Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
AVENTURA SECRETA
Jewel Henley estava deitada na cama do hospital com uma mão segurando o celular e a outra enxugando as lágrimas ardentes. Tinha que ligar para ele. Não tinha outra escolha.
Como Piers reagiria? Ao menos se importaria?
Só havia uma maneira de descobrir. Pressionou o botão de chamada, mas quase imediatamente, desligou.
—Como está hoje, senhorita Henley? —seus pensamentos foram interrompidos pela enfermeira.
—Bem — murmurou baixinho Jewel.
—Já organizou tudo?
Jewel engoliu em seco, mas não respondeu.
—Sabe muito bem que o doutor não a deixará sair até que tenha alguém que cuide de você enquanto estiver de repouso no leito — a enfermeira olhou para ela com desaprovação.
—Estava prestes a fazer uma ligação — um suspiro escapou de lábios da jovem.
—Bem — assentiu a enfermeira. — Assim que terminar deixarei você sozinha.
Depois de respirar fundo, Jewel olhou para o visor do celular e voltou a apertar a tecla de chamada.
—Anetakis.
Ela sentiu suas forças fugirem.
—Quem é? —insistiu a voz.
Jewel desligou. Não podia. Tinha que encontrar outro modo que não incluísse Piers Anetakis.
Antes de poder refletir sobre isso, o telefone que ainda estava em sua mão começou a vibrar. Atendeu automaticamente, sem perceber que era ele que devolvia sua ligação.
—Sei que está aí — rugiu ele. — Quem diabos é e por que tem meu número?
—Desculpe — sussurrou ela. — Não deveria ter incomodado você.
—Um momento — disse ele antes de uma longa pausa. — Jewel, é você?
Tinham passado cinco meses. Jamais pensou que ele a reconheceria. Como era possível?
—Bem… sim — balbuciou ela enfim.
—Graças a Deus — murmurou ele. — Tenho procurado você por toda parte. Só uma maldita mulher desapareceria assim da face da terra.
—O quê?
—Onde está?
Ambas as perguntas foram feitas simultaneamente.
—Eu primeiro — ordenou ele. — Onde está? Está bem?
—Estou no hospital — disse ela depois de recuperar-se do choque.
—Theos — disse ele junto com umas palavras em grego que ela não compreendeu. — Onde? Em que hospital? Diga-me. Completamente atordoada ante o giro que a conversa tinha dado, deu o nome do hospital a ele.
—Chegarei assim que puder — disse ele sem lhe dar tempo para responder antes de desligar.
Com mãos as trêmulas. Jewel deixou o telefone de lado antes de abraçar a barriga com as mãos. De repente percebeu que não tinha dado a ele a notícia mais importante. O motivo da ligação. Não havia dito a ele que estava grávida.
Cinco meses antes…
Jewel parou em frente ao bar e contemplou o chão coberto de areia sob as tochas chamejantes que ladeavam o caminho que levava à praia.
Tinha chegado a aquela ilha paradisíaca por acaso. Um assento livre em um avião, uma passagem barata e cinco minutos para decidir. E ali estava.
A primeira coisa que fez foi procurar um trabalho e a sorte quis que o proprietário do luxuoso hotel Anetakis fosse residir temporariamente lá e necessitasse de uma ajudante. Quatro semanas. O tempo perfeito para viver no paraíso antes de seguir seu caminho.
—Vai entrar ou decidiu passar esta linda noite aqui fora?
A masculina voz com um leve sotaque acariciou seus ouvidos. Ela se virou e teve que olhar para cima para encontrar a fonte das palavras rudes.
Seus olhos se encontraram e o estômago se comprimiu e, por um momento, não conseguiu respirar.
Aquele homem não era apenas bonito. Havia muitos homens bonitos no mundo, e ela tinha conhecido alguns. Aquele, em particular, era… poderoso. Um predador disfarçado de cordeiro.
Devolveu seu olhar, incapaz de separar-se da força dos olhos másculos. Negros como a noite. Refletiam claramente o interesse.
Seus cabelos eram escuros e a pele bronzeada brilhava sob a suave luz das tochas.
Tinha o queixo quadrado e um ar de fortaleza que refletia arrogância, algo que sempre a atraiu nos homens. Durante um longo tempo ele ficou olhando antes de sorrir.
—Uma mulher de poucas palavras pelo que vejo.
—Estava decidindo se saia ou não. — ela debateu mentalmente.
—Se você ficar dentro, não poderei convidá-la para um drinque — ele arqueou uma sobrancelha, em um gesto de desafio.
Jewel inclinou a cabeça e sorriu timidamente. A atração sexual não era uma sensação nova para ela, mas não se lembrava de ter se sentido tão atraída, tão rápido, por nenhum homem.
Deveria aceitar o convite silencioso que refletia no olhar daquele homem? Era verdade que ele só a havia convidado para um drinque, mas era evidente que desejava algo mais.
Que mal poderia lhe fazer uma noite? Normalmente, escolhia seus parceiros com extremo cuidado. E há mais de dois anos não tinha um amante. Simplesmente ninguém a interessou o suficiente até a aparição daquele estranho de olhos escuros, sorriso sensual e arrogância zombeteira. Decididamente o desejava.
—Está aqui de férias? —perguntou ela.
—Algo assim — ele sorriu quase imperceptivelmente.
A jovem sentiu um grande alívio. Não. Uma noite não lhe faria nenhum mal. Ele voltaria para sua vida e ela, com o tempo, partiria para outro lugar e seus caminhos jamais voltariam a se cruzar.
—Um drinque seria bom — ele finalmente concordou.
Os olhos dele emitiram um brilho, quase predador, antes de segurá-la pelo cotovelo e acariciar sutilmente seu braço com os dedos da mão enquanto a conduzia da entrada do hotel até a escuridão da noite. Ao seu redor, as chamas das tochas dançavam ao ritmo do jazz. A brisa marinha se emaranhou entre os cabelos da jovem que aspirou profundamente o ar.
—Antes de tomar aquele drinque, vamos dançar — sussurrou ele ao seu ouvido e, sem esperar resposta, tomou-a em seus braços e a puxou contra seu corpo.
Encaixavam perfeitamente, ao ponto dela não saber onde acabava seu corpo e onde começava o dele.
A face do homem se apoiava na cabeça dela e seus braços a rodeavam protetores, fortes. Correspondeu a ele rodeando seu pescoço com os braços delicados.
—Você é linda — sussurrou ele em um tom doce como o mel.
—Você também — respondeu ela.
—Lindo? Eu? —ele riu em voz baixa. — Não sei se devo me sentir lisonjeado ou ofendido.
—Pois tenho certeza que não sou a primeira mulher a dizer que você é “lindo”.
—Sabe? — acariciou suas costas e ela conteve a respiração. — Você também sente isso.
Jewel nem sequer fingiu não saber a que ele se referia. A química entre eles era explosiva.
—Vamos fazer algo para solucionar isso?
—Eu gostaria de pensar que sim — ela jogou a cabeça para trás e o olhou nos olhos.
—Direta. Eu gosto disso em uma mulher.
—Eu gosto disso em um homem.
A intensidade do olhar dele se suavizou, mas foi substituída por outra coisa. Desejo.
—Poderíamos tomar aquele drinque em meu quarto.
Ela prendeu a respiração. O convite fez que se sentisse paralisada. Os seios se enrijeceram sob o vestido e a excitação começou a pulsar em suas veias.
—Eu não… — pela primeira vez aparentou certa insegurança.
—Você não, o quê? —insistiu ele.
—Não estou protegida — disse ela em um tom quase imperceptível enquanto olhava para baixo.
—Eu protegerei você — ele segurou seu queixo com uma mão e a obrigou a olhá-lo nos olhos.
A promessa sussurrada a envolveu com mais força que os braços masculinos e durante um instante ela se deleitou na fantasia do que poderia ser deixar-se cuidar por um homem assim o resto de sua vida. Mas em seguida tirou a ideia da cabeça. Era um pouco absurda.
—Qual é o número de seu quarto? —ela ficou nas pontas dos pés e sussurrou em seu ouvido.
—Levarei você a ele.
—Nós nos encontraremos lá — ela negou com a cabeça.
Ele entreabriu os olhos um instante, como se não tivesse certeza de poder acreditar nela. Depois, deslizou uma mão sobre a nuca da jovem, puxou-a para si com firmeza e a beijou nos lábios.
Ela se derreteu em seus braços e começou a deslizar para o chão, mas ele a segurou com força antes de acariciar seus lábios com a língua, exigente, instando-a a abri-los.
Com um estremecimento quase imperceptível, ela se rendeu e abriu a boca para permitir sua entrada.
Os beijos foram úmidos e ardentes. Privou-a do ar antes de corresponder a ele. Negando-se a ser o elemento passivo, Jewel entrelaçou sua língua com a dele.
Finalmente ele se separou dela com a respiração entrecortada e um brilho perigoso nos olhos.
—Último andar. Suíte onze. Apresse-se — sussurrou enquanto entregava a ela uma chave magnética.
E simplesmente se dirigiu ao hotel a passos largos.
Ela ficou olhando atordoada e com o corpo vibrando de excitação.
—Devo estar louca. Ele vai me comer viva.
Com passos trêmulos, encaminhou-se para o hotel.
Não era a timidez que a impulsionou a adiar o encontro com seu homem misterioso. Seu homem misterioso… nem sequer sabia seu nome, mas tinha concordado em deitar-se com ele.
Uma noite de fantasia. Sem nomes. Sem expectativas. Sem compromisso nem implicação emocional. Ninguém sairia ferido. Na realidade, era perfeito.
Com mais calma do que sentia, subiu para seu quarto e se olhou no espelho do banheiro. Seus cabelos estavam ligeiramente desarrumados e seus lábios inchados. Paixão.
Não reconhecia a sedutora ardente que a olhava do espelho, mas decidiu que gostava dela. Era linda e segura de si mesma, e a excitação ante o que a esperava na suíte de número onze fazia seus olhos brilharem.
Obrigou-se a respirar fundo várias vezes e esperou que o rosto do espelho tivesse perdido sua expressão selvagem. Por último afastou os cabelos longos e loiros do rosto.
Satisfeita por ter recuperado o controle, saiu do banheiro e se sentou na cama. Esperaria quinze ou vinte minutos antes de subir. Não queria parecer ansiosa.
Piers andava de um lado para o outro no quarto, pouco acostumado à inquietação que o consumia desde que se separou da loira explosiva. Pela terceira vez, consultou o relógio.
Apareceria?
Desejava-a. Ele a desejou desde o instante em que a viu na porta do hotel. Havia se sentido enfeitiçado por sua imagem. Era alta e magra, com pernas bem torneadas, uma cinturinha de vespa e seios altos e volumosos. Seus cabelos caíam como seda sobre os ombros e as costas. Ardia de desejo de enterrar os dedos naqueles cabelos e devorar seus lábios carnudos. Nunca tinha reagido com tanta intensidade a uma mulher.
As suaves batidas das juntas dos dedos contra a porta o deixaram em alerta. Ao abrir, encontrou-a lá, deliciosamente tímida, olhando em seus olhos, estranha mistura de esmeraldas e safiras.
—Eu sei que me deu uma chave — sussurrou ela—, mas não me pareceu correto entrar aqui sem mais.
—Alegra-me que tenha vindo — disse ele quando finalmente recuperou a voz.
Assim que ela entrou na suíte, rodeou-a com seus braços e sentiu a mulher estremecer suavemente contra ele.
Incapaz de resistir baixou a cabeça até que suas bocas se uniram. Queria saboreá-la uma vez mais. Só uma vez. Mas quando seus lábios se uniram, esqueceu sua intenção.
Ela reagiu com ardor e colocou seus braços ao redor dele. As mãos femininas queimavam contra a pele masculina através da camisa. Desejava que ela estivesse nua. Desejava estar nu contra ela.
A ideia de seduzi-la lentamente desapareceu enquanto ele mergulhava na doçura feminina. Não estava muito certo de quem seduzia quem, mas naquele momento isso também não importava.
Os lábios do homem traçaram um rastro pelo pescoço dela enquanto os dedos puxavam, impacientes o fechamento do vestido. Uma pele suave e cremosa se tornou visível e a boca se dirigiu impulsivamente para a pele nua.
Ela gemeu suavemente e tremeu enquanto a língua dele deslizava pela curva de seu ombro. O vestido caiu no chão e ela ficou vestida apenas com uma diminuta peça de lingerie.
Ele ficou sem fôlego ao contemplar os seios arredondados. Os mamilos turgidos pareciam chamá-lo aos gritos. Brincou com eles antes de tomar um seio na mão e baixar a cabeça para beijar a aréola cor de pêssego.
O sabor de Jewel explodiu em sua boca. Doce. Delicado como uma flor. Feminino. Perfeito. Theos, aquela mulher o enlouquecia. Fazia-o reagir como se fizesse amor pela primeira vez.
Finesse. Devia ir com calma. Primeiro a enlouqueceria, e só então a faria dele.
Jewel sentiu que seus joelhos se debilitavam e se agarrou aos ombros atléticos. Embora não devesse ter se preocupado com isso, já que ele a tomou em seus braços e a levou para o quarto.
Deitou-a sobre a cama e começou a se despir. Os olhos pretos queimavam sua pele.
A primeira coisa que tirou foi à camisa, revelando ombros atléticos, um peito robusto e uma cintura cuja musculatura sugeria que não se tratava de um empresário ocioso. Os pelos se espalhavam por seu torso e se estendiam até os mamilos, e depois se espessavam, à medida que desciam para o umbigo até se estenderem um pouco acima do cós da calça.
Ela olhou com desejo enquanto ele desabotoava a calça, que ele deslizou até o chão junto com a cueca. A ereção ficou, finalmente, livre no meio de um ninho escuro e peludo. Os olhos de Jewel se abriram maravilhados ante a impossível curvatura ascendente.
—Alguém pode duvidar de meu desejo por você, yineka mou? —ele deslizou sobre a cama e segurou os quadris femininos com seus joelhos.
—Não — ela sorriu.
—Eu a desejo muito — disse ele com voz rouca antes de baixar a cabeça e beijá-la nos lábios.
O corpo da jovem se arqueou para recebê-lo. Tinha passado muito tempo desde a última vez que tinha procurado deliberadamente a companhia de um homem.
Ele segurou seus braços acima da cabeça até que ficou imóvel e indefesa. Não se limitou a beijá-la, devorou-a.
Os ofegos dela ecoaram no quarto quando ele lambeu e sugou um seio e depois o outro. A língua iniciou um caminho descendente para o umbigo, seguida pelas mãos que percorreram cada curva até descansar nos quadris. Depois deslizou os polegares sob a calcinha e pressionou a boca contra o suave montículo, ainda coberto pelo lingerie.
Ela não pôde conter um pequeno grito ao sentir a sensação elétrica da boca masculina sobre o lugar mais íntimo, apesar dele ainda não haver tocado sua pele.
As mãos dele continuaram descendo pelas pernas, arrastando a roupa íntima com elas. Ao chegar aos joelhos, rasgou-a ao meio com impaciência antes de voltar com dedos ansiosos para as coxas.
Com muita delicadeza, separou suas pernas e ela começou a tremer violentamente.
—Não tenha medo — murmurou ele. — Confie em mim. Quero dar a você o mais doce dos prazeres.
—Sim. Por favor, sim — ela suplicou.
—Dê-me seu prazer, yineka mou. Só a mim — com um dedo, abriu delicadamente o caminho antes de aproximar sua boca dos cachos emaranhados que protegiam sua área mais sensível.
Ela se arqueou para trás enquanto gritava selvagemente ao sentir a língua dele se afundar dentro dela. Era demais. Há tempos que o era.
—Que consentimento. Que selvagem. Não posso esperar mais para possuí-la.
Ela começou a protestar ao ver que ele se afastava, antes de perceber que ele estava colocando um preservativo.
—Possua-me. Faça-me sua — suplicou.
Ele fechou os olhos antes de saltar para o vazio com uma forte investida.
Jewel ficou sem fôlego, imóvel e desfrutando da sensação de senti-lo dentro.
—Eu machuquei você? — ele abriu os olhos com sinais evidentes de esforço para controlar-se.
Ela acariciou sua face. Os olhos pretos emitiam fogo e foi consciente do quanto estava perto de perder o controle. Durante alguns instantes, Jewel se deleitou em seu poder.
—Não — respondeu com doçura. — Não me machucou. Desejo você. Possua-me agora. Não se contenha.
Ele fez uma última tentativa para se controlar, mas ela não permitiu. Rodeando a cintura masculina com as pernas, arqueou as costas, aproximando-o mais dela. Desejava-o. Necessitava-o.
Ele se rendeu com um gemido e puxou-a para ele. A força, aumentado à velocidade e duração, transbordou. Sentia uma deliciosa mistura de dor erótica e êxtase sensual. Céus. Jamais tinha experimentado nada igual. Era como montar no lombo de um furacão.
—Vamos — disse ele ao seu ouvido. — Você primeiro.
Ela obedeceu sem protestar e se rendeu completamente a sua vontade. O orgasmo explodiu terrorífico e maravilhoso ao mesmo tempo enquanto seus gritos se misturavam com os dele.
O homem se movia cada vez mais rápido, e com mais força, investindo nela com intensidade selvagem. Os lábios dele se fundiram com os dela numa tentativa quase desesperada de amortecer os gritos que, apesar de tudo, escaparam duros e masculinos.
De repente ficou quieto dentro dela enquanto seus quadris tremiam incontroladamente. Acariciou seu rosto doce e os cabelos antes de abraçá-la com força enquanto murmurava em seu ouvido palavras que ela não entendia.
Depois se afastou e se soltou do abraço quente para se desfazer do preservativo.
Ela esperou com antecedência. Ele ia pedir que ela partisse ou que passasse a noite com ele?
O homem respondeu sua pergunta sem que a formulasse, deitando-se ao seu lado e abraçando-a de novo. Minutos depois, a respiração relaxada acariciou seus cabelos loiros. Ele adormeceu.
Com cuidado para não acordá-lo, Jewel apoiou uma face sobre o peito peludo enquanto o abraçava pela cintura e aspirava ao aroma masculino de sua pele.
Durante um breve momento se sentiu segura. Aceita. Até mesmo amada. Se pensasse isso, era uma idiota, mas naquela noite não pensaria. Aquela noite só desejava pertencer a alguém.
Mesmo enquanto dormia, ele sentiu a inquietação da mulher. Abraçou-a com mais força e ela sorriu enquanto cedia ao prazer de render-se ao sonho.
Piers despertou sem saber que horas eram. Normalmente, despertava todas as manhãs antes do amanhecer. Naquele dia, no entanto, o sono nublava sua mente e uma preguiça incomum enrijecia seus músculos. Algo suave despertou seus sentidos. Ela ainda continuava em seus braços.
Em vez de se afastar imediatamente, ficou imóvel, aspirando seu aroma. Deveria levantar-se e tomar banho, deixar claro que a aventura tinha terminado, mas não queria expulsá-la ainda de seu lado.
Ela se mexeu quando ele acariciou suas costas e suas mãos desceram pelas curvas de seus quadris. Desejava possuí-la novamente. Mais uma vez. Apesar dos sinais de alerta, virou o corpo dela e deslizou sobre ela enquanto estendia a mão em busca de outro preservativo.
Penetrou-a no instante em que os azuis olhos se abriam sonolentos. Afundou-se dentro dela de forma mais lenta, com mais cuidado que na noite anterior. Queria saborear aquele último encontro.
—Bom dia — ela murmurou com uma voz sedutora que o fez estremecer.
Jewel bocejou e se espreguiçou como um gato enquanto rodeava seu pescoço com seus braços. Bonita e suave, seus movimentos imitaram os dele em um doce balanço.
Se a noite anterior tinha sido uma grande tempestade, aquela manhã era a chuva suave.
Ele retirou os cabelos de seu rosto, incapaz de resistir à tentação de beijá-la repetidas vezes. Não conseguia se saciar. Em sua mente surgiu a ideia de que não queria que ela partisse, mas a expulsou de sua cabeça, decidido a não cair em uma armadilha emocional.
Tinha vivido muito tempo sem vínculos para permitir que isso voltasse a acontecer.
Ela o envolveu em seu abraço enquanto ele investia e se retirava. O ritmo era lento, destinado a prolongar o prazer.
Quando já não havia maneira de retardar o delicioso prazer, levou a ambos ao ápice, ficando ofegantes e trêmulos, abraçados um ao outro.
Ficaram imóveis durante um longo tempo, ele ainda dentro dela.
De repente, a realidade se impôs. Era dia. A noite tinha terminado.
Bruscamente, ele se afastou, levantou-se da cama e procurou sua calça.
—Vou tomar banho — disse secamente ao ver que a mulher o olhava.
Ela assentiu enquanto ele entrava no banheiro com mais pesar que alívio. Dez minutos depois voltou para o quarto. Ela tinha desaparecido da cama, do quarto. De sua vida.
Parecia, de fato, que ela tinha entendido perfeitamente as regras do jogo. Talvez muito bem. Por um instante se permitiu sonhar que talvez, só talvez, ela ainda estivesse na cama. Saciada do amor que ele lhe fez. Saciada e dele.
Jewel parou em frente à porta dos escritórios do hotel Anetakis e alisou os cabelos pela terceira vez, embora só tenha conseguido desfazer um pouco mais o elegante coque que tinha feito.
Tinha uma aparência fria e profissional, havia custado a obter seu trabalho. Não restava nem sinal da mulher que se entregou com tanta paixão há duas noites atrás.
Tinha esperado encontrá-lo novamente. Por acaso. Talvez conseguisse outra noite de paixão, apesar de ter jurado que seria apenas uma.
Era muito melhor assim. Certamente ele já havia voltado para em onde ele vivia. Ela mesma seguiria seu caminho em algumas semanas, provida do dinheiro suficiente para custear suas viagens.
Consultou o relógio. Passavam dois minutos das oito. Estava convocada para as oito. Ao que parecia, a pontualidade não era um dos pontos fortes do senhor Anetakis.
—Senhorita Henley — a suas costas, a porta se abriu e uma mulher de meia idade mostrou a cabeça—, o senhor Anetakis a receberá agora.
Jewel sorriu e seguiu à mulher para dentro do escritório. O senhor Anetakis estava de costas e falava pelo celular. Ao ouvi-las entrar, virou-se e a jovem parou em seco.
O senhor Anetakis se limitou a arquear uma sobrancelha em sinal de reconhecimento antes de desligar.
—Já pode se retirar, Margery. A senhorita Henley e eu temos coisas a falar.
Jewel engoliu com dificuldade enquanto Margery saía do escritório e o senhor Anetakis a perfurava com os olhos.
—Deve saber que eu não tinha nem ideia de quem você era — disse ela com voz trêmula.
—Certamente — respondeu ele com calma. — O notei pela expressão de espanto que tinha quando me virei. Mesmo assim, faz que as coisas fiquem um pouco desconfortáveis, não acha?
—Não vejo por que — disse ela enquanto se aproximava dele com uma mão estendida. — bom dia, senhor Anetakis, sou Jewel Henley, sua nova ajudante. Espero que trabalhemos bem juntos.
Ele sorriu com cinismo, mas antes de poder dizer qualquer coisa, o celular tocou de novo.
—Desculpe-me, senhorita Henley — disse com voz relaxada antes de atender ao telefone.
Embora ela não entendesse o idioma em que falava, era evidente que a ligação não o tinha agradado. Franziu o cenho e começou a gritar antes de murmurar algo ininteligível e desligar.
—Peço-lhe desculpas. Devo atender imediatamente um assunto. Reúna-se com Margery em seu escritório e ela se encarregará de… instalá-la.
Jewel assentiu enquanto ele saía do escritório. Com os joelhos trêmulos, foi procurar Margery enquanto rezava para manter a compostura durante as próximas quatro semanas.
Piers desceu do helicóptero e se dirigiu ao carro que tinha ido buscá-lo. A caminho do aeroporto onde aguardava o jato particular, fez uma ligação.
—No que posso servi-lo, senhor Anetakis? — respondeu o chefe de recursos humanos do hotel.
—Jewel Henley — rugiu ele.
—Sua nova ajudante?
—Livre-se dela.
—Desculpe-me? Há algum problema?
—Limite-se a se livrar dela. Não quero que continue aí — respirou fundo— Transfira-a, promova-a ou pague seu salário inteiro do contrato, mas livre-se dela. Não pode trabalhar para mim. Tenho uma política muito rigorosa sobre relações pessoais entre empregados.
Depois de alguns minutos sem ouvir nada do outro lado do telefone, soltou uma imprecação e desligou. A ligação foi cortada. De qualquer forma, não queria uma resposta. Queria apenas que fosse resolvido.
A ajudante de seu irmão tinha vendido informação muito valiosa sobre a empresa a seus competidores. Depois daquele desastre, todos tinham adotado políticas muito rigorosas sobre as pessoas que trabalhavam com eles. Não podiam se permitir outra Roslyn.
Mesmo assim, sentiu um aperto no peito enquanto descia do carro e subia no jato. Não podia negar que aquilo tinha sido algo mais que uma aventura casual de uma noite. Mais uma razão para cortá-la o quanto antes. Não voltaria a ceder nem uma parte insignificante de poder para outra mulher.
Jewel permanecia sentada à escrivaninha de Margery preenchendo formulários. Tinha passado à manhã em um estado de permanente ansiedade enquanto esperava a volta de Piers.
Na hora do almoço, desceu para a cafeteria e comeu um sanduíche enquanto contemplava os mergulhos das gaivotas ante os turistas que lhes davam pão. Se Margery permitisse que ela usasse o computador à tarde, mandaria uma mensagem para Kirk.
Era seu único amigo, embora mal se vissem. O fato de serem duas almas errantes a divertia. Nenhum dos dois possuía um lar, e talvez fosse por isso que se entendiam tão bem.
Uma mensagem ocasional, uma ligação de vez em quando, e alguns encontros quando seus caminhos coincidiam. Era a coisa mais parecida com um irmão ou um familiar que já tinha sonhado ter.
Terminou o sanduíche, jogou o pacote no cesto de papéis e se dirigiu ao elevador dos empregados. Piers teria voltado? Sentiu uma comichão no estômago, mas reprimiu seu nervosismo. De nada serviria que ele soubesse até que ponto a tinha afetado sua relação.
—O senhor Patterson quer vê-la imediatamente — foi à recepção de Margery.
Jewel franziu o cenho. Com um suspiro de resignação, dirigiu-se ao escritório do diretor de recursos humanos.
—Senhorita Henley, entre — o homem levantou os olhos ao vê-la entrar. — Sente-se, por favor.
