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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


BEIJE-ME ANNABEL / Eloisa James
BEIJE-ME ANNABEL / Eloisa James

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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As regras do casamento... de acordo com a Srta. Annabel Essex...
Um marido deve ser:
Rico.
Muito rico. Ela já estava farta de telhados vazando e roupas desfiadas.
Inglês.
Londres é o centro do mundo civilizado, e Annabel tem paixão por seda e água quente.
Amável.
Boa aparência seria bom, mas não necessário. O mesmo para inteligente.
Ela não tinha sorte? Ela encontrou o homem certo! Mas seu marido dos sonhos não é nada como o empobrecido Conde Escocês de Ardmore, que não tem nada além de seus lindos olhos, seu cérebro - e seus beijos - para recomendá-lo.
Então, que cruel reviravolta do destino a colocou em uma carruagem a caminho da Escócia com aquele conde empobrecido e todo mundo pensando que eles são marido e mulher? Dormindo na mesma cama? Sem mencionar o jogo de palavras iniciado pelo conde - no qual o prêmio é um beijo. E a perda...
Bem, ela não sabia o que fazer. Afinal, eles estão quase casados!

 


 


Capítulo Um

Londres

Abril de 1817

No dia em que o escocês chegou ao baile de lady Feddrington, a irmã de Annabel decidiu dar-lhe a sua virtude, e Annabel decidiu não lhe dar a mão em casamento.

Em nenhum dos casos, o escocês indicou um interesse particular em empreender atividades tão íntimas com as irmãs Essex, mas sua participação foi tomada como garantida. E, naturalmente, ambas as decisões ocorreram na sala de descanso feminino, que em um baile, é onde tudo que tem importância acontece.

Aconteceu após o meio do baile, quando a excitação inicial se esgotou e as mulheres têm uma sensação desconfortável de que seus narizes estão brilhantes e suas faces pálidas. Annabel espiou o aposento e encontrou-o vazio. Então sentou-se diante da grande penteadeira espelhada e começou a tentar prender seus cachos indisciplinados para que ficassem acima dos ombros pelo resto da noite. A sua irmã, Imogen, Lady Maitland, sentou-se ao seu lado.

— Este baile nada mais é do que um terreno fértil para parasitas — disse Imogen, franzindo o cenho para seu reflexo.

— Lorde Beekman por duas vezes me pediu para dançar com ele. Como se eu fosse sequer contemplar dançar com aquele sapo gordo. Ele deveria olhar mais baixo... Talvez na copa.

Ela parecia magnífica, alguns cachos pretos cintilantes caindo sobre os ombros, e o restante empilhando-se em sua cabeça. Seus olhos brilhavam com o desprazer de receber muita atenção.  Em tudo, ela parecia ter a ira da magnífica Helena de Tróia, roubada pelos gregos e tirada de sua terra natal.

Deve ser muito chato, pensou Annabel, não ter para onde direcionar toda essa emoção, exceto para cavalheiros incautos que não fazem nada mais desprezível do que pedir uma dança. — Há sempre a chance de que ninguém disse aos pobres sapos que Lady Maitland é uma pessoa tão grandiosa. — Ela disse isso suavemente, já que o luto transformou Imogen em uma pessoa que nenhuma delas conhecia muito bem.

Imogen lançou-lhe um olhar impaciente, contorcendo um dos cachos sobre o ombro, de modo que este se aninhou sedutoramente em seu peito. — Não seja tola, Annabel. Beckman está interessado em minha fortuna e nada mais.

Annabel levantou uma sobrancelha na direção do corpete praticamente inexistente de Imogen. — Nada mais?

O esboço de um sorriso tocou os lábios de Imogen, um dos poucos que Annabel tinha visto nos últimos meses. Imogen tinha perdido seu marido no outono anterior, e depois de seus primeiros seis meses de luto, ela havia se juntado a Annabel em Londres para a temporada. Atualmente ela divertia-se chocando matronas respeitáveis da sociedade ostentando um guarda-roupa cheio de roupas de luto cortadas em estilos ousados ??que deixavam pouco de sua figura para a imaginação.

—Você tem que esperar atenção. — apontou Annabel. —Afinal, você se vestiu para isso. —E lá deixou um pequeno sarcasmo rastejar em seu tom.

—Você acha que eu deveria comprar outro destes vestidos? — Imogen perguntou, olhando para o espelho. Ela moveu sedutoramente seus ombros e o corpete ficou ainda mais baixo em seu peito. Ela estava vestida de seda preta, um tecido perfeitamente respeitável para uma viúva. Mas a modista havia economizado no tecido, pois o corpete não passava de alguns pedaços de pano, caindo em uma silhueta estreita que se agarrava a cada curva. A peça de resistência era uma guarnição de pequenas penas brancas ao redor do corpete. As penas se aninhavam nos seios de Imogen e faziam com que todos os homens que os vislumbravam jogassem a cautela ao vento.

— Ninguém tem necessidade de mais do que um vestido desse padrão — apontou Annabel.

—Madame Badeau ameaçou fazer outro. Ela reclama que deve vender dois a fim de justificar seu design. E eu não gostaria de ver outra mulher neste vestido em particular.

— Isso é um absurdo —, disse Annabel. — Muitas mulheres têm vestidos do mesmo design. Ninguém vai notar.

— Todos percebem o que eu visto —, disse Imogen, e teve que admitir que era uma verdade perfeita.

— É uma indulgência pedir outro vestido apenas para permitir que ele definhe em seu guarda-roupa.

Imogen deu de ombros. Seu marido havia morrido relativamente pobre, mas em seguida, sua mãe caíra e morrera menos de um mês depois do filho. Lady Clarice deixara sua fortuna particular para sua nora, tornando Imogen uma das viúvas mais ricas de toda a Inglaterra. — Eu vou comprar o vestido feito para você, então. Você deve prometer usá-lo apenas nas regiões onde ninguém de importância possa vê-lo.

— Esse vestido vai cair para meu umbigo se eu me curvar, o que dificilmente combina com uma debutante.

— Você não é uma debutante comum —, disse Imogene. —Você é mais velha do que eu, e tem ao todo vinte e dois anos, se você se lembrar.

Annabel contou até dez. Imogen estava de luto. Era preciso simplesmente desejar que o luto não a fizesse tão sanguinária. — Devemos voltar para Lady Griselda? — disse ela, levantando-se e olhando uma última vez para o espelho.

De repente Imogen estava em seu ombro, sorrindo de maneira triste. — Sinto muito por ser tão cansativa. Você é a mulher mais bonita no baile, Annabel. Olhe para nós duas juntas! Você está brilhando e eu pareço um velho corvo.

Annabel sorriu. — Você não é um corvo. — Havia uma similaridade em suas características: ambas tinham olhos oblíquos e maçãs do rosto salientes. Mas enquanto o cabelo de Imogen era negro, o de Annabel era da cor do mel. E os olhos de Imogen brilhavam com calor, Annabel sabia muito bem que essa era sua maior força e era um convite que os homens pareciam incapazes de resistir.

Imogen puxou outro cacho para a curva de seu seio, ficou um pouco estranho, mas o temperamento de Imogen não era algo a se arriscar, então Annabel segurou a língua.

— Eu resolvi arrumar um cicisbeo, — Imogen disse de repente. — Para afastar Beekman.

— O que? — disse Annabel. — Um o quê?

— Um galante —, disse Imogen impaciente. — Um homem para me acompanhar.

— Você está pensando em se casar de novo? — Annabel ficou realmente surpresa. Ela acreditava que Imogen ainda estava se dissolvendo em lágrimas toda a noite pela morte do marido.

— Nunca —, disse Imogen. — Você sabe disso. Mas eu não pretendo deixar idiotas como Beekman estragar meu prazer também. — Seus olhos se encontraram no espelho. — Vou escolher Mayne. E não estou falando de casamento.

— Mayne! — Annabel ofegou. — Você não pode!

— Claro que posso —, disse Imogen, parecendo divertida. — Não há nada que me impeça de fazer qualquer coisa que eu deseje. E acredito que eu gostaria do conde de Mayne.

— Como você pode considerar essa ideia? Ele abandonou nossa própria irmã, praticamente no altar!

— Você está insinuando que Tess estaria melhor com Mayne do que com Felton? Ela adora seu marido, — Imogen apontou.

— Claro que não. Mas isso não muda o fato de que Mayne a abandonou!

— Eu não esqueci esse ponto.

— Mas pelo amor de Deus, por quê?

Imogen lançou lhe um olhar desdenhoso. —Você precisa perguntar?

— Castigo —, adivinhou Annabel. — Não faça isso, Imogen.

— Por que não? — Imogen virou para o lado e admirou sua figura. Estava excelente em todas as curvas. E cada curva era visível. — Estou entediada.

Annabel viu um brilho de crueldade nos olhos da irmã e pegou seu braço. — Não faça isso. Eu não tenho nenhuma dúvida de que você pode fazer Mayne se apaixonar por você.

Imogen deu um sorriso radiante. — Nem eu.

— Mas você pode se apaixonar por ele também.

—Inconcebível.

Annabel também não acreditava que Imogen iria amar de novo. Ela havia se congelado depois que seu marido morreu, e levaria tempo para derreter.

— Por favor —, disse ela. — Por favor, não faça isso, Imogen. Eu não me importo com Mayne, mas não seria bom para você.

— Desde que você não é nada mais do que uma donzela —, disse Imogen com seu novo e amargo sorriso. — Você não tem ideia do que seria bom para mim, pelo menos no que diz respeito aos homens. Podemos ter essa discussão uma vez que você tenha alguma experiência do que significa ser uma mulher.

Imogen estava claramente desejando uma batalha campal do tipo que costumavam ter quando eram crianças.

Mas quando Annabel abriu a boca para dar uma réplica contundente, a porta se abriu e sua acompanhante, Lady Griselda Willoughby, entrou. — Queridas! — ela vibrou. — Eu tenho procurado em todos os lugares por vocês duas! O duque de Clarence chegou e... — Suas palavras morreram quando seus olhos se moveram do rosto furioso de Annabel para o rígido de Imogen. — Ah —, disse ela, sentando-se e ajeitando seu requintado xale de seda ao redor de seus ombros. — Vocês estão brigando novamente. Estou muito feliz por ter apenas um irmão para me atormentar.

— Seu irmão, — estalou Imogen, — Dificilmente é alguém que se deseja como membro da família. Na verdade, estávamos falando de suas múltiplas virtudes, ou melhor, da falta delas.

— Não tenho dúvida de que sua avaliação estava correta —, disse Griselda serenamente. — Mas foi um comentário bastante desagradável, minha querida. Percebo que, quando você está com raiva, seu nariz fica muito fino... Talvez você queira pensar sobre isso.

O nariz de Imogen se alargou magnificamente. — Como não tenho dúvidas de que você também desejará me repreender, posso muito bem dizer que decidi tomar um cicisbeo!

— Uma excelente decisão, minha querida. — Griselda abriu um pequeno leque e agitou-o preguiçosamente diante de seu rosto. — Acho os homens tão úteis. Em um vestido tão estreito quanto o que você veste esta noite, por exemplo, dificilmente se pode caminhar com facilidade. Talvez você possa escolher um homem particularmente forte, que possa levá-la por Londres.

Annabel reprimiu um sorriso.

— Você pode se divertir o quanto quiser, — disse Imogen com os dentes cerrados, — Mas deixe-me ser muito clara sobre minha decisão. Eu decidi ter um amante, não uma versão saltitante de um lacaio. E o seu irmão Mayne é meu principal candidato.

— Ah —, disse Griselda. — Bem, provavelmente é sensato começar com alguém tão experiente nessas situações.

— Mayne tende às mulheres casadas em vez de viúvas; meu irmão tem um gênio para evitar qualquer mulher que possa ser elegível para o matrimônio. Mas talvez você possa persuadi-lo do contrário.

— Acredito que posso — afirmou Imogen.

Griselda agitou seu leque, pensativa. — Uma escolha interessante está à sua frente. Se eu, por exemplo, fosse escolher um amante, eu desejaria continuar o caso além de duas semanas. Meu querido irmão certamente teve muitas damas com quem praticar, e ainda assim ele invariavelmente se dirige para outra mulher a cada quinzena, além disso, eu mesma encontraria a noção de ser comparada às muitas mulheres bonitas que vieram antes de mim enervante, mas espero que eu seja simplesmente melindrosa.

Annabel sorriu. Griselda parecia uma dama perfeitamente dócil e perfeitamente feminina. E ainda assim...

Imogen ficou pensativa. — Bem! — ela disse finalmente. —Vou levar o conde de Ardmore então. Desde que ele está em Londres há apenas uma semana, ele não pode me comparar a mais ninguém.

Annabel piscou. — O conde escocês?

— O próprio. — Imogen recolheu sua bolsa e xale. — Ele não vale um centavo, mas seu rosto pode ser sua fortuna, neste caso. — Ela pegou o cenho franzido de sua irmã. —Oh, não seja uma tola, Annabel. Acredite em mim, o conde não vai se machucar.

— Eu concordo —, Griselda acrescentou. — O homem tem um ar palpável de perigo sobre si. Ele não vai se machucar Imogen. Você irá.

— Bobagem —, disse Imogen. — Você está simplesmente tentando me convencer de uma decisão que eu já tomei. Não estou disposta a ficar sentada nos cantos, fofocando com as outras pelos próximos dez anos —.  Isso foi um insulto direto para Griselda, que havia perdido o marido anos atrás e (pelo que Annabel sabia), nunca pensara em ter um amante ou um marido.

Griselda sorriu docemente e disse:

— Não, eu posso ver que você é um tipo totalmente diferente de mulher, minha querida.

Annabel estremeceu, mas Imogen não notou. — Agora pensando bem, Ardmore é uma escolha muito melhor do que Mayne. Nós somos compatriotas, você sabe.

— Na verdade, isso é uma razão para não distraí-lo, — Annabel teve que apontar. — Nós sabemos o quão difícil é viver em uma casa velha no norte do país sem um centavo para sustentá-la. O homem veio a Londres para encontrar uma noiva rica, e não para ter um caso com você.

—Você é uma sentimentalista —, disse Imogen. — Ardmore pode cuidar de si mesmo. Certamente não o impedirei de cortejar alguma mocinha boba se ele quiser. Mas se eu tiver um servente cavalheiro, os caçadores de fortunas me deixarão em paz. Vou apenas pegá-lo emprestado por um tempo. Você não está planejando casar-se com ele, está?

— O pensamento nunca passou pela minha cabeça —, disse Annabel com algo menos do que a verdade perfeita. O escocês era absurdamente bonito; uma mulher teria que estar em seu túmulo para não considerá-lo como um consorte. Mas Annabel queria casar com um homem rico. E ela pretendia ficar na Inglaterra. — Você está considerando-o como um possível cônjuge?

— Certamente não. Ele é um palerma sem fortuna. Mas ele é bonito, e ele se veste tão sombriamente que combina com a minha roupa. Quem poderia querer mais em um homem?

— Ele não parece ser um homem para enganar —, disse Griselda, sério agora.

— Se ele precisa encontrar uma esposa rica, você deve ser sincera —, acrescentou Annabel. — Ele pode muito bem pensar que você consideraria o matrimônio.

— Shiuu—, disse Imogen. — O papel de moralista inflexível não combina com nenhuma das duas. Não sejam tediosas. — E ela saiu do quarto, fechando a porta atrás de si com um pouco mais de força do que o necessário.

— Embora me incomode admitir —, disse Griselda pensativamente. — Posso ter lidado mal com essa situação. Se sua irmã está determinada a fazer um escândalo, teria feito melhor em dirigir-se a Mayne. Neste ponto, é quase um rito de passagem para as mulheres jovens terem um breve affaire com meu irmão, e assim o escândalo que se segue não chega a pegar fogo.

— Há algo sobre Ardmore que me faz pensar se ela pode controlá-lo tão facilmente quanto pensa que pode —, disse Annabel com uma careta.

— Eu concordo—, disse Griselda. — Eu não troquei uma palavra com ele, mas ele tem pouco em comum com um lorde Inglês.

Ardmore era um escocês ruivo, com uma mandíbula quadrada e ombros largos. Para a mente de Annabel, ele estava a um mundo de distância do irmão elegante de Griselda.

— Ninguém parece saber muito sobre o homem —, disse Griselda. — Lady Ogilby me disse que soube pela Sra. Mufford que ele é pobre como um rato de igreja e veio a Londres especificamente para encontrar uma noiva com um dote.

— Mas não foi a Sra. Mufford que espalhou o rumor sobre Clementina Lyffe ter fugido com um lacaio?

— Verdade —, disse Griselda. — E, no entanto Clementina está felizmente casada com seu visconde e não tem propensão alguma para cortejar o pessoal da casa. Lady Blechschmidt geralmente pode farejar um caçador de fortunas a cinquenta metros, e não havia sinal de Ardmore em seu sarau na noite passada, o que sugere que ele não foi convidado. Devo perguntar se ela tem alguma informação pertinente.

— Sua ausência daquele evento em particular pode simplesmente indicar uma intolerância ao tédio —, comentou Annabel.

— Bobagem! — disse Griselda rindo. — Você sabe que Lady Blechschmidt é uma grande conhecida minha. Devo dizer que é incomum que haja tanto mistério sobre um homem; se ele fosse Inglês saberíamos de tudo, desde o seu peso ao nascer até a sua renda anual. Você o encontrou alguma vez quando morou na Escócia?

— Nunca. Mas a especulação da Sra. Mufford sobre suas razões para vir a Londres é provavelmente verdadeira. — Muitos nobres escoceses andavam pelos estábulos de seus pais, e estavam com os bolsos tão vazios quanto os próprios pais. De fato, era praticamente uma exigência de nacionalidade. Ou permanecia pobre ou se casava com um inglês rico, como Imogen tinha feito, como Tess tinha feito e como ela pretendia fazer.

— Ardmore não parece o tipo a ser enganado por sua irmã —, disse Griselda.

Annabel esperava que ela estivesse certa. Havia uma fragilidade por trás da exposição engenhosa de Imogen,  de seu seio,  que tinha pouco a ver com o desejo.

Griselda se levantou. — Imogen deve encontrar seu próprio caminho através de sua dor —, disse ela. — Há mulheres que têm dificuldades com isso, e eu tenho medo que ela seja uma delas.

Sua irmã mais velha, Tess, sempre dizia que Imogen tinha que viver sua própria vida. E Annabel também.

Por um momento, um sorriso tocou os lábios de Annabel. O único dote que ela tinha era um cavalo, então ela e o escocês eram realmente dois do mesmo tipo.

Centavos escoceses, por assim dizer.


Capítulo Dois

Lady Feddrington estava nas garras de uma paixão por todas as coisas egípcias, e como ela tinha os meios para satisfazer cada capricho, seu salão de baile se assemelhava a nada mais do que um depósito de invasores de túmulos. Ao lado de grandes portas em um canto havia estátuas de seis metros de altura de algum tipo de cão-humano. Aparentemente, eles originalmente estavam às portas de um templo egípcio.

— No começo eu não tinha certeza se eu realmente gostava deles. Suas expressões não são... agradáveis, — Lady Feddrington tinha dito a Annabel. — Mas agora eu os chamo de Humpty e Dumpty. Eu penso neles um pouco como servos superiores: tão silenciosos, e você pode dizer em um olhar que eles não beberão em excesso. — Ela riu; Lady Feddrington era uma mulher bastante tola.

Mas Annabel teve que admitir que, vistos do outro lado da sala, Humpty e Dumpty pareciam magníficos. Eles olhavam para os dançarinos em torno de seus tornozelos com expressões que davam a ideia de que eram criados cômicos.

Ela puxou um pedacinho de nada de tecido transparente ao redor de seus ombros. Era de ouro pálido, para combinar com seu vestido, e bordado com uma série de samambaias. Ouro em ouro e valia cada centavo. Ela olhou novamente para as imponentes estátuas egípcias. Elas não deveriam estar em um museu? Elas faziam com que a multidão esvoaçante em torno delas parecesse dissoluta.

— Anúbis, deus dos mortos —, disse uma voz profunda. — Não é o guardião mais propício para uma ocasião como esta.

Apesar de tê-lo conhecido brevemente, ela reconheceu a voz de Ardmore. Bem, por que não reconheceria? Ela havia crescido cercada por aquele suave sotaque escocês, embora seu pai ameaçasse deserdar ela e suas irmãs se elas o usassem. — Eles se parecem com os deuses—, disse ela. — Você já viajou para o Egito, meu senhor?

—Infelizmente, não.

Ela não deveria ter perguntado. Ela, como qualquer um, sabia bem como era a vida de um nobre escocês empobrecido. Envolvia horas gastas tentando ganhar a vida com inquilinos agredidos pelo frio e pela fome, não em viagens até o rio Nilo.

Ele passou a mão por baixo do braço dela. —Posso pedir-lhe para dançar, ou devo solicitar o prazer para sua acompanhante?

Ela sorriu para ele, um de seus sorrisos mais raros que não tinha intenção de seduzir, mas apenas expressar companheirismo. —Nem é necessário —, ela disse alegremente. —Tenho certeza que você pode encontrar alguém mais apropriado para dançar.

Ele piscou para ela, parecendo mais um trabalhador corpulento do que um conde. Ela veio a conhecer bastante sobre condes, sim, e duques e outros lordes também. Sua acompanhante, Lady Griselda, considerou seu dever apontar todos os homens que tinham um título. Mayne, irmão de Griselda, era um típico lorde Inglês: elegante e levemente perigoso, com dedos finos e modos requintados. Seus cabelos caíam em ondas ordenadas que brilhavam à luz, e ele cheirava tão bem quanto ela própria.

Mas esse conde escocês era outra história. O cabelo castanho avermelhado caía em grossos cachos encaracolados abaixo de seu pescoço. Seus olhos eram de um verde claro,  alinhados com longos cílios, e a consciência que tinha sobre si traduzia-se em uma espécie de sensualidade crua. Enquanto Mayne usava veludo e seda, Ardmore estava simplesmente usando um traje preto. Preto com um toque de branco na garganta. Não é de admirar que Imogen pensasse que ele complementaria seu traje de luto.

— Por que você me recusa? — perguntou parecendo surpreso.

— Porque eu cresci com rapazes como você —, disse ela, deixando um traço de sotaque escocês em sua voz. Rapaz não era a palavra certa, não para aquele imenso nortista que era tão claramente um homem, mas esse era o sentido que ela queria dizer. Ele poderia ser um amigo, mas nunca um pretendente. Embora ela dificilmente pudesse explicar a ele que pretendia se casar com alguém rico.

— Então você jurou não dançar com ninguém de sua terra natal? — ele perguntou.

— Algo assim —, disse ela. — Mas eu poderia apresentá-lo a uma jovem adequada, se quiser. — Ela conhecia algumas debutantes com dotes mais do que respeitáveis.

— Isso significa que você se recusaria a casar comigo também? — ele perguntou, com um curioso sorriso brincando em sua boca. — Eu ficaria feliz em pedir sua mão, se isso significasse que poderíamos dançar juntos.

Ela sorriu para sua tolice. — Você nunca encontrará uma noiva se você se comportar de tal maneira —, ela disse a ele. — Você deve levar sua busca mais a sério.

— Eu levo isso a sério. — Ele encostou-se à parede e olhou para ela tão intensamente que sua pele arrepiou. — Quer se casar comigo, mesmo que você não dance comigo?

Ela não podia deixar de gostar dele. Seus olhos eram tão verdes quanto o oceano. —Eu certamente não vou casar com você —, disse ela.

— Ah —, ele disse, não parecendo terrivelmente desapontado.

— Você não pode pedir para mulheres que você mal conhece que se casem com você —, acrescentou.

Ele não parecia perceber que não era inteiramente educado inclinar-se contra a parede na presença de uma dama, nem aprecia-la preguiçosamente. Annabel sentiu um lampejo de simpatia. Ele nunca seria capaz de conquistar uma noiva rica neste ritmo! Ela deveria ajudá-lo, mesmo porque ele era seu compatriota.

— Por que não? — ele perguntou.  — Compatibilidade não é algo que se descobre depois de cinco encontros, em vez de um. É preciso supor educadamente.

— É exatamente isso: você não sabe nada sobre mim!

— Não exatamente —, disse ele prontamente. — Número um, você é escocesa. Número dois, você é escocesa. E número três...

— Eu posso imaginar —, disse ela.

— Você é linda —, completou, com um sorriso fugaz atravessando seu rosto.

Ele tinha os braços cruzados sobre o peito e estava sorrindo para ela como um grande gigante.

— Embora eu agradeça o elogio, tenho que perguntar por que diabos você veio a Londres para encontrar uma noiva, considerando suas duas primeiras exigências —, disse Annabel.

— Eu vim porque me disseram para fazê-lo —, ele respondeu.

Annabel não precisava de mais informações. Todos sabiam que as noivas ricas eram encontradas em Londres, e as pobres na Escócia. O homem estava esperando que sua elegância significasse que ela tinha um dote para combinar.

— Você está julgando pelas aparências —, disse ela. — Meu único dote é um cavalo, embora, como eu disse, ficaria feliz em apresentá-lo a algumas moças apropriadas.

Ele abriu a boca, mas naquele momento Imogen apareceu ao lado dela. — Querida —, disse ela a Annabel. — Estive te procurando por toda parte! — Sem parar, ela se virou para o conde. — Lorde Ardmore —, ela ronronou. — Sou Lady Maitland. Que  prazer conhecê-lo.

Annabel observou o conde se inclinar sobre a mão da irmã. Imogen estava tão linda quanto qualquer deusa vingadora. Ela deu a Ardmore um olhar que ninguém, especialmente um homem em busca de um dote confrontado com uma jovem viúva rica, consideraria resistir. Na verdade, parecia muito com um dos olhares sedutores de Annabel.

— Eu tenho um desejo insuportável de dançar —, disse Imogen. — Você vai me agradar, Lorde Ardmore?

Insuportável? Mas Ardmore não estava rindo; ele estava beijando a mão de Imogen novamente. Annabel desistiu. O homem teria que encontrar seu próprio caminho para fora da rede de Imogen. Imogen tinha sido sempre assim: uma vez que ela se decidisse, não havia como impedi-la. — Vou voltar para a minha acompanhante —, disse Annabel, fazendo uma reverência. — Lorde Ardmore, foi um prazer.

Lady Griselda estava em um canto da sala, seu tutor esparramado ao lado dela com uma bebida na mão. Não que houvesse algo incomum nisso; o duque de Holbrook sempre tomava uma bebida. Ele veio ao encontro de Annabel quando a viu serpenteando pela multidão.

Agora que ela tinha conhecido certo número de nobres ingleses, ficava cada vez mais surpresa com o quanto Rafe era indecente. Por um lado, ele se recusava a ser chamado por seu título. Por outro lado, ele estava tão longe de ser perfumado, e esplendorosamente vestido como se poderia imaginar. Pelo menos seu criado conseguiu colocá-lo em um casaco azul decente para a noite, mas quando ele estava em casa, ele costumava usar calças confortáveis ??e uma camisa branca surrada.

— Griselda está me deixando louco —, ele disse sem formalidade. — E se ela não tiver êxito, Imogen vai acabar comigo. Que diabos ela está fazendo, dançando na companhia daquele escocês? Eu nem conheço o homem.

— Ela decidiu que quer um cicisbeo —, Annabel disse a ele.

— Que bobagem —, Rafe murmurou, passando a mão pelo cabelo que já estava descontroladamente desarrumado. — Eu posso acompanhá-la onde quer que ela precise ir.

— Ela está sendo atormentada por caçadores de fortuna.

— Pelo amor de Deus, então por que ela escolheu um escocês sem dinheiro para dançar? — Rafe gritou.

— Talvez ela não se importe com ele em outro relacionamento —, disse Annabel, tentando ver se poderia vislumbrar Lorde Rosseter em qualquer lugar. No momento, Rosseter era sua primeira escolha para marido.

— Ela está fazendo de si uma tola —, disse Rafe.

Por alguma razão, as artimanhas de Imogen sempre deixavam Rafe distraído, especialmente desde que ela retornou a Londres e começou a encomendar vestidos que se ajustassem a ela como uma segunda pele. Mas não importava o quanto ele gritasse ou se enfurecesse, ela apenas sorria para ele e dizia que as viúvas poderiam se vestir exatamente como desejavam.

— Certamente não é tão ruim assim —, Annabel disse distraidamente, ainda procurando por Rosseter na multidão.

Ela pegou o olhar de Lady Griselda, que chamou: — Annabel! Venha aqui por um momento.

Sua acompanhante não era nada como as senhoras de idade austeras que geralmente ganhavam esse título; ela era tão bonita quanto o infame e desertor de altar, conde de Mayne. Não é preciso dizer que nenhuma delas tinha usado o comportamento de seu irmão contra Griselda; ela ficou arrasada quando Mayne fugiu da casa de Rafe cerca de cinco minutos antes da hora que ele deveria casar-se com Tess.

— Por que diabos Rafe está gritando? — Griselda perguntou, sem muita preocupação real em sua voz. — Ele ficou da cor de uma ameixa.

— Rafe está preocupado que Imogen esteja se exibindo —, Annabel disse a ela.

— Já? Ela é uma mulher de palavra.

Annabel acenou com a cabeça para a direita. Estava tocando uma valsa, e o conde de Ardmore estava segurando Imogen firmemente. Ou talvez, Annabel pensou de maneira justa, Imogen estava explorando a situação. Qualquer que fosse o ímpeto, Imogen balançou em seus braços como se estivessem nas garras de uma paixão imprudente.

— Meu Deus —, disse Griselda, abanando-se. —Eles são um belo casal, não são? Todo aquele preto sobre preto... Imogen certamente estava certa sobre a estética da escolha de Ardmore como um parceiro.

— Nada virá disso —, assegurou Annabel. — Imogen ficará em apuros. Tenho certeza disso. — Mas as palavras morreram em sua boca quando Imogen jogou um braço ao redor do pescoço do conde e começou a acariciar seus cabelos de uma maneira escandalosamente íntima.

— Ela quer um escândalo —, Griselda disse com naturalidade. — Pobrezinha. Algumas viúvas sofrem com esse tipo de coisa.

Ela fez soar como se Imogen estivesse se rebaixando com uma frieza desagradável.

— Você sofreu? — Annabel perguntou.

— Felizmente não —, Griselda disse com um pequeno tremor. — Mas eu acredito que os sentimentos de Imogen por Lorde Maitland eram mais profundos do que os meus pelo querido Willoughby. Embora —, ela acrescentou — Eu naturalmente tive toda a emoção apropriada pelo meu marido.

Imogen estava sorrindo para Ardmore, com os olhos meio fechados como se... bem. Annabel olhou para longe.

O que Imogen quis, Imogen teve. Ela amou Draven Maitland por anos, e não se importava com o fato de que ele estava prometido à outra mulher. No momento em que Imogen teve uma chance, ela de alguma forma torceu o tornozelo de tal maneira que teve que convalescer na casa de Maitland. Aquela lesão no tornozelo foi notavelmente fortuita. A próxima coisa que Annabel soube foi que sua irmã tinha fugido com Draven Maitland. Na verdade, dada a força de vontade de Imogen, Annabel pensou que Ardmore poderia ter que encontrar e conquistar sua noiva só na próxima temporada.

— Você viu o Lorde Rosseter? — ela perguntou a Griselda.

Mas Griselda estava hipnotizada como, sem dúvida, a maioria das mulheres respeitáveis ??na sala pelo comportamento de Imogen na pista de dança. — Imogen não é meu dever —, ela disse para si mesma, abanando o rosto loucamente.

Annabel olhou para a irmã. Imogen não poderia ter feito suas intenções de se envolver em um caso escandaloso mais claro. Ela estava agarrada a Ardmore como se fosse uma hera.

— Oh, Senhor —, Griselda gemeu. Agora Imogen estava acariciando o pescoço de Ardmore, a vista de todos como se quisesse puxar a cabeça dele para a dela.

A irmã mais velha de Annabel, Tess, sentou-se em uma cadeira ao lado delas, — Alguém pode, por favor, me explicar por que Imogen está se comportando de maneira tão devassa?

— Onde você esteve a noite toda? — Annabel perguntou. — Eu pensei ter visto você e Felton antes, mas então eu não pude encontrá-la.

Tess ignorou a pergunta. — Ela pode arruinar-se com esse comportamento! As pessoas vão concluir que ela é amante de Ardmore.

— E eles estarão corretos —, disse Griselda calmamente. — Como você está, minha querida? Você parece florescer.

Mas Tess apenas olhou para Griselda. — Imogen tomou um amante? Eu sabia que ela estava perturbada, mas...

— Ela chamou-o de tomar um cicisbeo —, Annabel acrescentou.

Na pista de dança, Imogen estava dançando com as coxas coladas ao escocês, a cabeça jogada para trás em uma atitude sensual de abandono.

— Nós temos que fazer alguma coisa —, disse Tess severamente. — Uma coisa é tomar um cicisbeo, se é isso que ela quer. Mas, nesse ritmo, ela vai criar um escândalo tão terrível que ela não será convidada para as festas.

— Oh, ela já está além desse limite —, disse Griselda, um pouco animada demais para o conforto de Annabel. — Lembre-se, ela fugiu com seu primeiro marido. E depois desta exposição... Bem, ela ainda será convidada para os maiores bailes, é claro.

Mas Tess tinha criado as três irmãs mais novas desde a morte de sua mãe, e ela não iria se resignar à desgraça de Imogen tão facilmente. —Isso não pode ser —, ela declarou. — Eu só vou mostrar para ela que...

Annabel sacudiu a cabeça. — Você não é a pessoa certa para aconselhá-la. Vocês duas só se reconciliaram há algumas semanas. — Tess parecia rebelde, então Annabel acrescentou com firmeza, — Não, a menos que você queira se envolver em outra briga com Imogen.

— É tudo tão absurdo —, Tess murmurou. — Nós nunca brigamos de verdade. — Só então Lucius Felton se aproximou, deu um beijo no cabelo de sua esposa e piscou para Annabel.

— Me dê uma chance e eu vou arrumar uma razão para parar de falar com você —, disse Annabel, sorrindo para ele. — Todo esse afeto conjugal é difícil de suportar.

— Imogen desculpou-se lindamente —, disse Tess. — Mas eu ainda acho que o seu comportamento foi incrivelmente injustificado.

— Seu marido— começou Annabel.

— Está vivo —, disse Tess, aceitando o argumento. — Mas isso significa que eu tenho que permitir que minha irmã se arruíne sem dizer uma palavra?

Mas Annabel tinha uma pontada de simpatia por Imogen, vendo a forma como Lucius levou a mão de Tess aos lábios antes de sair para trazer-lhe uma taça de champanhe.

— Você acha que Ardmore está ciente de que Imogen acaba de ficar viúva? —, Tess perguntou. — Talvez você possa apelar para o seu melhor. Você não estava falando com ele?

— Ele não tem ideia de que Imogen é minha irmã —, disse Annabel em dúvida. — Eu poderia...

— Não faria qualquer diferença —, Griselda acrescentou. — Imogen deixou bem claro no início da noite que ela pretende criar um escândalo, se não com este cavalheiro, com o meu querido irmão. E, francamente, se é assim que ela pretende fazer isso, estou grata por não ter escolhido Mayne. Ainda tenho esperanças de ter um sobrinho em algum momento e embora meu irmão tenha dormido com a maioria das mulheres disponíveis na sociedade, ele nunca as expos publicamente.

Os olhos de Tess se estreitaram. — Ela estava considerando Mayne?

— Sim, Mayne,— Annabel confirmou. — Eu acredito que ela teve alguma ideia quixotesca de puni-lo por deixar você no altar.

— Isso é tolice —, disse Tess. — Mayne pune-se o bastante —. Ela virou-se para Griselda. — Ele veio hoje à noite?

— Claro —, disse Griselda assustada. — Ele estava na sala de jogos da última vez que olhei. Mas...

Tess já havia partido, dirigindo-se como uma flecha para a sala onde os homens estavam sentados em torno de suas cartas, esperando que suas esposas não os arrastassem para o salão de baile.

— Eu ia dizer —, acrescentou Griselda  — que acredito que ele pretendia ir para o seu clube. Eu mal tenho a chance de ver meu próprio irmão agora que ele desistiu de ser mulherengo. Ele não vai ficar em um baile por mais que meia hora.

Annabel olhou novamente para Imogen. Essa valsa nunca vai acabar?

Mas, naquele momento, Rafe abriu caminho até a pista. Antes que Annabel pudesse tomar uma respiração, o escocês de cabelos ruivos estava se inclinando, e Rafe afastou Imogen.

Imogen ficou tão surpresa quanto sua irmã. Num momento ela estava deslizando ao redor do salão de baile com Ardmore, apreciando completamente cada olhar escandalizado dirigido a ela, e no seguinte foi puxada de seus braços por seu ex-tutor. — E o que você acha que está fazendo? — Ela exigiu, segurando seu corpo tão longe quanto possível de Rafe.

— Salvando sua bunda miserável —, ele retrucou. — Você tem alguma ideia de que desgraça você está fazendo a si mesma? — O cabelo de Rafe estava de pé e seus olhos normalmente castanhos estavam negros de raiva.

Imogen levantou uma sobrancelha. — Apenas me lembre novamente onde está a sua autoridade sobre mim?

— O que você quer dizer? — Ele girou-a rapidamente e começou a sair da pista de dança.

— Que direito você tem de interrogar até mesmo o menor aspecto do meu comportamento?  Deixei de ser sua responsabilidade no momento em que me casei com Draven.

— Eu gostaria que fosse esse o caso. Como eu lhe disse quando você abordou essa ideia absurda de alugar uma casa, eu ainda me considero seu tutor, e você vai morar comigo até que se case novamente. Ou envelheça o suficiente para se governar sozinha, o que ocorrer primeiro.

Ela sorriu para ele, um movimento de seus lábios desmentidos por seu olhar zangado. —Isso pode surpreendê-lo, mas eu não concordo com sua avaliação sobre a minha situação. Estou planejando estabelecer-me por conta própria em um futuro muito próximo.

— Sobre o meu cadáver! — Rafe estalou.

Imogen olhou para ele.

— Eu não sei o que você está planejando com Ardmore —, disse Rafe —, mas você está arruinando-se por nada. O homem está à procura de uma noiva, não um flerte com uma viúva tola, sem planos de se casar.

De repente, ele sentiu pena dela, como se a sua raiva estivesse se esvaindo. A última coisa que Imogen queria era a simpatia de seu imbecil e bêbado tutor. — Por nada? — ela disse, provocando-o. — Você deve ser cego. Os ombros de Ardmore, seus olhos, sua boca... — Ela deu um pequeno tremor de prazer. Que se transformou em algo completamente diferente, embora ela tenha levado um momento para perceber isso. Ele estava sacudindo-a! Rafe soltou a mão dela e deu-lhe um aperto forte, como se ela fosse uma criança em meio a uma birra. — Como você ousa! — ela engasgou, sentindo os grampos deslizarem de seu cabelo.

— Você tem sorte de eu não te arrastar para fora daqui e te trancar em seus aposentos —, ele retrucou. — Você merece isso.

— Porque eu acho um homem atraente?

— Não! Porque você é uma mentirosa. Você disse que amava Maitland.

Ela se encolheu. — Não se atreva a dizer que eu não o fiz.

— É uma maneira muito bonita que você escolheu para honrar a sua memória —, Rafe disse sem rodeios. Ele havia tirado as mãos dos ombros dela.

Uma onda de vergonha varreu o corpo de Imogen. — Você não tem ideia...

— Não, nenhuma —, disse ele. — E eu não gostaria de ter. Se eu tiver uma viúva, certamente espero que ela não me lamente da sua maneira.

Imogen engoliu em seco. Felizmente, eles estavam no final da sala, porque ela podia sentir as lágrimas no fundo da garganta. Ela virou-se sem dizer uma palavra e atravessou a porta. Rafe foi atrás dela, mas o ignorou, seguindo cegamente em direção à porta da frente.

No canto da sala, Annabel suspirou. Sua irmã sempre foi apaixonada por uma falha, e, infelizmente, Rafe, o amável Rafe que gostava de todos, tinha tomado uma grande antipatia por Imogen quase desde o início. Quando os dois deixaram a sala, a tempestade de vozes fofocando ao redor chegou a uma gargalhada alta, como galinhas experimentando a visita de uma raposa.

— Se Rafe queria que ela se casasse com aquele escocês —. Griselda comentou: —ele não poderia ter feito mais para forçar o jogo.

— Ela não vai casar-se com Ardmore —, disse Annabel.

— Ela pode não ter uma escolha —, Griselda disse sombriamente. — Depois que Rafe fez uma apresentação tão paternal, Ardmore provavelmente vai adivinhar que, dado o escândalo, Rafe forçará um casamento, e ele poderia usar sua propriedade, se as histórias forem verdadeiras.

— Ela não vai casar-se com ele —, repetiu Annabel. — Você viu Rosseter hoje à noite?

Os olhos de Griselda se iluminaram. — Ah. Todas aquelas terras em Kent e nenhuma sogra. Eu aprovo, minha querida.

Griselda sempre ia direto ao ponto.

— Ele é um bom homem —, Annabel lembrou.

Sua acompanhante acenou com a mão. — Se você acredita que o silêncio é de ouro.

Annabel colocou sua seda dourada ao redor dos ombros. — Não vejo nada de errado com a sua falta de verbosidade. Eu posso falar o suficiente por nós dois em caso de necessidade.

— Ele está dançando com a filha bastarda da Sra. Fulgens —, disse Griselda. — Mas não tenha medo. Rosseter não é um homem de ignorar as imperfeições, não é?

Annabel olhou na direção em que Griselda acenara para encontrar Rosseter deixando o salão de baile. Ele não era o tipo de homem que se considerava tão bonito imediatamente: certamente ele não era um homem grande e corpulento que jogava as mulheres ao redor do salão de baile como se fossem sacos de trigo. Em seus braços flutuava-se ao redor da pista. Ele tinha um rosto estreito e pálido com uma testa alta e olhos cinzentos. Ele tendia a parecer inexpressivo e bastante desapegado; Annabel descobriu que era uma mudança refrescante dos filhotes que imploravam por danças e enviavam rosas com poemas rimados.

