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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


Atrás da Muralha do Tempo / Kurt Mahr
Atrás da Muralha do Tempo / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Atrás da Muralha do Tempo

 

Um espião terrano descobre algo... O mistério da estrela verde será desvendado!

Estamos no ano 2.114 do calendário terrano. Para o homem, menos de século e meio se passou desde o momento em que, pela primeira vez, um foguete de propulsão química conseguiu pousar na Lua, fato que representou o prelúdio da verdadeira Astronáutica.

É um lapso de tempo extremamente curto, se medido pelos padrões cósmicos... Apesar disso o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan, já conseguiu transformar-se numa das vigas mestras do poder galáctico.

A maior parte dos povos da Via Láctea já sabe que é preferível ser amigo que inimigo dos terranos. Depois dos saltadores e dos médicos galácticos, os aras, também os acônidas, que habitam o Sistema Azul, compreenderam isso. Foi criada, então, a partir do dia 10 de setembro de 2.113 uma aliança entre os terranos, os arcônidas e os acônidas.

É bem verdade que essa aliança, conhecida como aliança galáctica, repousa sobre uma base frágil. Além disso, a situação geral no interior da Via Láctea não é nada boa, muito embora os terranos já tenham desvendado a maior parte dos segredos dos pos-bis e dos laurins, ambos invasores vindos do intercosmo.

Acontece que no sistema de uma estrela verde, que não tem nome, mais um segredo cósmico está para ser desvendado. Esse segredo está oculto Atrás da Muralha do Tempo...

 

                                                     

 

20 de junho de 2.114.

Quando Jerry Blanchard estendia a mão, sentia um leve formigar nos dedos e círculos fosforescentes apareciam nas pontas dos mesmos. Depois disso não conseguia avançar mais um milímetro, por mais que reforçasse a pressão exercida com a mão.

A escuridão da noite de Sphinx envolvia-o por todos os lados. À sua esquerda, pouco acima da linha do horizonte, havia uma mancha pálida, na qual se destacavam os contornos de algumas torres. Era a cidade de Lareddin, um núcleo relativamente insignificante, a julgar pelo catálogo das cidades de Sphinx.

Ainda havia algumas luzes bem à sua frente. Eram lanternas penduradas em mastros metálicos muito altos. Espalhavam círculos de luz mortiça e, em poucos lugares, iluminavam peças de metal fosco, que pareciam fazer parte de um grande todo.

Pertenciam a uma espaçonave; Jerry sabia. A uma espaçonave do tipo das que costumavam ser construídas pela raça dos saltadores. A nave estava pousada numa grande área livre. Num círculo bem amplo em torno dessa área viam-se cartazes luminosos, nos quais se lia uma advertência. Esses cartazes diziam que a entrada de pessoas não autorizadas era proibida, e que a administração da cidade não se responsabilizava pelos prejuízos sofridos por pessoas que desrespeitassem a proibição e entrassem em contato com o campo energético.

Jerry Blanchard não pôde constatar qualquer prejuízo resultante do contato com o campo energético. Voltou a encostar os dedos ao mesmo, sentiu o formigamento subir-lhe pelo braço e fitou com uma expressão pensativa os pequenos círculos fosforescentes.

“Por que tudo isso?”, pensou. “Por que os acônidas, que costumam deslocar-se por meio dos transmissores de matéria, resolveram de repente adquirir uma gigantesca espaçonave em troca de alguns milhões de unidades monetárias, a fim de adaptar os propulsores ao estado de sua tecnologia? E por que envolvem essa transação num véu de mistério impenetrável?”

Jerry soubera disso por intermédio de um dos seus homens de confiança. Esse homem de confiança era acônida. Entre os membros desse povo, como em toda parte, havia pessoas que precisavam tanto de dinheiro que cometiam um ato de traição em troca do mesmo. A equipe de “ajudantes” de Jerry, nome que costumava dar a esses elementos, não incluía mais de vinte pessoas. Atendo-se a um esquema já consagrado, criara uma organização na qual ninguém conhecia o outro, apenas Jerry conhecia todos. Os membros dessa organização nem sequer sabiam que Jerry era terrano.

O homem de confiança informara-o de que os trabalhos na estranha espaçonave já haviam sido concluídos e que o veículo deveria decolar a qualquer momento. Dali em diante, Jerry havia ido pelo menos três vezes por dia ao lugar em que se encontrava, a fim de não perder o momento exato. Não tinha o menor receio de que esse procedimento provocasse suspeitas. Em Lareddin havia outras pessoas que sentiam uma curiosidade toda especial pela estranha espaçonave e ficavam paradas em torno do círculo formado pelos cartazes de advertência. Só de noite Jerry se arriscava a transpor o círculo dos cartazes e avançar até o campo energético.

Seu homem de confiança não soubera informar para onde viajaria a nave. Só sabia que o vôo fora previamente programado e que uma cópia da programação fora guardada no edifício da prefeitura. Nenhum dos seus homens mantinha ligações mais estreitas com as pessoas que trabalhavam nesse edifício. Por isso Jerry Blanchard fazia votos de que, quando informasse seu chefe sobre a decolagem da espaçonave, este não resolvesse querer descobrir também o destino da mesma. Isso causaria terríveis problemas a Jerry.

Às vezes tinha suas dúvidas sobre se deveria transmitir o resultado de suas observações. É que lhe cabia cuidar para que seu pequeno rádio direcional só fosse usado na transmissão de mensagens para Árcon III quando se tratasse de assuntos razoavelmente importantes. Há dias vivia quebrando a cabeça sobre se aqui estavam presentes as duas condições. Era possível que colocasse os homens de Árcon III numa pista que não levasse a lugar algum. Talvez a nave pertencesse a algum acônida rico, que a comprara dos saltadores e mandara adaptar.

Evidentemente isso era uma possibilidade remota. Via de regra, a compra de uma espaçonave de grandes dimensões ultrapassa a capacidade financeira de qualquer indivíduo. Teria de haver a participação de um consórcio. E o fato de a cópia da programação ter sido guardada no edifício da prefeitura levava à suposição de que se tratava de um consórcio oficial, talvez de uma delegação do governo.

Mas que motivo teria uma delegação do governo para usar uma nave, em vez de recorrer ao transmissor de matéria, que executava o transporte com muito maior rapidez e segurança e, o que era principal, a um preço bem mais baixo?

Jerry percebeu que seus pensamentos se moviam em círculo. Sempre paravam na mesma pergunta: por quê?

No momento em que se deu conta desse fato, a gigantesca nave começou a mover-se.

O círculo de propulsores que cercava o corpo em forma de charuto, como uma atadura colocada na barriga de alguém, expeliu chamas fulgurantes branco-azuladas. Um zumbido agudo atravessou o campo energético. O charuto começou a erguer-se lentamente do chão, de forma quase imperceptível. A luminosidade dos propulsores caiu sobre a superfície cinzenta do pavimento asfáltico, onde ainda há pouco estivera pousado o enorme corpo metálico. As chamas apagaram-se. Os aparelhos existentes no interior da nave haviam passado do sistema de propulsão de radiações para o sistema energético. Atingido por uma força invisível, o colosso começou a subir rapidamente. Ao mesmo tempo passou a deslocar-se para a frente. Passou velozmente por cima das lâmpadas mais altas e desapareceu na escuridão. Jerry ainda ouviu o zumbido por algum tempo, mas logo cessou.

Não se via o menor sinal de que ainda há pouco uma espaçonave estivera pousada no local. Os primeiros curiosos que aparecessem na manhã do dia seguinte apenas encontrariam o campo vazio. Ninguém lhes explicaria o que era feito do gigantesco charuto. Sacudiriam a cabeça e abanariam as mãos. Depois voltariam para casa e esqueceriam tudo.

Jerry Blanchard voltou ao seu carro, que estava parado do outro lado da fileira das placas de advertência, junto à estrada que ligava Lareddin com a cidade vizinha de Kilban. Era uma rua larga, bela e bem iluminada.

O carro de Jerry era um GM grande e do último tipo. Ele o trouxera da Terra, não porque não gostasse dos veículos acônidas, mas porque o carro fazia parte do papel que deveria desempenhar. Era um imigrante terrano podre de rico. Era um dos super ricos tolos que passavam alguns meses ou anos em todos os mundos conhecidos da Galáxia, a fim de que, quando voltassem para casa, velhos e trêmulos, pudessem contar alguma coisa sobre os lugares pelos quais haviam passado. O tipo do globetrotter terrano rico era conhecido em toda a Galáxia. Não houve a menor desconfiança e Jerry obteve permissão para fixar-se em Sphinx e tornar-se um cidadão de Lareddin.

O fato de Jerry trazer da Terra um carro terrano ainda tinha outro motivo. Mal entrou pela porta que se abriu automaticamente e se acomodou atrás do volante, abriu uma gaveta situada embaixo do painel de instrumentos. Dela saiu uma caixinha de plástico que repousava sobre um suporte metálico. Nessa caixa havia uma fileira de botões. Uma espécie de microfone estava ligado à mesma por um fio flexível. Jerry segurou o microfone e refletiu alguns minutos. Finalmente comprimiu alguns dos botões, levantou o microfone e começou a falar.

Relatou em palavras lacônicas tudo que sabia sobre a estranha nave. O relato não consumiu mais de três minutos. O dispositivo de codificação do minúsculo transmissor dividiu as palavras, uniu-as em ordem diversa, distorceu-as e reduziu a transmissão a alguns milionésimos de segundo. Condensada a um impulso curto, saiu da antena oculta e seguiu em linha reta para Árcon III, num ângulo de abertura incrivelmente reduzido. Chegaria a Árcon III, situado a milhares de anos-luz, poucos segundos depois de ter sido irradiada pela antena.

A mensagem de Jerry não poderia ser captada em outro planeta.

 

Nike Quinto, chefe da Divisão III do Fundo Social Intercósmico de Desenvolvimento, estava de péssimo humor quando recebeu o relatório de Jerry Blanchard. Nike Quinto, que há anos ocupava o posto de coronel, esperava a promoção para general-de-brigada. Em sua opinião essa promoção já era merecida há muito tempo e, ao que parecia, algumas pessoas que viviam na Terra pensavam da mesma forma. De qualquer maneira, há alguns dias recebera a informação oficiosa de que finalmente sua hora havia chegado. E desde então Nike Quinto aguardava uma palavra oficial. Mas a transmissão de notícias daquele dia chegara ao fim sem que alguém julgasse necessário informar Nike Quinto de que poderia tirar as três faixas prateadas das ombreiras do uniforme e substituí-las por uma faixa dourada.

Portanto, tinha lá seus motivos para estar de mau humor. É bem verdade que sua disposição de ânimo não tinha nada a ver com o fato de que instruiu Jerry Blanchard a descobrir o destino da misteriosa nave. Ele o instruiu assim que concluiu a leitura do relatório de Jerry, e o teria feito de qualquer maneira, fosse qual fosse seu estado de ânimo. Sem esse detalhe a informação seria totalmente inútil para a Divisão III. Não se pode ficar de olho numa espaçonave quando apenas se sabe de que ponto a mesma decolou. A Galáxia era imensa!...

Nike Quinto transmitiu a ordem pelo microfone do setor de codificação, e, alguns segundos depois Jerry Blanchard, que se encontrava em Sphinx, sabia que lhe fora confiada justamente a tarefa que tanto desejara nunca lhe fosse atribuída.

 

Era bem verdade que a ordem não levou Jerry a mudar de rumo. Encontrava-se a caminho de casa e continuava convencido de que antes de mais nada precisaria de algumas horas de sono. Na manhã do dia seguinte poderia refletir sobre isso e quebrar a cabeça para descobrir um meio de subtrair a cópia da programação de vôo do cofre da prefeitura sem que ninguém o percebesse.

Por enquanto ainda não havia permitido que a ordem de Nike Quinto lhe estragasse o humor. Continuou a deleitar-se com a direção de seu carro. Deslizando sobre a almofada de ar que emitia um leve zumbido, o veículo corria suavemente pelas faixas largas da estrada vazia. Em Sphinx existia um sistema de programação de âmbito planetário, que permitia aos automobilistas introduzir o endereço de destino no sistema de pilotagem automática, fazendo com que o carro andasse por si e chegasse ao lugar certo, independentemente da colaboração do motorista. Mas o sistema não podia ser empregado no veículo de Jerry. Por isso o terrano muitas vezes pôde gozar a sensação inebriante provocada pela direção daquele carro pesado e veloz.

No trevo principal leste entrou à velocidade máxima na curva arrojada que levava à passagem inferior. Depois seguiu na direção norte, até chegar ao início da rua em que ficava sua residência. Ainda não havia encontrado nenhum veículo. Mas agora, de repente, um pequeno carro-planador negro grudou-se em sua traseira. Jerry aumentou a velocidade e teve a satisfação de notar que o outro veículo ficou para trás. Mas assim que passou à velocidade normal, o pequeno carro-planador voltou a aproximar-se. Jerry começou a desconfiar. Naquela hora toda a cidade estava mergulhada num sono profundo. Um carro-planador que trafegasse tão tarde da noite era uma grande exceção, e o acontecimento tornava-se ainda mais “extraordinário”, pois o veículo o perseguia.

Os acônidas talvez poderiam ter uma chance de prender Jerry Blanchard antes que fosse tarde. Mas o veículo que mandaram atrás dele para descobrir se realmente ia na direção desejada estragou tudo.

Quando fez o carro descer da rua em frente do confortável edifício de apartamentos em que morava, Jerry já não tinha a menor dúvida de que havia algo de errado. Estavam atrás dele. E não tinham o menor receio de aparecer. Deviam estar cientes do que estavam fazendo. Por certo tinham certeza de que o agarrariam. Com um único carro que corresse atrás dele seria impossível. Conheciam perfeitamente o GM, e sabiam que escaparia facilmente de qualquer veículo construído em Ácon. Portanto, devia haver alguma coisa à sua frente.

Onde? No único lugar em que poderiam ter certeza de que aparecesse naquela noite: em sua residência.

Atrás do edifício redondo em que Jerry residia, havia um grande pátio asfaltado, que descia suavemente na parte dos fundos, para dar entrada às garagens. Estas eram subterrâneas. Para corresponder à qualidade das residências situadas nessa área, cada garagem possuía um acesso autônomo para o respectivo apartamento e para o hall do edifício. Ambos os acessos estavam equipados com campos gravitacionais artificiais, que ajudavam a percorrer as distâncias em sentido vertical. Num edifício residencial de elevado preço do planeta Sphinx não se conhecia o desconforto.

Depois de certificar-se de que o pequeno veículo preto não o havia seguido até o pátio, Jerry virou o carro e deixou-o parado à frente da garagem. Entrou na garagem e, utilizando o segundo acesso, dirigiu-se ao hall do edifício, onde chegou dali a um minuto. Antes tivera o cuidado de fechar levemente a porta da garagem, a fim de que a qualquer momento pudesse abri-la sem dificuldade. Uma vez no hall bem iluminado, refletiu por alguns segundos sobre se devia subir ao seu apartamento usando o elevador antigravitacional, ou se deveria utilizar a subida comum. Esta corria em forma de espiral em torno da grossa coluna central, que abrigava os elevadores. Não era uma escada propriamente dita, mas uma superfície ligeiramente inclinada, que subia os cinqüenta metros do edifício em algumas dezenas de voltas em forma de parafuso.

Jerry gastou os minutos que consumiu na subida para refletir sobre sua situação. Alguma coisa o aguardava lá em cima, em seu apartamento. No momento não estava muito interessado em saber o que era. Descobriria no devido tempo. Trazia três armas muito boas, e uma delas haveria de livrá-lo do aperto. Mas gostaria de saber como as coisas puderam chegar a este ponto. Não se encontrava em Sphinx há muito tempo, apenas uns trinta dias terranos. Gastara todo esse tempo para criar uma equipe de subagentes. Tinha certeza absoluta de que nesse trabalho se conduzira com a necessária cautela. Não seria por ali que os acônidas poderiam ter descoberto que não era nenhum terrano rico, mas apenas um agente da espionagem do planeta Terra.

Restava a questão da espaçonave. Havia ido três vezes durante o dia até a área em que ela estivera pousada para observá-la. Na claridade do dia sentira-se seguro entre a massa de espectadores, e de noite, antes de ir ao campo de pouso, sempre se certificara de que ninguém o seguia.

Por certo alguma coisa saíra errada. Apesar de todas as cautelas haviam-no observado e desconfiaram de alguma coisa. E não gostavam que se interessasse pela misteriosa espaçonave. Por isso estavam atrás dele.

Jerry permitiu-se uma pequena pausa e soltou um suspiro. Então o haviam pegado. Mesmo que conseguisse escapar naquela noite, mais dia menos dia acabaria sendo preso. A organização policial de Sphinx era bastante sofisticada. Era uma rede de malhas finas. Jerry teria de enfrentar os tribunais, e ali se descobriria que na realidade trabalhara como agente terrano. Não haveria como livrar-se nos interrogatórios. Os tribunais o condenariam a muitos anos de trabalhos forçados. E, caso na Terra não se julgasse que sua colaboração valia alguma démarche diplomática, teria de cumprir os trabalhos forçados.

Não era nada brilhante a perspectiva que se desenhava diante da mente de Jerry Blanchard. Apesar disso continuou a subir pela rampa. Não modificara seus planos. Constatou que a evolução dos acontecimentos ao menos proporcionara a resposta a uma indagação importante.

A decolagem da espaçonave por certo representava o início de uma operação importante. Se assim não fosse, os acônidas não se dariam ao trabalho de capturar um agente terrano pelo simples motivo de ter-se mostrado curioso. Concluiu que agira acertadamente ao avisar Nike Quinto.

E essa certeza já representava um pequeno alívio.

 

Dali a pouco Jerry Blanchard chegou à porta de seu apartamento. Lançou um olhar hesitante para os lados e fitou as portas dos apartamentos vizinhos, um dos quais ficava acima do dele, outro abaixo, na rampa de acesso. Acima das duas portas viam-se as luzes vermelhas de advertência, que para qualquer acônida educado significavam que o morador não queria ser incomodado. Sobre a porta de Jerry via-se o sinal luminoso azul, que significava que o morador não estava em casa.

Tudo permaneceu em silêncio na rampa. Jerry aproximou-se da porta de seu apartamento, tirou a chave-código e enfiou-a na fenda do fecho eletrônico. O aparelho emitiu um zumbido. Um relê fez clique e a porta abriu-se para dentro.

No mesmo instante alguma coisa saltou sobre Jerry. Atingiu-o quase fisicamente! Uma torrente selvagem de luz vermelha fulgurante pareceu-lhe trazer o desejo irreprimível de entrar no apartamento, deitar na cama e dormir, dormir um sono profundo.

Recuou cambaleante. O desejo ainda continuava a investir contra ele através da porta aberta. Os pés esforçavam-se para conduzir o corpo novamente em direção à porta, como se obedecessem a uma inteligência estranha. Resistiu. Levantou a mão e mordeu-a. A dor fê-lo recuperar a autoconsciência. Correndo o mais rápido que pôde, desceu alguns metros pela rampa. Só parou quando não podia ver mais a porta de seu apartamento. Encostou-se à parede da coluna dos elevadores e deu tempo para que os pulmões aspirassem nova provisão de ar.

— Caramba, isso foi por pouco — disse a si mesmo. — Não havia nenhum homem que quisesse me recepcionar...

Haviam montado uma armadilha hipnótica! A luz vermelha ofuscante reforçava o efeito do gerador hipnomecânico instalado em algum lugar, no interior do apartamento, que lhe sugeria a ordem de entrar e dormir. Se tivesse obedecido, só acordaria numa delegacia de polícia.

Jerry começou a transpirar quando se lembrou de que escapara da desgraça por um triz. Se o pequeno carro não o tivesse seguido, não teria desconfiado. E se não tivesse desconfiado, não conseguiria livrar-se em tempo da armadilha.

Refletiu o mais cuidadosamente que a pressa permitia sobre o próximo passo que deveria tomar. Sem dúvida o gerador estava acoplado a algum sinal que mostrava aos homens que se encontravam lá embaixo, no carro, que a porta de seu apartamento acabara de ser aberta. Nessa hora suporiam que caíra na armadilha. Subiriam para levá-lo. Só o demônio seria capaz de dizer como haviam arranjado a chave que lhes permitia o acesso a uma residência particular eletronicamente trancada. Era possível que um dos homens ficasse de guarda no carro, para qualquer eventualidade. Jerry acreditava que conseguiria derrotar um único acônida numa questão de segundos. Os homens que pretendiam levá-lo subiriam por um dos elevadores antigravitacionais. Isso demoraria apenas segundos. E também só levariam alguns segundos para constatar que Jerry não caíra na armadilha. Portanto, não havia tempo a perder. Quanto mais depressa agisse, maiores seriam suas chances.

Desceu correndo mais um pedaço da rampa e saltou para dentro do poço do elevador que ficava defronte à entrada de um apartamento. Desceu em alta velocidade mas não sentiu o menor desconforto. Dali a alguns segundos saiu cautelosamente da extremidade inferior do poço e certificou-se de que a área estava livre. A luz de advertência acesa junto a um dos outros poços mostrava que o mesmo estava sendo usado. Quer dizer que os policiais estavam subindo. Pelos próximos trinta segundos a área estaria livre ali embaixo.

Jerry tomou o mesmo caminho pelo qual havia vindo. Parou um instante na porta de sua garagem, para observar o pátio. Estava vazio. Entrou no carro e ligou o motor. A máquina emitiu um zumbido leve. Em condições normais ninguém teria dado atenção ao mesmo. Mas no silêncio da noite tornou-se bem perceptível e alarmou o homem que os acônidas haviam deixado no carro para montar guarda. Quando entrou na via de acesso do prédio, o carro preto veio ao seu encontro.

Jerry contara com isso. Sabia que o acônida levaria um ou dois segundos para descobrir se o homem à sua frente realmente era o que estavam procurando. Depois disso procuraria detê-lo. Na curta via de acesso só haveria uma possibilidade para fazer isso. Teria de atravessar seu carro. Foi o momento pelo qual Jerry estivera esperando.

Aproximou-se em marcha lenta do pequeno veículo preto. De repente os faróis deste se acenderam. Uma luz vermelha começou a piscar. O acônida percebera o que estava em jogo. No mesmo instante começou a girar seu carro.

Jerry fez seu pesado GM disparar para a frente. Por um instante viu o rosto do policial à luz dos faróis de seu carro; estava pálido e desfigurado pelo pavor. Mas logo a proa pontuda de seu GM atingiu a parte dianteira da viatura policial com toda a violência dos dois mil cavalos de seu propulsor.

Jerry foi atirado para a frente. O ruído do impacto ressoou pela noite que nem um tiro de canhão. Jerry viu o pequeno carro ser atirado para o lado. Estalando e rangendo, bateu de encontro à parede. O caminho ficou livre.

O GM ainda obedecia aos comandos. Entrou na curva e entrou na rua que seguia para a esquerda. Uma vez na segurança da faixa amarela de controle pelo rádio, aumentou automaticamente a velocidade e, antes que o policial acônida tivesse compreendido o que estava acontecendo, desapareceu na escuridão.

Jerry voltou a calcular suas chances. Haviam melhorado um pouco. A viatura policial fora avariada a tal ponto que não poderia ser utilizada numa perseguição imediata. E, ao que parecia, nada havia acontecido ao seu GM. Quer dizer que os policiais não poderiam grudar-se aos seus calcanhares. Nas buscas que realizassem, dependeriam exclusivamente de suas suposições. Quais seriam essas suposições? Suporiam que Jerry iria sair da cidade o mais depressa possível, para escapar de Sphinx numa espaçonave escondida em algum lugar, no campo.