Ela se sentou em frente a ele e esperou ansiosa.
—Quando foi contratada — ele pigarreou e puxou a gola da camisa antes de olhá-la nos olhos—, foi para um posto temporário. Como ajudante do senhor Anetakis enquanto estivesse aqui.
—Correto — já tinham passado por tudo aquilo.
—Lamento informar que ele já não precisa de uma ajudante. Ele mudou seus planos.
—Desculpe? —ela o olhou estupefata durante alguns segundos.
—Seu contrato foi rescindido com caráter imediato.
—Bastardo! —exclamou ela. — É um bastardo completo e absoluto!
—O serviço de segurança a acompanhará até seu quarto para que recolha seus pertences — continuou ele como nada tivesse acontecido.
—Senhor Patterson, pode dizer de minha parte, textualmente, ao senhor Anetakis, que ele é a pior das escórias. É um lixo covarde e espero que se afogue em sua própria covardia.
Ele então se levantou e saiu do escritório. A batida na porta retumbou por todo o corredor.
Não tinha tido a coragem de despedi-la ele mesmo. O falso.
Dois guardas de segurança se juntaram a ela junto ao elevador, como se fosse uma delinquente.
Subiram em meio a um silencio tenso e os homens a seguiram pelo corredor até o quarto, postando-se um em cada lado da porta.
A jovem se deixou cair sobre a cama como um balão vazio. Maldito fosse aquele homem. Não tinha dinheiro para continuar viajando. Tinha gasto até o último centavo de suas economias para chegar até ali e aquele trabalho deveria ter permitido que ela se recuperasse economicamente.
Mas naquele momento só restava uma opção se quisesse ter um teto sobre a cabeça. Teria que voltar para São Francisco e para o apartamento de Kirk.
Tinham um acordo. Todas as vezes que ela precisasse de um lugar para se alojar, podia ir para lá.
Só podia entrar em contato com ele por e-mail. Só esperava que ele não coincidisse ali com ela, em uma das poucas ocasiões em que voltava para sua casa.
São Francisco então, decidiu finalmente a contra gosto. Talvez encontrasse um trabalho e pudesse economizar um pouco. Era uma sorte dispor de alojamento grátis, mas não gostava da ideia de se aproveitar da generosidade de Kirk.
—Maldito seja, Piers Anetakis — sussurrou. Aquele homem tinha conseguido transformar a noite mais bela de sua vida em algo sujo e odioso.
Golpeou-se mentalmente. Não adiantava sentir pena de si mesma. Só restava recolher suas coisas, seguir adiante e, com sorte, aprender a lição.
Cinco meses depois…
Piers desceu a escadinha do jato particular e se dirigiu ao carro que o aguardava. O motorista já conhecia o destino, de modo que não teve que fazer nada a não ser sentar-se no assento de trás enquanto o carro se dirigia ao hospital em que Jewel estava internada.
Devia ter algo sério se tinha recorrido a ele depois de não dar sinais de vida há cinco meses. A culpa era um forte estimulante, mas mesmo assim tinha sido incapaz de localizá-la.
Mas o importante era que a tinha encontrado. Garantiria que tivesse o melhor atendimento para compensá-la pela perda do emprego e, com sorte conseguiria tirá-la da cabeça.
Quando chegaram ao hospital, não perdeu nem um segundo antes de correr para o elevador.
Bateu com suavidade na porta, mas, ao não obter resposta, entrou em silêncio.
Jewel estava deitada sobre a cama. A respiração, suave e rítmica, indicava que dormia.
Entretanto, tinha uma expressão de preocupação no rosto. E as mãos se agarravam aos lençóis na altura do peito. Mesmo assim continuava tão bonita quanto ele se lembrava.
Jogou a jaqueta sobre uma cadeira junto à cama e se sentou. Um movimento o alertou quando a jovem abriu os olhos.
A primeira coisa que se refletiu em seu rosto foi espanto, em um gesto parecido com pânico. Imediatamente, as mãos deslizaram até o estômago, em um gesto protetor que só teria passado despercebido a Piers se ele fosse cego.
Havia uma protuberância inconfundível, um montículo esticado que protegia um bebê em seu interior.
—Está grávida!
—Não diga assim — ela entreabriu os olhos. — Não consegui isso sozinha.
Durante alguns segundos ele ficou muito chocado para captar a insinuação e, quando o fez, sentiu uma sacudida gélida na coluna. As velhas lembranças retornaram a sua mente em uma onda de fúria.
—Você está insinuando que é meu? —rugiu. Não voltaria a cair na mesma armadilha.
—Ela — corrigiu Jewel. — Ao menos fale de sua filha como se a considerasse um ser humano.
—Uma filha?
Contra sua própria vontade, a expressão de ira relaxou. Com impaciência afastou as mãos da jovem e estremeceu quando a pele esticada se moveu ao toque de seus dedos.
—Theos! Foi ela?
—Esta manhã está muito ativa — Jewel assentiu e sorriu.
Piers sacudiu a cabeça em uma tentativa de fazer o feitiço desaparecer. Uma filha. De repente visualizou uma menina, idêntica a Jewel, mas com os olhos escuros.
—É minha? —a expressão voltou a se endurecer.
Jewel o olhou com calma nos olhos e assentiu.
—Tomamos precauções. Eu tomei precauções.
—É sua — ela deu de ombros.
—E você espera que eu engula isso? Assim sem mais?
—Em dois anos não me deitei com nenhum outro homem — ela tentou se sentar. — É sua.
—Então não se oporá a fazer o teste de paternidade — ele já não era o idiota confiante de anos atrás.
—Não me oponho — ela fechou os olhos em um gesto claro de cansaço. — Não tenho nada para esconder.
—E o que você tem? Por que está no hospital? —perguntou ele finalmente. Descobrir sobre o bebê, e a possibilidade de ser dele, o fez esquecer o motivo de sua presença ali.
—Estive doente — disse ela com voz cansada. — Pressão alta. Exaustão. Meu médico diz que meu trabalho é em grande parte culpado e quer que eu o deixe. Diz que não tenho escolha.
—Em que diabos esteve trabalhando? —perguntou ele.
—De garçonete. Foi o único que encontrei em tão pouco tempo. Precisava do dinheiro para poder ir embora daqui. Para algum lugar mais quente.
—E por que veio para cá? Poderia ter ido para qualquer lugar.
—Aqui disponho de alojamento. Alojamento de graça — ela o olhou com amargura. — Depois de ser despedida não tive escolha. Precisava de um lugar para dormir até poder economizar dinheiro.
—Ouça Jewel, quanto à demissão… — o remorso o atormentou. Não só tinha despedido-a, mas também tinha empurrado uma mulher grávida para uma situação desesperadora.
—Não quero falar sobre isso — a jovem levantou uma mão e o olhou com expressão irada. — É um covarde e um bastardo. Jamais teria voltado a lhe dirigir a palavra se não fosse porque nossa filha precisa de você, se não fosse porque eu preciso da sua ajuda.
—E disso que se trata. Nunca foi minha intenção despedir você — disse ele com calma.
—Pois não me serve de muito consolo, considerando que fui despedida e escoltada até a porta da rua de seu hotel — ela o olhou furiosa.
Piers suspirou. Não era o momento de tentar argumentar. Ela estava cada vez mais alterada. Se ela tinha optado por pensar o pior dele, estava claro que em cinco minutos ela não ia conseguir apagar cinco meses de raiva.
—E o que é que você precisa de mim? —perguntou. — Farei o que puder por você.
Ela o olhou com desconfiança, refletida nos olhos azuis e ele decidiu que sem dúvida seria muito melhor que a menina tivesse os olhos de sua mãe. Os cabelos escuros e os olhos verdes mar. Ou eram azuis? Pareciam mudar constantemente.
—Meu médico não me dará alta até que eu garanta que alguém cuidará de mim — ela fechou os olhos e deixou os ombros caírem. — Devo ficar de repouso na cama até a operação.
—Operação? —Piers se inclinou para frente. —Eu pensei que você sofria de um problema de pressão alta — pela gravidez de sua cunhada, sabia que o tratamento para o estresse ou a pressão alta era simplesmente repouso. — Não podem operar você enquanto estiver grávida. O que acontecerá ao bebê?
—Esse é o problema — disse ela pacientemente. — Ao realizarem uma ecografia para verificar o estado do bebê, encontraram um cisto em um de meus ovários. O cisto cresceu e agora começou a pressionar o útero. A única opção para que não prejudique o bebê é operar.
—Esta operação… — Piers soltou uma imprecação. —É perigosa? Poderia prejudicar o bebê?
—O médico acha que não.
Ele voltou a soltar uma imprecação. Não queria ver-se novamente envolvido em uma situação em que poderia perder tudo. Já não era tão idiota. As coisas se fariam ao seu modo.
—Vai se casar comigo — anunciou secamente.
—Você enlouqueceu! —exclamou Jewel.
—Não acredito que falar de casamento indique uma mente transtornada — entreabriu os olhos.
—Louco. Decididamente.
—Não estou louco — grunhiu ele.
—Fala a sério! —ela o olhou com um misto de espanto e horror—. Pelo amor de Deus. Você realmente acha que eu me casaria com você?
—Não há motivo para se mostrar tão espantada.
—Assustada — murmurou ela. — Isso descreve melhor minha reação. Escute Piers. Preciso de sua ajuda. Seu apoio econômico. Mas não preciso me casar. Não com você. Jamais com você.
—Pois se quiser meu apoio financeiro, pode estar malditamente certa de que terá que se casar comigo para conseguir — rugiu ele.
—Sai daqui — Ela o alfinetou enquanto com uma mão trêmula apontava para a porta.
—Não deveria ter dito isso — Piers segurou sua mão e acariciou suavemente o interior do pulso — Você me deixou furioso. Se o bebê for meu, é obvio que terá meu apoio, Jewel.
Surpreendida pela mudança brusca, ela só foi capaz de olhá-lo fixamente sem saber o que dizer.
—Então nos esquecemos de toda essa coisa de casamento?
—Não prometi isso a você — ele apertou os lábios. — Tenho a intenção de me casar com você assim que puder, e certamente antes da operação.
—Mas…
—Você vai sofrer uma intervenção perigosa — ele fez que ela se calasse levantando uma mão no ar. — Não tem família, ninguém que esteja ao seu lado, que tome decisões se acontecer o pior.
Um calafrio percorreu a coluna da jovem. O que ele sabia sobre sua família? Tinha mandado investigá-la? Uma náusea se apoderou de seu estômago. Não suportava a ideia de que alguém soubesse algo sobre o seu passado. No que lhe dizia respeito, o passado não existia. Ela não existia.
—Tem que haver outro modo — disse ela com a voz partida.
—Não vim para brigar com você — a expressão dele se suavizou. — Temos muito que fazer. Falarei com seu médico e a transferirei para um lugar melhor. Quero que um especialista se encarregue de você. Poderá nos dar uma segunda opinião. E também me encarregarei de organizar nosso casamento.
—Alto aí — exclamou ela, furiosa. — Não tem direito de irromper aqui, se encarregar de minha vida e tomar decisões por mim. Já falei com os médicos. Sou plenamente consciente do que terá que se feito, e eu decidirei o que é melhor para mim e minha filha. Se achar que isso é um problema, pode voltar para sua ilha e me deixar em paz.
—Não se altere Jewel — ele levantou as mãos. —Lamento ter ofendido você. Estou acostumado a tomar conta de tudo. Você pediu minha ajuda e eu lhe ofereci isso, e agora não parece querê-la.
—Quero sua ajuda, mas sem condições.
—Pois temo não poder me manter a margem.
—Nem sequer está convencido de que seja sua filha — ela o alfinetou.
—É verdade — ele assentiu. — Seria um idiota se simplesmente aceitasse sua palavra. Mal nos conhecemos. Como vou saber se você não inventou tudo isso? Em todo caso, estou disposto a ajudar você. Devo isso a você. No momento, estou disposto a assumir que carrega dentro de você minha filha. E quero que nos casemos antes que se submeta a qualquer tratamento médico.
—Mas isso é uma loucura — protestou ela.
—Farei que redijam um acordo que proteja os interesses de ambos — continuou ele. — Se o resultado for que o bebê não é meu e você mentiu para mim, o casamento será anulado imediatamente. Proporcionarei o sustento para você e sua filha, cada um seguirá caminhos separados.
Ela não deixou de perceber o modo como ele disse «sua filha», distanciando-se de propósito da equação. A opinião que ele parecia ter dela não era precisamente uma boa base para um casamento.
—E o que acontecerá se ela for sua? —perguntou com doçura.
—Então permaneceremos casados.
—Não — ela sacudiu a cabeça. — Não quero me casar com você. E não é possível que você deseje isso.
—Não vou discutir Jewel. Você se casará comigo, e o fará em breve. Pense no que é melhor para sua filha. Quanto mais tempo nós perdemos, mais tempo você e o bebê estarão em risco.
—Está me chantageando — exclamou ela perplexa.
—Pense o que quiser — ele deu de ombros.
—É sua filha — disse ela furiosa. — Faça o maldito teste, mas é sua.
—Não teria proposto casamento a você se não pensasse nessa possibilidade — Piers assentiu.
—E não quer esperar os resultados antes que nos amarremos um ao outro?
—Você diz isso de um modo muito estranho — Piers parecia até se divertir. — Nosso acordo está aberto a qualquer possibilidade. Se você mentiu para mim, estarei disposto a me mostrar generoso. E se, como você afirma, ela for minha filha, o melhor será que estejamos casados e dermos a ela um lar estável.
—Um lar com dois pais que mal se suportam?
—Eu não diria isso — ele arqueou uma sobrancelha. — Naquela noite em meu hotel parecemos nos dar muito bem.
—A luxúria não é um bom substituto para o amor, a confiança e o compromisso — ela ruborizou.
—E como sabe que todo isso não vai surgir com o tempo?
Ela o olhou estupefata.
—Dê-lhe uma chance, Jewel. Quem sabe o que o futuro nos proporcionará. No momento, terá que se encarregar da operação, e é obvio do resultado do teste de paternidade.
—Claro. Que idiotice de minha parte pensar no casamento quando estamos falando de nos casar.
—Não é necessário ser tão sarcástica. E agora, se tiver terminado, sugiro que descanse um pouco. Temos muito que fazer, e quanto mais cedo organizar tudo, mais cedo poderá ficar tranquila.
—Eu não disse que vou casar com você — respondeu ela.
—Não. E estou esperando sua resposta.
A frustração martelava as têmporas de Jewel. Como aquele homem era enervante. Arrogante. Convencido de fazer a própria vontade. E mesmo assim, o grande idiota tinha razão em tudo.
Recostou-se e fechou os olhos enquanto a tristeza a invadia. Sentia vontade de chorar. Aquilo se afastava muito de seus sonhos para o futuro. Tinha aceitado o fato de que provavelmente jamais se casaria que jamais poderia chegar a confiar em alguém. Mas isso não a impediu de sonhar com um homem que não abusasse de sua confiança. Alguém que a amasse incondicionalmente.
—Não será tão ruim — disse Piers enquanto segurava novamente sua mão.
—Ok, Piers — ela abriu os olhos com expressão esgotada. — Mas tenho minhas condições.
—Proporcionarei um advogado a você que proteja seus interesses.
Tudo aquilo parecia estéril e frio. Sentiu um calafrio. Não tinha nenhuma dúvida de estar cometendo um erro. Talvez o maior de sua vida. Mas por sua filha faria qualquer coisa. Desde o momento que descobriu que estava grávida, o bebê se transformou em sua prioridade. Se fosse necessário, se casaria até com o próprio diabo.
—E que tal se eu escolhesse o advogado e pedisse a ele que passe para você a minuta? —ofereceu-se ela.
—Não confia em mim? —ele soltou uma gargalhada. — Suponho que tenha seus motivos. De acordo.
Ela revirou os olhos. Piers se mostrava magnânimo. Podia se permitir. Tinha ganhado.
—Precisa de algo? Quer que eu traga algo para você?
—Comida — disse ela depois de hesitar um instante.
—Comida? Não dão comida para você aqui?
—Refiro-me a uma comida que seja boa — disse ela. —Estou morrendo de fome.
Ele sorriu e Jewel sentiu um estremecimento que chegou até a ponta de seus pés. Maldito fosse por ser tão atraente. Com a mão acariciou a barriga em uma desculpa silenciosa. Não lamentava nem um instante daquela noite, mas não estava disposta a pagar por ela o resto de sua vida.
—Verei o que posso fazer em relação à comida. Agora descanse. Voltarei logo.
Piers a surpreendeu com um beijo casto na testa, um gesto muito terno.
—Não quero que se preocupe com nada. Descanse e fique bem. E cuide de sua… nossa filha.
As últimas palavras pareceram lhe custar um esforço, como se estivesse cedendo. Talvez não desejasse ter filhos. No entanto, tinha uma filha e era melhor ele se acostumar com a ideia.
Depois de um último olhar, ele saiu do quarto do hospital e fechou a porta.
Casada.
Não se imaginava casada com um homem tão duro. Já tinha tido muitos pessoas duras em sua vida. Indivíduos frios, sem emoções, sem coração, sem amor. E de repente se via fadada a um casamento que seria uma réplica de sua infância.
—Para você nunca será assim, carinho — disse enquanto acariciava a barriga. — Eu amo você e não permitirei que passe um só dia sem que saiba disso. Eu juro. Aconteça o que acontecer, você sempre me terá.
—Fiz algo terrível — disse Piers assim que seu irmão, Chrysander, atendeu ao telefone.
—Por que está se transformando um hábito que meus irmãos mais novos liguem no meio da noite pronunciando essas mesmas palavras? —Chrysander suspirou e se sentou na cama.
—Theron se meteu em alguma confusão? —perguntou Piers.
—Não desde que seduziu uma mulher que estava sob sua proteção — respondeu secamente o irmão mais velho.
—Ah, refere-se à Bela. E por que eu acho que foi ela quem seduziu ele?
—Estamos nos desviando do assunto. O que foi que você fez de tão horrível e quanto vai custar?
—Talvez não custe nada. Talvez custe tudo — respondeu Piers com calma enquanto ouvia seu irmão soltar uma imprecação e dizer algo a Marley. — Não preocupe Marley com isto. Sinto tê-la acordado.
—Muito tarde — rugiu Chrysander. —Dê-me alguns minutos para descer para o escritório.
Piers esperou batendo com os dedos na mesa. Finalmente Chrysander voltou a falar.
—Agora me conte o que aconteceu.
—Tive uma aventura. Na realidade, uma aventura de uma noite.
—E? —perguntou seu irmão com impaciência. — Isso não é novo para você.
—Era minha nova ajudante.
Chrysander soltou outra imprecação.
—Mas não sabia até que ela apareceu no primeiro dia de trabalho. Fiz que a demitissem.
—E por quanto nos processou? —resmungou o outro homem.
—Deixe-me terminar — interrompeu Piers com impaciência. — Eu não tinha intenção de demiti-la. Pedi ao meu diretor de recursos humanos que a transferisse, ou a promovesse ou que pagasse seu contrato todo, mas ele ouviu apenas a parte do “livre-se dela”, e a demitiu.
—Muito bem, e qual é o problema?
—Ela está no hospital. Está doente, precisa de uma operação… e está grávida.
—Theos — exclamou Chrysander. — Piers, não pode permitir que volte a acontecer. A última vez…
—Eu sei — respondeu ele com irritação. A última coisa que queria era que seu irmão o relembrasse.
—Tem certeza que o bebê é seu?
—Não. Pedi um teste de paternidade.
—Fez bem.
—Há algo mais que você deveria saber — disse Piers. — Vou me casar com ela. Dentro de alguns dias.
—O quê? Você enlouqueceu?
—Que curioso, ela disse o mesmo.
—Felizmente um dos dois tem um pouco de bom senso — disse Chrysander com raiva. —Por que diabos você quer se casar com essa mulher se nem sequer sabe se o filho é seu?
—É incrível como as coisas mudam.
—Não comece. Escutei o mesmo de Theron quando ele insistiu em casar com Alannis. Pouco importou que eu acertasse prevendo o desastre que foi. Sua advertência sobre Marley foi algo totalmente diferente. Você não mantém nenhuma relação com essa mulher. Deitou-se com ela uma noite, e agora ela assegura que você é o pai de seu bebê, e você vai se casar com ela? Assim, sem mais?
—Ela precisa de minha ajuda. Não sou imbecil. Farei que nosso advogado redija um acordo que considere a possibilidade de que o bebê não seja meu. No momento é melhor que nos casemos. Se for minha filha, como me sentiria se não tivesse feito nada enquanto esperava o resultado?
—Filha?
—Sim. Ao que parece, Jewel está grávida de uma menina — apesar de suas dúvidas e suspeitas não pôde deixar de sorrir ante a imagem de uma menina com olhos grandes e um sorriso doce.
—Jewel. Qual é seu sobrenome?
—Não faça isso, irmão. Não é necessário investigar seu passado. Posso me encarregar disso sozinho.
—Não quero ver você ferido de novo — disse o irmão mais velho.
Lá estava. Por mais que tentasse evitar o passado sempre estava lá, como uma nuvem escura. Sem aviso prévio, a imagem de outro menino se formou dolorosamente em sua mente. Um menino doce de cabelos escuros e sorriso angelical. Eric.
—Desta vez me assegurarei de que meus interesses sejam mais bem protegidos — disse Piers com frieza. — Naquela época eu era um idiota.
—Era jovem, Piers — Chrysander suspirou.
—Isso não é desculpa.
—Ligue se precisar de mim. Marley e eu gostaríamos de assistir ao casamento.
—Não é necessário.
—É necessário sim — interrompeu-o o irmão. —Informe-me os detalhes e tomaremos um avião.
Piers fechou a mão com força em torno do telefone. Era bom ter um apoio incondicional. De repente se conscientizou que Jewel não tinha dado seu apoio incondicional. Ela a tinha amordaçado e se aproveitou da situação.
—Certo. Ligarei para você quando estiver tudo organizado.
—Avise também ao Theron. Bela e ele vão gostar de estar lá.
—Sim, irmão mais velho — Piers suspirou.
—Não estou pedindo muito — Chrysander riu. — Além disso, quase nunca me escuta.
—Dê um beijo em Marley por mim.
—Farei isso e… Piers? Tome cuidado. Eu não gosto de como cheira este assunto.
Piers desligou o telefone e depois ligou para seu advogado a quem descreveu brevemente a situação. Depois tomou medidas de segurança para Jewel. Desde o que aconteceu com a esposa de Chrysander, Marley, ele e seus irmãos não corriam riscos. Depois ligou para o hospital para saber da hora da próxima visita do médico. Por último, encomendou em um restaurante próximo um jantar completo para viagem.
Jewel tentou sair da cama. Tinha se levantado apenas para ir ao banheiro e tinha acabado de decidir que estava farta. O médico daria alta a ela no dia seguinte quando soubesse que tinha alguém para cuidar dela.
Depois de tomar banho vestiu uma calça solta e uma blusa para gestante. Depois secou os cabelos o melhor que pôde com a toalha e os deixou soltos para que terminassem de secar.
Tinha acabado de se instalar na poltrona junto à cama quando a porta se abriu e Piers entrou com duas bolsas grandes de comida para viagem.
Ela se inclinou nervosamente para frente enquanto era inspecionada pelos olhos pretos.
—Não deveria ter tomado banho antes que eu viesse.
—O quê? —perguntou perplexa.
—Poderia ter caído. Deveria ter me esperado ou, ao menos, ter chamado a enfermeira.
—E como sabe que eu não chamei nenhuma das enfermeiras?
—Fez isso? —ele a olhou zombeteiramente.
—Isso não lhe diz respeito — respondeu a jovem.
—Se estiver grávida de minha filha, então me diz respeito sim.
—Escute Piers, devemos esclarecer algo desde o começo. Que eu esteja grávida de sua filha não lhe dá nenhum direito sobre mim. Não permitirei que tome as rédeas de minha vida.
Mesmo enquanto pronunciava as palavras era consciente do quanto soavam estúpidas.
Mordeu o lábio e desviou os olhos enquanto a mão pousava amorosamente na barriga.
Piers começou a tirar a comida das bolsas, agindo como se ela não houvesse dito nada. O aroma chegou até a jovem cujo estômago começou a protestar.
—Obrigado, estou morrendo de fome.
Ele encheu dois pratos e lhe serviu um antes de sentar-se na beira da cama com o outro.
—Posso voltar para a cama para que possa se sentar na poltrona — ofereceu-se ela.
—Parece estar confortável aí — ele sacudiu a cabeça. — Eu estou bem.
Comeram em silêncio embora ela fosse consciente de que ele a observava. No entanto, obrigou-se a ignorá-lo e se concentrou na comida deliciosa.
—Estava maravilhoso, obrigado — suspirou quando já não conseguia comer nem mais um bocado.
—Gostaria de voltar para a cama? — retirou seu prato e o deixou sobre a mesinha.
—Já tive bastante cama para toda uma vida — ela sacudiu a cabeça.
—Mas não deveria estar na cama com os pés para cima? — insistiu ele.
—Estou bem. O médico quer que fique de repouso moderado até a operação. Isso significa que posso me levantar e me mover um pouco. O que não quer é que permaneça de pé muito tempo.
—E em seu trabalho estaria de pé o tempo todo — ele franziu o cenho.
—Era garçonete. Não tinha outra escolha.
—Deveria ter me ligado assim que soube que estava grávida — disse ele zangado.
—Você me despediu — ela o olhou com expressão assassina. — Deixou claro que não queria saber nada de mim. Por que diabos eu ia ligar para você? Jamais teria feito isso se não tivesse precisado tanto de você.
—Então acho que devo me sentir agradecido por você precisar de mim.
—Eu não preciso de você — se corrigiu ela. — Nossa filha precisa de você.
—Você precisa de mim, Jewel. Tenho que compensar você por muitas coisas, e essa é minha intenção. Podemos falar sobre sua demissão quando já não estiver no hospital e estiver melhor.
—Sobre isso… — começou ela.
—Sim? —ele arqueou uma sobrancelha.
—O médico me dará alta amanhã de manhã.
—Eu sei. Falei com ele antes de vir para o quarto.
Ela apertou os punhos enquanto tentava evitar que seu rosto refletisse a frustração que sentia.
—Não preciso ter você em cima de mim o tempo todo. Pode me deixar em meu apartamento…
—Aluguei uma casa — interveio ele com expressão resoluta. —É para lá que vou levar você. E contratei uma enfermeira para que atenda suas necessidades…
—Não — ela o interrompeu. — Nada disso. Não permitirei que uma enfermeira seja minha babá. Não sou nenhuma inválida. Tenho que ficar de repouso. Posso fazer isso sem a ajuda de uma enfermeira.
