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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


AS VINGADORAS / Jackie Collins
AS VINGADORAS / Jackie Collins

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

AS VINGADORAS

 

Não me interessa se não sabem fazer mais nada. Não me interessa que percam dinheiro, casa ou todas as vossas posses. Que se foda isso. O que interessa é que recuperem o respeito por vós próprias. Ser prostituta é ser-se ninguem, um instrumento do homem. Não liguem aos vossos chulos, aos vossos patrões. Nós ajudar-vos-emos. Dar-vos-emos toda a ajuda possível. Ajudar-vos-emos tanto que a vossa vida passada vai parecer um pesadelo.

Margaret Lawrence Brown discursava havia quinze minutos, e fez uma pausa para beber um golo de água de um copo que lhe foi entregue na tribuna. A multidão que se tinha juntado para a ouvir era gratificantemente grande. Tinham-se reunido numa vasta área de Central Park, e a maior parte delas eram mulheres, havendo também alguns homens dispersos...

 

Margaret falava com voz forte e nítida. Não hesitava nas palavras. A sua mensagem era recebida nítida e claramente.

Era uma mulher alta com cerca de trinta anos. Não usava maquilhagem. Tinha um rosto personalizado e cabelo comprido, negro. Vestia calças de ganga e calçava botas. Era uma figura de culto na America. Toda a gente ouvira falar dela.

Era uma militante ferrenha dos direitos da mulher e já ganhara algumas batalhas. Aparecia constantemente na televisão e escrevera três livros. Ganhara muito dinheiro, que revertia todo a favor da sua organização - M. L. H. - Mulheres Livres de Hoje.

Toda a gente escarnecera quando ela decidira apoiar a causa das prostitutas. Mas agora já não se riam, passados três meses, depois de milhares de mulheres aparecerem dispostas a desistir da profissão escolhida e a seguirem Margaret.

- Temos que nos unir, agora! - gritou Margaret.

- Sim! - gritavam as mulheres.

- Vocês vão voltar a viver!

- Sim! Sim! a reacção da multidão era intensa.

- Vocês vão ser livres...

- Sim.

Margaret saltou para o chão, enquanto a multidão a aplaudia.

O sangue escorreu-lhe de um pequeno buraco na cabeça. Passaram-se dez minutos até que a multidão se apercebesse do que tinha acontecido, até que a histeria e o pânico se instalaram.

Margaret Brown fora morta a tiro.

O acesso à casa de Miami era controlado por portões electrónicos e por dois guardas uniformizados com pistolas à cintura.

Alio Marcusi passou a vistoria com facilidade. Era um homem velho e gordo, com olhos de bêbedo e o andar de uma gata grávida. Aproximou-se do palacete, trauteando uma melodia, sentindo-se desconfortável dentro do apertado fato cinzento, suando devido ao calor daquele dia perfeito e sem nuvens.

Uma rapariga abríu-lhe a porta. Era italiana, de pernas compridas e falava pouco inglês, mas abanou a cabeça a Alio e disse-lhe que o Padroni Bassalino estava na piscina.

Ele deu-lhe uma palmada no rabo e atravessou a casa até ao pátio que dava para uma piscina de dimensões olímpicas.

Mary Ann August cumprimentou-o. Era uma rapariga muito bonita, com cabelo loiro e um corpo incrível que exibia dentro de um biquini reduzido.

-Olá-disse ela, com uma risada, erguendo-se do colchão. Ia mesmo arranjar uma bebida. Quer uma?

Postou-se provocantemente à frente dele, brincando com uma corrente dourada que pendia entre os seus seios de mamute. Alio contemplou-a, lambendo os lábios em antecipação do dia, com certeza não muito distante, em que Enzío se cansaria dela e lha passaria, como já tinha feito em relação a outras.

-Sim, tomo um Bacardi com muito gelo. E umas batatinhas fritas, algumas avelãs e azeitonas pretas.

Bateu desconsoladamente no estomago enorme.

-Não tive tempo para almoçar. Foi um dia muito agitado. Onde está Enzio?

Mary Ann apontou para os jardins sem fim. -Anda para ali a tratar das rosas.

-Ah, pois, das rosas.

Instintivamente, Alio olhou para a casa e viu Rose Bassalino espreitando por entre as cortinas de uma janela.

Rose, a mulher de Enzio. Havia quinze anos que nao saía do quarto, e só falava com os seus três filhos. Mantinha uma vigília interminável à janela, esperando e observando.

Mary Ann bamboleou-se até ao bar e começou a preparar as bebidas. Tinha dezanove anos e vivia com Enzio Bassalino havia seis meses, o que já era um recorde.

Alio ínstalou-se numa cadeira e cerrou lentamente os olhos. Que dia tão agitado...

-Olá, Alio, meu rapaz. Como estás?

Alio despertou, sobressaltado, e deu um salto.

Enzio encontrava-se junto dele. Tinha sessenta e nove anos, mas com o corpo rijo e bronzeado, dentes brancos e cabelo grísalho, parecia mais novo.

-Estou óptimo, Enzio, óptimo.

Apertaram-se as mãos e deram pancadinhas nas costas. Eram primos, e Alio devia tudo o que tinha a Enzio.

-Queres uma bebida, queridinho? -perguntou Mary Ann, encostando o seu corpo ao de Enzio, e esfregando-se toda contra ele.

- Não - respondeu ele secamente, libertando-se. - Vai para dentro de casa. Se precisar de ti, chamo-te.

Mary Ann não discutiu; obedeceu rapidamente. Talvez fosse por isso que se mantinha lá há mais tempo que as outras.

- Então?

- Está feito - -respondeu Alio. - Vi com os meus próprios olhos. Foi um trabalho de mestre, feito por um dos rapazes de Tony. Desapareceu antes de se terem apercebido do que acontecera. Vim logo para cá.

Enzio assentiu, pensativamente.

-Não existe maior satisfação para um homem do que um trabalho bem feito. A esse rapaz, o Tony, dá-lhe mil a mais e tem-no debaixo de olho. Um homem desses poderá merecer uma promoção. Uma execução pública não é trabalho fácil.

-Pois não-concordou Alio, chupando uma azeitona preta.

-Deve ter trinta anos-disse uma mulher. -Pois deve-concordou a outra.

Arranjadas, e com maquilhagem a mais, as duas mulheres de meia-idade observavam Lara Crichton a sair da piscina do Clube de Marbella. Era uma belíssima rapariga de vinte e seis anos. Magra, bronzeada, com seios redondos e sensuais, e uma cabeleira enorme que só os ricos pareciam capazes de cultivar.

Deitou-se num colchão ao lado do príncipe Alfa Masseritii e suspirou audivelmente.

-Estou a ficar chateada deste lugar, querido. Não podemos ir para outro lado?

Opríncipe Alfa deu um salto.

- Por que razão estás chateada? - Perguntou. - Eu aborreço-te? Por que razão te hás-de aborrecer quando estás comigo? Lara voltou a suspirar. Ele estava a tornar-se horrivelmente

chato. Mas quem havia mais? Lara nunca deixara ninguem sem arranjar primeiro um substituto. já passara por quase todos os príncipes e condes disponíveis, também alguns actores de cinema e um ou dois lordes. Era de facto cansativo ter-se colocado num padrão tão elevado.

- Não te percebo, Lara - continuou a resmungar o príncipe Alfa. - Nunca mulher nenhuma me disse que se aborrecia comigo. Eu não sou um homem chato. Sou vibrante, vivo, sou, como tu dizes, a alma e o coração da festa.

Lara reparou, com um suspiro ainda mais profundo, que ele estava a ficar com uma erecção sob os calções de seda justos.

- Oh, meu Deus, vê se te calas -murmurou, entre dentes.

O sexo estava a tornar-se na maior chatice de todas. Tão previsível, tão elaborado, tão mecânico.

- Vem.

Consciente da sua erecção e orgulhoso dela, o príncipe Alfi puxava por ela.

- Primeiro, descansamos - disse, piscando um olho -, depois levamos o Ferrari até às montanhas, damos um passeio entre os camponeses.

-Está bem -disse Lara, com relutancia. Todos os olhos os seguiram quando eles saíram.

Ocupavam suites separadas, mas, por mútuo acordo, toda a actividade sexual decorria na de Lara. Impediu-o de entrar.

- Que se passa? - protestou ele. - Estou com um grande tesão.

- Guarda-o para mais tarde. - disse Lara, suavemente. - Eu vou descansar e chamo-te quando -acordar.

Dito isto, fechou a porta, indiferente aos protestos dele. Sentia-se inquieta. Uma sensação que experimentara várias vezes quando casada com Michael Críchton. O divórcio resolvera isso na altura. Então, o que se passava agora?

O telefone tocou. Ela atendeu, com voz firme, pronta a dizer a Alfa que não. Mas era uma chamada de Nova Iorque.

- Sim? -disse, perguntando-se quem saberia que se encontrava ali.

- Lara, Lara, és tu? Ouve-se tão mal.

- Quem fala?

- Lara, estás a ouvir-me? É a Cass. Aconteceu uma coisa horrível. Margaret foi morta a tiro. Assassinaram a Margaret.

 

Margaret Lawrence Brown foi transportada para o hospital mais próximo. Ainda vivia, mas encontrava-se em estado desesperado. As suas leais seguidoras estavam reunidas em grupos silenciosos.

As que lhe eram mais chegadas foram ao hospital, onde aguardavam com toda a esperança que tinham. Não havia lágrimas. Margaret teria detestado. Cass Long e Rio eram talvez as mais chegadas.

Cass era sua secretária, confidente, organizadora, protectora. Tinham andado juntas no liceu.

Rio Java era a mais famosa apoiante de Margaret, e sua amiga íntima. Era uma estrela dos filmes unerground com quatro filhos, sem marido nem qualquer ligação masculina estável. Era membro fundador das M. L. H.

Estavam as duas juntas perto da porta da Sala de Urgência. Um médico acabara de comunicar que iam fazer uma transfusão de sangue.

- Onde está o Dukey? - perguntou Rio.

- Vem a caminho - respondeu Cass, de rosto pálido. Observaram em silencio, enquanto apareciam mais médicos que entraram na sala.

- Posso vé-la? - pediu Cass a um dos médicos que saíra.

- É da família? - perguntou ele, com gentileza, reparando no vestido manchado de sangue. Ela amparara Margaret no seu colo até à chegada da ambulancia.

-Sim -mentiu Cass.

- Não é um espectáculo bonito - disse o médico, agarrando-lhe o braço.

Cass mordeu os lábios para não chorar.

- Bem, como é da família... É contra os regulamentos, mas... Rio fez sinal a Cass para que fosse e ela seguiu o médico. Estavam a fazer todos os possíveis. Margaret tinha um tubo no nariz e um dos médicos massajava-lhe o coração.

- Não há muitas esperanças, pois não? - perguntou Cass.

O médico abanou a cabeça e conduziu-a até cá fora.

Oh, Deus, quem poderá ter feito uma coisa assim? - perguntou Cass. Repetia aquela pergunta desde o momento em que Margaret caíra no parque.

No seu espírito considerara já todas as possibilidades. Margaret tinha muitos inimigos, muitas pessoas invejosas da posição que ela ocupava, do facto de ser extremamente atraente, das causas por que lutava. Também tinham inveja do facto de ela viver a vida que lhe agradava, sem se importar com as críticas e os mexericos. Vivia actualmente com Dukey K. Williams, um cantor negro com um passado violento e duvidoso.

Cass não gostava dele. Sentia que ele se servia de Margaret. Cass conhecia todo o correio odioso que Margaret recebia. «Amante de Negro», «Puta Ordinária», coisas assim. Também havia ameaças de morte. «Lawrence Brown. Vi-a no show do Johnny Carson. Odeio-a, parece uma ratazana. Oxalá morra. Eu mesmo seria capaz de a matar.» Cartas destas, de tão frequentes, eram imediatamente ignoradas. O que preocupava Cass eram as ameaças telefónicas. As vozes abafadas avisando Margaret para deixar algumas causas. Recentemente, fora o assunto das prostitutas. Havia tantas a seguir Margaret, que os chulos, as madames e todos os tipos que controlavam o meio estavam a ficar preocupados. Uma revolta de prostitutas era uma situação impossível e, cada vez que Margaret discursava, centenas delas desapareciam de um momento para o outro, conscientes de que as M. L. H. lhes ofereciam mais do que as palavras, uma hipótese concreta de refazer a vida. A organização arranjava emprego, instalações, mesmo dinheiro, nos casos mais urgentes.

Houvera varias ameaças para que Margaret abandonasse a «Grande Revolução das Prostitutas», como lhe chamava o New Month Magazine. Tinham-na colocado recentemente na capa, com um artigo de seis páginas no interior. Duckey K. Williams chegou logo que pode. Estivera retido numa sessão de gravação.

Houvera uma briga para entrar no hospital. Olocal estava inundado de polícias, reporteres e equipas de televisão.

Dukey, acompanhado pelo seu manager, recusou-se a fazer qualquer comentario. Passou aos empurrões pelo meio da multidão e foi finalmente detido por um polícia que não o autorizou a entrar.

- Oh, por amor de Deus - disse Duke - tirem-me esse estupor da frente, ou racho-o em dois.

Opolícia mexeu nervosamente na arma.

- Calma, Dukey - disse-lhe o manager -, eles só estão a proteger a Margaret. A Cass deve lá estar.

Acabaram por chamar Cass e conseguiram convencer o polícia a deixá-lo entrar.

- Como aconteceu? - perguntou Dukey, rapidamente. - já apanharam alguém? Ela vai recuperar?

- Não sabem nada, ainda - disse Cass -, mas o caso está mau.

Rio foi ter com eles ao elevador.

- Não vale a pena - disse, sucintamente. - Margaret acaba de morrer.

 

Enzio Bassalino era um homem poderoso -e Mary Ann August divertia-se cada vez que ele se dispunha a cozinhar. Costumava manda r sair toda a gente da cozinha, atava um avental à cintura e cozinhava esparguete, pão com alho e um molho de carne especial «à Enzio».

-Querido, ficas tão engraçado de avental-brincou Mary Ann. Era-lhe autorizado a permanecer na cozinha mas só como observadora. -Não queres que a mamãzinha te ajude?

Mamãzinha era como Enzio lhe chamava, e ela ignorava que esse fora também o nome de todas-as raparigas antes dela. -Não-disse Enzio, abanando a cabeça. --Traz-me mais vino.

Mary Ann obedeceu e depois empoleirou-se na mesa da cozinha, abanando as pernas compridas. Trazia um vestido preto muito justo, com um grande decote à frente. Era Enzio quem lhe escolhia todas as roupas, que tinham sempre o mesmo estilo. Não estava autorizada a usar calças, camisas ou outra roupa desportiva. Mas não se importava. A vida era sem dúvida, muito melhor com o Enzio do que fora antes, e ela procurava responder a todos os desejos dele. Afinal de contas, Enzio Bassalino era um homem famoso e ela sentia-se orgulhosa por estar com ele.

-Prova isto-disse-lhe Enzio, oferecendo-lhe uma colher de espesso molho de carne.

Ela abriu a boca, hesitante.

-Ai, ai, está quente! -gritou. -Queimaste a mamãzinha. Enzio desatou a rir. Comemorava. Nessa noite rir-se-ia de qualquer coisa.

- Ès mau - disse Mary Ann, com voz de criança. - Por que és tão mau Para a tua menina?

- Nem sequer imaginas o que significa a palavra mau - disse Enzio, enfiando o dedo no molho e lambendo-o, abanando depois a cabeça em aprovação e juntando mais vinho. -És uma miúda fixe. Mantém-te assim e tudo correrá bem.

A sua maneira, gostava de Mary Ann. Ela era mais burra que as outras e nunca fazia perguntas. E obedecia, como ele gostava. Estava sempre disposta a tudo. Ele estava farto da rotina habitual. Elas iam viver com ele, e passadas algumas semanas julgavam que eram donas dele. Faziam perguntas, tornavam-se metediças e até chegavam a queixar-se de dores de cabeça quando ele queria fazer amor. Enzio orgulhava-se de, aos sessenta e nove anos, ainda ter tesão uma ou duas vezes por semana. As vezes pensava com nostalgia nos tempos em que isso acontecia duas ou até três vezes numa noite. Que homem fora! Quanto prazer dera!

Agora, continuar a tradição dos Bassalinos com as mulheres competia aos filhos. Tinha três, três jovens rapazes de quem se sentia mais do que orgulhoso. Eram a sua vida. Através deles, o nome Bassalino seria perpetuado. E quando ele ficasse velho, mesmo velho, eles estariam ali para o proteger. Fora bom não terem saído à mãe. Enzio achava que Rose era louca, sempre fechada no quarto, espiando, observando, falando unicamente com os filhos quando a visitavam. Permanecia ali havia quinze anos, quinze anos a tentar que Enzio se sentisse culpado.

Mas ele recusava-se. Que fosse ela a unica a sofrer. Oque ele fazia com a sua vida era só com ele, e ela não tinha o direito de tentar interferir.

Enzio Bassalino ganhara a alcunha de O TOURO, devido ao seu hábito de montar todas as fêmeas jeitosas que se cruzavam com ele. As vezes, não eram mulheres completamente disponíveis, e uma vez em que estava entretido com a mulher de um amigo conhecido como Vincent, o Capado, apanhara a primeira e unica bala.

- Foi-lhe direita ao cu. - dizia-se. - Vincent, o Capado, apanhou-os e deu-lhe um tiro no cu.

Felizmente para Enzio que a história não era completamente verdade. Vincent, o Capado, atingira-o de facto, mas a bala passara numa parte carnuda do seu posterior e não provocara danos reais. Enzio não gostou e, depois disso, Vincent, o Capado, sofrera uma série de desgraças que começaram com o incêndio de sua casa e acabaram com ele a ser pescado do rio, atado a um pedaço de cimento. Enzio não gostava de cair no ridículo, e a história do tiro trouxera-lhe dissabores.

Pouco tempo após esse incidente conheceu e casou com Rose Vacco Moran. Era a filha de um amigo. Magra, de rosto erecto e ar de virgem italiana, e madona frágil. Tiveram um casamento à grande. Ela fora vestida com rendas brancas e Enzio de fato completo preto, sapatos brancos, luvas e um cravo encarnado. Rose tinha dezoito anos. Enzio trinta e três.

Tornaram-se um casal popular, e Rose em breve abandonou o seu passado calmo para se entregar ao estilo de vida do marido. Não queria tornar-se dona de casa, nem sequer envolver-se em actividades religiosas. Um tanto a contragosto dera à luz o primeiro filho que logo deixara a cargo de uma ama, enquanto passava todo o tempo de um lado para o outto com Enzio.

Ele não se importava. De facto, até se sentia lisonjeado. Rose estava a tornar-se numa mulher bela e inteligente e Enzio sabia que era invejado. Enquanto os outros homens deixavam as suas mulheres em casa e levavam as amiguinhas às corridas, bares e clubes, Enzio levava Rose. Ela tornou-se um membro do grupo, sua amiga e confidente.

Enzio maravilhava-se frequentemente com a sorte de ter encontrado uma mulher como Rose. Ela satisfazia-o em todos os sentidos e presenteou-o com um segundo filho, três anos após o primeiro.

Não tinha segredos para ela. Sabia tudo acerca dos seus negócios, e à medida que ele se tornava mais poderoso, ganhando mais terreno, e derrubando mais rivais, ela permanecia a seu lado, ajudando-o. Por mais de uma vez se conservara ao seu lado quando ele fizera justiça por conta própria em relaçao a pessoas que o tinham traído.

-Aquela Rose tem mais tomates que muitos homens - costumava dizer Alio.

Tinha muitos admiradores e Enzio, sabia-o. Isso enchia-o de orgulho. Ela era sua mulher, e estava o caso arrumado.

Angelo, foi o terceiro filho a nascer, e já com três filhos, tendo os outros dois nove e doze anos, Rose decidiu passar mais tempo em casa. Enzio concordou. Não valia a pena ela acompa nhá-lo nas viagens curtas a Chicago e à Costa. Tinham uma bela casa e estava certo que Rose quisesse disfrutá-la com os filhos. Persuadíu-o a alargar o seu círculo de amigos. Todos os amigos, de uma maneira ou de outra, estavam envolvidos em negócios escuros, e Rose, de repente, quis ver gente nova em casa. Havia um actor que morava ali perto com a mulher e ela começou a convidá-los. A seguir veio uma família de banqueiros, e por fim os Cardwells que vinham da alta sociedade. Gradualmente, os velhos rostos foram desaparecendo.

Enzio não gostou. As suas viagens de negócios começaram a alongar-se e comprou um pequeno apartamento. Arranjou um séquito de prostitutas. «Cabeças Duras» era como lhes chamava. Ainda adorava Rose. Por que motivo tinha ela mudado?

Uma noite regressou a casa horas antes de ela o esperar. Queria fazer-lhe uma surpresa já que era, a semana em que comemoravam o vigésimo primeiro aniversário. Queria ter uma conversa calma, explicar o que sentia. Queria que tudo voltasse a ser como antes.

Aos trinta e nove anos, Rose era ainda uma mulher atraente, com uma espessa cabeleira negra, pele escura e um corpo que envelhecera sensualmente.

Recebeu-o com frieza. Queria o divórcio. Queria casar-se com Charles Cardwell. Sabia tudo acerca do apartamento do marido, das suas prostitutas. Queria ser livre. Enzio ouvíu-a, estupefacto. Charles Cardwell tinha vinte e seis anos, era um zé-ninguém sem dinheiro. Enzio ficou calmo. Perguntou-lhe se tinha dormido com ele. Que sim, respondeu Rose. Nunca mentia. Nunca tinha medo.

Enzio concordou com as suas pretensões. Ela foi para a cama, Enzío fez alguns telefonemas, e mais tarde, nessa noite, Charles Cardwell foi levado lá para casa. Era um jovem pálido, obviamente assustado com a companhia -quatro dos homens de confiança de Enzio. Sorriu, fracamente, para Enzio.

- Ouça lá... - começou a dizer.

Enzio mandou que lhe tapassem a boca e amarrassem os braços. Levaram-no até ao quarto de Rose. Esta acordou rapidamente. Ficou a olhar para a figura impotente do amante, depois desviou os olhos para Enzio. Abanou a cabeça. Conhecia a justiça dele.

Ele arrancou-a da cama e segurou-a de forma a não conseguir mexer-se. Queria que ela visse. E então apareceram as facas e Charles Cardwell foi esfaqueado até à morte, à sua frente.

 

Não fora fácil a Lara ver-se livre do príncipe. Estavam juntos havia seis meses e ele era muito possessivo, desconfiado e ciumento. Quando ela lhe dissera que tinha de partir imediatamente para Nova Iorque, ele tirara a única conclusão que lhe ocorrera.

- Quem é ele? Que te pode ele dar que eu não possa?

- Não é nenhum homem - explicara Lara pacientemente. uma questão familiar.

- Mas tu não tens família, sempre me disseste que não tinhas ninguém.

Lara assentiu.

-Eu sei, é que tenho um parente afastado, uma meia-írmã chamada Beth que precisa de mim.

- Uma meia-irmã! - gritara o príncipe Alfa. - Não se arranja uma meia-irmã de um momento para o outro. Sei que é um homem Lara.

- Olha, pensa o que quiseres. Eu tenho de partir. -Vou contigo.

-Não quero!

Discutiram mais um pouco, até que ele foi embora. Lara acabou de fazer as malas, e, aliviada por se ter livrado dele, partiu para o aeroporto.

Lara Crichton obtinha sempre serviço de primeira classe para onde quer que fosse. Jovem, bela, ex-mulher de um dos homens mais ricos de Londres, era verdadeiramente uma das pessoas que a imprensa designava como «gente importante». Aparecendo constantemente em capas de revistas como o exemplo da verdadeira feminilidade, representava tudo aquilo que Margaret Brown combatia.

Seria um grande furo jornalístico se alguém descobrisse que eram de facto meias-irmãs, filhas do mesmo pai mas de mães diferentes.

Por razões pessoais, não sentiram necessidade de propagar o facto, quando ambas atingiram a fama. Tinham sido criadas em países diferentes, e as suas vidas estavam desligadas. Encontravam-se de vez em quando, e mantinham relações calorosas. Entendiam-se mutuamente e nunca criticavam a forma de vida uma da outra.

Opai, Jim Lawrence Brown, nunca casara com a mãe de nenhuma delas. Margaret tinha cinco anos quando a mãe morrera. Jim mudara-se, levando a criança consigo para a Califórnia,

onde conhecera uma mulher casada cujo marido se encontrava ausente. Ele fora viver com ela e passado pouco tempo nascera Lara. Quando o marido regressou, ela entregou a criança a Jim, juntamente com cinco mil dólares.

Com esse dinheiro ele comprou um carro velho e um atrelado que servia de casa. Aos cinco anos, Margaret tomava conta de Lara. Jim não era mau pai, mas era um sonhador, tocava guitarra e dormia. Foram para o Arizona e instalaram-se numa quinta cuja proprietária era uma viúva, Mary Chaucer.

Margaret começou a ir à escola. Era uma criança, brilhante e precoce. Passado algum tempo, Jim começou a mostrar sinais de inquietação. Estava ha muito tempo no mesmo local, mas sentia-se preso por causa das crianças. Foi talvez por isso que casou com Mary Chaucer. Ela era mais velha que ele, uma mulher simpática e roliça, e, pensando bem, Margaret concluíra que ele casara para lhes dar segurança pois já devia ter planeado ir-se embora. Exactamente um mês após o casamento, partiu.

Margaret tinha nove anos. Encontrou o bilhete dele, o bilhete de um cobarde, cheio de desculpas, e quinhentos dólares.

Mais tarde Mary deu à luz a terceira filha de Jim, Beth, uma criança que ele nunca conheceu.

Depois disso, as coisas alteraram-se. Sem um homem para trabalhar na quinta, esta ficou desorganizada. Mary estava cansada e doente. O nascimento da criança esgotara-a. Odinheiro começou a faltar, assim como a paciência de Mary.

Margaret foi internada num colégio e Lara entregue a familiares de Mary na Inglaterra. Não se viram durante dez anos, até Margaret já andar no liceu e Lara estar a ter êxito como modelo em Londres.

Beth tinha então dez anos e vivia com Mary num pequeno apartamento. Ia para a escola enquanto Mary trabalhava. Margaret queria ajudá-las, mas já se vira em dificuldades para

pagar a sua própria educação, que estava decidida a completar. Lara ganhara um concurso numa revista e o prémio fora uma viagem a Holliywood. Aos dezasseis anos já era muito bonita, sem nenhum verniz que mais tarde adquirira. Era feliz em Inglaterra, e aos olhos de Margaret até parecia inglesa, com sotaque e tudo. Passaram um fim-de-semana juntas e reviveram os velhos tempos.

O tempo passou e cada uma seguiu o seu caminho. De vez em quando escreviam-se ou telefonavam-se. E, embora não havendo a necessidade de contacto, mantinham-se unidas por laços afectivos.

Mary morreu de cancro quando Beth tinha quinze anos, e embora ambas as irmãs a tivessem convidado para ir viver com elas, preferiu optar por uma vida mais independente e foi viver para uma comunidade hippie com o namorado, Max.

Margaret não levantou objecções. Ja estava voltada para o projecto dos direitos da mulher. O seu primeiro livro, Mulheres - o Sexo Desigual, estava para ser publicado. A sua estrela começava a brilhar.

Em Londres, Lara conhecera e casara com Michael Crichton, cujo pai era um dos homens mais ricos da Europa.

O casamento durou um ano. Foi o suficiente para Lara adquirir por direito próprio o estatuto de personalidade pública. A Women s Wear Daily -e a Vogue traziam quase sempre a sua fotografia, ou algum artigo sobre as roupas que vestia ou as pessoas com quem andava.

O assassinato de Margaret Lawrence Brown ocupava os cabeçalhos dos jornais, mas os fotógrafos acorreram em peso ao Aeroporto Kennedy para receber Lara Crichton.

Ela posou durante alguns momentos, no seu fato masculino Yves Saínt-Laurent e chapéu enorme, com os olhos verdes escondidos por detrás de enormes óculos de sol. Pendiam-lhe no braço, junto ao relógio Cartier, imensas pulseiras Gucci.

- Qual é o motivo da sua vinda, Miss Crichton? - perguntara-lhe um repórter.

- Negócios - respondeu Lara, sem sorrir. - Negócios estritamente pessoais.

Uma limusina aguardava-a e ela sentou-se e descontraiu-se. Durante o percurso até Nova Iorque lembrou-se dos pormenores do seu encontro com Margaret. Viera a Nova Iorque por dois dias para fazer algumas compras. Como habitualmente, Margaret convidara-a para sua casa, Lara encaixara a visita entre um almoço no Pavilion e uma sessão de depilação no Instituto de Beleza Elizabeth Arden.

Margaret recebera-a vestida como habitualmente. Calças de ganga, camisa desbotada, as eternas lentes de contacto, o cabelo em desalinho.

- Se te desses ao trabalho - dissera Lara - ficarias elegantíssima.

Margaret desatara a rir.

-já pensaste no tempo que perdes a untares-te com merdas?

- Vou publicitar uma marca importante - dissera Lara. - Vou mandar-te perfumes, bátons, lápis, etc.

- Nem penses! - rira-se Margaret.

Cada uma detestava a aparência da outra, mas de uma forma amigável.

- Então, que há de novo? - perguntara Margaret, depois de preparar uma bebida e de se sentarem.

Lara então desabafara. Fazia sempre isso, era melhor do que ir ao analista. Falara dos seus problemas durante uma hora. Seria o príncipe Alfa o homem certo? Deveria vender algumas coisas? Que achava Margaret do seu novo anel de esmeraldas? Conversas sem importância. Lara estremeceu. Nunca perguntara a Margaret como se sentia. Como devia ter parecido egoísta à irmã, completamente preocupada comigo mesma. E no entanto, Margaret ouvira-a sempre com toda a atenção.

Por que razão é que uma pessoa só se apercebia que precisava de outra quando era tarde de mais?

 

Beth Lawrence Brown foi para Nova Iorque de comboio. Era a primeira vez que lá ia, Na verdade, era a primeira vez que saía da comuna, que era o seu lar desde os quinze anos. Com vinte anos, era uma rapariga loira de pele branca, com cabelo que lhe dava até meio das costas. Nunca usara maquilhagem e o seu rosto era acriançado, com enormes olhos azuis e uma boca grande e sensual.

Vestia as roupas habituais, um vestido comprido indiano, varios colares de couro fino com contas, pintadas à mão e calçava sandálias. À volta do pescoço usava um fio de ouro com uma cruz onde estavam gravadas as palavras AMOR - PAZ - MARGARET.

As duas irmãs tinham sido muito chegadas, não em termos de distãncia, mas da mesma forma que Lara e Margaret.

Beth levava consigo um enorme saco de lona. Nele, encontravam-se as suas coisas: uma escova de cabelo, um par de calças de ganga, uma camisa e bastantes livros. Não acreditava em possuir coisas, a sua paixão era a leitura.

-Pagas uma bebida, querida? - perguntou-lhe um bêbedo. E eu em troca dou-te um pouco de acção.

Ela ignorou-o, de rosto pensativo. Margaret té-lo-ia mandado foder; Lara teria dito: «Que homenzinho horroroso! »

Cass prometera-lhe que iria alguém esperá-la. Deveria aguardar no balcão das informações. Mas o comboio chegou mais cedo, e, como não queria ficar à espera, decidiu ir até ao apartamento de Cass. Não conseguia acreditar no que acontecera. Parecia-lhe inconcebível que Margaret estivesse morta. Uma pessoa tão boa, tão esperta. Claro, era dura. Toda a gente sabia isso, mas como poderia sobreviver de outra maneira na selva onde se movia?

Beth vira-a pela última vez havia seis meses. Chegara com Cass para passar alguns dias. Toda a gente na comuna gostava dela e até aguardavam com ansiedade as suas visitas. Ela trazia sempre novos livros, discos, brinquedos para as crianças, brinquedos inteligentes, Nada de tralha comercial. Viviam dez crianças na quinta e eram partilhadas pelas cinco mulheres e oito homens que lá viviam. Uma delas era filha de Beth, uma miúda de quatro anos. Margaret partilhava o trabalho quando lá estava. Não se importava de lavar o chão, ajudar na cozinha, fazer jardinagem. Dizia que isso a ajudava a descontrair.

Tinham comemorado a partida dela com uma festa. Com bons sons e bom haxixe que Max trouxera da Califórnia. Margaret fora com Charles porque este era atarracado e feio, nada o tipo dela.