Jerry soltou uma risada amarga. Não existia nenhuma espaçonave desse tipo. Só mesmo num caso de extrema emergência, as organizações terranas de espionagem tomariam todas as providências, a fim de evitar que seu agente caísse nas mãos da polícia. O caso era de emergência, mas nem de longe chegava a ser de extrema emergência.

“De qualquer maneira”, conjeturou Jerry, “disponho de mais algumas horas antes de me agarrarem.”

Pretendia dar um uso bastante eficiente a essas horas.

 

Uloh tinha certeza de que tinha pela frente uma noite tão enfadonha quanto as outras. Examinou a longa fileira de painéis de controle e ficou contrariado ao notar que todas as luzes de controle verdes estavam acesas.

“Quem dera que pelo menos uma das lâmpadas vermelhas se acendesse por uma vez que fosse”, pensou Uloh.

Para isso bastaria que um dos sistemas de ventilação falhasse ou que o mecanismo de uma porta ficasse avariado. Mas nenhuma das duas hipóteses aconteceu. Naquele prédio maldito tudo era perfeito. Não havia nada que quebrasse a monotonia do trabalho do guarda-noturno.

Mais uma vez Uloh virou a cabeça e olhou pela grande placa de vidro blindado. Viu diante de si a claridade do grande hall. Bem à frente de seu rosto cintilava o círculo fosforescente que era como uma janela da sua cabina. Uloh falava através desse círculo com as pessoas que desejavam alguma informação. Havia uma mesa a seu lado. Sobre essa mesa, um livro no qual fazia seus registros. Geralmente lançava os seguintes dizeres: “Nenhum incidente no período de 22:00 h às 09.00 h”.

Do outro lado da mesa ficava a porta dotada de dupla trava eletrônica. Só o guarda de serviço e algum alto funcionário que Uloh não conhecia possuía a respectiva chave.

A sala era uma pequena fortaleza. Se necessário, os comandos dos painéis permitiriam a Uloh alarmar a polícia de todo o planeta. No seu íntimo, Uloh desejava que um dia ocorresse esse caso de emergência. Atrás de sua vidraça blindada estava em segurança. Pouco importava que lá fora incendiassem o edifício da prefeitura, o saqueassem ou o mandassem pelos ares. Nada lhe poderia acontecer. Mas infelizmente as únicas pessoas que apareciam de noite eram aquelas que de dia não tinham tempo para estudar o orçamento da cidade de Lareddin. Como fossem obrigados a isso e devessem provar por meio da inscrição de seu nome no livro de registro, que na verdade não era nenhum livro, mas uma folha de registro positrônico, que haviam estudado e aprovado o orçamento da cidade, eles vinham no período noturno. Toda noite vinha cerca de uma dezena desses homens. Passavam pela cabina de Uloh e tomavam o elevador antigravitacional para subir ao pavilhão de leitura. Lá em cima liam o orçamento, faziam seu registro e iam embora. Nenhum deles jamais teve a idéia de roubar qualquer coisa ou destruir o fecho de uma porta, dando lugar à intervenção de Uloh.

Este estava entregue ao sentimento de contrariedade, quando uma sombra surgiu junto à porta de vidro da entrada principal. Calculou imediatamente que era apenas mais um dos leitores do orçamento. A sombra abriu a porta e entrou no hall. Uloh viu uma figura alta de ombros largos, com trajes um pouco estranhos. O rosto era mais largo que o da maioria das pessoas que Uloh conhecia, mas tinha a mesma altura. No seu conjunto o aspecto do homem era um tanto exótico. Uloh fitou-o, na esperança de que talvez conseguisse levar o desconhecido a trocar algumas palavras com ele. Ao que parecia, estava conseguindo. O homem aproximou-se da cabina de Uloh e parou. O anel fosforescente ficou bem à sua frente.

— Gostaria de ler o orçamento — disse.

— Pegue o elevador número quatorze — respondeu Uloh. — Suba ao vigésimo oitavo andar. Lá só existe a sala de leitura. Os livros encontram-se sobre as mesas.

— Fico-lhe muito grato — disse o desconhecido.

Virou-se, deu dois ou três passos cambaleantes em direção ao elevador e... caiu.

Uloh levantou-se de um salto. O desconhecido jazia imóvel no chão. Por certo desmaiara. Era necessário fazer alguma coisa por ele. Devia-se chamar um médico. Uloh virou-se. Avançou rapidamente a mão direita, a fim de comprimir os botões de chamada da polícia e do serviço médico. De repente Uloh lembrou-se de que seria ridículo alarmar toda essa gente se o desconhecido apenas tivesse pisado de mal jeito e torcido o tornozelo, o que o impediria de pôr-se de pé. Antes de dar o alarma, deveria certificar-se do que estava acontecendo.

Aproximou-se da porta. Lembrou-se de que lhe haviam proibido terminantemente abandonar a sala do guarda. De que serviria um guarda que não estivesse em sua fortaleza e assim estivesse impossibilitado de dar o alarma? Mas o homem que se encontrava do lado de fora estava inconsciente. Não representava nenhum perigo. Além disso...

Uloh abriu a porta e saiu. Na ânsia de ajudar, inclinou-se sobre o homem caído e esforçou-se para girar seu corpo pelos ombros, a fim de que ficasse deitado de costas. Teve de fazer um tremendo esforço. O desconhecido era muito pesado. Depois de algum tempo, Uloh percebeu que continuava a respirar e estava com os olhos abertos. Uloh espantou-se com isso. Esteve a ponto de perguntar o que tinha acontecido. Mas não teve tempo. O desconhecido ergueu-se de repente e atirou o braço direito para a frente. O punho cerrado atingiu o queixo do guarda com bastante violência. Uloh caiu e, uma vez no chão, ainda girou algumas vezes em torno do próprio eixo. Por alguns segundos ouviu um zunido e um véu que a vista não conseguiu romper ondulou à sua frente. Quando ficou com a visão desimpedida, o desconhecido estava de pé à sua frente, com uma pequena arma energética na mão.

— Levante-se e leve-me ao cofre-forte! — ordenou.

 

Jerry confessou que tivera sorte. Se em vez daquele guarda ingênuo tivesse encontrado outro, talvez não conseguisse atingir seu objetivo com a necessária rapidez. Mas o vigilante, cujo nome era Uloh, estava tão perplexo e tinha tanto medo da arma que não criou nenhum problema. Quando Jerry simulou o desmaio, não dera o alarma. E contrariando todas as regras, saíra da cabina para ajudar.

Uloh subiu com Jerry ao quinto andar, onde ficavam os cofres-fortes. Informou que de noite só costumava aparecer um visitante de hora em hora. Era a média em condições normais. Se aparecesse alguém antes que Jerry saísse do edifício, encontrasse a cabina do guarda vazia e desse o alarma, as coisas se tornariam um pouco mais complicadas.

Felizmente não houve nenhum incidente. Os documentos importantes da pequena cidade de Lareddin cabiam em três cofres de tamanho médio. Uloh não sabia em qual deles Jerry encontraria aquilo que estava procurando. Mas possuía uma série de chaves eletrônicas com as quais podia abrir todas as portas. Jerry não levou mais de dez minutos para descobrir em meio à massa de documentos, tais como objetos de valor, tabelas de cálculo e aparelhos codificadores, a fita magnética em que estava registrada a rota da espaçonave.

Foi fácil descobrir, pois o programa só poderia estar registrado em fita magnética, e a que Jerry tinha na mão era a única que se encontrava nos cofres.

Jerry abriu o envoltório e examinou os primeiros centímetros da estreita faixa de Plástico marrom. A disposição dos núcleos magnetizados era bem perceptível. Antes de ser enviado para Sphinx, Jerry fizera um curso avançado de positrônica acônida. Bastou examinar a primeira série de sessenta e quatro. Logo soube que tinha em mãos aquilo que estivera procurando.

Obedecendo à ordem de Jerry, Uloh fechou os cofres, pegou o elevador e desfechou com ele. Não disse uma única palavra quando notou que desta vez Jerry usava a saída estreita dos fundos do edifício. Obediente e conformado com o destino, atravessou a área de estacionamento situada nos fundos do edifício, caminhando à frente do homem decidido que empunhava a arma energética. E, quando este o obrigou a escalar o muro, não formulou a menor objeção. Atrás deste, o grande GM de Jerry estava parado numa ruazinha escura. Uloh sentou-se junto à porta direita e teve o privilégio de ver um espião terrano introduzir com grande habilidade uma quantidade infinita de dados num minúsculo transmissor.

O trabalho demorou cinqüenta minutos. Não se notava que, ao se aproximar do fim da tarefa, Jerry estava ficando bastante nervoso. Mal leu para dentro do microfone os dados correspondentes ao último núcleo magnetizado, deixou cair a fita ao acaso e recostou-se com um suspiro. Jerry voltou a endireitar o corpo, segurou o microfone e disse:

— Dentro de uma hora no máximo a polícia me prenderá. Vejam o que podem fazer por mim.

Estas palavras foram ditas em linguagem terrana, e por isso Uloh não as compreendeu.

 

Depois disso Uloh teve permissão para voltar ao seu posto. Jerry continuou sentado tranqüilamente em seu carro. Era a forma de agradecer, pois Uloh lhe tornara o trabalho tão fácil. Ele mesmo avisaria a polícia e faria com que um perigoso espião fosse colocado fora de ação. Jerry não via por que continuar a fugir. De qualquer maneira seria preso. Que diferença faria que isso acontecesse logo?

Apesar de tudo uma hora se passou antes que a primeira viatura policial apare-cesse numa esquina. Os feixes ofuscantes de seus faróis atingiram o GM de Jerry. O veículo parou imediatamente. Jerry abriu cautelosamente a porta de seu carro e saiu. Colocou-se numa posição em que todos podiam vê-lo e levantou os braços. Só faltava que, de tanto medo, os patrulheiros começassem a atirar.

Quatro homens aproximaram-se. Cada qual segurava uma pesada arma energética. Jerry não fez o menor movimento. Apenas deixou que as mãos baixassem sobre a cabeça, quando os braços ficaram cansados.

— O senhor está preso! — disse um dos Policiais.

— Era o que eu imaginava — respondeu Jerry, em tom indiferente.

Um dos quatro homens passou por ele e Postou-se às suas costas.

— Toda a cidade está sendo vasculhada numa gigantesca operação de busca — falou o homem, em tom zangado — e o senhor continua no mesmo lugar em que o guarda o viu pela última vez.

Jerry reprimiu o riso.

— Que ousadia! — disse um dos patrulheiros em tom seco.

O homem que se encontrava atrás dele deu-lhe uma pancada nas costas com a coronha de sua arma. Jerry cambaleou para a frente. Os três policiais que se encontravam diante dele saíram do caminho. Dali a alguns segundos estava sentado na viatura policial, muito bem vigiado.

Por enquanto podia-se dizer que o capítulo Jerry Blanchard, agente terrano em Sphinx, chegara ao fim.

 

22 de junho de 2.114.

Entre as quatorze mil, trezentas e vinte e nove mensagens de rádio captadas naquele dia pelas antenas da Myra, só uma era suficientemente importante para despertar a atenção do Major Lance Rainor. A nave Myra era um cruzador terrano de patrulhamento. Era um dos poucos que naqueles dias de confusão intergaláctica operavam no interior da Via Láctea. Cabia-lhe cuidar de tudo e avisar alguma autoridade terrana competente, sempre que houvesse algo que fosse digno de nota. O Major Lance Rainor, comandante da Myra, não pedira que essa missão lhe fosse confiada. Os dias passavam-se num tédio infinito. Não se podia fazer coisa alguma. Mas Rainor recebera suas ordens, e via de regra o membro de uma instituição militar é impotente diante de uma ordem.

A estação do Fundo Social Intercósmico de Desenvolvimento instalada em Árcon III era a que ficava mais próxima da posição em que se encontrava a Myra, e por isso Lance Rainor transmitiu seu relato à mesma. Não sabia por que uma instituição do tipo do FSID se ocupava com essas coisas. De qualquer maneira, a estação constava de sua lista, e não havia nenhum motivo para desconfiar da exatidão da mesma.

Por isso relatou fielmente os acontecimentos. Às quinze horas e quarenta e quatro minutos, tempo de Terrânia, captara um pedido de socorro redigido no código interestelar dos saltadores. A mensagem viera da direção teta oitenta e um, pi trezentos e quarenta e nove. Pelos seus cálculos o vetor de rádio media quinhentos anos-luz. A mensagem foi recebida uma única vez. Não houve o menor sinal de que tivesse sido repetida.

Lance Rainor achou que em seu relato devia mencionar o fato de que o código LQ, nome que lhe costumava ser dado pelos entendidos, só costumava ser utilizado pelos saltadores quando havia uma situação de real emergência.

 

O humor de Nike Quinto continuava inalterado. Além de tudo acabara de perder um ótimo agente. Jerry Blanchard, que operava em Sphinx, havia comunicado seu “desligamento”, segundo todas as regras do figurino. Naquele momento aguardava, numa prisão acônida ou num campo de trabalhos forçados, que alguém o compensasse pelos serviços que havia prestado em prol da segurança terrana.

Uma equipe da Divisão III estudou a programação da rota da misteriosa espaçonave, que decolara de Sphinx na noite em que Jerry fora preso. O programa foi interpretado. Constatou-se que o ponto de destino da nave ficava num setor espacial, ao qual nenhum homem sensato se dirigiria de livre e espontânea vontade. Naquele setor havia um saco, nome que os astrônomos davam às áreas de densidade de matéria espantosamente baixa, cercadas por áreas densidade de matéria tremendamente elevada. Essas coisas tinham de existir, afirmavam os astrônomos, para garantir a estabilidade dinâmica.

No interior do saco havia uma única estrela. O espectro dessa estrela era bem estranho. Vista de perto, era verde. Essa estrela verde não tinha nome. Em compensação possuía três planetas. O segundo desses planetas era Tafor. Tratava-se de um desolado mundo desértico, no qual alguns saltadores mantinham uma base. Nessa base havia um estaleiro, um entreposto comercial, provido de um sortimento de mercadorias selecionadas, e uma potente estação de rádio. O planeta Tafor só era procurado pelos saltadores rejeitados por seus semelhantes, pelos párias de sua raça. Esses saltadores eram ricos, justamente por não observarem as leis escritas e não escritas de sua raça. Devido a essa inobservância, corria o boato de que em Tafor se faziam bons negócios...

Mas nem mesmo Nike Quinto com sua infinita fantasia conseguiu imaginar o que uma nave tripulada por acônidas poderia procurar num lugar como este.

Quando a informação expedida pela Myra chegou às mãos de Nike, o assunto tornou-se ainda mais interessante e misterioso. Os especialistas da Divisão III logo apuraram que na direção e distância indicadas não havia absolutamente nada. Mas desde que se acrescentasse meio segundo a teta, se subtraísse um décimo de segundo de pi e se prolongasse o vetor por quatrocentas unidades astronômicas — e um erro dessas proporções não poderia ter sido evitado numa determinação goniométrica realizada às pressas — chegava-se, então, exatamente à estrela verde em torno da qual girava o planeta Tafor.

Concluía-se que o pedido de socorro havia vindo de lá, e isso dava outro aspecto às coisas. Dali em diante Nike Quinto achou que o assunto era tão importante que valia a pena dedicar-se de corpo e alma a ele.

 

25 de junho de 2.114.

— Nobre Tufatz... sinto um medo terrível!

O nobre Tufatz nem pensou em reagir a esse grito. Mantinha os olhos presos na grande tela de proa. Suas mãos hábeis manipulavam várias alavancas, chaves e botões ao mesmo tempo. Dirigia sua nave praticamente destroçada para uma grande área de areia verde, que, em virtude da inclinação do barco, tinha o aspecto de uma encosta íngreme sem fim.

Além de Tufatz havia mais três homens na pequena sala de comando, abarrotada de instrumentos, mesas e painéis. Um deles, um velho baixo de cabelos brancos e barba desgrenhada, acabara de soltar o grito de Pavor. Os outros estavam atados às antiquadas poltronas anatômicas e, seguindo o exemplo de Tufatz, não tomaram conhecimento do medo do co-piloto.

Com um movimento nervoso, Tufatz afastou a manga da manta, que usava para seguir a moda dos saltadores, pois ela o incomodava. Com visível resolução baixou uma grande chave até o fim, soltou um suspiro e também atou os cintos de segurança.

— Início do pouso automático de emergência — disse um impecável terrano, mas com a voz um pouco abafada. — Os detonadores estão preparados?

— Detonadores ligados — respondeu um dos outros três, um homem de estatura mediana e cabelos escuros, ainda jovem.

— Então vamos fazer votos de que tudo dê certo, rapazes — gritou Tufatz.

Dali a um minuto começou. Uma das aletas de proa tocou a superfície arenosa. O corpo esbelto e alongado da nave sofreu um terrível solavanco. O metal, solicitado ao máximo, parecia gritar. Vários aparelhos desprenderam-se dos suportes e passaram a executar uma dança infernal e barulhenta. A imagem projetada na tela girava que nem um carrossel. As areias turbilhonantes logo a encobriram. Tufatz sentiu que a força centrífuga o comprimia para a frente. Havia um cheiro de algo queimado e a nave começou a encher-se de fumaça.

Mais tarde não saberia dizer quanto tempo durara aquilo. Ouviram-se alguns estalos fortes e penetrantes vindos do interior da nave. Em cada estalo a nave sofria solavancos. Finalmente o barulho cessou. Algum conduto que estava vazando chiava de modo perceptível. A tela se apagara, e as lâmpadas também. Mas uma luz, vinda não se sabe de onde, penetrava na nave.

Tufatz teve de esforçar-se para respirar. Levantou a cabeça e viu a abertura de quase dois metros na parede de estibordo. Com um movimento automático colocou a máscara de adensamento sobre o rosto, livrando-se da dificuldade de respirar. A luz verde do sol, encoberta pela nuvens de areias turbilhonantes, penetrava pela abertura

Haviam sido bem-sucedidos. Tinham realizado o pouso de emergência em Tafor, conforme fora combinado e, o que era mais espantoso, ainda estavam vivos.

 

Antes, de 22 a 25 de junho de 2.114...

Agindo rápido, conforme era seu hábito, Nike Quinto comprara de uma das administrações espaçoportuárias de Árcon III uma velha nave dos saltadores. Em pouco tempo a nave foi colocada em condições de navegabilidade, mas nem por isso perdeu o aspecto de um velho barco destroçado. Muito Rápido também Nike Quinto conseguiu formar uma verdadeira tripulação de saltadores e explicar à mesma que, com a nave destroçada, teria de realizar uma viagem de 4.122 anos-luz. A genuinidade da tripulação de saltadores, formada por dezoito pessoas, resultava do fato de que cada uma dessas pessoas se submetera a um treinamento intenso de personologia dos saltadores.

O chefe da tripulação era Tufatz: um renegado sem ligação com qualquer dos grandes clãs dos saltadores. Era um mercador cigano cuja avareza era tão grande quanto sua fortuna. Tinha um metro e oitenta e sete de altura e, como símbolo de status, não usava barba, no que contrariava a moda dominante. Tinha cabelos castanhos e sua manta de saltador dava-lhe um aspecto de herói bíblico. Seu nome real era Ron Landry. O número de castanhas que tirara do fogo para Nike Quinto era maior que o número de meses correspondente à idade da Divisão III do Fundo Social Intercósmico de Desenvolvimento...

Logo abaixo de Tufatz, ou melhor, de Ron Landry, havia um pseudo-saltador esbelto de estatura mediana e cabelos escuros. Seu aspecto era insignificante, mas em compensação possuía uma espantosa inteligência. Adotara o nome Raffan, o que fazia com que não se sentisse muito à vontade, pois seu verdadeiro nome, Larry Randall, soava-lhe muito melhor.

Ainda havia Harvoth, um velho baixo, que só usava barba à moda dos saltadores porque na vida real também costumava usá-la. Era originário de Passa, um planeta de colonos, e seu nome era Lofty Patterson. Ingressara na Divisão III porque amava a aventura.

O nome do quarto membro da tripulação era Yakkik. Era alto, calmo e ponderado. Raramente falava, e quando dizia alguma coisa, mostrava segurança. O verdadeiro nome de Yakkik era Meech Hannigan. Não nascera em lugar algum, mas fora fabricado, e isso há sete anos, na Terra. Era um robô. Na verdade, ninguém diria.

Os outros quatorze tripulantes só acompanhavam o vôo porque uma nave saltadora do tamanho da Tufatz XII, nome que se dera àquela lata velha, costumava ter uma tripulação mínima de dezoito homens. Os quatorze não pertenciam ao comando propriamente dito. Sua tarefa consistia exclusivamente em Permanecer quietos no mesmo lugar e, se necessário, despertar a impressão de serem um grupo de saltadores perturbadores.

Nike Quinto tinha motivo para acreditar que, por Tafor alguém tinha todo motivo para ficar nervoso. Apresentara seu plano ao Marechal Solar Allan D. Mercant, e a resposta fora um “está certo”. Era verdade que Nike Quinto não se enganava ao supor que a concordância imediata tinha sua causa na atual situação política. Além dos distúrbios que o esfacelamento do Império de Árcon provocava em toda parte, naqueles meses a Terra defrontava-se com um perigo vindo das profundezas do espaço intergaláctico. Na verdade, eram dois perigos, o dos laurins e o dos pos-bis.

Os pos-bis eram uma raça de robôs positrônico-biológicos. No entanto, um pedaço de plasma orgânico ligado a seus circuitos positrônicos por meio de um engaste hipertóictico conferia-lhes a capacidade de sentirem emoções. Assim sendo, eram capazes de odiar os orgânicos com um fervor que dificilmente se encontrava outro igual. Um belo dia os pos-bis irromperam inesperadamente em meio à calma enganadora da política galáctica. Ao que parecia, estavam à procura dos laurins, que apareceram mais ou menos ao mesmo tempo que os positrônico-biológicos, no interior da Via Láctea.

Os laurins invisíveis por natureza, eram inimigos que deviam ser levados a sério. Apareceram na Galáxia sem que ninguém conseguisse explicar como. Só há pouco tempo os terranos conseguiram pôr as mãos em três laurins e desvendar o mistério de sua invisibilidade. Eram descendentes de uma raça de vermes indefesos, aos quais a natureza concedera, no intuito de conservar a espécie, um gerador orgânico de campo defletor. Haviam conseguido conservar o tal gerador, quando da passagem para a vida inteligente. Conferia-lhes não apenas a vantagem da invisibilidade, mas também os tornava invulneráveis aos tiros de radiações. Só mesmo um desintegrador era capaz de atingi-los, mas quando isso acontecia, os efeitos do disparo eram mortais.

Há pouco tempo a Terra celebrara uma espécie de acordo com os pos-bis. O pedaço de plasma que tornava os pos-bis capazes de sentir emoções era uma parte minúscula de uma substância-matriz que, formando um gigantesco ser unitário, cobria grande parte da superfície de um mundo situado nas profundezas escuras do espaço intergaláctico. O lugar de origem do plasma recebera o nome de mundo dos Duzentos Sóis. Soubera-se que o ódio contra tudo quanto era orgânico que fora implantado nos pos-bis, originariamente só era dedicado ao velho inimigo dos mesmos, os laurins. A substância-matriz, conhecida como o centro de plasma, concluiu que devia desativar o circuito ou programa de ódio. Esperava-se que com isso os pos-bis se transformassem em criaturas mais tratáveis.