—Por que tem que tornar tudo tão difícil? — perguntou ele com calma.
—Se quer contratar alguém, contrate um cozinheiro — murmurou ela. — Cozinho muito mal.
—A questão do cozinheiro pode ser solucionada — ele sorriu. — É obvio desejo que minha filha e sua mãe estejam bem alimentadas. Isso significa que você não se oporá a se instalar na casa?
—Não me oporei — ela iniciou um protesto, mas o sufocou imediatamente e suspirou.
—Viu? Não foi tão difícil?
—Pare de zombar de mim.
O sorriso dele se tornou ainda mais amplo. O incrível era que o fazia parecer encantador. “Perigoso, Jewel. É perigoso. Não caia na armadilha desse encanto”, disse-se.
—Vou levar você para casa comigo, Jewel — disse ele com paciência. — Não lhe servirá de nada discutir. Amanhã espero me ocupar da organização do casamento. Sua saúde era prioritária.
Uma enxaqueca incipiente começou a martelar as têmporas da jovem. O que ia ser de sua vida? Ele daria as ordens e ela obedeceria humildemente? Não se pudesse evitar. Embora também a fizesse se sentir bem transferir seus problemas para outra pessoa. Embora só fosse temporariamente.
—Sua cabeça está doendo? —perguntou ele.
—É o estresse — ela retirou a mão com a que, inconscientemente, esteve esfregando a testa. —Foram duas semanas muito longas. Estou cansada.
Para sua surpresa, Piers pegou delicadamente suas mãos e a ajudou a ficar em pé.
Muito espantada para fazer algo mais que olhá-lo atônita, cooperou sem se queixar. Ele se colocou a suas costas e se sentou na poltrona antes de acomodá-la sobre seu colo.
Jewel comprovou que os cinco longos meses, para seu pesar, não tinham reduzido a química.
O calor dele envolveu-a e a acalmou apesar das emoções efervescentes. Quando começou a massagear seu couro cabeludo com as mãos fortes, ela entrou em pânico.
Totalmente desarmada, afundou-se contra o peito forte. Durante vários minutos, ninguém falou.
—Melhor? —perguntou ele com doçura.
Ela assentiu incapaz de formular qualquer frase coerente. Flutuava em uma nuvem de prazer.
—Você se preocupa muito, yineka mou. O estresse não faz nenhum bem a você, nem ao bebê. Tudo sairá bem. Dou minha palavra.
A frase era destinada a consolá-la e ela apreciou o esforço. Mas, por algum motivo, o juramento parecia ameaçador. Como se tivesse alcançado um ponto de inflexão em sua vida a partir do qual nada voltaria a ser o mesmo. Como se estivesse cedendo o controle.
“Claro que nada voltará a ser o mesmo, idiota. Está grávida e vai se casar”.
Mesmo assim, tentou se consolar com a promessa de Piers. Ele não confiava nela, mas a desejava isso era evidente. E ela o desejava. Não bastava. Nem de longe. Mas era a única coisa que tinham.
Jewel inclinou a cabeça para olhar pela janela enquanto Piers atravessava a entrada de uma propriedade extensa rodeada por uma grama verde e bem cuidada. A casa, modesta em comparação com a extensão da propriedade, apareceu no topo de uma colina.
Era esplêndida. Dois andares com águas-furtadas e hera pendurada na fachada.
Piers estacionou na garagem. Seguia-os o carro que transportava o serviço de segurança. Um dos guardas apareceu e abriu a porta. Cobriu-a protetoramente, protegendo a… do quê? Só se afastou quando Piers pegou sua mão.
—Não sou uma inútil, sabe? —disse ela secamente quando ele a puxou para perto. No entanto, teria mentido se tivesse negado que adorava toda aquela ajuda. O corpo masculino era quente e forte. Pensar que já não estava sozinha quase a fez chorar.
—Eu sei — respondeu ele com seu sotaque áspero. — Mas acabou de sair do hospital, e está grávida. Se há um momento em que precisa de ajuda, este é agora.
Ela relaxou, negando-se a estragar os primeiros momentos em seu novo lar.
Lar. A palavra bateu em seu peito, mas ela sacudiu a cabeça. Ela não tinha nenhum lar.
—Aconteceu algo? —perguntou ele quando pararam em frente à porta.
Envergonhada pela exibição das emoções, ela negou com a cabeça.
Piers abriu a porta e entraram em um amplo saguão do qual surgia uma elegante escada que se curvava na parte superior onde um corredor se conectava a ambos os lados da casa.
—Venha para a sala. Eu me encarregarei de suas coisas.
Ela se deixou conduzir até uma confortável poltrona de couro que oferecia uma bonita vista do pátio.
Como seria viver em uma casa assim? Cheia de risadas e de crianças. De repente, lhe ocorreu que era totalmente possível que parte daquele sonho se tornasse realidade.
Jewel contemplou a barriga distendida e a acariciou. O bebê deu um pontapé e sua mãe sorriu.
Queria dar a sua filha tudo o que ela nunca teve. Amor, aceitação. Um lar estável.
Piers proporcionaria tudo isso? Tudo, menos amor. Ela poderia amar seu bebê o bastante para compensar a existência de um pai que não amava a ela nem a sua mãe?
Estava fazendo justamente o que jurou a si mesma que nunca fazer.
Piers entrou na sala com as duas malas da jovem.
—Levarei isto para cima e descerei para preparar algo para comermos. Precisa de algo enquanto isso?
—Estou bem — respondeu ela, nervosa ante tanta consideração.
—Bem. Então, voltarei logo.
Ouviu-o subir as escadas e se aproximou da porta do terraço. Com as mãos apoiadas no vidro contemplou o magnífico jardim.
Era lindo, mas tinha um ar quase estéril, como se ninguém nunca o tocasse. Parecia… artificial. Sem um ser vivo. Não era como o mar, sempre vivo, barulhento e, às vezes, pacífico e sereno.
Uma mão se apoiou em seu ombro e ela deu um salto. Ao se virar, viu Piers com uma expressão doce.
—Desculpe por tê-la assustado. Eu a chamei, mas ao que parece não me ouviu.
Ela sorriu timidamente, repentinamente nervosa em sua presença.
—É lindo, não é mesmo?
—Sim, é — admitiu Jewel. — Embora eu prefira o mar. É mais… indômito.
—Estes jardins lhe parecem mansos?
—Sim.
—Acredito que sei o que quer dizer. Gostaria de comer? Já tenho algo preparado.
—Poderíamos comer lá fora? —ela o olhou de soslaio. —O dia está tão bonito.
—Como quiser. Por que não vai saindo? Levarei a comida em seguida.
Quando Piers desapareceu pela porta, ela saiu para o pátio pavimentado com pedras.
O frescor provocou um calafrio nela, mas o dia estava bonito, um dos poucos dias em que nenhuma nuvem cobria o céu azul, e não queria desperdiçá-lo permanecendo dentro de casa.
Sentou-se em uma cadeira e esperou Piers. Era estranho para ela que aquele homem a servisse. Piem apareceu com duas bandejas que dispôs sobre a mesa. Jewel pegou o garfo, mas cometeu o erro de levantar os olhos antes de começar a comer. Ele a olhava fixamente.
—Temos muito que falar, Jewel. Depois de comermos, eu gostaria que tivéssemos a conversa que deveríamos ter tido há muito tempo.
Soava ameaçador, e uma pontada de inquietação a atravessou. O que restava para discutir? Tinha exigido que ela se casasse com ele e ela tinha aceitado.
Comeram em silêncio, embora o calor de seus olhos pretos queimasse sua pele.
Terminada a refeição, ela deixou o garfo no prato, mas voltou os olhos para o jardim.
—Não lhe servirá de nada me ignorar.
Convencida de ter uma expressão de culpa no rosto virou-se. Sentia-se como uma criança, mas aquele homem a deixava.
—Devemos esclarecer algumas coisas. Sobretudo sobre a demissão.
—Preferiria não discutir sobre isso — ela ficou tensa e apertou os punhos. — Não pode surgir nada bom disso, e se supõe que devo controlar meu nível de estresse.
—Jamais tive intenção de despedir você. Jewel. Foi totalmente indigno e aceito toda a culpa.
—E de quem seria a culpa se não sua? —perguntou ela.
—Não era o que eu pretendia — insistiu ele.
—Pretendendo ou não, foi o que aconteceu. Curiosa coincidência que me demitissem assim que você averiguou quem eu era não acha?
—Não vai tornar isso fácil param mim, não é mesmo? —Piers bufou com força e entreabriu os olhos.
—Por que deveria facilitar as coisas para você? —ela o olhou fixamente. — Para mim não foi fácil. Não tinha dinheiro. Não tinha trabalho. Vim aqui porque era o único lugar ao que podia ir, e o trabalho de garçonete foi o único que encontrei. Pouco depois comecei a adoecer…
—Tem razão. Sinto muito.
Ele parecia e soava sincero. O bastante para que a próxima pergunta escapasse dos lábios de Jewel antes que pudesse refletir sobre ela.
—Se você achava que eu não devia ser despedida, porque exatamente eu terminei assim?
—Como eu tinha dito — Piers fez uma careta e passou a mão pelos cabelos. — Foi minha culpa. Disse ao meu diretor de recursos humanos que a transferisse, ou a promovesse ou mesmo pagasse o valor total de seu contrato, mas temo que as primeiras palavras que saíram de minha boca foram que ele se livrasse de você. O resto, lamentavelmente, ele não ouviu porque a ligação foi cortada. Quando voltei para hotel e descobri que você tinha ido embora tentei, sem êxito, encontrá-la. De fato, já tinha perdido toda esperança de encontrar você até que ligou.
Ela, o olhou estupefata. Em primeiro lugar, não podia acreditar que ele tinha admitido seu erro. Em segundo lugar, não entrava na sua cabeça que ele tivesse procurado por ela.
—Não o entendo — ela se sentia confusa. — Por que não nos comportamos como adultos? Por que era tão importante para você se desfazer de mim? Compreendo que a situação não era a ideal, mas foi um erro inocente. Nenhum dos dois sabia quem era o outro, Deus sabe que jamais teria me deitado com você àquela noite.
—Então me alegro de que não soubesse quem era eu — sussurrou ele.
—Sim — ela contemplou a barriga. — Já não me arrependo de forma alguma.
—Fez isso no início?
Ele não parecia ofendido, apenas sinceramente curioso. Até esse momento se mostrou franco com ela e se sentia obrigada a mostrar-se igualmente sincera com ele.
—Não. Não lamento a noite que passamos juntos.
—Respondendo a sua pergunta — ele pareceu satisfeito com a resposta—, não foi nada pessoal. Mantenho uma rígida política sobre não permitir que ninguém que trabalhe perto de mim tenha algum tipo de relação pessoal comigo. Lamentavelmente, é uma norma necessária.
—Diz isso como se tivesse acontecido algo — ela arqueou uma sobrancelha.
—De certo modo. A ajudante pessoal de meu irmão se apaixonou por ele, mas também vendeu segredos da empresa e chantageou minha cunhada.
—Parece uma novela - murmurou Jewel.
—Sim, pareceu, no momento — ele riu.
—Poderia simplesmente ter me dito isso. Devia-me isso — ela o olhou fixamente. —Se tivesse sido franco comigo, nada disso teria acontecido. Não teria havido nenhum mal-entendido.
—Tem razão. Temo que a surpresa de descobrir quem você é nublou minha mente. Sinto muito.
A desculpa conseguiu mitigar parte do aborrecimento da jovem. Para ser sincera, ainda guardava rancor dele. Não que tivesse esperado amor eterno, mas acaso aquela noite não tinha significado nada? Nem sequer o bastante para despedi-la pessoalmente?
Entretanto, era consciente de que devia livrar-se de parte desse ressentimento se quisesse que o casamento não fosse complicado e infestado de animosidade.
—Aceito suas desculpas.
—De verdade? —ele a olhou surpreso.
—Não estou dizendo que você se tornou meu melhor amigo — disse ela secamente. — Simplesmente aceitei suas desculpas. Parece o mais correto ante nosso casamento iminente.
—Tenho a sensação de que vamos nós dá bem, yineka mou — ele a olhou divertido antes de baixar os olhos para a barriga proeminente. — Caso esteja me dizendo à verdade.
Durante alguns segundos, a dor se refletiu nos olhos de Piers e ela se perguntou que diabos teria ocorrido com ele no passado para fazê-lo ser tão desconfiado. Não desejava ser o pai de sua filha. Queria que ela fosse mentirosa e estelionatária.
—Não me faz nenhum bem dizer que você é o pai de minha filha se está empenhado em não acreditar em mim — disse ela. — Depois do teste de paternidade saberá.
—Sim. Com certeza saberemos — disse ele.
—Se me desculpar preciso de meu laptop — ela ficou em pé. — Devo enviar uma mensagem.
—E eu tenho que organizar os preparativos para o casamento.
Ela assentiu porque, se tentasse dizer algo, ia engasgar. Sem olhar para trás, correu para dentro da casa. Piers não havia dito a ela qual era seu quarto, mas não teve problemas para encontrá-lo.
Começou tirando suas roupas e guardou-as antes de sentar-se sobre a cama com o laptop. Verificou seu e-mail, mas não havia nenhuma mensagem de Kirk. Nem ela esperava isso. Às vezes passavam meses sem se comunicarem. Mesmo assim, tinha a sensação de que devia uma explicação a ele, e por isso contou tudo a ele em um e-mail que levou meia hora para redigir.
Quando terminou, sentia-se esgotada e bastante idiota. Kirk não podia lhe dar nenhum conselho, mas se sentiu melhor ao descarregava algumas de suas preocupações. Ele, melhor que ninguém, conhecia seus medos em relação ao casamento e o compromisso.
Sem desligar o laptop, recostou-se sobre os travesseiros e olhou para o teto. Seu futuro jamais lhe pareceu tão assustador como naquele momento.
Piers subiu as escadas até o quarto de Jewel. Ela se ausentou por duas horas, tempo mais que suficiente para terminar seus assuntos pessoais.
Bateu na porta, mas não houve resposta. Preocupado, abriu-a e entrou no quarto. Jewel estava deitada com o rosto enterrado nos travesseiros. Profundamente adormecida. Parecia esgotada.
O laptop estava perigosamente perto da beira da cama e ele o pegou antes que caísse no chão. Ao colocá-lo sobre a mesa, a tela se iluminou e ele viu uma mensagem. Era um tal de Kirk.
Com o cenho franzido, ele olhou para o visor e leu a mensagem breve.
Jewel:
Estou indo para casa. Não faça nada até que eu volte. Ok? Aguente. Estarei ai assim que puder pegar um voo.
Kirk
Piers ficou tenso. O inferno se congelaria antes de permitir que aquele homem interferisse em sua relação com Jewel. Ela aceitou casar com ele, e isso era o que faria. Jamais permitiria que outro homem tomasse as decisões.
Sem hesitar, deletou a mensagem e esvaziou a lixeira para removê-la permanentemente do computador. Em seguida deixou o laptop novamente sobre a cama.
Durante um longo tempo contemplou o rosto da jovem. Mesmo adormecida, parecia preocupada.
Que diabos tinha acontecido em sua vida? Não confiava nele. Não que a culpasse por isso, mas ia além da raiva ou de um sentimento de traição. Em algum lugar, alguém a havia machucado muito. Eles tinham algo em comum.
Por mais que jurasse para si mesmo que jamais faria mal a ela e que a protegeria de quem o faria, sabia que, se ela tivesse mentido sobre o bebê, ele a esmagaria sem pensar duas vezes.
Jewel estudou o rosto severo de seu advogado e se perguntou se existiria algo parecido com um advogado com senso de humor. Todos pareciam frios e calculistas tubarões.
Claro que, tratando-se de seu futuro e do de sua filha, o que queria era precisamente o tubarão maior e mais malvado de todo o oceano.
—O acordo está bastante claro, senhorita Henley. Em síntese, estabelece que, em caso de divórcio, tanto o senhor Anetakis como você conservarão os bens de sua propriedade.
Jewel sorriu. Que bens? Ela não tinha nada, e Piers sabia.
—E que mais? —perguntou ela com impaciência. Tinha que haver algo, uma cláusula oculta. Precisava verificar. — Quero uma explicação detalhada. Linha por linha.
—Muito bem — o advogado colocou os óculos e voltou a se sentar com os papéis nas mãos. — O senhor Anetakis se encarregará de seu sustento, independentemente da paternidade do bebê. Se o DNA demonstrar que a menina é dele, ele conservará a guarda em caso de divórcio.
—O quê? —ela ficou boquiaberta e pegou a folha que o homem lia. — Ele enlouqueceu. De maneira nenhuma assinarei algo que me prive da guarda de minha filha.
—Posso modificar esta cláusula, mas é provável que ele não concorde.
—Pouco me importa que ele concorde ou não — murmurou ela entre dentes. — Não assinarei até que a bendita cláusula seja retirada completamente — furiosa, voltou a arrancar a folha das mãos do advogado que tentava recuperá-la. — Dá no mesmo. Farei isso eu mesma.
Saiu do escritório furiosa. Piers aguardava na sala de espera, sentado em um extremo com o laptop conectado enquanto falava no celular.
—Aconteceu algo? —levantou os olhos e, lentamente, fechou o laptop.
—Já vou dizer a você — rugiu enquanto jogava a folha de papel para ele e apontava para a cláusula sobre a guarda. — Se pretender que eu assine algo que possa me privar da guarda de minha filha, é um idiota. Só morta me separarão de meu bebê. Por isso no que a mim concerne, pode pegar este… este acordo pré-nupcial e enfiá-lo onde o sol nunca lhe bateu.
—Eu não acho que você pensou que eu ia renunciar à guarda de minha filha — ele arqueou uma sobrancelha e a olhou em silêncio. —Caso eu seja o pai.
—Não perde uma oportunidade de me criticar — ela elevou as mãos desesperada. — Sei que não acredita que este bebê é seu. Mas que me lembre disso constantemente só servirá para me chatear cada vez mais. Você não ouviu falar da guarda compartilhada? Você sabe, quando os pais pensam no bem do filho e fazem um acordo para que ele passe a mesma quantidade de tempo com ambos.
—Se a menina for minha, não tenho intenção de vê-la de tempos em tempos, nem me dobrar a sua agenda. Certamente eu posso dar a ela muito mais que você. Tenho certeza que ela ficará melhor comigo.
—Você é um canalha hipócrita — ela cerrou os punhos, vítima da ira que ardia em suas veias como ácido. — De onde tirou a ideia que minha filha ficaria melhor com você? Porque tem mais dinheiro? Pois saiba, o dinheiro não pode comprar o amor, nem a segurança. Não pode comprar sorrisos nem felicidade. Tudo que uma criança mais precisa. Francamente, o fato de você pensar que ela ficaria melhor com você me indica que você não sabe nada sobre as crianças ou o amor. Como poderia saber? Duvido muito que tenha amado alguém em sua vida.
O peito de Jewel se agitava nervosamente e o papel não era mais que uma bola amassada em sua mão. Fez gesto de jogá-lo aos seus pés, mas ele foi mais rápido e segurou seu pulso. Seus olhos refletiam ira, o primeiro sinal de uma emoção sincera que ela nunca tinha visto.
—Você presume coisas demais — respondeu ele com frieza.
—Não assinarei Piers — ela se soltou e deu um passo para trás. — Por mais desesperada que esteja jamais assinarei a renúncia de meus direitos sobre minha filha.
—Certo — disse ele finalmente após longo tempo estudando-a impassivelmente. — Farei que meu advogado modifique a cláusula. Eu vou ligar para ele para que nos envie um novo acordo.
—Eu esperaria um pouco — disse ela secamente. — Ainda não terminei.
Jewel deu meia volta e se encaminhou para o escritório do advogado a quem encontrou na porta com uma expressão divertida refletida no rosto.
—O que está olhando? —rugiu ela.
—Se concordaremos com os seus argumentos? —disse ele com voz séria, embora seus olhos refletissem um brilho suspeito.
Três horas mais tarde o contrato definitivo saiu do escritório do advogado de Piers e, depois de lê-lo atentamente, ambos os interessados o assinaram conjuntamente.
Jewel tinha insistido em um acordo inflexível segundo o qual compartilhariam a guarda da menina, mas sendo ela a principal guardiã. Era consciente de que Piers não se mostrava feliz com os termos, mas tinha se negado categoricamente a assinar outra coisa que não fosse isso.
—Ficou claro que você não sabe nada sobre a arte da negociação — disse Piers secamente enquanto deixavam o escritório do advogado.
—Há coisas que não são negociáveis. Que não deveriam ser. Minha filha não é uma moeda de troca. E jamais será — disse ela com firmeza.
—Tudo que peço — ele elevou as mãos em um gesto de rendição—, é que entenda meu ponto de vista. Você está tão determinada a manter a guarda quanto eu de não ceder a minha.
Algo na expressão do homem fez que ela amolecesse e parte de sua raiva desaparecesse. Por um momento teria jurado que ele parecia assustado e um pouco vulnerável.
—Entendo sua posição — disse ela com calma. — Mas não pedirei desculpas por reagir como eu reagi. Foi algo sujo e vil.
—Então eu peço desculpas. Não era minha intenção alterar você desse modo. Simplesmente pretendia que minha filha ficasse onde deve estar.
—Talvez o que devêssemos estar fazendo fosse nos concentrar em que o divórcio nunca chegue a acontecer — respondeu ela. — Se conseguirmos fazer funcionar, não terá que se preocupar com nenhuma batalha pela guarda.
—Tem razão — ele assentiu e abriu a porta do carro ajudando-a a entrar. — A solução está em nos assegurar de que nunca cheguemos ao divórcio.
Fechou a porta, rodeou o carro e se sentou ao volante antes de pôr o motor para funcionar.
—E agora que nos livramos do pior, passemos para os aspectos mais alegres de preparar um casamento.
E desse modo se iniciou uma tarde de compras. A primeira parada foi em uma joalheria. Ao ser mostrada uma bandeja de anéis de noivado de diamantes, ela cometeu o erro de perguntar o preço. Piers não gostou que ela fizesse isso, mas o joalheiro respondeu com naturalidade. A jovem chegou perto de ter que pegar o queixo do chão.
Sacudiu a cabeça e se afastou do balcão. Piers a segurou pela cintura e, divertido, obrigou-a a se aproximar.
—Não me decepcione. Como mulher, supõe-se que deva estar geneticamente predisposta a escolher o anel maior e mais caro da loja.
—É verdade — disse o joalheiro solenemente.
—De qualquer forma, não é educado perguntar o preço — continuou Piers. — Escolha o que quiser e finja que não tem etiqueta.
—Seu noivo é um homem muito sábio — disse o homem atrás do balcão com olhos zombeteiros.
Enquanto tentava ignorar o fato de que com um anel daqueles poderia alimentar todo um país do terceiro mundo, estudou cada peça. Finalmente encontrou o anel perfeito.
Era um diamante simples em forma de pêra, perfeito até onde seus olhos leigos podiam garantir. Em cada lado havia um pequeno aglomerado de diamantes diminutos.
—Sua dama possui um gosto requintado.
—Sim. Este é o que quer yineka mou? —perguntou Piers.
—Mas não quero saber quanto custa — ela assentiu tentando ignorar uma náusea.
—Se isso a fizer se sentir melhor — Piers riu. — Farei uma doação no valor do montante do anel para a obra de caridade de sua escolha.
—Você está zombando de mim.
—De maneira nenhuma. É bom saber que minha esposa não me arruinará em um ano.
Ela o olhou zangada enquanto ele fazia um visível esforço por não voltar a rir. Maravilhada, contemplou a facilidade com que ele entregava o cartão de crédito ao atendente, como se estivesse pagando uma taça e não um anel que devia valer milhares de dólares.
—Deixe-me colocá-lo — pôs o anel nela. — É seu.
Ela contemplou a mão, incapaz de dissimular sua admiração. Era um anel fabuloso.
—E agora que solucionamos o assunto do anel, devemos passar para outra coisa, como o vestido ou qualquer outra roupa que possa precisar.
—Nossa! Um homem que gosta de fazer compras. Como conseguiu permanecer solteiro até agora? — brincou ela.
O rosto de Piers ficou inexpressivo e ela se recriminou mentalmente por dizer algo errado na hora errada.
Determinada a salvar o restante do dia, puxou o braço dele enquanto saíam da joalheria.
—Estou morrendo de fome. Podemos comer antes de continuar com as compras?
—É claro. O que gostaria de comer?
—Eu adoraria um enorme e pouco recomendável filé — respondeu ela pensativa.
—Então que assim seja - ele riu. — Vamos matar uma ou duas vacas.
O fato de Jewel está escondida em seu quarto não a transformava em uma covarde. Simplesmente era reservada e cautelosa. No andar de baixo, Piers cumprimentava a família, que chegou para o casamento. Ela continuava sem compreender o porquê. Não era uma ocasião festiva para celebrar a união de duas almas gêmeas e toda aquela pompa açucarada dos casamentos.
A única coisa que sabia sobre os Anetakis era que Piers tinha dois irmãos mais velhos, que ambos tinham casado recentemente, e que ao menos um bebê havia se juntado ao clã.
Pelo que Piers tinha contado a ela, seus irmãos estavam profundamente apaixonados.
Fechou os olhos e teve que admitir que morria de inveja, e que odiava a ideia de conhecer aquelas pessoas tão asquerosamente felizes.
Sem dúvida Piers tinha contado a eles que o casamento se devia a uma transa e uma camisinha furada.
Olhou-se no espelho e tentou apagar a expressão sombria de seu rosto. O vestido escolhido para a ocasião era reto, branco e de alças. O tecido era franzido delicadamente na altura dos seios e se moldava ao seu corpo antes de ajustar-se sobre a barriga e cair solto depois.
Tinha ficado em dúvida entre prender os cabelos ou deixá-lo solto. Piers parecia ter adorado o penteado que usava na noite que se conheceram e, em um impulso de vaidade, escovou os cabelos até fazê-los brilhar e os deixou cair soltos sobre os ombros.
Por último, perdeu tempo, como a covarde que era ciente de que a esperavam.
Não soube há quanto tempo estava em seu quarto quando uma mão quente posou sobre seu ombro nu, mas não se virou. Não era necessário. Sabia que era Piers.
De repente, algo frio deslizou por seu pescoço e ela se virou.
—Não se mova — disse ele enquanto fechava a gargantilha. — É meu presente de casamento. Há brincos combinando, mas não me lembrava se você tinha as orelhas furadas.
