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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Atlan em Perigo / Kurt Brand
Atlan em Perigo / Kurt Brand

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Atlan em Perigo

 

Thomas Cardif desencadeia uma revolta contra Árcon — mas Perry Rhodan é mais  inteligente que o filho.

Com a descoberta de uma nave exploradora dos arcônidas, pousada na Lua, foi lançada a base para a união da Humanidade e a criação do Império Solar, resultante dessa união.

Na ocasião, ninguém, nem mesmo Perry Rhodan, o fundador do reino estelar terrano, desconfiava dos esforços e da energia psíquica que se tornariam necessários para, no curso dos anos, defender o Império contra os ataques vindos de dentro e de fora.

A ameaça mais grave com que já se defrontou a Humanidade, representada pela invasão do Império Solar, pôde ser vencida graças ao auxílio dos arcônidas. Da mesma forma, a perigosa situação política, criada pela atuação de Thomas Cardif, foi solucionada graças a uma ação isolada de Gucky.

A frota dos saltadores retirou-se do sistema solar. Rhodan alcançou mais uma vitória sem derramamento de sangue. No entanto, o Império de Árcon, governado por Atlan, o imortal, vê-se diante de um perigo gravíssimo, quando a Galáxia toma conhecimento de que o computador-regente, que costumava golpear implacavelmente, não governa mais!

Por isso vemos Atlan em Perigo. E Perry Rhodan tem de intervir nos acontecimentos!

 

                                  

 

Frank Lemmon possuía uma concepção sobre o trabalho que correspondia plenamente ao seu caráter e, nas últimas duas horas, vinha dando prova patente da mesma: não fazia nada.

Lera o rechonchudo Terrania Post, tomou conhecimento dos artigos políticos, estudara os assuntos econômicos e há uma hora chegara à conclusão de que mesmo isso representava um esforço, embora a leitura do jornal não se incluísse entre as atribuições ligadas ao seu serviço.

Frank Lemmon era natural dos Estados Unidos. Nascera na cidade de Klondike. Fazia três anos que viera de Klondike para Terrânia, onde fora aprovado com distinção no primeiro exame de seleção. Dali a seis meses, passou a ocupar a posição de chefe da Divisão F-l do Serviço Secreto Solar.

A Divisão F-l tinha a seu cargo a observação das condições políticas reinantes na Terra. Frank Lemmon recebia todas as notícias a este respeito. Era um homem que muitas vezes não sabia dominar os vícios de seu caráter. No entanto, era uma das poucas pessoas de Terrânia que preferia não recorrer a um cérebro positrônico para realizar uma interpretação preliminar dos dados. Frank Lemmon preferia confiar em seu instinto ou, conforme diziam seus documentos: Parassentido! Trata-se de uma qualidade não classificável, resultante de um poder de concatenação superior à média, combinado com um tipo de sentido visionário para notícias aparentemente sem importância, mas que na verdade são do maior relevo.

Frank Lemmon entrara em serviço com uma hora de atraso, porque ao despertar já sentira pavor por mais um dia cheio de tédio. Sempre que saía da cama com essa sensação, o dia de trabalho não trazia nenhuma ocupação para ele. Costumava enfrentar esse fato por meio da preguiça, que o levava a deixar de executar os serviços menos importantes que surgiam à sua frente.

De qualquer maneira, o Marechal Allan D. Mercant, chefe do Serviço de Segurança Solar, não costumava recriminar o chefe de divisão Frank Lemmon por esse fato. Mercant sabia pesar os defeitos e as qualidades de seus colaboradores. No caso de Lemmon, a capacidade de classificar à primeira vista as notícias recebidas, segundo sua importância, pesava muito mais que a preguiça.

Lemmon estava sorvendo gostosamente o café forte e muito quente, quando a tela do aparelho de comunicação se iluminou. O chefe de divisão, um homem esbelto de 24 anos, mal levantou a cabeça.

Eram notícias vindas de Washington, Pequim e Laore.

— Pela Via Láctea! — exclamou Lemmon com um gemido. — O agente de Laore está escrevendo um verdadeiro romance.

Quando a tela se apagou, já tinha esquecido as notícias transmitidas. Esteve a ponto de pegar novamente o Terrania Post, a fim de ler uma história cujo título lhe interessava — Ghanu, Retrato de Uma Alma — quando, subitamente, endireitou o corpo e tirou os pés de cima da mesa. De repente, a expressão de tédio desapareceu de seu rosto.

— Rabintorge? Onde foi que li ou ouvi este nome? Rabintorge... não é aquele indiano que forneceu dados sobre o sistema de propulsão hiperlinear dos druufs que foram falsificados com tamanha astúcia que o Serviço de Defesa passou uma vergonha tremenda e...?

Lemmon ligou o sistema de som do intercomunicador, que permanecera inativo durante a transmissão da imagem.

— Manners, traga imediatamente todos os dados sobre Rabintorge, aquele blefador de Laore. Estou com pressa, Manners!

Se Frank Lemmon usava esta frase, realmente havia uma pressa enorme.

Não esperou muito tempo. Manners, um quarentão baixo, colocou uma pilha de fotografias do arquivo sobre sua mesa.

— É tudo? — perguntou Lemmon para certificar-se.

— É. Conferi os dados de que dispomos com os do arquivo central e...

Frank Lemmon interrompeu-o com um gesto. Queria ficar só. Com a mesma facilidade de alguém que lê um livro, leu as fitas perfuradas.

Separou três relatórios. Enfiou-os no bolso, levantou-se e avisou na ante-sala que teria uma conferência com o Marechal Mercant.

A direção do Serviço de Defesa Solar ficava a dezoito quilômetros, num gigantesco arranha-céu que abrigava a administração e se transformara no marco distintivo de Terrânia. Mas, face às tarefas imensas que o Império Solar tinha de realizar, esse aparelho burocrático não era nenhum órgão acéfalo que proporcionasse uma vida confortável a alguns milhares de colaboradores.

Frank Lemmon representava uma exceção, com suas horas de preguiça que surgiam a intervalos irregulares. Mas, graças aos trabalhos fenomenais que vez por outra costumava apresentar, valia tanto quanto uma equipe bem treinada de seis pessoas.

Teve de esperar mais de meia hora na ante-sala do gabinete de Mercant.

— O chefe está lá dentro! — dissera a secretária de nariz chato, sempre bem-humorada.

“Nesse caso, o chefe não poderá deixar de ouvir-me”, pensou Lemmon.

Nem se deu conta de que estava atribuindo uma importância extraordinária à sua pessoa.

Quando se tinham passado mais de trinta minutos de espera e ainda não havia nada que indicasse o fim da conferência que se realizava atrás daquela pesada porta, Frank Lemmon voltou a falar com a secretária.

— Faça o favor de avisar imediatamente ao marechal que se trata da propulsão LH.

A abreviatura LH fora inventada por ele e lhe acudira naquele momento num verdadeiro lampejo do espírito. Nem Mercant nem Perry Rhodan a conhecia, e era bem possível que ambos não soubessem adivinhar seu significado. Acontece que, dessa forma, Lemmon obedecia à regra primordial do sigilo, e, por outro lado, talvez conseguisse fazer com que Rhodan ficasse para ouvir o que ele, Lemmon, tinha a dizer.

— É realmente tão importante, Lemmon? — perguntou a secretária em tom de dúvida.

Estava acostumada a ver as pessoas recorrerem ao pretexto de um assunto importante para fazer com que Mercant lhes dedicasse parte de seu precioso tempo.

Frank Lemmon respondeu com toda calma:

— Na minha opinião é muito importante. Não se esqueça de mencionar o mecanismo de propulsão LH.

A resposta de Allan D. Mercant foi imediata.

— O quê? O propulsor LH? Quem quer falar comigo? Lemmon? Mande-o entrar.

Frank Lemmon fechou lentamente a pesada porta atrás de si. Perry Rhodan, o administrador do Império Solar, e Allan D. Mercant, o chefe do Serviço de Defesa, estavam sentados frente a frente, junto a uma mesa. Com um gesto, Mercant convidou Lemmon a sentar-se. Nenhum dos dois indagou sobre o significado da abreviatura LH.

Lemmon tirou do bolso as três fitas perfuradas e colocou-as na mesa. Quando levantou a cabeça, fitou os olhos cinzentos de Rhodan, que refletiam certa tensão.

— Sir... marechal.

Lemmon dirigiu-se aos dois ao mesmo tempo e nem se deu conta de que acabara de desagradar a seu chefe imediato através do tratamento que lhe dera. Não compreendeu e nem se preocupou com o ligeiro sorriso que aflorou ao rosto de Rhodan. Concentrou-se no relato que teria de oferecer.

Falou no estudante indiano chamado Rabintorge, que, por meio de canais ainda não descobertos, conseguira saber algo sobre o hiperpropulsor linear dos druufs. Frank Lemmon comentou a respeito do impacto provocado junto ao Serviço de Defesa Solar por um artigo de quatro páginas, recheado de fórmulas, publicado na revista Ars Stellaris, órgão da Universidade de Laore.

— ...e nossos cientistas levaram quinze dias para informar-nos de que caíramos numa brincadeira de estudantes. Aqui estão — empurrou as três fitas perfuradas para o centro da mesa, a fim de que Rhodan e Mercant decidissem quem as examinaria em primeiro lugar — as notícias mais importantes, recebidas nestes últimos tempos.

Lemmon fez uma ligeira pausa, para esperar que um dos interlocutores lesse a fita perfurada. Mas Perry Rhodan disse:

— Continue, Lemmon.

— Bem, há uma hora recebi um relato de nosso agente de Laore. Trata-se de um verdadeiro romance de futilidades. No entanto, uma das notícias incluídas no relatório é digna de atenção. Segundo ela, o tal do Rabintorge, que é o estudante que nos brindou com a brincadeira relativa ao hiperpropulsor linear, está em contato com a Companhia GHC, na qual pretende exercer as funções de assessor científico.

“Será que deveríamos permitir que um homem como este fosse trabalhar numa companhia de tamanha importância científica?”

Não era a primeira vez que Frank Lemmon falava com Perry Rhodan, e acreditava ter um conhecimento ao menos ligeiro do administrador. Mas agora não se sentia muito à vontade sob o olhar penetrante daquele par de olhos cinzentos. Também Allan D. Mercant fitou-o intensamente. Os dois homens mantiveram um silêncio que começou a pesar cada vez mais intensamente sobre os nervos de Lemmon.

Finalmente Perry Rhodan recostou-se e cruzou os braços à frente do peito. Allan D. Mercant pegou as fitas perfuradas e examinou-as sem ler.

No gabinete do chefe do Serviço de Defesa reinava um silêncio total.

Lemmon pigarreou, mas não teve oportunidade de falar.

— Lemmon, qual é o motivo da sugestão que acaba de apresentar? — perguntou Rhodan.

O parassentido não classificável voltou a surgir na mente de Frank Lemmon. A resposta com que respondeu à indagação de Rhodan provinha desse dom.

— Sir, será que minha sugestão não é o resultado de uma dedução lógica?

Rhodan não tomou conhecimento dessa pergunta.

— O que é que o senhor sabe a respeito do hiperpropulsor linear dos druufs, Lemmon?

— Praticamente nada. Apenas sei que, segundo se diz, os druufs possuem um mecanismo propulsor que permite alcançar velocidade superior à da luz, sem que, ao romper tal barreira, se torne necessário abandonar nossa estrutura espaço-temporal. Mas não sei dizer se essa versão é correta.

— Ela é correta, Lemmon! — interrompeu Rhodan. — Onde obteve essas informações?

A resposta de Frank Lemmon foi imediata:

— Da equipe científica 065-propulsão. Trabalhamos juntos durante uma semana, na investigação do caso Rabintorge.

— Obrigado — limitou-se Rhodan a dizer e lançou um olhar para Allan D. Mercant.

Este interpretou o olhar como um pedido para pronunciar-se.

— Sir, acho que justamente neste momento não deveríamos perder nenhuma chance de...

O pronunciamento de Mercant não era muito claro; ao menos, Lemmon teve esta impressão. Mas Rhodan devia tê-lo entendido de outra forma, pois fez um gesto afirmativo para o marechal e disse:

— Providencie o que se fizer necessário.

— Estamos muito bem informados sobre esse Rabintorge — disse Mercant, fornecendo os dados de que dispunha. — Trata-se de um estudante que nunca entrou em contato com seres inteligentes extra-solares. Suas faculdades físico-matemáticas, que apresentam numerosos pontos de contato com a hipermatemática dos arcônidas, são inexplicáveis. Mas o que mais espanta é o fato de que só aprendeu a ler aos quinze anos.

— Será que este estudante não é um arcônida, um ara ou um ekhônida? — indagou Rhodan.

— Não. É impossível. Rabintorge é um terrano e, além disso, é um teórico físico-matemático de primeiríssima categoria.

Perry fitou Mercant com um sorriso.

— Não estou acostumado a ouvir superlativos de sua boca. De qualquer maneira, está bem. Traga o homem para cá, e ponha-o a trabalhar sob uma vigilância discreta. Lemmon, fico-lhe muito grato pelo serviço que acaba de nos prestar.

Rhodan levantou-se e deu-lhe a mão.

— Não houve nada de especial no meu trabalho, Sir — objetou Lemmon, que nunca teria esperado um elogio desse tipo.

— É claro que não — disse Rhodan com uma risada. — Um homem que dorme como o senhor nunca percebe que fez um esforço, porque sempre dispõe de energias ansiosas por entrarem em ação. Na última noite o senhor também dormiu bem?

Quando a pesada porta se fechou atrás de Rhodan, a gargalhada retumbante de Allan D. Mercant ainda enchia o gabinete. Frank Lemmon concluiu que seria preferível rir também em vez de dar qualquer resposta à observação de Perry Rhodan.

Dali a dois dias, Lemmon já se havia esquecido do firme propósito de mudar, que tomou naquela oportunidade.

No dia em que o indiano Rabintorge veio a Terrânia, a fim de realizar um serviço especial para o Império Solar, Frank Lemmon só chegou ao seu local de trabalho às onze horas. Ao acordar, tivera a impressão de que o dia não lhe traria maiores novidades.

De fato, só recebeu as notícias corriqueiras. Porém Perry Rhodan sofreu um tremendo abalo, causado por uma mensagem de hiper-rádio vinda de Árcon.

Seu filho Thomas Cardif, desertor da Frota Solar e seu inimigo mais encarniçado, acrescentara outro crime ao de deserção. Do planeta Archetz, pertencente ao sistema de Rusuma e situado a quarenta e quatro anos-luz de Árcon, avisara a uma Galáxia atenta que o computador-regente de Árcon III fora destituído pelo Almirante Atlan.

 

Uma verdadeira avalancha galáctica iria ter início.

Face ao ato de um oficial desertado do Império Solar, Árcon, que já há 10 mil anos era um imenso reino estelar, estava ameaçado de sofrer uma série de rupturas em sua unidade.

Naquele momento, Atlan, o solitário da cúpula gigantesca do enorme computador positrônico de Árcon III, achava-se mais fraco que Perry Rhodan, pois os perigos que o ameaçavam no interior do Estado arcônida eram milhões de vezes maiores que os que pesavam sobre o sistema solar. Atlan comunicou-se com Perry Rhodan, que se encontrava na Terra:

— Preciso ganhar tempo, Perry! Preciso de sua colaboração, bárbaro. Terei de operar com a auréola que cerca seu nome. Ninguém sabe quem é Atlan, um almirante que representou alguma coisa há dez mil anos. Será que alguém ainda conhece minha família? Por que não diz nada?

— O que poderia dizer, amigo? — respondeu Rhodan com uma enorme tranqüilidade externa, enquanto sua mente se crispava nervosamente. — Volte a chamar dentro de oito horas terranas. Terei de digerir os novos fatos, embora tanto você como eu não esperássemos outra coisa. Você aludiu ao nome de Thomas Cardif e...

Atlan interrompeu-o a uma distância de 34 mil anos-luz.

— Pouco importa que eu tenha falado em Thomas Cardif ou nos mercadores galácticos. O que importa é que Cardif e os saltadores se encontram no sistema Rusuma e tentam criar dificuldades para o Império. Você acaba de pedir que volte a chamar daqui a oito horas. Sabe o que pode acontecer até lá?

Perry aguçou o ouvido. Será que Atlan estava sendo dominado pelo pânico? Atlan, o atemporal e o imortal?

Perry Rhodan estudou o rosto do arcônida que aparecia na tela, mas não descobriu o menor sinal de pânico. No entanto, um perigo iminente devia deprimir o almirante. Por que não identificava esse perigo?

— O que é que você está ocultando, almirante? — perguntou Rhodan, fazendo sua voz atravessar o tempo e o espaço.

Viu que Atlan procurou concentrar-se. Empertigou-se e esforçou-se para sorrir.

— Não estou ocultando nada, Perry. Acontece que, neste momento, consigo compreendê-lo muito bem. Encontro-me na mesma situação em que você se achou durante setenta anos. Quero que você me compreenda. Preciso acostumar-me com o fato de que o Grande Império já não quer obedecer às minhas ordens, e que meu poder não é maior que o seu.

“Qual é minha idade? Mais de dez mil anos? Neste dado só o número é correto, pois o fato é que sou mais jovem que você, bárbaro. Numa situação como esta, suas vivências o colocam numa situação muito melhor que a minha. Tenho de rever meus conhecimentos, bárbaro! Preciso seguir seu exemplo e...”

— Atlan! — exclamou Rhodan em voz alta, procurou dissimular o susto causado pela irrupção sentimental do arcônida. — Atlan, faça o favor de voltar a chamar daqui a oito horas terranas.

Não deixou que o almirante voltasse a falar.

A ligação de telecomunicação com Árcon III foi interrompida.

Perry Rhodan acabara de desligar.

Sem dizer uma palavra, recostou-se na poltrona. Continuou a fitar a tela, que já se tornara cinzenta. Ergueu lentamente as mãos, e as pontas dos dedos começaram a massagear as têmporas.

Reginald Bell, que o observava em silêncio, já conhecia o gesto. Tal atitude traía um abalo profundo no espírito do amigo.

No fim do diálogo, Atlan deixara falar exclusivamente o coração.

Era uma das raras palestras em que dois homens percebem que a amizade os liga até a morte.

Rhodan dirigiu-se a Bell.

Falou sem o menor nervosismo:

— Preciso imediatamente dos dados mais recentes sobre o sistema de Rusuma, especialmente sobre Archetz, o quinto planeta. Faça o favor de providenciar para que esses dados cheguem às minhas mãos dentro de trinta minutos. Cuide da equipe 065-propulsão.

Bell, que esperara mais que isso, lançou um olhar indagador para Rhodan. Mas este não forneceu outros detalhes.

— Escute... — principiou cautelosamente. — Será que não cometemos um erro em não mandarmos nenhum agente atrás da frota dos saltadores, quando eles se afastaram precipitadamente?

Os olhos cinzentos de Perry Rhodan abriram-se ligeiramente.

— Por que não fala franca e abertamente de Cardif, Bell? Onde estaria o erro por nós cometido? No momento em que o patriarca Cokaze soube por intermédio de um homem, que se encontrava em nosso destróier aprisionado, que o Grande Império está sendo governado por Atlan, e não pelo cérebro positrônico, todo o clã desse patriarca teve conhecimento do fato, e, com isso, perdemos toda e qualquer possibilidade de continuar a manter o segredo.

“Se não nos adaptarmos imediata e completamente à nova situação, e isso também diz respeito a Atlan, dentro de um ano, no máximo, toda a Galáxia pegará fogo, e assistiremos a fatos que não se compararão com qualquer dos exemplos fornecidos pela História. Acontece que ainda não sei como poderemos enfrentar a situação. A intenção de obter informações pormenorizadas sobre o sistema de Rusuma e fazer com que você se dirija à equipe 065-propulsão, a fim de que esses cavalheiros não se ocupem com questões de matemática teórica até o dia do juízo final, só representa uma ligeira sondagem.”

— Uma sondagem de quê?

Perry Rhodan estava perplexo.

— Não sei, Bell.

O tom da voz de Perry dava mostras de contrariedade, mas tal contrariedade não se dirigia contra o amigo que acabara de formular a pergunta. Nascera da sensação de encontrar-se em meio a uma catástrofe, sem enxergar um meio ou um caminho que lhe permitisse escapar à avalancha galáctica.

Reginald Bell ergueu o corpo atarracado.

— Está bem. Providenciarei a primeira coisa que você pediu, e farei a outra. Se não me engano, você espera que a equipe 065 lhe forneça em breve alguns dados concretos.

— Muito em breve! — respondeu Rhodan.

Bell fez uma careta.

— Essa gente ficará muito satisfeita! — profetizou. — Devem fazer os pobres terranos compreenderem a tecnologia dos hiper-propulsores lineares dos druufs por meio da supermatemática arcônida, e isso muito em breve.

Rhodan lançou-lhe um olhar de espanto.

— Por enquanto não possuímos este sistema de propulsão, Bell. Será que você já se esqueceu disso?

O homem ruivo soltou uma risada seca.

— De forma alguma. Acontece apenas que, no momento, me tornei um pouco infiel a mim mesmo e esqueci a ponta do meu dedo direito. Hoje não é o dia 1o de julho de 2.044? Pois bem. A muito custo, conseguimos atravessar a primeira metade deste ano maldito. Talvez também consigamos superar o resto, com ou sem hiperpropulsão linear... se bem que no meu íntimo eu tivesse uma esperança de que nossa equipe conseguisse descobrir como funciona o aparelho.

— Bell — Rhodan lançou-lhe um olhar recriminador. — Desde a última festa do ano-novo, seu dedo ferido num caco de vidro transformou-o na personificação do pessimismo. Porém, num ponto em que nada temos a esperar, você acredita em milagres.

— Perry, será que isso não é uma forma distorcida de pessimismo? — perguntou Bell quando já segurava a maçaneta.

Retirou-se apressadamente.

— É um sujeito incorrigível — constatou Rhodan para si mesmo e sorriu.

Nos momentos de depressão era sempre Bell que, com seu jeito inimitável, fazia melhorar a disposição de ânimo dos outros. Ninguém melhor que Rhodan sabia que, na verdade, o próprio Reginald Bell também era martirizado pelas preocupações.

Enquanto isso, Bell providenciou para que o chefe recebesse os dados sobre o sistema de Rusuma. Ele mesmo pegou o planador e voou ao setor de pesquisa 18.

Na divisão 065-propulsão, encontrou alguma coisa que ele costumava designar como dupla mista, muito embora essa dupla fosse formada por quase trinta especialistas, parte dos quais eram teóricos, parte técnicos.

Quase não tomaram conhecimento de sua chegada. Esse costume se firmara em todos os lugares em Terrânia.

Bell examinou ligeiramente a equipe dividida em vários grupos e teve sua atenção dispensada por um jovem indiano, que, ao falar, movimentava tanto as pernas como os braços.

— Quem é este, Bradley? — perguntou, dirigindo-se ao professor que chefiava o grupo 065-propulsão.

— Ah... é Rabintorge, um novato. Não consigo lidar com ele. Esse indiano é todo contradição! — explicou o professor Bradley com uma visível contrariedade.

Bell apreciava tudo que cheirasse a contradição. Agradeceu ao professor e aproximou-se discretamente do grupo onde Rabintorge continuava a agitar os braços, esforçando-se para fazer prevalecer sua opinião.

Um colega argumentou:

— Como é que o senhor pode saber disso? O senhor nem teve tempo para adquirir uma visão de conjunto, e, além disso, acaba de dizer uma tolice.

O indiano, um homem de olhos marrons e pele morena, cruzou as mãos à frente do peito e inclinou-se diante do colega que o agredira de forma tão brutal.

— Pois então! — disse este com um sorriso.

