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AS KENNEDYS / Pearl S. Buck
AS KENNEDYS / Pearl S. Buck

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

No MEIO da noite de 18 de Julho de 1969, o automóvel de Edward Kennedy despistou-se e caiu da ponte estreita de uma estrada rural na água negra e funda que corria em baixo. Edward Kennedy não ia sozinho. Acompanhava-o uma jovem, Mary Jo Kopechne, que pereceu afogada.
Terá sido uma maldição, a maldição que tem perseguido implacavelmente todos os Kennedys?
A tragédia não foi banal, pois nunca pode ser banal uma tragédia que se abate sobre uma grande família. A influência que uma família poderosa exerce sobre a sociedade é sempre complexa e vincada - complexa, porque os tentáculos da família penetram em profundidade na vida da sociedade; vincada, porque a imaginação de todos os membros dessa sociedade é estimulada pelo poder, pela dignidade ou indignidade, pela glória ou pela desonra da família. É assim nos Estados Unidos e era assim na China, a que também pertenço.
Recordo-me, por exemplo, da famosa família Kung, que residia na hutung a seguir à minha, em Pequim. Não havia ninguém que não conhecesse os seus membros, se não pessoalmente, pelo menos através dos boatos que acerca deles corriam. Eram três filhos e duas filhas. Estas casaram com filhos de homens ricos; aqueles com filhas de homens ricos. Mas dir-se-ia pesar sobre todos eles uma maldição.
O filho mais novo foi morto pelo próprio pai, como dever para com a família. Naquele tempo, na China, a família - e, principalmente, uma grande família - era responsável por todos os seus membros, embora quando uma filha casava se tornasse responsabilidade da família do marido, assim como as mulheres dos filhos se tornavam responsabilidade da família destes.
Seria possível que o último e mais querido filho da família Kung, de Pequim, morresse às mãos do próprio pai? Era, pois assim aconteceu. Toda a gente estava ao corrente das dificuldades que a respeitável família Kung tinha com o filho mais jovem. Em criança, desobedecera ao perceptor; em rapaz, na adolescência, fugira sorrateiramente de casa, com a conivência de alguns criados, e participara nas tropelias de arruaceiros. Ninguém se importava com o que faziam os arruaceiros, mas todos atribuíam importância às acções de um filho da família Kung. Censuravam-no cruelmente, acusavam-no implacavelmente e, como era um Kung, nunca lhe perdoavam.

 

 

 

 

Mas, apesar de tudo, o rapaz também possuía grandeza em si próprio. Fizesse o que fizesse, bom ou mal, excedia sempre os outros. Era incorrigível. Quando o pai se convenceu disso, agiu como a honra lhe exigia, por amor da família e da sociedade. Depois de, com as lágrimas a correrem-lhe pelas faces, explicar ao filho a necessidade imperiosa do seu procedimento, tirou da gaveta da mesa de teca, ao lado da qual se sentava na sua poltrona de madeira esculpida, uma pequena pistola, apontou com rapidez e precisão e matou o rapaz.
Tal gesto, numa época e num país diferentes, foi considerado um acto de acordo com a categoria do chefe de uma grande família. Ouvi clamores de admiração por toda a parte. O pai não hesitara em cumprir o seu dever para com o povo, os Cem Nomes. A posição da família Kung manteve-se íntegra.
Mas eu, incorrigivelmente curiosa e rebelde, fui visitar as minhas amigas, as mulheres, e levei-lhes os frutos e os doces adequados à ocasião. Queria ver até que ponto este sentimento da honra da família penetrava no coração dessa mesma família, as mulheres. Aprovariam - ou melhor, poderiam, sequer, suportar o que fora feito?
Fui recebida serenamente e com dignidade. A família Kung já me recebera muitas vezes, mas nunca em circunstâncias tão trágicas. Aparentemente, mantinha-se tudo igual ao que sempre fora. Todas as filhas e todas as noras ocupavam os seus lugares e desempenhavam os seus deveres, embora cada uma delas usasse um sinal de luto: um cordão branco a prender o cabelo, os sapatos forrados de pano branco ou uma saia de algodão branco - pois naquele tempo as senhoras chinesas ainda usavam saias empregueadas, em vez dos vestidos compridos e justos das mulheres de hoje.
Não aludimos à tragédia quando a Senhora Kung me recebeu no grande salão. Em vez disso, falámos de pequenas coisas triviais, como os lírios d'água do tanque do pátio, o facto de ser Verão ou os primeiros passos hesitantes de um netinho, acompanhado por uma criada que o segurava por uma tira de tecido presa à cintura. Mas, por fim, seguiu-se um silêncio tão prolongado que levantei os olhos para a Senhora Kung e vi que chorava. Ao notar que eu reparara, limpou os olhos e dominou-se.
- Somos uma família antiga e grande - declarou. - Sabemos muito bem o que aprendemos.
- Mas que sabem?
Respondeu-me com serena resignação:
- Sabemos que a grandeza traz sempre uma maldição consigo. Malditos são os poderosos,

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porque os deuses e os homens se combinam contra eles, para os rebaixarem.
Recordo-me bem das suas palavras e, agora, compreendo o seu significado e a sua verdade.
No coração e no espírito do homem comum, da mulher e da criança comum, um medo fundamental gera um ódio natural pelos que saem da vulgaridade, pelos talentosos, pelos brilhantes e pelos inovadores. Ao mesmo tempo, a este ódio mistura-se um "amor" contrafeito, uma admiração invejosa.
Isto é tão verdade no meu próprio país, entre os meus concidadãos e na minha época, como foi verdade no tempo da família Kung, há meio século, quando eu era jovem. O tempo não modifica a natureza fundamental do homem. Foi sempre assim, através da História da Humanidade. A espécie humana deve todo o progresso e todo o conhecimento aos poucos verdadeiramente dotados, aos que sobressaíram entre os demais, mas isso não a coíbe de perseguir os seus salvadores.
Ao recordar a família Kung da minha juventude, observo o cenário em que vivo agora e medito no seu correlativo americano: a família Kennedy.
As raízes desta família moderna encontram-se na Irlanda e não são antigas nem se desenvolveram lenta e profundamente, através de muitos

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séculos, como as da família Kung. Pelo contrário, cresceram depressa, fortes, quase bruscamente, através de uma robusta figura central: o pai.
O meu interesse natural por esta família americana concentra-se, como no caso da família chinesa, nas suas mulheres. Repito, o coração de qualquer família deve procurar-se nas mulheres e, entre todas elas, na mãe. No entanto, não é possível conhecer a mãe enquanto não se conhecer a mulher que ela foi antes.
Rose Fitzgerald Kennedy foi criada no luxo, filha de um proeminente vulto político de Boston, John F. Fitzgerald, conhecido por Honey Fitz. Sua mãe era uma senhora pacata e amante do lar, muito semelhante à Senhora Kung, que vivia do outro lado do mundo - tão amante do lar que não apreciava as reuniões públicas organizadas pelo marido e nas quais a filha, Rose, a substituía muitas vezes, como anfitriã.
Avaliemos a importância deste contraste dos pais de uma jovem bonita e inteligente. Rose aprendeu a compreender e amar o seu entusiástico, alegre e exuberante pai e, até, a achar graça à sua tendência para cantar a Sweet Adeline em todas as ocasiões. E aprendeu também, muito cedo, quanto era sensato deixar um homem ser ele próprio, fosse ele o que fosse.

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Mas a sua verdadeira vida passava-se em casa com a mãe e era uma vida de actividades quase convencionais. Frequentou a St. John's School, no North End de Boston, e morou perto da Codman's Square, em Dorchester, onde concluiu, aos quinze anos, o curso liceal. O pai, então prefeito, teve o orgulho de entregar à filha o diploma que ela soubera merecer, pois era uma boa estudante. Frequentou a seguir a Sacred Heart Convent School da Commonwealth Avenue, na aristocrática Back Bay de Boston, e depois o Manhattanville College, em Nova Iorque. Mais tarde, esteve também numa escola de aperfeiçoamento de um convento alemão, na Holanda, e nesse belo e sereno ambiente aprendeu a amar a tranquilidade e a paz, propensão que nunca mais a abandonou.
Voltou finalmente para a confortável casa de Boston, como filha mais velha, bonita e muito querida. Embora desempenhasse o papel de anfitriã na agitada e impetuosa vida política do pai, nem por isso deixou de ter tempo para viver, também, a sua própria vida. Ela e a irmã, Agnes, ensinaram catecismo no North End e trabalharam em organizações de assistência, além de ajudarem o pai a cumprir as suas obrigações para com personalidades importantes, servindo de intérpretes dos delegados franceses e alemães ao Congresso Internacional incrementado por

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Honey Fitz. O pai sentia-se tão orgulhoso da sua bonita filha Rose que, uma Vez, ao dirigir-se para Palm Beach, parou em Washington, a fim de a apresentar ao presidente, William McKinley.
No entanto, esta bonita rapariga aprendeu a aceitar os golpes do destino e a lutar contra eles. Era irlandesa e na antiga sociedade da conservadora Boston os Irlandeses eram considerados intrusos. Quando Rose se candidatou a sócia da Júnior League, foi recusada. Aceitou resignadamente a recusa? De modo nenhum! Formou a sua própria organização, o Ace of Clubs, que se tornou tão exclusivista como a Júnior League, iniciou o Travel Club, presidiu ao Lenox Club e pertenceu ainda a outras organizações cujo trabalho a interessava. Os clubes nunca eram, porém, de carácter puramente social. Rose possuía uma natureza séria e profunda e só os objectivos úteis a conseguiam interessar e conservar o seu interesse. Era, portanto, uma agradável combinação do seu alegre e exuberante pai e da sua mãe calma e amante do lar.
Além de tudo o mais, não lhe faltava encanto e foram muitos os homens a amá-la. O seu debut na sociedade irlandesa foi muito falado, como um caso único de resplendor para o qual foram convidados quatrocentos e cinquenta jovens bostonianos ricos, de ambos os sexos. Entre os homens que consta terem-na pedido em casamento

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contava-se o inglês Sir Thomas Lipton, desportista náutico, negociante de chá e amigo do seu pai. Hoje, Rose protesta, escarnecedora, quando se menciona este assunto, mas ao mesmo tempo também sorri, como se apreciasse uma graça secreta, do seu exclusivo conhecimento.
Escolheu o ruivo e ardente Joseph P. Kennedy, um jovem banqueiro no início de uma carreira financeira votada a enorme êxito. Já conseguira o domínio da Columbia Trust Company e, aos vinte e cinco anos, era o presidente bancário mais jovem do Massachusetts.
Apesar disso, porém, não merecia as simpatias do pai de Rose, que se opôs ao casamento. Foi na rua que Joe colocou o anel de noivado no dedo da sua amada, pois Honey Fitz não consentia que ele entrasse em sua casa.
O meu conhecimento da Senhora Kung ajuda-me a compreender Rose Kennedy. Embora muito diferentes, estas duas mulheres são fundamentalmente semelhantes. Até nos seus nomes são diferentes. O "nome pequeno" da Senhora Kung era Orquídea de Jade - orquídea, uma flor tão bela e exótica, mas sem perfume; jade, tão belo, mas tão frio. E Rose? Há cor, numa rosa, e o seu perfume, apesar de delicado, é inconfundível. Ambas as mulheres são grandes senhoras, embora a família Kung possa seguir a sua genealogia directamente até ao grande Confúcio, que

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viveu quinhentos anos antes de Cristo, e a família Kennedy tenha deixado a sua Irlanda natal há pouco mais de um século.
Em 1849, Patrick Joseph Kennedy saiu da aldeia de New Ross, no condado irlandês de Wexford, e embarcou para a América no porto de Cork. Era um ano de grande fome, resultante de cinco anos de doença dos batatais. Os Irlandeses morriam de fome, do mesmo modo que os Chineses, quando uma cultura básica falhava. É verdade que os Kungs nunca tinham passado fome, visto a família conservar a sua grandeza havia muitos séculos, e a família Kennedy era recente. No entanto, Patrick Joseph devia possuir uma força especial, pois conseguiu sobreviver quando muitos como ele morreram nos imundos e superlotados alojamentos dos barcos que os transportavam. Mas Patrick sobreviveu e desembarcou na Noddle's Island, uma região de Boston, onde encontrou o seu novo mundo.
Era, sem dúvida, um mundo muito diferente do da família Kung, de Pequim. O correlativo de Patrick Joseph foi o velho Sr. Kung, o avô da casa chinesa, muito idoso, muito elegante e muito reservado. Nunca me atrevi a falar-lhe, quando me acontecia passar por ele a caminho dos aposentos das mulheres da família Kung. No Verão, sentava-se à sombra de uma tamareira, no pátio,

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e uma jovem escrava abanava-o suavemente, com o leque de folha de palmeira a mover-se devagar, para a frente e para trás. A maior parte das vezes os olhos do Sr. Kung conservavam-se fechados, mas outras, quando eu passava, abria-os e eu achava-os estreitos e sem vida, como os de um lagarto.
Era tão velho que já não se importava com quem passava, mas eu ouvira contar histórias da sua juventude e sabia que os seus olhos não tinham sido sempre assim. No seu tempo, fora atraente, impetuoso e forte, o correspondente chinês de Patrick Joseph Kennedy. No entanto, havia uma grande diferença entre eles. O Sr. Kung pertencia a uma família de longa data estabelecida num país antigo. Patrick Joseph chegou, ousado, jovem e desconhecido, a um país também ousado e jovem e que ele não conhecia. Instalou-se precisamente em Boston, onde os Irlandeses eram, a bem dizer, considerados os mais ínfimos dos seus cidadãos. "Não há nada a dizer dos Irlandeses, desde que saibam qual é o seu lugar", disse, uma vez, um bostoniano. E em Boston toda a gente sabia qual era esse lugar.
Contudo, distantes embora no tempo e no espaço, estes dois homens possuíam qualidades comuns. Foram ambos corajosos e inovadores. Patrick Joseph estabeleceu-se num país novo; o Sr. Kung ajudou a transformar um país velho

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num país novo. Rebelou-se secretamente contra a dinastia Manchu, que então governava a China, pois compreendeu que o seu país só poderia fazer frente ao Ocidente imperialista se se modernizasse. Fez parte do punhado de homens que entraram no palácio e persuadiram o jovem imperador a trabalhar em segredo contra a autoritária e poderosa imperatriz viúva, Tsu Hsi.
Quando a conjura se descobriu e o jovem imperador foi assassinado, o velho Sr. Kung então novo e ainda rebelde - só se salvou mercê da influência da sua família. Mas esta foi obrigada a prometer que ele nunca mais sairia dos pátios da propriedade familiar, e ele nunca mais saiu. Verdadeira figura de tragédia, viu a vida passar por ele, através dos seus olhos de lagarto. Mas não cedeu.
Estudioso e erudito, quando descobriu um ocidental capaz de lhe ensinar inglês contratou-o. Munido desse novo conhecimento, traduziu em segredo os livros ocidentais que tinham gerado a idade moderna. Darwin e Marx, Shakespeare e Dickens... Traduziu, com um pseudónimo, centenas de livros que milhares de jovens puderam ler. No seu pátio-prisão, protegido pela sua grande família, o Sr. Kung não se desviou do seu invencível caminho.
DO outro lado do mar, nos cortiços da americana Boston, Patrick Joseph Kennedy fundava, do mesmo modo invencível, a sua própria grande

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família. Contava apenas vinte e seis anos e era um bom tanoeiro. Como possuía uma profissão decente, teve mais sorte do que a maioria dos seus compatriotas e pôde furtar-se à cruel exploração a que os irlandeses católicos estavam geralmente sujeitos. Era frequente, nos anúncios publicados nos jornais a pedir pessoal, ler-se a frase: "Os Irlandeses escusam de responder."
Casou com uma robusta e boa irlandesa, que lhe deu três filhas. Mas, como o seu correlativo chinês, ansiava por um filho, o qual nasceu em
1858 - um novo Patrick. Infelizmente, antes de a família ter tempo de se engrandecer, o primeiro Patrick, o pai, morreu. A mãe, Bridget Murphy, conservou os filhos juntos e o segundo Patrick acabou por ter também um filho a quem a sua mulher, Mary Hickey, chamou igualmente Patrick. Mas como não queria que ele se chamasse exactamente como o pai, inverteu os dois nomes e, assim, Joseph Patrick Kennedy ocupou o seu lugar, pelo simples facto de ter nascido, na constituição de uma grande família americana.
Tanto no Oriente como no Ocidente, o poder fundamental de ambas as famílias residiu nas virtudes de força e coragem dos seus membros. Não tiveram medo de meter ombros a novos empreendimentos, foram inovadores e estavam decididos a levar a sua avante. E, fosse como fosse, levaram.

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Creio que não há como uma mulher forte para casar com um homem forte. De uma maneira geral, as mulheres fortes não casam com homens fracos, ou se casam o matrimónio não perdura ou não é feliz. Exagera-se muito o instinto maternal das mulheres. Há, sem dúvida, um determinado período na vida de todas as mulheres ou de quase todas - em que elas desejam ser mães. Pelo menos desejam ter um filho e, tendo um filho, são, forçosamente, mães. Mas esse período passa e elas querem viver a sua própria vida. A mulher não deseja que o marido a considere como uma mãe. Talvez a origem do problema entre o homem e a mulher, nos Estados Unidos, resida no facto de o marido esperar que a mulher seja, também, sua mãe, enquanto a esposa deseja que o marido seja só um homem. Uma mulher sensata escolhe, pois, um marido que seja verdadeiramente um homem.
Quando Rose Fitzgerald parou no passeio, enquanto Joseph Patrick Kennedy lhe enfiava no dedo o anel de noivado, já era uma mulher forte, decidida a fazer frente ao seu poderoso pai mas a fazer-lhe frente com toda a serenidade, pois aprendera, com a mãe, a força dessa virtude. Não há no mundo força tão indómita, tão inquebrantável, como a de uma mulher serena, que sabe o que quer e está decidida a obtê-lo.
Rose conhecia Joseph Patrick desde a infância, pois as famílias de ambos frequentavam a mesma

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estância estival. O pai de Rose, John, era político, assim como o pai de Joseph Patrick, Pat Kennedy. Se Joseph não reparou mais cedo na esbelta e bonita rapariga, foi apenas por ser ainda muito jovem e, também, por andar sempre muito atarefado - e andava atarefado porque era o capitão da sua equipa, fosse lá a equipa do que fosse.
- Lembrem-se sempre disto: se não puderem ser o capitão, não joguem - costumava dizer aos seus irmãos e às suas irmãs.
Era essa a divisa da sua vida. Aplicou-a durante algum tempo na sua vida escolar, mas a certa altura o estudo não lhe pareceu "lucrativo". Atarefado como andava sempre, e para mais com um jeito especial para ganhar dinheiro, desejava sair da escola. Mas um professor que viu quanto havia nele de prometedor convenceu os pais a não lho consentirem. Voltou, pois, para a escola, enquanto Rose obtinha elevadas classificações, na escola conventual onde também estudava. Depois seguiu para Harvard e, embora ganhasse cinco mil dólares a explorar um autocarro de excursões turísticas, durante as férias, chumbou num curso de finanças...
Terminado o curso universitário, dedicou-se à tarefa de ganhar dinheiro, não apenas num empreendimento, mas sim em vários. Enquanto Rose desempenhava o papel de dona da casa do seu pai e era considerada a jovem beldade mais

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representativa da sociedade irlandesa de Boston, Joseph Patrick aprendia a ganhar dinheiro e a administrá-lo. Estava firmemente resolvido a enriquecer e a viver numa casa luxuosa, como os Cabots e os Lodges. Trabalhava longas horas à secretária, em mangas de camisa, mas quando saía do escritório usava fato sóbrio, estilo banqueiro, e chapéu de feltro, e a expressão do seu rosto era grave e sóbria. Sob esse exterior tinha um coração duro - ou, pelo menos, assim julgava. Aprendeu a executar uma hipoteca e a fazer bons negócios. Queria ser rico...
Em Outubro de 1914, quando, na Europa, os exércitos marchavam para o que viria a ser uma guerra mundial, Rose Fitzgerald casou com Joseph Patrick Kennedy.

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QUE género de mulher era, então, Rose Kennedy? Era bonita, de aspecto. Considero a beleza - a beleza física - como o primeiro dom de Deus à mulher. Com beleza, vence facilmente as suas batalhas; sem beleza, tem de planear e lutar. A beleza dá-lhe a autoconfiança fundamental de que necessita, ajuda-a a vencer as crises. Bela, sabe que obterá o que pretende, que realizará as suas ambições e alcançará os seus objectivos. Quando é bela, perdoam-lhe. Uma mulher não pode falhar quando possui beleza - isto é, não pode falhar a não ser que se destrua deliberadamente ou como consequência da sua ignorância e insensatez. Se for demasiado bela, talvez não tenha o amor das mulheres, mas terá o dos homens, que lhe será mais útil. Além disso, a sua beleza vale tanto como um dote, para o seu marido, que a exibirá com orgulho: vejam a sua sorte, o seu bom gosto! Adquiriu algo tão valioso como pedras preciosas e de que nunca terá de se

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envergonhar ou de se desculpar. Os outros homens invejá-lo-ão.
Mas Rose Kennedy não possuía só beleza. A sua vida pública, como anfitriã do pai, dera-lhe presença de espírito, aparência calma e compostura. Como a mãe, não procurava as grandes cerimónias públicas, mas quando estas se impunham sabia apresentar-se com dignidade e o seu comportamento era agradável e natural. Ninguém a podia tratar de modo casual, mas também não a podiam acusar de frieza. Sob a sua encantadora aparência, sempre elegante, serena e de acordo com as conveniências, havia um respeito próprio tão firme e absoluto que chegava a ser obstinado. Era perfeitamente capaz de aceitar homens e mulheres como eles eram, sem exigir nem esperar nada - embora os observasse e avaliasse -, porque tinha tudo.
Suponho que este desprendimento existia até mesmo em relação ao marido, pois implicava, também, uma extraordinária compreensão pelo homem impetuoso e generoso, mas simultaneamente inflexível, com quem casara. Não esqueçamos que, como ele, era filha da Irlanda e, portanto, conhecia aquela mistura temperamental, fogosa, inteligente e irreprimível. Não duvidou, nunca, de que o marido viria a ser, um dia, um homem muito rico e, portanto, muito poderoso.
Nos Estados Unidos dinheiro é poder e não existe nenhum substituto para isso. Quer lhe

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agradasse, quer não, Rose Kennedy sabia que o marido precisava de ser poderoso, para se sentir feliz. Nessa altura, não interferia nos negócios dele. Nem mesmo quando, em 1933, a Comissão Senatorial de Negócios Bancários e Finanças exigiu fosse investigado um grupo financeiro por ele orientado, tão grandes eram os seus lucros, Rose achou necessário interrogá-lo a tal respeito. Ocupava-se com a sua casa e os seus filhos, que nasciam depressa, uns atrás dos outros. Em três anos teve dois filhos, Joseph e John.
Rose Kennedy tinha motivos para seguir o exemplo da mãe e viver a sua vida, em sua casa. Enquanto o marido se dedicava ao seu novo emprego de director-geral do estaleiro da Bethlehem Steel Fore River e à concretização do objectivo que se impusera de juntar um milhão de dólares enquanto ainda era novo para o gozar, Rose dedicava-se aos seus filhos. Era profunda e simplesmente religiosa, mas não apenas aos domingos: a sua religião constituía uma parte vital da sua vida.
Encontrei uma fé semelhante quando aprendi a conhecer a Senhora Kung. A mãe chinesa ia orar a um templo budista; a americana rezava numa catedral. Mas havia na fé de ambas similaridades extraordinárias. Tanto no templo como na catedral existiam imagens de deuses e santos, e embora no templo não houvesse nenhuma cruz havia uma virgem nos dois lugares de adoração:

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uma bondosa Kwan Yin, deusa da misericórdia, no templo, e a Virgem Maria, na catedral. Cada uma das senhoras, tanto no Oriente como no Ocidente, acendia velas, para as suas orações, e ambas iam à missa: uma à budista e outra à cristã.
Sei que a Senhora Kung jamais suportaria o peso da sua grande família e os períodos de crise que atravessou se não fosse diariamente ao templo. A mãe americana também vai todos os dias rezar à catedral. Ambas encontram força na sua fé, uma fé cujos efeitos se tornam manifestos na coragem demonstrada por cada uma delas em momentos de tensão e de tragédia.
Tanto uma como outra perderam filhos queridos. A Senhora Kung perdeu dois dos seus três filhos varões em consequência da fúria calculada do comunismo; Rose Kennedy perdeu três filhos, dois deles vítimas da estranha e insensata fúria contra os grandes e os bem-sucedidos, vítimas dessa fúria que parece endémica numa democracia como a nossa. O marido da Senhora Kung morreu vitimado pela cólera dos seus próprios camponeses revoltados; a mulher americana teve de suportar a pesada cruz da morte viva do seu querido marido. E como eu conheço bem o peso dessa cruz! Também o suportei, pessoalmente.
Além disso, esta bonita mulher americana tem ainda outra cruz: entre os seus muitos filhos -

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quatro filhos e cinco filhas -, a filha mais velha permanecerá eternamente criança. Como poderei eu falar desta cruz? Eu própria a suportei durante tantos e tão intermináveis anos! Conheço - oh, conheço tão bem! - o horror contido nesta curta frase, dita pelos médicos: "Minha senhora, a sua filha é incuravelmente atrasada." Que bem conheço a atroz experiência! Disseram-ma um dia, depois de ter dado à luz uma menina muito querida, mas tão cruelmente doente.
Ao princípio, Rose não podia acreditar. Depois de dar à luz dois rapazes escorreitos e saudáveis seria possível que tivesse gerado aquela menina diferente? Era possível. Era possível e era uma dilacerante realidade. Rose Kennedy dera ao mundo um ser humano que não se poderia realizar - um desperdício, poder-se-ia dizer. Mas na vida de Rose Kennedy não foi um desperdício. Pelo contrário, transformou-se numa bênção para milhares de outras crianças atingidas pelo mesmo mal, num conforto para milhares de pais de coração despedaçado.
- Era-me tão difícil falar de Rosemary! - confessou, uma vez, Rose. - Há anos, não era, simplesmente, capaz disso. Mas queria que as pessoas soubessem que se devia falar do assunto e não ocultá-lo, queria que soubessem que existe esperança, agora.
Há duas maneiras de carregar uma cruz, sobretudo a cruz representada por um filho atrasado

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mental. Alguns, revoltam-se contra Deus: Porque lhes havia de calhar semelhante destino? Que mal fizeram para merecer a tragédia de gerar uma criança incuravelmente atrasada? Ressentidos e coléricos, vingam-se na criança. Afastam-na da sua vista, entregam-na o mais cedo possível a uma instituição, privando assim a inocente vítima do amor familiar a que todas as crianças têm direito. Tentam, em suma, esquecer que tal filho lhes nasceu.
Mas há outros que aceitam corajosamente a cruz e vivem com o seu peso. Incluem a criança na sua vida, conseguem que a vida do atrasado se revista de importância para a família, para a comunidade e para o mundo. Rose Kennedy pertence a estas últimas pessoas.
A sua filha deficiente não foi internada nem escondida; ficou em casa e foi ternamente amada pela família. E foi a mãe que incutiu esse amor. Num lar, numa família, tudo depende da mãe, sobretudo quando a tragédia bate à porta. Se a mãe possui um espírito tacanho e rebelde, a sua influência sobre os membros da família é prejudicial. Imitam-lhe as atitudes e as birras, queixam-se como ela se queixa e revoltam-se como ela se revolta, por muito inútil que tudo isso possa ser.
Mas Rose Kennedy não era assim. A vida já a temperara, embora ainda não lhe tivesse imposto as exigências de semelhante adversidade. Possuía

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inteligência suficiente para ser sensata e encontrava arrimo na sua religião. A vontade de Deus era o seu destino. Além disso, era uma mulher forte e dotada de imperturbável calma. Claro que verteu lágrimas! Tenho a certeza disso, pois não há mãe que não chore sob tal cruz.
Uma vez, disse: "Mostrar sentimentalismo diante das pessoas é sinal de imaturidade." No entanto, estou certa de que chorou sozinha, como eu chorei, de que limpou os olhos, voltou para junto da família e, cheia de uma maravilhosa e nova ternura, mostrou aos seus, pelo exemplo, como deviam lidar com a desamparada que entre eles surgira.
Quando chegou a altura, contava Rosemary 21 anos, internaram-na num estabelecimento agradável, na St. Colette's School, destinada a crianças diferentes, perto de Jefferson, no Wisconsin. Aí tem companheiras como ela e não lhe faltam cuidados e ternura. Chega um momento em que a competição das pessoas normais, mesmo tratando-se de irmãs e irmãos afectuosos, se torna excessivamente perturbadora para aqueles que alcançaram o limite do seu desenvolvimento. Mas a influência de Rosemary não terminou aí. A sua família pôs a sua vida à disposição de outros seres humanos.
Pessoas insignificantes e temerosas, pessoas indecisas quanto ao seu próprio valor e ao seu lugar na sociedade, pessoas que receassem a opinião

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alheia, teriam fechado mais cedo as portas da instituição sobre a criança diminuída.
Mas os Kennedys são diferentes. Não receiam nada nem ninguém; não têm de se preocupar com a opinião alheia; não precisam de aprovação nem receiam a desaprovação; fazem o que querem e desejam. Anunciaram a cruz que suportavam, procuraram outros que também a tinham, e mais tarde, em 1946, depois da morte do primeio filho, criaram a Fundação Joseph P. Kennedy Júnior, destinada a beneficiar as crianças atrasadas. Conseguiram modificar os sentimentos públicos em relação aos milhões de atrasados mentais americanos.
Atrás de tudo isso encontrava-se Rose Kennedy. Ao proceder como procedeu, ao aceitar como aceitou a primeira grande tragédia, fortaleceu a sua alma e preparou-se para as outras tragédias, que viriam mais tarde.
Ao pensar nesta mulher que soube manter a sua calma resoluta perante a crueldade das circunstâncias, sou mais uma vez obrigada a recordar a Senhora Kung e o seu filho mais novo e mais ternamente amado. Recordo-me muito bem desse rapazinho rebelde, indomável e, ao que parecia, insensível ao amor, às censuras e aos castigos. Havia nele algo errado, sem dúvida. Tenho a certeza de que assim era, à luz do muito que aprendi aqui, no meu país. Ele tinha, por certo, uma personalidade psicopática, era um

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daqueles seres que, não obstante dotados de inteligência normal e, por vezes, até brilhante, parecem desprovidos de todo o sentido moral e são, portanto, impossíveis de ensinar.
Das duas mulheres, Rose Kennedy e Senhora Kung, a cruz da mãe chinesa parece-me a mais pesada. Mas uma cruz é sempre uma cruz e as duas mães aprenderam a ser fortes e a aceitar. Não emprego a palavra resignação porque implica uma certa passividade e nenhuma dessas senhoras era - ou é - passiva. Mantêm as suas posições fulcrais nas duas grandes famílias que representam, e a tragédia que sobre ambas se abateu tornou-as, e às suas famílias, ainda maiores.
Que género de mãe foi Rose Kennedy nos anos em que os seus filhos cresceram? Foi uma boa esposa e o seu marido o chefe da família. Também neste aspecto se assemelhou à Senhora Kung. Por muito que, na intimidade do casal, a mãe chinesa tenha suplicado ao marido, por muitas lágrimas que tenha vertido sozinha e, também, na presença da família e em público, o Sr. Kung fez o que decidira fazer e ela não o acusou.
Na década de vinte, Joseph P. Kennedy mudara-se com a família da sua Boston natal, em virtude da intolerável discriminação de que eram objecto os católicos e os descendentes de irlandeses.

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O pai ensinou à sua irrequieta progenitura que era um privilégio ser um Kennedy, mas que os privilégios acarretavam obrigações. Eles tinham responsabilidades uns para com os outros, para com os pais, para com a comunidade, para com o seu país e, até, para com o mundo. Enquanto o pai era o impulsionador e o chefe, Rose, a mãe, era o terno sustentáculo.
Ambos os progenitores eram exigentes, embora de modos diferentes. O pai exigia pontualidade às refeições; a mãe encarregava-se de que essa pontualidade fosse um facto. Era ela, também, quem os levava todos os domingos à missa, a St. Aidan, embora pessoalmente fosse todos os dias à igreja, em busca de amparo espiritual. Quando a família se sentava à mesa do jantar, aos domingos, interrogava os filhos acerca do sermão e do serviço religioso a que tinham assistido. Era, simultaneamente, professora e mãe, e entre as muitas lições que ensinava a mais importante talvez fosse o respeito pelo chefe da família. Em casa e em público, evidenciava com dignidade que a sua posição era secundária, a seguir à do marido, e com esse procedimento realçava a sua personalidade.
Era uma dona de casa? No sentido vulgar, não seria. Não tinha necessidade disso. O marido saíra da crise financeira de 1929 com pouco prejuízo, e na campanha presidencial de 1932 foi um dos angariadores de fundos de Franklin

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D. Roosevelt. Nomeado primeiro presidente da Securities and Exchange Commission, coube-lhe, por estranha ironia, declarar ilegais as próprias tácticas de manipulação de fundos por ele usadas para fazer fortuna. Por fim, em 1937, foi nomeado embaixador dos Estados Unidos na Corte de St. James.
Não tardaria a chegar o momento em que pôde comprar o género de casa com a qual sonhara: nada menos do que uma mansão! Encontrou uma confortável casa de tijolo vermelho, com muitas casas de banho, e contratou um decorador. Não sei o que pensava Rose Kennedy de salas mobiladas com luxuosos móveis de estilo, forrados de belas sedas, e com delicados ornamentos espalhados por toda a parte. Mas é evidente o seu desejo de que a sua casa também fosse um lar. Por isso comprou, para os filhos, cadeiras de acordo com o seu tamanho e forrou os móveis de tecidos práticos e duráveis.
Constituía uma espécie de contrapeso, de estabilizador do homem ousado e empreendedor que era o pai dos seus filhos. À sua impetuosidade e ao seu espírito de competição respondia com calma e sensatez; à exigência que ele fazia aos filhos de que um Kennedy tinha de ganhar sempre qualquer corrida em que entrasse, ela respondia apenas com o pedido de que fizessem o melhor que pudessem. Embora gostasse muito do seu lar, Rose Kennedy era muito mais do que

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uma mulher caseira. Era ela própria, uma mulher completa, quer dentro quer fora da sua casa. Em 1938 era uma mulher do mundo, a esposa de um embaixador.
Certa noite de primavera, enquanto o casal se vestia para jantar, Joseph Kennedy observou:
- Já estão muito para trás os tempos de Boston Oriental!
E Rose sorriu amorAvelmente, como se cada passo do caminho percorrido a tivesse enchido de ventura.
Nessa ocasião encontravam-se no Castelo de Windsor, em aposentos outrora ocupados pela rainha Vitória, e iam jantar com suas majestades o rei Jorge VI e a rainha Isabel. Joseph Kennedy vencera todos os recordes! Era irlandês, católico romano, imigrante de segunda geração e o primeiro da sua categoria a representar os Estados Unidos! No entanto, continuava a ser o que sempre fora: um indivíduo sem inibições, inteligente, obstinado e impetuoso. Estava acompanhado pela mulher, uma senhora bonita e bem-educada, e pelos seus numerosos e irrequietos filhos. A Inglaterra adorou-os a todos, mas poucos sabem até que ponto essa aceitação dos Ingleses se deveu a Rose.
As muitas traquinices dos jovens e alegres Kennedys não teriam sido vistas com bons olhos nem teria sido aceita a obstinação do embaixador de se apresentar na corte de fato de cerimónia,,

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em vez de com os habituais calções até aos joelhos e meias de seda preta, se não fora a mulher bonita e convencionalmente vestida que o acompanhava. No entanto, Rose não era, na verdade, convencional. Tão capaz de proceder independentemente como qualquer mulher, se lhe apetecia, sabia quando convinha ser convencional.
Por exemplo, quando falou com a rainha - e numa ocasião a sua conversa durou mais de meia hora -, o seu tacto habitual e a sua compreensão instintiva da personalidade das outras pessoas aconselharam-na a discorrer com a sua real anfitriã acerca dos deveres femininos comuns a ambas, no capítulo de lar e filhos, e em resposta a uma pergunta da soberana respondeu que, com uma família tão grande - nove filhos -, tinha de manter um mapa em que registava quem tivera determinadas doenças infantis e quem recebera esta ou aquela vacina.
Esta compreensão instintiva nunca foi tão aguda como nas relações de Rose Kennedy com o homem orgulhoso, sensível e competente com quem casara. Em público, Rose nunca ocupava o papel predominante, mas havia ocasiões em que ele precisava da sua força e compaixão e ela dava-lhas com todo o seu amante coração. O marido, tão dominador e cheio de confiança em si próprio, também era vulnerável e, às vezes, sentia-se profundamente magoado.