O sexo era uma coisa muito livre; não havia prisões nem ciúmes, nem pressões.

Quando Margaret partira no dia seguinte, oferecera a Beth o fio de ouro, beijara-a e sussurrara:

-Tens muita sorte. Levas aqui uma vida perfeita.

Beth sorriu, um sorriso de criança, e fizera-a prometer que voltaria em breve.

- Depois do Verão -prometera Margaret.

Agora o Verão estava a chegar ao fim, e Beth encontrava-se em Nova Iorque. Não sabia por quanto tempo, mas sentia que era ali que deveria estar.

Enzio atendeu a chamada no seu gabinete. Sorriu e assentiu com a cabeça. Claro que as coisas estavam a voltar ao normal. Tivera razão. A decisão que tomara fora a Unica possível. Podia estar meio reformado, mas todos se viravam para ele quando era preciso tomar alguma decisão importante.

Frank, o filho mais velho, sugerira outra forma de actuar. Mas que sabia Frank? Tinha trinta e seis anos, mas quando chegava a hora de tomar decisões era um molengão. Que resultado davam as ameaças? Não havia nada como a acção directa.

Margaret Lawrence Brown morrera havia duas semanas, e os problemas tinham acabado. Sem ninguém que as guiasse, as prostitutas tinham acalmado. Era como se, com a morte de Margaret, o seu espírito de luta também tivesse morrido.

Lentamente, raparigas que tinham desaparecido e arranjado Outros empregos começaram a voltar. Não pareciam importar-se com os insultos e maus tratos que iriam enfrentar. Pareciam, uma vez mais, derrotadas.

Enzio estava bem disposto. Encomendou para Mary Ann um casaco comprido de pele de chinchila que foi entregue algumas horas depois. Comemoraram. Mary Ann não sabia bem o quê, mas estava de acordo com tudo o que Enzio quisesse fazer.

- És o meu grande homem italiano - ronronou. – O meu grande, grande homem.

- E tu és um pedaço sumarento - replicou ele, sorridente. A minha lasanha preferida.

Gostava de olhar para ela, para o seu corpo ondulado e branco, os seios espantosamente grandes, a pele sedosa, a boca carnuda. Não se cansaria dela tão cedo.

 

Lola não era o nome verdadeiro da rapariga. Era magra, de olhos negros e roupas que mostravam a prostituta que era. Passava a vida a roer as unhas, nervosamente. Os seus braços contavam a história da sua vicíação nas drogas. Tinha dezanove anos.

Fora espancada. Não muito, só tinha ficado com algumas marcas e uma queimadura de cigarro nas costas. O suficiente para lhe recordar que haveria mais.

ja conhecia aquilo. Soubera-o antes de acontecer. Vivia com Charlie Mailer. Charlie era um dos rapazes do Tony. Tony puxara o gatilho da arma que assassinara Margaret Lawrence Brown.

Lola desceu a rua. Era a primeira vez que o fazia desde que aquilo acontecera, a primeira vez que se atrevia.

Vestia uma minissaia, botas de Verão rendadas, camisola justa, e usava pestanas postiças. Charlie pusera-a fora da cama:

-Salta daí e vai ver se ganhas alguma coisa, talvez depois possamos ir ao cinema. Não me apareças sem teres ganho alguma coisa de jeito.

Estivera enfiada na cama durante duas semanas e Charlie não se importara. Inchado com o seu próprio exito, andara bastante saído, Tony estava satisfeito com ele. Tony queria-o por perto.

Sabia que Charlie estava pronto para se desembaraçar dela. Estava a subir, não a queria pendurada nele. Não se importava. Sabia o que iria fazer.

Um homem deteve-a, puxando-a por um braço. Ela libertou-se.

Esta noite, não - disse, furiosa. - Não trabalho esta noite.

Apressou-se, olhando para trás de vez em quando, certificando-se de que não era seguida.

Levava um pedaço de papel de jornal na mão com uma morada, Deteve-se para a ler.

-Onde vais, miúda? - perguntou-lhe um bêbedo que ia a passar.

- Pira-te -atirou ela.

Quando encontrou a morada, hesitou. Ficou no passeio a olhar para o edifício.

Pensou em Susan, sua irmã mais nova, e depois cuspiu furiosamente para o chão e entrou.

- Quero falar com Cass Long - disse ela. - Não está a minha espera, mas pode dizer-lhe que é urgente.

O porteiro olhou para ela. Era velho e resmungão e os seus olhos fixaram-se nas pernas dela, enquanto ligava para o apartamento de Cass. Cass mandou a rapariga subir. Tinha recebido tantas mulheres após a morte de Margaret que já estava habituada. Oferecia-lhes um café, falava um pouco com elas e dava-lhes uma fotografia de Margaret com a inscrição de PAZ - AMOR. De certa forma, era uma consolação saber que tanta gente se interessava. Beth abriu a porta a Lola e levou-a até à cozinha onde lhe ofereceu uma bebida. Só de olhar para ela viu que era uma vadia.

- Não quero nada - disse Lola. Tenho uma coisa a dizer-lhe, mas digo-o depressa.

Nesse momento, Cass entrou. Tinha olheiras profundas e parecia cansada.

- Não quero a recompensa - disse Lola, apressadamente. Não quero dinheiro, piedade, nada. Podem ver o que sou, não é segredo nenhum. Margaret deu esperança às pessoas, a mim não me adiantava nada; estou arruinada, mas tinha uma irmã, uma criança, oh, merda, nem sequer quero falar disso.

Fez uma pausa, limpando o nariz às costas da mão.

-Foi um dos rapazes do Tony quem o fez. Não interessa quem... obedeceu às ordens do Tony. Otipo que queria o trabalho feito foi Enzio Bassalino, a ideia foi dele. Vive em Miami. Dizem que se reformou, mas continua a controlar tudo. As ordens para a matar saíram da boca dele.

Cass não disse nada. Sentiu que a rapariga estava a dizer a verdade.

-Tenho de ir embora -disse Lola, preparando-se para sair. -Vai falar à polícia? -perguntou Cass.

- Nem pensar - disse Lola, abanando a cabeça. - É uma perda de tempo. Metade deles estão nas mãos do Bassalino. Se o querem, vão ter que ser vocês a apanhá-lo.

-Não percebo - disse Cass.

-Pense nisso. Vocês podem tratar disso, têm contactos. Olhem, eu posso tratar do tipo que premiu o gatilho, mas o verdadeiro assassino é o Bassalino. Eu admirava Margaret Lawrence Brown. Apanhe-me esse filho da puta.

- Pode esperar? - pediu Cass. Queria telefonar a Dukey ou Rio, a alguém que percebesse melhor tudo aquilo.

Lola abanou a cabeça.

Cá fora estava escuro e Lola dirigiu-se para Times Square. Não precisava de engatar ninguém, mas achou melhor fazê-lo. Assentou na entrada de um cinema e abordou o primeiro homem que passou sozinho.

Era de meia-idade e tinha uma tosse funda. Discutiram o preço e dirigiram-se rapidamente para o hotel dele. Ele insistiu em entrar primeiro, sozinho, e ela seguiu-o passados minutos.

O quarto era pequeno e abafado e a cama estava por fazer. Começou a despir-se, e o homem disse-lhe para não descalçar as botas. Ele não se despiu, limitando-se a correr o fecho das calças e a puxar o pênis para fora.

Começaram a função, e Lola fitou o tecto. Estava calma e desprendida, sabia exactamente o que ia fazer.

Ele terminou rapidamente e Lola agarrou no dinheiro e saiu. Dirigiu-se a casa.

Charlie estava a dormir. Ela foi à cozinha, abriu uma lata de Cola e bebeu directamente da lata. As bolhinhas frias magoaram-lhe a garganta. Depois, estendeu a mão até ao cimo do frigorífico onde Charlie guardava o revólver. Verificou-o cuidadosamente. Estava carregado. Colocou o silenciador. Era entendida em armas.

Foi até à porta do quarto e chamou-o. Ele despertou a custo. Sentou-se e viu a arma apontada a si.

- Que raio... - começou a dizer.

Ela atingiu-o numa perna. Ele tentou levantar-se. O seu rosto era uma máscara de fúria e surpresa. Ela atingiu-o directamente entre as pernas, junto ao escroto.

Ele gritou em agonia.

Atingiu-o novamente, desta vez no coração. Ele caiu no chão em silencio.

Ela poisou a arma ao lado dele e saiu do apartamento. Apanhou o elevador até ao cimo do prédio, subindo os quarenta e cinco andares, e atirou-se do telhado. Não hesitou. Dirigiu-se directamente para a ponta do telhado e atirou-se. Ficou pendurada num gradeamento e morreu na ambulância a caminho do hospital.

 

-Está combinado, então? -perguntou Rio, olhando para o pequeno grupo reunido na sala. - Não quero que ninguém deserte. Se concordarmos, ficamos-todas metidas nisto, não há tretas de ficarem aborrecidas nem de quererem desaparecer para algum paraíso social - acrescentou, olhando directamente para Lara.

Lara falou calmamente, mas corou:

- Ouve, Rio, isto não é nenhuma brincadeira para mim. Margaret era minha irmã, e embora fôssemos diferentes, eu amava-a tanto como qualquer uma de vocês. Sei o que tenho a fazer, e podes acreditar, vou fazê-lo muito bem.

-Rio não estava a falar a sério -disse Cass, rapidamente.

- Estamos todas um pouco nervosas.

- Quem não estaria depois de tudo isto? Agora, está decidido e todas nós nos vamos sentir melhor.

Dukey K. Williams ergueu-se subitamente, ameaçador.

- Ainda penso que é melhor fazer as coisas à minha maneira.

- À tua maneira - atirou Rio. - «Bom dia, Senhor Todo-Poderoso Bassalino. Soube que foi você quem mandou matar Margaret, então venha cá Senhor Mandão que eu vou dar-lhe uma tareia.» Dukey, és um monte de merda. Este tipo é um gangster importante. Se te aproximares muito dele da-te cabo do canastro. E mesmo que conseguisses chegar até ele? A morte não é nada, homem, a morte é uma cena leve. Onosso plano é o único bom para o apanhar, o único,.

Dukcy suspirou.

-Rio, tu vives a tua vida entre as pernas. Umas fodas aqui, um bocado de cu ali. E então? Esses tipos estão fartos de ver isso. Eu faço com que dê resultado - disse Rio, confiadamente. Sim, provavelmente fazes. Uma tarada sexual como tu. Talvez a Lara também, não sei muito bem qual é a dela, mas parece uma dama pura. E a Beth? Vocês devem estar a brincar. Uma miúda como ela é feita em fanicos num instante com aqueles sacanas. Beth falou.

-Eu consigo, Dukey-disse, arregalando os seus olhos azuis.

- Quero fazê-lo.

- Então, está combinado - anunciou Rio. - Começaremos amanhã.

Dukey K. Williams deixou a reunião passados alguns momentos.

- Filhas da puta - murmurou entre dentes. - Grandes filhas da puta. Conas de merda.

Entrou no seu Rolls-Royce branco estacionado ilegalmente à porta do apartamento de Cass. Furioso, colocou uma cassette no aparelho. Calhou ser Dukey K. Wilhams Canta Dukey K. Williams. A primeira música era «Alma, energia e Margaret». Escrevera-a para ela. Que mulher teimosa fora. Uma leoa, dentro e fora da cama. Se ao menos ela lhe tivesse dado ouvidos...

- Deixa isso - avisara-a, vezes sem conta. - Não te metas com os manda-chuvas. Salvar meia dúzia de putas não vai adiantar nada. Salvas umas, perdes outras, é tudo uma merda.

Ela sorirra-lhe, com aquele sorriso sexy e quente, e ignorara o seu aviso.

Não sabia o que acontecera, mas de repente vira-se no meio daquela confusão.

Devia algum dinheiro, não muito, pelos seus padrões, umas centenas de milhar. Isso para ele não era nada, recuperá-lo-ia num álbum, ou numa tournée até Miami.

O problema era que devia, e da maneira que as coisas estavam não tinha forma de pagar. Acabara de dar uma soma astronómica à ex-mulher número dois e as outras despesas eram enormes e imediatas; Dukey K. Williams vivia como um verdadeiro duque. De qualquer maneira, devia dinheiro a um tipo graúdo de Las Vegas. Sabiam que ele era vulnerável nesse ponto. Muitas estrelas perdiam o salário nas suas mesas de jogo mesmo antes de o chegarem a receber. Não havia nada de invulgar nisso.

Não era nenhum segredo quando começara a andar com Margaret Lawrence Brown. De uma forma diferente, ela era tão famosa como ele.

Os jornais e revistas começaram a falar da relação deles como se fossem duas peças de carne, e não gente de carne e osso, com sensibilidade. Depois, Margaret dedicara-se à causa das prostitutas. ja não chegava ter consigo todas as donas de casa de Nova Jérsia. Não. Ela queria as prostitutas. E quando Margaret queria, conseguia.

A sua campanha foi lenta e inteligente, e a princípio as pessoas ríram-se. Salvar as prostitutas! Por alma de quem?

Dukey também estava céptico. Margaret e ele mantinham uma óptima relação sexual. Admirava-a. Mas não acreditava que ela tivesse assi m tanta influência.

Mas teve. E subitamente as pessoas deixaram de rir e Dukey começou a receber telefonemas, e subitamente viu-se no meio daquela merda toda.

- Faz com que a tua amiga pare e esquecemos as dívidas diziam-lhe ao telefone.

Tornaram-se cada vez mais insistentes e Dukey tentava mesmo Dukeypersuadir Margaret a parar, mas ela não lhe dava ouvidos.

acabou por pagar os dois mil só para se livrar deles. Tivera que pedir o dinheiro emprestado a um amigo dos tempos passados, um negociante de narcóticos chamado Bosco Sam. Imediatamente os telefonemas acabaram. Uma semana depois Margaret era assassinada.

Dukey queria vingança. Queria-a tanto como Rio e Cass e as duas irmãs cuja existência ignorara até ali.

O plano delas não ia funcionar. Consistia em prender pelo sexo os três filhos de Enzio Bassalino, destruindo-lhes as vidas, reduzindo o velho assim a um farrapo.

Tretas. Não havia hipótese.

Não estavam em condições de levar o seu plano para a frente. As coisas estavam a complicar-se, mas sabia que acabaria por resolver as coisas à sua maneira.

 

Alto e bem parecido, Nick Bassalino era o rapaz prodígio ítalo-americano. óptimos dentes brancos frequentemente expostos num sorriso radioso, cálidos olhos castanhos e cabelo encaracolado negro. Tinha trinta e três anos, só usava fatos italianos, gravatas de seda, sapatos cosidos à mão. Tudo do melhor para Nick Bassalino.

Vivia em grande estilo numa enorme casa sobre Hollywood. Não sendo actor, tivera muitas ofertas devido ao seu optimo aspecto, Só com um olhar mais atento se descobriria que o nariz fora submetido a uma plástica, os dentes recobertos e o cabelo pintado.

Nick era o chefe de uma empresa chamada Warebouse Incorporated que se dedicava a carros e camiões roubados. Era a maior organização desse tipo na costa oeste.

Quando se tem um pai como Enzio Bassalino, é certo que não se começa pelo topo.

A namorada actual de Nick era April Crawford, uma estrela de cinema já idosa, com três maridos no seu passado. As starlets não eram o estilo de Nick, que gostava de se dar ao respeito quando saía, e em Hollywood a melhor maneira de o conseguir era ser visto com uma estrela de cinema.

Estavam juntos havia um ano, e a ligação convinha à imagem pública de ambos.

A April agradava o facto de Nick possuir dinheiro -e não a chular. Ele tinha bom aspecto, não era jovem de mais. Dava-se bem com todos os amigos dela, e, o mais importante para April, era bom na cama.

Quanto a Nick, gostava da respeitabilidade que aquilo lhe conferia. Mover-se no meio do cinema, aparecer em revistas, dava-lhe uma certa classe. Não entendia por que Enzio se opunha. Enzio passava a vida a telefonar-lhe, perguntando-lhe:

- Que pode haver entre ti e aquele saco velho? Estás a fazer com que toda a gente se ria do nome Bassalino.

- Se calhar gostava mais que eu andasse com uma miúda de dezoito anos - costumava Nick dizer.

-E por que não? Que ha de mau num bom par de mamas, uma cara bonita, um bom bocado que os outros invejam e tu possuis?

- Não entende... - dizia Nick, já farto da mesma discussão.

- OK, eu é que não entendo. Mas não me portei mal para um velho ignorante e tu não te saíste mal, sendo meu filho.

- Está bem, está bem. Esqueça isso. Eu mando-lhe um telegrama de parabéns quando rompermos.

-Palerma! -resmungava Enzio e acabavam os dois a rir. Mantinham uma relação apoiada no amor. O amor orgulhoso que costumava unir uma família italiana.

O que quer que Enzio fizera na vida, e fizera muito, sempre fora um bom pai para os seus filhos. Apesar da doença- da mãe (Enzio referia-se sempre à loucura de Rose como sendo uma doença), educara-os para serem homens. Nick estava a fazer um bom trabalho dirigindo a Warchousing Corporation. Era duro e as pessoas pensavam duas vezes - antes de se meterem com ele. Era um verdadeiro filho de Enzio Bassalino.

-Já estás pronto, querido? - perguntou April Crawford, aproximando-se de Nick.

Viviam em casas separadas, mas April gostava que Nick passasse os fins-de-semana com ela.

Era uma loira bem conservada com cerca de cinquenta anos. Pequena, magra, perfeitamente maquilhada.

A distância, parecia ter trinta anos, mas, de perto, notavam-se as rugas e os papós debaixo dos olhos.

-Estou sempre pronto para ti, torrãozinho -disse Nick, agarrando-a e fazendo-a rebolar-se.

Ele tinha oito anos quando a vira no ecran pela primeira vez e se apaixonara por ela.

-Acho que devíamos voltar cedo, hoje - disse April. Depois de quatro maridos e numerosos amantes, nunca experimentara as delícias que Nick lhe proporcionava.

-Tu é que mandas.

-Quem me dera não ir. Talvez, se eu telefonasse à Janine, ela compreendesse...

- Não compreendia disse Nick com firmeza. - Além disso, já estamos ambos vestidos, e tu estás linda, pareces uma boneca. Não queria perder a festa de Janine Jameson. Era uma contemporãnea de April e igualmente famosa. Seguiram para a festa no Mercedes negro de Nick. April usava um vestido de seda azul com lantejoulas e algumas delas agarraram-se ao fato de Nick, que as arrancou com impaciencia.

- Não te encostes a mim com esse- vestido - avisou. Gostava de andar sempre impecável.

- És tão picuinhas - riu-se April - mas gosto de ti mesmo assim.

Na festa, encontravam-se muitos rostos familiares, muitas estrelas. Nick misturou-se com eles.

Uma starlet peituda abordou-o no bar quando ele foi buscar uma bebida para April. Tinham dado uma volta antes de ele conhecer April.

- Como vai isso, Nick Ticky? - perguntou a rapariga, encostando-lhe os mamas. - Ainda não te fartaste do saco velho? Quando te fartares, estou à disposição.

- Que vais fazer quando as mamas ficarem flácidas? - perguntou Níck com frieza. - É melhor tirares um curso de dactilografia pois já não deve faltar muito.

- Filho da puta! - murmurou a rapariga, furiosa.

- Desculpa, está uma senhora à minha espera - disse Nick amavelmente.

April não aguentava muitas bebidas. Depois de quatro uIsques, enrolava a fala e cambaleava.

Este facto irritava Nick. Não costumava beber, pois na sua profissão tinha de se manter sóbrio e habitualmente bebia água tónica simples. Estava sempre a avisar April para se controlar. Às vezes tentava ser ele a preparar as bebidas, pondo sempre bastante água. Mas ela estava atenta e agarrava uma bebida cada vez que passava um criado.

A festa de Janine Jameson não foi excepção e April em breve ficou arrumada.

Nick sabia por experiência própria que devia manter-se afastado dela. Bêbeda, April tornava-se beligerante e insultuosa. Estava a falar com uma colunista de mexericos quando viu a rapariga. Encontrava-se junto ao bar com um grupo de pessoas. Tinha altura média, pele bronzeada e uma cabeleira ruiva. Um corpo espectacular, enfiado num justíssimo vestido branco, cortado quase até à cintura. Era a rapariga mais bonita que Nick já vira, e a verdade é que já vira muitas mulheres.

-Quem é aquela? -perguntou Nick. A colunista sorriu. Um sorriso sacana.

-É melhor que April não oiça o tesão na sua voz. É Lara Crichton, uma daquelas pobres meninas que costumam aparecer nas capas das revistas.

Nick mudou de assunto.

Lara avistou-o imediatamente. Afinal, vira fotografias dele, lera um dossier sobre a sua vida e sabia tudo acerca da sua relação com April CraWford.

Observou-o e depois colocou-se de forma a que ele a pudesse ver. Viu-o, olhar, e perguntou quem ela era.

A primeira parte era fácil, mas o impacte inicial sempre fora fácil para Lara. Desde que se lembrava que sabia que os homens reparavam nela. Mesmo quando tinha seis anos e fora mandada para Londres, atraíra atenções.

Muito bonita, não tivera qualquer problema em seduzir o casal sem filhos para casa de quem fora viver. Eles adoravam-na, e embora não tivessem muito dinheiro, davam-lhe tudo.

Habituou-se a atrair as atenções, e, à medida que foi crescendo, foi recebendo cada vez mais.

Aos catorze anos saiu do liceu para estudar dança, dicção e movimentos. Entrou num curso de beleza e ganhou. O prêmio foi uma viagem a Hollywood. A única coisa boa dessa viagem foi poder passar algum tempo com Margaret.

Quando regressou a Londres, conseguiu trabalho como modelo. Começou como manequim e em breve passou a modelo fotográfico. Tinha as qualidades de um camaleão. Conseguia parecer acriançada, sofisticada, sexy e até vulgar. Era uma questão de expressão e Lara dominava essa arte.

Concentrou-se acima de tudo no trabalho. Não saía com rapazes. Fazia dieta, exercício, comia alimentos dietéticos e dormia pelo menos oito horas por noite.

A sua incrível beleza florescia. Começou a sair com homens seleccionados. Um ensinara-lhe a escolher o vinho, outro iniciara-a nas corridas, outro no bacará.

Recusava-se- a dormir com eles. Ainda não encontrara o homem que havia de a iniciar no sexo. Aos vinte anos, conhecera Michael Crichton e soube imediatamente que aquele era o homem com quem casaria. Michael já herdara uma fortuna acima de um milhão e iria receber muito mais. Era jovem, bem parecido e mimado. Acordava sémpre rodeado por raparigas, embora a sua reacção em relação a Lara fosse previsível, ela sabia que se não tivesse cuidado iria ser mais uma entre a multidão de mulheres que o rodeavam. Por isso, fez o seu jogo muito bem. Recusou-se a sair com ele e aparecia acompanhada nos locais onde sabia que o ia encontrar. O melhor amigo dele, Eddie Stephens Keyes apaixonou-se por ela e pedíu-a em casamento. No entanto, ela não estava preparada para aceitar outra coisa que não fosse o seu projecto inicial.

Levou varios meses a conquistar Michael. E de repente aconteceu. Alugaram um avião e casaram no Taiti e a imprensa apodou-os de «Casal Maravilhoso». Ocasamento durou exactamente um ano, durante o qual Lara se tornou uma celebridade.

E subitamente acabou, ambos queriam o divórcio. Estavam fartos das restrições matrimoniais, de estarem constantemente juntos. Fizeram um acordo amigável. Michael concordou em lhe pagar uma pensão generosa, e ela foi ao México onde obteve um rápido divórcio, seguindo depois para Acapulco onde conheceu o seu primeiro príncipe italiano. Desde aí que Lara andava de um lado para o outro, sempre nos melhores locais e com os melhores homens.

Foi só quando Margaret foi assassinada que Lara se deteve para pensar. Que estava a fazer da sua vida? Por que razão lhe era tão importante estar no sítio certo com o homem certo? Por que procurava constantemente homens bonitos? Por que razão era tão importante ser fotografada em todos os aeroportos, aparecer em todas as revistas fúteis? Para que precisava de descer o Nilo, de ir a África só para ser fotografada com roupas novas?

Tudo parecia vazio, uma vida fútil. A morte de Margaret, A viagem até Nova Iorque -e o contacto com as amigas de Margaret fizeram-na reflectir em tudo isto. Estava determinada a ajudar e o seu espírito resolvera agir. A vingança fora a oportunidade perfeita. A ideia fora de Rio. Não podiam matar, não eram assassinas e, de qualquer modo, o homem que atingira Margaret fora despachado por Lola com um tiro nos tomates. justiça poética, comentara Rio. Margaret teria apreciado.

Tinham contactado detectives para obterem informações acerca de Enzío Bassalino, e o facto mais relevante que resultara desta pesquisa fora que a coisa mais importante para Enzio eram os seus trés filhos, Frank, Nick e Angelo.

Se alguém quisesse atingir Enzio Bassalino, tinha três formas lógicas de o conseguir..

Lara fora levada à festa por Susie e Les Larson, um jovem casal cujo único elo em relação à fama consistia no facto de a mãe de Les ser uma das mulheres mais ricas do mundo. Lara chegara na noite anterior. Era convidada deles. Sabia que dentro de uma semana teria conhecido Nick Bassalino, já que April Crawford raramente perdia uma festa, mas v´ê-lo tão cedo fora obra da sorte. Mencionou-o a Susie para observar a reacção.

-Quem é aquele homem?

- Oh, é Nick - respondera Susie com uma risada. - É o namorado de April Crawford. Não está disponível, parece que é doido por ela, segue-a para todo o lado. Porquê? Acha-lo atraente?

- É actor? - perguntou Lara, evitando dar uma resposta.

- Não, é uma espécie de vigarista. Les diz que ele é um gangster - riu-se Susie. - Mas tu acha-lo atraente?

Não muito - bocejou Lara. - É só calças justas e dentes. Pois é - concordou Susie - mas, como já te disse, ele não está disponível e também não é o teu estilo.

Lara perguntou-se, se Susie saberia qual era o seu estilo.

A festa foi uma chatice e Lara estava cansada.. Sammy Albert, um actor com reputaçao de garanhão, tentava persuadí-la a ir para a Discothéque com ele. já lhe dissera que não cinco vezes, mas ele estava enamorado e seguia-a para todo o lado, tentando fazê-la mudar de ideias.

Ela dísse-lhe que queria conhecer April Crawford. e ele apresentou-lha. Os olhos de April estavam congestionados e tinha o báton espalhado pelo rosto.

Lara sorriu e lisonjeou-a. Falaram sobre um amigo comum de Roma e depois Nick apareceu, retirando da mão de April um copo cheio e substituindo-o por outro, meio.

- Conhece Nick Bassalino? - perguntou April, acariciando-o. -Esta é Lara, Lara...

- Crichton. - disse Lara olhando-o nos olhos e aceitando o aperto de mão com igual firmeza.

Ele tinha olhos castanhos muito amigáveis.

- Por que não vamos à Discothèque? - voltou a perguntar Sammy. - Nick? April? Talvez vocès convençam Lara a vir.

- Oh, que óptima ideia! - exclamou April. - Apetece-me dançar e as festas da querida Janine tornam-se maçadoras.

- Então vens? - perguntou Sammy a Lara. Ela assentiu.

-Vou só avisar Les e Susie.

-Que tal? -perguntou Sammy, enquanto ela se afastava. -Não é de mais?

April riu-se.

- Sammy, querido, cada vez que conheces uma rapariga, é sempre um grande caso de amor que dura uma semana. -Dêem-me uma semana com esta e serei feliz.

Lara voltou e saíram. Seguiu com Sammy no seu Maserati, enquanto April e Nick os seguiam no Mercedes.

- Eu podia despistá-los - disse Sammy. - Vamos para minha casa fumar uma boa erva. Que dizes?

- Deixei de fumar - respondeu Lara.

Sammy ficou sem resposta. Recebia milhares de cartas de fãs, raparigas que só queriam tocar-lhe, e esta recusava-se a ir a casa dele. já não levava com os pés há muito tempo.

A Discoteca estava apinhada, como habitualmente, mas logo se arranjou uma mesa para Sammy Albert e April Crawford. As estrelas de cinema tinham sempre tratamento especial, esse era um dos seus privilégios.

April mandou vir um uísque duplo e arrastou Sammy para a pista de dança.

- São velhos amigos - comentou Nick. - Sammy arranjou o seu primeiro papel num filme de April.

Está bem - sorriu Lara. - Eu não me importo, e você? Raios, não. Gosto que April se divirta. Faz-lhe bem, é uma rapariga e peras, tem muita energia, é uma verdadeira leoa.

Lara olhou-o atentamente para ver se ele a estava a gozar, mas não lhe pareceu. Ele olhava para April com um sorriso orgulhoso.

- Você e Sammy devem ter a mesma idade - comentou Lara.

- Não sei - disse Nick, encolhendo os ombros. - Para que interessa a idade? April tem mais energia no dedo mindinho do que eu em todo o corpo.

April para a esquerda, Apríl para a direita. Nick Bassalino não ia ser presa fácil, como Lara imaginara. Estava habituada a que os homens se rendessem, solteiros e casados, sem distinção. Uma das famosas citações de Lara que circulava entre o jet-set era que a maior parte dos homens são «cama fácil».

Sempre que queria um homem, conseguia-o. Não que tivesse havido muitos: o conde, que durara dois anos; o príncipe alemão, um ano; o lorde inglês, dezoito meses; o armador grego, quase um ano; e depois o príncipe Alfa Masserini. Pensara que aquele talvez fosse o homem certo. Ele tinha o aspecto das estrelas de cinema, o dinheiro do armador grego, a juventude do lorde inglês e o encanto do conde. Mas, apesar de tudo, revelara-se um grande egoísta. «Como eu», pensou Lara, rindo.

- De que se ri? - perguntou Nick.

- De nada que o possa divertir - respondeu ela, abanando a cabeça, languidamente.

Ele olhou-a rapidamente. Era incrivelmente bela. Mas o que era a beleza numa cidade como Hollywood? Havia tantas raparigas belas e maravilhosas. De todos os tamanhos e feitios, Para todos os gostos. Em Hollywood, a beleza era uma comodidade.

April era outra coisa. April tinha classe e distinção. April era um bilhete de entrada para o mundo dos ídolos do cinema que Nick venerava desde miúdo.

Oh, não, não ia trocar April por uma cambalhota. Ela era uma dama ciumenta, esperta e orgulhosa. E se ela algum dia o apanhasse, seria uma merda.

-Espero que vão à festa que Susie e Les dão amanhã à noite -disse Lara.

- É April quem trata dessas coisas, mas, conhecendo-a como conheço, sei que ela não vai perder uma festa.

Lara sorriu e abriu muito os olhos.

- óptimo - murmurou. Que palerma aquele tipo era, que estupido.

 

Frank Bassalino era o filho mais velho de Enzio, e, devido a esse facto, era aquele de quem Enzio mais dependia.

Quando Enzio se retirara parcialmente, os seus negócios mais importantes foram-lhe confiados.

-Um dia-costumava dizer Enzio, orgulhoso-, um dia aquele rapaz vai ser o Homem.

Frank dava-se bem com os sócios mais antigos de Enzio. Eram homens difíceis, sempre prontos a criticar, mas Frank aguentava-se bem. Sob certos aspectos era mais forte que Enzio, nascido e criado num dos distritos mais duros de Nova Iorque, não possuía a fraqueza siciliana daquele.

Frank não era homem que se deixasse enganar. Com trinta e seis anos, trabalhava para o pai desde os dezasseis e conhecia todos os aspectos dos negócios de Enzío. Estivera envolvido na protecção, prostitutas, droga, extorsão, etc. A certa altura até gostara disso. Mas a Enzio não lhe agradara. Achava demasiado arriscado e perigoso.

Fora um mulherengo. Tinham passado por ele inúmeras mulheres que ele usara e deitara fora como se fossem Kleenexes usados. Até que aos vinte e nove anos vira a fotografia de uma prima da Sicília e a mandara vir. Ela tinha catorze anos e não falava uma palavra de inglês. Enzio, pagara um dote à família e tratara de tudo. Depois, Frank casara com ela. Agora, com vinte e nove anos, ainda não falava muito inglês. Habitavam uma velha casa brownstone em Queens com os seus quatro filhos, e ela estava à espera do quinto. Frank não lhe era`muito infiel. De vez em quando ia a uma prostituta, mas era essa a sua unica fraqueza.