Rosseter lhe enviara apenas um buquê: um monte de miosótis. Não havia poema, apenas uma nota rabiscada: Estes combinam com seus olhos, eu acredito. Havia algo deliciosamente improvisado em sua nota. Ela decidira imediatamente casar-se com ele.

Agora ele havia dispensado Daisy, como Griselda previra, e se afastou na direção delas. Um segundo depois, estava se curvando diante de Lady Griselda, beijando-lhe a mão e dizendo, de maneira nada emotiva, que ela estava particularmente adorável.

Quando ele se virou para Annabel, não se preocupou com um elogio, simplesmente beijou as pontas dos dedos dela. Mas havia alguma coisa em seu olhar que aqueceu seu coração. — Madame Maisonnet? —, ele perguntou, indicando seu traje com uma mão magra. — Uma excelente escolha, senhorita Essex.

Annabel sorriu de volta. Eles não falaram enquanto dançavam. Por que deveriam? Tanto quanto Annabel poderia dizer, e ela sempre poderia dizer o que os homens estavam pensando, eles estavam em perfeita harmonia. Seu casamento não seria dilacerado por lágrimas e ciúmes. Eles teriam filhos lindos. Ele era extremamente rico e por isso sua falta de dote não iria incomodá-lo. Eles seriam gentis um com o outro, e ela poderia falar consigo  mesma se não tivesse conversa no café da manhã.

Para alguém com tão pouca tolerância a conversas vazias como ela, a perspectiva era inteiramente agradável. Na verdade, a única desvantagem em que ela conseguia pensar era que a conversa consigo mesma trazia poucas surpresas. Nem a despedida de Rosseter naquela noite. —Senhorita Essex —, disse ele. — Seria aceitável para você se eu falasse com seu tutor amanhã pela manhã? — Sua mão era branca como a neve, fina e delicada enquanto pressionava os dedos de uma maneira gratificante.

— Isso me faria muito feliz, Lorde Rosseter —, murmurou Annabel.

Ela estava tendo problemas para reprimir um sorriso. Finalmente, finalmente o desejo de seu coração estava ao seu alcance. Ela ansiava por este momento há anos, desde que seu pai descobriu que ela tinha um dom para os números e prontamente despejou toda a contabilidade da propriedade em seu colo. Desde os treze anos de idade, Annabel passava seus dias negociando com comerciantes, derramando lágrimas sobre um livro de contabilidade que mostrava muito mais desvantagens do que vantagens, implorando ao pai que vendesse os animais mais caros, implorando-lhe para não gastar todo o seu dinheiro nas corridas...

E sendo recompensada com sua antipatia.

Mas ela continuara, bem consciente de que sua administração financeira era muitas vezes a única coisa entre suas irmãs e a fome de verdade, a única coisa que impedia a ruína nas corridas tão caras ao seu pai.

Seu pai a chamava de senhorita Podadora. Se ela se aproximasse enquanto ele estava com os amigos, ele reviraria os olhos para ela. Às vezes, ele atirava uma moeda na direção dela, e depois brincava com os amigos dizendo que ela o mantinha em uma corda mais apertada do que a pior das esposas. E ela sempre pegava a moeda... Abaixava-se e pegava porque era uma moeda salva da enorme goela das corridas. Guardada para farinha, ou manteiga, ou uma bela galinha para a mesa do jantar.

Então ela começou a sonhar com o marido que teria algum dia. Nunca se preocupou em imaginar o rosto dele: o rosto de Lorde Rosseter era tão aceitável quanto o de quase qualquer inglês rico.

O que ela imaginara eram mangas de veludo cintilante e lenços que eram brancos como a neve e feitos do mais fino linho. O tipo de roupa que era comprada pela beleza, não para durar. Mãos naquele estado impecável que gritava que o trabalho manual era desnecessário.

As mãos de Rosseter fariam isso perfeitamente.

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Capítulo Três

Naquela manhã no Hotel Grillon’s

Ewan Poley, conde de Ardmore, tinha quase certeza de que estava obedecendo às instruções do padre Armailhac ao pé da letra. —Vá para Londres —, dissera ele. —Dance com uma moça bonita.

—E o que devo fazer com esta moça bonita? — Ewan perguntou.

—Certamente o espírito vai movê-lo —, disse o padre Armailhac. Para um monge, ele tinha um brilho malicioso às vezes.

E até agora, Ewan tinha encontrado uma multidão de moças bonitas. Devido à sua memória terrível, ele não conseguia se lembrar de qualquer um de seus nomes, mas ele acreditava ter dançado com metade de Londres até agora. Graças a seu título, ele recebera convites poucos dias após a sua chegada; parecia que os ingleses não eram tão indiferentes aos títulos escoceses como diziam os rumores no norte do país. No entanto, pareceu-lhe que o padre Armailhac queria que ele conhecesse uma garota em particular, alguém que ele poderia considerar cortejar e trazer de volta para a Escócia.

Ele não tinha objeções a se casar, embora não pudesse dizer que sentia um apaixonado entusiasmo pela ideia. Sua mente deslizou facilmente do casamento para as fileiras longas e limpas de seus estábulos, os campos dourados de trigo da primavera apenas começando a brotar. Ele poderia dar a esse negócio de casamento apenas outra quinzena. Então ele voltaria para casa, casado ou não.

A moça de cabelos negros com quem dançara esta noite parecia mais do que pronta para pular diante do altar.

Mas, qual era o nome dela? Ele não conseguia lembrar. Ela se agarrava a ele como uma lapa, o que ele não se importava muito. Mas talvez a senhora estivesse desesperada, viúva como ela era, e provavelmente com nada além de um pequeno dote.

Seu criado apareceu na porta com uma bandeja de prata na mão. Ewan podia não estar desfrutando muito de Londres, mas Glover estava em êxtase. Todas as suas ambições foram saciadas por estar na cidade, como ele a chamava, durante a temporada. —Vossa Senhoria, um cartão chegou.

—A esta hora? Basta colocá-lo lá —, disse Ewan, acenando para a lareira. Estava lotado de cartões e convites de pessoas que ele nunca ouvira falar.

Glover curvou-se, mas não se moveu em direção à lareira. —Vossa senhoria, este cartão é do Duque de Holbrook. E —, Glover baixou a voz para um sussurro reverente —Sua Graça ficou condescendente a esperar.

Ewan suspirou. Um duque. Talvez o homem estivesse desesperado para mandar uma de suas filhas para os supostos confins da Escócia. Ele descobriu logo que os ingleses pensavam na Escócia como um deserto de guerreiros enlouquecidos e dissidentes religiosos sombrios.

Ele olhou para sua gravata no espelho. Glover ficou de coração partido com sua recusa em trocar o preto habitual pelos coletes espalhafatosos que os ingleses usavam nos bailes. Mas ele parecia bem e, mais importante, escocês. Escoceses usavam kilts se sentissem a necessidade de um pouco de cor, mesmo se não lhes fosse permitido usá-los neste país.

—Sua Graça espera por você na sala de estar —, disse Glover.

—Aye.

—Se você desculpar a ousadia, meu senhor —, disse Glover hesitante.

Ewan levantou uma sobrancelha. —Sim?

—Um duque do reino —, disse Glover, tremendo de excitação. —Tente evitar frases escocesas, como “aye”. Causará uma impressão desagradável a Sua Graça.

—Eu não vou casar com ele —, disse Ewan, mas depois suavizou-se. —Mas obrigado pelo conselho, Glover. Farei o meu melhor para parecer razoavelmente Inglês —. Não que ele desejasse imitar um inglês, nem em cem anos.

O duque era um tipo confuso, Ewan viu com algum alívio. De fato, do tipo que não tomaria nenhuma ofensa um “aye” ocasional. Ewan já tinha tido várias conversas com os tipos perfumados e elegantes da nobreza inglesa, e ele não se importava com eles. Não mais do que os nobres se importavam com ele.

Este duque estava vestido com roupas que pareciam mais confortáveis do que elegantes. Seu estômago se esticava confortavelmente sobre a cintura de suas calças, e quando Ewan estava na porta da sala, seu convidado virou uma taça de conhaque que Glover deve ter-lhe dado com todo o entusiasmo com que os criados de Ewan saudavam à noite.

—Sua Graça —, disse Ewan, entrando na sala. —É realmente um prazer.

O duque endireitou-se como um cão de caça e virou-se. Ewan quase deu um passo para trás. Maldição, o homem parecia furioso. E agora ele lembrava exatamente onde o conhecera antes. Se você poderia chamá-lo de conhecer; o duque havia arrancado a dama de cabelos negros de seus braços e dançado com ela.

—Você sabe quem eu sou? — ele disse. Sua voz era tão profunda e corpulenta quanto a sua figura.

—De acordo com o seu cartão, você é o Duque de Holbrook —, observou Ewan. Ele caminhou até o aparador. —Posso oferecer-lhe outra bebida? — Ele deixou de fora a parte do Sua Graça, pois fazia com que se sentisse levemente servil.

—Eu sou o tutor de Lady Maitland —, o homem anunciou.

—Isso mesmo —, Ewan murmurou, servindo-se de uma boa dose. —Bem, eu sou o conde de Ardmore, vindo de Aberdeenshire, se você já não estiver ciente do fato.

—Lady Maitland —, Holbrook insistiu. —Imogen Maitland.

Imogen deve ser a moça encantadora de cabelos negros do salão de baile. —Se ofendi você ou a senhora de qualquer maneira, ofereço minhas sinceras desculpas —, disse Ewan, esforçando-se para garantir a diplomacia.

—Bem, eu deveria dizer que você fez! — o duque bufou.

—Como?— Ewan perguntou. Ele manteve o tom calmo e uniforme.

—Toda Londres está falando de vocês dois —, Holbrook estalou. —De sua exibição insípida de valsa.

Ewan pensou por um momento. Ele tinha duas alternativas: Dizer a verdade, ou assumir a responsabilidade. A honra exigia que ele não revelasse o fato de que a tutelada de Holbrook tinha se agarrado a ele com toda a paixão de uma ave do paraíso. Ele não era nenhum tolo: a Imogen de cabelos negros era muito menos movida por sua beleza do que ela fingia ser. Ele pegou algum tipo de emoção em seus olhos, mas não parecia luxúria, mesmo que essa fosse a emoção que ela estava exibindo.

—Peço desculpas em todos os aspectos —, disse ele finalmente. —Fiquei impressionado com a beleza dela e percebo que as minhas ações foram interpretadas de uma forma desagradável.

Holbrook estreitou os olhos. Ewan olhou para ele, perguntando-se se todos os duques da Inglaterra eram tão indisciplinados em suas emoções e roupas.

—Eu vou tomar aquela bebida agora —, disse o duque.

Ewan pegou seu decantador pessoal e serviu-lhe um copo generoso. Holbrook tinha a aparência distinta de um homem que gostava de um bom conhaque e Ewan trouxera consigo várias garrafas do melhor uísque envelhecido encontrado na Escócia.

Holbrook tomou um grande gole e então olhou para Ewan, surpreso. Afundou-se em um sofá e tomou outro gole.

Ewan se sentou em frente a ele. Ele podia ver que Holbrook entendia exatamente o que ele estava bebendo.

—O que é isso? — Holbrook disse, com a voz abafada.

—Um malte envelhecido —, disse Ewan. —Um novo processo e uma probabilidade de mudança na indústria de uísque, em minha opinião.

Holbrook tomou outro gole e sentou-se. —Glen Garioch —, disse ele com ar sonhador. —Glen Garioch ou, possivelmente... Tobermary.

Ewan deu-lhe um sorriso real dessa vez.  —Aye, é Glen Garioch.

—Êxtase —, disse Holbrook. —Quase, eu quase poderia deixar um homem que sabe de uísque se casar com Imogen. Quase! — ele disse, abrindo os olhos novamente.

—Não tenho nenhum desejo especial de casar com ela —, Ewan disse agradavelmente.

Ele percebeu seu erro quando as sobrancelhas de Holbrook desenharam uma carranca feroz.

—Embora eu me considere imensamente sortudo em fazê-lo —, acrescentou Ewan. —Ela é uma jovem encantadora.

—Há rumores de que você está na Inglaterra precisamente para encontrar uma esposa —, rosnou o duque. Mas ele estava tomando sua bebida novamente.

— O rumor é correto —, disse Ewan. —Mas não necessariamente sua tutelada.

— Ah.

Eles ficaram em silêncio por algum tempo, apreciando o uísque.

—Acredito que a verdade seja que Imogen se atirou em você, e você está sendo educado demais para dizer isso na minha cara —, disse o duque tão sombriamente quanto era possível quando se está segurando um copo de uísque ‘83 destilado por Glen Garioch.

—Lady Maitland é uma excelente jovem. Eu ficaria mais do que feliz em casar com ela.

O duque chamou-lhe a atenção e disse: —Amaldiçoado seja se você quer dizer que não se importa com quem você se casar, é isso?

—Tenho um interesse razoável no assunto —, protestou Ewan. —Mas devo admitir que estou bastante ansioso para voltar às minhas terras. O trigo está brotando.

O duque olhou como se nunca tivesse ouvido a palavra brotar. —Está me dizendo que você é um fazendeiro? — ele perguntou. —Um desses senhores que se interessam sobre os métodos experimentais. Turnip Townshend, não é esse o nome dele?

—Eu não estou tão envolvido como o Sr. Townshend —, Ewan murmurou, deixando outro gole de uísque queimar sua garganta.

—Isso é delicioso —, disse o duque, claramente descartando o assunto de pouco interesse para ele. —Este uísque é totalmente... — ele parou. —Trigo? Você tem alguma coisa a ver com a produção de uísque, então?

—Meus inquilinos fornecem alguns grãos para as destilarias em Speyside —, disse Ewan.

—Não admira que você conheça sua bebida tão bem —. O duque parecia bastante impressionado com isso. —Tenho pensado em desistir da bebida —, disse ele de repente.

—De fato? — Ewan teve que admitir que o duque estava engolindo o melhor uísque que havia na Escócia a um ritmo fantástico, e mostrando poucos sinais disso. Talvez ele tivesse caído no caminho de beber demais.

—Mas não esta noite.

Ewan decidiu que a resposta apropriada para aquela revelação seria servir outra porção generosa ao duque, e foi isso que ele fez.

—Sua propriedade está em Aberdeenshire?

Ewan assentiu.

—Há um cavalo adorável lá em cima —, disse o duque, refletindo sobre isto. —Eu não o vejo há um ano aproximadamente,  mas...

—Warlock —, disse Ewan. —Ele se machucou em julho passado.

—Exatamente! Warlock. Pertence a um amigo seu, não é?

—Warlock pertence a mim —, disse Ewan.

Agora os olhos do duque estavam definitivamente quentes. —Bom homem. Ele era excepcional, não era?

—Excepcional de uma maneira milagrosa —, disse Ewan.

—Eu suponho que você não está pensando em produzir sua linhagem, não é?

—Eu tenho um com um ano de idade que está mostrando possibilidades concretas.

O duque havia se livrado de sua maneira sonolenta e agradável e estava sentado ereto, parecendo mais esperto do que Ewan tinha visto, exceto, talvez no baile, quando estava com tal raiva. —Eu tenho três filhotes de Patchem sentados em meus estábulos, duas éguas e um potro. As filhas são minhas pupilas, e cada uma delas veio com um cavalo de dote. O pai delas era engraçado e parece não ter pensado cuidadosamente no negócio. Eu estava pensando em criar as éguas, uma vez que nenhuma delas mostra muita habilidade de corrida.

Um cavalo como dote? Ele só tinha ouvido falar de tal coisa uma vez, e isso foi a beleza de cabelos dourados no baile. Que lhe disse para procurar em outro lugar, porque ela só tinha um cavalo como dote. Aparentemente, ela não achava que era importante notar que o cavalo em particular era da linhagem de Patchem.

—Eu gostaria de ver um cavalo com a linhagem de Warlock e Patchem —, disse ele.

Eles ficaram em um silêncio confortável por alguns momentos, o duque voltando a sua postura relaxada e indolente.

—Você foi procurar uma esposa do lado errado —, disse Holbrook, depois de um tempo.

—Eu fui a catorze eventos na última semana —, observou Ewan. —Quatro bailes, uma série de encontros à tarde e um musical. Eu pedi a uma jovem para se casar comigo esta noite, mas ela recusou. — Ele não achou que era necessário mencionar que a mulher era, aparentemente, uma das tuteladas de Holbrook, não quando o duque mal tinha superado sua irritação com o comportamento de Ewan com outra delas.

— Não é dessa maneira que se faz. Essas coisas são tratadas entre os homens. A chave é descobrir com qual mulher você deseja se casar antes de ir ao baile —. A voz do duque estava levemente rouca agora, um toque do uísque dourado. Mas bem pouco!!, Ewan achou que ele resistia aos efeitos do uísque melhor do que qualquer homem que ele conhecia, exceto o velho Lachlan McGregor, e McGregor tinha dado toda sua vida à prática.

— Vou levá-lo comigo ao clube —, continuou o duque. —Nós podemos ter tudo arrumado em um momento. — Ele se levantou e Ewan ficou bastante espantado ao ver que o homem não estava nem um pouco instável. —Não que você possa ter Imogen —, ele disse com um súbito rugido —Mesmo que ela venha com uma égua como dote. Faremos a criação de cavalos paralelamente.

— Eu não pensaria nisso —, disse Ewan, olhando em volta para o estojo de cartão que Glover tinha comprado para ele. Ele não encontrou, então simplesmente seguiu o duque pela porta. O único sinal de que Holbrook tinha absorvido a maior parte de uma garrafa era certa tagarelice.

— Veja você —, disse o duque na carruagem enquanto dirigiam-se ao seu clube, —a pobre menina perdeu o marido há apenas seis meses. O homem caiu na pista, correndo com um de seus próprios cavalos: Um com apenas um ano de idade e que nunca deveria ter sido colocado no páreo.

—Aye —, disse Ewan. Ele tinha ouvido aquela história em algum lugar, mas como era frequentemente o caso, o nome do cavaleiro lhe escapava.

—Imogen amavá-o há anos —. Holbrook estava recostado nas almofadas, sem nenhum problema para manter o equilíbrio enquanto a carruagem virava nas esquinas e descia pelas ruas de paralelepípedos. —Ela o escolheu quando ainda era uma criança, e eles acabaram fugindo. E então ele morreu, algumas semanas mais tarde.

— Semanas! — disse Ewan, impressionado com tamanha desgraça. E então: — Claro, esse era Draven Maitland.

— O próprio.

— Ah —, disse Ewan. Ele encontrara o jovem Maitland algumas vezes, desde que o homem costumava correr no circuito escocês antes de retornar à Inglaterra para a temporada de corridas inglesas. Maitland era um jovem imprudente e tolo de quem Ewan não gostava.

O duque tirou uma garrafinha do bolso e tomou um gole, mas sacudiu a cabeça. —Isto é como beber urina depois daquele seu uísque. De qualquer forma, a pobre Imogen não é bem ela mesma, devido ao choque da coisa toda, como você pode imaginar.

A carruagem parou em frente a um imponente edifício de colunas. Ewan não tinha ideia de que parte da cidade eles estavam. —Esses clubes não são apenas para membros? — ele perguntou.

O duque acenou com a mão em desdém. —Ninguém vai questionar-me por trazer um convidado para uma bebida. Posso fazer um pedido de adesão ao clube, se você quiser. Mas é um inferno de uma despesa —, ele disse por cima do ombro. —Eu acho que não vale o dinheiro.

Ewan concordou com ele. Certamente todos os homens cheios de bebidas ofereciam a mesma companhia tediosa, e se fosse isso que desejasse de um clube, os homens em sua taberna local o fariam.

O duque parecia saber exatamente para onde estava indo. Eles foram recebidos por um indivíduo de rosto solene, que se curvou profundamente e entoou as boas-vindas ao “White’s”. Então o duque passou por algumas salas que pareciam estar cheias de jogadores até que, finalmente, chegaram a uma biblioteca.

Era uma sala magnífica. Os poucos pedaços de parede que não estavam cobertos de livros eram forrados com um papel de parede em um vermelho profundo. Lá havia fogo queimando em uma lareira generosa e cadeiras confortáveis ??espalhadas pela sala em grupos que ofereciam intimidade. O duque não hesitou. —Venha —, ele falou por cima do ombro, dirigindo-se a um canto.

Quatro cadeiras de espaldar alto foram agrupadas com as costas para o cômodo. Em uma delas havia um descendente da nobreza inglesa, exatamente do tipo que Ewan não gostava. Ele tinha cachos negros jogados em um estilo que Ewan, acabara de notar, parecia o efeito de quem tomara uma chuva inesperada. E ele estava usando um colete com um padrão desordenado de bordado de tal beleza que Glover teria ficado com os joelhos fracos. Ewan só poderia estar feliz que seu criado não estava com ele. A última coisa que ele queria era encontrar-se vestido com uma jaqueta de cor granada, como se ele fosse um chapeleiro.

Ewan viu com um olhar que o cavalheiro sentado ao lado do homem chapeleiro era um homem de poder. Ele tinha um rosto que revelava a capacidade de mover nações, se quisesse. Sua quietude irradiava poder e presença. Talvez ele fosse um daqueles duques reais, embora tivesse ouvido dizer que os duques eram gorduchos.

—Trouxe comigo um conde escocês —, disse Holbrook sem cerimônia. —Parece um sujeito decente, e mantém um uísque dos diabos em seus aposentos. Além disso, ele é o dono do Warlock, que venceu o Derby há dois anos, se você se lembrar. Ardmore, esse exemplo de moda é Garret Langham, o conde de Mayne. E este é o Sr. Lucius Felton. Quanto a mim, eu sou chamado por Rafe entre amigos —. Sem esperar por uma resposta, ele sinalizou para um lacaio. —Pergunte a Penny se eles têm algum uísque envelhecido Glen Garioch na casa.

—Eles não têm —, disse Ewan, curvando-se aos senhores, que tinham se levantado e o estavam sendo cordiais. —Maltes envelhecidos não são exportados para venda ainda.

O duque desabou em uma cadeira. —De repente tenho um profundo interesse em visitar nossos vizinhos do norte.

Agora que o conde de Mayne estava de pé, Ewan podia ver imediatamente que o homem não era um chapeleiro, pois todo o seu casaco vermelho parecia pegar o brilho da luz do fogo. Ele tinha os olhos cansados ??e uma inclinação dissoluta à boca, mas era um homem a ser levado em conta.

—Ardmore —, disse Mayne. —É um prazer. — Ele tinha um forte aperto de mão. —Eu não vi você dançando na casa de Lady Feddrington?

—Você e o resto de Londres —, disse o duque sombriamente.

—Dancei a maior parte da noite —, observou Ewan, apertando a mão de Felton.

—Ele está precisando de uma esposa —, disse Rafe. —E como eu não estou disposto a lhe dar Imogen, pela forma como ela se comportou ontem a noite, eu pensei que nós poderíamos encontrar alguém para ele. Afinal de contas, nós não fizemos mal com você, Felton.

—No final isso foi o melhor —, Mayne murmurou.

O duque estava finalmente mostrando o efeito de todo aquele uísque e sorriu como uma coruja para Ewan. —O que Mayne está tentando dizer é que depois que ele abandonou uma das minhas meninas, Felton entrou em cena e se casou com ela.

Mayne estava olhando para Ewan com um pequeno sorriso sarcástico no rosto; Felton estava sorrindo abertamente. Os ingleses eram muito mais estranhos do que ele ouvira. —Quantas tuteladas você tem? — ele perguntou finalmente.

— O Visconde Brydone tinha quatro filhas —, o duque admitiu, sua cabeça caindo para trás. —Quatro, quatro, quatro. Todas irmãs. Uma ainda está na sala de aula, essa é Josie. Imogen é uma delas, e Tess era a mais velha, até que Felton aqui a levou embora.

Felton estava sorrindo. No entanto, um escocês nunca ficaria na companhia do homem que abandonara sua esposa.

Nunca. Um olhar para o rosto de Mayne e você sabia que ele era pouco disperso.

Felton deve ter visto esse fato em seus olhos, pois ele disse calmamente. —Infelizmente, tive que obrigar Mayne a deixar a noiva. Decidi que ela se casaria melhor comigo do que com ele.

— Arruinou minha reputação —, disse Mayne.

— Bobagem —, o duque bufou. — O abandono foi apenas um em uma linha de escândalos que você jogou ao vento. Então, com quem Ardmore pode se casar? Você conhece toneladas, Mayne. Encontre uma noiva para ele.

Ewan esperou com ligeira curiosidade pela resposta de Mayne, mas naquele momento apareceu um garçom rechonchudo.

—Sua Graça, nós não temos uma gota de Glen Garioch na casa. Gostaria de um Ardbeg ou Tobermary?

Rafe olhou para Ewan.

Ewan se inclinou na direção do homem e disse: —Vamos tentar o Tobermary.

O homem gorducho fez uma reverência e se afastou, e Rafe disse com ar sonhador, —Um homem que conhece sua bebida é mais precioso do que os rubis.

—Nesse caso, gostaria de salientar que a senhorita Annabel Essex está fazendo a temporada —, disse Felton. —A segunda das tuteladas de Rafe —, explicou ele a Ewan. —O seu dote é a Milady’s Pleasure, e desde que você está provavelmente colocando Warlock para proteção, a combinação seria bastante interessante.

Então, a escocesa de cabelos dourados chamava-se Annabel.

Mas o duque sacudiu a cabeça. —Isso nunca dará certo. Me desculpe, Ardmore, mas Annabel tem uma queda por ingleses ricos e titulados. Ela seria uma esposa desconfortável para um conde escocês sem dinheiro, e essa é a verdade.

Felton abriu a boca, mas Ewan chamou sua atenção e ele fechou-a.

—Ah, um problema de dote —, Mayne disse, pensativo.

O garçom retornou com uma garrafa de Tobermary, que era tão boa quanto Ewan lembrava.

—Você gosta de poesia?— Mayne perguntou.

Parecia uma pergunta estranha. —Não particularmente.

—Então a senhorita Pythian-Adams não vai servir. Ela tem um grande dote, mas ouvi dizer que ela memorizou toda a peça de Shakespeare. De qualquer forma, ela cita trechos nas conversas. Maitland costumava reclamar quando eles estavam noivos que ela o fez ler em voz alta todo o Henry VIII. Aparentemente, levou toda uma tarde.

—Não —, disse Ewan. —Isso não vai funcionar.

—Então é por isso que você está em Londres. — Rafe olhou para ele por cima do copo de uísque.

—Para encontrar uma esposa —, Ewan concordou. —Como lhe disse antes, Sua Graça. — O duque estava definitivamente mostrando os efeitos do uísque agora.

—Às vezes eu acho que preciso de uma dessas também. Ela poderia cuidar de todas essas minhas tuteladas. Elas me deixam de cabelo em pé.

—Não seja tolo —, Mayne disse a ele. —Ninguém se casaria com um homem bêbado como você, a menos que ela quisesse seu título e dinheiro.

Para surpresa de Ewan, Rafe não se ressentiu com a avaliação dura de seu amigo.

— Você provavelmente está certo —, disse ele com um bocejo que parecia poder quebrar sua mandíbula. —Eu tenho que ir para a cama. Arrume alguns nomes para Ardmore aqui, Mayne.

— Senhorita Tarn —, Mayne disse, seus olhos se estreitaram em pensamento. — Ela é muito bonita, seu dote é mais do que adequado; em todos os relatos, ela é uma amazona experiente.

— Minha esposa diz que ela está apaixonada por um francês chamado Soubiran —, disse Felton. — O pai não aprova a conexão, mas a Srta. Tarn cravou seus calcanhares.

— Nesse caso, Lady Cecily Severy —, disse Mayne. — Filha mais velha do Duque de Claire. Não é nada mau e o dote é obviamente magnífico.

— Esta é a sua terceira temporada —, Felton colocou.

— Ela balbucia —, admitiu Mayne. —Mas seu dote certamente supera a língua presa.

— Ela finge que tem cerca de cinco anos de idade —, disse Felton secamente. — Faz voz de bebê para seus pretendentes. Isso afasta alguns homens.

—Eu me considero um deles —, disse Ewan.

—Terceira opção, então —, disse Mayne. —Lady Griselda Willoughby. Ela é uma bela e jovem viúva, com uma grande propriedade e uma disposição alegre. Ela acha que não quer se casar, mas na verdade, ela seria uma esposa e mãe feliz. E sua reputação é impecável.

O silêncio seguiu esta sugestão. Ewan pensou que Lady Griselda soava muito bem. Ele assentiu.

—Lady Griselda é irmã de Mayne —, disse Felton.

Ewan olhou para Mayne. — Sua irmã?

Mayne assentiu. — Veja bem, ela foi cortejada por muitos homens, e nenhum deles teve o menor sucesso. — Ele olhou brevemente para Ewan. —Mas tenho um sentimento de que você pode ter mais sorte do que a maioria. Ela tem apenas trinta anos e há tempo mais que suficiente para as crianças.

— Ele não tem uma propriedade —, Rafe disse, sua voz se transformou em um grunhido pela exaustão e pela bebida.

— Ela não precisa disso. Sua fortuna sozinha é excelente, mas a propriedade de Willoughby também é extensa.

Felton assentiu. —Eu concordaria com a sua avaliação das posses de Lady Griselda.

— Ela diz que não quer se casar de novo —, disse Mayne. —Mas eu gosto dela.

Ewan traduziu isso em um típico eufemismo inglês de um amor leal por sua irmã. Senhor, mas os ingleses eram estranhos. Ali estava um homem que parecia um libertino se ele já tivesse visto um, e ainda assim... parecia que ele estava realmente oferecendo uma esposa.

—Eu ficaria honrado em conhecer Lady Griselda —, disse ele.

—Bom, está resolvido —, disse Rafe, com outro bocejo. —Eu estou fora. Ardmore, você gostaria que eu o deixasse no Grillon’s, ou você encontrará seu próprio caminho para casa?

Ewan se levantou e fez uma reverência para os dois homens.

—Talvez pudéssemos conversar sobre seus estábulos em algum momento —, disse Felton.

Ewan reconheceu em seus olhos a faísca de um homem com uma paixão permanente por cavalos. —Ficaria muito satisfeito —, disse ele, curvando-se novamente.

Mayne levantou-se por sua vez. —Você foi convidado para a festa no jardim da Condessa Mitford amanhã à tarde?

—Sim —. Ewan hesitou. —Eu pensei em não ir. Eu achei a última festa no jardim dolorosamente tediosa.

—Não será assim. A condessa Mitford modela-se nas antigas famílias renascentistas da Itália. Ela faz apenas uma festa por ano, e não é para ser desperdiçada. Vou escoltar minha irmã.

—Vamos —, disse Rafe rabugento. —O uísque envelhecido dá a mesma dor de cabeça que seus irmãos mais jovens, droga.

Ewan curvou-se novamente.


Capítulo Quatro

Tudo havia mudado desde o casamento de Tess. Durante anos, as quatro irmãs se enroscaram na cama, amontoadas sob cobertores de lã no inverno, usando vestidos porque não tinham camisolas... conversando. Josie era o bebê, que, por vezes, parecia a mais velha de todas por causa de sua inteligência mordaz. Imogen, a próxima mais jovem, com sua paixão por Draven Maitland que prosperou por anos antes mesmo de ele notar sua existência. Annabel era dois anos mais velha que Imogen e passara a adolescência gerindo as finanças da família, exaurida pela carga e cansada, cansada pela pobreza da casa de seu pai. Ela havia falado incessantemente de Londres, de sedas e cetins, e de um homem que nunca iria fazê-la contar um centavo. E Tess era a mais velha... Tess, que se preocupava com todas elas e mantinha seus medos para si mesma.

Mas Josie estava no campo sob os cuidados de sua governanta, a senhorita Flecknoe, e Tess estava na cama do marido. O que deixava apenas duas irmãs a contenda, Annabel pensou melancolicamente.

Imogen estava em um humor sombrio esta noite, sentada com os lábios apertados, franzindo o cenho para a cabeceira no final da cama.

— Ele não tem o direito de agir dessa maneira —, disse ela. — Ele não tem direito!

Annabel saltou. A voz de sua irmã era tão aguda quanto o vento norte. — Rafe é nosso tutor —, ressaltou.

— Eu posso fazer o que quiser, com quem quiser —, disse Imogen. — Ele pode ser o seu guardião, mas ele não é o meu, desde que eu sou uma mulher de meios independentes. Eu nunca gostei dele, um bêbado, isso é o que ele é. E eu nunca perdoarei Tess por não nos trazer para a temporada.

O marido de Tess viajava muito, verificando suas propriedades por toda a Inglaterra. Tess tinha viajado com ele, e estando longe de Londres tão frequentemente como ela estava, Rafe, com a ajuda de Lady Griselda, estava conduzindo Annabel nesta temporada.

— Você partiu quando se casou com Draven —, Annabel apontou. —Você não tem nenhuma necessidade especial de ajuda de Tess.

— Draven ...— Imogen disse, e todo o seu rosto e voz mudaram, suavizaram e parecia com a velha Imogen, antes que ela se tornasse tão dura, tão difícil e estridente.

Annabel prendeu a respiração, mas Imogen não se dissolveu em lágrimas. Em vez disso, ela disse, depois de um momento, — Ele era lindo, não era?

— Muito —, Annabel confirmou. Só não me pergunte se ele era uma pessoa razoável ou um homem racional, ela acrescentou silenciosamente.

— Eu amava sua covinha —, disse Imogen. —Quando nos casamos, eu ...— ela parou.

Annabel viu um brilho de lágrimas nos olhos de sua irmã e logo puxou um lenço de sua mesa de cabeceira. Ela mantinha um suprimento ali. Mas Imogen sacudiu a cabeça.

— Você sabe qual o problema de ser casada apenas por duas semanas? — ela perguntou.

Annabel percebeu que era uma pergunta retórica.

— O problema é que eu não tenho muitas memórias —, disse Imogen, com a voz firme. — Quantas vezes eu posso me lembrar de beijar Draven pela primeira vez? Quantas vezes eu posso me lembrar do seu pedido de casamento? Se tivéssemos mais tempo, mesmo um mês ou dois, eu teria festas de memórias, o suficiente para durar por anos.

Annabel entregou-lhe o lenço. Imogen enxugou uma lágrima que serpenteava pelo seu rosto.

— Haverá outras memórias para valorizar, algum dia —, Annabel se aventurou.

Imogen virou-se para ela com um flash de raiva. — Não tente sugerir que alguém poderia substituir Draven em meu coração! Eu o amava desde o momento em que cheguei à adolescência, e eu nunca, jamais amarei outro homem como eu o amava. Nunca.

Annabel mordeu o lábio. Ela sempre parecia dizer a coisa errada. Talvez devesse informar a Lorde Rosseter que desejava casar-se com ele imediatamente; pelo menos ele a tiraria de casa. — Eu não quis dizer que você iria esquecer Draven —, disse ela, controlando a voz para que nenhum tom de irritação entrasse. — Mas você é muito jovem para falar em nunca mais, Imogen.

— Eu nunca fui jovem nesse aspecto —, Imogen disse categoricamente.

Annabel decidiu tentar um novo assunto. — Eu decidi me casar com Lorde Rosseter —, ela disse brilhantemente.

Imogen não pareceu tê-la ouvido. — Rafe disse algo semelhante a mim, esta mesma noite na carruagem. Na verdade, ele implicou... — ela se virou para Annabel e hesitou. — Eu provavelmente não deveria dizer isso a você, desde que você ainda é solteira.

Annabel bufou.

— Ele me acusou de perder o prazer do leito conjugal!

— Oh. E você perdeu? — Annabel perguntou. Parecia uma pergunta razoável, embora impertinente, dado o comportamento de Imogen na pista de dança.

— Claro que não! Eu sinto falta de Draven. Mas não... Ou melhor, se Draven fosse...

Annabel socorreu-a. — Bem, eu posso ver o ponto de Rafe. Eu deveria pensar que qualquer um poderia razoavelmente supor que você estava perdendo esses prazeres particulares, dada a forma como você olhou para Ardmore na pista de dança.

— Absurdo! — Imogen explodiu. — Eu estava apenas sendo sedutora. O mesmo que você sempre faz.

— Eu nunca ajo dessa maneira —, declarou Annabel.

— Bem, é claro, você não tem o conhecimento que eu tenho —. Imogen disse petulante. — Você é apenas uma donzela. Sou capaz de ser muito mais direta porque entendo o que acontece entre um homem e uma mulher no quarto de dormir.

Annabel não confiava em si mesma para falar.

— De qualquer forma —, Imogen continuou: — Eu definitivamente decidi tomar Ardmore.

— Tomá-lo?— Annabel perguntou, dando-lhe um olhar direto.

— Torná-lo parte do meu séquito —, disse Imogen, acenando com a mão no ar. — Isso é tudo que eu vou dizer sobre o assunto para uma donzela, mesmo você sendo minha irmã.

Annabel ignorou a provocação. — Tenha cuidado, Imogen. Eu teria muito, muito cuidado. Para mim o conde não parece ser um gatinho manso.

— Bobagem —, Imogen disse irritada. — Os homens são todos iguais.

— Tudo bem —, disse Annabel. — Faça-lhe seu cicisbeo, se quiser. Mas por que fazer tal exposição ao dançar? Por que envergonhar-se de tal forma?

— Eu estava expressando nosso acordo.

Mas elas eram irmãs há muito tempo. — O que quer que você estivesse expressando, não era um desejo de dormir com Ardmore.

— Era sim! — Imogen explodiu, e então as palavras morreram em sua garganta. Ela estava tão certa de que estava sendo convidativa e sensual. Mas talvez ela tivesse falhado nisso também. Ela olhou para Annabel. Era tentador confiar nela ...

Não. Ela não podia suportar dizer a Annabel sobre seus fracassos matrimoniais, Annabel que tinha a habilidade de fazer qualquer homem a menos de meio metro começar a ofegar.

— Você poderia falar com Tess sobre isso —, Annabel disse, mostrando a estranha habilidade que as irmãs às vezes têm de adivinhar o que a outra está pensando.

— Não há nada para falar —, disse Imogen, tossindo para encobrir a voz rouca. — Eu gostei muito de dançar com Ardmore, e estou ansiosa por mais horas felizes com ele.

— Você parece um vigário aceitando um novo cargo —, observou a irmã.

O que Annabel sabia sobre alguma coisa? Imogen não podia falar com ela, e ela também não podia falar com Tess, porque, apesar de Tess ser casada, ela estava feliz.

Ela respirou fundo. — Estou encantada com o prazer que compartilhei com Ardmore —, disse ela.

— Talvez não seja um vicariato... um bispado —, sua irmã refletiu, claramente impressionada.

Imogen virou-se para o outro lado.


Capítulo Cinco

A festa no jardim de Lady Mitford foi saboreada por todos os membros da sociedade que tiveram a sorte de receber um convite. Claro, que cada um saboreou-a por razões diferentes. Mães de meninas em idade de casar descobriram que os caramanchões românticos de Lady Mitford foram colocados em torno de seus jardins fornecendo excelentes recintos para nutrir intimidades que não fossem muito íntimas.

Aqueles que estavam, por qualquer motivo, desinteressados dos jogos de matrimonio,  apreciaram os esforços consideráveis ??de Lady Mitford para produzir a verdadeira culinária renascentista. Houve o ano, por exemplo, quando uma torta foi aberta para revelar cinco pombas cortadas e extremamente mal cozida que prontamente voaram para o ar.

Quando um deles deixou cair uma substância nociva na cabeça de um jovem senhor, a torta foi considerada um enorme sucesso.

Finalmente, o dia foi apreciado por aqueles com um senso de ironia. Ewan Poley, conde de Ardmore, teria se colocado nessa categoria. Na verdade, esta foi de longe a festa mais divertida que ele tinha assistido na Inglaterra.

Lady Mitford posicionou a si mesma e seu marido na extremidade de um grande gramado, o melhor é que os convidados podiam admirar o espetáculo. Eles eram um casal rechonchudo, vestindo roupas brilhantes da renascença; As meias, amarelo-canário, de Lorde Mitford eram dignas de nota, pois elas eram repetidas por cerca de trinta criados espalhados pelos gramados. O casal estava sentado em poltronas douradas que tinham uma semelhança suspeita com tronos, sob um dossel de seda azul-celeste que ondulava com a brisa. Ao redor de seus pés brincavam vários cães pequenos e um macaco de verdade, amarrado à cadeira de Lady Mitford com uma fita de seda.

Ewan tentou não notar o fato de que o macaco parecia estar de cócoras no chinelo de seda de Lady Mitford desfrutando de um momento privado.

Ele curvou-se diante dela. — Esta é uma tremenda honra, Lady Mitford. Eu não posso lhe agradecer o suficiente por me incluir em seu convite.

— Não poderia deixar de convidá-lo —, ela gritou para ele, soando como um de seus pequenos cães. — Eu acredito que eu tinha pelo menos oito pedidos para a sua inclusão, todos de mães, é claro.

Lode Mitford deu-lhe um sorriso cúmplice.  — Nossa gala é bastante conhecida pelos jogos que se seguem.

Eles eram um casal estranho; Lady Mitford estava usando um chapéu alto, mais adequado ao reinado do rei Richard do que o da rainha Elizabeth. Lord Mitford parecia tão majestoso quanto um camelô de carnaval, e o macaco, os cães e o dossel de seda falavam daquele carnaval tanto quanto de uma festa renascentista. Mas os olhos dos Mitford estavam alegres, e ficou claro que eles desfrutavam de suas próprias excentricidades, tanto quanto todos os outros.

Lady Mitford ergueu um dedo e apontou ao longe. — Eu entendo que você tem um interesse particular em uma linda viúva. Ela está ali, ao lado do caramanchão de rosas.

Por um momento Ewan piscou. Como ela poderia saber que Lord Mayne havia recomendado sua irmã viúva como possível esposa?

— Lady Maitland chorou o suficiente —, disse sua anfitriã com um sorriso bondoso. — Ela faria bem em esquecer a morte trágica de seu jovem marido e se voltar para você.

Com um sorriso e uma reverência, Ewan se virou e caminhou em direção ao caramanchão onde, presumivelmente, a apaixonada Imogen seria encontrada. Então, quando os Mitford se voltaram para cumprimentar outro convidado, ele caminhou na direção oposta.