—Piers, isto é demais — ela se virou para o espelho e soltou uma exclamação de espanto ao ver o requintado colar de diamantes.
—Minhas cunhadas me garantiram que nada é demais para uma esposa — ele sorriu.
—Parecem mulheres muito sábias — ela sorriu de volta.
—Não foi tão difícil, foi?
—O quê? —ela franziu o cenho.
—Sorrir.
Jewel o olhou com expressão culpada enquanto aceitava a caixinha que continha os impressionantes brincos de diamantes.
—Tem as orelhas furadas?
—Quase nunca uso brincos — ela assentiu —, mas são furadas.
—Então espero que use estes hoje.
Ela os colocou prontamente e se virou para ele. Piers a olhava fixamente.
—Falando de minhas cunhadas. Estão ansiosas para conhecer você.
—E seus irmãos não? —perguntou ela.
—Eles se mostram um pouco mais comedidos em sua recepção. Preocupam-se comigo. Temo que seja tradição da família tentar arruinar o casamento dos outros — disse secamente.
—Bom, ao menos é sincero — ela não sabia se ria ou sentir-se abatida. No fim ganhou a risada. — E estou agradecida a você. Evitou que eu fizesse papel de tola em sua presença.
—Não tem nada para esconder — ele deu de ombros. —Vai se tornar minha esposa e isso dá a você o direito a um merecido respeito. De qualquer forma, Theron é o brando da família. Você o terá comendo na palma de sua mão em poucos minutos.
Ela não conseguia imaginar nenhum parente de Piers sendo “brando”.
—Está preparada? —perguntou enquanto lhe dava um apertão tranquilizador no ombro. — Temos tempo suficiente para apresentá-la a minha família antes que o pastor chegue para a cerimônia.
Ela respirou fundo e assentiu.
Piers segurou firmemente sua mão e a conduziu para o andar de baixo de onde vinha o murmúrio das vozes dos convidados.
Seu estômago se encheu de mariposas e o bebê deu um pontapé, talvez um protesto pela agitação de sua mãe.
Ao entrar na sala. Jewel se sentiu um pouco aflita. Os dois homens eram, claramente, irmãos de Piers. Pareciam-se muito. Ambos eram altos e de cabelos escuros, mas tinham os olhos mais claros que Piers, de um tom ligeiramente dourado.
As duas mulheres não podiam ser mais diferentes uma da outra. Mas antes de poder continuar sua silenciosa inspeção, os convidados levantaram os olhos e a viram.
Os irmãos a olharam com reserva, enquanto que as mulheres sorriram com simpatia.
—Venha. Eu a apresentarei — murmurou Piers enquanto se aproximavam do grupo. — Jewel, este é meu irmão mais velho, Chrysander, e sua esposa, Marley. Seu filho, Dimitri, ficou com a babá.
—Prazer em conhecê-los — Jewel deu um sorriso trêmulo para eles.
—O prazer é nosso. — Marley sorriu e seus olhos azuis brilharam amistosos. — Bem-vinda a família. Espero que seja feliz. Está com quantos meses?
—Estou de pouco mais de cinco meses — respondeu Jewel com um sorriso.
—Olá, Jewel — disse Chrysander com voz profunda.
—E este é meu irmão, Theron — Piers se virou para o outro casal—, e sua esposa, Bela.
—Estamos muito felizes de conhecer você — sorriu Bela. — Não é mesmo, Theron?
—É claro, Bela mou — disse o aludido em tom zombador. Dava a sensação de que toda intenção de manter-se sério desaparecia ao olhar para sua esposa. — Bem-vinda a nossa família. Não estou muito certo se devo felicitá-la ou dar os pêsames por se casar com meu irmão.
—Se já terminou de me insultar — Piers bufou —, queria oferecer a vocês uma bebida para celebrar a ocasião. O pastor deve estar a ponto de chegar.
Piers foi em busca de uma garrafa de champanhe geada e os outros olharam para Jewel com curiosidade. Depois de servir uma taça para todos, entregou a sua futura esposa um copo de água mineral e ela se sentiu comovida ante a consideração demonstrada, sorrindo para ele como agradecimento.
—Nossos melhores votos para um… casamento longo e feliz — disse Chrysander após pigarrear enquanto Marley o segurava pelo braço.
Todos levantaram as taças e, por um momento, Jewel desejou que pudesse ser verdade e que aquela se transformasse sua família, e que Piers e ela estivessem apaixonados e esperando seu primeiro filho com a alegria de um casal feliz.
As lágrimas apareceram em seus olhos enquanto ela se despedia do sonho e abraçava a realidade.
—O que aconteceu, yineka mou? —sussurrou Piers ao seu ouvido. — O que há de errado?
—Estou bem — disse ela fingindo um sorriso brilhante.
A campainha da porta tocou e ela deu um pulo.
—Deve ser o pastor que vem para nos casar — acariciou seu braço com a mão. — vou abrir a porta para ele.
—Com você e com Marley, Theron vai armar uma confusão — disse Bela.
—E por quê? —perguntou Theron.
—Todos estes bebês e mulheres grávidas — disse ela. — Espero que finalmente Theron capte a indireta e tente me deixar grávida também um dia desses.
Jewel riu encantada com o senso de humor e descontração que Bela demonstrava a todos. Era óbvio que sua posição na família não a preocupava. E ninguém parecia se incomodar com suas manifestações.
Marley tentou reprimir uma gargalhada enquanto Chrysander resmungava. Os olhos de Theron emitiram um brilho sensual que quase fez Jewel se sentir como um voyeur.
—Nada disso, Bela mou. Temos que praticar muito antes que eu a engravide.
—Viu Jewel? Os Anetakis não são tão difíceis de domar — disse Bela alegremente. — Marley conseguiu que Chrysander ficasse em uma admirável forma física, e eu consegui que Theron pense como eu. Com certeza você terá o mesmo sucesso com Piers.
—Theron, segure sua mulher — disse Chrysander com doçura. — Está semeando a rebelião entre as fileiras femininas.
Marley deu uma cotovelada nele, mas seus olhos refletiam diversão e amor.
Piers voltou com um homem mais velho. O pastor sorriu e se encaminhou para Jewel com as mãos estendidas.
—Você deve ser a noiva. É encantadora. Preparada para começar a cerimônia?
Ela engoliu com dificuldade e assentiu. Suas pernas estavam trêmulas.
O pastor saudou os outros e, depois de alguns minutos de conversa, Piers fez um gesto para que ele começasse.
Ao menos para Jewel, aquilo era muito estranho. O restante se comportou como se assistisse diariamente aquele tipo de cerimônia. Piers e ela foram para frente do pastor, cada um ladeado por um casal.
Um nó se formou em sua garganta ao ouvir Piers prometer amor e honra pelo resto de seus dias, até que a morte os separasse. De repente se conscientizou que desejava que ele a amasse. Por quê? Isso significava que ela o amava? Não, não era assim. Não podia ser. Não sabia amar ninguém, mais do que sabia ser amada. Mas isso não a impediu de sentir um desejo em seu interior.
Concluída a cerimônia, Piers a beijou furtivamente nos lábios e se afastou para receber as felicitações, não muito efusivas, de seus irmãos.
Chrysander insistiu em convidar a todos para jantar, e uma limusine levou os três casais ao centro da cidade, para um luxuoso restaurante famoso por seus frutos do mar.
Jewel estava com fome, mas a ideia de estar casada moderou levemente seu apetite. Beliscou o prato uma e outra vez até chamar a atenção de Piers.
Ele pegou sua mão, e a aliança que colocou algumas horas antes brilhou sob a tênue luz junto com o anel de noivado de diamantes.
—Pronta para voltar para casa? —sussurrou ele. — Posso me livrar deles assim que você quiser.
—É sua família — protestou ela. — Não tenho a intenção encurtar sua visita.
—É muito amável, yineka mou — ele riu—, mas nos vemos frequentemente, e se há um dia em que tenho pleno direito de me livrar deles, esse é sem dúvida o dia de meu casamento. Compreenderão, não faz muito que celebraram suas próprias noites de núpcias.
Ela ficou geada à medida que a verdade se tornava evidente. Não podia estar pensando em… ou sim? Ele estava presente quando o médico disse que não havia motivo pelo qual não pudessem fazer amor, mas ela tinha presumido que Piers tinha entendido que o médico pensava que a relação deles era normal. Será que ele desejava fazer amor com ela? Pretendia consumar o casamento?
Piers acariciou o dorso de sua mão enquanto se virava para outros e explicava a eles que Jewel e ele estavam prontos para partir.
Aconteceram abraços, beijos e despedidas. Piers abraçou suas cunhadas e foi correspondido com um afeto evidente.
Eles partiram em seguida. Piers cedeu a limusine aos convidados e chamou um táxi para vir buscá-los. O trajeto para casa foi silencioso e, finalmente, incapaz de suportar a tensão por mais tempo, Jewel se virou para o marido e encontrou os olhos negros fixos nela.
—O que a preocupa, yineka mou?
—Você realmente espera uma noite de núpcias? —balbuciou ela.
Dentes brancos brilharam na penumbra do carro. Um sorriso claramente predador.
—É claro. Agora você é minha esposa. O normal depois de um casamento é uma noite de núpcias, não?
—É que… eu não tinha certeza. Quero dizer isto não é um casamento de verdade e não pensei que você quisesse ter algo a ver comigo.
—Pelo contrário. Minha intenção é que seja um casamento muito real — disse ele com doçura. — Do mesmo modo que pretendo que esta noite, e todas as demais noites, durma em minha cama.
Tudo que tinha de fazer era dizer “não”. Ele jamais a forçaria. Jewel desceu do carro, ajudada por Piers, que a pegou pela mão. O ar frio da noite lhe provocou um calafrio e, inconscientemente, se aproximou mais dele procurando seu calor.
A questão era: queria realmente dizer não a ele. Do que serviria isso, exceto para fazê-lo confiar ainda menos nela e seus motivos?
Assim que a ideia se materializou em sua mente, cerrou os dentes com raiva. Se o único motivo para deitar-se com ele era evitar que desconfiasse dela, necessitava que examinassem sua cabeça.
“Admita. Você o deseja”.
Era isso. A lembrança da única noite que tinham compartilhado ainda ardia em sua mente. Estava casada com ele e desejava que ele a amasse.
Decidida a entregar-se ao casamento sem passar pelo martírio, apertou com mais força a mão de Piers e correu com ele para dentro da casa.
—Hoje foi um dia difícil, yineka mou. Espero que não tenha sido demais para você e o bebê.
Tinha mudado de ideia? Dava a impressão de estar oferecendo uma saída a ela.
—Estou perfeitamente bem — esclareceu ela com doçura.
—Sério? —ele apoiou suavemente as mãos sobre os braços delicados.
Ela o olhou nos olhos, plenamente consciente do que ele estava lhe perguntando realmente. Depois, assentiu lentamente enquanto a excitação aumentava a cada momento.
—Deve está segura, Jewel. Deve estar completamente segura.
Ela voltou a assentir e, antes que pudesse dizer ou fazer qualquer outra coisa, Piers puxou-a para ele e beijou-a nos lábios com paixão.
Ela ficou quase sem fôlego. Como era possível que ele fizesse ela se sentir tão fraqueza?
A língua de Piers invadiu sua boca, deslizando sensualmente, primeiro sobre os lábios e depois dentro, saboreando-a e oferecendo a ela seu sabor.
—Como você é doce — murmurou. —Como é doce. Desejo você, yineka mou. Diga que você também me deseja. Deixe-me levar você lá para cima. Quero voltar a fazer amor com você.
—Sim. Por favor, sim — ao ser levantada no ar, soltou uma exclamação. — Piers, não. Peso muito.
—Acaso duvida de minha força? —perguntou ele em tom zombador enquanto subia as escadas.
—Estou enorme — insistiu ela com exasperação.
—Está linda.
Ele a levou nos braços até o quarto principal e a deitou cuidadosamente sobre a cama. Com delicadeza, deslizou as alças sobre seus ombros e as deixou cair. Puxou um pouco mais até que o vestido cedeu sobre os seios sensíveis.
Pouco a pouco foi baixando o vestido pelo corpo de Jewel. Depois de deslizá-lo pelos tornozelos deixou-o cair no chão.
Um forte formigamento percorreu suas pernas à medida que ele as acariciava com as mãos até os quadris. Deslizou os polegares sob a calcinha e se agachou para beijar docemente sua barriga antes de despi-la por completo.
As pernas dela se abriram em doce antecipação enquanto a boca dele descia mais e mais.
Piers deslizou as mãos sob o corpo de Jewel e a obrigou a abrir-se um pouco mais enquanto a língua encontrava seu ponto mais sensível. Ela arqueou as costas descontroladamente para trás enquanto o prazer a consumia.
Era difícil respirar, era difícil pensar, era difícil fazer qualquer coisa que não fosse sentir. E justo quando pensava que já não poderia suportar mais, ele se retirou e ela gemeu em protesto.
—Shhh — ele murmurou doces palavras em grego enquanto se acomodava sobre ela.
Como ele tinha se despido sem que ela notasse?
Pele contra pele. Suave. Reconfortante. Um bálsamo para seus sentidos enlouquecidos. A boca máscula se fechou sobre um dos mamilos eretos, sugando e puxando. Com uma mão apoiada sobre a barriga, os dedos acariciaram possessivamente.
Era o primeiro movimento de reconhecimento da presença do bebê.
—Separe as pernas para mim, yineka mou. Dê-me boas-vindas.
Ela mal foi capaz de responder. Tremia violentamente enquanto ele se acomodava entre suas coxas com o membro viril empurrando impacientemente.
De repente, com uma suave investida, estava dentro dela.
Ela gritou e enfiou as unhas nos ombros de Piers.
—Isso. Segure-se em mim. Eu a tenho.
Seus lábios se uniram e suas línguas se entrelaçaram descontroladamente enquanto seus corpos se aproximavam e se separavam. A pressão aumentou até que ela não foi capaz de aguentar mais. Sua liberação explodiu com a força de um furacão.
Ele a seguiu, afundando-se dentro dela, uma e outra vez até que seu gemido rouco encheu seus ouvidos enquanto ele se derramava dentro dela.
Jewel fechou os olhos e permitiu que a doce felicidade a inundasse antes de voltar á realidade, para os braços fortes de Piers que a rodeavam e a mantinha deitada contra seu flanco.
Em um gesto possessivo, ele colocou uma mão sobre as costas dela, que se derreteu contra ele e suspirou de felicidade. Sentia-se segura. Mais que isso: sentia-se amada.
Jewel acordou na manhã seguinte ao sentir a presença de Piers junto à cama com a bandeja do café da manhã e uma rosa. Vestia apenas a calça do pijama de seda e o olhar da jovem posou no peito atlético, um peito sobre o qual dormiu quase toda a noite.
—Bom dia — disse ele. —Está com fome?
—Estou faminta — ela admitiu enquanto se sentava na cama.
De repente ela percebeu que ainda estava nua e puxou o lençol.
—Não seja tímida comigo — Piers tomou a mão impedindo que o lençol completasse seu trajeto ascendente. — Vi e saboreei cada centímetro de seu doce corpo.
Ela soltou o lençol e relaxou os ombros. Ele se inclinou e a beijou lenta e longamente.
Uma noite de paixão, tomou o café da manhã na cama, beijos ternos e palavras doces.
Se fosse real…
Acaso ele estava brincado com ela? Com suas emoções? Como podia comportar-se com tanto carinho se pensava que ela era mentirosa e manipuladora?
—Nesse momento daria a você o que me pedisse por seus pensamentos.
Ela pestanejou e percebeu que ele a olhava fixamente. Seria melhor que ele não soubesse no que ela pensava.
—Pensava no quanto é bom acordar assim — respondeu ela com um sorriso.
Ele acariciou seu lábio inferior com o polegar e depois a face.
—Tome seu desjejum. Sua consulta é dentro de duas horas.
Ela se esqueceu da consulta. Tinha uma ecografia programada, junto com uma análise de sangue e devia decidir uma data para sua entrada no hospital.
—Vou tomar banho e me barbear — ele deixou a bandeja sobre as pernas de sua mulher. — Tenho que fazer algumas ligações e depois a levarei para sua consulta.
—Obrigado.
—Não há de que. Agora eu a deixarei para que tome o café da manhã.
Ela o contemplou afastar-se. A pesar do café da manhã delicioso diante dela, sua mente estava na ducha de Piers. Se fosse mais ousada, teria se unido a ele, mas não se atreveu. Até aquele momento tinha sido ele quem iniciara os movimentos. E isso permitiu a ela estudá-lo e descobrir mais coisas sobre aquele homem que tinha colocado sua vida de pernas para o ar.
Contemplou mais uma vez o deslumbrante diamante que adornava seu dedo do meio. O peso era estranho. Ainda não tinha se acostumado a ele, mas se sentia fascinada por sua aparência e também por seu significado. Em certo modo era uma marca de posse. Ela pertencia a alguém.
Consciente de ter passado muito tempo sonhando, tomou o café da manhã rapidamente. Depois de tomar banho e vestir-se desceu para o térreo onde encontrou Piers, ao telefone, em seu escritório.
Ao vê-la junto à porta, ele fez um gesto com a mão para indicar a ela que demoraria um minuto. Sem querer interromper, ela decidiu esperá-lo na sala. Piers não demorou muito.
—Contratei um chefe. Chegará esta tarde, a tempo de preparar o jantar de hoje.
—Não era necessário. Disse aquilo brincando.
—Ao contrário. Foi uma ideia excelente. O que menos precisa é ficar de pé na cozinha e, se eu tivesse que me encarregar, temo que se canse de meu limitado repertório culinário.
—Você está me mimando — protestou ela sem muita convicção.
—Essa é a ideia — ele sorriu timidamente e seus olhos emitiram um brilho peculiar, que sempre refletiam quando olhavam para ela. — Está pronta? Devemos ir para o caso de ter tráfico.
Ela assentiu e se levantou do sofá.
Quando chegaram ao consultório, Piers a surpreendeu permanecendo ao seu lado em todos os momentos.
Ao chegar à hora da ultrassonografia, comportou-se como um menino em uma loja de doces.
—É ela? —perguntou enquanto apontava para uma mão diminuta.
—Está chupando o polegar — o ultrassonografista sorriu. — Aí é o queixo e ali o punho.
—É linda — as lágrimas deslizaram pelas faces de Jewel ao contemplar sua filha.
—Sim, yineka mou — Piers se virou para ela com a voz carregada de emoção. — Tão bonita quanto à mãe.
—E o cisto? —perguntou ela com ansiedade. —Encolheu?
—Infelizmente não. Terei que comparar com a última vez, mas acredito que cresceu.
Jewel sentiu-se desfalecer e fechou os olhos. Esperava um pequeno milagre. Que talvez o cisto tivesse encolhido para não ter que se submeter à operação.
—Falaremos com o médico. Tudo sairá bem — Piers pegou sua mão e a apertou.
Ela se agarrou àquela mão e à confiança das palavras de Piers, uma confiança que ela necessitava porque a sua havia desaparecido por alguns momentos.
O ultrassonografista deixou o consultório e os futuros pais esperaram em meio a um silêncio carregado de ansiedade. Ele parecia muito tranquilo, mas o que ela esperava? Piers não desejava aquele bebê. Nem sequer pensava que era dele.
«Mas está aqui comigo».
E isso queria dizer algo, não?
O silêncio foi interrompido pelo médico que, com expressão pensativa, estudava os resultados.
—Senhorita Henley, alegro-me por vê-la.
—Agora é senhora Anetakis — Piers pigarreou. — Eu sou seu marido, Piers — acrescentou enquanto estendia uma mão para o médico e Jewel pestanejava perplexa ao ver seu marido assumir o controle da situação.
Os dois homens discutiram sobre seu estado e a cirurgia como se ela não estivesse no consultório. Então a raiva começou a tomar forma. Tratava-se de sua saúde, e de seu bebê.
—Eu decidirei para quando a operação será programada — disse ela furiosa.
—É claro, yineka mou — Piers acariciou seu joelho. — Eu simplesmente estou tentando compreender o que nós jogamos aqui.
Ela ruborizou segura de parecer suscetível. Entretanto, sentia que os fios de sua vida literalmente lhe escapavam, enredando-se permanentemente nos dele.
—Quanto antes melhor, senhora Anetakis — disse o doutor. — Consultei um colega meu que auxiliará na intervenção. Trata-se de uma operação delicada, mas estamos confiantes em seu sucesso.
—E meu bebê? —sussurrou ela.
—Seu bebê ficará bem — o homem deu um sorriso tranquilizador.
—Tudo bem.
Enquanto se preparavam para sair, Jewel recebeu instruções da enfermeira sobre seu ingresso no hospital. Estava morta de medo. Até aquele momento tinha sido capaz de não pensar naquilo, mas já não podia mais adiar.
—Venha — disse Piers com calma enquanto a conduzia até o carro e a ajudava a sentar-se.
Durante os primeiros quilômetros, viajaram de silêncio.
—Conte-me uma coisa. Se pudesse escolher qualquer lugar no mundo para viver, onde seria?
—Acho que em uma praia — sobressaltada pela pergunta, ela se virou para olhá-lo. — Sempre sonhei com uma desses casarões sobre uma colina com vista para o mar, — fechou os olhos enquanto imaginava o som das ondas ao bater contra as rochas — com um terraço para contemplar o pôr-do-sol. E você?
—Nunca pensei muito nisso — disse sem desviar os olhos da estrada, embora seu corpo se enrijecesse levemente.
—Onde você morava antes? Quero dizer antes de todo este assunto.
—Não tenho uma residência fixa — os lábios de Piers delinearam um sorriso cínico. — Viajo muito e, quando não estou viajando a negócios, escolho um de meus hotéis para me alojar.
—Sua vida se parece muito com a minha.
—Mas como? —ele inclinou a cabeça para um lado e a olhou alguns instantes.
—Não tenho um lar — ela deu de ombros.
—Acho que tem razão — ele franziu o cenho como se nunca tivesse considerado isso. —Por mais residências que possua, não tenho um lar. Talvez você possa solucionar isso, yineka mou.
O carro avançou pelo longo caminho que conduzia a casa, mas até chegarem à porta, Jewel não notou o carro estacionado. Piers esperava companhia?
—Kirk! —de repente, seus olhos pousaram no homem sentado na escada.
Assim que o carro parou, ela correu para seu amigo.
—Que diabos está acontecendo, Jewel? —Kirk ficou em pé com uma expressão sombria, embora a abraçasse com força.
—Acho que eu é que deveria fazer essa pergunta — interveio Piers com frieza.
—Piers, — Jewel se virou para ele — este é meu bom amigo, Kirk. Kirk, este é Piers… meu marido.
—Maldição, Jewel — exclamou Kirk. —Eu disse a você que esperasse até que eu viesse.
—De que diabos está falando? —ela virou-se para o amigo.
—Enviei um e-mail para você em resposta ao seu — furioso, ameaçou avançar para Piers.
—Eu não recebi nenhum e-mail. Juro. Nem sequer sabia se você tinha recebido o meu.
Piers foi para junto de Jewel e a envolveu com um braço com tanta força que não a deixava mover-se.
—E veio até aqui só para nos felicitar? —perguntou com amabilidade fingida.
—Eu gostaria de falar a sós com Jewel — Kirk franziu o cenho. — Não sairei daqui até que ela me convença de que é isto o que realmente deseja.
—Qualquer coisa que você tenha que dizer a minha esposa, pode dizer diante de mim.
—Piers, basta — disse ela bruscamente. — Kirk é um amigo muito querido, e devo uma explicação a ele — ela se soltou e colocou uma mão sobre o braço de Kirk. — Você já comeu?
—Vim diretamente do avião — ele negou com a cabeça.
—Então, entre. Comeremos no pátio e conversaremos.
Sem dizer uma palavra, Piers deu meia volta e desapareceu dentro da casa.
—Um cara simpático — murmurou Kirk.
—Vamos para dentro — Jewel suspirou. — Comeremos algo.
Piers ficou na sala, e olhou taciturnamente para o terraço onde Jewel entretinha seu convidado.
O que significava exatamente aquele Kirk para ela? Era o pai de seu bebê? Ele a abandonou e depois se arrependeu? Também era possível que os dois o estivessem extorquindo.
Ao ver Jewel sorrir, e logo rir abertamente ante algum comentário daquele homem, Piers entrecerrou os olhos. E muito mais quando ele a puxou para abraçá-la.
Piers fechou os punhos com força. Decidiu dar meia volta e sair. Não ia lhe dar a satisfação de morder a isca.
A meio caminho parou abruptamente, repentinamente consciente do que fazia: fugia. Sua ira aumentou ainda mais ante a ideia de fazer o ridículo. Nenhuma mulher ia obrigá-lo a fugir.
Deu meia volta e abriu a porta do terraço, enfrentando os dois. Jewel o recebeu com o cenho franzido e um brilho de recriminação nos olhos.
—Já esclareceu tudo? —perguntou ele com suavidade.
—Não tudo — respondeu Kirk secamente. — Ofereci a Jewel meu apoio para que o casamento não seja sua única alternativa.
—Que amável, mas chegou muito tarde. Ela já é minha esposa.
—O divórcio não é difícil de obter.
—Não seria, caso eu estivesse disposto a isso. Coisa que não estou.
—Já basta, vocês dois — exigiu Jewel. — Kirk, por favor. Aprecio muito sua ajuda, mas Piers tem razão, é muito tarde. Estamos casados e eu gostaria que isto desse certo.
—Se você precisar de algo, o que seja, entre em contato comigo — a expressão de Kirk se suavizou ao olhar para Jewel. — Posso demorar alguns dias para chegar, mas virei certo?
—Obrigado, Kirk — ela sorriu e o abraçou com força. — Agradeço tudo o que tem feito por mim, e por me deixar ficar em seu apartamento.
Então o apartamento era de Kirk, não de Jewel. Não tinha exagerado ao afirmar que não tinha dinheiro nem um lugar para onde ir.
Um sentimento de culpa se agrupou em sua mente ante a ideia da jovem, só e precisando desesperadamente de ajuda.
—Se tem certeza que não posso fazer nada, — Kirk a beijou na testa — vou voltar para aeroporto para ver se posso pegar um avião hoje mesmo. Com sorte, estarei lá em um dia ou dois.
—Sinto muito que tenha feito esta viaje em vão. Se tivesse recebido sua mensagem, teria dito a você que não se incomodasse em vir.
Foi difícil para Piers manter uma expressão neutra. O fato de apagar a mensagem se voltou contra ele. Caso ela estivesse dizendo a verdade.
