente.
 
 Os homens acenaram com a cabeça, esticando o pescoço para o olhar. Eles estavam sentados em banquinhos baixos. Um deles remendava uma túnica rasgada, um segundo esculpia com uma faca e o terceiro mastigava lentamente um pedaço de carne seca. De onde Halt estava, parecia que a carne estava ganhando a luta. Halt indicou um banquinho, a poucos metros de distância.
 
 — Se importa se eu acompanhá-los por alguns minutos? — Perguntou ele.
 
 O homem que remendava a túnica assentiu.
 
 — Por que não? — Disse, seu tom de voz nem dava boas-vindas, nem desprezo.
 
 Seu companheiro que mastigava a carne estava olhando para Halt, com uma carranca de reconhecimento em seu rosto.
 
 — Eu sei quem é você — disse ele, pensativo, tentando recordar. Então recordou. 
 
— Você estava na batalha! — Disse. — Estávamos sendo conduzidos de volta e de repente você estava lá, empurrando-nos para frente e cortanto e afastando os Wargals, gritando para que nós te seguíssemos. Você fez um excelente trabalho. Excelente! — Ele se virou para os outros. — Vocês o viram? Primeiro ele derrubou pelo menos uma dúzia deles com seu arco, então ele correu para o meio deles, cortando e apunhalando. E olhe para ele! Ele é pouco maior que um menino.
 
 Halt levantou uma sobrancelha. Ele não era o maior dos homens, mas ele sabia que o soldado estava exagerando um pouco. No entanto, ele podia ver que ele não pretendia insultá-lo, por isso ele deixou de comentar o assunto.
 
 — O sargento me deu uma mão — disse ele e o homem acenou com a cabeça vigorosamente.
 
 — Se deu! Ele nos conduziu quando você caiu. Deve ter matado uma dúzia deles também!
 
 Halt sorriu discretamente para isso. O homem estava inclinado a exagerar.
 
 — Ele fez um ótimo trabalho — ele concordou.
 
 O mastigador virou-se para seus amigos.
 
 — Vocês viram o sargento?
 
 Ambos balançaram a cabeça.
 
 — Estavamos mais longe, à direita — respondeu o mastigador. — Tudo o que vi foi que a linha estava prestes a quebrar, então ele começou a se mover para a frente. Em seguida, os Wargals estavam correndo em seu lugar. — A questão tinha sido ignorada e o mastigador de carne estava ansioso para continuar sua história. — Ele matou quatro ou cinco deles com sua lança. Então fatiou a cabeça de um e a usou como um bordão, girando-a ao redor, batendo em suas pernas. Então ele pegou uma espada e matou oito
ou nove deles antes de chegarem até ele. — Olhou para Halt esperando confirmação. — Você viu, Arqueiro! Quantos você acha que ele matou? 
 
 — Pelo menos oito — disse Halt. Ele não via nenhuma razão para contradizer o homem. A atmosfera eestava subitamente muito mais acolhedora do que tinha sido no primeiro momento. — Eu queria algumas informações sobre ele — disse. — Qualquer coisa sobre onde ele viveu.
 
 Ele ficou desapontado ao ver a expressão de nuvem através da já conhecida expressão de incerteza das três faces.
 
 — Desculpe — disse o homem que tinha exaltado os feitos e a coragem de Daniel. 
 
— Ele era novo na unidade e na região. Foi promovido rapidamente.
 
 — Isso mesmo — disse um dos outros, deixando de lado o gibão remendado. — O capitão gostou da aparência dele. Fez dele um sargento quase que imediatamente.
 
Aparentemente, ele tinha tido alguma experiência militar em Norgate antes de vir à Aspienne.
 
 — Foi promovido tão rapidamente, nós realmente não tivemos tempo para conhecê-lo — disse o homem que estava esculpindo. — Eu acho que eu o ouvi mencionar uma fazenda em algum lugar... — Ele parou, sem se lembrar dos fatos. Houve um silêncio constrangedor. Halt fez um movimento para levantar-se do banco, pensando que mais uma vez seus esforços para localizar a família de Daniel tinham resultado em fracasso. O primeiro homem que havia falado, o que mastigava a carne, pareceu ter uma ideia.
 
 — Você poderia tentar Kord e Jerrel — disse ele. — Eles poderiam ter uma ideia.
 
 — Se eles te dizerem — o homem vestiu a túnica remendada.
 
 Halt olhou de um para o outro.
 
 — Acho que vocês não são fãs desses dois.
 
 Os três homens trocaram olhares. Então o que havia sugerido os dois nomes respondeu.
 
 — Eles são um par de mentirosos e trapaceiros. Eles têm um jogo de dados e tentaram fazer amizade com Daniel, inicialmente, até que este o convidasse para jogar. 
 
Meu palpite é que eles estavam deixando-o ganhar nos dados para caírem em sua boa graça. Mas ele viu o que queriam antes de conseguirem e eles encontraram-se a fazer o seu quinhão de deveres fatigantes. Então eles o largaram.
 
 — O que te faz pensar que eles sabem onde ele viveu? — Halt perguntou e novamente houve uma pausa estranha. Finalmente, o entalhador falou.
 
 — Eles sempre quiseram saber onde todos viviam. Sempre faziam perguntas sobre de onde você veio, o que o fez voltar para casa. Não posso provar nada, mas acho que eles estavam mantendo um registro, para voltar após o fim da guerra para roubar.
 
 — Principalmente aqueles que tinham sido mortos em combate — disse pesadamente o homem que remendou o gibão. — Conhecendo as famílias essas seriam presas fáceis. É o tipo de coisa que eles fazem, de qualquer forma. Eles provavelmente sabem onde encontrar a fazenda do sargento.
 
 — O problema é fazê-los dizer — disse o mastigador e os outros concordaram. 
 
Halt olhou ao redor do pequeno círculo de rostos, vendo desgosto em relação aos dois abutres chamado Kord e Jerrel.
 
 — Como eu poderia começar a convencer esses dois? — Perguntou ele.
 
 O mastigador ergueu uma sobrancelha.
 
 — Jogue dados com eles — disse ele. — Mas esteja preparado para perder.
 
SOLDADO JERREL DA COMPANHIA TEXUGO NEGRO estava trabalhando em um par de dados. Já tinha terminado o primeiro e estava quase acabando o segundo. Ele estava limando e arredondando os cantos, de modo que o dado teria a tendência a rolar ligeiramente para um lado pré-selecionado, mostrando a pontuação de seis com mais frequência do que o puro acaso permitiria. Não era tão confiável quanto o método alternativo de fixação. Este envolvia cuidadosamente uma inserção de pesos para fazê-lo cair com a face escolhida para cima. Mas lixar os cantos aumentava sua chance de ganhar na rolagem dos dados.   No bolso, ele tinha um par de dados contrabalanceados, cuidadosamente manipulados para mostrar dezenas de um e dois. Mas essa manipulação nos dados era um negócio complicado de se fazer. Levou muito tempo para remover todos os sinais de que algo havia sido inserido nos pequenos cubos. Seu outro par tinha sido confiscado alguns dias antes por um oficial. Agora, ele teve de recorrer ao arredondamento dos cantos para substituí-los. Você precisaria de dois pares de dados adulterados para fazer uma nova vítima. Você usa um par, permitindo-lhe ganhar as primeiras roladas, somente para lhe deixar interessado. Então, quando ele pensar que a sorte estava com ele, você sugere aumentar as apostas. E quando ele estiver de acordo, você troca os dados para que ele tire um número baixo.
 
 Uma sombra caiu sobre a entrada da tenda e Jerrel apressadamente empurrou os dados para debaixo de um pequeno cobertor. A entrada da tenda foi bloqueada por um momento, enquanto o homem entrava. Jerrel olhou para cima, franzindo a testa. O recém-chegado carregava uma mochila e uma espada ainda na bainha. Ele usava um uniforme de soldado com um texugo negro gravado no lado esquerdo do peito. Ele olhou ao redor, pelo interior da tenda, viu uma cama vazia e deixou cair seus pertences sobre ela.
 
 — Quem diabos é você? — Kord perguntou. Ele estava deitado em seu próprio beliche no lado oposto da tenda e seu descontentamento era evidente em sua voz. Ele e Jerrel gostavam de ter a tenda somente para si. Seus quatro companheiros de tenda haviam sido mortos ou feridos na batalha. Agora, ao que parecia, eles tinham um novo soldado se juntando a eles.
 
 — Meu nome é Arratay — disse o recém-chegado. — Eu fui transferido do segundo batalhão. O Sargento disse que meu beliche ficaria aqui.
 
 Ele era um homem baixo, franzino, mas com ombros poderosos e um peito profundo. Sua barba e cabelos eram irregulares e despenteados. Ele tinha uma bandagem suja enrolada em volta da cabeça. Acima dele, o cabelo era preto e os olhos eram escuros e penetrantes. Como uma ave de rapina, Jerrel pensou. Então ele sorriu com a ideia. Era mais provável que o estranho se tornasse presa fácil para ele e Kord uma vez que tivesse a chance de terminar de trabalhar no par de dados. Mesmo assim, ele não queria o estranho na tenda com eles.
 
 — Encontre outro lugar para dormir — disse Jerrel. — Aqui está cheio.
 
 — Há apenas vocês dois — disse Arratay razoavelmente, olhando ao redor da tenda.
 
 — Você ouviu — disse Kord. — Agora saia daqui.
 
 Arratay encolheu os ombros.
 
 — Se está dizendo...
 
 — É, eu estou — disse Kord. — Agora saia daqui .
 
 Encolhendo os ombros, o recém-chegado pegou sua mochila e deixou a tenda. Jerrel sorriu para Kord. Foi fácil, pensou. Em seguida, seu rosto empalideceu ao ouvir uma voz do lado de fora da tenda.
 
 — Você aí! Aratty ou o que quer que seja! Onde você acha que está indo? Eu disse que sua beliche é na barraca 43, não disse?
 
 — A tenda está cheia, Major. — Arratay respondeu.
 
 — O inferno que está! — Kord e Jerrel trocaram olhares exasperados quando ouviram os pesados passos se aproximando. Então a abertura da tenda foi jogada para trás e o grande corpo do Sargento Major Griff apareceu na entrada.
 
 — Minha tia de bigode que está cheia! Entre aqui! — Ele olhou para os dois ocupantes. — Vocês dois vão arrumar esse quarto! — Ele gritou.
 
 — Sim, Major. — Jerrel disse mal-humorado. Kord soltou um grunhido em resposta. Enquanto Arratay entrava novamente na tenda, Griff deu um passo a frente para barrar o seu caminho, com as mãos na cintura e postura agressiva.
 
 — Quanto a você, Aratty, pode ir para a cozinha. Limpará as lixeiras e esfregará as panelas dos cozinheiros pelo resto do dia. Para que da próxima vez não se esqueça de fazer o que eu mandar.
 
 — Sim, Major — disse o pequeno homem. Seus olhos estavam virados para baixo, não satisfeitos com as ordens do comandante. Quando Griff saiu da sala, Arratay fez um gesto insultuoso para suas costas. Então ele se virou, dando de ombros, para Jerrel e Kord. — Desculpem-me por isso. — disse ele.
 
 Eles trocaram um olhar, então Jerrel se levantou e tomou a mochila de Arratay, colocando-a em uma cama vazia.
 
 — Ninguém pode te ajudar. Griff pode ser verdadeiramente cruel. Melhor se contentar com a cozinha ou ele vai fazer pior. — Ele chamou a atenção de Kord. Assim que Arratay desaparecesse, eles remexeriam em sua mochila para ver se havia alguma coisa de valor para roubar. Kord acenou discretamente. O mesmo passava por sua mente.
 
 Arratay suspirou e virou-se para ir embora. Quando ele chegou à entrada, Kord o chamou:
 
 — Quando você terminar o seu trabalho, talvez queira participar de um joguinho de dados?
 
 Arratay sorriu para eles.
 
 — Parece divertido. — disse ele.
 
 Kord ergueu as mãos escarnecendo.
 
 — Outro lance vencedor! De onde é que a sua sorte vem, Arratay?
  O pequeno soldado sorriu feliz enquanto arrastava os seus ganhos. Ele tinha jogado e vencido três vezes seguidas e já não havia uma pilha respeitável de moedas a frente de onde os outros dois estavam sentados.
 
 — Apenas um dia de sorte, suponho — disse ele, empurrando uma nova aposta a frente e agitando os dados em seu copo. Os cubos de osso resoaram juntos e então rolaram sobre a mesa.
 
 — Dois seis novamente! — Jerrel disse. — Eu não acredito! — Ele olhou para Kord. — Eu acho que nós temos um profissional na tenda. — Kord acenou com a cabeça tristemente, mas Arratay apenas riu.
 
 — Não, rapazes. É apenas a vida e a consciência limpa. Querem aumentar as apostas? — Ele disse em tom casual, mas notou o olhar rápido e furtivo trocado por entre os dois homens.
 
 Kord concordou, depois de um show breve de relutância.  — Bem, eu poderia estar louco, mas por que não? Ele vai nos dar uma chance de ganhar um pouco do nosso dinheiro de volta.
 
 — Ou eu vou limpá-los mais cedo. — Arratay sorriu. Ele colocou outra aposta na frente, esperou até que eles correspondessem, então rolou novamente seus dados. Onze dessa vez, uma vitória automática.
 
 — Você não pode rolar apenas cinco e seis.  — Jerrel disse.
 
 — Apenas quando eu estou quente. — Arratay sorriu novamente, mas seus olhos se estreitaram desta vez. Ao invés de deixá-lo recuperar os dados, Kord apanhou-os e e os entregou. Ele fez a troca, Halt pensou. Ele pegou os dados, os colocou no copo, sacudiu-os e tornou a rola-los.
 
 Os outros dois mostraram uma alegria irônica quando os dados caíram virados para cima, mostrando um dois e um um.
 
 — Três! — Disse Jerrel. — Já era hora!
 
 Era um jogo simples. Onze e doze resultava em vitória automática. Dois e três em derrota. Qualquer outro valor não contava. O jogador simplesmente rolava os dados até ganhar ou perder. Halt fez uma careta quando os outros pegaram no dinheiro que ele tinha apostado. Os dados foram passados para Jerrel e ele os rolou, tirando um seis. Em seguida, um quatro, então um dois. Halt ganhou de volta uma pequena fração do que tinha perdido em seu último lance. Kord tomou os dados e se atrapalhou ao colocá-los no copo.
 
 Ele os trocou novamente, Halt pensou. E estava certo, Kord tirou um onze, depois um doze, enchendo suas duas mãos pequenas de moedas, antes de trocar os dados uma vez mais e tirar números baixos. Em seguida, entregou os dados para Halt. No processo de entregá-los, mudou-os novamente para os dados vencedores. As duas fraudes impediam que Arratay, como eles pensavam que ele se chamasse, perdesse o entusiasmo cedo de mais. O jogo continuou, Halt ganhou algumas vezes, perdeu outras, mas geralmente permanecia perto de ficar quebrado.
 
 As trapaças funcionavam melhor com um pouco de vinho, o qual ele repetidamente derramava em uma bota vazia quando os dois estavam distraídos. Mas ele fingiu tornar-se mais e mais afetado pela bebida, sussurando palavras e rindo estupidamente quando ganhava.
 
 — Amanhã será um grande dia — disse ele depois de terem jogado durante algum tempo. — Vamos sair cedo e ir para o sul.
 
 Seus dois companheiros reagiram surpresos.
 
 — Sul? — Disse Kord. — Por que o sul? Nós deveriamos estar debandando para ir para casa.
 
 Halt balançou a cabeça e olhou para eles, com um olhar de coruja.
 
 — Não mais. Não mais — disse ele, tocando no lado do nariz com o dedo indicador. — Os Wargals estão formando resistências mais duras do que o esperado. Morgarath os tem sob controle e Duncan precisa de homens extras. Nós estaremos lá — acrescentou ele, após uma pausa.
 
 Ele pode ver que a notícia teve o efeito esperado. Kord e Jerrel trocaram um olhar. Então Jerrel questionou-o ainda mais.
 
 — Onde você ouviu isso? — Perguntou ele.
 
 — Na cozinha — disse ele. — Os cozinheiros tinham feito comida extra para nossa partida.
 
 Os dois trapaceiros se entreolharam consternados. Os rumores da cozinha eram a fonte do conhecimento dos soldados. E eles tinham a reputação de serem precisos. Halt, é claro, não ouviu tais rumores. Mas ele esperava que o pensamento de uma partida iminente para o sul poderia mudar os planos de Kord e Jerrel. Se eles estavam planejando roubar a fazenda de Daniel, poderiam se precipitar. Ele se inclinou para frente, com os olhos turvos olhando para a mesa.
 
 — Agora, onde estão os dados? — Perguntou ele. — É minha vez!
 
 — Estão aqui — disse Kord, jogando os dados no copo e os entregando em seguida. Ele tinha acabado de perder o último lance e era novamente a vez de Halt. Halt achava que tinham o entregado os dados feitos para perder. Suas suspeitas foram confirmadas pelas palavras do próprio Jerrel.
 
 — Está ficando tarde — disse ele. — Vamos colocar tudo em uma último grande pote. O que me dizem?
 
 Kord fingia um olhar duvidoso.
 
 — Quem decide é Arratay.
 
 Halt encolheu os ombros.
 
 — Por que não? — Disse. — Sinto que minha sorte está voltando.
 
 Todos eles empurraram o dinheiro que restava para o centro da mesa. Halt pegou sua caneca e tomou um gole, o maior que tinha tomado por toda a noite.
 
 Então, ele desajeitadamente deixou a caneca cair, derramando o vinho sobre a mesa, sacudindo-o em direção a Jerrel de modo que uma maré vermelha fluía na madeira bruta e em seu colo. Jerrel saltou para trás gritando uma maldição.
 
 — Cuidado! — Disse.
 
 — Desculpe. Desculpe — disse Halt. Mas na confusão, trocou os dados que o fariam perder por outro par que tinha no bolso do gibão. Os tinha preparado naquela
tarde, enquanto deveria estar na cozinha, e eles foram raspados para que pudessem mostrar doze, duas faces de seis.
 
 Ele os balançou, murmurando o que fazer, e em seguida, os derramou sobre a mesa.
 
 — Que pe... — começou Kord, já estendendo a mão para o dinheiro. Então ele parou quando viu dois seis brilhando para ele, dois conjuntos de dentes em dois pequenos crânios.
 
 — Como você fez... ? — Jerrel parou quando percebeu que ia entregar o jogo se fosse mais longe. Arratay podia ter bebido. Mas ele não estava tão bêbado.
 
 Halt sorriu tolamente enquanto recolhia os dados.
 
 — Dados de sorte! — Disse. — Eu amo esses dados!
 
 Ele fingiu beijá-los ruidosamente, e trocou-os mais uma vez para o par dos perdedores que o tinham sido entregues no começo. Feito isso, ele enfiou próprios dados no bolso e deixou cair os outros de volta para a mesa quando começou a remexer em seus ganhos.
 
 — Sem ressentimentos, meninos. — disse ele. — Eu darei a vocês uma chance para se vingarem amanhã.
 
 — Sim. É claro. Amanhã. — disse Kord. Mas o tom de Halt dizia que não haveria nenhum jogo na noite seguinte. E que não haveria sinal de Kord ou de Jerrel.
 
 Meia hora depois, Halt estava deitado de costas, respirando pesadamente e ruidosamente pela boca, fingindo dormir. Seus dois companheiros de barraca estavam conversando em voz baixa. Eles esperaram até terem certeza de que Halt estava totalmente adormecido. Kord estava testando os dados, rolando-os uma vez e outra, e perdendo constantemente.
 
 — Eu não entendo — disse ele calmamente. — É simplesmente impossível rolar um doze com esses dados.
 
 — Cuidado — Jerrel disse, lançando um olhar rápido em direção Halt. Mas seu companheiro acenou calmamente.
 
 — Ah, ele está tão apagado quanto o céu — disse ele. — Você viu o quanto ele bebeu? Está tão cheio quanto uma bota.
 
 A boca de Halt se contraiu em diversão. Definitivamente existe uma bota cheia na tenda, ele pensou. Sua respiração estava tão alta que tornava difícil ouvir o que os outros estavam dizendo, então ele se mexeu, murmurou algo e rolou para o lado, de costas para eles. Parou de roncar quando estava novamente de lado, mas manteve sua respiração profunda e regular. Kord e Jerrel hesitaram quando ele se mexeu, mas logo relaxaram quando se tornou óbvio que ele não tinha acordado.
 
 Mais uma vez, Kord testou os dados. Mais uma vez, tirou dois três.
 
 — Não é possível — disse Jerrel com raiva. — Foi um acidente. Eles devem ter atingido uma fresta ou um entalhe na mesa. Além disso, temos coisas mais importantes para pensar.
 
 Relutantemente, Kord colocou os dados no bolso.
 
 — Você quer dizer esse rumor sobre nós irmos em direção ao sul?
  Jerrel assentiu.
 
 — A última coisa que queremos é ficar amarrados em outra campanha. Poderia continuar por semanas e nós temos lugares melhores para visitar. Se formos com eles, perderemos a chance que teríamos quando os soldados fossem dar a notícia às viúvas.
 
 Halt, afastado do outro lado da tenda, se permitiu uma carranca de raiva. Era verdade, pensou, os dois estão planejando roubar as famílias dos homens mortos em batalha.
 
 — Então, qual é seu plano? — Kord perguntou.
 
 Jerrel fez uma pausa, então chegou a uma decisão.
 
 — Vamos nos retirar esta noite. Vamos sair uma ou duas horas antes do amanhecer e pegar a estrada para o norte. Vamos para fazenda do sargento primeiro. É a mais próxima.
 
 — Seremos açoitados se eles nos pegarem desertando. — disse Kord, mas Jerrel dispersou seu protesto.
 
 — Eles não vão nos pegar. Com todas essas perdas recentes, eles nem mesmo vão perceber que sumimos.
 
 — Griff vai saber. Tenho a sensação de que ele está de olho em nós.
 
 Kord bufou escarnecendo.
 
 — Griff vai estar muito ocupado fazendo o seu trabalho e o trabalho do sargento não é se preocupar conosco. Ele provavelmente ficará aliviado. Agora vamos dormir. Precisaremos levantar cedo amanhã.
 
 — E quanto a ele? — Jerrel perguntou, apontando o polegar em direção à Halt. Kord hesitou.
 
 — Eu gostaria de bater em sua cabeça e tomar nosso dinheiro de volta — disse ele. — Mas se o matarmos, Griff vai ficar sabendo. E ele não se esqueceria de enviar homens atrás de nós. Melhor o deixarmos em paz.
 
HALT OS OUVIU SAINDO ÀS TRÊS DA MANHÃ. Eram ladrões e estavam acostumados a se mover silenciosamente.  Mas os sentidos dos Arqueiros eram finamente aguçados e ele tinha sono leve. Ele ouviu seus movimentos furtivos e passos silenciosos enquanto reuniam seus equipamentos e saiam secretamente pela noite. A lua tinha se enchido e empalidecido há horas atrás e havia uma proteção de nuvens dispersas no vento, enviando longas sombras que corriam através do acampamento silencioso.
 
Kord e Jerrel não tiveram problema em despistar as sentinelas. Os homens na vigia estavam cansados e entediados ao se aproximar o fim do seu turno de três horas.  E, além disso, estavam mais propensos a esperar intrusos vindo de fora do acampamento do que pessoas de dentro saindo. O rumor de que a companhia iria seguir para o sul e continuar a campanha era falso. Halt tinha planejado obrigar os ladrões a revelar suas intenções, assim, com a companhia tendo a obrigação de retornar para casa e debandar em um futuro próximo, não havia razão para os homens desertarem.
 
Ele esperou quinze minutos até que o perímetro do acampamento estivesse livre. Rolou, então, para fora das cobertas e saiu da tenda como um fantasma em seu encalço. Apanhou suas próprias roupas da tenda de comando da companhia. Griff esperava por ele, uma lanterna escura lançava uma luz turva no interior. 
 
— Morderam a isca? — perguntou.
 
Halt concordou com a cabeça. Trocou de roupa e colocou a bolsa pesada contendo seus lucros em cima da mesa. 
 
— Pode colocar isso no cabedal da companhia —, disse. Ele sabia que a maioria dos companheiros contribuía para um cabedal que era usado para ajudar as famílias daqueles que morreram em uma campanha. Griff agradeceu com um aceno. 
 
— Se você os pegar, sinta-se livre para trazê-los de volta para cá —, disse ele. — Eu ficaria muito feliz em ver seu futuro desconforto.
 
— Oh, eu os pegarei, com certeza — Halt lhe disse. — E quando o fizer, eles decidiram o que farei com eles.
 
Apertou a mão do sargento e foi para o fundo da tenda, onde Abelard esperava. Subiu na sela e trotou para fora do acampamento. Não tentou se esconder, se identificando para as sentinelas enquanto ia. 
 
Encontrou a estrada do norte e fez Abelard andar mais devagar. Ele não queria alcançar os dois homens tão rápido. Escondido em sua capa de Arqueiro, eles poderiam não reconhecê-lo como seu antigo companheiro de tenda, mas a visão de um Arqueiro viajando na mesma estrada poderia fazê-los entrar em pânico, abandonando seus planos por um tempo.
 
Enquanto o amanhecer chegava e a primeira luz cinzenta tomava a região, ele apertou o passo. Dentro em pouco, virou numa curva e teve uma visão de duas figuras se arrastando ao longo da estrada, centenas de metros à sua frente. Agradeceu porque a dor de cabeça e a visão turva que o tinham incomodado haviam sumido e ele não tivera nenhum problema em reconhecer os dois homens — Kord, alto e magro, Jerrel mais
compacto e rijo. Checou Abelard e saiu da estrada, onde o verde escuro das árvores iria escondê-los de vista.
 
Quando Kord e Jerrel viraram em outra curva e desapareceram, andou vagarosamente a meio-galope atrás deles.
 
Prosseguiu àquela moda pelo resto do dia. Quando a luz aumentou, foi capaz de distinguir suas pegadas na estrada poeirenta — suas sandálias de tachas do exército deixaram uma trilha fácil de seguir. Dirigiu-se mais para trás, só se aproximando de novo quando a luz começou a faltar no fim de tarde. Enquanto o crepúsculo caía, os dois homens saíram da estrada e montaram um acampamento.
 
Ele passou a noite enrolado em sua capa, encostado contra uma árvore e observando a luz do fogo que eles fizeram. Cochilou por breves instantes, confiante que Abelard o acordaria se houvesse qualquer movimento no acampamento distante. Acordou com frio e com cãibras na luz da manhã. O fogo tinha se extinguido antes do amanhecer e havia um fino espiral de fumaça erguendo-se dele. Depois de meia hora, ele viu os dois homens se levantando e se movendo ao redor de seu acampamento. Abelard estava de volta, entre as árvores, e Halt não precisava se esconder. Enrolado em sua capa, estaria invisível, mesmo que olhassem diretamente para ele. Seu estômago roncou quando eles reacenderam o fogo e ele sentiu o cheiro de bacon frito. Depois disso, o cheiro de café sendo feito encheu sua boca de água. Se contentou com o discreto punhado de água fria do seu cantil. Um parco substituto.
 
A dupla estava lentamente começando a se mover. Halt se mexeu desconfortavelmente algumas vezes, esperando sua volta para a estrada. Finalmente, enrolaram seus fardos e desmontaram o acampamento, seguindo a norte outra vez. Esperou até que tivesse virado na curva mais próxima e foi até onde Abelard o esperava no meio das árvores. Ele apertou as correias da cintura — tinha deixado o cavalo selado à noite em caso de uma emergência — montou e cavalgou lentamente atrás deles.
 
Quando alcançou a curva, desmontou e foi em frente perscrutar, no trecho seguinte da estrada.
 
Não havia sinal deles.
 
Por um momento, seu coração acelerou em pânico. Este trecho da estrada tinha pelo menos trezentos metros de comprimento — e de jeito nenhum eles poderiam ter alcançado o fim antes de ele ter feito a curva. Onde tinham ido? Estiveram cientes de que estavam sendo seguidos? Talvez tivessem se abaixado em algum lugar ao longo da estrada e agora esperavam em um arbusto por quem quer que estivesse atrás deles. Ou tinham se movido mais rápido do que tinha pensado, e agora estavam além da curva distante?
 
Tentou se acalmar. Ambas as teorias tinham fundamento, admitiu. Mas era mais provável que tivessem saído da estrada e tomado um trilha paralela pelo caminho. Agora estavam dentro do Feudo de Aspienne e poderiam estar perto da fazenda de Daniel. Montou novamente em Abelard e bateu de leve com seus tornozelos nas ancas do cavalo. 
 
A tentação era galopar a toda para verificar se houvera, de fato, um desvio. Mas fazê-lo causaria barulho e poderia chamar-lhes a atenção. Ele trotou com o pequeno cavalo suavemente ao longo da superfície dura da estrada.
 
Ao longo de quarenta metros, encontrou o que procurava. Uma trilha estreita se iniciava para fora da estrada principal. Era usada por muitas pessoas e parecia ter sido estabelecida há algum tempo. Lançou os olhos à frente, mas a trilha serpenteava e se enroscava entre as árvores e não havia sinal de Kord e Jerrel. Mas enquanto estudava o chão, viu uma pegada conhecida. A bota direita de Kord estava profunda adentro — o
resultado de uma postura irregular. Lá, na areia que formava a superfície do caminho, Halt podia ver o rasto distinto. Escorregou da sela e guiou Abelard ao longo da trilha. Assim não correria o risco de se encontrar com eles inesperadamente.
 
Logo, ele começou a sentir o cheiro de madeira queimando, depois o odor rico e característico de uma fazenda. Foi uma mistura de esterco, feno recém-cortado e grandes animais que o falou que estava se aproximando da fazenda de Daniel. Então ouviu um som que confirmou o fato.
 
Em algum lugar próximo, uma mulher gritou.
 
 HALT SOLTOU A RÉDEA DE ABELARD E COMEÇOU A CORRER. O CAVALO o seguiria, ele sabia. Outro grito veio por entre as árvores. O primeiro tinha sido um grito de medo e alarme.  Mas este tinha raiva misturada. Ele correu rápido, a faca saxônica e aljava batiam em seu quadril e seu ombro quando seus pés tocaram o chão. Mas era tarde quando ele percebeu que teria sido melhor se estivesse montado Abelard. Mas não tão cedo lhe ocorreu o pensamento de que tinha passado por uma clareira onde havia uma pequena casa de fazenda, a fumaça ondulava perigosamente da chaminé, várias vacas movimentavam-se inquietas no cercado ao lado da casa.  Outro grito desafiador, seguido de uma voz de homem com raiva seguido do som inconfundível de um golpe. E um suspiro de dor da mulher. 
 
— Meu marido vai matá-lo por isso.— Ela chorou. 
 
— Seu marido está morto! — Uma voz respondeu zombando. — E você vai se juntar a ele se não fizer como eu disse. Você e seu bebê! 
 
Halt ouviu um rápido grito de dor da mulher com essas palavras. Fervendo de raiva, ele bateu na porta com o ombro e entrou na sala escura. 
 
Ele pegou os detalhes rapidamente, uma mulher agachada no canto, perto da lareira da cozinha, os braços estendidos protegendo um berço. Jerrel estava em cima dela, com sua mão levantada para bater nela de novo, congelados ao momento em que as dobradiças de couro arrebentaram e a porta caiu.  A esquerda de Halt, Kord vasculhava um baú, arremessando roupas e peças de casa para todas as direções, enquanto procurava por itens de valor. Ele também congelou com a súbita aparição do Arqueiro. Em seguida, um reconhecimento surgiu em seu rosto moreno e barbudo.  
 
— Você! — ele rosnou. —O que está fazendo aqui?
 
Ele não esperou por uma resposta, levantou-se e sacou uma simples espada que ele usava na cintura atravessando a sala investindo contra Halt.
 
As ações do Arqueiro eram instintivas. Ele desviou para lado o golpe selvagem da espada, balançando para direita, e simultaneamente sacou a faca saxônica com sua mão esquerda. Quando ele estava posicionando a faca grande na defesa foi o momento de Kord impulsionar lâmina adentro. Kord olhou horrorizado quando a faca de aço temperado deslizou facilmente através dos elos da cadeia de seu colete. Ele engasgou com o sangue que jorrava de sua boca. Seus olhos viraram e seus joelhos cederam. 
 
Halt puxou a faca do corpo em queda e a girou para enfrentar Jerrel que ainda processava a sequência rápida dos eventos. Então seus olhos endureceram e ele desenhou sua própria espada pisando deliberadamente para frente, não correndo como Kord havia feito, apresentando o ponto da espada em primeiro lugar e deixando-a balançar para trás e para frente ameaçando o homem menor que o encarou. 
 
A mulher caiu sobre suas pernas ao lado do berço, assistindo com os olhos arregalados de horror como a cena se desenvolvia a sua frente.   
 
Jerrel avançou um passo. Halt segurando sua faca saxônica com a mão direita recuou cautelosamente. Ele estava confiante de que ele poderia lidar com o soldado, apesar da aparente desigualdade em suas armas. Ainda assim, ele estava preparado
para deixar Jerrel fazer o primeiro movimento e assim o atrair para mais perto do arqueiro, onde a faca saxônica seria mais eficaz. 
 
Jerrel contraiu a espada. Halt, fitando seus olhos, não viu perigo e ignorou o movimento. Sua calma enfureceu Jerrel. Halt viu a raiva em seus olhos. 
 
— Você é um homem morto Arratay — Jerrel disse de dentes cerrados.
 
Halt sorriu. — Já me disseram isso antes, no entanto, aqui estou eu.
 
Ele deu um passo pra trás, consciente do corpo de Kord que ainda no chão de terra batida da casa da fazenda, mesmo a lado e atrás dele. Jerrel lançou a espada contra ele. Desta vez não era blefe e Halt estava pronto para isso.  
 
Ele a impediu golpeando-a para o lado com a faca, e as duas lâminas se cruzaram por um segundo. A velocidade e a facilidade de sua defesa levantou uma faísca de duvida na mente de Jerrel. Ele tinha a maior arma. Ele tinha vantagem.
 
No entanto, esta figura barbuda e manto estranhamente manchado parecia completamente à vontade. Ele estava pensando sobre isso quando Arratay, era como ele o conhecia, avançou com a faca saxônica pequena e brilhante. 
 
Jerrel saltou para trás, gritando de surpresa, ele conseguiu recuperar a espada desajeitadamente, em tempo. Pela primeira vez, ele percebeu que poderia ser derrotado. Estava prestes a largar sua arma e pedir misericórdia, quando algo inesperado aconteceu. Halt sentiu uma mão de ferro no tornozelo esquerdo, que em seguida puxou sua perna derrubando-o no chão da fazenda. Quando ele caiu, ele se virou e viu-se olhando no rosto de Kord. Os olhos estavam cheios de ódio, os lábios contraídos e um rosnado de seu último triunfo. 
 
Com seu último suspiro, Kord havia conseguido se vingar do pequeno homem que havia estragado tudo pra eles. Agora seus olhos estavam inexpresivos como sua vida tivesse deixado seu corpo. 
 
Jerrel que nunca raciocinava muito rápido, viu que seu adiversário estava impotente no momento. Com um grito de triunfo, ele levantou a espada com as duas mãos, com a lãmina para baixo, com um passo a frente preparando-se para acabar com o corpo caído no chão. Halt tentou se levantar, mas sabia que era tarde demais. A ponta reluzente começou a descer.
 
Então surgiu uma figura que bateu em Jerrel, agarrando-o e o jogando para o lado, fazendo a espada girar para fora de seu alcance. Halt se esquivou quando a arma caiu perto dele, então percebeu o que tinha acontecido.
 
A mulher lançou-se em Jerrel, aterrisando de costas prendendo-se nele como um gato selvagem e arranhou o rosto e os olhos com as unhas. 
 
O ladrão cambaleou com o impacto, enquanto os dois chocaram-se contra a mesa da cozinha fazendo a girar contra a parede quebrando ao meio contra ao vime trançado com barro. 
 
Incapaz de se livrar da figura agarrada em suas costas, Jerrel se torcia para que ela ficasse de frente para ele, aproveitando seu punhal de lâmina pesada golpeou-a deseperadamente para que o soltasse. 
 
Ela gritou de dor e socumbiu para trás, com as mãos sobre seu ferimento ao lado esquerdo. Logo suas vestes de algodão estavam coberta de sangue quando ela caiu de joelhos. 
 
Entao Halt estava sobre Jerrel, forçando a mão do homem a soltar a faca, enquanto ele sacava sua faca de arremeso e batia em seu corpo. Jerrel deu um grunido de dor. O punhal pesado caiu de sua mão e por um momento Halt segurou seu pulso direito. Então quando o Arqueiro o soltou, ele caiu de joelhos, olhando para Halt, com o olhar de choque devido a maneira que sua vida chegou ao fim. Ele caiu de lado com as mãos desesperadamente tentando conter o sangue da ferida. De pé Halt o analizou certificando-se que Jerrel fora realmente derrotado. Sua recente experiência com Kord o deixou mais cuidadoso. Convencido de que Jerrel estava derrotado, ele ajoelhou-se ao lado da mulher ferida. 
 
Seu rosto estava pálido e desanhado com a dor selvagem da ferida. 
 
Halt olhou a quantidade de sangue que ela tinha perdido e já sabia que não tinha nenhuma chance de sobreviver. Ela olhou para o estranho que tentou sálva-la, que ela tinha protegido com seu ataque dessesperado em Jerrel. Viu tristeza nos olhos escuros olhando para ela e sabia a verdade. Ela estava morrendo. No entanto havia algo que ela tinha que saber.
 
— Meu... marido... — ela suspirou. — Está realmente morto?
 
Halt hesitou. Ele quase mentiu para ela, para confortá-la. Mas ele sabia que não conseguiria faze-lo. Ele balançou a cabeça. 
 
— Sim — ele disse — Você vai em breve estar com ele — Ele viu o olhar de angustia em seus olhos voltados para o berço no canto da sala.
 
— O nosso fillho... — ela disse e tossiu sangue enquanto falava. Entao fez um esforço enorme e se recuperou. — Não o deixe com os moradores... ele não terá uma vida com eles... nós somos estranhos aqui... eles vão o fazer trabalhar como escravo...
 
Halt assentiu. Daniel e sua esposa eram recém-chegados à area. Eles não tinham amigos na aldeia para cuidar do filho recém-nascido. Um órfão o faria ser um fardo para a maioria dos aldeões. Seria tratado como um escravo. 
 
— Eu vou cuidar dele — ele disse delicadamente e a mulher estendeu a mão e agarrou a sua mão em um aperto surpreendentemente forte. 
 
— Prometa-me. — Ela disse e ele colocou a outra mão sobre a dela. 
 
— Eu prometo
 
Ela estudou seus olhos por alguns segundos e pareceu encontrar tranquilidade lá. Ela soltou sua mão que caiu sobre o chão encharcado de sangue. 
 
Ela falou novamente, mas sua voz era tão suave, que ele não ouviu as palavras. Ele se inclinou, aproximando o ouvido a boca. — Diga novamente — ele disse e dessa vez conseguiu decifrar as palavras sussuradas. 
 
— Seu nome é Will. 
 
— É um bom nome. — Ele disse, mas ela não ouviu. 
 
Ela já estava morta.
 
ELE ENTERROU A MULHER NUMA PEQUENA CLAREIRA ATRÁS DO ESTÁBULO, marcando o túmulo com uma pedra. Ele não sabia o nome dela nem o sobrenome. Então inscreveu  na pedra uma simples legenda: UMA MÃE VALENTE.
 
Kord e Jerrel não mereciam tal tratamento. Eles destruíram uma família feliz, então ele arrastou seus corpos para a floresta, deixando-os para as raposas e corvos.
 
O bebê dormiu em silêncio no seu berço enquanto Halt cuidava deles. Enquanto Halt se sentava bebendo um copo de café na casa desarrumada, o bebê acordou e murmurou baixinho. Halt percebeu com aprovação que ele não tinha chorado.
 
— Espero que esteja com fome — disse. Tinha um copo quente de leite de vaca e um tecido de linho limpo pronto. Ele torceu a ponta do tecido numa forma estreita e mergulhou-o no leite, depois colocou na boca do bebê. Os lábios se fecharam em volta do tecido torcido e o bebê sugou o leite dele. Halt mergulhou-o no copo novamente e repetiu o processo. Esse sistema consumia tempo, mas parecia funcionar. O bebê o observava enquanto se alimentava, grande olhos castanhos sérios fitando-o por cima do tecido molhado de leite.
 
— A questão é —, disse Halt — o que eu vou fazer com você?
 
A fazenda, ele sabia, voltaria ao barão do feudo, apontaria outra família para ficar com ele. Então não havia nada para o bebê herdar.
 
Ele não podia deixá-lo ali — como a mãe tão desesperadamente apontará. E ele não podia criar a criança. Simplesmente não estava equipado para cuidar de um bebê, nem estava em posição de fazê-lo. Seu trabalho como arqueiro iria mantê-lo ausente de casa por longos períodos e o bebê seria deixado sozinho e sem cuidados.
 
Mas uma ideia estava se formando. O barão Arald criara uma Alá no Castelo Redmont onde os órfãos de homens e mulheres que morreram ao seu serviço eram cuidados. Era um lugar feliz e animado, cheio de pessoas afetuosas e gentis, e haviam vários adições recentes ao número de crianças sendo cuidadas ali. Uma garotinha chamada Alyss e outro garoto — Horace era o nome dele.
 
Will encontraria afeto e companhia ali. E conforme cresceria, lhe seria dada uma escolha de diferentes vocações para seguir. No geral, parecia uma solução ideal.
 
— O problema é — Halt disse para o garoto observador — não podemos deixar ninguém saber que eu trouxe você aqui. As pessoas têm suspeitas quando se trata dos Arqueiros. Se achasse que você estava associado comigo, iriam se portar cautelosos ao seu redor.
 
Arqueiros tinham uma aura de mistério e incerteza neles. E isso poderia ser descontado na criança. As pessoas geralmente temiam coisas que não conseguiam entender, e ele não queria esse medo sendo transferido para o jovem Will. Melhor se seu passado permanecesse um mistério.
 
— E está. — meditou Halt. — Eu nem sei seu sobrenome.
 
Considerou isso. Poderia perguntar no vilarejo. Mas como descobriu, a família era nova na área e as pessoas poderiam saber seus nomes. Em acréscimo, ele teria que revelar seus planos para o bebê, e não sabia se o que ele estava planejando era exatamente legal. Will era a criança de dois sujeitos do barão local e Halt tecnicamente não tinha o direito de levá-lo para outro feudo.
 
Mas mesmo assim, na sua vida, Halt tinha o costume de ignorar o que era tecnicamente legal. Tecnicalidades não lhe agradavam. Na maioria das vezes, eles simplesmente iam no caminho de fazer a coisa certa.
 
Mergulhou o tecido no resto do leite e segurou na boca do bebê. Will sugou ansiosamente, seus olhos ainda fixados no arqueiro.
 
— Sim, a Alá é o melhor lugar para você — Halt lhe disse. — E é melhor se você estiver no anonimato. Falarei com Arald, é claro, em sigilo. Mas ninguém mais saberá. Só nós dois. O que você me diz?
 
Para a sua surpresa, o bebê soltou um alto arroto, depois sorriu para ele. O fantasma de um sorriso tocou o rosto barbudo de Halt em resposta.
 
— Vou aceitar isso como um sim — falou.
 
Quatro dias depois, logo antes dos primeiros feixes cinza de luz anunciassem o amanhecer, uma figura escura carregando uma cesta atravessou em silêncio o pátio do Castelo Redmont até o prédio que se situava a Alá.
 
Colocando a cesta nos degraus da porta da Alá, Halt colocou a mão dentro e tirou o cobertor do rosto do bebê. Ele colocou a nota que escreveu na cesta, aos pés do bebê.
 
A sua mãe morreu no parto. O pai morreu como herói. Por favor, cuidem dele. Seu nome é Will.
 
Uma mãozinha emergiu do cobertor e agarrou seu dedo indicador.
 
— Eu juraria que você estava sacudindo a minha mão em adeus — sussurrou Halt.  Então, gentilmente soltando-se, passou o dedo na testa do bebê.
 
— Você ficará bem aqui, jovem Will. Com os parentes que teve, suspeito que crescerá e se tornará uma boa pessoa.
 
Olhou em volta, não viu sinal de ninguém observando, daí estendeu a mão e bateu rapidamente na porta da Alá antes de desaparecer nas sombras do pátio.
 
O pessoal da Alá já estava na porta e ele ouviu-a se abrir alguns minutos depois, em seguida o grito de surpresa.
 
— Ora, é um bebê! Senhora Aggie, venha rápido! Alguém deixou um bebê na porta!
 
Envolto em sua capa, escondido nas sombras do alto muro, Halt observou várias mulheres apressarem-se para fora, gritando em surpresa ao verem o bebê. Em seguida elas o levaram para dentro, fechando a porta atrás delas. Sentiu uma sensação incomum de ardência nos olhos e uma estranha sensação de perda.
 
— Adeus por enquanto, Will — sussurrou. — Ficarei de olho em você.
 
Halt sentiu a mesma sensação de ardência novamente quando terminou a história. Virouse levemente para que Will não pudesse ver as lágrimas que se formavam em seus olhos.
 — Mas, Halt, por que você não me contou por todos esses anos? Por que disse que minha mãe morreu no parto?
 
— Achei que seria mais fácil para você — disse Halt. — Achei que se soubesse que sua mãe foi assassinada, isso te deixaria amargurado. E, como um disse, achei que seria mais fácil para você se ninguém soubesse do meu envolvimento. Se eu dissesse que sua mãe foi assassinada, as pessoas começariam a fazer perguntas. Eu não queria isso. Eu queria que você fosse aceito.
 
Will assentiu pensativo. — Acho que sim.
 
O arqueiro mais velho se mexeu com incômodo. 
 
— Tinha mais uma coisa...
 
Will abriu a boca, depois a fechou. Sentiu que seria melhor deixar Halt falar no seu próprio tempo.
 
No fim, seu mentor disse, numa voz baixa que Will mal podia ouvir, — Eu tinha medo que você me odiasse.
 
Will recuou espantado com as palavras. — Odiar você? Como eu poderia odiar você? Por que eu odiaria você?
 
Agora Halt virou-se de volta para encará-lo, e Will pôde ver a angústia em seus olhos. 
 
— Porque eu fui responsável pela morte dos seus pais! — As palavras saíram violentamente, como se tivessem sido arrancadas dele. — Daniel morreu salvando minha vida em batalha. Então sua mãe veio à minha ajuda quando eu estava lutando com Jerrel. Se ela não o tivesse feito, ainda estaria viva.
 
— E você estaria morto — ressaltou Will. Mas Halt sacudiu a cabeça.
 
— Talvez sim. Talvez não. Mas o fato permanece, foi culpa minha que sua família foi destruída e até hoje eu não fui capaz de te contar. Achei que você iria me culpar.
 
— Halt, não foi culpa sua. Quem poderia te culpar? Você estava mantendo uma promessa que fez ao meu pai. Culpe Morgarath. Culpe os Wargals. Ou culpe Kord e Jerrel. A culpa é deles. Não sua.
 
Observando Halt, Will agora via os ombros dele caíam em alívio.
 
— É o que Pauline disse que você diria — sussurrou Halt e Will colocou um braço ao redor dele. Parecia estranho reconfortar o homem que o confortara durante todos esses anos.
 
— Halt, você não destruiu minha família. Isso foi o destino. Você me deu uma segunda chance de ter uma família. Você me deu uma vida nova. Como eu poderia te odiar por isso? Além disso — acrescentou — dá para me imaginar como um fazendeiro?
 
Sentiu os ombros de Halt começarem a tremer, e por um momento ele teve medo que o homem mais velho estivesse chorando. Depois percebeu com alívio que ele estava rindo.
 
— Não — o mentor disse — eu certamente não consigo vê-lo como um fazendeiro. Fazendeiros são pessoas disciplinadas.
 
Os dois riram com o pensamento de Will arando e plantando. Então, depois de um tempo, o jovem arqueiro ficou sério.
 
— Eu quero ver o túmulo da minha mãe — disse e Halt assentiu.
 
— Eu te levo lá.
 
E depois eles não disseram nada mais, mas se sentaram juntos em silenciosa companhia enquanto as sombras aumentavam e o sol finalmente se punha.
 O TINTEIRO E A ADAGA Nota do autor: Eu tive muitos e-mails de fãs ao longo dos anos, perguntando o que aconteceu com Gilan quando Halt e Horace foram para Gallica para resgatar Will na terra do gelo. Aqui está a resposta.
 
Feudo Araluen A estrada da costa Logo após a batalha do desfiladeiro dos Três Passos
 
 
GILAN SENTOU EM SEU CAVALO E VIU COMO HALT AFASTAVA-SE, SUA figura cinza camuflada gradualmente se tornando cada vez menor e fundindo com a chuva fina que tinha estado à deriva através do campo durante toda a manhã.
 
O jovem Arqueiro sentiu lágrimas formigando por trás de seus olhos. Ele balançou a cabeça, impaciente para se livrar delas. Halt tinha sido sempre uma figura sombria e seus sorrisos eram poucos e distantes entre si. Mas hoje, não era algo intrinsecamente triste com a sua maneira. Naturalmente, Gilan percebeu, Halt tinha, apenas recentemente, insultado e discutido com o rei Duncan, um homem para quem ele sempre mostrou o maior respeito e admiração. 
 
E, como resultado direto dessa insubordinação, ele havia sido banido do reino por um período de doze meses.  Acima disso, ele havia sido despojado de sua posição no Corpo dos Arqueiros.
 
Esses dois fatos seriam suficientes para conduzir uma lâmina afiada de tristeza profunda na alma de Halt. Mas Gilan sentiu que a causa real era outra coisa — algo dentro do próprio Hal.
 
— Ele está se culpando — disse á Blaze.
 
A égua baia levantou seus ouvidos ao som da voz de seu mestre.
 
Ele não deveria ter enviado Will para Celtica.
 
— Ele achava que estava fazendo a coisa certa, mantendo Will fora de perigo. Além disso, se alguém é culpado por essa bagunça, sou eu. Eu nunca deveria ter deixado Will e Evanlyn sozinhos em Celtica.
 
Não houve resposta do Blaze e Gilan perguntou se ela poderia estar concordando que a captura de Will e Evanlyn pelos escandinavos e sua abdução subsequente em um navio realmente foi culpa dele. Ele olhou para seu cavalo, incomodado, então decidiu que Blaze não era do tipo de culpar alguém. Ela provavelmente só não tinha mais nada a acrescentar ao debate.
 
A capa cinza e verde de Halt misturava-se a névoa agora, de modo que ele estava se tornando mais e mais difícil de ver. Em seguida, ele chegou a uma curva da estrada e desapareceu de vista. Gilan continuou olhando para a estrada vazia por mais alguns minutos, em seguida, soltou um suspiro e virou a cabeça de Blaze na direção do Castelo Araluen.
 
Quinze minutos depois, ele encontrou-se com Crowley. O Comandante dos Arqueiros estava diminuindo o ritmo de seu cavalo ao longo de uma caminhada para permitir que o homem mais jovem a chegasse a ele. Eles trocaram olhares desanimados, em seguida, Crowley ergueu os ombros em um encolher de ombros.
— Nada a dizer, realmente, não é? Gilan assentiu. Já, eles estavam sentindo a ausência do Arqueiro de barba grisalha. 
 
Somando a perda de Will e da Princesa, foi duplamente triste para eles. Os Arqueiros eram um grupo muito unido, mas Crowley era o mais velho amigo de Halt e Gilan tinha sido o primeiro aprendiz de Halt. Eles sentiram a sua perda mais profundamente do que outros poderiam.
 
Os dois cavalgaram durante vários minutos, os seus cavalos espelhando os passos um do outro. Finalmente, Gilan disse: — Ele quer que eu rastreie Foldar.
 
Crowley concordou. — Pensei que ele poderia pedir isso. Eu tenho seus arquivos de volta no castelo. Ele fez com que eu os teivesse antes de ir pelas tavernas insultar o Rei.
 
— Ele estava bastante organizado para alguém que fez um gesto impulsivo. Você quase poderia jurar que ele sabia exatamente o que estava fazendo. 
 
Crowley olhou de soslaio para o Arqueiro, alto e jovem andando ao lado dele.
 
— Oh, ele sabia o que estava fazendo, é claro. Halt sempre sabe o que está fazendo.
 
 
De volta ao castelo, Gilan passou a usar roupas secas. Ele estava hospedado em acomodações de hóspedes no Castelo Araluen e ele teve um pequeno, embora confortável, quarto na torre leste. O escritório de Crowley e também quartel general estava na torre sul e para acessá-los, Gilan tinha que voltar para o nível do terceiro andar do castelo e atravessar para a escada da torre sul.
 
Ele sorriu enquanto caminhava até as escadas em espiral. Como todos os castelos, as escadas do Castelo Araluen espiralavam para cima e para a direita, de modo que um espadachim destro tentando lutar através de seu caminho até as escadas teria de expor seu corpo inteiro para os defensores acima, enquanto os defensores mostrariam somente uma pequena parte de si em torno da coluna central da escadaria enquanto recuavam para cima. Esta tinha sido a razão pela qual MacNeil, o espadachim que instruiu Gilan desde tenra idade, tinha se esforçado para fazer o seu jovem estudante praticar a sua espada com ambas as mãos. Gilan era muito bom com a mão esquerda. Com a mão direita, ele era um especialista.
 
O escritório de Crowley era três andares acima. Gilan bateu à porta, então entrou em resposta ao chamado de Crowley. O escritório é espaçoso e arejado, como a maioria dos quartos no Castelo Araluen. Uma grande janela com vista para as extensas pastagens que varriam em declive gradual do castelo. Á distância, Gilan podia ver uma pequena vila e um quadro ordenado de fazendas.
 
Crowley usava as roupas que estavam secas também e sentava-se confortavelmente em uma poltrona grande de carvalho perto da janela, lendo um relatório. A chuva ainda causava neblina lá fora, mas o vento a estava soprando para longe do castelo. Como a maioria dos Arqueiros, Crowley gostava de ar fresco e luz, de modo que ele se absteve de fechar as persianas de madeira. Para combater o frio da noite que se aproxima, no entanto, uma fogueira queimava alegremente na lareira em frente à janela.
 
— Sente-se — disse Crowley e apontou para outra poltrona de carvalho, não tão grande como a sua. Gilan sentou-se e Crowley olhou para cima a partir do documento na mão, indicando uma pilha de rolos de pergaminho, cada um amarrado com uma corda preta lisa, sobre a mesa baixa entre eles.
 
— Os relatórios de Halt sobre os negócios de Foldar — disse ele. — De uma olhada neles. — Ele estendeu a mão e pegou uma caneta de pena de um tinteiro sobre a mesa, fez uma anotação no papel que estava lendo, em seguida, continuou a examinar o
documento.
 
Havia uma dúzia de rolos na pilha. Cada um foi rotulado com o nome do feudo a partir do qual se originou o relatório. Três foram também marcados com a palavra ENCERRADO. 
 
Gilan selecionado um destes e desenrolou-o, olhando o conteúdo.
 
Como ele suspeitava, o rótulo ENCERRADO significava que estes eram casos que Halt tinha investigado e considerado pistas falsas.
 
Foldar era conhecido como um assassino de sangue frio e totalmente impiedoso. 
 
Confrontado por um homem que dizia ser Foldar, as pessoas eram mais propensas a entregarem o seu dinheiro sem mais resistência. Devido a isso, uma série de imitadores de Foldar surgiu, utilizando a notoriedade do homem para ajudá-los a acovardar suas vítimas e subjugá-las.
 
O relatório que estava lendo detalhou um desses casos. Um ladrão comum, líder de um pequeno grupo de bandidos, tinha assumido a identidade de Foldar e tentou roubar um rico comerciante e sua esposa, que viajavam em uma estrada florestal. Halt tinha intervido, tendo descoberto o plano,  e o falso Foldar agora repousava na cadeia.
 
Era esta proliferação de falsos Foldar que levava Halt à frustração. Cada caso tinha que ser investigado, cada criminoso perseguido e preso. A tarefa pode levar um ano ou mais.
 
A menos...
 
Gilan bateu em seus dentes com a unha distraidamente enquanto ele olhou rapidamente através de outro estudo de caso. Uma ideia estava se formando em sua mente. Ele olhou para Crowley, que ainda estava absorto no relatório que estava lendo.
 
— Você se importa se eu levar isso comigo? — Disse.
 
O comandante olhou para cima. Por um momento, sua atenção estava a quilômetros de distância. Então, ele acenou com a cabeça, a compreensão do pedido.
 
— Fique á vontade. — disse ele. — Quanto menos papéis eu tiver aqui, melhor.
 
Ele apontou para uma mesa no canto, pilhas altas de rolos de pergaminho, folhas de papel e envelopes de linho contendo relatórios, pedidos e outros formulários oficiais de todo o reino. Era um monte de papelada, Gilan percebeu. Ele sorriu com simpatia.
 
— Vou levar estes fora de suas mãos, então — ele disse. Reunindo os rolos de pergaminho, ele se levantou e foi para a porta.
 
— EU OLHEI ATRAVÉS DE TODOS OS ARQUIVOS NOITE PASSADA — GILAN DISSE a Crowley na manhã seguinte. O comandante deu-lhe um sorriso amarelo.
 
— Todos eles? Gostaria de poder dizer o mesmo. Burocracia é a maldição da minha vida.
 
— Esse é o preço da sua alta posição Crowley — Gilan disse com um sorriso. — É por isso que você é bem remunerado.
 
Crowley olhou para o rosto alegre ao lado dele. — Você sabe, há algumas pessoas que possam pensar que é um bom passo na carreira mostrar simpatia pelos problemas de seu comandante. — ele disse. Então, ele suspirou. — Mas muito poucas dessas pessoas foram treinadas por Halt.
 
Gilan pensou nisso por um segundo ou dois. — É verdade — disse ele.
 
Eles passeavam por uma paisagem verde, ao sul do Castelo de Auralen. Crowley muitas vezes realizava debates com seus Arqueiros ao ar livre. Ele afirmou que era uma boa medida de segurança. Dentro de um castelo, nunca se sabia quem poderia estar ouvindo do outro lado de uma parede ou fora de uma porta. Aqui, ninguém poderia vir ao alcance da voz sem ser visto.
 
Gilan suspeitava que igualmente importante ero o amor de Crowley por espaços aberto e ar fresco. O comandante foi ouvido constantemente resmungando sobre ficar “confinado entre quatro paredes o dia todo”. 
 
— Então, você descobriu algo importante? — Crowley perguntou, depois de uma breve pausa.
 
— Eu poderia ter — respondeu Gilan. — Há nove casos ainda pendentes. Destes, sete são questões relativamente pequenas - um assalto aqui, um rouba lá. Às vezes, os ladrões pararam viajantes sozinhos na estrada e os roubavam. Em outras ocasiões, eles invadiram pequenas isoladas tabernas ou assentamentos. Em todos esses casos, as quantias de dinheiro que são relativamente pequenas. A maior era quinze ouro reais. É pouco mais do que pequenos roubos e eu não posso imagine Foldar ajustar seus padrões para algo tão baixo.
 
— Quinze ouro reais é muito para uma pequena taverna — Crowley interpôs.
 
Gilan assentiu impaciente. — Eu não estou dizendo que é insignificante para as vítimas. 
 
Mas para Foldar? São participações muito pequenas. Quero dizer, ele estava ajudando a Morgarath a conquistar o trono. Para um homem como esse, quinze reais são quase imperceptíveis.
 
— E os outros dois feudos? — Crowley perguntou. Ele pensou que Gilan tinha um bom ponto. Foldar nunca tinha sido um ladrão. Havia pouco que sugerisse que ele poderia ter se tornado um. Ele pensava em termos muito maiores.
 
— Um era uma quantidade muito grande. Um comerciante foi assaltado e os ladrões fugiram com uma grande quantidade de moedas de ouro e prata. 
 
— Isso é mais promissor — disse Crowley. Mas Gilan fez um gesto negativo com a mão.
 
— O tamanho do crime é mais de acordo com o que sabemos de Foldar. Mas o método não se encaixa nele. Foi feito à noite, sem que o comerciante ou o sua família ouvissem algo. Eles não sabiam que tinham sido roubados até a manhã seguinte. O ladrão ainda trancou as portas atrás dele quando ele saiu. 
 
— Entendo onde você quer chegar. Se Foldar tivesse invadido, o provável é que ele tivesse matado todos enquanto dormiam, só por diversão.
 
— Exatamente o que pensei. — disse Gilan.
 
— O que deixa outro caso. — Crowley o incitou.
 
O jovem Arqueiro assentiu. — Como você disse, um outro caso. Foi um ataque a uma caravana de carroças de pagamento bem protegida em Highcliff Fief, carregando prata e ouro para pagar as guarnições em castelos distantes. Highcliff, aliás, atualmente está sem seu Arqueiro. Ele foi ferido na guerra e ele não está pronto para retomar á suas funções.
 
— O que pode torná-lo uma base atraente de operações para Foldar — Crowley disse, pensativo.
 
— Isso me ocorreu também. A caravana foi atacada por quinze á vinte homens, todos bem armados e treinados. Metade dos guardas foram mortos. Os outros fugiram para a floresta. Os condutores não tiveram tanta sorte.
 
— Isto tem a marca de Foldar estampada. — disse Crowley.
 
— Isso é o que eu pensei. Além da organização do ataque e a brutalidade envolvida, há uma boa chance de que um informante no Castelo Highcliff dava informações sobre a carruagem com o pagamento. Era para ser um segredo.
 
— Exatamente o tipo de coisa com que Foldar se envolveria. — disse Crowley. —Então, qual é o seu próximo passo?
 
— Eu pensei em viajar para Highcliff e ver se eu consigo pensar em algum tipo de armadilha para prender Foldar - e seu informante. Vou precisar vasculhar em torno do lugar um pouco antes de eu arquitetar qualquer plano definitivo. Crowley concordou. — Parece uma boa ideia para mim. Muito bem, Gilan. — Então ele franziu a testa. — Estou surpreso que Halt não chegou à mesma conclusão. Ele é geralmente muito rápido em absorver essas coisas.
 
— Eu pensei a mesma coisa. Mas lembre-se, Halt estava distraído, preocupado com o Will. E ele tendia a se concentrar em primeiramente nos casos mais próximos de Araluen.
 
— O que lhe deu muitas oportunidades para colocar seu caso para mim e Duncan — disse Crowley. — Se ele estava fora no oeste em Highcliff, ele não teria sido capaz me incomodar a cada dois dias para deixá-lo ir. 
 
— Considerando que eu não tenho nenhuma razão para não ir para o Feudo Highcliff e deixá-lo à sua papelada — disse Gilan.
 
A boca de Crowley se contraiu nos cantos em uma expressão de desgosto. — Ah sim, a papelada. Você não consideraria uma troca de lugares? Você fica e preenche os
formulários e requisições. Eu vou correndo atrás Foldar.
 
Gilan levantou uma sobrancelha para ele. — Você está certo. Eu não considerei isso.
 
— Eu poderia pedir que você fizesse isso, eu acho — disse Crowley melancolicamente e Gilan pensou que ele estava apenas metade brincando.
 
—Você poderia. E eu provavelmente insultaria o rei em público e seria expulso — respondeu ele.
 
Crowley sacudiu a cabeça. — Às vezes me pergunto se era uma boa ideia deixar Halt formar aprendizes. Ele parece não ensinar-lhes o respeito pela autoridade. 
 
— Oh, ele nos ensina a respeitar autoridade — Gilan disse inocentemente. — Ele só nos ensinou a ignorá-lo quando necessário. Eu vou começar indo esta tarde — acrescentou, e Crowley concordou.
 
— Quanto mais cedo você partir, mais cedo você vai estar de volta — disse ele. Era o jeito dos Arqueiros, no final das contas. Não fazia sentido deixar a grama crescer sob seus pés se havia trabalho a ser feito.
 
— Isto é. E, além disso, eu deveria ir antes que você decida me mandar ficar.
 
O CASTELO HIGHCLIFF TEVE SEU NOME DEVIDAMENTE ESCOLHIDO, GILAN PENSOU. Ele interrompeu o galope de Blaze e desceu da sela, estudando a Castelo.
 
Não havia nada de notável sobre o próprio edifício. Era uma estrutura de granito sólido, com as habituais quatro torres de canto, acompanhado por muros com ameias. Uma única e alta torre ficava no centro do espaço fechado. Essa seria torre de abastecimento, pensou, onde os cômodos de comer, dormir e as salas administrativas estariam localizadas no castelo. Mas era o local em que o castelo tinha sido construído, que lhe deu o nome. O litoral nesta parte de Araluen foi formado por altas falésias de um branco giz. O castelo foi construído em um afloramento de alta, uma península ligada à costa por um pescoço estreito e sinuoso de terra mal tendo vinte metros de largura. Em ambos os lados do caminho, penhascos íngremes desciam para onde o mar caia constantemente contra as rochas, mandando de altas colunas de borrifos d’água para o céu e criando um som rítmico crescente. Pilhas de rochas esbranquiçadas tombadas na base das falésias mostrava onde o caminho estava sendo constantemente minado e corroído pelo ataque incessante das ondas. Com o tempo, ele pensou, o caminho desapareceria  completamente, transformando Highcliff numa ilha.
 
Enquanto observava, ele viu homens patrulhando as muralhas do castelo. Em uma das torres situadas no interior, ele poderia ver uma pequena figura apoiando os cotovelos no parapeito. Enquanto Gilan assistia, outra figura juntou-se a primeira, com o braço estendido, apontando para o local onde Gilan e Blaze estavam imóveis. O primeiro guarda endireitou-se de sua posição relaxada e virou-se, sem dúvida, alertando alguém abaixo.
 
— Eles nos viram — disse Gilan á Blaze.
 
Estamos um pouco óbvio, nosso contorno contra o horizonte desta forma.
 
— Eu não estava tentando deslocar-se despercebido. — disse Gilan e Blaze fungou desdenhosamente. Ela tinha o hábito de fazer isso, Gilan pensava. Sabendo que ele nunca conseguiria ter a última palavra com sua égua, ele a impeliu á frente e a fez ir cuidadosamente pelo caminho rochoso para o início da trilha que conduzia ao castelo.
 
Houve um ponto de sentinela lá, tripulado por dois soldados com aparência entediada. 
 
Gilan se identificou, embora o manto de Arqueiro e o arco longo maciço deixavam pouca dúvida quanto a quem ou o que ele era e do homem sênior presente acenou para ele.
 
— Apenas um momento, por favor, Arqueiro — disse ele. Sua voz era respeitosa, ao mesmo tempo desconfiada. A reputação do Corpo de Arqueiro era a razão para a dupla reação. O soldado cutucou seu companheiro com um cotovelo. — Erga a bandeira amarela, Nobby — disse ele. Sem dizer uma palavra, o segundo homem caminhou a um mastro nas proximidades, onde Gilan poderia ver que havia duas bandeiras ligadas as adriças, prontas para serem içadas. Uma era amarela, outra vermelha. Nobby selecionou a amarela e içou o quadrado de tecido colorido para o topo do mastro. A bandeira vibrou com a forte brisa do oceano, destacando-se a partir do mastro. Depois de alguns segundos, uma bandeira em resposta apareceu na porta do castelo.
 
Presumivelmente, pensou Gilan, se ele tivesse sido identificado como um inimigo, os soldados teriam sinalizado com a bandeira vermelha. Se ele tivesse sido um inimigo, é
claro, ele não poderia ter dado a eles essa chance, embora ele supostamente nenhum sinal seria levado para o mesmo significado de uma bandeira vermelha. Era, provavelmente, uma forma de melhorar a moral das sentinelas para acreditar que eles tinham uma chance de sinalizar se um inimigo estivesse chegando ao posto de guarda.
 
— Pode atravessar Arqueiro — disse o soldado. Gilan fez um gesto em reconhecimento e estimulou Blaze para frente.
 
Ele deixou as rédeas soltas, permitindo que o cavalo escolhesse seu próprio caminho. A trilha não era particularmente estreita para um único cavaleiro, mas ele estava consciente da íngreme queda de cada lado para o mar abaixo. Ao se aproximar da porta do castelo e a ponte levadiça, a pista estreitou-se consideravelmente, de modo que não teria espaço para não mais do que quatro homens lado a lado se aproximar da entrada do castelo.
 
Ele tocou levemente as rédeas quando chegaram à ponte levadiça e Blaze parou de avançar, enquanto um sargento aproximou-se. Seu olhar aguçado percebeu a capa e o arco longo de Gilan, que o carregava atravessada em sua sela. Ele também notou a espada longa pendurado no lado esquerdo do Arqueiro e franziu a testa. Espadas normalmente não fazia parte do armamento de um Arqueiro. Gilan assentiu com aprovação. Os dois guardas exteriores não tinha percebido a arma ou, se tivessem, eles não haviam dado significado a isso.
 
Ele mostrou a folha de carvalho prata que estava pendurado em uma corrente ao redor de seu pescoço e se inclinou para frente para que o sargento pudesse ver claramente.
 
— Arqueiro Gilan, temporariamente destacado para deveres especiais — disse ele.
 
O sargento estudou o amuleto, olhou mais uma vez para a espada, então chegou a uma decisão. Ele sinalizou para que o único obstáculo, a baliza atravessada no portão, fosse erguida e em seguida, deu um passo para um lado.
 
— Passe, Arqueiro Gilan — disse ele. — O gabinete do senescal é sempre em frente, no andar térreo da fortaleza.
 
Gilan assentiu e compeliu Blaze para frente através das sombras da porta maciça de entrada. Seus cascos ecoaram alto quando eles passaram sobre os pisos do pátio do castelo. No momento em que Gilan desmontava, uma mão estável materializou ao lado dele.
 
— Posso cuidar de seu cavalo, Arqueiro — questionou.
 
Gilan considerou por um segundo ou dois. Era sua prática normal cuidar de Blaze ele mesmo. — Isso é atencioso de sua parte. — ele disse. — Percorremos um longo caminho, por isso, dê-lhe uma boa escovada e uma generosa medida de grãos.
 
A mão estável assentiu e pegou a arreio de Blaze. Enquanto Gilan entregou, ele disse para a égua baía — Vá junto, Blaze.
 
Assim instruído, o cavalo voltou e seguiu com os cascos ressoando no assoalho atrás da mão estável, para o edifício de madeira junto à parede norte, que abrigava os estábulos. 
 
Gilan sorriu baixinho para si mesmo. Se ele não tivesse dito aquelas três palavras simples, ela teria ficado tão imóvel quanto à parede norte em si.
 
Ele entrou no manter. O andar térreo era um grande espaço aberto. No centro havia uma grande escada de madeira que leva para o próximo nível. No caso de um ataque, as escadas podem ser queimadas ou esmagadas uma vez que os habitantes tivessem
fugido para o andar superior, deixando os atacantes sem nenhuma forma de acessá-los.
 
De lá, o acesso a pisos superiores seria pelas mesmas escadas à direita em espiral que ele havia comentado em Araluen. No lado esquerdo, uma grande área foi fechada por uma parede de madeira. Ele supunha que era a guarita, onde as sentinelas poderiam relaxar ou dormir enquanto não estavam de plantão. No lado da mão direita, outra parede separava uma área ligeiramente menor. Este seria o escritório do senescal ou administrador do castelo. Como um Arqueiro, Gilan poderia simplesmente ir para o níveis mais elevados, onde ele iria encontrar quartos do Barão. Mas eram boas maneiras abordar primeiro o senescal e ele não viu razão para irritar qualquer um apenas para provar sua própria importância.
 
Um homem um pouco acima do peso sentado em uma mesa do lado de fora de uma larga porta em bronze que dava para o escritório. As mangas de seu colete estavam revestidas em pano preto para proteger de manchas de tinta e ele estava copiando uma lista de números de uma folha de pergaminho em um livro de grande porte. Ele olhou para cima ao som das botas de Gilan sobre o piso.
 
— Posso ajudar? — Disse ele educadamente.
 
Gilan jogou o manto sobre os ombros para trás e ofereceu a folha de carvalho de prata mais uma vez.
 
— Meu nome é Gilan. Eu sou um Arqueiro do Rei — disse ele. — Eu gostaria de ver o senescal, por favor.
 
— É claro. Por favor, aguarde um momento. — O funcionário colocou sua caneta de pena para baixo e levantou-se, correndo para a porta que dava para o escritório interno. Ele desapareceu dentro dela e menos de um minuto depois surgiu mais uma vez, acenando para Gilan.
 
— Por favor, entre. O Senescal Philip está ao seu serviço. Posso arranjar-lhe alguma bebida?
 
Gilan hesitou. Tinha sido uma longa viagem e a brisa do mar ao longo dos últimos dez quilômetros havia sido fria. — Café, se você tiver. — disse ele.
 
O funcionário se curvou e apontou-lhe pela porta.
 
— Eu vou trazê-lo imediatamente — disse ele enquanto Gilan entrou no escritório.
 
O senescal era um homem idoso. Seu longo cabelo era completamente cinza e seu rosto estava alinhado. Embora, pensou Gilan, poderia ser o resultado dos rigores de seu escritório, em vez de idade. Ele estava levantando por trás de sua mesa enquanto o Arqueiro entrava, sua mão estendida em saudação.
 
— Bem-vindo a Highcliff, Arqueiro Gilan — disse ele. — É uma honra ter tal convidado ilustre.
 
As palavras poderiam ter sido pomposas, mas Philip parecia bastante genuíno. No entanto, havia algo nele que incômodou Gilan. Ele parecia bastante à vontade na presença de Gilan. Ele conduziu Gilan a uma cadeira em frente de sua grande mesa.
 
— Por favor, sente-se, Arqueiro. Lamento dizer que você apanhou-nos desprevenidos. O Barão Douglas está fora caçando. Ele não vai voltar por várias horas. Mas se eu puder ajudá-lo de alguma forma? 
 
Gilan dispensou o pedido de desculpas. — Eu não estou com pressa — disse o homem. 
 
—Estarei feliz em esperar o retorno do Barão. Enquanto isso, você pode ser capaz de me fornecer algumas informações. 
 
Como ele disse as palavras, Gilan tinha certeza que ele viu o início de um começo de culpa, apressadamente coberto. Seus olhos se estreitaram um pouco. Philip estava definitivamente nervoso sobre algo. E Gilan já tinha suspeitas de que havia um informante no castelo - alguém de escalão alto o suficiente para ter conhecimento sobre o comboio de pagamento recente e sua rota.
 
— Informações? — Disse Philip. Até agora ele tinha suas reações mais sobre controle, sua voz era firme e sua maneira evasiva. — Que seriam sobre?
 
Houve uma batida na porta e o funcionário entrou, carregando uma bandeja com uma xícara de café. Gilan decidiu não responder imediatamente. Ele queria dar à tempo ao outro homem ponderar sobre quais informações ele poderia estar procurando. Ele aceitou a xícara, acrescentou o açúcar e tomou um gole profundo e agradecido. Ele acenou com a graças ao escrivão, que se retirou da sala. Quando a porta se fechou atrás dele, Gilan voltou para Philip.
 
— Eu estou tentando rastrear um homem chamado Foldar — disse Gilan. — Você pode ter ouvido falar dele.
 
Agora o rosto de Philip escureceu, á raiva substituindo o nervosismo anterior. — Foldar? 
 
— Disse. — Eu nunca encontrei um homem tão mal. Em minha opinião ele era pior que o próprio Morgarath.
 
Gilan olhou rapidamente. — Você o conheceu? 
 
Philip assentiu várias vezes antes de responder. Quando ele voltou a falar, sua mente estava, obviamente, muito longe. — Ah, sim. Eu  conhecia — disse. — Conhecia os dois, na verdade. Maus, eles eram. Eu suponho que é o que o atraiu Foldar para Morgarath. Como se costuma dizer, mesmo gostos se atraem.
 
— Como você os conheceu? — Gilan perguntou, fascinado. Ele não tinha encontrado muitas pessoas que realmente conheceram Morgarath, mesmo que a sombra do exbarão pairou sobre Araluen por tantos anos.
 
Olhos de Philip levantaram para encontrar os dele.
 
— No castelo de Gorlan — disse ele. — Eu comecei a minha formação em serviço como aprendiz de mordomo lá. É claro, eu não iria realmente dizer que eu os conhecia, não no sentido de compartilhar o tempo com eles ou conhecê-los. Mas eu os via muito ao redor do castelo. E isso foi o suficiente para mim. Eu mal podia esperar para deixar o local.
 
— Quando foi isso? — Gilan perguntou. Ele estava fingindo interesse apenas para ser educado, mas seus sentidos estavam formigando. Apesar da afirmação de Philip que ele não suportava a presença do ex-tenente de Morgarath, ele admitiu que conheceu Foldar no passado. Talvez este tenha sido o suficiente para garantir os serviços atuais de Philip para o fora da lei.
 
— Deve ter sido três ou quatro anos antes da revolta Morgarath — Philip disse a ele. — 
 
Eu podia ver que algo ruim estava por vir e eu não queria fazer parte disso. Então eu sai. Custou-me um ano de servidão e três meses de salário, mas eu acho que eu obtive o melhor do negócio no longo prazo.
 
Interessante, pensou Gilan. O homem teria poucos motivos para ser fiel a Morgarath ou Foldar. Mas, novamente, ele poderia ser um agente cuidadosamente implantado, com
sua saída do Feudo de Gorlan sendo um artifício ardilosamente planejado. Morgarath tinha sido um homem mais do que capaz de tal planejamento tortuoso e complexo.
 
— O que faz você pensar que Foldar está em qualquer lugar desta região? — Philip perguntou, interrompendo seus pensamentos.
 
— Houve foi um relatório de um ataque contra um comboio de pagamento. Homens mortos a sangue frio, o ouro roubado. Isto tem todas as características do tipo de coisa feita por Foldar.
 
Philip assentiu pensativo.
 
— Sim. Lembro-me disso. — ele disse. — Eu fui a pessoa que enviou o relatório. Na época, eu nunca associei a Foldar. Embora, cheguei a pensar que um dos sobreviventes disse que o líder dos bandidos usava uma capa preta. Ainda assim, parece uma conexão muito tênue com Foldar. Tem certeza de que era ele?
 
— Não. Nem um pouco. Estou perseguindo pistas em todo o reino. Isto parecia uma das mais prováveis. Eu vou ficar alguns dias, andar em torno da área, perguntar às pessoas se eles viram quais queres reuniões suspeitas dos homens, fazer um pouco de reconhecimento através da floresta. Se há um bando de ladrão em qualquer lugar do distrito, é onde eles mais provavelmente estarão. Eu vou ver o que eu posso conseguir. 
 
— Tudo parecia vago e indefinido, ele pensou. Ele não mencionou que ele estava dando forma a um plano para prender os bandidos. Ele ainda não tinha certeza onde a lealdade de Philip estava depositada. O senescal encolheu os ombros.
 
— Eu acho que é tudo o que você pode fazer — ele concordou. — Quem sabe? Algo pode mudar.
 
— Exatamente o que eu penso. — respondeu Gilan. Ele colocou seu copo para baixo e levantou-se da cadeira. — Agora, se você pode pedir alguém para me mostrar os meus aposentos, eu vou deixar você voltar ao trabalho.
 
Philip levantou-se, também, e o acompanha até a porta.
 
— Meu funcionário vai mostrar seus quartos — disse ele. Quando ele abriu a porta, o funcionário olhou para cima. — Leve o Arqueiro Gilan para o quarto de hóspedes no quarto andar — Philip disse a ele. Depois, virando-se para Gilan de novo, ele disse: — Eu vou mandar avisar quando o barão retornar da caça. Tenho certeza que ele vai querer vêlo imediatamente. 
 
 
A acomodação foi uma suíte confortável de três cômodos, com vista para o oceano. Em um edifício como este, pensou Gilan, situado desta forma, a maioria dos quartos têm vista para o oceano. Uma brisa salgada limpa entrou pelas janelas aberta, fazendo com que as pesadas cortinas ondulassem. Havia persianas, mas Gilan preferiu deixá-las abertas. Ele gostava de ar fresco e o frio que o acompanhava não o incomodava.
 
Depois que ele se instalou, ele foi para os estábulos verificar Blaze. Havia outro baio - um castrado - em uma das barracas perto da entrada. Por alguns segundo, no interior escuro, ele o confundiu com Blaze. Em seguida, ele ouviu o relinchar familiar e percebeu que estava parado a quatro baias de distância.
 
A homem de mão estável tinha feito um bom trabalho e Blaze estava confortável em uma tenda seca, com abundância de palha fresca e meia caixa cheia de grãos. A água no balde pendurado num gancho era arejada e limpa. Assentindo em aprovação, ele bateu em seu focinho e depois virou-se no momento em um serviçal castelo entrou, olhando
para ele.
 
— O senescal disse para lhe dizer Barão Douglas voltou. Ele vai vê-lo agora.
 
Douglas tinha o seu escritório e quartos de dormir, no terceiro andar. Gilan franziu ligeiramente a testa para isso. Um comandante cuidadosamente montava sua posição de comando na torre mais elevada, não nos níveis inferiores mais acessíveis. Douglas possivelmente tinha ficado preguiçoso, ele pensou, e talvez tivesse muita aversão a subir muitas escadas.
 
Sua primeira vista do Barão de Highcliff confirmou o palpite. O Barão Douglas estava seriamente acima do peso. Gilan sabia que outros barões, como Arald de Redmont, lutavam para manter suas cinturas. Mas Douglas parecia não ter essas inibições.
 
Ele era alto — em torno da mesma altura de Gilan - e seu cabelo estava ralo em cima. Como que para compensar esse fato, ele manteve longo nas laterais. Gilan adivinhou que, em ocasiões formais, ele poderia muito bem pentear por cima para disfarçar o couro cabeludo rosa á mostra. Ele estava barbeado, carnudo nas bochechas, e seus olhos azuis foram criados juntos. Isso deu-lhe um olhar um pouco evasivo, Gilan pensava. Então ele descartou a ideia. Douglas não poderia ser responsabilizado por o posicionamento de seus olhos mais do que ele poderia ser responsabilizado por sua tendência à calvície.
 
O barão falou um pouco alto demais, como se estivesse consciente de sua própria importância e constantemente tentando afirmar isso. Sua forma foi abrupta, embora ele não chegou a ser realmente grosseiro. Nenhum homem sábio jamais foi rude com um Arqueiro.
 
— Philip me diz que você acha que o diabo de Foldar está em algum lugar Highcliff — disse ele, depois de terem passado pelas formalidades polidas de introdução. Gilan encolheu os ombros. — Estou seguindo pistas — disse ele. — Há uma chance de que ele possa estar aqui. Tenho certeza de que Philip mencionou o ataque ao comboio de pagamento algumas semanas atrás.
 
Douglas bufou. — Isso? Não deveria pensar que foi Foldar. Apenas bandidos se você me perguntar.
 
— Você provavelmente está certo. Embora seu senescal concordasse que o ataque era o tipo de coisa Foldar iria organizar. Aparentemente ele o conheceu há alguns anos atrás. E você? Alguma vez você o encontrou?
 
Douglas sentou-se. — Eu? Não. Nunca coloquei os olhos sobre ele. E nunca quero colocar. Por que você pergunta? — Acrescentou ele, inclinando-se desconfiado.
 
Gilan acenou com a mão casualmente. — Eu estaria interessado em obter uma imagem mais completa do homem. Quanto mais eu sei sobre ele, mais fácil pode ser prever seus movimentos. 
 