Mas o indiano voltou a falar no mesmo instante:

— O senhor está enganado! O que acabo de dizer não é nenhuma tolice. A estrutura espaço-temporal só é abalada numa constante pelo hiperpropulsor linear, no momento em que a respectiva espaçonave atinge a velocidade da luz. Ao contrário do hipersalto, que, por ocasião da saída do espaço normal e do reingresso na estrutura normal do Universo, causa nesses pontos uma ruptura de todas as constantes que dá origem ao abalo estrutural, o hiperpropulsor linear, ao ultrapassar a velocidade da luz, só retira uma única constante de sua base natural, e o propulsor causa esse efeito, enquanto a espaçonave desenvolve velocidade superior à da luz. De outra forma não haveria explicação para os valores constantes dos erros de indicação registrados nas medições da tensão espacial.

Bell não tinha a menor idéia do que vinha a ser a base natural de uma constante da estrutura espaço-temporal. E não tinha muita ambição de saber. Mas não conseguia evitar a impressão de que esse indiano muito jovem sabia expor em poucas palavras um problema físico extremamente complexo.

Três colegas conversavam ao mesmo tempo com o indiano, mas este não se deixou abalar. Bell o ouviu falar nos resultados das medições realizadas pela estação de Hades. Ainda ouviu o indiano mencionar o nome de Ernst Ellert e invocar as indicações fornecidas pelo mutante. O jovem chegou mesmo a afirmar que conhecia de cor os resultados das medições realizadas pelas estações terranas, situadas no Universo dos druufs e os dados fornecidos por Ellert.

Bell esperou até que Rabintorge se dispusesse a apresentar a prova de suas afirmativas. Subitamente teve muita pressa em sair da divisão 065-propulsão.

Quando Bell irrompeu subitamente em seu gabinete, Perry Rhodan fitou-o com uma expressão contrariada.

— Alguma novidade? — perguntou. — Daqui a uma hora, terei três conferências e...

— Deixe que esperem! — exclamou Bell. — Ouça primeiro o que tenho a lhe dizer e depois diga o que você acha.

O gorducho esforçou-se para apresentar seu relato em tom calmo. Não perdoou qualquer detalhe. E concluiu com esta observação:

— Será que o tal do Rabintorge não é um arcônida ou um mercador galáctico disfarçado?

— Há poucos dias formulei a mesma pergunta a Mercant. A resposta foi não.

— Pois mande Gucky cuidar de Rabintorge!

Rhodan fez que não.

— Gucky também não é infalível. Não se esqueça daquele cachorro-espião dos arcônidas, que nos enganou a todos, inclusive ao rato-castor.

— Acontece que esse indiano não é nenhum indiano, Perry! Seu espírito de contradição é tamanho que deixa confusa toda a divisão 065-propulsão, Perry! O professor Bradley não consegue lidar com ele.

— Bell, você acaba de falar em Bradley. Se as informações que recebi a respeito dele forem corretas, vamos mandá-lo passar os próximos seis meses num sanatório. O professor exauriu-se no trabalho de descobrir um instrumento de localização capaz de registrar os abalos da hiperestrutura linear.

A porta do gabinete de Rhodan abriu-se. John Marshall, chefe do Exército de Mutantes e um dos melhores telepatas, entrou.

— Sir, eu devia...

Rhodan interrompeu-o com um gesto.

— Faça o favor de sentar-se, Marshall. Bell e eu terminaremos dentro de poucos minutos.

Voltou a dirigir-se a Bell.

— Este jovem indiano, que concluiu seus exames há apenas uma semana, deve ser um mutante no terreno físico-matemático. Rabintorge é o homem que nos pregou aquela peça que...

Naquele instante, Bell virou-se abruptamente para Marshall. De repente teve a impressão de que havia algo de errado. Viu Marshall levantar-se, e ouviu-o dizer:

— Sim, chefe!

No mesmo instante, Perry fez uma ligação com o chefe de Defesa:

— Aqui fala Rhodan. Mercant, coloque quatro ou cinco dos seus melhores homens na divisão 065-propulsão. Lá se encontra um sugestor. Seus homens se encontrarão com o mutante Kitai Ishibashi, que comanda a ação. Desligo.

Bell fitou o amigo com um misto de susto e perplexidade. Não quis acreditar no que a inteligência dizia e no que depreendia das palavras de Perry.

— Perry, será que isso significa que eu... que eu...?

Rhodan fez que sim e John Marshall, que se encontrava a seu lado, confirmou a suposição.

— Sim senhor — disse. — O senhor se encontra sob uma influência sugestiva tão forte que não consigo penetrar no...

— Marshall, repita isso... — Bell fez uma tentativa para se opor... mas se Marshall fazia uma afirmativa dessas, não haveria erro. — Onde foi que isso me aconteceu? Na divisão 065-propulsão? Nesse caso esse indiano é mesmo um agente do outro lado. Eu não disse?

O intercomunicador soou em meio às palavras de Bell. Mercant encontrava-se do outro lado da linha.

— Sir, a ação já foi iniciada.

— Obrigado! — respondeu Rhodan.

O estalido do aparelho revelou que a comunicação com o Serviço de Defesa já fora interrompida.

— Esse indiano! — exclamou Bell em tom furioso. Dirigiu-se a Marshall e perguntou: — Ainda me encontro sob os efeitos da sugestão? Será que minha vontade continua submetida a uma influência constante?

— Não senhor. O bloco introduzido no senhor é suficientemente forte. Como já disse, não consigo passar.

— Onde não consegue passar? Diga logo onde...

— Sir, não estou em condições de ler seus pensamentos quando o senhor fala nesse indiano chamado Rabintorge ou...

— Esse sujeito com olhos de veado! — praguejou Bell e deixou-se cair na poltrona. — Como farei para livrar-me desse bloco? Perry, como você teve a idéia de que haviam feito alguma coisa comigo?

— Notei um pequeno detalhe em você, Bell. Geralmente, sente uma simpatia toda especial pelos espíritos de contradição, mas no tal do Rabintorge você não quis ver nada de bom. Isso se manifestou menos nas suas palavras que no tom de sua voz. Sua fala estava impregnada de ódio contra aquele jovem de Laore, e isso não combinava com seu gênio. Desconfiei e convoquei John por via telepática. Pedi a Marshall que o testasse.

— Se eu puser as mãos no sujeito que se permitiu esse tipo de liberdade comigo...

— Estou mais interessado em saber quem está atrás do sugestor introduzido em nosso meio — obtemperou Rhodan. — E logo hoje, que tenho mil coisas a fazer, esse incidente tem de vir à tona. O tempo vai correndo. Daqui a pouco, o prazo de oito horas estará no fim e Atlan voltará a chamar.

— O que é que eu venho dizendo desde a festa de entrada do ano 2.044?! — exclamou Bell em tom exaltado, estendendo o dedo polegar.

Desde a festa de passagem de ano do início de 2.044, o polegar direito de Reginald Bell transformara-se no fantasma que costumava apavorar seus colaboradores mais íntimos. Durante os festejos, derrubara, sem querer, um cálice de champanha, de vidro inquebrável. Porém o vidro partiu-se. Bell recolheu os cacos. Se já havia uma contradição no fato de uma peça de vidro inquebrável se partir, essa contradição crescia ainda mais por Bell ter cortado o polegar nos cacos.

Desse momento em diante, Reginald Bell se transformara num pessimista supersticioso. Sem querer saber se alguém estava interessado nisso ou não, vivia dizendo que o ano de 2.044 seria uma fase catastrófica para o Império Solar.

Infelizmente, até o momento, os fatos lhe haviam dado razão.

E agora estendia o polegar em direção a Perry Rhodan, num gesto demonstrativo. Um brilho zangado surgiu nos olhos cinzentos do administrador.

— Mais uma vez lhe peço que deixe de lado estas alusões. Essas repetições já começam a aborrecer-me.

— Está bem, Perry! Você é o chefe. O fato é que eu tenho razão. No momento, Atlan está com água até o pescoço e quer que nós o ajudemos. Logo nós, que só temos poucas naves. E não devemos esquecer que ainda há três mil naves de guerra dos druufs que cruzam o nosso Universo. Se, um belo dia, voltarem a aparecer, tomara que Deus tenha pena de nós. Se isso acontecer, não aparecerá nenhum grupo de naves robotizadas de Árcon e nenhum clã dos saltadores para tirar-nos do aperto. Por que será que as coisas desagradáveis, vindas de todos os lados, têm que desabar sobre nós seguidamente?

Perry Rhodan deixou que Bell falasse. Conhecia-o melhor que qualquer outra pessoa. E o método mais simples, barato e eficiente de lidar com ele era deixar que esbravejasse à vontade. Acabava acalmando-se.

O pedido de socorro de Atlan o afligia como um pesadelo, e os fatos inquietantes, que se desenrolavam na divisão 065-propulsão, constituíam uma advertência no sentido de que o Império Solar era vulnerável também por dentro, pois as medidas de segurança, por mais eficientes que fossem, sempre poderiam ser solapadas.

Bell passou os olhos de um interlocutor para outro, pois não ouviu o menor eco às suas observações.

— Essa ação na divisão 065-propulsão está muito demorada!

— Até mesmo no Império Solar os milagres demoram algum tempo! — respondeu Rhodan com uma aspereza extraordinária na voz, o que fez com que Bell achasse preferível manter-se calado.

A longa espera teve início. Rhodan dera ordem para, em hipótese alguma, ser incomodado. Naturalmente, no caso de qualquer notícia alarmante, deveria ser feita uma exceção. Mas deixou de acontecer o que costumava ser tão freqüente, isso é, que a grande central de hiper-rádio de Terrânia o interrompesse com alguma noticia desagradável.

Quarenta e cinco minutos depois do início do alarma, Mercant voltou a chamar pelo intercomunicador.

— Sir, o mutante Ishibashi constatou que o técnico Elvis Artun é um hipno. Saiu da GHC Company e veio trabalhar conosco pouco depois da invasão dos saltadores.

Rhodan notou imediatamente a contradição entre os dados fornecidos por Marshall e o relatório de Mercant.

— Uma pergunta, Mercant: o que é mesmo esse Artun, um hipno ou um sugestor? Precisamos saber imediatamente, pois se Artun for um hipno, nesse caso, ainda faltará descobrir quem é o sugestor que se encontra na divisão 065-propulsão. Mercant, insista junto a Kitai Ishibashi. Ele mesmo poderá constatar quais são as faculdades de Artun. Temos pouco tempo.

Bell não se atreveu a fazer qualquer observação. Viu que Rhodan fitava atentamente o telepata Marshall. Os impulsos mentais dos dois se intercambiavam num diálogo silencioso.

— Está bem, Sir. Consegui entrar em contato com Gucky. O rato-castor já está a caminho da divisão 065-propulsão — disse Marshall, para que Bell também ficasse a par. Quase ao mesmo tempo, o micro comunicador no pulso esquerdo de Rhodan emitiu um sinal. O rato-castor estava chamando.

— Perry, acabo de descobrir dois sujeitos. Se pudessem, eles me matariam, acontece que não podem, pois estão presos ao teto. Podem ficar assim, até que os homens de Mercant venham buscá-los?

O rato-castor tratava qualquer pessoa por você, inclusive o administrador do Império Solar. Mas o fato de Gucky pedir licença a Rhodan para deixar presos ao teto, graças ao dom da telecinese, dois agentes que acabara de descobrir não combinava com o gênio do rato-castor.

— Gucky, será que você não está cometendo uma tolice? — perguntou Rhodan em tom severo.

— Ora, chefe — piou o rato-castor pelo microfone. — Será que alguma vez já fiz uma tolice?

Rhodan preferiu não responder. As brincadeiras de Gucky eram por demais conhecidas.

— Tenente, quem são eles? Queira fornecer os nomes.

Era uma indagação oficial. O rato-castor compreendeu perfeitamente. Sempre que Rhodan se dirigia para ele usando a denominação de seu posto, devia abster-se de qualquer brincadeira.

Gucky retribuiu de igual para igual:

— Administrador, os dois sugestores são Tom Sharkey e Pierre Rochard. Neste momento, estão rogando pragas contra mim. Porém, vez por outra, rogam pragas contra a GHC Company da Cidade do Cabo e, especialmente, contra o terceiro diretor Horace Edwards. Ora... ora...

Era muito raro ouvir o rato-castor gaguejar de espanto... De repente, calou-se. O micro comunicador transmitia apenas sua respiração apressada.

— Gucky, o que está acontecendo na divisão 065-propulsão? — Rhodan preferiu não voltar a chamá-lo de tenente.

— Ouça, Perry... — a voz piante de Gucky falava aos cochichos. — Sharkey e Rochard nunca foram verdadeiros sugestores. Há algo de errado com seu modelo de vibrações cerebrais. Deixemos isso para depois Perry; agora não...

— Ora essa — disse Rhodan em tom de espanto e voltou a baixar o braço esquerdo, ao qual estava preso o micro comunicador. — Será que Gucky desligou? Notou o tom de sua voz no fim da palestra? Qual é sua opinião, Marshall?

Marshall, que além de ouvir a palestra travada pelo micro comunicador mantivera contato telepático com o rato-castor, sabia mais que Rhodan. E a informação que pôde dar não foi muito tranqüilizadora.

— Gucky teve de lançar mão de todas as reservas para proteger-se contra a influência sugestiva dos dois agentes que acaba de descobrir.

Nesse momento, o ar começou a tremeluzir e o rato-castor apareceu. Transportara-se num salto de teleportação da divisão 065-propulsão ao gabinete de Rhodan.

— Eu lhes mostrei! — anunciou em tom orgulhoso, mas um tanto cansado. Depois fitou Bell. — O que fizeram com você, gorducho?

Rhodan interveio na conversa.

— Deixe Bell de lado, Gucky. Ele está sujeito a uma forte influência sugestiva. O que foi que você descobriu?

Gucky exibiu o dente roedor solitário, com o que pretendia indicar um sorriso.

— Muita coisa, chefe! Ao menos, tanto quanto Sharkey e Rochard sabiam. E isso basta para deixar a GHC Company de pernas para o ar e revistar-lhe as instalações, a fim de procurar um aparelho de telecomunicação dos saltadores. Já enviei um agente ao apartamento de Rochard.

— Por quê? — perguntou Rhodan.

— Porque lá se encontram três ampolas de um tóxico dos aras. Não sei o que há com esse tóxico. Rochard apenas pensou ligeiramente no mesmo; teve medo de que pudéssemos descobri-lo.

Rhodan inclinou-se para a frente.

— Você acaba de falar num tóxico dos aras, não é?

— Falei na GHC Company, no aparelho de telecomunicação dos saltadores, no tóxico dos aras. Ainda acontece que Sharkey e Rochard não são sugestores, mas apenas indivíduos submetidos à ação de certos medicamentos. Ainda aposto que esse Elvis Artun também não é um verdadeiro hipno. Os modelos de vibrações cerebrais irradiados pelos dois agentes não são normais, Perry. Mas Marshall saberá compreender melhor.

Virou-se para Marshall e perguntou:

— John, você já viu um modelo de vibrações cerebrais em que a faixa sugestiva é muito pouco desenvolvida, enquanto o indivíduo ao qual pertence o modelo dispõe de forças sugestivas incríveis?

Parte das palavras de Gucky constituíam uma linguagem especial, pois só um telepata seria capaz de compreender o que vinha a ser um modelo de vibrações cerebrais e uma faixa sugestiva.

O rosto de Marshall, que demonstrava uma incredulidade indisfarçada, provava que compreendera as palavras do rato-castor. Gucky parecia satisfeito.

— Há pouco, quando fiz a descoberta na divisão 065-propulsão, devo ter oferecido uma aparência tão boba como você está mostrando agora. E depois disso, essa gente procurou apertar-me com suas forças sugestivas.

Voltou a dirigir-se a Rhodan, e assumiu um ar modesto, o que não combinava com seu caráter.

— Perry, tive que... não pude agir de outra maneira... Se quiser entrar imediatamente em contato com Mercant, diga-lhe que os médicos só precisarão cuidar de Rochard e Sharkey daqui a três horas. Antes disso, não acordarão da hipnose que lhes apliquei.

— Tenente Gucky... — principiou Rhodan, sem que tivesse qualquer intenção especial ao usar esse tratamento. Mas estremeceu ligeiramente quando o rato-castor, piando, procurou dar uma tonalidade militar às suas palavras:

— Pois não, administrador do Império Solar...

O rosto sério de Rhodan iluminou-se, e o chefe sorriu para o rato-castor.

— Obrigado, Gucky, você apenas acatou minha voz de comando. Mas tenho outro serviço para você. Teleporte-se para o apartamento de Rochard, procure o tóxico dos aras e traga-o para cá.

— Está bem, chefe! — disse o rato-castor e, no mesmo instante, desapareceu.

Bell respirava pesadamente.

— Marshall, o bloco sugestivo exerce alguma influência sobre as outras funções de minha mente?

— Não senhor. Apenas a experiência colhida na divisão 065-propulsão foi deturpada.

— Isso é um débil consolo, Perry. Gostaria de entrar em contato com Frank Lemmon, chefe da Divisão F-l. Quero fazer-lhe algumas perguntas.

— E depois disso, pretende submeter-se a um tratamento, a fim de eliminar o bloco sugestivo, não é? — perguntou Rhodan em tom de perplexidade.

— Se houver tempo para isso. De qualquer maneira, preciso manter-me afastado do tal do Rabintorge, pois do contrário esse jovem ainda poderá pensar que sou um bobo.

A porta fechou-se atrás dele. Rhodan e Marshall ficaram a sós. Estavam esperando que Gucky voltasse. Enquanto isso, Rhodan informou o chefe do Serviço de Defesa. O rosto de Mercant que surgiu na tela não demonstrou espanto nem curiosidade. Ele, que, bem dizer, crescera no interior de seu serviço, já se vira diante de fatos muito mais inacreditáveis.

— Sir, de minha parte será feito tudo que for necessário.

Foi tudo que Allan D. Mercant teve a dizer.

— O Exército de Mutantes estará presente quando o edifício da administração da GHC Company, na Cidade do Cabo, for revistado, Mercant. Organize a ação de forma que isso aconteça.

— Pois não.

A tela do sistema de intercomunicação voltou a tornar-se cinzenta. Rhodan olhou para o relógio. Dali a três horas, Atlan voltaria a chamar, e, até então, mal tivera tempo para examinar a nova situação em que se encontrava o almirante e seu império.

— Marshall...

John Marshall fitou o chefe. A comunicação telepática entre os dois fora interrompida. O olhar de Perry Rhodan vagava além do sistema solar — em algum ponto do Universo.

— Marshall, o senhor consegue compreender meu filho?

— Chefe... — John Marshall pegou um maço de cigarros, tirou um e acendeu-o.

Seguiram-se três tragadas profundas. Tudo isso foi feito apenas para ganhar tempo. Mas chegou o momento em que teve de responder à pergunta íntima de Rhodan.

— Sim senhor, compreendo Thomas Cardif, mas não encontro justificativa para o que tem feito.

— Não estou interessado em conhecer sua opinião sobre este último ponto, John. Mas quero que me explique por que consegue compreender seu procedimento. Isto é, caso queira explicar.

Antes de responder, Marshall deu mais duas tragadas, bateu a cinza e endireitou o corpo. Finalmente começou a falar:

— Seu filho cresceu sem lar. Quando soube quem eram seus pais, sentiu de uma hora para outra um impacto: Perry Rhodan e a arcônida Thora eram seus pais! Será que posso falar com toda franqueza, chefe?

Rhodan fez um gesto cansado, e Marshall prosseguiu:

— Thomas Cardif sentiu simpatia exclusivamente pela sua esposa, ou seja, pela mãe dele. Mas só recebeu o amor de mãe aos pingos. Para Thomas Cardif, a palavra dever certamente se transformou numa maldição, pois não era nem terrano nem arcônida. Procuro nunca me esquecer disso, quando avalio seu procedimento. No momento em que sentiu quanto vale o amor de mãe, sua progenitora morreu. Dali em diante, Thomas Cardif sentiu-se só. O ódio e o amor... será que estes dois sentimentos não são aparentados? Junto ao túmulo de sua esposa e da mãe dele o senhor lhe estendeu a mão. Se eu fosse Thomas Cardif, também não a teria aceito, e...

— John! — Rhodan parecia apavorado.

— Isso mesmo, chefe, eu também não teria aceito a mão que o senhor me oferecia. Lembre-se que ele poderia estar mal informado quando lançou aquele boato infame segundo o qual o senhor teria enviado a esposa a Árcon para realizar negociações, contrariando as recomendações dos médicos. Aqui em Terrânia ninguém acreditou nisso, mas já imaginou o que se terá passado na alma de Thomas Cardif? De qualquer maneira, só mesmo um patife é capaz de violar um juramento e cometer uma traição.

“Bem, chefe, o que mais posso dizer? O que lhe adiantará se eu lhe digo que, na minha opinião, Thomas Cardif não é nem um patife nem um traidor? Mas não sei dizer o que ele é aos meus olhos. Apenas sinto que Thomas Cardif merece compaixão e, se não encontrar o caminho para junto de si mesmo, acabará muito mal.”

— Será que o senhor não se lembra de que também traiu Atlan? — perguntou Rhodan em tom frio.

— Se eu quisesse destruir meu pai por acreditar que ele assassinou minha mãe, recorreria a todo e qualquer meio. Chefe, quem pensa assim não quer saber o que é direito e o que não é, nem chega a refletir nos seus atos.

— Acontece que qualquer pessoa tem o dever de refletir no que faz.

— Ora, o dever, chefe. Lá me vem o senhor novamente com essa palavra. Para cumprir nosso dever, precisamos de força. E a força provém do amor dos pais. Será que Thomas Cardif não foi modelar no cumprimento do dever até o momento em que soube quem eram seus pais? Perdão, chefe, eu não deveria ter dito isso. Esqueça-se.

John Marshall resistiu à tentação de recorrer à sua acentuada capacidade telepática para ler os pensamentos de Perry Rhodan. Continuou sentado e viu o olhar de Rhodan, que parecia penetrar nas profundezas do Universo. E Rhodan manteve-se calado.

Naquele instante, o rato-castor retornou de sua missão.

— Chefe — principiou, mas logo se calou de novo.

Seu olhar de camundongo caminhou entre o chefe e Marshall, até que recebeu a ordem telepática transmitida por este último:

— Não pergunte o que aconteceu por aqui. Dê informações sobre seu trabalho. Quanto mais, melhor.

Gucky compreendeu imediatamente.

— Aqui está! — disse, e entregou três ampolas a Rhodan.

Pelo formato, logo se via que continham um produto dos médicos galácticos, os aras, que por várias vezes já haviam sido admoestados por Rhodan sobre o que podiam fazer e sobre o que nunca deveriam fazer.

— Mas não venho diretamente do apartamento de Rochard, Perry. Estive com nossos médicos. Três deles reconheceram o preparado. Já ouviram falar no mesmo. Disseram que é um tóxico com efeitos sedativos. Pedi que me traduzissem a palavra sedativo. Significa calmante. E esse fato me deixou bastante inquieto. Saltei até o grande cérebro positrônico de Vênus, mas este não conhece o preparado. Depois lembrei-me dos swoons, nossos adoráveis homens-pepino. Quer saber de uma coisa, chefe? Eles entendem alguma coisa da medicina dos aras! Oguralas. Esta palavra pertence à linguagem médica dos aras. O nome não significa nada, mas o fato é que os swoons ficaram abalados.

— Gucky — disse Rhodan, interrompendo a torrente de palavras do rato-castor. — Será que você não poderia resumir um pouco, meu caro? Que tolice é essa que você está dizendo? O que há nessas ampolas?

Gucky engoliu a repreensão sem dizer uma palavra. John Marshall lhe pedira que falasse o mais que pudesse, e dali ele concluiu que Marshall queria ganhar tempo para algum fim.

— Chefe, os swoons... Subitamente o olhar de Rhodan tornou-se duro como aço.

— Tenente Guck!

