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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ATADA A ELE / Izabella Mancini
ATADA A ELE / Izabella Mancini

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

— Pai, eu já disse que estou chegando! Você nunca vai parar de me tratar feito uma criança? Tenho ciência de meus compromissos e horários, para sua informação!
Ajeitei o fone do celular em meu ouvido desviando da aglomeração de pessoas que se movia pela calçada movimentada da Avenida Paulista. A cidade não podia estar mais cheia naquela chuvosa tarde de sexta-feira.
— Sabe tão bem de seus compromissos e horários que está atrasado três horas! Pode não ser uma criança Rafael, mas certamente se iguala a uma em muitos quesitos, rapaz! Se não estiver aqui em meio hora vai se ver comigo, garoto!
Parei em meio ao caminho quando ele desligou e observei meu celular com profunda indignação.
— G aroto ? — Sussurrei olhando o visor do celular marcando uma ligação terminada — Droga!
Rapidamente coloquei o celular no bolso interno de meu terno e corri em direção à cafeteria onde meu pai marcou nosso precioso encontro programado há duas semanas. Eu podia estar agindo como um idiota por me atrasado, mas quando o que te detém é uma festinha particular de final de expediente no consultório com a assistente, não há nada que possa me parecer mais interessante.
Abri a porta com força e me deparei com os refugiados da chuva forte se assustando com o barulho imenso que o maldito sininho de anuncio propagou no ambiente. Em meio a várias silhuetas molhadas avistei meu pai sentado sozinho em uma mesa nos fundos. Exageradamente afastado dos outros.

 


 


Sem pensar atravessei o espaço que nos separava e logo puxei uma cadeira frente a ele, que por sua vez tinha os olhos voltados para uma fumegante xícara de cappuccino. Nitidamente me ignorava com a decepção estampada na face.

— Rafael, você é terrível! — Disse quando abri a boca na intenção de me desculpar. Sorri de canto com suas palavras e levei a mão aos meus óculos, o puxando do rosto e pendurando no terno escuro — Definitivamente a palavra responsabilidade está descartada de seu vocabulário!

— Desculpe, mas não foi culpa minha! Estive preso no consultório até mais tarde por motivos profissionais! O senhor bem sabe como é ser um médico recém-formado! Já esteve na minha pele um dia, grande Doutor João Roman!

Meu pai era um dos melhores cardiologistas da cidade, talvez do país! Além de um médico conceituado, também ministrava palestras e aulas em universidades. Sua reputação era admirável e eu — obviamente — ia contra tudo que o grande Doutor-Professor Roman pregava!

— Preso no consultório com uma enfermeira ou sua secretária? O que faziam? A enfermeira estava auxiliando você a atender a secretaria? — Meu pai ergueu a sobrancelha e suspirou — Francamente, Rafael. Se existe uma pessoa no mundo que te conhece, com certeza sou eu!

— Tudo bem, pai! — Ergui as mãos em sinal de paz — Confesso que estava com uma mulher e perdi a hora! Desculpe-me se valorizo minha masculinidade, assim como o senhor me ensinou.

O olhar dele foi irado e mortal.

— Perdeu o juízo, rapaz? — Perguntou se erguendo um pouco da cadeira, mantendo os braços eretos sobre a mesa. Avançou sobre mim nervosamente — Fui sim um irresponsável quando jovem, mas depois que me casei com sua mãe e você nasceu, deixei tudo para trás! Nunca me viu de outra maneira que não fosse como um bom pai, Rafael! E acredite quando digo que você pode fazer tudo, menos valorizar sua masculinidade com as obscenidades que pratica! Você é um idiota, isso sim!

Não respondi, somente encarei meu pai sem a vontade de olhar os curiosos que apreciavam nosso show a parte pelo lado de fora. Ele se ajeitou na cadeira novamente e se atentou ao redor.

— Desculpe pai — Sussurrei abaixando o olhar — Não vamos brigar, por favor! Não quero que se exalte. Você planejou esse encontro há dias e estou realmente ansioso para saber o motivo de tanto mistério e importância — Papai piscou três vezes e se voltou para mim aparentando estar mais relaxado.

— O motivo é exatamente este, Rafael — Seu semblante era risonho. Juntou as palmas das mãos como se a surpresa estivesse sido revelada, mas naquele momento nada havia mudado — Seu comportamento depravado. Sua falta de responsabilidade e senso de família. Não pretendo tornar meu único filho um homem desprezível e machista, pelo contrário! Estou disposto a pagar o preço que for para fazer dele um homem valoroso! — Separei os lábios para contestar, mas ele me impediu de prosseguir — Queira você ou não!

Estava certo.

Sabia bem que meus pais tinham um grande problema com meu jeito de ser, mas até o presente momento acreditava fielmente que se devia ao meu histórico de baladas exageradas e falta de comprometimento com algo que não fosse o meu trabalho.

O que realmente incomodava era meu relacionamento com as mulheres. Nunca tive um relacionamento sério e bastou minha irmã caçula Yohana anunciar o casamento para o mundo desabar em minha cabeça. Eu era o mais velho, afinal! Minha irmã caçula teria sua família e eu não tinha sequer um cachorro!

Apesar de trabalhar no consultório de meu pai, — que um dia, consequentemente seria meu — não dependia deles há muito tempo.

Há quatro anos me mudei sozinho e era um ótimo dono do meu lindo nariz. Aos vinte e oito, minha falta de relacionamento gritava diante de meus pais, pessoas conservadoras e caretas.

— Como pretende fazer isso? — Ajeitei-me na cadeira desconfortável e o vi cruzar os braços diante do peito.

— Pensei várias vezes na resposta e hoje, tanto tempo depois... — Ajeitou a manga da camisa — Consegui encontrar uma solução plausível!

— Muito bem! Bravo! — Ironizei fingindo bater palmas — Agora pode me dizer qual? — Quando ele começou a falar, o toque do meu celular preencheu o ambiente — Um instante! Com licença!

Papai revirou os olhos quando sai, mas a chamada era do consultório.

Conversei rapidamente com a médica substituta sobre um caso e retornei afoito e ansioso para ouvir meu pai. Coloquei a mão sobre a cadeira para me sentar novamente, mas no momento em que o fiz outra mão menor que a minha colocou-se no mesmo lugar.

Assim que nossas mãos se tocaram a pessoa dona do pequeno toque se retirou rapidamente.

Olhei em direção à pequena garota, que olhava assustada para meu pai.

Parada bem ao meu lado, a menina deveria medir no máximo um e sessenta de altura, tinha cabelos longos e escuros, uma franja na testa e o comprimento do mesmo nos cotovelos. Os olhos eram castanhos e profundos, pintados com uma forte maquiagem preta exagerada em delineador. O mesmo escorria por seu rosto coberto de lágrimas, sujando-a com manchas na face bonita.

O corpo era magro, mas seu ventre evidenciava uma gestação. Nitidamente estava em uma gravidez avançada.

— Estrela, querida... Está tudo bem?

Meu pai falava com ela e franzi o cenho diante da conversa. Eles se conheciam?

Estrela.

Uma garota da qual nunca ouvi falar, mas estava prestes a mudar toda minha vida!


João falava comigo, porém a reviravolta em meu estômago de grávida me impedia de entender corretamente o que desejava dizer. Somente queria poder dizer a ele que não precisava cuidar de mim ou se preocupar com meu bem estar, pois eu mesma arrumaria um belo jeito de morrer.

— Pai, não vai me apresentar?

O homem que chegou junto à mesa me intimidou ainda mais. Puxou a cadeira para que eu me sentasse, mas segui parada ali quase estática à sua frente.

Aquele era o filho de João Roman, — o melhor amigo de meu pai — certamente. Seria o meu novo tutor? Seria para ele que João passaria a bomba de zelar por uma garota de dezessete anos que perdeu toda a família e agora estava sozinha e grávida?

Essa bomba se chama Estrela e Estrela era o meu nome.

Minha mãe e irmã morreram em um acidente de carro. Papai e eu ficamos sozinhos, então. Passei a frequentar o colégio novamente e, aproveitando-se de minha fraqueza, fui vítima dos desejos de um monstro. Por isso a barriga. Por isso as desgraças. Por quase matá-lo para fazer justiça, papai estava preso agora!

— Estrela, o que houve, filha? — Eu não queria falar.

As palavras sequer saiam de meus lábios por mais que eu as forçasse. Percebi que ambos trocaram um olhar, mas foi João quem me tomou pelos braços gentilmente e me ajudou a sentar na cadeira. Com dedos trêmulos secou minhas lágrimas. Meu rosto deveria estar horrível naquele momento. Sentia imenso medo, uma vez que não sabia o que seria de mim e muito menos do infeliz bebê que nasceria de meu corpo.

— Pai... — O homem dizia aflito enquanto nos encarava ainda de pé — Ela precisa de ajuda? Você a conhece?

— Rafael, essa é Estrela — A voz de João era calma enquanto me apontava para o homem — É filha de um grande amigo meu, Antônio Fontes, você se lembra?

— Claro pai... Antônio — Respondeu com as mãos apoiadas na cintura e me encarando interessado. Virei o rosto quando nossos olhares se cruzaram — Há muito não o vejo! Lembro-me da filha dele, mas era só uma menina quando a vi pela última vez.

— Antônio está preso injustamente, filho — João e o filho estavam de pé à minha frente — Estrela não tem ninguém no mundo e precisa de um lugar para ficar — A expressão do homem se alterou drasticamente. Parecia diante de uma bomba relógio quando João se voltou para mim — Estrela, filha... Esse é Rafael Roman, meu filho mais velho. Vai ser na casa dele que você ficará enquanto resolvemos tudo.

Rafael cobriu os lábios com as mãos e moveu-se desconfortavelmente.

— Como é que é pai? Ficou louco? — Pálido, encarava João.

— Não estava blefando quando garanti que mudaria seu caráter, rapaz! — Segurou o rosto do filho com as mãos firmes, ambos diante de mim, sentada na cadeira. Todos ao redor pareciam olhar para eles, apesar de disfarçarem — Antônio é meu amigo de infância e Estrela foi tudo que lhe restou. Devido a motivos injustos... — Olhou para mim com cautela, moderando as palavras — Meu amigo está preso no momento. Sou a única pessoa de confiança que Antônio tem, por isso me confiou a Estrela e a criança que ela carrega no ventre!

— Para o senhor, não para mim! — O homem disse aflito.

João retirou do bolso um papel e esticou para o filho. Eu sabia o que era, obviamente. Minha guarda.

— Deixei a guarda dela em seu nome — O homem lia a folha enquanto João apontava os pontos importantes no mesmo — Tive que gastar por fora com o advogado para fazer tudo dar certo, mas isso não importa! A partir de agora você é responsável legal por Estrela até ela completar dezoito anos, o que acontece em dois meses, ou até que Antônio saia da cadeia.

— Pai... — Sorriu sem humor — Isso não... Eu não posso!

— Pode! E vai! — João vociferou — Se quiser continuar sendo meu filho e bem-vindo em sua família, você me ajudará com isso, Rafael! Queira você ou não Estrela e o bebê são sua responsabilidade! — Segurei no pulso de João e ele me encarou, abaixando ao meu lado. O filho dele permanecia em choque — Vai ficar tudo bem, querida. Nós já conversamos e você sabe de tudo. Rafael vai cuidar de você, acredite! — Me beijou na testa — Nos vemos em breve.

— Pai... Isso não tem graça! — Rafael vociferou com o papel em mãos.

— Cuide dela, garoto! Prove-me que realmente pode ser um homem!

João bateu no ombro de Rafael, que se voltou para mim quando o pai saiu da cafeteria e nos deixou sozinhos lá.

João disse que o filho cuidaria de mim. Disse que era um bom homem. Eu me lembrava de Rafael Roman em minha infância, um garoto mais velho sempre cercado de meninas e atenção. Era um idiota, mas não era ruim.

Para mim, nada daquilo importava.

Desde que fui violentada minha alma se encontrava oca e tudo o que esperava era uma única oportunidade de terminar com aquilo tudo e sumir de uma vez desta vida miserável.

Rafael certamente não iria se importar comigo, muito menos com o bebê.


Permanecemos nos encarando por alguns minutos em silêncio.

Rafael parecia transtornado quando se sentou à minha frente na mesa, encarando-me como se jamais tivesse visto algo tão surreal. Seus olhos eram verdes e bonitos. Ele se vestia muito bem e era elegante, diferente dos homens que eu costumava ver na escola ou no meu bairro. Papai comentou que João Roman era rico, médico e conceituado. Eu realmente não me lembrava muito da família Roman.

— Confesso que estou em choque com tudo isso. Não consigo acreditar que meu pai tenha feito tamanha... — Deteve-se antes de dizer. Rafael passou as mãos pelo cabelo úmido e eu via nos olhos dele como estava perdido. Baixei o olhar — Você não vai dizer nada?

Suspirei. A única coisa que eu queria era chorar. As lágrimas começaram a descer em meu rosto e tratei de secá-las, mas não antes de Rafael notá-las.

— Não precisa chorar, eu... — Dizia nervoso — Droga! Preciso fazer uma ligação!

Rafael ligou para a mãe dele e ambos discutiram arduamente há poucos passos de distância. Eu não conseguia entender nada que dizia, apenas que ele parecia muito bravo.

Continuei sentada ali sem saber e sem ter ideia do que pensar.

— Levá-la para minha casa? — A voz soou mais alta — Onde eu vou colocar uma menina grávida em minha vida, mãe? Por favor!

Toquei meu ventre e me lembrei da gravidez iminente. Era sempre perturbador ser tratada como uma qualquer que engravidou por ser irresponsável, mesmo que as pessoas que me julgavam não soubessem o que de fato tinha me acontecido.

Coloquei-me de pé em um impulso e sai dali correndo sem que Rafael me visse de imediato. Meu destino era à frente do primeiro carro que passasse na rua. A morte.

Abri a porta da lanchonete e ouvi os sinos de anúncio tocando quando se fecharam. A chuva me ensopou em segundos, mas não tive tempo de pensar nela. Corri em direção à rua, mas antes de chegar ao meu destino um par de mãos fortes e ágeis me puxaram para a calçada novamente. Cai em braços quentes e molhados.

Rafael me salvou do suicídio e tal fato me chocou.

Jamais pensei que alguém fosse capaz de arriscar qualquer coisa por mim, muito menos um homem que parecia me odiar à primeira vista.


— Você enlouqueceu menina? Quer matar a si e ao seu filho?

Olhos frios e vazios, mas que brilhavam intensamente, como jamais vi. Olhar Estrela de perto era como contemplar um céu estrelado, de fato. Era bonita e tinha o céu no olhar. Senti algo estranho... Algo no estômago quando a mesma caiu por cima de mim de maneira desajeitada. Porque ela me causava aquele efeito?

Estrela nada me disse, apenas sentia seu corpo pequeno estremecer em meus braços.

A chuva pingava em nossos corpos fazendo com que nos encharcássemos. Levantei-me quando uma mulher que passava ajudou Estrela a sair de cima de mim. Estrela parecia desnorteada e sem condições de caminhar.

— Melhor levar sua namorada ao médico, moço! — A mulher disse a mim.

Namorada.

Obviamente era o que concluíram! Uma grávida com um homem ao lado... Pensariam que éramos um casal.

— Vamos Estrela. Obrigado moça!

Sem esperar, peguei a menina em meu colo, colando seu corpo contra o meu de modo que não ficasse tão exposta a chuva devastadora que nos cegava. Chocada como estava pelo quase atropelamento, Estrela ficou quieta, apenas tremendo enquanto eu andava.

Quando avistei meu carro preto ao longe, aumentei o passo e abri a porta, fazendo com que as pernas dela descessem ao lado quando tive que usar a mão. Acomodei a garota no banco e travei a porta para dar a volta.

Uma vez sentado no banco do motorista, encarei-a no banco de carona. Encolhida e recuada. Tinha o rosto trêmulo e as mãos abraçando a si mesma. A água escorria por seu corpo, assim como pelo meu. Sentia um frio devastador e pela primeira vez pensei em alguém que não fosse em mim.

Virei-me para o banco traseiro e apanhei minha jaqueta de couro. Era grande o suficiente para cobrir aquele pequeno corpo.

Estrela não encarava e tremia muito. Estendi a jaqueta sobre seu corpo molhado. Poderia não resolver muito, mas era o que tinha naquele momento. Olhou para minha mão que se movia sobre seu corpo para estender corretamente a blusa e executou uma ação estranha.

Quando pensei que fosse jogar a jaqueta longe, Estrela simplesmente ergueu sua blusa exibindo a barriga levemente volumosa da gestação. Com as mãos tremendo tirou com a pele o excesso de água contido sobre a superfície de seu ventre e quando estava razoavelmente seco enrolou minha jaqueta em volta de sua cintura, de modo que aquecesse aquele lugar em especial.

Como médico, sabia que isso não faria diferença. Dizer isso a ela naquele momento me pareceu errado e injusto. Me dei conta de que Estrela era apenas uma criança querendo proteger como podia a sua criança, apesar de quase ter se matado junto dela.

Queria ajudar, mas não sabia o que podia fazer por ela e o que ia fazer com ela.

Fui para casa o mais rápido que pude, apesar de meu condomínio ser bem afastado das proximidades da cafeteria. Estrela permaneceu na mesma posição. Minutos depois, quando meu carro entrava no condomínio e estacionava na minha vaga de sempre, olhei para a garota e a vi dormindo.

— Ótimo... — Sussurrei para mim mesmo. Estiquei a mão em direção a ela... Eu pretendi acordá-la. Quando minha palma estava a centímetros de seu rosto, Estrela se movimentou e pousou o rosto mais longe. Recolhi a mão, suspirando.

Dormindo ela era serena e muito bonita e me dava pena acordá-la. Pensei na hipótese de deixá-la no carro, mas estava molhada. Poderia ficar doente. Saí do carro e dei a volta sem a mínima pressa em direção a porta de carona. Abri a porta daquele lado e com cuidado passei a garota para o meu colo.

Ela ainda dormia profundamente. Quando chutei a porta, ao invés de acordar, se grudou mais a mim, agarrando meu pescoço e afundando o rosto em meu peito. Ergui o olhar para o céu, suspirando.

Tinha que dar tudo certo!

Virei-me em direção ao elevador. A caminhada até ele nunca foi tão longa em anos que residia ali. A porta se abriu e entrei com dificuldade no cubículo. Não teria sido possível se o meu vizinho de baixo não tivesse me dado uma força.

— Ela está mesmo com sono — Meu vizinho disse ao meu lado enquanto o elevador subia lentamente pela chuva.

— Ela passou por dias difíceis...

— Eu li por aí que a gravidez causa muito sono — Confesso que me esquecia que estava grávida — É sua irmã?

Todos ali conheciam minha reputação e as festanças em minha casa. Pigarreei.

— Não — Respondi constrangido. Explicar era complicado. Estrela era uma menina. Uma adolescente. O que pensariam de mim, afinal?

— Entendi. Eu não sabia que você ia ter um filho... Meus parabéns — Chegamos ao andar dele — Até, Rafael.

Droga! Meu pai realmente ia me pagar!

O elevador abriu para mim e sai de dentro do cubículo de vidro. O andar todo era meu e sequer tive de me preocupar. Abri à primeira porta, que dava acesso à sala.

— Rafael, querido é você ? — A voz vinha acompanhada de risos na escada.

Droga, as garotas!

Virei-me em direção a voz e vi Laís e Brenda me encarando assustadas. As duas usavam cinta-liga e fantasias eróticas.

— Meu Deus, o que houve? — Brenda disse nervosa — Você roubou uma menina?

As duas se aproximaram aos sussurros.

— Não, sua burra, ele engravidou a menina! — Laís estudava o rosto adormecido e tranquilo de Estrela.

— Droga Rafael! Você é mesmo um tarado... Ela é só uma criança... Pobrezinha! — Brenda tocou nos cabelos de Estrela.

— Meninas, por favor... — Falei sussurrando — Tirem as mãos dela! — Deram um passo para trás — Não engravidei ninguém, ela já veio grávida! Por favor, não façam barulho... Não quero que ela acorde!

— Ela é sua namorada? — Brenda perguntou incrédula — Você não a trouxe para "brincar" conosco, certo? Não vou participar disso! — Brenda arregalou os olhos e se afastou de nós.

— Claro que não, Brenda... Rafael é doido, mas nem tanto! De onde foi que tirou essa pobre coitada? — Laís questionou mais séria.

— É uma longa história! Preciso de ajuda! — Ambas concordaram. Não havia ninguém em casa, apenas as meninas para nossa diversão do dia. Brenda e Laís eram amigas minhas da faculdade e sempre nos encontrávamos para relembrar os velhos tempos — Brenda, você é médica! Podia, por favor, vestir essa garota?

— Claro... — Ela estudava Estrela — Ela precisa de um banho ou vai ficar doente! —Suas mãos tocaram a testa da menina e o pescoço — Ainda mais nestas condições.

— Rafael, como é que você a deixou sair na chuva grávida desse jeito? Que tipo de pai você vai ser?

— O filho não é meu! — Falei entre dentes — Muito menos essa garota! — Olhei para Brenda — Pode me ajudar?

— Leve-a para o quarto — Fez sinal indicando a escada. Subi com as duas junto de mim e depositei a menina em uma cama do quarto de hóspedes — Põe ela na cama e sai. Ou você vai ficar aqui vendo a menina pelada? — Tentei dizer algo, mas resolvi me calar — Traga uma camiseta sua para vesti-la.

Providenciei uma camisa grande e uma coberta. Laís abriu uma fresta e apanhou tudo com cara de poucos amigos. Desci para a sala e um tempo depois as meninas voltavam já vestidas com suas roupas habituais.

— Já vamos... — Brenda falou indo até mim e me dando um beijo na bochecha.

— Obrigado por tudo. Desculpe por ter interrompido a nossa festinha. Meu pai interrompeu meus planos quando essa garota apareceu, eu... Sinto muito, meninas.

— Fica para outra hora, bonitão. Se bem que tenho quase certeza de que com um bebê a bordo você não vai mais dar festinhas assim na tua casa — Brenda sorriu.

— O bebê não é m... — Fui interrompido por Brenda.

— Essa menina não está bem. Acordou quando estávamos lá, mas não esboçou reação, é quase como se fosse muda. Convencemos a tomar um banho e ela aceitou. A pobrezinha está tão fraca, Rafael. Sequer conseguiu caminhar! Meu lado profissional falou mais alto e a instruí a procurar um especialista em obstetrícia. Leve-a na clínica amanhã para ser avaliada! — Pousou uma mão em meu ombro — Me disponho a atendê-la. Quero fazer um ultrassom para checar a saúde do bebê. A menina está perdida... Onde foi que a achou?

— É uma longa história, Brenda. Agradeço a você e sim, a levarei até a clínica para uma avaliação. Não sei se fez qualquer exame pré-natal e não quero mais problemas.

— Cuide dela, amigo. Ela só tem você agora.

Sentei-me no sofá quando as meninas saíram e suspirei em silêncio. Brenda tinha razão...

Estrela só tinha a mim.


Ainda estava chovendo e já era de madrugada quando decidi ver como Estrela estava.

Olhei no relógio e me peguei com insônia por pensar insistentemente na pobre garota que agora empatava minha vida e minhas festinhas e decidi acabar com minha agonia. Como médico, jurei estar à disposição de quem precisasse de meus cuidados e Estrela estava grávida! Certamente precisava de algo naquele momento.

Sai do meu quarto em direção ao dela e empurrei a porta, que estava encostada. Girei a maçaneta e ela se abriu, causando um pequeno ruído que foi apaziguado por um longo trovão. Enfiei a cabeça dentro do cômodo e rapidamente notei sua ausência.

Estrela teria fugido assim, tão fácil?

Bati a porta atrás de mim com força e rodei o quarto simples com o olhar. A cama grande de casal estava desocupada, mas com os edredons embaralhados sobre o lençol de seda. No local do travesseiro havia uma marca molhada em seu centro. Deveria estar por perto. A porta do banheiro também estava aberta.

Senti um alívio imediato!

Estrela estava dentro do banheiro, eu não precisava ver para saber que vomitava. Os ruídos deixavam a situação clara. Ouvi a descarga e o som da pia sendo aberta... A luz foi apagada e ela voltou para o quarto cambaleando com uma das mãos na boca e a outra sobre a barriga volumosa. Não me viu de início, pois eu estava encostado na parede do banheiro, passando reto por mim. Parou ao lado da cama e se virou lentamente.

— Está tudo bem? — Não pareceu surpresa ao me ver, mas também não respondeu com nada verbal. Sentou-se na cama rapidamente cobrindo as pernas que estavam desnudas, uma vez que usava minha blusa larga em seu corpo magro.

Após se cobrir, encostou-se à cabeceira da cama e olhou para as mãos que se entrelaçam no colo. Analisei por um momento, ainda encostado à parede.

Tinha as bochechas coradas agora que estava aquecida em casa. Olhos escuros e grandes, fixos em suas mãos sobre a barriga. Sem delineador e maquiagem a pele era muito pálida e delicada. O cabelo molhado descia pelos ombros e a camisa marcava a barriga saltada, deixando a visão de criança inocente um pouco distorcida.

— Não acha que eu mereço ao menos uma resposta sua? — Comecei a me aproximar e ela me olhou atentamente, fugindo para o outro lado da cama como se eu fosse um monstro. Ergui as mãos em sinal de paz — Não quero te fazer nada, Estrela! Fique tranquila! Te dei abrigo e desejo ajudá-la!

Meus joelhos encostam-se à cama e seus olhos me fuzilaram quando registrou minhas últimas palavras. Estrela, para minha total surpresa, saiu da cama e foi até a mesa com o notebook que havia no quarto. Apanhou um pequeno bloco de notas azul e escreveu rapidamente no mesmo.

Passou o papel cortado do bloco para mim.

"As pessoas somente me machucam e não preciso de ajuda. Em breve se livrará de mim".

Quando terminei de ler e a encarei novamente, escrevia algo em outra folha do bloco.

"Somente preciso de minhas roupas, não importa que estejam molhadas. Posso sumir sem problemas para você. De qualquer modo, não desejo viver".

Apanhei os dois papéis e os amassei com apenas uma mão, jogando-os longe.

— Pode ir embora quando quiser, garota. A porta está aberta e não se trata de uma prisão, mas sim de uma ajuda que meu pai está oferecendo a você e seu... — Olhei o ventre dela — Filho.

Tomada pela raiva, escreveu novamente.

"Não sabe nada sobre mim!".

Sorri sem humor quando li o bilhete.

— Por acaso é muda? Não acredito que seja... Está ouvindo tudo o que digo, somente não quer falar, estou certo? — Estrela deu de ombros frente a mim — Ok... — Cocei o rosto desconcertado — Está com fome?

O rosto dela imediatamente demonstrou interesse e finalmente consegui falar algo que fizesse algum sentido a ela.


Confesso que desejava matar aquele homem, mas meu estômago, assim como meu bebê, se revirava de fome. Olhei para o bloco em minhas mãos.

" Eu não estou com fome, mas o bebê está !"

Rafael leu e sorriu de canto.

— Porque você não fala comigo? — Baixei o olhar e ele pareceu se dar por vencido. Será que não percebia que a questão não era ele, em especial? Como explicaria a Rafael que desde que fui v ítima de um trauma não conseguia mais me comunicar com sucesso? — Certo, então... Você terá que descer comigo até a cozinha para comer.

Apontou para a porta e me coloquei de pé enrolada no edredom. Rafael assentiu e o segui até onde me levou.

Chegando a cozinha me sentei em um dos altos bancos do balcão e ele começou a abrir todos os armários e a geladeira. Meu estômago se revirava de fome, mesmo ainda enjoada. Coisas que apenas uma grávida pode entender!

— Precisa ser algo prático, pois não sei cozinhar nada! Macarrão, torta de maçã, bolo de carne... Esse é muito bom, eu recomendo! Hum... Que tal uma pizza? Vou esquentá-la! — Mostrou um prato cheio de fatias, que levou ao micro-ondas.

Apontei para a torta e para o chocolate. Há dias estava com desejo de comer chocolate!

Rafael apanhou dois pratos no lindo armário e serviu a nós dois um pedaço de torta enquanto a pizza esquentava. O meu era quatro vezes maior que o dele, ocupando quase o prato todo. Também me estendeu o chocolate.

— Água, suco ou... Cerveja não pode! — Questionou. Apontei para o suco e me serviu — Não deveria te dar isso para comer. Você está grávida e precisa se alimentar de coisas saudáveis — Dei de ombros — No almoço, amanhã, Ana fará uma comida saudável e recomendada pela sua obstetra — O encarei um pouco confusa. Tirou a pizza do micro-ondas e me serviu com dois pedaços — Diga... Quanto tempo tem de gravidez?

Neguei com a cabeça.

Não tinha tanta certeza. Pelos meus cálculos deveria ser entre 28 e 30 semanas. Na verdade, devo confessar, ignorei todo o momento em que estive grávida! Queria somente esquecer o maldito dia em que essa criança se plantou dentro de mim mais do que qualquer coisa no mundo.

— Não sabe? — O encarei apreensiva. Certamente pensava que eu era o pior tipo de mulher e sequer sabia contar com quantos homens havia transado! — Posso te ajudar! Não vou dar a data correta e exata, mas posso chegar perto pelo tamanho do feto. Eu sou médico, lembra? — Saiu do banco e se aproximou de mim, afastando o edredom. Segurei seu pulso o impedindo de continuar. Não queria me expor para ele — Não vou te fazer mal, somente ver a sua barriga!

Talvez fosse uma boa ideia.

Aos poucos larguei a mão dele e o deixei avaliar a barriga. Rafael afastou o edredom completamente, o deixando apenas da cintura para baixo, e abriu os botões da camisa abaixo de meus seios. A barriga ficou desnuda. Colocou a mão aberta ali e examinou todos os ângulos. Eu encarava seu rosto buscando compreender algo, mas não tinha ideia do que fazia.

— Pelo tamanho do feto e da circunferência, acredito que esteja com vinte e sete semanas de gestação. Quase sete meses — Fechou os meus botões novamente e ajeitou o edredom nas minhas costas. Sentei-me, terminado minha refeição — Fez um bom trabalho, garota... Apesar de ter feito muito cedo. O bebê é bem ativo.

Ergui meus olhos para ele de maneira indignada e apreensiva!

Larguei o prato no balcão e apanhei a barra de chocolate. Dei as costas para ele e subi em direção ao quarto.

— Estrela, espera! — Gritou ainda na cozinha — Garota maluca!

Bati a porta e me refugiei ali, querendo escapar dos julgamentos deste homem o mais rápido possível!


— Além de todos os problemas que ela representa, pai... A garota não fala! Como espera que eu cuide de alguém que não fala absolutamente nada e parece me odiar com todas as forças? — Expliquei ao telefone com meu pai no outro dia, no consultório.

— Eu sabia que não seria fácil — Confessa do outro lado da linha — Rafael, não quero saber de teus problemas com Estrela... Somente quero que seja mais responsável e aja como homem! Estrela é uma garota decente, educada e está passando por isso porque sofreu muito, a pobrezinha. Precisa ter paciência com ela!

— Claro! Para o senhor falar é fácil! — Disparei rodando em minha cadeira giratória — Não vejo onde é educada! Seque fala comigo, que tentou ajudá-la! E decente... Me conta outra piada! A garota sequer saiu da idade de menstruar pela primeira vez e já está grávida!

— Não vou permitir que fale assim dela! — Meu pai realmente se alterou — Estrela não pode ser responsabilizada pelo que houve, foi uma vítima! Se algo acontecer a ela, o culpado será você, entendeu? Agora desligue o telefone antes que eu vá até aí e quebre a sua cara, Rafael!

O fiz.

— Rafael? — A secretária entrou — A paciente das duas horas ligou para confirmar. Confirmo? — Olhei em meu relógio e eram onze e meia da manhã.

— Não Laís. Vou para casa. Remarque tudo de hoje, por favor — Retirei meu avental e peguei a chave do carro — Diga para Brenda que Estrela estará aqui para a consulta com ela, ok?

— Estrela? Esse é o nome da garotinha de ontem? — Ela riu enquanto me seguia para fora do consultório — Você também é médico... Porque você mesmo não a atende?

— Duvido muito que queria se consultar comigo. Além disso, Brenda é especialista — Dei de ombros terminando de assinar um papel sobre a mesa dela — Avise a Brenda.

— Porque ela não iria querer? Você é o mais disputado em todas as pacientes, amor... — Acariciou o meu ombro e sorri sem humor, desvencilhando-me.

— Exatamente! Aquela garota não é como certas mulheres que existem por aí dispostas a tudo por um minuto de prazer — Cheguei mais perto — Eu não seria capaz de encostar nela!

— Ah claro... Você é um santo!

— Você sabe que apenas deslizo quando elas dão mole! Sou homem, não sou? Quando são mulheres de respeito, sou um excelente profissional.

— Essa garota ainda vai te domar, Rafael... — Falou enquanto eu entrava no elevador.

Realmente era uma verdade... A qualquer momento Estrela me tornaria totalmente submisso a suas vontades!


O apartamento de Rafael de fato era aconchegante e agradável. Com ele fora, me senti mais à vontade para explorar a prisão na qual fui trancafiada, mesmo que ele diga que sou livre para ir embora quando bem entender.

Ana, a funcionária do lar dele, me emprestou gentilmente um vestido florido azul para usar. Era surrado, mas muito melhor do que a camisa escandalosa que me deixava com as pernas expostas. O vestido era confortável e não apertava na barriga. O bebê parecia bem mais tranquilo sem nada para comprimi-lo e minha bexiga agradecia a falta de movimentos intensos em protesto.

Ao contrário do dia anterior, o sol brilhava no céu. Era horrível ter a barriga em meio a tanto calor, principalmente sem ter roupas adequadas para uma gestante. Me vi grávida de sete meses sem nada que se adaptasse a minha nova e indesejada forma redonda.

Pensei verdadeiramente em ir embora, mas para onde? O que seria de mim – e consequentemente daquele infeliz bebê – vagando pela rua sem rumo? Sem eira nem beira? Fugir não era uma boa ideia, tão pouco ficar. Nada parecia bom, então me contentei que o que tinha por hora.

Ao menos Rafael não me machucou ou foi agressivo. Parecia ser muito infantil e minimamente tolerável. Sentei-me em meu quarto, que era de onde eu não queria sair, e liguei a televisão. Desabotoei o vestido na parte da barriga para poder acariciá-la. Por mais que me sentisse amaldiçoada ao pensar no desgraçado que me deixou com essa barriga, também sentia pena do bebê que ali crescia. Era uma vítima como eu, um pobre coitado filho de uma tragédia! No fim, era tudo que me restava!

— Vamos ficar bem, eu prometo! — Sussurrei ouvindo minha própria voz pela primeira vez há quase sete meses. Deslizava a mão suavemente pela barriga redonda e lisa — Não vou deixar que nos separem e em breve vamos nos livrar do Rafael, bebê... Eu prometo! Uma hora vai se cansar de nós e dar um jeito de nos mandar para bem longe, como sempre acontece.

Comecei a rir dos chutinhos em resposta aos carinhos na barriga e sequer notei quando Rafael apareceu no quarto. Assustei-me quando o vi parado ali, segurando a maçaneta. Endireitei-me na hora, fechando os botões do meu vestido prontamente.

— Como se sente, Estrela? — Questionou meio desconfortável, evitando olhar meu corpo enquanto eu fechava o vestido — Esqueci que não fala... — Suspirou e passou uma das mãos no cabelo escuro — Nós vamos sair — Ergui o olhar para ele. Finalmente me levaria embora? — Vamos ao médico. Médica, para ser mais exato.

Neguei com um aceno.

— Tentei ser legal com você, mas você não coopera! Se fosse uma boa menina, eu poderia até ouvir a tua opinião, mas como você não fala... Sinto muito! —Continuei a negar com lágrimas nos olhos — Estrela, tudo que acontecer com você será minha responsabilidade! Duvido muito que tenha tido um ótimo acompanhamento médico durante esses meses. Não penso em abrir mão de um atendimento médico e você vai, nem que seja carregada em meus ombros!

Saiu em seguida, batendo a porta.

Suspirei nervosa, mas desci para o almoço. Eu e o bebê sentíamos muita fome! Após terminar de comer na cozinha, me ocupei de lavar os pratos que utilizei e algumas coisas que ali estavam. Ouvi movimentos na cozinha e imaginei que fosse Ana. Continuei com o meu serviço, ensaboando o meu copo e os talheres.

— O que pensa que está fazendo? — A voz veio de trás de meu ombro. Me virei para encontrar Rafael ali assustada, deixando o prato que enxaguava deslizar por meus dedos e se partir em cacos de encontro ao chão — ANA! — Rafael gritou.

Não fui capaz de dizer nada, tremendo intensamente pelo susto. Levei a mão à barriga.

— Senhor? — Ana entrou esbaforida na cozinha e assustada com o barulho — Meu Deus, menina! Olha só o que você fez!

— A obrigação de lavar a louça é sua, Ana! Não te pago bem o suficiente para se ocupar de algo tão simples? — Me encolhi de medo. Rafael parecia bem nervoso — Estrela está grávida e um susto como este pode comprometer a saúde da criança!

— Senhor... — Murmurou — Não sabia que ela... Estava se ocupando disso.

— Passe a saber! — Seu tom de voz ia caindo aos poucos — O que teria acontecido se ela se cortasse? Se machucasse? A responsabilidade seria toda minha... Eu seria o culpado! Estrela está grávida e não quero que mexa um músculo do corpo para fazer algo aqui em casa, entendido? Aqui, Estrela é minha protegida. Protegida legalmente!

— Entendi sim senhor! Não vai se repetir — Ana respondeu mais calma, porém nitidamente abalada — Desculpe menina.

— Ótimo! — Rafael apoiou a mão na cintura e suspirou aliviado — A propósito, Ana... O nome dela é Estrela.

Ana assentiu para mim com um aceno e respondi igualmente.

— Ela é muda, patrão? — Questionou confusa.

— É uma longa história, Ana — Coçou a cabeça e me encarou, olhando o relógio em seguida — Vamos. Está na hora da sua consulta! — Concordei sem querer contrariá-lo — Ana... Deixei algumas coisas no quarto de Estrela. São roupas novas para ela agora que está... Gestante. Será que pode guardar tudo no armário, por favor?

— Sim senhor! — O encarei totalmente surpresa. Agora comprava roupas para mim? — Se me permite, patrão. Deixe a menina se trocar com algo novo. Esse vestido que arrumei para ela é muito velhinho e simples para ir a um consultório chique como o do senhor!

Corei com a observação de Ana, uma vez que Rafael analisou meu corpo dos pés à cabeça.

— Ela me parece muito bonita com ele, Ana — Disse me encarando fixamente. Corei ainda mais, desviando o olhar — Mas pode se trocar, se desejar, Estrela.

Neguei com um aceno. O vestido me parecia bom e confortável. Nada me fazia sentido mais, muito menos minha aparência. Quanto mais fosse ignorada por todos os homens, melhor!

Rafael me guiou para a tal consulta em silêncio durante todo o caminho. A clínica era realmente bonita e impecável. Todas as mulheres que passavam por ele o cumprimentavam e notei o quão popular com elas era. Rafael me levava e eu apenas me deixava ir, até que um rosto familiar surgiu em meio a tantas pessoas.

— Rafael... Estrela! — A moça era Laís e falou sorrindo. Estava com a outra na noite anterior quando me ajudou a tomar banho. Sorri para ela de maneira grata — Já falei com a Brenda e ela está esperando. Entrem!

— Obrigado Laís — Rafael continuou andando, mas antes de entrarmos me segurou — Por favor, seja tolerante! Brenda não vai arrancar pedaço do seu corpo, apenas quer o seu bem e do seu neném. É uma médica muito profissional e capacitada — Eu assenti.

Rafael abriu a porta do consultório e Brenda apareceu. A mesma moça de ontem, também. As lembranças que tinha dela eram positivas, por isso confiei.

— Essa é Estrela... Acho que se lembra dela, não é? — Estava parado de pé atrás da cadeira onde eu estava sentada de frente para a doutora, uma loira linda e de sorriso perfeitamente alinhado.

— Claro que me lembro dela... Você parece bem melhor, garota! Ontem parecia uma morta viva, sequer falava!

— Ainda não fala. Nunca. — Rafael completou cinicamente.

— Nunca? — Rafael acenou para ela novamente — Tudo bem, Estrela. Então eu falo e você me responde com acenos, pode ser? — Dei de ombros — Sua gestação sempre foi saudável?

Eu mordi o lábio e dei os ombros.

— Na verdade ela não sabe nada sobre o bebê, Brenda — Rafael comentou como se fosse meu papagaio transmissor. Eu o olhei nervosamente quando se sentou ao meu lado na outra cadeira — Por isso a trouxe até você. Estou realmente preocupado com essa gestação, uma vez que Estrela sequer sabe se é um feto saudável ou quantas semanas tem de gestação. Não sei nem para quando esperar o parto e a situação é mesmo preocupante. Não tenho ideia do que vai sair daí!

Cruzei os braços frente ao peito demonstrando minha insatisfação com ele.

— Tem certeza que esse bebê não é seu Rafael? — Arregalei os meus olhos e neguei assim como Rafael — Porque está tão preocupado com uma gravidez, se o filho não é seu?

— Não tenho porque mentir, Brenda! Jamais tive nada com ela! Estrela é filha de um amigo de meu pai e nos trombamos em alguns eventos na infância, mas ela era uma menina de colo! Falava bem mais do que hoje em dia, acredite se quiser! — Explicava diante de Brenda, que ouvia atentamente — Estou cuidando dela como um... Favor.

— Vamos ao que interessa — Brenda pegou uma ficha, importando-se pouco com o que Rafael tinha a dizer — Chuta uma estimativa de tempo de gestação, Rafael? — Agora a consulta era toda com ele. Eu apenas chacoalhava a cabeça.

— Creio que vinte e sete semanas pelo tamanho do feto.

— O pai do seu bebê é saudável? — Questionou olhando para mim.

Meus olhos se encheram de lágrimas e tentei apaziguar. Era saudavelmente cafajeste, sem vergonha, safado e imundo! Dei de ombros, dizendo que não sabia. Ela não me pressionou, apenas me pediu para trocar de roupa e colocar um avental. Tirei meu sapato e vestido atrás da cortina para troca de roupa e ouvi a voz de Rafael vinda do consultório.

— Vou para fora — Ouvia ruídos — Tenho certeza que vai me mandar sair —A porta bateu.

Agora eu estava mais à vontade! Quando reconheci a médica me senti mais calma. Sabia que ela era uma boa pessoa, pois tinha me ajudado no dia anterior. Meu trauma não se aplicava a mulheres, apenas a homens com um caráter duvidoso. Voltei para o consultório e ela me mandou deitar.

Brenda descontraiu o ambiente conversando enquanto me examinava e fazia exames. Eu apenas ouvia seus comentários e assentia "sim" ou "não" quando era questionada. Ela fez um ultrassom e pude, finalmente, me trocar de novo. Troquei-me e voltei para a sala. Quando estava lá, vi Rafael entrando e sentando na cadeira ao meu lado.

— Estrela, seu filho está ótimo! Rafael quase acertou! Você está com vinte e oito semanas de gestação, se preferir na linguagem mais coloquial, sete meses completos. Todos os sinais vitais são estáveis e os tamanhos da barriga e do feto correspondem, assim como o seu peso. Está tudo bem, mas recomendo que fique em repouso. Pensei ter visto um pequeno descolamento na placenta, mas nada que um repouso não ajude, sem intervenção de medicação por enquanto. Quero acompanhar de perto. Nada de carregar peso, muito menos correr e atividade física apenas com acompanhamento. Sua gravidez é de risco, querida! Seu corpo ainda não está tão apto a gerar um bebê... Você é muito nova e sempre acarreta riscos. Aliás, você tem quantos anos? Rafael não fez ficha para você.

Eu olhei em volta, procurando como dizer a ela a minha idade. Ela me estendeu um papel e uma caneta.

"Dezessete. Daqui dois meses, dezoito."

— Você é muda, mas pode ouvir. Entendeu tudo o que Brenda disse, não é? — Rafael questionou colocando-se de pé. Concordei — Agradeço Brenda. Vou seguir à risca as recomendações e comprar todas as vitaminas que você indicou.

— Te espero no próximo mês, Estrela. Creio que da próxima vez poderemos ver o sexo! Hoje o bebê estava de perninhas fechadas!

Sorri emocionada. Apesar de rejeitá-lo algumas vezes, era emocionante pensar que em breve descobriria o sexo daquele estranho que habitava meu ventre há sete meses. Sorri grata, tocando o ventre com carinho.

Saímos de lá e uma vez dentro do carro, Rafael me olhou de canto.

— Já que se comportou vou fazer um agrado e te levar em um lugar especial.

Queria dizer que ninguém fazia nada especial por mim, mas segui muda e calada. Rafael parecia mesmo convencido de que poderia realmente cuidar de mim e do bebê, algo que eu de fato duvidava!


A pergunta de Brenda sobre meu interesse na gestação de Estrela abriu uma brecha em meu coração. Porque, de fato, me interessava tanto essa garota e a tal criança que crescia em seu ventre?

Sequer eu sabia explicar, mas encarando-a tomar uma taça de sorvete na praça de alimentação do shopping, cheguei à conclusão que sentia pena de Estrela. Mesmo que estivesse grávida por consequência de seus atos, era uma menina, somente. A barriga e sua condição de gestante em nada contrastava com a inocência que eu encontrava em seus olhos cada vez que a olhava. Era doce e parecia incapaz de fazer qualquer coisa para prejudicar ninguém.

Um lado protetor nasceu em mim quando meu pai a apresentou. Jamais fui responsável por nada, mas aquela menina tão indefesa e seu bebê me pareciam vítimas de uma circunstância. Seja lá quem a tivesse engravidado, tal homem não merecia nada por ter a deixado sozinha arcando com a responsabilidade.

Deveria ser difícil passar por isso tendo o pai preso e perdido a mãe e a irmã há pouco tempo. Definitivamente queria ajudá-la pelo tempo que estivesse comigo, mas jamais admitiria isso ao meu pai.

Não que eu pretendesse ficar com ela por muito tempo, mas por hora era minha responsabilidade, cuidando como meu pai me obrigou a fazer. Eu podia deixá-la ir... Mas para onde? E o bebê, que em nada tinha culpa? O que seria de Estrela se meu pai e eu a abandonássemos?

— Você acha que vai nascer um menino ou menina? — Perguntei quando entramos em uma loja de bebês no shopping. Estrela deu de ombros enquanto rodava os olhos amedrontados pelo ambiente novo em seu mundo. Apontou para a sessão azul — Um menino? É o que você deseja? — Ela negou e apontou para o lado rosa — Você quer menina, mas acha que será menino, acertei?