Por enquanto não houvera nenhuma oportunidade de colher experiências a este respeito. O próximo encontro com os pos-bis ocorreria no momento em que a espaçonave enviada pelo centro de plasma chegasse à Galáxia, a fim de apresentar a Perry Rhodan, Administrador do Império Solar, sugestões relativas ao prosseguimento das negociações. Há bastante tempo a frota terrana de patrulhamento esperava por essa espaçonave lá fora, isto é, longe dos limites da Galáxia. Mas apesar do número enorme de naves que a frota terrana já possuía, a rede de patrulhamento não poderia deixar de apresentar lacunas. A possibilidade de a nave dos pos-bis penetrar na Galáxia sem ser reconhecida não poderia ser desprezada.

Foi justamente por esse motivo que Tufatz e seus companheiros tiveram de empreender a viagem cansativa ao planeta Tafor. Havia uma chance de mil para um de que os acontecimentos que se desenrolavam por lá não tinham a menor relação com a nave pos-bis cuja chegada era esperada. Mas bastava a probabilidade de um para mil para que se tivesse de voar para lá e certificar-se.

A Tufatz XII decolou de Árcon III e, depois de uma série de transições que fez porejar o suor no corpo dos homens, chegou ao mundo que era seu destino. Tufatz, que estava à frente dos controles, fez a nave entrar em órbita em torno de Tafor e comunicou-se pelo rádio com o planeta, avisando que precisava de socorro urgente. Isso não deixava de ser verdade, ao menos em parte. Em tempos, normais, a nave avariada seria convidada imediatamente a pousar, pois Tufatz deixara claro que não pertencia a nenhum dos grandes clãs e que pagaria os preços mais elevados pelos ser-viços que lhe fossem prestados. No planeta Tafor só se interessavam por esse tipo de gente. Mas desta vez a resposta foi concebida em termos diferentes. Numa cortesia lacônica dizia, figuradamente, que a Tufatz XII fosse para o inferno.

Face a isso, Tufatz usou uma linguagem mais violenta. Deixou claro que sua nave não era capaz de realizar uma única transição que fosse. Precisava de socorro mais que qualquer outra pessoa no Universo e informaria todo mundo pelo hiper-rádio sobre o tratamento vergonhoso que se dispensava em Tafor a quem precisava de auxílio. Parece que este argumento foi decisivo. A Tufatz XII obteve permissão de pousar.

A manobra foi realizada por Tufatz em pessoa, e o resultado confirmou a descrição que fornecera sobre o estado miserável de sua nave. A lata velha nem sequer chegou ao campo de pouso propriamente dito. Caiu na areia a quarenta quilômetros do mesmo e levantou uma enorme nuvem de pó. O trovejar das fortes explosões produziu um som oco na atmosfera rarefeita. Ninguém Pensou na possibilidade de que as explosões não pudessem ter a menor ligação com a queda da nave, mas houvessem sido provocadas artificialmente para destruir o que restava da Tufatz XII...

Era muito importante que se conseguisse ficar algum tempo em Tafor sem provocar suspeitas!

 

25 de junho de 2.114.

— Tudo em ordem? — perguntou em meio à poeira a voz de Ron Landry, que a membrana de ressonância da máscara de adensamento desfigurara a ponto de transformá-la quase num latido.

Os homens foram respondendo um após o outro. Primeiro foi Meech Hannigan, o inabalável, depois Larry Randall e finalmente Lofty Patterson. Lofty estava soterrado sob um montão de instrumentos caídos ou arrancados dos suportes. Conseguiu libertar-se com as próprias forças, aproximou-se de Ron Landry, rastejando em meio à poeira, e disse, com a voz extenuada que, por ele, Tafor e a Divisão III poderiam ir para o inferno, porque já estava cheio.

— Coloque a máscara, Lofty — recomendou Ron, com uma risada — e diga-me se isso lhe adiantaria alguma coisa. Você poderia voltar a pé para Árcon III. Seria só.

Lofty colocou a máscara sobre a boca e o nariz e ficou calado. Ron levantou-se e foi à abertura do casco, por onde estava penetrando a luz verde do sol. A reduzida gravitação desse pequeno mundo produziu uma estranha sensação em seu estômago. Deu um passo sem o necessário cuidado e por pouco não foi arrastado pela abertura, para a areia que se estendia do lado de fora. No último instante agarrou-se à borda recortada do rombo aberto no casco.

Lá fora a poeira começava a assentar. Assim que o local do acidente oferecesse boa visibilidade, os saltadores apareceriam. Dificilmente isso aconteceria antes de decorrida meia hora. Uma nave caída era um objeto muito perigoso. Por vezes pessoas que se apressavam em salvá-la haviam sido mortas por uma explosão retardada.

Ron fitou a areia por algum tempo. Deixou que os detalhes pouco numerosos do plano que elaborara desfilassem por sua cabeça. Não era muita coisa; o resto teria de resultar da situação de cada momento. Deviam conseguir que os saltadores lhes concedessem ampla liberdade de movimentos, enquanto a Tufatz XII fosse reparada. Precisavam de barcos-voadores. Podia-se alugá-los por dinheiro, se necessário por muito dinheiro. A não ser que os saltadores Quisessem esconder alguma coisa. Se fosse assim, as coisas se tornariam bem difíceis.

Ron virou-se voltando para a confusão que se instalara no lugar que antes fora a sala de comando. Seus três companheiros estavam sentados no chão. Lofty parecia aborrecido, Larry fumava um cigarro e Meech Hannigan mantinha-se atento como sempre.

— Para você está na hora, Meech — disse Ron, calmamente.

Meech confirmou com um aceno de cabeça e levantou-se. Espalhou o monte de destroços sob o qual estivera deitado Lofty Patterson e pôs-se a procurar alguma coisa no chão. Seus dedos pacientes desprenderam uma chapa de metal plastificado de aproximadamente um metro e meio. Antes de retirada a chapa, suas bordas eram invisíveis. Quando a chapa foi removida, surgiu um buraco escuro, que levava às profundezas do depósito de combustível. Meech deixou-se cair e ficou pendurado por alguns segundos, agarrando-se com os dedos na borda do buraco. Finalmente largou-se da borda e...

Ouviu-se um baque surdo, quando chegou embaixo.

Ron inclinou-se sobre o buraco.

— Tudo em ordem aí?

— Sim, sir — respondeu a voz abafada de Meech.

— Pois nesse caso desejo-lhe que saia daí com as pernas e os braços inteiros — gritou Ron, embora não soubesse de que forma um robô interpretaria um desejo desses.

Levantou a chapa e fechou o buraco. O chão ficou tão liso como antes. Ninguém suspeitaria de que ali ficava o acesso a um esconderijo. Era ao menos o que Ron Landry esperava. No seu íntimo pensou que aquilo era uma maneira tão primária de esconder alguém que dificilmente seria bem-sucedida.

— Vamos ver como estão Tennyson e sua gente — sugeriu. — Ainda não entraram em contato conosco, e por isso acredito que tudo esteja bem com eles.

Larry levantou-se e procurou abrir a escotilha que ligava a sala de comando ao interior da nave. A peça de metal estava empenada e a fechadura mecânica não funcionava. Larry tirou a arma térmica e dirigiu um finíssimo raio fulgurante para a parte direita da escotilha. Cortou a pesada peça de metal de alto a baixo. Depois disso foi fácil empurrar a parte maior da escotilha, fazendo-a entrar na parede, do lado esquerdo.

No corredor que ficava atrás da escotilha, surgiu um homem alto e magro. Trazia a máscara de adensamento no rosto e os cabelos louros estavam desgrenhados. Mantinha os olhos semicerrados, como se estivesse farejando algum perigo.

— Tudo em ordem, capitão? — perguntou Ron.

Tennyson respondeu afirmativamente.

— Sim. Mas alguns homens bateram com a cabeça e sentem dores. É só. Como estão as coisas por aí?

— Tudo está correndo conforme desejávamos. Meech já se escondeu. Os saltadores devem aparecer de um momento para outro — Ron sorriu ao ver que Tennyson se descontraía. — Procure rememorar seu dialeto dos saltadores, capitão. Não devem desconfiar de nós.

 

Apareceram dali a vinte minutos. A poeira já assentara por completo. Pelo rombo do casco via-se a torre de hiper-rádio de quinhentos metros de altura, que ficava junto ao campo de pouso e se destacava contra os raios do sol verde. Era o símbolo do planeta Tafor. O ar rarefeito transmitia o quadro com tamanha nitidez que até parecia que a torre se encontrava a apenas algumas dezenas de metros.

Um grupo de quatro carros-voadores veio deslizando sobre a areia. Ron observou-os pelo rombo. Viu três deles tomarem posição em torno da nave, de maneira tal que, se fossem ligados por uma linha, formariam um triângulo eqüilátero. A nave destroçada ocupava o centro do triângulo. Ron achou isso estranho. Até parecia que os saltadores estavam farejando algum perigo.

O quarto veículo foi se aproximando da eclusa principal. De repente o piloto pareceu compreender que o rombo aberto na altura da sala de comando formava um acesso mais confortável. Fez o carro mudar de rumo e colocou-o junto ao costado da nave. As portas abriram-se. Vários homens armados saltaram do veículo. O que ia na frente empurrou-se fortemente com os pés e, graças à reduzida gravitação, subiu o bastante para poder agarrar-se à borda do rombo. Saltou para o interior da nave. Nem pensou em baixar o cano da arma. Em vez da máscara de adensamento usava meio capacete, que fechava hermeticamente apenas a parte anterior do crânio. Os olhos chisparam arrojadamente por trás da lâmina do visor.

Ron recuou um passo. Lançou um olhar desconfiado para o desconhecido, que não tinha o aspecto de um mercador galáctico. Era de estatura mediana, tinha rosto muito estreito e a testa ampla. De repente Ron teve a impressão de que, ao elaborar seu Plano, esquecera um detalhe muito importante. A impressão tornou-se mais forte Quando outros homens armados subiram do chão desértico e começaram a encher a sala de comando. Tangeram os tripulantes com as armas empunhadas, obrigando-os a se comprimirem num canto.

Em linhas gerais todos tinham a mesma estatura e seus rostos eram iguais. Eram sete, e apenas alguns segundos depois de terem experimentado a incrível surpresa, todos os tripulantes sabiam perfeitamente de onde vinham. Nem haveria necessidade da explicação fornecida por um deles, que se colocou à frente de Ron Landry e anunciou:

— Os senhores se encontram sob a custódia do governo de Sphinx. Considerem-se presos!

— Nego-lhe o direito de prender-me com meu clã — respondeu Ron Landry, com a maior tranqüilidade.

Usou um dialeto dos saltadores igual ao que era falado a uns doze mil anos-luz dali, no setor de Alepsio.

O acônida lançou-lhe um olhar de desprezo.

— Primeiro — respondeu em arcônida — o senhor não tem nenhum clã, conforme disse enquanto ainda se encontrava no espaço. É um renegado, e ninguém derramará uma lágrima pelo senhor. Em segundo lugar, estamos agindo segundo a lei de guerra. O planeta Tafor foi ocupado por nossas tropas.

Ron ficou satisfeito. O acônida tratava-o com todo o desprezo por ser um pária dos saltadores. Ao que parecia, não duvidava da história que lhe fora contada.

— Não sabia — respondeu Ron Landry, com a maior ingenuidade — que Sphinx e Tafor estão em guerra.

— Não há motivo para espalharmos isso por aí — disse o acônida em tom sarcástico. — Seja como for, o senhor está aqui, e por enquanto vai ficar aqui. Os senhores receberão alojamentos seguros nas proximidades do campo de pouso. Não tentem fugir. Uma leviandade dessas seria punida com medidas drásticas.

— Pergunte-lhe por que faz isso conosco, Tufatz! — disse a voz rouca de Lofty Patterson, vinda dos fundos da sala.

Ron lançou um olhar indagador para o acônida.

— O senhor não tem nada a perguntar — respondeu este em tom áspero. — E o que acontece em Tafor é assunto que interessa exclusivamente a nós. Os senhores deverão limitar-se a ser razoáveis e calar a boca.

Ron rangeu os dentes.

— Realmente sou apenas um renegado — disse em tom enfático. — Meus dezesseis subordinados não são melhores que eu. Apesar disso o senhor deveria cuidar-se, pois é possível que um dia essa arrogância lhe quebre o pescoço.

O rosto do acônida ficou rubro de raiva. Virou-se abruptamente e gritou para seus homens:

— Levem-nos para os carros! Depressa!

Os acônidas mudaram de posição e começaram a tanger os homens em direção ao rombo. Usavam os canos de suas armas Ron ficou em posição mais afastada e foi um dos últimos a sair da nave. Quando saltou pelo rombo, ainda havia três tripulantes e cinco acônidas na sala de comando. Enquanto estava sendo conduzido para um dos veículos, viu os três tripulantes saltarem para a areia. Três dos acônidas ficaram bem atrás deles. Os últimos dois saíram da nave no momento em que se acomodava no banco traseiro do carro-voador, entre dois acônidas que o vigiavam.

Suspirou aliviado. Não haviam descoberto o esconderijo de Meech.

 

De repente a situação pareceu ter mudado por completo. Os acônidas não haviam vindo para Tafor no intuito de fazer negócios escusos com o clã saltador, um tanto suspeito, que exercia suas atividades no planeta. Tinham atacado e ocupado Tafor. Não deveriam ter encontrado maiores dificuldades. Os saltadores possuíam armas que lhes permitiam defender-se contra um grupo de bandidos. Acontece que os acônidas haviam trazido algo que se parecia com uma tropa regular. A indagação de quais seriam as intenções dos seres do Sistema Azul, em Tafor, surgia automaticamente. O pequeno mundo não valia nada. Não havia riquezas minerais nem vida inteligente; ou qualidade de ar que permitisse a respiração. Além disso ficava longe das rotas astronáuticas.

Ron agarrou-se este detalhe. Será que era este o motivo pelo qual os acônidas haviam vindo? Será que precisavam de um lugar onde pudessem trabalhar sem que ninguém os incomodasse?

Parecia ser uma explicação razoável. É bem verdade que nem por isso ficava esclarecido em que tipo de empreendimento eles não queriam ser incomodados.

Poucos minutos depois de terem saído da Tufatz XII, os ocupantes dos quatro veículos avistaram a velha estação dos saltadores. A luz do sol fazia a superfície lisa do amplo campo de pouso emitir um brilho verde. Na extremidade leste do campo de pouso erguiam-se os pavilhões do estaleiro. Estavam vazios!

Os acônidas haviam escolhido um momento muito favorável para desfechar seu ataque. Não havia uma única nave estranha no planeta. Mais ao norte, ainda no campo de pouso, viam-se algumas naves menores. Pertenciam aos saltadores que viviam por ali. Ao que parecia, nenhuma delas estava em condições de realizar uma viagem de toais de cinqüenta anos-luz, sem sofrer avarias graves.

Ao sul ficavam as residências dos dois mil habitantes desse mundo. Eram edifícios grandes. Sempre que os saltadores abandonavam seus hábitos e se fixavam num planeta, continuavam a viver como haviam feito em suas naves. Todo o grupo do clã habitava um só edifício. Cada grupo era composto de duzentas a quatrocentas pessoas em média. Não era de admirar que os edifícios parecessem uma mistura da catedral de Milão e do capitólio de Washington.

Ao sul, bem longe, ficava a grande torre de rádio, e atrás dela havia alguma coisa na areia que à primeira vista se parecia com as costas de uma baleia emergindo. Era o único objeto que Ron e seus companheiros acharam extraordinário enquanto ainda se encontravam a bordo da Tufatz XII. Parecia deslocado... O tal objeto era a gigantesca espaçonave na qual haviam vindo os acônidas.

Os carros atravessaram o campo de pouso. Ron olhava atentamente em torno para descobrir os outros acônidas mas não viu o menor sinal dos mesmos.

Os carros passaram pelo edifício que ficava mais ao norte, mas não pararam. Ron levantou os olhos para as janelas redondas, mas não viu ninguém. No telhado de uma torre esguia havia um homem armado e usando meio capacete.

O grupo descreveu uma curva à frente do segundo edifício e parou em semicírculo à frente da entrada. Ron sentiu a pressão inconfundível do cano de uma arma térmica do lado esquerdo do corpo. Esperou que o homem que se encontrava à sua direita abrisse a porta e descesse. Seguiu-o. Foi tangido em direção à entrada do edifício. Deu um olhar rápido para trás e ficou satisfeito ao constatar que, segundo tudo indicava, toda a tripulação da Tufatz XII seria abrigada no mesmo edifício. Cinco metros atrás dele vinham Lofty Patterson, Lewie Tennyson e Larry Randall, muito bem vigiados por dois acônidas.

Quando o homem que caminhava à frente de Ron se havia aproximado a três metros, a porta abriu-se automaticamente, pondo à vista um hall em semicírculo. A luz amarela despejada pelas artísticas placas luminosas presas ao teto livrou os olhos da pressão exercida pelo brilho verde do sol. Dos fundos da sala partia um plano suave-mente inclinado, que subia para as profundezas do edifício. À esquerda e à direita viam-se aberturas suavemente iluminadas que davam para os poços dos elevadores antigravitacionais.

O homem à frente de Ron caminhava em direção ao plano inclinado. Ron ficou logo atrás dele e a fita reluzente levou-o Para cima. Foi parar num amplo corredor. Havia duas portas de cada lado e uma na Parede dos fundos. O homem que caminhava à frente de Ron aproximou-se desta última e abriu-a. Atrás dela havia um recinto que, segundo parecia, fora transformado às pressas e sem muito gosto num quarto e sala de estar para três pessoas. Os móveis originais estavam amontoados junto à parede. Três camas grandes, do tipo usado pelos saltadores, haviam sido encostadas à parede em que ficava a janela. Aliás, a janela ampla só se distinguia da parede por não ficar no mesmo plano da mesma.

De repente Ron compreendeu por que há pouco, enquanto passavam pelo primeiro edifício, não conseguira ver nenhum saltador. Os acônidas se haviam dado ao trabalho de colocar revestimentos semitransparentes em todas as janelas. Podia-se olhar de fora para dentro, mas não de dentro para fora. Os acônidas pareciam muito interessados em impedir a visão para o campo de pouso e seus arredores.

Quando chegou ao centro da sala, Ron parou e olhou para trás. Lofty, Larry e o Capitão Tennyson entraram, flanqueados pelos guardas. Ron experimentou uma sensação de alívio. Sem que o soubessem, os acônidas lhe haviam feito um grande favor. Lofty e Larry haviam sido preparados para a ação que seria desenvolvida em Tafor, Tennyson e seus treze subordinados não. Se Lofty e Larry tivessem sido abrigados em outro recinto, a situação seria muito menos favorável.

Os guardas pararam na porta. O acônida com o qual Ron falara a bordo da Tufatz XII brindou os quatro prisioneiros com um olhar que exprimia todo seu desprezo e repugnância e disse:

— Os senhores permanecerão aqui até que sejam libertados. O recinto só possui instalações para três pessoas, mas os senhores saberão arranjar-se, pois gente do seu tipo não está acostumada a muito conforto. O banheiro fica por aí — apontou para a parede à qual estavam encostados alguns armários e cômodas. — Os senhores terão de descobrir a porta. Não deverão sair daqui. Receberão comida e bebida duas vezes por dia. É quanto basta.

Não disse mais nada. Virou-se e saiu de cabeça erguida. Os guardas seguiram-no. Os homens ouviram o ruído da fechadura eletrônica.

Por enquanto era isso.

 

Dali a alguns minutos Lymar, o acônida presunçoso, apresentou seu relato ao chefe da expedição:

— São apenas alguns miseráveis saltadores que não pertencem a nenhum dos grandes clãs. Não representam perigo. Sua nave ficou completamente destroçada. Sabemos que não conseguiram transmitir um pedido de socorro. Ninguém notará a falta deles. São dezessete homens ao todo. Estão bem guardados no bloco dois.

Unalak, chefe da expedição e membro do Grande Conselho sediado em Sphinx, demonstrou sua concordância com um gesto alegre. Lymar foi dispensado.

A bordo da gigantesca nave tudo voltou ao dia-a-dia normal.

 

26 de junho de 2.114.

Cinco horas já se haviam passado desde que a fechadura eletrônica fora trancada. Já haviam tirado os armários da frente da porta do lavatório e espanado a poeira.

Falaram muito pouco. Na parede oposta ao lavatório havia um console de intercomunicação com uma tela de tamanho médio. Ninguém sabia que tipo de apare-lhos transmissores de imagem usavam os saltadores de Tafor. Se fossem do tipo normal, de dois mil ou mesmo três mil canais, então não haveria perigo. Mas se os saltadores tivessem feito um gasto maior para adquirir aparelhos mais caros, de quatro mil canais ou mesmo mais complicados, nesse caso os acônidas poderiam ter utilizado alguns dos canais para transformar os receptores em aparelhos de escuta. Seria fácil e confortável. Nem mesmo uma pessoa, acostumada durante meses a olhar para a mesma tela, notaria a falta de mil e quinhentos a dois mil canais pela qualidade da imagem. Ron gostaria que Meech Hannigan estivesse a seu lado. O biorrobô levaria apenas alguns segundos para descobrir de que tipo eram esses receptores de imagem.

Não se podia saber qual o tempo lá fora. As janelas estavam tão fortemente re-vestidas com um spray que não deixavam passar um único raio de luz. A claridade reinante na grande sala provinha de três placas luminosas, aplicadas no teto.

Lofty Patterson estava deitado em uma das camas, meio afundado no colchão macio. Só se viam as pontas de suas enormes botas e a confusão formada pelos cabelos cinzentos. Falava ininterruptamente, mas ninguém entendia uma única palavra.

Por algum tempo Tennyson caminhara nervosamente de um lado para outro. Agora estava de costas para a janela opaca e refletia.

Larry estava dormindo. Deitado de lado, mantinha a cabeça confortavelmente apoiada sobre o braço e parecia não ter preocupações. Contrariando seu hábito, não estava roncando. Ron ficou-lhe grato por isso.

Há várias horas Ron se esforçava para modificar seu plano e descobrir um meio de escapar aos acônidas e de, apesar das dificuldades inesperadas, executar a tarefa que Nike Quinto lhes havia confiado. Como praticamente não possuísse nenhum ponto de referência, quase não conseguiu nenhum progresso. Por isso procurou descobrir por meio da simples reflexão o que os acônidas estariam fazendo em Tafor. Mais de uma dezena de possibilidades passou-lhe pela cabeça. Mas, como não dispunha da capacidade lógico-positrônica de Meech Hannigan, que lhe permitia classificar as diversas possibilidades segundo os graus de probabilidade, cada uma das idéias lhe parecia tão boa quanto a outra, e por isso nenhuma delas pôde servir de base a um esquema de ação.

A situação encontrava-se nesse estágio quando de repente se ouviu um forte ruído vindo do lavatório. Parecia que alguém caíra no grande tanque. Logo depois veio um rosnado furioso. A porta abriu-se violentamente e bateu ruidosamente nos armários que Ron e seus homens haviam afastado com tanto esforço.

Um homem baixo, de ombros largos, apareceu na porta. O rosto e a boca revelavam que em condições normais pertenceria ao tipo alegre. Mas agora havia um hematoma em sua testa e a expressão de seu rosto parecia zangada.