Rio queria tratar dele, mas foi posta de lado pois não era o seu estilo. Não, a única hipótese com Frank Bassalino era alguem novo com ar inocente. Alguém que lhe recordasse a esposa quando a trouxera para a América.

Beth era a escolha obvia.

Apareceu a oportunidade perfeita. Frank andava a procura de uma professora que ensinasse inglês aos seus filhos. Contactara com três agencias de empregos e recusara todas as candidatas, que eram, na sua maioria, negras ou mexicanas. Beth candidatou-se ao lugar. Pôs de parte as roupas hippies e vestiu saia e blusa. Prendeu o cabelo atras, apareceu de cara lavada e arranjou referências falsas.

Uma criada conduziu-a à sala de estar. Era uma sala antiquada, com mobílias usadas e quadros religiosos na parede.

Esperou meia hora, e depois Frank entrou, com a mulher atrás de si. Era um homem grande e poderoso. Cabelo negro, olhos negros, boca sensual. Era atraente em todos os sentidos.

Beth detestou-o à primeira vista. Conhecia homens como ele, homens grandes que não gostavam de mudança e cuja força física constituía a sua arma principal.

Lembrou-se da noite na comuna em que homens como ele tinham aparecido a meio da noite. Eram oito ou nove e vinham bêbedos. Tinham chegado em dois carros, gargalhando, segurando garrafas. A quinta ficava afastada da estrada principal. Não havia vizinhos, ninguém a quem pudessem pedir auxílio.

A porta da frente não estava trancada e os homens entraram. Havia um velho cão pastor, Rex, mas deram-lhe tantos pontapés até ficar numa massa inerte. Arrastaram as raparigas da cama e violaram-nas, uma,a uma. Espancaram também os rapazes, um a um, metodicamente, insultando-os, mandando-os cortar o cabelo.

Não houvera hipóteses de reagir. Os homens eram fortes e estavam cheios de força.

- Se fosses minha filha - dissera um deles enquanto a penetrava - dava-te tanta porrada que ficavas sem andar durante uma semana.

Antes de saírem, tinham cortado o cabelo aos rapazes com tesouras de cozinha. Max tivera de levar dezassete pontos. Acontecera dois anos atrás, no entanto Beth ainda tinha sonos

inquietos quando encarava um homem como Frank.

- Hum - disse Frank, olhando para ela. - És muito nova, não és?

- Tenho vinte anos - respondeu Beth. - Trabalho com crianças há três anos. Viu as minhas referências?

Frank assentiu. Estava surpreendido com aquela rapariga tão bonita. Era quase boa de mais para ser verdade, depois do lixo que a agência lhe enviara. Os miúdos iam gostar daquela, que parecia tão asseada.

- Ouve, se quiseres, o lugar é teu. São cem por semana, um bom quarto, comida e algumas noites de folga. Queres ver as crianças?

-Sim, gostaria. - oh, Anna Maria -disse ele empurrando a mulher para a frente, uma rapariga morena tímida, com uma grande barriga.

- Leva-a! Como é que te chamas?

- Beth.

- Sim, claro. Beth, esta é Mrs. Bassalino, não fala muito inglês, talvez também lhe possas ensinar alguma coisa. Ela vai-te levar até junto dos miúdos. Se tiveres problemas, vem ter comigo, mas como sou um homem muito ocupado, vê lá se não os arranjas. Quando podes começar?

- Amanhã.

- Linda menina, a Anna Maria está prestes a parir. Precisamos mesmo de uma ajuda.

Sorriu às duas, deu uma palmadinha a Anna Maria, empurrando-a na direcção de Beth, olhou para esta mais uma vez e saiu.

 

Angelo Bassalino fora mandado para fora depois do sarilho. Foi uma mudança temporária, uma forma discreta de se verem livres dele até a família Camparo acalmar. Gina Camparo ia casar em breve, e após a cerimónia, dentro de alguns meses, certamente, o incidente já teria sido esquecido, e Angelo poderia regressar a casa em segurança. Enzio até achara piada ao caso. Angelo era mesmo seu filho, um rapaz que não deixava que nada se interpusesse na sua vida sexual.

Mas fora uma situação delicada, e se Angelo não fosse filho de Enzio poderia ter acabado- dentro de um bloco de cimento no fundo de East Ríver. Foder uma rapariga era uma coisa, mas não na sua festa de noivado e não num local onde o irmão dela e o noivo os pudessem descobrir. E muito menos quando a rapariga era filha de um rival poderoso. Portanto, Angelo fora despachado para Londres, Havia lá negócios de jogo de que ele se poderia encarregar e Enzio tratara de tudo.

Angelo não correspondía às aspirações do pai, não tinha nada da ambição dos Bassalinos, não tinha firmeza a lidar com as pessoas.

Enzio desculpava-o com o facto de o rapaz só ter vinte e quatro anos, de ter ainda muito tempo para amadurecer. Mas Enzio também se lembrava que aos vinte e quatro anos já era um veterano, o braço direito de Crazy Marco, com um futuro brilhante à sua frente.

Em Nova Iorque, Angelo trabalhara para Frank.

- É um vadio preguiçoso - queixara-se Frank. - Mando-o ir a uma espelunca qualquer recolher dinheiro, e é Preciso mandar outro tipo com ele, pois mete-se sempre com alguma miuda. Raios, sO nisso que ele pensa.

Enzio tentara mandá-lo para a Costa, trabalhar com Nick, mas resultara ainda pior. Apaixonara-se por uma starlet sexy e acabara por levar uma tareia do «produtor» dela.

-É melhor portares-te bem em Londres - avisara-o Enzio. -Um Bassalino deve fazer-se respeitar. Fode quem quiseres, mas lembra-te de que o trabalho é que é importante: o dinheiro. Há boas oportunidades de nos instalarmos lá. Quero que sejas tu a controlar. Para começar, vais trabalhar com a organização de Stevesto, ele põe-te a par.

Angelo encolhera os ombros. Não estava muito interessado em fazer dinheiro. Desde que houvesse dinheiro suficiente na família, de que valia andar a puxar pelo cabedal? Não fazia sentido. Que Frank e Nick respeitassem o nome Bassalino, até gostavam, mas ele não.

Contudo, não discutiu com o pai. Ninguém discutia com Enzio, Houvera uma altura em que ele exprimira o desejo de não entrar no «negócio» da família. Queria ser actor ou até talvez, musico. Enzio dera-lhe uma sova com um cinto de cabedal e fechara-o no quarto durante uma semana. Claro que Angelo não voltara a falar no assunto.

Em breve descobriu que Londres era uma cidade optima. Montes de miudas bonitas e gente simpática. Podia-se andar na rua sem recear ser espancado ou roubado.

Tinham-lhe arranjado um apartamento, e foi trabalhar com a organização de Stevesto. Era canja, só tinha de andar de olho nalguns casinos.

Angelo sentia-se feliz. Podia ter uma rapariga diferente todas as semanas, se lhe apetecesse e apetecia. Sentia necessidade diaria de sexo - era um hábito, Como o café da manhã, um, hábito que ele apreciava.

Angelo não era grande e alto como os seus dois irmãos. Era mais franzino, quase magricela. O seu rosto era ossudo, e tinha o cabelo espesso e comprido. Deixara crescer barba e bigode.

-Pareces um filho da puta de um comunista - gritava-lhe Enzio com frequência. - Por que não cortas esse cabelo e arranjas umas roupas decentes como os teus irmãos?

Angelo continuava a andar como lhe apetecia. Era a unica forma de poder cuspir na cara do pai.

Todo o contingente da imprensa inglesa apareceu no Aeroporto de Heathrow para receber Rio Java. Era a rainha dos filmes underground, personalidade publica e mundana, mãe de quatro filhos de varias cores. A sua reputação chegava longe.

Era muito alta, quase esquelética, com o rosto comprido e dramático reforçado pelas sobrancelhas rapadas. Usava pestanas postiças cor de purpura.

Viciada em heroína aos dezoito anos, fora descoberta no hospital por Billy Express que estava a fazer um filme sobre drogas chamado Turn On. Tornara-se uma estrela, a câmara seguindo-a a cada movimento, enquanto fazia o tratamento para a cura.

Fora a fama instantânea. Tivera um filho dele (filmado, claro). Ele era um homem rico, o mais pornográfico dos seus filmes fizera fortuna.

Mudou-se com ela para uma elegante casa de Nova Iorque que partilhava com a mãe.

Estava-lhe grata por ele a ter ajudado a sair da heroína e acompanhava-o nas viagens de LSD.

Havia um rapazinho chinês, Lei, que partilhava o leito de Billy quando Rio não o fazia. Billy ficou satisfeito por os ver juntos pela primeira vez em filme. O resultado foi que Rio engravidou e Billy ficou deliciado. Adorava crianças. Mandou transformar o último andar da casa em infantário e Rio teve gêmeos - dois rapazinhos chineses.

Viviam todos felizes. Bill, a sua calma mãe, Lei, as crianças. Faziam os seus filmes e davam bacanais, vivendo num vazio delicioso e pedrado.

Um dia, Rio conheceu Larry Bolding. Era um senador muito sério, casado, na casa dos quarenta. Veio a uma das festas de Billy e Rio, olhando-lhe para o rosto bronzeado, caiu imediatamente por ele.

-Tenho de o ter -sussurrou para Billy.

- É fácil, querida - respondeu Billy. - Enfia-lhe isto na bebida.

Num raro momento de lucidez, Rio decidiu não o fazer. Queria tê-lo, mas sem recorrer a isso. Queria que ele a quisesse.

Ele era simpático, tinha um riso maravilhoso. Demorou algum tempo a levá-lo para o quarto. Ainda mais tempo a despi-lo. Era tão querido! Usava cuecas tipo calças, e camisola interior.

Rio mostrou as suas especialidades. Ele estava mais interessado em foder logo.

Foi o começo de uma relação de três meses. Uma ligação que teve de ser mantida secreta pois ele era casado. Rio compreendeu. Ele deu-lhe a desculpa que estava com a mulher por uma questão de conveniencia, e Rio, apesar de ser uma mulher mundana, acreditou-o. Disse a Billy que não poderia dormir mais com ele. E porque Larry não gostava do ambiente, ela saiu de casa e mudou-se para um apartamento na Village. Era mais conveniente para Larry, mais privado. Billy dava-lhe dinheiro, ficava com as crianças e ela visitava-as diariamente. Queria que ela fizesse outro filme, afinal, era a sua estrela.

Larry não queria que ela trabalhasse, queria-a sempre à mão! pois nunca sabia com antecedência quando poderia vê-la.

Rio estava apaixonada. Obedecia a Larry, fazendo tudo o que ele queria: nada de drogas, nem bebidas, nem fodas (excepto com ele), nem maquilhagem, nem roupas esquisitas.

As visitas dele começaram a rarear, até que acabaram por completo.

Rio ficou destroçada. Tentou contactá-lo, sem o conseguir. Não havia forma de ultrapassar as secretárias, de lhe fazer chegar a informação de que esperava um filho dele.

Cortou os pulsos e felizmente foi encontrada por uma vizinha. A vizinha era Margaret Lawrence Brown.

Rio demorou algum tempo até se recompor da forma como Larry Bolding a tratara. Começou a perceber que as mulheres eram usadas pelos homens. Ouvia Margaret e o que ela dizia fazia sentido. Recompôs-se, e teve o bebé. Billy Express quis que ela voltasse para casa, mas ela concluiu que não queria voltar a viver daquela maneira. Queria que os filhos fossem viver com ela. Billy disse que não, que ficariam com ele. Houve uma grande batalha no tribunal e ela ganhou. Ficou com os filhos, apesar de todos os pseudo-amigos terem testemunhado contra ela no tribunal. Margaret Lawrence Brown testemunhou a seu favor e ela ficou com as crianças.

Foi um dos casos mais falados em termos de publicidade. Depois disso, Rio foi assediada com scripts de filmes. Toda a gente a queria. Começou a trabalhar sem olhar para tras.

Agora estava em Londres e tinha um objectivo. Angelo Bassalino.

 

Embora se conhecessem de ginjeira, Bosco Sam queria o seu dinheiro com juros, e Dukey K. Williams muito simplesmente não o tinha.

Dukey ainda parava em Nova Iorque, continuando a viver no apartamento que partilhava com Margaret.

Vamos lá, homem, tens de voltar à acção - dizia-lhe o empresário, diariamente.

-Cancela tudo- respondia-lhe Dukey.-Quero ficar aqui sentado durante uns tempos a aclarar as ideias.

Por isso todos os compromissos, uma tournée à Europa e as sessões de gravação foram cancelados. Vários produtores ameaçaram processá-lo.

Dukey não estava a ganhar dinheiro, e o dinheiro que provinha da venda de discos ia todo para o bolso da ex-mulher número um e dos dois ex-filhos. Chamava-os ex-filhos, porque estava proibido de os ver pelo tribunal.

Dukey telefonou a Bosco Sam. -Tenho um negócio a propor-te.

- Quero é o meu dinheiro - replicou Bosco Sam, suavemente. -Se não fosses tu, Dukey...

Tinham andado juntos na escola.

- Encontremo-nos - sugeriu Dukey. - Vais gostar do que tenho a propor-te.

- OK, OK, nós, os negros, temos de nos manter unidos. Encontraram-se no Zoo. Bosco Sam tinha ideias próprias sobre privacidade, e a maior parte dos seus encontros importantes ocorria em locais públicos.

- O mais certo e ver-me rodeado por pessoas - queixou-se Dukey. Mas estava uma manhã de Outubro desagradável e o Central Park encontrava-se quase deserto.

Dukey levava um casaco comprido de vison com um cinto, e Bosco Sam um pesado sobretudo de pele de camelo.

- Raio de parque - disse Bosco Sam - mas é o único sítio onde se pode tratar de negócios.

- Cá está o plano - começou Dukey, enquanto passeavam frente aos macacos. - já corre por aí que estás disposto a pôr os Crow a andar. Tu e eles piam baixo, enquanto Frank Bassalino arruma os mais pequenos. óptimo. Mas, que tal, -se eu te fizesse o trabalhinho? Frank, os irmãos, Enzio. Todo o clã Bassalino.

- Tu? - perguntou Bosco Sam, desatando a rir.

- Merda, homem! Pareces um elefante a peidar-se. Bosco Sam riu-se ainda com mais força.

- Ouve - disse Dukey -, eu não estou a brincar, percebes? Estou a falar a sério. Pelos dois mil... não ficas metido no barulho. Ficas sempre com as mãos limpas, percebes? Nenhum porco te irá lá bater à porta. Ninguem vai saber do nosso arranjinho, excepto tu e eu.

- Sim - disse Bosco Sam, lentamente. - Pois...

-Vai ser tudo bem feito. É preciso ter calma até a coisa rebentar... e ninguém suspeitará de ti.

Bosco desatou a rir.

-        És esperto. Estupor de vedeta, mas ainda tens olho vivo... -Até canto uma ou duas canções no casamento da tua filha.

-        -Ela só tem dez anos.

- Ainda andarei por aqui. Então, filho? Tudo combinado?

- Sim, dou-te uma oportunidade. Ou há resultados, ou não há acordo. Quem vais usar?

- Tenho cá umas ideias.

Bosco Sam cuspiu para o chão.

-Usa o Leroy Jesus Bauls. Vai custar caro, mas aquele preto é destemido, por isso lhe chamamos o Tomates Negros.

Um dos macacos grunhiu.

- Merda! - exclamou Dukey. - Aquele macaco mijou-me em cima.

 

O efeito de Lara em Nick foi lento mas letal.

Voltaram a encontrar-se na festa que Susie e Les deram em sua honra e de novo num visionamento do novo filme de Warrer, Beaty.

Lara saía com Sammy Albert, dan do-lhe para trás, pois envolver-se sexualmente com alguém era uma diversão que não lhe convinha. Foi por sugestão dela que Sammy convidou Apríl e Nic , para jantar no Bistro. Confiante de que seria naquela noite, estava eufórica. Lara usava um casaco de veludo preto e corte masculino de Yves Saint-Laurent e, por baixo uma blusa subida de chillon negro que era transparente. Não trazia soutien e o efeito era incrivelmente sexy porque, à medida que se movia, o casaco deslizava, expondo-a.

-Agora vêem-se, depois não se vêem - disse Sammy, orgulhoso, no início da noite.

Nick e April começaram a discutir durante o jantar, uma discussão em voz baixa que em princípio ninguem deveria notar, pois April por nada deste mundo queria dar a impressão de ser uma mulher ciumenta.

Ochampanhe que Sammy insistira em ser servido começava a surtir os seus efeitos.

-Tira os olhos das mamas dela -avisou Apríl.

Nick, que tinha feito um grande esforço para não olhar, sentiu-se insultado.

-Calma, April - murmurou.

-Calma-imitou April.-Com quem pensas que estás a falar, ó meia leca?

-Estou a falar contigo, e já chega.

Agarrou-lhe no Pulso quando ela ia a pegar no copo. Furiosa, tentou libertar-se e o champanhe entornou-se sobre a manga do vestido.

- Oh, que aborrecido - disse Lara, limpando com um guardanapo. - Acho que não vai deixar nódoa.

- É um vestido velho - disse April, recuperando a compostura e sorrindo. - Nick, és tão desastrado.

Voltou-se para falar com Sammy que estava sentado do outro lado.

Lara olhou para Nick e sorriu compreensiva. Ele retribuiu o sorriso, poisando os olhos, brevernente, nos seios dela. já que tinha a fama, então tiraria o proveito. Ela continuou a olhar para ele, já séria, com olhos inquisitivos e interessados.

Ele sentiu um súbito desconforto entre as pernas, uma sensação que aprendera há muito a controlar. Raios, aquela rapariga era de mais, estava a abalá-lo. Desde que estava com April só lhe fora infiel duas vezes. A primeira, durante uma viagem de negócios a Las Vegas, com uma rapariga de rosto vulgar, mas com umas pernas incríveis. A segunda, com uma pequena que conhecera na praia durante uma das suas raras tardes de folga. Nenhuma delas sabia quem ele era, nem nada sobre ele. Assim, não havia forma de April vir a descobrir.

- Vamos até à Discoteca - disse Sammy.

- Sim, que maravilhosa ideia - concordou Apríl, enquanto despachava outra taça de champanhe.

Nick não tentou detê-la. Nessa noite, o problema era dela. Que se embebedasse à vontade. Arrepender-se-ia de manhã. Houve mais champanhe na Discothèque, e Lara reparou que Nick bebia, coisa que nunca o vira fazer.

Dançou com Sammy e sentiu-se embaraçada com a forma convulsiva como ele se movia. Uma coisa boa que os homens europeus tinham é que sabiam controlar a situação enquanto dançavam. Sammy parecia um elefante bebé a vir-se. Quando se sentou, April convidou-a para ir com ela à casa de banho. Ela obedeceu, porque lhe e convinha manter-se amigável com April.

- Tu estás muito bem, querida - observou April. – Olha para o meu vestido, já secou e não ficou com uma única nódoa.

Tens um pente? Estavam lado a lado, observando-se no espelho comprido. April podia ser mãe de Lara, mas não tinha consciência desse facto. Achava que o seu aspecto era tão jovial como a rapariga que tinha ao lado.

- O Sammy não é um queridinho? - perguntou. - Tão engraçado. Será que te apercebes que és uma felizarda?

- Felizarda? - interrogou Lara.

- Bem, claro, querida, ele é muito pretendido e vê-se que está doido por ti.

Lara sorriu, apercebendo-se do que viria a seguir.

- Os verdadeiros homens escasseiam nesta cidade - continuou April.

-Eu sei, casei com quatro deles. Olha, por exemplo, o Nick, um homem tão bem parecido, mas que tem ele para oferecer? Há coisas que contam mais do que uma boa foda. I entretanto eu preciso de mais de um homem, percebes o que quero dizer?

- Lara assentiu.

O que April queria dizer era: «Agarra-te ao Sammy e deixa Nick em paz. ».

April examinou os dentes ao espelho.

Gosto da tua blusa, querida, tens de me dizer onde a arranjaste. Claro que Nick não é um homem que aprecie mamas, gosta mais de pernas.

April puxou a saia para cima e exibiu umas pernas perfeitas. Também duvido que ele me deixasse usar uma blusa como essa. É muito puritano, é o lado italiano dele sabes. Bem, voltemos ao champanhe.

Lara deixou-se ficar mais um pouco. April não precisava de vir ensiná-la sobre os italianos, só eram puritanos em relação às próprias mulheres. Perguntou-se se Nick quereria casar com April que ainda era uma mulher atraente para a idade, e, claro, também era famosa.

April Crawford era um nome que estivera no topo, juntamente com Lana Turner, Ava Gardner e outras Crawford famosas. Lara sabia bastante acerca de Nick, mas ainda havia muito a descobrir. Voltou para dentro e viu que April dançava com Sammy. Despiu o casaco e Nick olhou rapidamente para ela.

-Quer dançar? -perguntou.

Ela assentiu. Levantaram-se, e ele agarrou-lhe no braço e conduziu-a até à pista que estava cheia de gente. Era um bom dançarino, controlado nos movimentos e descontraído. A música estava alta de mais para poderem falar. Subitamente, o ritmo mudou e ouviu-se Isaac Hayes cantando Never Can Say Goodbye. Era uma música lenta e sensual.

Nick olhava para ela com os seus profundos olhos castanhos. Puxou-a mais para si, as suas unhas cravaram-se na pele dela, sobre o fino chillon. Lara correspondeu ao olhar, e sentiu a prova da atracção dele por ela, e, por momentos, a música e a masculinidade dele combinaram-se fazendo que ela tivesse vontade de esquecer tudo e apreciar o facto de estar com aquele homem.

Rendeu-se às sensações e encostou-se bem a ele.

- Querida, nem preciso de te dizer como me sinto... tu sabes... soubeste desde que nos conhecemos.

Ela conseguiu afastá-lo um pouco e abanou a cabeça, lentamente.

- Tenho de me encontrar contigo - continuou Nick. - Que tal almoçarmos amanhã? Podíamos encontrar-nos algures, na praia, num sítio calmo onde ninguém nos visse.

- Aguenta aí - disse Lara, afastando-se completamente. - Eu posso encontrar-me contigo a qualquer hora, em qualquer lugar. Não estou presa.

Nick puxou-a de novo para ele.

- Ouve, querida, tu conheces a minha ligação com April. Ela é uma dama encantadora e eu não quero magoá-la.

- Então não magoes - disse Lara bruscamente.

- Oh, anda lá - disse Nick. - Tu sentes o mesmo que eu. Se te enfiasse a mão dentro dessas cuecas justas, provar-te-ia, que... Ela interrompeu-o de olhos bem abertos.

- Não discuto. Vamos já embora. Tu dizes adeus a April e eu beijo o Sammy no rosto. Depois, dispo as cuecas para ti e...

- Ei, es uma cabra -disse ele furioso.

Os olhos verdes dela faiscaram.

- Não sou cabra, sou honesta. Se queremos tanto estar um com o outro, qual é o obstáculo?

- Tu sabes qual é - resmungou ele.

-Pois sei, e todo teu -disse Lara, deixando-o plantado na pista e juntando-se aos outros. Estava satisfeita com a forma como corriam as coisas. Era um começo.

 

O único dia em que Beth via Frank Bassalino era o domingo, Parecia que era o unico dia em que ficava em casa. Aos dias de semana levantava-se primeiro que todos, regressando tarde à noite depois de todos já estarem a dormir.

Odomingo era o dia dedicado às crianças, De manhã, costumava levá-las ao parque, depois para casa, após um grande almoço que Anna Maria levava a manhã inteira a preparar. À tarde brincava com eles, absorvendo-se nos seus interesses. Carrinhos e com boios com os dois rapazes, talvez um joguito com a miúda de seis anos, a sua preferida, e complicados jogos de construções com o miúdo de dois. Era um bom pai, se é que assim se pode chamar a um homem que passava um dia por semana com os filhos.

Anna Maria era uma rapariga plácida, quase estúpida. Não tinha vontade nenhuma de aprender inglês. Frank e as crianças falavam com ela em italiano, e, uma vez que eles constituíam a sua própria vida, qual era o interesse? Passava os dias a cozinhar, a coser e a escrever cartas para a família que estava na Sicília. Raramente saía de casa.

Beth achou o trabalho extremamente aborrecido. As crianças portavam-se bem. Ensinava-lhes inglês uma hora por dia e elas pareciam gostar, até as mais pequeninas. Não havia muito mais para fazer. As crianças mais velhas iam para a escola e a mais` pequena dormia a tarde.

Passadas duas semanas encontrou-se com Cass.

- Não sei se vai resultar - disse. - Nunca consigo vé-lo.

Cass concordou.

-        Oh, a ideia é maluca. Acho que não te deves envolver mais.

Beth pensou na comuna, no seu proprio filho e nos seus amigos e era uma proposta tentadora abandonar tudo. Mas isso seria admitir a derrota e Beth queria fazer tanto como as outras.

-Então a Lara e a Rio? Como estão a sair-se? -perguntou.

Parece que está tudo a correr bem - respondeu Cass. - Vou encontrar-me com o Dukey esta noite. Tenho a certeza que ele vai concordar comigo. Não deves envolver-te.

- Por que não? - perguntou Beth, corando. - Sou irmã de Margaret. Quero fazer alguma coisa tal como as outras.

- Beth, tu não tens feitio para isto. Sempre o achei, desde o princípio.

- Bem, agora que estou envolvida, não quero parar.

Nessa noite Beth ficou à espera. Pôs uma camisa de dormir branca, comprida e virginal. Escovou o cabelo loiro e deixou-o solto.

Parecia muito jovem e bonita.

O quarto dela dava para a frente da casa, e às duas da manhã apareceu um carro com três homens lá dentro. Dois saíram e dirigiram-se para a porta da frente, depois um deles regressou ao carro e afastou-se. Frank estava, seguro em casa.

Deixou-se ficar à janela com a boca seca de medo. Conhecia a rotina de Frank. Dirigia-se sempre ao quarto de vestir onde mudava de roupa, e depois para a enorme cozinha antiquada onde preparava café e torradas.

Passou outro carro pela casa, com dois homens lá dentro. Parecia que Frank tinha guarda-costas para vigiarem Os guarda-costas. Ficou à espera, sem se mexer, a tremer. E se ela fosse à cozinha

e ele a quisesse? Que aconteceria? Não sabia manobrar as pessoas, puxar os cordelinhos. Não era como Lara ou Rio. Frank Bassalíno era um homem forte e duro. Como se destruía um homem assim?

Pensou em Margaret, pensou no homem que a mandara matar. Acabou por decidir o que tinha a fazer.

Frank andava preocupado e pensativo. Havia sarilhos por todo o lado. A polícia queria mais dinheiro, ou então haveria mais problemas. Ogang Crown estava a provocar distúrbios, teria de se fazer alguma coisa em relação a isso. Enzio andava a pô-lo maluco, telefonando-lhe a queixar-se disto ou daquilo. Ovelho palerma devia estar reformado, por que se metia ele onde não era chamado? Havia também o problema da protecção. Vários restaurantes e clubes sob a «segurança» de Frank Bassalíno estavam a ser desviados no sentido de colocarem a sua confiança noutras direcções.

Houvera alguns incidentes desagradaveis, e os proprietários de alguns estabelecimentos começaram a perguntar-se por que razão deveriam pagar a protecção a Frank Bassalino e à polícia, se mesmo assim eram atacados.

Frank suspeitava de uma organização de negros liderada pelo rei dos narcóticos, Bosco Sam. Corriam rumores que Bosco Sam tinha grandes planos em relação às operações Bassalino e Crown.

Frank fizera constar que estava preparado para se encontrar com Bosco Sam e discutir as coisas.

Entretanto, os clubes e restaurantes foram persuadidos que era do seu interesse continuarem a cumprir com os pagamentos. Frank estava confiante que poderia resolver sozinho este problema.

Depois, em casa, lá estava Anna Maria com uma barriga tão grande que ele já nem conseguia dar uma boa foda, e não gostava de ir a outros lados. A última vez fora terrível. Na pensão de Esther, com uma nova rapariga. Esther conhecia-o, portanto partiu do principio que a rapariga estava preparada. Uma moça de olhos negros, seios cheios e coxas carnudas. Mandara-a voltar-se e enfiara-lho por trás. Puxara-lhe a cabeça e esbofeteara-a, apalpando-lhe os seios, dando-lhe palmadas nas nádegas.

À medida que se excitava, ela começou a reagir e ele ainda ficara pior. Depois, ela começou a gritar com o nariz a escorrer sangue. Gritava pela polícia, e Esther levou algum tempo a acalma-la.

Frank saiu, furioso e mal disposto. Não fora satisfatório. Aquilo acontecera havia duas semanas e agora teria mesmo de se contentar com Anna Maria.

Beth, no princípio ela tinha sido muito doce e amorosa. jovem, virginal e inocente. Foi neste ponto das suas reflexões que Beth entrou na cozinha.

-Desculpe -disse ela.-Não sabia que havia alguém acordado. Não conseguia adormecer e resolvi aquecer um pouco de leite.

- Leite quente é para velhas - disse Frank, lentamente. Nunca se apercebera que ela era tão bonita.

Ela riu nervosamente e retirou o leite do frigorífico.

Ficou a observá-la enquanto ela retirava um recipiente do armário e deitava o leite. Não estava maquilhada, ele detestava mulheres maquilhadas. Faziam-no lembrar-se das prostitutas. Prostitutas ordinárias, com cintos de ligas e soutiens pretos. O tipo que o pai dele apreciava. Otipo que o pai lhe apresentara quando tinha treze anos.

- O trabalho é bom? - perguntou Frank.

- Sim, as crianças são amorosas - respondeu ela, voltando-se para ele, que gostou da sua pele lavada.

-        És uma rapariguínha bonitinha - disse Frank, - Como se explica que te tenhas enterrado aqui a tratar de críancinhas?

-        -Gosto de levar uma vida calma.

O leite começava a ferver e, quando ela ia a agarrar o fervedor, o leite caiu-lhe sobre a mão. Gritou com verdadeira dor e Frank começou, a dizer:

- Que raio... - Mas depois viu o que acontecera e barrou-lhe a mão com grandes camadas de manteiga.

-Desculpe -disse ela, olhando-o com os olhos azuis vulneráveis. - Acho que não me concentrei no que estava a fazer.

Estavam tão próximos um do outro que o cheiro dele deu-lhe vontade de fugir. Mas, em vez disso, encostou-se mais a ele e, subitamente, ele tomou-a nos braços como se fosse uma criança e começou a beijá-la, lentamente a princípio e depois com muito mais força.

Ela não disse nada, deixou-se ficar ali com os lábios secos e cerrados.

- Meu Deus! - exclamou ele. - És tão leve como um dos miúdos. E nem sequer sabes beijar. Que idade tens?

Ela sentiu-se presa nos braços dele, e ele tinha tanta força que parecia poder esmagá-la se o quisesse fazer.

- Vinte - murmurou.

- já estiveste com algum homem?

- Mr. Bassalino, por favor, está a magoar-me. Largue-me. Ele largou-a abruptamente.

- Sabes o que quero fazer? - perguntou. Ela assentiu, baixando os olhos.

- Vamos para o teu quarto. Ninguém saberá. já fizeste isso antes?

Desejava que ela dissesse não. Não possuia virgens desde Anna Maria. De facto, todas as outras mulheres com quem tinha estado tinham sido prostitutas.

-Não sou virgem -disse Beth, saindo-lhe com facilidade o que já tinha ensaiado. - Quando era muito nova, tinha doze anos, o meu padrasto estava bêbedo. Nem percebi o que ele fez. Tive um filho. Não houve mais ninguém desde então.

Frank digeriu a informação em siléncio. Agradava-lhe. Uma vez com um bêbedo não contava. E só tinha doze anos. Enfiou a mão sob a camisa de dormir dela.

- Mr. Bassalino -não posso... - começou a dizer com os olhos arregalados de medo. A sua mulher, os seus filhos, não está certo...

- Eu pago-te - disse ele, observando-a atentamente. - Dou-te cem dólares. Que tal?

Ela abanou a cabeça.

-Acho que não está a perceber. Penso que é um homem atraente, mas as circunstáncías é que estão erradas. Sou sua empregada e tenho a confiança da sua mulher. Com que cara iria aparecer amanhã?

Frank estava impressionado com a honestidade da rapariga. Era para ele uma agradável surpresa já que não encontrava pessoas escrupulosas com frequência. Contudo, isso não lhe resolvia o problema.

- E se eu te despedir? - perguntou.