— Bem, eu não posso te ajudar com isso — disse Douglas, seu tom de voz, indicando que ele sentiu essa entrevista tinha ido longe demais. — Qualquer coisa que eu possa fazer por você, apenas pergunte. Melhor ainda, pergunte a Philip. Ele é o homem que faz as coisas aconteceram.
 
— Eu vou tentar não ser um grande incômodo. — Gilan disse, sorrindo. Douglas balançou a cabeça enfaticamente. Ele fez a maioria das coisas enfaticamente, Gilan pensava.
 
— Nenhum incômodo. Não vai incomodar ninguém. — Ele já tinha dispensado Gilan como uma preocupação.
 
A AUSÊNCIA TEMPORÁRIA DO ARQUEIRO LOCAL, GILAN pensou, poderia muito bem ter influenciado a decisão de Foldar escolher Highcliff como um local de operações - supondo que ele tinha, de fato, feito isso.
 
Um dia tinha passado desde a sua chegada e ele estava andando através das terras em torno do castelo. Era terra rica e boa, com a maioria dos agricultores concentrando-se em gado leiteiro. O campo parecia pacífico o suficiente e quando ele parou para a refeição do meio-dia em uma pequena pousada da aldeia, as pessoas pareciam contentes e acolhedoras.
 
Era um dia ensolarado e que ele escolheu sentar-se em uma mesa do lado de fora da pousada. A estalajadeira era uma mulher atraente, em torno de trinta anos de idade. Ela tinha uma natureza amigável e sorriu quando pegou seu pedido. Ele notou que ela estava usando um anel simples no terceiro dedo da mão esquerda, mas não havia nenhum sinal de um marido em qualquer parte do aposento. Quando ela voltou e colocou uma jarra de cerveja na frente dele, ele olhou ao redor da pousada.
 
— Seu marido está fora? — Ele perguntou e o sorriso da mulher desapareceu. Tristeza encheu seus olhos.
 
— Ele foi morto na guerra — disse ela.
 
Gilan balançou a cabeça em desculpas. — Sinto muito — disse ele, lamentando que ele tivesse lhe causado dor. — Eu não deveria ter perguntado.
 
Ela encolheu os ombros filosoficamente. — Eu não sou a única mulher que ficou sem um homem — disse ela. — E estou melhor que a maioria. Pelo menos eu tenho um negócio que eu posso dirigir. Algumas viúvas são deixadas com uma fazenda para cuidar por conta própria e isso não é trabalho para uma mulher. — Ela sorriu de novo, não tão intensamente como antes e mudou de assunto. — Então, o que o traz à nossa porta, Arqueiro?
 
— Por favor, me chame de Gilan — ele disse e ela estendeu a mão para apertar as mãos.
 
— Sou Maeve — disse ele. Ela estudou-o francamente. Ele era alto e de boa aparência, com uma pitada de humor, até mesmo travessura, em seus olhos. E ele tinha um ar de confiança sobre ele. Confiança tranquila, não arrogância como alguns jovens. Ele era provavelmente um ou dois anos mais jovem do que ela. Mas não era uma grande diferença de idade e ela se perguntou se ele era casado.
 
— Você estava dizendo? — Ela solicitado e Gilan se lembrou de sua pergunta.
 
—Ah... apenas um negócio pequeno no castelo — disse ele descuidadamente. — Detalhes administrativos realmente, deixar as coisas em ordem novamente depois da guerra. — Ele fez uma pausa, em seguida, acrescentou: — Você conhece Philip, o senescal, por acaso?
 
No passado, ele descobriu que proprietários estavam geralmente bem informados sobre a fofoca local. E eram muitas vezes mais do que dispostos a compartilhar seus
conhecimentos.
 
Maeve provou não ser uma exceção.
 
Ela assentiu com a cabeça. — Um bom administrador — ela disse — se ele puder manter-se longe dos dados.
 
— Ele joga? — Gilan perguntou e ela fez uma pausa, franzindo a boca, pensativa antes de responder. Ela gostava de Philip e não queria deixar Gilan com a ideia errada sobre ele.
 
— Ele costumava. Ele e alguns dos comerciantes locais costumavam jogar regularmente na taberna Swan. — Ela virou a cabeça em direção a um prédio de um andar em o outro lado da rua principal da vila. — Mas eu não o vi lá para o último mês ou dois. Eu acho que ele largou isso agora. Ele ficou bastante endividado com os outros jogadores. Alguns deles estavam indo denunciá-lo ao Barão Douglas, mas ele convenceu-os a não fazerem isso.
 
— Isso não teria feito bem a ele.  — disse Gilan. Como senescal, Philip seria encarregado de tesouraria do castelo. Douglas dificilmente estaria confortável se ele soubesse que o seu administrador financeiro acumulava dívidas de jogos de azar na aldeia.
 
— Concordo. Não que alguém por aqui tenha muito tempo para o Barão... — Maeve parou cautelosamente como ela percebeu que poderia estar falando fora de hora.
 
Gilan sorriu com simpatia.
 
— Eu me encontrei com ele — disse. —Ele é um pouco pomposo, não é? Maeve pareceu relaxar. — Como eu disse, nenhum dos outros sentiram que lhe deviam favores. Eles já devem a ele impostos suficientes — acrescentou sombriamente. — Ele é um pouco pesada quando se trata de tributar os negócios locais.
 
Gilan assentiu, mantendo uma cara séria. Mas por dentro, ele estava sorrindo. Ele ainda estava para encontrar um comerciante que não achasse que ele ou ela estavam sendo solicitados a pagar taxas fiscais em demasiado.
 
—Então... Philip não vem para a aldeia muito estes dias?  — questionou.
 
Ela balançou a cabeça enfaticamente. — Não ao Swan — disse ela. Então ela fez uma pausa. — Mas eu o vi algumas vezes recentemente, tarde da noite. Eu tenho insônia e com frequência eu vou sentar na minha janela, olhando a rua lá fora. — Ela não acrescentou que a falta de sono foi causado pela solidão na madrugada. Era nesta hora que, sem nada para ocupar sua mente, ela sentia a perda de seu marido com mais intensidade.
 
— Onde ele estava indo? — Gilan perguntou.
 
Ela hesitou por alguns segundos. — Se fosse ele. Embora eu tenha certeza que era. Eu realmente nunca vi seu rosto, mas ele tem essa maneira de caminhar, com sua cabeça impulsionada para frente e os ombros curvados. Ele parecia estar se encaminhando para a casa de Ambrose Turner, no final da rua. Estranho, eu pensei, já que Ambrose era a quem ele devia mais dinheiro.
 
— Será que ele conseguiu pagar a dívida? — Gilan perguntou.
 
— Eu não sei. Ele deve ter. Ele dificilmente seria bem-vindo na casa de Ambrose se ele não tivesse, não é? 
 
Gilan franziu a testa. — Não. Ele não seria — disse ele, pensativo. Maeve, que tinha sido à beira de sua mesa enquanto falava, olhou acima quando um grupo de clientes chegou, chamando alegremente a ela como eles entraram na taverna.
 
— É melhor eu ver com eles — disse ela. — Sua refeição vai estar aqui em breve. Prazer em falar com você, Gilan. Procure por mim de novo — disse ela. Havia um olhar um pouco melancólico em seus olhos quando ela disse isso.
 
— Eu vou fazer isso — Gilan disse, sorrindo. Mas sua mente estava fazendo hora extra como ele refletia sobre o que ela havia dito. Ele tinha muito em que pensar.
 
 
Ele andava de volta ao castelo lentamente naquela tarde, ainda pensando na informação que ele tinha recolhido, reunindo os fatos em sua mente.
 
O senescal era, ou tinha sido, um jogador viciado. Pior, ele era um perdedor e ele arrumou uma grande dívida com alguns dos comerciantes locais.
 
Isso era uma combinação perigosa. Como senescal, Philip teve acesso aos fundos do castelo. Se ele tivesse pagado a dívida e como Maeve havia dito, ele dificilmente seria bem-vindo na vila, se não tivesse, então sua fonte mais provável de dinheiro era do tesouro castelo.
 
Não havia outra possibilidade. Jogos de azar fazam de Philip alvo principal para a chantagem. Se o Barão descobriu que ele era um jogador e que ele devia dinheiro a comerciantes locais, ele seria demitido imediatamente.
 
Supondo que Foldar tinha descoberto o segredo de Philip? Ele poderia ter pagado a dívida por ele, então ameaçou denunciá-lo. Uma vez que ele tivesse escravizado o homem, ele poderia muito bem o ter forçado a tornar-se seu informante no Castelo Highcliff, dizendo-lhe quando os comboios de pagamento ou pagamentos de impostos estavam sendo transportados através do feudo.
 
Pagamentos de impostos! O pagamento trimestral do imposto para o Rei seria feito em uma semana. Philip vinha passando informações para Foldar sobre a quantidade de dinheiro que seria enviado ao Castelo Araluen? Ou sobre a data de partida ou a rota do vagão contendo o dinheiro iria tomar?
 
Isso pode explicar suas viagens clandestinas, tarde da noite, para a aldeia. E se ele não fosse visitar o comerciante Ambrose, mas reunir-se com Foldar ou seus agentes? Afinal, Maeve nunca o tinha visto entrar na casa de Ambrose e era no final da rua. Philip pode muito bem ter cruzado a aldeia e continuado para um encontro com Foldar.
 
Com sua mente girando, Gilan quase perdeu o aviso estrondoso de Blaze ao atirar sua cabeça para a esquerda. Totalmente alerta, mais uma vez, ele olhou para a esquerda e viu duas figuras passando de trás da capa de um tronco caído do outro lado do rio, que ele estava andando ao lado. Ele registrou os homens e, numa fração de segundo depois, o fato de que ambos estavam armados com bestas e arcos que eram apontados a ele.
 
Chutando seus pés dos estribos, ele lançou-se para o lado da sela, mergulho à sua direita, de modo a manter Blaze entre ele e os dois. Ele ouviu um zumbido sinistro perto de sua cabeça enquanto ele mergulhou e sentiu algo arrancar violentamente sua capa. Em seguida, ele bateu no chão ao seu lado, rolando para amortecer a queda.
 
Ele resmungou com o impacto, então disse baixinho — Blaze! Entre em pânico!
 
A égua baía levantou suas orelhas quando ouviu seu nome. Então, na segunda palavra de comando, ela entrou em um desempenho notável. Ela relinchou alto e ergue-se em
suas patas traseiras, suas patas dianteiras se debatendo no ar. Como os pés da frente caiu de volta para o chão, ela girou em um círculo, ainda relinchando e resfolegando.  Então ela correu alguns metros para trás no caminho que eles tinham vindo, parou, hesitou e correu na direção oposta, curvando-se em um grande círculo, balançando a cabeça e juba como enquanto isso.
 
Era um movimento cuidadosamente ensaiado, um dos muitos que os Arqueiros e seus cavalos praticaram desde os seus primeiros dias juntos. O barulho, o movimento, o pânico aparente foram todos concebidos para proporcionar uma distração. Como Gilan deixou a sela e caiu no chão, era quase impossível para um observador não tirar os olhos do Arqueiro e, em vez disso, olhar o cavalo mergulhar, correr e relinchar.
 
Isso deu a Gilan tempo de rolar várias vezes, envolvendo-se em sua capa enquanto isso. 
 
Ele percebeu que seu capuz caiu para trás de sua cabeça enquanto ele saltou. Não houve tempo para recolocá-lo, então enquanto ele rolou, ele puxou uma dobra do seu manto sobre o seu rosto como uma máscara. Ele ficou parado deitado no chão, de frente para a direção de onde o ataque viera. Então, ficou absolutamente imóvel, mal respirando, como Blaze, aparentemente recuperado de seu súbito ataque de pânico e parou de cabeça para baixo, á dez metros de distância.
 
Confie na capa. Era um mantra cantado por todos os Arqueiros durante seus anos como aprendizes. Gilan seguiu a regra, agora, deitado imóvel na grama enlameada, o padrão cinza e verde da capa deixando-o, para todos os intentos e propósitos, invisível.
 
Seus atacantes estavam a apenas trinta metros de distância, com o riacho profundo entre eles e Gilan. Ele os ouvia claramente. — Onde ele foi?
 
— Eu o peguei. Eu sei que o acertei. — A segunda voz estava animada. A primeira, quando ele falou de novo, estava pesada com sarcasmo.
 
— Então, onde está ele? Não há nenhum sinal 
 
— Deve haver. Eu sei que eu... — A voz sumiu.
 
Olhos semicerrados acima da capa, Gilan viu como os dois homens saíram de trás da capa do tronco caído e avançaram cautelosamente até a borda do o fluxo. O mais velho dos dois homens, o sarcástico, olhou em dúvida para as escuras e velozes águas.
 
— Através o rio e procure por ele então — ele ordenou, mas o outro homem bufou indignado.
 
— Atravessar? Nada disso! Este rio deve ter três ou quatro metros de profundidade e eu não sou um nadador! Atravesse você mesmo. 
 
Tardiamente, os dois supostos assassinos perceberam que não haviam recarregado suas bestas. Eles fizeram isso agora, grunhindo com o esforço como colocavam as cordas pesadas no lugar. Gilan olhou para onde o seu arco estava, a poucos metros de distância. Ele soltou-o durante sua queda, no caso de cair sobre ele e quebrar. Por um momento, pensou em seu próximo movimento. Ele poderia subir e se mover em segundos para recuperá-lo. Outros dois segundos para puxar uma flecha de sua aljava e colocá-la no arco. Em seguida, um segundo tempo para esticar, mirar e atirar. E assumindo que a sua capa, enrolado ao redor de seu corpo como estava, tinha deixado a sua aljava livre.
 
Mais provavelmente, a alijava e suas flechas seriam irremediavelmente emaranhadas nas dobras do manto, acrescentando preciosos segundos para o tempo que levaria para atirar.
 
Não. Ele tinha perdido a sua oportunidade, enquanto eles estavam com seus arcos descarregados. Se houvesse um deles, ele poderia arriscar. Mas com dois besteiros em de curto alcance, o risco era muito grande. Um segundo depois que ele tomou essa decisão, ele estava feliz que ele tinha. Uma terceira voz juntou-se a discussão.
 
— Vocês dois! O que está acontecendo?
 
A voz era mais cultural, mas o tom era forte e exigente. Os olhos de Gilan partiram na direção que ela veio. Ele não se atreveu a mexer a cabeça. Ele podia ver um vulto escuro na beira de sua visão. Quem quer que fosse, parecia estar vestido de preto. Em seguida, sua identidade ficou clara como o primeiro do besteiros respondeu a sua pergunta.
 
— Apenas verificando, Lorde Foldar.
 
Gilan enrijeceu. Então Foldar estava aqui apesar de tudo, ele pensou. —Verificando? Verificar o que? Você o acertou?
 
Os dois atiradores trocaram um olhar preocupado. Em seguida, o homem mais velho falou novamente.
 
— Sim. Estamos com ele, meu senhor. Ele é caiu, bem e verdadeiramente.
 
— Então, certifique-se disso! — Foldar ordenou, irritado.
 
Mais uma vez, os dois homens trocaram um olhar preocupado. Se eles não podiam ver Gilan, como eles poderiam ter certeza que ele estava morto? Em seguida, o homem mais velho deu de ombros ligeiramente. — Muito bem, meu lorde. — ele respondeu e levantou seu arco. Ele apontou para um ponto aleatório três ou quatro metros a esquerda de Gilan e apertou o gatilho na curva. Houve a habitual feio tapa do mecanismo de besta libertando, em seguida, um silvo-baque como o dardo curto enterrou-se no solo.
 
Gilan decidiu que isto tinha ido longe demais. Blaze ainda estava a alguns metros de distância. Ele assobiou, um pulsante, apito de três notas, que era outro sinal preparado. 
 
Quieto como estava, o arqueiro do outro lado ouviu e olhou para cima de repente, não sabendo de onde o barulho vinha.
 
— O que foi isso? — O mais jovem perguntou. Mas, então, Blaze entrou em cena mais uma vez. Ela levantou a cabeça, orelhas em pé e olhou para longe de Gilan, em árvores próximas. Ela relinchou e começou a trotar na direção em que ela estava olhando.
 
— Alguém está vindo! — Disse o arqueiro mais velho. — Vamos sair daqui! Gilan viu como eles tropeçaram desajeitadamente pelo mato na margem oposta do rio. Ele ouviu uma breve e raivosa troca entre eles e Foldar, em que asseguravam ao seu líder que Gilan estava morto. Em seguida, todas as três figuras entraram nas árvores do outro lado do córrego.
 
Gilan esperou alguns minutos, em seguida, sentou-se lentamente. Ele assobiou e Blaze veio trotando de volta para ele.
 
Como eu fui?
 
—Você foi notável — Gilan disse a ela. — Na verdade, eu estou querendo saber se você não estava realmente em pânico.
 
Chama bufou de escárnio. Eu, em pânico? Desses dois besteiros desajeitados? Por que você não atirou neles?
 
— Eu deixei cair o meu arco — disse Gilan e imediatamente desejou que ele não tivesse dito. Blaze virou a cabeça de lado para olhar para ele.
 
É claro que você deixou.
 
Ele remontou e partiu pensativo. Depois de alguns quilômetros, ele expressou seus pensamentos em voz alta. — Por que Foldar enviou homens para emboscar-me? 
 
Dificilmente é um bom plano, se ele quer continuar a ser discreto. Você não tenta matar um Arqueiro e espera que isso passar despercebido.
 
Talvez ele simplesmente não goste de Arqueiros.
 
—Possivelmente. É mais provável que ele sabe que eu estou caçando ele e estava tentando me pegar primeiro.
 
Como ele poderia saber isso? A menos que alguém lhe contou sobre você. E apenas duas pessoas sabem o que você está fazendo aqui.
 
— Exatamente — disse Gilan.
 
ERA VÁRIAS HORAS DEPOIS DE MEIA-NOITE QUANDO PHILIP SAIU da grande casa no final da aldeia. Movia-se furtivamente, permanecendo nas sombras das casas. Em sua mão direita, ele carregava um saco de lona branca grande.
 
Gilan observava de seu ponto de vista em um beco lateral, como o senescal passou por ele, menos de três metros de distância. Philip nunca o notou, mas ele estava perto o suficiente para que Gilan ouvisse o inconfundível tintilar como Philip trocou o saco para a outra mão. Dinheiro, ele pensou. E bastante.
 
Como o senescal se afastou, Gilan correu levemente a parte de trás do beco. 
 
Ficando paralelo à estrada da vila, ele continuou a mover-se em uma corrida, os pés mal fazendo som sobre a terra macia. Até o momento que ele chegou ao fim da aldeia, já havia ultrapassado Philip e era agora estava a cerca de dez metros à frente dele.
 
Philip caminhava lentamente, de cabeça para baixo, sobrecarregado pelo saco pesado. 
 
Ele não tomava nenhum interesse em seu entorno. Neste momento da noite, ele esperava ver ninguém e ser visto por ninguém. No entanto, Gilan ramificou-se em um ângulo e encontrou a cobertura das árvores. Ele continuou a correr, ainda permanecendo paralelo à estrada, indo de volta para o castelo e cada vez mais distante à frente da figura pensativa atrás dele.
 
Depois do pôr do sol, o posto de guarda externa na trilha não ficava aberto. Os guardas retiraram-se para dentro do castelo e o portão de ferro pesado foi baixado para barrar a entrada. Mas ainda havia sentinelas nas ameias e o caminho através do istmo estava à vista. No entanto, quando Gilan tinha seguido Philip do castelo mais cedo naquela noite, ele tinha visto o senescal escalar desajeitadamente pela encosta de entulho espalhado ao lado da estrada por vários metros, onde uma trilha rústica e quase imperceptível percorreu as rochas caídas. Aqui, ele estava escondido da vista das sentinelas do castelo. Gilan movido ao longo da pista agora até que estivesse a apenas poucos metros das muralhas do castelo elevadas. Então, ele escorregou rapidamente para trás até ao nível do solo. Pressionando-se contra a pedra áspera, ele moveu-se para a esquerda, virando-se para uma das torres do canto. A poucos metros, ele chegou a uma pequena portinhola do portão que Philip tinha usado para deixar o castelo.
 
— Há sempre um caminho secreto dentro e fora — ponderou Gilan quando ele tinha visto o senescal desbloquear o portão no início da noite. Esta foi à razão por ele estar correndo à frente de Philip. Quando o outro homem entrasse novamente no castelo, ele teria a certeza de trancar a porta. Gilan empurrou e fechou a porta atrás dele e se mudou furtivamente para a torre de guarda. Uma vez lá dentro, ele se escondeu atrás de uma cadeira de espaldar alto, onde ele tinha uma visão do escritório de Philip e da porta maciça para a sala forte onde o dinheiro dos impostos foi mantido seguro.
 
Ele tinha estado no local por vários minutos quando a porta exterior se abriu e Philip deslizou em torno dele para entrar na fortaleza. Ele olhou em volta, certificando-se de que não havia ninguém olhando, então correu para a porta da sala forte. Mais uma
vez, Gilan ouviu o tilintar das moedas como ele colocou o saco branco no chão e se atrapalhou com o anel chave para abrir a sala forte.
 
Alguns minutos depois, ele saiu mais uma vez e ocupou-se com as várias fechaduras na porta da sala forte. Ele testou a porta para se certificar de que era seguro. Então, com um suspiro cansado, ele fez o seu caminho para o seu escritório e entrou. Gilan sabia que aposentos privados de Philip foram localizados por trás do escritório. Ele também notou que, quando o senescal havia emergido da sala forte, ele não estava carregando o saco de dinheiro.
 
— Fascinante — Gilan disse para si mesmo.
 
— É um grande risco — Barão Douglas disse, franzindo a testa, como Gilan contou a primeira parte de seu plano. — Você planeja enviar o dinheiro dos impostos em uma carruagem pequena, sem escolta? Eu não gosto disso. 
 
— Não é sem escolta exatamente — disse Gilan. — Apesar de tudo, eu vou viajar na carruagem.
 
O Barão Douglas não pareceu convencido. Arqueiro ou não, um homem faria pouca diferença se o bando de Foldar decidisse atacar.
 
— O ponto é — Gilan continuou — que Foldar vai pensar que o dinheiro do imposto está no comboio habitual. Vamos organizar as coisas, então quando der dez minutos após o a carruagem pequena partir, sai o comboio com a escolta de costume. O Barão Douglas recostou-se na cadeira, balançando a cabeça, em dúvida.
 
— Se Foldar decidir roubar o dinheiro dos impostos — disse ele — Ele vai estar vigiando o castelo. E ele vai ver a partir um carrinho pequeno, com você a bordo que, poucos minutos antes da grande carroça e sua escolta. Ele vai saber que você não iria deixar o dinheiro fora de sua vista e ele vai sentir o cheiro de um rato. Ele vai ver através de seu plano. Ele não é bobo, sabia.
 
— Eu estou apostando nisso —. Gilan sorriu. — Porque eu estou planejando um blefe duplo. O dinheiro vai estar realmente onde é deveria estar - no vagão grande com a escolta. Assim, enquanto Foldar está ocupado atacando a pequena carruagem —  dando-me uma chance para capturá-lo - a carroça com imposto real estará quilômetros de distância e segura. 
 
Por um momento, Douglas estava sem palavras. Seus lábios se moviam silenciosamente como ele juntava o trabalho complicado feito pela mente de Gilan. — Então, o grande vagão, que supostamente é um chamariz, vai realmente ter o dinheiro a bordo o tempo todo. Enquanto o pequeno vagão, com você no mesmo, será o chamariz? 
 
— Exatamente — Gilan disse alegremente. — Às vezes eu sou tão malandro, que eu confundo a mim mesmo.
 
— Eu não gostaria de estar no seu lugar quando Foldar alcançar você e perceber que você o enganou — disse Douglas.
 
— Isso é parte do plano. Eu quero que ele me alcance. Vai me poupar de rastreá-lo.
 
Douglas balançou a cabeça com as palavras. — Melhor você do que eu. Eu não gostaria de enfrentá-lo quando ele estiver com raiva. Aqueles seus olhos são o suficiente para provocar arrepios na espinha. Eles são frios e sem vida, como o de uma cobra.
 
— Eu matei algumas cobras no meu tempo — disse Gilan, deixando cair sua maneira despreocupada. Douglas esfregou o queixo nervoso quando viu o súbito olhar de aço do jovem Arqueiro. Ele deixou seu slide próprio olhar longe e rapidamente mudou de
assunto.
 
— É claro, os homens que carregam os vagões vão saber qual tem o dinheiro dentro.  Nós vamos ter que ter certeza que eles não falam.
 
— Mantenha-os trancados por um dia — disse Gilan e as sobrancelhas de Douglas se reuniram em uma carranca.
 
— Não é uma medida um pouco drástica? — questionou.
 
Gilan acenou com o protesto de lado. — Você não tem que trancá-los em uma masmorra. Apenas mantê-los incomunicáveis por um dia. Não podemos arriscar que uma palavra do blefe duplo chegue a Foldar. E nós sabemos que existe um informante em algum lugar do castelo. Dessa forma, você e eu seremos os únicos que sabem a verdadeira história. 
 
— E Philip, é claro — disse Douglas. — Ele tem que contar o dinheiro e certificar os formulários de impostos. Você quer que eu prendê-lo também?
 
Gilan hesitou por um momento, então disse facilmente: — Não. Tenho certeza de que podemos confiar em Philip. 
 
 
— Quantos homens de sua tropa? — Gilan perguntou ao lavrador de barba ruiva. Seu nome era Bran Richards e ele era o comandante da tropa local de arqueiros. Cada feudo no reino foi encarregado de manter uma força de pronto de arqueiros. Os homens treinavam durante todo o ano, além de suas tarefas normais de arar, colher ou triturar. No caso de uma guerra, eles poderiam ser chamados para o exército real e estar pronto para lutar imediatamente.
 
— Quinze — respondeu o homem. — Deveria ser dezoito, mas perdemos três homens na guerra. Eu vou ter que recrutar três novos homens e começar a treiná-los em breve. 
 
—Hmm... bem, seis devem ser o suficiente para os meus propósitos. Escolha os seus seis melhores arqueiros e me espere depois de amanhã três quilômetros além do ponto onde a estrada da costa e a estrada alta divergem. Há um pequeno bosque de árvores ali onde você pode se esconder. Fique fora de vista. Na verdade, pode ser melhor vocês se moverem para a posição antes da primeira luz.
 
Bran assentiu. — Como você diz.
 
Um novo pensamento atingiu Gilan. — Uma coisa — disse ele. — Diga a seus homens este é apenas um exercício de campo de rotina. Não menciona que eu estou envolvido, tudo bem? Na verdade, não mencione a ninguém.
 
Bran acenou com a compreensão. Ele apontou para o jarro sobre a mesa entre eles. Eles estavam sentados na sala de estar confortável de sua casa. — Mais cidra? — ele ofereceu. Mas Gilan balançou a cabeça.
 
— Eu preciso manter a cabeça limpa — disse ele. — Eu tenho um monte de arranjos a fazer.
 
O OBSERVADOR NO MONTE VIU COMO A PONTE LEVADIÇA LENTAMENTE retumbou e abriu para permitir passagem uma carruagem pequena coberta puxada por um único cavalo.
 
Trotando atrás dela, amarrado a uma corda de chumbo para a traseira da carruagem, estava uma égua baia. Sentado ao lado do condutor estava uma figura alta vestindo o inconfundível manto de um Arqueiro. O observador assistiu a carruagem lentamente virar até o ponto onde a estrada bifurcava. Ele pegou a esquerda na bifurcação, seguindo a estrada do litoral.
 
Cerca de dez minutos depois, uma segunda carruagem - maior do que o primeiro e conduzida por um par de cavalos - surgiu do portão. Uma escolta de seis homens montados e armados seguiu para fora depois. Esta carruagem desviou para a direita na bifurcação, seguindo a estrada que levava em direção à floresta.
 
— Assim como Lorde Foldar disse — o homem na colina murmurou para si mesmo. Ele correu para onde o cavalo estava amarrado, montou e partiu a galope. Ele ficou fora da estrada até que ele estava muito à frente da lenta carruagem para ser observado. Então, ele disparou para a estrada e aumentou sua velocidade.
 
Em um ponto onde uma árvore caída estava à beira da estrada, ele freou. Foldar emergiu de dentro das árvores, inconfundível em sua capa de veludo de gola alta preta.
 
Debaixo de seu casaco preto, ele usava uma camisa de malha, também preta. Em seu braço esquerdo, ele trazia um escudo triangular. Sua espada longa estava em uma bainha ligado ao seu arco de sela.
 
Foldar trotou com seu cavalo para perto. — Reporte. —, disse ele.
 
O cavaleiro hesitou. Ele nunca foi particularmente confortável quando ele estava sob o olhar direto de seu líder. O homem raramente, ou nunca, parecia piscar.
 
— A pequena carruagem partiu vinte minutos atrás — disse ele. — O Arqueiro estava com ela.
 
— Esse é a Arqueiro mesmo que você me garantiu que você matou, não é? — Foldar perguntou calmamente. Seu capanga mexeu desconfortavelmente na sela.
 
—Sim, Lorde Foldar. Minhas desculpas. Eu pensei...
 
Mas o líder dos bandidos fez um gesto brusco com a mão direita. — Pare de tagarelar. Será que a segunda carruagem saiu?
 
— Dez minutos mais tarde, Lorde. Está indo ao longo da estrada, através da floresta, assim como você esperava — disse ele.
 
Foldar zombou com desdém do débil esforço do homem para agrada-lo. — E o chamariz 
— questionou.
 
— A pequena carruagem pegou a estrada costeira, senhor.
 
Foldar fez uma pausa. Foi uma tentativa desajeitada de enganá-lo, ele pensou, mas tinha de dar crédito ao Arqueiro por viajar com a carruagem chamariz em pessoa. Isso, pelo menos, mostrou um grau de originalidade. Mas seria ainda mais irritante para o Arqueiro quando ele percebesse que seu estratagema tinha falhado. Ele estaria a quilômetros de distância do ponto do ataque real e impotente para intervir.
 
— Muito bem — disse ele. — Agora, saia da estrada e fique fora de vista.
 
— Sim, Lorde — disse o observador submisso. Eles cavalgaram de volta para as árvores, onde um grupo de uma dúzia de homens fortemente armados montados esperavam pelas ordens de Foldar.
 
— Você, você e você — disse ele, sacudindo o polegar para o mensageiro e dois outros homens. — Tome uma posição sobre o outro lado da estrada. Quando você ouvir o som de minha corneta, ataque imediatamente, fazendo todo o barulho possível.
 
Os três homens murmuraram em reconhecimento. Quando estavam prestes a se afastar, ele parou.
 
— Fiquem fora de vista — disse ele. Era um aviso, tanto como um comando. Então, como ele os dispensou com um gesto, eles montaram para suas posições. Ele olhou em torno dos outros homens. — Uma vez que a escolta esteja distraída, vamos atacar. Mas não antes de minha ordem.
 
Vários dos cavaleiros assentiram. Eles estavam gratos que não foram selecionados para o primeiro ataque. Eles sabiam Foldar iria segurar o ataque principal até que os soldados da escolta estivessem totalmente engajados na batalha. Os três homens que ele havia escolhido estaria em desvantagem de dois para um e era improvável que eles todos sobrevivessem. Todos tinham ganhado o desagrado Foldar durante os dias anteriores.
 
Eles ouviram o comboio vindo antes que eles o viram. Os cascos dos cavalos da escolta do batiam na superfície dura e compacta da estrada e o eixo da carruagem guinchava alto em um ritmo parecido com Arqueiro de dentes. Em seguida, a carruagem e seu acompanhante entraram na vista em uma curva. Dois dos soldados da escolta cavalgavam a frente da carruagem, mais dois para cada lado, com os dois homens seguindo na parte traseira. Bem como o condutor, havia outro homem armado no banco da carruagem.
 
Os membros da escolta estavam alerta, seus olhos examinando a floresta em ambos os lados da estrada. Aqueles na retaguarda torciam em suas selas cada trinta segundos ou mais para verificar a estrada atrás deles. Como era no início da jornada, Foldar esperava que estivessem em guarda, era por isso que ele tinha despachado os três homens para o lado da estrada para desviar a sua atenção do ataque principal. Ele esperou agora como a carruagem chegou ao local onde ele e seus homens esperavam invisíveis nas árvores. 
 
O cavalo mais próximo a ele avançou um passo ou dois antes de seu cavaleiro percebeu.
 
— Fique parado, seu maldito. — Foldar disse, notando a identidade do homem. O bandido empalideceu. Ele sabia que seu líder se lembraria dele e iria puni-lo em uma data posterior. Talvez seja melhor abandonar o bando após este ataque, ele pensou.
 
Foldar tinha uma trompa de caça pequena de marfim e bronze pendurado no cinto. Ele levou-a aos lábios e hesitou, calculando as distâncias e a velocidade do progresso da carruagem. Quando chegou o momento certo, ele soprou um apito curto da corneta.
 
Os homens da escolta, ouviram isto, é claro e eles ouviram de onde veio. Como um, viraram-se para encarrar as árvores no lado esquerdo da estrada, as mãos caindo para os punhos de espada. Em seguida, eles ouviram gritos e um trovão repentino de cascos de seu lado direito e viraram-se de volta nessa direção. Por um momento, houve confusão e eles circulavam incertos. Em seguida, o homem mais velho gritou ordens e montou formação no lado direito da estrada, na hora de enfrentar os cavaleiros que galopavam.
 
Na primeira troca, os atacantes tinham a vantagem, com o ímpeto de seu ataque com eles e do elemento surpresa. A escolta mal teve tempo de formar uma linha de defesa antes que os três bandidos estivessem sobre eles. Um dos cavalos da escolta foi arremessado ao chão como um bandido dirigiu o galope de seu cavalo para ele a toda a velocidade. Outro defensor rolou á distância, soltando sua espada e segurando em seu braço ferido superior, tentando parar o fluxo repentino de sangue causado por um golpe de espada.
 
Mas uma vez que a energia inicial da carga foi dissipada, os bandidos estavam em apuros. Um caiu rapidamente para um golpe de espada enquanto ficava em pé em seus estribus para atacar o líder escolta. Em seguida, havia dois homens para enfrentar cinco e os membros da escolta rapidamente os cercou.
 
Nas árvores do lado esquerdo da estrada, Foldar observava com os olhos semicerrados, esperando até que a estivesse totalmente engajados. Ele poderia ter atacado mais cedo e possivelmente salvado os dois homens restantes do ataque de distração. Mas ele pouco se importava com seu bem-estar e ele sabia que suas próprias chances de sucesso seriam maiores se ele esperasse. Agora, vendo apenas um de seus homens deixados na sela, ele julgou que era o momento certo. Ele levantou sua espada, então disparou a frente, liderando seus homens para fora das árvores e atacou o comboio.
 
Como ele havia solicitado com antecedência, não fizeram nenhum som. Não houve gritos  de guerra, não gritou de desafio, apenas o som da batida dos cascos dos cavalos na grama macia.
 
Foldar viu o último dos três homens do ataque inicial cair de repente da sela como um soldado da escolta dirigiu uma espada em seu lado. Em seguida, como ele esperava, a escolta relaxou, pensando que a luta houvesse acabado. Vários embainhando suas espadas quando olharam para cima e viram o grupo de homens galopando, mal a vinte metros de distância. O homem gritou um aviso e os outros se viraram em confusão mais uma vez, querendo saber de onde este novo ataque tinha vindo.
 
Então, acima de seus gritos de alarme, Foldar ouviu outro som - um som de assobio zumbido, como o voo de flechas de um arco em torno dele. Mal se passaram alguns segundos quando ele ouviu as batidas monótonas de contato enquanto as flechas atingiram seus alvos. Quatro de seus homens caíram de suas selas e ficaram imóveis. 
 
Os cavalos continuaram a avançar por mais alguns metros, em seguida, sem ninguém para guiá-los, desaceleraram e correram sem rumo.
 
Outro som múltiplo de zumbido a sua volta e mais dois de seus homens foram derrubados. O restante puxaram suas rédeas e se afastou do vagão e sua escolta. Foldar fez seu próprio cavalo de batalha parar de correr, procurando a fonte dessas duas saraivadas mortais.
 
E os viu. A sessenta metros de distância, meia dúzia de arqueiros emergiu das árvores. 
 
Uma figura alta em um cavalo baio estava ao lado deles, comandando seu disparo.
 
Mesmo sem o manto manchado distinto, Foldar reconheceu o jovem Arqueiro. Ele amaldiçoou amargamente, pensando como o homem havia chegado aqui tão
rapidamente e como ele tinha reunido uma tropa de arqueiros.
 
Mas não havia tempo para pensar sobre isso. Sua própria força, inicialmente, nove homens, agora foi reduzida para três e os membros da escolta, animado por este reviravolta inesperada de sorte, reuniam-se para investir contra eles.
 
— Corram — ele gritou para os sobreviventes. — Espalhem-se! Reúnam-se amanhã no acampamento!
 
Ele não esperou para ver se eles ouviram ou acatariam em suas ordens. Ele virou o cavalo de batalha e pressionou suas esporas em seus flancos, trovejando para longe, aumentando para um galope enquanto ele continuava a impulsionar e flagelar o cavalo com o lado chato de sua espada.
 
Ele passou por entre as árvores em um galope, o cavalo enorme quebrando seu caminho através da vegetação rasteira mais leve, desviando para evitar os troncos maiores. Os ramos passaram perto de sua cabeça e ombros, ocasionalmente, batendo dolorosamente enquanto ele era muito lento para abaixar. Lágrimas brotaram nos olhos com o impacto e ele mal podia ver onde estava indo. Mas confiava no cavalo para evitar os grandes obstáculos e se agachou sobre o seu pescoço para evitar chicotadas e batidas de galhos, enfiando a cabeça para frente, de modo que seu elmo absorvesse o peso dos impactos contínuos. Cegamente, ele continuou a instigar o cavalo com suas esporas cada vez que ele sentiu que começava a abrandar a sua corrida louca e desenfreada por entre as árvores.
 
Em seguida, eles explodiram das sombras sob as árvores para a luz e ele olhou para cima para ver terra clara que se estende por vários quilômetros à frente de ele. Um muro de pedra estava correndo para encontrá-lo e ele forçou o cavalo nessa direção, sentindo que ele estava prestes a recusar a obstáculo. O animal maciço arqueou, em seguida, lançou-se sobre o muro baixo. Como eles subiram acima do solo, o baque de seus cascos cessou por alguns segundos. Nesse tempo, Foldar ouviu outro conjunto de cascos rápidos atrás dele.
 
O cavalo caiu de volta à terra e o impacto atirou-o para a frente, sobre o pescoço do cavalo. Ele agarrou descontroladamente em sua crina para manter o equilíbrio, quase perdendo o controle sobre sua espada enquanto ele fez isso. Quando tinha recuperado o seu lugar, ele torceu na sela, procurando a fonte dos outros cascos perseguidores.
 
Quando olhou, viu o cavalo baio passar a parede que tinha acabado de saltar, o Arqueiro de costas sentado facilmente na sela. A égua baía quase perdeu seu ritmo, mas voltou a galope quase instantaneamente, ganhando do cavalo de batalha pesado com facilidade.
 
Foldar olhou ao redor. Havia espaço aberto ao redor dele. As árvores mais próximas estavam á pelo menos dois quilômetros de distância. Ele nunca iria alcançá-las a tempo. Ele olhou para o seu perseguidor. O Arqueiro estava sozinho e armado apenas com uma espada. Não havia nenhum sinal do arco longo que os Arqueiros habitualmente carregavam. Os lábios de Foldar curvaram para trás de seus dentes em uma expressão que era meio um sorriso, meio grunhido. Ele sabia que a espada não era uma arma primária para Arqueiros. E Foldar era um bem treinado espadachim, experiente, que tinha lutado em combates com pontuação ao longo dos anos. Seu escudo estava pendurado em uma tira de retenção, batendo desconfortavelmente contra os flancos do cavalo como ele galopava. Ele abandonou o seu controle sobre o escudo, quando ele virou-se para fugir. Agora, ele puxou de volta para a posição, deslizando seu braço esquerdo através das tiras e aproveitou o punho.
 
Então, ele olhou para o cavalo de batalha, arrastou-a em torno de um semicírculo e bateu esporas em seus flancos novamente como ele investiu de volta para atacar seu perseguidor.
 
 Gilan assentiu para si mesmo quando ele viu a mudança de líder bandido de direção. Ele jogou seu arco para Bran, o líder da tropa arqueiro, quando ele partiu em busca de Foldar. Ele podia ver que a figura de capa preta estava se dirigindo para o espesso arvoredo e o arco teria sido um incômodo como Blaze tecia seu caminho entre os troncos maciços e sob os galhos baixos. Além disso, as instruções de Crowley tinham sido para capturar Foldar se possível e trazê-lo de volta para julgamento. Isso significava que ele teria que enfrentá-lo em combate, não abatê-lo à distância. Como o trovejante cavalo de batalha se aproximava, Gilan deslizou sua espada da bainha. Ele sentiu Blaze ficar tenso com isso.
 
— Ainda não — ele murmurou e seu cavalo sacudiu as orelhas em reconhecimento.
 
Foldar foi dobrando-o de modo que eles se encontrariam lado direito com o lado direito. 
 
Ele tinha seu escudo em forma de pipa na horizontal através da curva de sela para proteger seu corpo e sua espada longa estava levantada, pronto para atacar. Era uma questão de segundos...
 
— Agora — gritou Gilan, embora o grito fosse desnecessário. A pressão súbita de seus joelhos e a contração das rédeas disse exatamente a Blaze o queria que ela fizesse.
 
A égua pulou lateralmente à direita, cruzando rapidamente na frente do cavalo de batalha antes que Foldar tivesse chance de reagir. Foldar tentou torcer na sela, mas o escudo, a um ângulo, impediu o movimento e Gilan e Blaze escorregou para o lado esquerdo. Foldar puxou as rédeas, segura com a mão esquerda, mas mais uma vez o escudo era um obstáculo. O cavalo de batalha balançou desajeitadamente e começou a ir sem jeito para a esquerda.
 
Não havia nada de desajeitado ou lento sobre os movimentos de Blaze. Sob a direção de Gilan, ela subiu para suas pernas traseiras, fazendo piruetas como um dançarino para reverter sua direção com apenas uma pausa. Quando seus cascos da pata dianteira bateram no chão de novo, ela já estava galopando inclinada atrás a cavalo de batalha.
 
Eles vieram em um ângulo por de trás Foldar e à sua esquerda. Seu cavalo ainda estava tentando oscilar em torno de um círculo para a esquerda, enquanto Foldar arrastou as rédeas e batia cruelmente com sua espora direita. Como resultado, o grande cavalo estava com o equilíbrio instável e fora enquanto Blaze, a toda velocidade, posicionou-se no ombro do cavalo de batalha, entre a sela e o seu ombro dianteiro esquerdo.
 
Blaze estava pronta e se preparou para o impacto estrondoso. O cavalo de Foldar não. Já desequilibrado, foi arremessado para o lado, em seguida, perdeu o equilíbrio e caiu para o lado. Foldar teve um instante para decidir se o cavalo poderia recuperar ou se ele seria preso sob ele. Ele chutou seus pés dos estribos e saltou, pousando sobre o escudo e rolando para absorver o impacto. O cavalo deslizou vários metros no chão úmido, seus cascos debatendo o ar perigosamente. Então, com um grunhido assustado, rolou desajeitadamente até ficar de pé e galope para longe.
 
Enquanto Foldar lentamente levantava-se, Gilan desceu da sela de Blaze. Ele ficou a poucos metros do líder dos bandidos, sua espada segura frouxamente, ponta angulada ligeiramente para baixo.
 
— Eu sugiro que você renda-se agora — Gilan disse calmamente. — Basta colocar a sua espada no chão.
 
Foldar riu asperamente. — Você sugere isso, não é? — Disse. — Bem, eu sugiro que você se vire e vá embora. Se você fizer isso, eu poderia poupar sua vida. Você está fora de sua liga aqui, Arqueiro. Você não tem o seu arco para esconder-se atrás dele agora. 
 
Foldar estava cometendo um erro grave. Ele tinha um conhecimento limitado dos Arqueiros e conhecimento limitado pode ser uma coisa perigosa. Ele sabia que Arqueiros eram mestres arqueiros. Ele nunca tinha ouvido falar de nenhum que fora treinado com uma espada. Tanto quanto lhe dizia respeito, as probabilidades estavam em seu favor neste encontro. Ele decidiu que iria desfrutar de matar este jovem homem que ao interferir tinha estragado seus planos. Ele esperou para ver se Gilan iria responder.
 
Mas o Arqueiro alto permaneceu em silêncio.
 
— O que você está fazendo aqui, de qualquer forma? — Foldar perguntou de repente. — Você foi visto na carruagem que era o chamariz. Seu cavalo estava amarrado por trás dele. Então, como você chegou aqui tão rapidamente? 
 
Agora Gilan sorriu. — A carruagem que era o chamariz? — Disse. — Oh, você quer dizer a pequena carruagem que saiu mais cedo? Aquilo não era o chamariz. Aquela é a carruagem com o imposto real. Está a quilômetros de distância agora. E eu nunca fui estive nele. Era apenas um jovem soldado vestindo meu manto. 
 
— Mas o seu cavalo...
 
— Engraçado, não é. Deixei Blaze fora do castelo na noite passada. Havia um cavalo baio nos estábulos. Eu o peguei emprestado e o prendi atrás da carruagem. Eles são muito semelhantes, embora você provavelmente deva ter notado que ele é um cavalo castrado, enquanto meu cavalo é uma égua. Mas então, você provavelmente nunca chegou perto o bastante.
 
Foldar hesitou quando ele percebeu que tinha sido enganado. — Foi-me dito... — Ele cortou a declaração abruptamente. Mas Gilan tinha ouvido.
 
— Sim, eu tenho certeza que foi dito a você. Foi dito que o dinheiro foi carregado no maior vagão. E foi. Mas na noite passada, eu mudei tudo de novo. Feito e tanto para uma noite, eu posso te dizer. Mas ninguém sabia disso. Certamente não o seu informante. Quem é ele, aliás? 
 
— Você nunca vai saber — Foldar disse a ele. — E mesmo que você saiba, não te ajudaria em nada...
 
Ele ainda estava falando quando ele lançou seu ataque. Era um velho truque, projetado para capturar um adversário desprevenido. Mas Gilan era um lutador experiente. Ele defendeu três golpes rápidos de espada de Foldar tão facilmente quanto o homem investiu, abrindo distancia entre eles. Após o primeiro violento, ataque de alta velocidade, ele circulou cautelosamente, cada um medindo o outro. Gilan podia ver que Foldar era um espadachim capaz. E ele tinha a vantagem do escudo alto em seu braço esquerdo. 
 
Enquanto ele bloqueou os ataques de Gilan com o escudo e forçou a espada de Gilan afastar-se para a direita, ele poderia prosseguir com sua própria espada, forçando o Arqueiro para recuperar-se apressadamente, a fim de aparar o golpe. E se ele aparou o golpe de Gilan com sua espada, ele poderia usar seu escudo como uma arma ofensiva, projetando-o a frente no jovem Arqueiro, esbofeteando-o e tirando seu equilíbrio. O escudo deu ao bandido uma vantagem e Gilan decidiu que ele deveria fazer algo sobre isso.
 
Ele trocou de mãos.
 
Ele viu o olhar momentâneo de surpresa no rosto de Foldar. Em seguida, o espadachim vestido de preto dirigir-se para frente novamente, balançando sua espada na cabeça de Gilan. Mas agora a situação mudou. Agora que Gilan estava empunhando a espada na mão esquerda, Foldar foi forçado a desviar principalmente com sua própria espada. Para usar o seu escudo, ele teria que trazê-lo para a direita em torno de seu corpo, tendo seu
braço da espada longe de seu oponente. Além disso, os ataques de Gilan agora vieram do lado direito de Foldar - o lado desprotegido pelo escudo grande.
 
Foldar recuou às pressas, tentando ajustar-se a esta nova situação e não conseguiu fazê-lo muito bem. Gilan agora puxou a faca saxônica de sua bainha, segurando-o com a mão direita. Enquanto ele bloqueouva a espada de Foldar longe à sua própria esquerda, ele poderia continuar e mover-se para perto, apunhalando com a faca saxônica pesada.
 
A segunda vez que ele fez isso, ele abriu um corte largo nas costelas de Foldar, a faca saxônica cortou facilmente através da malha debaixo da túnica de Foldar. Foldar ofegou em dor e imediatamente cobriu com seu escudo protegendo seu corpo.
 
Esta era a oportunidade de Gilan lançar um ataque aéreo, que visava o elmo de Foldar. 
 
Ele não deu tempo ao bandido para trazer a sua própria espada em jogo, mas martelou com uma série ultrarrápida de golpes sobre a cabeça, forçando Foldar a levantar seu escudo para se proteger.
 
Um dos golpes rompeu a defesa, penetrando a partir da borda do escudo e pegando o bandido em cheio no elmo. Ele cambaleou para trás e caiu para em um joelho, sua respiração irregular e ofegante.
 
— Eu vou dar-lhe uma chance de se render — Gilan disse calmamente. — Uma só.
 
Gilan tinha sido treinado em uma escola dura. Ele sabia que era mais hábil do que Foldar, mesmo com a mão esquerda. Mas ele também sabia que um duelo como este era um caso arriscado. Um deslize, um passo perdido na grama úmida, poderia significar um desastre para ele. Ele havia sido treinado para oferecer ao oponente uma chance de render. Mas apenas uma.
 
— Renda-se você! — Foldar rosnou. Ele impulsionou-se para frente de sua posição semiajoelhada, usando a perna traseira para investir em Gilan, mirando sua espada na figura alta. Gilan tinha percebido o movimento que vir uma fração de segundo antes de Foldar movido. Ele viu isso nos olhos do homem. Ele pegou a espada com a faca saxônica, sacudindo o punho e desviando-o para a direita, de modo que Foldar girou desajeitadamente, expondo as costas desprotegidas para espada de Gilan.
 
Foldar, tentando recuperar-se, sentiu um terrível impacto entre as omoplatas. Em seguida, uma dor ardente.
 
— Aaah... aaah — gritou ele, com a voz fraca, sua mente ainda está se perguntando o que tinha acontecido com ele. Ele sentiu a espada cair de seus dedos, que de repente não tinham a força para segurá-la. Então ele viu a grama correndo para encontrá-lo.
 
Gilan retirou sua espada e deu um passo para trás. Foldar estava de bruços na grama com sangue manchando a túnica preta. Gilan encolheu os ombros. Crowley pediu para capturar o homem vivo, se possível. Tanto quanto Gilan se importava “se possível” não envolve arriscar sua própria vida.
 
— Talvez seja melhor assim — disse ao bandido morto. — As cobras sempre dão um jeito de escapar.
 
 
— ENTÃO FOLDAR ESTÁ MORTO. ISSO É UM ALÍVIO. — DOUGLAS ESTAVA ANDANDO pelo chão de seu escritório enquanto escutava Gilan contar do ataque ao comboio. — Você sabe, você tomou um grande risco, trocando o dinheiro de volta para a carruagem pequena e enviá-lo sem proteção.
 
Gilan fez um gesto de desprezo. — Não realmente. Eu estava confiante de que o informante Foldar iria dizer a ele que o dinheiro estava no vagão de grande porte. 
 
Os olhos Barão Douglas se estreitaram por um momento enquanto ele encontrou o olhar firme de Gilan. Então, como sempre, ele desviou para longe do contato direto.
 
— Hmm... sim. O informante. Qualquer ideia de quem poderia ser?
 
— Bem — disse Gilan deliberadamente — além de você e de mim, só uma pessoa sabia que o dinheiro estaria para estar na grande carruagem.
 
— Philip?
 
Gilan assentiu. — Exatamente.
 
Agora, o Barão balançou a cabeça, triste. — Eu nunca teria pensado nele! O homem está comigo há anos. Ainda assim, acho que se a tentação é grande o suficiente, qualquer um pode ficar mal. — Ele suspirou profundamente, obviamente, achando toda a questão de mau gosto. — Acho que é melhor tê-lo aqui, então.
 
— Se você puder — disse Gilan.
 
Eles esperaram em silêncio durante os poucos minutos que levou para Philip para ser convocado. O senescal entrou no escritório do Barão com cautela. Ele olhou para o Arqueiro e ao Barão. É claro que ele sabia sobre os acontecimentos que tiveram lugar no início do dia. Ele era inteligente o suficiente para perceber que ele estava sob desconfiança, como uma das poucas pessoas que tinham conhecido o paradeiro pretendido do dinheiro dos impostos.
 
— Por que você fez isso, Philip? — O Barão começou com sua voz carregada de decepção.
 
— Meu senhor? — Philip respondeu hesitante. Até agora, ele foi acusado de nada, embora soubesse que não poderia estar muito longe.
 
Gilan levantou a mão para parar o Barão de dizer mais. — Eu posso, Barão Douglas? — Disse ele, e o Barão sinalizou sua aquiescência para Gilan lidar com o questionamento. 
 
Ele virou-se, com as mãos cruzadas atrás das costas, uma imagem de confiança traída.
 
— Philip — Gilan disse calmamente — o que você estava fazendo na casa de Ambrose?
 
O Barão virou rapidamente de volta para encará-los, uma expressão perplexa no rosto. O Rosto de Philip mostrou surpresa também. Mas não houve confusão lá. Ele sabia ao que Gilan estava se referindo.
 
— Ambrose? — Disse Douglas. — Quem diabos é Ambrose?
 
— Ambrose é um rico comerciante no vilarejo — Gilan disse a ele. — Philip lhe devia dinheiro.
 
O senescal abaixou a cabeça. — Você sabe sobre isso? — Ele disse, sua voz quase inaudível.
 
O Barão agora avançou, parando apenas um metro ou mais de Philip, dominando o menor homem quando ele se sentou caiu, de cabeça baixa, incapaz de encontrar seu olhar Barão. — Então, você pegou o dinheiro da Foldar para trair seu feudo? — Disse. — Para me trair?
 
Philip olhou para cima agora, angústia e perplexidade em seu rosto. — Foldar? — Disse ele. — Eu nunca peguei dinheiro de Foldar, meu senhor. Eu juro.
 
— Então como é que você paga suas dívidas? — O Barão exigiu com raiva e novamente a cabeça de Philip afundou. Ele abriu a boca para responder, mas Gilan foi mais rápido.
 
— Ele roubou do dinheiro dos impostos já recolhidos — disse ele e os dois homens olharam para ele com surpresa.
 
— Ele o quê? — O Barão perguntou, um segundo antes de Philip conseguiu responder.
 
— Eu nunca quis ficar com ele. Eu sempre tive a intenção de pagar! Eu juro. E eu iria pagar. 
 
— Eu sei — disse Gilan. Ele olhou agora no Barão. — Nos últimos meses, Philip tem passado as noites trabalhando para Ambrose e alguns dos outros comerciantes da vila.  Eu o vi na outra noite, quando ele voltou de Ambrose com um grande saco de dinheiro. 
 
Ele colocou-o na tesouraria. Foi em um em vez distintivo saco branco e eu vi quando eu carreguei o dinheiro na carruagem na outra noite. Eu me perguntava, então: Se um homem estivesse planejando ajudar Foldar a roubar o dinheiro dos impostos, por que ele se deu ao trabalho de substituir o dinheiro que ele já tinha roubado?
 
—Mas... o que ele fez para estes comerciantes? — O Barão perguntou, confuso.
 
Mais uma vez, Philip pareceu envergonhado. — Eu estava ajudando-os com suas contas. 
 
Seus registos estavam muito desleixados e todos pagavam impostos muito mais que eles eram obrigados. Eu mostrei a eles como reduzir seus impostos. Eles me pagaram pelos meus serviços e quando eu tinha ganhado o suficiente, eu substituí o dinheiro que eu peguei emprestado da tesouraria. — Ele olhou suplicante para Gilan. —  Foi tudo perfeitamente legal, eu juro.
 
Gilan escondeu um sorriso. — Talvez. Se foi ético é outra questão. Você pode dizer que tem um conflito de interesses, sendo o responsável pela cobrança do imposto, em primeiro lugar. — Ele se virou para o Barão. — O fato é, meu senhor, Philip não é o nosso traidor.
 
— Então, quem é? — Douglas perguntou.
 
Gilan encarou-o com um olhar fixo. Depois de alguns segundos, os olhos do Barão baixaram. Então Gilan falou calmamente. — Você é, meu senhor.
 
— Eu? Não seja ridículo! —Tudo o barulho estava de volta à voz do Barão agora. — Por que eu trairia o feudo, e o reino, por Foldar?
 
— As razões habituais, eu suponho. O dinheiro provavelmente figura entre eles. E eu suspeito que você fosse secretamente ligado a Foldar e Morgarath, durante a rebelião. 
 
Talvez Foldar estivesse o ameaçando a expor o fato, se você não o ajudasse. Tenho certeza de que tudo vai ficar claro no seu julgamento. 
 
— Ridículo! — O Barão Douglas gritou, como se o volume de alguma forma se equiparasse com sua inocência. — Como eu poderia estar ligado á Foldar? Eu nunca conheci o homem!
 
— Foi o que me disse quando eu cheguei — disse Gilan. — E então, no outro dia, você me disse: 'Aqueles seus olhos são o suficiente para provocar arrepios na espinha. Eles são frios e sem vida, como o de uma cobra’. Uma coisa estranha de dizer se você nunca o conheceu.
 
O Barão olhou desesperadamente ao redor da sala, procurando uma maneira de escapar. Seus olhos caíram sobre seu punhal, estendido sobre a mesa e ele se lançou a ele.
 
Mas Philip foi mais rápido. Ele pulou para frente, da mesma forma, pegando o tinteiro pesado e o jogando, e seu conteúdo, na cara do Barão. Douglas cambaleou para trás, arranhando seus olhos, tentando esfregar a tinta preta pesada fora deles.
 
— Você teria me visto ser preso por seu crime! — Philip gritou. O Barão finalmente limpou os olhos, de modo que ele tinha uma visão parcial. Ele se encontrou olhando para cumprida espada de Gilan. O Arqueiro sorriu para ele, mas não havia humor real no sorriso.
 
— Vamos partir para o Castelo Araluen esta tarde — disse ele. — Eu espero que você tente escapar no caminho.
 
Desta vez, Douglas conseguiu sustentar o olhar de Gilan. O que ele viu ali o fez desanimar. Ele decidiu então que não haveria fuga tentativa. Gilan pegou um par de algemas de couro e de madeira-polegar de um bolso interno e jogou-a Philip.
 
— Coloque isso nele, tudo bem? — Perguntou. O senescal assentiu, então hesitou.
 
— Quem vai estar no comando aqui, quando ele se for?
 
Gilan levantou uma sobrancelha. — No momento, eu acho que você vai ser. Depois disso, nós vamos ter que ver. Apenas tente garantir que o Rei recebe algum imposto a partir deste feudo, não é? 
 
Philip assentiu várias vezes enquanto ele se ocupava em garantir mãos do Barão atrás das costas com os punhos. — É claro. Tudo que ele tiver direito. — Então ele não poderia resistir a um leve sorriso. — Mas não mais.
 
— Isso é justo — Gilan embainhou sua espada e levou Douglas pelo cotovelo, empurrando-o para a porta. Enquanto eles iam para a saída, ele olhou para trás até o senescal, que estava ajoelhado para limpar a tinta derramada no chão do escritório.
 
— Eu ouvi dizer que a pena é mais poderosa que a espada — disse Gilan. — Mas eu nunca soube que o tinteiro poderia ser mais poderoso que uma adaga.
 
OS NÔMADES
O BARCO MERCANTE ERA SOBRE TUDO UMA JANGADA GIGANTE E PLANA, com o convés construído com meia dúzia de grandes troncos que a fazia flutuar. Feixes de couros, lã, sacos de grão, farinha e tecidos estavam empilhadas no meio do convés, cobertos por lonas. Atrás deles, uma casinha servia de abrigo para a pequena tripulação. 
 
O capitão estava na plataforma de direção da popa, equipada com um remo extenso, que servia como um leme. Havia quatro outros remos, embora naquele momento apenas dois estivessem sendo utilizados, para manter o barco em movimento com mais velocidade do que apenas permitiria a lenta corrente do rio Tarbus. Além disso, se o vento estivesse favorável, um mastro e uma grande vela poderiam ser içados.
 
 Era uma maneira eficiente para que os produtos chegassem ao mercado na foz do rio. A alternativa eram três semanas de viagem por terra em um carro de boi. Mesmo tendo em conta as voltas e reviravoltas do rio, o barco de comércio fazia a viagem em cinco dias. Os agricultores e moleiros de Wensley, e meia dúzia de outras aldeias ao longo do rio, tinham encontrado uma maneira mais conveniente de vender seus produtos. 
 
O capitão do barco iria pagar por eles, em seguida, vendê-los à montante com certo lucro. Os produtores acabavam recebendo menos do que o preço de mercado, mas também eram salvos de uma viagem longa, árdua, durante o qual os seus bens poderiam ser roubados.
 
 Roubo também era um dos perigos enfrentados pelos comerciantes de barco.  Recentemente houvera um aumento acentuado na atividade dos piratas no rio atacando os comerciantes. Como Halt tinha comentado a Will:
 
 — Parece que sempre que alguém tem uma boa ideia como esta, outras pessoas simplesmente não podem esperar para roubá-los.
 
 O barco estava virando para fazer uma curva no rio. O capitão e os remadores agitavam-se fortemente para manter a pesada embarcação no meio do fluxo do rio, evitando os bancos de areia salientes da margem esquerda. Desajeitadamente, a jangada virou em torno da curva, formando um ângulo para o leito. O timoneiro virou seu leme habilmente para endireitar o barco, convidando os remadores a puxarem em direções opostas, remando uma vez para frente e outra para trás, por meia dúzia de golpes, até ele estar satisfeito com relação ao alinhamento do fluxo da água novamente. 
 
Se deixasse o barco sair do alinhamento, ele sabia, em pouco tempo estariam girando pela corrente, fora de controle. Então seria necessário um esforço ainda maior para trazer o barco de volta para a posição correta para fazerem a próxima curva.
 
 Uma vez que o barco estava viajando em linha reta novamente, ele disse aos remadores - seus dois filhos - que eles podiam relaxar. Eles retomaram o gentil curso anterior.
 
 Então ele ficou tenso quando viu o movimento nos juncos ao longo da margem direita.
 
 — Oswald! Ryan — ele gritou. — Remos! Olhar atento agora!
 
 Ele mal tinha completado sua advertência quando um barco comprido e estreito, surgiu a partir dos juncos e se dirigiu em direção a eles. Ele estava cheio de homens - ele viu no mínimo quinze - que puxavam oito remos. Ele se inclinou sobre o leme, enquanto o barco pesqueiro voltava para a margem esquerda, e seus filhos soltavam os remos novamente.
 
 Não teriam chance de superar o outro barco. A única chance era a praia que havia antes da balsa, onde poderiam desembarcar e em seguida, fugir para as árvores. Eles perderiam a carga de qualquer forma, mas não suas vidas. A tripulação do outro barco estava fortemente armada e gritava ameaças a eles.
 
 Seu líder estava na proa do barco, brandindo uma espada longa.
 
 — Parem! — Gritou. — Se vocês continuarem navegando, vamos matar todos vocês!
 
 O capitão do barco balançou a cabeça com a ameaça. Os piratas iriam matá-los de qualquer maneira, ele sabia. Nos últimos meses, os corpos de uma dúzia de comerciantes barqueiros tinham sido encontrados em terra ao longo do rio. Seus barcos e suas cargas nunca tinham sido vistos novamente.
 
 — Estão nos empurrando para fora!  — Ele gritou, apesar dos seus filhos poderem ver o que estava acontecendo, assim como ele podia. A embarcação pirata foi rápida para dobrar a curva.
 
 Em seguida, uma voz debaixo da lona que cobria a carga respondeu em voz baixa:
 
 — Pegue seus meninos vá para a popa. Depois diga-nos quando os piratas estiverem a bordo.
 
 O capitão assentiu.
 
 — Oswald! Ryan! Deixe-os e venham aqui!
 
 Os dois remadores musculosos não hesitaram por um segundo. Eles deixaram seus remos balançando na toleteira e se moveram em direção à plataforma de direção, armando-se com pesados porretes tachonados que encontraram. Sem os remos para impulsioná-lo, o barco começou a girar lentamente e o capitão balançava seu remo, empurrando para a esquerda, puxando-o e empurrando novamente para a esquerda, para endireitar o barco.
 
 Os piratas estavam apenas a alguns metros de distância e o barco chegava rápido. O líder pirata estava agachado, pronto para saltar para cima da jangada. O barco atingiu-os em um ângulo, raspando contra a madeira áspera da jangada e girando paralelamente a sua volta. Enquanto eles conversavam, o líder dos piratas saltou para o convés, gritando aos seus homens para fazerem o mesmo. Meia dúzia de homens disparou atrás dele, esperando sua vez de pular para a jangada.
 
 — Eles estão embarcando — gritou o capitão. Quando ele o fez, uma seção da lona que cobria carga foi jogada de lado e duas figuras vestidas de verde e cinza emergiram de seu esconderijo.
 
 Cada um deles portava um enorme arco, com uma seta encaixada e pronta para ser disparada.
  — Arqueiros do Rei! — Gritou o outro à esquerda. — Lancem suas armas e se rendam!
 
 Por um momento, o líder pirata ficou atordoado. O súbito aparecimento dos dois Arqueiros o deteve em seu caminho. Então, a sua mente trabalhou rápido. Ele e seus homens haviam sido capturados fazendo pirataria. A pena para isso seria o enforcamento, uma vez que era o líder. Havia apenas uma saída para ele. Rosnou tomado pela raiva, então se virou para gritar com seus homens.
 
 — Vamos! Matem todos! Matem todos! — Ele começou a descer da jangada em direção às figuras camufladas.
 
 — Não era a resposta que eu queria — Halt disse calmamente. Ele suspirou e atirou antes que o pirata pudesse dar um segundo passo.
 
 Uma seta preta atingiu o bandido no centro do peito, arremessando-o para trás. 
 
Ele caiu na beirada da jangada, onde uma massa de homens tentava o seguir bordo. O barco pirata abalou perigosamente de forma que alguns homens se dispersaram e caíram. Um deles foi à água. Os outros caíram para trás, sobre os remadores. O resultado foi um pandemônio.
 
 Então um deles assumiu o comando. A ideia de enfrentar dois Arqueiros, com suas habilidades fabulosas para atirar rápido e precisamente, era diferente de matar homens de barco desesperados.
 
 — Vamos sair daqui! — Ele gritou para o timoneiro. Então gritou para os remadores, que estavam tentando livrar-se dos corpos caídos dos seus companheiros. — Remem, com mais força! Remem! Tirem-nos daqui!
 
 Lentamente, a ordem começou a prevalecer no barco dos piratas. Halt virou-se para os dois remadores do barco e apontou em direção ao navio pirata.
 
 — Arpão! Rápido!
 
 Os dois barcos estavam começando a se afastar, com o timoneiro pirata trabalhando seu leme e levando o barco para longe. Oswald e Ryan jogaram seus porretes, não vendo mais necessidade para eles, e correram para frente. Oswald pegou um ferro de três pontas que havia sido deixado pronto, girou ao redor de sua cabeça e lançou-o.
 
 Ele elevou-se sobre a distância entre os barcos, à frente de uma corda de cânhamo. Bateu na amurada da popa do barco pirata e imediatamente Oswald o puxou para trás, fixando suas garras afiadas na madeira. Começou a puxar o barco pirata em direção à jangada.
 
 Nesse meio tempo, Ryan tinha arrancado um dos longos remos de sua toleteira. 
 
Quando seu irmão soltou o barco pirata, ele prendeu seu remo contra ele, empurrando-o de modo que os piratas ficaram presos a três metros da jangada.
 
 Halt e Will tinham feito o seu caminho para a proa do barco. Empunhavam seus arcos longos, ameaçando os piratas.
 
 — Corte a corda! — Gritou o timoneiro pirata. Não vendo nenhum de seus homens dispostos a fazer qualquer movimento sob a ameaça dos arcos, ele atirou um pesado punhal que estava preso em seu cinto e deixou o leme, movendo-se em direção à âncora.
  O arco de Will zumbiu. Houve o chicoteio familiar dos membros e do som que a flecha fazia ao sair do arco, então o timoneiro levantou, com uma seta do seu lado. Will tinha atirado para feri-lo no braço. Mas no último momento, o homem havia se mexido, expondo suas costelas.
 
 Ele olhou horrorizado para o jovem Arqueiro quando percebeu o que tinha acontecido com ele. O punhal retiniu sobre o convés do barco e o timoneiro caiu de lado. 
 
Suas pernas ficaram presas e o seu corpo ficou foi jogado sobre a amurada e o barco foi balançado, súbita e perigosamente. Em seguida, um de seus tripulantes libertou as pernas do morto e jogou-o ao mar. O barco voltou a se endireitar e o corpo do timoneiro foi levado pela corrente. A água ao seu redor lentamente ficava vermelha.
 
 — Joguem suas armas no mar! — Halt ordenou. Por um segundo, ninguém respondeu. Em seguida, ele levantou seu arco e, de repente, facas, paus, machados e espadas, todos salpicavam para dentro da água marrom.
 
 — Oswald, amarre a corda, — Halt ordenou e o comerciante do rio rapidamente a enrolou em torno de uma âncora. Halt estava atento, não poderia vacilar perto dos piratas. Depois, ele apontou para banco de areia na margem esquerda do rio.
 
 — Peguem nos remos! — Ele ordenou. — E levem-nos para a terra, para o banco de areia!
 
 Sob a força de seis remos o barco pirata começou a oscilar em direção à costa. Quando a corda se esticou, ele começou a ir mais devagar, arrastando a jangada pesadamente atrás de si. Hal fez um sinal, e Oswald e Ryan retornaram a seus lugares, em seus próprios remos para ajudar a impulsionar a jangada em direção à areia.
 
 Quando Halt sentiu a jangada raspar contra o banco de areia, ele pulou na água que batia em seus joelhos, Will ia ao lado dele. Os dois arcos longos continuavam ameaçando os piratas.
 
 — Saiam do barco — Halt ordenou. — Deitem na areia. O primeiro homem que fizer um movimento que eu não goste, eu vou atirar.
 
 Por um momento, a tripulação do barco hesitou. Afinal, havia apenas dois arqueiros de frente para eles. Em seguida, o senso comum reafirmou-se. Eles estavam desarmados e os dois eram Arqueiros. Em um espaço de dez segundos, eles poderiam disparar quatro ou cinco flechas cada. Com dois dos seus já mortos, a nenhum deles agradavam suas chances. Lentamente, relutantes, eles pisaram em terra firme, então se deitaram no chão de areia.
 
 — Coloquem as mãos atrás da costas, — Halt ordenou e quando os piratas o fizeram, ele chamou a tripulação do barco. — Ryan, Oswald, amarre-os, por favor.
 
 Os dois irmãos ficaram felizes com a ordem. Eles passaram rapidamente entre as figuras de bruços, usando comprimentos curtos de corda que tinham preparado no início do dia. Amarraram com firmeza e, sendo barqueiros, sabiam como amarrar um nó que não afrouxasse.
 
 — Agora, amarre a todos juntos com uma corda longa — disse Halt. — Nós não queremos qualquer um deles correndo em fuga.
 
 O capitão do barco jogou uma corda longa e pesada e os irmãos rapidamente amarraram os homens com ela. Em seguida, jogaram os piratas a bordo do barco e os depositaram, não muito gentilmente, sobre o tabuado.
 
 — Há uma cidade guarnecida a cerca de três quilômetros rio abaixo — disse Halt. 
 
— Nós vamos colocar estas belezas lá para julgamento. Nesse meio tempo, todos nós podemos relaxar e desfrutar de uma viagem de barco a lazer rio abaixo.
 
 — Exceto nós — disse Ryan, voltando ao seu lugar no remo. Mas ele estava sorrindo. Ele ficou encantado ao ver os piratas fora de ação. A comunidade barqueira era pequena e ele tinha perdido vários amigos para piratas nos últimos dias.
 
 — Sim — disse Halt, sorrindo de volta. — Exceto vocês.
 
— EU QUERIA QUE TODAS AS NOSSAS MISSÕES FOSSEM TÃO RÁPIDAS QUANTO ESTA — disse Halt.
 
 Era o dia seguinte. Eles tinham deixado os piratas com a guarnição de Claradon, então contrataram remadores para trazê-los de volta rio acima no barco dos piratas.
 
 Eles tinham recuperado Puxão e Abelard nos estábulos onde os tinham deixado no início da jornada pelo rio e foram cavalgando para casa.
 
 — Eu tenho que dizer, esperava que tivéssemos que subir e descer o rio por semanas antes dos piratas morderem a isca — disse Will. — Não apenas quatro dias. O que foi um golpe de sorte.
 
 — Sim. Eu não gostaria da ideia de nos escondermos sob aquela lona abafada pelas próximas semanas — disse Halt. — Mas eu acho que às vezes a sorte cai em nosso caminho.
 
 Eles cavalgaram lentamente até a rua principal de Wensley, acenando para as pessoas que os cumprimentavam enquanto eles passavam. A maioria dos cumprimentos foram amigáveis. Mas Will percebeu que vários moradores reagiram com surpresa ao ver os dois Arqueiros, em seguida, saíram correndo. Ele sorriu.
 
 — Parece que algumas pessoas se surpreendem ao ver-nos de volta tão cedo — disse ele. — Eu me pergunto o que andam fazendo.
 
 Halt ergueu uma sobrancelha.
 
 — Tenho certeza que vamos descobrir nos próximos dias. Há sempre pessoas esperando para tirar proveito da nossa ausência.
 
 Como o caso dos piratas era uma questão interna do Feudo Redmont, eles não se preocuparam em pedir para Gilan os cobrir durante esse tempo. Mas Halt tinha sido um Arqueiro por tempo suficiente para saber que mesmo em uma aldeia pacífica como Wensley havia uma pequena cota de ladrões, jogadores e trapaceiros, que sempre estariam prontos a tirar proveito das ausências dele e de Will.
 
 Eles chegaram ao desvio que levava ao chalé nas árvores e Will acenou com a cabeça em direção ao castelo, que dominava a paisagem na colina acima deles.
 
 — Você tem que ir para o castelo de imediato?
 
 Halt hesitou, olhou para o sol e viu que ainda havia várias horas de luz do dia.
 
 — Não. Eu vou para a cabana. Posso começar a fazer meu relatório para Crowley.
 
 — Melhor você do que eu — Will disse alegremente. Há algumas vantagens em ser um Arqueiro aprendiz, ele pensou. Halt deu um olhar sisudo a ele por alguns segundos. Will se moveu desconfortavelmente na sela. Nunca era um bom sinal quando Halt o olhava assim.
  — Pensando bem — disse o antigo guarda. — Eu poderia me sentar ao sol na varanda e deixar você escrever o relatório. Vou assiná-lo, depois que eu fizer as devidas correções.
 
 — Ele pode não precisar de qualquer correção — Will sugeriu timidamente e Halt sorriu para ele.
 
 — Oh, eu tenho certeza que vou fazer muitas delas.
 
 Will estava prestes a responder quando ouviram o som de cascos a galope atrás deles. Ambos voltaram o olhar para ver Alyss a cerca de cem metros de distância, vindo da aldeia em direção a eles rapidamente.
 
 — Alguém está contente por você estar em casa mais cedo — observou Halt, com um leve sorriso tocando o canto de sua boca. Ele gostava de Alyss e ficou encantado com a relação que tinha crescido entre ela e Will.
 
 Will também sorriu ao vê-la. Ela se senta em um cavalo muito bem, pensou ele, e seus longos cabelos loiros fluem atrás dela de uma forma mais atraente.
 
 Então, enquanto ela se aproximava, ele não pode ver nenhum sinal de boasvindas ou de um sorriso, e o sorriso em seu rosto desapareceu.
 
 — Alguma coisa está errada — disse ele. Halt tinha chegado à mesma conclusão. Eles pararam e viraram seus cavalos de volta para encará-la enquanto ela deslizava sua égua branca até parar.
 
 — Will — ela gritou, sua voz estava angustiada. — Eu sinto muito! Ebony desapareceu!
 
— Desapareceu? O que você quer dizer com desapareceu? — Will perguntou. Assim que ele disse as palavras, ele percebeu quão ridículas elas eram. Só uma coisa poderia significar a declaração de Alyss.
 
— Ela se foi. Três dias atrás. Eu a deixei na cabana enquanto eu ia a uma reunião no castelo. Me desculpe, Will. Eu deveria ter levado ela comigo! Mas eu pensei
 
Will estendeu sua mão e tocou a dela para acalmá-la. Ela estava a beira das lágrimas, ele podia ver.
 
— Não havia razão para você levá-la — ele disse. — Eu frequentemente a deixava sozinha na cabana.
 
Quando ele e Halt tinham a deixado para perseguir os piratas, Alyss havia se mudado temporariamente para a cabana para cuidar e fazer companhia para a jovem cachorra e dar comida e água todos os dias. Mas é claro, Will conhecia Alyss e ela tinha deveres a cumprir no castelo. Ebony não era um filhote. Ela gostava da companhia de Alyss, e poderia confiar que ela ficaria perto da cabana se Alyss fosse chamada no castelo por uma hora ou duas.
 
— Talvez ela tenha se afastado para dentro da floresta — sugeriu Halt. Mas Will balançou a cabeça.
 
— Ela não faria isso. Ela é treinada para ficar onde é mandada. — Ele olhou para Alyss novamente. — Quando você a viu pela última vez?
 
— Três dias atrás, como eu disse. Eu dei comida a ela pela manhã e caminhei com ela pela aldeia. Então eu recebi a mensagem de que precisavam de mim no castelo. Eu a deixei na varanda e disse para ela ficar. Eu voltei duas horas depois e ela tinha ido embora. Primeiro eu pensei que ela poderia ter perseguido alguma coisa floresta a dentro, então eu comecei a procurá-la, chamando por ela. Mas não havia nenhum sinal.
 
— E quanto a aldeia? — Will perguntou. — Alguém a viu? — Se tinha alguma chance de Ebony se perder, ela teria que ter ido muito mais longe do que Wensley. Ela era uma cachorra muito popular com os moradores da aldeia e em poucas ocasiões ela tinha procurado sua companhia. Alyss balançou sua cabeça. — Eu perguntei, mas ninguém a viu. Me desculpe!
 
Agora uma preocupação traiçoeira começou a corroer Will. Inicialmente, ele tinha pensado que haveria uma simples explicação para o sumiço da cachorra. Mas a perturbação de Alyss era contagiosa. Alyss normalmente era calma e sob controle, mesmo na pior crise. Ele estava começando a pensar que havia mais sobre este assunto do que ele tinha ouvido até agora - havia alguma coisa que Alyss ainda não tinha contado a ele.
 
A menos que um acidente tenha acontecido a Ebony, só havia realmente uma razão para ela continuar desaparecida.
 
— Alguém deve tê-la levado — ele disse. Uma olhada no rosto de Alyss disse a ele que era isso que ela temia. — O que foi?
 Lágrimas começaram a rolar pelas bochechas dela quando ela respondeu. — Havia um grupo de viajantes passaram pelo vilarejo...
 
— Viajantes? — will interrompeu. — Que tipo de viajantes? — Embora ele tivesse uma suspeita de que já sabia qual. As palavras seguintes de Alyss confirmaram suas suspeitas.
 
— Nômades. Eles acamparam fora de Wensley por uma noite, então foram embora. Eu não sabia que eles estavam aqui até começar a perguntar sobre Ebony. Eles estiveram aqui no dia que ela desapareceu.
 
Nômades eram viajantes itinerantes que percorriam o país em caravanas puxadas por cavalos. Eles não tinham residência permanente, mas acampavam por um ou dois dias próximo a aldeias, ou até que os moradores os mandassem embora. Nômades normalmente viajavam em grandes grupos familiares — mães, pais, tios, tias e crianças viajavam todos juntos. Eles eram músicos e performistas e entretiam os moradores das aldeias e os agricultores para ganhar dinheiro. Normalmente, eles pareciam ser um charmoso e romântico grupo popular. E quando ficavam em uma área por mais do que um dia ou dois, coisas começavam a desaparecer — roupas, coisas de pequeno valor e ocasionalmente uma galinha ou um pato.
 
Os Nômades são originários do continente, do sudeste da Toscanoa. Mas com o passar dos séculos, eles se espalharam ao redor do mundo ocidental e desenvolveram um padrão cíclico de viagens. Eles aparecem, ficam poucos dias, se mudam novamente e passam muitos anos sem serem vistos. Então, um dia, eles retornam. Eles são um grupo muito unido e misterioso. Com o cabelo preto e a pele morena, suas mulheres mais jovens eram notavelmente belas e seus homens eram cabeça quente e de língua afiada — entre eles e com pessoas de fora.
 
Havia outra coisa que Will lembrava sobre os Nômades. Eles eram conhecidos por terem uma forte ligação com seus animais — cavalos, mulas e cachorros — embora, paradoxalmente, eles os maltratassem. Se Ebony tinha sido levada por um grupo de Nômades, seria melhor que ele a trouxe-se de volta o mais breve possível.
 
— Eu vou atrás deles — Will disse decisivamente. — Eles não se movem rápido e eu devo ser capaz de alcançá-los em um dia aproximadamente.
 
Ele começou a colocar os arreios ao redor da cabeça de Puxão, mas Halt estendeu a mão e pegou o rédea dele.
 
— Apenas espere um momento — ele disse. — Se ela foi pega pelos Nômades, a última coisa que você vai querer fazer é chegar cobrando e exigindo que eles a entreguem.
 
— O que você está falando, Halt? Eu quero ela de volta e eu quero ela de volta agora.
 
Mas Halt estava balançando a cabeça. — Os Nômades são pessoas complicadas de se lidar — ele disse. — Eles são desconfiados de estranhos e são muito bons em cobrirem seus rastros. Eles são quase tão bons em se esconder quanto nós. Se decidirem mantê-la escondida, você será forçado a encontrá-la. E se eles perceberem que roubaram um cachorro de um Arqueiro, ela vai estar em perigo.
 
— Perigo? Que tipo de perigo? — Will perguntou.
 
—Provavelmente eles irão matá-la e se livrar das evidências — Halt contou a ele.
 
Will sentou-se na sela, boquiaberto. — Matá-la? — ele repetiu.
 Halt assentiu. — Certo ou errado, os Nômades tem sido maltratados por muitos séculos. Eles desenvolveram um mecanismo psicológico altamente defensivo. Se eles perceberem que a cachorra que eles roubaram é de propriedade de um Arqueiro, eles podem assumir que a lei pode incidir pesadamente sobre eles...
 
— E eu vou! — Will disse impetuosamente. Mas Halt ergueu a mão para acalmá-lo.
 
— Se você puder encontrá-la, o caminho mais seguro para eles será se livrar dela. Matar e enterrar ela. Ou deixá-la no rio. Qualquer coisa para ter a certeza de que você não encontre ela em posse deles. Você simplesmente não pode assumir esse risco.
 
— Você está dizendo que eu deveria deixar que eles a levem com eles? — Will perguntou incerto.
 
—Nada disso. Vá atrás dela. Mas faça isso cuidadosamente. Seja sutil. Não deixe que eles saibam que você é um Arqueiro e não deixe que eles saibam que você está procurando um cachorro perdido.
 
Will sentou, pensando sobre as palavras de Halt, com um olhar preocupado em seu rosto. Depois de um tempo Alyss falou.
 
— Eu vou com você.
 
Automaticamente Will balançou a cabeça. — Não, você não vai.
 