Ele tinha acabado de vislumbrar a outra tutelada de Holbrook, e estranhamente, para sua memória lamentável, ele ainda se lembrava do nome dela: Annabel. Ela era a única que não dançara com ele, que o chamou de rapaz.

Ele não tinha sido chamado de rapaz desde que seu avô morreu, e isso foi há anos.

Ele diminuiu a velocidade para observá-la. Ela era toda mel e ouro. Cachos soltos e macios foram puxados para o topo de sua cabeça e, em seguida, caídos sobre os ombros. Seu vestido era o de uma dama solteira, a partir do que ele podia ver: seda creme e rendas que fluía logo abaixo de seu peito e fazia com que suas pernas parecessem tão longas quanto as de um potro. Mas ela não era jovem. Seus olhos brilhavam com sagacidade e inteligência... então, por que ele era apenas um rapaz para ela?

Ewan se aproximou, descartando mentalmente o homem que ela estava sorrindo tão brilhantemente. Ele era o tipo de homem que sempre seria governado por outros.

— Senhorita Essex —, disse ele, curvando-se.

Ela se virou para ele, seus olhos dançando. — Ah, Lorde Ardmore —, disse ela. —  Posso apresentar-lhe Lorde Rosseter, se você ainda não conheceu?

Rosseter curvou-se de maneira bastante formal. Antes de perceber o que estava fazendo, Ewan curvou-se ligeiramente, apenas ligeiramente, de modo que ele permaneceu com uma postura mais ampla. E Rosseter pegou a mensagem. Ewan viu em um relance que ele era um homem de insinuações e mensagens secretas, do tipo que nunca se expressa abertamente.

Com uma varredura sem pressa e excessivamente elegante de sua capa sobre o braço, Lorde Rosseter ofereceu uma desculpa para a senhorita Essex e foi embora. Ela piscou para as costas dele, parecendo bastante surpresa. Provavelmente havia pouquíssimos homens que se afastavam dela, pensou Ewan com alguma diversão.

— Ele estará de volta —, disse ele, descartando a ideia de oferecer um galanteio ensaiado.

Ela respondeu com um brilho nos seus olhos. — Eu certamente espero que sim.

Bem, ela não poderia ter dito isso com mais clareza. Aparentemente, ela pretendia se casar com o pequeno covarde elegante que escolhera no rebanho. O que era inteiramente sua prerrogativa, Ewan lembrou a si mesmo. Naturalmente, ele preferiria ver uma compatriota fazendo melhores escolhas.

— Conheci seu tutor na última noite —, disse ele.

— Eu vi. —, ela respondeu, o sorriso desaparecendo de seu rosto.

Por um segundo ele não compreendeu, depois lembrou-se da furiosa interrupção de Rafe de sua dança com sua irmã. Que por sua vida, ele não podia ver uma única semelhança. A moça de cabelos negros era toda de gelo e fúria, enquanto o rosto de sua irmã era tão belamente modelado quanto uma Madonna italiana e cinquenta vezes mais sensual.

Ele nunca tinha visto um lábio inferior tão profundo, nem olhos daquele tom particular de azul. Ele se recompôs. — Na verdade, seu tutor visitou meus aposentos na noite passada.

Agora seu sorriso realmente desapareceu. — Sinto muito por ouvir isso —, disse ela rigidamente.

Ele encontrou-se sorrindo para ela. — Ele me levou para seu clube, um lugar chamado White.

— White’s —, ela o corrigiu.

— Eu tenho uma memória terrível para detalhes —. E por que ele estava sorrindo para ela como um palerma que tinha tomado muito sol?

— A minha é o oposto —, ela confidenciou. — Às vezes acho que seria uma bênção ser capaz de perder um nome ou um número.

— Eu deveria pensar que seria uma característica útil em um lugar como este —, disse Ewan, dando ao jardim um olhar superficial. Estava se enchendo de ingleses, agrupados sob os pavilhões de seda que abrigavam comida e bebida.

— É útil —, ela concordou.

Eles pareciam ter acabado esse assunto. — Então você é a filha do falecido Visconde Brydone? — ele perguntou, sabendo a resposta.

Ela assentiu.

— Eu comprei um cavalo dele uma vez.

— Blacklock, neto de Coriander.

Ele piscou para ela.

— Eu nunca esqueço nomes, lembra? Seu agente gerenciou a transação. Papai pediu sessenta libras e seu agente conseguiu comprar o cavalo por quarenta. Decepcionante para papai, mas ainda adorável para o resto de nós —. Ela deixou escapar aquelas palavras como se nunca quisesse dizê-las.

— Por que diabos foi adorável para você? — ele perguntou. Pelo canto do olho, viu um cavalheiro de aparência determinada em calças cor de lavanda indo diretamente para Annabel, segurando uma taça de champanhe como o seu bilhete de entrada.

Ela levantou os olhos, e havia um brilho irônico neles. — Porque nós comemos carne à noite por três meses.  Tivemos nosso alimento —, ela esclareceu.

Ewan piscou para ela. Ela era uma estátua polida e brilhante de perfeição, tão bela quanto Vênus e cinco vezes mais sensual. — Os estábulos de seu pai eram conhecidos através de Roxburghshire até Aberdeenshire por sua magnificência —, observou ele.

— De fato —, disse ela. — Todo homem tem suas virtudes.

Ela não era apenas bonita, ela tinha uma expressão irônica. Ele gostaria muito de levá-la para casa, porque ele sentia um calor ardente em seus quadris com a visão dela. Então, na verdade, era melhor que ela tivesse decidido sobre Rosseter. Pois ela era alguém que deixava um homem ardendo de paixão, além do amor natural e respeitável de um homem por sua esposa. Parecia como se ela pudesse levar um homem ao desespero se ela fechasse a porta, mesmo que só por uma noite.

Apenas o pensamento o encheu de horror. Curvou-se de forma ágil. — Senhorita Essex. Foi um prazer.

O cavalheiro de lavanda se aproximou e se moveu como uma marionete. — Senhorita Essex —, ele disse, — Eu lhe trouxe uma taça de céu. Você sabe que o champanhe é nada mais do que uma taça de estrelas, não é?

Ela se virou para ele e sorriu tão gentilmente que Ewan esperou ver o pobre rapaz derreter a seus pés. Se ele não morresse de constrangimento de ser condescendido de tal maneira, — Apenas o que eu estava esperando —, ela disse.

Ewan fez uma reverência e se afastou. Ele precisava encontrar Mayne. Mayne e sua alegre irmã viúva.

IMOGEN MAITLAND ESTAVA BEM CONSCIENTE de que ela havia se transformado na personagem indomável de uma peça clássica. Ela sabia que estava se comportando de maneira abominável com suas irmãs, atacando-as como um cão selvagem. Ela sabia que deveria ser grata a Rafe por sua gentileza e generosidade, levando-a de volta para casa depois que ela fugiu de uma maneira tão escandalosa. Em vez disso, ela queria matá-lo, toda vez que via seus modos indolentes e a bebida que ele sempre mantinha. E ela queria matar suas irmãs também: Tess porque seu marido a amava, e por ele está vivo. Annabel, porque ela fazia os homens amá-la tão facilmente. Josie... bem, Josie estava na sala de aula, então Imogen isentou-a de sua galeria de ódio.

Era chocante como toda aquela dor dentro dela se transformara em ódio. Ela viu os olhares chocados quando ela virou-se para eles, a raiva no rosto de Rafe quando ela o provocou. E ainda assim... lá estava.

Eles simplesmente não entendiam.

Nenhum deles jamais teve algo terrível acontecendo com eles. Nunca. Rafe havia perdido o irmão e os pais, mas ele provavelmente só bebeu um copo extra em sua memória. Isso não parecia muito justo, mas ela não queria pensar sobre isso. Annabel esteve toda a sua vida na frente dela, e Tess...

Tess fez o coração de Imogen doer tanto que ela não pode suportar. O marido de Tess a amava. Realmente a amava. Felton olhava para Tess com a emoção tão forte em seus olhos que era o suficiente para fazer Imogen vomitar. Ele não poderia mesmo esperar para estarem a sós; ele a beijou em público. Ele...

Imogen mordeu o lábio selvagemente. Deus sabe que ele provavelmente amava sua esposa no quarto de dormir.

Ela olhou fixamente para um menino vestido como uma página da Renascença, que estava fazendo uma demonstração de arco e flecha. Não pense sobre isso...

Se ela tivesse tido mais tempo com Draven, ele a teria amado da mesma forma.

Lágrimas pressionavam calorosamente seus olhos, mas ela não ia chorar aqui, no jardim de Lady Mitford. Claro que Draven a amava. Ele disse isso pouco antes de morrer, não foi? Ele o  fez. Ele o fez. Ele a amava.

A verdade era tão negra quanto o gelo mais frio. Ele simplesmente não a amava da maneira que Lucius amava Tess.

O círculo perseguia eternamente em sua cabeça: se eles tivessem tido tempo... se ela tivesse sido mais sedutora, mais conhecedora, mais bonita...

Ela virou-se da tenda de arco e flecha e começou a caminhar rapidamente na direção oposta. Lady Whittingham estava caminhando em sua direção com o marido irresponsável; Imogen sorriu, lutando contra as lágrimas. Lady Whittingham virou a cabeça e seguiu em frente.

Por um momento Imogen parou como se tivesse sido atingida no estômago. Então se lembrou de que tinha sujado sua reputação no baile da noite anterior... Ardmore... a dança deles... Rafe. Mas ela não conseguia se importar. Provavelmente ela não teria sido convidada para esta festa no jardim se os convites não tivessem sido enviados na semana anterior. Mas quem se importava com isso?

A questão, a eterna questão, inundou sua mente e ela seguiu em frente, o desprezo de Lady Whittingham esquecido.

Ela era bonita. Todo mundo dizia isso. Sua modista disse isso; sua empregada disse isso; ela via a verdade refletida nos olhos dos homens que passavam por ela. Se apenas fosse um problema em sua aparência, pensou amargamente.

Então ela poderia simplesmente resignar-se a uma vida sem amor e se tornar uma freira.

Que bem fez a beleza quando ela não conseguiu fazer Draven amá-la? Beleza não foi o suficiente. Ela precisava da qualidade que Annabel tinha, aquele olhar sensual. Não era justo que sua irmã o tivesse desde que Annabel era virgem.

Desde que ela estava prestes a esbarrar em uma mesa que oferecia taças com ratafia, ela tomou um, embora desprezasse a bebida.

Certamente Draven tinha sido feliz o suficiente. Exceto... as dúvidas voltaram. Talvez se ela tivesse sido mais atraente, Draven a amaria, realmente a amaria. Ela poderia ter feito com que o conde escocês a quisesse.

Ela viu isso em seus olhos quando se apertou contra ele.

Houve um sussuro de protesto em sua mente, mas ela ignorou.

Talvez ela pudesse aprender a agradar um homem no quarto de dormir. Como fazê-lo delirar de desejo para que ele a amasse, quer desejasse ou não. Foi assim que Tess fez. Imogen a tinha observado: ela deixou o marido beijá-la na pista, cercada de pessoas. Lucius havia beijado Tess a céu aberto, onde qualquer pessoa poderia vê-los. Ela mesma nunca teria permitido a Draven tal liberdade.

Tola! Ela era uma tola! Se ela tivesse seduzido Draven a tais liberdades, talvez ele não a tivesse deixado e caminhado até a pista, para descobrir que o seu jockey não queria montar aquele diabo de cavalo, e decidido montá-lo... Ele teria ficado ao seu lado.

Seguro.

Vivo.

O ratafia estava tão enjoativo que o perigo de lágrimas recuou. Ela esvaziou a taça. Por que ela deveria sentar-se em luto quando Draven poderia estar...

A dor pegou seu coração e apertou com tanta força que ela quase arquejou.

Como poderia Draven estar morto? Automaticamente, começou a contar até dez, mas já era tarde demais. Ela podia sentir um soluço rasgando seu peito.

A única pessoa, além de si mesma, que amava Draven era a mãe dele. E quando Lady Clarice viu que Imogen não estava carregando uma criança, ela simplesmente desistiu. Ela parou de comer, ficou deprimida...

Deixando Imogen em um mundo de tolos que não conheciam Draven, que não  se lembravam de como incrivelmente engraçado ele poderia ser, quão cheio de vida, como...

As lágrimas fizeram o mundo ficar embaçado, mas um dos pavilhões de Lady Mitford se erguia diante dela, oferecendo um banco e um dossel de seda branca esvoaçante.

Sentou-se e iniciou uma rotina familiar. Primeiro, ela sentou-se rigidamente na posição vertical. Ela descobrira que era menos provável que se dissolvesse em lágrimas se a espinha dorsal de alguém estivesse em linha reta. Então contou suas respirações: um, dois, três. Finalmente, ela voltou seus pensamentos para o comportamento de Rafe na noite anterior. Como ele ousa?

Como se atreve a dizer-lhe alguma coisa sobre o comportamento dela? Ele não era seu irmão, nem tio, nem nada para ela. Ele era simplesmente o tutor que ela teve antes de se casar. Ele não era nada para ela agora, e ainda assim, ele presumia... ele presumia.

Seus olhos se estreitaram e as lágrimas sumiram.

Obrigada Senhor. Não havia nada que ela odiasse mais no mundo do que deixar as pessoas verem que ela estava chorando.

Ela tinha pena o suficiente a partir de suas próprias irmãs. Piedade ou paternalismo: era tudo a mesma coisa, e nada disso podia ajudar com o gosto terrível da amargura que ela sentia em sua boca. Como metal. Não era exatamente o luto; o luto parecia mais como lágrimas.

Draven se foi. Ela empurrou-se para fora do banco.


Capítulo Seis

Annabel estava ficando um pouco impaciente quando viu Lorde Rosseter caminhando de volta para ela. Lá estava ele.

Ela havia se vestido com cuidado, uma vez que Rosseter fizera uma proposta formal naquela manhã. De acordo com suas instruções, Rafe tinha aceitado, e tudo o que restava era que Rosseter solicitasse pessoalmente a sua mão.

Ela estava usando um vestido de musselina cor de palha, enfeitado com borlas de seda. Era recatado mas lisonjeiro.

Rosseter estava vestindo um casaco matinal de listras castanho claro revestido com amarelo. Sua gravata não era muito elaborada: o que era o correto para uma festa no jardim. O conjunto, até mesmo os bicos polidos de suas botas extremamente caras, aqueceu sua alma. Este era um homem que entenderia seu desejo de ter seda em sua pele em todos os momentos: compreendê-la, e nunca questioná-la. Ela nunca teria que contar centavos novamente.

Com a força desse pensamento, ela deu-lhe um sorriso generoso. Ele sorriu fracamente de volta e virou-se para encontrar a acompanhante dela. Mas Lady Griselda enviou-o para trazer-lhe um copo de limonada.

— Eu queria um momento —, disse Griselda, dando-lhe um sorriso brilhante de prazer conspiratório. — Eu acho que o pavilhão do canto direito do jardim é o lugar apropriado. Eu passeava por lá mais cedo e não há entretenimento planejado para aquele pavilhão, então você não será interrompida por um cantor abusando de um alaúde. Ele está coberto de seda rosa, que tem um efeito bastante lisonjeiro sobre a pele, não que você precise minha querida. E, finalmente, se você deseja permitir-lhe uma pequena expressão de sua devoção, é improvável que você seja vista por mais do vinte ou trinta pessoas, e isso deve assegurar que a notícia viaje muito mais rápido do que um anúncio no Times faria.

— Uma excelente sugestão —, murmurou Annabel. Agora que o momento estava próximo, ela só queria seguir em frente. Estar casada com segurança e nunca mais ter que pensar em se preocupar com dinheiro novamente.

— Lembre-se, sua vida conjugal começa agora —, disse Griselda. — Seja gentil, mas firme. Cada expressão sua informará a Lorde Rosseter que liberdades ele pode ou não tomar. Você deve treiná-lo para compreender cada um de seus olhares. Entendeu, Annabel?

— Acho que sim —, disse Annabel.

Rosseter havia começado a caminhar de volta para elas, seguido por um pajem que carregava uma bandeja com um copo de limonada para Griselda.

— Agora, olhe para isso —, disse Griselda. — Você fez uma boa escolha, querida. Ele age de maneira decidida.

— Eu suponho que sim —, disse Annabel.

— Não é todo homem que tem a providência para pensar à frente e evitar a possibilidade de manchar suas roupas —. Griselda disse a ela. — E eu gosto do fato de que ele é um pouco mais velho do que você. Isso dá a ele uma sensação de profundidade.

—Quantos anos você acha que ele tem? — Annabel disse, observando-o se aproximar, levantando uma mão branca em resposta a uma observação feita por um amigo.

—Oh, pelo menos... bem, vamos ver. Eu era casada com Willoughby quando eu o conheci, mas ele não era de modo algum recém-chegado à temporada... eu acho que seriam quarenta e três ou quarenta e quatro anos. Amadurecido, mas não antiquado. Perfeito! — ela disse brilhantemente.

Vinte anos mais velho do que ela... era um pouco mais do que Annabel tinha pensado. O rosto de  Rosseter não tinha idade, embora talvez isso não importasse. Afinal, os homens não envelheciam como as mulheres.

—Ninguém nunca o pegou —, disse Griselda. Rosseter havia parado e estava trocando saudações com um dos duques reais, Clarence. —Mas você parece tê-lo feito sem esforço, minha querida. Um verdadeiro triunfo.

—Obrigada—, Annabel murmurou. Rosseter parecia estar verdadeiramente empenhado na conversa com Sua Alteza Real.

Ele não estava sequer olhando em sua direção como em um pedido de desculpas. Annabel sentiu uma pontada de aborrecimento. Ele sabia perfeitamente bem que ela estava aguardando sua proposta. Era pedir demais que ele realmente fizesse aquela ação em particular, em vez de tagarelar com um palerma gordo de um príncipe inglês?

Enquanto observava, Rosseter virou-se para o garoto que o seguia e murmurou alguma coisa, em seguida o menino começou a correr em direção a elas com a limonada.

Annabel voltou-se para Griselda, mas Griselda falou antes mesmo de ela abrir a boca.

— Estou absolutamente de acordo. Absolutamente. Clarence não é razão para atrasar uma proposta de casamento. Rosseter precisa aprender uma lição.

Annabel sabia exatamente qual o homem para fazê-lo. Ela acabara de perceber que o conde escocês havia aparecido novamente e estava de pé a sua direita, observando uma exposição de saltos acrobáticos.

— Talvez você devesse —, Lady Griselda começou, mas Annabel a ignorou. Ela não precisava sequer sair de sua cadeira. Em vez disso, olhou diretamente para Ardmore, permitindo que um pequeno sorriso brincasse em sua boca.

Seus cabelos ruivos encaracolados e os ombros esculpidos o faziam parecer um cavaleiro medieval. Na verdade, ela não se importaria em vê-lo atirando uma flecha com o arco...

Ele a olhou e virou-se. Ardmore caminhou através da multidão diretamente em direção a ela, sem sequer tirar os olhos dela.

— Você se lembra do que eu disse sobre ele? — Griselda cochichou ao lado dela. — Ele não é um homem para se brincar!

Annabel desviou os olhos e sorriu para sua acompanhante. — Eu não vou brincar com ele, Griselda. Ele é um compatriota e acho que ele pode vir a ser um amigo. Vou simplesmente pedir-lhe para me acompanhar ao stand de tiro com arco.

— Ah, tiro com arco —. Griselda observou Ardmore caminhando em direção a elas. —Eu gosto de um homem com um amplo conjunto de ombros.

Annabel notou pelo canto dos olhos que Rosseter tinha visto quem estava se aproximando. Sem dúvida, ele agora concluía sua conversa com o duque. Sem pensar, ela levantou-se e caminhou em direção a Ardmore. Ele era realmente o completo oposto de seu marido escolhido. Cada centímetro dele era escocês, daquelas robustas pernas musculosas até seu queixo forte e maçãs do rosto anguladas. Ela não tinha nenhum problema em imaginá-lo como um guerreiro escocês antigo, pintado de azul e vestindo apenas um... Não. Ela trouxe sua imaginação de volta para onde devia. O homem que caminhava em direção a ela era um conde escocês exatamente do mesmo tipo de seu pai. De fato, se ela descobrisse que ele tinha um conjunto de cavalos de corrida no qual ele gastava cada centavo da casa, a similaridade estaria completa.

Seu sorriso estava todo em seus olhos. — Estive assistindo uma demonstração de justa medieval. Começo a me imaginar em uma armadura —, disse ele, os olhos brilhando de tanto rir.

— E aqui estava eu imaginando-o como um guerreiro escocês antigo —, disse ela, colocando a mão em seu braço e se afastando de Rosseter como se ele não existisse.

Uma de suas sobrancelhas se elevou. — Um dos meus ancestrais nus e sedentos de sangue?

— E meus —, disse ela calmamente.

— Nesse caso, por que não tentamos nossa habilidade no arco e flecha? — ele perguntou, tocando em suas mãos.

Ela olhou para trás por cima do ombro e encontrou Rosseter curvando-se sem pressa diante de Griselda, sem dúvida desculpando-se pelo envio da limonada por um pajem ao invés de entregá-la pessoalmente. Ela se virou um pouco para que Rosseter pudesse ver seu rosto e sorriu para Ardmore.

As sobrancelha dele subiram novamente. Era uma coisa boa que ela nunca consideraria se casar com ele, porque essa sobrancelha poderia ser realmente irritante a longo prazo. Não havia nada sobre Rosseter que fosse irritante, graças a Deus.

Se Ardmore tivesse algum cérebro, ele saberia exatamente o que ela estava fazendo e como seu compatriota, ele deveria ser favorável. Útil mesmo.

Certamente: — Você quer que eu ande mais devagar para que ele possa alcançá-la? — Ardmore perguntou. Havia um toque de diversão em sua voz. Aparentemente, ele tinha decidido ser útil.

—Não —, ela disse tranquilamente. —Acho que uma exibição de tiro com arco deve fazer isso.

— Entendo o que você quer dizer —, disse ele. — Os ingleses tem uma estrutura aflitivamente fraca, não é? Quase magricela. Mas você não precisa se preocupar com seus filhos —, acrescentou. — Afinal de contas, você deve ter um ou dois guerreiros escoceses entre seus antepassados. O mais provável é que os garotos não sejam muito magros.

— Meus filhos não serão magricelas ! E de qualquer forma, as mulheres não gostam de ser imponentes, você sabe.

— Eu nunca notei isso —, ele disse, e ela pensou com aborrecimento em todas aquelas mulheres escocesas que tinham construído sua confiança para estes níveis sem precedentes.

Eles pararam na tenda de tiro com arco. Uma brisa agitava a seda da tenda, trazendo consigo um cheiro das flores de Abril.

Havia uma pilha de arcos no canto. O atendente deu uma olhada em Ardmore e entregou-lhe um que parecia ter sido feito com a metade de uma pequena árvore.

Ardmore olhou para os alvos, postes com círculos pintados sobre eles. Estavam enfeitados com bandeiras de seda, o melhor para parecer antigo, era preciso supor, e estavam posicionados em distâncias cada vez maiores.

Então ele tirou a jaqueta. Ele estava vestindo uma camisa de linho fino. Annabel teve que admitir que não estava com os fios desgastados e realmente parecia ser um material bastante adorável; talvez tenha sido tecida em sua propriedade. Ele esticou o arco, experimentando-o. Grandes músculos ondulavam em suas costas, claramente visíveis através da camisa ajustada. Ele virou-se para o atendente, pegando um punhado de flechas. Ele entregou todas, menos uma, para ela e lhe deu um sorriso preguiçoso. — Caso você não tenha notado, seu escolhido está se aproximando. Ele parece ter encontrado uma acompanhante para si.

Annabel olhou em volta. — Oh, essa é a minha acompanhante, Lady Griselda. Você a conheceu na última noite quando fomos apresentados pela primeira vez.

— Eu disse a você que não me lembro dos nomes de ninguém. — Então ele piscou. —Você disse Lady Griselda?

Ela assentiu.

Ele virou. Griselda estava conversando com Rosseter, e parecia muito bonita e jovem para ser viúva.

Na verdade, se Annabel não amasse tanto Griselda, ela teria inveja de seus cachos perfeitos e de sua figura exuberante. Ela parecia exatamente como ela era: uma querida, alegre, amante da fofoca e adorável dama. Uma perfeita...

Annabel olhou para o cavaleiro medieval ao lado dela, que estava de boca aberta.

— A irmã do conde de Mayne? — ele perguntou.

Griselda e Rosseter passavam por um raio de sol. Seu cabelo brilhava como o ouro proverbial.

— Conhece Mayne? — ela perguntou.

— Eu o conheci na noite passada —, murmurou Ardmore. Ele se virou e puxou o arco de volta, mas sem encaixar uma flecha.

Naquele momento, Griselda aproximou-se deles com um sorriso cintilante. Rosseter inclinou-se com a indiferença temperada de um inglês irritado. Ardmore parecia estar em um excelente humor. Ele flexionou o arco novamente; Annabel estava certa de que ele estava fazendo isso para mostrar seus músculos, e também estava certa de que não o fazia para ela.

Se Griselda esticasse os olhos azuis um pouco mais, provavelmente cairiam fora de sua cabeça.

— Que tal uma competição amigável? — Ardmore disse a Rosseter.

— Não tenho interesse em esportes —, disse Rosseter uniformemente. Caracteristicamente, não havia desdém em seu tom ou qualquer coisa que um homem pudesse levar como insulto.

— Nesse caso, que tal uma competição entre compatriotas? — Ardmore disse para Annabel.

Griselda riu. Rosseter mudou seu peso de um pé para o outro. Ele não disse nada, mas ela sentiu sua desaprovação.

— Tudo bem —, disse Annabel. Ela se virou para o atendente e deu-lhe um sorriso caloroso. O menino se aproximou e entregou-lhe um arco. Era cinza, com uma curva bonita, mas que não servia para nada. Annabel deu uma olhada mais de perto nos arcos. — Eu vou tentar esse de teixo —, disse ela.

Tinha uma curva suave. Ela puxou a corda experimentalmente. Felizmente, as pequenas mangas de seu vestido não impediam seus braços de forma alguma.

Ardmore estava sorrindo agora, obviamente tão consciente da desaprovação de Rosseter quanto ela. E Griselda estava rindo. Então Ardmore recuou seu grande arco novamente, flexionando os músculos através de sua camisa.

Annabel desviou o olhar e encontrou os olhos de Rosseter. Ela leu a aprovação em seu rosto: Rosseter pensou que ela estava evitando a exibição grosseira de masculinidade, olhando para ele, em vez de Ardmore.

Ela pegou o arco e Rosseter colocou uma mão enluvada sobre a dela. —Você não precisa fazer isso —, disse ele.

— Gosto de tiro com arco —, disse ela evasivamente, virando-se para que a mão dele se afastasse. O rapaz entregou-lhe um punhado de flechas.

Rosseter baixou a voz. — Não há necessidade de colocar o escocês em seu lugar. Deixe-o à sua postura grotesca; Lady Griselda parece gostar disso.

Ela olhou e, com certeza, as covinhas de Griselda estavam em pleno funcionamento. Ela estava entregando-lhe flechas e Ardmore estava colocando-as no alvo, uma após a outra.

— O tipo dela —, observou Rosseter. — Tenho certeza que eles não vão nem perceber se formos para um passeio. — Ele colocou a mão em seu arco dessa vez.

— Isso seria indelicado —, disse ela, combinando perfeitamente com o tom inexpressivo dele.

— Ah —, disse ele.

Ela tomou isso como assentimento, não que ela precisasse. Ardmore virou-se e disse: — Agora, senhorita Essex, qual é o nosso desafio?

Ela caminhou até ele, olhando os alvos. — Três flechas cada um. Você usa aquele que está longe e eu vou usar o que tem a bandeira vermelha no meio.

— Use o azul, é mais perto —, disse ele generosamente.

Annabel olhou para cima e viu que ele pensava em ganhar. Um sorriso tocou seus lábios. — O centro do alvo, claro, é aquele ponto negro —, ela disse a ele.

— Eu estou ciente disso.

— Bom —, disse ela docemente. — Eu só queria ter certeza, dado que você parecia ter alguns problemas em acertá-los durante a sua sessão de treinos.

Um sorriso lento se espalhou por seu rosto. — Mas deve haver um prêmio se esta for uma competição adequada, senhorita Essex.

Rosseter interveio. — É claro que não haverá nenhum prêmio. Isso daria o ar grosseiro de uma exposição pública.

— Mas você vê —, disse Ardmore — Nós escoceses somos bastante grosseiros.

Annabel franziu o cenho para ele. Rosseter claramente não estava recordando-se de sua nacionalidade, e ela não queria lembrá-lo disso.

— O prêmio é um pedido —, disse Ardmore. — Um favor que pode ser exigido a qualquer momento e deve ser pago sem questionamentos.

— A Senhorita Annabel não tem qualquer necessidade de pedir-lhe um favor —, disse Rosseter, e agora ela podia ouvir um leve desdém por trás de seus tons bem-educados.

— Nunca se sabe—, disse Ardmore, selecionando uma flecha. — Ela já fez vários pedidos a mim, e é claro que estou sempre feliz em ajudar uma conterrânea.

Annabel ajustou seu próprio arco. Griselda estava rindo e ajudando Ardmore a ajustar a luva de arqueiro que foi entregue a ele. Naturalmente Rosseter apenas ficou de pé ao lado enquanto ela ajustava sua própria luva.

De repente, houve um toque daqueles trompetes altos e arqueados que Lady Mitford tanto gostava. — Uma competição! — gritou o trompetista. — Uma competição de arco e flecha começará agora!

As finas narinas de Rosseter se alargaram quando ele recuou. Annabel percebeu que ele estava realmente irritado agora. Na verdade, se ela não desistisse do concurso, ele poderia simplesmente virar-se em seu elegante casaco listrado e descartar a ideia de se casar com ela. Assim era provavelmente como ele tinha permanecido solteiro por todos estes anos.

Em um momento eles tinham uma audiência, um círculo de mulheres em vestidos esvoaçantes, branco e rosa, uns poucos cavalheiros com olhares de admiração. Ardmore recuou seu arco e lançou a flecha. Annabel de repente percebeu que puxar seu arco faria com que seus seios empurrassem para frente de forma indecorosa. Ela olhou para Rosseter. Ele ainda estava lá, esperando que ela tomasse uma decisão. Não era um bom presságio para o casamento deles que os dois não precisassem trocar uma palavra para saber exatamente o que o outro estava pensando?

Ela avançou para atirar.

— Parece que você não chegou a atingir o alvo —, disse ela ao escocês, permitindo que apenas um traço de arrependimento aprofundasse a sua voz.

Ele olhou para o alvo. — Parece bom para mim.

— Hmmm —. Ela recuou seu arco e parou por um momento, procurando aquele ponto preto no centro do seu alvo. Então ela disparou e a flecha voou como um pássaro para seu ninho. Ela sorriu e olhou para seu oponente. Ele não estava olhando para o seu alvo, mas para ela, e ele parecia um pouco distraído. Ela olhou para baixo.

Ela sentiu o vestido se esticar sobre o peito quando recuou o arco; afinal de contas, essa musselina não foi projetada para o esporte.

Rosseter ainda estava lá, com a boca fina de desgosto. Aparentemente, ele tinha decidido dar-lhe uma segunda chance.

O atendente correu para os alvos, suas meias amarelas piscando ao sol. Ele abaixou-se ao lado de seu alvo e, em seguida, levantou-se. —Senhorita Essex ganha! — ele gritou.

— Segundo tiro —, Ardmore disse, puxando seu arco novamente.

Foi um bom tiro; Annabel teve que admitir. Mas ele estava segurando seu cotovelo apenas um pouco elevado no ar. Com certeza, para os olhos dela a flecha estava ligeiramente fora do alvo, embora ele se virasse para ela com um sorriso que sugeria que ele achava  estava certo.

— Ouvi dizer que os óculos podem ser bastante úteis à medida que se envelhece —, ela disse docemente. Ela recuou sua flecha e deixou voar imediatamente. Na verdade, ela havia escolhido um alvo que era muito fácil.

Houve muita alegria quando o atendente anunciado o vencedor daquela rodada.

Mas quando ela olhou para Ardmore e pensou vê-lo mostrando a tensão da competição, ou mesmo um lampejo de espírito competitivo, ele estava apenas rindo. — Não importa o quanto essa competição vá, você ganhou o meu prêmio. Acredito que meu erro foi não permitir que você atirasse antes de mim .

— Isso teria sido mais educado —, observou Rosseter.

Ardmore fez uma reverência e acenou para ela.

Ela avançou, ciente dos dois homens que a observavam atentamente. Ela balançou os cachos para trás sobre os ombros; eles poderiam se distrair. Então ela puxou o arco de volta, lentamente, lentamente. Ela podia sentir seus seios vindo para frente e para cima, esticando o corpete de seu vestido de musselina. Finalmente, ela lançou a flecha que foi direto para casa. Estava um pouco fora de seu alvo porque ela segurou a flecha por muito tempo.

Ardmore tomou seu lugar. Ele recuou o arco tão lentamente quanto ela. Seus ombros largos se flexionaram, e ele lançou um olhar para ela. Seus olhos eram quase, quase inocentes, mas não completamente. Ela quase caiu na gargalhada, mas em vez disso ela deu-lhe um sorriso delicioso, um dos seus melhores. Por um momento, ele olhou como se tivesse sido atingido na testa. Ela recuou. A menos que ela tivesse perdido a aposta, ele tinha segurado aquela flecha por muito tempo, e o cotovelo dele foi projetado muito ao alto novamente.

Com certeza, ele errou o alvo por completo.

Lady Mitford apareceu na frente deles, sorrindo alegremente. — Eu amo tanto quando meus convidados caem no espírito dos tempos! — ela vibrou. — Agora Lorde Mitford e eu temos uma surpresa muito agradável para vocês dois.

Ela acenou freneticamente com o braço e um carrinho de pônei coberto de flores surgiu à vista, sendo arrastado por dois burros de aparência miserável. Flores haviam sido tecidas em suas crinas e enfiadas atrás das orelhas.

—Vocês serão o rei e a rainha de maio! — Lady Mitford disse alegremente. — Claro, ainda não é maio, mas achamos que seria apropriado para o nosso festival. Lord Mitford e eu tínhamos planejado ser o rei e a rainha, mas desde que vocês dois entraram tão completamente no espírito do dia, olhamos um para o outro e no espaço de uma respiração, decidimos coroar vocês em vez disso!

Griselda estava rindo e batendo palmas, então a sugestão de Lady Mitford deve ser aceitável do ponto de vista de uma acompanhante. Annabel hesitou, mas Ardmore tomou a decisão por dela. Sem perguntar a ela, ele colocou as mãos em volta de sua cintura e colocou-a no carrinho de pônei. Ela engasgou, mas no segundo seguinte ele estava no assento ao lado dela, e as trombetas estavam soprando novamente. Lady Mitford entregou uma coroa de flores a ela.

— Você deve fazer isso —, Ardmore disse-lhe, em voz baixa. —Olhe o quão feliz ela está!

Com toda a certeza, Lady Mitford estava gargalhando com prazer.

— Há algo errado, no entanto —, disse Ardmore. Ele estreitou os olhos. — Você não parece exatamente certa.

De repente, sua mão disparou e com um movimento preciso ele puxou três grampos de seu cabelo.

Annabel ofegou. Seus cabelos caíram ao redor de seus ombros, rolos de cachos dourados que tinha tomado uma hora inteira de sua criada para serem arrumados em sua cabeça. — Como você ousa! — ela disse, olhando para ele.

Mas ele estava colocando a coroa de flores brancas em sua cabeça. — Silêncio —, disse ele. — Você é uma rainha.

Sua coxa roçou contra a dela quando os burros começaram a puxar ao redor do jardim.

— Isto é tão humilhante —, ela sussurrou para ele.

Mas ele sorria largamente. Eles começaram um circuito no jardim, Annabel sorrindo para todos os convidados e silenciosamente amaldiçoando sua companhia. Lorde Rosseter olhou para o carro e, em seguida, virou-se. Annabel acrescentou uma maldição particularmente virulenta de seu discurso silencioso. Mas na verdade, ela não estava terrivelmente preocupada com Rosseter. Ele voltaria, se ela desejasse que ele voltasse. Ou ele não iria, e ela encontraria outra pessoa. A censura dele era um pouco preocupante.

Em seguida, eles estavam de volta no início, e Lady Mitford estava implorando para enviar o carrinho por trás da casa. —É apenas para que os criados possam ver. Todos eles se interessam muito por nosso pequeno festival renascentista, abençoe seus corações. Sei que gostariam de ver o rei e a rainha.

Então Ewan enviou os burros pelos fundos da casa como foi ordenado. Mas parecia que Lady Mitford tinha julgado mal o entusiasmo de sua casa, pois não havia uma alma para ser vista, apenas cortinas fechadas contra o sol da tarde. Os burros pararam e começaram a mastigar uma roseira que ladeava a porta da cozinha.

— Talvez ela esteja alertando os funcionários para a nossa presença neste exato momento —, Ewan sugeriu. Havia algo sobre Annabel que o fazia sentir-se imprudente, como se champanhe estivesse correndo em suas veias.

Ela cruzou as mãos primorosamente. — Eu acredito que devemos virar o carrinho e voltar. Não é apropriado para nós estarmos sozinhos.

Ele largou as rédeas. Nenhum homem de carne e ossos recusaria essa oportunidade. Não foi inocência que ele vislumbrou nos olhos de Annabel, mas a consciência dele como um homem. E Ewan era um homem de ação, não de palavras.

Ele abaixou a cabeça bem devagar para que ela tivesse tempo de gritar, ou dizer não, como donzelas apropriadas fizeram quando estavam prestes a serem beijadas. Mas ela não disse uma palavra, apenas olhou para ele com olhos azuis esfumaçados.

Seus lábios roçaram os dela. Eles eram suaves, como as pétalas das rosas que os burros comiam, e ele queria comê-la, toda ela... Ele esfregou os lábios nos dela novamente, mais forte agora. Mas ela não disse nada, ou fez um som, então ele deixou seus lábios passearem daquela pequena curva no canto de sua boca, pensando em seu pescoço, macio e suave, mas ele não queria deixar sua boca. Então ele voltou e ela separou seus lábios um pouco e ele deslizou entre uma respiração e outra.

E então ele a tinha em seus braços, embalando-a, e o ar denso com o cheiro de rosas e suas línguas estavam emaranhados. Sua boca era quente e de maneira nenhuma como a de uma donzela inocente, mas bastante... Ele afastou a lembrança de seu primeiro beijo com Bess, uma leiteira amigável. Porque este beijo não era nada como o de Bess, não tinha nada em comum com o de Bess...

Annabel tinha os braços ao redor de seu pescoço antes que ela soubesse o que estava acontecendo, antes de perceber que seu coração batia tão rápido que ela não conseguia respirar, deve ser por isso que ela não conseguia respirar, porque ela não podia respirar. Não com a forma como ele estava beijando-a, como se o tempo tivesse parado e não houvesse mais nada no mundo a não ser o rei e a rainha de maio em um carrinho cheio de flores.

Talvez fosse porque ele era escocês. Ele beijou-a longa e lentamente, e não havia o sentimento de estar sendo atropelada que ela teve dos ingleses, como se eles beijassem enquanto pensavam em como se apossar de um de seus seios e torcê-lo como um puxador de bomba. As mãos de Ardmore estavam em suas costas, mas elas não se moviam, apenas puxavam-na para perto, e ele não parecia ter mais nada em mente além do emaranhado lento de suas línguas.

Era quase enlouquecedor.

Na verdade, era enlouquecedor. Annabel estava em Londres a precisamente dois meses, e já tinha sido beijada por vários homens. Todos os que meticulosamente pediram a Rafe por sua mão em casamento. Mas seus beijos eram o suficiente para fazê-la rejeitar suas propostas. Eles apalpavam e respiravam com dificuldade, e ela não podia se ver partilhando a cama com alguém que soasse asmático.

Até onde ela podia ver, Ardmore teve a resposta oposta à dela. Ali estavam eles, apenas sentados, beijando e beijando, e seu sangue estava acelerado, mas ele parecia tão calmo como sempre. Ele tinha aquelas mãos grandes de trabalhador espalhadas nas costas dela, mas ele não a puxou para mais perto dele. E ainda assim ela se sentia mole, como se estivesse prestes a cair contra seu peito.

A desigualdade era enervante. Ela se afastou. Quando ele abriu os olhos, ela revisou a ideia de que ele estava intocado pelo beijo, porque havia algo profundo e quente em seus olhos que provocou um formigamento entre suas coxas. — Devemos retornar —, disse ela, mantendo as mãos em volta do pescoço dele.

Ele nem disse nada, apenas mostrou seu preguiçoso sorriso escocês e inclinou a cabeça para a dela novamente. E ela não pôde evitar: ela abriu a boca para ele e ele começou a beijá-la novamente. E agora ela podia ver a atração de apenas beijar. Apenas deixando sua língua... bem ela estava tremendo. Tremendo por um beijo.

Desta vez ele recuou. E seus olhos eram ainda mais escuros e selvagens, ele tinha um olhar pensativo também.

— Você quer se casar comigo? — ele disse. Suas mãos ainda não haviam se movido das costas dela.

— Não —, disse Annabel, sentindo uma pontada de arrependimento. Seria bom se casar com um homem que beijava tão bem. Mas o beijo não era um pré-requisito para o casamento, e o dinheiro era.

Ele não disse nada, apenas olhou para ela. — Passei anos sonhando em sair da Escócia —, ela disse sem jeito, não querendo mencionar o dinheiro porque era demasiado desagradável.

Ele assentiu. — Eu já vi isso acontecer com rapazes da aldeia.

— Bem, então —, disse ela.

Ele olhou para ela mais uma vez. —Tem certeza? Porque eu não vou perguntar de novo. Eu preciso terminar este negócio de casamento e voltar para casa.

Ela sorriu para isso. — Tenho certeza.

— Você nunca se casaria com um escocês?