Ela abanou a cabeça. Ele ficou fascinado por aquele cabelo loiro e macio, teve vontade de o enrolar à volta dos pés e de fazer outras coisas. Desejava-a terrivelmente.

- Que queres? - perguntou. Sabia por experiência que as pessoas sempre queriam alguma coisa.

- Não quero nada - disse ela, calmamente. - Assim que o vi percebi que não devia ter aceitado este emprego. Você é o primeiro homem que eu sabia que iria compreender. É o primeiro homem que eu quero, mas é casado, portanto é impossível.

Ele envolveu-a nos braços fortes e começou a beijá-la, percorrendo-lhe o corpo com as mãos. Debater-se era inútil pois ele era mais forte do que o homem que a violara. Sentiu-se exausta e quase aliviada. Aconteceria em breve, era o que ele queria e o que ela planeara.

Mal reparou que ele a levava ao colo para o quarto, dizendo-lhe sem cessar que estava tudo bem. Ficou satisfeita por ter fumado uma erva antes, pois tornara as coisas mais fáceis.

Ele despiu-lhe a camisa de dormir, fechou a porta à chave e despiu-se.

- Não vou magoar-te - murmurou, - Não vai ser como da outra vez.

Ela encolheu os ombros com o peso do corpo dele e cerrou os olhos com força enquanto ele lhe abria as pernas. E depois sentiu-o, e a tensão desapareceu e ela quase sorriu.

Frank Bassalino tinha um instrumento pouco maior do que o de um rapaz de dez anos.

 

Leroy Jesus Bauls encontrava-se muito quieto à porta do restaurante. Os seus olhos castanhos passaram por todos os ocupantes das mesas, detendo-se por fim no homem ao fundo da sala.

O maitre dirigia-se para Leroy com a boca aberta, pronto para lhe dizer que não havia vagas. Era um restaurante elegante que não encorajava a entrada de negros, mesmo que estivessem bem vestidos, como era o caso de Leroy.

Mas antes que o maitre chegasse até ele, Leroy colocou no chão o embrulho que levava, deu-lhe um pontapé em direcção à mesa do fundo e saiu.

O maitre coçou a cabeça, sem perceber, e encaminhou-se para junto do embrulho.

À noite, na televisão, passaram uma reportagem completa sobre o acidente. The Magic Garden, um conhecido restaurante de Manhattan, tinha sido destruído por uma bomba. Catorze pessoas tinham morrido, vinte e quatro estavam feridas. A polícia seguia várias pistas.

- Tretas - murmurou Leroy Jesus Bauls, levantando-se e desligando a televisão.

- Que disseste, querido? - perguntou uma negra de uma beleza impressionante. Estava na casa dos vinte, tinha cabelo ruivo encaracolado e grandes olhos castanhos.

- Nada - respondeu Leroy -, não é nada que te interesse.

- Tudo quanto te diz respeito me interessa - sussurrou a rapariga, acariciando o cabelo de Leroy.

Impaciente, ele libertou-se. Como seria agradável arranjar uma rapariga que o deixasse em paz. Leroy tinha vinte e dois anos. Era alto, magro, mas robusto. Feições correctas, perfeitamente simétricas, herdadas da mãe sueca. Pele escura, cor de chocolate, herdada do pai jamaicano. Vestia sempre impecavelmente, fatos, casacos, camisas de seda. Até as meias e cuecas eram de seda pura.

Mostrava preferência pelo negro nas roupas, nas mulheres, nos automóveis e na mobília.

Da mãe herdara o gosto pelas coisas caras.

-Talvez pudéssemos ir a um filme esta noite - pediu a rapariga -, a uma sessão da noite. Não tenho de trabalhar amanhã, portanto...

- Acho que não, Melanie - respondeu Leroy, calmamente. Tenho de trabalhar até tarde.

-Que vais fazer? -inquiriu Melanie.

Conhecia-o havia três semanas, dormia com ele havia duas e continuava a não saber nada dele, excepto que possuía um bom apartamento, muito dinheiro e era um rapaz interessante.

-já te disse para não seres metediça-disse Leroy, agastado. Faço coisas... coisas que não te interessam.

- Oh! - foi a exclamação de Melanie. - A que horas tens de sair?

- Tarde.

-Bem, eu podia ficar e manter a cama quente. Como não tenho que me levantar cedo, posso cá ficar toda a noite. Que tal

-Ta bem. Fica para outra vez.

Nos olhos de Melanie brilharam lágrimas pois sentiu que ele se estava a querer afastar.

-        Tens outra rapariga - acusou ela. - Vais ter com outra.

Leroy suspirou. Eram todas iguais. Era espantoso. Por que razão, não encontrava uma rapariga que se controlasse? Escolhia sempre com muito cuidado. Nada de prostitutas nem drogadas. Saia com` modelos negros, actrizes, cantoras. Melanie, por exemplo, aparecera recentemente na capa da Cosmopolitan e a rapariga anterior entrara no concurso de Miss América Negra.

- Não percas a calma - atirou Leroy, enquanto Melanie começava a chorar alto. - Os teus olhinhos lindos vão ficar vermelhos, e eu não gosto disso.

-        Posso ficar, então? - perguntou Melaníe.

Leroy abanou a cabeça.

-já te disse, não disse? Tenho assuntos a tratar.

 

Rio atraía os maricas e drogados da mesma forma que uma cadela com cio atrai os cães. juntavam-se àvolta dela em pequenos grupos excitados, excêntricos, sempre prontos para mexericos.

Rio não se importava. Dava-se com qualquer pessoa desde que a relação pudesse ser amigável e generosa. Procurava o lado bom de cada um, e se não o encontrava, voltava a procurar.

Os homens «hetero» constituíam a sua única dificuldade. Como, por exemplo, Larry Bolding. Achava-os cheios de preconceitos e desonestidades. Isso exasperava-a. Tornara-se felina e dura na sua relação com eles.

Rio nunca tinha estado em Londres, mas tinha lá amigos ansiosos pela sua chegada. Peaches, a loira espampanante que fora homem, Perry Hernando, um cantor mexicano homossexual que corria Londres com frequência à procura de novos talentos.

Chegaram ao apartamento alugado, acompanhados por outros. Beberam champanhe e fumaram uma erva incrível, fornecida por uma senhora americana de meia-idade. Depois, deslocando-se em automóveis e táxis, levaram Rio em triunfo até ao Tramp, o único sítio de jeito em Londres, segundo a opinião de Peaches e Hernando. Era exactamente o sitio onde Rio queria ir. Angelo Bassalino costumava lá ir todos os dias com a dama da semana.

Ela conhecia todos os seus movimentos e hábitos. Actualmente, ele andava a foder ao mesmo tempo uma loura magra, actriz em part-time, casada, com um marido rico e gordo e quatro filhos, e uma negra que trabalhava num dos casinos onde ele operava.

Gostava de mulheres. Qualquer tamanho, forma ou cor. Não era esquisito.

Rio não estabelecera nenhum plano de acção. Sentia-se muito segura e confiante. Conhecia as pessoas, sabia que as conseguia levar, se quisesse. Seria fácil decidir o que deveria fazer para destruir Angelo.

Gostaria de poder tratar dos três. Frank, Nick e Angelo. Esse era o seu plano. Nunca deveria ter informado ninguém, e assim poderia ter tratado de tudo sozinha.

Lara e Beth, que sabiam elas de destruir mentalmente uma pessoa, reduzindo-a a frangalhos?

Tretas. Sabiam levar um tipo para a cama e mais nada. Não eram como Margaret. Essa teria sido capaz. Margaret fora uma feiticeira, capaz de tudo.

Rio recordou o seu primeiro encontro. Fora no Inverno e fazia tanto frio que Rio se recordava que pensara largar fogo ao edifício. Fora uma ideia louca, mas nessa altura estava disposta a tudo.

Que maneira gloriosa de morrer!

Mas depois lembrara-se das outras pessoas que lá viviam, e perguntara-se de que serviria deixar um bilhete de despedida para Larry Bolding, se ele também ia arder. Queria que aquele estuPôr sofresse. Queria arruinar-lhe a carreira política.

Pintara-se cuidadosamente, com cores exóticas. Vestira um modelo, HaIston, vermelho, comprido e justo. Afinal, era uma estrela e não ia destoar.

Estava alta. Um pouquinho de ádido, para ajudar.

Eram três da manhã e pós a música alto. Utilizou a lâmina que Larry lá deixara; ele que não gostava de máquina de barbear. Com a lâmina, fez uma incisão profunda no pulso direito, e depois no esquerdo. Não doeu, a súbita golfada de sangue era maravilhosa, condizia com o vestido.

Riu-se. Não se sentia tão bem há muitos meses. Nada de problemas nem preocupações. Ainda ria quando perdera a consciência, o sangue a escorrer-lhe dos pulsos e a manchar a alcatifa branca.

Tudo estava confuso a partir daí. O rosto de Margaret, muito próximo, preocupado. Uma sensação de ser transportada. Vozes ao longe. E depois o despertar - quantos dias depois? Dois? Três? E Margaret Lawrence Brown sentada à mesa a escrever com o cabelo negro comprido a cair-lhe para o rosto vincado e com óculos.

Rio não se conseguia mexer. Estava numa cama estranha, num quarto estranho, e tinha os braços ligados até aos cotovelos.

- Eih! - conseguira dizer, e Margaret olhara para ela, com um olhar directo, sem maquilhagem, lábios cheios, um rosto que não era belo, mas amigável e atraente, que agradou imediatamente a Rio.

Margaret sorrira e levantara-se. Era alta, com seios pequenos, vestia uma T-shirt larga e uma Levis.

-Acho que vais conseguir- dissera, com voz grave. - Estiveste por um fio, mas sempre pensei que recuperarias. Chamo-me Margaret, vivo aqui ao lado e fui acordada por um barulho. Como habitualmente és muito calma, resolvi investigar. Teria dado uma bela fotografia para os jornais: o vestido vermelho e o sangue sobre a alcatifa branca. Foi quase uma pena salvar-te, querida, mas isso não é uma coisa que se faça por causa de um tipo. Margaret abanou a cabeça, incrédula. - Larry Boldíng é um filho da puta. Nem sequer o conheço mas digo-te que é um filho da puta. Querida, nós não nos matamos por causa de filhos da puta.

Margaret nunca se punha com rodeios para dizer o que queria.

Rio ficou com ela duas semanas, antes de voltar para o seu apartamento, e aprendeu mais durante esse tempo do que em toda a vida.

Margaret era a excepção rara, uma pessoa verdadeiramente altruísta. Não queria nada da vida, excepto fazer bem aos outros.. i, Dava o seu tempo, a sua energia, a sua vida, por qualquer causa que achasse justa. tinha uma raiva danada à forma como as mulheres eram tratadas, como se fossem cidadãos de segunda classe. Queria mudar as coisas e não se limitava a falar, como a maioria das pessoas. Ia à luta e fazia o que podia.

Num dos recantos escuros do Tramp, Rio reconheceu Angelo Bassalino quando este entrou. Olhou-o com olhar firme. Vinha acompanhado por uma loira esquelética.

Rio não tencionava perder tempo. Assim, dirigiu-se à mesa dele e sentou-se.

- Olá, Angelo -disse. -Ouvi dizer que és a melhor foda da cidade. É verdade?

 

Enzio Bassalino fez três telefonemas. Por ordem de importância, falou primeiro com Frank, para Nova Iorque.

-Estou a pensar ir aí-declarou. Como está o ambiente? Frank sabia que Enzio não se estava a referir ao clima. -Na mesma-disse, com voz reservada. Sabia que o FBI tinha o seu telefone sob escuta.

- Bem, acho que vou na mesma - declarou Enzio. - Ohotel habitual, etc. Trata disso.

- Acho que não é a altura indicada - disse Frank, tentando não se mostrar irritado. Por que razão é que o pai havia sempre de interferir?

- Quero ver as crianças - insistiu Enzio, teimosamente - e também tratar de outros assuntos. Percebes o que quero dizer?

- Sim. Percebo.

Frank percebia exactamente o que ele queria dizer. Referia-se ao pânico que se estabelecera após a bomba na Lanterna Magica. Frank tinha tudo controlado. Andava a fazer umas reuniões e a averiguar alguns factos.

A princípio, pensara que fora Bosco Sam, ou talvez os Crown. Mas as informações não apontavam para eles.

Tommassio Vitorelli, conselheiro de Frank, encontrara-se com um informador na Lanterna Mágica na noite em que a bomba explodira...

- OK, então trata de tudo. Chego amanhã. Voo internacional, três horas. Diz à Anna Maria para começar a cozinhar.

Enzio desligou. Sabia que Frank ficara aborrecido, sabia que o filho mais velho pensava que podia resolver tudo sozinho. Mas que mal havia em se certificar? Que mal havia em Enzio Bassalino aparecer em Nova Iorque? Ogang dos Crow estava a tentar meter-se em vários empreendimentos. Não estavam a conseguir, mas causavam alguns problemas. Por causa disso e da questão da protecção, Enzio achou que devia lá ir. Pensava que com a sua presença os problemas acabariam. Talvez um encontro pessoal com Rizzo Crown arranjasse as coisas. já tinham feito muita coisa juntos no passado, por que não agora?

A seguir, Enzio telefonou para Nick, em Los Angeles. -Que se passa? -perguntou, sem rodeios.

Nick fez-lhe um relatório sucinto sobre as últimas actividades. -óptimo, óptimo - disse Enzio, tossindo e cuspindo para um cinzeiro que tinha sobre a secretária. Era um hábito que não agradava ao resto do pessoal. -Vou amanhã para Nova Iorque e talvez não fosse má ideia passares lá uns dias.

Para quê? - perguntou Nick, que não gostava de sair da Costa. Não gostava de prejudicar o seu bronzeado nem um único dia.

-É aconselhável - disse Enzio. - Depois informo-te.

- Meu Deus... - murmurou Nick.

- Que se passa contigo? - perguntou Enzio. - Não consegues

deixar esse saco velho por dois dias? Que tem ela? Uma linha directa para os teus tomates?

- Se for necessário, vou - disse Nick, lentamente. Talvez uMa viagem a Nova Iorque não fosse má ideia. Talvez fosse a oportunidade perfeita para combinar alguma coisa com Lara, de forma que April não soubesse.

OK, OK, eu digo-te depois - concluiu Enzio, impaciente por desligar. Nick era estúpido, qualquer homem que se deixasse controlar por uma mulher era estúpido. Enzio sempre se orgulhara de ser muito esperto em relação às mulheres. Um bom pedaço era um bom pedaço e havia muitos. Usa-as antes que elas te usem, sempre fora o seu lema. Quando elas se tornavam pegajosas e exigentes era altura de as por a andar.

Mary Ann August entrou no gabinete a bambolear-se. Enfiada no biquini habitual, ficou ali especada, em silêncio, a roer o verniz das unhas, até que Enzio, disse:

- Sim? O que é?

- O Alio está cá - disse ela. - Ao pé da piscina. Quer um sanduíche mas a cozinheira saiu.

- Então, prepara-lhe uma - disse Enzio, adiando a chamada para Angelo.

De quê? - perguntou Mary Ann.

- Não sei, pergunta-lhe. - Mary Ann estava a tornar-se chata, às vezes as mamas grandes não eram tudo.

- Acho que uma de queijo, disse, MatutAndo, pensativa. E também pepinos. Achas que ele gosta de pepinos?

- Como raio hei-de saber? - berrou Enzio. - Sai já daqui, quero fazer um telefonema.

Mary Ann desapareceu rapidamente.

Teria sido bom, pensou Enzio, se Rose não tivesse enlouquecido. Uma esposa à moda antiga era insubstituível. Uma mulher que sabia manter a sua posição. Teria sído muito mais convenient manter a amante num apartamento separado, visitando-a só quando necessário, aturando conversas estUpidas só quando estava para isso.

Mas a solidão pesava, sem ter ninguém. Sentia necessidade de partilhar a cama. Às vezes tinha pesadelos, e acordava a tremer com o coração gelado. Nessa altura, apetecia-lhe o contacto humano, a segurança de outro corpo ao lado do seu. A saúde preocupava-o. E se o seu coração falhasse sem haver ninguem por perto? já sofrera um ataque cardíaco havia três anos, mas os médicos diziam que ele estava bem, melhor que antes, não havia motivo para preocupações. Mesmo assim... Que sabiam os médicos? Enzio não confiava neles.

Não seria má ideia, decidiu Enzio, substituir Mary Ann em Nova Iorque.

Telefonou para Londres mas não conseguiu apanhar Angelo. Não estava nem no Casino, nem em casa. Devia andar por fora, a foder, claro, aquele rapaz não pensava noutra coisa. Enzio sorriu, com a idade de Angelo também fora assim. Com a idade de Angelo já tinha o mundo nas mãos. Chicago, um mundo diferente, cheio de excitação.

O nome Bassalino alinhara junto dos de Capone, Legs Diamond, O Banion. Enzío suspirou com prazer quando se lembrou dos velhos tempos. Era tudo tão diferente, agora, com as coisas escondidas sob uma capa de legitimidade.

Enzio estalou os lábios e dirigiu-se para a piscina, ainda a rir. Perguntou-se se Alio se lembraria de quando tinham tentado subornar o chefe do seu restaurante italiano preferido, para envenenar a sopa de um rival. O chefe recusara e saíra da cidade, e Enzio ainda sentia a falta das maravilhosas almondegas que lá comera.

 

Encontraram-se no avião, como conspiradores, Nick passou os olhos freneticamente pela primeira classe, a procura de amigos seus ou de April. Só depois de se certificar que não havia ninguém conhecido é que condescendeu em se reunir a Lara.

Ela estava linda, toda vestida de branco. Ele achou que valia bem a pena correr o risco.

Lara recusara-se terminantemente a encontrar-se com ele em Los Angeles, dizendo-lhe que era ela ou April. Como poderia ele escolher? Ia casar com April. Lara aparecera no momento errado. Queria dar uma volta com ela, mas não estava preparado para arriscar o futuro com April Crawford.

Enzio sugerira a deslocação a Nova Iorque, na altura certa. Nick dissera a Lara que ia e sugerira que ela o acompanhasse e Surpreendentemente, ela anuíra.

-        April não deve descobrir - dissera-lhe Nick, nervosamente, para variar, ela concordara.

-        Fazemos as coisas bem feitas. Nick pensou que fora tudo bem preparado. Chegaram ao aeroporto separadamente e embarcaram separadamente. Quem poderia descobrir que estavam juntos?

Lara tinha um apartamento em Nova Iorque e Nick ia ficar no hotel com Enzio. Como Nova Iorque era muito grande, achava que se poderia perder com facilidade. Não era como em Los Angeles, onde nem sequer se podia ir mijar sem que toda a gent ficasse a saber.

Só queria estar com Lara sem que April descobrisse. Um ou dois dias deveriam ser suficientes para a afastar da cabeça. Era só uma necessidade sexual, uma luxúria passageira. claro, ela era muito bonita e bem relacionada, mas não era April CrawforcÉ April Crawford era uma estrela.

Frank era muito exigente, e, após a primeira noite, logo que chegava a casa dirigia-se ao quarto de Beth.

Acalmava-a e garantia-lhe que Anna Maria não acordaria.

Ela recebía-o no quarto antiquado por cima da cozinha. Aceittava os seus beijos e carícias, a maneira apressada como ele fazia amor.

Apesar da repulsa que sentia, tinha ao mesmo tempo pena dele. Ele representava tudo o que ela detestava e, no entanto havia naquele homem uma certa solidão que a tocava. Talvez fosse a partida cruel que a natureza lhe pregara que o tornara tão vulnerável. Isso explicava a razão por que ele sentira necessidade de uma rapariga como ela, que não fosse experiente, e, por isso incapaz de fazer comparações.

Ela aceitava o que vinha. Era suave, meiga, recíproca. Ao mesmo tempo conseguia simular uma inocencia infantil que parecia fascina-lo.

Ele comprava-lhe pequenos presentes. Uma pulseira barata, um quilo de morangos que acabou por comer. Era um amante egoísta que se satisfazia esquecendo-se dela. Nunca demorava muito tempo, bastavam-lhe dez minutos de uma rotina que era sempre igual, Gostava que ela estivesse na cama à espera dele, insistia em que ela vestisse a camisa de dormir branca. Mexia-lhe nos seios Durant alguns minutos, chupava-os até estar pronto para a montar. Penetrava-a algumas vezes e pronto.

No fim da semana já lhe falava em arranjar um apartamento. No fim da semana já ela tinha planeado como haveria de fazer para serem apanhados pela mulher dele.

Lara telefonou a Cass logo que chegou ao seu apartamento, em Nova Iorque.

- Estou a fazer progressos - informou. - April deve saber de nós pelo jornal de amanhã.

- Estás mesmo bem? - perguntou Cass, ansiosamente.

- óptima, garantiu Lara. - Quando April des cobrir que viemos juntos, ele está arrumado. Ela é demasiado orgulhosa para partilhar um homem. O mais engraçado é que nunca dormi com ele. Como está a Beth?

- Não sei, Falei com ela há uma semana e parecia perturbada. Tentei convencê-la a desistir mas não me deu ouvidos. Estou muito preocupada.

-Pois, ela é uma criança.

Lara pensou ansiosamente na irmã que mal conhecia. - Acho que temos de insistir para que ela abandone o caso. Afinal, ela tem um filho lá na comuna e terei de a convencer de que a criança precisa dela.

-        Certo - concordou Cass. - Eu estabeleço o contacto.

- E quanto à Rio? Sabes alguma coisa?

- Mandou um telegrama a dizer SUCESSO GARANTIDO.

O combinado era contactar todas as quartas-feiras. Se eu não conseguir contactar com a Beth até amanhã, irei lá a casa, faço de conta que sou da família.

- Certo - concordou Lara. - Enzio Bassalino está em Nova Iorque. É por isso que cá estou.

- Oh, meu Deus, espero que o Dukey não descubra isso, Pois passa a vida a dizer que só há uma forma de resolver as coisas.

- A morte é bom de mais para ele; o nosso plano é muito melhor-dísse Lara, surpreendida com a sua própria frieza. Desligou, foi até ao quarto de banho e escovou a cabeleira espampanante.

Achou que estava com aspecto cansado, tinha circulos sob os olhos verdes. Estava preocupada com Beth. Era uma miúda tão nova, tão pouco mundana, habituada a viver numa comuna, e agora estava fechada em casa com aquele tipo. Bem, teria que confiar em Cass para a tirar de lá.

Lara pensou em Nick. Ele era estúpido, sim. Pouco inteligente, também. Preconceituoso, também. Mas, o mais engraçado era que ela gostava dele; era uma sensação natural que não tinha nada a ver com dinheiro, posição ou título. Seria tudo mais fácil se não gostasse. Contudo, ainda tinha algo a fazer. E com Beth fora do caso isso era mais importante do que nunca.

Frank chegou do hotel com Golli e Segal. Acompanhavam-no para todo o lado, eram a sua protecção e a sua segurança. Da maneira que as coisas corriam em Nova Iorque, devia haver sarilhos por todo o lado. Na semana anterior, um dos «executivos» de Frank fora ameaçado no centro de Manhattan. Não estava para correr riscos. Golli e Segal valiam bem a exorbitancia que ele lhes pagava semanalmente. Enzio já ficara naquele hotel várias vezes, e as medidas de segurança foram as habituais. Todo o terceiro andar se encontrava inacessível, excepto para o seu pessoal. Mesmo Frank era obrigado a utilizar senhas, embora todos os seguranças de Enzio trabalhassem para ele desde que Frank era miúdo.

Enzio não gostava de caras novas. Tinha um exército permanente de vinte e cinco homens que estavam com ele havia muitos anos. Frank discutia com ele muitas vezes sobre este assunto.

- São velhos, que podem eles fazer? - Mal conseguem segurar uma arma, quanto mais usá-la.

Enzio ria-se-lhe na cara.

- Estes «velhos tipos», como lhes chamas, são mais duros e` mais espertos do que esses punks que trazes contigo. Eu sei que não serei apanhado. E tu, também tens a certeza?

Frank sentia-se seguro com Golli e Segal que eram jovens e rápidos pois já os vira em acção.

Enzio recebeu Frank calorosamente. Beijaram-se e abraçaram-se murmurando palavras de boas-vindas em italiano:

-Estás com bom aspecto - disse Enzio. - Como está a miúda? Pronta para desovar de novo?

Gostava muito de Anna Maria. Frank assentiu:

-Está óptima, ansiosa por te ver. Mas os seus pensamentos não estavam com a mulher. Estavam com Beth.

-As crianças? Estão mortas por ver o avô?

Ah, claro, hoje há o jantar, a Anna Maria está a preparar o teu esparguete preferido.

- óptimo - disse Enzio, tornando-se sério. - Estou muito preocupado com as notícias que me têm chegado. Muito preocupado mesmo.

Frank voltou-se para a janela.

-Está tudo sob controlo -disse, com voz tensa.

- Será que o Tommassio Vitorefli concorda contigo? - perguntou Enzio. - Não vamos discutir por causa disto, Frank, não estou aqui para me chatear.

-Discutiremos isso esta noite depois do jantar, quando o Nick cá estiver.

- Claro - disse Frank, sorrindo -, claro, velho, tudo vai correr bem.

 

Duckey K. Williams estava satisfeito. O ataque à Lanterna Mágica fora um êxito completo. Tommassio Vitorelli, um homem importante na organização de Bassalino fora despachado, e os donos de outros clubes e restaurantes andavam amedrontados, receosos de receber o mesmo tratamento.

Que os Bassalinos suassem à vontade. Era um bom começo. Leroy Jesus Bauls também estava satisfeito. A ideia fora sua. Dukey K. Williams fora ter com ele.

Dukey K. Wílliams estava disposto a deixar Leroy actuar à sua maneira.

Dukey K. Williams ia dar-lhe a ganhar muito dinheiro, muito dinheiro.

Bem, tudo estava bem para um tipo que começara a vida com tudo contra si.

A sua mãe sueca fora uma prostituta e o pai um chulo, e, assim que pudera, saíra de casa. Para ele, era como se estivessem mortos, e não se importava nada que de facto estivessem.

Bem parecido desde muito jovem, Leroy nunca tinha dificuldade para arranjar uma cama onde dormir, e, se quisesse seguir a profissão do pai, propostas não lhe faltavam. Mas Leroy não tinha vontade de ser sustentado por nenhuma mulher juntou-se a um gang de rua e andou com eles durante algum tempo. Coisa pequena, assaltos a bêbedos e velhotas e a lojas da vizinhança. Quando os lucros eram divididos, não tocava quase nada a cada um. Leroy percebeu que tinha de se mudar para melhor. Decidiu que os narcóticos eram o negócio que lhe convinha. já fumara erva e experimentara ácido por duas vezes. Não lhe provocara nenhum efeito. Isso era bom. Para se estar no negócio dos narcóticos era necessário ter o espírito frio e, acima de tudo, não se ser participante. já vira o que as drogas faziam às pessoas, a forma como afectam o seu aspecto. Não queria isso. Mas negociar já era outra coisa que poderia dar muito dinheiro.

Conhecia as pessoas. Era jovem, bem parecido e convincente. Escolheu a área onde queria operar, e, depois de ter uma pequena conversa com um amigo, entrou no negócio. Depressa descobriu que não era coisa facil. A zona já estava coberta. Avisaram-no para -se afastar. Comprou uma arma com os lucros da primeira semana. Pensavam que ele era algum miúdo, facilmente manobrável.

Havia três tipos que se estavam a meter no seu caminho. No espaço de um mês, todos eles foram mortos a tiro. A arma de Leroy foi muito bem embrulhada num plástico, juntamente com algumas pedras e colocada no fundo do rio.

Com os lucros da quinta semana comprou outra. Tinha nessa altura dezasseis anos.

Durante um ano concentrou-se unicamente no negócio. Trabalhava por conta propria, e tinha boas fontes de fornecimento. Guardava bem o dinheiro e tinha a arma sempre à mão. Ninguém o incomodava. Conquistou reputação. Tinha a sua propria área e não se atravessava no caminho de ninguém. Vivia sozinho num quarto alugado. Nunca saía, excepto para tratar de negócios. Raramente gastava dinheiro.

No fim do ano já tinha uma quantia substancial. O suficiente para comprar um carro, um novo guarda-roupa e alugar um apartamento decente.

Comprou um Mercedes negro e vários fatos pretos especialmente feitos para ele. Mobilou o apartamento com couro negro. Parecia ter mais do que dezassete anos.

Leroy verificou que com este novo padrão de vida gastava mais dinheiro. Assim, contratou dois amigos para trabalharem no sua area e mudou-se para teritório novo.

Passados dias foi informado que Bosco Sam queria falar con ele. Bosco Sam era poderoso de mais para ser ignorado, por isso foi ter com ele.

Chegaram a acordo. Leroy ficaria com a área que já controlava, e, em vez de perturbar a acção de Bosco Sam, este arranjar-lhe-ia umas coisas que lhe renderiam mais dinheiro do que o que ganhava no negócio das drogas.

Leroy gostou da ideia. Mais dinheiro por menos trabalho, e ainda mantinha uns tipos a trabalhar na sua área.

No primeiro ano, Bosco Sam contratou-o para três trabalhinhos. Leroy executou-os com limpeza. Estava a subir. Começava a ficar famoso e isso só lhe fazia bem, naquele mundo onde escolhera trabalhar. Agora, passados quatro anos, Leroy Jesus Bauls, era um perito na sua profissão. Deixara-se há muito do negócio das drogas. Empregara o seu tempo livre a estudar explosivos, electrónica e bombas. Não havia nada que não soubesse, desde fazer explodir um avião, até colocar uma bomba num banco que só explodisse passadas três semanas. Era um assassino free lance. O melhor.

Só ele tinha a reputação de correr riscos.

Fazia-se pagar por todos os riscos que corria, e bem. Agora, aguardava.

Duckey K..Wílliams informá-lo-ía quando deveria voltar a actuar, e Leroy estava preparado.

 

Oapartamento de Angelo em Mayfaír era pequeno. Sala, cozinha e quarto de banho. Esmerara-se no quarto. As paredes eram negras, com peles de leopardo e tigre penduradas, o chão estava coberto por uma carpeta peluda, o tecto era um caleidoscópio de espelhos coloridos. A cama dominava o quarto. Fazia tudo automaticamente, desde girar em circulo lento, até fazer aparecer a televisão, aparelho de rádio, e café, com o toque de um dedo.

Angelo perguntou, orgulhoso:

- Gostas?

Rio ignorou a pergunta.

- Arranja uma cama de água, filho -foi o seu único comentário.

Estavam ambos pedrados. Após a apresentação inicial de Rio, ele não perdera tempo em livrar-se da acompanhante loira e em se juntar ao grupo de Rio. Ela não esteve com rodeios, fazendo comentários em voz alta sobre os machões italianos.

Era o centro das atenções, excentrica nos seus saltos altos de prostituta que lhe davam uma altura ridiculamente desproporcionada. Ocorpo esguio, ondulando na pista de dança, enfiado num vestido transparente que lhe esvoaçava a volta do corpo. Montes de pulseiras de prata em ambos os braços e símbolos de fertilidade à volta do pescoço. A maquilhagem era pesada e o seu cabel longo e negro estava oculto sob uma peruca africana, escarlat. Dançou com toda a gente, transpirando sexualidade e excitação a grande voltagem. Angelo estava satisfeito a observá-la porque sabia que ela iria para casa com ele.

Sentou-se e apreciou o espectáculo. Lembrou-se de há uns anos atrás. Trabalhava nessa altura para o irmão Frank, e um dia ele mandara-o entregar uma encomenda a casa de Billy Express.

- Pessoalmente - avisara Frank -, entrega pessoalmente. Billy não estava em casa e disseram a Angelo para esperar. Ficou chateado pois não gostava de ser paquete. Mas depois ouvira ruídos, ruídos inconfundíveis, e fora investigar em bicos de pés.

Os ruídos vinham do quarto junto ao estudio onde se encontrava. Abriu uma nesga da porta e espreitou. Rio e um chinês encontravam-se no chão. Ela estava nua, de pernas abertas, e por cima, o chinês muito quieto, enquanto ela gemia alto. De vez em quando o chínes mexia-se, enfiando-se mais dentro dela, recuand e depois tornando a investir. Rio estava cada vez mais excitada subitamente, agarrou-se a ele, cruzando as pernas longas e esguias à volta do pescoço dele, gritando em completo abandono. Angelo fechou a porta rapidamente. Sentia-se muito excitado, e, logo após ter entregado a encomenda a Billy Express, correu para a casa da Carita.