Faltava o ípsilon no nome de Gucky. O rato-castor sabia perfeitamente o que significava isso. Agora não poderia fazer mais nada por Marshall. Endireitou o corpo e respondeu:

— O conteúdo destas ampolas é mortífero para os seres da raça dos arcônidas. Nem mesmo os aras sabem por que isso acontece. Até hoje não conseguiram descobrir por que a substância contida nesse extrato paralisa a atividade cerebral. Mas descobriram que a mesma transforma em sugestores algumas raças de animais inteligentes até o nível C e os terranos.

— Nesse caso é bem possível que, se tivermos sorte, poderemos encontrar no apartamento de Mister Artun um tóxico dos aras que, uma vez injetado num ser humano, transforma-o num hipno. Gucky, se eu fosse você daria uma olhada na residência de Artun.

— Está bem, chefe. Devo dar o fora daqui. Muito bem; já desapareci.

Seu último pio ainda estava ressoando na sala, quando o rato-castor já tinha desaparecido.

Mais uma vez, Rhodan viu-se a sós com Marshall.

— John — disse — o senhor ainda vê uma chance para meu filho?

Naquele instante, Marshall sentiu que não tinha diante de si o administrador do Império Solar, mas a criatura humana Perry Rhodan — o pai de Thomas Cardif.

— John, diga o que o senhor acaba de pensar; por favor! — enquanto falava, Rhodan levantou-se e colocou-se à frente do chefe do Exército de Mutantes. — Diga, John; não tenha a menor consideração por minha pessoa. Não tentei ler seus pensamentos.

John Marshall respirou pesadamente.

— Mister Rhodan...

Seguiu-se uma pausa, e durante a mesma o telepata perguntou a si mesmo há quantos anos não chamava Rhodan de mister.

— Quer saber se Thomas Cardif ainda tem uma chance de livrar-se das complicações infelizes em que se encontra? Se seu pai não fosse Perry Rhodan, eu diria que tem.

— Marshall, eu não o odeio, embora ele me odeie! — ponderou Rhodan em tom de desespero.

— Sei disso, Sir — respondeu Marshall em tom hesitante, mas com a voz firme. Não se esquivou dos olhos duros e cinzentos do chefe. — Perry Rhodan sempre foi um homem duro para consigo mesmo. O senhor teve de agir assim para resguardar sua personalidade, e o senhor também terá de sê-lo no futuro, senão...

— Senão o quê, Marshall? Diga! O senhor tem que dizer! — Perry Rhodan, o ser humano, pedia e ordenava ao mesmo tempo.

— Está bem, chefe, eu direi, mas depois disso nunca mais lhe falarei nestes termos a respeito de Thomas Cardif. Nunca mais.

“No futuro, o senhor também terá de ser duro, senão deixará de ser o Perry Rhodan que pode apontar o caminho à Humanidade. E é aí que reside a tragédia para o senhor e para Thomas Cardif. O senhor e ele têm de pagar um preço muito elevado...”

John Marshall levantou-se. Virou-se devagar. E lentamente caminhou até a porta. Deixou para trás Perry Rhodan, o homem mais solitário do Império Solar.

A porta fechou-se silenciosamente.

 

Cokaze, patriarca de um dos clãs dos saltadores, que era o único mercador galáctico que fizera suas experiências com Perry Rhodan ainda ao tempo da Terceira Potência, transformara-se em político. Acontece que não se deu conta disso. Continuava a acreditar que era um comerciante, cujo objetivo consistia exclusivamente em aumentar a riqueza e o poderio de seu clã no interior da raça dos saltadores.

Ao pousar em Archetz, o quinto planeta do sistema de Rusuma, Cokaze trazia o maior segredo do império mundial arcônida. Sua frota, agora com mais de mil naves cilíndricas, ocupou a terça parte do espaço-porto de Titon, capital daquele mundo dos saltadores.

Aquele sistema, que ficava a apenas quarenta e quatro anos-luz de Árcon, também pertencia ao centro do grupo estelar M-13.

Acontece que há milênios um abismo profundo se abrira entre os arcônidas e os saltadores. Além do processo de degenerescência dos arcônidas, que prosseguia inexoravelmente, ainda acontecia que os saltadores usavam quase exclusivamente a língua intergaláctica e mal dominavam o arcônida, o que também representava um fator de separação. E essa separação ainda se exprimia no fato de que o mercador galáctico nascia e morria no interior de uma espaçonave.

Eram nômades estelares, enquanto os arcônidas eram seres planetários que não dispensavam o chão firme sob os pés.

E Archetz, o mundo dos saltadores, não representava nenhuma contradição em seu modo de vida.

Há muitos milênios o planeta se transformara no trampolim desse povo dinâmico, que nunca se esqueceu de que partira dali a fim de conquistar um monopólio comercial irrestrito, abrangendo toda a Galáxia.

Archetz era um mundo de oxigênio semelhante à Terra. Sua gravitação correspondia a 1,19 vezes a deste último planeta. Seu diâmetro era pouco menos de mil quilômetros superior ao da Terra. Banhado pela luz do sol amarelo de Rusuma, quase poderia ser comparado a Árcon III, o planeta da guerra.

Em Archetz não havia mais nenhuma cidade na superfície. Até mesmo Titon, um verdadeiro oceano de casas que abrigava doze milhões de habitantes, ficava a três mil metros de profundidade. Uma rede intrincada de vias de transporte permitia que a cidade fosse atingida dentro de meia hora de qualquer ponto do planeta.

A superfície desse mundo constituía um gigantesco centro industrial. Mas até mesmo esta impressão era enganadora, pois quase oitenta por cento da indústria pesada ficava no subsolo. As usinas mais modernas acabavam de ser concluídas ao nível de onze mil metros.

Archetz era um mundo de superlativos e o coração de centenas de milhares de espaçonaves cilíndricas dos saltadores.

Todas as invenções dos arcônidas no terreno da navegação espacial, feitas nos últimos dez mil anos, sempre chegavam ao poder dos saltadores dentro de pouco tempo. Criaram um código moral próprio, talhado principalmente segundo seus interesses. E, por meio de uma ação implacável, desenvolvida em todos os mundos da Galáxia, conseguiram firmar progressivamente seu poder, sem preocupar-se com o sangue e as lágrimas. Mas havia um ponto a seu favor: quer quisessem quer não, estes seres, que só pensavam no lucro, no comércio e no poderio econômico, transformaram-se num fator de disseminação de cultura. Enquanto se espalhavam por toda a Galáxia, sempre representaram a vanguarda do Império de Árcon nos planetas recém-descobertos.

Archetz, porém, era seu ponto de partida, ao qual sempre retornavam. Archetz oferecia tudo que cem mil espaçonaves cilíndricas e seus tripulantes pudessem desejar.

Por estranho que parecesse, poucas vezes as espaçonaves de outras raças aportavam neste mundo. O enorme potencial industrial do planeta era totalmente desconhecido. E a Via Láctea nem desconfiava da existência dos gigantes financeiros de Archetz.

Sempre que se falava em dinheiro e em contas, os saltadores aludiam apenas ao Banco. Ninguém pensava em citar o nome do Banco dos Mercadores Galácticos de Titon. Essa instituição financeira era única no gênero. Nem mesmo Árcon podia apresentar algo de semelhante. Sabia de sua existência, mas nunca falava a respeito, pois mesmo no auge de seu poder Árcon sempre nutria um receio secreto por esse gigante das finanças.

O patriarca Cokaze acabara de pousar com a Cok II junto ao enorme edifício da recepção do espaçoporto, enquanto a frota de seu clã descera no setor norte. Momentos depois, entrou no Banco dos Mercadores Galácticos, juntamente com os parentes mais próximos e Thomas Cardif.

O grupo abriu caminho em silêncio em meio à massa que se acotovelava no hall de entrada. Cokaze conhecia o lugar. Dirigiu-se até o pequeno elevador antigravitacional que quase não era utilizado pelo público.

Oito saltadores e um oficial da Frota Espacial Solar que desertara do serviço foram levados para baixo. Tiveram de esperar numa sala decorada com grande pompa.

O funcionário atendente saíra, observando que dificilmente Atual e Ortece teriam tempo para recebê-los.

Os saltadores esperavam com serenidade e calma apavorantes. Thomas Cardif, que não sentia o menor nervosismo, admirou esses homens silenciosos.

Uma porta lateral abriu-se sem o menor ruído. Um saltador, que envergava uma veste amarela em forma de toga, aproximou-se de Cokaze.

— Patriarca? — disse o saltador em tom indagador, inclinando ligeiramente a cabeça.

— Atual? — respondeu Cokaze, também em tom indagador, e fez o mesmo movimento de cabeça.

— Ortece nos espera!

Cokaze fez um gesto afirmativo, como se não esperasse outra coisa. Só o mais rico dos chefes de clã dos mercadores galácticos poderia pensar assim. Acompanhou Atual. Ao dar o primeiro passo, voltou-se para Thomas Cardif e fez um sinal para que este se aproximasse.

— Fique ao meu lado, arcônida.

Atual ouvira estas palavras. Virou a cabeça, surpreso. Durante os cumprimentos só se dirigira a Cokaze, mas agora viu ao lado do patriarca simplesmente — Perry Rhodan!

— Este é Rhodan, saltador!

O patriarca soltou uma estrondosa gargalhada e empurrou Thomas Cardif para junto de Atual.

— Este homem tem algo a ver com Rhodan, Atual. A pessoa que o senhor está vendo à sua frente é o filho de Rhodan, cuja mãe foi uma princesa de Árcon.

Atual, que era bem mais alto que o patriarca e totalmente calvo, o que era uma raridade entre os saltadores, fitou o terrano com um olhar penetrante.

— É o filho de Rhodan? — perguntou, e lançou um olhar desconfiado para Cokaze. — Acho que hoje Ortece e eu não poderemos cumprir nossa agenda.

— Quando se trata de um banqueiro, a gente nunca sabe se pode ou não cumprir a agenda — respondeu Cokaze.

Atual, que há trinta e um anos dirigia o Banco juntamente com Ortece, não deu nenhuma resposta à alusão do patriarca.

Dali a pouco, os saltadores e Cardif estavam sentados à frente dos dois poderosos homens.

— Também ouvimos a perigosa notícia, patriarca. Ficamos admirados de o senhor se ter envolvido nesse jogo — disse Ortece que, ao contrário de Atual, era de constituição franzina.

— Foi justamente por isso que vim falar com os senhores — observou Cokaze. — Quem está sentado a meu lado é o filho de Rhodan. Isso lhe deveria dar o que pensar. O senhor também sabe que venho diretamente do sistema solar. Abandonei-o incondicionalmente, antes que as naves robotizadas de Árcon, que de repente voltaram a surgir na área controlada por Rhodan, me pudessem causar dificuldades.

— Cokaze, o senhor está desperdiçando muitas palavras. Não temos tempo para isso! — disse Ortece, um homem de aspecto despretensioso.

— Daqui a pouco, o senhor terá tempo de sobra para mim, Ortece; tenho certeza absoluta — respondeu Cokaze em tom um tanto áspero. — Acho que o senhor não se deu conta do que acabo de dizer. Saí da área de influência de Rhodan com todas as minhas naves, antes que a frota de Árcon me pudesse criar dificuldade. Ortece, o clã do patriarca Cokaze nunca abandonou voluntariamente um mundo ocupado por suas naves. Acontece que as de Árcon, que de repente apareceram no sistema solar, eram comandadas por terranos...

Ortece voltou a interrompê-lo.

— O senhor já soube falar melhor, patriarca! Daqui a pouco, teremos de despedir-nos, pois precisamos conferenciar com o Conselho Consultivo sobre a concessão de um empréstimo ao mundo de Gutha...

Cokaze inclinou-se em direção a Ortece.

— O senhor vai cancelar a reunião. E ficará aqui, com Atual. Será que, por uns miseráveis bilhões, o senhor vai perder a chance de colocar os saltadores em condições de igualdade com os arcônidas? O cérebro positrônico não manda mais nada. O Império é governado por um certo Atlan. Quem poderia ter ajudado esse usurpador desconhecido a enganar o computador gigante e colocá-lo fora de ação? Será que é mesmo necessário formular a pergunta? Aqui está o filho desse homem: o filho de Perry Rhodan. Com um punhado de homens, Rhodan conseguiu colocar Atlan acima de nós.

Cokaze estacou e lançou um olhar penetrante para Ortece.

Ortece espalmou as mãos, num gesto de enfado.

— Somos financistas, patriarca. Quando iniciamos uma palestra com alguém que queira dinheiro, costumam apresentar-nos documentos. Acontece que, desta vez, querem que nos contentemos com palavras. Acho que não temos mais nada a dizer um ao outro.

O chefe de clã respondeu em tom frio:

— Acho que seria conveniente que, antes de mais nada, o senhor procurasse informar-se sobre as notícias mais recentes, Ortece.

Estas palavras foram proferidas em tom de ultimato. Atual estremeceu ligeiramente e lançou um olhar significativo para seu colega.

Ortece manteve-se no terreno objetivo. Respondeu com a maior tranqüilidade:

— Já conhecemos as notícias a que acaba de aludir. Cokaze, será que o senhor já ouviu dizer que o mercado monetário costuma reagir a todo e qualquer abalo político?

— O senhor já ouviu dizer que os aras me convidaram a conferenciar amanhã com o Conselho dos Dez? Muito bem. Se os senhores, que são mercadores galácticos, não estão dispostos a investir alguma coisa em benefício do grande império dos mercadores, não terei outra alternativa senão aliar-me aos aras. Acho que realmente já dissemos tudo que tinha que ser dito.

Dali a uma hora, o grupo de saltadores e Cardif encontravam-se novamente a bordo da Cok II. O patriarca não fez qualquer comentário sobre a conferência malsucedida que mantivera no Banco. O velho leu as notícias recebidas naquele meio tempo e passou-as para Thomas Cardif. Já percebera que não poderia transformar o jovem terrano num simples meio para alcançar suas finalidades. O desertor da Frota Espacial Solar não era um homem do qual se pudesse abusar. Fora dele a proposta de informar toda a Galáxia pelo hiper-rádio sobre a mudança de governo, depois que compreendera as chances que os mercadores galácticos viam nessa mudança secreta.

Cokaze ainda hesitara. O risco lhe parecia muito grande. Mas os argumentos de Cardif eram convincentes.

— Transmita a informação ininterruptamente pelo hipercomunicador — pedira Thomas Cardif em tom enfático. — Repita a notícia sem cessar, informando que um certo Atlan está governando o Grande Império. Fique martelando a Via Láctea com a novidade, Cokaze! Não vá imediatamente a Archetz. Permaneça no espaço com sua frota e atice a fogueira de lá.

“O senhor desencadeará um furacão espacial. Os mercadores galácticos se revoltarão contra o usurpador Atlan e o afastarão do governo.

“Mas não espere demais, pois o senhor não está interessado em possuir um corpo acéfalo. O que o senhor pretende é ocupar o lugar dos arcônidas, apossando-se de toda a extensão do reino estelar M-13. Por isso deverá estar em condições de golpear assim que as primeiras raças coloniais tentem retirar-se do Grande Império.

“Atlan mesmo lhe fornecerá a prova de que é o novo governante. E o desenvolvimento catastrófico dos acontecimentos o obrigará a ministrar a prova de que ocupa o lugar do Grande Coordenador. No momento em que fizer isso, Cokaze, os mercadores galácticos serão os senhores do Império de Árcon.”

Cokaze, o mais rico dos chefes de clã dos saltadores; Cokaze, um homem velho e experimentado, sagaz e hábil nos negócios, inescrupuloso e matreiro, quando fosse necessário — esse Cokaze assustou-se com o ódio demoníaco do jovem terrano.

Descobriu o que havia dentro dele.

De repente, o patriarca começou a ter medo de Thomas Cardif.

Esse velho, que nunca sentira problemas de consciência, quando submetia mundos recém-descobertos com populações inteligentes à sua vontade, obrigando-os a celebrarem tratados comerciais com seu clã... Só agora, esse velho percebia quem era Thomas Cardif. E, além disso, não pôde deixar de reconhecer que os mercadores galácticos já não mais podiam recuar.

Thomas Cardif atrelara-os à sua carruagem, a fim de desencadear uma revolução no Império de Árcon e destruir seu pai Perry Rhodan.

E Cokaze, todo apavorado, perguntara ao jovem:

— Afinal, quem é você, Thomas Cardif? E o que ouvira depois disso? O que vira?

Ouvira-o rir e vira-o erguer o corpo. Depois veio a resposta arrogante:

— Sou um arcônida, saltador! Naquela oportunidade — tudo aquilo se passara há poucos dias — Cokaze sacudira a cabeça:

— Você não é nenhum arcônida! Nunca foi. Se no Grande Império houvesse mil pessoas da sua categoria, vocês nos tangeriam até as cavernas estelares. E também não é nenhum terrano, Cardif. Você brinca com mundos, com impérios espaciais. Faz tudo isso para destruir Rhodan. Somente para isso! Saia da minha frente. Não posso vê-lo mais, seu monstro.

Mas, momentos depois, o patriarca dirigira-se espontaneamente ao camarote do jovem, que há um minuto, bastante descontrolado, chamara de monstro.

“Esse é Rhodan”, pensou Cokaze ao entrar no alojamento de Cardif, quando viu o mesmo olhar penetrante que notara durante a palestra mantida com Perry Rhodan, em Terrânia.

— Então, a tempestade já se transformou num furacão, saltador? — perguntou Cardif como que ao acaso.

— Ainda não, mas os aras já chamaram três vezes e pediram insistentemente que transportasse suas cargas em minhas naves. Esse procedimento é tão fora do comum que só pode significar que querem falar comigo.

— Cokaze, o senhor não obterá nenhum lucro nesse negócio em torno do Grande Império se não garantir sua posição futura. O que vêm a ser suas dez mil naves? E o que importa sua conta bancária? O que poderá conseguir pelo simples fato de ter conhecimento de que o cérebro positrônico foi substituído pelo Almirante Atlan? Nada, absolutamente nada.

“Ponha tudo isso a render. Entre em contato com os povos coloniais mais turbulentos. Negocie a respeito de tudo, mas não perca a cabeça. Na política, a mesma sempre fica meio frouxa em cima do pescoço. Não se esqueça de que depois da tempestade, poderá vir o furacão, por isso não dê margem para esse tal de Atlan retirar a frota de guerra que se encontra na zona de descarga. Caso isso aconteça, vocês terão a guerra que só poderá atrapalhar seus planos.

“Vocês não querem um império em chamas; querem pôr no bolso um lucro estupendo. Se é assim, cuidem para que o bolso não seja muito pequeno para guardar o lucro. O senhor compreendeu, saltador?”

Cokaze teve a impressão de que Cardif falara sem refletir, mas quando se viu a sós em seu camarote, percebeu que nas palavras de Cardif não havia a menor incoerência.

Cokaze chamou a Cok III e a Cok IV. As duas naves encostaram ao longo da sua. Criou-se uma ligação que permitia passar de uma nave a outra.

As três potentes estações de hipercomunicações funcionavam ininterruptamente. O patriarca começou a tecer sua rede. Nem se deu conta de que estava fazendo exatamente aquilo que Cardif lhe sugerira: estava procurando o poder, o poder político.

Quando o terceiro dia chegou ao fim, o patriarca havia lançado suas minas em todos os cantos. Mais de novecentos clãs de saltadores estavam com ele e os aras continuavam a insistir em obter frete em suas naves. Além disso, entrara em contato com os povos coloniais, por intermédio dos patriarcas de outros clãs ou das feitorias comerciais dos saltadores, instaladas nos respectivos mundos.

— Não se exponha tanto — vivia advertindo Cardif.

Muitas vezes, Cokaze não conseguia compreender por que dava atenção aos conselhos daquele jovem. Não compreendia a si mesmo, mas sabia que, no terreno tático-político, o filho de Rhodan tinha uma superioridade enorme sobre ele.

Naquele momento, estavam sentados na grande cabina da Cok II. Cokaze empurrou as últimas notícias para o lado em que estava Cardif.

O panorama da tempestade que iria desabar desenhava-se nitidamente.

Cada vez mais se aproximava a hora em que o Almirante Atlan, que se encontrava em Árcon III, teria de dirigir a palavra ao Grande Império, se não quisesse assistir ao esfacelamento de seu grande império cósmico.

Mas o Banco dos Mercadores Galácticos de Titon não dava sinal de vida.

Apesar disso, Cokaze piscou para Thomas Cardif com uma expressão alegre no rosto.

As minas haviam sido colocadas; bastava detoná-las. O patriarca possuía o detonador, e mais uma vez devia agradecer a Cardif por estar de posse de um poder que obrigaria Ortece e Atual a ajoelharem-se.

As notícias continuaram a chegar. O joio já fora separado do trigo. Cokaze e Cardif foram os únicos que as leram. Os filhos mais velhos do patriarca não passavam de artistas figurantes. Não deixavam perceber o que pensavam sobre o papel que lhes fora atribuído. Não gostavam de Thomas Cardif, e não faziam questão de esconder esse fato.

O filho de Perry Rhodan não se incomodava com isso. Sabia que ainda era o mais forte, mas tinha bastante inteligência para não jogar desnecessariamente com sua força. Fazia questão de que todos percebessem que apenas era o conselheiro do patriarca, e cada conselho que dava constituía um sinal dessa situação. Depois de um rigoroso exame, qualquer um chegaria à conclusão de que não deveria atribuir motivos egoístas a Cardif.

Mas Cardif fazia jus à condição de filho de Perry. Se bem que não possuía o caráter puro do pai, tinha o saber intuitivo de Perry, que lhe permitia reconhecer num instante o desenvolvimento de qualquer situação até o desenlace final, sem esquecer-se de considerar as circunstâncias imponderáveis.

Na verdade, agia sem refletir, de forma puramente intuitiva.

— Saltador, será que não está na hora de informarmos Atual e Ortece sobre os novos acontecimentos? Depois dos saltadores, os aras são a maior família racial do Império de Árcon, e o Conselho dos Dez volta a perguntar quando o senhor chega a Aralon.

— Será que não é cedo para isso? — atreveu-se um dos filhos mais velhos de Cokaze a perguntar.

Mas logo teve de ouvir uma repreensão áspera. No mesmo instante, Cokaze pediu uma ligação com os dois diretores do banco.

Muitos minutos se passaram até que o rosto de Atual surgisse na tela, instalada no camarote de Cokaze. O chefe de clã não perdeu tempo com preâmbulos.

— Atual, neste momento, estou falando em nome de oitocentos e cinqüenta e sete patriarcas, em nome de cento e vinte e seis estaleiros, em nome da indústria pesada e da indústria de armamentos. Falo em nome de todos os chefes dos superpesados. Depois deste aviso enviarei um mensageiro, com todos os documentos necessários, segundo os quais as pessoas e entidades, que acabam de ser mencionadas, liquidam suas contas nesse banco. O lugar para o qual deverão ser remetidos os fundos consta dos documentos e...

— Faremos o que o senhor desejar, patriarca — interrompeu-o Atual sem revelar o menor abalo. — Aguardamos os documentos.

Com um leve aceno de cabeça interrompeu a ligação.

Houve certa inquietação entre os filhos de Cokaze, que se encontravam às costas do patriarca. Ninguém contara com esse malogro. Os banqueiros saltadores deviam ser indivíduos dotados de qualidades especiais.

O patriarca estava fora de si. Thomas Cardif deleitava-se com um cigarro. Nesse instante, seria idêntico a Perry Rhodan, se não fossem os olhos amarelos de arcônida. Sorria alegremente.

— Não vai enviar os documentos ao banco, saltador? — e logo depois, disse: — Acho que devemos informar o Conselho dos Dez sobre a nossa chegada.

O experimentado chefe de clã ainda não estava perfeitamente entrosado com o jovem Cardif.

— Deixaremos que Ortece e Atual esperem até hoje de noite. Quero que acreditem no blefe. Depois disso, talvez mostrarão maior disposição para abandonarem a reservada posição em que se encontram... e até lá poderei estabelecer mais alguns contatos.