— Não.

— Eu lamento sua decisão.

Em seguida, eles estavam de volta no jardim, e Imogen estava esperando por eles. Seus olhos se iluminaram com um brilho que deixou Annabel desconfortável. Mas ela parecia requintada, como uma princesa de cabelos negros em um conto de fadas.

Antes que Annabel soubesse o que havia acontecido, o rei de maio afastou-se nos braços de sua irmã sem olhar para trás. Annabel tirou a coroa de flores e jogou-a no carrinho de pônei.

Dois cavalheiros se aproximaram dela como cães de caça e exigiram o prazer de levar a rainha de maio ao pavilhão para a ceia.

Mesmo sem querer, ela olhou por cima do ombro. Agora Ardmore se colocara entre Lady Griselda e Imogen. Ele tinha a cabeça inclinada na direção de Griselda.

— Eu adoraria ir —, disse ela friamente. — Por que vocês não me acompanham?

Eles balançavam ao redor dela, mostrando todos os sinais de homens que beijariam e apalpariam e arfariam.

Ingleses, ambos.


Capítulo Sete

Ewan quase se decidira. A moça com a qual ele realmente poderia se imaginar não o queria, ou assim ela disse. E ele tinha bom senso para saber que arrastar de volta para a Escócia uma mulher que estava determinada a se casar com um inglês com um título não era um bom começo para um casamento. Mas a Imogen de cabelos negros tinha um desespero tão potente em seus olhos que ele sentiu na boca do estômago.

Mesmo agora, ela parecia determinada a arrastá-lo para algum banco solitário, como se ele fosse um porco premiado na feira. Ele não se importava, desde que todas aquelas lágrimas que ela estava guardando não transbordassem e afogassem os dois.

Ela seria uma boa escolha para a esposa, com certeza. Ela era linda, e se ele desse a ela tempo para se recuperar de sua dor, ela provavelmente seria uma parceira agradável em todos os aspectos. Ele certamente não queria uma esposa que engravidasse imediatamente: ele tinha mais do que suficiente para fazer sem se preocupar com crianças por alguns anos.

Ao todo, Imogen parecia uma alternativa adequada. Claro, seu tutor era ferozmente contra a ideia, mas talvez o duque fosse mais receptivo ao ver o quanto sua tutelada queria casar-se com ele. Por que ela olhou para ele como se não quisesse nada mais do que se deitar com ele ali mesmo. Ela deve estar desesperada para voltar para a Escócia.

Ele apreciava isso; ele se sentia da mesma maneira. Londres não era nada mais do que uma bagunça fumegante e fedorenta. Sua carruagem ficou emaranhada no tráfego naquela manhã e eles acabaram parados por mais de uma hora.

Esta festa não foi tão ruim. Mas todas as vozes estridentes e as trombetas repetidas soavam como uma dor de cabeça, se ele fosse propenso a elas. Provavelmente foi um dia encharcado de chuva na Escócia, do tipo em que quase se pode ver a grama exuberante alcançando os galhos das árvores. E o único som seria a chuva, e talvez o canto de um pássaro, e pareceria como se as muitas margaridas estivessem louvando a Deus pela beleza de tudo isso. Por um momento ele fechou os olhos, mas...

— Lorde Ardmore —, ela estava dizendo, e a tristeza em sua voz estava clara. A pobre moça estava mal.

Ele abriu os olhos e olhou para ela. Imogen, seu nome era Imogen, Lady Maitland. Ele sentiu uma centelha de gratidão por ser capaz de lembrar. — Lady Maitland —, disse ele.

— Eu gostaria de falar com você em particular, se puder.

— É claro. Há um terreno na parte de baixo do jardim que é menos frequentado por todas essas pessoas —, disse ele.

Ela lhe deu um sorriso orvalhado que quase o havia convencido de que ela desejava que ele a arrastasse até lá e fizesse o que quisesse com ela. — Que astuto de sua parte sugerir este lugar —, ela arrulhou.

Ele pensou em defender-se, afinal, ele não estava procurando locais de encontro, mas desistiu.

Em vez disso, ele estendeu o braço e eles caminharam juntos em silêncio.

— Seu marido partiu há muito tempo? — ele perguntou. Apesar de todo o raciocínio de que ela seria uma boa candidata ao casamento, ele sentiu uma estranha relutância em aprofundar a conversa.

— Tempo suficiente —, disse ela, dando-lhe aquele olhar de novo. —Eu mal penso nele.

Bem, se isso não fosse uma mentira, ele nunca tinha ouvido uma antes.

Caminharam um pouco mais, ela dava pequenos passos apertados porque o vestido era tão estreito que a prendia na altura dos joelhos. — Talvez seja melhor eu levar você até lá —, ele disse ao se aproximarem da encosta. — Isso é, se não for criar um escândalo —. Ele olhou de volta para a festa, mas ninguém parecia estar a observá-los.

—Eu não me importo sobre o escândalo —, disse ela. Um idiota poderia dizer que era verdade. Então ele pegou-a e levou-a colina abaixo até chegarem a um banco de ferro forjado sob um grande salgueiro. A árvore pairava sobre a margem do rio, fios verde-esmeralda encontrando a superfície da água e caindo abaixo. Parecia uma velha viúva arrastando seus fios atrás dela.

Mas Imogen estava olhando para ele novamente, toda convidativa. Ewan se sentiu extremamente desconfortável. Isso era pior do que o dia em que a senhora Park, no vilarejo, o pegou roubando ameixas e ameaçou contar a seu pai. Ele limpou a garganta, mas de alguma forma, a proposta de casamento apenas se recusou a pronunciar-se.

Ela inclinou-se para ele e esfregou o seio contra seu braço. Ela era uma mulher bem proporcionada, embora ela se vestisse para que todo o mundo pudesse ver. Então ela começou a correr um dedo sobre o peito dele.

Ele limpou a garganta novamente. Ela olhou para ele, toda ansiosa. A oferta de casamento apenas se recusava a sair.

Então ela falou, e é claro que sua voz era baixa e rouca, como a Prostituta da Babilônia, Ewan não tinha nenhuma dúvida sobre isso. — Esta festa está tão tediosa —, disse ela, deslizando um dedo sob os botões de sua jaqueta e acariciando sua camisa.

— Eu estou gostando —, disse ele sem jeito, tentando não se afastar. Ele não queria ferir seus sentimentos. Ela era tão vulnerável quanto um bezerro recém-nascido.

— Eu não estou —, disse ela, e ela esqueceu aquela insinuação rouca ao falar a verdade. Mas voltou um momento depois. — Eu gostaria muito de te conhecer melhor, Lorde Ardmore. Posso te chamar de Ewan?

Agora, como no mundo ela conhecia seu primeiro nome? Ele mesmo havia praticamente esquecido, ele tinha sido mais Lorde Ardmore nas últimas semanas. — Claro —, disse ele. — E eu gostaria de conhecê-la melhor também.

—Nesse caso... por que não passamos algum tempo juntos? — O sussurro sedoso era quase hipnotizante, assim como aquela mão vagando sobre seu peito.

Ele engoliu em seco. — Claro.

— Bom —. Ela se endireitou. — Eu irei até você, às onze horas. — Ela parecia prestes a levantar-se e sair.

— Espere! — Ele agarrou seu pulso. — Você está dizendo... o que você quer dizer com você virá até mim?

Com uma expressão levemente perversa, ele sentiu a primeira pontada de atração por ela. — Eu irei até você —, ela disse meticulosamente. — Desde que eu não estou vivendo atualmente em uma casa de minha propriedade, embora eu pretenda comprar uma casa na cidade assim que eu tiver um momento sozinha, eu irei até você, e não o contrário.

— Às onze horas —, ele repetiu.

Ela assentiu, bastante profissional agora.

— À noite? — ele esclareceu.

A carranca estava de volta. — É claro. Geralmente estou bastante ocupada, recebendo visitas pela manhã.

— Ah —. Bem. Eles pareciam ter ideias diferentes em mente. —Eu não sou o homem para isso —, disse ele, em vez de se desculpar.

— Não? — Ela parecia atordoada.

— Não. Eu vim para Londres para encontrar uma esposa, você vê.

Agora a carranca era realmente feroz. Na verdade, não era mais adorável, e lembrou-o perigosamente de sua tia Marge, que uma vez quebrou metade de um conjunto de porcelana Spode na cabeça de seu tio.

— Não temos nenhum desejo real entre nós —, disse ele gentilmente.

— Sim, nós temos! — Ela retrucou.

Ewan olhou para o alto da colina, mas não havia ninguém assistindo. Então ele estendeu a mão e inclinou a cabeça para trás, baixou a boca para a dela, e beijou-a. Foi bastante agradável, mas nada mais. Compará-lo àquele beijo que ele compartilhou com sua irmã seria blasfêmia.

— Você vê moça?

Ela olhou para ele. — Se você não quer me levar para a cama, você não precisa fazer uma canção e dançar.

A dor nos olhos dela era tão grande que ele instintivamente colocou um braço em torno de seus ombros. — Não me toque! —, ela gritou. — Há homens lá fora, que estão mais do que ansioso para fazer o que eu desejar.

— Não tenho nenhuma dúvida disso —, disse ele, mas ela se afastou do braço dele.

— Não se atreva a ter pena de mim! — ela assobiou. — O conde de Mayne vai se sair muito bem. Ele não é um escocês fraco. Posso adivinhar por que você viajou a Londres para encontrar uma noiva! É porque todas as minhas compatriotas sabiam que você tinha problemas no quarto, não é? Ouvi que esse tipo de notícia viaja depressa.

— Felizmente não —, disse ele. Mas uma sensação de alarme estava crescendo em seu peito, e ele agarrou a mão dela. —Você não pode se voltar para Mayne; eu o conheci na noite passada.

— Ele me quer —, disse ela, lutando para libertar-se. — Ele me quer e você não, e isso é tudo o que importa.

— Ele é velho demais para você.

Seu lábio se curvou. — Mayne está em seus trinta e poucos anos. Desde que ele foi comprometido com minha própria irmã, eu sei tudo sobre ele. E acredite em mim, em todos os fatos pertinentes, ele está em excelente condição de funcionamento!

— Ele não é velho em idade, mas de outras maneiras —, disse Ewan, sabendo a verdade sobre Mayne sem hesitação. Estava escrito em seu rosto... um homem não chega aos trinta e poucos sem deixar seus escândalos em seus olhos.

— Mayne é um libertino, um homem que dormiu com muitas mulheres. Ele está cansado.

— Ha! — ela disse. — Cansado pode ser, mas garanto que Mayne nunca decepcionou uma mulher.

— E tem havido muitas delas.

— O que significa que será muito mais prazeroso para mim —, ela disse desafiadoramente. —Se você não me soltar, vou gritar.

— Nesse caso, você terá que se casar comigo —, disse ele, e finalmente, as palavras foram bastante fáceis. Essa pobre moça precisava ser resgatada mais do que qualquer gatinho encharcado que ele já tinha retirado do lago. Ela estava desesperada. — Case-se comigo, Imogen. Case-se comigo.

Ela revirou os olhos. — Nunca irei me casar novamente, então você poderia, por favor, soltar a minha mão?

— Não até que você promete considerar se casar comigo.

— Absolutamente não. Liberte-me, por favor.

— Eu vou libertá-la se você vier a meus aposentos, às onze horas da noite —, disse ele.

Suas sobrancelhas se levantaram. — Você mudou de ideia então?

— Uma mulher com tal espírito vale sempre um segundo pensamento —, disse ele, esperando que ela caísse por esse absurdo. O que ela fez. Ele nunca conheceu uma garota mais ingênua. Agora, a única questão era se ele poderia impedi-la de causar algum tipo de prejuízo para a sua alma a partir do qual ela nunca se recuperaria.

— Eu irei aos seus aposentos, mas eu nunca vou me casar com você —, ela disse claramente.

Ele soltou seu pulso. — Eu estou no hotel Grillon’s. Esse é seu primeiro encontro, Imogen? — Como se ele não soubesse a resposta para isso.

Ela ergueu o queixo. — Sim.

Então, ele foi tão bruto quanto ele poderia ser, para chocá-la e pensar sobre o que ela estava fazendo. — Affaires não são como casamentos, você sabe. Você não precisa trazer uma camisola, porque nós vamos dormir nus, é claro. E espero que o seu marido tenha te ensinado como dar prazer a um homem.

Suas bochechas brancas ficaram vermelhas, mas ele não estava com remorso.

— Eu gosto de beijo de Coney, se você me entende, moça. Claro, uma mulher do mundo, tal como você é, não precisará de nenhuma instrução em tais assuntos.

Mas ela tinha mais coragem do que ele lhe deu crédito. —Eu não sei tudo sobre dar prazer a um homem, ou talvez eu não saiba nada —, disse ela.

Ele poderia ter chorado ao ver o olhar em seus olhos.

— Eu estou disposta a aprender.

— Então diga: beijo de Coney —. Ele se inclinou para ela, sabendo o quão grande ele era, deliberadamente pairando sobre ela. —Diga, por que você não diz?

— Não.

— Você sabe o que é um coney?

— Não!

— Então por que não dizê-lo? Vá em frente, diga: Beijo de Coney. — Ele sombreou sua voz com um desejo erótico escuro, dando-lhe um sorriso licoroso, o tipo que o vilão em um melodrama sempre dá à pobre serva.

— Beijo de Coney —. Ela olhou para ele, toda raiva, confusão e revolta.

— Se você está embarcando em uma vida de má reputação, você terá que aprender muitas dessas frases.

Ela saltou para longe e subiu a encosta tão rápido que seus sapatos quase não tocaram no chão.

Tinha funcionado ou não? E se não, o que diabos ele faria às onze horas? Essa foi a ideia mais estúpida que ele já teve.

O que diabos ele deveria fazer?

O JARDIM DE ERVAS

A sabedoria comum dizia que havia poucas coisas mais desagradáveis ??do que ficar cara a cara com uma mulher a quem se tenha abandonado.

Mas o conde de Mayne nunca sentira essa relutância quando se tratava de Tess Essex, agora a feliz Sra. Felton. Na verdade, ele se considerava a parte mais lesada, uma vez que ele tinha despedaçado o que restava de sua reputação quando Felton disse-lhe para sair para que ele próprio pudesse se casar com Tess. Agora todos pensavam que ele era um libertino desprezível, que tinha deixado uma mulher no altar, enquanto Felton era saudado como o cavaleiro que entrou em cena para salvar a reputação e o futuro de uma dama.

E considerando que os Feltons eram nauseantemente felizes, ele achava que deveria levar o crédito pela partida. Na verdade, era incrível como ele parecia deixar um rastro de mulheres felizes no casamento. Primeiro foi a condessa Godwin, e ele considerou um sucesso que ele poderia pensar nela sem estremecer, um ano mais tarde, e agora havia Tess. Ambas eram, por todos os relatos, muito felizes, e não importava o fato de que ele estava se tornando um solteirão permanente.

Desde que a condessa o rejeitou, ele não tinha tido sequer um simples encontro. Nem uma amante. As pessoas não se deram conta disso; às vezes ele não podia acreditar em si mesmo. A esta altura, ele não tinha estado na cama de uma mulher em um ano, e dado o estado apático do seu interesse pelo sexo feminino, provavelmente levaria mais anos.

Tess sorriu enquanto ele beijava as pontas dos dedos dela, e isso o fez pensar sobre como eles se dariam bem como um casal, se o seu melhor amigo não tivesse decidido levá-la embora.

— Sentindo pena de si mesmo de novo? — ela sugeriu docemente.

— Eu poderia ter sido um homem feliz —, ele resmungou.

Ela sorriu e seguiu em frente, os dedos suaves em seu braço. — Eu preciso pedir um favor.

Em sua experiência, quando uma mulher casada lhe pede um favor, é algo que muitas vezes leva a pistolas ao amanhecer. Ainda assim... — Felton tem se comportado mal? — ele perguntou com alguma surpresa. Era positivamente enervante sentar-se com seu velho amigo, a maneira como aquele sorriso estava sempre rastejando em seu rosto.

— Ainda não —, disse ela. — Não, trata-se de Imogen.

— Eu conheci seu namorado escocês ontem à noite. Rafe estava fazendo o seu melhor para convencer o homem a se casar em outro lugar, mas eu entendo que Imogen tem seus próprios planos. Qual é o problema, você não se importa com ele?

— Não é com ele que eu estou preocupada —, disse Tess. —Ela ficaria melhor com você.

Mayne piscou. — Comigo?

— Sim.

— Você está falando de casamento ou algo diferente?

— Algo diferente —, ela disse tão calmamente como se estivesse discutindo um prato de framboesa.

Ele limpou a garganta. —Eu não estou muito certo de como você perdeu esse fato pertinente, querida, mas não sou exatamente a primeira escolha de uma matrona adequada. E, mais precisamente, sua irmã não me escolheu para essa honra.

— Sim, mas você é bastante experiente em tudo isso... — Ela indicou isso com um aceno de mão. — E Imogen...

— O seu marido tem alguma ideia de que você está falando comigo sobre este assunto?

— Claro que não —, disse ela tranquilamente. — Lúcius está muito ocupado com assuntos de negócios.

— Acho que ele ainda estaria interessado em saber que você... você está... — Mas ele não conseguia pensar em uma maneira educada de expressar exatamente o que ela estava sugerindo.

— Deixe-me ser mais clara —, disse ela. — Você não teve uma amante desde que a condessa Godwin voltou para o marido, estou certa?

Ele esperou por aquela pontada azeda de amargura, mas ela não veio. — Eu não tive.

— Imogen não deseja verdadeiramente ter um amante. Mas ela parece deliberadamente autodestrutiva no momento... não sei por que. A esse ritmo, ela vai arruinar sua reputação e arruinar a si mesma. Ela está atirando-se para fora da sociedade. Talvez ela nunca mais seja elegível para o casamento.

— Ah —, disse Mayne. Ele quase podia entender esse tipo de dor.

— Mas quase ninguém toma conhecimento de seus affaires, e se o fizeram, o escândalo parece desaparecer em questão de dias.

— Humph — Não era uma imagem atraente.

Mas ela não parou por aí. — Eu gostaria que você afastasse o conde de Ardmore, por favor. Você pode reutilizar alguns desses elogios que você desperdiçou comigo.

— Tess...

Rápida como um gato, ela se virou para ele antes que ele pudesse expressar todas as razões pelas quais o plano dela nunca iria funcionar. — Você me deve.

Ele abriu a boca, mas ela levantou a mão para detê-lo. — Eu sei que você estava apenas obedecendo Lucius quando você me abandonou, mas a verdade é que você agiu com lealdade para com o seu amigo, e não lealdade a mim, sua noiva. E quando Lúcius pediu-lhe para não me dizer nada, você simplesmente foi embora sem pensar duas vezes. E se eu não quisesse me casar com Lúcius? E então?

—Essa é uma linha absurda de questionamento, porque você quis —. Mas ele não precisou de sua carranca para ver que ela tinha um bom ponto. —Tudo bem —, ele murmurou. — Eu vou afastar o pobre escocês. Ele provavelmente pensa em se casar com ela, você sabe. Eu gostei dele na noite passada, e estou bastante certo de que ele disse que tem que se casar bem.

— Ele vai encontrar alguém.

Outro pensamento atingiu Mayne. — E Rafe? Ele vai me matar.

— Tenho certeza de que vocês dois podem resolver isso entre vocês. Talvez uma luta de socos? — Ela não precisava soar tão condescendente.

— Certo. Uma briga de socos. Talvez eu consiga encontrar Rafe bêbado primeiro e apenas tropece com ele.

Ela deu um tapinha no braço dele. —Vocês homens sabem exatamente a melhor maneira de resolver esses pequenos problemas entre vocês.

— Tess, você percebe o que isso vai fazer a minha reputação, não é?

Ela inclinou a cabeça para o lado e olhou para ele, pensativa. —Imogen é uma jovem extremamente bonita, mas também muito triste. Se você pudesse ter este affaire sem se envolver em nenhuma intimidade, eu ficaria muito grata.

— Isso está fora do assunto. Eu estava apontando que minha reputação vai ser destruída, primeiro por abandonar uma irmã Essex, e depois ter um caso altamente impróprio com uma segunda irmã Essex.

— Sim —, ela disse pensativa. — Mas querido, se você fosse perder sua reputação, você deveria ter notado isso anos atrás, quando desapareceu pela primeira vez. Agora, se você pudesse ir direito ao trabalho, eu ficaria muito grata. Porque até hoje Imogen não chocou ninguém, mas ela tem um brilho nos olhos que eu não gosto.

Mayne suspirou. —E como você interpreta esse brilho?

— Ela tinha esse mesmo olhar quando foi até a casa de Maitland, e a próxima coisa que eu soube foi que ela tinha torcido o tornozelo, e um dia depois que ela fugiu com Draven Maitland, e o diabo o levou mais tarde. Imogen simplesmente não considera a reputação muito importante. Vocês dois devem se dar muito bem.

Isso foi outro insulto, mas Mayne deixou passar. Obviamente, ele estava sendo apontado como uma bala na direção de Imogen, e desde que não havia nenhuma maneira de escapar, ele poderia muito bem ceder.


Capítulo Oito

Mayne descobriu que Imogen estava sentada no banquete ao lado de sua irmã Annabel. Havia uma estranha sensação de isolamento sobre ela. Mayne tinha visto aquilo acontecer antes; ele sabia exatamente o que estava acontecendo. Imogen estava recebendo o gelo da sociedade.

Ele se aproximou e sentou-se ao lado dela. Ela estava comendo torta de pombo, e (felizmente) parecia imperturbável. Algumas mulheres se dissolviam em lágrimas no primeiro desprezo; outros se sentiriam privados se não recebessem pelo menos um gelo ao longo da noite.

— Posso me juntar a você? — ele disse, dando-lhe o sorriso especial que ele reservava para as futuras Chères amies.

— Claro —. Ela parecia indiferente.

— Estou tão feliz em ver que você abandonou o luto —, disse ele suavemente.

— Nesse caso, você ficará desapontado ao saber que o fato de eu estar vestindo preto significa que eu ainda estou de luto.

— Preto combina com você como em nenhuma outra mulher —, disse ele, mostrando a alma em seus olhos. Ela tinha olhos bonitos, com cílios enfeitiçadamente longos. Nos velhos tempos, ele a teria perseguido como um cão farejando uma raposa.

— Na verdade, o preto me deixa pálida —, ela disse. — Mas uma vez que eu disse à minha modista para abaixar o meu corpete, todo homem que encontro parece achar-lhe uma cor satisfatória.

Naturalmente, seu olhar foi automaticamente para os seios dela, e então voou de volta para o rosto zombeteiro dela. — Não havia necessidade de chamar minha atenção para um aspecto tão lindo de sua figura —, disse ele, com apenas um toque de aspereza.

— Na verdade, havia —, disse ela tomando um gole de vinho. — Você não tinha notado, tinha?

— Fiquei fascinado com o arco de cupido da sua boca —, disse ele.

— Frase agradável —, ela disse, obviamente sem se impressionar.

Ele suprimiu um suspiro. Aparentemente, ele tinha perdido seu charme, mas ele não conseguia dar a mínima. Ele poderia relatar o fracasso a Tess, e este pequeno episódio estaria terminado. Afinal, em sua experiência, uma mulher empenhada em mandar sua reputação para as chamas geralmente era bem sucedida. Não havia nenhuma razão para ele se queimar junto com ela.

Mas então Imogen olhou para ele por cima do ombro e disse: — Então, quem o encarregou da minha sedução?

— O quê?

— Você não conhece Annabel bem o suficiente, então o meu palpite seria Tess — Ela deve ter lido a verdade em seus olhos. — Tess! Quem teria pensado que ela poderia parar de pensar em seu marido delicioso tempo suficiente para me dar um pensamento?

O pensamento de Tess e seu marido parecia causar-lhe dor, porque ela tinha uma expressão estranha em seu rosto, como uma garotinha perdida em uma tempestade, e Mayne sentiu diminuir um pouco a sua resolução em fugir.

— Obrigada pela carta que você enviou após a morte de Draven —, disse ela, mudando de assunto abruptamente.

— Lamento ter perdido o funeral. Maitland era um bom homem. E muito bem-humorado —, acrescentou.

— Ele era engraçado, não era? — disse Imogen. — Eu... — Ela olhou para longe dele e bebeu mais um pouco de vinho.

Alguém lhe trouxe um prato de comida. Ele deu uma mordida e se engasgou com sua doçura. Imogen olhou para ele, zombando novamente, e disse: — Na Renascença as especiarias eram a única forma de preservar a carne. Acho que pode haver um monte de noz-moscada nessa comida. As receitas são todas autênticas.

— Deus —. Ele fez sinal para o garçom por vinho. Que também não era muito normal porque havia pequenos objetos flutuantes em seu copo, mas ele poderia viver com isso.

— Quão bem você conhecia Draven? — Ela perguntou isso muito casualmente, como se a resposta não significasse nada para ela, mas Mayne não tinha passado seus vinte anos dormindo com mulheres casadas sem aprender os meandros de uma pergunta casual. Imogen muito provavelmente sabia a resposta; ela só queria falar sobre seu marido. Sua mãe tinha sido assim, depois que seu pai morreu.

— Eu não o conhecia bem —, disse ele, revirando seu cérebro por algum tipo de história que pudesse contar a ela.

— Como vocês se conheceram?

— Nós nos conhecemos em Ascot —, disse Mayne. — Maitland estava correndo ... — Ele fez uma pausa, tentando lembrar.

— Seashell —, disse ela. — Lembra-se? Ele era um castanho que corria como um sonho.

— Isso mesmo —, disse Mayne. — Empolgante, não era?

— Ele deveria ter vencido, mas ele mordeu o jockey no ouvido pouco antes da corrida, e Draven disse que o jockey apagou.

— Mas isso foi muito antes de você se casar.

— Eu conhecia Draven há anos —, disse ela com um sorriso torto. — Ele treinou seus cavalos no estábulo de meu pai —. Então ela olhou diretamente para ele, e ele sentiu como se estivesse sendo atingido por seus olhos: eram tão apaixonados. Passou por sua cabeça o pensamento de que ninguém jamais iria parecer tão insuportavelmente triste quando ele estivesse morto.

— Vamos ter um affaire, então? — ela disse, como se a pergunta seguisse racionalmente a conversa deles sobre o marido morto. — Eu diria que Tess usou o fato de você tê-la abandonado para que você tentasse me seduzir —, disse ela, tão fria quanto uma casa de gelo em julho. — Seria uma pena desperdiçar o pedido dela. E, como isso aconteceu, eu tinha inicialmente considerado você como um companheiro.

Mayne reprimiu um desejo de rir. Ele estava acostumado a escolher suas próprias parceiras, um fato que as irmãs Essex pareciam desconsiderar. — Sim. Bem...

— Além disso, eu me envolvi em um emaranhado que eu gostaria muito de terminar —, disse ela. — Como um homem do mundo e alguém que, no meu entender, teve centenas desses pequenos encontros, tenho certeza que você entende o que estou dizendo.

Ela já estava envolvida com outro homem?

De repente, ele se sentiu feliz que ele não havia se casado com Tess. As garotas escocesas eram demais para sua conservadora alma inglesa. — Claro, eu ficaria feliz em ajudá-la de qualquer forma.

— Bom. Nesse caso, por que você não me leva para casa, porque esta comida não é comestível. Amanhã eu gostaria de começar a procurar moradias. Você pode me acompanhar.

—Acompanhá-la? — A ideia era inconcebível. Ela não tinha ideia das implicações de ele acompanhá-la em tal missão? Ele nunca, em todos os seus anos perdidos, tinha se envolvido em algo tão escandaloso.

Então ela se virou para ele e disse baixinho: — Você não achou que ter um affaire comigo seria uma questão de alguns passeios no parque, não é?

Ele limpou a garganta novamente. Essa mulher tinha um modo de secar as palavras dos outros que ela deveria estar na Câmara dos Lordes.

— Tess provavelmente informou que estou determinada a arruinar a minha reputação —, disse ela, saboreando um dos pequenos objetos flutuantes no seu vinho e, em seguida, cuspindo-o. Pensando sobre isso, ele nunca tinha visto uma senhora cuspir em público. — Eu não vou. Estou simplesmente indo para o inferno, e se você quiser vir junto para o passeio, você pode. Eu vou comprar uma casa, e então vou morar nela, e eu não dou a mínima para o que todo este grupo tedioso de pessoas que se chamam de sociedade tem a dizer sobre isso.

Ele abriu a boca e fechou novamente. De repente, ele viu uma coisa claramente: ele devia algo a Tess.

Mas essa tarefa era hercúlea. Ele tinha que salvar Imogen de si mesma, de alguma forma.

E se ele fizesse isso, se de alguma forma, por bem ou por mal, ele salvasse essa mulher, talvez ele não se sentisse tão... manchado.

Porque ele se sentia. Sentia-se manchado, sujo, pobre e barato, e não valeria a pena falar com ele.

E se ele fosse honesto consigo mesmo, ele estava se sentindo assim há um bom tempo agora. No fundo, não o surpreendeu que a condessa Godwin (a única mulher que ele realmente amara), o tinha rejeitado e voltado para o marido, embora esse marido tivesse uma amante e Deus sabe quais outros hábitos terríveis. Na balança, ele, Mayne, não era melhor que o marido. Mas talvez, apenas talvez, ele pudesse melhorar. Qual era a palavra certa? Penitência.

Confie em mim, ele pensou, para encontrar um trabalho de caridade que envolve a cama de uma mulher bonita em vez de fundar um orfanato. Ele olhou para Imogen novamente. Ela estava pescando pequenos pedaços de casca de laranja e cravos e colocando-os em uma linha reta.

Ela não precisava de cama. Ela só precisava de tempo.

Tempo... agora, isso ele poderia dar para ela.

— Você disse que marcou um compromisso anterior com alguém? — ele disse. Tinha que ser o escocês que ele conheceu na noite passada. Ardmore era um sujeito decente.

Ela assentiu, sem olhar para cima.

— Você precisa dizer a ele que ele está fora.

— Não me diga o que fazer, nunca.

Ele encolheu os ombros. — Eu não caço no território de outros homens.

Por um momento, ela sorriu. — Isso é valioso, vindo de você. A única virtude que você tem além de suas roupas é a sua capacidade de seduzir as mulheres casadas. Minha irmã Tess sempre vai a especialistas quando ela precisa de alguma coisa.

Isso doeu. Aparentemente, ele tinha assumido uma mulher que estava a meio caminho de ser uma cadela delirante e parecia que eles provavelmente estariam juntos por um bom período de tempo. Uma flagelação, é o que seria.

A chave era ser paciente e gentil. Era assim que você deveria se comportar com uma pessoa enlutada. — Na realidade —, disse ele, instruindo sua voz cuidadosamente, — Eu só seduzi mulheres cujos maridos estavam muito dispostos a compartilhar.

Ela deu um pequeno sorriso. — E é por isso que você esteve em tantos duelos?

— Apenas dois —. E como diabos ela tinha ouvido falar sobre eles vivendo nos confins da Escócia? — Quando eu era jovem e estúpido. Então, eu gostaria que você acabasse com meus rivais, por favor, Imogen.

Ela estreitou os olhos. — Eu não lhe dei permissão para usar meu primeiro nome.

— Dadas as circunstâncias, tomei a liberdade. Gostaria de me chamar de Garret?

Ela pensou sobre isso. — Não. Eu prefiro Mayne. Vou escrever uma nota para Ardmore.

— Pessoalmente —, ele esclareceu. — Essas coisas são feitas pessoalmente. Você o fez de tolo, de muitas maneiras, no baile de ontem à noite. Você certamente estragou suas chances de se casar com uma jovem dama adequada. Você pode querer oferecer um pedido de desculpas também.

— Eu vou pedir desculpas quando o inferno congelar —, disse ela irritada. — Você não ouviu o que ele... me disse... ele...

— Assustou-a, não foi?

— Nunca!

— Então ele a ofendeu —, ele adivinhou. — Ardmore não deve ter muita experiência com mulheres carinhosamente criadas que decidem seguir pelo caminho errado. Eu descobri que mulheres casadas permanecem tão suscetíveis e adequadas como elas eram nas camas de seus maridos. É uma das coisas que faz com que os negócios desanimem tão rápido.

Ela atirou-lhe um olhar assassino.

—Eu posso te levar para casa, mas não posso acompanhá-la para procurar casas. Se eu fizesse isso, Rafe provavelmente me mataria, o que é uma possibilidade distinta, mesmo assim. Onde está Rafe?

— Ele ficou em casa, certamente para afogar-se em um barril de conhaque —, disse ela sem emoção.

Mayne tossiu. — Você sempre aponta para a jugular?

— Por que incomodar-se com bobagens? Rafe é um beberrão, e tem sido há anos. Tivemos alguém assim na aldeia. Ele não viverá por muito, a este ritmo.

— Ele não bebe tanto assim.

— Observe-o. Ele o faz.

— Ele não costumava beber em excesso até que seu irmão morreu.

— Talvez eu devesse tomar um conhaque —, ela murmurou.

— Isso vai torná-la gorda e dar-lhe veias vermelhas no nariz.

Ela pareceu impressionada com isso.

— Se vamos fazer isso, podemos muito bem fazê-lo com delicadeza. Sugiro que nós nos juntemos à dança. Mas não pendure-se em mim do jeito que você fez com Ardmore na noite passada.

Ela abriu a boca, mas ele continuou falando. — Sem sutileza. Nada de interessante para a sociedade falar, exceto os excessos de uma prostituta sem vergonha. E essa é uma história tediosa, e contada muitas vezes.

Seus olhos pareciam tão assassinos que ele quase engasgou, mas ele prosseguiu. —Vamos encenar algo bem mais interessante: uma perseguição. Vou persegui-la, e você não vai simplesmente cair em meus braços.

— Por que não?

— Porque você é uma iniciante neste negócio —, disse ele.

— Eu aprendo rápido.

Ele se inclinou e levantou o queixo dela. — Um dos segredos da raça humana, Imogen. Mulheres fáceis são entediantes. Eu nunca levo mulheres tediosas para a cama. Todo mundo sabe disso. Então, você precisa ser um pouco menos acessível do que aparentava ser a noite passada. Estou preparado para lançar longe os últimos fragmentos de minha reputação, mas não estou preparado para que se diga que eu assumi uma mulher tão desesperada que se mostra como roupa no varal!

Ela virou-se um pouco pálida. — Você é bastante direto.

— Nós vamos dançar, e eu vou flertar com você, mas você não vai flertar de volta. Quando a música estiver terminando, vou me inclinar em sua direção e sussurrar algo em seu ouvido. E você vai me dá um tapa, o mais forte que você puder, e em seguida saia para chamar a sua carruagem.

— Você está recuperando minha reputação?

— Apenas para poder tirá-la —, disse ele. — Eu quero ter você: mas eu tenho que transformá-la em alguém que vale a pena primeiro, entende o que eu quero dizer? Depois da noite passada, ninguém acreditaria que eu passaria uma noite com você. Eu tenho o meu próprio tipo de reputação, e se vamos fazer isso crível...

— Eu preciso ser mais atraente —, disse ela categoricamente.

— Interessante —, esclareceu ele.

— Porque mulheres fáceis são entediantes.

— Precisamente.

Imogen estava prestes a dizer-lhe para ir ao diabo, quando a verdade encaixou-se com um choque devastador.

Fácil? Ela não tinha sido nada mais que fácil para Draven. Ela se colocou em seu caminho por anos, caiu de uma macieira a seus pés, caiu de seu cavalo para que ela pudesse entrar em sua casa...

Se ela não tivesse sido tão fácil, talvez ele a tivesse... A verdade a cegou e a fez sentir-se incapaz de respirar.

Ela voltou para Mayne. Ele estendeu a mão e ela se levantou.

Naturalmente, danças antiquadas e complicadas estavam sendo tocadas, do tipo em que você vê o seu parceiro por dois segundos e depois gira nas mãos de outro. Mas Mayne chamou a atenção do líder da orquestra, e um segundo depois, uma moeda de ouro estava confortavelmente aninhada no bolso do homem. O mestre de cerimônias anunciou: — Uma valsa de Franz Schubert!

Imogen fez uma reverência. Mayne se curvou. Ele estendeu a mão e ela pegou. — Não venha perto de mim —, disse ele em voz baixa. — Em algum momento eu vou tentar puxá-la contra o meu corpo, eu gostaria que você resistisse visivelmente.

Ela assentiu. A música soou em torno deles, Schubert em seu tom mais doce e triste. Ele olhou para baixo e descobriu que seus olhos estavam escuros e cheios de lágrimas.

— Não se atreva a chorar! — ele sussurrou. — Isso arruinaria tudo.

— Draven e eu nunca dançamos juntos —, ela disse em voz baixa.

— O que foi uma coisa boa. Você não está mantendo o ritmo muito bem, não é? Essa é a segunda vez que você pisa nos meus pés. Poderia ter sido o suficiente para deixar Maitland sem um dedo do pé.

Felizmente seu queixo se levantou e ela olhou. Ele sorriu para ela, o sorriso de serpente de um homem preparando uma sedução. Pelo canto do olho, viu Lady Felicia Saville, uma de suas menos adoráveis conquistas do passado, de olhos arregalados.

Deliberadamente, ele estendeu sua mão nas costas de Imogen e puxou-a para si. Ela recuou tão firme quanto uma mola e olhou para ele.

— Então, por que você não dança? — ele perguntou, dando-lhe um sorriso tão caloroso quanto ele era capaz.

Ela franziu o cenho para ele. — Porque meu pai não tinha dinheiro suficiente para manter um professor de dança, é por isso!

Ele moveu a mão carinhosamente enquanto a girava, de modo que Felicia pudesse observar. Então ele sorriu novamente, o olhar frio e calculista de um libertino.

— Eu não gosto do seu rosto quando você faz isso —, Imogen disse de repente. — Isso faz você parecer bastante devasso.

— Dando o troco pelo comentário das mulheres fáceis?

— Falando a verdade —. Seus olhos caíram. — Como você, eu suponho.

Felizmente a dança estava chegando ao fim; ele estava se sentindo bastante atingido pelos comentários amorosos de Imogen.

Talvez ele pudesse arrastar-se para juntar-se a Rafe em seu barril de conhaque. Então ele se lembrou de como Rafe ficaria enfurecido quando ouvisse sobre esta dança,

— Tudo bem —, ele disse a ela — Eu vou sussurrar em seu ouvido, e então você me dá um tapa.

Ele se inclinou para ela no momento em que a música parou, afastou seu cabelo para o lado com uma mão suave, sussurrando: — Eu irei até você amanhã, às três horas da tarde.

Ela saltou para trás, os olhos flamejantes. Então ela recuou a mão e bateu-lhe no rosto, empurrando a cabeça dele para trás.

Quando ele se endireitou, ela se inclinou para ele com o sorriso assassino em seu rosto. — Gostei disso —, disse ela. — E quero fazer apenas um comentário —. Seus olhos eram tão afiados que poderiam cortar pedras. — Eu não me importo em bater em você novamente, mas se você pensa que eu faria alguma coisa chamada de beijo de Coney, você está errado!

— Um o quê? — ele disse, mas ela já tinha saído.

Ele realmente gostava de como soava, embora provavelmente era algo que ele conhecia sob um título muito mais pedante.

Talvez algo escocês?

Ele sorriu. Talvez sua penitência não fosse inteiramente desanimadora.


Capítulo Nove

Griselda prometera participar de um baile de debutante da filha de uma amiga, e ficou irritada com a ideia de que teria de atrasar sua partida e acompanhar Imogen ao hotel Grillon.

—Um hotel! — Ela disse que com toda a aversão de uma mulher que nunca entraria em um hotel por sua própria vontade.

Em sua voz, Imogen ouviu o eco do rótulo de Mayne, mulher fácil. — Eu não posso ir sozinha, Griselda —, disse ela com firmeza. — Annabel vinha comigo, mas não é adequado para nós duas  fazermos essa visita sozinhas.

— Claro que não é! — Ela retrucou. — Arrastar sua irmã para um lugar como esse.

— Então, eu estou lhe pedindo. Eu cometi um erro —, admitiu Imogen. —Você estava certa —. Lágrimas brotaram em seus olhos. — Você estava certa sobre Ardmore e eu estava errada, e eu sinto muito. Por favor, me ajude a sair disso, Griselda.

— Eu suponho que você não pode apenas enviar-lhe uma nota —, ela murmurou.

— Mayne disse que não.

A cabeça de Griselda se levantou. — Mayne? Então meu irmão está envolvido nisso, não está?

— Ele é o único que disse que eu tinha que me desculpar com Ardmore pessoalmente —, disse Imogen, uma lágrima escorrendo por seu rosto por toda a humilhação.

— Mayne está sempre certo nesses assuntos —, Griselda disse resignada. — Deus sabe que ele teve anos de experiência. E você colocou o conde em uma posição desconfortável na noite passada. Imagino que Ardmore terá de explicá-la antes que ele possa fazer uma proposta para o pai de uma garota decente.

Imogen engoliu em seco. — Eu não pensei sobre ele.

— Não —. E continuou: — Tudo bem. Estaremos deselegantemente atrasadas para o baile de Lady Penfield e, sem dúvida, vou ter que ouvir sobre isso pelo próximo mês. Ela está tão ansiosa para que o baile dela seja um sucesso. Talvez Mayne possa nos acompanhar... isso garantiria a sua presença. Deus sabe por as matronas ainda  querem ele por perto, mas elas insistem.

— Ele pode se apaixonar algum dia —, disse Imogen, em dúvida, imaginando se existia esta possibilidade. Após a conversa deles, ela não tinha mais a crença de que ele iria se apaixonar por ela.

— Há sempre esperança —, disse Griselda. — Agora, o que você vai vestir esta noite, querida?

— Preto —, disse Imogen.

— Nada com o corpete muito baixo. Você não quer seduzir um homem quando você está implorando seu perdão.

Imogen não queria ver Ardmore novamente, muito menos pedir-lhe perdão, mas ela endireitou suas costas. Talvez ela o fizesse pedir perdão também. Por dizer coisas tão horríveis em sua presença. Aquela horrível... palavra. Seja qual for seu significado.