- já são quatro vezes esta semana - queixou-se Carita. - disse a Frank que podias ter duas borlas. Pensas que isto é quê? Eu dirijo um negócio, não uma instituição de caridade.

Angelo ficara sempre com aquela recordação. E agora Rio Java encontrava-se em Londres, no seu apartamento, e ele estava tão excitado como no dia em que fora entregar a encomenda a Billy Express. Rio esticou-se, e com alguns movimentos o vestido caiu-lhe aos pés. Não trazia nada por baixo. Só restava a peruca e os sapatos de salto alto. Era muito magra e ossuda, quase sem peito, com mamilos incrivelmente negros e erectos. Nos meios do cinema underground os seus mamilos eram famosos, tendo sido fotografados por Billy Express de todos os âmgolos. Eram quase tão famosos como as latas de Campbell de Andy Warh.

Angelo arrancou as roupas, ansioso por a acompanhar. Baixou as luzes e pôs uma cassette de James Brown.

Os olhos de Rio examinaram-no. À É só isto? - perguntou, e depois desatou a rir.

Angelo sorriu, sem perceber muito bem o que ela queria dizer. Estava com muito tesão... ela não se estava com certeza a refeferir-se a ele... Era sempre recebido por ohs! e ahs!, - não por risadinhas trocistas.

- Então, meu menino - disse Rio. - Por onde começamos? Angelo aproximou-se dela. Desejou que ela tirasse os sapatos, pois assim ficariam mais ou menos da mesma altura. Os sapatos davam a Rio uma vantagem que a ele não agradava.

Faziam-no sentir mais pequeno. Ela movia o corpo ao som da música, abrindo as pernas, ao som de Sex Machine.

- Eh - disse ele -, tira os sapatos.

-Mas, filho, eu gosto dos meus sapatos -disse Rio exagerando o sotaque sulista. - Fazem-me sentir grande e má. bom para tratar rapazinhos maus como Angelo -Bassalino.

Ele agarrou-a pelo pulso.

- Mostra-me cá o material, Ó super macho - desafiou ela. Vamos lá... vamos... vamos lá... como uma máquina de sexo -cantõu Rio, acompanhando James Brown, enquanto Angelo a apertava mais e a puxava para a cama. Continuou a cantar Vamos lá... vamos querido.

Ele pôs-se em cima dela, e antes que tivesse tempo de se aperceber, ela cruzou as pernas aprisionando-o, e, com um movimento, esticou a pélvis e a pressão foi tão grande que ele se veio de imediato.

Ela começou a rir, trocista. Fora uma questão de segundos. -Olha lá, filho, o que és tu, um coelho?

Riu ainda mais quando Angelo se afastou, tentando perceber o que se passara. Enfiara-se dentro dela, e pronto.

Rio rebolou na cama.

- O interIudio é de quanto tempo? -perguntou queixosa, arrancando a peruca, soltando o cabelo negro e brilhante.

Para crédito seu, Angelo voltou a ficar com tesão. Orgulhava-se sempre da sua resistência. Conseguia aguentar horas se fosse preciso. A força da mente acima de tudo, era esse o segredo. E a sua mente estivera provavelmente a pensar na primeira vez que a vira.

Passou-lhe a língua pelos seios.

- Vamos foder, querido - disse ela, bruscamente. É para isso que aqui estou. Tratamos das coisas com a língua mais tarde. Rolou sobre o estOmago e ele penetrou-a por trás. Quando ele estava bem dentro dela, ela juntou as pernas e afastou-se um Pouco. E novamente ele teve aquela sensação incrível, e não pode impedir-se de se vir, um orgasmo esplêndido, que nenhuma força da mente podia deter.

- Raios! - exclamou Rio, zangada. - Há quanto tempo fodes?

Angelo estava confuso, deixou-se ficar estendido na cama. Fechou os olhos. Cinco minutos de repouso e voltaria a ter força. James Brown cantava It s a Man, Man s World. Angelo adormeceu.

Sorridente, Rio levantou-se e vestiu-se. Fora um bom começo. Colocou a peruca e dançou, de saltos altos> cantando baixinho. Depois, com o bâton castanho, escreveu no espelho do quarto de banho, «DEVES ESTAR A BRINCAR!»

Depois saiu.

 

Mary Ann August estava satisfeitíssima por Enzio ter decidido levá-la a Nova Iorque com ele. Nunca -o admitira a não ser para si própría, mas achava Miami terrivelmente maçadora. Não era tanto Miami, mas mais o facto de lhe não ser permitido andar à sua vontade e de as pessoas que apareciam lá em casa serem velhas. E depois, claro, havia sempre a mulher a espreitar pela janela. Era muito enervante ter um par de olhos loucos a seguirem-na por toda a parte.

- Quem é? - perguntara Mary Ann, alarmada, quando a vira pela primeira vez.

- Esquece - respondeu Enzio, sucíntamente. - Ignora-a, e que eu não te apanhe nunca perto do quarto dela.

Mary Anne percebera que não deveria ir mais além, mas isso , não a impediu de falar com a criada que levava as refeições ao quarto duas vezes por dia.

A rapariga era italiana e tinha medo de falar, mas gradualmente Mary Ann conseguiu chegar à conclusão que ela era a mulher de Enzio.

Mary Ann estava assustada, mas, à medida que as semanas passavam a meses, esqueceu o olhar louco, ignorando-o. Era simpatico da parte de Enzio, pensou ela, manter a velha ali e não a meter nalgum manicómio.

Mary Ann queria fazer montes de coisas em Nova Iorque. Queria comprar roupa, ir a algum espectáculo e visitar os melhores restaurantes. Logo que chegaram, Enzio -fechou-a no quarto do hotel e disse-lhe para se conservar ali até ele dar ordens em contrário.

Tinham chegado de manhã e agora eram sete da tarde. Mary Ann estava chateada, esfomeada e farta.

Sentou-se na cama de pernas cruzadas, com os olhos azuis fixos na televisão.

A princípio não ouviu baterem à porta, mas logo em seguida Alio Marcusi entrou.

-Oh, és tu-disse ela.-Onde está Enzio?

Alio sorriu, Tinha tomado banho e vestira o fato novo azul. Os poucos cabelos que lhe restavam estavam untados com brilhantina. Enzio passara-lhe ordem. Pôs Mary Ann a andar. Havia um lugar para ela em Los Angeles. Enzio deixava sempre que Alio desse uma volta quando rompia com alguma rapariga. Sempre fora assim, há trinta anos que assim era. Às vezes objectavam, e eram essas que Alio preferia. Na sua idade, era difícil pôr-se direito em circunstâncias normais.

- Ele não vem - disse Alio, suavemente. - Tenho um recado para ti...

 

Havia velas sobre a mesa em casa de Frank Bassalino, as crianças tinham tomado banho e vestido os seus melhores fatos e estavam sentadas muito direitas, à mesa. Frank dera o seu lugar ao pai e sentara-se à sua direita. Anna Maria estava sentada nervosamente do outro lado.

Nick brincava com as duas crianças mais jovens. Não tinha querido vir, preferia ter passado a noite com Lara. Mas Enzio insistira, e não era homem com quem se pudesse discutir.

Nick combinara encontrar-se com Lara mais tarde. Ela não se importara, sorrira e dissera:

-Claro que entendo. Família é família. April teria resmungado durante uma semana.

- Eh - disse Enzio -, a Anna Maria faz o melhor spaghetti da cidade. És um felizardo, Frank, um felizardo. Enzio fez uma pausa para arrotar alto. -Mas eu podia dar-lhe alguns conselhos quanto ao molho... um pouco mais de ervas... um vinho mais forte...

Anna Maria ríu-se nervosamente. Frank olhou para Beth, que entrara na sala para ajudar os miúdos mais novos a comer. Tinha o cabelo comprido atado atrás e parecia pálida. Perguntou-se se Anna Maria levaria muito tempo a adormecer e se faltaria muito tempo para se juntar com Beth. Mas havia negócios a tratar depois do jantar, poderia tornar-se numa longa noite. Mais tarde, Enzio mandou Anna Maria e as crianças saírem da sala.

Bebeu um cálice de Sambuca e os seus olhos estavam fixados em Frank enquanto falava.

- Não é preciso muito tempo - disse ele, amargamente - para se espalhar a notícia de que um tipo não tem tomates.

- Oque? - perguntou Frank, sentindo-se enraivecido e frustrado.

- No nosso meio, quando alguem ataca, ter-se-á que responder imediatamente. Não se pode andar por aí.

- Tenho andado a ver se descubro quem é o responsável.

- Foda-se! - gritou Enzio, aos berros. - Que interessa quem é o responsável? Vê se passas à acção. Não deixes que ninguém te cague em cima, Frank, meu rapaz. Se deixares, vais acabar mal.

Lara percorreu o apartamento como uma estranha. Detestou o padrão do tecto, as paredes a condizer, a pequena mesa redonda com uma colecção de interessantes caixas em miniatura.

Detestou as plantas exóticas que trepavam pela parede espelhada do bati. já não suportava os tapetes de pele de zebra, os cadeirões de couro castanho.

O apartamento fora decorado por um decorador e o único local, onde Lara se sentia à vontade era o quarto de banho. Ali, entre as prateleiras de produtos de maquilhagem, espelhos, sprays e escovas, conseguia descontrair-se.

O apartamento fora decorado com o fim de ficar parecido com o das revistas. E, de facto, ficara parecido. Lara passara,” mais tempo a ser fotografada ali do que propriamente a viver lá. ` Decidiu que, quando todo o assunto com Nick estivesse resolvido, o venderia. Não valia a pena estar rodeada por coisas que correspondiam aos gostos das outras pessoas.

Mas quando estaria acabado o assunto de Nick? Não estava ainda no princípio? Às vezes Lara sentia-se baralhada. Iria resultar? Ofacto de Apríl poder dar com os pés a Nick iria afectá-lo muito? E depois de o consolar durante algumas semanas, quando ela o deixasse, que aconteceria? Mesmo que ele ficasse abalado, em que medida, isso iria afectar Enzio Bassalino? Lara suspirou. Queria colaborar, e, na altura, a ideia de Rio parecera perfeita, mas agora... Lara já não se sentia segura.

Talvez Dukey tivesse razão.

Lara vestiu-se para ir ter com Nick ao Le Club. Um vestido de jersey preto, muito justo, sem costas. Um colar do Afeganistão e braceletes de prata batida até meio do braço.

Aquela iria ser a noite. Levá-lo-ia para a cama e mantê-lo-ía lá. até ele ler a coluna social dos jornais da manhã. Quanto mais tempo ele demorasse a telefonar a Apríl, melhor.

Lara riu-se. Margaret não teria apreciado aquele plano. Margaret ter-se-ia envergonhado por elas recorrerem ao sexo para conseguirem o que pretendiam.

O telefone tocou.

- Lara? És tu, Lara?

- Oh, Alfa. Como soubeste que eu estava aqui?

- Telefono todos os dias - disse o príncipe Alfa, indignado. -Todos os dias tento, sem obter resposta. Como achas que me sinto?

- Desculpa, mas tive de ir à Costa.

- Lara, mas, Lara - suspirou ele -, podias ter-me telefonado.

- já pedi desculpa -atirou Lara.

-Bom, agora que já te tenho, esqueçamos o assunto -disse o príncipe Alfa, concluindo que não valia a pena discutir. - Queres que vá ter ai?

- Não.

- Bem, então vens tu para cá. Amanhã. Vou-te buscar ao aeroporto de Roma e depois seguimos para Ostaad, para o Gamão.

- Não.

- Lara, querida. Pões-me doido.

- Dá-me mais uns dias. Depois vou ter contigo a Ostaad.

- Quantos dias?

- Não me pressiones. Ouve, por que não me telefonas amanhã?

Desligou rapidamente e ignorou o telefone quando ele voltou a tocar.

O Príncipe Alfa fora um estupor mimado durante toda a vida, portanto só lhe faria bem esperar. Além disso, ela não queria chegar atrasada ao encontro com Nick.

 

Angelo telefonou a Rio algumas dez vezes até a apanhar. -Olá-disse ele.-Acerca da outra noite...

- Nada de desculpas - disse Rio com um riso gutural. - Eu compreendo, sou uma dama muito compreensiva.

-Posso ver-te esta noite?

-Ouve, por muito compreensiva que eu seja, tu e eu não funcionamos na mesma onda.

-A outra noite foi um engano -disse Angelo, rapidamente.

- Olha, não me quero gabar, mas...

Rio- interrompeu-o sem peias.

- És um queridínho com tesão para miudinhas, mas tu e eu não fazemos parte da mesma equipa.

Angelo sentiu que toda a sua reputação estava em xeque.

- Eh, eu posso explicar a outra noite, foi...

- Pois, pois foi - disse ela, desligando.

Angelo atirou com o telefone, furioso. Como se atrevia aquela drogada dar-lhe com os pés? Queria vê-la, mostrar-lhe. Não suportava a ideia de que ela o visse como um falhado sexual. Era óptimo na cama. Inumeras mulheres lho tinham dito. Conseguia aguentar-se durante horas, tinha um controlo incrível. Agarrou no telefone e ligou para a amiguinha casada.

-Vou já aí-informou.

-Não posso, um dos miúdos está doente.

Desligou, mal disposto. Estaria a perder os atributos?

Ligou para a amiga que trabalhava no casino. Ela chegou passada uma hora e enfiaram-se na cama. Deu-lhe acção contínua e inúmeros orgasmos durante duas horas. Ela gritava e gemia. Verificou que não conseguia vir-se e ainda estava teso quando saiu , de dentro dela.

Voltou a telefonar para Rio.

- Estás muito ansioso - comentou ela. - Não gosto de tipos ansiosos. Põem-me mal disposta.

- Posso ir ai? - perguntou ele.

Ela consultou o reógio; eram seis horas.

- OK. Aparece já. - Desligou o telefone e saiu.

Angelo esperou à porta do apartamento alugado, durante uma hora, tocando constantemente à campainha, sem obter resposta. Estava furioso. Quem raio pensava ela que era? X

Finalmente, dirigiu-se a um bar ali próximo e tomou algumas bebidas. Depois, telefonou-lhe e não obteve resposta. Tomou mais alguns uísques. Não gostava de beber. Uma erva, sim. Quando chegou ao casino já ia bêbedo e Eddio Fernatino mandou-o para casa.

Telefonou para uma amiga e levou-a ao Tramp. Rio estava lá, rodeada pelos amigos.

-És uma puta -sussurrou ele.

E tu és péssimo na cama - retribuiu ela.

Vem comigo agora e faço-te engolir essas palavras - desafiou ele.

-Não é em palavras que estou interessada- disse ela, trocísta.

- Não são palavras que vais ter - respondeu ele, nitidamente bêbedo.

-Vamos - disse Rio. Apanharam um táxi. Rio arrancou a roupa logo que chegaram ao apartamento. Angelo percebeu que tinha cometido um erro. A bebida tornara-o flacido e tonto.

- Então? - inquiriu Rio, de mãos nas ancas e pernas abertas. -Tira lá a roupa, filho.

Ela própria o despiu e ele nem conseguiu sequer endireitar-se. Sentia-se envergonhado e indisposto.

Ela riu-se-lhe na cara. - Telefona quando cresceres. Vestiu-se e saiu.

 

Já era muito tarde quando Nick saiu de casa de Frank. Houvera muita coisa a discutir, muitos problemas. Níck achou que não tinha muito a ver com aquilo, pois as coisas na Califórnia corriam bem e os distúrbios em Nova Iorque não lhe diziam respeito.

- Putan! - grítara-lhe Enzio quando ele dissera aquilo. - Oque acontece hoje aqui acontece amanhã ali. Pensas que estas protegido por algum anjo-da-guarda? Tretas.

Tanto Enzio como Frank estavam furiosos com ele por ter viajado sem guarda-costas.

- Não se anda em Nova Iorque a descoberto - dissera Enzio, e Frank concordara imediatamente.

Mandaram embora o carro e o motorista que Nick tinha con tratado, substituindo-o por dois dos homens de Frank. Nick perguntou-se como é que Lara se iria sentir com dois matulões plantados à porta do seu apartamento quando estivessem juntos. Chegou tarde ao Le Club. Lara estava com um grupo de amigos que Nick felizmente não conhecia. Apresentou-o contrá vontade dele. Quant menos pessoas soubessem quem ele era, melhor.

Olhou à volta, mas não viu rostos conhecidos. óptimo. De qualquer modo, não estava sozinho com Lara, seria difícil conclui que estavam juntos. Até tinha chegado depois dela.

Nick descontraiu-se. Lara, estava linda, como sempre. Queria tocá-la, abraçá-la. Estava farto de se encontrar com ela em discotecas e festas.

- Vamos - sussurrou-lhe, tocando-lhe na perna sob a mesa.

- Ainda agora chegaste - disse Lara, gentilmente. - Não seria correcto.

- Ouve - disse ele, apertando-lhe mais a perna. - Estou-me nas tintas.

- Estás? - perguntou ela, com voz divertida. - Oh, como clima altera as tuas atitudes. Vamos dançar.

Ele não queria dançar. Queria era sair dali.

Lara arrastou-o até à pista de dança e encostou-se bem a ele--Sentiu a excitação, a promessa do que viria depois. Que April, fosse para o diabo, era livre, ainda não tinham casado.

Havia um restaurante italiano chamado Pinocchios em Nova Iorque que recebia principescamente Enzio Bassalino, cada vez que ele se deslocava à cidade. Era um restaurante familiar. Mãe, pai, duas filhas e um filho. Antecipavam-se aos desejos de Enzio, e , na noite em que ele os visitava, só eram cedidas mesas a pessoas com quem ele se dava.

Numa das mesas estava sentado Kosta Gennas. Um homem, pequeno, sempre a suar, com dentes podres e pele enrugada. Parecia incongruente estar sentado junto das três raparigas mais bonitas que se encontravam na sala.

Gennas mascava a ponta de um charuto e chupava o seu uisque por uma palhinha especial de prata.

Ninguem à mesa falava. As raparigas, três tipos diferentes de beleza, olhavam em frente com ar vazio. Todas tinham penteados antiquados, cada uma de sua cor. Seios grandes, pernas compridas. Kosta Gennas levantou-se abruptamente quando Enzio Bassalino entrou. Enzio cumprimentou-o com um aceno de cabeça e só passada uma hora o chamou para a sua mesa.

- Gosto da loira disse Enzio. - Qual é a história dela?

- Dezanove anos respondeu Kosta, rapidamente. - Boa rapariga, está connosco, só há dois meses. Casou com um palerma qualquer e quando ele a deixou chegou à conclusão que havia boas formas de ganhar dinheiro. Estávamos a poupar dinheiro para a mandar para o Brasil, pois lá faria sucesso. Claro que, quando ouvimos dizer que andavas à procura, aguentámos...

-Ela é limpa? -perguntou Enzio.

- Se ela é limpa? - repetiu Kosta, estupefacto, olhando para os seis ou sete acompanhantes masculinos de Enzio. - Ele pergunta se ela é limpa. Ora...

-Chega-disse Enzio, abruptamente. Não gostava de Kosta, nunca gostara. Mas ele tinha sempre as melhores raparigas e conhecia bem os gostos de Enzio.

- Manda-a cá -resmungou Enzio.

A rapariga apareceu, bamboleando-se em cima de saltos ridiculamente altos. Sorriu nervosamente. Enzio fez-lhe sinal para que se sentasse junto dele. Observou-a com atenção. Um rosto bonito, comprido, dominado por lábios vermelhos carnudos. Olhos verde-acizentados e sardas que se esforçara por disfarçar. Ocorpo era perfeito.

--Qual é o teu nome, querida? -perguntou Enzio, simpaticamente.

- Miriam - sussurou ela numa imitação da voz de Marilyn Monroe.

-Bem, Miriam-disse Enzio, devorando com os olhos o decote amplo - gostavas de ir viver para a minha casa em Miami?

Anna Maria punha o relógio a despertar todos os dias para as seis da manhã. Depois, pesadona, ia até à cozinha onde gostava de se sentar a beber chá quente e a ver o nascer do Sol. Nunca confiava a ninguém a tarefa de preparar o pequeno-almoço para os miúdos. Gostava de ser ela a fazê-lo, cozendo as papas de aveia; quando todos apareciam, Anna Maria já tinha tudo pronto.

Era uma rapariga robusta, mas após quatro partos as pernas começavam a fraquejar e a barriga estava exageradamente grande. Desejava que o parto fosse em breve, Frank afastava-se enquanto ela estava grávida. Nunca lhe tocava, evitava até olhar para ela. Não lhe dizia nada, mas ela sabia e isso entristecia-a. Afinal, fora ele quem quisera muitos filhos. Anna Maria dirigiu-se ao quarto de vestir. Estava exausta, esperava que fosse nesse dia, Fora fatigante receber Enzio, tinha cozinhado tanto, preparando os seus pratos preferidos. As crianças, mais excitadas do que habítualmente. Frank, macambúzio e nervoso. Parecia que se tínha acabado de deitar e já era novo dia.

Entrou pesadamente na cozinha, acendeu a luz e ficou olhar com incredulidade o marido, Frank. Estava deitado sobre Beth que estava encostada à mesa da cozinha. Tinha o rosto congestionado e arfava. Conservava as roupas, mas Beth estava nua, com a camisa de dormir amorrotada aos pés.

Anna Maria levou a mão ao crucifixo que usava ao pescoço, e, com olhos magoados, começou a murmurar em italiano.

- Meu Deus! - exclamou Frank. Estava prestes a atingir o clímax. Beth afastara-o cedo de mais e o seu sêmen caíra no chão da cozinha. O insulto final.

- Grande cabra! - gritou para Anna Maria. - A espiar-me sua puta!

Anna Maria -começou a correr, mas foi tarde de mais. Frank seguíu-a de braço levantado, descontrolado. Quando lhe bateu, ela caiu e ele ficou por cima, preparado para continuar a agredi-la.

Beth não queria acreditar no que estava a acontecer. Não tinha preparado as coisas assim. Quando alterara as horas no despertador de Anna Maria, era para ser apanhada com Frank, mas não contara com a reacção enfurecida dele. Por momentos, ficou paralisada. E depois, apercebendo-se do que ele estava a fazer à mulher, atirou-se a ele, tentando detê-lo e implorando-lhe que parasse. Subitamente, ele pareceu aperceber-se do que estava a fazer e parou.

- Oh, meu Deus! - gemeu. - Meu Deus!

Anna Maria estava imóvel, e, por momentos, Beth receou que estivesse morta. Mas ouvia uma respiração ténue, e, sem uma palavra, Frank chamou uma ambulância.

Frank chorava, com Anna Maria nos braços, quando a ambulâncía chegou.

- Caiu pelas escad as - disse aos enfermeiros.

Estes trocaram olhares. já conheciam aquela desculpa.

Então Anna Maria começou a gemer. Gemidos horríveis e , animalescos.

- Levem-na depressa para o hospital - disse Beth. - Acho que vai ter o bebé.

 

Leroy Jesus Bauls viu a ambulância parar à frente da casa de Frank Bassalino, sem demonstrar qualquer interesse. Mascava pastílha elástica, lenta e metodicamente. Retirou a pastilha da boca e fez com ela uma bola que rolou entre os dedos.

Que fácil seria arrumar Frank Bassalino. Uma bala bem disparada entre os olhos, e pronto. Quando os dois palermas que aparentemente o protegiam aparecessem, Leroy Bauls já teria desaparecido há muito.

Frank era um alvo mais fácil do que o velho. Enzio Bassalino sabia bem como se devia proteger e, para onde quer que fosse, ia sempre bem guardado. Claro que se protegia à moda antiga e havia muitas formas de o apanhar.

Leroy bocejou. Era uma pena não poder fazer nada. Mas sabia bem qual era a sua tarefa e saberia escolher a ocasião.

Se Dukey K. Wílliams lhe desse ordem para o ataque final... Atirou a pastilha para o chão. Tinha que fazer. Estava provado que os Bassalino eram uma família teimosa, mas aprenderiam...

Leroy dirigiu-se lentamente para a carrinha que tinha alugado. Vestia roupas baratas com as palavras «Lavandarias Samons», escritas na T-shirt. Dentro da carrinha, vestiu uma capa de pele preta. Sorriu. já estava a ouvir as testemunhas: «Sim. Era um rapaz negro com cerca de vinte anos... magro... Como raio hei-de lembrar-me da cara dele? Era preto.»

- Somos todos iguais - murmurou Leroy. - Lindos. Conduziu a carrinha com cuidado. Não lhe convinha nada ter um acidente, Não lhe convinha mesmo nada.

Barberellís era um grande restaurante italiano com bar, situado numa rua principal. Leroy estacionou a carrinha mesmo em frente. Retirou um saco de lavandaria do banco traseiro, e transportou-o com dificuldade lá para dentro.

Havia uma rapariga sentada atrás da caixa registadora e um velho batia, distraidamente, com uma vassoura no chão.

- dia - cantarolou Leroy. - Lavandaria Samons. Entrega de roupas. Onde ponho isto?

A rapariga olhou vagamente. Só trabalhava ali havia uma semana.

- Não sei - respondeu. - Ainda não veio ninguem. É melhor deixar em cima de uma mesa.

-Está bem.

Assobiando, Leroy escolheu uma mesa junto à janela. O velho não levantou os olhos.

-Passo por cá amanhã. -disse Leroy.

OK - disse a rapariga, desinteressadamente. Sempre a assobiar, Leroy saiu.

Três quarteirões mais à frente ouviu a explosão. Deu-lhe uma sensação estranha, quase sensual, de prazer. Retirou uma pâstilha elástica da embalagem com muito cuidado. ainda com mais cuidado conduziu a carrinha até à próxima paragem.

Manny era um clube nocturno e a porta da frente estava fechada. Leroy retirou o saco da roupa e dirigíu-se para as traseiras. A porta estava aberta, não se via ninguém por ali. Passou por vários camarins sujos, passou a pista de dança e colocou o saco no chão. Transpirava levemente, o saco era pesado e não tinha muito tempo. Quando se preparava para sair, abriu-se a porta do quarto de banho das mulheres e uma voz disse:

-Eh, rapaz, que estás a fazer? Leroy sorriu.

- Lavandarias Samons -disse.

A mulher avançou. Era gorda e idosa, devia ser a mulher a dias, e com ela estava uma criança de olhos brilhantes. O que perturbou Leroy foi o facto de serem ambas negras.

-Não damos a roupa a nenhuma Lavandaria Samons-disa a velha. - Por isso, pega lá no saco e põe-te a andar.

Leroy olhou para o relógío. O tempo voava.

«Merda!», gritou uma voz na sua cabeça. Merda! Merda! Merda! Sai daí depressa, dizia-lhe a voz. Mas não os podia deixar. Os negros não matam negros.

Bem, senhora - disse Leroy, calmamente -, se quiser venha cá fora, diga isso mesmo ao motorista.

A mulher olhou-o desconfiada, depois disse para a criança:

Tu ficas aqui, Vera May. Não toques, em nada, ouviste?

Leroy pensou rapidamente. Dizer-lhes a verdade? Não, a velha não iria acreditar. De qualquer modo, não havia tempo. Impulsivamente, agarrou na criança e começou a correr por onde tinha vindo. A criança começou a gritar. Leroy olhou para trás. Abanando os braços em panico, a velha seguia-os. Na sua cabeça começou a contagem sessenta, cinquenta e nove cinquenta e oito. já não havia tempo para levar a carrinha. EXplodiria com o edifício. Quarenta e cinco, quarenta e quatro, quarenta e três. Cáá fora, finalmente.

Cala-te - murmurou para a criança. A velha apareceria em breve. Tinham de afastar-se pelo menos um quarteirão. Desceu a rua a correr,agarrando a criança, e atrás de si ouviu os gritos da velha: Parem esse homem! Detenham-no! Leva a minha Vera May, ha menina! os transeuntes olharam para ele, mas nenhum tentou deté-lo. Eram gente de Nova Iorque, não eram tolos. Na esquina parou. poisou a criança sobre o passeio.

-Fica aqui-disse, e viu que a velha se aproximava. Correu para o metro, aborrecido com a sua fraqueza.

Então ouviu os ruídos da explosão. Olhou para trás. A mulher e a criança estavam juntas, paralisadas, enquanto as pessoas corriam em direcção ao local da explosão. Leroy desceu as escadas que conduziam ao metro. Nas latrínas, desfez-se da roupa. Fora uma boa manhã de trabalho. Ensinara umas coisas à família Bassalino.

Dukey K. Williams ficaria mais do que satisfeito.

 

Angelo não sabia o que era, Era uma sensação que lhe apertava os testículos e não lhe saía da cabeça. Rio Java-Rio Java. Só conseguia pensar em Rio Java.

Seria amor? - pensou. amargamente. Aquela obcessão não, podia ser amor. Ela não era uma mulher bela nem sequer era muito nova. Era uma vadía. Uma vadia alta.

Decidiu esquecê-la.

O pai telefonou de Nova Iorque. Havia sarilhos por todo o lado e ameaças. Era melhor ele andar protegido.

Oh, vamos lá -argumentou Angelo. O pai falava como um gangster de filme.

Lê os jornais, meu estúpído, e logo vês o que está a acontecer por todo o lado. És meu filho, e isso faz de ti um alvo. Vou mandar os Stevestos arranjarem-te um guarda-costas.

Angelo resmungou.

- Ouça...

- Ouve tu. Disseram-me que andas por aí bêbedo. Vê lá se te endireitas, senão voltas para cá. É isso que queres?

Angelo engoliu uma resposta torta. Gostava de Londres. an lia, melhor. Quanto maior fosse a dístáncia entre ele e a família.

Um homem chamado Shifty Fly foi encarregado de o proteger. Angelo ficou aborrecido por ter de andar acompanhado de um lado para o outro.

Shifty Fly era um homem magro, de olhos aguados, com uma arma debaixo do casaco cinzento que usava sempre.

- Estão a gozar comigo - queixou-se Angelo a Eddie Ferrantino.

Eddie olhou para ele e admirou-se mais uma vez que aquele palerma barbudo pudesse ser filho de Enzio Bassalino.

- Faz como o teu pai diz, sê bom rapazinho.

Merda para aquela conversa de bom rapazinho. Angelo estava farto daquilo. Primeiro Rio, e agora Eddie. Quem raio pensavam que eram?

Levara as diversas namoradas para a cama e nunca houvera queixas. Fez força para não contactar com Rio. Ela não lhe convinha.

Aguentou uma semana e depois telefonou-lhe.

- Ei, Rio, aqui é o Angelo.

-Angelo, quê?

Cabra! 1 Angelo Bassalino.

- Deixa-me ver se me lembro de algum -Angelo Bassalino. Ele riu-se nervosamente.

- Deixa-te de merdas. Pensei qe gostasses de ir jantar. -Gosto sempre de jantar. Na verdade, até janto todas as noites. E tu, também jantas todas as noites?

Sim.

- Então porque não vais jantar agora? - perguntou ela, desligando.

Mandou-lhe flores, coisa que nunca tinha feito. Ela devolveu-lhas murchas, com um bilhete que dizia: «Não é engraçado que tudo aquilo em que tocas fique murcho?»

Ele descobriu que, embora conseguisse satisfazer as suas amigas, não conseguia ter um orgasmo. Picava sempre duro como uma rocha, pronto para continuar. Isso estava a provocar-lhe grande desconforto físico. Quando lhe passava o tesão, ficava com uma dor nos testículos que lhe durava a noite toda.

Além disto, tinha Shífty Fly sempre à perna. Seguia Angelo para todo o lado.

Rio estava satisfeita com a forma como as coisas corriam. Sempre tivera o poder de agarrar sexualmente os homens. Larry Bolding fora uma das poucas excepções, e isso porque tinha medo da mulher e receava pela carreira política e pela reputação imaculada. Raios, se ela podia dar-lhe cabo da reputação! Isso ia acontecer num daqueles dias, lá isso ia...

Passara uma s emana desde que devolvera as flores a Angelo. já era tempo. Agarrou no telefone e ligou para ele, que estava a dormir.

- Sim? - disse em voz abafada.

- Ouve lá - disse Rio -, não achas que é altura de te ensinar a dançar?

Ele não falou. Rio continuou:

-É a última oportunidade, querido. Mexe esse eu e eu ensíno-te uns truques que nunca mais vais esquecer.

Depois, desligou.

Angelo acordou por completo. Passava da meia-noite; enfiou umas roupas e saiu pelas traseiras. Aquela era uma cena que Shifty Fly não ia seguir.

 

Lara atravessou a sala de estar, fumando nervosamente. Era cedo, clareava. Nova Iorque começava a tomar forma.