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Um discurso num almoço de curso, em Harvard, proferido em louvor do presidente Roosevelt, foi recebido sem entusiasmo; o seu filho Joe, durante três anos membro da equipa de râguebi de Harvard, não teve a sorte de vencer no último ano, e, mágoa maior do que todas as outras, o embaixador nunca recebeu nenhum grau honorífico de Harvard, a sua própria alma mater, embora outras universidades lhos concedessem. Estes desaires, aparentemente insignificantes em contraste com os êxitos de um homem tão bem-sucedido, feriram-no tão profundamente que ele acabou por recusar qualquer auxílio financeiro a Harvard e foi até ao extremo de negar uma contribuição à Escola Médica de Harvard, para um programa de pesquisas relacionadas com o atraso mental.
Nesses momentos, Rose mantinha-se firmemente a seu lado, sem pôr em dúvida o seu direito de decidir, e apoiava-o com a fé inquebrantável que ele lhe merecia. Deu-lhe mais do que amor: deu-lhe respeito, um respeito tão grande que o tornou livre de tomar as suas próprias decisões e não se afastar delas, fossem quais fossem os resultados.
Força e compaixão: eis os ingredientes da sua natureza, a essência da sua feminilidade.
Os anos passados em Inglaterra foram felizes, apesar das negras sombras prenunciadoras da guerra que se aproximava. Rose Kennedy, o marido

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e oito dos seus filhos foram convidados para a coroação do papa Pio XII, e Ted, o mais novo, recebeu nessa altura a sua primeira comunhão.
Depois, Hitler declarou a guerra e Rose Kennedy teve de enfrentar de novo a tragédia, como mulher e mãe. Joe, o seu filho mais velho, estava em idade de prestar serviço militar, se os Estados Unidos decidissem aliar-se às nações europeias contra a Alemanha. Todo o coração de Rose estava com o marido, quando ele iniciou a sua cruzada contra a participação americana.
Joseph Kennedy foi acerbamente censurado pelas suas opiniões pacifistas, mas, fiel à tradição dos Kennedys, ignorou os atacantes. No entanto, aos olhos do New Deal, começou a cair em desgraça.
Em 1940 foi obrigado a retirar-se da sua embaixada na corte de St. James, depois de fazer uma firme declaração de que não deveríamos apoiar a Inglaterra, pois a nossa ida para a guerra, em auxílio dos Britânicos, devastaria os recursos americanos.
A sua cruzada pela neutralidade terminou em 7 de Dezembro de 1941, quando os Japoneses bombardearam o Porto das Pérolas. Em Julho, o primogénito de Rose Kennedy alistara-se na Armada e tornara-se cadete da Aviação.

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UMA mulher nunca se sente tão só como durante a guerra. Não importa que seja uma entre milhões, o que importa é que se sente só. É o seu próprio filho que tem de abandonar à possibilidade da morte ou da mutilação, o filho que é fruto do seu corpo e que ela alimentou e cuidou durante anos, para que um dia pudesse ser um homem.
A Senhora Kung não se enganava no modo como avaliava os seus três filhos, que considerava o mais importante resultado da sua vida e do seu trabalho. Amava ternamente as filhas, mas um filho era mais valioso do que qualquer número de filhas. Não me perguntem porque sentia ela assim. É uma simples questão de natureza, e os Chineses não se envergonham da fundamental natureza humana. Criaram o seu antigo sistema de leis baseado precisamente nessa natureza humana. As nossas leis ocidentais são correctivas, para não dizer punitivas, mas as leis chinesas

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são tolerantes para com a natureza humana e tomam em consideração as emoções humanas.
A Senhora Kung costumava dizer que quando uma mulher dá à luz uma filha se limita a prolongar-se, a repetir-se, mas quando dá vida a um filho excede-se, cria um novo ser, inteiramente diferente de si própria. Através de um filho, a mulher alcança outro mundo, o mundo dos homens. Por isso, quando o perde, recolhe-se de novo ao mundo sombrio das mulheres.
Claro que Rose Kennedy pode negar que compartilha semelhante concepção. Nunca discutimos o assunto. Suponho, até, que qualquer americana forte e confiante em si mesma repudiaria tal maneira de pensar. No entanto, tenho observado que, embora o neguem, todas as mulheres ocultam em si algo deste primitivo sentimento feminino.
Fosse ou não assim, a verdade é que Rose Kennedy tinha de enfrentar a possibilidade de morte na família, a possibilidade da morte do seu filho mais velho, uma cópia vigorosa e juvenil do pai, um rapaz que sabia pensar com a sua própria cabeça e que decidira, por sua livre vontade, ir combater.
Depois foi John, o seu segundo filho, que também se alistou, voluntariamente, na Marinha. Havia dois dos seus filhos por quem tinha de rezar todos os dias. Aceitou o desafio que a filha Rosemary, atrasada mental, lhe ensinara a aceitar:

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o que não se podia evitar nem modificar tinha de se suportar, e de se suportar com serenidade e firmeza. Estava preparada para a tragédia.
E a tragédia chegou. Em 1943, o seu filho John foi dado como desaparecido em combate. Comandara um torpedeiro e o barco fora afundado, sob fogo inimigo. A história foi contada tantas vezes que não preciso de a repetir. O que considero importante é que durante um mês inteiro ela não soube se o filho vivia, se morrera. O marido, sempre optimista no que respeitava aos filhos, estava convencido de que Jack apareceria vivo, fosse como fosse, e recusou-se a dar a notícia à família. Os pais esperaram, e oraram, e passaram noites em claro, dilacerados entre a esperança e o desespero.
Sei compreendê-los, por experiência pessoal. Nessa mesma guerra, uma pessoa da minha família participou na batalha de Bulge. Na véspera do Natal, chegou um telegrama a anunciar o seu desaparecimento em acção. A minha casa estava cheia de crianças e surgiu o dilema: deveríamos ou não dizer-lhes? Não. Eram tão novinhas que não seria justo privá-las da alegria do Natal. Nós, os mais velhos, tivemos de disfarçar a nossa ansiedade, o nosso medo, a nossa revolta. Durante três semanas vivemos assim, sem saber se a próxima mensagem seria de vida ou de morte. Felizmente para nós - e o mesmo aconteceu aos

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Kennedys -, foi de vida: vida danificada, é verdade, mas vida, vida que era a resposta às nossas orações. Rezar não é apenas ajoelhar numa igreja. Rezar é o desejo intenso da alma, é o querer cristalizado numa palavra ou duas - ou apenas um querer que as palavras não podem conter.
Rose Kennedy é afortunada por ter fé numa religião. Suponho que a fé católica romana, principalmente, proporciona os instrumentos da oração: o silêncio de uma imensa catedral, o simbolismo das velas acesas, as imagens de uma mãe terna e do seu compadecido Filho Salvador, os ritos solenes desempenhados por sacerdotes com as suas vestimentas especiais... Talvez tudo isto induza a fé ou, pelo menos, indique um caminho às almas angustiadas. Tenho a certeza de que Rose Kennedy, na sabedoria da sua própria experiência, seguiu o caminho para o qual os seus passos tinham sido atraídos, desde muito pequenina. Outras mulheres, privadas de tal caminho, têm de encontrar algum a fim de enviarem as suas orações para o Céu.
A Senhora Kung tinha o seu caminho especial, muito semelhante ao de Rose Kennedy. Quando os Japoneses invadiram a China e os jovens chineses pegaram em armas para defender o seu país, os seus dois filhos mais velhos alistaram-se no Exército Nacionalista. Durante a sua ausência, a mãe ia diariamente ao templo budista da cidade e, dia e noite, ardiam duas velas, uma para

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cada filho, no altar erguido diante do enorme Buda dourado. Os sacerdotes do templo também diziam missas, que ela pagava. Um dia, porém, notou que, durante a noite, uma das velas ardera mais depressa do que a outra e o pavio de palha se afundara na cera e se apagara. Acto contínuo, apossou-se dela um cruel pressentimento. Acendeu um fósforo e chegou-o ao pavio, mas ele não se reacendeu.
- Soube que um dos meus filhos morrera - disse-me, mais tarde.
Fora, de facto, o seu segundo filho que caíra em combate, nessa noite. Rose Kennedy foi mais afortunada. O seu segundo filho voltou para casa, transformado em herói. Mas um herói condenado a viver os restantes dias da sua vida sempre atromentado por dores.
Durante algum tempo, pareceu que a tragédia fora poupada à família Kennedy. É certo que o marido e pai se sentia inquieto, pois dir-se-ia não haver lugar para ele, na cena política, enquanto a guerra prosseguia. Em 1940, haviam-no mencionado como possível candidato à presidência; agora, passados três anos, os políticos evitavam-no.
Parecia não lhe restar mais nada que fazer senão ganhar dinheiro. E ganhava-o, com o seu "faro" habitual. Terrenos, acções, filmes - fosse

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no que fosse que se metesse, ganhava dinheiro. Rose Kennedy sabia, porém, que o homem com quem casara amava um poder que ficava além do dinheiro, sabia que ele desejava o poder de governar e tê-lo-ia!
Começou a sonhar com o futuro dos filhos. Primeiro, sonhou em nome do seu primogénito e, talvez, mais querido de todos, aquele que tinha o seu nome, que o ajudava a chefiar a família, o escorreito, prometedor e inteligente Joe Júnior.
Em 1943, o jovem Joe partiu para Inglaterra, como piloto voluntário de bombardeiros. Segundo uma pessoa amiga - nunca conheci pessoalmente Joseph Júnior -, "era o mais garboso e o mais inteligente de todos eles. No entanto, tive sempre a impressão de que desejava morrer. Mas as pessoas que têm coragem e temeridade, que estão dispostas a arriscar a vida, querem sempre morrer. Estão sempre a pôr-se à prova, até ao último extremo".
O jovem Joe estava desesperadamente apaixonado por uma bonita inglesa que, por pouca sorte, já era casada. "Quando o desespero é o âmago do ser de um homem, ele desafia a morte todos os dias", disse-me a pessoa amiga de Joe.
Joe completou a sua missão em 1944 e recebeu ordem para regressar ao seu país. Mas não a aceitou. Decidiu oferecer-se como voluntário para pilotar um bombardeiro Liberator, que transportava explosivos para os locais de lançamento das

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V-2 que os Alemães tinham na Normandia. Os pilotos saltavam do bombardeiro, de pára-quedas, no canal, perto da costa francesa, enquanto o avião seguia o seu caminho, guiado por controlo à distância, até se esmagar sobre o alvo.
Seria possível que o jovem, cujo mais ardente anseio do pai era vê-lo, um dia, presidente dos Estados Unidos, possuísse, consciente ou inconscientemente, um desejo de morrer impossível de dominar?
Com Joe viajava o tenente da Marinha dos Estados Unidos Wilford J. Willy, de Fort Worth, Texas, também voluntário, mas homem casado e pai de três filhos. A tragédia vibrou novo golpe. Em 12 de Agosto de 1944, o tenente Joseph Kennedy e o tenente Wilford Willy seguiam no seu avião, acompanhados por dois Vega Venturas De súbito, o que parecera um voo de rotina descambou em catástrofe: o avião explodiu, por motivos desconhecidos, e os dois homens que o pilotavam ficaram desfeitos. Jamais se encontrou qualquer vestígio dos seus corpos.
Isto foi apenas o prelúdio de mais outra tragédia, quase insuportável. Na Primavera de 1943, Kathleen, a segunda filha mais velha, partira para a Europa, ao serviço da Cruz Vermelha. Com o internamento de Rosemary, Kathleen ocupara um lugar especial no seio da família. A filha mais velha, em casa, é sempre uma pessoa especial. A mãe procura nela compreensão e auxílio

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e ela ajuda o pai a compreender a mãe. O pai revê-se nos filhos, mas as suas filhas são para ele motivo de encantamento e revelação.
Kathleen possuía o temperamento independente e franco dos Kennedys e a coragem de fazer o que queria. Era a cabecilha entre as irmãs, assim como Joe o era entre os irmãos, e essa partilha de responsabilidade unia-os. Existia, de facto, um laço especial entre Joe e Kathleen.
Quando o pai fora embaixador na Corte de St. James, Kathleen, então com 18 anos, possuíra a compostura e a segurança necessárias para representar a mãe em cerimónias sociais e para ser apresentada à corte. No entanto os pais tratavam-na com severidade e não lhe permitiam ir a um clube nocturno, nem mesmo que o convite partisse de um Rockefeller. Os homens achavam-na atraente. Um jovem disse, a tal respeito: "Eunice é a mais inteligente e Patrícia a mais bonita, mas Kathleen é a que nunca esquecemos."
Quando estivera em Inglaterra, numa visita anterior à guerra, conhecera William John Robert Cavendish, marquês de Hartington e filho do duque do Devonshire, descendente de uma das mais antigas e mais ricas famílias inglesas. Surgira uma amizade entre os dois jovens mas eles eram tão novos que o sentimento que os

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unia não fora considerado mais do que simples paixoneta. Separaram-se quando a família Kennedy regressou aos Estados Unidos, mas em 1943, aquando do regresso de Kathleen a Inglaterra, a paixoneta transformou-se em amor.
Em 1944, Kathleen ajudou Billy Cavendish numa campanha política, que ele perdeu. Nessa altura, já sabiam que se queriam casar. O único obstáculo era a religião: ele era episcopaliano e ela católica, e nenhum estava disposto a ceder. Billy acederia a ser casado por um padre, mas não permitiria que os seus filhos fossem educados na fé católica romana. Kathleen não casaria segundo o rito episcopaliano, pois daí resultaria ser excomungada pela sua própria Igreja. Como não era possível chegar a nenhum acordo, limitaram-se a casar civilmente.
Nessa altura, Rose estava doente, no hospital. Teve conhecimento do casamento por intermédio de uma enfermeira e, graças à experiência que já possuía, preparou-se para resistir à Imprensa, que esperava à sua porta. Não falaria aos jornalistas, pois não estava disposta a julgar os seus filhos. O problema era deles, afirmava.
Sabia, evidentemente, que o casamento civil não tinha validade nenhuma, aos olhos da sua Igreja, e que a filha, proibida de tomar os sacramentos, seria excomungada, na Páscoa. Mas nem mesmo assim interferiu. A sua autodisciplina

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valia-lhe, mais uma vez. Além disso, compreendia que em Kathleen se manifestava a mesma autodisciplina. Tal mãe, tal filha?
Fosse ou não assim, quando a fatal Páscoa chegou, Kathleen, então marquesa de Hartington, já era viúva. Ao saber da morte do irmão, Joe, fora de avião aos Estados Unidos, a fim de acompanhar os pais, e durante a sua estada recebera a notícia de que o jovem Billy Cavendish, seu marido, também morrera em combate. Haviam passado juntos poucas semanas, antes de ele ser mandado para França com o seu regimento, o "Coldstream Guards". Morrera numa acção da Infantaria, na Normandia. Como filho e herdeiro do duque do Devonshire, o marquês teria herdado o título do pai e Kathleen seria a primeira dama de companhia da rainha Isabel e camareira-mor.
Ao ser conhecida a notícia da morte, o Governo inglês mandou um avião buscar Kathleen e, logo após o funeral, a jovem viúva participou num retiro espiritual e reconciliou-se com a sua Igreja. "Deus resolveu o problema à Sua maneira", escreveu a uma amiga.
A mãe de Billy, duquesa de Devonshire, disse, numa carta a Rose Kennedy: "Desejo falar-lhe da alegria que Kathleen levou à vida do meu filho." O casamento durara quatro meses.
Durante alguns anos após a morte do marido,

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Kathleen continuou a viver em Inglaterra, dedicando-se principalmente a obras de caridade. Tinha saudades da família, mas ainda não se sentia capaz de abandonar a terra do homem que tanto amara. Até que um dia, em Maio de 1948, soube que o pai estava em Paris, a caminho da Riviera, e decidiu ir de avião a França, para estar com ele. Um amigo, o conde Fitzwilliam, tencionava ir no seu próprio avião a Cannes, a fim de inspeccionar um estábulo de cavalos de corrida.
- Porque não vai comigo? - convidou, e ela aceitou o convite.
Atravessaram o canal sem novidade, mas quando chegaram a França era de noite, estava escuro e havia nevoeiro. Perto da cidadezinha de Privas a visibilidade piorou e o aparelho chocou com uma montanha.
Tanto Kathleen como Fitzwilliam morreram instantaneamente. Possuiria Kathleen, também, um desejo de morte? Chega-se a um certo ponto em que não se pensa no perigo, porque já não tem importância. Quando a vida perde o valor, a possibilidade da morte pouco medo causa.
Encontraram Kathleen estendida, como se dormisse, apenas com um pequeno golpe na cabeça e um sapato descalçado. Os aldeãos levaram o seu corpo pela montanha abaixo, até Privas, onde o desolado pai a foi buscar e transportou para Inglaterra. Sepultaram-na ao lado do marido,

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Billy Cavendish. Assim terminou, numa tragédia completa, a história da segunda filha da família Kennedy.
Não houve nenhum correlativo exacto na família Kung, do outro lado do mundo, embora essa família também tivesse uma filha que conheceu o amor e a morte. Chamava-se Mei-lan, ou Bela Orquídea. A família Kung era moderna, para a sua época, e quando Mei-lan insistiu num curso universitário autorizou-a a frequentar a Universidade de Pequim. Depois apaixonou-se por um jovem inteligente. A religião não os separou, mas separou-os a tradição familiar.
Cada um deles fora prometido, em criança, a pessoas pertencentes a grandes e antigas famílias, e estas insistiam em que o compromisso fosse respeitado. Mei-lan foi obrigada a desposar um homem que não amava e submeteu-se à cerimónia corajosamente. Assisti ao casamento, como convidada, e vi-a pálida e linda, no seu vestido de noiva de brocado acetinado cor de cravo. comportou-se com a dignidade correspondente à filha mais velha de uma grande família chinesa, mas não havia brilho nos seus olhos.
Suportou os três dias da cerimónia com uma graça inalterável. No quarto dia, acordaram-me cedo, com um recado em que me pediam que fosse sem demora a casa da família Kung.

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Quando cheguei, encontrei a família mergulhada no mais profundo desgosto: Mei-lan fora levada para casa, morta. Enforcara-se, durante a noite. Levantara-se do leito conjugal, fora para um aposento vazio, tirara a larga faixa da camisa de dormir e atara uma ponta a uma viga do tecto e a outra ao pescoço. Quando a descobriram, o seu corpo já estava frio. Na mesma noite, na mesma cidade, o seu amado matara-se com um tiro. Tratara-se, indubitavelmente, de um pacto de morte.
Joseph Patrick Kennedy regressou a casa sozinho. Regressou de barco e, durante a viagem, quase não saiu do camarote nem falou com ninguém. Aos repórteres, quando chegou, disse, a encolher os ombros:
- Já nada tem significado. Não posso dizer nada.
A filha, Patrícia, esperava-o no cais.1 Beijaram-se em silêncio e dirigiram-se silenciosos ao grande carro preto que os esperava. Rose, a mãe, esperava em casa e era a sua companhia que ele procurava.
Terei emprestado excessiva ênfase à suave bondade de Rose Kennedy? Ou tê-la-ei, acaso, confundido com capacidade de aceitação? E de onde vem essa capacidade de aceitar o inevitável? Creio que Rose Kennedy acredita na existência de Deus, de um Deus sensato, omnisciente e que tudo planeia e prevê. Depois da mais recente tragédia

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que se abateu sobre a família - a tragédia do filho mais novo, o senador Edward M. Kennedy -, Rose Kennedy, já quase octogenária, declarou: "A vida é boa. Deus não nos manda uma cruz mais pesada do que as nossas forças... O importante é saber enfrentar as circunstâncias e não as circunstâncias em si... Estou certa de que Ted saberá erguer-se acima de tudo isto."
Poucos dias depois do funeral de Kathleen, Rose reatou o seu habitual programa de vida: às sete horas da manhã, missa na Igreja de S. Francisco Xavier, em Hyannis; pequeno almoço com o marido; um mergulho, ao meio-dia, na sua piscina ou em Nantucket Sound; uma tarde de golfe; o despacho da sua muita correspondência; o seu trabalho em prol dos atrasados mentais, as suas leituras, e as suas horas na companhia do marido.
Debaixo da sua aparência de reserva e serenidade, existe algo que não tem nada de suave, algo ardorosamente obstinado, algo totalmente controlado, algo duro como o ferro. Aprendeu a enfrentar as circunstâncias.
Quando fui visitar a Senhora Kung, depois da morte de Mei-lan, não a encontrei em casa. A criada disse-me que ela estava no templo budista, a orar pela alma da filha. Fui lá e, guiada por um sacerdote vestido de cinzento, encontrei-a no nicho da deusa da misericórdia. Estava de pé

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diante da deusa, de cabeça baixa, a passar as contas pelos dedos e a murmurar a prece ritual budista:
O mi t'o fu - o mi t'o fu...
Não a perturbei, pois compreendi que ela também estava a aprender a enfrentar as circunstâncias.

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O CLÃ Kennedy uniu-se ainda mais e concentrou todos os seus anseios no segundo filho, John Fitzgerald Kennedy.
Desejaria este, depois da morte do irmão, substituí-lo na corrida para a presidência? Pessoalmente, duvido. Já era um escritor com obras editadas e começava a ser, também, um bom pensador político. Libertava-se da selva da vida que é tão inevitável a uma grande família. A "selva" Kennedy era tão cerrada, tão asfixiante - disse, uma vez, Eunice Shriver -, que parecia extraordinário que alguns deles conseguissem casar, tão absorvidos andavam sempre nas actividades uns dos outros.
O próprio Joseph Patrick disse a um entrevistador:
- Fui eu que lancei o Jack na política. Expliquei-lhe que Joe morrera e, portanto, cabia-lhe a ele a responsabilidade de tentar a política. Jack não queria, julgava e ainda julga que não possuía

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capacidade para isso. Mas eu afirmei-lhe que tinha de seguir esse caminho.
Pergunto a mim mesma se Jack Kennedy alguma vez terá sonhado com outra vida mais calma, entre os livros, os amigos e a família, se não terá desejado viver muito tempo e envelhecer. A morte só é triste quando abate os jovens. E a sua juvenil esposa, Jacqueline? Teria sido mais feliz como mulher do que é agora, casada com um dos homens mais ricos do mundo, mas muito mais velho do que ela?
A ascensão do segundo filho foi rápida. Falou-se dele para governador do Massachusetts, mas o pai achou esse caminho pouco directo. Na sua opinião, o caminho de Jack para a Casa Branca passaria pelo Senado. Jack já era congressista. Para se tornar senador teve de afastar Henry Cabot Lodge Júnior.
Começou imediatamente a tornar-se conhecido em todo o estado, a aparecer em toda a parte. Nos três anos seguintes, foi verdadeiramente indómito. Atrás dele, a apoiá-lo e a empurrá-lo, encontrava-se a sua poderosa família. Quando a tragédia dá lugar a um novo empreendimento, isso é uma prova de grandeza.
O simbolismo da fénix, que renascia das cinzas, mas era criada por um fogo inconfundível, adquire uma dimensão mais profunda, quando nele meditamos. Uma família verdadeiramente grande desafia as tragédias que sobre ela se abatem:

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o golpe é desferido, acerta no alvo, é absorvido, desafiado e transmutado em nova energia. As pessoas com menos grandeza não conseguem efectuar a transmutação, por lhes faltar a energia necessária. O desafio nasce da cólera, e só os fortes conseguem sentir cólera suficiente para desafiar até mesmo os deuses. Os Kennedys são suficientemente fortes para aceitar, suficientemente fortes para sentir cólera, suficientemente fortes para a transformar noutro passo para o seu objectivo imutável: a obtenção de poder.
Ao estudar os indivíduos desta extraordinária família, verifiquei que o poder foi sempre, indubitavelmente, a meta constante. Mas não se trata de ambicionar o poder pelo que ele é capaz de lhes proporcionar. Os Kennedys acreditaram sinceramente que não eram interesseiros, que pretendiam utilizar o seu poder apenas para o bem e, portanto, tinham a obrigação moral de conquistar esse poder e de o exercer. O chefe da família acreditava nessa filosofia e ensinou-a aos filhos. No entanto, era um homem prático e, por isso, sabia que nos Estados Unidos o dinheiro é a base do poder. Portanto, dedicou-se com toda a energia a ganhar dinheiro, ensinou aos filhos a sua utilidade e trabalhou para lho dar, como um instrumento para obter o poder. As armas servem nos países não-democráticos e é pelo uso delas que se fazem os ditadores, mas nas democracias

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o instrumento essencial para a conquista do poder é o dinheiro.
Quando John F. Kennedy se lançou na corrida, a família Kennedy tinha muito dinheiro: milhões de dólares e outros milhões em perspectiva. Joseph P. Kennedy era, talvez, dos mais ricos homens do mundo que vencera pelo seu próprio esforço.
Uma vez gizado o plano para John conquistar o poder, toda a família se uniu à sua volta. Embota no país começasse a surgir um movimento pró-Eisenhower, John Kennedy anunciou-se como candidato do Massachusetts para o Senado.
- Quando derrotares Lodge, terás o melhor
- declarou o pai. - Para quê tentares conseguir menos do que isso?
Era um eco do antigo grito de batalha: "Se jogares, joga para vencer, para seres o primeiro."
Toda a família acorreu ao toque a reunir e as mulheres, como sempre, seguiram os seus homens, sem reservas. Houve "chás Kennedy", "cafés com os Kennedys" e jovens e frescas Kennedys em constantes visitas de casa em casa, raparigas de aspecto agradável e possuidoras do confiante bom humor característico das famílias seguras da sua posição.
Até a mãe, Rose Kennedy, aderiu à campanha, e foi como mãe, assim como mulher de um embaixador e filha de um antigo político favorito de Boston, que visitou as mães e as esposas italianas

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e soube falar com elas em italiano. Em resumo, os Kennedys apareciam em toda a parte, com grande contrariedade da oposição.
- Com a breca, encontramos sempre um Kennedy em todos os lados para onde olhamos! lamentou-se um homem.
Há, no entanto, dois outros aspectos da campanha que ainda me impressionam mais do que o seu êxito.
Primeiro, a campanha demonstrou a capacidade de recuperação de uma família bem constituída. Individual e colectivamente, era impossível vencê-los. Se um membro morria, os outros cerravam fileiras, uniam-se ainda mais do que anteriormente e recomeçavam, acto contínuo, a tentar alcançar a meta estabelecida, ainda com maior afã do que antes.
Segundo, a força secreta de tais famílias é a sua capacidade para se aglutinarem numa única força impulsionadora, com o objectivo de alcançarem os seus fins. Claro que uma família tão grande tem as suas desuniões, as suas discórdias secretas, os seus preconceitos íntimos e as suas preferências individuais. Mas o mundo ignora essas coisas. Uma grande família é sempre uma entidade fechada, que se mantém e manterá unida. Embora, um dia, talvez só restem dois membros, mesmo esses manter-se-ão ao lado um do outro. Esta característica de lealdade é, também, um dos segredos do poder das grandes

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famílias, e os Kennedys conhecem esse segredo. Se conseguirem insuflá-lo na nova geração, a família Kennedy continuará, a ser uma força no nosso país, ainda durante muito tempo.
Tanto quanto é dado ao mundo ver, as mulheres desta família lutadora conservam-se, inabalavelmente, atrás dos seus homens. São unidades do todo. Individualistas, fortes e, às vezes, arbitrárias, sentem-se seguras de si próprias como mulheres e como membros da família. Cada uma delas enriquece o cenário familiar com o seu talento particular, mas mantém-se sempre em segundo plano.
A que se mostrou menos aliada foi, talvez, Jacqueline Bouvier. Não sabemos o que teria sido daquele casamento se John Kennedy não se tornasse presidente dos Estados Unidos. Claro que não devemos dar ouvidos aos boatos - nem isso interessa -, pois todas as possibilidades particulares eram postas de lado se acaso afectavam o bem da família.
Quando os filhos casavam, as suas mulheres passavam a fazer parte da família Kennedy, como outrora na velha China as noras se tornaram membros da família Kung. Ambas as famílias aceitavam os novos membros como uma coisa inevitável e natural.
Em 1950, Robert Kennedy, "Bobby", como a

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família e a maior parte do mundo o conhecia, casou com Ethel Skakel, e em 1953 Jack Kennedy, já a ocupar o lugar de primogénito e guia da geração mais jovem, desposou Jacqueline Bouvier.
Jacqueline não possuía apenas beleza. Tinha uma vontade forte e reagia aos ocasionais ataques de mau génio do sogro com a sua própria obstinação e veemência. Felizmente, a velha águia gostava de mulheres impetuosas e, passado o primeiro instante de indignação, ria-se.
A década de 1950 foi de divisão política, na China, e não de unidade. Não sei o que teria acontecido se a catástrofe da revolução não destruísse a estrutura do antigo governo e a substituísse por dois governos revolucionários, um nacionalista e outro comunista.
Um dos filhos da família Kung juntou-se aos Nacionalistas; outro, aos Comunistas. A família dividiu-se, assim, em duas facções e passou da mútua desaprovação e desagrado para um ódio aberto e veemente. Foi o princípio do fim da sua grandeza. Até o pai, o Sr. Kung, se viu impotente e desamparado nas marés revoltas dos novos tempos.
Mas na família Kennedy não houve divisão. Houve, sim, lealdade absoluta entre os seus membros. Os pais eram o núcleo irradiante da lealdade, mas os restantes membros, encorajados pela aprovação familiar, podiam actuar orientados

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pelo seu próprio pensamento e pela sua própria força. Assim, totalmente apoiado, Jack Kennedy desenvolveu a capacidade de ter os seus próprios pensamentos, de definir os seus planos e de orientar a sua sorte.
Foi a ele que coube a decisão final de se candidatar à presidência e, embora consultasse o pai, esse gesto não significou mais do que um pedido de conselho, que ele depois seguiria ou não, conforme o seu critério pessoal.
O pai teve o bom-senso de compreender a situação. O filho era um homem e, por isso, ele retirou-se da cena. Manteve-se em contacto com ele, mas de longe. Quando o filho foi eleito, o pai teve a coragem de não estar presente no primeiro momento triunfante, mas o jovem presidente eleito sentiu a sua falta, foi à casa da família e, pai e filho, regressaram juntos, para atender a Imprensa. Joseph Kennedy desejava que o mundo soubesse que o seu filho era absolutamente senhor de si próprio, que na Casa Branca não haveria ninguém a trabalhar nos bastidores.
Esta retirada corajosa e resoluta, tão benéfica para todos os interessados, foi a consequência da sincera confiança que o pai tinha nos seus filhos. Quanto à escolha de John, ao nomear Bobby procurador-geral, Joseph P. Kennedy comentou:
- Jack tem sorte em contar com Bobby nesse lugar. Será um excelente procurador-geral! No

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fim de contas, muito poucos procuradores-gerais anteriores tiveram a experiência de tribunal que Bobby tem, e muito poucos, também, possuíram a sua habilidade de organizador.
Riu-se da acusação de nepotismo de certos sectores. Porque precisaria um filho seu que lhe arranjassem emprego? Embora ele e a mulher fossem a Washington para a cerimónia inaugural, apressaram-se a esclarecer que não ficariam a viver lá nem, sequer, perto. E cumpriram a sua palavra.
A tragédia inexorável que sempre persegue a família Kennedy depois de um grande êxito voltou, porém, a vibrar os seus golpes. O pai sentia-se no apogeu do êxito e do triunfo pessoais e parecia de excelente saúde. Mas, de súbito, vitimou-o uma apoplexia.
Foi na quadra do Natal de 1961 e a família encontrava-se reunida na grande propriedade de Palm Beach. O dia estava tão bonito que Joseph Kennedy resolveu ir jogar golfe. Depois do sexto buraco, porém, sentiu-se repentinamente mal, chamou o carro e foi para casa. Ao chegar, não quis que chamassem o médico. Dirigia-se para o seu quarto, a fim de descansar, quando caiu.
No hospital, declararam que o ataque fora leve, mas mesmo assim chegou para lhe paralisar o lado direito e, mais cruel de todas as tragédias, para silenciar a voz forte e vibrante que ecoara pela casa, quando se encolerizava ou ordenava.

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A família correu toda para a sua cabeceira e orou por ele. O cardeal Cushing compareceu, também, para o abençoar.
Na véspera do Natal, fizeram-lhe uma traqueotomia, a fim de o ajudar a respirar, e uma semana depois começou a melhorar. Mas nunca mais voltou a ser o mesmo. Na realidade, John Fitzgerald Kennedy, o novo presidente dos Estados Unidos, passou a ser o chefe de facto, embora não de título, da família Kennedy.

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É ENTÃO que uma nova figura adquire precedência entre as Kennedys. Jacqueline Bouvier Kennedy ocupou o seu lugar não apenas como a mulher do presidente e a Primeira Dama, mas também como uma Kennedy e mãe de crianças Kennedys.
Quem era ela? Quem é ela, por seu direito próprio? Permitam-me que fale primeiro do seu aspecto. Conheci-a no jantar que o presidente e Mrs. Kennedy ofereceram aos galardoados americanos com o Prémio Nobel. Era a primeira vez que nos concediam tamanha honra, pois até então os nossos anteriores presidentes dir-se-iam embaraçados com a nossa companhia. Mas o presidente Kennedy e a sua mulher não se sentiam constrangidos na presença de intelectuais, e todos nós aguardámos a sua chegada na Sala Oriental.
Como já travara conhecimento com muitos funcionários importantes desse mundo fora, não me sentia excessivamente impressionada pela

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perspectiva de ir conhecer mais um presidente, desta vez no meu próprio país - embora julgue proceder sempre com o devido patriotismo. Confesso, no entanto, que o meu coração vibrou um bocadinho, que experimentei um certo orgulho, quando, ao som de música marcial, o nosso jovem presidente e a sua esposa foram anunciados. Nós, os galardoados com o Prémio Nobel - todos cientistas, menos eu -, aguardávamos, em fila.
O tom da música subiu, adejaram bandeiras coloridas transportadas por uma guarda de honra de jovens fortes e dinâmicos e, atrás deles, lado a lado, apareceram o nosso elegante presidente e a sua graciosa esposa. Sorriam ambos, eram ambos um maravilhoso espectáculo para os olhos e pareciam ambos alegres e a imagem perfeita da saúde, da juventude e da beleza. Era assim que deveriam parecer todos os dirigentes, fossem quais fossem os seus títulos: príncipe e princesa, rei e rainha, marajá e maarâni, presidente e esposa de presidente.
Momentaneamente, os convidados transformaram-se em simples espectadores e irromperam em aplausos. Sentimos emanar de nós uma onda de admiração pelo espectacular casal que, sorridente e despretensioso, vinha ao nosso encontro para nos apertar a mão e dar as boas-vindas. Não estamos habituados a semelhantes gestos de reconhecimento e apreciação e, talvez por isso,

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vi lágrimas nos olhos de alguns homens mais idosos.
Jacqueline tinha um ar simultaneamente régio e tímido, e a sua voz, que só ouvira pela televisão, era ainda mais baixa e suave do que me parecera. Todavia, o meu instinto feminino advertia-me de que sob aquela aparência frágil havia inquebrantável firmeza.
Mais tarde, tive todo o ensejo de observar Jacqueline Kennedy, pois sentei-me à sua mesa. Durante o mandato de Kennedy, era hábito sentar os convidados em mesinhas redondas, de preferência a uma grande mesa comprida. O jantar de homenagem aos vencedores do Prémio Nobel foi dedicado especialmente ao general George Marshall e a Ernest Hemingway, ambos já falecidos. As respectivas viúvas ocupavam os lugares de honra, à mesa do presidente.
Tive a sorte de ficar sentada ao lado do astronauta John Glenn, a quem desejara muito conhecer, e receio que, durante o jantar, tenha conversado mais com ele do que com a minha anfitriã. Mas nem por isso deixei de a observar como uma mulher observa outra, sobretudo quando é tão encantadora como Jacqueline Kennedy - e não me escaparam as suas muitas mudanças de disposição. Pelo seu rosto perpassaram expressões de preocupação, alegria e desgosto, à medida que os tópicos da conversa mudavam.

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Reagia de modo diferente a cada pessoa que com ela falava.
Não pretendo, ao falar assim, ser cruel ou criticar, pois nem por um instante duvido que ela não tenha sido sincera nas suas reacções. Estas é que foram muito rápidas. Jacqueline é um enigma, uma mulher absolutamente imprevisível. O ajudante do presidente, David Powers, resumiu-a numa frase feliz: "Quando tiverem a certeza de que a conhecem, acautelem-se!"
Eleanor Roosevelt, uma primeira dama que foi, incontestavelmente, uma boa avaliadora da natureza humana, disse, uma vez, a seu respeito: "Há nela muito mais do que parece à primeira vista." Na verdade, Jacqueline foi, sem dúvida, a mulher de presidente mais falada e mais admirada depois da própria Eleanor.
Como aquela, fazia o que muito bem lhe apetecia. Era, lamentavam-se os críticos, demasiado independente e superior para ser uma "boa esposa" de presidente. Não era a "americana típica" - embora, para ser franca, eu não saiba ao certo o que isso quer dizer...
Não poderia ser uma "boa esposa" de presidente por ter aprendido a andar a cavalo, gostar desse desporto e não estar disposta a abandoná-lo? Ou porque conhecia o que era bom, no capítulo de mobiliário, e detestava o mau gosto? Fez muitas modificações na Casa Branca, tentou transformá-la no género de residência que deveria

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ser, e na minha opinião foi melhor sucedida do que qualquer das suas antecessoras.
- Antes de Jackie - disse uma cronista de sociedade - a Casa Branca lembrava um Statler Hotel. Até os cinzeiros pareciam ter vindo directamente de uma cantina do Exército!
O homem comum não tardou a aceitá-la, não pelo que fazia, mas, antes, pela maneira como o fazia.
A sua atitude de "fá-lo-ei à minha maneira" era verdadeiramente americana. E se falava línguas estrangeiras, escrevia poemas, lia romances franceses e gostava de ballet, também andava pelas poeirentas arrecadações da Casa Branca a escolher móveis, a arrancar ao esquecimento tesouros americanos havia muito abandonados e descuidados, para os mandar restaurar e colocá-los onde os visitantes os pudessem ver e, vendo-os, recordar o nosso passado e orgulhar-se dele.
Por estranho que pareça, era capaz de cativar gente de todas as idades e de ambos os sexos. As raparigas novas copiavam os seus penteados, os seus vestidos simples e sem mangas, as suas curtas e imaculadas luvas brancas e, até, a sua ofegante maneira de falar, própria de uma rapariguinha.
Outras pessoas sentiam-se impressionadas pelo seu porte, pela sua feminilidade e pelo seu evidente amor por Caroline e John. O público nunca

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se cansava de ler tudo quanto se escrevia acerca dela e dos seus bonitos filhos, por muito banais que os assuntos relatados fossem. Transformou-se numa Superestrela, num ídolo, e eu compreendi porquê, ao observá-la naquela noite, ao jantar: ela parecia ser a esposa, a mãe e a namorada perfeitas - numa palavra, a mulher perfeita.
Depois do jantar, pediram-nos que voltássemos para a Sala Oriental, onde se encontravam dispostas, em filas, cadeiras douradas de espaldar direito, para o resto do serão. Há certos momentos, certos episódios, que, sem sabermos porquê, se fixam mais do que os outros na nossa memória. Lembro-me, por exemplo, de que, enquanto esperávamos que o presidente e Mrs. Kennedy voltassem para junto de nós, uma das duas convidadas de honra, uma simpática velhinha, se aproximou de mim e disse:
- Gostei muito do seu livro So Big.
Como não desejava embaraçá-la dizendo-lhe que não escrevera esse livro, limitei-me a sorrir e a agradecer-lhe. Felizmente, o presidente voltou e interrompeu a conversa, ao fazer-me uma pergunta inesperada:
- Na sua opinião, que devemos fazer acerca da Coreia?
Eu estivera havia pouco na Coreia, mas naquele momento esse perturbado país estava muito longe dos meus pensamentos.