Às quinze para as dez da noite, Imogen, Griselda e Annabel estavam embrulhadas em seus pelisses contra o frio de uma noite de abril e indo em direção ao Hotel Grillon. Griselda estava preocupada que elas seriam vistas. —Eu nunca entrei em um lugar desse tipo —, ela continuava dizendo.

—É apenas um hotel —, disse Imogen.

— Ninguém fica em hotéis —, retrucou Griselda. — A implicação é que você não tem família na cidade. Ninguém em Londres para ficar! Você é um pária.

— Ardmore não parece ser um pária —, disse Annabel, imaginando como a sociedade o recebera de braços abertos.

— Oh, ele é um homem, com título, e do norte do país. É tudo diferente para os homens. Além disso, ele está claramente em um hotel, porque ele é muito curto no bolso para alugar uma casa na cidade, ou pelo menos uma suíte para a temporada, a sua residência é um dos mais claros sinais de seu empobrecimento. Ninguém ficaria em um hotel em Londres, a não ser que precise: roubos e furtos são comuns, no meu entendimento. Eles vão levar os lençóis de sua cama enquanto você está deitado nela!

— Mas Griselda —, objetou Annabel, — você mesma nos leu aquela notícias sobre o embaixador russo, e ele estava hospedado neste mesmo hotel, se não estou enganada.

— Ardmore não é uma mulher —, disse Griselda. — Para uma mulher ser vista em um hotel é arriscar sua reputação —. A carruagem começou a desacelerar e ela puxou o capuz rosado de sua pelisse, enfiando seus cachos para dentro. — Com sorte, entraremos e sairemos do prédio sem encontrar uma alma. Certamente todos que importam já terão embarcado para sua noite.

— O que alguém poderia pensar que estávamos fazendo, se encontrarmos alguém que nós conhecemos? — Annabel perguntou. — Três mulheres, duas das quais são viúvas, não entram juntas em hotéis para fins nefastos, Griselda.

— Acredite em mim, a implicação é tudo que é necessário! — Ela retrucou. — Viúvas são particularmente vulneráveis ??a este tipo de feiúra. Você sabe quantos gracejos existem a cerca de viúvas luxuriosas? E as baladas! Há uma horrível sobre as viúvas. Algo como: Se você quiser ganhar uma viúva, você deve descer seus calções!— Ela estava ficando cada vez mais agitada, mas a carruagem estava parada agora. Elas tinham tomado uma carruagem de aluguel para que o brasão de Holbrook não fosse reconhecido.

— Espere por nós —! Griselda pediu ao cocheiro. — Não se atreva a ir a qualquer lugar! Vamos levar apenas um momento.

Annabel olhou para o seu sorriso e percebeu exatamente o porquê de três mulheres encapuzadas entrarem em um hotel. Ele claramente pensou que elas estavam a negócios, por assim dizer, —Estou ao seu serviço, senhoras —, disse ele alegremente.

— Rafe vai nos matar por isso —. Griselda gemeu.

Annabel pensou que Rafe teria razão. Ainda assim, o saguão do hotel era lindo, com enorme tetos arqueados e várias peças de estatuária que eram tão finas quanto qualquer outra que ela tivesse visto em qualquer jardim formal.

Griselda agarrou o braço de Imogen. — O que devemos fazer agora?

Imogen balançou a cabeça. — Ele não disse nada. Suponho que tenhamos que ser anunciadas.

Felizmente, uma vez que elas pareciam com um grupo indeciso de caipiras, um homem de aparência oficiosa caminhou até elas. — Agora, então, senhoras, o que posso fazer por vocês?

Havia um tom sombreado em sua voz que sugeria que ele tinha saltado à mesma conclusão que o condutor, pelo menos até que Griselda se ergueu em toda sua estatura, puxou o capuz ligeiramente para trás e lançou-lhe um olhar.

Um segundo depois, ele estava curvando-se tão baixo que seu nariz poderia ter tocado os joelhos, e desculpando-se por mantê-las esperando, e perguntando se havia alguma maneira possível de ele as ajudar.

— Devemos falar com o primo destas senhoras por um momento —, disse Griselda, dando-lhe um sorriso calculado.

— E desde que nós condescendemos até mesmo entrar neste estabelecimento, Sr..—

— S-Sr. Barnet —, ele gaguejou. — Estamos honrados com a sua entrada, minha senhora.

— Exatamente —, ela disse sem se impressionar. — Como eu estava dizendo, desde que nós condescendemos a entrar neste estabelecimento, Sr. Barnet, estou naturalmente preocupada com a consequência de nossa ação precipitada. Portanto, eu pediria que nos fossem mostrados os aposentos do conde de Ardmore imediatamente.

— Eu mesmo farei isso —, disse Barnet.

Griselda deu-lhe um sorriso um pouco maior, e ele começou a caminhar em direção a uma imponente escadaria.

— Sua senhoria tem os melhores aposentos do Grillon —, disse ele, conduzindo-as por escadas de carpete vermelho que eram tão grandes quanto as encontradas no palácio de um duque. — Garanto-lhe, minha senhora, que os hotéis mudaram muito nos últimos vinte anos. Este é um estabelecimento muito respeitável, com apenas a melhor clientela.

— Humph —, foi a única resposta de Griselda.

Um momento depois, elas foram levadas para uma sala de estar pelo criado de Ardmore, que parecia muito feliz em dar as boas-vindas às damas nos aposentos de seu mestre, mesmo senhoras que visitavam inadvertidamente tarde da noite. Uma vez que ele saiu para buscar uma taça de ratafia para Griselda, Annabel jogou o capuz para trás e foi até a lareira, que estava à deriva com convites.

— Esta é uma sala encantadora —, disse Griselda sentindo-se claramente melhor agora que estavam confortavelmente dentro da sala sem terem sido vistas por ninguém de importância. —Muito bom. Eu gosto das primeiras mobílias de Hepplewhite. Annabel, não tire a sua pelisse. Ficaremos por apenas um momento.

Dois segundos depois, o próprio conde caminhava através de uma das cinco portas que levavam à sala de estar. — Que prazer —, disse ele, aparentemente indiferente ao fato de que em vez de uma viúva, empenhada em uma missão de prazer perverso, ele era confrontado por três mulheres, uma das quais era conhecido em toda Londres por sua reputação impecável.

Mas Griselda não ia perder tempo com amabilidades. — Lady Maitland tem algo a dizer para você —, anunciou ela, com o tom peremptório de uma governanta. — E depois que ela disser isso, vamos deixá-lo para a sua noite, e você gentilmente esquecerá que nós já estivemos aqui.

— Ouvir é obedecer —, Ardmore murmurou, mas ele olhou para Annabel e havia um brilho em seus olhos que a fez pensar que ele se lembrava do beijo deles. Ou estava pensando no beijo deles. Ou... Annabel virou-se e examinou um de seus convites como se fosse apaixonadamente interessante.

— Lorde Ardmore —, disse Imogen, avançando para o centro da sala e apertando as mãos, — Desejo informá-lo que não vou prosseguir com o relacionamento que você e eu discutimos.

Ele se curvou, mais graciosamente pareceu a Annabel, que fingia ler mais um convite. — Estou muito feliz em ouvir isso —, disse ele, e o tom em sua voz profunda parecia bastante sincero.

— Excelente —, disse Griselda saindo do canto da sala e tomando o braço de Imogen.

— Eu tenho mais um comentário —, disse Imogen, impedindo Griselda de puxá-la para fora da sala. — Eu não sou tola, lorde Ardmore. Percebi esta tarde que...

Houve uma batida na porta e um gemido quase simultâneo de Griselda.

Seu criado saiu de uma das portas laterais e disse, sem abrir a porta: — Sua senhoria não está recebendo.

— É o Sr. Barnet, senhor —, veio a voz do gerente do hotel, parecendo bastante perturbada. —Temo que seu senhorio tenha um visitante urgente.

— O visitante pode esperar —, disse o criado, depois de um olhar de seu mestre. —Mantenha-o lá em baixo, por favor, Sr. Barnet.

— Sinto muito, mas isso não pode esperar —, respondeu o Sr. Barnet, e para horror de Annabel, a maçaneta começou a girar.

— Deve ser Rafe! — Griselda sussurrou, os olhos arregalados. — Rápido! — Ela puxou Imogen através de uma das portas ao lado da sala.

Ardmore olhou para Annabel e ele deu aquele meio sorriso engraçado de novo, então ela se sentia bastante segura e como se estivesse atuando em um melodrama mal escrito. Ela deslizou para trás da imensa cortina de veludo ao lado da lareira, porque, afinal de contas, é justamente o que uma heroína em um melodrama faria.

Naquele mesmo segundo a porta se abriu.

Não era Rafe.


Capítulo Dez

Havia dois deles, e ambos seguravam grandes carabinas de calvário de aparência assassina. Annabel ficou tão silenciosa quanto pôde atrás das cortinas, observando através de uma abertura. Um deles tinha a arma encostada às costas do pobre Sr. Barnet, e o segundo apontava a arma para o Conde de Ardmore.

Ardmore parecia tão despreocupado quanto no momento anterior.

— Há algo que vocês desejam, senhores? — ele perguntou.

Pareceu que a indiferença de sua voz irritou-os, pois franziram o cenho. Mesmo com um sentimento crescente de medo, Annabel achou interessante. Ela teria pensado que os rufiões dessa natureza tinham os rostos sem barbear e roupas desleixadas, eles praguejariam e cuspiriam no chão. Pelo menos aqueles eram os homens que seu pai sempre indicara serem perigosos.

O Sr. Barnet estava balbuciando um pedido de desculpas, algo sobre ser pego no corredor...

Estes devem ser criminosos de Londres. Eles pareciam cavalheiros, na verdade. Um deles era magro e tinha os cabelos escuros.

Ele estava usando um casaco de veludo, e tinha uma corrente de relógio pendurada em seu colete. Ele sorriu, e ela pode ver claramente que ele tinha todo os dentes.

— Nós nos deparamos com este homem honesto fazendo um pouco de espionagem do lado de fora da sua porta, meu senhor —, disse ele.

Annabel esperava que Griselda não tivesse ouvido esse comentário. — Eu ficaria muito grato se você se sentasse confortavelmente no sofá —, continuou o ladrão. Sua voz era tão educada e respeitável quanto qualquer outra que ela já ouvira. Ainda assim, desde que seu pai tinha treinado suas filhas para falar sem sotaque escocês, era preciso supor que qualquer um poderia aprender a falar como um cavalheiro Inglês.

Ardmore caminhou até o sofá em questão, o seu criado e o Sr. Barnet seguindo quando o segundo ladrão fez sinal com um aceno de sua arma.

—Veja, meu senhor —, disse o ladrão suavemente, —Vou pedir ao Sr. Coley aqui para fazer uma breve busca em seus aposentos.

Annabel ofegou. O Sr. Coley estava indo diretamente para a porta que levava à sala em que Griselda e Imogen haviam desaparecido. Ela esperava que elas tivessem tido o bom senso de se esconder. Ela começou a respirar novamente quando não havia nenhum som, exceto pela batida de um guarda-roupa e o que provavelmente era uma gaveta da escrivaninha.

Annabel podia sentir a raiva crescendo dentro dela. Pobre Senhor Ardmore não tinha nenhum dinheiro e já tinha que ficar em um hotel. E agora estes homens iriam pegar o pequeno fundo que ele tinha, e provavelmente, qualquer joia que ele tivesse também? Sim, eles definitivamente iriam fazer isso.

— Eu vou incomodá-lo pelo seu anel de sinete —, disse o ladrão suavemente. — E qualquer outro enfeite que você esteja usando. Eu odiaria ter de colocar as mãos em um nobre do reino —. Havia algo zombeteiro em sua voz que deixou Annabel ainda mais enfurecida.

Se ela pudesse atacar um dos ladrões por trás, então... Ela deu um passo atrás das cortinas de veludo e olhou em volta. Ela estava de pé em uma janela profunda, que levava a uma sacada, e não havia sequer uma lâmpada que ela pudesse jogar. Mas talvez... a janela estava entreaberta. Ela empurrou-a com a ponta de um dedo e acariciou o balcão.

Abaixo dela estava uma carruagem, cavalos batendo, vapor saindo de suas narinas. Um homem corpulento estava parado na parte superior. Infelizmente, não era a carruagem de Griselda. E como ela chamaria a atenção do cocheiro sem avisar os ladrões?

Ela poderia deixar sua bolsa cair diretamente sobre a cabeça do cocheiro. Mas então ele com certeza simplesmente gritaria alguma coisa para ela, o que faria com que os ladrões percebessem sua presença, e isso levaria apenas à perda de seus brincos.

A única coisa a fazer era gritar. Alto. Então o cocheiro entraria correndo no hotel, e...

A porta da carruagem se abriu e dela saiu uma figura inconfundível, da ponta dos óculos de ópera ao bico fino de seus chinelos: Lady Blechschmidt. Annabel ofegou e recuou da grade.

Lady Blechschmidt era uma das senhoras mais moralistas de Londres, sua reputação de comportamento íntegro apenas correspondida por sua indignação piedosa ao comportamento dos mortais menos prudentes. Além disso, ela era uma das amigas de Griselda, embora até Griselda pensasse que ela era ocasionalmente severa em suas avaliações.

No momento, Lady Blechschmidt parecia estar conversando com seu cocheiro. Ela provavelmente iria mandá-lo embora, e isso seria o fim da possibilidade de Annabel atrair a atenção antes que os ladrões levassem cada centavo pertencente ao conde. Mas se ela gritasse, o que Lady Blechschmidt pensaria de sua presença nos aposentos de Lorde Ardmore? Não era preciso ser um gênio para responder a isso.

Ela entrou na ponta dos pés através da porta e colocou o olho na abertura entre as cortinas. Os ladrões estavam juntos agora e... foi terrível. Mesmo enquanto observavam, o primeiro ladrão riu e disse algo, e Lorde Ardmore, seu rosto tão sombrio que a fez se acovardar ao olhá-lo, começou a tirar a gravata. A gravata? Eles estavam roubando sua gravata?

Então ela ouviu o que o ladrão estava dizendo. —Veja, meu senhor, em minha extensa experiência, descobri que os cavalheiros não me dão de bom grado qualquer coisa que possuam. Pode haver algo em seus bolsos que gostaríamos de levar conosco. Seu casaco vai render uns bons centavos, e o tempo que você levará para cobrir suas roupas íntimas de volta será apenas o tempo suficiente para sairmos do hotel sem problemas. Porque eu não gosto de aborrecimentos, e eu odiaria ter que atirar em qualquer um.

Annabel deu uma olhada no rosto furioso de Ardmore, na maneira como ele jogou a gravata para o sofá, e ela correu de volta para a grade. Sua decisão estava tomada. Ardmore não podia perder tudo o que tinha, até suas próprias roupas para esses vilões. O que ele faria? Como ele poderia encontrar uma noiva rica para se casar sem possuir nem mesmo um casaco? Imogen já tinha acabado com sua reputação.

Além disso, Griselda estava na sala ao lado... certamente sua presença sufocaria a língua afiada de Lady Blechschmidt.

Lady Blechschmidt estava dando as costas ao seu cocheiro. Inclinando-se sobre o balcão, Annabel jogou o capuz para trás e gritou: —Ladrões! Até em cima! Socorro!

Lady Blechschmidt olhou em volta, confusa, mas seu cocheiro corpulento olhou para cima  e correu para o hotel, seguido por dois acompanhantes. Annabel abriu a boca para gritar uma explicação para Lady Blechschmidt, quando uma mão áspera caiu sobre seu ombro e puxou-a para trás tão rapidamente que ela deixou cair sua bolsa. O que significava que, pelo menos, os ladrões não poderiam roubar o lenço dela.

O homem praticamente jogou-a na sala de estar. Ela girou através da sala e estava prestes a bater no chão quando um par de grandes mãos agarrou-a e o conde a puxou de volta contra seu peito.

— Ele tinha uma joaninha na sacada —, rosnou o segundo ladrão.

— Nós deveríamos ter revistado todo o maldito apartamento —, disse o primeiro ladrão, não soando mais tão cavalheiro. — Tinha que haver uma razão para que o maldito idiota está ouvindo atrás da porta —. Ele apontou sua carabina para Ardmore. — Não tente qualquer heroísmo, meu senhor.

Em seguida, eles foram embora, antes que Annabel pudesse sequer piscar.

—Você está bem? — Lorde Ardmore perguntou, virando-a para ela e sorrindo, apesar de todo o seu dinheiro e seu anel terem sido levados. Sua voz não tinha um traço de inquietação... tinha o mesmo sotaque escocês rouco que...

Ela fechou os olhos. — Sua roupas! — ela gemeu.

As mãos dele deixaram seus ombros e ela ouviu sua voz profunda dizer: — Jogue-me minhas calças, Glover —. Ao mesmo tempo, a porta se abriu e ela ouviu homens correndo pesadamente no corredor. Mas suas mãos não caíram de seus olhos até que ela ouviu os tons ácidos de Lady Blechschmidt no corredor, exigindo uma explicação para tudo isso.

Annabel soltou as mãos. Felizmente, o conde tinha suas calças. Ele estava justamente vestindo uma camisa, e ela não pode deixar de notar que seu peito parecia com o das estátuas de deuses romanos que ela tinha visto no museu britânico na casa Montagu, todo ondulado com músculos grossos, estreitando-se a uma cintura tesa.

Mas o mármore branco e imóvel parecia muito diferente da pele dourada, polvilhada com a sombra mais fraca de cabelo...

Ele olhou para ela, e ela sentiu um rubor crescendo em suas bochechas. Em seguida, a camisa desceu sobre a cabeça, e o cocheiro de Lady Blechschmidt entrou na sala, dizendo: — Eles pegaram dois homens lá embaixo com alguns anéis e coisas.

Annabel engoliu em seco. Tinha acabado. Quase. Lady Blechschmidt estava olhando para ela, e havia um franzido entre as sobrancelhas. — O que você está fazendo nestes aposentos, jovem? — ela disse. Havia um tom de gelo em sua voz que fez Annabel estremecer.

Mas ela ergueu o queixo. — Nós fizemos uma visita...

Lady Blechschmidt interrompeu. — Nós?

Annabel ofegou. — Imogen! Imogen, você está bem? — Ela correu de volta para a porta que levava ao quarto de Lord Ardmore e abriu-a. O quarto estava vazio. A porta do guarda-roupa estava aberta, o braço de uma camisa pendurada na prateleira. A gaveta da pequena escrivaninha tinha sido jogada no chão.

Havia apenas um lugar possível para elas estarem. Ela caiu de joelhos e levantou a pesada colcha que pendia para o chão em três lados da cama. —Griselda? Imogen?

Com certeza, algo estava se movendo na escuridão. —Annabel, é  você?— Imogen guinchou.

— Saia, querida, está tudo acabado.

Um segundo depois, Griselda e Imogen saíram em disparada.

— O que aconteceu? — Imogen chorou, ao mesmo tempo em que Griselda olhou para si e percebeu que ela estava coberta de poeira e pedações de algodão perdidos do colchão. Seu grito foi muito mais alto do que a pergunta de Imogen.

Lady Blechschmidt apareceu na porta em um momento. — Lady Griselda! — disse ela, parando tão rapidamente que o conde esbarrou em suas costas.

— Estão todos bem? — ele perguntou, olhando para o quarto por cima da cabeça de Lady Blechschmidt. —Você não estão feridas, estão?

— Tudo bem! — Griselda disse em um grito. — É claro que não estou bem, você, você seu... palerma! Olhe para mim! Eu deveria estar na festa de Lady Penfield horas atrás e...e olhe para mim! — Uma onda de poeira pendia do botão de sua pelisse; ela estava coberta com uma fina camada de sujeira marrom-esbranquiçada, e havia uma enorme mancha em uma de suas bochechas onde ela claramente tinha se apoiado no chão.

O Sr. Barnet entrou na sala atrás do conde. — Você! — Griselda disse, apontando para ele com um grito crescente. — Isto é tudo culpa sua! Como você ousa permitir que ladrões entrem na sala quando estávamos lá. Como você se atreve!

— Eles tinham uma arma nas minhas costas —, disse o Sr. Barnet nervosamente, esfregando as mãos.

— Eu terei sua posição —, disse Griselda, avançando sobre ele. —Eu vou ter a sua posição devido à sujeira extrema deste hotel, se não por colocar a mim e às minhas protegidas em perigo extremo.

— Mas exatamente o que você e suas protegidas estavam fazendo nos aposentos de um cavalheiro a esta hora da noite? — Lady Blechschmidt perguntou. — Eu não esperava tal comportamento de você, Lady Griselda.

— Nada desagradável! — Griselda disse, afastando-se do infeliz Sr. Barnet. —Acho difícil acreditar que você implicaria tal coisa depois de nossos longos anos de convivência.

— Desde que eu fui a responsável por interromper o roubo em andamento —, Lady Blechschmidt observou: —Acredito que me deva uma explicação razoável.

— Não devo nada a você —, Griselda disse magnificamente. — Se você não pode me respeitar o suficiente para aceitar sem pensar por um segundo que eu nunca iria me envolver em uma ação imprudente, então já não somos amigas!

— Minha carruagem quebrou no caminho para o baile —, disse o conde, dando um passo à frente. — Lady Griselda e suas protegidas apenas me trouxeram para o hotel, quando fomos capturados por homens armados.

Lady Blechschmidt olhou para ele. —Eu sei quem você é —, disse ela lentamente. —Você é aquele escocês que fez uma exposição de si mesmo na pista de dança. Você é, ou foi, considerado uma espécie de captura.

Ele se curvou. —A seu serviço.

Ela voltou-se para Griselda. —Embora eu tenha a maior simpatia por sua situação, Lady Griselda, e particularmente pelo estado deplorável de suas roupas no momento, gostaria apenas de notar que a presença destas moças, uma das quais —, ela apontou para Imogen, que estava tentando tirar a sujeira de seu casaco e só fazendo parecer pior, —causou um escândalo, apenas duas noites antes com este homem em particular, é suspeito. É tudo que direi sobre isso. Não farei nenhuma suposições, vou simplesmente... — Ela vacilou e recuou quando Griselda avançou em sua direção. Normalmente, Griselda parecia um exuberante anjo feminino, em vez do arcanjo vingador Miguel. Mas no momento, o rosto dela era tão frio que seria necessário uma pessoa mais forte do que Lady Blechschmidt para resistir a ela. — Emily Blechschmidt —, disse ela com os dentes cerrados, —se você disser uma palavra sobre esta noite, ou se um de seus criados alguma vez murmurar algo a um amigo, haverá um inferno a pagar!

Lady Blechschmidt riu nervosamente. — Bem, eu dificilmente penso que diria qualquer coisa, mas quanto aos criados, você sabe o que...

— Nem sequer termine a frase —, Griselda retrucou. — Seus criado são tão bem treinados quanto os meus. Você vai garantir que eles não digam nada, por favor!

— Eu certamente não sei por que você está levando tanto isso em afronta! Naturalmente, vou advertir os servos para não compartilhar nada desta noite incomum. Eu particularmente os direi para ignorar o fato de que a senhorita Essex estava na companhia do conde, que estava despido, enquanto você estava escondida sob a cama em um quarto completamente separado!

Mas os olhos de Griselda se estreitaram. — O que você está fazendo aqui? — Ela exigiu.

—EU?— Lady Blechschmidt disse indignada. —Meu cocheiro apareceu aqui para resgatar seus amigos desses bandido, e...

— O que você está fazendo no hotel  Grillon?— A voz de Griselda estava muito mais calma agora, mas ainda sem remorsos, e Annabel, segurando firmemente a mão de Imogen, pensou ter visto a sombra de um sorriso. — Você deveria está no baile de lady Penfield, assim como eu.

— Estive no baile de lady Penfield, e foi lamentável. Saí com dor de cabeça...

— Você saiu com uma dor de cabeça —, Lady Griselda disse, — e, em seguida, de alguma forma você terminou no hotel Grillon? Realmente, Lady Blechschmidt, você me surpreende.

O quarto ficou tão quieto que Annabel ouviu sua própria respiração.

— Vou garantir o silêncio dos meus criado —, disse Lady Blechschmidt. — Peters! — O cocheiro dela apareceu do quarto ao lado. —É hora de ir para casa.

E ela saiu da sala um momento depois, sem mais despedidas, pedido de desculpas ou comentários.

Griselda virou-se para o infeliz Sr. Barnet. — Vou voltar amanhã —, ela anunciou. —Vou voltar amanhã falarei com o proprietário deste hotel, que acredito ser um conhecido distante do tio do meu marido. Um Sr. Reardon, não é?

O Sr. Barnet estava piscando rapidamente. — Eu lhe asseguro, senhora, que...

— Não tenho mais nada a dizer para você —, ela retrucou. — Imogen, Annabel. Sigam-me para a carruagem, por favor. E coloquem seus capuzes!

Obedientemente Annabel e Imogen levantaram os capuzes e seguiram a sua acompanhante. Para alguém que costumava passear de modo a acentuar suas curvas inteiramente femininas, Griselda poderia perseguir como o melhor tipo de anjo vingador quando ela desejasse.

Na carruagem, ela sacudiu uma mecha de poeira de seu casaco e disse: —Esta noite nunca aconteceu. Entenderam?

Annabel assentiu.

Imogen disse, —Eu sinto muito, Griselda...

Mas Griselda a interrompeu. —Nunca. Fale. Comigo. Sobre. Isso. Novamente.

Annabel trocou olhares com sua irmã. Imogen apertou a mão dela, e se inclinou. — Eu estava tão assustada por você —, ela sussurrou. — Eu não me importo nem um pouco com a minha reputação, e sou uma viúva de qualquer maneira. Mas você...

O próprio pensamento fez a garganta de Annabel apertar. — Tivemos sorte —, ela sussurrou de volta.

— Mal posso acreditar. Pensei que não haveria como escapar de Lady Blechschmidt.

Annabel olhou com carinho para sua acompanhante, que estava sentada com os olhos fechados, como se o esforço de permanecer em pé fosse levá-la a desmaiar. — Tenho a sensação de que Griselda geralmente consegue o que quer, não é?

Imogen sorriu e apertou a mão dela.

Quem, senão Griselda, poderia salvar Annabel de uma situação em que um dos membros mais pudicos da sociedade entrou em um quarto de dormir para encontrar Annabel em companhia de um conde meio vestido? Ela havia trabalhado um milagre. Até que o milagre parou de funcionar.

––––––––


Capítulo Onze

O golpe foi dado, como as más notícias geralmente acontecem, através do Bell’s Weekly Messenger, uma folha de fofocas entregues pontualmente às oito horas de todas as manhãs de quinta-feira.

O mordomo do duque de Holbrook, Brinkley, aceitou a folha das mãos de um entregador e caminhou em sua forma ponderada de volta à sua sala, onde pretendia passar a ferro a folha de fofocas e entregá-la fresca e nova ao lado da cama de Lady Griselda, acompanhado por uma rica xícara de chocolate quente e um biscoito sem manteiga, já que sua senhoria seguia uma política um tanto irregular destinada a reduzir seus quadris. Mas depois de um olhar para a folha, ele quase queimou a folha de jornal com seu ferro.

Brinkley não teria ficado surpreso se o artigo tivesse falado de Lady Maitland. Toda a família ouvira falar do estado em que ela voltou para casa na noite anterior: sua roupa suja, de acordo com sua criada, bastante coberta com manchas, como se ela estivesse deitada no chão. As implicações dessa declaração eram demasiado escandalosas para serem toleradas, e Brinkley achara necessário dar uma bronca a todos os membros da casa que ouviram falar do assunto.

Por um momento ele parou, com as mãos tremendo em uma consternação atípica. A nota não mencionava Lady Maitland. O que significava que havia dois escândalos à espreita para perturbar a paz da casa.

Deveria levar para o mestre, embora ele nunca se levantasse antes do meio dia, e provavelmente teria uma dor de cabeça terrível por causa do conhaque que ele bebeu na noite anterior. Brinkley tomou a precaução de mandar o cozinheiro fazer um preparado restaurador para levar com ele.

Assim, com uma bandeja de prata carregada com uma bebida suave e um jornal recém dobrado, Brinkley entrou nos aposentos escuros do mestre.

Ele foi saudado por um gemido. — Quem diabos está aí?

— Brinkley, vossa Graça —, disse ele, desviando os olhos enquanto o mestre se desvencilhava de um emaranhado de lençóis de linho. Ele estava dormindo nu. — Lamento muito incomodá-lo.

— O que você está fazendo no meu quarto? — o duque finalmente disse, meio grogue. — A casa está em chamas? — Ele deve ter pensado que sua cabeça estava em chamas, do jeito que a estava segurando.

Brinkley sentiu um lampejo de simpatia. Ele estendeu a bandeja. — Bell’s Weekly Messenger chegou —, disse ele, em um tom de melancolia adequado.

— Mande-o para o inferno —, disse o duque, recuando e puxando um travesseiro sobre sua cabeça. —Você perdeu um parafuso. Leve-o para Griselda.

— Sua Graça vai querer ver o  noticiário pessoalmente.

— Não, eu não vou —. O mordomo esperou. Depois de alguns momentos o travesseiro caiu para o lado e o duque arrancou o papel de sua bandeja. —Abra essas cortinas, Brinkley.

Ele recuou as cortinas. Sua Graça estava olhando, de olhos vermelhos, para a folha de fofocas. —O que diabos eu deveria estar olhando? — Ele demandou. —Não que eu possa compreender a forma como eles  expressam as coisas.

Era verdade que o duque nunca prestou atenção a fofocas. Infelizmente, o resto de Londres decodificaria precisamente a quem estava sendo referido. — O segundo item na coluna da direita, Vossa Graça —, disse ele.

Holbrook olhou para ele. —Malditção essa minha cabeça...

Uma certa senhorita de cabelos dourado Srta. A. E.... —Suponho que seja Annabel — ... foi descoberta com um certo conde de cabelos vermelhos, em seu quarto... —Bobagem! Mentiras puras! Annabel estava em um baile com Griselda na noite passada.

A boca de Brinkley torceu em simpatia. O mestre fizera o melhor que podia como guardião de quatro garotas sem dinheiro, e não era culpa dele que elas se tornaram o tipo de moças que criam escândalos com a facilidade com que outras damas bordam lenços.

Rafe continuou a ler em descrença absoluta. —...estando ele, como se costuma dizer, totalmente nu, e ela implorando para que seu 'relacionamento' não continue. Estamos felizes em informar que o cavalheiro estava perfeitamente aquiescente em seu apelo e se comportou com toda a cortesia apropriada à infeliz  situação. Nós que ficamos à margem da sociedade não podemos deixar de desejar que os senhores intitulados do norte não se afastem de suas montanhas; essa pessoa em particular teria se envolvido em um comportamento escandaloso na semana passada com um parente próximo da Srta.  A. E....!

— Que vão para o inferno! — Rafe gritou, jogando o jornal o lado. —Um monte de mentiras infames, falsificadas para vender o papel. Vou ter suas peles!

Ele olhou para Brinkley, que estava segurando uma caneca. A simples visão dela fez o suor brotar em sua testa, e beber o fez tremer todo. Mas depois de um momento, a dor diminuiu e ele foi capaz de abrir os olhos sem ver diabinhos dançando. —Tenho que cortar o conhaque —, ele disse para si mesmo. Mesmo que o próprio pensamento do escândalo se formando nas páginas desse maldito papel de fofocas tenha sido o suficiente para fazê-lo desejar uma bebida, não importa que fosse de manhã.

— Tenho que falar com Griselda —, disse ele, cambaleando um pouco quando saiu da cama. — Onde diabo foi Griselda? Todas elas não saíram juntas para algum baile de debutantes na noite passada?

Brinkley assentiu.

— Bem? — o mestre rugiu. — Elas voltaram juntas, ou não?

— Elas estavam certamente juntas —, disse Brinkley com dignidade. — Todas as três senhoras voltaram para casa em uma hora perfeitamente respeitável... Eu acredito, em torno de meia-noite.

— Um erro —, disse Rafe, arrastando a mão trêmula pelo cabelo. — Deve ser uma outra senhorita A. E., farei com que eles publiquem uma retratação. Vou queimar seus escritórios. Vou processá-los por calúnia.

Brinkley não achava que essas ideias resolveriam o dilema diante deles, mas ele continuou mudo. — Seu valete está a sua espera para um banho, Vossa Graça —, disse ele suavemente. — Enquanto isso, pedirei à criada de Lady Griselda para entregar-lhe o folhetim. Estou certo de que sua senhoria vai querer falar com você sobre esse infeliz dilema.

Sua Graça havia caído para o lado da cama e estava sentado com a cabeça entre as mãos. Brinkley acenou silenciosamente para o criado, e saiu do quarto com gratidão.

EWAN TINHA LEVANTADO A ALDRAVA duas vezes antes de a porta ser aberta por um mordomo distraído que deu uma olhada em seu cabelo ruivo e abriu a porta. — O conde de Ardmore —, Ewan disse a ele, mas o mordomo já o conduzia para uma sala de estar.

— Posso lhe trazer alguma coisa, senhor? — ele perguntou. — Algum refresco, talvez? Uma xícara de chá? Receio que Sua Graça tenha acabado de acordar e ele não será capaz de cumprimentá-lo por pelo menos meia hora.

— Eu não desejo ver Sua Graça —, disse Ewan de maneira suficientemente agradável. —Eu vim para ver a senhorita Essex, e eu ficaria grato se você a deixasse saber disso.

— Oh, mas...

— Senhorita Essex —, disse ele com firmeza. O mordomo parecia ainda mais exausto, mas Ewan era um homem habituado a fazer seu próprio caminho. — Imediatamente —, acrescentou.

— Senhorita Essex —, disse o mordomo, — ainda não viu o jornal em questão, meu senhor.

Ewan sorriu. — Tanto melhor —, disse ele. — Então, posso contar com você para chamá-la a esta sala sem revelar a existência desse artigo ignorante?

O mordomo pareceu erguer uma orelha em direção ao andar superior, mas Ewan não conseguia ouvir nada. — Lady Griselda pode ter informado a jovem —, disse ele finalmente. — Vou verificar se é esse o caso. Talvez a senhorita Essex se junte a você, com sua acompanhante, naturalmente.

Ewan agarrou o braço do mordomo. — Sem a acompanhante.

Os olhos do mordomo se arregalaram.

— Tarde demais para isso —, Ewan disse alegremente, o que provavelmente confirmou os piores pensamentos do homem sobre Annabel, mas ele não poderia ajudar.

O mordomo se foi, Ewan sentou-se e pensou em coisas mundanas como as jutas e o trigo que brotava, e (incidentalmente) como era muito bom ter uma licença especial no bolso e todo esse negócio de conseguir uma atraente esposa a caminho de ser resolvido.

Annabel entrou pela porta da sala de estar vinte minutos mais tarde, bem consciente de que algo estava terrivelmente errado. Por um lado, o ataque de histeria de Griselda podia ser ouvido em toda a casa. Por outro lado, ela ouvira Rafe berrando também. Nas raras ocasiões em que Rafe se levantava antes do meio dia, ele certamente nunca levantava a voz. Assim, o que quer que tenha ocorrido, era grave o suficiente para superar a dor de cabeça matinal de Rafe.

A aventura da noite anterior havia surgido de alguma forma. Talvez elas estivessem todas  arruinadas. Ou talvez só ela estivesse arruinada, tendo sido encontrada em um quarto de hotel com um nobre escocês semi-vestido.

Quando ela recebeu a mensagem de que o Conde de Ardmore estava lá embaixo, Annabel estava sentada em sua penteadeira, reunindo coragem para descobrir que ela não era mais uma candidata a casamento para qualquer inglês decente.

Ardmore estava perguntando por ela. Não por sua guardiã, mas por ela.

Ela passou anos e anos sonhando em sair da Escócia. Sonhando em deixar toda a pobreza e a desgraça para trás, e vim para Londres com sua beleza e suas curvas exuberantes e negociando-as por um homem que iria mantê-la em seda para sempre. Um homem de amplos meios e que não tivesse nada a ver com cavalos. Isso era tudo o que ela queria.

Parecia que tinha sido demais.

Sentiu-se entorpecida. Certamente, ela poderia sobreviver a isso. Talvez o conde não tenha afogado todo o seu dinheiro nos estábulos.

Afinal, ele reuniu o dinheiro para vir para a Inglaterra procurar uma esposa. Seu pai nunca tinha sido capaz de dar-lhes a temporada que ele falou.

Ela abriu a porta da sala de estar tão silenciosamente que o conde não a ouviu. Ele estava parado do outro lado da sala olhando para uma paisagem de Constable. Ele era alto. Ela sabia disso, mas por alguma razão parecia importante observar suas características. Alto, na verdade, não foi a primeira coisa que veio à mente quando ela o viu: Ardmore era, na verdade, mais poderoso do que alto, com ombros largos e pernas que pareciam troncos de árvores. Pelo menos ele está recebendo o suficiente para comer, Annabel pensou sem humor. Na verdade, se as coisas se tornassem particularmente desfavoráveis, ele poderia sempre trabalhar como trabalhador diário. Mesmo esse pensamento não a fez sorrir.

Seu cabelo era de uma cor castanho-avermelhada, como folhas de outono ficando marrom, e ele subia em seu pescoço. Ele estava vestindo preto, como fizera nas duas vezes em que o vira. O preto tinha suas virtudes, ela pensou tristemente. Podia ser virado e revirado, e as costuras nunca mostravam que eles tinham sido tingidos.

Ela entrou na sala. —Bom dia, Lorde Ardmore.

Ewan virou-se. Por um momento, pensou que a irmã errada tinha vindo encontrá-lo, mesmo que não parecessem nada iguais. Certamente, era Imogen que tinha os olhos tão tragicamente infelizes, que parecia que ela esteve segurando-se para que não caísse em lágrimas. Annabel era aquela cujos olhos dançavam com humor, que rira de sua proposta de casamento.

— Annabel...— Ele pegou a mão dela. Estava fria como gelo.

Ela puxou a mão suavemente da dele e fez uma reverência. Em seguida, cruzou as mãos diante dela e esperou.

E o que diabos ela estava esperando? Obviamente, o mordomo estava errado e ela havia lido aquela coluna de fofocas ignorante. Ele deveria começar com uma proposta? Ela parecia tão pouco convidativa. E ainda...

— Receio que o Sr. Barnet tenha fugido do hotel —, disse ele finalmente.

Ela piscou para ele.

Deus, mas ela era linda: todos os cachos macios e ondulados de um ouro que não tinham nada a ver com as cores agressivas que as pessoas costumam atribuir ao metal. Este era o ouro real: cachos dourados, suaves, sensuais, que combinavam com a pele cremosa de uma escocesa. E seus olhos... eles eram bonitos. Quase adoráveis demais para falar, como se o bom Deus tivesse feito aquele azul esfumaçado só para ela e depois jogado fora a caixa de tinta. Eles inclinavam-se um pouco nos cantos, e os cílios varriam sua bochechas...

Ele afastou sua mente daquele absurdo.

— Sr. Barnet, o gerente do hotel —, explicou ele.

— O que tem ele?

— Ele foi a pessoa que forneceu ao Bell’s Weekly Messenger as informações sobre os eventos da noite passada —, ele explicou. — Ele estava bisbilhotando, e temo que, ao perceber que iria perder a sua posição devido à ira de Lady Griselda, não havia nenhuma razão para que ele não vendesse as informações.

— O Messenger —, disse ela estupidamente. — Então, essa era a fonte.

Ele se aproximou e parou diante dela. — Nós vamos ter que colocar esse papel desagradável fora de nossas mentes, moça. Temos uma vida para começar juntos, e esse tipo de feiura não deve fazer parte disso.

— Claro —, disse Annabel. — Isso faz muito sentido. — Ela poderia ler o artigo mais tarde. No momento... ela só queria que ele fizesse sua proposta para que ela pudesse retirar-se para o seu quarto e chorar. Ela não chorava desde a morte do pai. Nem mesmo quando Imogen fugiu, nem quando Draven morreu. Mas esse pareceu o momento para voltar ao hábito.

Ele tomou-lhe as mãos. Vá em frente, pensou Annabel. Vamos logo com isso!

Mas ele não o fez.

Depois de um momento, ela levantou os olhos e olhou para ele. Ele tinha olhos interessantes: profundos e verdes. Eles o faziam parecer bastante diferente dos brilhantes ingleses que ela havia conhecido recentemente, e mais como os antigos fazendeiros que costumavam ser os inquilinos de seu pai, antes que ele vendesse todas as terras, exceto as pastagens de cavalos.

— Annabel —, ele disse, — Não espero que você queira se casar comigo.

É verdade, ela pensou. Ela olhou para as botas dele. Elas estavam muito bem polidas, pelo menos.

Ele suspirou e, quando falou, sua voz adquiriu um sotaque escocês ainda mais profundo.

— O que está feito está feito. E eu não posso fingir que estou infeliz com isso, porque eu acho-a muito bonita.

Annabel mordeu o interior de seu lábio. Ela sempre pensou em sua beleza como um presente de sua mãe. O presente que iria tirá-la da Escócia e de uma vida de pobreza. — Estou muito feliz em ouvir isso, Lorde Ardmore —, disse ela.

Ewan não sabia o que fazer. Sua voz estava completamente sem vida. Ela não encontrava os seus olhos por mais de um momento. — Eu sou um negócio tão ruim, Annabel?

— Claro que não —, disse ela. Mas, em seguida: — Eu não li o artigo. Por favor, não me entenda mal, mas há alguma maneira de que minha reputação possa ser recuperada sem medidas tão drásticas?

Ele balançou a cabeça. — Para dizer a verdade, até mesmo o nosso casamento pode não acabar com o escândalo. É uma coisa boa, estou pensando, que a Escócia fica a uma boa distância de Londres. Podemos deixar todo esse fervor morrer. Veja bem, o Sr. Barnet confundiu a senhorita Imogen com você, e entendeu que era você pedindo para terminar a nossa ligação, e então quando isso foi colocado junto com o meu estado desgrenhado...

Ele não precisava continuar. Ele provavelmente estava certo sobre a necessidade de desaparecem na Escócia.

Annabel experimentou um pequeno momento ao acreditar que ela choraria a cada passo do caminho. Ela respirou fundo. — Nesse caso, tem algo que você gostaria de me perguntar?