Ela assentiu positivamente, analisando as pequenas roupas mais de perto. Era nítido em seus olhos escuros como parecia assustada diante de tantas coisas infantis. Eu quase pude sentir sua apreensão com o novo.

Caminhei ao lado de Estrela enquanto as grávidas com seus maridos passavam por nós. Jamais me imaginei olhando artigos para bebês tão cedo, talvez nunca! Não estava em meus planos ter um filho desde que fiz exames de fertilidade e descobri que seria muito difícil ser pai. Fiz sexo sem proteção por algum tempo e jamais tive filhos, fato que me intrigou. Eu precisaria passar por um árduo tratamento para conseguir um filho, algo que talvez não estivesse jamais disposto.

Para que pagar para gastar dinheiro com alguém pelo resto da vida, alguém que pode até mesmo me odiar? Não, realmente! Ter filhos jamais me pareceu atrativo.

Talvez seja por isso que eu e Estrela éramos um comum acordo. Quando a encarava cheia com uma criança, daquela maneira em especial, sentia profunda empatia pela situação. Era uma garota jovem e com a vida toda pela frente, mas que enfrentava um grande problema com uma gestação indesejada.

— Como sou eu quem vai te presentear, quero que não olhe o que irei comprar... — Sua testa se franziu — Vá ao caixa e me espera! É uma surpresa! — Estrela sorriu sem humor e concordou, caminhando para o caixa enquanto eu analisava ao redor.

Observei os casais e notei que a maioria levava quase o mesmo item, os berços de locomoção, chamados de bebê conforto. Segundo a vendedora, era um artigo do enxoval de grande utilidade.

Escolhi um modelo bem confortável e ajustável. Era azul claro e branco com um lugar especial para colocar o nome do bebê, nome da mãe e do pai, assim como telefone. Achei perfeito e concordei imediatamente com a vendedora.

Esperava que Estrela gostasse do presente. Era apenas um berço de locomoção, mas eu fazia com todo carinho. Passei pelas roupinhas e a vendedora me ajudou a escolher algumas peças de recém-nascido nas cores branco, amarelo e vermelho. Passei para a vendedora que embrulharia tudo para nós.

Estrela me olhou esperançosa quando cheguei ao caixa para pagar a conta e o fiz com ar de mistério. A vendedora chegou com os embrulhos. Estrela se assustou com tantas coisas, mas sorriu animada para espiar cada detalhe.

— Calma. Eu amo um suspense! — Estrela cruzou os braços e voltou a caminhar junto a mim. Passamos ao lado do banheiro e ela me cutucou dizendo que precisava usá-lo. Enquanto eu a esperava, meu celular tocou.

— Rafael? — Eu meu pai.

— Sim, sou eu. Fala papai, o que é agora? Vai me mandar uma idosa ou um cachorro para o próximo turno? Acredite, eu aceito um cachorro, mas mando a garota de volta!

— Você é tão engraçado... — Desdenhou — Estou ligando exatamente por isso. O juiz acabou de me ligar para falar sobre Estrela... Ou melhor, sobre Antônio. Quero você aqui em meia hora. Tenho umas coisinhas para acertar de uma vez com você, para que não haja mais dúvidas ou julgamentos desnecessários.

— Tudo bem — Olhei no relógio e já eram quatro horas — Estou no shopping com Estrela e quando sairmos daqui vamos direto a sua casa. Posso levá-la? Estou muito curioso para saber mais sobre ela, já que a menina não fala nada!

— Está no shopping com Estrela? Oh, então mudou de ideia sobre ela? — A voz dele era mais feliz.

— Ainda não quero ficar com ela — Falei rudemente — Somente quis ser condolente e cumprir com o que você me impôs da melhor maneira. Quero mostrar que posso sim ser um homem!

— Fico feliz que esteja mudando seu conceito sobre ela. Ainda tem várias coisas sobre essa pobrezinha que não sabe. Pode acreditar, filho... Não vai se livrar dela tão cedo.

Eu ia responder, mas a ligação caiu. Estrela voltou do banheiro com o rosto mais contente.

— Vamos? — Ela assentiu — Vamos até a casa do meu pai... Ele quer me dizer algumas coisas, para variar! Provavelmente algum sermão ou algo do tipo. Já me tornei o saco de pancada oficial da família, o grande idiota suscetível a problemas.

Estrela riu baixinho e pela primeira vez ouvi o som de sua voz, ao menos parte dela. Notando que parei de caminhar, Estrela corou e voltou a ficar séria, mas ainda trazia um pequeno sorriso.

Eu deveria admitir, afinal de contas. A companhia da bela menina não era tão ruim assim.


No carro, o engarrafamento da cidade não permitia que chegássemos tão rápido.

— Está ansiosa para ver os presentes, não é?

Estrela acariciava a barriga e olhava pela janela quando chamei sua atenção. Imediatamente assentiu com um aceno generoso. Seus olhos castanhos brilhavam, assim como o sorriso.

— Acho que posso fazer isso se me responder uma pergunta... — Estrela olhou-me de maneira confusa — Vai levar muito tempo para termos uma interação verbal? Quero dizer, uma conversa decente com palavras.

Estrela pareceu pensar, remexendo os dedos em seu colo. Deixou-me sem resposta, pois desisti ao notar seu olhar desolado. Apanhei os pacotes no banco de trás e os estendi para ela. Hesitou, porém abriu rapidamente, rasgando a caixa toda em segundos.

Não escondeu a empolgação por ver a caixa do berço e me mostrou seu polegar em forma positiva. Sua gratidão era estampada no olhar castanho a todo instante e isso me comovia. Partiu para o outro pacote, onde encontrou roupas variadas e separou os lábios pela surpresa. Um macacão vermelho foi à peça que mais gostou, pude notar porque prendeu os olhos nele por longos segundos. O transito começou a andar, mas Estrela ainda segurava nas mãos a peça especial.

Chegamos à casa do meu pai e a roupinha ainda estava em suas mãos. Seu olhar vagava por onde eu não podia ver, talvez, o futuro.

— Estrela, querida — Ela correu até meu pai e o abraçou fortemente — Como vai, garota? — O abraçou e deu três tapinhas no ombro amigavelmente — Rafael está te tratando bem? Seja sincera! — Estrela assentiu positivamente e sorriu. Fez sinal positivo — Assim fico mais tranquilo.

— Pai... — Cumprimentei passando pelos dois e entrando na casa — Eu jamais maltrataria uma mulher, muito menos grávida!

— Filho! — Mariane, minha mãe, vinha em minha direção — Como vai, amor? — Me esmagou em um abraço e em seguida paparicou Estrela e sua barriga de grávida.

Sentei-me ao sofá e as duas foram para a cozinha, deixando-me sozinho com o papai.

— Porque se recusa tanto a ficar com ela? — Meu pai sentou-se a minha frente — Trata-se de uma ótima moça que precisa de ajuda... Não dá trabalho e sabe se cuidar sozinha tendo proteção e alimento. Não é um bebê.

— Não é, mas vai parir um bebê muito em breve! Estrela não é ruim, concordo! É só que... Não estou preparado para essa responsabilidade.

— Até você mesmo admite, filho. Já tem vinte e oito anos e precisa aprender a lidar com responsabilidades — Cruzou uma perna sobre o joelho na mesma posição que eu — O veredito do Antônio saiu hoje.

— E?

— Ficará doze meses na cadeia e Estrela sob minha responsabilidade. Novamente te pergunto... Realmente se recusa a me ajudar, provando-me que é um homem feito, ou recusará, demonstrando ser um eterno garoto que não honra as calças que veste? — Os olhos dele me intimidavam.

— Não sei fazer isso... — Minha resposta parecia um roteiro ao qual me adaptei, não o que realmente sentia.

— Então sendo assim, penso no melhor para ela e o bebê. Eu e sua mãe ficaremos com ela, mas a pobrezinha ficará muito solitária. Viajamos constantemente e não vamos ter tempo de dar a atenção que precisa neste momento — Sua expressão era decepcionada — Não me surpreende, Rafael. Segue sendo o mesmo!

Meu pai tinha razão. Se deixasse de chegar tarde das farras e deixasse as banalidades de lado, teria tempo de apoiá-la com a gravidez. Estrela era só uma menina de rosto inocente...

— Pai, escuta... O pai do filho dela... — Olhei em volta — Ele não pensa em assumir a responsabilidade, ao menos sobre a criança?

— Não conte com isso, Rafael — A expressão dele se tornou sombria — Não pense sobre isso... O homem que fez esse bebê em Estrela não merece sequer ser chamado de homem.

— Poderia me explicar?

— Não posso! Quando Estrela se sentir confortável, ela mesma te dirá.

— E Antônio? Porque está preso? Você nunca me disse ao certo. Sempre foi um homem tão decente... Não entendo como foi parar em uma situação como essa!

— Está preso por causa do maldito homem que engravidou Estrela. Antônio, ao descobrir o que o infeliz fez com a filha, partiu para a agressão. Houve um acidente no momento e o rapaz acabou batendo a cabeça e perdeu os sentidos, ficou em coma. Antônio foi indiciado por lesão corporal e condenado por um ano. Foi trágico e injusto, mas Estrela não tem mais ninguém, somente a nós — Calei-me, absorvendo toda a história polêmica e injusta que envolvia a vida da pobre Estrela — Entendo que fui precipitado em te obrigar a cuidar dela, Rafael. Foi um ato desesperado de um pai que quer transformar o filho em um homem de bem.

Marine e Estrela voltaram no exato momento. Minha mãe se sentou comigo e Estrela ao lado de meu pai.

— E então? E o bebê? — Sorriu para ela. Estrela fez sinal positivo e um gesto para que eu contasse.

— A levei para uma consulta com Brenda, uma obstetra muito requisitada na clínica, deve saber de quem estou falando... — Meu pai assentiu — Brenda disse que está tudo bem com o bebê. Estrela está com sete meses de gestação e precisa de alguns cuidados. A gravidez é de risco, mas se seguir corretamente as recomendações, nada dará errado.

— Rafael, isso é ótimo! — Mamãe me abraçou — O sexo já foi definido?

— Não sabemos, mas Estrela acha que é um menino.

A conversa seguiu por muito tempo, até mesmo depois do anoitecer. Resolvi ir embora e João comunicou a Estrela que seu novo lar seria com eles, não mais comigo. Estrela me encarou pesarosa, como se houvesse sido traída, e me senti como o maior idiota do mundo por deixá-la, mesmo sem ter um real compromisso com ela.

— Volte sempre, querido — Mamãe disse depositando um beijo em meu rosto.

— Sim... Pretendo visitar meu afilhado — Sorri para Estrela e ela abaixou o rosto sorrindo, mas em direção ao chão — Tchau pai... — Apertei a mão de meu pai — Até mais, Estrela — Fui até ela e abri os braços. Estrela não hesitou em me dar um abraço, mesmo que desconcertado. A envolvi contra meu corpo e ficamos juntos durante poucos instantes. Não tinha percebido como era pequena e indefesa, totalmente ajustável a mim — Quero que você se cuide e cuide do bebê — Me soltou e assentiu — Tchau a todos.

Virei às costas sentindo um estranho vazio. A porta se fechou atrás de mim e caminhei na solidão até o carro. Entrei e me sentei. Os presentes que comprei para ela permaneciam ali no banco... Me senti péssimo ao vê-los! Era como abandonar um cão que me envolvi durante algum tempo.

Liguei o carro antes de pensar em algo.

Estrela não era um cachorrinho. Não posso pegá-la e devolvê-la na hora que bem entendesse e não bastava apenas colocar um pouco de comida e água. Tratava-se de uma menina... Uma mulher sensível e grávida!

Com o carro em movimento fui em direção a minha casa.

Não havia ninguém me esperando agora e talvez nunca houvesse. Liguei o celular e pesquisei alguns números de garotas... Todas pareciam às mesmas, até mesmo as que eu nunca peguei. Não bastava agora.

— Caralho Rafael! Já é de noite! — Igor, meu melhor amigo, resmungou do outro lado da linha.

— Foi mal, cara, mas são sete horas — Ainda dirigia falando com ele — Preciso conversar com alguém, estou me sentindo um lixo!

— Não tenho nenhuma gata hoje... Estou morto de sono, fiz mais de cinco partos desde cedo! — A voz de meu amigo de anos era mesmo de cansaço.

Colegas de faculdade, Igor e eu sempre fomos companheiros de profissão, curso e farra. Inseparáveis até que uma mulher se meta entre nós, como costumamos brincar.

— Estrela. Apareceu uma garota em minha vida chamada Estrela — Segui dirigindo.

— Estrela? Isso é alguma piada por acaso? — Não respondi e ele tossiu — Pode falar, estou ouvindo. O que foi que fez com a tal Estrela?

Contei a ele brevemente a história enquanto chegava a minha casa, ainda no estacionamento enquanto narrava os fatos sobre Estrela.

— Me sinto imensamente culpado, cara! Sabe aquela sensação péssima de ter traído alguém da maneira mais cruel?

— Essa garota deve ser uma bruxa! Como é que te enfeitiçou assim em apenas algumas horas? — Dizia curioso — Porque não a traz de volta, se sente falta da menina? Acredito que tenha caído na rede, cara. Pode ser que esteja... — Não o deixei terminar.

— Como posso estar com tesão por ela? Não fala besteira! Trata-se de uma menina grávida! Tenho que no mínimo respeitá-la, principalmente agora.

— Não falo de tesão, mas sim de sentimentos. Sabe o que isso significa? O rei da farra achou uma mulher com a qual não quer apenas transar! Deseja protegê-la! Se eu fosse você, voltava e buscava a garota.

— Até parece, cara — Respondi fingindo um desdém que não sentia — Não é como se estivesse apaixonado por ela, fala sério!

Sequer sabia o que era estar apaixonado, diga-se de passagem.

— Deixa de ser otário, Rafael! Não precisa parar com as festas e nem de pegar as gostosas! A mina não é sua esposa! A considere uma irmã mais nova da qual você se compadece.

— Você tem razão!

— Vai voltar lá e pegá-la para você? — Questionou.

— Agora mesmo! — Liguei o carro e segui na direção da casa de meu pai novamente.

— Como se sente agora?

— Aliviado! — Respondi com a verdade.

— Boa! Mas fica esperto, cara! Como você disse, trata-se de uma menina muito jovem. Não vá cometer a besteira de se deixar apaixonar! Ela te enfeitiçou em um único dia, imagina o que pode fazer com você em algumas semanas?

Ignorei o último comentário de Igor, apertando o passado para chegar o mais rápido possível à casa de meus pais. Uma irmã mais nova da qual eu me compadecia, era isso que Estrela representava e teria de ficar muito claro para nós, principalmente para meu coração, que se derretia por completo com a simples menção dela.


João trabalhava no escritório e Marine me convidou para assistir sua novela da noite na sala, mas em nada conseguia prestar atenção. Sentia o coração despedaçado por me sentir rejeitada mais uma vez.

Rafael havia me deixado como mamãe, minha irmã e meu pai, que mesmo tentando me defender, também me deixou! Ninguém parava em minha vida miserável, tornando-me amaldiçoada. Peguei-me pensando em como seria quando fosse à vez de João e Marine me deixarem.

O que seria de mim?

Por um minuto cheguei a pensar que Rafael Roman — o grande idiota — se importava comigo e com o bebê. Por um minuto me perguntei se realmente era tão especial assim para que ele me desse um presente e me levasse para tomar sorvete. Por um minuto acreditei que estava enganada e ele poderia sim cuidar de mim e do bebê, mas me enganei!

Como sempre, estava sozinha novamente. Vazia, apenas preenchida por um filho que não desejei.

— Querida, não chore! — Marine secou minhas lágrimas. Lágrimas que sequer reparei que deixava cair — Estrela, o que posso fazer para ajudá-la?

Curvei-me e a abracei, desejando poder falar para agradecer o vestido verde-claro que me emprestou naquele dia. Todas as roupas que Rafael me deu ficaram na casa dele.

— O que houve? — João apareceu — São os hormônios ou é a novela? — Tentou descontrair, mas algo me dizia que ele sabia que eu chorava por Rafael.

A gravidez me tornava uma grande tola e imprevisível. Durante a manhã desejava mais do que tudo fugir de Rafael e deixá-lo, no entanto, agora, me pegava triste por ele ter me deixado!

A campainha soou e João, que estava próximo à porta, foi atendê-la.

Marine me levou até o banheiro e me ajudou a superar a crise de lágrimas com suas palavras doces e maternais. Lavei a face e penteei o cabelo castanho revolto. Ouvimos vozes na sala.

— Quer descer, querida? — Perguntou quando saímos — Ou prefere dormir? Você é quem sabe.

Não estava apta a receber visitas, por isso decidi ir para o quarto pensar novamente sobre minha infeliz vida e tentar afastar a imagem de Rafael. O que sentia por ele era saudade ou uma pontada de desapontamento? Não sabia ao certo definir.

Deitei-me tentando não pensar em nada, sequer nos movimentos que o bebê fazia freneticamente em meu ventre. Acariciei a barriga com calma até adormecer, cansada demais para sonhar.

Eu já não podia criar ilusões, tão pouco me atrevia a sonhar!


— Pai — Ele me encarou como se eu fosse um criminoso.

— Filho — Se afastou para que eu entrasse — Esqueceu algo?

— É, esqueci — Olhei em volta — Cadê minha garota?

Seu semblante se tornou confuso, mas não escondeu um grande sorriso logo em seguida.

— Rafael? — Mamãe novamente me abraçou quando terminou de descer as escadas — O que houve?

— Voltei para buscar Estrela — Disse sem rodeios — Fui um covarde quando a deixei para trás. Eu a quero. Assumo a responsabilidade de cuidar dela e mostrar a vocês que posso ser um homem!

— Tem certeza disso, Rafael? — Mamãe, sempre preocupada, me encarava de braços cruzados — Olha lá, hein? Se trata de uma moça grávida, não de um cachorrinho!

— Tenho certeza! Não me sinto obrigado agora e sempre funcionei melhor sem pressão. Estrela gostou de minha casa e vai se adaptar comigo melhor do que com vocês. Terei tempo para ajudar, coisa que vocês dois não tem.

— Estou orgulhoso, filho — Meu pai apoiou a mão em meu ombro e encarou minha mãe — Vá acordar Estrela, por favor, querida.

— A coitadinha estava chorando muito antes de deitar.

— Pode deixar que eu mesmo vou até lá me desculpar — Abriram passagem e eu fui em direção às escadas — No quarto da frente? — Perguntei subindo e ambos assentiram.

— Seja cuidadoso com ela! — Mamãe exigiu.

Encontrei Estrela no quarto de hóspedes dormindo serenamente, mas com o rosto marcado por lágrimas e o cabelo castanho grudado na umidade das bochechas rosadas. Uma das mãos pousava no travesseiro e a outra na grande barriga de gestação. Abaixei-me ao lado dela e senti a saudade se esvair. Ela se mexeu levemente e choramingou algo que não entendi.

— Estrela... — Sussurrei baixinho — Estrela acorda! Vamos para casa, eu vim buscá-la.

Aos poucos ela abriu os olhos e me encarou de perto com seus grandes olhos castanhos. Nossos olhares se encontraram e senti meu corpo todo tomado por um estranho sentimento de carinho e ternura que jamais experimentei antes. Seus olhos brilharam pelas lágrimas, que secou logo em seguida, erguendo-se nos braços e ficando de frente para mim.

— Rafael! — Sua voz era suave, como um sussurro. Sorri para ela e ela para mim. Ergueu as mãos e tocou meu rosto.

Finalmente ouvi sua voz e o fato fez meu coração disparar no peito como pensei que somente acontecia nos filmes. Aquela estranha sensação crescia e me preenchia de modo irremediável.

— Oi menina — Se encolheu quando falei, puxando a mão de volta — Te esqueci, mas vim buscá-la. Você aceita voltar para casa?

Não escondeu a surpresa, mas tão pouco demorou a colocar os pés para fora da cama e calçar a sandália — que eu tinha certeza ser de Marine — assim como o vestido que usava. Ao colocar-se de pé ao meu lado cambaleou um pouco e caiu em meus braços. Sonolenta, me encarava com felicidade.

Ajeitou-se após alguns segundos e senti em seu olhar a gratidão que sentia por eu estar ali, buscando-a. Aquilo me emocionou mais do que qualquer coisa em toda a vida. Cada segundo com Estrela era uma novidade, principalmente para meu coração.

Descemos juntos e Marine me estendeu algo.

— A roupa da Estrela. Você está bem, menina? — Mamãe se aproximou de Estrela — Vai mesmo com Rafael? Não deseja ficar?

Estrela sorriu de canto e olhou para mim.

— Cuide dela, meu filho.

Uma vez no carro, Estrela me encarava no escuro como se esperasse por algo.

— Estrela... Não queria ter te deixado hoje — Não conseguia olhar para seu rosto atento — Fui um tolo e covarde como nunca! Tive medo de você.

Virei-me para ela, que apontou para si mesma como se me questionasse. "Medo de mim?"

— Sim, medo! Medo de vocês dois! — Pousei a mão em sua barriga linda e firme — Da responsabilidade afetiva, mais do que qualquer coisa. Jamais me apeguei a nada como estou me apegando a você e, consequentemente, ao seu filho. Tenho medo de falhar como já falhei muitas vezes, mas estou disposto a dar o meu melhor desta vez e provar ao meu pai e a mim mesmo que posso ser um homem responsável. Te quero aqui comigo — Estrela parecia surpresa — Vou aprender a não ter medo, eu prometo isso a você e ao meu afilhado.

Ela assentiu, sorrindo emocionada.

Aquilo, por hora, era tudo o que eu tinha a oferecer.


Cambaleei de alegria, mas não podia evitar me sentir embriagada pelo sono. Rafael abriu a porta do carro para que eu descesse, mas ao firmar os pés no chão, me vi incapaz de ficar realmente de pé e acabei caindo sobre ele.

— Shh... — Sussurrou ao meu ouvido — Fique calma, eu te ajudo! — O braço forte e firme de Rafael se prendeu no vão de minhas pernas enquanto o outro me amparava pelas costas. Erguia-me facilmente, sem qualquer esforço.

Senti-me estranhamente segura nos braços fortes daquele homem que sempre me pareceu errado. Apoiei meu rosto em seu pescoço e senti como estava molhado pela chuva que tomamos brevemente. Depois do que me aconteceu, ficar próxima de um homem me parecia à morte, mas Rafael não me despertava tal sensação. Ao lado dele me sentia bem. Protegida.

Olhei para seu rosto e o encontrei me analisando de volta. Parecia incomodado, mas não com meu peso, mas sim com a proximidade entre nós. Algo estranho acontecia quando ficávamos juntos. Algo que nunca antes senti por ninguém, mas não era um sentimento ruim, apenas forte.

Chegamos ao nosso andar e me senti enjoada pelo movimento do elevador. Quase pulei dos braços dele quando a porta se abriu, me dirigindo ao banheiro para vomitar. Entrei e me joguei perto do vaso sanitário.

Demorei alguns minutos vomitando tudo o que tinha no estômago e ao voltar a consciência reparei que Rafael estava bem atrás de mim, parado na porta. Não queria que ele me visse assim! Dei a descarga e me coloquei de pé, encarando-o de maneira envergonhada.

Para minha surpresa, Rafael me estendeu uma escova de dente e sorriu de lado. Retribuí e me virei para a pia. Higienizei a boca e quando estava respirando melhor — sem aquela sensação de ardência na garganta — sai do banheiro e encontrei sentado na escada bem ao lado.

— Se sente melhor? — Questionou colocando-se de pé e vindo em minha direção. Me olhava nos olhos cheio de preocupação.

Seus olhos eram verdes e profundos, bonitos e intensos. Concordei com um aceno, ainda encarando-o, mas decidi agradecê-lo por tudo. Por ter ido me buscar. Por estar ali. Por se preocupar comigo! Passei meus braços em volta de sua cintura, o abraçando e deitando o rosto em seu peito forte.

Rafael parecia surpreso com minha atitude e demorou alguns segundos para levar uma das mãos ao meu cabelo e a outra a minhas costas carinhosamente. As bochechas dele coraram quando me separei e o encarei novamente, sorrindo. Coloquei-me na ponta do pé e lhe dei um beijo rápido na bochecha de boa noite.

Queria dizer o quanto estava feliz por sua atitude de ter ido me buscar, mas não me senti pronta para proferir palavras. Expressar-me ainda era demasiadamente complicado. Exigia um esforço que me fazia incapaz de continuar. Cada vez que ouvia minha própria voz ainda me recordava nitidamente de meus próprios gritos enquanto aquele canalha me estuprava sem qualquer piedade.

Fui em direção ao meu quarto e entrei fechando a porta, mas não com a chave.


O barulho do relógio me acordou no horário de sempre, lembrando-me das consultas médicas no consultório da clínica. Arremessei uma almofada na direção dele e apenas o ruído de algo se espatifando no chão foi ouvido em seguida.

— Droga! — Sussurrei com o rosto escorado ao travesseiro. Marquei todas minhas consultas de ontem para hoje e estava cheio de trabalho ao longo do dia. Tinha que estar na clínica às oito.

Desci as escadas e encontrei Ana terminando de colocar a mesa do café da manhã.

— Bom dia, senhor! — Sua voz era mais animada do que o habitual.

— Bom dia, Ana — Respondi me acomodando na cadeira da ponta. Servi um copo de suco de laranja.

— Deseja mais alguma coisa, senhor?

— Sim. Por favor, troque o despertador de meu quarto — Paralisei um pouco e voltei a falar — E sobre Estrela... — Ana assentiu, pronta para me ouvir — Deixe que descanse o tempo que desejar, ela precisa de repouso e uma alimentação saudável, nada de industrializados. Se Estrela precisar sair, por favor, peça que me ligue antes. Sabe onde tem dinheiro, não sabe? — Ana concordou — Caso Estrela precise, não hesite em retirar a quantidade necessária, apenas me avise previamente. Desejo que a estadia de Estrela nesta casa seja agradável... Pelo que meu pai disse, a garota vem sofrendo já há um tempo.

— É muito bonito da sua parte, senhor — Ana parecia comovida — A menina realmente tem um olhar sofrido e parece traumatizada, a coitada nem sequer fala! Notei que é apegada ao bebê que espera e parece preocupada com ele — Apanhei um guardanapo para encerrar meu café, mas a colocação de Ana me fez engasgar — O senhor não disse nada sobre seu filho antes, patrão. Se eu soubesse que seria pai em breve, teria me preparado melhor. Não tive filhos, por isso não sou muito experiente com gravidez e crianças.

— O bebê de Estrela não é meu, Ana — Me coloquei de pé após tomar um longo gole de suco — É uma longa história, mas não sou o pai. Eu não teria coragem de me envolver com uma adolescente menor de idade e muito menos engravidá-la e abandoná-la. Sou um idiota, mas não um canalha!

— O senhor deve gostar mesmo dela, então... Não vai se despedir dela?

— Não, Ana. Não quero acordá-la. Qualquer coisa me ligue. Qualquer coisa que ela sentir de diferente, não hesite em me chamar! — Insisti.

Antes de sair, no entanto, a curiosidade me bateu profundamente e tive de conferir como Estrela estava. Abri a porta do quarto dela vagarosamente e entrei na ponta dos pés.

Agarrada a um travesseiro e deitada sobre outro, Estrela dormia tranquila e serena. Caminhei até a cama e parei ao lado. Esbarrei em algo e um barulho se fez. Aos poucos Estrela abriu os olhos e me encontrou ali. Empurrou-se para cima e sentou-se um pouco surpresa.

— Bom dia Estrela. Desculpe, eu não queria te acordar! Apenas passei para te ver e checar se estava bem antes de ir trabalhar — Estrela acenou brevemente, algo como "está tudo bem" — Hoje volto mais tarde, se precisar de algo, não hesite em me ligar! — Mostrou o polegar direito erguido em sinal positivo — O meu número está aqui — Retirei do bolso meu cartão de números. Estrela pegou e assentiu — Ok.

Aproximei-me dela sem pensar e depositei um beijo no topo de sua cabeça. Estrela corou, mas parecia bem, nada aflita. Fez um sinal de despedida e voltou a se deitar.

Saí sem olhar para trás, tentando me livrar do feitiço arrebatador dessa menina.

Ao chegar para minha primeira consulta, encontrei uma mensagem recente de Igor em meu celular.

"Mano, você precisa de ajuda. Liguei para o Vinicius e vamos te trazer de volta essa noite! Hoje a festa acaba só ao amanhecer!"

Passei o dia todo trabalhando exaustivamente e nos horários de descanso entre uma consulta e outra me pegava refletindo sobre minhas responsabilidades, sobre minha vida como um todo.

Meu pai colocou Estrela em meu caminho para que eu deixasse de encarar tudo como uma grande brincadeira, desfrutando do fato de ter uma vida fácil e cheia de privilégios. Sempre fui rico e saudável... Não havia nada que pudesse me parar ou me fazer ao menos refletir sobre a verdadeira importância das coisas e o verdadeiro significado da vida.

Lembrando-me de Estrela, apenas uma menina, com aquela barriga grande que tanto significava, meu coração se partia de maneira que jamais experimentei. O olhar tão frágil mexia com meu emocional e mesmo que temesse a responsabilidade, desde o primeiro minuto apenas pensei em protegê-la.

Em ajudá-la.

Relutei em aceitar, mas Estrela e seu bebê definitivamente ganharam meu coração.

— Laís, mande a próxima paciente, por favor.

Olhei no relógio e tratava-se da minha última paciente daquele exaustivo dia. A porta foi aberta e por ela entraram duas pessoas, uma adolescente acompanhada de uma mulher adulta. Observei a ficha e a paciente se chamava Lia Jonz. Tinha somente catorze anos e uma gestação inicial de aproximadamente quatorze semanas. Sua pequena barriga era evidente sob a blusa apertada.

Ao vê-la, lembrei imediatamente de Estrela. Senti falta dela.

— Como vai Lia? — Questionei quando a garota de cabelo claro e longo sentou-se ao lado da mãe — Se sente confortável em se consultar comigo?

— Por mim tanto faz — Respondeu dando de ombros, ignorando-me um pouco.

— Me desculpe, doutor. O senhor também fez o pré-natal da minha filha mais velha e por isso eu trouxe essa descabeçada para o acompanhamento. O nascimento de meu outro neto por suas mãos foi incrível, agradeço por isso — A mãe respondeu um pouco envergonhada pelo comportamento da filha.

— Que ótimo, senhora. Estou aqui para fazer da melhor maneira meu trabalho de trazer crianças ao mundo e... — Encarei a menina novamente — Pelo que vejo a gestação já está no segundo trimestre. Porque a demora em iniciar o pré-natal?

— Porque eu não queria e ela me obrigou! — Lia respondeu asperamente, olhando para as unhas e chacoalhando as pernas cruzadas.

— Lia! — A mãe repreendeu — Demorei a descobrir sobre a gestação dela, doutor. Como pode imaginar, escondeu até a barriga começar a aparecer.

Encarei Lia e encontrei ali a resistência. Era clara sua revolta com toda a situação e a imaturidade para lidar com as consequências de seus atos. Não se parecia em nada com a doce Estrela, que demonstrava ser protetora com bebê que trazia.

Realizei os pedidos de exames necessários e um ultrassom detalhado.

— Você está com dezesseis semanas de gestação — Comentei e notei a surpresa da mãe dela — E quer saber o sexo da criança? —Lia nada respondeu. A mãe dela, emocionada, concordou com um aceno — É uma menina. Aparentemente muito saudável e ativa, meus parabéns!

Lia se levantou da maca ansiosa para sair daquela situação, baixando a blusa nervosamente após se limpar.

— Vejo que Lia tem problemas em aceitar a gestação, estou errado? — As duas nada responderam — Recomendo também uma ajuda psicológica. Vou emitir o encaminhamento para que junto com a profissional possam decidir sobre o futuro do bebê.

— Pretendo ficar com ela, doutor — A mãe dela disse convicta.

— Mas eu não! — Lia vociferou.

— Discutiremos isso em casa!

Enquanto assinava o encaminhamento, pensei logo em Estrela. Ela também precisava de uma ajuda profissional para tratar de sua gestação. Mesmo que não falasse, seria interessante para ela ouvir um profissional.

Assim que a paciente deixou a sala, Igor entrou sorrindo.

— Pronto para voltar a ativa e cair na gandaia? — Disse girando a chave no dedo.

— Anda logo... — Falei entre dentes, tirando o jaleco e pegando a jaqueta de couro.

Talvez aquela fosse a única maneira de tirar Estrela um pouco de meus pensamentos.

 

Chovia lá fora e eu ainda estava na sala de baixo esperando Rafael entrar pela porta. Ele tinha dito que chegaria tarde, mas não pensei que fosse tanto.

— Vá para cama, menina — Ana apareceu na porta envolta a um xale e tremendo pelo frio — Não perca seu tempo esperando o senhor Roman. Ele costuma virar a noite de sexta para sábado na rua com os amigos.

A encarei desconfiada e a velha senhora rabugenta me deu as costas e saiu marchando. Olhei em direção ao relógio e já era madrugada. Eu precisava mesmo dormir e Rafael não voltaria tão cedo.

Voltei para meu quarto e joguei-me na cama. Ele não me ligou em nenhum momento do dia. Enquanto eu esperava ansiosa para ver a única pessoa que demonstrou qualquer cuidado comigo nos últimos anos, para Rafael eu nada significava! Apenas me largava com a empregada e vinha me ver quando dava na telha.

Que direitos eu tinha sobre ele, afinal, para me incomodar que chegasse tarde?

Se tivesse ficado com Marine e João estaria, provavelmente, na mesma situação. Eles viajavam frequentemente, como me disseram, e sequer a velha Ana eu teria para me consolar. Rafael era jovem, solteiro e livre. O simples fato de me ter em sua casa não o impedia de fazer o que sempre fez.

Eu não queria ser um empecilho. Não quero sacrifícios, muito menos danos.

Virei-me na cama sentindo o bebê se revirar em meu ventre. Era muito mais ativo a noite e naquela, em especial, parecia sentir toda minha ansiedade e compartilhar de minhas dúvidas.

— Eu me enganei, bebê — Sussurrei acariciando a barriga ternamente — Rafael não é um idiota... Ao menos não o tempo todo! Eu até queria que estivesse aqui, agora, com nós dois. Porque será que sinto isso? Porque será que ele me confunde tanto? — Falei sozinha, me dando conta de que ouvia o som de minha própria voz.

Tapei os lábios, assustada!

Mesmo sem saber, Rafael me fez voltar a falar. Sem saber, me despertava incríveis sentimentos.


As luzes piscavam em meu rosto, mas eu não ligava para isso.

No momento, em um dos cantos escuros da boate, eu beijava uma gostosa que sequer sabia o nome, apenas que tinha uma bunda linda e um beijo delicioso. Depois, quando começou a ficar muito quente, ela se afastou e perguntou se eu não queria ir a um lugar mais reservado.

Quando isso acontecia e o material era tão bom eu sempre a levava para o meu apartamento reserva, do outro lado da cidade, local distante de meu residencial. Jamais pensei em me comprometer, principalmente com as garotas que pegava na noite.

Pensei por um instante enquanto analisava a bela loira a minha frente, exibindo um decote gigante e uma cara de safada arrebatadora.

Não me sentia excitado. Apesar de existir química entre nós, eu não sentia absolutamente nada! Olhando para seu rosto e tocando em seu corpo, tudo o que me vinha à mente era Estrela. Em como estaria. Se precisava de mim... Aquela garota e seu corpo não significavam nada, nem mesmo uma boa transa.

Dispensei-a antes de tudo piorar.

— Podia ter ido para o motel se não queria seu apartamento, existem várias possibilidades! — Igor estava abraçado com uma de cada lado, beijando seu rosto e pescoço. Elas não ouviam ou fingiam não ouvir — Fala a verdade... Porque a dispensou?

— Porque não quero nenhuma. Não estou afim hoje — Ajeitei-me na poltrona e apanhei a vodca dele.

— Somente a Estrela... — Revirou os olhos — Na moral, ontem eu pensei que era amor de irmão, mas agora vejo que você está de quatro por ela, cara!

— O quê? Estrela é só uma menina!

— Você não disse que ela tem quase dezoito? — Concordei — Rafael, eu não sabia que você gamava em novinha, muito menos em grávida!

Me senti nojento! Ela era uma menina e mesmo que não estivesse grávida, não me parecia correto me envolver com alguém tão jovem. Dez anos mais jovem. Segui bebendo e esperando, pensando na fossa enquanto os caras se fartavam com as mulheres. Sozinho, não consegui tocar em nenhuma pela primeira vez na vida.

— Rafael, você nem está bêbado — Estávamos em meu carro. Vinicius e eu sóbrios e Igor altamente alcoolizado no banco de trás.

— Você também não — Lembrei dirigindo na pista vazia enquanto o sol nascia.

— Era a minha vez de dirigir hoje... Eu não bebi para dirigir — Vinicius explicou — Já você... Mesmo quando tem que dirigir, sai da boate chapado. O que está acontecendo contigo, irmão?

— Sabe o que houve? — Tentei não prestar a atenção nas palavras arrastadas de Igor — Rafa está obcecado por uma menininha! É esse o problema dele! — Eu teria me enraivecido, mas quando freei no farol, Igor caiu deitado no banco.

— Que história é essa cara?

— Não é nada Vinícius, é que... — Fui interrompido.

— Ele adotou uma garota e está com tesão por ela — Igor dizia altamente bêbado — Mas o problema é que a menina está grávida e ele não assume que a quer! Diga o que diga... Rafael está apaixonado pela pirralha!

Mais uma vez ele caiu.

— Sua irmã Yohana me contou que você está abrigando uma menina, mas não posso crer que tenha se apaixonado! Isso é conversa de bêbado, Igor, fala sério! Rafael não se apega!

Igor não retrucou porque roncava no banco de trás. Deixei Vinicius em casa sem dizer nada. Depois de ter dispensado as mulheres hoje sem conseguir tocá-las ou sentir algo, me dei conta de que algo raro estava acontecendo comigo.

Talvez Igor tivesse razão. Estrela estava mexendo com a minha vida, mesmo sem ter qualquer intenção.

Sai do carro ao amanhecer e assim que cheguei fui tomar um bom banho. Assim que tomei banho cai na cama sem pensar... Se eu pensasse demais, acabaria fazendo uma grande besteira! Estrela não merecia acordar às sete da manhã no domingo por minha causa.


Acordei as dez por ter dormido muito tarde. Rafael não tinha ido me acordar como na manhã anterior.

Tomei banho e encarei uma batalha... Meu atual dilema eram as roupas. Rafael tinha resolvido em parte, mandado Ana me comprar algumas peças, mas eu não as escolhi e algumas já não serviam com a velocidade em que a barriga esticava.

Escolhi um vestido branco de alças, justo nos seios e mais solto e baixo. Era lindo e confortável. Desci para o café e Ana estava servindo a mesa vazia, apenas um lugar posto nela. Observei curiosa. E o lugar dele?

— Coma menina! — Ana disse docemente, me vendo parada ali — O senhor Rafael não toma café aos domingos, sempre chega muito tarde e não sente fome de manhã.

Caminhei em direção à mesa, me sentei e comecei a comer. Comi apenas frutas, pois estava enjoada. Enquanto beliscava a melancia cortada em cubos no meu prato e pensava em papai na cadeia, senti um beijo doce na lateral da minha cabeça.

Olhei na direção e era Rafael. Parecia cansado, mas seus olhos brilhavam para mim como se estivesse imensamente satisfeito ao me ver.

— Bom dia, minha menina.


Estrela não demonstrava disposição para falar, já que não parecia muito entusiasmada ao acenar com a mão quando me viu. Parecia decepcionada.

Eu não tinha pregado os olhos. Esperava que ela descesse para encarar os fatos... Eu fugia de Estrela e do que ela me fazia sentir feito um idiota, temendo o inexplicável.

Esperei Estrela terminar o café da manhã e subi as escadas em direção ao quarto dela. Abri a porta depois de bater duas vezes. Ela estava lá, mas não me olhava. Observava a janela de vidro bem aberta, deixando o sol entrar e tocar em sua pele macia e delicada.

A garota de cabelos escuros era definitivamente linda.

— Estrela... Vamos sair — Ela se virou no pequeno sofá onde estava sentada e me encarou confusa — Vamos à casa da Yohana, minha irmã caçula. Lembra-se dela? — Estrela deu de ombros — Almoçamos e de tarde vamos ao shopping comprar mais coisas para você — Ficou de pé, me olhando confusa — Você precisa de roupas e sapatos... Logo estará com um barrigão ainda maior e não vai entrar nas roupas que Ana comprou.

Ela assentiu e eu sorri de lado. Voltou a sentar. Observei o que ela vestia... Estava muito inocente e doce naquele vestido branco. Disfarçava bem a barriga, mas ainda era visível. Caminhei até ela e me sentei ao seu lado no sofá que era estreito, apenas dois lugares.

— Está brava comigo? — Ela negou prontamente — Tem certeza? — Franzi a testa e ela negou de novo. Toquei seu queixo delicado e ela apenas me encarou, quase sem respirar — Ainda não acredito! Você vai ter que provar.

Demorei alguns segundos para entrar o que Estrela faria. Aproximou-se de minha face e depositou um beijo em minha bochecha. Foi muito doce, apesar de ser tão pouco, e muito íntimo.

Eu a abracei de lado pela cintura enquanto seus lábios estavam em meu rosto. Uma de suas mãos pequenas e delicadas pousava em meu ombro. Quando me soltou, senti a marca que seus lábios deixaram em mim queimar na pele.

— Agora eu acredito.

Respondi de maneira atrapalhada, levando a mão à bochecha enquanto ela sorria.


— Cara, ela é bonita! — Vinicius, que era noivo de minha irmã Yohana, comentou após o almoço. Yohana e Estrela se aprontavam para ir às compras — Muito inocente, mas bonita.

Vinicius saia comigo e com Igor, mas sob minha vigilância. Yohana sabia que eu jamais permitiria que o noivo dela pulasse a cerca.

— Sim, é uma menina muito inocente. Paro para pensar e não compreendo como pôde ter engravidado assim, tão cedo, sendo tão inocente e carinhosa. Não me parece o tipo de menina que se envolveria com um cara errado e acabaria assim.

— Parece que tem medo a todo o momento — Comentou — Somente parece segura quando você está ao lado dela. Já parou para pensar que podem ter feito isso com ela?

Olhei para Vinicius tentando entender o que queria me dizer, finalmente sentindo algo fazer sentido real dentro de mim. Talvez eu soubesse, mas não quisesse acreditar que alguém realmente foi capaz de machucar uma menina como Estrela.

Elas voltaram no momento seguinte. Estrela estava livre do vestido branco, usando uma calça escura, bota comprida e uma blusa básica. O cabelo preso para trás. Ainda mais linda com o rosto maquiado e devidamente penteada.

— O que acharam? — Yohana perguntou apontando Estrela.

— Estão lindas! As duas! — Vinicius deu um sorriso apaixonado na direção de minha irmã.

— Muito lindas! — Bati a mão na perna e fiquei de pé — Podemos ir agora?

Yohana foi pegar a bolsa e Vinicius a seguiu. Fiquei sozinho com Estrela, que caminhou até mim de maneira hesitante. Sorri sentindo seu doce perfume, encantado com seu rosto de menina.

— Você está linda, mamãe — Ela suspirou e desviou o olhar.

Estudei com carinho sua bela face e seu corpo. Eu não sentia tesão por Estrela, na linguagem mais direta. Meu sentimento por ela era inexplicável. Ao passo em que a achava incrivelmente bonita, sentia um carinho imenso e uma vontade inigualável de protegê-la. Queria tê-la por perto e, confesso, adoraria tocá-la e senti-la, mas não apenas para me satisfazer fisicamente. Sentia vontade de agradá-la. De encher meu coração com a presença dela.

Meu deus, o que estava pensando?

Queria perguntar mais sobre o bebê, principalmente sobre o pai dele. O comentário de Vinicius me deixou encabulado... Antônio estava preso por ser um pai zeloso, que se enfureceu ao saber que a filha menor de idade engravidou e cometeu uma loucura ou havia algo a mais por trás disso?

Eu precisava descobrir!

Aproximei-me mais e toquei a barriga dela com carinho. Estrela se retesou, olhando para minha mão. Eu tinha fascínio por aquele lugar em especial. Já havia feito muitos partos e visto diversas mulheres grávidas, mas nenhuma me comovia como ela. Nenhuma nunca mexeu comigo assim.

Eu tinha certeza que se devia ao fato da garra que ela precisava ter para seguir adiante. Admirava Estrela por provar amor aquele bebê cada minuto de seu dia. Independente de como tudo aconteceu, ela estava ali por ele!

— Quero que fale comigo. Quero ouvir a sua voz... O bebê precisa disso, precisa saber que você está aqui esperando por ele e o ama. Fale. Faça isso por ele, por favor...

Nos encaramos intensamente, olhos nos olhos. Yohana voltou à sala no momento exato em que Estrela estava a ponto de me responder.


Yohana ajudou a escolher as roupas de Estrela com muito bom grado e foi até divertido acompanhá-las.

Estrela, apesar de não falar, apontava os modelos favoritos e seu gosto era muito simples e delicado, como sua personalidade. Escolheu vestidos para adequar a barriga de gestação, macacões largos e batas. Não deixou de lado os jeans e vestidos clássicos de adolescente.

Após muita insistência de Yohana, compramos algumas peças de roupa para o bebê. O enxoval tomava forma a cada dia e a maioria das peças eram neutras, nas cores cinza, bege e vermelho. Estrela não tinha intenção de saber o sexo da criança antes do parto. Talvez fosse a maneira de não se apegar... Eu via em seus olhos que ainda não sabia o que fazer com a criança.

Uma criança que também tomava lugar em meu coração.

Chegamos em casa às onze da noite e Estrela parecia exausta. Yohana nos acompanhou devido ao horário e passaria a noite conosco. Estrela estava no banho e Yohana já pronta para dormir, sentada ao meu lado na sala.

— Estrela é uma menina incrível — Yohana sorria com os olhos na tela de seu celular — E você, irmão... Finalmente caiu aos pés de uma mulher! Pensei que não viveria para ver isso!

A encarei com certo desconforto, movendo-me no sofá.

— Porque acha isso? Está ficando maluca?

— Posso ser maluca, mas é nítido que você está envolvido com Estrela. Jamais te vi tratar uma mulher com tanto carinho — Aproximou-se de mim, sentando ao meu lado no sofá da sala — O jeito que você olha para ela é definitivamente como um homem apaixonado olha para uma mulher.