A boca dela se comprimiu em uma linha fina. — Will, eu me sinto responsável por isso. Eu quero ajudar.
 
— Eu acho que pode ser uma boa ideia — Halt disse, o que fez ambos olharem para ele, Will com surpresa e Alyss com gratidão. Ele continuou. — Eles podem desconfiar menos de uma jovem garota do que eles desconfiariam de um jovem homem em idade militar. Eles podem ser astutos, mas eles tem um ponto fraco, eles acham que mulheres são cidadãos de segunda classe e eles não tem ideia alguma de quão capaz e perigosa pode ser uma diplomata. Eu acho que Alyss pode ter melhor chance de descobrir onde a cachorra está.
 
— Ela não vai estar no acampamento deles? — Alyss perguntou.
 
Halt franziu os lábios. — Provavelmente. Mas eles estão em posse de um cachorro roubado. Ela é valiosa e eles podem muito bem estar esperando o proprietário aparecer, procurando por ela. Eu aposto que eles vão mantê-la escondida em algum lugar perto do acampamento até que estejam suficientemente longe do distrito. Se você tentar segui-los, Will, e descobrir onde eles a estão mantendo, pode haver uma boa oportunidade para eles pegarem você. Eles estarão em alerta enquanto ainda estiverem perto de Redmont. Por outro lado, eu duvido que eles se preocupariam com Alyss. Como eu disse, eles têm muito pouco respeito pelas mulheres.
 
Havia ainda outro ponto que Halt estava relutante em dizer. Will já estava suficientemente preocupado. Mas quanto mais Halt pensava nisso, o mais certo era que ele tinha que mencioná-lo.
 
— Há uma coisa que você precisa saber sobre os Nômades — ele disse. —Eles costumam treinar cachorros para brigas.
 
— Brigas? — Will disse, sua voz quase um sussurro. —O que você quer dizer com isso?
 
— Eles os treinam para brigar com outros cães... então montam ringues de luta e pessoas apostam neles. Ou então se encontram com outros grupos Nômades e colocam seus campeões para lutarem uns com os outros. É perverso e cruel, e altamente ilegal, é claro, e esse é outro motivo pelo qual eles mantêm os cachorros fora de vista.
 
— Isso é horrível — Alyss disse. Seu rosto estava pálido.
 
Halt assentiu, — Eu sei. É difícil entender dada a reputação que eles têm de amantes dos animais. Mas é um fato.
 
Will estava pensando sobre o que Halt disse, então balançou a cabeça.
 
— Não há nenhum razão para eles terem levado a Ebony, Halt. Ela não é muito grande e definitivamente não é agressiva. Eles nunca conseguiriam transformá-la em um cão de briga.
 
Halt respirou profundamente. Mas ele pensou que Will deveria saber o pior. — Até o melhor cão pode se tornar selvagem se ele for tratado cruelmente, Will. É por isso que é muito importante que você a encontre o mais rápido possível.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4
 
 
 
 
COM UMA EXPRESSÃO SOMBRIA ELES PARTIRAM DUAS HORAS DEPOIS.
 
Atendendo a recomendação de Halt, Will tirou seu manto verde e cinza que o identificava como um Arqueiro e o escondeu junto ao seu cobertor. Ele manteve seu arco e flechas no estojo de lona, pendurado na sela de Puxão.
 
Alyss também havia trocado a sua capa branca que a distinguia como Mensageira. Em vez disso ela usava um vestido verde de tecido rústico e um manto de lá marrom. A escolha de cores fora intencional. Elas iriam ajudá-la a se misturar com a paisagem pela qual eles estariam viajando.
 
Perguntas em vilas e algumas fazendas distantes lhes disse que os Nômades estavam se movendo para o sul. Eles estavam viajando em um comboio de cinco caravanas, acompanhados de uma variedade de cavalos, cães e cabras. Nenhum dos moradores locais que eles encontraram na estrada havia visto um border shepherd2 branco e preto entre os cães. Também não haviam visto nada que pudesse se parecer com um cão de briga, mas isso não era surpresa.
 
— Cães de briga são ilegais — Will disse a Alyss — Eles devem mantê-los fora de vista. E, claro, Ebony foi roubada. Eles devem manter ela escondida também.
 
Embora os Nômades tenham três dias de vantagem e boa parte de um quarto dia, ele esperava alcançá-los rapidamente. Afinal, sempre que ele avistara os Nômades se movendo, eles estavam viajando a um passo pouco mais rápido que uma caminhada. Porém, até o fim do segundo dia. Ele perguntou em uma fazenda e descobriu que as caravanas haviam passado por ali dois dias antes. Ele ficou intrigado com isso e mencionou o fato a Alyss.
 
— Eu perguntei a Lady Pauline sobre os Nômades quando eu fui ao castelo buscar meus apetrechos de viagem — ela disse. — Ela teve algum contato com eles ao longo dos anos. Ela me contou que isto é uma pratica normal, quando eles se movem em um passo mais acelerado nos primeiros dias, particularmente se eles roubaram alguma coisa. Assim, eles já estarão bem longe do vilarejo quando descobrirem o roubo.
 
— Faz sentido — Will disse. Ele olhou para o céu. O sol estava quase se pondo e restava apenas mais meia hora de luz. — Você se importa se nós continuarmos após o anoitecer por algumas horas? Tentaremos encontrar uma fazenda para passar a noite, ao invés de levantar acampamento no escuro.
 
— Por mim tudo bem — Alyss disse. Ela compartilhava da ansiedade de Will em alcançar o bando. O medo de que poderiam fazer Ebony competir com um feroz cão de briga todos os dias agora preenchia a mente de ambos.
 
A lua se ergueu depois do anoitecer, banhando a paisagem ao redor deles com uma pálida luz azulada. Eles cavalgaram em silêncio até que, por volta das nove horas da noite, eles avistaram uma janela iluminada em uma pequena casa de fazenda.
 
— Melhor parar aqui — Alyss avisou. — Fazendeiros vão para a cama cedo. Se nós esperarmos mais tempo, teremos que acordá-los. E provavelmente eles não vão gostar disso.
 
Alyss provou estar certa. Quando eles se aproximaram da casa, acompanhados pelos latidos furiosos de um par de cachorros da fazenda, eles foram recebidos por um fazendeiro que apareceu na porta com uma lanterna na mão. Ele já estava vestido uma camisola e estava claro que estava pronto para ir para a cama.
 
— O que vocês querem? — ele disse desconfiado. Conscientes dos cachorros, que pareciam ansiosos para chegar até eles, Will e Alyss permaneceram fora do quintal cercado da casa de fazenda.
 
— Nós somos viajantes — Will disse em resposta. — Minha irmã e eu estamos procurando hospedagem para a noite. Nós ficaremos felizes em pagar pelo seu incômodo.
 
O fazendeiro fez uma pausa. A ideia de pagamento era, obviamente, atrativa para
ele.
 
— Desmontem e venham aqui. Vamos dar uma olhada em vocês — ele disse.
 
Will desmontou, Alyss o seguiu. Ele parou com a mão no trinco e acenou em direção aos dois cachorros.
 
2 — Border shepherd - É a raça de Ebony, cachorra do Will
 
— Quanto aos cachorros tudo bem? — ele perguntou.
 
O homem acenou. — Eles não farão nada, a menos que eu diga para fazer. Quietos vocês dois! Fiquem quietos! — Ele gritou repentinamente para os cachorros e eles sentaram instantaneamente. Os latidos pararam, mas eles continuaram rosnando baixinho, como se esperando permissão para rasgar em pedaços os intrusos.
 
Will e Alyss avançaram lentamente pelo quintal. Will observou, um pouco divertido, como Alyss conseguiu mantê-lo entre ela e os cachorros.
 
Os cães moveram-se, com os corpos trêmulos devido à tensão de ter dois estranhos se aproximando. Mas o controle do fazendeiro sobre eles era total.
 
O fazendeiro segurou a lanterna no alto enquanto eles se aproximavam. Quando ficaram a três metros ele disse para que parassem.
 
— Perto o suficiente — ele disse. Estudou-os por vários minutos. Will percebeu que ele segurava a lanterna com a mão esquerda. Na mão direita, que ele mantinha junto ao corpo, segurava uma clava com pontas de ferro. Atrás dele, Will viu alguém se movendo dentro da casa, ouviu uma voz masculina perguntar algo. Um irmão, talvez, ou um filho mais velho.
 
— Parece estar tudo certo com eles — o fazendeiro respondeu por cima do ombro. — Apenas um par de jovens. Eles parecem inofensivos.
 
Alyss deu um sorriso após essas palavras. Will possuía um rosto juvenil e inocente, mas descrevê-lo como inofensivo era tão longe da verdade que era risível. Ele provavelmente seria a pessoa mais perigosa em que esse fazendeiro já pôs os olhos.
 
— Nós não podemos deixá-los ficar na casa — o fazendeiro disse. — Tem seis de nós aqui.
 
— O celeiro estaria bom — Will respondeu. — Nós apenas queremos um teto sobre nossas cabeças. Parece que vai chover.
 
O fazendeiro olhou para cima e cheirou o ar experimentalmente. — Sim — ele disse — choverá antes do sol nascer, com certeza. Eu quero sete moedas de cobre pela hospedagem. E nós não temos comida para vocês — ele acrescentou rapidamente. — Nós já comemos e já apagamos o fogo para a noite.
 
— Tudo bem. Nós temos nossa própria comida. — Will remexeu em sua bolsa presa em seu cinto. — Eu tenho poucas moedas de cobre, então darei uma coroa de prata no lugar.
 
A coroa valia dez moedas de cobre, mas ele ficou feliz em pagar o extra se isso significava que ele e Alyss poderiam passar a noite em um abrigo. O fazendeiro colocou a lanterna no chão e estendeu a mão, com polegar e o indicador juntos.
 
— Uma coroa de prata, então. — ele disse.
 
Will deu um passo a frente. Um dos cachorros, o malhado grande, tremia e choramingou quando ele se aproximou. Ele notou que embora parecesse que estava sentado, seus músculos estavam tão tensos que sua parte traseira pairava a vários centímetros do chão. Ele rosnou quando Will entregou a moeda ao fazendeiro. Este a inspecionou e balançou a cabeça, satisfeito.
 
—Tudo certo, então. Minha esposa lhes dará o café da manhã, para compensar os três cobres extras. E não há fogo no celeiro. Sem vela, sem fogo. Há uma lanterna atrás da porta, mas deixem onde está. Mas ela deverá ser luz suficiente.
 
— Obrigado — Will disse. Então, uma de suas necessidades constantes falou mais alto. — Tudo bem se eu acender um fogo naquela área? Eu gostaria de fazer café.
 
O fazendeiro grunhiu assentindo. — Mantenha-o bem longe do celeiro. E lembre-se, os cachorros ficarão no quintal a noite toda. Tentem se aproximar da casa e eles atacarão vocês.
 
— Nós vamos lembrar — Will disse.
 
O fazendeiro grunhiu novamente. — Boa noite então. Descansem bem. — Ele fez um movimento de enxotar para eles deixarem o quintal da fazenda.
 
— Igualmente — Will disse. Ele e Alyss recuaram até o portão, saíram e o fecharam cuidadosamente atrás deles. Convencido de que eles estavam do lado de fora da cerca, o fazendeiro fechou a porta. Eles ouviram uma pesada tranca soar de dentro da casa. Os dois cachorros permaneceram na porta. Eles deitaram no chão com os seus focinhos em cima das patas enquanto observavam os dois estranhos levarem seus cavalos para o celeiro.
 
Cansados das horas de viagem árdua, eles dormiram profundamente. Will acordou uma vez pouco depois da meia-noite, ouvindo o tamborilar da chuva no telhado. Ele puxou seus cobertores mais para cima até o queixo, feliz por eles estarem abrigados do clima e voltou a dormir. Havia alguma coisa muito reconfortante em ouvir a chuva enquanto você está quente e seco sob seus cobertores.
 
Já era dia quando ele acordou novamente, ouvindo um galo cantar e uma galinha cacarejando no galinheiro. A chuva havia parado, mas o ar ainda estava úmido e fresco.
 
De dia o fazendeiro mostrou uma expressão mais amigável. Sua esposa deu a eles um café da manhã reforçado. Will olhou para uma pilha de ovos, bacon, batatas e torradas com um sorriso.
 — Fazendeiros comem bem — ele comentou.
 
Alyss levantou uma sobrancelha. — Isso porque eles trabalham mais duro que você.
 
Antes de partirem, eles perguntaram a família se eles haviam visto algum sinal dos Nômades na área.
 
— Dois dias atrás — o fazendeiro respondeu prontamente. — Eles queriam acampar na nossa propriedade, mas eu os mandei ir embora. Coisas tem o hábito de desaparecer quando os Nômades estão por perto.
 
— Eu sei — Will disse. — Estou procurando um cachorro.
 
O fazendeiro coçou o nariz pensativamente. — É, eu posso imaginar. Bem, eu não perderia tempo para alcançar eles. Um acampamento Nômade não é um lugar saudável para um cão.
 
Ele não deu mais detalhes, mas Will não tinha dúvidas sobre o que ele estava se referindo. Will e Alyss se despediram e já estavam na estrada duas horas depois do amanhecer. Desta vez, eles aceleraram o passo, fazendo os cavalos trotares por vinte minutos, em seguida desmontavam e caminhavam por um tempo e depois trotavam novamente. A cada hora, eles paravam para descansar por dez minutes e então voltavam a acelerar o ritmo. Eles não pararam para fazer uma refeição ao meio-dia, mas comeram carne seca, fruta e pão duro enquanto caminhavam.
 
Os seus esforços foram recompensados. Quando eles pararam ao pôr do sol, em uma pequena aldeia, descobriram que os Nômades estavam agora a apenas um dia à frente deles. Como a aldeia não tinha pousada, eles pagaram para dormir na cozinha de uma das casas maiores. Comeram e dormiram facilmente e, então, antes do nascer do sol da manhã seguinte, eles já estavam de volta à estrada, mantendo o mesmo ritmo acelerado.
 
Quando o sol apareceu e a névoa serpenteante começava a se dissipar a partir da grama úmida, Puxão sacudiu sua crina violentamente.
 
Nós iremos alcançá-los hoje. Eu sinto em meus ossos.
 
Will hesitou, olhando de soslaio para Alyss. Ele não tinha certeza de como ela reagiria se ele começasse a falar com seu cavalo.
 
— Vá em frente e responda a ele se você quiser — ela disse, com o olhar fixo na estrada à frente.
 
Ele olhou fixamente para ela com surpresa. — Você pode ouvi-lo?
 
Ela sorriu e balançou a cabeça negativamente. — Não, mas Pauline me contou que vocês, Arqueiros, falam com seus cavalos e lançam olhares furtivos para verificar se alguém está ao alcance da voz.
 
— Oh. — Agora ele não tinha certeza se ele deveria continuar e responder a Puxão. A comunicação entre eles era uma questão muito particular.
 
Não precisa me responder.
 
— Está tudo certo, então — ele disse. A resposta poderia ser entendida tanto por Puxão quanto a Alyss como dirigida a cada um deles. 
 
Cavalgaram em silêncio por vários quilômetros, Alyss suprimindo um sorriso.
 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
OS NÔMADES CONTINUARAM RUMO AO SUL. WILL E ALYSS encontraram os sinais do acampamento do dia anterior ao Lado de uma estrada num campo aberto. O solo macio mostrou sinais de marcas de rodas, das caravanas, e havia vários círculos escurecidos na grama onde os Nômades tinham acendido suas fogueiras. Will desmontou e tocou as cinzas.
 
— Frio — disse ele — Eles ainda estão um bom caminho a nossa frente.
 
 Talvez, como sugeriu Alyss, os Nômades estavam desacelerando , tendo deixado a cena imediata de seu roubo para trás. Will assentiu. Era uma possibilidade.
 
No meio da tarde do terceiro dia, eles encontraram a caravana. Alyss e Will estavam em um trecho longo e plano da estrada quando uma curva e viram o acampamento apenas algumas centenas de metros à frente. Cinco dos estranhos, que estavam nas caravanas estavam estacionados em um espaço, plano aberto para formar um quadrado delineado esperando o acampamento. As pessoas estavam se movendo de um para outro e várias fogueiras estavam enviando espirais lento de fumaça cinza no ar. Em algum lugar, alguém estava tocando uma cítara. A música tinha uma pequena harmônia assombrosa e o ritmo tinha um sentimento, mexendo estranhamente com ele.
 
O primeiro instinto de Alyss quando viu o acampamento foi de parar o cavalo, mas Will viu o movimento de sua mão nas rédeas e a impediu no mesmo instante.
 
 — Continue cavalgando — disse ele. —Nós não queremos que eles pensem que estamos procurando por eles. Vamos a rumo àquela aldeia na montanha. 
 
Eles podiam ver os telhados de uma pequena aldeia acima das árvores. E a fumaça de  suas fogueiras subia de suas chaminés. Enquanto cavalgava lentamente estudavam o acampamento. Havia vários cães visíveis, mas nenhum deles mostrou ser Ebony com sua coloração branca e preta distinta. Um deles rosnou para eles e foi recompensado com um chute de um Nômade que passava por perto. O cão gemeu e afundou em sob uma das caravanas.
 
— Você esta vendo eles? — Alyss perguntou. — Não vai nos denunciar embora? 
 
Will balançou a cabeça. — Seria mais natural ignorá-los — disse ele. — Eles estão acostumados a estranhos olhando para eles. Se olharmos muito, eles podem suspeitar de algo.
 
Ele poderia observar mais detalhes agora. Os cavalos que puxavam as caravanas foram fechados em um pequeno curral, rodeada por uma cerca de madeiras erguida às pressas  — longas vigas colocadas sobre um suporte em forma de “X”. Em um lado, três mulheres estavam dobradas sobre uma grande banheira, trabalhando ativamente. Enquanto observava, uma delas levantou-se, torceu uma camisa de cores vivas e a pendurou numa corda esticada entre duas árvores. Em seguida, ela voltou à lavar outro item. Já, várias
camisas e itens de roupas íntimas penduradas friamente sobre a corda.
 
 — Dia de lavar roupa — comentou Alyss.
 
 — Parece que eles estão aqui há alguns dias, pela quantidade — disse Will. — Não é de estranhar. Eles estavam movendo-se rapidamente desde que deixaram Wensley. Eles provavelmente estão descansando. 
 
Quatro homens estavam sentados em torno de uma fogueira em bancos baixos, passando um frasco de mão em mão. Eles olharam para os dois viajantes enquanto cavalgavam lentamente. Mesmo à distância, os dois jovens podiam sentir a frieza nos olhares.
 
— Parece que os visitantes não são bem-vindos — disse Will.
 
Agora que atravessaram o acampamento, seria atípico mostrar muito interesse se logo em seguida girassem em suas selas e olhassem de volta para lá. Mas Will tinha agora uma boa idéia de sua disposição.
 
— Eu pensei  que montariam acampamento próximo às árvores — disse Alyss. O acampamento foi cercado por várias centenas de metros de terreno aberto para todos os lados.
 
Will balançou a cabeça. — Ficar lá fora, em campo aberto, o torna muito mais difícil de chegar perto do acampamento sem ser visto — ressaltou. — Halt estava certo sobre essas pessoas. Eles não vão ser fáceis de enganar. 
 
Ele já havia decidido que ele iria voltar para o acampamento naquela noite para reconhecimento. Mas agora ele tinha algumas dúvidas. Se os Nômades fossem tão astutos como Halt tinha dito, poderia ser difícil chegar perto o suficiente para ouvir qualquer coisa útil, mesmo para um Arqueiro qualificado. E havia aqueles cães, relembrou. Eles estariam rondando o acampamento à noite, em estado de alerta para os sons ou cheiros estranhos. Os cães poderiam tornar as coisas muito difíceis para um intruso honesto, pensou ironicamente.
 
A vila na colina tinha uma pequena taverna, mas nenhuma pousada. No entanto, o taberneiro arrumou um espaço em seus estábulos para os viajantes e Will e Alyss estavam felizes de se contentar com mais uma noite enrolados em seus cobertores sobre camas de palha. O fato de que eles não estavam no edifício principal também significava que seria mais fácil para Will para escapar naquela noite e estudar o acampamento dos Nômades.
 
Comeram primeiro e depois se retiraram para o estábulo, presumivelmente para dormir. Enquanto Will preparou seu equipamento, foi surpreendido por dar de cara com Alyss na tenda que ele estava usando como quarto. Ela estava usando uma escura calça justa e um casaco preto comprido e com cinto na cintura. Sua adaga pesada de Mensageira foi revestida a seu lado e ela também usava o manto marrom escuro.
 
Era óbvio que tinha a intenção de acompanhá-lo e ele abriu a boca para expressar sua recusa, mas Alyss ergueu a mão para detê-lo.
 
— Eu irei — disse ela. — Pense no que disse Halt. Logicamente sou eu quem devo fazer contato com os Nômades. Eu irei junto.
 
— Sim — disse Will — mas...
 
— Eu não vou tentar chegar perto — disse ela. — Eu vou deixar isso para você. Eu vou ficar na cobertura das árvores, vendo tanto quanto eu puder. Depois, você pode me
contar os detalhes.
 
Will hesitou. O que ela disse fazia sentido, ele percebeu. E ele podia contar com Alyss em não fazer nada precipitado. Ele balançou a cabeça rapidamente.
 
— Tudo bem. Vamos lá. 
 
Evitaram a rua principal, deslizando por um beco ao lado de uma estrada de serviço que se estendia paralela e levava para fora da aldeia. Uma vez que eles foram longe do pequeno aglomerado de edifícios, a estrada se esgotou e eles estavam andando em um campo aberto recentemente para a colheita. A borda das árvores descada estava uns cinqüenta metros de distância.
 
Suas botas feitas para não fazer barulho passaram suavemente sobre o frágil restolho recém-cortado do campo enquanto eles se apressaram para o acampamento Nômade. Na última metade do quilometro, eles mantiveram-se abrigados na escuridão da floresta, até que chegaram a um ponto onde eles podiam ver o acampamento.
 
As chamas estavam queimando em duas das fogueiras e duas das caravanas tinham janelas iluminadas pela luz da lanterna amarela. Os outros três estavam escuros. Havia ainda várias figuras sentadas no espaço aberto em torno de uma das fogueiras - dois deles eram homens e a terceira era uma mulher.
 
— Fique aqui — Will falou no ouvido Alyss. — Eu vou tentar chegar mais perto. 
 
Ela assentiu e ele deslizou para longe da árvore que se abrigavam atrás, rastejando através da grama, muito úmida. Havia poucos arbustos ou árvores que ele poderia usar como abrigo, então ele se movia lentamente, às vezes esperando em um local por vários minutos até que uma nuvem cruzasse o céu formando um pedaço de escuridão para ele se deslocar.
 
Ele estava a á cinquenta metros do acampamento quando um dos cães levantou a cabeça e latiu hesitante. Ele congelou onde ele estava. Ele ouviu um homem Nômade chamar o cão e, em seguida um grunhido de esforço enquanto ele se levantou de seu assento baixo a ponto para a escuridão.
 
— Vê alguma coisa? — A mulher perguntou-lhe.
 
— O fogo está muito intenso. 
 
 —O cão ouviu alguma coisa, senão ele não teria latido — disse ela.
 
Ele bufou com desdém para ela. — O cão é um tolo. Provavelmente ouviu um texugo ou uma doninha.
 
— Talvez você devesse ir olhar — sugeriu ela, e ele reagiu com indignação às palavras.
 
— Talvez você devesse! Já que você teve esss boa idéia, você é quem deveria verificar. 
 
— Eu não sou um homem — disse ela. Havia um tom defensivo na voz dela e Will lembrou as palavras de Halt sobre como os homens Nômades desprezavam suas mulheres. — Não é meu trabalho.
 
— É isso mesmo, mulher. Seu trabalho é limpar, cozinhar, consertar as minhas roupas e manter a boca fechada. Então eu sugiro que você comece com essa última parte agora! 
 
— Eu vou para a cama —, disse ela, com raiva em sua voz. Seu marido a olhou ir. — Mulheres! — Disse ele com desgosto. —Você tem sorte você
não é casado, Jerome.
 
— Eu não saberia. — o homem chamado Jerome respondeu pesadamente. Ele balançou a jarra experimentalmente, decidiu que estava vazia e jogou-a de lado.
 
Seu companheiro bocejou e se espreguiçou. — Bem, eu vou pra cama também — disse ele depois de alguns instantes. Ele se levantou e foi cambaleando em direção a caravana que sua esposa entrou, tropeçando nas escadas, então batendo a porta atrás dele quando ele entrou. Obviamente, Will pensou, que não tinha sido apenas aquele jarro que ele havia bebido naquela noite.
 
Como apenas restava Jerome, não havia chance dele ouvir mais nada. Lentamente, Will se afastou do campo e deslizou silenciosamente de volta para as árvores, onde Alyss o esperou.
 
— Bem? — Disse ela com expectativa. Ele encolheu os ombros.
 
— Não ouvi nada muito úteis para nós — disse ele. — Exceto o que Halt disse sobre a atitude dos homens para com as mulheres. Parece que mulheres Nômade não tem a opinião respeitada pelos homens .
 
— Então o que faremos? — Alyss perguntou.
 
Will hesitou por alguns minutos. — Precisamos saber mais sobre eles — disse ele finalmente. — O que eles fazem. Como eles se comportam. Quais e como suas rotinas são. — Ele mastigou cuidadosamente o interior do lábio. Ele estava muito consciente da advertência de Halt que os Nômades seriam um alvo difícil. Ele não podia dar ao luxo de cometer um erro que poderia os fazer saber que estavam sendo perseguidos.
 
— Nós vamos voltar amanhã e apenas observá-los por algumas horas, para ver se há alguma fraqueza que podemos explorar. Neste momento, vamos voltar para a taberna. Eu poderia usar uma xícara de café para aquecer-me.
 
Continuando abaixados, eles rastejaram de maneira calma, dirigindo-se de volta para as árvores. Quando já não podia ver as luzes do acampamento através dos espessos troncos de árvore, eles se endireitaram e aumentaram o ritmo.
 
De volta ao vilarejo, eles escorregaram despercebida na taverna. Era tarde, mas ainda havia uma dúzia de clientes bebendo e falando alto, como as pessoas tendem a fazer quando o álcool está envolvido. Três homens estavam sentados em uma mesa perto do bar, jogando dados. Como Will e Alyss esperaram por seu café, ela assistiu o progresso do jogo com interesse moderado. Um dos jogadores tinha acabado de ganhar uma mão grande e estava contando seus ganhos, quando ele se tornou consciente de que estava sendo observado. Ele olhou para cima e sorriu para ela. Afinal, ele estava de bom humor e Alyss era uma menina extremamente bonita.
 
 — Boa noite, linda — disse ele a ela. — Parece que você me trouxe sorte. Quer se sentar com a gente! 
 
Alyss sorriu para ele. Seu tom era amigável e ela mal podia esperar costumes da corte de um trabalhador simples. — Eu temo que não — disse ela. — Não posso deixar meu namorado esperando muito. 
 
— Ele pode se juntar a nós também — disse um dos outros jogadores. — Nós sempre damos boas-vindas a estranhos e seu dinheiro.
 
Todos riram e Will sorriu para eles também. — Acho que não, senhores. Minha bolsa esta muito leve já.
 
— Não gosta de jogar? — O terceiro homem na mesa perguntou Will e sacudiu a cabeça, sorrindo tristemente.
 
— Até demais, eu temo. É por isso que minha bolsa está tão magra vazia. Isto provocou uma risada simpática dos jogadores. Eles conheciam esta condição muito bem.
 
— É uma pena — disse o primeiro homem . — Você teria uma chance de ganhar algum dinheiro no domingo. Há uma grande brig... Mas antes que pudesse completar a afirmação, um dos outros pegou seu pulso.
 
— Isso já é o suficiente, Randell! — O outro homem disse apressadamente. — Não há necessidade de ir espalhando sobre isso ao mundo! 
 
— O quê? Oh... não! Desculpa! — O homem parecia surpreso com o aviso. Ele baixou os olhos do olhar de Will. — Esqueça o que eu falei — ele murmurou. Seu amigo sorriu se desculpando. — Ah, Randell as vezes ele fala de mais, meus jovens amigos. Não deem atenção. Nenhuma atenção. 
 
— Claro. — Will abriu as mãos para indicar que ele entendeu. O café tinha chegado e ele tomou isso como uma oportunidade de terminar a conversa. — Boa noite, cavalheiros — disse ele, virou-se com Alyss para uma mesa no fundo da sala.Enquanto eles caminhavam através das cadeiras e mesas, ele ouviu mais algumas palavras da conversa dos jogadores dados.
 
—Você está louco, Randell? — Perguntou o terceiro homem. Ele estava obviamente tentando manter a voz baixa, mas a intensidade de suas palavras as fez chegar aos ouvidos atentos de Will. — Você não pode sair contando aos estranhos sobre... — Parouse, em seguida, terminou — Você-sabe-o-quê.
 
— Desculpe! Desculpe! —Era Randell agora, chateado com o seu descuido. — Ainda assim, nenhum dano foi feito e eles parecem inofensivos. Não é como se...  O resto de suas palavras perderam-se no burburinho de vozes baixas na taberna. Como eles se sentaram, Will e Alyss trocaram olhares significativos. Então ela sorriu para ele.
 
— Ria! — disse ela. —Ria de maneira ruidosa. Agora!.
 
Confuso, ele jogou a cabeça para trás e riu. Ela juntou-se, em seguida, tocou sua mão com carinho e tomou um gole de seu café. Ainda sorrindo, ela disse calmamente: — Não quero que eles pensem que nós estamos falando sobre o que aconteceu.
 
Ele assentiu, com um largo sorriso. Parecia estranho estar falando sério, mantendo um sorriso feliz fixo em seu rosto. Mas Alyss era experiente neste tipo de artimanha e ele se permitiu ser guiado por ela.
 
Ela se inclinou em direção a ele e passou a mão carinhosamente pela sua face.— Vamos tentar parecer como se nós estivessemos tendo uma conversa romântica — disse ela.
 
Ele balançou a cabeça, ainda sorrindo, e pegou sua mão suavemente e roçou com seus lábios nela.
 
— O que você achou de tudo isso? — Perguntou ela, depois olhou timidamente ao redor da sala, como se envergonhado que as pessoas possam estar assistindo o show de afeto. — Continue sorrindo — ela advertiu quando o viu franzir a testa, pensativo. Às pressas, ele ajustou sua expressão.
 
— Vai acontecer algo no Domingo. Algo que envolve o jogo e a chance de ganhar muito dinheiro. 
 
 — Então — disse ela, enrolando seus cabelos para o lado num coque.  — é algo fora do comum. O que isso sugere?
 
Ele poderia dizer que eles estavam pensando da mesma forma. — Briga de Cães — disse ele. — É por isso que os Nômades se instalam por pouco tempo. Eles organizarão uma briga de cães em algum lugar da floresta na Domingo.
 
— Amanhã é Quinta — Alyss disse, pensativo. — Isso nos dá um pouco de tempo.
 
— Não muito — disse Will. Toda o fingimento com sorrisos e romance havia acabado agora.— Nós ainda não sabemos como encontrar Ebony. Nós precisamos começar amanhã cedo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6
 
 
 
 
LOGO APÓS O AMANHECER, ELES ESTAVAM DE VOLTA A SEU POSTO DE OBSERVAÇÃO da noite anterior, observando o acampamento dos Nômades. Por algumas horas, nada fora do normal parecia ocorrer. Os Nômades continuaram com sua rotina diária, como acender fogueiras, preparando café da manhã, limpeza e conserto de equipamentos e itens de vestuário.
 
Então, em torno de meio da manhã, Jerome, o homem corpulento da noite anterior, surgiu de uma das caravanas. Ele estava vestido com uma camisa estampada brilhante  que descia abaixo de seu quadril e tinha longas e volumosas mangas presas por abotoaduras de couro em cada pulso. Um cinto de couro pesado estava em torno de sua cintura e Will podia ver o punho de uma faca longa em uma bainha usada em seu lado esquerdo. Ele usava calça preta e botas até o joelho de couro marrom. De interesse mais imediato para Will, ele carregava um saco grande. Enquanto subia os degraus de sua caravana, dois dos cães do acampamento correram com a barriga rastejando no chão até ele e tentaram morder o saco. Ele os amaldiçoou e eles mantiveram certa distância.
 
— O que você acha que está no saco? — Will perguntou baixinho.
 
Alyss, deitada ao lado dele, envolto em seu manto marrom, olhou para ele. — Pelo interesse dos cães, eu diria que é carne.
 
— Meu palpite também — disse Will. Ele também haviam notado as manchas marrons de sangue seco no saco.
 
Jerome caminhou em direção ao outro lado do campo, então se virou e perguntou em direção as caravanas.
 
— Petulengo! Onde  você está, garoto? 
 
— Estou indo, Jerome! — Gritou uma voz estridente. A porta de uma das caravanas abriu-se e um menino, não mais que doze ou treze anos pelo sua aparência, correu pelo conjunto de degraus, com sua camisa dobrada. Ele era moreno e tinha longos cabelos escuros.
 
— Da próxima vez esteja pronto quando eu lhe chamar — disse Jerome. Ele obviamente não era do tipo que perdoava. — Agora, mantenha-se o tempo todo atrás de mim. — Ele caminhou na direção das árvores do outro lado da clareira. O menino tinha que correr para alcançar os  passos largos de Jerome, mas ele ainda ficou alguns passos atrás dele.
 
— Espere aqui e fique de olho nas coisas — disse Will. — Eu vou ver onde o nosso amigo Jerome vai.
 
Era mais fácil dizer do que fazer. Ele teve que contornar em um amplo arco para ficar livre do acampamento, em seguida, mover-se ao longo da estrada até a borda da distante
linha das árvores. Apesar de perder tempo fazendo isso, uma vez que ele entrou nas árvores, estava confiante de que ele alcançaria a trilha de Jerome em breve. Ele estava errado. Ele encontrou o rastro do menino com bastante facilidade, mas Petulengo não ficara com o seu companheiro. Ele estava seguindo a alguma distância atrás dele, despistando o caminho que Jerome fez com voltas e reviravoltas pelo seu caminho através da floresta. Jerome ziguezagueou tanto que não havia nenhuma forma de estabelecer uma base de qual era seu caminho e havia o perigo distinto que Will seria descoberto por Petulengo.
 
O menino estava perigosamente alerta também. Várias vezes, quando Will fez um barulho ligeiro - e era impossível mover-se em total silêncio — a cabeça do moreno erguia-se e procurava e ao redor e Will teve que congelar no lugar, escondido da vista por seu manto e sua própria capacidade de se ocultar na floresta.
 
Petulengo ficou tão atrás de Jerome que nunca Will avistou o Nômade corpulento. Ele teve que se contentar em seguir o menino. Depois de um tempo curto, ele percebeu o quão eficaz o sistema dos Nômades era. O menino, obviamente, sabia onde Jerome estava indo, então ele poderia ficar a uma grande distancia atrás dele e efetivamente frustrar qualquer estranho que pudesse estar tentando localizá-lo - como Will estava fazendo.
 
Após 10 minutos, Will teve que admitir a derrota. Ele simplesmente não podia correr o risco de ser visto - isso poderia custar a vida de Ebony. Fervendo com a frustração, ele fez o seu caminho de volta à rotunda no local onde Alyss vigiava o acampamento. Ela viu pelo olhar no seu rosto que ele não havia tido sorte. Ela apontou para o acampamento.
 
— Eu acho que eu posso ter encontrado uma solução — ela disse.
 
Will olhou para onde seu dedo apontava e viu uma figura que não tinha notado antes. Era uma velha vestida de trapos imundos, com os cabelos longos, grisalhos e despenteados. Ela moviasse ao redor do acampamento, quase dobrada, recolhendo lenha da pilha de madeira central e distribuindo pelas fogueiras de cozimento individuais como combustível à disposição.
 
Com essa tarefa feita, ela encheu um balde de um barril de água grande anexado a uma das caravanas e começou a distribuí-la também.
 
Tornou-se óbvio que ela não era nada mais do que um burro de carga, uma besta de carga no campo. Se algum dos Nômades chegasse perto dela, que na melhor das hipóteses a ignoravam, ou cuspiu uma maldição para ela enquanto eles passavam.Um dos homens a algemou em torno da parte traseira de sua cabeça. Ela se afastou dele, deixando cair o balde e derramando a água. Seu grito estridente de protesto foi recebido pelo riso indiferente do homem. Quando ela se abaixou para recuperar o balde, ele o chutou, o fazenda rolar para longe dela. Ela arrastou-se para pegá-lo, uma mão instintivamente levantada para afastar outro golpe, choramingando e lamentando.
 
Ao mesmo tempo, uma porta em uma das caravanas abriu-se violentamente e uma mulher Nômade, pelo menos 20 anos mais jovem que a mulher de cabelos grisalhos, gritou para ela: —Hilde! Pegue mais água pra cá agora ! O que você está fazendo, sua imprestável!
 
Hilde choramingou algo ininteligível e o homem que a fez a derramar a água rosnou para ela também. Ela mancou de volta para o barril d’água para encher o balde, perseguida pelos insultos grosseiros e ordens da mulher Nômade.
 
No acampamento Nômade, Hilde possuia a posição mais baixa de todas.
 
Will franziu a testa para Alyss. — Não vejo como isso vai nos ajudar. 
 
Ela sorriu para ele. — Enquanto você se foi, eu ouvi um dos Nômades dizendo a ela para obter mais lenha. Vamos esperar até que ela deixe o acampamento. Então nós a seguimos e eu tomo o lugar dela.
 
— Você tem que estar brincando! — Will disse. Ele olhou para a figura curvada da idosa, agora mancando de volta para a caravana com um balde cheio de água e depois para Alyss com o rosto fino e bonito e jovem. — Você não acha que eles poderiam notar uma ligeira diferença em sua aparência?
 
— Eu não acho que eles notam ela em tudo — disse Alyss a sério. — Eles não a veem como uma pessoa, mas sim como uma peça de equipamento ou algo para chutar ou algemar ou xingar quando estão de bom humor. Não se esqueça, eu tenho treinado para me disfarçar quando necessário. Se eu colocar cinzas e sujeira através do meu cabelo e mancar por aí como ela, eu duvido que eles vão ver alguma diferença. Particularmente, se eu trocar de roupa com ela. — Ela estremeceu ligeiramente. — Essa é a parte que eu não estou querendo pensar muito.
 
Estudando a figura mancando, murmurou novamente. — Você realmente acha que pode se passar por ela? 
 
Alyss assentiu. — Se ela fosse um deles, eu nunca iria me safar. Mas eles não tomam conhecimento dela. E as pessoas vêem o que eles esperam para ver. Você me disse isso mais do que o bastante. 
 
Ele ficou em silêncio por alguns segundos e ela continuou seu argumento.
 
— Desta forma, eu vou estar dentro de seu acampamento. Eu vou ser capaz de ouvir suas conversas e com alguma sorte vou descobrir onde eles estão mantendo Ebony. Ou se Jerome e o menino saírem para a floresta, eu vou segui-los. Provavelmente vão pensar que Eu/Hilde tenha ido colher lenha. E você pode acompanhar-me, à distância. Dessa forma, você pode ficar bem para trás fora da vista até descobrirmos onde esão escondendo Ebony.
 
— Eu não tenho certeza — disse Will.  —Pode funcionar. Mas há uma grande chance... 
 
— Estou disposta a arriscar. O que eles podem fazer para mim? Afinal de contas, você vai estar vigiando aqui da floresta, se eu for descoberta. E honestamente acho que é a nossa única chance de encontrar Ebony.
 
— Deixe-me pensar — disse Will. Ele sabia que se estivesse no lugar Alyss, ele não hesitaria em colocar o plano em ação. Mas ele estaria arriscando Alyss, assim como Ebony, e ele simplesmente não poderia tomar essa decisão.
 
— É melhor pensar rápido — disse Alyss. — Ela está deixando o acampamento.
 
Ele olhou para cima. Hilde estava caminhando em direção à floresta, um pequeno machado na mão e um transportador de madeira grande de vime pendurada no ombro. Ela estava indo para um ponto cinqüenta metros ao norte de onde estavam escondidos.
 
— Tudo bem —disse ele, tomando uma decisão. — Vamos fazer assim. 
 
 
Foi fácil encontrar Hilde. O som do pequeno machado ecoou pela floresta com o cortar dos pedaços de troncos caídos em comprimentos de fácil remoção. Will e Alyss andaram sem ser visto por entre as árvores lentamente cada vez mais longe do acampamento. 
 
Quando eles sentiram que estavam a uma distância segura, Will andou em silêncio pelas árvores na frente dela. Para Hilde, parecia que o jovem de manto cinza-esverdeado, de
repente se materializou a partir do ar. Ela engasgou com medo e cambaleou para trás com uma mão levantada na frente de seu rosto. Will reconheceu o gesto. Foi aquele que as pessoas mais velhas usam para afastar o que chamavam de “mau olhado” de estranhos.
 
Ele também observou que, embora tivesse o machado na outra mão, ela não fez nenhum movimento para defender-se com ele, nem para ameaçá-lo. Os instintos de autoproteção de Hilde pareciam terem sido entorpecidos por estar com os Nômades.
 
— Relaxe, Hilde — ele disse suavemente. — Eu não vou te machucar.
 
— Quem é você? Como você sabe meu nome? Eu não fiz nada errado! — Ela balbuciava, ainda evitando o olhar dele. Ele olhou para Alyss, de pé escondida nas árvores, e fez um gesto: preciso de ajuda aqui!
 
Alyss moveu-se para o campo de visão e Hilde recuou quando viu ela.
 
— Está tudo bem, Hilde — Alyss disse em uma voz suave. — Nós não vamos te machucar. Estamos aqui para ajudá-la.
 
Talvez a visão de uma outra mulher deu maior confiança a Hilde. Lentamente, ela baixou o braço que tinha levantado para proteger o rosto. Ela se inclinou para frente, um pouco mais de perto Alyss. Alyss deu um sorriso encorajador para ela. Tinha sido dito muitas vezes que o sorriso de Alyss era uma visão que valia a pena e pareceu ter um efeito calmante sobre a mulher mais velha.
 
— Quem é você? — Hilde perguntou.
 
— Meu nome é Alyss, e este é meu amigo Will — disse ela, indicando o Arqueiro jovem. Hilde olhou para ele, toda a suspeitas e o medo de volta ao seu rosto enquanto ela o fez. Alyss continuou rapidamente. — Hilde, por que os Nômades são tão cruéis para com você?
 
Foi a abordagem certa para tomar, Will percebeu. Alyss colocou-se no lado de Hilde. A velha fungou, limpando o nariz com o fim esfarrapado de sua manga.
 
— Cruéis? Monstros, isso é o que eles são. Batem-me, sem motivo. Xingam-me e me chutam. E eu tento fazer meu melhor para eles, mas eu estou velha agora. Não posso me mover tão rápido quanto eu costumava fazer. Eu tento, mas eu sou muito lenta e eles me batem por isso. 
 
— Mas você não é um deles? — Alyss perguntou. Ela tomou a mão da velha suavemente em sua própria e Hilde olhou para ela com olhos marejados, olhos cuja cor parecia lavados pela idade.
 
—Um deles? Não. Sou de Gálica. Pelo menos eu era. Quando o meu marido morreu, a aldeia não tinha mais utilidade para mim. Tomaram minha fazenda. Eles me jogaram para fora como um nada. Deixaram-me a minha própria sorte. Os Nômades me acolheram e eu fiquei grata no início, mas depois de um tempo, eles mostraram quem realmente eram. Poderia ter sido mais fácil morrer. Eu estou com eles por... — Ela fez uma pausa e um olhar vago entrou em seus olhos. — Eu não sei por quanto tempo.
 
— Por que você ainda fica com eles? — Will perguntou e ela olhou para ele. Até agora ela parecia aceitar que, se ele era amigo de Alyss, ela não tinha nada a temer dele. — Onde mais eu poderia ir? — Disse. — Ninguém quer uma mulher velha. É ficar com os Nômades ou morrer de fome. — Ela riu de repente, uma gargalhada áspera que não tinha humor. — Não que eles me alimentam bem. É apenas o resto para mim, qualquer coisa que não é bom o suficiente para os cães.
Alyss e Will trocaram um rápido olhar.
 
— Os cães — disse Alyss. — Os cães no acampamento?
 
—Esses mesmos. Também E o outr... — Ela parou, um brilho medo em seus olhos. — Sim, os cães no acampamento — ela emendou rapidamente. Com um enorme esforço, Will se impediu de olhar para Alyss novamente. Ele desviou o olhar casualmente.
 
— Por que você não simplesmente fugiu? — Alyss perguntou. Hilde olhou para ela como se a pergunta era insana. — Como? Onde eu iria? Eu não tenho nada. Se eu tentasse fugir, eles viriam atrás de mim e me arrastariam de volta. 
 
Uma mulher velha como eu não pode correr rápido. Não há nada que eu possa fazer. Estou preso com os Nômades e eu vou ter que fazer o melhor que puder. — Sua voz estava pesado com a inevitabilidade da sua situação.
 
— Hilde — Alyss disse lentamente — se você pudesse fugir dos Nômades, você fugiria?
 
— Bem, é claro! — Hilde respondeu ansiosamente. Então a realidade ela alegou mais uma vez. — Mas como? Eu não posso correr. E o que eu faria se eu fugisse? Não, é loucura sequer pensar nisso.
 
— Nós podemos ajudá-la — Will disse e ela olhou para ele com desconfiança.
 
— Por que vocês fariam isso?
 
— Vamos apenas dizer que temos contas a acertar com esses Nômades — Will disse a ela.
 
Ela vacilou. A idéia de escapar de sua vida atual era atrativa. — Mas o que eu faria? — Perguntou ela.
 
Alyss respondeu dessa vez. — Nós temos uma amiga que é dona de um restaurante. Tenho certeza que você poderia trabalhar para ela. Vai ser muito mais fácil do que você faz aqui e ninguém vai chutar ou xingar você.
 
— Mas você teria que trabalhar — avisou Will e ela voltou seu olhar para ele.
 
— Eu não tenho medo de trabalhar — disse ela. — Eu não espero enriquecer, mas pagar-me um pouco, deixe-me ter um pouco para comer e dar-me algum lugar quente para dormir... isso seria como estar no paraíso. 
 
— Tenho certeza que Jenny iria dar-lhe muita coisa para comer — disse Will. — E ela é uma excelente cozinheira.
 
— Nós vamos dar-lhe algum dinheiro para este momento — disse Alyss. — E Will pode levá-la para outra aldeia para esperar por nós. Temos cavalos, então ele vai te levar longe o suficiente para estar a salvo dos Nômades.
 
Hilde ainda vacilou. — Você tem certeza essa sua amiga vai me dar um emprego? Alyss concordou enfaticamente. — Se pedirmos a ela. Sim. Vai ser um trabalho leve e você terá uma vida boa, Hilde. E, para selar o negócio, você pode ter este vestido fino meu.
 
Os olhos de Hilde se arregalaram com as suas palavras. O vestido era bastante simples, mas era feito de lã de boa qualidade, suave e quente ao toque. E estava sem remendos e limpo, de forma infinitamente melhor do que os trapos que ela estava usando.
 
— Mas o que você vai vestir?— Perguntou ela.
 
Alyss fez um gesto para a saia esfarrapada Hilde, a blusa e xale. — Eu vou trocar com suas roupas.
 
Hilde franziu a testa, intrigado com a idéia. — Por que você quer usar estas roupas?
 
Alyss permitiu-se o fantasma de um sorriso.
 
— Acredite, eu não quero. Mas é necessário para o que temos em mente.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7
 
 
 
 
MESMO QUE JÁ TIVESSE VISTO A HABILIDADE QUE ALYSS TINHA COM DISFARCES, Will se assustou com a transformação. Ela havia cortado o cabelo mais curto para ficar parecido com o de Hilde. Então ela esfregou nele terra e cinzas de modo que parecessem opacos, cinzentos e emaranhados. Seu rosto estava mais escuro, alinhado e desgastado, aparentemente pela idade. Foi só quando olhou de perto que Will pode ver o resultado da maquiagem. Alyss, como todos as Mensageiras, nunca viajava sem um kit de maquiagem e disfarce. Era um dos instrumentos mais valiosos de uma Mensageira.
 
 Mas a parte mais impressionante do disfarce foi a perfeita adoção da linguagem corporal de uma mulher mais velha. Alyss tinha observado de perto por toda a manhã e tinha copiado o rastejado de Hilde, a exata posição do corpo da mulher. Ela se movia da mesma maneira, mancando curvado, olhos voltados para baixo e tombando para o lado, andando atrapalhadamente. Hilde raramente fazia contato visual com qualquer um dos Nômades. Mas mesmo se Alyss o fizesse, Will estava quase certo de que nunca iriam notar a substituição.
 
 Além disso, ela estava usando as roupas manchadas e rasgadas de Hilde, o que completava o disfarce. Ela sorriu para Will quando saiu de trás dos arbustos onde tinha se trocado. Ela segurou a roupa esfarrapada para fora, mantendo-a afastada de seu corpo o maior tempo possível.
 
 — Esta é a parte de que menos gosto — disse ela.
 
 Hilde, por sua vez, ficou encantada com seu novo vestido verde. Ela desfilou em torno da pequena clareira na floresta, murmurando frases de admiração a si mesma. Will supunha que ela provavelmente nunca havia possuído uma peça de roupa tão fina em sua vida.
 
 — Agora — disse Alyss — sugiro que você deixe Hilde na aldeia em que passamos ontem de manhã. Leve-a até a estalagem e volte aqui. Nesse meio tempo, eu vou tomar seu lugar no acampamento.
 
 Mas Will balançou a cabeça.
 
 — Vou fazer isso esta noite — disse ele. — Primeiro eu quero ter certeza de que seu disfarce funcionará. Hilde e eu vamos vigiar das árvores, apenas para certificar que está tudo bem.
 
 — Eu vou ficar bem, Will — ela assegurou.
 
 — Então Hilde não precisa ter pressa em se afastar. Se eles não perceberem o seu disfarce, eles não vão olhar para ela, vão?
 
 Ela sorriu. Gostava que ele estivesse se preocupando com sua segurança, mesmo que estivesse totalmente confiante em sua capacidade de disfarce. Ela estendeu a mão manchada de sujeira para o tocar.
 
 — Você está certo. Vou me sentir mais segura sabendo que você está vendo tudo.
 
 A falta de confiança no disfarce de Alyss acabou sendo infundada. Quando ela mancou de volta para o acampamento, poucos minutos depois, carregando a lenha que Will tinha coletado enquanto ela se disfarçava, nenhum dos Nômades mostrou o menor interesse por ela.
 
 À medida que o dia passava, eles gritavam para ela de tempos em tempos, atribuindo alguma tarefa, as difíceis ou desagradáveis que eles não queriam fazer. Em várias ocasiões, quando ela tinha intencionalmente atrasado no cumprimento das suas tarefas, foi punida com chutes ou socos na cabeça. Ela reagiu exatamente como tinha visto Hilde fazer, choramingando de dor e medo e tentando cobrir a cabeça com os braços dobrados.
 
 Ela fazia uma performance magistral. Vê-la, com Hilde cochilando tranquilamente alguns metros mais para trás na floresta, fazia com que Will contraísse seus lábios de forma apertada cada vez que Alyss era atingida. Ele marcou os Nômades responsáveis. 
 
Uma vez que isto acabasse, ele pensou sombriamente, vou retribuir esses golpes...
 
 Quando a tarde passou, ele percebeu que Alyss tinha conseguido os enganar e começou a relaxar. Ele acordou Hilde quando crepúsculo apareceu. A velha não tivera um descanso longo e ininterrupto como este em anos e acordou com relutância.
 
 — Como está o disfarce da senhora? — Ela perguntou e ele deu um sorriso tranquilizador para ela.
 
 — Perfeito. Os Nômades não tem ideia de que você se foi. Quer ver?
 
 Ele levou-a cuidadosamente para frente através das árvores e ela se agachou nas sombras observando como Alyss mancava ao redor do campo, despejando pilhas de lenha em cada lareira, preparando a iluminação para o preparo da refeição noturna. Hilde ficou fascinada ao observar seu alter ego no trabalho. Em uma ocasião, quando um dos Nômades jogou um pedaço de lenha em Alyss, atingindo-a na perna, ela fez uma careta de simpatia. Eventualmente, Will tocou seu braço e retirou-se para as árvores, indo para o local onde os cavalos estavam amarrados. Ela pulou ao lado dele, inclinou-se apoiando inabilmente. Mas depois de um tempo, ela olhou para ele, esboçando um sorriso em seu rosto enrugado.
 
 — Sorte que não tenham notado que ela não é tão bonita quanto eu — disse ela, depois gargalhou. Will parou para olhá-la, com as sobrancelhas levantadas.  — Você acha que é mais bonita do que ela? — Disse ele, incrédulo.
 
 Ela gargalhou novamente.
 
 — Claro que eu sou. Afinal de contas, eu tenho um vestido verde bem novo!  Não tenho resposta para isso, ele pensou.
 
...
 
 Alyss passou uma noite desconfortável, tremendo sob uma das caravanas, envolta em um cobertor puído de Hilde. Ela tentou não pensar nas pequenas criaturas que, sem
dúvida, dividiam o cobertor com ela, e pela manhã estava coberta de picadas vermelhas que coçavam miseravelmente.
 
 — Tudo faz parte do disfarce — disse a si mesma.
 
 Ela tinha perguntado à Hilde como eram as tarefas que ela realizava. Ela carregava água e madeira, alimentava as cabras e galinhas e limpava a as panelas da cozinha com areia e água. Se as mulheres Nômades eram cozinheiras relutantes, as limpadoras eram ainda mais relutantes.
 
 De tempos em tempos, os homens ou as mulheres a chamavam para realizar algumas outras tarefas servis, como limpar as botas que tinham sido sujas com excrementos de vaca ou cachorro, bater a poeira de um tapete tirado de uma caravana.
 
 Por volta das onze horas, ela viu o garoto Petulengo abordando a caravana de Jerome e esperando ansiosamente fora dela. Esta era a oportunidade que ela estava esperando. Ela correu para a caravana em que dormiu e buscou um grande cesto de lenha. Quando fez isso, ouviu a porta da caravana de Jerome se abrir e seus passos pesados ecoarem ao descer pelos degraus. Ela olhou furtivamente em sua direção. Mais uma vez, ele estava carregando o saco pesado, manchado de sangue. Mais uma vez, ele teve que espantar os cães do acampamento para longe.
 
 Ele balançou a cabeça quando viu que Petulengo já esperava por ele.
 
 — Que bom pra você — disse ele. — Eu não gosto de ficar esperando.
 
 O menino não disse nada, mas seguiu atrás do Nômade pesado. Eles se dirigiram na mesma direção que tinham tomado no dia anterior. Alyss, com o cesto de lenha a tiracolo, mancou lentamente atrás deles. Ela sabia que, enquanto Petulengo estivesse lá, impediria qualquer estranho de seguir Jerome, mas Hilde era uma figura familiar e não ameaçadora. Ela acreditava que seria ignorada e poderia descobrir onde Jerome tinha escondido Ebony. E enquanto ela estava seguindo os dois Nômades, Will a seguia também, mantendo-se bem para trás. Esse era o plano que tinham combinado no dia anterior.
 
 Ela havia deixado a caravana composta, indo na mesma direção em que Jerome e o menino iam, quando uma voz estridente a parou.
 
 — Hilde! Onde você vai, sua velha inútil? — Era uma das mulheres mais jovens do acampamento. Ela estava inclinada sobre os trilhos na plataforma traseira de sua caravana, acenando com urgência para Alyss.
 
 Xingando baixinho, Alyss parou e levantou a cesta para que a mulher pudesse a ver. Com uma voz rachante, ela disse de volta:
 
 — Buscando lenha, senhora! Estamos ficando sem!
 
 A mulher considerou a resposta. Por um momento, Alyss pensou que ela ia chamá-la de volta ao acampamento. Mas, de qualquer forma, ela apenas balançou a cabeça.
 
 — Colha algumas uvas vermelhas quando você estiver lá! — Ela gritou. — Muitas delas. Camlo quer que eu faça vinho e eu estou sem!
 
 — Sim, senhora! Eu vou buscar montes delas! — Ela gritou. Então se virou e correu em direção às árvores antes que a mulher pensasse em outra tarefa para ela.
 
 Ela se inclinou e pegou alguns dos ramos mais leves, mantendo-se atenta para Petulengo. Ela seguiu um caminho em um ziguezague aleatório através das árvores,
permitindo que as concentrações silenciosas determinassem seus movimentos. Ela conseguiu não perder o rastro dos dois Nômades. Ocasionalmente, ela viu flashes da camisa amarela de Petulengo por entre as árvores. Se ele estivesse vigilante, ela pensou, teria me notado. Ela decidiu pôr sua teoria à prova e mudou de caminho, indo diretamente na direção onde o menino estava sentado em um toco de árvore. Por pura sorte, havia um arbusto de uvas vermelhas a poucos metros dele. Ela se arrastou até ele, os olhos baixos, fingindo não perceber o menino. Com uma exclamação de prazer, ela começou a tirar os frutos da árvore, soltando-os no cesto de madeira.
 
 — O que você está fazendo, bruxa Hilde? — Sua jovem voz tinha um tom desagradável.
 
 Ela fingiu surpresa e empurrou os galhos para encará-lo, mantendo os olhos baixos, como Hilde teria feito. Ela imaginou que uma demonstração de sua inferioridade iria alimentar o ego do jovem e estava certa.
 
 — Buscando uvas vermelhas, mestre — disse ela, mostrando o cesto de madeira. — A senhora Drina quer fazer vinho.
 
 — Traga-as aqui — ele exigiu e ela se arrastou em direção a ele, segurando o cesto. Ele pegou um grande punhado delas e começou a comer, o suco vermelho escorrendo pelo seu queixo.
 
 — Nada mal — disse ele, rindo desagradavelmente. — Mas se você quer passar por mim, vai ter que me dar mais. Há um pedágio, você sabe.
 
 A trilha estreita ia por entre as árvores atrás dele. Ela adivinhou que este era o caminho que Jerome tinha tomado e Petulengo vigiava ali para garantir que ninguém o seguisse sem ser visto.
 
 Como esperava, Petulengo não a viu como uma ameaça. Ele estava obviamente disposto a deixá-la passar por um punhado de uvas. Ela balançou a cabeça de modo bajulador, escondendo o sentimento de exultação que subiu dentro dela.
 
 — Eu vou buscar um pouco mais — disse ela e saiu mancando de volta para a árvore. Ela tirou uma quantidade considerável dos doces frutos da árvore, atingindo o mais alto que pôde para chegar até elas. Petulengo olhava sem curiosidade e depois se inclinou para frente quando ela voltou com o cesto, o estendendo para ele.
 
 Ele recolheu as uvas do cesto e ela choramingou um protesto.
 
 — Mas isso é tudo que tenho, jovem mestre! E não há nenhuma no arbusto! — Disse.
 
 Ele sorriu para ela e cuspiu um jato de suco mastigado.
 
 — É uma pena. Você terá que encontrar mais.
 
 Ela se agachou, balançando a cabeça e lamentando. Então ela apontou para a trilha.
 
 — Lá tem uma moita de arbustos de uva vermelha, eu sei — disse ela.
 
 Ele deu de ombros.
 
 — Então vá conseguir mais. E certifique-se de ter o suficiente para comprar o caminho de volta.
 
 Interessante, pensou ela. Ele não estava pensando em mudar de lugar, o que significava que Jerome devia estar em algum lugar por perto. Jerome e os cães. Ela esperava que Will estivesse por perto também, aguardando por ela para descobrir a localização da pocilga dos cachorros.
 
 Ela passou mancando pelo sarcástico jovem e dirigiu-se para a trilha. Ela não tinha avançado dez metros quando ouviu o seu chamado.
 
 — Hilde!
 
 Ao mesmo tempo, ela ouviu o farfalhar de sua vara girando no ar. Ela teve o bom senso de não se virar e o grosso pedaço de madeira pegou na parte de trás de sua cabeça. Ela tropeçou e caiu, derramando sua lenha no chão. Petulengo riu.
 
 — Cuide dos seus passos, Hilde! A trilha é um pouco áspera por lá!
 
 Xingando baixinho, tentando não deixá-lo ver o olhar assassino em seus olhos, ela subiu a seus pés e começou laboriosamente recolocar a madeira em seu cesto.
 
 — Petulengo!  Ambos estavam assustados com o grito que veio de trás, da trilha. Petulengo levantou-se do tronco da árvore, olhando intrigado e um pouco nervoso.
 
 — Sim, Jerome? — Ele chamou.
 
 — Está tudo limpo? — Jerome respondeu. Desta vez, Alyss, fingiu ficar absorta na colheita da lenha, podendo jurar ter ouvido um grito rápido, cortado às pressas.
 
 — Tudo limpo, Jerome.
 
 Alyss sorriu para si mesma. Obviamente, ela não contava. Bem, um dia eles aprendem, pensou ela.
 
 — Então venha aqui! Eu preciso de você.
 
 — Estou indo, Jerome! — Petulengo começou a descer a trilha estreita. Quando passou por Alyss, conseguiu chutar sua cesta, espalhando a madeira novamente.
 
 Ela ouviu o riso dele enquanto corria levemente pela trilha.
 
 — Pequeno suíno — ela murmurou.
 
 8
  
DEIXANDO PARA TRÁS A VELHA CORCUNDA, PETULENGO correu de uma trilha estreita para outra qyue movia-se perpendicularmente. Esta era estreita, coberta e difícil de se caminhar. Se Petulengo não soubesse o que estava lá, ele possivelmente teria passado por ela. Ele se curvou sob os ramos baixos que cresciam sobre a trilha e, após alguns metros surgiu em uma pequena clareira.
 
Instintivamente, ele recuou para o lado quando percebeu que Jerome estava apenas a alguns metros de distância, segurando a coleira de um enorme cão negro.
 
Petulengo sabia seu nome. Demon Tooth. Sua pelagem era preta, mas não um preto, saudável e brilhante. Esta penugem era emaranhada e curta. A pele embaixo do pêlo curto foi marcada em uma dúzia de lugares - lembranças das lutas que Demon Tooth tinha participado - e essas cicatrizes formavam rugas e ondulações na pele.
 
Sua cabeça era grande, os ombros e o corpo poderoso. Os olhos eram selvagens e amarelos e os lábios estavam puxados para trás em um rosnado furioso, a boca do cão estava branca com baba conforme ele lutava contra o aperto de Jerome.
 
Normalmente, Demon Tooth ficaria preso por uma pesada corrente. Mas Jerome o tinha  soltado e agora agarrava o cão entre os joelhos para contê-lo. Ele tinha as duas mãos em um colar de couro em torno do pescoço do animal, segurando sua cabeça em linha reta de modo que não poderia morder ele. Demon Tooth, sentindo que a corrente não estava mais o restringindo, lutava para libertar-se completamente. Jerome era um homem poderoso, mas a força da luta do cão estava quase além dele. Agora ele encarava Petulengo.
 
— Traga o pastor — ele disse. — Eu estou mudando os cães para um novo local.
 
A cada poucos dias, ele mudava os cães para um novo esconderijo, para se certificar de que eles permanecessem escondidos. Petulengo olhou a clareira. Do outro lado, acorrentada a uma árvore, ma margem estava a pastora preta-e-branca que Jerome havia roubado. Petulengo olhou a cadela cautelosamente. De acordo com as instruções de Jerome, ele passou os últimos dias a testando e provocando, tentando superar seu bom temperamento natural. Ontem, ele havia conseguido e a pastora tinha mordido ele. Ela não era um cão grande, mas ela era rápida e Petulengo tinha apenas escapado de ser mordido. Ela agora o olhava, as orelhas achatadas enquanto ela o reconhecia. Ela mostrou os dentes em um grunhido e ele decidiu que não queria o risco de ficar perto dela novamente.
 
— Não — disse ele. — Ela vai me morder.
 
— Maldito! — Jerome rosnou. — Quem se importa se você for mordido! Pegue esse cão agora! 
 
Normalmente, Petulengo não se atreveria a desobedecer Jerome. Mas o grande homem tinha as mãos ocupadas e havia pouco que ele pudesse fazer. Mais tarde, ele poderia se lembrar da desobediência de Petulengo. Mas mais tarde, poderia cuidar de si mesmo. Jerome o amaldiçoou, mas o rapaz continuou a sacudir a cabeça.
 
— Hilde pode fazer isso — disse ele. — Eu vou buscar Hilde.
 
— Hilde? O que é que Hilde está fazendo aqui? — Jerome ficou intrigado com a sugestão. Mas ele estava cansando rapidamente e não tinha certeza quanto tempo ele pudesse controlar Demon Tooth.
 
— Ela está coletando uvas vermelhas para Drina. Ela esta por aí!
 
Jerome desistiu em discutir. Ele precisava de alguém para trazer o pastor para perto e não tinha mais tempo para nenhuma discussão. Hilde serviria bem como qualquer um. Ele poderia lidar com Petulengo mais tarde, quando eles estivessem de volta ao acampamento.
 
—Tudo bem!  Busque ela. Mas de pressa!
 
O menino correu de volta no caminho para a bifurcação em ângulo reto. Olhando ao redor desesperadamente, ele soltou um grito de alívio baixo quando viu a velha mulher colhendo uvas vermelhas de um arbusto cerca de dez metros ao longo da trilha.
 
— Hilde! — Gritou ele. — Venha aqui! 
 
Ela olhou para cima, então, enquanto ele gesticulava com urgência para ela, ela começou a mancar pela trilha. Quando chegou, ele pegou com impaciência a cesta de suas mãos e agarrou sua manga, arrastando-a consigo.
 
— Vamos lá! Apresse-se, apresse-se! 
 
Ela tropeçou na clareira e viu Jerome lutando com um cão terrível, enorme. Então, ela prendeu a respiração quando viu uma forma preto-e-branco encolhida do outro lado da clareira.
 
Ebony. Acorrentada, com a cauda entre as pernas, orelhas caídas na cabeça, pelos emaranhados de sujeira e lama. Tomou todo o controle de Alyss impedir a si mesmo de chamar o nome dela.
 
— Liberte o pastor e traga-a! — Jerome ordenou. Sua voz tensa enquanto ele lutava com o cão, o monstro negro mantinha-se contorcendo entre seus joelhos.
 
Alyss correu para a cachorra. Quando ela se aproximou, as orelhas de Ebony se ergueram enquanto ela reconhecia o cheiro familiar e amado. Com os sentidos muito mais agudos do que qualquer humana, ela viu o disfarce de Alyss imediatamente. Alyss se atrapalhou com a corrente para soltá-la.
 
— Venha para cá! Eu não posso segurar ele o dia todo! — Jerome gritou com ela. Demon Tooth, sentindo que a atenção de Jerome estava distraída, fez uma investida repentina e violenta, deixando o Nômade sem equilíbrio e quebrando seu controle sobre a coleira. Com Jerome esparramado na grama úmida, Demon Tooth, treinado para atacar outros cães sem hesitação, lançou-se pela clareira na direção de Ebony.
 
Enquanto o asassino cão negro maciço se jogou sobre ela, Ebony, finalmente livre da corrente, agachou com a cabeça baixa e a traseira alta. Ela era um pastor e fora criada
para se mover rapidamente e mudar de direção em um instante. Demon Tooth estava a menos de um metro de distância quando Ebony saltou para um lado. As mandíbulas do cão assassino se fecharam no ar vazio.
 
Demon Tooth girou, derrapando sobre as patas traseiras, para recobrar o ataque. Mas agora Alyss interpôs-se entre os dois cães. Ela pegou um galho de árvore caído no chão e encostou em direção ao cão que avança, pegando no pescoço de Demon Tooth com os ramos bifurcados em sua extremidade. Por um momento, ele controlou o impulso de Demon Tooth, embora Alyss tenha sido empurrada para trás. Mas então o ramo estalou e Demon Tooth rosnou concentrando-se no alvo de duas pernas que o tinha atacado. Ele juntou os músculos de suas pernas traseiras, pronto para saltar na garganta de Alyss.
 
Alyss ouviu um whizz-thunk! e uma longa, flecha de ponta cinza derrepente apareceu bem no meio do peito de Demon Tooth. O cão enorme cambaleou sob o impacto. Ele deu um breve grito de agonia, depois as pernas entraram em colapso e ele caiu de lado.
 
Jerome olhou com horror ao ver seu cachorro deitado no chão sem vida. Na confusão do momento, ele não tinha visto a flecha.
 
Mas ele tinha visto a velha, Hilde, atacar seu cão com um galho de árvore. Agora Demon Tooth estava imóvel.
 
— Sua bruxa velha! — Ele gritou e saltou para ela.
 
Ele prendeu suas mãos em torno da garganta dela, apertando e a sufocando. Alyss lutou contra ele, mas ele era muito forte. A sua cabeça foi para trás e aí a sua visão começou a ficar fora de foco.
 
Em seguida, uma forma em preto-e-branco voou em Jerome, pulando alto para prender os dentes em seu braço. Jerome gritou. Ebony estava terrivelmente pendurada em seu antebraço, seus dentes mergulhados na carne. Seu peso o deixou sem equilíbrio. Ele cambaleou, prendeu o pé em uma raiz de árvore e caiu, batendo contra o corpo de Demon Tooth.
 
—Vamos lá, Eb! Venha aqui, menina! — Alyss engasgou. Obedientemente, Ebony soltou sua mandibula do braço de Jerome e trotou para a amiga, a cauda movendo-se de um lado para o outro. Jerome tentou levantar também. Imobilizando o braço que Ebony  havia mordido contra seu corpo, ele colocou a outra mão sobre o corpo propenso de Demon Tooth para dar apoio a ele.
 
E percebeu, tarde demais, que o cão ainda estava vivo.
 
Enlouquecido pela raiva e dor, Demon Tooth rosnou ao toque e atacou cegamente. Jerome gritou de terror e foi cortado pelos dentes do cão. Jerome golpeou descontroladamente, tentando quebrar essa terrível pressão, gorgolejar horrívelmente. Então ele ficou imóvel.
 
Agora DemonTooth voltou aqueles terríveis olhos amarelos para a menina e o cão a poucos metros de distância. Levantando com as pernas tremendo, ele rosnou em desafio.
 
Ebony, com as orelhas achatadas contra a cabeça dela para trás, a juba branca de pêlo em volta dela, com o pescoço ereto até que tivesse duas vezes seu tamanho normal, pulou para  se colocar entre Alyss e o monstro que se aproximava lentamente. Whicc-thunk!
 
Uma segunda flecha acertou Demon Tooth no flanco, logo atrás da perna dianteira esquerda. Sem mais um som, o cão assassino caiu, morto, antes de ele bater no chão.
 
Will saiu das árvores, o arco na mão. Ele correu para Alyss e Ebony e não sabia qual abraçar primeiro. Então, ele caiu de joelhosao lado delas e jogou os braços em volta de ambas.
 
Ambos pareciam estar muito felizes com esse arranjo. Uma delas até lambeu sua mão. Ele não podia ver através das lágrimas nos olhos, mas ele esperava que fosse Ebony.
 
 
 
                                                                    9
 
 
 
OS NÔMADES ASSISTIAM APREENSIVOS COMO O ARQUEIRO DE MANTO CINZA e a menina alta vestindo os trapos esfarrapados de Hilde saiam das árvores e foram para o acampamento. Trotando ao lado deles estava a pastora preta-e-branca que Jerome  tinha roubado no entorno do vilarejo Wensley.
 
Petulengo espalhou o que havia acontecido na floresta. Ele assistiu horrorizado como Demon Tooth foi atingido por uma flecha, em seguida, com horror como a terrível máquina de matar montou e avançou em Jerome. O aparecimento do Arqueiro tinha sido a gota d'água. Petulengo tinha virado-se e corrido de volta ao acampamento, balbuciando um confuso relato do que tinha acontecido na clareira.
 
Agora os membros da extensa família ficaram em um meio círculo em silêncio, observando as duas figuras sombrias e o cão enquanto eles caminhavam para o composição formada pelas caravanas. Petulengo ficou nervoso na parte de trás do grupo, tentando esconder-se atrás dos Nômades mais velhos, olhando ao redor deles para ver se ele tinha sido notado. Ele ficou surpreso com a transformação que havia acontecido com Hilde. Ela ainda usava o mesmo trapo gasto e esfarrapado. Mas ela estava alta agora, fina e graciosa. Ela tinha conseguido salpicar algumas das cinzas e sujeira de seu cabelo e ele podia ver manchas loira espreitando através do cinza.
 
Will parou a poucos metros dos Nômades. Sua hostilidade era berm óbvia. Mas eles eram experientes nos caminhos do mundo e eles sabiam quem era um Arqueiro quando viam um. Eles sabiam sobre a lendárias habilidades dos Arqueiros com armas e sua autoridade total em questões legais. Eles não iriam se opor a ele de forma alguma. 
 
Nômades viviam no fio da navalha da tolerância relutante atualmente. Evitavam o confronto direto com as autoridades sempre que podiam.
 
— Jerome está morto — Will disse-lhes. Um zumbido de interesse percorreu por eles. Petulengo lhes tinha dito isso, mas o menino estava em pânico e quase incoerente. Agora, o fato foi confirmado. Seu líder tinha ido embora. Para dizer a verdade, nem todos eles estavam sentidos em ouvir isso.
 
— Ele foi morto por aquele cachorro mau que ele estava mantendo na floresta — Will continuou. — Eu suponho que é um final apropriado para ele. O cão está morto também. Eu matei ele.
 
Ele fez uma pausa. Os Nômades tinham expressões fixas em seus rostos brancos enquanto os olhava ao redor deles e ele deu um suspiro pequeno de aborrecimento.
 
— Eu sei que vocês todos vão afirmar que não sabiam nada sobre o que ele estava fazendo —disse ele. — E eu sei que todos vocês vão estar mentindo. Eu deveria prender
todos vocês aqui e agora. Mas, então, nós teríamos que desinfetar a nossa prisão depois que forem libertados e é tudo um problema muito grande. Mas vocês vão seguir em frente. Vocês têm oito horas para deixar o Feudo Redmont. E eu os seguirei para ter certeza que irão. Vocês não vão me ver. Mas eu estarei lá.
 
Fez uma pausa para deixar que essas palavras fossem compreendidas  — Outra coisa. Eu vou fazer que vocês não sejam bem-vindos em qualquer um dos feudos. Vocês não vão encontrar nenhum lugar disposto a recebe-los ou ficar até um dia. Vocês serão expulsos e mudaram onde quer que vão.— Podia ver uma aceitação mal-humorada em seus rostos. Eles não esperavam nada melhor do que isso. Eles tinham aceitado os riscos com o cão roubado e eles tinham sido apanhados. Era sempre o caminho dos Nômades.
 
— De fato — ele continuou — vocês podem encontrar que a vida de vocês pode ser totalmente mais fácil se vocês simplesmente sairem do país.
 
Ele examinou a linha de rostos mal-humorados em frente a ele. Ele estava confiante que iria embora de Araluen dentro de uma semana. Claro, eles estariam de volta em algum momento no futuro, mas que iria enfrentar esse problema quando ele viesse.
 
— Agora, começar a arrumar as coisas e pegem a estrada. 
 
Ele fez um gesto de desprezo com o polegar, sacudindo-a em direção a estrada. A linha de Nômades se separou, lentamente no início, em seguida, movendo-se com mais velocidade como eles começaram a levantar acampamento e embalar seus pertences. 
 
Ele se inclinou e acariciou a pele ao redor das orelhas de Ebony. Ela olhou para ele e sua cauda movia em um vai-e-vem, um longo e lento movimento.
 
— É bom ter você de volta, menina — ele disse suavemente. Então ele se virou para Alyss. — Pronta para ir? 
 
Ela levantou uma mão. — Apenas uma coisa eu tenho que cuidar — disse ela. Ela olhou ao redor do acampamento e viu Petulengo, à espreita culposamente atrás da pena de cabra.
 
— Petulengo! — Ela chamou. Sua voz era alta e penetrante e ele sobressaltou-se, percebendo que ele tinha sido visto. Ele olhou em volta, procurando uma rota de fuga. Mas, quando ele fez isso, Will tirou o arco maciço do seu ombro e casualmente arrancou uma flecha da sua aljava. De repente, fugir não parecia ser uma boa idéia.
 
Então Alyss favoreceu Petulengo com seu sorriso encantadores.
 
— Não se assuste, querido — disse ela suavemente. — Eu só quero dizer adeus.
 
Ela acenou para ele, sorrindo encorajadoramente, e ele se adiantou, aos poucos ganhando confiança à medida que ele percebeu que, de alguma forma, ele havia ganhado a favor desta jovem mulher. Alguns de seus antigos gabar retornava em quanto se aproximava e parava diante dela, estímulado um pouco mais por esse sorriso. 
 
Debaixo das cinzas e da sujeira, ele pensou, ela era definitivamente uma pessoa bonita. Ele deu um sorriso em troca. Petulengo, tem que ser dito, fantasiava a si mesmo com senhoras.
 
Trate-as rudemente e elas vão comer na palma de sua mão, pensou.
 
Em seguida, o sorriso desapareceu como uma vela sendo apagada. Ele sentiu uma sacudida brusca de agonia em seu pé direito. A bota pesada de Alyss, parte do guardaroupa de Hilde, tinha pisado em seu peito do pé, logo abaixo do tornozelo. Ele dobrou
instintivamente, ofegante de dor.
 
Então Alyss girou e dirigiu a palma de sua mão esquerda duramente em seu nariz, atirando sua cabeça para trás e o fazendo cambalear. Seus braços frequejaram e ele caiu sobre um pacote de terra suja compactada.
 
Ele estava meio grogue, apoiado nos cotovelos, tossindo enquanto escorria sangue da parte de trás de sua garganta.
 
— Da próxima vez que você jogar lenha em uma velha senhora — Alyss disse a ele, todos os vestígios do sorriso encantado haviam sumido. — certifique-se que ela não possa fazer isso.
 
Ela se virou para Will e esfregou suas mãos juntas em um gesto satisfeito.
 
— Agora estou pronta para ir — disse ela.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PURPLE PROSE
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 
 
 
 
WILL EMPURROU O PRATO VAZIO LONGE E RECOSTOU-SE NA CADEIRA, sentindo aquela sensação deliciosa de desconforto que acontece quando você come apenas um pouco demais de algo realmente delicioso. Lady Pauline sorriu com carinho para o jovem. — Gostaria de mais, Will? Sobrou muito. Ele bateu no estômago, surpreso ao descobrir que ele parecia realmente sentir mais apertado do que o normal, como se estivesse forçando suas roupas de baixo.
 
— Não, obrigado, Pauline — disse ele. — Eu já fiz uma segunda refeição.
 
—Você já fez quatro — Halt comentou. Will que franziu a testa para ele, então se virou para Pauline, sorrindo para ela. Pelo menos ela não fez comentários depreciativos do jeito que seu marido faz.
 
— Isso realmente foi uma deliciosa refeição — disse ele. — A carne estava tão suave e é tão raro. E as batatas! Ora, eles eram uma sinfonia de sabor e textura! 
 
— Engraçado — Halt disse em um tom baixo. — Eu não ouvi nenhum trompete e flautas.
 
— É muito gentil de sua parte dizer isso, Will — Pauline disse. — Mas eu sou uma mulher prática e eu realmente não cozinho. As refeições aqui são fornecidas pela cozinha do castelo. Se você quiser elogiar alguém, deve ser Mestre Chubb.
 
— Ah... é claro — disse Will, sentindo-se tolo. Halt e Pauline o tinham convidado para jantar no apartamento confortável fornecido a eles pelo Barão Arald. Como dois dos principais assessores, e mais valorizados, Arald, eles tinham direito a uma suíte de quartos e uso de todos os serviços do castelo. Agora que Will pensava  sobre isso, ele não poderia imaginar a diplomata, alta e elegante trabalhando em um forno quente, com um avental protegendo seu vestido branco.
 
— Está ficando com um pouco de floreios em sua linguagem, não é? — Halt disse. — Uma sinfonia de sabor, de fato!
 
Will que encolheu os ombros timidamente. — Eu estou tentando deixar a minha linguagem mais poética — ele admitiu. Halt franziu a testa, mas Pauline permitiu-se um menor vestígio de um sorriso. Às vezes os jovens podem ser tão sérios sobre as coisas mais estranhas, pensou.
 
— Há alguma razão para este súbito interesse em coisas poéticas, Will? — Ela perguntou.
 
— Bem — ele disse — é por causa do meu discurso para o casamento.
 
—O casamente de Horace e Evanlyn, você quer dizer? — Halt disse.
 
Will assentiu. — Como o padrinho, eu tenho de fazer um brinde para a noiva e noivo.
 
— Como você fez no nosso casamento — Pauline disse, sorrindo com a lembrança.
 
—Exatamente. E eu quero que seja especial. Porque ambos são bons amigos meus. 
 
— O discurso que fez no nosso casamento foi definitivamente especial — Halt disse. Ele também poderia recordar o evento claramente. Ele ficou impressionado e tocado pela simples afirmação de Will de amor e carinho para os dois. O fato de que ele mencionou isso agora era uma prova clara disso. Halt tinha passado a sua vida escondendo sua sentimentos do mundo em geral. Ele raramente permitiu que seu lado emocional - que ele chamou de seu lado piegas — mostrar-se.
 
— Eu tenho trabalhado no discurso — disse Will. Sua mão foi inconscientemente em direção a um bolso interno de seu casaco. — Eu me pergunto se você se importaria de ouvir o que eu preparei até agora... ? —Ele deixou a pergunta no ar, olhando de Pauline para Halt e depois de volta novamente.
 
— Como poderíamos recusar? — Pauline perguntou. Tão jovem e tão sério, ela pensou consigo mesma.
 
Halt olhou rapidamente para ela. Tarde demais, ele tentou sinalizar a ela para encontrar uma maneira graciosa de se recusar a ouvir o discurso. Ela era um diplomata depois de tudo, ele pensou. Recusas graciosas era sua especialidade no trabalho. Ele suspirou baixinho. Will já estava alisando várias folhas de papel de seu bolso. Ele olhou para eles para ver se eles estavam prontos. Pauline se inclinou para frente em sua cadeira e acenou de forma encorajadora. Halt levantou os olhos para o teto.
 
Will tomou isso como um sinal para prosseguir. Ele limpou sua garganta várias vezes, alisou o papel mais algumas vezes e franziu a testa ao ler adiante, cometer as primeiras linhas para a memória.
 
— Vocês devem entender — disse ele — que este é apenas um primeiro esboço. De nenhuma forma são as palavras finais que usarei no dia. Eu provavelmente vou reler isso e mudar aqui e ali. Quer dizer, eu definitivamente revisarei isso e quando eu fazer, eu provavelmente vou mudá-lo aqui e ali...
 
— É claro — disse Pauline  e fez um gesto para que ele prossiga. Ele limpou a garganta novamente.
 
— Pegou um resfriado? — Halt perguntou inocentemente, em seguida, fez uma careta como Pauline o chutou debaixo da mesa. Mesmo chinelos de descanço, ela deu um belo chute, pensou ele, inclinando-se para esfregar o músculo da panturrilha. Will olhou por cima do discurso, suas bochechas corando. — Não. — ele disse. — Por que você pergunta?
 
— Ignore-o, Will, querido — disse Pauline. Havia uma nota de aço em sua voz que Will não percebeu. Halt percebeu, no entanto. Ele conhecia essa mulher por muitos anos e decidiu que o silêncio seria sua melhor opção pelos próximos minutos.
 
— Muito bem... —Disse Will. Ele limpou a garganta novamente. Finalmente, ele começou.
 
