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CAPÍTULO 18
Alexia não confrontou Hayden acerca da forma como impusera sua presença na casa dos primos. Em vez disso, escreveu para Rose logo depois de voltar para Londres, na esperança de retomar o fio da conversa entre elas. Durante quatro dias, esperou impacientemente por uma resposta.
Hayden estava com ela na sala matinal quando o correio chegou, no quinto dia. Ao ver que não recebera nenhuma carta de Rose, a irritação que vinha ocultando emergiu.
Fervilhando de agitação, mexia nas cartas que tinham chegado. Choviam convites de curiosos conforme a alta-roda ia voltando à cidade para passar a temporada.
Observou os nomes de famílias que nunca teriam recebido Rose, muito menos Alexia Welbourne. Nunca faria amigos de verdade naquele círculo. Sempre haveria comentários velados sobre seu casamento, pressupondo que Hayden proferira seus votos sob a ponta de uma espada.
– Você parece perturbada, Alexia – disse Hayden.
– Você não está entendendo bem o meu humor.
– Não concordo. O que a está irritando nas cartas?
Quisera que ele voltasse para suas próprias cartas e papéis. Na verdade, quisera que ele nem estivesse ali. Quando ele mudara seus hábitos matinais assim? Ele costumava já ter saído no horário em que ela descia, mas agora com frequência estava na sala matinal quando ela ia para tomar o desjejum.
Ela mostrou as cartas.
– Há muitos convites. A partir da semana que vem, serei o centro das atenções toda noite, desempenhando um papel para pessoas que nem são seus amigos.
– Vamos aceitar só alguns.
– Você disse que aceitaríamos a maioria.
– Não se isso a deixar infeliz. Escolha os que lhe interessam e recuse os outros.
Isso deveria fazê-la sentir-se melhor, mas não foi o que aconteceu. Recomeçou a mexer nas cartas.
– Foram as cartas que chegaram que a irritaram ou foram as que não chegaram?
Ele era mestre em perceber a verdade. Mas não era seu costume forçar uma conversa sobre os Longworths. Por acordo mútuo, o assunto nunca invadia suas noites e raramente era tratado durante o dia.
Ele dominava a sala, mesmo em sua posição relaxada na cadeira. Tinha se vestido para ir ao centro financeiro. Usava um casaco escuro e sua aparência a hipnotizava um pouco, como sempre acontecia. A frieza que o havia tomado desde que discutiram em Aylesbury pairava no ar que respiravam. Ele não a forçou, mas esperava uma resposta.
Por um momento ela oscilou entre a prudência e a franqueza. Como quase sempre acontecia na sua vida, a segunda venceu.
– Rose não escreveu desde que deixamos Oxford. Temo que não escreva mais e que a minha visita tenha sido arruinada.
Ele reagiu mal à última parte.
– Por mim?
– Suas providências com as carruagens poderiam parecer uma gentileza, não fosse pela forma como você a seguiu até em casa.
– É uma pena que ela não tenha escrito para lhe contar o que aconteceu naquela casa. Não é estranho que você não tenha me perguntado?
– É melhor deixar certos assuntos de lado. Você demonstrou que meus primos e a situação em que vivem é um problema deles.
– Não previ que você não precisaria de palavras para expressar seus ressentimentos. Não quero que minha casa se encha de recriminações não ditas. Vamos melhorar o clima.
– A respeito de tudo?
O desafio estava lançado. O perigo que continha a estremeceu e ela desejou não ter sido precipitada. Não queria falar sobre tudo isso.
Nem ele, ao que parecia. Com mudanças sutis na postura e na expressão, ele voltou atrás.
– Fui àquela casa para contar a Timothy Longworth que descobri que Ben tinha uma conta no Banco da Inglaterra, fato que Longworth desconhecia. O saldo é uma boa soma em dinheiro.
– Foi só sobre isso que vocês conversaram?
– É tudo o que importa.
Ela não sabia o que dizer.
– Rose sabe disso?
– Eu contei a ela para que ficasse ciente de que iam receber algum dinheiro.
– Bastava ter escrito a Timothy.
– Decidi não fazê-lo.
Ela baixou o olhar para as cartas. A ausência de uma resposta de Rose assumia um novo sentido agora. Talvez o encontro delas não tivesse sido tão bom quanto pensava. Quem sabe ela não houvesse entendido errado? Para Roselyn, poderia ter sido apenas uma visita final.
Hayden se levantou. Sua expressão deixava transparecer que ele já pensava em outros assuntos.
– Obrigada por achar a conta. Deve ter lhe dado trabalho.
– Foi por acaso.
– Então agradeço a Providência por permitir que você achasse a conta. Foi muito gentil de sua parte informar a Rose também.
Ela elevou o olhar para ele e uma dor física perpassou seu coração.
– Queria que não tivéssemos discutido em Aylesbury. Queria que soubesse que não sou desleal a você quando converso com Rose. Não o comprometo ao tentar reconstruir meus laços familiares.
Ele tomou o queixo de Alexia entre suas mãos. Seu olhar a penetrou e seu polegar traçou uma linha em seu maxilar. De repente ele não estava mais distante e frio, mas muito próximo e presente de corpo e alma, hipnotizando-a.
– Você vai para suas salas no centro financeiro esta manhã? – perguntou Alexia.
– Em algum momento. Tenho reuniões antes, Chalgrove, entre outros... – respondeu o marido.
Ele falava em um murmúrio aleatório, palavras que não importavam, porque tudo o que Alexia notava era como ele prolongava a deliciosa conexão do momento.
Depois da distância dos últimos dias, essa intimidade repentina a espantou. Estavam tão próximos que ela podia sentir seus pensamentos se fundindo. Ele estava ali, também tão real. Tão fora do tempo e do espaço, não um visitante que tocava seu corpo e sua alma sob o manto do silêncio e do mistério da noite.
Será que ele sentia o mesmo? Será que deliberadamente fizera com que a conexão durasse e se intensificasse ou o tempo se alongava somente na imaginação dela?
Ele se inclinou e a beijou.
– Só vou conseguir voltar à noite. Esteja aqui.
O criado a encontrou em seu antigo quarto. Ela se escondera ali para trabalhar no chapéu novo. Mesmo que sua atividade não rendesse o dinheiro necessário para aliviar o aperto dos primos, ainda assim ela gostava de fazê-la. Usaria os chapéus ela mesma. Como não tinha que agradar às clientes da Sra. Bramble, ficava livre para conceber este como queria.
Aceitou a carta que o criado trouxe e reconheceu a caligrafia de Rose. Levou a missiva até a janela, tomada por sentimentos contraditórios de alegria e temor. Será que essa mensagem viria cheia da proximidade que tinham compartilhado de novo em Oxford ou explicaria de forma educada que a invasão de Hayden tinha tornado improvável qualquer tipo de aliança?
Nem o temor nem a esperança foram confirmados. Rose escrevera com um objetivo diferente.
Timothy foi embora. Temo que tenha nos abandonado.
Ela leu os detalhes com espanto crescente. Sua impotência para impedir essa injustiça final a deixou à beira das lágrimas. A necessidade de fazer algo, de deter o comportamento irresponsável de Tim, fez com que uma corrente de planos disparatados e inúteis invadisse sua cabeça.
Sentou-se em sua antiga cama e releu a carta, tentando se concentrar. Por que Tim havia feito aquilo? Com certeza Rose estava enganada e ele voltaria.
Desejou que Hayden estivesse em casa. Queria mostrar isso a ele, perguntar-lhe se anunciava o desastre que temia. Queria que ele a acalmasse dizendo que nunca permitiria que Rose e Irene ficassem na miséria.
Porém, ele não estava ali e só voltaria à noite.
Quando tinha acontecido?
O pensamento ocorrera a Hayden no auge da paixão, quando sua consciência se rompera em uma explosão de sensações.
Ela ouvira a pergunta? Ele a fizera? Ela estava com ele em êxtase, as pernas envolvendo seu corpo, seu cheiro e seus gemidos enchendo sua cabeça. A pergunta ecoou nos momentos seguintes, enquanto se abandonavam naquela união.
Quando tinha acontecido? Quando as paixões noturnas haviam alterado a realidade de seus dias?
Quando o desejo de ter sua companhia tinha feito com que mudasse de hábitos? Quando o humor dela passara a influir o seu? O sorriso dela trazia alegria e suas expressões de preocupação traziam inquietação. De uma forma ou de outra, ela enchia seus pensamentos, distraindo-o. Nenhum assunto tinha apelo suficiente para mantê-lo afastado dela. Sempre voltava cedo para escorregar nos lençóis da cama dela, como fizera nesta noite.
Ele flutuava em uma paz tão perfeita que seria um pecado perturbá-la. Não se importava nesse exato momento que sua afeição o colocasse em desvantagem. Era durante o dia que às vezes analisava essa emoção inesperada e como ela o tornava um homem irreconhecível.
Esperava retomar seu autocontrole, mas não se importava se isso nunca mais acontecesse. Quando esse momento finalmente chegou, ele despertou. Percebeu que tinha caído no sono. Começou a procurar por Alexia e entendeu por que a separação tinha sido tão abrupta. Ela não estava na cama.
Nenhum som vinha do quarto de vestir. Ele se levantou e olhou lá dentro de qualquer forma, depois verificou em seus próprios aposentos. Curioso, pôs o robe, acendeu o abajur e foi até o antigo quarto dela.
Um chapéu semipronto estava pousado sobre um molde de cabeça. Aviamentos espalhados indicavam que ela trabalhara nessa criação recentemente. Era assim que ela se ocupava enquanto esperava para ser apresentada à sociedade? Examinou os pontos costurados com cuidado no chapéu e se perguntou se ela preferiria fazer esses trabalhos manuais a visitar as damas da sociedade.
Uma visita à biblioteca revelou somente a escuridão. Começou a se preocupar e, então, outra possibilidade lhe ocorreu. Subiu as escadas até o último andar e caminhou por todo o corredor que separava os quartos dos criados. Abriu a porta no fim e entrou no sótão.
Um lampejo de luz o saudou, engolindo a luminosidade de sua própria lamparina. Alexia estava sentada no chão, perto da janela, em uma posição muito parecida com a da última vez em que a encontrara ali. Papéis a rodeavam de novo e um dos baús de Ben estava aberto.
Ela não estava chorando dessa vez. Estava sentada reta, com a cabeça alta, os olhos fechados, totalmente controlada. Parecia tão distante dele que poderia ser uma estranha.
Tentou aplacar a raiva que o queimou por dentro. Talvez fosse assim que ela passasse as tardes, e não fazendo chapéus. Com que frequência, depois que ele saía de sua cama, ela se esgueirava até ali para se reconfortar com a última conexão restante com seu antigo amor?
Ela era sua esposa, sua esposa, maldição! Ela o estava transformando em um tolo romântico, o tipo de homem que ele desprezava, e não se dava conta disso. Provavelmente não faria diferença para ela. Ele era apenas o homem que arruinara sua família, a seduzira e depois fizera a coisa certa.
A raiva o venceu, fortalecida pelo reconhecimento de que ela o tinha tornado ridículo. Foi atiçado pelo peso estúpido em seu peito que provava quanto se importava com ela.
Andou em sua direção. Seu ombro resvalou alguns livros empilhados em uma estante, fazendo com que os do alto caíssem no chão. O barulho a espantou. Abriu os olhos e balançou a cabeça, como se a presença dele ali não fizesse sentido.
Ele olhou fixamente para o baú aberto. Reconheceu os pertences de um velho amigo havia muito falecido. Também eram talismãs de um rival cuja presença era tão forte que nem o túmulo podia conter.
Benjamin. O vigoroso e alegre Ben. Tão impulsivo, tão livre. Lógica não era o que guiava seu caminho na vida. Assuntos práticos não detinham seus impulsos. Nem a lei nem a moral, como tudo levava a crer.
Hayden havia provado dessa liberdade de espírito através do amigo. Ben fora o oposto perfeito de Hayden Rothwell e isso tinha sido seu charme. Para Alexia também, sem dúvida.
Entendeu tudo. Mas isso o enfureceu de qualquer forma.
– Esses baús não pertencem a esta casa – disse ele.
– Sei que deveria tê-los mandado para a casa dos meus primos semanas atrás. Mas fico feliz por não ter feito isso.
Isso confirmava suas suspeitas.
– Vou queimá-los assim que o sol nascer.
Ela segurou a borda do baú como que para protegê-lo.
– Queimá-los? Por quê?
– Por quê?
Ela tremeu como se ele tivesse gritado. Ele tinha gritado?
– Você deixa os meus braços e se esgueira até aqui para mergulhar em sentimentalidades sobre um homem que a enganou e me pergunta por que quero queimar os malditos baús que alimentam seu apego doentio à sua memória?
Ela se afastou, estupefata. Mas a satisfação dele com sua reação durou pouco. Ao se recompor, Alexia se empertigou e o encarou. Tão confiantemente se preparara para defender sua dignidade que poderia ter se levantado e posto uma armadura.
Diabos, ela estava linda. Incomparável. Não era para menos que ele a desejasse tanto.
– Em primeiro lugar, não me esgueirei – disse ela, com seus olhos chamejantes. – Em segundo lugar, não vim aqui para mergulhar em sentimentalidades. Recebi uma carta de Rose hoje que me preocupou muito. Alguns detalhes atiçaram minha memória enquanto você dormia e vim aqui para ver, bem, para verificar umas coisas.
Suas palavras secas e raivosas atingiram o silêncio frágil que os engolfara.
– Rose lhe escreveu? Por que não me contou?
– Eu quis contar, mas você não estava em casa.
– Agora estou. Estou em casa com você há horas. Se ficou preocupada com a carta dela...
– Você estabeleceu uma regra de que meus primos não eram para ser objeto de discussão durante a noite. Deixou claro que não queria que seu prazer fosse perturbado pelo que me preocupa.
Ela falou isso de forma factual, sem amargura. Sua calma o deixou pasmo, mais do que suas suposições. Era a voz de uma esposa zelosa aceitando as limitações impostas pelo marido. Era também a voz de uma mulher que não tinha expectativas.
É claro que ela encarara dessa forma a proibição de falar dos primos na cama. O que mais poderia pensar? Que desde o início ele tivesse sentido que poderiam compartilhar mais do que mero prazer, mas somente se aquele assunto amargo fosse esquecido à noite?
Ele se sentou ao lado dela no chão, como tinha feito no dia em que tirara sua virgindade. Sua perda de controle o havia espantado naquela tarde. Fazia muito mais sentido agora.
– Foi uma regra egoísta, Alexia. Muito egoísta, se for para deixá-la sozinha de noite com suas preocupações quando está inquieta.
– Não fiquei sozinha por um momento – disse ela suavemente. – Não fiquei inquieta por um momento.
Ele ficou feliz por não ter imaginado isso.
– O que dizia a carta?
– Tim as deixou. Rose disse que, depois de sua visita, ele parou de beber. Ficou impiedosamente sóbrio. Foram estas as palavras dela. Meu primo foi embora há três dias.
– Imagino que tenha vindo para Londres a fim de verificar a conta no banco.
– Foi isso que ele disse a ela, que ia embora para achar sua fortuna. Ele ficou rindo enquanto dizia isso, como se contasse uma piada que só ele entendesse. Até a noite passada, ele não havia voltado.
Ele afagou o cabelo dela.
– Ele deve estar na esbórnia, agora que tem dinheiro para gastar. Não há motivo para acreditar que as esteja abandonando.
– Rose disse que ele levou uma boa quantidade de roupas. Dois baús. Quando ela perguntou por que ele estava levando tantas assim, ele disse que havia mais dinheiro e que achava que sabia como encontrar.
– Depois que ele procurar, vai voltar.
Ele falou com mais convicção do que realmente sentia. O canalha bem que podia ter deixado as irmãs ao deus-dará e fugido com as três mil libras. Provavelmente achava que tinha esse direito, deixando para trás as dívidas da casa.
A pequena pilha de cartas no chão chamou sua atenção.
– Por que estava lendo isso de novo, Alexia? Elas não têm nada a ver com Timothy.
Ele levantou uma delas.
– Não as estava lendo. Vim até aqui para verificar as datas e a localização dessa mulher – falou ela e apontou para a parte superior da carta, que informava a data e a cidade. – Foi enviada um pouco antes de ele partir para a Grécia. Foi enviada de Bristol.
– De fato.
– Rose disse algo estranho quando nos encontramos em Oxford. Isso me perturbou, mas esqueci logo depois que saímos e você... bem, você estava lá.
Você interferiu, ela quase disse. Ele interferira mesmo. Ele determinara seu direito sobre ela, de forma visível e física. Deixara claro para a prima que, o que quer que tivesse sido dito em particular, ele não teria seu lugar comprometido. Ele anunciara sua posse e autoridade e tinha sido mesquinho sobre o encontro, como um garoto imaturo.
Ele tinha sido um idiota.
– O que ela disse que a perturbou?
Ela olhou para o marido avaliando se estava mesmo interessado. Convencida de que ele queria saber, ajeitou-se para fitá-lo de frente.
– Quando visitei a casa deles antes do casamento, perguntei a Rose sobre Benjamin, como você tinha me perguntado. Indaguei a respeito de suas finanças quando nós vivíamos em Cheapside e por que ele não gastava mais naquele tempo. Rose disse que ele ainda estava pagando uma das dívidas do pai e que era assim que os frutos de seu sucesso anterior eram gastos.
– Ele agiu de forma digna. Isso não faria com que ficasse melancólico.
– Em Oxford, Rose me contou que, uma vez em que Tim estava bêbado, começou a culpar Ben pela situação deles. Ele disse que não estariam passando por tamanhas dificuldades se Ben não tivesse mandado tanto dinheiro para Bristol. Rose e eu pensamos que era uma maluquice Tim culpar o irmão por pagar uma dívida do pai. Hoje de noite, no entanto, lembrei que Ben tinha outra ligação com Bristol.
Ela agitou a carta. O nome da cidade ficou parado no ar, nítido na carta na mão dela. Sua mente astuta tinha captado a coincidência e sua expressão mostrava quanto ela considerava isso significativo.
– Hayden, e se Ben não estivesse pagando a dívida, mas mandando dinheiro para essa mulher? Muito dinheiro. Talvez ele devesse a ela ou talvez ele a amasse ou talvez... talvez ele até tivesse se casado com ela. Ela escreve com grande familiaridade, como se ele fosse ser dela para sempre. E se as demandas dela, ou as obrigações dele, tivessem ficado insuportáveis? E se...
Ela parou, mordendo o lábio inferior. E se Ben estivesse ligado a uma mulher por promessas ou fortuna, mas na verdade quisesse outra? Teria sido suficiente para fazê-lo pular no mar?
Ela estava a meio caminho de uma explicação plausível de tudo, até mesmo da morte de Ben. Só que era a explicação errada. O dinheiro de fato tinha ido para um banco em Bristol, mas para ressarcir uma antiga dívida de seu pai. E muito dos outros frutos do sucesso de Ben tinham ido para Suttonly.
Não havia como explicar isso sem contar a ela sobre as fraudes de Ben e Timothy. A tentação de fazê-lo cresceu conforme observava sua expressão esperançosa. A história dela absolvia Ben de tê-la enganado. Poderia voltar a acreditar que ele a amara como ela o amava. Maldição, o nome de Ben provavelmente seria a última palavra que ela diria antes de morrer.
– Acho que as respostas para muitas perguntas podem ser encontradas em Bristol – disse ela, batendo com a carta na palma da mão. – Acho que foi para lá que Timothy foi também. Acho que vou fazer uma viagem curta até lá, encontrar Tim e também conhecer essa mulher, para descobrir qual era sua relação com Ben.