— Você está vendo coisas, Yohana — Sussurrei ainda mais baixo, olhando ao redor para que Estrela não entrasse e nos ouvisse — De todas as mulheres do mundo, a última por quem poderia me apaixonar é Estrela. Ela é uma menina!

Que tipo de homem eu seria se me envolvesse, além de ajudá-la? Sequer podia pensar na ideia de levá-la para cama. Parecia desrespeitoso apenas o ato de pensar, porém não podia negar que era linda, mesmo com um barrigão de gestação avançada. Aos meus olhos era uma menina incrivelmente atraente.

— Vinicius mandou mensagem... — Mostrei meu celular — Disse que quer falar com você.

— Vou ligar do seu escritório — Yohana se dirigiu ao escritório enquanto Estrela entrava na sala.

Vestia uma camisa minha com um short escuro. Tínhamos comprado pijamas adequados para a gestação, mas Estrela achava mais confortável usar minhas camisas. Eu sorri e estiquei os braços em sua direção. Estrela logo veio até mim, sentando-se ao meu lado e segurando minha mão ternamente.

Seu sorriso doce me desmontava. Os olhos castanhos sempre pareciam confusos enquanto me encarava. Estrela com seus gestos e olhar falava mais do que mil palavras.

— Como se sente, Estrela? — Questionei e ela assentiu positivamente — Sabe que pode me dizer qualquer coisa, não sabe? Sabe que estou com você?

Estrela, para minha surpresa, me abraçou carinhosamente, deitando o rosto contra meu ombro e apertando os dedos em minha camisa. Abracei-a de volta ternamente, inalando o cheiro doce de seu cabelo escuro e longo. O que eu sentia por ela era muito diferente de tudo que já senti com outras mulheres.

No começo, tive medo de tudo o que representava.

Não era simplesmente uma menina, mas uma grande responsabilidade. Meu pai trouxe muito mais para minha vida do que julgava em sua grande experiência. Depois, quando a conheci melhor, passei a admirá-la e gostar dela... Posso dizer que aprecio sua companhia. Estrela não me entediava e eu sentia cada vez mais vontade de tê-la comigo.

— Você já terminou os estudos, não é? — Estrela concordou com um aceno breve, encarando-me agora — Estive pensando em algo para ocupar seu tempo até... — Apontei o ventre dela — Até seu filho nascer. Talvez um curso que te interesse, o que acha?

Estrela se colocou pensativa, apoiando uma mão sobre o ventre de maneira receosa.

— Você precisa pensar no seu futuro. Seu filho precisará de você — Estrela desviou o olhar do meu e recuou os ombros. Seu olhar, antes contente, se colocou triste e pensativo. Olhou para o ventre com pesar — Você não sabe ainda qual decisão tomar sobre seu filho, verdade? — Me encarou rapidamente, envergonhada — Estrela, você precisa falar... Precisa me dizer alguma coisa! Nós precisamos conversar sobre a criança e quero saber o que fazer para ajudá-la! Faltam dois meses para seu filho nascer... É pouco tempo comparado a toda uma vida.

Não havia maneira de tomar tal decisão sozinho. Estrela, no entanto, não parecia disposta a falar. Yohana entrou no quarto e atrapalhou nossa conversa. Estrela não escondeu o alívio pelo fato.

Observando-a, tão jovem e grávida, me peguei pensando sobre o futuro daquele bebê.

Até mesmo eu já estava curioso para conhecê-lo.


Rafael saiu de viagem para um congresso de medicina e me vi sozinha naquela casa perturbadoramente vazia. Era apenas uma semana, mas parecia ser muito mais do que isso.

Para minha sorte havia uma professora de piano para me ensinar a tocar o instrumento, o que ajudava a passar o tempo, e uma psicóloga que vinha até a casa duas vezes por semana para conversarmos. Na verdade, era ela quem conversava. Eu apenas ouvia e acenava.

Quando fechava os olhos ainda podia ver aquele canalha próximo de mim e todo o mal que me causou. Toda a dor. Eu, que sonhava com príncipes encantados e vivia em um mundo cor de rosa, tive minha inocência destruída por um aproveitador que desmoronou não somente meu castelo, mas toda minha vida!

Agora eu tinha um filho dele no ventre, consequência daquela violência.

Agora eu estava marcada para sempre, sem saber ao certo o que sentia por aquela inocente criança que também era meu sangue, mas carregava parte do monstro que me machucou. Eu o odiava por me fazer sentir isso por meu filho... Desejava que nunca mais saísse daquele hospital e me entristecia por meu pai não tê-lo, de fato, matado.

O que seria de mim se aquele homem voltasse ao convívio? Se recuperasse a saúde que a surra que meu pai deu nele tirou? Viria atrás de mim para se vingar?

Desprotegida, apenas pensava no bebê. Ele não tinha culpa, era inocente... A única pessoa que podia garantir minha segurança era João. Ou melhor, Rafael. Rafael era quem de fato me protegia e tal fato me intrigava. Ele não parecia mais o mesmo babaca do começo. Não parecia mais tão desprezível.

Sua preocupação, mesmo de longe, me colocava a pensar. Estaria Rafael mudando seus conceitos para comigo?

A luz do sol tocava minha pele enquanto eu observava a água da piscina do terraço balançar calmamente. Naquele dia ensolarado decidi sentar à beira da piscina para me refrescar do calor de grávida usando a parte de cima de um biquíni rosa e um short combinando. A barriga por pouco não me permitia ver as pernas, por isso dei uma leve inclinação para trás.

Sentia falta de Rafael e sequer podia esperar para que visse como minha barriga havia crescido em apenas uma semana! Será que ele sentia minha falta também?

Por pouco não cai dentro da piscina ao sentir um leve beijo em minha bochecha. Virei-me assustada e encontrei um par de olhos verdes brilhantes e bonitos. Meu fôlego faltou e tive vontade de abraçá-lo, mas somente o encarei assustada.

Rafael.

— Como vai Estrela? — Comentou com um sorriso, abaixado ao meu lado — Você está linda! — Envergonhada, sorri de volta.

Retirei os pés da água e me coloquei de pé. Rafael me ajudou no processo e quando ficamos frente a frente, se adiantou a me abraçar carinhosamente. Afundou o rosto em meus cabelos e sequer sabia onde colocar minhas mãos, levando-as, após um momento de hesitação, a seus ombros largos e fortes. Fechei os olhos com o calor de seu corpo próximo ao meu, mas abri rapidamente para me lembrar de que a pessoa que me abraçava era incapaz de me fazer mal.

Ficar tão próxima de alguém, ainda mais um homem, me causava pânico e medo.

— Também senti saudades de você — Afastou-se e encarou meu ventre — Como vai o bebê?

Talvez pela primeira vez desde que nos conhecemos, Rafael se atreveu a tocar em minha barriga saltada sem muito prolongar. A mão grande se espalhou em meu ventre exposto, fazendo com que minha pele sentisse diretamente o toque carinhoso. O bebê se moveu prontamente e sorrimos um para o outro.

Acenei positivamente, demonstrando que estava tudo bem.

Ana apareceu tagarelando sobre a casa e sobre mim, tomando a atenção de Rafael para outros assuntos. Não sem antes ele me adiantar algo importante.

— Amanhã você tem consulta com Brenda! Acredito que finalmente poderemos saber se é um menino ou uma menina. Está empolgada? — Travei diante da pergunta. Sequer podia imaginar descobrir o sexo da criança, uma vez que me apegaria ainda mais a ela. Sentia medo. Sentia amor. Sentia coisas estranhas que me confundiam — Também precisamos de um berço e algum lugar para colocar as roupas do bebê. Tenho um quarto sobrando e vamos ajeitar tudo para que ele seja bem-vindo. O que acha?

Separei os lábios, incapaz de respondê-lo.

— Você já pensou em algum nome? Será bom para decoração.

Neguei para ele, mas tinha ideia de algo. Se fosse um menino, certamente seria Rafael. Era a forma mais honesta e singela de agradecer tudo o que aquele homem que em nada tinha obrigação fazia por mim e pelo bebê. Rafael fazia muito mais do que o estipulado e isso eu jamais esqueceria!

Passamos o dia todo juntos e quando percebi a noite havia chegado.

Eu ainda me perguntava os motivos que levaram Rafael a mudar tanto de comportamento desde que o bebê e eu chegamos a sua vida.


— Você está obcecado com essa garota, Rafael. Sabe o que isso significa? — A voz de Igor ecoava do outro lado da linha, no viva voz, enquanto eu seguia me trocando para levar Estrela até a consulta médica.

— Não diga besteiras! Querer ajudar alguém significa que estou obcecado? Seja menos extremista, meu amigo — Arrumava meu cabelo desgrenhado frente ao espelho.

— Você nem conseguiu cumprir sua agenda de trabalho e voltou antes para vê-la! Como explica isso, cara? Já não te reconheço, irmão!

Detive-me encarando meu próprio reflexo no espelho. Igor tinha razão. Sequer eu me reconhecia diante do que sentia por Estrela.

— Preciso desligar. Depois nos falamos.

— Sempre fugindo e ocultando os sentimentos. Não é pecado amar alguém, Rafael. Se você está apaixonado, deveria assumir primeiramente para si mesmo!

— Tchau amigo. E deixe de dizer bobagens!

A linha caiu e coloquei o celular no bolso. Fechei os olhos diante do impacto das palavras de Igor. Apaixonado, eu? Aquela palavra não existia em meu vocabulário!

Bati a porta do quarto de Estrela e prontamente foi aberta.

— Bom dia — Disse olhando-a de cima a baixo — Você parece ótima! — Algo simples como uma blusinha azul claro e com rendas era capaz de ressaltar a delicada beleza de Estrela. Ela me encantava com pouco e aquilo me surpreendia.

Cada vez que eu a via, tudo em mim se transformava. Esquecia os arredores e apenas queria fazê-la sorrir. O que tudo aquilo significava? Estrela assentiu positivamente e sorriu ansiosa. Aquele dia era realmente importante para ela.

— Preparada para descobrir o sexo do bebê?


— Você não precisa sair hoje, Rafael — Brenda disse já pronta para fazer o ultrassom — Hoje será apenas o ultra e acredito que não haja problema, certo, Estrela?

Concordei com um aceno, deitada na maca com a blusa erguida e observando Brenda espalhar o gel por meu ventre. Meu corpo todo tremia com a sensação, principalmente pela ansiedade. A dualidade de sentimentos dentro de mim me fazia revirar em expectativa.

— Isso é ótimo! — Rafael sorria parado ao meu lado, as mãos nos bolsos e um sorriso animado nos lábios. Eu olhei para seu rosto buscando resquícios daquele homem insuportável que conheci um dia no café. Não encontrei nada — É importante, não é, Estrela? Saber o sexo do bebê — Concordei — Você bem sabe, Brenda, que para mim ter filhos é algo impensado — Coçou a barba por fazer levemente e ela adotou uma expressão engraçada, não acreditando nele — Mas me emociono com o bebê alheio.

— Sei, Rafael. Sei!

Meu corpo descansava na maca levemente inclinada para que Brenda pudesse ter acesso fácil ao meu ventre. Rafael sentou-se no banquinho ao meu lado, ficando ainda mais próximo de mim. O encarei surpresa, perdida em seus olhos verdes, e sequer me dei conta de que Brenda começava a deslizar o aparelho em minha barriga, procurando os batimentos do bebê.

— Caramba! — Um som alto e forte invadiu a sala. Rafael sorria para Brenda, olhando a tela com emoção — O coração está perfeito! Está tudo bem?

— Ai Rafael... Nem parece que também é obstetra! — Brenda ironizou — Você sabe tanto quanto eu sobre o exame, meu caro.

— Mas é que... — Sorria sem graça — Você sabe!

— Quando é com a gente tudo muda, não é?

Rafael me encarou rapidamente, desviando o olhar do meu com certo receio.

— É barulho do coração do bebê. Está ouvindo? — Sussurrou ao meu ouvido, abaixando o rosto próximo do meu. Concordei, olhando para o vídeo em busca de compreender algo.

Como um ato tão repugnante como o que aquele monstro fez comigo poderia resultar em uma vida, em um coraçãozinho tão forte e vigoroso? Controlei as minhas lágrimas, mas logo notei Rafael as secando.

Ignorei a dor e as lembranças. Aquele desgraçado não era nada para mim, muito menos seria para o bebê! Rafael, ao contrário, nada tinha a ver com tudo aquilo, mas sentia a emoção como se fosse o verdadeiro pai.

Eu não estava sozinha. Ele estava comigo. Ao meu lado.

Brenda apontou as partes do pequeno corpo do bebê, mas nada compreendi. Apenas deixava as lágrimas caírem enquanto observava a tela borrada. Meu coração se enchia de dor e amor. De sentimentos dúbios e inevitáveis.

— É um menino, Estrela! — Rafael beijou minha mão ao dizer, segurando-a na sua - É um menino como você suspeitava!

— Um completo garotão! Meus parabéns, Estrela!

Travei diante da notícia, apertando a mão de Rafael na minha pelo impacto da mesma. Fechei os olhos e o vi perfeito em minha mente. O vi como sempre o imaginei... Tão lindo, indefeso e inocente. Não conseguia atrelar meu filho à imagem catastrófica do verdadeiro pai... Não mais, quando Rafael apareceu em minha vida.

Rafael.

Era o nome que eu queria dar a ele e sequer imaginei outra possibilidade.


Rafael me levou para a casa de sua família. Parecia mais empolgado do que eu mesma para revelar de uma vez a grande notícia a seus pais.

Marine e João agradeceram a visita e se animaram com a notícia, mas eu via nos olhos de João a preocupação. Ele seguia esperando minha resposta sobre o bebê. Resposta essa que sequer eu tinha!

Como decidir doar ou não uma criança que era minha e crescia em meu ventre, mesmo que fosse fruto de uma violência tão grande e terrível? Como me desfazer dele, se tocava meu coração cada vez que se movia perante minha voz ou a de Rafael?

— Você notou como Rafael fica ao falar do seu menininho, Estrela? — Marine comentou sentada no grande balanço do jardim. Rafael conversava um pouco distante com o pai.

Corei de imediato. Sentia na voz de Rafael como era diferente e forte o sentimento dele para com o meu bebê. Todos ao redor pareciam também notar sua emoção.

— Jamais imaginei ver meu filho mudar tanto! Jamais pensei que sua chegada fosse realmente impactar na vida dele, Estrela. João e eu entramos em conflito sobre você ficar sob a proteção de Rafael, mas parece que meu marido tinha razão. Rafael realmente se transformou em um homem melhor com sua chegada a vida dele — Marine encarava o filho um pouco distante com orgulho — Sinto que ganharei muito com o nascimento de seu filho, querida. Sinto que será muito importante em nossas vidas.

Marine sorriu levando a mão para minha barriga e acariciando-a levemente.

O bebê se moveu sob o toque dela e meu coração novamente foi tocado. O que Marine queria dizer com tudo aquilo?


— Antônio deseja uma visita da Estrela. Acho prudente levá-la. O que opina? — Papai dizia enquanto conversávamos no escritório.

— Será que não mexerá com as emoções dela vê-lo na cadeia? Ela está no final da gravidez e não é muito bom que se altere. Pode prejudicar sua saúde e a do bebê.

Os olhos de meu pai se ergueram para mim de maneira confusa e muito surpresa. Largou a xícara de café que tomava e se endireitou na cadeira grande atrás da mesa.

— Me surpreende vê-lo preocupado verdadeiramente com a saúde de Estrela e do bebê — Segui tentando parecer indiferente, com uma perna cruzada sobre a outra e bebericando o café de maneira despreocupada — Logo você, que relutou tanto em tê-la por perto.

— As coisas mudaram, pai — Afirmei pousando a xícara no pires — Estrela é uma menina doce e muito inocente. Conseguiu conquistar minha admiração e confesso que sinto um grande instinto de proteção para com ela. O fato de vê-la tão jovem e desprotegida me compadece.

Papai ergueu uma sobrancelha e sorriu de canto.

— Tem certeza que é somente isso?

— O senhor também? — Notei de cara seu tom de segundas intenções — Claro que é somente isso! Como podem cogitar a ideia de que eu vejo Estrela com malícia?

— Com malícia não, mas com carinho. Com amor... — Desviei o olhar e dei de ombros, coçando a barba — Ela não é tão mais jovem do que você, meu filho.

— Somente dez anos! — Ironizei — E está grávida! Cedo ou tarde o pai do garoto vai vir atrás dela, certamente.

— Isso não vai acontecer! — Nervoso, papai afirmou — Estrela terá esse filho sozinha. Isto é, se realmente quiser a criança. Pode ser que queira deixá-lo para adoção e nem sequer conhecê-lo!

— Duvido muito... — Neguei — Estrela ama a criança, mesmo que não diga em voz alta. Suas atitudes demonstram o quanto gosta dele e não creio que vá deixá-lo. Porque o faria? Porque é jovem demais? — O rosto de meu pai se tornou sombrio e cheio de questionamentos — Afinal... O que me esconde sobre Estrela e seu bebê? O que não me contou sobre o pai da criança?

— Já disse que isso quem tem que te dizer é Estrela, não eu! Trata-se de um assunto muito íntimo! — Recostei-me a cadeira e suspirei derrotado.

— Então nunca saberei, porque ela não fala nem oi, que dirá confessar segredos! — Papai não parecia disposto a dizer mais nada — Aconteceu algo ruim com ela? Algo pesado?

— Claro que sim, Rafael! Você não é tão tolo a ponto de acreditar que Estrela seja realmente o tipo de menina que se meteria em uma confusão tão grande a ponto de levar o pai a ser preso, certo?

— Não posso acreditar... — Sussurrei pesaroso. Sabia que nenhuma palavra mais sairia dos lábios de meu pai — Vou levá-la para ver Antônio.

— Por favor. E deixe-a falar com ele sozinha — Algo no olhar dele se modificou.

— Por qual motivo? — Obviamente existia um motivo para todo esse mistério. Antônio estava preso por causa do pai da criança e tal pessoa era todo um segredo — Não acha uma injustiça que logo eu não possa saber de nada?

— Pergunte a Estrela, meu filho. Talvez seja uma boa maneira de começar! — Suspirei transtornado. A curiosidade me corroía — No fundo você sabe o que aconteceu. Basta prestar atenção na maneira como Estrela age... O ato de não falar diz muito sobre ela, filho.

— Sei que não é somente uma birra, mas um trauma — Afirmei — Isso está claro, pai.

— Estrela sofreu um trauma e você não consegue ver o que as evidências te apresentam.

— Não a julgo por isso, eu... — Me detive quando fez sinal para que eu me calasse.

— No fundo você sabe o que aconteceu — Levantou-se e foi em direção à porta — Agora vamos, por favor — Esse assunto já rendeu por hoje!

Pensei nas palavras de meu pai sobre Estrela o tempo todo e decidi mudar os planos. Não a levei para as compras, como prometido, mas para dar um passeio mais tranquilo onde pudéssemos conversar.

Havia um parque incrível nos arredores e seguimos para lá. Assim que chegamos sai do carro e abri a porta para ela. Sua mão segurou a minha e percebi que se sentia cansada para caminhar e precisava de ajuda. Sua barriga estava realmente grande e pesada àquela altura.

Estrela estremeceu pelo contato de nossas mãos, mas não pretendia cortá-lo. Comprei um sorvete para ela e nos sentamos em um dos bancos próximos do lago e do parque infantil. Ela não escondia a maneira como observava as crianças brincando.

— Já imaginou como seu bebê vai ser? — Seus olhos me buscaram apreensivos — Acha que vai se parecer com o pai dele? — Estrela negou um pouco assustada — Com você? - Concordou mais aliviada — Então será um lindo garoto!

Toquei seu queixo com carinho e, para minha surpresa, Estrela me abraçou com certa angústia. Toquei seu cabelo escuro e abracei-a também, tocando sua cintura com carinho. Para minha surpresa, senti o coração acelerar e uma imensa e inexplicável vontade de tê-la por perto... De beijá-la!

Encarei-a quando nos separamos e a sensação se intensificou. Seus olhos castanhos me encaravam com receio, mas com expectativa. Seu olhar inocente dizia mais do que mil palavras.

Estrela era tão doce e linda... Estava em meus braços tão frágil e emocionada!

— Também desejo que o bebê se pareça contigo, principalmente os olhos — Toquei seu rosto carinhosamente, sentindo a bochecha corada sob meu toque — Você é especial, Estrela. Conseguiu, sem dizer nem uma palavra, conquistar o meu respeito. A minha admiração.

Sequer havia notado o quanto minhas palavras eram significativas! No fundo eu realmente sabia, papai estava certo! Estava louco por Estrela, a menina que não dizia nada, e apaixonado também por seu bebê.

Ninguém os tiraria de mim!

Uma leve chuva começou sobre nós e em segundos tudo se intensificou e o parque começou a ficar vazio. Todos correram para a saída e alguns poucos para baixo das árvores e coberturas

Permanecemos abraçados na chuva, estáticos diante de nossos sentimentos.


De mãos dadas a Rafael, corri pelo parque buscando fugir da chuva. Nos refugiamos em uma pequena cobertura, observando a tempestade apertar e afastar ainda mais as pessoas.

— Desculpe por esse passeio inusitado, Estrela! Se soubesse que estava prestes a cair uma tempestade sequer teria cogitado te trazer para cá — Dei de ombros diante da preocupação dele.

Molhado pela chuva, Rafael era ainda mais bonito. Sua camisa colava ao peito forte e seu cabelo castanho claro pingava nos ombros e na face. Eu sequer conseguia disfarçar a maneira apaixonava como o encarava.

Apaixonada.

Jamais imaginei pensar isso sobre alguém, muito menos depois do que aconteceu! Este homem apenas me ajudava e era gentil, jamais me olharia de outra maneira. Iludir-me com Rafael era um erro que eu não pretendia cometer e tentava fugir dia após dia! Um homem como ele jamais se interessaria em uma garota usada e grávida como eu!

Estávamos perto. Absurdamente perto abaixo da pequena cobertura ao lado do banheiro e sozinhos. Rafael, à minha frente, usava o corpo grande para me proteger ainda mais da tempestade. Todo aquele cenário era muito romântico, principalmente pelo fato de nossos olhos se conectarem em busca de palavras.

Palavras engasgadas em minha garganta.

O empurrei quando o senti tão perto. Senti medo do sentimento que me tomava o peito. A última vez que um homem se aproximou assim as coisas terminaram horríveis! Era inevitável recordar.

— Estrela - Sussurrou voltando a se aproximar de meu corpo. Engoli em seco ao sentir suas mãos firmes em meus ombros carinhosamente, descendo por minha cintura. Não era somente medo o que me dominava... Também havia algo quente e acolhedor, algo que me preenchia o coração e me fazia estremecer — Precisamos ficar aqui até a chuva diminuir. Quem sabe se nos abraçarmos o calor de nosso corpo te esquente um pouco?

Rafael me abraçou sem que eu pudesse reagir, tomando-me em seus braços fortes de maneira protetora. Apertei os olhos pela sensação, deitando o rosto em seu ombro largo e sentindo os pontapés que o bebê desferia em meu ventre. Meu coração corria tanto que o pobrezinho até se agitava!

O encarei por um momento, erguendo o rosto. Podia ver seus olhos verdes me admirando em silêncio. Levei a mão até o rosto dele tentando secá-lo um pouco, notando como parecia grato por meu toque. Aquele homem tão grande fechou os olhos sob minha mão, inclinando a face para ela.

— Estrela, você... — Rafael me encarou após um momento — Você me diria a verdade se eu lhe fizesse uma pergunta? Me responderia?

Neguei com um aceno. As lágrimas preenchiam meus olhos. Rafael sequer disfarçou o descontentamento, mas não me soltou, seguiu me segurando contra seu peito forte e me abraçando pela cintura. A barriga entre nós não parecia ser um empecilho para ele.

Senti-me tola por pensar que após ter sido estuprada jamais voltaria a confiar em um homem. Cheguei a pensar que nunca mais sentiria algo por qualquer um deles, mas Rafael estava ali, bem à minha frente, me provando que estive errada o tempo todo! Nem todos eram iguais. Nem todos eram um monstro!

Rafael era admirável. Doce. Engraçado. Apesar de ser descabeçado, como João sempre enfatizava, tinha um enorme coração e soube exatamente como me colocar dentro dele. Soube, também, se infiltrar no meu com seu jeito sorrateiro e impositivo. Aquilo que eu sentia tinha nome... Era paixão. Carinho. Algo além da gratidão.

Eu desejava me entregar a ele como jamais fui capaz e por minha vontade, não pela força e muito menos pela brutalidade. Rafael tocou minha face com a mão quente, afastando meu cabelo molhado do rosto.

— Você tem medo de mim, Estrela? Acha que eu seria capaz de machucá-la? — Neguei com um aceno imediatamente. A outra mão dele deslizou por meu braço delicadamente até pousar em minha cintura. O calor de Rafael parecia derreter algo dentro de mim.

Talvez o gelo de meu coração.

— Prometo que não vou te machucar nunca, sempre te protegerei. Não porque meu pai me pediu, mas porque vejo em você uma menina doce e admirável. Porque gosto de estar ao seu lado. Tentei fugir de você por medo, mas não consegui. Não consegui ir. Você, de alguma maneira, fez morada em mim — Confessou um pouco receoso, mas pude ver a sinceridade em seus olhos verdes — Quero te dar um beijo agora, mas não farei isso sem que me deixe. Não sem te ouvir dizer que também me quer da mesma maneira.

Não pensei em nada que não fossem suas palavras que me tocaram a alma.

— Me... Me beija, Rafael, por favor! — Suspirei apertando meus olhos fortemente. Não podia acreditar em minhas palavras — Também quero seu beijo. Também não consigo te deixar!

Rafael sorriu de ponta a ponta, levando meu rosto para o seu com carinho e alegria.

Não senti medo e foi muito doce a maneira como Rafael tocou os lábios nos meus. Era como se ele estivesse beijando uma mulher pela primeira vez. Era como se saboreasse meus lábios para saber que gosto tinha. Meu corpo estremeceu diante de sua ternura e suas mãos fortes.

Rafael me segurava pela cintura e me beijava delicadamente. Sua língua levemente contornou meu lábio inferior abrindo passagem para dentro de minha boca. Arfei e me envergonhei por não saber muito bem beijar. Ele estava fazendo um excelente trabalho e as lágrimas brotavam em meus olhos pela maneira como me fazia sentir especial.

Eu queria apagar de minha memória todas as lembranças que não fossem aquele beijo.

Separei-me um pouco para respirar e quando ergui meus olhos para colocá-los nos dele Rafael agarrou-me mais uma vez e recomeçou o beijo, me consumindo com um pouco mais de ímpeto. Sua boca era macia e quente, adaptável aos meus lábios como se eu fosse feita para ele.

Entreguei-me ao momento esquecendo tudo e me concentrando no fato de que estava apaixonada por Rafael, meu tutor.

O homem ao qual estava atada pelo destino.


Um simples ato como um beijo tinha poder para mudar toda uma história.

Não pensei nas consequências quando me atrevi a beijar Estrela, tirando muito mais dela do que um momento romântico e intimo entre um homem e uma mulher. Naquela troca de carícias senti na pele o tamanho do sentimento que existia entre nós e toda a mudança que a presença daquela garota e de seu bebê representavam em minha vida.

Parecia loucura me apaixonar por uma menina de dezessete anos, ainda mais estando ela grávida de outro homem, mas foi exatamente nesta loucura que me atrevi a me aventurar.

Quando a conheci, temi certamente porque meu coração sentiu de imediato o perigo que a linda menina de olhos castanhos representava. Era linda e meiga. Doce e de olhar inocente. O tipo de mulher do qual a vida toda busquei manter distância, pois existia ali a possibilidade de ter meu coração roubado.

Estrela estava em seu quarto tomando um bom banho após chegarmos em casa naquela noite. Fiz o mesmo e me senti na sala de estar para esperá-la para o jantar, que Ana deixou posto na mesa antes de sair. Meu pensamento vagava perante todas as possibilidades...

Aceitar Estrela em minha casa como um hóspede era uma situação. Tê-la ali agora que nos beijamos implicava em outra coisa, em sentimentos!

Aceitar Estrela em meu coração implicava em responsabilidade vitalícia. Ela teria um filho! Eu realmente estava pronto para arcar com tamanha responsabilidade, principalmente não sendo o verdadeiro responsável por ela?

O amor poderia superar tantas adversidades?

Estrela apareceu na cozinha quando comecei a colocar os pratos na mesa. Parou na entrada usando uma camisa branca minha e um short escuro, sua roupa preferida para dormir. Notei como sua barriga estava ainda mais esticada sob o tecido claro, dando a impressão de que tomaria todo seu corpo em algumas semanas. Ela era pequena e estreita, por isso se tornava ainda mais meiga grávida. O cabelo escuro e espesso descia úmido por seu corpo até a cintura e a face parecia corada ao me encarar.

Sorri para ela, puxando uma das cadeiras e apontando para a mesma. Estrela sentou-se e me olhou atentamente.

— Obrigado.

Disse para minha surpresa. Sorri ainda mais, sentando-me ao seu lado enquanto ela servia seu prato com o macarrão ao molho branco e brócolis.

— Quero que saiba que fico demasiadamente feliz em ouvi-la falar, Estrela. Me faz sentir imensa alegria por saber que fiz parte disso... Estou certo?

Na verdade queria deixar claro que o beijo ajudou em algo, mas decidi ser mais ponderado.

— Realmente, não posso negar — Sussurrou receosa, encarando seu prato — Você me fez perder o medo. Mostrou que nem todos os homens são iguais e que existem pessoas boas no mundo... Pessoas que são verdadeiramente capazes de estender a mão quando precisamos e que tem um grande coração. Seu pai está orgulhoso de você, Rafael.

— Não fiz isso somente por meu pai, Estrela — Garanti encarando-a firmemente. Estrela finalmente ergueu os olhos castanhos para meu rosto — Te busquei naquela noite porque não consegui ficar em paz sem tê-la aqui. Fui até você porque gosto de ti — Estrela separou os lábios para dizer algo, mas não conseguiu — De que tinha medo? Seja o que for, não precisa mais temer! Não permitirei que nada te machuque, muito menos ao seu bebê — Estrela sorriu timidamente, ajeitando o cabelo atrás da orelha — Confia em mim?

— Confiar em você é a única esperança que me resta, Rafa — Respondeu com os olhos escuros brilhando para mim — Posso te chamar de Rafa?

— Pode me chamar como quiser — Sorri para ela sem esconder a emoção. Vê-la falando era como contemplar o sol de perto.

Era um retrato perfeito da vitória.

Estrela se virou para mim lentamente e apontou minha mão.

— Posso pegar sua mão? — Questionou meio hesitante. Ergui a mão no mesmo momento e ela a tomou com cuidado, levando-a até o ventre saltado, pousando-a na parte de baixo da superfície redonda. Senti um tremor leve e agradável na palma e na ponta dos dedos, algo perceptível que vinha de dentro dela — Ele está mexendo — Sussurrou para mim enquanto nós dois encaramos nossas mãos em sua barriga — Sentiu?

— Sim! — Respondi quase sem voz, admirado com o movimento.

— Ele sempre faz isso quando ouve sua voz, desde quando te conheci.

Pela primeira vez na vida me senti um homem importante. Pela primeira vez senti o coração doendo por amor, uma doçura que transpassa qualquer sentimento carnal. Nada podia se comparar aquela emoção, muito menos aos olhos lindos e castanhos de Estrela enquanto me contemplava.

Eu me senti um grande apoio.

Uma peça chave na vida dela.

Um pai.

Quando a mão pequena soltou-se da minha, me inclinei e desferi um beijo rápido no topo da barriga de Estrela. Sentia a área quente e ela fez um carinho rápido em meu cabelo. Ergui-me aproximando-me para dar-lhe outro beijo nos lábios. Um beijo rápido e leve, apenas para sentir o sabor da inocência que vinha dela.

Estrela tocou meu rosto e passou a bochecha levemente na minha, fechando os olhos.

— Estrela, eu... — Tentei buscar as palavras — Não quero estragar tudo entre nós. Não quero ser um idiota com a garota mais incrível que já conheci.

— Você não precisa dizer nada! — Parecia convicta, tomando fôlego — Não precisa rotular nada, muito menos criar qualquer expectativa comigo. Sei que meu futuro é incerto e tudo pode acabar de maneira catastrófica.

— O que quer dizer com isso? — Franzi o cenho.

— Que não espero flores e casamento, muito menos um relacionamento — Segui confuso e ela mudou o tema da conversa rapidamente, como se fosse um absurdo prosseguir no tema — Tenho algo a dizer... Algo realmente importante.

— Diga!

— Escolhi um nome para o bebê — Comentou encarando-me fixamente.

— Ah, sim? — Surpreso, afastei-me dela ligeiramente — Isso é ótimo! Qual será?

Sorri com o tema. Tudo que envolvia o bebê tinha a capacidade de me fazer feliz no mesmo instante.

— Rafael — Sua resposta convicta fez meu sorriso murchar — Ele vai se chamar Rafael, como você.


A expressão de Rafael quando falei sobre o nome do bebê foi uma das coisas mais engraçadas que já presenciei em toda minha vida! Não pude evitar rir perante seus lábios torcidos e a maneira como os olhos esverdeados pareciam pensativos.

— O que foi? Não gostou do nome?

— Não acredito ser merecedor de tal homenagem, Estrela — Rafael tocou meu queixo carinhosamente.

— Já eu acho o contrário. Você é a única pessoa boa que apareceu em minha vida até agora, Rafael. Seus pais também, mas você foi quem voltou para me buscar. A única pessoa que um dia voltou por mim...

Rafael sorriu perante minhas palavras e vi a emoção tomando conta de seu olhar esverdeado. Ele era lindo, ainda mais de perto.

— Posso parecer bom, mas não sou. Não como você pensa — Dizia ainda tocando meu rosto e minha vontade era fechar os olhos sob seu toque macio e agradável — Sou bom apenas com você por que...

Vi as palavras morrendo em seus lábios.

— Por quê?

— Porque você me desperta o lado bom como nenhuma mulher nunca conseguiu — Tocou a ponta do meu nariz com muito carinho e sorri — Mas não quero te machucar. Não quero tornar tudo ainda mais difícil em sua vida que já é bem complicada!

Desfiz o sorriso, mas não fui capaz de desmenti-lo. Rafael estava certo. Minha vida era um emaranhado terrível de tragédias e eu não queria envolver mais ninguém nessa teia catastrófica!

— Isso não muda o fato de que você não é o pai do meu filho e quem decide o nome dele sou eu! — Relembrei animada, vendo-o cruzar os braços diante do peito forte — Gostei do nome. Soa bem, não acha?

— E se eu me prontificar a ser?

— Ser o que?

— O pai dele... — Fechei os lábios, paralisada diante de sua colocação — Por acaso para ser pai é necessário somente o mesmo sangue? Adoro seu filho e sinto, cada vez que te vejo, como se eu o tivesse colocado dentro de você. Adoro como se realmente fosse parte de mim e acredito que isso seja verdade... Sinto como se vocês dois fossem parte de minha vida.

Fiquei estática com os olhos presos aos olhos de Rafael. As palavras seguras daquele homem impactaram diretamente em minha alma.

— Te agradeço pelo sentimento, mas é melhor não se apegar tanto — Baixei o olhar vagarosamente, tomando coragem para prosseguir — Não desejo que se sinta na obrigação de cuidar de nós por tudo que houve. Um dia eu e ele vamos embora e te deixaremos livre novamente, Rafael.

— Se engana se acha que quando for embora ficarei em paz — Seu tom era pesaroso.

— Rafa, não é seu filho de verdade! Nem sei ao certo se é meu, mesmo que cresça em meu ventre — Confessei tornando sua expressão confusa — Não sei se serei capaz de amá-lo quando olhar nos olhos dele e temo esse dia. Temo o momento em que chegue ao mundo.

— Porque diz isso? — Me fez encará-lo — O amor que você tem por essa criança é nítido, Estrela. Você o ama sem sequer notar... Sem fazer qualquer esforço — Rafael sabia o que dizia. Ele, mais do que ninguém, estava comigo nos últimos dias — Ainda temos algumas semanas até o dia do nascimento. Ainda teremos tempo de pensar sobre isso, mas quero que pense com carinho. Não pretendo deixá-la sozinha diante dos desafios.

— Não? — Sussurrei segurando sua mão.

— Não. Não vou sair de suas vidas. De um jeito ou de outro estarei presente e se decidir ficar com ele, conte comigo. Serei um padrinho... Ou pai... Muito presente e prestativo. Posso cuidar de vocês, Estrela. Não pelo tempo que meu pai determinar, mas pelo tempo em que existirmos. Eu prometo!

Lancei-me para frente e abracei Rafael fortemente, tomando coragem diante de suas palavras. Aquilo significava demasiado para mim. Sei lutar, mas não posso ser hipócrita em acreditar que conseguirei tudo sozinha. A ajuda de Rafael poderia sinalizar um novo rumo para mim e para o bebê.

Foi no que pensei durante toda a noite, atada a pensamentos enquanto acariciava meu ventre cheio de vida e movimento.

— Rafael disse que poderia ser seu pai — Sussurrei para minha barriga enquanto a acariciava deitada em minha cama — Disse que pode cuidar de nós — Suspirei diante da ideia — Acha que devo acreditar nele? Acha que devo envolvê-la nessa história maluca que é nossa vida?

Senti um leve chute em minha palma e pressionei a região. Minha barriga formava bolos no local onde ele se movia. Meu coração transbordava de felicidade a cada novo movimento e meu sorriso se alargava.

Cada vez que pensava naquele bebê apenas via o rosto de Rafael, não do verdadeiro genitor dele.

Aquela criança em meu ventre se formava sob o olhar de Rafael, mesmo que carregasse o sangue de outro homem. Talvez fosse mais dele do que do outro. Talvez fosse mais dele do que meu.


— Rafael... — Pude ouvir nitidamente a voz de Brenda do outro lado da linha telefônica — A que devo a honra?

— Brenda, eu queria te fazer algumas perguntas sobre... Estrela. Espero que possa me respondê-las, são importantes.

— Ah Rafael, já imaginava que cedo ou tarde você me procuraria para tratar o assunto. A essa altura, perante tudo que vejo entre vocês, talvez eu possa quebrar meu juramento e estender a outro o problema de minha paciente. Mas será um segredo entre nós, por certo.

— Claro que sim, eu só quero ajudar Estrela. Mais do que ninguém me preocupo com ela e com o nosso... Com o bebê.

— Nosso bebê?

— Para você, não preciso mentir nem fazer rodeios. Desejo assumir a paternidade do garoto, mas convencer Estrela está mais complicado do que convencer a mim mesmo! Se você confirmar uma suspeita minha, posso me tornar ainda mais decidido.

— Qual suspeita?

— O pai da criança vai voltar?

— Melhor tratarmos pessoalmente. É um tema complicado.

— Imagino. Pode ser amanhã?

— Perfeito.

Me senti um completo idiota por agir desta maneira, procurando Brenda para me ajudar, mas ninguém parecia disposto a dizer nada sobre Estrela e seu passado. Eu precisava saber!

— Oi? — Estrela disse ao me ver parado na porta de seu quarto, olhando-a. Caminhei até a beira da cama e me sentei próximo dela, que estava sob as cobertas — Tudo bem?

— Tudo. Amanhã você começa seu curso de fotografia. Te matriculei para que tenha uma formação após o bebê nascer. É um curso rápido que te garantirá uma profissão de fotógrafa a nível básico.

— Amanhã? — Estrela quase saltou da cama, sentando-se com os olhos brilhando — É sério? — Concordei — Como sabe que gosto de fotografia?

— Minha mãe, obviamente. Ela me deu a dica...

— Se eu não for você vai me bater ou me pôr de castigo? — Seu sorriso era angelical e muito grato.

— Não posso dar palmadas por causa do bebê — Me aproximei até senti-la encostar a cabeça em meu ombro. Toquei a barriga saltada levemente — Mas colocar de castigo comigo um dia todinho é tentador, não acha?

Estrela riu animada. Colocou a mão sobre a minha em sua barriga, cheia de ternura.

— Ele está se mexendo! — Juntos sentimos os movimentos do bebê. Eu não podia deixar de me emocionar sempre que acontecia! — Pensei sobre o que fazer com ele... Pensei sobre o futuro, como você disse ontem.

Nos encaramos seriamente.

— Quais são seus planos para depois que ele vier? — Questionei um pouco hesitante.

— Não sei o que sentirei quando olhar para ele pela primeira vez... Não sei se medo ou felicidade. Dor ou amor... Mas sei que ele me lembra você. Cada vez que penso nele, penso em você pela ligação que vocês dois já tem.

— Isso me deixa muito feliz, Estrela — Toquei sua mão pequena na minha — Porque realmente gosto dele. Realmente me envolvi demais com vocês dois.

— Sei que vai doer em alguns momentos, mas pretendo cuidar dele. Não tenho planos por enquanto e acredito que terei apenas quando papai sair da cadeia. Finalmente poderei ter um norte ao tê-lo de volta, mas por hora, cuidarei do bebê. Se não conseguir... Bom... — Suspirei — Se não conseguir eu busco alguém que possa ficar com ele. Quero fazer o melhor que puder por ele, Rafael. O mesmo que não fizeram por mim nunca.

— E quem vai cuidar de você? — Ergui seus olhos castanhos para mim — Seu pai não será eterno, Estrela. Quem vai cuidar de você, do seu coração, para que fique bem para seu filho?

Estrela sorriu de canto, encarando-me com lágrimas nos olhos escuros e profundos.

— Ninguém nunca cuidou de mim de verdade — Deu de ombros — Nunca fui boa o bastante, por isso acabei assim...

— Isso não é verdade! Você... — Aproximei-me, hipnotizado por seus lábios e sua doçura — É uma menina incrível.

A beijei novamente, sem pensar em qualquer consequência. Sem pensar que estava alimentando uma história frágil de uma garota grávida cheia de dúvidas, apenas me entregando a imensa vontade que tinha de tê-la.

Estrela me beijou de volta com ternura, segurando meus ombros fortes em suas mãos pequenas enquanto também saboreava meus lábios. Ela aprendeu a beijar a pouco, eu podia sentir, uma vez que o fazia com inocência e certa timidez.

Provar seus lábios era como tocar o céu, totalmente diferente dos beijos que eu costumava receber de outras mulheres. Estrela era tão doce e terna que me consumia em sua delicadeza, tornando-se especial a ponto de me cativar. Eu estava ficando louco por ela!


Esperei muito para a conversa definitiva com Brenda, mas antes deixei Estrela em sua primeira aula do curso de fotografia.

Ela não disse diretamente, mas vi hesitação em seu olhar ao avistar os alunos da turma e as garotas. Todos eram adultos e simpáticos, porém Estrela se sentia estranha por ser uma garota de dezessete anos que carregava no ventre um bebê.

— Tem certeza que vai ficar bem? — Questionei parado ao lado dela, vendo todos em seus lugares na sala.

— Sim, vou — Sorriu para mim ajeitando seu cabelo escuro atrás da orelha decorada com um brinco de argola pequeno e prateado — Pode ficar tranquilo também. Ainda faltam dez semanas para o parto, não é como se fosse acontecer agora.

— Bobinha! — Me aproximei e beijei sua testa carinhosamente — Qualquer coisa me ligue.

— Obrigado Rafa... — Sussurrou sorrindo de canto — Se cuida.

— Você também.

A escola era segura e com cursos reconhecidos, por isso me senti mais tranquilo ao ver que Estrela sentou-se com algumas mulheres mais velhas e começaram a conversar logo de cara. Talvez minha presença ao seu lado a tenha motivado.

— Senhor... Brenda está te esperando! — Laís disse tapando o fone do telefone que usava no momento. Concordei e segui para o consultório de Brenda.

Brenda, pensativa e com as mãos tapando os olhos, me encarou preocupada.

— Bom dia — Falei batendo a porta levemente — Tudo bem?

— Estava esperado. Sente-se — Indicou a cadeira e o fiz.

— Quero que saiba que está fazendo o maior favor que eu poderia pedir a alguém... Não hesite quando precisar me pedir algo, por favor.

— Estou fazendo isso porque quero ajudar Estrela. Você quer que eu te confirme o que exatamente? O quanto sabe sobre ela?

Brenda me encarava com os olhos claros cansados do ritmo intenso de consultas e o cabelo loiro descendo ao redor do rosto pálido. Aproximei-me um pouco mais de sua mesa.

— Sei o pouco que meus pais quiseram me contar. Estrela é uma menina tão inocente e age de maneira infantil às vezes, Brenda. Sou incapaz de acreditar que seja o tipo de garota que se entrega a qualquer um, principalmente de maneira irresponsável. Apenas posso concluir que algo forte tenha acontecido com ela. Algo pesado o suficiente para levar Antônio, um homem correto, à cadeia.

— Você tem razão. Do ponto de vista profissional, Estrela nitidamente sofreu um trauma sexual e você sabe! Também é médico, meu amigo, existem coisas que nós não podemos ignorar.

— Mas você bem sabe que quando acontece conosco é completamente diferente de quando acontece no consultório, Brenda. Conosco ou com alguém que amamos é uma experiência distinta — Tomei fôlego — Estrela foi estuprada?

Senti uma dor imensa ao dizer tal frase em voz alta. Esperava com ardor que Brenda me dissesse que estava enganado.

— Sinto que isso te machuque, mas... — Olhou para as mãos e depois para mim — Estrela tem cicatrizes nítidas em partes específicas do corpo. Perto dos seios existe um corte de faca e na região da virilha um furo que foi profundo, mas já está quase fechado. Notei na noite em que a ajudamos na sua casa, por isso pedi para trazê-la aqui assim que possível. Ao examiná-la e fazer os exames ginecológicos necessários para a gestação pude perceber seu medo e questionei. Argumentei com base clínica e Estrela me confirmou, mesmo que sem palavras. Ela realmente foi estuprada com muita violência e isso gerou sua gravidez.

Minhas mãos se apertavam em punhos sob a mesa. Tentei conter a raiva, mas era impossível segurar o sentimento. Minha face se tornava vermelha ao imaginar um homem machucar uma menina tão inocente quanto Estrela a ponto de marcá-la e amedrontá-la para sempre.

Quem seria tão covarde?

— Agora tudo faz sentido... — Falei entre dentes.

— Os machucados, como eu disse, já eram cicatrizes, mas foi perceptível pela maneira como a vi clinicamente diferente de outras mulheres. O monstro que a machucou fez isso brutalmente. Por isso recomendei o psicólogo. Estrela sofreu violência sexual e precisa de ajuda psicológica.

Apertei os olhos e suspirei. Não que eu não estivesse pronto pra isso, mas realmente doía a alma imaginá-la subjugada a um homem violento e que a machucava. A estuprava! Eu faria como Antônio... Acabaria com o desgraçado!