Por que se envolvera naquilo?

Nick dormia no quarto. Por que razão tinha de ser Nick? A mão tremia-lhe ligeiramente, as faces estavam rosadas, o cabelo revolto. Não queria ir mais longe. Nick não era responsável pelas coisas que o pai fazia. Dukey K. Williams tinha razão. E Rio, com o seu plano avançado, enganara-se. Por muito que Lara amasse Margaret, ela estava morta e não havia método, plano ou vingança que lhe pudessem dar vida. Se Enzio Bassalino era o culpado, então que Puckey tratasse dele à sua maneira. Tinham saído do Le Club às três da manhã.

-Para tua casa ou para o meu hotel? -perguntou Nick. Ela sentira a cabeça leve.

-Para minha casa.

Começaram a beijar-se no carro, como os miúdos do liceu. -Estou pronto para ti, querida -disse ele, conduzindo-lhe a mão para o volume das calças que comprovava o que dissera.

Ela começou a sentir-se culpada por estar a gozar com a situação. Mas a culpa desapareceu nos braços dele, quando ele lhe arrancou o vestido de seiscentos dólares e fez amor com ela no meio do chão.

Mais tarde, foram para o quarto e aconteceu mais duas vezes antes de ela adormecer.

Seria possivel uma pessoa apaixonar-se por outra que deveria odiar?

- Que tal um cafézinho, princesa? - perguntou Nick, aparecendo. Estava nu. O seu corpo era rijo e bronzeado. Abraçou-a, desapertando lentamente os botões da blusa dela, fazendo-a deslizar pelos ombros.

Ela suspirou, inclinando a cabeça para receber os beijos dele. Nunca fora assim com ninguem, nunca houvera uma atracção fisica tão intensa. Houvera sempre razões para ir para a cama com alguém, mas razões terra-a-terra. Com Nick, isso não acontecia. Oh, houvera uma razão, sim, mas isso já não era importante.

Nick levou-a ao colo até ao quarto.

- És linda - disse-lhe. - Linda, linda.

Ela apertou-o contra si. Os jornais da manhã deviam estar a chegar. Perguntou-se como é que ele se iria sentir nessa altura.

Beth ficou com as crianças Bassalino. Sentia-se mal devido ao que tinha feito. Se acontecesse alguma coisa ao bebé de Anna Maria...

Frank telefonara de manhã. Tinha uma voz esquisita.

- Faz as malas e desaparece - disse. -- Já. Não te quero ver quando regressar.

- Está tudo bem? - perguntou Beth. - Obebé?

Fez-se silêncio. durante um minuto e depois Frank falou, com voz rude.

- Sai da minha casa e não deixes morada, porque, se te volto a pôr a vista em cima, mato-te.

Desligou o telefone e Beth começou a tremer.

Estava acabado. O que quer que fosse, estava acabado. Era livre. Podia ír-se embora.

Agarrou no telefone e ligou para as informações. Pediu o número do hospital. Sabia o que lhe iam dizer, mas queria ter a certeza.

-Mrs. Frank Bassalino deu aí entrada esta manhã. Sou da família. Como está ela?

A voz da recepcionista soou compreensiva:

- Lamento, mas não podemos dar informações pelo telefone. Beth correu para o quarto e fez a mala. Deixou as crianças com a criada. Quando saiu, foi invadida por uma onda de alivio.

Tomou um autocarro para o hospital. Tinha medo de encontrar Frank, mas a necessidade de saber o que acontecera era mais forte.

- Mrs. Bassalino morreu às oito da manhã - disse-lhe uma enfermeira. - Houve complicações com a posição do bebé, e outras coisas... É amiga íntima? Acho que o Dr. Rogers poderá falar consigo.

- E o bebé?

- Fez-se o possível, mas infelizmente... Beth voltou-se e correu.

A enfermeira foi atrás dela.

- Espere, talvez nos possa ajudar.

Beth continuou a correr. Só parou na estação Grand Central. Comprou um bilhete para casa. Antes de embarcar, telefonou a Cass.

- Acho que é o que todos queríamos - disse, amargamente.

- Mas em que é que isso ajuda Margaret? Não a vai trazer de volta.

 

Estavam a fornicar.

-Estás a ficar cada vez melhor. -riu-se Rio. - Talvez eu me tenha enganado a teu respeito.

Angelo sentiu-se descontrair. Estava tudo sob controlo. Como um carro bem afinado, não vacilava.

Os Stones cantavam no «estéreo». Era quase noite e as coisas corriam bem desde o início da tarde.

- Acho melhor fazermos um intervalo para comer - disse Rio. Tenho um amigo que nos trará uns petiscos deliciosos. Afastou-se dele e pegou no telefone. Angelo deixou-se ficar

deitado. Sentia-se bem. Ainda estava teso após tantas horas de actividade.

- Então, até já - ronronou Rio ao telefone. - Claro, traz o Peaches, vai ter com que se entreter.

Rio voltou para a cama.

-A comida está aí a chegar. E que dizes a um aperitivo? Angelo pensou em telefonar para o casino a fim de comunicar que não iria nessa noite, mas, que raio, Shifty Fly plantar-se-ia imediatamente à porta.

Rio gostava de «snifar» e deu-lhe a inspirar o pó. Ele inalou profundamente.

- Sabes, não és muito mau - murmurou Rio - mas, meu Deus, a tua barba faz cócegas.

Enzio andava de um lado para o outro na sala privada do hospital, de rosto sombrio.

Frank estava sentado numa cadeira, com a cbeça entre as mãos. Enzio murmurava em italiano, atirando de vez em quando com algumas imprecações na direcção do filho.

O Dr. Rogers, um homem novo de óculos, ar cansado e mãos nervosas, apareceu à entrada.

Enzio passou-lhe os braços pelos ombros.

-Doutor, sabemos que fez os possíveis. Não se sinta culpado.

O Dr. Rogers libertou-se.

- Não me sinto culpado - disse, indignado. - De maneira nenhuma.

Voltou-se para Frank e continuou.

- A pobre rapariga foi espancada e o bebé não teve hipótese, foi...

- Ela caiu pelas escadas - disse Frank. - já lhe disse, ela caiu.

- Mr. Bassalino, a sua mulher sofreu traumatismos internos que não são compatíveis com uma queda pelas escadas. Foi espancada, e é isso que terá de constar na certidão de óbito. Com certeza que haverá um inquérito.

Enzio aproximou-se do médico.

- O senhor é um homem com família? - perguntou.

- Sim - respondeu o médico.

- Mulher bonita? Filhos bonitos?

-Não percebo o que isto tem a ver com...

- Tem muito - interrompeu, Enzio. - Como homem de família naturalmente que compreende que de vez em quando haja umas zangas. O meu rapaz está a sofrer. Você quer piorar as coisas?

- Mr. Bassalino, tenho um dever a cumprir.

- Claro, claro e não estou a impedi-lo. Acho que vocés, os médicos, fazem um magnífico trabalho e tão, tão mal pago. Mal deve chegar para trazer a sua mulher bonita. Percebe o que quero dizer, hem? Eu sou um velho, mas ainda aprecio uma cara bonita, e seria uma pena se a sua mulher perdesse a dela.

Enzio enfiou a mão no bolso e retirou um maço de notas, cuidadosamente presas com um elástico.

-Aqui tem mil dólares, doutor, para uma ajudinha.

O Dr. Rogers hesitou, enquanto Enzio lhe entregava o dinheiro.

- Aceite - disse Enzio, com voz suave. - Ponha a sua mulher bonita.

Quando os jornais chegaram, já Nick tinha voltado a adormecer. Lara deu uma vista de olhos rápida. Na coluna dos mexericos de um deles lá estava o artigo que ela esperava. A autora era uma colunista coscuvilheira que pusera o caso da forma mais safada possível:

Como é que a glamorosa estrela dos anos quarenta April Crawford consegue? Casada quatro vezes, aqueles que a conhecem dizem que está prestes a dar o quinto nó com o jeittoso trintão Nick Bassalino, homem de negócios de Los Angeles. - Contudo, alguém deveria informar April, pois a última vez que o viram foi a apanhar um avião na companhia da bela Lara Crichton, uma jovem de vinte e seis anos. As últimas informações dizem-nos que foram vistos a dançar, muito agarradinhos, na discoteca mais chique de Nova Iorque, Le Club.

Havia uma fotografia de Lara, tirada em Acapulco, que aparecera inicialmente na Vogue. Estava espectacular. E uma fotografia de Apríl, saindo da estreia de um filme com ar- cansado.

Oh, bem, aquilo era o fim de April. Não iria aceitar aquilo. Mas qual seria o papel de Lara?

Não era justo. Não sabia que as coisas iriam correr assim. Nunca pensara poder vir a gostar dele. Era tão diferente de todos os homens que conhecera, tão masculino e sensual. Não tinha nada de falso. Era o que era. Levou o jornal para o quarto e atirou-lho. -Acho que não vais gostar disto -disse, sem rodeios.

Rio preparara umas bebidas fantasticas. Rum, açúcar amarelo ovos, natas, licor Benedíctine, tudo batido no misturador. Quando a campainha tocou, ela disse a Angelo para ficar na cama, pois iria abrir. Nua, unicamente com os sapatos de saltos altos que gostava muito de usar, foi à porta.

Com o pó, o sexo, os charros e as bebidas fortes, Angelo sentia-se cansado, mas agradavelmente cansado. Raios, ela não podia ficar chateada por ele dormir agora. já não lhe poderia chamar mais nomes, pois tinha provado o que valia.

Fechou os olhos. Sentiu-se estranho, meio suspenso. Mais que pedrado, parecia que o seu espírito saía do corpo e pairava por cima a observá-lo. Era engraçado e começou a rir, mas o riso não lhe saia da boca, mas de todo o lado, do nariz, dos ouvidos, do cu. Ofacto de pensar muito só o fazia rir ainda mais, e quant mais ria, mais sensações estranhas experimentava. Pareceu-lhe entrar muita gente no quarto. Rostos sorridentes que apreciavam as suas gargalhadas.

Tiravam as roupas e estas flutuavam pelo quarto em câmara lenta, e ele sentia-se cansado de mais para se levantar da cama. mas estava a divertir-se. Estava a divertir-se mesmo.

-        Ei, querido - disse Rio, com o rosto junto do seu. - lembras-te do Hernando e do Peaches? Querem ambos conhecer-te.

-        A voz dela dizendo «conhecer-te» ecoou pelo quarto até se tornar como um mantra indiano. Ele acenou com a cabeça e pareceu-lhe que esta saía do resto do corpo e pairava pelo quarto.

Hernando poisou as mãos fortes sobre o corpo dele, acariciando-lhe o sexo, levando-o à boca, e Angelo gemeu com prazer.

O seu pênis parecia-lhe maior do que o corpo. O corpo não era nada.

Peaches era exótico, um belo rosto eslavo, cabelo loiro. Empurrou Hernando para o lado e tomou o seu lugar.

O riso de Rio ecoou algures no quarto.

Viraram-no ao contrário e Hernando montou-o por trás. Angelo sabia que estava a ser penetrado por um homem, mas isso não importava. Na verdade, até era óptimo e Peaches chupava-lhe o pênis ao mesmo tempo e ele pensou estar a atingir o clíma da eternidade e o seu orgasmo rivalizou com a bomba atómica -Pum! Grandes nuvens. E, depois, mergulhou no sono há muito apetecido.

 

Nick discutia, impaciente, com a criada de April Crawford, pelo telefone do quarto de Lara.

- Vamos lá, Hattie, eu sei que ela está aí. Diz-lhe novamente que eu tenho de falar com ela. É muito importante. Hattie baixou a voz:

--Mr. Bassalino, não adianta. Ela fechou-se no quarto e não quer falar com ninguém.

-Disseste-lhe que era eu?

-Principalmente é consigo que ela não quer falar.

-Oh, merda, Hattie, já a conheces. Vou tentar apanhar um avião ainda hoje. Quantas garrafas é que ela tem aí?

- Mr. Bassalino! - exclamou Hattie, com voz chocada. Estava com April havia dezanove anos e recusava-se a admitir que ela bebia.

- Olha por ela, Hattie, fala com ela, diz-lhe para não acreditar em tudo o que lê nos jornais. Provavelmente, estarei aí à noite.

Lara, que estivera lá fora, entrou no quarto.

-Então -perguntou, com um sorriso forçado- voltamos, não é?

-Oquê? -inquiriu Nick.

-A correr para os braços da mamãzinha. À espera que ela te perdoe por te teres po rtado mal.

Nick abanou a cabeça com tristeza.

- Lara, Lara. Estou admirado contigo.

«Estás admirado comigo», pensou Lara, furiosa. Raios, tinha-se portado como uma ingénua idiota. Cega por uma boa noite de sexo. Esperara verdadeiramente que ele ficasse, mas o que ele queria era ir a correr para April.

Quando partes? - perguntou friamente.

-Não sei, tenho de telefonar ao meu pai.

- Oh, percebo. Não podes ir sem autorização do papá. Bem se ele disser que podes ficar mais uma noite, vamos repetir a experiencia? Afinal, estamos os dois aqui e seria estúpido não tirarmos partido disso.

- Ouve - disse Nick, levantando-se da cama, em pelo. - Não fales como uma cabra, não te fica bem. Sabias que isto ia ser assim. Conhecias a minha relação com April. Eu amo Aplril Crawford e vou-me casar com ela.

-Não sejas insultuoso -disse Lara, à beira das lágrimas. - Veste-te e desaparece.

Nick encolheu os ombros.

-Se isso significa alguma coisa para ti, a noite passada foi uma maravilha.

- Significou, mas já não significa.

Ele tentou abraçá-la, mas ela libertou-se. -Voltas para Los Angeles? -perguntou ele.

-Contigo? -retorquiu ela, sarcasticamente.

- Percebeste bem o que quis dizer.

-Não, não vou.

-Quando te volto a ver?

Lara riu-se.

- Meu Deus, Níck, es o maximo. Primeiro, dizes que amas April Crawford e que vais casar com ela. A seguir, queres saber quando me voltarás a ver. Bem, não me voltarás a ver.

Ele abanou a cabeça.

-Não contes com isso.

Golli e Segal chegaram ao hospital e levaram Frank para casa.

- Não o larguem - avisou Enzio. - Andem sempre com ele. Enzio tratou de todos os preparativos para o funeral. Falara com a família de Anna Maria que estava ainda na Sicilia. A mãe e irmã viriam de avião para o funeral que se realizaria dali a dois dias.

Enzio estava preocupadissimo com Frank. Espancar a mulher grávida... que coisa terrível! Mas graças a Deus que acontecera enquanto ele se encontrava em Nova Iorque, pois pudera arranjar as coisas de forma a não cair nenhuma desgraça sobre a família, Mas Frank! Nunca esperara uma coisa daquelas por parte de Frank, o mais velho e, pensara ele, o filho em quem mais podia confiar. Seria castigado. Deus castígá-lo-ia por tamanho pecado. Enzio acreditava fortemente no poder de Deus para algumas coisas.

Que manhã! Noticias de explosões no Manny e Barberelli. Eram aqueles estupores pretos os responsáveis. O que era preciso era uma demonstração de força, mas, raios, que força se pode mostrar a um punhado de maníacos que andam à luz do dia a fazer explodir casas? Enzio sabia que teria de haver uma resposta ou então estaria em risco a reputação dos Bassalinos. Quem pagaria a protecção, se não a conseguia ter?

Tentara telefonar para Angelo toda a manhã. Onde estaria aquele estúpido? Era uma preocupação, mais uma de que Enzio não precisava na sua idade. Angelo- não aparecera no casino e conseguira mesmo fugir ao guarda-costas.

Enzio praguejou quando a telefonista lhe voltou a dizer que não respondiam. Sabia o que lhe iria fazer quando o apanhasse. Trá-lo-ia para o funeral de Anna Maria e mantè-lo-ia em casa. Não voltaria a vadiar por Londres. Talvez o pusese de novo a trabalhar com Frank. Assim, ficaria junto da família onde poderia ser vigiado.

Nick chegou ao hotel.

- Por que razão demoraste tanto? - atirou-lhe Enzio. - Devias ter ido ao hospital.

-        SÓ soube agora. Que aconteceu?

Enzio encolheu os ombros, tristemente.

- Um acidente. Caiu das escadas.

- Caiu das escadas? Como? Onde estava Frank? Parece impossível!

Enzio concordou:

-Eu sei, eu sei. Ela estava grávida, desajeitada a andar. Um acidente terrível.

-Era uma miuda tão querida...

- E tu? - perguntou Enzio, subitamente furioso. - Onde raios estiveste toda a noite? Precisei de ti, NINGUÉM te encontrava. - Enzio abanou a cabeça. - Não tens juízo, Nick? Estes são tempos perigosos.

-Telefonei para o hotel assim que cheguei -disse Nick, à defensiva -, depois dei cabo dos tomates a correr para aquí.

-Deste cabo dos tomates mas foi ontem à noite - comentou Enzio, secamente. - Pelo menos, é bom que consigas esquecer aquela saca velha de Hollywood. Não há tempo para conversas agora, vai para casa do teu irmão e fica lá com ele.

-Tenho de regressar à Costa. Sem mim as coisas ficam...

- Chega! - gritou Enzio. - não percebo os meus filhos. O teu irmão perde a mulher, tua cunhada. Deveria haver lágrimas nos teus olhos, mas não, só falas em voltar para a Costa. Vais mas é para casa de Frank e ficas lá a consolá-lo. Ficas em Nova Iorque até depois do funeral.

- Que é quando?

Quê! - Não me faças perguntas! - gritou Enzio. Desaparece.

Tinha o coração superagitado. Deus, que teria feito Para merecer três filhos idiotas?

 

Dukey K. Willíams aceitou as notícias das explosões com bom humor. Felicitou Leroy.

Mais tarde, foi ter com Cass.

- Vou deixar o apartamento - comunicou.

O apartamento que partilhara com Margaret pertencera inicialmente a esta, e quando ela fora assassinada, Dukey dissera a Cass que queria continuar lá, e ela tratara de tudo.

Agora ele queria esquecer o passado. Quando a morte de Margaret fosse vingada, queria estar preparado para se pôr a andar.

Cass informou-o sobre Anna Maria Bassalino, e sobre o regresso de Beth à comuna.

Ele encolheu os ombros:

-Eu disse-te que ela nunca se devia ter envolvido. Cass concordou.

- Retira as outras duas - avisou Dukey. - Vou atacar à minha maneira e não quero que elas me estraguem os planos. Depois, Dukey telefonou ao seu agente e comunicou:

- Prepara o espectáculo, filho. Estou pronto a actuar dentro de uma semana.

O agente ficou satisfeitíssimo.

A seguir, Dukey telefonou a Leroy.

- Vamos deixar-nos de rodeios. Começa com Frank no funeral, e depois trata da casa. Não quero perder mais tempo. Faz como quiseres. A massa está à tua espera.

 

Angelo conseguia manter os olhos abertos com’ dificuldade. Piscou-os várias vezes, sentia-os congestionados. Estava sozinho, na cama de Rio, no apartamento desta, As cortinas estavam corridas, por isso ele ignorava se era de dia ou de noite. Doía-lhe o corpo, e tinha uma dor esquisita na parte posterior.

- Meu Deus - exclamou, sentando-se lentamente.

Que raio lhe tinha acontecido? Lembrava-se nitidamente de ter ido para o’apartamento. Lembrava-se de Rio o ter recebido. Lembrava-se do bom bocado que tinham passado. Lembrava-se do pó, da erva, das bebidas. Depois, estava tudo em branco. Mas o quê?

Deveria ter sido das bebidas. As bebidas espessas, cremosas e fantásticas que Rio lhe dera a beber com os seus próprios dedos. Mas onde estava Rio?

Levantou-se, consciente da diferença do seu corpo, começando a aperceber-se do que deveria ter acontecido.

Tinha de mijar. Foi’ao quarto de banho. Coladas ao espelho estavam seis fotografias a cores. Perdeu as dúvidas em relação ao que tinha acontecido. E de qualquer maneira Rio escrevera no espelho com bâton: Pois é, filho. Sempre estive convencida que eras bicha.»

Olhou para as fotografias. Eram dele e de um homem negro e gorducho, e de uma maravilhosa rapariga loira, só que não era uma rapariga, não podia sê-lo, apesar dos seios, também tinha um pênis.

Angelo nunca gostara que os homens se aproximassem dele. Sentia aversão quando o tocavam, até uma palmada amigável o incomodava. Evitava escrupulosamente quaisquer experiências homossexuais. E agora aquilo. E nas fotografias aparecia a sorrir, com ar de quem estava a gostar.

Deus Todo-Poderoso, se alguém visse aquelas fotografias. Se o pai as visse.

Rapidamente, arrancou-as do espelho e rasgou-as em mil pedaços, atirando com eles para dentro da sanita.

Inspirou profundamente. Com as provas eliminadas, sentía-se muito melhor.

Por que razão estava preocupado? Não era maricas, metade das damas de Londres poderia comprová-lo.

A culpa era de Rio. Onde raio estava ela? Olhou à volta do apartamento. Estava vazio. Ela devia ter planeado tudo.

Bem, ele não ia deixá-la ganhar; pensaria nalguma forma de retaliação.

Nick partira. Lara estava nervosa. As coisas tinham corrido tal como planeara, mas não estava satisfeita.

E se April o aceitasse de volta? Não era muito provável, mas se isso acontecesse? Então, tudo teria sido inútil.

Mas seria mesmo? Seria inútil ter conhecido um homem que a fazia sentir emoções diferentes, sem lhe atirar com a conta bancária, ou com títulos? Seria inutil ter gozado com o sexo, pela primeira vez em vários anos?

Seria inutil ter-se apaixonado pela primeira vez na vida?

De qualquer maneira, não importava, pensou Lara. Estava acabado. Não queria envolver-se mais. Não queria voltar a pôr os olhos em cima de Nick. Telefonaria a Cass a dir-lhe-ia isso e depois ligaria para o príncipe Alfa, para Roma ou onde quer que estivesse, e dir-lhe-ia para a ir buscar.

Nick dirigiu-se para a casa de Frank. As crianças estavam excitadas e barulhentas.

- Onde está a preceptora? - perguntou Nick.

- Foi-se embora -murmurou Frank.

Estava a beber uísque simples, enrolado numa cadeira, com os olhos congestionados e aspecto desgrenhado.

-Meu Deus, Frank, lamento tanto...

Nick engasgou-se. Nunca fora muito próximo do irmão. Quando eram miUdos, Frank costumava bater-lhe. Sempre fora o maior, o mais forte e o melhor em tudo.

Nick andou de um lado para o outro na sala onde Golli e Segal estavam a ver televisão. Era uma casa tão depressíva. Velha e usada. Era uma casa que deveria continuar tal e qual como há trinta anos. Nick pensou com nostalgia na sua casa de Los Angeles. Grande e espaçosa. Branca e moderna. Pensou na casa de April, maravilhosa, com o lago no jardim, e piscina na sala. A Califórnia era o único lugar indicado para ele, tanto no clima como nas pessoas. A forma descontraída de viver. Nova Iorque pesava. Pavimentos sujos e gente contraída. Todos pálidos e sempre apressados.

Subiu as escadas e fez outro telefonema para April. A mesma historía, Disse a Hattie que estava atrasado e insistiu:

- Explica-lhe bem porquê.

Raios, April era bem capaz de pensar que ele andara com Lara. Por pensar em Lara, fora muito agradável, ela era uma mulher maravilhosa. Mas as raparigas maravilhosas abundam em Los Angeles. Encontram-se em cada canto. April Crawford, era uma peça original. Uma verdadeira estrela. Nick estava convencido que ela o perdoaria. Ele explicar-lhe-ia. Calhara ter encontrado Lara no mesmo avião, coincidências, acontecia a qualquer pessoa. E April, melhor do que ninguém, tinha obrigação de conhecer as colunas e mexericos, pura tralha; quem ia acreditar naquilo? Sim, Nick tinha a certeza que tudo iria correr bem.

Perguntou-se onde estaria Lara. Perguntou-se se ela desligaria o telefone no caso de ele lhe telefonar.

Não. O melhor era esquecê-la. Desejara-a. Tivera-a. Fim de história. Deus, como iria ser aborrecido ter de estar ali em casa de Frank.

- Ouve lá, Segal - disse Níck. - Que tal um joguinho? Há cartas neste mausoléu?

 

Mary Ann August acordou em Los Angeles. Não se lembrava muito bem como fora lá parar, depois de Alio Marcusi a ter apaparicado, houvera outra visita, uma mulher chamada Claire.

Mary Ann lembrava-se de ter ficado assustada e de ter dito a Claire que, se Enzio descobrisse o que lhe acontecera, haveria grandes sarilhos. Claire rira-se e chamara-a querida.

-Não te preocupes, querida, o Enzio sabe de tudo, e é ele quem quer que faças uma viagenzinha comigo.

Então, Claire espetara-lhe uma agulha no braço, fazendo com que ficasse tonta e dócil, e ela vestira-se e saíra do hotel com Claire. Primeiro foram de automóvel, depois de avião, depois outra vez de carro e por fim uma casa, um quarto, o sono. Agora, estava acordada.

Levantou-se. Estava num quarto com paredes cor de azeitona e gelosias. Estas não se abriam, nem tão-pouco a porta.

Olhou-se ao espelho. O cabelo comprido estava desgrenhado, a maquilhagem quase não se conhecia.

Nada chateava mais Mary Ann que não andar arranjada. Procurou a mala e encontrou-a no chão. Depois, pintou-se cuidadosamente e penteou-se. Quando acabou, perguntou-se onde raio estaria e o que se estava a passar.

Durante os seis meses com Enzio, Mary Ann adquirira algumas possessões. jóias, roupas, um casaco de vison e a última aquisição, um casaco comprido de chincila. Era nestas coisas que estava a pensar. Eram a sua protecção quando Enzio se cansasse dela. Dar-lhe-iam a possibilidade de ter uns fatos decentes sem ter de voltar a dançar nua num palco para ganhar a vida.

Claire entrou no quarto. Era uma quarentona magra e um pouco masculina.

- Não percebo - disse Mary Ann. - Onde está Enzio? Por que me quer ele aqui?

Claire sorriu.

- Ele achou que precisavas de mudar de ares e que a Calífórnia te faria bem. Ele sabe que eu tenho uns amigos muito simpáticos e achou que tu os devias conhecer.

- Então, porque não me falou ele nisso?

Claire pôs os braços à volta dos ombros de Mary Ann.

- Enzio disse-me que uma das tuas melhores qualidades é não fazeres muitas perguntas. És engraçadinha, mas esse penteado tem de mudar.

- Enzio gosta do meu cabelo assim.

- Enzio não vai aparecer durante uns tempos...

- E as minhas coisas? A minha roupa, as jóias e os casacos de pele?

-Não te preocupes com eles. O Enzio, vai mandá-los. Sê boa rapariga, colabora, e tudo correrá bem.

Mesmo sendo burra, Mary Ann começou a aperceber-se lentamente que nem tudo ia bem.

 

Shífty Fly certificou-se de que Angelo tinha embarcado em segurança no enorme jacto cujo destino era Nova Iorque.

-Não penses que não foi engraçado- resmungou. -Ouve, pá-disse Angelo-, não te enerves, tens de fazer o teu trabalho. Só que não és bom nem a fazê-lo.

Shifty Fly olhou para ele. Apanhara uma descompostura de Eddie Ferrantino por ter deixado Angelo escapar-se.

- Não estejas aqui por minha causa - continuou Angelo. Não vou a lado nenhum.

Encostou-se no assento e fechou os olhos. Esperava que quando os abrisse Shifty Fly já tivesse desaparecido. E tinha.

Aquele dia fora uma merda. Berros de todos os lados. Enzio, de Nova Iorque, Eddie Ferrantino, de Londres. Atéparecia que ele tinha cometido algum crime. Livre, branco e de maioridade, fora para a cama com uma tipa sem dar cavaco a ninguém. Que coisa terrível! Um crime.

- Quer uma bebida, senhor? perguntou a hospedeira. Era bonita, mas de forma artificial.

Em circunstâncias normais ele teria imaginado fodê-la, mas a sua cabeça estava tão cheia de outras coisas, que mal reparou nela. -Só uma Coca-Cola- respondeu.

Os dois lugares ao seu lado estavam vazios e isso agradou-lhe. Mais tarde poderia deitar-se ao comprido e dormir. Sentia-se nervoso por ir ver o pai. Ia berrar com ele, sobre o seu aspecto. Nem sequer tivera tempo de aparar o cabelo que estava tão comprido como o de um cantor rock. Desejou poder dizer a Enzio Bassalino que se fosse foder. Mas era impossível. Sabia que não podia. Contudo, não sabia por que não podia.

O enorme jacto deslizava sobre a pista e Angelo pensou em Rio. Era uma mulher e peras, o tipo de mulher capaz de fazer frente a uma pessoa como Enzio. Admirava-a. Era espectacular. Sabia levar a sua avante.

Mas também era uma cabra sádica. E ele não gostava que ela lhe tivesse baptizado a bebida sem lhe ter dito nada. Perguntou-se se ela lhe telefonara. A partida precipitada para Nova Iorque surpreendê-la-ia. Talvez até pensasse que ele ia a fugir. Mas de quê? Não tinha razões para fugir. Estivera na cama com um tipo. Grande coisa. E depois? A maior parte dos homens têm, pelo menos, uma experiência homossexual na sua vida.

Mas só de pensar nisso a pele eriçava-se-lhe, o estômago dava voltas e sentia uma excitação por todo o corpo. Embora não o admitisse, sabia que tornaria a experimentar.

Lara foi ao Aeroporto Kennedy esperar o príncipe Alfa Masserini. Telefonara-lhe, dizendo que precisava dele e, embora estivesse a meio de um jogo de gamão, ele prometera ir imediatamente ter com ela.

Resolvera ir esperá-lo porque se queria manter ocupada. Tinha de tentar mergulhar no mundo que conhecia. Pensava de mais e isso não era bom. Dava cabo da pele e do sono e provocava um complexo de culpa em relação a gastar milhares de dólares em roupas quando há pessoas a morrerem de fome neste mundo.

O príncipe Alfa ia tirá-la daquela depressão. Era bom nisso.

No aeroporto deu de caras com Nick.

Ficaram a olhar um para o outro, depois Lara sorriu com um sorriso magoado, e estendeu a mão, para o habitual cumprimento europeu.

- Vais regressar a Los Angeles? - perguntou, educadamente.

- Não - respondeu Nick, abanando a cabeça. - O meu irmão vem de Londres e vim esperá-lo. E tu?

- Uma pessoa amiga que vem da Europa. Vim esperá-los. Não percebeu por que tinha usado o plural, em vez de dizer que estava, à espera do noivo, o príncipe Aga Masserini, um principe romano e não um italiano ianque como ele.

Vinte e quatro horas atrás tinham estado juntos na cama. Agora pareciam estranhos, Níck olhando para o relógio e Lara olhando à volta, na esperança de encontrar alguem conhecido.

- Acho que é melhor ver se o voo não está atrasado - disse Nick. - Estás à espera de qual? Da-me o numero, que eu também’ vejo o teu.

Ela entregou-lhe o papel com os dados. -Espera aqui -ordenou ele.

Assim, que ele desapareceu, Lara teve uma vontade louca de correr. Que criancice! Apertou-se bem contra o casaco de lince e ali ficou.

Ele voltou passado pouco tempo. Ela reparou que as mulheres o admiravam. Era o tipo de homem para quem se olhava duas vezes e que se reconhece. Actor? Cantor?

- Estamos à espera do mesmo avião - disse ele. - Está atrasado duas horas. Queres ir até ao motel do aeroporto fazer amor? Ele ria-se. Seria brincadeira? Ela sorriu, com ar distante.

- Acho que não.

- Pena - disse Nick. - Estás bonita, é como se tivesses feito coisas bonitas ultimamente.

Como está a April?

- óptima - mentiu Nick. - Está tudo óptimo. Ela compreende que não passou de um mexerico.

-Mas não é verdade.

Nick riu, pouco à vontade.

-Claro que não. Tu sabes isso, eu também sei, mas não o vamos dizer, pois não?

Lara gozou o momento:

- Não?

Nick agarrou-a firmemente pelo braço.

- Vou pagar-te um copo - disse. - Não vamos ficar aqui plantados durante duas horas.

-Volto para a cidade. Não vou esperar.

- VEndo, tens tempo só para uma bebida.

Ela quis dizer que não, e correr, sair da vida dele. Mas o seu corpo dizia-lhe para ficar junto dele, e recusava-se a sair dali.