Ela assentiu como se dissesse isso para si mesma. Eis as perguntas que tenho, lá encontrarei as respostas que busco. A solução mais sensata é visitar Bristol e essa mulher e descobrir se estou certa.
– Não.
A resposta dele a tirou de seus planos.
– É a única forma de saber a verdade, Hayden.
– Não há verdade em Bristol. Timothy Longworth não está lá, porque não há motivo para ir lá.
– Ele também não está em Oxford – lembrou ela.
– Se ele está buscando tesouros escondidos, deixe-o. Ele voltará para casa em breve. Não se preocupe com Rose e Irene. Com Timothy longe, elas nos permitirão ajudá-las, então pode ser que fiquem melhores com sua ausência.
– Se não há tesouros escondidos, onde está o dinheiro de Ben? Você mesmo se fez essa pergunta, ou já se esqueceu?
Se fosse de dia, se ela não parecesse tão linda à luz da lamparina, se ele não estivesse criando uma série de mentiras para poupá-la da verdade, teria sido capaz de pensar em uma resposta para essa pergunta, isso era certo.
– Alexia, não podemos fazer essa viagem. Tenho negócios que requerem minha atenção em Londres e não posso dispor do tempo para levá-la a Bristol agora. Também seria impraticável caçar Timothy por toda a Inglaterra por causa da mera coincidência com o nome da cidade. Nem seria apropriado você confrontar a mulher que escreveu essas cartas. Elas eram particulares e não para você ler.
Ela refletiu por um tempo. Ele percebeu que os campos de violetas pareciam inacessíveis naquele momento. Ela bloqueara sua visão deliberadamente ou era só a pouca luz que causara esse efeito?
– Admito que o que você diz faz algum sentido – disse ela.
Ele se levantou e ofereceu sua mão.
– Fico feliz que você perceba que estou certo.
Ele não percebeu qualquer rancor nela ao deixarem o sótão. Estava aliviado que a esposa houvesse aceitado sua autoridade sobre a questão.
Na cama, mais tarde, ele custou a dormir. Sua mente continuava a ver o livro contábil de Ben e as transferências ao banco em Bristol. Havia alguns saques no início, que continuaram até o fim. Seu interesse neles tinha sido superficial enquanto examinava o livro contábil e tinha se eclipsado depois que ele vira o nome de Suttonly.
Ele raramente esquecia números de qualquer tipo e as colunas na conta vieram à sua mente com precisão depois que as recuperou na memória. Os valores enviados a Bristol não tinham sido feitos a intervalos regulares, como as transferências para York. Ele fez a soma em um instante.
Muito dinheiro tinha ido para Bristol. Menos do que as demandas crescentes de Suttonly, mas ainda assim uma quantia considerável. Era possível que muitas das transferências posteriores tivessem ido para lá também. Talvez não houvesse uma dívida antiga herdada do pai.
Um tesouro secreto poderia estar esperando por Timothy Longworth em Bristol, afinal de contas. Ele esperava que sim. Então Longworth poderia sair da falência e esse episódio lastimável teria fim.
CAPÍTULO 19
Era noite. Alexia abraçou seu marido. Ela experimentava uma sensualidade tão intensa que seu corpo reagia quando ela o ouvia abrindo a porta. Emoções inomináveis infiltravam o prazer também, nascidas do conhecimento que se aprofundava a cada noite e a cada beijo, que aliviava seu coração e fluía no calor.
Ela levava a própria vida durante o dia. Encomendava vestidos em modistas, mas fazia seus próprios chapéus à mão. Continuava a dar aulas para Caroline. Visitava Phaedra e escrevia cartas de encorajamento a Rose.
Também planejava sua viagem a Bristol.
Hayden não a proibira de ir, mas a aconselhara a não ir. Mas, se ele tivesse dado uma ordem, talvez ela não obedecesse mesmo. Mesmo uma boa esposa podia ser desobediente às vezes e essa situação era importante o bastante para autorizar isso. De qualquer forma, era conveniente que ele tivesse se descuidado de decretar algumas leis.
Ela não pretendia mentir para ele. Só estava planejando omitir a inclusão de Bristol em outros planos. Para tomar providências diversas, ela visitou o centro financeiro da cidade e o banco do Sr. Darfield naquela semana.
O Sr. Darfield apareceu adequadamente sóbrio. Ele era o tipo de homem em quem se poderia confiar como banqueiro, pensou Alexia. Cabelo grisalho e discreto no vestir, projetava um bom senso e uma prosperidade maduros. Não fosse pelo suor na testa e as longas pausas na conversa, ela teria total confiança na solidez e na capacidade do banco.
– A senhora diz que quer liquidar seus títulos – disse ele.
– Sim.
Era a terceira vez que Alexia dizia isso. Ele não parecia tão velho, mas talvez sua concentração não fosse das melhores.
– Não é aconselhável. Com a saída do seu primo do banco, tornei-me responsável por seus investimentos e não considero isso sensato.
– Meus investimentos não somam uma quantia muito alta e, com meu casamento, não preciso mais dos pequenos rendimentos. Meu acordo matrimonial deixou esses parcos rendimentos em minhas mãos, como pode ver na cópia que trouxe. O senhor também pode ver o fundo substancial que meu marido criou para mim.
Ele empalideceu com a menção ao casamento. Olhou para o acordo matrimonial e franziu os lábios. Hayden quase arruinara esse homem e seu banco e ela duvidava de que o Sr. Darfield tivesse uma boa impressão dele. Darfield, por sua vez, ajudara a arruinar Timothy, então ela não tinha uma boa impressão de Darfield.
Ela esperava que esta pudesse ser uma conversa incômoda, mas não tão longa. O espanto dele com sua chegada só tinha sido sobrepujado pela muda confusão com que refletia demoradamente sobre seus negócios.
– Senhora, não é muito, mas a maioria das senhoras casadas faz bem em manter tudo o que puder, para seu filhos ou...
– O dinheiro será mais bem empregado em outro lugar.
– Posso lhe perguntar onde?
– Não, Sr. Darfield, não pode. O senhor tem diante de seus olhos a comprovação de que hoje possuo cem vezes mais. Peço que concorde com a venda dos títulos.
Ele olhava para o acordo com olhos semicerrados.
– Quero que nossos advogados confirmem que seu marido não reclamaria esse rendimento. Não quero problemas com ele. Também desejo confirmar se o outro fundo foi criado.
– Quanto tempo vai demorar?
– Uma semana, talvez duas. Depois pelo menos mais uma para liquidar os títulos.
– Sr. Darfield, estou começando a entender por que meu marido retirou o dinheiro da família deste banco, já que leva tanto tempo para efetuar uma transação tão simples.
O rosto dele desmoronou. Uma expressão peculiar e vazia tomou conta de seus olhos. Seu sorriso fraco pareceu um pouco estúpido.
Então, de súbito, ele ficou alerta e ativo. De forma indelicada, procurou o relógio de bolso. Seu rosto enrubesceu ao olhar as horas.
Ele se levantou.
– Senhora, escreverei assim que me certificar de que posso fazer o que pediu. Agora lamento dizer que espero uma visita.
Depois de desperdiçar quase uma hora, ele agora a estava dispensando.
– Aguardarei sua mensagem e espero que aja com rapidez. Também espero que não permita que qualquer má vontade em relação a meu marido possa criar atrasos.
O encontro não tinha se dado como ela esperava. Queria levar aquele dinheiro para Rose e agora não seria capaz.
Estava tão irritada que mal olhou em volta ao sair da sala e caminhar para a porta da frente do banco. Assim, precisou de alguns instantes para acreditar no que via. Hayden entrava no banco e se dirigia a ela. Quando o olhar dele se encontrou com o dela, ele parou por um momento e continuou a andar com passos determinados.
Ela esperou que ele chegasse até ela.
– O cavalariço lhe contou de novo onde eu estava? Acho que os criados não deveriam agir como seus espiões, Hayden.
Os olhos dele fixaram algo atrás dela. Ela se virou e percebeu que o Sr. Darfield observava da porta da sua sala.
– Ele está esperando uma visita importante – explicou a Hayden. – Agora que o conheci, acho que entendi por que você não confiou nele com todo aquele dinheiro.
– Por que veio procurá-lo, Alexia?
O Sr. Darfield se apressou e se meteu entre eles.
– Lorde Hayden, que feliz coincidência o senhor estar aqui.
Hayden agradeceu ao banqueiro, que reagiu com aquele mesmo sorriso estúpido.
– Vim para vender meus títulos – disse ela. – Quero dar o dinheiro a Rose, agora que não preciso mais dele. Ele não acredita no acordo matrimonial e acha que devo guardar essa quantia.
Um pensamento ocorreu a Alexia.
– Sr. Darfield, se meu marido lhe garantir que ele mais do que me compensou, isso o satisfaria?
Darfield olhou para Hayden com olhar suplicante, como se esperasse que o amigo pudesse traduzir os estranhos pedidos da mulher.
– Darfield, talvez possamos conversar sobre isso em sua sala, para evitar que toda a Londres fique sabendo de nossos assuntos – disse Hayden.
– Ele está esperando uma visita import...
– É claro, é claro. Acertar agora com seu marido presente é uma ideia esplêndida.
Darfield esticou um braço em direção ao escritório. Alexia refez o caminho e se sentou de novo na cadeira.
– Gostariam que eu os deixasse a sós para discutirem essa decisão? – perguntou Darfield a Hayden.
– Não é necessário. Entendo que minha mulher esteja pedindo que liquide seus títulos, correto?
– Isso é o que ela pede. Ela me mostrou o que alega ser o acordo matrimonial e, se for, eu teria problemas se recusasse seu pedido. É nosso dever sermos sensatos. Disse que preferia que o senhor ficasse sabendo de sua intenção de liquidá-los.
A voz dele tinha um novo tom firme. Ele olhou para Alexia.
– É isso que deseja, correto? Vender os títulos?
– Sim, pela quarta vez, desejo vender os títulos.
Ele olhou para Hayden como se a ideia fosse intolerável.
– Já cuidei para que Alexia tivesse muito mais para o futuro, Darfield, e o futuro dos filhos dela. Se possível, gostaria que atendesse imediatamente ao pedido dela.
– Imediatamente?
– É incomum, eu sei, mas tenho certeza de que há uma forma. Digamos, por que não adianta o dinheiro e ressarce o banco quando concluir a venda? Isso é feito às vezes, não? Estou certo de que fez esses arranjos anteriormente.
Darfield olhou para ela com cautela.
– A senhora ficaria satisfeita com esse arranjo?
– Se eu for receber o dinheiro em mãos imediatamente, por que não ficaria?
Ela desejava que o Sr. Darfield tivesse sugerido isso meia hora antes. Assim, Hayden não a teria encontrado ali.
Darfield retirou um grande livro de couro da gaveta de sua mesa. Olhando uma última vez para Hayden em busca de sua anuência, ele molhou a caneta no tinteiro. Após alguns rabiscos, secagem com mata-borrão e cortes, ele lhe entregou um cheque de quatrocentas libras.
– Ele não inspira confiança – disse ela quando Hayden a conduziu até a carruagem. – Sempre supus que ele fosse o banqueiro de verdade e que Timothy só tirasse proveito do trabalho dele. Mudei de ideia.
– Ele não está acostumado com senhoras agindo por conta própria. Por que fez isso?
– Não achei que você seria bem-vindo lá.
Hayden abriu a porta da carruagem mas não lhe deu a mão para entrar. Olhou para ela.
– A verdade é que você não queria que eu soubesse que estava fazendo isso.
– Pretendia explicar tudo amanhã.
– Explicar o quê?
Ela abriu a bolsa e mostrou o cheque. A quantia parecia alta, escrita por extenso.
– Vou levar isso para Rose. Isso e os baús de Ben. Você está certo, os objetos pessoais dele não pertencem àquela casa. Quanto ao dinheiro, o rendimento pode não ser muito, mas o capital pode ajudá-los por alguns anos. Vou dá-lo a ela, para me certificar de que não seja engolida pelas dívidas de Tim.
Ele não estava nada satisfeito.
– Normalmente uma esposa pede permissão ao marido para fazer uma visita fora da cidade, mesmo que seja a parentes. Até você fez isso da última vez.
– Eu sabia que você não se importaria. E foi você mesmo que comentou sobre os baús e esse valor é grande demais para ser mandado por carta.
Ela admirou a quantia de novo.
– Que estranho. Veja, ele assinou o nome dele, mas não há indicação de que seja uma conta do próprio banco ou que ele assine como proprietário ou diretor. Deste jeito, poderia até ser dinheiro do bolso dele.
Com gentileza, ele tirou o cheque de sua mão e depois o devolveu à bolsa, fechando-a a seguir.
– Às vezes é feito dessa forma.
– Não é muito prático. Pode fazer confusão. O dinheiro pode ficar todo misturado.
Ele a ajudou a subir na carruagem.
– Por quanto tempo você pensa em se ausentar na visita a suas primas?
Ela ficou satisfeita por ele ter voltado atrás tão rapidamente em relação à ideia, mas preferia que ele não tivesse perguntado a duração de sua ausência naquele momento. Não queria negociar isso no meio da Threadneedle Street.
– Três dias, talvez.
Ele se espreguiçou apoiando-se na porta, com os braços cruzados.
– Dois, Alexia. Dois.
– Depois que a temporada de apresentações das jovens começar, não vou ter outra chance de ver Rose e Irene por meses. Não acho que quatro dias seja exagero.
– Agora são quatro? – retrucou Hayden, forçando um sorriso. – Não estou inclinado a ficar sem minha mulher por quatro noites.
– Vou cuidar para que não sinta tanto a minha falta. Pensei em jantarmos juntos em casa amanhã e nos recolhermos bem cedo.
A alusão dela a uma longa noite de prazer o distraiu de qualquer repreensão que pretendesse fazer. O olhar que ele deu causou lampejos gloriosos da mais pura sensualidade em todos os pontos do corpo dela. Faltou pouco para ele pular na carruagem e possuí-la naquele exato momento.
– Já que pretende que minha anuência valha a pena, talvez possam ser três ou quatro dias.
Ela cuidaria para que valesse a pena. Ele concordaria com três ou quatro dias. Só ficaria zangado quando virassem cinco ou seis.
– Você não pode imaginar meu choque quando ela foi anunciada – disse Darfield. – E depois, ao saber que ela queria que eu liquidasse os títulos que o primo já tinha vendido... Bem, fiquei sem saber o que fazer.
Hayden aceitou tomar um Porto com Darfield, a portas fechadas. O homem ainda estava transtornado, mas o vinho o estava ajudando a se recuperar.
– Em minha aflição, pensei em embromá-la até você chegar para nossa reunião. Quando ela disse que você retirara do banco todo o dinheiro da família, soube que havia um erro.
Ele tomou mais um bom gole.
– Você é muito frio, Rothwell. Muito frio. Ela não atinou que você a seguiu até aqui.
Ela ainda não tinha atinado. E ele estava contando com essa visita às primas para distraí-la a ponto de não pensar muito nos acontecimentos do dia.
– Longworth disse a ela e às irmãs dele que eu retirei o dinheiro da família e deixei o banco à margem da falência. Foi assim que ele lhes explicou sua má sorte. Dei minha palavra de que não contaria a verdade às damas.
– Espero que consiga fazer com que ela não continue a procurar pelas verdades que possam prejudicar o banco ou a mim.
Ele garantiu que sim, não totalmente certo de que conseguiria manter a promessa. Imaginou Alexia sabendo por alguma conversa casual que banqueiros nunca misturavam os fundos do banco com suas contas pessoais. Seria típico dela lembrar que tinha recebido um cheque pessoal hoje.
Ele mudou de assunto e explicou o motivo de sua visita ao banco naquele dia.
– Você apurou quais clientes Benjamin Longworth enganou?
A expressão de Darfield se fechou.
– Rastreei todos os casos até o fim e passei dias examinando os registros para verificar as assinaturas. Sinto dizer que a situação é tão ruim quanto pensávamos. Pior, na verdade.
– De quanto mais você precisa?
– Não acho que sua solução seja sensata, Rothwell. Fora o custo para você, minhas explicações em relação a erros nos registros podem não satisfazer alguns deles. Além disso, não gosto de pensar que muitos membros da alta sociedade achem que este banco é incapaz de manter uma contabilidade correta de suas contas.
– Prefere então que o mundo todo saiba que teve dois criminosos como sócios? Prefere que o pânico se espalhe, pondo em questão a confiança nos títulos públicos? Quando você pedir que eles assinem, tudo o que lhes interessará é que não tenham perdido nem um centavo. Timothy continuou a pagar os rendimentos e agora recuperarão seu capital. Muitos nem saberão do que você está falando.
Ou pelo menos Hayden contava que as coisas funcionassem desse jeito.
– Quanto?
Darfield suspirou. Pegou a caneta, rabiscou uma cifra em um pedaço de papel e mostrou para Hayden do outro lado da mesa.
Hayden leu a quantia. Quase batia com os cálculos que havia feito de noite, enquanto ressurgiam em sua memória as páginas de cifras da conta oculta de Ben. Dessa vez, finalmente, tinham descoberto todas as vítimas.
– Quanto aos títulos de sua esposa...
A expressão de Darfield concluiu a pergunta. Como eles venderiam algo que já não possuíam?
– Direi a ela que, como seu marido, assinei os documentos de venda quando ficaram prontos.
– Posso pressupor que, como outras mulheres, ela não entenda nada de finanças e não questionará seu direito de fazer isso?
– Vou explicar a ela. Não se preocupe com isso. Ela é o menor de seus problemas.
– Isso me dá um alívio inenarrável. Não seria irônico se essa solução complicada viesse a público devido a míseras quatrocentas libras, de propriedade de sua própria mulher?
Muito irônico. Alexia podia não entender muito de finanças, mas como uma mulher de poucas posses, sabia o que lhe pertencia. Manter esse engodo poderia se revelar não tão simples assim.
– A senhora pediu que o jantar fosse servido nos aposentos dela, senhor – informou Falkner logo que Hayden entrou em casa à noite.
Ele não recebeu bem a notícia. A alusão a uma longa noite juntos o tinha distraído o dia inteiro. O olhar maroto dela o excitava cada vez que se lembrava dele. Agora ela se recolhera sem nem mesmo vê-lo e pretendia ir para Oxfordshire na manhã seguinte.
Falkner entregou um bilhete selado. Hayden o abriu, esperando ler explicações educadas de doença ou alguma outra desculpa.
Escrita em tom formal, com uma letra bem desenhada, a carta convidava lorde Hayden Rothwell para se reunir a Lady Hayden, sua esposa cortesã, em um jantar reservado em seus aposentos. Ele não podia acreditar que ela realmente tinha escrito “esposa cortesã”.
– Parece que também não precisarei da sala de jantar, Falkner.
– Muito bem, senhor.
Hayden se recolheu a seus aposentos. Nicholson não estava lá, mas um traje se encontrava esticado sobre a cama. Um bilhete de Alexia estava em cima de seu robe de seda azul-escuro. A festa é bem informal.
Encantado com suas provocações, ele arrancou a roupa e vestiu o robe. Demorou um tempo pensando em como esconder o presente que comprara para ela e, por fim, o escondeu junto ao corpo, preso na faixa do robe. Saiu para ver o que mais ela havia planejado.
O jantar estava posto em uma mesa no quarto dela. Alexia esperava sentada em uma cadeira em outra mesa menor, coberta com toalha. As chamas das velas brincavam em seu rosto e aprofundavam a cor de seus olhos.
Ele podia estar vestido informalmente, mas ela não. Ela usava um vestido de noite que ele ainda não tinha visto, de um tom de vermelho sóbrio, perfeitamente modelado para ressaltar a beleza de seus seios. Os pequenos chamarizes e instruções o haviam hipnotizado e vê-la tão magistral fez com que sua boca ficasse seca.