— É com o coração sobejando...
 
— Uau! Uau! Traga o navio de volta para a praia lá! É com o maior whatsomeness de quê? — Halt perguntou incrédulo, seu plano de permanecer em silêncio de repente esquecido. Will olhou para ele, confuso.
 
— Coração sobejando — repetiu ele. Em seguida, ele verificou o texto na frente mais uma vez. — Sim. Isso mesmo. Coração sobejando.
 
— E o que diabos significa “coração sobejando”? — Halt perguntou. Ele olhou para sua esposa e percebeu que ela estava escondendo um sorriso. Will fez um gesto incerto com a mão direita. — Bem, significa... você sabe... muito... hum... coração... sobejando.
 
Halt continuou a olhar para ele, sem entender. Ele balançou a cabeça, então Will tentou novamente. Agora, ele estava mais que corado, Pauline notou. Suas bochechas estavam em chamas.
 
— Isso significa que eu estou feliz. Muito feliz — disse Will eventualmente.
 
— Então por que você não diz “Eu estou feliz, muito feliz “? — Halt perguntou.
 
Will se mexeu desconfortavelmente na cadeira. — Bem, isso seria um pouco — ele procurou por uma palavra, em seguida, encontrou-a — prosaico, não seria? As sobrancelhas de Halt se ergueram. — Prosaico? Primeiro, é sobojando...
 
— Sobejando — Will disse, com os dentes ligeiramente cerrados. Halt o ignorou.
 
— Agora é prosaico. Eu serei acertado no traseiro por um bode se eu sei o que isso significa!
 
— Não seja injurioso, querido — disse Pauline. — Isso significa 'ofensivo'.
 
— Ah, então eu sou ofensivo, não é? — Ele desafiou Will. — E quando é que se tornou um crime usar palavras que as pessoas possam entender?
 
— Eu disse antes, eu estou tentando fazer um discurso memorável — disse Will.
 
Halt caiu para trás em sua cadeira. — Vai ser memorável, tudo bem — ele murmurou. — Durante anos, as pessoas vão dizer: Lembra-se do discurso que Will deu e que ninguém poderia entender? — Então ele fez um gesto para Will para continuar. — Vamos ouvir mais um pouco.
 
Will arrastou os folhas de papel e começou de novo. — É com o coração sobejando...
 
— Ouvi essa parte já.
 
— Halt... — Pauline disse em advertência.
 
— Que eu fico em suas presenças ilustres na mais auspiciosa das ocasiões aprazíveis para prestar louvor e adulação a dois dos mais reverenciados e queridos companheiros de meus anos de juventude.
 
— Deus do céu — Halt murmurou, ganhando outro chute forte na panturrilha.
 
— Seria denodado da minha parte não reconhecer o...
 
— Não! Não! Não! — Halt disse, agitando os braços em frente de seu corpo. — Isso é o bastante! Não!
 
— Há um problema? — Will perguntou com altivez.
 
Halt revirou os olhos. — Sim, há um problema! Você fala como se tivesse engolido um dicionário e, em seguida, o vomitasse!
 
— Não seja grosseiro, Halt — disse Pauline, e o Arqueiro de barba grisalha abrandou, murmurando para si mesmo. Will que apelou para Pauline.
 
— O que você acha do discurso, Pauline? Você é boa com as palavras.  Pauline hesitou. Ela amava este jovem como se fosse seu próprio filho e ela nunca estaria disposta a ferir seus sentimentos. Mas ela não podia deixá-lo continuar com este absurdo exagerado.
 
— Você não acha que a linguagem está um pouco... rebuscada? —, ela perguntou timidamente.
 
Halt bufou, olhando para longe, para fora da janela.
 
— Rebuscada? Esta positivamente toda purple prose3. — Disse. — Parece algo que o Barão Arald diria!
 
Will olhou para ele, uma expressão aflita no rosto. — Oh, certamente não é tão ruim assim — disse ele.
 
Halt simplesmente virou-se para ele, levantou uma sobrancelha, em seguida, desviou o olhar.
 
— Will, você falou tão bem no nosso casamento. Apenas faça o mesmo de novo. — disse Pauline a ele.
 
Mas ele sacudiu a cabeça. — Todo mundo diz isso. Mas a coisa é que ninguém estava esperando muito de mim, naquela época. Todo mundo vai esperar muito mais desta vez. Além disso, este é um casamento real, de modo que o discurso será gravado nos anais. Tem que ser especial. 
 
— Gorlog nos salve! — Halt disse.
 
Pauline se virou para ele com curiosidade. — Quem exatamente é Gorlog, querido? — ela perguntou.
 
— Ele é um deus do norte. Eu peguei emprestado dos escandinavos. Ele é muito útil se você quiser blasfemar, sem ofender as pessoas.
 
— Além dos Escandinavos? — Ela sugeriu, mas ele balançou a cabeça, sorrindo.
 
— Não. Eles não se importam. Eles não gostam muito dele. Pauline assentiu, arquivando esse pedaço de informação para mais tarde, em seguida, virou-se para Will.
 
— Eu tenho uma suspeita de que você pode estar tentando demias, Will — ela disse. Ela apontou para as folhas de papel sobre a mesa diante dele. — Por que você não dá outra olhada nisso e simplifica um pouco?
 
Will franziu os lábios em dúvida. Ele poderia ignorar a crítica de Halt, ele pensou. Halt não tinha senso de poesia nele. Mas Pauline era uma questão diferente. Ainda assim, ele tinha passado horas por horas de trabalho duro para conceber essas palavras e ele estava relutante em abandoná-las.
 
— Eu vou pensar sobre isso — disse ele finalmente.
 
Halt bufou mais uma vez. Ele parecia estar fazendo isso um monte de vezes esta noite.
 
— Só ignore-o — disse Pauline para Will. — Você sabe como ele é.
 
— Sim — Halt disse. —Me desculpe, eu tenho sido tão denodado.
 
— Isso é injurioso — Will disse ele.
 
Halt deu um sorriso de lobo. — Sim. Isso também. 
 
Pauline acariciou a mão de Will delicadamente. — Como eu disse, simplesmente ignoreo. Eu vou falar com ele mais tarde — acrescentou ameaçadoramente. Will olhou na direção de seu antigo mentor e viu algo que o surpreendeu. Algo que ele nunca tinha visto antes.
 
O sorriso se foi. Halt estava com medo.
 
 
 
 
 
 
 
 
3 - Purple Prose é um termo da crítica literária usado para descrever passagens, ou às vezes obras literárias inteiras, escritas em prosa tão extravagante, ornamentada, ou florida que quebra o fluxo e chama a atenção excessiva a si mesmo.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2
 
 
 
 
WILL PASSOU UMA TARDE DE CAÇA MAL SUCEDIDA. Jenny tinha expressado a necessidade de veado fresco em seu restaurante e ele tinha estado feliz em tentar conseguir um. Mas, como ele sabia que, às vezes, até mesmo o mais habilidoso dos caçadores pode voltar para casa de mãos vazias. De certa forma, isso era parte do fascínio da caça. O único veado que ele tinha visto nesta longa tarde tinha sido uma corça jovem e seu jovem filhote, obviamente, ainda dependente de sua mãe.
 
Ele sorriu para o par e os espantou de seu caminho, rindo baixinho como eles saltaram para as árvores.
 
— Vão embora e cresçam um pouco — ele disse, acrescentando em uma reflexão tardia 
 
— Os dois.
 
Porque ele caçava para fornecer alimentos e não por qualquer sensação de prazer em matar, não ficou decepcionado com a sua falta de sucesso, mas aceitou-a filosoficamente. Jenny tinha outra carne que ela poderia oferecer em seu cardápio. Não era como se as pessoas ficariam com fome. Então, ele estava em um humor relativamente bom quanto ele andava de volta para Redmont. Relativamente. Houve algo que ainda chateava a ele. Quanto mais pensava sobre isso na viagem de regresso, o mais chateado ficava.
 
Quando estava retirando a sela de Puxão e colocando os arreios longe, o pequeno cavalo olhou com curioso para ele.
 
Por que essa cara triste?4 Puxão realmente nunca tinha entendido o princípio por trás dessa velha piada, Will pensou.
 
— Isso deveria ser a minha fala para você. Afinal, você é o cavalo. A piada é um cavalo entra em uma taberna e o estalajadeiro diz: “Por que essa cara triste?”3. Puxão deslocou uma perna dianteira depois a outra, o equivalente a um encolher de ombros. Então, o que? O que está em sua mente?
 
— É o discurso que eu farei no casamento — Will disse ele, esfregando-o com um pedaço seco de cobertor velho, procurando pelo esfregão para escova-lo — o cobertor de Puxão tinha adquirido um monte de rebarbas enquanto haviam avançado pelo mato em sua busca infrutífera pela caça. — Está me deixando preocupado.
É por isso que os cavalos não discursam.
 
— Os cavalos não têm casamentos também, até onde eu sei — Will disse ele. Verdade. Mas temos rédeas5.
 
Os ouvidos de Puxão ergueram-se com apreciação de sua própria inteligência. Ele emitiu o equivalente a um risinho de cavalo. Will suspirou.
 
— Você não tem nada melhor, não é? — Disse, e continuou passando a escova. Puxão ficou parado por alguns minutos, apreciando o contato e o agradavel sentimento abrasivo da cerdas duras lavrando através de seu casaco.
 
— Halt não ficou muito impressionado com ele — disse Will depois de alguns minutos de silêncio.
 
Hal raramente fica impressionado com qualquer coisa. halt e Puxão tinha um histórico de discordância, emanado das crenças de Halt sobre quantas maçãs eram boas para um cavalo.
 
— Isso é verdade. Mas eu perguntei a Pauline e mesmo que ela não tenha dito isso diretamente, eu não acho que ela gostou também. 
 
Ele esperou, pausando entre as escovadas. Mas não houve resposta. Ele não tinha certeza se isso era uma coisa boa ou não. Talvez Puxão estivesse tentando encontrar uma maneira delicada de dizer que se Pauline não gostou, ele poderia ter um problema. Então, quando ele pensava sobre isso, ele percebeu que Puxão raramente era discreto sobre qualquer coisa. Ele se inclinou para um lado para dar uma olhada no rosto do cavalo. 
 
4 - Trocadilho da Piada “walk into a bar” A horse walks into a bar. The bartender says, — So, why the long face? — [Um cavalo entra num bar. O atendente diz, — Então, por que essa cara triste?] Qual a graça? O cavalo tem aquela cara comprida, a long face. O trocadilho está aí. 5 – Bridles, significa rédea. Bride quer dizer noiva. Puxão faz o trocadilho com base na palavra brideless, que seria o equivalente a “sem noiva”.
 
 
 
Talvez ele tivesse dormido em pé. Cavalos poderiam fazer isso, ele sabia. Mas os grandes olhso marrom piscaram e olharam para ele.
 
Uma ideia ocorreu a Will. Uma possível forma de resolver a questão em sua própria mente. Ele terminou a última de suas escovadas, recuando um passo para admirar quão limpo os pelos do cavalo ficaram, como normalmente parecia.
 
— Talvez eu pudesse ler um pouco dela para você — sugeriu ele. Puxão mudou de um pé para o outro novamente. Mas agora o movimento foi mais cauteloso do que antes. Eu lhe disse. Os cavalos não fazem discursos.
 
— Não. Mas você vai saber se tem alguma coisa boa se você ouvi-lo — Will disse a ele. 
 
Ele colocou a escova e alcançou seu bolso interior.
 
Puxão rolou um olho em dúvida. E se eu não fizer?
 
— E se você não souber alguma coisa boa? — Will perguntou.
 
Não. E se eu não ouvir algo bom?
 
Will foi pego de surpresa por esta falta de fé.
 
— Oh, você vai — disse ele rigidamente. — Apenas ouça isso.
 
Eu não ganhei minha maçã ainda.
 
— Você vai te-la assim que ouvi meu discurso.
 
É um discurso longo?
 
— Tem várias páginas agora. Mas está tão bom, não vai parecer demorado. Você estará pedindo mais no final. 
 
 
Ele olhou para o cavalo e ficou surpreso ao ver uma expressão cética no rosto. Will não tinha ideia de que os cavalos poderia mostrar tanta emoção. Era inquietante. Desdobrou as folhas em que ele havia escrito o discurso, alisou-o e limpou a garganta. Saúde.
 
— O que?
 
Você espirrou.
 
—Eu não espirrei. Eu limpei minha garganta. Desse jeito. — Ele fez isso de novo. Puxão piscou várias vezes.
 
Soou como um espirro para mim. Poderia ser a peste.
 
— Não foi um espirro e não é a peste. Você vai ouvir este discurso, quer você goste ou não — disse com firmeza. Então, ele apressou-se a acrescentar — Embora eu tenho certeza que você vai gostar. Está muito bom.
 
Puxão emitiu um estrondo profundo no abdomem. Will olhou de soslaio para ele. Isso soou como crítica, ele pensou. Então, ele percebeu que não poderia ter sido, já ele não tinha começado o discurso ainda. Ele alisou as páginas mais uma vez e começou a ler.
 
 
— ...Seria denodado da minha parte não reconhecer nesta conjectura de tempo para esta assembleia diversificada de pessoas, os quais assiduamente zelavam ás necessidades dos... 
 
Will parou. Ele estava lendo por alguns minutos e Puxão não tinha mexido. Agora, ele não tinha certeza, mas pensou que Puxão tinha feito um barulho, um ruído profundo, como um zumbido.
 
— O que foi isso? — Perguntou ele. Mas não houve resposta imediata. Encolhendo os ombros, ele olhou de volta para a folha de papel na mão. — Onde eu estava? Ah, sim... para esta assembleia diversificada...
 
O barulho veio de novo. Desta vez, ele tinha certeza de que vinha de Puxão. Parecia estar centrado em sua garganta e no peito. Em seguida, o corpo inteiro do cavalo estremeceu. Will olhou para ele com curiosidade. Talvez suas belas palavras tinham levado seu velho amigo às lágrimas, ele pensou. Ele deu a volta para encarar Puxão enquanto o ruído monótono foi feito mais uma vez. Os olhos do cavalo estavam bem fechados e os seus joelhos estavam travadas. Ele estava dormindo. Will percebeu, quando o ruído monótono foi feito novamente que ele estava roncando.
 
— Seu miserável infiel — disse ele. Puxão roncou novamente.
 
Descontente, Will dobrou a folha de papel e ele retornou para o seu bolso interno. Ele virou-se e saiu do estábulo. Quando chegou à porta, o som do zumbido irregular parou. Ele olhou para trás até Puxão.
 
Onde está a minha maçã?
 
Ele olhou para o cavalo.  — Eu sinto muito. Eu não tenho uma. Talvez você poderia sonhar com uma. 
 
Ele saiu do estábulo, com as costas rígidas, cada linha do seu corpo mostrando como ele estava afrontado pelo comportamento de seu cavalo. Ele chegou à frente da cabana, onde Ebony estava esparramado ao seu lado no sol. Quando ele subiu os degraus para a cabana, um dos seus olhos abriu-se e sua pesada cauda bateu uma vez nas tábuas da varanda.
 
Ele a olhou por um momento. Os cães nunca julgavam, pensou ele. Um cão ficaria do seu lado, você certo ou errado. Aos olhos de um cão, você não poderia fazer nada errado. Um cão sempre daria uma opinião honesta.
 
— Boa menina, Eb — disse ele e sua cauda bateu novamente. Ele sentou-se em um conjunto de bancada contra a parede da cabana. Ebony observou-o, esticando a cabeça para trás para vê-lo sem mover o corpo. Ele estalou os dedos para ela.
 
— Venha aqui, Ebony. Vem aqui, menina.  Com um gemido, ela virou de barriga, depois se levantou e sacudiu-se. Então, ela foi até ele, de cabeça baixa, o rabo abanando lentamente.
 
— Deita — Ele gesticulou e ela baixou a barriga e os pés até o chão, com os olhos fixos nele. Ele pegou o papel do bolso mais uma vez e olhou para os seus grandes e bonitos olhos. Um marrom escuro, o outro um azul um pouco maníaco.
 
— Eu vou ler um discurso Ebony — disse ele. Seu rabo abanou uma vez.
 
— E eu quero a sua opinião honesta. Os olhos nunca vacilou das suas. Ele desdobrou o papel e começou a ler. Depois de alguns parágrafos, Ebony suspirou e baixou o nariz até suas patas dianteiras estendidas, mas ela continuou a observá-lo, aparentemente sem pestanejar, enquanto lia as frases bonitas de seu discurso. Finalmente, chegou ao termino, uma parte que estava particularmente orgulhoso. Ele leu-a, em seguida, leu novamente para dar ênfase.
 
— Bem — ele disse — o que você acha?
 
Os olhos continuaram a olhar para ele. O nariz ainda descansando nas patas dianteiras. 
 
Não houve nenhum movimento. Mas, pelo menos, ele pensou, ela estava acordada.
 
— Você gostou dele, Ebony? — ele perguntou e o rabo bateu uma vez no assoalho. Ele sorriu, estendeu a mão e afagou seus ouvidos. Um bom cão nunca o desapontaria.
 
— É muito bom, não é? — Perguntou. Não houve reacção do cão.
 
— Está bom, Ebony? — A cauda bateu no assoalho novamente e ele foi assaltado por uma dúvida terrível. Ele olhou para o cão, seus olhares se encontraram.
 
— Está bom? — Repetiu ele. Não houve reacção.
 
— Está bom, Ebony? — Abano de rabo.
 
— É a maior carga de lixo que você já ouviu? — Nenhuma reação.
 
— É a maior carga de lixo que você já ouviu... Ebony? Abano de rabo. Ele olhou para ela.
 
— Você está apenas reagindo quando digo seu nome, não é? Nenhuma reação.
 
— Você está apenas reagindo a seu nome, não é você... Ebony?  Abano.
 
Will ficou de pé, sacudindo a cabeça em aborrecimento.
 
— Eu simplesmente não pode confiar em ninguém para me dar uma resposta honesta. Bem, a explosão Puxão. E explodir você também, Ebony. Abano de rabo.
 
Com grande indignação, Will entrou na cabana e fechou a porta firmemente atrás dele. 
 
Na varanda, Ebony ficou olhando para a porta por alguns segundos. Em seguida, quando Will não saiu novamente, ela levantou-se, sacudiu-se e caminhou até uma mancha de sol quente. Com um gemido de prazer, ela caiu para o lado, pernas estendidas e cabeça inclinada para trás e foi dormir.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3
 
 
 
 
COMO VOCÊ CLASSIFICARIA ESTADO DE PRONTIDÃO DA ESCOLA DE GUERRA? Excelente. Bom. Médiano. Abaixo da média. Ruim. Will deu de ombros e fez uma marca de seleção ao lado de Excelente.
 
Parte do trabalho de qualquer Arqueiro era avaliar periodicamente a Escola de Guerra do feudo e o relatar ao Castelo Araluen sobre a qualidade da formação, a proficiência dos Membros de guerra e o estado geral de prontidão em caso de um ataque. A Escola de Guerra de Redmont era uma das melhores do país e as avaliações de Will eram quase sempre na faixa de Excelente. Ele às vezes se perguntava por que ele não poderia escrever apenas “ver última avaliação” mas o Mestre de Guerra do Rei exigia respostas detalhadas todas as vezes. Ele suspirou quando viu a próxima pergunta.
 
Em que você baseia essa classificação?
 
Ele não podia responder a isso com uma simples marcação. Ele teria que escrever algo que justifiquesse a classificação. Ele tentou se lembrar da redação do seu anterior relatório. Enquanto ele fazia isso, a porta se abriu de repente e Halt entrou na cabana.
 
— Olá. Não o ouvi chegando — disse Will.
 
Halt lhe deu um aceno satisfeito. — Ótimo. Uma vez ou outra eu tento não cometer erros por aí como um homem cego em uma loja de cerâmica. Estou surpreso Puxão não ouviu a mim. 
 
— Puxão está de mau humor. Eu não lhe dei uma maçã ontem.  Naturalmente, ambos sabiam que, se tivesse sido qualquer outra pessoa que não fosse Halt se aproximando, Puxão teria dado um sinal de alerta, de mau humor ou não.
 
— Ótimo. Ele come maçãs demais de qualquer maneira. — Halt olhou para os papéis sobre a mesa diante de Will e uma expressão cautelosa surgiu em seu rosto. — Você não é trabalhando naquele discurso, não é? — Will suspirou. — Não. Estou fazendo minha avaliação da Escola de Guerra para o Mestre de guerra Real. Eu não sei porque eu tenho que escrever tudo. Eles devem saber agora que não existem problemas na Escola de Guerra de Redmont.
 
Halt encolheu os ombros. — Um exército é comandado pela papelada — disse ele. — De qualquer forma, você pode esquecer isso agora. Nós temos um trabalho. 
 
Will se sentou para tomar conhecimento. — Um trabalho? — Disse. — Para onde vamos? 
 
Havia um mapa em grande escala de Araluen na parede da cabana e Halt caminhou para ele, tocando o dedo indicador em um local na costa sudoeste, um pouco acima da fronteira com Celtica.
 
— Hambley — disse ele. — Temos informação de que há moondarkers trabalhando sua maneira ao longo da costa. Hambley é seu próximo alvo lógico. 
 
— Moondarkers? — Will não tinha ouvido o termo antes. Halt não estava surpreso. Fazia muitos anos que os bandos organizados moondarkers operaram em Araluen.
 
— Destruídores — explicou. — Sabotadores de navios. Eles operam na lua nova e utilizam faróis falsos de luz em trechos perigosos da costa. Navios que passam veem os faróis acessos e acham que eles chegaram ao porto. Então, ao navegarem em sua direção, e antes de saberem, eles estão nas rochas. O navio quebra-se e os moondarkers salvam a carga para eles.
 
— O que acontece com a tripulação? — Will perguntou.
 
— Se sobreviverem ao naufrágio, eles vão á terra. Normalmente, eles não sobrevivem a isso. 
 
— Esses moondarkers parecem pessoas desagradáveis — comentou Will. Halt assentiu. — Exatamente. E eles são difíceis de rastrear porque os moradores geralmente tem medo deles. — Uma carranca atravessou seu rosto. — Ou, em alguns casos, eles estão em conluio com eles.
 
— Eles partilham os despojos — disse Will.
 
— É isso mesmo. Há um monte de coisas que os sabotadores não querem - madeira e cordas, por exemplo. Barris de alimentos secos. Lona, acessórios de metal. Todos os tipos de coisas que um vilarejo pobre acharia inestimável. Agora vamos começar a se mexer. A lua nova está a apenas uma semana de distância e é quando eles saem do esconderijo. Eu quero estar na estrada esta tarde. Mandei uma mensagem para Gilan e ele vai ficar de olho nas coisas aqui enquanto estamos longe. 
 
— Eu vou pegar o meu equipamento de viagens — disse Will. Ele hesitou, olhando para o formulário de avaliação inacabado. — Acho que eu poderia terminar isso enquanto estamos na estrada — disse ele.
 
Halt pegou o formulário e rasgou-o ao meio, antes do que o choro de protesto de Will pudesse detê-lo. — Uma ideia melhor. Deixe a Gilan uma nota dizendo que a avaliação é deve ser feita, mas você não teve tempo para isso ainda. Então, ele pode fazer uma sua própria avaliação e preencher o formulário para você. 
 
Will hesitou, olhando para o pedaço de papel rasgado nas mãos de Halt.
 
— Isso não é um pouco sorrateiro? — Disse. Halt sorriu feliz.
 
—É  certamente. E não é que os Arqueiros devem ser?
 
 
Uma hora depois, eles estavam na estrada para o sudoeste. Ciente do rapto recente de Ebony por Nômades, Will a tinha deixado no castelo, aos cuidados de Pauline.
 
Inteligente e leal como ela era, Ebony ainda era jovem e excitável. Eles não podia arriscar levá-la ao longo do que provavelmente seria uma atribuição perigosa. Pauline
estava encantado de ter o cão de companhia e Ebony foi dedicado a ela. Enquanto cavalgavam, Will riu baixinho para si mesmo. Halt virou-se na sela para olhar para ele.
 
— Algo engraçado?
 
— Eu fico pensando sobre Gilan fazendo que o relatório de Guerra — disse Will. — Você está certo. É tão astuto.
 
Halt sorriu. — É bem feito por todas as vezes que ele tentou me emboscada a caminho dos encontros — disse ele. — Às vezes antigos aprendizes perdem todo o seu respeito por seus antigos mestres. — Ele olhou significativamente para Will, que se apressou em responder.
 
— Eu não! — Disse. — Eu ainda tenho um enorme respeito por você, Halt! — Halt olhou penetrante para ele por vários momentos, então, aparentemente satisfeito, ele assentiu para si mesmo. — Apenas tenha isso em mente.  Eles continuaram sem falar mais longe por algumas centenas de metros, então Will quebrou o silêncio novamente.
 
— A coisa boa sobre isso é que eu posso trabalhar no meu discurso à noite — disse Will.
 
— Você trouxe ele com você? — Halt perguntou-lhe, um pouco apreensivo. Will assentiu. 
 
— Eu pensei que seria uma boa oportunidade de trabalhar sem distrações.
 
Houve um longo silêncio, em seguida, Halt disse — Eu certamente não irei interrompê-lo. Quer dizer, eu não gostaria de impedir o fluxo criativo ou qualquer coisa assim. De fato, você pode apenas considerar que não estou aqui se você quiser trabalhar com ele. — Ele perguntou se Will iria detectar o sarcasmo por trás dessa afirmação, mas seu ex- aprendiz assentiu com gratidão.
 
— Obrigado, Halt. Eu aprecio isso. Agora, qual será nosso curso de ação?
 
Halt considerado por alguns momentos, como ele empacotado seus pensamentos.
 
— Como eu disse, esta manhã, não se pode esperar qualquer ajuda dos moradores. Nós não podemos arriscar que eles nos traiam aos moondarkers.
 
— Os moondarkers não são moradores, então? — Will perguntou. Halt balançou a cabeça. — Não. Eles viajam cima e para baixo da costa. Se eles trabalham uma área por muito tempo, a notícia se espalha e pessoas como nós aparecem para detê-los. Além disso, os navios iriam aprender rapidamente a evitar que essa parte da costa. 
 
— Você disse que soube através de um informante. Podemos esperar qualquer ajuda dele? — Will perguntou. Mas, novamente, a resposta foi negativa.
 
— Se ele for esperto, ele não vai querer se associar conosco. Afinal, ele tem que viver na área depois de termos partido. 
 
— Isso faz sentido. Então, qual é o nosso plano?
 
— Nós vamos acampar e escutar por aí — esperançosamente sem nós sermos vistos.  Normalmente, os moondarkers não ficam nas aldeias, então eles terão um acampamento em algum lugar da área também. Será difícil de escondê-lo, porque haverá de quinze a vinte deles. Assim, ficaremos atentos para isso - e procuramos sinais de que eles estão se preparando.
 
— Como o quê?
 
— Como um farol sendo preparado no promontório errado. Eles vão ter que construir com um ou dois dias de antecedência. Além disso, vamos precisar vigiar o norte a procura de navios cruzando ao longo da costa. E nós precisamos manter um olho nas outras pessoas que estão procurando a mesma coisa. 
 
— E se nós não vermos nenhuma dessas coisas acontecerem? — Will perguntou. Halt  sorriu para ele. O sorriso lembrou Will de um lobo mostrando seus dentes.
 
— Então eu vou pedir-lhes para parar. Eu posso ser muito persuasivo quando eu coloco em minha cabeça.
 
— Eu já notei isso no passado — disse Will.
 
Eles fizeram o tempo bom para o resto do dia, estabelecendo aos cavalos o padrão de marcha forçada dos Arqueiros, alternando entre trote e caminhada. Quando o crepúsculo aparecia, Halt indicou um local limpo sob um agrupamento de árvores.
 
— Isso parece uma área de acampar decente — disse ele. — Podemos muito bem nos acomodar antes que esteja muito escuro.
 
— Você quer que eu cozinhe? — Will perguntou. Ele sabia que Halt era capaz de fazê-lo. Mas a verdade era Will gostava de preparara refeições e ele era um excelente cozinheiro  de acampamento, sempre com um kit de viagem de especiarias e ingredientes para melhorar o sabor das refeições preparadas por ele. Já que ps Arqueiros eram frequentemente forçados a subsistir com carne seca, frutas e pão achatado, ele sempre sentiu que devem desfrutar de refeições boas, quando tinham chance. Halt concordava com ele sobre este assunto.
 
— Eu vou aguardar ansiosamente por isso. — disse ele. — Uma vez que estivermos próximos Hambley, vão ser campos frios e rações duras, por isso, podemos muito bem desfrutar de um pouco de comida quente e café enquanto podemos. Eu vou limpar tudo mais tarde. 
 
Apesar de sua relação mestre-aprendiz, Halt hoje considerava Will um igual e estava sempre disposto a compartilhar tarefas de acampamento com ele.
 
— Excelente — Will disse. Como um monte de cozinheiros, ele gostava do processo de preparação, mas foi ficava menos entusiasmado com a limpeza que se seguia. — Isso vai dar me tempo para trabalhar no meu discurso. 
 
— Eu vou aguardar ansiosamente por isso, também — Halt disse, sério.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4
 
 
 
UM CUME DE MONTANHAS ESTENDIA-SE ATRÁS DA CIDADE DE HAMBLEY, CERCA DE menos da metade de um quilômetro. A cidade em si foi construído em torno de um pequeno, mas bem protegido porto. No quebra-mar do norte, Will podia ver uma grande estrutura de metal de cerca de seis metros de altura.
 
— Esse é o farol verdadeiro. — Halt disse a ele, notando o olhar interessado. — É acesso todas as noites e mostra quando qualquer navio se aproxima onde o quebra-mar norte está e dá-lhes um ponto de referência. Mas, como você pode ver, o alto promontório por trás o esconde da vista de qualquer navio que desce a costa até que o navio esteja a apenas meio quilômetro de distância. 
 
Eles estavam deitados de barriga para baixo no topo de uma crista de colinas com vista para a cidade. Os cavalos estavam no lado oposto, fora de vista. Os dois Arqueiros, de bruços e ocultos por suas capas, estariam invisível para qualquer um dentro de 50 metros quanto mais de meio quilômetro.
 
— Agora olhe mais para o norte — disse Halt e Will obedientemente mudou seu ponto de vista. Além do promontório, uma faixa curva da praia varreu o norte, terminando em outro promontório, um pouco menor. — Meu palpite é que é onde eles vão construir o farol falso. Você pode ver como a água é rasa por várias centenas de metros fora da praia. Qualquer navio que virar para lá, pensando que eles encontraram o porto, será preso na areia antes que soubessem. Imagino que os sabotadores criarão incêndios locais e lanternas baixas no chão atrás da praia por isso vai parecer com uma vilarejo. O comandante do navio vai ver o que ele espera ver. Um farol e um vilarejo. Mas vai ser um quilometro mais ao norte do que o verdadeiro. Esta cordilheira de montanhas em que estamos criará um fundo escuro. Alguém olhando de fora para o mar verão as luzes contra a escuridão. Eles não vão perceber os detalhes.
 
Ele esfregou o queixo, pensativo, retirando uma formiga que se aventurou a explorar sua barba.
 
— Esse banco raso de areia lhes convém admiravelmente. O navio vai ficar preso nele, mas a menos que o clima fique realmente ruim o navio não vai se desvencilhar. Isso significa que os moondarkers pode navegar durante a maré baixa e descarregar o navio a vontade. E significa que vão conseguir r toda a carga em vez de perder alguma molhada.
 
Will olhou de soslaio para o Arqueiro de barba grisalha. — Você parece saber muito sobre como eles operam Halt,
 
Halt assentiu sombriamente.  — Moondarking era uma praga sobre esta nação durante a primeira guerra com Morgarath — disse ele. — As tropas do rei estavam muito preocupadas com a rebelião para vigiar a outros assuntos. E você sabe o quão
rapidamente os criminosos tiram proveito de uma situação como essa. 
 
Will assentiu. — Então, como você os eliminou?
 
— Oh, após a guerra, Crowley e montamos uma pequana campanha contra eles. Depois de um tempo, eles pareciam decidir que Araluen não era o melhor lugar para praticar o moondarking. A maioria deles se mudou para Gallica, onde as condições eram mais propícias para o seu negócio.
 
— A maioria deles? — Will perguntou. — E os outros?
 
— Eles ficaram aqui — Halt disse severamente. — Você vai encontrar suas sepulturas de cima a baixo na costa oeste, se você olhar com atenção.
 
— Você e Crowley formaram uma equipe e tanto durante a juventude, não foi? — Will perguntou. Um fantasma de um sorriso tocou a boca de Halt.
 
— Nós tivemos nossos momentos — disse ele. Então ele começou a deslizar para trás do topo da serra, permanecendo abaixado até que ele pudesse levantar sem entrar no campo de visão de qualquer observador abaixo deles. Will seguiu e olhou ansiosamente para seu antigo mentor em busca de instruções.
 
— Nós vamos para o norte em direção a essa praia — disse Halt. — Vamos acampar no cume e manter vigia para qualquer atividade no promontório ou no chão baixo no interior da praia.
 
— Você tem certeza que é onde eles vão criar? — Disse Will.
 
Halt encolheu os ombros. — Você nunca pode ter certeza de nada. Mas é o lugar mais lógico. Qualquer lugar mais ao norte e estariam muito longe de Hambley si. Além disso, as curvas no litoral, a leste de lá, então toda a topografia é diferente. Este local é perto o suficiente do vilarejo verdadeiro para confundir qualquer capitão que não está atento o bastante. Vamos explorar através da floresta, bem como, para ver se podemos encontrar seu acampamento. Se eles estão na área, que não deve ser muito difícil encontrar. Eles não vão tentar permanecer escondido a forma como vai ser e vai ser um grande acampamento. 
 
— Você disse que poderia haver de quinze a vinte deles...  — Will começou.
 
— É isso mesmo. E eles vão precisar de carroças e cavalos para levar a carga, de modo que o acampamento vai ser um grande problema. 
 
— Podemos lidar com tantos deles? — Será perguntou timidamente.
 
Halt olhou fixamente para ele. — Estes homens são assassinos de sangue frio — disse ele. — Mas eles não são guerreiros. Eles vão receber um aviso para se render, então nós começar a atirar. Crowley e eu lidamos com essa quantidade. Não deve ser problema.
 
— Isso foi com Crowley e você — disse Will. Ele ficou surpreso com a resposta de Halt.
 
— Você é melhor do que Crowley.
 
Will ficaria ainda mais surpreso se Halt tinha acrescentado que estava em sua mente: Você é provavelmente melhor do que eu, também.
 
Eles foram para o norte e montaram um pequeno acampamento bem escondido em uma moita de árvores na encosta interior do cume. Abelard e Puxão tiveram as selas retiradas e saíram para pastar perto do acampamento. Se por acaso eles fossem descobertos, os casacos felpudos e falta de selas ou arreios provavelmente levaria seus descobridores
a supor que era, pôneis selvagens. Havia número de nômades que percorriam as montanhas em pequenos grupos.
 
Não haveria fogueira e os dois Arqueiros suspiraram enquanto eles se resignaram a uma dieta de ração dura e água fria durante a missão. Eles montaram um posto de observação no cume, cavando uma cova rasa, então o cobrindo com sujeira, galhos e folhas para que eles pudessem vigiar a praia e o promontório sem serem vistos. Não era diferente do tipo de esconderijo que os caçadores construiam, Will pensou. Então ele sorriu tristemente enquanto percebia que eles eram caçadores. Mas eles estavam caçando homens.
 
Havia ainda algumas horas de luz do dia, quando eles terminaram. Halt apontou para o buraco.
 
— Fique de olho nas coisas — disse ele. — Eu estou indo explorar ao redor e ver se eu posso encontrar qualquer sinal de um acampamento.
 
Will assentiu. Um acampamento iria confirmar que eles estavam no caminho certo. Afinal, eles ainda estavam trabalhando com base em informações recebidas de um informante anônimo. Poderia muito bem ser uma perseguição selvagem ganso. Mas uma das primeiras coisas que os Arqueiros aprendiam era ver e ouvir pacientemente por horas ou dias a fio.
 
Will agachou-se para entrar no posto de observação, que era, na encosta da serra, com vista para a praia, e se arrastou para dentro. Ele se acomodou, ficou confortável e recostou-se contra a parede de terra. Eles haviam deixado uma fenda de observação que estava em toda a largura da fenda e, quando sentou-se nas sombras profundas, ele teve uma visão ininterrupta do promontório e praia.
 
Ele colocou a mão na bolsa que tinha atirada sobre um ombro e pegou papel, caneta e um tinteiro pequena viagem. O rascunho de seu discurso estava lá também, mas no momento ele iria se contentar em anotar frases impressionantes para incluir nele. Ele podia fazer isso, mantendo um olhar atento sobre a praia abaixo dele. Ler ou reescrever o discurso seria uma distração muito grande. Mas anotar a frase avulsas descritivo só iria tomar um ou dois segundos de cada vez.
 
Uma delas veio à mente - uma descrição de Horace e Evanlyn - e ele rapidamente abriu o tinteiro, mergulhou sua pena e anotou.
 
Os muito bons companheiros amados de meus ternos anos de juventude, escreveu ele. E murmurou para si mesmo: — Oh, isso é bom. Muito bom. 
 
Ele examinou a praia e para o promontório de novo, mas nada se movia. Então, ele anotou outra frase.
 
É com alegria orgulho que eu tenho a ousadia de acrescentar a minha adulação irrestrita ao que já foi declarado antes que este conjunto eminente...
 
— Eu gostei disso. Muito — disse para si mesmo. Ele suspirou feliz e recostou-se contra a parede de terra da cova, esperando por mais lampejos de inspiração.
 
 
 
Halt demorou menos de duas horas para encontrar o acampamento.
 
Não surpreendentemente, o cheiro de fumaça de madeira que alertou primeiro para a presença de pessoas na floresta. Era fraco no início, mas quando ele seguiu em direção onde a leve brisa soprava, tornou-se mais forte. Então ele começou a notar outros sinais. 
 
Um cão latiu. Em seguida, ele ouviu o som de um machado repercutindo na madeira. Os sons e os cheiros o levou de volta a linha do cume, para a floresta do lado do mar. 
 
Eventualmente, ele encontrou-se olhando até uma clareira aberta nas árvores.
 
Havia meia dúzia de tendas armadas em um grupo alinhado e várias fogueiras estavam acesas já. De um lado, quatro carroças com rodas sólidas estavam estacionados.
 
Além delas, ele poderia discernir cavalos amarrados entre as árvores. As pessoas andavam pelo acampamento, conversando e chamando um ao outro. Não havia real tentativa de ocultação, já que não havia ninguém de quem se esconder, de acordo com as preocupações dos moondarkers.
 
Ele contou as pessoas que podia ver. Dezesseis deles e todos os homens, notou. E esse último fato foi mais uma confirmação de que este era um acampamento de moondarkers.
 
Ele observou por alguns minutos como vários deles começaram a preparar a refeição da noite. Seu estômago reclamou silenciosamente enquanto o delicioso aroma de carne assada sobre o fogo flutuavam em torno dele. Ele silenciosamente se retirou do seu ponto de vista.
 
— Nada para fazer aqui, a não ser ficar com fome — ele murmurou para si mesmo e voltou para o sem fumaça e sem carne assada acampamento escondido na encosta inversa. Ele pensou sobre qual seria o seu jantar seria: água fria, carne seca e frutas e pão duro.
 
O pensamento não o tornou mais compassivo com os moondarkers.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
COMO WILL HAVIA OBSERVADO, UMA GRANDE PARTE DO TEMPO DE UM ARQUEIRO ERA UTILIZADO sentado, assistindo e esperando, por dias, com breves períodos de ação. 
 
Ele e Halt se alternavam no posto de observação a cada três horas, observando a praia e a península abaixo deles. 
 
Nos momentos em que não estavam vigiando, eles exercitavam os cavalos e caçavam como pequena distração, uma mudança muito bem vinda no acampamento foi a decisão de Halt que poderiam acender uma fogueira, os moondarkers estavam a uma distancia considerável e havia uma colina entre eles, e como os dois arqueiros escolheram um local alto na colina, a chance de um dos bandidos tropeçar no esconderijo era muito pequena.
 
Mesmo assim, o velho Arqueiro insistia que eles não poderiam acender uma fogueira enquanto o vento estava soprando do norte, que poderia levar o cheiro de madeira queimada para os moondarkers. Havia uma pequena chance que eles notassem a diferença mesmo com as grandes fogueiras de cozinhar e o cheiro de fumaça que estava em todo lugar. Mas mesmo uma pequena chance era uma chance, e Halt não gostava de se arriscar. Como ele dizia, essa preocupação o ajudara a se manter vivo por todos esses anos, e gostaria de manter o recorde.
 
   Isso significava que Will poderia cozinhar refeições mais interessantes, e isso o deu algo para fazer nos momentos de tédio. Também os deu algo para se preocupar além da tediosa tarefa de manter vigia.
 
A escala que eles tinham adotado colocava Halt com a ultima tocaia do dia - quando a sol já havia desaparecido atrás da colina. Eles ficavam atentos a qualquer tentativa dos moondarkers agirem. Para evitar a chance de serem descobertos, os moondarkers esperariam ate o último momento para acender o falso farol. Isso os faria preparar tudo pela manhã, e até que fizerem isso não haveria motivo para manter o posto de observação durante a noite.
 
   Will levou as duas refeições para o posto de observação, eles iriam comer juntos e discutir as táticas para quando os moondarkers agissem:
 
   — Eu andei pensado — começou Halt — nós deveríamos arranjar ajuda.
 
   Will sorriu ironicamente: — Eu pensava que nós agüentaríamos dezesseis pessoas facilmente.
 
Halt suspirou em reconhecimento.  — Eu realmente achava, mas me ocorreu que precisarei de você na península enquanto eu estarei na praia, isso pode dificultar as coisas.
 
   — Como assim? O que eu irei fazer na península?
 
   — Você terá que vigiar o falso farol. Teremos que esperar eles o acenderem antes de agirmos. Até que eles o acendam não temos provas de que eles realmente estão tentando enganar os navios. Precisamos ver o navio e o farol acesso tentando levá-lo para a praia.
 
   — O fato de que eles estão preparando o farol já não é suficiente? — Will perguntou. Halt bateu balançou sua cabeça — Não é uma prova concreta. Eles poderiam dizer que estariam preparando uma festa de aniversário, ou que estariam planejando assar um porco ou uma ovelha. precisamos de provas concretas. Infelizmente, Duncan é um pouco exigente sobre isso. Ao mesmo tempo, teremos que mostrar que não estavam na verdade tentando avisar os navios.
 
   — Então você quer que eu espere eles acenderem o fogo, assim eu irei o apagar e você irá prender todos eles — Will falou
 
Halt levantou uma sobrancelha para ele — Você tem alguma ideia de quão grande será essa tocha? Não é uma fogueira de acampamento que se pode chutar um pouco de areia e apaga-la. Será uma grande quantidade de troncos com combustíveis e terá no mínimo dois metros de altura. Quando estiver acesa, não será simples a “apagar”, como você disse. Precisará de um balde para apaga-la - e não há água a menos de meio quilômetro do local.
 
   Will não havia pensado nessa situação  — Então, o que iremos fazer? — ele perguntou. Em resposta Halt procurou em sua bolsa e pegou um pequeno recipiente preso com cera, de seis por três centímetros:
 
   — Você jogará isso no fogo — ele disse. Will pegou o pequeno saco e o examinou, estava bem amarrado, mas pode sentir a natureza granulada do conteúdo, parecia que estava cheio de areia molhada:
 
   — O que é isso? — ele perguntou, Halt tocou com o dedo.
 
   — É uma tintura colorida e é extremamente inflamável, quando você jogar no fogo, irá queimar e mudar a cor do fogo - não tenho certeza de qual será. Deve ser vermelho ou amarelo. Com isso, o capitão do navio verá a cor do fogo mudar e perceberá que não é o farol real e voltará para o mar. Mas, ainda precisaremos da nossa prova.
 
   — Tudo bem, faz sentido, mas como você ira lidar com dezesseis moondarkers na praia enquanto eu estarei fazendo isso?
 
   — Eu precisarei de ajuda, vou esperar até ter certeza que eles planejam atacar, quando eles tiverem o farol e lanternas acessas, irei a Hambley e avisar o líder dos vigias.
 
   — Mas você disse que eles provavelmente estão agindo juntos com os moondarkers.
 
   — Não exatamente, eles fingiram que não sabem e pegam o que os bandidos deixam para trás, por isso se eles saberem que estamos no aqui provavelmente iriam avisá—los, por isso eu sempre mantenho um olho no vilarejo enquanto não estou de vigia, não houve comércio com os moondarkers.
 
   — Então se você aparecer no vilarejo no ultimo momento e não lhes dar tempo para avisar os bandidos, não poderão recusar te ajudar — Will falou:
 
   — Exatamente, eles ficarão relutantes, e terão que nos fornecer homens da guarda para nos ajudar, não poderão falar para um arqueiro do rei que um navio naufragado até que seria uma boa ideia.
 
   Will mordeu o lábio com dúvida — Está botando muita fé no respeito que os moradores tem pelos Arqueiros — falou.
 
Halt inclinou a cabeça, concordando com o ponto de vista. — Verdade, mas já fiz isso  antes e nunca falhou, essas pessoas não são criminosos, são pobres desesperados e têm uma vida difícil, por isso se virem que poderão ser punidos por não cooperar, eles ajudam.
 
   — Eles poderiam bater na sua cabeça e tira-lo da jogada — Will avisou, Halt considerou a ideia:
 
   — Eles poderiam, mas não querem, eu estarei preparado se eles tentarem algo parecido, mesmo isso não sendo provável, e sabendo que há outro arqueiro na área, eu duvido que eles corram o risco.
 
   — Então eu jogo a tintura no fogo e você prende os moondarkers na praia, parece que  nós temos um plano perfeito — Will falou, mesmo questionando o plano de Halt, ele sabia o quão poderoso poderia ser a figura de um arqueiro do rei sobre esses moradores pobres.
 
   — Nunca se tem tudo planejado — Halt disse soberbamente — Sempre existe algo que pode dar errado. 
 
Ele terminou a ultima colher do seu ensopado de coelho que Will tinha preparado, raspando os últimos resquícios de comida do prato
 
— Tem mais comida?
 
Mas Will negou — Desculpe, você comeu todo o resto 
 
Halt resmungou — Pensei que sim — ele deitou nas sombras. A terra abaixo deles estava em escuridão profunda e o mar tinha adquirido uma cor pratiada — bem, duvido que eles começarão algo agora, nós devemos ter um café preto no acampamento também.
 
   — É por isso que gosto de ficar com você, é cheio de boas ideias.
 
 
   No dia seguinte os moondarkers começaram o trabalho.
 
 Will notou o primeiro sinal de que algo estava acontecendo na metade da sua vez no posto de observação, um cavaleiro passou andando abaixo na estrada da costa logo abaixo da colina, assim que ele estava alinhado com o acampamento do moondarkers, ele se virou  para fora da estrada e levou seu cavalo por entre as árvores. Will rapidamente o perdeu de vista, mas não tinha duvida para onde ele estava indo. Ele saiu do esconderijo, continuou agachado e correu para avisar Halt.
 
   — Não há duvida de que um navio esta fazendo rota para Hambley, é comum deixarem um batedor para avistar qualquer navio que apareça na costa, se esse for o caso irão preparar as tochas hoje.
 
   — O que faremos? — Will perguntou.
 
Halt apontou um dedo para o acampamento dos moondarkers. — Vamos ver o que eles já prepararam.
    Eles deixaram o acampamento juntos, se movendo como sombras por entre as árvores, escorregando por entre as sombras e o chão cinza com verde os deixava quase invisíveis, um observador teria um grande problema tentando vê-los em uma distância de mais de vinte metros, e com o treino e a constante pratica eles se moviam instintivamente, sem pensar em o que estavam fazendo, e enquanto eles pisava no solo, os seus pés com suas botas com solado acolchoado ajudavam a sentir qualquer folha e galho abaixo dos pés, para que pudessem movê-lo para o lado com os dedos para poderem prosseguir, deixando o peso sobre um pé levemente para não produzir nenhum ruído. Parecia simples, mas na verdade era um resultado de anos de prática.
 
   Levou cerca de meia hora para chegar ao ponto de observação que Halt tinha usado da primeira vez, Will apontou para um cavalo com sela fora de uma das tendas, logicamente ele pertencia ao mensageiro que tinha chegado mais cedo, ele estava prestes a comentar sobre o pouco cuidado que os bandidos tinham pelos animais quando três homens surgiram da tenda, um deles, alto com barba preta em uma vestimenta de couro com broches começou a gritar ordens, o acampamento tomou vida e outras tendas soltaram seus ocupantes, eles começaram a carregar as carroças que Halt tinha observado na visita anterior, carregadas com madeira para fogo e lanternas, os cavalos foram levados dos locais onde estavam para puxar as carroças, os homens pegaram ferramentas e sacos de provisões, eles também  tinham espadas e pás  presas aos seus cintos:
 
   — Já vimos o suficiente, vamos embora antes que nos notem — Halt avisou, eles se arrastaram de volta para o esconderijo, pouco tempo depois viram os moondarkers emergirem da floresta abaixo e se moverem para a praia. Três da carroças estavam vazias, os homens carregavam pilhas de madeira e pedaços de ferro, colocando no local determinado pelo líder, o homem alto com veste de couro. Will olhou curiosamente esse homem se mover para longe dos companheiros com as costas para o mar e começar a apontar lugares onde deveriam acender fogueiras e montar as vigas de ferro, formando tripés, de tempo em tempo ele olhava para um pedaço de papel na mão, mostrando que uma pilha ou outra de madeira deveria se reposicionada e alguns tripés deveriam ir um pouco para frente:
 
   — O que eles estão falando? — Will perguntou, mesmo estando a meio quilômetro de distância eles mantinham a voz um pouco mais alta que um sussurro.
 
   — Eu diria que ele tem uma planta de Hambley ali, como ela parece da visão do mar, ele provavelmente trabalhou nisso nos últimos dias, agora ele está organizando para que pareça a cidade em si.
 
   Will ficou muito admirado:
 
   — Eles são espertos, eu admito.    Halt concordou:
 
   — Sim, eles sabem o que estão sabendo, não são iniciantes, é uma pena, olhe! — ele falou — as últimas carroças estão se movendo, eu acho que estão indo para a península.
 
   Quatro dos homens que haviam terminado a preparação das tochas, subiram na ultima carroça que estava carregada com madeira, um deles pegou um chicote e bateu nas costas do cavalo, relutantemente o animal jogou o peso para frente e começou e se mover para a península. Era uma carga pesada para um pequeno animal como aquele, por isso se movia lentamente, quando chegou na encosta em direção a península, o cavalo fez sua maior força e a lentidão piorou:
 
   — Eles moveriam mais rapidamente se alguns deles fossem a pé — Will comentou, 
 
Halt sacudiu a cabeça do companheiro:
 
   — Eles são bandidos e criminosos, estão sempre procurando pelo caminho mais fácil, não o mais eficiente.
 
   Devagar, a pesada carroça subia a encosta em direção ao final da península, até que os homens fossem levados o cavalo não teria descanso, ele parou de repente no meio do caminho e ficou ali mesmo, olhando para os homens que o haviam colocado para puxar tanto peso:
 
   — Se eu fosse eles — Halt começou — eu ficaria distante da zona de coice desse cavalo.
 
   Os homens desceram da carroça e começaram a descarregá—la , a maioria da carga estava na forma de madeira cortada, para fogueiras, Will arriscou, baseando-se no tamanho regular dos pedaços, e haviam muitos pequenos barris e mais varas de ferro, finalmente três dos homens tiraram uma pesada cesta de metal, quase um metro de comprimento e meio metro de altura:
 
   — Isso irá segurar o fogo do falso farol — Halt informou-lhe — Eles farão outro tripé com aquelas varas, depois colocar a cesta de fogo no topo e abastecê-la com madeira e estará quase pronta.
 
   — E para que os barris? — Will perguntou, mesmo tendo quase certeza para que seriam usados:
 
   — Combustível, quando o navio estiver perto, eles colocarão na madeira para ter certeza que irá acender rapidamente, se eles colocarem muito precocemente poderá secar ou evaporar, eles provavelmente irão banhar a madeira em algum lugar na sombra.    Instintivamente, Will olhou para cima para ver a posição do sol, que avia apenas passado do seu auge:
 
   — Quando você acha que eles irão acender a fogo? — Will perguntou:
 
   — Eles perderam a escuridão total da lua, porem há apenas um pequeno pedaço da lua visível hoje a noite, eu acho que irão esperar ate que apareça sobre a colina, algo ao redor das dez horas, eu irei a Hambley e acordar a vigia em torno das nove e meia, não haverá tempo para levarem a mensagem para os moondarkers, mesmo se forem rápidos.    — Mais espera e observação — Will comentou:
 
   — Esse é o nosso trabalho — Halt concordou — mas não me espere voltar com reforços, se eles acenderem o farol e você ver um navio se aproximando, vá imediatamente e jogue a tintura no fogo, eu prefiro perder a chance de pegar o grupo do que ter um navio envolvido em perigo.
 
   Com a tarde acabando, eles assistiram os moondarkers fazerem seus ajustes finais nas lanternas e fogueiras que eles levantaram, os quatro homens na península colocaram a madeira na cesta de metal, a qual foi suspensa a mais de dois metros de altura, eles embarcaram na carroça mais uma vez e foram em direção a praia, desta vez descendo a colina o pequeno cavalo fez um tempo melhor, Will notou que ainda haviam dois barris no chão ao lado do tripé.
 
   Finalmente, o alto líder parecia satisfeito com o trabalho, ele deu um descanso ao homens e cozinharam uma pequena refeição. Os homens deitaram pelo local na grama em frente a praia, eles comeram suas refeições e continuaram conversando, alguns até chegaram a dormir:
 
   — Será um dia cheio — Halt comentou. O fato de que os bandidos não voltaram para o acampamento era uma prova de que eles iriam agir nesta noite, Will sentiu o pequeno desconforto no estomago normal que sempre aparecia antes de alguma ação, Halt sorriu para ele, nada que ele dissesse iria tornar o momento melhor:
    — Nervoso? — Halt perguntou:
 
   — Não — Will disse prontamente, logo ele reconsiderou — bem, talvez um pouco, estou um pouco tenso, sentar e esperar não ajuda.
 
   — É bom para se manter atento, apenas tolos não se sentem dessa maneira, isso irá mantê-lo na realidade, e não ficará super confiante.
 
   Will olhou para seu antigo mentor de forma curiosa, ele parecia calmo e imperturbado, mas então, ele sempre parecia dessa maneira quando algo importante iria acontecer:
 
   — E você Halt? Esta nervoso?
 
   A barba grisalha foi marcada por um pequeno sorriso:
 
   — Eu sinto como se houvesse uma pedra no meu estômago, e eu estou tentando digeri-la — ele falou. Will estava de boca aberta, Halt tinha descrito seu próprio sentimento de forma perfeita:
 
    — Eu nunca notei — ele falou balançado a cabeça devagar:
 
    — Eu aprendi a esconder — Halt o contou.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6
 
 
 
— ELES ESTÃO SE MOVENDO — DISSE HALT. Riscos de luz estavam começando a aparecer abaixo deles, manchas que rapidamente apareceram enquanto os moondarkers acendiam as tochas. Will e Halt podiam ver sombras se movendo enquanto mais e mais tochas eram acessas na abaixo. Will olhou para cima, a pequena lua estava totalmente acima e estava começando a descer, e em quinze minutos estaria escondida atrás da colina.
 
   Halt se moveu para um local onde teria uma vista clara do norte, ele contemplou firmemente o oceano nessa direção, procurando na escuridão, então deu um pequeno ruído e apontou:
 
   — Lá esta o navio — ele mostrou. Will se moveu para se juntar a ele, levantando seus olhos para procurar a luz que o mostraria que havia um barco se aproximando, ele balançou a cabeça:
 
   — Não consigo ver — ele murmurou. Halt levantou sua mão, com a palma para fora, seus dedos apontando para cima, devagar ele levantou seu dedo mínimo:
 
   — Veja bem ali, abaixo da península, do segundo para o ultimo? Vá três dedos para o lado e você o verá.
 
   Will levantou se próprio braço e mão, com um olho fechado, ele esticou três dedos, colocando seu dedo anelar contra a península como Halt havia lhe mostrado, então olhou para o lado esquerdo do seu dedo indicador, viu um minúsculo ponto de luz contra a escuridão do oceano:
 
   — Achei — ele falou, o sistema de dedos era apenas um pedaço das habilidades de um arqueiro, de um ponto de referência como a península, a pessoa poderia mostrar a outra exatamente para onde olhar, esticando e movendo os dedos. Quando um jovem aprendiz, Will tinha se surpreendido o quão eficiente o sistema era, mesmo com a diferença de tamanho e largura dos dedos.
 
   Halt estava vendo e direção e a força do vento:
 
   — Ele esta velejando contra o vento, esta soprando do sul, deve levar cerca de duas horas para poder ver o farol.
 
   — Está na hora de você ir — Will disse. Seu antigo mentor concordou:
 
   — Sim, melhor não gastar mais tempo, seria melhor descermos juntos, é melhor você ir em direção a península, quando ver o navio em alto mar, jogue a tintura no fogo.
 
   — Olhe — Will apontou para a península — há fogo no farol — havia uma pequena luminosidade visível do tripé, logo grandes línguas de fogo começaram a aparecer na
escuridão. O vento vindo do sul soprou as chamas para o lado, enquanto o fogo crescia, ele sugava mais oxigênio do ar, criando sua própria corrente de ar:
 
   — Faz sentido — Halt começou de repente — se conseguimos ver a luz do navio dessa distancia, eles logo poderão ver o farol, os moondarkers não querem uma luz aparecendo do nada, pareceria suspeito.
 
   Eles desceram a encosta para onde os cavalos estavam esperando, quando souberam que haveria ação nesta noite os dois arqueiros colocaram as selas nos animais logo após anoitecer, e os colocaram esperando logo abaixo do topo da colina. Logo quando a colina ficou menos íngreme eles montaram e cavalgaram pela curva da encosta.
 
   Halt e Will estavam quase no pé da montanha quando o arqueiro mais experiente encontrou uma trilha em direção ao sul, ele entrou nela e Will apareceu logo atrás:
 
   — Irei te deixar aqui, eu devo estar de volta em uma hora, lembre-se do seu papel.
 
   — Jogar a tintura no fogo — ele respondeu prontamente:
 
   — Certo, mas não jogue muito cedo, quero ter a chance de acabar com esses moondarkers, mas não se atrase também - não queremos o navio preso nos bancos de areia, conferiu se está com a tintura?
 
   Will tocou o pequeno saco logo acima do ombro:
 
   — Está aqui, não se preocupe.
 
   — Tudo bem, estou indo, te vejo em uma hora — com isso bateu os calcanhares em Abelard e cavalgou devagar em direção ao sul, após alguns segundos uma curva na trilha a escondeu da visão de Will, ele virou as rédeas de Puxão:
 
   — Vamos garoto, temos trabalho para fazer — ele seguiu a trilha ao pé da montanha, emergindo em uma clareira por entre as árvores, virando a esquerdo, em direção ao mar. Ele podia ver a luminosidade do fogo que representava a falsa cidade, a sua direita o falso farol queimou ferozmente um estranho e engraçado circulo de fogo, formado pelo sal do mar saturado no ar.
 
   Escondido pela linha de árvores ele guiou Puxão para a península em um trote lento. 
 
Eles chegaram ao local onde ela começava, diminuindo gradualmente o trote lento, por entre as árvores, até que Will parou seu animal e desceu da sela, o acariciando no focinho afetuosamente:
 
   — Você fica aqui garoto — o profundo e quase imperceptível ronco que Puxão fez mostrava que ele não estava feliz com a ideia — eu sei, eu sei, você prefere ir e me proteger, mas seria um pouco óbvio se eu fosse com você, são quase duzentos metros de campo aberto, não posso arriscar ser visto pelos moondarkers na praia.
 
   Eu posso ser bem discreto quando eu quero.
 
   — Eu admito isso, mas apenas me entenda, tudo bem?
 
   Eu sempre faço isso
 
Puxão parecia irritado, Will pensou, mas ele sempre parecia quando ele ia sem ele, o cavalo achava que seu dono não era capaz de cuidar de si mesmo, sem ele para protege-lo.
 
   Enquanto conversava com seu cavalo, Will havia observado o terreno aberto da península, havia rochas, alguns arbustos e duas ou três árvores, não muita proteção, mas suficiente. Ele observou o terreno abaixo novamente mais cuidadosamente, procurando por algum sinal dos bandidos que tinham as menores tochas, ele presumiu que os homens haviam voltado para se juntar aos companheiros, não tinha sinal deles, não havia motivo para ficarem no local. Will tinha visto a pilha de madeira que eles tinham recolhido e colocado na cesta de ferro, havia combustível para manter o farol por pelo menos duas horas, ironicamente ele pensou - ela não existirá mais nesse momento, de uma forma ou de outra:    — Fique aqui, eu tenho que me mover para que possa ver o navio quando ele estiver chegando.
 
   Eu estarei aqui se precisar de mim 
 
   — Eu farei isso — ele concordou, e se moveu cruzando a grama da península, com passos curtos e silenciosos de sombra em sombra, um observador normal teria perdido sinal dele em dez metros, Puxão era o que mais conhecia os movimentos do seu mestre, o observando facilmente, e balançou a cabeça aprovando.
 
   Eu posso vê-lo, mas duvido que alguém mais possa
 
   Havia uma árvore atrofiado a setenta metros do farol, ela havia sido deformada e torcida pelo constante vento do mar pelo seus vinte anos de vida, Will se moveu silenciosamente para sua sombra sentou em sua base, suas costas contra o encharcado tronco, ele se sentou sem movimento, com o capuz puxado, e se misturou com o fundo escuro:
 
   — Confie na capa — ele sussurrou para si mesmo, desse ponto ele podia ver a praia e as tochas e lanternas, o amarelo farol e o mar escuro na sua frente. Mais cedo nesta noite, com a fraca lua atrás, o mar havia se tornado em um brilho prateado, mas agora que a lua tinha ido embora, havia se tornado uma massa escura. Quando forçou seu ouvido, ele pode ouvir o barulho das ondas quebrando na orla, mesmo as condições do tempo estavam do lado dos moondarkers, ele pensou.
 
   Com um mar agitado haveria uma linha de espuma marcando a praia, com o tempo isso era inexistente. Will ficou parado e moveu seu olho para o norte, olhando devagar, dividindo o oceano em segmentos e procurando o que abrigava o navio. Finalmente ele o identificou, estava mais próximo da costa do que ele esperava, mas ainda em alto mar, estava quase no fim da viajem, o capitão estava provavelmente tentando cobrir a maior distância que ele podia antes de virar em direção a praia, no falso farol que provavelmente já poderia ser visto.
 
   Will observou o pequeno ponto luminoso se movendo para o sudoeste por dez minutos, parecendo parar e se perguntando o que estava acontecendo, logo ele retomou o movimento, porém dessa vez ele se movia para baixo, foi o ângulo que Will estava observando que fez parecer que o navio havia parado. Ele olhou ansioso para a praia, as tochas e as lanternas que marcavam a falsa cidade ainda esta estavam fortes, mas não havia sinal dos moondarkers, e de Halt.
 
   Ele olhou para o mar mais uma vez e ficou chocado pela distância que o navio havia percorrido, ele parecia estar terrivelmente próximo da costa, próximo suficientemente para Will poder ver o vapor de sal ao redor da luz principal, ele mudou rapidamente a posição dos pés, estava chegando a hora de agir. Mais uma vez ele olhou para a praia, mas não havia sinal de Halt, sem som de conflito no local, talvez o povo de Hambley havia se recusado a ajuda-lo, talvez eles o tenham feito prisioneiro, se fosse o caso a vida de Halt estava em grande perigo. Se chefe da cidade houvesse se recusado a ajudar, não poderia deixa-lo viver e os denunciar, por um momento ele lutou contra o desejo de correr de volta a Puxão e correr desesperadamente para a vila, para resgatar seu antigo mentor.
    Mas ele tinha um objetivo para cumprir, e estava ficando sem tempo. Ajeitou o arco em uma posição segura no ombro, e foi em direção ao farol. Ele se moveu agachado, se mantendo próximo ao chão, mas com uma boa velocidade, se camuflando com as sombras. Chegando perto, ele podia ouvir os estalos da madeira queimando, superado pelo som do próprio fogo.    No campo aberto da península, exposto a brisa do mar, o fogo gerava grandes chamas, jogando fitas de fogo no ar, e soltando faíscas alaranjadas na noite escura, mesmo estando a alguns metros de distância ele podia sentir o calor nas bochechas. Agora que estava próximo ao farol, tudo que ele podia ver era o circulo de luz que o englobava, ao redor era apenas escuridão, ele moveu o olhar do fogo para o mar, o navio estava mais próximo agora, sua mão tocou o pequeno saco, onde a tintura estava e começou a desembrulhar, quando notou movimento ao redor:
 
   — O que está fazendo com o fogo?
 
   Instintivamente ele se jogou para o lado, sentindo o vento do machado passando por ele, errando por centímetro.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
7
 
 
 
 
ELE RECUPEROU SEU EQUILÍBRIO E A FACA SAXÔNICA PARECEU SALTAR da bainha para sua mão.
 
Ele virou de forma que ficou de costas para o fogo e fez um balanço de seu atacante.
 
Grande, poderoso, e inesperadamente leve em seus passos. O homem acompanhou os movimentos de Will rapidamente, nunca perdendo o equilíbrio. E entre eles, sua cabeça se mexia de um lado para o outro, era uma lamina em um cabo longo, um machado de batalha de lâmina única.
 
Sem aviso, o homem balançou o machado assobiando em um arco mortal. Will saltou para trás, apenas evitando a enorme lâmina. Então, quando ele tentou se aproximar e ficar por dentro do alcance do machado, seu atacante reverteu o ataque com incrível velocidade, balançando a parte cega do machado para ele como uma pesada clava de metal ou um martelo de guerra, o fazendo saltar para fora do caminho mais uma vez. 
 
O segundo salto o levou para longe da fogueira. Ele pensou num ataque usando a faca saxônica, mas ele viu o quão rápido era seu adversário.
 
As chances eram de que ele desviasse a faca, ficando, Will, sem armas, além de sua pequena faca de arremessar. Arremessar a faca saxônica seria sua ultima opção, ele decidiu.
 
Ele se afastou, olhos na cabeça do machado conforme ela refletia as luzes da fogueira, brilhando amarelo. Ele teve que voltar para a baliza e jogar o corante nela. Mas seu constante movimento significava que o homem agora estava entre ele e o fogo.
 
Ele pensou em pegar sua faca de arremessar e usar as duas facas juntas. Então ele teve uma memória repentina de um tempo em Céltica, muitos anos antes, Quando Horace consultou Gilan sobre as táticas certas para usar contra um homem com um machado. — Eu não aconselho ninguém a enfrentar um machado de batalha com apenas duas facas — Gilan disse a ele. Will relembrou que essa sessão de treino acabou com Gilan sugerindo que talvez a melhor tática fosse pular de um penhasco. 
 
Pelo menos tem um deles por perto, ele pensou.
 
O homem inesperadamente atacou de novo, instintivamente, Will atirou a faca saxônica para aparar o golpe. Mas o balanço foi fraco e o homem, com incrível força no punho, girou o machado de volta e pegou a faca saxônica diretamente no meio da lamina. Houve um tinido e a força do golpe tirou a grande faca do aperto de Will, a enviando voando pelo penhasco, a luz do fogo cintilando enquanto girava.
 
No último momento, Will conseguiu evitar um acidente vascular cerebral com outro salto desesperado.
 Ele estava mais longe do que nunca do farol agora. Ele não tinha tempo para olhar e ver quão perto o navio podia estar. Esse homem era muito bom, muito rápido.
 
De alguma maneira, ele tinha que neutralizar esse machado, com um enorme alcance. 
 
Por um momento, ele pensou em chamar Puxão. Então ele parou. O longo machado era feito para soldados a pé usarem contra guerreiros cavaleiros montados e, mais especificamente, seus cavalos. Puxão viria correndo para salvar ele e a probabilidade era de que ele fosse morto ou mutilado por um golpe desse machado.
 
Uma ideia surgiu. Ele deslizou o arco longo de seu ombro, mantendo o em pé em sua  mão direita, abaixo da empunhadura. 
 
— Então está planejando atirar em mim? — O homem sorriu para ele. No minuto em que  Will alcançasse uma flecha, o machado iria o rasgar do ombro ao peito, e ambos sabiam disso.
 
Will se arrastou a sua esquerda, fazendo seu caminho de volta a fogueira. O homem o atacou varias vezes e Will dançou para fora de seu alcance em todas elas. Mas em cada ocasião, ele corrigia seu trajeto para se aproximar da fogueira.
 
Ele escorregou sua bolsa do outro ombro, segurando pela alça, balançando para trás e  para frente, ameaçando o homem do machado com isso. Os olhos do homem estreitaram cautelosamente conforme assistia.
 
Então Will virou isso sobre sua mão fazendo com que a alça batesse na beirada da fornalha e a bolsa começasse a pegar fogo. Esse era um movimento totalmente inesperado, e o homem, esperando que Will jogasse a bolsa em sua cabeça ou rosto como uma arma, não conseguiu parar seus olhos de seguir o movimento. Ele estava distraído não mais que uma fração de segundos, mais isso foi o suficiente. Will deu um passo adiante e jogou a ponta do arco na cabeça do machado, prendendo a arma num espaço estreito entre o arco e a corda esticada.
 
A corda era uma corda só no nome. Era um cordão forte criado para lidar com o peso de tração do arco longo. Will puxou o arco, arrastando o arco pra baixo. Seu oponente tentou puxar e soltar sua arma, e por um momento eles lutaram.  Will tinha o arco em sua mão direita, o que tornou estranho puxar sua faca de arremesso. Ele procurou em seu bolso e encontrou um striker, o trazendo para fora e fechando sua mão esquerda em volta do pesado latão.
 
O homem ainda empurrando e puxando o machado, girando ele com intenção de quebrar sua liberdade do tênue aperto do arco e corda. Will sabia que ele tinha apenas segundos para agir. A qualquer momento agora, o arco ou a corda iriam quebrar.
 
WHOOOOFFFF!
 
Uma imensa explosão surgiu na fornalha. Um pilar de chamas cegante, roxo vivo na cor, alcançou sete metros no ar.
 
— O que...? — O homem do machado jogou seu braço livre par acima num movimento instintivo para se proteger  da explosão repentina. Quando ele se virou em direção a fornalha em choque, sua mandíbula do lado direito ficou exposta e Will balançou o striker o mais forte que podia, um giro de braço nada sofisticado que bateu seu pulso reforçado na mandíbula do homem — num ponto onde os nervos são conectados ao cérebro. Will sentiu o aperto no machado de repente perdendo até cair das mãos do homem para a grama, arrastando junto arco. Um segundo depois, seu oponente acertou o chão, seus olhos girando em sua cabeça, seus membros soltos e seu corpo dobrando como uma boneca de pano. 
 Will cambaleou para longe da fogueira. Finos grãos de cinzas roxas caíram do noturno céu escuro e o cobriram. Protegendo seus olhos das chamas, ele olhou par ao mar. O navio tinha partido e estava ganhando distancia da praia, seguindo para águas seguras mais uma vez. 
 
E agora, pela primeira vez, ele ficou consciente das vozes gritando na praia e o tinido do encontro de armas. Ele virou e olhou. Havia uma grande multidão de homens visíveis á luz dos fogos e lanternas — muito mais que o numero original de moondarkers. Eles estavam lutando e combatendo uns aos outros, mas como ele percebeu, a luta cessou e era obvio que um grupo tinha ganhado vantagem na luta. 
 
Os outros iam sendo compelidos a sentarem na praia, suas mãos atrás da cabeça, sob guarda pesada. Will não ficou surpreso de ver uma familiar figura camuflada caminhando entre o grupo vitorioso, apontando e gritando ordens.
 
Ele se moveu até a figura inclinada do homem do machado, que estava começando a se mexer agora. Ele o rolou sobre seu estomago e rapidamente prendeu seus polegares atrás das costas com algemas de couro. Então ele caiu exausto na grama para esperar por Halt.
 
 
...
 
 
Eles voltaram cavalgando para casa alguns dias depois, Halt permitiu a si mesmo um dos seus raros sorrisos. O chefe dos moondarkers foi capturado, com o auxilio da cidade de Hambley. Dois dos sabotadores conseguiram escapar na confusão da praia, mas os outros quatorze estavam seguros. O mais importante, o alto homem barbudo, seu líder, era um dos prisioneiros.
 
Halt e Will os escoltaram, presos juntos com correntes e com as mãos algemadas, próximo a guarnição do castelo, onde o lorde local foi designado para achar um local para eles na masmorra.
 
Eles serão julgados no próximo distrito. Com o testemunho jurado de Will e Halt anotado  pela secretaria do lorde do castelo, não havia duvida de que eles seriam condenados. 
 
Apesar de tudo, foi um bom resultado. No entanto Halt notou que seu jovem amigo não parecia compartilhar de sua satisfação.
 
— Porque está com essa cara? — ele perguntou. Will virou para ele mal humorado. — Não comece. Eu já tive o suficiente de Puxão.
 
Eu digo isso melhor do que ele. 
 
— Mesmo assim — disse Halt, parecendo não notar a interrupção sobre Puxão — foi uma boa operação. Nós pegamos os moonwalkers, capturamos seu líder e salvamos um navio e sua tripulação. Você deveria estar feliz.
 
— Eu arruinei meu arco na luta — disse Will. — A parte de cima está arruinada, nunca mais vai atirar em linha reta novamente.
 
Halt sorriu. — Você sempre pode trocar o arco — ele disse. — Não posso dizer o mesmo da sua cabeça
 
— Era o meu arco favorito — Will disse. Halt levantou uma sobrancelha. — Bem, isso faz dele muito mais valioso que sua cabeça, eu suponho.
 Will suspirou. — Eu suponho que você esteja certo — ele disse. — Eu sempre posso fazer outro arco. Mas tem mais uma coisa...
 
Ele parou e Halt virou em sua direção, franzindo o cenho, imaginando o que havia em sua cabeça. Ele notou que desde a luta com o homem do machado no penhasco seu jovem amigo tinha perdido um pouco da sua normal exuberância.  Will disse pouco sobre o confronto e Halt imaginou que foi pior do que ele deixou parecer. Talvez a luta tenha abalado sua confiança, ele pensou.
 
— Mais uma coisa? — ele perguntou. Se Will estava tendo uma reação a luta contra o moonwalker, seria melhor para ele colocar pra fora que manter preso dentro dele.
 
— Eu esqueci... — Will disse miseravelmente. — Quando eu joguei minha bolsa no fogo, eu esqueci que meu discurso estava lá.
 
Halt levou alguns segundos para reconhecer a grande importância da tragédia. Então ele falou muito deliberadamente.
 
— Você jogou sua bolsa no fogo? — ele disse. Will concordou com a cabeça, deprimido. — Sim
 
— E... eu estou certo em assumir que aquela era a única cópia do discurso?
 
— Sim.
 
Uma longa pausa. Então: — Você fez algumas notas, não fez?
 
— Bem, sim. Eu fiz. Muitas delas, na verdade.
 
— Ah, eu vejo.
 
— Mas... elas estavam na bolsa também.— Will balançou sua cabeça e virou para Halt. 
 
— Halt, era um discurso tão bom! Eu vim trabalhando nele por semanas, você sabe.
 
— Eu sei — disse Halt. Ele estava se esforçando muito para manter a voz descompromissada.
 
Eles cavalgaram em silencio por vários minutos. Então, experimentalmente, Halt abriu o assunto mais uma vez.
 
— Existe alguma chance de você se lembrar de alguma coisa? — ele perguntou. Will balançou sua cabeça. — Nenhuma palavra. Eu venho tentando desde então. Mas eu não consigo me lembrar de nenhuma palavra.
 
 — Você sabe, Will, um grande discurso costuma ser bastante memorável — Halt disse cuidadosamente. Ele estava em terreno delicado aqui. Antes, ele já havia discutido o discurso com Will, e Pauline o repreendera por sua falta de sensitividade. 
 
— Eu suponho que sim — Will concordou.
 
— Então, o fato de você não lembrar nenhuma palavra do discurso não diz nada a você? Will franziu a testa. Esse pensamento não tinha ocorrido a ele e ele não sabia se importava de examiná-lo.
 
— Você está dizendo que talvez não fosse um grande discurso?
 
— Não, você está dizendo isso. Deixe colocar de outra maneira. Para quem é esse discurso? — Isso não foi gramatical, mas Halt tinha o hábito de ignorar a boa gramatica pela concisão e clareza.
 
— Quem? Bem, é para....
 
 
Mas antes que ele respondesse, Halt o interrompeu. — É para o Rei, para o Barão, ou as centenas de convidados que sem duvida estarão presentes?
 
— Não.
 
— É para algum historiador do futuro, folheando os registros e encontrar uma conta do casamento?
 
— Não.
 
— Então pra quem?
 
Will se mexeu desconfortavelmente em sua sela. Ele podia ver onde Halt queria chegar. 
 
— Eu suponho que seja para Horace e Evanlyn.
 
— Você supõe?
 
— Eu sei. É para Horace e Evanlyn. — Havia um tom de certeza em sua voz. Halt concordou com a cabeça. — E o que você quer dizer a eles?
 
— Eu não sei... eu suponho que eu queira dizer isso... eu amo os dois. Eles são dois dos meus amigos mais antigos e queridos. Por isso eu não consigo pensar numa combinação mais perfeita do que eles dois.
 
— Porque não?
 
— Porque ambos são bravos e leais e totalmente honestos. Eles são simplesmente perfeitamente adequados um ao outro. Ela é brilhante, cheia de vida e engraçada. Ele é firme e totalmente confiável. E é engraçado do seu próprio jeito. Eu confiaria minha vida aos dois sem qualquer hesitação. Eu já fiz isso no passado.
 
Ele parou, pensando, ouvindo suas próprias palavras e seus verdadeiros pensamentos pela primeira vez, livre de quaisquer enfeites e frases exageradas.
 
— Mais alguma coisa?
 
— Eu não sei... Sim. Mais uma coisa. Eu quero que eles saibam que sempre que precisarem de mim, se eles precisarem me chamar, eu estarei lá, não importa o que seja.
 
— Isso é o que você quer dizer? — Halt perguntou.
 
Will parou, e então concordou. — Sim — ele disse. Definitivamente havia um senso de propósito sobre ele agora, Halt estava feliz em ver isso.
 
— E você acha que é isso que eles querem ouvir?
 
— Sim. Sim, eu acho.
 
Halt puxou as rédeas e Will fez Puxão parar ao seu lado. Eles deram meia volta na sela, se olhando, e Halt estendeu as mãos e levantou as sobrancelhas.
 
— Muito bem, Will, isso é tudo que você precisa dizer.
 
Devagar, um sorriso magoado se abriu no rosto de Will
 
— Esse discurso que eu escrevi — ele disse. — Era muito ruim, não era?
 
— Era terrível — Halt disse, então ele não pôde resistir em adicionar — e eu posso dizer isso com o coração sobejando.
 
Will estremeceu quando a memória da frase voltou pra ele.
 
— Eu realmente escrevi isso — ele disse.
 
Halt confirmou com a cabeça. — Oh sim. Você escreveu isso.
 
Ele estalou a língua e Puxão começou a trotar pela estrada de novo. Halt pediu a Abelard que os seguissem. Ele o alcançou e eles cavalgaram lado a lado por centenas de metros em silencio mais uma vez.
 
Então Halt disse interrogativamente, — Eu não sabia que seu discurso estava na mochila. Mas isso não explica sobre uma coisa que eu venho pensado... — Ele deixou a questão suspensa, inacabada, então Will teve que fazer a pergunta.
 
— E o que foi?
 
— Porque as chamas viraram roxas. Não era a tinta. Era o discurso.
 
— E eu suponho que você vai contar a todos sobre isso, não vai?— Will perguntou. Halt virou um sorriso inocente para ele.
 
— É claro que vou — ele disse.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
JANTAR PARA CINCO
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 
 
 
PARA O QUE DEVE TER SIDO A DÉCIMA VEZ EM OUTROS TANTOS minutos, Jenny olhou ao redor do interior de seu restaurante. Tudo parecia estar em ordem. As mesas estavam cuidadosamente posicionadas, as cadeiras dispostas em torno delas em perfeita simetria. Cada mesa estava posta com um vermelho-e-branco-checked pano e os utensílios de cozinha brilhavam em seus lugares. Ela caminhou rapidamente entre as mesas, verificando quais facas e garfos estavam do lado correto de as configurações. 
 
Seu chefe dos garçons, Rafe, pairou ansiosamente atrás dela. Rafe era um bom trabalhador e um funcionário leal. Ele era bem intencionado, alegre e honesto. Na verdade, ele era tudo o que Jenny poderia esperar em um chefe de garçom. 
 
Exceto por uma falha. Rafe teve uma infeliz tendência em confundir a sua mão esquerda com a direita. Isto significa que, ao longo do tempo, seus talheres configurações ficava invertida e, para uma perfeccionista como Jenny, isso era uma fonte de irritação extrema.
 
Algum tempo atrás, Will tinha meio que resolvido o problema. Ele tinha apontado para Rafe que uma faca era como uma espada pequena e por isso deve ser usado com a mão direita, ou a mão da espada. Este mnemônico simples tinha sido notavelmente eficaz. Por algumas semanas depois, Rafe podia ser visto pondo as mesas, de tempos a tempo fazendo um golpe de espada simulado para estabelecer qual lado era qual e de qual lado ficavam às facas.
 
Mas, ocasionalmente, Jenny percebeu, ele tornou-se confiante e colocou as facas e garfos onde o instinto lhe disse que eles devem ficar. Quando isso acontecia, ele misteriosamente inverteu suas posições sobre as mesas e o temperamento de Jenny, sempre próximo ao ponto de ebulição, explodiria.
 
Sua amiga Alyss, com o olho de um diplomata para o compromisso, tinha sugerido que ela poderia resolver o problema simplesmente dobrando o garfo e a faca juntos no guardanapo e colocando o pacote enrolado no centro da mesa. Mas Jenny era teimoso.
 
— A direita é direita e esquerda que resta — disse ela. — Por que ele não pode saber disso?
 
Ela sentiu Rafe atrás dela enquanto ela verificou o restaurante. Com o canto do olho, ela podia ver que sua mão direita estava descrevendo pequenos movimentos de estocadas como golpes de espada incipientes que ele fazia para testar o posicionamento de cada configuração. Como ela verificou a última mesa, ela se virou para ele e balançou a cabeça.
 
— Está tudo bem, Rafe. Bom trabalho. — Ela viu seus ombros descerem de alívio e um sorriso radiante sair em seu rosto, aberto e honesto.
 
— Obrigad’, Senhora Jenny. Eu faço o meu melhor para vo... Vo...
 
— Eu sei, Rafe — disse ela. Ela bateu a mão e, por um momento lamentou o número de vezes que ela tinha acertado ele na cabeça com uma colher de pau quando ele falhou em viver de acordo com seus padrões elevados. Mas só por um momento.
 
Ele a seguiu agora para a cozinha, onde seu chefe assistente trabalhava duro em cortar e fatiar em preparação para a refeição da noite. Assistentes de cozinha corriam para lá e para cá, trazendo mais comida da despensa para o cozinheiro preparar e polindo travessas e panelas até que eles brilharam.
 