Cokaze demonstrou que fazia jus à condição de mais rico dos chefes de clã dos mercadores galácticos. Sabia negociar, e a capacidade de conferir credibilidade às suas palavras devia ser inata. Sempre fizera questão de dizer aos filhos que, por meio de mentiras táticas, pode-se perder tudo, mas raramente se consegue adquirir riquezas.

Conseguiu encontrar-se com quatro grandes industriais num local previamente combinado. Conferenciou com estes. Dali a três horas, quando voltou à Cok II, entregou mais nove documentos a Thomas Cardif, para que este os examinasse.

— Cokaze, pela primeira vez na vida admiro um mercador galáctico! — exclamou Thomas Cardif em tom impulsivo e, segundo o costume terrano, estendeu a mão ao patriarca.

Este já vira esse costume na Terra e, muitas vezes, se divertira à custa de tal confraternização. Mas agora pegou a mão de Cardif sem a menor hesitação e retribuiu a pressão da mesma. O rosto de Cokaze estava radiante. Sentia-se satisfeito com o entusiasmo sincero de Cardif.

 

Naquele mesmo instante, impulsos condensados de telecomunicação percorriam velozmente a distância entre Árcon e Terra. Seria impossível interceptar esse tráfego de comunicações e converter os impulsos condensados para o comprimento normal. As antenas ainda os irradiavam em forma distorcida e codificada. Apesar disso, saíam quase instantaneamente, em texto claro, dos alto-falantes que se encontravam junto a Rhodan e Atlan.

— Mas ainda não é tudo, almirante — disse Rhodan para dentro do microfone. — Vejo pelo seu rosto. Então, o que me diz?

Atlan fitou o amigo a uma distância de 34 mil anos-luz.

— É verdade, Perry! Ainda não lhe contei tudo e, neste momento, fico triste por ter que dizer isto justamente a você. Quem está atrás de todas estas intrigas é Thomas Cardif. É o estrategista que cria estas situações.

— Thomas Cardif? — interrompeu Rhodan em tom áspero e incrédulo. — Ele mal saiu da adolescência e...

De Árcon, do gigantesco salão de controle do gigantesco cérebro, ouviu-se uma respiração pesada. A tela colorida que se estendia diante de Rhodan mostrou que Atlan sacudia a cabeça. De repente, fez um aceno.

— Perry, você teria razão se Thomas Cardif não fosse seu filho. Sabe que resposta o cérebro positrônico me deu, quando indaguei quem está atrás desses movimentos subversivos? Citou seu nome. Disse: Rhodan. Mas não disse qual era o Rhodan.

— E você acredita nisso? — perguntou o administrador em tom mais penetrante do que pretendia usar.

— Você não acredita, bárbaro? No fundo, poderia orgulhar-se por seu filho, se a situação fosse outra. Entretanto, no presente caso, ele trama minha queda... Era o que eu queria calar diante de você, meu amigo. Mas acho que já nos conhecemos bastante para que nenhum de nós possa esconder qualquer coisa do outro. Rhodan contra Rhodan... Quem teria pensado ser isso possível?

Houve uma pausa, durante a qual reinou um silêncio completo. Apenas a imagem permaneceu na tela.

A ligação com Árcon fora previamente anunciada. Rhodan tivera tempo para convocar seus colaboradores mais chegados. Agora estavam sentados atrás dele, numa posição em que viam a tela e podiam ouvir cada palavra pronunciada.

Rhodan contra Rhodan — quem teria pensado ser isso possível? A última frase ainda ressoava nos ouvidos dos presentes, e todos ainda se sentiam dominados pelo susto, provocado pela informação de Atlan. Segundo esta, o maior cérebro positrônico da Galáxia identificara um certo Rhodan como autor dos movimentos subversivos iniciados no seio do Império de Árcon.

Mercant, Freyt, Deringhouse, Marshall e Reginald Bell não queriam acreditar nisso; não queriam aceitar o fato de que o filho de Rhodan herdara justamente essas faculdades do pai.

— Perry — voltou a falar Atlan, no interior do gigantesco recinto abobadado do cérebro positrônico de Árcon III. — Retirarei da frente dos druufs todas as naves de guerra que ainda têm uma tripulação de robôs.

— Almirante, se eu fosse você desta vez não obedeceria ao conselho do computador. Se você intervir pessoalmente, ou por intermédio de naves robotizadas, criará um incêndio no Império, que não poderá ser apagado. Depois de seu primeiro chamado, tive uma idéia, mas tenho de esperar até que meus cientistas consigam resolver um problema setorial ligado à hiperpropulsão linear. Você compreende?

De propósito, Rhodan não se exprimira com muita clareza. Não confiava demais na afirmativa dos especialistas em hiper-rádio, segundo os quais a escuta de uma transmissão dessa espécie era impossível.

— Entendido, Perry — respondeu Atlan depois de ligeira reflexão. — Mas, para mim, isso ainda não vem a ser uma idéia completa. Tem algo a ver com os saltadores?

Rhodan limitou-se a sorrir.

— Tenho a impressão de que possuo um pega-moscas.

Ouviu-se um gemido vindo de Árcon.

— Perry, neste momento agradeço aos deuses por ter-me encontrado com um bárbaro como você. Mas se acredita que sou um superarcônida, só posso agradecer por sua confiança. Acontece, porém, que não sou. Até parece que dez mil anos de permanência na Terra me incutiram certas fraquezas humanas. Começo a ver as coisas pretas e penso no polegar de Bell e no seu pega-moscas.

No mesmo instante os olhos do arcônida se arregalaram.

— Então é isso? Pelos deuses eternos, Perry! — até parecia que Atlan pretendia colocar as mãos nos ombros de Rhodan a uma distância de 34 mil anos-luz. — Quer dizer que seu pega-moscas é...

Rhodan interrompeu-o.

— Acho que já nos entendemos, almirante!

— Não, ainda não nos entendemos. Será que você pretende expulsar o demônio com Belzebu? — a pergunta foi formulada em tom extremamente áspero.

Rhodan respondeu com a voz muito calma:

— Falei num pega-moscas; nem aludi ao demônio ou a Belzebu. Conforme as circunstâncias, com um pega-moscas pode-se agarrar duas moscas ao mesmo tempo.

— Agora já não estou entendendo mais nada, bárbaro! Caramba!

— Você teve algum contato prolongado com Bell? — perguntou Rhodan com uma indiferença fingida.

Bell catucou as costas de Perry. A tela transmitiu a risada de Atlan.

— É por causa da expressão pesada? Não se trata disso, Perry. Apenas acontece que ainda não compreendi sua idéia. Ainda bem que Thomas Cardif não tem sua experiência.

A palestra entre a Terra e Árcon chegou ao fim.

Para Perry Rhodan e seus homens, começou o trabalho. Allan D. Mercant, chefe do Serviço de Defesa Solar, era o único que conhecia o plano arrojado do administrador.

Enquanto a equipe 065-propulsão não concluísse sua tarefa, a operação pega-moscas teria de permanecer no terreno das idéias.

E o homem que deu um impulso inesperado a essa tarefa foi Rabintorge, o indiano de Laore.

 

Dali a vinte e quatro horas, as grandes emissoras do computador-regente de Árcon III introduziram-se nos noticiários mais importantes transmitidos pelo hiper-rádio. Em todos os setores do Grande Império, as telas mostraram o sinal de identificação do cérebro positrônico, substituído logo depois pela imagem do edifício abobadado. Após isso, começou a soar a voz metálica do cérebro.

Era uma voz ameaçadora; não pelo tom nem pela expressão, mas pela lógica desalmada que falava sem o menor constrangimento sobre os planos dos saltadores, dos aras, dos ekhônidas e de mais cinqüenta grandes povos compreendidos no Império Arcônida.

O cérebro não formulou qualquer advertência sobre o caos. Aludiu à frente dos druufs, apenas de forma vaga.

— Retiraremos nossas frotas. Não faremos mais nada para evitar a penetração dos druufs em nosso Universo. Retiraremos nossas frotas com tamanha lentidão que as naves dos druufs não poderão deixar de encontrar o caminho que conduz ao nosso Grande Império. Um Império que não está disposto a manter-se não tem direito de existir.

No fim voltou a surgir nas telas a grande abóbada do cérebro positrônico e o sinal identificador da faixa de ondas.

Para muitas inteligências do Império de Árcon, essas palavras representaram uma advertência seríssima!

 

Cokaze e Thomas Cardif ouviram essa transmissão durante o vôo de regresso, depois da conferência com o Conselho dos Dez. A mesma causou certa impressão ao patriarca. Porém, para Cardif, não representou nem mesmo um princípio de advertência.

— É um blefe! — opinou. — Atlan continua a usar o cérebro, Cokaze. Se o computador tivesse falado por iniciativa própria, eu não daria a menor chance aos mercadores. Acontece que hoje em dia o cérebro não é mais o que já foi. Atlan não acaba de provar que agi acertadamente ao aconselhá-lo a entrar em contato com os comandantes de esquadrilhas, que se encontram na frente dos druufs?

Sua voz soava fria e facilmente poderia ser confundida com a de Rhodan. Acontece que o pai desse jovem nunca falara com tamanha frieza e insensibilidade.

Um movimento instintivo de autodefesa obrigou o patriarca a reclinar-se. Cardif reconheceu o significado do movimento.

— Sou um monstro, não é, saltador? É o que o senhor está pensando mais uma vez, mas esquece que meu plano não prevê nenhuma operação bélica. Não quero transformar-me num monstro que traga sangue e lágrimas para dentro do Grande Império. Apenas quero destruir Rhodan e apagar seu nome, para que, daqui a dez anos, ninguém mais fale nele. Depois disso, desaparecerei e serei esquecido. Porém, até o fim dos meus dias, terei consciência de que minha vida não foi inútil.

— Cardif, Rhodan é igual a você? O patriarca Cokaze não pôde deixar de formular a pergunta. Alguma coisa dentro dele obrigava-o a isso.

— Acha que Rhodan é igual a mim? Nada disso, saltador! O único ponto de semelhança é o rosto que herdei dele. Rhodan é um terrano, um feixe de sentimentos que representam uma contradição ininterrupta aos seus conhecimentos. Acontece que eu sou e sinto como um arcônida.

Naquele momento, o comerciante passou a falar pela boca de Cokaze.

— Quer dizer que não pretende extrair nenhuma vantagem da destruição de Rhodan?

Cardif fitou-o sem compreender.

— Alguma vantagem para mim? Nem sequer chego a brincar com a idéia de transformar-me em seu sucessor no sistema solar. Quero destruí-lo, castigá-lo pelo assassinato de minha mãe. Depois disso, ficarei satisfeito, pois me bastará saber que ele recebeu aquilo que merece. Apenas não compreendo por que o senhor vive insistindo para que fale em Rhodan.

— Porque às vezes você me assusta, e porque outras vezes não posso deixar de admirá-lo, mesmo que não queira. Nunca poderá negar que é filho de Rhodan. Se estivesse no seu lugar, eu me orgulharia de ter um pai como ele.

Thomas Cardif respondeu em tom sarcástico:

— Como mercador galáctico, o senhor é muito sentimental!

O sistema de intercomunicação de bordo interrompeu a conversa. O chamado vinha da sala de rádio.

— Senhor, faça o favor de ouvir isto — disse o operador de rádio em tom exaltado.

O sistema de armazenamento acoplado ao hiper-rádio, que era uma peça minúscula do cérebro positrônico de bordo, reproduziu uma notícia transmitida por Árcon.

A 1.529 anos-luz de Árcon, no sistema de Dartol, formado por dois sóis e 36 planetas, os rasis, uma raça anfíbia inteligente, separaram-se do Império de Árcon.

Há uma hora, duzentas naves arcônidas apareceram sobre três planetas habitados por rasis e, sem a menor advertência, gaseificaram uma das muitas pequenas luas que gravitavam em torno de cada um dos três planetas. O gigantesco cérebro positrônico informou em tom indiferente:

— As fortes radiações obrigaram os seres anfíbios dos três mundos dos rasis a dirigir-se ao mar e recolher-se às cúpulas submarinas. Numa de suas últimas mensagens o governo da federação tripla de Rasis declarou que é um vassalo fiel do Grande Império.

— Árcon está agindo! — disse Cokaze em tom assustado.

Cardif o contraditou.

— Não é Árcon, mas Atlan! O computador gigante teria transformado os mundos dos rasis em sóis para mostrar ao Império que seu castigo é implacável. Atlan apenas gaseificou três luas minúsculas, sem disparar um único tiro contra os planetas.

Inclinou-se para a frente e, falando mais baixo que antes, quase como um sedutor diabólico, disse:

— Cokaze, será que não devemos chamar a atenção dos mercadores galácticos para esta diferença?

Quando a Cok II voltou a pousar no espaçoporto de Titon, Atual e Ortece esperaram que a comporta da nave cilíndrica se abrisse e que a rampa fosse descida.

Atual e Ortece procuravam o patriarca Cokaze, porque o mesmo lhes provara ser o mais forte. E, com o documento assinado pelos aras no bolso, segundo o qual os médicos galácticos estavam dispostos a encerrar todas as suas contas, sua situação se fortalecera ainda mais.

Ortece e Atual examinaram o documento. As mãos de Ortece tremiam levemente enquanto o devolvia ao patriarca. Com a voz pesada, disse:

— Tomamos todas as providências, Cokaze, mas não podemos deixar de formular mais uma advertência.

— Por quê? — Cardif formulou a pergunta em tom frio.

Ortece e Atual, patriarcas de dois clãs que há alguns milênios eram donos do

Banco, estremeceram e fitaram perplexos e contrariados o jovem. Depois lançaram um olhar indagador para Cokaze.

— Cardif tem razão e está perguntando em meu nome — afirmou o patriarca.

Essas palavras equivaliam a um pedido de resposta.

Dezoito saltadores e Cardif estavam sentados à frente dos dois financistas. Dezoito saltadores não se atreviam a contraditar os argumentos dos experimentados banqueiros. Porém, este jovem, que se parecia com Perry Rhodan, desfazia-lhes todos os argumentos e, no fim, colocou-os em situação tão difícil que Atual não conseguiu deixar de confessar, em tom abatido, que as idéias de Cardif também poderiam ser corretas.

— Nesse caso, tudo se resume numa questão de risco — retrucou Cardif com a voz controlada. — O Banco não perderá dinheiro, desde que os senhores desencadeiem uma inflação no Império de Árcon. A mesma apenas causará o abalo econômico de Árcon. E um revés monetário pesa muito mais que uma batalha perdida.

“Quando pretendem desencadear a inflação? Decidam logo, pois, do contrário, usaremos os documentos que temos em nosso poder e, dentro de uma hora, o Banco dos Mercadores Galácticos de Titon irá à falência.”

Desde a fundação do Banco, nunca ninguém exercera tamanha chantagem contra o mesmo. Há muitas gerações os clãs dos Atual e dos Ortece se gabavam de que sempre eram tratados com o maior respeito.

E agora um homem, que era filho de Perry Rhodan e tinha por mãe uma princesa arcônida, fazia-os concordarem com seus planos e desencadear uma inflação no Grande Império, ou declarar sua falência dentro de uma hora.

O suor porejava nas testas de dezoito saltadores, de Atual e de Ortece. Thomas Cardif, que estava sentado ao lado de Cokaze, fumava tranqüilamente. Seus olhos acompanhavam os anéis de fumaça.

Ortece, o saltador franzino, pigarreou.

— Amanhã, terrano! Amanhã, três unidades de tempo depois do momento em que Árcon tiver transmitido as últimas cotações.

A expressão terrano soara como uma maldição. A voz de Ortece tremia de raiva. Thomas Cardif apagou o cigarro.

— Obrigado — disse e sorriu para os dois.

Compreendeu perfeitamente por que os dois banqueiros se retiraram sem despedir-se.

Dezoito saltadores viam nele um perigo mortal. Cokaze perguntou com a voz insegura:

— Cardif, onde foi que o senhor adquiriu esses conhecimentos sobre a técnica financeira?

— O que o senhor acha que eu tenho? — perguntou Cardif em tom de espanto. — Conhecimentos sobre assuntos financeiros? Não posso responder à sua pergunta, pois até o momento em que iniciei a conferência com Atual e Ortece nunca pensei sobre isso.

 

A GHC Company, sediada na Cidade do Cabo, já não era um complexo da indústria pesada pertencente à Federação Africana. Com base nos novos dispositivos da legislação de emergência, Perry Rhodan confiscara a companhia e a incorporara ao Serviço de Defesa Solar. As buscas trouxeram tantas provas da existência de traidores, todos ligados ao clã de Cokaze, que nem mesmo os partidos da oposição da Federação Africana se atreveram a abrir polêmica sobre o confisco.

Os laboratórios médicos analisaram os tóxicos descobertos em poder de Rochard, Artun e Sharkey e constataram que se tratavam de toxinas desconhecidas. Ao serem injetadas, estas conferiam aos seres humanos faculdades hipnóticas ou sugestivas de intensidade fenomenal. Seu perigo não residia tanto no poder tóxico, mas antes no fato de que seus efeitos perduravam por seis meses.

No primeiro semestre do ano de 2.044, o sistema solar fora sacudido de uma calma enganosa, em virtude do aparecimento de naves dos druufs. Depois disso, assistira à chegada de uma grande frota robotizada dos arcônidas e também travara contato com as naves cilíndricas dos mercadores galácticos.

Ao se defrontarem subitamente com esses fatos e compreenderem que afinal o poder gigantesco do Império Solar não chegava tão longe assim, os ânimos dos terranos se descontrolaram e se deixaram arrastar por tensões políticas internas extremamente graves. Rhodan conseguira, em parte, dominá-las, e a frota dos saltadores, comandada pelo patriarca Cokaze, abandonara o sistema. Graças à generosa ajuda de Atlan, as frotas solares tornaram-se mais fortes que nunca.

Entretanto, no momento, o poder do Império Arcônida andava um tanto abalado e, por conseguinte, caso Árcon ruísse, desmoronaria também o Império Solar.

Mais uma vez, o destino da Humanidade repousava nas mãos de um único homem, e, como das outras vezes, pouca gente sabia disso. Nem mesmo os membros da equipe 065-propulsão desconfiavam dos motivos que levavam Rhodan a insistir, já há alguns dias, para que concluíssem o trabalho.

Rabintorge, o indiano descoberto por Frank Lemmon, chefe da Seção F-l do Serviço de Defesa Solar, transformara-se na peça motora da equipe. Sentia-se fustigado pela ambição de demonstrar que sua arrojada hipótese era correta. Já não o contestavam com a mesma freqüência dos primeiros dias. Um dos maiores computadores de Terrânia, que fora requisitado por ele, sempre lhe dava razão. Mas antes que o cérebro positrônico pudesse ser alimentado com os dados extraordinários, tais cifras tinham de ser apuradas.

O problema básico consistia nos abalos estruturais causados pelo funcionamento do hiperpropulsor linear. E esse problema tornava-se ainda mais difícil porque os cientistas não conheciam esse tipo de propulsão, com exceção de algumas indicações vagas.

Perry Rhodan foi acordado no meio da noite. A tela do intercomunicador iluminou-se ao lado de sua cama. O rosto moreno do indiano Rabintorge fitou-o. Era o rosto de um velho ou o rosto de um homem próximo à exaustão.

— Sir, o aparelho está pronto...

Rhodan viu o jovem indiano desfalecer lentamente. O rosto desapareceu da tela.

Num instante entrou em contato com o grande hospital.

— Aqui fala Rhodan! Acionar imediatamente o dispositivo de alarma médico e enviar todos os recursos ao setor 18, divisão 065-propulsão! Todos os homens que forem encontrados lá deverão receber tratamento médico. Esgotamento total. Desligo.

Depois disso, Bell foi acordado pelo chamado de Rhodan.

O rosto sonolento de Reginald Bell surgiu na tela.

— É você? — perguntou em tom contrariado. — Quer saber que horas são?

— Bell, o aparelho está pronto! Bell ainda não despertara de vez.

— O hiperpropulsor linear?! — Rhodan viu na tela que Bell cerrou fortemente os olhos, passou a mão pelo rosto, bocejou à vontade e acordou de vez. — Então está pronto? Quem me poderá explicar o funcionamento do aparelho?

Rhodan interrompeu-o apressadamente.

— Voltarei a chamar daqui a pouco. Acabara de cometer um erro. Voltou a ligar com o pronto-socorro. Lá lhe disseram que a equipe já estava a caminho do setor 18.

— Pois ligue-me com a equipe! — pediu em tom enérgico.

Dali a um instante, respondeu o planador Aeskul-6, pertencente ao serviço de pronto-socorro.

— Preste atenção — disse Rhodan apressadamente pelo intercomunicador, dirigindo-se ao médico. — Na divisão 065 o senhor encontrará um indiano totalmente exausto. Ponha-o em forma por meia hora, mas só se achar que pode fazê-lo sem riscos. Terá que dar algumas explicações a Mister Bell.

No alto-falante de Rhodan ouviu-se um estalo. Já transferira a ligação para Bell, mas o gorducho não apareceu na tela.

— Bell...! — exclamou em tom contrariado.

A imagem não apareceu, mas Rhodan ouviu pelo alto-falante:

— Feche os olhos, Perry. Estou embaixo do chuveiro.

Rhodan armou-se de paciência. Isso o deixou mais descontraído.

— Pois bem... — Reginald Bell apareceu na tela. Estava completamente vestido.

— Rabintorge, que se encontra na divisão 065-propulsão, lhe dará informações sobre o novo aparelho.

 

Dali a quatro horas Bell, a bordo da Califórnia, com a qual avançara espaço afora, transmitiu uma mensagem de apenas uma palavra: Pega-moscas.

No mesmo instante, a Drusus, um supercouraçado de 1.500 metros de diâmetro, decolou de Terrânia, com Perry Rhodan, Mercant, Freyt e a maior parte do Exército de Mutantes a bordo. Além disso, encontravam-se na nave duzentos especialistas das mais diversas áreas. Todos participariam dessa missão especial, identificada pelo estranho nome pega-moscas.

Bem longe da órbita de Plutão, a Drusus avisou as estações medidoras de abalos estruturais do que estava para ocorrer, e transmitiu o tempo da transição que pretendia levar a efeito.

Só numa situação de emergência permitia-se a realização de uma transição no interior do sistema. Ao lembrar-se disso, Perry Rhodan soltou uma risada amarga. Mais uma vez, seria tudo ou nada!

A trezentos mil quilômetros da Califórnia, a Drusus emergiu do hiperespaço e retornou ao Universo normal. Dali a cinco minutos, Bell flutuava juntamente com alguns companheiros e um robô de trabalho em direção à Drusus, que estava parada próximo à sua nave.

O robô de trabalho carregava o novo aparelho de localização. Bell nem se atrevera a levá-lo, embora pesasse apenas alguns quilos e pudesse ser transportado facilmente, em perfeita segurança. Acontecia que, no momento, era o único aparelho desse tipo de que dispunham e, por isso,

Bell achava que era seu dever não confiá-lo a ninguém a não ser a um robô.

O grupo levou dez minutos para percorrer a distância que separava a comporta da Drusus da gigantesca sala de comando da supernave. No momento, não havia motivo para apressar-se. Quando se encontrava no interior da comporta da imensa nave esférica, chamara Perry pelo intercomunicador e lhe dissera:

— 1625/F 13/S27, catálogo estelar dos arcônidas.

O computador positrônico de bordo ouvira a mensagem e, imediatamente, expelira a fita perfurada pela fenda.

O grupo de letras e algarismos representava a identificação arcônida de um pequenino sol vermelho, que ficava a 8.136 anos-luz da Terra e tinha dois planetas igualmente pequenos e desabitados. Foi nesse sistema, próximo do chamado Saca-rolhas, um braço da Galáxia com o formato desse utensílio, que Reginald Bell constatou, mediante o novo aparelho de localização de abalos estruturais causados pela utilização do hiperpropulsor linear, a presença dos três mil veículos espaciais dos druufs que, depois da fuga do sistema solar, permaneciam escondidos nas profundezas da Via Láctea.