– O vestido é lindo – disse ele. Depois apontou para o próprio corpo, quase desnudo. – Você me deixou em desvantagem.
– Queria exibi-lo para você. Chegou hoje. É o primeiro de meu novo guarda-roupa.
– É lindo.
Tanto era verdade que ele não tinha certeza se ia querer que outros homens a vissem nele. Olhou para a outra mesa e notou uma fileira de bandejas e tigelas tampadas.
– Sem criados, imagino.
– Achei que não se poderia confiar na discrição de nenhum deles para com a esposa cortesã, então pedi uma refeição que não precisasse ser servida.
Ele não estava nem um pouco interessado na comida. Uma fome diferente o queimava por dentro desde cedo. As tentativas de Alexia de seduzi-lo com joguinhos eram adoráveis – e muito eficazes.
Ele se aproximou para ver melhor o vestido. Seu tecido de seda atraía a luz em realces mais claros. Ele a cobria mais do que seus antigos trajes, mas se moldava às suas formas de um jeito que a tornava muito sensual. Ou talvez fosse sua mente pregando-lhe peças. Ou o modo como ela o olhava com indisfarçável desejo.
Ele se inclinou para beijá-la.
– Temos que jantar primeiro?
– Espero que não.
Ela se levantou e virou de costas para ele.
– Você vai ter que me ajudar a despir isso – pediu.
Com prazer. O vestido tinha muitos ganchinhos e fileiras de fechos escondidos, que necessitavam de atenção. Ela se curvou enquanto as mãos dele se moviam. A cabeça dela pendeu de leve ao libertar-se da roupa.
Ele teve cuidado para não estragar o vestido depois de tirá-lo, depositando-o em um banco próximo. Depois começou a desamarrar o corpete. O corpo dele se retesava um pouco mais a cada laço desfeito.
Logo ela estava vestida somente com blusa e meias, como no dia do casamento. Mas ele não quis vê-la despindo o resto dessa vez. Ele mesmo puxou a blusa, revelando suas costas, a cintura estreita e as curvas macias e arredondadas de suas nádegas.
Ela estremeceu e olhou por cima do ombro.
– Sou eu quem deveria estar seduzindo esta noite.
– Você está, pode acreditar.
Ele a virou e a pôs sentada na ponta da mesa. Sentou-se na cadeira e começou a enrolar a meia de Alexia até o pé. Ela parecia provocantemente erótica sentada naquela posição, nua, macia e pálida, com seus seios cheios e empinados. As coxas dela estavam levemente afastadas, revelando a pele rosada agora almiscarada com seu cheiro.
Ele queimava de impaciência só de olhá-la. Não se deu o trabalho de tirar a outra meia. Puxou seu quadril e afastou as pernas. Começou a usar a língua até que seu abandono a enfraqueceu.
Ele não a levou ao orgasmo, mas ela estava implorando por isso quando ele parou. Ele piscou forte e a olhou de forma selvagem enquanto respirava fundo, recompondo-se. Ela ainda estava sentada na mesa em uma pose escandalosa, inclinada para trás, apoiada nos braços e com o sexo exposto para ele.
Ela escorregou da mesa para o colo dele. Aninhou os joelhos um de cada lado do quadril dele e se sentou em suas coxas. Ela o beijou e suas mãos acariciaram sua cabeça e seus ombros. Elas entraram por baixo do robe, chegando à pele e começando a enlouquecê-lo.
A mão dela esbarrou no presente que ele escondera. Ela parou e olhou para ele, interrogativa, então pegou o embrulho. Abriu-o e seus olhos se arregalaram ao ver a joia dentro. Uma risadinha encantadora lhe escapou.
Hayden tirou o colar da caixa e o colocou no pescoço da esposa. Os diamantes brilharam contra sua pele clara, refletindo as luzes em seus olhos e produzindo pequenos lampejos sobre seus seios. Ela olhou para baixo.
– Acho que vou mantê-lo aqui. Ele me faz parecer muito mundana e bonita. Muito ousada também.
Ela estava cumprindo sua promessa. Sua delicada sedução ficava mais agressiva. Seus beijos e seu toque eram concebidos para hipnotizar. Ela abriu o robe, deixando-o nu como ela. Alexia permitiu as carícias dele, mas insistiu em ser ela a sedutora. Com abraços e beijos cada vez mais desesperados, eles se entrelaçaram, mas as mãos dela se moviam na parte baixa entre eles. A forma como ela o acariciava não tinha nada de amadora dessa vez. Aprendera a dar prazer e o fazia sem piedade.
Ela se afastou de seu beijo devorador e olhou para baixo, para ver o que tinha feito. Depois olhou nos olhos dele enquanto sua mão se movia, observando o próprio poder. Seus lábios se entreabriram e a ponta da língua surgiu entre os dentes. A ereção dele aumentou em um instante à vista dessa boca sugestiva e seu desejo ficou implacável.
Ela percebeu. Franziu a testa, pensativa. Ele abaixou a cabeça para chupar seus seios, garantindo que ela não pensasse demais.
– Se não fosse brincadeira, se eu fosse mesmo uma esposa cortesã, o que você gostaria que eu fizesse para seduzi-lo?
As palavras dela vinham a custo, entre os arquejos que a faziam perder o fôlego.
Ele quase morreu diante da oferta. Mas contou-lhe seu desejo, esperando que não a chocasse nem a fizesse recuar assustada.
Ela olhou para as mãos de novo, então se desvencilhou. Desceu de seu colo, pondo-se diante dele tão rápido que Hayden levou um instante antes de perceber que ela realizaria seu desejo. Só de vê-la ali, com os ombros perto dos joelhos dele e aqueles diamantes chamejando em torno de seu corpo, sua mente ficou alheia a tudo o que não fosse o desejo que despertava o animal dentro dele.
O beijo dela o fez gemer. Ela experimentava, devagar e depois mais confiante. Ele quase não notava o que ela fazia, porque a sensação o mandara para um mundo de veludo negro em que seu membro se enrijecia cada vez mais, junto com um desejo que só fazia aumentar. Parecia que estava lá desde sempre, quase perdendo o último fio de controle que lhe restava.
Ela se levantou e subiu no colo dele. Ele a agarrou e levantou seu quadril. Encaixou-a nele tão forte que os dois estremeceram de alívio. Encorajada agora, libertada por sua força, ela mexia o corpo e levava os seios à boca do parceiro e gritava de prazer ao se enlaçarem em completo êxtase.
CAPÍTULO 20
Alexia olhou pela janela para a cidade de Bristol. Dava para sentir o cheiro do mar, apesar de estarem longe do canal. Alguns prédios ao longo da rua abaixo tinham a madeira descorada por causa da brisa marinha. Para além dos tetos das casas, viam-se as extremidades dos mastros dos navios.
Estava hospedada um pouco distante do cais. Seu hotel se encontrava em uma pequena ladeira, de onde ela podia ver o rio Avon.
Sua visita a Rose tinha sido uma tentativa vã de animá-la e lisonjeá-la. Rose não aceitara a ajuda de Hayden. Seu ressentimento não exigia a presença de lorde Rothwell para ser mantido. Nem Rose tinha aceitado as quatrocentas libras facilmente. Concordara em guardar o dinheiro para usar somente se ela e Irene se encontrassem próximas da inanição.
A chegada dos baús de Ben também não ajudara a melhorar o humor. Eles haviam entorpecido o espírito de Rose, servindo de túmulo para a memória do irmão. Alexia não encorajara a prima a abrir os baús e examinar seu conteúdo. Talvez algum dia Rose pudesse fazer isso. No entanto, ela não encontraria as cartas de amor dentro deles. Alexia as tinha retirado.
Alexia sabia de cor todas as palavras em cada uma das cartas. Passara toda a viagem até Bristol lendo-as. A segurança com que a mulher escrevia a convencera ainda mais de que a relação de Ben com ela fora séria. Referências a presentes indicavam que ele tinha enviado mimos ou gastado dinheiro com ela.
Ler as palavras tinha trazido de volta a memória de Ben, mais vívida do que há semanas. Seu coração doía um pouco com o antigo enternecimento e uma dor renovada. Naquele dia no sótão, as cartas haviam estilhaçado sua crença no amor dele e alguns desses estilhaços a cortavam de novo.
Porém, não tão profundamente. Novas lembranças estavam conseguindo espantar as antigas. Pensar na última noite passada com Hayden, lembrar as delícias e os jogos eróticos que tinham experimentado juntos até a madrugada, curava rapidamente qualquer ferida antiga. Ela surpreendera a si mesma – e a ele também, supunha. Seguira para Oxfordshire em feliz estupor e ainda precisava se concentrar para cumprir a missão a que se propusera.
Estava feliz de ter sido tão ousada a ponto de ler as cartas. Descobrira o que precisava saber. A maioria delas tinha sido assinada da mesma forma: Lucy. Algumas do início, contudo, lá no fundo da pilha, possuíam uma assinatura mais completa e o nome da propriedade de onde ela escrevia.
Lucinda Morrison, Sunley Manor. Alexia agora tinha um nome e uma possível localização da mulher.
Sua mente fazia planos enquanto olhava a paisagem de Bristol. Como abordaria a mulher? O que deveria dizer? Vinha pensando nisso desde o dia anterior, durante a viagem.
Sou prima de Benjamin Longworth e vim devolver suas cartas. Isso faria com que Lucinda Morrison soubesse que a visitante estava ciente do caso de amor deles. O gesto seria visto como uma gentileza, já que as cartas da Srta. Morrison poderiam comprometê-la se tivesse se casado com outro homem após a morte de Ben. Também tornariam as perguntas de Alexia mais fáceis.
Mas a referência a Ben também poderia fechar as portas de imediato.
Ela logo saberia qual a forma de conduzir a conversa.
Verificou se estava tudo na bolsa. Abotoou o casaco e prendeu o chapéu. Decidida a seguir adiante, pegou a pilha de cartas, agora amarradas em tecido e fitas, como um presente.
Sunley Manor era uma propriedade afastada da estrada, três milhas acima do rio Avon, no caminho para Bath. O trecho que levava até a propriedade parecia bem cuidado.
Alexia avistou a casa após terem subido um pequeno monte. Uma antiga construção de pedras exibia uma nova ala de um lado, que aumentava bastante seu tamanho já respeitável. Lucinda Morrison levava uma vida confortável, apesar de isolada no campo.
Uma carruagem que aguardava em frente à casa sugeria a presença de outros convidados. Alexia pediu que o cocheiro parasse. Espiou a carruagem, pensando no que fazer. Não queria se intrometer quando outras pessoas estivessem presentes. Seria melhor fazer isso outro dia.
Estava prestes a falar com o cocheiro para dar meia-volta quando a porta da frente da casa se abriu e uma mulher saiu. Um homem a seguiu, usando uma cartola e carregando uma bengala. Parecia que os convidados estavam indo embora.
Um lacaio surgiu em seguida e Alexia percebeu que a mulher podia não ser uma convidada, mas a própria Srta. Morrison. Parou um instante para analisar a aparência de Lucinda, se é que era ela. Pôde perceber o cabelo louro sob o chapéu com plumas e uma bela silhueta na elegante carruagem, mas pouco mais era visível a distância.
A carruagem seguiu pela estrada. Seu cocheiro começou a abrir passagem, mas o caminho não era muito largo naquele ponto. O outro cocheiro percebeu o problema e parou para permitir que o veículo de Alexia se aproximasse da casa no ponto em que o caminho se alargava.
Uma cabeça surgiu da janela da carruagem da Srta. Morrison, mostrando quem a acompanhava. Alexia foi tomada por uma sensação estranha. Agarrou a moldura da janela e se inclinou para ver melhor. Sua cabeça começou a rodar.
Uma voz soou de longe, abafada pelo estrondo em sua cabeça. Sua carruagem parou quase ao lado da Srta. Morrison. Um homem pulou e correu a curta distância até ela. Eles se encararam pela janela.
A expressão de espanto dele se iluminou, seu rosto se alegrou. Ele abriu a porta da carruagem dela.
– É você mesmo! Que incrível. Que surpresa maravilhosa, Alexia.
Manchas escuras anuviaram sua visão e ela desmaiou nos braços de Benjamin Longworth.
Ela se recuperou sentindo um odor acre e abriu os olhos. Dois rostos a espiavam. O feminino possuía traços tão belos e uma pele tão perfeita que fez com que o tempo parasse.
Porém, foi o semblante de Benjamin que atraiu sua atenção. Ele parecia aliviado de vê-la acordada. De repente, lá estava ele, cheio dos sorrisos e da animação que marcavam sua personalidade. Não revelou o mínimo incômodo com a estranheza da descoberta que a tinha feito desmaiar.
– Ela parece estar se recompondo – disse a mulher, colocando a tampa no frasco de vinagre aromático e pousando-o sobre a mesa.
– Sim, estou bem agora. Obrigada.
Alexia levantou o tronco e se sentou. O sofá em que estava acomodada ficava em uma biblioteca. As estantes eram antigas, mas as capas, bem novas, com o couro e o filetado brilhando luxuosamente ao lado de livros de aparência sóbria.
Seu coração não mais tentava fazer um buraco no meio do peito, como na carruagem. Ajeitou o cabelo e as roupas enquanto procurava algo para dizer.
Benjamin aguardava com paciência. Olhando a cena, alguém poderia até dizer que Alexia era uma convidada da casa que inesperadamente se sentira mal. Sua bela companheira demonstrava um pouco mais sua consternação.
– Desculpe por ter parecido tão frágil. Não costumo ser assim, como Benjamin pode confirmar – disse ela. – Contudo, quando vi meu primo...
– Pensou que estava vendo um fantasma – completou Ben, dando um tapinha no ombro dela. – Compreensível, Alexia. Fiquei tão chocado quanto você.
– Duvido. Você não tinha motivo para acreditar que eu estivesse morta, não é mesmo?
Ela olhou para a mulher.
– Você seria Lucinda Morrison?
Ela ainda não se recuperara o bastante para se satisfazer com a surpresa que causara a eles com isso.
– Descobri seu nome em algumas cartas que Ben deixou quando... quando não retornou e achamos que ele tinha morrido – explicou ela.
O choque de Ben diminuiu e um novo sorriso surgiu.
– Ah, as cartas. Muito esperta de entender o que elas significavam.
– Não tinha ideia do que elas significavam. Encontrei um nome e um endereço em algumas delas e vim até aqui para devolvê-las. Elas devem estar na carruagem.
Estava ficando cada vez mais ressentida e deixou que Ben percebesse isso.
– Nunca imaginei que encontraria você aqui. Como ousou deixar que suas irmãs e eu pensássemos que você estava morto? Por que não voltou para casa ou pelo menos escreveu? Olhar por uma janela de carruagem e ver um homem que acreditava morto havia muito tempo...
A lembrança do choque fez com que sua pulsação se acelerasse de novo.
Lucinda e Ben se entreolharam. Ela manteve uma expressão calma, mas seu desagrado era palpável. Ben cruzou os braços no peito e calmamente enfrentou o olhar das duas mulheres.
– Seria melhor se eu explicasse tudo para minha prima em particular – disse Benjamin.
As sobrancelhas de Lucinda se arquearam. Deu meia-volta e se dirigiu à porta.
– Explique o que for preciso.
Depois que a porta se fechou, Ben se sentou no sofá. Virou o corpo na direção de Alexia e estampou mais um sorriso no rosto.
– É tão bom vê-la, Alexia. Senti muito a sua falta.
Ele não tinha mudado nada desde a última vez em que se viram. Ainda era o bem-humorado, o feliz viajante, transpirava a alegria de viver que tornava sua presença intoxicante. Sob essas circunstâncias extremas, ela achou que seu entusiasmo era de mau gosto.
– Você sabia onde me encontrar, se tivesse sentido saudades. Quem é essa mulher para você e por que você está aqui? Se você foi resgatado do mar, por que não nos avisou?
Ele ajeitou uma mecha de cabelo dela por trás da orelha.
– É meio complicado. Eu não podia voltar. Havia uma séria dívida de honra para com um homem que teria me arruinado. Suas demandas tinham ficado impossíveis de serem atendidas. Então... Ora, se eu morresse, a família estaria livre disso, assim como eu.
Ela não ligou para a familiaridade daquele toque sutil em seu rosto e em sua orelha. Sua mente estava clareando rápido e a raiva encobria qualquer alívio que seu coração pudesse sentir.
– Você pulou do navio, não foi?
Ele assentiu.
– Estávamos perto da costa. Dava para ver o farol na Córsega. Eu nadei.
– Você poderia não ter conseguido chegar à praia. Não era possível avaliar a distância à noite. Você poderia...
– Eu sabia que tudo daria certo. E deu.
Ele falava com leveza. Todos os possíveis perigos existiam para os outros, não para Ben. Ele tinha dito algo semelhante ao ir para a Grécia. Não serei ferido. Tenho certeza disso.
Ele sempre fora impulsivo e um pouco descuidado, confiante demais nos planos do destino para ele. Porém, nunca antes ela tivera ímpetos de bater nele por isso.
– Depois veio para a Inglaterra e deixou que todo mundo pensasse que tinha morrido – disse ela. – Você veio para cá. Por que, Ben?
Ele deu de ombros.
– Ela é uma velha amiga. Sobrinha de um amigo do meu pai, na verdade. Pensei que...
– Eu li as cartas, Benjamin.
A expressão dele ficou mais séria.
– Ela fazia planos de longo prazo. Mas eu...
– Também sei que você mandou dinheiro para Bristol antes de ir para a Grécia.
Nesse momento se fez um profundo silêncio. Ben parecia totalmente sério pela primeira vez na vida. Mesmo quando a beijava no passado, a afeição sempre vinha acompanhada de sorrisos largos e gargalhadas.
Não estava disposta a pensar nisso. Mas, agora que ele estava ali, tão próximo e tão real, com seu cheiro de essência de limão, ficava difícil não pensar. As lembranças queriam afogá-la e só permaneciam represadas com muito esforço.
Ele olhou para a porta fechada e apurou os ouvidos, como se estivesse em busca de sons vindos de trás dela.
– Você está bem o bastante para caminhar? Tem um pequeno bosque atrás da casa. Vamos dar uma volta, se quiser.
– Ar fresco seria muito bem-vindo.
Ela também teria oportunidade de falar francamente com ele longe da bela mulher que parecia muito mais preocupada com a intromissão dela do que Ben.
Logo que as árvores os ocultaram, Ben pegou na mão dela. Ele a levou aos lábios e a beijou.
– Você não imagina como estou feliz por você ter vindo. Como gostaria de ter escrito ou feito contato com você de alguma forma, para explicar tudo.
Ele imitava um gesto frequente de Hayden, beijando sua mão assim. Ela se desvencilhou do contato.
– Não ter me escrito é desculpável. Mas ter deixado que seus irmãos acreditassem que estava morto, ter permitido que outras pessoas sofressem, não é.
– Por favor, entenda que não podia contar que estava vivo. Tem que confiar em mim a esse respeito. Eu estava em perigo.
– Por causa dessa dívida?
– O homem de quem falei iria me pedir satisfações, mais dia menos dia. Ou eu morria ou eles ficariam todos arruinados junto comigo. Fiz isso por eles. Por todos vocês.
Talvez tivesse feito, em parte. A ruína tinha ocorrido de qualquer forma, mas não devido a seus atos ou dívidas. Porém, ele ainda não tinha explicado as cartas. Ou o dinheiro.
– Lucinda Morrison é sua mulher?
Ele suspirou e olhou na direção da casa.
– Sim.
– Então você se envolveu com ela ainda jovem, se casou em segredo e veio ficar com ela quando “morreu”.
– Eu me casei com ela depois que voltei para a Inglaterra. Como pôde pensar que tinha me casado quando...
– Eu li as cartas, Ben.