Ele levou-a até ao bar e sentaram-se num canto. Ela pediu champanhe e sumo de laranja, e a empregada olhou-a como se a achasse maluca.

Não devo poder regressar à Costa nestes próximos dias

comentou Nick. - Por isso, se vais andar por aí, talvez...

- Talvez o quê? - interrompeu Lara, furiosa. - Ter mais uns interlúdios secretos? Um pouco mais de diversão desde que April não saiba de nada?

- Ontem não Puseste objecções.

- Ontem não sabia que te ias borrar todo quando visses os nossos nomes nos jornais.

- Tu conheces a minha relação com April. Não escondi nenhum segredo. Mas isso nao altera a forma como me dás volta à cabeça. E contigo passa-se o mesmo, não é?

Agarrou na mão dela e segurou-a com força.

-        Temos vibrações comuns, não podes deixar de as sentir.

Que fácil seria concordar com ele. Mais dois ou três dias de sexo incrível.

- Vais ter com os teus amigos - disse ele. - Eu vou ter com o ’meu irmão, e mais tarde encontramo-nos no teu apartamento. Ninguém saberá, só tu e eu. Assim, todos ganhamos. Tens uma chave a mais?

- Sim, tenho - disse Lara, procurando na carteira. - Sabes, acho que é uma óptima ideia, Nick.

 

Não era justo culpar Beth, pensou Frank. Não fora por sua culpa que Anna Maria os apanhara juntos. Era boa miúda, sinceramente meiga e preocupada. Lamentou ter-lhe telefonado a mandá-la embora. Fora uma estupidez. Precisava dela agora, e as crianças também. Quantas raparigas havia como Beth? Não havia muitas, disso tinha ele a certeza. Os tempos das miúdas inocentes já lá iam. Agora, eram todas oportunistas.

Queria-a de volta. Mas como consegui-lo?

Não se lembrava qual fora a agência que a mandara, por isso telefonou para todas, mas em nenhuma delas era conhecida. Lembrava-se da primeira entrevista e das referências que ela apresentara. Referências que ele nem sequer se dera ao trabalho de verificar porque gostara dela à primeira vista e vira que ela era honesta. Encontrava-se na posição frustrante de não saber quem ela era, ou o que quer que fosse, a não ser o nome, Beth. Encarregou algumas pessoas de a procurarem, talvez ela se dirigisse às agências à procura de novo emprego. Entretanto, e por causa da sua estupidez, só lhe restava esperar sentado. E isso significava ter de pensar. e ele não gostava nada dos pensamentos que lhe enchiam a cabeça. Por isso, começou a beber e beber significava esquecer, o que só lhe acontecia após uma garrafa inteira de uísque, e bêbedo não conseguia trabalhar.

Enzio deu instruções rigorosas a Segal e a Golli para não o perderem de vista e para o manterem em casa. Haveria tempo, após o funeral, de fazer Frank regressar ao normal; entretanto, Enzio tomava conta das coisas.

Encontrou-se com um velho amigo, Stefano Crown. Este mostrou-se compreensivo, mas também ele se debatia com os novos grupos, principalmente de pretos, que tentavam ganhar terreno.

- Qual é a solução? - perguntou Enzio.

Stefano Crown encolheu os ombros. Era quinze anos mais novo do que Enzio e ainda mantinha controlo absoluto sobre os seus negócios.

-Vou negociar com eles- disse. -Talvez meter alguns nos negócios.

Enzio cuspiu para o chão em desagrado. já tivera antes problemas com eles.

-Dá-se-lhes algum, querem mais, dá-se-lhes mais, querem tudo.

-        Eu dirijo negócios legítimos - disse Stefano.

- A semana passada fizeram explodir dois dos meus supermercados. Não posso admitir isso. Não posso admitir que as pessoas normais que trabalham comigo se assustem e não queiram apresentar-se ao trabalho. A semana passada despediram-se trinta e três empregados. Trinta e três. As coisas sabem-se. Daqui a pouco põemse todos a andar, e então que farei quando não tiver ninguém nos meus salões, garagens, supermercados?

Enzio voltou a cuspir. Stefano só estava preocupado com a fachada legal. As coisas eram diferentes de antigamente.

-Se vais com eles, não tens a minha ajuda -disse Enzio. Tenho outros planos, planos melhores.

Stefano abanou a cabeça.

- Não quero mais sarilhos. Pago os meus impostos. Sou um homem de negócios. O que é que o Frank quer?

- O Frank - suspirou Enzio. - Frank tem outras coisas na cabeça. já sabes o que aconteceu, à Anna Maria?

Stefano assentiu. -Uma tragédia terrível.

O funeral é amanhã. Seria uma demonstração de respeito se lá fosses.

-        Claro. Claro. Sem ressentimentos, Enzio?

- Nenhuns.

Nesse mesmo dia, Stefano Crown foi atingido na cabeça quando ia a entrar num edifício da Riverside Drive.

- É terrível um homem já não poder andar por aí sozinho disse Enzio, com sentimento, quando soube.

Alio Marcusi, que se encontrava com ele, limitou-se a sorrir.

 

Eh, Angelo, estás com óptimo aspecto.

Angelo e Nick abraçaram-se, sorridentes. Estavam genuinamente contentes por se verem.

Angelo coçou a barba.

-Acho que o velho vai ficar lixado quando vir isto.

- Bem, estás um bocado cabeludo, lá isso estás - admitiu Nick -, mas não é nada que um barbeiro não possa resolver.

- Esquece - disse Angelo, com rapidez. - Eu gosto, portanto fica.

- Claro - concordou Níck. - Não sou eu que tenho de te beijar.

Angelo olhou-o perscrutante. Haveria algum sentido naquele comentário?

- Como foi o voo? - perguntou Nick. - Muitas hospedeiras bonitas? Ouvi dizer que és um garanhão lá em Londres, mas sempre foste um estupor com tesão. Lembras-te quando uma vez estavas na marmelada com uma actrizita, e o namorado dela vos apanhou?

- Sim.

- O problema contigo é que és sempre apanhado. Um namorado aqui, um marido alem.

Angelo assentiu.

- Bom, vamos lá embora. O Enzio está à tua espera. A propósito, não repares na escolta armada. O Enzio tem a mania que somos bons alvos.

Angelo olhou à volta e viu dois homens ali perto. Seguiram Angelo e Nick atéao carro e sentaram-se à frente.

Nick não lhes ligou nenhuma, mas Angelo não se sentia bem. Preferia Shifty Fly a dois desconhecidos que pareciam prontos a arrumar alguém com um tiro.

-Que raio se passa? -perguntou Angelo, logo que entraram no carro.

Nick olhou pela janela.

- já sabes da Anna Maria?

-Não. O quê? já teve a criança?

-Morreu, pá. Caiu pelas escadas.

- Caiu pelas escadas? Como pôde isso acontecer? Sentiu-se mal?

Nick encolheu os ombros.

-        Eh, o Frank bateu-lhe? Aquele merdas...

Nick abanou a cabeça em sinal de aviso, apontando para os homens que iam à frente.

- Falamos nisso mais tarde - disse.

- Meu Deus! - exclamou Angelo. - Sempre gostei da Anna Maria, era fixe... Nick, isso é horrível.

Enzío estava à espera em casa de Frank. Este encontrava-se.

na cozinha, acompanhado por uma garrafa de uísque, mas Golli e Segal estavam por perto.

Enzio estava à espera com Alio, na sala. Dois dos seus homens encontravam-se junto à porta das traseiras, dois na da frente, e mais dois sentados dentro de carros diferentes, à entrada.

Nunca se era cuidadoso de mais. Principalmente agora, com o filho de Stefano Crown pronto a vingar-se. ’Parecia pensar que Enzio era o responsável pela morte do pai.

Não tive nada a ver com isso - proclamava Enzio, zangado por Georgio Crown suspeitar dele. - Foram aqueles estupores negros. Aqueles merdas com quem Stefano queria negociar.

Georgio Crown não acreditava nele. Os Crowns já tinham encetado negociações com certos grupos negros, que não teriam tido qualquer vantagem em meter uma bala em Stefano Crown. De facto, até nem lhes convinha nada.

-Acho que o Georgio Crown devia ir a seguir- comentou Enzio para Alio. -Trata disso. Oh, meu amigo, faz com que mandem uma coroa de flores em meu nome e no da minha família ao funeral de Stefano.

Enzio não se sentia tão bem havia meses. A vida em Nova Iorque era, na verdade, excitante. Miami estava a tornar-se entediante para um homem que sempre levara uma vida activa. Que se fodessem os rivais dos Bassalinos.

Enzio estava a dar-lhes o tratamento adequado.

Após tomar a bebida com Nick, Lara regressara à cidade. Sentia-se confusa, com emoções mistas, e furiosa consigo própria por se ter metido naquela história bizarra.

Telefonou a Cass.

-        Não contes mais comigo - disse. - Lamento, mas estou já farta.

- Estava a tentar telefonar-te - respondeu Cass. - Estive com o Dukey. Ele quer fazer as coisas à sua maneira. Quer que vocês todas se retirem e talvez tenha razão.

Lara não estava a prestar muita atenção.

- Só não quero ser envolvida mais. O que estamos a fazer é de loucos.

- Pois e - concordou Cass. - É uma loucura. Agora, tenho de encontrar Rio. Não sei exactamente quais são os planos de Dukey, mas, quaisquer que sejam, o melhor é não andar por perto dos Bassalinos.

- Deve estar em Nova Iorque. Nick ia-se encontrar com Angelo no aeroporto, Cass, acho que vou voltar para a Europa- concluiu rindo-se amargamente. - Regresso à boa vida. Vou divertir-me no meio do jet-set. Vou-me mantendo em contacto. Dá um abraço à Beth se a vires.

Afinal de que valera? Nick parecera forte como sempre. Deveriam sentir-se todos satisfeitos com a morte da mulher de Frank Bassalíno e do filho que não chegara a nascer?

Lara analisou o rosto no espelho do quarto de banho. Parecia diferente, mas não sabia porquê. «Horrível, estou com um aspecto horrível», pensou. Cuidadosamente, retirou a bolsa da maquilhagem e começou a pintar-se. Repetiu a operação trêsvezes até se sentir satisfeita. Depois, sentou-se numa cadeira em frente da porta, à espera do príncipe Alfa.

- Grande vadio - atirou Enzio, agarrando-o pelos ombros e beijando-o em ambas as faces. - Olha para ti, olha para ti, pareces um cabrão de um comunista.

Angelo acompanhou as gargalhadas que se seguiram. O pai dizia-lhe a mesma coisa havia anos.

- É bom estar em casa, hem? - perguntou Enzio. - É bom estar com a família em altura de sarilhos.

- Pois, claro - concordou Angelo a contragosto. Se havia sarilhos, o que ele queria era pôr-se a milhas.

-já viste o teu irmão? Vai ter com ele, dar-lhe os pêsames.

-Sim, Enzio.

Nick foi com Angelo até junto de Frank, que estava meio adormecido na cozinha.

Angelo disse:

- Frank, lamento tudo.

Frank resmungou qualquer coisa.

- Merda, esta casa é deprimente - murmurou Angelo para Nick. -Espero que não pensem que vou ficar aqui.

-Não, tu ficas com o Enzio no hotel. A mãe e a irmã de Anna Maria, que devem estar a chegar, ficam aqui!

-        Por quanto tempo é que o velho me vai querer cá?

Nick encolheu os ombros.

-Não sei. O funeral é amanhã, mas o Enzio parece que quer que vamos passar o fim-de-semana com ele a Miami para ver a Rose. Acho que se estão a prever sarilhos para o fim-de-semana e ele quer-nos fora de Nova Iorque. Eu ca só quero é voltar para a Costa.

Angelo coçou a barba e perguntou:

-Ás vezes, não tens vontade de ter nascido órfão?

 

-Estás com um aspeçto maravilhoso -disse o príncipe Alfa Masserini, beijando Lara em ambas as faces-, não mudaste, continuas a ser a mais bela.

- Só passaram’ alguns meses.

- Uns meses muito longos. Senti a tua falta. Obrigaste-me a fazer figura de parvo diante dos meus amigos. Passavam a vida a gozar-me e a dizer-me que me tinhas deixado. Esse teu assunto de família demorou demasiado tempo.

-Lamento -disse Lara, calmamente.

-É bom que lamentes -disse o principe, alargando o no da gravata, e examinando o rosto ao ’espelho. -Acho que agora não voltarás a fazer o mesmo.

- Não volto, não - concordou Lara. - Naquela altura era muito importante, mas agora... - concluiu, encolhendo os ombros. Tens fome? Posso arranjar uns ovos com bacon.

- Então não jantamos fora?

-Pensei que era melhor ficarmos -disse ela, aproximando-se dele. - já lá vai tanto tempo.

Mais tarde, na cama, o príncipe Alfa dormia enquanto Lara se encontrava acordada ao lado dele. Era um bom amante, preocupado e não egoísta.

Mas não fazia nada por ela. Fazia-a sentir-se vazia, usada. Com Nick fora tão diferente. Tão bom!

Perguntou-se se Nick iria aparecer. Olhou para o despertador, era tarde, desejou que ele não aparecesse. Fora uma estupidez ter-lhe dado a chave. Uma vingança tão mesquinha.

Desejou que o príncipe Alfa não tivesse um ressonar tão ofensivo. Era muito aborrecido, pois impedia-a de dormir.

Mais tarde dormiu profundamente e só se apercebeu de que Nick se encontrava no quarto quando este acendeu a luz e puxou rudemente os cobertores da cama para trás. Acordou ensonada e com um sorriso disse:

-Olá, Nick.

Ultrajado, o príncipe Alfa perguntou:

- Quem é esta pessoa? - E agarrava nas cuecas de seda pura.

- Tu ultrapassas tudo - disse Nick, abanando a cabeça. Ultrapassas tudo, meu Deus.

Ela não tentou cobrir-se. Limitou-se a olhar para ele.

O príncipe Alfa enfiou um roupão.

- Que quer? - perguntou com voz histérica, começando a perder o controlo.

- Não quero nada daqui - respondeu Nick, atirando com a chave para cima dela. - Não há nada que valha a pena. Nem pagando.

- Tapa-te! - gritou o príncipe Alfa para Lara.

- já vi essa cena - disse Nick, friamente. - Cada bocadinho dessa puta.

-Não percebo -gaguejou o príncipe Alfa.

-Nem eu, pá, nem eu-disse Nick, preparando-se para sair. Mas o príncipe Alfa agarrou-o pela manga. Nick libertou-se.

- Dormiu com ela? - perguntou o príncipe, voltando a agarrá-lo pela manga.

-Desapareça antes que eu perca a cabeça -disse Nick, lentamente.

- Responda à minha pergunta!

Com um movimento ágil, Nick deu uma joelhada no príncipe Alfa, ao mesmo tempo que lhe desferia um murro na cara. O príncípe caiu no meio do chão.

Lara deixou-se ficar imovel. Nick deteve-se a olhar para ela. Fez menção de falar, depois mudou de ideias e desapareceu.

Frank não conseguia dormir. Recusou-se a ir para a cama. Deixou-se ficar sentado na cozinha, agarrado a uma garrafa de uísque, dormitando de vez em quando. Estava assim desde o acidente...

Ninguém lhe dizia nada, deixavam-no sozinho. Enzio tentara encetar uma conversa de negócios, mas passado pouco tempo desistira.

- Depois do funeral, recuperas - murmurara Enzío. - Passas uns dias em Miamí, vês a tua mãe.

Isso é que era bom, ir para Miami. Não ia a lado nenhum antes de encontrar Beth.

A mãe e irmã de Anna Maria chegaram. Felizmente que não falavam inglês. Após um breve cumprimento, deixaram-no sozinho, Sozinho com os seus- pensamentos e os seus planos para o futuro. Negocios de família não faziam parte deles. Isso era com Enzio.

Pensou em tirar umas férias, ir até ao Havai ou Acapulco. Algures bem longe, onde pudesse estar sozinho com ela.

Depois do funeral encontrá-la-ia, disso não tinha duvidas.

Níck saiu furioso do apartamento de Lara. Como fora ela capaz de lhe fazer tal coisa?

Dirigiu-se à melhor casa de passe de Nova Iorque. Precisava de algo que o acalmasse.

Receberam-no como se fosse um rei. Nick Bassalino. Filho de Enzio, irmão de Frank.

A própria madame, uma escandinava com grandes seios e rosto jovial, ofereceu-se para o servir pessoalmente. Ele declinou a oferta e escolheu uma ruiva que manteve a coisa ao nível impessoal que ele desejava.

Depois sentiu-se tão deprimido que, se embebedou com brande. Finalmente voltou para o ’hotel, dormiu profundamente e pediu uma chamada para April Crawford em Los Angeles, logo de manhã.

A chamada veio quando ele ainda estava a dormir, e colocou o auscultador junto do ouvido, enquanto tentava abrir os olhos. A boca sabia-lhe a papel de música.

A fiel Hattie comunicou à telefonista que Míss Crawford não se encontrava em casa e, por isso, ele falou com Hattie.

- Então, Hatie, que se passa? Ela ainda está zangada?

- Então não sabe, Mr. Bassalino? - perguntou Hattie, embaraçada.

- Sei o quê?

- Miss Crawford e Mister Albert casaram-se ontem. Nick- ficou calado.

- Mr. Bassalino, está a ouvir? - perguntou Hattie, com voz preocupada. - Eu bem disse a Miss Crawford para lhe telefonar. Nick desligou. Estava branco. Ligou para a recepção e pediu que lhe mandassem os jornais. Lá estava tudo:

April Crawford e Sammy Albert Las Vegas. Segunda-feira

April Crawford casou hoje pela quinta vez, numa cerímónia tranquila realizada no jardim do hotel de Stanley Graliam, Sammy Albert, de trinta anos, protagonista de Road fob, Tíger e Prince California, foi o afortunado homem. O seu único comentário à diferença de idades foi- April é uma verdadeira senhora e a sua idade não me interessa.

Nick atirou com o jornal para o chão. Raios, como Apríl fora estúpida. Qualquer mulher que casasse com um jovem super machão como Sammy Albert era estúpida. April devia te-lo feito num acesso de ciumes.

Nick sentiu-se desapontado com April. Ela era adulta, sabia o que fazia.

De certa forma, sentiu alívio. Agora que não tinha de dar contas a April, era livre. E agora que era livre, faria alguma coisa em relação a Lara...

 

Leroy Jesus Bauls, não fumava. O fumo faz mal à saúde e Leroy nunca fazia nada que lhe prejudicasse a saúde.

Ainda não conseguia explicar o seu comportamento no Manny. Que coisa mais estúpida, ter retirado a velha e o miúdo. Correra tudo bem, tivera sorte. Mas correra riscos desnecessários e isso é que não era bom.

Nunca mais, prometeu a si próprio. Se no futuro alguém se metesse no seu caminho, o problema não era dele. Mais uma vez vestia roupas vulgares enquanto estava sentado

na carrinha estacionada a alguns metros do cemitério. Uma lição que Leroy aprendera cedo fora que um negro pode andar onde quer que seja em Nova Iorque, desde que vestido a condizer. Bem vestido, encostado a uma esquina, e logo apareceria a polícia, mas se se estivesse em pé, como um porteiro, com uma vassoura na mão, ninguém notava.

Leroy estava estacionado numa posição estratégica para observar as limusinas escuras, à medida que chegavam. As lentes eram ` telescópicas, portanto não havia problemas para reconhecer os enlutados.

Reparou que Enzio Bassalino não corria riscos. Estava rodeado pelos seus homens, velhotes de fatos brilhantes, com mãos nervosas.

Nick e Angelo chegaram num carro, juntos, também guardados. Esperaram no passeio pela mãe e irmã que vinham no carro de trás.

Leroy deixou-se ficar imóvel observando todos os pormenores.

Era bom a esperar. as primeiras palavras da sua infância que recordava eram: «Fica aqui sentado e espera. Ouviste? Espera.»

A mãe repetia diariamente esta frase quando o deixava à porta

dos quartos de hotéis. Só quando tinha altura suficiente para espreitar pelo buraco da fechadura é que percebeu a razão por que ela o mandava esperar.

Frank Bassalino chegou e os nós dos dedos de Leroy fícaram brancos de tanto os apertar contra o volante. Foi o único sinal demonstratívo de que era Frank quem ele aguardava. Desapareceram todos dentro do cemitério, a família, os parentes, os amigos. Um grupo de quatro homens ficou cá fora. Divi diram-se em dois pares de cada lado do portão, atentos.

Leroy não se mexeu durante dez minutos; depois saiu da carrinha, abriu a mala e retirou uma coroa de flores gigante, Transportou-a lentamente em direcção ao cemitério.

- Que é? Que queres? - perguntou um dos homens, barrando-lhe o caminho.

-        Entrega especial para o funeral Bassalino.

-Deixa aí.

- Está bem -disse Leroy, depositando a coroa no chão e procurando no bolso o livro dos recibos. - Assine aqui, por favor.

O homem garatujou uma assinatura indecifrável. Leroy hesitou, como que à espera de uma gorjeta.

-Quer que eu a leve? Disseram-me para a pôr junto à sepultura.

- Deixa aí.

Leroy encolheu os ombros.

- O funeral é vosso - murmurou, enquanto se dirigia para a carrinha.

Exactamente oito minutos depois, os quatro homens que se encontravam junto ao portão do cemiterio explodiram em bocadinhos. Leroy, nessa altura estacionado três quarteirões à frente, ouviu a explosão. Esperou meio minuto, depois dirigiu-se para o local.

Levava consigo um saco de papel castanho. Ouviam-se as sirenes da polícia e juntara-se uma multidão. Foi fácil colocar o embrulho no banco da frente da limusina em que Frank Bassalino chegara. O motorista saíra do carro e encontrava-se no meio da multidão, junto aos portões do cemitério. As limusinas estacionadas estavam desertas. Se quisesse, podia ter deixado um embrulho em cada carro. Mas Dukey K. Williams não queria as coisas assim.

Passados minutos, Enzio e os filhos saíram apressadamente. Havia grande confusão, as mulheres choravam e a multidão aumentara.

Leroy afastou-se com naturalidade.

 

Angelo sentia medo até ao fundo do estômago, tinha a garganta seca e a pele estava pálida.

Encontravam-se junto à sepultura quando se ouvira a explosão. Instintivamente, deitara-se no chão cobrindo a cabeça com as mãos. Jesus, que barulho! Que estava ele a fazer naquela cidade maníaca, quando deveria estar em Londres?

Níck arrastara-o.

- Calma - avisara -, não entres em pânico.

Enzio já mandara alguém saber o que se passara, Regressaram passados minutos. Uma bomba.

Enzio tomou conta da sítuação.

-Vão para os carros. Olhos bem abertos, fiquem em grupo. Golli e Segal, não larguem Frank.

Frank não parecia afectado pela explosão. Começara o dia Já bêbedo e, com a ajuda de um frasco que tinha no bolso, tencionava acabá-lo da mesma forma.

- Vão direitos para o aeroporto - insistiu Enzio. - Não parem em casa de Frank, nem no hotel.

Ninguém discutiu. Com bombas a explodirem por ali, um fim-de-semana em Miami parecia uma boa ideia. -Vou com Frank -disse Nick.

-Não, tu ficas com Angelo - ordenou Enzio, reparando que o filho mais velho estava pálido e tremia. Nick não discutiu. Só queria sair dali antes que a polícia chegasse. Que Enzio se entendesse com eles, era ele quem tinha os contactos.

Enfiaram-se nos carros.

- Aqueles tipos - repetiu Angelo. - Aqueles pobres tipos.

- Dá graças por não teres sido tu - disse Nick. - Se calhar era mesmo para ti.

-        Para mim? - perguntou Angelo, com incredulidade. - Porque eu?

-        Tu, eu, Frank. Qual é a diferença? Somos todos Bassalinos.

Angelo assentiu com impotencia. Sim, eram todos Bassalínos.

E isso queria dizer que se alguém quisesse ajustar contas com Enzío, os filhos estavam automaticamente incluídos.

-        Quem pensas que foi?

- Ouve, pá, não quero falar. Senta-te e descontrai-te, pensa noutra coisa mas deixa-me em paz. Preciso de pensar.

’í Nick fechou os olhos. Tentara pôr as ideias a claro durante todo o dia. Não era fácil. Para uma pessoa que não bebia, sentia ’ uma terrível ressaca. O problema com Lara dava-lhe cabo da cabeça. Raios, ela planeara aquilo, quisera que ele a encontrasse na cama com o palerma italiano.

Que cabra! Que cabra fina!

Desejou ter dado cabo do tipo. E quanto a April Crawford, era uma anedota. Ela e Sammy Albert juntos era uma anedota.

- Não sei porque não fiquei em - Londres - lamentou-se Angelo, interrompendo os pensamentos de Nick.

Antes que este respondesse, ambos ouviram uma explosão. Vinha de trás.

Quem vinha no carro de trás era Frank.

 

O príncipe Alfa Masserini tinha o nariz partido.

- Vou processar aquele homem até lhe sacar o último centavo - disse, na sua cama da clínica privada, com o perfeito nariz romano engessado.

- Não sabes quem é ele -- comentou Lara, calmamente.

O príncipe Alfa praguejou em italiano, e depois disse:

- Lara, estás a ser estúpida, muito estúpida. Pensei que talvez tivéssemos um futuro juntos, mas agora... - concluiu encolhendo os ombros.

Lara levantou-se da cadeira junto à cama e concordou:

- Tens razão, Alfa, tens toda a razão.

-Para onde vais?

Lara abanou a cabeça.

- Não sei. Talvez Paris. Talvez Acapulco.

-Espera uns dias - disse o príncipe Alfa, confidencialmente. Eu perdoo-te. Iremos juntos para qualquer lado.

- Não quero ser perdoada - disse Lara. - Não sou nenhuma criança, lamento isso do teu nariz. Lamento tudo. Mas acho melhor não nos voltarmos a ver.

- Lara! - exclamou o príncipe Alfa, chocado. - Que queres dizer? Esperei estes meses todos, fiz planos para nós. A minha mãe está ansiosa por te conhecer. Vamos primeiro esquiar, depois seguimos para Roma onde te apresentarei à minha família.

- Não - interrompeu Lara. - Está acabado.

Saiu do quarto, enquanto ele encetava um monólogo num italiano furioso.

Sentia-se completamente perdida. Nada importava, absolutamente nada. Sentia-se muito cansada e só lhe apetecia meter-se na cama e dormir. Desejou ter Margaret para falar com ela.

Cá fora, entrou para o carro e fechou os olhos.

- Para o meu apartamento - disse ao motorista.

- A cidade está maluca - informou-a este. - Andam aí os escroques a matarem-se uns aos outros. já não é seguro andar por aí.

Lara não estava a ouvir. já tinha adormecido.

Não ficou nenhum corpo para identificar, para enterrar. Frank Bassalíno fora reduzido a mil pedaços. Duas pessoas que se encontravam ínocentemente junto do carro tinham morrido e muito mais estavam feridas, pois a explosão estilhaçara os vidros das janelas dos edifícios mais próximos.

Nick não ficou por ali. Observou tudo num instante e viu logo que Frank não escapava. Agarrou Angelo por um braço para longe dali.

Angelo estava demasiado abalado para falar. Nick caminhou rapidamente e já estava a três quarteirões de distância quando passaram os carros da policia.

Quando se certificou de que não estavam a ser seguidos, Nic chamou,um táxi e disse ao motorista para os levar ao aeroporto.

-Alguém vai ficar sem os tomates por causa disto –disse Níck por fim-e sou eu quem vai tratar disso. Vou cortar-lhes os tomates às rodelas.

A quem ... ? - perguntou Angelo.

Descobriremos. Descobrimos sempre. NinguéM se vai safar’ depois de ter morto um Bassalíno.

-Pareces o Enzio.

-Espero que sim, meu irmão, espero que sim.

Rio Java viajou para Nova Iorque e viu as notícias nos jornais. Foi direita ao apartamento de Cass. Dukey estava lá.

-        Foste tu que trataste disto? - perguntou.

Ele encolheu os ombros.

- Talvez sim, talvez não. Não somos os únicos que querem arrasar os Bassalinos.

- Bem, não toques no Angelo, esse é meu. -Percebeste, irmão?

- Claro - concordou Dukey. - Se tratares dele primeiro.

- Não quero arrumá-lo, quero destruí-lo. Não era esse o plano?

Dukey assentiu.

-        Isso foi antes. Agora as coisas são diferentes.

-Que queres dizer com isso?

- Chamemos-lhe um pequeno problema racial.

- Problema racial, uma ova! - exclamou Rio.

- Ouve lá, menina, já tiveste a tua oportunidade. Não a aproveitaste. Agora é a minha vez.

- Oh - disse Rio friamente, queres dizer que tenho de largar tudo porque tu o dizes?

-Menina esperta.

Beth e Lara já saíram - disse Cass, rapidamente. - Acho que o Dukey tem razão, Rio.

Rio voltou-se rapidamente para ela. -Vai-te foder, também.

Os olhos de Dukey tinham uma expressão dura e fria.

- Pena não seres negra.

- Sou multicolorida, é muito mais divertido.

- Estás é chateada por não poderes continuar com as tuas brincadeiras.

-        Posso fazer o que quiser.

Dukey concordou.

-Certo. Mas não te aproximes muito dos Bassalinos, senão o teu cu multícolorído vai juntar-se a eles no inferno.

 

Mary Ann August sorriu para Clare e esta disse:

- Querida, tu surpreendes-me, as coisas estão a correr optimamente. Mr. Forbes estava hoje muito satisfeito e isso é difícil.

- Ele prometeu voltar em breve - disse Mary Ann, esticando os braços, de maneira que a camisa de dormir curta e branca que usava subiu, deixando exposto um tufo de pêlo púbico escuro. Os olhos de Claire poisaram em Mary Ann e esta mordeu o lábio nervosamente. Não iria haver problemas com esta. Algumas raparigas nascem mesmo para serem prostitutas.

Mary Ann atirou-se para cima da cama e abriu as pernas.

- Oh, Claire, quem me dera ir dar um passeio, já estou farta de estar aqui fechada.

- Para a semana.

- Podes confiar em mim -- disse Mary Ann. - Não vou fugir. Gosto disto aqui, gosto de ti...

Claire aproximou-se da’cama.

- És uma miúda esperta, não arranjas problemas. Uma rapariga como tu pode ganhar muito dinheiro. Agora que arranjámos o cabelo, estás tão bonita.

Mary Ann sorriu. -Enzio, não iria gostar.

Claire sentou-se na cama e distraidamente passou os dedos ao longo da perna de Mary Ann.

- Enzio não vai precisar de gostar, pois não?

Mary Ann deu uma gargalhadínha e abriu completamente as pernas.

- És fufa, Claire? -perguntou, inocentemente.

- já vi muitas panças e pichas murchas para poder ser muita coisa - respondeu ela. - já alguma vez experimentaste?

Mary Ann ríu-se novamente.

- Mr. Forbes não me fez vir. Eu disse-lhe que se me chupasse, ajudaria, mas ele respondeu que chupar era comigo.

Claire curvou-se lentamente, de olhos brilhantes.

Mr. Forbes é uma besta.

Mary Ann suspirou e deitou-se para gozar as carícias de Claire. Passaram-se cinco minutos e então, cuidadosamente, Mary Anw enfiou a mão debaixo da cama e agarrou na perna da cadeira que lá tinha, colocado antes.

Ergueu o corpo lentamente até só se ver a cabeça de Claire, Gemeu e os esforços de Claire aumentaram. Então, lentamente, Mary Ann ergueu a perna da cadeira e deíxou-a cair pesadamente contra a cabeça de Claire. Uma, duas, três vezes.

Claire caiu no chão a sangrar e Mary Ann lamentou o facto, mas não tencionava estar fechada e ser obrigada a tornar-se prostituta. Oh, não. De maneira nenhuma. Não a Mary Ann August. Não depois de ter trabalhado tanto e de ter aturado Enzio Bassalino durante meses. Tinha um casaco de chinchila, jóias, roupas, um casaco de vison. Tinha objectos que valiam dinheiro se os vendesse, que chegaria para voltar à pequena cidade do Texas de’ onde viera, e montar um negócio jeitoso. Uma boutique ou um instituto de beleza. Sempre soubera que o arranjinho, com Enzio, não era coisa permanente e fizera os seus planos de acordo com isso. Vestiu-se rapidamente e retirou dinheiro e as chaves do bolso de Claire.

Tinha as suas posses, e raios a partissem se não as ia buscar.