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- Porque pergunta, Senhor Presidente?
- Porque não podemos continuar como até aqui - replicou, com a prontidão e a franqueza que lhe eram habituais. - O Japão tem de nos ajudar a reconstruir o país.
Eu conhecia muito bem os sentimentos dos Coreanos pelos Japoneses, sentimentos que eram o resultado de séculos de história, mas não havia tempo para começar a falar desse assunto, tanto mais que o querido Robert Frost, sempre cioso da atenção do presidente, se preparava para nos interromper.
- Senhor Presidente, estou a escrever um romance histórico acerca da Coreia, um romance que explica a situação presente em termos do passado. Chama-se The Living Reed. Mandar-lhe-ei o primeiro exemplar.
Quando o primeiro livro saiu da tipografia e lho enviei, ele estava no Texas e só voltou à Casa Branca já morto. A mais querida recordação que conservo dele e da sua atraente mulher é a dessa noite, em que ambos se encontravam no auge da sua juventude e vitalidade.
O resto do serão não me permitiu ter nenhuma conversa séria nem prolongada com Mrs. Kennedy. A primeira coisa que descobri a seu respeito foi a timidez. Não o notara antes, embora ela fosse, com certeza, aparente. Eu também sou tímida, às vezes, até, penosamente tímida. Ainda hoje me assusta a ideia de travar conhecimento

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com estranhos, sinto sempre uma certa apreensão e uma vontade de fugir... E foram esses sentimentos que adivinhei em Jacqueline. Nas minhas breves trocas de palavras com ela, achei-a constrangida, como se não estivesse totalmente connosco, nem quisesse estar. Era uma característica natural nela e fácil de compreender, sabendo-se a história da sua família.
Mais tarde, na Índia, numa visita que se seguiu imediatamente à dela, pareceu-me que não houve ninguém que não me interrogasse a seu respeito e não quisesse compartilhar comigo a impressão que ela deixara.
Claro que me senti desejosa de saber o que as pessoas pensavam dela. Seria natural que, dada a sua inexperiência do país, tivesse desrespeitado alguns costumes indianos, mas, por muito que perguntasse, ninguém aludia a qualquer desrespeito. A observação mais impregnada de sentido crítico, se assim se pode dizer, partiu de uma amiga íntima minha, uma indiana que desempenha importantes funções no Governo:
- Parece uma rapariguinha acabada de sair do liceu. Mas esforça-se muito por fazer tudo bem, por ser esposa do presidente.
Uma observação simples, à primeira vista, mas a que não falta verdade.
Jacqueline Onassis não é uma Kennedy, não é uma dirigente por nascimento e tradição, como os Kennedys. Na família Bouvier houve pessoas

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encantadoras, bem-educadas e simpáticas, mas não houve chefes e quase nenhuma tradição familiar. Ela não tem nada a transmitir à nova geração. Os seus filhos absorverão o seu bom-gosto, as suas tendências artísticas e o amor à beleza tão natural nela; mas duvido que se tornem chefes, no sentido em que porventura se tornarão os filhos de Ethel Kennedy.
Também não escapou ao povo indiano a sua reserva, o seu isolamento. Os Indianos são pessoas super-sensitivas, possuidoras de uma inteligência que quase toca as fronteiras da clarividência, e compreenderam perfeitamente a natureza complexa, perturbada e amante da beleza de Jacqueline Kennedy.
- Será sempre infeliz, num ponto qualquer do seu ser - disse-me um homem idoso e sábio. É feita de sol e sombra, assim como o tempo é feito de dia e noite.
Mas deixai-me prosseguir com a minha análise desta mulher inspiradora de admiração, tão bela e, à sua maneira, tão forte e solitária.
Também proveio de uma grande família, cuja história se assemelha nalguns aspectos à dos Kennedys, embora estes sejam oriundos da Irlanda e os Bouviers do Sul da França. O primeiro Bouvier a chegar aos Estados Unidos foi um jovem de 23 anos, um simples soldado da Infantaria

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do Exército do vencido Napoleão e, profissionalmente, aprendiz de marceneiro de Pont-Saint-Esprit, uma aldeiazinha do Ródano, no histórico Linguadoque, a cerca de 110 km da costa mediterrânea.
Os homens da Irlanda são tempestuosos e ardentes de coração, assim como os do Mediterrâneo. Michel Bouvier era tão impulsivo e temerário como Patrick Kennedy, ao emigrar para o Novo Mundo. Por coincidência, emigraram os dois na mesma metade do mesmo século: o irlandês em 1849 e o francês em 1815.
Se insisto no pormenor da família é porque me convenci, através da minha já longa existência, de que somos mais o resultado da ancestralidade do que do ambiente, e Jacqueline Bouvier é vincadamente o fruto da sua ancestralidade. Tem qualidades semelhantes às de e diferentes das de Jack Kennedy. Compartilhavam a tradição americana de uma família de origem humilde, que ascendera rapidamente a uma quase-aristocracia. Eram ambos intelectuais, não por herança e, sim, por gostos adquiridos. Nenhum deles possuía as raízes profundas e o instinto natural do intelectualismo, como é costume encontrar-se em famílias com gerações sucessivas de intelectuais.
Tanto os Kennedys como os Bouviers possuem a naturalidade primitiva resultante de origens humildes e, talvez, de uma ascensão demasiado rápida. Ambas as famílias assentam num único

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antepassado forte, robusto e indómito: Patrick Joseph Kennedy e Michel Bouvier. Mas existe uma diferença essencial entre elas.
Os Kennedys de hoje ainda são uma grande família; os Bouviers já o não são. Os Kennedys ainda fazem barreira como uma unidade de homens, mulheres e crianças; os Bouviers estão divididos num punhado de pessoas dissidentes, que levam vidas isoladas. A lealdade e a aprovação mútua continuam a ser o segredo da força dos Kennedys. Nem mesmo nos recentes boatos escandalosos acerca de Ted e da falecida Mary Jo Kopechne surgiu o mínimo indício de dissidência familiar ou de falta de confiança em Ted. Continuam firmemente convencidos de que podem enfrentar as circunstâncias. Mais uma vez, quanto a mim, só posso atribuir esta força unificadora ao seu objectivo comum: a conquista do poder político.
Jacqueline Kennedy teve no carpinteiro Michel Bouvier um forte primeiro antepassado americano. Michel Bouvier mudou-se para Filadélfia, onde viviam muitos franceses, e dois compatriotas ajudaram-no a estabelecer-se na sua profissão: José Bonaparte, o exilado rei de Espanha, e Stephen Girard. Eram ambos ricos e gostavam de móveis bonitos.
No Verão de 1816, Michel fez uns trabalhos para o ex-rei, na sua residência estival de Point Breeze, uma mansão que ficava perto de Bordentow,

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no lado de Jérsia do rio Delaware, instalada numa paisagem constituída por dez quintas. De carpinteiro, Michel Bouvier progrediu e passou a ser marceneiro.
Em 1818 foi trabalhar para José Bonaparte e tão bem se saiu que no ano seguinte abria a sua própria oficina. Point Breeze foi destruída por um incêndio, dois anos depois, e Bouvier encarregado de superintender na reconstrução. Durante três anos teve a seu cargo todo o projecto, sem no entanto abandonar a sua oficina de belos móveis, em Filadélfia.
Passados alguns anos de crescente prosperidade, em Julho de 1822, Michel casou com Sarah Anne Pearson. Decorridos dois anos, nasceu um filho, a quem Michel chamou Eustache. Os Bouviers estavam firmados como uma família americana. O seu êxito financeiro ainda era modesto e socialmente continuavam a ser gente de trabalho, mas Michel, além de trabalhador, também era sonhador e não se temia de olhar para muito alto, no seu novo país. Tinham decorrido dez anos desde que desembarcara naquelas praias. Que não poderia acontecer noutros dez anos?
Nasceu-lhe um segundo rebento - uma filha e todos olharam para o futuro cheios de esperança. Mas o êxito foi, mais uma vez, um arauto de tragédia. Quando a pequenita tinha apenas cinco meses, Sarah, a jovem mãe, morreu. Michel sentiu-se esmagado, desencorajado, mas era demasiado

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tarde para regressar a França. Todos os seus investimentos estavam feitos nos Estados Unidos e agora só lhe restava trabalhar ainda com mais afinco, na sua profissão.
Michel Bouvier acabou por casar de novo. A sua segunda mulher chamava-se Louise Vernou, era forte e deu-lhe dez filhos, além de muitos outros benefícios. Era empreendedora, cheia de vitalidade, ambiciosa e de sangue azul. A sua família não era rica, mas o seu pai era um nobre francês e o avô fora oficial de Washington. Além disso, era instruída. Tudo vantagens que faltavam a Michel.
O êxito parecia ter-se transformado na constante da vida de Bouvier que, aos cinquenta anos, era um próspero importador e fabricante. A mulher tinha trinta anos e tinham sete filhas e um rapaz de dezassete anos, frutos dos dois casamentos de Michel. Eustache era um rapaz bonito e encantador e, embora a madrasta e as muitas irmãs o estragassem com mimos, Bouvier depositava grandes esperanças nele. Sem o saber, o pai severo e exigente transformara-o numa eterna criança.
Nos trinta anos de vida que ainda lhe restavam, Michel Bouvier comprou mais terrenos, ganhou mais dinheiro e gerou mais quatro filhos, incluindo dois rapazes chamados John Vernou e Michel Charles. O fundador da família deu-se, enfim, por satisfeito.

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Em 1853 vendeu as suas terras de carvão e florestas na Virgínia Ocidental, com tão grande lucro que a sociedade de Filadélfia esqueceu a sua humilde origem e o acolheu de braços abertos no seu seio. Construiu uma enorme mansão, fez uma viagem pela Europa com a sua numerosa família e visitou triunfalmente a sua aldeia natal de Pont-Saint-Esprit, onde foi recebido como um monarca de regresso ao reino.
Teve uma grande alegria com o nascimento do seu primeiro neto, em 1865, filho de John Vernou e da sua mulher, Carrie. Em 1873, porém, Filadélfia - e, na realidade, todo o país - conheceu as agruras da depressão. Para Michel, então com 81 anos, foi mais do que uma depressão financeira, pois no ano anterior perdera a mulher e, sem ela, a solidão era-lhe insuportável.
Em Junho de 1874 tornou-se evidente que a sua vida activa e coroada de êxitos chegava ao fim. Fez um testamento complicado e cuidadoso, em que protegia sobretudo as suas filhas, e morreu com oitenta e dois anos.
Depois da sua morte, os seus dois filhos mais novos, John Vernou e Michel Charles, concentraram os seus interesses na Wall Street. A família Bouvier ainda parecia manter-se unida, embora estivesse geograficamente dividida entre Nova Iorque e Filadélfia. A segunda geração de Bouviers exibiu tal luxo que pareceu impossível que

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em tão curto espaço de tempo se pudesse ganhar e gastar dinheiro suficiente para o pagar.
Michel Charles morava numa casa apalaçada de Nova Iorque, com três das suas irmãs: Zénaide, Alexine e Mary, todas elas solteiras. Na segunda geração, os Bouviers já tinham ganho dinheiro suficiente para poderem exercer influência no país, mas preferiram servir-se da sua fortuna para firmar uma imagem aristocrática de si próprios.
Conseguiram-no na década de 1890, quando John Vernou Bouvier Júnior encontrou, em França, uma família nobre chamada Bouvier de la Fontaine e a adoptou, declarando-se seu descendente. Passou a usar o seu brasão e a sua divisa e conseguiu, ainda, estabelecer o seu parentesco com a família de Vernou de Bonneuil. Se estes antepassados eram, ou não, genuínos, pouco importa. Interessa, sobretudo, que pareceram constituir um conforto para a família Bouvier dos Estados Unidos e dar-lhe a segurança que até então lhe faltara.
Depois disso, Michel Charles Bouvier passou a utilizar o seu dinheiro do modo que lhe parecia adequado a um homem de alta linhagem. Gostava de viver com elegância e era muito dedicado ao sobrinho, John Vernou Bouvier Júnior. O pai do rapaz, John Vernou, permanecera corretor e não conseguira reunir uma fortuna tão grande como a do irmão, Michel. Da pacata casa de seu

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pai, John Vernou Bouvier Júnior ia para a opulenta e cerimoniosa mansão do seu tio, onde as tias solteironas o adoravam e estragavam de mimos e onde aprendeu a viver à grande e com estilo.
Tornou-se um homem alto e elegante e foi major auditor de guerra na Primeira Guerra Mundial. Era um indivíduo cheio de confiança em si próprio, pois passara a vida a ouvir um refrão constante: a família dependia exclusivamente dele; era a sua única esperança; sem ele a família extinguir-se-ia.
Compreendia as suas responsabilidades, pois o muito amor de que fora cumulado não o estragara por completo. Foi o primeiro Bouvier a receber educação universitária e formou-se em 1882 pela Universidade de Colúmbia (Phi Beta Kappa e orador oficial da turma). Escolheu o Direito, como carreira.
Aos vinte e quatro anos casou com Maude Sergeants, uma bonita inglesa filha de um industrial próspero. Seria dela, sobretudo, que os últimos Bouviers herdariam a beleza.
John e Maude começaram por ter um filho, depois outro e a seguir uma filha. Durante dez anos não houve mais descendência e depois, inesperadamente, nasceram duas gémeas, muito brancas e ruivas, inteiramente diferentes dos irmãos. Maude e Michelle tornaram-se duas raparigas

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trabalhadoras e aplicadas, que muito ajudaram os pais, já a envelhecer, e foram um arrimo para a família.
John Bouvier III, o primeiro filho de John e Maude, transformou-se num jovem simpático, encantador e irrequieto, que viria a ser o pai de Jacqueline Bouvier Kennedy.
Não me é difícil imaginar a influência que um pai como Jack Bouvier exerceu numa rapariguinha sensitiva e encantadora como Jacqueline. Eram duas irmãs, Jacqueline e Lee, mas esta dependeu sempre muito da irmã mais velha. Jacqueline era a chefe, embora eu duvide que essa situação lhe agradasse. Naturalmente tímida, naturalmente reservada, naturalmente orgulhosa, naturalmente - e talvez anormalmente, também - receptiva das opiniões alheias, teve por força de aprender a ser auto-suficiente e a encontrar na auto-suficiência a base da segurança que a vida lhe podia oferecer.
Não era uma segurança muito grande, de resto. O pai era um Bouvier genuíno, em muitos aspectos. Frequentara a Yale, formara-se em 1914 sem grande brilho, arranjara emprego numa firma de corretores da Wall Street, por intermédio de um cunhado, e, graças ao seu espírito vivo e ao encanto das suas maneiras, prosperara. Depois deflagrara a Primeira Guerra Mundial.

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Devido ao modo como fora educado, não lhe agradava por aí além a ideia de prestar serviço militar, mas alistou-se na Marinha e, mercê de algumas ajudas, conseguiu transferir-se para o Exército, onde a vida lhe pareceu mais tolerável. Ficou noivo e quebrou o noivado, padrão de procedimento que adoptaria durante anos. Participou na guerra, foi desmobilizado com louvores na Primavera de 1919 e regressou ao seu emprego na Wall Street, onde lhe arranjaram lugar na Bolsa. Com a ajuda financeira de uma tia que não via outra coisa, planeava enriquecer depressa.
Entretanto, alugou um belo apartamento na Park Avenue, onde dava estupendas festas, e apreciou a companhia de mulheres atraentes e bonitas raparigas. O seu excelente aspecto, o seu não menos excelente vestuário feito por medida e o seu ousado sentido da elegância, transformaram-no numa personagem fascinante. A sua ancestralidade francesa, mais do que a britânica, explicava a sua pele escura, que ele acentuava ainda mais com banhos de sol. Na realidade, era tão negro que lhe chamavam "Black Jack" ou "Black Prince". Era teatral e absorvido em si próprio, e quando estava acompanhado preferia improvisar e manter-se na ribalta a dar-se ao trabalho de aprender a conhecer os outros. Claro que, por isso, era socialmente solitário, apesar de ser procurado pela sociedade de Nova Iorque, que o considerava espectacular. Evidentemente

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que precisava de dinheiro, de muito dinheiro, para viver no estilo em que estava decidido a viver.
Os Estados Unidos atravessavam, então, o período das liberdades ousadas e dos experimentalismos da década de 1920, cujos efeitos foram graves em vários membros da família Bouvier. Mas Jack não apresentou quaisquer indícios de insucesso. Continuava a ser um êxito notável na Wall Street e, com grande alegria da família, mostrava desejos de assentar e casar. No entanto, com enorme surpresa da sociedade nova-iorquina, não casou com uma das "possibilidades" evidentes. Preferiu Janet Lee, uma jovem muito mais nova do que ele e amiga das suas irmãs gémeas.
Toda a gente calculou que o noivado se desfaria como os anteriores, mas quem pensava assim não conhecia Janet Lee. Ela possuía um carácter forte - mais forte do que as anteriores noivas efémeras - e estava absolutamente decidida a casar com Jack Bouvier.
Pertencia à segunda geração de uma família irlandesa, de fortuna recente: numa geração, o pai levara a família à riqueza e ao êxito social e tinham-lhe nascido três bonitas filhas. Mas os Bouviers, embora com antecedentes muito semelhantes, iam duas gerações adiantados em riqueza e aristocracia e Janet agarrava-se ao seu Jack com todas as forças, apesar de algumas dúvidas

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que não conseguia dissipar. Formavam um belíssimo par, ele muito moreno e ela muito loura.
A vida parecia sorrir, cheia de promessas, ao jovem casal, o dinheiro multiplicava-se e em 28 de Julho de 1929 Jack e Janet tiveram uma filha com 3,600 kg, a que chamaram Jacqueline, em homenagem ao pai.
Ao nascimento de Jacqueline seguiu-se a tragédia. Bud, irmão de Jack, morreu, vitimado pelo alcoolismo. Seis dias depois do funeral, o pânico apoderou-se da Wall Street e passados oito dias uma baixa colossal deu origem à maior depressão jamais conhecida pelos Estados Unidos e que afectou o mundo inteiro.
Os Bouviers estavam no apogeu do seu êxito financeiro, pois haviam acumulado enormes lucros, e poucas foram as pessoas - nenhuma delas Bouvier - que tiveram o bom-senso de se alarmar seriamente. O velho Michel Charles fora, sem dúvida, o mais prudente, e quando o pânico terminou ainda tinha o bastante para viver com razoável conforto, apesar de ter perdido mais de metade da fortuna.
O futuro de Jack Bouvier, porém, apresentava-se carregado. Os seus prejuízos foram tão grandes que nunca se refez. Viu-se obrigado a pedir auxílio à família, decisão deveras humilhante para um homem orgulhoso e amante do luxo, mas a família não o pôde ajudar tanto quanto precisava e ele teve de se humilhar ainda

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mais e recorrer ao sogro, James Lee, com o qual as suas relações nunca tinham sido muito cordiais.
Lee era um indivíduo de carácter firme, que chegara a milionário aos trinta anos, graças ao seu esforço e à sua inteligência. Acedeu a ajudar o pai de Jacqueline, mas só com a condição de Jack abandonar os seus hábitos dispendiosos e o seu luxuoso modo de vida. No fim, Jack e a família mudaram-se para um apartamento isento de renda, pertencente a Lee, e este passou a controlar as despesas. Foi uma queda a pique, no curto espaço de um ano.
No Verão de 1931, Jack e a família alugaram um chalé em East Hampton, perto dos restantes Bouviers. Nesse mesmo Verão, Jacqueline estreou-se nas colunas da vida social, em virtude de ter aparecido com os pais numa exposição canina e de ter celebrado o seu segundo aniversário. O pai ainda sofria os efeitos da depressão, assim como todos os Bouviers, os quais, na sua maioria, eram incapazes de modificar o seu modo de vida e iam gastando o capital. O próprio Jack ainda mantinha uma coudelaria.
Estavam convencidos, todos eles, de que a depressão não duraria. Mas durou e, à medida que os anos se arrastavam, eles iam recuando para a sombria burguesia de onde haviam escapado uma geração atrás.
Michel Charles morreu em 1935 e deixou a sua

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fortuna equitativamente distribuída pela família. O capital de Jack era pequeno, mas como herdara o negócio do avô conseguiu formar uma nova firma de corretores, que obteve bons resultados, nos primeiros anos.
Mas a tragédia continuava à espreita. À medida que a sua vida comercial prosperava, o seu casamento começava a falhar. Aparentemente, os anos de ansiedade tinham sido superiores às forças de Jack Bouvier e Janet Lee Bouvier. Em vez de se unirem na adversidade, primeiro, e depois na nova prosperidade, foram-se afastando gradualmente. A mulher e as filhas ficaram no apartamento e Jack mudou-se para um hotel. Nem sequer as garotas os conseguiam manter unidos.
A perda das filhas era um tormento para Jack Bouvier. Amava-as loucamente e demonstrava-o. Gostava de as ter consigo, de as exibir, de as ensinar a andar a cavalo, de rir e brincar com elas. Ciumento da família Lee, cumulava as pequenitas de mimos, na esperança de que gostassem mais dele do que todos os outros. Mantinha três cavalos para elas, abrira-lhes uma conta, em seu nome, num armazém, e dava-lhes mesadas - pequenas, sem dúvida, mas mesmo assim superiores às suas posses. Além disso, levava-as muitas vezes a visitar os Bouviers, para não ficar atrás dos Lees.
As duas garotas cresceram, assim, com o coração

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dividido, mas naqueles anos o maior quinhão do seu amor foi, de facto, para o pai. Ele era alegre e generoso e sabia bem estar na sua companhia, ao contrário do que sucedia com a mãe, um pouco apagada e convencional. A influência do pai prevaleceu, pois, naqueles importantes anos do crescimento.
Não duvido, por exemplo, que Jacqueline herdasse do pai o seu amor pela beleza e a sua noção do dramático e do requintado. Ele era cuidadoso com a sua aparência e chamava-lhe a atenção para o que lhe agradava ou desagradava no aspecto das mulheres que viam. Ensinou-a a vestir com distinção, como ele próprio. Graças ao pai, as duas irmãs aprenderam que, embora a roupa que usassem não fosse diferente da usada pelas outras raparigas, devia haver sempre a ilusão de uma certa diferença.
Ensinou-lhes, ainda, que essa diferença não se deveria exprimir apenas no vestuário, mas também, e mais nitidamente, no seu comportamento. Uma mulher devia ser um mistério, devia ser reservada e não ter pressa em ceder às tentativas de conquista do homem. Enquanto este persistisse, ela deveria recuar, fechar-se, encantá-lo mais pelo seu silêncio e pela sua discrição do que pelas suas revelações. Devia, em suma, ser a antítese da agressividade, da masculinidade.

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Jack Bouvier tinha as filhas consigo no Verão e, por isso, não lhe faltava tempo para as ensinar. As raparigas dedicavam-se às suas actividades e não pareciam precisar de nenhuma companhia além da sua própria. Quando apareciam em qualquer reunião familiar, era um acontecimento. Tinham, então, ensejo de confirmar a validade dos ensinamentos do pai. E Jacqueline, que o admirava e amava mais do que a ninguém, aprendia bem as lições.
À medida que a filha desabrochava, na adolescência, o pai elogiava-a cara a cara e na presença de outras pessoas, franca e frequentemente. Era a mais bonita rapariga do mundo! Se já era assim com aquela idade, como não seria aos vinte anos? Além disso, não havia melhor cavaleira do que ela no mundo inteiro! Se algum primo a arreliava ou aborrecia, Jack ameaçava-o com os maiores castigos. Claro que Jacqueline se sentia encantada com os louvores e a protecção do pai e aprendeu a admirar-se a si própria, à sombra da adulação paterna.
E assim teria continuado sempre se a mãe não voltasse a casar, ou se tivesse casado com um homem de personalidade mais fraca do que Hugh Auchincloss, um homem muito rico e de grande respeitabilidade.
A família Auchincloss era notável. Casamentos brilhantes, grande intuição para os negócios e sólidas virtudes presbiterianas, tinham culminado,

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após gerações, na pessoa de Hugh Auchincloss, que não se parecia nada com Jack Bouvier. Alto, de ossatura forte e aspecto sadio, dava uma impressão de absoluta honestidade e estabilidade, inspirava e merecia confiança e acolheu de bom grado as bonitas filhas de Janet Bouvier, tanto na sua família como nas suas belas casas: Merrywood, no Inverno, e Hammersmith Farm, no Verão.
Jacqueline tinha, agora, três famílias e tornava-se cada vez mais difícil a Jack Bouvier conservar o seu domínio sobre as filhas. Era um homem muito diferente quando assistia sem elas às festas de aniversários e de Natal dos Bouviers. Não tinha nada acerca de que falar, ninguém que exibir. Sentia-se cada vez mais indignado, pois embora continuasse a manter as filhas, a pagar-lhes a educação e as contas de crédito que lhes abrira em vários armazéns, via-as cada vez menos. No entanto, nunca perdeu a esperança de as reconquistar, pois não podia acreditar que elas gostassem do ambiente do pacato Auchincloss. As suas filhas? Não! Elas voltariam. Oh, sim, elas voltariam para ele assim que se fartassem do novo cenário!
Jack Bouvier talvez não compreendesse que ao exigir a preferência e o amor das suas filhas lhes estava a dividir o coração e a criar nas suas vidas um profundo e incurável sentimento de insegurança. A quem pertenciam realmente? E quem

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eram as pessoas de que mais gostavam? As perguntas eram estas, mas não havia resposta. Nunca haveria respostas.
A crescente animosidade do pai, John Vernou Júnior, apressou a degeneração de Jack Bouvier. Este tinha cinquenta anos e não demonstrava maiores aptidões de chefia do que demonstrara aos vinte anos. Seria um estróina perpétuo?
A família ficaria sem chefe quando John Vernou Bouvier Júnior morresse. Aquela geração Bouvier, no que respeitava aos seus filhos, fora um malogro completo. O velho só podia contar com os netos. O seu pessimismo agravou-se com o crescente declínio da sua saúde, até à sua morte, em 1948. Jack presidiu ao cortejo fúnebre. Tornara-se o chefe da família Bouvier.
Era o chefe da família, mas não a conseguia manter unida. Não o respeitavam, pois na opinião dos seus familiares nada fizera que merecesse respeito. Não faziam caso dos seus conselhos, tanto mais que ele era inconstante e egoísta e, apesar da sua idade, continuava a levar vida de solteiro, com raparigas, e não tinha residência fixa nem mulher.
Os Bouviers não tardaram a ir cada um para seu lado, a afastarem-se cada vez mais uns dos outros. A enorme mansão de Michel Charles estava deserta e as despesas de manutenção eram absurdas. Ninguém se podia dar ao luxo de lá

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viver. Acabaram por a vender e os Bouviers dispersaram-se, assim como a fortuna da família.
Jacqueline cresceu com o coração dividido em três partes: o pai e os Bouviers, a mãe e o padrasto, bondoso e estável. Não era rebelde e aceitava a vida como ela se lhe apresentava: frequentava escolas particulares, tinha boas notas e comportava-se sempre como competia a uma menina de boa sociedade. Vassar foi o seu colégio, onde continuou a ser boa estudante e a fazer tudo quanto esperavam dela.
Exteriormente conservadora, quase convencional, possuía, no entanto, uma personalidade que se tornava notada. Era filha de Jack Bouvier, um amante da beleza e do requinte, um homem que sabia dominar, embora serenamente, e cuja personalidade encantava as pessoas e lhes conquistava a admiração.
Mas a sua vida autêntica vivia-a Jacqueline dentro de si mesma. A confusão das suas circunstâncias exteriores e o emaranhado dos interesses de três famílias talvez constituíssem um ambiente que só conseguia suportar refugiando-se no mundo interior da sua personalidade.
Quando dele emerge, porém, é com uma perícia quase histriónica. Parece não gostar de conversar só com uma pessoa, mas se tem de se encontrar com muitas ao mesmo tempo surge

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como uma actriz - uma actriz de bom-gosto e talento, que eclipsa todos os presentes e é alvo de uma atenção que tudo indica agradar-lhe.
A timidez e a sensibilidade combinam-se com o à-vontade e a confiança em si própria, numa contradição fascinante, mas todas essas coisas são as consequências inevitáveis da confusão da sua vida. Talvez seja a única maneira de enfrentar as circunstâncias, como Rose Kennedy diria. Provavelmente, a verdade encontra-se na sua natureza instintiva e inviolada, que ela se sente obrigada a conservar assim. com uma pessoa, é difícil esconder a personalidade; numa multidão, pode-se desempenhar um papel.
Na sua mocidade viveu constantemente repartida entre o pai e a mãe, com cada um deles a puxar para seu lado. Jack Bouvier continuou a pagar-lhe as despesas e sentiu-se feliz quando ela frequentou a universidade, pois estava mais perto de Nova Iorque do que de Washington. Mas Jacqueline era uma bonita rapariga e a verdade é que tinha muito pouco tempo para qualquer dos progenitores. Quando desejava receber amigos, era fácil e delicioso servir-se de uma das sumptuosas casas do padrasto.
Além disso, ele também tinha filhos da idade dela. Com o passar dos anos, a mãe teve mais dois filhos, o que constituiu nova razão para a atrair mais para a família Auchincloss do que

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para o pequeno apartamento do pai, em Nova Iorque.
O íntimo e inconfessado sentimento de derrota de Jack Bouvier agravou-se quando ele compreendeu que a sua filha estava a ser cada vez mais absorvida pela vida nova da mãe. Isso amargurou-o até ao fim dos seus dias.
Houve, no entanto, períodos de afectuosa intimidade, principalmente no ano que ela passou a estudar em França, primeiro na Universidade de Grenoble e depois na Sorbona, em Paris. Pelo menos estava em segurança, longe da mãe. Jacqueline pareceu apreciar a animação da vida francesa e aperfeiçoou-se no idioma, que se coadunava bem com a sua personalidade.
Regressou ao país com maior graça e encanto do que quando partira e, com grande alegria do pai, ficou noiva do elegante filho de um banqueiro nova-iorquino. Agora viveria em Nova Iorque, ver-se-iam com mais frequência e ele voltaria a ser, de novo, uma parte da sua vida! Mas, pobres esperanças!, o noivado não durou e os sonhos do pai desfizeram-se novamente.
Quase sem que ele se apercebesse, Jacqueline começou a falar em voltar a Paris. Conquistara o Prix de Paris, da Vogue, ao apresentar o plano para um número da revista e ao escrever quatro artigos acerca da grande moda e um ensaio a respeito das pessoas que desejaria ter conhecido.

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Ofereceram-lhe seis meses no escritório da Vogue de Paris e outros seis no de Nova Iorque!
Mas esperava-o nova decepção - e a ela também -, pois a mãe e o padrasto persuadiram-na a não aceitar o prémio, em virtude de já ter passado tanto tempo fora de casa. Ela própria se sentia inclinada a desistir do prémio, mas apenas por uma razão: se voltasse a Paris, receava nunca mais querer abandonar a maravilhosa cidade. Jacqueline completou a sua educação na Universidade George Washington.
O pai renovou, então, uma oferta que já lhe fizera antes: que fosse trabalhar para o seu escritório, mediante um ordenado. Mas o padrasto apresentou uma contraproposta: havia muito tempo que ela se mostrava interessada no jornalismo e ele ajudou-a a empregar-se no Washington Times-Herald. Tornou-se, então, fotógrafa-jornalista, ao princípio sem que os seus trabalhos merecessem honras de assinatura. Mas ao fim de um ano vencera e já merecia tal distinção.
Em 1952, quando desempenhava essa profissão, conheceu John F. Kennedy num jantar e, poucos meses depois, começaram a ver-se com frequência. Não tardaram a correr boatos de noivado, mas ela desmentiu-os porque, segundo consta ter dito a alguém que a interrogou a tal respeito, ele era "suficientemente maluco para querer tornar-se presidente".
Mas em 25 de Junho de 1953 ficaram noivos.

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No entanto, como jornalista conscienciosa que era, não anunciou publicamente o facto durante alguns dias, até o Saturday Evening Post publicar um artigo intitulado: "Jack Kennedy: o Alegre e Jovem Solteiro do Senado."
O casamento efectuou-se em Setembro. Jack Bouvier decidiu que a sua comparência daria brado, que faria o maior figurão da sua vida. Excelentemente vestido, encantador como sempre e ainda elegante, partiu para Newport na véspera do casamento e instalou-se no melhor hotel, onde o trataram com todas as honras. Na manhã seguinte, porém, ao arranjar-se para o casamento, não foi capaz de ir mais longe.
- Mandou informar que não podia comparecer e foi Hugh Auchincloss quem entregou Jacqueline ao noivo. Por muito profundamente que ela tenha sentido a ausência do pai, teve a coragem e a firmeza necessárias para não o deixar transparecer. Estava radiante e bela e o casamento foi um triunfo.
No hotel, Jack Bouvier fez as malas e regressou a Nova Iorque. A sua deserção, ao princípio atribuída a doença, tornou-se assunto falado entre a mexeriquice da alta sociedade e ele nunca mais voltou a ser o que fora. Não voltou a dar motivos para ser falado e isolou-se cada vez mais, até viver sozinho, apenas com as duas pessoas que o serviam.

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A VIDA de Jacqueline Bouvier, depois de se tornar Jacqueline Kennedy, é tão conhecida que não preciso de a repetir aqui. A família Kennedy deu-lhe segurança, financeira e psicologicamente, e esperou que, em troca, ela se tornasse um verdadeiro membro da família. É natural que as exigências feitas pelos Kennedys à talentosa e bonita esposa do seu filho John lhe tenham parecido, por vezes, difíceis de suportar, habituada como estava à sua vida interior. No entanto, passara a ter a segurança de pertencer definitivamente a um grupo familiar.
Talvez tenha sido ainda mais difícil o seu ajustamento ao marido, que era um Kennedy e, portanto, estava habituado à enérgica actividade da vida política. Toda a família Kennedy vivia absorvida pelos assuntos políticos, tanto nacionais como internacionais, mas a política aborrecia Jacqueline Bouvier Kennedy - a política e, admitia-o francamente, os políticos. A arte e os artistas

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eram os seus interesses e, naturalmente, sentiu-se só nos anos em que o marido concentrou todos os seus esforços na sua carreira de senador e na sua determinação de chegar à presidência.
Uma amiga de Jacqueline confidenciou-me que, "antes de casar, Jack disse a Jackie que desejava ter, pelo menos, cinco filhos. Todos os Kennedys querem filhos. Jacqueline teve quatro em sete anos. Ele sentia-se sempre mais feliz quando a mulher esperava um filho". Jacqueline abortou duas vezes, antes de Carolina nascer.
Pergunto a mim própria, agora, se ele pressentiria que morreria novo. A natureza tem os seus próprios meios de comunicação. Lembro-me de ler um estudo de um notável cientista brasileiro em que se afirmava que, quando existia um presságio de morte prematura entre um povo, a taxa de nascimentos era anormalmente elevada. Citava a Índia como exemplo, entre outros países: devido à subnutrição, a morte chegava cedo e o instinto de autopreservação impelia os homens e as mulheres a terem muitos filhos. Será possível que os homens da família Kennedy, doutrinados durante toda a vida na ambição e consequente temeridade, saibam, embora talvez instintivamente, apenas, que se arriscam a morrer cedo?
Outro choque doloroso esperava Jacqueline no Verão de 1957. Vira poucas vezes o pai, desde que casara, embora soubesse quanto ele amava

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as filhas e desejava ter notícias delas ou, melhor ainda, vê-las. Sem que ela tivesse conhecimento - ou ele, tão-pouco -, Jack Bouvier tinha um cancro e num escaldante dia de Verão morreu no hospital, após semanas de cruel sofrimento. Jacqueline correu para seu lado, assim como a irmã, Lee, e John Kennedy. Mas foi Jacqueline quem se encarregou do funeral e insistiu em que as flores fossem alegres flores da época, pois sabia que o pai fora um homem alegre e despreocupado. Quando o sepultaram em East Hampton, cobriu-lhe a sepultura de boninas. Foram poucas as pessoas da família que assistiram ao funeral e, tarde de mais, recordaram as boas qualidades de Jack Bouvier, a sua alegria, a sua elegância e a sua cortesia. Morreu sem ter visto a sua neta, Caroline, sem ter a ventura de ver a sua querida Jacqueline primeira dama dos Estados Unidos.
Jacqueline levou consigo, para a Casa Branca, o que herdara do pai: o seu sentido do requinte, o seu amor à beleza, a sua reserva e a sua faculdade dramática de se apresentar sempre o melhor possível em todas as ocasiões públicas. O tédio acabara. Agora tinha, realmente, um papel muito maior do que o de simples mulher de um senador.
John Fitzgerald Kennedy adoptara a palavra

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excelência, e Jacqueline, à sua maneira, aplicava-a a tudo quanto fazia. Os problemas nacionais e internacionais não lhe diziam respeito, não a conseguiam, sequer, interessar. No entanto, estivesse onde estivesse, comportava-se com dignidade e requinte, embora fosse a antítese de Eleanor Roosevelt, que mergulhava profundamente nos interesses do mundo. Quando ia ao estrangeiro, sozinha ou com o marido, Jacqueline Kennedy era sempre ela própria: bem-vestida, correcta, distinta, mas a esposa do presidente.
Tem sido criticada pelo custo do seu guarda-roupa, crítica que considero injusta e até mesmo absurda. Se considerarmos as exigências a que estava sujeita e as suas obrigações, torna-se evidente que não foi de modo nenhum extravagante. Era natural que, sendo uma mulher jovem e bonita, representasse o nosso país de tal modo que os Americanos se sentissem orgulhosos do seu aspecto e do seu comportamento.
Para mim foi, sem dúvida, motivo de grande orgulho quando apareceu em França vestida com simplicidade, mas com elegância, e falou aos Franceses na sua própria língua. Vi-a pela televisão, quando acompanhou o presidente à América do Sul, e compartilhei o orgulho do marido quando, a seu pedido, Jacqueline subiu ao pódio, com um fato de corte clássico e um chapelinho airoso, e falou em espanhol aos Sul-Americanos.