– As cartas dela. A afeição dela por mim sempre foi maior do que a minha por ela, mas quando ela concordou em me ajudar, fiquei lhe devendo um favor. Além disso, eu jamais poderia viver aqui com ela se não fôssemos casados.
Ele se encostou em uma árvore, descansou a cabeça no tronco e fechou os olhos.
– Vendi minha alma ao diabo, Alexia. Fazer-se de morto não é fácil. Não posso ir à cidade e nunca vou poder voltar para Londres, porque seria reconhecido. As pessoas daqui nem sabem meu verdadeiro nome. Sugeri que fôssemos embora da Inglaterra e fixássemos residência em outro país em que pudesse socializar, mas ela se recusa. Sou uma espécie de prisioneiro de minhas próprias circunstâncias.
Ela teve vontade de dizer que ele merecia. Ele fizera com que ela, suas irmãs e até Timothy sofressem. Se ele tivesse voltado para casa, Tim nunca teria falido, Rose estaria feliz e Irene faria sua apresentação à sociedade. Se ele tivesse vindo para casa, tudo seria normal, do jeito que era para ser, e ela...
Ela olhou para ele. E ela teria sabido se ele a amava ou se só tinha brincado com seus sentimentos. Ela nunca teria se tornado preceptora de Caroline e dama de companhia de Henrietta e nunca teria sido seduzida por Hayden Rothwell, nem se casado com ele.
Hayden. Queria que ele estivesse ali. Olhando para Benjamin, sentiu muitas saudades de Hayden. Era uma reação estranha, como se seu coração temesse que os anos com Ben morto tivessem sido um sonho em que Hayden houvesse apenas aparecido no final.
Não, não tinham sido sonho. Fatos reais haviam ocorrido e lembranças verdadeiras se formado. Fatos que afetaram a ela e às pessoas a quem amava, lembranças que a faziam sofrer mesmo agora, que estava olhando para Ben.
– Não fui a única a vir para Bristol – disse ela. – Acho que Timothy está na cidade também.
Os olhos dele se arregalaram.
– Tim? Por quê?
– Ele sabe que você mandou dinheiro para Bristol.
Há quanto tempo? Por quanto tempo o dinheiro tinha sido enviado? Pular não tinha sido um impulso, se Ben estava planejando se mudar para esta cidade.
– Ele abandonou suas irmãs e Rose acha que ele veio para cá procurar o dinheiro. Ele está precisando muito.
– Por quê? Deixei bastante e tinha o banco.
– Ele teve que vender sua participação quando o banco ficou à beira da falência durante a crise de janeiro. As dívidas com Darfield e outros o arruinaram. Seus irmãos estão morando em Oxfordshire agora e Rose conta cada tostão e economiza tudo o que pode.
Ele se afastou da árvore e penetrou mais fundo no bosque, como se quisesse se distanciar de si mesmo e das notícias. Ela foi atrás dele, rasgando a bainha em um arbusto ao correr. Olhou para o tecido rasgado e pensou em como isso teria sido trágico meses atrás.
Ela o pegou pelo braço, detendo-o.
– Você precisa ajudá-los. Mesmo que não conte que está aqui, precisa mandar dinheiro para eles.
– Como é que o banco quase faliu? Ele era sólido há alguns anos. Mais do que sólido. E Darfield nunca permitiria que as reservas baixassem tanto a ponto de prejudicar sua própria fortuna. Não, Tim teve ter perdido dinheiro no jogo ou gastado de forma temerária.
– Foi o banco, posso lhe assegurar. Hayden Rothwell o abandonou e retirou todas as contas da família.
Ele franziu o cenho e olhou para o chão, balançando a cabeça.
– Rothwell fez isso? Ele era meu amigo e... Não posso crer que ele tenha feito isso com a minha família.
– Pois ele fez. E mesmo se Tim arcasse com os prejuízos, suas irmãs não deveriam sofrer as consequências.
Ele pegou em seu braço e a conduziu para que andasse ao lado dele.
– Conte-me tudo, Alexia. Diga-me exatamente o que e quando aconteceu. Estou chocado com o que me contou sobre Rothwell – disse, rindo com amargura. – Aquele canalha honrou sua dívida e sua amizade de uma forma bem estranha, ao que parece.
Ela engoliu em seco.
– Ben, a primeira coisa que tenho que lhe contar é o seguinte: agora sou casada com o homem que você chama de canalha.
– Lady Rothwell está hospedada conosco, mas não está aqui no momento. Ela saiu com a carruagem ao meio-dia e ainda não voltou.
O Sr. Alfred prestou a informação sem hesitar depois que Hayden explicou que a dama era sua esposa. Hayden saiu e instruiu o cocheiro a descarregar a bagagem.
O Sr. Alfred deu um sorriso torto.
– Lorde Hayden, sinto dizer que não temos mais quartos vagos. Se soubéssemos de sua intenção de nos honrar com sua visita, é claro que teríamos nos certificado de...
– Vou ficar no quarto de minha mulher, já que não há outro jeito. Imagino que tenha lhe dado um quarto confortável.
– Um dos melhores do hotel.
– Então, daremos um jeito.
Um funcionário do hotel levou as bagagens. O cocheiro saiu para cuidar dos cavalos. Hayden subiu a escada que dava no quarto de Alexia.
Não fora muito difícil encontrar o hotel em que Alexia estava hospedada. Ele simplesmente tentara os hotéis medianos nos bairros elegantes. Alexia tinha um senso prático muito arraigado para ficar em um hotel de luxo e era muito sofisticada para ficar em um humilde. De qualquer forma, a tarde estava caindo ao chegar ao Alfred’s Hotel. Ele esperava que Alexia não fosse tardar.
Enquanto um funcionário do hotel desfazia as malas, Hayden se sentou em uma escrivaninha e escreveu bilhetes para vários parceiros de negócios em Bristol, pedindo algumas informações. Ele os despachou com o cocheiro, dispensou o funcionário e se sentou em uma cadeira para esperar a esposa desobediente.
Ele não pensara muito sobre os planos dela no dia de sua partida. Ela garantira que ele não pensasse em muita coisa por um bom tempo. A verdade só lhe ocorreu quando a ausência dela na noite seguinte o deixou acordado e cheio de desejo novamente. Ele percebeu que a prática e sensata Alexia tinha usado seus ardis femininos de forma deliberada para distraí-lo.
E fora muito bem-sucedida. O motivo ficou óbvio quando ele parou para refletir. Ela não só estava indo visitar Rose, como avisara; ela também iria até Bristol.
Começou a escurecer. Um camareiro chegou para trazer a comida e acender a lareira e as lamparinas. Hayden abriu a janela e olhou para a cidade escurecida. Se ela estava procurando por Timothy, provavelmente se encontraria em algum bairro perigoso. O cocheiro estava com ela. Deveria estar segura, mas um toque de preocupação começou a se unir à perturbação que sentira durante todo o caminho cruzando a Inglaterra. O tempo começou a passar vagarosamente.
Ele tinha acabado de se convencer a ir procurar por ela quando o som de uma carruagem chamou sua atenção. Observou os cavalos conhecidos trotarem descendo a rua e pararem sob sua janela.
Um funcionário do hotel acorreu para ajudar com a porta da carruagem. Alexia desceu. Ela parou enquanto o homem lhe dizia algo. Levantou a cabeça e olhou para cima, para a fachada do prédio, na direção da janela em que ele estava.
A luz dourada da lamparina da carruagem a banhou, atenuando sua expressão, mas não a ocultando. Ele tinha previsto indignação da parte de Alexia ao descobrir que ele a seguira. Isso ou medo. Mas seu semblante mostrava exaustão. Seus ombros estavam curvados. Seu suspiro mostrou que o marido esperando no andar de cima era uma perturbação inoportuna que ela toleraria o melhor que pudesse.
Hayden se afastou da janela. Levou um tempo para vencer a sensação de vazio que se abriu dentro dele. Não esperava que a mulher ficasse satisfeita com sua perseguição, mas tinha se permitido uma pequena fantasia romântica de que ela ficaria tão deleitada com sua chegada que ele não teria como repreendê-la. No fundo, sabia que não deveria esperar um encontro feliz e que uma boa censura seria o resultado mais provável quando a encontrasse. Teria sido melhor do que acabara de ver. Não gostava da prova visível de como a esposa era indiferente a ele.
Ele recuperou o autocontrole que ela demolira com aquele longo suspiro. No momento em que a maçaneta da porta se moveu, já tinha enterrado a ansiedade de garoto onde ela não o deixaria parecer um tolo.
Ela não entrou no quarto acovardada ou temerosa. Só entrou, fechou a porta e começou a desprender o chapéu.
– Você me seguiu.
– Fui até Aylesbury Abbey para encontrá-la e descobri que tinha partido. Logo entendi para onde tinha vindo.
Ela se curvou para verificar no espelho da penteadeira se seu cabelo estava arrumado.
– Você não pareceu surpreso. Adivinhou quando ainda estávamos em Londres, acho.
– Sim, adivinhei.
Ela se empertigou e o encarou.
– Parece que não sou tão boa em matéria de sedução.
Ela era magnífica em matéria de sedução, mas ele preferia morrer antes de admitir o que ela fizera com ele.
– Levei algumas horas até adivinhar.
Ele relembrou as palavras da reprimenda que pretendia lhe dar. Não toleraria essa desobediência. Não poderia permitir que ela viajasse a seu bel-prazer sem informá-lo. Ele precisava saber do paradeiro dela para sua própria proteção e também por ser do direito dele, etc., etc.
– Você tem todos os motivos para estar zangado comigo – disse ela, distraindo sua indignação antes que ele tivesse a chance de expressá-la. – Eu o enganei de propósito e tirei vantagem do fato de você não ter me dado ordens. Quero que saiba que não pretendo fazer disso um hábito. Foi só desta vez, pois era importante para mim vir aqui, e assim eu fiz. Só posso pedir que me perdoe.
Xeque-mate. Ele nem teve a chance de mover uma peça sequer.
– Você é muito esperta, Alexia. Se eu a repreender agora, serei eu o insensato e irascível.
A expressão dela se desfez. De repente seus olhos se obscureceram. Curvou os ombros como tinha feito do lado de fora.
– Você está certo. Não foi justo da minha parte.
Ela soava distante, distraída.
– Nem terei força para manter a pose. Brigue quanto quiser, Hayden. Acho que foi um erro meu ter feito isso, de qualquer forma.
Ele não queria brigar. Não adiantaria de nada. No futuro, se Alexia achasse importante desobedecê-lo, ela o faria.
– Encontrou Timothy? – perguntou ele.
Ela balançou a cabeça, negando.
– Tenho um conhecido aqui que pode me informar o tipo de lugar que um jovem cheio de dinheiro procuraria para se divertir – disse Hayden. – Escrevi para ele. Vou achar Longworth para você se ele estiver na cidade.
Ela despertou um pouco do seu estupor.
– Que bom que fez isso.
– Não quero que saia por aí procurando inferninhos e bordéis, Alexia.
– Imagino que não.
Ela o observou com atenção. Com tanta atenção e de forma tão séria como se nunca o tivesse visto.
Sua calma aparente escondia um desconforto perturbador dentro dela. Ele afetava seu humor e a mantinha a quilômetros de distância, apesar de estar ao alcance da mão. Estava muito longe e... triste.
– Aonde foi hoje? – perguntou ele.
– Fui tratar do assunto das cartas.
– Encontrou a mulher?
Ela assentiu.
Um vazio se abriu dentro dele de novo e uma raiva incontida tentou preenchê-lo. Ele trincou os dentes para se controlar. Ela passara a tarde com a namorada de Benjamin. Elas tinham conversado durante horas. Ela ainda estava lá, sua cabeça continuava com aquela mulher. E com Ben. O dia todo tinha ficado por conta de outro homem.
Ele andou até a janela e olhou para fora, para que ela não visse sua expressão.
– Lucinda Morrison é muito bonita – disse ela. – Incrivelmente linda. Não acho que exista um homem que não se apaixonasse por ela à primeira vista.
– Eu não.
– Não, você talvez não. Amor à primeira vista é poético demais, ilógico demais para você. Você poderia desejá-la de imediato ou poderia levá-la para a cama, mas não se apaixonaria à primeira vista.
Ele fechou os olhos. Ela só descrevera o homem que via. O homem que ele era. Então por que soava tanto como um insulto? Um ano antes ele teria assentido, em total concordância.
Mas eu me apaixonei por você. Eu a desejei de imediato, fiz amor com você e depois ME APAIXONEI.
– O que a Srta. Morrison tinha a dizer?
Como ela não respondeu, ele se virou para ela. Alexia estava de pé, com os braços cruzados, refletindo. Sua mente se encontrava a quilômetros de distância.
Sua atenção voltou ao quarto e a ele. Ela descruzou os braços e caminhou em sua direção.
– Foi bem como eu imaginei e as cartas davam a entender. Havia um envolvimento afetivo e ele lhe mandou algum dinheiro.
Os números surgiram na cabeça de Hayden, milhares de libras indo para Bristol.
– Quanto?
– Gostaria de falar disso mais tarde, se puder. Talvez amanhã. Tenho muito a contar, mas não quero fazer isso agora.
Ela olhou ao redor e seu olhar se demorou nos pertences dele. Finalmente os notou e o significado disso a surpreendeu.
– Vai ficar aqui comigo? Usando este quarto?
– O hotel está lotado.
– Que bom.
Esta não era a resposta que ele esperava. Mas isso o lisonjeou a tal ponto que... Só Deus!
Ela andou na direção de Hayden. O olhar ainda estava distante e obscuro, o desconforto ainda era notável, mas agora ele já conseguia reconhecê-la.
Ela colocou a palma da mão no peito dele.
– Podemos conversar mais tarde, Hayden? Só quero que me beije e me leve para a cama. Quero você. Quero muito.
Ela não precisou pedir duas vezes.
CAPÍTULO 21
Ela o segurou com força junto ao corpo. Envolveu o corpo dele com o seu, para que ficasse perto dela, com sua respiração invadindo-a e sua pele tocando a dele o máximo possível.
Estava muito grata por ele tê-la seguido. E muito aliviada. Precisava dele ali, de sua presença física, para lembrá-la de que aquilo não era um sonho, não era uma lembrança, mas sua vida atual.
Ficara tempo de mais com Benjamin. Conversara com ele de maneira muito íntima. No fim da caminhada, sua raiva tinha diminuído e seu coração, amolecido. Por um instante longo demais, perigosamente longo demais, a represa se rompeu e antigas emoções fluíram. Eram apenas lembranças pungentes agora, mas ela fora incapaz de contê-las.
Lucinda entendera seu choque melhor do que Ben e insistira para que ela ficasse para jantar. Falara sobre discrição em relação a Ben e que ninguém poderia ficar sabendo. Quisera também que o cocheiro fosse pegar os pertences de Alexia e que ela ficasse hospedada em Sunley Manor.
Alexia não queria ficar naquela casa. Resistira aos esforços deles de convencê-la a ficar. Não poderia pensar com clareza enquanto Ben sorria para ela, não poderia ficar imune à irrealidade de tudo o que acontecera ao longo daquele dia. Eles atrasaram sua partida até depois do pôr do sol, mas finalmente ela conseguira partir.
Tudo parecia um sonho inquietante e peculiar. Ela encostou o rosto no braço de Hayden e inspirou, na esperança de que o cheiro dele afastasse a confusão que esperava como uma gárgula, acocorada nas extremidades de sua paixão. Ela o incitara a alcançar o gozo, sabendo que não seria capaz de ter um orgasmo naquela noite. Estava com a cabeça em outro lugar.
Ele tentou aguardar por ela, mas por fim não pôde mais se conter. Seu desejo acabou sobrepujando tudo o mais. Durante alguns minutos perfeitos, ele a preencheu tão completamente que não existiu distância entre eles. Ela aproveitou a intensidade da paixão deles, na qual Hayden era a única outra pessoa que existia no mundo.
A paz reinou então e por um tempo depois. Ela manteve os olhos fechados, agarrando-se àquela sensação, fingindo que nunca partira de Londres e que estavam na cama deles lá.
Hayden se apoiou nos braços e com um leve toque acariciou o rosto da esposa.
– O que está perturbando você, Alexia? Diga para mim.
Ela abriu os olhos. Ele olhou para ela por entre camadas de cabelo despenteado. Ela ficou se perguntando se a preocupação dele iria se transformar em raiva caso ela lhe dissesse a verdade. Talvez o calor desaparecesse por trás da fria arrogância que ocultava o homem dentro dele com tanta eficácia.
– A beleza dela doeu em você, foi isso? Você imaginou que ele a amou mais, agora que viu seu rosto? Nem sempre funciona assim. Esse tipo de amor é uma emoção breve e superficial, se não houver uma personalidade para manter o interesse de um homem.
Ela quase chorou diante da sua tentativa de consolá-la. Ele até tocara no assunto de seu antigo amor para confortá-la. Ele pensava que era um romantismo pueril se agarrar a essas lembranças, mas agora tentava preservá-las para ela.
Ela não merecia tal gentileza. E ele merecia mais honestidade. Ele era seu marido e ela não deveria mentir para ele. Não poderia, mesmo que Benjamin e Lucy tivessem lhe pedido segredo. A ideia de manter essa mentira a entristecera quando soube quem estava esperando por ela no quarto.
Alexia hesitou, dolorosamente ciente de que estava fazendo uma escolha entre uma antiga lealdade e uma nova, entre dois homens com quem se envolvera, cada um de uma forma. Seu coração sussurrou que não havia opção. Hayden era seu marido e ela queria muito confiar nele. Ainda assim, não poderia escapar do medo de estar à beira do precipício e de que qualquer passo seu seria irrevogável.
– Hayden, não foi o rosto dela que me inquietou, nem o amor dele por ela – disse Alexia. – Ela não vive sozinha com suas lembranças, como eu. Ele está lá com ela, em carne e osso. Ben não está morto como acreditávamos. Eu o vi hoje e conversei com ele.
Ele olhou para baixo, incrédulo. Conforme o susto foi passando, sua expressão se obscureceu. O abraço dele ficou mais apertado.
– Ele não pode mais ficar com você agora. É tarde demais. Você é minha mulher.
Foi estranho ele dizer isso ao ouvir que um amigo morto estava vivo. Era a última reação que ela esperava.
– E ela é mulher dele. Ele se casou com ela. Você está tão atordoado que não consegue pensar direito? Eu disse que ele está vivo. Ele pulou do navio, mas não para a morte. Estava tudo planejado, tenho certeza.
Ele se afastou dela e se deitou de costas, ao lado dela. O choque mudou o clima, para pior.
– Aquele canalha – sussurrou ele. – Aquele patife.
Ben dissera a mesma coisa dele. Uma velha amizade não sobreviveria a essa ressurreição.
– Conte-me tudo, Alexia.
Ela descreveu sua conversa, mas não os sorrisos e carinhos, nem o modo como ela beijou sua mão ou caminhou perto dela. Explicou a grande dívida e a ruína que Ben enfrentara e sua decisão de arriscar a morte para salvar a família. Hayden ouviu tudo sem fazer comentários, nem quando ela admitiu que contara a Ben sobre a falência de Timothy e o papel de Hayden nisso.
– Ele queria que eu jurasse que não contaria nada para ninguém sobre minha descoberta, mas parti sem prometer – disse ela. – Quis pensar sobre isso antes de dar minha palavra. As irmãs dele deveriam saber que ele está vivo, você não acha? Ele agiu muito errado ao nos deixar sofrer daquele jeito. Não importa por que tenha feito isso ou a quem protegeu, foi cruel de qualquer forma.
– Ele protegeu a si mesmo – disse ele. – Conte-me sobre essa propriedade onde ele mora.
Ela descreveu Sunley Manor.