Ele pegou as mãos dela novamente. —Eu gostaria de me casar com você —, disse ele lentamente. —Eu gostaria que você viesse comigo para a minha propriedade, para ser minha esposa e mãe dos meus filhos, para viver comigo, na riqueza, na pobreza, na doença e na saúde.

Annabel lutou contra um desejo selvagem de fugir. De alguma forma, seus chinelos ficaram pregados ao chão. —Sim —, ela sussurrou.

Ele soltou as mãos dela e puxou um grosso pedaço de pergaminho do bolso interno do casaco. — No momento em que li aquele pedaço de papel, acordei um bispo e obtive uma licença especial —. Ele deu-lhe um sorriso repentino. — Eu tive que mostrar a ele o Messenger, mas depois disso ele concordou que a situação era bastante urgente.

Ela assentiu.

— Mas eu gostaria de lhe pedir um favor —, disse ele.

— Desde que você está me salvando de uma vida de desgraça —, disse ela, fazendo uma tentativa vã de soar divertida. — Eu deveria pensar que você pode pedir muitos favores e eu os concederei.

Ele ignorou sua lamentável tentativa de humor. — Com sua permissão, eu gostaria de deixar esta licença especial sem uso.

— Sem uso? — Ela franziu o cenho para ele.

— Veja, moça, eu acho a ideia de se casar de um modo tão ateu, bastante desagradável. Mas se deixarmos todo esse pessoal de Londres com a impressão de que realmente nos casamos, e viajarmos para a Escócia... talvez poderíamos nos casar lá, há uma igreja nas minhas terras, e um padre que vive lá. E significaria muito para mim se o Padre Armailhac pudesse nos casar.

— Será necessário correr os proclamas?

— Não. Nós vamos ter uma cerimonia de união de mãos, uma celebração escocesa antiga. É uma cerimônia simples perante os amigos, embora Padre Armailhac torne isso um verdadeiro ritual.

— Eu não tenho um dote —, Annabel disse de repente.

— Eu ouvi exatamente o oposto.

Seu coração afundou. Ele achava que ela era rica. Eram os presentes de Rafe, plumas finas dadas a um pavão que mal tinha uma camisa própria. Ela não tinha coragem de falar ou olhar para ele. Entre elas, ela e Imogen o arruinaram.

Na verdade, ambos estavam arruinados. Seus sonhos de um noivo fino e rico foram roubado dela por casualidade, pela tolice de Imogen e a intervenção de um par de ladrões. Os sonhos dele de uma noiva rica foram roubados pelos mesmos fatores.

— Sinto muito —, disse ela finalmente. — Você está enganado. Eu não tenho um dote.

— Milady’s Pleasure?— ele perguntou, levantando o queixo dela.

— Oh, Milady’s Pleasure... eu tenho um cavalo. Mas não tenho dote. Não um dote adequado.

— Vamos fazer sem isso —, disse ele.

Tinha que ser dito. — Eu realmente sinto muito que minha irmã e eu tenhamos feito você passar por tudo isso —, ela disse, colocando a mão em seu braço. — Se não fosse por nós, você teria encontrado uma jovem senhora com um dote formidável. Uma herdeira. Nós destruímos as suas esperanças.

— Mas eu te pedi para casar comigo antes mesmo de tudo que aconteceu —, ele disse a ela.

Ele realmente tinha olhos notáveis, especialmente quando sorria. Seus olhos sorriam mais que sua boca.

— Você pensou que eu era uma herdeira —, ressaltou.

— Não, eu não tinha essa ideia. Só gostei de seu rosto, e essa é a verdade.

Annabel pensou sobre o fato de que ela estava usando um vestido que custava mais do que o salário anual de um trabalhador, e que ela usava pérolas nas orelhas e em torno de seu pescoço (um presente de Rafe).

Ardmore teria todos os motivos para esperar um dote notável.

Mas ele falou primeiro. — As pessoas têm falado sobre dotes desde que cheguei a esta cidade ignorante. Eu lhe asseguro que haviam fatores muito mais importantes para mim.

— Eu sei —, disse ela. — O primeiro é que a sua mulher fosse escocesa.

— E o segundo que ela fosse escocesa —, disse ele, e havia aquele sorriso em seus olhos novamente. Fez manchas de ouro brilharem contra o verde. — Mas isso foi um mero gracejo. Se eu tivesse definido que teria uma noiva escocesa, eu não teria vindo para este país. Se você fosse Inglesa... — Ele levantou o queixo dela. — Eu estaria exatamente onde estou —. Então a cabeça dele veio em sua direção e lábios quentes desceram para sua boca.

Annabel estava infeliz. Ela estava pronta para gritar com a frustração e raiva de tudo, para  chorar com a injustiça e soluçar com a perda de todos os seus sonhos para o futuro... e ainda assim, havia algo imensamente reconfortante no toque suave dos lábios de Ewan. Seus braços vieram ao redor dela e ela sentiu por um momento como se... como se... era difícil pensar sobre isso. Seus lábios estavam drogando sua mente, acariciando-a como se estivessem pedindo alguma coisa.

Ela suspirou e inclinou-se contra ele... só por um momento. Um momento de conforto. E seus braços se apertaram como se ela estivesse de fato protegida do mundo, sendo salva por um cavaleiro de armadura brilhante que a levantaria e a colocaria nas costas de seu cavalo, e a levaria para o seu castelo. Ela suspirou novamente com a tolice de seus velhos sonhos...

Ele aproveitou o suspiro, deslizou em sua boca e de repente o beijo deles mudou para algo completamente diferente. Não pensando sobre isso, Annabel colocou a mão na parte de trás do pescoço dele. As mãos dele apertaram suas costas e de repente ela sentiu a forte pressão de seu corpo contra o dela.

Annabel sentiu sua procura através de todo o seu corpo. Instintivamente ela eliminou a última fração de distância que havia entre seus corpos. Ela sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Era uma sensação extraordinária ser tão íntima de outra pessoa. Era como se ele pudesse provar sua tristeza, seu medo e sua relutância, e ele estava dizendo a ela silenciosamente que ele iria torná-lo melhor, ele iria resolver tudo, e tudo aquilo sem palavras.

Isso a fez querer não fazer nada além de aninhar-se contra seu peito e simplesmente... deixá-lo fazer. Mas, ao mesmo tempo, a própria generosidade despertava sua consciência, e mesmo quando a boca dele inclinou-se avidamente sobre a dela novamente, e novamente, e seu corpo começou a tremer em seus braços, sua consciência continuou batendo nela, uma voz baixa que não iria ser silenciada, até que ela finalmente afastou sua boca e disse: — Eu não estou brincando, Lorde Ardmore. Eu realmente não tenho nenhum dote.

Ele tinha as mãos grandes espalhadas em suas costas estreitas, e agora ele deslizava as mãos lentamente, lentamente até os ombros dela. Seus olhos tinham um sorriso indolente que fizeram Annabel estremecer tanto quanto o fato de que seus polegares estavam traçando círculos preguiçosos em seus ombros, onde as pequenas mangas de seu vestido matinal terminavam.

— Você tem um cavalo —, ele lembrou.

— Apenas um cavalo —. Ela engoliu em seco. — Certamente você já ouviu falar do testamento de meu pai. Nossos dotes se tornaram um tanto infames.

— O rumor não chegou a mim, mas, não sou muito de fofocar. Receberei seu dote nos meus estábulos. Não posso dizer que compartilho as habilidades de seu pai, mas tenho um amplo programa de treinamento. Será, para você, como voltar para casa.

Annabel balançou em seus pés, e todo o brilho rosado que sentiu de seu beijo desapareceu de seu corpo como uma névoa na noite.

Ela estava se casando com um treinador de cavalos, um homem com o entusiasmo de seu pai por um cavalo.

Ela estava indo para casa, em todos os sentidos da palavra.


Capítulo Doze

Elas estavam todas juntas novamente. Tess estava encostada em um dos pilares da parte de baixo da cama; ela e o marido passariam a noite, de modo a ser capaz de ver Annabel partir pela manhã. Josie, que acabara de chegar da propriedade rural de Rafe, estava enroscada no outro pilar, e Imogen estava ao lado de Annabel.

Annabel encostou-se na cabeceira e tentou não pensar em lágrimas. Ela tinha sido pobre antes, e ela poderia ser pobre novamente. Apenas um tolo fraco choraria por uma coisa tão insignificante.

Em vez disso, tentou se sentir feliz por suas irmãs estarem com ela. Mas, na realidade, ela teve um sentimento entorpecido e egoísta da injustiça de tudo isso. Imogen e Josie ficariam na Inglaterra na confortável casa de Rafe, e Tess iria ficar no luxo da casa de seu marido, enquanto ela teria que voltar para a Escócia. Ela, que odiava a Escócia mais do que qualquer uma delas.

Josie tomaria seu lugar em um momento. Josie acabara de completar dezesseis anos e começava a florescer numa beleza que seria irresistível em um ano ou mais. Agora ela estava cheia de manchas, perdendo o seu temperamento em uma crise de saudades da Escócia. O temperamento poderia muito bem ser uma característica ao longo da vida, Annabel teve que admitir. Certamente o senso de humor de Josie seria.

— Se você gostaria de ter uma conversa pré-matrimonial com Annabel —, disse Josie a Tess, — Eu ficaria feliz em dar o meu conselho.

Tess bufou. — Seu conselho, camarão? E qual conselho matrimonial você daria?

— Plutarco tem muito a dizer sobre as relações conjugais —, disse Josie com um sorriso.

— Plutarco! — disse Tess. — Eu pensei que a senhorita Flecknoe mantinha você em uma dieta rigorosa de atividades adequadas a uma lady.

— Você se esqueceu. Eu obedientemente pratico dança e faço reverências e respondo às chamadas no período da manhã, e então eu estou autorizada a ler o que eu desejo no período da tarde. A biblioteca de Rafe é abastecido com clássicos. A Senhorita Fiecknoe considera esses livros velhos demais para serem perigosos e impróprios a uma dama... ela está mais preocupada que eu de alguma forma obtenha uma cópia de um dos romances impressos pela Minerva Press. A Srta. Flecknoe parece considerar que Minerva é composta por demônios dispostos a prejudicar a virtude das damas.

— Eu te darei os meus —, disse Annabel, sorrindo ligeiramente. — Acho que adquiri cada volume publicado pelo Minerva Press, graças à generosidade de Rafe.

— Você vai querer levá-los com você —, objetou Tess. — Mantenha seus livros, Annabel. Vou mandar à Josie alguns romances.

— Eu não vou precisar deles —, disse Annabel, percebendo que seu tom era sombrio. Ela nunca teve qualquer momento para ler romances quando elas estavam crescendo, embora elas provavelmente não se lembrassem disso. Ela costumava assistir Tess saindo para o rio para tentar pegar um peixe para o jantar, Josie pendurada em sua mão e Imogen seguindo atrás... mas ela nunca pôde ir com elas. Ela tinha muito o que fazer.

Uma onda de amargura a tomou e Annabel teve que morder o lábio com força para não chorar.

— Eu tenho algo importante a dizer —, Tess estava dizendo. Tess cuidou de todas elas depois que a mãe delas morreu, e Annabel ficou com um pouco de medo de sua perspicácia. Então ela deu um sorriso forçado.

— Bom — Josie disse alegremente. — Agora, Plutarco diz que uma noiva deve mordiscar um marmelo antes de ir para a cama.— Ela virou-se ansiosa para Tess. — Você tem alguma ideia do por que? Eu não gosto de marmelos, porque eles são tão azedo, mas estou disposta a...

— Pare com essa tolice —, disse Imogen, e agora ela não estava mais enrolada debaixo das cobertas, mas sim sentada. — Eu tenho que dizer algo primeiro, e é o mais importante —. Ela pegou a mão de Annabel, e Annabel viu com um pulso de exaustão que lágrimas estavam descendo pelo rosto dela. — Eu arruinei sua vida... a vida da minha própria irmã, e eu apenas, eu só tenho que dizer isso...

Mas as lágrimas estavam sufocando o que ela queria dizer, e então Annabel deslizou na cama e a abraçou. — Minha vida não está arruinada, Imogen —, disse ela, acariciando seus cabelos. — Acalme-se.

— Você não pode escolher com quem irá se casar —, Imogen engasgou. — Eu só tive Draven por duas semanas, mas eu o escolhi, e mesmo que ele tenha partido, eu sempre vou saber que eu... que eu me entreguei a alguém que eu amava...

— Querida, pense nisso —, Annabel disse gentilmente. — Apaixonar-se nunca esteve muito alto na minha lista de prioridades. Você sabe disso. Acho que eu simplesmente perdi esse lado romântico que você tem em abundância.

— Isso é... isso é só porque você não sabe como o amor pode ser maravilhoso —, Imogen balbuciou, ofegante, ela estava chorando tanto.

— O que não se sabe, não se perde —, Annabel apontou.

Mas não adiantou. Imogen lançou-se em uma explicação emaranhada de amor, e como ela sabia que estava apaixonada por Draven no momento em que o viu (como se ela não tivesse dito isso a elas antes pelo menos cem vezes), e quão importante ela pensava...

Até que Josie se inclinou para frente e disse: — Imogen, esta conversa não começou com foco em você. Posso sugerir que você realmente tente pensar nos sentimentos de outra pessoa para variar?

Imogen parou e Annabel franziu a testa para Josie.

— Oh, acabem com isso —, disse Josie impaciente. — Imogen não precisa ser mimada para sempre. Por sua própria conta, ela teve a sorte de ter duas semanas de felicidade celestial. Esta noite deve ser sobre você, Annabel, não uma reiteração chorosa e interminável das menos do que óbvias virtudes de Draven Maitland!

Imogen e Josie sempre criticavam uma a outra, mas desta vez Imogen não respondeu no mesmo tom. Ela apenas rolou para fora da cama e levantou-se, com o rosto manchado de lágrimas. — Eu estava tentando dizer algo importante! Eu... —, disse ela ferozmente a Josie. Então ela virou-se para Annabel. —... só quero dizer que eu sinto muito que a minha estupidez tenha levado a que te obrigassem a casar com Ardmore. Eu quero que você saiba disso. E agora, por favor tenham a sua conversa. Eu sei que não sou uma companhia adequada —. Então ela virou-se e fugiu.

Annabel suspirou e começou a sair da cama. Ela era a principal consoladora de Imogen, embora tivesse que admitir que havia um certo cansaço em seus esforços, depois de quase seis meses praticando o consolo.

Mas Tess estendeu a mão e beliscou a ponta de seu pé. — Não vá —, disse ela. — Eu acho que Imogen poderia aproveitar algum tempo sozinha. Talvez ela tenha sido mimada um pouco demais.

— Eu acredito que você está preocupada que ela vai gritar com você depois —, disse Josie. — Vocês não acertaram suas diferenças?

— Claro —, disse Tess. — Imogen tem um temperamento curto, mas ela pode ser magnificamente apologética.

— Ela teve muita prática com o último —, disse Josie. Ela chamou a atenção de Annabel e levantou a mão. — Eu sei que ela é uma viúva e que ela perdeu o amor de sua vida, mas para ser honesta, Draven era um idiota estúpido o suficiente para montar um bom cavalo apenas para fazer um centavo extra nas corridas. Eu simplesmente não posso ver a grande tragédia disso!!. Ele não era Agamenon!

— Isso é verdade —, Tess concordou.

— Você pensaria que ela estava em uma tragédia grega, do jeito que ela continua —, disse Josie. — Agora, vamos continuar a discussão que você começou? Porque todos me mandaram embora quando discutiram tudo isso antes  do casamento de Tess. Mas eu tenho dezesseis anos, como eu disse antes.

— Apenas —, disse Tess.

— Velha o suficiente. Eu estarei debutando no próximo ano. Eu preciso saber o que está a minha frente —. Ela parecia fascinada e horrorizada ao mesmo tempo.

— Na realidade não tenho nenhuma necessidade de qualquer tipo de conversa antes do casamento —, disse Annabel. Ela não queria pensar em dormir com o escocês. Por muitas razões, a maneira como ele a beijou era apenas uma delas.

— Isso não era o que eu queria dizer —, disse Tess, fixando os olhos em Annabel e inclinando-se para a frente. —Você sabe que Lucius tem muito dinheiro, Annabel.

— Uma ideia, com certeza —, disse Annabel. Todos na Inglaterra sabiam que o marido de Tess era tão rico quanto William Beckford, embora Beckford se orgulhava de ser o homem mais rico do país.

— Nós temos mais casas do que sabemos o que fazer com elas. Você aceitaria uma dessas casas, e os fundos para sustentá-la, Annabel? Você poderia viver lá perfeitamente e quando toda essa fofoca morrer você poderia voltar a Londres.

Agora Annabel realmente sentia como se fosse chorar.

Mas Josie estava sacudindo a cabeça. — Você é demente, Tess? Se Annabel saísse e morasse em alguma casa no campo sem se casar com o conde, a suposição razoável seria que o conde a tivesse pago para fazê-lo. Seu único futuro seria como concubina.

Annabel engoliu em seco. Claro que Josie estava certa.

— É preciso presumir que você seria extremamente bem paga —, disse Josie pensativa. — Plutarco diz que...

— É o bastante! — Tess explodiu. — Eu acho que é uma construção muito feia do que as pessoas poderiam pensar.

— As pessoas sempre pensam o pior —, Josie apontou.

— Temo que ela esteja certa —, disse Annabel, ouvindo a tristeza em sua própria voz.

— Você se importa muito? — Tess perguntou.

Então, vendo a resposta no rosto dela: — Oh, querida, não vá — Tess estendeu a mão e pegou Annabel em seus braços.

— Eu-eu — Annabel disse, mas as lágrimas não seriam mais sufocadas.

— Está resolvido —, disse Tess com firmeza. — Você não irá para a Escócia. Todas nós sabemos o quanto você odeia o país. Pensaremos em alguma coisa.

— Eu tenho que ir —, Annabel engasgou. — Ele tem sido gentil ...

Josie bufou. —Ardmore é um homem de sorte e provavelmente ele sabe disso.

— É só que ele tem estábulos —, disse Annabel, sua voz quebrando com as lágrimas. — E ele me disse que seus estábulos eram tão magníficos quanto os do papai. Eu simplesmente não posso suportar isso, não posso suportar. Ele vai colocar todo o dinheiro em ração quente durante o inverno — A voz dela desapareceu em um enorme soluço.

— Eu sei —, disse Tess esfregando a mão nas costas de Annabel. — Você sempre teve o pior das tolices de papai. Graças a você, eu nunca tive que me preocupar.

Annabel respirou fundo e enxugou as lágrimas com o lenço de Tess. — Todas nós nos preocupamos. Lembro-me de Josie chorando quando todos os feijões pegaram uma praga, e ela era apenas uma criancinha.

Josie estava inclinada para frente esfregando o pé de Annabel. — Mas eu nunca tive que me preocupar muito —, ela disse. — Você cuidou de tudo, Annabel. Você sempre encontrou dinheiro suficiente para comprar algo para comer.

— Eu não quero... — As lágrimas estavam vindo novamente, então Annabel respirou fundo. — Eu não quero fazer isso de novo. Eu só não quero passar minha vida inteira tentando arrancar moedas de um estábulo mantido por alguém que na realidade pode pagar apenas por um par de coelhos —. As lágrimas estavam vindo novamente. — Eu só... eu simplesmente não posso suportar isso!

Ela deu um suspiro trêmulo e conseguiu recuperar a compostura. — Sinto muito. Estou agindo como uma heroína em um melodrama.

— Você não terá de suportá-lo! — Tess disse apaixonadamente. — Meu marido e eu...

Mas Josie interrompeu. — Eu pensei em um compromisso.

— Você vai e eu fico? — Annabel conseguiu dar um sorriso aguado. — Eu gostaria muito de ter dezesseis anos novamente. Eu gostei do meu debut.

Josie ignorou essa tolice. Ela se inclinou para frente. — Case-se com o conde na Escócia, como ele deseja. Aguente até que o escândalo morra após o fim da temporada. Depois volte para Londres como uma condessa!

— Você está esquecendo ...

— Não me diga que estou esquecendo do seu marido —, disse Josie. — Você sabe que o vício secreto de minha governanta são as colunas de fofocas? Londres parece estar perfeitamente cheia de senhoras que vivem separadas de seus maridos. E se o seu marido não lhe fornecer uma mesada, Tess simplesmente fará isso.

Annabel mordeu o lábio. — Eu não poderia fazer isso com ele —, disse ela incerta. —Se não fosse por Ardmore, eu estaria em desgraça absoluta.

— No entanto, se não fosse por Ardmore, não haveria nenhuma desgraça para falar —, disse Josie. — E de qualquer maneira, ele provavelmente ficará feliz em ver você voltar. Não há muitos casais felizes na literatura, eu posso te dizer isso.

— É uma boa ideia —, insistiu Tess. —Há algo quase respeitável sobre casais separados nos dias de hoje. Vamos fornecer-lhe uma mesada, é claro, Annabel.

— Funcionará perfeitamente —, disse Josie com satisfação.

— Mas Ardmore...

— Não deveria ter proposto Imogen, em primeiro lugar —, Josie disse categoricamente. — Ele fez sua cama e deve deitar-se nela.

— Dura, mas prática —, Tess observou. — Essa é a nossa Josie. Como você se sente sobre o conde? — ela perguntou a Annabel.

— Pelo que entendi —, disse Josie, — era mais uma questão de como Imogen se sentia  sobre o conde.

— Sua compreensão não é importante, Josie —, disse Tess. — Annabel?

— Eu gosto dele —, disse Annabel. — Não há nada desagradável sobre ele. — Na verdade, seus beijos continuavam provocando os cantos de sua mente. Menos os beijos do que o prazer chocante que sentira... Era bastante enervante.

E Annabel nunca ficava nervosa, menos ainda do que ela chorava.

Os olhos de Tess se estreitaram. — Você gosta dele, não é?

— Quem não gostaria? Ele desistiu de suas esperanças por uma noiva rica, e me aceitou sem uma palavra de censura —, disse Annabel jogando o lenço sobre a mesa de cabeceira.

— Soa como um covarde para mim —, disse Josie desapaixonadamente.

— Isso é porque você ainda não o conheceu, pequena megera —, Tess disse a ela. —Ardmore é... bem, Annabel, como você o descreveria?

— Ele é um escocês. Ele não é tão complexo quanto um inglês, e é ainda mais honrado. Ele diz o que pensa. Eu diria que ele é gentil em lidar com os criados e que ele cuida de seus inquilinos.

— Mas você gosta da aparência dele?— Tess insistiu.

Annabel encolheu os ombros, tentando afastar uma imagem dos músculos reluzentes do conde quando ele ficou sem camisa no quarto do hotel. — Ele não é censurável.

De repente, sua irmã mais velha estava sorrindo como um gato com um pires de creme. — Eu retiro a minha oferta de uma casa —, disse ela. — Eu acho que uma dose de ar escocês é exatamente o que você precisa. Sempre que quiser, você deve voltar a Londres e todas nós ficaremos confortáveis. Tudo bem?

— Tudo bem —, disse Annabel lentamente.

— Agora, querida, aqui está o que eu gostaria que mamãe estivesse viva para me dizer antes de minha noite de núpcias.

— Esplêndido! —, Exclamou Josie.

— Não é nada que você vá achar terrivelmente interessante —, disse Tess para ela.

— Como você pode dizer isso? Eu acho tudo interessante!

— No que diz respeito ao leito conjugal...

Josie se inclinou para frente. — Sim? — ela perguntou sem fôlego.

— É minha firme opinião de que os homens têm alguma dificuldade em expressar o que eles gostariam —, disse Tess. — Talvez porque é difícil falar com as mulheres. E não é apenas o meu Lucius que...

— Que é o que está mais para o lado inexpressivo —, Josie interrompeu.

— Nem sempre —, disse Tess com um sorriso insolente que fez Annabel rir pela primeira vez em três dias.

— De qualquer forma —, continuou ela, — a solução é observar o que o homem fará com você exatamente o que ele gostaria que você fizesse com ele.

Annabel piscou para sua irmã. Ela tinha uma boa compreensão da mecânica da consumação conjugal, e não havia nenhuma maneira que ela pudesse... poderia... ela não tinha o equipamento para isso.

— Não é isso —, disse Tess entendendo sua expressão. — E eu não vou ser mais explícita, porque você mal tem dezesseis anos —, ela disse para Josie. — Apenas observe o que Ardmore faz... Ele provavelmente vai tratá-la com exatamente o tipo de comportamento que ele mais gostaria de ver, exceto que suas boas maneiras não permitirão que ele peça diretamente.

Annabel pensou sobre isso. Ela teve alguma dificuldade em imaginar Ardmore não pedindo por qualquer coisa que ele desejasse.

Mas talvez as pessoas ficassem com mais dificuldades de falar na cama. —Obrigada, Tess —, disse ela finalmente.

—Obrigada por nada! — Josie exclamou. —Eu certamente espero que alguém seja um pouco mais próxima de mim no próximo ano. Eu tenho a intenção de me casar na minha primeira temporada, você sabe —. Ela olhou para baixo um pouco desconfortável em seu corpo. —A Senhorita Flecknoe sabe de uma dieta redutora, e vai me colocar nela quatro meses antes do início da temporada.

Annabel balançou a cabeça. —Não faça isso, amor. Sua figura é excelente.

—Não, não é —, disse Josie. —Eu sou gorda como uma galinha Bartholomew, assim como o papai costumava dizer.

— Papai —, disse Annabel, — era cruel.

— Ele era sincero —, disse Josie.

Uma lembrança surgiu em sua cabeça, o pai de Annabel em fúria, olhando-a de cima e ao longo de um livro com suas próprias figuras cuidadosamente registradas. — Você nunca será a mulher que sua mãe foi! — ele havia gritado com ela então.

— Sua mãe nunca teria falado comigo de uma maneira tão grosseira. Você nunca será uma boa esposa! — Ela suspirou.

— Nosso pai nem sempre estava certo —, disse Tess. — E quando ele a provocou sobre sua figura, Josie, ele estava sempre errado. E a maneira como ele era tão cruel com você também, Annabel.

Um leve sorriso tocou os lábios de Annabel. Era improvável que fosse uma esposa obediente, então seu pai estava certo a esse respeito.

— Eu vou dar-lhe seis meses —, disse ela de repente.

Tess piscou. — O que?

— Eu simplesmente não posso fazer isso. Eu não posso enfrentar a miséria de uma vida de pobreza —, disse ela, a verdade saindo de dentro de si.

— Mas —, ela firmou sua voz —se eu apenas pensar que é um exílio de seis meses, e que talvez eu possa voltar e viver com Tess, acho que eu poderia suportar.

— Oh, querida, você sempre pode viver comigo.

— Eu não estaria em seu caminho —, disse Annabel. — Eu só preciso de um refúgio para pensar.

— Eu sempre serei o seu refúgio! — Sem dizer mais nada, apertou-a com tanta força que era quase tão reconfortante quanto os braços fortes de Ardmore em volta dela.

— Você sabe disso, querida.

— Então eu vou para a Escócia pela manhã —, disse Annabel engolindo mais daquelas lágrimas indisciplinadas. — E eu vou vê-las muito em breve... talvez para o Natal!

––––––––


Capítulo Treze

Não foi até eles saíram de Londres que Annabel pensou em um problema. Isso não era bem verdade; nos últimos três dias, ela só pensara em problemas, e apenas alguns deles eram solucionáveis. Mas este era um verdadeiro problema, e que tinha a ver com o mundo e todos nele pensando que eles eram marido e mulher. Senhor e Senhora Ardmore. Pensando que ela era uma condessa, um título vazio, se houvesse um.

— Nós ainda não somos casados —, ela aventurou-se a dizer.

Ardmore sentou-se a sua frente, o cabelo jogado pelo vento, parecendo preguiçoso e despreocupado, como se ele não tivesse cavalgado ao lado da carruagem em um magnífico puro-sangue durante as primeiras três horas de sua jornada.

Ele lhe deu um sorriso. — Nós seremos.

— Mas não somos no momento. E no entanto, teremos que parar em uma pousada para a noite. Como-como vamos nos organizar?

Seu sorriso aumentou. — Temo que você está certa, moça. Teremos que dividir um quarto. Mas o lado bom de tudo é que você não pode ser arruinada.

— Porque eu já fui —. Seu coração afundou. Ela não era puritana, mas ela pensara em se casar antes...

— Não, não, você não pode ser arruinada porque aos olhos do mundo já estamos casados. Portanto, esta seria sua noite de núpcias. Em uma maneira de falar.

Mas ele estava inclinado para a frente. — Quando estivermos verdadeiramente casados, Annabel, uma noite em uma cama compartilhada será bem diferente da que teremos esta noite, prometo isso a você.

Não seria sua noite de núpcias, afinal. Ela podia sentir a cor fugindo de suas bochechas. Era algo sobre a maneira como ele sorriu para ela.

— O que devemos fazer é nos conhecer melhor —, disse ele. — No curso normal dos acontecimentos, eu estaria cortejando você agora, tentando descobrir se você canta fora do tom, se você prefere beber chá ou café e, claro, se eu poderia suportar olhar para você todas as manhãs no café da manhã. E você estaria fazendo o mesmo comigo.

— Na verdade, eu tenho me perguntado se você tem parentes, meu senhor? — Era terrível, quão pouco ela sabia sobre o homem com quem iria se casar.

— Eu não gosto de formalidades —, disse ele evitando a pergunta. — Meu nome é Ewan, e espero que você me chame por ele.

— Ewan —, disse ela balançando a cabeça.

Ele se inclinou e beijou as pontas dos dedos dela. — Esta é a primeira vez que a minha futura esposa me chama pelo meu nome —, disse ele. Ele estava sorrindo com os olhos, da forma como ele fazia... como se ela fosse tudo o que ele sempre quis em uma mulher. Ainda olhando para ela, ele virou a mão dela e colocou os lábios contra sua palma.

— Você tem mãos tão pequenas —, disse ele. O toque dos lábios em sua palma fez um súbito arrepio atravessar seu estômago. — Eu me sinto como um grande garoto de fazenda desajeitado ao seu lado.

Ela riu e ele pressionou outro beijo na palma de sua mão. Seus toques eram como vinho, um prazer inebriante.

— Então já ocorreu a você que eu pareço um trabalhador, não é? — ele brincou. E beijou-a novamente.

Como poderia a palma da mão ser tão insuportavelmente sensual? Cem homens haviam segurado a palma de sua mão e beijado-lhe os dedos durante o último mês, e ainda assim... Seus olhos estavam firmes nos dela quando ele levou a mão à boca novamente. E desta vez ela sentiu a língua dele tocar o centro de sua mão, e o choque foi tão grande que queimou entre suas pernas.

— Eu trabalharia para você, Annabel —, disse ele observando-a. — Vamos nos mudar para uma pequena casa de campo e criar cabras?

— Eu não sou muito boa em jardinagem —, disse Annabel. E de repente ela estava tão fria quanto poderia ser, liberta do feitiço daquela voz rouca dele. Ela afastou a mão.

Ele recostou-se no banco, mostrando nada mais do que uma aceitação divertida de sua rejeição. — O que você sabe sobre jardinagem? Eu penso que jovens senhoras fazem pouco mais do que cortar rosas, quando o jardineiro lhe dá as boas-vindas.

— Algo assim —, Annabel murmurou, fechando seu coração contra a lembrança de Josie chorando quando seus grãos morreram na praga. Ela estava determinada a não ficar mal-humorada com o conde, nem deixá-lo saber quão grande era sua relutância em se casar com ele. Nada disso era culpa dele. Oferecer-lhe seu nome era o ato de um verdadeiro cavalheiro.

Ela se endireitou no banco e deu-lhe um sorriso. — E você tem família, Ewan?

— Eu tenho.

Ela esperou, e finalmente, ele disse: — Eu os tenho e não os tenho. Minha família próxima não está mais viva.

— Sinto muito —, disse ela.

— É difícil saber como expressar isso. Minha Nana está sempre falando um pouco sobre como eles estão esperando por mim no céu. Mas eu duvido muito que eles não têm nada a fazer no céu além de esperar pela minha chegada, eu espero ter sorte o suficiente para acabar no endereço certo.

— Quantos de sua família foram perdidos?

— Minha mãe e meu pai morreram em uma inundação —, disse ele, e, pela primeira vez, seus olhos não estavam sorrindo. — E o meu irmão e irmã morreram com eles.

Annabel engoliu em seco e ele respondeu a sua pergunta silenciosa. — Eu tinha seis anos de idade. Nossa carruagem foi pega em um alagamento. Não parecia perigoso em primeiro lugar. Meu pai me levou para um terreno elevado. Ele voltou para os outros, mas...

Para seu horror, Annabel sentiu lágrimas pressionando a parte de trás de seus olhos. Ela realmente estava muito emotiva pelos acontecimentos dos últimos dias. — Eu sinto muito —, disse ela. Não havia muito mais a ser dito.

Além disso, agora, estranho como ele era, os olhos do marido estavam sorrindo novamente. — Eu acredito que minha mãe esteve assistindo os últimos dias, Annabel, e eu tenho certeza que ela aprova você.

Não havia nenhum ponto em dizer algo cínico, que era o único tipo de comentário que lhe veio à mente.

Finalmente, Annabel procurou por algum tipo de frase que se diria a uma criança, e veio com: — Estou naturalmente feliz em saber da aprovação de sua mãe.

Seu sorriso ficou mais largo, quase como se ele estivesse zombando dela, mas ele não disse mais nada sobre isso. — Então, quando meus pais morreram, ficou a minha avó, Lady Ardmore —, disse ele. — Minha Nana, como eu a chamo, ainda está viva, é uma escocesa mal-humorada até os ossos. Ela vai gostar de você.

Annabel duvidou disso. Espere até que a avó mal-humorada ouvir falar sobre seu dote relinchante.

— E há um tio do lado do meu pai —, Ewan continuou. — O nome dele é Tobin. Ele passa a maior parte de seu tempo caçando... receio que ele tenha uma natureza um pouco sanguinária. A família come uma grande quantidade de carne de veado, graças a Tobin.

Annabel sorriu sombriamente. Bem, isso era melhor do que as habilidades de pesca duvidosas de suas irmãs.

— E então nós temos o tio Pearce —, disse Ewan —embora por todos os direitos, ele é realmente meu tio-avô. Ele tem quase noventa anos, mas a mente clara. Sua atividade favorita é trapacear no jogo de cartas.

— Trapacear? — Annabel ecoou.

— Aye. E por dinheiro —, disse ele assentindo. — Ele vai tomar cada centavo que você tem, se você permitir que ele trate as cartas.

— Oh. Obrigada pelo aviso. Mais alguém?

— Certamente —, disse Ewan. — Ainda há a razão pela qual eu vim a Londres para encontrar uma noiva.

Annabel piscou. — Achei que você desejasse uma herdeira.

Ele franziu a testa para ela. — Você parece ter dotes no cérebro. Não, eu não vim a Londres por uma razão tão frágil. Se eu quisesse uma herdeira, eu poderia ter casado com a Senhorita Mary McGuire, cujas terras marcham ao longo da minha. Não, eu vim para Londres por outra razão. Bem, por duas razões —, disse ele.

Annabel esperou.

—Ele tem onze anos de idade —, disse Ewan. —Seu nome é Gregory, e eu estou com medo...

Ele parecia estar escolhendo as palavras, mas ela saltou à frente. — Você tem um filho?

— Não exatamente. Poderíamos apenas dizer que ele é um membro da família?

Ela franziu o cenho para ele. Seu marido tão honrado tinha um filho ilegítimo vivendo na casa? Mas de repente ela percebeu que ela não se importava tanto assim. Se ele tivesse tido um filho fora do casamento e jogado o pobre rapaz em uma paróquia... isso ela não teria gostado. — Como é Gregory?— ela perguntou.

— Ele é uma dor na bunda —, disse Ewan pegando a mão dela novamente. — No momento ele tem grandes ambições para o futuro e não aceita a menor oposição. Pensei que talvez uma esposa pudesse amenizar o caráter teimoso do rapaz.

— Isso deve ser difícil —, disse Annabel com simpatia. A vida poderia ser bastante limitada para aqueles de nascimento ilegítimo, impedindo-os de posições de poder e responsabilidade.

— Você não tem ideia —, disse Ewan com um estremecimento. — Ele acorda ao romper da aurora, cantando louvores no topo de seus pulmões. E acredite em mim, enquanto eu estou bem ciente da existência de coros de menino, Gregory não seria uma adição feliz a tal grupo.

— Louvores? — Annabel disse inexpressivamente.

Ele assentiu. — Ele canta por quase uma hora, em cima das ameias. Mas você pode ouvi-lo por meia milha. Eu estou sendo gentil...

Ela não podia evitar; ela o interrompeu novamente. — Quais são as ambições de Gregory?

— Ser um monge.

— Um monge! Não temos monges na Escócia!

— Não, agora você está enganada —, disse ele. — Há um grande número de monges na Escócia desde que Napoleão os expulsou da França. E nós temos três deles na minha terra.

— Você tem um mosteiro?

— Não, não, apenas três monges. Eles fazem parte da casa, não vivem por conta própria.

— Espere um momento —, Annabel disse fracamente. — Se eu estiver correta, o seu lar consiste de sua avó, um tio-avô, um tio, um menino e três monges?

Ele hesitou.

— E? — ela perguntou, sobrancelha levantada.

— Há Rosy McKenna —, disse ele. — Eu não estou muito certo de como explicar Rosy.

— Ela é um parente?

— Não. Ela é a mãe de Gregory.

— A mãe de Gregory? — Annabel repetiu fracamente. Ele tinha... tinha... ??— Isso não vai funcionar —, disse ela. —Se você está tomando uma esposa, Ardmore, você deve tirar outras mulheres da casa. A menos que você... — Uma horrível suspeita floresceu em sua mente. Ele parecia tão inocente, mas...

— Por que, quem você acha que Rosy é para mim? — ele perguntou, brincando com ela como se tal coisa fosse o assunto para um chá. Ele não era um simplório, mas um louco.

Ela não sabia como responder. As palavras que lhe vieram à mente eram coisas que ela tinha ouvido ao redor do estábulo, e não apropriadas para serem ditas em voz alta.

— Nunca uma amante minha —, disse ele e definitivamente havia riso brilhando naqueles olhos verdes. — Eu não a levaria para casa para conhecer minha amante —. Ele tinha a mão dela novamente, mas ela fingiu não perceber.

— Bem, então—, disse ela, resistindo a uma súbita vontade de sorrir de volta para ele.

— Se eu tivesse uma amante —, disse ele. — O que eu não tenho.

— Oh. Então, quem é Rosy? — ela perguntou apressadamente, tentando afastar-se do tema de amantes. — E Gregory?

— Rosy foi minha noiva —, disse ele.

Ela retirou sua mão, mas um segundo depois ele estava sentado ao lado dela no banco, e com certeza, ele estava rindo dela novamente. — Ach, mas você é desconfiada não —, disse ele. — Agora, você realmente acha que eu levaria para casa uma esposa se eu tivesse uma noiva esperando por mim?

— Então, quem é ela?

— Fomos prometidos, há muitos anos —, disse ele. E agora ele tinha as duas mãos dela. — Era um casamento que meu pai e seu grande amigo McKenna tinham combinado quando éramos pequenos. Então, quando chegou a hora, Rosy foi enviada para mim em uma carruagem —. Ele parou e seus olhos escureceram. — No caminho, a carruagem foi parada por alguns rufiões. Rosy não foi encontrado até uma semana depois.

— Oh, não —, Annabel disse suavemente.

— Ela não está em seu juízo perfeito desde então. Cerca de nove meses depois Gregory nasceu. Eu teria me casado com ela, uma vez que percebemos que ela estava carregando uma criança, mas na época, ela não podia mesmo dizer um sim ou não na igreja. E ela não gostava de mim, entende. Ela não podia nem chegar perto de mim sem gritar. Eu era muito grande.

— E muito masculino —, disse Annabel com o coração dolorido pela tristeza.

— Isso também —, disse Ewan beijando suas mãos, cada uma  delas, na junta de seus dedos. — Ela está melhor agora, embora um homem estranho sempre a deixa perturbada. Ela pode jogar pega varetas.

— O pai dela?

—Veio vê-la uma vez e não a quis de volta. Ele pensou que ela deveria ser enviada para um convento, onde eles se importam com essas pobres criaturas. Rosy é meio francesa, entende. Mas é claro, nós estávamos em guerra com a França. Enviamos uma carta para o convento de qualquer maneira, mas descobriu-se que Napoleão tinha enviado todas as freiras de lá para cá. Em vez de mandar Rosy para eles, acabamos com três monges na nossa propriedade. Eles têm sido uma grande ajuda para cuidar da pobre garota.

— Então ela é a segunda razão pela qual você veio a Londres procurar uma esposa? — Annabel adivinhou, tentando ignorar todos aqueles beijos de borboleta que ele estava colocando em suas mãos.

— Não. A segunda razão seria Padre Armailhac —, disse ele.

— Um de seus monges?

Ewan assentiu. — Ele me enviou a Londres para dançar com uma moça.

— Dançar com uma moça? — Annabel repetiu. — Só isso?

— Bem, eu interpretei isso como encontrar uma esposa —, disse Ewan. — Eu não queria uma, entende. E o Padre Armailhac discordou de mim. E agora eu entendo o ponto dele —. Ele estava desenrolando os dedos dela como pétalas de uma flor e ele ia começar a beijar a palma da mão de novo...

— Você nunca dançou comigo —, disse ela rapidamente. — Somente com Imogen.

— O Senhor se move de maneiras misteriosas —, disse ele. — Porque era com você que eu queria dançar, Annabel, desde o momento em que te vi. E também era com você que eu queria me casar. Nunca Imogen.

A carruagem balançou em uma curva e Ewan deu uma rápida olhada pela janela. —Estamos em Stevenage —, disse ele, — e fizemos em um excelente tempo. Vamos parar no Pig and Cauldron para a noite.

Annabel afastou as mãos, sentindo-se incomumente tímida. Mas ele se voltou para ela. Um segundo depois suas mãos seguraram seu rosto e ele começou a roçar os lábios para frente e para trás contra os dela. — Você é como o vinho —, disse ele, sua voz soando confusa.