Jewel acompanhou Kirk até a porta. Minutos depois, Piers ouviu o som do carro ao partir e em seguida ela apareceu com expressão furiosa.
—Que diabos foi tudo isso? —perguntou.
—Que curioso — ele arqueou uma sobrancelha. — Sou eu quem devia perguntar isso.
—Do que está falando? Kirk é um bom amigo. O único que tenho. Se você acha que isso é um problema, já sabe onde está a porta.
—Quanta lealdade — murmurou ele. —Eu me pergunto se essa lealdade também se estende a mim.
—Pare agora, Piers. Se quiser discutir, discutiremos, mas não tenho tempo para jogos mentais.
—Estávamos fazendo isso? Discutindo? É um pouco cedo para uma briga matrimonial, não?
—Vá para o inferno.
Sem dizer mais nada, ela deu meia volta e subiu as escadas. Segundos depois, a porta do quarto se fechou com um forte estrondo.
Então ela tinha caráter. Ele a provocou de propósito só porque estava furioso por causa do ciúme. Aquela mulher sugou seus miolos, e ele não gostou nem um pouquinho.
Se esse Kirk estava tão disposto a ajudar Jewel, onde esteve quando ela tinha precisado dele de verdade? Se era o pai do bebê e a abandonou, tinha voltado ao descobrir que tinha concorrente? Ou acaso tudo obedecia a um plano tramado por ambos para despojá-lo de parte de sua fortuna? Tinha posto isso em bandeja para Jewel ao proporcionar a ela um futuro com muitos recursos econômicos se o bebê não fosse dele e se divorciassem. Certamente aquele era seu plano desde o começo.
Entretanto, tudo dependia dele lhe conceder o divórcio. Sorriu com frieza. Morria de vontade de informar a ela que jamais haveria tal divórcio.
O jantar transcorreu em silêncio tenso. Jewel continuava furiosa pelo modo que Piers se comportou com Kirk, e o rosto de Piers parecia esculpido em pedra. Comeu como se nada tivesse acontecido, o que a deixou ainda mais furiosa. Como iriam discutir se ele não estava disposto a colaborar?
A sobremesa chegou, mas, por mais que tentasse desfrutar do bolo, parecia que tinha sabor de cortiça.
—Estive pensando — disse Piers com frieza.
Ela não respondeu e continuou concentrada em dissecar a sobremesa.
—O divórcio já não me parece uma opção.
—O quê? —espantada, ela deixou o garfo cair ruidosamente sobre o prato. — Agora acredita que o bebê é seu? Antes de receber os resultados?
—Não sou idiota, Jewel — ele arqueou uma sobrancelha. — E é melhor não se esquecer disso.
—Então o que é essa tolice sobre o divórcio? O bebê é seu, mas você jamais se mostrou disposto a acreditar nisso. Por que diabos está sugerindo agora que não haja divórcio?
—Talvez simplesmente pretenda informar a você que seu plano não funcionará. Não concederei o divórcio a você, independentemente do bebê ser meu ou não.
Ele parecia estudá-la. Como se aguardasse uma reação. Mas que reação esperava?
De repente ela compreendeu tudo e ficou boquiaberta.
—Pensa que tenho um plano para extorquir você. Acredita que Kirk é o pai e que eu sou uma espécie de vagabunda que se deita com os dois.
Ela pensou que ninguém mais tinha o poder de machucá-la. Há muito tempo tinha desenvolvido uma armadura impenetrável contra o tipo de dor que infligia os humanos. Mas a dor a sobressaltou. Sentia-se traída, embora jamais tivesse contado com sua lealdade.
Com pernas trêmulas, levantou-se desajeitadamente da cadeira. Estava determinada a não desmoronar diante dele. Antes de sair da sala de janta, virou-se uma última vez.
—Quem machucou você, Piers? Quem o transformou em um bastardo que não confia em ninguém, e quanto tempo você precisa para perceber que eu não sou essa pessoa?
Incapaz de suportar mais seu olhar saiu correndo.
Em lugar de subir para o quarto, saiu para o terraço. O ar frio moderou sua ira e ela cruzou os braços sobre o peito enquanto caminhava pelo caminho que entrava no jardim.
Quase todo caminho era iluminado por antiquados postes de luz e finalmente encontrou uma mesa redonda de pedra com um banco circular. Era o lugar perfeito para se sentar-se e desfrutar da noite.
O que tinha feito? Inconscientemente, esfregou a barriga enquanto pensava em sua filha e no futuro. Um futuro que já não parecia tão brilhante quanto algumas horas antes. Piers estava se vingando por um dano que ela não lhe tinha feito e decidiu unilateralmente que não haveria divórcio.
De qualquer forma, sabia muito bem que jamais haveria um divórcio pela simples razão do bebê ser dele, apesar do que ele pensava.
Que tipo de vida tinha reservado para sua filha? A atitude de Piers se suavizaria com a menina quando soubesse a verdade? E ela? Seria relegada a ser a mulher que deu a luz ao bebê ou ele também suavizaria sua postura ante ela?
—Não deveria ficar sozinha aqui fora.
—Não acredito que esteja sozinha — ela se virou bruscamente ao ouvir a voz de Piers e a raiva ressurgiu imediatamente. — Com certeza que há um monte de seguranças ao meu redor.
—Sim — ele assentiu enquanto se aproximava da mesa—, mas não deveria se arriscar desnecessariamente.
—E me diga uma coisa, Piers. Sua equipe de segurança me protegerá de você?
—Uma pergunta interessante. Porque tenho a sensação que sou eu quem precisa de proteção.
—Vou embora, Piers — ela estremeceu enquanto dava as costas a ele. — Imediatamente.
—Já disse a você que não concederei o divórcio.
—Chegando a esse ponto, não poderia me importar menos. Não tenho intenção de voltar a me casar. Só quero me afastar de você. Fique com seu maldito acordo. Não quero nada de você. Só minha liberdade. Partirei imediatamente.
Ela voltou pelo atalho em direção a casa, mas Piers foi mais rápido e a segurou pelo braço.
—Não pode ir a lugar algum a esta hora, Jewel. Tenha um pouco de bom senso.
—Bom senso? —ela riu. — Agora você me diz para ter bom senso. Deveria ter dito isso quando voltou para minha vida e assumiu o comando.
—Fique até manhã. Não precisa se preocupar com a reivindicação de meus direitos maritais.
—E me deixará ir? —perguntou ela incrédula.
—Se quiser partir, sim.
Ela o estudou na escuridão e balançou a cabeça. Alguma vez aquele homem sentia algo? Tinha alma ou a entregou há muito tempo?
—Muito bem. Partirei nas primeiras horas da manhã. Agora, se me desculpar, gostaria de ir para a cama.
Piers a observou partir com uma sensação de opressão no peito, muito parecida com o pânico. De todas as reações que podia ter esperado aquela não era uma delas. Confrontada com sua traição, esperava lágrimas, recriminações, até mesmo súplicas. Não esperava que ela o mandasse para o inferno e o abandonasse. Que benefício ela obteria com isso?
Tinha que pensar em algo para convencê-la a ficar. Até que isso acontecesse, precisava controlá-la. Pela primeira vez, sentiu um arrepio de excitação na nuca. Seria possível que aquele bebê fosse realmente dele? Seria possível que naquela ocasião tivesse direitos sobre a criança?
Se fosse assim, jamais permitiria que Jewel saísse de sua vida.
Incapaz de dormir, Jewel começou a fazer a mala. Ainda não a tinha desfeito totalmente por isso não precisou de muito tempo. Passou o resto da noite sentada na cama com as mãos apoiadas no colchão enquanto refletia em silêncio.
Por que tinha se casado com Piers? Havia se sentido desesperada, mas não ao ponto de recorrer a Kirk. Não, ligou para Piers e depois permitiu que ele tomasse as rédeas de sua vida e lhe exigisse casamento.
“Admita. É uma sonhadora incurável”.
Durante os últimos cinco meses se deixou levar por tudo aquilo em que não acreditava.
Às duas da manhã deitou-se na cama, no escuro, enquanto observava a lua cheia pela janela. Tinha acabado de fechar os olhos quando uma dor aguda atravessou seu flanco.
Automaticamente dobrou os joelhos antes que outra pontada de dor rasgasse seu abdômen. Não conseguia respirar, não conseguia pensar, nem sequer decidir o que fazer.
Quando a agonia amainou, rolou até a beira da cama. Sentia um medo tão forte quanto a dor. Medo por sua filha. Ia perder seu bebê?
As lágrimas inundaram seus olhos. Prestes a apoiar os pés no chão, sentiu uma nova pontada e caiu pesadamente ao chão de lado, sem conseguir respirar enquanto a dor a rasgava por dentro.
—Piers!
A voz saiu fraca e a porta estava fechada.
—Piers! —gritou com mais força antes de cair ante uma nova pontada de dor.
Deus do céu. Ele não ia socorrê-la e ela era incapaz de ficar em pé.
As lágrimas começaram a fluir com força.
De repente ouviu a porta abrir. A luz se acendeu e umas passadas atravessaram o quarto.
—Jewel! O que aconteceu? É o bebê?
Piers se ajoelhou ao seu lado enquanto passava as mãos pelo corpo de sua esposa. Ao tentar virá-la, ela soltou um grito de dor.
—Diga-me o que está acontecendo com você, yineka mou. Diga-me como posso ajudá-la — acrescentou desesperadamente.
—Dói — ela conseguiu balbuciar. — Dói muito.
—Onde?
—No flanco, meu estômago. Em baixo. Na pélvis. Deus, não sei. Dói em todos os lugares.
—Calma, eu cuidarei de você — disse ele com voz suave. — Tudo ficará bem. Eu prometo a você — pegou-a nos braços e a levantou do chão. — Ficará bem se eu a deixar deitada na cama um momento? Tenho que me vestir e depois a levarei para o hospital.
Ela assentiu incapaz de dizer uma palavra.
Piers entrou em seu quarto e deixou sua esposa na mesma cama sobre a qual fizeram amor na noite anterior. O cheiro másculo a envolveu e, curiosamente, consolou-a.
Ele pareceu demorar uma eternidade para se vestir, mas finalmente voltou e a levantou no ar antes de descer as escadas e sair para a noite fria.
—Instalarei você no assento de trás para que possa se deitar — murmurou. — Em breve estaremos no hospital. Aguente, yineka mou.
O carro arrancou e ela se aconchegou e apertou os punhos. Tentando combater seu desejo de gritar.
“O bebê não. Por favor, que não seja o bebê”.
Mal se conscientizou que o carro tinha parado e que Piers a pegou nos braços outra vez. A seu redor vozes soavam, sentiu uma espetada no braço, os lençóis frios de uma cama, luzes brilhantes e em seguida um homem que não conhecia a olhou nos olhos.
—Senhora Anetakis, ouve-me?
Ela assentiu e tentou falar, mas Piers apertou seu braço, há quanto tempo estava segurando-a?
—O cisto de seu ovário provocou uma torção na trompa. Chamei seu obstetra. Ele quer que a preparemos para cirurgia.
Um pequeno gemido saiu da garganta da jovem. Piers se aproximou ainda mais dela e acariciou sua cabeça.
—Tudo sairá bem, yineka mou. O médico me assegurou que receberá os melhores cuidados. Nosso bebê ficará bem.
“Nosso bebê”. Havia dito “nosso bebê”, ou ela tinha imaginado? Não conseguia pensar coerentemente. A dor tinha diminuído e se sentia flutuar sobre uma nuvem.
—O que fizeram comigo? —perguntou.
—Colocamos algo para fazer você se sentir um pouco melhor — a enfermeira riu suavemente. — Em alguns minutos a levaremos para a sala de cirurgia.
—Piers?
—Estou aqui, yineka mou — acariciou sua cabeça novamente..
—Disse “nosso bebê” — ela lutava para manter os olhos abertos. — Acredita que é sua?
Houve um momento de silêncio durante o qual ela teve que pestanejar com força para mantê-lo em sua linha de visão. Algumas rugas de preocupação cruzavam a testa de Piers. Estava preocupado com o bebê?
—Sim, é minha — disse ele com voz rouca. — Ela é nossa filha, e tenho certeza que cuidará bem dela durante a operação. Agora descanse e não tente falar. Deixe que a medicina a cure.
Ela segurou sua mão com força, temerosa de que, se o soltasse, ele partiria. O movimento da maca a assustou e puxou com força sua mão.
—Não vá.
—Não irei a nenhum lugar — disse ele tranquilizadoramente.
Piers se inclinou para beijá-la suavemente na testa e ela relaxou, fechando os olhos.
Em torno dela as vozes se tornaram mais tênues. Piers voltou a beijá-la e a assegurar que a esperaria. Por quê? Aonde ela ia? Ela queria perguntar a ele, mas suas forças faltaram para fazer algo mais que não fosse continuar deitada ali.
A maca voltou a se mover e, de repente, encontrou-se em uma sala geada. Foi levantada no ar e deitada sobre uma superfície muito mais fria e dura. Uma voz alegre disse ao seu ouvido que fizesse uma contagem regressiva a partir de dez.
Abriu a boca para obedecer, mas nenhum som saiu dela. Até mesmo conseguiu abrir os olhos, mas ao chegar a oito, tudo se tornou preto.
Piers andava de um lado para o outro na sala de espera de cirurgia como um leão enjaulado, nervoso e impaciente. Verificou o relógio pela enésima vez para descobrir que só haviam passado três minutos desde a última vez que tinha feito isso. Quanto mais iriam demorar? Por que não lhe diziam nada?
—Piers, como ela está?
Piers levantou os olhos e viu Theron entrar com os cabelos revoltos como se tivesse acabado de levantar. E assim era. Seu irmão caçula se sentiu culpado por havê-lo tirado da cama no meio da noite, mas se sentiu agradecido por tê-lo perto.
Depois de um breve abraço, ambos se sentaram.
—Ainda não sei. Levaram-na faz algumas horas, mas não tive notícias depois disso.
—O que aconteceu? O bebê está bem?
—O cisto de seu ovário provocou uma torção em sua trompa. Sofreu dores terríveis e a levaram para a sala de cirurgia para extrair o cisto, e certamente a trompa também. De qualquer forma iriam operá-la dentro de uma semana, de modo que só se adiantou um pouco.
—E o bebê?
—Existe algum… risco, mas me asseguraram que farão tudo o que puderem para evitar que lhe aconteça algo.
—Há quanto tempo está na sala de cirurgia?
—Quatro horas — respondeu Piers abatido. — Por que estão demorando tanto?
—Logo saberá algo — consolou-o Theron. — Falou com Chrysander?
—Não havia nenhuma necessidade — Piers balançou a cabeça. — Ele levaria muito tempo para vir da ilha. Quando conseguisse isso, tudo teria terminado.
—Mesmo assim deveria ligar para ele. Ele ia querer saber disso. Marley e ele iriam querer saber.
Os dois irmãos ficaram na sala de espera. Depois de um bom tempo, Theron saiu e voltou com café para ambos.
—Está diferente.
—Do que você está falando? —Piers olhou para seu irmão mais velho com expressão surpresa.
—Parece mais seguro… inclusive mais contente. Percebi pela expressão em seus olhos durante o casamento.
—Comparado com o quê? —perguntou ele em tom zombador.
—Comparado com seu comportamento desde que Joanna se aproveitou de você e se mandou com Eric.
Piers fez uma careta de desgosto. Ninguém mencionava o nome de Eric em sua presença. Tinha certeza que a família o fazia frequentemente as suas costas, mas nunca quando ele estava presente.
—Não arruíne sua chance de ser feliz, Piers. É sua chance de ter tudo.
—Ou perder tudo outra vez. Ou melhor, já o tinha feito.
—A que se refere?
—Ela ia me abandonar pela manhã — confessou Piers depois de tomar outro sorvo de café. — Já tinha feito às malas quando a encontrei jogada no chão retorcendo-se de dor.
—Quer falar sobre isso? —perguntou Theron. — Mais de uma mulher me acusou de ser um idiota.
—Parece muito seguro de que fui eu o causador do problema — disse Piers secamente.
—É um homem, e são sempre os homens que estão errados. Não aprendeu nada?
—Fui um imbecil — os lábios de Piers esboçaram um sorriso tímido.
—Já, pois não será a última vez. Parece algo genético em nós.
—Um amigo dela apareceu ontem com a intenção de resgatá-la. Eu não aceitei isso muito bem.
—Ninguém poderia culpar você por isso. Faz parte de nosso sentido de territorialidade.
—E agora vai me dizer que todos nós somos cavernícolas que vamos por aí marcando território como os cães.
—Não está mal como exemplo, irmãozinho. E acredito que é exatamente isso que fazemos, embora não no sentido literal — Theron olhou para Piers de esguelha. —Então ela ia abandoná-lo porque você não gostou que seu amigo aparecesse?
—Talvez eu o tenha acusado de ser o pai do bebê e dito a ela que ambos tinham tramado um estratagema para me extorquir.
—Maldição — Theron fez uma careta. — Quando decide fazer algo inapropriado faz isso bem.
—Já disse que fui um imbecil. Estava zangado. Disse a ela que não concederia o divórcio e ela me disse que podia ir para o inferno com meu acordo.
—Isso não soa muito com uma mulher que está atrás de seu dinheiro.
—Quero confiar nela, Theron — ele tinha pensado o mesmo que seu irmão.
—E isso o assusta.
Tinham chegado ao cerne da questão. Seu irmão chegou logo na origem do problema. Sim, queria confiar nela, mas tinha medo e isso o deixava furioso.
—Não quero que nenhuma outra mulher volte a exercer tanto poder sobre mim.
—Eu o entendo, realmente o faço — Theron suspirou e apoiou uma mão sobre o ombro do irmão. — Mas não pode se isolar do mundo o resto de sua vida porque uma vez o machucaram.
—Machucaram? —Piers riu amargamente. — Oxalá só tivesse me machucado. Ela tirou de mim o que mais amava no mundo. Isso vai além de um simples dano.
—Mesmo assim, e embora pareça um clichê, a vida continua. Quero que seja feliz Piers. Chrysander e eu nos preocupamos. Não pode viver de hotel em hotel toda sua vida. Em algum momento vai ter que se assentar e formar uma família. Jewel lhe deu essa oportunidade. Deveria aproveitá-la.
—Senhor Anetakis.
Os dois irmãos se viraram quando viram a enfermeira entrar.
—A senhora Anetakis já saiu da sala de cirurgia. Poderá vê-la na sala de recuperação por um tempinho se desejar.
—Ela está bem? O bebê? —Piers se levantou de um salto e correu para a enfermeira.
—A mãe e o bebê estão bem — a mulher sorriu. — A operação correu bem. O médico passará pela sala de recuperação para informá-lo antes que ela seja levada para o quarto. Ela estará muito confusa, mas poderá falar com ela alguns minutos.
—Espero você aqui — disse Theron. — Vá.
—Obrigado — disse Piers, e seguiu à enfermeira para encontrar Jewel.
A dor havia mudado. Já não era agonicamente aguda. Estabilizou-se em uma dor amortecida, superficial. Jewel tentou mudar de posição e ficou sem fôlego ao sentir que sua barriga se rasgava em duas.
—Cuidado, yineka mou. Não deve tentar se mover. Diga-me o que precisa e eu a ajudarei.
Piers. Ela abriu os olhos com dificuldade ante a luz ofuscante e voltou a fechá-los.
E então se lembrou.
—O bebê — sussurrou. Estendeu uma mão para a barriga e uma nova pontada de dor a atingiu.
Piers segurou suas mãos entre as dele e as retirou suavemente da barriga.
—O bebê está bem, e você também, está vendo? —com delicadeza colocou uma mão sobre sua barriga.
Ela contemplou com estranheza o curativo volumoso. A barriga ainda era evidente. As lágrimas inundaram seus olhos enquanto o alívio a embargava.
—Tinha tanto medo. Não posso perdê-la, Piers. É tudo para mim.
—A operação foi um sucesso — Piers tomou seu rosto entre as mãos e secou suas lágrimas com o polegar. — O médico disse que o bebê está bem. Estão monitorando as contrações — apontou para uma máquina ao lado da cama. —Está vendo? Pode ver e ouvir seus batimentos cardíacos.
—É ela realmente? —Jewel virou a cabeça e escutou o suave eco dos batimentos cardíacos.
—Sim — Piers sorriu. — Nossa filha se faz notar.
Jewel ficou sem fôlego ao recordar de repente a cena vivida instantes antes de entrar na sala de cirurgia. No começo achou que tinha imaginado, mas ele havia voltado a dizer. Por que ele tinha mudado de opinião?
—Obrigado por me trazer tão depressa — sussurrou ela. — Temia que você não me ouvisse chamá-lo.
—Não teria sofrido tanto se eu estivesse com você — ele a olhou fixamente com seus olhos escuros. — A partir de agora dormirá em minha cama e, se voltar a acontecer algo com você, eu saberei imediatamente. Não quero nem pensar o que teria acontecido se eu não houvesse ouvido você gritar.
Ela pensou sobre isso e pestanejou para esclarecer a nebulosidade de sua mente. Tudo estava muito turvo, e ele a confundia cada vez mais. Era como se jamais tivessem discutido, como se ele não a tivesse acusado de tentar lhe impingir o bebê de outro homem.
—Conversaremos mais tarde — disse ele com doçura. — Está esgotada. Deve descansar. Estarei aqui quando acordar, e então poderá me fazer todas essas perguntas que se refletem em seus olhos.
—Não. Preciso saber disso agora — ela balançou a cabeça e fez uma careta de dor. — Você disse, insinuou coisas terríveis, Piers. Não ficarei junto de um homem que pensa isso de mim, nem sequer por minha filha. Kirk está disposto a me ajudar. Deveria ter chamado ele primeiro.
—Mas não o fez — respondeu Piers com suavidade. — Você me chamou como deve ser. Acredito que será melhor deixemos Kirk fora de tudo isto.
Ela começou a protestar, mas ele a silenciou colocando um dedo sobre seus lábios.
—Não se altere. Eu lhe devo um pedido de desculpa, yineka mou. E tenho certeza que não será o último. Eu lhe agradeceria se tivesse paciência comigo. Não sou um homem fácil de conviver. Sou consciente disso. Não devia ter sugerido o que sugeri. A partir de hoje funcionaremos como uma família. Vai ter meu filho.
Ela o olhou estupefata. A sinceridade de suas palavras estava gravada em seu rosto, e ardia em seus olhos. Não havia nenhum traço de arrogância em sua voz. Somente arrependimento.
Algo dentro do peito da jovem, perigosamente perto do coração, soltou-se. Por um instante esqueceu a dor e o atordoamento provocado pela meditação. Um doce e abençoado calor inundou suas veias. Esperança. Fazia tanto que não sentia nada parecido que custou a identificá-la. Pela primeira vez em sua vida, sentia esperança.
—Você me perdoará? —Piers beijou o dorso de sua mão. —Vai me dar outra chance?
—Sim, é claro — sussurrou ela com voz trêmula.
—E ficará? Não falará mais em ir embora?
Ela negou com a cabeça, incapaz de falar.
—Não se arrependerá, yineka mou — disse ele muito sério. —Faremos funcionar. Podemos fazer isso.
Jewel sorriu antes de fazer um gesto de dor ao sentir outra pontada. Piers se inclinou para frente e concentrou sua atenção em um pequeno dispositivo que havia ao lado da cama.
—Isto é para a dor. Aperte o botão e injete uma pequena quantidade de medicamento no sangue. Se necessário, pode apertar o botão a cada dez minutos.
Ele mesmo apertou o botão e um segundo mais tarde Jewel sentiu uma leve queimação nas veias. O alívio foi quase instantâneo.
—Obrigado.
—Cuidarei de você e do bebê — disse com solenidade. — Não quero que se preocupe com nada, exceto em ficar bem.
—Estou cansada — ela sorriu e o olhou com olhos sonolentos.
—Então será melhor que durma. Não me moverei daqui.
Ela se virou para ele e agarrou-se firmemente à mão robusta, impedindo-o de soltar-se. Piers relaxou e apertou sua mão com força.
—Quando poderei sair daqui? —murmurou enquanto caía em um sono profundo.
—Não há pressa — ele riu. — Partirá quando o medico o disser. Enquanto isso. Desfrutará da atenção de todos.
—Só da sua — balbuciou antes de sumir-se na escuridão.
—Tem certeza que tudo está preparado? —Piers falava no celular enquanto entrava no quarto de Jewel.
Ela o olhou e sorriu enquanto ele indicava com um gesto que terminaria de falar em breve.
—Bom. Muito bom. Devo uma a você, e não tenho nenhuma dúvida que vai cobrar isso.
Depois de desligar o celular correu para junto de Jewel. Inclinou-se e a beijou suavemente nos lábios.
—Como estão minhas garotas hoje?
—Sua filha está muito ativa, o que é tanto uma bênção quanto um castigo.
—A incisão dói por causa de seus movimentos? —disse ele com preocupação.
—Acredito que está praticando a pontaria — ela fez um gesto de contrariedade. — E parece ter a irritante habilidade de acertar sempre no lugar adequado.
—Sinto muito. Deve ser muito doloroso.
—A alternativa nem sequer é uma opção, por isso me alegro por ela se mover tanto.
—O médico já viu você?
—Veio enquanto você estava fora. Disse que, se hoje tudo fosse bem, e eu não tivesse mais contrações, me daria alta amanhã. Deverei ficar em repouso absoluto na cama durante uma semana e depois poderei me levantar e me mover, desde que não me exceda.
—Eu me encarregarei de que você obedeça a suas instruções ao pé da letra.
—Por que tenho a sensação de que você vai desfrutar de minha convalescença? —ela sorriu divertida.
—E por que pensou algo assim? —ele a olhou com inocência.
—Porque está acostumado a mandar e a que todos o obedeçam — respondeu ela.
—Diz isso como se fosse algo ruim.
Jewel não pôde reprimir uma gargalhada e imediatamente gemeu ao sentir o protesto de sua barriga.
Ultimamente tinha desfrutado de alguns dias bons, levando em conta que estava prostrada na cama de um hospital.
Piers tinha se comportado maravilhosamente bem. O empresário reservado que deixou claro para ela que jamais concederia o divórcio parecia ter desaparecido, substituído por alguém que atendia a cada uma de suas necessidades.
Alguém bateu suavemente na porta e, para sua surpresa, apareceram os irmãos de Piers com suas esposas. Piers apertou sua mão tranquilizadoramente.
—Não se preocupe yineka mou. Está linda. E eu me encarregarei de que eles não fiquem tempo suficiente para cansar você.