 

No dia seguinte, a casa de Miamí fervilhava de actividade. Decorria uma reunião.

Enzio, estava sentado atrás da sua secretária com os olhos congestionados e os ombros curvados. Ao seu lado encontrava-se Nick, fazendo as despesas da conversa, as palavras saindo-lhe com rapidez.

Enzio, que parecia ter envelhecido dez anos, ouvia o filho do meio, abanando a cabeça de vez em quando, para dar a saber a quantos se encontravam na sala que concordava com tudo o que Nick dizia.

Angelo estava encolhido numa cadeira. Estava assustado e isso via-se no seu rosto pálido e na tremura da mão, enquanto bebia grandes goles de uísque de um cálice grande. O que lhe apetecia mesmo era apanhar uma grande pedrada, alguns charros acalmá-lo-iam. Só que não o podia fazer à frente de Enzio. Este não aprovava.

Nick estava surpreendentemente calmo a dar instruções. Queria informações, e rapidamente.

-Antes do fim do dia quero saber quem é o responsavel. Cinco mil dólares pela informação certa.

A reunião acabou e os homens dispersaram.

- Rose... - murmurou Enzio. - Alguém tem de informar Rose.

Angelo enfiou-se mais na bebida. Rose assustava-o. Sempre o assustara.

- Eu digo-lhe - ofereceu-se Nick. Sempre lidara melhor com Rose do que os outros. Costumava brincar e rir com ela e às vezes até conseguia que ela sorrisse.

-Vou vé-la. agora.

Rose estava sentada na sua cadeira junto à janela. Nick entrou e agarrou-a por trás.

- Ciao, Mama!

Sentiu-se chocado por a ver tão magra.

Ela olhou para ele e abanou ligeiramente a cabeça.

-Desculpa ter passado tanto tempo, Mama, mas tenho tido muito que fazer na Costa. Estás com óptimo aspecto.

Nick lembrava-se da mãe antes dela se ter fechado. Lembrava-se da sua beleza espampanante, da sua personalidade viva e da facilidade com que fazia amigos. Também se lembrava da noite em que aquilo acontecera. Tinha cerca de dezasseis anos, saíra e quando regressara a casa Alio fora ao seu encontro e dissera-lhe que a mãe éstava doente.

-Hoje ficas em minha casa-dissera Alio. - Angelo e a ama já lá estão.

Alio nem sequer o deixara entrar em casa para ir buscar a roupa. Enfiara-o no carro e levara-o. Fora impedido de entrar em casa durante duas -semanas, e quando regressou viu que a mãe se tinha fechado no quarto de onde nunca saía.

- Frank morreu - disse Nick. - Foi... foi um acidente.

Rose deu a volta e olhou para ele. Ainda possuía os olhos mais belos que ele já vira. Eram profundos, brilhantes e fortes. Os olhos falavam Por ela, exigiam que ele lhe dissesse mais.

- Foi um acidente de automóvel - disse Nick, abraçando-a. Que mais podia dizer?

 

-Ataca, antes que eles respondam.

Foram estas as ordens que Leroy Jesus Bauls recebeu de Dukey K. Williams.

Essa era a razão por que se dirigia naquele momento para Miami. Era uma viagem longa, mas teria sido demasiado perigoso ir de avião com o equipamento que precisava de levar. Com toda a vigilância que havia nos aeroportos, com a bagagem a ser vasculhada e as pessoas apalpadas, não teria conseguido nem sequer aproximar-se do avião.

Alguns dias antes inspeccionara a mansão de Enzio Bassalino. Com Enzio em Nova Iorque, a casa não estava tão fortemente vigiada e Leroy pudera preparar as coisas à sua vontade.

Tinha conhecimento dos guardas ao portão, dos sistemas de alarme e dos cães.

Era um trabalho excitante, um desafio, e Leroy gostava de desafios.

Mary Ann August comprou uma peruca preta. Era comprida e tapava-lhe competamente o cabelo loiro. Comprou também umas calças de ganga, uma T-shírt, uma camisa de homem e óculos escuros. Retirou a maquilhagem no quarto de banho dos armazéns onde efectuara as compras, e quando saiu tinha um aspecto completamente diferente. Apanhou um táxi para o aeroporto e lá comprou um bilhete para Miami.

Estava muito nervosa. Havia muito dinheiro na bolsa de Claire e andariam atrás dela por causa disso. Mas não a encontrariam pois nem sequer se reconhecia a si propria ao espelho. Comprou algumas revistas e entrou no avião.

Nick era quem mandava. O velho estava um farrapo.

Angelo andava por ali, inquieto como um gato, e Nick finalmente mandou um dos rapazes arranjar-lhe uns charros para o acalmar.

Depois da reunião, Nick telefonara para Los Angeles a fim de saber como corriam as coisas lá. Tudo parecia OK. Tinha gente competente lá, gente em quem podia confiar. O rosto de Lara não lhe saía do pensamento e, engraçado ’ quase esquecera April. Não ia ser Mr. April Crawford. Grande coisa! De certa forma, até se sentia aliviado.

O velho estava a dormir e Angelo jogava as cartas junto à piscina. Nick ligou para o portão. Não havia problemas. Colocara lá mais um homem, eram agora três em alerta constante e ninguém era admitido sem a autorização pessoal de Nick.

A família Bassalino estava sob fogo e Nick não queria correr riscos.

Agarrou no telefone e ligou para Lara, em Nova Iorque. Ela demorou algum tempo a responder e depois disse: Estou...

Devia tê-lo morto - disse Nick, lentamente. Como ela não respondesse, ele acrescentou: - Se volto a apanhar mais alguém contigo na cama, mato-o.

-        Partiste-lhe o nariz.

-Parti? A sério?

Lara começou a chorar. Estava tão contente por o ouvir, tão ridiculamente contente.

- Vai para o aeroporto - disse Nick -, apanha o próximo avião para Míami, deves conseguir vir no das duas horas. Estará lá um tipo chamado Mario à tua espera -e trar-te-a directamente aqui para casa.

-Não posso, Níck. Eu...

- Nada de argumentos, querida. Discutimos quando cá chegares. Preciso de ti, preciso mesmo de ti...

Quando Lara desligou, ria e chorava ao mesmo tempo. Ele precisava dela. Ele queria-a. Começou a emalar algumas coisas, cantarolando baixinho.

Subitamente, as palavras de Cass atingiram-na. Palavras a que ela não dera muita atenção, mas que agora tinha na cabeça com muita clareza: «Não sei exactamente o que Dukey planeou, mas não é seguro andar por perto dos Bassalinos. Ele quer que te retires e eu acho que tem razão.»

Lara entrou em panico. Telefonou rapidamente a Cass.

- O que querias dizer? - perguntou ela. - O que e que o Dukey planeia fazer?

- Não sei - respondeu Cass. - Acho que ele quer acabar com...

-        Com o que?

-Não sei.

Lara desligou e marcou o número de Dukey. Não houve resposta.

Tinha de falar com Nick, de dizer-lhe a verdade, de o avisar. Acabou de fazer a mala e mandou o porteiro chamar-lhe um táxi. Tinha de chegar a Miami o mais rapidamente possível. Não havia outra forma de o avisar.

No seu quarto, Rose Bassalino cismava. já não lhe restavam lágrimas para chorar o filho mais velho. Gastara-as havia muitos anos.

Era culpa de Enzio, claro. Tudo era culpa de Enzio. Tinha-lhe tirado Frank porque sabia que ele era o seu filho preferido.

Se fechasse os olhos conseguia ver em pormenores nítidos a cena, naquela noite há muitos anos, em que Enzio e os seus «assistentes» tinham partido aos bocados Charles CradwelI, como se fosse uma peça de carne.

E Enzio segurara-a, com as mãos nos seus seios e o corpo rijo de excitação.

Rose abafou um grito, enquanto as recordações voltavam. Foi até à janela e espreitou. A piscina ainda lá estava, a erva, as árvores. Treinara o espírito para afastar tudo o resto e concentrar-se unicamente no cenário.

Hoje, não resultava. Hoje, o jardim ensolarado e a piscina coberta de mosaicos não a acalmavam. Não estava louca. Sabia que não estava louca. Mas, para não enlouquecer, fechara-se em si própria e agora sentia a raiva crescer-lhe no corpo, uma raiva que lhe dava novas forças.

Fechara-se por amor aos filhos, para lhes poupar a agonia do que poderia fazer. Agora, não importava. Frank morrera. Enzio planeara tudo.

Rose afastou-se da janela. Sabia o que tinha a fazer. O seu espírito estava lúcido pela primeira vez em muitos anos.

 

-Angelo, telefone-disse Alio, aproximando-se da piscina.

- Para mim?

-        Sim, e uma mulher - respondeu Alio, desinteressado.

Angelo poisou as cartas. Ninguém sabia que ele ali estava. Agarrou no telefone que tinha junto à piscina.

- Meu sacana - disse a voz familiar. - Fugir não te adianta nada, querido.

-Rio! Como me encontraste?

-Foi pelo cheiro - riu-se ela. -Amigos?

Angelo descontraiu-se pela primeira vez em vários dias. -Sim, mas quero falar contigo.

-Comigo-dísse ela-e com os meus amigos.

-Ouve, isso foi só uma vez.

-Claro, claro, e tu não gostaste nada, não foi?

Angelo sentiu a mesma excitação que experimentara no apartamento de Rio.

-Não sigo esse caminho-disse, lentamente.

-Oh, anda lá-continuou Rio sarcastica. -Estás a falar comigo. E eu estou aqui em Fontainebleau, com dois amigos divinos, ansiosos por te conhecerem. Vamos ter contigo, ou arrastar o teu lindo cu até aqui?

Angelo tinha a garganta seca, e a roupa colada ao corpo.

- Hoje não posso estar contigo - disse, debilmente. Nick dera-lhe instruções rigorosas para não sair de casa.

A voz de Rio soou ao telefone:

- Estou nua e cheia de tesão e nunca aceito um não por resposta. Os meus amigos estão nus e excitados e farão tudo o que o teu coraçãozinho desejar. Estão também muito impressionados. Mostrei-lhes aquelas fotografias, que tu não queres que o papá veja. Vem já, querido. Adeusinho.

Desligou e Angelo mordeu nervosamente o polegar. Tinha querido ir e agora tinha de ir.

O Unico problema era sair.

O único problema era entrar. Mais do que ninguém, Mary Ann August sabia que a casa estava bem guardada. Vivera lá todos aqueles meses e ela conhecia os métodos rígidos de Enzio para manter os estranhos afastados.

Contudo, contava com o facto de não ser uma estranha. Era a amiga de Enzio, a sua amante. Partira para Nova Iorque com ele uma semana antes e era lógico que tivesse regressado com ele. Não achava que Enzío se tivesse dado ao trabalho de ter informado toda a gente acerca do rompimento deles. Enzio dissera a Alio que fizera o trabalho sujo, mas à parte isso, bem, ela achava que ele tinha guardado o assunto para si. ’Tinha um plano. Era arriscado, Mas com sorte e com os tipos que conhecia ao portão, as coisas poderiam resultar.

- Vou parr o aeroporto - disse Nick.

- Eh, vou contigo -disse Angelo, vendo uma hipótese de saída.

Iria para o aeroporto com o irmão e far-se-ía perdido.

-        Não - disse Nick, abanando a cabeça. - Tu ficas aqui a tomar conta das coisas. Não sabemos o que virá a seguir.

Angelo hesitou. Não queria discutir com Níck, mas, por outro lado, tinha de sair.. Nick já estava perto da porta quando Angelo concluiu que provavelmente seria muito mais símples pirar-se durante a ausência de Nick.

 

Enzío acordou às cinco. O seu quarto dava para a piscina e, quando se levantou, sentou-se junto à janela e olhou lá para fora.

Sentia-se velho e cansado. Uma sensação a que não estava habituado. Dentro de dois meses faria setenta anos. Frank tinha só trinta e três e tinham-no matado, um homem na força da idade, um Bassalino.

Enzío praguejou baixinho, um murmurio de obscenidades. Gostaria de ter ido ter com Rose, era a unica pessoa que poderia entender a sua dor.

Sabia que era impossível. Rose jurara nunca mais lhe falar e ele conhecia-a e sabia que ela cumpriria a promessa.

Talvez devesse visitar a rapariga que encontrara em Nova Iorque, aquela que Kosta Genas lhe apresentara. Como era o seu nome? Mabel, não, Miríam, era isso, Miriam. Fora levada lá para casa e instalada no quarto habitual, mas até ali Enzio não a visitara.

- Lixo! - exclamou ele, cuspindo para o chão. Eram todos lixo, aquelas mulheres que ele comprava. Além disso, já lhe era difícil mostrar interesse sexual. Na sua idade, tornava-se cada vez mais difícil.

Deitou-se de novo na cama, talvez conseguisse dormir, talvez se sentisse melhor.

Imagens de Frank em criança passavam-lhe pela mente. O dia em que perdera o primeiro dente. O dia em que aprendera a nadar. Aquela vez em que dera uma tareia num colega com o dobro do tamanho dele. Aquela vez em que Enzio o levara a uma rapariga, tinha Frank treze anos.

Os olhos encheram-se de lágrimas. A porta do quarto abriu-se devagar, e, por momentos, Enzio não distinguiu quem tinha entrado. Depois, viu que era Mary Ann August, loira, de reduzido biquini encarnado, pernas compridas e seios de mamute.

-Olá, torrãozinho- disse ela, com um sorriso agradável.

Enzio resmungou e tentou sentar-se. Não a tinha mandado embora? Então Alio não tratara disso?

Mary Ann dirigiu-se para a cama.

-Como está o rapazinho mau da mamã? -perguntou, ao mesmo tempo que desatava as fitas da parte superior do biquini e os seios saltavam.

Enzio estava confundido. Alio devia ter estragado tudo. Mas também, qual era a importância? Ela sabia do que ele gostava, conhecia os seus gostos e fantasias. De repente, deixou de ser o velho de quase setenta anos e passou a ser Bassalino, o garanhão.

Ela subiu para a cama e pôs-se por cima dele, com os seios abanando provocadoramente sobre o rosto dele.

Ele abriu a boca e tentou agarrar um mamilo.

Ela deu uma gargalhadinha e começou a despi-lo. Ele fechou os olhos e suspirou quando sentiu que a erecção aumentava.

A boca dele estava dentro dela quando ela o atingiu directamente sobre o coração.

 

Angelo saiu de casa logo a seguir a Níck. Fora fácil. Limitara-se a meter-se no seu Mustang preto, passar pelos portões, acenar aos guardas que o deixaram passar. Muito fácil.

Afinal, também era um Bassalino, portanto quem se atrevia a interrogá-lo?

Ligou o rádio. Bobby Womack. óptimo. Sentia-se bem, um bocado pedrado. Aquela história de Frank enervara-o. Um raio de uma bomba em plena Nova Iorque era uma maneira chata de morrer. Mas não podia fingir que tinha o coração despedaçado. OK, Frank era seu irmão. Mas sempre fora um estupor, nunca houvera grande amor entre os dois. Só de pensar que ia voltar a ver Rio ficou eufórico.

Ela tínha-o chamado. Não fora ele quem telefonara a pedinchar uma hipótese de mostrar o que valia. Ela queria-o. Seguira-o e voara até Los Angeles só para estar com ele. Angelo carregou no acelerador, não podia fazê-la esperar.

Aumentou o volume do rádio. O dísc-jokey falava e depois ouviu-se James Brown. Sexy. Sexy. Sexy.

Angelo não podia deixar de rir. James Brown fazia-lhe sempre lembrar a primeira cena com Rio., Sex Machine fora o disco dessa altura. Pôs o rádio no máximo e o barulho tornou-se ensurdecedor. Carregou no acelerador e gritou:

-Rio, querida, aqui vou eu!

Não viu o sinal de stop e o carro enfiou-se debaixo de um camião. Angelo morreu instantaneamente, mas no rádio do carro continuou a ouvir-se a voz de James Brown.

 

-Olá - Nick agarrou-a pelos braços e olhou-a com intensidade.

Lara sorriu.

-Vieste ao aeroporto.

-Não consegui esperar. já alguém te disse que és a mulher mais maravilhosa do mundo?

-Amo-te, Nick. Por isso vim.

- Eh, aqui está uma senhora que não é gaga-disse ele, beijando-a. -Também te amo, princesa. Trazes malas?

-Só uma.

Ele deu-lhe a mão e dirigiram-se lentamente para o terminal, à espera da bagagem.

- Ouve - disse Nick. - Há uma porção de coisas que te quero dizer.

-        Há um monte de coisas que tenho de te dizer, Nick.

-OK. óptimo. Temos todo o tempo do mundo. Certo?

- Certo.

Ele parou, rodeou-lhe o rosto com as mãos e beijou-a, um beijo profundo e longo.

-É bom ver- ’te, querida, Vamos para casa, vais conhecer a família. Está tudo um bocado pesado neste momento, nem sequer te vou explicar agora. Só quero ter-te ao pé de mim. Está bem?

Lara assentiu. Estava bem, era também o que ela queria. Graças a Deus que ele estava bem. Tinha de o avisar sobre Dukey. Contar-lhe toda a história. E quando ele soubesse, o que ia acontecer? Ainda a quereria junto dele, ou seria o fim? Suspirou. Era a única hipótese. Ali estava o único homem por quem ela sentiu alguma coisa verdadeira, e, para manter uma boa relação, a verdade tinha de ser dita.

-Ali está a minha mala -disse ela.

Nick fez sinal a um carregador e dirigiram-se para o carro.

 

Mary Ann August saiu calmamente do quarto de Enzio. Cá fora encontrava-se a mala com todos os seus pertences arrumados. Encontrara tudo conforme deixara. Não tivera qualquer problema em entrar em casa, limitara-se a atravessar os relvados em biquini, como se ainda lá estivesse. Ainda não sabia bem Por que razão decidira matar Enzio, a tiro. Mas parecera tudo tão fácil. A arma que ele lhe oferecera airxla se encontrava dentro do seu guarda-jóias. Ele era um grande estupor. Deixá-la em Nova Iorque. Mandou Alio substituí-lo. Despacha-la para uma casa de passe em Los Angeles, como se ela fosse peça de carne. Ficar com todas as suas coisas.

Agora que estava feito, começou a tremer. E se não conseguisse safar-se?

E se alguém o encontrasse antes de ela se escapar?

Correu pelo corredor e, quando ia a passar pela porta do quarto da mulher, esta abriu-se e Rose apareceu.

Nunca saia do quarto. Mary Ann vivera naquela casa durante meses e sabia que aquela porta nunca se abria.

Rose saiu para o corredor e deram de caras uma com a outra. Rose tinha cabelo negro e -olhos brilhantes e loucos. Sorriu para Mary Ann. Um sorriso estranho e distante. Depois, ergueu uma faca e enterrou-a no estômago de Mary Ann.

A rapariga deslizou silenciosamente para o chão e Rose retirou-lhe a faca do corpo e contínou pelo corredor em direcção ao quarto de Enzio.

Ele estava a dormir na cama, com a coberta puxada até ao queixo.

Rose começou a rir enquanto lhe espetava a faca.

Espetou, riu-se, espetou, riu-se. Era a mesma faca que tinham usado havia tantos anos para matar Charles Cardwe.

 

Eram quase cinco horas quando Leroy estacionou o Mercedes a alguma distancia da mansão dos Bassalinos. Começava a sentir-se cansado, fora um longo dia.

Saiu do carro e espreguiçou-se, ao mesmo tempo que olhava para a vizinhança. Não se via ninguém.

A maior parte do trabalho fora feito aquando da sua última viagem. Com Enzio em Nova Iorque, fora relativamente fácil entrar em casa com o pretexto de ir verificar o telefone.

Era o truque mais velho do mundo, mas quando o telefone estava avariado resultava sempre. Cortam-se os fios, espera-se vinte minutos, depois aparece-se.

- Reparações de telefone, há uma avaria na sua linha.

Os guardas verificaram o telefone e as credenciais de Leroy e autorízaram-no a entrar. A princípio, seguiram-no para todo o lado, mas depois cansaram-se e deixaram-no à vontade.

Estava tudo pronto, só faltava o toque final.

Leroy abriu a mala do carro e retirou um pequeno saco de lona. Verificou o conteúdo e dirigiu-se à casa.

- Raios! - Estamos aqui parados há que tempos! - exclamou Nick. -Raio de trânsito.

Seguiam por uma auto-estrada de quatro vias e todas estavam engarrafadas.

-Habitualmente, não leva mais de meia hora a chegar a casa - disse Nick para Lara. - Hoje, teremos sorte se lá conseguirmos chegar daqui a duas horas.

Acendeu um cigaro, impaciente. Deveria ter aguardado Lara em casa; fora uma estupidez ter saído. Podia haver novidades, ou terem chegado informações.

- Há um acidente lá em cima - disse o motorista. - E parece dos grandes. Depois de passarmos por lá vai ser rápido.

- Graças a Deus! - exclamou Nick, agarrando a mão de Lara. Em breve estaremos em casa, querida.

Leroy encaminhou-se para os portões da mansão dos Bassalinos. Deteve-se a alguns metros de distância. Um dos guardas avançou e pôs-se a observar Leroy.

Este enfiou a mão no bolso.

-Sim? -perguntou o guarda, enquanto a mão apertava a pistola presa no cinto.

Num ápice, Leroy retirou uma granada do bolso e lançou-a para o guarda. Atirou-se para o chão e sentiu a terra tremer devido à explosão.

Contou até cinco, levantou-se de um salto, agarrou no saco de lona e correu entre as chamas em direcção à casa.

Correu célere, passando por entre as árvores.

já avistava a casa, a porta da frente aberta, homens saindo a correr empunhando armas. Ninguém o viu, ninguém pensou sequer em soltar os cães.

Leroy dirigiu-se a uma janela das traseiras. Demorou alguns minutos a retirar os fios que tinha enterrado e a ligã-los.

Que esquema inteligente para um preto. «Mexe-te, Leroy.» Começou a correr.

Zero. Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Pum! A primeira explosão, e, a intervalos de segundos, explosões individuais por toda a casa.

Então apercebeu-se do seu erro, quando viu os assustados lobos-d’alsacia correrem na sua direcção.

O saco de lona azul. Deixara-o no chão, junto à casa, e nele trazia carne fresca que comprara para os cães.

 

Cass Long estava sozinha quando viu as notícias na televisão. A sua reacção imediata foi de satisfação chocada. Depois, o horror de todo o acontecimento apoderou-se dela, quando foram mostradas imagens dos escombros da que fora antes a mansão dos Bassalinos.

O cenário era de devastação e horror. Ainda havia fogo e viam-se polícias e bombeiros por todo o lado. Uma fila de vítimas cobertas por lençóis estava alínhada junto à piscina.

-Ainda não se sabe ao certo - disse o repórter – quantos corpos há dentro da casa. No entanto, pensa-se que haverá alguns.

Fez uma pausa - enquanto lhe eram transmitidas mais informações.

-Parece que foram colocadas várias bombas à volta da casa, programadas para rebentarem a pequenos intervalos. Enzio Bassalino foi uma figura famosa em Chicago, nos anos vinte, juntamente com outros contemporaneos seus como Al Capone e Legs Diamond. Nestes últimos anos vivia em reclusão na casa de Miami com...

Cass desligou a televisão. Pôs-se a olhar para uma fotografia de Margaret pendurada na parede.

Era tempo de retomar a obra de Margaret. Chegara a altura de continuar aquilo que ela tentara fazer.

Cass sabia a quem se dirigir.

 

Lara lembrar-se-ía sempre do medo, da dor e do pânico daquela tarde com Nick.

Encontravam-se a alguns minutos da casa quando as explosões começaram.

O que é isto? - perguntara Lara. Era um barulho que parecia um ribombar de trovoada.

Meu Deus! - murmurou Nick. - Mexe-te com este carro -dissera para o motorista.

Depois viram o fumo, e, mais próximo, as chamas. E, quando se apróximaram mais, Nick disse-

- Dá a volta com o carro, leva-a ao aeroporto e mete-a num avião.

Saltou do carro e correu em direcção à casa. Era uma cena de pesadelo.

- Nick! - gritou Lara atrás dele. - Volta... por favor, volta, tenho de te dizer, tenho de te dizer...

O motorista já tinha dado a volta e seguiam noutra direcção.

- Níck -.soluçou Lara. - Nick...

O motorista levou-a ao aeroporto e meteu-a num avião para Nova Iorque.

Ela não reagiu.

Foi directamente para o apartamento de Cass. Rio estava lá e passado pouco tempo chegou Dukey. Sorriu para toda a gente. Fumava um charuto. Parecia diferente.

-        Fizemos as coisas à minha maneira - declarou.

Rio atirou-lhe:

- À tua maneira. Metes-me nojo.

- Resultados - disse Dukey. - Os resultados é que interessam.

- Cabrão - disse Lara.

-Por que não me chamas cabrão preto, minha puta?

Cass disse:

-Tanta gente. Toda aquela gente inocente.

-Que se fodam-ripostou Dukey.-Margaret valia dez vezes mais do que qualquer um deles.

Rio abanou a cabeça.

-Não percebes. Margaret não teria concordado com isto. Tudo o que ela teria querido era que o seu trabalho fosse continuado. A sua obra.

-Bem, o que eu queria era vingança. E tive-a, filha. Cada um daqueles porcos dos Bassalinos morreu. Cada um dos filhos da puta!

Lara foi para o seu apartamento. Lenta e metodicamente arrumou todas as suas coisas. Estava farta de chorar, já não tinha mais lágrimas. Não sabia para onde ir nem o que iria fazer.

Quando o telefone tocou, sentiu-se tentada a não atender pois devia ser o príncipe Alfa.

Distraída, disse:

- Estou.

- Princesa? És tu? Graças a Deus que conseguiste safar-te.

- Nick! Estás bem? Estás são e salvo?

- Olha, não posso falar. Nem calculas a confusão que aqui vai. É terrível... Estou com os detectives. Meu Deus, Lara. O meu pai, a minha mãe, toda a minha família... atéo Angelo morreu num desastre... Telefono-te amanhã. Espera por mim, querida.

-Eu vou aí ter contigo.

- Não, Fica onde estás, princesa. Vou ter contigo logo que possa.

Nunca lhe poderia contar. Nem pensar. Mas, pelo menos, ele não fora ferido e ficariam juntos. Talvez um dia, dali a cinco ou dez anos ela lhe contasse a história. Talvez...

 

Bosco Sam e Dukey K. Williams encontraram-se no Zoo Sgíco. -Não vou contigo outra vez para junto daqueles macacos- queixou-se Dukey. - Ainda cheiro a mijo de macaco cada vez que visto o casaco de vison.

Bosco Sam soltou uma gargalhada.

- Qual é a graça? - perguntou Dukey. - Despacha-te, irmão. Devia ter ido ao ensaio há duas horas, mas fiquei retido por uma pequena loira.

-Dukey, meu rapaz, tínhamos um acordo.

- Certo. Ninguem vai discutir isso.

Bosco Sam retirou uma barra de chocolate do bolso do casaco e retirou-lhe lentamente o papel.

-O acordo era que eu esquecia os dois mil e tu tratavas dos Bassalinos. Certo. OK. Com o Frank Bassalino foi bem. Mas os outros?

-Ouve, o Enzio era o mais importante, não era? Leroy fez um bom trabalho.

-Leroy ficou com o cu despedaçado por uns cães malucos.

O que restou dele nem a mãe reconheceria. Vi as fotografias da polícia. Tenho muito bons contactos, com os chuis.

-E então?

-Então, Enzio morreu antes da casa ir pelos ares. Meteram-lhe uma bala no coração e depois foi todo esfaqueado. Estás a perceber?

Duckey lambeu os lábios.

- Não.

- Angelo Bassalino espetou-se com o carro. Nick está são e salvo em Los Angeles. Acho que assim me deves mil e quínhentos.

-        Anda lá, pá, não podes...

Bosco Sam interrompeu-o.

-Com juros, vai aos dois mil. Dois dias, Dukey. Dou-te dois dias.

- Anda lá, pá - pediu Dukey - não é justo...

- justo? Justo? Fui muito justo contigo. Não é preciso dizer-te o que acontecerá a seguir. Dois dias, e já é ser muito generoso.

- Filho da puta! - exclamou Dukey. - Até na escola tinhas inveja de mim. Filho da puta pançudo. Vais receber o teu dinheiro.

Bosco Sam abanou a cabeça.

-Claro que vou, Dukey, meu rapaz. Claro que sim. Em notas. Até às seis horas de amanhã.

Abruptamente, enfiou o chocolate na boca e afastou-se. Dukey começou a suar.

Não haveria’ maneira de arranjar os dois mil até às seis. Nem pensar.

 

-O tipo que vem ter com vocês de picha tesa pode querer foder-vos, mas quererá trabalhar ao vosso lado? Quererá que voces recebam o mesmo dinheiro pelo vosso trabalho que ele recebe pelo dele? O tipo da rua que vos despe com os olhos, que vos fode com a boca nas conversas com os amigos, é vosso igual? Hem?

A multidão de mulheres, juntamente com os seus companheiros presentes no festival pop, gritaram a sua concordância com o que Rio Java dizia.

- Eh, mulheres, quereis ser pisadas por uma raça de porcos machões? Porcos velhos, com ideias chauvinístas e reaccionárias em relação a tudo o que afecta as mulheres americanas de hoje. Para eles, vocês são só bocados de carne. Sejam bonitas, tenham meninos, mas fiquem sossegadas em casa.

Discursava entre a exibição de grupos pop. Com o cabelo púrpura frisado e maquilhagem carregada, também parecia uma estrela pop.

Num ano, tornara-se tão dedícada à causa como Margaret Lawrence Brown o fora. E as suas seguidoras eram muitas, na verdade até atraía -um grupo mais variado do que Margaret, pois também os drogados a apoiavam.

-Um dia vou ser Presidente -dissera Rio a quem a quisera ouvir. - E vou pôr a nu os corruptos dos políticos.

- Para começar - dissera aos seus amigos - vou desmascarar o cabrão do Larry Bolding. Não vai candidatar-se a mais nada depois de eu o arrumar.

Larry Bolding, com imagem impecável, mulher bonita e elegante e dois miúdos perfeitos, candidatara-se à presidência. Rio ergueu ambos os braços e cerrou os punhos.

- Vamos à luta, irmãs - gritou. - Vamos à luta. Vamos conseguir.

A multidão aplaudiu.

Rio sentiu a bala atingi-la mas manteve-se em pé, a sorrir, e a multidão alargou-se, gritando.

- Vamos a luta! - conseguiu dizer Rio mais uma vez. Mas o sangue saiu-lhe da garganta e da boca, num jorro final.

Só era possível chegar junto da casa em Connecticut passando por portões electronicamente controlados, e por dois guardas de uniforme armados.

Dickson Grade passou este exame com facilidade. Era um homem asseado, de fato de executivo castanho, olhos castanhos e óculos.

Aproximou-se da mansão, segurando uma pasta. Uma criada negra de uniforme abriu-lhe a porta.

- Boa tarde, Mr., Grade. Mr. Bolding está junto à piscina. Dickson Grade acenou com a cabeça e atravessou a casa até ao pátio que dava para a piscina olímpica.

Susan Bolding recebeu-o. Era uma mulher muito atraente, com cabelo loiro apanhado. A sua figura elegante estava oculta por uma camisa de seda larga e calças brancas.

-Olá, Dick - saudou-o ela, com um sorriso, beijando-o em ambas as faces. - Que tomas? Uma bebida? Chá? Café? Dickson aceitou, delicadamente. Achava a mulher de Bolding extremamente atraente, mas quando se era o assistente pessoal de Larry Bolding não se podia pensar muito nisso.

- Café, por favor, Susan. Onde está o Larry?

-Anda a explorar o jardim, à procura de ervas daninhas.

O domingo é o único dia em que ele consegue fazer isso.

- Vou ter com ele.

Dick seguiu pelo caminho até encontrar Larry Bolding no relvado a brincar com os filhos.

Cumprimentaram-se e depois Larry mandou as crianças irem ter com a mãe. Era um homem alto, na casa dos quarenta. Boa aparência, voz profundamente masculina, um aperto de mão firme, de político.

- Está tudo controlado - disse Dickson. - Operação perfeita.

- Ela... morreu?

Dickson assentiu.

-E não há nada que nos possa incriminar. Estás limpo. Também as pessoas certas tratarão dos objectos pessoais dela. Larry Bolding suspirou e deu uma pancadinha no ombro de Dickson.

-Era a única forma, não era?

Dickson Grade concordou: - Era a única forma.

 

                                                                                Jackie Collins  

 

                      

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