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Além disso, considero que contribuiu de modo incomensurável para a dignidade do nosso povo e da nossa capital ao redecorar a Casa Branca e ao devolver-lhe grande parte da sua primitiva beleza por um preço extraordinariamente baixo. Graças a ela, a Casa Branca é agora uma obra de arte, digna de uma grande e poderosa nação. Quanto a mim, Jacqueline Kennedy fez mais pela beleza e pela dignidade do nosso país do que a mulher de qualquer outro presidente. À sua maneira, ergueu mais alto os nossos ideais, recordou-nos que a arte é uma fonte de força espiritual para qualquer povo. Não tolerava o grosseiro, o vulgar e, até, o popular.
Há quem lhe chame fria, assim como há quem lhe chame pretensiosa. Enganam-se, tanto uns como outros. É profundamente terna para com as pessoas que conhece e em que confia; não gosta de multidões nem do comportamento das multidões; mantém uma distância adequada entre si própria e os criados e empregados, no que só dá provas de bom-senso. Não presta a mínima atenção nem liga importância nenhuma às suas críticas malcriadas nem às suas mexeriquices.
Agrada-me sobremaneira o modo como Robert Kennedy descreveu a cunhada, a quem muito admirava: "É poética, caprichosa, excitante, independente e, todavia, muito feminina. Jackie conservou sempre a sua própria identidade, foi

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sempre diferente, e isso é importante numa mulher. Que marido gostaria de regressar a casa, à noite, e falar com outra versão de si próprio? Jack sabe que ela nunca o receberá com a pergunta: "Que há de novo no Laus?""
Ethel declarou, francamente: "Será muito difícil chegar ao fundo daquele barril. Até Jack, que era tão curioso, o achou demasiado grande! A engrenagem nunca pára de trabalhar, na cabeça de Jackie, é impossível classificá-la e metê-la num compartimento. A sua casa em Georgetown era um autêntico paraíso e estava maravilhosamente organizada. Sentia-me sempre deprimida, quando regressava à minha casa de loucos!"
E outra pessoa, não sei quem, disse: "Nasceu na primeira classe e nunca se virou, para ver quem viajava atrás dela." Jacqueline também é assim.
Teve, sobretudo, o condão de elevar os padrões da vida americana. Deixou de ser uma calamidade não ser "amigalhaço" nem tratar toda a gente pelo nome próprio. A cultura também deixou de ser uma palavra feia ou, até, perigosa. Jacqueline Kennedy soube ser uma anfitriã perfeita e encantadora, quer para reis de países estrangeiros, quer para os milhares de crianças que visitaram os parques da Casa Branca.
Visitou diversos países e foi recebida com curiosidade, admiração e afecto. Mas foi sempre ela própria, nunca pretendeu ser mais nem

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menos, apresentou-se sempre com a aura de uma pessoa de personalidade encantadora, mas inexplicável.
Nehru, o primeiro-ministro da Índia, recebeu-a calorosamente, e eu creio que, na sua opinião, ela simbolizou a personificação da Deusa Branca de Robert Graves: "O verdadeiro poeta, eternamente obcecado pelas Musas, distingue entre a Deusa revelada no supremo poder, na glória, na sabedoria e no amor da mulher, e a mulher-indivíduo, na qual a Deusa se pode instalar durante um mês, um ano, sete anos ou até mais. A Deusa permanece."

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TODA a gente sabe com que dignidade e graça Jacqueline se portou nos dias que se seguiram ao assassínio do marido, com que força ignorou o seu desgosto e pensou apenas em ser digna da trágica ocasião, com que sensatez maternal se fez acompanhar pelos filhos, embora sem nunca esquecer os cuidados que a sua tenra idade exigia. Quem poderá recordar, sem um aperto no coração, a jovem viúva ladeada pelos filhos, quando a urna passou, e o rapazinho de três anos a fazer a continência ao corpo do pai? Quem, a não ser a mãe, lhe poderia ter ensinado esse derradeiro gesto de amor e homenagem?
Não me deterei nestes pormenores, pois outros já disso se encarregaram. Deixai-me escrever, antes, acerca do que depois se passou, do ajustamento que ninguém a pôde ajudar a fazer. Nos trágicos dias da morte e do funeral, Jacqueline nunca pensou em si própria; pensou apenas nele, no companheiro assassinado. Em oposição aos

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amigos e colaboradores do marido, em oposição à própria família Kennedy, decidiu que, visto ele ter sido, em vida, maior do que os amigos e a família, deveria continuar a sê-lo, também, na morte. Deveria ser sepultado no cemitério nacional, pois pertencia ao seu povo e o seu lugar era na bonita cidade onde servira tão bem o seu país. Terminado o funeral, terminada a festa do terceiro aniversário do pequenino John - e quanta coragem foi necessária para se mostrar alegre na festa do rapazinho! - e depois de ter recebido em particular o general De Gaulle, Ramon de Valera e Hailé Selassié - os três únicos estadistas com os quais quis falar a sós -, deixou de ser uma personalidade oficial. Passou a ser uma viúva, passou a ser apenas Mrs. John Kennedy. Deve ter sido um alívio profundo não precisar de continuar no palco, não ter mais necessidade de representar um papel. Estava, finalmente, sozinha consigo própria, voltara à inviolável solidão com a qual aprendera a viver havia muito tempo. Mas havia uma diferença: agora estava realmente sozinha, sozinha como nunca estivera. Conhecera o amor e a camaradagem, conhecera o amor profundo e a camaradagem de um homem dinâmico, e agora, de tudo isso, só lhe restava a recordação. Uma recordação preciosa, sem dúvida, mas uma recordação, apenas. Ninguém lhe poderia restituir a presença física, a voz e o espírito a que se habituara.

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Detenho-me um instante para falar do que conheço tão bem, pessoalmente. Como explicar que a adoração dos admiradores e o afecto do público não conseguem suavizar a solidão de uma viúva?
Depois de se responder às cartas dos admiradores e de receber os telefonemas e as cartas de sincera mágoa dos amigos queridos, o dia termina e sucede-lhe a longa noite. Até mesmo os filhos estão deitados nas suas camas, com a luz apagada e as portas fechadas.
Jacqueline vagueava pelo confortável apartamento de Nova Iorque que escolhera, vagueava inquieta e tragicamente só. O cunhado, Robert Kennedy, ajudava-a devotadamente em todos os problemas, sobretudo no que respeitava aos filhos, mas ele tinha a sua mulher e, também, muitos filhos. Jacqueline não podia depender inteiramente dele.
E o público, apesar do seu afecto, mostrava-se muito exigente. Insistia em que ela fosse o que ele queria que fosse, a viúva ideal de um grande homem - embora antes tivesse exigido que fosse a esposa ideal. Havia que manter a Imagem. Até mesmo quando, a medo, se deu a entender não ser de esperar que uma mulher tão nova e tão bonita não voltasse a casar, quase ninguém aceitou tal ideia. Mas porque digo eu quase ninguém? Ninguém a aceitou!

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Numa edição comemorativa da revista Look, a viúva escreveu:
"Há quase um ano que ele partiu.
"Quando passaram certos dias - o seu aniversário, outros aniversários, a ida dos seus filhos para a praia, a correrem para o mar não pude deixar de pensar: "Este dia, no ano passado, foi o último em que ele viu isto." Estivera tão cheio de amor e vida em todos esses dias! E parece tão vulnerável agora, quando penso que cada um deles foi "uma última vez"!
"O derradeiro dia não tardará a voltar, tão inexoravelmente como o ano passado. Mas esperado, desta vez.
"Encontrará alguns de nós diferentes do que éramos há um ano. O facto de aprender a aceitar aquilo que parecia inimaginável, quando ele vivia, modifica as pessoas.
"Não creio que exista qualquer consolação. O que se perdeu não pode ser substituído.
"Alguém que muito amou o Presidente Kennedy, mas que nunca o conheceu, escreveu-me o seguinte, este Inverno: "O herói aparece quando é necessário. Quando a nossa fé empalidece e se debilita, surge dessa necessidade um homem resplandecente, e todos quantos vivem reflectem um pouco da sua luz e guardam alguma de reserva, para quando ele partir."
"Creio que devia ter sabido, desde o princípio, que ele era magia. Eu sabia, mas devia ter sabido,

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também, que não podia durar, devia ter sabido que era pedir de mais sonhar com a possibilidade de envelhecer com ele, de vermos ambos os nossos filhos crescer.
"Mas agora ele é uma lenda, quando preferiria ser um homem. Quero crer que não compartilha o nosso sofrimento, que pelo menos nunca saberá a tristeza que o podia esperar. Conheceu, durante a sua vida, um quinhão tão grande de tristeza, que era uma felicidade enorme vê-lo divertir-se, feliz. Mas agora não experimentará mais tristezas: nem a velhice, nem a estagnação, nem o desespero, nem a invalidez da doença, nem a perda de mais pessoas amadas. O seu meio-dia conservou toda a frescura da manhã, e ele morreu nessa altura, sem conhecer a desilusão.
"...partiu...
Entre os exultantes, sempre a aventurar-se, Algures, com a manhã, como acontece a tais espíritos.
"Está livre e nós temos de viver. Aqueles que o amavam devem saber que "a morte que desferiste é maior do que a morte que te levou"."
Disse, então, tentar não se sentir revoltada mas consciente de que ainda se sentia - pelo facto de quem era tão pouco vingativo em relação aos seus opositores ter podido inspirar tal ódio; por não lhe poder dar mais filhos; por o mundo,

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embora o recordasse, mostrar tendência para o considerar um americano "atípico", como se um político americano não pudesse ser civilizado e culto. "Nunca tive nem quis ter uma vida só minha", declarou. "Tudo se centrava à roda de Jack. Não posso acreditar que nunca mais o verei. Às vezes acordo, de manhã, ansiosa por lhe dizer qualquer coisa, e ele não está comigo... Quase todas as religiões ensinam que existe uma outra vida, depois desta, e eu agarro-me a essa esperança. Os três anos que passámos na Casa Branca foram, realmente, os nossos anos mais felizes, aqueles em que estivemos mais unidos, e agora tudo acabou. Agora não há nada, nada!"
Quando começou a sair, apenas uma vez por outra, levantou-se a questão de quem a acompanharia. Adlai Stevenson, seu amigo, e alguns outros homens mais velhos - nenhum deles seu pretendente -, foram-lhe úteis apenas como companheiros e amigos. Mas havia sempre o regresso, depois da saída, o regresso às salas silenciosas, aos criados silenciosos, aos filhos adormecidos, ao quarto tão bonito, mas tão só...
Talvez ela tenha começado a perguntar-se, como outras mulheres se perguntaram em idênticas circunstâncias, que deveria, ao certo, ao público que tanto lhe exigia e tão pouco lhe dava. A adulação pública, a conservação da Imagem Sagrada que o público forma e insiste em manter, não proporcionam companhia, não evitam a solidão.

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Ser uma Imagem é ser uma criatura sem vida. Não há comunicação possível. A resposta, repetida até à saciedade, é sempre a mesma: "Muito obrigada." "Aprecio..." A Imagem torna-se desatenta e as respostas quase inaudíveis. O público nada pode fazer para suavizar as horríveis noites vazias, a negra solidão das noites sem fim. Não há ninguém.
Quem a pode censurar por, desesperada, se juntar, por um breve espaço de tempo, à alta-roda? O público não gostou, mas Jacqueline também não achou a "gente bem" melhor companheira do que a outra. Estivesse onde estivesse e com quem estivesse, não conseguia fugir à recordação do dia em que o homem amado fora morto.
E, de súbito, houve outra morte, outra tragédia. O único que fora capaz de a ajudar, o irmão do marido, Robert Kennedy, foi vítima do mesmo destino. Durante alguns meses, houvera um renascer de esperança. Jacqueline sabia que, entre todos os homens do mundo, o primeiro que seu marido escolheria para lhe suceder na presidência seria o seu irmão, Robert.
Quando Robert Kennedy anunciou a sua candidatura, em 16 de Março de 1968, toda a família Kennedy, incluindo Jacqueline, ganhou alento. Os ideais de John Fitzgerald Kennedy iam, finalmente, ser postos em prática, concretizados com êxito. Quem poderia prever que em 5 de Junho a tragédia se repetiria? Se Ethel Kennedy foi a

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mais enlutada, a que sofreu maior perda, Jacqueline seguiu-se-lhe imediatamente. Rose Kennedy já possuía a sabedoria dos anos e o estoicismo da sua religião. Mas as outras duas mulheres eram novas e a sua vida não se completara.
Jacqueline passou revista à sua vida, agora tão limitada - só o público, durante o dia; só ela, durante a noite -, e chegou à conclusão de que devia voltar a casar. Havia duas necessidades que lhe pareciam imperiosas. Primeiro, precisava de segurança para si própria e para os seus filhos. Tal imperativo aconselhava-a a escolher um homem mais velho, um homem que já tivesse estabelecido o seu lugar na vida e que, por isso, a colocasse ternamente acima de tudo, velasse por ela e em quem pudesse confiar absolutamente, em virtude de ele também se sentir em segurança.
A recordação do seu pai persistia. Por muito encantador que tivesse sido e por muito que ela o tivesse amado, nunca possuíra segurança suficiente para que ela também se sentisse segura. Quanto ao padrasto, apesar de generoso e digno de toda a confiança, talvez lhe tivesse faltado a sensibilidade de que a natureza artística de Jacqueline precisava.
Segundo, o homem com quem casasse devia gostar de crianças, devia, sobretudo, gostar dos

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seus filhos. Jacqueline era e é uma boa mãe. Compreende-se isso pelo modo como os filhos se lhe prendem, dependem dela e compartilham com ela as suas brincadeiras. O laço existente entre ela e Caroline é evidente: a rapariguinha adora a mãe, imita o seu comportamento e as suas acções e admira a sua beleza.
As exigências de Jacqueline não eram pequenas, como se vê. Pelo contrário, eram profundas e significativas. Teria sido difícil encontrar as qualidades que pretendia em qualquer americano e, até, na velha Inglaterra. Gosta dos Franceses, mas eles são naturalmente volúveis e os Italianos não a atraem.
A Grécia era o país aonde fora mais de uma vez em busca de prazer e conforto. Quando o seu bebé, Patrick Bouvier, morrera, em 1963, após uma vida tão breve, Jacqueline refizera-se, física e espiritualmente, numa viagem ao mar Egeu, com o amigo da sua irmã Lee, Aristóteles Onassis. Fora ele, também, que correra imediatamente para seu lado, depois de o marido morrer, e a acompanhara diversas vezes, embora discretamente. O seu terno encanto mediterrâneo reconfortava-a, talvez por lhe recordar a sua própria ancestralidade mediterrânea.
Tinham muito em comum. Ele amava a beleza, ela amava a arte e ele tinha dinheiro suficiente para lhe permitir satisfazer os seus gostos. Onassis é um dos homens mais ricos do mundo

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e, assim, durante o resto da sua vida ela não teria de se voltar a preocupar com questões de dinheiro, nem de fazer contas para saber se podia comprar alguma coisa de que gostava. Isto também constituía segurança. Além do mais, Onassis gosta de crianças, possui uma aptidão natural para comunicar com elas. E ama-a também a ela, com maturidade e ternura.
"É tão parecida com um pássaro!", disse uma vez, a seu respeito. "Quer a protecção do ninho, mas ao mesmo tempo deseja a liberdade de voar. Ofereço-lhe ambas as coisas."
É um homem sensato e bondoso.
Quando Onassis lhe propôs casamento, pela primeira vez, Jacqueline hesitou e só se resolveu a aceitá-lo depois de assassinarem Robert Kennedy. Não podia continuar a viver sozinha, e agora estaria realmente sozinha. Não havia na família Kennedy ninguém que pudesse substituir, por pouco que fosse, os dois homens que tinham sido assassinados.
Uma total mudança de cenário e uma vida nova eram a solução - para mais uma vida nova numa bonita ilha grega. Escolheu, pois, e escolheu sensatamente, pense o público o que pensar. Pelo menos nunca mais necessitará de se preocupar com esse público.
Quando a interrogaram acerca do casamento, Rose Kennedy respondeu:

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- Creio que será muito feliz... tem sido uma vida muito solitária, para ela...
Recentemente, estive sentada na sala de uma encantadora e antiga casa de Georgetown. A casa pertence a um amigo íntimo da família Kennedy e, por isso, foi natural falarmos da antiga primeira dama, que nos interessava a ambos. Quando o meu amigo encheu uma chávena de chá e ma estendeu, perguntei-lhe:
- Pensa que Jacqueline Onassis é feliz?
- Muito feliz - respondeu-me, sem hesitar. Tenho-os visto juntos, socialmente, e estive em sua casa. São motivo de interesse um para o outro. O espírito dela ainda é jovem, curioso e está em fase de crescimento, ao passo que o dele é muito mais velho, sábio e sofisticado. A sofisticação dele fascina-a, pois, como sabe, ela não é nada sofisticada. A sua vida recatada e a sua reserva natural mantiveram-na mais jovem do que na realidade é. Ao contrário do que se possa pensar, não é, realmente, uma intelectual. É uma mulher de gostos artísticos, que sabe perfeitamente do que gosta e do que não gosta e possui sentimentos profundos.
"A propósito, gosta muito de escrever cartas. Às vezes, depois de um serão de conversa, escreve uma carta de algumas vinte páginas. Outro dia escreveu-me uma, a explicar o seu ponto de vista, depois de uma conversa que tivéramos.
"Pensa, e isso também fascina Onassis. Este

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toma muito a sério as suas responsabilidades em relação a Caroline e a John, exactamente como ela. Adora os garotos. Ajuda-os com os trabalhos escolares, etc. Jacqueline levanta-se cedo e toma o pequeno almoço com os filhos, todos os dias, às sete e meia da manhã. Claro que, depois, é muito capaz de voltar para a cama, mas a verdade é que toma o pequeno almoço com eles.
"Leva um género de vida diferente, sem dúvida, mas que a satisfaz. Está a arranjar novas recordações. E também tem outros confortos e maior luxo do que sempre teve, até mesmo na Casa Branca. Por estranho que pareça, ela não se sentia lá confortavelmente, em meros termos físicos. A parte da casa reservada à família não era espaçosa, pelo menos para pessoas habituadas à riqueza.
"Um corredor comprido, um pouco escuro, dividia o primeiro andar, onde viviam, e tinha quartos de ambos os lados. Uma sala oval, decorada de amarelo, era uma espécie de sala de estar, onde a família se reunia antes do jantar. Outra, do lado oposto, era a sala de Jacqueline.
"No entanto, o andar nunca parecia atravancado e, às vezes, o presidente levava lá os seus convidados. Geralmente, os pequenos jantares de seis ou oito pessoas - era assim que eles gostavam de receber, como sabe - eram servidos na sala de jantar da família. Os antigos jantares cerimoniosos foram transformados em reuniões

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amigáveis e despidas de formalismos. No entanto, não é fácil a um presidente ou à sua mulher arranjar amigos ou, sequer, saber quem são os seus amigos... "A presidência não é um lugar muito bom para arranjar novos amigos", disse uma vez John F. Kennedy, e Jacqueline teve, não raro, a triste experiência de ver pessoas que julgava amigas transformadas em inimigas ou bajuladoras. Por isso os jantares de cerimónia tornaram-se cada vez menos frequentes e os convidados habituais eram um punhado de velhos amigos de confiança, com uma situação suficientemente segura para não precisarem de favores." Enquanto eu pensava no que acabava de ouvir, o meu amigo continuou a falar:
- Caroline e John eram maravilhosos, na Casa Branca! Lembro-me de que, uma vez, passei por eles, quando ia não sei para onde, e perguntei a Caroline quem era o seu amigo. Ela respondeu-me, com uma grande dignidade: "Não é meu amigo; é meu irmão."
Rimo-nos e eu perguntei se as estreitas relações dos dois irmãos ainda continuavam a subsistir, na nova casa. Respondeu-me que sim e que talvez se tivessem tornado, até, mais estreitas, pois tinham ambos consciência de serem Kennedys, apesar de gostarem do padrasto.
- Por sinal, parece-me que as relações na nova casa, como você lhe chama, têm mais calor.

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Marido e mulher não trocam muitas palavras de ternura, mas parecem serenos, quando estão juntos, e de vez em quando trocam olhares que exprimem compreensão, o apreço mútuo de uma piada ou de um prazer... É agradável.
Isto só serviu para espicaçar a minha curiosidade. Talvez a mulher precise de um marido com idade suficiente para a estimar, para a compreender, para a tratar com ternura e desejar que seja ela própria. Os maridos jovens pensam primeiro neles próprios e consideram as mulheres auxiliares, acessórios e dependentes, obrigadas a pensar antes de mais nada nos maridos.
Mas a esposa jovem de um marido muito mais idoso é a sua alegria e a sua querida, uma combinação de filha, amante e esposa. Só deseja vê-la feliz, satisfeita e, portanto, contente com ele. Sim, Jacqueline Onassis escolheu bem. Tem segurança, e a segurança, nesta época e neste mundo, é suficiente - ou quase -, não é? Pelo menos é muito rara.
Recentemente, num obscuro jornaleco da miinha cidadezinha de Vermont, um jornal insignificante, mas que as pessoas devoram, li um artigo acerca da influência - ou da suposta influência - de Jacqueline Onassis sobre o marido, Aristóteles Onassis. Segundo o articulista, ela está a transformar o astuto acumulador de imensas riquezas que ele era num filantropo. Até agora,

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diz o jornal, Onassis não acreditara na caridade, afirmara sempre que as pessoas deviam ser capazes de olhar por si próprias. Mas presentemente, sob a influência da mulher forte e bonita com quem casou, está a modificar a imagem que fez de si próprio, através dos anos. Tem dado grandes importâncias em dinheiro para ajudar pessoas infelizes, sobretudo crianças; uma instituição que financiou, na Grécia, recebeu o nome de Onassion, em sua honra; além disso, acedeu ao desejo da mulher de criar os dois pequenos Kennedys no seu país natal. Vive em Nova Iorque, como ela deseja, só visita de quando em quando a sua amada ilha grega e desistiu por completo do seu luxuoso apartamento de Paris.
Em suma, a sua mulher atraiu aquele homem idoso e egocêntrico para a aura da lenda Kennedy, uma lenda em que ela própria não foi criada, mas que deve ter absorvido através do marido Kennedy. Essa lenda tornou-se, agora, parte dela mesma. Não se modificou, depois da morte do presidente; mantém a lenda e alarga a sua influência, a fim de abranger nela um dos homens mais ricos do mundo. Ao casar com Onassis, parecera ter perdido a sua posição de influência e as pessoas protestaram, decepcionadas e convencidas de que ela atraiçoara a tal lenda. Mas agora a demonstração da sua força

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e a manutenção da sua fidelidade à lenda estava a devolver-lhe depressa a posição de destaque que tivera...
Caroline Kennedy já tem idade suficiente para ser incluída entre as mulheres Kennedys. É muito nova, sem dúvida, para sabermos como os trágicos e extraordinários acontecimentos da sua vida a afectaram ou virão ainda a afectá-la. As suas primeiras recordações são da Casa Branca, e a vida que lá viveu foi, simultaneamente, privilegiada e, em certos aspectos, desvantajosa, devido a esses mesmos privilégios. Era, então, uma garotinha encantadora e espontânea. A morte do pai fê-la travar muito cedo conhecimento com a tragédia que parece endémica na família Kennedy. Hoje, quase adolescente, é muito bonita e instintivamente elegante. Tem um bom exemplo na mãe, claro. Tenho reparado como une os pés, como se comporta e com que serena dignidade se apresenta em público, numa imitação inconsciente - ou talvez consciente da mãe a quem adora.
Agora, como enteada de Aristóteles Onassis, é inevitável que Caroline, criada num ambiente verdadeiramente real, venha a contribuir pessoalmente para o futuro. Tem todas as vantagens, como se costuma dizer. Mas também tem algo pessoal, que o dinheiro não pode comprar nem a

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herança dá. Teve, muito novinha, a experiência de uma profunda tragédia e de uma perda irreparável; já aprendeu, à sua custa, que a vida não poupa os belos e os privilegiados.
Seja o que for que o futuro reserve a Caroline Kennedy, não pode deixar de lhe conceder extremos de alegria e de desgosto. O seu destino poderá erguê-la muito alto ou obrigá-la a descer muito baixo. A sensibilidade inerente à sua natureza proporcionar-lhe-á alegrias, mas fá-la-á sofrer, também, muito mais do que é normal. Ela não é, porém, uma criança vulgar. É uma Kennedy e herdou a coragem dos Kennedys.

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A MAIS velha das filhas vivas dos Kennedys, depois de Rosemary, é Eunice, que conheço graças ao nosso interesse comum pelos atrasados mentais. Quando a visitei na sua casa de Washington, o marido, Sargent Shriver, chefiava o então recém-formado Corpo da Paz.
Lembro-me de que, ao entrar em sua casa pela primeira vez, a atmosfera me pareceu de actividade, luta e interesse. Sentei-me, sozinha, na agradável sala de visitas, à espera da dona da casa. Grandes portas de vidro davam para um terraço, para lá do qual havia um relvado verde, cercado de árvores. Tive a sensação de que se tinham passado muitas coisas naquele dia, o que é característico dos Kennedys, e quando a minha anfitriã chegou, um bocadinho atrasada e apressada, explicou-me que um grupo de crianças deficientes mentais estivera a brincar no relvado. Lembro-me de que se tratava de uma escola de férias, especial para tais crianças, e de pensar

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como era extraordinariamente bondoso, da parte de uma mulher tão atarefada, receber e distrair essas crianças, de maneira tão generosa.
Achei-a caracteristicamente Kennedy ao ouvi-la relatar as actividades do dia, um dia que fora cheio de acontecimentos, tanto no trabalho do marido como no dela. Ao que parece, cada membro da família Kennedy tem uma esfera especial de responsabilidade. A Eunice Shriver cabe a do retardamento mental e ela tem representado a família com muita competência.
É uma mulher de aspecto impressionante, franca, vigorosa, sincera e muito inteligente, sem no entanto ser uma intelectual no sentido teórico do termo. Possui a franqueza Kennedy, a energia Kennedy e o sotaque Kennedy.
É a mais característica das Kennedys e, se tivesse nascido uma ou duas gerações mais tarde, estou certa de que enveredaria pelo caminho da política. No momento em que estou a escrever este livro, os jornais anunciaram que Sargent Shriver entrará activamente na vida política. Se assim for, a sua mulher será o seu maior triunfo. Brilhante, temerária, imaginativa nas suas ideias e objectivos, será uma força em si mesma.
Lembro-me da primeira vez que falou comigo. Foi pelo telefone. Mal lhe ouvi a voz, reconheci-a e disse para comigo: "É uma Kennedy!"
- Pearl Buck? Fala Eunice Shriver. Quero...
Agradou-me a atmosfera de interesse, agitação

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e realização que se respirava em toda a casa de Eunice. Sargent Shriver chegou à hora do jantar: homem simpático, inteligente, de aparência calma, a contrastar perfeitamente com a sua impetuosa mulher.
As Kennedys que casaram não deram esposas fáceis. Os seus maridos tiveram de se conservar homens fortes, para estarem à sua altura. Sargent Shriver, aparentemente tão calmo e despreocupado que há pouco esqueceu - ou pareceu esquecer - uma importante recepção na nossa embaixada em Paris, só o é, como disse, aparentemente. Ganha as suas batalhas pelos seus próprios métodos. Basta vê-lo com Eunice, a mulher, para se compreender como o consegue. É evidente que a compreende e a ama, mostra-se sempre cortês, cavalheiro, delicado e pronto a escutar os seus argumentos. No entanto, a ninguém podem restar dúvidas de que as decisões que toma são suas. É agradavelmente invencível.
Existe um ar de perfeita compreensão entre os Shrivers e cada um deixa o outro falar sem o interromper - o que não constitui pequeno feito para os homens e mulheres americanos, como tenho observado, pois um dos cônjuges parece sempre disposto a interromper o outro. Entre Eunice e o marido, porém, a consideração e o respeito são mútuos.

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Um dia, tive ensejo de visitar Sargent Shriver no seu escritório, para tratar de um negócio, e mais uma vez fiquei impressionada com a paciência que demonstrou ao ouvir-me, com a maneira como compreendeu a situação que lhe expus e com a prontidão que manifestou em me aconselhar e ajudar. Pressenti em tudo isso uma influência Kennedy, embora tenha a certeza de que a sua própria natureza é compreensiva e prestável.
O instinto de todos os Kennedys e dos seus cônjuges é ajudar sempre que a ajuda se torna necessária. Até o próprio patriarca, Joseph Kennedy, esse homem que soube enriquecer e lutar pelos seus direitos, tinha muitas obras de caridade secretas. Claro que a experiência o ensinara duramente a não esperar gratidão, e ele aprendera tão bem a lição que costumava dizer, sarcástico:
- Todas as boas acções têm sempre o seu castigo!
Foi ele, também, quem criou outro hábito Kennedy: fazia as suas obras de caridade em segredo. As pessoas viviam meia vida sem saber que ele lhes pagava os ordenados ou contribuía para que tivessem trabalho. Não desejava que tais pessoas tivessem conhecimento da obra de caridade de que eram alvo, para que não ficassem privadas do respeito por si próprias. Havia

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quem o julgasse um homem duro e implacável nos negócios, e de facto assim era em parte, pois todos os Kennedys têm um pouco disso, embora contrabalançado por uma grande generosidade, tanto em dar como em compreender.
Sei que Eunice deu muito amor, muita alegria e muito companheirismo à sua irmã mais velha, Rosemary. Joe tinha quatro anos e Jack três, apenas, quando Rosemary nasceu. Eunice ainda não existia. Rose, a mãe, tinha vinte e oito anos saudáveis e os seus filhos nasciam sem dificuldades.
Rosemary era bonita, como a mãe, mas mostrou-se lenta na aprendizagem das pequenas coisas que as crianças fazem, quando se começam a desenvolver. No entanto, os irmãos eram considerados tão "precoces" que os pais não prestaram muita atenção ao seu retardamento, tanto mais que os médicos diziam que, de um momento para o outro, ela se começaria a desenvolver normalmente. Mas não aconteceu assim e a verdade teve, por fim, de ser encarada. Rosemary era atrasada mental.
Como já disse, Rose e Joseph Patrick recusaram-se a interná-la numa instituição. O pai afirmou sempre que quanto se pudesse fazer por ela numa instituição também se poderia fazer em casa.

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À medida que Joe e Jack cresciam e nasciam outros bebés, Rosemary crescia, também. Era forte e encantadora, fisicamente, mas mantinha-se infantil, mentalmente.
A família fez tudo quanto era possível para lhe tornar a vida feliz e repleta, e ela também fazia tudo quanto lhe diziam. Talvez fosse essa a sua maneira de retribuir o amor que recebia.
O tempo passava e os problemas que apresentava tornavam-se mais graves. Não estava à altura dos adolescentes da sua geração. Os irmãos dançavam com ela, nas festas, e tinham-na ensinado a dançar bem, mas os outros rapazes não a convidavam, nem a roubavam ao par, como era hábito, e os seus olhos perguntavam: "Porquê?" Como responder a semelhante pergunta?
Gostava de vestidos bonitos, de arranjar o cabelo e da companhia das pessoas, mas estas, excluindo a família, evitavam-na.
O embaixador Joseph P. Kennedy e a mulher levaram Rosemary para Londres e foram todos apresentados, assim como Kathleen, ao rei e à rainha!
Mas em 1941, de novo em casa, tornou-se evidente que, em vez de melhorar, Rosemary piorava. Tornava-se briguenta e muito difícil de contentar, amuava, isolava-se e a sua faculdade de atenção diminuía.

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Rose consultou vários médicos e todos disseram a mesma coisa: estaria melhor numa instituição onde a competição fosse menor e onde vivesse com outras jovens com capacidade semelhante à sua.
Aconselharam um estabelecimento católico romano, os pais concordaram e Rosemary Kennedy foi para lá e encontrou paz.
Num dia de Verão, quando me encontrava na minha casa de Vermont - como agora, ao escrever este livro -, o telefone tocou. Levantei o auscultador e reconheci de novo a inconfundível voz Kennedy. Era Eunice Shriver.
"Desta vez desejava que lhe fizesse um favor: queria que escrevesse um prefácio para um livro que, na realidade, era, antes, um relatório acerca do aborto, quando se tem a razoável certeza de que deixando nascer determinada criança ela será atrasada mental. Pessoalmente, tinha opiniões firmes a tal respeito e agradou-me que ela não me perguntasse quais eram. Presumi que, como católica romana, também não aprovaria o aborto, mas abstive-me igualmente de a interrogar a esse respeito. Tive prazer em escrever o que desejava e maior prazer em verificar que estávamos de acordo - embora creia que, se discordássemos, ela, com a sua honestidade, aceitaria o desacordo. Eunice Kennedy foi sempre muito útil nas campanhas

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políticas dos irmãos, graças à sua capacidade de organizadora. Juntamente com as irmãs, Patrícia e Jean, ajudou a transformar em êxitos os agradáveis chás de 1952. Viajou, nas outras campanhas de Jack, e foi uma oradora brilhante e convincente no estado natal do marido, Ilinois.
Existe uma forte semelhança de família em todos os membros do clã Kennedy. Têm estilo, força e personalidade. Seja qual for o nome que isso tenha, é uma característica comum a todos.
Quando um deles entra numa sala, leva consigo uma presença especial e inexplicável, mas visível e inegável, uma emanação de personalidade familiar, uma mistura de determinação, ambição, idealismo e alegria que é deveras atraente. Mas estas características são contrabalançadas, até certo ponto, por uma dose de impaciência, intolerância e, até, um sentimento de auto-importância.
As Kennedys são todas femininas, mas salta aos olhos que a sua feminilidade pertence ao estilo moderno, que joga ténis e pratica equitação. Nenhuma delas é esposa humilde ou submissa. São independentes, mas atenciosas; naturalmente eficientes, mas sem interesse em louvores; ambiciosas, mas sem o serem pessoalmente. São trabalhadoras de equipa, uma equipa formada por

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toda a família, na qual incluem os bem-sucedidos maridos. Preocupa-as mais a aprovação da família do que a aceitação pública.
Nenhuma das Kennedys desempenha melhor esse papel do que Eunice Shriver. Trabalhadora incansável, possuidora de inteligência brilhante e sinceramente idealista, é, ao mesmo tempo, muito feminina. A sua figura esguia parece tensa como uma mola esticada, o tempo é sempre escasso para as suas muitas actividades e a sua vida é toda planeada, como não podia deixar de ser. Há anos que leva uma existência muito complexa. É mãe afectuosa, mas eficiente, e esposa dedicada, mas tem o seu próprio trabalho, pelo qual se sente responsável e de que não prescinde. É mais do que competente, em muitos aspectos.
Encontrou em Sargent Shriver um homem absolutamente à altura de participar na equipa familiar. Enérgico e idealista, criou o Corpo da Paz, uma organização que exprimiu perfeitamente o espírito do período de serviço do presidente Kennedy. Receberá, sem dúvida, menos atenção e publicidade durante a administração Nixon, mas nasceu do "interesse pelas pessoas" da administração Kennedy e as suas realizações têm um valor inestimável.
Os pequenos Shrivers são independentes, pois contêm em si a herança Kennedy. Extraordinariamente modestos, aceitam com naturalidade os

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antecedentes da sua distinta família e saberão encontrar o seu lugar no mundo sem precisarem de alardear a sua proveniência. Como membros da família Kennedy, aceitaram sem espanto que um dos seus familiares fosse presidente dos Estados Unidos. Tratavam-no com o respeito devido, mas nem por isso deixavam de o considerar seu tio. Quando o assassinaram, convenceram-se de que outro Kennedy ocuparia o seu lugar - outro Kennedy que seria, evidentemente, o tio Bob, Robert Francis Kennedy.