Passou os olhos pela grande sala e disse:

— Ainda não adquiri bastante prática. Às vezes ainda caio na banheira.

Ron examinou atentamente o homem baixo. Não havia dúvida de que era um saltador, embora fosse bem menor que a média de sua raça. Sua pele apresentava uma tonalidade moreno-escura.

“Uma coisa combina com a outra”, pensou Ron nesse mesmo instante.

O sol verde despejava um volume enorme de raios ultravioletas sobre o planeta Tafor. E os raios ultravioletas faziam a pele ficar morena e representavam um obstáculo ao crescimento. Os saltadores viviam nesse mundo há milhares de anos. Provavelmente, entre eles a pele moreno-escura e a estatura baixa já se haviam transformado em características hereditárias.

O baixote saiu da porta. Apalpou o hematoma e sorriu.

— Meu nome é Larchik — disse. — Onegor pediu-me que viesse cuidar de vocês.

— Quem é Onegor? — perguntou Ron, perplexo. — E como foi que o senhor entrou aqui?

Não se esqueceu do papel que estava desempenhando. Como renegado não poderia usar o você ao falar com um membro de um clã regular.

Larchik não parecia interessar-se muito pelas perguntas.

— Alguém de vocês conhece Gurek Polanar ou Pholko Hayander? — indagou.

O olhar curioso de Larchik lhe teria servido de advertência, mesmo que não estivesse preparado para a pergunta. Antes de iniciar a viagem, estudara a História de Alepsio. Tinha certeza quase absoluta de que nesse setor não havia ninguém que usasse o nome Gurek Polanar e desse que falar mais que qualquer cidadão comum. Quanto a Pholko Hayander, este era uma figura muito conhecida. Rebelara-se contra o domínio do clã de Frituf, e acabara por libertar nove mundos desse setor da tirania do respectivo patriarca. Isso acontecera há trezentos anos, quando os grandes da Terra estavam reunidos no congresso de Viena e ninguém falava na Astronáutica.

— Não sei o que significa isso! — disse Ron, contrariado. — Não tenho a menor idéia de quem seja esse sujeito que usa o nome de Gurek. Mas será que uma pessoa que nasceu e cresceu no setor de Alepsio pode deixar de conhecer Pholko Hayander? Acho...

Larchik interrompeu-o com um gesto.

— Está bem, está bem. Parece que podemos confiar em vocês. Temos de cuidar-nos com os estranhos. Afinal, é possível que os acônidas tentem introduzir alguns espiões aqui para descobrir nossos planos.

Sem virar a cabeça, Ron apontou para a parede que ficava atrás dele.

— Já que o senhor fala com tanta franqueza... espero que tenha certeza de que não houve um desvio de parte dos canais de imagem!

Larchik recebeu estas palavras como uma boa piada. Soltou uma gargalhada e bateu com as palmas das mãos na barriga.

— Ora, vejo que vocês não conhecem Onegor! — disse, fungando. — Esse homem é tão avarento que só compra o que há de mais barato. Nenhum dos receptores possui mais que o mínimo indispensável de canais; são mais ou menos mil e oitocentos. Se os acônidas desviarem um único que seja, a imagem desaparecerá imediatamente. Quanto a isso vocês não precisam preocupar-se.

Ron ficou satisfeito.

— Faça o favor de dizer quem é Onegor — pediu.

Larchik fez um movimento em direção ao teto.

— É o patriarca de nosso clã, um senhor avarento que governa alguns milhares de nosso povo. Os acônidas atacaram-no e lhe tiraram tudo que possuía. Por isso está zangado e só pensa em descobrir um meio de fazer com que tenham de pagar por isso. Ouviu dizer que vocês foram abrigados aqui e mandou que eu descesse. Acho que tem seus planos com vocês.

— Ora, que...! — irrompeu Lofty Patterson. — Como foi que você conseguiu entrar aqui?

Larchik virou a cabeça e fez como se fosse a primeira vez que estava vendo Lofty.

— Este é Harvoth — apressou-se Ron Landry a explicar. — Faz apenas alguns dias que se juntou a nós. Levará mais algum tempo para acostumar-se a usar as palavras corretas.

A boca de Lofty ficou desfigurada, transformando-se num traço fino e amargurado.

— Não sou melhor nem pior que qualquer outro saltador — resmungou. — Se alguém me chama de você, eu também o chamo assim.

Larchik não levou as coisas muito a sério.

— Comigo não há problema — disse com uma risada. — Mas gostaria de ver o que aconteceria se você experimentasse isso com Onegor.

Parecia que com isso dissera tudo que tinha a dizer. Fez meia-volta e dirigiu-se à porta do lavatório. Ron seguiu-o. Atrás de Ron vieram Lofty Patterson e Larry Randall. Lewie Tennyson continuou no mesmo lugar. Larchik percebeu, quando ainda se encontrava na porta.

— Por que ele não vem? — perguntou.

— Três homens bastam — disse Ron. — Além disso poderemos buscá-lo a qualquer momento.

Larchik não se importou. Ron sentiu-se satisfeito por ter contornado o perigo com tanta facilidade. Não se previra que Tennyson participasse da operação. Em qualquer hipótese teria de ficar perto de seus homens.

Quando chegaram ao lavatório, não viram imediatamente por onde Larchik havia entrado. O pequeno saltador entrou na banheira em forma de tanque, pôs as mãos na parede e comprimiu-a fortemente por várias vezes. Uma chapa quadrada desprendeu-se, pondo à vista um buraco escuro em que até mesmo um homem de ombros largos como Ron Landry poderia entrar facilmente. Larchik colocou a chapa na banheira. No lado interno da mesma havia duas alças.

— Quando chegaram aqui, os acônidas estavam muito apressados... — disse o pequeno com um sorriso. — Nem pensaram em revistar nossas casas com certo cuidado. E bem que poderiam ter imaginado que aqui se precisa de sistemas especiais de ventilação. No interior do edifício reina a pressão atmosférica à qual estamos acostumados. Não precisamos de máscaras respiratórias.

“Lá fora a pressão é miseravelmente baixa. É claro que ninguém consegue construir uma casa da qual não escape nem um pouco de ar. Por isso temos de movimentar grandes massas de ar. Para isso precisamos de dutos de ventilação. Estes atravessam todo o edifício, e por eles podemos deslocar-nos confortavelmente. É que precisam ser limpos de vez em quando. Onegor é tão avarento que nem quis instalar um sistema automático de limpeza. Por isso nós, coitados, tivemos de rastejar vez por outra pelos dutos, a fim de remover poeiras e outras impurezas. É este o motivo por que foram instaladas escadas no interior dos dutos, escadas estas que agora nos serão muito úteis.”

Foi o primeiro a subir. Lofty seguiu-o. Depois Larry, e por último Ron. Puxou a chapa e, usando as duas alças, ajustou-a perfeitamente na parede. Viu em meio à escuridão a luminosidade débil que penetrava pela chapa. A mesma era altamente porosa, constituindo um filtro perfeito que retinha no interior do duto de ventilação as impurezas contidas no ar bombeado.

O duto seguiu por dois metros na horizontal. Depois disso surgiu uma bifurcação.

Ron apalpou as bordas de um buraco que descia na vertical. Havia outro através do qual o duto prosseguia para cima. Apoiado sobre o braço, esquerdo, Ron apalpou esta segunda tubulação com a direita. Agarrou uma das travessas da escada. Puxou-se para cima e deixou as pernas penduradas no buraco. Finalmente encontrou outra travessa para apoiar os pés. Seguiu os outros o mais rapidamente que isso foi possível na escuridão.

Uns cinco metros para cima havia outro duto lateral, igual ao pelo qual haviam vindo. Ron entrou no mesmo. Assim que se apoiou nos joelhos, viu uma forte luminosidade vinda da frente. Larchik acabara de remover a chapa de ventilação.

O novo ambiente não era muito interessante. O lavatório em que terminava o duto era exatamente igual ao que ficava um pavimento abaixo. O pequeno saltador esperou até que Ron saísse da tubulação e escorregasse para dentro do tanque. Depois voltou a colocar a chapa porosa no mesmo lugar.

— Por ali — disse, apontando para a porta.

Ron seguiu à frente dos outros. Comprimiu o botão da fechadura e empurrou a porta para fora. Num relance examinou o quadro que surgiu à sua frente. No centro da sala, em cima de um grosso tapete colorido, havia uma poltrona tão grande que várias pessoas poderiam acomodar-se na mesma. Atrás da poltrona, junto à parede oposta, via-se um pedaço de uma escrivaninha. Ao lado desta, duas cadeiras antiquadas. Não havia outros móveis. A não ser que se quisesse dizer que as bugigangas amontoadas no canto direito dos fundos também fossem móveis. Ron viu uma lâmpada parabólica, um espelho, uma confusão empoeirada de engrenagens, pêndulos e eixos excêntricos, alguns objetos menores e um tubo de metal de dois metros de comprimento e cerca de dez centímetros de diâmetro.

Voltou a dedicar sua atenção à gigantesca poltrona e ao homem velho que estava sentado na mesma.

Era Onegor; não havia a menor dúvida. Quase chegava a ser engolido pela poltrona. O velho tinha ombros muito largos e estatura baixa. As peças de roupa visíveis consistiam numa manta solta que descia dos ombros até os joelhos e duas pernas de calça apertadas que apareciam sob a mesma. Os pés estavam enfiados em sandálias.

Ron resistiu por muito tempo à desconfiança daqueles olhos pequenos, que chispavam sob um par de sobrancelhas brancas hirsutas. Sem esquivar-se ao olhar, avançou alguns passos, fez uma ligeira mesura e disse em tom amargurado:

— Tenho certeza de que, em condições normais, um grupo de homens renegados como nós não teria sido honrado com um convite como este. De qualquer maneira, viemos. Meu nome é Tufatz, esse jovem é Raffan e o homem de cabelos grisalhos é Harvoth.

Onegor franziu ainda mais o sobrecenho. Inclinou o corpo ligeiramente para a frente e respondeu com um sorriso irônico:

— Você tem razão, meu filho. Mandamos chamá-los porque precisamos de seu auxílio. Seria conveniente que vocês entendessem de assuntos técnicos. Do contrário ainda teremos de mostrar-lhes como os renegados são tratados por aqui.

Virou ligeiramente a cabeça e, com um gesto cansado, apontou para o montão de bugigangas no canto.

— Se quisermos libertar-nos, teremos de distrair os acônidas, e isso de forma bastante eficiente. Pretendemos construir uma armadilha hipnótica. Será que um de vocês entende alguma coisa disso?

 

Meech Hannigan não sabia o que era impaciência. Para ele, as horas passadas no tubo de abastecimento de combustível eram uma pequena eternidade. Mas ficou ocupado ininterruptamente com uma série de coisas. O grande número de órgãos positrônicos, que seus construtores lhe haviam dado, captava centenas de vezes mais percepções do que seria possível aos cinco sentidos humanos. De início estudou atenta-mente os modelos mentais dos desconhecidos que haviam entrado na nave. Registrou cuidadosamente em seu banco de memória que não eram saltadores, mas acônidas. Naturalmente não entendia o que pensavam. Afinal, não era telepata. Mas a modulação dos modelos mentais revelou-lhe que a palestra que se desenvolvia lá em cima podia ser tudo, menos amistosa. E isso lhe deu o que pensar.

A seguir, acompanhou os veículos dos desconhecidos, quanto estes se afastaram para o sul. Seus geradores e motores disseminavam campos de energia alternada, que Meech percebeu perfeitamente. Fez um registro secundário: os carros-voadores eram impulsionados por meio de reatores de fusão e jatos de partículas.

Depois de algum tempo, os carros desapareceram embaixo do horizonte energético. Meech já não conseguia localizá-los devido às interferências.

Passou a dedicar sua atenção a uma série de impulsos que já havia notado logo após o pouso. Até então não se ocupara com eles, porque havia coisas mais importantes. Agora dispunha de tempo e sua curiosidade positrônica foi aguçada.

O quadro geral era bastante nítido. Em algum lugar, na direção nordeste, entre vinte e dois mil quilômetros de distância, havia uma reação de fusão de potência extraordinária. O campo energético por ele gerado correspondia ao de um pequeno sol. Uma série de características deixou patente que esse campo se propagava por um grande trecho de matéria sólida. Portanto, o gerador fora instalado no subsolo.

Nisso não havia nada de extraordinário. Era possível que em Tafor alguém estivesse construindo um hangar subterrâneo. As respectivas máquinas estariam sendo movidas por um reator de fusão. Acontece que essas máquinas deveriam gerar seus próprios campos e, por estranho que pudesse parecer, Meech não percebeu o menor sinal dos mesmos.

E havia outro detalhe que Meech não conseguiu explicar. Os campos energéticos eram modulados, como se outro campo se sobrepusesse aos mesmos. Se Meech tivesse necessidade de explicar o resultado de suas observações, provavelmente diria que esse campo estranho era de uma dimensão superior, e que só se sobrepunha aos outros nas cinco dimensões que tinha em comum com os mesmos. Mas havia um fator que lhe trazia dúvida. Meech percebia a influência que o estranho campo exercia sobre o outro, que era produzido pelo gerador. Porém não conseguiu perceber o campo estranho propriamente dito...

O conjunto dos fatos era perturbador. Meech levou dois segundos — o que representava um tempo extremamente longo, em relação à sua tecnologia baseada em nanos-segundos — para vasculhar sua memória e constatar que nunca lidara com um fenômeno igual. Também sua memória básica, ou seja, o conjunto dos conhecimentos que lhe haviam sido dados na linha de montagem, era totalmente estranha a isso. Por isso dependia exclusivamente de seu setor lógico. Deveria avaliar as probabilidades e procurar descobrir do que se tratava.

O raciocínio básico que o convenceu de que deveria agir assim era bem simples. No curso dos últimos cinco dias, acontecera algo em Tafor, que modificara a seqüência diária dos fatos no planeta. Pelo que resultava das informações de Meech, antes disso Tafor fora um mundo completamente normal. Tudo que era estranho e dificilmente explicável devia guardar alguma relação com o acontecimento que se verificara há pouco tempo, em virtude do qual Ron Landry e seus companheiros haviam sido enviados a este planeta.

Uma vez fixado o objetivo e a tarefa, Meech pôs-se a trabalhar. Levou algumas horas para imaginar todas as possibilidades que poderiam resultar da superposição de vários campos de dimensões diversas... Segundos depois, não sabia mais que antes, isto é, desde quando se verificou o acontecimento que seria decisivo para a operação que estava sendo realizada no planeta Tafor.

Meech estava derivando...

Uma fórmula relativa ao campo da quinta dimensão... um elemento tensor para o campo de interferência superposto.

De repente ouviu um ruído acima de sua cabeça. No mesmo instante abafou todas as atividades matemáticas de seu cérebro positrônica e passou a dedicar sua atenção exclusivamente ao que acontecia lá em cima, na sala de comando vazia da Tufatz XII.

Percebeu nitidamente uma coisa que até então lhe escapara. Sentiu o modelo mental de um único ser humano. A concluir pelos ruídos, esse ser humano estava andando pelos destroços da nave, provavelmente por curiosidade. Do modelo mental depreendia-se que se tratava de um saltador. O modelo não era muito nítido. Na opinião de Meech isso tinha sua origem no fato de que os habitantes do planeta viviam isolados há vários milênios, motivo por que sua atividade mental só podia se enquadrada no modelo dos saltadores, depois de considerados certos desvios.

Meech não levou mais de meio segundo para constatar que realmente se tratava de uma única pessoa. E agora, que passou a concentrar-se sobre a mesma, percebeu as emanações de um motor fraco. Provavelmente pertencia ao veículo no qual viera o saltador. Era só. Esses detalhes levavam-no forçosamente à conclusão de que a nave provocara a curiosidade de um saltador solitário, que movimentara seu veículo e viera para satisfazer sua indagação. Meech espantou-se com o fato de que um saltador ainda pudesse locomover-se à vontade no planeta Tafor. Os acontecimentos que se haviam verificado na sala de comando, quando um grupo de acônidas obrigara Ron Landry e seu grupo a abandonar a nave, levaram Meech à conclusão de que os acônidas haviam tomado as rédeas do pequeno mundo desértico. Essa conclusão só parecia justificada em parte. Meech resolveu certificar-se. E, uma vez que em sua opinião um único saltador não representava nenhum perigo, resolveu fazê-lo pelo caminho mais direto.

Subiu silenciosamente pelo poço cuja parte superior estava fechada por uma placa quadrada. Sabia que lá fora estava escuro. Para adaptar-se a esse estado, regulou seu sistema ótico, que nas últimas horas nem fora usado, para a claridade mínima. Ao chegar embaixo da chapa que fechava o poço, parou um momento para colocar a mão direita na posição exata, a fim de que a placa pudesse ser retirada de um só golpe. Assim que se encontrava em posição segura, comprimiu a chapa. Esta saiu do suporte com um ruído surdo e o forte empurrão de Meech fê-la voar pela escuridão. Meech ouviu um grito. Viu o raio branquicento de uma lanterna vagar ao acaso pela escuridão. O mais rápido que pôde adaptou sua reação ao timbre da voz que acabara de ouvir e disse em tom tranqüilizador:

— Não tenha medo. Preciso de ajuda, e espero que a senhora possa dá-la.

A moça aproximou-se, hesitante, e fez a luz da lanterna cair sobre Meech.

Este observou-a atentamente. Era surpreendentemente jovem. Movia-se hábil e cautelosamente de gatinhas. Ao que parecia, esforçava-se para consumir a menor quantidade possível de ar respirável. Trazia um filtro de adensamento sobre o rosto, e isto deu o que pensar a Meech...

Ficou de joelhos na frente de Meech, apoiou-se sobre as mãos e fitou seus olhos.

— Meu nome é Haika. Quem é o senhor? — disse a moça.

Meech respondeu com um sorriso:

— A senhora pode chamar-me de você. Sou apenas um renegado. Costumam chamar-me de Yakkik. Vim nesta nave com mais dezessete pessoas, que foram presas pelos acônidas.

Ao que parecia, esta explicação fez com que Haika simpatizasse com ele. A moça inclinou o belo corpo para trás, colocando-se numa posição em que a luz da lanterna caía sobre Meech.

— Este acônidas — disse com um suspiro. — Parece que nos causaram muitas preocupações.

Meech era da mesma opinião.

— O que será de seus amigos? Meech fez um gesto de dúvida.

— Não sei. O modo deles falarem não foi muito amável. O que será que eles vieram fazer aqui?

Pareceu-lhe que Haika teve de refletir sobre se devia responder a essa pergunta.

— Não temos certeza — disse depois de algum tempo. — Provavelmente têm algo a ver com o brum.

— Ah! — fez Meech. — Mas o que vem a ser o “brum”?

Haika arregalou os olhos, como se esperasse que todo mundo soubesse o que era o brum. De repente parecia lembrar-se de que o homem que se encontrava à sua frente só viera na nave há algumas horas.

— Ora, o brum — respondeu um tanto perplexa, para logo se zangar com a própria perplexidade. — O que poderia ser um brum? É simplesmente um brum. Um bruuuum...!

Fez uma representação bem nítida do brum e acompanhou-a com uma careta.

— Veio dos acônidas? — perguntou Meech.

— Veio, alguns dias antes. Foi um ruído que encheu o ar numa grande distância. Não se via nada, mas sabíamos que algo de extraordinário estava acontecendo. Algum tempo depois pousou uma gigantesca espaçonave. De início pensamos que fosse como as outras, que tivessem vindo para realizar reparos ou abastecer-se de combustível... aos preços escorchantes de Onegor. Só nos espantamos com o tamanho da nave. Em geral as pessoas que vivem em Tafor não possuem veículos muito grandes. Demos uma olhada por aí e descobrimos que os acônidas haviam prendido Onegor e seus homens. É claro que ficamos felicíssimos, se bem que, por outro lado, também não gostássemos dos acônidas. E agora...

— Um momento — interrompeu Meech. — Será que em Tafor existem dois clãs diferentes?

Haika baixou a cabeça. Levou algum tempo para responder.

— Não é bem isso. Não somos um clã. Onegor, esse velho avarento, expulsou-nos. Isso aconteceu há muito tempo. Não quer saber mais de nós, porque éramos favoráveis a uma redução dos preços, a fim de aumentar o movimento dos negócios.

— Nós? A senhora também?

— Não. Naquele tempo eu ainda não existia. Mas meu pai foi um dos homens que mais resistiram a Onegor.

Naquele momento Meech compreendeu por que, apesar de sua explicação, ela continuava a tratá-lo por senhor, em vez de usar o você, conforme qualquer saltador costuma fazer diante de um renegado. Ela mesma era uma renegada.

— Onde foram abrigar-se? — perguntou.

— Num lugar que não fica longe daqui — respondeu a moça. — É um lugar em que Onegor nunca nos procurará, mesmo que um dia tenha a idéia de querer localizar-nos.

Meech resolveu jogar todos os trunfos.

— A senhora poderia levar-me para lá? — perguntou.

A moça fitou-o, assustada.

— Não — respondeu em tom apavorado. — Nunca! Não posso fazer uma coisa dessas. Nosso esconderijo deverá permanecer em segredo.

Meech sorriu e abanou a cabeça.

— Pois já deixou de ser um segredo — disse em tom suave. — Sei como é o lugar e não demoraria nem um pouco em encontrá-lo.

— Como... — perguntou fungando — como é?

— É um vale profundo — respondeu Meech. — Tão profundo que por lá reina uma pressão atmosférica mais alta, motivo por que a pessoa que sabe se mover cuidadosamente e não sobrecarrega os pulmões pode andar por aí sem a máscara-filtro.

Os grandes olhos escuros da moça exprimiam medo.

— Como soube disso? — disse num sopro. — Será que fui eu que lhe revelei?

— A senhora revelou sem querer — confessou Meech. — Basta observar seu comportamento. Até mesmo com a máscara de adensamento a senhora se move como se tivesse de economizar cada centímetro cúbico de ar.

Haika fechou os olhos por alguns segundos. Quando voltou a abri-los, Meech percebeu que havia tomado uma decisão.

— Já que sabe — disse Haika — pode perfeitamente vir comigo. Tenho um pequeno carro-voador lá fora. Dá justamente para duas pessoas.

Meech levantou-se.

— Tomara que me agüente — disse com uma risada. — Peso pelo menos trinta vezes mais que a senhora.

Haika também riu. Só mais tarde descobriu que Meech avaliara corretamente seu peso...

 

27 de junho de 2.114.

A armadilha estava pronta. Face ao que Ron Landry conhecia sobre o efeito das armadilhas hipnóticas em geral e a influenciabilidade dos cérebros acônidas em particular, fora construída com a maior perfeição que as circunstâncias permitiam.

Possuía o imprescindível pré-setor, que funcionava em base acústica. Um tilintar monótono provocaria a pseudo-atenção do guarda acônida que estava sentado ou deitado, ou então caminhava de um lado para outro do lado de fora. Era bem verdade que isso só aconteceria se no momento não pensasse em termos precisos — ou, em termos mais precisos, que estivesse sonhando acordado. Parecia que, em virtude da monotonia dos períodos de guarda, que em média eram de seis horas, este último pressuposto estaria presente.