Era mentira, mas ela apreciou o gesto.
A ideia lhe ocorreu de repente, e foi mais dolorosa que a incisão cheia de grampos de sua barriga. Amor? Valha-me Deus. Apaixonou-se por ele.
Tentou sorrir, mas a única coisa que queria era se esconder em um buraco fundo e escuro. Como tinha se permitido apaixonar-se por ele… de qualquer homem? Ao que parecia, não tinha sofrido o bastante em sua vida. Não, era evidente que desejava mais dor e desilusão.
Ser amada era muito bom, mas oferecer seu amor em uma bandeja de prata para ele? Isso era pedir a gritos que a rejeitassem.
—Jewel? Viemos em má hora? —perguntou Marley.
—Não, não, claro que não — Jewel percebeu que ambos os casais a olhavam com preocupação. — Desculpem-me, é que continuo grogue por causa medicação contra dor.
Ao seu lado, Piers franziu o cenho. Fazia três dias que não lhe administravam nenhum medicamento contra dor. Era muito perigoso para o bebê.
Sorriu abertamente para Marley e Bela, e optou por desviar os olhos de Chrysander e Theron. Eles a intimidavam muito e ela não costumava dar essa vantagem a ninguém.
—Como você está? —perguntou Bela enquanto se apoiava na beira da cama. —Piers tem lhe aborrecido muito? Marley e eu podemos tirá-lo do quarto e repreendê-lo.
Jewel sorriu e engoliu com dificuldade para evitar soltar uma gargalhada.
—Não a façam rir — rugiu Piers. —Dói muito. Além disso, não esqueça que você e Marley comem na palma de minha mão.
—Não se deixe enganar, Jewel — Chrysander soltou um bufo. — Qualquer mulher que olhe para a cara deste idiota, conseguirá que ele dê tudo o que ela peça, para meu desespero e o de Theron.
—Como se vocês dois não as mimassem até a exaustão — protestou Piers.
—Talvez sim, mas uma mulher nunca terá muitos homens ao seu dispor — disse Marley alegremente.
—Há apenas um homem a sua disposição, agape mou — grunhiu Chrysander. — E procure não se esquecer disso.
Enquanto assistia a discussão entre os três irmãos e as duas mulheres, Jewel, pela primeira vez não se sentiu como uma estranha, mas como se pertencesse a aquele íntimo círculo familiar.
—Deve se sentir melhor — disse Bela. — Tem um belo sorriso refletido no rosto. Está radiante para quem foi submetida recentemente a uma cirurgia.
—É a gravidez — disse Theron secamente. — Não há mulher mais bonita que a grávida.
—Boa tentativa — espetou Bela. — Mas suas adulações não o levarão a nenhum lugar. E se começar a perseguir mulheres grávidas, farei que jamais possa gerar filhos.
Jewel não pôde deixar de rir ao ver a palidez que se instalou no semblante de Theron. Colocou uma mão sobre a barriga e gemeu, mas, mesmo com a dor, era muito agradável poder rir.
—Está bem? —perguntou Piers.
—Estou bem — ela agitou uma mão no ar. — De verdade — em seguida se virou para Bela. — Por que tenho a sensação de que há alguma disputa entre Theron e você?
—Se Theron conseguisse o que pretende — Bela sorriu—, já teria uma ninhada inteira de filhos, mas sou muito jovem e temos muitas coisas para fazer antes de gerar bebês. No fim cederei e encherei uma creche, mas até então vivo para atormentá-lo.
Enquanto Bela falava, Jewel estudou o rosto de Theron. Seus olhos brilhavam de amor por sua esposa e era evidente que não havia nenhuma tensão entre eles.
—Além disso, Marley já se dispôs a ter muitos Anetakis para dar e receber — acrescentou Bela.
—Marley? —Piers elevou as sobrancelhas.
Marley ruborizou enquanto Chrysander sorria e a rodeava com um braço.
—Está grávida outra vez? —perguntou Piers.
—Dentro de sete meses me dará a filha que tanto desejo — disse o irmão mais velho com arrogância.
—E se for outro menino? —provocou-o Marley.
—Então terá que tentar de novo até acertar — Chrysander a olhou com paixão.
Marley e Bela começaram a rir e Jewel se uniu a elas sem deixar de segurar a barriga.
Que família mais maravilhosa. Uma família da qual ela fazia parte. Era demais para poder suportar.
—É melhor irmos embora — disse Chrysander depois de estudar o rosto de Jewel. — Parece que sente dor e não queremos cansá-la excessivamente. Só queríamos ver você e dizer que, se precisar de algo só precisa dizer. Agora faz parte da família.
—Por favor, não vão embora — respondeu ela com lágrimas nos olhos. — Não me incomodam de forma alguma. Eu adorei que tenham vindo me ver.
—Diga-me uma coisa — Bela se inclinou para frente. — Deixam você comer comida de verdade? Estou morrendo de vontade de comer uma pizza. Theron acha que é uma barbaridade e preciso de uma desculpa para comer uma pizza gordurenta e cheia de queijo.
—Chama isso de “comida de verdade”? —Theron fingiu sentir-se horrorizado.
—Eu adoraria uma pizza — disse Jewel enquanto a boca enchia de água. — Com o dobro de pimentão e queijo extra.
—Direi a você o que vamos fazer — disse Bela. —Pediremos uma ao nosso gosto e os outros que se virem sozinhos. Sua sugestão me parece divina.
Jewel olhou para Piers, que suspirou resignado.
—Como um homem poderia negar-se ante um olhar assim?
Theron e Chrysander começaram a rir e o segundo deu uma tapinha no ombro de Piers.
—Agora começou a entender isso, irmãozinho. Começou a entender.
—Tenho uma surpresa para você — disse Piers enquanto empurrava a cadeira de rodas até a saída do hospital. — Demorará um pouco, então quero que relaxe e tente descansar.
Um arrepio de emoção borbulhou no estômago de Jewel. Sentia-se como uma criança no Natal. Para quem não estava habituada às surpresas, começavam a gostar muito delas. Ao menos da expectativa de receber uma.
A equipe de segurança de Piers esperava do lado de fora da limusine. Abriram à porta traseira e Jewel foi levantada no ar por seu marido e depositada cuidadosamente no assento traseiro. Depois, ele se sentou a seu lado enquanto os agentes de segurança entravam em outro carro.
—Para onde vamos? —perguntou ela com curiosidade ao ver que o carro se dirigia em direção contrária a sua casa.
—Ao aeroporto.
—Aonde vamos? —ela arqueou as sobrancelhas.
Uma excitação familiar inundou suas veias. O que mais gostava no mundo era viajar e experimentar a emoção de conhecer lugares novos, pessoas e costumes. Mas daquela vez não viajaria sozinha e isso ela estava gostando mais do que imaginava ser possível.
—Se eu tivesse contado isso, teria estragado a surpresa — ele sorriu e pegou a mão dela.
—Mas minha roupa, minhas coisas… Não fiz as malas.
—Tudo resolvido — disse ele com doçura. —Por você acha que tenho empregados?
—Também empacotou o cozinheiro? — perguntou ela. — Ele fazia uma refeição deliciosa.
—Asseguro que você não vai morrer de fome — Piers riu.
Minutos depois pararam junto de um pequeno jato estacionado em uma pista de decolagem particular.
Piers esperou enquanto o serviço de segurança subia primeiro no avião. Depois ajudou a esposa a descer do carro.
—Se quiser, eu a acompanharei senhor Anetakis — se ofereceu Yves, o único que ela conhecia por seu nome. Os outros eram desconhecidos, mas Yves parecia o guarda-costas particular de Piers.
—Obrigado Yves, mas eu levarei a senhora Anetakis até o avião — respondeu Piers.
Com muito cuidado a levou nos braços até o avião e, depois de subir a escadinha, agachou-se para entrar.
Jewel nunca tinha estado em um jato particular e se equivocou ao esperar uma versão reduzida de um avião comercial. Na parte da frente havia assentos cobertos em couro macio, de aspecto incrivelmente luxuoso e confortável. Atrás havia uma área de descanso com uma poltrona reclinável e um sofá, ao lado de uma mesa de café, um televisor e um frigobar.
—Assim que decolarmos mostrarei o resto — Piers seguiu a direção de seu olhar. — Nos fundos há um dormitório no qual poderá se deitar. Também há uma pequena cozinha, então, se desejar algo, só tem que pedir a aeromoça.
—Aeromoça? —ela arregalou os olhos. — Há uma aeromoça neste avião?
—É obvio. Viaja junto do piloto. São marido e mulher. E agora, prefere assento do corredor ou janela?
—Janela — respondeu ela.
Ele a ajudou a sentar-se antes de fazer o mesmo ao seu lado. Depois ajustou os cintos de ambos.
—Fico feliz em conhecê-la, senhora Anetakis — a aeromoça apareceu e saudou sorridente Piers antes de virar-se para Jewel. —Qualquer coisa que precisar durante o voo basta me dizer. Em breve teremos a autorização para decolar. Gostaria de beber algo enquanto espera?
—Não, obrigado — respondeu Jewel. —No momento estou bem.
Minutos depois avançaram rapidamente pela pista e decolaram. Jewel apoiou a cabeça sobre o ombro de Piers e se aconchegou contra ele. Apesar da curiosidade que sentia para ver o resto do avião, levantar-se e mover-se doía muito e preferia ficar onde estava durante o resto do voo.
—Ainda não vai me dizer aonde vamos? —perguntou Jewel várias horas depois enquanto avançavam de carro por uma autoestrada cheia de curvas.
—Paciência, yineka mou — Piers sorriu. — Acho que a espera valerá a pena.
Ela suspirou e relaxou no assento. Em qualquer lugar que estivessem, era um lugar bonito e selvagem. Tinha quase certeza de que se tratava do Caribe ou algum outro lugar tropical. Dirigiam-se para um de seus hotéis?
O carro parou em frente a um portão de segurança e Piers teclou um código de segurança. A grade de ferro enorme se abriu lentamente e seguiram caminho.
Ao seu redor a folhagem verde abundava. Era como dirigir no meio de um paraíso particular. Havia flores, plantas, fontes e até mesmo uma pequena cachoeira que caía sobre algumas rochas ao longe.
De repente viu a casa e ficou boquiaberta ante a mansão incrível que, apesar de seu tamanho, parecia de uma acolhedora cabana de pedra.
—Vamos nos alojar aqui enquanto estivermos neste lugar? —perguntou ela quando o carro parou na frente de outra fonte enorme com flores flutuando na água.
—É sua casa, yineka mou. Ela nos pertence.
Ela ficou sem fala.
—Mas o melhor ainda está por vir — disse ele.
Ela o viu descer do carro e se perguntou como diabos aquilo poderia melhorar.
Piers a ajudou a sair do carro e fez um gesto para os seguranças desapareceram imediatamente enquanto ele abraçava sua esposa pela cintura e a conduzia por um caminho que contornava a casa.
De repente ouviu. O longínquo rumor das ondas. Respirou fundo, embriagando-se com o ar salgado.
—Oh, Piers! —exclamou.
Subiram até um pequeno promontório entre uma seção do jardim e o terraço de madeira que voava da casa sobre um penhasco. Quando olhou viu a grande extensão do oceano, de um azul tão brilhante que quase feria os olhos.
O caminho continuava e, em alguns pontos, era interrompido por escadas que levavam à praia. A casa estava situada sobre a falésia, protegida entre duas rochas enormes. Dispunha de uma pequena extensão de praia, completamente privada.
Era a vista mais maravilhosa que jamais tinha imaginado. E era dela.
—Não sei o que dizer — sussurrou. —Este era meu sonho, Piers. Não posso acreditar que seja nosso.
—É seu, yineka mou. Meu presente de casamento. Entendi que está equipada com um serviço completo, incluindo certo cozinheiro que, ao que parecer, tem em alta estima.
—Obrigado — rodeou seu pescoço com os braços, ignorando a pontada de dor que a assaltou. — É maravilhoso, Piers. Não sei como poderei agradecer você por isso.
—Cuidando-se muito, e da minha filha — disse ele com solenidade. — Não quero que ande pelo caminho que desce para a praia a não ser que eu a acompanhe.
—Eu lhe prometo isso — assegurou. Nesse momento, prometeria até a lua a ele.
—Vamos entrar. O jantar nos espera. Comeremos no terraço enquanto vemos o pôr-do-sol.
Ela o seguiu ansiosa para ver o interior da casa. Depois de uma breve excursão pelo térreo, saíram para o terraço. A mesa estava posta e ela se sentou em uma cadeira disposta para o jantar.
—É maravilhoso — disse no fim. Sentia-se completamente aturdida ante a ideia de viver naquele lugar, e de que fosse deles. Era simplesmente muito bom para ser verdade.
—Fico feliz por você gostar. Tinha medo de não ter tudo preparado antes que lhe dessem alta.
—Não era sua antes?
—Fiz meus agentes procurarem o lugar ideal no dia que me descreveu onde você gostaria de viver. Quando encontraram esta propriedade, soube que era perfeita. A venda ainda não está fechada, mas convenci o dono a nos permitir tomar posse dela antes de terminar a papelada.
—É a coisa mais maravilhosa que alguém fez por mim — ela não conseguia parar de sorrir.
—Diga-me uma coisa, yineka mou — ele colocou sua mão sobre a palma da mão dela. — Alguma vez alguém fez algo maravilhoso por você? Tenho a impressão que sua vida não foi fácil.
Ela ficou tensa e tentou retirar a mão, mas ele não permitiu.
—O que é que você não quer me contar? —perguntou calmamente. — Entre marido e mulher não deve haver segredos.
Ela se virou em direção ao mar. A brisa do oceano secou as lágrimas invisíveis que derramava.
—Não é tão trágico — disse com naturalidade. —Meus pais morreram quando eu era muito pequena. Mal lembro deles e até mesmo suspeito que essas pessoas que lembro como meus pais não são mais que uns dos muitos pais de acolhida que tive.
—Não tinha nenhum parente que pudesse cuidar de você?
—Ao menos nenhum que quisesse fazer isso — ela sacudiu a cabeça.
Uma moça apareceu no terraço com uma bandeja e Jewel suspirou aliviada. Não lhe passou despercebido o cenho franzido de Piers, claro indicativo de que a conversa não tinha terminado, simplesmente tinha sido adiada.
No entanto, nada bom podia surgir em desenterra o passado.
Comeram em um silencio amigável. Jewel desfrutou dos sons e aromas do mar e se sentiu mais relaxada do que esteve em muito tempo.
À medida que o sol descia no horizonte, o céu se tingiu de suaves tons de rosa e roxo com listras douradas. O oceano reluzia ao longe, refletindo o brilho do pôr-do-sol.
Ela estava tão enfeitiçada pela vista que não percebeu que tinha parado de comer. Só quando a copeira voltou para retirar os pratos, despertou de seu devaneio.
—Parece cansada, yineka mou — disse Piers com doçura. — Acho que devo levá-la lá para cima para que se deite.
—Isso parece muito bom — ela bocejou. — O quarto tem janelas que eu possa abrir? Eu adoraria poder ouvir o mar.
—Acredito que você achará a vista do nosso quarto magnífica, e, certamente, podemos abrir a janela se for o que deseja.
Ele a ajudou a ficar em pé e entraram na casa. Subiram lentamente as escadas e ela mordeu o lábio ante a dor que lhe produzia cada movimento.
Ao entrar no quarto principal, não conseguiu reprimir uma exclamação. Toda a fachada que dava para o mar era de vidro do chão até o teto. Contemplou a vista com as palmas das mãos apoiadas contra a vidraça fria.
—Este foi o dia mais maravilhoso de minha vida. — disse com um nó na garganta — Obrigado.
—Fico feliz que você goste — disse ele com voz rouca.
Jewel devolveu sua atenção à paisagem enquanto os últimos raios laranja desapareciam no mar.
—O que acontecerá com seu trabalho? Com seus hotéis?
—Posso fazer a maior parte de meu trabalho daqui — ele foi para seu lado. —Tenho um telefone, um computador e um fax. Terei que fazer algumas viagens. Até agora viajei sem parar, mas não estou disposto a continuar por esse caminho. Meus irmãos terão que me ajudar com isso, ou contrataremos alguém que se dedique às viagens.
—Não sentirá falta? —perguntou ela.
—Há alguns meses eu teria dito que sim, muito. Mas agora não gostaria muito de me afastar de minha esposa e de nosso bebê.
Ela sentiu que o calor inundava seu peito. Aquilo parecia uma família de verdade. Não sabia o que o fez mudar de opinião, mas tampouco queria saber. Sé esperava que aquilo durasse.
Durante os dias que se seguiram, Jewel descansou e se recuperou sob a atenta vigilância de Piers e do pessoal que ele contratou. No início era estranho ver outras pessoas na casa, mas eram tão discretos que ela logo se acostumou com sua presença.
Piers inclusive chamou um médico para que verificasse o estado da incisão e retirasse os pontos, poupando-a da viagem à cidade.
Em pouco tempo se tornou uma jovem mimada e malcriada, e se sentia mortalmente aborrecida. Morria de vontades de dar um passeio pelos arredores. Mais que tudo desejava descer até a praia, mas também percorrer o restante da ilha.
Segundo Piers, a ilha era pequena e não muito conhecida pelos turistas que viajavam para o Caribe. A principal fonte de renda dos aldeãos era a pesca. Havia muitos planos para se construir um resort exclusivo para pessoas ricas.
O objetivo era manter a ilha tão privada e virgem quanto fosse possível sem deixar de assegurar um fluxo de renda para a população local.
Um dia depois da visita do médico, que retirou seus pontos e disse que ela estava em boa forma, Jewel abordou o tema de um passeio pela praia depois do café da manhã.
—Não tenho certeza se deve descer os degraus tão cedo, yineka mou — Piers franziu o cenho.
—Mas posso me segurar a você — insistiu ela com voz mimosa. — Por favor, Piers, vou enlouquecer. Estou a tanto tempo olhando de longe que começo a ter a impressão de estar contemplando um postal.
—Não sei dizer não a você — ele sorriu. — De acordo, depois do café da manhã desceremos à praia. Farei o cozinheiro nos preparar uma cesta de comida para levar.
—Obrigado! —ela saltou na cadeira como uma menina. — Que vontade eu tenho de ir!
—Certifique-se de usar calçados confortáveis. Não quero que escorregue nas escadas.
Ela sorriu. A situação que vivia naquele momento era perfeita. A sensação que o mundo desmoronaria ao seu redor tinha ficado para trás em algum momento. Só faltava ele conseguir abrir-se.
Durante dias debateu consigo mesma, hesitando ante a falta de coragem para perguntar. O outro problema era que, se conseguia fazê-lo falar de seu passado, ela se veria obrigada a falar do dela.
Logo, prometeu-se. Mas não naquela manhã. Nada ia estragar o passeio na praia.
Com a cesta de piquenique em uma mão e a outra segurando com firmeza sua esposa, Piers iniciou o descida pelas escadas esculpidas na falésia. A cada degrau que desciam, o som do mar se tornava mais forte e Jewel se sentia mais excitada.
Quando finalmente colocaram os pés sobre a areia, a jovem olhou para cima, para o impressionante penhasco que isolava do resto do mundo aquele trecho da praia.
—É como se estivéssemos em nosso pequeno mundo particular — disse ela impressionada.
—Ninguém pode nos ver, exceto de um barco, — Piers sorriu — e sei de fonte segura que os aldeãos não pescam neste lado da ilha.
—Isso abre as portas para toda uma série de possibilidades inconfessáveis, não é mesmo?
—Pode ter certeza que, quanto estiver recuperada, penso em ceder a várias dessas possibilidades — disse ele com os olhos brilhantes.
Ela começou a rir e tirou os sapatos, afundando os dedos dos pés na areia quente. Incapaz de resistir à chamada das ondas espumosas correu para a costa, desejosa de sentir a água em torno dos tornozelos.
A água cobriu seus pés e ela estendeu os braços para receber a brisa suave, sorrindo encantada enquanto seus cabelos flutuavam ao vento. Fechou os olhos e respirou fundo enquanto desejava poder parar o tempo naquele exato momento.
—Parece uma ninfa do mar — disse Piers. — Mais bela do que deveria ser permitido a qualquer mulher — estava ao seu lado, com as calças arregaçadas até os joelhos e os pés descalços.
—Esta praia é segura para nadar?
Ele assentiu.
—Pois teremos que fazer isso algum dia.
—Parece feliz, yineka mou. É graças a mim?
A vulnerabilidade que refletiam os olhos pretos a fez ficar sem fôlego. Aquele homem, forte e arrogante, era tão humano quanto qualquer outro. Sem considera a sensatez do gesto, jogou-se em seus braços.
—É muito bom para mim, Piers. Faz-me sentir muito feliz.
Ele correspondeu seu abraço com cautela enquanto seus olhos se fundiam. Os lábios estavam a milímetros de distância e ela os lambeu, nervosa devido à sensação de antecipação.
Mas em vez esperá-lo, foi ela quem o puxou para ela e o beijou. Ele pareceu satisfeito por ser ela a tomar a iniciativa, explorando cada canto de sua boca com a língua delicada.
Os dedos de Piers acariciaram sua nuca como um sussurro antes de mergulhar em seus cabelos e segurá-la com mais firmeza à medida que o beijo se intensificava. O sal do mar dançava sobre suas línguas e se misturava com a doçura de sua paixão.
—E eu o faço feliz? —finalmente ela o soltou e o olhou com os olhos semicerrados.
—Você me faz muito feliz — acariciou uma bochecha sua com o polegar.
—Vamos! —ela sorriu alegremente antes de pegar a mão dele e puxar. —Vamos continuar.
Ele se deixou arrastar e juntos percorreram cada centímetro da praia antes de voltar para lugar em que se encontrava a cesta de piquenique.
—Ajude-me com a manta — disse ela enquanto tentava, em vão, estendê-la sobre a areia.
—Deixe isso para mim — Piers colocou um sapato em cada canto para prendê-la. — Sente-se rápido antes que voe outra vez.
Ela se sentou e colocou a cesta no centro da manta. Ele se sentou ao seu lado e começou a tirar a comida.
O sol brilhava com força sobre suas cabeças e a areia brilhava como milhões de diminutas pedras preciosas. Jewel suspirou e se virou para o sol.
—Parece muito feliz, yineka mou. Como um gato deitado ao sol.
—Alguma vez desejou que um momento durasse eternamente?
—Não, acho que não. — disse Piers depois refletir um momento, — mas se fosse dado a essas coisas, escolheria um momento como este.
—É perfeito, não é? —ela sorriu.
—Sim, é.
Terminaram de comer e Jewel se deitou sobre a manta, desfrutando dos sons e aromas do mar. O calor dos raios do sol fez que, pouco a pouco, adormecesse.
—É hora de voltar para casa, yineka mou — Piers a sacudiu suavemente. — O sol está a prestes a se pôr.
Ela bocejou e pestanejou preguiçosamente. Depois sorriu para Piers e estendeu uma mão para ele.
Juntos, recolheram os restos de comida e guardaram tudo, junto com a manta, na cesta. Ao chegarem às escadas, pegou sua mão e ela deslizou os dedos entre os dele.
Aquela noite. Aquela noite abordaria o tema de seu passado e, pela primeira vez em sua vida, não evitaria o seu próprio. Desejava conhecer seus segredos, a causa da dor situada no fundo dos olhos pretos.
Compartilharia seus segredos com ela ou a deixaria de fora? Tinha direito a pressioná-lo sobre algo que claramente não queria falar?
Fiel a sua palavra, depois que Piers a encontrou deitada no chão do quarto, contorcendo-se de dor, ela dormiu em sua cama todas as noites. Por medo de machucá-la, ele acostumava aconchegar-se contra as costas da jovem e ela desfrutava de calor e segurança que emanava do corpo atlético.
Na maioria das noites, Jewel se perguntava se voltariam a fazer amor quando se recuperasse totalmente da operação. No entanto, naquela noite, se aconchegou contra ele enquanto tentava reunir coragem suficiente para abordar o tema de seu passado.
—Piers?
—Hummm…
—Vai me contar quem o magoou tanto? —ela se virou lentamente e ele ficou rígido. — Quem o tornou tão desconfiado com as mulheres? —continuou. — E por que não quer que este bebê seja sua filha?
—Nisso vocês está equivoca, yineka mou — ele a silenciou colocando um dedo sobre seus lábios. — Desejo que seja minha.
—Mas parece convencido de que não é — ela se deitou de lado.
Piers se deitou de costas e ficou com os olhos fixos no teto. Ela apoiou a cabeça sobre seu ombro e, ao não notar nenhuma resistência de sua parte, relaxou e acariciou seu torso peludo.
—Há dez anos conheci uma mulher e me apaixonei por ela. Joanna. Eu era jovem e estúpido, e acreditava ser o dono do mundo.
—Isso acontece com todos nessa idade — ela sorriu.
—Suponho que sim — ele riu. — Em todo caso, ela ficou grávida, e nos casamos imediatamente.
Jewel estremeceu ante a semelhança, mas não disse nada.
—Teve um filho. Nós o chamamos de Eric. Eu o adorava. Era o homem mais feliz do mundo. Tinha uma mulher linda que parecia me amar. Tinha um filho. Que mais podia pedir?
Jewel fez um gesto de pesar. Imaginava o que viria a seguir.
—De repente, um dia cheguei em casa e a encontrei fazendo as malas. Eric tinha dois anos. Lembro como chorava enquanto eu tentava argumentar com Joanna. Não entendia porque queria ir embora. Não tínhamos tido nenhum problema. Ao menos nenhum que me pusesse de sobreaviso. Quando finalmente disse a ela que partisse, mas que de maneira nenhuma levaria meu filho, respondeu-me que o menino não era meu.
—E você acreditou nela? —Jewel prendeu a respiração.
—Não, não acreditei — disse ele com sarcasmo. — Mas, resumindo, seu amante, com quem já mantinha uma relação quando nos conhecemos, tinha idealizado o plano perfeito para me extorquir. Vários meses, e um teste de paternidade, depois se demonstraram que Eric não era meu. Joanna o levou, junto com uma grande parte de meu dinheiro, e não voltei, a saber, nada sobre nenhum dos dois.
—Piers! —sussurrou ela. — sinto muito. Que horrível de sua parte permitir que você se apaixonasse por uma criança que acreditava se sua e depois arrancar isso de você com tanta crueldade. Como ela pôde fazer isso?