– Parece que vivem com muito conforto. Disse-lhe que deveria achar um jeito de mandar dinheiro para as irmãs.
– Tenho certeza de ele vive com conforto. Mais do que isso.
Ele se virou para o lado e fez uma carícia no queixo de Alexia.
– Você não deve voltar lá. Não sozinha, pelo menos, e não até que eu diga que pode.
– Disse-lhes que amanhã...
– Não. Eu proíbo. Não me pregue peças, Alexia. Não me desobedeça desta vez. Você não voltará lá amanhã.
Ela não se importou com o fato de ele estar dando uma ordem. Não tinha certeza se queria voltar a Sunley Manor. Ela se sentia feliz por Ben estar vivo, mas não gostara de como o dia a tinha entristecido e confundido. Aquela experiência a deixara com o estômago revirado.
Ele se inclinou sobre ela e apagou a lamparina. Ela se aconchegou a ele no escuro, aliviada por ter-lhe confiado o segredo e esperando ter feito a coisa certa.
– Ele não está feliz. Disse que vendeu a alma ao diabo.
– É um bom nome para esse estratagema. Durma agora. Amanhã vou encontrar Timothy se ele estiver em Bristol e decidirei o que fazer com Benjamin.
Quando ela já estava quase caindo no sono, ocorreu-lhe um pensamento.
– Hayden, ele me disse que não é conhecido por seu nome aqui, mas por outro. Acho que não é Sr. Morrison. Não sei qual é o nome. Não cheguei a perguntar.
– Acho que sei qual é. Logo vou ter certeza. Saberei de tudo em um ou dois dias.
Ela olhou para seu perfil no escuro. Poderia apostar que seus olhos estavam abertos. Ele a mandara dormir, mas ela não acreditava que ele mesmo conseguisse.
Ela se aninhou. O calor do corpo dele a confortou. Ele saberia o que fazer agora. Afinal, já tinha adivinhado o novo nome de Ben. Ao cair no sono, vagamente tentou imaginar como.
O maldito patife.
Hayden foi acumulando insultos silenciosos a Benjamin Longworth enquanto olhava fixo para a escuridão da noite. Não gostava de ser feito de idiota, por qualquer que fosse o motivo, e Ben tinha feito isso de modo implacável.
Tudo não passara de fingimento. A melancolia, a bebedeira de araque. Será que Ben havia imaginado que Hayden pensaria em suicídio? Isso tinha sido parte do plano ou erro de cálculo?
O canalha. O idiota. Ele poderia ter morrido tentando nadar até a praia. De todas as coisas malucas e inconsequentes que Ben já fizera, essa tinha sido a pior.
Só que funcionara. Escapara das pressões de Suttonly e fora capaz de gozar dos frutos de seus crimes. Hayden pensou mais uma vez nos saques feitos na conta do Banco da Inglaterra. O dinheiro havia começado a vir para Bristol muito antes dos pagamentos feitos a Suttonly. O plano era antigo, fora iniciado muito cedo, provavelmente quando as fraudes tiveram início. Ben podia ter pretendido desaparecer desde então. Suttonly só tornara a ação necessária.
Pennilot. Era este o nome na conta de Bristol. E não era uma dívida antiga do pai que ele estava ressarcindo com aquele dinheiro. Imaginou Benjamin se regozijando como um garoto ao escolher o novo nome, divertindo-se com a própria esperteza. Conhecendo Ben, o plano todo – as fraudes, o desvio do dinheiro, até pular do navio – havia sido uma grande aventura, um jogo em que um impulso se seguia a outro.
Exceto pelo fato de que algumas pessoas tinham sido imensamente lesadas. Darfield e as vítimas das fraudes. Seus próprios irmãos. E uma prima que acreditara em suas mentiras de amor.
Ele sentiu a respiração de Alexia em seu ombro e o calor ao longo de seu corpo. Agora entendia seu estado de espírito naquela noite. Pela primeira vez, não tinham estado sozinhos na cama. Houvera um intruso. Ele havia percebido a preocupação que impediu o gozo dela, o desespero em seu abraço. Ver Benjamin de novo trouxera à tona o antigo amor. Não era só uma lembrança agora.
Reconfortou-se com o fato de que ela confiara nele. Ela não guardara o segredo de Ben. Tinha lhe contado por ser seu marido e amigo de Benjamin. Dormia tranquila agora, como se a revelação resolvesse tudo. Ele duvidava. Ben não poderia permitir que Alexia voltasse a Londres sabendo de tudo.
Ela se virou no sono. Ele se ajeitou, enlaçando-a com cuidado para não acordá-la. Não sabia que tipo de ardil Ben poderia usar com ela, mas uma coisa era certa: ela não voltaria a Sunley Manor sozinha. Havia sido uma bênção que a tivessem deixado sair de lá.
Ele não queria pensar na hipótese de Ben machucar Alexia, ou qualquer pessoa inocente, mas nunca teria imaginado que Ben falsificaria documentos ou roubaria uma fortuna. Nunca teria suspeitado que o amigo deixaria suas irmãs chorando sua morte enquanto se divertia em Bristol. E essa mulher com quem Ben tinha se casado havia se mostrado capaz de fazer coisa pior do que o marido.
Havia muita coisa em jogo, afinal. Naquele momento, em Sunley Manor, Benjamin estava calculando quanto.
Alexia obedeceu Hayden dessa vez. Não foi a Sunley Manor no dia seguinte. Em vez disso, ficou no Alfred’s Hotel e Hayden saiu para tentar descobrir o paradeiro de Timothy.
A manhã transcorreu e o sol ficou a pino enquanto ela esperava o retorno dele. Com sorte, talvez Timothy pudesse ser encontrado antes de gastar todo o dinheiro que retirara do Banco da Inglaterra. Talvez estivesse passando seus dias à procura de contas secretas no nome de Benjamin, mas podia muito bem estar passando as noites na jogatina.
Hayden fora muito cuidadoso com ela pela manhã. Cuidadoso e silencioso, mas também firme em suas ordens. Ela não deveria deixar o hotel. Não deveria ir a Sunley Manor. Suspeitava que ele tivesse dito ao cocheiro que não aceitasse levá-la, para o caso de Alexia decidir ser desobediente de novo. Ela percebera a falta de confiança na forma como ele agora exercia seus direitos. Não acreditava que fora sua última desobediência a causa disso.
Ele julgava que ela quisesse ver Ben de novo. Imaginava que Alexia ainda seria influenciada por suas lembranças.
Seria? Ela estava tentando enxergar além do choque e da confusão e ouvir o que seu coração achava disso. Passou os braços ao redor de si mesma e encarou as lembranças honestamente.
Não podia negar que o encontro com Ben libertara a menina que ela mantinha aprisionada em seu coração. Fora obrigada a combater um riso frouxo que teimava em aflorar. Ben ainda conseguia evocar isso nela, mas era um mero eco de uma alegria tola do passado.
Olhou para a cama. Não havia nada de tolo no que acontecia ali. Nada de superficial na força da paixão. Benjamin tinha tocado seu coração como uma leve brisa de primavera. Hayden atraía sua essência para os mistérios profundos de uma noite quente de verão.
Ela fechou os olhos e pensou em sua última noite em Londres. Não se imaginava fazendo aquelas coisas com Ben. Ben era só risadas e beijos e flerte, não a união de almas que experimentava com Hayden. O homem que seu marido escondia dentro de si era uma maravilha de se conhecer e um mistério a ser explorado. Não achava que Benjamin tivesse algo tão fascinante a revelar.
Queria que Hayden voltasse logo. Queria estar com ele agora, de corpo e alma. Queria que ele afastasse toda a sua inquietação e confusão, como tinha feito na noite anterior.
– Alexia.
Ela abriu os olhos. Havia um homem dentro do quarto dela, mas não era o homem que ela desejava.
Benjamin sorria para ela. Seria só sua imaginação ou a expressão dele parecera cautelosa? Era difícil dizer, porque ele usava um chapéu e a aba lançava uma sombra sobre seu rosto.
– O Sr. Alfred permitiu que você subisse? Ele lhe disse qual era o meu quarto?
Ele tirou o chapéu.
– Da rua, olhei para cima e a notei sentada perto da janela. Perdoe-me, mas tinha que vê-la. Quando tive certeza de que você não ia voltar a Sunley Manor, decidi vir procurá-la.
– Achei que nunca vinha à cidade.
– É muito raro. Mas um colarinho alto e um chapéu enterrado fazem maravilhas para ocultar um rosto.
Ele andou em sua direção.
– Por que não voltou esta manhã como prometeu?
– Precisava pensar sobre minha descoberta. Queria me recuperar do choque antes de falar com você de novo.
– Era o que estava fazendo aqui, pensando e se recuperando? Parecia tão séria.
– Sou uma pessoa séria agora. Sempre fui assim, mas as circunstâncias tornaram essa característica mais marcante.
Ele sorriu de leve.
– Você nunca foi assim tão séria comigo, querida.
– Fui muito séria. Pode ter sido um jogo para você, mas para mim não foi.
A expressão no rosto dele se alterou.
– Um jogo? É o que pensa? Sabia que deveria ter falado mais francamente ontem. Não brinquei com você, Alexia. Eu me apaixonei por você completamente.
Nem tanto, mas sua declaração mexeu com ela, de todo jeito. Seu orgulho gostou de saber que ela não havia sido tão estúpida no fim das contas.
– Preferia que não tivesse vindo, Ben. Foi insensato. Sua esposa não vai gostar nada disso.
– Ela sabe que eu vim. Está preocupada com que você possa me trair. Pediu que eu lhe implorasse para não fazer isso.
– Ela se preocupa demais com uma coisa à toa. Se sua família souber que você está vivo, que mal haverá nisso? Suas irmãs e eu podemos guardar segredo. O homem a quem você deve nunca descobrirá.
– É mais complicado do que isso. Peço que confie em mim, querida. Não posso me arriscar a que todos fiquem sabendo.
– Não posso prometer que mais ninguém saberá. Um já sabe.
Ela olhou para o quarto. O olhar de Ben seguiu o dela e deu com escovas masculinas sobre a penteadeira e as botas do lado de fora do guarda-roupa. O rosto dele ficou vermelho.
– Ele está aqui? Você não mencionou que ele tinha vindo junto.
Naquele exato momento, Hayden adentrou o quarto.
– Ela não sabia que eu vinha, cheguei ontem à noite.
Ben se virou. Eles se encararam. O tempo ficou suspenso por um instante.
– É bom vê-lo vivo e com saúde, velho amigo – disse Hayden, por fim.
Ben tentou lançar um daqueles seus sorrisos cativantes.
– Posso explicar.
Hayden deu um suspiro fundo. Ela duvidava que Ben tivesse percebido, mas ela sim. A expressão indulgente de seu marido mostrava como esse encontro era penoso para ele. Ele parecia sentir o mesmo que ela.
– É claro que pode, Ben. Mas o que fez não tem desculpa.
Hayden andou até Alexia, ignorando Benjamin por um momento.
– Consegui a informação que buscava. Vou poder localizá-lo hoje à tarde – informou, antes de elevar o tom de voz e dizer: – Estou falando de Timothy, Ben. Você se lembra dele, não é mesmo?
– É claro que me lembro de meu irmão.
– Por que não vamos procurá-lo juntos, Ben? Não vai demorar muito. Se você veio até a cidade para visitar a mulher de outro homem em segredo, pode se arriscar a verificar se seu irmão está bem.
– Está sugerindo... Veja bem, Rothwell, não vou permitir que a insulte insinuando...
– Não a estou insultando. Só o estou refutando.
Hayden caminhou até a porta a passos largos.
– Venha. Podemos discutir no caminho. Alexia, não deixe ninguém entrar. Mantenha a porta trancada desta vez, até para os funcionários do hotel.
– Você foi muito grosseiro lá dentro – Ben soltou assim que ele e Hayden chegaram à rua.
– Encontrei um homem no quarto com a minha mulher. Tenho o direito de ser grosseiro.
– Ela é minha prima.
– Você era mais do que um primo para ela.
– Se Alexia lhe contou que eu e ela tivemos um caso, você deve ter entendido mal minha preocupação com ela. Você sabe como as mulheres são, principalmente as solteironas. É uma pena um homem não poder visitar uma prima sem levantar suspeitas infundadas.
A insistência de Ben em dizer que tinha sido mal interpretado continuou até chegarem à carruagem de Hayden.
– Alexia não é uma mulher que fantasiaria sem motivos. Sorte sua eu não ter acabado com você lá em cima. Reze para que eu não o faça agora.
– Que saudação de boas-vindas!
Benjamin se sentou na carruagem. Teve a audácia de parecer magoado.
– Mas eu entendo que esteja chocado demais para deixar sua alegria vir à tona – continuou Ben, estampando um sorriso no rosto e se inclinando para dar um tapinha com força no ombro de Hayden. – É muito bom revê-lo. Estou até feliz por Alexia ter lhe contado, assim pudemos nos reencontrar, apesar de eu ter lhe dito que não queria que espalhasse a notícia para o mundo inteiro.
– Não sou o mundo inteiro. Sou um homem, e o último que você deveria temer que descobrisse isso.
Ben sorriu com indiferença, enquanto fazia um inventário mental dos acessórios da carruagem. Examinou as almofadas, as cortinas e o trabalho de carpintaria como se estivesse interessado em comprar o veículo. Era a escapatória de um homem pouco à vontade.
– Aonde estamos indo? – perguntou ele.
– A uma taverna. Esse encontro precisa ser celebrado, não acha?
– Como nos velhos tempos. Sabia que você voltaria atrás assim que... bem, assim que passasse...
– Assim que passasse a vontade incontrolável de lhe dar uma surra por ter me decepcionado da pior forma? Você me fez pensar que tinha morrido e que eu havia deixado isso acontecer.
Ben se reacomodou no banco, como se as paredes da carruagem estivessem se estreitando em torno dele.
– Meu irmão vai nos encontrar na taverna?
– Tenho quase certeza de que vamos encontrar Timothy até o fim do dia.
A carruagem parou em uma rua de comércio. Ben deu uma olhada para fora e enrubesceu. Estavam diante de uma taverna frequentada por advogados e comerciantes, do tipo que frequentariam em Londres se estivessem lá. Do outro lado da rua, e mais algumas portas adiante, ficava a entrada de um banco regional, o Ketchum, Martin and Cook.
Hayden saiu primeiro da carruagem e entrou na taverna. Ao avistar uma mesa vazia ao lado da janela, se posicionou de forma a ver a rua em frente ao banco.
Pediram cerveja, esperaram em silêncio até serem servidos e depois ficaram se encarando por sobre as canecas. Ben olhou para a fachada do banco só uma vez, mas cada olhada que dava para Hayden continha uma preocupação maior.
– Você não disse uma palavra sobre a situação de sua família – falou Hayden. –Alexia lhe contou o que aconteceu, o que você fez, mas você não expressou raiva nem fez perguntas.
– Fiquei com raiva ontem, quando ela me contou. Sei como são essas coisas. As crises deixam os homens preocupados e essa foi séria. Mais de setenta bancos faliram. Você tinha uma responsabilidade para com sua família e entendeu que os riscos eram muito grandes. Não o culpo. Se meu irmão fosse melhor como banqueiro, isso talvez não tivesse sido necessário.
– Você está sendo muito compreensivo. Eu deveria ter pedido que conversasse com minha mulher sobre isso. Ela me culpa muito.
Ele bebeu sua cerveja enquanto dava mais uma olhada pela janela.
– É claro que ela não sabe o que aconteceu de verdade. A verdade é que o dinheiro da minha família ainda está no banco. Timothy contou a Alexia uma mentira que, por honra, tenho obrigação de não desmentir.
Ben pareceu aliviado.
– Eu disse a ela que Tim muito provavelmente tinha perdido todo o dinheiro em jogos e apostas. Sabia que você não os destruiria assim. Não a minha família.
– Ah, eu os destruí, sim. Não há como negar. Eu os mandei para Oxfordshire com vergonha e quase sem dinheiro. O mais estranho é que minha intenção foi das melhores, fazê-los seguir o caminho menos doloroso.
– Tenho certeza de que você fez o melhor que pôde.
Seu tom deixava claro que ele queria pôr um ponto final na conversa. Não precisa explicar, velho amigo. O que quer que você tenha feito, está bom para mim.
– Ben, descobri que Timothy vinha cometendo crimes. Falsificação de documentos e apropriação indébita de dinheiro dos clientes do banco. A razão da ruína dele foram os roubos. Ele ficou com duas opções apenas: ou vendia sua parte no banco e reembolsava as vítimas ou ia para a forca.
A reação de Ben orgulharia um ator cômico.
– Você me choca com essa acusação contra meu irmão. Falsificação de documentos? Roubo?
– Ele estava falsificando assinaturas nos títulos, vendendo-os, ficando com o dinheiro e continuando a depositar os rendimentos.
– Estou consternado com essa revelação. Meu irmão não tem esse tipo de caráter.
– Ele tem esse tipo de caráter, sim, mas é preciso mais do que falta de honestidade para realizar uma falcatrua tão sofisticada. O problema, e eu deveria ter percebido isso de imediato, é que apesar de Tim ter condições de roubar dezenas de milhares de libras, ele não é esperto o suficiente para imaginar como. Seu caráter é adequado ao ato, mas não sua mente.
Ben franziu o cenho, talvez decidindo se deveria defender a capacidade mental do irmão.
– Talvez ele tenha lido alguma notícia sobre uma apropriação indébita semelhante anterior.
– Que se saiba, só aconteceu uma vez antes. Imagino que outros bancos tenham encontrado maneiras de ressarcir vítimas de crimes semelhantes sem que o ladrão fosse levado a julgamento. Nenhum banco sobreviveria a um escândalo como esse, se viesse a público.
– Não parece ser um esquema complicado. Tim poderia ter concebido o estratagema sozinho.
– Mas ele não o fez, não é? Ele aprendeu com você.
Ben ficou paralisado. Ele se manteve olhando para a cerveja, sem que nenhuma parte de seu corpo se mexesse, nem mesmo a ponta dos dedos que tocavam o copo.
– Quanto você descobriu?
– Não que você continuava vivo, mas a maior parte do restante.
Ele soltou um suspiro profundo.
– Quanto mais penso no que Alexia me contou, em como você os arruinou, mais fico preocupado. A cada noite tinha mais certeza de que você tinha entendido tudo. Sabia que não era provável que tomasse uma medida que forçasse o banco a abrir falência. Como descobriu?
– Timothy cometeu o erro de falsificar meu nome e de vender títulos que estavam sob minha responsabilidade.
– Maldição! – xingou, esmurrando a mesa. – Aquele idiota.
– Que desagradável, não? O aluno não aprender as minúcias com o mestre.
Ele recebeu um olhar atravessado pelo comentário, mas Ben nunca ficava zangado por muito tempo.
– Suponho que todos nós temos que lhe agradecer por não tê-lo processado. Embora...
Embora se ele o fizesse, teria havido uma corrida ao banco, que faliria e fecharia as portas. Talvez ninguém jamais descobrisse que Benjamin Longworth começara o esquema. Se os roubos anteriores viessem à tona, culpariam o Timothy enforcado, não o Benjamin que se afogara.
Ben se recostou na cadeira. Seu relaxamento implicava que manter-se tão alerta por tanto tempo tinha sido um peso do qual ele ficava feliz por se livrar.
– Na primeira vez, foi um empréstimo de pouco valor. Uma tentativa de pagar uma dívida dignamente. Queria me livrar da última dívida do meu pai. Infelizmente, ela era alta e com um financista da pior espécie. As poucas terras restantes e a casa de Oxfordshire foram penhoradas como garantia, e ele, impaciente, ia ficar com as propriedades. Então procurei uma forma de quitar a dívida logo e por completo. Pretendia parar por aí.