Preso à sua pseudo-atenção e com parte dos centros de pensamento consciente já paralisados, enquanto a atividade da outra parte estaria sendo perturbada, o guarda sucumbiria facilmente à influência concentrada das ondas longas de luz vermelha. A luz sairia de uma lâmpada parabólica, que Larchik colocara no lugar adequado depois de transportá-la por vários dutos de ventilação. Tal lâmpada seria ligada no momento decisivo.

O resultado do efeito das radiações de ondas longas seria perfeitamente perceptível pelas reações do guarda. Se este não se comportasse da maneira esperada, a experiência ainda poderia ser interrompida. A única pessoa que se encontraria em dificuldade seria Larchik, pois teria que desaparecer com a lâmpada antes que fosse tarde.

Mas, se o guarda reagisse pela forma desejada, o envolvimento acústico daria o golpe final no cérebro previamente tratado. Um tubo forneceria uma freqüência de aproximadamente oito hertz, isso depois de acionado por meio de um fole arranjado por Larchik. Essa freqüência correspondia ao infra-som, pois tinha uma tonalidade sonora tão baixa que o ouvido humano não conseguia percebê-lo. No entanto, as células cerebrais reagiam ao mesmo. Juntamente com essa freqüência fundamental surgiam vibrações sobrepostas de intensidade decrescente, nas freqüências de dezesseis, trinta e dois e sessenta e quatro hertz, o que correspondia a sons extremamente graves, que o ouvido humano mal conseguia captar.

Depois de ficar submetido durante trinta segundos a um envolvimento desse tipo, o guarda adquiriria a necessária receptividade aos comandos hipnóticos e pós-hipnóticos. Após isso só precisava de um sistema de alto-falantes dotado de contra-efeito sonoro. Larchik também o providenciara, pois tinha uma idéia confusa das peças de que se precisava para montar uma armadilha hipnótica, embora não possuísse a menor noção de como montá-la.

O trabalho consumiu um dia de Tafor. Ron, seus dois companheiros, Larchik e mais três saltadores trabalharam quase ininterruptamente. Durante todo esse tempo Onegor, muito desconfiado, permaneceu imóvel em seu trono, acompanhando o trabalho. Uma única vez pediu que lhe trouxessem alguma coisa para comer. Por duas vezes os terranos desceram aos seus aposentos, a fim de não despertarem a atenção dos acônidas por ocasião do fornecimento de comida. Nem uma única vez Onegor achara necessário dizer uma palavra de estímulo e elogio. Assim que pudesse abandonar seu papel de saltador renegado, Ron pretendia dizer algumas verdades ao patriarca.

Quando lançou mais um olhar para a armadilha hipnótica pronta, teve a impressão de que seria impossível que uma máquina primitiva como esta produzisse o efeito desejado. No fundo consistia apenas numa velha campainha de dois tons, numa lâmpada vermelha, num tubo, que na realidade fora retirado de um duto de ventilação secundário abandonado, num fole e em alguns dispositivos eletrônicos.

Não havia nada que não pudesse ter sido construído há duzentos anos, quando o mecano-hipnotismo ainda era considerado uma arte pertencente à magia negra. A diferença entre aqueles tempos e a época atual consistia principalmente no fato de que as atividades inconscientes do cérebro já não representavam nenhum mistério.

Ron tinha certeza de ter seguido todas as regras. Isso era muito importante. Não haveria nenhum ensaio geral. A armadilha teria de funcionar na primeira tentativa. E isso só aconteceria se o guarda desse livre curso aos seus pensamentos.

Além do progresso que representava a fabricação da armadilha hipnótica, Ron alcançou mais dois êxitos menores. Durante o trabalho conversara com Larchik que, no que dizia respeito ao caráter, tinha pouca coisa em comum com seu mestre e senhor Onegor. Este contara ao terrano que a população de saltadores de Tafor estava dividida em dois grupos. Há cinqüenta anos planetários Onegor expulsara parte de seu clã e o tangera para o deserto. Larchik não soube dar informações precisas sobre a causa do conflito. Ao que parecia, houvera divergências relativas à condução dos negócios. Onegor nunca se interessara em saber o que era feito dos banidos. Havia boatos de que, durante os primeiros anos, recebiam clandestinamente o essencial à vida. Mas, com o correr do tempo, os contatos cessaram por completo. Face às características do planeta, dali provavelmente se podia concluir que os banidos haviam morrido lá fora, de fome, frio ou falta de ar. Mas Larchik não acreditava nisso. Ron não descobriu por quê.

E Larchik soube contar mais uma novidade. Pouco antes que aparecessem os acônidas e tomassem o estabelecimento na primeira investida, observara-se um estranho fenômeno. Numa bela manhã ouviu-se um zumbido penetrante que, vindo do nada, de repente se tornou tão forte que algumas das grossas lâminas de vidrex que fechavam hermeticamente os prédios racharam, fazendo com que o ar ameaçasse escapar. Felizmente, antes de produzir danos mais sérios, o estranho fenômeno desapareceu. O rastreamento energético do sistema de vigilância territorial registrou impulsos intensos, mas não identificáveis. De repente tudo ficou em silêncio. Muita gente quebrou a cabeça sobre o incidente, mas não se chegou a qualquer conclusão. Não era de se admirar, pois não tiveram muito tempo. Os acônidas irromperam sobre o estabelecimento com a força de uma tempestade e fizeram com que os saltadores se preocupassem com outros acontecimentos mais graves...

Tanto Larchik como Ron não tinham a menor dúvida de que o estranho fenômeno devia ter uma ligação direta com a chegada dos acônidas. Quanto ao tipo de ligação e ao significado do zumbido e dos impulsos energéticos não identificados, sobre isso só se poderiam formular conjeturas. O estado atual dos acontecimentos encontrava expressão nas seguintes palavras de Larchik:

— Alguma coisa veio para Tafor. Os acônidas sabem o que é, mas nós não sabemos. E essa coisa os interessou o bastante para eles nos atacarem.

Face a isso, Ron Landry desejava antes de mais nada usar a armadilha hipnótica para descobrir mais alguma coisa sobre o que havia atrás do ataque dos acônidas. Não concordava com Onegor, que queria prender o comandante acônida para utilizá-lo como refém e obrigar os acônidas a se retirarem. Mas não deixou que este percebesse sua discordância.

Numa conferência de várias horas, de que participaram Ron e Larchik, e também Larry Randall e Lofty Patterson, foi fixado o momento exato da operação. O período, durante o qual era mais provável que o guarda de serviço não se concentrasse muito em sua tarefa, era o primeiro período noturno. E, dentro desse período, o momento mais propício parecia ser duas horas após o início do mesmo.

Onegor participou pessoalmente da conferência. Mas limitou-se a escutar, e quando os outros quatro chegaram a uma conclusão, concordou de pronto.

Quando chegou a hora de comer, Ron e seus dois companheiros desceram ao re-cinto que lhes servia de prisão. Lewie Tennyson informou que ninguém importante estivera por lá. A comida foi servida pontualmente por dois guardas acônidas. Os terranos comeram pouco, consumindo apenas o necessário para não retardar a saída dos acônidas, e esperaram que estes retirassem as travessas. Depois disso Lewie Tennyson foi instruído sobre o procedimento a ser adotado. Ele e seus homens não tinham nada a ver com a operação da armadilha hipnótica. Deviam ficar quietos e permanecer em seus alojamentos, mesmo que Ron e seus dois companheiros conseguissem fugir.

Quando voltaram ao pavimento superior, Ron e seus homens ainda encontraram o patriarca sentado em sua poltrona. Desde o momento em que Larchik trouxera os três terranos, não saíra uma única vez do lugar. Era lá que comia, dormia, dava suas ordens.

Larchik e Kallop, outro dos homens de Onegor, estavam sentados em duas cadeiras pouco confortáveis, perto da armadilha hipnótica. Mostravam sinais do cansaço resultante dos esforços realizados nos últimos dias. Seus rostos estavam cinzentos e tinham os olhos injetados de sangue.

— Faltam três horas — disse Ron com um suspiro, enquanto sentava no chão, entre as duas cadeiras.

Larry e Lofty colocaram-se nas proximidades da porta.

— Eu os farei pagar por isso — resmungou Kallop, enquanto seu rosto se trans-formava numa horrível careta. — Este cansaço, esta incerteza.

Ron olhou-o de lado. Kallop era um homem de certa idade, um tanto gordo. À primeira vista parecia indolente e indiferente a tudo que o cercava. Mas Ron sabia que não era nada disso. Naquele corpo flácido havia reservas imensas de energia. Kallop era bastante “excitável”, e essa qualidade, aliada a certa falta de escrúpulos, provavelmente faria com que desse cabo do primeiro acônida que lhe caísse nas mãos, a fim de vingar-se dos incômodos sofridos na prisão. Ron resolveu ficar de olho em Kallop assim que a operação tivesse início.

— Andei pensando — disse para distrair Kallop de sua raiva. — Se o grupo de banidos realmente existe, talvez ele saiba alguma coisa sobre esse zumbido que atraiu os acônidas para cá.

Teria sido preferível que não tivesse tocado no assunto. Kallop levantou-se de um salto e gritou em tom furioso:

— Não fale de Parro e seu grupo de traidores na presença do patriarca! Foram banidos e valem menos que vocês. Além disso estão jogados no deserto e não sabem nada.

Ron estranhou que, sem fitar o furioso Kallop, Larchik lhe lançasse um rápido olhar de advertência. Ao que parecia, Larchik era uma das pessoas que não seguiam a opinião oficial sobre os banidos comandados por Parro. Estava assumindo um risco em esclarecer Ron sobre isso, pois Onegor observava ininterruptamente a cena.

— Está bem; deixe para lá — disse Ron, em tom conformado. — Foi apenas uma idéia. Não conhecia sua opinião a este respeito.

Kallop voltou a sentar-se. O ligeiro incidente abafou o desejo de prosseguir na conversa. Ficaram sentados, cismando à toa, e olhavam para a porta que seria aberta pelo guarda, caso a armadilha hipnótica funcionasse.

Depois de algum tempo, Larchik levantou-se e pegou a lâmpada. Ron olhou para o relógio.

— Está na hora — confirmou.

Um sorriso débil surgiu no rosto de Larchik.

— Tomara que dê certo — disse.

Abriu a porta do lavatório e desapareceu com a lâmpada. Ouviam-se seus gemidos, enquanto subia pelo duto de ventilação. A chapa de vedação ajustou-se à parede com um baque surdo. Depois disso voltou a reinar o silêncio.

Teriam de esperar quinze minutos, para que tivesse tempo de chegar ao lugar em que deveria operar e instalar a lâmpada.

 

O vôo correu normalmente. O motor potente do pequeno carro-voador nem sentiu o peso adicional. Haika dirigiu o veículo para o norte. Voava tão alto que Meech não podia perceber os detalhes do terreno. Haika parecia conhecer o caminho. Orientou-se exclusivamente pelos instrumentos.

Era de espantar que dessa forma encontrasse prontamente o buraco circular de cerca de vinte metros de diâmetro que se abria no solo desértico. Meech viu as sombras das colinas que se erguiam à sua direita e à sua esquerda. Por segundos teve a visão desimpedida e gravou o quadro geral da paisagem. Depois disso o carro entrou no buraco e foi engolido pela escuridão total.

Haika não deu nenhuma explicação. Meech sentiu perfeitamente que o carro descia a uma velocidade considerável. Depois de algum tempo, uma confusa claridade amarelenta surgiu junto aos vidros da cabina. Meech procurou identificar a fonte de luz e concluiu que esta vinha de baixo. Haika aumentou a velocidade descendente do carro. A luz difusa mostrou a Meech as paredes do poço, que a moça estava usando como rota de aproximação. Este se fechava para cima, em forma de funil. No lugar em que o carro se encontrava naquele momento, o poço tinha uns duzentos metros de diâmetro.

De um instante para outro, o pequeno veículo mergulhou num oceano de luz fulgurante. Meech sentiu com nitidez os campos energéticos do reator de fusão, que já localizara enquanto se encontrava a bordo da Tufatz XII.

Para ele, que não sabia o que era surpresa, tornou-se fácil formar uma imagem do novo mundo que o cercava. Ao que parecia, o poço era o acesso a um gigantesco vale subterrâneo. A base do vale era oval e seu eixo longitudinal devia medir uns quarenta ou cinqüenta quilômetros. De ambos os lados, as paredes rochosas subiam ingrememente, formando uma abóbada a uns cinco quilômetros de altura. No centro da abóbada abria-se o poço escuro, servindo de via de acesso. A claridade amarelenta provinha do reator de fusão, que flutuava pouco abaixo do teto como se fosse um gigantesco sol.

Nas profundezas via-se o verde-azulado de uma cobertura vegetal. Meech observou os conjuntos de edifícios e algumas faixas estreitas que representavam estradas de ligação entre os pequenos núcleos. Absorveu as observações, registrou-as cuidadosamente em sua memória e passou a dedicar-se a outra tarefa muito importante. Devia demonstrar espanto e admiração, pois do contrário Haika desconfiaria.

Abriu a boca, olhou em várias direções e emitiu sons de espanto e enlevo. Lançou um olhar ligeiro para Haika e viu que conseguira convencê-la.

— É claro que encontramos o vale do jeito que é hoje — disse esta, em tom orgulhoso. — Ou melhor, nós o encontramos quase do mesmo jeito. Tivemos de estreitar a entrada, para ficar razoavelmente protegidos de Onegor. O ar se havia acumulado aqui embaixo. Tiramos os motores de nossos carros-voadores e com eles fabricamos o sol artificial. Alguns amigos que haviam ficado com Onegor arranjaram sementes, para que pudéssemos plantar grama e árvores. Não somos muitos. Demorou apenas dez anos para que nossas colheitas fossem suficientes para fornecer-nos o indispensável. Hoje somos relativamente felizes. É bem verdade que não temos a menor chance de um dia sair daqui, mas a maioria de nosso grupo nem acredita que um dia se possa desejar isso.

O carro foi baixando no ar que se tornava cada vez mais denso. Haika dirigiu o veículo para um grupo de oito edifícios, que se abrigavam à sombra de grandes árvores plantadas na beira da estrada. O carro pousou na estrada. Haika apontou para os edifícios e disse:

— Um destes edifícios pertence a meu pai. Ele ficará muito satisfeito em conhecê-lo. Provavelmente ficará muito curioso para descobrir o que aconteceu lá em cima.

Dali a algumas horas, Meech já tinha travado conhecimento com quase todos os habitantes da aldeia. Classificou-os como pessoas que lhe dedicavam uma simpatia irrestrita. Seu chefe, que na verdade governava todo o vale, era Parro, pai de Haika. Parro realmente ficara ansioso para descobrir todos os detalhes do pouso da Tufatz XII e dos contatos com os acônidas. Meech relatou o que sabia e conseguiu despertar a impressão de que estava cansado. Parro compreendeu e indicou-lhe o quarto que Haika acabara de arrumar para ele. Meech trancou a porta, tirou o traje espacial e atirou-se à cama com um gemido, conforme era de se esperar de um astronauta cansado, que passara as últimas horas no poço de abastecimento de combustível de sua nave.

Um dia inteiro de Tafor já se passara. Meech ficou com os olhos fechados, fingindo que dormia. Na realidade estava muito ativo.

Sondou o campo energético produzido pelo sol artificial que iluminava o vale e fornecia calor ao mesmo. Procurou reencontrar a influência moduladora do outro campo, que lhe despertara a atenção enquanto estivera escondido na nave.

Quando finalmente se levantou, depois de um “sono prolongado”, porque achava que já estava na hora, sabia tanto quanto antes. Não conseguira perceber a modulação, pois... o misterioso campo desaparecera.

 

Um ruído suave e aconchegante insinuou-se nos pensamentos sonolentos de Ssargha. Este aguçou o ouvido, sem acordar de vez. Um fraco plic-ploc fez aparecer diante dos olhos de sua mente um pequeno regato em extinção, cujas últimas gotas caíam, preguiçosamente, de uma pedra para outra, sob o calor do verão. Pareciam quase tão preguiçosos quanto ele mesmo. Viu o quadro nitidamente à sua frente: a vegetação empoeirada, o céu branco-azulado, no qual o sol dardejava seus raios de algum lugar, o leito estreito e ressequido do regato e dois pedaços de rocha. Ouviu um ruído na vegetação, mas sentia-se preguiçoso demais para virar a cabeça e olhar para o pequeno lagarto que estava caçando insetos.

A realidade desmanchou-se em torno de Ssargha. O corredor escuro cedera lugar à paisagem ensolarada. Ssargha sentiu o calor da rocha na qual estava sentado. Teve vontade de reclinar-se e dormir de vez.

Mas havia alguma coisa que não notara: uma nuvem que anunciava a trovoada. Ainda não a via. Mas, de repente, o sol ficou vermelho-escuro. Ssargha teve medo. Quis sair dali. O lugar era perigoso. Seu pensamento ficou confuso.

Ouviram-se trovões, trovões pesados.

Ssargha estremeceu sob o efeito dos ribombos. Já não sabia onde estava. Os trovões estavam em toda parte, e a luz vermelha também. Por que não aparecia ninguém que lhe dissesse o que fazer?

O estágio cataclísmico acabara de ser atingido. A inteligência autárquica de Ssargha, capaz de desenvolver uma lógica própria, desmoronou. As emoções, descontroladas e enérgicas, tomaram conta dos centros pensantes. Dali em diante, Ssargha obedeceria a qualquer ordem que lhe fosse dada.

Uma voz retumbante saiu do temível crepúsculo vermelho.

— Venha cá e abra a porta! — ordenou a voz.

Ssargha teve uma leve lembrança de que havia uma porta por ali. O quadro da paisagem com o regato empalideceu. Mas o medo continuava a encher todos os cantos de seu cérebro. Tateava mais do que enxergava e encontrou a porta. Destravou a fechadura e abriu-a. Atrás da porta havia escuridão e a voz retumbante.

— Vá buscar seu comandante! — ordenou a voz. — Diga-lhe, como se a idéia fosse sua, que deve vir o mais depressa que puder. Não há perigo. Um dos prisioneiros viu a nave estranha que pousou neste mundo. Quer falar com ele a este respeito. Vá logo!

Ssargha obedeceu. Desceu pela fita transportadora. No pavimento térreo encontrou-se com outro guarda.

— Preciso falar com Lymar — disse Ssargha. — Um dos saltadores quer fazer uma declaração muito importante.

O outro saiu da frente para que Ssargha pudesse dirigir-se ao intercomunicador.

— De resto, tudo em ordem lá em cima? — perguntou em tom desconfiado.

Ssargha não se lembrava muito bem. Mas, se confessasse isso, o outro lhe criaria problemas.

— Tudo em ordem — respondeu. Depois falou com Lymar. De início, este ficou zangado, mas quando ouviu falar na espaçonave começou a interessar-se. Quis saber exatamente quem falara com Ssargha, mas este só soube dizer que ouvira uma voz vinda através da porta. Lymar deu-se por satisfeito com isso. Disse que iria imediatamente e mandou que Ssargha o esperasse no hall do edifício, para conduzi-lo ao lugar certo.

Ssargha ficou no hall. O outro guarda tentou conversar com ele, mas Ssargha mostrou-se taciturno. Em sua cabeça estava acontecendo alguma coisa que não compreendia. Por exemplo, a trovoada. Onde houvera uma trovoada? Encontrava-se no interior de um gigantesco edifício. Mesmo que num mundo desértico como Tafor houvesse trovoadas, quem se encontrasse no interior do edifício provavelmente não perceberia nada.

Concluiu que dormira e sonhara. Seria preferível não falar a ninguém sobre isso. Lymar não gostava das pessoas que dormiam, enquanto montavam guarda.

 

— Vamos, seu anão! — gritou Lofty. — Ande depressa. Será que você realmente não sabe subir por uma escada como esta?

Larchik virou-se tranqüilamente.

— Você não é muito maior que eu — respondeu.

Deu um salto para cima, segurou a borda da abertura e enfiou-se agilmente na mesma. Lofty seguiu-o e passou-lhe um grande porrete, que era sua única arma, a fim de ficar com as mãos livres. Recolocou a chapa de vedação o mais depressa que pôde e apressou-se, para não perder o contato com Larchik. Este já chegara ao duto principal, e logo o desceu pelas travessas. Passou pelo duto pelo qual fizera os terranos subirem ao andar em que estava Onegor, e chegou ao fundo do poço juntamente com Lofty Patterson.

— Silêncio! — cochichou Larchik. — Precisamos escutar.

Lofty respirava pela boca. Através da chapa porosa que marcava o final do duto, ouviu alguém falando num dialeto acônida. Devia haver mais um membro desse povo por ali; provavelmente era o guarda hipnotizado. Na verdade, este último nada dizia. Lofty ouviu o ruído de passos que se aproximavam do duto. Larchik segurou seu braço e levantou-o. Lofty compreendeu o sentido do gesto. Estava na hora de fazer alguma coisa.

Segurou as duas alças da chapa e pôs-se a comprimi-la. Cuidadosamente, desprendeu-a sem produzir o menor ruído.

Era o momento mais perigoso. Lá fora havia dois guardas na luz crepuscular do hall. Se olhassem para cima, veriam a chapa afastada uns dez centímetros da parede, segura por um par de mãos ossudas. Lofty não podia soltá-la, pois, nesse caso, a mesma cairia ruidosamente ao chão. Teria de segurá-la até que Larchik saísse pela abertura e pusesse fora de ação ao menos um dos guardas.

Larchik moveu-se com grande habilidade. Pela abertura examinou o hall debilmente iluminado. A seguir voltou-se para Lofty e disse:

— Parece que as coisas estão boas. Quando eu pegar a chapa, solte-a.

Lofty viu uma de suas mãos destacar-se contra a débil claridade do hall e estender-se em direção à chapa. Soltou-a. A chapa desapareceu. Quase no mesmo instante ou viu um baque, seguido de um estrondo e de um gemido abafado. Finalmente a voz de Larchik ressoou no recinto:

— Fique quieto, você aí... senão você morre!

Lofty saltou pela abertura. Caiu são e salvo sobre as mãos e os pés, levantou-se e, de porrete em punho, preparou-se para a luta.

— Tudo certo! — informou Larchik. — Você poderá ir até ele, tendo-se fora da minha linha de tiro, para desarmá-lo.

Lofty obedeceu. Seu respeito por Larchik cresceu bastante. Viu de relance o guarda que Larchik subjugara, e que jazia imóvel no chão.

O acônida que se encontrava mais adiante não fazia o menor movimento. Lofty viu seus olhos arregalados dirigirem-se para a arma térmica que Larchik tirara do primeiro guarda. Quando Lofty lhe tirou a arma do cinto, não ofereceu a menor resistência. Provavelmente era o homem que fora hipnotizado por meio da armadilha.

Lofty olhou em torno. No hall não havia mais ninguém, além dos dois guardas. Uma vez que em cada pavimento havia um único guarda, podia-se dizer que o térreo e o segundo andar já estavam conquistados. Restava saber o que Ron e seus homens conseguiram fazer no primeiro andar, e quem era a pessoa chamada pelo guarda hipnotizado.

Amarrou as mãos e os pés do acônida da melhor forma que a pressa permitia, usando seu cinto e o do guarda. Depois levantou-o e deixou-o cair no duto de ventilação. Recolocou a chapa de vedação e não teve mais a menor dúvida de que esse acônida não conseguiria prevenir ninguém.

— Você é muito cauteloso — disse Larchik a título de elogio. — Nunca pensei que você soubesse pensar tão depressa.

Lofty sentiu-se na defensiva, e isso o deixou furioso.