A fita perfurada, que Perry Rhodan segurava, continha todas as informações que se tornavam necessárias para dirigir-se a esse sol vermelho-escuro, um oitavo do sol terrano.

Naquele instante, a Drusus e a Califórnia encontravam-se a quatro anos-luz da Terra. Esse fato já fora considerado nas indicações fornecidas pelo computador positrônico de bordo.

Na grande sala de comando, começou a desenvolver-se um procedimento dotado de uma perfeição militar. Rhodan transmitiu ordens lacônicas e inequívocas, ouviu confirmações e não deixou que as numerosas perguntas o enervassem.

No momento em que o grupo dirigido por Bell, que trazia um robô com o novo aparelho, chegou à sala de comando, a Califórnia, uma nave de cem metros de diâmetro, pertencente à classe Estado, já estava regressando à Terra. Enquanto isso, a Drusus preparava-se para a transição, que a transportaria por uma distância de 8.100 anos-luz, para junto do insignificante sistema do pequeno sol, que naquele instante assumia uma importância relevante para Rhodan.

O supercouraçado começou a acelerar. O computador positrônico de bordo marcara o salto pelo hiperespaço para dali a trinta e um minutos.

Perry Rhodan saiu da sala de comando, acompanhado por Bell, Mercant e John

Marshall. Deixara o comando do supergigante a cargo de Deringhouse.

Uma conferência realizada no camarote de Rhodan fora o sinal de que uma missão importante estava prestes a acontecer.

A única pessoa já informada sobre o plano pega-moscas era Allan D. Mercant.

O administrador não era dado a longos preâmbulos.

— Pela meia-noite, a Califórnia voltará a pousar em Terrânia. A essa hora, a Drusus se terá aproximado a dez ou quinze anos-luz do sistema em que a frota dos druufs se abrigou. Em Terrânia, uma nave-correio ficará à espera da notícia de que nos aproximamos dos dois planetas em que pousaram as naves dos druufs. Assim que receber nossa notícia, a nave-correio decolará em direção a Árcon III, a fim de entrar em contato com Atlan. O correio não terá conhecimento das notícias que transmitirá ao almirante. Nem mesmo no computador de bordo serão introduzidos dados a este respeito. Mas faço votos para que Atlan se lembre do que eu quis dizer quando, certa vez, na sala de comando de uma nave esférica, falei no Anel dos Nibelungos. O correio apenas transmitirá esta senha.

Rhodan viu Bell respirar profundamente.

— Está com falta de ar, gorducho?

— Será que você não poderia complicar as coisas mais do que isso? — perguntou em tom tão amável e sacudiu a cabeça.

— Complicar as coisas? — repetiu Rhodan, espantado. — De forma alguma. Acontece que nesta missão não estou disposto a assumir o menor risco.

— Atlan pedirá que lhe tragam o Anel dos Nibelungos da sala de comando da nave-correio. Compreenderá imediatamente o que lhe mandei dizer. Depois disso, a nave-correio não voltará à Terra. Ela nos seguirá e se manterá à espera numa coordenada que ainda lhe será fornecida. Enquanto isso entraremos em contato com os druufs...

Bell e Marshall estiveram a ponto de levantarem-se, mas não o fizeram. Bell fitou o polegar com uma expressão pensativa.

Um brilho ligeiro surgiu nos olhos cinzentos de Rhodan, porém não fez caso da alusão de Bell.

— Chegaremos a um acordo com o comandante dos druufs!

Subitamente, o tom de voz de Rhodan era diferente. A afirmativa, que parecia incrível, perdia a incredibilidade graças à sua autoconfiança sugestiva.

Naquele momento, Bell lembrou-se das muitas gentilezas dos druufs. Nunca se esqueceria das mesmas. A lembrança que tinha desses seres não era nada agradável, e não era do feitio de Bell guardar sua opinião para si mesmo.

— Perry, só conseguiremos chegar a qualquer acordo com o chefe dos druufs, quando ele não tiver mais a menor chance de continuar vivendo.

— Como você sabe avaliar bem a situação dos druufs! — disse Rhodan com uma suave ironia. — Acontece que eles não têm mais chance de voltar ao seu Universo.

“A área de superposição entre o Universo deles e nosso tornou-se tão instável que a passagem de um espaço para outro torna-se mais difícil a cada dia que passa. Nós sabemos disso, e Atlan também. Porém nem uma única pessoa no Império de Árcon, inclusive um certo Thomas Cardif, sabe disso.

“E o nosso ponto chave é o fato de que os comandantes das três mil naves dos druufs também sabem. Já devem ter percebido que seus fantásticos hiperpropulsores não lhes servirão para nada, pois não há nenhuma velocidade que leve do nosso espaço ao Universo deles e, além disso, eles não têm nossos projetores de campo de re-fração.

“Ainda há outro fato que os coloca em situação menos favorável. Face à dimensão temporal, que trouxeram de seu Universo, só desenvolvem metade da nossa velocidade. Num vôo espacial normal, só serão capazes de atingir metade da velocidade da luz.

“Um belo dia, eles calcularão onde encontrar a abertura de descarga estável dos dois Universos, que se deslocam um ao lado do outro. Mas faria qualquer aposta com você, Bell, de que o dia em que isso acontecer esse ponto estará num futuro muito distante.

“Quando esse dia chegar, o druuf que tiver vida mais longa já terá apodrecido há muitos decênios.”

— Perry — perguntou Bell no tom de voz que lhe era peculiar. — Você nunca ouviu falar que uma pessoa desesperada e dominada pelo pânico muitas vezes age como um louco e faz exatamente o contrário do que se espera?

Perry Rhodan confirmou com um gesto e indagou:

— Você nunca ouviu falar no medo da morte, Bell?

— Se não se tratasse dos druufs, eu diria que você tem razão. Acontece que esses seres têm uma mentalidade que para nós é incompreensível.

— Quando a morte está à vista... Quando surge o medo de morrer, todos os seres são iguais, Bell. Parto deste princípio ao projetar as negociações com os druufs.

O intercomunicador deu um sinal. Rhodan teve que dedicar sua atenção à tela que naquele instante se acendeu.

— Sir, são notícias do almirante! — disse o oficial que estava de plantão na grande sala de rádio da Drusus.

O rosto contrariado de Atlan fitou os homens que se encontravam no camarote de Rhodan.

— Perry, meus parabéns pelo filho que você tem. Você se orgulharia, caso ele estivesse do nosso lado.

Estas palavras foram ditas a título de intróito. Rhodan empalideceu ligeiramente.

— Bárbaro, o maior banco do Império dos Arcônidas, o Banco dos Mercadores galácticos de Titon, cedeu à pressão de um certo Thomas Cardif e provocou uma inflação no Grande Império.

“Afinal, temos uma instituição semelhante à Bolsa de vocês. Há três horas, o local transformou-se em ponto de reunião de doidos. Nem mesmo com os recursos do banco oficial consegui sustentar as cotações que caem ininterruptamente. O cérebro positrônico recomendou que não fizesse nada para impedir a queda.

“Nossos queridos amigos, os aras, invocaram um pretexto tolo e suspenderam temporariamente o fornecimento de todo e qualquer medicamento. Descobri que Thomas Cardif e Cokaze conferenciaram durante várias horas com o Conselho dos Dez, em Aralon.

“De todos os setores do Império, chegam notícias de que nenhuma nave dos saltadores está pousando para descarregar suas mercadorias. Nos espaçoportos dos diversos mundos só estão pousadas naves cilíndricas, incapazes de voar.

“Três esquadrilhas de cruzadores, que operavam na frente dos druufs e estavam sendo dirigidas pelos mercadores galácticos, procuraram transferir-se para M-13. Quando fiquei sabendo disso, a proteção robotizada automática já havia entrado em ação e destruiu as três esquadrilhas, sem deixar uma única nave. Foram trezentas e sessenta e duas unidades!

“Segundo notícias dignas de crédito, os superpesados estão voando em torno de Archetz para proteger o planeta. Os únicos mundos em que ainda não se notou a presença do fermento revolucionário são Árcon I, II e III. O cérebro avalia a confiabilidade dos comandantes de naves de guerra que atuam na frente dos druufs em 47,3 por cento.

“Agora, a medida do cérebro positrônico, que mandou substituir a maior parte das tripulações robotizadas da frente dos druufs por homens, está-se virando contra nós. Se nas próximas dez horas a situação continuar a deteriorar-se, farei explodir o planeta Archetz depois de um último aviso. E se isso não bastar para intimidá-los, farei com que recebam aquilo que...”

Nessa altura, Rhodan interrompeu-o.

— Atlan, seria recomendável que você não fizesse nada antes de receber notícias minhas.

— Não subestime seu filho, Perry. Quase chego a admirá-lo. De qualquer maneira, esperarei desde que Cardif me dê tempo para isso.

Mais tarde, Rhodan não saberia explicar o que lhe fez dar esta resposta a Atlan:

— Ele lhe dará, almirante!

Atlan, que se encontrava só na cúpula gigantesca do enorme cérebro positrônico de Árcon III, fitou Rhodan com uma expressão de espanto. Depois refletiu ligeiramente e disse:

— É Rhodan contra Rhodan, meu caro! Será que ele o conhece tão bem quanto você a ele? E será que conheço você bastante para colocar o Império dos meus antepassados e dos meus descendentes, dependendo das suas ações por algumas horas? Você ainda não compreendeu que submeteu nossa amizade a uma prova muito dura?

“O que foi que você disse? Cardif lhe dará tempo, almirante.

“Reflita sobre aquilo que eu poderia ver atrás destas palavras, e não esqueça da resposta que o cérebro deu à minha pergunta sobre o autor dos movimentos subversivos. Apenas mencionou Rhodan, esquecendo-se de fazer qualquer alusão ao primeiro nome. Deveria ter citado Thomas Rhodan, ou melhor, Thomas Cardif!

“Quero que Bell me dê ajuda, mas não com a mão do dedo machucado.”

A ligação foi interrompida em Árcon. A essa hora, Perry Rhodan, que sempre soubera avaliar prontamente qualquer acontecimento e tinha a faculdade de adaptar-se instantaneamente a qualquer situação, falhou por completo.

Ficou parado à frente da tela para não mostrar o rosto aos homens que se encontravam presentes, pois sua fisionomia retratava a tormenta que rugia em seu interior.

Era isso mesmo! Acabara de submeter a amizade que o unia a Atlan a uma prova extremamente dura. A afirmativa de que Cardif lhe daria tempo fez nascer a suspeita de que ele e seu filho trabalhavam juntos.

Qualquer pessoa que se encontrasse na situação de Atlan teria chegado a essa conclusão. Mas Atlan só reagira com uma pergunta: Cardif o conhece tão bem quanto você a ele?

Por que resolvera dizer aquilo?

Rhodan, o homem mais poderoso do Império Solar, procurou obrigar-se a pensar em outra coisa. Porém desta vez, os sentimentos foram mais fortes. Chamavam por Thomas. Era o pai que chamava o filho único.

Acontece que Thomas Cardif estava do outro lado. Para ele, não havia nenhum pai que se chamasse Perry Rhodan.

 

O pequeno sol vermelho-escuro aparecia apenas como um pontinho na gigantesca tela de visão global da Drusus. O supercouraçado de Rhodan aproximara-se a oito anos-luz do sistema. Há alguns minutos, o aparelho de rádio, usado durante as operações no Universo dos druufs, estava ligado.

O centro de controle de tiro avisou que estava preparado. A Drusus encontrava-se em prontidão rigorosa. Mais de 2.200 pessoas a bordo da gigantesca esfera envergavam trajes espaciais. A tensão crepitava no interior da nave. Há meia hora, pouco antes da transição, Rhodan informara seus homens em frases curtas sobre a missão que iriam executar e os riscos a correr.

A idéia de Rhodan transformara-se na missão pega-moscas, mas só Marshall, Freyt, Mercant e Bell sabiam o que significava isso.

Sentira-se perfeitamente a frieza que os homens haviam adquirido no curso de centenas de missões.

Perry Rhodan deu o passo decisivo. Estava prestes a entrar em contato com o comandante da frota dos druufs, composta de três mil naves.

Ao lado dele flutuava Harno, o televisor vivo, o misterioso ser esférico.

Antes que Rhodan abrisse a boca para pronunciar a primeira palavra de sua mensagem destinada aos druufs, Harno tornou visível o corpo quadrático e grosseiro do comandante que tinha quase três metros de altura. Ao que parecia, em meio a três mil naves com suas grandes tripulações, localizara-o imediatamente.

A imagem reproduzia o brilho marrom-escuro da pele lisa, semelhante ao couro, daquele ser. Os quatro olhos e a boca triangular não contribuíam para embelezar a cabeça esférica de meio metro de diâmetro, que não tinha nariz nem orelhas. Rhodan e seus amigos já estavam acostumados ao aspecto assustador dos druufs.

Ao ver, por intermédio de Harno, o chefe da frota dos druufs, Perry hesitou em fazer o chamado. Com o auxílio desse ser e de suas três mil naves de guerra, pretendia levar avante um plano arrojado. O que aconteceria, porém, se de repente o druuf deixasse de cumprir o combinado e passasse a agir por conta própria?

Haveria centenas de motivos para agir dessa maneira. Quaisquer considerações humanas teriam de ser eliminadas desde o início. A mentalidade dos druufs não era humana, pois estes descendiam de insetos. Só mesmo as considerações utilitárias e o medo, que lhes infundissem os terranos, talvez os levariam a cumprir exatamente o que se combinasse... se é que haveria alguma combinação.

— Sir, localização no amarelo dezoito! — anunciou o tenente que estava de plantão junto ao rastreador espacial. — Oitenta a cem naves se aproximam. Velocidade 0,4 da luz. Distância sete minutos-luz.

Rhodan virou a cabeça para a direita. Viu John Marshall, chefe dos mutantes. Trinta destes, que formavam parte do respectivo exército, encontravam-se a bordo da Drusus, nave capitania do Império Solar.

Marshall fez um sinal para Rhodan. Os dois comunicaram-se por via telepática. A seguir, Marshall recorreu ao mesmo meio para avisar seu grupo, entrando em contato com o hipno André Noir.

Os teleportadores prepararam-se: iam entrar em ação. Um deles tinha apenas um metro de altura e constituía uma combinação entre rato e castor. Era Gucky.

O endiabrado ser prendeu ao corpo a pequena fileira de bombas especiais. Bastava detonar uma delas numa nave para transformá-la num sol atômico. A fileira de bombas era formada de vinte peças. Os teleportadores humanos levaram o dobro dessa quantidade.

Aguardavam apenas a ordem de saltar.

Mas essa ordem demorou bastante.

O localizador especial, que reagia ao hiperpropulsor linear e o media, anunciava uma situação perigosa. Bell, que se encontrava junto ao aparelho, avisou:

— Quatrocentas naves aproximam-se do amarelo dezoito à velocidade superior à da luz. Distância cerca de três dias-luz... Ora bolas, há mais um bando de marimbondos a menos de duas horas-luz. São sessenta naves.

— Se é assim, está na hora — disse Perry Rhodan.

Empurrou os outros microfones para o lado, ficando apenas com o que se destinava ao transmissor dos druufs.

— Rhodan chamando o chefe da frota. Favor responder...

Repetiu o chamado dez vezes; depois calou-se. Na sala de comando não se ouvia nada, além do zumbido dos tubos de imagem, das espulas e dos transformadores. Mas subitamente surgiu um chiado que se tornava cada vez mais forte.

A sala de rádio regulou para o máximo o volume do receptor dos druufs, mas este apenas reproduzia o chiado produzido pelos campos elétricos instáveis situados entre as estrelas.

Depois de algum tempo, a voz de Bell se fez ouvir:

— A frota de quatrocentas unidades está desenvolvendo uma estupenda velocidade. É muito rápida... — havia um pouco de inveja em sua voz, produzida pelo fato de que a Terra não dispunha do fantástico hiperpropulsor linear, que permitia locomover-se à velocidade superior à da luz no espaço normal, fazendo com que os ocupantes das naves deixassem de experimentar os choques da transição.

A sala de controle de tiro chamou pelo intercomunicador.

— Sir, todas as unidades energéticas de reserva foram acopladas com as torres de canhões.

Face às notícias transmitidas por Bell, o oficial de controle de tiro fizera uma avaliação da situação e agira por conta própria. O aviso transmitido a Perry Rhodan era uma questão de rotina, rotina esta que muitas vezes os salvara em situações desesperadoras.

— OK! — disse Rhodan.

O sistema de intercomunicação de bordo transmitiu suas palavras para todos os cantos da nave.

— Os druufs estão voando ainda mais depressa! — a essa altura, a voz de Bell parecia nervosa.

Rhodan levantou a cabeça.

— Qual é a velocidade?

Bell lançou um olhar desconfiado para o novo rastreador de abalos estruturais produzidos por hiperpropulsores lineares.

— Está quebrado!

— Contato visual! — gritou um oficial que se encontrava na sala de comando e apontou para a grande tela de visão global da nave capitania.

Quase no mesmo instante, os teleportadores saltaram em direção ao grupo de naves que se aproximava.

Rhodan sabia perfeitamente que sua atuação não poderia produzir um resultado decisivo. A destruição misteriosa de algumas de suas naves poderia provocar certo nervosismo e confusão entre os druufs, mas nunca seria possível fazer aquela raça de gigantescos seres quadráticos bater em retirada. Por isso, Rhodan repetiu seu chamado destinado ao comandante supremo da frota vinda de outro Universo.

— Rhodan chamando chefe da frota dos druufs! Favor responder! Rhodan chamando chefe da frota! Favor responder...

O aparelho foi ligado para a recepção. Mais uma vez, só se ouviu o forte chiado produzido pelos campos elétricos interestelares.

— Sir, estão nos cercando! — foi outra noticia alarmante.

Rhodan acenou com a cabeça. Parecia distraído. Estava tudo preparado para uma transição-relâmpago. Mas naquele instante não pensava nisso, da mesma forma que não pensava no perigo que se aproximava inexoravelmente.

O que estava em jogo era demasiadamente valioso. Teria de arriscar tudo para obter um ganho total.

— Três minutos, Sir — anunciou Marshall num cochicho.

Fazia três minutos que os telepatas haviam saltado. Segundo o cronograma, as primeiras bombas seriam detonadas cinco minutos após o salto. Depois disso, ainda haveria um prazo de segurança de quarenta e cinco segundos para que o teleportador abandonasse a nave.

— Rhodan chamando chefe da frota dos druufs! Favor responder! Rhodan chamando chefe...

Observara por intermédio de Harno o comportamento do comandante supremo e vira que este fazia meia-volta sobre suas pernas disformes e se aproximava de alguma coisa que Rhodan identificou como um aparelho de rádio.

— Rhodan, aqui fala Uong-Zterds-Klighf, comandante supremo. O que deseja?

Todos os nomes dos druufs eram verdadeiros monstros léxicos. Era impossível pronunciá-los e conservá-los na memória. Os homens já haviam constatado esse fato por ocasião de sua primeira visita ao Universo deles. Por isso, Rhodan não fez o menor esforço para guardar o nome do comandante supremo. Mas no momento em que a voz do druuf se fez ouvir por intermédio dos aparelhos retificadores acoplados, Rhodan transmitiu uma mensagem telepática muito importante a Marshall:

— Chame de volta os teleportadores! Nenhuma bomba deve ser detonada!

Marshall não teve necessidade de olhar para o cronômetro para chegar à conclusão de que aquilo seria uma corrida contra o tempo. Seu traje espacial de agente era equipado com a mesma perfeição dos usados pelos teleportadores. Num instante, fechou o capacete, ligou o minúsculo, mas potente telecomunicador construído pelos swoons, e chamou o grupo de teleportadores para que regressassem imediatamente à Drusus, trazendo os artefatos explosivos.

Ainda proferia apressadamente a ordem, quando uma voz piou:

— O que vou fazer com a bomba cujo detonador já está funcionando, John?

— Faça o que puder, Gucky! — respondeu Marshall em tom penetrante. Com um pressentimento tremendo na mente perguntou: — Onde está você?

— Na nave capitania dos druufs. Onde poderia estar?

— Pelo amor de Deus, Gucky, justamente aí não deve acontecer nada.

Viu que suas palavras eram inúteis. Pelo ligeiro crepitar de seu alto-falante, concluiu que não poderia falar mais com o rato-castor.

Marshall abriu lentamente o capacete e sentiu que o suor lhe cobria a testa.

Neste meio tempo, uma palestra fluente em intergaláctico se desenvolvera entre Rhodan e o chefe dos druufs. A comunicação só se tornou possível graças aos complicados aparelhos existentes em ambas as naves, pois os druufs não possuíam órgãos vocais propriamente ditos. Comunicavam-se por freqüências que não estavam ao alcance do ouvido humano. Seus corpos possuíam transmissores e receptores orgânicos destinados a esse intercâmbio.

O druuf perguntou seguidamente pela frota de Rhodan. Não se conformava com o fato de ter descoberto uma única nave esférica. Evidentemente, pensava na gigantesca frota robotizada que, além de obrigá-lo a desistir da conquista do sistema solar, o fizera fugir para esta área inóspita da Galáxia.

E Rhodan dizia constantemente:

— As unidades aguardam minhas ordens! A frota está acompanhando nossa palestra!

Era um blefe. Rhodan não conseguiu descobrir se o druuf estava acreditando no mesmo. Subitamente, houve um forte lampejo entre as duas frentes. Rhodan e o druuf perguntaram ao mesmo tempo:

— O que foi isso?

Gucky poderia explicar minuciosamente. Era uma bomba que acabara de explodir. Tratava-se da bomba que deveria ter destruído a nave capitania dos druufs, mas que depois da contra-ordem de Marshall fora retirada por Gucky, com o mecanismo de relógio do detonador já em funcionamento, e largada no espaço por meio de um salto de teleportação.

O traje especial de Gucky, fortemente chamuscado do lado direito, provava que por pouco aquilo não terminou num desastre. Uma prova ainda mais cabal consistia nas expressões usadas pelo rato-castor, quando voltou ao ponto de partida.

— Então saí com aquilo... Ainda dispunha de três segundos até a detonação da bomba. Saltei da nave dos druufs para o espaço e larguei a bomba. Quando ia teleportar-me para a Drusus...

Nenhum dos mutantes riu do rato-castor que esbravejava furiosamente. Todos compreenderam o que Gucky havia arriscado e muitos foram bastante honestos para se perguntarem: Será que eu também teria assumido esse risco? E ainda foram bastante honestos para dar resposta negativa a esta pergunta.

— Deve ter havido um intervalo de mais ou menos um milésimo de segundo entre a explosão da bomba e meu salto de teleportação. Bem, tudo acabou bem, mas estou curioso para ver como continuarão as coisas. Olhem só: estamos completamente cercados pelos druufs!

A sala de operações dos mutantes era uma reprodução em escala menor da sala de comando da Drusus. Havia vários aparelhos de rastreamento e telas com sistemas de ampliação direta.

Gucky não estava exagerando. Se os druufs não estivessem dispostos a entrar em acordo, dentro em breve a Drusus deixaria de existir. Mais de duas mil naves dos estranhos seres já participavam do cerco, e uma concentração como essa fazia com que até mesmo uma transição repentina não tivesse a menor possibilidade de êxito.

Perry Rhodan não deixou que ninguém percebesse o que pensava a respeito da situação.

— Comandante supremo — disse calmamente ao obstinado druuf. — Sua fraqueza reside justamente na sua força. A existência de suas naves é apenas uma questão de poucos dias. Fuja para onde quiser: nunca perderemos seu rastro. As possibilidades de retorno ao seu Universo são nulas.