Com a aparência de Jenny, o ritmo na cozinha aumentou visivelmente.
 
Rafe podia se dar ao luxo de ser mais otimista sobre esta parte da inspeção. Se havia algo de errado na cozinha, ele não poderia ser responsabilizado por isso. Jenny lançou um olhar profissional ao redor da sala. Para um pouco de decepção de Rafe, não parecia haver nada de errado. Ele teria gostado de ver alguém outra pessoa sofrer o impacto das cacetadas da colher de pau de Jenny na parte de trás de sua cabeça. Ela apontou para uma fileira de patos espetados em uma haste de metal comprida, suas peles brilhando com o óleo aromático e sabor que tinha sido esfregado sobre eles.
 
— Os patos não podem ficar no fogo mais do que até quatro horas — disse o chef assistente.
 
A mulher olhou para cima, soprou um fio de cabelo fora de seus olhos e acenou com a cabeça. — Sim, Senhora Jenny
 
— E certifique-se que Norman os vire regularmente. Devem cozinhar uniformemente.
 
— Sim, senhora. Norman? Você ouviu a senhora? — Ela chamou um dos assistentes de cozinha jovem, que atualmente estava trazendo uma cesta de batatas do armário vegetal.
 
— Sim, senhorita Ailsa. Sim, senhora Jenny. Vou vira-los regular. Não tenha medo. Jenny assentiu. Os patos seriam colocados com seus espetos sobre a grande lareira na sala de jantar. Eles seriam virados regularmente, de modo que a pele assasse uniformemente e encrespado para um marrom dourado. A gordura gotejando sobre as brasas iria chiar e assobiar e encher a sala com seu odor delicioso, criando uma verdadeira atmosfera de dar água na boca. Jenny tinha aprendido com Mestre Chubb, seu mentor, que havia certa quantidade de espetáculo necessário num bom restaurante. 
 
Havia apenas seis patos, mas o seu efeito sobre o ambiente que superam em muito o seu número relativamente pequeno.
 
— Muito bem — Jenny lançou mais uma olhada ao redor, tentando encontrar algo fora do lugar, algo que precisava de correção e não conseguiu. Sua equipe olhou ansiosamente. 
 
Esta seria a primeira vez em muitos meses que Jenny não tinha supervisionado as operações na cozinha do restaurante. Ela era algo como uma mãe de primeira viagem deixar o seu bebê sob os cuidados de outras pessoas pela primeira vez.
 
Seria necessária uma circunstância muito especial para que Jenny confiasse seu restaurante neles dessa forma. Ambos, Rafe e Ailsa, sabiam disso. E esta era uma ocasião especial. Hoje à noite, ela estava cozinhando um jantar romântico para dois em sua casa de campo de um convidado especial.
 
Um convidado muito especial.
 
Hoje à noite, o belo, jovem Arqueiro Gilan estava vindo para jantar.
 
Resolutamente, Jenny virou as costas para o restaurante e se dirigiu até a rua da Vila
Wensley. Parecia não natural para ela não estar na cozinha nesta hora do dia, preparando-se para o serviço de jantar à noite. Mas ela tinha deixado Ailsa e Rafe responsáveis e tinha que confiar que ela havia os treinado bem.
 
— Depois de tudo, eu tenho que ter um tempo de folga ocasionalmente — ela murmurou, resistindo à tentação quase irresistível de correr para trás e ver quais desastres haviam ocorrido nos dois minutos e meio desde que ela tinha saído.
 
Ela entrou na tenda do açougueiro, no meio da rua. Edward, o açougueiro, olhou para cima e sorriu ao vê-la. Jenny era uma excelente cliente, é claro, comprava grandes quantidades de produto para o seu restaurante. E acima disso, ela foi extremamente bonita. Apenas o tipo de jovem que açougueiros em todo o mundo gostariam de flertar.
 
— Ah senhora, Jenny. Parecendo mais bela do que nunca! — Ele cresceu.— Você trouxe uma luz de rara beleza em minha loja pouco dim.
 
Jenny revirou os olhos para ele. — Eu vejo que você tem um excedente de hoje disponível tripe, Edward.
 
Ele riu, imperturbável. — Ah, tenha paciência comigo, Jenny. Há poucos tão bonita como você que vem aqui em um dia e você deve saber. Você é um deleite raro para estes pobres olhos velhos.
 
Edward tinha apenas trinta e cinco anos. Mas é uma característica infalível de açougueiros para se comportar como se cada cliente é muito, muito mais jovem do que eles. Com as mais maduras donas de casa, era provavelmente uma boa tática, pensou Jenny.
 
— Meu pedido está pronto? — ela perguntou. Ela gostava da calorosa, atmosfera bemhumorada de o açougue, mas hoje ela estava com pressa. Edward virou-se para seu aprendiz, que estava observando sua conversa com um sorriso no rosto.
 
— Dilbert, busque o pedido da senhorita Jenny. — Edward disse, e acrescentou — d-na yrruh tuoba ti6.
 
Jenny sorriu para si mesma. Era outra peculiaridade do comércio do açougueiro que aprendeu a falar na linguagem dos açougueiros, em que as palavras foram pronunciadas de trás para frente. Isso permitia aos açougueiros terem conversas privadas, mesmo quando sua loja estava cheia de clientes. Muitas vezes, as observações passadas eram sobre os próprios clientes, embora nunca os clientes tivessem a menor ideia do que estava sendo dito. Edward estava, obviamente, deixava Dilbert obter alguma prática nesta língua estranha, dizendo: “E se apresse com isso”.
 
 
6 - d-na yrruh tuoba ti é a expressão "And hurry about it", que significa "E se apresse com isso." Jenny tinha descoberto esse estranho fenômeno há algum tempo e tinha praticado secretamente falar de trás para frente sozinha. Agora, ela sorriu enquanto Dilbert partiu para outra sala.
 
 
 
 
 
 
 
 
— I epoh s’ti a ecin gel fo b-mal — disse ela docemente, e tanto o açougueiro e quanto seu aprendiz deixaram seus queixos caírem quando ela lhes disse que ela esperava que fosse uma boa perna de cordeiro. Edward apressadamente procurou em sua memória, tentando lembrar se já tinha dito nada depreciativo sobre Jenny na linguagem dos
açougueiros. Ele pensava que não, mas ele não podia ter certeza. Sentindo a sua preocupação, ela sorriu para ele.
 
— Você nunca vai saber — disse ela e ele rapidamente desviou o olhar dela e voltou a cortar uma alcatra de carne em bifes grossos.
 
Dilbert retornou, carregando uma perna de carneiro e colocou-o sobre o balcão para inspeção de Jenny. Era uma parte principal de carne, o seu frescor confirmado pela brancura da gordura brilhando nas bordas. Jenny olhou-o criticamente, uma carranca leve no rosto. Ele nunca iria deixar Edward saber que ela estava muito satisfeito com o seu produto. Ela cutucou a perna, sentindo a resistência leve na carne, em seguida, bateu com a palma da mão, criando uma retumbante palmada. Ela assentiu com a cabeça, satisfeito com o som. Se perguntado, ela não encontraria palavras para explicar por que ela invariavelmente testou um pedaço de carne o golpeando. Isso era apenas parte de um ritual que ela tinha desenvolvido ao longo dos anos.
 
— Isso está bom, Edward. Enrole-a para mim, por favor.
 
Edward acenou para Dilbert e o menino produziu um comprimento de musselina limpa e passou a envolvê-la em torno da perna de cordeiro. Enquanto ele fazia isso, Edward olhou maliciosamente para Jenny.
 
— Não é muito para apenas duas pessoas, não é? — Perguntou.
 
Jenny balançou a cabeça. Ela tinha pensado que seu jantar com Gilan era um assunto privado, embora ela devesse saber que era impossível manter um segredo na vila. Mas Edward estava certo. A perna estava um pouco grande para apenas ela e Gilan.
 
Ela estimou que tivesse perto de três quilos de peso. Mas o que sobrou iria para o bom uso.
 
— Tudo o que não comer, eu vou dar para os órfãos da Ala — disse ele. Edward levantou as sobrancelhas. —Órfãos sortudos. — disse ele. Ele sabia qual a reputação de Jenny como cozinheira.
 
Jenny colocou a perna envolta em sua cesta.
 
— Obrigado, Edward — disse ela. —É um bom pedaço de carne. Vou tentar fazer justiça.  Ela sorriu, incluindo Dilbert em seus agradecimentos e deixou a loja.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2
 
 
 
 
OS TRÊS HOMENS FICARAM OLHANDO O VILAREJO E particularmente a oficina e a casa do aurifice, desde a última semana. Agora, Tomas decidiu que era hora de agir. Ele apontou o polegar em direção á oficina, que tinha a porta da frente da casa de ferro reforçado e falou com o canto da boca para Nuttal.
 
— Certo, vamos indo.
 
Nuttal era o menor dos três, um homem magro, que lembra um furão em suas características e tendência para fazer movimentos nervosos repentinos. Foi a sua pequena estatura que o fez ser escolhido por Tomas para a tarefa, dos três ele era o menos ameaçador.
 
Nuttal caminhou pela grande rua até a casa de Ambrose, olhando nervoso para os lados. Tomas o deixou chegar na metade do caminho, então cutucou Mound nas costelas.
 
 — Certo, vamos!
 
 Eles caminharam apressadamente através da rua, virando em direção ao lado da casa. Eles viram Nuttal chegar à porta da frente e pegar de dentro de sua jaqueta uma pequena bolsa de couro embrulhada. Então eles correram pelo caminho estreito até a pequena janela que tinham notado alguns dias antes.
 
...
 
 Ambrose, o aurifice e joalheiro do vilarejo Wensley, estava preparando seu trabalho da tarde. Ele era uma pessoa que tinha hábitos e certas rotinas que seguia todos os dias.
 
 De manhã, ele trabalha em sua mesa, checando notas de fornecedores e contas para clientes. Então ele iria trabalhar em projetos para suas jóias, anotando novas idéias em um fino papel com um estilete de grafite afiado.
 
 Ao meio-dia, ele deixava a papelada em ordem sobre a mesa de trabalho cheia que servia como uma escrivaninha. Ele levantava, saia de casa - calmamente, tendo a certeza que tanto a frente, quanto os fundos da casa estavam trancados e seguros - e caminhava até a taverna do vilarejo. Lá ele almoçava.
 
 Assim como em tudo, esta era uma questão de hábito. Picles, queijo saboroso e pão fresco, acompanhado de meia caneca de cerveja. Em seguida, depois de uma breve conversa com qualquer outro cliente que estivesse na taberna, ele retornava para casa. Pronto para começar seu real trabalho - a criação e reparo das jóias de prata.
 
 Hoje, como fazia todo dia, ele teve o cuidado de trancar a porta da frente e seguiu para a cozinha, onde se ajoelhou na frente da lareira e escolheu uma pedra em particular. Ela era marcada aparentemente por duas arranhões aleatórios - muitas pedras tinham cortes, porém as dessa pedra em particular não teriam significado para ninguém, mas quando Ambrose colocava sua faca cega, na abertura entre a pedra e o espaço ao seu lado, ele era capaz de levantá-la facilmente de sua posição revelando uma pequena
abertura. Ele retirou uma grande chave de ferro, se levantou e foi para seu escritório. Ele substituiu a pedra quando retirou a chave em seu esconderijo.  Ao lado da mesa de trabalho estava um grande e formidável cofre. Tinha um metro e meio de altura e um metro de largura, dentro dele, Ambrose pegou seu suprimento de matérias-prima - barras de prata e pedras preciosas. Alguns dias, quando ele estava muito ocupado, com um acúmulo de peças para fazer, ele poderia ficar com uma pequena fortuna de prata e jóias guardada nesse cofre. Hoje não era um desses dias, mas ele tinha uma quantidade considerável de material precioso no cofre.
 
 O joalheiro estava trancando o cofre quando ouviu alguém batendo na porta da frente.
 
 Ele tirou a chave e hesitou por um segundo ou dois, perguntando se deveria guardá-la em seu esconderijo. Bateram novamente e ele tomou uma decisão. 
 
Levantando de perto do cofre, guardou a chave no bolso lateral de couro, da longa roupa de trabalho que usava e fez seu caminho pela casa até a porta.
 
 Quem estava lá começou a bater novamente - mais forte e mais alto dessa vez.
 
 — Está bem! Estou indo! Estou indo!
 
 Ele chegou à porta, mas ao invés de simplesmente abri-la, tirou a proteção do pequeno olho mágico no topo da porta, articulado por dentro, permitindo que ele olhasse através de uma abertura retangular, que era limitada por duas barras de ferro na madeira.
 
 Tinha um homem pequeno e de aparência um tanto suja em pé do lado de fora da porta, mudando nervosamente o peso de um pé para o outro, ele segurava um pequeno saco de couro nas mãos.
 
 — O que você quer? — Perguntou Ambrose de mau humor. Charme e gentileza não eram suas virtudes. O pequeno homem olhou para cima e viu Ambrose o encarando, seus olhos enquadrados na pequena abertura. Ele levantou o saco de couro até a abertura.
 
 — É o que colar de minha mãe, está vendo?
 
 Ambrose franziu a testa — Não estou vendo nada que se pareça com um colar. 
 
 — Ah, sim. — O homem rapidamente desamarrou o cadarço do saco, derrubando seu conteúdo na palma da mão esquerda, então ele levantou até o olho mágico para Ambrose poder inspecionar — Viu? O fecho e um dos elos estão quebrados. Eu tenho que consertá-lo.
 
 Ambrose olhou de rabo de olho para a peça.
 
 — Traga-o mais perto — Ele mandou e Nuttal obedeceu. Era uma bela peça, Ambrose reparou. Uma excelente peça na verdade. Era feita de elos fortes de prata. Com uma filigrana de prata de pingente e ele podia ver onde o elo e o fecho estavam quebrados. Ele não tinha idéia que o colar foi quebrado quando Tomas o arrancou do pescoço de uma nobre senhora no sul do feudo, na semana anterior.
 
 O fato foi que aquela cara peça o fez abaixar um pouco a guarda. Ele era normalmente um homem cauteloso. O que era de se esperar, considerando seu trabalho. 
 
Ladrões não tinham o hábito de trazer jóias caras até ele. Mas ainda assim, o homem na porta era um estranho.
 
 — Quem é você? Não o conheço — Ambrose perguntou.
  O pequeno homem deu de ombros, desculpando-se, como se isso fosse alguma forma de desculpa.
 
 — Trabalho no castelo — Ele disse. — No depósito de armas. Senhor Gilbert me disse para trazer o colar para você. Disse que você poderia consertá-lo — Fazia sentido. Havia mais de cem pessoas trabalhando no castelo e Ambrose certamente não conhecia todas, entretanto, ele conhecia o Senhor Gilbert. Eles trabalharam juntos em diversas ocasiões quando Ambrose fazia decorações de prata e tirando pedaços de armaduras e espadas de punho. Ele tirou a barra de ferro que trancava a porta por dentro.
 
 — É melhor você entrar — Ele disse. — Eu irei dar uma olhada...
 
 Ele virou-se quando ouviu um barulho de madeira quebrando no interior da casa. Enquanto fazia isso, Nuttal colocou o ombro sobre porta destrancando-a e se jogou para dentro, mandando o aurifice de cabelo grisalho para o chão do corredor, Nuttal o seguiu rapidamente, fechando a porta atrás de si.
 
 Ambrose conseguiu ficar de pé, com os olhos fixados no pesado taco de madeira em cima da prateleira do lado de dentro da porta. Nuttal o empurrou para trás novamente, o distanciando da arma e mandando-o para os braços de Mound. Quem acabou de entrar pela porta dos fundos junto com Tomas.
 
 Mound era um homem grande e musculoso, e agarrou o aurifice em um abraço de urso, prendendo seus braços. Ambrose abriu a boca para pedir ajuda
 
 — Socorro! — Ele gritou —Estou sendo...
 
 Ele não tinha mais chances. Tomas deu um passo para frente e colocou uma bola de pano amassado na boca do artesão o amordaçando, impedindo qualquer grito e reduzindo sua voz a um sussurro quase inaudível.
 
 — Cale a boca! — Tomas ordenou, embora a isso não fosse necessário. Ele colocou a mão sobre o pano na boca de Ambrose para ter certeza de que ele não podia cuspi-lo. Os olhos de Ambrose subiram da mão de Tomas para olhar para ele, eles estavam arregalados de medo.
 
 — Mantenha-o nesse lugar — Tomas ordenou a Mound, e o grande homem rapidamente mudou o jeito de prender Ambrose, segurando-o agora com o braço esquerdo ao redor do pescoço, enquanto o braço direito segurava a mordaça no lugar.
 
 Tomas deu um passo para trás, estava ofegante pela tensão do momento. Ele olhou rapidamente para Nuttal. Os olhos do pequeno homem estavam arregalados demais, como se fosse ele que estivesse prestes a ser assaltado. Ele estava mais para um rato nervoso do que um homem, Tomas pensou. Ainda assim, foi o jeito de não deixar que seu plano fracassasse.
 
— Bom trabalho Nuttal. — Ele disse
 
 Nuttal balançou a cabeça várias vezes — Ele se apaixonou por isso — Disse prazerosamente. — Perdeu por causa dessa beleza. — Ele levou a corrente até Ambrose, segurando em frente ao seu olhar, olhos irritados — Concerte meu colar, por favor? Minha mãe vai ficar tão feliz! — Nuttal debochou, depois caiu na gargalhada  — Tira isso dai — Tomas disse furioso. Então olhou para Ambrose. — Certo, você, nós vamos dar uma olhada no seu cofre.
 
 Ele viu um brilho de desespero nos olhos do joalheiro, rapidamente mascarado. Ele gesticulou para Mound e eles arrastaram o aurifice até seu escritório. Eles pararam quando viram que a porta do cofre estava fechada.
 — Explodam isso — Tomas disse — Você bateu muito rápido! Deveria ter esperado ele abri-lo — Ele resmungou para Nuttal, mas o pequeno homem deu de ombros.
 
 — Como eu poderia saber? Eu não podia vê-lo! Eu não sabia, eu te falei...
 
 — Cale a boca! — Mound disse lhe. Então ele virou para Tomas — É provável que ele tenha trancado o cofre antes de sair para atender a porta.
 
 Tomas parou, então balançou a cabeça, relutante, concordando que o que seu parceiro tinha dito fazia sentido.
 
 — Então ele deve estar com a chave — Ele disse — Onde ela está?
 
 A pergunta foi destinada a Ambrose, apesar dele não poder responder por causa da bola de couro que continuava na sua boca, porém mais uma vez, Tomas viu um brilho de desespero nos olhos do joalheiro. Havia uma chave, ele percebeu. E ela deveria estar em algum lugar por ali. Ele procurou pelo escritório, então caminhou para a mesa, jogando as pilhas de papel para fora da mesa.
 
 Ele olhou para Nuttal — Cheque a cozinha — Ele disse. — Veja se acha outras chaves.
 
 O pequeno homem foi para a cozinha, procurando por chaves penduradas em qualquer lugar. Normalmente as pessoas penduravam as chaves ao lado da lareira e do fogão, mas não tinha nenhuma nesses lugares. Então ele viu a pedra deslocada no chão e uma pequena entrada preta atrás dela.
 
 — Aqui! — Ele chamou. — Aqui está onde ele esconde a chave!
 
 Ele se ajoelhou enquanto os outros entravam, arrastando um Ambrose relutante com eles. Ele vasculhou o redor do buraco no chão, mas levantou os olhos frustrados, só achou espaço vazio.
 
 — Não tem nada aqui — Ele disse. — Está vazio.
 
 Tomas agarrou a roupa de couro de Ambrose e o puxou até que seus rostos ficassem apenas alguns centímetros de distancia.
 
 — Onde ela está? — Ele perguntou, sacudindo o joalheiro, sua cabeça indo para trás e para frente, — Onde você escondeu?
 
 Mound tirou a mordaça da boca do Ambrose. O joalheiro respirou fundo e tentou pedir ajuda
 
 — Socorro! — Ele começou, —Estou sendo...
 
 O punho de Tomas acertou seu estomago, transformando sua respiração em suspiro. O aurifice dobrou pra frente, ofegante, gemendo de dor.
 
 — Pare com essa choradeira! — Ele ordenou grosseiramente — Ou eu irei cortar sua língua fora. Agora, onde está a chave?
 
 Mas Ambrose preso fechou a boca e balançou a cabeça repetidamente. Tomas deu tapas nele várias vezes, fazendo sua cabeça ir de um lado para o outro. Mas Ambrose continuava em silêncio absoluto.
 
 — Talvez ele esteja com ela — Mound sugeriu. Ele sentia que Tomas estava quase perdendo o controle. Sua raiva muitas vezes o fazia perder completamente a razão.
 
 Tomas olhou pra ele, considerando a declaração brevemente. Ele empurrou o joalheiro para Mound, agarrando seu colete.
 
 — Procure nele — Tomas disse calmamente. Enquanto ele dizia as palavras, Ambrose ficou momentaneamente inseguro, tentando ir para a forja. Mound segurou seu braço e o puxou para trás. A tentativa de fuga só serviu para convencê-lo de que estava certo. A chave estava com Ambrose.
 
 Ele a achou quase imediatamente. O bolso lateral de couro era um dos dois lugares óbvios para procurar a chave grande e pesada. Tomas a tirou do bolso e a levantou triunfante.
 
 — Bem, o que você acha que é isso? — Ele perguntou, sorrindo. As tentativas frenéticas de Ambrose para se libertar só serviu para confirmar o que ele suspeitava. Essa era a chave.
 
 Tomas inseriu a chave na fechadura do cofre. Segundos depois, a pesada porta abriu em dobradiças bem lubrificadas. Dentro, barras de prata e pedras preciosas brilhavam e davam as boas-vindas.  Os três ladrões suspiraram de satisfação. O cofre não estava cheio como ele deveria estar - Ambrose tinha feito e vendido muitas jóias nos últimos dias - mas ali ainda tinha fortuna suficiente pra eles viverem confortáveis durante alguns meses.
 
 Ambrose gemeu. Silenciosamente ele se amaldiçoou por ter sido tão estúpido e descuidado. Ele deveria ter retornado a chave para seu esconderijo em baixo da pedra. Agora ele iria perder centenas, se não milhares de royals' em prata e pedras preciosas. E ele não parava de se culpar.
 
 Nuttal chegou a frente com um grande saco de lona e os bandidos começaram a tirar a prata e as jóias do cofre e colocá-las dentro do saco, Mound hesitou quando pegou uma bandeja de madeira com peças acabadas - colares, anéis e broches que Ambrose tinham feito.
 
 — E o que fazemos com isso? — Ele perguntou.
 
 Mas Tomas balançou sua cabeça.
 
 — Muito reconhecível. Ele deve ter desenhos deles em algum lugar por aqui. Se nós formos pegos com um desses, veremos o interior da cadeia do castelo Redmont antes que possamos piscar. Pegue apenas as barras e as pedras soltas. Elas não podem ser reconhecidas.
 
 A atenção deles foi afastada pelo tesouro dentro do cofre - tesouro que estava sendo rapidamente transferido para dentro do saco. Ambrose deu um passo furtivo para a porta de entrada. Nenhum dos três notou. Ele deu outro passo e nessa hora, a cabeça de Tomas virou para o lado.
 
 — Segura ele, você! — Ele disse com raiva.
 
 Mound foi em direção ao joalheiro e segurou seu braço
 
 — Amarre-o. — Tomas ordenou. Nuttal rapidamente obedeceu, pegando um pedaço de corda abaixo de seu colete. Ambrose, com os braços presos atrás dele, foi sendo empurrado para uma madeira.
 
 — Não sei por que não batemos na cabeça dele e acabamos logo com ele. — Mound resmungou baixinho, então retornou ao cofre.
 
 Tomas se inclinou para ele e falou baixinho, num tom inaudível para o aurifice. — Nós precisamos dele para mandar o pelotão de soldados para a direção errada, lembra? 
 
— Ele viu uma expressão de compreensão na face de Mound, enquanto ele se lembrava desse detalhe do plano e eles notaram a importância de cada ordem. Então Tomas levantou de sua posição, ajoelhado em frente ao cofre e continuou em voz alta, — Muito bem! Nós terminamos aqui, rapazes. Vamos pegar a estrada para Ford Stilles! Com sorte nós deveremos chegar lá antes do anoitecer.
 
 Eles pararam apensar para trocar a mordaça da boca de Ambrose e amarras seus tornozelos juntos também. Sob a tensão do momento, o joalheiro não percebeu que seus tornozelos foram amarrados apenas levemente - muito mais leve que seus braços. Rindo de si mesmo, o trio saiu pela porta em direção da forja, então viraram para o caminho lateral para a estrada.
 
 Eles pararam, checando para que ninguém das redondezas tivesse notado eles saindo do beco e indo para a estrada alta. Eles atravessaram para o outro lado e rapidamente para o sul, passando através da periferia do vilarejo. No caminho, eles encontraram muitos aldeões, que olharam para eles com certa curiosidade. Eles eram estranhos, mas isso não era incomum em Wensley. O vilarejo estava situado perto do Castelo Redmont e como resultado, visitantes com frequência iam e vinham.
 
 Eles deixaram os limites do vilarejo e seguiram a estrada certa em direção aos bosques. Mas uma vez fora de vista, eles se moveram rapidamente pela estrada para o meio das árvores, então deram meia volta num largo semicírculo, voltando para o extremo norte da aldeia.
 
 — Você tem certeza que a casa estará vazia? — Nuttal ofegou enquanto eles atravessavam as árvores. Tomas lançou um olhar fulminante. Nuttal era um incurável pessimista. Sempre pensando o pior, ele pensou
 
 — Esteve assim todos os dias da semana passado. Por que deveria ser diferente hoje? — Ele perguntou.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3
 
 
 
 
O AROMA DE TORTA COZIDA ENCHEU A CASA. JENNY INCLINOU-SE para a porta do forno, destrancando e abrindo-a, permitindo que o cheiro se espalhasse mais ainda pela casa. Protegendo suas mãos do calor com uma luva de pano, ela retirou a torta de ameixa de dentro do forno.
 
 O recheio de ameixa brilhava tentadoramente e as tiras de cima foram perfeitamente douradas. Ela colocou a torta quente na janela para esfriar. Torta de ameixa era uma das comidas favoritas de Gilan, ela sabia. Devia ser servida fria, gelada e com creme por cima. Ela ficou com água na boca só de pensar. Jenny era cozinheira, mas não gostava de alguns membros de sua profissão, ela também aprecia as comidas que cria. Satisfeita que a sobremesa estava pronta, ela virou sua atenção para a perna de cordeiro.
 
 Ela tinha preparado a perna de cordeiro, banhando-a com óleo e com suco de limão. Então, ela fez trinta ou quarenta pequenos cortes na carne. Neles, ela colocou pequenos ramos de alecrim e dentes de alho um pouco amassados. O truque com a comida, ela pensou, não era usar muitas ervas, especiarias ou sabores. Em vez disso, escolher os produtos mais adequados para o prato que se esta preparando e usar um pouco de criatividade ajudavam muito. Ela sorriu para a perna, fechou o abafador um pouco mais no forno para diminuir o calor, então deslizou o cordeiro no fogo em uma assadeira. Depois, ela adicionaria batatas picadas, abóbora e vegetais preparados e em instantes, completaria a simples, mas deliciosa refeição.
 
 Sorrindo para si mesma, ela notou um papel onde Gilan havia feito uma anotação na cômoda da cozinha e a pegou para ler mais uma vez. Tinha a marca oficial dos Arqueiros no papel, uma folha de carvalho. Mas o conteúdo não era nada oficial.
 
 Querida Jenny, ela lia, Eu ficaria encantado em jantar com você nesta quinta-feira. Eu irei à sua casa lá pras seis da tarde. Já estou ansioso.
 
 Amor, Gilan.
 
 Seu sorriso aumentava enquanto ela lia no começo “Querida Jenny“ e no final “Amor, Gilan.”
 
 — Ah sim, de fato — sussurrou baixinho para si mesma. Um calafrio percorreu seu corpo com o pensamento de não ver Gilan mais uma vez como uma simples visita, mas sim passar horas agradáveis em sua companhia - um perfeito jantar a dois.
 
 Ela colocou a folha de papel na cômoda da cozinha, em um lugar em que era bem visível e ela deu mais uma olhada nessa direção antes de voltar para as suas tarefas. Ela começou a preparar batatas - descascando-as e cortando-as em quadrados. Ela colocou os vegetais descascados e cortados numa bacia de água para não apodrecerem no ar.  Depois, ela tirou a água e esfregou as batatas com óleo temperado para garantir um perfeito acabamento quando fossem assadas.
 
 Ela estava colocando a tigela em uma prateleira mais baixa, fora da luz do sol, quando ela escutou sua porta dos fundos abrir e fechar e passos na sala de estar. A casa de Jenny, ao contrário da maioria na aldeia, tinha a cozinha na frente da casa, virada para a rua da aldeia. Ela gastava a maior parte do tempo na cozinha e gostava de ver as idas e vindas na aldeia enquanto cozinhava. A janela era grande e possibilitava uma
visão desde a estrada, levando até a ponte sobre o Tarbus e para o castelo sobre uma colina acima da vila.
 
 Curiosa por causa do som, ela secou as mãos molhadas na toalha da cozinha e correu para a sala de estar. Talvez tivesse sido o vento que abriu a porta destrancada e a bateu, ela pensou. Mas queria ter certeza. Ela abriu a porta para a sala de estar.
 
 Três homens, mal vestidos e estranhos para ela, ficaram paralisados alguns segundos pela sua aparição repentina.
 
 — O que diabos você esta fazendo aqui? — O homem do meio finalmente  perguntou. Ele estava cercado por outros dois, um menor e outro maior que ele. Seu rosto tinha a barba por fazer, com cabelos longos e despenteados. Seus olhos pesados, sobrancelhas escuras e eles aparentavam estar com raiva.
 
 — Sou eu quem deve fazer essa pergunta! — Jenny respondeu com um tom considerável. Sua reação imediata foi de indignação. Como esse homem de aparência rude se atreve em entrar em sua casa e ter a arrogância de perguntar o que ela estava fazendo ali? Ela se virou para a porta. Tinha esperança de algum membro do vilarejo estar patrulhando a rua. Em todo caso, poderia chamar alguém lá. Seu vizinho era um lenhador, alto e forte. Ele iria colocar esses três pra correr em um instante.
 
 Mas ela se moveu tarde demais.
 
 —Pegue-a! — Tomas ordenou e Mound pulou para frente, pegando-a pelo braço e a puxando de volta para a sala. Em seguida ele a apertou e a girou para o outro lado da sala e ela ficou sem equilíbrio, e caiu sem jeito atrás dele. Jenny ficou furiosa.
 
 — Como você se atreve! — Ela gritou recuperando o equilíbrio. Mas o homem barbudo foi rápido para encará-la e empurrá-la mais para dentro do salão, ela tropeçou em seus pés e caiu novamente, sentando pesadamente no banco.
 
 — Cale-se! — O homem rosnou para ela. Sacou uma adaga da bainha na cintura e os olhos da garota estreitaram quando ela viu o movimento do homem. Essa não era a hora para argumentar, ela percebeu. Ela estava em grave perigo ali. Ela parou com os gritos de protesto que estavam na ponta da língua e olhou calmamente para o homem, vendo seus movimentos.
 
 Ele estava confuso, ela percebeu. Confuso e nervoso, e aquilo poderia ser uma combinação perigosa para ela. Ela levantou a mão em sinal de rendição e sentou-se para conversarem, não fazendo nenhum movimento para ficar de pé.
 
 — Tudo bem — Ela disse, abaixando sua voz. — Vamos ficar calmos, tá legal?
 
 — Você disse que ela não estaria aqui! — O menor dos três homens disse para o barbudo - obviamente o líder, Jenny pensou.
 
 O líder, satisfeito por ela não tentar fugir ou gritar por ajuda, virou sua raiva para seu companheiro. — Como eu iria saber? — Ele disse. — Nós estávamos a observando por cinco dias e todo dia ela gastava todo o seu tempo no restaurante!
 
 Interessante, Jenny pensou, sua mente corria. Eles estavam me observando. Por que? O que eu tenho que eles queiram?
 
 O homem barbudo olhou de volta para ela — Por que você está aqui hoje? — Ele perguntou furioso — Justo hoje, em todos os dias?
 
 Ela sentiu que era melhor não responder. O homem barbudo deixou escapar uma série de maldições. O maior dos três parou em sua frente e colocou a mão em seu ombro para acalmá-lo.
 
 — Nós não podemos fazer nada sobre isso — Ele disse. — Ela está aqui e nós só temos que fazer nosso trabalho.
 
 — Eu acho que devemos sair daqui! — O menor homem disse. Ele estava olhando para os lados nervosamente, como se esperasse que mais aldeões aparecessem na sala a qualquer momento.
 
 — Não seja estúpido — O homem maior falou com ele. — Se tentarmos sair agora, seremos vistos e possivelmente estarão na nossa cola em alguns minutos. Aquele joalheiro deve ter se libertado e dado o alarme. O plano original de Tomas ainda é bom. O joalheiro pensa que nós estamos indo para Stiller's Ford. Nós ficamos aqui até a noite, então cavalgamos para o norte enquanto estão procurando por nós no sul.
 
 — Mound está certo — O homem barbudo disse. Ele parecia ter voltado a tomar controle de si mesmo, Jenny notou. — Continuaremos com o plano original. Nós iremos esperar aqui até que esteja escuro, então vamos embora como planejamos. Não mudou nada realmente.
 
 A cabeça de Jenny estava confusa e franziu a testa enquanto tentava reunir os eventos até antes desses estranhos aparecerem em sua casa. Eles tinham roubado Ambrose, o aurifice da aldeia. Isso podia explicar o saco que ela tinha acabado de notar no chão da sala, ao lado da porta de entrada. Eles deixaram Ambrose preso de um jeito que ele poderia se libertar após algum tempo e deixaram a impressão de que estariam cavalgando para o sul. Entretanto, eles ficariam em sua casa, supondo que estaria vazia até o restaurante fechar à noite, eles tentariam se esconder ali até a escuridão ocultar seus movimentos. Então eles iriam escapar pela direção oposta de onde estariam sendo procurados.
 
 Do lado de fora na rua, eles podiam ouvir gritos e o som de pessoas correndo. Obviamente, o alarme tinha tocado e os soldados estavam convocando a aldeia para organizar um pelotão.
 
 Ela percebeu que os três ladrões estavam a estudando de perto e ela tentou uma expressão inocente e distraída.
 
 — E quanto a ela? — o menor homem disse, apontando em sua direção.
 
 — Bem — Tomas disse, com um sorriso desagradável, — Pelo menos ela pode assegurar que nós tenhamos uma boa refeição enquanto estamos esperando. — Ele cheirou o ar, percebendo pela primeira vez o aroma do cordeiro assado que estava vindo da cozinha.
 
 Mas o homem menor sacudiu a cabeça com raiva para a resposta do homem maior, Mound, retomou a questão com calma, pensando com lógica. — E quando nós sairmos? — Ele perguntou. —O que acontece com ela?
 
 — Vamos amordaçá-la e amarrá-la ou nós a levamos conosco — Tomas disse. Mas ele fez uma longa pausa antes de dar a respostas. Instintivamente, Jenny soube que eles não iriam fazer nenhuma dessas coisas. Depois de tanta dificuldade para plantar uma pista falsa, eles não podiam se dar ao luxo de deixá-la sair ilesa. E ela tinha certeza de que eles não iriam levá-la com eles.
 
 Eles precisavam silenciá-la e só tinha uma maneira deles fazerem isso para sempre.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4
 
 
 
 
GILAN ENTROU EM REDMONT E SEGUIU DIRETAMENTE PARA O ESCRITÓRIO DO BARÃO ARALD em um dos pisos superiores. Ele estava subindo dois degraus de cada vez quando ouviu passos leves na escada adiante. Ele esperou para não correr na direção da pessoa que descia. E deu um passo para o lado para abrir caminho. Pelo som leve das pegadas ele pensou que fosse uma mulher.
 
Ele estava certo e seu rosto se transformou num sorriso quando reconheceu Alyss, linda e graciosa como sempre em seu vestido branco de Mensageira. Ela sorriu em resposta assim que o viu, escondendo um momento de desapontamento. Por um momento de esperança, vendo a capa cinza e verde, ela pensou que Will pudesse ter retornado.
 
— Olá estranho — ela disse. — Nós esperávamos você para a próxima semana. Will e Halt acabaram de sair.
 
Will e Halt formaram um Grupo de Operações Especiais para Crowley. Quando eles ficam longe de Redmont por um longo período, Gilan viaja do feudo vizinho para cuidar de suas tarefas. 
 
— Eu sei — ele disse. — Na verdade não era pra eu vir essa segunda, mas eu recebi uma oferta irrecusável. — A oferta, é claro, era um convite da Jenny para o jantar. Seu olhar vagou pela escada pela escada acima. — Eu só vou me reportar ao Barão — ele adicionou.
 
Ela entendeu a dica. Eles poderiam conversar depois. Gilan ficaria aqui por alguns dias, ela sabia. Mas ela sorriu mais abertamente. — E então você vai se reportar a jovem Jenny, eu imagino? —  ela disse significativa e ele sorriu.
 
— Bem, sim, de fato. Eu vou jantar com ela.
 
As sobrancelhas perfeitas de Alyss ergueram e seus lábios ficaram em formato de um “O”. — Parece romântico — ela disse. Mas Gilan ignorou o convite implícito de contar mais a ela e mudou o rumo da conversa. — Falando nisso, como vão as preparações para o casamento real?
 
Horace e Evanlyn - ou, como ela é mais conhecida, Princesa Cassandra — vão se casar no final do ano. Alyss será a dama de honra da Princesa. 
 
— Muito bem — ela disse a ele. — Existe um rumor de que Shigeru talvez participe.
 
Foi a vez de Gilan erguer as sobrancelhas. — O próprio Imperador? — ele disse. — Impressionante.
 
— Ele ficou muito afeiçoado ao Horace enquanto estávamos em Nihon-Já — disse Alyss.
 
— Deve ter mesmo — Gilan disse. Então ele se pôs em conjunto. — Eu tenho que ir. Nós podemos conversar depois.— Alyss se afastou para ele poder subir as escadas. Ele agradeceu com a cabeça e terminou de subir. Alyss o assistiu indo, sorrindo pra si mesma.
 
— Eles estão sempre com tanta pressa — ela pensou.
No escritório, o Barão Arald não perdeu tempo para atualizar Gilan sobre os assuntos do feudo. Não tinha itens importantes para discutir. Halt e Will recentemente frustraram e prenderam uma gangue de assaltantes atacando viajantes pelas florestas. Desde então, o feudo esteve pacifico. Ainda assim, Gilan pensou, nunca se sabe. Problemas podem surgir a qualquer momento em um território extenso como Redmont. Ele mal acabou o pensamento quando houve uma batida alta e longa na porta do escritório do Barão Arald.
 
— Entre — o Barão chamou, franzindo a testa. A batida foi bem vigorosa. Gilan escondeu um sorriso e pensou que quem quer estivesse batendo deveria ter um bom motivo para causar tanto tumulto.
 
A porta abriu-se imediatamente para revelar um membro sentinela do vilarejo de Wensley - a meia dúzia de voluntários que servem como guardas em tempo integral para manter a paz no vilarejo. Gilan não reconheceu o homem de vista, mas reconheceu o uniforme de sentinela - vestindo um colete de couro cravejado de metal e um capacete de couro endurecido. Em adição, o homem tinha uma clava pesada e um grande punhal presos em seu cinto de armas. Atrás dele, o funcionário do Barão, escandalizado por essa rude interrupção a reunião do Barão, estava fazendo gestos urgentes e vibrantes sobre seu ombro.
 
— Perdoe-me, meu lorde! — ele começou. — Esse homem simplesmente invadiu antes...
 
O Barão acenou uma mão para ele. — Não importa — ele disse. — Obviamente é uma emergência. Qual o problema Richard?
 
Essa ultima foi endereçada à sentinela e Gilan sorriu mais uma vez, impressionado pelo Barão usar o nome do homem. Muitos Barões, ele sabia, não tinham ideia do nome dos guardas do vilarejo. Essa é uma das qualidades que fez de Arald um líder efetivo e popular.
 
— Perdoe-me, meu lorde — Richard respondeu. Ele respirava pesadamente e Gilan imaginou que ele correu todo o caminho desde a vila. — Houve um roubo.
 
Ele notou Gilan pela primeira vez na sala e acenou indiferente para ele. Gilan inclinou sua cabeça em resposta.
 
— Quem foi roubado? — o Barão perguntou. — E por quem? — Algumas vezes, na excitação do momento, seu entender de gramática o abandonava.
 
— Foi Ambrose Shining, meu lorde — Richard respondeu e o Barão sentou-se reto em sua cadeira.
 
 —O aurifice? — Ele perguntou. — Isso parece como mais que um simples roubo. Quanto o ladrão levou?
 
— Ladrões, meu lorde. Havia três deles. E Ambrose disse que eles levaram varias centenas de royals em prata e pedras preciosas.
 
— Ele está bem? — Gilan interveio. — Eles não o machucaram? — Richard balançou sua cabeça. — Eles o deixaram amarrado e amordaçado. Ele levou meia hora para se soltar e soar o alarme.
 
— Então ele não viu a direção que eles tomaram quando se foram? — Gilan perguntou.
 
— Não senhor. Mas ele os ouviu conversarem. Eles planejavam ir para o Rio Stiller.
 
Gilan tocou seu queixo pensativo. Isso faz sentido. Atrás do rio Stiller existe um pais selvagem, de árvores grossas e altas, penhascos irregulares e rios profundos. Esse tem sido um lugar propício para criminosos se esconderem. Anos atrás, quando era aprendiz
de Halt aqui em Redmont, os dois limparam a área, capturando muitos dos fora da lei que se esconderam lá e dispersando o resto.
 
— E que ações o delegado tomou até agora? — Arald perguntou.
 
A sentinela voltou sua atenção de volta ao forte homem nobre. — Ele enviou um guarda ao Rio Stiller para avisar o delegado de lá, meu lorde. E ele está sendo acompanhado por mais dez homens.
 
Arald relaxou um pouco e trocou um olhar com Gilan.
 
— Humm — ele disse. — Parece que o delegado já está com tudo na palma da mão. 
 
Esses homens vão ser pegos entre duas forças - e é de se presumir que eles não têm idéia que o delegado sabe a direção que eles tomaram. Walter precisa de alguma coisa de mim? Uma dúzia de homens armados? Alguns cavaleiros? Nada assim?
 
Walter era o delegado do vilarejo e era um oficial capaz, mas Arald achou que devia fazer a oferta. Richard estava balançando sua cabeça. — Ele só queria que eu viesse avisá-lo, meu lorde. Ele disse que teria esses três cercados ao amanhecer. Um dos guardas é um caça... — Ele parou. Ele estava preste a dizer “caçador”, mas ele pensou que não seria uma coisa muito política a dizer na frente do Barão. — Um rastreador — ele alterou. — Ele conhece uma trilha pela floresta por onde eles podem chegar ao Rio Stiller antes do amanhecer. Eles devem chegar à frente dos ladrões.
 
De novo, Arald trocou um olhar com Gilan. — Parece que não vamos precisar de suas habilidades nessa Gilan —  ele disse o confortando.
 
Gilan assentiu com a cabeça. Ele esteve olhando pela janela. Ele não podia ver o sol, o tamanho das sombras do lado de fora dizia a ele que devia estar próximo a linha do horizonte. — É muito tarde para segui-los agora, de qualquer maneira. — Ele disse. — Estará escuro logo. E como você disse o delegado parece ter tudo na palma da mão.
 
O assunto parecia resolvido, ele pensou. Se o delegado e seu pelotão falhassem em apreender os ladrões no Rio Stiller, então Gilan talvez devesse entrar na perseguição. Mas isso parecia improvável.
 
Arald sorriu para o sentinela atento em pé na frente de sua mesa. — Obrigado Richard. 
 
Eu imagino que você queira se juntar ao pelotão e e procurar esses homens?
 
Richard se permitiu um fraco sorriso em retorno. — Eu quero meu lorde. Eu conheço o velho Ambrose toda a minha vida. Mas eu não sei o caminho para a trilha que eles pegaram. Eu vou ficar para trás caso precisem de mim no vilarejo.
 
Arald apertou seus lábios pensando. — Não é uma má ideia — ele disse. Com os outros membros da guarda ausentes, com outros cinco moradores em boas condições físicas no pelotão, um oportunista talvez possa ter a chance de causar problemas no vilarejo. — Muito bem, Richard. Nós não vamos o ocupar por mais tempo.
 
O sentinela deu um rápido inclinar de cabeça em saudação, virou e deixou a sala, acompanhado pelo ainda irritado funcionário. Enquanto as portas eram fechadas atrás deles, Arald olhou mais uma vez para a pilha de notas na mesa a sua frente. — Bem, eu acho que isso conclui nossos negócios, Gilan — ele disse. — Você vai se juntar a nós para o jantar? Minha mulher vai ficar encantada em ouvir as ultimas fofocas de Feudo de Whitby.
 
Gilan hesitou. Estritamente falando, ele deveria ter esperado jantar com o Barão em sua primeira noite em Redmont. Mas o convite de Jenny levou qualquer protocolo de sua cabeça. Ele notou que o Barão estava sorrindo para ele.
 
— Teve propostas melhores, talvez? — O Barão disse maliciosamente.
 
Gilan se sentiu ruborizar. — Um... bem, senhor... de fato, a Jenny me perguntou...
 
O Barão levantou uma mão para silenciá-lo. Ele conhecia Jenny, é claro. Ela tinha sido uma protegida no seu castelo e foi aprendiz do Mestre Chubb, seu Chef.
 
Ela era tão boa em seu oficio quanto Chubb era. E em adição, era loira e cheia de vida e bonita. Aos olhos Barão, isso constituía uma oferta muito melhor que jantar com ele e sua esposa. Por um momento, ele se sentiu mais velho. — Não diga mais nada — ele disse magnanimamente. — Nós teremos muitas oportunidades para jantar juntos enquanto você estiver aqui.
 
 — Obrigado, meu lorde — Gilan disse. — Bem, definitivamente vamos fazer isso outra noite. De fato, no entanto eu poderia convidar você e Lady Sandra para serem meus convidados no restaurante da Jenny durante a semana? 
 
Arald sorriu em prazer com o pensamento. Chubb era um Chef Mestre, sem dúvida, mas Jenny trouxe uma onda de novas ideias imaginativas e aventureiras para sua cozinha e a perspectiva de uma refeição cozinhada por ela muito tentadora para recusar. Fora que Lady Sandra iria adorar sair do castelo num anoitecer. Gilan, por sua parte, sabia que convidados tão importantes no restaurante não faria danos aos negócios de Jenny. 
 
— Durante a semana então — Arald disse. Então ele não pode deixar de sorrir. — 
 
Aproveite sua noite.
 
— Obrigado, meu lorde — Gilan disse, indo embora. Quando ele se virou em direção a porta, Arald adicionou em um tom baixo — E um bom jantar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
TOMAS SE APOIOU NO BATENTE DA PORTA DA COZINHA. A larga janela que dava em direção a estrada do vilarejo permitia que qualquer transeunte ver a ele e seus homens se fossem mais para dentro do cômodo. Ele gesticulou para Jenny. — Puxe a cortina.
 
Ela passou por ele e puxou a cortina, obstruindo a visão da rua. Satisfeito que ele não podia ser visto, Tomas se moveu pela cozinha e ficou vagando, olhando em recipientes, abrindo e fechando gavetas. Nuttal e Mound entraram com ele, mas se contentaram em sentar nas cadeiras de costas retas na mesa da cozinha.
 
Os olhos de Tomas baixaram na torta de ameixa, que Jenny colocou para esfriar no beiral da janela lateral. — O que é isso?
 
— É uma torta de ameixa — ela disse a ele. Havia um tom de aviso em sua voz que dizia a ele para manter as mãos longe disso, mas Tomas ignorou esses avisos. Ele pegou o prato de torta e trouxe para a mesa da cozinha. Se sentando, ele sacou sua adaga, cortou um largo e desigual pedaço de torta e encheu a boca. Ele mastigou por alguns segundos, então um olhar de desgosto apareceu em seu rosto e ele permitiu que um bocado meio mastigado caísse de sua boca na mesa da cozinha. Ele tossiu o resto da fatia ao lado.
 
— Não está doce o bastante — ele exclamou com raiva. — Devia ser mais doce que isso.
 
Os olhos de Jenny estreitaram.  Uma coisa era invadir sua casa e a aprisioná-la. Mas uma critica imbecil sobre como ela cozinhava levava as coisas a um novo nível de inimizade. — O recheio é de ameixas — ela disse. — Elas devem ser azedas. É como o gosto da ameixa é.
 
Tomas balançou sua cabeça confirmando. — É uma torta. Deveria ser doce — ele disse. 
 
— O que você sabe sobre isso?
 
— É uma torta e isso é o que deveria ser... uma torta! — Ela procurou por outra palavra, percebendo o quão ridículo a repetição pareceu, mas não conseguia achar uma.
 
— É assim que é! — ela adicionou. Suas bochechas começando a arder com raiva. Gilan amava sua torta de ameixa, ela sabia. E particularmente adorava que ela não a fazia muito doce, mas deixava o sabor natural das ameixas transparecerem. O que esse bobô da corte sabia? Como ele se atreveu a criticar seu cozimento!
 
Tomas olhou a jovem mulher nervosa ante dele. Garotas bonitas não deviam discutir com seus superiores, ele pensou. E ele estava convencido que era seu superior, pela simples razão que ele era homem. Ela precisava de uma lição. Precisa ser derrubada de um degrau ou dois. Ele jogou o prato e a torta para fora da mesa com as costas da mão, jogando com barulho no chão. A torta quebrou em muitos pedaços e ele esmogou dois pedaços grandes com seu pé, os amassando nas tabuas do chão.
 
— Ei! — disse Mound, meio levantado de sua cadeira, irritado com o comportamento egocêntrico de seu líder. — Eu não teria me importado com um pedaço dela! Tomas inclui ele em seu olhar. — Ela não estava boa — ele disse. — Precisava de açúcar.
 Nuttal, sempre ansioso em face a uma briga, levantou-se e se afastou da mesa.
 
— Sua caveira! — Jenny gritou para Tomas, seus olhos piscaram da torta arruínada - a torta do Gilan, ela pensou – para seu rosto. Essa... coisa... arruinou a torta do Gilan. De repente, ela o odiava com toda seu sentimento. — Quando Gil...
 
Ela estava prestes a dizer “Quando Gilan chegar aqui, ele vai fazer você pagar por isso!” mas se controlou a tempo. Ela não devia dar nenhuma dica eles de que o jovem Arqueiro ia chegar em menos de uma hora.
 
Tomas inclinou-se para frente, a testa enrugada com uma expressão pensativa. Ela estava preste a dizer alguma coisa e então parou, ele pensou. Em sua experiência, quando as pessoas fazem isso, elas sabiam alguma coisa que não queriam que ele soubesse. — Continue — ele disse. — Quando... o quê?
 
Jenny balançou sua cabeça, abaixando seus olhos do olhar dele. — Nada — ela disse, tentando soar casual. — Não é nada importante.
 
— Então você pode me dizer o que é — ele disse numa voz sedosa, indo para perto dela.
 
— Não é nada — ela insistiu. Mas antes que ela pudesse se afastar, ele saltou e a agarrou seu antebraço com ambas as mãos. Ele agarrou forte, então com um movimento brusco, ele girou uma mão para a direita e a outra para a esquerda e continuou segurando. O efeito em sua carne onde as mãos dele se encontraram, torcendo de repente em direções opostas, era agonizante. Uma dor queimou pelo seu antebraço e ela gritou. Tomas diminuiu a pressão e a dor diminuiu.
 
— Solte-a — disse Mound. Ele havia sentado, mas agora levantou de novo, confrontando Tomas através da mesa. Ele não era totalmente contra tortura se isso pudesse prover informação útil. Mas ele achou que Tomas estava gostando demais disso. O ladrão barbudo olhou para ele, suas mãos ainda em volta do braço de Jenny.
 
— Para trás, Mound! Não seja mole! Tem alguma coisa que ela não está nos contando e que eu planejo saber o que é!
 
— Mesmo assim... — Mound disse e fez um gesto inútil para as mãos de Tomas, ainda segurando o antebraço dela, pronto para infligir mais dor a qualquer segundo. Mas ele não conseguia encontrar um argumento valido para parar Tomas e sua voz se perdeu. 
 
Um sorriso cruel apareceu nos lábios de Tomas e ele voltou a apertar o braço de Jenny.
 
— Agora, senhorita, você vai me dizer... Jenny mostrou os dentes, olhando em fúria para ele, determinada de que, não importasse o quão ruim fosse à dor, ela não diria nada a ele. Ela sentiu as mãos dele apertarem de novo, então Nuttal interrompeu.
 
— O que é isso?
 
Eles olharam para ele. Ele esteve rondando a cozinha, examinando temperos e seus tachos e panelas, quando seu olhar caiu na nota que ela tinha encostado na cômoda. Ele a pegou e espiou mais de perto. Ele não podia ler, mas ele reconheceu o carimbo da folha de carvalho no topo da pagina.
 
Ele bateu nela com o dedo indicador. — Essa é a marca dos Arqueiros, é sim — ele disse. Ele ofereceu a folha a Mound que era o único entre eles que sabia ler. — O que diz?
 
Tomas largou o braço de Jenny e se moveu para olhar por trás do ombro de Mound conforme o grande homem lentamente lia a nota, seus lábios dizendo silenciosamente as palavras. Então ele leu e voz alta.
 
— Querida Jenny, eu ficaria encantado em jantar com você nessa quinta-feira. Eu vou para sua casa cerca de seis horas da noite. Já estou imaginando. — Ele olhou para cima. 
 
— Está assinado “Gilan” — ele disse.
 
Tomas permitiu uma série de maldições saírem de sua boca. — Gilan! — ele disse. — Ele é o que vem quando os Arqueiros locais têm que ir para longe.
 
Nuttal estava carrancudo, não entendendo. — Mas você disse que ele só viria na próxima semana.
 
Tomas o desdenhou como se estivesse falando com uma criança. — E foi isso que eu disse. Por isso nós roubamos o aurifice hoje! — Ele olhou nervoso para Jenny. — Esse Gilan, é um amigo seu, não é?
 
Ela tentou parecer como se todo o assunto sobre Gilan fosse totalmente sem importância. Ela encolheu os ombros. — Eu só conheço ele, isso é tudo. Às vezes ele aparece.
 
— E ele “simplesmente aparece” como hoje à noite? Às seis horas! — Tomas gritou para ela. — Quando você iria mencionar isso tudo?
 
Jenny não disse nada. Não tinha nenhuma resposta para dar, a não ser, porque eu deveria? E se ela dissesse isso, só serviria para enfurecer Tomas mais ainda.
 
— Nós temos que sair daqui! — Nuttal interrompeu. Seus olhos estavam vagando pela cozinha como se ele esperasse que Gilan entrasse pela porta a qualquer momento. — É melhor nós corrermos!
 
— Não seja um idiota! — Tomas voltou sua raiva para o pequeno homem, para o alivio de Jenny. — Nós não podemos sair agora! Está em plena luz do dia lá fora. Nós vamos ser vistos!
 
Ele voltou para Jenny. — Eu não vou esquecer isso — ele disse para ela ameaçadoramente. 
 
Ele cuspiu uma série de maldições de novo e Jenny se encolheu com a intensidade de tudo isso.
 
— Deixe me pensar... — ele murmurou para si mesmo. Mas foi Mound que veio com a resposta.
 
 — Nós vamos fazer como tínhamos planejado — ele disse. — Nós vamos esperar algumas horas depois do amanhecer e então nós fugimos.
 
— E daremos adeus para o Arqueiro conforme vamos? — Tomas disse sarcasticamente. Mound encontrou seu olhar por igual, mostrando ao outro homem que ele não estava intimidado. Então ele respondeu deliberadamente. — Há três de nós. E ele é só um. — Mas ele é um Arqueiro! — A voz de Nuttal subiu para um guincho e Mound o acertou com um olhar.
 
— Está certo. E ele não espera que nós estejamos aqui. Ele espera entrar e ter um jantar com a namorada aqui.
 
Tomas começou a balançar a cabeça quando viu que o grande homem estava seguindo. 
 — E quando ele chegar?
 
— Quando ele chegar, o acerte na cabeça antes que ele perceba o que está  acontecendo. Então tudo volta ao normal — Mound continuou.
 
Acertá-lo na cabeça. Isso parece inofensivo, Jenny pensou. Mas ela sabia que não era nada disso.
 
Mound confirmou isso alguns segundos depois que Nuttal continuou seu protesto choramingando.
 
— Mas ele é um Arqueiro! — ele repetia freneticamente. O grande homem colocou uma mão em seu ombro e o virou para seus olhos se encarem.
 
— Sim — ele concordou. — E dois segundos depois de ele entrar por aquela porta, ele vai um Arqueiro morto.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6
 
 
 
O TEMPO SE ARRASTAVA. CADA MINUTO QUE PASSAVA PARECIA UMA MEIA hora. Jenny tinha um relógio de água em sua cozinha e ela olhava para ele constantemente. O nível parecia continuar inalterado por alguns minutos por um tempo, e uma vez, ela se levantou para se certificar de que a água estava pingando livremente a partir do vaso superior para o inferior.
 
Mal havia passado quinze minutos das cinco horas e Gilan não viria até as seis. De alguma forma, ela pensou, ela tinha que impedi-lo de caminhar para a armadilha que Tomas e Mound iria preparar para ele. Apesar de hábil como era Gilan, ele teria pouca chance de evitar a sua emboscada. Ela olhou para a porta. Os ladrões haviam discutido seu plano. Dez minutos antes do marcado para Gilan chegar, eles colocariam Jenny, amarrada e amordaçada, em uma cadeira de frente para a porta. Mound iria ficar ao lado na porta, enquanto Tomas e Nuttal se esconderiam na sala ao lado. Quando Gilan abrisse a porta, ele iria imediatamente ver Jenny. Seu primeiro instinto seria apressar-se para libertá-la e quando o fizesse, Mound o atingiria de seu esconderijo atrás da porta aberta. Ele tinha um porrete pesado - de madeira dura com pregos de ferro presos na ponta sem corte. Um golpe iria esmagar o crânio de Gilan, Jenny sabia. Em seguida, Tomas e Nuttal iriam terminar o trabalho com suas adagas.
 
Em sua mente, ela podia ver Gilan de bruços no chão, o sangue escorrendo de sua cabeça, ainda e sem vida. Seus olhos se encheram de lágrimas e ela balançou a cabeça para dissipar a visão.
 
Então ela foi surpreendida com raiva quando ela olhou para os três homens. Mound e Tomas estavam jogando um jogo de dados na mesa da cozinha, brigando de tempo em tempos sobre as pontuações. Tomas era um perdedor particularmente ruim, pensou. 
 
Então a raiva lentamente deu lugar ao ódio, enquanto observava o homem barbudo, ouvindo a sua ostentação, quando ele ganhava uma mão e as suas queixas e lamentações quando ele perdia.
 
Mound ficou em silêncio. Ele era realmente o homem de verdadeiro perigo dos três, ela pensou. Ele era grande e musculoso. E ele parecia um tipo que permaneceria para acalmar em uma crise. Tomas era um intimidador auto centrado e Nuttal era um covarde lamuriento. Mas Mound era quem vigiava. Se ela pudesse encontrar uma maneira de detê-lo, ela teria boas chances para salvar a vida de Gilan.
 
E a dela. Ela percebeu o fato com um estremecimento. Sua própria vida estava em perigo, tanto quanto de Gilan. Ela tinha percebido mais cedo que os três homens não iriam deixá-la ir quando eles tivessem ido. No entanto, de alguma forma, ela pode enfrentar o pensamento de seu próprio destino com muito mais facilidade do que de Gilan.
 
Seu olhar voltou para a Mound. Poderoso. Pensativo. Imperturbável. Como ela poderia detê-lo? Ela sabia que não podia esperar muito mais tempo. Logo eles iriam amarra-lá e colocá-la na cadeira em frente à porta. Ela olhou para o relógio, mais um minuto passou quando ela ouviu um plop! Ondulações se espalham pela superfície da água no cilindro inferior e olhou de relance para a escala. Era quase cinco e meia.
 
Ela olhou de volta para Mound. Ele estava sentado próximo ao forno, onde a perna de carneiro chiava quietamente no interior. Pela primeira vez em uma hora, ela tornou-se consciente do cheiro de dar água na boca do cordeiro assado. Ela olhou para o banco da
cozinha ao lado do forno. Seu pesado espeto girava, o mesmo que ela tinha usado para girar a massa para a torta de ameixa arruinada, estava em seu suporte no banco. Alguns centímetros além estavam o seu conjunto de facas, cada uma delas bem afiadas. Se ela pudesse pôr as mãos em uma delas, ela pensou, ela podia mostrar a esses bandidos uma coisa ou duas. Mas ela sabia que eles nunca iriam deixá-la chegar perto das facas. 
 
O espeto era outra questão. Ele e a frigideira de ferro pesado pendurada em um gancho na parede. Se ela pudesse apenas encontrar uma maneira de distrair a atenção dos ladrões por alguns segundos...
 
Ela não pensou no fato de que ela estava planejando lídar com três criminosos armados com nada mais do que um par de utensílios de cozinha. O instinto de proteção de Jenny havia sido despertado. Se ela não fizesse algo, Gilan morreria.
 
Ela percebeu que nunca poderia viver com isso. Depois, com outro choque, ela percebeu que não iria viver com isso.
 
Plop! Outra gota de água. Outros trinta segundos desapareceram.
 
— Qualquer sinal dele? — Tomas perguntou, olhando para cima a partir do jogo de dados desconexo. Nuttal andou para a janela da cozinha, puxou a cortina de uma rachadura e olhou para a rua escura.
 
— Nada — disse ele, deixando a cortina cair novamente. Jenny prendeu a respiração, desejando que ele se afastasse da janela sobre a bancada da cozinha. Uma idéia foi formada em sua mente, mas se todos eles estivessem agrupados perto do forno e do banco, sua tarefa seria mais difícil. Ela expirou quando Nuttal retornou para o seu lugar através da cozinha, sentado e olhando sem rumo no espaço. Hora de agir, ela pensou.
 
— O cordeiro está pronto. — disse ela. Todos os três olharam para ela. Ela tinha ficado em silêncio durante os últimos vinte minutos e por um momento, nenhum deles sabia o que ela estava falando. Ela fez um gesto para o forno.
 
— Há um pernil de cordeiro assado. Eu deveria tirá-lo ou ele vai ficar queimado e seco. 
 
— O que nos preocupa isso? — Disse Nuttal em sua voz chorosa.
 
Mound olhou para ele. — Eu me preocupo com isso. Estou com fome e nós precisamos de comida para a estrada. Uma perna de cordeiro assado cairia muito bem, eu acho.
 
— Oh — disse Nuttal, parecendo um tanto cabisbaixo. — É. Acho que sim.
 
Jenny olhou para Tomas. — O que você acha? — Perguntou ela. — Se eu não tirar agora, vai ficar horrível. — Na verdade, ela sabia que o cordeiro poderia facilmente ficar mais uns trinta minutos ou menos assando lentamente. Mas esses três não sabiam disso.
 
Tomas zombou dela. — Horrível como você deixou a torta de ameixa? — Disse. Então ele fez um gesto em direção ao forno. — Sim. Vá em frente se você quiser.
 
Ela se levantou, pegou um pano e abriu a porta do forno. O aroma rico do cordeiro encheu a sala. Tinha um conjunto de pinças de madeira no banco e ela casualmente apanhou-os, os mantendo prontos debaixo do braço enquanto alcançava o assado, com as mãos protegidas do calor pelo pano de cozinha e pegou a grande panela de ferro de assar com o escaldante pernil de cordeiro marrom nela.
 
Mound virou para ver enquanto ela tirava o cordeiro do forno. A gordura chiou e pulou da perna e ele, inconscientemente, passou a língua nos lábios. Ele não tinha comido durante todo o dia, ele percebeu.
Tomas, sobre a mesa, observava com igual interesse e apetite.Enquanto Jenny endireitou-se, segurando a panela de assar de ferro pesada, ela tramou ao deixar as pinças de madeira cairem debaixo do braço. Eles batiram no chão e ela fingiu um momento de confusão.
 
— Oh! Droga! — Disse. Ela começou a se inclinar como se para recuperá-los, então pareceu perceber que ela ainda estava sobrecarregada com a assadeira. Ela hesitou incerta. Como ela esperava, Mound se levantou da cadeira e aproximou-se dela. Ele começou a se inclinar para pegar as pinças, mas ela parou, pisando em direção a ele.
 
— Eu vou pega-los — disse ela. — Segure a panela um segundo.
 
Ela empurrou a panela de ferro em direção a ele, e sem pensar, ele a pegou com as duas mãos. Era uma reação natural. Houve uma pausa de um segundo antes de ele registrar o fato de que a panela estava quente e o ferro da panela ardente queimou a carne de ambas as suas mãos. Ele gritou em agonia e recuou, deixando cair à panela e enfiando as mãos em suas axilas para tentar aliviar a agonia e tentar diminuir o ardor das queimaduras. Ele se chocou com a mesa, mandando na direção de Tomas, que estava começando a levantar.
 
Ignorando a panela no chão, Jenny chegou por trás e agarrou espeto pesado do banco. 
 
Mound, com ambas as mãos enfiadas em suas axilas, estava completamente vulnerável enquanto ela avançou e bateu com a parte pesada de madeira no lado de sua cabeça.
 
Crack!
 
Mound olhou para ela, seus olhos vidrados com o golpe. — Você... — ele começou, mas ela balançou espeto novamente, batendo-o contra o outro lado da sua cabeça desta vez.
 
Crack!
 
Seus olhos rolaram para cima e ele caiu no chão, inconsciente. Mas ela sentiu um eixo de pânico a invadir quando o cabo do espeto virou-se durante o segundo impacto, jogando o cilindro pesado de madeira girando para longe através do cômodo e deixandoa desarmada. Tomas veio ao redor da mesa, a adaga desembainhada na altura da cintura. Ela viu a fúria em seus olhos e percebeu que ele iria matá-la se ela não agisse. O banco, com suas facas e a frigideira pesada, estava fora de alcance. Mas havia outra arma em potencial em seus pés.
 
Ela inclinou-se rapidamente, no mesmo momento que Tomas avançou. O punhal passou um pouco acima dela quando tinha abaixado inesperadamente. Então Tomas, passando por cima do corpo inconsciente Mound, pisou em um pedaço de gordura do cordeiro e seus pés derraparam. Enquanto lutava para recuperar seu equilíbrio, Jenny teve tempo para pegar a ponta do pesado pernil de cordeiro. Ela balançou-a no chão às cegas, com toda sua força.
 
Tomas foi pego com as pernas bem separadas e o pernil de cordeiro bateu entre elas. 
 
Seus olhos se arregalaram de surpresa com o choque repentino de dor, o ar foi expulso  de seu corpo em um explosivo whoof.
 
O punhal caiu de sua mão. Jenny, ainda segurando o pernil de cordeiro pesado em ambas as mãos, ajeitou e girou em um círculo completo para ganhar impulso, em seguida, bateu a extremidade mais grossa do assado na mandíbula de Tomas. O impacto da carne fez um baque no ladrão barbudo, seu rosto lambuzado com gordura quente e graxa, o jogando estatelado sobre a mesa da cozinha. Ele foi parar do outro lado, derrubou uma cadeira e bateu no chão, desmaiado.
Tudo tinha acontecido no espaço de poucos segundos. Nuttal, com sua habitual incapacidade de reagir rapidamente a uma situação, ficou parado na cozinha de olhos arregalados, olhando para Jenny e para seus dois companheiros inconscientes. Então, sua mão caiu em seu próprio punhal e começou a caminhar em sua direção, resmungando uma maldição.
 
Somente para parar e abaixar rapidamente quando ela atirou o pernil de cordeiro girando por toda a sala para ele. Ele sentiu passar acima de sua cabeça, em seguida, ficou de pé novamente e viu que o seu atraso havia dado tempo para a jovem alcançar uma prateleira de facas. Ele deu um passo para trás quando a primeira faca, uma lâmina de entalhar pesada, seguiu a perna de cordeiro, captando a luz enquanro girava em direção a ele.
 
Com um relincho agudo de susto, ele abaixou-se novamente, apenas para perceber que uma faca de legumes menor, mas igualmente forte veio após a primeira. Esta ricocheteou na parede atrás dele e, quando ele girou de volta, pegou seu ouvido. O sangue escorria de seu pescoço.
 
Um garfo de dois dentes talhados seguiu em rápida sucessão. Este atingiu com a ponta primeiro na parede e ficou preso lá, vibrando intensamente. Nuttal olhou para ele, sua determinação enfraqueceu por um segundo. Ele olhou para Jenny, viu que ela tinha uma machadinha pesada na mão e estava a puxando para trás para joga-la. E havia ainda mais quatro facas na prateleira.
 
Ele correu para a porta e na hora certa. A machadinha zumbiu girando e bateu na parede ao lado do garfo de dois dentes, exatamente onde ele tinha estado em pé. Ele vibrou com um tom muito mais sinistro. Choramingando de medo mais uma vez, ele abriu a porta da frente e correu para fora.
 
Diretamente em Gilan, que estava subindo o caminho do portão da frente. Nuttal recuperou-se, em seguida, atirou-se no Arqueiro, sua adaga movendo-se para uma estocada mortal.
 
Como todos os Arqueiros, Gilan tinha reflexos soberbos. Ele não tinha idéia de quem o agressor poderia ser, mas ele reagiu instantaneamente. Ele estendeu o braço direito sobre seu corpo para desviar a mão que segurava o punhal e, no mesmo movimento, girou o pé direita e direcionou a palma aberta da sua mão esquerda até colidir com a mandíbula de Nuttal. A cabeça de Nuttal sacudiu para trás. Seus calcanhares deixaram o chão alguns centímetros e depois ele caiu para trás sobre os degraus da frente da casa, no frio. Gilan não lhe deu atenção. Ele saltou os três degraus baixos para a casa de Jenny. Ele percebeu que a bela menina loira que significa muito para ele estava em perigo. A porta estava aberta alguns centímetros e ele empurrou-o de lado e pulou no meio da cozinha, sua pesada faca saxônica em sua mão como se por magia. Agachouse, os olhos correndo de um lado para outro, em busca de perigo.
 
E viu Jenny perto da mesa da cozinha, o rosto entre as mãos, chorando. Aos pés dela estavam as formas imóveis de dois homens. Um grande e pesado, o outro um pouco menor e de barba cerrada. Ambos estavam mortos ou inconscientes, Gilan viu. De qualquer forma, não ofereciam qualquer ameaça para ele ou Jenny. Ele embainhou a faca saxônica.
 
— Jenny?
 
Ela olhou para cima e o viu, em seguida, correu toda a sala para seus braços. Ele a segurou junto a ele, curtindo a sensação, lembrando o aroma fresco de seu cabelo e pele. Ela chorou copiosamente, grandes soluços que fizeram seu corpo inteiro tremer.
 
— Tudo bem, tudo bem. — ele disse, acariciando seus cabelos suavemente enquanto ele a segurava. — Tudo está bem agora.
 Ela afastou-se em seu abraço para olhá-lo. Seu rosto estava riscado com lágrimas, seus olhos azuis avermelhados. Ele pensou que ela nunca pareceu tão bonita.
 
— Você não deveria estar aqui até as seis — disse ela.
 
— Eu terminei cedo no castelo e vim direto para cá. E eu estou feliz que o fiz.
 
— Eu também — disse ela e escondeu o rosto contra seu pescoço, mais uma vez. Novamente, ele acariciou seus cabelos com ternura.
 
— Vamos, meu doce — disse ele. — Não há mais necessidade de ter medo. Mais uma vez, ela recostou-se em seu abraço. — Eu não estou com medo — disse ela. 
 
— Eu estou furiosa.
 
— O que aconteceu aqui? — Disse ele, em seguida, somou dois mais dois. — São estes os homens que roubaram o joalheiro? Você os pegou?
 
Ela assentiu com a cabeça, fungando. — Eu tinha planejado um belo jantar para dois e, em seguida, estes três invadiram o local — disse ela. — Eles arruinaram a sua torta de ameixa. — Ela indicou com pena os restos de recheio de ameixa, que já haviam sidos esmagados e pisoteados nas tábuas do piso várias vezes. — E então eles arruinaram o pernil de cordeiro também.
 
Gilan olhou interrogativamente para os dois homens inconscientes. O barbudo estava deitado com os joelhos dobrados até o peito, gemendo fracamente. Manchas de gordura de cordeiro tinha congelado em sua barba e seu nariz tinha sido esmagado em todos os lados, desalinhado.
 
— Então, ficaram com nosso jantar? — Gilan perguntou.
 
Jenny fungou, limpando o nariz com as costas da mão. — É isso mesmo.
 
— Bem — ele disse: — Eu não acho que eles gostaram.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A DANÇA DE NÚPCIAS
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 
 
 
 
WILL ESTAVA DEBRUÇADO SOBRE UMA PILHA DE DOCUMENTOS ESPALHADOS SOBRE A mesa, quando Halt entrou em sua cabana entre as árvores.
 
— Bom dia — disse o jovem, sem olhar. — O café está pronto.
 
Ele não foi surpreendido pela chegada de Halt. Ele ouviu o tropel de Abelard no chão macio alguns minutos atrás, seguido por um relincho de saudação de Puxão para seu amigo. Halt verificou a xícara de café de Will, que estava três quartos cheia e não precisava ser reabastecida. Ele se serviu com um copo e moveu-se para sentar-se do lado oposto na mesa.
 
O Arqueiro barbudo olhou interrogativamente para os papéis na frente de seu antigo aprendiz. Ele inclinou a cabeça ligeiramente para poder lê-los, de cabeça para baixo. Então ele assentiu para si mesmo quando decifrou o conteúdo no topo da folha.
 
— Está trabalhando na série de acidentes no castelo, pelo visto. — disse ele.
 
Will olhou para ele e balançou a cabeça. — Sim. Desmond pediu-me para olhar isso.  Ele  está  preocupado  que  eles  não  sejam  realmente acidentes. Ele acha que pode ter sido intencional. 
 
— Ele pode estar certo.  Houve muitos para ser apenas uma coincidência. Houve outro noite passada, no salão de jantar.  
 
Will levantou uma sobrancelha para isso. — O que aconteceu dessa vez?
 
Nos últimos seis dias, houve uma série de eventos potencialmente perigosos ao redor do castelo. Uma pilha de alvenaria, de alguma forma. conseguiu cair das ameias superiores para o pátio abaixo. As pedras havia sido cortadas e empilhadas, prontas para reparar alguns danos à parede, mas o pedreiro jurva que haviam sido colocada bem para trás da borda.  Depois, foi a justa7 da Escola de Guerra - um braço oscilante com um saco de areia de contrapeso, onde os alunos praticavam a suas habilidades de duelo - inexplicavelmente falhou. O braço oscilante, atingido pela lança de um estudante, de repente voou sem rumo de seu suporte e foi girando através do campo de torneios, pegando dois aprendizes do segundo ano quando caiu no chão. Em seguida uma cortina pesada, usada para dividir parte do Grande Salão durante o tempo frio, tinha caído de alguma forma de seu trilho de suporte desabando no chão, prendendo uma serva debaixo dela. A cortina tinha vários metros de altura e quatro de largura. Foi tecida a partir de um material de grande espessura e tinha um peso considerável. Felizmente, a serva saiu do incidente sem lesão grave, embora ela tenha tido uma torção dolorosa no joelho direito e ficado confinada na enfermaria por dois dias.
 
Como Desmond, principal secretário do Barão, disse, era muito a ser posto de lado, como se fosse mera coincidência.  Agora, de acordo com Halt, houve outro evento.
 
— Foi na sala de jantar — disse ele. — Aparentemente, quando os serviçais trouxeram um tonel pesado de sopa para a mesa da frente, a mesa entrou em colapso sob o seu peso e tombou. Um dos cavaleiros foi escaldado e um funcionário queimou a mão no tonel quando tentou impedir que ele caísse.
 
— Poderia ter sido pior, é claro — observou Will e Halt concordou.
 — Sim. Todos estes “acidentes” poderiam ter sido. Tivemos sorte até agora. Mas eu acho que há alguém por trás de tudo e ele ou ela tem que ser detido.
 
Will reuniu os relatórios na frente dele em um belo monte, então colocou um peso de papel de granito sobre eles para mantê-los no lugar.
 
— Eu vou subir até lá e dar uma olhada ao redor do castelo — disse ele. — Vamos ver o que eu posso encontrar. Você quer se juntar a mim?
 
Halt balançou a cabeça. — Eu vou sair com o chefe dos correios — disse ele. — Estes assaltos estão se tornando um incômodo. 
 
 Os dois Arqueiros estavam tendo um tempo ocupados. Além dos percalços no castelo que  Will  estava investigando, tinha havido uma  série  de  roubos,  com  uma  gangue  de bandidos que parava as carroças de correio e retirava qualquer coisa de valor  que carregassem. Halt estava planejando seguir a trilha com o chefe naquela manhã e ver se havia qualquer modo de pará-los.
 
7 - Justa é um desporto jogado por dois cavaleiros com armaduras montados em cavalos. Consiste numa competição marcial entre dois cavaleiros montados, usando uma variedade de armas, geralmente em grupos de três por arma (como a inclinação com um lança, golpes com machados, ou golpes com a espada), entre outros, muitas vezes, como parte de um torneio.
 
 
 
— Você está esperando problema? — Will disse.
 
— Não. Não há valores na carga de hoje. Tenho certeza que os bandidos estão recebendo informações privilegiadas sobre as remessas e atacando apenas quando valhe a pena. 
 
— Então, se nada  acontecer  hoje  você  vai  confirmar  isso? —  Will perguntou. Seu antigo mentor encolheu os ombros. — Não será uma prova  absoluta, mas vai ser uma indicação correta.
 
Will se levantou e se dirigiu  para  a  porta.  — Bem,  é  melhor eu me preparar para ir. Eu vou conversar com Desmond,  r então  dar  uma  olhada nesta mesa de jantar.
 
— Como está indo o  seu  discurso? —   Halt  perguntou,  escondendo  um sorriso. Como padrinho no próximo casamento entre Horace  e  a  princesa Cassandra, Will faria  um  discurso. Sua primeira versão havia sido queimada em uma batalha com moondarkers.
 
— Eu não tive a chance de trabalhar nele ainda. Eu vou começar em alguns dias — disse Will.
 
Halt acenou em adeus, sua cadeira inclinada nas pernas traseiras enquanto ele esvaziava o café. Will franziu a testa para ele. — Quando eu  era  seu  aprendiz,  você costumava me dizer para não fazer isso. Disse que ia soltar as pernas da cadeira.
 
— E é isso mesmo — Halt disse, sorrindo satisfeito. — Mas é sua cadeira agora, então por que eu deveria me importar?
 
 
— Esta foi cortado ao meio — Will disse, agachado ao lado  da  mesa em ruínas da sala de jantar. Ele estava estudando as pernas de cavalete que haviam apoiado uma extremidade.  Uma  delas  estava  quebrada.  Estava estilhaçada e irregular na metade  da  sua  largura,  onde  tinha quebrado. Mas a outra metade tinha sido cortada por alguma  coisa  muito precisa. Ali havia uma linha limpa e reta na madeira.
Desmond, que observava por trás dele, balançou a cabeça. — Foi mesmo. E quem quer que o fez não parece se importar se descobrirmos isso. Não há nenhuma tentativa de fazer parecer acidental.
 
Will ficou de pé, acenando para um funcionário que estava esperando nas proximidades para remover o cavalete arruinado e substituí-lo por um novo. Ele e Desmond se afastaram para continuar a conversa  em  particular. — Então, agora — ele disse — eu suponho que  você  terá  que  inspecionar todos os cavaletes antes de cada refeição - só para ter certeza  de  que um outro não vá ceder em um mau momento.
 
Desmond balançou a cabeça em desespero. — O que vai ser um maldito incômodo! E nós estamos com falta de pessoal no momento. Metade do pessoal do castelo está ajudando com a colheita - e nós temos o casamento  chegando  também.
 
Will olhou para trás, pensativo, o cavalete em ruínas,  jogado  para um lado quando os serviçais do refeitório o substituíram.
 
— É quase como se alguém  estivesse  tentando  deixar  sua  vida  mais difícil —  disse  ele.  — Quero  dizer,  esses  acidentes  são   bastante triviais. Eles poderiam ter causado maiores prejuízos. Mas o principal problema até agora é que eles estão forçando você a ser mais vigilante e inspecionar o mobiliário e as ameias regularmente. 
 
— E como eu disse, eu estou com falta de pessoal — Desmond concordou.
 
— Teve problemas com quaisquer membros da equipe  ultimamente? —  Will perguntou. 
 
— Qualquer um foi punido ou demitido? Pode ser alguém com um rancor contra você - ou contra Redmont como um todo. 
 
Desmond coçou o queixo, pensativo. — Ninguém me vem à  mente —  disse ele, em seguida, adicionando como um pensamento lhe ocorreu: — Tem Robard, é claro, mas eu tenho certeza de que ele não...
 
— Robard? — Will o interrompeu. — Quem é ele?
 
— Ele é um secretário assistente, que eu estou treinando. Ou melhor, era. Eu tive que rebaixá-lo. Ele voltou a trabalhar como garçom na  sala  de jantar por alguns meses  para  aprender  uma  lição.  Na  verdade,  — ele continuou — eu estava quase o demitindo, mas o Barão  interveio  em  seu nome. Disse que qualquer um pode cometer um erro.  
 
Ele  sugeriu  que  eu desse a ele alguns meses de trabalho duro e então o reintegrasse.
 
— O que ele fez de errado? — Will perguntou.
 
Desmond  deu  de  ombros.  — Bem,  nós  suspeitamos  que  ele  estava roubando. Nada sério, na minha opinião. Nada muito valioso. Apenas itens pequenos que pareciam extraviar-se quando a última pessoa  vista  com  eles era Robard. Eu não pude provar nada e foi por isso que  o  Barão  sugeriu que eu deveria dar Robard o benefício da dúvida. Além disso,  ele vinha tratando a equipe de aprendizes do castelo muito mal – os intimidando, sempre criticando  seu  trabalho,  nunca  mostrando-lhes  qualquer sinal de encorajamento. Sentimos que ele precisava de uma lição. 
 
— E ele estava ciente do plano para  reintegrá-lo  depois  de  alguns meses?
 
— Aaah ... bem, não. Ele não  sabia,  na  verdade —  Desmond  parecia desanimado. — Talvez eu devesse ter dito a ele que o  rebaixamento seria apenas temporário, mas eu pensei  que  seria  melhor  se  restabelecê-lo parecesse ser uma recompensa  por  um  comportamento  melhor.  Um  gesto espontâneo, por assim dizer.
 
— Então, ele pode muito bem estar se sentindo lesado. Afinal, mesmo se ele for culpado, você não pôde provar nada, então ele poderia  pensar que você está sendo duro.
 
— Isso é verdade, eu suponho. — Desmond estava  obviamente preocupado com a idéia. 
 
Ele sempre teve um fraquinho por Robard, mesmo com o  jovem tendo um pouco de espírito agressivo. O secretário chefe esperava que, quando um jovem amadurecesse, ele superasse o mau comportamento.  Agora,  o pensamento de que seu aprendiz estivesse, possivelmente, por trás dos acontecimentos potencialmente perigosos que  aconteciam  ao  redor  do castelo levou-o a duvidar de seu próprio julgamento.
 