— Fui um idiota por não ter percebido isso logo que a conheci — Sussurrei cansado e atordoado — Ela é tão inocente e... Droga!

— Calma Rafael. Você não tinha uma bola de cristal, amigo.

— Agora Estrela não aceita que eu cuide dela e do garoto para sempre, ela...

— Teme que os seus sentimentos sejam passageiros! É tão difícil entender isso?

Olhei nos olhos de Brenda, que sorria de maneira cúmplice.

— Como faço para provar que são reais, se ela não acredita com palavras? Eu jamais quis uma mulher antes, Brenda! Jamais quis me unir com ninguém como quero com ela!

— Continue provando com ações. Continue se preocupando com ela e com o bebê. Já disse a ela que a ama?

Ergui meu olhar lentamente para Brenda e paralisei.

— Dizer... O que? — Gaguejei e Brenda riu de minha expressão consternada.

— Que a ama! Se você não a amar, porque assumiria a paternidade do bebê dela? — Cruzou os braços de maneira irônica e me atentei aos meus pensamentos e suas palavras.

— Você acha que a amo? Nunca me imaginei dizendo algo assim a uma mulher. Jamais pensei que chegaria a amar ou...

— Rafael, quem está precisando de um psicólogo agora é você! — Nós rimos juntos — Vai dizer que a ama?

— Tem razão, Brenda. Vou tentar!


A conversa com Brenda trouxe à tona todo o sofrimento que nutri por imaginar a doce Estrela em uma situação tão deplorável.

Fechei as mãos em punho enquanto tentava recapitular na mente qualquer momento em que meu pai tenha mencionado o nome do canalha que era responsável pela gravidez dela, mas me dei conta que jamais o ouvi. Senti lágrimas nos olhos ao pensar na covardia que um homem cometia quando se prontificava a estuprar uma mulher, tirando-lhe a inocência, como aconteceu com Estrela.

— Lais? — Minha secretária apareceu na sala com expressão alarmada — O que houve?

— Doutor... Ligaram da escola técnica! Pediram para que o senhor fosse até o pronto socorro do hospital maternidade. Parece que Estrela teve um problema!

Sequer esperei que concluísse a frase! Saltei da cadeira e apanhei meu casaco, correndo em direção à porta com o coração disparado no peito. Pela primeira vez em muito tempo realmente senti medo do que estava por vir. Medo de algo ter acontecido a alguém que estava sob minha proteção.

Apressei-me para chegar pensando a todo o momento que Estrela, minha garota, precisava de mim. Apressei-me como desejava ter tido a oportunidade de fazer quando aquele canalha fez mal a ela. Estacionei derrapando no acostamento e corri em direção à portaria.

— Você é parente da moça, senhor? — A recepcionista do hospital perguntou me guiando até o quarto.

— Claro que sou! Sou... Sou o pai do bebê! — Foi o primeiro que me ocorreu para não precisar dar mais explicações. A moça não hesitou em me guiar com mais pressa. Ao chegarmos à porta do quarto, me deparei com Lucrécia, uma amiga de faculdade, atendendo no plantão — Lu? — Questionei surpreso — Você aqui?

— Rafael? Quanto tempo! — Veio me abraçar — Estou trabalhando na maternidade! E você? O que te trás?

— Ele é o pai do bebê da paciente da escola técnica, doutora Lucrécia — A atendente respondeu ao meu lado, atenta a conversa.

— Você, pai? — Sequer disfarçou a surpresa — Não acredito! Como as coisas mudam, Rafa! Você sempre foi meio maluquinho!

— Pois é... Mudam mesmo — Sorri envergonhado — Como está Estrela? Desejo vê-la.

— Sua namorada chegou com um pouco de dilatação e uma queda de pressão. Por sorte o trabalho de parto não evoluiu porque conseguimos conter e estabilizá-la, mas a moça precisa de repouso, amigo. Trate de fazê-la ficar quietinha!

— Posso vê-la? — Questionei nervoso pela situação. Estrela não poderia passar por situações estressantes nesta reta final.

— Claro! — Abriu a porta para mim e entrei.

Encontrei Estrela deitada em uma das macas com o fio de soro no braço, mais pálida do que de costume e acariciando a barriga levemente. Não me notou de início, mas me pronunciei quando bati a porta. Seus olhos se ergueram para mim e pareceu aliviada ao me notar.

— Está querendo mesmo me matar, certo? — Aproximei-me e sentei na beira da cama. Chequei o soro ajustado à veia dela, os sinais vitais no monitor e tudo o que estava ao meu alcance como médico.

— Rafa, eu não queria... — Puxou o meu braço para eu parar de examiná-la — Não queria preocupá-lo, muito menos dar trabalho! Agora já está tudo bem.

— Tudo bem? — Sussurrei encarando-a com preocupação — Você chegou com ameaça de parto e pressão baixa! Entende o risco? — Estrela negou e relaxei diante de seu olhar de menina amedrontada — Me assustei quando recebi a chamada. Pedi para se cuidar...

— Mas nem sempre tudo acontece como planejado, você deve saber.

— Você ainda vai me matar de preocupação, menininha encrenqueira... — Estrela envolveu os dedos em minha camisa, trazendo-me para perto dela — O que?

— Que bom que você está aqui — Sussurrou com as bochechas mais coradas, encarando-me com os olhos escuros brilhantes — Tive muito medo dele nascer e eu estar completamente sozinha.

— Não vou te deixar sozinha — Respondi segurando sua mão livre — Prometi, não prometi? — Assentiu como uma menina que ganha seu melhor presente — Quero que esse garoto demore um pouco mais... Ainda preciso te convencer a aceitar-me como pai dele.

— Pai? — Sussurrou como se não acreditasse — Você realmente sabe o que está falando, Rafael?

— Nunca tive tanta certeza...

— Por quê? — Questionou com os olhos semicerrados — Porque de uma hora para a outra decidiu tomar essa decisão, se antes não conseguia sequer ficar junto de nós?

Sua dúvida abriu espaço para minha explicação.

— Trata-se de algo... De algo íntimo. Um segredo! — Seus olhos brilhavam cheios de carinho e inocência.

Encarando-a lembrei-me do que Brenda me revelou. Um monstro teve a capacidade de machucar uma criatura tão inocente e terna. Algum sem alma teve a coragem de tocar em uma menina tão indefesa para roubar o que ela tinha de mais valioso... Sua inocência. Sua virgindade. Seus sonhos.

— Pode me contar. Prometo não contar a ninguém! — Beijei seus dedos, que deslizavam por minha face.

— Esse menino... Essa criança que cresce em teu ventre — Toquei a barriga dela carinhosamente — Será o único filho que terei na vida. O fruto do destino em minha história — Confessei tímido, encarando-a com a minha verdade.

— O que quer dizer?

— Estrela... Não posso ter filhos — Minha voz soou mais segura enquanto eu tocava a barriga dela — Não posso ser pai sem fazer um árduo tratamento. Seu filho precisa de um pai e eu quero ter um filho, um filho que jamais imaginei desejar ter, mas a vida me trouxe como um presente. Um lindo e inesperado presente.

 

Rafael não podia ter filhos.

Tal informação realmente me pegou de surpresa, tirando-me as palavras, que entalaram em minha garganta. Ao passo em que ele não podia gerar uma vida, eu tinha uma dentro de mim que foi parar ali sem que eu quisesse, totalmente contra minha vontade.

De uma estranha maneira nos completávamos.

— Rafael... — Chamei por seu nome e ele ergueu os olhos verdes para os meus com certo receio. Toquei seu maxilar áspero, com a barba por fazer — Sinto muito. Vejo que isso é algo doloroso para você.

— Nunca antes foi... Mas depois que te conheci, algo mudou aqui dentro — Tocou o peito e sorriu — Algo se transformou em mim e vi que meu pai tinha razão. Sempre teve razão sobre você... Sobre mim.

O celular dele tocou e era Yohana, que desandou a fazer perguntas sobre mim e o bebê quando soube que Rafa estava no hospital conosco.

— Não precisa se preocupar, irmã. Estrela e Erick estão ótimos!

Meu olhar foi para o rosto dele cheio de questionamentos.

— Erick? — Falei logo após ele desligar e vi o sorriso presunçoso em seus lábios firmes — Que história é essa de Erick?

— Erick é um nome muito legal! — Cruzei os braços diante dele, encarando-o de maneira acusatória — Atual. Eu gostaria de me chamar Erick. Acha tão ruim? Começa com a letra "E", assim como seu nome. Significa "homem forte com poder de liderança".

— Até que eu gostei... Soa bem — Sorri o deixando mais tranquilo — Acho que Erick Rafael é um nome incrível!

O olhar apaixonado de Rafael fez meu coração transbordar de amor! Ele escolheu um nome e eu o outro... Nada mais justo! Aproximou-se e beijou minha testa com muito carinho e emoção. O fato de colocar o nome dele no bebê o enchia de orgulho, eu sabia! Seu olhar entregava!

— Obrigado Estrela! Eu... Eu não mereço você!

— Erick, porque você escolheu e começa com a letra "E" — Comentei acariciando meu ventre — E Rafael... Porque eu escolhi. O nome do meu protetor.

E do meu grande amor.

Rafael chegou mais perto de mim até que ficamos lábio a lábio, a ponto de trocar um beijo. Toquei sua testa com a minha e ouvi sua voz grave ecoando em meus ouvidos.

— Posso beijá-la?

— Pare de me pedir isso... Por favor — Sussurrei antes de me lançar para frente e tocar os meus lábios nos dele. Gemi com a sensação. Era quente e macio como eu me lembrava.

— É tão bom beijar você... — Estremeci com sua voz rouca e tudo que seus lábios me faziam sentir — É diferente de tudo que já senti. Você é tão inocente...

— Não tanto — Afastei-me um pouco — Vou ter um bebê.

— Você sabe que é inocente. É o que chega mais próximo de um anjo em minha vida — Voltei a sentir a boca dele na minha, sem exigência, somente me oferecendo carinho.

— Rafael... Também tenho que te contar um segredo... — Abaixei os olhos do rosto dele e Rafael apenas ficou próximo, respirando em meu cabelo.

— Comigo seu segredo estará bem guardado. Será muito importante para mim — Sussurrou ao meu ouvido. Apertei os olhos para tomar para mim a doçura que exalava da voz dele.

Lágrimas desceram pela minha bochecha quando a vergonha me tomou. O desamor. Todas as lembranças terríveis daquela noite.

— Estou grávida porque fui violentada.

Rafael me encarava com tristeza, mas não durou muito. Não durou nada! Tocou meu queixo com carinho, aproximando-se para falar bem junto de meus lábios, olhos nos olhos.

— Ninguém mais vai te fazer mal, Estrela... Você e o Erick, agora, têm a mim.

— Obrigado Rafa — Sussurrei o abraçando tomada pela emoção — Obrigado por não me julgar.

— Você foi vitima não a culpada... Quem tem que ser julgado é o canalha que te machucou — Dizia ao meu ouvido — Em meus braços estará segura. Em meus braços nada de ruim vai acontecer, minha menina. Nada!

Eu só queria acreditar para sempre naquelas palavras incríveis.

— Você... Não vai dizer nada? Não vai perguntar? — Rafael negou e vi a tristeza em seu olhar. A vontade que tinha de falar, mas se conteve.

— Algo em meu coração dizia, Estrela — Beijou minha mão com ternura — Algo me dizia que essa criança foi plantada em você sem que você desejasse... Sem que permitisse. Um homem violou seu corpo e tirou sua pureza, mas não conseguiu roubar sua inocência... Ela ainda segue intacta em seu olhar... Em seus modos. Não conseguiu te destruir.

— Mas chegou perto. Se não fosse você... Eu estava morta em vida quando você chegou e me estendeu a mão, Rafael.

Vi lágrimas nos olhos verdes. Vi amor.

— Eu também estava morto em vida quando você chegou até mim, menina. Vocês também me salvaram.

Nos beijamos novamente. Um beijo rápido e calmo, apenas saboreando o momento incrível que compartilhamos. Aquilo era amor? Aquele sentimento arrebatador que tirava fora toda a tristeza e esvaía da alma a dor dilacerante?

— Descanse — A cabeça de Rafael estava na curva de meu pescoço enquanto eu acariciava os cabelos dele, deitado junto a mim na maca.

— Rafa? Vou ficar aqui por toda a noite e você tem que trabalhar amanhã. Não quero que se prejudique por mim.

— Vou ficar com você até ter alta. Nada me tirará daqui!

— Então chega mais para cá... — Me arrastei um pouco na cama e ele se deitou ao meu lado. Agora eu estava mais baixa do que ele. Acomodei-me perto e fechei os olhos.

— Se sentir qualquer coisa, avise-me — Sussurrou ao meu ouvido.

— Qualquer coisa? — Mordi os lábios sem abrir meus olhos.

— O que você sente? — Me abraçou mais forte.

— Não posso contar — Sussurrei — Meu segredo!

— Ainda me esconde algo? — Pareceu preocupado.

— Não se preocupe... — O abracei com o braço livre do soro — É algo bom. Posso dormir agora? — Pedi sonolenta e ele beijou minha testa.

— Não sairei daqui por nada no mundo. Boa noite, Estrela. Boa noite, Erick.

— Boa noite, Rafael.

Eu te amo.


Estrela teve alta na manhã seguinte e passou um dia tranquilo em casa. No outro, nossa rotina voltaria ao normal, enfim.

Yohana e meus pais ocuparam grande parte de meu tempo após acordar naquela manhã questionando sobre Estrela e o bebê. Assim que desligaram, a porta do meu quarto foi aberta.

— Rafael? — Era Estrela, que ficou vermelha ao perceber que eu estava nu. Rapidamente peguei uma toalha e envolvi na cintura. A garota havia entrado em meu quarto sem bater e tomou um susto ao me ver desnudo e molhado do recém-banho — Me desculpe!

Não demorou a sair de meu quarto corada e com uma das mãos sobre os lábios. Fechou a porta e atravessei o quarto até abri-la novamente em busca de Estrela, que parecia paralisada em meio ao corredor longo.

— Nenhuma mulher jamais tomou um susto ao me ver sem roupa, mocinha!

O belo rosto de Estrela estava tomado por rubor e um pequeno sorriso tímido.

— Desculpe, é que... — Constrangida, sequer conseguia me encarar — Ouvi você ao telefone com Yohana e pensei que estava pronto. Não queria vê-lo... Nu!

— Podemos falar ao telefone sem roupa, não existe uma regra — Ergui uma sobrancelha e reparei que ela me olhava de maneira engraçada.

— Tem razão e... Você ainda está de toalha! — Lembrou quando me aproximei. Fui obrigado a parar quando sua barriga se colocou entre nós — Erick também está receoso e te avisando para se afastar! Ele te parou! — Estrela brincava sob meu olhar.

— Vamos ver por quanto tempo...

Voltei para meu quarto, deixando-a em meio ao corredor com a visão de meu corpo molhado pregada nos olhos.


Sentei-me no sofá da sala de estar sem conseguir compreender de fato o que se passava em meu coração.

Ver um homem nu após o que me aconteceu foi realmente um acontecimento em minha vida, uma vez que sentimentos dúbios me invadiram conforme apreciei a imagem do corpo másculo de Rafael como veio ao mundo.

Não senti medo, mas sim as bochechas corarem! Jamais vi um homem nu ao vivo, somente aquele desgraçado, e a sensação foi muito diferente do horror que eu esperava que sentiria.

Um dia cheguei a pensar que estaria arruinada para os homens após ser violentada. Um dia me peguei pensando que jamais me apaixonaria ou seria capaz de criar qualquer afeto por qualquer um daquela espécie, mas eu estava errada.

— Estrela... Você está linda hoje — Ergui os olhos e encontrei Rafael me estudando com as mãos nos bolsos, agora vestido, e um sorriso alegre. Eu usava apenas um vestido azul claro que marcava demais minha imensa barriga de trinta semanas de gestação — Como sempre, não é? Está linda todos os dias!

— Somente um obstetra pode achar bonita uma mulher grávida... — Brinquei ainda corada — Me desculpe novamente por... — Apontei para cima — Por invadir sua privacidade.

Lembrei-me da imagem dele sem roupa e desviei o olhar de seu rosto bonito, os olhos verdes tão fascinantes. Rafael tocou meu queixo e me fez encará-lo.

— Não tenho segredos com você. Nem mesmo meu corpo nu é mais um mistério, o que mais poderá ser? — Sorrimos um para o outro.

Logo Ana apareceu na sala com Yohana e Vinicius ao encalço.

— Estrela! Irmão! — A garota de cabelos curtos trazia nas mãos uma sacola grande e Vinicius outra idêntica — Como é bom vê-los! Espero não estar atrapalhando o momento!

Rafael sorriu sem graça, coçando a cabeça e separando-se de mim. Corei ainda mais, mordendo os lábios.

— Bem-vinda, irmã! Claro que não atrapalha! — Abraçou-a carinhosamente.

Yohana trouxe um presente... O papel de parede do novo quarto de Erick. Seu eterno bom gosto estava decorando maravilhosamente bem o quartinho que Rafael insistia em montar para o bebê em sua casa, mesmo contra minha vontade. Ele estava cada vez mais apegado ao neném e a ideia de assumi-lo em sua vida.

Aquilo ainda me assustava, apesar de soar incrível.

Yohana nos convidou para ir à praia diante da falta de ânimo do irmão para o final de semana com feriado que viria nos próximos dias.

— Estrela acabou de sair do hospital — Rafa disse abraçando-me por trás protetoramente mais tarde, enquanto conversávamos na beira da piscina — Não é uma boa ideia, ainda mais aos oito meses de gestação.

Me sentia estranhamente pequenininha com Rafael me abraçando assim. As mãos dele faziam um nó de dedos em minha barriga grande e minhas costas descansavam em seu peito forte.

— Você vai estar lá e são apenas três dias. Larga de ser careta, irmão!

— Se anima, Estrela? — Rafa perguntou. Joguei a cabeça para trás e o encarei de baixo — Quer ir à praia com eles?

— Faz muito tempo que não vou à praia. Gostaria sim de ir ver o mar antes do Erick nascer e tudo virar um caos com bebê!

Todos riram junto de nós.

— Tem razão! — Rafael beijou meu cabelo gentilmente — Nós vamos!

— Ótimo! — Yohana comemorou com os pés na água da piscina e tomando seu drink — Então vou separar um quarto na casa para os dois e...

— Não, Yohana — Rafael interrompeu um pouco apreensivo — Nós não dormimos juntos.

— Ah... — Pareceu desconcertada e foi a primeira vez que a vi de tal modo — Vocês não namoram?

Rafael e eu trocamos um olhar sugestivo e repleto de palavras silenciosas. As mãos dele descansavam em meu ventre de maneira protetora, mas nada éramos além de suas pessoas que viviam juntas na mesma casa.

O que tínhamos, afinal? Sentimentos, talvez?

A pergunta de Yohana pairou no ar como uma nuvem densa de questionamentos íntimos entre nós.

— Não seja indiscreta, Yohana! — Vinicius a cutucou delicadamente.

— Ah, tenha dó! Você está prestes a assumir o filho dela e não namoram? — Soava indignada — Não acredito que você seja tão devagar, maninho...

— Yohana, por favor!

— Com licença, preciso fazer xixi! — Dei a desculpa de grávida perfeita para sair de cena e deixar todo o questionamento travado na garganta de Rafael.

O que significamos um para o outro, afinal de contas?


Na madrugada antes de ir à praia, tive pesadelos terríveis.

Talvez o fato de me permitir seguir em frente e me divertir tenha feito com que meus fantasmas viessem à tona e relembrassem em meus sonhos toda a dor do meu passado.

Vi mamãe e minha irmã queimando no fogo do acidente e em seguida, papai trancado atrás das grades sem poder ajudá-las.

"A culpa é sua!" As vozes gritavam enquanto via meu pai se remoendo na cadeia "Você se colocou nos braços daquele homem!". "Você condenou seu pai ao fracasso! Acabou com a vida dele!".

Eu via aquele homem repugnante... Jogando-me no chão e abrindo a calça. Vindo sobre mim enquanto eu tentava reagir, dopada pelas drogas que colocaram no meu suco. Sequer conseguia gritar enquanto o sentia em meu interior, me dilacerando enquanto se forçava para dentro de mim com violência, sussurrando coisas baixas em meus ouvidos... Eu só queria morrer e podia sentir perfeitamente o sangue escorrendo entre minhas pernas quando ele terminou, pingando no chão.

Vi uma sala de parto e nela Brenda me auxiliava no nascimento do bebê. Rafael me olhava atrás de um vidro com um sorriso, mas a criança que nascia de mim não era como eu, era como o monstro. Era o retrato perfeito da maldade dele!

Abri os olhos enquanto um grito estridente me acordou. Um grito profundo vindo de minha própria garganta. Rafael não demorou nem um pouco para romper a porta de meu quarto e ajoelhar-se ao meu lado na cama, tomando meu rosto carinhosamente enquanto eu gritava e tentava empurrá-lo.

— Estrela, sou eu, Rafael! Calma, estou aqui minha menina... — A voz ao meu ouvido aos poucos me trouxe de volta para a realidade — Estou aqui!

— Rafael, é tudo culpa minha! — Gemi dolorosamente contra seu ombro, sentindo suas mãos gentis em meu cabelo e minha face — Meu pai está preso por minha culpa! Aquele homem me estuprou por minha culpa! Eu fui naquela festa!

— Estrela... — A voz calma seguia ecoando delicadamente em meu ouvido — Você não tem culpa de nada, querida. Você... Você é um anjo. Uma menina! — Separei-me de seu ombro e o olhei nos olhos. Aquele belo par de olhos verdes realmente acreditava no que dizia — Você... Você é a coisa mais bonita que aconteceu em minha vida, Estrela. Estou aqui por você.

— Não queria ter chegado até você assim — Confessei aos sussurros, como se contasse algo secreto — Queria ser boa e limpa, como as outras meninas. Queria ser normal, sem esses fantasmas. Queria... Queria que você fosse o primeiro homem a me tocar.

Rafael pousou dois dedos em meus lábios, secando consequentemente minhas lágrimas.

— Eu sou o primeiro... Você sabe que eu sou — Sua delicadeza me constrangia — Aquele monstro jamais ficará entre nós. Jamais!

Abracei Rafael com força, terminando minha dor em seus braços fortes. Nada no mundo me confortava como ele, a única pessoa que me restou. A maior surpresa de toda minha vida!

Mas a vida ainda era uma caixinha de surpresas... Tudo ainda podia mudar e até aquele momento, Rafael jamais me propôs qualquer compromisso. Seguíamos apenas amigos e nada mais.

No dia seguinte, além de Yohana e Vinicius, um garoto pouco mais velho também nos acompanhou na viagem. Era conhecido de Rafael, cunhado de Yohana, irmão caçula de Vinicius. O nome dele era Vincent e logo tratou de puxar assunto, intrigado com meu estado de gravidez avançada e as risadas que Rafael me despertava.

Percebi logo de cara que se interessou por mim e isso sim me amedrontou!

— Então, Estrela... — O garoto era gentil, de cabelos escuros e olhos azuis — Quando o bebê chega?

— Daqui oito semanas — Sorri ao notar que ele sequer compreendia — Mais ou menos dois meses, Vincent.

— Ah claro! — Coçou a cabeça — É menino ou menina?

— Um menino. Erick — Coloquei os lábios no canudinho de meu suco de laranja, encarando por trás do garoto a maneira como Rafael nos encarava do outro lado da areia da costa, conversando com a irmã e o cunhado.

Parecia interessado e sério. Um pouco incomodado.

— Ótimo nome! O Rafael deve estar orgulhoso! Vocês vão se casar em breve? Quer dizer, você e o Rafael...

— Não — Expliquei corando, um tanto desconcertada — Rafael é apenas meu amigo e tem sido muito importante. É a pessoa que mais se preocupa comigo e com Erick em todo o mundo, é o padrinho dele!

— Bem que eu vi que você é muito novinha para ele — Comentou despretensioso — Sabe como é a fama de Rafael... Mulherengo, cafajeste... Essas coisas não combinam em nada com um pai de família.

Baixei o rosto.

— Éu sei. Ouvi muito sobre isso por aí.

— Quer passear um pouco pela praia? Quero dizer... Se não te incomodar, dar uma volta por aí.

— Realmente me incomoda andar por muito tempo com o barrigão, mas podemos ir sim. Vai ser bom ter um amigo novo — Ao longe vi Rafael e vindo até nós. Estava um pouco à frente de Yohana e Vinicius, apressado para chegar ao guarda-sol — Ah, olha o Rafa!

— Estrela... — Parou ao meu lado, apoiando um dos braços fortes na minha cadeira. Vincent se moveu um pouco desconcertado — Vamos voltar para a casa? Está esfriando e você precisa descansar.

— Claro, vamos — Concordei tentando levantar e Vincent rapidamente me ajudou de maneira educada — Obrigado!

— Pode contar comigo — Vincent piscou para mim e rapidamente a mão de Rafael estava em minha cintura, amparando-me.

— Pode deixar, cara — Disse um pouco rudemente para Vincent, que apenas assentiu — Vamos Estrela... Se sente bem?

— Sim, estou bem — Concordei.

Yohana, que não era boba nem nada, passou a caminhar ao meu lado e entrelaçou o braço no meu quando o celular de Rafael tocou e ele se afastou alguns passos.

— Até que a vinda do Vincent serviu para alguma coisa — Sussurrou ao meu ouvido enquanto caminhávamos.

— Do que está falando? — Questionei encarando-a.

— Que meu irmão está morrendo de ciúmes da atenção que meu cunhadinho está direcionando a você, gravidinha! — Revirei os olhos — Quem sabe assim Rafael não toma uma atitude e te pede em namoro de uma vez, han?

Passei a primeira noite na casa de praia em claro pensando sobre as palavras de Yohana. Rafael realmente estava sentindo ciúme de mim com Vincent?

— Mas como ele pode sentir ciúme de uma grávida, Erick? — Sussurrei para meu ventre, que se movia com o bebê — E como o Vincent pode sequer se interessar por uma garota como eu, grávida e com outro do lado? Só tem maluco nesse mundo mesmo!

Mas talvez Yohana tivesse razão. Talvez fosse uma boa oportunidade de descobrir o que de fato Rafael e eu éramos um para o outro. Se ele de fato sentisse ciúme, isso significava que nossos sentimentos eram muito mais do que palavras rasas... Que talvez fosse o certo ele assumir Erick como queria... Como um pai.

O sol brilhava forte na manhã seguinte e não havia muita gente na praia, apenas algumas pessoas caminhando na beira-mar. Vincent e eu éramos algumas delas, uma vez que aceitei caminhar com ele logo pela manhã.

Vincent apenas queria conversar, jogar o papo fora com alguém de sua idade. Parecia interessado em mim se eu desse mole, mas não pegava pesado ou passava do ponto. Era um garoto simples e agradável. Falamos sobre seu curso na faculdade e bandas de rock. Nada além do básico e respeitoso.

Eu somente esperava que aquele singelo passeio não me trouxesse problemas com Rafael.


— Vinicius! — Gritei caminhando apressadamente na areia até encontrá-lo.

— Fala, mano. Que cara de doido é essa? — Vinicius e Yohana se abraçavam carinhosamente na areia quando me aproximei, retirando os óculos escuros do rosto. Fui direto ao ponto.

— Posso saber para onde o safado do teu irmãozinho levou minha menina? — Yohana me encarou desconfiada.

— Vincent? — Perguntou ajeitando a alça do biquíni rosa de bolinhas que usava — Que menina é sua, posso saber?

— Como assim, que menina? Estrela! — Relembrei ainda alterado e ela revirou os olhos — E sim, esse fulano aí mesmo! Qual é a dele sumindo com a minha garota?

— Ué... — Yohana se virou para mim — Você mesmo disse que Estrela não é nada sua, além de protegida! Ela pode passear com quem quiser, ainda mais com meu cunhado, um garoto de bem e que veio conosco!

— Deixa de ser cínica, Yohana! Não devo explicações para você, apenas quero saber onde encontrar minha menina!

— Você não é o dono da Estrela! Pelo que sei, vocês dois não tem nada! — Yohana voltou a pontuar.

— Não sou dono, mas sou tutor! — Relembrei fazendo Yohana adotar expressão entediada. Parecia se divertir com meu nervosismo incontrolável — Sou eu quem cuida, eu quem se preocupa e quem dá o sangue por ela se for preciso for! Portanto, Estrela é muito mais minha do que de qualquer outro!

Vinicius e minha irmã pareciam surpresos com minha fala, algo que soou estranho até mesmo para mim. Baixei os braços e recuei a postura, levando as mãos ao rosto para me acalmar e voltar ao eixo. Eles estavam certos... Estrela não era minha, de fato.

— Seja homem, cara — Vinicius disse me tocando no ombro com certo apoio, olhando-me nos olhos — Assume de uma vez que a vida de canalhice acabou para você e pede a menina em namoro, sela logo um compromisso com ela! Esse ciúme todo não vai te levar a nada, apenas te afastará ainda mais dela.

— Cresce, maninho! — Yohana sorriu delicadamente — Assume de uma vez seus sentimentos e seja feliz com sua nova família!

Caminhei até a varanda olhando o mar infinito à minha frente... Yohana e Vinicius tinham razão! Estrela não era minha mulher, mas eu já sentia como se fosse. Eu já me perdia na loucura de amá-la sem saber por onde começar. Sem saber como oferecer o meu melhor para ela, amedrontado pela força do sentimento.

Entrei no carro e dei a partida ainda muito abalado pelo ciúme, não suportando pensar em um idiota qualquer roubando a atenção de Estrela. Dirigi acompanhando a costa do mar na estrada ao lado. Abri a capota de cima, deixando o vento bater em meu rosto.

Porque diabos um amor como aquele tinha entrado em minha vida?

Porque com uma menina tão mais nova e diferente de toda mulher que já tive, porque com uma menina grávida?

Sempre fui um homem tão independente e certo do que queria. Desejava correr pelo mundo, pegar as gostosas e curtir... Jamais quis me apegar a ninguém, muito menos em uma mulher que facilmente poderia me dominar! A vida para mim sempre foi o cabelo que voava com o vento, o sexo animal para ter prazer e o trabalho para ajudar as pessoas.

Tudo mudou com a chegada dela. Minha Estrela.

Nos olhos castanhos e brilhantes daquela indefesa criatura percebi que o meu propósito era estar ao lado dela independente de tudo que viesse a acontecer. Zelar por ela e protegê-la dava um sentido a minha existência. Estrela chegou até mim para me trazer uma vida, um propósito... Muito mais do que isso, para me dar um filho.

Ela era o novo sentindo de minha vida e eu não podia seguir negando!


A vida havia me presenteado com uma nova chance para ser feliz após tanto sofrimento. Foi sobre o que me dei conta quando voltei do passeio na praia com Vincent e encontrei Yohana e Vinicius me dizendo que Rafael havia saído dali desconcertado e muito mexido por minha ausência.

Rafael estava novamente preocupado comigo, até sentiu minha falta! Mas até quando?

Senti um leve chute dentro de mim e olhei na direção de meu ventre saltado. Erick me dizia para procurá-lo, eu sabia... Os dois tinham uma conexão mais forte do que eu mesma tinha com aquele bebê que crescia em meu ventre há trinta e uma semanas!

Na praia, em frente à casa, me sentei na areia branca observando o mar límpido e bonito, um dos poucos lugares preservados no litoral de São Paulo. Meu cabelo caía nos ombros em cachos pela água salgada e minha pele estava mais bronzeada, com um aspecto avermelhado. A marca do biquíni rosa desenhava discretamente em meu ombro e um short jeans para grávidas terminava de compor o visual.

Esperei durante muito tempo, mas Rafael simplesmente não aparecia e o sol já se punha. Talvez fosse melhor entrar e alimentar Erick, que já pedia uma nova refeição.

Levantei-me de mansinho e fui em direção à casa de praia dos Roman. Aos poucos eu deixava a praia para trás e assim que terminei de subir as escadas da varanda vi Rafael estacionar o carro na vaga ao lado da casa e sair do mesmo com o semblante triste. Hesitei.

Rafael não seguia para casa, mas ia na direção da praia. Não para onde encontraria a todos, mas sim para longe deles, o mais longe possível, na direção oposta. Sem pensar desci as escadas e atravessei o caminho até ele.

— Rafa? — Chamei e ele se deteve, olhando-me por cima do ombro rapidamente. Vendo que se tratava de mim, voltou a caminhar rápido, me ignorando. Suspirei e aumentei o passo. Ele andava mais e mais, até alcançar a beira do mar — Rafael, para de ser bobo! — O vi entrar na água molhando os pés cobertos pelo chinelo — Rafael! A minha barriga está pesada!

Parei um pouco atrás dele com uma das mãos abaixo da barriga, ajudando a segurar o peso.

— Estrela? Finalmente apareceu! — Virou-se na minha direção, parado na beira do mar, e suspirei nervosa.

— Aonde foi? — Eu disse sem pensar — Fiquei preocupada e sua irmã também! — Minha expressão se tornou meio dolorosa — Você sumiu sem dar explicações... Pensei que estivesse em apuros.

— Me desculpe — Ainda sério, sentia a água do mar bater em seus pés. Quase batia nos meus também — Não avisei porque você estava muito entretida com o seu amiguinho, então não pensei que ia se importar — Separei os lábios para responder, mas sequer soube o que dizer — Eu posso dizer que fiquei desesperado quando a senhorita sumiu com aquele garoto sem me dizer nada, principalmente estando grávida. Pensei que sequer ia notar minha ausência.

— É claro que eu notei sua ausência, você está sempre comigo! O que está acontecendo contigo? Porque está falando assim?

Um nó se formou em minha garganta perante seu olhar desolado. Eu queria consolá-lo!

— Eu também gostaria de entender o que acontece comigo! Queria compreender como você se tornou tão importante em minha vida e passou a fazer parte de toda ela... — As palavras morreram por um segundo enquanto nos encaramos através do espaço. O vento da beira-mar soprava em meus cabelos, que voavam ao redor de minha face corada — Desejo, mais do que tudo, entender o que se passou em minha vida depois que você entrou nela e se tornou tudo que existe, Estrela.

— Você está louco? — Sussurrei quase sem voz. Rafael assentiu positivamente com um sorriso de lado. Um sorriso emocionado!

— Talvez esteja mesmo louco — Aproximou-se vagarosamente — Louco por pensar em você cada instante do meu dia e por te desejar de um jeito que sequer sei explicar! Não é com aquela loucura com a qual desejo as outras, mas com uma ternura quase palpável... Uma paixão delicada e encantadora. Algo bonito demais... — As mãos grandes de Rafael tomaram as minhas — Entendo que talvez você não se sinta assim, mas é o que eu sinto e você não tem ideia... — Fechou os olhos — Do quanto custei a admitir que eu estou... Apaixonado por você! Não te quero como deveria, não te vejo como uma irmãzinha! Meu corpo tem vontade do seu como jamais teve de ninguém e te vejo como mulher, Estrela. Estou apaixonado por você!

Engoli em seco e o ar faltou em meus pulmões.

Rafael Roman, aquele homem inconsequente e que não valia nada, estava me dizendo face a face que estava apaixonado por mim! A situação não parecia ser real! Meu coração batia demasiadamente rápido e o meu respirar era intenso. Erick se revirava dentro de meu corpo e meus olhos estavam presos em Rafael como se ele fosse uma visão.

— Sinto isso por você faz muito, mas fui covarde em admitir... Principalmente para mim — Rafael apertou os olhos e suas mãos largaram as minhas — Mas sei que isso não pode acontecer.

— Porque não? — Sussurrei sem palavras, travada diante da surpresa.

— Não sou homem para você. Você... Você merece um cara melhor do que eu. Um que não seja um idiota irresponsável, como meu pai me titulou a vida toda!

— Porque diz isso, Rafael? Não seja tão duro consigo mesmo! — Ele baixou o rosto para não me olhar nos olhos — Às vezes carregamos o que os outros dizem de nós sem realmente precisarmos! Às vezes tomamos tanto em conta que nos perdemos no caminho, mas isso não é verdade! Você não é um idiota irresponsável. Não mais! Confio em você mais do que em qualquer pessoa!

Uma lágrima rolou em minha bochecha e a mão grande de Rafael tocou minha face com a ternura e o cuidado de sempre.

— Não chora, por favor — Não fui capaz de parar de chorar – Estrela... — Chegou perto e tocou meu rosto com as duas mãos — Por favor...

Dei as coisas a ele e sai caminhando em direção a casa. Eu realmente não queria ter um parto prematuro e toda aquela emoção me tirava do eixo. Rafael não podia falar sério quando dizia que me amava, mas simplesmente não acreditava em nós.


Yohana saiu com Vinicius e Vincent para jantar na orla e me vi sozinho na casa de praia com Estrela. Decidi ficar com ela, caso precise de qualquer coisa. Eu sabia que estava irada comigo por nosso momento na praia, mas não podia arriscar deixá-la sozinha estando grávida de oito meses.

Ninguém insistiu para que eu fosse ao passeio e vi nos olhos de minha irmã que ela sabia perfeitamente o que estava acontecendo. Hesitei em seguir para o quarto onde Estrela dormia e a encontrei na cadeira de balanço do terraço.

Estrela tinha os olhos fechados, balançava levemente na cadeira e movia as mãos ternamente sobre a superfície da barriga de grávida. Sorri perante sua sagrada simplicidade. Usava um vestido branco e longo agora e o cabelo negro deslizava pelo corpo pequeno até a cintura em cachos nas pontas.

Ela era linda e sua visão me causava borboletas no estômago, exatamente o mesmo tipo de sentimento que sempre repudiei. Aproximei-me e me abaixei a sua frente vagarosamente, desferindo um beijo rápido em sua barriga. Ao abrir os olhos, se acalmou ao me ver.

— Rafael! — Suspirou, ajeitando-se na cadeira.

— Yohana me disse que você não estava muito bem para sair — Parei a sua frente com as mãos nos bolsos — Está tudo bem? O que está sentindo?

— Apenas um pouco de dor de cabeça... Sinto a barriga muito pesada também e meus pés incham um pouco. O fim da gravidez não é fácil e olha que não estou nem tão perto das trinta e sete semanas.

— Sei bem como é — Pisquei para ela e cocei a barba levemente — Eu... Pensei que estivesse chateada comigo. Magoada com o que houve mais cedo.

— Deveria — Deu de ombros sem me olhar, encarando a outra direção — Mas não posso ignorar a pessoa a quem mais devo no mundo.

— Você não me deve nada! — Sentei-me no banco pequeno próximo da cadeira de balanço, frente a ela e seus olhos castanhos. Tomei sua mão pequena na minha e beijei carinhosamente — Sou eu quem deve a você por ter me ensinado tanto nos últimos dias...

— Podemos conversar agora? — A pergunta de Estrela me pegou de surpresa.

— Acha prudente? Você não está muito bem e...

— Estou ótima para contar-lhe tudo que sinto. Tudo que me aconteceu antes de... — Tomou fôlego — Chegar até você. Talvez assim você compreenda o motivo de ser tão importante para mim.

Encarei seus olhos escuros com curiosidade e mordisquei os lábios. Talvez fosse realmente o momento apropriado, uma vez que estávamos completamente sozinhos ali na casa.

— Tudo bem — Concordei aproximando-me um pouco mais, apoiando o rosto nas mãos. Os cotovelos apoiados nos joelhos — Estou pronto para ouvi-la.

O que eu mais desejava era desvendar toda a verdade oculta por trás do olhar encantador de minha linda menina com nome de Estrela.


— Quero falar sobre tudo que aconteceu antes, Rafael — Os olhos verdes me encaravam em busca das respostas entaladas em minha garganta — Já deveria ter contado antes, mas a vergonha me impedia — Aos poucos os meus olhos começaram a lagrimejar. Fiz de tudo para que não rolassem as lágrimas, mas parecia em vão. Pouco a pouco o horror invadia minhas lembranças — Tive vergonha do que pensaria sobre mim.

— Sempre pensei em você como uma menina encantadora e que não merecia nada de ruim vindo de qualquer pessoa — Confessou com os olhos fixos nos meus.

— Então porque me disse aquelas coisas feias na praia? Você fez meu coração sangrar, Rafael...

— Estrela, acho que você já percebeu que na maioria das vezes sou um idiota! — Rimos juntos — Por favor, me dê uma chance! — Ainda com as mãos grandes tomando uma das minhas, levou minha palma ao rosto como se aquilo o confortasse. Eu não podia deixar de admirá-lo. Seu jeito terno e apaixonante me provava que Rafael tinha sim um grande coração capaz de amar e ser amado — Não precisa se envergonhar de nada que me contar, uma vez que tenho plena consciência de que você é uma vítima.

Tomei coragem e segui com uma das mãos nas dele. Rafael me encarava em expectativa e tomei fôlego com os movimentos de Erick em meu ventre. Era como se me incentivasse a continuar.

— Você sabe quem eu era, Rafael. Filha do amigo de seu pai, um excelente gerente de vendas, que tinha uma família bacana e uma posição estável. Não tínhamos parentes, apenas alguns chegados, e fui acostumada desde cedo a ter muita atenção. Na escola eu era a garota mais inteligente do meu ano e também popular, com muitos amigos. Almejava cursar direito após o ensino médio e a única coisa que me instigava e faltava para tudo ficar perfeito era um namorado... Um primeiro amor — Olhei para o homem ao meu lado. O meu amor. Rafael balançou a cabeça levemente com um sorriso bobo nos lábios — Jamais tive um namoro sério e nunca me interessei a ponto de querer um relacionamento, mas tudo mudou quando um novato entrou no colégio. O nome dele era Josef.

— Esse é o canalha que te machucou? — Não disfarçou o tom alterado da voz. Apenas o encarei de relance, voltando a olhar meus dedos sobre o colo para prosseguir.

— Josef era um cara bacana. Ficamos próximos, ele me tratava com carinho e o convidei para meu aniversário. Papai não economizou em minha festa, uma vez que estava faturando bem naquele ano. Dias antes do meu aniversário houve um feriado e viajei com meus pais, minha irmã e meu avô materno, o único ainda vivo, para um hotel objetivando descansar. Era o presente de vovô para meu aniversário — Sorri sem humor, com as lágrimas caindo na bochecha em silêncio profundo —Papai e eu voltamos na frente, um dia antes, para que eu tivesse tempo de me arrumar para a festa mais tranquila e mamãe, minha irmã e o vovô viriam de no dia seguinte e aproveitariam um pouco mais do hotel. A última vez que vi minha mãe foi na despedida, antes de voltar.

"Estrela, querida... É a última vez que te vejo antes do aniversário".

Ela sequer imaginava que não me veria nunca mais! Cheguei à festa totalmente focada nos amigos e na diversão. Sequer notei que mamãe, minha irmã e meu avô não tinham chegado. Papai se preocupou, mas a ligação veio em seguida. Eu me divertia com as meninas quando avistei meu pai entre os convidados me encarando mais branco do que de costume e desolado. Fui até ele, que me deu um abraço e disse ao meu ouvido que precisávamos conversar... Bom, você já pode imaginar. Foi um acidente que acabou com toda minha alegria!

— Sinto muito, Estrela — Tocou meu ombro carinhosamente — Você foi muito forte!

— Não fui... — Confessei — Pensei inúmeras vezes em morrer. Desejava ter morrido com minha família a estar viva e ter que suportar tudo o que eu estava acontecendo. Fiquei um pouco longe da escola, mas fui obrigada a voltar. Precisava encarar a realidade dura que custei a enfrentar. O primeiro a me oferecer apoio foi Josef, que foi muito bom comigo. Acabou confessando que estava apaixonado por mim, mas não levei muito a sério. Não tinha cabeça para isso... Tentei tirar minha própria vida algumas vezes e apenas parei quando me dei conta do quão machucado meu pai estava ao me ver daquela maneira. Ele só tinha a mim e eu só tinha a ele. Não podíamos causar mais sofrimento um no outro. Decidimos entrar em um acordo e fomos juntos para a terapia, passamos a nos cuidar e realçar os laços que nos enfraqueceram com a dor.

— Foi uma sábia decisão — Sorri sem humor para Rafael.

— Quando olho para trás tenho convicção de que o meu maior erro foi ter pensado que as coisas não poderiam piorar — Olhei nos olhos de Rafael e o notei ainda mais apreensivo — Tudo aconteceu na festa de formatura para os alunos. Josef me convidou para o baile dos formandos e aceitei. Cometi ali o maior erro de minha vida! Confiar nele foi um erro, Rafael.

— Você não tinha como saber. Não se culpe!

— Josef sabia que eu estava frágil e se aproveitou de mim. Sumiu durante um tempo e reapareceu com um sorriso no rosto me estendendo um copo de ponche. Até me diverti com algumas amigas antigas, mas tudo mudou após beber o que ele me ofereceu. Podia ouvir todos e vê-los, mas me senti absolutamente dopada de um momento para o outro, como se estivesse absurdamente bêbada sem realmente ter bebido o suficiente para tanto. O meu pesadelo começou quando um homem mais velho e loiro de olhos escuros surgiu com Josef e ambos me tiraram da festa. Fui colocada em um carro e não consigo me lembrar de muita coisa... Tudo o que sei foi dito por testemunhas, pois eu estava realmente dopada! Josef sumiu e o outro me levou para um lugar tenebroso... O lugar dos meus pesadelos.

— Estrela... — Rafael tocou minha mão e eu a retirei de seu toque. Segui falando sem encará-lo.

— Josef me usou como moeda de troca para uma dívida de drogas, aproveitando-se do fato de eu ser virgem. Eu nem sabia que ele era usuário — Sorri sem humor, secando uma lágrima na bochecha — Aquele rostinho de bom-moço me enganou direitinho em um momento de fragilidade! Não entendi o que estava acontecendo e o motivo de Josef ter feito aquilo comigo. O homem que nem ao menos eu sabia o nome me fez coisas horríveis! Em meio à inconsciência podia sentir a dor de ter aquele monstro entre minhas pernas... Podia sentir o sangue escorrendo do meu corpo e dos machucados que me fazia com um canivete ao decorrer da pele. Terminou de destruir minha vida, minha vaidade, minha feminilidade e meu sonho de adolescente que era somente me entregar para quem eu realmente amasse. Não pude me opor ou fazer qualquer coisa para impedir. Ao desmaiar fui com a ideia de morrer. Depois de perder minha família quase toda e descer ao inferno por todo esse tempo, ainda tive que suportar ser desvirginada por meio de um estupro!