— Espere até que tudo tenha passado, seu anão sorridente — disse. — Eu lhe ensinarei boas maneiras, ou então não sou um renegado.

Larchik olhou para o chão. Ao que parecia, estava refletindo sobre alguma coisa.

— Vamos levar este homem desmaiado daqui — sugeriu. — Não acordará tão depressa, mas estraga a “imagem”.

Seguraram-no pelos ombros e pelas pernas e levaram-no a um canto onde dificilmente seria visto. Quando haviam concluído o serviço, Kallop e Ron desceram pela fita transportadora.

— Tudo pronto no primeiro andar! — exclamou Kallop, em tom sarcástico. — Nós lhe demos a paga por manter-nos preso.

Lofty fitou Ron. Este parecia muito sério. Sua testa estava enrugada.

— Aqui embaixo também está tudo em ordem — disse Larchik. Sua voz parecia um tanto embaraçada. — Um deles foi trancado no duto, enquanto o outro está ali no canto, inconsciente.

— Por que não os liquidaram de uma vez? — perguntou Kallop.

— Existe gente que não gosta disso — respondeu Lofty, com a maior tranqüilidade. — Só mesmo um caráter subdesenvolvido faz questão de matar quando basta ferir.

Kallop não esperara uma acusação como esta. Quando se adiantou com os olhos chamejantes e os punhos erguidos para desferir o golpe, Lofty já havia puxado a arma.

— Procure esfriar, seu gorducho — resmungou para o saltador. — Senão farei com você a mesma coisa que você fez com o guarda do primeiro andar.

Sabia que Kallop o matara. O rosto de Ron falava por si.

Kallop parou. Deixou cair lentamente os braços. Não conseguiu falar. De tanta raiva que sentia, parecia bufar.

— Não adianta discutirmos — disse a voz penetrante de Ron. — Temos coisa mais importante a fazer. Ainda há guardas nos andares de cima. Além disso, os homens que o guarda chamou deverão chegar a qualquer momento.

A advertência não fora feita em vão. Lá fora um carro-voador parou junto à rampa de subida. Três homens saltaram. Não se podia reconhecê-los à luz crepuscular que filtrava pela lâmina de vidrex. Mas via-se que, ao andarem, moviam os braços no ritmo normal o que indicava que não seguravam nenhum peso. Não tinham armas nas mãos. Por enquanto não haviam desconfiado.

— Vamos para a porta! — cochichou Ron.

Lofty correu para a entrada. Manteve-se bem à direita, para que as pessoas lá fora só vissem uma sombra. Pararam junto à porta externa. Lofty acionou o mecanismo de abertura. Uma bomba automática aspirou o ar que havia entre as duas portas para dentro do hall. Depois disso, a porta externa abriu-se. Lofty prendeu a respiração, enquanto os três acônidas entravam. Reconheceu um deles. Era o mesmo que proferira a fala arrogante a bordo da Tufatz XII.

A porta externa tornou a fechar-se. A bomba voltou a funcionar e levou o ar de volta ao lugar do qual acabara de retirá-lo. Uma vez igualizada a pressão, a porta interna abriu-se. Os acônidas entraram no hall. O homem, que estava tão bem gravado na memória de Lofty, dirigiu-se para a direita.

— Leve-nos para cima! — ordenou, dirigindo-se a Lofty.

Lofty saiu da sombra projetada pela coluna. A pequena arma que trazia na mão refletia a luz amarela.

— Chega, seu presunçoso! — gritou em tom furioso. — Daqui em diante, quando quiser alguma coisa, você terá que pedir por favor.

O acônida recuou um passo. A reação dos dois homens que se encontravam a seu lado foi mais lenta. Ficaram parados com os rostos perplexos e as bocas escancaradas.

— Atirem logo, atirem! — esbravejava o chefe. — É um prisioneiro! Só as estrelas poderiam dizer como conseguiu escapar...

— Pensem antes de fazer qualquer coisa, minha gente — disse uma voz áspera vinda de um ponto mais afastado. — Vocês não devem nem mexer os dedos.

Os acônidas olharam para o lado. Ron Landry estava de pé junto à fita transportadora reluzente. O cano de sua arma apontava para o peito do homem que se encontrava no centro.

— Harvoth, tire-lhes as armas — ordenou.

Lofty desincumbiu-se da tarefa rapidamente e sem incidentes. Os três acônidas pareciam petrificados. Não faziam o menor movimento.

— Venham conosco! — ordenou Ron. — Precisamos falar com o senhor.

Estas palavras pareciam romper o encanto. Os dois acompanhantes dispuseram-se a obedecer à ordem. Mas o homem que se encontrava no centro ficou parado e pôs-se a protestar, agitando os braços.

— Meu nome é Lymar! — gritou. — Sou oficial e estou a serviço do Grande Conselho de Sphinx. O senhor não pode...

— Posso, sim! — respondeu Ron Landry. — É bom que procure acostumar-se ao fato de que, por enquanto, o senhor terá de abandonar a sua arrogância. Vamos logo!

Depois disso Lymar não resistiu mais. Mostrou-se obediente. Seguiu seus guardas pessoais e subiu à fita transportadora. Cuidadosamente vigiado por dois saltadores e dois terranos, chegou ao segundo andar. Como sempre, Onegor estava sentado em seu trono. Ficou atento à entrada dos prisioneiros, mandou que Larchik e Kallop lhe apresentassem um breve relato e ordenou que dois dos seus homens descessem ao hall, para cuidar dos dois prisioneiros e dar o alarma se ocorresse algo de extraordinário fora do edifício. Outros cinco homens foram avisados pelo interfone de que deveriam manter ocupados todos os acessos aos andares superiores. Por enquanto os guardas acônidas que se encontravam no edifício, não desconfiavam de nada. Mas ninguém sabia por quanto tempo as coisas continuariam nesse estado.

Só depois de terem sido concluídos esses preparativos, Onegor se dirigiu aos três acônidas.

— Quer dizer que você é o comandante dos bandidos que invadiram nosso mundo à traição e sem qualquer motivo? — perguntou, dirigindo-se a Lymar.

Não houve qualquer resposta da parte de Lymar. Por isso Onegor dirigiu-se a Kallop:

— Fique ao lado dele e “anime-o” um pouco, toda vez que deixar de responder a uma pergunta minha. Repito: você é o comandante dos bandidos acônidas?

Lymar respondeu com um olhar apavorado para Kallop:

— Não. Sou apenas um dos oficiais.

— Ora essa! Mandamos que o guarda chamasse seu comandante.

— O comandante do guarda sou eu. Todos os guardas estão submetidos a mim. O chefe da expedição é Unalak, membro venerável do Grande Conselho de Sphinx.

— Para mim a venerabilidade dele não vale nada. Quanto é que você vale para ele?

— Não sei.

— Nós o conservaremos como refém. Sairemos deste edifício e o levaremos à sua nave. Aí veremos se o tal do Unalak concorda com nossas condições. Para você, seria muito bom se ele aceitasse, pois, do contrário, seremos obrigados a eliminá-lo.

Onegor fez um sinal para Kallop.

— Leve-o daqui — ordenou. — E reúna dez homens de confiança; um deles será você. Faremos uma visita à nave acônida.

Kallop afastou-se, mas antes que pudesse retirar-se, Ron pediu a palavra.

— Um momento. Quero dirigir algumas perguntas ao prisioneiro.

Onegor fitou-o com uma expressão de espanto.

— Cale a boca, renegado — disse em tom de desprezo. — Você não tem nada a perguntar.

— Fui eu que construí a armadilha — respondeu Ron. — E meus homens ajudaram a dominar os guardas. Tenho todo direito de formular algumas perguntas.

Os olhos de Onegor estreitaram-se.

— Muito bem. Estou disposto a ouvir as perguntas que você quer formular.

Ron dirigiu-se ao acônida.

— Por que o senhor está aqui? — perguntou sem rodeios.

— Não conheço toda a história — respondeu Lymar, falando apressadamente. — Estamos à procura de uma espaçonave que pousou no planeta Tafor. Acredito que fomos nós que a conduzimos para cá. Queremos estabelecer contato com a tripulação dessa nave. Ou melhor, já conseguimos. Acontece que essa gente é muito retraída. Ainda não nos contaram onde se acha sua nave. Deve ser em algum lugar, neste mundo. Sobrevoamos por várias vezes a superfície do planeta, mas não encontramos o menor sinal da nave.

Ron acenou com a cabeça.

— O que há de extraordinário nessa nave e em seus tripulantes?

Lymar manteve-se calado.

— É uma nave extragaláctica, não é? — perguntou Ron.

Lymar arregalou os olhos. Inclinou-se para a frente, como se quisesse estudar o rosto de Ron.

— Como... como foi que soube?! — perguntou espantado.

Ron limitou-se a fazer um gesto. Virou a cabeça e disse:

— Seu plano é uma tolice, Onegor. Seja lá o que os acônidas fizeram, eles evitaram o derramamento de sangue. Já um dos seus homens, Kallop, matou um guarda acônida sem que houvesse qualquer motivo para isso. Ele não estava armado. Isso esquentará o sangue dos acônidas. Além disso o senhor deve considerar que Lymar não é o chefe da expedição, mas apenas um dos oficiais que vieram na nave. Mesmo que use Lymar como refém, não conseguirá fazer chantagem contra Unalak. No momento em que o senhor puser os pés em sua nave, Unalak mandará prendê-lo e ordenará a instauração de processo pelo assassinato de um dos seus homens. E terá toda razão em agir assim. Não se esqueça da famosa arrogância acônida.

Por alguns segundos reinou silêncio na sala.

— Qual é sua sugestão? — perguntou Onegor.

— Solte Lymar e seus homens. Ofereça sua colaboração a Unalak. Este preferirá concordar com isso, naturalmente sob certas condições, a ter que destacar um quarto dos seus homens para vigiá-los.

Onegor levantou-se. Era a primeira vez que se levantava da poltrona, desde que se encontrara com Ron. Ergueu o braço num gesto enérgico e apontou para Ron, enquanto olhava para Kallop.

— Prenda este homem e obrigue-o a ficar calado — ordenou com a voz áspera. — Sua estupidez e presunção representam um perigo para nossa vida.

Ron ouviu Kallop dar um passo. Virou-se para o lado dele, mantendo as mãos por enquanto bem longe do cinto, pois sabia qual seria a reação de Kallop, diante de um movimento em direção à arma. Ainda em meio ao movimento ouviu a voz calma e tônica de Larchik:

— Cuidado, Kallop! Eles não são uns Pobres saltadores renegados. São terranos!

Num movimento abrupto, Ron virou-se de vez. Kallop estava bem à sua frente, com o pé levantado para dar o passo decisivo, de arma em punho, com o cano apontado para baixo, com a boca escancarada e rígido de pavor. Num movimento vigoroso, Ron fez avançar o braço direito. O punho atingiu a têmpora de Kallop. Este caiu.

Ron olhou em torno. Sua reação rápida não teria sido necessária. Lofty e Larry estavam parados junto à porta, com as armas em punho. Lofty sorria.

— Muito bem! — disse em tom de elogio.

Larchik estava parado junto à parede, perto da complicada armadilha hipnótica. Tinha os braços cruzados sobre o peito e sorria.

— Tive razão, não tive? — perguntou. Ron fez que sim.

— Como soube?

— Não se pode dizer que eu soubesse. Apenas acontece que vocês agiam com muita autoconfiança para serem saltadores renegados. Além disso há pouco tempo passou por aqui uma espaçonave, cujo comandante já havia trabalhado num mundo chamado Passa. Se não me engano tratava-se de um monopólio de couros de cobra. Passá é uma colônia terrana, mas certo clã dos saltadores quis entrar à força no negócio. Foram expulsos.

“Um grupo de três homens deu muito o que falar em virtude da atuação que teve nisso. Um deles era um velho baixo e grisalho. Quando Harvoth, ou seja lá qual for seu nome, me disse há pouco que me daria uma sova, e que estava certo disso... bem, então pus-me a pensar. Era possível que fosse simples coincidência, mas resolvi tentar com o truque da surpresa. Como vê, fui bem-sucedido.”

Onegor continuava parado à frente de sua poltrona sem dizer uma palavra. Seus olhos chispavam de raiva. Larchik fitou-o e Onegor ordenou:

— Prenda-os!

— Não adianta, velho. Não os prenderei. Daqui em diante terei minhas próprias idéias. — Dirigindo-se a Ron, prosseguiu: — Quer vir comigo?

— Para onde?

— Acho que seria preferível que lhe explicasse em outro lugar. Confia em mim?

— Confio.

— Pois nesse caso vamos levar Lymar e seus homens para nos servirem de cobertura. Se os libertarmos assim que tivermos encontrado um carro-voador, só estaremos fazendo um favor ao velho. Que tal seus outros homens? Também irão conosco?

— Não; ficarão aqui.

— Tanto melhor, pois nesse caso precisaríamos de um número maior de veículos. Está pronto?

Ron limitou-se a acenar com a cabeça.

— Então não vamos perder mais tempo. Um momento — virou-se antes de chegar à porta. — Não posso sair daqui sem antes dizer uma coisa — olhou para Onegor. — Alguém me pediu que lhe transmitisse lembranças, seu velho nojento. Foi Parro, meu pai. Nunca pensei que você fosse idiota a ponto de escolher justamente a mim para ser um dos seus guardas pessoais. Afinal, faz apenas três anos que me imiscuí entre vocês.

Depois disso virou-se e saiu. Ron Landry foi o último a retirar-se. Antes que a porta se fechasse, voltou a olhar para trás. Onegor continuava petrificado diante de sua poltrona.

 

Saíram do edifício sem que houvesse qualquer incidente. Dali a meia hora encontravam-se diante de um dos hangares nos quais os saltadores guardavam seus carros-voadores. Lymar convenceu o guarda de que seria preferível atender às exigências dos terranos. Larchik tirou um dos veículos maiores. Ron dirigiu-se ao acônida.

— Precisamos de uma certa dianteira — explicou. — O senhor e seus homens nos acompanharão um pedaço. Vamos deixá-los no deserto, num lugar em que possam voltar à sua nave dentro de duas ou três horas. Acho que é um tratamento bem razoável, comparado ao que fizeram conosco.

Lymar não respondeu. Num gesto embaraçado fez de conta que queria verificar se a máscara de adensamento lhe assentava bem. Depois entrou solicitamente no carro-voador, cuja eclusa de uma pessoa já fora aberta por Larchik. Seus homens seguiram-no.

De início Larchick tomou a direção oeste. Depois de dez minutos de vôo, desceu e desembarcou os acônidas. Assim que estes ficaram fora do alcance da vista, virou o barco para o nordeste.

— É lá que nós moramos — disse em tom de alívio. — Faço votos de que Onegor não consiga celebrar um tratado com os acônidas. Na verdade, não há por que recear que isso aconteça. Onegor é do tipo de homem com o qual ninguém gostaria de fazer um tratado. Mas quem sabe... conforme as circunstâncias... É claro que alguns dos seus homens sabem aproximadamente onde vivemos.

Ron fitou-o.

— Quais são mesmo as suas intenções? — Perguntou. — O senhor disse que iria explicar.

— Ah, sim! — exclamou Larchik, como se só agora se lembrasse. — Quase me esqueça. O senhor está procurando uma espaçonave, não é mesmo? Uma espaçonave intergaláctica, conforme disse. Os acônidas a procuraram por tudo quanto é lugar na superfície do planeta. Dispõem de instrumentos excelentes. Se não encontram alguma coisa, é porque essa coisa não está no lugar em que procuram. Esse lugar pode ser, por exemplo, a superfície do planeta Tafor. Compreendeu?

— Não — respondeu Ron.

— Pois bem. Acho que sei onde se escondeu a espaçonave intergaláctica à qual o senhor se referiu.

 

28 de junho de 2.114.

À uma hora, tempo de Terrânia, antes de aparecer novamente diante de seu anfitrião Parro, Meech transmitiu pelo microcomunicador o sinal de chamada que combinara com Ron Landry. Não houve resposta. Dali se concluía que Ron ainda não estava de posse dos aparelhos que deixara a bordo da Tufatz XII. Portanto, Ron e seus homens ainda estavam presos. Por outro lado, sua situação não devia ser perigosa, Pois, se o fosse, Ron teria transmitido o pedido de socorro com o pequeno transmissor implantado sob a pele da axila direita. Por isso Meech sentiu-se à vontade para prosseguir na execução de seus planos.

De início, a jovem e sua família insistiram para que Meech fizesse um bom lanche. Já era quase meio-dia, segundo a contagem do tempo que prevalecia no vale. Haviam esperado pacientemente por ele. Da alegre refeição participaram, além dos pais de Haika, uma mulher jovem que Parro apresentou como a esposa de seu filho Larchik. Com um sorriso alegre acrescentou:

— Acho que Larchik logo estará de volta. Quando isso acontecer, o senhor será in-formado sobre a sorte de seus amigos. Há alguns anos tivemos a idéia de que seria conveniente se dispuséssemos de um elemento de ligação, que nos mantivesse in-formado sobre o que acontece no estabelecimento de Onegor. Escolhemos Larchik. Este insinuou-se no campo inimigo sem que ninguém o notasse. Depois de algum tempo chegou mesmo a ser promovido a guarda pessoal de Onegor. Sempre recebe boas in-formações. Naturalmente os acônidas o prenderam juntamente com os outros saltadores. Mas ele escapará e nos informará sobre o que está acontecendo.

Depois do lanche, Parro forneceu informações minuciosas sobre a origem do núcleo que se fixara no vale. Relatou as dificuldades iniciais, que tiveram de enfrentar quando resolveram instalar-se no local. Mencionou o fato de que durante decênios temeram o ódio de Onegor, motivo por que estreitaram a entrada do poço a tal ponto que ficou reduzido a um buraco no deserto, cujo diâmetro não era superior a vinte metros.

Depois disso Parro sugeriu um passeio. Haika insistiu em acompanhar os homens. Parro retirou de um puxado do edifício um veículo que fez o sistema positrônico de processamento de dados de Meech funcionar a toda força, pois deixou o biorrobô curioso. Ao que parecia, fora construído com o chassi e metade da carroçaria de um carro-voador. Mas o sistema de propulsão resumia-se num par de pedais instalados no chão, à frente dos dois assentos frontais, e um par de manivelas acoplados aos mesmos.

Meech fez uma careta. Parro notou a reação e disse com uma risada:

— Gastamos todos os motores de fusão de que dispúnhamos na construção de nosso sol, e por isso tivemos de usar outro meio para propulsionar nossos veículos. Lembramo-nos da energia muscular; não nos ocorreu outra coisa. De qualquer maneira, as distâncias no interior do vale são suportáveis e um pouco de exercício físico nunca prejudicou ninguém.

Entraram. Parro e Haika quiseram que Meech, o convidado, ocupasse um dos assentos traseiros. Mas Meech fez questão absoluta de prestar sua contribuição no deslocamento do veículo. Teve um motivo sério para insistir tanto. Pesava muito mais de uma tonelada terrana. Sob as condições gravitacionais reinantes nesse planeta era bem mais leve. Mas, por outro lado, Parro e Haika estavam habituados ao transporte de pesos menores, e por isso, decerto, teriam dado tratos à bola para descobrir por que de repente o carro se tornara muito mais difícil de ser movimentado. Assim, Meech moveu vigorosamente os pedais e a manivela, a fim de compensar o excesso de peso.

Parro conduziu o veículo por uma das estradas lisas e estreitas que Meech vira do alto. O revestimento da estrada era formado por areia derretida, que endurecera numa camada lisa. Com o tráfego reduzido do fundo do vale, esse revestimento provavelmente agüentaria por vários milênios. Em meia hora de viagem, Meech só avistou mais um veículo.

O tempo foi passando numa conversa animada, durante a qual Meech soube despertar a impressão de que era um homem muito viajado e razoavelmente inteligente. Vez por outra olhava para Haika, que estava sentada atrás dele, conforme exigiam as regras de cortesia. Notou seus olhares de admiração, e concluiu que estava agindo acertadamente. Era bem verdade que, a julgar pela expressão do rosto de Haika, parecia haver outra reação emocional, que Meech não conseguia identificar. Ocupou-se com o problema e passou a dedicar parte de sua atenção ao mesmo.

A encosta do vale aproximou-se. Os grupos de árvores ficavam cada vez mais próximos uns dos outros, reunindo-se em pequenas florestas. Parro explicou que a floresta era muito útil para arejar o vale. Sugeriu que se fizesse uma pequena pausa à sombra de um dos bosques. Contemplou Meech com um olhar de admiração e disse:

— O senhor está se agüentando muito bem, ainda mais que não está acostumado à pressão baixa que reina por aqui.

Meech esteve a ponto de dar uma resposta indiferente, quando aconteceu uma coisa surpreendente. Meech não havia desistido da busca do campo superdimensional desconhecido, cuja origem supunha situar-se no interior do vale, mas classificara essa tarefa num dos últimos lugares, na escala das prioridades. Era pouco provável que fosse bem-sucedido; foi o que concluiu seu setor lógico. Mas, quando Parro afastou o carro da estrada e tomou a direção do bosque, voltou a sentir uma oscilação no campo energético do sol artificial. A interferência do misterioso campo penetrou-lhe mais intensamente que nunca e fluiu para os analisadores do biorrobô terrano, que não souberam o que fazer com a mesma.

Por alguns segundos, Meech concentrou toda sua capacidade intelectual na tarefa de identificar o campo estranho e extrair uma conclusão sobre a natureza do transmissor. Por um tempo perigosamente longo, Meech não passou de um bloco de metal sem vida para seus companheiros. Se durante esse tempo lhe tivessem dirigido a palavra, não teriam obtido resposta. Meech não poderia responder. Nem sequer pôde manter em atividade o mecanismo que fazia subir e descer seu peito, como se o mesmo executasse um processo respiratório. Toda a energia de seu corpo fluía para os analisadores.

Não foi em vão. Os rastreadores encontraram no canto mais afastado de sua memória uma informação praticamente desconhecida, trouxeram-na à luz e introduziram-na no dispositivo de processamento de dados.

Dali a um centésimo de segundo, Meech obteve a resposta.

No mesmo instante o inimigo passou ao ataque!

Meech reagiu com a rapidez que o processo de descarga dos analisadores permitia. Sua tarefa mais urgente consistia em afastar os dois seres orgânicos, que se encontravam a seu lado, da zona de perigo. Tinha certeza de que o ataque era dirigido exclusivamente contra ele. O meio mais seguro de alcançar seu intento seria abandonar o carro e afastar-se o mais rápido possível do mesmo.

Sem qualquer aviso, Meech abriu a porta do lado direito e saltou para fora. O veículo balançou violentamente ao ser libertado tão repentinamente do peso considerável do corpo metálico. Meech caiu na grama. Mas, dentro de meio segundo, pôs-se de pé e saiu correndo para a proteção proporcionada pela floresta. Cercavam-no de todos os lados e estavam bem perto. Sentiu as emanações de seus corpos. Os tiros chiavam e penetravam em seu corpo, rompendo seus circuitos. Ao perceber que os dois seres orgânicos estavam fora de perigo, parou. Ativou os circuitos de emergência de seu complicado organismo. Segurando armas em ambas as mãos, começou a disparar para todos os lados.