— Parece que é melhor  eu  ter  uma  conversa  com  ele — disse  ele relutantemente.
 
Will olhou  para  ele  astutamente  por  um  momento  ou  dois.  Ele adivinhou o que estava passando pela mente do homem  mais  velho.  — Você gostaria que eu fizesse isso? — perguntou ele. — Afinal,  eu  não  tenho nenhuma história prévia com ele. — E,  acrescentou  silenciosamente,  eu serei menos provável de pegar leve.
 
Desmond olhou para ele com gratidão. — Você poderia? — disse. — Eu realmente ficaria grato se você puder fazer isso, Will.
 
Will sorriu. Lembrou-se de seu tempo como protegido no castelo Redmont que Desmond era uma pessoa gentil que não gostava de conflitos de qualquer espécie. A necessidade de  punir  um  aprendiz  privilegiado seria muito desagradável para ele.
 
— Eu vou ter o prazer  de  ajudar —  Will  disse-lhe. — Diga-lhe  que estarei às duas horas esta tarde, em um dos escritórios do barão.
 
 
Robard olhou ao redor, inquieto quando ele entrou no escritório. Will se sentara à mesa, de costas para a janela grande, de modo que ele fosse mostrado em silhueta contra o brilho da luz solar exterior. Foi por isso que ele escolheu no início da tarde como o tempo para o encontro. Ele usava a sua capa com o capuz para cima de  modo  que  seu  rosto  estava obscurecido na sombra e sua cabeça estava inclinada sobre  uma  pequena pilha de papéis sobre a mesa diante dele.
 
— Sente-se — disse ele, mantendo sua voz  neutra,  nem  amigável  nem acusadora. 
 
Havia uma cadeira de espaldar reto na frente da mesa e Robard caminhou até ela e sentou-se. Will, observando-o sob os supercílios baixos, viu que ele estava sentado nervosamente com atenção. Ele teve que admitir, no entanto, que esta não  era  nenhuma  indicação  real  de culpa  por  parte  do  aprendiz de secretário.  A  convocação  para uma conversa com um Arqueiro seria suficiente para deixar qualquer serviçal  do castelo nervoso.
 
Ele tinha visto Robard antes em várias ocasiões - geralmente jantares formais no castelo. 
 
Ele era um jovem homem atarracado, um pouco abaixo da altura média. Em poucos anos, ele provavelmente iria passar de atarracado para gordo. Já havia sinais, na densidade de suas bochechas e nos começos de uma dobra extra de carne macia.  Um  aprendiz de secretário não tinha muitas tarefas físicas árduas para realizar e esse trabalho era uma oportunidade sempre presente para entrar em lugares com boa comida e bebida.
 
Em ocasiões anteriores, Will se lembrou,  Robard  tinha  demonstrado extrema autoconfiança, beirando a arrogância. Esses traços não estavam em evidência hoje, no entanto. Depois de deixar o jovem sentar-se diante dele em silêncio por vários minutos, finalmente colocou a caneta que ele estava usando para fazer anotações totalmente sem sentido sobre a folha de papel diante de si. A folha era uma das várias que ele havia 
pegado emprestado do secretário de  Arald que descrevia o conteúdo do  celeiro  do castelo no primeiro trimestre do ano anterior.  Robard  não  iria  saber disso, é claro, e agora Will cobria a folha com uma pasta de couro para ocultar seu conteúdo real. Ele olhou para cima e jogou para trás o capuz de seu manto.
 
— Você é Robard — disse Will. Ele manteve sua voz baixa, abaixo do volume de uma conversa normal. Ele descobriu que essa técnica, muitas vezes causava desconforto  entre os suspeitos que estavam sob questionamento. Eles tinham de se esforçar para ouvir o que estava sendo dito e, muitas vezes ficavam com medo de que  pudessem    perder alguma coisa importante. Gritos estrondosos desde o  início,  por  outro  lado, muitas vezes, servia para colocar uma pessoa na defensiva.
 
Robard inclinou-se  ligeiramente.  — Hum...  sim,  senhor.  É  isso mesmo.
 
— E você sabe  por  que  está  aqui. — Era uma afirmação, não uma pergunta. Mas agora um traço de uma carranca formava-se no rosto suave de Robard. com um lampejo de incerteza.
 
— Não.Eu não sei.
 
— Não faça eu perder meu tempo, Robard.— A voz ainda estva baixa e tranquila. Mas a falta de volume de alguma forma fez com que parecesse ainda mais ameaçadora. Robard balançou a cabeça e levantou as mãos em um gesto defensivo. — Não. Realmente eu... — Will de repente bateu a palma da mão sobre a superfície da mesa. Vários dos itens ali em cima saltaram no ar, em seguida, caíram de volta no lugar novamente. O  inesperado  e  barulhento CRACK! fez Robard recuar e agora a voz não era mais tranquila.
 
— NÃO... DISPERDISSE... MEU... TEMPO! —  ele gritou.
 
Robard balançou a cabeça, impotente. — Mas eu...
 
Will estava de pé, inclinando-se sobre a mesa e enfiando o dedo na cara do aprendiz infeliz. Emoldurado contra o brilho cheio de luz da janela, ele era uma silhueta preta,  sem  rosto e sem expressão. Ele disparou uma série de acusações rápidas.
 
— As muralhas. A justa. A cortina — disse ele, espetando o dedo indicador sobre a mesa para enfatizar cada ponto. — Você pode ter acabado com eles.  Mas  você  cometeu  um  grande  erro  com  o cavalete. Você foi visto. 
 
Robard começou a protestar, mas Will não permitiu nenhuma chance  de responder e, mais  importante, não deixou tempo para ele pensar. — Dois membros do pessoal da cozinha viram você! Eles lhe identificaram e jurão que foi você que danificou o cavalete. Grande erro, Robard. Eles te viram! E eles vão depor contra você! Você está diante de dez a quinze anos de trabalho duro nos campos. 
 
— Não, eu juro que eu não sei o que você está falando!
 
— Você é estúpido? Você não está me ouvindo? Você  foi  visto!  Temos testemunhas  que viram você cortando o cavalete! Nós nem sequer precisamos de um julgamento.  Existem duas. Temos suas  declarações juramentadas! — Ele bateu com os nós dos dedos sobre a pasta de couro que continha os documentos que havia fingido estudar.
 
— Você vai ser enviado para os campos. Nas cadeias! Baron Arald ficou furioso. Ele está pronto para dar a ordem agora mesmo! Sua única esperança é confessar e pedir clemência.
 
Com aquele físico um pouco acima do peso e aquelas mãos suaves e sem marcas de Robard, Will havia astutamente adivinhado que a perspectiva de um incessante e  difícil trabalho físico seria a maior  ameaça  que  ele poderia fazer contra ele. Ele estava certo. 
 
Ele podia ver o  pânico  nos olhos do outro homem.
 
— Mas eles não poderiam ter...
 
— Eles viram! Eu te disse! Eles viram você! Você foi descuidado! Você deve ter achado que não havia ninguém na cozinha!
 
— Mas eu tive! Eu... Impulsionado  pelo  pânico e pelas implacáveis acusações de Will,  as palavras tinham deixado a boca de Robard, antes que ele tivesse tempo de considerá-las. Tarde demais,  ele percebeu o que ele tinha dito. Will se recostou na cadeira, a cabeça inclinada para um lado enquanto estudava o aprendiz de secretário.
 
— Você teve? — repetiu ele. — Você teveo quê? 
 
— Eu... eu... quer dizer... eu não. Eu  não  tive. — Robard tentou remendar, mas ele sabia que era tarde demais. Ele parecia estar entrando em colapso, encolhendo na cadeira e quase caindo ao chão.
 
Will continuou, num tom mais  calmo e ponderado,  — É  só  admitir, Robard. As coisas serão mais fáceis para você se você jogar  limpo.  Por que você fez isso?
 
— Eu estou te dizendo que não... — Robard começou, tentando recuperar sua aparência anterior de indignação. Mas foi uma tentativa de causar pena e Will rejeitou-a  com um movimento curto de sua mão.
 
— É uma estranha forma de retribuir as pessoas que se importavam com você — ele disse calmamente.
 
Robard levantou os olhos para encontrar o olhar  firme  do  Arqueiro. — Se importavam comigo? Eles me humilharam. O Barão me rebaixou para que eu fosse comandado por pessoas que tinham sido subalternos  meus. E não gostavam disso! — Acrescentou.
 
Observando-o, Will de repente teve um vislumbre de sua amargura.  Como assistente de  secretário,  Robard  tinha  desfinalado,  sem  dúvida,  a  sua arrogância para as pessoas ao   redor.  Seu  senso  de  auto-importância teria feito isso. Então, num piscar de olhos, ele era inferior as mesmas pessoas que ele tinha mandado. Não deve ter sido fácil.
 
— Por que não poderiam ter apenas me despedido? — ele disse agora e sacudiu a cabeça tristemente.
 
— Eles não queriam demiti-lo. Eles planejaram isso para  puni-lo e em seguida, reintegrálo quando pensassem que você  tivesse  aprendido  uma lição.
 
A mandíbula de Robard caiu. — Reintegrar-me? — ele disse, sua  voz  um pouco acima de um sussurro. — Quer dizer que eu poderia ter...? — Ele fez uma pausa, não sabendo  o que dizer em seguida.
 
Will balançou a cabeça. — Se você simplesmente esperasse um mês ou dois, teria estado de volta em sua antiga posição. E  você  poderia  ter aprendido um pouco sobre como tratar aqueles a sua volta. 
 
— Eu não sabia. Eles deveriam ter me dito! — Houve um lampejo da velha indignação e raiva mais uma vez - um sinal de arrogância de Robard. Tudo o que acontecesse com
Robard seria sempre culpa de alguém, nunca sua própria, Will percebeu. Ele era aquele tipo de pessoa.
 
— Então, você decidiu ensinar ao Baron Arald uma lição — disse  Will. — Você arrumou com que uma série de “acidentes” acontecesse pelo castelo, só para se vingar? 
 
Robard abriu a boca instantaneamente para uma negação imediata. Então, ele pareceu entender o desespero de sua situação. Ele fechou a boca, fez uma pausa, depois respondeu em voz baixa — Sim.
 
Seus olhos baixaram. Ele não podia encontrar o  olhar  constante  de Will, acusando-o. 
 
Houve um longo silêncio na sala. Will deixou-o continuar. Então, quando julgou que o  silêncio  tinha sido suficientemente longo para  ser  desconfortável,  ele  perguntou:
 
— Havia mais alguma coisa?
 
— Mais alguma coisa? O que você quer dizer?
 
— Além da justa, a cortina e as outras coisas. Você já fez alguma coisa que devemos saber?
 
Só por um segundo, Will viu um lampejo de algo nos olhos do rapaz. Ele olhou desconfiado com algo, mas antes que ele pudesse  ter  certeza, Robard desviou o olhar.
 
— Não — ele murmurou. — Não havia mais nada.
 
— Você tem certeza? — Will pressionou.
 
Mas Robard continuou a olhar para as mãos em seu colo, enquanto  ele dizia em uma voz quase inaudível: — Eu  tenho  certeza.  Não  havia  mais nada.
 
— Hmm — Will disse. Muito deliberadamente, ele  reabriu  a  pasta  de couro e arranhou uma nota sobre de dentro. O som  áspero  e  a  ação tiveram a intenção de transmitir a sua descrença com relação a última resposta de Robard. Ele fechou a pasta com um clique. — Vamos falar mais sobre isso amanhã. Lembre-se, as coisas  vão  correr  melhor para você se você me disser toda a verdade. E eu não acredito que chegamos a esse ponto ainda. 
 
Deixe-o pensar nisso durante  a  noite,  pensou  Will.  Amanhã,  ele iria questioná-lo ainda mais. Ele não tinha dúvida de que havia algo mais e ele estava determinado a descobrir. A sessão de amanhã, ele  prometeu a si mesmo, faria a entrevista de hoje parecer uma  conversa  amigável. Finalmente, Robard ficou desconcertado com o olhar do Arqueiro, estável e sem piscar.
 
— O que vai acontecer comigo? — ele perguntou miseravelmente.
 
Por um segundo ou dois, Will não respondeu. — Isso  não  cabe  a  mim dizer — respondeu ele. — Vou relatar a Desmond e ao Barão e eles vão decidir. Possivelmente um tempo nas masmorras. Talvez um trabalho duro nos campos de cinco a dez anos.  Quem sabe? — Ele  estava  exagerando, é claro, mas ele queria essas possibilidades pesassem na mente de Robard durante a noite.
 
— Mas na melhor das hipóteses — concluiu ele — eu imagino que você vai ter o seu desejo atendido.
 
Os olhos de Robard ergueram-se a isso. — Meu desejo? — disse. — Que desejo é esse?
 
— Você disse que eles deveriam ter demitido você.  Eu suponho que eles o farão.
2
 
 
 
 
SEIS HORAS DA MANHÃ. PÉS BATENDO NA TERRA MACIA debaixo das árvores.
 
Um som de alerta de Puxão soou do estábulo atrás da cabana  e  Will foi imediatamente acordado. Alguém estava correndo por entre as árvores, em direção a cabana.
 
Ele rolou para fora da cama e atirou a bainha dupla com cinto por cima do ombro esquerdo de modo que suas duas facas ficassem facilmente à mão. Os passos estavam mais próximos agora. Uma pessoa, ele pensou. Um homem, provavelmente, a julgar pelo peso dos passos. Ele olhou para a capa pendurada na porta e rejeitou a idéia de colocála. Vestido com as calças soltas e uma camisa grande que ele usava como roupa de dormir, foi com os pés descalços para a porta da cabana. Ebony já estava ali. Ela havia abandonado seu cobertor ao lado da lareira e farejava o vão debaixo da porta em busca de alguma identificação da pessoa de fora. Ela  olhou para ele, suas orelhas em pé alertas  e  a  cauda  varrendo  pasada  e lentamente. Ele  colocou  um  dedo  sobre  os  lábios, a  sinalizando para permanecer em silêncio.
 
O aviso de Puxão não tinha indicado qualquer senso de perigo. Era apenas um alerta de que alguém estava chegando. Will colocou o  olho sobre o olho mágico na porta  -  tão  pequeno  que  era  praticamente invisível a qualquer um do outro lado. Ele viu um serviçal do castelo subir os degraus para a varanda. O homem fez uma pausa, segurando suas  costas e respirando forte por alguns segundos, em seguida, seguiu para a porta e levantou o punho fechado para bater na madeira dura.
 
Ele recuou, assustado, quando Will abriu a porta.
 
— Oh! Arqueiro! Você está acordado! — ele disse, perplexo.
 
— Aparentemente — respondeu Will. Era o tipo de resposta seca que Halt tinha dado a ele ao longo dos anos, quando ele declarava o óbvio. Inconscientemente, ele havia imitado as maneiras de seu ex-professor. — O que posso fazer por você? —perguntou ele.
 
O serviçal - Will podia dizer pelo seu uniforme  que  ele  era  um  dos serviçais responsáveis pelo  refeitório  que respondiam a Desmond - apontou  com urgência através das árvores na direção do castelo. — Você vai ir para o castelo — disse ele. Ele ainda estava  aturdido.  Primeiro,  ele correu todo o caminho do Castelo Redmont para a cabana, e então  teve  a  porta aberta exatamente quando ele estava prestes a bater. E agora  ele  tinha esquecido a forma correta de passar uma mensagem.
 
Will levantou uma sobrancelha. — Eu vou?
 
O homem sacudiu a cabeça e fez um movimento de desculpas com  a  mão.
 
— Minhas desculpas, Arqueiro. Mestre Desmond perguntou se você, por  favor, por favor, poderia ir para o castelo tão logo quanto possível. 
 
— E há uma razão para tanta pressa nisso? — Will perguntou suavemente.
 
O serviçal acenou com a cabeça várias vezes antes de responder. — É Robard, senhor, o ex aprendiz. Ele está morto!
 
 O corpo de Robard estava deitado virado para cima perto da janela de seu quarto pequeno. Da forma que ele havia caído, parecia que ele tinha agarrado desesperadamente a cortina  pesada em frente a janela. O material grosso estava sobre sua barriga e coxas. Havia anéis despedaçados de cortina  e madeira espalhados pelo chão em volta dele.
 
Seus olhos estavam bem abertos, dando  a  seu  rosto  um  olhar  de surpresa assustada.
 
—O corpo foi movido? — Will perguntou, apoiado em um joelho ainda ao lado do corpo.
 
— Esta do jeito de como ele foi encontrado — Desmond disse a ele.  Ele esticou o olhar por cima do ombro de Will. Lhe ocorreu que tinham  adotado  posições semelhantes  no  dia  anterior,  quando  eles examinaram o cavalete.
 
Will aproximou-se da boca ligeiramente aberta de Robard e a cheirou experimentalmente. 
 
Ele pensou que poderia pegar um leve rastro de algo - algo doce e doentio. Ele olhou ao redor da sala. Havia um jarro de água sobre a pequena mesa de cabeceira,  mas  nenhum  copo.  Ele  olhou  mais longe. Nenhum sinal de um copo ou taça em qualquer lugar. A menos...
 
Cuidadosamente, ele levantou uma  ponta  da  cortina  emaranhada  e brevemente ouviu o barulho de algo beter no chão. Ele  levantou  mais  alto  a cortina e viu o copo, que havia caído do lado de Robard. A cortina o havia escondido. Havia uma pequena mancha húmida  no  chão.  Cautelosamente, Will pegou o recipiente de vidro e cheirou. O mesmo  cheiro doce e doentio alcançou suas narinas.
 
— Veneno — disse ele rapidamente, causando  um  tumulto  entre  os serviçais que tinham se amontoado  na  porta  do  quarto.  Ele  olhou  para Desmond. — Você poderia mandar essa gente embora? — perguntou ele. 
 
Desmond concordou, dando um passo em direção a eles e fazendo gestos para os espantar com as duas mãos. — Vão agora. Não há nada para vocês aqui. Vocês todos têm trabalho a fazer e não têm nada haver com isso!
 
Relutantemente eles se dispersaram e Desmond fechou a porta  atrás deles. Ele virou-se para Will, que estava pesando o copo na mão.
 
— Será suicídio, o que você acha? —  perguntou ele.
 
Will deu de ombros. — Pode ser. Encontraram alguma  nota?  Suicídas costumam deixar uma nota. Quem o encontrou?
 
— Uma das lavadeiras. Robard foi escalado para trabalhar cedo e não tinha aparecido.  
 
O  chef  enviou  um  membro  da  equipe  júnior  para acordá-lo. Ela o achou da forma como esle está e me chamou. Ele não tocou em nada - eu perguntei. E ela não disse nada sobre uma nota.
 
Will olhou ao redor da sala. Não havia nenhum sinal de uma nota. Em um canto estava uma mesa simples de madeira com uma cadeira de pinho de costas retas colocada em frente a ela. Will verificou a mesa e encontrou várias folhas de papel espalhadas a esmo na parte superior. Uma delas era uma lista de ingredientes para uma receita de sopa.  
 
Outra era uma nota de serviço para Robard com os seus horários para os próximos quatro dias. Haviam várias outras folhas, todas amassadas e cada uma contendo esboços variados de uma carta de desculpas ao Barão Arald e Desmond. Ele estava
prestes a virar quando avistou um outro pedaço de papel -  apenas o canto rasgado fora de uma folha maior, em um dos compartimentos na parte de trás da mesa de trabalho. 
 
Ele a pegou e estudou. Havia duas palavras nela, aparentemente nomes: Serafino e  Mordini.  Nomes de Toscanos, pensou. Muito exóticos. Ele entregou o  pedaço  de  papel  para  Desmond.
 
— Esses nomes significam algo para você?
 
O secretário abanou a cabeça, seu rosto confuso. — Nunca ouvi falar deles. Usamos alguns fornecedores Toscanos de vez  em  quando,  mas  eu  não reconheço esses nomes. 
 
Will pegou o pedaço de papel e colocou-o em um bolso interior.  Ele olhou ao redor e suspirou. — É triste, não é? Eu nunca vou entender suicídas. Eu suponho que você pode deixar seu pessoal voltar aqui para levá-lo para a enfermaria. Não há mais nada para ver. 
 
— Então você acha que foi suicídio? — Desmond perguntou a ele.
 
Will apertou os lábios, pensativo.  — Eu  acho  que  se  parece  com suicídio. Mas eu não gosto do fato de que não há uma nota. Acho que vou perguntar ao redor da vilta e ver se alguém ouviu falar desses dois Toscanos. — Ele bateu no peito de sua jaqueta, onde o pequeno  pedaço de papel jazia.
 
 
— Eu me lembro deles — disse  Jenny.  — Eles  jantaram  aqui  duas  vezes, enquanto eles estavam na aldeia. Eles tinham um quarto na pousada, mas disseram que preferiam  minha comida.
 
— A maioria das pessoas preferem — Will disse e ela sorriu pelo elogio.
 
— Eufaço o que posso.
 
— Qualquer  idéia  que  eles  estavam fazendo no  vilarejo? — Will perguntou.
 
Jenny balançou a cabeça. — Eu não pergunto às pessoas sobre os seus negócios. Só o que eles querem comer. Eles podem  saber  na  pousada,  é  claro — acrescentou.
 
Will balançou  a  cabeça. — Esse é o próximo lugar que eu vou perguntar.
 
Fazendo um pequeno gesto de despedida à sua velha amiga, Will caminhou até a rua principal da vila Wensley para a pousada - uma das poucas estruturas de dois andares  na rua. Era final da manhã e o estalajadeiro, Joel, estava descansando em um quarto  antes de voltar para a corrida na hora do almoço. Seu assistente saiu correndo para chamar ele a pedido de Will. Will reprimiu um sorriso. Mesmo depois de todos esses anos, ele ainda estava surpreso com a reação do povo - pessoas que ele havia conhecido em toda a sua vida – que corriam para  fazer suas vontades. Ele assumiu que era um resultado da aura de mistério  e poder que cercava o Corpo de Arqueiros. Ele não sabia que por sua causa e por sua reputação, essa aura foi intensificada muitas vezes.
 
Joel saiu do quarto dos fundos. Seu cabelo estava desgrenhado e ele estava afivelando um cinto largo na cintura. Will achava que tinha estado cochilando. Ele deu de ombros mentalmente. Por que não, pensou. Estalajadeiros ficavam horas sem dormir, muitas  vezes atendendo às necessidades de sua clientela até as primeiras horas da manhã. Era  bom senso pegar no sono sempre que uma oportunidade se oferecesse.
 
Joel estalou os dedos para o garçom no balcão e ordenou café fresco. Ele sabia como o jovem Arqueiro gostava da bebida. Eles se  sentaram em uma das mesas de pinho da estalajem. As tábuas tinham sido serradas originalmente em madeira bruta, mas anos de
serviço na estalagem, com cotovelos, canecas, pratos e por vezes esfregar cabeças nela,  havia tornado a madeira lisa e escorregadia.
 
— O que posso fazer por você, Arqueiro Will? — ele perguntou, depois  de terem trocado cumprimentos. Will olhou para cima quando o graçom colocou uma caneca de café na frente dele. Ele pingou mel dentro e tomou um gole. Então ele se inclinou para trás com um suspiro de satisfação.
 
— O café ainda é o melhor do feudo, Joel — disse  ele.  — Eu  sei  que Jenny adoraria descobrir onde adquirem seus grãos.
 
Joel sorriu. — Tenho certeza que ela  adoraria.  Mas  eu  continuo o segredo sobre meu fornecedor. Não há muitas maneiras de superar Jenny, mas meu café é uma delas.
 
Will sabia que Joel viajava a alguma distância do feudo a cada mês para encontrar o comerciante que fornecia o grão de café. A identidade do homem e as misturas do grão, era um segredo estritamente guardado. Uma vez, anos antes, Will tinha brincado com a idéia de seguir ele e revelar a identidade do comerciante de café para Jenny. Mas ele decidiu que não seria justo usar suas habilidades contra o estalajadeiro. Se Jenny queria encontrá-lo, tudo bem. Ele percebeu que Joel ainda estava à espera de uma resposta para sua pergunta.
 
— Você  teve  dois  convidados  aqui  há  alguns  dias — disse ele. — Toscanos, eu acredito.
 
Joel concordou imediatamente. — É isso mesmo. Eram compradores de lã. Signore Mordon e Seraf, ou algo do tipo.
 
— Mordini e Serafino — Will o corrigiu, e Joel  concordou  balançando sua cabeça.
 
— Sim. Era esse o nome deles. Eu nunca consigo lembrar os nomes estrangeiros muito bem.
 
— E eles eram Toscanos?
 
— Eles certamente falavam como um. É um sotaque bastante óbvio, afinal de contas.
 
Os olhos de Will se estreitaram. O sotaque Toscano  era  acentuado  e facilmente reconhecível. O que tornava tudo mais fácil para um não Toscano imitá-lo, ele pensou.
 
— E você disse que eles eram compradores de lã — perguntou ele.
 
Joel se permitiu um sorriso. — Na verdade, eles disseram isso. Eu estava apenas repetindo o que disseram. Por que você pergunta? Eles fizeram algo?
 
Will ignorou a pergunta, estava absorto em  pensamentos. — Será que eles fizeram qualquer negócio? — ele perguntou finalmente.
 
Joel deu de ombros, sua expressão sincera. — Eu não sei. Suponho que Barret seria o único a responder a isso.
 
Barret era o maior vendedor de lã no feudo. A maioria dos agricultores da área circundante enviavam sua lã para ele para venda. Ele fazia a negociação e ganhava uma comissão sobre cada venda.
 
— Sim, ele saberia. Eu vou perguntar a ele — disse Will.
 
Mas quando ele perguntou ao vendedor de lã, ele não encontrou nada.
 
— Eles nunca se aproximaram de mim, Arqueiro — disse Barret.  — Eu os conheci na taverna uma vez e Joel me disse que eles estavam no  negócio de lã. Mas eu nunca ouvi isso a partir deles. Não sei por quê. Talvez  o meu estoque não seja bom o suficiente. — Ele parecia irritado pelo fato de que ele havia sido ignorado. Ele suspeitava que o que  os  compradores Toscanos tinham encontrado um preço melhor em uma das corretoras  menores em um vilarejo distante. Se fosse esse o  caso, ele teria gostado da chance de pechinchar um pouco. Barret não gostava de perder negócios.
 
Com o cenho franzido, Will caminhou de volta para a pousada. O comércio estava agora  em pleno andamento do almoço e a taverna estava três quartos cheia. Ele chamou a  atenção de Joel e acenou-lhe para se aproximar
 
— Sobre esses Toscanos — disse ele. — Você voltou  a  usar  seu  quarto desde que partiram?
 
Joel balançou a cabeça. — O movimento tem estado lento na última semana. Trocamos os lençóis das camas. E Anna varreu o pó. Você quer olhar lá dentro? 
 
— Se você não se importa — disse Will.
 
Joel cruzou o bar e tirou a chave de uma prateleira na parede.
 
— Depois das escadas o segundo quarto à direita — disse ele. — Mas eu tenho certeza que eles não deixaram nada para trás.
 
Ele estava certo. O quarto estava limpo e vazio. Não havia nenhum sinal de que tinha sido ocupado por dois homens alguns dias antes. Ou havia? Will cheirou o ar experimentalmente. A janela tinha sido  mantida fechada e havia um traço fraco no ár... algo no quarto. Algo familiar. Um cheiro um pouco doce. Nada muito desagradável. Era apenas um  simples vestígio de um perfume e era  difícil o distinguir.  Andou ao redor do quarto, testando o ar em diferentes pontos. Em alguns  pontos, ele não podia sentí-lo. Era mais evidente nas camas.
 
— Então — disse para si mesmo. Um pouco desconfiado — temos  dois compradores de lã Toscanos que não compram lã e deixaram um cheiro fraco para trás em seu quarto... estranho. 
 
Ele desceu lentamente as escadas, ainda pensando, e colocou a  chave de volta á prateleira. Ele acenou em adeus a Joel e saiu para o sol da tarde. Só ele podia identificar esse cheiro, pensou. Ele tinha certeza que era um cheiro familiar. Mas quanto  mais  ele  tentava  identificá-lo, mais a resposta parecia escapar de seu alcance.
 
Não foi até aquela noite ele perceber o que era.
 
Ele estava traçando uma corda nova. Ele havia notado um ligeiro desgaste na que estava atualmente em seu arco e achou melhor substituí-la antes que ela deteriorasse ainda mais.
 
Formou as alças  em  cada  extremidade, prendendo-as com a rosca do arco. Então ele  enfiou a mão no kit de ferramentas para pegar um pedaço de cera de abelha para  terminar  o trabalho e ligar os fios individuais para juntá-los em um todo, formando uma corda coesa. Quando ele começou a esfregar a cera ao longo  da  corda, e pequenos flocos de cera cairam no chão, o cheiro agradavelmente  oce atingiu suas narinas. A cera de abelha! Isso é o que ele havia notado no quarto. Era usada pelos Arqueiros para fortalecer e impermeabilizar suas cordas de arco. E usado em cordas de bestas também.
 
Sua mente estava flutuando em uma suspeita de que o Toscanos não eram realmente Toscanos, mas eram  de  uma  vizinha  cidade-estado,  onde  os habitantes falavam com
um sotaque similar. Era um sotaque difícil de esconder e por isso a melhor forma para  os dois estranhos para esconder suas identidades poderia ter sido assumir um sotaque semelhante e fingirem-se de Toscanos. Em vez de Genoveses.
 
Ele não poderia dizer por que ele estava pensando em Genoveses desde que ele tinha ouvido falar da presença de dois estrangeiros na aldeia - e encontraram o seus  nomes  rabiscados  na  nota  de  Robard. Serafino e Mordini poderiam facilmente serem nomes Genovês  assim como  Toscano, e um Araluen comum não saberia a diferença entre os dois.
 
Robard morreu de forma suspeita. Talvez sua morte tivesse sido suicídio, mas não estava convencido. E parecia que sua morte fora devido a envenenamento - uma especial habilidade dos assassinos Genoveses. Anos de treinamento com Halt levou-o a não aceitar o que parecia ser o óbvio, quando havia circunstâncias fora do comum. Como Halt tinha  repetido  em muitas ocasiões: Melhor suspeitar de algo e não encontrar  nada  do  que não suspeitar de algo e achar alguma coisa.
 
— Então — disse ele em voz alta — se eles são Genoveses, o que  eles estão fazendo aqui? — Ebony levantou a cabeça ao som de sua  voz.  Então, percebendo que ele não estava falando com ela, ela deixou a cabeça cair novamente com um suspiro de contentamento.
 
A resposta mais provável era que eles estavam em Wensley para planejar um  assassinato. Era o que faziam Genoveses, mais frequentemente. Eles eram assassinos profissionais cujas armas incluíam a besta, uma multiplicidade de afiadas adagas e -  por  último, mas não menos importante - venenos em uma variedade de formas.
 
— Talvez eles estão atrás de mim e Halt — refletiu para Ebony.
 
O cão olhou para ele, movendo apenas os olhos. Em seguida, ela bateu a cauda no chão uma vez.
 
— Quem está atrás de mim agora? — perguntou uma voz atrás dele e ele se virou para  ver Halt sorrindo para ele. Arqueiros gostavam de surpreender uns aos outros com  o  seus movimentos silenciosos e habilidades de ocultação. Normalmente, Will era difícil de  ser pego desprevenido, mas esta noite ele estava preocupado com os pensamentos dos estrangeiros misteriosos.
 
Halt estava enlameado e cansado após um longo dia na sela, junto chefe do correio - sem sucesso, já que havia voltado. Ele tinha parado pela cabana para redigir o relatório das atividades do dia, enquanto elas ainda estavam frescas em sua mente. Então, ele  iria tomar um banho quente, seguido de um jantar com Pauline.
 
Rapidamente, Will expôs suas suspeitas. Halt ouviu, franzindo a testa.
 
— É um grande salto dois comerciantes de lã Toscanos se transformarem em dois assassinos Genoveses - tudo por causa de um pouco de cera de abelha — disse ele quando o seu ex-aprendiz já tinha terminado.
 
— Só que eles não compraram nenhuma lã e seus nomes estavam na  nota de Robard. E ele morreu por envenenamento — Will acrescentou.
 
— É verdade — admitiu Halt. — Qualquer idéia de onde eles podem estar agora? Will balançou a cabeça. — Ninguém sabia onde eles estavam indo. Mas atenção, eles poderiam estar acampados na floresta em algum lugar por perto.
 
— O que faz você pensar que você e eu podemos ser as  suas  vítimas? — Halt perguntou.
 — Eu realmente não sei —, disse Will. — Foi apenas uma conjectura. Quem mais aqui é que eles têm razão para odiar? Algum tempo antes, em Hibernia, em seguida, ao norte de Araluen, os dois Arqueiros encontraram com três mercenários Genoveses. O resultado foi três assassinos mortos, embora Halt quase tivesse perdido a vida no processo. Mas Halt recusou a ideia de vingança.
 
— Não é uma questão de quem eles odeiam — disse ele, com seu desprezo habitual para a forma de agir dos Genoveses. — Isso não é seu estilo. Eles matam por dinheiro,  não por vingança. Você tem que encontrar alguém que odeie alguém - alguém os que pague.Houve um breve silêncio enquanto refletiam sobre a situação. Então, vendo que nenhuma resposta parecia vir à mente, Will perguntou sobre  as atividades de Halt.
 
— Nada — o Arqueiro de barba grisalha disse com desgosto. — Eu segui quilometros, através de rios, através de vales, mas caiu uma chuva por duas horas e eu fiquei encharcado. E nenhum sinal de bandidos.
 
— Talvez eles te viram —disse Will, e foi recompensado com um  olhar gélido de seu mentor. Quando um Arqueiro não queria ser visto, ele não era visto. — Desculpe — Will acrescentou mansamente.  — Quando  é  a  próxima viagem?
 
— Dez dias — disse Halt. — E é muito longe. Eu  não  posso  fazê-la  e voltar para o  casamento.
 
— Pauline não vai gostar disso. — Will sorriu e Halt olhou para ele.
 
— Ela já deixou isso bem claro — disse  ele. — Qualquer progresso com o discurso? Will fez uma careta. — Eu tenho estado um pouco ocupado recentemente. Eu chegar nele.
 
Halt levantou uma sobrancelha.  — O tempo está passando todos os dias — disse ele suavemente.O casamento aconteceria naquele mês. Já, dignitários estavam começando a chegar a Redmont.
 
— Por que o casamento não é realizado no Castelo Araluen? — Will perguntou. Ele estava pensando sobre isso a algum tempo.
 
— Aparentemente, o salão está sendo reformado e não estará pronto a tempo. Além disso, Evanlyn acha que toda a coisa será mais informal e amigável aqui. Um pouco menos magnífico foi o termo que ela usou. Extraoficialmente, Duncan gostou da idéia de ter Jenny e Mestre Chubb fazendo a comida. 
 
— Ainda assim, ele poderia ter os mandado fazer o banquete em Araluen — disse Will, mas Halt balançou a cabeça gravemente.
 
— Isso teria colocado o chef fora de seu lugar. Nunca é uma coisa sábia um Rei irritar  seu  chefe. Muito fácil ele deixar escapar algo desagradável em sua comida e...  No mesmo instante, ambos perceberam a importância do que eles estavam dizendo. O Rei estaria aqui em Redmont no final do mês - juntamente com outros nobres e governantes de vários países estrangeiros.
 
— O que você acha? — Will perguntou. Não havia  necessidade  para  ele soletrar o significado. Seus pensamentos estavam em sintonia.
 
— Eu acho que é tudo circunstancial e vago — disse  Halt.  — Mas  acho que você deve investigar completamente.
 
 
 
3
 
 
 
DURANTE OS DIAS SEGUINTES, WILL CRUZOU A PAISAGEM CIRCUNDANTE, em busca de vestígios dos dois comerciantes de lã estrangeiros. Ele perguntou em aldeias e vilas, mas os homens não tinha sido visto em qualquer lugar. Ele também passou o pente fino em bosques e as florestas, no caso de os dois homens estarem acampando em algum lugar nas proximidades. Mas ele não encontrou nada. Depois de vários dias, a urgência saiu de sua busca e ele começou a pensar que ele tinha exagerado. Quando ele obrigou-se a pensar sobre isso, ele poderia chegar a uma meia dúzia de explicações plausíveis para a evidência de que ele havia descoberto, nenhuma das quais envolviam assassinato.
 
Além disso, as coisas em Redmont ficavam cada vez mais agitadas com a chegada de dignitários locais e do exterior.
 
O primeiro deles foi Erak, Oberjarl dos escandinavos. De maneira típica, Erak evitava viajar por terra a cavalo, mas navegou pelo rio Tarbus com seu velho navio, Wolfwind.  Quando ele se aproximou do pequeno cais na periferia da Vila Wensley, seus homens içaram uma bandeira longa ao mastro. Will não pode reprimir um sorriso quando ele a reconheceu. Era o estandarte pessoal de Evanlyn - ou, mais corretamente, da princesa Cassandra - com um falcão inclinado. Erak havia navegado com o estandarte a muitos anos atrás, quando ele havia trazido Cassandra, com Halt, Will e Horace, para Castelo Araluen. Naquela época, encheria o coração de todos com medo ver um wolfishp no interior de Araluem. Agora, com um tratado em vigor há muitos anos, esses medos eram improváveis.
 
— Nós vamos ter que pedir a ele devolver isso um dia destes — Halt disse a Will enquanto eles assistiam a abordagem navio.
 
Will sorriu. — Alguma vez você já convenceu um Escandinavo de devolver alguma coisa?
 
Halt balançou a cabeça tristemente. Em seguida, eles desceu o cais para receber seu velho amigo e aliado, filosoficamente resignando-se à ficar com costelas machucadas que resultariam de saudação entusiasmada de Erak.
 
Quando recuperou o fôlego, Will comentou sobre o fato de que Erak ainda não ter adoptado o novo estilo Heron de vela plana para seu navio venerável. Erak sorriu.
 
— Nós dois estamos muito velhos para mudar nossos costumes — disse ele alegremente. — Além disso, faz com que minha boa tripulação deem remadas extras.  Eles estão ficando gordo e complacentes. 
 
Alguns dias mais tarde, a cerimônia de saudação foi repetida quando Seley el'then, o Wakir da província Arridi de Al Shabah, chegou. Will procurou através de sua comitiva em busca de um rosto familiar.
 
— Umar não veio? — Disse, com um pouco de decepção.
 
Selethen balançou a cabeça. — Infelizmente, ele é muito apreciador das areias de seu deserto. A perspectiva de colocar o pé em um navio foi demais para ele.
 
— Fico muito triste em ouvir isso — disse Will. Umar e sua tribo Bedullin o havia resgatado da morte no deserto ardente, quando ele tinha ido em busca de Puxão, perdido em uma tempestade de areia.
 
Selethen sorriu maliciosamente. — Assim como sua esposa. Ela estava ansiosa para o casamento. Temo que Umar vai sofrer por isso. 
 
Em toda a animação da acomodação dos Escandinavos e Arridis em seus aposentos, a questão dos comerciantes de lã Toscanos escorregou de consciência de Will até que, por sorte, ele encontrou com Desmond uma tarde. O secretário chefe acenou para ele enquanto caminhava através do pátio para resolver a questão do estábulo que seria usado para as tropas de cavalos Arridi.
 
— Wiil! — Desmond disse. — Eu estou precisando te mostrar uma coisa.
 
Ele entregou um pedaço de papel que tinham sido obviamente amassado em uma bola, e em seguida, desdobrado e alizado. Will estudou com interesse suave. Parecia ser um cronograma da mesa para um banquete.
 
De um lado foi uma série de anotações. Will as leu, franzindo a testa.
 
Entrada. Serviço de refeição e Discursos. Dança. Partida. A visão da palavra Discursos trouxe um sentimento de culpa. Ele realmente deveria fazer algo o seu próprio discurso, ele pensou. Ele olhou mais perto. Havia uma pequena marca ao lado da palavra Dança e ele a estudou por um segundo ou dois. Ele percebeu o lado esquerdo da página tinha sido fortemente riscado. Ele apontou para ela.
 
— O que é isso? — Perguntou ele.
 
Desmond assentiu. — Sim. Gostaria de saber sobre isso também. Então eu verifiquei e percebi que nós haviamos mudado o cronograma para está parte da sala quando ouvimos que teríamos dois barcos lotados de escandinavos. Tivemos de colocar a delegação de Galica lá - eles não gostam de nossos amigos Escandinavos .
 
Entendimento surgiu em Will. — Este é o cronograma de assentos para a festa de casamento? — Disse ele e quando Desmond assentiu, ele acrescentou: — De onde veio isso? — Mesmo enquato ele pediu, ele tinha a sensação de que ele já sabia.
 
— Nós a encontramos na sala de Robard. Ele tinha um pequeno cesto que ele usava como lixo. Estava sob a cortina caida, por isso que não foi notado. Uma dos empregadas encontrou um ou dois dias mais tarde, quando ela estava arrumando a casa. Ela a colocou de lado, mas se esqueceu de dar para mim até ontem. 
 
— Por que ele tinha isso? — Will perguntou.
 
Desmond deu de ombros casualmente. — Não é incomum. Mesmo que tivesse rebaixado ele, eu ainda o usava para ajudar no planejamento de mesa e arranjos do assento. 
 
Will apalpou o queixo, pensativo. Apesar da garantia de Desmond, suas suspeitas foram despertadas. Ele estudou o desenho e notou outra pequena marca, desta vez entre dois
contrafortes na parede leste.
 
— O que é isso? — Ele perguntou, e Desmond se inclinou para olhar.
 
Ele deu de ombros, seu rosto em branco. — Não tenho ideia — disse ele. — Podia ser apenas uma marca no papel ou uma mancha de algum tipo. É muito fraco. 
 
— É mesmo em frente à mesa de noiva —, Will apontou. Um grande retângulo marcado a posição onde a festa de casamento seria sentado em uma plataforma elevada.
 
Desmond simplesmente deu de ombros novamente. Ele não parecia pensar que havia qualquer motivo para alarme. Will bateu a folha de papel com as costas da mão.
 
— Vamos dar uma olhada neste local — disse ele, e ele se afastou em direção ao portão, Desmond correndo atrás dele.
 
Serviçais já estavam trabalhando no Grande Salão, construindo a elevada plataforma onde Cassandra, Horace, Duncan, Will e Alyss ficariam assentado. O cheiro de pinheiros recém cortados encheu o ar.
 
Will se posicionou entre os dois contrafortes. Estavam a quatro metros de distância, e como ele tinha notado, ali colocá-lo em frente à plataforma.
 
Desmond estava ao lado dele, mais do que um pouco curioso. — O que você está preocupado? — Disse.
 
Will fez gesto na direção da plataforma semi-construído. — Eu estou pensando que este seria um ponto de vista ideal, se alguém quisesse prejudicar o Rei. Os contrafortes poderiam muito bem esconder um atacante de vista — respondeu Will.
 
Mas antes de ele terminar a frase, Desmond estava balançando a cabeça. — Não no dia — disse ele, apontando para o desenho. — No dia, esta área terá pessoas e mesas.  Haverá pelo menos trinta pessoas que terão uma visão clara deste ponto. Eu acho que você está imaginando coisas, Will. 
 
Mas Will não estava convencido. — Talvez — disse ele. Em seguida, ele acrescentou  — Eu vou ficar com esse esboço, se você não se importa.
 
Desmond fez um gesto amplo com as mãos. — Fique a vontade. Agora, se você não precisa de mim mais, eu tenho uma ou duas coisas para fazer. 
 
— Apenas uma ou duas? — Will sorriu. Ele sabia que o mordomo chefe corria para lá e para cá com os preparativos para o casamento. Desmond revirou os olhos tristemente.
 
— Digamos uma ou duzentas — disse ele.
 
 
Mais tarde naquela noite, Will sentou-se por algum tempo, uma caneca de café gradualmente esfriando ao lado dele, enquanto ele estudava o desenho áspero, tentando dar sentido à marcas enigmáticas. Uma pequena cruz ao lado da palavra Dança. E outra marca, talvez nada mais do que um defeito, contra a parede entre os contrafortes.
 
Desmond estava certo, ele percebeu. Um besteiro não teria chance de permanecer invisível lá, com a área cheia de os hóspedes felizes e ruidosos.
 
Além disso, mesmo se houvesse uma maneira que ele poderia permanecer invisível, sua visão da plataforma seria constantemente obstruída por pessoas indo e vindo, cumprimentando a outro, passando de uma mesa para outra, e por uma procissão constante de serviçais trazendo comida e vinho.
 
Ele verificou a cópia da distribuição das mesas que Desmond lhe dera e ficou ainda mais tranquilo. A mesa montada entre os contrafortes tinha sido reservada para a tripulação de dos lobos do mar de Gundar Hardstriker. Com uma grande quantidade escandinavos excitáveis por perto, de repente, este não seria lugar, para mostrar qualquer espécie de armamento.
 
Sentindo-se um pouco melhor sobre as coisas, ele definiu o plano de assentos para o lado e pegou sua caneta e uma folha de papel. Talvez ele devesse começar com seu discurso, ele pensou.
 
— Sua Majestade, Sua Excelência, sua... — Ele fez uma pausa, sem saber o título honroso que ele deveria usar para Erak, Oberjarl dos Escandinavos. Em todos os anos que ele tinha conhecido Erak, ele nunca teve que lidar com um discurso formal para ele.  Sua caneta pairou incerta e uma gota de tinta caiu sobre o papel. Ele estudou. Era como a marca contra a palavra Dança, ele pensou. Bastante fácil de uma marca como essa acontecer. Ele olhou para o cronograma de assentos, em seguida, de volta ao discuros que tentava conceber. Nem por sua vida ele não conseguia se lembrar de como ele tinha começado o último. Talvez fosse uma coisa boa, pensou sombriamente. Não deveria ter sido muito memorável.
 
Ele clicou a top fechada tinteiro e colocou a caneta. — Eu vou fazê-lo amanhã — disse ele em voz alta. Ebony levantou a cabeça e olhou para ele com ceticismo. — Eu vou — insistiu.
 
Então ele se levantou da mesa e foi para a cama. Mas ainda havia um pequeno verme de dúvida corroendo sua mente e ele levou algum tempo para cair no sono.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4
 
 
 
DOIS DIAS DEPOIS, O ASSUNTO FOI AFASTADO DE SUA MENTE PELA chegada de Wolfwill.
 
O navio elegante, com sua vela triangular curvada transportado em força contra um vento feixe, bastante voou até o último trecho das Tarbus. A palavra com sua chegada iminente tinha vindo à frente e havia uma grande multidão reunida para saudá-lo. Erak, ao lado de Will, suspirou enquanto observava a abordagem graciosa do navio, uma onda de proa de branco em sua parte dianteira do pé.
 
— Os tempos mudam, jovem Will — ele disse em um tom abaixado.
 
Will olhou para o Oberjarl maciço e viu um olhar de tristeza em seus olhos. Erak sentia falta dos velhos tempos de liberdade, quando ele e sua tripulação percorriam o mundo, atacando, pilhando e brigando. Will sentiu que Erak gostaria de voltar a esses tempos, e utilizar um navio como Wolfwill. Por mais que ele professasse a amar seu velho wolfship de vela quadrada, o mais recente projeto, com toda sua velocidade e graça, era algo que nenhum marinheiro de verdade podia olhar sem sentir inveja.
 
Quando o navio estava a menos de quarenta metros do cais, os espectadores ouviram uma ordem afiada da figura corpulenta em direção aos remos - Gundar. Marinheiros agiram rapidamente para obedecer-lhe e a longa curva foi percorrida rapidamente, o vento soprando a vela enquanto a tripulação a reuniua e dobrava.
 
Ao mesmo tempo, uma bandeira foi desfraldada a partir do topo do mastro: três cerejas estilizados sobre um fundo azul claro. O veloz Wolfwill tinha sido atribuído com a maior viagem de todas, trazendo seus convidados da maior distância a percorrer.
 
Shigeru, Imperador de Nihon-Ja, havia chegado para o casamento de seu amigo.
 
Embora sua chegada era esperada por alguns dias, a visão da bandeira era a prova concreta e a grande multidão eclodiu em um coro de aplausos.
 
Então a pequena figura do Imperador caminhou rapidamente para baixo do convés principal do navio, para tomar uma posição na proa, observando enquanto o Wolfwill navegava suavemente até o cais, o última modo de segui-lo impedido quando alcançou as estacas de madeira.
 
O navio bateu suavemente contra o cais e os aplausos redobraram quando Shigeru saltou agilmente sobre o baluarte e caminhou até as tábuas ásperas, ladeado pelo comandante da sua guarda pessoal. A dúzia de guerreiros Senshi que compunham sua guarda foram pegos de surpresa pela ação impulsiva do Imperador. Eles cambalearam até terra firme para segui-lo, às pressas formando duas fileiras, marchando atrás dele com a postura peculiar de pernas rígidas dos Senshi.
 
Rei Duncan reagiu mais rapidamente do que eles. Vendo Shigeru saltar a terra, ele caminhou rapidamente para a frente para encontrá-lo. Parando a poucos metros do pequeno governante Nihon-Jan, Duncan se curvou profundamente a partir da cintura. Um murmúrio de surpresa correu em torno dos Araluens reunidos. A maioria deles nunca tinha visto o seu Rei curvar-se para qualquer homem. Os olhos de Shigeru brilharam e ele se inclinou por sua vez. Estando mais acostumados com a ação, ele curvou-se ainda mais baixo que Duncan. Os dois governantes ficaram assim, curvados, com olhar para
baixo, por alguns segundos. Então, Shigeru falou.
 
— Eu não tenho certeza sobre você, Sua Majestade, mas minhas costas estão me matando.
 
Duncan sufocou um latido curto de riso, em seguida, respondeu em um tom baixo. — Talvez devêssemos endireitar-se, Excelência. Se ficarmos assim por muito tempo, nós nunca conseguiremos voltar.
 
Os dois líderes permaneceram em pé e olharam um para o outro. Duncan, alto e de ombros largos, seu cabelo cor de ferrugem começando a mostrar cinza nas têmporas e na sua barba. Shigeru, bem barbeado e muito menor, mas com forte resistência e uma irreprimível energia e curiosidade.
 
— Bem-vindo ao Araluen — disse Duncan.
 
Shigeru assentiu uma confirmação. — É um prazer Eu esive ansioso á algum tempo.
 
Então ele olhou para além Duncan e seu rosto se iluminou com verdadeiro prazer quando viu uma figura alta se aproximando da multidão.
 
— Kurokuma! — Disse ele, e Horace quase correu os últimos passos, evitando por pouco o sacrilégio de quase de jogar o Rei de lado enquanto cumprimentava seu amigo. Os dois se abraçaram, a pequena figura do Imperador ofuscado pelo jovem guerreiro.
 
— Eu estava preocupado que você não chegasse a tempo. — disse Horace. Havia vestígios de lágrimas em seus olhos quando ele recuou e, um pouco tardiamente, curvouse ao Imperador. Shigeru sorriu e retornou a saudação formal.
 
— Não havia nada para me impedir de vir — disse ele à medida que se endireitou. — Meu império está seguro com a intendência do Lorde Ni-matsu e seus guerreiros Hasanu. Horace sorriu. — É preciso um homem corajoso para discutir com eles — disse ele. 
 
Então, lembrando as suas maneiras, ele se afastou para Selethen inaugurar os cumprimenros. O Arridi alto fez sua saudação habitual graciosa e cumprimentou o imperador como um velho amigo. Então, era hora de introduzir um outro convidado de honra. Um pouco incerta, não tenho certeza do resultado possível, Horace fez as apresentações.
 
— Lorde Shigeru, Imperador de Nihon-Ja, por favor, conheça Erak, Oberjarl da Escándivia.
 
Erak avançou, pés afastados, polegares enfiados em seu cinto. A posição de Oberjarl era eletiva e escandinavos não acreditavam em qualquer direito hereditário de governar. Por esta razão, e para demonstrar sua natureza independente, Erak nunca referia-se a Duncan como “Sua Majestade” abordando-o em vez disso, sua posição - Rei. Ele estava determinado a não mostrar qualquer maior deferência a este governante do leste do tamanha de um esquilo. Ele deu um aceno superficial de sua cabeça, em vez de um arco e disse rispidamente: — Como está, Imperador?
 
Os lábios de Shigeru torceram e ele tentou suprimir um sorriso. Ele tinha aprendido muito sobre escandinavos em sua viagem a bordo do Wolfwill. Ele imitou o aceno de Erak e seu tom ríspido perfeitamente. — Eu vou muito bem, Erak-san. Como está você?
 
Preparado para uma reação escandalizada, Erak foi um pouco surpreendido pela rápida adaptação de discurso do Imperador. Então ele riu deliciado, e virou-se para Horace. — Pelas barbas trançadas de Gorlog! Ele vai servir, jovem Horace, ele definitivamente vai servir!
 
Apenas a tempo, Horace percebeu que Erak estava prestes a bater costas do imperador, então ele pegou a mão enorme de Erak. — Não é uma boa ideia, Erak — disse ele.
 
Erak ficou intrigado por um momento e então percebeu que seis dos Senshi do Imperador tinha agachado-se, suas espadas curvas na metade do comprimento a partir de sua bainhas.  — Ah... sim. Eu vejo. Não gostaria de antagonizar os galos de briga. — Ele virou e fez um gesto vago na direção do Imperador.
 
Will deu um passo à frente e po sua vez cumprimentou.
 
— É bom ver você de novo, Chocho-san — o Imperador disse calorosamente. — Arrissan está aqui também?
 
 —Ela está ajudando a princesa com seus preparativos, Lorde Shigeru. Vamos vê-las hoje à noite. Barão Arald organizou um jantar privado para recebê-lo.
 
Shigeru sorriu. — Estou ansioso para ver ambas, Chocho.
 
Atrás dele, Will ouviu Erak pedir ninguém em particular — Chocho? O que é esse negócio Chocho? 
 
Seu tom não deixou nenhuma dúvida de que ele sabia exatamente o que significava Chocho. Will adivinhou que Gundar deve ter dito a ele em algum momento. O apelido de Will entre as pessoas de Nihon-Jan era Chocho, ou borboleta, e o fez alvo contínuo de diversas piadas no passado. Agora, ele adivinhou, vendo uma luz travessa nos olhos de Erak, que iria começar tudo de novo.
 
O jantar naquela noite foi uma ocasião feliz, reunindo velhos amigos que não tinham visto um ao outro por muitos meses. Mestre Chubb tinha decidido afirmar o seu domínio e decidiu que ele iria atender, sem a ajuda de Jenny. Tanto quanto admirava a habilidade e ingenuidade de sua ex-aprendiz, de vez em quando ele gostava de lembrar ao mundo sobre quem lhe havia ensinado seu ofício.
 
Como o Barão Arald observada no final da refeição, sub-repticiamente deixando seu cinto de fora mais uma marca: — Esse espírito de competição entre Jenny e Chubb é uma das melhores coisas que já aconteceu para mim. 
 
O grupo se desfez cedo, com a maioria dos convidados felizes em buscar suas camas. 
 
Duncan foi o anfitrião oficial do jantar e assim foi o último a sair. Quando ele e Cassandra caminharam até a porta do quarto de jantar informal do Barão, Will encontrou-se com eles.
 
— Sua Majestade. Eu poderia ter uma palavra? — Então, vendo que a princesa estava prestes a deixá-los sozinhos, ele acrescentou — Por favor, fique, Evanlyn. Isto diz respeito você também. 
 
Muitos anos atrás, ele havia desistido do esforço de pensar de em velha amiga como Cassandra. Ela tinha sido Evanlyn quando eles se encontraram e ela seria sempre assim para ele. Eles se sentaram em uma mesa do lado, em cadeiras confortáveis. Um dos serviçais perguntou se eles gostariam de vinho. Duncan assentiu, mas Will perguntou por café.
 
— Não posso beber café agora — Duncan murmurou. — Eu ficaria acordado a noite toda.
 
— Eu não tenho esse problema, Sua Majestade — disse Will. Em seguida, ele acrescentou, com um toque de um sorriso: — Minha consciência clara me deixa dormir
em paz.
 
Evanlyn bufou de escárnio. — Se alguma vez houve um Arqueiro com uma consciência clara, certamente não foi você, você intrigante. Como está indo seu discurso? — É parecia que todos tinham ouvido falar sobre seu discurso original e sua destruição no fogo os moondarkers.
 
Será que deu de ombros. — Eu vou trabalhar nele amanhã — disse ele. — Eu tenho estado um pouco distraído.
 
— Então, Will, — o rei disse: — o que você quer dizer?
 
Rapidamente, Will expôs sua investigação sobre a morte de Robard, os comerciantes de lã Toscano e suas suspeitas de que eles possam, de fato, ser Genoveses.
 
Quando ele terminou, Will percebeu que nem Duncan nem Evanlyn partilhavam de sua preocupação.
 
— É circunstancial, Will, e as chances são que todas estas coisas podem ser coincidência. Robard pode muito bem ter se matado em face aos anos de difícil trabalho. 
 
E os Toscanos poderia muito bem ser Toscanos. — Ele estava prestes a perguntar se ele havia compartilhou de suas suspeitas com Halt, e se Halt tinha qualquer opinião sobre o assunto. Então ele percebeu que seria um desserviço para o jovem Arqueiro. A opinião de Will é tão válida quanto a de Halt, Duncan percebeu.
 
Will balançou a cabeça obstinadamente. — Eu não gosto de coincidências, sua majestade.
 
Duncan assentiu gravemente. — Ainda assim, eles acontecem e com mais frequência do que seria de esperar.
 
— Você tem alguma sugestão quanto ao que podemos fazer, Will? — Evanlyn perguntou.
 
Ele foi responder, então hesitou. — Bem, eu acho que nós podemos...  Evanlyn inclinou a cabeça para ele e franziu a testa. — Você não vai dizer “adiar o casamento” não é ? — Ela disse, e ele deu de ombros, impotente.
 
— Nós vam... — Ele começou, mas ela o interrompeu imediatamente.
 
— Porque não é definitivamente uma opção. Nós não vamos adiar. Nós não vam,os mudar para outro local. Essa não é a forma como fazemos as coisas.
 
— Will — disse Duncan, em um tom mais raciocínio, — nós realmente apreciamos o quanto você se preocupa com a nossa segurança. Mas, você tem alguma ideia de quantos alarmes falsos, quantas ameaças à nossa vida, nós recebemos a cada ano?
 
—Não. Eu.. 
 
—Deve haver dezenas! — Evanlyn disse a ele. Ela olhou para o pai. — Quando foi a mais recente, pai?
 
Duncan pensou por alguns segundos. — Pelo que me lembro, a menos de três semanas atrás. Tivemos relatos de que alguns dos ex-companheiros Morgarath estavam planejando raptar-me, enquanto eu estava caçando. Tudo deu em nada, é claro.
 
— É parte integrante de ser ad família real — Evanlyn disse Will. — Há sempre esses rumores e suspeitas. A maior parte deles são de longe mais concretas e detalhadas do que este conjunto de circunstâncias que você descobriu. E a grande maioria deles,
noventa e nove de cem não dão em nada. 
 
— Como Cassandra diz, é tudo parte de ser Rei — Duncan acrescentou. — Nós temos que viver com isso. Tomamos precauções, é claro, mas não podemos deixar vagos rumores ou coincidências como esta governar nossas vidas. Se nos curvamos a eles, nós nunca vamos ter qualquer vida que valesse a pena contar.
 
— Nós vamos ficar trancados em nosso castelo durante todo o dia e noite, como flores de estufa. — Evanlyn sorriu para ele. — E você sabe que não é o meu estilo.
 
Com isso, Will foi forçado a sorrir em troca. Foi um sorriso pálido e pequeno, mas ainda assim um sorriso. A ideia de Evanlyn, ou Cassandra, permanecendo trancada em Castelo Araluen como uma flor frágil em uma estufa era tão totalmente estranho à sua natureza que ele não poderia começar a pensar.
 
Duncan colocou uma mão em seu ombro. — Nós não estamos descontando isso, Will. 
 
Nós nunca ignoramos essas coisas completamente. Mas, como as ameaças ao nosso bem-estar, esta é bem baixa na escala de credibilidade. Fique de olho nas coisas de qualquer forma, e se há qualquer alteração, qualquer informação adicional, deixe-nos saber. 
 
— E nós ainda não vamos adiar o casamento — Evanlyn disse com firmeza. Seu pai sorriu para ela, então incluíu Will no sorriso.
 
— Como ela disser — ele afirmou.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
OS DIAS SE TORNARAM MAIS FRENÉTICOS, E ANTES QUE SOUBESSE, o dia do casamento tinha chegado. Ele vestiu-se no seu uniforme cerimonial, projetado por Crowley alguns anos atras para o casamento de Halt e Pauline, e verificou-se no espelho antes de deixar a cabana. Ele deu um tapinha nos seus bolsos do uniforme para assegurar-se que não faltava nada, percebeu com um susto que ele nunca tinha chegado a reescrever o seu discurso. Ele rolou os seus olhos na sua imagem no espelho.  
 
— Ah, bem — disse ele. — Todo mundo me diz que eu deveria falar com o coração.
 
Era um belo dia de sol e o casamento seria realizado ao ar livre - no pátio do Castelo Redmont, onde centenas de espectadores pudessem assistir. Nas ameias estavam o pessoal do castelo e as pessoas da aldeia, e uma seção do pátio tinha sido posta de lado por Arald para os aldeões e os funcionários comemorarem mais tarde. Já, vários bois e javalis se tranformavam em espetos sobre fogueiras. O aroma esfumaçado de carne assada moveu-se pelo pátio. 
 
Arald executaria a cerimônia. O Rei, é claro, entregaria sua filha. Shigeru havia sido concedido a posição honrada de patrono patrocinador do casamento. Quando ele perguntou educadamente sobre suas funções, Duncan sorriu e dirigiu-lhe a Lady Pauline.
 
 — Pergunte a Pauline — Disse ao monarca de Nihon-Jan. — Ela inventou a posição para mim em seu casamento.
 
Evanlyn, desprezando a prática elegante, apareceu na hora certa para o casamento. Ela surgiu a partir do castelo, escoltada pelo rei Duncan e acompanhada por Alyss, sua dama de honra, e houve um suspiro de admiração da multidão reunida.
 
— Ooooooohhhhhhhh!
 
Duncan sorria orgulhosamente, sua filha estava linda. Mais uma vez, tipicamente, ela tinha ignorado a moda atual, que exigia das noivas usarem vestidos volumosos com trens longos e camada depois de camada de renda.
 
Ela usava um vestido simples, mas elegante de cetim branco, e estreito que acentuava seu corpo esbelto. Havia um pequeno véu em seus cabelos claros e ela parecia pequena e delicada ao lado de seu pai alto de ombros largos.
 
Will, em pé ao lado de Horace no estrado onde a cerimônia aconteceria, olhou para Evanlyn, acenou com a cabeça em aprovação, e depois só tinha olhos para a menina loira andando graciosamente atrás dela. 
 
Alyss usava uma versão formalizada de seu uniforme de Mensageira, um estilo que deixou um ombro descoberto. Para diferenciar à noiva, a cor branca padrão dos Mensageiros tinha sido alterada nesta ocasião para azul pálido. Ela esta linda, pensou Will, e seu coração inchou em seu peito.
 
Ao lado dele, seu melhor amigo tinha o olhar fixo em sua noiva. Horace, sendo um cavaleiro, usava uma armadura cerimonial para a ocasião - uma armadura prata reluzente e usava uma túnica branca com a insígnia da folha de carvalho verde. No seu lado ele usava a espada de aço de Nihon-Jan que tinha sido entregue a ele pelo Imperador meses atrás. A sua mão esquerda apertava o punho da espada enquanto ele
observava a chegada da procissão do casamento.
 
— Meu Deus, ela é linda — ele sussurrou para Will.
 
— Realmente ela é — o jovem Arqueiro respondeu.  Nenhum deles sabia que eles estavam falando de duas pessoas diferentes. Arald realizou a cerimônia com a mistura correta de solenidade e simpatia. Felizmente, Lady Sandra tinha-o advertido a não fazer suas piadas. Com tristeza, ele tinha concordado.
 
— Eu temo que meu humor é muito inteligente para a maioria das pessoas — ele disse. 
 
— Parece ir sobre suas cabeças. 
 
— Eu tenho certeza que é exatamente o que ela faz, querido — Sua esposa respondeu, dando um tapinha na sua mão.
 
Foi uma cerimônia curta e passou poucos minutos até que ele proferiu as palavras finais.
 
 — Eu vos declaro marido e mulher. Você pode... 
 
Horace, sem esperar por mais convite ou permissão, puxou Cassandra em seus braços e beijou-a longa e profundamente.Ela respondeu bem animadamente. A multidão aplaudiu com prazer, assustando as andorinhas que estavam aninhados em cantos ao longo das muralhas voando para o ar em um tributo de aves para os recém-casados. Duncan Irradiava orgulho e ao mesmo tempo limpava uma lágrima. Alyss e Will trocaram sorrisos sabendo. 
 
— ...Beijar a noiva - eu suponho —  Arald concluiu, sentindo que as palavras eram inúteis à luz dos acontecimentos. Então havia um clamor de parabéns. Em seguida Sir Rodney conduziu a equipe e os estudantes da Escola de Guerra e os outros espectadores a darem três vivas empolgantes para o casal, depois mais três para o rei. Então convocou vivas para Shigeru, Selethen e Erak, até que sua noiva colocou a mão suavemente em seu braço. 
 
— Acho que é o suficiente de vivas, querido — disse ela.
 
Ele pareceu um pouco assustado. Ele estado bastante animado, percebeu. — Ah, sim, claro. Isso mesmo, minha querida. 
 
Em suma, era uma coisa boa que as senhoras de Redmont estavam presentes naquele dia.
 
Por fim, a festa de casamento foi transferida ao Grande Salão, onde mesas foram montadas para o banquete. Arald olhou para o banquete  e decorações.
 
— Esta é a melhor parte de qualquer  casamento para mim! — Disse ele com entusiasmo a Lady Sandra. Ela revirou os olhos.
 
— Esta é a melhor parte de qualquer dia para você — ela respondeu rindo. Ele considerou a declaração, então balançou a cabeça enfaticamente.
 
— É, eu não posso negar — ele disse, e ela sorriu, sabendo por que ela o amava.
 
Horace e Evanlyn lideraram o caminho para o palanque erguido onde foi colocada a mesa do casamento. Enquanto Will os seguiu,  olhou com admiração. O estrado foi encimado por um magnífico dossel de seda branca, apoiados em postes e um quadro de luz a três metros acima da plataforma. Era um belo toque de acabamento, ele pensou.
 
Todo mundo estava sentado, com um barulho prolongado de bancos e cadeiras sendo arrastados no chão de pedra do corredor. Então, Shigeru, que tinha permanecido de pé, deu um passo para a frente do palanque e falou. Não pela primeira vez, Will ficou surpreso com a profundidade eo timbre da voz que veio de seu quadro de leve.
 
— Meus amigos — disse ele quando o silêncio caiu sobre a sala e as pessoas esticaramse para ver esta pessoa exótica de um outro reino, — Disseram-me que é meu agradável dever como Patrono Patrocínador abrir estas festividades. E também me disseram — ele se virou e sorriu para o rei Duncan — que é meu dever igualmente conceder um presente caro para esses jovens. 
 
Duncan assentiu seriamente com a cabeça, mas então não pode deixar um sorriso escapar. O papel do Patrono Patrocinador tinha sido criado por Lady Pauline e sua própria secretária do seu casamento com Halt, para evitar uma situação embaraçosa em que o Rei não teve nenhum papel a desempenhar no casamento.
 
— Desta forma, eu decidi conceder-lhes o castelo de Hashan-Ji, na província Koto do meu país, com a as terras circundantes, florestas de madeira e direitos de caça. — Ele se virou e sorriu para Horace e Evanlyn. — Por estranha coincidência, está muito perto do meu palácio de verão.
 
Houve um suspiro de surpresa do público, em seguida, um murmúrio suave de conversa correu ao redor do grande salão. Este era um magnífico presente, de fato.
 
Shigeru ergueu as mãos pedindo o silêncio e, gradualmente, o murmúrio cessou.
 
— Eu nomeei um mordomo para administrar o castelo em sua ausência. Mas espero que haverá momentos em que vocês serão capazes de visitar. Vocês serão conhecidos como Lorde e Lady Kurokuma, é claro.
 
Ele virou-se para a mesa de casamento e se curvou profundamente. Depois de um momento, enquanto o pleno entendimento do que ele tinha dado ao casal, as pessoas no corredor começaram a aplaudir. Então, alguns ficaram de pé, e outros seguiram, até que todo o grupo estava de pé, aplaudindo e torcendo como a figura ligeira retomou sua assento.
 
Horace inclinou-se sobre a Cassandra e murmurou algo. Ela assentiu com entusiasmo e, em seguida, o cavaleiro se levantou, erguendo as mãos em um pedido de silêncio. Enquanto ruído lentamente morria, ele se virou para Shigeru, curvou-se, em seguida, falou. 
 
— Esta é uma grande honra, Senhor Shigeru. Minha esposa e eu... Por um momento, ele não conseguiu seguir em frente. Era uma antiga tradição que quando a primeira vez que um noivo usasse a frase "eu e minha esposa" todos os presentes deveriam aplaudir. Ele esperou que fosse feito silêncio novamente, e quando eles fizeram, sorrindo timidamente, continuou.
 
— ...gostariamos de pedir que todos os rendimentos futuros do castelo e sua propriedade fossem compartilhados entre as famílias daqueles Kikori que deram suas vidas para você na guerra contra o traidor Arisaka.
 
Um momento de silêncio saudou este anúncio. Em seguida, a voz de Sir Rodney cresceu em torno do salão.
 
— Ah, muito bem, Horace! Muito bem, de fato!
 
E as salvas de palmas começaram novamente.
 
 
Duncan levantou-se para falar enquanto surgia uma longa linha de funcionários da cozinha, serpenteando entre as mesas para servir a primeira rodada do banquete. Ele recebeu Horace a sua família e, com um sorriso torto, desejou a ele bem em sua vida futura com Cassandra. Olhando significativamente o jovem sorridente ao lado dele, ele ofereceu um pequeno conselho.
 
—Nunca tente fazê-la mudar de ideia quando ela tiver decidido fazer algo. — disse ele, balançando a cabeça em desespero fingido. Houveram muitas risadas com isso. A maioria das pessoas sabiam que a princesa era uma jovem teimosa e determinada. Então, a multidão aplaudiu o discurso do rei e ele retomou a seu assento. Quando a primeira rodada do banquete terminou, os serviçais trouxeram a segunda rodada, e Selethen levantou-se e fez um discurso encantador de parabéns como governante de seu país e seus proprios votos de felicidade
 
Novamente, a multidão aplaudiu, mas não tão animada quanto aplaudiram para Duncan. Selethen, afinal, não era uma figura bem conhecida em Araluen.
 
O entusiasmo voltou com a próximo rodada e Erak, o próximo orador. O Oberjarl enorme tomou seu lugar à frente da plataforma e fez seus próprios votos e parabéns para o casal. 
 
Houve um tempo em que um governante Escandinavo não teria sido um convidado bemvindo em uma cerimonia Araluense. Mas isso estava há muito no passado Os espectadores sabiam da dívida que deviam para os escandinavos. Gundar Hardstriker e sua equipe, hoje presente na sala, ajudram a salvar o Reino de uma invasão das ferozes tribos Escocesas.
 
Erak falou de uma batalha anterior, quando um pequeno grupo de Araluens ajudaram seus homens numa invasão dos ferozes temujais do oriente. Ele destacou Cassandra, a elogiando em especial, contando a sua coragem na batalha que ela continuou a comandar os tiros de um pequeno grupo de arqueiros, mesmo quando eles estavam sob ataque direto. Muitos dos presentes conheciam a história geral, mas eles não tinham ouvido os detalhes específicos da coragem de Cassandra  naquele dia.
 
Ele esqueceu de mencionar o fato de que, no momento da batalha, ela estava condenada à sentença de morte pelo seu antecessor, Ragnak.
 
Houve mais aplausos quando ele se sentou, em seguida, mais serviçais chegaram com mais comida.
 
Will, que estava gostando mesmo, percebeu que Erak era o último dos oradores do exterior e agora era a vez dele. Ele levantou-se apressadamente.
 
Alyss, que estava sentada ao seu lado, colocou a mão sobre a dele e apertou levemente. 
 
— Tome seu tempo — disse ela. — E fale com o seu coração.
 
Ele fez uma pausa, respirou fundo e avançou para a frente da plataforma. Sua mão voou por um momento ao bolso no peito de seu uniforme, inconscientemente, buscando um discurso que não estava lá. Ele endireitou-se, olhando para o povo reunido, e sua mente ficou completamente em branco. Em seguida, ficou claro e ele sabia o que ele ia dizer.
 
— Eu escrevia um discurso para este momento, mas enquanto o fazia, foi queimado em um incêndio há algumas semanas. Isso pode muito bem vir a ser uma coisa boa. 
 
— Ouçam, ouçam! — Veio uma voz rouca da multidão. Uma voz que ele reconheceu muito bem. — Obrigado por isso, Halt — disse ele, apontando para a mesa onde Halt, Pauline e Crowley estavam sentados. Ele estava feliz que seu antigo mentor tivesse consegui voltar a tempo para o casamento. Ele sabia que sua ausência teria diminuído o dia para Horace
e Cassandra. Outra onda de riso correu ao redor do quarto e ele relaxou. Estes eram amigos, ele percebeu. Não havia motivo para nervosismo.
 
— Desde então, as pessoas têm vindo a aconselhar-me simplesmente para falar com meu coração. — Ele se virou e sorriu brevemente para Alyss.
 
— Então, aqui vai o que está em meu coração. Eu vim para Redmont como um órfão, sem família, sem irmãos ou irmãs. Isso mudou. Ao longo dos anos, Horace tornou-se mais do que um irmão para mim, e Evanl... Cassandra — ele se corrigiu — tornou-se a mais amada das irmãs. Eu confiaria minha vida em suas mãos. Horace salvou minha vida em mais ocasiões que posso contar. Cassandra  salvou minha sanidade alguns anos atrás. Devo-lhes muito. É uma dívida que jamais poderei pagar. Tudo o que posso dizer é que eu não posso imaginar nenhum melhor marido para Cassandra do que Horace e não há melhor mulher para Horace do que Cassandra. Eu amo ambos. Por favor, um brinde a sua felicidade futura. Cassandra e Horace!
 
Houve um acidente ecoando de bancos e cadeiras sendo empurrados de volta como todos ficaram de pé, em seguida, centenas de vozes repetiu seu brinde:
 
— Cassandra e Horace!
 
O barulho ecoou por todo o vasto salão e assustou uma andorinha que estava aninhada no alto das vigas. O pequeno pássaro disparou para fora com o susto repentino, fazendo Will a capturar seu movimento com seu olho. Então, quando o barulho diminuiu, ela empoleirou-se em uma viga de apoio maciço. Mas seu olho, voltados para cima, haviam registrado outra coisa. Era um detalhe que ele tinha esquecido - algo tão familiar que ele havia esquecido completamente.
 
Bem acima do chão do salão, uma galeria de pedra balaustrada corria em torno do interior das paredes.
 
Com seu coração batendo, Will voltou para a mesa.
 
Alyss sorriu para ele. — Bem dito — ela começou, então, vendo seu rosto — O que há de errado?
 
— Talvez não seja nada — disse ele. — Eu tenho que verificar uma coisa. — Ele olhou ao longo da mesa. Horace e Evanlyn estavam conversando profundamente com Shigeru. Erak e Duncan estavam igualmente absortos.
 
Ele tomou uma decisão. Ele iria lidar com isso sozinho.
 
Alyss apertou sua mão. — Apenas esteja de volta antes da dança de núpcias. — disse ela. Horace seria o próximo a falar, quando a rodada do banquete final chegasse. Em seguida, a dança iria começar.
 
Ele acenou com a cabeça, um pouco distraído. — Eu estarei.
 
Tão discreto como ele poderia ser, e Arqueiros poderiam ser muito discretos quando quisessem, ele fez o seu caminho para baixo do estrado e se dirigiu para a parede oposta. Halt e Crowley estavam sentados a uma certa distância, para a direita. Como sempre, Halt tinha escolhido ficar uma posição tão discreta quanto possível. Levaria tempo para Will fazer o seu caminho através do salão lotado e os serviçais que se amontoaram, para alertá-los. Ele viu uma alternativa mais rápida.
 
A tripulação de Gundar estava sentada em uma mesa entre os dois contrafortes que Will havia notado no mapa. Eles estavam a poucos metros de distância e ele se apressou em direção a eles. Nils Ropehander o viu chegando.
 
— Bom discurso, menino! — Ele começou. Will tomou uma decisão. Nils era grande e poderoso, mesmo para um Escandinavo. E ele não fazia perguntas.
 
— Venha comigo! Eu preciso de você — disse Will com urgência. Nils deu de ombros. — Então eu sou o seu homem. — Ele empurrou sua cadeira para trás e se levantou.
 
Enquanto eles fizeram o seu caminho para fora da parede, Will disse a ele — Você está armado?
 
Nils balançou a cabeça, sorrindo. — Eles não nos deixaram trazer armas.
 
Will percebeu a verdade dessa afirmação. Escandinavos, armas e bebida  não eram uma boa combinação para um casamento. Ele, é claro, tinha suas duas facas. Elas faziam parte do uniforme Arqueiro formal que ele usava. Ele procurou a parede entre os contrafortes. Havia uma porta que levou a uma escada, lembrou-se agora. E que levaria a escada da galeria acima.
 
Um dos marechais do casamento estava perto. Havia seis marechais, estacionados nas saídas ao longo do corredor. Seu papel era puramente cerimonial estes dias, mas era uma lembrança dos tempos que, para botar ordem, tiveram que ser mantidos em assembléias públicas como esta. Para esse fim, o homem carregava uma haste oficial - um bastão de dois metros de madeira negra pesado. Will tirou das mãos do homem assustado e entregou-a a Nils.
 
— Aqui. Utilize este.
 
Nils o levantou experimentalmente.  N ão é ruim — disse ele.
 
O marechal finalmente recuperado da surpresa. — O que você acha que está fazendo, Arqueiro Will? — Disse indignado, mas Will o interrompeu.
 
— Você vai recebê-la de volta. Não há tempo para explicar!
 
Em seguida, ele mergulhou através da pequena porta que dava para a escada circular, com Nils atras dele. As botas de Will eram de sola macia e eles fizeram praticamente nenhum som nos degraus de pedra nua. Nils, como a maioria dos escandinavos, usava botas de pele de foca e elas eram quase tão silenciosas. Sua respiração era alta e tornou-se mais e mais barulhenta à medida que subiam as escadas íngremes.
 
Do salão, Will ouviu uma explosão de aplausos e percebeu que Horace tinha terminado o seu discurso. O noivo tinha sido brevemente louvável. O próximo item na agenda seria a dança de núpcias. Já, Will podia ouvir o chiado fraco e ruídos da orquestra afinando seus instrumentos.
 
Em seguida, o entendimento o atingiu como um raio. Então era por isso que a tinham marcado a palavra Dança.
 
Este seria o momento em que Duncan estaria mais exposto a flecha de um assassino. 
 
Anteriormente, quando ele estava sentado à mesa de casamento, o dossel de seda que cobria o estrado havia o acobertava a partir de um ponto de vista elevado, como a galeria. Mas agora, ele e Cassandra se moveriam para baixo para dançarem e circularem sozinhos antes de os outros convidados se juntarem a eles. Por pelo menos trinta segundos, ele seria um alvo perfeito, sem obstruções.
 
— Droga, Horace — disse ele com os dentes cerrados. — Só desta vez, não poderia ter divagado um pouco?
 
— O que ta dizendo? — Nils perguntou. Mas Will apenas fez um gesto para eles redobrarem o ritmo.
 
— Vamos lá!
 
Ele ouviu a voz de Desmond vagamente através das paredes de pedra, o mordomo anunciava o momento em que o Rei e a noiva iriam iniciar a dança.
 
Houve uma longa rodada de aplausos. Will subiu as escadas com mais pressa. Atrás dele, ouviu Nils tropeçar. Em sua mente, ele poderia ver Duncan estendendo a mão para ajudar a sua filha a levantar da mesa. Eles iriam virar e iriam curvar-se para o público, em seguida, caminhariam lentamente para as escadas que levavam até o piso principal. Ele tinha apenas alguns segundos.
 
Ele alcançou a porta de madeira e bronze que levava à balaustrada e, com um esforço enorme, parou de correr. Silenciosamente, lentamente, ele abriu a porta pesada, alguns centímetros de cada vez, em seguida, olhou ao redor da sala.
 
Ele sentiu um solavanco de pânico no coração quando ele os viu. Duas figuras, vestidas com familiares capas de cor roxa, estavam agachados a cerca de oito metros de distância. Um deles levantou a besta. Ele ficou para trás da balaustrada em si, diminuindo a chance de que ele pudesse ser visto por aqueles na sala abaixo. O segundo Genovês estava agachado um metro ou mais atras dele. Ele tinha uma besta também. Mas a sua não mirava o rei. Ele seria o atirador de reserva, no caso de que algo desse errado.
 
Tudo parecia estar acontecendo em câmera lenta, enquanto Will deslizou a faca saxonica pesada de sua bainha cerimonial. Atrás dele, ele podia ouvir Nils bufar  até os últimos metros. As paredes de pedra na escadaria parecia afetar o som da audição dos assassinos.
 
Ele teve tempo de perceber que os Genoveses não estavam usando suas bestas padrões. As que possuíam eram menores, como os arcos usados pela cavalaria dos Arridi. Ele pensou sobre isso, então rejeitou o pensamento. A distância era longa, mas os arcos menores seriam mais do que capazes de acertar seu alvo. E, além disso, se o Genoveses fossem fiel a seu estilo, os dados provavelmente seriam envenenados -  até mesmo um ligeiro ferimento seria fatal. Ele viu os dedos do atirador se mexerem no gatilho e seu punho apertava a besta, viu como ele tomou folego.
 
Então o seu próprio braço foi para trás e para a frente em uma ação e atirou a faca saxônica girando pelo espaço entre eles. Ela era um borrão de luz brilhante enquanto cruzava no espaço entre eles.
 
No último momento, Will percebeu que o atirador, assustado com a faca, talvez involuntariamente poderia desencadear um tiro com o arco. Ele havia apontado para um alvo diferente.
 
A lâmina saxonica pesada, girando como foi, cortou a grossa corda da besta.
 
Enquanto a tensão foi repentinamente solta, os membros da besta saltoram para a frente com uma rachadura feia. A flecha caiu da besta, pulando e fazendo barulho pelo chão de pedra da sala. O atirador recuou de surpresa enquanto ele tentava entender o que tinha acontecido. Seu companheiro compreendeu mais rapido. Fuga agora era sua primeira prioridade e ele virou seu arco sobre a figura que apareceu de repente na porta da escada. Só que a faca de Will já estava a caminho. Ele lançou no Genovês antes mesmo que ele atirasse sua primeira flecha.
 
E teria pego nele se o primeiro assassino não tivesse escolhido esse momento para levantar-se da posição de agachamento, em linha reta no caminho da faca que girava. O acertou no peito, matando-o instantaneamente, e ele caiu para trás contra seu
companheiro, e a seta saiu do trajeto para Will, batendo na porta de madeira, próximo a sua cabeça.
 