— Mas não morri. Acordei nua e sangrando em um matagal, apenas um lençol branco me cobria o corpo. Acredito que o cretino tenha sentido pena de me matar. Uma senhora vizinha da mata me acolheu. Limpou-me e me arrumou roupas até que a polícia chegasse. Josef confessou perante as provas de filmagem do colégio, onde aparecia saindo da festa comigo drogada e o tal "Hank". Fui estuprada por ser idiota e ter pego a bebida errada! Por ter confiado cegamente. Por ser a Estrela inocente!

— Você não tem culpa de nada! — Rafael secou as lágrimas em minha bochecha e se ergueu para me beijar a testa delicadamente, com ternura e carinho — De absolutamente nada!

— Estava enganada quando acreditei que tudo não podia piorar. Foi sua mãe quem me deu a notícia... Ela estava comigo no hospital quando passei mal e me levaram até a emergência, algumas semanas depois. Marine tocou meu ventre com ternura e disse que faríamos um ultrassom, pois a médica achava que eu estava grávida. Não acreditei nela, mas era real. Vi o bebê naquele dia e ouvi seu coração batendo dentro de mim... Senti medo por imaginar tudo o que estava acontecendo e a maneira terrível como aquela vida foi parar dentro de mim. Papai, ao saber que eu estava grávida, fez o que estava guardando a muito e procurou Hank. O mandado de prisão já tinha saído, mas ele estava foragido. Meu pai o encontrou e o mandou para a quase morte. Ele caiu de uma janela de vidro do segundo andar. Ele acabou em coma e com comprometimentos graves. Papai foi condenado por quase matá-lo, mesmo que não tenha sido justo. Eu estava, afinal, completamente sozinha e grávida de uma criança que não busquei... Que vinha de um homem que me destroçou como mulher.

— Queria arrancar o bebê de dentro de mim, mas Marine estava ao meu lado e não me deixou perder a razão. Foi ela quem me abriu os olhos e mostrou que o bebê não era culpado, mas uma vítima, como eu. Ele poderia ter outro destino se eu não quisesse junto a mim. Não desejei ser responsável pela morte de um inocente. Já me sentia culpada por mamãe, vovô e minha irmã. Não queria mais um para a conta, principalmente meu próprio filho! Fiquei com Marine e João, que agiu por conta própria e me levou até você. Quando te conheci a dor era muito intensa, tanto que tentei me matar, jogando-me na frente de um carro. Se você não tivesse me salvado, eu provavelmente teria conseguido.

— Olhando para trás percebo que realmente existe um ponto onde a vida dá uma grande virada. Quando você me salvou estava fazendo muito mais que salvar uma pobre adolescente grávida e perdida. Rafael... Você também trouxe um novo sentido a minha vida, uma nova chance. Cheguei a pensar que te odiava, mas te amo mais do que qualquer coisa no mundo. Você foi o único que me viu como realmente sou, cuidou de mim... E me amou sem esperar nada em troca. Agora você sabe toda a verdade sobre Estrela, a garota grávida e desamparada que um dia entrou em sua vida por uma imposição de seu pai.


Rafael tinha lágrimas nos olhos. Lágrimas que deslizaram em seu rosto quando se ajoelhou aos meus pés e deitou o rosto em minhas coxas. Toquei seu cabelo com delicadeza e suspirei, também sentindo o rosto úmido.

Era a primeira vez que eu via um homem chorando.

— Sinto muito, Estrela... Eu faria o que fosse necessário para tirar essa dor do seu coração. Para te fazer viver uma história diferente. Lamento demais por tudo que passou e não sabe como também dói em mim a covardia daquele canalha! — Ergueu os olhos para meu rosto — Eu também o espancaria se tivesse chance! Mais do que isso, o mataria!

Rafael se afastou e eu me coloquei de pé com certo cuidado, sendo ajudada por ele. Queria dissipar aquela aura de sofrimento.

— Você já matou grande parte da dor... Ao seu lado eu nem a sinto mais, até esqueço que aconteceu às vezes — Confessei com um sorriso, pousando minhas mãos sobre as dele, que estavam em minha cintura — Você é minha nova chance.

— Desejo ser mais do que isso. Quero ser a sua felicidade! — Puxando-me mais para perto, beijou minha testa — Quero ser tão importante quanto você é para mim. Quero ser mais do que o seu tutor e o pai do Erick... Desejo fazê-la feliz!

Não podia evitar a emoção por suas palavras. A dor aos poucos se dissipou em meu peito e dava lugar a um horizonte ao lado dele.

— Estou no paraíso graças a você! — Mostrei ao redor, a praia e o céu — Tenho uma amiga, Yohana, por você. Meu filho tem um nome, um quarto e roupas porque você providenciou tudo... Até mesmo um lugarzinho em seu coração — Rafael assentiu positivamente, também emocionado — Nem sequer eu sei que conseguirei amá-lo como você o ama.

— Você já o ama e sabe disso — Rafael tocou meu rosto — E eu o amo porque vem de você. Porque é um presente nosso dado pela vida. O meu maior medo, depois de dizer ao mundo que não temia a nada, é perdê-los.

— Não se preocupe Rafael — Também toquei o rosto dele — Te amo também e não vou a lugar algum sem você. A mim você nunca vai perder, muito menos ao Erick, que é seu filho!

Era a verdade e sempre foi, desde que nos encontramos. Rafael sorriu ainda mais emocionado, com os olhos verdes marejados e intensos. Erick era também filho dele desde que Rafael o colocou em seu coração como prioridade. Rafael o amou mesmo antes de eu mesma ser capaz de amá-lo!

— Obrigado por isso, Estrela — Beijou minha mão com carinho e devoção — Prometo nunca decepcioná-la! — Rafael deu um passo para trás e ajoelhou-se aos meus pés, fazendo-me rir baixinho pela emoção da cena que apenas ele fazia ser engraçada — Queria ter um anel, mas eu nunca fiz isso e sequer sei como funciona direito, pois bem... — Pigarreou e tomou uma de minhas mãos — Estrela Fontes... Aceita ser minha namorada?

Ri ainda mais, cobrindo os lábios com a mão livre. Assenti positivamente.

— Aceito sim, é claro que sim!

Rafael saltou e me abraçou em seguida, erguendo-me no ar com carinho e felicidade. Aquela alegria que preenchia me era desconhecida, quase uma lenda. Meu coração saltava com entusiasmo e demasiada felicidade.

Eu estava perdidamente apaixonada por aquele homem que no inicio achei ser um idiota, mas na verdade era meu príncipe disfarçado. Estava, mais ainda, atada a ele.

As estrelas brilhavam sobre nós e por um minuto me esqueci de tudo, até mesmo que estava grávida.

Coloquei-me na ponta dos pés e o beijei timidamente nos lábios, provando seu gosto agradável. Ao recuar, Rafael me prendeu pela cintura e me beijou com ardor e força. Estremeci quando ele me apertou em seus braços fortes e quentes. Convenci-me de que na primeira vez em que Rafael me tocasse intimamente eu morreria em seus braços pelo impacto da sensação que aquele homem me causava!

Separei-me de Rafael ainda respirando de olhos fechados e maneira ofegante. Meu pulmão ardia, mas eu não me importava. O que queria mesmo era beijá-lo novamente e para sempre. Lembrei-me, no instante em que me apertou de novo contra seu corpo grande e seus lábios me beijaram o pescoço, que talvez eu não fosse o tipo de garota que sabia dar o que ele estava acostumado.

Mas eu o amava... Incompreensivelmente.


Voltamos para casa após o final de semana agitado e me dei conta do quão perto estava do nascimento do bebê.

Ao mesmo tempo em que me deixava ansiosa e animada, eu sentia em meu coração a apreensão do momento. Rafael disse que eu poderia pedir uma anestesia para dor no momento do trabalho de parto e que passaria tranquilamente, mas meu medo ia além da dor física.

Eu sentia imenso desespero ao pensar sobre o que sentiria ao ver pela primeira vez o fruto daquela tragédia. O fruto da minha verdadeira dor.

Encarei minha barriga saltada e a acaricie levemente na parte mais alta, seguindo até a mais baixa. Era incrível como se tornou firme e perfeitamente redonda! Subi o olhar para meus seios e me assustei quando os notei grandes no decote discreto da blusa. A pele clara de ambos fazia volume extra, atraindo o olhar. Corei ao notar que Rafael me olhava, uma vez que esqueci sua presença na sala comigo por alguns segundos.

— Tudo bem? — Segurava um tablet no qual trabalhava e eu assistia à novela da noite — Algo errado?

— Que vergonha! — Tímida, o fiz sorrir olhando para a tela à sua frente — Sabe que sempre desejei ter seios maiores e agora que os tenho, quero meus antigos de volta!

— Sinto dizer, mas... Talvez não voltem nunca a ser como antes.

— Sério? — O encarei chateada — Ficarão enormes assim? Doem às vezes.

— É pela gravidez, Estrela, algo normal. Quando Erick nascer precisará deles para se alimentar. Não há nada melhor para um bebê do que o leite materno, sabia?

— Às vezes esqueço que você também é médico — Encostei o rosto em seu ombro forte e Rafael me beijou o cabelo — Quer dizer que terei seios caídos pelo resto da vida?

— Isso é relativo, amor. Depende da genética da mulher, entre outros fatores que devem ser levados em conta. Não deve se preocupar com esse detalhe. Seios foram feitos para os bebês e essa é a finalidade natural dos mesmos.

— Eu não queria ficar diferente depois que Erick nascesse — Sussurrei sem encará-lo — O que acha sobre isso?

Eu queria dizer que sentia vergonha do meu corpo agora, redondo e cheio de hormônios malucos. Queria expor toda minha insegurança perante as mulheres incríveis que ele estava acostumado por aí, mas me calei. Rafael podia ler isso em meus olhos.

— Acho que você é linda! — Tocou meu queixo carinhosamente e o encarei receosa — Uma menina doce e incrível... Admiro demais uma mulher que dá a luz e suas mudanças naturais. É com isso que trabalho diariamente, com o nascimento e suas belezas — Sorri de canto e ele me beijou nos lábios delicadamente — Você ainda é uma menina muito novinha para mudar tanto com a gestação e confesso que tudo em você... Me agrada muito, Estrela. Sou encantado contigo desde que te vi pela primeira vez, mesmo que já grávida, sempre te desejei.

Tomei fôlego perante seu olhar sedutor.

— Você também me agrada muito, Rafael — Sussurrei quase sem fôlego, encarando-o timidamente — Mas tenho medo de não ser suficiente para você quando chegar o momento.

— Não pense nisso, está bem? — Tocou meu nariz com ternura — Você sabe que é suficiente para mim, amor.

Não, eu não sabia, mas fingi contentamento. Não queria prolongar o tema.

Rafael seguiu trabalhando e subi para dormir momentos depois, cansada pela falta de ar de final de gestação que começava a me tomar. Foi quando os pesadelos vieram.


Chovia e uma música conhecida, a mesma que tocava no baile aquela noite, ecoava no ambiente. Rapidamente tentei me sentar, porém me senti tonta. Sequer me movi e logo caí para trás novamente. Estava em na minha cama, na casa de papai.

Havia uma fresta da porta aberta e então me sentei calmamente para coçar os olhos. Arrepiei-me toda ao colocar os pés no chão frio e ficar de pé. Onde estava Rafael? A música continuava e consegui identificar que vinha do quarto ao lado.

Abri a porta e passei por ela na ponta dos pés, seguindo a luz do quarto de Erick acesa. Eu sabia que era dele porque tinha seu nome pendurado na porta. Sorri e percebi que não estava mais grávida. Apavorei-me imediatamente!

— Rafael? — Chamei desesperada — RAFAEL! — Entrei no quarto de Erick, um lugar azul e cheio de brinquedos com a música ainda ecoando juntamente com um som de caixinha de música para bebê — Rafael, o que está acontecendo?

Rafael estava ali, em meio ao quarto e ao lado do berço branco com o pacotinho azul em seus braços fortes. O embalava com decepção estampada na face bonita.

— Estrela... Venha vê-lo! — A voz soava embaçada e desapontada — Venha ver como o menino é! — Vi em seus olhos a repulsa.

Aproximei-me chorosa e trêmula. Ergui-me para olhar e apenas pude ver a pequena mãozinha agarrada à camisa de Rafael. Rafael se abaixou para me deixar encarar o rosto de meu filho em seus braços.

Gritei alto pelo desespero da surpresa. No lugar de um belo rosto infantil encontrei o rosto de um monstro. O homem que me destroçou! No lugar dos olhos, vi os olhos de um estuprador!

Olhei para a porta do quarto e ele estava lá... Hank! Sorri de maneira sorrateira, apoiando um dos dedos nos lábios enquanto me encarava dos pés à cabeça.

"Você não está atada a ele para sempre, Estrela. Está atada a mim!".


— Estrela? Estrela! Acorda! Estrela!

Abri os olhos e vi o rosto de Rafael na minha frente. Sentei-me na cama desesperada e ofegante, sentindo seus braços ao meu redor buscando me acalmar a qualquer custo. Deitei o rosto em seu ombro forte, tomando fôlego para respirar em meio ao caos.

— Rafael... — Tentei falar, mas ainda não sentia meu corpo, tão entorpecido pelo medo.

— Minha menina, foi somente um pesadelo! — Sua voz soou doce enquanto acariciava meu cabelo delicadamente — Estou com você, amor.

O abracei com todas minhas forças, não querendo soltá-lo jamais.

— Sonhei que acordava em meu quarto e ouvia a música daquela noite, na festa. A música que tocava quando vi aquele monstro pela primeira vez — Confessei baixinho, ainda escorada contra o pescoço dele — Quando a segui você estava ao lado do berço segurando Erick nos braços e me pediu para ir vê-lo... — Rafael queria me olhar, mas eu não conseguia soltá-lo — Você se abaixou e eu o vi — Apertei os olhos com a lembrança.

— O que ele tinha? — Perguntou inocente, me abraçando forte também.

— Vi nele aquele monstro Rafael... — Lutei contra as lágrimas, apertando fortemente meus olhos — Erick exatamente igual aquele monstro que me destruiu!

— Estrela... — Sussurrou também desolado — Foi somente um sonho, querida. Somente um sonho!

— Diz que Erick não vai ser como ele, Rafael! — Implorei secando as lágrimas com a manga da blusa — Diz que o meu bebê não terá nada a ver com aquele demônio!

Rafael não disse nada. Tão pouco havia o que ser dito... Erick era filho daquele homem, mesmo que me doesse! Nós dois sabíamos que realmente poderia se parecer com o pai biológico e nada mudaria o fato.

— Eu daria minha vida para ser o pai biológico de Erick, Estrela. Daria tudo para não vê-la sofrendo, amor — Sua boca se moldou a minha rapidamente e suas mãos se ocuparam de secar as minhas lágrimas na face — Erick será como Deus quiser e independente de qualquer coisa, será amado e criado com carinho e amor. Quando olharmos para ele sentiremos orgulho e lembraremos de nossa história! Será um homem de bem! Te prometo que não terá o caráter do infeliz que te machucou!

Aquilo soou bem aos meus ouvidos. Rafael tinha razão! Erick lembrava nossa história!

Sorri de canto e o abracei. Deus sabia o quanto eu também desejava que Rafael fosse o verdadeiro pai de Erick. Deus sabia o quanto eu amava Rafael e o quanto queria realmente acreditar em todas suas doces palavras.


Rafael realmente cumpria um papel perfeito de pai.

Providenciou a adaptação da casa para a chegada do bebê e se empenhou em me acompanhar nas aulas de parto oferecidas pela maternidade em que Erick nasceria. Obviamente, os custos do parto seriam pagos por ele.

Às vezes nos encontrávamos com algumas garotas que já se relacionaram com ela pelo condomínio e essa era a parte mais chata! Ele sequer dava atenção, mas as mulheres não pareciam acreditar que Rafael realmente dava moral para mim, o que me fazia sentir ainda mais insignificante.

Papai entrou em contato através de seu advogado e pediu uma visita minha na prisão. Ao que parece, não gostou em nada de saber que eu estava com Rafael, e não com João, como havia solicitado.

Eu somente esperava não encontrar mais problemas agora que faltavam apenas sete semanas para completar as quarenta semanas de gestação. O parto estava cada vez mais próximo.

Segui pelo corredor escuro e frio com o carcereiro ao meu encalço e comecei a tremer quando me lembrei de que Rafael não estava comigo justamente porque pedido que não entrasse na visita. Não era algo que me agradasse, porém algo me dizia que não seria agradável a visita ao meu pai. Cheguei, finalmente, ao lugar da visita. Uma cadeira solitária com ele à minha frente, do outro lado da mesa simples, me esperava. Como não era preso de alto risco, poderíamos ter contato. Suas mãos agarraram as minhas quando cheguei e o abracei fortemente.

— Estrela... Filha! Como está bonita e tão... Grávida! — Seus olhos encararam minha barriga como se aquilo também o surpreendesse — Sente-se! — Sentei-me com ele ainda segurando minhas mãos.

A emoção em seu olhar era quase como a minha.

— Está surpreso comigo, pai? O senhor sabia que eu estava grávida — Sussurrei tímida com os policiais ao nosso redor — Estou tão diferente assim?

— Está sim diferente, querida. Fiquei surpreso, confesso... Não pensei que fosse ficar com a criança, mas pelo visto Marine de convenceu — Baixei o olhar — Estou feliz que como boa cristã tenha ficado com a criança, afinal, essa pobre alma não tem culpa dos erros dos demais.

— Você tem razão — Concordei — Ele não tem culpa... E você, pai? Como está?

— Vivo! Vivo enquanto puder, mas não pretendo morrer tão cedo.

— Sinto muito, pai. Eu não queria que o senhor tivesse vindo parar aqui por minha culpa, eu... — Me interrompeu.

— Não foi sua culpa, filha. A culpa é daquele maldito! — Relembrou nervoso, mas tratou de se controlar — Quero conhecer o seu filho quando nascer — Sorriu de canto — Está para chegar?

— Em no máximo sete semanas, mas acredito que venha antes — Respondi contente por ele estar gostando da ideia de ter um neto.

— É menino ou menina? Você já tem um nome? Pretende de fato ficar com ele ou já encontrou uma boa família?

Apertei os olhos diante dos questionamentos que também bombardearam minha mente silenciosa.

— É um menino, pai — Passei a mão sobre a barriga — Vai se chamar Erick.

— Bonito nome... Ainda não disse o que pretende fazer com ele.

— Não posso dizer o que não sei — Dei de ombros — Não pretendo me desfazer dele, mas não sei qual sentimento terei ao vê-lo.

— Será difícil criar um garoto sem um pai, filha. Além de tudo, será muito duro para você lembrar todos os dias do que aconteceu quando olhar para ele.

— Tenho medo do que sentirei, isso não vou negar, mas no caso de Erick... Ele terá sim um pai, mesmo que não seja o biológico, que está fora de cogitação!

— O que quer dizer, Estrela? — Questionou seriamente.

— Rafael, pai — Erguei meus olhos para os de meu pai — O filho do João. Você sabe quem é?

— Aquele irresponsável? — Riu com deboche — Aquele mulherengo safado, incapaz de ter um relacionamento sério? Não me diga que você e ele...

— Rafael não é mais assim! — Insisti — Por favor, pai, não complique mais minha vida! Eu o amo e Rafael deseja assumir meu filho!

— Estrela... — O interrompi.

— Rafael me ama também e nesse tempo todo em que você esteve aqui, quem me deu apoio foi ele. Foi à pessoa que me amparou e me ajudou a todo o momento.

— Estou aqui para mostrar para aquele maldito que te machucou que você tem quem te defenda! Não vou expor minha opinião sobre Rafael, Estrela... — Ficou de pé — Você descobrirá sozinha o que penso sobre isso, principalmente, sobre ele sendo o pai do meu neto!

— Você tem uma ideia errada sobre Rafael, pai — Também fiquei de pé — As coisas mudaram muito!

— Conheço Rafael desde que era um menino e sei bem que homens como ele não mudam! Podem até sossegar durante um tempo, mas uma hora a vontade por mulheres diferentes bate e então voltam a ser o que sempre foram... Cafajestes! Rafael não é do tipo que se apaixona e sei que não pode ter um filho biológico, João me contou. Certamente se interessa pelo Erick e por isso está te rondando, filha. Não seja tola em acreditar em suas promessas de amor! — Fiquei estática perante suas palavras — Dê o menino a ele de uma vez e evite mais problemas para si, filha. Escute o seu pai!


Estrela correu pelo corredor de saída da prisão e se atirou entre meus braços quieta e triste. Calada, me abraçava forte. Algo ruim havia acontecido no encontro com Antônio, podia apostar.

— Estrela — Abracei-me a ela também e tentei não fazer alguma pergunta idiota. Estava tão frágil, pequena e moldável aos meus braços naquele momento que tremi afastar-me e machucá-la — Olhe para mim... — Ela não se moveu, então ergui seu rosto devagar — Não chora — Sequei levemente suas lágrimas.

— Rafael me tira daqui! Não quero ficar aqui mais tempo, por favor, vamos! — Pediu secando o rosto com a barra da manga de sua blusa de frio — Por favor... — Apertou os olhos quando tirei de seu rosto o cabelo que se grudava a sua pele molhada.

Apesar de não entender o que aconteceu, fiz o que ela pediu. Tomei sua mão e a conduzi até a saída. Chegando ao carro tentei novamente fazê-la falar, mas em vão. Uma vez em casa, Estrela foi por todo o caminho sem dizer uma só palavra.

— Está muda novamente? — Acariciei sua face rosada e molhada, lhe dando um beijo na bochecha quando me abaixei e fiquei de joelhos em frente a ela, sentada no sofá.

— Não... Vou tomar banho. Depois conversamos... — Levantou-se do sofá depois de me dar um beijo casto no queixo.

Não insisti e deixei que fosse, porém a esperei sair do banheiro sentado em sua cama no quarto. Enrolada em um roupão cor de rosa, Estrela apareceu com a barriga saltada e o rosto rosado. Novamente, chorando.

— Isso já passou dos limites — Minha voz soou severa e ela se assustou quando me viu, erguendo o olhar em minha direção amedrontada — Por favor, te peço que confie em mim e me conte o que foi que houve na prisão — Pedi como em uma súplica — Não consigo te ver assim... Agora quem te pede sou eu... Por favor, confie em mim!


A lembrança da água do chuveiro se misturando com minhas lágrimas se foi pelo ralo quando encontrei carinho, calor e aceitação nos braços de Rafael. Fechei meus olhos querendo mais do que tudo apagar as lembranças, querendo ainda estar presa em meu mundo novo ao lado de Rafael, sem nada que pudesse ameaçar a minha realidade perfeita ao lado do meu bebê e do homem que amo.

— Fiz alguma coisa que te magoou? — Questionou preocupado. Encarei seus olhos lindos e brilhantes igualmente chateados e culpados — Me diz o que fazer para corrigir agora mesmo!

— Não, você não fez nada! — Senti seus dedos passearem por minhas bochechas — Foi o meu pai... Vê-lo naquele lugar horrível me deu gatilhos.

— Imaginei que aconteceria, mas era inevitável. Ele disse algo sobre mim, não disse?

— Rafa, o meu pai... — Comecei engasgada — Papai não apoia nossa relação.

— Por isso está chorando? — Nada respondi e ele sorriu — Demorei tanto tempo para encontrar a mulher da minha vida e não será a opinião do seu pai sobre nós que irá nos separar. Em pouco tempo você faz dezoito anos e certamente ele mudará de ideia quando conversar com papai.

— Não é somente por isso... Ele também foi duro nas palavras.

— Foi?

— Disse que você somente se interesse pelo Erick e eu sou apenas mais uma... Disse que vai se cansar de mim cedo ou tarde e que você é um cafajeste que não sabe amar.

Rafael manteve-se calado, apenas me olhando. Suas mãos abandonaram meu rosto quando seus olhos contemplaram a janela aberta e a chuva calma que caia na noite sem estrelas.

— Antônio conheceu quem eu era no passado e não o julgo por isso, mas ele precisa compreender que tudo mudou agora. Nem eu mesmo acredito no que me transformei — Sorriu docemente — Estrela, você sabe tudo o que tive de enfrentar aqui dentro para aceitar esse amor. Juro que se vou assumir o Erick é porque te amo, não simplesmente para ter um filho.

Suas mãos se fecharam em meus braços levemente, porém fazendo uma pressão agradável. Sua boca aproximou-se do meu rosto enquanto ele falava. Suspirei, desejando abraçá-lo com todas as forças. Me beijou delicadamente, sempre terno e muito cuidadoso.

Se meu pai estava certo ou não, somente o tempo diria, mas eu acreditava em Rafael. Acreditava em sua mudança.


Rafael me levou para conhecer o mirante da cidade em sua noite de folga no final de semana.

Em breve Erick estaria ali e tudo mudaria em minha vida e eu podia perceber como Rafael queria aproveitar ao meu lado meus últimos momentos sem um bebê, sendo apenas uma adolescente sem muita responsabilidade.

Nos aconchegamos no banco de trás do carro enquanto apreciamos a bela vista juntos. Era como se a nossa frente estivesse o horizonte que se abriria dali algumas semanas. Deitei meu rosto perto do dele e assim permanecemos.

— Essa vista é linda, Rafael. Obrigado pelo passeio — Minha voz soou fraca — Me sinto tão pequena diante de tudo isso.

— Que bom que gostou... — Beijou minha cabeça carinhosamente — Para mim você é a coisinha pequena que tomou toda minha vida!

Ergui minha mão esquerda e toquei a face masculina delicadamente, deslizando minha palma por seu rosto bonito. Senti a textura de sua pele, a barba por fazer, enquanto olhava em seus olhos profundos e sinceros.

— Se pudesse escolher, queria que Erick tivesse os olhos como os seus —Beijei levemente seus lábios e ele sorriu apaixonado — Mas...

— Já ouvi por aí que se você está grávida e repara muito em certa pessoa, o bebê pode nascer com as características da mesma — Sua mão esquerda estava em minha cintura — Erick pode ter os meus olhos — Beijou minha mão — Mas certamente será lindo como a mãe.

— Você é muito gentil...

Rafael beijou-me sorrindo. Adorava que ele me tocasse e amava ainda mais seus beijos que me faziam esquecer aos poucos todo horror que vivi um dia. Uma estranha sensação de calor me percorria dos pés a cabeça enquanto em uma nova acaricia, Rafael penetrava a mão sob minha blusa, tocando levemente a pele de minhas costas. Seus lábios desceram por meu pescoço com delicadeza, mas pressionando com vontade. As mãos dele eram habilidosas e sabiam perfeitamente onde tocar...

Separei-me do beijo e olhei nos olhos. Senti-me culpada de imediato por parar, mas o reflexo foi inevitável.

— Estrela? — Sussurrou confuso — Tudo bem?

— Rafael, eu... — Suspirei, tocando novamente seu rosto.

Uma vida toda passava diante dos meus olhos. O homem que era meu protetor incondicional e meu namorado estava comigo, mas eu não podia dar tudo o que a nossa relação exigia. Baixei o olhar delicadamente.

— O que foi Estrela? — Lancei a ele um olhar profundamente constrangido — Amor...

— Eu não consigo, Rafael — Confessei olhando meus dedos em meu colo — Não consigo ser o que você precisa!

— Do que está falando?

Rafael não insistiu para que eu o olhasse. Tocou meu cabelo que caia em minhas costas com uma das mãos, enquanto com a outra segurou a minha nas suas.

— Rafael... Você não tem saudade da sua vida antes de mim?

— Não Estrela! — Pontuou seguramente — Não tenho saudade de não conhecer o amor.

— Sei que nos amamos muito e quero te oferecer tudo o que você tinha com suas muitas mulheres, mas não posso! Não sei ser como elas e sequer sei como vou conseguir um dia fazer... — Tomei fôlego — Fazer amor com um homem.

Havia imenso amor no olhar de Rafael. Uma compreensão que sequer eu conseguia entender! De onde aquele homem que antes era um cafajeste de primeira tirava aquela paz que me transmitia?

— Nunca vou te machucar como ele fez, Estrela — Prometeu ainda segurando minha mão, mas erguendo meu olhar delicadamente pelo queixo — Você confia em mim? Jamais seria capaz de semelhante atrocidade e tenho plena consciência de que você está com uma gravidez de risco avançada. Sei que não teremos relações durante um bom tempo e quando chegar a hora as coisas acontecerão naturalmente, sem que precise se preocupar. Verei em seus olhos que o momento certo chegou.

— É verdade? — Questionei baixinho e ele concordou — Realmente será capaz de ficar sem isso... — Gesticulei e ele compreendeu. Eu sequer conseguia dizer a palavra — Por tanto tempo?

— Não digo que será fácil, porque não será! Mas não é o mais importante agora, Estrela. Além do mais, teremos Erick aqui para agitar nossa vida e me fará sequer ter tempo de pensar na possibilidade!

Rimos juntos e abracei Rafael pelos ombros.

— Eu te amo, Rafa.

— Também te amo, linda.

A verdade é que eu temia... Temia sobrecarregar Rafael com uma responsabilidade que não era dele e tirar de sua vida o que, durante muito tempo, ele mais prezou: o sexo.

Seria realmente forte o amor dele por mim a ponto de resistir a tais provas?


Mais uma semana se passou e agora são trinta e quatro de gestação no total.

Fui para o curso de fotografia e depois para uma consulta com Brenda enquanto Rafael trabalhava arduamente em suas últimas semanas antes do bebê chegar. Ele tiraria férias para me acompanhar no pós-parto.

Na saída, parei em uma barraquinha de cachorro-quente para matar minha vontade e Erick não nascer com rostinho de salsicha.

Terminei de comer e no momento em que jogava os papeizinhos no lixo, uma senhora baixa e vestida com trajes de enfermeira parou ao meu lado.

— Estrela? — A voz dirigida a mim veio com bastante intimidade. Encarei a mulher e tive a certeza que jamais a tinha visto antes... Se já nos esbarramos eu não me recordava! — Não lembra de mim?

— Desculpe... Não! — Estreitei o olhar tocando minha barriga — Quem é a senhora?

— Lorena, a mãe do Josef.

Tomei fôlego ao reconhecê-la. Dei alguns passos para trás e ajeitei a alça da bolsa no ombro. É claro que eu me lembrava daquela mulher!

— Me desculpe. Apaguei todas as lembranças ruins da minha vida e o seu filho foi uma das primeiras que deletei — Sorri sem humor.

Josef... O canalha que eu pensava ser meu melhor amigo, mas que na verdade me jogou nas garras de um estuprador para pagar dívida de droga.

— Você está grávida? — Seus olhos me estudaram de cima a baixo — Eu deveria dizer meus parabéns ou...

— Não deveria dizer nada! — Pontuei firmemente.

— Então o bebê é mesmo do Hank? — Fechei os olhos quando ouvi aquele nome, sentindo um murro em meu estômago — Você sabe que eu não tinha conhecimento de tudo que Josef te fez.

— O desgraçado do seu filho e o imundo do Hank são duas porcarias que quero excluir de vez da minha vida! Agora se me der licença... — Ia saindo quando ouvi a voz dela em minhas costas.

— Pensei que iria querer saber sobre o estado de saúde do pai do seu filho, mas já que deseja esquecer...

— E o que tem ele? Morreu? — Cruzei os braços voltando-me para ela — É um favor que me faria!

— Oh não! Ao contrário! Hank está se recuperando muito bem! — Meu sorriso se desfez — Está evoluindo no quadro de coma.

— Se acordar verá o sol nascer quadrado por muito tempo atrás das grades, como o seu filho!

— Quem sabe, não é? — Deu de ombros — Adeus, Estrela — Retirou um cigarro da bolsa e o acendeu — Boa sorte com o bebê!

Virou as costas misturando-se à multidão na rua, deixando-me parada na calçada com lágrimas nos olhos e o coração agoniado.

Se Hank acordasse... Viria atrás de mim e de Erick?


Semanas depois...

 

Segurei em meus dedos trêmulos um pequeno broche azul com o nome de Erick gravado nele.

Sentado em minha cadeira no consultório, eu atendia minha última paciente, Lia, aquela mesma menina que engravidou cedo e sempre se consultava junto da mãe, quando a senhora notou o broche no cantinho de minha mesa.

— É do seu filho, doutor? — Questionou com um sorriso enquanto ajeitava a alça da bolsa no ombro magro. Sorri de canto e concordei, ainda prescrevendo os exames para a filha dela — Ele tem qual idade?

— Ainda não nasceu... Está em gestação, mas prestes a chegar. A qualquer momento o teremos nos braços.

— O senhor parece muito ansioso! — Comentou perante a expressão de tédio de Lia, que também estava chegando ao final da gestação de uma menina — Diferente de Lia, que sequer escolheu um nome decente para a menina!

— Claro que ele está ansioso, o filho dele foi desejado por ela e pela esposa! O meu foi um erro, mamãe! — Sem timidez em relação a mim, Lia retrucou nervosa.

— Lia! Se comporte diante do doutor!

Olhei de uma para a outra e notei o desconforto no rosto de Lia, que era uma jovem bonita e vivaz. Uma criança, talvez, uma vez que tinha acabado de completar quinze anos.

— Não Lia, não foi assim... Quando conheci Estrela, minha namorada, ela já estava grávida — Ambas não escondiam a surpresa — Ela é pouco mais velha que você e também engravidou de maneira inesperada.

— E você assumiu o problema dela? — A jovem menina sequer se limitou a esconder a indignação — Quer dizer... Que homem faz isso, doutor? Hoje em dia não existe mais essas coisas não, os caras só querem transar sem compromisso e quando acontece isso — Apontou para a barriga — Ele somem!

— Um homem apaixonado, Lia — A mãe dela respondeu por mim, encarando-me com admiração — Um homem de verdade, não esses moleques que você está acostumada, menina! Eu te disse que bons homens existem!

Lia seguia me encarando perplexa.

— Sua mãe tem razão... Quando um homem verdadeiramente ama uma mulher é capaz de tudo por ela. Confesso que meu filho foi um grande presente da vida e não me parece complicado amá-lo, mesmo que não tenha meu sangue. Segue sendo meu filho, porque é de tal forma que o amo.

As palavras ainda ecoavam em minha mente enquanto encarava o broche sozinho no consultório.

A peça era parte da decoração do chá de fraldas de Erick, que contou com a presença de mamãe, Yohana, algumas meninas da clínica e da aula de fotografia de Estrela. Foi um evento importante e que nos fez perceber que a qualquer momento ele estaria ali conosco... A qualquer momento tudo mudaria!

Não era fácil lidar com Estrela. Não com sua personalidade doce, mas sim com toda a situação. Eu era homem e tinha vontades... Mesmo que estivesse grávida, era linda e me atraia demasiadamente, mas eu tinha de me controlar em nome do sentimento que nutria por ela.

"Já pensou se ela resolve se desfazer do moleque quando ele nascer?"

"Já pensou se nasce a cara do canalha?"

"E se você não conseguir amá-lo quando vê-lo também? Como vai contar isso a ela?"

Igor era minha voz da consciência com seus questionamentos íntimos. Era a única pessoa capaz de indagar sobre o nascimento de Erick e a chegada dele em minha vida. A única pessoa que não compreendia como eu, que sempre fui maluco, mudei tanto com a presença de Estrela.

Igor não conhecia o amor, eu estava certo... Um dia também me senti igual, nas sombras... Mas existia sim o questionamento... E se Estrela decidisse não ficar com Erick, aquela criança que me apeguei desde o ventre, após seu nascimento?

Eu teria de escolher entre um dos dois?

Não queria pensar na possibilidade!


No dia de amanhã, vinte e quatro de Outubro, será meu aniversário de dezoito anos.

Não contei nada a Rafael, uma vez que não o vi desde o dia anterior, mas também não fiz questão de entrar em detalhes. Minha maior idade o isentava de cuidar de mim. Eu já era adulta perante a lei e não precisava mais de um protetor...

No fundo sentia medo do que Rafael diria ao saber. Sentia medo de, talvez, ele mudar de ideia.

Andava muito calado na última semana, apreensivo pela chegada de Erick, que já tinha trinta e nove semanas e alguns dias de gestação. Cansada, eu me sentia uma inútil com aquele tamanho todo na barriga e os pés muito inchados! Meu rosto era como uma bolacha e meus seios saltavam para fora do decote.

Eu já não era mais eu, era totalmente tomada por Erick.

Meu aniversário significava lembranças terríveis e dolorosas, remetendo à dor e ao fracasso. Não queria lembrar o que essa data significava.

Esperei Rafael em meu quarto e já era noite, por volta das dez. Sabia que suas consultas iam até tarde por conta das férias recentes, mas não me acostumava com a ideia de não vê-lo o dia todo.

Rafael não dormia comigo no quarto, uma vez que tinha medo de sucumbir aos desejos carnais, eu estava segura. Às vezes dormíamos juntos na sala durante um filme e eu podia sentir o quão desconfortável fisicamente ele ficava. Não compreendia como Rafael podia me desejar grávida, mas soava como algo bom. Ele me acharia ainda mais bonita quando voltasse ao normal.

Olhei pela janela e não o vi, voltando nervosa para a cama. Eu sentia contrações o dia todo, mas era algo rotineiro agora no final. A ansiedade gerada pela espera as fizeram tomar um pouco mais de força e ritmo, incomodando-me demasiadamente.

Decidi contar a ele sobre o aniversário... Rafael merecia saber! Seja feita a vontade de Deus depois disso. Estava prestes a dar à luz e ser mãe... O medo de situações bobas não deveria ser tão relevante agora.

O desconforto das contrações, ao contrário das outras vezes, parecia não ceder. Sentia o corpo quente demais e segui suportando. Erick me chutava muito. Não era como se estivesse mexendo, mas como se empurrasse. Fui ao banheiro e chequei... Um pouco de sangue saiu no vaso e aquilo me alarmou!

No quarto, sentei-me na cama, sobre uma toalha, esperando para ver se ainda sangrava. Não. Não saiu uma gota de sangue sequer! Suspirei, agora sem sentir nada, e me coloquei de pé. Assim que o fiz foi como se uma faca me rasgasse grosseiramente de dentro para fora. Uma fincada forte e profunda me obrigou a gemer, porém rapidamente se foi.

Ouvi passos no corredor e a voz dele me chamando. Suspirei aliviada e sai de meu quarto na direção de Rafael. O abracei carinhosamente, sentindo seus braços protetores ao meu redor enquanto analisava meu rosto com ternura.

— Desculpe se demorei, amor. A última paciente era aquela garota da qual te falei, Lia. As consultas dela sempre geram debates e... — Notou minha expressão engraçada — Está tudo bem?

— Sim, está... São só algumas dores incômodas.

— Que eu te examine? — Neguei prontamente, um pouco tímida. Aquele era meu receio em dizer a ele sobre as dores naquela hora da noite. Rafael certamente se proporia a me examinar e eu não me sentiria muito à vontade se acontecesse — Quer ir até o hospital?

— Não, são as dores incômodas do final de gestação, Rafa. Não se preocupe! — O beijei carinhosamente — Não vejo a hora de tudo isso acabar!

Rafael me beijou na testa com ternura e tocou meu rosto com a mão segura.

— Tudo vai apenas começar, amor... Apenas começar!

Encarei seus olhos verdes com ansiedade, mordendo os lábios delicadamente.

— Tem razão... Tudo vai começar! — Toquei meu ventre delicadamente e Rafael fez o mesmo, ambos sentindo os movimentos de Erick ali dentro.

Conversamos durante o jantar de Rafael e as dores seguiam incomodando. Ele se ofereceu para dormir comigo no quarto e não neguei. A presença dele me deixaria mais segura! Nos deitamos no quarto de Rafael, em sua cama grande, e ele dormiu em minutos após me beijar e sussurrar que eu era o mais importante para ele em sua vida. Cansado do trabalho, buscava dormir para não pensar em mais nada.

Era a maneira mais eficaz de evitar a intimidade.

Segui ali, com a imagem de sua face diante de meu rosto como um milagre. A maior luz entre a escuridão que surgiu durante toda minha vida!

Beijei sua boca enquanto ele dormia com delicadeza, deslizando a mão por seu braço forte. Rafael era lindo... Tinha os pelos do braço alourados, os músculos torneados e marcando sob a camiseta branca e fina. Meus olhos deslizaram por seu peito forte, subindo e descendo com a respiração tranquila. Mordi os lábios enquanto observava o cós de sua calça. A blusa levemente erguida me proporcionava à visão de mais pelos loiros que desciam no elástico da calça.

Suspirei e me deitei novamente, imaginando suas mãos fortes em meu corpo. Mas não este corpo redondo e periférico... O meu corpo de antes, todo no lugar.

Senti, no momento em que tocava seu peito forte com os dedos, como se estivesse vazando entre minhas pernas.

A sensação não era o familiar desejo que aprendi a sentir por ele nas últimas semanas e não chegava nem perto! Sentei-me rapidamente, observando minhas coxas molhadas, assim como o lençol.

— Rafael? — Seguia dormindo e o toquei no braço com mais intensidade — Rafael, socorro!

— Estrela? — Abriu os olhos ao notar a situação e sentou-se um pouco confuso — O que houve?

— Eu não sei... Acho que estou vazando!

— Vazando? — Questionou me olhando dos pés à cabeça — Quando você diz vazando, quer dizer...

— Vazando por baixo, Rafael! — Comentei inocentemente, tímida — Parece água... Eu sei lá! Isso deveria acontecer?

— Vazando algo como água? Você está com dor?

— Sim... — Foi como se a dor tivesse me ouvido invocá-la. Voltou a se propagar em mim e apertei os olhos — O que significa?

Rafael acendeu o abajur e analisou minhas pernas, ambas úmidas pelo líquido. Encarou-me preocupado quando me torci pela dor e saiu da cama rapidamente, indo até suas coisas.

— Acho que sua bolsa estourou, Estrela. Preciso avaliá-la... — Ele mexia em sua bolsa de trabalho e aquilo me fez estremecer.

— Não! Rafael... Não é uma boa ideia, eu... — Seu olhar me interrompeu quando veio caminhando em minha direção preocupado e com as luvas, que vestiu após passar álcool.

— Estrela, sou médico! — Relembrou preocupado, sentando-se ao meu lado. Eu suava pela dor e pelo momento de tensão. A ideia de Rafael ver minha parte mais íntima pela primeira vez em um exame não era muito agradável — Não pretendo reparar em você agora, muito menos vê-la com olhar de homem. Sei separar as coisas e agora você é uma mulher que precisa de meu atendimento profissional. Não confia em mim?

Pisquei algumas vezes perante seu olhar desolado. Mordi os lábios e suspirei pela dor.

— Você promete não reparar? — Sussurrei tímida, deitando-me na cama.

— Prometo, dou minha palavra! — Garantiu convicto, realmente centrado. Deitei-me — Afaste os joelhos e relaxe. Vou tocar o colo do útero e ver se realmente foi à bolsa e se tem dilatação necessária para internar. Do contrário, apenas perderemos tempo de descanso se formos até a maternidade agora.

Concordei e fechei os olhos quando o senti prestes a me examinar. Brenda fazia aquilo sempre e eu levava com naturalidade, mas ter Rafael na situação era complicado para mim. Não era o tipo de ideia romântica que se tem com o namorado, afinal!

Senti quando fez o exame de toque delicadamente, fazendo-me gemer pela dor da contração.

— Estrela, precisamos ir! — Disse com um sorriso animado ao retirar os dedos e as luvas em seguida. Abri os olhos e baixei as pernas — A bolsa estourou e você já está com seis centímetros dilatados!

— O que isso significa? — Questionei sentando-me com a ajuda dele.

— Que o Erick vai nascer, amor! — Dizia animado — Chegou a hora do nosso menino!


Rafael avisou os pais dele e Yohana sobre o bebê. Ligou para Brenda, que também foi para o hospital nos esperar. Ela seria a médica responsável pelo meu quarto, nada mais certo.

— Vai ficar tudo bem pequena, respira! — Rafael apertou o pé no acelerador e em minutos chegamos à maternidade. Logo me acomodou em uma cadeira de rodas — Vou me trocar, te vejo em breve! — Avisou sorrindo — Confie em mim! Vai dar tudo certo! Eu te amo!

Aquela era uma das raras vezes na vida em que ouvi tais palavras. Segui amedrontada em meio ao corredor com as dores intensas e regulares, gritando como se o mundo fosse acabar. Jamais senti tanta dor física. Jamais senti mais vontade de morrer do que seguir viva! Tudo o que desejava era terminar com aquele sofrimento que o parto significava!

Em uma sala azul — a sala de parto — encontrei Brenda. Paramentada, me examinou e tratou de me tranquilizar enquanto aplicava um medicamento para acelerar a dilatação, que já estava quase completa. Segundo Brenda, Erick não podia mais esperar, estava em sofrimento fetal.

Decidiram fazer o parto normal. Brenda me achava muito jovem para passar por uma cesariana, ainda mais em tais condições, favoráveis ao parto normal. Optei pela anestesia e foi a melhor escolha, apesar de ainda sentir parte da dor, mas não totalmente como antes. Ao menos conseguia raciocinar, não somente gemer e urrar pela dor absurda.

Tudo aconteceu rápido e em menos de duas horas eu estava pronta para dar a luz!

— Você prometeu que tudo daria certo! — Sussurrei para Rafael quando Brenda me deu um descanso dos empurrões. Ele estava ali ao meu lado, segurando minha mão.

Brenda pediu que voltasse a empurrar na próxima contração. Os dedos de Rafael se moveram em minha face carinhosamente. Aliviei-me naquele instante, sabendo que estava ali e tudo ficaria bem. Seu dedo secou uma lágrima em minha face e ele beijou minha mão que segurava. Solucei pelo desconforto e pela dor.

Empurrei o máximo que podia sob os comandos de Brenda.

— Estrela, minha menina... — Estava próximo de meu ouvido enquanto eu empurrada, suada e chorando — Vai ficar tudo bem!

Abri os olhos e senti as gotas de suor deslizando de meu cabelo para o rosto. Suspirei e voltei a empurrar. O bebê deslizava e abria seu caminho para fora de meu corpo, como se me rasgasse. O aperto que desferi na mão de Rafael doeu em mim, porém ele nada disse. O bebê estava vindo!

Fechei os olhos e pensei no rosto de minha mãe enquanto ela usava seu vestido de flores azul em meio ao jardim de casa. Segurava em seus dedos uma rosa amarela e seus cabelos negros esvoaçavam ao vento.

"Estrela, querida, você é forte! Você consegue meu anjo!".

A imagem dela foi se apagando e a de minha irmã invadiu a cena.

Caminhando para mim, ela acenava e comemorava o nascimento do bebê.

"Foi assim que eu te ensinei a ser, mana! Forte!"

Sorri também, ainda empurrando.

Meu pai, apesar de nervoso, me encarava de maneira séria em minha mente.

"Me dê orgulho Estrela. Faça valer a pena!"