—Às vezes tenho pesadelos — acariciou seu braço nu. — Ouço Eric me chamando e me perguntando por que não o ajudei, por que o abandonei. A única coisa que lembro é do dia que partiram, e como Eric chorava e gritava. Como estendia seus bracinhos tentando me alcançar, enquanto a única coisa que eu podia fazer era vê-la partir com meu filho. Essa cena jamais se apagará de minha mente.
—Você sente falta dele.
—Durante dois anos ele foi toda minha vida — disse ele. — Agora percebo que não amava Joanna. Estava apaixonado por ela, mas Eric sim, eu o amava.
Jewel se sentou e acariciou sua face enquanto se inclinava para beijá-lo na boca. Depois deslizou uma mão até a barriga onde o bebê dava pontapés entre os corpos de ambos.
—Ela é sua, Piers. Sua e minha.
—Eu sei yineka mou. Eu sei.
—Piers parece mais relaxado do que jamais o tinha visto - disse Marley sentada no terraço com vista para o mar.
—É sério? —Jewel se virou para sua cunhada e sorriu. — Espero ter algo a ver com isso.
—É claro que tem algo a ver — Bela riu e tomou outro sorvo de vinho. — Juraria que aquele homem está apaixonado.
Jewel mordeu o lábio e desviou os olhos. Desejava que Piers a amasse, mas ele jamais pronunciaria as palavras. Não acreditava que fosse capaz de oferecer seu amor a outra mulher depois do que aconteceu com Joanna.
—Tem uma bela casa, Jewel — disse Marley. — Oxalá não estivesse tão longe da Grécia.
—Ou de Nova Iorque — disse Bela com secura. — Acha que Piers planejou isso?
—Sempre restam os jatos particulares, não? —Jewel riu.
—Acho que tem razão — refletiu Marley. — O mundo parece muito menor quando há aviões no meio. Não há nenhuma razão pela qual não possamos nos reunir em Nova Iorque para ir às compras. Theron é um encanto e com certeza nos alojaria sem problemas.
—Só porque não se comporta como um símio, saltando de galho em galho e batendo no peito reclamando a posse de sua fêmea, não quer dizer que seja um molenga.
—Quando se trata de Theron, torna-se muito protetora e possessiva — Marley revirou os olhos. — O que eu queria dizer é que, dos três irmãos, Theron seria o que se mostraria mais de acordo ante a ideia de nos reunimos todas. Chrysander e Piers passariam um mês inteiro organizando a equipe de segurança.
—Nisso tem razão — Bela assentiu.
—Marley, quando perguntei a ele por que eram necessários tantos seguranças, Piers mencionou que algo tinha acontecido com você — Jewel olhou para sua cunhada inquisitivamente. —O assunto ainda não foi resolvido?
—Na realidade — Marley suspirou com tristeza—, acreditam que os homens que me sequestraram foram presos. Chrysander recebeu ontem a ligação, mas não queríamos estragar nossa viagem para cá. Na volta, passaremos por Nova Iorque para que eu possa identificar os suspeitos.
—Sinto muito, Marley — Bela abraçou sua cunhada pela cintura. — Que momento, agora que está passando tão mal com a gravidez.
— Chrysander se preocupa de que seja demais para mim — Marley acariciou a barriga, ainda plana, — e ainda se sente muito culpado. Odeia a ideia de que tenha que passar por isto.
—Mesmo assim, deve ser um alívio saber que foram presos — Jewel acariciou uma de suas mãos. — Não quero nem imaginar o medo com o que deve ter vivido.
—E os transtornos que causou a você e a Bela — acrescentou Marley. — Sei que Theron e Piers tomaram medidas ante o perigo potencial para qualquer pessoa próxima a eles. Talvez agora possamos relaxar um pouco.
—Pela liberdade e tranquilidade — Bela ergueu sua taça de vinho em um brinde.
Jewel e Marley ergueram seus copos de água.
—Alegro-me muito de que estejam aqui — disse Jewel.
—Estamos muito agradecidas a você por fazer Piers feliz — Bela abraçou Jewel. — foi tão… difícil.
—Levou muito tempo para me aceitar — Marley assentiu. — Agora faria qualquer coisa por mim se o pedisse, mas no início não foi assim.
—Marley, — Jewel ficou séria — acredita que pode me conseguir um momento a sós com Chrysander? Eu gostaria de falar sobre algo com ele, e prefiro que Piers não saiba no momento.
—Certo, — Marley arqueou uma sobrancelha — acredito que posso. Mas deve saber que somos insaciavelmente curiosas e que terá que nos dar primeiro os detalhes.
—Contarei isso para vocês depois de falar com Chrysander — Jewel riu e apertou a mão de Marley. — Não quero que tentem me fazer mudar de ideia.
—Uf! —grunhiu Bela — Eu não gosto de como isso soa.
—Sinto muita curiosidade para tentar dissuadi-la. — disse Marley - Se ficar aqui fora, Bela e eu nos ocuparemos de Piers enquanto você fala com Chrysander.
—Obrigado.
As outras duas mulheres entraram na casa e deixaram Jewel tão absorta contemplando o mar que não percebeu a chegada de seu cunhado.
—Marley disse que você quer falar comigo.
Sobressaltada, virou-se bruscamente e engoliu com dificuldade ante a presença do irmão mais velho de Piers que arqueou uma sobrancelha.
—Assusto você, Jewel?
—Não, claro que não… bom, sim — ela admitiu.
—Pois certamente não é essa minha intenção. — disse ele - E agora, me conte o que posso fazer por você?
Ela retorceu os dedos das mãos com nervosismo. Certamente era uma má ideia, e Chrysander ia dizer que ela estava louca. Até mesmo poderia chegar a se zangar ante suas intenções.
—Piers me falou sobre Joanna e… Eric.
Os olhos de Chrysander se tornaram frios.
—Sei o quanto sofreu pelo que aconteceu.
—Destroçou-o, Jewel — Chrysander suspirou e se aproximou de Jewel. — Sofrer é dizer muito pouco. Amava Eric e o considerou seu filho durante dois anos. Imagine o que deve ser sentir durante tanto tempo que uma criança é seu filho, e que depois lhe arrebatem isso?
—Não, não posso imaginar isso — ela baixou os olhos. — Também me destroçaria.
—Talvez o entenda agora que falou para você sobre eles.
—Essa é a questão — ela o olhou fixamente. — Preciso de sua ajuda.
—Minha ajuda? —Chrysander franziu o cenho confuso. — Para quê?
—Para encontrar Eric.
—Não. Nem pensar. Não permitirei que Piers volte a passar pela mesma coisa outra vez.
—Por favor, deixe-me explicar — Jewel agarrou uma mão de Chrysander quando ele se virou para entrar novamente na casa. — Parte do problema é que Piers não pôde se despedir. Não pôde passar o trinco. A ferida continua aberta e sangrando. Ainda chora por esse pequeno de dois anos que perdeu. Sua única lembrança de Eric é do dia que ela partiu com ele, de como o menino gritava e chorava. Talvez se pudesse vê-lo, conseguisse aliviar parte dessa dor. Durante todos estes anos deve ter se perguntado se Eric estava bem, se era feliz, se precisava de algo. Se ele vê que tudo vai bem, talvez servisse para aliviar a dor horrível que sente.
—Está disposta a fazer isso? —perguntou Chrysander. — Devolveria a sua vida uma criança que sabe que ele ama? Você se arriscaria que ele voltasse a entrar em contato com uma mulher a quem uma vez amou, só para que ele seja feliz de novo?
—Sim — respondeu ela com voz rouca. — Faria qualquer coisa para aliviar tanta dor.
—Ama muito meu irmão — disse Chrysander depois de contemplá-la por um longo tempo.
—Sim — sussurrou ela depois de fechar os olhos. —É verdade.
—Muito bem, Jewel. Ajudarei você.
—Obrigado — apertou sua mão.
—Só espero que quando isto terminar, meu irmão continue me dirigindo a palavra.
—Direi a ele que você não teve nada a ver com isso — ela balançou a cabeça com energia. — Aceitarei toda a responsabilidade.
—Acho que meu irmão tem muita sorte.
—Espero que ele pense o mesmo — disse ela com tristeza.
—Dê-lhe tempo. Tenho certeza de que perceberá.
—Farei algumas investigações — Chrysander beijou a testa de sua cunhada. —Eu a informarei.
—Receio já não podermos prendê-lo por mais tempo — Bela apareceu no terraço. — Espero que tenham terminado. Theron e Piers estão convencidos de que estamos tramando algo maligno.
—Bela — Chrysander riu — não tenho a menor dúvida de que, quanto a você, seria absolutamente verdade. Não esqueci que arrastou minha mulher para um salão de tatuagens não faz muito tempo.
—Um salão de tatuagens? —Jewel soltou uma gargalhada. — Tem que me contar isso Bela. Chrysander teve um enfarte?
—Talvez gritasse com bastante força antes de nos arrastar para a rua — disse Bela com um sorriso inocente.
Jewel a abraçou em um gesto de solidariedade.
—O que faltava. Outra mulher para causar problemas — disse Chrysander com uma irritação fingida.
A porta do terraço se abriu e Marley apareceu seguida por Piers e Theron. Os dois irmãos olharam com expressão suspeita para Chrysander que ria com Bela e Jewel.
—Seja o que for que lhes tenha contado, é mentira — disse Theron enquanto puxava Bela para ele.
—Por que tenho a sensação de que minha família está tramando algo contra mim? —murmurou Piers enquanto se colocava junto de Jewel.
—Você está ficando paranoico — ela o abraçou com força e o beijou no queixo. — Chrysander só estava nos contando alguns segredos da família.
—Não se preocupem — esclareceu Chrysander ante os olhares de horror de Piers e Theron. — Não contei nada a elas de que possam se lamentar depois.
—Quer dizer que há coisas das quais se lamentam? —perguntou Bela. — Conte tudo, por favor. Theron sempre se comporta como se eu fosse a rebelde da família.
Jewel relaxou contra o corpo de Piers e desfrutou das risadas e brincadeiras. Gostava muito de Bela e Marley, e cada vez se sentia menos incômoda com Theron e Chrysander.
Como tantas outras vezes, a mão de Piers deslizou até a barriga de Jewel, que sentia aumentar o amor que sentia por seu marido cada vez que ele fazia isso.
Começava a perceber que se tratava de um homem muito apaixonado. Quando amava, o fazia com todas suas consequências. Tanto ela quanto sua filha eram sortudas por poderem desfrutar de seu amor e devoção. Jamais teria que voltar a se preocupar em ser sozinha.
—Pronta para o jantar, yineka mou? —murmurou ele. — Disseram-me que o chefe preparou seus pratos favoritos esta noite.
—Acho que comecei a me acostumar com todos estes mimos — suspirou ela.
—Conforma-se com pouco — brincou ele.
—Só preciso de você — disse ela com semblante sério.
—Não me provoque ou me esquecerei que temos convidados e a levarei nos braços para a cama.
—E por que teria que ser algo ruim? Seus irmãos são casados. Compreenderiam isso.
—Você me faz perder o controle, yineka mou — ele riu e beijou a ponta de seu nariz. — Vamos jantar. Depois levarei você para cama.
—Senhora Anetakis, tem uma ligação.
Jewel agradeceu a empregada e esperou que ela se fosse para responder.
—Alô?
—Jewel, é Chrysander. Tenho informações sobre Eric. As notícias não são boas.
Jewel franziu o cenho e entrou em casa para ouvir melhor, sem o eco do rugido do mar.
—O que aconteceu?
—Encontrei-o. Está em um orfanato. O estado da Florida se encarregou de sua custódia há dois anos. Após isso passou por seis lares.
—Não! —sussurrou ela enquanto segurava o telefone com força. A notícia ia destroçar Piers.
—Está bem, Jewel?
—Estou bem — respondeu ela com voz trêmula enquanto engolia com dificuldade. As lembranças que reprimiu por tanto tempo afloraram em sua mente. — Obrigado por sua ajuda, Chrysander. Eu gostaria que me enviasse tudo por e-mail. Quero estudar todas as informações a fundo antes de contar a Piers.
—Compreendo. Enviarei isso para você assim que desligar. E, Jewel, se precisar que eu a ajude em algo mais, basta me dizer.
—Obrigado, Chrysander. Como está Marley?
—Não foi fácil para ela — ele suspirou — Não se encontra bem com a gravidez, e o estresse de ter que identificar os sequestradores e de voltar a depor a está afetando.
—Sinto muito. — respondeu Jewel com doçura — Ficarão muito mais tempo em Nova Iorque? Terá que ficar até o julgamento?
—Não se eu puder evitar isso. — exclamou ele — O fiscal do distrito ofereceu um acordo. Se eles o aceitarem, se livrarão do julgamento e Marley terá acabado com este pesadelo.
—Dê muitos beijos nela por mim.
—Farei isso. Se houver algo mais que eu possa fazer, diga-me.
—Farei isso, Chrysander.
Depois de desligar o telefone, Jewel foi em buscar do laptop. Minutos depois, recebeu a mensagem de Chrysander. Leu-a detalhadamente. E franziu o cenho. Teria que fazer algumas ligações, mas morria de vontade de contar para Piers o que descobriu. Eric não tinha nenhuma necessidade de continuar em um orfanato quando tinha uma família disposta a querê-lo.
Piers afundou na cadeira atrás de sua escrivaninha e contemplou com tristeza a pilha de cartas. Jamais tinha relaxado tanto em questões de trabalho. Jewel era a culpada de sua falta de atenção.
Havia centenas de e-mail, sua caixa de mensagens de voz estava saturada e passou vários dias sem abrir nenhuma carta. Seus irmãos iriam mandá-lo para o inferno, mas também se alegrariam ao saber que o trabalho já não era a única razão de sua vida.
Suspirou e ligou o computador para dá uma olhada nas mensagens acumuladas. Em seguida pegou o telefone para ouvir as mensagens da caixa de mensagem de voz. A maioria eram relatórios rotineiros. Alguns eram mensagens de pânico de algum gerente de seus hotéis, e um se oferecia para comprar o novo hotel do Rio de Janeiro. A última mensagem o fez sorrir: não eram muitas as empresas que podiam se permitir comprar um hotel Anetakis. Não poupavam os gastos.
Assim que terminou a caixa de mensagem de voz, telefonou para Chrysander. Queria perguntar por Marley e saber o que tinha acontecido na identificação dos sequestradores.
Não recebendo resposta, ligou para Theron. Depois de falar durante vários minutos sobre negócios, Theron o pôs em dia a respeito de Chrysander e Marley.
Enquanto conversavam, repassou distraidamente as cartas amontoadas sobre a escrivaninha. Ao descobrir uma que tinha como remete um laboratório, ficou gelado.
—Depois eu ligo para você, Theron. Dê um beijo em Bela por mim.
Depois de desligar, contemplou fixamente o envelope. Um sorriso se formou em seus lábios enquanto brincava com a carta. Ali estava a prova de sua paternidade. Preto sobre branco, a prova irrefutável de que era o pai.
A última vez tinha sido o inverso e ele tinha perdido tudo aquilo que mais lhe importava no mundo. Dessa vez… dessa vez seria perfeito. Tinha uma filha a caminho. Sua filha.
“Minha”.
Deixou o envelope de lado. Não havia necessidade de abri-lo. Já sabia o que ele continha. Sua confiança em Jewel o surpreendeu, mas teve que admitir isso: acreditava que ela não o trairia.
Depois de repassar algumas outras cartas, voltou a se concentrar no envelope. Abriria-o para se deleitar com a sensação. Depois iria procurar Jewel para fazer amor com ela apaixonadamente.
A ideia fez seu corpo se retesar de necessidade.
Tinha vontade de celebrar isso. Talvez levasse Jewel para uma viagem a Paris. Ela gostava de viajar e o médico lhe deu alta definitiva da operação. Para ficarem tranquilos, pediria a ele uma consulta para uma revisão e uma ultrassonografia. Depois partiriam no jato particular. Poderiam fazer amor em Paris e depois, talvez, continuar a viagem até Veneza. Poderiam desfrutar da lua de mel que não tiveram ao se casar.
Sem parar de sorrir, hesitou um instante e abriu a carta.
Depois de repassar rapidamente as saudações de costume e os agradecimentos por ter escolhido aquele laboratório, chegou ao final, onde apareciam os resultados.
E congelou.
Leu repetidas vezes, certo de não ter compreendido bem. Mas não, não havia nenhuma dúvida. Não era o pai.
A fúria inundou suas veias, exasperando-o até está prestes a explodir. Outra vez. Tinha voltado a acontecer. Mas daquela vez era diferente. Muito diferente.
O que Jewel pretendia? Queria como Joanna, que ele estabelecesse algum laço afetivo com o bebê antes de partir? Utilizaria o bebê como moeda de troca?
Seria Kirk o pai ou havia algum outro homem em sua vida?
Mais velho e maduro? Tinha vontade de bater em si mesmo ante sua estupidez. Estava convencido de que jamais voltariam a enganá-lo como no passado, mas acaso tinha feito algo para evitar isso?
Com mãos trêmulas, voltou a ler o documento insultante. Maldita fosse aquela mulher.
Ela havia entrado em sua vida, em sua família. Suas cunhadas a adoravam, e seus irmãos a aceitaram. Por ele. Porque ele a impôs em suas vidas.
Jamais havia se sentido tão mal em sua vida. Desejava não ter aberto o maldito envelope.
Que idiota tinha sido. Que idiota seria sempre. Tinha perdido um tempo valioso construindo uma relação apoiada em mentiras e traições. Tinha comprado a casa de seus sonhos para ela, feito todo o possível por fazê-la feliz.
Pior ainda, tinha caído em sua própria fantasia. Tinha começado a pensar que poderiam ser uma família. Que lhe tinha sido dada outra chance de ter uma esposa e um filho. Que finalmente podia albergar esperanças.
Olhou friamente para o papel entre suas mãos. O pior era que tinha seguido seu jogo e tinha assegurado a ela sua manutenção independentemente da paternidade do bebê. De qualquer modo ela ganhava. E ele?
Ele tinha perdido tudo.
Jewel segurou os papéis contra o peito e correu para o escritório de Piers. Sabia que ele sofreria ao conhecer o destino de Eric e o fato de Joanna o ter abandonado há dois anos, mas o mais importante era tirar o menino da situação em que estava.
Uma sensação de angústia a invadiu ao pensar no pequeno indo de um a outro orfanato. Teria albergado as mesmas esperanças que ela quando era pequena antes de sofrer uma decepção atrás de outra?
Nem sequer se incomodou de bater na porta e irrompeu, quase sem fôlego. Ao ver a expressão de Piers, sentado atrás da escrivaninha com um documento amassado entre as mãos, parou repentinamente. A expressão horrível quase a fez esquecer o motivo de sua presença ali.
—Piers?
Ele a olhou com expressão gélida, provocando um calafrio nela.
—Está tudo bem? —Jewel deu um passo para frente.
—Diga-me, Jewel — ele ficou lentamente de pé, com calculada precisão. — Como pensava fazer o que queria? Ou acaso iria prolongar a farsa até me ter a sua mercê?
Ela se sentiu desfalecer. Como ele tinha descoberto sobre Eric? Por que estava tão zangado?
—Eu vinha contar isso a você agora mesmo. Pensei que você gostaria de saber disso.
Ele soltou uma gargalhada que era de tudo menos alegre. Jewel deu um passo para trás ante o evidente aborrecimento. Ira. Aquela era a palavra.
—Ah, sim, Jewel. Eu gostei de saber disso. E teria preferido saber disso quando toda esta pantomima começou. Desfrutou quando me queixei em voz alta de Joanna e sua traição? Ficou satisfeita ao saber que a sua era ainda mais sólida?
Ela sacudiu a cabeça confusa. De que diabos ele estava falando?
—Não compreendo. Por que está tão zangado comigo? Eu não fiz nada a você, Piers.
—Não mentiu para mim? —rugiu ele. — Não tentou me impingir o filho de outro homem? Deixa-me pasmo, Jewel. Como consegue parecer a vítima? A única vítima aqui sou eu, e essa pobre criatura de quem está grávida.
A dor a assaltou e a fez se encolher em um familiar gesto defensivo aperfeiçoado com os anos.
—Odeia-me — sussurrou ela.
—Acaso sugere que eu poderia amar alguém como você? —exclamou ele. — Aqui tem a verdade — acrescentou enquanto jogava para ela o papel que tinha na mão. — A verdade que não estava disposta a me contar. A verdade que eu merecia.
Ela pegou a folha de papel com uma mão trêmula e, entre a cortina de lágrimas de seus olhos, leu-a. Teve que fazê-lo três vezes para compreender antes de ficar geada.
—Isto está errado — disse em voz baixa.
—Ainda insiste na farsa? —ele riu amargamente. — Tudo acabou Jewel. As provas não mentem. Deixam claro sem lugar a dúvidas de que não há possibilidade de que eu seja o pai.
Ela o olhou com o rosto banhado em lágrimas. Ele a olhava frio. Muito frio. Duro. E implacável.
—Estava esperando este momento. Minha queda — balbuciou ela. — Desde o dia que liguei para você. Este é o único resultado que o satisfaria. Não iria ficar satisfeito até que demonstrasse que eu não era melhor que Joanna.
—Tem um grande dom para o dramatismo.
—Os resultados estão errados — ela enxugou as lágrimas, furiosa por o haver deixado vê-la chorar. — É sua Piers. Sua filha.
Ante a segurança na voz de Jewel, algo brilhou um instante nos olhos de Piers, mas em seguida voltou a ser o gélido olhar de sempre.
Jamais conseguiria convencê-lo. Já a havia julgado e sentenciado. Ainda lhe restava um vestígio de orgulho. Não suplicaria. Não se humilharia. Não permitiria que ele soubesse o quanto se sentia devastada por seu rechaço. Nem quanto o amava.
Levantou o queixo e se obrigou a olhá-lo nos olhos.
—Algum dia lamentará por isso — disse com calma. — Um dia acordará e perceberá que jogou pela amurada um tesouro. Espero, para o seu bem, que esse dia não demore muito e que consiga encontrar a felicidade que está tão decidido a negar a si mesmo e a quem o rodeia.
Com certa dificuldade, e o coração destroçado pela dor, virou-se. Segurou com força os papéis que queria mostrar a Piers e partiu com eles grudados ao peito. Ele não fez o menor gesto para impedi-la e ela sabia que não o faria. Ficaria ali, trancado em seu refúgio, até que ela tivesse partido.
Lentamente subiu até o quarto. Tirou uma mala e começou a guardar suas roupas dentro.
—Senhora Anetakis, precisa algo?
Jewel se virou e viu a criada junto à porta, com expressão perplexa.
—Poderia pedir um carro para me leve à cidade? —perguntou - Estarei pronta em quinze minutos.
—É obvio.
Jewel voltou para a bagagem, empenhada em não desmoronar. Sobreviveria. Tinha sobrevivido a coisas piores.
Quando terminou a bagagem se concentrou nas folhas que continham todas as informações sobre Eric. Embora Piers e ela já não estivessem juntas, não permitiria que aquele menino permanecesse a cargo do estado, entrando e saindo de famílias de acolhida.
Fechou os olhos e suspirou. Seria muito mais simples com o dinheiro e o poder do sobrenome Anetakis. Lentamente, abriu os olhos e franziu o cenho. Talvez não tivesse o dinheiro, mas sim o sobrenome. Na verdade, Piers se dispôs a cobrir suas necessidades no caso de divórcio, mas ninguém sabia quanto tempo demoraria a ter o legado. Precisava de dinheiro imediatamente. Eric não podia esperar.
Dirigiu-se ao closet e procurou o colar e os brincos de diamantes que Piers lhe deu de presente de casamento. Com a ponta do dedo acariciou as pedras brilhantes enquanto se lembrava de como ele prendido o colar em torno de seu pescoço.
Entre o anel de noivado, o colar e os brincos reuniriam dinheiro suficiente para viver até conseguir o legado fornecido por Piers.
—Senhora Anetakis, o carro a espera.
Jewel fechou a mala e sorriu agradecendo. Contemplou pela última vez o quarto que tinha compartilhado com Piers e depois desceu as escadas.
Uma vez dentro do carro, deu instruções ao motorista para que a levasse até o aeródromo. Não tinha tempo para pedir que preparassem o jato de Piers para ela, embora não sentisse nenhum escrúpulo em usá-lo. Mas não queria ficar naquele lugar mais do que o estritamente necessário. Pegaria o primeiro voo que saísse da ilha e se dirigiria para Nova Iorque, para ver bela e Marley. Depois rezaria para que elas a ajudassem a salvar Eric.
—Jewel, que diabos faz aqui? —perguntou Bela enquanto arrastava Jewel para dentro de casa. —Piers sabe que você veio? Ele veio com você?
Jewel tinha um nó na garganta. Mas não ia voltar a chorar novamente.
—O que aconteceu? —Marley apareceu atrás de Bela com uma expressão de simpatia no rosto.
Apesar de sua resolução, Jewel explodiu em pranto. Bela e Marley a conduziram a sala.
—Chrysander e Theron estão aqui? —conseguiu perguntar entre soluços.
—Não, e demorarão um pouco a vir. — disse Bela — Sente-se antes que desmaie. Parece esgotada.
Jewel se sentou na beira do sofá enquanto suas cunhadas a olhavam inquietas.
—O que o idiota do meu cunhado fez? —perguntou Marley.
—Temo que, segundo ele, fui eu quem fiz algo a ele — ela tentou sorrir.
—Vindo dele não estranho nada. — exclamou Bela — Além disso, salta aos olhos que está loucamente apaixonada por ele.
—O problema —Jewel enterrou o rosto entre as mãos— é que ele acredita que sou o pior.
—Conte-nos o que aconteceu — Marley colocou o braço em torno de seus ombros e a abraçou.
A jovem contou toda a história, do inicio ao fim, incluindo a parte de Joanna e Eric.
—Que idiota. — grunhiu Bela — Ele sequer pensou em ligar para o laboratório para pedir uma segunda análise? Questionou o resultado? Está claro que houve uma falha.
—Obrigado por acreditar em mim. — Jewel sorriu agradecida — Mas a questão é que conseguiu o que procurava. Desde o começo esperou que eu caísse do pedestal. Desde Joanna não é capaz de acreditar em uma mulher.
—E o que vai fazer? —perguntou Marley - Está apaixonada por ele.
—Mas ele não me ama. Mais ainda, não quer me amar. Não posso viver com alguém que desconfia de mim tanto quanto ele.
—E o que vai acontecer com Eric? —perguntou Bela - Acho que não vai permitir que ele continue como está.
—Não. — respondeu Jewel com firmeza — E foi por isso que vim. Preciso de sua ajuda.