O atirador deixou cair o arco e puxou uma longa adaga de lâmina de dentro de sua capa. Ele empurrou seu cúmplice morto para um lado e avançou rapidamente em Will, que agora estava desarmado. Ele estava apenas um metro ou mais de distância quando Will sentiu uma onda de movimento por trás dele e Nils disse em voz alta: — Abaixe-se!
 
E ele viu a expressão de espanto no rosto do Genovês ao ver o enorme lobo do mar Escandinavo que acabara de aparecer na porta. Em seguida, Nils, segurando o bastão preto como uma lança por cima do ombro, atirou-a para frente em um impulso, batendo o punho de bronze pesado na testa do Genovês, bem entre os olhos.
 
A força do golpe, com o todo peso do ombro, braço e corpo todo por trás de Nills foi surreal. O Genovês voou para trás dois ou três metros e caiu no chão de pedra da sala. Sua adaga caiu de sua mão e ele estava inconsciente. Nils olhou para o bastão na mão mais uma vez e assentiu com aprovação.
 
— Não é mau de todo — disse ele.
 
Will se levantou e olhou rapidamente sobre a balaustrada para o salão abaixo. Ninguém parecia ter notado o barulho acima deles. A música provavelmente abafava o barulho que tinha feito, pensou ele. Ele viu que Duncan e Evanlyn já estava a meio caminho na sua dança. Ele olhou em Nils, que estava sorrindo contente, então apontou o polegar no Genovês inconsciente.
 
— Tome conta dele — disse ele. — Eu tenho que voltar para lá
 
— Eu vou assegurar que ele não vá a lugar nenhum. — Nils assentiu alegremente. 
 
Então, antes que Will pudesse sair, ele colocou uma mão enorme em seu ombro.
 
— Você sabe, Arqueiro, isso não poderia ser um casamento melhor. Uma bela noiva. Um noivo bonito. Boa comida, cerveja boa. E para coroar tudo isso, uma luta. É apenas como voltar para casa. 
 
Em seguida, Will foi correndo de volta escada abaixo. Ele estimava que tinha menos de trinta segundos para voltar ao salão e levar Alyss para a dança.
 
Ele pode ter salvado a vida de Duncan, mas se ele perdesse outra dança de casamento com Alyss, a sua própria não valeria a pena viver.
 
 
6
 
 
 
O GRUPO ESTAVA REUNIDO NO ESCRITÓRIO DO BARÃO ARALD, QUANDO Halt entrou na sala.
 
— Então, nosso amigo Genovês disse-lhe alguma coisa? — Duncan perguntou.
 
Halt tinha recebido a tarefa de interrogar o assassino sobrevivente. Will, por toda sua experiência e destreza nas batalhas, tinha dificuldade nessas questões por seu rosto jovem e relativamente ingênuo. Já o rosto de Halt, por outro lado, não era nada novo e definitivamente nada ingênuo. Halt tinha a capacidade de fazer uma ameaça e parecer como se ele tivesse a intenção de prejudicar a pessoa, e ele geralmente sempre fazia.
 
Ele acenou com a cabeça em resposta à pergunta do rei. — Não a princípio. Genoveses são notoriamente boca fechadas e eles não têm medo de ameaças de morte. Eles esperam pela morte, pois aceitam esse risco quando pegam um trabalho. 
 
— Então, como você vai convencê-lo a falar? — Erak perguntou.
 
— Genoveses não têm medo de morrer. Mas eles têm medo do tipo de sofrimento que suas próprias armas podem causar —Halt disse a ele. Ele acenou para Horace, sentado na borda da mesa do Barão, perto de Cassandra. — Eu peguei uma folha de seu livro, Horace. Ameacei infectá-lo com um de seus próprios venenos. Ele ficou um pouco verde quando eu disse a ele que o único homem em Araluen que poderia produzir um antídoto vivia oito dias de distância, ao norte. Em seguida, ele parecia muito disposto a falar.
 
— Ele realmente acreditou que você faria isso? — Cassandra perguntou e Halt virou-se para ela.
 
— Eu tenho um rosto muito sincero. — disse ele com grande dignidade.
 
— Claro que tem — respondeu Cassandra.
 
Antes que Halt pudesse continuar, Will fez uma pergunta que o estava incomodando. — Eu estive pensando — ele disse — por que esperar até a dança do casamento? Afinal de contas, eu notei a galeria, enquanto eu estava de pé de frente no estrado, fazendo o meu discurso. Isso significa que a frente do estrado pode ser visto a partir da galeria. Assim, eles poderiam ter escolhido atirar quando o rei estivesse fazendo seu discurso. 
 
— Duas razões — Halt disse a ele, com um leve sorriso. — O alvo foi exposto por um período muito mais longo durante a dança. E o alvo não era o rei, era Cassandra.
 
Isso causou uma pequena agitação nas pessoas que estavam no local. Duncan foi o primeiro a se recuperar.
 
— Cassandra? Cassandra era o alvo? Quem queria matá-la?
 
— Aparentemente, um homem chamado Iqbal — Halt disse. Ele olhou para Selethen, que estava franzindo a testa para o nome.
 
— Iqbal? — Disse. — Ele é irmão do Yusal. — Ele virou-se para o resto do grupo. Alguns deles não estavam familiarizados com o nome. — Yusal era o chefe Tualaghi que organizou o seqüestro de Erak alguns anos atrás — explicou. — Mas Iqbal está sendo mantido prisioneiro na aldeia da montanha de Maashava. Ele foi um dos homens
condenados a fazer trabalhos forçados lá.
 
Halt balançou a cabeça. — Aparentemente não mais. Parece que Iqbal fugiu de Maashava há alguns meses. Os Maashavites não deram informação sobre isso ainda.
 
Selethen franziu a testa e ele murmurou uma maldição suave. — Isso é típico deles! — Disse ele amargamente. — Eles estão sempre isolados lá em cima, nas montanhas! Eles sempre desconfiaram do governo central. Acho que eles estavam tentando encontrar uma maneira de se fazer parecer inocente para tentar escapar.
 
— É claro — respondeu Halt — eles podem ter enviados a palavra agora. Mas você esteve fora do país por várias semanas. — Ele olhou para Cassandra. — Este Iqbal está bastante irritado com você, Cassandra — disse ele. — Afinal de contas, você frustrou todos os seus planos e reduziu seu irmão a ruína. Ele queria vingança, então contratou os Genoveses para te matar. E ele sugeriu que eles usassem bestas Arridi quando eles fizessem isso. O plano era deixar uma para trás.
 
— O que teria causado muita desconfiança entre os nossos dois países — Selethen disse, pensativo.
 
— Exatamente — Halt concordou. — Percebi que o nosso amigo Iqbal gostaria de ver sangue entre Araluen e Arrida. Assim iria distraí-lo da tarefa de caçá-lo. E em cima disso, mataria Cassandra deixando Duncan sem nenhum herdeiro para o trono. O que poderia muito bem desestabilizar a sucessão, do governo no país.
 
— E o plano teria funcionado se Will não tivesse sido tão esperto — disse Horace. Ele olhou para o amigo, agradecido. — Quantas vezes eu disse 'obrigado' desde que nos conhecemos? 
 
Will encolheu os ombros, envergonhado pela súbita atenção de todos na sala. — Amigos não tem que me agradecer — disse ele. Mas Cassandra levantou e virou-se para ele. — Com sua permissão, é claro? 
 
Alyss sorriu. — É claro — disse ela e a princesa beijou em ambas as bochechas de Will. Ele lembrou que houve uma época em que ela teria arrancado os cabelos de Cassandra pela raiz pela tal ação. Percorremos um longo caminho, ela pensou.
 
Duncan se levantou e se aproximou de Will, chegando a apertar sua mão. — Minha gratidão também, Will. Eu tenho só uma filha e tê-la comigo é o que mais me importa, especialmente agora que ela tem Horace para mantê-la em ordem.
 
Cassandra respondeu com palavras nada majestosas saindo de sua língua. Duncan escolheu ignorá-la.
 
— Eu me pergunto — ele continuou, — se vai chegar um momento em que eu não terei de agradecer aos meus Arqueiros pelo seu serviço para mim e minha família.
 
— Eu duvido, Meu Senhor — Halt disse e houve um murmúrio de risos na sala. Eles podiam rir agora, Halt pensou, mas se Will não tivesse estado tão atento, a atmosfera na sala seria muito diferente. Ele chamou a atenção de seu jovem aprendiz e disse palavras de gratidão. Ele viu o rosto de Will aumentar de prazer. Esses elogios vindos de Halt significavam mais pra ele do que qualquer agradecimento do rei.
 
— Tenha certeza, Sua Majestade, que Iqbal não estará desfrutando de sua liberdade por muito mais tempo — disse Selethen. — Assim que eu estiver de volta a Arrida, a prioridade vai ser caçá-lo.
 
— Eu aprecio isso, Selethen — Duncan disse ele. — Eu poderia até mesmo enviar um Arqueiro ou dois para ajudá-lo a encontrá-lo. Eu não posso dizer que gosto da idéia de
alguém tentando matar a minha filha e fugir sem nenhuma consequencia.
 
Os dois homens trocaram um longo olhar. Então Selethen assentiu. Observando-os, ocorreu a Cassandra que ela não gostaria de estar na pele de Iqbal ao longo dos próximos meses.
 
A reunião terminou pouco depois e todos eles voltaram para seus quartos. Quando eles se aproximaram da escadaria, Alyss pegou a mão de Will e levou-o para um escritório vazio ao lado. Ele sorriu para ela, sem saber o que ela tinha em mente.
 
—Alyss... — Ele começou, mas ela inclinou a cabeça em sinal de advertência e colocou o dedo indicador sobre os lábios para silenciá-lo.
 
— Isso faz com que seja o segundo casamento que nossa dança foi interrompida — disse ela. — No de Halt você tinha que ir correndo para fora, e nesse, você quase não voltou a tempo.
 
Ela fez uma pausa para deixar a mensagem fluir, em seguida, terminou:
 
— É melhor você estar lá na nossa.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O HIBERNIANO Nota do autor: Muitas vezes me perguntam quem foi o mentor de Halt, e como e onde ele fez sua aprendizagem. Esta história fornece a resposta para aqueles perguntas. É definido no tempo logo após a partida de Halt da casa de sua família em Dun Kilty, em Hibernia.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 
 
 
 
CROWLEY CAVALGAVA COM O CORAÇÃO PESADO, IGNORANDO A LUZ do sol brilhante e o canto dos pássaros nas árvores. Era um belo dia de verão no Feudo de Gorlan, mas o jovem arqueiro não tinha olhos para o caminho rico em campos verdes e flores silvestres que o cercava.
 
Seu cavalo parecia sentir seu mal-estar. Ele cavalgava pesadamente, cabeça baixa, movendo-se com crescente letargia como se não sentisse a vontade de seu cavaleiro de manter o ritmo em que eles tinham começado.
 
Desde que podia se lembrar, Crowley nutrira um unico objetivo na vida: tornar-se um Arqueiro do Rei. Era o auge da realização, na medida em que ele se importava. Como um jovem adolescente, ele não conseguia ver a melhor maneira de servir a seu rei e seu país, e não mais honrosa carreira para um aventureiro e leal cidadão. 
 
Outros poderiam, e fizeram, se esforçar para se tornar cavaleiros e guerreiros. Mas Crowley sempre acreditou que o Corpo de Arqueiros foi o real centro de poder e influência no Reino - o lugar onde um ambicioso, inteligente e, acima de tudo, talentoso jovem poderia realmente deixar a sua marca e desempenhar um importante papel na história.
 
Seu mentor, Pritchard, havia reforçado o dedicado senso do propósito em toda formação de Crowley. Enquanto o jovem garoto desenvolvia sua habilidade em rastreamento, movimento invisível e tiro com arco, Pritchard tinha se esforçado para lembrá-lo da verdadeira razão pela qual ele devia aperfeiçoar essas habilidades. 
 
— Nós não fazemos isso por nós mesmos. Nós não fazemos isso por glória. Treinamos e praticamos para o dia que o Rei e o povo de Araluen tiver necessidade dessas habilidades. Como Arqueiros, é nosso dever ser capaz de fornecê-las.
 
Pritchard se foi agora, é claro. Ele havia sido expulso do Reino em uma acusação forjada  de traição três anos atrás, logo depois que ele presenteou Crowley com sua Folha de Carvalho prata, o símbolo de um Arqueiro graduado. Crowley tinha sido atribuído a um pequeno e remoto feudo na costa noroeste e a notícia sobre o destino de Pritchard chegara meses após seu mentor ter sido forçado a fugir. Havia rumores que ele tinha ido além do mar ocidental para Hibernia.
 
Crowley se viu isolado em mais maneiras do que uma. O feudo de Hogarth era remoto e de difícil acesso e as notícias do que se passava no país como um todo eram intermitentes na melhor das hipóteses. Mas ele se sentia emocionalmente isolado também. O Corpo de Arqueiros como ele conhecia, e como Pritchard tinha conhecido, tinha sido subvertido e enfraquecido até se tornar pouco mais do que um clube social dissoluto para filhos de famílias nobres, geralmente aqueles com preguiça ou sem a habilidade de se tornar cavaleiros ou guerreiros. Considerando que os Arqueiros uma vez tinham aprendizes selecionados para participar do Corpo e os submetia a cinco anos de rigorosa formação, estes dias, um novo Arqueiro simplesmente tinha de comprar a comissão para lhe ser concedido a Folha de Carvalho prata.
 
Muitos dos Arqueiros mais velhos tinham deixado o Corpo de desgosto. Alguns dos mais vocais, como Pritchard, foram forçados a deixar o Reino. Embora o corpo tivesse uma força teórica de cinquenta membros, a formação e nomeação dos novos Arqueiros sob o antigo sistema tinha caído nos últimos anos. Mal havia 30 arqueiros devidamente
treinados quando Crowley recebeu sua nomeação. Ele estimou que pudesse haver 10 ou 12 deles ainda servindo, mas estavam espalhados em partes remotas do Reino.
 
A chave para o problema era o Rei Oswald. Ele tinha sido um bom rei em sua juventude, enérgico e imparcial. Mas agora estava velho e fraco e sua mente andava vagando. Ele aceitou um grupo de barões ambiciosos como o seu Conselho de Governo. Inicialmente, eles foram designados para cuidar das questoes do dia-a-dia que rege o Reino e para aliviá-lo dos repetitivos, pormenores irritantes que vinham em sua mesa todos os dias. 
 
Mas com o passar do tempo, eles invadiram cada vez mais nas decisões importantes, até que Oswald era pouco mais do que um selo impresso para suas decisões. 
 
Príncipe Duncan poderia ter evitado isso, assumindo como regente no lugar do rei. Mas o conselho, liderado por um barão carismático e intrigante chamado Morgarath, havia minado sua posição com o pai. Oswald convenceu-se de que seu filho estava despreparado para governar. Seu conselho disse-lhe que o  príncipe era muito impulsivo e inexperiente demais para o trabalho. Acreditando neles, Oswald enviou seu filho a um feudo no extremo nordeste do Reino. Lá, isolado da sede do poder no Castelo Araluen, e sem qualquer apoio organizado, Duncan definhava, frustrado e ineficaz, incapaz de resistir às mudanças que estavam sendo impostas sobre o que seria o seu Reino.
 
De modo geral, pensou Crowley, não era a vida que ele se imaginou levando. Ele se inclinou e deu um tapinha no pescoço de Cropper.
 
— Mesmo assim, poderia ser pior — disse ele, tentando elevar seus próprios espíritos. 
 
Cropper remecheu as orelhas e levantou a cabeça quando ouviu o tom mais positivo na voz de seu mestre, nota que havia desaparecido há alguns dias.
 
É bom ver que você está se sentindo melhor.
 
— Bem, não faz sentido ficar deprimido —disse Crowley, forçando os pensamentos escuros de lado.
 
Você levou três dias para descobrir isso, não foi?
 
— Dê o crédito onde é devido. Talvez eu tenha estado deprimido por três dias, mas eu superei isso agora.
 
Se você diz.
 
Apesar de sua tristeza recente, Crowley viu-se sorrindo. Ele se perguntou se ele já teve a última palavra com seu cavalo.
 
Provavelmente não.
 
— Eu não disse isso em voz alta! —Disse, um pouco surpreso. Cropper sacudiu a crina.
 
Você não precisa.
 
Eles avançaram e Crowley pôde ver uma construção ao lado da estrada, algumas centenas de metros à frente. Era pequeno, mas maior do que o utilizado em geral nas fazendas da região. E havia uma placa oscilante a partir de uma viga em frente de uma passagem em forma de pórtico.
 
— Isso é o que precisamos — ele disse alegremente. — Uma pousada. E é exatamente hora do almoço. 
 
Eu só espero que haja maçãs.
 — Você sempre espera haja maçãs
 
Como eles andavam mais perto, uma carranca ligeira retornou a testa de Crowley. Ele podia ouvir vozes da pousada e gargalhadas. Normalmente, esse tipo de som indicava que alguém havia tomado bebida alcoólica em excesso. E estes dias, com nenhuma mão firme para governar o Reino, a embriaguez era muitas vezes vinha acompanhada de violência sem sentido. Inconscientemente, ele soltou a faca saxonica de sua bainha.
 
Outra explosão de gargalhadas saudou-o enquanto ele descia da sela e conduzia 
 
Cropper para o pátio cercado ao lado da pousada. Havia cochos e bebedouros estabelecidos ao longo da cerca em intervalos. Ele encontrou um cocho cheio e deixou Cropper antes, enchendo um balde com água fresca de uma bomba e colocando no bebedouro de água. Ele olhou ao redor. Havia outros quatros cavalos no pátio. Três deles eram grandes montagens de cavalaria e os panos de suas selas e arreios eram padrão militar. O quarto era de um cinza anódino, amarrado um pouco afastado dos outros. 
 
Todos os quatro voltaram sua atenção curiosamente para ver o recém-chegado, então, não vendo nada que prendesse o seu interesse, eles voltaram para os silos na frente deles, suas mandíbulas se movendo em um estranho movimento, movimento de moagem que os cavalos usam. Crowley fez um sinal com a mão para Cropper.
 
— Espere aqui.
 
E a minha maçã?
 
Suspirando, Crowley enfiou a mão no bolso do casaco e tirou uma maçã, segurando-a em sua palma para o cavalo. Cropper tomou-a suavemente e mastigou feliz, seus olhos se fechando enquanto os sucos jorravam dentro de sua boca. Crowley soltou a sela do cavalo alguns graus e virou em direção à pousada.
 
Depois que o luz do sol brilhante se fora, ele levou algum tempo para se ajustar à escuridão interior. Mas, enquento abria a porta e entrava, uma voz masculina parou no meio da frase e, por um momento, o silêncio pairou sobre a sala.
 
— E o que temos aqui? — A voz masculina começou de novo. Agora que os olhos de  Crowley haviam se ajustado, ele podia ver que pertencia a um soldado corpulento apoiado contra o bar. Ele usava um sobretudo e uma camisa de cota de malha e estava armado com uma espada e um punhal de lâmina pesada.
 
Ele tinha dois companheiros, igualmente vestidos e equipados. Um sentava em um longo banco em uma mesa perto do bar. Ele estava de virado de costas para a mesa, de frente para o bar. O outro estava sentado sobre a mesa em si, seus pés empoleirados no banco. Atrás do bar, Crowley viu o estalajadeiro, um homem pequeno em seus cinquenta anos, e uma jovem garçonete que parecia ter cerca de vinte. Ambos lançava olhares nervosos para os três soldados.
 
Enquanto o soldado que falou virava para encarar Crowley, o Arqueiro notou  o brasão sobre a tunica, uma espada com um raio de uma lâmina. Eles eram membros da  guarnição de Morgarath em Gorlan, ele pensou.
 
Ele olhou ao redor da sala. Havia um outro ocupante. Um homem sentado ao fundo da sala, vestido com um manto verde escuro. Seu cabelo e barba eram preto e ele estava despejando alimentos de uma tigela em cima da mesa na frente dele, aparentemente ignorando os outros clientes.
 
— Eu disse, o que temos aqui? — O homem no bar repetiu. Havia um tom desagradável em sua voz agora. Conforme Crowley se aproximou, ele podia ver que o homem estava
corado e seu rosto pesado estava úmido de suor. É muita bebida, pensou. O dois companheiros do homem riram em silêncio, enquanto ele levantou-se do bar e ficou em de pé, olhando para Crowley. Havia um ar de expectativa sobre eles. Crowley parou sobre dois metros de distância dele. O homem era mais alto do que Crowley e fortemente construído. Ele estava carregando uma grande quantidade de gordura, Crowley pensava.
 
Ele falou uniformemente em troca, não permitindo qualquer sentido da desconfiança que sentia ao entrar em sua voz.
 
— O Nome é Crowley — disse ele. — Arqueiro do Rei do Feudo de Hogarth. 
 
Pelo canto do olho, ele sentiu um movimento na parte de trás da sala. O cliente solitário havia levantado a cabeça a palavra Arqueiro do Rei.
 
O soldado fortemente armado reagiu a ela também. Seus olhos se arregalaram em admiração simulada. — Um Arqueiro do Rei! — Disse. — Oooooooooooh ! Muitissimo impressionante! 
 
Mais risadas de seus amigos. Ele virou a cabeça e sorriu para eles, então virou-se para Crowley, retomando a expressão de admiração falsa.
 
— Então me diga, Arqueiro do Rei, o que você está fazendo aqui no Feudo de Gorlan? 
 
Você não tem coisas importantes a fazer no quartel dos Arqueiros - como ficar bêbado e jogar jogos de azar? 
 
Crowley ignorou a piada, refletindo tristemente que era uma imagem bastante precisa de como os novos membros do Corpo de Arqueiros passavam seu tempo. Os outros soldados riram novamente. Seu riso estava se tornando mais alto, ele notou.
 
— Eu estive no Castelo de Araluen para uma assembleia — disse ele, mantendo um tom  agradável. — Agora eu estou voltando para o meu feudo. Apenas de passagem por Gorlan. 
 
— E nós estamos honrados em tê-lo conosco — disse o soldado com sarcasmo. — Talvez pudéssemos comprar-lhe uma bebida?
 
Crowley sorriu. — Vou tomar um café — disse ele, mas o soldado balançou a cabeça com veemência.
 
— O café não é bebida para um convidado tão honrado. Afinal, você é um... Arqueiro do Rei. — Ele conseguiu fazer com que as palavras soassem como um epíteto. — Eu insisto que  compramos para você um copo de vinho. Ou um conhaque. Ou uma bebida digna de uma pessoa tão exaltada como você. 
 
Um dos outros soldados bufou e riu bêbado da sagacidade de seu amigo. Crowley segurou seu sorriso. Não havia nada a ser ganho causando uma cena, pensou. Apenas so frer com o sarcasmo pesado, tomar uma bebida e sair.
 
—Bem, talvez uma caneca de cerveja — disse ele.
 
O soldado assentiu com a cabeça com aprovação. — Muito melhor essa escolha! — Disse. Ele apontou o polegar para um pequeno barril de cerveja no bar. Teria sido preenchido a partir de um barril maior na adega. — Nós estamos bebendo cerveja também. Mas, infelizmente, este barril está vazio! 
 
Seu rosto escureceu de raiva enquanto ele dizia a última palavra e ele bateu no pequeno barril, o jogando fora do balcão para o chão. Ele rolou debaixo de uma mesa. O violento movimento foi inesperado e a garota atrás do balcão recuou e soltou um pequeno grito de
susto. Ela instintivamente aproximou-se de seu empregador, como se buscando segurança nos números. O soldado ignorou-a. Seus olhos estavam fixos em Crowley, mas ele falou para o hospedeiro. — Estamos sem cerveja aqui, estalajadeiro. E meu amigo Arqueiro do Rei gostaria de um copo.
 
— Esqueça isso — disse Crowley. — Vou tomar um café.
 
— Não. Você ira tomar uma cerveja. Estalajadeiro?
 
O pequeno homem por trás do bar alcançou nervosamente um grande grupo de chaves de ferro penduradas num cabide atrás dele. — Eu vou buscar outro barril na adega — ele disse.
 
Mas o soldado, ainda com seus olhos fixos em Crowley, moveu a mão para pará-lo. —  Fique onde você está. A garota pode ir pega-lo.
 
O estalajadeiro acenou com a cabeça nervosamente. — Tudo Bem. — Ele entregou a chave de ferro à garota. — Pegue outro barril, Glyniss — ele disse. Ela olhou para ele um momento, com receio de sair de traz de seu pequeno refugio no balcão. Ele acenou com a cabeça para ela.
 
— Pode ir. Faça como eu disse — ele disse secamente. — Você irá precisar do sacarolha.
 
Ela pegou o saca-rolha, um pesado bastão de madeira usado para abrir o tampão em barris grandes. Relutantemente, ela saiu de traz do balcao e passou entre os dois soldados na mesa. O que estava sentado no banco riu e fingiu dar um bote nela. Ela recuou para longe dele, com um grito de susto. Então, rapidamente, ela se foi passar pelo soldado que estava falando até agora. Mas quando ela chegou até ele, sua mão disparou e ele agarrou o chaveiro dela. Ela parou e estendeu a mão para as chaves.
 
— Por favor? — ela disse. Mas ele riu e segurou-as com o braço levantado, ao lado e fora de seu alcance.
 
— O que? Você quer isto? — ele disse, e ela acenou com a cabeça, mordendo seu labio com medo. Ele sorriu para ela e abaixou-as, movendo-as na frente de seu rosto. — Então pegue-as.
 
Assim que ela alcançou, ele atirou-as sobre a cabeça dela para o soldado sentado de costas para o banco. Ele pegou-as, riu e levantou, balançando-as levemente enquanto a garota ia até ele.
 
— Por favor. Eu preciso das chaves.
 
— Claro. — Ele sorriu e lançou-as de volta para o soldado diante de Crowley. Enquanto ela se virava com o rosto mostrando angústia, o soldado a empurrou com a bota de modo que ela tropeçou, caindo contra seu companheiro corpulento.
 
— Oho! Você pensa que pode se jogar em mim e tira-las de mim, não é? —. Ele tentou dar um beijo na bochecha dela, mas ela torceu a cabeça para longe dele. Ele riu de novo.
 
Nos cinco anos de aprendizado de Crowley, sua maior luta era superar e controlar o seu curto temperamento. “É o seu cabelo vermelho“ Pritchard costumava dizer. “Nunca conheci uma ruiva que não tivesse um temperamento.”
 
Então, depois de ouvir e aceitar a zombaria do estupido soldado, sentiu a familiar sensação de ebulição em seu peito. Ele agarrou o braço do soldado e torceu dolorosamente, forçando-o a soltar a menina, que agiu rapidamente para ficar atrás de Crowley. O rosto do soldado ardia de raiva agora.
 — O que, seu insignificante! Eu vou te quebrar no meio!.
 
Ele lançou um gancho em Crowley, que se esquivou com facilidade sob ele. Então, colocando toda a força de seus ombros para trás, Crowley plantou um curto e poderoso soco na barriga macia do homem.
 
Houve um grunhido agonizante de respiração a escapar enquanto o soldado se dobrava. Ele se agarrou na frente  do manto de Crowley, tentando se equilibrar, mas o arqueiro recuou para fora do seu alcance. Infelizmente, ele tinha se esquecido de que uma das colunas de madeira que suportaram as vigas do teto estava logo atrás dele. Ele trombou nela e tropeçou, quebrando sua concentração por alguns segundos.
 
Antes que ele pudesse se recuperar, os outros dois soldados estavam sobre ele. Um deles obrigou-o a voltar contra o pilar com um punhal em sua garganta. O outro retirou o arco de seu ombro e jogou pela sala. Ele caiu ruidosamente numa das mesas e no chão.
 
O primeiro homem voltou a ficar de pé novamente, ainda segurando a barriga e chiando dolorosamente.
 
— Seu pequeno rato de esgoto — ele cuspiu no Arqueiro. Então, ele acenou para o homem que tinha jogado arco de Crowley longe. — Amarre suas mãos!
 
Crowley, de punhal ainda na garganta, não pode oferecer nenhuma resistência, seus braços foram arrastados para trás e suas mãos foram atadas atrás do pilar rustico de madeira. Ele ficou imóvel enquanto o soldado corpulento deu um passo à frente e pegou a faca da mão de seu companheiro. Ele trocou-a de posição contra sua garganta, até chegar no seu nariz.
 
— Agora, o que faremos com você, Arqueiro do Rei? — ele disse. — Eu acho que nós poderíamos apenas cortar o seu nariz. Isso vai ensinar-lhe a não enfia-lo em nossos negócios.
 
A garota deu outro grito de medo enquanto suas palavras e seu sorriso cruel do homen aumentavam ligeiramente.
 
— Sim. Acho que isso é o que vamos fazer. O que vocês acham rapazes?
 
Antes que qualquer um deles pudesse responder, outra voz respondeu.
 
— Eu acho que você deveria soltá-lo.
 
2
 
 
 
 
A VOZ ERA PROFUNDA E CONFIANTE, COM UM DISTINTO sotaque Hiberniano. 
 
Crowley virou os olhos na sua direção. O estranho do fundo da sala havia se levantado de sua mesa e aproximava-se deles. Em suas mãos estava um enorme arco, semelhante ao que havia sido tirado de Crowley. Havia uma flecha na corda. Até agora, o estrangeiro não a tinha puxado, mas ele segurava a arma com a tamanha familiaridade que Crowley achava que ele poderia puxar, mirar e atirar no espaço de um batimento cardíaco.
 
A faca foi retirada do rosto de Crowley e o soldado virou-se e avançou  na direção do Hiberniano. Instantaneamente, o arco apareceu e houve um ligeiro raspar de madeira sobre madeira enquanto a flecha era puxada. O soldado viu-se olhando a morte por um fio naquele instante.
 
— Você não quer me matar — disse ele. Todo o seu sarcasmo e raiva tinha ido e agora sua voz tinha um tremor que o denunciava. O arqueiro ergueu uma sobrancelha, intrigado. Os outros dois soldados se espalharam ao lado de seu líder. Suas espadas estavam desembainhadas. Crowley poderia dizer que eles estavam tentando avaliar suas chances de alcançar o homem e cortá-lo antes que ele pudesse atirar.
 
— E por que é que você me diria isso? — As palavras saíram com o sotaque Hiberniano. Havia um senso de zombaria divertida por trás dele.
 
— Eu sou um dos soldados do Barão Morgarath, em missão oficial... 
 
— Você quer dizer que é seu dever embriagar-se e irritar as pessoas em tavernas?— O estranho perguntou ironicamente.
 
O soldado franziu a testa, não sabendo como responder a essa pergunta. Depois de hesitar um breve momento, ele vociferou. — Se você me matar, você vai ser chicoteado, esfolado e enforcado.
 
O estranho franziu os lábios, pensativo. Crowley estava avaliando o arco enquanto os dois homens conversavam. A força necessaria para tracioná-lo tinha de ser pelo menos trinta e seis quilos, ele pensou. No entanto, o Hiberniano de cabelos escuros já estava segurando ele tracionado por completo por alguns instantes, sem nunca mostrar sinal de vacilar ou tremer. Crowley se perguntava quanto tempo ele poderia sustentar esse impasse.
 
— E qual é a pena se eu te machucar muito? — O estranho perguntou.
 
Os olhos do soldado reuniram-se em uma carranca de perplexidade. — O quê...? — Ele começou. Mas naquele instante, o estranho abaixou a mira e atirou na panturrilha esquerda do homem.
 
O homem soltou um grito agudo de choque e dor enquanto a agonia atravessava sua perna. Ele olhou para baixo aterrorizado em ver que a flecha tinha atravessado pelo músculo e a ponta em forma de folha estava saindo pelo outro lado. Sua perna cedeu sob ele e ele desabou no chão.
 
Seus companheiros ficaram chocados de surpresa por um momento. Então eles dispararam para frente. O estranho jogou seu arco para trás e tirou o que parecia ser
uma curta e pesada espada debaixo de sua capa. Com uma pitada de surpresa, Crowley a reconheceu como uma faca saxonica idêntica à que ele usava na sua cintura. O primeiro soldado lançou um corte contra o estranho, mas com o teto baixo da pousada, foi um golpe limitado e ineficaz, com pouco poder por trás dele. O estranho aparou-o de lado facilmente e como o soldado não encontrou nenhuma resistência sólida e tropeçou para frente, atirou um gancho de esquerda no queixo, mandando-o cambaleando de volta para o seu companheiro, a espada caindo de suas mãos.
 
O segundo homem o amaldiçoou e empurrou seu companheiro de lado, então se moveu para frente, balançando um golpe horizontal no Hiberniano. Aço tocou no aço enquanto o Hiberniano bloqueou o golpe. Ao mesmo tempo, Crowley sentiu sua própria faca saxonica deslizando da bainha. Ele olhou em volta para ver que a menina a tinha sacado e estava cortando a corda que prendia suas mãos.
 
Novamente, as duas lâminas se tocaram e tintilaram juntas. Crowley assentiu em agradecimentos à menina e pegou o bastão de sacar rolhas de sua mão.
 
— Obrigado — disse ele. Ele foi por trás do soldado que estava preparando outro ataque ao Hiberniano. O homem de cabelos escuros via seu adversário com um olhar de desdém divertido. Vendo a desajeitada habilidade de espada do soldado, Crowley percebeu que o Hiberniano poderia ter simplesmente se movido e impulsionado a sua faca saxonica no corpo do homem enquanto ele desviava da lâmina.
 
Ele não perdeu mais tempo pensando sobre isso, mas girou o bastão e bateu contra a parte de trás do crânio do soldado. O soldado deu um grito fraco e seus joelhos fraquejaram. Ele caiu sem sentido, de bruços, na serragem que estava espalhada pelo chão.
 
Crowley olhou para cima e encontrou os olhos escuros do desconhecido.
 
— Obrigado — disse o Hiberniano, voltando a faca saxonica à sua bainha. Ele acenou para o homem inconsciente no chão entre eles. — Eu não tinha certeza do que eu ia fazer com ele.
 
Crowley sorriu. — Tenho certeza que você já tinha pensado em algo — disse ele. — Mas o bastão foi conveniente..
 
O Hiberniano olhou para o pesado martelo de madeira.
 
— Um bastão de sacar rolhas, hein? Certamente parou nosso amigo aqui. — Ele disse, sem qualquer esboço de um sorriso. Então ele olhou para onde o seu primeiro atacante estava lentamente se recuperando, arrastando-se sobre as mãos e joelhos para onde sua espada havia caído de uma das mesas. Ele estendeu a mão. — Posso?
 
Crowley entregou-lhe o pesado martelo e o estranho passou por cima do homem inconsciente e foi para onde o segundo soldado tinha acabado de pegar o punho de sua espada. O estranho colocou o pé sobre a lâmina, esmagando os dedos do soldado entre o cabo e o chão. Quando o homem gritou de dor, o Hiberniano bateu-lhe na cabeça com o bastão. Crowley estremeceu com o impacto enquanto o homem caiu inconsciente no chão.
 
— Era realmente necessário? — Perguntou ele. O Hiberniano olhou para ele. 
 
Novamente, não houve esboço de um sorriso nos olhos escuros.
 
—Não. Mas foi muito gratificante.— O Hiberniano levou o bastão até onde estava a menina assustada, que tinha visto o processo de olhos arregalados descrença.
 
— Eu acho que nós poderíamos tomar aquela cerveja agora, Glyniss — disse ele. Ela assentiu com a cabeça sem dizer nada, então se virou e foi para o porão, olhando para trás por cima do ombro para ele enquanto ela ia. Ele fez um movimento suave enxotando-a para apressa-la.
 
Crowley estendeu a mão direita. — Obrigado por dar uma mão — disse ele. — Eu sou um pouco afeiçoado a esta nariz.
 
— Há muito para gostar dele — respondeu o estranho, ainda inexpressivo. Crowley olhou para o assunto em questão. Ele gostava de pensar em seu nariz tão nobre e em forma de falcão. Aquilino, alguém sugeriu uma vez. Em momentos mais honestos, ele admitia que fosse um pouco largo. Ele percebeu que estava de pé, vesgo, a inspecionar o nariz enquanto o outro observava-o com um olhar firme. Ele recuperou a compostura e estendeu a mão.
 
— De qualquer forma, obrigado — disse ele. — Eu sou Crowley Meratyn, arqueiro do feudo de Hogarth.
 
O estranho pegou a mão dele e apertou-a.
 
— Halt O'Ca...  — Ele começou, em seguida, se corrigiu. — Halt. Meu nome é Halt. Eu estou viajando.
 
Crowley não deu nenhum sinal de que ele havia percebido a hesitação. Ele sorriu. — Acho que você é de Hibernia? — Perguntou ele, e o estrangeiro assentiu.
 
— Clonmel — disse ele. — Decidi que era hora de ampliar meus horizontes. — A voz fraca do chão os interrompeu. — Por favor, arqueiro, essa perna está doendo terrivelmente.
 
Era o soldado corpulento que tinha começado toda a confusão. Ele tinha colocado a si mesmo em uma posição sentada contra uma das pernas da mesa e estava tentando estancar o fluxo de sangue da ferida da flexa na perna.
 
— Imagino que esteja — disse Crowley. Ele se ajoelhou ao lado do homem, examinando a ferida, então olhou para Halt. — Você irá querer reutilizar esta flecha?
 
— Não o eixo. Quebre-o. Vou reutilizar a ponta e as penas. 
 
A maneira mais fácil de remover uma flechada através da perna como este era quebrar a flecha perto do orifício de entrada e puxar o eixo encurtado. A farpa na cabeça da flecha significava que não podia ser retirada por trás, é claro.
 
Rapidamente, Crowley quebrou o eixo e puxou-o . Ele ignorou o homem choramingar enquanto fazia isso. Uma vez que a flecha estava fora, o sangue fluiu de forma constante tanto da entrada quanto da saída dos ferimentos e ele rapidamente os estancou, limpando eles com água quente que o estalajadeiro trouxe de uma chaleira pendurada sobre o fogo. Ele enfaixou a perna firmemente, em seguida, lavou as mãos na bacia de água quente e se levantou.
 
— Isso deve segurá-lo por um tempo — disse ele. Ele olhou para os dois companheiros inconscientes do homem, em seguida, ocupou-se de amarrar suas mãos atrás de suas costas com algemas de dedo. Halt olhava com interesse.
 
— Elas são uma idéia útil — disse ele. Ele ajudou a Crowley arrastar os dois homens em uma posição sentada, encostada num dos longos bancos.
 
— Eu estive pensando...  — Crowley disse enquanto eles trabalhavam. — Eu vi a maneira como você se cuidou. Você poderia ter matado os dois, sem nenhum problema.
E a beleza chorona lá também. — Ele fez um gesto para o soldado ferido, sentado curvado e chorando com dor sobre a perna enfaixada.
 
Halt encolheu os ombros. — Eu sou novo no país — disse ele. — Pensei que poderia ser difícil de explicar dois ou três cadáveres para o seu barão. Barões podem ser muito malhumorados sobre esse tipo de coisa, como eu descobri.
 
— Isso é verdade. Ainda assim, eu vou ver o que ele tem a dizer quando eu levar estes tres de volta para ele com o meu relatório. — Halt levantou uma sobrancelha. —Você vai levá-los de volta a este Barão, Morg... — Ele hesitou no nome.
 
— Morgarath — Crowley o corrigiu. — Sim. Ele é arrogante e prepotente, mas acho que mesmo ele terá de tomar conhecimento de um relatório oficial e reclamação de um Arqueiro do Rei. 
 
— Bem, se você não se importa, eu poderia vir e ajudar você a manter um olho nestes três. Eu estaria interessado em ver que tipo de homem é este Morgarath.
 
— Eu poderia te dizer — Crowley disse pesadamente  — mas provavelmente é melhor você ver por si mesmo. Venha com certeza. O Castelo de Gorlan fica a um dia e meio de viagem a partir daqui e há algumas coisas que eu quero conversar com você.
 
Halt assentiu. — Eu vou esperar ansiosamente — disse ele. Então ele se virou quando ouviu a porta do porão raspar abrindo em dobradiças enferrujadas. — E aqui está Glyniss com a nossa cerveja, na hora certa.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3
 
 
 
ELES PARTIRAM NAQUELA TARDE, APÓS CROWLEY TER comido. Ele removeu as algemas de dedo dos dois homens e, amarrou todos os três os tres homens pelas mãos firmemente na frente deles para que pudessem cavalgar com mais facilidade. Ele amarrou seus cavalos juntos e uma corda a um deles, apenas no caso dos homens ficassem tentados a escapar.
 
Seu mal humor da manhã tinha passado e ele agora se sentia positivamente alegre enquanto cavalgavam. Halt olhou para ele enquanto ele começava a assobiar uma alegre melodia.
 
— O que você está fazendo? — Perguntou ele, um escuro franzir de testa se formando em sua testa.
 
Crowley deu de ombros e sorriu para ele. — Estou de bom humor — explicou.
 
As sobrancelhas de Halt subiram. Crowley havia notado que o Hiberniano parecia usar essa reação facial com bastante frequência. — Então você está de bom humor. Por que você está fazendo esse som estridente?
 
— Eu estou assobiando. Eu estou assobiando uma canção alegre. 
 
— Isso não é assobiar. É gritar. Na melhor das hipóteses, é estridente — Halt respondeu. Crowley virou-se na sela para encará-lo com alguma dignidade. — Só para constar, meu assobio tem sido amplamente elogiado no feudo de Hogarth.
 
— Um lugar que deve ser melancólico, se as pessoas consideram este ruído estridente um som musical.
 
O soldado corpulento com a perna ferida começou a lamentar-se com a dor,  interrompendo a sua discussão sobre o que era e o que não era considerada boa música. 
 
Os três soldados estavam andando na frente de Crowley e Halt. Halt instigou seu cavalo para a frente alguns passos para alcançar o homem.
 
— Primeiro é o som estridente dele, agora é a sua lamentação — disse ele. — Será que estes ruídos não vão parar? Qual é o seu problema?
 
— Minha perna dói — lamentou o soldado.
 
— Claro que doi — Halt disse . — Eu transpassar sua perna com uma flecha. Você esperava que isso não doesse? 
 
O soldado foi pego de surpresa por esta resposta pragmática. Crowley, ouvindo, sorriu para si mesmo. Do que ele tinha visto de Halt até agora, se o soldado esperasse simpatia, ele estava falando com o homem completamente errado.
 
— Eu preciso descansar — o homem reclamou. — Este cavalo está sacudindo a minha perna.
 
— Não — Halt disse . — Você precisa se calar. Mas se você não pode fazer isso, eu vou fazer alguma coisa para tirar sua atenção desta sua perna.
O soldado olhou para ele com medo. Ele estava razoavelmente certo de que Halt não estava propondo aliviar sua dor. — O que você vai fazer? — Perguntou ele.
 
— Vou transpassar outra flecha na sua perna boa — Halt disse. — Isso vai espalhar a dor pelo corpo.
 
— Você mataria um homem indefeso? — O soldado encolhia-se na sela, tanto quanto podia, sem perder o equilíbrio e cair.
 
Halt o encarava de forma constante antes de responder. — Nunca esqueça de que você ameaçou cortar o nariz do meu amigo, enquanto as mãos dele estavam atadas atrás dele. Por isso não é provável que você ganhe alguma simpatia de mim. 
 
O soldado abriu a boca para responder, olhou para Halt e fechou-a novamente com um leve audível clop.
 
Halt, convencido de que ele entendeu o recado, acenou com a cabeça uma vez e freou seu cavalo, para voltar a cavalgar ao lado de Crowley, mais uma vez.
 
O arqueiro com cabelos com de areia alegremente para ele. — Então, eu sou seu amigo, não sou? — Perguntou ele.
 
Halt olhou para a frente por alguns segundos antes de responder. — Contanto que você não começe a assobiar de novo.
 
 
Acamparam naquela noite em uma pequena clareira ao lado de um córrego de água limpa e fria. Enquanto Halt desapareceu na floresta com seu arco, Crowley desatou os presos, um por vez, então reamarrou as mãos deles atrás das costas com as algemas de dedo. Sentou-os um ao lado do outro, encostando-os a uma arvore caída. Em cada um dos seus alforjes ele encontrou um cobertor e ele despejou estes sobre os homens.
 
— Você não vai nos dar algo para comer? — Um deles perguntou em um tom ofendido. Crowley balançou a cabeça. — Eu temo que não. Uma noite sem comer não vai prejudicá-lo.
 
Ele derramou água numa taça e deixou-os beber tanto quanto eles queriam. Quando ele terminou com os homens, ele acendeu um fogo. Ele tinha alguma batatas em seu kit de cozinha e colocou-as para ferver em uma panela enegrecida. Quando a água começou a borbulhar, Halt reapareceu carregando um coelho gordo, já descascado e limpo.
 
— Maravilha! — Crowley disse alegremente. —Nada como um coelho fresco para tirar as dores.
 
O soldado que havia falado anteriormente olhou para cima esperançosamente. — Podemos...
 
— Não — disse Halt e Crowley juntos. Eles rapidamente cortaram o coelho, jogaram os pedaços na farinha com algumas ervas secas misturadas e então na manteiga derretida em uma frigideira de ferro sobre o fogo. Conforme as articulações enfarinhadas entraram na manteiga quente e começaram a chiar, Crowley suspirou feliz. Ele gostava de comida.
 
— É uma maneira muito melhor  de preparo do que colocá-lo num espeto sobre o fogo — comentou. — Leva muito tempo para cozinhá-lo dessa maneira.
 
Quando os pedaços de coelho estavam dourados e cozidos , Crowley acrescentou um monte de verduras na panela, cobrindo-a para que elas murchassem rapidamente. Então ele e Halt desfrutaram sua refeição juntos, sentados um diante do outro, do outro lado da fogueira em silêncio sociável. De tempos a tempos, um dos prisioneiros gemia quando o
delicioso cheiro de coelho frito temperado chegava até eles. Crowley e Halt ignoraram o som.
 
Quando eles terminaram a refeição, eles lamberam os últimos vestígios de manteiga, coelho e batata de seus dedos, em seguida, enxugando-os sobre a relva. Crowley fez café e observou enquanto Halt acrescentou uma grande dose de mel para o seu copo.
 
— Isto não estraga o gosto? — Perguntou ele.
 
Halt olhou para ele, ponderou a questão, então, respondeu.
 
— Não.
 
Crowley sorriu para a resposta de uma palavra. — Você não fala muito, não é?
 
Mais uma vez, aqueles olhos escuros se levantaram e se encontraram com os seus. — Eu digo o que precisa ser dito.
 
Crowley deu de ombros bem-humorado. — Provavelmente uma boa coisa. Tenho tendência a falar demais às vezes.
 
— Eu notei.
 
— Isso te incomoda? — Crowley perguntou. Ele sentiu uma apreciação instintiva para este estranho escuro e ele sentiu que Halt pensava bem dele em troca. Halt encolheu os ombros . 
 
— Te impede de assobiar.
 
Crowley bufou de rir da resposta. Halt manteve uma fachada sombria e séria, mas Crowley poderia detectar, no fundo, uma veia de humor impassível no homem.
 
— Você disse hoje que você queria falar sobre alguma coisa — disse Halt.
 
Crowley concordou, reunindo seus pensamentos antes que ele começasse. — Parece que estamos a partilhar muitas das mesmas habilidades — disse ele. — E as mesmas armas. Eu percebi que você carrega uma faca saxônica e uma faca de arremesso como as minhas. Gostaria de saber como você conseguiu elas. 
 
Crowley, é claro, carregava suas duas facas na cirnto duplo de arqueiro. As de Halt estavam em bainhas separadas, colocados juntas no lado esquerdo do cinto. Ele olhou para elas, onde o cinturão estava estendida sobre uma rocha ao lado da fogueira.
 
— O meu mentor me deu — disse ele. — Ele era um Arqueiro, como você.
 
Crowley se surpreendeu com aquele pedaço de informação. — Um Arqueiro? — Disse. — Em Hibernia? Qual era o seu nome? 
 
— Ele chamou a si mesmo Pritchard. Ele era um homem surpreendente. 
 
— Ele era de fato — afirmou Crowley e agora foi a vez de Halt o olhar surpreso.
 
— Você o conhecia?
 
Crowley concordou avidamente. — Eu fui seu aprendiz por cinco anos. Ele me ensinou tudo que sei. Como você chegou a conhecê-lo? 
 
— Ele apareceu na Du...Droghela, cerca de três anos atrás. Ele tomou-me sob sua proteção e me ensinou movimento silencioso, tecnicas de faca, rastreamento e o resto. 
Eu já podia atirar, mas ele aperfeiçoou a minha técnica um pouco.
 
Crowley notou a hesitação e correção quando Halt mencionou o nome do lugar onde ele conheceu Pritchard. Mas ele deixou passar.
 
— Sim. Ele era muito exigente sobre a técnica. 
 
— E a prática — Halt concordou.
 
Crowley sorriu com a lembrança de seu antigo professor. — Ele tinha um ditado. “Um arqueiro comum prática até que ele acerte. Um Arqueiro... —
 
— Prática até que ele nunca erre. — Halt terminou de dizer e ambos sorriram. Eles se sentaram em silêncio por alguns momentos.
 
— O que aconteceu com ele? — Crowley perguntou. — Ele ainda está em.. Droghela, você disse?
 
Halt balançou a cabeça. — Ele seguiu em frente. Eu tive alguns contra tempos por lá e eu tive que sair. Decidi vir para Araluen para ver se eu poderia contatar um Arqueiro - talvez me juntar ao corpo e completar a minha formação. Pritchard mudou-se para um dos reinos ocidentais em Hibernia. Ele disse que era incapaz de voltar aqui. 
 
Crowley assentiu com tristeza. — É isso mesmo. Ele foi expulso do país - sob acusações totalmente forjadas, é claro. Mas, infelizmente, isso é o que está acontecendo com o corpo dos arqueiros nestes dias. Tudo mudou para pior.
 
— O que você quer dizer? — Halt disse. — Você parece muito bem como os arqueiros que Pritchard me disse.
 
— Eu estou contente de ouvir isso — respondeu Crowley. — Mas as coisas mudaram.
 
Ele pegou sua aljava. Ele notou que a cauda em duas de suas flechas estavam se soltando e ele começou a repará-las. Halt assistiu-o, depois vasculhou em seu próprio pacote e passou-lhe um molde de penas de flechas.
 
— Aqui. Utilize isto. Vai facilitar seu trabalho. 
 
— Obrigado — disse Crowley, arrancando as velhas penas do eixo. Colocou o molde de penas de flechas, que iria segurar o eixo e a nova cauda no local até que a cola estivesse seca e começou a reparar a primeira flexa. Após um minuto ou dois, ele respondeu a pergunta anterior de Halt.
 
— As coisas mudaram — repetiu ele. — Estes dias, o Corpo de Arqueiros é pouco mais do que um clube de social para beber formado por jovens preguiçosos e nobres. Não há formação, não há aprendizagem. Você compra a sua entrada agora. Eu sou um dos poucos arqueiros remanescentes que foi devidamente treinado. E eles estão tentando me espremer para fora. 
 
— Por que eles fariam isso? — Halt perguntou.
 
Crowley deu de ombros. — Acho que eu sou um constrangimento para eles. Eu acabei de ir ao Castelo de Araluen apenas para ganhar um tapinha no ombro sobre queixas ridículas. Já aconteceu com os outros antes de mim. Pritchard foi um dos primeiros. Mas, desde então, outros foram expulsos também. Eu acho que há talvez apenas uma duzia de Arqueiros devidamente treinados restantes no Reino estes dias e estamos muito espalhados.
 
— Mas por quê? Quem iria querer destruir uma força tão eficaz? O Rei não pode fazer alguma coisa? Vocês são os Arqueiros do Rei, afinal de contas. —
 
Crowley sorriu tristemente. — O Rei não sabe o que está acontecendo. E quanto a quem iria querer destruir os Arqueiros, a resposta é simples. Há um grupo de barões, o Conselho Real, que tem o velho Rei completamente sob sua influência. Ele está doente e senil e não tem idéia do que está acontecendo. Minha opinião é que eles estão planejando para assumir o trono. Eles o fizeram concordar em praticamente exílar o Príncipe Duncan na costa nordeste. O Rei está impotente e estão certificando-se que não há um grupo coeso que pode apoiar o príncipe Duncan quando chegar a hora dele assumir o trono. 
 
— Quem está por trás disso tudo? — Halt perguntou.
 
Crowley fez um gesto para os três homens amarrados a poucos metros de distância. — Você vai encontrá-lo amanhã — disse ele. — Eu não posso provar, mas tenho certeza que é Morgarath.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
4
 
 
 
 
HALT FREOU SEU CAVALO QUANDO ELES ATINGIRAM O PICO do ultimo monte e o Castelo de Gorlan veio à tona.
 
Ele era espetacular. Não havia outra palavra para isso. Altas e graciosas torres superadas por torres pontiagudas ascendiam altamente para o céu. Estas torres eram revestidas com mármore branco que brilhava ao sol do meio da manhã. Várias das torres eram ligadas por graciosas passagens arcadas, seus balaústres terminavam em ornamentados padrões esculpidos. Os mesmos padrões esculpidos estavam em evidência em varias sacadas que era uma característica do castelo.
 
De uma duzia de pontos, longos e brilhantes estandartes coloridos e bandeiras derivavam na leve brisa, alguns deles de três a quatro metros de comprimento.
 
Na base da colina na frente deles, inclinando-se para o castelo, havia um parque bem cuidado. A grama verde e árvores decorativas bem cuidadas eram intercaladas com elegantes estatuas branco-brilhante. Vias pavimentadas serpenteavam pelo parque, e havia bancos e mesas estabelecidos em arvoredos entre as árvores. Arquibancadas e justas estavam pintadas do lado de fora da parede principal e da porta elevadiça. O complexo do enorme castelo estava cercado por um fosso seco, com acesso por uma ponte elevadiça. Atualmente, a ponte estava abaixada e a porta elevadiça estava aberta.
 
— É alguma coisa, não é? — Crowley disse. Ele cruzou as mãos sobre o punho da sela e se inclinou para frente, aliviando a rigidez nas costas.
 
— Eu nunca vi nada parecido — disse Halt. E era verdade. Ele tinha visto antes castelos  - de fato ele tinha vivido em um parte de sua vida até agora. Mas os castelos que ele estava familiarizado eram sombrios, edifícios pesados, destinados a força e invulnerabilidade não, beleza pura como este era. Mas mesmo que tivesse esse pensamento, estava estudando as paredes e observando a sua espessura - disfarçado pelas linhas graciosas. Gorlan seria um osso duro de roer, ele pensou, apesar de sua beleza quase etérea.
 
— Coloca até o Castelo de Araluen na sombra — Crowley continuou. — E isso requer algum trabalho, acredite. Pena que ele pertence a Morgarath — acrescentou ele, com um expressão amarga em seu rosto.
 
Halt olhou para ele, mas não disse nada. Ele decidiu que ia fazer seu próprio julgamento do Barão de Gorlan.
 
Ele não teve de esperar muito tempo. Eles cavalgaram até o castelo, com o posto de Crowley como arqueiro ganhando a eles permissão. Ele entregou os prisioneiros à portaria e pediu uma audiência com o Barão. Eles foram conduzidos a uma pequena antecâmara na fortaleza, ao lado do Salão Principal, onde Morgarath conduzia seus assuntos oficiais. Crowley fez uma careta pra isso. Era sua primeira vez no interior das muralhas de Gorlan e a prática de fazer negócios em um grande salão de audiências cheirava a suposto comportamento real. A maioria dos barões mantinham pequenos escritórios onde se encontraram com sua equipe e com os oficiais que os visitavam tais como os arqueiros. O vasto salão de audiencias de Morgarath lembrava o salão mantido e utilizado pelo Rei no Castelo de Araluen. Ou, mais corretamente estes dias, pelo Conselho Real, Crowley pensou.
Eles tiveram de esperar por quarenta minutos - muito pouco, o arqueiro pensou, já que eles haviam chegado sem aviso prévio – e então foram conduzidos ao vasto salão.
 
O teto era alto, apoiado por arcos abobadados ligados em escoras. No lado oriental do muro, havia janelas de vidro multicoloridas. O sol brilhava através delas, criando padrões exóticos no interior do salão. Ao todo, o Salão era tão impressionante como o exterior do edifício. Eles entraram através de altas portas duplas, que foram abertas pelos homens de armas que vestiam o brasão da espada sobre o raio que Halt tinha visto sobre os três homens na taverna. Morgarath sentava-se na outra extremidade do salão, em uma ampla cadeira, que parecia um trono, feita de madeira negra, sobre um estrado que o deixava um metro mais alto do que os arredores. Crowley e Halt marcharam juntos ao longo do comprimento da sala, suas botas macias fazendo um fraco som sobre o chão de pedra. 
 
Apenas perto do estrado, a superfície do chão alterou para azulejos de mármore fixados em padrões geométricos.
 
Tomando a sugestão de Crowley, Halt parou ao pé do estrado. Crowley parou com atenção. A postura de Halt era mais relaxada, enquanto ele estudava o Barão do feudo  de Gorlan.
 
Morgarath sentava-se casualmente, com a perna estendida sobre um braço da cadeira. 
 
Ele brincava com um punhal de lâmina larga, admirando o cabo entalhado de prata. Ele olhou para eles quando eles pararam. Sua expressão era de desinteresse total.
 
Mesmo sentado, era evidente que Morgarath era um homem excepcionalmente alto. Ele era bonito, com um rosto comprido e uma mandíbula forte. Ele não usava barba ou bigode, mas seu cabelo era longo e reto. Era uma cor louro pálido - uma cor que provavelmente iria a branco em vez de cinza quando o homem envelhecesse. Sua pele era pálida e ele estava todo vestido de preto, dando a pele pálida e cabelos claros um contraste gritante. Um pesado cordão de prata pendia em seu pescoço.
 
Mas sua característica mais surpreendentes eram seus olhos. Com uma coloração como a dele, Halt teria esperado pálidos olhos azuis ou quase incolores, mas estes olhos eram preto - um preto profundo, de modo que era impossível ver onde a íris terminava e as pupilas começavam.
 
Olhos mortos, Halt pensou consigo mesmo. Ele não tinha idéia de onde o pensamento veio. Simplesmente apareceu na sua mente enquanto ele estudava o Barão.
 
Morgarath colocou o punhal sob uma pequena mesa lateral ao lado de sua cadeira. 
 
Movimentou o pé para cima e para baixo enquanto estudava os dois homens perante ele. Suas ásperas roupas de viajantes e equipamentos estavam em desacordo com a elegância de seu salão e ele franziu a testa a eles como se tivessem de alguma forma contaminando a beleza do Castelo de Gorlan.
 
— Seu nome? — Disse a Crowley. Sua voz era profunda e ressonante. Ele não parecia falar alto, mas a voz encheu a sala. Crowley se mexeu desconfortavelmente. A desaprovação do Barão era dolorosamente óbvia.
 
— Crowley, senhor. Arqueiro do Rei Número Dezessete, ligado ao feudo de Hogarth.
 
— A forma correta de me endereçar, arqueiro, é meu lorde. Não senhor. 
 
Crowley ficou vermelho. Morgarath estava errado. Como arqueiro cumpridor do mandado do Rei, Crowley era um oficial sênior e tinha direito a se dirigir aos barões como senhor. 
Apenas o rei ou membros da família real, mereciam o título de meu lorde e era geralmente reservada para ocasiões formais. Morgarath parecia ter uma idéia exagerada de sua própria categoria. Não havia nenhum ponto, no entanto, discutir com o homem aqui no seu próprio castelo.
 
— Desculpas, meu lorde — disse ele secamente. Morgarath sustentou seu olhar por alguns segundos, o medindo. Ele balançou a cabeça e virou aqueles olhos negros em
 
Halt, dispensando o arqueiro ruivo por ora.
 
— E você é... ? — Ele estava intrigado com o companheiro do arqueiro. Ele parecia estar equipado como um Arqueiro do Rei, com um arco e duas facas em seu cinto. No entanto, havia pequenas diferenças. Sua capa era verde escuro, em toda tonalidade. Não era manchado verde e cinza como era a capa dos Arqueiros. E as facas estavam em duas bainhas separadas, proximas.
 
— Meu nome é Halt.— O sotaque Hiberniano era inconfundível.
 
Morgarath ergueu as sobrancelhas. — Só Halt? Nenhum segundo nome? Seus pais eram muito pobres para pagar um? Ou você não sabe quem eram eles?
 
Halt considerou o homem sem reagir ao insulto implícito em suas palavras. — Minhas desculpas. Meu nome completo é Halt... Arratay. — No calor do momento, ele surgiu com o pseudônimo que ele iria usar para o resto de sua vida. Ele sorriu interiormente para o escárnio inerente ao nome, zombaria que Morgarath não conseguiu reconhecer. “Arratay” era a pronúncia de Halt da palavra gaulesa arretez, que significava “Halt”. Em outras palavras, ele apenas disse ao sarcástico nobre que seu nome era Halt Halt.
 
— Sou forasteiro da corte do Senhor Dennis O'Mara, Duque do Condado de Droghela no Reino de Clon...
 
Ele não foi alem quando Morgarath levantou a mão indiferente. — Eu perguntei o seu nome, Hiberniano. Não a sua história de vida. — Halt curvou-se ligeiramente, com uma mera inclinação da cabeça. Morgarath voltou sua atenção para Crowley.  — Agora, o que é isto tudo, Arqueiro? Eu acredito que você prendeu três dos meus homens?
 
— Isso mesmo, senhor. Eles estavam bêbados e causando uma perturbação em uma taverna, aterrorizando o estalajadeiro e sua garçonete.
 
— Aterrorizando-os?— Morgarath disse, levantando suas sobrancelhas. — Ameaçando a vida deles? Cortando fora partes de seus corpos com facas afiadas? Torturando-os com agulhas incandescentes?
 
Crowley se mexeu desconfortavelmente. — Talvez aterrorizando seja uma palavra muito forte para isto, senhor... meu lorde. Intimidando-os pode ser a melhor maneira de colocála. Eles estavam intimidando-os e causando perturbação. A menina estava assustada, senhor. 
 
— Parece nada mais do que bom humor para mim, arqueiro.
 
— Você poderia olhar para isso dessa maneira, meu lorde. Mas quando eu lhes disse para parar, um deles me ameaçou com uma faca. Amarraram minhas mãos e ameaçaram cortar o meu nariz. 
 
— Depois que você o feriu, eu acredito.
 
— Eu bati nele, sim. Mas apenas em retaliação. Ele estava mexendo com a garota e eu o empurrei para longe. Ele girou um soco em mim. Eu abaixei e bati nele. Então seus
companheiros me agarraram e ele puxou um punhal e, em seguida, ameaçou cortar meu nariz. 
 
— Então, como você escapou deste perigo terrível? O que o convenceu a parar? 
 
— Eu atirei nele — disse Halt, interrompendo. O escárnio de Morgarath estava começando a irritá-lo. O Barão agora virou seus olhos arregalados zombeteiros a Halt.
 
— Você atirou nele? Aonde você disparou nele?
 
— Na taberna — Halt disse, mantendo o rosto completamente sem expressão. O comentário espirituoso cortou através do ar de desdem de Morgarath e Halt viu um repentino surto de raiva por trás daqueles olhos negros. O homem estava obviamente brincando com eles. Halt tinha certeza de que, enquanto eles foram mantidos em espera, ele já tinha pedido um relatório completo dos acontecimentos na pousada.
 
— Eu quis dizer — disse Morgarath, com precisão fria — em que lugar de seu corpo você disparou nele?
 
— Minhas desculpas. Eu atirei na perna dele. Ele disse que você ficaria com raiva de mim, se eu o matasse.
 
Morgarath fitou o Hiberniano por alguns segundos. Os olhos calmos de Halt encontraram seu olhar sem vacilar. Eventualmente, foi Morgarath que olhou para o lado, fingindo falta de interesse.
 
— Então foi bom que você não tenha o matado. — disse ele.
 
— Eu também pensei isso, meu lorde.
 
— Ainda assim, mesmo um ferimento na perna parece uma punição severa por simplesmente irritar um estalajadeiro e uma garota.
 
Crowley limpou a garganta e interrompeu. — Desculpe-me, meu lorde. O tratamento dos homens ao estalajadeiro e sua garçonete foi intolerante. Mas o fato levantarem a mão e ameaçarem um oficial do Rei é uma questão muito mais séria.
 
 —Eles ofenderam a sua dignidade, não foi, arqueiro? — Morgarath zombou.
 
Crowley balançou a cabeça. — Não é uma questão pessoal comigo, senhor. Eles mostraram desrespeito ao uniforme e ao Corpo e ameaçaram um oficial superior.
 
— E você espera que vá puni-los, é isso?
 
Crowley deu de ombros. — Eu achei melhor comunicar o fato a você para a sua ação, senhor. Eles são seus homens, afinal de contas, por isso é melhor lidar com eles extraoficialmente, por assim dizer. Caso contrário eu teria que informar ao Corpo dos Arqueiros.
 
As sobrancelhas de Morgarath baixaram. Este era o problema, é claro. Ele não tinha idéia de como este Crowley era considerado por seus superiores. Os idiotas que dirigiam o Corpo de Arqueiros esses dias eram um bando arrogante. Ainda que eles estivessem tecnicamente aliados com Morgarath e os outros membros do Conselho Real, tendiam a defender sua dignidade, se o seu orgulho fosse ofendido. Se eles sentissem que sua organização tinha sido tratada com desrespeito, poderiam exigir todos os tipos de retribuição. E ineficazes como eles poderiam ser como guerreiros, eles tinham muita influência. Eles pertenciam a algumas das famílias mais importantes no Reino e Morgarath ainda não estava em uma posição forte o suficiente para afastá-los. Ele forçou um sorriso.
 — Eu aprecio a sua discrição, Arqueiro Crowley. Como você disse, é melhor manter essas questões entre nós. Vou mandar açoitado-los.
 
Crowley foi surpreendido com essas palavras. — Não há necessidade para isso, senhor! Eu acho que o rebaixamento e alguns meses de deveres desagradáveis seriam suficientes. 
 
— Você tem um coração mole, Arqueiro. Eu acho que um açoitamento é merecido. 
 
Cinqüenta chibatadas, pelo menos. Afinal, eles ofenderam o Corpo de Arqueiros e não podemos deixar que façam isso. O que você acha, Halt Arratay?.
 
Halt teve de forçar-se a não sorrir ao uso involuntário de Morgarath do ridiculo nome repetitivo. Ele percebeu que o barão, ao propor tal punição cruel, estava tentando manter Crowley fora de equilíbrio e minar sua determinação. Ele estava praticando um sádico jogo de. Crowley era um homem decente e o pensamento de que ele tinha causado que três homens tivessem sua carne arrancada de suas costas iria enojá-lo. Halt, no entanto, não sentiu esses escrúpulos.
 
— Açoite-os da forma que quiser, meu lorde. Um bom açoite nunca fez mal a ninguém, certamente aos açoitadores, de qualquer maneira. 
 
Crowley olhou rapidamente para ele. Halt deu-lhe um aceno de cabeça quase imperceptível. Crowley não tinha certeza do que Halt estava fazendo, mas optou por seguir sua liderança.
 
— Como achar melhor, meu lorde — disse ele. Morgarath considerou os dois homens diante dele em silêncio por algum tempo. Então, ele coçou o queixo lentamente.
 
— Isso mesmo. Como eu achar melhor. Muito bem. Você pode ter certeza que verei a sua punição - e será adequada aos crimes que cometeram. Isso é tudo. Saiam daqui. 
 
Ele fez um gesto, os espantando com uma mão lânguida e desviou o olhar deles, pegando o punhal e examinando o design em seu punho mais uma vez. Halt e Crowley se viraram e caminharam rapidamente para longe. Por um momento, Crowley ficou tentado a voltar para o estrado, então seguiu os passos de Halt e virou-se de forma inteligente, colocando as costas para a figura alta vestida de preto no trono. À medida que iam embora caminhando, Morgarath abandonou o seu interesse fingido pelo punhal e ficou olhando para eles, sem piscar seu olhar. O Arqueiro era previsível, pensou, um dos últimos de uma espécie que está desaparecendo rapidamente. Ele era de pouco interesse para Morgarath.
 
O Hiberniano era uma questão diferente. Ele era ousado, criativo e difícil de engolir. 
 
Rodeado por pau-mandados e bajuladores como ele era, Morgarath precisava de alguns tenentes de vontade forte. O Hiberniano poderia ser uma pessoa útil para ter ao seu lado.
 
Crowley e Halt passaram a noite no Castelo de Gorlan, comeram no salão principal com os membros superiores do castelo e cavaleiros da Escola de Guerra. Em sua maior parte, os habitantes locais os ignoraram. Morgarath optou comer em seus aposentos e não fez nenhuma aparição.
 
Eles foram designados a cômodos confortáveis em uma das torres. Os quartos eram grandes, arejados e bem decorados. Depois de ter apagado a vela, Halt ficou de olhos abertos, pensando sobre os acontecimentos do dia. Muito depois da meia-noite, ouviu uma batida leve na porta. Ele escorregou para fora da cama. Seu cinto com a duas bainhas estava posto sobre a cabeceira da cama ao lado de seu travesseiro. Ele tirou a
faca saxonica e moveu-se calmamente para a porta. Abrindo-a, ele encontrou um serviçal do castelo, que recuou com medo enquanto a luz de sua vela refletia na lâmina pesada na mão do Hiberniano .
 
— Lorde Morgarath deseja falar com você — disse o serviçal nervosamente.
 
— Espere aqui — Halt disse a ele. Vestiu-se apressadamente, refletindo se deveria deixar suas facas para trás, em seguida, deu de ombros e afivelou o cinto de couro pesado, recolocando a faca saxonica em sua bainha. Ele seguiu o serviçal para baixo a um nível inferior. Atravessaram a outra escada, esta levando a torre central, e o homem o levou para cima novamente. Após quatro lances, eles chegaram aos aposentos privados de Morgarath. O serviçal bateu apreensivo sobre a porta. Vagamente, eles ouviram a voz Morgarath.
 
— Entre.
 
Eles entraram. O Barão estava sentado atrás de uma mesa, folheando feixes de pergaminho. Uma unica vela acesa no quarto solitário. Sombras pressionaram em torno da forma vestida de preto e Halt parou na frente da mesa. Morgarath olhou para o serviçal.
 
— Saia — disse e o homem correu para fora imediatamente. Halt colocou em mente uma barata correndo para se esconder enquando uma luz brilhava em cima dela. Ele ouviu a porta fechar atrás do homem. Morgarath mantinha o olhar fixo em Halt enquanto o serviçal saia. Halt devolveu o olhar.
 
O Barão acenou-lhe uma cadeira.
 
— Sente-se — disse ele e enquanto Halt cumpria, Morgarath inclinou-se nos cotovelos, empurrando a vela mais perto do Hiberniano para que ele pudesse ver seu rosto mais claramente.
 
— Você me interessa, Halt — disse ele finalmente.
 
Halt encolheu os ombros. — Eu não sou uma pessoa muito interessante, meu lorde — ele disse igualmente, mas Morgarath balançou a cabeça.
 
— Oh, mas você é. Você é um homem que conhece sua própria mente e que não tem medo de falar. Eu valorizo isso. Você é cheio de recursos e, pelo que eu ouvi, você é um lutador experiente. 
 
Halt não disse nada. O silêncio entre eles cresceu. Finalmente, Morgarath o quebrou.
 
— Eu poderia usar um homem como você.
 
Um leve sorriso tocou os cantos da boca Halt. — Eu não tenho certeza se gosto da idéia de ser usado, meu lorde.
 
Morgarath balançou a declaração de lado. — Uma figura de linguagem. Deixe-me colocar de outra maneira. Eu gostaria de ter você trabalhando para mim. Eu pago bem, e como você pode ver, as condições aqui em Gorlan são extremamente agradáveis. Muitos homens ficariam honrados em trabalhar para mim. 
 
— Infelizmente, senhor, eu acho que não sou digno de tal honra. — Não havia nenhum sinal de arrependimento na voz de Halt.
 
— Eu acho que aqueles que não estão comigo estão normalmente contra mim, Halt—, disse Morgarath. Halt reconheceu a advertência implícita nas palavras, mas ele não se
abalou.
 
Ele permaneceu em silêncio, encontrando o olhar de basilisco de Morgarath, sem qualquer sinal de hesitação ou incerteza. Morgarath tentou uma última vez. — Eu prefiro tê-lo como um aliado do que como um inimigo — disse ele.
 
Halt se levantou bruscamente, empurrando a cadeira para trás com uma leve arranhada de madeira sobre madeira.
 
— Essa escolha pode não ser sua — disse ele. E antes que o furioso Barão pudesse responder, Halt girou nos calcanhares e saiu da sala.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
CROWLEY E HALT DEIXARAM O CASTELO NA MANHÃ SEGUINTE. Halt não fez nenhuma menção de seu encontro de fim de noite com Morgarath e cavalgaram em silêncio por vários minutos. Por fim, inevitavelmente, foi Crowley quem falou primeiro.
 
— Eu me pergunto o que ele vai fazer com eles?
 
Halt olhou de soslaio para ele. — Quem vai fazer com quem? — Disse ele, ignorando a gramática rigorosa. Halt nunca foi um defensor de regras de qualquer tipo.
 
— Morgarath. Eu me pergunto como ele vai punir os três homens armados que nós trouxemos 
 
Os labios de Halt enrolaram com desdém. — Eu duvido que ele fará qualquer coisa com eles. Eu suspeito que eles estavam desfilando com sua plena aprovação.
 
Crowley franziu a testa para a declaração. — Por que ele iria encorajá-los a fazer isso? 
 
— Ele é um tirano. Tiranos gostam de ver seus súditos viverem com medo. Ajuda a mante-los na linha. 
 
Crowley assentiu com tristeza. — Eu suponho que você está certo. — Ele suspirou profundamente e Halt olhou para ele novamente. — Qual é o problema? Você é normalmente um sujeito tão alegre.
 
Crowley se permitiu um sorriso fraco por esta descrição, vindo a partir da figura sombria e mal-humorada montada ao lado dele.
 
— Eu só estava pensando em que péssimo estado o Reino está — ele disse. — Homens como Morgarath tratando seus próprios súditos tão mal, o Conselho Real tentando de todas as formas prejudicar o Rei e o Corpo de Arqueiros nada mais do que um grupo de inuteis, vagabundos e preguiçosos. Gostaria de saber onde tudo vai parar?
 
— Você é um Arqueiro e você não é inutil — Halt apontou. — Você pode ser preguiçoso, é claro. Eu não posso ter certeza sobre isso. E você disse que havia outros iguais a você. 
 
— Ele estava obviamente tentando convencer Crowley a sair do seu seu mal humor . Mas o Arqueiro balançou a cabeça e fez um pequeno gesto sem esperança .
 
— Apenas uns poucos — disse ele. — Uma dúzia, no máximo. E nós estamos muito espalhados. O Comandante do Corpo vê isso. Eles vão se livrar de nós, um por um, com denuncias forjadas e acusações, como fizeram com Pritchard e os outros.
 
— Por que não  agir primeiro? — Halt disse. — Reúna os outros e revidem. Pelo que você diz sobre os comandantes atuais, não vão resistir muito em uma luta. 
 
— Eu acho que isso é o que Morgarath está esperando que faremos — disse Crowley. —  Ele gostaria de ver os últimos vestígios do antigo Corpo dos Arqueiros totalmente destruídos. Se nos rebelassemos contra a nossa própria liderança, tecnicamente, estaríamos se rebelando contra o Rei. 
 
— É um problema — Halt disse, pensativo. — Junte todos eles e serão acusados de traição, permaneçam separados e poderam tirar um de cada vez.
 
— Bem, não é problema seu, de qualquer maneira. Tem alguma idéia do que você poderia fazer?
 
Halt encolheu os ombros. — Como eu lhe disse, eu tinha uma vaga idéia de unir os Arqueiros. Mas isso não parece ser uma opção agora. Acho que vou me dirigir para o sul e a leste e atravessar para Gallica. —
 
— Bem, podemos cavalgar juntos por um longo tempo. A estrada para o sul está mais ao longo deste caminho. Ficarei contente de alguma companhia alegre.
 
— É a primeira vez que alguém disse isso sobre mim — respondeu Halt.
 
Eles chegaram a bifurcação na estrada cerca de quarenta minutos depois. A estrada sul ramificava-se para a esquerda, atravessando campos ondulados e terras agrícolas.
 
A estrada para o norte, a estrada que Crowley iria seguir, entrava em uma grande floresta a meio quilómetro de distância. Os dois homens apertaram as mãos.
 
— Obrigado pela sua ajuda — disse Crowley.
 
— E minha companhia alegre — Halt acrescentou, serio.
 
Crowley sorriu. — Sim. Isso também. Espero que as coisas deem para você. 
 
— O mesmo para você — Halt disse e o arqueiro encolheu os ombros com uma alegria fingida.
 
— Oh, eu estarei bem, eu tenho certeza.
 
Houve uma pausa desconfortável. Os dois homens haviam desfrutado a companhia um do outro e cada um sentia que o outro tinha um espirito parecido. Mas eles não tiveram uma longa história de amizade para suavizar a partida. Eventualmente, Halt quebrou o silêncio e virou o cavalo para o sul.
 
—Bem... acho que nos vemos por aí. — disse ele e Crowley concordou, levantando uma mão em saudação.
 
— Nos vemos..
 
Eles viajaram para longe um do outro e Halt considerou quão ridículo suas palavras finais tinham sido. Nós não nos veremos por aí, pensou. Por que dissemos que nos veriamos?
 
Seu caminho descia uma longa ladeira, então subia uma encosta do outro lado. Ele alcançou o pico e parou para virar-se na sela, procurando por Crowley. Mas o arqueiro já havia desaparecido na densa floresta que ocupava a estrada. Halt apertou os lábios. Ele tinha uma vaga sensação de que ele deveria ter oferecido ajuda ao Arqueiro. Ele tinha a sensação de que ele estava deixando Crowley na mão. Ele não tinha certeza o que mais ele poderia ter feito, mas o sentimento desconfortavel permaneceu .
 
Ele estava prestes a incitar seu cavalo de novo quando se lembrou do seu molde de penas de flecha. Ele havia emprestado a Crowley na primeira noite em que estavam acampados e ele percebeu que o Arqueiro não havia devolvido a ele. Ele poderia se virar sem ela, mas o processo de empenar uma flecha era muito mais demorado, sem isso. Ele estalou a língua e virou seu cavalo, pondo-o a um galope, refazendo seu caminho em rumo a Crowley.
O cinzento tinha uma marcha fácil a passos longos, e eles cobriram a distância até a floresta em pouco tempo. Eles viajaram para a frieza escura sob as árvores. Ao longo dos anos, galhos haviam crescido em todo o caminho de cada lado e fazia com que a estrada parecesse um túnel verde sombreado. A estrada virou-se bruscamente para a direita umas poucas centenas de metros à frente. Não havia nenhum sinal de Crowley. Ele devia ter percorrido mais terreno do que Halt esperava. Ele bateu no cavalo com seus calcanhares, pedindo mais velocidade a ele. Os cascos eram amortecidos pela superfície macia da estrada, sob as árvores. Sombreada constantemente pela folhagem baixa, a estrada nunca havia secado e endurecido. Além disso, um tapete grosso de folhas tinha se acumulado através da passagem dos anos.
 
Quando se aproximaram da curva da estrada, Halt tomou conhecimento de um fraco som, o confronto deslizante e raspante de aço sobre aço. Ele sentiu um aperto de apreensão em seu estômago. Ele deslizou o arco de seu ombro e jogou para trás uma ponta do seu manto para deixar sua aljava livre.
 
Os cascos traseiros do cavalo derraparam um pouco sobre o chão úmido enquanto viravam a direita ao redor da curva da estrada.
 
Sessenta metros de distância, Crowley estava contra uma grande árvore de carvalho, cercado por um grupo de homens armados. Enquanto registrava a cena, Halt contou quatro atacantes, e um quinto a poucos metros de distância, fora da luta, de joelhos e encolhido, segurando seu lateral. O cavalo de Crowley estava mancando desajeitadamente bem distante da estrada.
 
Sem pensar concientemente, a mão de Halt voou para a sua aljava e enviou duas flechas a caminho no espaço de um batimento cardíaco. O primeiro indício de que os atacantes de Crowley tiveram de sua presença foi quando dois dos seus gritaram de dor quando as flechas pretas perfuraram eles, cortando a sua cota de malha como se fosse nada mais do que roupa.
 
Após o primeiro grito, um caiu e ficou em silêncio. O outro continuou a gemer de dor,  rastejando sobre mãos e joelhos para longe da cena do combate.
 
Os outros se voltaram para ver o que tinha acontecido aos seus companheiros. Foi um  erro fatal. Crowley se lançou a um e a faca saxonica cortou profundo no corpo do homem. O outro foi arremessado enquanto o cavalo de Halt batia no ombro dele. O homem bateu no chão, escorregando sobre as folhas úmidas, depois ficou imóvel.
 
Halt freou e se jogou abaixo da sela, largando o arco e sacando a sua faca saxonica. 
 
Havia uma mancha de sangue na testa de Crowley.
 
— Você está bem? — Halt perguntou.
 
O Arqueiro assentiu sem fôlego. — Graças a você, sim — disse ele. Ele olhou para o homem que ele acabara de perfurar. Ele estava deitado de costas, olhos abertos, olhando para o céu. — Você o reconhece?
 
Halt olhou para baixo. Ele viu o símbolo familiar do raio na túnica do homem, em seguida, olhou mais atentamente para seu rosto. Era o homem corpulento que ele tinha acertado na perna na taverna. Ele olhou rapidamente para os outros. O homem dobrado sobre os joelhos, chorando de dor, também estava na taberna, como tambem o primeiro dos atacantes que Halt havia disparado.
 
— Morgarath tem uma estranha idéia de punição —  disse ele.
 
Crowley deu-lhe um sorriso cansado. — Oh, eu não sei. Certamente não fizeram qualquer bem a longo prazo. O que devemos fazer com eles? — Ele apontou para os três
sobreviventes feridos.
 
— Deixe-os — Halt disse brevemente. — Não adianta levá-los de volta para Morgarath. 
 
Ele, obviamente, mandou-os atraz de você. Cinco deles — acrescentou. — Ele pensou que precisariam mais do que três desta vez. 
 
— Provavelmente, pensou que você ainda estaria comigo — disse Crowley e Halt acenou com a cabeça, pensativo.
 
— Você percebe que Morgarath não pode dar ao luxo de deixá-lo viver agora, não é? — Disse. — Ele provavelmente vai sobrepor algumas acusações contra você, dizer que você era responsável pela morte de dois de seus soldados leais.
 
— Esse pensamento me ocorreu.
 
— Então venha comigo. Vamos ir para Gallica. Há sempre trabalho para bons homens de combate lá. E eu posso ver que você é um bom homem de combate. — Halt indicou os corpos espalhados pela estrada. Mas Crowley já estava balançando a cabeça antes de Halt terminar de falar.
 
— Eu estava pensando sobre o que você disse, sobre como organizar os Arqueiros restantes e revidar. Eu decidi que é o que eu vou fazer. 
 
— Você não está preocupado em ser declarado um traidor? — Halt perguntou.
 
— Estou indo a nordeste encontrar o príncipe Duncan. Como o herdeiro do trono, se ele me der uma autorização real para reunir os outros arqueiros restantes e reformar o Corpo, eu não posso ser acusado de traição. E ele pode achar útil ter uma dúzia de homens altamente treinados a seu serviço. 
 
Halt considerou as palavras de Crowley durante alguns segundos, depois assentiu. —  Esse pode ser o melhor plano de ação. — disse ele. — E eu gosto da idéia de reformar o Corpo de Arqueiros . Imagine você, uma dúzia de homens não é muito. 
 