Minhas forças se esgotavam e Brenda me dizia que faltava pouco.

— Estrela, amor... Você precisa ser forte! — Não sabia distinguir se era real ou sonho, mas tratava-se da voz de Rafael em meu ouvido — Seja forte por nosso filho, seja forte por nós! — Visualizei Rafael em minha mente.

De repente não pensei mais na dor. Imagens nossas dançavam em minha mente, claras e belas como se eu as vivesse agora.

A primeira vez que nos vimos. O enxerguei através de minhas lágrimas.

Minha breve corrida pela chuva. Os braços dele me envolvendo pela cintura, me puxando para um lugar seguro e a chuva caindo em nossos corpos trêmulos no chão. O olhar intenso e esverdeado em meu rosto.

A sensação de seus braços fortes me carregando no colo. Era como flutuar no ar, mesmo em meio à inconsciência.

Nossa primeira briga. Suas palavras me machucaram e me fizeram mal, porém seu rosto que eu não podia deixar de admirar.

Quando me deixou. A dor profunda em minha alma... Mais uma perda!

Seus olhos lindos e sinceros quando foi me buscar. A sensação de ser amada após tanto tempo!

Nosso primeiro beijo.

A imagem de Erick no ultrassom.

Rafael dizendo que me amava.

"Seja forte por nosso filho! Seja forte por nós!"

Após uma longa força, abri os olhos e vi nas mãos de Brenda o bebê Erick. Era o momento mais confuso e conturbado de toda minha vida! Sequer sabia definir os sentimentos que me assolavam o peito, tamanho turbilhão!

Apenas deixei as lágrimas rolarem na face em silêncio. Não ousei olhar para Rafael ao meu lado, somente para o bebê sustentado pelas mãos firmes de Brenda.

Sujo com meu sangue, — o mesmo que foi derramado na noite em que ele foi concebido — o bebê chorava em plenos pulmões e gritava ao mundo sua chegada. Gritava para mim que estava ali!

A pele era branca e os cabelos escuros tomavam todo o crânio pequeno. Pude notar sardas por suas bochechas avermelhadas. Segui hipnotizada perante ele, perante sua primeira visão.

Antes de levá-lo, Brenda me deixou dar um beijinho rápido. Não consegui compreender o que sentia, apenas que aquele ser pequenino era meu filho e estava ali. Nada fazia muito sentido ainda, não era como uma alavanca que se puxava e tudo mudava. Tratava-se de um processo, como enfatizava minha psicóloga.

Os médicos o levaram para avaliação e Rafael abaixou ao meu lado para beijar meus lábios e secar minhas lágrimas. Em vão! Eu apenas chorava pelo alívio de conseguir gestar aquele serzinho até o final!

— Você foi ótima! Não há mulher que eu admire mais neste mundo do que você, minha menina...

— Foi por você... — Respirei fundo, reunindo forças — Tudo por nós!

Rafael beijou minha testa orgulhoso. Descansei minha cabeça no travesseiro da cama e deixei que Brenda terminasse de cuidar de mim. Erick estava com Rafael agora e eu sabia, por experiência própria, que estava seguro.

Finalmente podia me sentir em paz!


Quando conheci Estrela e fiquei sabendo que aquela doce menina seria minha responsabilidade, o momento que mais temi em nosso futuro era o nascimento do bebê que ela carregava.

Em meu coração Erick era meu filho, mas eu de fato não o conhecia. Aquele seria nosso primeiro encontro e o peso da responsabilidade começou a arder em minhas costas quando me dei conta de que a pequena vida do bebê dependeria de mim a partir dali.

O velho Rafael ficaria de fato para trás após o dia de hoje.

Quando o bebê — aquele menino que me chutava no ventre de sua mãe — foi colocado em meus braços, vi contemplei o azul bonito que coloria seus olhos. Responsável por muitos nascimentos, eu sabia bem distinguir quando um recém-nascido tinha olhos claros ou escuros. Erick certamente não tinha os olhos de Estrela e, ao mesmo tempo em que admirei seu olhar, o temi na mesma proporção.

O coloquei imediatamente nos abraços ansiosos de Estrela, que já havia esperado muito para finalmente conhecer o filho de seu ventre.

Já recuperada do parto e após algumas horas, Estrela paralisou com o olhar vidrado na face do bebê sem crer que estava ali. Segurou sua pequena mão com delicadeza, beijando-a ternamente. No ato, deixou lágrimas deslizarem em seu rosto pálido e cansado. Era impossível não se emocionar diante da cena... Perante o amor que Estrela transmitia com um simples gesto.

A certeza de que o estuprador tinha os mesmos olhos que Erick me preencheu ao ver Estrela tocar os olhos do bebê com delicadeza, chorando ainda mais intensamente. Olhar nos olhos do filho e recordar algo horrível e desumano não era justo com a doce menina que eu amava... Não era justo com ninguém!

Erick a encarava fixamente como se procurasse algo que a muito buscava. A conexão entre eles era inexplicável!

— Estrela, eu... Sinto muito por... — Ela me interrompeu com apenas um olhar emocionado — Estrela?

— Ele tem os olhos de minha mãe! — Grande alívio se apoderou de mim no momento em que suas palavras foram pronunciadas — Os olhos de minha mãe... Pedi tanto a Deus, Rafael! — Sentei-me ao lado dela, abraçando-a com ternura. Beijei seu cabelo castanho carinhosamente, suspirando pelo alívio — Ele é lindo...

— Sim... Ele é lindo como você, minha menina — Nos encaramos em meio à emoção e Estrela se abaixou para beijar o topo da cabeça do menino.

— Erick, meu amor... Sou sua mãe e você está aqui comigo agora. Nós dois ficaremos juntos para sempre, bebê.

— E eu sou Rafael, carinha — Segui sua frase encarando-a fixamente — Mas você pode me chamar de pai — Toquei a ponta do nariz pequeno de Erick enquanto Estrela me encarava emocionada e sorridente. Tocamos nossas testas — Isso quer dizer que vamos ficar com ele, não é?

Estrela se afastou para me olhar e encarar novamente o bebê em seus braços.

— Sei que não vai ser fácil, mas não serei capaz de deixá-lo. Ele... Ele é meu! — Estrela abraçou o bebê e beijou sua mão pequena novamente. As lágrimas também despontavam em meus olhos — Sei disso desde o primeiro momento.

Encarando os olhos castanhos de Estrela, toquei o queixo dela com ternura, secando suas lágrimas.

— É o que senti quando te vi, amor... Que você era minha. Para sempre...

Beijei-a com paixão, segurando seu rosto enquanto sentia o salgado de suas lágrimas em meus lábios. Não havia nada maior em minha vida do que aquele momento... Aquele instante.


Mamãe caminhava entre as flores com as mãos abertas e seu vestido favorito esvoaçando ao vento. O jardim era lindo e ela tocou meu rosto delicadamente, sorrindo orgulhosa.

— Você fez o certo, querida. Esse menino trará para sua vida muita alegria!

Olhei em seus olhos e tive a confirmação de que sim, Erick tinha os olhos da avó, azuis como o céu acima de nós. Seria loiro como o genitor, mas nada que se comparasse ao olhar.

“Rafael também é loiro”.

Foi o que pensei ao abrir os olhos e encará-lo do outro lado do quarto do hospital maternidade, segurando o pacotinho azul em seus braços enquanto caminhava pelo quarto com um sorriso emocionado. Erick dormia e ele o segurava de frente ao rosto, apaixonado por cada traço do bebê.

Aquele homem sempre me surpreendia!

Quando o conheci, jamais pensei presenciar tal cena. Jamais pensei que mudaria tanto em consequência a minha chegada, principalmente a de Erick. Era o último dia na maternidade e me lembrei de que teríamos de registrar Erick antes de deixar o hospital. Aquele era um momento decisivo, talvez o mais importante dos últimos dias entre Rafael e eu.

— Rafael... — Sussurrei quase sem voz e ele se virou para mim um tanto surpreso, sorrindo envergonhado por ter sido pego admirando Erick — Você não me desejou os parabéns.

Confuso, comprimiu os olhos claros e sorriu de canto, ajeitando Erick em seu berço para que dormisse mais cômodo.

— Como assim, querida? Só o que faço desde que Erick nasceu é te parabenizar! — Ajeitava o bebê entre seus cobertores azuis.

— Sim, eu sei... Mas estou falando pelo meu aniversário — Deteve-se, olhando-me sem esconder o estampo. Ajeitou a postura ao lado do berço — Ontem, quando Erick nasceu, eu fiz dezoito anos.

Rafael separou os lábios levemente e levou uma das mãos aos mesmos. Sorriu sem graça, coçando a cabeça. Caminhou até mim, que descansava na cama, para sentar ao meu lado.

— Porque não me contou antes? — Segurou minha mão na sua — Porque não me disse?

Dei de ombros sem muita coragem, arriscando um sorrisinho.

— Tive medo, eu não sei! Temi o que aconteceria depois que você soubesse...

— Bom, eu teria trago um bolo e um presente, certamente — Chegou mais perto e me beijou nos lábios, tocando-me no rosto carinhosamente — Meu amor... Meus parabéns! Erick nasceu no seu dia! Isso é incrível!

Abracei Rafael longamente, animada por sua felicidade.

— Tem certeza que nada vai mudar? Que não vai me mandar embora agora que sou... — Rafael pousou dois dedos em meus lábios para que eu me calasse.

— Não diga bobagens, minha menina. Não diga bobagens! — Suspirei aliviada, abraçando-o novamente com toda a força que consegui reunir. A única coisa que me afetaria demasiadamente agora era ficar distante de Rafael, de meu protetor — Posso não ser mais seu tutor, mas serei para sempre seu protetor, meu amor.

— Obrigado Rafa... Obrigado por ser meu super-herói!

— Tem uma coisa que você poderia fazer por mim, minha menina — Nos separamos e Rafael seguiu me encarando com um sorriso — Uma coisa muito importante!

— O que?

— Lembra-se de Lia, aquela paciente da qual comentei?

— A menina de quinze anos que está grávida e não quer o bebê? — Rafael assentiu positivamente — Claro que lembro! O que posso fazer por ela?

— Ela está aqui no hospital internada por uma intercorrência na gestação, mas está fora de perigo. Ela... Ela tentou tomar remédios para parar o coração do bebê — Separei os lábios pelo baque da revelação, sem conseguir disfarçar meu horror — Sim, sei que é pesado. Também fiquei baqueado, principalmente pelo feto já estar em idade avançada. Está com sete meses de gestação e seria uma coisa terrível para ela no futuro, pode imaginar?

— Não quero imaginar, Rafael. Já estive no lugar dela e não a julgo, mas jamais faria algo contra o bebê sendo ele já formado! Isso é... — Sacudi a cabeça de maneira nervosa, evitando as palavras — Não fiz nada para Erick quando era só um grãozinho, que dirá já grande em meu ventre, movendo-se e tudo mais.

— Acha que pode falar com ela e contar um pouco sobre sua experiência? — Me calei e o observei atentamente — Talvez conversar com você, uma menina com uma história parecida, a faça pensar um pouco melhor.

— Ela também foi estuprada? — Questionei quase em um sussurro.

— Não. Lia engravidou de um homem que nunca sequer deu importância a ela e é muito mais velho, um homem maior de idade. Isso também é crime, por sinal! — Baixei a cabeça e pensei por alguns momentos — Acha que pode falar com ela?

Encarei os olhos esperançosos de Rafael e sorri de canto.

— Por você, sim. Vou tentar!

Seria complicado conversar com alguém sobre algo que ainda me machucava, mas ajudar uma menina como eu me parecia justo. Vesti um roupão rosa por cima da camisola do hospital e segui até o quarto de Lia, no corredor de cima na maternidade.

A garota era apenas uma menina de cabelos coloridos e olhos inseguros, maquiados de preto mesmo dentro do hospital. Estava sozinha em um quarto isolado, parada no silêncio enquanto encarava a janela naquele dia chuvoso. O ventre avantajado estava lá, lembrando-a a todo o momento do motivo de estar ali.

Eu compreendia o vazio que encontrei em seu olhar quando nos encaramos após eu fechar a porta. Compreendia a dor em sua face e aquela solidão imersa ao vazio. Entendia sua dor.

— Você deve ser Estrela — Concluiu olhando-me dos pés a cabeça — A namorada do doutor Roman — Segui me aproximando da cama dela e parei aos pés — Se veio porque ele pediu para me contar uma história emocionante, perdeu seu tempo! Nada vai me fazer mudar de ideia!

Cruzou os braços sobre a barriga e olhou para fora novamente, ignorando-me.

— Vim apenas para dizer que sinto muito, Lia — Ela se deteve, imóvel — Sinto muito por você e pelo que está passando. Eu... — Tomei fôlego, implorando a Deus que colocasse as palavras certas em meus lábios trêmulos — Eu sei como é ruim estar grávida sem querer. Sei como é doloroso os olhares julgadores e sei como é terrível carregar conosco a consequência dos erros dos homens. No final, somos nós, as vítimas que pagamos caro por isso.

Lia ficou confusa com minhas palavras, nada parecidas com os discursos aos quais estava acostumada.

— Doutor Roman me contou que você foi violentada e eu também sinto muito por você... — Disse duramente e me sentei aos pés de sua cama — Mas eu não fui, Estrela. Transei com aquele cara porque quis, mas...

— Mas ele te convenceu, não é? — Me encarava com timidez — Te envolveu com as palavras, te enredou em sua imaturidade e te convenceu de que não seria suficiente para ele se não transasse. Não foi isso? — Lia concordou sem me olhar.

— Ele disse que as outras faziam e eu deveria fazer também — Sua voz soava entrecortada e envergonhada — Eu disse que era virgem, mas ele não se importou. Cheguei a ficar com alguns caras, mas nunca tinha transado — Deu de ombros — Ele era mais velho que eu e as outras transavam, eu tinha que ser como elas, não é?

— Se ele realmente te amasse teria esperado, não acha?

Lia se calou e encarou os dedos em seu próprio colo.

— Foi horrível! Minha mãe acha que amei, mas não... Depois da primeira vez fiquei refém dele! Achava que ele era meu mundo e que jamais encontraria alguém que me amasse como ele... — Sorriu ironicamente, secando as lágrimas grosseiramente — Briguei com a minha família, com meus amigos... Acabei com tudo ao meu redor para que só existisse ele!

— Você foi manipulada! — Seus olhos me buscaram com curiosidade.

— Sempre que estávamos juntos eu tinha que transar. Não importa se sangrasse ou doesse, porque ele era muito maior do que eu e violento, eu tinha que seguir calada enquanto ele fazia sentindo toda a dor — Senti meus olhos se enchendo com as lágrimas. Eu conhecia aquela dor física horrível — E depois, quando minha menstruação atrasou, pensei que... — Sorriu ao lembrar-se — Pensei que ele ficaria feliz, porque sempre dizia que queria ser pai, por isso nunca usava camisinha.

— Ah... — Suspirei de raiva — Lia...

— Eu tinha catorze anos e ele vinte e seis, Estrela! — Relembrou entre lágrimas — Para mim ele sabia tudo e eu nada! Até que... Eu contei sobre a gravidez e ele riu de mim. Disse coisas tenebrosas e... Apareceu com outra dias depois. Outra da minha idade e muito mais idiota!

— Você também foi estuprada, Lia, assim como eu! — Garanti convicta a ela me observava receosa — Mas eu tive consciência de que estava sendo violentada, você não! Ele trabalhou tão bem na sua cabeça que te fez pensar que era consensual, mas como poderia, se você só tinha catorze anos e ele vinte e seis? Ele te manipulou para te violentar com mais facilidade, essa foi a nossa diferença! Nós duas fomos vítimas dos homens, Lia. Nós duas e nossos filhos, infelizmente, somos vítimas!

Lia levou a mão ao ventre avantajado e tocou rapidamente, analisando a barriga.

— O que você sentiu quando viu seu bebê? — Questionou apreensiva — Sentiu aquela dor? Lembrou dele?

— Quando vi meu filho... — Corrigi — Vi o amor que construí por ele. Vi os olhos de minha mãe, vi meu narizinho, vi suas mãozinhas e confesso que sim, lembrei dele... Mas por um momento. Algo tão pequeno que... — Dei de ombros — Não foi nada comparado ao amor que senti. A vontade de provar a mim mesma que eu e ele podemos ser felizes juntos e que ele é um presente da vida, não uma maldição. Ele é tão vítima quanto eu, Lia. Meu filho não me fez nada!

O silêncio dominou por um momento e ela seguiu pensativa.

— Eu estava desesperada quando tomei aquele remédio — Confessou envergonhada — Desesperada com medo de olhar para ela e vê-lo novamente. Medo de lembrar dele... Medo de não conseguir!

— Você tem sua mãe, Rafael me contou. Me disse que ela te apoia.

— Sim...

Me coloquei de pé e me aproximei dela ainda mais, chegando perto até tocar sua barriga avantajada. Sorrimos juntas quando a bebê se moveu delicadamente sob meu toque.

— Lia... Se não quer ser mãe, você tem o direito, mas... Deixe sua filha viver! Deixe-a ter a chance de existir agora que já está prontinha aí dentro. Lembre-se sempre que não foi ela quem te feriu e te causou dor, foi um monstro bem diferente! O que sairá daqui — Acariciei a barriga com mais intensidade — Será puro e inocente como você era antes de te machucarem. Não traga a dor para a vida dela também, Lia, apenas amor, como ela trará para você. Confie! Ao menos foi isso que Rafael me ensinou...

Lia segurou minha mão carinhosamente, sorrindo entre lágrimas.

— Obrigado Estrela. Obrigado pelas palavras. Você... Você está certa — Emocionada, apertei ainda mais sua mão na minha — Vou dar uma chance para ela — Tocou o ventre com a mão livre e acariciou levemente — Vou dar uma chance que eu não tive na hora de concebê-la. A chance de ser inocente.

Sem me conter, abracei Lia pelos ombros de maneira apertada e empolgada. Junto dela consegui compartilhar a minha dor e tornar real nossa coragem de continuar.


— Bem vindo ao lar, Erick Rafael!

Foram às palavras ditas por Rafael após chegarmos ao apartamento dele com o bebê, que entrou ali em meus braços hesitantes envolto por sua manta azul com seu nome gravado nela.

Erick Rafael.

O nome composto de meu bebê significa “Poderoso como uma Águia” e tais dizeres eram estampados em letras escritas na parede sobre o berço dele. Rafael não queria que eu esquecesse o poder que aquele bebê tinha em suas pequenas mãos... O pequenino havia transformado completamente nossas vidas!

Puxei minha blusa exibindo meu seio para guiar a boca minúscula de Erick até que conseguisse começar a sugar e mamar. Sozinho no quarto azul, pensei em como tinha sorte por construir com Rafael ali um lar. Não demorou até que o mesmo chegasse, deixando as malas no canto e ajoelhando-se ao meu lado para observar o pequenino mamando em meu seio rosado e farto de leite.

Levei a mão livre até o cabelo claro de Rafael e acariciei delicadamente. Sorrindo, beijou meu pulso.

— Sente-se bem? — Questionou beijando minha mão e colocando-a em sua face.

— Sinto-me confusa... Um pouco perdida ainda, mas acho que faz parte — Comentei olhando para Erick — Agora realmente sei a força que tem o amor, Rafael.

— O amor pode mudar tudo, Estrela — Acariciou o cabelo de Erick com um dedo bem delicadamente. Ele nem pareceu se importar... Continuou mamando com força, usando as mãozinhas para puxar ainda mais o leite — Relutei em aceitar que você e seu bebê eram minha mudança, mas enfim compreendi. Não adianta fugir do que sempre esteve preparado para mim!

Beijando minha testa com carinho, Rafael me emocionou a ponto de me arrancar algumas lágrimas ao passo em que assistia Erick mamar.

Apesar de tudo parecer um sonho com um príncipe azul e finais felizes, os dias que vieram pela frente não trouxeram consigo a mesma calmaria e tranquilidade.

Um recém-nascido trazia o caos junto de si ao passo em que nos encantava com tamanha fofura. Não era segredo para Rafael que eu não sabia como cuidar de um bebê tão pequeno e mesmo com a enfermeira ao lado, tudo era muito complicado!

Erick não dormia nas madrugadas e apenas queria o peito.

Erick chorava de cólicas.

Erick tomava todo meu tempo!

Erick exigia demais além do que sequer imaginei e, quando me dei conta, apesar da ajuda de Rafael e da enfermeira, minha vida se tornou um eterno caos ao qual não busquei! A maternidade não era bonita? Não era um mar de rosas? Ser mãe não era o máximo da beleza feminina, a aurora boreal de ser mulher?

Não...

“Ser mãe é padecer no paraíso”.

Eu não me lembrava exatamente o nome da pessoa que criou a frase, mas é a mais correta entre todas elas. Eu apenas não sabia se Rafael seria forte o suficiente para superar essa fase terrível pela qual estávamos passando.

Meu medo era sobrecarregá-lo.

Meu medo era que percebesse o quanto perdeu ao nos aceitar e se arrependesse de nossa família.

 

Entrei no quarto azul hesitante e senti como se estivesse em um dos meus sonhos.

Erick, que acabou de dormir após minutos chorando em meu colo, parecia sereno e angelical em meus braços quando o passei para o berço branco com cuidado. Rosado, gorducho, com as bochechas sardentas, cabelos alourados e olhos azuis, Erick roubava minha atenção como apenas a mãe dele conseguia fazer.

O bebê resmungou levemente e rapidamente o tomei nos braços, receoso de que acordasse novamente e tomasse conta do descanso de Estrela, que estava escasso nas últimas semanas. Estrela estava muito cansada da rotina puxada com o bebê e eu fazia de tudo para ajudá-la, exceto amamentar. Jamais pensei que minha experiência como médico influenciaria tanto no cuidado com ele.

Toda a rotina era cansativa com Erick, mas eu já esperava por isso. Estrela não. Estrela sentia-se completamente perdida perante as novas demandas de choro, xixi, mamadas e cólicas. Eu não a culpava... Não foi ela quem procurou por isso, mas sim aconteceu. Sentei-me na poltrona do quarto com ele em meio aos meus braços. Seguiu dormindo serenamente, devidamente acomodado em mim.

A vida era demasiado enigmática.

Há pouco o pequeno estava no ventre de Estrela e agora estava aqui. Erick, o meu filho, que aconteceu em um momento de terror e desespero, mas para mim significava uma nova chance.

— Erick, meu filho... Não sou o homem mais perfeito do mundo, mas juro que quero ser o melhor pai para ti. Te amo desde quando... — Tentei lembrar e fechei os olhos — Desde quando senti seus movimentos no ventre de sua mãe pela primeira vez! Esperei você chegar todos esses meses sem saber o que dizer quando finalmente encontrasse sua carinha... Olhando-a agora sei. Juro não decepcionar a sua mamãe. Juro fazer o meu melhor como homem e não vai se arrepender de mim, Erick. Da mesma maneira... — Toquei a ponta do nariz com a dele — Nunca vou me arrepender de você, filhão!

Perdi muito tempo em minha vida sem a melhor parte dela e não seriam as primeiras dificuldades que me fariam desistir do amor de Estrela e da minha família!


Dois meses depois...


A gravidez não foi tão complicada quanto às últimas semanas exaustivas ao lado do bebê, que agora pegava seu ritmo e começava há dormir mais horas e aceitar melhor a mamadeira – não apenas meu peito - e a ajuda da babá.

Concluí meu curso de fotografia graças à ajuda dela, mas gostava de cuidar de Erick na maioria das vezes, dispensando-a. O filho era meu e também toda minha responsabilidade!

Rafael, apesar de deslumbrado com Erick, estava acabado com a rotina. Teve de voltar para o trabalho no consultório e notei o quanto tudo isso o consumia. Ele já não tinha uma vida como antes, agora também não tinha a mulher que amava, no caso eu, que me tornei uma escrava de bebê.

Rafael dizia não se importar com o fato de Erick precisar de toda minha atenção agora, mas eu sabia que sim. O resguardo já tinha passado e ele sequer me tocou uma vez... Será que ainda me via como uma grávida? Será que não tinha desejos sobre mim, de fato?

Tentei tirar da cabeça coisas banais, mas tudo mudou quando vi no celular dele uma mensagem estranha. Mensagem de uma garota.

“Por mais que fuja, gatinho, eu sei que você quer! Nem um homem é capaz de ficar tanto tempo sem mulher, ainda mais um homem como você!”.

Engoli em seco diante do nojo que senti ao ler tal mensagem, colocando o celular dele de volta no móvel enquanto ouvia o barulho do chuveiro sendo fechado. Voltei para o quarto de Erick antes de Rafael saísse do banho e, mesmo que ele dormisse, o tomei nos braços.

Sentei com ele na poltrona e fiquei lá, olhando para o vidro da janela com a raiva me corroendo. A angústia! No fundo eu sabia que era questão de tempo até Rafael se enrabichar com uma mulher qualquer... Ele não mudaria, afinal!

Como podia mudar por tão pouco?

Por mim e esse pobre bebê, fruto de um estupro? Esse inocente que somente eu era responsável por existir?

Deixei as lágrimas rolarem sentindo-me pior do que um nada! Rafael brincou comigo e soube perfeitamente como fazer...

— Estrela, meu amor — Rafael entrou no quarto do bebê usando pijama e sequei a lágrima fortemente no rosto, apreensiva. Erick dormia em meu colo — O que houve? Ele acordou? Pensei que íamos jantar... Quer que eu segure para você comer primeiro?

Rafael se deteve antes de se aproximar ao notar meu olhar enraivecido em sua direção. Um olhar gélido e acompanhado por lágrimas. Por dor. Por decepção em sua forma mais clara!

— Meu amor? — Ironizei — Porque não chama de meu amor à bonitinha que te enviou aquela mensagem no celular? — Suspirando, Rafael desviou o olhar e levou as mãos ao rosto — Já é a segunda vez que pego esse tipo de situação, Rafael! A segunda vez que uma mulher te manda mensagem sugerindo coisas e desta vez foi pior... Ela sabe que você não tem intimidade há muito tempo e certamente foi você quem contou!

— Espera, espera! — Erguendo as mãos, tentava se justificar — Aquela maluca da primeira vez eu nem sabia de onde tinha saído e ela fez um convite, nem sabia que eu estava em um relacionamento! Não tive culpa!

— E desta vez teve, não é? — Segui sentada com meu filho nos braços — Me sinto uma tonta por estar aqui, na sua casa com você me chamando de amor, enquanto as outras por aí sabem perfeitamente o que acontece entre nós!

— Ninguém sabe de nada, Estrela, por Deus! — Ajoelhou-se a minha frente — Ela é uma maluca que conheci em um congresso de medicina e reencontrei no evento clínico que fui essa semana! Tirou conclusões porque me ouviu conversando com Brenda sobre você e acho que...

— Conclusões muito precisas, diga-se de passagem! — Intervi nervosa — Brenda, apesar de muito gente boa, também era sua amante no passado! Acha que me sinto como vendo você com esse tanto de mulher ao redor, Rafael? Esse tanto de mulher bonita te oferecendo o que eu não consigo dar!

— Estrela, isso é um absurdo! — Apreensivo, tornava-se mais vermelho a cada instante — Você dizer que seus traumas influenciam em nossa relação e a falta de intimidade nos causa problemas, é válido! Agora encontrar desculpas em coisas sem fundamentos, me desculpe... É muito infantil!

— Infantil? — Praticamente gritei, assustando Erick em meu colo. Baixei o tom — Primeiramente, sou bem infantil sim! Tenho idade para ser imatura, afinal! — Relembrei nervosa — E segundo... O que sentiria em meu lugar? O que sentiria se um homem mandasse mensagens insinuando que quer ir para cama comigo e que você não dá conta?

Rafael passou os dedos entre os fios de cabelo castanho claro e tomou fôlego.

— Estrela, por favor... Eu jamais — Unia as mãos como se orasse — Jamais me interessaria por outra tendo você! Jamais seria infiel! Realmente sinto falta de intimidade, mas porque te amo e quero estar com você! Também te compreendo! Acabou de sair do resguardo e tudo é complicado devido ao seu passado, mas com o tempo vamos conseguir superar isso e...

— Talvez eu nunca supere! — Elevei o tom novamente, ficando de pé com Erick — Talvez nunca seja uma mulher completa, que pode te dar tudo que deseja!

— Você já me deu tudo que sempre busquei sem ao menos saber... — Ergui uma das mãos para que se calasse.

— Chega de discursos bonitos, Rafael. Nem um homem pode mudar tanto em tão pouco tempo! — Pontuei diante de seu olhar esverdeado e cansado — Nem um homem pode ficar feliz tendo largado uma vista de festas e curtição por uma mulher que foi atada a ele grávida de outro! Como pode ser feliz com a rotina puxada de um filho que nem é seu?

— Ele não tem meu sangue, mas o considero meu filho... Estive ao seu lado quando nasceu e o amei desde o ventre — Foi um sussurro. Um sussurro cansado de um homem que não tem mais forças para argumentar, logo notei. Levou as mãos ao rosto e suspirou — Seus hormônios estão te afetando, Estrela.

— A realidade me impactou, Rafael — Redefini — A realidade que eu sabia que um dia me alcançaria!

— Já tentei de todas as maneiras possíveis te convencer de meu amor por você e por Erick — Seguiu cansado, encarando-me desolado — Já dei provas, mas se tudo o que houve entre nós não foi suficiente, Estrela... Sinto muito! Não sei mais o que fazer para te convencer de que mudei realmente... Que considero você e Erick minha família.

— Sou grata por tudo que fez... — Digo antes que ele saia do quarto, ainda consternado — Sou grata por ter feito com que eu me sentisse amada por um homem pela primeira vez na vida, mas infelizmente eu vim quebrada. Vim cheia de buracos que apenas o tempo pode tapar. Infelizmente não sou o que você espera, Rafael.

Ele negou. Apenas negou. Somente negou com um aceno de cabeça e o olhar marejado. Rafael não tinha mais palavras e forças para lutar comigo naquela noite, por isso saiu do quarto e me deixou ali sozinha com Erick adormecido.

Ao final de tudo, nunca fui mulher dele de verdade. Tivemos carinho um pelo outro e Erick tinha o nome dele na certidão, mas era só! Nossa história não passou de uma ilusão que todos me avisaram que chegaria ao fim.


No dia seguinte, Rafael foi para a clínica cedo atender suas pacientes e pude ouvir quando abriu a porta de meu quarto para dar um beijo na testa de Erick, que dormia ao meu lado na cama de casal.

Fingi que dormia para vê-lo admirar o bebê por algum tempo, acariciando levemente o cabelo alourado do pequeno com os dedos trêmulos. Suspirei ao ficar sozinha, sentindo-me péssima por duvidar dos sentimentos de Rafael para com Erick.

Sou mãe e sei que existe um laço forte entre eles, por isso deixei que Rafael o registrasse. Eu não queria que meu filho carregasse na vida adulta uma história terrível, que o quanto pudesse eu iria ocultar. Não queria que Erick soubesse jamais que foi gerado por um estupro... Somente quando já fosse um homem feito para compreender.

— Menina, senhor João está na sala te esperando! — Ana apareceu enquanto eu trocava a fralda de Erick. A encarei curiosa — Pediu que descesse com o bebê para levá-los a um lugar.

— Estrela, interrompo? — Vi João surgir atrás de Ana, que saiu de mansinho para a cozinha.

— João... — Sussurrou tomando Erick nos braços — Que surpresa! Aconteceu alguma coisa?

Aproximando-se, o pai de Rafael me cumprimentou com um beijo no rosto e brincou com Erick delicadamente.

— Aconteceu, filha — Torceu os lábios — Seu pai saiu da cadeia. Teve uma redução da pena e graças a Deus está em liberdade! O deixei em casa ontem e ele me pediu para levá-la hoje até ele. Antônio te quer de volta no lar, querida.

Separei os lábios com a notícia, totalmente baqueada e surpresa.

— Não posso acreditar! Ele... Está em nossa casa? — Concordou com um sorriso.

— Ainda está sem água e energia elétrica, mas sabe como é um velho turrão... Preferiu ficar lá. Já paguei para religar tudo sem ele saber e é questão de tempo até normalizar. Vou dar uma força até tudo voltar aos conformes e Antônio conseguir organizar a vida... — Ouvi João falar sem realmente compreender. Papai estar fora da cadeia era um acontecimento importante... Significava que eu não precisava mais estar sob o mesmo teto de Rafael, uma vez que agora tinha minha casa para voltar — Vamos? Ele está esperando ansioso para conhecer o neto!

Olhei Erick em meus braços e tudo ao redor. Aquele lindo quarto azul decorado com dinossauros e tanto carinho por Rafael... Todo o amor que construímos ali dentro por meses a fio.

— Não posso ir embora sem dizer Adeus a Rafael, João. Ele... Ele me ajudou muito!

— Não precisa decidir isso agora. Apenas vamos ver seu pai, querida.

Apesar de não tomar a decisão, enquanto João brincava com Erick na sala, guardei em uma bolsa grande coisas minhas e de Erick, principalmente de Erick, para que pudéssemos passar alguns dias por lá.

As coisas não estavam boas entre Rafael e eu e talvez nunca ficassem bem. Talvez ir embora com meu filho era a única maneira de fazer aquele homem desatar de nós e perceber que não era realmente aquilo que precisava para sua vida. Segui com João, que não questionou sobre a mala grande, apenas observou com certa curiosidade.

— Está tudo bem entre você e meu filho? Rafael te fez alguma coisa? — Sua pergunta foi feita no carro, a caminho da casa que um dia vivi com meus pais e minha irmã.

— Fui eu quem atrapalhou a vida dele, João. Rafael verdadeiramente nunca foi ruim para mim, sempre me respeitou. Talvez eu tenha confundido seus sentimentos e a pena que ele sentia tenha se intensificado até Rafael pensar que me amava...

João seguiu calado, sem dizer uma só palavra! Ele sabia quem era o filho, afinal.

Chegamos até a entrada da casa e Erick dormia em meu colo, sendo ele um bebezinho de apenas dois meses e meio. Segurei as lágrimas ao caminhar pelo jardim, tremendo pelas lembranças. João bateu na porta e rapidamente a mesma foi aberta, revelando meu pai a nossa frente. Agora estava barbudo, com os pelos cobrindo todo o maxilar, e bem mais magro.

— Filha! — Disse emocionado — Minha Estrela!

Corri para abraçá-lo, que me envolveu junto de Erick com felicidade. Desviou o olhar para o bebê, sorrindo orgulhoso para o pacotinho azul entre nós. Acariciou a bochecha rosada com carinho... Era impossível resistir ao charme de Erick, que encantava quem pousava os olhos em seu tranquilo e angelical semblante.

— Ele é o Erick, pai... — Falei também emocionada — Meu filhinho, seu neto!

— É um garotão lindo, querida — Admitiu com a voz entrecortada, talvez contendo as lágrimas — Estou... Estou orgulhoso. João me disse tudo o que aconteceu e de sua decisão sobre ficar com o bebê. Respeitarei você, querida. Ficaremos com ele! Esse menino é só uma vitima como você foi.

— Obrigado pai... Tenho certeza que também vai se apaixonar por ele!

Antônio acompanhou nossa conversa na sala em silêncio. Erick dormia o tempo todo no bebê conforto que eu carreguei junto de nós bem ao meu lado.

— Não tenho como te oferecer boa vida agora, muito menos ao bebê. Preciso de um emprego para viver e não vai ser fácil conseguir sendo ex presidiário.

— Eu já disse que ajudo, homem! — João interveio sentado no sofá frente a papai e eu — Não seja turrão e teimoso! Você pode trabalhar comigo na clínica e ajudar em muitas coisas de meus negócios — Ambos discutiram por algum tempo — Acho que é Estrela quem deve decidir, Antônio. Você quer ficar com seu pai ou seguir na casa do descabeçado do meu filho?

Encarei os olhos escuros de papai com hesitação, tremendo por dentro pela decisão.

— Rafael sempre foi bom comigo e me ajudou de todas as maneiras possíveis — Sussurrei mais para mim do que para eles — Mas sinto que atrapalho sua vida... Sinto que tirei dele sua intimidade e sua diversão, tudo o que mais amava.

— Estrela, se me permite... — João interrompeu delicadamente — Rafael não teria ficado ao seu lado se tivesse dúvidas. Conheço aquele garoto desde que nasceu e sei que você realmente é importante para ele, querida.

— Se me permite, amigo... — Papai disse a João, que o encarou — Também conheço teu garoto desde moleque e sei que não é a melhor opção para minha filha! Não é um garoto ruim, longe disso, não quero ofender! Mas não é o meu sonho de genro, tão pouco!

João torceu os lábios.

— Rafael mudou, amigo. Mudou por sua filha e por Erick — Apontou para mim levemente, mas papai não botou fé — Confesso que eu mesmo não acreditava em uma mudança tão brusca e tive de ver para crer.

— Vou ficar por uns dias, pai. Acho que nós dois temos muito a conversar e precisamos de um tempo juntos — Papai estendeu a mão e apertou a minha com carinho, sorrindo de canto.

Eu e Rafael também precisávamos de um tempo. Talvez assim ele compreendesse o que de fato estava acontecendo ao seu redor. João ficou de conversar com o filho sobre os fatos recentes e concordei em me desconectar.

Mandei uma mensagem curta, que diria mais do que mil palavras.

A dor, contudo, não deixava de habitar minha alma. Estava apaixonado por Rafael e a distância não aplacaria aquele sentimento, ao contrário! Tornaria tudo ainda mais doloroso...

Erick e eu estamos em segurança e bem.

Seu pai vai explicar tudo.

Obrigado por tudo que fez por mim e meu filho. Jamais iremos esquecer.
Estrela & Erick.

Enviei a mensagem e segui embalando Erick, que mamava em meu peito com muita vontade. As lágrimas rolavam em meu rosto conforme analisava o rostinho inocente de meu filho, que mesmo sem compreender exatamente, estranhava o lugar onde estava.

Erick amava Rafael, pois a voz dele era a coisa que mais agradava ao meu pequeno, mais até do que a minha própria. Sempre que ouvia Rafael, Erick girava o pescoço em direção a ele cheio de curiosidade e sorrisos banguelos.

Não pude evitar a emoção por saber que talvez ambos não voltassem a estar juntos. Por saber que talvez Rafael se desse conta de que nossa ausência tornava ainda melhor sua vida e ter ficado conosco era um erro. Como uma cadela que foi adotada com seu filhote, me retirei de mansinho e acanhada.

Meu medo era que meu tutor, o meu protetor... Aquele que despertou o amor em meu peito... Nunca houvesse me amado de verdade!

— Está chorando por ele... — Não foi uma pergunta, mas uma afirmação. Papai entrou na sala e sentou-se no sofá enquanto me observava amamentar meu filho e derramar lágrimas sobre ele, secando-as na bochecha antes que caíssem no cabelo claro do bebê — Não gosto de te ver assim, querida, muito menos por um homem.

— Já sei o que pensa sobre ele, pai. Não precisa dizer mais nada, por favor...

— Eu lhe disse que Rafael acabaria fazendo-a sofrer. Você é muito inocente, Estrela, não é o tipo de mulher com a qual ele está acostumado. Tudo que ele queria era um momento com você e...

— Se quer saber, pai... — O encarei firmemente através das lágrimas — Rafael nunca relou um dedo em mim! Nunca me falou com respeito e, para ser clara, nunca fomos para cama ou sequer chegamos perto! — Meu pai fechou os lábios, surpreso — Rafael foi respeitoso e cuidou de nós... De mim e de Erick. Pagou meu curso de fotografia, comprou todo o enxoval do bebê, me levou para médicos caros e até registrar meu filho, registrou!

— Então porque fugiu dele? — Questionou diretamente — Se ele era tão bom, porque não ficou lá com ele, Estrela?

— Porque não quero mais atrapalhar a vida dele! — Funguei e sequei as lágrimas no rosto, vendo que Erick já dormia. O coloquei em posição de arrotar e segui batendo levemente nas costinhas — Não quero sobrecarregá-lo com um filho que não é dele. Rafael não tem obrigação de mudar tanto sua vida por mim e por Erick... Não foi ele quem me engravidou, mas é quem está passando perrengue com um bebê que não dorme e dá muito trabalho! Não acho certo e justo!

Meu pai tomou fôlego e me encarou pensativo, recostando-se ao sofá.

— Eu não deveria te dizer isso, pois é um segredo de amigos, mas... — Comprimiu os lábios — Rafael é adotado de mãe, Estrela. Ele não é filho legítimo de Marine, somente de João. A mãe biológica dele foi uma garota e programa com quem João se relacionou na juventude, antes de Marine, e acabou engravidando.

— O que? — Sussurrei quase sem voz, atenta ao que dizia — O que está dizendo, pai?

— João teve um caso com uma garota de programa na juventude, quando éramos moleques irresponsáveis. Pode imaginar? — Neguei com convicção, assustada — Pois é... João era mais maluco que o filho, se quer saber, e somente mudou quando Rafael nasceu e chegou a sua vida. A prostituta não queria o garoto, queria abortar, mas João pediu que ela desse uma chance e entregasse o bebê a ele — Meu queixo caiu diante da história — O menino nasceu, João fez o DNA e constatou que realmente era dele. A mulher desapareceu e abriu mão do filho. João o criou com a ajuda da família até conhecer Marine na faculdade e ambos se casarem. Ela também adotou o menino quando ele já tinha cinco anos e pouco depois tiveram Yohana.

— Rafael é adotado, então?

— Ele não é filho de Marine, apenas de João. A mãe dele foi embora... Nunca o quis — Tudo ao meu redor parecia confuso — Talvez por isso você não compreenda o amor de Rafael por seu filho, mas quem sabe da história, sim, pode compreender. Foi isso que João me disse antes de ir embora... Para me lembrar da história dele e comparar com a de Rafael. João também era maluco como Rafael quando jovem e mudou com a chegada do filho. O mesmo pode acontecer com Rafael, já que ele sentiu na pele o abandono e sabe perfeitamente que o amor não se mede pelo sangue, mas pelos sentimentos... Apesar de não ser mãe dele de sangue, Marine o ama como um filho e o trata exatamente da mesma maneira que trata Yohana — Meu pai abriu os braços e deu de ombros — Devo admitir que sim, tudo pode mudar. Meu amigo mudou... O filho dele também pode mudar, Estrela.

— Eu jamais imaginar que Marine não fosse mãe biológica de Rafael... — Sussurrei baqueada, mas não de maneira negativa — Isso tudo é tão relevador. Tão...

Eu não encontrava palavras!

Pela primeira vez tudo começava a fazer sentido. Pela primeira vez consegui compreender um pouco do que se passava no confuso coração de Rafael e me senti culpada por julgá-lo.


Apertei a campainha da casa de Antônio Fontes, um dos melhores amigos do meu pai, já bem tarde da noite.

Sequer chequei o relógio para tomar em conta qualquer boa aparência, limitando-me a apertar novamente com mais força para me fazer ouvir. Demorou, mas com insistência consegui que Antônio finalmente abrisse a porta e me encarasse com sua face cansada ainda mais atordoada.

— Ah, é você rapaz! — Suspirou derrotado, apoiando-se no batente — O que quer? Estrela está descansando com o menino e certamente seu pai já disse tudo que tinha para dizer, não é? Sei que João é bom com as palavras e deve ter explicado que minha filha precisa de um tempo...

— Do mesmo jeito que o senhor se preocupa com sua filha, eu me preocupo com meu filho — Relembrei tentando manter a calma e ignorar o deboche em sua expressão — Tenho respeito por você, Antônio, mas preciso ver meu filho. Preciso falar com Estrela... Não vou ter paz se voltar para casa sem ao menos vê-la e falar com ela!

Antônio baixou a cabeça e reuniu forças. Segui ali parado frente a ele, a imagem perfeita de um idiota. Pela primeira vez eu não me sentia tão inútil, mas completamente perdido na situação. Jamais implorei por alguém... Jamais amei alguém como amava Estrela.

— Deixe-a descansar um pouco a mente, Rafael. Estrela está sobrecarregada com o bebê e confusa sobre você — Apontou para mim de maneira triste — Porque teve de se meter com ela, rapaz? Porque justo minha pobre filha? Será que não tem um pingo de respeito por todo mal que Estrela passou? Ela foi estuprada por um canalha vagabundo e ainda topa com você no caminho! Não acha suficiente todo o sofrimento dela até aqui, ainda quer tripudiar?

Suspirei e reuni forças também, juntando as mãos frente ao corpo como se orasse. Ou implorasse...

— Se estou aqui agora é porque amo sua filha! — Garanti convicto e ele me encarou surpreso — Estrela apareceu em minha vida quando tudo era um caos... Afundei-me no profano, tendo enraizado em minha mente que jamais amaria uma mulher porque não queria me apegar a nem uma delas. Minha própria mãe me abandonou, que dirá qualquer outra!

— Marine te ama, rapaz.

— Eu sei que sim, mas... Me amou primeiro por amar meu pai. Eu não acreditava no sentimento, sabe? Nesse amor puro e genuíno, sem nada em troca — Sorri de canto e Antônio seguia me encarando — Estrela chegou de mansinho, tomou conta da minha vida e trouxe Erick com ela. Erick é meu filho, Antônio, tanto no papel quanto no coração — Levei uma das mãos ao peito — Da mesma maneira que Marine me amou, agora o amor também. A vida me deu um tapa na cara e mostrou que existem boas mães e que o amor de um pai nasce do convívio, da proposta, do sentimento criado... Não apenas do sangue.

— Rafael... Tudo isso é muito bonito, mas não creio que possa compreender Estrela.

— Estrela não tem obrigação de ficar ao meu lado, Antônio, você está certo! — Ergui as mãos em sinal de redenção — Mas assumiu comigo a responsabilidade por Erick quando ele nasceu! Não o fizemos juntos em um ato sexual, mas decidimos criá-lo com consenso, plenamente conscientes do fato! Ela é a mãe e eu sou o pai... Precisamos falar sobre Erick. Estrela não pode tirar meu filho de mim, muito menos por teorias bobas que só existem na inocência dela!

Antônio me encarou profundamente, como se recordasse algo muito escondido. Tocou meu ombro com compreensão, comprimindo os lábios.

— Te vejo agora e me lembro de seu pai quando você nasceu, garoto — Sorriu emocionado — João era como você e me fez pensar sobre isso hoje, quando chegou aqui com Estrela. Acredito em você, em sua mudança e em seus sentimentos por meu neto e minha filha, mas é Estrela quem deve decidir se quer te ver ou não... Se deseja realmente tê-lo em sua vida.

— Eu sei... Mas preciso tentar! Quero o melhor para ela sempre.

— Minha filha é uma guerreira e não merece sofrer mais, seja pelo que for! Tudo o que passou foi muito pesado, rapaz... Espero que compreenda os motivos dela caso sejam contrários a sua vontade.