“Comandante supremo, quantas naves o senhor enviou à frente, a fim de verificar onde seria mais fácil romper a frente de superposição? Nem quero saber do número de naves de reconhecimento, mas sei que nem uma única delas regressou. A cada hora que passa aumenta a instabilidade da área de descarga, enquanto cresce o potencial de nossa frota de guerra, que até aqui conseguiu impedir que suas naves penetrassem em nosso Universo.

— Palavras, palavras, Rhodan, apenas palavras! — interrompeu-o o druuf. — Você quis falar comigo. Já falou. Nossa conversa chegou ao fim.

— E seu destino juntamente com o de seus tripulantes também chegou ao fim, druuf — Rhodan modificara a forma de tratamento, mas não o tom de voz. De qualquer maneira, os matizes da mesma não seriam transmitidos para as ultra freqüências.

Harno, o ser esférico que flutuava dentro do campo de visão de Rhodan, mostrava o corpo quadrático do druuf, que entrelaçava os dedos. Ao contrário do corpo maciço, estes eram muito finos. Ao que parecia, estava refletindo.

— Rhodan, o que é que você tem a oferecer?

A pergunta desabou que nem um raio. Alguns dos oficiais na sala de comando tiveram de esforçar-se para reprimir uma exclamação de espanto.

— O que você está disposto a dar, druuf?

A contra-indagação de Rhodan impressionou o chefe da frota. Muito embora este não fosse capaz de qualquer tipo de comoção humana, fez um gesto impulsivo para que seu estado-maior, reunido atrás dele, permanecesse em silêncio.

— Quem nos garante que você nos oferecerá uma possibilidade de voltar ao nosso Universo?

Era a pergunta que Rhodan aguardava, e que não poderia deixar de ser formulada pelo druuf.

— Pois eu lhe dou uma garantia dupla — disse Rhodan em tom impassível. — Ordene a uma das naves de sua frota que se aproxime a cem quilômetros de minha nave. Indicarei a posição à mesma, por intermédio de sua nave.

“Essa nave, e só essa, poderá voar até seu Universo. A seguir, depois que toda a tripulação convencer-se de que realmente se encontra no espaço a que pertence, você lhe dará ordens para voltar pelo caminho mais rápido ao nosso Universo. É nisso que consiste minha primeira garantia.”

A equipe de cento e vinte homens, que se encontrava junto ao grande projetor de campo de refração, instalado no maior dos hangares da Drusus, estava acompanhando a palestra. Eram cento e vinte homens que esperavam a ordem de entrar em ação, a fim de ligar o projetor cuja força era capaz de abrir a porta para o Universo dos druufs.

O esquema de lugar e tempo das áreas de superposição, já atingidas, fora elaborado nos últimos meses, num trabalho exaustivo realizado por uma equipe de astrônomos, de físicos e de matemáticos em Terrânia.

De repente, a cabeça esférica do druuf pareceu ligar-se rigidamente ao tronco quadrático. Rhodan apenas podia tentar imaginar o que se passava, nesse instante, naquele cérebro inteligente de inseto.

— Druuf, qualquer ataque à minha nave seria inútil. Ao primeiro tiro de radiações, o aparelho que permite a vocês voltarem a seu Universo será automaticamente destruído.

O comandante da frota fez de conta que não ouvira a advertência.

— Qual é a segunda garantia, Rhodan?

— Mandarei cinco dos meus homens como reféns à sua nave.

Segundo as concepções dos druufs, essa oferta não representava qualquer garantia adicional. Porém esses seres inteligentes já haviam percebido que a ética que prevalecia no cosmos daqueles pequenos indivíduos era totalmente diversa da sua. Nela, a vida e a segurança do indivíduo ocupavam um lugar de destaque.

— O que terei de fazer, Rhodan? — perguntou o druuf, sem demonstrar qualquer tipo de concordância face à oferta de Rhodan.

— A única coisa que terá de fazer é aparecer subitamente com sua frota nas proximidades de um planeta que lhe será indicado. Você tem o direito de enviar naves de reconhecimento para certificar-se de que não pretendo atraí-lo a uma armadilha. Dois dos cinco homens, sujeitos às suas ordens, levarão as naves de reconhecimento com toda segurança e pelo caminho mais curto à estrela que será o alvo da ação.

— O que pretende conseguir com isso, Rhodan?

— Trata-se de uma manobra de intimidação. Quero impedir a eclosão de uma revolução sem derramamento de sangue e...

O druuf interrompeu-o.

— Rhodan, pelo que constatamos não há muita diferença entre a inteligência de vocês e a nossa. Você realmente supõe que eu seria capaz de acreditar nisso?

Estava na hora de Rhodan valer-se do perigoso trunfo.

— Comandante, para nós vocês são monstros, verdadeiros fantasmas. O homem comum tem medo de vocês. Suas naves carregam o pavor. O mundo que com sua revolução representa o foco de perigos mal se atreverá a respirar se depois de nossa advertência realmente aparecer uma frota dos druufs acima de suas cabeças.

“Druuf, realize um vôo de demonstração de poder e de intimidação, e, por tudo que é sagrado, eu juro que depois disso mandarei sua frota de volta ao seu Universo, por intermédio de minha porta.

— Mostre-me a porta, Rhodan. Deixe passar uma das minhas naves, que receberá ordens para regressar, assim que estiver convencida de ter chegado ao seu Universo. Depois que essa nave regressar, continuaremos a conversar.

— De acordo — respondeu Rhodan. — Mande que uma de suas naves de aproxime a cem quilômetros. Depois indicaremos a posição exata.

Cobriu o microfone com a mão e olhou para Bell.

— A nave-correio já chegou?

— Emitiu um impulso condensado e está esperando na posição combinada, Perry. Será que você realmente confia nesse druuf?

— Deixemos isso para depois. Marshall, quem foi que fez explodir aquela bomba entre as naves?

— Foi Gucky. Quase morreu, Sir! — respondeu Marshall.

A observação final visava à proteção do rato-castor. Mas ninguém conseguiria enganar o excelente sentido do tempo de que era dotado Perry Rhodan.

Lançou um olhar penetrante para Marshall.

— Quer dizer que Gucky deve ter ligado o detonador antes da hora.

Marshall limitou-se a acenar com a cabeça.

Rhodan não disse nada. Alguma coisa muito desagradável esperava o rato-castor.

O administrador voltou a dedicar sua atenção ao comandante dos druufs.

— Rhodan, estou enviando a nave mais veloz que tenho. Você a vê nos seus instrumentos?

A nave já era perfeitamente visível, pois todos os holofotes da tal nave estavam ligados. O veículo espacial aproximava-se velozmente. Tinha o aspecto de uma estrela branco-azulada.

 

O colapso econômico do Grande Império ameaçava esfacelar o gigantesco reino estelar do grupo M-13. A cada hora que passava, a inflação assumia feições mais assustadoras. Por ordem de Árcon as Bolsas foram fechadas em todos os planetas. Já não havia registros de cotações. Não adiantava tirar o dinheiro do banco, pois a moeda desvalorizava terrivelmente.

Os médicos galácticos tinham mais um motivo para não fornecer medicamentos. Mesmo que quisessem, não poderiam fazê-lo, pois as naves dos saltadores, com os bilhões de toneladas de capacidade de carga, não pousavam mais em qualquer mundo. Reuniram-se em grupos gigantescos no espaço interestelar e aguardavam o desenrolar dos acontecimentos.

Demorou apenas vinte horas até que surgisse a primeira pane numa linha de montagem de Árcon III, porque mais de quarenta naves especiais, que deveriam trazer acessórios importantes, regressaram vazias.

A política de aprovisionamento do cérebro também demonstrara sua eficiência na área dos acessórios mas, uma vez que as naves voltavam sem carga, teve de lançar mão pela primeira vez das reservas, que estavam dimensionadas para três meses. O cérebro continuava a dirigir todo o processo produtivo. Atlan nem pensava em retirar-lhe os controles, pois tinha trabalho de sobra para substituir programações, já superadas, que se harmonizassem com os acontecimentos mais recentes.

Porém até mesmo os trabalhos inadiáveis não mais podiam ser executados.

A cada minuto que passava, o cérebro informava-o sobre novos fatores de perigo surgidos no Império. Via-se cada vez mais nitidamente que Thomas Cardif, ajudado pelo saltador Cokaze, desencadeara uma tormenta, uma verdadeira avalancha de proporções galácticas.

Lançou um olhar pensativo para o Anel dos Nibelungos que se encontrava à sua frente. Lembrou-se de que fitara o mensageiro com uma expressão de espanto, quando este o cumprimentou.

— O Anel dos Nibelungos? — repetira e lembrara-se dos tempos em que viveu e lutou ao lado de Gunter, de Hagen e de Sigfredo.

Conhecera os três, e justamente o sombrio Hagen fora seu amigo. Mas naquele tempo não havia nenhum Anel dos Nibelungos. Tal história fora inventada pela lenda.

— Ah! — exclamou Atlan nesse instante. Seu segundo cérebro entrou em atividade e lhe forneceu a solução.

Passou pelo terrano perplexo e dirigiu-se ao pequeno computador de bordo. Fitou o pequeno anel preso ao revestimento, que normalmente apenas servia para que se pudesse puxá-lo, caso ficasse preso.

Certa vez, Rhodan chamara sua atenção para um anel semelhante e lhe dissera em tom de brincadeira:

— Isso não é um verdadeiro Anel dos Nibelungos? Se o revestimento empinar, não haverá meio de atingir os tesouros armazenados no interior do computador se não dispusermos deste anel.

A nave-correio de Rhodan já partira de novo. Seguira em direção ao insignificante sistema solar, onde a frota dos druufs se mantinha escondida em dois planetas.

Atlan segurou o anel. O mesmo fora fabricado especialmente. Fora fácil tirá-lo das alças no interior da nave-correio. Porém para descobrir o mecanismo de abertura do anel, levara alguns minutos.

— Por que tantas complicações? — perguntou em tom irritado.

Girou o anel de um lado para outro. Era feito de um metal leve com elevada resistência à tração.

Há cem anos os homens nem se atreveriam a pensar num material destes, mas atualmente era encontrado em qualquer residência terrana.

— É isto! — espantou-se consigo mesmo e sacudiu a cabeça.

De repente compreendeu por que o anel fora feito dessa liga de metal leve e por que fora chamado de Anel dos Nibelungos.

— Perry, tenho de pedir perdão a você.

Afinal, não é um grande romântico, mas apenas o formidável realista de sempre com umas pequenas ambições românticas...

Uma fita transportadora expressa levou-o ao setor de laboratórios do gigantesco computador positrônico. Entrou na sala destinada aos exames fotográfico-metalúrgicos. O anel foi colocado à frente do revelador tridimensional. Era um aparelho que trabalhava com base em campos magnéticos dirigidos e tateava o metal camada por camada. Ao primeiro sinal de uma exposição fotográfico-metalúrgica, passava a funcionar como revelador tridimensional.

Atlan acomodou-se na poltrona e fitou atentamente a tela. A seu lado, o revelador tridimensional emitia um zumbido suave. De repente, a tela iluminou-se. O rastreador acoplado ao revelador acabara de descobrir a camada de metal com a mensagem de Rhodan.

Atlan, um homem que se conservara jovem nos últimos dez mil anos, graças ao ativador celular preso ao peito, ainda conseguiu surpreender-se, apesar de todas as experiências pelas quais já tinha passado.

Rhodan lhe comunicava o que vinha a ser a missão pega-moscas.

Atlan mantinha-se ereto na poltrona. Leu atentamente a mensagem.

— Se ele conseguir isso... — disse o arcônida para si mesmo, em voz baixa. Sentiu uma profunda admiração por Rhodan. — Bárbaro, acho que você ainda leva certa vantagem sobre seu filho.

Voltou a desligar o revelador tridimensional, saiu da sala e voltou pela fita expressa. As notícias chegadas nesse meio tempo já não poderiam surpreendê-lo. Os acontecimentos evoluíam inexoravelmente em direção ao colapso total.

 

Mais uma vez, Atual e Ortece estavam sentados no interior da nave cilíndrica Cok II, à frente de Cokaze e Thomas Cardif.

E mais uma vez, os dois financistas insistiam junto a eles para que lhes dessem uma chance de intervir nos acontecimentos.

— Amanhã será tarde, patriarca. Uma inflação não conhece qualquer lei. O colapso não pode ser detido à vontade. Pelos nossos deuses, Cokaze, não dê mais atenção a este terrano. Dê atenção às nossas palavras.

— Se tivesse feito isso, nós, os mercadores galácticos, não estaríamos no ponto em que estamos — respondeu Cokaze em tom frio e com certa ironia na voz. — Os arcônidas estão arruinados. O tal do Atlan atreve-se a usar sua frota robotizada junto a pequenos povos coloniais, mas para enfrentar os saltadores precisará de algo mais que algumas naves robotizadas. Árcon sabe perfeitamente que nossas naves cilíndricas não são navios de peregrinos que confiam exclusivamente na proteção dos deuses.

Atual interrompeu o patriarca em tom nervoso:

— Patriarca, não blasfeme contra os deuses para que não sejamos atingidos por sua maldição. Árcon continua a ser uma realidade. O perigo representado pelos druufs, aqueles monstros vindos de um outro Universo, ainda está presente. Por enquanto o regente ainda existe, mesmo que tenha sido desligado por Atlan, e Rhodan também continua a existir. Rhodan...

Cokaze irrompeu numa estrondosa gargalhada.

— Rhodan! Sim, Rhodan! Basta citar este nome no Grande Império para que todo mundo acredite que os demônios estelares estão atrás da gente. Já tive oportunidade de travar conhecimento com ele. Sei até onde chega seu poder. Por vários decênios fez de tolos a nós do Grande Império!

— Não foi o que eu disse? — esbravejou Atual. Tinha um temperamento bastante agitado para um banqueiro.

— Quem está sentado a meu lado, Atual? — perguntou Cokaze em tom de escárnio. — Será que o senhor veio apenas nos dizer que está com medo?

Ortece, o delicado diretor do Banco dos Mercadores Galácticos de Titon, que até então não havia dito quase nada, interveio na palestra:

— O Império, e isso inclui a nós, ao senhor, patriarca, e ao mais pobre dos salta-dores, já perdeu um terço do seu patrimônio.

Thomas Cardif ergueu-se lentamente. Seus olhos de arcônida chamejavam num fogo amarelo, mas o brilho apenas espalhava frieza. Um sorriso irônico dava um feitio esquisito à sua boca.

— O senhor já falou muito, mas não disse uma única palavra para explicar por que motivo o banco oficial de Árcon não fez qualquer tentativa para sustentar as cotações por meio de compras. Dê-me uma explicação precisa sobre isso, Ortece, e nós lhe permitiremos deter imediatamente o colapso econômico. Possuímos os poderes e os documentos necessários a isso.

Ortece teve a impressão de ter à sua frente um ser vindo de outro mundo. O saltador delicado fitou o patriarca como se quisesse pedir socorro. Mas, nos olhos deste, não havia compaixão nem ajuda.

— Não posso explicar. Para Atual e para mim, a atitude passiva do banco oficial também é um mistério.

A ironia de Cokaze foi-se espalhando por seu rosto. O patriarca fez um gesto de triunfo para Thomas Cardif, que fumava tranqüilamente.

— Ortece, por que Cardif teve condições de, antes da inflação, dizer a nós, os patriarcas dos saltadores, e ao Conselho dos Dez, que o banco oficial de Árcon não interviria no mercado? Como explica isso?

Os olhos de Ortece chamejaram de raiva.

— Cokaze, nós não somos profetas. Somos banqueiros que levam sua profissão a sério e nunca agiremos como charlatães.

Cardif interveio tranqüilamente com uma pergunta:

— Quanto ganhará seu banco se ainda hoje tentar deter a inflação, se as indústrias voltarem a funcionar, se as frotas dos saltadores levarem as mercadorias de um planeta a outro? De quantos bilhões será o lucro?

— Será que não poderíamos dividir esse lucro? — perguntou Cokaze em tom sarcástico e lançou um olhar penetrante para os dois homens.

Dali a dois minutos, viram-se a sós. Os banqueiros mais ricos e influentes do Grande Império quase chegaram a fugir da nave de Cokaze.

— Que patifes! — exclamou o patriarca atrás deles e sacudiu a cabeça.

Lançou um olhar indagador para Cardif.

— Sei lidar com dinheiro e também sei o que devo fazer para multiplicá-lo. Porém não sei como se pode auferir lucros gigantescos numa inflação em que todos perdem seu dinheiro.

— Para isso, deve-se fazer o seguinte:... — principiou Cardif.

Nesse momento, o intercomunicador da Cok II emitiu um sinal.

— Senhor — disse o operador de rádio para seu patriarca — os grandes transmissores de Árcon III anunciam um comunicado importante para os próximos minutos. Usarão todas as faixas de hiper-rádio...

— Passe a transmissão para cá assim que a mesma chegue e não fale tanto. Seja mais breve em suas explicações. Da próxima vez não se esqueça disso!

 

O comandante dos druufs e Perry Rhodan mantiveram a segunda palestra pelo rádio. Mais uma vez Harno, o ser esférico, fez com que Rhodan pudesse observar o monstro quadrático na sala central de sua nave, enquanto o comandante não desconfiava de nada.

Nesse meio tempo, a nave enviada ao Universo dos druufs voltara pela porta aberta por meio do projetor de campo de refração, instalado no maior dos hangares da Drusus, e apresentara um relato dos acontecimentos ao comandante.

— Harno — perguntou Rhodan ao ser esférico — você consegue ouvir o que o comandante da nave de reconhecimento está dizendo a seu chefe?

Harno conseguira, e Rhodan não teve nada a objetar ao relato apresentado pelo monstro que acabara de regressar do outro Universo.

— Rhodan — disse o druuf — estamos em segurança em qualquer lugar em que você não esteja. Você procura atrair-nos com a promessa de podermos voltar ao nosso Universo, desde que antes disso concordemos com sua proposta. Na verdade, porém, você tentará destruir-nos.

Rhodan sentiu que com palavras não conseguiria mais nada junto ao druuf. Precisava de provas palpáveis de suas intenções honestas. Mas como conseguir essas provas?

Não se podia cogitar do transmissor fictício, a única arma de seu tipo e a mais terrível de todas. Os druufs não deveriam saber de sua existência, pois isso aguçaria ainda mais seu apetite de apoderar-se da Drusus.

Guiado antes pelo sentimento que pelo intelecto, respondeu em voz alta:

— Druuf, não se esqueça de que não tive necessidade de procurar você e sua frota, pois, ao sair de meu mundo, já sabia onde você estava escondido. Poderia perfeitamente ter vindo com todas as minhas naves. Nesse caso a batalha contra sua frota já teria chegado ao fim. Não tenho mais nada a dizer. Se quiser falar comigo, não demore.

Era o velho Rhodan que mais uma vez lançava mão de todos os recursos de sua personalidade. Graças à sua ampla visão, tinha uma certeza quase absoluta de que o comandante dos druufs estava disposto a aceitar sua proposta.

Na gigantesca sala de comando da nave esférica, os homens voltaram a conversar entre si, mas ninguém saiu do lugar. A nave capitania de Rhodan continuava cercada pelas unidades da frota dos druufs. Se houvesse uma luta para valer, seu destino se consumaria ainda mais depressa que o da Kublai Khan, durante a batalha travada no mundo dos lagartos.

— A mensagem destinada a Atlan já foi elaborada? — perguntou Rhodan, dirigindo-se ao General Deringhouse.

Este entesou ligeiramente o corpo.

— Sim senhor. Só falta a hora.

— Logo saberemos a hora — arriscou-se Rhodan a dizer.

Nenhum dos homens que se encontravam na sala atreveu-se a esboçar um sorriso de incredulidade. Perry Rhodan raramente fazia prognósticos como este e, quando os apresentava, estes se realizavam.

— Marshall!

O chefe do Exército de Mutantes encontrava-se ao lado de Bell, junto ao aparelho especial de localização. Limitou-se a erguer a cabeça.

— Comunique a Tako Kakuta que ele será destacado para servir de astronauta na nave capitania dos druufs. Em compensação o doutor Small ficará.

— Mas Kakuta não é nenhum astronauta.

— Em compensação é um ótimo teleportador, Marshall — ponderou Rhodan.

Bell acenou levemente com a cabeça. Percebera o que Perry Rhodan pretendia conseguir com essa mudança de função, mas Marshall parecia encontrar-se num dia nada favorável.

— Sir, não compreendo.

— Nesse caso, recomendo-lhe que procure livrar-se da desconfiança. Talvez haja uma boa terapia para isso. Será que agora o senhor já compreendeu?

— OK, chefe! — Marshall não sabia o que estava acontecendo com ele.

Tako Kakuta, o japonês pequeno e franzino com rosto de criança, nem pestanejou quando Marshall lhe transmitiu a ordem do chefe. Gucky, que, em virtude de seu “perigoso excesso de zelo”, ainda tinha que esperar uma bronca de Rhodan, foi o único que disse o que pensava.

— Ainda não sei se gosto mais dos lagartos de Topsid, dos médicos galácticos ou dos druufs. Acho que no fundo não gosto de nenhum deles, pois todos me causam repugnância. Acontece que no meu coração há um lugar todo especial para os druufs... Não confio nem um pouco neles. Tako, tome cuidado com nossos reguladores de curso estelar e traga-os de volta sãos e salvos.

— Acho que hoje você se encontra muito loquaz, Gucky — disse Marshall em tom de recriminação.

— Não — respondeu o rato-castor e sorriu com o dente roedor solitário. — Será que é proibido pensar no polegar de Bell e...

Marshall, que ainda se sentia aborrecido pela lerdeza mental que acabara de demonstrar, gritou:

— Será que você ainda tem que repetir as tolices de Bell?

— Bell ficará muito satisfeito em conhecer a boa opinião que o chefe dos mutantes faz a respeito dele, quando eu lhe disser, naturalmente ao acaso, o que você andou falando... É possível que eu consiga esquecer-me de suas palavras para sempre, caso alise meu pêlo por duas horas.

Uma verdadeira chantagem! E Gucky sabia disso, mas era um rato-castor e podia permitir-se esse procedimento. Mas Marshall não estava disposto a cair na sua conversa.

— Diga-lhe o que quiser, meu caro. Vamos esperar para ver, quando você receberá outra tarefa. Acho que, antes disso, sua presa cairá.

Nunca ninguém chamara de presa o dente roedor de que Gucky tanto se orgulhava. Mas o que deixou-o mais abalado foi a ameaça de Marshall. John dera a entender que não lhe confiaria mais nenhuma tarefa. Ouvir essas palavras era mais terrível que ficar dez semanas sem cenouras frescas.

— John — disse em tom humilde. — Será que não poderíamos fazer um acordo?

— Com um chantagista como você? Gucky não se deu por vencido tão depressa.

— OK, John! Quer dizer que eu sou um chantagista. Mas você é um caluniador. E isso não lhe fica bem!

Estas palavras do rato-castor desarmaram o adversário. Todos riram; até mesmo Kakuta exibiu seu misterioso riso japonês.

Estava pronto para entrar em ação. Desligou-se do grupo de Marshall, para juntar-se à equipe de astronautas, e desapareceu no mesmo instante.

Perry Rhodan esperava receber pelo sistema de intercomunicação da nave a notícia de que o druuf tomasse a iniciativa de fazer uma ligação de rádio. A tensão crescia a cada minuto que passava. Durante o período de espera, a sala de rádio transmitiu o noticiário irradiado pelas grandes estações de hiper-rádio de Árcon.

O Grande Império fervia em todos os cantos, muito embora em cada notícia se notasse de que a mesma se destinava a preencher um fim específico: atiçar ainda mais os distúrbios. Mas, mesmo que se fizesse um bom desconto, não havia dúvida de que a situação política de Atlan piorava a cada hora que passava. Não podia estar longe o momento em que se esfacelasse o Grande Império que já tinha mais de 15 mil anos de existência.

Bell disse em meio a uma pausa:

— Se esse druuf descobrir que deverá desempenhar ao mesmo tempo o papel de mosca e de pega-moscas, então...