Sentiu que a pressão exercida pelo inimigo diminuía um pouco, enquanto a energia de seus disparos se descarregava no tênue campo relativista que tornava o inimigo invisível ao olho humano. Mas sabia Que não poderia resistir por muito tempo. As armas inimigas eram mais fortes. Rompiam com a maior facilidade o campo relativista, cuja espessura nesse lugar não devia ter mais que algumas frações de segundo, e os tiros o atingiam impiedosamente.

Meech deu um ligeiro salto para escapar por um instante ao fogo concentrado. A copa de uma árvore incendiou-se bem acima de sua cabeça, produzindo um ruído crepitante e uma série de chiados. Inclinou-se com um rangido e caiu. Mais uma vez Meech viu-se obrigado a fugir. O chão começou a fumegar em torno dele. As folhas apodrecidas desfaziam-se sob os efeitos da incandescência invisível, o chão fofo derreteu-se e formou poças cinzentas. A fumaça escurecia o quadro.

Em algum lugar situado na periferia de sua consciência, Meech ouviu os gritos dos dois seres orgânicos que deixara para trás. Não lhes deu atenção. Concentrou-se exclusivamente no inimigo invisível. Não porque quisesse continuar vivo, custasse o custas-se. O instinto de autoconservação de um robô é pouco intenso, e para ele a morte não é dolorosa. Mas era necessário manter-se até que estivesse em condições de comunicar a Ron Landry o que havia encontrado por ali. Nesse vale encontrava-se a solução de todos os enigmas.

De repente viu os contornos pouco nítidos de alguns vultos que se encontravam a seu lado. Uma voz rouca gaguejava palavras sem sentido. Alguém segurou Meech pelo ombro. O fogo inimigo cessou. Meech sentiu que o inimigo estava reforçando o campo relativista e se abrigava atrás de uma muralha do tempo... Batia em retirada!

Dispôs-se a andar e liberou os braços solícitos do peso de seu corpo metálico. O chão estava coberto de grama chamuscada. Haika estava à sua frente, agitando os braços.

Meech deixou-se cair com um gemido. Até mesmo nos momentos em que seu organismo estava sujeito a uma solicitação máxima desempenhava perfeitamente o seu papel. Estendeu-se na grama e disse:

— Acho que preciso descansar um pouco.

Com um impulso apressado ligou o sistema de regeneração de seu organismo e caiu imediatamente num estado que qualquer leigo identificaria como um desmaio.

Houve duas coisas que Meech não percebeu, em virtude do processo de regeneração que teve início naquele momento.

Haika inclinou-se sobre ele, fitou-o tristemente e deu-lhe um beijo. E o aparelho de microcomunicação captou uma mensagem condensada. Assim que acordasse do desmaio, encontraria a mensagem em sua memória. Mas não guardaria a menor lembrança do beijo que Haika lhe dera. Talvez fosse bom, pois o conhecimento do motivo que levara Haika a praticar esse ato provavelmente o colocaria num estado de confusão bastante grave...

 

Larchik não teve dificuldades em encontrar os destroços da Tufatz XII. Ron sabia que era perigoso ficar nas proximidades da nave. Quando os acônidas iniciassem a perseguição, o primeiro lugar ao qual se dirigiriam seria a Tufatz XII. Mas, por outro lado, a bordo da nave havia aparelhos que Ron não queria dispensar durante a operação, e, além disso, Meech Hannigan ainda se encontrava em seu esconderijo...

Na verdade, Ron não demorou a descobrir que a última suposição estava errada. Isso não o deixou preocupado. Meech dispunha de ampla liberdade de ação. Deveria ter tido um bom motivo e, assim sendo, afastou-se da nave destroçada.

Enquanto Larchik montava guarda do lado de fora, Ron e seus companheiros muniram-se dos equipamentos que consideravam importantes, inclusive três pesadas armas térmicas automáticas. Ron pediu a Larry e Lofty que levassem esses objetos ao carro-voador. Enquanto isso colocou o microcomunicador que tinha o aspecto de um relógio de pulso e irradiou o código combinado com Meech. Este não respondeu.

Ron tentou de novo, mas mesmo da segunda vez não conseguiu nada.

Isso era inquietante. Em qualquer situação, mesmo no meio de uma luta pesada, Meech deveria ter respondido à transmissão em código. Como não o fez, algo lhe devia ter acontecido. Havia uma infinidade de explicações possíveis. Iam do estado de inconsciência transitória, correspondente ao processo de regeneração que se seguia a um período de sobrecarga, até a eliminação completa do robô, em virtude de sua destruição.

No momento não se podia fazer nada para ajudar Meech ou descobrir o que havia acontecido com ele. Não deixara nenhuma pista. Ron arriscou mais trinta minutos de permanência a bordo da nave destruída, a fim de revistá-la cuidadosamente. Não encontraram Meech. Depois disso, Ron disse Que já não tinham nenhuma objeção a que voassem pelo caminho mais curto para o vale, a respeito do qual Larchik havia fornecido informações detalhadas.

Larchik levou o carro a uma altitude segura e voltou a seguir na direção norte, Depois de um momento de silêncio, disse:

— Não sei se foi muito inteligente da minha parte confessar ao velho que pertenço ao grupo de Parro. Ele tem uma idéia bastante exata do lugar em que nos encontramos. Naturalmente levará os acônidas a nos atacarem, e na verdade não sei se teremos uma boa chance de escapar. Mas o fato é que não pude deixar de dizê-lo. Ron procurou tranqüilizá-lo.

— Acho que não faz mal. Se realmente encontrarmos em seu vale aquilo que estamos procurando, nossas preocupações acabarão.

Larchik tirou os olhos dos instrumentos e lançou um olhar indagador para Ron.

— Bem que o senhor poderia contar-me alguma coisa sobre isso — pediu.

Ron ofereceu um relato conciso sobre o conflito entre a Terra e as duas raças extragalácticas. Dedicou mais tempo aos pos-bis. Descreveu as naves fragmentárias, esclareceu o engaste entre o sistema hiperimpotrônico e o pedacinho de substância orgânica contido em seus corpos, aludiu aos fatos políticos mais recentes e explicou o que a Terra esperava ter conseguido com a eliminação do circuito de ódio.

— Supomos — concluiu — que, para os pos-bis, os seres orgânicos como nós já não sejam um inimigo implacável. Esperamos que seu ódio ardente volte a dirigir-se exclusivamente contra o velho “amigo”, os laurins. Se for assim, e se o objeto zumbidor que pousou em Tafor realmente for uma nave dos pos-bis, nesse caso não haverá nenhuma dificuldade, pois eles protegerão seu vale. Os acônidas não serão idiotas a ponto de atacar uma posição defendida por uma nave fragmentária.

De repente Larchik ficou com o aspecto de um velho. A esperança que iluminara seu rosto por alguns minutos parecia tê-lo abandonado.

— Que pena que não soube disso antes — disse em tom de desânimo. — Agora é tarde.

— Tarde para quê? — perguntou Ron.

— Não existe a menor chance de encontrarmos a nave fragmentária no interior do vale — respondeu Larchik. — Qual é mesmo o tamanho dos veículos dos pos-bis?

Ron pôs-se a refletir.

— É de supor que tenham naves de todos os tamanhos. Mas por enquanto só vi naves fragmentárias de dois quilômetros de lado.

Larchik baixou a cabeça.

— Pois é isso — disse. — Uma nave dessas não poderia ter pousado no vale. O diâmetro mínimo do poço de ingresso é de vinte metros. Veja!

Ron olhou para baixo. Larchik fez a nave descer obliquamente. Acendeu o farol de proa por alguns segundos. A areia brilhava em meio aos feixes de luz. E, em meio a área, surgiu uma abertura escura...

Ron mediu-a com os olhos, enquanto o carro descia pela mesma. Larchik tinha razão. Seu diâmetro não era superior a vinte metros.

Ron teve a sensação de que alguém o golpeara na cabeça. Acreditavam que estivessem prestes a atingir o alvo. E agora viam-se no início da caminhada, e sua única chance era a de serem atacados em breve pelos acônidas.

 

A primeira coisa que voltou a funcionar foi o equipamento de análise. Retirou as impressões armazenadas na memória, que na oportunidade não puderam ser interpretadas pela positrônica, e começou a processá-las.

Uma das informações dizia respeito ao recebimento de uma mensagem condensada. A mensagem foi decifrada e lida. O microcomunicador irradiou uma resposta e um vetor goniométrico, sem que a consciência de Meech Hannigan participasse do processo.

Depois disso o analisador passou a ocupar-se com a grande quantidade de percepções que os diversos órgãos haviam captado durante a luta com o inimigo invisível. O campo relativista foi perfeitamente identificado com base nas características gravadas na memória. Certa vez Meech Hannigan passara vários meses terranos perto de um campo relativista, e por isso conhecia o modelo energético do mesmo. Só não o identificara antes, no interior do vale, porque as emanações energéticas do sol artificial o sobrepujavam quase por completo. Um campo relativista só podia existir numa forma geométrica fechada. O espaço encerrado nele formava um pequeno universo secundário. Um certo trecho de tempo separava-o do universo principal, de cuja totalidade se ramificara em virtude da influência do campo relativista. A diferença de tempo que separava o interior do campo relativista do mundo exterior dependia da potência do gerador e do grau de eficiência do projetor. Qualquer objeto que se encontrasse no interior do campo não poderia ser visto de fora pelos meios normais. Por meios normais, no sentido em que essa expressão fora ensinada a Meech, o biorrobô compreendia os sentidos humanos, os aparelhos óticos e acústicos e tudo que por suas funções fosse exclusiva ou principalmente da quarta dimensão. Para esses métodos de percepção, o objeto situado no interior do campo relativista deixava de existir. Encontrava-se, pois, em outro universo.

Num passado recente, a Ciência terrana julgara necessário criar instrumentos que ultrapassavam a simples capacidade de observação na quarta dimensão. Meech fora equipado com esses instrumentos. Era capaz de perceber o próprio campo relativista, a não ser que, como acontecia no presente caso, o mesmo fosse superado por outro efeito. Tinha também a capacidade de perceber os objetos que se encontrassem no interior do campo.

E fizera exatamente isso. Na confusão da luta não tivera a possibilidade de realizar observações mais exatas. Mas vira alguma coisa. Sabia quem eram os atacantes invisíveis e de onde vinham. Conhecia o segredo do planeta Tafor. Só lhe restava fazer uma coisa. Devia avisar Ron Landry, a fim de que este comparecesse ao local e concluísse sua tarefa.

Por enquanto não refletiu sobre como a gigantesca nave poderia ter entrado no vale.

 

O sinal goniométrico de Meech Hannigan foi recebido no momento em que o carro-voador penetrava na profusão de luz do sol artificial. O microrreceptor analisou automaticamente o sinal e o apresentou a Ron Landry sob a forma de coordenadas facilmente compreensíveis. Sem revelar a natureza das informações que acabara de receber, Ron quis levar Larchik a voar na direção da qual haviam vindo os sinais. Explicou o rumo a seguir, mas Larchik respondeu:

— Não se preocupe. De qualquer maneira pretendia ir para lá. Está vendo esse grupo de edifícios? É lá que mora meu pai.

Quer dizer que Meech conseguira encontrar o caminho que “levava ao vale. Nesse meio tempo devia ter acontecido alguma coisa que o impedia de receber o chamado e dar a resposta. Ron não sabia o que era. Mas o simples fato de que, segundo tudo indicava, por ali estavam acontecendo coisas importantes, restituiu-lhe parte da confiança perdida.

Os três terranos admiraram as instalações que os saltadores haviam criado com meios insuficientes. Larchik respondeu a uma série de perguntas, enquanto fazia descer o carro.

Quando o grande carro ainda planava cem metros acima do grupo de edifícios, Ron recebeu o segundo chamado de Meech Hannigan. O microcomunicador transformou a série de sinais transmitidos em código e em frases lacônicas proferidas para uma linguagem clara. As pessoas que se encontravam no carro compreenderam o que Meech tinha a dizer.

— Atingimos nosso objetivo — disse o robô. — Estão neste vale. Em virtude de desativamento do circuito de ódio passaram a investir contra os robôs com a mesma raiva com que antes lutavam contra a vida orgânica. Foi, por exemplo, o que fizeram comigo relatou em breves palavras o que havia acontecido. — Sem dúvida se retiraram porque, se não tivessem suspendido o fogo, teriam colocado em perigo a vida dos dois saltadores. Em virtude das avarias que sofri submeti-me a um processo de regeneração mais prolongado. Já conclui a interpretação dos dados. Não existe a menor dúvida de que uma espaçonave dos pos-bis se encontra no interior do vale. E a nave está tripulada. Os tripulantes resistem à aproximação de qualquer ser robotizado, mas já não sentem a menor repugnância pelas criaturas orgânicas. A posição exata da nave é a seguinte...

Seguiram-se alguns dados. Depois disso a voz calou-se.

Sem que soubesse por quê, Larchik parará o carro, que estava flutuando no ar rarefeito. Larchik olhou em torno. Os rostos dos três passageiros exprimiam sobressalto, incredulidade, perplexidade.

— Quer dizer... que está... mesmo aqui?! — repetiu Larchik, gaguejando de tão nervoso que estava.

Ron Landry fez que sim.

— Não me pergunte como pode ter entrado — disse, antes que Larchik pudesse formular outras perguntas. — Deixe o carro parado por alguns segundos. Tentarei transmitir uma mensagem.

O que fez depois disso foi inexplicável para Larchik. Este viu Ron girar, bater e comprimir o pequeno aparelho que trazia no pulso. Ouviu-se um ligeiro estalo, os relés crepitavam e uma invisível fonte de ruídos emitiu um som cantante. Uma minúscula luz de controle iluminou-se. Larchik perguntou a si mesmo quem seria o destinatário da mensagem. Não acreditava que o alcance do transmissor de pulso fosse muito grande.

Estava enganado. O transmissor era um dos aparelhos modernos criados pela tecnologia terrana. Fora construído pelos microtécnicos da raça dos swoons. Um reator de fusão que não era maior que metade de uma cabeça de alfinete gerava uma potência que fazia com que os hiperimpulsos fossem perceptíveis a uma distância de alguns anos-luz. Acontece que o receptor que deveria captar a transmissão de Ron ficava a apenas alguns minutos-luz. O destinatário da mensagem era Nike Quinto, que se encontrava a bordo da Fedória. Esta nave permanecia nas proximidades do sistema de Tafor, a fim de intervir quando isso se tornasse necessário.

A reação do coronel foi imediata. Mandou que Ron entrasse imediatamente em contato com os pos-bis. Ao mesmo tempo, a Fedória aproximava-se do planeta Tafor. Se houvesse um ataque acônida os homens precisariam de auxílio.

Ron desligou o microcomunicador e fitou Larchik.

— O senhor ouviu — disse. — Quer ir comigo?

Larchik bateu as mãos de entusiasmo.

— Naturalmente — respondeu em tom animado. — Não quero perder nada. Quero ver como é uma nave de dois quilômetros que passou por um poço de vinte metros.

“É verdade”, pensou Ron. “Ainda temos um enigma para resolver.”

Forneceu a rota a Larchik. O carro acelerou. Atravessou o vale em sentido oblíquo e dirigiu-se à encosta que ficava do lado oposto. Larchik comunicou-se pelo rádio com o pai. Parro já notara a presença do carro. Perguntou por que Larchik não estava pousando. Este explicou-lhe que, juntamente com alguns amigos, pretendia procurar um estranho que penetrara no vale. Interrompeu a palestra e não chegou a ouvir a advertência que Parro esteve a ponto de formular.

O carro pousou no mesmo lugar em que, poucas horas antes, Meech quase fora posto fora de ação. Os homens desceram. Ron pediu a Lofty que tirasse a maior parte dos instrumentos que haviam trazido da Tufatz XII. Enquanto Lofty estava ocupado com isso, Ron pegou alguns dos instrumentos e começou a montar um aparelho muito complicado.

— O senhor sabe mais ou menos o que vem a ser um campo relativista — disse, dirigindo-se a Larchik. — A nave está por ali — prosseguiu com um gesto vago em direção à floresta. — Mantêm-se escondida atrás da muralha do tempo. Para entrar em contato com ela, deveremos utilizar um aparelho para o qual as coordenadas temporais sejam irrelevantes, ou que produza uma alteração pouco pronunciada das mesmas, por meio de uma influência exercida em sentido contrário. O primeiro tipo de aparelho não existe. Estamos construindo um aparelho do segundo tipo. Poderemos irradiar sinais que atravessarão a muralha do tempo como se esta não existisse. Se os pos-bis nos compreenderem, então teremos sido bem-sucedidos.

Lofty, que acabara de cumprir sua tarefa, ajudou Ron a montar o transmissor de impulsos. Enquanto isso Larry Randall deu uma olhada pelos arredores. Examinou o resto da árvore que se incendiara sob a ação dos invisíveis. Ao que tudo indicava, os disparos haviam sido feitos com uma arma térmica. Os feixes de energia concentrada romperam o campo relativista. Em condições normais isso seria impossível. Qualquer intercâmbio através do campo só se tornaria possível se a muralha do tempo fosse extremamente fina. Sua espessura teria de ser inferior a um milionésimo de segundo. Mesmo então haveria necessidade de quantidades consideráveis de energia. A energia liberada pela salva de uma arma térmica era suficiente para isso. Os pos-bis, Que estavam familiarizados com essa técnica poderiam, sempre que quisessem intervir em algum lugar, reduzir a espessura do campo relativista que os envolvia, até estabelecer contato com o mundo exterior. Apesar disso os pos-bis continuavam invisíveis.

Larry compreendeu que o campo relativista era uma arma insuperável. Compreendeu por que os terranos não recuavam diante de qualquer esforço para entrar em contato com os pos-bis e conseguir os conhecimentos técnicos que possibilitavam a construção de um gerador de campo relativo e do respectivo projetor.

Voltou para junto de Ron Landry. Este e Lofty já haviam concluído a montagem do transmissor de impulsos. Ron estava sentado no chão, atrás de um pequeno painel no qual havia uma série de botões giratórios. Uma luz vermelha indicava que o aparelho estava pronto para entrar em ação.

— Façam votos de que tudo dê certo, rapazes! — disse. — Só podemos irradiar uma frase. O texto, traduzido em sua língua, é o seguinte: “Somos terranos e viemos como amigos.”

Começou a girar os botões. Lofty, que estava de pé a seu lado, não tirava os olhos do bosque em cujo interior pousara a nave, sem causar o menor prejuízo às árvores que ali se encontravam... Larry também estava sentado no chão e olhava para Ron, enquanto este manipulava os controles. Larchik encostara-se ao carro-voador.

Tiraram as máscaras de adensamento, que os perturbavam. No fundo do vale o ar ainda era rarefeito, mas podia-se respirar independentemente de qualquer dispositivo especial, desde que se tivesse o necessário cuidado.

De repente, o aparelho que se encontrava à frente de Ron emitiu um zumbido. A pequena lâmpada vermelha espalhou uma luz tão forte que os botões que se achavam nas proximidades lançavam sombras.

— Potência máxima — disse Ron com a voz monótona.

Estendeu a mão, hesitou um pouco ao atingir a chave verde no canto superior direito do painel e moveu-a.

— É agora! — gritou. — O aparelho está transmitindo.

O funcionamento do transmissor foi invisível para os homens. Irradiava em seqüência ininterrupta a frase que Nike Quinto redigira e convertera na linguagem simbólica dos pos-bis. Dez vezes por minuto os robôs positrônico-biológicos que se encontravam na nave invisível ouviam que por ali havia terranos e que esses tinham vindo como amigos.

O tempo foi passando. O bosque permaneceu em silêncio. Não se via o menor movimento. Ron Landry levantou-se, pois tinha certeza de que a tentativa falhara.

Esteve a ponto de dizer alguma coisa, de fazer uma observação desfavorável e... foi então que aconteceu.

Bem acima do bosque, o ar rarefeito pareceu movimentar-se. Uma névoa surgia à plena luz do sol, deslocava-se preguiçosamente e ia se afastando. Uma forma azul começou a adquirir seus contornos. De início era pouco nítida, mas logo foi se tornando mais clara. Larchik soltou um grito de pavor. Ron olhou para trás e viu que estava olhando quase verticalmente para cima. Seguiu seu olhar e viu a extremidade superior da gigantesca espaçonave erguer-se alguns quilômetros acima do fundo do vale. A luz do sol artificial cintilava ao refletir-se nas inúmeras superfícies inclinadas, que davam a impressão de que o conjunto era um bloco de metal esmerilhado às pressas e ao acaso. A névoa dissolveu-se embaixo da extremidade superior, pondo à vista o restante da nave. O restante, com exceção de uma faixa estreita que ficava junto ao solo. De início Ron não sabia qual era o motivo disso. Finalmente lembrou-se de que os pos-bis queriam proteger as árvores, que seriam destruídas se o campo relativista também se dissolvesse em torno delas.

Ron ficou sem fala, enquanto contemplava o colosso reluzente que se erguia à sua frente.

— Pois então — disse em tom seco. — Conseguimos.

 

Ainda 28 de junho de 2.114.

— Como se sente? — perguntou Haika. Meech estudou o estranho brilho de seus olhos e procurou descobrir o que significava.

— Muito bem — respondeu. — Obrigado.

Experimentava um conflito. Sabia que Ron Landry se encontrava em liberdade, e queria descobrir se este já chegara ao vale. Mas como poderia contar a Haika que teve conhecimento da fuga de Ron, sem revelar que era um robô? Ela faria questão de ver o microcomunicador, e este encontrava-se nas proximidades de seu coração positrônico.

— Algo de novo? — perguntou como alguém que, depois de várias horas de sono, estava curioso para saber o que acontecera nos arredores.

— Larchik está a caminho daqui — respondeu Haika.

Quando viu que Meech não a compreendera, acrescentou:

— É meu irmão. Parro falou nele. Não se lembra? Diz que está trazendo alguns amigos. Ainda não estão aqui, porque primeiro têm de averiguar alguma coisa na encosta norte.

Meech registrou cuidadosamente a informação. Na parede norte estava estacionada a espaçonave dos pos-bis. Era altamente provável que os amigos de Larchik fossem Ron Landry e seus companheiros, e que estes estivessem empenhados em estabelecer contato com os pos-bis.

Até este ponto a situação estava esclarecida. Meech refletiu sobre o que ainda poderia fazer. Sentiu que era supérfluo, por assim dizer. A não ser que procurasse apurar o que estava acontecendo com Haika, que se comportava de forma tão estranha. Até então Meech não conseguira descobrir os fundamentos intelectuais e emocionais de seu comportamento.

Revistou seus registros. Rememorou todas as reações emocionais que lhe eram conhecidas, tanto as que estavam guardadas no bloco central de sua memória, porque um dia poderia ter que lidar com elas, como as que estavam armazenadas num setor secundário, a bem de sua cultura geral. Comparou-as com os possíveis fundamentos do comportamento de Haika. A tarefa consumiu alguns segundos, pois era muito difícil. Mas Meech acabou por resolvê-la. E quando isso aconteceu, encontrava-se num dilema. O móvel central que naquele momento determinava a conduta de Haika já lhe era conhecido. Mas não lhe haviam ensinado como reagir ao mesmo. Afinal, era extremamente improvável que justamente um robô viria a defrontar-se com essa espécie de problema.

Meech sentiu quase que um alívio orgânico quando teve outra percepção. Esta não tinha a menor relação com Haika e com aquilo que o cercava. Vinha de fora, do mundo situado fora do vale. As radiações causadas por um consumo de energia bastante intenso atingiram as antenas de Meech. Localizou uma fileira de propulsores muito potentes, e levou apenas um centésimo de segundo para constatar que estes se aproximavam da entrada do vale, vindos do sul. Numa reação quase inconsciente deduziu a identidade dos que se aproximavam do tempo, da direção e da potência dos propulsores. A conclusão era inequívoca. Não havia outra possibilidade.