— Certamente compreenderei, Antônio, mas... Preciso tentar. Preciso ver meu filho!

— Tudo bem... Agora ela realmente está dormindo após um dia agitado com muita conversa entre nós — Dizia triste — Demorou muito para fazer o bebê dormir e estava esgotada. Amanhã, logo pela manhã, você pode voltar e falar com ela.

Tive de compreender.

Não pude passar por cima da vontade de Antônio em sua própria casa, muito menos diante do cansaço de Estrela. Concordei e voltei para minha casa vazia e silenciosa, onde passei a noite sentado na poltrona do quarto azul de Erick segurando um bicho de pelúcia em meus braços enquanto o recordava.

Apareci no dia seguinte na hora marcada, usando a mesma roupa do dia anterior e sem esconder o quão derrotado estava.

Foi Estrela quem abriu a porta, linda com seu olhar castanho preso em meu rosto e o semblante sereno. Usava um vestido florido azul e branco, um casaco jeans e sapatilha nos pés. O cabelo espesso e negro descia até a cintura, a franja caia no rosto bonito... Engoli em seco diante dela, apaixonado.

— Você veio... — Sussurrou quase sem voz, dando-me passagem ao seu lado — Entra — O fiz sem delongas, parando em meio à sala simples e silenciosa. Estrela parou a minha frente com os braços cruzados.

— E o meu filho? — Estrela moveu o queixo para a escada.

— Lá em cima dormindo. Meu pai está de olho nele, não se preocupe! — Concordei — Erick está muito bem e...

— Não diga que não é meu filho, por favor! — Estendi a mão para que não falasse nada sequer antes de terminar — Você sabe que é...

— Eu não ia dizer isso — Sorriu envergonhada — Ia te pedir desculpas, Rafael. Perdão, na verdade.

Ajeitando um mexa de cabelo atrás da orelha, Estrela me encarava com seriedade e o semblante envergonhado.

— Pelo que?

— Por ter duvidado do seu amor por Erick... — Confessou tímida, dando um passo em minha direção — Meu pai me contou sobre você e Marine não terem o mesmo sangue. Contou-me a história que se eu houvesse ouvido de você, tudo teria sido muito diferente.

Baixei o rosto e cocei à nuca.

— Em meu coração não existe nada para dizer — Estrela estreitou o olhar de maneira confusa — Pode parecer soberbo e egoísta, mas em meu coração Marine é minha mãe, pois é a única mulher com esse titulo que conheci. A única que verdadeiramente me amou, mesmo eu agindo com rebeldia no começo e negando seu afeto — Estrela sorriu de canto — Quando finalmente aceitei o amor dela e passei a chamá-la de mãe, prometi a mim mesmo que nunca mais colocaria a prova nossa relação. Nunca mais voltaria a tocar no assunto e o deixaria para sempre em seu lugar... No passado.

— Pois é... Mas era importante, neste caso.

— Concordo que deveria ter dito, mas você sequer me deu tempo de amadurecer a ideia ou explicar algo antes de desaparecer! Não fui justo tirar meu filho de mim assim, Estrela. Não foi justo!

— Não fugi, apenas vim passar um tempo com meu pai — Reafirmou — Não quero mais atrapalhar sua vida, Rafael.

— E eu não quero mais ouvir esse tipo de coisa, Estrela! — Aproximei-me mais e ela não recuou, seguiu parada em seu lugar com o olhar fixo em mim — O amor que sinto por Erick vem do amor que sinto por você! O mesmo amor que Marine sente pelo meu pai e se transformou em amor por mim também! — Esmoreci, baixando os braços ao lado do corpo e encarando-a de maneira derrotada — Mas não sei mais o que fazer para te convencer... Para te provar! Eu só imploro que não me tire o direito de ver Erick, porque como eu disse, eu o amo! Não pretendo abrir mão do meu filho... Não pretendo abrir mão do nosso amor, a menos que você me peça.

Dei as costas a Estrela para tomar fôlego e ouvi sua voz delicada soando as minhas costas.

— Aprendi a acreditar nos homens com você, Rafael... Aprendi a amar — Segui parado, apreciando suas palavras e tentando compreender — É como se fosse uma luzinha no fim do túnel, sabe? O arco-íris depois de tanto sofrimento...

Virei-me lentamente para encontrar seu olhar castanho tomado por lágrimas. Eu a via linda e emocionada, mas confusa.

— Então porque não dá uma chance para nós, Estrela? Por quê? Não quero vê-la sofrer...

Estrela secou o rosto em uma passada firme, sorrindo de canto como se jogasse a hesitação de lado. Caminhou até mim lentamente, pousando a palma da mão em minha face. Fechei os olhos sob seu toque, deixando todo aquele sentimento preencher minha alma aos poucos, conforme crescia.

Senti seus lábios nos meus delicadamente. Sua boca quente na minha com aquele beijo casto e puro que ela tinha, tão terno que doía em minha alma. Abracei-a repentinamente, puxando-a para mim com a certeza de que esperei por isso durante muito tempo. A beijei de volta com ímpeto e saudade, pressionando-a contra meu corpo que clamava por ela.

— Eu te amo, Rafa... Eu... Quero voltar — Garantiu emocionada, abraçada a mim e olhando-me de baixo — Quero estar ao seu lado porque confio em você.

As palavras trêmulas me pegaram de surpresa, porém não tive coragem de questionar. Abracei Estrela contra mim beijando-a novamente, erguendo-a em meus braços pela felicidade que me tomava.

Eu jamais a decepcionaria!


Estrela voltou para casa com Erick naquela manhã e trabalhei o dia todo pensando nela. A babá que a ajudava a tomar conta do bebê durante o dia ficaria com ele naquela noite para que pudéssemos ter um tempo juntos, algo como um jantar de reconciliação. Eu queria propor noivado a ela formalmente, finalmente encostando-me ao amor.

Depois do jantar a levei para passear na praça ao redor, um lugar bonito e decorado para o dia dos namorados. A observei sorrindo e olhando para a decoração encantada. Em minha mão livre eu carregava as sandálias dela, que chacoalhavam de um lado para o outro conforme as luzes vermelhas e brancas rodopiavam sobre nós.

Seu cabelo negro e espesso se desfazia do penteado alto, soltando fios ao redor de sua bonita face. No corpo belo, um vestido verde-escuro que se delineava as curvas que rapidamente voltaram ao lugar após o nascimento de Erick. Ela insistia em dizer que antes era muito mais magra e havia ganhado corpo, mas eu achava sua figura perfeita! Não havia defeitos nela...

Começou a chover repentinamente, como nas histórias de televisão. Estrela não se intimidou, seguiu ali com os braços abertos e olhando para o céu. Tão pouco me importei... Apenas a admirava, sentindo o frio da chuva me tomar à pele.

— Olha a chuva, Rafael! — Sorriu para mim animada.

— Você tinha medo quando te conheci — Tomei sua mão pequena e seguimos para o carro.

— Tinha medo de muitas coisas quanto te conheci — Quando chegamos ao carro, não me deixou entrar. Colou-se ao capo e me puxou para abraçá-la — Mas sabe... — Sua boca, próxima de meu ouvido, sussurrava — Superei muitos medos... Sinto-me livre deles e falta apenas um para que tudo fique para trás de uma vez! — Seus olhos castanhos se encontraram com os meus — Quero ser sua, Rafael.

Por um momento senti as pernas tremulas pelo desejo. Respirei fundo e toquei seu rosto.

— Também te quero, meu amor — Beijei-a na testa — Você é tudo em minha vida!


Não podia seguir refém de meus medos.

Não podia ignorar a felicidade por um passado marcado pela dor que não foi culpa minha!

Decidi dar um passo importante rumo ao final de meus questionamentos, colocando o amor em primeiro lugar. Rafael não era o monstro que me feriu e estava longe de ser algo ruim em minha vida. Eu o amava...

Não fomos para casa. Pedi que Rafael me levasse a um lugar especial onde pudéssemos ficar sozinhos, uma vez que a babá, Ana e Erick dormiam em nossa casa. Meu corpo estremecia com a ideia e ao me ver sozinha com ele em um luxuoso quarto de hotel, senti que não podia voltar atrás. Toquei a gola da camisa dele nervosa, tomando coragem para continuar.

— Sei que não é muito... — Minha voz tremia — Mas tudo que tenho a oferecer sou eu mesma — Rafael se aproximou para colar a testa na minha.

— Diz isso porque não tem ideia do quanto vale para mim — Sussurrou. O tom rouco de sua voz causou desestabilidades no meu coração. Fechei os olhos quando delicadamente levou os lábios para beijar meu pescoço — Confesso que estou tão nervoso quanto você, minha menina — Acariciou minha cintura delicadamente — Será novo para mim fazer amor com alguém.

— Então vamos encarar as novidades juntos! — Ergui o rosto e o beijei. O entusiasmo com o qual retribuiu me deixou mais confiante. Era como se tudo estivesse se encaixando — Pode apagar a luz? — Rafael adotou uma expressão confusa e mordi os lábios — Por favor... A luz não é tão importante.

A verdade é que não queria me lembrar de nada ruim sobre aquela noite. Não queria que meu momento com Rafael fosse marcado por lembranças trágicas e jamais assimilá-lo com aquele monstro. Não demorou até Rafa se virar e apagar o abajur que iluminava o quarto. Tudo o que se ouvia eram nossas respirações alteradas e os pingos de chuva batendo contra a vidraça da janela fechada. Fui eu quem deu o primeiro passo.

Ainda sentada no colo dele, me adiantei a beijá-lo. Havia mais toque e mais contanto entre nós agora. Confidenciei a mim mesma que deixaria tudo ou qualquer coisa de lado e aproveitaria o momento único em minha vida.

Era difícil para ele também. Rafael me acariciava, porém apenas na cintura, nas costas ou braços... Certamente pensava que ao me tocar em qualquer lugar de um apelo maior eu o repeliria e teria uma reação negativa. Pensando nisso, toquei uma de suas mãos em minha cintura e a conduzi lentamente a parte alta da minha perna, junto de meu quadril. Enquanto me devorava os lábios, Rafael apertou-me levemente. Continuei com a mão sobre a dele e suspirei ao pensar no que deveria fazer.

Fui deslizando seu toque por minha perna – levando junto o vestido para cima - até fazer sua mão alcançar minha intimidade. Abandonei sua mão e circulei seu pescoço com os braços, deixando que Rafael me tocasse. Seu toque abriu caminho entre as minhas pernas e se perdeu, ao mesmo momento em que eu me afogava em um intenso mar de sensações. Os dedos hábeis se tornaram úmidos pelo meu desejo.

Não senti vontade de correr dele, mas sim de chegar mais perto e me forçar contra sua mão. Retirei sua camisa e a joguei no chão, ao passo em que com a outra mão ele fazia o mesmo com minha única peça de roupa. Suavemente seus dedos me conduziam as melhores sensações e apoiei-me em seus ombros para me deixar levar por tudo. Senti quando deslizou um de seus dedos para dentro e meu corpo todo estremeceu em sensações profundas.

Finalmente encontrei a sintonia.

Rafael moveu-se rapidamente e me deitou sobre a cama e se impôs sobre mim, pressionando seu corpo no meu enquanto nossos lábios ditavam o ritmo. Aproveitei seu corpo, deslizando as mãos nele para senti-lo e tocá-lo. Não existia mais nada. Nada que não fosse sua pele contra minha pele.

Toquei os lábios dele após a ultima peça de roupa que nos separava ir se juntar as outras. Nos encaramos no escuro enquanto meu polegar deslizava por seus lábios e as mãos dele delicadamente acariciavam os meus seios. Isso jamais poderia me deixar amedrontada. Gentilmente dedilhou todo meu corpo e pedi silenciosamente para que me possuísse. Queria estar em seus braços... Esquecer com seu amor toda dor.

Os lábios de Rafael tocaram meus seios. O corpo dele estremeceu sobre o meu e limitei-me a gemer com a sensação de estar deixando esse homem louco por mim. Era o que mais me encorajava.

Senti o coração perder incontáveis batidas no momento em que Rafael segurou minhas mãos e entrelaçou nossos dedos enquanto se colocava entre as minhas pernas e deslizava lentamente para dentro de mim. Fechei os olhos sentindo cada centímetro dele tomar o meu corpo completamente. Não havia no mundo nada como aquilo.

Foi suave de inicio, mas logo seu quadril investiu com força em minha intimidade. Senti-me dilatar ao tamanho dele, que me preenchia demonstrando o quanto me amava.

— Isso é bom... — Sussurrei contra os lábios dele, encarando-o no escuro.

— Você gosta? — Voltou a preencher-me e soltei um gemido longo.

— Sim, muito!

Entrou ainda mais fundo. Juntos através da escuridão eu sentia nosso amor mais do que qualquer coisa conforme nossos corpos se encaixam perfeitamente.

O amor não braços de Rafael não tinha nenhuma relação com toda a dor que senti no passado.


As coisas mudaram para mim e tive plena certeza quando estiver com Estrela, minha linda menina.

— Foi um passo grande ter me entregado a você... — Confessou após nosso momento, deitada em meu peito. A paz que me consumia era acompanhada pelo doce ressoar de sua respiração — Acho que não tem ideia do quanto significou para mim.

— Sei o quanto significou, minha menina. Sei que temos um laço eterno agora — Toquei seus dedos nos meus e sorri para ela, que me encarava de baixo um pouco tímida. Beijei sua testa — Te admiro cada vez mais, Estrela. Você é uma mulher maravilhosa em todos os sentidos.

Sem que eu esperasse, Estrela se afastou e colocou-se ereta a minha frente, ajoelhada na cama. Em seus olhos habitava um brilho diferente, algo como uma sedução tímida e delicada. Algo que me fascinou!

— Vou mostrar a você como eu sou de verdade...

Delicadamente suas mãos percorreram seu corpo até chegarem à barra de minha camisa branca que se moldava com perfeição ao corpo pequenino. Aos poucos Estrela deslizava a peça para fora de seu corpo em movimentos inocentes, porém muito sensuais. Meus olhos eram incapazes de abandoná-la, assim como a seus lindos movimentos. A única peça de roupa que usava caiu no chão ao seu lado e pude contemplar a mulher que amo nua aos meus olhos, exibindo toda sua inocente perfeição.

Pisquei várias vezes quando ela se deslocou tremula, caminhando em minha direção. Postou-se a minha frente, em meio as minhas pernas. Cada parte de seu corpo era captada por meu olhar que pretendia memorizar cada pedacinho de toda sua delicadeza. Era perfeita, doce e sexy como eu me lembrava e assim, desperta, deixava meu corpo em chamas derretendo de desejo. Minhas mãos tremiam forte. Eu queria agarrá-la, apertá-la contra meu corpo e beijar todo o alcance de sua pele...

Seu cabelo caia liso em seus ombros pálidos e os fios escuros pousavam em seus seios rosados e volumosos. Os olhos castanhos me convidavam.

Suas mãos se ergueram e puxaram minha camisa por minha cabeça, antes dela enroscar os dedos em meus cabelos e chegar mais perto, me grudando em sua pele, respirando contra minha testa. Fechei os olhos e envolvi sua cintura ouvindo sua respiração ofegante em fusão com minha pele.

Suas mãos deslizaram por meus ombros sentindo os calafrios que me percorriam.

Toquei seu corpo e tamborilei minhas mãos por sua pele em um breve momento de desestabilidade. Ergui-me e a puxei de encontro ao meu peito, invadido pela sensação indescritível de seu corpo moldado e deliciosamente colado ao meu.

Fechei os olhos quando seus beijos castos se deslocaram para o meu pescoço, sentindo suas mãos percorrerem o cós da minha calça. Deslizei o toque por sua pele experimentando suas reações, deliciando-me com seus doces gemidos ao passo em que minhas mãos percorriam seus seios.

Quando me senti livre da calça e percebi que suas mãos pequenas percorriam minha barriga em direção a partes mais baixas, segurei seus pulsos e a prensei contra o colchão, beijando-a enquanto roçava minha ereção contra seu ventre. Estrela gemia e desfalecia aos poucos em meus braços e neste momento senti que era à hora.

Livrei-me da roupa que restava em meu corpo e deslizei sua perna direita pelo meu quadril. Impulsionei o corpo contra o calor de sua umidade e em seguida senti-me deslizar por sua cavidade tensa e molhada. As mãos pequenas se fecharam em meus ombros enquanto Estrela gemia quase dolorosamente.

Meu corpo se afundava no dela como se ali fosse seu encaixe sob medida.

O prazer explodia entre nós e meu maior medo era não conseguir parar jamais de invadi-la com minha maior disposição. Suas unhas cravaram-se em meus ombros e espasmos percorreram seu corpo, apertando meu sexo no dela. Continuei, pedindo silenciosamente para que nunca mais acabasse.


Nossos corpos ainda unidos... O corpo dele deslizando dentro do meu. Nunca pensei que poderia ser tão bom!

Apertei os dedos no cabelo claro de Rafael quando senti novamente aquele prazer que desconhecia nos braços de um homem até aquele instante. Seus braços me envolveram mais fortemente e gemi sentindo novamente espasmos violentos se apossando entre minhas pernas.

— Boa menina... — Sussurrava em meu ouvido, empurrando dentro de mim com a mesma disposição de quando começamos há momentos atrás. Mais fundo, mais forte, mais intenso.

Colei meus lábios nos de Rafael quando senti o êxtase se abater sobre ele. Sua essência deslizava para dentro de meu corpo e sentindo essa maravilhosa sensação.

— Rafael — Sussurrei segurando em seus ombros com a respiração a fio — Não posso mais! Estou cansada...

— Eu sei amor — Disse contra meus lábios, se retirando de dentro de mim. Fechei os olhos e gemi diante da sensação de perda. Apesar de não aguentar mais, senti-lo dentro era reconfortante — Eu sei — Beijou minha testa e se deitou ao meu lado na cama.

Arrastei-me e me deitei sobre seu peito com a respiração ofegante. Suas mãos percorriam minhas costas e arrepios deliciosos advinham do frágil movimento.

— Você é tão boa... Tão linda... — Me apertou e me beijou na boca quando ergui o rosto — Me vicia! Te amo, Estrela. Te amo como pensei que não pudesse amar!

— E eu amei fazer amor com você... Amei como não pensei que pudesse amar!

Sorrimos um para o outro sabendo que o fato nos completava. Não havia nada no mundo que pudesse nos separar agora. Não mais!

Rafael me pediu em casamento no batizado de Erick, quando Yohana e Vinicius foram seus padrinhos. Meu pai ficou extremamente aliviado com o fato, finalmente se dando conta de que minha história com ele era para valer.

Eu, que após viver um pesadelo e um luto que pareciam ser eternos, finalmente enxerguei uma brechinha de felicidade!

Tudo se tornou melhor conforme Erick foi crescendo e se tornando um garotinho, não mais um bebê. Pude começar uma carreira com a ajuda da babá e me aperfeiçoei na fotografia. Rafael me incentivou a fazer uma graduação em audiovisual e comecei o curso semipresencial. Foi a melhor coisa que fiz por mim!

Nos casamos quando Erick tinha dois anos em uma cerimônia linda e intimista com nossos amigos e a família de Rafael. Não foi nada fácil para ele descobrir que sua mãe biológica havia morrido tragicamente, assassinada por um namorado, quando resolveu entregar um convite a ela. Apesar de tudo, Rafael encontrou forças em Erick e em mim e seguiu a diante.

Aos vinte e um anos, eu já era mãe de um garoto de dois anos, casada e cursava o terceiro ano da graduação. Meu pai conseguiu um emprego administrativo na clínica da família de Rafael e conseguiu colocar a vida no lugar.

Yohana e Vinicius se casaram e tiveram uma filha, uma garotinha. Até mesmo Igor, o amigo descabeçado de Rafael, também arrumou sua tampa da panela e acabou se casando!

Se existia volta por cima, certamente consegui dar a minha, pude concluir quando me formei aos vinte e três anos e vi meu marido, meu filho e meu pai contentes na primeira fila, me aplaudindo com intensidade.

Apesar da felicidade, o borrão negro do meu passado ainda me atormentava silenciosamente, quase como um segredo que eu escondia de todos e apenas sussurrava para minha própria alma. Eu temia não por mim, mas por meu doce Erick, que cresceu envolto por uma mentira.

Meu pequeno sequer desconfiava que não era filho de Rafael, muito menos que seu pai biológico estava cumprindo pena por ter me estuprado. Hank saiu do hospital e foi para a prisão, condenado a cumprir somente sete anos de pena, um absurdo, mas que foi irrevogável!

Já fazia cinco anos e não havia um só dia em que eu não pensasse em como seria quando ele saísse... Não havia um só dia em que eu não olhasse para Erick e pensasse em sua decepção ao descobrir a verdade sobre seu nascimento, sendo ele tão apegado a Rafael, o homem que ele chamava de pai desde quando nasceu! Eu temia por meu filho... Temia pela ideia de que um dia Hank resolvesse voltar e algo me diria que sim, ele faria!

Seu desejo de vingança seguia vivo.

Para não me matar, me fez prometer naquele dia que não diria nada, mas acabou acontecendo. Eu sabia no meu interior que Hank contava os minutos para estar novamente frente a frente comigo.

Havia outra coisa também... Algo que me amedrontava só de pensar!

Algo que acabou acontecendo sem que eu previsse, cinco anos depois de ter visto Rafael pela primeira vez. Algo que poderia mudar toda minha vida e, principalmente, a do meu filho.


Me vi em um belo um jardim lindo e florido.

Estatuas de anjos circulavam todo o lugar e ao centro uma fonte jorrava água de dentro de uma pétala de rosa. Eu estava lá, sozinha e sentada em um banco. Observei tudo e fechei os olhos para ouvir o canto dos pássaros e o barulho das folhas das árvores batendo contra o vento. De longe um choro de criança muito familiar aos meus ouvidos se propagou e imediatamente abri os olhos, colocando-me de pé.

— Erick?

Olhei em volta para ver se o encontrava. Era o choro dele. Era meu filho!

Corri em direção as arvores e passei por caminhos diversos até vê-lo. Erick estava sentado no chão ao lado de uma estatua de anjo e chorava a ponto de perder o fôlego!

— Sai daqui mamãe! Vá embora! — Seus olhos quase na cor do céu me contemplavam com dor — Não quero você. Odeio você!

As mãozinhas agora rodeavam os dois joelhos, onde escondia a cabeça. Somente seu cabelo loiro cortado em forma de tigela era visto por mim.

— Erick — Me ajoelhei diante dele tentando me aproximar, mas não podia tocá-lo. Era como se uma barreira invisível me impedisse de tocar meu próprio filho — O que você tem? O que foi que eu fiz?

— Odeio você!

— O que foi que eu fiz? — Tentei novamente chegar perto dele, mas a barreira invisível ainda me impedia — O que eu fiz?

Erick desviou os olhos e contemplou o meu ventre. Sob o vestido branco e esvoaçante que eu usava havia uma redonda e perfeita barriga de grávida, redonda e perfeita.

— Você me esqueceu, mamãe! Trouxe outro bebê e agora o papai o ama mais! Os dois me trocaram por ele! Ele é fruto do amor... Eu sou fruto do ódio!

Desesperada perante Erick, tentei dizer algo, mas minha voz morreu quando um homem começou a se aproximar, vindo das sombras. O homem ultrapassou o escuro invisível e pegou na mão de meu filho... De meu Erick!

Era ele! Hank. O estuprador! O monstro! O pai biológico de Erick!

— Vai ficar tudo bem, filho. Você está com o papai agora.

— Larga o meu filho! Ele não é seu, é meu! Deixe-o em paz! Deixe o meu filho!

— Você sabia que um dia eu viria buscá-lo — Hank disse com a voz carregada de ódio — Erick agora é meu e através dele vou fazer com que você pague por todo o tempo que fiquei na cadeia!

Hank me deu as costas com Erick em seu colo. Ajoelhei-me no chão vendo Erick por cima do ombro de Hank estendendo as mãozinhas em minha direção.

— Me solta! Quero a minha mãe! Você não é meu pai, você não é Rafael! Mamãe, não foi minha culpa! Não foi minha culpa!

Senti a mão pequena de outro garotinho tocar minhas costas. Um garotinho idêntico a Rafael.

— Está tudo bem mamãe. Erick já foi embora e agora nós somos uma família de verdade.


Acordei com o vômito me invadindo a garganta, virando o rosto para conseguir chegar até o banheiro e despejar no vaso todo meu nojo pelo sonho terrível que tive. O enjoo vinha se propagando há dias e eu me recusava a ir ao hospital.

A verdade é que sentia medo do resultado. Sentia medo de estar grávida.

Sentei-me aos pés da pia e abracei os joelhos, sentindo todo meu corpo trêmulo e a cabeça rodopiando. Erick me chamava, mas eu não era capaz de responder, tamanha fraqueza que se abatia de meu ser.

— Mãezinha? — Vi meu filho, lindo como era, aparecer na porta do banheiro usando seu uniforme escolar. Isso significava que me esperava para levá-lo — Mãe, você está bem?

— Erick... — Gemi me sentindo fraca, esticando a mão em sua direção — Onde está Rafael?

Erick se aproximou e abaixou a minha frente, tocando-me o rosto. Analisei seus olhos azuis com cuidado, admirada com sua beleza infantil. O cabelo claro caia no rosto com uma franja nos olhos.

— Papai! — Gritava assustado, segurando minha mão — Papai, me ajuda!

Perdi os sentidos ao ver Rafael entrando no banheiro e abaixando-se ao meu lado junto de Erick. Aquilo não parecia um bom sinal!


— Onde estou? — Surpresa ao ver médicos ao meu lado, sentei-me para olhar em volta e me dar conta de que estava em um pronto socorro — O que houve? E Rafael?

— Acalme-se Estrela — Uma médica se sentou na cadeira ao lado de minha cama com uma prancheta no colo, escrevendo algo na mesma — Seu marido foi para casa. Disse que seu filhinho ficou muito assustado com seu desmaio, mas em breve voltará para buscá-la. Agora que sabe que está tudo bem, resolveu ir acalmar o filho.

— Que bom que foi acalmar Erick... — Suspirei aliviada, levando uma das mãos à testa — Que sensação horrível! Nunca antes senti uma fraqueza tão profunda! — A médica sorriu de canto — Preciso realmente aprender a me alimentar melhor!

— Realmente tem que se alimentar bem, Estrela, principalmente agora... — Me esticou um papel sulfite. Encarei o mesmo com desconfiança, mas o peguei — Meus parabéns, você está grávida! Seu marido ficou imensamente feliz com a notícia!

Ergui os olhos para ela sem acreditar, passando-os pelo papel com rapidez. Tratava-se de um exame de ultrassonografia.

“Gestação de feto único com batimentos cardíacos presentes. Idade fetal aproximada: 6 semanas e 2 dias”.

“Você me esqueceu, mamãe! Trouxe outro bebê para casa e agora o papai o ama mais do que a mim! Vocês dois me trocaram por ele!”.

“Ele é o fruto do ódio! Eu sou o fruto do amor!”

— Não pode ser... — No momento em que o flash de cenas de meu sonho invadiu minha mente tudo começou a ruir. O sonho era mesmo um aviso, mas já era tarde demais! — Meu marido não pode ter filhos!

— Parece que seu marido foi exceção a regra, então. Ou existia uma mínima possibilidade que foi concretizada, Estrela. O exame é muito claro... Você está grávida!

Meu maior temor desde que me casei com Rafael era engravidar de um filho dele, mas tratei de esconder esse segredo até de fato me ver grávida. A felicidade dele com o bebê transbordava em seu sorriso, enquanto minha expressão sequer se alterava quando contávamos a alguém sobre a novidade.

Recusei-me a acreditar no início, mas agora, conforme os meses passavam, a barriga crescia e o bebê começava a se mover, não podia seguir sem me envolver. Era minha obrigação zelar por minha relação com novo bebê, não ignorá-lo como vinha fazendo.

— Mamãe, como a sua barriga cresceu! — Abracei Erick de lado na sala de espera da obstetra, beijando seu cabelo claro enquanto ele deslizava a mão pequena em meu ventre saltado de vinte semanas de gestação — É o bebê?

— Seu irmãozinho está aqui dentro, amor — Erick acariciou minha barriga observando atentamente seus movimentos — Sente ele ai?

— Vai sair quando? — Se estendeu para colar o ouvido em minha barriga — Olá irmãozinho! — Me olhou com seu incrível par de olhos azuis — Qual será o nome dele, mamãe?

— Uma pergunta de cada vez mocinho! Rafael e eu ainda não decidimos... O seu também foi um pouco complicado de entrar em acordo, mas desta vez acredito que você possa ajudar a escolher o nome de seu irmão, o que acha?

— Posso? Que tal Chase, como o cachorro policial do desenho? Pode ser o nome dele? — Gargalhei e neguei, abraçando-o novamente.

Sua inocência me encantava!

— Não é um bom nome para seu irmãozinho, querido! É um nome de desenho!

— Papai! — Rafael se aproximava e Erick saltou da cadeira para correr em sua direção.

— Oi garotão! — Tomou Erick em seu colo com profunda reverência e empolgação — Estava com saudades! — Beijou a bochecha de Erick.

— Mas nos vimos hoje, pai!

— Mas não foi tempo suficiente para aproveitar sua presença, filhão! — Rafael se abaixou ao meu lado e me beijou rapidamente — Prontos para verem no ultrassom meu garotão número dois?

— NÃO! — Me coloquei de pé de maneira nervosa — Não vai ser um menino, tenho certeza que é uma menina!

Rafael me observou por alguns segundos com Erick ainda em seu colo. O pequeno também parecia assustado com minha reação súbita. Nos encaramos em silencio na sala vazia do consultório de Brenda.

— Mas também pode ser um menino, Estrela. Que problema há nisso?

— Estrela? Brenda disse que vocês já podem entrar! — A secretaria avisou sorridente.

Minha gravidez ainda era um enigma para os médicos, uma vez que Rafael tinha pouquíssimas chances de ser pai, mas acabou acontecendo. Para Rafael era um milagre! Acompanhávamos de perto cada evolução do bebê, que crescia forte e saudável em meu ventre e contrariava todas as expectativas.

Rafael e Erick pareciam empolgadíssimos com a possibilidade de saber o sexo do neném. Eu orava para que Brenda não conseguir ver nada. Meu martírio acabou ao descobrir que nossa família estaria completa com a chegada dela... Minha garotinha!

“É uma menina!”

Foi tudo completamente diferente desde então, pois um amor cor de rosa brotou em nossas vidas, um amor igual ao que sentíamos por Erick, mas com suas particularidades. Não havia dor e lembranças ruins naquela gestação amada por mim e por Rafael, que criamos aquele ser com tanto carinho a partir de nosso amor.

— E o nome dela, pai? — Rafael segurava nossa filha nos braços enquanto Erick a observava, ambos no sofá do quarto do hospital a minha frente.

Foi um parto tranquilo, diferente do de Erick, onde eu esperava temerosa pelos sentimentos que teria ao vê-lo. Tudo era leve e bonito ao lado de minha família.

— Quando você estava na barriga de sua mãe e não sabíamos que você era um menino, Estrela e eu pensamos em Rayla. Você gosta? — Erick assentiu com os olhinhos azuis presos na irmãzinha, o pacotinho rosa nos braços do pai.

— Rayla é bonito, pai. Gostei!

— Então está decidido! O nome da sua irmãzinha será Rayla!

— Olá Rayla! — Erick segurou na mão pequena da menininha e sorri em direção a eles — Sou seu irmão mais velho e sempre irei te proteger!

— Rayla não é linda? — Questionei a Erick de maneira orgulhosa — Não é ótimo? Agora temos um garotão e uma princesinha!

— Pai, qual é a diferença entre menino e menina? — Erick cruzou os braços ao perguntar a Rafael. Não pude evitar rir da expressão confusa de meu marido.

— Meninas são como sua mãe e Rayla... Meninos são como eu e você — Explicou rapidamente, buscando ajuda em meu olhar — Quando você for mais velho explicarei melhor, filhão!

Enquanto os observava sentia imensa alegria por Rayla ser uma menina. Erick era nosso único filho e Rayla nossa única filha, cada um deles com suas particularidades.

Papai, os pais de Rafael e Yohana estiveram ali para conhecer a netinha e fizeram muita festa com Erick. Eu sabia que mesmo que Rayla fosse a legitima, fruto de nosso casamento, Erick era como parte do coração de todos e era amado da mesma maneira!

Eu somente podia me sentir grata!


Três anos depois

— Engana-se quem pensou que tudo seria em mar de rosas! Não foi! — Encarei a aglomeração de mulheres e meninas sentadas a minha frente na plateia da palestra. Todos me encaravam atentamente sobre o pequeno palco — No nascimento eu o acolhi e assumi a responsabilidade de criá-lo, mas nosso vinculo mãe e filho se estabeleceu com o decorrer do cuidado, como qualquer outra história de mãe e filho. Foi algo que tivemos de construir junto e tive de aprender a superar, principalmente, os momentos difíceis. Não é fácil ter um bebê muito jovem quando o procura, que dirá quando não o procura! Assumir a responsabilidade consciente de seus atos é o primordial para conseguir estabelecer um vinculo e amar seu filho... Não vai acontecer de imediato, como nos filmes e novelas, mas o amor será construído e hoje posso dizer que é indestrutível! Não existe nada mais valioso para mim do que meu pequeno Erick... — Levei uma das mãos ao peito de maneira emocionada e recebi alguns aplausos em meio a meu sorriso — Olho para ele e me sinto forte! Olhe para ele e me sinto orgulhosa de nossa jornada! Olho para ele e apenas sinto amor! Aquele bebê que um dia pensei que não chegaria a amar se tornou meu melhor amigo e maior incentivador! Não posso imaginar minha vida sem o amor que construímos e sou muito feliz por ter nos dado uma oportunidade! Não saberia viver tranquila se não houvesse feito!

Aplausos inundaram a sala com maior fervor e agradeci com uma leve reverência.

Aos vinte e seis anos me tornei ativista dos direitos femininos e atendia, principalmente, mulheres vitimas de violência sexual como fui um dia. Rafael foi quem conseguiu os contatos e como médico me orientou quanto a muitas questões. Após terminar o curso na faculdade, passei a me dedicar as ciências sociais e estudar as politicas direcionadas a elas.

Palestrar para mulheres vulneráveis e que passavam pelo mesmo que passei – grávidas após um estupro – era de fato recompensador! Através de minha história era possível levar a elas um conforto e ajudar no direcionamento que tomariam em relação ao bebê.

Rayla já tinha três anos.

Erick era um rapazinho de oito!

Enquanto Rayla tinha um espírito livre e divertido, Erick era mais despojado e nerd. Gostava de estudar, de conversar sobre a natureza e tinha em Rafael sua maior referência. Era considerado demasiadamente maduro para um garoto de apenas oito anos.

Erick não sabia que Rafael não era seu pai biológico e sequer desconfiava! Tinha os cabelos claros como os de Rafael e os olhos também, trazendo a impressão de que eram parecidos. Não existia questionamento de quem não nos conhecia, mas eu sentia que Erick já desconfiava de algo.

Jamais perguntou e nunca tocou no assunto, mas eu estava preparar para que esse dia chegasse.

O ambiente iluminado à luz de velas me permitia enxergar tudo ou qualquer detalhe no belo corpo de Rafael. Às vezes acontecia de minha mente traiçoeira me remeter ao passado e me fazer lembrar alguns detalhes do pesadelo que vivi um dia, mas era raro de acontecer.

Nos braços de Rafael eu sempre me esquecia dos fantasmas enterrados em meu passado!

Os lábios de Rafael se movimentavam nos meus carinhosamente e as mãos grandes passeavam por meu corpo sem restrições e reservas.

Sentada sobre a mesa do quarto, senti as mãos habilidosas sob minha saia tocando minhas coxas e deslizando minha calcinha por meu quadril. Estremeci perante o beijo intenso em que seus lábios se impunham nos meus. Deslizei os dedos por sua camisa e a desabotoei lentamente. Rapidamente estávamos quase nus.

Acariciei seu peito enquanto ele tirava minha blusinha e desabotoava meu sutiã com delicadeza, o afastando de minha pele. Seus lábios gentis percorreram cada centímetro de meu corpo, causando sensações intensas e indescritíveis. O puxei mais ao meu encontro, buscando um maior contanto entre nós.

Rafael me envolveu em seus braços ao passo em que me preenchia. Agarrei-me a seus ombros sentindo nossos corpos se unirem o mais fundo e intenso possível. Meus sentidos reagiam a sensações jamais imaginadas. A luz nos permitia olhar o ambiente. Contemplarmos um ao outro enquanto nos uníamos. Os olhos dele, presos aos meus, se transformavam em um tom verde brilhante, evidenciando seu prazer.

Assim como a expressão de seu rosto ao me ver se perder pelo prazer em seus braços, fazer amos assim era a única maneira de lembrar sempre do imenso sentimento que nos unia. Um sentimento que já durava oito anos e parece jamais cessar.

Eu seguia sendo sua menina e ele o meu protetor.

— Você parece pensativa meu amor... — Deitados na cama, deslizei até o peito de Rafael para me acomodar ali, sentindo suas mãos grandes em meu cabelo. As batidas de seu coração vigoroso me acalmavam conforme os minutos passavam — O que anda acontecendo?

— Os pesadelos de sempre, Rafa — Sussurrei um pouco tímida, evitando encará-lo por saber que isso sempre gerava assunto entre nós — Os pesadelos com Erick e meu passado...

— Pensei que eles houvessem ficado para trás há muito tempo, amor.

— Você sabe que não... — Sussurrei — Apenas evito falar para que não se torne algo pesado entre nós, mas eu os tenho toda semana.

— Não gosto que pense nisso! Você sabe que nada vai acontecer com você e Erick, Estrela — Me beijou na testa — Primeiro teriam que me matar! Ele está preso e nós sabemos disso.

Nada respondi, apenas abracei com mais força o peito forte de Rafael, que seguia me acariciando com gentileza e carinho. Queria acreditar em suas palavras, mas intimamente existia a certeza de que eu jamais seria completa antes de encarar aquele monstro frente a frente novamente.

Jamais ficaria em paz enquanto ele estivesse vivo, a espreita, mesmo que atrás das grades. O medo de que fizesse algo contra mim ainda existia, mas principalmente sobre meu Erick. Ouvi quando meu advogado contou a Rafael que Hank jurou vingança contra mim no julgamento... Ouvi as ameaças e não podia dormir em paz com elas!

O medo do que Erick sentiria ao descobrir que era filho de um monstro, e não do homem que ele mais admirava, me consumia! Meu filho me culparia? Odiaria a mim por ter mentido? Como ficaria sua relação familiar, que era tão positiva, a partir de então?


Às vezes era estranho pensar na maneira absurda como minha vida mudou nos últimos anos.

O rei da irresponsabilidade agora tinha dois filhos, uma esposa e horário para chegar em casa! Depois do milagre do nascimento de Rayla, uma filha biológica que jamais esperei, qualquer coisa em minha vida parecia crível.

O buraco de um filho não existia pela presença de Erick, mas foi uma experiência incrível gerar uma vida a partir da minha, mesmo que o amor seja o mesmo!

— Pai... — Erick apareceu no escritório enquanto eu trabalhava e bateu na porta delicadamente. Espiei sua figura pequena na porta e sorri, fazendo um gesto para que se aproximasse — Posso falar com você?

— Quando quiser campeão, senta ai! — Apontei a cadeira a minha frente e segui digitando. Erick sentou-se e demorou um pouco para começar — Do que se trata?

— É que... — Coçou a cabeça de maneira pensativa, mas eu ainda olhava para o computador — É que tem acontecido uma coisa estranha comigo por esses dias. Uma coisa que tem me deixado assustado.

Parei de digitar e encarei por cima do monitor do computador seu semblante infantil. Os olhos azuis e profundos me olhavam com hesitação e o rosto de traços tão semelhantes aos de Estrela parecia perdido. O cabelo loiro caia na testa e ao redor da face.

— O que tem acontecido? — Afastei um pouco a cadeira, direcionando atenção total para ele — Pode me contar o que quiser, filho. Sabe que pode confiar em mim, não sabe?

Erick assentiu positivamente.

— Acho que tem um cara me seguindo, pai — Confessou baixinho, olhando por cima do ombro para ter certeza de que ninguém nos ouvia — Quando estou na escola brincando na área externa tenho a impressão de estar sendo observado. Vi um homem estranho do outro lado da grade me olhando esses dias e não apenas uma vez, foram várias! É sempre o mesmo homem...

— Como é esse homem? — Questionei tentando transparecer segurança — Você o conhece?

— Não conheço — Garantiu — É alto, usa touca e óculos. Não consigo ver o rosto porque é muito longe, mas sei que é a mesma pessoa. Está sempre igual, vestido da mesma maneira e de touca e óculos. Fica do outro lado da cerca da escola me olhando e também já o vi quando vou para a aula de inglês com a Ana. Ele estava pelo caminho... Acha que estou ficando louco, pai?

— Não se preocupe, filho — Sorri para ele despreocupadamente — Às vezes é alguém curioso ou você se confundiu... — Menti — De qualquer maneira, tome cuidado redobrado e jamais fale com estranhos! Ninguém sairá de casa sem segurança a partir de hoje e cuidarei disso, não se preocupe!

— Acha que precisa? — Vi o receio em seu olhar. O medo infantil — Acha que esse cara quer machucar nossa família?

Calei-me diante de seu olhar assustado e tomei fôlego.

— Pode ser que não, meu filho, pode ser que seja apenas uma coincidência... Mas quando se trata de minha família, todo cuidado é pouco! — Erick concordou — Não se preocupe! Vou cuidar disso!

— Obrigado pai... — Mais aliviado, sorriu — Não conta para mamãe, ok? Ela é muito nervosa com isso de segurança, de alguém seguindo...

— Fique tranquilo.

— E tem mais, pai... — Ergui o olhar para ele novamente — Apareceu uma carta anônima do meu armário do colégio. Pensei que era de alguma das meninas, mas não... Tinha apenas o meu nome no envelope branco e...

— Onde está essa carta? — Vociferei quase abruptamente.

Erick se ergueu no mesmo momento e retirou do bolso de sua jaqueta de moletom azul um papel sulfite, estendendo-o para mim.

“Sua vida não é verdade, Erick. Eles mentiram para você! Se quiser, posso te contar toda verdade”.
Ass. Um amigo.

Apertei a carta na mão com raiva. As letras eram coladas de revistas, não escritas à mão.

— O que significa isso, pai? — Questionou um pouco mais nervoso — É verdade o que está escrito?

— Claro que não, meu filho! — Amassei a carta em mãos e a escorei em minha gaveta, fechando-a — Não passa de uma bobagem! Certamente é uma brincadeira de algum amiguinho seu da escola que quer encher! Quem mais tem a senha do seu armário?

— Somente eu e Rayla — Sua voz soava confusa.

— Vou falar com a direção do colégio para que tome providências! Esse tipo de brincadeira é inaceitável! — Erick concordou com as mãos nos bolsos — Tem mais alguma coisa que eu deveria saber?

— Não pai... Só que estou com medo.

Jamais vi meu alegre Erick tão encolhido e receoso. Jamais o vi tão amedrontado! Ergui-me para abraçá-lo contra o peito, tremendo na carne por um maldito ter que tirado a paz e ousado se aproximar de meu filho!

Estrela estava certa...

Um dia o monstro que concebeu Erick viria até nós para se vingar de uma maneira ou de outra! Jamais teríamos paz até o tal homem sumir da face da terra!

— Seu pai está aqui para protegê-lo, filho — Garanti abraçando-o com força — Ninguém te fará nada! Vou conversar no colégio hoje mesmo e reforçar a segurança. Não se preocupe.

— Obrigado por acreditar em mim, pai.

Beijei seu cabelo loiro e o apertei ainda mais.

Liguei para a policia, advogados e todo o tipo de ajuda necessária que poderia receber neste caso. Meu suporte foi imediato e a informação impactante!

Hank, o homem que um dia estuprou Estrela, não voltou para a penitenciária após o beneficio concedido para a saída de feriado e estava foragido há duas semanas!

A vida de minha família estava em perigo, principalmente a de Estrela e Erick!


Rafael teve de me contar o motivo pelo qual, de uma hora para a outra, resolveu colocar seguranças ao encalço de toda a família e mudou as crianças para um colégio militar de segurança redobrada.

Eu sentia no fundo de meu coração que aquilo não era um bom sinal!

— Você sempre teve razão, Estrela. Hank já está na rua há quase um mês!— Rafael me dizia segurando em meus ombros — Mas estamos atrás dele e nada acontecerá com você e nosso Erick! Nada!

— Eu sabia! Eu sempre soube! — Sentei-me no sofá e afundei os dedos entre os fios desgrenhados de meu cabelo.

— Não quer dizer que esteja atrás de vocês, é apenas uma precaução minha e... — Rafael sentou-se ao meu lado e o encarei nervosa.

— Não minta para me acalmar, Rafael, você só está piorando tudo! — Os braços de Rafael me circundaram e senti seu beijo delicado em meu cabelo. O beijo do homem que sempre me protegeu agora soava como a clara ameaça de perigo ao redor — Só me prometa que nada vai acontecer aos meus filhos...

— Nada vai acontecer, amor. Eu prometo!


Rafael resolveu que seria prudente passarmos alguns dias na casa de praia para que eu relaxasse um pouco da tensão dos últimos dias. Achei a ideia incrível, principalmente porque Erick e Rayla estavam de recesso escolar e sempre se divertiam muito na praia, era o lugar favorito de ambos.

Parecia ser a ideia perfeita para nos desligarmos um pouco da loucura que experimentamos enquanto a policia tratava de localizar Hank.

Era questão de tempo até que aquele maníaco fosse preso novamente e ficar longe da cidade me trazia a tranquilidade de estar livre dele...

Ledo engano, pois sua figura me perseguia mesmo em sonhos!

Observando os meninos jogarem vôlei na areia ao por do sol, peguei-me novamente perante um impasse. Cedo ou tarde eu precisaria contar toda a verdade a Erick e realmente não seria fácil! O vi abraçar Rayla e rolar com ela na areia, ambos felizes e animados com a proximidade do mar.

Meus filhos eram minha maior riqueza e o medo que sentia de perdê-los ou que se tornassem inimigos era demasiado! Não queria que Erick visse em Rayla uma inimiga... Uma ameaça! Não queria que visse em mim uma mentirosa! Não queria que pensasse que Rafael não o amava tanto quanto amava a irmã.

— Crianças, hora de entrar! — Gritei da sacada da casa e ambos pegaram a bola e os sapatos, correndo até a escadaria — Já para o banho mocinho!