Os receios de Reginald Bell não eram infundados.

As naves de reconhecimento dos druufs não poderiam deixar de perceber certas coisas, isso naturalmente se o comandante supremo fosse enviar as espaçonaves com os dois astronautas terranos.

De início teriam sua atenção despertada para a concentração extraordinária do sistema M-13, que fariam nascer na mente dos druufs a suspeita de se encontrarem dentro do território pertencente ao Estado de seu encarniçado inimigo.

Além disso, os druufs, por certo, haviam ouvido as notícias alarmantes relativas aos distúrbios ocorridos no Império dos arcônidas.

Finalmente, e este era o ponto principal que mais preocupava Perry Rhodan, os superpesados patrulhavam os arredores do planeta Archetz. Se as duas naves de reconhecimento dos druufs se encontrassem com a frota dos superpesados, o ânimo guerreiro destes faria com que esse encontro evoluísse para um ataque. Nesse caso, o plano de Rhodan estaria frustrado, pois a frota dos druufs, que cercava a Drusus, lançar-se-ia imediatamente ao ataque contra a supernave terrana.

E não haveria a menor dúvida sobre o resultado do embate.

Rhodan virou a cabeça para o General Deringhouse.

— Envie uma mensagem condensada para Árcon III. Peça a Atlan que providencie... Não! Não envie nenhuma mensagem pelo hiper-rádio. Inclua, na mensagem a ser levada a Atlan, um aviso de que os superpesados devem desaparecer dos arredores de Archetz. Diga que para isso Atlan dispõe de três horas, contadas a partir do recebimento da mensagem.

Perry Rhodan não se apercebeu de que estava usando um tom de comando para com o chefe do maior império cósmico. Nesses dias, sentia que ele e Atlan estavam no mesmo barco, em meio a um mar revolto e precisava encontrar um porto seguro. Se o barco afundasse antes de atingir o porto, dentro de pouco tempo o Grande Império deixaria de existir, e aquela entidade minúscula que usava o nome pomposo de Império Solar também teria seus dias contados. Por isso, naquele momento, pouco importava quem dava ordens a quem. O que importava era vencer a crise, dentro de uma atmosfera de irrestrita confiança mútua. Não havia necessidade de prestar atenção a questões de etiqueta e de competência.

Rhodan sabia perfeitamente que o projeto pega-moscas pouco tinha de estratégico. Estava cheio de incógnitas. E a maior das incógnitas era Thomas Cardif.

Nem ele nem Atlan esperavam que esse jovem conseguisse, com o auxílio dos mercadores galácticos, abalar dentro de poucos dias até os alicerces de um Império que existia há mais de 15 mil anos.

Atlan e Rhodan contavam com uma única vantagem. Até mesmo uma revolução acompanhada do colapso econômico precisa de algum tempo para alcançar maturidade. E enquanto esse momento não chegasse, o maior poder ainda se encontraria do lado do governo. Por enquanto, esse fato servia de base ao plano de Rhodan.

Atlan não fora obrigado a desempenhar o papel do príncipe regente, nem fora vitimado por um acesso de claustrofobia, porque como único ser vivo, que se encontrava sob a gigantesca cúpula, ainda se mantinha escondido de todos. Concordara com as ponderações de Rhodan, segundo as quais seria preferível assumir um risco maior a usar meios brutais, para abafar qualquer tendência revolucionária no nascedouro, com o que se atiçaria fogo em todos os cantos do território do Estado.

Se a frota robotizada de Árcon, que continuava a ser grande e forte, resolvesse intervir, as cem mil naves cilíndricas formariam uma frente de combate. E o cérebro positrônico já informara Atlan sobre o armamento eficiente destas naves, e sobre a relação de forças entre a frota robotizada e a dos saltadores.

— Rhodan... — para muitos homens da sala de comando da Drusus, a voz do druuf parecia ter proferido uma senha que os libertara da insuportável tensão.

— Druuf... — respondeu Rhodan.

— Estou disposto a aceitar sua proposta, mas não estou disposto a enviar duas naves. Uma única nave se dirigirá à estrela-alvo, com seus dois astronautas a bordo. Se essa nave não regressar ou não responder aos nossos chamados pelo rádio, você poderá preparar-se para a batalha, Rhodan!

Perry fez como se não tivesse ouvido a ameaça.

— Mandarei uma nave auxiliar para enviar-lhe meus cinco homens. Dê ordem à sua frota para que não a ataque.

— Já foi feito. Mande seus homens para cá, Rhodan. O resto será resolvido depois.

O aparelho especial de radiocomunicação voltou a calar-se. O chefe da frota dos druufs acabara de desligar.

Poucas ordens foram transmitidas através da gigantesca esfera.

Quatro astronautas e o teleportador Tako Kakuta entraram num girino que os levaria à nave capitania dos druufs.

Enquanto isso, o General Deringhouse estava sentado na sala de rádio e completava as notícias destinadas a Atlan.

Quando um técnico lhe retirou a mensagem da mão, sacudiu desesperadamente a cabeça e dirigiu-se a um aparelho que não estava acoplado a qualquer transmissor.

— Grossi, faça o favor de explicar mais uma vez o que vem a ser o negativo de um impulso a ser transmitido pelo rádio. Não consigo compreender, embora já seja esta a terceira vez que o senhor vai explicar.

O técnico Grossi sacudiu a cabeça.

— General, isso só pode ser explicado por meio de fórmulas. A descoberta deu-se por acaso. Mais precisamente, foi uma idéia-relâmpago. Quando tal idéia passou pela cabeça de meu colega Francozetti e este a expôs, rimos dele. No fim, ele estava rindo de nós, pois, dali a dois meses, enfiou as fórmulas embaixo de nosso nariz. Na verdade, é uma tolice falar no negativo de um impulso de rádio, mas o fato é que não temos outra palavra para designar o processo e, como se baseia em certos procedimentos fotoquímicos, a explicação tende a levar a concepções falsas que tornam o fenômeno ainda mais incompreensível ao leigo.

— Obrigado! — disse o General Deringhouse com um sorriso. — Pelo menos já sei que devo deixá-lo em paz com minhas perguntas, e fiquei ciente de que sou um leigo. Mas o que foi que esse aparelho fez com minha mensagem?

Grossi era natural da Sicília e fizera seus exames em Nápoles. Há onze anos pertencia ao grupo dos melhores técnicos que Rhodan trouxera para Terrânia. Naquele momento, teve pena de si mesmo, pois acabara de dar uma resposta negativa ao general.

— É outra coisa que não lhe posso explicar. Se digo que este aparelho transforma suas palavras em impulsos e, no curso do mesmo processo, elabora um negativo, o senhor pensará automaticamente em negativos de filme e se encontrará num beco sem saída...

Levou a estreita ficha perfurada, que saíra do aparelho com um forte clique, até o dispositivo automático do hipertransmissor. O General Deringhouse não saía do seu lado. Ainda não estava disposto a desistir. Devia haver um meio de explicar-lhe esse fenômeno até então inexplicável, pois esse sistema de negativo representava a primeira possibilidade de garantir a irradiação de mensagens de hiper-rádio, que só podiam ser decifradas caso a outra parte conhecesse o processo.

Depois disso, o hipertransmissor da Drusus irradiou o negativo da mensagem à nave-correio, que se mantinha à espera a trinta anos-luz. Não era possível estabelecer contato direto com Árcon, pois Atlan ainda não dispunha desse aparelho.

— Acontece que a nave-correio já possui um aparelho igual a este. Se não fosse assim Atlan e seu cérebro-gigante poderiam matutar até o dia do juízo final para descobrir o sentido da mensagem indecifrável enviada por nosso chefe. Pois é, general, a nave-correio está partindo. Veja!

Com um gesto, Grossi apontou para a tela de rastreamento, na qual a nave-correio aparecia sob a forma de um ponto luminoso.

Com um sorriso, Deringhouse perguntou a Grossi:

— Quando eu sair da sala de rádio o senhor vai ficar contente, não é? Mas nem por isso o senhor conseguirá livrar-se de vez de mim.

 

O sol amarelo de Rusuma iluminava dezoito planetas. O quinto era Archetz, o mundo central dos saltadores. Os mercadores galácticos haviam seguido o exemplo de Árcon. No curso dos milênios, todos os planetas, com exceção do de Ult, que ficava próximo ao sol, foram transformados em fortalezas, e com o tempo também as numerosas luas foram incluídas no sistema de fortificações defensivas.

Os clãs que viviam navegando entre as estrelas ficaram zombando da mania de segurança dos membros de sua raça, que se haviam estabelecido em Archetz, até que eles mesmos tiveram de dirigir-se a esse planeta, para efetuar reparos de monta em suas naves, e, vez por outra, para comprar uma nave.

Desde o momento em que sentiram chão firme sob os pés, compreenderam o que valia a certeza de estarem protegidos por uma série de planetas e luas fortemente armadas.

Archetz, o foco de infecção dos movimentos subversivos e do colapso econômico, nos últimos dias ainda fizera mais, levando os superpesados a patrulhar as áreas adjacentes a fim de proteger o mundo mais importante dos saltadores.

A noite pousava sobre Titon, uma cidade de doze milhões de habitantes. Na nave de Cokaze, a Cok II, os dois filhos mais velhos do patriarca mantinham-se de vigília. Se chegasse qualquer notícia importante, Thomas Cardif deveria ser acordado imediatamente. Mas a maior parte da noite se passara sem que acontecesse nada de especial.

Subitamente, a central de comando da grande frota de couraçados chamou pela freqüência dos superpesados.

— Onde está Cokaze, saltador? — perguntou a voz retumbante do gigante de mais de meia tonelada, e seu rosto marcado pela cólera estava rubro. — Está dormindo? Pois acorde-o. Depressa!

O filho mais velho de Cokaze saiu correndo da sala de rádio. As palavras do superpesado deixaram-no confuso.

O mais jovem ligou o intercomunicador, com o qual atingiu simultaneamente o camarote do pai e o do terrano.

— Quem quer falar comigo? — perguntou o patriarca em tom sonolento.

O filho explicou.

— Já vou! — interveio Thomas Cardif, que acordara imediatamente.

Encontraram-se no convés principal. Fitaram-se com uma expressão de perplexidade. Não tinham a menor idéia de qual seria a mensagem importante que a central de comando dos superpesados poderia querer transmitir a essa hora da noite.

O patriarca deixou-se cair pesadamente na poltrona colocada à frente da tela.

— O que houve, Onkto? — perguntou, ciente de que era o patriarca mais rico de todos os clãs dos saltadores, e de que, nesse momento, não havia em todo o Império de Árcon nenhum homem mais importante que ele.

— Pouca coisa — disse o superpesado com sua voz de barítono. — Vamos retirar-nos, patriarca!

— Vão fazer o quê? — gritou Cokaze com a voz extremamente exaltada. — Isso infringe nossos acordos, Onkto. É uma traição.

— Tolice! — respondeu o superpesado em tom grosseiro. — Árcon formulou uma ameaça inequívoca e exigiu...

— Árcon... — uma estrondosa gargalhada sacudiu o patriarca, que costumava ser muito controlado. — Logo Árcon! O que representa Árcon hoje em dia?

— Quem está atrás de você, Cokaze? O rosto lembra o de Rhodan. Diga logo quem é — falou o superpesado, superando a risada violenta de Cokaze.

Thomas Cardif adiantou-se. Colocou a mão sobre o ombro do velho, o que representava um sinal de que o patriarca deveria deixar a palestra por sua conta.

— Sou Thomas Cardif. Minha mãe foi Thora, uma princesa arcônida! Acho que isto basta, Onkto. Quais foram as exigências de Árcon?

Onkto, chefe do setor de comando dos superpesados, que se encontrava num supercouraçado estacionado 800 mil quilômetros acima da superfície do planeta Archetz, quase chegou a sentir-se hipnotizado pelos olhos frios e amarelentos de arcônida.

— O senhor é o conselheiro de Cokaze? — perguntou visivelmente perturbado.

— Quais são as exigências de Árcon? E quem as formulou? O regente ou o Almirante Atlan?

Quem falava pela boca de Thomas Cardif era o arcônida. Era um protótipo dessa raça, nos gestos, no tom de voz e nas atitudes. Mas, na linguagem lacônica, era o filho de Perry Rhodan. Nem pensava em responder à pergunta de Onkto.

— O computador regente entrou em contato conosco e exigiu nossa retirada imediata. Diz que, do contrário, ele recorrerá à frota robotizada para obrigar-nos a abandonar nossas posições.

— O senhor já dispõe de alguma prova de que o regente retirou a frota robotizada da frente dos druufs? — perguntou Cardif em tom insistente.

O gigante de mais de meia tonelada arregalou os olhos e praguejou. Depois de algum tempo, disse:

— Cardif, se o senhor acha que sabe, por que pergunta? Para nós, os superpesados, basta que a frota robotizada não esteja mais na frente. O cérebro regente também nos ameaçou com os druufs! — acrescentou apressadamente.

— Será que isso basta para expulsar os valentes superpesados para os confins do Universo? — indagou Cardif numa ironia amarga.

Onkto não gostou nem um pouco da recriminação.

— Não somos mais bobos nem mais inteligentes que o patriarca Cokaze, que mantém apenas dez naves em Titon. As outras foram retiradas da linha de fogo...

— Nesse caso quero que o senhor me garanta que não revelará a retirada de sua frota por qualquer mensagem de rádio. Se não me der essa garantia, farei com que toda a Galáxia saiba por que desistiu do patrulhamento em torno de Archetz: apenas porque Árcon o ameaçou com a frota robotizada!

— Cardif! — retrucou Onkto em tom de ameaça, estreitando os olhos. — O senhor sabe tão bem quanto nós que a frota robotizada não se encontra mais na frente, e o que isso significa...

Cardif interrompeu-o em tom frio:

— Contestarei essa afirmativa, Onkto. E Cokaze também contestará. Se os superpesados se tornarem conhecidos como covardes, seu negócio guerreiro terá chegado ao fim. Não acha, Onkto?

Ao que parecia, o superpesado não estava só na sala de comando, pois Cardif e Cokaze ouviram-no cochichar com outras pessoas, mas não entenderam o que estava dizendo.

O rosto do superpesado voltou a virar-se para a tela.

— Aceitamos suas condições, Cardif. Retirar-nos-emos discretamente. Um dia os demônios estelares o carregarão, seu maldito terrano!

Estas palavras representaram a despedida de Onkto. Depois disso, a tela no interior da sala de rádio da Cok II apagou-se.

Thomas Cardif acendeu um cigarro. Fumava de olhos fechados. Quando virou a cabeça para Cokaze, este perguntou:

— Os superpesados não mentiram?

— Nenhuma das suas palavras foi mentira! — confirmou Cardif. — Devem ter constatado por meio dos seus aparelhos de rastreamento que a frota robotizada não se encontra mais no front. O que importa, saltador? Por que será que Árcon exigiu que os superpesados se retirem? Há alguma intenção atrás disso. Qual será? — seus dedos tamborilaram contra a tela.

Tirou algumas tragadas profundas e apressadas do cigarro.

Nem Cokaze nem seus dois filhos perturbaram as reflexões de Cardif. O terrano descansou o cigarro e disse:

— Sugiro que a Cok II permaneça por mais algum tempo em Archetz, mas gostaria que as estações planetárias de observação espacial vigiassem atentamente o espaço em torno do sistema de Rusuma, pois alguma coisa perigosa está para acontecer. Gostaria de saber o que é...

 

O vôo da nave de reconhecimento dos druufs foi acompanhado por dois pontos muito distantes: a Drusus e Árcon III.

O aparelho de rastreamento recentemente inventado seguia constantemente a pista da nave vinda de um outro espaço. Seu hiperpropulsor linear criava a imagem de um fio vermelho infinitamente comprido, que permitia acompanhar a rota do veículo espacial.

Certa vez, o indiano Rabintorge, a cujo dinamismo Rhodan devia agradecer o fato de dispor tão depressa de um aparelho de rastreamento desse tipo, afirmara que a hiperpropulsão linear retirava uma das quatro constantes de seu embasamento normal na estrutura espaço-temporal, desencadeando o efeito que permitia a localização.

Essa afirmativa nunca fora seriamente contestada. Restava saber se resistiria às experiências posteriores. De qualquer maneira, o requisito básico fora cumprido. Já havia um aparelho que permitia a localização das naves dos druufs, que se deslocavam à velocidade superior à da luz.

Atlan confiava no minúsculo hiper-transmissor de raios goniométricos que, ao entrar, Kakuta deixara cair na comporta da nave dos druufs. A cada cinco minutos, o pequeno aparelho transmitia um impulso, que era captado pelas antenas do cérebro positrônico de Árcon e interpretado imediatamente pelo computador. Num grande mapa estelar, uma finíssima trajetória luminosa indicava ao arcônida a rapidez incrível com que a nave dos druufs percorria o espaço, aproximando-se do sistema Rusuma. Fazia uso de uma velocidade muito acima à da luz, e cada vez mais acelerava.

Rhodan e Atlan desejavam tudo de bom a essa nave, pois ambos sabiam quanta coisa dependia desse vôo de reconhecimento.

Tako Kakuta, o teleportador, e o Dr. Brigonne desejavam a mesma coisa. Ambos foram destacados para esta nave na qualidade de astronautas. Teriam que desempenhar uma tarefa dupla: fazer chegar a nave até junto do planeta Archetz, e abandoná-la imediatamente, caso os monstros, que a tripulavam, resolvessem adotar algum procedimento hostil contra eles.

Esta última tarefa cabia a Kakuta, e o japonês com rosto de criança levava seu trabalho a sério. Ficava constantemente ao lado do Dr. Brigonne.

Este nem de longe pensava que os druufs pudessem tornar-se perigosos. Sentia-se no seu elemento. Pela primeira vez sentia a experiência de um vôo à velocidade superior à da luz, sem sofrer o choque de transição.

Kakuta e Brigonne acostumaram-se logo à circunstância de que seus movimentos eram duas vezes mais rápidos que os dos monstros, face à dimensão temporal trazida pelos druufs do outro Universo.

Brigonne e Kakuta comunicavam-se pelo rádio de capacete. Por enquanto não se haviam interessado em saber se estavam numa atmosfera respirável. Naquele instante, os oito druufs da sala de comando começaram a inquietar-se. Os movimentos de seus braços indicavam uma boa dose de exaltação. Comprimiam-se em torno de um estranho aparelho.

— Brigonne, o senhor sabe o que está acontecendo? — perguntou Kakuta e aproximou-se do cientista, para que ao menor sinal de perigo pudesse teleportar-se, levando-o.

— Não faço a menor idéia — respondeu Brigonne com a voz rouca.

Tako Kakuta sabia que a modificação não fora causada pelo medo. Quando muito, seria a incerteza causada pelo fato de não ver nem perceber absolutamente nada.

Por uma questão de intuição o teleportador ligou o transmissor especial dos druufs, embutido em seu traje espacial. O aparelho permitia a comunicação com os monstros.

Logo ouviu a voz de um druuf pelo alto-falante:

— Desligue!

Tako Kakuta obedeceu imediatamente, mas o fato lhe deu o que pensar.

“Só há uma explicação!”, meditou. “Eles estão realizando medições goniométricas.”

Acreditou saber também o que estavam procurando localizar pela goniometria. Era o minúsculo hipertransmissor que se encontrava na comporta da nave.

Em palavras lacônicas, informou Brigonne, mas antes disso ligou o distorçor. Começava a julgar os monstros capazes de tudo; talvez chegassem mesmo a compreender o que estava sendo dito por ele e Brigonne.

O astronauta logo identificou o linguajar incompreensível saído de seu alto-falante de capacete e, depois da terceira tentativa, encontrou o ritmo de recomposição adequado.

Brigonne só ouviu o final.

— ...Kakuta, o que podemos fazer para que o transmissor não seja encontrado? Atlan tem de ser mantido a par. Foi o que o chefe pediu encarecidamente.

O rosto de Kakuta fitava-o com uma expressão ingênua através do visor do capacete.

— O senhor poderia dizer onde posso encontrar o pequenino transmissor dentro de alguns segundos?

— O que eles estão fazendo? — Brigonne deu a perceber que não se sentia muito à vontade.

Três druufs saíram da sala de comando, mas não saíram de mãos vazias. Os três carregavam pesados aparelhos, e era evidente que com estes realizavam medições goniométricas destinadas a localizar um transmissor.

— Brigonne, quanto tempo durará nosso vôo?

— O senhor está perguntando demais, pois não tenho a menor idéia da aceleração que pretendem imprimir à nave.

— Não devem ser mais de três horas, não é? — insistiu Kakuta em tom apressado.

— Se for mantida a aceleração atual, não. Daqui a três horas, já deverão estar voando de volta. Faço votos de que nós também estejamos — disse o cientista em tom pessimista.

— Distraia os druufs por dez segundos. Não deverão notar que saí da sala de comando. O senhor acha que consegue?

— O que pretende fazer, Kakuta?

— O senhor acha que consegue, doutor? — de repente os olhos frios de Kakuta pareciam chispar fogo.

— Naturalmente. Vou tossir, e... — acenou pesadamente com a cabeça.

O teleportador não viu outra possibilidade de afastar o perigo. Teria de jogar todos os trunfos numa única carta.

O Dr. Brigonne teria que distrair cinco monstros. Dois deles estavam sentados em grandes poltronas de piloto, enquanto os outros três estavam de pé junto a um aparelho, mas viravam-se constantemente para os terranos.

Tako Kakuta sentiu que o tempo estava passando. Só até certo momento seria capaz de intervir nos acontecimentos e modificar o curso dos mesmos. E esse momento não demoraria a chegar.

Por que Brigonne não fazia nada? Por que ficava parado?

Finalmente Brigonne aproximou-se dos três monstros que estavam reunidos. Foi em sua direção, mas estes quase não lhe deram a menor atenção.

Ou será que o fitavam com os olhos das têmporas?

Brigonne ligou o aparelho de comunicação.

— Druuf, ainda tenho que chamar sua atenção para uma circunstância muito importante. Aqui... — caminhou até a parede, onde estava pendurado um mapa estelar, e apontou pára um ponto. — Aqui, onde existe a concentração de estrelas, fica... druuf, isto é muito importante. Vocês me ouvem?

Kakuta ouviu Brigonne tossir.

Era o sinal!

Saltou e rematerializou-se no interior da comporta, onde se encontrava o hiper-transmissor de raios goniométricos.

Logo que concluiu a rematerialização, já segurava duas armas de radiações.

Enquanto soldava a escotilha interna da comporta com os raios térmicos, suas mãos não tremeram.

Fez uma solda dupla tão precisa que qualquer técnico se teria orgulhado da mesma.

Enquanto terminava seu trabalho, contava baixinho:

— ...cinco... seis... sete... oito!

Quando contou oito, o serviço estava concluído. Girou sobre os pés. Ainda dispunha de dois segundos. Mais uma vez, os dois radiadores térmicos chiaram. Colocou uma solda dupla que cobria um terço da linha que representava a fenda na qual corria a escotilha externa da comporta.

O metal, liquefeito na profundidade de alguns centímetros, foi endurecendo lentamente, enquanto Tako Kakuta voltava a surgir na sala de comando, sob a proteção do zumbido leve de um conversor.

Brigonne ainda se encontrava à frente do mapa estelar. Tentava convencer os druufs da periculosidade de um campo magnético rotativo e superpotente, que ficava bem na rota da nave.

— Pois então deixemos para lá... — disse sua voz, que o teleportador ouviu pelo rádio de capacete, depois de saber que Kakuta se encontrava novamente na sala de comando. — Deixemos para lá...

Sem dizer mais uma única palavra, o cientista abandonou o lugar em que se encontrava e desligou o transdutor idiomático.

 

— Faltam dez minutos — disse Perry Rhodan em voz baixa a Bell, sem tirar os olhos do rastreador especial. — Depois disso, estarão em cima do planeta Archetz. Quem dera que estes dez minutos passassem logo!