– Por que não o fez?
– Um dos primeiros descobriu o que eu tinha feito. Ele me permitiu reembolsá-lo, mas, para isso, tive que falsificar nomes, vender mais títulos. Nesse ponto, as coisas aí já estavam bem sérias.
– Seria Keiller, em Nova York?
– Você já sabe da maior parte, não é?
– Descobri a conta no Banco da Inglaterra. Vi as primeiras transferências para a conta bancária de Keiller.
Ben ficou paralisado novamente. Ele não olhou para o banco do outro lado da rua, mas sua mente pareceu ter ficado mais alerta para o simbolismo de sua localização no momento.
– Foi quando percebi o perigo daquilo. As pessoas não costumam mexer em títulos. Muitos deles são até administrados por terceiros. Mas sempre havia a possibilidade de alguém querer liquidá-los depois que eu já tivesse feito isso. Seria um problema.
– Foi assim que fiquei sabendo que foi você, e não Timothy, que tinha concebido o estratagema. Sir Matthew Rolland procurou Darfield e quis liquidar os títulos dele.
– Sir Matthew? Quem poderia imaginar? Ele raramente ia à cidade. Bem, eu sabia que uma situação como essa seria minha ruína.
– Foi assim que Suttonly soube da verdade?
Ben olhou para ele.
– Maldição! Nada lhe escapou, não é? Espero que você tenha confrontado o canalha. Ele pôs tudo a perder. Ficou me cobrando sem parar. Ele se divertia em me pôr contra a parede, para me ver suar. Maldição, Hayden, para um homem inteligente, você tem alguns maus elementos entre seus amigos mais íntimos. Suttonly é um mau-caráter.
Hayden sorriu com a ironia da indignação de Ben. No entanto, era uma diversão triste. Ele perderia dois velhos amigos por causa desse negócio lamentável e não ganharia nada com isso.
Não era verdade. Ele ficara com Alexia. Se não fosse por essa série de crimes, talvez nunca a tivesse conhecido. Ela mais do que fazia a balança pender para seu lado.
– Eu nunca deveria ter tocado nos títulos de Suttonly – admitiu Ben. – Foi um descuido. Mas era uma quantia tão pequena: mil libras. Uma ninharia, investida quando você pediu a seus amigos que me ajudassem a me estabelecer. Imaginei que ele esqueceria o assunto. Nem poderia sonhar que, quando pedi tempo para apresentar os títulos, ele enviaria um advogado exigindo-os de imediato. Não tive opção a não ser admitir o que tinha feito e me oferecer para ressarci-lo inteiramente.
– Ele recusou?
– Ele sabia que uma falsificação de documentos do banco seria o bastante para me mandar para a forca, por menor que fosse o valor. Ele podia me extorquir e eu nada poderia fazer para impedi-lo.
Exceto morrer.
– Paguei-lhe quinze vezes mais do que tomei e ele não parava de pedir mais. Parecia que tudo o que eu ganhava ia para ele. Estava roubando só para satisfazê-lo.
– Terrível.
– Conheço esse tom.
A raiva se cristalizou nos olhos de Benjamin.
– Está se divertindo com isso? Aprova a forma como aquele demônio tornou minha vida um inferno? Você acha que eu mereci, não é? Está sentado aqui com essa superioridade moral paga com o dinheiro de Easterbrook, achando que tive sorte de morrer só simbolicamente.
Benjamin olhou para longe, desgostoso.
– Que diabos, quanto mais velho, mais parecido com seu pai você fica.
Era uma aguilhoada antiga, capaz de incitar uma reação. Hayden mal se controlou.
– Como sou filho dele, não é surpreendente que eu tenha herdado um pouco dele.
– Mais do que um pouco. Mais do que os outros. Alguns dos filhos dele escaparam desse legado melhor do que você.
Quaisquer tentativas que Ben estivesse fazendo para disfarçar sua frustração desapareceram.
– Por que está sentado aqui, nesta taverna, nesta mesa? O que pretende? Está esperando por um magistrado? Você seria parecido com ele o bastante para fazer isso? Prender-me em nome da justiça e do que é direito?
Hayden não pôde responder, pois ainda não tinha se decidido a esse respeito.
Seu silêncio surpreendeu Ben.
– Por Deus, homem, está mesmo pensando em fazer isso? Como pode? Você tem uma dívida de gratidão comigo. Você nunca teria escapado com vida daquela casa e ninguém, ninguém, estava disposto a correr o risco de tirá-lo de lá. Só eu. Você gosta de fazer cálculos, então faça este. Quais eram as chances de você sobreviver naquele dia?
Mínimas. Na melhor das hipóteses, uma em cinco. Mas os fuzis de Ben se encontravam carregados e os turcos estavam ocupados se deleitando em torturá-lo. E, depois que Ben disparara uma vez, outros companheiros vieram ajudar também. Ainda assim...
Teria sido uma morte terrível. Hedionda. Do tipo em que o último pensamento consciente é de horror e o último som são os próprios gritos.
Ben se inclinou para a frente, ressaltando seus atos.
– Nenhum outro amigo seu teria entrado lá naquele dia.
– Concordo que tenho uma dívida de honra para com você – disse ele. – Protegi seu irmão por causa disso. Estou protegendo seu nome da mesma forma. Mas existem limites para o que lhe darei e o que farei em pagamento.
– Tudo o que você tem que fazer é ficar fora do meu caminho.
Isso não era verdade, mas um movimento do outro lado da rua chamou a atenção de Hayden. Um homem com cabelo cor de palha por baixo de um chapéu de copa alta caminhava em direção à porta do Ketchum, Martin and Cook.
Ben se empertigou ao reconhecer o irmão.
– O que ele está fazendo aqui?
– Procurando dinheiro. Ele anda visitando todos os bancos na cidade. Deve ter adivinhado que o dinheiro enviado para Bristol não era para pagar dívidas do seu pai, mas para esconder sua fortuna.
Ben observou a caminhada do irmão com uma expressão preocupada e ao mesmo tempo indecisa.
– Ele veio aqui primeiro porque é um banco correspondente do Banco da Inglaterra e seria fácil para você usá-lo enquanto estivesse em Londres – disse Hayden. – Mas é claro que não há nenhuma conta no nome de Benjamin Longworth.
– Então por que ele está voltando?
– Ele percebeu que talvez você tivesse usado um nome diferente. Ele não teve acesso à conta em Londres para ver as transferências, então não sabe o nome. Contudo, já revisitou pelo menos um banco hoje, descrevendo você, explicando a situação e fornecendo as informações da conta de Londres. Ele está pedindo aos bancos que investiguem as transferências anteriores e para onde foram feitas. Ele tem esperanças de provar que a conta era sua, aberta sob outro nome, e de reclamá-la na qualidade de herdeiro.
Hayden tomou um bom gole de cerveja.
– Infelizmente, é uma conta ativa, que o Sr. Pennilot movimentou recentemente. Se ele os convencer de que você a abriu sob um nome falso, sem querer provará que você não morreu.
– Maldição!
Em um segundo Ben estava do lado de fora, seguido por Hayden.
Ben correu para atravessar a rua e chegou por trás de Timothy justamente quando este estava prestes a entrar no banco. Agarrou o braço do irmão. Tim se virou pronto para revidar a agressão.
Ambos ficaram paralisados. Timothy aproximou o rosto do de Ben, depois se afastou em choque. Sacudiu o braço para se soltar da mão do mais velho.
Outro momento em suspenso se passou antes que Ben dissesse algo. Hayden se aproximou e viu a expressão contorcida de Timothy, enquanto as implicações de sua ressurreição começavam a surgir em sua mente.
Quando Hayden estava prestes a alcançá-los, Timothy agarrou o ombro de Ben com a mão esquerda. Então, com o punho direito, acertou um belo soco no queixo do irmão.
CAPÍTULO 22
A noite já caíra quando Hayden voltou para Alexia.
– Você achou Timothy? – perguntou ela.
– Nós o encontramos. Ele foi para Sunley Manor com Benjamin.
– Imagino que tenham muito o que conversar.
– Sim, eles têm muitas coisas para discutir.
No momento em que ele apartara a briga de Timothy com Benjamin, contudo, o assunto mais importante já tinha sido resolvido. A conversa em Sunley Manor agora seria muito prática.
Ele decidira deixar os dois sozinhos. Preferia não saber o que Ben diria ao irmão. Como Tim fora surpreendido antes de entrar no banco, talvez ninguém ficasse sabendo que Benjamin Longworth e Harrison Pennilot eram a mesma pessoa.
E Tim talvez nunca soubesse que o Sr. Pennilot tinha retirado todo o seu dinheiro do Ketchum, Martin and Cook naquela mesma manhã.
Ben ia fugir. Hayden tinha certeza. Isso resolveria várias questões, mas não afastava uma preocupação sua. Rothwell não conseguia deixar de calcular todo tipo de probabilidades e possibilidades, pesando se poderia se dar ao luxo de deixar que isso acontecesse.
Você tem uma dívida de gratidão comigo. Até certo ponto, sim. Mas não completamente. Há limite para tudo.
Alexia foi até o guarda-roupa e tirou um xale.
– Fico feliz que você tenha feito com que Ben visse Timothy. Decidi contar a Rose o que descobri aqui. É o certo. Talvez Ben permita que ela o visite em Sunley Manor e o veja também.
Alexia estava com frio, mas Hayden não. Ele tirou a sobrecasaca.
– A mulher de Ben, Lucinda. Quando os visitou ontem, você percebeu se são felizes no casamento?
– Eu era uma visita inesperada e a situação estava bem longe de ser normal. Ele me disse ser prisioneiro das circunstâncias, mas talvez agora, que poderá fazer contato com a família, não se sinta mais assim.
Ela pôs mais lenha na lareira. Ele observou seus movimentos. Eram muito elegantes, apesar do objetivo prático. A luz vinda do fogo iluminava seu perfil com um brilho dourado. Seus olhos ganharam um tom escuro de violeta.
– Quer que eu peça o jantar no quarto? – perguntou ela. – Ou devemos descer?
– Não estou com fome. E você?
– Fiquei inquieta demais para ter fome.
Ela disfarçava bem, por mais inquieta que estivesse. Mas, por baixo daquela expressão serena, ele percebia sua perturbação. Na noite anterior, a ansiedade tinha vencido, mas talvez agora Alexia estivesse se acostumando ao choque de sua descoberta e de tudo o que ela significava.
Será que era isso o que Alexia tinha na cabeça enquanto escovava o casaco dele e o pendurava no guarda-roupa? Será que estava pensando em Ben quando lhe disse para se sentar e insistiu em ajudá-lo a tirar as botas? Ele ficou feliz por ela não ter chamado um funcionário do hotel para dar conta desses afazeres. Não queria mais ninguém ali naquela noite.
– Ele não verá as irmãs. Vai deixar a Inglaterra, Alexia. Muito em breve.
Ela colocou as botas ao lado do guarda-roupa, fechou a porta e se encostou nela.
– Ele lhe disse isso?
– Não, mas tenho certeza que sim.
Ben tinha que fugir. Ele não podia confiar em Hayden e Alexia. Tomara essa decisão quatro anos antes. A única pergunta era se iria sozinho ou levaria alguém com ele. Timothy, cujo pescoço estava a perigo? Sua esposa, Lucinda?
Alexia?
– Por que ele vai embora? Não é por causa de uma dívida antiga, como ele diz. O que o assusta? Ele está com muito medo, Hayden.
A sagacidade dela o impressionou, mas não era a primeira vez. Haviam contado a Alexia uma história que combinava bem com os fatos, no entanto ela vira mais subterfúgios do que eles justificaram.
Queria poder dizer muitas coisas a ela. Não só sobre a rede de mentiras que começara naquele dia na sala de visitas, mas sobre os fatos que levaram outras redes a aprisionar sua alma e seu coração.
– Você disse no dia do nosso casamento que havia mais a respeito da ruína de Timothy do que eu sabia. Gostaria de acreditar que você teria me explicado tudo se pudesse.
– Já me amaldiçoei muitas vezes por não poder.
Ela assentiu, pensativa.
– Tive quase o dia todo para pensar sobre isso e sobre a descoberta de Ben e das contas bancárias que Timothy está procurando. Andei pensando em você, Hayden, e no homem que você é agora.
Ela inclinou a cabeça.
– Você não pode me falar sobre meus primos, mas pode falar de si, não é?
– Isso depende de eu saber a resposta. Nem sempre nos conhecemos bem.
Ela riu, satisfeita.
– É verdade. Tenho aprendido muito sobre mim mesma nos últimos tempos. Minha pergunta é muito simples. Se você puder respondê-la, saberei se algo do que concluí hoje está correto.
– Então pergunte.
– Você retirou o dinheiro da sua família do Darfield e Longworth? Ou o Sr. Darfield estava esperando por você naquele dia em que o visitei?
Ele calculou o que poderia dizer sem deixar de honrar sua palavra.
– Retirei o dinheiro de tia Henrietta que estava sob minha responsabilidade.
Ela andou pelo quarto e se sentou em uma cadeira ao lado da escrivaninha.
– Eu lhe prestei um desserviço ao acreditar que tinha traído meus primos, não foi?
– Sua confiança em Timothy e sua preocupação com seus primos foram compreensíveis. Eles são sua família.
– Mas você é meu marido.
A firmeza com que ela disse isso o tocou. Qual seria a força dessa nova lealdade se fosse testada por uma antiga? Ele queria poder ter certeza de que o dever de esposa a guiaria, se nada mais os fizesse.
Queria ter certeza de que não haveria um teste. Tinha em suas mãos o poder de garantir que Ben nunca mais a enganaria, que não tiraria proveito de sua nostalgia nem recorreria a antigas lembranças que poderiam afastá-la. Só precisaria chamar a justiça e dar as informações sobre os crimes de Ben. Aí nenhum Longworth embarcaria em um navio no porto. E nenhum apelo poderia ser feito ao antigo amor de Alexia.
Ela o odiaria se mandasse Ben e Tim para a forca. Ele ainda a teria como esposa, mas ela o desprezaria. Seu pai tinha mantido uma mulher à força. Tinha tornado todos os dias da vida dela uma punição por amar outro homem. Ele odiava o pai por isso. Odiava ainda mais agora, que sabia por que isso tinha acontecido, como o orgulho e o sentimento de posse haviam sido a causa de tudo.
Nunca lhe havia ocorrido que fora amor, e não crueldade, a causa de tanto sofrimento. A paixão de um homem por uma mulher que amava outro poderia ser perigosa. Hayden estava tentando controlar a extensão do perigo.
Ele se dirigiu à cadeira e se ajoelhou diante dela. Pegou sua mão, tão pequena e elegante, e lhe deu um beijo. Fechou os olhos e saboreou a sensação da pele dela sob seus lábios.
Ela mergulhou os dedos em seu cabelo.
– Você está tão pensativo. Lamenta que ele tenha que ir embora logo depois que o encontramos?
E você?
– Não é isso. Estava admirando como você é bonita e percebendo como seus mínimos movimento são graciosos.
Ela sorriu de um jeito desconfiado e despenteou o cabelo dele. O gesto pôs de lado o que ele tinha dito.
– Você não acredita em mim.
– Sei que não sou bonita. Mas é muito gentil por me fazer elogios.
– Você é muito bonita. Fico agitado só de olhar para você. Sua beleza me venceu desde o início, querida. Fiquei rendido. Não é só o prazer que me motiva. Eu me apaixonei por você.
Surpresa e descrença ficaram estampadas no rosto dela. A declaração o expunha demais, mas ele não se arrependia. Precisava que ela soubesse de seus sentimentos.
Ele não esperou por uma resposta. Não tinha certeza se desejava uma. Acariciou a perna dela, suspendeu a saia e pegou um de seus pés, pousando-o sobre seu joelho. Tirou o sapato dela e começou a enrolar a meia.
Deu um beijo na pele branca que se revelara, depois começou a fazer o mesmo com a outra perna.
– Você parece envergonhada, Alexia. Eu já a despi antes.
Ela sorriu, insegura.
– Foi diferente.
– Diferente como? Porque antes aceitou isso como minha esposa cortesã? É mais embaraçoso ser a esposa que eu amo?
Ela enrubesceu até a raiz dos cabelos.
– Posso gostar disso se for a esposa que você ama?
Ele riu e se inclinou sobre ela, passando o braço pelas costas da cadeira. Beijou-a e acariciou debaixo da saia a maciez tão desejável de sua coxa.
– Se você não gostar, vou me sentir insultado.
O quadril dela se movimentou ao toque da mão dele.
– Talvez esta seja a única forma de insulto que não usei contra você desde que nos conhecemos.
– Então não deixe que o que eu disse interfira agora, meu amor. Não se sinta obrigada a responder à altura. Não importa o nome que você dê, nunca foi só dever matrimonial.
Ele abriu os fechos do vestido dela e a levantou para poder tirar suas roupas de baixo. Ela enrubesceu de novo quando ele tirou a última peça e a ajudou a sair do meio da pilha de roupas que se acumulou no chão. Ele admirou seu corpo nu lavado pelo brilho dourado da lamparina e da lareira. Ela era toda macia e pálida, como a Io de Correggio, cheia de curvas suaves e totalmente feminina. Tão bela que quase doía.
Ele a puxou para si e abraçou seu quadril, as mãos envolvendo suas nádegas. Deu um beijo em seu ventre e encostou o rosto em sua pele. Abandonou-se em seu cheiro e seu calor.
O desejo o percorreu. Veio na forma de uma força poderosa e uma impaciência feroz. Quase a derrubou no chão e a penetrou de imediato, para tomar posse dela do único jeito que sabia.
Mas, em vez disso, se levantou, segurou-a no colo e a carregou para a cama. Começou a tirar as próprias roupas. Ela se ajoelhou para ajudar. Com um sorriso travesso, cuidadosamente começou a desabotoar o colete dele.
Decidiu deixar que ela fizesse como queria, assim poderia usar as mãos para outras coisas, como acariciar seus seios. Enquanto ela lidava com as roupas dele, Hayden manipulava o corpo dela, esfregando as pontas duras dos mamilos até que o prazer a fez se desequilibrar. A expressão dela ficou sonhadora com a moleza erótica.
Ninguém se intrometeu na cama deles dessa vez. Ele não sabia o que a manhã traria, mas ela estava totalmente com ele naquele momento. Ele pretendia amá-la toda, possuí-la por completo, até que não houvesse mais espaços em seus pensamentos e em sua alma para mais nada naquela noite.
Ele começou a desabotoar suas roupas de baixo, mas ela trouxe as mãos dele de novo para seus seios e passou a tratar dos botões ela mesma.
– Não pare. Está me levando ao céu. Eu cuido disso por você.
Ele continuou a acariciá-la da forma mais celestial que podia, enquanto ela tentava liberá-lo das vestimentas. Alexia puxou as roupas para baixo com carícias sinuosas que o deixaram quase fora de controle.
Ele a suspendeu e a colocou de pé em cima da cama à sua frente. Podia tocá-la por inteiro, de seu rosto afogueado com expressão de êxtase até os pés. Ela olhou para baixo, para ele, que sentia cada centímetro de seu corpo, apalpando suas curvas, saturando sua memória com sons e sinais de abandono. O cheiro da excitação dela perfumou o ar. E a umidade que escorria entre suas coxas dizia que ela estava pronta. Zonza, afastou as pernas para se equilibrar melhor e segurou seus ombros.
Ele guiou a cabeça dela para baixo, para que pudesse beijá-la na boca, depois provou o gosto de sua pele no caminho até os seios. Os dedos dela seguraram seus ombros com mais força enquanto ele passava a língua uma vez, duas, três em seus mamilos sensíveis. Os gemidos baixos dela penetraram em seu sangue e o deixaram ainda mais teso e mais determinado a enlouquecê-la.