Tomei Rayla no colo e a levei enquanto Erick subia para o chuveiro, chacoalhando o cabelo loiro que soltava areia.

— Onde está o papai? — Rayla perguntou curiosa, olhando ao redor com seus cachinhos dourados saltando ao redor do rosto angelical.

— Papai foi trabalhar, amor. Em breve retornará!

Rafael ministraria uma palestra de medicina obstétrica na cidade litorânea onde estávamos a convite de um amigo próximo, algo que última hora, mas que não pôde ser recusado. Preferi ficar com as crianças em casa descansando e planejei um jantar romântico surpresa para alegrar nossa noite.

Poucas vezes me senti tão segura quanto me sentia ali, longe de tudo.

Erick e Rayla dormiram e tratei de terminar o assado, junto ao arroz com passas e a salada. Abri um vinho e tomei meia taça, animada pela chegada de Rafael, que se tornava cada vez mais demorada.

A chuva começou a cair lá fora e olhei pela vidraça de maneira curiosa, notando como o vento estava forte e o mar absurdamente revolto. O cenário era um pouco assustador, mas também perfeito para fazer amor com a pessoa amada. Era esse meu plano, afinal!

Acomodei-me no sofá da sala envolta a um cobertor e usando uma camisola preta que era a favorita de Rafael. O abajur piscou algumas vezes e os trovões ecoaram ainda mais altos. Era como se as paredes da casa estremecessem ao meu redor!

Repentinamente tirei os pés do sofá e calcei o chinelo. Não conseguia me lembrar de ter acendido a luz do escritório após me sentar ali! Talvez Erick o tivesse feito antes de subir e sequer notei.

O barulho da chuva era ensurdecedor e segui caminhando pelo corredor escuro. Olhei em direção ao quarto das crianças e vi a porta do quarto de Rayla devidamente fechada. A do quarto de Erick encontrava-se levemente aberta, mas ele gostava de dormir com um pouco de luz.

Em meio aos trovões, aproximei-me da janela para observar o jardim e tudo estava como antes. O portão principal fechado, o alarme ativado e as câmeras de segurança a postos.

“Não é nada! Não é nada!”

Eu repetia a mim mesma em pensamento, ciente de que sempre acontecia! Não era a primeira vez que minha mania de perseguição entrava em ação em um momento assim.

Ouvi um barulho vindo do escritório e me virei rapidamente, assustada! Levei a mão ao peito e tentei me lembrar de onde havia deixado meu celular. Não consegui sequer pensar... Apenas lembrava que meus filhos dormiam ali e cabia a mim protegê-los! A luz, antes acesa, agora estava apagada!

Não pensei duas vezes antes de me dirigir ao escritório e encarar o medo! Tateei a parede e acendi a luz ao chegar. Meu coração parou no mesmo instante em que minhas pernas estremeciam!

Tive a certeza de que se visse a figura da morte jamais sentiria algo como aquilo! Ao vê-lo e encará-lo, tive a convicção do quão forte era! Atrás da mesa de madeira, sentado na cadeira de Rafael, havia um homem. O meu medo personificado.

— Estrela...

Eu me lembrava do som de sua voz. O tom arrepiante que por muito tempo me tirou a paz e agora me tiraria à vida!

Aquele rosto tão semelhante ao de Erick me encarava com desdém.

— Hank.


Não era um sonho!

Hank estava ali, frente a mim!

Senti medo e dor. Senti a frieza da morte me rondando. Senti desespero! Não por mim, mas por meus filhos que dormiam bem ao lado! Uma lágrima deslizou por minha bochecha.

— Fugiu de mim, não foi? — Disse em um sussurro bem-humorado enquanto eu permanecia ali, estática! — Veio para tão longe que foi realmente difícil te encontrar, mas consegui! — Vitorioso, sorriu — Eu disse que não poderia se esconder para sempre, não disse? — Segui calada — O que foi? Não se lembra de mim?

— Eu... — Tentei falar, mas não conseguia sequer me mover.

— Como poderia me esquecer, não é? — Eu podia vê-lo através das lágrimas que se formavam em meus olhos. O cabelo dele era loiro como o de Erick, exatamente no mesmo tom! O rosto não era muito parecido, mas alguns traços não deixavam dúvidas — Vivemos momentos inesquecíveis juntos...

— O que quer de mim? — Meu corpo não me respondia. Temi correr e ele me seguir. O ato o levaria aos meus filhos e era tudo o que queria evitar naquele momento.

— Estava com saudade — Dizia despreocupadamente — Eu sim me lembro de você, querida. Exatamente de como você era... Cada pedacinho do seu corpo! E pelo jeito — Me percorreu dos pés a cabeça com um olhar predatório — Não mudou nada! Continua sendo a mesma idiota de sempre!

Hank ficou de pé bruscamente. Baixou um porta retrato com uma foto de Erick ao fazê-lo, causando um estrondo no recinto. Assustei e pulei no lugar, tremendo.

— O que você... O que é que... — Ia me afastando dele e saindo do escritório — Como entrou aqui?

— Pensa que somente porque está cercada por câmeras e muros está protegida? Algum tempo na cadeia rende experiência, Estrela. Devo te agradecer por isso, não é? — Finalmente vi seu rosto ainda mais de perto. Uma cicatriz enorme o cobria desde a testa, passando pelo olho, até o queixo. Uma cicatriz horrenda! Separei os lábios com o impacto da visão, realmente sentindo terror pela maneira como era feio o corte! — Isso... — Hank apontou a cicatriz — Devo agradecer ao seu papai, mas você também vai pagar a conta!

Sua mão me atingiu na face e eu cai no chão aos seus pés pela força do soco. Gemi, sentindo o sangue escorrendo de minha pálpebra por minha face.

— Naquela noite eu disse que te mataria se contasse a alguém sobre o nosso momento juntos! Você deu com a língua nos dentes, não foi? Logo fez um escarcéu e seu papaizinho tratou de me marcar com vidro na cara, sua vagabunda! — Olhei-o de baixo ainda horrorizada com sua cicatriz. Meu pai citou uma cicatriz, mas jamais pensei que fosse tão terrível e bem na face! — As coisas poderiam ter sido diferentes, Estrela, mas você não soube guardar segredo!

Me arrastei para fora do escritório com rapidez, sabendo que ele corria ao meu encalço. O levei o mais longe possível de meus filhos!

— Não contei nada! — Sussurrei finalmente sentindo a voz vir pela garganta. Hank me ergueu do chão pelos pulsos violentamente — Não contei nada! — Seu ódio era mortal! Eu via em seus olhos a raiva que sentia de mim pela cadeia e de meu pai pela cicatriz tenebrosa! A simples presença dele me desestabilizava e enfraquecia em todos os sentidos — Por favor, eu juro pela vida dos meus filhos!

— Porque diabos foi ter aquela criança? — Sua voz fez todo meu corpo vibrar de medo ao ecoar próxima de minha face — Essa maldita criança foi à prova que usaram para me condenar, sua maldita! O que tinha na cabeça para parir um filho de homem que te estuprou?

— Meu filho não tem nada a ver com o fato de você ser um monstro! — Gritei para ele sem conseguir me conter — Graças a Deus meu filho não tem nada do demônio que você é! — Hank me pressionou ainda mais contra a parede e gemi de dor.

— É aí que você se engana! — Dizia quase contra meus lábios. Apertei os olhos para não chorar — O doutorzinho boa pinta pode ter registrado com o nome dele de bacana, mas é meu sangue que corre nas veias do moleque, Estrela! É a minha cara que ele carrega!

— Não é! — Gemi nervosa.

— Fui eu quem colocou o moleque no teu ventre! Você lembra, não é?

Meu estômago se contorceu com a repulsa das lembras. Eu sabia que o meu menino tinha as convicções de Rafael e isso não poderia ser mudado! Erick era meu e de Rafael, não daquele monstro!

— Está aqui para me matar, não é isso? Então vai, me mata! Acaba de uma vez com essa maldita história, mas deixe meus filhos em paz e suma da vida deles! Desapareça de uma vez depois que acertar tuas contas comigo! Erick não tem culpa de nada!

Hank se aproximou de meu pescoço e lambeu minha pele. Gemi de nojo, chorando com raiva.

— Primeiro fecha os olhos e tente se lembrar de como fomos felizes naquela noite onde concebemos nosso garoto...

— Me solta maldito! Me solta! — Gritei nervosa, sem conseguir evitar a repulsa e a dor.

Era como viver um pesadelo novamente. Era como voltar a morrer aos poucos!

— Como é que vai me impedir? Quer que eu chame seus filhinhos para assistir? Erick precisa aprender desde cedo como se faz... Quem sabe eu poderia ensiná-lo usando você de cobaia? — Cuspi na face dele com raiva, sequer controlando minhas emoções. Hank se afastou e limpou o rosto, novamente desferindo um soco forte em minha face que me fez cair no chão. O sangue escorreu do outro lado e sua mão grande me agarrou pelo queixo, ainda no caída no chão — Vagabunda! Eu não saio daqui sem te matar!

Hank me empurrou no chão e sacou uma arma da cintura, apontando-a em minha direção. Gemendo, sangrando e com dor, eu me sentia como na noite em que ele me matou pela primeira vez. Na noite em que me violentou.

— Anda, atira! — Provoquei sem fôlego — Você já acabou comigo um dia e já me levou ao inferno com o que fez... Apertar esse gatilho não fará muita diferença!

— Pode ter certeza que não! — A voz de Hank era macabra e ele engatilhou a arma.

Fechei os olhos esperando a morte, pensando no rosto de Rayla e Erick. Era a última coisa que eu queria lembrar em vida...

“Meus filhos... Me perdoem!” Sussurrei de olhos fechados.

Um estalo se fez. Um disparo de arma de fogo. Houve um grito estridente de criança e pensei que aquela era o som da morte se manifestando em mim.

O silêncio fúnebre tomou conta de meus ouvidos e apenas voltei à realidade quando ouvi o barulho do corpo de Hank cair no chão, aos meus pés, com o ombro perfurado. O choque me dominou ao vê-lo sangrando no chão. Tremendo no chão, ergui os olhos para encontrar as crianças na porta.

— Ele morreu? — A voz inocente de Rayla me fez voltar à realidade.

Senti uma lágrima de alivio e horror escorrer em meu rosto quando vi Erick segurando uma arma em suas mãos pequenas e trêmulas. A arma de Rafael! Rayla estava abraça ao irmão e muito assustada. Quase tão horrorizada quanto eu!

Erick atirou em Hank para me proteger!

Rafael o ensinou desde cedo a atirar com jogos de vídeo games e paintball, algo que sempre fui contra, mas naquele momento jamais fui tão agradecida! O que me parecia absurdo antes serviu para me salvar a vida!

— Erick... Meu filho! — Sussurrei estática no chão.

Erick olhou do corpo de Hank para mim com lágrimas nos olhos e terror.

— Está tudo bem agora, Rayla — Sussurrou para ela bem baixo, abraçando-a mais — Está tudo bem!

Erick largou a arma no chão e saiu correndo pelo corredor escuro. Rayla passou a chorar e esticou os braços em minha direção. Meu primeiro reflexo ao ouvir Hank gemer no chão foi pegar Rayla nos braços, trancar a porta com chave e pegar a arma do chão.

Corri o mais longe que pude ainda tremendo e chorando. Liguei para o número da policia e corri até o quarto de Erick, que abriu a porta e me abraçou. Erick chorava como nunca antes o vi chorando e seu semblante arrasado evidenciava que sim, ouviu cada palavra daquele maldito!

— Vai ficar tudo bem, crianças... Vai ficar tudo bem! — Sussurrei ao trancar a porta do quarto de Erick e abraçá-los.

Sentamos atrás da porta trancada, tremendo e abraçados. O sangue ainda escorria de minha face e se misturava as minhas lágrimas, as mesmas que eu buscava conter para demonstrar um pouco de força aos meus filhos.

Apertei meus filhos contra o peito esperando o pesadelo acabar.


Uma chamada da polícia local me fez parar a palestra no meio e descer do púlpito apressadamente.

— Rafael Roman — Disse a voz do outro lado — Você precisa vir agora. Tem uma pessoa baleada na sua casa.

— O que? — Questionei olhando ao redor e contemplando os rostos do público que aguardava meu retorno — Como assim? Como está minha família?

— Estão em segurança, mas você precisa vir imediatamente!

Desliguei o celular e corri o mais rápido que pude, sussurrando aos que passavam por mim que precisava ir com urgência.

E os alarmes?

E as câmeras de segurança instaladas por toda a propriedade?

E a policia local, que me garantiu que ficaria ligada em minha residência?

E minha esposa, meus filhos... Minha família!

— Deveria ter arrastado Estrela comigo pelos cabelos! Não deveria ter ficado sozinha em casa! — Grunhi no volante, recebendo uma chamada de meu pai no mesmo momento. Ele já estava ciente de tudo e vinha a caminho do litoral com minha mãe e Antônio. Estacionei desajeitadamente e saltei do carro, vendo que a policia local cercava a propriedade — Sou Rafael Roman! O que houve? Onde está minha família?

Um dos policiais apertou minha mão.

— Oficial Dias. Sua família está bem. Sua esposa está lá dentro com as crianças e o foragido detido. Foi encaminhado ao hospital porque a bala ficou cravada no ombro e desencadeou uma hemorragia — Franzi o cenho e apoiei as mãos na cintura.

— Bala? Como assim? Que bala? O que aconteceu em minha casa?

— Hank Bouchot invadiu sua propriedade e atacou sua esposa. Seu filho mais velho pegou sua arma em um ato muito perigoso e atirou contra ele, que agredia sua esposa no chão — Meu fôlego faltou ao ouvir cada palavra — É uma situação grave para você, senhor Roman. Apesar de o garoto ter sido um herói, sabe que é errado deixar armas ao alcance de crianças, não sabe?

— O que eu sei é que este homem caçava minha esposa e fez muito mal a ela no passado! A arma estava devidamente guardada e não sei como meu filho conseguiu ter acesso a ela, eu jamais colocaria a segurança dele em risco de tal maneira! — Suspirei aliviado pelo desfecho, mas muito baqueado com a revelação — Que venha sobre mim qualquer acusação! O que me importa é que Estrela e meus filhos estão seguros agora...

— O detido disse que o garoto é filho dele — O policial questionou confuso — Procede?

— O detido responde pelo estupro de minha esposa, oficial. Erick pode ter sido gerado por ele, mas eu o crio desde que nasceu, eu acompanhei os primeiros passos e é a mim quem ele chama de pai! — Ressaltei — Portanto, é meu filho!

Rayla apareceu na varanda e correu até meus braços. Seus bracinhos infantis me agarraram o pescoço com uma força que eu sequer sabia que ela possuía em seu tamanho tão pequeno. O medo que sentiu transpassava seu olhar castanho e doce.

— Tenho medo papai... — Dizia entre soluços — Aquele homem feio entrou em casa e queria machucar a mamãe! — Comecei a caminhar com Rayla para dentro e encontrei Estrela na sala junto a alguns policiais, que pelo visto acabavam de recolher seu depoimento.

— Está tudo bem, Rayla — Tentei acalmá-la esfregando seus cabelos loiros — O homem ruim já foi embora!

— Nunca mais vai voltar?

— Não — Me abaixei à frente de Estrela com Rayla — Estrela... — Estrela tinha o olhar vago e estava envolta por um roupão escuro. Seu rosto estava marcado por curativos e arroxeados, certamente pelos golpes que levou. Toquei sua bochecha vagarosamente, notando as lágrimas descendo pela face corada — Me desculpe por ter falhado! Desculpe-me por...

Ela pousou dois dedos em meus lábios.

— Você me alertou que era perigoso ficar sozinha, mas fui eu quem insistiu em ficar. Nós dois acreditamos que era seguro, Rafael. Você não falhou! Aquele homem que é um covarde maldito e sabe Deus como fez para entrar aqui! — Sussurrou baixinho. Acariciou minha face — Não é sua culpa.

Beijei sua mão com carinho, apertando-a na minha em seguida.

— Onde está Erick?

— Não fique bravo com Erick, papai! — Rayla disse em meus braços. Sentei-me com ela ao lado de Estrela no sofá — Erick disse que você ficaria bravo por ele ter pegado sua coisa de atirar!

— Rayla... — Eu sequer sabia o que dizer — Esquece tudo isso, querida! — Beijei seu cabelo — Está tudo bem agora...

— Já colhemos o depoimento do garoto autorizado por você, senhora — Uma policial apareceu na sala carregando uma prancheta e com outra mulher ao lado — Ele vai precisar de muita atenção e um tratamento psicológico adequado.

— Como ele está? — Estrela se colocou de pé ainda trêmula.

— Muito abalado! — A policial respondeu torcendo os lábios — Principalmente com as descobertas que fez. Acho que precisam ter uma longa conversa com ele, senhor e senhora Roman.

Os policiais explicaram alguns procedimentos e quando finalmente foram embora pude questionar o que estava atravessado em minha garganta.

— Erick já sabe de verdade? — Rayla dormia em meu colo e Estrela estava abraçada a mim. Ela assentiu positivamente — Você contou?

— Ele ouviu da boca daquele maldito... — Suspirou com a alma em frangalhos — Está trancado no quarto e me odiando, Rafael. Nos odiando! Hank conseguiu me destruir novamente, mesmo que não tenha me matado!

— Droga... — Sussurrei mais para mim do que para ela. Beijei seu cabelo delicadamente — Vou falar com ele. Erick é inteligente e vai entender.

— Estou horrorizada, Rafael — Ainda abraçada a mim, Estrela dizia com uma das mãos sobre os lábios — Erick atirou naquele homem que é... — Deteve-se.

— Pai biológico dele — Completei suas palavras. Estrela jamais conseguiria dizer aquilo em voz alta, era algo que a feria muito. Beijei novamente seu cabelo — Eu sei que é terrível... Também estou horrorizado, mas se não fosse assim, você e as crianças poderiam estar mortos agora. O policial disse que Hank estava armado.

— Ele ia me matar... Eu sei que ia! — Estrela deixou algumas lágrimas escaparem — Você ensinou a Erick onde pegar a arma?

— Não! Jamais mostrei onde ficava, mas sabe como ele é curioso. Deve ter se atentado ao me ver guardá-la — Expliquei com a verdade — Jamais iria querer que meu filho sujasse as mãos, Estrela. Erick só atirou em jogos, jamais pegou em uma arma de verdade!

— Ele disse no depoimento que ouviu meus gritos e pegou a arma no escritório porque tinha alguém me machucando. Disse que estava seguro que era o homem dos meus pesadelos que tinha voltado para me machucar — Estrela dizia envergonhada — Rafael... Eu sinto tanto por ele! Imagina tudo o que está passando na cabecinha dele agora? Céus!

Estrela tentou por muito tempo falar com Erick, mas ele se recusava a responder e seguia calado em seu quarto, deitado na cama em posição fetal e coberto dos pés a cabeça. Após muito insistir e dizer algumas palavras, Estrela resolveu se deitar junto de Rayla no quarto e esperei que as duas dormissem.

— Erick... — Parei na porta do quarto após um longo tempo refletindo na sala. Decidi falar com ele antes que tudo piorasse — Erick, você precisa me ouvir. Precisamos conversar, filho.

— Não sou seu filho! — Sua voz soou no quarto para minha surpresa. Não esperava que realmente me ouvisse logo na primeira tentativa. Fechei a porta do quarto de modo a ficarmos sozinhos — Não me chame de filho, porque não sou!

Finalmente vi sua face infantil quando se sentou na cama ainda com a coberta sobre o corpo. Sua expressão era dura e seus olhos azuis traziam imensa confusão.

— Quem disse que não? — Não me aproximei. Segui parado próximo da porta enquanto encarava os olhos azuis de Erick cheios de lágrimas em minha direção — Quem disse que você não é meu filho?

Não era qualquer garoto passando pelo pior momento da vida, mas sim o meu garoto! O bebê que conheci desde o ventre da mãe, que vi crescer dentro da mulher que amo, nascer e peguei no colo pela primeira vez. Era o menino que tinha dito "papai" em sua primeira palavra e havia trago consigo a chance de viver novamente.

— Aquele homem que bateu na minha mãe e disse que ia matá-la! — Respondeu duramente — Aquele homem disse que sou filho dele! Disse muitas e muitas vezes! E eu... Atirei nele!

Não retruquei, apenas o encarei em busca de algo para dizer. Pela primeira vez me sentia absolutamente perdido.

— Se não houvesse atirado, talvez aquele monstro tivesse machucado sua mãe, você e Rayla... Como encontrou a arma?

— Eu já vi você guardando algumas vezes — Deu de ombros — Ouvi minha mãe gritando e chorando. Rayla apareceu no meu quarto muito assustada e me pediu que salvasse a mamãe, que pedia socorro. A única coisa que pensei foi nisso... Na arma. Como nos filmes — Dizia me olhando nos olhos fixamente — Não queria que ele matasse minha mãe e minha irmã.

— Você não deve mexer em armas nunca mais! — Ressaltei um pouco nervoso, sentando-me no final da cama — Foi uma atitude certeira agora, mas podia ter sido perigoso para você e Rayla, Erick!

— Eu sei... Mas não estou arrependido por ter atirado nele, ele estava batendo na minha mãe e disse que ia matá-la! Sei que ele não morreu! O pior de tudo foi saber que vocês dois mentiram para mim!

Fechei os olhos como se houvesse levado uma facada no peito.

— Filho... — Comecei, mas ele me interrompeu bruscamente.

— Não sou seu filho! Porque vocês mentiram? Por quê?

— Você conhece algum outro pai que não seja eu? — Erick ergueu os olhos para meu rosto — Conhece alguém que te ame como um pai como eu amo? Que daria a vida por você como sou capaz de dar?

— Isso não muda o fato...

— Muda! Muda sim! — Alterei um pouco o tom de voz — Se eu e Estrela te ocultamos a verdade até hoje foi para falar quando você tivesse maturidade suficiente para compreender, coisa que ainda não tem! Não ocultamos por maldade, mas sim por necessidade, por respeito e por amor a você!

Erick baixou o rosto e mexeu em algo na coberta. Parecia pensar.

— Eu te criei desde que você estava na barriga de sua mãe! Nada mudará o amor que sinto por você, Erick! Você e Rayla são minhas razões de viver e isso jamais vai mudar! Nunca! O amor que sinto pelos dois é exatamente o mesmo!

— Rayla é sua filha e eu sou filho de um bandido... — Disse ainda sem me olhar — Como pode dizer que me ama como a ama?

— Você ter o sangue daquele homem não significa nada! — Erick ergueu o olhar — O que me importa é o que vivemos até hoje! O que me importa é o amor que sinto por você e por sua mãe... Pela nossa família, Erick! Você foi à criança que me deu o titulo de pai... Mesmo que me odeie agora, isso nunca vai mudar! Nunca!

Erick não parecia disposto a dizer nada. Deitou-se novamente e cobriu a face, chorando em silêncio.

Passei a mão pelo cabelo e sai do quarto, fechando a porta atrás de mim.

Estrela teria razão? Hank realmente conseguiria destruir nossa família?


Jamais vi Rafael tão destroçado.

Jamais o vi tão perdido perante uma situação como estava agora!

Voltamos para nossa casa na capital em profundo silêncio no carro. Agora, sempre que Erick estava conosco, o diálogo morria no silêncio. Até mesmo minha pequena Rayla parecia sentir a tensão que existia entre o irmão e nós após o ocorrido trágico.

Hank, aquele monstro, foi internado, operado e direcionado a penitenciária. Responderia por mais crimes, incluindo invasão de propriedade e tentativa de homicídio. Ele pediu, através de um advogado, para falar com Erick.

Eu jamais permitiria!

Meu filho não tinha nada a ver com aquele monstro, mesmo que o próprio quisesse provar ao contrário.

Os dias seguiram sem que Erick mudasse o comportamento. Seguia calado e recluso, conversando apenas o necessário comigo e com Rafael e desenvolvendo diálogos somente com a irmã.

Percebi, enquanto encarava uma foto minha antiga grávida de Erick, que somente eu poderia dar um jeito em toda história! Somente eu poderia esclarecer todas as dúvidas e contar toda a verdade!

A verdade é a única arma para a felicidade.

Pedi conselhos para a psicóloga que vinha atendendo Erick antes de ter uma conversa definitiva. Era o melhor a ser feito e não havia como voltar atrás.

— Estou decepcionada contigo, rapazinho! — Entrei no quarto azul e o encontrei sentado frente ao computador.

— Por quê? Estou estudando como à senhora mandou, mãe — Coçou o cabelo loiro de maneira cansada — O que eu fiz agora?

Sentei-me na cama, bem ao lado da cadeira do computador. Erick se virou em minha direção e admirei seu rosto infantil e delicado. Era um menino lindo! De olhos azuis profundos, cabelos alourados e sardas no nariz. Aquele bebê incrível que um dia me deu tanto trabalho hoje era um orgulho imensurável!

— Você está de coração partido, meu filho... — Segurei sua mão pequena na minha — E uma mãe não suporta ver o filho de coração partido!

— Partiram meu coração, mãe. Você e o... Rafael — Vinha dizendo o nome de Rafael ao invés de pai — Vocês dois mentiram para mim.

— Também já partiram meu coração, querido. Partiram de uma maneira terrível, mas não por amor ou para tentar me proteger, como eu e Rafael fizemos com você. Estraçalharam-me de verdade!

— Vovô Antônio disse que foi aquele homem ruim... — Emendou um tanto tímido — Aquele que é meu pai. Disse que ele te fez muito mal!

— Sim, foi ele — Apertei ainda mais sua mão — E sabe quem me concertou? Quem foi à única pessoa que teve a coragem de me estender a mão, mesmo eu estando sozinha e com um filho na barriga?

— Rafael — Disse timidamente, baixando o olhar.

— Sim, querido. Rafael! — Ergui seu olhar para meu rosto e seus olhos azuis me encararam com certo constrangimento — Rafael é seu pai, filho! Não importa o que digam, não importa o que houve... Ele levou muito tempo para me convencer de que realmente nos amava, mas provou com louvor e segue provando até hoje!

— Eu sei que Rafael me ama muito. Aquele homem... Ele era seu namorado antes do Rafael?

Comprimi os lábios antes de respondê-lo.

— Não, Erick. Aquele homem e eu não éramos namorados, ele apenas me fez muito mal! Um dia, quando for maior, você vai compreender — Toquei seu rosto delicadamente.

— E como Rafael virou meu pai?

— O seu avô Antônio estava na cadeia por ter batido no homem que me machucou e fiquei sozinha, apenas eu e você!

— Se você não amava aquele homem, como fui parar na sua barriga?

— Deus quis assim. É ele quem manda os bebês, querido, e eu te amei muito, mesmo antes de saber que te amava! — Erick sorriu — Você era tudo que eu tinha e nada nos separaria. Rafael chegou para cuidar de nós quando João pediu que ficássemos na casa dele por um tempo.

— E depois? — Peguei na gaveta dele um álbum de fotografias e abri em meu colo — O que é isso?

— Rafael se apaixonou por nós... — Mostrei uma foto minha e de Rafael quando eu ainda estava grávida — Cuidou de nós!

Passei várias fotos sob o olhar atento de Erick, que mesmo tendo o álbum, jamais parava para apreciá-lo. As fotos remetiam a nós três, especialmente, antes da chegada de Rayla. Os olhos de Erick se inundaram ao ver uma foto onde Rafael o segurava nos braços quando era apenas um bebê. Ambos se encaravam com muita cumplicidade e amor.

— Eu era bonito, não é mãe? — Comentou sorrindo e emocionado. Tocou a foto.

— Sempre foi lindo! E gostava muito mais de Rafael do que de mim! — Erick deixou algumas lágrimas rolarem no rosto enquanto via as fotos onde Rafael o segurava em seu primeiro aniversário — Rafael me pediu para ser seu pai e eu sabia, no fundo do coração, que não haveria um pai melhor para você, filho! — Erick secou as lágrimas e continuou vendo as fotos — Sabe qual foi sua primeira palavrinha?

— Qual?

— Papai! — Respondi com a mão no cabelo dele — Você disse isso pelo homem que esteve ao seu lado desde sempre e que nos amou mesmo sem precisar!

— E se eu for um bandido como o outro, mãe? — Vi a dor em seu semblante — E se eu não for um herói como Rafael é?

O abracei forte contra o peito, beijando sua cabeça que se escorava em minha roupa.

— Sua essência é de amor, meu menino! Você jamais será como o outro! Jamais!

Erick chorou por mais alguns minutos e depois pegou novamente o álbum, encarando uma foto dele comigo e com Rafael.

— Será que Rafael vai me perdoar? Falei coisas feias para ele... — Sussurrou envergonhado.

— Claro que sim, querido! Rafael está machucado, mas ele compreende! Ele te ama! — Beijei seu rosto e Erick me abraçou — Eu jamais aceitaria um homem que não amasse meu filho! Jamais!

— Obrigado mãe... — Ergueu o olhar e me encarou com meio sorriso, ainda muito emocionado.

— Obrigado pelo quê, meu menino? — Acariciei seu rosto infantil.

— Por ter me amado primeiro. Obrigado! — Erick me abraçou e levou consigo minhas palavras.

O abracei de volta, tomada pela emoção de um dia ter feito a escolha certa! Escolher a vida de Erick e dar uma chance a ele fazia sentido durante todos os dias de minha vida!

Aquele menino de olhos azuis era meu maior acerto, meu grande companheiro... A chance de recomeçar, agora, mais do que nunca!


Em minha sala na clínica encontrei o pequeno broche do chá de bebê de Erick.

Passaram-se oito anos, mas eu ainda guardava o objeto para me lembrar do quão valioso era para mim, mais valioso do que a fortuna da família.

Rodei o mesmo nos dedos enquanto me lembrava da primeira vez em que coloquei os olhos em Estrela... Ela era somente uma menina, mas me atrevi a me apaixonar e envolvê-la. Tudo dizia que não, mas meu coração me encorajava a estar ao lado dela.

Lembrei-me de seu olhar doce e amedrontado enquanto ela pousava uma mão sobre a barriga saltada e a outra nas costas em uma postura cansada, de quem nada mais suportava. Hoje era uma bela mulher adulta, tinha os cabelos mais curtos na altura dos ombros e o olhar mais seguro, mas em minha memória ainda era aquela adolescente de cabelos na cintura e olhar amedrontado.

Aquela menina grávida que tanto me assustou, mas que chegou me mostrando o verdadeiro significado do amor.

Uma lágrima escorreu em minha face ao me recordar do dia em que descobrimos que Erick era um garoto. Quando compramos a primeira roupinha dele... Sorri ao me lembrar do parto! A emoção daquele dia somente se equiparava ao nascimento de Rayla, mas mesmo assim era ainda mais intensa por ser o primeiro bebê em nossas vidas.

Por muito tempo me senti culpado por ter entrado tão repentinamente na vida de Estrela e jamais me senti um herói por ter ajudado-a. Demorou até que meu coração compreendesse que nosso encontro foi um plano do destino... Um laço indestrutível!

Voltei para casa com o peito apertado porque Erick ainda não mudou o comportamento. Seguia frio, distante e calado comigo e com a mãe. Doía muito mais em Estrela, que chorava silenciosamente todas as noites. Não foi fácil para Erick descobrir a verdade e, apesar do apoio da psicóloga, estava irredutível em compreender.

— Paizinho! — Rayla era sempre a primeira a me abraçar quando eu chegava — Porque está triste, papai? Estava chorando?

A tomei nos braços e beijei seu rosto infantil e corado. Encarava-me com os olhos castanhos esverdeados atentos, um tanto receosa.

— Os homens também choram às vezes, filha, não somos uma rocha... Mas está tudo bem! — Rayla me abraçou de maneira condolente.

— Sei que é por causa do meu irmão... O Erick te ama, papai. Não precisa chorar!

Sorri para Rayla, encarando seu rosto tão parecido ao de Estrela próximo do meu. Minha pequena joia preciosa tinha a capacidade de tocar o coração de qualquer pessoa com seu jeito encantador e delicado.

— Obrigado filha. Obrigado por estar aqui! — Beijei seu rosto e ela sorriu.

— Pai? — Era a voz de Erick! Parecia um sonho, uma vez que ele não me chamava de pai desde o ocorrido, e não pude evitar um sorriso. Rayla logo saiu de meu colo e tratou de ir atrás da mãe — Podemos conversar?

— Podemos... — Cocei a nuca e apontei o sofá da sala. Erick não hesitou em sentar-se ali, encarando o chão enquanto eu me acomodava a frente dele — Que bom que voltou a me chamar de pai... Isso é importante para mim, filho.

Erick comprimiu os lábios e seguia sem me encarar. Eu o conhecia mais do que a mim mesmo e sabia que havia algo importante a ser dito.

— Peço desculpa, pai — Disse baixinho — Desculpe por ter duvidado do seu amor por mim. Desculpe por ter agido como um bobo e dito aquelas coisas, eu não pensei direito! Minha mãe já me explicou algumas coisas e outras sei que apenas vou entender quando crescer...

— Me desculpe por ter ocultado a verdade. Fiz tudo para protegê-lo de sentir a dor que está sentindo agora...

— Não sinto mais! — Ergueu o olhar para mim, finalmente — Por um minuto pensei que seria ruim como aquele homem, mas minha mãe me fez ver que não. Nada vai mudar no meu coração... Você continua sendo meu pai! Foi você quem esteve comigo em todos os momentos e seguirá sendo assim!

— Seguirá sempre, filho! — Estiquei a mão para tocar a dele e Erick aceitou, sorrindo.

— Obrigado por ter me escolhido... Obrigado por ter pedido para minha mãe deixar que fosse o meu pai.

— Ela te disse isso? — Sorri de canto e ele assentiu — Foi um árduo trabalho! Estrela não queria aceitar, mas tratei de convencê-la de que eu seria o melhor que pudesse para vocês...

— Obrigado, pai. Obrigado por isso!

Ergui-me e abracei Erick, que se escorou contra meu ombro como fazia desde bebê.

O meu destino, de Erick e Estrela sempre estariam atados por nosso amor.


Minhas mãos tremiam enquanto assinavam o documento.

Baixei a caneta após fazê-lo, tremendo pela tensa decisão tomada.

— Está feito! Assim que o bebê nascer ele será entregue para o Estado. Você deseja conhecê-lo?

— Não! Não quero ter nenhum contato com ele... — Respondi com a voz hesitante, sob o olhar reprobatório de Marine, João e Rafael, nós quatro frente à mesa do advogado.

— Não quer ao menos ver o rosto do seu filho, Estrela? — Marine tentou delicadamente — Ao menos para ter uma lembrança... Você jamais vai voltar a vê-lo!

— Não! — Sequei a lágrima no rosto com mais vigor — Não quero vê-lo! Quero fingir que jamais existiu e essa gravidez foi apenas um pesadelo!

Rafael me apoiou na decisão, mas eu via em seu olhar a reprovação. A dor pela escolha. Suas risadas se calaram. Suas brincadeiras cessaram... Ele parecia mais distante de mim do que era antes de eu abrir mão do bebê.

O ódio tomou conta de meu coração de tal maneira que não havia mais espaço para nada, nem sequer para Rafael! Hank conseguiu enraizar a dor, o ódio e a promiscuidade tão profundamente em mim que não consegui enxergar o lado bom. Não consegui dar uma chance ao meu filho!

No dia previamente marcado pelo destino, o menino nasceu.

Escolhi não saber o sexo do bebê e muito menos pensei em um nome para ele. Foi Marine quem deu o nome para o advogado, um nome que ela mesma escolheu... Brian.

Eu não o vi quando saiu de mim. Ouvi seu choro enquanto era sustentado pelas mãos de Brenda, mas virei o rosto para chorar em silêncio enquanto ele era levado para avaliação. Sua pele não tocou a minha. Sua boca não sugou meu seio em busca do primeiro leite. Meus lábios não o beijaram com carinho e muito menos meu amor o recebeu no mundo fora do útero...

Apenas via nele o ódio. A dor que sofri. Em meu egoísmo, sequer pensei nele, que estava verdadeiramente sozinho. Sequer pensei que também era parte de mim, de meu coração... De minha alma!

Não houve sorrisos e felicidade. Rafael me acompanhou calado, sequer escondendo o descontentamento.

— Não posso te julgar, é uma escolha sua, mas... — Disse em dado momento — Se não pôde dar uma chance para amar seu filho, a quem poderá amar?

O levaram no dia seguinte, quando tivemos alta da maternidade. Ele nasceu no dia de meu aniversário e eu já tinha dezoito, por isso assinei o papel como responsável, passando a tutela permanente para o Estado.

Já não era mais meu. Já não me pertencia! Ao menos era isso que eu queria provar a mim mesma, sem me recordar de que meu sangue correria por suas veias por toda a vida.

Esqueci que ele tinha meu sangue... Que era humano... Que sentia medo... Que sentiria falta do meu seio, do meu abraço, do meu acalento... Esqueci que cresceu em meu ventre, que chutava com a minha voz e estaríamos para sempre atados um ao outro.

Simplesmente esqueci que também era uma vitima, ainda mais inocente do que eu!

O bebê não tinha culpa pelos pecados dos homens...

Decidi ir embora e deixei Rafael assim que me recuperei do parto. Papai saiu da cadeia e me pediu que fosse morar com ele. Fui sem olhar para trás, cansada de ter sobre mim o olhar triste de Rafael, que era quem realmente parecia ter perdido um filho.

Ele sequer insistiu.

Os anos passaram, arranjei um emprego em uma lanchonete e as lembranças ruins me fizeram viciada em álcool e drogas. Eu precisava deles para esquecer de Hank e do filho dele que joguei no mundo como uma cadela faz com seus filhotes.

Eu chorava pensando nele...

A cada ano, em meu aniversário que também era o dele, eu chorava copiosamente de culpa, remorso e dor.

As drogas me tornaram vulnerável a prostituição e era isso que eu me sentia... Um nada! Um corpo próprio para uso dos homens, como Hank fez um dia. Minha serventia era o sexo e foi assim que passei a ganhar a vida. Transando por drogas. Transando por dinheiro. Transando para sentir a dor da alma, para sangrar e me auto punir por ter sido tão fraca!

Aos vinte e sete anos já tinha muitas doenças, inúmeros abortos e quase morri no último deles, um aborto tardio que ocasionou no nascimento da criança as trinta e três semanas de gestação. Uma menina. Uma infeliz como eu...

Perdi o útero, mas ela nasceu. Não havia mais ninguém por ela... Ninguém por mim, uma vez que papai morreu pouco depois de sair da cadeia em uma briga de bar.

Foi quando os vi novamente.

Os dois apareceram em meu quarto no hospital como uma visão. Como um sonho...

Brian, meu filho, era lindo! Olhos claros, cabelos alourados e expressão tranquila e óculos na face corada. Nada comparado ao monstro que o gerou! Era como um anjo... Agora, um rapazinho de dez anos! Ao lado dele, o homem que o adotou como filho e o criou desde que sai de sua vida. Rafael Roman.

— Eu não podia deixá-lo sozinho... Não depois de ele ter cruzado meu caminho — Confessou ao meu lado. Eu o encarava da cama com total surpresa. O garoto sequer entrou no quarto. Rafael pediu que esperasse no corredor — É meu filho e sabe toda a verdade. Sinto muito por você, Estrela. Tudo podia ter sido tão diferente se não houvesse deixado o ódio te tomar...

Aquele homem ao qual estive atada um dia criou meu filho como seu!

— Não sei o que dizer... — Sussurrei em choque.

— Vim por sua filha. Mamãe soube que você estava grávida através de amigos que trabalham neste hospital e decidi vir por ela... É irmã do meu filho e merece ter o mesmo tratamento que ele.

— Você vai ficar com ela também? — Questionei ainda baqueada.

— Sim, ficarei com ela se me permitir à guarda. Pretendo adotá-la assim como fiz com Erick... — Disse seguramente — Erick é o nome que dei a ele quando o registrei como filho. Quando o adotei.

— Concedo a guarda agora mesmo! — Respondi imediatamente, desesperada para que a pequena infeliz que eu sequer sabia de quem era filha tivesse o mesmo futuro glorioso que Erick conseguiu ao lado do pai adotivo — Sequer sei como agradecer...

— Sou eu quem deve agradecê-la pelo meu filho. Quer vê-lo? Quer... Falar com ele? Quem sabe explicar algo, eu não sei... Erick é inteligente, sensível e carinhoso! Tenho certeza que...

— Não! — Falei bruscamente — Não quero vê-lo. Não posso!

Rafael baixou o rosto em sinal de decepção. Eu tinha medo! Vergonha! Não queria que meu filho sentisse vergonha, raiva e nojo de mim como um dia senti dele!

— Sinto muito, Estrela. Sinto muito!

Passei a guarda da pobre infeliz para Rafael Roman, aquele homem que um dia me amou e me ofereceu o mundo, mas tomada pelo ódio acabei recusando! Incapaz de enxergar o lado bom, simplesmente me afundei no rancor e repudiei o amor.

Duvidei do amor.

Rafael deu a menina o nome de Rayla e ela foi criada junto do irmão mais velho. Aquilo, de alguma maneira, me confortava. Eles ao menos tinham um ao outro agora.

Encontrei Hank quando ele saiu da cadeia, anos depois. O maldito foi atrás de mim. Eu o matei com uma facada depois de termos transado. Matei a sangue frio, desferindo a força da minha raiva naquela faca que cravei em seu abdômen.

Vinguei meu filho. Vinguei a mim! Vinguei a vida que ele me arrancou quando me estuprou um dia...

Mas ali, perante seu corpo que agonizava ante a morte, vi em seus olhos que a culpa de toda minha desgraça não era de Hank, mas minha própria! Aquele homem fez parte de um capítulo de minha vida, mas não era toda minha história!

Fui eu quem decidiu desviar a rota. Fui eu quem me afoguei na dor! Fui eu quem recusei meu próprio filho sem lembrar de que também era meu!

— Fui eu... Fui eu!

Na cadeia, não durei muito tempo.

Antes de morrer pelas surras, Erick foi ao hospital me visitar pela primeira e última vez.

— Eu te perdoo, mãe — Foi tudo que disse enquanto me encarava ao lado da cama com seus olhos azuis idênticos aos de minha mãe — Eu te perdoo!

— Meu filho...

Seu rosto, aquele rosto que durante muitos anos ignorei e sequer tive coragem de conhecer quando saiu de minhas entranhas, foi à última imagem que levei de uma vida desgraçada.

A vida que eu escolhi!


— Estrela? Estrela, meu amor? — A voz de Rafael me despertou do sonho, fazendo-me sentar na cama rapidamente — Está tudo bem?

Foi um sonho!

Um terrível sonho onde pude ver como tudo teria sido se minhas decisões houvessem sido diferentes! Aliviada, abracei Rafael enquanto olhava ao redor e via as fotos de nossa linda família – Eu, ele, Erick e Rayla – espalhadas por nosso lindo e aconchegante quarto.

Meu coração disparou no peito ao passo em que voltava a realidade... A minha realidade! Não deixei Erick para trás. Ele e Rafael não foram uma família sem mim. Não dei meus filhos como se fossem nada e não acabei como uma assassina na prisão.

Acordei do pesadelo ali, no seio da família que construí com o homem que me reergueu, com o homem que reergui, e juntos criamos um laço indestrutível.

— Rafael... O Hank... — Rafael colocou um dedo sobre meus lábios e me calei, encarando seus olhos esverdeados cheia de pensamentos confusos.

— Hank morreu, amor. Você sabe! — Relembrou delicadamente, tocando minha face com carinho — Já faz dois anos. Morreu na prisão, lembra? — Concordei com um aceno positivo, finalmente caindo em recordação.

Hank foi assassinado na cadeia. Era isso que acontecia com estupradores cedo ou tarde e foi isso que ele voltou a fazer antes de me procurar naquela noite, antes de ser baleado por Erick. Sua ficha o condenou. Seu passado o matou.

Erick soube de tudo. Contamos a ele logo que soubemos e questionamos se desejava ir ao velório. Ele disse que não. Aquele homem, para meu filho, jamais significou nada além de uma vaga história sem pé nem cabeça que ele sequer fazia questão de ouvir completa.

Eu sim fui ao velório acompanhada de meu marido apenas para me certificar de que era real. Enterrei meu passado junto de Hank. A mãe de Josef estava lá e me contou que o filho também estava na cadeia e lá ficaria por muitos anos.

Passei no túmulo de minha mãe e irmã, encarando-o por trás dos óculos escuros. Ali, naquele cemitério, estava enterrado o melhor e o pior de mim.

— Consegui, mãe — Sussurrei emocionada, encarando sua foto no túmulo — Consegui superar o ódio. Venci o passado! Eu fiquei com o bebê como você me disse no sonho... Ele é lindo, sabe? Foi difícil, mas foi minha melhor escolha!

Rafael tocou meu ombro carinhosamente.

— Ela teria muito orgulho de você, meu amor. Tenho certeza que se orgulha da mulher incrível que você se tornou de onde está.

Rafael beijou minha testa e o abracei, aliviada por finalmente poder respirar em paz e em segurança. Não gostava de me alegrar pela morte de ninguém, mas saber que Hank não voltaria a machucar minha família era um alívio gigantesco.

De volta ao quarto, afastando minhas lembranças, abracei Rafael pelos ombros ainda mais fortemente. Apenas queria senti-lo e lembrar a sorte que tivemos ao encontrarmos um ao outro.

— Rafael, meu amor... — Sussurrei contra seus lábios, beijando-o — Te amo! Sou grata à vida por ter me levado até você.

— Também te amo e sou grato! Estrela... — Começou, mas não pode terminar. Circulei seu pescoço com as mãos tremulas, as pernas bambas e a paixão transbordando pelo corpo em ritmo acelerado.

— Não diz nada, apenas me ame... Me ame como você fez por toda a vida!

Rafael não esperou nada para continuar, beijando-me como somente ele sabia fazer. Era o homem que marcou em mim o amor e me ensinou que a dor e o sangue não durariam para sempre... O prazer existia. O amor existia!

Com os braços ao redor do pescoço dele e as pernas envoltas em sua cintura, senti seu quadril investindo contra o meu de maneira segura e certeira. Ele me preenchia completamente no corpo e na alma, tomando-me para ele com possessividade. Seus duros movimentos para dentro seguiam sempre no mesmo ritmo envolvente.

— Ah Estrela... Você é minha para sempre! — O senti se contraindo em meus braços e a voz extremamente ofegante penetrando em meus pensamentos.

Deitei contra o colchão ao seu lado, abraçando-o e respirando contra sua pele quente. Deslizei a mão por seu peito e o beijei. Minha felicidade estava completa, uma vez que escolhi estar pela eternidade atada a ele.

Até que a morte nos separe.

 

 

                                                                  Izabella Mancini

 

 

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