Não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, nesse instante, no interior da nave de reconhecimento dos druufs.

Os monstros haviam algemado o Dr. Brigonne e Tako Kakuta, e disseram por que estavam agindo assim. No momento em que compreenderam que a comporta fora misteriosamente bloqueada, desconfiaram dos terranos.

— Só vocês poderiam ter colocado o transmissor na comporta. Por que fizeram isso?

— Que transmissor? — contra-indagou Tako Kakuta em tom frio. — Mostrem o aparelho. Dizer é fácil...

O comandante quadrático de quase três metros de altura não deu resposta a essas palavras, mas os dois monstros, destacados para vigiar os terranos, com suas armas estranhas e de aparência perigosa, diziam tudo.

Brigonne e Tako Kakuta preferiram não mais protestar. Aparentemente estavam conformados com o destino.

Enquanto isso, a nave dos druufs corria ininterruptamente em direção a Archetz, o planeta dos saltadores.

 

A nave desconhecida já desaparecera misteriosamente do sistema de Rusuma. As estações de observação, instaladas nos outros dezesseis planetas, cancelaram o alarma. Cokaze e Thomas Cardif continuavam a fitar-se em silêncio.

Finalmente, o patriarca rompeu o silêncio. Levantou-se devagar, proferiu o nome de Thomas Cardif como quem solta uma maldição e disse:

— De repente você acredita em tudo, até na ameaça ridícula desse almirante ainda mais ridículo.

Cardif não ficou devendo resposta às palavras do patriarca, e com isso, deu mais uma vez prova de coragem.

— Esse almirante não é tão ridículo assim, Cokaze. Ainda é um dos velhos arcônidas.

— Será que você vai me contar mais uma vez que ele tem mais de dez mil anos?

Cardif interrompeu-o com um gesto, sem dar atenção à pergunta que acabara de ser formulada.

— Acabo de descobrir uma coisa, patriarca.

Cokaze aguçou o ouvido.

— O que foi, Cardif?

O rosto de seu interlocutor não revelava nada.

— Uma revolução só pode ser levada a termo com o poder do Estado, não contra o mesmo.

O rosto de Cokaze assumiu uma expressão de pavor. Até parecia que acabara de ver um fantasma. Não queria compreender o que Cardif acabara de dizer. O medo e a raiva despertaram em sua alma. Os mercadores galácticos haviam arriscado tudo! Os aras, os ekhônidas e outros grandes povos haviam aderido ao plano, e agora esse jovem terrano, que era a verdadeira mola propulsora do movimento subversivo, vinha lhe dizer que uma revolução só pode ser levada a termo com o poder do Estado, não contra o mesmo.

— Cardif, será que esse almirante ridículo conseguiu isso com sua proclamação? Será que não me engano ao recordar ter ouvido de sua boca as coisas maravilhosas que as pessoas aprendem na Academia Espacial do Império Solar? O que sobrou de tudo isso? Um feixe trêmulo de medo, terrano?

— Ah, sim... A Academia Espacial Solar! — Cardif sorriu, enquanto fitava tranqüilamente o patriarca furioso. — Aquilo que aprendi lá me deu a capacidade de reconhecer que perdemos. Sim, perdemos! Neste momento Rhodan e Atlan estão lançando seu trunfo principal. Saltador, será que ainda não compreende o que significa o aparecimento duma única nave dos druufs? Você se esqueceu da ameaça de Atlan, que ameaça retirar a frota robotizada do front? Você se esqueceu do motivo por que os superpesados não querem patrulhar mais a área em torno de Archetz e o que eles constataram? Será que você não se quer lembrar do que eu disse e exigi depois da palestra com Onkto, o superpesado? Exigi que as estações planetárias de observação espacial se mantivessem numa vigilância muito atenta, e disse que alguma coisa perigosa estava para acontecer. Na mesma oportunidade perguntei a mim e a você: o que será?

— E agora você acha que sabe alguma coisa, seu terrano superinteligente? — esbravejou Cokaze em tom furioso.

— Não sei de nada. Apenas receio alguma coisa. Receio que Atlan tenha deixado uma abertura na frente, para que umas dez ou vinte mil naves dos druufs tenham possibilidade de penetrar em nosso espaço, avançar até o grupo estelar M-13 e praticar atos de vandalismo.

— E eu caí na conversa de uma cópia falsificada de Perry Rhodan como você! Perry Rhodan ao menos tem certa classe, mas você...

Thomas Cardif não se sentiu atingido por estas palavras, pois respondeu em tom frio:

— Sei admitir a derrota. E, quando essa acontece, ainda me resta coragem para tirar minhas conclusões. Cokaze, se você quiser continuar vivo, só lhe posso recomendar uma coisa: saia imediatamente de Archetz na Cok II. Anuncie sua chegada a Aralon. Isso causará boa impressão. Uma vez lá, aguarde os acontecimentos dos próximos dias. É só o que tenho a lhe dizer.

— O que pretende fazer, terrano? Transferir-se para a Terra?

Thomas respondeu num tom que quase chegava a ser indiferente:

— Mudarei para uma das naves cilíndricas que você terá de deixar em Titon para que sua partida não pareça uma fuga. Você não poderá deixar de expor umas quatro ou cinco naves ao risco de serem destruídas.

— Você sabe que neste momento sua capacidade de sacar rapidamente um radiador não lhe adiantará nada? — de repente, o patriarca tornou-se desconfiado. — Se fizer o menor movimento, dispararei o radiador de impulsos contra você.

— Cokaze, você deveria fazer um curso na Academia Espacial do Império Solar. É uma pena, mas você é muito velho para isso. E muito estúpido!

Dali a uma hora, Cokaze decolou com sua Cok II em direção a Aralon. Antes de partir despediu-se de Thomas Cardif.

— Você é um sócio que assusta a gente! — foram estas as últimas palavras que disse ao deixar para trás um terrano pensativo.

Cardif transferiu-se para a Cok CCXIV, uma das quatro naves do poderoso clã dos saltadores que estavam estacionadas na extremidade norte do espaçoporto de Titon.

 

Por um segundo Perry Rhodan teve a impressão de enxergar um abismo.

Harno, o ser esférico, flutuava a seu lado. Graças à sua fantástica capacidade televisora, permitiu a Perry ver a sala de comando da nave de reconhecimento dos druufs, que acabara de emergir do hiperespaço e seguia com uma lentidão espantosa em direção à nave capitania.

A nave de reconhecimento, que gastara algumas horas no vôo para Archetz, só levara alguns segundos para voltar. Bell, que se encontrava junto ao rastreador especial, mal tivera tempo de anunciar a chegada da nave, pois Harno logo projetou a imagem da sala de comando dos druufs.

Rhodan viu que Brigonne e Kakuta estavam sendo vigiados por dois monstros. Ao mesmo tempo, o ser esférico informou quais eram os problemas do astronauta e do teleportador.

O minúsculo hipertransmissor de sinais goniométricos, que Kakuta escondera na comporta da nave de reconhecimento, ameaçava transformar a manobra tática numa verdadeira catástrofe para a Drusus.

Em seu cérebro, ouviu Harno dizer:

— O comandante da nave de reconhecimento está apresentando seu relatório ao chefe da frota. Fala quase que exclusivamente no transmissor localizado na comporta três, que não pôde ser aberta.

De repente, Rhodan teve uma idéia.

Gucky teria de intervir nos acontecimentos.

Convocou-o à sala de comando pelo intercomunicador:

— Gucky, não perca um segundo sequer.

Todos os olhos fitaram Rhodan. Pouca gente se lembrava de ter visto o chefe tão nervoso como naquele instante.

Gucky encontrava-se de pé à frente do chefe. Aquele rato-castor de um metro de altura rompeu um tabu e, recorrendo ao seu dom telepático, leu os pensamentos de Rhodan.

— Naturalmente, Perry! Em que depósito posso encontrar esse rhytmal five?

Com um ligeiro movimento de mão, Rhodan ligou o intercomunicador para todos os compartimentos da Drusus.

— Aqui fala Rhodan. Estou chamando todos os depósitos. Avisem imediatamente em que depósito está estocado o rhytmal five. Urgência máxima!

O rhytmal five era uma substância cristalina descoberta pelos arcônidas que, uma vez carregada, emitia por anos a fio um impulso débil num ritmo de cinco minutos, que à primeira vista poderia perfeitamente ser confundido com uma hipertransmissão goniométrica.

— Sir — disse o encarregado de um dos depósitos. — O rhytmal five é guardado no depósito 123.

No mesmo instante, Gucky teleportou-se para fora da sala de comando e viu-se no interior do depósito 123. Lá ainda estavam procurando a tal substância por meio de um pequeno computador positrônico.

— Passe logo este negócio! — piou o rato-castor. — Não se esqueçam de carregá-la. Vocês têm alguma cola que não seja afetada pela frieza do espaço? Passem para cá. Rápido! Nossa vida está em jogo.

O pequeno computador indicou o lugar em que estava depositado o rhytmal five. O dispositivo teleguiado trouxe-o.

— O cristal pequeno! — ordenou Gucky.

O som metálico dos alto-falantes soou em meio às suas palavras. O rato-castor forneceu instruções sobre a maneira de carregar o cristal.

— Onde está a cola? — Gucky procurou berrar, mas sua voz chiante não ajudou.

Colocaram em sua mão alguma coisa que parecia cola de gesso.

— Pronto, tenente! — disseram logo em seguida.

O tenente era Gucky, que se sentia lisonjeado, quando alguns homens com os quais não tinha intimidade o designavam pelo posto.

O rato-castor não se deu ao incômodo de agradecer.

Desapareceu do depósito 123 para rematerializar-se no interior da comporta 3 da nave de reconhecimento dos druufs.

Ligou o holofote de seu traje espacial e rastejou pelo chão, à procura do minúsculo transmissor.

Alguns minutos se passaram. Subitamente, a luz do holofote foi refletida por um pontinho.

— Até que enfim! — suspirou o rato-castor em tom de alívio. Um breve disparo da arma térmica derreteu o corpo de delito.

O dente roedor solitário de Gucky avançou para a frente. O rato-castor estava rindo de satisfeito. Dali a um segundo, praguejava barbaramente. A cola grudenta que não queria sair dos seus dedos submetia sua paciência a uma dura prova. Finalmente pôs a cola no chão, e colocou cuidadosamente o rhytmal five no interior da mesma.

Dali a pouco, os monstros iriam arrombar a comporta e tentariam encontrar um motivo plausível que explicasse como aquele cristal, que emitia um impulso a cada cinco minutos, poderia ter entrado ali.

Naturalmente fora trazido por Kakuta ou Brigonne, porém os monstros jamais poderiam recriminá-los por isso, se notassem aquela cola grudenta.

Mas Gucky não gostou das marcas de solda deixadas por Tako Kakuta.

— Que coisa! — disse. — Estas marcas deixarão os monstros loucos. Mas se eu abrir um buraco aqui, eles ficarão ainda mais loucos e não acreditarão mais no que estão vendo.

Às vezes, Gucky gostava de falar demais. Mas também sabia agir, e dificilmente cometia um erro.

Fez três buracos na escotilha externa. Ficavam um acima do outro, numa distância uniforme, e seguiam a linha das marcas de solda. Depois deu um pequeno salto de teleportação, grudou-se do lado de fora da escotilha destruída e apontou ligeiramente o radiador térmico para cada um dos buracos, a fim de que a trajetória do tiro corresse de fora para dentro.

— Os druufs ficarão completamente confusos! — disse Gucky com uma alegria maliciosa.

A seguir, concentrou-se e reapareceu na sala de comando da Drusus.

— Isso está liquidado, Perry. Quer que apresente um relatório?

Antes que pudesse começar, ouviu-se a voz do chefe dos druufs.

— Rhodan, prepare sua nave para o combate — disse com a voz fria. — Seu plano traiçoeiro foi tolo demais.

Rhodan exigiu explicações. O druuf falou num transmissor de sinais goniométricos. Rhodan contestou a acusação e exigiu provas. Sentiu-se surpreso quando o estranho ser se mostrou disposto a apresentá-las.

Mais uma vez, teve início a espera. Entretanto, desta vez não houve tensão, pois Gucky teve oportunidade de apresentar rapidamente seu relatório.

— Tão cedo os monstros não voltarão a chamar — atreveu-se a profetizar. — Kakuta deixou alguns sinais de solda na comporta, que serão um mistério para eles. Os três buracos que abri na escotilha externa lhes darão o resto. Não gostaria de estar no couro do comandante da nave de reconhecimento, que logo levará uma tremenda bronca do chefe da frota...

A gíria pareceu ser uma senha!

— Gucky — interrompeu-o Rhodan. — Você não acha que ainda precisamos ter uma conversa? Quem foi a pessoa que contrariou todas as ordens, ao acionar antes do tempo o mecanismo-relógio do detonador daquela bomba, no interior da nave capitania dos druufs?

— Perry — atreveu-se o rato-castor a responder. — Certa vez, o gorducho me disse que me livrasse de pessoas que ficam guardando rancor de alguém, por anos a fio só porque esse alguém cometeu certos erros. Você acha que foi um bom conselho?

 

A grande emissora de Árcon transmitiu a segunda mensagem do Almirante Atlan.

Apresentou um ultimato: rendição ou morte!

— Mandarei vir os druufs, para que eles ataquem o Império carcomido que não quer manter a união. A frota robotizada de Árcon assistirá impassível à destruição de um mundo após o outro. Levem a sério o ultimato que estou apresentando. Não se esqueçam que saberei agir com a mesma eficiência que o cérebro positrônico. Em qualquer lugar os rebeldes serão fuzilados. Resolvam se querem ser rebeldes ou cidadãos fiéis do Grande Império.

Três mil espaçonaves de guerra dos druufs corriam vertiginosamente pelo hiperespaço, em direção ao sistema de Rusuma. No momento em que Atlan apresentava seu ultimato, já se encontravam a caminho. Um sinal codificado previamente combinado avisara-o de que a operação pega-moscas estava entrando na segunda fase.

Naves dos druufs sobre Archetz! Uma demonstração de pavor!

Será que Rhodan arriscara demais? Estaria seu plano fadado ao fracasso?

Achava que não, e o computador positrônico lhe fornecera a probabilidade bastante favorável de 81,54 por cento. Mas apesar desse índice, não conseguiu livrar-se da inexplicável inquietação.

A Drusus estava atingindo metade da velocidade da luz e, com isso, aproximava-se do momento da transição. O salto a colocaria a dez minutos-luz do sistema de Rusuma. Usando uma forte proteção contra a localização e o neutralizador de vibrações seria impossível a qualquer estação arcônida detectar goniometricamente o supercouraçado.

O doloroso choque da transição fez gemer as pessoas que se encontravam a bordo da Drusus. Durante dez segundos, o computador positrônico assumiu todas as funções da nave. Só depois disso, os tripulantes recuperaram a capacidade de ação, mas a dor da rematerialização ainda se fez sentir por muito tempo.

Rhodan nem teve tempo para respirar profundamente. Harno, o ser esférico, introduziu-se em seus pensamentos.

De um instante para outro o rosto de Rhodan, ainda marcado pelo choque, mudou de cor.

Harno transmitira-lhe uma notícia quase inconcebível.

— O comandante da frota dos druufs não pensa em cumprir o acordo celebrado.

De uma hora para outra, o monstro passou a acreditar que a promessa do administrador, de após o vôo de demonstração sobre Archetz fazer a frota atravessar a porta aberta pelo projetor de campo de refração e penetrar no outro Universo, fosse uma armadilha.

— Por quê? — perguntaram os pensamentos de Rhodan ao ser esférico, que projetava para ele o rosto temível do comandante dos druufs, que se mantinha imóvel em sua poltrona grosseira.

— É a mentalidade deles, Rhodan! Seu raciocínio, Perry, não é capaz de compreender a mudança de idéia dos druufs. Há um elemento compreensível... Só agora ele entendeu a importância do planeta Archetz. Pretende conquistar o sistema, estabelecer-se no mesmo e partir dali, para conquistar uma estrela após a outra.

Neste momento, Rhodan compreendeu a voz interior que o prevenira para que não celebrasse qualquer acordo com os druufs.

Só mesmo Atlan com sua gigantesca frota robotizada poderia evitar a destruição de Archetz, o planeta dos saltadores.

 

Subitamente, três mil espaçonaves estranhas e gigantescas cobriram Archetz, o mundo dos saltadores, como se fossem uma nuvem. Nenhuma das estações planetárias de observação espacial anunciara sua aproximação.

Desenvolvendo metade da velocidade da luz, precipitaram-se sobre o planeta. Antes que as primeiras posições de defesa estivessem em condições de disparar um único tiro de radiações, começaram a semear a morte e a destruição sobre o mundo dos saltadores.

Titon soçobrou em meio às chamas. No mesmo instante, mais três metrópoles foram reduzidas a montes de cinzas e escombros. As luas de Archetz com as posições de artilharia transformaram-se em tochas acesas em pleno dia.

As naves dos druufs estavam em toda parte. Seus precisos aparelhos de rastreamento apontavam o caminho aos raios destruidores, fazendo com que penetrassem nos fortes e os mergulhassem em chamas.

A desvantagem de só poderem desenvolver metade da velocidade da luz e de serem duas vezes mais lentos que qualquer outro ser não contava. Espalhavam a morte e a destruição, antes que os saltadores compreendessem que a desgraça estendia as garras para eles sob a forma de uma frota de mais de três mil naves.

Apesar de tudo, algumas naves cilíndricas estacionadas em Archetz conseguiram escapar ao inferno, abrindo caminho entre a frota dos druufs e alcançando o espaço livre.

As pessoas que se encontravam na Drusus acompanhavam os acontecimentos, mas mantinham-se inativos. A grande tela de visão global, regulada para a ampliação máxima, mostrava todo o quadro com uma incrível nitidez.

— Thomas está lá embaixo! — disse uma voz interior a Rhodan.

As naves esféricas arcônidas de todas as classes, desde o pequeno destróier até o supercouraçado, foram aparecendo nos céus.

Pareciam um bando de gafanhotos vindo das profundezas do espaço. Enquanto se aproximavam, pareciam pequenos sóis, expelindo linhas de fogo de suas protuberâncias.

Vieram aos milhares. Dentro de poucos segundos eram mais de dez mil, e os gigantescos bandos de naves continuavam a chegar e a precipitar-se sobre os druufs.

— Onde está o girino, Bell? Nenhuma notícia?

Reginald Bell não pôde dar uma resposta positiva.

Assim que Rhodan soube por intermédio de Harno que os druufs pretendiam conquistar o sistema de Rusuma e nem pensavam em cumprir o acordo celebrado com os terranos, preparou imediatamente um girino com os melhores teleportadores a bordo.

A ordem transmitida aos teleportadores fora a seguinte: retirem nossos astronautas da nave capitania dos druufs.

E agora os homens que se encontravam na Drusus esperavam o regresso da nave auxiliar. Porém, até agora, não haviam recebido nenhum pedido de socorro.

Nada, absolutamente nada!

A batalha entre as naves robotizadas e os druufs representou o fim dos monstros. A essa altura, cada espaçonave dos seres quadráticos estava sendo caçada por dez ou quinze naves esféricas, tripuladas por robôs. Os robôs de Árcon só conheciam sua programação. Seu criador, o computador gigante, não lhes incutira qualquer sentimento humano. Nem sequer compreenderam que estavam lutando contra seres estranhos, vindos de outro Universo. Haviam recebido ordem de destruir essa frota, e se guiariam por essa ordem até que a última nave inimiga tivesse deixado de existir, ou até que outra ordem de Árcon revogasse a anterior.

Chegaram a fazer caça às naves dos druufs que desciam em Archetz ou em outros planetas e suas luas e as bombardeavam com seus desintegradores ou canhões térmicos, até que se desfizessem numa nuvem de energia espraiante.

De uma hora para outra, a terrível luta chegou ao fim.

A frota robotizada voltou a formar-se em esquadrilhas e retirou-se.

— Terminou — disse Bell em tom desanimado, enquanto a Drusus corria vertiginosamente em direção ao planeta incendiado, irradiando sempre e sempre seu sinal de identificação.

Quando rompeu a camada de nuvens e o solo foi avistado, os tripulantes do supercouraçado viram aproximar-se uma gigantesca nuvem de fumaça sob a qual uma cidade de doze milhões de habitantes se desfazia em cinzas.

Bell sobressaltou-se. Um peso, um corpo caíra sobre seu colo.

— Gucky! — exclamou em tom de surpresa, e o sorriso que cobria seu rosto tornou-se cada vez mais amplo.

O salto de teleportação do rato-castor fizera-o parar no colo de Bell.

Abriu o capacete e achegou-se ainda mais a Reginald Bell, enquanto fitava Perry Rhodan, que esperava pacientemente.

Gucky estava exausto. Parecia que iria adormecer nos braços de Bell. Mas fez um último esforço e apresentou seu relato:

— Tudo em ordem, Perry. Todos bem. O girino está lá embaixo. Foi derrubado. Tivemos que descer. Estamos...

Gucky adormeceu, e Bell carregou-o cuidadosamente até o sofá encostado a uma parede. Quando voltou, o gorducho parecia pensativo.

— Gostaria de saber o que esse pirralho teve de fazer para retirar nossos astronautas sãos e salvos da nave dos druufs.

 

Pela terceira vez num curto espaço de tempo, as grandes emissoras de Árcon, situadas no grupo estelar M-13, fizeram-se ouvir. Não havia necessidade de noticiar os acontecimentos verificados no sistema de Rusuma. Os súditos do Grande Império já haviam recebido essa notícia, quando a batalha mal havia começado e ainda não se sabia se os druufs seriam ou não aniquilados.

Mas juntamente com o susto também compreenderam que o tal do Almirante Atlan, que alegava ser o sucessor do computador regente, sabia agir implacavelmente para resguardar o poder do Estado. Por isso, os bilhões de inteligências do Império prestaram muita atenção, quando as grandes emissoras de Árcon III anunciaram a transmissão de outra mensagem. Ao verem na tela um rosto que lhes parecia conhecido, alguns milhões desses bilhões estremeceram.

Perry Rhodan estava falando aos homens do Império por intermédio da grande emissora de Árcon.

— Inclino a cabeça diante de Atlan, o Imperador Gonozal VIII, que conduzirá o Império de Árcon a um novo apogeu. Como administrador de meu reino estelar, faço um apelo ao Grande Império: vamos retribuir a lealdade com a lealdade. Povos do Grande Império! Peço-lhes que compreendam que nossa missão deve ser procurada na amplidão do Universo, não no ódio e na discórdia que nos separa...

Um amargo sorriso brincava em torno dos lábios de Atlan, enquanto Perry Rhodan se afastava da câmara e vinha em sua direção.

— Amigo — disse com uma profunda emoção. — Você acaba de me promover a imperador, mas de que me servirá o título, se os povos do Grande Império não quiserem continuar unidos a Árcon? Não, Perry, não pretendo abdicar, mas também não quero ser nenhum sonhador. Preciso de sua amizade e de tempo, bárbaro! Tempo, tempo e mais tempo. Não poderei modificar de hoje para amanhã aquilo que foi estragado por várias gerações de arcônidas irresponsáveis. Não posso fazer as coisas sozinho. Mas será que poderei dispor de tempo para fazer alguma coisa?

Rhodan parecia muito espantado:

— É a primeira vez que o vejo tão pessimista, almirante.

— Não sou nenhum pessimista, Perry. Apenas não me esqueci da existência de um certo Thomas Cardif. E você é a melhor prova do que um único terrano é capaz de fazer.

Rhodan fez como se não tivesse ouvido esta observação.

— Acho que Thomas pereceu em Archetz.

— Pois eu não acredito nisso. Um Rhodan não seria capaz de morrer de forma tão normal, à margem de um grande acontecimento. Nem mesmo um Rhodan que use o nome Thomas Cardif!

 

                                                                                            Kurt Brand  

 

                      

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