Annabel sabia exatamente o que ele queria dizer. O toque mais leve dele deixou seu coração trovejando em seu peito. Suas mãos deslizavam sobre suas bochechas, através de seu cabelo, e ele ia beijá-la, ela podia sentir isso... Ele se afastou.

— Nós temos um problema, moça —, disse ele.

Annabel sentiu uma pontada tão forte de decepção porque ele não a beijou que ela quase puxou a cabeça dele para a dela.

— Eu estou querendo beijá-la o tempo todo.

Isso a fez sorrir.

— Mesmo vendo seus lábios curvarem assim —, disse ele, sua voz ficando mais profunda e rouca, —me faz sentir como...

— Então por que você não beija? — ela perguntou, e o sorriso provocante que se curvou em seus lábios, não era um praticado no espelho para pegar um marido rico. Na verdade, Annabel não teria sequer reconhecido esse sorriso.

Ela queria mais de seus beijos. Quando eles se beijaram, ela não pensou, na verdade ela não podia pensar em nada além dele.

E Ewan claramente não era um homem de decepcionar uma dama. Seus lábios esmagaram  os dela em um beijo sedutor e exigente. Desta vez, Annabel estremeceu ao primeiro toque de sua boca, e seu corpo parecia moldar-se ao dele, faminto, como se já conhecesse as linhas duras e...

Suas mãos estavam descendo por suas costas, e ela se inclinou para frente contra ele, sentindo os seios esmagados contra o peito dele. Instantaneamente foi inundada por esse sentimento de paz. Havia algo sobre estar nos braços de Ewan, ser segurada por Ewan... parecia o lugar mais protegido do mundo. Só que seus lábios estavam devastando os dela, movendo-se sobre eles uma e outra vez até que sua língua finalmente deslizou entre os seus lábios. A essa altura, Annabel estava pronta para gritar, porque ela queria... ela queria...

Ela não tinha certeza do que queria. Ela simplesmente segurou, aceitando que o mundo havia se estreitado ao círculo apertado de seus braços.

Quando a porta se abriu e a luz inundou a carruagem, Annabel nem percebeu. Todo o seu ser estava focado na sensação do cabelo grosso de Ewan deslizando através de seus dedos, na demanda de sua boca, no fogo correndo por suas pernas, no prazer irracional de seu beijo.

Foi Ewan quem se afastou, colocando sua falsa condessa longe dele com uma relutância que quase o fez rir alto. Ele era como uma coisa possuída em torno de Annabel. Possuído. Ele lançou um olhar na direção do criado que segurava a porta da carruagem aberta e o homem a fechou instantaneamente. A carruagem caiu no crepúsculo, mas ele ainda podia vê-la. Ele poderia alcançá-la e...

Ele tinha a sensação de que ele sempre seria capaz de vê-la. Mesmo na escuridão suas mãos saberiam qual parte do delicioso corpo cheio de curvas de sua noiva estariam tocando.

— Nós estamos... — ele se conteve. — Este é um dilema —, ele disse finalmente.

Ela estava empurrando grampos naquela linda mecha de cachos que ela tinha. Por um segundo, uma imagem daqueles cachos cobrindo seus seios brilhou em sua mente e ele quase gemeu em voz alta. Pelo amor de Deus, ele esteve duro nas últimas quatro horas. Nesse ritmo, ele estaria morto quando chegassem à Escócia.

Ela olhou para ele, uma mulher que gostava de beijar, ele poderia dizer isso. Toda vez que ele a beijava, ela parecia ficar mais suave e perdia aquela pequena ansiedade que pairava em seus olhos. Ele teve vontade de puxá-la contra ele, chutar a porta da carruagem e ir direto para a estalagem. Em sua melhor cama e...

— Inferno e condenação —, ele murmurou enojado consigo mesmo.

Os olhos dela dançaram com alegria. — Algum problema? — ela perguntou, obviamente satisfeita consigo mesma.

— Eu não posso manter minhas mãos longe de você —, ele admitiu.

Ele gostava do sorriso dela agora. Isso o fez doer, parecia tão acolhedor.

— Não podemos continuar assim por mais duas semanas —, disse ele. — Deixe-me sozinho esta noite. — Ele teve uma imagem repentina dela estendida ao lado dele, dormindo pacificamente, enquanto ele olhava avidamente para ela a noite toda. — Você usa uma touca de dormir? — ele perguntou esperançoso.

Ela balançou a cabeça.

— Sua camisola é do tipo que cobre você do pescoço aos pés?

Ela riu com isso. Ele nunca a ouviu rir... Era um som deliciosamente feminino. Claro, isso fez o desejo explodir em sua virilha. Ele queria que ela risse contra sua pele. Ele queria ouvir aquele som delicioso e ofegante transformar-se em puro prazer depois transformar-se em um suspiro e um gemido.

— Eu não vou chegar à Escócia.

Ela levantou uma sobrancelha.

— Estarei morto antes —, ele esclareceu. — E ainda assim eu nunca ousaria mudar a maneira como planejamos as coisas. Seu tutor prometeu-me ontem à noite que se eu colocasse uma mão em você antes de solenizar o casamento, ele viria para a Escócia e faria algumas coisas muito desagradáveis ??aos meus membros.

Ela riu abertamente com isso. —É difícil imaginar Rafe como o guerreiro vingador.

Ewan viu em sua mente o rosto rigidamente furioso de seu tutor quando Ewan explicou que Annabel tinha concordado em esperar pelo casamento até chegarem à Escócia. — Ele confiou em mim —, disse ele. — O homem não gostou da ideia, mas ele foi bom o suficiente para confiar em mim.

— Claro que sim —, disse Annabel, sorrindo para ele. — Você não tinha que salvar a minha reputação, você sabe. Você poderia ter repudiado todo o conhecimento da Srta. A.E. Minha família inteira está em dívida com você.

Ele sabia que não deveria tocá-la, mas ele levantou seu queixo. — Eles podem pensar o que quiserem —, disse ele, —mas você não me deve nada, Annabel. Eu queria você desde o primeiro momento que a vi, e para dizer a verdade, eu deveria ter escrito aquele artigo ao Messenger eu mesmo. Teria escrito, se eu tivesse pensado nisso.

— O que você quer dizer?

— Depois que você saiu do hotel, eu pensei sobre toda a situação... — Mas ele não podia dizer a ela ainda. — Eu sabia que você tinha me visto sem nenhuma roupa, e isso significava que você estava arruinada para todos os outros homens. Naturalmente, eu teria que me casar com você, mesmo que apenas para salvá-la de uma vida de decepção.

— Agora eu sei que você é escocês —, disse ela descaradamente sorrindo para ele. Não havia um traço de ansiedade naqueles lindos olhos dela.

— Até os ossos —, ele rosnou para ela, e se atreveu a dar apenas um beijo no canto da boca dela. Mas: —Temos que conversar.

— Entre outras coisas, porque esta carruagem está parada no pátio da estalagem —, Annabel apontou. — E todos os habitantes da hospedaria devem estar bastante confusos sobre o porquê de não termos saído da carruagem.

— Não, eles não estão —, disse ele, deixando outro beijo no outro lado, só para equilibrar a conta. — Eles acham que já iniciamos a nossa noite de núpcias bem aqui. A carruagem está provavelmente cercada de espectadores esperando para ver se o veículo começa a balançar para frente e para trás.

— Começa a balançar?— ela repetiu, parecendo fascinada e deliciosamente ingênua. — Balançar?

Ele não podia explicar isso para ela. Não sem agarrá-la, e então a carruagem estaria balançando. — Eu vou ter que dormir nos estábulos —, disse ele com um gemido.

— Você não pode fazer isso —, disse Annabel, os olhos brilhando com malícia. — A notícia vazaria e todos pensariam que estávamos afastados, antes mesmo de nos casarmos. Isso nunca funcionaria.

— Eva, para a vida —, disse ele, olhando para ela com fascínio. Ela apenas pediria a ele para comer a maçã e ele faria em um momento. — A Fornicação sem a bênção de Deus é um pecado —, disse ele, tanto para si mesmo como para ela.

Ele não tinha certeza se ela conheceria a palavra, mas ela conhecia. Seu pequeno nariz foi para o alto, — Eu sou Eva? — ela disse com um balançar de seus cachos.

— Aye. E eu acho que é melhor definirmos alguns limites.

— Eu não tenho nenhuma necessidade de regras —, ela zombou. — Você não é tão interessante assim, Lorde Ardmore, para que me considere arruinada para outros homens.

— Então as regras são para mim —, disse ele. — Porque eu definitivamente estou arruinado para outras mulheres, e eu ainda nem tive o prazer de vê-la nua.

Ela corou e não disse nada.

—Acho que seria melhor parar de nos beijarmos —, disse ele com um suspiro. —Porque eu sei onde isso está levando.

Annabel sentiu uma pontada aguda de desapontamento. Beijar Ewan era a única coisa que fazia sua confusão e medo evaporarem. — Claro, se você não é capaz de controlar-se —, disse ela com altivez.

— Eva! — ele disse. Mas ela podia vê-lo pesando seu desejo masculino de reivindicar o controle contra esse medo que ele tinha dela.

— Como você disse, este é o nosso período de cortejo —, ela lembrou. — No curso normal das coisas você estaria tentando me atrair para qualquer jardim acessível.

— Eu iria, não iria? Então, muitos homens tentaram levá-la pelo caminho do jardim?

Ela sorriu para ele. — E o que você acha?

— Acho que jardins vieram em minha mente no exato momento em que te vi. Você foi enganada com um cortejo, eu vou te dar um. Que tal se nós simplesmente contássemos todos os esforços dos outros homens para a minha corte?

— O Sr. Lemery me pediu para andar no Hyde Park, e, em seguida, ele dirigiu por um caminho vazio, mas ele tinha uma boca muito molhada —. Ela lhe deu um olhar trágico. — O beijo dele conta a seu favor, então?

Ele riu. — Certamente nem todos os ingleses são beijadores molhados? — Ele estava gostando dessa ideia, ela poderia dizer.

— Certamente que não. Lorde Simon Guthrie me beijou antes de me pedir em casamento e foi muito agradável.

Para um homem que parecia geralmente bem-humorado, ele tinha uma carranca feroz. — Pediu-lhe para se casar com ele, não é? — Mas então ele percebeu. — E por que você disse não, se ele era um beijador esplêndido, então?

— Ele era o terceiro filho —, disse Annabel. — Nós estaríamos vivendo na paróquia. Mas seus beijos... talvez ele tivesse muita prática... — Ela deixou a voz se arrastar provocativamente, mesmo que fosse tudo conversa fiada, porque os beijos de Ewan estavam em outra classe dos do pobre Simon Guthrie.

Ele também sabia disso. Ele deu-lhe um olhar zombeteiro através dos cílios e disse: — Talvez apenas beijos. Mas sem beijos no quarto de dormir.

— Eu não estou te implorando —, disse ela com um fungar. — Eu posso me sair perfeitamente bem sem beijar você.

— Você sabe, nós escoceses somos diferentes dos ingleses —, disse ele.

— Eu notei isso!

— Então você deve ter notado que não temos medo de dizer a verdade. E a verdade é, moça, que você acabou de me enganar para continuar com nossos beijos, o que significa que você também não pode ficar sem eles. E outra verdade é que eu não tenho nenhum controle quando estou perto de você.

— Nenhum? — ela perguntou, com alguma curiosidade.

Ele balançou a cabeça. — Então vai ser com você, Annabel, meu amor. Você terá que nos controlar. Somente beijos. E nada no quarto de dormir, lembre-se. Acho que é melhor definirmos um limite. Dez por dia deveria ser mais do que suficiente.

Annabel sorriu para ele. Havia algo extremamente gratificante sobre ter este homem grande como uma montanha admitindo não ter controle ao redor dela. De certa forma, compensava a humilhação da maneira como eles ficaram noivos, e a humilhação de não querer casar com ela imediatamente. — Nesse caso —, ela disse, — Eu vou agradecê-lo por abrir a porta, Lorde Ardmore, e vamos decepcionar a multidão.

— Lorde Ardmore não—, disse ele.

— Ewan.

Em seu sorriso, ela quase o beijou novamente.

Ele pareceu adivinhar o pensamento dela antes mesmo de surgir em sua mente, e seu sorriso se aprofundou. — Pelas minhas contas, estamos em cinco beijos hoje.

Ela se inclinou para a frente e bateu na porta. — Talvez devêssemos começar com meias medidas —, disse ela. — Dada a sua falta de controle.

— Não, eu vou ter a minha parte integral —, prometeu a ela.


Capítulo Quatorze

À primeira vista, o pátio da estalagem do Pig and Cauldron era uma enxurrada de atividades. Longe de haver um anel de pessoas em torno de sua carruagem, ninguém parecia estar prestando atenção a isso, exceto pelo criado que segurava a porta aberta. E os olhos dele estavam rigidamente fixados no céu, Annabel notou.

Então, enquanto descia os degraus, ela percebeu que grande parte da atividade era resultado da chegada deles. O pátio parecia estar cheio de homens usando as cores de Ewan, preto e verde escuro, conduzindo cavalos para cá e para lá e içando troncos.

Ela se virou para o marido. — Quantos batedores vieram conosco?

— Seis na frente e seis atrás —, disse ele, olhando ao redor. —Oh, lá está Mac.

Um homem franzino, de óculos e segurando alguns papéis em suas mãos veio em direção a eles através do caos organizado.

— E quantos criados? — Annabel perguntou.

— O número habitual —, disse Ewan. — Quatro atrás de cada carruagem.

Annabel estava tão entorpecida naquela manhã que ela mal tinha notado a cor da carruagem, muito menos que não estavam viajando sozinhos. Agora, ela virou-se lentamente. Eles haviam montado em uma carruagem reluzente, pintada de verde escuro e com detalhes em preto. Havia dois cocheiros adicionais ao lado do pátio, ambos nas mesmas cores, parecendo ligeiramente mais dispostos.

Ela estava começando a ter um sentimento muito peculiar. Ou seu futuro marido era um perdulário, ou... ou...

Ela se virou para ele, mas o homem de óculos apareceu e estava conversando com Ewan.

— Annabel, gostaria de apresentá-la ao Sr. Maclean, meu administrador —, disse Ewan. — Mac e eu estamos juntos a doze anos e eu não sei o que faria sem ele. Mac viaja à nossa frente e nos encontrará em cada parada. É melhor chamá-lo de Mac também, se ele não se importar.

Annabel estendeu a mão. O Sr. Maclean tinha olhos castanhos bastante doces e uma expressão perturbada. Ele pegou a mão dela um pouco hesitante, depois soltou e fez uma reverência. Então ela fez uma reverência.

— Lady Ardmore —, disse ele. — Bem vinda ao Pig and Cauldron. A pousada aguarda ansiosamente a sua chegada —. Ele se virou para Ewan. — Você tem a melhor câmara, meu senhor, e a esposa do estalajadeiro está preparando um jantar especial para vocês, em homenagem à ocasião. Eles estão muito animados, então se você puder reservar um momento para cumprimentá-los, seria bastante apreciado.

— Claro que podemos —, disse Ewan. Ele enfiou a mão de Annabel sob seu braço. —Venha comigo, então, esposa.— O olhar que ele lhe enviou estava cheio de travessuras.

— Como você obteve a melhor câmara, dado que você ainda não tinha a intenção de viajar para a Escócia até poucos dias atrás? — ela perguntou. —Será que o estalajadeiro mandou embora quem estava originalmente na câmara?

— Eu não estou bem certo dos detalhes —, disse Ewan, conduzindo-a em torno de um paralelepípedo arrancado de seu lugar. — Deixo tudo isso para o Mac.

Quando chegaram à porta da estalagem, o estalajadeiro caminhou na direção deles. Ele era um homem alto, careca, com um sorriso alegre e tinha um forte cheiro de cidra sobre ele. — É uma honra que você tenha escolhido a minha estalagem para sua noite de núpcias. Lorde Ardmore, senhora. Posso acompanhá-los até o seu quarto? Sua sala de jantar privada fica aqui à direita.

Dois minutos depois, Annabel estava sentado em uma poltrona confortável. Seu marido estava conversando com Mac. Seu criado chegara e, em seguida, Elsie, sua criada. Falava-se de banhos quentes. E um minuto depois disso, a sala estava vazia, a exceção de seu marido, que vinha em sua direção com um olhar bastante decidido.

— Ewan —, disse ela, —por que você viaja com tantos batedores?

— Por causa do que aconteceu com Rosy. Eu nunca arriscaria qualquer coisa dessa natureza acontecendo com você. Vale a pena gastar a colheita de um ano inteiro para viajar em segurança.

— Oh —, Annabel disse, confusa.

Ele se inclinou sobre sua cadeira, apoiando-se nos braços e disse: — Beijo número seis? — Era bastante atraente, esse quase marido dela.

— Acho que não —, ela disse de maneira afetada. — Eu gostaria de um banho. No meu quarto, por favor.

— Agora, Annabel, você sabe que esta câmara tem de ser compartilhada por nós dois —. Seus olhos tinham uma alegria profana sobre eles.

— Então vá para fora!

Ele riu e caminhou até a porta. — Vou mandar sua criada com a água quente e esperá-la na nossa sala de jantar... esposa.

Claro que ele teve seus beijos. Houve um atrás da porta da sala de jantar, pouco antes de a filha do proprietário trazer um segundo prato. Houve outro na curva das escadas, quando ouviram vozes vindo da antessala abaixo e Ewan pensou que não deviam descer as escadas ainda. Ele teve um outro fora do quarto deles.

Isso deixou dois beijos.

Ele desceu enquanto Elsie ajudava Annabel a mudar para sua roupa de dormir. Então ela pulou na cama e esperou. Depois de mais ou menos meia hora, ele entrou, e agora ele tinha o mesmo cheiro de maçã que o estalajadeiro.

— O homem faz uma excelente cidra —, disse ele.

— É uma coisa boa que Rafe não esteja aqui —, disse ela, apenas para conversar.

Ele parecia que não podia se lembrar de quem era Rafe. — Você está planejando usar aquele pedaço de seda para a cama? — ele perguntou, sua voz ainda mais profunda.

Annabel olhou para si mesma. Ela estava vestindo uma camisola francesa de seda rosa pálido, a cor da mais jovem das rosas da primavera. Certamente ele tinha visto uma camisola da moda antes? Ela puxou o lençol um pouco mais alto, quase até os seios. Era uma cama grande, afinal de contas. — Eu estou —, disse ela. —É a camisola que Tess me deu para o meu casamento.

— Eu vou passar por aquela porta para o nosso quarto de vestir —, disse Ewan com firmeza. — E é melhor você se trocar, por algo de algodão, minha querida, algo que cubra até seus ouvidos. Ou não duraremos uma noite juntos. Vou ter que pular pela janela e correr para os estábulos, e isso vai causar mais fofocas do que nosso casamento fez.

Ele fechou a porta atrás de si e Annabel apenas sorriu para o teto. Depois de um segundo, ele enfiou a cabeça pela porta e rosnou, — Estou te avisando.

Então ela deslizou para fora da cama e se levantou e viu o choque nos olhos dele, a maneira como eles escureceram e ficaram como os de um tigre faminto. Annabel sabia que ela tinha um corpo adorável, do ponto de vista de um homem. Ela sempre pensou nisso como seu dote pessoal a ser oferecido em uma troca para um homem por sustento. Mas agora ela sentia a elevação de seus seios de uma maneira diferente, medida pela súbita alteração da respiração de Ewan, pela maneira como ele estava tão rigidamente perto da porta. A seda de sua camisola ficou presa entre as pernas dela por um momento e ele fechou os olhos. Como se ele estivesse sentindo dor. Annabel poderia ter rido com o prazer disso.

Ele procurou pelo trinco atrás dele e saiu sem outra palavra. Felizmente, havia uma camisola de algodão engomada e passada perto do topo de seu baú. Ela tirou a seda e dobrou-a em um quadrado cintilante.

Então ela puxou a camisola de algodão. Ela ondulou em torno de suas pernas como as velas de um navio enquanto ela corria de volta para a cama.

Quando Ewan voltou para o quarto, ela estava espiando-o por debaixo dos cobertores, com a camisola de algodão abotoada até o queixo. Ele estava molhado, o cabelo para trás contra sua cabeça. Mas ele ainda estava vestido. Ela levantou uma sobrancelha.

— Tomei banho no açude nos fundos —, explicou. — E há algo que eu não pensei.

— Sim?

— Eu não durmo com uma camisola. Eu nunca gostei delas.

— Mas o que você... — Seus olhos se arregalaram.

— Nu —, disse ele. — Obviamente eu não posso fazer isso no momento.

— Obviamente não! — Ela retrucou.

— Embora você já viu meu peito —, ressaltou.

— Não tenho nenhum desejo de vê-lo novamente.

Ele suspirou. — Nesse caso, vou vestir uma camisa e minhas roupas íntimas —. E sem mais delongas, ele tirou as botas e as jogou para o lado. E então ele colocou a mão em suas calças, mas ela percebeu que suas bochechas estavam ficando vermelhas, então virou-se e olhou para a parede.

Depois de um momento ela sentiu um grande corpo se acomodar na cama ao lado dela.

— Não consigo entender como eu me meti em uma situação tão estúpida —, Ewan murmurou, e ela teve que virar para olhar para ele.

Ele estava deitado de costas, olhando para as vigas, os braços cruzados atrás da cabeça. Ele enrolou as mangas de sua camisa de linho, e estava aberta no pescoço. Annabel podia sentir seu coração batendo em seu peito, por todo o mundo como se estivesse tentando escapar.

— Eu devia ter levado você até um bispo, com a licença especial na mão, e acabado com isso —, disse ele.  — Você não concorda?

— Não, eu gosto de ser cortejada —, disse Annabel. Sentindo-se inexplicavelmente tímida. Era como se toda a sua vida tivesse levado a este momento de encontrar-se na cama com um homem. E ainda assim estava acontecendo sob circunstâncias tão estranhas!

— Eu nem sequer me atrevo a olhar para você —, disse ele depois de um momento.

Annabel teve vontade de rir em voz alta. — Bem, feche os olhos então —, disse ela. Ela virou o ombro para ele novamente.

— Mais duas semanas disso —, ele gemeu. Ela sentiu-o se movimentar e arriscou uma espiada. — Estou colocando um travesseiro entre nós —, ele disse a ela. — Eu não vou arriscar você rolando em seu sono e acabando em meus braços. Há limites para a minha resistência —. Ele encontrou um travesseiro do comprimento de meio corpo para colocar entre eles.

Annabel acomodou-se novamente e tentou pensar no sono, mas de repente ele estava ali, pairando sobre ela.

Ela olhou para ele. — Eu ainda tenho dois beijos —, lembrou ele. — Eu estou guardando um para amanhã.

— Mas você disse que nunca no quarto de dormir —, disse ela, sentindo uma vibração de excitação misturada com apreensão.

— Então este é apenas um beijo de boa noite —, disse ele. Inclinou a cabeça e beijou-a, um beijo doce e pequeno. — Não conta nos meus dez. Mas eu quero dizer-lhe que eu agradeço a Deus que sua irmã Imogen se envolveu comigo na pista de dança.

Ela sorriu para ele e então ele se virou. E depois de um tempo, ouvindo sua respiração calma, ela foi dormir.


Capítulo Quinze

— Você se considera muito querido —, disse Imogen ao conde de Mayne. Ele a seguia até o grande lance de escadas que levava ao salão de baile do Almack.

— Eu sou muito querido —, Mayne respondeu. — É uma pena que você não se considere com o mesmo valor.

— Não há necessidade de ser sarcástico apenas porque eu tentei beijá-lo —, Imogen falou por cima do ombro.

— Você deve ter compartilhado cem beijos em carruagens antes —. No caminho do Almack, ela tinha sugerido que desde que a maior parte de Londres achava que eles estavam envolvidos em um affaire, era dever dele, pelo menos beijá-la de vez em quando. Mayne, aparentemente, pensava diferente.

Imogen ficou bastante surpresa ao encontrar-se satisfeita por ele continuar a iludir seus avanços. Ele era um desafio, e ter um desafio tirou sua mente de Draven.

— Estou acostumado com a escolha do local e da atividade sendo minha prerrogativa —, disse ele agora.

— Então, estou prestando-lhe um grande serviço, trazendo-lhe para a idade moderna. Senhoras viúvas, em particular, não precisam mais agir como freiras piedosas.

— Todas essas noções inovadoras podem ser demais para mim —, disse Mayne pensativo.

— Oh, eu duvido. A moral relaxada combina com você muito melhor do que este  puritanismo, você sabe. Você tem uma reputação a ser mantida. As pessoas vão começar a pensar que você é material de casamento, se você não tomar cuidado. As mães casamenteiras irão adicionar seu nome às suas listas particulares, em vez de estremecer se sua filha chamar a sua atenção.

— Eu me surpreendo —, Mayne admitiu, juntando-se a ela no topo da escada.

—Na verdade, você deveria estar me cobrindo com beijos agradecidos. Aqui estou eu, uma linda e jovem viúva, permitindo que você seja meu parceiro. Porque, se a sociedade não estiver convencida de que você esta envolvido em um caso extraconjugal, eles poderiam pensar o pior de você.

— Que eu estou pensando em me casar?

— Que você tem varíola —, replicou Imogen.

— Sua natureza refinada constantemente me surpreende —, disse acidamente.

Imogen sorriu. Ela não se sentia tão alegre há meses. Algo sobre os gracejos com Mayne faziam com que ela se sentisse menos desesperada. E menos aflita. Ela fez uma pausa e colocou uma mão em seu braço. — Puritanismo é uma afetação que não cabe em você. Desde que a sociedade está convencida de que estamos tendo um affaire, por que é que você nunca sequer me beijou? Não me acha desejável?

— Você é bastante desejável, como você bem sabe —. Ele olhou por cima da cabeça dela e assentiu em saudação a um conhecido. — Mas devemos realmente discutir a falta de intimidade em nossa amizade, neste momento particular?

Imogen olhou em volta. O Almack estava cheio de pessoas, as quais ficaram,  sem dúvida, fascinadas pela sua chegada.

Ela sorriu para ele. — Tudo o que é importante deve ser discutido dentro da visão completa da sociedade. Isso impede que as pessoas tentem exercitar sua imaginação por conta própria.

— Nesse caso, gostaria de observar que ninguém está inteiramente convencido de que nós estamos tendo um affaire; na verdade, eles não sabem o que pensar de nós, e é por isso que eles estão tão interessados.

— As pessoas sempre acreditam no pior —, disse Imogen, — especialmente de jovens viúvas. Porque Griselda me contou sobre uma balada fascinante; o refrão insiste que se você quiser cortejar uma viúva, precisa puxar suas calças — Ela cantou algumas linhas para ele.

— Estou certo de que há uma grande quantidade de conversa acontecendo nas nossas costas —, disse Mayne. —E haverá ainda mais se você cantar mais alto. Senhoras jovens, até mesmo viúvas, não devem saber tais versos. Terei de falar com a minha irmã sobre o fornecimento de uma companhia mais rigorosa para você.

— Eu tenho o hábito de não me preocupar muito com o que as pessoas dizem nas minhas costas —, disse Imogen. — Eu poderia ficar convencida.

— Bastante inteligente! — Mayne disse, levantando uma sobrancelha.

Ela riu. — Eu ouvi em uma peça.

— Bem, você certamente não pode reclamar da sua reputação. Você estava em um caminho direto para ser totalmente desgraçada quando eu a ajudei. Olhe só para você agora: Positivamente o assunto da cidade, e tudo porque você constantemente me rejeita. Se eles soubessem da verdade!

— Vou definitivamente rejeitá-lo novamente esta noite, isso cria tanta diversão. Seria cruel de minha parte negligenciá-lo. Talvez você devesse me pedir para dançar com você...

— Só não me bata de novo —, disse Mayne. — Eu gostaria de nunca ter sugerido isso. Acho que meu queixo ainda está sensível.

— Eu prometo que não vou —, disse ela, deslizando o braço sob o dele e aninhando-se.

— Deixe-me adivinhar, Lady Blechschmidt acabou de entrar na sala.

Ela sorriu para ele, um sorriso incrivelmente adorável. — Não.

—Sua irmã Tess?

Imogen riu. —Não! Por que eu iria querer impressionar Tess com o meu carinho por você?

— Oh —. Mayne parou. —Droga, Imogen, você poderia ter me dito que Rafe estava vindo para o Almack hoje à noite.

— Eu não tinha ideia até este momento —, disse ela, observando seu antigo tutor atravessar a pista de dança em  direção a eles. —É muito estranho, na verdade. Eu não acho que Rafe goste do Almack, não é? Eles não servem drinks.

— Vou contar a ele a verdade sobre o nosso relacionamento antes que ele me mate —, disse Mayne.

— Não, você não vai! Eu particularmente não me importo que você seja puritano em sua conduta ao meu redor, mas você me envergonharia ao revelá-lo aos outros, especialmente ao Rafe!

— Não haveria constrangimento envolvido —, Mayne protestou. — Rafe será grato ao saber que seu amigo mais próximo não seduziu uma de suas pupilas, especialmente quando a pupila em questão ficou viúva apenas sete meses.

— Seis —, disse Imogen.

Ele olhou para ela. — E quantos dias?

— Vinte —, ela disse suavemente.

— Precisamente —, disse ele com um suspiro. — Que tipo de um monstro ele pensa que eu sou, afinal?

— Oh, pelo amor de Deus —, Imogen disse irritada. — Rafe não é mais meu tutor. Ele perdeu esse privilégio, se é que poderia chamá-lo assim, quando me casei com Draven. E quanto a você, você é um libertino, Mayne... Toda Londres sabe que você é um. Rafe sabe disso sobre você com tanta certeza quanto você sabe que ele é um bêbado. Por que diabos você tem que escolher agora para começar a ter todos esses escrúpulos?

— Você coloca as coisas tão lindamente —, disse ele. — Eu sempre me acalmo com seus modos tão refinados.

— Eu sou conhecida pela doçura da minha disposição —, disse Imogen, sorrindo para ele. Rafe estava quase atingindo o seu lado da sala, e mesmo a partir daqui Imogen podia ver quão zangado estava. Talvez fosse cruel da parte dela permitir que ele pensasse que Mayne tinha sido tão desprezível. Mas havia algo sobre Rafe que a fazia desejar irritá-lo.

Com certeza, ele varreu entre eles como um vento frio, pegando cada um de seus braços e dando-lhes um sorriso rosnado que não teria enganado ninguém. Rafe nunca teve muita sutileza social. Dois segundos depois, eles estavam em uma das pequenas salas de estar da antecâmara e Rafe estava envolvido em sua atividade predileta: berrar com Imogen.

Ela vagou e esfregou um dedo contra a cornija da lareira. Sua luva de pelica branca ficou cinza.

Talvez ela soltasse uma palavra no ouvido do Sr. Willis. Ele certamente gostaria de saber que seu estabelecimento não estava sendo mantido em padrões apropriados.

Por um momento, ela se concentrou na voz de Rafe. — Eu não posso acreditar em sua devassidão! — Aparentemente, ele estava descontando em Mayne, então, Imogen cuidadosamente desenhou a forma de um trevo de quatro folhas na poeira. Não parecia justo que o pobre Mayne suportasse o peso da ira de seu amigo. Por que, aqui estava Rafe, dizendo que o amigo era muito pior do que um devasso. De fato...

— Meu Deus! — ela disse, colocando a luva manchada sobre o coração. — Eu poderia ter ouvido essas palavras corretamente, Vossa Graça? Será que eu realmente ouvi você dizer  cão infernal em minha presença? — Imogen pensou que seu horror afetado era tudo o que poderia ser.

Mayne revirou os olhos para ela, por trás das costas de Rafe.

— Você é muito bom para lançar insultos, meu querido Mayne —, disse Imogen com prazer. —Ele é um membro frutífero da sociedade, ao passo que, aparentemente, você existe apenas para manter a indústria de uísque viva e próspera!

Mas Rafe tinha se enfiado em seus calções apenas para que ele pudesse ser admitido no Almack e encontrar os dois antes que criassem um escândalo ainda maior. Ele estava determinado a parar de cometer erros nesse negócio de tutor. De alguma forma, ele teria que impedir suas pupilas de arruinarem-se a torto e a direita.

— Um homem é medido por suas responsabilidades —, disse ele friamente. — Mayne não tem nenhuma, e eu, Deus me perdoe, tenho você entre as minhas. Então, por favor —, ele virou-se para Mayne —não faça isso. A insolência de Imogen não é nada mais do que uma concha muito frágil cobrindo sua dor. Estou certo de que ela foi bastante ativa na sedução, mas estou pedindo pela força de nossa amizade,  deixe-a.

Mayne olhou para Imogen.

Imogen olhou para Rafe.

— Se ele não está preparado para parar esta loucura —, Rafe continuou sombriamente, olhando fixamente para Imogen, —Vou levá-la do Almack agora, fisicamente se necessário. Você virá para o campo comigo. Você precisa se recuperar, não brincar sobre isso!

— Se eu for para o campo, Mayne pode vir comigo? — Imogen disse provocativamente, só para ver os olhos de Rafe escurecerem  de cinza-azulado para preto.

— Não, ele não pode —. Ele cuspiu as palavras, e virou-se para Mayne. Atrás dele, Mayne parecia bastante irritado.

—Oh, tudo bem! Se você quer saber, Mayne não está fazendo nada mais nefasto do que me acompanhar! Ele absolutamente se recusou a tornar nosso relacionamento mais intimo. Por enquanto —, ela acrescentou com um sorriso maroto para Mayne, — Até agora.

— Eu posso acompanhá-la, se você precisa de um companheiro que não seja Griselda.

Imogen olhou Rafe de cima a baixo, começando por seu cabelo incontrolável, demorando-se em sua barriga ligeiramente arredondada, terminando na ponta de suas botas não polidas. Em seguida, ela comentou: —Eu tenho uma reputação a zelar.

— Mayne pode ser mais bonito —, Rafe retrucou, — mas o mundo inteiro pensa que você está dormindo com ele.

— Ainda não, eles não pensam —, disse Mayne, falando pela primeira vez.

— A maioria deles pensa —, retrucou Rafe. — O resto deles acredita que você está realmente cortejando Imogen. Então, a menos que você esteja pensando em saltar para o matrimônio, eu sugiro que você tempere um pouco a sua corte.

Com isso, a boca de Mayne se abriu. — Eles pensam?

— Bem, o que você esperava? Você não têm prosseguido um affaire em meses, quase um ano, não é? E agora Imogen está alternadamente rejeitando e guiando você. As apostas estão em quinhentos para um que ela vai aceitá-lo antes do final do próximo mês.

Imogen pegou seu leque e acenou-o diante do rosto para esconder seu sorriso de prazer. — Eu não fazia ideia.

— Nem eu —, disse Mayne com uma carranca.

—Bem, não se preocupe —, disse ela. —Eu não casaria com você, então você não precisa temer pelo seu futuro conjugal. Eu estava com a impressão de que você estava evitando a ideia de casamento.

— Eu estou.

— Então estou fornecendo uma excelente cobertura para a sua falta de intenção —, disse ela, voltando-se para Rafe. — Veja. Você deu seu aviso —. Ele estava olhando para ela com um olhar, um olhar que... poderia ser que ele estivesse com pena dela novamente? Rafe, o velho e encharcado Rafe? A raiva endureceu as costas de Imogen. — Eu sugiro que nós continuemos assim como nós estamos —, disse ela docemente. — E apenas para que você saiba exatamente onde estamos, Rafe, eu poderia muito bem dizer-lhe que a única coisa entre mim e o prazer da cama de Mayne são seus próprios escrúpulos —. Ela colocou um braço em volta do pescoço de Mayne. —Eu, naturalmente, continuarei tentando fazê-lo mudar de ideia.

Certamente, os olhos de Rafe ficaram pretos de fúria. — Você simplesmente não entende, não é?— ele disse, sua voz um grunhido baixo.

Ela sorriu para ele, seu coração batendo rápido com a visão da raiva nos olhos dele, cortejando a emoção, a sensação de que ela estava viva. Então, ela deliberadamente estendeu a mão e apertou os lábios na bochecha de Mayne. — Oh, mas eu acho que eu entendo.

— Não se preocupe comigo —, disse Mayne, sacudindo o braço dela fora de seu pescoço.

— Você está apenas tentando me impedir de ter qualquer prazer! — ela disse para Rafe. — Você não passa de um desmancha-prazeres, tão cheio de uísque que você não pode suportar a ideia de pessoas sóbrias se divertindo com algo além de bebida!

— Isso não tem nada a ver com a situação —, Rafe rosnou para ela. — Quando meu irmão morreu, tentei me jogar aos cães, da mesma maneira que você está fazendo.

— Oh? — ela disse. — E quando você parou a prática? Depois de tanta experiência, o seu conselho deve ser de grande valor prático.

Mayne gemeu e se afastou, atirando-se em uma cadeira. Imogen não lhe deu atenção.

A mandíbula de Rafe se apertou. — Vou desistir do uísque se você desistir dessa tentativa descarada de arruinar-se.

— Eu não vejo motivo para vergonha —, disse Imogen, sua voz cheia de desdém. —Eu acho que você se esquece de que não sou uma jovenzinha inocente, assustada com a visão de um homem...

Mayne interrompeu. — Isso é...

Mas Rafe falou por cima dele. —Você sabe tão bem quanto eu, Imogen, que você está simplesmente tentando abafar sua dor, chamando atenção para si. Eu lhe disse, fiz a mesma coisa e posso ver  isso em você.

— Você... — Imogen disse, mas de repente o fogo dela foi desaparecendo porque os olhos dele eram muito gentis. Muito piedosos. Ela virou-se bruscamente e sentou-se no colo de Mayne, ignorando o ruído de surpresa dele. —Eu irei para os cães à minha própria maneira —, disse ela, encostando a bochecha no cabelo preto de Mayne, mas observando Rafe. — Eu nunca fui beijada com tanta paixão por ninguém além de Mayne. Eu o adoro.

De repente, Rafe parecia o duque que ele tantas vezes esquecia de ser. Seus olhos brilharam para ela. — Se essa é a sua escolha.

— É —, ela disse, meio desejando que ele a agarrasse pelo pulso e a puxasse para fora da sala. — Afinal, você não evitou o uísque, não é? Então, por que eu deveria evitar Mayne? Ele é uma bebida muito mais doce.

Mayne gemeu. — Nunca dedique-se a poesia, Imogen.

— Apesar de sua analogia banal, eu entendo o seu ponto —, disse Rafe passando a mão pelos cabelos para que se alinhassem no topo. —Talvez eu não tenha o direito de criticá-la, uma vez que não sou o melhor modelo. Mas eu me importo com você, sabe Deus por qual razão. Eu sou o tutor que seu pai escolheu. Ele não desejaria vê-la ir por esse caminho.

— Como você poderia saber? — Imogen disse friamente. — Se eu estiver correta, você esteve com papai apenas uma vez.

A mandíbula de Rafe se fixou e ele olhou para Mayne, que estava tentando manter o cabelo de Imogen fora de sua boca. — Cuide dela —, alertou.

— Eu... — Mayne disse.

Mas Rafe foi embora.

Imogen deixou a cabeça cair contra o ombro de Mayne.

— Você, devidamente, estragou tudo —, disse ele afastando o cabelo dela de seu rosto novamente.

Imogen podia sentir as lágrimas chegando, agora que a excitação estava se esvaindo. — Eu não quis dizer, eu...

— Oh, Deus —, Mayne disse, enfiando a mão em um bolso. — Aqui —. Ele entregou-lhe um grande lenço.

— Sinto muito —, Imogen lamentou.

Mayne a colocou em uma posição mais confortável em seus joelhos. Ela parecia ter se lançado em uma tempestade propriamente dita, mas se havia uma coisa que todo cavalheiro inglês sabia, era que uma tempestade sempre passava eventualmente. Ele começou a pensar em seus estábulos. O Ascot estava chegando, e um homem não podia estar preparado demais.


Capítulo Dezesseis

Foi no final da primeira semana de viagem que Ewan inventou o jogo. Ele queria apenas dez beijos. Annabel queria mais do que dez beijos. De alguma forma, beijar Ewan a deixou com sede, tanto que ela passou horas na carruagem lançando olhares para ele, apenas para descobrir que ele estava olhando para ela, e a expressão nos olhos dele...

Era apenas duas horas da tarde, hora do almoço, e eles já haviam gasto todos os dez beijos, começando naquela mesma manhã, quando Ewan roubou um sobre o travesseiro, quebrando sua próprio regra sobre não beijar no quarto de dormir.

— Vamos apenas parar na próxima aldeia e pedir ao padre que nos case —, disse ele.

Mas Annabel resistiu a essa ideia. — Não —, ela disse, balançando a cabeça. — Eu não quero. Quero ser casada pelo padre Armailhac —. Eles tinham perdido a noção do tempo, pelo menos quando Ewan não estava andando ao lado da carruagem, e Annabel estava cada vez mais curiosa sobre este monge sério e terno que Ewan descreveu como uma espécie de pai para ele. — Além disso, nós não chegaremos a nenhuma aldeia até a noite, não se lembra? Nós vamos fazer um almoço de piquenique.

Mac havia arrumado tudo, carregando grandes cestas em uma das carruagens que os precediam, prometendo que tudo estaria pronto quando eles chegassem. A vida com Mac, Annabel estava descobrindo, era muito agradável.

— Um piquenique —, Ewan gemeu. — E nenhum...

— Nenhum —, Annabel disse com firmeza. Ela não sabia por que ela estava gostando tanto desse jogo dos beijos.

Mas ela estava. Havia um enorme prazer na maneira como eles podiam ou não podiam se tocar, na forma como ela podia dizer-lhe que não, uma e outra vez, e então finalmente deixá-lo esmagá-la em seus braços. O único problema era que eles estavam tendo alguma dificuldade em distinguir o fim de um beijo. Na mente de Ewan, um beijo durava pelo menos meia hora. — Eu sou um escocês —, ele continuava dizendo a ela. — Obviamente você está acostumada com os ingleses, e nós sabemos que espécie apressada que eles são.