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COMPREENDI que Robert Kennedy era uma complexidade fascinante assim que o conheci. Encontrámo-nos, por entrevista marcada, no seu escritório do Old Senate Office Building, em Washington, D. C., a fim de tratar de um assunto que não tinha nada de pessoal. Eu andava a organizar uma instituição a favor dos Amerasiáticos - isto é, dos filhos de soldados americanos em serviço na Ásia e de mulheres asiáticas - e desejava pedir-lhe que fizesse parte do conselho de administração.
O seu escritório não se parecia absolutamente nada com o do seu irmão mais novo, que eu tivera ocasião de visitar dois anos atrás. Nas salas, quase desertas, que compunham o escritório de Robert Kennedy reinavam o sossego e a ordem. Conduziram-me sem demora ao gabinete onde, sozinho, estava sentado à secretária. O aposento era enorme, escassamente mobilado, mas com bom gosto, e a secretária era tão grande

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que quase reduzia a uma figura de anão o indivíduo a ela sentado.
Vi um homem pequeno - ou melhor, que me pareceu pequeno -, um homem novo, de rosto melancólico e olhos de um azul abrasador. Mas seriam realmente azuis? Ou julgá-los-ei, agora, dessa cor devido à sua grande intensidade? Do que tenho a certeza é de que não sorriam, assim como o próprio homem não sorria.
Disse o que tinha a dizer e fiz o meu pedido, enquanto ele me escutava atentamente, mas sem que a sua expressão se modificasse. Aguardei a sua resposta, que foi um "não" categórico. Tinha muito que fazer e não gostava de emprestar o uso do seu nome. A causa parecia-lhe boa, sem dúvida, mas havia muitas outras boas causas. A sua família escolhera a das crianças atrasadas mentais. Soergueu-se da cadeira, a dar a entender que estava tudo dito. Foi brusco e não fez o mínimo esforço para se mostrar cortês. Mas eu fora ali com um objectivo e, quando é preciso, também sei ser persistente.
- Mr. Kennedy, preciso do seu nome porque o povo da Ásia confia em si - expliquei. - Se vir que se interessa por esta nova gente, pelos Amerasiáticos, pensará no assunto e talvez decida que ele merece, de facto, ser estudado e, assim, participará na solução do grave problema. Os Amerasiáticos são apátridas, Mr. Kennedy. Nós, Americanos, consideramo-los asiáticos, mas na

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Ásia os filhos pertencem aos pais e, por isso, os Asiáticos consideram-nos americanos. Daí resulta serem apátridas. Não têm país nem governo, são estrangeiros nas terras onde nasceram.
A sua delicadeza não lhe permitia abandonar o gabinete e eu, pelo meu lado, recusei-me a sair enquanto não tivesse defendido cabalmente a minha causa. Robert Kennedy voltou a sentar-se e a escutar-me, com aqueles olhos ardentes fixos no meu rosto. Não me interrompeu e, quando terminei, limitou-se a dizer, no mesmo tom brusco:
- Pensarei no assunto e escrever-lhe-ei.
- Obrigada - agradeci e saí, finalmente. Suponho que desejava discutir o assunto com a família, pois o nome Kennedy não lhe pertencia só a ele. Passados poucos dias recebi a carta prometida, com o desejado consentimento. O seu nome, no cabeçalho das nossas cartas, ainda me dá força, apesar de Robert Kennedy já ter morrido.
Robert Kennedy era o terceiro dos quatro filhos varões e, Fisicamente, o de mais pequena estatura - embora, quanto a mim, possuísse a aparência mais dramática. Suponho que, numa avaliação justa, se poderia considerar o menos atraente dos irmãos, mas era o mais dinâmico de todos. Quando entrava numa sala, sentia-se a presença de uma personalidade mutável, taciturna, irónica e capaz de rir de si própria -

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embora eu não imagine até que ponto aceitaria que os outros se rissem dele.
Como era o mais pequeno dos Kennedys, aprendeu a bater-se com dureza, a ser beligerante, a não ter contemplações consigo próprio e a não temer nada, fosse onde fosse. Não primava pela brandura de maneiras, dizia o que pensava, francamente e sem trapos quentes. A conciliação não era a sua técnica, mas quando alguma coisa o comovia sabia levar a bondade quase às raias do sentimentalismo.
Era um homem complexo ou, como alguns têm dito, uma aglutinação de vários homens simples. Fosse o que fosse, em determinada ocasião, era-o totalmente, sem reservas. Entregava-se todo às brincadeiras com os filhos, mas de um momento para o outro era muito capaz de se mostrar um pai severo. O seu mau génio podia explodir quando menos se esperava, mas também tinha o condão de aceitar as críticas com uma resignação serena e imperturbável.
Moralmente, era quase puritano; fizera do imperativo moral um hábito do seu espírito. A rigidez da sua natureza parecia convidar a que o atacassem, mas nas suas convicções ficava à esquerda do centro, pois jamais aceitava o conservadorismo pelo facto de ser conservador. O princípio era a estrela que o norteava, mas o princípio mudava com o esclarecimento. Não era um homem em que tudo fosse, absolutamente,

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preto ou branco, e possuía abismos insondáveis de compaixão pelos jovens, pelos sinceros e pelos que procuravam a verdade, pois essas eram, também, as suas próprias qualidades.
Acima de tudo possuía vitalidade, era enérgico e ousado. Era um chefe nato, seguro de si, despótico e, ao mesmo tempo, capaz de raciocinar com lucidez. As pessoas amavam-no ou detestavam-no, mas ele não queria saber do seu amor nem do seu ódio quando, com a sua implacabilidade característica, obedecia a um princípio ou desempenhava uma missão que lhe era cara. Mas, apesar de tudo isso, adivinhei nele uma sensibilidade penetrante, uma perceptividade à flor da pele que ele se esforçava por esconder, uma mágoa secreta que estava decidido a não divulgar nem reconhecer, sequer.
Não era brando consigo próprio. Aliás, não havia brandura nenhuma nele. No entanto, agradava ver aquele homem impetuoso, enérgico e, às vezes, implacável transformar-se, de súbito, num pai jovem e brincalhão, quando estava com os filhos.
A sua casa estava cheia de crianças: dez e uma a caminho, quando o mataram. Aos seus filhos, juntava muitas vezes os dois que o seu irmão presidente deixara órfãos. Tinha uma afinidade especial com os jovens, que o adoravam e seguiam. Brincava com eles, mas a sério.
Quer as pessoas amassem, quer detestassem,

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Robert Kennedy, uma coisa era certa: possuía a magia Kennedy. As pessoas reuniam-se à sua volta, queriam tocar-lhe - como se, no antigo sentido bíblico, emanasse dele uma virtude, embora não houvesse da sua parte o mínimo esforço para lhes agradar. Não queria saber do que pensavam dele, não perdia tempo a falar de banalidades e num diálogo era o parceiro que tinha de falar - ele responderia ou não, consoante lhe parecesse necessário. O que não impedia que, ocasionalmente, brotasse dele uma compreensão profunda por uma criança, ou por uma pessoa idosa, ou por alguém à beira da morte.
Um dos aspectos do procedimento de Robert Kennedy difícil de compreender foram as suas relações com Joseph McCarthy. Talvez a inexperiência e a imaturidade o impedissem de avaliar as implicações dos infelizes ataques do senador McCarthy e dos danos irremediáveis que causaram a muitos e leais americanos. O seu irmão John Kennedy, sempre impaciente com o procedimento de McCarthy, além de ser mais velho fora temperado pela doença e pela luta heróica travada com a morte.
Robert Kennedy era, simultaneamente, simples e sofisticado, não possuía a bagagem intelectual e literária que enriquecia o seu irmão presidente. Tinha mais tendência para comandar do que para persuadir e não disfarçava o seu desejo de vencer. Nalguns aspectos parecia-se mais com o pai

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do que os outros irmãos. No entanto, não era presunçoso nem arrogante, não pretendia atrair as atenções para si próprio e, sim, fazer o que devia ser feito. Não suportava a preguiça, nem a dilacção, nem a falta de organização, e apesar da sua simplicidade compreendia perfeitamente a posição que ocupava e aceitava a deferência como uma coisa natural. Quando entrava no avião da família, esperava que o aparelho descolasse assim que ele estivesse instalado.
Perante tantas e tão complexas contradições, é difícil imaginar no que se transformaria, se vivesse. Não atingira ainda, com certeza, o apogeu da sua capacidade. Diz-se, e parece que com acerto, que quanto maior é a capacidade de desenvolvimento de um ser humano, mais lentamente esse ser humano amadurece. Quanto mais medíocre é a inteligência e superficial o espírito, mais depressa se alcança o pleno desenvolvimento.
Robert Kennedy ainda se encontrava na fase instintiva, ainda estava a começar a interessar-se pelos aspectos intelectual e filosófico do pensamento - em resumo, estava ainda longe de atingir o nível de John Fitzgerald Kennedy. Talvez o irmão mais velho tivesse, além de mais tempo, mais oportunidade de ler e de viver a vida do espírito, em virtude de ter estado tantas vezes doente.
Robert Kennedy teve uma vida física vigorosa

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e, quando assim acontece, o espírito dormita e o pensamento descansa. Uma das suas características, quando se sentia frustrado, impaciente ou decidido a vencer qualquer competição, era "desabafar", digamos, através de violentos esforços físicos.
Depois do assassínio do irmão, obrigou-se a escalar uma montanha perigosa, a fim de provar a sua própria coragem e exprimir a sua necessidade de vencer. Tratava-se do antigo espírito da família, de um alarde de autodisciplina e de capacidade de dominar o ego. Se obrigava o seu pessoal a trabalhar sem descanso, a verdade é que ele trabalhava mais do que todos. Talvez fosse por isso que, não obstante as suas exigências, todos o serviam tão lealmente.
Que género de mulher desposou este homem? Ethel Skakel Kennedy mora em Hickory Hill, McLean, Virgínia, não longe de Washington, numa grande casa confortável, com uma convidativa porta de entrada vermelha. É o lar que compartilhou com o marido.
Sei que Robert Kennedy amava a sua mulher profunda e totalmente. Amava-a porque, para ele, tudo nela era digno de amor. E ela é suficientemente mulher para o ter colocado acima de todos, acima de casa e amigos e, até, acima dos filhos. Compreendia-o, sabia que ele precisava de

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estabilidade, de saber onde ela se encontrava, e por isso ficava em casa, onde Robert a queria.
- Não acho que a mulher de um político se deva meter em política - disse, uma vez, Ethel.
- Acho que se deve esforçar por transformar a sua casa num lugar agradável, num lar aonde o marido sinta prazer em regressar e onde possa esquecer a política.
Bobby sabia ser um pai ideal, que saltava e brincava com os filhos, os aconselhava e conversava com eles; mas havia ocasiões em que tinha de os esquecer, e conseguia-o precisamente por saber que podia contar com ela, que ela estava presente.
Ethel pensa que os pais devem dar às crianças a infância mais feliz que lhes seja possível.
- Quando crescem - explica -, a vida torna-se difícil. Os nossos filhos, graças a Deus, tiveram muitas vantagens e nós tentámos incutir-lhes a noção de que, quando crescerem, terão de contribuir para a sociedade. Começam já a treinar-se olhando uns pelos outros e ajudando-se mutuamente.
Não é uma mulher subtil, mas em contrapartida é despretensiosa, franca, cordial e alegre. Não se queixa, nem mesmo quando está doente, e nem ao marido se queixava. Quando se irrita, o que é raro, diz o que tem a dizer e não pensa mais no assunto. É uma mulher sã, que não usa de artifícios nem de manhas. Não a consigo imaginar

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a servir-se do sexo como arma ou recompensa, como tantas outras, e acho-a tão sã acerca da maternidade como de tudo o mais - sobretudo, talvez, acerca da sua qualidade de esposa.
Sabia que o marido tinha muitos interesses, embora a sua vida política e as suas ambições nesse campo estivessem acima de tudo o resto. Não lhe censurava o seu amor pelos desportos e, quando podia, compartilhava-o com ele. Compreendia perfeitamente que os homens precisam da companhia de outros homens e não tinha ciúmes dos amigos do marido nem de outras mulheres. Sabia que era essencial ao marido e isso lhe bastava. Nunca armava em mártir. Quando ele chegava a casa, tinha a certeza de que ela não o esperava com uma lista de dificuldades e queixas. Ethel resolvia os seus próprios problemas e só compartilhava com ele aqueles que não podia resolver sozinha. Não precisava do amor e da aprovação dos outros; queria somente os dele.
Quando Robert Kennedy ia ao estrangeiro, mandava-lhe todos os dias uma mensagem de amor na língua do país que visitava. Ethel, como qualquer outra mulher, guardava como tesouros essas manifestações espontâneas da dedicação do marido, mas se ele não as mandasse não se perturbaria. Eles eram um homem e uma mulher verdadeiramente casados e sentiam-se felizes por ter filhos, muitos filhos. Ethel gostava de estar

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grávida dele, bendizia o nascimento dos filhos dele. Orgulhava-se disso.
Claro que não ignorava o perigo em que o marido vivia. Sabia que, se se candidatasse à presidência, seria provavelmente assassinado. Vivia nesse terror, mas não permitia que ele o descobrisse. Não permitia, até, que ninguém o descobrisse. Já conhecia, por experiência, o gosto da tragédia e aprendera a suportá-la: os seus pais e o seu irmão preferido, George Júnior, tinham morrido em acidentes de aviação, e passados oito meses a viúva de George, Joan Patricia, morrera asfixiada, durante o jantar. Ethel sabia, de facto, o que era a tragédia.
Tratava da sua vida atarefada na grande casa cheia de filhos, feliz e sempre ocupada e alegre, aprovava o marido e encorajava-o constantemente a fazer o que desejava e como desejava.
Mas em segredo preparava-se para o que podia acontecer, planeava como aceitaria o que sucedesse e o que faria. Continuaria a viver a sua vida familiar em Hickory Hill, exactamente como até então. Mas ele não estaria presente, claro. Não consentiria que os filhos o esquecessem. Os seus retratos e as suas coisas ficariam onde estavam e como estavam, como se ele ainda continuasse presente.
Entretanto, aproveitava todos os momentos da sua vida com ele e, entre uma gravidez e outra, acompanhava-o o mais possível nas suas viagens.

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Em 1961, o presidente mandou-a, com o marido, assistir às celebrações do primeiro aniversário da independência da Costa do Marfim. Ethel falou o francês de que se lembrava, dos tempos da escola, e riu-se com as pessoas, quando estas se riram dela. O povo gostou do seu procedimento simples e cordial.
No ano seguinte, o presidente encarregou-os de uma viagem de boa-vontade à roda do mundo. A União Soviética convidou-os a visitar a Rússia, mas o convite foi declinado. Nos outros países, as visitas foram coroadas de êxito e Ethel divertiu-se.
Na Itália, admiradores americanos ofereceram-lhe uma scooter, com a qual teve um pequeno acidente com um Fiat. Na Tailândia, aborreceu o homem que o Departamento de Estado mandara com eles, por não ter feito as malas a tempo, e para o apaziguar presenteou-o com uma oferta de paz. Sentia-se feliz, pois estava com o marido.
De novo em casa, a alegre vida habitual prosseguiu. Costumavam receber muitos convidados, a todos dispensando o mesmo à-vontade despido de formalismos. Os amigos chamavam-lhe, de brincadeira, a "Dona de Casa do Ano", embora não soubesse cozinhar. Mas ela não precisava de cozinhar, pois havia sempre alguém que se encarregava disso. Tinha onze criados e criadas e, assim, toda a gente se sentia bem, entretida e à vontade.

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Uma vez, quando a duquesa de Devonshire foi almoçar a Hickory Hill, Ethel deu graças e acrescentou: "E, por favor, querido Deus, convence o Bobby a comprar-me uma mesa de sala de jantar maior!"
Mas, durante todo esse tempo, sabia. Começou a pensar nessa possibilidade de tragédia depois de terem assassinado o presidente. Viu o espírito do marido enfraquecer, pareceu-lhe que, fisicamente, Bobby perdia o viço, murchava. Emagrecera, a roupa dançava-lhe no corpo e dava grandes passeios solitários, acompanhado apenas pelo seu grande cão, "Brumus".
Nunca tivera o costume de falar muito, mas depois do assassínio tornou-se excepcionalmente silencioso. Dedicou-se, quase com fanatismo, à viúva e aos filhos de Jack e não escondeu uma franca antipatia pelo sucessor do irmão, Lyndon Johnson. Mas Ethel compreendia-o e amava-o, mais do que nunca, se era possível, porque sabia. Quando ele resolveu candidatar-se à presidência, teve a certeza.
"...Eminências, Excelências, Senhor Presidente. Em nome de Mrs. Kennedy e dos seus filhos, dos pais e irmãs de Robert Kennedy, desejo exprimir o que sentimos àqueles que pranteiam hoje connosco, nesta catedral e em todo o mundo..."
A data, era 8 de Junho de 1968; o lugar, a Catedral de St. Patrick, em Nova Iorque, e a voz a de Edward Moore Kennedy. Ethel Kennedy, vestida

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de luto e com um véu negro a cobrir-lhe o rosto, escutava, na companhia dos filhos. Julgara-se preparada para aquilo, não era a primeira vez que conhecia a morte, a morte súbita... Mas não chegara, nada a pudera, realmente, preparar para aquela dor.
Agora que ele partiu, continua-lhe a obra, à sua maneira. Fala mais francamente do que nunca a favor das coisas pelas quais o marido lutou, e embora tenha apenas quarenta e um anos continua a ser casada com Robert Kennedy. É uma Kennedy leal. Mas é também, resolutamente, ela própria. A sua vida está planeada. Não é uma mulher introspectiva, não permite que a tristeza se apodere dela nem a aceita dos outros. A sua ocupação são os seus filhos.
Está habituada a uma grande família, pois foi a penúltima de uma ninhada de sete filhos. O seu pai foi um holandês que subiu à custa do seu esforço, que começou por escriturário dos caminhos de ferro e nunca o esqueceu. A mãe era uma irlandesa atarefada e alegre. Talvez Ethel tenha aprendido nessas fontes a sua maneira de ser firme, prática e cordial.
Apesar da grande casa, dos hectares de terreno que a cercam e dos seus muitos filhos, a sua vida é relativamente simples. Toma o pequeno almoço cedo - às sete horas -, com os filhos.

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Leva alguns à escola, de automóvel, dá banho e alimenta o bebé, Rory. Almoça com parte dos garotos e lê-lhes histórias.
Tem muitos amigos. Multidões de celebridades visitavam Hickory Hill, quando Bobby vivia, e alguns ainda não perderam esse hábito. Ethel chama a essas estrelas do mundo do espectáculo "Centelhazinhas". Uma das suas normas firmes é não visitar as sepulturas dos Kennedys na companhia de qualquer celebridade. Visita os seus mortos na intimidade.
É profundamente religiosa, como Rose Kennedy, e lê a Bíblia aos filhos. Na realidade, existem certas semelhanças entre as duas mulheres, semelhanças que se exprimem na sua coragem. Creio que a força de ânimo de ambas provém da religião. "Nada sei da religião como um assunto nacional ou político", disse, uma vez, Rose Kennedy. "Mas creio que é maravilhosa para as crianças. Muitas procuram a estabilidade e o objectivo que ela lhes dá."
Também é possível, no entanto, que as duas mulheres possuam, por natureza, essas qualidades de estabilidade e objectivo e se limitem a exprimi-las através da atmosfera religiosa em que foram criadas. Seja como for, é facto incontestável que ambas professam a fé católica, a praticam fervorosamente e a ensinam aos seus filhos. E a sua fé dá-lhes coragem para aceitar a vida como se lhes apresenta, sem desespero.

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PATRÍCIA e Jean Kennedy foram as mais novas de cinco filhas, e depois delas só nasceu mais um filho na família de Joseph Patrick Kennedy: Edward. As duas filhas mais novas foram absorvidas, naturalmente, pela unidade familiar, como partes de um todo, e à medida que cresceram foram desempenhando o seu papel no apoio às campanhas políticas dos irmãos.
Patrícia casou com o atraente actor inglês Peter Lawford, e Jean desposou Stephen Smith, um homem de negócios competente, que zela agora pelos interesses da família.
O casamento de Patrícia terminou em divórcio, ao fim de onze anos e quatro filhos - três filhos e uma filha.
Embora respeitasse muito a família de Pat, Peter nunca se integrou nela, e assim como ele não podia entrar no mundo da mulher, esta não o podia abandonar.
Há muitos séculos, os Chineses decretaram

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que a mulher não pode nem deve continuar a pertencer à família do pai, quando casa. Não pode, porque o seu coração segue o marido e as responsabilidades e obrigações deste passam a ser, também, dela; não deve, porque o marido tem a obrigação de dominar a mulher e se, todas as vezes que ela se zanga, pode "voltar para casa da mãe", então é a mãe quem realmente domina, e não ele. Além disso, em nenhuma família há lugar para duas sogras e, portanto, a única sogra admissível, segundo a maneira de pensar dos Chineses, é a mãe do marido, a quem ele deve obedecer e respeitar e a quem a mulher também obedecerá e respeitará.
Há alguns anos, antes de os comunistas dominarem a China, diverti-me, e diverti alguns grupos de americanos, a comparar o humor chinês e o humor americano. Para isso, fiz listas de anedotas similares e pude apontar, assim, aquilo de que os dois povos riam.
Verifiquei que nos ríamos à custa do mesmo tipo de pessoas: sábios distraídos, artistas pretensiosos, médicos tão incompetentes que matavam mais do que curavam, etc. Só havia um tipo de pessoas de que os Americanos riam e que não aparecia na lista das piadas chinesas: a sogra do marido, ou seja, a mãe da mulher. E essa pessoa não estava na lista porque, na realidade, não existia. Fora eliminada havia muito, como um fardo que nenhum homem deveria suportar.

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Por isso uma esposa chinesa não tem permissão para sair da sua casa - isto é, da casa do seu marido - quando lhe apetece. Há, ou melhor, havia certos períodos - mais ou menos uma vez por ano - em que podia regressar a casa do pai, para uma breve visita. Mas nenhuma chinesa seria tão atrevida, tão mal educada, que se atrevesse a visitar a casa do marido da filha. Como consequência deste estado de coisas, não são necessárias anedotas a respeito das sogras dos maridos chineses.
Mas Patrícia e Jean Kennedy são americanas e é pouco provável que conheçam a filosofia tradicional chinesa e muito menos que a respeitem. Só aludi ao pormenor para demonstrar que os Chineses, sábios nas questões da natureza humana, talvez tenham acertado ao estabelecer o seguinte facto: para um casamento durar só pode ser considerada uma família, e essa é a do marido.
O noivado de Patrícia e Peter foi alvo de oposição paterna de ambos os lados. Peter Sydney Ernest Lawford, inglês de nascimento, é filho do falecido tenente-general Sir Sydney Lawford e de Lady Lawford.
Patrícia é a penúltima filha dos Kennedys e também a mais atraente, a menos dominadora, a mais submissa e meiga. No entanto, Lady Lawford deu a entender que preferia que o filho casasse com uma rapariga inglesa, talvez com um

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título - com qualquer rapariga, na realidade, menos com uma Kennedy.
O pai de Patrícia mostrou-se igualmente pouco entusiasmado com a união. Não lhe agradavam actores como genros e, sobretudo, não gostava de actores ingleses.
Mas, apesar da oposição encontrada, Patrícia e Peter casaram em Manhattan, na igrejinha de St. Thomas More, que fica no cruzamento da Park Avenue e da 89th Street, em 25 de Abril de 1954. Divorciaram-se onze anos depois em Gooding, Idaho. Foi o primeiro divórcio verificado na católica romana família Kennedy.
Durante anos, o casamento pareceu serenamente feliz, e tudo indica que ninguém, nem ao menos um repórter jornalístico, sabe por que motivo terminou.
Peter Lawford conheceu Jack Kennedy em casa do falecido Gary Cooper, em 1946, muito antes de conhecer Patrícia, e ficou logo impressionado com o magnetismo e o dinamismo de Jack. Em
1949 conheceu Patrícia, que se encontrava então em Hollywood, a trabalhar para a N. B. C. e para Kate Smith.
- Francamente, nunca conhecera nenhuma família como a dos Kennedys - confessa.
Era filho único, um tanto ou quanto introvertido, ensinado por um perceptor e com toda a tradicional reserva britânica. A casa, para ele,

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ficava aonde os aquartelamentos do pai o levavam e à mãe.
- A convivência de uma família numerosa e gregária era absoluta novidade para mim e tornei-me, pelo casamento, um intruso, numa situação quase insuportável.
Os Kennedys tentaram resolver o problema com sensatez. Eram muito dedicados a Pat e sabiam que Peter a adorava, por isso deixavam todas as portas entreabertas e esperavam que ele entrasse. Nunca lhe impuseram os seus conceitos políticos e religiosos nem, sequer, os seus jogos de bola.
- Confesso que foram precisos dois anos de contacto com o espírito da família Kennedy para eu começar a perceber que o seu segredo era a participação. Depois de, finalmente, me "aceitar", foi o pai de Pat quem me deu a deixa... Na realidade, ele próprio era um antigo homem de cinema. Em 1927 trabalhara na administração de firmas cinematográficas e, por isso, o negócio do espectáculo não constituía segredo para ele. Como fora sempre o centro das actividades familiares e encorajara os filhos a participar e a competir, fez o possível para me facilitar a entrada...
Mas, aparentemente, Peter não entrou muito bem.
Quando Pat casou com Peter, homem atraente, com o encanto e o temperamento de um actor, devia saber que um artista tem o seu próprio

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mundo, no qual vive e do qual nunca sai por completo, para entrar noutro.
Nem mesmo uma Kennedy consegue modificar um artista. O artista é o indivíduo mais impossível de modificar, pois consegue esquivar-se a qualquer situação ou a qualquer pessoa pelo simples recurso de se fechar no seu próprio mundo. E esse mundo é inteiramente diferente do mundo Kennedy, no qual tanto homens como mulheres se dedicam mais a fazer do que a criar e dominam adoptando uma posição activa.
O artista é um criador e não pretende conduzir nem dominar. Limita-se a oferecer o que criou, para ser aceito ou rejeitado, e quando qualquer dessas coisas acontece ele segue para a frente, dedica-se a nova criação, mas sempre dentro do seu próprio mundo.
Peter Lawford não se podia tornar parte do "clã".
- Ser da família do presidente dos Estados Unidos é uma grande honra - admitiu -, mas não é, nem nunca será, uma carreira. Quando os Kennedys nos aceitam no coração, passamos a ser inteiramente um deles. Os meus quatro filhos nunca serão solitários, pois são membros absolutos da Tribo.
O caso de Jean Kennedy Smith é, no entanto diferente. Stephen Smith possui uma força própria,

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embora serena e discreta. A sua família "tinha dinheiro" muito antes de os Kennedys conhecerem as vantagens da riqueza. Sem abdicar da sua personalidade, tem utilizado os seus talentos e a sua experiência para servir a família Kennedy e os seus interesses.
É-lhe dedicado, embora não seja um idealista nem um cruzado. É o membro não-político de uma família política. À sua maneira especial, assemelha-se a Joseph Patrick Kennedy, no aspecto de possibilitar aos homens Kennedys tornarem-se potências políticas.
Era um jovem homem de negócios, já bem-sucedido, quando casou com Jean Kennedy, em 1956. Jean Smith, de olhos azuis e cabelo escuro, é de todas as Kennedys a menos interessada em política. Gosta do seu lar e da sua intimidade e é uma boa mãe para os seus filhos e uma boa esposa para o seu atraente, inteligentíssimo e jovem marido. Este possui tanta habilidade para os negócios que um ano depois do casamento o sogro o convidou a administrar e expandir os interesses dos Kennedys no petróleo. Agora administra os investimentos de mais de trezentos milhões de dólares dos Kennedys, mas recusa-se delicadamente a discutir o assunto.
Não destoa absolutamente nada na família Kennedy, pois também é um excelente atleta e os Kennedys até o consideram o melhor desportista

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de todos eles, em golfe, ténis, esqui e, mesmo, em râguebi!
Tem administrado, com extraordinário êxito, as campanhas dos Kennedys. Até agora, não demonstrou inclinação para entrar na política, embora alguns amigos seus digam que, seja qual for o tópico de uma conversa, ele acaba sempre por a desviar para a política. Constou-me, pelo menos, que o próprio Smith diz: "Não há modo de usar as faculdades mais completamente do que na política." A sua mulher é uma verdadeira Kennedy e está convencida de que, se ele entrasse na política, poderia ser bem-sucedido. Mas, depois das tragédias que atingiram a família, é de crer que Stephen Smith continue a ser o que é: o dedicadíssimo e competentíssimo administrador da fortuna familiar que, cheio de esperança, proporciona os meios de a próxima geração de Kennedys poder, também, evidenciar-se como guia da nossa vida nacional.

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DESTA geração dos filhos de Joseph e Rose Kennedy só resta, dos quatro filhos varões, Edward. O assassínio dos seus dois irmãos guindou-o, inevitavelmente, a uma proeminência precoce e ele assumiu, corajosamente, o papel de chefe da família.
Quando o undécimo filho de Ethel Kennedy nasceu, era ele o homem que estava perto, para o que fosse preciso. Três gerações de Kennedys consideram-no agora o seu guia.
As crianças Kennedys ainda são muito jovens para assumir responsabilidades. Quem lhes ensinará a forte doutrina Kennedy de unidade familiar e de vontade de vencer? Edward Kennedy será suficientemente forte e suficientemente adulto - sê-lo-á algum homem novo? - para chefiar uma família de três gerações?
É uma tarefa colossal. Com tempo, um homem assume gradualmente os papéis de filho, marido, pai e avô, mas Edward Kennedy dispôs de poucos

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anos, apenas, para os assumir todos e suportar o seu peso. Tem de ser, também, o chefe dos empreendimentos financeiros da família, enquanto giza a sua própria carreira política e a vai seguindo. Tudo ao mesmo tempo. Em circunstâncias favoráveis, e num ambiente público amigável, tais responsabilidades poderiam ser encaradas com optimismo, mas as circunstâncias não são favoráveis e o ambiente público é hostil.
Quando surgem na vida pública indivíduos possuidores de atributos e de bens materiais muito superiores aos nossos, é difícil ao homem médio julgá-los objectivamente ou ser, sequer, justo com eles. Na nossa sociedade, a tendência para ser menos do que justo com os especialmente dotados é perigosa, e nós só temos a perder com isso. Mas falaremos disto mais a preceito noutra altura. Aludi a estes pormenores, aqui, porque se aplicam à família Kennedy, neste momento, e as consequências pesam sobretudo sobre Edward Kennedy. Desaparecidos os irmãos, a acumulação de críticas recai apenas nos seus ombros.
A sua principal desvantagem é pessoal e não lhe cabe absolutamente nenhuma culpa dela. Ser o filho mais novo de uma família é sempre uma desvantagem, tanto mais quando a família é grande. O benjamim é alvo de mais mimos, é inconscientemente apaparicado, e isso cria-lhe uma tendência para contar mais com o favoritismo do que com as realizações pessoais.

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Ao mesmo tempo, adquire um sentimento de dúvida em relação à sua capacidade, comparada com a dos irmãos e das irmãs mais velhas. O facto de ser o favorito e de o querer ser, juntamente com o desejo de provar que se tem valor próprio, são autênticos alicerces para uma personalidade insegura e hesitante.
No caso de Edward Kennedy, a dicotomia é evidente. Está emocionalmente marcado pelos elevados ideais que o seu pai e a sua mãe inculcaram nos filhos, mas outras forças contraditórias, emanentes da sua situação no grupo familiar, tornaram-lhe difícil adquirir e aperfeiçoar a autodisciplina necessária para a consumação desses ideais.
A disciplinização própria é a mais difícil de todas as disciplinas. É posta à prova em momentos de crise, quando, perante um dilema desesperado, uma pessoa se transforma num herói ou num cobarde. Os três irmãos mais velhos não tinham nada de cobardes. Não se sabe se acontecerá o mesmo com Edward Kennedy. Estou certa de que nem ele próprio sabe.
Não é um problema simples. Ele tem deveres e responsabilidades, em qualquer dos casos. A ameaça de assassínio quase certo, se continuar a sua carreira política com vista à presidência, poderá estigmatizá-lo como cobarde, se resolver abandonar essa carreira.
Por outro lado, as suas responsabilidades como

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único filho vivo da família e, portanto, seu chefe e na situação de pai de dezasseis crianças, dá-lhe não só um pretexto, mas também uma obrigação real de continuar vivo. Só ele deverá decidir, e só ele decidirá. A disciplina e o idealismo desta família são tais que, estou certa, nenhum membro - nem sequer a sua mulher - tentará influenciá-lo.
Havia muito tempo que não pensava na família Kung, de Pequim. Disse que nós, Americanos, somos injustos para com os nossos homens e mulheres dotados, para com as nossas famílias. Acontece o mesmo na China.
Recordo-me de uma visita de uma semana que, em tempos, fiz à propriedade da família Kung no campo. Era Verão, o dia estava lindo e o ar tão límpido que as montanhas distantes pareciam próximas. A Senhora Kung resolveu dar um passeio e, acompanhadas por razoável número de noras e criadas, transpusemos o grande portão vermelho. Depois de caminharmos cerca de meia hora, passámos por uma vala funda, na berma da estrada. A Senhora Kung apontou-a, com a sua bengala de bambu, e disse:
- Foi naquela vala que os meus pais e eu nos escondemos, quando os nossos camponeses se revoltaram contra nós. Queriam assenhorear-se da nossa terra, mas os exércitos imperais salvaram-nos.
Pareceu momentaneamente absorta nos seus

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pensamentos e eu não a perturbei. Por fim, acrescentou, a suspirar:
- Provavelmente, eu e a minha família voltaremos a esconder-nos lá, um destes dias... Os pobres odeiam sempre os ricos.
A sua profecia realizou-se. Passados anos, quando os comunistas tomaram conta do poder, atiçaram a ira dos camponeses contra os ricos, os bem-sucedidos e os poderosos, e a família Kung ficou à sua mercê. Infelizmente, já não havia exércitos imperiais para os salvar, pois o tempo do Império terminara e os camponeses, ignorantes e irados, tinham o poder nas mãos. A Senhora Kung e o marido foram enforcados nas vigas pintadas do seu grande salão ancestral, e os seus filhos e as mulheres destes fuzilados. Quanto aos netos, levaram-nos e colocaram-nos em orfanatos comunistas. Os camponeses saquearam a antiga casa e roubaram todos os seus tesouros, e a terra foi dada a uma comuna.
Assim terminou uma grande família de Pequim. Eram demasiado ricos, poderosos e bem-sucedidos, os homens eram muito atraentes e as suas mulheres muito bonitas, e por isso o ódio dos camponeses e da gente vulgar destruiu-os.
A "dinastia" Kennedy dos Estados Unidos também será destruída? A resposta depende da decisão de Edward Kennedy. Terá capacidade para conduzir os jovens varões Kennedys à grandeza?