Foi surpreendido quando Alexia se afastou da boca dele e os lábios dela começaram a abrir caminho para baixo. Respiração, calor e umidade pressionaram o pescoço e ombros dele, até chegar ao seu peito. Ela se abaixou até se ajoelhar diante dele de novo. Os beijos dela continuaram sua viagem abrasadora para baixo.
Um desejo avassalador tomou o lugar das intenções românticas. Quando a palma aveludada dela rodeou seu pênis e os dedos da outra mão acariciaram a cabeça, um prazer incomensurável não deixou mais espaço para qualquer outro pensamento.
Alexia olhou para as carícias que estava lhe fazendo e depois para cima, de modo a ver a reação que provocava. Não era cega ao poder que tinha. Entendera isso na noite de núpcias.
Naquele momento, ele era seu escravo. A urgência do desejo comandava todos os pensamentos e sentidos e ele queria que ela usasse sua boca mais uma vez de tanto que isso o enlouquecia.
A mão dela que circundava o pênis se firmou ainda mais, depois começou a se movimentar para cima e para baixo. Uma sensação de prazer explodiu violentamente por todo o corpo dele.
– São permitidas à esposa que você ama as mesmas liberdades que à sua esposa cortesã?
A mente dele teve dificuldade em se concentrar no que ela queria dizer e no que pretendia. As mulheres tinham ideias muito estranhas, às vezes.
– Você acha que eu seria tolo a ponto de querer que você fosse tímida neste momento?
– Não sei. Os homens têm ideias muito estranhas, às vezes.
– Não este aqui. Estou quase implorando para a esposa que amo.
Ela sorriu de forma erótica.
– Hoje ninguém vai implorar nada. Outro dia, talvez.
A mão dela se moveu de novo, tirando o foco dele de sua última frase. A cabeça dela desceu. Os dentes o mordiscaram com suavidade. Os lábios beijaram com doçura. Um calor úmido o aprisionou e ele se entregou.
– Não se mova.
A voz dele a tirou de um devaneio saciado. Aproximara-se do sono o máximo que seria capaz ainda mantendo-se alerta à presença dele. A doce pungência da segunda vez ainda a saturava. Nessa noite, o mundo não existia além daquela cama.
Ele a amava. Duvidava que um homem como ele fosse mentir a esse respeito. Ele era o tipo que se certificaria antes de fazer uma declaração daquela importância. Ele examinaria suas emoções sob todos os aspectos, refletiria sobre sua validade, questionaria a verdade. Até onde ela sabia, ele nem acreditava nessas coisas, então deveria ter sido bem estranho decidir que estava mesmo apaixonado.
Aquelas palavras significavam muito para ela, mas a forma como tinha se sentido naquela noite significava ainda mais. Ele dera nome a uma força que vinha se manifestando entre eles havia algum tempo. Porém, ela estava tentando decidir se era o nome certo.
Ele se apoiou no antebraço, ao lado dela. Ela estava deitada de bruços, e ele começou e acariciar suas costas e nádegas enquanto a observava.
A excitação veio no mesmo instante, com aquelas tremulações profundas que anunciavam que as partes secretas de seu corpo estavam tomando vida. Não demorou muito para que seu desejo aumentasse e pedisse mais. Por fim, a sensação e a necessidade de preenchimento a levariam ao abandono e a uma intensidade que a retirava do mundo.
A mão dele a levou lá, ao estado em que ela se tornava impetuosa, selvagem e livre. A mão escorregou pela nudez dela com a maestria de sempre. Nenhum outro toque a afetaria da mesma forma.
Ela fechou os olhos e se deixou levar pelas sensações. Pensar era coisa para depois. Quando o sol nascesse, ela saberia se as emoções dessa noite tinham sido reais. Ela o olharia distanciada da excitação e saberia a resposta. A sensata Srta. Welbourne nunca mentiria novamente para si mesma sobre um homem.
Ela virou a cabeça e olhou para ele. A paixão se expressou naquela severidade especial que o tornava bonito demais para resistir. Era o rosto de um homem prestes a pegar o que queria para si.
Ela olhou para a luz cinzenta e pálida que penetrava através das cortinas.
– O sol está nascendo.
Ela não se dera conta de que tanto tempo tinha se passado.
– Em breve. Ainda não.
As carícias dele a enchiam de luxúria. O desejo percorria o corpo de Alexia dos pés à cabeça. Ele espalmou a mão sobre a protuberância das nádegas dela e ondas mais fortes de excitação a atingiram. As pontas dos dedos dele deslizaram para a fenda e as implicações eróticas do gesto a fizeram elevar o quadril.
A trajetória dos dedos desceu ainda mais, atingindo o vão entre pernas. Ela as abriu para aceitar a carícia. Hayden observou o corpo de Alexia, a aceitação dela, o poder dele. A maneira como ele a observava a fez sentir-se pequena e vulnerável. Ele afagou com suavidade as dobras macias de pele, incrivelmente sensíveis ao toque e à boca dele.
Ele beijou o ombro dela.
– Eu te amo, Alexia – suspirou com voz rouca. – Sou muito grato por ter se casado comigo.
Lágrimas surgiram nos olhos dela. Alexia não sabia por quê.
Imaginou que ele pretendesse possuí-la com a dominância que havia demonstrado na noite em que a encontrara chorando na cama em Hill Street. Surpreendeu-a o fato de ele a erguer, colocando-a deitada por cima dele. Ela se levantou e o colocou dentro dela, e eles se uniram no mesmo ritmo.
Ela podia vê-lo por inteiro. Uma luz prateada banhava seu rosto e revelava sua expressão de paixão. Só agora a candura que percebera sob o desejo, a emoção que expunha o homem oculto nele, ganhava um nome.
Seu coração tremulou em resposta, depois se abriu para aceitar tudo o que ele oferecia.
Os bilhetes foram entregues enquanto tomavam o café da manhã em seu quarto. Hayden sabia que eles viriam. Estava esperando por eles.
Um era para ele e o outro para Alexia. No dele, Ben escreveu com brevidade e sem sentimento.
Tenho que partir, é claro. Não posso me arriscar a que você não guarde o segredo para sempre, agora que sabe de tudo. Tim vai partir comigo, já que está em perigo como eu. Peço que permita que minha prima nos encontre no porto, para que eu possa lhe dar algum dinheiro para minhas irmãs. Vamos zarpar no Tintern. A partida é na maré de 11h.
Ele baixou o bilhete e voltou ao café. O dinheiro do Sr. Pennilot zarparia com o Tintern, o que significava que outra pessoa ressarciria todas as vítimas. Como essa pessoa era ele, ser bonzinho no desfecho dessa ópera não o deixava de bom humor.
A carta de Alexia era mais longa.
– Você estava certo – disse ela. – Ele está deixando a Inglaterra. Acho isso temerário.
– Bem, ele sempre foi impulsivo.
– Ele diz que tem um dinheiro para Rose. Imagino que havia uma conta aqui em Bristol, afinal. Ele vinha guardando dinheiro durante todos esses anos, acho, e dizendo à família que pagava a última dívida do pai. Ele deixou Rose sem uma apresentação formal à sociedade para poder fazer isso.
A boca de Alexia se franziu, deixando clara sua reprovação.
– Ele me pediu para ir me despedir deles. Farei isso, mas não posso me furtar em dizer algumas palavras duras em relação ao comportamento dele.
– Se ele quiser se despedir, pode vir até aqui.
– Eles não estão em Sunley Manor hoje de manhã. Não há como avisá-lo para vir aqui.
Ela avaliou a expressão do marido, confusa.
– Está me proibindo de ir lá me despedir?
Ele estava? Deveria?
Ele se levantou e caminhou até a janela. A distância, sobre os telhados, podia ver os mastros dos navios.
Não estava acostumado a ter alguém em seu coração. A pior coisa no amor era que não oferecia certezas absolutas, nem mesmo quanto à sua duração. Também tornava a pessoa fraca, como Hayden estava descobrindo. Fraca, sentimental, sem senso prático, ciumenta e protetora. Fazia com que a pessoa duvidasse do que era real e questionasse o que era desconhecido. Complicava muito a vida.
Ele virou as costas para Alexia. Ela esperou pacientemente por sua resposta. Ele a proibiria de se despedir dos primos? Será que ele seria tão insensível assim?
– Ele vai pedir que você vá com ele, Alexia.
Ela não conseguiu controlar uma risada.
– Você está ficando dramático em demasia. Sei que o amor transforma os homens, mas você está exagerando, querido.
– Tenho certeza de que ele comprou uma passagem e vai lhe pedir que embarque naquele navio.
– Ele é casado com uma das mulheres mais bonitas da Inglaterra e sabe que sou casada com você.
Ela se aproximou dele. Olhou-o com uma expressão divertida.
– Fico lisonjeada por você pensar que valho uma proposta escandalosa e por se importar a ponto de ficar preocupado. Não significo mais nada para ele. Mas gostaria de me despedir de qualquer forma. E quero pegar o dinheiro para Rose.
Ela era toda confiança e certeza. Isso aplacou sua inquietude, que teimava em fazê-lo de bobo e severo.
Ele não estava tão certo se ela iria resistir por causa dele. Contudo, a sensata Srta. Welbourne nunca sucumbiria às lisonjas de um homem que a pedisse para fugir com ele para viver em adultério.
Por outro lado, não seria a sensata Srta. Welbourne a quem Ben atiçaria, mas a jovem que o amara e lamentara sua morte por anos.
Ele segurou a mão dela e lhe deu um beijo. Olhou para os campos de violeta que se estendiam por milhas de distância.
Permitiria que ela fosse ao porto. Não por qualquer obrigação para com Ben – devia muito a ele, mas não lhe devia sua esposa. Faria isso por Alexia, porque queria que ela tivesse tudo que a fizesse feliz. Que Deus o ajudasse!
E faria em respeito à sua mãe, que fora aprisionada em um casamento de conveniência, longe de seu primeiro amor.
Mas também faria por si mesmo, para não se tornar um homem igual a seu pai, que ficara amargo e duro observando aquela mulher infeliz e lembrando a dor de sua traição todos os dias de sua vida.
Não foi difícil convencer Hayden a permitir que ela fosse até o Tintern. Ele não era um homem irracional. Com Tim e Ben abandonando as irmãs da maneira mais hedionda, seria importante que Alexia obtivesse o máximo de dinheiro possível para elas.
Porém, Alexia não esperava que ele lhe permitisse ir sozinha. Imaginava que iria querer se despedir de Benjamin também. Talvez as coisas não tivessem corrido bem quando se encontraram com Timothy na véspera. Talvez a velha amizade tivesse sido destruída por todas as mentiras.
A carruagem a levou ao porto, onde o Tintern estava ancorado. A maré alta estava prevista para breve. Ela avistou Ben no convés, olhando para baixo, para o alvoroço de um navio prestes a zarpar.
Ele a viu e acenou. Encontrou-a a meio caminho da rampa de acesso.
– Venha até a nossa cabine, para ver Tim – convidou ele. – Estou muito feliz que tenha vindo, Alexia.
– Estou ansiosa para ver Timothy. Tenho algo a dizer a ele.
Ela pretendia repreender a ambos, quando se encontrassem na cabine.
A cabine era maior do que esperava. Alexia logo notou que Timothy não perdera tempo antes de se embebedar de novo. Ele estava deitado em uma das camas, com todos os sinais de bebedeira.
Percebeu que não havia bagagens femininas e que Tim compartilharia sua cabine com alguém.
– Onde está Lucinda?
– Ela nunca quis ir morar no exterior. Insistiu em ficar em Sunley Manor.
Ben deu um tapa firme no ombro de Tim.
– Vá pegar um ar. Só não caia na água.
Tim gostou da piada e os dois irmãos gargalharam. Alexia não achou a menor graça.
Uma vez sozinhos, Alexia começou a falar o que pensava.
– Hayden me disse que você iria embora. Suas irmãs vão ficar totalmente indefesas se fizer isso. Sem esperanças.
– Elas não vão morrer de fome. Hayden nunca permitirá que isso aconteça.
– Elas pensam que ele é a causa de sua ruína e nunca deixarão que ele as ajude. Pelo menos me dê o dinheiro que prometeu, para que elas não passem necessidades.
Um pouco a contragosto, ele retirou uma pilha grossa de notas de uma mala.
– Aqui tem cinco mil libras. Elas também ficarão com o usufruto do terreno e da casa em Oxford. Será melhor do que se Tim ficasse, porque suas dívidas vão fugir com ele.
Ela pegou as notas. Parecia que Ben não tinha escondido uma soma tão significativa, afinal. Ela começou a guardar tudo em sua bolsinha.
– Alexia.
O tom de Ben fez com que ela olhasse para cima. Ele estava muito próximo dela e a olhava com carinho. Parecia com o Ben de suas lembranças, o jovem feliz e leve que a fazia rir.
– Alexia, não sinto por Lucy estar ficando para trás. Aquilo foi um erro. Ela foi um erro. Queria poder voltar no tempo e seguir meu coração. Deveria ter me casado com você antes de partir para a Grécia e pedir que me encontrasse depois que estivesse são e salvo.
– Por que não fez isso?
– Isso tudo começou antes de meus sentimentos por você se tornarem românticos. Meus planos começaram a ser postos em prática bem antes de nosso primeiro beijo.
– Espero um dia compreender tudo isso, Ben. A parte que conheço não é complicada, mas sei que há muito mais em questão. Entretanto, você não se casou comigo, mas com ela. Preocupa-me o fato de você a estar abandonando, assim como fez com suas irmãs. Você retirou todo o dinheiro do banco de Bristol? Você a deixou sem um centavo?
– Lucinda nunca vai ficar sem um centavo. Ela é astuta e bonita. Terá joias até em seu caixão, se quiser.
Em outras palavras, ele tinha levado todo o dinheiro.
– Você é bom em se safar de suas responsabilidades, Ben. Nunca percebi essa tendência em você, porque me aceitou em sua casa quando não tinha nenhuma necessidade de fazê-lo.
– Você nunca foi uma responsabilidade. Sua companhia sempre foi um prazer. Senti muito a sua falta.
Ele pegou a mão dela entre as dele. O toque a entristeceu.
– O navio vai levantar âncora em breve. Grandes aventuras estão à espera. Paris primeiro, mas talvez a América. Ou terras exóticas e ensolaradas. Podemos compensar todos os anos que passamos separados. Será muito divertido e muito melhor se você estiver comigo.
A surpresa esvaziou sua mente por longos instantes. Depois um pensamento racional surgiu de volta. Hayden estava certo.
– Sou casada e você também.
– Ninguém saberá nem se importará com isso aonde vamos. Vamos ficar juntos eternamente, como sempre quisemos.
– Hayden nos seguirá e o matará.
– Ele permitiu que você viesse até o navio hoje, não foi? Ele quer que você decida, não vê?
Ele sorriu presunçoso.
– Salvei a vida dele. Na Grécia. Aquelas cicatrizes teriam sido só o começo de um fim terrível se eu não o salvasse.
Ela retirou a mão de entre as dele. Afastou-se ao ouvir o que ele dissera, sabendo que era verdade. Hayden permitira que ela viesse até ali, mesmo acreditando que isso aconteceria. Ele não tinha vindo. Decidira não lutar por ela.
Não, isso não era verdade. Ele lutara por ela na noite anterior, da forma como sua honra lhe permitia. Não podia desembainhar uma espada ou sacar um revólver para o homem a quem devia sua vida, mas travara uma batalha de qualquer forma.
Pusera seu orgulho aos pés dela para mantê-la.
Benjamin estava certo. Se ela decidisse ficar naquele navio, Hayden não a impediria. Não porque não a amasse o bastante para lutar por ela, mas porque a amava demais para aprisioná-la.
– Fiz uma reserva de passagem para você – disse Ben. – Tim vai se mudar para outra cabine.
Ele falava como se já estivesse tudo decidido. Sons externos indicavam que logo a maré decidiria por ela, se não desembarcasse.
Imaginou a vida que Ben descrevera. Viajar e conhecer o mundo. Livre e impetuosa e rindo, rindo. Nunca mais se veria presa a cálculos, deliberações e responsabilidades. Nunca mais teria que ser a sensata Srta. Welbourne. Poderia ser uma garota de novo. Para sempre.
Ela olhou para Ben. Só uma garota poderia amar aquele homem. Não, homem não. Menino.
– Não posso.
– Pode, sim. Não há ninguém a impedi-la.
– Não farei isso – disse isso andando em direção à porta.
– Por quê? Por causa do dinheiro dele? Do título do irmão dele?
– Nenhuma mulher sensata descartaria essas duas qualidades em um homem. Nem eu jamais renegaria meus votos e meus deveres. Mas minhas razões não são nem de perto tão sensatas ou respeitáveis. Eu amo meu marido, Benjamin. Eu o amo tanto que percebo que o que você e eu tivemos foi só uma emoção superficial. Nunca o deixarei. Nunca desistirei da oportunidade de passar o resto da minha vida com ele.
Ela abriu a porta.
– Seja feliz, Benjamin. Aproveite suas aventuras. Tome conta de Timothy e, por favor, dê notícias de vez em quando.
Já estavam elevando a rampa de acesso quando ela correu para o convés. Implorou para que a baixassem de novo e pisou em suas pranchas oscilantes, de forma que não tivessem escolha. Tentar manter equilíbrio exigia sua atenção, mas, ainda assim, em meio aos ruídos do porto, ouviu o estrondo de patas de cavalos. O içamento parou no mesmo instante em que o cocheiro gritava, freando os animais. Hayden pulou da carruagem.
Ele andou a passos largos até a rampa, viu Alexia no alto dela e parou.
Alexia nunca se esqueceria do alívio que viu em seu rosto. Os lábios dele se afastaram e seus olhos resplandeceram. Foi a expressão mais romântica que já vira no rosto de um homem em sua vida inteira.
Ele subiu nas pranchas e a tomou nos braços. Foi fruto de sua imaginação os marinheiros pararem o trabalho enquanto ele a beijou? O navio inteiro fez silêncio?
Ele a conduziu de volta a terra firme.
O içamento recomeçou. A rampa de acesso e a âncora foram levantadas. Abraçados, eles observaram o navio deslizar de seu lugar e a água se mover.
– Você estava certo – disse ela. – Ele me pediu para fugir com ele. Estava tudo planejado.
O braço dele a envolveu mais forte.
– Obrigada por decidir ficar.
– Era a única escolha sensata e honrosa a fazer, é claro.
– É claro.
– Você decidiu vir para ver se eu tinha entendido isso?
– Sabia que você veria essa parte.
– Então o que o trouxe aqui nessa correria?
– Não tenho certeza. Talvez para implorar.
Ele deu de ombros.
– Talvez para matá-lo – continuou.
– Então ele tem sorte por eu não ter vacilado. É típico de Ben, fugir das consequências de seus atos mais uma vez.
Ela deu uma tapinha na bolsa.
– Cinco mil, para Rose. Há muito mais nas malas naquele navio, não é?
– Bem mais, eu acho.
– Hayden, ele pegou dinheiro do banco, não é? Ele roubou.
Ela o surpreendeu. Pensou antes de responder.
– Como você adivinhou o pior, não vou romper com a minha palavra de honra se explicar tudo. Mas as irmãs deles não podem ficar sabendo. Confie em mim, Rose e Irene não querem saber a verdade.
Deles. Timothy também. Por isso Hayden tinha ido à sua casa naquele dia. Ele descobrira o roubo de Tim.
– Você não precisava deixá-los partir – disse ela. – Poderia ter chamado um magistrado.
– Sim, poderia ter feito isso.
Mas não fez. Salvara a vida de Tim com seu silêncio e agora salvava a vida de Ben. Não destruíra os Longworths. Arriscara muito para preservar a família do amigo.