Sem dar atenção a Haika, que continuava a seu lado, com os olhos brilhantes, Meech irradiou uma advertência para Ron. As peças do jogo começavam a movimentar-se. Mas havia alguém que queria privá-los da vitória.

 

Ron recebeu a advertência de Meech, no momento em que via uma enorme escotilha abrir-se num dos lados da gigantesca nave. Os homens que o cercavam estavam contemplando o colosso. Ron fez um gesto violento com o braço para chamar sua atenção.

— Os acônidas estão atacando — disse em tom amargo. — Seria bom fazermos alguma coisa.

Levantou os olhos e sentiu-se ofuscado pelo sol. Não se via ou ouvia nada dos acônidas que os estavam atacando. Meech já constatara sua aproximação, quando ainda se encontravam alguns quilômetros ao sul do poço de aproximação.

— E os pos-bis? — perguntou Lofty. — Será que não podem ajudar-nos?

Ron abanou a cabeça.

— Nem sei como explicar-lhes. Nossa tarefa consiste em estabelecer contato e explicar-lhes que o administrador virá para cá a fim de conferenciar com eles. O que temos que dizer é apenas aquilo que está gravado em código nas fitas magnéticas.

Num gesto apressado, como se já tivesse perdido muito tempo, virou-se para Larchik.

— O socorro está a caminho; o senhor já sabe — disse. — Mas os acônidas chegarão antes. O que podemos fazer? Bombardearão a entrada do poço e procurarão invadi-lo com grande número de veículos ao mesmo tempo.

Larchik fez um gesto de desespero.

— Lá em cima não há lugar para nós. Cerca de vinte homens com um número igual de armas estão espalhados em torno da entrada do poço. Não cabe mais gente. Se não conseguirem deter os acônidas, então...

Ron tomou uma decisão rápida.

— Se é assim — disse — devemos fazer o possível para estar perto de Meech quando a luta começar.

Deixaram para trás alguns dos aparelhos que haviam trazido, pois não lhes serviriam para mais nada. Enquanto Larchik dava partida no carro-voador, Ron transmitiu outra mensagem para a Fedória. Desta vez foi um pedido de socorro.

O veículo atravessou o vale em diagonal, desenvolvendo a velocidade máxima. Por enquanto o fundo verde jazia tranqüilamente à luz do sol ofuscante.

O que aconteceria dali a alguns minutos? Ron perguntou a si mesmo quais seriam as chances dos homens que defendiam a entrada do poço, caso os acônidas atacassem com suas naves e não com um grupo de veículos pequenos.

A pergunta não demorou a ser respondida. Larchik pousou o carro à frente do edifício em que moravam seus pais. Mal Ron acabara de sair pela escotilha, um ribombo fez estremecer a abóbada do vale. Ron atirou a cabeça para trás e olhou para cima. Por um instante teve a impressão de que o quadro continuava inalterado. De repente, a boca do poço de entrada pareceu transformar-se num bocal de jato. Uma lufada de fumaça negra passou pela mesma, produzindo um chiado. A luz do sol refletiu-se nas peças de metal que se precipitavam para o fundo do vale juntamente com a fumaça. Cortavam o ar com um zumbido perigoso e levantavam esguichos de terra ao tocarem no chão.

Ron logo compreendeu que os canhões pesados da nave estavam disparando contra a entrada do poço. Os homens que se encontravam lá em cima não teriam a menor chance contra o colosso espacial dos acônidas. Estes manteriam a entrada do poço sob o fogo de sua artilharia até que o teto da caverna desabasse e a abertura se alargasse o suficiente para que pudesse entrar com sua nave. Onegor lhes dissera que eram terranos. Os acônidas haviam combinado os fatos e chegaram à conclusão de que um grupo de agentes terranos não iria a Tafor, caso não houvesse um motivo importante. E que motivo poderia ser este? Sim, a nave fragmentária dos pos-bis! Portanto, se os terranos se encontravam no fundo do vale, onde residia Parro e sua gente, a nave dos pos-bis também deveria estar lá.

Era simples. Ron percebeu que os acônidas não tiveram de quebrar a cabeça por muito tempo para que lhes ocorresse a idéia certa.

Lançou os olhos para a outra encosta do vale. A fumaça cobria a cena. O sol ia perdendo sua luminosidade. Começou a escurecer. O chão tremia. Mais ao longe, os contornos da gigantesca nave fragmentária tornavam-se cada vez menos nítidos. Os pos-bis não haviam restabelecido o campo relativista. Ron perguntou a si mesmo o que eles estariam pensando.

“Será que acreditam que os terranos têm algo a ver com o ataque traiçoeiro?”, Pensou.

Pararam à frente da casa de Parro. De repente viram-se cercados por uma pequena multidão. Os homens falavam exaltadamente e não tinham a menor idéia do que deveria fazer. Meech estava entre eles. Era o único que conservava a calma. Num relance Ron viu uma moça que se agarrava a ele. Por mais estranho que fosse o quadro, Ron não teve tempo para dispensar-lhe a menor atenção.

Um velho — devia ser Parro — colocou-se ao lado de Ron.

— Suponho que o senhor seja o comandante dos terranos — gritou, para fazer-se entendido em meio ao barulho. — Não quebre a cabeça. Não podemos fazer nada. Não existe nenhum lugar em que possamos pôr-nos a salvo.

Ron achou que tinha razão.

Fragmentos maiores começaram a cair do alto. O teto da caverna estava ruindo. Um bloco de pedra desceu com um uivo infernal e atingiu o solo a uns quinhentos metros do lugar em que se encontravam. Produziu uma onda de choque que atirou Ron no chão.

Os saltadores que cercavam Parro foram dominados pelo pânico. Saíram correndo para todos os lados. Parro gritou, mas não o ouviram. A fumaça engoliu-os juntamente com sua gritaria histérica. Além dos terranos só Parro, Larchik e a moça continuaram no mesmo lugar.

Ron estava furioso. O fato de ver-se obrigado a permanecer inativo enquanto os acônidas estavam eliminando com o maior sangue-frio uma comunidade formada por mais de mil pessoas quase o deixou louco. Tinha de fazer alguma coisa.

Lofty gritou tão perto de seu ouvido que quase lhe estourou o tímpano.

— Olhe a nave! — gritou com a voz rouca. — Os pos-bis...!

Ron estreitou os olhos. A fumaça fez com que se enchessem de água. Viu o bosque através das trêmulas nuvens de pó. Uma chuva de pedras incandescentes caía sobre o mesmo, incendiando as árvores. Uma fumaça branca subia para o teto, misturando-se com a névoa cinzenta. Mas a nave fragmentária havia desaparecido. Ron fechou os olhos e voltou a abri-los. O quadro permaneceu inalterado. A nave fragmentária não estava mais lá. Haviam restabelecido o campo relativista e abrigaram-se atrás da muralha do tempo.

— Seus covardes! — gritou Ron. — Em vez de ajudar-nos...

— A nave começou a movimentar-se — interrompeu Meech com a voz forte, mas tranqüila. — Está subindo.

Ron conteve a respiração. Ainda havia uma pequena chance. Os pos-bis com sua nave gigantesca e suas armas irresistíveis eram os únicos que poderiam defender o vale contra os acônidas. Se agissem em tempo...

— Estou perdendo as emanações energéticas dos propulsores — disse Meech. — Há um segundo a nave encontrava-se a quatro quilômetros de altura.

Ron ficou parado, com o corpo inclinado para a frente, como se estivesse escutando. Estava imóvel, petrificado. Sem que se desse conta disso, contava os segundos. De repente compreendeu como os pos-bis haviam conseguido passar pelo poço estreito... E sairiam pela mesma forma, ainda mais agora que os acônidas se esforçavam para ampliar o acesso! Só poderia demorar alguns segundos e...

Não pôde prosseguir em suas reflexões. O ribombo de uma gigantesca explosão tornou a derrubá-lo. A tormenta varreu-o através do vale, atrás da onda de choque. Ron foi arrastado pela grama. Procurou encontrar apoio, mas não conseguiu. Paredes densas de fumaça negra cercavam-no. Não conseguiu respirar. Seus olhos ardiam. Contraiu os músculos, como se quisesse proteger-se contra as pedras, cuja queda esperava a qualquer momento.

Mas as pedras não desceram. A tormenta rugiu por mais algum tempo e cessou. A fumaça tornou-se menos densa. Ron estava deitado numa área coberta de grama chamuscada. Em torno dele estavam espalhados destroços. Atrás dele, a uns duzentos metros de distância, viu as construções avariadas, nas quais moravam Parro e seus companheiros. O carro-voador tombara e estava deitado de lado. Alguns vultos rastejavam pelo chão.

Ron percebeu outra coisa.

Bem lá em cima, onde ainda há pouco rugia a tempestade furiosa, reinava um silêncio completo.

 

Correu de volta para junto de seus homens. Todos haviam superado a catástrofe. Larry apresentava algumas feridas na cabeça, Lofty segurava o braço esquerdo com a mão direita e Larchik apresentava alguns hematomas na cabeça. Nenhum deles tinha qualquer peça de roupa intacta. Mas estavam vivos.

— Precisamos subir! — gritou Ron, exaltado. — Quero saber o que está acontecendo por lá. Seu carro ainda está funcionando, Larchik?

— Ele deitou-se de lado bem devagar — disse Lofty com a voz rouca. — Vi perfeitamente. Acho que deve estar em ordem.

Ergueram o veículo. A moça, que estava em ponto mais afastado, contemplava-os com uma expressão assustada. Larchik saltou para o assento do piloto e deu partida no motor.

— Tudo bem — disse.

— Então vamos andando — ordenou Ron.

Todos entraram. Parro foi o único a continuar do lado de fora.

— Acho que aqui embaixo precisam mais de mim — disse. — Preciso ajudar minha gente.

Ron confirmou com um gesto.

— Voltaremos e traremos auxílio — prometeu.

O carro-voador subiu que nem uma flecha. Dali a trinta segundos chegou ao alto da caverna. O poço continuava cheio de fumaça e poeira. A cobertura de rocha apresentava rachaduras.

Atravessaram o poço em vôo cego. A fumaça não encontrava saída. Larchik manobrava o veículo com segurança e rapidez. Dentro de pouco menos de dez minutos, a luz verde do sol de Tafor entrou pelas janelas da cabina. O carro foi saindo lentamente da fumaça e logo se viu claramente quais eram as intenções dos acônidas. O deserto transformara-se numa superfície cinzenta reluzente formada de areia derretida. A entrada do poço estendia-se quase por um quilômetro. As paredes desciam em forma de funil. Mais alguns minutos, e os canhões acônidas teriam atingido o teto da caverna e o fariam desabar. Ron ainda sentiu um calafrio ao lembrar-se de que haviam passado muito perto do fim inevitável.

O carro de Larchik continuou a subir. Um montão de destroços fumegantes apareceu na periferia da superfície da areia derretida. Eram os restos da espaçonave dos acônidas. Atrás dele um colosso erguia-se no horizonte. Tinha a forma de um cristal natural e emitia um brilho verde sob a ação do sol estranho. Era a nave fragmentária dos pos-bis.

— Quer dizer que apesar de tudo... — cochichou Ron, enquanto perguntava a si mesmo se um dia conseguiria compreender o comportamento e a motivação dos pos-bis.

Ao que parecia, este era o grande dia de Lofty Patterson. Via tudo, ouvia tudo, percebia tudo antes mesmo de Meech, cuja capacidade sensorial estava sendo afetada pelas influências múltiplas vindas de todos os lados.

— Vamos receber visita — disse Lofty, com a voz rouca e aguda. — Olhem!

Estendeu o braço e apontou para fora da janela. Ron olhou na direção indicada. A esfera fosca de uma grande espaçonave estava parada no céu.

Até que enfim a Fedória chegara.

 

29 de junho de 2.114.

Nike Quinto parecia muito satisfeito.

Ainda não obtivera a promoção, mas fora informado de que o estado-maior já a concedera. Sentado atrás de sua gigantesca escrivaninha, a bordo da Fedória, à frente de seu major e agente-vedete Ron Landry, dava a impressão de ser um homem que depois de um longo dia de trabalho duro tirava de sã consciência o tempo necessário para uma conversinha agradável.

— Foi um serviço bem-feito, Landry — chiou com sua voz alta e desagradável. — Muito bem-feito. Estabelecemos contato com os pos-bis. Bastou que o senhor entrasse em contato com eles, para que compreendessem que os acônidas pretendiam enganá-los. Assim que começou o ataque viram tudo e reagiram pela forma desejada. No momento não existe um único acônida no planeta Tafor, ou melhor, com exceção de três oficiais que ficaram no estabelecimento de Onegor. Isso é lamentável, mas na minha opinião não merecem outra coisa. Felizmente o povoado de Parro tem poucos mortos a lamentar. Em compensação muitos homens de Onegor, que se encontravam a bordo da nave acônida quando a mesma foi destruída pelos pos-bis, morreram. Em outras palavras, depois de toda a confusão a força do núcleo de Parro continua praticamente inalterada, enquanto o estabelecimento de Onegor foi debilitado consideravelmente. Bastou exercer uma pressão muito leve para resolver a situação política do planeta. A expulsão de Parro e seus homens foi revogada. Onegor foi deposto por incapacidade. Parro ocupou seu lugar e exerce as funções de patriarca dos saltadores de Tafor.

Nike Quinto respirou profundamente e colocou a mão sobre o peito, para deixar claro que apesar de seu bom humor ainda tinha problemas de saúde.

— Ai, meu coração! — lamentou-se. — Vivo perguntando a mim mesmo por quanto tempo ainda agüentarei — prosseguiu em tom mais enérgico. — De qualquer maneira os acônidas tentaram entrar no negócio intergaláctico. Captaram um sinal de chamada da nave dos pos-bis e conduziram-na a Tafor. Os robôs nem desconfiaram. O destinatário de sua mensagem era o administrador. Acreditavam que os seres que os haviam conduzido para Tafor fossem terranos. Pousaram no planeta, esconderam sua nave e tiveram alguns encontros com os acônidas, a bordo da nave destes. Era claro que os “arrogantes” ainda não tinham conhecimento dos acontecimentos dos últimos dias e semanas. Aos poucos os pos-bis começaram a desconfiar. Cancelaram as conferências e retiraram-se Para sua nave. Foi quando o senhor apareceu, e a situação ficou esclarecida. A propósito, o Capitão Tennyson e seus homens estão bem e encontram-se em lugar seguro. Quando souberam que eram terranos, os acônidas dedicaram-lhes cuidados todos especiais.

Ron tranqüilizou-se. Ficara preocupado com a sorte de Tennyson e seus homens. Sentiu-se aliviado ao saber que estavam bem.

— Não sei se devo formular esta pergunta, sir — principiou Ron.

Porém Nike Quinto interrompeu-o em tom áspero:

— Deixe de rodeios! Não se esqueça da minha pressão. Se tiver alguma pergunta, faça-a logo.

Ron engoliu em seco.

— Qual é o conteúdo da mensagem que os pos-bis querem transmitir ao administrador?

Nike passou a mão pela coroa rala de cabelos cor de areia.

— A Teodorico chegou a Tafor, com o administrador a bordo, poucas horas depois da Fedória — respondeu. — A partir dali as negociações são conduzidas exclusivamente por ele. Portanto, não dispomos de informações precisas. Mas, ao que parece, o centro de plasma mandou pedir a Perry Rhodan que compareça o mais cedo possível ao mundo dos Duzentos Sóis. O senhor sabe como são as coisas. A situação é precária. O administrador não gostaria de fazer a viagem a bordo da nave dos pos-bis, e ninguém sabe se a Teodorico, que é o melhor veículo espacial de que dispomos, suportará a viagem. Por enquanto Perry Rhodan procura manter os pos-bis na expectativa, a fim de remover as dúvidas.

Ron ficou sentado, olhando para a frente.

— Tem mais alguma pergunta? — perguntou Nike Quinto.

— Não, sir.

— Pois levante-se e vá para o inferno. Pensa que pode roubar meu precioso tempo? — pôs a mão sobre o peito. — Oh, como é que um homem de saúde abalada como eu pode agüentar a insolência dos subordinados?

Ron levantou-se e caminhou em direção à escotilha. A pesada chapa de metal deslizou para o lado. Antes de sair, virou-se mais uma vez.

— O que houve?

— O senhor já deve ter refletido sobre como a gigantesca nave dos pos-bis deve ter passado pelo poço estreito que leva ao vale, não é mesmo? — disse Ron com um sorriso.

Nike Quinto recostou-se na poltrona e retribuiu o sorriso.

— Ora veja — disse com uma risadinha. — Agora quer passar adiante a grande novidade. Como foi mesmo?

Ron sentiu-se decepcionado. Nike Quinto já conhecia a explicação, pois, do contrário, sua reação teria sido diferente.

— Então, não vai falar logo? — perguntou, furioso.

Ron fez um gesto aborrecido.

— O senhor já sabe. Há cinqüenta anos de Tafor, quando Parro e seus homens foram expulsos do clã, não havia nenhum poço no local. A construção do mesmo exigiu vários anos de trabalho. O vale era aberto, e a parte superior tinha o mesmo tamanho da parte inferior. Na época dez naves dos pos-bis poderiam ter entrado ao mesmo tempo.

Nike Quinto fez um gesto paternalista e Ron prosseguiu:

— Pois bem. A única coisa que os pos-bis tiveram de fazer, quando chegaram em Tafor, foi aumentar as dimensões de seu campo relativista para cinqüenta anos. Dessa forma puderam usar toda a amplitude do vale. Desceram, reduziram o campo relativista para as dimensões normais e lá ficaram.

Nike Quinto ainda estava acenando com a cabeça.

— Muito bem pensado, meu jovem. Aliás, sua opinião confere com as declarações dos pos-bis. Foi isso mesmo que eles fizeram. Agora faça algo de bom para a pressão de um velho coronel: dê logo o fora.

Ron saiu, furioso.

 

Ron Landry e seus homens, e Lewie Tennyson com sua tripulação, que se encontravam a bordo da Fedória, deveriam voltar para Árcon III. Já haviam sido preparados alojamentos para todos. Quando entrou na sala dos tripulantes, Ron Landry encontrou Lofty, Larry, Larchik e a moça de nome Haika entretidos numa conversa animada. Parado num canto, Meech Hannigan dava a impressão de que alguém o havia desligado.

— Mas eu o amo! — disse a moça entre soluços.

Larry aproximou-se e colocou o braço sobre seus ombros. A moça não sentiu o contato, ou então não teve nenhuma objeção. De qualquer maneira, não resistiu ao mesmo.

— Pois acabo de lhe dizer que é um robô! — insistiu Larchik. — Você não pode apaixonar-se por um robô...

— Não é nenhum robô! — gritou Haika. — Como é que um robô poderia ser tão humano, tão sensível, tão... tão encantador?

Lofty Patterson soltou uma estrondosa gargalhada. Ron deu-lhe uma pancada no ombro, fazendo com que silenciasse imediatamente e quase caísse.

— Não há nada de engraçado — disse em tom sério.

Larchik notou sua presença e fitou-o com uma expressão de perplexidade.

— Por todos os patriarcas dos saltadores — gaguejou. — Essa moça está louca. Faça o favor de explicar-lhe que...

Ron fez um gesto para que se calasse.

— Sinto muito, Haika — falou com a voz séria. — Seu irmão tem razão. Meech realmente é um robô. Não vale a pena apaixonar-se por ele, por mais encantador que possa parecer.

Haika enxugou as lágrimas.

— Também não acredito no senhor! — disse em tom obstinado.

Ron fitou o robô.

— Venha cá, Meech! — ordenou. Meech obedeceu. Ron olhou em torno.

Finalmente fitou a mesa de metal plastificado que se encontrava no centro da sala.

— Esta mesa suporta uma carga de cerca de uma tonelada, Haika — explicou Ron. — Pode experimentar. Preste atenção ao que vai acontecer. — Dirigindo-se a Meech, disse: — Suba à mesa, Meech.

Meech voltou a obedecer com o rosto fechado. Apoiou os braços na borda da mesa e saltou sobre a mesma. A peça gemeu. Meech rastejou até o centro. Foi quando esta quebrou. O robô Meech Hannigan caiu ruidosamente ao chão, juntamente com os destroços.

Haika soltou um grito, baixou a cabeça e cobriu o rosto com as mãos. Cambaleante, encostou-se a Larry Randall. Este estreitou-a ao seu corpo e levou-a para fora. Ron seguiu-os com os olhos.

— Era só o que faltava... — disse, boquiaberto.

Lofty estava de pé a seu lado.

— Teremos que dar uma cara mais feia a esse pedaço de lata — disse com a voz rouca. — Um robô que é tão bonito que faz com que as moças se apaixonem por ele representa um perigo sério para a Humanidade.

 

14 de agosto de 2.114.

Jerry Blanchard parou o britador automático, desceu e sentou-se à sombra do veículo. Lançou um olhar aborrecido para o paredão da pedreira fustigada pelo sol e as casinhas dos guardas, que ficavam ao longe.

Desde o dia em que fora condenado a vinte anos de trabalhos forçados Jerry batalhava dez horas terranas por dia com o britador automático. Na verdade, o trabalho não era muito pesado. Mas fazia calor, engolia-se poeira e não havia nada que quebrasse a monotonia.

Jerry abriu seu pacotezinho de mantimentos e enfiou uma barra marrom de nutriente entre os dentes. Foi quando passos rangeram em torno do britador. Só quando a sombra do homem surgiu sobre a pedra a alguns metros do lugar em que se encontrava, Jerry deu atenção aos fatos.

Era o supervisor. Trazia a arma térmica no cinto e mantinha a mão direita perto da mesma.

— Tenho vontade de cuspir na minha própria cara, terrano — disse em acônida. — Infelizmente não tenho outra alternativa. A partir de amanhã, você trabalhará nas medições. Receberá um disco voador para dois homens. Vyrch será seu companheiro. Vocês decolarão logo após o raiar do sol e percorrerão o setor norte do paredão. Em certo ponto, Vyrch lhe dará ordem para mudar de rumo. Recomendo-lhe que obedeça. Pelo que ouvi dizer, há um barco espacial perto daqui. Só Vyrch conhece sua posição exata. Ele o levará para lá. A bordo do barco espacial há uma série de instrumentos muito eficientes. Se andarem depressa, em algumas horas poderão chegar a um lugar em que estarão em condições de chamar uma espaçonave terrana, sem assumir o menor risco. É só o que posso fazer por você, terrano. Fique de boca calada e faça exatamente o que acabo de dizer.

Jerry Blanchard levantou-se e cuspiu na pedra.

— Deixe de prosa — disse. — Você não faz absolutamente nada para mim; trabalha exclusivamente para si mesmo. Quanto lhe pagaram? Dez mil unidades? Vinte mil?...

O supervisor cochichou uma praga. Depois virou-se e saiu andando.

Jerry espreguiçou-se tão fortemente que fez as juntas estalarem. Sorriu feliz em meio à luz ofuscante do sol. De repente arrependeu-se por ter ofendido o supervisor.

“Afinal, não devemos machucar os outros quando nos sentimos muito felizes...”, refletiu.

 

                                                                                            Kurt Mahr  

 

                      

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