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Reparo que tenho empregado com muita frequência as palavras grande e grandeza nesta avaliação que faço dos Kennedys. A verdade, porém, a verdade realista, é que já não temos autênticos grandes homens neste mundo. Onde estão eles? Onde estão os grandes homens nos governos, na ciência, na literatura, nas artes e, até, nos exércitos? Onde estão os chefes do pensamento e da acção?
Passámos pela tragédia de duas guerras mundiais. O maior prejuízo, na guerra, não é o dinheiro e, sim, a morte dos corajosos, dos inteligentes, dos homens necessários. Emprego o termo necessários deliberadamente, pois o progresso humano depende de homens extraordinários. E não são muitos os que nascem. Pelo contrário, são lastimosamente poucos, proporcionalmente à população total. Mas esses homens são chefes tanto na guerra como na paz, são os corajosos, os valentes, os expeditos e os temerários - e como são eles que conduzem as batalhas, são os que mais expostos estão ao perigo e os que primeiro morrem.
Há duas gerações que o mundo está em guerra de uma maneira ou de outra, num lugar ou noutro, e todas as nações implicadas em tais conflitos sofrem as consequências da perda dos líderes - sofrem-nas tanto politicamente como em todos os outros aspectos da vida nacional.
Temos homens competentes e úteis, que fazem

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todos os esforços para enfrentar os acontecimentos, mas não temos homens suficientemente grandes para moldar esses acontecimentos. Aliás, seria estultícia esperar grande melhoria, nesse aspecto, no futuro, pois os chefes potenciais que, demasiado cedo, deixaram a vida nos campos de batalha de todos os pontos do mundo, teriam gerado filhos como eles. E não geraram. Esses filhos nunca nascerão; a semente dos pais perdeu-se para sempre.
Quando, como no caso de John e Robert Kennedy, já havia filhos, não sabemos como terão sido afectados pela morte dos pais. O medo e o ressentimento podem impedi-los de seguir a tradição de coragem e excelência dos Kennedys, podem ter-lhes roubado a vontade de vencer. Apenas com riqueza e posição social, é duvidoso que a família consiga perpetuar a sua unidade presente. Como a família Kung e como a família Bouvier, pode desintegrar-se em unidades isoladas, cada uma com os seus interesses pessoais e indiferente a tudo o resto, até a família ser absorvida pelo todo geral e deixar de existir.
Por outro lado, existe a possibilidade de, herdeiros dos genes propícios, alguns - ou apenas um - sejam inspirados pelo martírio dos tios e se ergam acima dos outros, para conquistarem o seu lugar no Tempo e na História. Mas precisarão de tempo para crescer e amadurecer; têm esse

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direito. A ausência do pai, nesta terceira geração, não pode deixar de produzir efeitos.
A juventude de Edward Kennedy, a sua imaturidade e indecisão, tornam forçosamente ténue a imagem do pai. As mulheres Kennedys, roubadas dos homens de quem dependiam, permanecem como símbolos proeminentes de força da terceira geração kennedyana.
Se Edward Kennedy se retirar das lides políticas, talvez tenha tempo e energia suficientes para assumir a chefia da família e criar uma imagem paterna forte e capaz de influenciar a geração juvenil. Mas, por outro lado, o simples facto de se retirar também poderá enfraquecer essa imagem. Como definir a coragem, em semelhantes circunstâncias?
Joan e Ted desejavam uma grande família. "Maior que a do Bobby", disseram uma vez. Joan sofreu dois abortos e, durante algum tempo, pareceu que não poderia ter mais filhos, além de Kara e Teddy.
O seu problema é muito especial e muito raro. Teve a sorte de levar Patrick a termo, depois de os obstetras tomarem todas as precauções indicadas para neutralizar esse problema.
Ted esperara ter, pelo menos, dez filhos, mas agora são poucas as possibilidades de que venha a ter mais. Rose confessou, uma vez, que ficaria

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contente se Teddy limitasse a sua família. "Se Bob me tivesse ouvido", acrescentou, "teriam parado nos oito ou nove."
No princípio do Outono, os jornais deram a triste notícia de que Joan Kennedy perdera o filho que trazia no seio. Ted Kennedy não deixará, com certeza, de perguntar a si mesmo se as consequências do infeliz acidente de Cape Cod terão perturbado a mulher ao ponto de a afectar fisicamente. É provável que os médicos não sejam dessa opinião. O corpo tem as suas próprias funções a desempenhar e outras mulheres que sofreram grandes tensões emocionais nem por jsso deixaram de dar à luz filhos sadios. Mas o corpo e o espírito estão estreitamente relacionados numa mulher de grande sensibilidade e sob forte tensão, e nesses casos o corpo afecta o espírito, assim como o espírito afecta o corpo. Não há resposta para a interrogação do jovem marido. É mais uma catástrofe que tem de acrescentar às precedentes.
Mas falemos agora de Joan Kennedy. Vemo-la uma vez por outra, mas ainda vagamente. Viveu durante anos na sombra de Jacqueline Onassis e só recentemente emergiu da sombra de Ethel Kennedy.
Chama-se Virginia Joan Bennett e residiu com a família em Bronxville, Nova Iorque. Era uma rapariga tão bonita e tão loura que quando, em

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1958, o cardeal Spellman a casou com Ted Kennedy, o New York Daily News dedicou toda a página da frente à sua fotografia, a sair da Igreja de St. Joseph, de Bronxville, com o marido. Ted Kennedy estudava, então, Direito na Universidade de Virgínia, onde o jovem casal passou um ano de felicidade, enquanto ele terminava o curso e antes de mergulhar na luta política da família.
É uma jovem sossegada e pianista tão talentosa que o seu nome foi sugerido para artista convidada da Orquestra Sinfónica de Boston. Bonita como é, as pessoas mostram tendência para esquecer que também é inteligente e, até certo ponto, estudiosa. Durante o último ano que o marido passou na universidade, ela aproveitou para tirar cursos de sociologia e história americana.
Como as outras noras da família, é uma Kennedy dedicada e leal e, também, esposa e mãe devotada. O principal objectivo da sua vida tem sido dar felicidade ao marido e aos filhos e ter uma casa agradável, um lar onde saiba bem descansar, brincar e crescer.
Os filhos frequentam a Beauvoir School, a cujas reuniões e cerimónias ela comparece fielmente. A propósito, não há televisão em casa, à noite, na época escolar, e os pais sujeitam-se à mesma regra.
Como todas as Kennedys, Joan é profundamente religiosa e católica romana. As obrigações

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religiosas, os deveres do lar, a sua filiação na Orquestra Sinfónica Nacional de Washington e os seus deveres de esposa de um jovem senador, mantêm-na ocupada. As pessoas gostam dela e Joan arranja sempre tempo para lhes falar, quando participa nas campanhas do marido. No entanto, não gosta das campanhas. Diz, a tal respeito: "Se não fosse casada com Ted estaria em casa com os meus filhos e levaria uma vida muito mais íntima. Não gosto, francamente, de fazer isto, mas faço-o porque amo Ted."
Uma alma muito rica, eis como a descreveu uma pessoa amiga - muito rica e muito sincera, deve-se acrescentar. Não hesita, sequer, em criticar o marido, em certas ocasiões, e aconselha-o a ser mais humano na maneira como aborda as pessoas e a exprimir os seus pensamentos numa linguagem que todos compreendam facilmente. Em certos aspectos - aspectos afectuosos, de todos os dias -, parece-se com a cunhada, Ethel. Mas esta arranja amigos com mais facilidade, é mais brincalhona, mais viva e menos reservada.
Joan dá-me a impressão de não desejar dar nas vistas. Quando apareceu de mini-saia num jantar da Casa Branca, não foi para desafiar o protocolo nem as convenções. O jantar estava marcado para cedo - seis horas -, não havia qualquer indicação quanto ao vestuário e ela, assim como outras pessoas, supuseram que se tratava de uma função semiformal. Sejam quais

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forem as suas qualidades, e elas são genuinamente boas e nalguns aspectos até invulgares, o importante é que, ao casar, se tornou voluntariamente e de todo o coração uma Kennedy - talvez ainda mais do que a sua cunhada Ethel o conseguiu ser.
Se Ethel não voltar a casar, a marca dos Kennedys será permanente nela. Se voltar, não será, pois a sua personalidade é tão forte e ela identifica-se tão totalmente com o homem, com o chefe da família, que criará novas maneiras de proceder, como Jacqueline Onassis - ou talvez seja mais exacto dizer que a sua verdadeira personalidade se definirá. A força dos Kennedys influenciou profundamente a mulher com a qual cada um deles casou e que ficou também sujeita à influência da família unificada. Jacqueline libertou-se disso. Será possível que Ethel também se liberte? E Joan? Os jornais de hoje, que tenho à minha frente, em cima da secretária, anunciam que Joan se divorciará do marido. É uma das trinta e seis maneiras de libertação.
Um antigo provérbio chinês diz: "Das trinta e seis maneiras de escapar a melhor é fugir." Talvez seja verdade, não sei. Mas na vida de muitas mulheres - porque não hei-de dizer a verdade absoluta? -, na vida de todas as mulheres pode haver um momento que ela reconhece, um momento em que chega definitivamente à conclusão

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de que não pode suportar mais. Tem então de decidir como se libertará.
Todas as Kennedys, pelo nascimento ou pelo casamento, enfrentaram esse momento. É inevitável, sendo os Kennedys o que são: atraentes, volúveis, impetuosos, brilhantes e susceptíveis aos encantos femininos. Numa palavra, são incuravelmente irlandeses. Serão precisas gerações de mistura com outros sangues para diluir o irlandês até ao ponto de ser "seguro" qualquer mulher casar com um Kennedy. Uma geração não chega.
Pondo de parte as mulheres - e na família Kennedy elas estiveram sempre de parte, à espera de serem necessárias -, a verdadeira decisão do futuro da família pertence a Edward Kennedy. Ele é o último varão adulto de uma família de homens notáveis e ainda não se tornou evidente se será capaz de estar à altura da grandeza dos anteriores. Talvez ele próprio não esteja certo de o desejar.
A grandeza exige um grande tributo em abnegação e autodomínio. Além disso, a nossa época não é de grandes homens. Em tempos que já lá vão, a História foi feita por homens únicos, e aqueles que a escreveram relataram os feitos de homens excepcionais. Agora a História faz-se de acontecimentos, acontecimentos que não são

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criados por personalidades fortes e poderosas e, sim, por acasos que se acumulam uns sobre os outros.
Só será possível compreender toda a amplitude do perigo da situação humana quando nos compenetrarmos de que o nosso tempo é caracterizado por acontecimentos gigantescos e consequências graves, mas não por grandes homens. Até as mulheres deixaram de progredir no sentido de uma maior consciência de responsabilidade, pois a tendência dos cidadãos é, antes, a de se refugiarem em pequenas e seguras áreas de domesticidade.
Chega-me neste momento às mãos uma remessa de novas revistas e jornais. Todos eles trazem um cabeçalho acerca de Ted Kennedy. A maneira como se espiam e dissecam todos os seus movimentos quase faz pensar em abutres.
Tal procedimento está em oposição directa com os princípios de julgamento recentemente acordados pelos advogados, isto é, que as pessoas acusadas se devem presumir inocentes enquanto não se provar que são culpadas. Têm igualmente o direito de ser julgadas numa atmosfera isenta de paixão, preconceitos e sensacionalismos. Ora a implacabilidade com a qual se noticia tudo quanto se refere aos Kennedys, homens e mulheres, cria uma atmosfera em que é praticamente impossível encontrar pessoas isentas de preconceitos, que possam servir de jurados em caso de

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haver qualquer julgamento. Não se deveria ferir desnecessariamente a reputação de ninguém, mas a dos Kennedys tem-no sido vezes sem conta.
Conheci o senador Edward Kennedy num quente dia primaveril em que, depois de marcar entrevista, fui ao seu escritório, em Washington. O objectivo que lá me levou não era político: desejava pedir-lhe autorização para utilizar certo material numa coisa que estava a escrever. Cheguei pontualmente, mas informaram-me de que o senador ainda não regressara do almoço; no entanto, não se devia demorar.
Interessam-me sempre os escritórios dos homens, pois são tão reveladores como as casas de que as mulheres cuidam. O de John Kennedy fora confortável e elegantemente informal. O de Robert Kennedy, mobilado com sobriedade, ordenado e de certo modo vazio. O de Edward Moore Kennedy parecia atravancado, desordenado e cheio de raparigas novas e de alguns homens também novos, todos atarefados. Havia livros e jornais empilhados no chão, as estantes estavam cheias e os telefones não paravam de tocar. A atmosfera era de pressa e azáfama, se não de balbúrdia.
Não gosto de esperar e comecei a sentir-me impaciente. Viera de longe, para comparecer àquela entrevista, e tinha outra a seguir. Por fim, a

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minha paciência esgotou-se e levantei-me. Acto contínuo, uma jovem encantadora informou-me de que o senador já me podia atender. Serenei e fui ao seu gabinete.
Um homem novo, alto e entroncado levantou-se para me receber, de telefone na mão, pois estava a falar com qualquer pessoa. No entanto, trocámos um aperto de mão e eu sentei-me. Continuou a falar ao telefone e resolvi aproveitar o ensejo para o observar. Achei-o mais alto do que os irmãos, mas não tão esbelto nem tão distinto como os outros que conhecera. Parecia-se mais com a mãe, talvez. Tinha o rosto mais redondo do que os dos irmãos, e com um bocadinho de papada, a pele era menos clara e os olhos mais pequenos. No entanto, tinha uma cara atraente e não havia nela nada que um bocado de exercício e de disciplina no capítulo de comidas e bebidas não pudesse corrigir.
Também não primava pelo arranjo imaculado dos irmãos. O seu fato estava a precisar de ferro e ele usava-o com uma sem-cerimónia quase agarotada. Começou a falar mal pousou o auscultador, a dizer que estava ocupadíssimo, que tinha outra entrevista e a frisar que se tratava de um assunto muito importante. Os seus irmãos, mais sofisticados, haviam-se colocado imediatamente ao meu dispor e escutado o que lhes tinha a dizer com uma atenção que, sincera ou não, demonstrava

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que talvez fossem mais experientes do que o jovem senador que tinha à minha frente.
Mas gostei dele, apesar de tudo, e interessou-me ouvi-lo e observar, enquanto falava, indícios que reconheci perfeitamente, graças à minha própria experiência com os meus três filhos: a importância da posição de cada filho em qualquer família. Edward Kennedy tinha todas as características de um benjamim. Notava-se nele uma certa tensão, resultante, sem dúvida, da necessidade de competir com irmãos mais velhos e, quiçá, mais inteligentes, desvantagens a que já aludi atrás.
Era nisto que pensava enquanto ouvia o jovem senador e observava o seu rosto. Por fim interrompi-o, para explicar por que motivo ali estava. Quase não perdeu tempo a ouvir-me - outra diferença entre ele e os irmãos. Eles eram mais velhos, mais seguros de si e sentiam menos necessidade de demonstrar a importância do que faziam.
A capacidade de ouvir outra pessoa conversar, de prestar atenção aos seus interesses e pontos de vista, é um sinal de maturidade, quando o pormenor da posição não se põe sequer em dúvida. O filho mais novo de uma família tem de tagarelar, argumentar, reclamar, insistir, exigir e, se necessário, recorrer à birra, para definir a sua posição.
Tenho um neto de cinco anos, um milagre de

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inteligência e traquinice, que, quando o pai, atingido o limite da exasperação, pega na palmatória para lhe aplicar um merecido castigo, levanta a minúscula mão direita, à maneira pontifical de um advogado experiente, e diz: "Um momento, paizinho. Primeiro deixe-me explicar exactamente por que..." E explica, ad infinitum, até tornar bem clara a sua posição.
Esse mesmo garoto, no meio de um grande grupo familiar, consegue, graças a um tagarelar contínuo, monopolizar a atenção de toda a gente e conquistar, assim, a compreensão de todos os ouvintes. São estes os atributos dos filhos mais novos, é mercê de habilidades deste género que logram iludir a disciplina e os padrões de comportamento impostos aos filhos mais velhos.
Por exemplo, nunca conheci nenhum filho mais novo que não fosse um condutor de automóveis temerário. O meu próprio filho mais novo, agora um cidadão absolutamente estável e sensato, foi, num período da sua vida, um verdadeiro louco quando se apanhava ao volante. Por sinal, quando estudou em Harvard, as suas notas sofreram os efeitos da sua obsessão pelos carros de corrida. Por isso compreendo a propensão do jovem senador para conduzir depressa. Desrespeitar as leis que regem a velocidade é um indício de insegurança, a necessidade de provar a si próprio quanto se vale. Quando a maturidade chega, essa

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necessidade desaparece e a agulha do velocímetro desce para o normal.
Poder-se-á perguntar: quanto tempo dura essa fase? A resposta só pode ser uma: a duração varia com o indivíduo. No caso de Edward Kennedy talvez dure mais do que noutros, visto ele ter tido nada menos de três irmãos mais velhos de inteligência e competência extraordinárias. Até mesmo as suas irmãs possuem a força e o encanto Kennedy. A competição foi, na realidade, grande.
Admirei, no seu gabinete, uma secretária esculpida à mão e muito pequena. Tem o tampo forrado de couro e, a um canto, uma placa que diz: "Para Joseph P. Kennedy III". Tem, ainda, as seguintes iniciais: "J. B. K.", que representam o nome de Jacqueline Bouvier Kennedy. A secretária pertenceu a Joseph Kennedy Júnior, o filho mais velho dos Kennedys, e a placa destina-a ao filho mais velho de Robert Kennedy. Este também a usou e agora está no gabinete de Edward, mas um dia pertencerá ao jovem Joe III.
Descobri também, numa parede, um mapa de notas escolares, com um "C" a destoar no meio de uma série de "As". Pertenceu a Rose Kennedy e, segundo Edward Kennedy me contou, foi encontrado pelo seu irmão Jack que, ao ser aconselhado pelos pais a obter melhores notas, na escola, retaliara com o velho mapa das notas da mãe. Ela, uma estudante que açambarcava

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"As", também tivera um "C", hem? Em resposta à carta zombeteira do filho, a mãe recomendara-lhe que fizesse o que ela lhe dizia e não o que ela fizera.
A minha visita desse dia a Edward Kennedy terminou num tom muito familiar e muito afectuoso. Falámos da sua mãe e não me restaram dúvidas de que ele se orgulha muitíssimo dela. Aliás, os seus sentimentos pela família pareceram-me muito fortes e abrangerem ternamente os filhos, os sobrinhos e as sobrinhas.
Ao sair, perguntei a mim mesma: "Este homem virá algum dia a ser presidente?"

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ADOPTÁMOS os princípios da democracia e vivemos de acordo com as suas leis e os seus ideais. Estaria tudo muito bem num sistema tão idealista se não fora o facto, de que poucos têm plena consciência, de uma democracia ser essencialmente competitiva. Pelo menos em teoria, todos têm igual oportunidade de vencer. Teoricamente, também, cada um é tão bom como qualquer outro e tem o mesmo direito e a mesma oportunidade de tentar e de se tornar rico e poderoso.
Mas, na inevitável competição, uns são melhor sucedidos do que outros, devido a qualidades congénitas de talento e vontade. Estes são os vencedores naturais. Na nossa geração, nos Estados Unidos, os Kennedys têm sido vencedores naturais, possuidores de uma mistura ideal de fortuna, aspecto atraente, coragem, talento natural e grande determinação.
Uma tal abundância de predicados só pode

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conduzir a complicações e até, como vimos, à morte. O nosso povo não consegue, pura e simplesmente, o tolerar tão extraordinária combinação. Com um pretexto ou outro, as pessoas assim, que "têm tudo", devem ser eliminadas. Fredric Wertham, o conhecido psiquiatra, chama-lhe "magnicídio, o assassínio de alguém grande". E a democracia, segundo David Riesman, sociólogo de Harvard, faz surgir a pergunta: "Porque és tu tão grande e eu tão pequeno?"
Este ponto fraco do nosso sistema competitivo não se pode curar por meio de medidas policiais repressivas, pois elas negariam as próprias bases do sistema democrático. A família Kennedy é um exemplo trágico do crime monstruoso que nega a própria democracia. A violência da inveja que as massas e o indivíduo têm das pessoas talentosas e bem-sucedidas pode até impedir que tais pessoas se realizem.
E, no entanto, nós precisamos desesperadamente de pessoas talentosas, pois elas são os líderes necessários para beneficiar as massas. Precisamos delas em todos os níveis da vida. Eu própria, embora, evidentemente, tendo em conta as devidas proporções, vivi uma experiência semelhante à que quase destruiu os Kennedys.
Foi na universidade que compreendi o perigo de ser popular e ter êxito. Crescera na sociedade chinesa, uma sociedade protegida pela família e

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não competitiva onde, se eu me esforçasse o mais possível, só receberia louvores e manifestações de respeito. Mas "no meu país, na minha sociedade, não acontecia assim! Este facto impressionou-me profundamente, pela primeira vez, no último ano da universidade quando, precisada do dinheiro do prémio para as despesas de formatura, participei num concurso de contos e noutro de poesia. Infelizmente para a minha popularidade, ganhei ambos. Em vez de rostos contentes e amigos, depararam-se-me olhares hostis e resmungos de que não era "justo" atribuir dois prémios à mesma pessoa.
Anos depois, quando recebi o Prémio Nobel de Literatura - confesso que totalmente inesperado -, levantou-se uma onda de cólera pelo facto de uma mulher, e para mais uma mulher que passara a maior parte da sua vida na China, ter sido premiada como americana.
Robert Frost, benza-o Deus, declarou: "Se ela pode ganhar o Prémio Nobel, qualquer pode"; Theodore Dreiser, que era um fiel correspondente meu, deixou bruscamente de me escrever; Henry Canby, então redactor da Saturday Review of Literature, escreveu um editorial violentíssimo, e por aí fora, ad infinitum. O rancor ainda existe em certos círculos, mas eu aprendi a compreendê-lo. Na opinião popular do nosso país, o maior dos crimes é falhar. O Americano não se pode perdoar a si mesmo e, portanto, também

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bem não perdoa àqueles que venceram enquanto ele falhou.
Nos casos em que a provocação atingiu limites extremos, como no exemplo dos Kennedys, o resultado foi fatal e, na minha opinião, continuará a sê-lo. Alguns dos netos dos Kennedys evidenciam sinais da forte combinação de encanto, ambição e força de vontade característica da família. A tragédia desta geração poderá persegui-los, também, na próxima. Os Kennedys sabem-no e o medo atormenta-os.
Poucos homens, por muitos talentos que possuam, são suficientemente fortes para viver em tais circunstâncias, e poucas são também as mulheres com coragem suficiente para serem suas esposas. No entanto, até agora, aos Kennedys não tem faltado a força nem às Kennedys a coragem necessárias para enfrentar as circunstâncias, e por isso merecem, justamente, todas as honras e louvores. Mas não lhes serão concedidos, pois não é de esperar justiça quando as emoções entram no jogo.
Todavia, as Kennedys vivem acossadas pelo medo, têm de o aceitar como uma parte inevitável da sua vida. Merecem, por isso, todos os louvores por serem fiéis aos maridos e não os tentarem trocar; sabem, sem dúvida, que tais homens não só não devem ser trocados, como também não podem ser trocados. O seu destino é moldado pelo que eles são, e se uma mulher

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não é capaz de aprender a viver com o medo deve abandonar o homem cuja vida decorre no meio do medo. Há um tributo que se deve prestar às mulheres que amaram e permaneceram casadas com os Kennedys: o facto de nenhuma delas ter abandonado o marido. Das Kennedys que casaram com outros homens, duas permaneceram casadas com eles porque os seus maridos eram suficientemente fortes para identificar as suas vidas com os interesses e ambições da poderosa família das mulheres e acrescentaram à sua força extraordinária responsabilidade e contribuição pessoal.
Não desejo dar a impressão de que o medo prejudicou as Kennedys. Aconteceu precisamente o contrário. Apesar do medo, elas vivem temerariamente. Suponho que a religião fortalece mais o espírito das mulheres do que o dos homens, sobretudo quando se trata da fé católica romana. Mas uma mulher que casa com um homem como os Kennedys tem de possuir uma paciência infinita e uma grande capacidade de amor desinteressado e incomensurável.
Estes homens ousados, impetuosos e inteligentes vivem a uma altura e com uma intensidade desconhecida do homem comum. Estão em constante competição, não apenas com outros homens, mas também consigo próprios. O feito de hoje já não chega para amanhã, eles sentem a necessidade e a vontade de bater constantemente

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os seus próprios recordes. Uma montanha alta não lhes chega: só se sentem contentes quando escalaram a mais alta de todas e encontram à sua frente apenas o céu vazio.
Manobrar um barco em águas calmas não lhes basta; têm de arriscar a vida a navegar pelos rápidos mais perigosos. Se lhes recordarem que têm outras vidas a considerar além das suas, isso só servirá para tornar o desafio maior, em virtude de o risco ser maior. Entram em todos os jogos, para ganhar ou perder. Três filhos dos Kennedys perderam; a dúvida enche de sombras carregadas o futuro do quarto.
A infinita paciência das mulheres dos Kennedys e a sua insondável capacidade de amor não têm sido cruelmente postas à prova apenas pelas crises de temeridade e pela audácia da coragem instintiva; a necessidade de aceitação imediata dos acontecimentos inesperados de todos os dias também não as tem poupado. A intensidade e o ritmo a que tais homens vivem conduzem inevitavelmente a actos de inacreditável insensatez. A tensão encontra uma via de escape na alegria louca e no comportamento atrevido, mais próprios de adolescentes do que de homens feitos.
As pessoas de menor grandeza surpreendem-se, naturalmente, com o inexplicável contraste entre as demonstrações de inspirada prudência e sabedoria e as brincadeiras quase infantis, em que a tensão diminui - e ela tem por força de diminuir,

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pois a natureza impõe uma reacção a toda a acção. Um temperamento calmo e pensativo não origina tais extremos, mas também não atinge semelhantes alturas de poder e ousadia. É natural que uma nação se sinta escandalizada ao ler o relato de diversões infantis, em que os convidados são empurrados, completamente vestidos, para dentro de piscinas e em que a embriaguez é tolerada.
Mas nós não nos devíamos sentir escandalizados. Estes homens, sobre os quais o desafio da vida pesa mais do que sobre quaisquer outros, precisam, às vezes, de regressar a um mundo infantil, a um refúgio onde possam fugir às exigências diárias da chefia e comportar-se como as crianças se comportam, rir como elas riem, mandar a prudência ao demónio e esquecer, momentaneamente, quem são e o que estão condenados a ser. Têm de proceder assim porque nasceram para chefiar.
As mulheres que desposam homens do tipo dos Kennedys compreendem isto e não acham que seja necessário perdoar seja o que for, pois, quanto a elas, não há nada a perdoar. Amam os seus homens exactamente como eles são, querem que eles sejam como são e façam o que desejam fazer.
"Ela é um grande apoio para um marido", disse Robert Kennedy acerca da sua mulher,

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Ethel, depois de dezoito anos de casados. "Pensa sempre que eu tenho razão e os outros não."
Quando Robert discutiu com a família Kennedy se deveria ou não candidatar-se à presidência, a mulher, que sem dúvida sabia ser esse o desejo sincero do marido, tomou o seu partido contra todas as objecções. Além disso, insistiu em que a decisão era só dele e declarou:
- Isso prova-lhes como o Bobby é formidável. Ouviu todos os argumentos e fez aquilo que considerou certo.
Terá sentido amargos remorsos quando a tragédia do assassínio do marido se abateu sobre ela e sobre todo o mundo? Suponho que não. Se Robert Kennedy fosse persuadível, não teria sido o homem a quem amara. Bobby cumprira o seu destino.
No entanto, ao meditar nestas relações entre homem e mulher, pergunto-me se não será mais fácil - se fácil é a palavra adequada, pois nada entre homens e mulheres é realmente fácil -, pergunto-me, dizia, se não será mais fácil aceitar um único acontecimento trágico, até mesmo a morte, do que aceitar os acontecimentos mais insignificantes, mas não menos difíceis, da vida quotidiana, a constante incerteza das horas marcadas ou dos encontros prometidos, sempre sujeitos a mudança ou a cancelação. Isto é apenas um exemplo dos acontecimentos insignificantes, mas há outros mais graves e dolorosos, como o de

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encarar o facto inevitável de o homem que a sabe fascinar e lhe inspira um amor profundo ser igualmente capaz de fascinar outras mulheres e de as mulheres de hoje não hesitarem em perseguir um homem que as fascina e transformarem, até, essa perseguição numa espécie de profissão.
E esses homens de estatura heróica, absorvidos nos grandes feitos que concebem e realizam, podem ser extraordinariamente sensíveis a tais perseguições. Geralmente fiéis pelo coração às extraordinárias mulheres que desposaram, a sua necessidade de mudança de passatempo é grande. Não são verdadeiramente as outras mulheres que os tentam; sentem-se, antes, lisonjeados, agradados, e é fácil excitá-los sexualmente. Faz tudo parte da sua necessidade de evasão, ainda que momentânea, pois eles vivem a vida que querem viver, uma existência de constante desafio e realização, sem a qual o tédio os desesperaria.
Mais uma vez a mulher deve compreender essa necessidade, aceitar em silêncio a diversão temporária e manter-se firme no seu lugar, até o seu homem regressar à sua vida - que é, afinal, o seu trabalho.
Não é só sobre a mulher que recai a sombra de um grande homem. Há, também, os filhos. Quais das crianças Kennedys sobreviverão e quais

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não sobreviverão? Quando emprego o verbo "sobreviver" não estou a pensar na morte. São todas saudáveis, vivem em condições físicas ideais, com muita vida ao ar livre, boa comida, boas escolas e uma vida familiar em que não falta amor. Refiro-me a sobreviverem como indivíduos na aura da fama e da grandeza da família.
Recordo-me de um homem que conheço, um indivíduo como os Kennedys, dinâmico, talentoso e próspero, que erigiu o seu próprio império comercial. Realizadas todas as ambições e satisfeitos todos os desejos, aparentemente não lhe falta nada.
No entanto, a sua mulher, na aparência uma bela criatura, é uma alcoólica incurável. O filho tem o encanto e a atracção física do pai, mas é um fraco, não progride nos estudos, já esteve envolvido num escândalo com uma rapariga e constitui uma amarga decepção para o progenitor que, fria e silenciosamente, o vai livrando ora de um apuro, ora de outro.
Para a mulher, o marido é demasiado poderoso; para o filho, o pai é demasiado bem-sucedido. Pela simples razão de ser aquilo para que nasceu, este homem não encontra na família nenhuma satisfação. Toda a gente sabe que tem uma amante. A mulher e o filho também não o ignoram e, conscientes do seu fracasso pessoal, descem cada vez mais na opinião que fazem de si próprios - o que ele compreende, aliás, mas

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não pode remediar. Pessoalmente, só é capaz de ser aquilo para que nasceu: um chefe, um dirigente, um construtor do mundo moderno.
Conheci um número razoável de filhos de grandes homens e nenhuns deles estiveram à altura dos pais. Na melhor das hipóteses, foram homens bons, pacatamente. Mas, na sua maioria, até como homens falharam. Alguns parecem repesos e falam dos pais com afectuoso respeito; outros, odeiam-nos porque se odeiam a si próprios, visto saberem que falharam e decepcionaram os progenitores.
E os pais têm consciência de que a sombra do seu êxito e da sua grandeza caiu sobre os filhos. Falo deste assunto com muita emoção, pois tenho dele experiência pessoal, ainda que, está bem de ver, na minha modesta medida.
- É difícil ser seu filho- - têm-me dito os meus próprios filhos. - O mais pequeno erro que cometamos, ainda que seja apenas exceder alguns quilómetros o limite de velocidade, basta para que toda a vizinhança fale do assunto e nos critique.
Sei que, às vezes, se sentem constrangidos por serem meus filhos, embora eu, pessoalmente, não os constranja. Lembro-me de que, quando andavam na escola, os inspeccionava minuciosamente antes de saírem, pois se lhes faltasse um botão ou tivessem uma peúga rota não faltaria quem os lamentasse por serem filhos de uma mãe que não tinha com eles os cuidados devidos, em virtude

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de ser escritora, ou de estar algures na Europa ou na Ásia, ou de os deixar entregues aos criados, etc.
As crianças estavam sempre em cena, por assim dizer, e todos nós o sabíamos. Muitas vezes lhes pedi desculpa do inconveniente de serem meus filhos. Aceitavam essas desculpas com a máxima cortesia, garantiam-me delicadamente que não ligavam grande importância ao caso e informavam-me, para me tranquilizarem, que se as coisas se tornassem insuportáveis resolveriam o assunto à pancada - e assim aconteceu, algumas vezes... Nessas alturas, era eu quem recebia um telefonema muito irado, a comunicar-me que um dos meus filhos fizera rebentar o sangue pelo nariz ao filho de outra mulher.
- Surpreende-me que um filho seu... - diziam, infalivelmente.
- Não se surpreenda - apressava-me, sempre, a interromper. - Não imagina como é terrível ser meu filho.
Claro que compreendo e lastimo ambas as gerações. Compreendo perfeitamente como o facto de nos limitarmos a ser o que somos e a cumprir o nosso destino, seja ele qual for, pode ter efeitos nos filhos muito amados, e como as crianças se sujeitam quase inevitavelmente a sofrer, em consequência do que os seus pais conseguem realizar.
Suponho que na família Kennedy esse sofrimento

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é ainda maior, em virtude de as realizações serem tão extraordinárias. Também acredito firmemente que a maior tragédia da família Kennedy, aquela que mais pesou sobre as mulheres visto nada poderem fazer para a impedir ou mitigar, tem sido a crueldade das multidões. O patriarca Joseph Patrick Kennedy conheceu muito bem esta suprema crueldade e fortaleceu os filhos para a batalha política.
Na sua primeira campanha política, em Boston, John Kennedy teve, também, a sua primeira experiência, nesse capítulo. Uma mulher do partido contrário atacou-o com acusações e, embora à saída lhe segredasse, "não ligue importância, é apenas política", ele ligou importância e atacou-a também, pagando-lhe na mesma moeda. Talvez isso o preparasse para o preço que teria de pagar pelas suas vitórias.
Nessa altura contava somente vinte e nove anos e os amigos dos opositores derrotados alegaram que o pai de John Kennedy dirigira a eleição, gastara milhões de dólares em anúncios na rádio e nos jornais e tentara dividir os votos italianos. Claro que o pai ajudara o filho; no entanto, não havia manipulação que chegasse para vencer um primeiro escrutínio entre dez homens.
John Kennedy ganhara com honestidade, mas as insinuações falsas da sua primeira campanha acenderam o rastilho da inveja que culminaria

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no seu assassínio. As mulheres da família não tiveram possibilidade nenhuma de ripostar.
As mulheres não podem ripostar como os homens, abertamente e com todas as armas à mão; só podem recuar ou, na melhor das hipóteses, aceitar o que se passa na vida. Como consequência disso, a rebelião interna aumenta, aprofunda-se, e transforma-se numa força dominante da sua vida. Creio que é o que sucede às Kennedys de hoje.
Rose Kennedy, por exemplo, está cada vez mais firme na sua fé de que Deus trabalha e trabalhará para o bem da sua família. Se é como a maioria das avós, a sua fé, agora, é a favor dos seus netos e nos seus netos. Do que talvez não tenha consciência é de que eles vivem numa era inteiramente nova. Os tempos não se limitaram a mudar: mudaram muito depressa.
Os seus netos não se parecem, sequer, com os seus pais - isto é, com os filhos dela. Além de terem vivido sob o domínio severo, mas afectuoso, do pai, Joseph Patrick Kennedy, ajudado pela sua leal esposa, os Kennedys da segunda geração nasceram, também, numa era em que os padrões de vida eram definidos e claros, sobretudo para os ricos.
Existia muito pouca latitude no seu ambiente - mas há poucas provas de que eles desejassem latitude. Se algum pequeno esforço se fez nesse sentido, ficou a dever-se ao filho mais novo,

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Edward, e a esse respeito ele foi, e continua a ser, uma ponte entre a era dos seus pais e a dos Kennedys da terceira geração, os netos.
Os netos pertencem à nova era, à era da juventude. Sim, porque é um facto indiscutível que a nossa época é dominada pela juventude - ou, pelo menos, por pessoas com menos de vinte e cinco anos.
A gente nova queixa-se de ser dominada pelos mais velhos, de os mais velhos terem criado este mundo desagradável, de eles, jovens, terem sido obrigados a crescer no ambiente rígido de instituições contra as quais se rebelam. A verdade, porém, é que o ambiente de que tão amargamente se queixam foi moldado por eles.
Os seus pais, os adultos, foram e são responsáveis apenas pela criação de um ambiente que, julgaram sincera e ternamente ser o que os filhos queriam. Toda a nossa cultura, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, tem tido como objectivo os jovens. Até o vestuário que usamos, o seu corte, é sobretudo próprio para os jovens. Um corpo de meia-idade, masculino ou feminino, parece absurdo numa mini-saia concebida para a figura esguia e de peito chato de uma adolescente, ou numas calças berrantes, a apertar os quadris, feitas para um rapaz de menos de vinte anos.
Mas podemos falar de outros campos, também.
Deverão os programas de televisão, as peças

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teatrais e, até, os livros partir do princípio de que o nosso país é exclusivamente dominado pelos desejos das crianças e dos adolescentes? Só posso responder que "sim"... Sim, devem partir desse princípio porque é verdade.
É tempo de nós, pais e adultos, reflectirmos no que fizemos. Guiados pela melhor das boas vontades e desejosos apenas de fazer o que fosse acertado para os nossos filhos, criámos um mundo contra o qual eles agora se revoltam. Juventude estúpida? Ou pais estúpidos? As duas coisas.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os adultos têm sido amas, em vez de indivíduos fortes, a quem competia decidir por si próprios qual deveria ser a sua contribuição para a sua era. Dia após dia, monotonamente, os homens não têm feito outra coisa senão trabalhar para criar, alimentar e vestir uma ranchada de filhos. Quanto às mulheres, têm passado a vida a ser criadas desses mesmos filhos.
Agora esses filhos têm idade suficiente: os rapazes, para deixar crescer a barba; as raparigas, para terem filhos sem passarem pelo casamento, e ambos para deitarem as culpas para cima dos pais. Mas as culpas de quê? Fundamentalmente, acusam-nos de só terem tido tempo para os alimentar e vestir, pagar-lhes as escolas e as contas do dentista. Esquecem que não houve tempo para mais.
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Não é preciso apenas tempo, mas também vagar, disposição para reflectir eeditar e, em tal estado de espírito, conceber o estímulo de novas ideias e acções. Atarefadas com o nascimento e a criação de filhos para colmatar as brechas abertas por duas guerras mundiais, duas gerações de americanos dedicaram-se quase exclusivamente aos enxames de jovens que ameaçam, agora, a nossa cultura e, até, a nossa civilização com as suas exigências destrutivas e rebeldes daquilo que eles próprios impediram que existisse.
Para ser justa, não devo esquecer que as pessoas estão, geralmente, à mercê de impulsos naturais cegos, que procuram sempre substituir o que se perdeu. Com a mesma justiça me devo lembrar, também, de que os jovens não pediram para nascer. Ambas as gerações foram usadas pela velha e cega Mãe Natureza. Agora enfrentam-se uma à outra, angustiadas e desamparadas, e só poderá haver remédio para a situação em que nos encontramos se compreendermos o que aconteceu e se nos compenetrarmos de que somente pela cooperação poderemos construir um mundo melhor para todos.
O problema é o seguinte: como remediar o que já é passado? Homens brilhantes passaram a vida a ganhar dinheiro para os filhos que geraram, e mulheres inteligentes perderam anos da sua vida como cozinheiras e motoristas. Os jovens não

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podem ajudar os mais velhos porque não sabem como, e aos mais velhos só resta olhar para trás, para os anos vividos e inevitáveis e cujo único resultado são os jovens que contestam e dominam e causam uma perplexidade que só tem igual na que eles próprios sentem.
Mas basta quanto ao género de mundo que os jovens Kennedys enfrentam, hoje! Que farão eles? Têm a vantagem - ou a desvantagem de serem muito ricos, não precisarão de lutar e competir apenas para ganhar a vida. Mas serão capazes de estar à altura da sua herança, possuirão aquela capacidade de enfrentar as circunstâncias que, na opinião da sua avó, é um dos segredos do êxito?
"Teddy saberá enfrentar as circunstâncias", disse ela, cheia de confiança, depois do acidente mortal em Chappaquiddick. Durante semanas, contudo, a incapacidade do jovem de se libertar da depressão que dele se apoderara desmentiu a previsão da mãe. Edward Kennedy mostrava-se compreensivelmente reservado, tenso, meditativo. Sentia que a sua carreira fora irremediavelmente prejudicada.
Depois, lentamente, com o tempo, foi recobrando ânimo.
"Virá tudo a claro", disse, um dia. "As perguntas, todas as respostas... Virá tudo a claro

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e eu creio que as pessoas compreenderão. 1970? Em Massachusetts? Sim, candidatar-me-ei."
Mas as pessoas "compreenderão"? Não estou muito certa disso. Creio que, neste momento, o nosso povo está furioso com os Kennedys, apesar de os amar. Emprego o nome Kennedy simbolicamente, embora a família Kennedy, mais do que qualquer outra dos Estados Unidos, seja um símbolo do sonho americano. De pobretanas a ricos em três gerações, eis o Sonho Americano! Mas, sendo idealistas e filhos de idealistas, pensamos na riqueza como algo mais do que dinheiro. A riqueza abrange qualidades heróicas de carácter e, embora mais remotamente, de cultura.
Os Kennedys tinham tudo isso, ou quase. Eram talvez os mais "bem" das "pessoas bem". O seu êxito espectacular, nesse aspecto, despertou um descontentamento insuportável em pessoas espectacularmente mal-sucedidas, e o único escape foi o assassínio.
As pessoas sentiram-se secretamente satisfeitas e, ao mesmo tempo, sinceramente atribuladas de remorsos. Tinham triunfado, mas envergonhavam-se. Emoções contraditórias? Claro! Nós, Americanos, trasbordamos de emoções contraditórias.
A democracia origina emoções contraditórias porque encoraja a liberdade. Mas também exige responsabilidade individual. Num Estado totalitarista, tudo é simples: ou se é a favor ou se é