—O que seja — Marley apoiou uma mão na de sua cunhada chorosa.
—Empenhei as joias que Piers me deu de presente. Bastará para alugar algo pequeno em Miami para poder ter uma residência permanente. Mas precisarei de dinheiro para que o estado me considere economicamente solvente para me encarregar de Eric. Não conseguirei o legado de Piers até o divórcio, e não tenho nem ideia de quanto demorará.
—O melhor de ter meu próprio dinheiro —Bela sorriu— é não ter que depender dos milhões dos Anetakis. Sem intenção de ofender, Marley.
—Não me ofende — respondeu sua cunhada secamente.
—Tenho um pouco de dinheiro que posso dar a você, e mandarei mais para que possa alugar algo melhor que “algo pequeno”, em Miami. Se pequeno está bom, grande estará melhor, não é mesmo?
—Muito obrigado. — Jewel apertou a mão de sua cunhada — Tive medo de que me odiassem, de que pensassem que eu tinha traído Piers.
—Tenho a impressão que Piers se levantará um dia percebendo que cometeu o maior erro de sua vida — Marley suspirou. — E eu quase gostaria de estar lá para ver isso.
—Não se sinta mal, Jewel — consolou-a Bela. —Eu temo que os Anetakis sejam bastante obtusos no que diz respeito ao amor.
—É verdade — admitiu Marley.
—Mantenha-nos informadas sobre Eric. Eu adoraria conhecê-lo — disse Bela.
—Certamente.
—Já organizou sua mudança para Miami? —perguntou Marley.
—Ainda não — Jewel sacudiu a cabeça. — Vim direto da ilha para cá.
—Primeira — Bela ficou de pé com expressão decidida - faremos uma boa refeição entre garotas, seguida de uma tarde de mimos no SPA. Deus sabe que as duas grávidas precisam disso. Depois pediremos um jato particular para que leva-la para Miami, e eu farei que um carro a espere lá para levá-la onde você queira. Piers é um idiota, mas você continua sendo da família.
Jewel voltou a explodir em soluços e Bela grunhiu.
—Agora entendem por que não gostaria de me reproduzir? A gravidez transforma as mulheres em um caos hormonal.
Marley enxugou rapidamente as próprias lágrimas e Jewel soltou uma gargalhada, seguida por suas cunhadas.
—Certo, chega de lágrimas. Vamos sair antes que os homens voltem. Deixarei um bilhete para eles dizendo que levei Marley para passar uma tarde de desenfreio. Não os surpreenderá de forma alguma — Bela riu.
—Prometam-me que as duas virão me visitar em Miami — disse Jewel — Sentirei muitas saudades de vocês. Sempre quis ter uma família, e não haveria duas irmãs melhores que vocês.
—Eu certamente irei ver você — prometeu Marley. — Jogarei a culpa em Bela. É minha desculpa habitual e eu evito problemas com Chrysander. Theron a ama tanto que a mima espantosamente.
—As duas têm muita sorte — disse Jewel com tristeza.
—Sinto muito, Jewel — Marley olhou para ela penalizada. — foi muito pouca consideração de minha parte.
—Jogue a culpa na gravidez. — disse Bela — Não há dúvida de que ter um parasita dentro chupando seus neurônios tem que produzir um impacto negativo cedo ou tarde.
—É deliciosamente irreverente — Jewel soltou uma gargalhada seguida de Marley. — Não me admiro que Theron a ame tanto.
—Venha, vamos. Meu radar de homens me diz que não estão longe. Quanto mais distancia ponhamos entre esta casa e nosso destino, menos provável será que nos encontrem.
De braços dados, dirigiram-se para a porta, onde encontraram com Reynolds, o chefe de segurança de Theron.
—Podemos contar com sua discrição ou correrá para informar Theron? —Bela suspirou, e olhou ameaçadoramente para o homem.
—Isso depende de onde acreditam que vão — Reynolds pigarreou.
—O que temos aqui, meu senhor, é uma donzela em apuros — Marley seguiu em frente. — Uma moça grávida e em apuros. Precisa passar um dia no SPA. Já sabe aquele lugar no qual fazemos aquelas coisas de garotas que você tem tanto medo.
—Bem — Reynolds empalideceu ligeiramente. — Desde que isso não seja um lugar inapropriado.
—Jamais me permitirá voltar para aquele clube de strip-tease, não é mesmo? —Bela o olhou furiosa enquanto se dirigiam ao carro.
—Clube de strip-tease? —perguntou Jewel. — Quero conhecer os detalhes.
—E eu contarei isso tudo a você assim que estivermos envoltas em barro dos pés a cabeça — disse Bela enquanto se sentava no carro e se inclinava para Reynolds, acomodado no assento dianteiro. — E uma coisa mais, Reynolds. Todo este assunto é segredo. Não viu Jewel, não sabe quem é nunca a viu em sua vida, ok?
—A quem? —Reynolds sorriu com solenidade.
—É um cara bastante simpático, — Bela sorriu satisfeita— desde que não tema por seu traseiro.
—Ouvi isso — disse Reynolds.
—Muito bem, garotas — Bela riu. — Vamos passar o dia no SPA. Depois levaremos Jewel para o aeroporto para que possa voar para Miami.
Piers contemplou as ondas pensativas, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça. Uma calça que não trocou em três dias. Parecia, e se sentia, como se estivesse a um mês de ressaca. Não tinha tomado banho nem se barbeado. Os empregados o evitavam como a peste e, quando não podiam evitar se relacionar com ele, olhavam-no com desaprovação. Como se ele fosse o culpado por sua partida.
E de certo modo era. Não tinha facilitado às coisas para que ficasse. Não que tivesse pedido para que ela partisse, mas que mulher ficaria junto de um homem que se mostrou tão cruel, tão desdenhoso?
Fechou os olhos e respirou o ar do mar que Jewel tanto adorava. Ela amava o mar tanto quanto ele a amava. Apaixonadamente.
Acreditava-se que o amor não devia ter barreiras nem condições. Mas ele nunca tinha oferecido tanto a Jewel. Nem sequer tinha lhe dado seu apoio incondicional. Tinha exigido, e ela tinha concedido. Tinha tomado e ela tinha oferecido.
Era um bastardo.
Como ela ia contar a verdade a ele se ele não a deixava? Desde o começo deixou quase evidente que a expulsaria de casa se descobrisse que ela estava mentindo para ele.
Embora na verdade não se importasse.
Ele percebeu ao descobrir sua partida. Ele não importava que o bebê fosse biologicamente dele ou não. Estava casado com Jewel, e isso significava que mãe e bebê pertenciam a ele. Seria o pai do bebê porque esse era o desejo de Jewel. Porque esse era seu próprio desejo.
Seu amor por Eric não diminuiu ao saber que não era seu filho biológico. Amava sua filha, e nada poderia mudar isso. Tinha arruinado sua chance de ter uma família. Uma esposa e uma filha. E tudo porque estava convencido que Jewel era outra Joanna.
Jewel tinha razão. Tinha esperado que ela caísse, que lhe desse as armas que necessitava para destruí-la porque não suportava ser destruído pela segunda vez. E também tinha razão em outra coisa, algo que ele não levou muito tempo para descobrir. Tinha destruído um tesouro.
—Amo você, yineka mou — sussurrou. — Não mereço seu amor, mas posso oferecer a você o meu. Posso tentar compensar você pelo dano que lhe fiz. Por favor, me perdoe.
As palavras que jurou não voltar a dizer a uma mulher liberaram algo enterrado em sua alma. Respirou fundo enquanto a dor do passado desaparecia arrastada pelo vento, mar para dentro. Tinha permitido que a amargura e a raiva o governassem por muito tempo. Tinha chegado à hora de deixar isso ir e de abraçar o futuro com Jewel.
Virou-se e caminhou em direção a casa. Assim que entrou começou a lançar ordens a gritos. No início foi recebido por uma fria resistência, até que os empregados se conscientizaram do que ele se propunha. Então eclodiu um torvelinho de atividade enquanto todos trabalhavam em excesso para proporcionar a ele o que desejava.
—Chamei um carro para que a levasse a cidade — disse uma das criadas.
Localizado o motorista, este admitiu tê-la levado para um pequeno aeroporto.
Frustrado, Piers foi para o aeroporto para interrogar ao vendedor de passagens, mas nem sequer o sobrenome Anetakis foi capaz de lhe proporcionar os resultados desejados. Ninguém quis lhe dizer se Jewel tinha pegando um voo, nem para onde.
Kirk.
É obvio. Todas as vezes que ela precisava de um lugar para se alojar, tinha voltado para casa de Kirk. Ela parecia confiar naquele cara, e entre os dois se notava que havia um afeto sincero.
Considerou sua aparência com repulsa. Não iria a lugar nenhum com aquela aparência. O mais seguro era que o prendessem por vadiagem.
Caminhou de volta a casa, telefonou para seu piloto e lhe deu instruções para que preparasse o jato particular para decolar em uma hora.
Ia encontrar Jewel e trazê-la de volta, a ela e a sua filha, ao lugar a que pertenciam. Para casa.
Piers chamou no apartamento de São Francisco. Mas não foi Jewel quem abriu, e sim Kirk.
—Jewel está ai? —perguntou Piers secamente.
—E por que ela deveria estar aqui? —Kirk entreabriu os olhos. —Por que não está com você?
—Tem ideia para onde poderia ter ido? —Piers fechou os olhos. Incomodava-o ter que pedir ajuda para aquele homem, mas, para encontrar Jewel, estava disposto a fazer qualquer coisa.
—Será melhor que entre e me conte o que está acontecendo — disse Kirk.
—Disse coisas horríveis a ela — admitiu Piers. — Estava zangado e descontei nela.
—Sobre o quê?
Consciente de que precisava da ajuda daquele homem, Piers contou a ele toda a história, do início ao fim. Talvez se conseguisse parecer bastante arrependido, Kirk não pensaria que era um bastardo e lhe diria o que soubesse sobre Jewel.
—É um idiota de primeira classe, não é? Jewel jamais mentiria sobre algo assim. Alguma vez ela falou para você sobre sua infância? Imagino que não, do contrário não teria reagido assim contra ela.
—Do que você está falando?
—Da morte de seus pais, quando ela era apenas um bebê, — Kirk fez uma careta de desgosto — Jewel passou de uma família de acolhida para outra. As primeiras foram temporárias, até encontrar um lar permanente para ela. A primeira família era uma autêntica jóia. O filho mais velho tentou abusar dela. Ela contou a assistente social que, felizmente, acreditou nela. Então eles a levaram para outra casa, junto com outra menina de sua mesma idade. O que ela não sabia era que a família não tinha intenção de ficar com ambas. Aceitaram duas para poder escolher. E ela não foi à escolhida. De modo que perdeu uma família em que chegou a confiar, e uma irmã a quem amava.
—Theos — resmungou Piers entre dentes.
—As coisas pareceram melhorar quando um casal que não podia ter filhos decidiu adotar Jewel. A adoção estava quase formalizada quando a mãe descobriu que estava grávida. Não podiam permitir-se ter mais de um filho e já pode imaginar a quem escolheram. Mais uma vez, Jewel foi rejeitada.
Piers fechou os olhos. Ele também a rejeitou, junto com seu bebê.
—Depois disso, ela deixou de acreditar nos finais felizes. Cresceu muito depressa. Passou por diversos estabelecimentos do estado até ser velha o bastante para cuidar de se mesma. Depois disso não parou de se mudar de um lugar para o outro, sem estabelecer-se em nenhum lugar, sem estabelecer laços com ninguém. Sem ter um lar. Simplesmente não se acha merecedora de um.
—Se ela entrar em contato com você, — Piers devolveu seu olhar com o estômago encolhido — me informará isso? Está grávida e sozinha. Devo encontrá-la para consertar as coisas.
Kirk o olhou por um longo tempo antes de assentir e aceitar o cartão que Piers estendia para ele.
—Ligue para mim a qualquer hora. Não importa.
—Aonde irá agora? —Kirk acompanhou Piers até a porta.
—Vou para Nova Iorque ver meus irmãos. Algo que já devia ter feito.
Piers bateu na porta da casa de seu irmão. Não gostava da ideia de enfrentá-los depois de seu grave engano. E ainda menos ter que pedir ajuda a eles, mas se servisse para encontrar Jewel…
—Piers? O que faz aqui? Por que não ligou para dizer que vinha? Onde está Jewel?
—Posso entrar? —Piers fez um gesto de aborrecimento ante a avalanche de perguntas de Theron.
—Claro — Theron se afastou para um lado. — Estávamos prestes a jantar. Você está com uma aparência horrível.
—Obrigado — respondeu Piers secamente.
Ao entrar na sala de janta, Chrysander, Marley e Bela olharam para cima. Mas apenas Chrysander pareceu surpreso.
—O que aconteceu? —Chrysander olhou para seu irmão fixamente.
—Jewel me abandonou — disse ele com desespero.
Theron e Chrysander começaram a falar ao mesmo tempo, enquanto as mulheres se limitaram a trocar olhares silenciosos.
—Isso não faz sentido — disse Chrysander. — Não depois do tempo que dedicou a…
Marley deu uma cotovelada nele para fazê-lo se calar. Chrysander a olhou perplexo, mas obedeceu.
—E por que ela o deixou, Piers? —Bela ficou em pé e apoiou as mãos nos quadris.
A voz era exageradamente doce e recordou a Piers por que os homens temiam às mulheres.
—Bela talvez Piers não queira nos contar essas intimidades — sugeriu Theron.
—Está aqui, não? —Marley arqueou uma sobrancelha. — Quer nossa ajuda. Temos direito de saber se a merece ou não.
—Se quer a verdade, não, não a mereço, mas de qualquer forma peço isso a vocês.
—Por quê? —perguntou Bela.
—Porque a amo, — Piers olhou para ambas as mulheres — e cometi um terrível erro.
—Então ligou para aquele laboratório estúpido para descobrir o erro? —disse Marley furiosa.
Chrysander e Theron se viraram para Marley e Bela. A primeira se ruborizou e olhou para sua cunhada com um gesto de desculpa, mas Bela se limitou a dar de ombros.
—Não liguei para o laboratório. Não me importa o maldito resultado. Eu a amo, e a nossa filha. Pouco me importa quem seja o pai biológico. É minha filha, e não tenho intenção de renunciar a ela ou a Jewel.
—Por que tenho a impressão de que você e eu somos os únicos que não têm a menor ideia de que diabos está acontecendo aqui? —disse Theron a Chrysander.
—Mas aposto que nossas encantadoras esposas poderiam nos esclarecer — disse Chrysander.
As duas cunhadas cruzaram os braços e apertaram os lábios.
Com o desespero refletido no rosto, Piers se aproximou das duas.
—Por favor, se souberem onde ela está me digam. Tenho que resolver as coisas. Eu a amo.
Marley suspirou e olhou com insistência para Bela.
—Talvez eu a tenha ajudado a conseguir uma casa em Miami — cedeu Bela finalmente.
—Mas este não é o lugar onde…? —Chrysander emudeceu ante o novo olhar assassino de Marley.
—Onde em Miami? —insistiu Piers, ignorando a troca de olhares entre o casal.
—Se for lá e a magoar novamente, me assegurarei pessoalmente de que todos os membros do serviço de segurança de Theron caiam sobre você — ameaçou-o Bela.
—Diga-me Bela. Preciso vê-la. Preciso me assegurar de que tanto ela quanto o bebê estão bem.
—Ontem, quando falei com ela, parecia bem — disse Marley como se nada tivesse acontecido.
—Parece que você e Bela estiveram muito ocupadas — disse Chrysander.
—Se deixássemos as coisas nas mãos dos homens, o mundo seria um desastre — Marley riu ironicamente.
—Acho que ela acabou de nos insultar — disse Theron secamente.
—Este é seu endereço — Bela entregou um pedaço de papel. — Confio em você, Piers. Não a aborreça.
—Obrigado — Piers a abraçou e a beijou na face. —Eu a trarei para visitá-los assim que puder.
Jewel acariciou a cabeça de Eric enquanto contemplava ele dormir placidamente. Ela o cobriu e saiu nas pontas dos pés do quarto. De volta à cozinha, preparou uma xícara de café descafeinado e a bebeu em pequenos sorvos.
Sua chegada a Miami não poderia ter vindo em melhor hora. Eric tinha acabado de ser devolvido de sua última casa de acolhida e esperava, junto com várias centenas de crianças, outra convocação. Tinha levado vários dias para completar a papelada, o estudo psicossocial e as investigações sobre seus antecedentes, mas, finalmente, Eric era dela.
No início, o menino se mostrou silencioso e retraído. Sem dúvida pensava que aquele novo lar seria tão temporário quanto os anteriores. E ela não tentou convencê-lo de nada. O menino precisava de tempo para aprender a confiar nela.
O importante era que ele tinha um lar. Graças à generosidade de Bela, ambos tinham um lar.
Depois de dá uma última olhada em Eric, foi para a sala e se sentou. As noites eram complicadas. Muito silêncio. Sentia falta de Piers e da amizade que desenvolveram.
Estava quase dormindo quando a campainha da porta tocou. Jewel se levantou rapidamente para não acordar Eric e olhou através do olho mágico. Ninguém a conhecia ali. E não era próprio do serviço social fazer uma visita àquela hora da noite.
O que viu do outro lado da porta a deixou gelada.
Piers. Ante sua porta, com expressão preocupada e aspecto descuidado.
Com dedos trêmulos puxou o ferrolho e abriu um pouco a porta.
—Jewel, graças a Deus — exclamou Piers. — Por favor, posso entrar?
A jovem se aferrou à maçaneta. Ira, dor, tanta dor, surgiu dentro dela. Que mais aquele homem poderia dizer a ela que já não houvesse dito?
—Não perguntarei a você como me encontrou — ela abriu a porta o suficiente para poder vê-lo e para que ele pudesse vê-la. — Isso não importa.
Ele ergueu uma mão suplicante e tentou interrompê-la, mas ela o impediu.
—Não. Já disse o suficiente. Permiti que você me dissesse todas aquelas coisas, mas já não tolerarei mais nenhuma palavra. Esta é minha casa. Aqui não tem nenhum direito. Quero que você vá embora.
Algo suspeitosamente parecido com pânico apareceu nos olhos de Piers.
—Jewel, sei que não mereço nem um segundo de sua vida. Disse e fiz coisas imperdoáveis. Não culparia você se não voltasse a me dirigir a palavra nunca mais. Mas, por favor, eu lhe suplico. Deixe-me entrar. Deixe-me explicar. Deixe-me consertar as coisas.
O desespero em sua voz a alarmou. A ira lutava contra a indecisão e o desejo de deixá-lo entrar. Ele a olhava com expressão torturada e, finalmente, ela se afastou para um lado e abriu a porta.
Piers entrou imediatamente, tomou-a em seus braços e enterrou o rosto entre os cabelos loiros.
—Sinto muito. Sinto muito, yineka mou.
Beijou-a na têmpora, na face e em seguida, desajeitadamente, encontrou seus lábios carnudos. E a beijou com tal emoção que a deixou perplexa.
—Por favor, me perdoe. — sussurrou Piers — Eu a amo. Quero que volte para casa, com nosso bebê.
—Agora acredita que é sua? —ela se afastou dele e agarrou-se aos seus braços fortes para não cair.
—Não me importa quem seja o pai biológico. Ela é minha. E você também. Somos uma família. Serei um bom pai. Eu juro. Por favor, me diga que me dará outra chance. Não voltarei a dar a você nenhum motivo para me abandonar.
Piers segurou suas mãos entre as dele com tal força que seus dedos ficaram brancos.
—Amo você, Jewel. Eu estava errado. Completamente. Não mereço outra chance, mas peço a você, não, suplico a você, outra chance porque não há nada que deseje mais no mundo que voltar para casa com você e com nossa filha.
Ela o escutava boquiaberta, tentando processar a informação. Amava-a. Ainda não estava convencido de ser o pai. Mas não se importava por não ser.
Um nó se formou em sua garganta. Que difícil devia ser para ele aparecer em sua porta, convencido de que a menina não era dele, mas as desejando, as aceitando, de qualquer maneira.
Deveria estar zangada. Mas, os resultados tinham confirmado os piores temores de Piers e, mesmo assim, ele não se importava.
Humilhou-se diante ela, mostrou-se tão vulnerável quanto um homem podia se mostrar. Só tinha que olhar a sinceridade que emanava dos olhos pretos.
Ele a amava.
—Você me ama? —precisava ouvir isso novamente. Desejava isso desesperadamente.
—Amo você, yineka mou.
—O que isso significa?
—Significa minha mulher — ele sorriu.
—Mas você me chamou assim na primeira vez que fizemos amor.
—Já era minha então — ele assentiu. — Acredito que me apaixonei por você naquela mesma noite.
—Piers! —ela se jogou em seus braços com os olhos inundados de lágrimas. —Eu o amo.
Ele tremeu de emoção contra seu corpo e deslizou as mãos até a barriga. Quando falou, fez com voz entrecortada.
—Como está nossa filha?
—É sua Piers — Jewel fechou os olhos. — eu juro a você. Não me deitei com nenhum outro homem. Só com você. Por favor, me diga que acredita em mim. Sei o que dizem os resultados, mas estão errados.
—Acredito em você, yineka mou — ele a olhou nos olhos e engoliu em seco.
Ela voltou a fechar os olhos e o abraçou com força.
—Sinto tê-la magoado, Jewel. Não voltarei a fazer isso. Dou minha palavra a você.
—Há algo que devo contar a você — disse ela calmamente.
Ele se retesou e, lentamente, afastou-se de sua mulher enquanto a olhava com incerteza.
—Será melhor que você se sente.
—Conte-me seja lá o que for. Não há nada que não possa se solucionar.
—Espero que não se zangue ao saber o que fiz — ela sorriu.
—Solucionaremos isso. Seja o que for. Juntos, yineka mou.
—Vim para Miami em busca de Eric — pegou as mãos dele entre as suas.
—Por quê? — Piers ficou atônito.
—Pensei que você precisava fechar essa porta. Pensei que, se você o visse feliz e contente, poderia preservar essa lembrança e não a do bebê que gritava e chorava quando sua mãe o levou.
—E o encontrou? —perguntou ele, sua voz delatava a ansiedade que sentia.
—Sim — respondeu ela com doçura. — Eu o encontrei. Joanna o abandonou há dois anos.
—Como! —a raiva explodiu como um vulcão e Piers deu um pulo do sofá. —Por que ela não o enviou para mim? Sabia que eu o amava. Sabia que eu o acolheria.
—Não sei Piers — Jewel sacudiu a cabeça com tristeza. — Foi incluído no programa de acolhida.
—Temos que solucionar isso. Não permitirei que continue assim. Não acontecerá com ele o que aconteceu com você, yineka mou.
—Como você soube sobre mim? — acariciou seu braço.
—Kirk me contou isso. Fui a São Francisco para buscar você. Theos, arrependo-me tanto de como a tratei.
—Piers, Eric está aqui — disse ela com doçura.
—Aqui? —perguntou ele estupefato.
—Está dormindo em seu quarto — ela assentiu. — Olhe, eu não podia permitir que ele permanecesse em um orfanato. Procurei por Eric antes de abandonar você. Por isso entrei em seu escritório naquele dia. Ia contar a você que o tinha encontrado. Pensei que nos dois poderíamos voar juntos para Miami para buscá-lo.
—E eu a mandei embora — Piers fechou os olhos. — E você veio sozinha para se encarregar dele.
—Ele está aqui, e precisa de uma mãe e de um pai.
—Você faria isso? Acolheria um filho que não é seu? —perguntou ele.
—Não é isso o que você pensa fazer? Não é isso o que pensava fazer quando acreditava que nossa filha não era sua?
—Amo você, yineka mou — ele a abraçou com força. — Não volte a me deixar. Embora eu mereça isso.
—Não farei isso — ela riu timidamente. — De outra vez ficarei e lutarei como deveria ter feito. Não se desfará de mim tão facilmente.
—Fico feliz com isso — grunhiu ele. — E agora, vamos ver nosso filho.
—É a menina mais linda do mundo — disse Piers com orgulho enquanto mostrava Mary Catherine, de seis semanas, aos seus irmãos para que a admirassem.
—Diz isso porque Marley vai ter outro menino — protestou Chrysander.
—Escute-os — protestou Bela — Por que os bebês tornam os homens tão ternos?
—Pensei que era o sexo que fazia isso — disse Marley com malícia.
—Bom isso também — riu Jewel.
Eric estava junto dos homens Anetakis olhando, imensamente orgulhoso, para sua irmãzinha.
A adoção de Eric havia sido formalizada duas semanas antes do nascimento de Mary Catherine. Uma semana depois, Piers recebeu uma ligação urgente do laboratório que realizou o teste de paternidade. Com efeito, eles o informaram, tinha havido um trágico erro e os resultados se confundiram com os de outra pessoa. Piers havia se sentido horrorizado novamente por ter descarregado sua raiva sobre Jewel, mas ela o lembrou que muito antes de conhecer o resultado correto ele já tinha aceitado sua palavra sobre a legitimidade de sua filha. E isso bastava.
Bela tinha razão ao sublinhar que a única coisa que teria que fazer era esperar o nascimento de Mary Catherine, pois ninguém em sua sã consciência duvidaria de sua origem Anetakis.
Em efeito, tinha os cabelos e os olhos escuros, junto com a compleição cor de oliva de seu pai. Era, em todos os sentidos, Piers em miniatura.
Jewel contemplou sua família, reunida na casa da colina sobre o mar. Havia tanta felicidade ali. Em alguns momentos ela custava a acreditar que tudo aquilo fosse dela. Que tinha uma família. Que pertencia a alguém.
—Eu gostaria de propor um brinde — disse Chrysander enquanto levantava sua taça. — Pelas esposas Anetakis. Não tenho a menor dúvida que nos manterão em guarda até uma idade bem avançada.
—Isso, isso — Theron se uniu ao brinde.
Piers se virou para Jewel com um sorriso e ela ficou em pé ao seu lado. Juntos contemplaram o bebê nos braços do pai enquanto ela abraçava Eric contra seu corpo.
—Eu também gostaria de propor um brinde — disse Jewel. — A Bela. Para que encha a casa de Theron de meninas tão bonitas e descaradas quanto à mãe.
—Feche o bico — disse Bela, embora seus olhos brilhassem felizes.
—Que Deus me ajude se isso chega a acontecer — Theron abraçou a esposa. — O mundo já tem bastante com uma Bela.
—Eu gostaria de propor um brinde ao amor e a amizade — disse Marley.
—Ao amor e a amizade — repetiram ambas em coro.
Maya Banks
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