– O dinheiro que eles roubaram pertencia a outras pessoas. Elas vão sofrer com isso?
– Todos serão ressarcidos.
Ela adivinhou de que forma.
– Foi muito dinheiro?
– Pode-se dizer que sim.
– Mesmo para você?
– Mesmo para mim, principalmente agora que Timothy fugiu.
– Então vamos poupar por uns anos, até você superar esse prejuízo. Podemos ficar em Hill Street ou em uma casa parecida ou até mesmo em uma menor. Podemos vender os diamantes, se isso ajudar. Eu os adoro, é claro, mas se facilitar as coisas, seria melhor fazermos isso.
Ele espalmou a mão no rosto dela. Assim, Hayden parecia muito honesto e sério, na melhor forma da palavra.
– As joias são suas e você vai ficar com elas, entendeu?
Apesar do maxilar contraído, o homem que ele tentava ocultar estava tão visível que o coração dela amoleceu. Eles se encontravam em um cais público, mas estavam tão próximos que suas respirações se misturavam como depois de fazerem amor.
– Se a venda das joias ajudar, não me importo nem um pouco, Hayden. Você é mais importante para mim do que diamantes. Não preciso de presentes para saber que você gosta de mim.
O maxilar dele se enrijeceu ainda mais. Os olhos ficaram embaçados.
– Há muitos motivos para amá-la, Alexia. Estou ansioso para contar-lhe todos. Não estou acostumado a como você me emociona com sua fé e lealdade sinceras.
Ele acariciou o queixo da esposa com o dorso dos dedos.
– Mas não quero falar de detalhes práticos agora. Hoje só quero amá-la.
Ela se sentiu enrubescer. Ainda levaria um tempo até se acostumar com a maneira franca dele de falar de amor.
Andaram em direção à carruagem, mas não se afastaram do abraço. Passantes levantavam as sobrancelhas, mas ela não se importava.
Fé e lealdade. Eram virtudes apropriadas a uma boa esposa. Porém, ele tinha o direito de saber que ela não agira somente por dever.
Pararam ao lado da carruagem. Ela olhou para o horizonte e para o navio que começava a desaparecer na névoa do rio.
– Não fiquei porque era sensato ou porque era decente e honroso, Hayden. Não foram essas as razões que dei a Benjamin, nem ao meu coração.
– Então por que ficou, Alexia?
– Disse-lhe que estava apaixonada por você.
Dizer essas palavras a fez estremecer de contentamento.
– Estou apaixonada por você. Fui covarde em esperar que você admitisse primeiro. Devia conhecer meu coração melhor. Devia confiar no que ele me dizia.
Ele a abraçou de novo e sorriu de forma tão cálida que o coração dela deu um salto.
– Se você sabe disso agora, é tudo o que importa para mim. Não mereço seu amor, mas prometo valorizá-lo como o presente que ele é.
O olhar dele trazia uma ternura tão imensa que ela não pôde se conter de felicidade. Todo o seu ser sorria. Uma risada alta escapou de sua garganta.
Ele tocou os lábios dela.
– Que som tão agradável, juvenil e romântico.
– Um som juvenil de alegria e excitação, mas não um amor juvenil. Prefiro amar como uma mulher. É muito mais profundo. Mais rico. Muito mais romântico, e gosto disso também. Tão diferente que não sabia como denominar essa emoção que me comovia de modo tão profundo quando o estreitava em meus braços.
– Estou aliviado por você me amar, seja a jovem ou a mulher – disse ele. – É bom saber que não terei que bancar o tolo romântico sozinho.
Ela ficou na ponta dos pés e o beijou.
– Sozinho nunca, meu querido. Vamos bancar os tolos românticos juntos. Para sempre.
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Queda de gigantes, de Ken Follett
Não conte a ninguém, Desaparecido para sempre, Confie em mim e Cilada, de Harlan Coben
A cabana, de William P. Young
A farsa, A vingança e A traição, de Christopher Reich
Água para elefantes, de Sara Gruen
O símbolo perdido, O Código Da Vinci, Anjos e demônios, Ponto de impacto e Fortaleza digital, de Dan Brown
Julieta, de Anne Fortier
O guardião de memórias, de Kim Edwards
O guia do mochileiro das galáxias; O restaurante no fim do universo; A vida, o universo e tudo mais; Até mais, e obrigado pelos peixes! e Praticamente inofensiva, de Douglas Adams
O nome do vento, de Patrick Rothfuss
A passagem, de Justin Cronin
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CONHEÇA O PRÓXIMO TÍTULO DA SÉRIE
OS ROTHWELLS
As lições do desejo
CAPÍTULO 1
Um homem que comete um crime precisa encobrir seus rastros, mesmo que eles sejam deixados com os melhores sapatos que o dinheiro poderia comprar.
Para encobrir os seus, lorde Elliot Rothwell voltou à casa de sua família, em Londres, e se juntou às pessoas recém-chegadas para o baile promovido por seu irmão. Agiu como se houvesse se ausentado por breves instantes para tomar um pouco de ar naquela gloriosa e agradável noite de maio.
Ao cruzar o limiar da porta, começou a cumprimentar os presentes. Belo e alto, o irmão mais novo do quarto marquês de Easterbrook – o Rothwell considerado mais amistoso e normal – distribuiu sorrisos a todos, alguns bastante calorosos a certas damas.
Quinze minutos depois, tão suavemente quanto voltara à festa, Elliot puxou assunto com Lady Falrith. Retomou uma conversa que deixara em suspenso duas horas antes e elogiou a dama com tanto tato que ela se esqueceu de que ele havia se ausentado. Em questão de minutos, Lady Falrith parou de se dar conta da passagem do tempo.
Enquanto jogava seus encantos em Lady Falrith, Elliot varria o salão com os olhos à procura do irmão. Não Hayden, que, junto com a esposa, Alexia, era o anfitrião da noite. Estava em busca de Christian, o marquês de Easterbrook.
Os olhares dos dois não se cruzaram, mas o retorno de Elliot ao baile foi notado por Christian. O mais velho se afastou de um círculo de lordes no fundo da sala e caminhou para a porta.
Elliot dançou uma valsa com Lady Falrith antes de continuar a missão da noite. Fez isso como penitência por estar usando a dama e como um agradecimento sem palavras por sua ajuda involuntária. A noção de tempo de Lady Falrith poderia ser bastante vaga e sua memória, um tanto benevolente. De manhã, ela acreditaria que Elliot havia lhe dispensado atenção a noite inteira e que tinha flertado com ela. Sua autoconfiança seria útil, caso algo desagradável acontecesse em relação às atividades de Elliot na cidade naquela noite.
Finda a valsa, ele de novo pediu licença. Ao contrário de Christian, que seguira solitário e direto para a porta, Elliot caminhou pelo salão cumprimentando e conversando com todos, até chegar à nova cunhada.
– Está tudo indo bem, não acha? – perguntou ela, seu olhar percorrendo o espaço em busca de confirmação.
– É um triunfo, Alexia.
E, para ela, era mesmo. Um triunfo da personalidade e do temperamento. E talvez um triunfo do amor.
Alexia não era o tipo de mulher que a sociedade esperaria que pudesse se casar com Hayden. Não tinha família nem fortuna. Era tão sensata que nunca aprendera a dissimular, que dirá a flertar. Porém, naquela noite ela era a anfitriã no lar de um marquês, com seu cabelo escuro impecavelmente penteado como ditava a última moda e usando roupas igualmente elegantes. A órfã pobre se casara com um homem que a amava como nunca amara antes.
Elliot acreditava que aquele casamento daria certo. Alexia cuidaria para que isso acontecesse. A história já provara que o amor era uma emoção perigosa para os homens da família Rothwell. Contudo, a sensata e prática Alexia saberia usar o amor para controlar o perigo. Elliot suspeitava que ela já dominara a fera várias vezes.
Ele se uniu a ela na admiração do sucesso da noite. Em um canto distante, uma mulher pequena e de pele muito clara era o centro das atenções. Um penteado adornado de plumas em abundância valorizava seu cabelo louro. Ao mesmo tempo, ela se mantinha vigilante na atenção que uma bela jovem recebia dos rapazes ali por perto.
– O triunfo é seu, Alexia, mas acho que minha tia pretende levar o troféu desta temporada de caça.
– É compreensível a felicidade de sua tia Henrietta por apresentar a filha à sociedade. Dois nobres vinham fazendo galanteios a Caroline nos últimos tempos. Mas ela está irritada comigo hoje porque não convidei um deles para o baile, apesar de ela haver ordenado que eu o fizesse.
Elliot estava pouco interessado nos motivos de irritação da tia. Na lista de convidados, entretanto, tinha todo o interesse.
– Não vi a Srta. Blair, Alexia. Nenhum vestido preto. Nenhum cabelo solto. Hayden a proibiu de convidá-la?
– De jeito nenhum. Phaedra está no exterior. Ela embarcou há cerca de quinze dias.
Ele não queria parecer curioso demais, mas...
– No exterior, você disse?
Os olhos violeta dela se suavizaram, divertindo-se. Voltou toda a sua atenção para ele, o que, considerando o assunto em pauta, não era de seu agrado.
– Primeiro, Nápoles, depois, uma excursão ao sul. Eu avisei a ela que você costuma dizer que não é muito sensato visitar a Itália no calor do verão, mas ela queria investigar os rituais e festividades da estação.
Alexia inclinou a cabeça como se fosse confidenciar um segredo.
– Acredito que o falecimento do pai a afetou mais do que ela admite. O último encontro que tiveram foi muito emotivo. Phaedra ficou bastante abalada. Acho que fez a viagem para se animar um pouco.
Ele não duvidava que se encontrar com o pai em seu leito de morte fosse algo bastante emotivo. Ele mesmo ficara muito consternado quando perdera o pai. Nesta noite, porém, estava mais interessado no paradeiro da Srta. Blair e em assuntos discutidos com o pai dela antes da despedida final.
– Se souber onde ela vai ficar em Nápoles, posso fazer-lhe uma visita quando eu for, caso ela ainda esteja por lá.
– Ela deixou o endereço do local onde pretendia ficar. Foi indicação de um amigo. Se Phaedra ainda não tiver voltado quando você for, vou ficar feliz se puder visitá-la. A independência dela às vezes beira o descuido, o que faz com que me preocupe com ela.
Elliot duvidava de que Phaedra Blair gostasse de ter alguém preocupando-se com ela. Mas Alexia se preocupava de qualquer forma.
– Ai, meu Deus! – murmurou Alexia.
Elliot voltou-se e viu o motivo do suspiro da cunhada. Henrietta vinha na direção deles, com suas plumas dançantes e seus olhos sonhadores e brilhantes lampejando de tanta determinação.
– Acho que ela está atrás de você – sussurrou Alexia. – Fuja enquanto é tempo ou ela vai pegá-lo para reclamar. Easterbrook me deixou recepcionar o baile sem o consentimento dela. Henrietta acredita que o fato de morar nesta casa a torna sua dona.
Elliot era mestre em sair à francesa. Ele já se fora havia muito tempo quando a tia alcançou seu destino.
Depois de pegar um atalho pelo corredor dos criados e dar uma corrida subindo as escadas dos fundos, Elliot se aproximou dos aposentos de Christian. Entrou na sala de estar e encontrou o irmão esticado em uma cadeira no canto.
O olhar penetrante que Christian lhe lançou deixou claro que sua mente não estava nem de longe tão relaxada quanto seu corpo.
– Não encontrei – disse Elliot, respondendo à pergunta que aqueles olhos escuros faziam. – Se estiver na casa ou no escritório dele, está muito bem escondido.
Christian expirou com força. O som demonstrava seu aborrecimento. O assunto em questão vinha cerceando sua liberdade de passar os dias fazendo o que bem entendesse. Elliot não fazia ideia de quais atividades seriam essas. Na verdade, ninguém fazia.
– Ele deve ter queimado tudo ao saber que estava à beira da morte – sugeriu Elliot.
– Merris Langton demonstrava ter uma personalidade tal que é improvável que pensasse em poupar os outros, mesmo estando à beira da morte.
Christian enfiou um dedo por baixo de sua gravata atada com perfeição e deu um puxão para soltá-la. Sua aparência estava impecável naquela noite, tudo nele demonstrava se tratar de um lorde. Os tecidos de suas vestimentas exibiam a qualidade superior em cada fio. Contudo, o gesto ao desatar a gravata mostrava seu desconforto em relação à formalidade da noite e o longo cabelo escuro preso em um rabo de cavalo indicava seu lado excêntrico.
Elliot imaginou que o irmão estaria louco para se desvencilhar daqueles símbolos formais da civilização e se refestelar no robe exótico que sempre usava. O mais comum era encontrá-lo descalço em seus aposentos, não usando meias de seda e sapatos. No momento, entretanto, as únicas indicações do modo informal como se vestia em casa eram a sobrecasaca desabotoada e a forma lânguida como seu corpo alto se moldava ao forro da cadeira.
– Você verificou se havia tábuas soltas no piso ou outros esconderijos? – perguntou Christian.
– Cheguei a arriscar ser descoberto por isso. Permaneci por tempo de mais nos dois prédios e um guarda estava passando quando saí do escritório no centro financeiro. Estava escuro, não havia luz perto da porta, mas...
Sua descrição da aventura sugeria mais receio do que ele de fato tivera. Elliot acreditava que, em certas situações, não havia opção a não ser infringir a lei. Só nunca esperara reagir de forma tão fria e indiferente quando se visse numa dessas situações.
– Se alguém perguntar, você ficou no baile a noite toda – disse Christian. – Langton possuía uma pequena editora que publica textos revolucionários. Também era um homem com certo gosto pela chantagem, como descobrimos. Foi uma pena ele ter morrido antes que eu pudesse pagá-lo. Agora o manuscrito de Richard Drury está sabe lá Deus onde e sua mentira sórdida sobre nosso pai ainda pode vir a público.
– Vou garantir que isso não aconteça.
– Você acha que alguém pode ter pegado o manuscrito antes de você? É provável que eu não tenha sido a única pessoa que Langton abordou.
– Não vi indícios de que alguém já tivesse mexido nas coisas dele. Nem mesmo seu advogado ou testamenteiro. Ele acabou de ser enterrado; foi esta tarde. Não acho que o manuscrito estivesse nem na casa nem no escritório quando ele morreu.
– Isso é um obstáculo muito inconveniente.
– Inconveniente, mas não intransponível. Vou descobrir o manuscrito e o destruirei, se necessário.
A atenção de Christian focou nele.
– Você fala com muita confiança. Sabe onde está o maldito manuscrito, não sabe?
– Faço ideia. Se estiver certo, vamos acabar com isso em breve. Mas pode haver custos para você.
– Pois pagarei. Richard Drury foi membro do Parlamento e, apesar de suas ideias extremistas, um intelectual respeitado. Se suas memórias incluírem essa acusação contra nosso pai, muitas pessoas vão acreditar nele.
Vão acreditar porque a acusação fortalece o que já creem ser verdade.
Elliot não verbalizou a resposta, mas aquela ideia rondava sua cabeça desde que soubera que Merris Langton planejava publicar as memórias de Richard Drury. O livro incluiria segredos e intrigas que refletiriam mal sobre a reputação de muitos poderosos, tanto do passado quanto do presente. A acusação que supostamente existia sobre o pai deles combinava bem demais com o que a sociedade já pressupunha sobre seu casamento.
Porém, a sociedade estava errada em relação à maior parte do caso. O pai lhe explicara isso em um momento em que os homens não mentem.
Você era o favorito dela. Ela o queria para si e eu permiti, já que você era o caçula. Era um alívio vê-la às vezes se lembrar de que era mãe. Mas agora estou morrendo e mal o conheço. Não espero amor ou pesar de você, mas não vou deixar que pense que sou um monstro, como é provável que ela tenha dito.
– Onde você acha que o manuscrito está? Mantenha-me informado de cada passo, Elliot. Se não estiver fazendo progressos, cuidarei disso sozinho.
Só não estava claro como Christian faria isso. Essa incerteza levara Elliot a assumir a tarefa. Seu irmão podia ser cruel ao silenciar ecos do passado.
– Apesar de não ter achado o manuscrito, descobri documentos financeiros no escritório de Langton. A editora está em apuros. Os documentos referentes à propriedade dela foram de grande valia. Richard Drury foi sócio desde o início. Sem dúvida foi esse o motivo pelo qual Langton recebeu suas memórias.
Christian achou isso interessante.
– Teremos que abordar o advogado de Langton e ver quem vai ficar com tudo agora.
– Os documentos indicam que a parte de Drury foi deixada para a única filha. Portanto, ainda há alguém vivo para lidar com o assunto. E provavelmente foi cúmplice no esquema de chantagem desde o início.
– Única filha? Maldição!
Christian apoiou a cabeça no encosto da cadeira, fechou os olhos e emitiu um resmungo exasperado.
– Não me diga que é Phaedra Blair. Que inferno!
– Sim, Phaedra Blair.
Christian xingou novamente.
– É bem do estilo do Sr. Drury, com suas ideias radicais e vida não convencional, deixar para uma mulher, sua filha bastarda, a sociedade num negócio – afirmou, depois desviou o olhar para baixo e prosseguiu: – É claro, ela deve ficar feliz com o dinheiro se a editora estiver em apuros. Talvez até agradeça por ter um motivo para não publicar as memórias do pai. Com certeza os textos abordam assuntos pessoais sobre ela e a mãe.
– É possível.
Mas Elliot não acreditava que as negociações seriam tão simples assim. A Srta. Blair era uma complicação inoportuna.
Ela poderia ver nas memórias e em seus segredos uma possibilidade de ganhar um bom dinheiro e salvar a editora. Ou pior, poderia acreditar que seus ideais de justiça social seriam favorecidos quando ela revelasse o calcanhar de aquiles da sociedade culta.
– O livro dela foi publicado por Langton, não? Está na biblioteca aqui, em algum lugar. Confesso que nunca o li. Não tenho muito interesse em mitologia e folclore, que dirá em estudos que misturam ambos – confessou Christian.
– Ouvi dizer que a base teórica é mais do que respeitável.
Elliot dava a mão à palmatória, quando era o caso.
– Ela herdou a inteligência dos pais, junto com a indiferença pelas convenções sociais e pelas regras de conduta.
– Então, nas atuais circunstâncias, nada do que foi legado a ela é boa notícia para nós.
Christian se levantou, abotoou o casaco e verificou se o colarinho estava arrumado. Ia voltar ao baile.
– É melhor não contar a Hayden sobre isso. Ele é muito protetor em relação à esposa, e a Srta. Blair é amiga dela. Seria melhor que eles continuassem na ignorância, para o caso de você ser obrigado a agir mais rispidamente.
– A Srta. Blair zarpou para Nápoles há duas semanas. Farei a transação com ela antes que Alexia tenha oportunidade de vê-la.
– Vai segui-la até a Itália para isso?
– Eu pretendia ir no outono, de qualquer forma. Quero estudar as recentes escavações de Pompeia para meu próximo livro. Só vou antecipar a viagem.
Andaram lado a lado até a escada. A cada degrau, os acordes musicais iam ficando cada vez mais altos e o burburinho de vozes enchia os espaços majestosos. Ao descerem para a alegre turba, Elliot observou a expressão distante e distraída do irmão.
– Não se preocupe, Christian. Irei me certificar de que a acusação contra nosso pai nunca seja publicada.
O rápido sorriso de Christian não deixou sua expressão mais leve.
– Não duvido de suas habilidades ou de sua determinação. Não era sobre isso que estava pensando neste exato momento.
– Então era sobre o quê?
– Estava pensando em Phaedra Blair e imaginando se existe um homem na face da Terra que consiga, como você disse, fazer transações com ela.
Madeline Hunter
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