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contra. Não há liberdade nem responsabilidade individual e, consequentemente, não existe confusão de emoções.
O nosso maior paradoxo é destruirmos os nossos heróis. Queremos heróis, precisamos de heróis e criamos heróis.
Uma estrela de cinema, um desportista, seja quem for que suba acima da média, no seu género, e lá estamos nós a aclamá-lo, a obrigá-lo a ser um herói e uma figura nacional. Mas, quando ele se ergue demasiado acima de nós, destruímo-lo pelo assassínio, ou pelo desprezo, ou por falsas acusações. Depois procuramos e criamos outro herói.
Assim, tendo destruído dois irmãos Kennedys, fixamos o nosso olhar ávido no último irmão. Estávamos muito atarefados no processo habitual de o transformar em ídolo nacional quando ele cometeu o pecado imperdoável de nos decepcionar como um novo deus, comportando-se como um homem vulgar se comporta - ou gostaria de se comportar.
Ele, um homem casado, foi a uma festa onde as raparigas eram todas solteiras. Mas, pior ainda: comportou-se tão estupidamente que a escapadela se tornou conhecida através de uma tragédia incrível e inexplicada.
Como podia um herói, um candidato a ídolo, trair-nos assim? Garanto-lhe, senador, que os

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seus idólatras em perspectiva jamais "compreenderão" isso.
É assustador transformar-se uma pessoa em herói numa democracia! Nenhum homem ou mulher no seu juízo perfeito deveria desejar grande êxito, pois quando se sobe acima do êxito dos outros nunca mais se pode viver em paz e segurança.
Muito antes do último golpe, há telefonemas obscenos e ameaçadores, cartas anónimas indecentes e furiosas e o longo cortejo de falsos amigos bajuladores, até que, finalmente, a pessoa aprende a viver em solidão e isolamento. Mas nem mesmo isso é uma garantia de paz.
A Imprensa, a Rádio e a Televisão estão ávidas por dar ao público os escândalos de que ele se sente faminto, no seu desejo de destruir os famosos, os prósperos e os excepcionais, a quem odeia e ama ao mesmo tempo. Os meios de comunicação esfalfam-se em busca de notícias más acerca dos deuses e das deusas, dos nossos heróis e heroínas nacionais, e se as não descobrem transformam boatos e mentiras em "notícias". E o nosso povo acredita.
Ainda ontem li num diário da Califórnia uma mentira tão repugnante acerca de Jacqueline Onassis que me senti grata por ela ter casado com um homem que é cidadão de outro país. Espero que nunca leia esse jornal, pois se ler ficará com o coração ferido, como aconteceu a

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Edward Kennedy. E a terna esposa do senador, os seus encantadores filhos, toda a sua família terão tanta possibilidade de se defender, de desmascarar a mentira, como se os tivessem atirado aos lobos. Ninguém os pode poupar nem, sequer, ajudar. Algumas pessoas bondosas talvez desejem ajudar, mas têm medo de o tentar. A prudência cala-as e a injustiça prevalece.
Algo corre mal no nosso país. A família Kennedy já se devia ter tornado credora de uma certa confiança e compreensão, em vez disso, porém, a terceira geração, os netos de Joseph Patrick Kennedy e Rose Kennedy, enfrentam um futuro perturbado, em que as probabilidades lhes são adversas.
Se eu fosse uma mãe Kennedy, levaria os meus filhos para muito longe, para outra terra e para outro povo, e deixá-los-ia crescer em paz e na ignorância do passado. Que diz a velha e sábia Bíblia? "Os pais comeram os figos e é aos filhos que rebenta a boca."
Sim, eu levaria os meus filhos para muito longe do passado assombrado. Levá-los-ia para qualquer velho país onde o povo, com a sabedoria da antiga cultura, soubesse aceitar cada pessoa como ela é, respeitando-lhe o talento, apreciando-lhe a beleza e dando ao espírito e à inteligência tempo para se desenvolverem.
Aqui, nos Estados Unidos, não tivemos tempo para criar uma cultura nossa. A nossa paixão

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pela igualdade de direitos cegou-nos tanto que não nos deixa ver que a própria Natureza não concede direitos iguais. Alguns de nós somos bonitos, outros não; alguns de nós somos talentosos, outros não; alguns de nós possuímos uma inteligência brilhante, outros não...
Embora a graça, a beleza e o talento não resultem exclusivamente da riqueza, a verdade é que quando tais tesouros existem a riqueza os favorece mais do que a pobreza - e, assim, a riqueza tem os seus valores, em termos culturais. A cultura não tem sido endémica na nossa sociedade.
Regra geral, os pioneiros não são homens cultos e, consequentemente, como não compreendem o que lhes falta, zombam da cultura dos outros. Mas não teremos já ultrapassado a fase do pioneirismo? Na realidade, não ultrapassámos. Aborrecemo-nos, se é que não nos sentimos francamente embaraçados, na presença de pessoas de espírito brilhante. A nossa inveja toca as raias da hostilidade e, até, do medo. Preferimos os medíocres. Tenho ouvido afirmar:
- Mas nós somos o mais generoso... Acabem com isso, por favor! Somos generosos, de facto, mas eu não me esqueço da réplica de um amigo meu, um homem que pertence a um pequeno país asiático, quando lhe recordei a nossa generosidade:
- Sois generosos - concordou -, mas não convosco. Apenas com o vosso dinheiro.

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É preciso tempo para burilar a generosidade, para a sobrepor ao dinheiro. Tempo e uma certa excelência de vida. Ora, quanto a mim, somos demasiado jovens, ainda não tivemos tempo para alcançar essa excelência.
É preciso tempo - tempo, tempo, sempre tempo! - para compreender as subtilezas da natureza humana individual e, na nossa atmosfera geral de mediocridade cultural - não obstante a soberba tecnologia -, talvez seja exagero esperar compreensão da nossa pequena, mas muito talentosa, aristocracia.
Ainda aplicamos às poucas pessoas de valor que possuímos as implacáveis restrições do nosso passado puritano. Esperamos da nossa talentosa minoria um comportamento ainda mais austero, moralmente falando, do que o da nossa medíocre maioria.
Em resumo, não avaliamos o talento, a não ser como uma conveniência financeira. Não somos capazes de compreender que sem a minoria talentosa a maioria medíocre não pode progredir.
Só o tempo dirá se uma personalidade Kennedy, apesar de toda a sua força, resistirá às forças destruidoras e esmagadoras da democracia. Todo o positivo tem o seu negativo. A força positiva da democracia reside na sua filosofia de todos os indivíduos terem igual oportunidade de desenvolver ao máximo as suas aptidões. No entanto, a democracia não promete benefícios

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iguais a todos; limita-se a garantir-lhes a oportunidade de os conquistarem. Mas há pessoas ignorantes e irreflectidas que confundem estes direitos e, pouco a pouco, gerou-se uma atitude irrealista para com a vida, atitude essa que presume deverem os frutos da vida ser, também, divididos por igual, independentemente da capacidade do indivíduo de os alcançar. O resultado dessa atitude irrealista é o aparecimento de uma disposição sombria entre os segmentos menos afortunados da nossa sociedade, e até a convicção arrogante de que uma pessoa é tão "boa" como qualquer outra. Isto descamba, em última análise, numa verdadeira hostilidade da parte das pessoas de inteligência e talentos inferiores contra as talentosas e prósperas. Tão grave é essa hostilidade que, na melhor das hipóteses, redunda no assassínio do carácter e, na pior, no assassínio autêntico, físico.
O perigo de tal hostilidade aumenta quando o êxito de um indivíduo é espectacularmente rápido, como no caso da família Kennedy. A própria Rose Kennedy exprimiu, há pouco, esse perigo, ao discorrer acerca da violência que tem perseguido a sua família. Chegou, até, a perguntar se seria devida ao facto de "Deus não permitir" o género de êxito obtido pelos Kennedys na sua rápida ascensão das humildes origens até ao nível actual. "Às vezes pergunto a mim mesma se haverá na minha família alguma coisa que

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atrai a violência. Será inveja?" E, mais tarde, acerca do casamento de Jacqueline Kennedy, diria: "Nós, Kennedys, nunca fazemos as coisas de uma maneira simples e vulgar. É sempre uma grande explosão."
O que não deixa os Kennedys serem "vulgares" é o seu sentido do estilo, o seu talento e a sua independência. Seguros na unidade da sua família, confiantes nas suas aptidões, nunca se sentiram ameaçados pela sociedade. E continuam a ignorar a ameaça.
"Nenhum de nós é particularmente beato ou pomposo no que se refere à religião", diz Eunice Shriver. "Mas a mãe possui uma fé ardente, parecida com as dos grandes mártires que preferiam morrer pela sua fé a viver sem ela. Isso vem-lhe, suponho, da sua ancestralidade irlandesa."
"Não me deixarei vencer por estes acontecimentos", afirma Rose Kennedy. "Não tenciono deixar-me derrubar ou pulverizar. Se me fosse abaixo, o moral de toda a família ficaria abalado."
"Conhecemos alegrias e desgostos, a angústia e o êxtase", disse Mrs. Kennedy, poucos dias antes da morte do marido, Joseph, o patriarca dos Kennedys. "Devo sentir-me grata, porque os nossos triunfos foram maiores do que as nossas tragédias."

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Uma fé absoluta em Deus pode ter as suas repercussões e os seus efeitos contraditórios. Falo pela experiência que tive com o meu querido pai missionário. Ele tinha a fé ardente de que Eunice Shriver fala, procurava a vontade de Deus e encontrava-a sempre. Depois, tendo-a encontrado, agarrava-se a ela sem um momento de dúvida. Não admitia a possibilidade de a vontade de Deus parecer muitas vezes - demasiadas vezes, até - coincidente com os seus próprios desejos, e a sua insistência em que existia uma linha directa que levava a Deus despertava nos outros missionários uma oposição que, às vezes, ganhava foros de ira. Considerava tal facto uma perseguição e aceitava-o, embora às vezes passasse verdadeiros tormentos. Mas não vergava.
Não pretendo insinuar que exista a mesma confusão em Rose Kennedy. Mas sei, todavia, que a fé inquebrantável é susceptível de originar uma força da carácter capaz de provocar oposição e desejo de retaliação. A vontade forte da mãe pode influenciar os filhos a criar uma vontade semelhante, embora eles a utilizem para a satisfação dos seus desejos e, assim, inspirem ódio a outros menos fortes ou tão fortes como eles, mas mais violentos.
Seja como for, Rose Kennedy instilou força nos seus filhos. Ama-os apaixonadamente, mas

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com um amor controlado. Emoldurou um poema comovedor, escrito por um poeta irlandês:
Senhor, eu não Te invejo
Os dois filhos que vi partir, para perderem a força
E morrerem, com alguns mais, num sangrento protesto
A favor de uma coisa gloriosa.
Serão falados entre o seu povo, as gerações
Lembrá-los-ão e chamar-lhes-ão benditos.
Mas, nas longas noites, murmurarei os seus nomes
Ao meu coração, os nomes de ternura que foram familiares,
Em tempos, à roda da minha lareira apagada.
Embora não Tos inveje, cansa-me,
Cansa-me tanto o longo desgosto!
E, no entanto, tenho a minha alegria:
Eles foram leais e lutaram.

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TUDO isto foi uma espécie de introdução à minha defesa dos Kennedys da América. Mais uma vez emprego os Kennedys simbolicamente, como sendo a família mais espectacular do nosso punhado de grandes famílias. Presentemente, trabalhamos com todo o afã para as destruir.
Se pegamos num jornal qualquer, encontramos um novo "escândalo" acerca de um Kennedy ou, pelo menos, a reposição de um escândalo antigo.
Secretárias, enfermeiras, criados e outros, apressam-se a provar-nos como os Kennedys são maus, cruéis e desagradáveis e como foram impossíveis como patrões. A toda essa gente só faço uma pergunta: "Então porque continuaram a trabalhar para eles?" Claro que não é necessária nenhuma resposta. Se não houvesse leitores para escandaleiras deste género, se não houvesse quem se regalasse com semelhante lamaçal, os jornais não publicariam essas coisas. O facto de serem

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publicadas e lidas dá uma imagem lamentável e grave do público americano médio.
Não levo a minha ingenuidade ao ponto de acreditar que os Kennedys sejam absolutamente inocentes. Isso também seria irrealista. Tenho conhecido muitas pessoas brilhantes e talentosas e verificado que estão sujeitas a tentações monstruosas. Sei muito bem, aliás, a que tentações os Kennedys têm, às vezes, cedido.
Rose Kennedy manteve-se vários anos firmemente leal ao marido, enquanto ele mantinha relações prolongadas com uma bonita actriz de cinema. Exteriormente, Mrs. Kennedy respeitou um silêncio orgulhoso, mas a luta interna que por certo travou deve ter influenciado os filhos. Talvez não tenha sido pronunciada nenhuma palavra. Nem seria necessário. Gera-se confusão no espírito das crianças quando amam os pais, querem conquistar a sua aprovação e pressentem como que uma contradição que as impede, a elas, de os aprovarem totalmente.
Os Kennedys nunca foram famosos pela fidelidade às suas mulheres, mas estas acharam que, mesmo assim, valia a pena continuarem a ser esposas e mães. A sua religião aconselha-lhes essa lealdade. Eu creio, no entanto, que a religião não foi a única razão. Os Kennedys possuem um não-sei-quê de muito especial, que atrai muitas mulheres - incluindo as suas.
As esposas Kennedys acabam, certamente, por

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compreender que essas aventuras são inevitáveis. Sabem como são grandes as tentações a que estão sujeitos os homens novos e atraentes da nossa sociedade. Se além de juventude e atracção também possuem riqueza, então praticamente todas as mulheres estão ao seu alcance.
- Não faz ideia como é difícil evitar as mulheres - confessou-me um jovem. - Oferecem-se, atiram-se a um homem, manobram...
- Enfim, enquanto os homens tiverem consciência disso... - insinuei.
Mas ele sorriu e acrescentou:
- Oh, são tão diabolicamente inteligentes! Um tipo é apanhado antes de ter consciência disso!
O que não disse foi que o homem ou a mulher dotados de talento e inteligência também o são de emoções profundas e fortes. Geralmente sentem-se isolados, sós, e isso torna-os mais susceptíveis do que as pessoas vulgares. É fácil tentá-las e, infelizmente, cedem com frequência à tentação. Quando isso acontece, não as devemos condenar sem ter em devida conta o seu valor total. Como têm muito que dar à nossa vida nacional, como são insubstituíveis pois não as sabemos criar, é aconselhável colocarmos num prato da balança o bem e no outro o mal e não as destruirmos.
Não se julgue, porém, que estou a advogar uma atitude absolutamente isenta de crítica da parte do público em relação aos nossos Kennedys

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simbólicos. Estes, se pretendem viver uma vida pública, têm para com o público a obrigação de respeitar padrões aceitáveis de comportamento, padrões que são extraordinariamente constantes em todo o mundo. Justiça, merecimento de confiança e sensatez são virtudes que definem o bom carácter de um homem ou de uma mulher em qualquer parte do mundo. Em todo o lado há pessoas que anseiam pela existência de indivíduos em quem possam confiar. Se saliento a crueldade das massas para com a minoria talentosa capaz de as dirigir, devo também salientar a responsabilidade das minorias talentosas, a sua obrigação de corresponder à nobreza do talento.
É que o talento pode ser uma qualidade independente, digamos, da pessoa que o possui. Às vezes - ah, quantas vezes! -, a dádiva de um talento glorioso beneficia indivíduos de vontade fraca e ideais ignóbeis. Não indicarei pessoas vivas como justificação do que quero dizer.
Mas mencionarei, por exemplo, Edgar Allan Poe, homem de brilhante imaginação a quem o alcoolismo nunca permitiu aproveitar totalmente o seu talento. Os genes que dão talento a um recém-nascido podem ter por companheiros outros que fazem dele um ser fraco, indigno desse talento.
Estou a lembrar-me de uma mulher, já falecida, que possuía um extraordinário talento para

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esculpir, mas a quem faltava a profundidade de espírito necessário para a inspirar e lhe permitir uma produção criadora. Desprovida de imaginação, criava esculturas tecnicamente perfeitas, mas sem grandeza.
Não sei se John Fitzgerald Kennedy teria podido transformar os seus talentos em realidades, se lhe tivesse sido dado viver. Tudo indica que sim, pois o seu espírito desenvolvia-se rapidamente no sentido do pensamento ousado e imaginativo que, aplicado aos assuntos mundiais e com os poderes administrativos da sua elevada posição, poderiam ter feito dele um líder mundial.
O irmão, Robert Kennedy, possuía em si a promessa de uma grandeza igualmente importante, embora numa área menos intelectual. A sua sensibilidade inclinava-o mais para a justiça e para os direitos humanos.
A promessa de grandeza ainda não é evidente, aos meus olhos, no terceiro irmão, Edward. Ele demonstra uma falta de, digamos, discernimento que é alarmante num dirigente potencial. O povo de qualquer nação deseja poder depender da sensatez dos seus chefes, assim como da sua honestidade e do seu sentido prático. Tem o direito de o desejar e de o exigir. Um povo só pode progredir depressa e de modo são desde que os seus dirigentes saibam orientá-lo nesse sentido. Essa orientação deve fazer-se simultaneamente em três

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sentidos, para que uma nação seja qualitativa e quantitativamente sã.
Os ideais são essenciais, mas o procedimento para os atingir deve ser possível e prático. Se o não for, limitará o progresso. Os ideais devem ser, também, de tal natureza que inspirem confiança ao povo.
Talvez devesse dizer que faltaram aos Kennedys certas qualidades de carácter. É verdade que o nosso povo os acusou muitas vezes, falsamente, de actos insensatos, alguns deles até imorais segundo os padrões de conduta pessoal aceites no nosso país; é verdade, também, como se depreende de tudo quanto escrevi nas páginas anteriores, que o nosso povo demonstrou em relação aos Kennedys uma intranquilidade que não existiu, digamos, no caso de Coolidge, ou de Hoover, ou de Truman, para não ir mais longe.
Nenhum destes homens foi tão brilhante como os Kennedys, mas as pessoas achavam-nos mais dignos de confiança. Talvez a chamada gente comum não seja capaz de confiar inteiramente nos homens e nas mulheres mais inteligentes, mais audaciosos e mais criadores do que ela própria. Se assim é, então compete aos inteligentes, aos audaciosos e aos criadores provar aos outros que podem ser e são tão dignos de confiança, tão sensatos e tão prudentes como o povo deseja que sejam.
Mas - e aqui está o mais importante - se os

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espíritos superiores aprenderam a ter o sentido das responsabilidades no uso dos seus talentos, e aptidões, então o abismo existente entre os dois extremos pode desaparecer. Se, pela experiência, os menos dotados aprenderem a confiar nos mais dotados, uma grande parte da inveja, do ciúme e da maldade das multidões contra os segundos talvez venha a transformar-se em gratidão pelo facto de tais espíritos e personalidades existirem como dirigentes.
Verifico que no âmbito deste livro descrevi um círculo completo, da defesa da minoria talentosa e de espírito brilhante, simbolizada pelos Kennedys e na qual assentam todas as esperanças do progresso humano, até à defesa da maioria que, dependente daqueles para a chefia, desconfia deles e antipatiza com eles, embora ao mesmo tempo deseje, inconsciente e vagamente, uma chefia inspirada pela sabedoria, pela justiça e pelo sentido das responsabilidades.
Em que falharam os Kennedys? Atenção, falo de novo simbolicamente, falo de uma família que teve mais do que riqueza material. Os Rockefellers tiveram grande riqueza, assim como os Fords. Cada uma dessas famílias teve um patriarca fundador comparável a Joseph Patrick Kennedy; cada uma dessas famílias gerou uma segunda e uma terceira gerações respeitáveis, mas

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sem dirigentes grandes e populares; cada uma dessas famílias tem a seu crédito várias boas obras, de natureza humanitária - por exemplo, as pesquisas médicas da Fundação Rockefeller ou os extraordinários progressos conseguidos no cultivo do arroz, graças à Fundação Ford, progressos que, mais do que qualquer outra coisa, poderão solucionar o problema da fome na Índia. Estas boas obras não devem ser minimizadas, mas são genéricas e não deram origem a nenhum dirigente capaz de inspirar e encorajar a alma da Humanidade.
Antes de ser assassinado, John Fitzgerald Kennedy estava a atingir esse nível de inspiração e, se o tivessem deixado viver, talvez nos houvesse conduzido a uma nova compreensão das nossas aptidões nacionais e a uma verdadeira liderança internacional.
Sob a sua influência, a sua mulher poderia ter continuado a desenvolver-se, num lugar próprio ao lado do marido. Sem ele, regressou ao individualismo e, agora, só ouvimos falar das suas novas aquisições de jóias e dos seus muitos bens e divertimentos. A decepção do povo que a adorava, e que ansiava vê-la transformar-se naquilo que tanto desejava que fosse, manifesta-se, agora, em críticas acerbas e num desdém que, na realidade, é maior do que ela merece.
A mesma ira se abate sobre Edward Kennedy, para o qual as pessoas começavam a olhar com

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esperança, uma esperança destruída por um simples acidente. Duvido que também lhe possam perdoar, a ele. Mesmo que possam, como ele diz, "compreender", depois de todas as perguntas serem feitas e respondidas, duvido que jamais lhe perdoem.
Recebi hoje uma carta de um neto da família Kung, que foi um chefe da Guarda Vermelha na província chinesa onde cresci. Conheço todas as cidades e aldeias acerca das quais ele fala. Acaba de fugir para a Formosa, donde me escreve a contar que a sua avó, Senhora Kung, que foi minha amiga, lhe exigira, em tempos, a promessa de me escrever, quando pudesse, e se escrevesse de me dizer a verdade.
E ele diz-me a verdade da sua desilusão. Juntamente com outros como ele - inteligentes, talentosos e jovens -, foi educado numa escola especial, destinada precisamente a rapazes do seu género. Deveria vir a ser um chefe, um dirigente. Quando se formou, disseram-lhe que voltasse para o seio do povo e, por sua vez, o ensinasse. O povo, afirmaram-lhe, estava ávido de aprender, sentia-se esperançado e feliz, vivia com simplicidade, mas com muito maior conforto do que noutros tempos. O jovem Kung acreditava em tudo quanto lhe haviam ensinado e estava ansioso por desempenhar a sua missão.
No entanto, quando chegou às aldeias verificou que não lhe tinham dito a verdade. O povo

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não era feliz, estava mal alimentado e sentia-se oprimido. O jovem sentiu-se invadir pela dúvida e pela perplexidade. Sendo um Kung, continuava a ser um aristocrata pelo pensamento e pelo coração, não foi capaz de mentir ao povo e fugiu. Dirigiu-se a pé para a costa meridional, encontrou um pequeno junco de um pescador, que percorria as ilhas a fazer contrabando, e assim chegou à Formosa.
Apesar de rebelde, percebi, com interesse, que a intensa doutrinação a que os comunistas o submeteram lhe permite criticar, também, o que vê na Formosa. O povo de lá, diz, é muito mais rico e vive com muito maior conforto do que no continente, mas há demasiadas pessoas verdadeiramente ricas. Vestem de seda e cetim, moram em grandes casas e têm muitos criados, e isso, na sua opinião, está errado.
Mas, confessa, sente-se muito confuso. Há, de facto, muita liberdade para todos. Os jovens como ele, por exemplo, podem. estudar o que desejam, na escola, podem seguir a profissão que desejam e não são destinados a esta ou àquela, como ele foi.
Sempre desejara ser escritor, visto pertencer a uma antiga família de intelectuais, mas em vez disso haviam-no treinado para professor - ou melhor, para propagandista. No entanto, não é capaz de enganar o seu povo. Agora talvez já seja demasiado tarde para vir a ser qualquer

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coisa. Além disso, que escreveria? Só lhe ensinaram o comunismo, no qual já não acredita, e já se sente velho para voltar para a escola. Não pertence a nenhum lado, em nenhum lado se sente feliz.
No outro extremo do mundo, sob um sistema inteiramente diferente do nosso, adivinho o mesmo trágico desperdício de talento e inteligência que temos aqui - desperdício porque os possuidores desses dons, essa gente tão necessária ao mundo, é metida à força num molde de crítica arbitrária e destrutiva. Como os nossos jovens americanos, eles também não sabem em que acreditar.
No dia em que o patriarca Joseph Patrick Kennedy morreu, a notícia correu mundo: morrera outro Kennedy, mas desta vez a morte era esperada e, por isso, não causou horror. Só a morte dos jovens é cruel. Ao fim de uma vida longa e coroada de êxitos, a morte é natural, a morte é boa. Como sei? Pela minha própria experiência.
Quando era criança, na China, vi a morte com muita frequência, morte causada por guerras, fomes e doenças não dominadas. A morte, assim, era sempre assustadora e cruel, sobretudo quando quem morria era uma criança muito novinha.
Vivíamos num monte, perto de uma grande cidade, e as encostas estavam cobertas de sepulturas.

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Às vezes - tantas vezes! - eram sepulturas de criancinhas, sepulturas pouco fundas. Os corpinhos nem sempre tinham a protecção dos caixões e, se a família era pobre, nem sequer estavam vestidos. O vestuário era uma coisa tão preciosa que não se enterrava no solo, para apodrecer. Os cães selvagens e esfaimados das aldeias vizinhas encontravam frequentemente essas pequenas sepulturas e eu, nas minhas andanças de menina, encontrava, de vez em quando, um cadaverzinho meio-devorado e muito maltratado. Então todo o horror da morte desabava sobre mim e, sozinha e a soluçar, abria uma cova mais funda, com as mãos nuas, pegava no corpinho lacerado, ou nos bocados que dele restavam, e enterrava-o o melhor que podia. Nesse tempo, a morte afectava-me tão profundamente, a sua crueldade metia-me tanto medo, que não era capaz de falar dela a ninguém, nem sequer à minha mãe.
Com o dobar dos anos, porém, e com os tumultos de guerras e revoluções, comecei a compreender melhor a guerra e a ter consciência de que, em certas ocasiões, a morte podia ser misericordiosa e até bem-vinda - apesar de ser inexplicável e de assim continuar sempre. Tive nova prova disso mais tarde, quando o meu marido foi atingido pela doença, exactamente como Joseph Patrick Kennedy: de súbito, quando parecia cheio de saúde e se encontrava rodeado pela família,

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num lindo dia de Verão. Conheço toda a triste história, porque eu e os meus filhos a vivemos, dia a dia: a aparente recuperação, que ao fim de um período de tratamento e repouso quase o deixou como era antes - mas quase, apenas, e nunca tal qual como fora. Nenhuma pessoa da família voltou a ser exactamente o que fora antes, pois-sabia se - os médicos haviam-nos prevenido - que o ataque se repetiria, uma vez e outra e outra, até à derradeira. Nunca mais houve um dia nem uma noite sem o peso desse conhecimento, a angústia dessa certeza.
E os ataques repetiram-se, vezes e vezes. Uns ligeiros, outros graves, mas destruindo sempre um pouco mais, até que a fala emudeceu, o movimento se imobilizou, a vista enfraqueceu, a capacidade de pensar se tornou impossível e, mais trágica do que todas as outras tragédias, até a capacidade de sentir emoção lhe foi roubada. Antes de a vida física cessar de facto, ao fim de anos inenarráveis, o homem amado já não existia. Passava os dias sentado na sua cadeira e à noite era transferido para a cama, onde jazia até voltar o dia e tudo se repetir. A família rodeava-o, mas ele já não era o guia das suas vidas, já não era a força central. Depois disso, cada membro da família teve de criar a sua própria força, sempre baseada na que lhe fora inculcada pelo pai.
E o último dia chegou para Joseph Patrick Kennedy. O longo processo de morrer terminou

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da maneira natural e inevitável e, de certo modo, a morte foi generosa, pois processara-se tão gradualmente que, quando chegou, o que morreu nem sequer a sentiu. A capacidade de sentir extinguira-se havia muito e, por isso, não houve nenhum medo, nenhum instante de pânico. Escrevo estas palavras na noite anterior ao funeral. O corpo de Joseph Patrick Kennedy jaz no seu caixão, numa sala confortável da sua casa de Hyannis Port, de cujas grandes janelas se abarca a sua paisagem favorita de Nantucket Sound. Dentro de casa, a família está reunida, em diversos aposentos. Não o vejo, mas tenho a certeza de que, de vez em quando, uma, duas ou várias pessoas entram na sala silenciosa e param junto dele, perto da janela, a recordar o que ele foi como marido, pai e avô. E, como se trata de uma família religiosa, perguntar-se-ão se - ou terão a certeza de que - estará já com os seus filhos, do outro lado da invisível barreira, com os jovens Joseph e Kathleen, com John Fitzgerald e Robert e com os bebés de John, que morreram quase antes de viverem. Filhos e netos, partiram à frente dele e atrevemo-nos a esperar que estão reunidos, para o receber. Pelo menos Rose e Ethel Kennedy devem pensar assim. E talvez, também, Jacqueline Onassis, que gostou de Joseph Patrick Kennedy à sua maneira e de quem ele gostou, igualmente, pela independência que ela sempre demonstrou - talvez mais do que os

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seus próprios filhos - e que ele aprendeu a apreciar, passado o primeiro choque provocado pelo facto de Jacqueline ser diferente e quando compreendeu a sua verdadeira e singular natureza.
Estou a escrever na minha casa de Vermont e penso neles ao olhar através das grandes janelas que dão para a Stratton Mountain, aonde os filhos e os netos de Joseph Patrick Kennedy vinham esquiar tão frequentemente, nos dias de neve. Foi aqui que Robert Kennedy passou algum tempo, depois daqueles dias perigosos em que o nosso presidente negociou com a Rússia e com um inconstante Kruchtchev acerca da crise cubana dos mísseis. Talvez precisasse de se entregar a uma actividade física violenta, devido ao estado de grande tensão nervosa suportada naqueles dias. Claro que todos sabiam onde estava e podiam comunicar com ele em qualquer momento, embora tivesse recomendado que só o incomodassem se surgisse alguma coisa importante. Apesar de ser capaz de se impacientar e, até, de perder a serenidade por causa de assuntos insignificantes, nos momentos de crise e de perigo sabia-se mostrar sereno e destemido.
Assim, ninguém pode saber, realmente, a profunda influência que terá exercido sobre o irmão presidente, nem a incalculável ajuda que lhe prestou, sobretudo naquela ocasião perigosíssima,

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quando todo o mundo se encontrava sob a ameaça de uma guerra derradeira e dois homens, John Fitzgerald Kennedy e Nikita Kruchtchev, eram obrigados a defender os interesses das respectivas nações e, também, a ter em conta o direito e a necessidade de proteger a sobrevivência da espécie humana.
É em momentos de terrível perigo que homens e mulheres demonstram a sua verdadeira personalidade. Os fracos e os medrosos afundam-se em clamores e caos; os fortes e os destemidos mostram-se calmos e cheios de recursos. Estou a falar da crise cubana dos mísseis. Os factos dessa hora de supremo perigo são poucos e simples. Às nove horas da manhã do dia 16 de Outubro de 1962, o presidente chamou o irmão Robert ao seu gabinete, a fim de lhe comunicar que os serviços informativos tinham estudado uma fotografia acabada de trazer de Cuba por um U-2, em missão no céu desse país. Tudo indicava que a Rússia estava a levar para Cuba armas e mísseis atómicos. Mais tarde, nessa mesma manhã, a C. I. A. comunicou aos mais altos funcionários do nosso Governo as conclusões a que chegara, baseada em fotografias e mapas.
É desnecessário repetir os acontecimentos seguintes, pois são bem conhecidos. O facto mais significativo é que John Kennedy decidiu, nos dias seguintes, mandar várias vezes o seu irmão Robert falar com o embaixador Dobrynin e informá-lo

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da preocupação do presidente. Nesses encontros, todos eles da máxima importância para o mundo, Robert Kennedy, reconhecendo embora a evidente falsidade das garantias e dos desmentidos de Dobrynin, soube manter uma insistência calma e firme na verdade.
No fim, foi Robert Kennedy quem aconselhou que os Estados Unidos declarassem, imediatamente, não estarmos dispostos a tolerar o envio para Cuba, pela Rússia, de mísseis ou outras armas ofensivas. No dia seguinte, o presidente redigiu uma advertência em que expunha claramente o que sucederia se tal envio se verificasse.
É impossível a qualquer presidente comparecer a todas as reuniões do pessoal consultivo. A simples presença de uma personagem importante impede a expressão livre e total das opiniões sobretudo no caso do presidente Kennedy, tão dinâmico e forte era o efeito da sua extraordinária personalidade.
Por isso ele não assistiu à maioria das reuniões destinadas a decidir e discutir, mas, instintivamente, os homens importantes que nelas participavam voltaram-se para Robert Kennedy e procuraram nele o seu guia. Mais tarde, referiram-se às suas sugestões firmes, implacáveis, frias e, todavia, acertadíssimas. Alguns homens achavam necessário um ataque militar, mas Robert Kennedy, apesar de impetuoso, também sabia ser prudente. Perfilhou o bloqueio em vez do ataque

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e, no fim, foi essa, também, a decisão do presidente. Robert Kennedy limitou-se a comentar:
- Não podia aceitar a ideia de os Estados Unidos bombardearem Cuba e matarem milhares e milhares de civis num ataque-surpresa.
É característico da família Kennedy, ensinada por pais como Joseph Patrick Kennedy e Rose Kennedy, atribuir sempre maior importância aos aspectos morais de qualquer situação, por muito perigosa que ela seja. Nos cinco dias de discussões constantes acerca da maneira de resolver a crise cubana, passou-se mais tempo a estudar o efeito moral do ataque-surpresa advogado por conselheiros militares e, até, por civis tão influentes como o ilustre Dean Acheson, do que qualquer outro. Não era por acaso que uma das citações preferidas de Robert Kennedy pertencia a A Queda de Hiperion, de Keats:
Que sentem a colossal agonia do mundo
E ainda, como escravos da pobre Humanidade,
Labutam para o bem mortal...
O importante, em todo esse período de supremo perigo de uma terceira guerra mundial e pouquíssimos americanos avaliam quão terrível foi o perigo -, é que os dois irmãos Kennedys conseguiram evitar a guerra. Terem sido capazes de decidir como decidiram, baseando-se antes de mais nada no que estava certo e era justo, constitui

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um tributo que não se deve negar ao homem que vai hoje ser confiado à sua última morada na terra.
Aqui, em Vermont, a chuva bate nas janelas da minha casa da montanha. Também chove em Hyannis Port, a chuva tamborila no telhado da igreja paroquial onde está a ser dito o serviço fúnebre em intenção de Joseph Patrick Kennedy. À volta dele está reunida a família - a mulher, os filhos e os netos, o "clã" Kennedy - e alguns amigos íntimos. Depois levá-lo-ão para o talhão da família no cemitério de Holyhood, em Brookline, aninhado nos montes do sudoeste de Boston. Aí poderá descansar em paz, pois deixa atrás de si um nobre legado em filhos e netos. Que estes não esqueçam, nunca, as recordações que lhes deixou, não só dos dias da sua forte e ardente juventude, mas também dos dias da sua paciente e digna descida para a morte.
Penso, agora, na família e, sobretudo, em Rose Kennedy. É o regresso a casa, o cair da chuva, o escurecer, a certeza de que a pessoa querida jaz sozinha sob a terra molhada, é isso tudo que torna a morte intolerável. Os filhos estão com ela, esta noite, mas também terão de a deixar.
Quando se encontrar, finalmente, sozinha, chegará para ela a hora de tomar absoluta consciência do sucedido. Cuidadosamente, efectuará os ritos habituais dos preparativos para a noite, mas sabendo que nunca mais ninguém abrirá a porta

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do quarto, depois de a ter fechado. Nenhuma voz quebrará o silêncio do aposento. A cama está ali e deitar-se-á nela, mas consciente de que nunca mais ninguém a compartilhará consigo. Quando acordar, jamais será para procurar o conforto da outra presença.
Sim, ele estava doente havia muito tempo e ela habituara-se a isso, mas não à morte e à certeza de que ele jaz para sempre na sua sepultura. Como compreendo isso tão bem, como o compreende tão bem qualquer mulher que passou pela separação final da morte! Ela não o vê como foi nos anos recentes de doença e velhice, não o verá como jaz na campa, sozinho. Recordá-lo-á, antes, como era quando casaram: um jovem alto e atraente, esbelto e forte, de cabelos ruivos e luminosos olhos azuis - e aqueles óculos de aros escuros, que lhe emprestavam um ar grave, de professor, quando ela conhecia muito bem a sua natureza ardente e impetuosa, o seu sentido do humor e a sua vontade imperiosa!
Depois, quando nasceram os filhos, como se sentiu orgulhoso deles e dela! Sete filhos, tão depressa, uns atrás dos outros, que a casa se encheu de crianças... E a seguir mais dois. Revê-os todos pequeninos, todos belos e saudáveis - excepto Rosemary.
Na primeira noite em que o marido jaz na sua campa, a mulher recorda-o quando era jovem. Não consegue suportar a noite a não ser