— Uma dúzia de Arqueiros — Crowley o corrigiu. — E isso pode não ser muito, mas é um começo. — Ele fez uma pausa e acrescentou: — Seria 13 se você considerasse se juntar a nós. Tenho certeza de que o príncipe Duncan pode ser persuadido a dar-lhe um lugar no Corpo.
 
Halt balançou a cabeça, uma carranca juntando as escuras sobrancelhas. — Eu não colocaria muita confiança em príncipes — disse ele.
 
— Esse você pode confiar. Ele é um bom homem — Crowley disse. Mas ainda assim o Hiberniano estava relutante.
 
— Eles são todos bons homens, até sentir o gostinho do poder.
 
— Não neste. Você pode confiar em Duncan, acredite em mim. — Um olhar longo e estável se passou entre eles.
 
— Se você diz — Halt disse.
 
Crowley concordou enfaticamente. —Sim. Eu digo. Você confia em mim?
 
Agora Halt olhou fundo nos olhos castanhos de Crowley e ele não viu nada lá, além de honestidade e dedicação, nenhum sinal de fraude ou safadeza. Ele relembrou o momento anterior de desconforto, quando sentiu que de alguma forma ele estava deixando Crowley
sem apoio por simplesmente montar para longe. O Arqueiro ruivo sentiu Halt que estava vacilante.
 
— Todos os nossos serviços de apoio essão ainda no lugar - nossos treinadores e criadores de cavalos e armeiros — disse ele. — Eles estão apenas esperando a chance de serem reativados. Em poucos anos, poderíamos construir uma força a ser reconhecida . Eu ficaria feliz em ajudá-lo a completar a sua formação - não que haja muito para você aprender. Você já é um atirador muito melhor do que eu sou.
 
Ainda assim Halt não disse nada e um sorriso malicioso rastejou sobre o rosto de Crowley enquanto ele jogou sua última carta.
 
— E você não gostaria de uma oportunidade de remodelar o nariz magro de Morgarath por ele? — Perguntou ele.
 
Não obstante de si mesmo, Halt sorriu também. Um leve sorriso, na verdade. Mas um sorriso, no entanto. Vindo dele, era o equivalente a alegria desamparada.
 
— Bem, isso que é uma oferta atraente — disse ele e desta vez Crowley deu uma gargalhada.
 
— Então você vai se juntar a nós?
 
— Você diz que este Duncan é um homem confiar?
 
— Eu digo.
 
— E um líder que um homem ficaria orgulhoso de seguir?
 
— Eu certamente digo. Você tem a minha palavra sobre isso. 
 
Houve uma longa pausa. Crowley percebeu que ele tinha dito o suficiente e esperou Halt tomar sua decisão. Finalmente, o Hiberniano concordou lentamente.
 
— Então... por que não? Eu realmente nunca gostei de Gallica. 
 
Ele estendeu a mão e Crowley a pegou. Eles apertaram as mãos, cada homem notando o firme e positivo aperto do outro. Cada homem sentindo que este era o início de uma parceria longa e notável.
 
— Bem vindo ao Corpo — disse Crowley.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O LOBO
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
1
 
 
 
O LOBO ERA UM DOS GRANDES.
 
 Ele era um macho adulto no auge de sua vida e provavelmente era o macho dominante de sua matilha. Mas alguns meses atras, ele foi capturado pela perna dianteira em uma armadilha preparada por caçadores. A mandíbula de aço o prendeu firmemente, de modo que não importava o quanto ele lutasse e torcesse, não podia se libertar. E uma vez que a sua liberdade era questão de vida, ele tomou o único caminho disponível a ele. 
 
Roeu o membro quebrado até que cortou a carne e tendões restantes, deixando a pata e metade da perna na armadilha. Então, com um rastro de sangue, ele mancava desajeitadamente para a parte mais escura da floresta, escontrando um lugar seguro em baixo de um grade afloramento de rocha, coberta de arbustos, onde ele poderia esperar se recuperar.
 
 Ou morrer.
 
 Atormentado pela dor e tremendo pelo choque, ele não fazia nenhum barulho. Seu instinto dizia que o barulho de gemido ou de choro seria o som de um animal que estava ferido e vulnerável. Da mesma forma, ele não fez nenhuma tentativa para se juntar a matilha que ele tinha pertencido a - matilha na qual ele teria se tornado líder nos próximos meses. Ele sabia que a ferida iria fazer com que ele fosse expulso pelos outros. Lobos normalmente são sociáveis e carinhosos com os membros do bando, mas as leis da sobrevivência do mais apto é dura e um membro ferido seria um atraso - incapaz de participar na caça, colocando todo o bando em perigo. Ele sabia que seria expulso, ou até mesmo morto pelos outros, se ele se aproximasse deles.
 
 Então, ele estava deitado silenciosamente no seu esconderijo, lambendo constantemente a ferida até parar o sangramento e ele se recuperar, apesar de que a dor da perna decepada nunca iria deixa-lo, além da sua antiga velocidade e agilidade que o tinham abandonado, ele entraria outro perigo em potencial - a fome.
 
 Ele não podia mais caçar como estava acostumado. Ele havia tentado perseguir um pequeno cervo quando a perna parou de sangrar. Neste momento, seus flancos estavam magros e as costelas visíveis debaixo de seu pelugem grossa. Mas o veado fugiu dele com desprezo aparente, saltando de lado para evitar sua corrida desajeitada, de modo que ele foi se alastrando quando tentou segui-lo. Então a distância foi aumentando. As manchas brancas na cauda ficaram visíveis entre as árvores por alguns minutos antes que fossem perdidos de vista.
 
 Coelhos, que ele costumava caçar com facilidade, estavam além de suas habilidades agora. Sua maneira de caçar não serviam mais. Ele ficou esperando para uma emboscada nos lugares que os animais iam para beber. Deitado imóvel por horas, enquanto esperava que eles cheguassem perto do alcance do seu bote desajeitado. As vezes ele era bem sucedido. Mas na maioria das vezes não. E uma vez que ele tinha atacado desse jeito, ele era forçado a abandonar seu esconderijo e procurar outro. Ele virou um andarilho, se movendo de território para território e, na maioria das vezes, forçado a satisfazer a sua fome com pequenos animais lentos.
 
 Nunca tinha o suficiente para satisfaze-lo e a fome aumentava, ele quebrou a regra fundamental pela qual sempre viveu e foi até a terra habitada pelo homem.
 
 Agora ele descobriu um novo tipo de presa. Os animais domésticos e os passaros criados pelos fazendeiros não tinham nenhuma das habilidades de sobrevivência dos animais selvagens. Ele pegava patos, galinhas e carneiros com uma relativa facilidade.
 
 Enaquanto recuperava sua força, o lobo se adptou um pouco a falta da pata dinanteira. Ainda era desajeitado e lento se comparado a quando ainda tinha a perna, mas estava mais do que capacitado para capturar as presas fáceis que ele tinha encontrado. Ele estava mais encorpado. Seu pêlo cresceu grosso e pesado mais uma vez. Mas sem saber, teria um preço a ser pago por essa nova forma de caça.
 
 Eventualmente, ele arriscou sobre o que era certamente a presa mais fácil de todas.
 
 Pequena e desajeitada em seus movimentos, a criança havia achado a porta da fazenda aberta e fugiu para o perigoso mundo do lado de fora. Ela estava sentada, olhando com incerteza ao seu redor, quando o lobo a viu. Devagar, o grande predador se aproximava do pátio da fazenda, dentes à mostra. O bebê o viu e reconheceu o perigo. Quando um animal, mesmo um tão estúpido como uma galinha, deveria tentar escapar, o pequeno humano simplismente começou a chorar.
 
 O som era conhecido pelo lobo. Era o som de desespero e vulnerabilidade. Ele rastejou para perto, com a barriga no chão, um rosnado profundo e estrondoso saiu de sua garganta.
 
 Mas outros ouvidos estavam atentos ao choro da criança. A mãe ouviu seu filho e foi procura-lo. E achou o lobo, enorme, preto e ameaçador, movendo em direção a sua vítima.
 
 Ela gritou. O som penetrou nas orelhas do lobo, assustando-o. Ele nunca tinha ouvido esse som antes. Ele misturava raiva, medo e desafio em uma nota complexa. Ele olhou para sua presa e viu uma figura correndo até ela - uma figura que corria sobre duas pernas e parecia muito mais alta e maior do que a outra. Na cabeça do lobo, criaturas dominantes corriam em confronto. Vítimas corriam para fugir. Agora um novo e desconhecido animal estava correndo em sua direção, pronto para atacar e ele hesitou.
 
 A mulher não tinha nenhuma arma. Mas quando viu a porta aberta e ouviu o bebê chorando, tinha sido quando ela estava colocando uma frigideira grande de ferro sobre a grelha de seu forno. Enquanto ela saia correndo para o quintal da fazenda, ainda carregava a frigideira em sua mão e sem estar consciente disso. Ela a jogou no vulto preto que estava perseguindo seu filho.
 
 A panela rodou pelo ar e acertou o lobo no lado esquerdo do seu quadril e caiu com um ruído surdo no chão duro. O lobo uivou brevemente de dor, virou e correu, mancando, de volta para a floresta que contornava a fazenda.
 
 A mulher pegou sua criança chorando enquanto seu marido veio correndo do campo que arava. Ele tinha ouvido seu grito e temeu o pior. Alívio subiu por ele ao saber que seu filho e sua esposa estavam bem. Ela olhou enquanto ele saltou do muro para o quintal e correu para ela, reunindo os dois sob seus braços.
 
 — Um lobo — Ela disse. — Um enorme. Ele quase pegou o Tom. — Ela foi atromentada com os pensamentos sobre o que poderia ter acontecido e colocou o rosto contra sob seu peito. Ele balançou a cabeça, pensativo, a segurando, passando para ela todo conforto possível. Alguma coisa estava pegando seus animais nos últimos dias. Agora ele sabia o que deveria ser. Uma raposa ou uma doninha ele poderia controlar. Até mesmo um lince. Mas um lobo era outra história. E se esse estava atacando humanos, deveria ser um renegado.
 
 — Vou chamar um Arqueiro — ele disse.
   Will gostava de lobos de um modo geral. Eles eram corajosos e leais a matilha e normalmente não causavam problemas para humanos. Mas se, como o fazendeiro presumiu, esse fosse um renegado, deveria ser tratado como um.
 
 Por acaso, Will em uma de suas patrulhas regulares estava a menos de uma hora de distância da fazenda dos Complepes. O fazendeiro o achou próximo a um vilarejo e o levou para estudar a cena do ataque. Will examinou as marcas na fazenda. Elas estavam relativamente frescas e fáceis de seguir, ele franziu a testa enquanto percebia uma irregularidade nelas.
 
 — Você disse que ele correu desajeitadamente? — ele perguntou a mulher.
 
 Ela deu de ombros. — Eu estava mais concentrada em olhar o Tom, mas sim, ele parecia um pouco torto.
 
 Will coçou o queixo quando olhou para as pegadas mais uma vez, desenhando oscilosamente com uma vara que tinha pego.
 
 — Nunca vi lobos aqui em vinte anos ou mais — O fazendeiro disse. — Normalmente eles mantém distância.
 
 — Bem, essa pode ser a razão pela qual ele veio pra cá — Ele disse, tocando a vara em uma das marcas mais fracas. — Ele parece estar aleijado. Ele perdeu uma perna. — ele olhou para a mulher novamente. — O que ele estava fazendo quando você o viu pela primeira vez?
 
 — Ele estava rasteijando e rosnando — ela disse, seus olhos arregalaram lembrando o horror do momento. — Ele jogou a abeça pra trás e uivou. Seus dentes eram brancos e espumava pela boca. Ele veio até o Tom como uma raido de relâmpago...
 
 Will a interrompeu com  uma mão levantada. — Mas você não disse que ele estava mancando?
 
 Ela hesitou, parecia confusa. — Bem, talvez ele estava ... mas ele estava mancando rápido. Muito rápido. E rosnando e uivando e rasgando o chão com suas garras.
 
 — Hmm. — Will a considerou atenciosamente. Ele não acreditava que ela estava conscientemente mentindo para ele, mas ele não estava convencido que sua história era precisa. Ele sabia que o instinto protetor de mãe teria sido despertado no momento em que viu a ameaça para seu filho. E seu instinto teria aumentado a ameaça umas dez vezes. O lobo poderia estar deitado no chão, abanando o rabo e pedindo carinho na barriga que ela o teria visto rosnando e babando.
 
 A mulher percebeu sua duvida. — Estou te contando a verdade Arqueiro.
 
 Seu marido ficou ao seu lado. — Minha Agnes não mente. Ela é uma mulher  honesta — Ele disse robustamente.
 
 Will acenou com a cabeça educadamente. — Eu tenho certeza disso. Me desculpa se eu a ofendi, Senhora Complepe — ele disse. — Eu certamente não quis fazer nenhum insulto.
 
 Ela acenou com a cabeça, parecendo amolecida por seu pedido de desculpas. Simples fazendeiros nunca esperariam pedidos de desculpas de figuras importante como Arqueiros. — Nenhuma ofensa foi feita, eu tenho certeza — Ela disse, ensaiando uma reverência em sua direção.
  Ele olhou para onde o sol estava se pondo ao redor da fazenda. — Bem, não tem muita coisa que eu posso fazer essa noite. Vou achar um lugar para acampar e começo a rastrea-lo amanhã de manhã.
 
 Ele se moveu em direção a Puxão.
 
 Agnes Complepe colocou as mãos no rosto com preocupação. — Você não vai se arriscar a acampar ai fora com esse lobo a solta?
 
 Will sorriu para ela. — Tenho certeza que estarei suficientemente seguro. Meu feroz cavalo irá cuidar de mim — ele disse. Se sua história não foi nem metade exata, tinha uma grande diferença entre o lobo atacar um bebê indefeso e um Arqueiro armado.
 
 — Você é bem vindo para passar a noite conosco, Arqueiro — O marido disse. Ele indicou a pequena fazendo. Will hesitou. Com três adultos e um bebê, poderia ficar lotado la. E ele suspeitou que os Complepes provavelmente iriam preparar um dos mais caros animais que tinham como refeição. Ficaria apertado e abafado e ele preferia passar uma noite no aberto, com Puxão de companhia
 
 Agnes sentiu sua relutância. — Pelo menos nós podemos te dar uma refeição — ela disse. — Eu tenho um ensopado de cordeiro fervendo no fogo. E pão fresco.
 
 —Minha Agnes é a melhor cozinheira da região — O fazendeiro disse.  Will sorriu e a expressão mudou seu rosto.
 
 — Bem, essa é uma oferta que eu estou tentado a aceitar — ele disse. — Eu não posso recusar um ensopado de cordeiro da melhor cozinheira da região.
 
 Puxão sacudiu a cabeça e abaixou a crista.
 
 Você nunca recusa um ensopado de cordeiro de ninguém.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2
 
 
 
WILL ACORDOU COM A PRIMEIRA LUZ DA MANHÃ. ELE FEZ UM RÁPIDO CAFÉ DA MANHÃ com café e torradas de pão, com mel selvagem em ambos. A noite estava clara então ele não se preocupou em montar uma barraca. Ele dormiu no saco de dormir com lona oleada que fazia parte do novo equipamento dos Arqueiros. Impermeável do lado de fora e dentro tinha um colchão de lã fino mas confortável e um cobertor.
 
Era muito superior ao antigo sistema de estender cobertores no chão e no caso de chover, tinha um capuz a prova de água que podia ser erguido para manter o ocupante seco.
 
Puxão o olhou com curiosidade enquanto montava o acampamento.
 
Então, vamos caçar o lobo essa manhã?
 
— Não imediatamente — Will disse enquanto amarrava o saco de dormir atrás da sela de Puxão.
 
— Eu quero fazer umas perguntas em outras fazendas primeiro.
 
Sempre existia a chance de que o ataque à fazenda dos Complepes tenha sido uma anormalidade, ele pensou. Mas pelo tempo em que ele visitou as outras fazendas na mesma área, ele sabia que não era o caso.
 
Dois dos fazendeiros reportaram perda de estoque nas semanas passadas. Um pensou que viu um cachorro grande na área. O terceiro fazendeiro não notou nenhuma perda de estoque. Mas sua fazenda é mais afastada para leste.
 
— Talvez o lobo não tenha alcançado essa distância ainda — Will disse a Puxão.
 
O cavalo balançou sua crina. Isso deve ter sido um encolher de ombros na linguagem corporal dos cavalos, pensou Will.
 
No inicio da tarde, ele refez os seus passos a fazenda dos Complepes e estava notando os rastros do lobo.
 
Eles eram bastante óbvios nos primeiros cem metros. Mas então, o pânico havia terminado e o lobo recuperou a sua astúcia e voltou para suas maneiras naturais.
 
Sem perna ou não, ele era um oponente inteligente e cheio de recursos. Ele recuou varias vezes e seguiu por caminhos difíceis, onde pequenos rastros de sua passagem ficavam. Mas Will era um rastreador habilidoso, como todos os Arqueiros eram e ele rapidamente descobriu uma direção básica nos movimentos do lobo, quando ele perdia a trilha, ele podia seguir em uma direção geral enquanto procurava por rastros da passagem do lobo.
 
— Eu gostaria de não ter que fazer isso — ele disse enquanto descia da sela pela décima vez para estudar o solo adiante.
 
Pouco tempo atrás, o lobo desviou por uma formação rochosa para a direita. Will continuou seguindo na direção original mais com um pequeno desvio para a direita. Halt iria levantar a sobrancelha por ele pegar um atalho e confiar na sorte de cruzar com o lobo na trilha de novo. O normal seria seguir em frente devagar, avançando em um arco
crescente enquanto o rastreador avistava sinais da pista do lobo de novo. Mas agora Will tinha certeza da direção que o lobo estava seguindo e ele pensou que poderia ter uma chance.
 
— Provavelmente ele tem uma toca em algum lugar por aqui — ele disse a Puxão. O cavalo não disse nada. Puxão sabia que ele estava pegando um atalho e queria que Will soubesse que ele sabia.
 
— Você é tão ruim quanto Halt — disse Will, então emitiu um som baixo de triunfo quando reencontrou os sinais de pegadas na areia a frente deles. Então outro.
 
— Eu te disse — ele disse. Puxão continuou em silêncio. Alguns metros adiante, viram um tufo de pelo preto preso numa videira espinhosa e Will sabia que estava no caminho certo mais uma vez.
 
 
De fato, o lobo tinha uma toca na área. Ficava numa pequena colina rochosa que comandava a visão da paisagem em volta. Uma plataforma de pedra se projetava a partir de seus vizinhos e fornecia uma proteção para o buraco que o lobo tomou como sua base. Ele havia retornado no dia anterior e passado a noite. Então, no inicio da manhã, seu estomago roncou com fome, ele saiu para vasculhar a área procurando por comida. 
 
Não demorou muito antes de ele ficar consciente da presença de dois desconhecidos, na verdade. Ele sentiu um perigo para ele e o instinto dizia a ele para não deixar descobrirem sua casa.
 
Se movendo com cuidado apesar de manco, ele se balançou num arco que o levou para o lado e atrás das duas criaturas. Ele notou a direção de viagem deles e confirmou que eles estavam indo em direção a sua casa. Ele refez seus passos. 
 
Havia um bosque profundo adiante deles que poderia prover cobertura para ele. Ele poderia armar uma emboscada lá.
 
Ele se moveu pelo bosque, a barriga encolhida próxima ao chão e se contorceu para  frente enquanto podia ver a trilha por onde as duas criaturas viriam. O vento estava atrás deles e logo ele pegou seus cheiros. Era um que ele só havia experimentado recentemente, o cheiro de humanos. Satisfeito que eles não o sentiriam, ele ficou imóvel, seus olhos âmbares não piscavam, quando ele apareceu em sua visão.
 
Por um momento, seus olhos se estreitaram. Ele podia sentir dois cheiros diferentes, mas só podia ver um intruso. Era grande e andava sobre quatro patas. Ele tinha visto uma pequena criatura junto dele mais cedo, quando ele pegou sinais deles a distância. Ele podia cheirar a segunda presença, mas não podia vê-lo.
 
A criatura de quatro pernas parou e o lobo emitiu um quase imperceptível grunhido de surpresa quando ele percebeu que a pequena criatura estava cavalgando em cima da maior. 
 
Conforme ele observava, ele se soltou e girou para baixo, avançando alguns passos, inclinou se estudando o chão. O animal maior o seguiu, ficando alguns passos atrás.
 
O animal maior representava mais perigo, o lobo decidiu. Ele se abaixou ainda mais perto do chão, escondido pelos arbustos e as sombras abaixo deles, conforme as duas criaturas se aproximavam de seu esconderijo.
 
O menor estava fazendo barulhos agora. Uma coisa estranha para fazer quando se esta seguindo um inimigo perigoso, o lobo pensou. E definitivamente eles eram seus inimigos e decididamente perigosos.
 
— Aqui vamos nós de novo, Puxão — Will disse, traçando a impressão de uma pata canina na sujeira. — Continua seguindo para noroeste.
 
Puxão emitiu um ronco baixo. Ele levantou a cabeça e cheirou o ar, tentando discernir alguns dos cheiros que poderiam explicar o esmagador senso de perigo que estava sentindo. Ele não gostava da situação. Ele não gostava quando Will seguia a frente a pé quando talvez houvesse perigo presente. Ele nunca gostou disso. Puxão queria Will seguro na sua sela, onde a velocidade e agilidade de Puxão poderiam o proteger de um ataque surpresa.
 
— Você está com um ar de preocupação — Will disse para ele. Ele ouviu os sons de Puxão e sabia exatamente o que seu cavalo estava pensando. — Apenas se acalme. Eu estou seguro o bastante. Essa trilha é de meio dia atrás. O lobo está longe de nós. A trilha era antiga. Mas Will não tinha como saber que o lobo tinha saído de sua toca de novo, havia descoberto eles se aproximando e agora tinha a intenção de proteger seu território.
 
Os músculos tensos do lobo tremiam de expectativa, então ele se acalmou e ficou imóvel novamente, seus olhos não piscavam, presos nas duas figuras. O animal menor estava quase nivelado com ele agora. Ele sabia que se o atacasse, o maior poderia correr para defendê-lo. Melhor tomar conta do grande primeiro.
 
A figura abaixada se moveu passando pelo esconderijo e sua grande companheiro de pernas longas avançou junto, até que ele estava quase ao mesmo nível em que o lobo estava escondido.
 
Apesar de tentar controlar, outro tremor de expectativa percorreu o corpo do lobo.
 
Puxão olhou pra cima de repente. Ele ouviu alguma coisa. Ou sentiu alguma coisa. Ele não tinha certeza. Mas tinha alguma coisa perto. Algo ruim. Ele roncou um aviso de novo.
 
Will olhou para ele e sorriu. — O que é agora? — ele perguntou. — Não pode ser o nosso amigo lobo. Ele definitivamente está adiante daqui. — Ele apontou em direção em que o lobo tinha seguido e seguiu em frente.
 
Orelhas em pé e sentidos gritando um aviso, Puxão seguiu, pisando nervosamente.
 
Uma gralha8 azul disparou de um arbusto baixo próximo com um bater de asas. Ambos, Will e Puxão mexeram nervosamente. Então Will riu de seu velho companheiro.
 
NR 8 - Gralha é um nome comum para vários pássaros de tamanho pequeno, geralmente coloridos e barulhentos. São passeriformes da família Corvidae, aparentados aos corvos, percas e pegas.
 
 
 
— Feliz agora? Não era nada além de uma grande gralha azul do mau — ele disse.
 
Puxão balançou sua crina nervosamente. Ele tinha certeza que tinha algo...
 
O lobo atacou. Puxão estava ciente de repente, de um violento movimento atrás de uma moita de onde ele estava. Ele virou em seus cascos traseiros para enfrentar o perigo. 
 
Mas o lobo, agora livre dos arbustos, estava prontamente saltando em sua garganta, com os dentes arreganhados.
 
Percebendo o perigo, Puxão reverteu seu giro desajeitadamente, afastando se dos dentes cortantes.
 
O lobo bateu em seu lado direito, o surpreendendo por um segundo e Puxão sentiu os dentes rasgando abaixo do ombro, entrando profundamente em seus músculos e
mandando uma cascata de sangue quente descendo por sua pata dianteira. O lobo pendurou-se, seus dentes rasgando e dilacerando mais e mais profundamente os músculos conforme ele sacudia sua cabeça selvagemente.
 
Puxão relinchou. Quando seus cascos dianteiros voltaram para a terra, ele tentou levantar seus cascos traseiros para chutar o atacante. Mas sua pata dianteira direita estava muito ferida, músculos e tendões torcidos e dilacerados e ele falhou.
 
Ele cambaleou para longe, tropeçando como se recusasse o seu peso. Finalmente o lobo soltou a pressão terrível de suas presas. Ele atingiu o chão, rolou e então se abaixou diante de Puxão, dentes a mostra para outro ataque.
 
A flecha de Will acertou em sua lateral, com toda a força de seu arco de oitenta quilos de tração, de uma distancia menor que 4 metros. A flecha rasgou o corpo do lobo, dilacerando órgãos, rompendo rios de sangue e destruindo seu coração no caminho, matando a besta instantaneamente. Ele caiu no chão, olhos vidrados e sem vida, com nove centímetros da flecha saindo de seu lado mais distante.
 
— Puxão! — O choro de Will foi quase um grito. Primeiro, ele pensou que Puxão tinha escapado do ataque do lobo. Agora ele podia ver a carne rasgada no ombro de seu cavalo, o reluzente branco dos ossos e tendões expostos e o sangue brilhante fluindo da pata dianteira direita de Puxão. Will jogou o arco de lado e correu para seu cavalo, lagrimas formando em seus olhos e correndo pelas suas bochechas.
 
Ele jogou seu braço direito sobre o pescoço de Puxão e com a mão esquerda tocou a terrível ferida. Puxão equilibrava-se em três patas, não colocando nenhum peso no membro ferido.
 
Ele relinchou de surpresa quando o choque foi passando e ele sentiu o primeiro latejar de dor na ferida.
 
— Oh Deus, Puxão! Oh Deus! — Will ficou momentaneamente impotente diante da visão de seu cavalo ferido. Em todos seus anos juntos, ele nunca tinha visto Puxão tão ferido. 
 
Agora, frente a esse terrível talho pulsando em vermelho, sua mente congelou, recusando-se a pensar no que fazer em seguida. 
 
Então o seu treinamento se reafirmou. Ele tinha um estojo médico em seu alforje. Ele abandonou seu abraço do pescoço de Puxão, batendo gentilmente varias vezes, e então alcançou o alforje.
 
— Firme garoto. Firme. Fique calmo. Você vai ficar bem.
 
Will abriu o estojo médico e o estudou por alguns segundos.
 
Ele precisava de bandagem para estancar o fluxo de sangua e de uma bandagem de maior pressão para segurar no lugar. Ele achou ambos os itens e os deixou prontos. Mas antes de colocar a bandagem, ele tinha que limpar o ferimento. Ele pegou um pedaço de pano e um pequeno jarro da pomada pungente que ia limpar a ferida e entorpecer a dor. 
 
Ele nunca gostou de lidar com medicamentos, esse era derivado de erva quente e o cheiro o lembrava de um episódio desagradável de muitos anos atrás. Mas ele sabia que esse era um tratamento altamente efetivo para qualquer ferida.
 
Ele também pegou o cantil no pomo da sela e o destampou, derramando uma grande quantidade de água na ferida. O sangue continuou a fluir conforme a agua o levava, a cor diluiu para rosa primeiro, então se tornando vermelho vivo de novo. Ele secou a ferida com uma almofada de linho, tentando ser o mais gentil que conseguia, mas também sabia que tinha que usar certa firmeza. Puxão recuou uma vez, então continuou parado.
 — Bom garoto. É isso. Você vai ficar bem — Will murmurou. Seus olhos se estreitaram. 
 
Quando ele limpou o sangue momentaneamente, ele pode ver quão fundo os dentes do lobo dilaceraram na carne de Puxão. Não era uma ferida superficial, ele percebeu. Ele talvez pudesse fazer os primeiros socorros, mas Puxão iria precisar de uma ajuda que estava além de suas habilidades.
 
Ele empurrou os pensamentos negativos de lado, então manchou com uma dose do creme analgésico na ferida. De novo, Puxão tremeu um pouco, mas não fez nenhuma reclamação. Em breve as propriedades analgésicas do creme iriam ter efeito. Agora ele preparou a bandagem maior em cima da ferida e segurou o fim de do rolo contra a ferida. Ele lançou o rolo sobre o peito de Puxão e inclinou-se para pegar debaixo de Puxão e o prendeu sobre seu corpo e sobre a bandagem. Então ele repetiu o processo de novo e de novo, enquanto o invólucro de linho segurava a gaze firme no lugar. Conforme ele olhava a bandagem, lentamente ela ia ficando vermelho com o sangue que escorria. Mas então a mistura coagulante na pomada teve efeito e o fluxo de sangue diminuiu.
 
Ele deu alguns passos para trás e analisou seu trabalho. Então seus olhos borraram com lagrimas de novo e ele voltou, abraçando o cavalo - cuidadoso para evitar a área da ferida - descansando sua cabeça contra o pelo desgrenhado e áspero.
 
— Oh Deus, Puxão, fique bom, por favor.
 
Puxão se deslocou desajeitadamente. A dor em seu ombro direito diminuiu dramaticamente com a aplicação da pomada. Mas quando ele tentava colocar peso na pata dianteira direita, ela voltava.
 
— Eu tenho que te levar a fazenda mais próxima — Will disse, pensando desesperadamente. Seria uma longa caminhada, com Puxão mancando em três patas, mas Will já havia percebido que precisaria da ajuda de um especialista e ele não podia deixar Puxão sozinho nessa floresta nessas condições. Ele pegou as rédeas de Puxão e começou a líderar o caminho de volta para a segunda fazenda que ele visitou mais cedo naquele dia. Era o local mais próximo que eles poderiam encontrar e ele lembrou que havia um grande celeiro no qual Puxão poderia descansar enquanto Will ia buscar ajuda. 
 
Com alguma sorte, o fazendeiro talvez tivesse um cavalo que ele poderia pegar emprestado. O pensamento o entristeceu. Muitas vezes durante os anos, ele tinha ido buscar ajuda. Mas ele sempre fazia isso com Puxão. Agora ele teria que deixar o pequeno cavalo para trás, enquanto ele montava um cavalo estranho para trazer a ajuda especializada que Puxão precisa. 
 
A compreensão só serviu para aumentar seus medos com Puxão mancando atrás dele.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3
 
 
 
— É UM GRANDE FERIMENTO, JOVEM WILL, NÃO SE ENGANE.
 
O velho Bob endireitou de onde ele estava agachado ao lado de Puxão, estudando a profunda ferida no ombro. Tinha tomado um dia e meio para Will buscar o velho criador de cavalos. Quase havia partido seu coração quando ele partiu em um cavalo emprestado, deixando Puxão aos cuidados do fazendeiro.
 
O alívio fluiu através dele quando eles voltaram e abriu a porta do celeiro para ver Puxão de pé em uma tenda, orelhas levantadas, relinchando uma saudação a ele. Talvez ia dar tudo certo, ele pensou. Afinal, o foi dito que o velho era praticamente um feiticeiro, quando se tratava de cavalos.
 
Agora, no entanto, o velho Bob estava balançando a cabeça, em dúvida. — É uma grande ferida, jovem Will, não se engane.
 
O coração de Will afundou. Ele sentiu um caroço enorme se formando em sua garganta.
 
— Ele não vai... para... ? — Ele não conseguia terminar a pergunta.
 
Bob olhou para ele, balançando a cabeça, quando ele percebeu que Will estava tentando perguntar.
 
— Morrer? Não. A pomada tem feito um bom trabalho impedindo a ferida de infeccionar. 
 
Você fez bem lá. A questão é, será que ele se recuperar completamente? Aquele músculo do ombro está muito danificado e ele não é mais um jovem cavalo. 
 
— Mas... o que vou fazer se ele não faz... ? — Novamente, era um pensamento que Will não pôde terminar.
 
O Velho Bob bateu em seu braço gentilmente. Ele sabia muito bem do vínculo que se formava entre uma Arqueiro e seu cavalo. Lembrou-se do primeiro dia que Will e Puxão tinham conhecido um ao outro e o relacionamento quase instantâneo que tinham desenvolvido.
 
— Não vamos preocupar com isso antes do necessário — disse ele. — Eu realmente não posso dizer aqui. Precisamos levá-lo de volta para meus estábulos, onde eu possa trabalhar com ele. Ajuda-me levá-lo para a carroça.
 
Bob tinha uma carroça especialmente concebida para o transporte de cavalos feridos. 
 
Tinha altos lados e uma rampa na parte de trás. Will levou Puxe até a rampa, indo devagar enquanto o pequeno cavalo pulava em seu única pata dianteira boa até a madeira inclinada. Quando ele estava na carroça, eles passaram uma tipóia de lona sob sua barriga. A tipóia então foi amarrada aos lados altos da carroça e tensionaram enquanto apoiava a maior parte do peso do Puxão, aliviando a tensão seus pernas ilesas. Enquanto tomava seu lugar ao lado de Bob no banco da carroça, Will sentiu uma cutucada familiar contra a parte de trás do seu ombro, enquanto Puxão intrometia-se afetuosamente. Will o alcançou e acariciou o focinho do cavalo no momento em que  Bob estalou a língua para o cavalo corpulento da carroça e eles balançaram para frente.
 
— Há quanto tempo você e Puxão estão juntos agora? — Bob perguntou. Will pensou por um momento.
 
— Deve ter de cerca de quinze anos — disse Will, sorrindo para si mesmo enquanto repassava em sua mente o longo do período que passaram juntos. Eles tinham visto tanto juntos, ele pensou, desde as montanhas de Picta ao ermo deserto ardente Arridi.
 
— Hmm — Bob disse, pensativo, e Will olhou para ele, preocupado com o tom do velho criador de cavalos.
 
— O que? — Disse. — O que é?
 
Mas Bob balançou a cabeça, sem vontade no momento de dizer algo mais sobre o assunto.
 
— Nada — disse ele. — Apenas perguntando.
 
Mas Will sentia que havia algo por trás da pergunta, e ele não tinha certeza se ia gostar.
 
De volta à fazenda de Bob, eles cuidadosamente ajudaram Puxão a descer da carroça e o levaram, mancando em três pernas, a uma tenda, quente e seco no celeiro. Lá, Bob gentilmente removeu o curativo, cantando desculpas enquanto o fazia, e tomando cuidado para não fazer com que o pequeno cavalo semtisse qualquer dor indevida.
 
Will observou em agonia de incerteza. Não havia nada que ele pudesse fazer para ajudar Bob, nada que pudesse fazer para diminuir a dor Puxão. Obrigou-se a ficar em silêncio, embora a tentação era questionar o velho e mirrado tratador de cavalo mirrado a cada mudança de expressão ou comentário murmurado. Agora que o sangramento pesado havia parado, ele podia ver o quão profundo as presas do lobo tinha penetrado na carne de Puxão. Houve o som de um pano rasgando. Bob torcia a boca, enquanto examinava e avaliava ele.
 
— Tenho de suturar isso. — disse ele. — Mas temos que limpar a ferida completamente primeiro. Não quero que qualquer infecção fique lá dentro. 
 
Ele começou a aplicr as pomadas e ungüentos na carne crua, enxugando delicadamente, falando com o cavalo neste meio tempo. De tempos em tempos, Puxão tremia, e imediatamente as mãos suaves paravam o que estavam fazendo e acalmar o pequeno cavalo, acariciando seu nariz e pescoço. O Velho Bob olhou em volta e viu a expressão esboçada no rosto de Will.
 
— Não há nada que você pode fazer aqui no momento, jovem Will — disse ele. — Por que você não vai para a minha cabana e prepara alguma coisa para a ceia? Eu estarei por aqui mais quinze minutos e então você poderá vir e ver Puxão.
 
— Eu prefiro ficar — disse Will sem jeito, e Bob assentiu, sorrindo para ele.
 
— Eu sei que você prefere. Mas com todo o respeito, você está me distraindo. Toda vez que faço um som ou Puxão estremece, você chega para a frente, e então você para. 
 
Apenas me deixe fazer o meu trabalho e se faça útil aprontando a ceia. Tudo bem?
 
Will hesitou. Ele estava relutante em deixar Puxão, mas o pensamento de que ele estava distraindo Bob, para que pudesse levá-lo a cometer um erro, enquanto ele estava tendendo para o cavalo, resolveu a questão. Ele balançou a cabeça e afastou-se, em seguida, virou-se e deu um tapinha focinho Puxão.
 
— Eu não vou estar longe — disse ele.
Puxão bufou. Sua reação normal teria sido a abanar a cabeça e a juba violentamente. Mas tal movimento teria causado dor em sua ferida perna.
 
Eu sei. Agora vamos deixar Bob continuar com o seu trabalho... large esse ar de preocupação.
 
Era a expressão que Will havia usado com Puxão. O Arqueiro jovem sorriu, agora estava sendo aplicada a si mesmo.
 
— Eu irei voltar — disse ele e saiu do celeiro. Quando alcançou as grandes portas duplas, ele ouviu Bob dizer suavemente: — Eu pensei que ele nunca iria.
 
Puxão respondeu com outro grunhido.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4
 
 
 
 
NO INICIO DA MANHÃ SEGUINTE, ENCONTROU BOB NO CELEIRO, onde ele dormia no feno ao lado de seu cavalo. O antigo treinador assentiu com a cabeça para si mesmo.
 
Ele tinha ouvido no meio da noite Will levantar e deixar a cabana e imaginou onde ele foi.
 
Sabendo que Will queria desesperadamente cuidar de seu cavalo, Bob lhe permitiu verificar a ferida para qualquer sinal de inflamação ou infecção. Felizmente, não havia nenhuma. 
 
Em seguida, ele supervisionou o Arqueiro enquanto colocava um curativo novo. O retalho de pele rasgada tinha sido cuidadosamente costurado de volta no lugar e agora havia apenas um ligeiro fluxo de sangue a ser estancado.
 
Quando isso foi feito, ele deixou cair uma mão sobre o ombro de Will.
 
— Venha agora — disse ele. — Café da manhã e depois vamos conversar.
 
Sentaram-se do lado de fora da cozinha de Bob na luz do sol da manhã. Mas o sol não fez com que o ânimo de Will aumentasse. Ele tomou um gole de café, sem o seu habitual prazer em saborear e melancolicamente partiu pedaços de um pão doce num prato em frente a ele.
 
— Eu não vou mentir para você, rapaz — disse Bob. — Puxão está ferido. É uma ferida terrível. É muito pior do que uma mordida simples. O lobo quando pendurou e mordeu Puxão, balançou a cabeça e puxou com todo o peso de seu corpo, e cortou profundamente os músculos e tendões de Puxão.
 
— Mas ele vai se recuperar? — Will perguntou e seu coração afundou quando o treinador cavalo velho hesitou, seu olhar correu para longe.
 
— Eu espero que sim. Mas nós não sabemos por quatro ou cinco dias, no mínimo. — Ele viu o medo nos olhos do jovem e correu para dar a ele um pouco de tranquilidade de que ele poderia oferecer.
 
— Ele não vai morrer, Will. Ele vai se recuperar. Mas a perna nunca poderá ser curada adequadamente. Eu apenas não sei. Eu vou fazer tudo que posso por ele, ele é um cavalo forte e saudável.
 
— Então, nós apenas temos que sentar e esperar? — Disse Will. Mas Bob estava balançando a cabeça antes que Will terminasse a frase.
 
— Eu tenho que sentar e esperar. Você tem trabalho a fazer no Redmont. — Bob olhou para o jovem astutamente. Na verdade, ele não tinha idéia se Will tinha algum trabalho urgente em Redmont. A probabilidade era alta que ele teria, já que os Arqueiros eram constantemente chamados. Mas ele sabia que a pior coisa para Will seria ficar sentado aqui pensando nos próximos quatro ou cinco dias. Seria melhor levá-lo de volta ao trabalho, para sua mente não ficar diante da situação presente.
 
Will olhou para suas mãos sobre a mesa. Ele tinha um monte de trabalho urgente à espera em Redmont. Mas é o Puxão! Ele olhou para Bob.
 — Eu não tenho um cavalo. O que posso fazer sem um cavalo?
 
Bob sorriu tranquilizador. — Eu vou te emprestar um cavalo. Eu tenho muitos cavalos de Arqueiros aposentados aqui. Não tão ágil como Puxão, talvez, mas bom o suficiente para alguns dias.
 
Ele viu Will vacilar e reforçou seu argumento. — Will, não há nada que você possa fazer aqui. Você ficará sentado olhando Puxão e se preocupar com ele. E ele vai saber que você está preocupado e isso irá afetá-lo. — Ele fez uma pausa, depois acrescentou: — Isso poderia atrasar a sua cura.
 
Fez-se o truque. O pensamento de que ele poderia ter um efeito adverso sobre a convalescença de seu cavalo foi suficiente para Will. Ele tomou uma decisão.
 
— Vou arrumar meu equipamento. Quero tirar um cavalo está pronto?
 
Bob inclinou sobre a mesa e agarrou seu antebraço.
 
— Bom garoto. E eu imagino que você queira dizer adeus a Puxão.
 
Levou um esforço enorme para deixar Puxão no celeiro. Will ficou acariciando seu pescoço até seu focinho, por alguns minutos, falando suavemente para ele. Bob ficou fora do alcance de sua voz, dando-lhes privacidade. Então, finalmente, sentindo que Will não sabia como se afastar, ele tossiu para atrair sua atenção.
 
— Hora de ir, Will. Cormac está pronto e esperando por você.
 
Will abraçou o pescoço de Puxão uma última vez, tocando suavemente a ferida enfaixada com o dedo indicador.
 
— Eu vou estar de volta em cinco dias — disse ele. Puxão balançou a cabeça, mas foi uma ação mais suave do que o seu movimento normal, turbulento.
 
Eu não vou a lugar nenhum.
 
Os olhos de Will se encheram de lágrimas e Puxão o cutucou com a cabeça.
 
Isso foi uma piada.
 
Will cobriu seus olhos com sua mão, virou-se rapidamente e saiu do celeiro para o sol brilhante.
 
Cormac era castanho, com uma juba e cauda de cor clara. Ele era um pouco mais alto do que Puxão, mas com a mesma pelagem felpuda e aspecto sólido muscular que todos os cavalos dos Arqueiros compartilhavam. O Velho Bob tinha colocado a sela e o rédea de Will nele e amarrado o equipamento de acmpar do Arqueiro na parte atrás do sela.
 
Will julgou que ele era alguns anos mais velho que Puxão. Mas ele ainda parecia em forma e cheio de energia e era vagamente familiar. Tinha a sensação de que já o havia visto em algum lugar antes.
 
— Will, este é Cormac. Cormac, este é Will — disse o Velho Bob disse e entregou as rédeas para o Will. Ele bateu no pescoço de Comarc carinhosamente. — Ele é um bom cavalo. Ele vai atendê-lo bem por alguns dias. Talvez não é tão rápido como ele era há cinco anos, mas ele ainda pode correr o dia todo para você e no dia seguinte também.
 
— Essa é a maneira que você os treina, Bob — disse Will, tentando sorrir.
 Bob percebeu e deu um tapa no ombro dele. — Esse é o espírito, Will! Temos que ir. 
 
Tenho certeza de que você tem todos os tipos de trabalho importante para fazer. E não tenha medo, eu vou cuidar bem de Puxão.
 
Will assentiu em agradecimento e foi colocar o pé no estribo. Então, ele hesitou.
 
— Eu preciso da frase de permissão? — Perguntou.
 
Bob riu. — Não. Eu disse a você, Cormac está aposentado. Uma vez aposentado, eles não precisam de um pedido de permissão.
 
Will virou-se na sela, embora um pouco desconfiado. Sentou-se por um segundo ou dois, esperando para ver se Cormac reagiria. 
 
Mas ele simplesmente virou a cabeça e olhou curiosamente para ele. Bob soltou uma gargalhada.
 
— Não confia em mim, né? — Disse. — Eu disse a você. Ele está aposentado. Agora vá!
 
Will tocou os calcanhares levemente para o lado de Cormac e o cavalo respondeu imediatamente, afastando-se a trote. Seu andar era um pouco diferente de Puxão, mas era liso e uniforme. Ele estava elétrico ao trotar - como se ele estivesse feliz de estar de volta ao trabalho.
 
— Vejo você em cinco dias — disse por cima do ombro. Bob fez um gesto em reconhecimento, então assentiu com aprovação para ele. Will compeliu Cormac em um galope suave e fácil. 
 
A cauda do cavalo subia enquanto ele corria. Isso é divertido.
 
— Fico feliz que você pense assim...  — começou, e depois parou, surpreso que ele estava falando com sua montaria temporária. Talvez todos os cavalos dos Arqueiros respondiam desta forma.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
5
 
 
 
 
OS PRÓXIMOS CINCO DIAS PASSOU EM UM BORRÃO. SE TIVESSEM PERGUNTADO a ele para contar o que aconteceu ou o que ele tinha feito, Will teria sido não saberia responder.
 
Halt e Lady Pauline estavam fora de Redmont, atendendo a um problema diplomático em um dos castelos subordinados ao feudo. O prefeito de uma das maiores cidades da Celtica tinha fugido com o tesouro da cidade e estava reivindicando a imunidade diplomática no feudo Redmont. O Rei Celta tinha enviado soldados atrás dele para trazêlo de volta. Isso era compreensível e enquanto Baron Arald não tinha a intenção de proteger o ladrão, a ação do Rei Celta era tecnicamente uma violação do tratado entre Araluen e Celtica. Nenhum país tinha o direito de enviar tropas armadas ao longo da fronteira. Barão Arald tinha enviado Halt para escoltar o meliante de volta para Celtica e Lady Pauline para garantir que as tropas celtas não colocassem as mãos no criminoso até que ele estivesse de volta em sua jurisdição.
 
Halt poderia os ter convencido, é claro, mas seus métodos eram susceptíveis de serem um pouco mais direto do que Pauline e Arald esperavam para evitar o acumulo de um incidente diplomático em cima do outro.
 
Com Lady Pauline tão ocupada, coube a Alyss para participar da reunião bianual Serviço Diplomático no Castelo Araluen. Will encontrou uma nota em relação a isso sobre a mesa da pequena cabana na floresta.
 
Mas se Will pensou que passaria uma semana solitária na cabana, preocupado com  Puxão, ele foi rapidamente desiludiu dessa noção. Um relatório chegou sobre um bando de bandidos que atacavam os viajantes solitários na parte norte do feudo. Assim, Will partiu em um carroça emprestado, disfarçado de vendedor ambulante de artigos domésticos. Ele percorreu a região em que os bandidos eram conhecidos por operar, vendendo seus produtos em fazendas distantes e faturando uma quantia considerável de dinheiro no processo. Os bandidos estavam observando, como ele sabia que estariam e uma vez ficaram satisfeitos de que ele tinha ganho o suficiente, o pararam em um trecho solitário da estrada que tinha uma charneca de cada lado.
 
Havia quatro deles, então Will estava seriamente execedido numericamente.
 
Ele deu-lhes um aviso, identificando-se como Arqueiro do Rei, mas eles escolheram o atacar. Em poucos segundos, três deles estavam no chão, cuidando das feridas de flecha em braços e pernas. O quarto, seus olhos arregalados de terror, jogou sua espada e caiu de joelhos, implorando por misericórdia.
 
Will lhes permitiu colocar bandagens em suas feridas, em seguida, amarrou suas mãos. 
 
Amarrou-os em uma fila atrás da carroça para caminharem de volta ao Castelo
 
Redmont para julgamento. Um deles pediu gentileza no tratamento.
 
— Por favor, Arqueiro, estamos feridos. Não podemos andar na carroça? 
 
Will olhou para ele friamente. Em seu atual estado de espírito, ele dispunha pouca simpatia pelos bandidos, que tinham deixado vários de suas ex vítimas feridas e sangrando à beira da estrada.
 — Eu estou fazendo um favor — disse ele e quando o homem franziu a testa, pronto para fazer mais uma pergunta, ele acrescentou: — Eu estou deixando você desfrutar do ar fresco e espaços abertos. Você vai ver pouco de ambos para os próximos dez anos.
 
Assim o tempo passou e no quinto dia ele encotrava-se a galope em Cormac de volta para a fazenda onde Bob treinava cavalos para o Corpo de Arqueiros.
 
O cavalo sacudiu a cabeça, aproveitando a liberdade da estrada e a oportunidade de esticar as pernas. Cavalos de Arqueiros adoravam correr.
 
Eu gostei de voltar ao trabalho. Eu ficaria feliz em continuar servindo a você.
 
Will sorriu. — Você tem sido um bom companheiro e eu sou grato — disse ele,  acariciando o pescoço da castanha carinhosamente. — Mas eu espero que Puxão esteja se curando.
 
Cormac sacudiu a cabeça. Eu posso entender isso. Mas se você precisar de mim...
 
— Eu vou procurá-lo — disse Will. Quando eles galoparam para fora das árvores e seguiram a longa trilha que levava para a cabana de Bob, Will ansiosamente examinou o celeiro em ambos os lados. No começo, ele não viu nada, então seu coração saltou quando viu um vulto cinza familiar a distância, correndo, para sua alegria, sob o sol fresco do outono.
 
— Puxão — gritou com entusiasmo e tocou seus calcanhares para os lados de Cormac. 
 
O cavalo castanho respondeu imediatamente e partiu em um galope. O cavalo cinza ouviu os cascos repercutindo e girou para correr na direção deles, cortando em diagonal o grande celeiro.
 
Will freou, esperando por ele.
 
A marcha, o movimento, a forma como o pequeno cavalo sacudiu a cabeça. Era tudo tão familiar. Will realmente riu alto com a visão de seu cavalo enquanto o cavalo cinza desgranhado veio até a cerca que delimitava o celeiro.
 
E então, ele franziu a testa. Era tão parecido com Puxão. No entanto, não era ele. Este cavalo era consideravelmente mais jovem. Não havia nenhum sinal dos pelos brancos que tinham começado a aparecer no focinho de Puxão ao longo dos últimos anos. E agora que eles estavam mais perto, Will podia ver uma mancha pequena em forma de diamante na penugem mais escura na pequena perna dianteira esquerda do cavalo, perto do casco. Não era Puxão. No entanto, em muitos aspectos, era.
 
O cavalo relinchou uma saudação, em seguida, sacudiu-se, sacudindo sua juba exatamente como fazia Puxão. Cormac voltou a saudação. O cavalo cinza olhou com expectativa para Will, mas Will estava confuso demais para falar. Finalmente, jogando sua cabeça, o cavalo cinza virou-se e galopou, voltando da mesma forma que ele tinha vindo.
 
Você feriu seus sentimentos.
 
Will não respondeu. Ele bateu seus calcanhares contra os lados de Cormac e galopou pela trilha até a cabana de Bob.
 
Aqui, outra surpresa aguardava. Outro cavalo castanho estava parado do lado de fora da cabana, quase idêntico a Cormac. Mas ele era mais jovem, Will percebeu, muito mais jovem. Os dois cavalos cumprimentaram-se como velhos amigos e Will percebeu aonde ele tinha visto Cormac antes.
— Você era o cavalo de Crowley — ele disse para Cormac. — Mas seu nome era Cropper.
 
Quando ele disse o nome, o cavalo do lado de fora da cabana levantou a cabeça em reconhecimento.
 
— Este é o Cropper agora — disse Crowley enquanto saia da cabana e caminhava em direção a eles. — Essa é a forma como nós fazemos. Quando se aposenta um cavalo, nós mudamos o seu nome e nós damos o nome antigo para o novo cavalo.
 
Cormac trotou ansiosamente em direção ao Comandante dos Arqueiros e ele acariciou o focinho do cavalo carinhosamente. — Olá, velho amigo — ele disse suavemente. Então ele olhou para Will. — Desmonte, Will. Nós precisamos conversar. 
 
Will desceu da sela, um vago sentimento de inquietação crescente dentro dele.
 
—Crowley — ele disse. — O que você está fazendo aqui? Como está o Puxão? Crowley colocou uma mão reconfortante no ombro do jovem Arqueiro.
 
— Puxão está indo bem — disse ele. — Ele está muito melhor do que quando o vi pela última vez. Na verdade, aqui vem ele agora. 
 
Ele apontou e Will virou-se para ver o Velho Bob conduzindo o cavalo para fora do estábulo e em direção à cabana. À primeira vista, ele parecia totalmente recuperado.
 
— Puxão! — Ele chamou, e o cavalo olhou para cima e relinchou ansiosamente. Bob soltou a rédea e fez um gesto na direção de Will. Sem mais precisar pedir, Puxão trotou em direção a seu mestre e o coração de Will de repente afundou.
 
— Ele está mancando — disse ele. O tremor tornou-se evidente quando Puxão aumentou o ritmo.
 
Crowley concordou. — Ele está. Bob fez tudo o que pode, mas a lesão muscular era grande demais para cicatrizar completamente. Tenho medo que ele sempre mancará, Will.
 
Puxão bateu a cabeça contra o peito de Will em sua forma familiar, então ele começou a checar seus bolsos, procurando a maçã que ele sabia que estaria lá. Will o ajudou a encontrá-la e o pequeno cavalo a mastigou alegremente. Mas a cabeça de Will ainda estava girando enquanto absorvia a última declaração de Crowley.
 
— Ele sempre vai mancar? — Disse. — Mas como eu posso...? — Ele não conseguiu terminar a pergunta. De repente, ele percebeu o que estava por vir. O discurso sobre os cavalos de Arqueiros aposentados; os dois cavalos castanhos, praticamente idênticos, e o jovem cavalo cinza que tinha visto no celeiro - todos esses fatos se uniram para formar uma óbvia e terrível conclusão.
 
— Nós vamos ter que aposentá-lo —disse ele estupidamente. Não foi uma pergunta e ele viu e Bob Crowley balançando a cabeça em confirmação.
 
— É a nossa forma de fazer as coisas, Will — Crowley disse. — Nossos cavalos só  podem servir-nos por quinze ou dezesseis anos. Em seguida, eles começam a perder a velocidade, agilidade e resistência das quais dependemos tanto. Portanto, isso aconteceria em um futuro próximo de qualquer maneira. A lesão só trouxe o inevitável um pouco mais rápido.
 
—Mas... este é o Puxão! —W ill disse, com os olhos cegos pelas lágrimas. — Este não é um cavalo comum! Ele é Puxão! — Ele veio para uma decisão repentina e ergueu a cabeça desafiadoramente, com raiva enxugando as lágrimas com as costas da mão. —
Eu não me importo se ele manca. Eu não me importo se ele não é tão rápido ou tão ágil como ele costumava ser! Ele é meu cavalo e eu vou ficar com ele!
 
Ele foi até o rédea do Puxão, mas Crowley pegou sua mão suavemente e o parou.
 
— Isso não é possível — disse ele. — Não é o costume dos Arqueiros.
 
— Então vou me aposentar também. Se eu não posso ter Puxão, eu já não quero ser um  Arqueiro! 
 
Todos eles olharam com surpresa quando Puxão recuou, suas orelhas achatadas contra a sua cabeça.
 
Não se atreva a dizer isso! Não depois de tudo que fiz por você!
 
— Puxão? — Will disse, perplexo com a raiva do cavalo. Mas Puxão balançou a cabeça agora, sacudindo sua juba.
 
Se aposente se quiser! Mas não me faça a razão disto!
 
— Mas... eu preciso de você, Puxão. Eu não consigo imaginar prosseguir sem você — disse Will.
 
O Velho Bob e Crowley trocaram um olhar. Eles estavam familiarizados com o vínculo misterioso que se formava entre uma Arqueiro e seu cavalo. Ambos sabiam que uma estranha forma de comunicação cresceu ao longo dos anos. Crowley a experimentou com Cropper. Eles se retiraram para permitir Will falasse com o cavalo sem constrangimento ou embaraço. Puxão intrometeu-o suavemente, mais uma vez, sem raiva agora.
 
Você não entende? Eu não posso servi-lo adequadamente desta jeito. Eu não posso mantê-lo seguro. Isso é um trabalho para o novo Puxão. Mas você tem que dar a ele uma chance.
 
— O novo Puxão? — Disse Will.
 
Crowley, sentindo que era a hora certa, acenou para Bob. O velho criador de cavalos virou-se e caminhou de volta para o estábulo. Quando ele saiu, Crowley respondeu a pergunta.
 
— Bob é apenas um dos criadores nossos cavalos, Will. Temos muitos deles e eles fazem um trabalho incrível. Eles acompanham as linhagens de todos os nossos cavalos e os registros de criação de nossos rebanhos. Puxão que vai entrar em processo de criação agora, assim como seus antecessores. Ele vai ser bem tratado e vai estar seguro. 
 
E ele vai garantir que, no futuro, haverá outros cavalos, como ele próprio, disponíveis para Arqueiros. Você viu o pequeno cavalo cinza no celeiro da frente quando você galopava? 
 
Will assentiu. — Eu pensei que era Puxão por alguns minutos.
 
— Assim como deveria. Seu pai era o avô de Puxão. E sua mãe era uma égua, cujas características eram quase idênticos com a da mãe de Puxão. Quando Bob viu este proto, colocou-o de lado especialmente para você. Claro, não tínhamos ideia de que você precisaria dele tão cedo. Normalmente, teríamos preparado você para isso no próximo ano ou dois. Mas isso veio do nada. É por isso que Bob me buscou para eu explicar. Mais cedo ou mais tarde, todos nós temos que atravessar isso. 
 
Ele olhou com simpatia para o jovem Arqueiro e seu cavalo. Will aproximou-se de Puxão. Seu braço esquerdo estava em volta do pescoço do cavalo e sua mão direito estava acariciando o seu focinho macio.
 
— Eu não poderia deixa-lo em Redmont de alguma forma? — Will perguntou.
 
Crowley sorriu. — Nós todos perguntamos isso. Mas pense nisso. Ele não é um animal de estimação. E ele é necessário aqui no programa de melhoramento. Ele é um dos nossos melhores cavalos. Acima de tudo, não seria justo com o seu novo cavalo. Você não faria a ligação corretamente. E não seria justo para Puxão também. Ele teria que ver você sair em missões sem ele. 
 
E você sabe que eu tenho um ar de preocupação.
 
Apesar de tudo, Will não poderia deixar de sorrir com isso. — Então, o que vai ser o seu novo nome? — Perguntou ele.
 
Puxão hesitou, com a cabeça de lado. Eu sempre me fantasiei sendo Belerofonte.
 
— Belerofonte? — Will disse, surpreso. Era uma escolha inesperada.
 
Crowley sorriu. — Não é ruim. Devemos mencionar isso a Bob. E lá vem ele agora.
 
Will se virou e viu que Bob se aproxima, trazendo o cavalo cinza que tinha visto antes. 
 
Agora, porém, o cavalo estava selado e com os arreios. Cada centímetro do cavalo era familiar, mesmo sua postura ou o modo de andar. Com exceção do pequeno pedaço de pelos preto na perna e a falta de pêlos brancos ao redor de seu focinho, ele era idêntico ao Puxão que serviu Will durante os últimos quinze anos.
 
Bem, este é decididamente um cavalo bonito.
 
— É claro que você pensaria assim — disse Will. Então, quando Bob entregou-lhe as rédeas, ele avançou e acariciou o focinho do jovem cavalo. O cavalo moveu sua cabeça em apreciação, em seguida, esfregou sua cabeça contra bolsos de Will, em busca de uma maçã. Era uma ação tão familiar, uma ação tão Puxão, que Will foi surpreendido por um segundo ou dois
 
— Sinto muito — disse ele. — Eu dei a minha maçã última para... — Ele hesitou, então disse, com um sorriso — Belerofonte.
 
Bob buscou em seu próprio bolso e jogou uma maçã para ele. — Pensei que você pode precisar — disse ele.
 
Will estendeu a maçã na palma da mão para o cavalo, que a pegou suavemente, os lábios fazendo cócegas na palma da mão de Will, depois a mastigou feliz.
 
— Por que vocês dois não se conhecer uns aos outros? — Bob disse, apontando para a sela. Will assentiu. De repente, ele estava ansioso para saber o quão parecido com 
 
Puxão este novo cavalo realmente era.
 
— Boa ideia — disse ele. Ele pisou o pé esquerdo no estribo e virou-se facilmente nas costas do cavalo. Crowley e Bob trocaram sorrisos perversos.
 
— Agora — Will disse, — vamos ver... 
 
Ele não foi mais longe. O cavalo debaixo dele de repente explodiu em movimento, saltou, fazendo que as quatro patas deixassem o chão ao mesmo tempo, torcendo e girando no
ar, levantando suas pernas traseiras enquanto seus membros dianteiros voltaram ao solo. Will foi atirado para o ar sobre o seu pescoço, virando uma cambalhota, sentindo alguns segundos de gravidade zero, então caiu no chão empoeirado, expulsando todo o ar de seus pulmões. Ele ficou gemendo, tentando desesperadamente encher seus pulmões novamente. O cavalo parada ao seu lado, a sua cabeça inclinada para de lado com curiosidade.
 
Bob e Crowley se aproximaram, rindo descontroladamente, enquanto Will permanecia no chão, apoiado em seus cotovelos, gradualmente enchendo seus pulmões de ar.
 
— Este não é aposentado, Will do Tratado! — Bob disse-lhe alegremente. — Você precisa pedir permissão para ele, a mesmo que para o velho  Puxão aqui.
 
Will olhou para cima, sua mente piscar de volta a um incidente idêntico há muitos anos. 
 
Ele percebeu que antigo Puxão, agora Belerofonte, estava olhando para ele, sacudindo cabeça.
 
— Ele dá coices assim como você também — disse Will sem fôlego.
 
Você nunca vai aprender, não é?
 
 
Como eles galoparam para casa mais tarde naquela manhã, Will continuou a se surpreender com a semelhança entre os dois cavalos. Era como se, de repente e inexplicavelmente Puxão  tivesse rejuvenescido, e ele percebeu agora que Crowley e Bob estava certo. Nos últimos anos, Puxão tornou-se gradativamente mais lento, um pouco menos seguro de pé. Este novo Puxão era um lembrete de como o cavalo tinha sido em seus primeiros dias juntos.
 
Ele pensou sobre esses tempos agora. Sobre como Puxão avançou para protegê-lo quando o javali tinha investido contra ele. Sobre a desesperada corrida com o garanhão Bedullin, Tempestade de Areia, quando Puxão mostrou-lhe uma velocidade flamejante que ele nunca tinha visto igual. Enquanto pensava sobre esse dia, o novo Puxão balançou a cabeça, sacudindo sua juba.
 
Eu teria ganhado de Tempestade de Areia.
 
Will olhou para ele com surpresa. — Como você sabe sobre Tempestade de Areia? — questionou. Mais uma vez, o cavalo sacudiu a juba.
 
Se você estiver pensando sobre algo, eu saberei. Agora, você quer manter este  ou devemos esperar mais um pouco?
 
—Você fala como Puxão — Will disse ele.
 
Eu sou Puxão.
 
— Sim — respondeu Will, pensativo. — Eu acredito que você é.
 
 
 
 
 
Nota do autor: A história anterior surgiu depois de ter recebido uma consulta de e-mail de Laurie, uma Nova Zelândia leitor. Ela apontou que a vida de trabalho prático para cavalos Arqueiro não poderia ser muito mais do que 16 ou 17 anos e queria saber o que aconteceu depois período. Eu não podia suportar a ideia de Will sem Puxão, por isso criei o programa de melhoramento engenhoso mencionado aqui.
 
 
E JÁ ERA HORA TAMBÉM...
 
WILL OLHOU PARA BAIXO E SE INSPECIONOU UMA ÚLTIMA VEZ. Seu casaco estava limpo e passado. A gola aberta de uma camisa de seda branco imaculada aparecia acima, e a folha de carvalho prata que indicou sua posição era apenas visível no V formado pela gola. Suas calças estavam livres de quaisquer manchas ou marcas. Suas botas estavam impecáveis e recém banhanada com óleo. Elas não ficavam brilhantes. 
 
Um Arqueiro nunca lustrava suas botas. Botas lustrosas poderiam refletir flashes de luz e tornar mais fácil para alguém de detectar um Arqueiro escondido. Ele afivelou o cinto de couro largo. Como as botas, a fivela em si era plana de um preto desbotado e os punhos de suas duas facas foram presos em couro liso. Somente as lâminas teria pegado a luz se tivessem sido expostos. Eles foram mantidos cuidadosamente afinados e eles eram de um grau de aço fino, mais duras do que as espadas utilizadas por cavaleiros do Reino.
 
Ele desejou que ele tivesse um espelho. Este era um dia importante, depois de tudo. Mas os espelhos eram muito caros. Só alguém tão rico como o Barão Arald poderia se permitir tal luxo. O pagamento de um Arqueiro não permitia esse tipo de coisa.
 
Ebony estava deitado à porta, o queixo sobre as patas estendidas, com os olhos cravados nele. Ele olhou para ela agora e estendeu as mãos.
 
— Como estou? — Disse. Ela bateu a cauda duas vezes no chão, seus olhos nunca se movendo para longe  dele.
 
— Quão bom é isso? — Ele meditou. Thump, Thump, fez a cauda novamente.
 
Ele olhou para fora da janela. O sol estava bem baixo, abaixo das copas das árvores que rodeavam a pequena cabana.
 
— Hora de ir — disse ele. Ele puxou a cortina que cobria o espaço pendurado em seu guarda-roupa simples e tirou sua capa.
 
Desta vez, Ebony mostrou algum interesse. Sua cabeça inclinou para um lado e ela o olhou com curiosidade. Ele não tinha escolhido a capa normal, rotineira.
 
Ele tinha tirado a capa de uniforme formal, com as representações estilizadas de flechas flechas cruzando em diagonal em toda suas costas. Ele girou em torno de seu ombros e sorriu para ela.
 
— Dia especial — disse ele. Ebony deixou a cabeça cair até as patas novamente. Ele mudou-se para a porta e fez um gesto para ela sair do caminho. Com um suspiro, ela se levantou e deu alguns passos para o lado quando ele abriu a porta e saiu para a varanda. 
 
Ele parou e olhou de volta a ela.
 
— Você vem? — Disse. — Você está convidada, afinal das contas. — Abanando o rabo, mais uma vez, ela se esgueirou pela porta aberta e se juntou a ele na varanda. Ela olhou acima ele, assim que os pastores fronteiras têm de estar constantemente olhando para seu mestre para a direção.
 
Onde nós vamos agora? o olhar dizia. Will não respondeu, mas deixou escapar um assobio baixo. Os ouvidos de Ebony ergueram ao som. Poucos segundos depois, ouviram o suave clipe clop de cascos quando Puxão apareceu em torno do fim da pequena cabana. Ele havia estado descansando no estábulo. Mas desde que nunca erra necessário amarrá-lo, ele foi capaz de responder o assobio imediatamente.
 
Ao contrário de Ebony, Puxão parecia saber para onde estavam indo. Ele olhou uma vez para Ebony, a postos ao lado de Will.
 
Ela está indo também?
 
— É claro — Will disse ele. — Ela é parte da família, afinal de contas. Não se opõe, não é? 
 
Puxão balançou a juba explosiva. Nem um pouco. Mas ela, por vezes, peca no senso de decoro. Eu não quero que ela começe a coçar-se no meio das coisas.
 
Will sorriu para o cão. — Ouvi isso, Eb? Não se coçe desrespeitosamente. — O rabo do cão agitou-se com a menção de seu nome. Puxão olhou de soslaio para o seu mestre.
 
O mesmo vale para você.
 
— Estou feliz por ter você comigo, chefe de protocolo — disse Will. — Vamos?
 
Esperava por você.
 
Will balançou a cabeça. Depois de todos esses anos, ele pensou, você pensaria que teria aprendido que nunca iria ter a última palavra com este cavalo.
 
Nunca.
 
Ele olhou para Puxão desconfiado. Se pudesse dizer que um cavalo assumia um ar inocencia, era isso o que ele estava fazendo.
 
Ele estalou os dedos para Ebony e saiu da varanda. Ela avançou imediatamente em seu calcanhar direito. Puxão trotava à sua esquerda, a cabeça ao lado do ombro de seu mestre. Os três fizeram o seu caminho através da pequena clareira na frente da cabana em uma trilha qua cortava pela floresta.
 
O espaço da trilha era restrito, de modo Puxão foi para a retaguarda.
 
Estava disforme sob as árvores, mas o caminho era familiar. Ele serpenteava por uma ligeira inclinação, tomando a linha de menor resistência, até um pequeno córrego que era um afluente do rio Tarbus. Havia um poço profundo, onde ele e Halt havia pescado truta ao longo dos anos. Havia uma clareira gramada à beira do poço também e em tempos mais recentes, ele e Alyss tinham muitas vezes feito um piquenique lá no verão em noites - como esta.
 
O ar batia macio e quente em seu rosto e alguns pássaros farfalharam em torno das árvores e arbustos as quais se acomodaram durante a noite. Ele olhou para dentro da escuridão entre as árvores e viu os minúsculos porntos que piscavam com luz que marcava o movimento de vagalumes. Um desvio para fora das árvores, a luz em sua cauda escurecimento como se moveu na escuridão comparativa. Ele chegou perto de Ebony e houve um súbita clop! quando suas mandíbulas fecharam com um estalo, então ela balançou a cabeça e deu patadas em sua língua para remover os restos do inseto morto.
 
— Você nunca vai aprender, vai? — Disse ele carinhosamente. Ebony nunca poderia resistir à tentação de abocanhar insetos voadores. Isto foi seguido por inevitavelmente esforços frenéticos para se livrar dos resultados. De alguma forma, eles nunca parecia ter o sabor tão bom quanto Ebony esperava.
 
Quando chegaram mais perto da compensação pela corrente, ele estava ciente de um zumbido baixo da conversa.
 
— Nós somos os últimos aqui — comentou ele. Mas Puxão balançou a cabeça.
 
Ela vai ser a última. É tradicional.
 
Eles saíram das árvores. A compensação foi iluminado por tochas em postes fincados no chão e lanternas em cores diferentes foram amarradas entre os ramos. Uma pequena multidão de pessoas estava esperando por ele. Enquanto Puxão e Ebony saiam para a clareira, havia um baixo falar superficialmente de aplausos e um poucos baixinhos chamado palavras de saudação.
 
Ele olhou em volta com um ingênuo senso de prazer. Não havia muitas pessoas aqui, mas eles contou todos aqueles que foram importantes em sua vida.
 
Halt, é claro. E sua linda esposa ao seu lado, em pé meia cabeça mais alta do que ele. 
 
Desde o décimo sexto aniversário de Will, Halt tinha sido uma figura paterna para ele. E em anos mais recentes, ele tinha começado a pensar em Lady Pauline como uma mãe postiça.
 
Ele olhou para um lado e seu rosto se iluminou com um sorriso. Horace estava aqui. 
 
Bem, ele tinha assumido que ele estaria. E com ele estava Evanlyn, sua esposa.
 
Eu realmente vou ter que começar a chamá-la de Cassandra, Will pensou. Ele estava tocado de que tinham feito a longa viagem do Castelo Araluen para estar com ele hoje. 
 
Não lhe ocorreu que ele teria feito exatamente a mesma coisa para eles, sem um segundo pensamento. Ele olhou atentamente para a princesa. Ele recebeu uma carta animada de Horace dizendo que eles estavam esperando um filho. Até agora, não havia nenhum sinal da gravidez. Evanlyn - Cassandra, ele corrigiu se - parecia tão magra como sempre.
 
Em pé num pódio criado ao lado do rio estava o Barão Arald, sorrindo largamente para o mais famoso de todos os seus pupilos. Will assentiu uma saudação respeitosa a ele, e seu olhar esquadrinhou o resto das pessoas ali reunidas. Jenny e Gilan, notou, em pé de mãos dadas, Jenny radiante com orgulho para ele e de vez em quando olhando para cima com os olhos adoradores ao alto e bonito Arqueiro ao seu lado.
 
Você vai ser o próximo, Will pensou. Gilan parecia ler seus pensamentos e sorriu largamente para ele. A perspectiva não parece incomodá-lo de forma alguma.
 
Ele parou em meio a sua passada quando ele avistou os próximos dois convidados, de pé nas sombras atrás de Gilan e Jenny. Duas formas totalmente diferentes – um pequeno e franzino, com a aparência de de que um vento forte o sopraria para longe, o outro alto e larga. Enorme, de fato. E entre eles, uma forma em preto-e-branco que se levantou do chão e avançou em direção Ebony, a cauda pesada balançando para frente e para trás enquanto ela vinha.
 
Enquanto Ebony reencontrava-se com sua mãe, Shadow, rabos abanando devagar e cabeças baixas, Will avançou rapidamente para abraçar Malcolm, depois foi esmagado em troca por Trobar, com seu abraço de urso.
 
— Vocês vieram! — Disse ele, com prazer em vê-los. — Eu não tinha certeza de que tinha se viriam tão longe!
 
— Não teria pedido por nada! — O curandeiro parecido com um pássaro disse a ele, sorrindo com carinho para o jovem.
 
A grande voz de Trobar trovejou tão suavemente como o gigante poderia conseguir. —  Pa´ra-bens, Will do Tratado.
 
— Obrigado, Trobar — disse Will. — O dia é está ainda melhor pelo fato de que vocês estão aqui.
 
O Barão tossiu significativamente e Will percebeu que era hora de começar os assuntos importantes. Distanciando-se do curandeiro e seu guarda-costas gigante, ele se foi até onde Arald estava esperando, um maço de papéis oficiais no pódio diante dele. Puxão e Ebony seguiu.
 
— Bem — disse o barão com carinho — está é uma bela noite para um casamento, Will do Tratado.
 
— Não consigo pensar em um melhor, senhor — respondeu Will.
 
— Lembro-me de uma história bastante divertida...  — O Barão começou. Mas sua esposa, Lady Sandra, fez uma advertência com um ruído sutil e baixo, mas inconfundível e ele olhou para ela com culpa. — Eh? Oh... sim... claro, minha querida. Talvez mais tarde, jovem Will. 
 
— Mais tarde, provavelmente seria melhor, senhor — concordou Will, escondendo um sorriso.
 
— Certo... Bem, você está aqui. Todos nós podemos ver isso. Nós temos um padrinho? 
 
Em resposta, Horace avançou e ficou ao lado de Will, colocando a mão no ombro de seu melhor amigo. Os dois se entreolharam - um olhar que falou mais do que qualquer número de palavras poderia transmitir.
 
— Excelente — o Barão continuou. — Excelente escolha. — Ele olhou para o cavalo desgrenhado cão elegante e de pé atrás de Will. — E estes são...?  Antes de Will pudesse responder, Horace falou. — Melhor cavalo e melhor cão — disse ele.
 
— Excelente! — Disse o Barão. — Um pouco inconvencional, mas excelente - desde que eles não tem que assinar nada! — Ele riu de sua própria piada. Puxão empurrou sua cabeça para a frente para estudá-lo mais de perto. O Barão tornou-se ciente do cavalo o encarando e olhou para baixo, rapidamente reorganizando seus papéis.
 
— Comporte-se — disse Will baixinho para o cavalo e Puxão recuou. Will  tinha certeza que ele estava sorrindo.
 
Arald levou alguns momentos para recuperar seu entusiasmo normal, então ele esfregou as mãos e examinou a as pessoas diante dele. Sem serem solicitados, os presentes se mexeram para formar um meio círculo solto, de frente para o pódio.
 
— Bem, então — ele disse rapidamente. — Parece que estamos todos aqui. Noivo. 
 
Melhor homem. Testemunhas. Celebrante. — Ele fez uma pausa e olhou de soslaio para Puxão. — Melhor cavalo e melhor cão. Agora, tudo o que precisamos é da noiva. 
 
E, de repente, sem aviso, Alyss estava lá. Ela saiu das árvores para ficar em uma piscina de luz lançado por uma lanterna pendurada em um galho.
 
Will prendeu a respiração ao ver ela. Ela era linda, não havia outra palavra para ela. Ela estava vestida com um vestido branco simples, com um ombro descoberto. Seu longo cabelo loiro, preso por um colar de flores amarelas, brilhava à luz da lanterna, parecendo ter a sua própria luz interior.
 
Mais tarde, pensando sobre isso, ele percebeu que isso deve ter sido parte do teatro premeditado por parte do Barão. E muito eficaz também.
 
Às vezes, ele pensou, Arald acertava. Alyss pegou o olhar de Will e sorriu para ele. Ele sentiu o coração virar.
 
Rapidamente, Cassandra atravessou a clareira para estar diante de Alyss como sua dama de honra. Halt moveu-se para o lado de Alyss e tomou-lhe o braço. Desde que Alyss era órfã, ela pediu Halt para atuar em lugar de seu pai e para entregá-la. Ele sorriu para ela. Ela era uma das poucas pessoas que poderiam suscitar um sorrir tão facilmente do sisudo Arqueiro de barba grisalha.
 
Vendo que todos estavam prontos, Barão Arald fez um sinal com a mão e um trio de músicos do castelo, previamente escondida entre os árvores de um lado, adentraram na clareira e começaram a tocar. Alyss tinha escolhido a música e Will sorriu quando reconheceu as notas suaves de “Cabana nas árvores“. Era a canção oficial do Corpo de Arqueiros, a que eles cantavam em todos os eventos importantes. Ela não poderia ter escolhido melhor.
 
Ele continuou a sorrir para Alyss enquanto ela caminhava graciosamente para ficar ao lado dele. Foi um dia para sorrisos, pensou feliz. Halt pegou a mão dela, de onde repousava em seu braço e colocou na mão de Will, em seguida, retirou-se. Cassandra e Horace recuaram um passo para deixar a noiva e o noivo sozinhos perante o Baron Arald.
 
— Bem, então — disse ele, com um sorriso enorme no rosto enquanto ele olhava para os dois jovens. — Que dia o de hoje! Que dia, de fato! 
 
 
Os votos falados foram simples e direto ao ponto. Não há necessidade de repeti-las aqui - basta apenas mencionar que diziam respeito amor, lealdade e honestidade.
 
Eo dever de outro e carinho. Eles vieram do coração e sua simplicidade direta capturou os corações de todos aqueles que estavam presentes. Lady Pauline sorriu suavemente enquanto ela notou Halt sorrateiramente enxugando os olhos com um canto de seu manto.
 
Ela o cutucou com o cotovelo. — Sua fraude velha. — ela sussurrou e ele acenou timidamente. Halt tinha passado a vida a mantendo um comportamento sombrio e proibitivo. Neste dia, ele simplesmente não podia mantê-lo.
 
Uma vez que os votos foram trocados, Arald pronunciou as palavras legais oficiais, que selaram a união. Parecia que apenas alguns segundos se passaram antes ele recuou, sorrindo para o jovem casal e abriu os braços para eles. Por um momento, Will estava perplexo. Ele tinha ido a cerimônia em um uma espécie de torpor, capturado pela presença de Alyss ao lado dele, espantado com o pensamento de que este dia chegou finalmente.
 
Agora, ele percebeu com um choque, havia chegado o dia e a cerimônia havia acabado. Ele e Alyss estavam ligados uns aos outros e ele sentiu um quente e reconfortante brilho profunda do si mesmo com o pensamento dele.
 
O Barão tinha dito algo, ele percebeu e as pessoas estavam olhando para ele com expectativa.
 
Arald inclinou-se e disse, em um sussurro que todos pudessem ouvir — Eu disse, você pode beijar a noiva.
 
Will assim o fez, com um grau de entusiasmo. Ele esteve encantado que Alyss respondeu na mesma moeda, enquanto os gritos e aplausos de seus amigos mais próximos irrompiam em torno da clareira.
 
Lentamente, o som morreu para baixo, e no silêncio que se seguiu, uma voz ecoou.
 
— E já era hora também!
 
Halt quis dizer isso como brincadeira, mas antes que ele percebesse, havia um nó na garganta e um engasgo em sua voz e ele teve que disfarçá-lo como uma pequena crise de tosse, afastando-se enquanto isso.
 
Dessa forma, ele esperava, as pessoas nunca iriam notar as lágrimas que tão livremente escoriam pelo rosto.
 
 
Hal cutucou o leme suavemente e balançou para um curso diagonal longe da costa, rumo à esquerda, longe de Hallasholm. Heron subia e descia suavemente sob seus pés como o balanço rolava sob a quilha. Os outros meninos tinham se estabelecido em um ritmo suave de remadas, um que eles poderiam manter por horas se necessário e ele exultou com a sensação de estar em curso, no comando de seu própria barco.
 
Stig olhou para ele a partir de seu banco de remo.
 
— Como ele se comporta? — Perguntou.
 
Hal sorriu de volta para ele. — Como um pássaro.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
POSFÁCIO
 
MACFARLANE gentilmente colocou o fragmento de pergaminho sobre a superfície da mesa. As outras nove histórias encontradas no baú haviam sido cuidadosamente montadas, copiadas e preservadas. Agora, isso era tudo o que restava de um fragmento esfarrapado com algumas palavras escritas sobre ele, apenas cem palavras. Em alguns lugares, a tinta estava tão fraca que mal conseguia decifrá-la.
 
Ele havia o fragmento atual até por último, em parte porque ele estava incompleto e em parte porque, depois de sua primeira inspeção rápida, ele sentiu que isso era algo diferente.
 
Usando um longo par de pinças, ele mudou a página até que fosse debaixo de sua lente de aumento. Então, ele se inclinou para frente e olhou para as palavras, seus lábios movendo silenciosamente como ele as lia, hesitando quando chegou as seções mais fracas e grato pela luz forte e a ampliação.
 
Finalmente, ele se sentou, tamborilando os dedos sobre a mesa.
 
Audrey estava sentado em frente a ele, em uma febril antecipação. Como ela tinha sido que descubriu o baú, ele pensou que era justo que ela estivesse aqui quando ele finalmente transcrevia isso, a peça final.
 
— O que é isso, professor? — Ela perguntou. — É importante?
 
Não havia necessidade para a segunda questão, ela pensou. Sua expressão e linguagem corporal disse a ela que era. Ele olhou para ela.
 
— Sim, Audrey. Por uma questão de facto, é.
 
Ela esperou, sabendo que ele iria dar continuidade. Depois que alguns segundos se passaram, ele continuou.
 
— Por algum tempo agora, aqueles de nós que têm estudado o mundo de Araluen e seus heróis ter tido conhecimento de outra lenda da época. É a lenda de um menino, meio Araluen e meio Escandinavio, que revolucionou o design de navios dos escandinavos. Mas a gente conhece pouco sobre ele. 
 
Audrey franziu o cenho, pensativa. — Eu acho que me lembro de uma breve menção dele na crónica da viagem de Will á Nihon-Ja — disse ela, pensativa, e do professor sorriu para ela.
 
— Precisamente. Mas, além dessa uma referência passageira, nós não sabiamos mais nada sobre ele. Agora, ao que parece, posso ter descoberto uma pista adicional para sua história. 
 
— Este fragmento? — Disse ela, apontando para a página rasgada em cima da mesa entre eles.
 
— Este fragmento — disse ele, balançando a cabeça. — E se há uma página, devem ter existido outras. E talvez eles ainda existam em algum lugar. 
 
Seus olhos se arregalaram em emoção. — Você acha que poderia encontrar o resto de sua história, o professo — ela perguntou.
 
Ele sorriu com indulgência para ela, desfrutando de sua juventude e seu entusiasmo.
 
— Bem, eu certamente pretendo tentar — disse ele.

 

 

                                                                                                    John Flanagan

 

 

 

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