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que o recorde assim, novo, pai dos seus filhos... Os dias em que ainda estavam todos juntos e em que ele a todos mantinha.
Hyannis Port, ao princípio apenas uma casa de Verão, acabara por se transformar no seu verdadeiro lar, embora nunca lá os tivessem aceitado totalmente. É possível sorrir, mesmo às escuras, ao recordar aquela reunião da Associação Cívica de Hyannis Port, em 1951. O marido escutara tudo pacientemente e num silêncio heróico e quando no fim chegara a sua vez de falar não decorrera ainda meio minuto e já uma velhota se levantava, declarava ao presidente que não fora ali para ouvir discursar um zé-ninguém qualquer acabado de chegar, e saía, toda rebiteza...
Claro que ele continuara a falar e só se interrompera para rir, pois já tinham ido para Hyannis Port havia vinte e cinco anos. Haviam todos aprendido a rir. Não fora fácil ser uma segunda geração de irlandeses em Hyannis Port... Tinham ultrapassado tudo isso, evidentemente, sobretudo ao saberem que Jack ia ser presidente dos Estados Unidos. Oh, mas isso fora dezanove anos depois! Entretanto, tinham aprendido a amar o porto de mar e a sua história, primeiro de tradições índias, depois de lavradores e pastores, a seguir de pescadores de bacalhau e da Guerra da Independência e, finalmente, a história

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de uma cidade por direito próprio e
famosa estância estival.
Ele - Joseph Patrick - insistira em que todos conhecessem a história da sua cidade natal. Claro que, depois de ter ganho tanto dinheiro, as pessoas esqueceram a sua origem irlandesa. Compraram o seu primeiro grande automóvel - fora um Packard ou um Cadillac - e passaram verões divertidos, em que se bronzeavam e jogavam brídege e pinguepongue. Houvera certa hesitação quanto a escolherem entre Hyannis Port e Old Orchard Beach, no Maine, mas acabaram por se decidir pelo Cape. Isso fora em 1925.
Durante três anos alugaram Malcolm Cottage, um grande casarão comprido, mas nesse tempo Joseph Patrick andava tão ocupado a ganhar o seu segundo milhão de dólares que a família quase não o via, no Verão. No entanto, demorava-se lá o tempo suficiente para ficar cheio de sardas... No quarto verão já tinham uma casa sua, concebida por um arquitecto de Boston.
Estive em Hyannis Port depois da morte de Joseph Patrick Kennedy e pareceu-me revelador o modo amigável, de boa vizinhança, como a gente da terra pensava naquela grande família. Falavam bondosamente do pai, que vivera tantos anos na penumbra da doença e da idade, e dos dias em que os Kennedys eram jovens. Um comerciante local observou: "Eram tantos que eu tinha a impressão de que metade da cidade me

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invadia a loja, quando entravam uns atrás dos outros por aquela porta! Como eram? Exactamente como os outros garotos. Riam e empurravam..."
Foram os primeiros de Nova Inglaterra a assistir, em particular, a um filme sonoro. Isso foi quando Joseph Patrick Kennedy se interessava por filmes - e ganhava muito dinheiro com eles - e Glória Swanson os visitou, num fim-de-semana. Qualquer mulher se sentiria ciumenta, pois ela era tão petite, tão bonita e vestia tão maravilhosamente. Era casada com o marquês de la Falaise de la Coudray e nunca se aproximou, sequer, da água. Escreveu o nome na parede do clube de Kathleen e as raparigas não o apagaram, durante anos.
Em 1932, nascera a última filha - oitava, no conjunto geral -, Jean. Joseph Patrick passava muito tempo ausente e Rose tinha a responsabilidade toda - não, toda não; a presença forte do marido sentia-se sempre, em casa, mesmo quando lá não estava. No entanto, ela precisava de ser enérgica e de aprender a ser eficiente, sobretudo em pormenores deste género: arranjar um fato de banho de cor diferente para cada filho, para que ela soubesse se faltava algum, e qual, quando estavam todos dentro de água.
Enquanto Joseph Patrick trabalhava em Hollywood, a fazer os seus filmes de grande venda, ela era aquilo a que Jack chamaria a "cola" que

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mantinha a família unida. Obrigava-os a ouvi-la, falava-lhes de livros e de história e não hesitava em aplicar umas palmadas, se algum lhe desobedecia. Mas isso acontecia quando eram pequenos, evidentemente.
Oh, aqueles belos dias em que os filhos estavam todos em casa, as brincadeiras na água e as provas de natação! Mas o pai só autorizava um Kennedy em cada categoria, para não terem de competir uns contra os outros. "Nunca fiquem em segundo", dizia-lhes. "O segundo lugar não presta."
Aonde quer que fossem, ele e ela, gostavam de ter os filhos consigo - pelo menos alguns, nem que fossem apenas um ou dois. Joseph Patrick gostava de passar o máximo tempo possível com os seus filhos. Sabia sempre no que se metiam ou o que tramavam, mas não era capaz de os ensinar a perder e não o tentou. Ele próprio não sabia perder. Era corajoso e ensinou-os a serem corajosos.
Uma vez, quando estavam na praia, os rapazes viram um barco virado no mar agitado e, sem hesitarem, correram para o seu próprio barco e apressaram-se a ir salvar o homem, que já estava quase afogado. Nessa altura, Joe tinha apenas doze anos e Jack dez, mas, como sempre, não perderam tempo a pensar em si próprios. Joe não teria morrido tão novo, como morreu, se não se tivesse oferecido para combater como voluntário,

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na guerra, depois de terminado o seu tempo de serviço. Era destemido, muito forte, e tinha cabelo preto, liso e muito basto, que nunca conseguia manter penteado, e uns olhos azuis muito vivos. Nunca parava, andava sempre a fazer qualquer coisa ousada.
Foi o jovem Joe que ajudou a mãe a criar os outros e os transformou num clã. Ensinou-os a andar de bicicleta, a nadar e a jogar râguebi e ténis. Jack era o único que não lhe obedecia e, às vezes, Joe tinha de lutar com ele - e vencia sempre, fisicamente, pois o irmão era alto e magro, mas não era forte. Joe nunca o conseguiu modificar, apesar do muito que lutaram. No entanto, gostavam muito um do outro e um dia, mais tarde, Jack disse que se algum deles viesse a ser alguma coisa o deveria a Joe.
Os rapazes ainda andavam na escola e estavam numa idade em que eram muito desarrumados. As criadas queixavam-se constantemente de que o quarto de Jack era sempre uma balbúrdia de toalhas e calções de banho molhados, sapatos sujos e peúgas por todos os lados. Quanto a pomada para calçado, nem pensar... Na cerimónia do fim de curso da escola preparatória de Choate, os sapatos esfolados espreitavam-lhe sob a beca demasiado curta para o seu metro e oitenta de altura. Era apenas o 64º de uma turma de 112, mas os condiscípulos consideravam-no o mais apto a vencer na carreira que viesse a

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escolher. Quanto às raparigas, sentiam-se atraídas para ele como abelhas para o mel.
Rose Kennedy não pode negar que os filhos andavam sempre metidos em sarilhos. Uma vez até passaram uma noite na cadeia. Foi na altura da regata de Edgartown. Os dois rapazes mais velhos comemoraram a vitória com uma festa tão louca que a gerência teve de chamar a Polícia. Joe e Jack foram levados para a cadeia e as autoridades informaram o capitão contratado do seu iate da situação em que se encontravam, a fim de este pagar a fiança e serem libertados. O homem, severo e casmurro, mas merecedor da confiança do pai dos jovens, recusou-se a pagar e disse aos dois estoira-vergas que podiam muito bem ficar onde estavam e aprender a lição.
As recordações sucedem-se no espírito da mulher, naquela primeira noite em que ela se deita sozinha na sua cama, enquanto o companheiro jaz debaixo da terra.
No Verão de 1936, os garotos - que já não eram garotos... - ganharam todas as corridas de barcos. Jack, com Joe como co-capitão, inscreveu-se no campeonato da classe de stars, na Costa Atlântica, e ganhou dois primeiros prémios, nas séries de Julho e Agosto. Eunice, a comandar o Tenovus e com as irmãs como tripulantes, ganhou repetidamente na classe Wianno

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Júnior. Quando a corrida começava, gritava alegremente: "Vamos, toda a gente reza uma ave-maria!"
Depois pareceu-lhe que se tornaram todos adultos muito depressa. Jack candidatava-se a senador pelo Massachusetts e Eunice participava na sua campanha e dizia a toda a gente que o irmão estava a "disparar o primeiro tiro contra o comunismo neste país". Ela e Pat ficavam muito bonitas com as suas saias largas, com o nome de Jack e um desenho do edifício do Capitólio bordados. Nas orelhas traziam brincos com o slogan: "Votem em Kennedy". Tudo muito absurdo, mas comovedor e instigador do velho espírito de clã que o pai e o irmão mais velho lhes inculcara.
E depois chegou o dia em que Joseph Patrick foi nomeado embaixador em Inglaterra e começou uma vida nova para todos... Recordações, recordações, e nem a morte as conseguia apagar! A chuva continuava, no entanto, a tamborilar no telhado.
Três mulheres Kennedys tiveram de suportar esta primeira noite de absoluta consciência da morte - dessa consciência que, se a minha experiência da vida não é vã, se sente na primeira noite em que o corpo amado jaz debaixo da terra ou se desfez em cinzas. Enquanto o corpo é visível, embora enfraquecido ou até morto, ainda existe. No caso do jovem Joe não houve, sequer,

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nenhum corpo, a explosão desintegrou-o, levou-o por completo da existência. Num momento existia, estava vivo, a sobrevoar o mar, e no seguinte não estava em lado nenhum. Mas Rose Kennedy, Jacqueline e Ethel tiveram, cada uma à sua maneira, de imaginar, mesmo contra vontade, o corpo silencioso, fechado na sua cela, sozinho debaixo da terra. Nada nem ninguém pode impedir essa visão que não se vê. Só a vida, ao continuar, a vai diluindo, mas nunca por completo. No entanto, as mulheres cujos maridos amados morrem muito jovens, procedem de modo diferente, em relação à sua memória. Uma das primas Kennedys minha conhecida nunca voltou a visitar uma sepultura Kennedy, expondo-se, assim, às censuras veladas dos amigos e da família.
- Para quê? - replica, simplesmente. - Eles não estão lá.
Quanto a mim, visitei uma vez a sepultura do presidente Kennedy e nunca mais lá voltarei. Recordo-o de outras maneiras. Mas as Kennedys, aquelas cujos maridos morreram, visitam todas os seus lugares de eterno repouso. Sei que as duas mais novas levam os filhos consigo. Compreendendo, como compreendo, a natureza profundamente religiosa de Rose Kennedy, suponho que ela procederá como as noras têm procedido.
Mas sinto por Rose Kennedy uma compaixão especial. A sua vida já ficou para trás, ela não é

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uma mulher que viva através dos filhos e dos netos. É demasiado forte, demasiado independente, está demasiado habituada a uma vida sua. E habituada também a ter sido, e a ser de facto, uma bonita mulher.
Agora, perdida a juventude, só pode antever os anos do declínio. É verdade que esses anos também são preciosos, que são anos em que sabe melhor do que nunca ouvir música, em que a arte adquire maior significado e em que o encanto da natureza enternece mais, pois o tempo começa a escassear.
Em contraste com ela, as suas noras, mulheres mais novas, têm muitos anos de vida à sua frente, têm os filhos para acabar de criar e a necessidade de pensar neles e fazer planos para eles. A vida não é só delas; pertence à geração seguinte. Elas têm uma obrigação não só para com o marido morto, mas também para com a família Kennedy, em processo de crescimento.
A chuva deixou de bater no telhado. Deu lugar à neve, que cai silenciosamente.

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A VIDA da nossa nação foi modificada pela família Kennedy. Ela modificou-nos mais do que quaisquer outras famílias da história americana. Claro que não foram só eles, os Kennedys. Foi também a sincronização da eternidade. Eles tornaram-se proeminentes exactamente no momento oportuno da nossa história nacional e da história do mundo, quando nos aproximávamos do fim de uma era.
Duas guerras mundiais e uma desgastante guerra na Coreia, haviam-nos roubado muitos jovens talentosos, que poderiam ter sido dirigentes na nossa vida nacional e no mundo. A maior perda causada pela guerra nunca é financeira. A maior perda é e será sempre o desaparecimento de homens novos e valiosos e, consequentemente, das suas aptidões de chefia. Há duas gerações que temos líderes de segunda categoria, tanto no nosso país como no estrangeiro.
Sob a presidência de Truman e de Eisenhower

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o povo estava apenas a refazer-se, a examinar-se e a estudar os seus problemas. Ainda não se atrevia a olhar para o futuro. Desejava que o guiassem, ansiava por alguém em quem pudesse confiar.
A brandura do período de Eisenhower foi uma desilusão. Era muito respeitado pelas suas aptidões militares, mas saltava aos olhos que não tinha experiência da vida política. A sua integridade e a sua honestidade não ofereciam dúvidas de espécie nenhuma, mas já não acontecia o mesmo no que respeitava à sua competência e preparação para a chefia política. No entanto, creio que não foi mau dispormos desses anos de remanso, pois deram ao povo o tempo necessário para reflectir, para tomar consciência das coisas e das próprias necessidades, para estruturar a sua busca de um novo modo de vida. Esta busca cristalizou-se gradualmente num desejo profundo de pensamento novo, de uma maneira nova de encarar e fazer as coisas - em resumo, num desejo de heróis.
Foi então que os Kennedys apareceram. Se o jovem Joe não tivesse morrido, talvez surgisse em cena demasiado cedo e o impacto perdesse o seu efeito. Mas John Kennedy chegou na altura exacta em que era necessário e do modo que era necessário. Chegou com a força da tradição americana de origem imigrante, mas de uma imigração que enriquecera e se tornara poderosa

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em três gerações. Além disso, as suas acções e a sua personalidade identificavam-no com o herói havia muito desejado.
Ninguém, que eu saiba, se dedicou a estudar o que faz um herói. Não me refiro à pessoa que desempenha uma acção breve e corajosa. Muitas pessoas podem ser heróis temporários, quando se faz apelo à sua coragem. Refiro-me a um homem de estatura heróica, que em todas as suas acções e no seu próprio ser inspira confiança, respeito e, finalmente, adoração. A adoração é o resultado daquilo a que se chama carisma. A melhor explicação para esta palavra, hoje tão usada, é o seu primitivo significado grego: o "dom da graça".
Ontem, ao almoço, discuti este assunto com um amigo de opiniões políticas independentes.
- Sim, e aí está o perigo - declarou-me. - Um Kennedy após outro na Casa Branca e lá estávamos nós com uma dinastia! Primeiro, teríamos um Kennedy na Casa Branca mais de dois mandatos, porque ele saberia fazer-se amar pelo povo. Não, não... oito anos chegam. Voto pelos republicanos de oito em oito anos, e pelos democratas no intervalo. Mas se um Kennedy se consegue instalar na Casa Branca, com todo o seu carisma, o povo perde a cabeça por ele e quer que lá continue. E já pensou em todos esses jovens Kennedys que se seguem? Não sabe que alguns já se vêem na Casa Branca?

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A família Kennedy tem carisma, embora cada membro o possua em diferente grau. Mas John Kennedy e a mulher, Jacqueline, tinham-no superlativamente! Robert Kennedy também o possuía e, depois do assassínio do irmão, absorveu parte do carisma do falecido presidente. No entanto, o carisma nem sempre é composto de amor; às vezes toma a forma de ódio violento.
Nunca esquecerei o espanto que senti, certa noite, ao jantar, no Arizona, em casa de uma viúva rica, do petróleo, uma mulher de aparência honesta e simples, já septuagenária. Um outro convidado, um homem novo, de grande integridade e espírito brilhante, falou com admiração de Robert Kennedy e aludiu à possibilidade de ele vir a ser o nosso próximo presidente. Tanto bastou para que o rosto amável da nossa anfitriã se modificasse, para que o ódio o tornasse verdadeiramente hediondo.
- Oxalá alguém lhe desse um tiro! - exclamou.
Por coincidência, pouco tempo depois Robert Kennedy também foi assassinado. Mas naquela noite caiu sobre todos nós, convidados, um silêncio de constrangimento. Não há lógica em semelhante ódio e a única solução é ignorá-lo. Por isso mudámos de conversa e falámos de outros assuntos. Todavia, eu não pude deixar de reflectir no contraste entre o amor e o ódio.
Talvez como resultante da nossa filosofia nacional

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de democracia, existe no nosso povo uma capacidade de violência no amor e no ódio como ainda não encontrei igual em nenhum dos povos que conheço, excepto, possivelmente, no coreano. Confesso que não compreendo bem porquê. Uma parte dessa violência dever-se-á, porventura, à nossa ancestralidade. Nascemos de rebeldes e temerários e corre-nos nas veias sangue violento. É verdade, tenho vivido entre muitos povos e nunca encontrei violência como a que vejo no meu país - violência no amor e violência no ódio. Aqui, é tão perigoso ser amado como odiado, pois de um momento para o outro o amor pode explodir em ódio. É de tremer de medo ver um Kennedy agarrado, apertado e ensurdecido pelos gritos frenéticos de mulheres loucas de adoração. Eu sei o que se sente, pois já me vi envolvida numa multidão tão enlouquecida que tive de ser libertada pela Polícia. Tenho medo de tal amor, porque a experiência ensinou-me que uma palavra errada ou um gesto mal interpretado podem transformar esse amor em ódio.
Mas não são só os genes recebidos dos nossos antepassados que justificam a violência a que nós, Americanos, nos entregamos, a violência que tantos de nós saboreamos, secretamente. Existe na nossa filosofia uma contradição que já aprofundei, anteriormente, e que não preciso de explicar de novo, a não ser para reiterar que essa violência

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provém da insatisfação da realização pessoal.
O ódio é, naturalmente, um dos frutos da inveja. Tenho verificado que a inveja é um pecado comum do nosso povo, consequência do nosso sistema, que se baseia na competição e no isolamento individual. Como os Americanos são solitários, individualmente falando! Encontro mais gente solitária no meu país do que em qualquer dos outros que conheço.
Quantos de nós passamos os nossos serões absolutamente sozinhos, apenas com a televisão por companhia! Os artistas da televisão têm uma influência muitíssimo maior do que de outro modo conseguiriam - e não peco se acrescentar que é também muito maior do que geralmente merecem.
Não podem restar dúvidas de que a televisão influi muito na expansão do mito heróico, da adoração pelos dinâmicos e fascinantes Kennedys. A sua temeridade, a sua confiança em si próprios, a sua juventude, o seu idealismo e as vantagens da riqueza e da educação foram bem exploradas e salientadas através dos televisores. Felizmente, eles mereciam a atenção que lhes dedicavam, mas não se pode negar que a televisão também os poderia transformar em heróis sem eles o merecerem.
Basta que nos lembremos de Adolfo Hitler, desse homenzinho de baixo nascimento e pouca

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educação que, graças à manipulação dos que o criaram e utilizaram como cabeça-de-turco, só por um triz não destruiu a Europa. O povo alemão foi sempre muito sensível aos heróis. Preso à terra como é, possuidor de incrível actividade de espírito e de corpo, consciente das suas aptidões e com um complexo messiânico em relação aos outros povos, não foi difícil a um punhado de homens poderosos e maquinadores criar, como os Israelitas de antanho, um bezerro de ouro que lhe satisfizesse a necessidade humana de um deus a quem adorar.
Tal acontecimento praticamente não poderia verificar-se no nosso país e no nosso tempo se não fosse a força unificadora da televisão. Vemos todos a mesma cara ao mesmo tempo, num écran, e ouvimos todos a mesma voz a dizer as mesmas palavras. Submetemo-nos, como nação, ao mesmo homem. É verdade que também podemos antipatizar com ele, que, como nação, o podemos rejeitar como rejeitámos Richard Nixon mais de uma vez, quando ele ainda era ele próprio, sem treino. Mas treinado por aqueles que, cínica ou propositadamente, estudaram a mentalidade pública, ele acabou por se tornar aceitável e por ser aceito. Felizmente para todos nós e para o mundo, é, suponho, um homem bom. Mas se não fosse as técnicas empregadas teriam sido as mesmas.
Se a televisão tende a unificar, há outras forças

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que separam os indivíduos uns dos outros. Grupos muito antigos estão a dividir-se. Como, outrora, as corporações foram a unidade da indústria; como, mais tarde, os sindicatos as substituíram, a electrónica assenhoreia-se agora do lugar do trabalho. Electronicamente, vemos os rostos e escutamos as vozes daqueles que escolhemos para heróis. Electronicamente, ouvimos notícias de todo o mundo. Sem estudar História nem Geografia depois do liceu, tomamos superficialmente conhecimento de recontros nas regiões fronteiriças da China e da Rússia. Sem perguntar por que motivo se dão tais recontros, nem as razões que levaram a China a invadir o Tibete, nem porque guerreou com a Índia para conservar as suas fronteiras, ouvimos as notícias dos acontecimentos que transformam o mundo, mas que os meios de informação nunca nos explicam.
Porque tomamos conhecimento electronicamente dos acontecimentos que ocorrem, sem compreendermos por que ocorrem - e há no passado razões inevitáveis e implacáveis para tudo quanto sucede no presente, os jovens crescem numa atmosfera de hostilidade contra os que são mais velhos, contra os seus pais e professores, e exprimem a sua falta de confiança rebelando-se através de vestuário e aspecto extravagantes, de nudismo e de escárnio da ordem. Rebelam-se, mas exprimem a sua rebelião

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numa nota baixa, pela indiferença e pela evasão através das drogas, em vez de pela bebida.
Os Kennedys foram um exemplo perfeito das forças em acção na nossa era electrónica. Foram dinâmicos, mas suavemente. O seu humor tinha ressaibos de ironia e até de amargura, e ao exprimirem assim o estado de espírito dos jovens tornaram-se os seus heróis e a sua esperança. Ao morrerem violentamente, essa violência tão anónima e tão irracional exprimiu de outro modo a cólera dos jovens. É que estes, aparentemente semelhantes no seu protesto e na sua rebelião, diferem na maneira de os exprimir e, às vezes, matam aquilo que eles próprios anseiam ser e sabem que nunca poderão ser.
Vivemos numa era de desespero e revolta tão profundos que até os indivíduos se estão a separar uns dos outros. E onde isso se torna mais evidente é na nossa música, sobretudo nas nossas canções populares. Neste preciso momento em que escrevo estou a ouvir pela televisão uma canção em que se grita, de modo pateticamente confrangedor: "Se é só isto que existe... então continuemos a dançar. Tragam as bebidas e haja baile!" A lista dos títulos das canções populares é uma série de individualismos repetidos, nimbados de uma solidão triste: "Sozinho", "Tenho de Ser Eu", "Orgulho-me Muito do que Sou", "Sou Tudo Quanto Tenho", "Eu Sou Eu", e por aí fora, até à saciedade.

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Claro que esta solidão é significativa, assim como é significativo o instinto de dançar separadamente, em vez de aos pares, juntos. Mas é significativo porque este individualismo, esta solidão, esta divisão, não podem ser permanentes. São, sim, o prelúdio de um novo agrupamento de seres humanos. E o mais provável é que o novo agrupamento se faça à volta de um indivíduo - o indivíduo - que melhor compreenda e exprima o presente estado de espírito dos jovens que se sentem incompreendidos, que anseiam por compreensão e que se entregarão completamente àquele que tiverem a certeza de que os compreenderá. E então esse poderá vir a ser um ditador. O nosso país nunca esteve tão "maduro" para uma ditadura como está agora. No entanto, o nosso chefe deverá ser produto da nossa tradição e do nosso idealismo americanos. Por exemplo, deverá ser um homem de família e será essencial que a sua mulher seja bonita e fiel. Esta não poderá ser, em sentido nenhum, sua rival, mas convirá que seja inteligente, de preferência num campo diferente do marido e de preferência, também, apolítica. Nunca deverá ter precedência sobre ele; a sua presença deverá servir de complemento à dele, mas sem nunca a ultrapassar.
O presidente Kennedy foi afortunado em todos estes aspectos. A sua mulher era bonita e respeitava a posição do marido, mas sabia manter a

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O facto de admitir, com apreço, que ela falava melhor Francês e Espanhol do que ele, alimentava o encanto do presidente. Ele orgulhaví-se do seu gosto artístico e deu-lhe todo o crédito pelo que ela fez para melhorar o aspecto da Casa Branca. A bem dizer nunca tivemos uma combinação tão ideal naquela augusta residência, onde eles viviam com o à-vontade de pessoas habituadas ao luxo. Na realidade, até, os seus aposentos particulares não eram tão luxuosos como aqueles a que estavam habituados, em sua casa.
Se Kennedy não fosse assassinado, é de crer que tivesse pelo menos dois mandatos na Casa Branca, desde que não transgredisse as normas da concepção popular do que deve ser um herói. Talvez a sua imaginação pessoal conseguisse transcender até mesmo essa concepção. Não podem restar dúvidas de que seria um herói brilhante e benéfico. O perigo residiria nos seus sucessores. Se Robert Kennedy lhe sucedesse, o brilho e os benefícios talvez continuassem, embora seja mais difícil calcular se a prudência seria a mesma.
Uma coisa é certa: os Americanos de hoje estão fartos do extravagante, do espalhafatoso, do "impingido". Estão cansados da engrenagem política e da organização partidária. A abordagem serena, de palavras suaves e retocada de humor

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inteligente, são as características que os atraem agora.
Talvez nos estejamos a tornar mais civilizados - ou talvez nos estejamos a tornar, apenas, mais urbanizados. Já não somos um povo rural, os lavradores constituem somente 5% da população e essa percentagem é mais do que suficiente para alimentar a nação. Tudo isto aconteceu numa geração. Não admira, pois, que exista o tal abismo entre gerações.
Pais e professores não tiveram tempo nem oportunidade de se conservar à frente dos jovens, até mesmo daqueles que nasceram há dez ou doze anos. Os professores estão irremediavelmente desactualizados nos seus conhecimentos, e os alunos possuem o conhecimento implacável de que, muitas vezes, os professores são incapazes de os ensinar e os pais não merecem mais do que uma afeição impaciente e sentimental. Precisam de arranjar novas pessoas que os ensinem e a quem amem.
Robert e o seu irmão Ted, juntamente com as suas famílias, vinham aqui muitas vezes, esquiar. Se alguém perguntar a uma pessoa de Vermont "como eles eram", ela fingirá indiferença total. Hoje, no entanto, e sem que eu o interrogasse, um vermontês causou-me a maior das surpresas ao dizer-me que, um dia, quando um fotógrafo o fotografou na Stratton Mountain, Robert Kennedy lhe arrancou a máquina das mãos e a espatifou.

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Isto veio a propósito de, nesse momento, um fotógrafo inesperado - e indesejado, devo acrescentar - ter aparecido subitamente para me fotografar.
- Devia ter-lhe partido a máquina, como fez o Bobby - disse-me o meu vizinho de Vermont. Ai de mim, não tenho assim tanta coragem! E os filhos de Robert, tê-la-ão? Mais uma vez, os Kennedys têm de se voltar para os seus filhos e de concentrar neles todas as esperanças e ambições, como fez Joseph Patrick Kennedy, ao cair em desgraça. Todos esses jovens contêm em si uma força potencial, pois todos eles têm genes Kennedy: aqueles cujos pais foram e são Kennedys, e aqueles cujas mães são mulheres Kennedys. Que farão do seu futuro? Tudo isso depende em grande parte do que Edward Kennedy decidir acerca do seu próprio futuro. Até agora, não foi tomada nenhuma decisão quanto à presidência, a não ser que, se se candidatar, não será antes de 1976. Contudo, são muitas as dúvidas, até mesmo quanto a essa data ou a qualquer outra.
Edward Kennedy sente o peso da grande responsabilidade da jovem geração e tem ainda o alegado problema da sua própria vida. Joan manter-se-á indissoluvelmente ligada a ele e à família Kennedy? Poucos são os amigos capazes de se conservarem leais em semelhantes circunstâncias

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, e esses poucos são o melhor tesouro que a vida pode oferecer.
Do que não tenho dúvidas é de que os verdadeiros Kennedys serão absolutamente leais a Edward. Os que não possuem o segredo Kennedy afastar-se-ão.
Quer Edward Kennedy se decida, quer não, a candidatar-se à presidência, um dia, a sua situação relativamente à geração mais jovem permanecerá difícil. Os garotos terão de crescer no meio de mexericos e alusões a escândalos. Os mais velhos já devem ter lido os jornais e as revistas e, por isso, já têm consciência da sombra que paira sobre a família. Que fará Edward Kennedy para os ajudar, para conseguir, primeiro, o seu respeito e para conquistar, depois, o seu amor e a sua lealdade?
Se me é permitido um conselho, a sua influência só poderá ter todo o efeito desejado se ele for absolutamente sincero com eles. Com aqueles que já têm idade suficiente para compreender, essa sinceridade deve ser imediata, começar já, ele deve responder franca e totalmente a todas as suas perguntas.
Os mais velhos poderão, depois, ajudá-lo a conquistar os mais novos. Quando estes virem que os seus irmãos e irmãs mais velhos respeitam Edward Kennedy e seguem os seus conselhos, imitá-los-ão. Claro que, a seu tempo, lhes deve ser contado tudo. Não acredito na política de

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proteger as crianças furtando-as ao conhecimento dos factos. Antes que outros as escarneçam e lhes façam alusões, devem saber a verdade. Edward Kennedy deve informá-las, uma por uma, não só da sua própria tragédia, mas também das tragédias que enlutaram uma grande família.
Os jovens devem saber, sobretudo, que também serão perseguidos pelas mesmas tragédias, que o ciúme, a inveja e o ódio não os pouparão.
Se alguma coisa tenho contra os meus queridos pais, é o facto de, sendo embora pessoas de inteligência superior e coração afectuoso, me terem criado inocentemente, na convicção de que as pessoas são, regra geral, justas e amáveis, desinteressadas e boas. Tive de aprender, graças a amarga experiência, a não esperar justiça nem amabilidade, desinteresse nem bondade.
Também não espero lealdade, pois a maioria das pessoas não é capaz de ser leal, principalmente se, sendo-o, se prejudicar. Aprendi a estar do lado de Eva e não do de Adão. Eva fez bem ao persuadir Adão a comer a maçã da árvore do conhecimento do Bem e do Mal. Foi sensata, discerniu sozinha o mal que existia na serpente e sozinha ensinou a verdade a Adão: que o mal existe, um mal odioso e implacável, nos corações de homens e mulheres que são serpentes.
Ninguém sabe isto tão bem como aqueles que, por natureza, amam a excelência e que, por amor de excelência, não se poupam nem aos seus talentos.

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Por isso espero sinceramente que Edward Kennedy ensine a verdade ao maravilhoso grupo de crianças constituído pelos seus filhos, sobrinhos e sobrinhas.
Claro que também lhes deve ensinar que existem alguns homens e mulheres em cuja bondade se deve confiar, mas que são poucos. Só a esses se pode amar, só nesses se pode confiar tranquilamente e sem reservas. Mas os outros, embora não seja sensato amá-los e confiar neles sem reservas, também não devem ser odiados.
A pessoa superior não odeia ninguém. O ódio é, em si mesmo, uma emoção corrosiva, e a pessoa superior não desce a tal baixeza. Já verifiquei que é possível gostar de pessoas em que não podemos confiar, que é até possível apreciar a sua companhia. Tenho amigos - sim, chamo-lhes amigos - com quem posso passar um serão agradável, mas a quem não faria uma única confidência, pois comi o fruto da árvore do conhecimento do Bem e do Mal.
Os meus pais não me ensinaram. Tive de aprender à minha custa a não esperar nada das pessoas - mas como me sinto grata quando descubro que estava enganada acerca de alguém! E quando descubro uma dessas pessoas nunca mais a largo. É um tesouro para a vida inteira!
Tudo isto deve ser ensinado aos pequenos Kennedys. Talvez existam entre eles alguns que possuam grandeza, alguns capazes de erguer de

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novo o nome de Kennedy à altura que já conheceu. Sofrerão, poderão até ser assassinados, mas é possível que exista neles algo que seria crime esconder: talento.
Se, por razão do medo, uma pessoa não utiliza o seu talento, se o oculta por ter medo dos que lhe são inferiores, então morre, embora a carne continue viva. É uma grande, uma verdadeira tristeza saber alguém que possui determinado talento e não ter a coragem ou a força para a utilizar em toda a sua amplitude. Por muitas angústias que o uso do seu talento lhe cause, deve empregá-lo, se o seu espírito estiver à altura de tal dom.
O filho mais velho de Rbbert Kennedy, Joe, tem agora dezassete anos. Foi ele que participou na guarda de honra no funeral do seu pai, que protegeu e confortou os irmãos mais novos, que recebeu convidados, apertou mãos e lhes agradeceu a sua presença. Foi ele, também, que ficou ao lado da mãe, durante o enterro, com as lágrimas a correr pelas faces.
Foi ele ainda quem acompanhou o tio Edward à Europa e seguiu a tradição de coragem da família, ao participar numa tourada, em Espanha, e ficar tão ensanguentado que horrorizou os amigos. Herdou, também, o encanto da família e já faz figura, como orador. Promete muito.
Robert, o irmão que se lhe segue, aos quinze anos esteve duas vezes em África, num safari, a

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fotografar animais selvagens. Possui um espírito científico e, por enquanto, parece interessar-se pouco pela política. Tem um pequeno jardim zoológico particular com um urso ainda meio-selvagem, uma enorme tartaruga, cricetos, piriquitos, dois falcões e outros animais.
O irmão que se segue, David, interessa-se sobretudo por desportos, como a maioria dos Kennedys. Os outros ainda mal saíram da infância. A mais novinha, nascida depois da morte do pai, é Rory Elizabeth.
A casa de Robert Kennedy está vazia sem ele, mas a sua viúva arranjou uma maneira de proporcionar aos muitos filhos forte influência masculina, graças a um programa de visitas de homens que foram amigos do marido. Desta maneira os seus filhos não têm só companhia masculina adulta: convivem também com homens ilustres nos vários campos da arte, do comércio, da ciência e da política.
De todas as Kennedys de hoje, nenhuma tem a força e o dinamismo de Ethel, assim como nenhuma possui, também, o calor humano, a espontaneidade, a ausência de formalismo e a compreensão da viúva de Robert Kennedy. Toda a família a ama e admira.
O seu primeiro ano de luto terminou e ela abriu de novo a casa aos amigos e, principalmente, às crianças. A primeira vez, tratou-se de um concurso de mascotes, a favor de uma obra de

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caridade. Criou uma instituição em homenagem ao marido, a Fundação Robert F. Kennedy, destinada a contribuir para a educação de jovens dotados, provenientes de famílias pobres.
Numa estatística efectuada pela Gallup, em Fevereiro de 1969, Ethel Kennedy ficou em primeiro lugar, como a mulher mais admirada dos Estados Unidos. O segundo lugar coube a Rose Kennedy.
Ethel possui ainda outra característica que sensibiliza o povo americano: é um símbolo de maternidade. Rose Kennedy teve nove filhos, mas Ethel tem onze. E possui mais outra vantagem importante: não é bonita. Agradável à vista, saudável, cheia de vitalidade, sim; mas bonita, não. E, portanto, não constitui uma ameaça para as outras mulheres. Tem suportado a tragédia da sua viuvez com tanta coragem e uma ausência tão absoluta de autocompaixão, que merece, sem dúvida, a admiração que lhe tributam.
É, por isso, muito possível que uma Kennedy
- Ethel Kennedy - venha a tornar-se a nova cabeça do clã.
Além das suas qualidades pessoais de chefia, tem vários filhos simpáticos e jovens, o que significa encontrar-se numa situação extraordinariamente semelhante àquela em que Rose Kennedy se encontrava, há uma geração. Por sinal, o filho mais velho de Ethel, Joseph Kennedy III, é apenas dez anos mais novo do que o seu tio John

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Fitzgerald Kennedy era quando se candidatou pela primeira vez a um cargo político.
A incógnita é a seguinte: Ethel Kennedy assumirá sozinha o duplo papel de pai e mãe e incitará os seus filhos a afastarem-se da competição da vida política? Ou continuará a tradição Kennedy de lutar para conquistar o lugar mais alto?
As tragédias do passado determinarão o caminho a seguir pela terceira geração de Kennedys, levarão os novos Kennedys à senda que conduz à Casa Branca? Muito, se não tudo, depende de uma mulher, de uma esposa e de uma mãe Kennedy. Mas se Ethel Kennedy voltar a casar, o rumo do nosso país talvez se modifique.
Perguntei a um amigo se pensava que Ethel voltaria a casar.
- Casará, com certeza - afirmou, convicto. - Oh, tenho a certeza disso! Tem muita vitalidade e não gosta de estar sozinha, como mulher. Os filhos não contarão, nesse aspecto, e as pessoas, a multidão que a adora, não exigirá dela o que exigiu tão cruelmente de Jacqueline. Esta, como se lembra, foi imolada, sacrificaram-na a uma memória sagrada. O povo interessar-se-á sinceramente pelo novo casamento de Ethel, todas as mulheres casadas se sentirão vingadas como mães e esposas, e Ethel será feliz. As suas emoções não são tão profundas como as de Jacqueline, ela é capaz de se "transferir" com mais facilidade. Oh, sim, juraria que ela volta a casar!
E outro amigo corroborou:
- Voltará a casar dentro de dois anos. É demasiado mulher para não ter a companhia de um homem em casa. Não faço a mínima ideia de quem ele poderá ser... mas seja quem for terá um exemplo difícil a seguir. Bobby e Ethel formavam uma equipa formidável!
Mas, apesar da convicção dos amigos, é possível que Ethel Kennedy não volte a casar. Nesse caso, será o arrimo e a orientadora da família Kennedy.
Há sete anos, no dia 1 de Outubro, o U. S. News and World Report publicou o seguinte comentário:
"Não há na história dos Estados Unidos exemplo de nenhuma mulher com três filhos a ocupar simultaneamente elevados cargos governamentais. Mrs. Rose Kennedy talvez seja a primeira."
Agora é possível que Ethel Kennedy venha a ser a segunda.
...São amaldiçoados, os Kennedys?
Sim, mas pela grandeza!

 

 

                                                                  Pearl S. Buck

 

 

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