Ela não tinha certeza do que ele estava se referindo, mas ela não perguntou. Obviamente, a pressa era uma qualidade indesejável no quarto de dormir.

A carruagem estava chegando a uma parada para o almoço quando Ewan teve sua ideia. — O objetivo desta viagem é nos conhecermos melhor —, disse ele, com um sorriso malicioso nos olhos. —Então sugiro que façamos um esforço mais concentrado nessa direção.

— Certamente —, ela concordou.

— Vamos fazer perguntas um ao outro.

— Mas nós já fazemos isso —, ela se opôs.

— Perguntas difíceis. E cada pergunta que for respondida verdadeira e abertamente, com honestidade aqui —, ele colocou a mão em seu coração  — ganha um beijo.

— Então, se eu não responder a uma pergunta honesta, não há nenhum beijo? — ela perguntou.

— Nenhum. Mas você tem que me fazer perguntas também.

— Quem decide se uma resposta foi honesta ou não?

— A pessoa que a deu, é claro. Vou começar. Agora, senhorita Annabel Essex, imagine-se diante do poderoso anjo gravador. Qual é o seu pior defeito?

— Não tenho nenhum —, disse ela levianamente.

O lacaio abriu a porta e Ewan ajudou-a a sair. — E você foi honesta? — ele perguntou, quando ela estava em pé, ao lado de um prado encantador.

— Não —, disse ela. — Oh, Ewan, isso não é adorável?

Mac estava lá, curvando-se e segurando um maço de papéis. — Lorde Ardmore, seu piquenique está montado na clareira um pouco além daquelas árvores, se você e sua senhoria não se importarem de andar através do prado. Está bem seco.

— Mac, isso é lindo! — Annabel disse, sorrindo para ele.

— E você e os homens? — disse Ewan.

Mac acenou com a cabeça para o outro lado da estrada, bem no sentido oposto. Annabel podia ver uma mesa rústica colocada ao sol, com o que parecia um barril de cerveja ao lado dela. —Uma vez que temos uma longa viagem antes de chegarmos a Witham Common, achei melhor fazer uma pausa confortável aqui e talvez descansar uma tarde antes de continuarmos. Não vamos cear até as dez ou mais tarde.

Um sorriso lento se espalhou pelo rosto de Ewan. — Mac, lembre-me que estou dobrando o seu salário —, disse ele. E então ele ofereceu um braço para Annabel.

Para início de maio, o tempo estava absolutamente adorável. O céu era de um azul pálido, como o linho desbotado pendurado ao sol. Algumas nuvens flutuavam no alto de seu arco. O prado em si estava cheio de salsa de vaca cujas flores brancas destacavam-se vividamente contra a nova grama. Cruzaram o prado e entraram em uma linha de amieiros que dividiam o prado de uma pequena clareira. Sob os amieiros haviam campânulas azul escuro, flores azuis penduradas no alto da beleza de sua floração.

— Oh, olhe —, Annabel exclamou, ajoelhando-se e juntando os jacintos. — Há muitos deles, eu nunca vi tantos!

Ewan se agachou ao lado dela. — Eles são quase da cor de seus olhos —, disse ele, segurando um ao lado de sua bochecha. — Não, não é bem assim. Você tem olhos extraordinários, sabe disso?

Ela segurou um sorriso, mas ele tremeu no ar entre eles. — Você é um adulador —, disse ela severamente. — Vou perguntar-lhe sobre o seu pior defeito, e, em seguida, serei capaz de julgar a verdade de sua resposta para mim.

Ele sorriu para ela, um sorriso torto, e não respondeu. E ela tinha o colo cheio de jacintos, então ela puxou a saia diante dela para mantê-los e eles caminharam até os cobertores que Mac tinha colocado à sombra de um carvalho. O sol dançava através das pequenas folhas do carvalho, transformando-as em açafrão e salpicando os cobertores com as sombras de pequenas folhas. Ewan preencheu muito seriamente todos os copos com jacintos, e deu-lhes água do riacho, de modo que o piquenique passou de um assunto muito formal, todo de prata pesada e linho engomado, para uma festa de chá infantil.

E então ele se estendeu a sua frente e Annabel percebeu que ele mal tinha dito uma palavra desde que ela disse que não tinha falhas.

— Qual é o seu maior defeito? — Ela perguntou a ele.

— Minhas falhas são muitas —, disse ele. — E eu acho que posso estar no processo de mudar o principal, por assim dizer.

— Oh —, disse ela, desconcertada em vê-lo tão sério sobre o assunto. — E qual é a sua mais nova falha então, orar?

— Luxúria —, disse ele, e sorriu para ela como um lobo. —Eu ganhei um beijo por minha honestidade.

Ela podia sentir o riso borbulhando em seu peito. — Essa é uma falha de curta duração —, disse ela. — De tudo que eu ouvi das esposas na aldeia, a luxúria é algo que um homem sente por sua esposa apenas brevemente, se é que sente.

— Não eu —, disse Ewan, ignorando seu tom de brincadeira. — Espero que eu esteja desejando você no dia que eu encontrar o meu Criador.

Annabel levantou uma sobrancelha, mas de alguma forma Ewan parecia imune a comentários sarcásticos. Era difícil ser cínica em torno dele; as palavras pareciam morrer antes que pudessem ser ditas. Então ela pegou um delicado sanduíche de pepino e comeu.

Depois de um tempo ele ainda não tinha dito nada, e ela estava começando a sentir que o silêncio era opressivo, então ela disse: — Eu não tenho certeza de que a luxúria conta mesmo como um pecado quando é entre um homem e sua esposa. Não que eu seja sua esposa, mas...

— Mas você vai ser —, disse ele. — Eu estava pensando na mesma coisa. Vou ter que perguntar ao padre Armailhac sobre isso.

— Você leva a questão terrivelmente a sério —, disse ela.

— Nós não temos copo —, disse ele, entregando-lhe uma garrafa aberta de vinho branco.

Ela olhou para ele espantada. — Eu não posso beber sem um copo.

— Você não pode? Por que não? — Ele pegou a garrafa de volta e girou-a no ar.

Ela riu. — Eu não posso beber dessa maneira.

— As senhoras têm um número cansativo de restrições —, disse ele, puxando jacintos de uma taça de vinho e colocando-os em um copo de água com vários de seus irmãos. Então ele serviu uma taça de vinho para ela. —E eu levo essas perguntas a sério.

— Por quê? — ela perguntou. O vinho estava levemente espumante e deslizou por sua garganta com um cheiro de flores.

— Por quê? Porque eu me importo com minha alma —, disse ele, bebendo da garrafa novamente.

Ela olhou para ele, tentando descobrir exatamente o que ele queria dizer. Mas era difícil manter a mente na tarefa. Agora ela sabia quão suave o cabelo dele era contra seus dedos, e a forma como ele enrolava na nuca. E ela conhecia a sensação do rosto dele quando a barba estava apenas começando, como estava agora. E a suavidade de seus lábios, o modo como eles enfraqueciam seus joelhos e a faziam cair em seus braços. E os olhos dele...

— Se você me olhar assim, moça —, seu futuro marido disse em voz baixa, — teremos que contar com a graça de Deus para nos perdoar por desconsiderar os nossos votos.

Ela piscou. — Eu só estava tentando decidir o que você quis dizer com a sua alma —, ela disse, mas pode ouvir como sua voz parecia ter ficado rouca.

— Eu quis dizer que eu me preocupo com a minha alma —, disse ele. — Não há nenhuma outra maneira de colocá-lo, que eu possa pensar. É uma coisa valiosa que Deus me deu, e eu não tenho nenhuma intenção de estragar isso.

Annabel franziu a testa e distraidamente bebeu o resto do vinho em sua taça. — Você está dizendo que você é... você é religioso?

Ele parecia um pouco surpreso. — Eu não tenho certeza do que você quer dizer com isso, mas suspeito que a resposta seja sim.

Religioso? Ela e suas irmãs tinham ido à igreja toda semana de suas vidas, mas ela nunca se considerou mais que uma observadora. Ela mal havia trocado mais de uma ou duas palavras com o padre nos últimos anos; seu pai dissera que ele era um mendigo barato, e deixou a igreja antes que o órgão se aquietasse. O que significava que o padre tinha cometido o erro de pedir a seu pai que desse o dízimo da renda dele.

Uma vez que eles se mudaram para a Inglaterra, Rafe raramente conseguia sair da cama a tempo de se juntar a elas aos domingos, e embora Griselda tivesse seu próprio livro de orações incrustado de pérolas, quando ela voltava ela falava de amigos que vira e que não vira no sermão.

Ewan bebeu novamente. — Minha revelação parece ter interrompido a conversa —, observou ele. — Você está olhando para mim como se tivesse crescido uma cabeça extra. Vou contar como tendo ganho outro beijo; afinal, você me fez uma pergunta.

Annabel tentou descobrir o que dizer. Claro que não havia nada de errado em ser religioso. Ela sabia que homens perfeitamente respeitáveis ??muitas vezes entravam na igreja e se tornavam arcebispos. Mas isso era porque eles eram segundos filhos. E é claro ela sabia que os trabalhadores muitas vezes praticavam uma espécie de devoção supersticiosa. Era uma coisa excelente para uma criança acreditar no céu, e ela achou muito útil quando sua mãe morreu. Mas, desde então...

— Presumo que você não se descreveria como religiosa —, disse Ewan.

— Não —, disse Annabel — embora, é claro, eu não tenha nenhuma preocupação com o fato de que você é... quero dizer, estou feliz por isso... — Mas ela se enroscou na frase, e não conseguia pensar no que dizer.

— Então você acha que eu respondi honestamente? — ele perguntou, rolando de modo que ele estivesse bem perto dela.

— O quê? Eu suponho —, ela disse, ainda confusa.

— Desde que eu era a pessoa respondendo à pergunta, posso dizer-lhe que o fiz. Respondi honestamente —. Ele olhou para ela com expectativa.

— Oh —, ela murmurou, — um beijo. Bem —. E ela se inclinou para frente e deu um pequeno beijo na boca dele. O tipo de coisa que você daria para um homem que manteve suas crenças infantis intactas.

Então ela se afastou, mas ele a seguiu. — Um beijo Inglês não estava no acordo —, ele rosnou, e de repente ela se viu inclinando para trás e lá estava ela, como um peixe na margem do rio, e esse grande escocês pairando sobre ela.

Mas havia uma expressão em seus olhos que fez Annabel esquecer tudo sobre a questão das igrejas e dos padres e da crença em geral.

— Você me deve um beijo, Srta. Annabel Essex —, ele disse a ela, sua respiração aquecendo seu rosto. — Dois, se minha contagem estiver correta —. A proximidade dele estava fazendo seu coração bater contra seu peito. No entanto, ao mesmo tempo, ela sentia uma paz preguiçosa sobre ela, a sensação de calma que ela sempre tinha quando estava perto dele.

Ele estava apoiado nos cotovelos agora e inclinando-se sobre ela. Então sua cabeça desceu e Annabel fechou os olhos, apagando o azul fraco do céu, e o brilho de seu cabelo, e simplesmente permitindo que seu mundo se tornasse os lábios dele, e o toque da mão dele em seu rosto. Sua boca era quente e persuasiva, moldando seus lábios lentamente, pacientemente, fazendo uma pergunta silenciosa até que ela abriu a boca e o acolheu.

— Você gosta de me manter longe, não é? — ele sussurrou em um murmúrio rouco.

Ela não pôde deixar de sorrir com a pura alegria disso. — Só por um tempo, de modo que...

Mas ela ofegou. A boca dele se fechou na dela e seu grito não foi ouvido. Seu beijo foi quente em sua posse, arrogante em seu domínio... e tudo que ela podia fazer era tremer, e depois passar as mãos no cabelo dele e beijá-lo de volta.

Foi uma eternidade depois, quando seu corpo inteiro se sentia em chamas, que ele se afastou e disse em um grunhido, — Ainda nos resta um beijo.

Annabel sorriu para ele, atou-lhe o braço ainda mais apertado em volta do pescoço e arqueou-se para encontrar sua boca.

— Então volte para mim —, ela respirou.

Desta vez, a boca dela encontrou a dele abertamente, com uma doçura selvagem que fez a respiração deles ficar irregular em segundos. Ela ouviu um gemido ofegante e sabia que era dela. Ela não podia sentir as curvas duras e sulcos do corpo dele, então ela tentou puxá-lo para ela.

Mas ele riu, embora o som tenha ficado preso em sua garganta, e disse: — Nay, não em um beijo.

Mas, em seguida, uma de suas grandes mãos tocou sua cintura, e ela tremeu com o puro prazer daquilo. Sua boca saiu da dela, mas ela não abriu os olhos. Porque se ela abrisse os olhos, ele iria tirar sua mão, e estava avançando mais e mais...

Por um momento, um momento feliz, uma grande mão segurou seu seio e ela instintivamente se arqueou para ele, um gemido rasgou de sua garganta. Um polegar esfregou seu mamilo. Annabel nunca tinha sentido uma coisa dessas, como se aquele pequeno movimento queimasse seu corpo inteiro. Ele fez isso de novo, e os olhos dela se abriram, procurando o rosto dele. Ele estava debruçado sobre ela, sua mandíbula forte, e em seguida, assim que seus olhos se encontraram, ele esfregou seu mamilo novamente e ela gritou, puxou a cabeça dele para a dela e puxou-o para ela no processo. Então lá estavam eles, seus lábios devastando os dela, e sua mão presa entre eles.

E então Ewan arrancou sua boca da dela e rolou para longe. Ela ouviu a respiração irregular dele acima das batidas em seus ouvidos.

Finalmente ela abriu os olhos e olhou para o céu branqueado. Ela não tinha certeza do que fazer. Ela tinha se comportado como uma libertina. E não estaria ele horrorizado, um homem de Deus, como ele era? — Esse beijo acabou —, disse ela finalmente.

Um sentimento de vergonha se apoderou dela. Ela sabia muito bem o que ela estava querendo. Ela queria que ele baixasse o corpete e tocasse seu seio nu com a mão dele. E se ela não estivesse tão envergonhada, ela teria pedido a ele para fazer isso. Vergonhoso. Ela mordeu o lábio e desejou nunca ter que abrir os olhos novamente. Desejou poder apenas fingir que tudo isso nunca aconteceu.

— Eu acho —, disse ele, e sua voz soou quase normal, — que deveríamos fingir que isso nunca aconteceu.

Ele concordou com ela! Annabel sentiu um lampejo agudo de vergonha e depois afastou-o. O que foi feito foi feito.

Ela se sentou, evitando os olhos dele, e mexeu nos cabelos. Então ela viu sua taça de vinho e estendeu a mão para pegá-la, chocando-se ao descobrir que tremia. Ela bebeu o copo inteiro e isso ajudou, um pouco. A leve amargura florida estava fria em sua garganta. Mas ela não conseguia encontrar os olhos dele.

Ele serviu-lhe outra taça de vinho. — É melhor você comer alguma coisa antes de beber mais vinho —, disse ele, parecendo divertido novamente.

Era bastante cansativo, como ele sempre parecia divertido, Annabel decidiu. Finalmente, ela olhou para ele. Naturalmente, ele parecia tão calmo como se nada tivesse acontecido. Ela estava começando a pensar que nada abalava a calma de Ewan. Ela procurou em sua mente uma pergunta agradável e inócua, uma que mostrasse que ela também estava totalmente despreocupada sobre isso.

— Quantos dias você estima que falte para terminar a nossa jornada? — ela perguntou, e então percebeu seu erro no momento em que ele riu.

Suas bochechas ficaram escarlate, mas Ewan apenas disse: — Oito.

Ela assentiu e comeu um sanduíche de pepino.

— Agora estou com medo de fazer-lhe qualquer pergunta —, ele disse em tom de conversa.

— Vá em frente —, disse ela. — Eu não vou responder com honestidade, e então não há necessidade de alarme.

— Muito bem, então —, disse ele. — Você gostou do meu beijo, Annabel? — O próprio som da voz preguiçosa dele enviou arrepios por sua espinha. Era enlouquecedor.

— Eu acho que você está melhorando. Lorde Simon Guthrie era uma forte concorrência, mas você é muito bom também.

Ele deu uma gargalhada. — A única boa notícia sobre a sua resposta é que eu não ganho outro beijo.

Ela mordeu o lábio e tentou não se sentir estúpida.

— Eu não poderia ter outro beijo assim. Eu não estou respondendo a uma pergunta, então eu não me importo de dizer a verdade. Eu nunca me senti assim enquanto beijava uma mulher, e eu nunca pensei nisso. E —, ele acrescentou — Estou muito preocupado que quando finalmente deixarmos de lado os maldito votos, sofreremos combustão espontânea. Ouvi dizer que isso pode acontecer.

Um sorriso formigou em seus lábios, mas ela não conseguia olhar para ele. Ela não podia.

— Desde que eu estou sendo tão honesto aqui —, ele continuou, — também estou um pouco preocupado que você me odeie agora que eu toquei seu seio. Eu não tive a intenção de fazê-lo —. E então ele não estava sentado do outro lado do pano de piquenique, mas ajoelhado diante dela. — Perdoe-me, Annabel? Eu sei que nunca deveria ter tocado você de tal maneira antes de nos casarmos, e muito menos a céu aberto. Eu, eu... perdi o controle e você está provavelmente pensando que é porque eu sou um homem rude mas...

Havia realmente angústia em sua voz. — Ewan —, disse ela.

— Sim?

— Você gosta de me beijar?

— A verdade de Deus, moça, é que é a única coisa que penso desde a manhã até a noite.

— Acabei de ganhar um beijo —, disse ela dolorosamente, finalmente encontrando seus olhos verdes. O que ela viu ali fez seu sorriso tremer com a força pura dele. Então ela estendeu a mão e puxou-o para ela e caiu para trás, e seu corpo pesado seguiu o dela. Era como se nunca tivessem parado de beijar, isso é o quão rápido o calor voltou. Em menos de um segundo, ela não conseguia recuperar o fôlego  e ela não podia pensar, mas ela fez apenas uma coisa.

Ela pegou a mão dele de sua bochecha e moveu-a.

Ele gemeu alto quando sua mão segurou o seio dela, moldando-o como se fosse feito para nenhum outro propósito.

Mas ele não tocou o mamilo novamente. Ele apenas a beijou, toda aquela fome selvagem adocicada com uma promessa, e a verdade entre eles.

E quando ele puxou a cabeça para trás desta vez, ela sorriu para ele.

— Acho que minha mão está congelado no lugar —, ele disse a ela.

— Mac ficará muito surpreso então —, ela disse, borbulhando com o riso.

Ele relutantemente se afastou e sentou-se. — Sem mais perguntas.

— Nenhuma.

— Pelo menos não hoje —, ele emendou. — Você gostaria de um pedaço de frango?

Perversamente, as únicas coisas que vieram à mente de Annabel foram perguntas. Ela comeu uma maçã, e olhou para Ewan, e todas as perguntas que tinha em mente tinham a ver com o fato de seu peito ser realmente tão musculoso quanto ela se lembrava, e se era uma cor dourada ou se isso foi apenas um truque de sua memória . O resto de suas perguntas não poderiam nem ser colocadas em palavras.

O vinho tinha gosto de água clara temperada com flores; isso a fez sentir-se incivilizada e livre.

— É claro —, ele continuou, —você ainda tem uma pergunta, por assim dizer.

— E do que seria isso?

— Você ganhou o concurso de arco e flecha. Você ganhou uma recompensa de mim lembra?— Seus olhos estavam escuros e descaradamente sedutores. — Você pode me pedir qualquer coisa Annabel, e eu teria que fazer por você.

Em um movimento suave, Annabel deslizou para baixo de modo que ela estava em uma pose mais grosseira, deitada de lado, assim como ele, com a cabeça apoiada em um cotovelo. Era escandaloso. Ela sorriu para ele com o puro prazer disso.

— Você vai ter que me dar algumas sugestões —, disse ela, e sua voz derramou como mel ligeiramente queimado. — Você sabe, Lorde Ardmore, que eu não sou tão experiente nestas coisas quanto você é.

— Agora você esta fazendo suposições.

Ele estava sorrindo para ela. O que ele queria dizer? Annabel abriu a boca para lhe fazer uma pergunta, mas eles haviam dito que não fariam mais nenhuma pergunta.

— Nem mesmo uma pergunta? — ela perguntou.

— Talvez eu possa adivinhar o que você gostaria de saber —. ele disse, os olhos dançando.

— Muito provavelmente —, ela retrucou.

— Não há muitas candidatas prováveis ??para minhas afeições nos confins da floresta de Clashindarroch —, disse ele, usando seus olhos descaradamente. — Quando eu era um rapaz, eu pratiquei minhas habilidades por um curto período de tempo com uma moça disposta da aldeia. Mas então o meu tio Pearce me puxou para o lado e disse algumas coisas fortes sobre a natureza da responsabilidade e o que aconteceria se uma mulher tivesse um filho. Eu sou o conde deles, você sabe.

Ela assentiu.

— Eu estava sendo educado em casa, e no curso normal das coisas eu teria me encontrado em uma universidade e teria encontrado muitas jovens que poderiam me treinar nos modos das mulheres. Mas, infelizmente, antes que eu pudesse fazer tal coisa Rosy foi enviada para mim, nos termos do acordo de meu pai com o pai dela. Rosy teria ficado conosco por alguns anos antes de consumarmos o casamento, enquanto eu estava fora na universidade. Ela tinha apenas treze anos.

— Treze! — Annabel ofegou, esquecendo sua pose lânguida e sentando-se. — Isso é terrível. Pobre, pobre Rosy!

A boca dele era uma linha reta e apertada. — Eu não podia deixá-la, especialmente quando descobrimos que ela estava grávida.

— Será que ela sabia o que estava acontecendo?

— Não realmente. E a noite em que ela deu à luz... — seus olhos estavam angustiados. — Até então, ela era capaz de tolerar a minha presença. Ela até gostava de mim. Mas quando as dores vieram, ela decidiu em algum lugar de seu cérebro emaranhado que deveria ser minha culpa. E mesmo que eu me retirasse, ela fugia do quarto dela e vinha procurar por mim. Finalmente Nana, minha avó, decidiu que seria melhor se ela se expressasse. Então, eu fui até a sala de parto.

Annabel empurrou as coisas do piquenique para o lado e sentou-se ao lado do corpo reclinado de Ewan. Ela passou os dedos em seu cabelo grosso, bonito, e disse: — Diga-me.

— Enquanto ela podia se levantar, ela bateu no meu peito com os punhos —, disse ele sem expressão. — Então, quando ela já não podia manter-se de pé, ela chorou. E mordeu minha mão.

— Mordeu sua mão? — Annabel repetiu atordoada.

Ele rolou de costas e ergueu a mão direita. Havia uma cicatriz profunda abaixo de seu polegar.

— Coitado de você! E a pobre menina... isso é horrível. Ela tinha alguma ideia do que estava acontecendo?

— Não que nós pudéssemos ver. Claramente ela pensou que eu estava infligindo aquela dor a ela.

Annabel engoliu em seco. — O bebê?

— Era bastante saudável. Eu não posso dizer que foi uma experiência muito agradável estar lá em seu nascimento, mas Gregory era um menino vigoroso que gritou até ficar roxo. E foi assim que perdi minha chance de fazer cursos universitários na arte de seduzir mulheres.

Annabel tinha esquecido a razão de contar a história na dor de seus detalhes. — Rosy tinha apenas treze anos quando Gregory nasceu? — ela perguntou.

— Ela tinha quatorze anos quando ele nasceu. Ela nunca foi uma mãe para ele, mas ela brincou muito com ele quando era mais jovem. Eu espero que ela nunca desenvolva por ele o medo que ela tem de outros homens.

— Ele sabe que ela é mãe dele?

— Bem, ele sabe e não sabe, se você entende o que quero dizer. Ele gosta dela, tenho certeza disso. Ele é um garoto de bom coração, e geralmente gentil. Mas ele não a vê como uma mãe.

— Você é um bom homem —, disse Annabel. Ele estava deitado de costas ao lado dela. Todo aquele cabelo grosso e avermelhado caíra em um raio da luz do sol, e ele era evidentemente bonito. — Foi realmente bondade sua manter Rosy com você.

— Não vá pensar que eu cuidei dela sozinho —, disse ele estendendo a mão e puxando um de seus cachos. — Ela não pôde suportar a visão de mim por um bom tempo depois do nascimento. Foi minha avó e os monges que fizeram o melhor por ela.

— Mas você não a abandonou —, disse ela. — Você a deixou mordê-lo —. Ela pegou a mão dele e beijou-a, passando os lábios ao longo da cicatriz branca.

— Eu tenho cicatrizes em outros lugares —, disse ele, seus olhos com um brilho perverso. — Talvez você gostaria de beijar todas elas?

De repente, a tentação estava correndo em suas veias como o vinho florido, fazendo-a sentir-se corajosa e curiosa.

— Você me deve uma recompensa —, disse ela. —Qualquer coisa que eu queira pedir.

— Verdade —. O prado inteiro iluminado pelo sol parecia estar prendendo a respiração, esperando que ela dissesse alguma coisa. Mesmo o zumbido preguiçoso das abelhas tinha  desaparecido.

E ainda que ela não tivesse perdido os sentidos, a doçura desta tarde preguiçosa foi cortada por uma corrente aguda de desejo, enfiada entre eles tão apertada quanto um arame. — Então eu gostaria que você tirasse o seu casaco —, disse ela, jogando a cautela ao vento. — E sua camisa também.

Seus olhos preguiçosos a percorreram com um convite descarado. — E se eu ficar nu... aqui... ao ar livre, e você?

— O que tem eu? — ela perguntou. — Fui eu quem ganhei a recompensa. De você —, ela acrescentou, no caso de ele ter esquecido.

Com um suspiro fingido, ele se sentou e tirou o casaco. Era finamente feito para envolver o corpo dele, e Annabel quase se inclinou para ajudá-lo, mas o gesto pareceu íntimo demais. Ela ficou onde estava.

Ele desfez a gravata, observando-a o tempo todo, e jogou-a para o lado.

— Você terá que dizer ao seu valete que era desconfortável —, ela falou, sentindo-se um pouco atordoada por... por alguma coisa.

Ele sorriu para ela, mas não disse nada, desfazendo os botões em seu pescoço. Então, lentamente, ele se levantou e puxou a camisa sobre a cabeça. A camisa se agitou por um momento, como as velas de um grande navio, e caiu para o lado.

— E o que você acha, senhorita Annabel Essex? — ele perguntou. Divertimento e desejo entrelaçados em sua voz inebriante como um um vinho mais picante do que em suas taças.

Ele estava acima dela, salpicado com a sombra das folhas de carvalho cor de açafrão. E ela se lembrava corretamente: o peito dele era cheio de músculos, bonito, coberto com pele que parecia um cetim áspero beijado pelo sol.

Em um movimento suave ele ficou de joelhos ao lado ela. — Quando você olha para mim desse jeito —, disse ele, — eu realmente sinto que sou uma das criaturas de Deus.

Annabel não podia ver o que Deus tinha a ver com isso, mas não importa. De perto seu abdômen não tinha carne extra, apenas músculos ondulados que fizeram ela sentir muita vontade de tocá-lo.

— Colocado nesta terra por nenhuma outra razão a não ser te adorar —, disse ele. —Você conhece os votos que usamos na cerimonia de casamento escocês: Com meu corpo, eu te adoro.

Um sorriso desenrolou nos lábios de Annabel. — Isso não é um pouco pagão para alguém tão cristão como você?

— Nunca. Por adorar você, eu adoro a Deus. Você é uma das criaturas mais belas dele, afinal de contas.

Annabel gostou do elogio, embora fosse um pouco misturado com a teologia para seu gosto. Ele poderia chamar como quisesse: ela viu a fome em seu olhar. Fome por ela.

Ewan viu aquele pequeno sorriso de satisfação no rosto de sua futura esposa e isso o fez se sentir imprudente e bêbado, nu à tarde. Ela era a pagã, sua esposa, uma pagã gloriosa e delirantemente bela. Ele estendeu a mão, sem sequer perceber o que ele estava fazendo.

Seus dedos eram hábeis, rápidos como um raio. O vestido de viagem de Annabel abotoava na frente, para tornar mais fácil despir-se na ausência de uma criada. Esses botões se abriram com o toque dos dedos dele e Annabel, Annabel estremeceu como um cervo recém-nascido, mas ela não parou a mão dele. Ele disse a si mesmo que se ela dissesse não, ele iria parar. Mas ela não fez nenhum outro som além de sua respiração instável... e isso era tão fascinante que ele desabotoou um pouco mais.

Um segundo, dois segundos depois, ele empurrou o vestido pelos ombros dela. Claro, ela estava usando mais camadas.

— Isso não... — Sua voz ficou presa na garganta. Pois ela estava sorrindo para ele, o sorriso misterioso e atemporal de uma mulher, e desamarrava seu espartilho.

Ainda sem dizer uma palavra, ele puxou a blusa dela para cima. Suas bochechas assumiram uma cor rosa selvagem, mas ela não disse nada, permitiu-lhe puxar a blusa sobre seu cabelo... e lá estava ela.

Sentada com as pernas dobradas para o lado, o vestido ainda se agarrava modestamente aos quadris, mas nua da cintura para cima.

E ela era adorável. — Moça —, ele sussurrou, — você é a melhor das criações de Deus —. Ele queria beijar cada centímetro da pele dela, fazê-la doer por dentro enquanto ele fazia isso. Seu corpo estava maduro à luz do sol, curvado e sombreado com uma habilidade tão deliciosa que as mãos dele tremiam para tocá-la.

— Não ouso chegar mais perto de você —, disse ele, sua voz estrangulada na garganta.

Algo sobre isso parecia dar-lhe ânimo, e ela sorriu para ele com um lampejo de sua habitual imprudência. — Eu também não vou tocar em você —. E então: — Você realmente quer dizer que não viu uma mulher desde que era um rapaz?

— Eu era mais velho do que um menino. Mas valeu a pena esperar por você —. Havia uma nota em sua voz que ela ouviu como o profundo sino da verdade.

Ele pegou uma de suas campânulas, suas pequenas pétalas penduradas pesadas, e desenhou-a lentamente sobre a delicada curva do ombro dela, queimando um caminho onde a língua dele poderia seguir quando chegassem a suas terras.

Ela estremeceu e olhou para baixo. Eles assistiram juntos como as pétalas azuis escuras deslizaram sobre a generosa curva de seu peito, sobre seu mamilo rosado...

—Pare —, ela respirou.

Mas ele estava em transe, observando-a tremer sob a carícia da flor, ofuscado pelo brilho da pele cremosa contra o azul profundo.

Ela pegou sua camisola e puxou-a sobre sua cabeça tão rapidamente que a flor voou para o lado e pousou em sua taça de vinho.

Ewan suspirou. Ela estava certa, é claro. E, suas calças estavam tensas de uma forma agonizante.

— Isso não aconteceu —, disse Annabel. Quando ela ousou olhar para Ewan, ele estava amarrando a gravata. Seus dedos pareciam perfeitamente estáveis. —Nós não vamos discutir isso, nunca.

— Não há necessidade de discutir isso —, disse ele, sua voz enviando um arrepio de prazer por suas pernas. Ou talvez fosse aquele olhar em seus olhos. — Eu nunca esquecerei isso.

Annabel jogou a cabeça para trás e olhou para cima. À noite, o céu podia, apenas podia, ecoar a beleza dos jacintos. Mas não havia nada na natureza que se aproximasse da beleza dos olhos verde-dourados de Ewan.

Nada.


Capítulo Dezessete

Annabel acordou de madrugada. Havia algo irritante no fundo de sua mente, um pensamento fugaz. Ewan estava respirando ao lado dela, respirações longa e lentas. Ele dormia como um gato: tão calmo e contido quanto ele era quando acordado.

A luz estava se esgueirando através das cortinas do quarto deles. Por um tempo Annabel observou, sonolenta, como os raios penetravam em todo o mogno polido de seu quarto no Queen’s Arms... o melhor quarto. Ewan riu na noite passada, quando descobriu que o urinol era feita de bronze e decorado por sátiros delicados correndo sobre a borda. Annabel tinha corado e desviou o olhar; havia alguns aspectos da intimidade do casamento para os quais ela não estava preparada, como Ewan sequer mencionar tal objeto em sua presença.

O urinol era de bronze. A mesa era de mogno. Os lençóis eram de linho; bem, e eram os próprios lençóis de Ewan, colocados na cama todas as noites.

Sua boca se abriu.

A verdade era incrivelmente clara.

Ewan era rico.

Muito rico. Ele tinha que ser. Seu marido andava em uma carruagem com doze batedores. Ele não era um escocês imprudente e sem dinheiro como o pai dela. Tudo o que ela sabia sobre Ewan dizia-lhe que ele não desperdiçaria em luxos, a menos que tivesse tanto que tais luxos fossem insignificantes.

Por um momento, ela apenas piscou para a luz perolada da manhã. Claro que Ewan era um homem rico. Via-se em cada movimento que ele fazia, no brilho de suas botas, na forma casual em que confiava em Mac para lidar com tudo, na beleza de suas carruagens. Ela estava cega por seu próprio medo.

Uma onda de pura alegria tomou conta dela, seguida imediatamente por vergonha. Mas ela sacudiu a vergonha.

Só porque ela se casou com um homem que acreditava em Deus não significa que ela tinha que começar a se preocupar com a sua alma a torto e a direito. Era perfeitamente sensato desejar casar com um homem rico. Ela nunca pensou que era gananciosa enquanto estava na Inglaterra, e ela não ia se transformar em uma puritana só porque ela se casou com um.

Naquele momento, Ewan acordou, da mesma forma silenciosa e contida como tudo que fazia, indo direto do sono para a vigília.

— Conte-me sobre a sua casa —, ela exigiu.

— E bom dia para você —, disse ele, dando-lhe seu sorriso preguiçoso.

— Sua casa? — Ela perguntou novamente, afastando uma mão que se estendia sobre o travesseiro e parecia ter ideias impróprias em mente.

Ele desistiu e rolou para o lado alongando-se. — É uma velha pilha de pedras que tem sido a sede da família há séculos. Felizmente para todos nós, meu bisavô era um indivíduo mal-humorado que ficou parado quando o príncipe Charles convocou os clãs. Aparentemente, ele disse que não dava a mínima para quem estava no trono, e que um Hanoverian seria tão insensato quanto um Stuart.

— É um castelo, não é? — Annabel disse, sabendo a verdade.

— Claro —, disse Ewan, bocejando. — Se você quiser fazer algumas mudanças, eu ficaria feliz. Ninguém tocou na mobilia desde que minha mãe morreu, e isso foi há mais de vinte anos. Minha avó não é uma mulher muito doméstica.

Annabel não conseguia pensar em uma palavra para dizer. Ela estava se casando com um homem que vivia em um castelo. Ela não pôde evitar. Havia um sorriso em seu rosto que não tinha nada a ver com virtude e tudo a ver com castelos.

— Nana gosta de estar fora de casa —, Ewan estava dizendo. — Ela não é do tipo que se senta ao redor do castelo e pensa sobre estofamentos. Ela passa a maior parte do dia visitando as casas.

— As casas —, repetiu Annabel, parabenizando-se por permanecer tão calma.

— Algumas pessoas vivem e trabalham na minha terra. Eles são criadores ou arrendatários, ou assim os chamamos. E Nana anda interferindo em suas vidas e, geralmente, tornando-se um incômodo, mas eu acredito que eles gostem dela, por tudo isso. Ela é muito boa com o nascimento de bebês.

Annabel tentou focar sua atenção em uma avó escocesa de rosto doce, trazendo a todos potes de geléia caseira e reforçando o caldo. — Ela parece ser uma pessoa adorável —, disse ela. — Você teve a sorte de tê-la quando seus pais morreram.

— Eu tive sorte —, concordou Ewan. — Embora eu não tenha certeza se a maioria das pessoas a descreveria como adorável. Ela é... bem. Ela é apenas a Nana.

Ele saiu da cama. — Eu vou descer para tomar banho e depois encontrá-la no café da manhã, posso? — ele perguntou.

Ewan era uma pessoa muito limpa: todas as manhãs, ele se banhava no açude, e à noite ele tomava um banho completo. Annabel gostou disso. Ela gostou do modo como os ombros dele afinaram quando ele vestiu uma camisa limpa. E depois havia o castelo. Ela estava com um pouco de medo do quão feliz ela estava se sentindo.

Então ela se sentou na beirada da cama, observando enquanto ele se movia ao redor do quarto. Bastante incomum para um homem, ele estava rapidamente colocando tudo em ordem ao invés de esperar que os criados o fizessem.

Aparentemente, seus medos sobre este casamento não eram verdadeiros. Ela não estava se casando com um escocês imprevidente que jogaria fora seu café da manhã. Havia... não havia nada a temer quando ela estava com Ewan. Isso a fazia se sentir leve como o ar, quase como se não conseguisse respirar.

— Você parece muito séria —, disse ele, puxando as calças.

— O que você mais tem medo no mundo? — ela perguntou.

Ele se virou com um sorriso irônico. — Uma pergunta séria... você está procurando por beijos, logo de manhã?

Ela fez uma careta para ele.

Agora não havia um objeto fora de seu lugar no quarto; a única coisa desleixada nele era a própria Annabel.

Então ela pegou uma escova de seu criado mudo.

— Eu vou fazer isso —, disse Ewan, tirando a escova da mão dela. Sentou-se na cama e começou a escovar seu longo cabelo.

— O que eu mais temo é perder a minha alma —, disse um momento depois. — Isso é fácil de dizer, e, espero que possa ser facilmente evitado. E o medo disso certamente não me mantém acordado à noite.

— O que poderia fazer você perder a sua alma? — ela perguntou, franzindo a testa para a parede. Ela estava começando a pensar que talvez uma educação mais completa na igreja poderia ser útil para fazer o seu caminho através desse casamento.

— Apenas um erro terrível —, disse ele, virando o rosto para que ele pudesse dar um beijo em seus lábios. — Eu não deveria perder por luxúria, por exemplo. — Seus olhos se demoraram sobre ela, e Annabel soube de repente que não importava se ela estava usando uma camisola de algodão de gola alta ou mesmo um saco de juta. Ewan sempre a queria. Ele a desejava.

— Então? — ela perguntou.

— Oh, algo terrível —, disse ele levemente. — Eu estou dizendo a você, moça, eu não me preocupo com isso. Talvez adultério. Então, a coisa mais maravilhosa é que casando com você eu estou salvando a minha alma imortal. Eu nunca poderia dormir com outra mulher depois de você.

— Quem diria isso? — Annabel disse, recuando. — Sempre achei que o adultério era algo que os cavalheiros praticavam com alguma facilidade. E outros tipos de homens também  —, acrescentou.

— Nem todos os cavalheiros —, ele fez uma pausa. — Você pensou em praticar adultério? E essa é uma pergunta, Annabel.

— Eu pensei em me casar por razões práticas —, ela disse a ele, e só então ela percebeu que ela ia dizer-lhe a verdade. — Por conforto e tranquilidade. Pensei em me casar com um homem que me desejasse e negociar seu desejo por minha segurança. E então, depois de ter cumprido as obrigações do casamento, pensei que ele provavelmente se voltaria para outras e eu poderia, algum dia, encontrar o prazer por isso.

— Você realmente planejou ser adúltera —, disse ele, aparentemente fascinado.

— Não foi assim —, disse ela com raiva. — Foi apenas um olhar prático sobre o modo como as pessoas realmente se comportam. Imogen poderia se dar ao luxo de ser romântica, mas eu nunca poderia.

— Pobre amor —, ele disse, e a pegou em seus braços. Seus braços deslizaram ao redor de sua cintura como se eles sempre pertencessem ali. Ela inclinou a cabeça contra o peito dele  e ouviu a forte batida de seu coração. — Obviamente você não tem passado seu tempo se preocupando com coisas tão efêmeras quanto as almas. Qual é o seu maior medo, então?

— Os beijos estão se acumulando —, ela murmurou.

— Mmmm... esta noite —, disse ele, e ela estremeceu contra ele com a promessa. — O que se teme se você não acredita em vida após a morte? — ele parecia genuinamente curioso.

— Não é que eu não acredite no céu —, ela disse a ele (embora não acreditasse, não muito). — Mas eu não me preocupo com isso.

— Com o que você se preocupa?

— Ser pobre novamente —, ela admitiu, — eu odiaria isso.

Seus braços se apertaram. — A fome é uma coisa terrível.

— Nós nunca estávamos realmente com fome —, disse Annabel. — Havia sempre o suficiente para comer; era apenas a mesma comida dia após dia. Não, eu tenho medo do cansaço. A tensão de não ser capaz de pagar uma conta quando chega a hora. A humilhação de tentar convencer alguém a esperar pelo seu pagamento merecido. De não ter uma única camisa sem um buraco.

Ele não disse nada.

— Você é rico, não é? — Ela exigiu ferozmente.

Ele a beijou. — Eu sou.

— Por que você não me contou?

— Eu queria que você gostasse de mim por mim mesmo em primeiro lugar. E você gosta, não é? Pelo menos, você gosta de algumas das coisas que eu faço para você.

Ele riu de seu rubor, mas ela sentiu-se envergonhada até as pontas dos dedos dos pés. Ela sentia-se pobre e pequena.

— Estimo que devemos um ao outro pelo menos cinco beijos extras —, disse ele, sorrindo para ela. Não havia um pingo de condenação em seus olhos.

— Você não se importa? — Ela perguntou a ele.

— Com o quê?

— Não se importa que eu... que eu queria casar com um homem rico, e agora vou casar com você?

— É um exemplo dos dons de Deus, não é? O dinheiro nunca significou muito para mim; eu cresci com muito, sem família, e eu não tive coragem de me apegar às moedas. Mas para você esse dinheiro é importante, e talvez seja essa a razão pela qual eu o tenho.

Ela enterrou a cabeça no peito dele e pensou em quão simples era sua visão da vida, e então, como o acender de uma chama, pensou o quão fácil seria amar uma pessoa como ele, como Ewan. — Mas se você só teme a perda de sua alma —, ela perguntou de repente, — Isso significa que você não teme por sua pessoa?

— O que você quer dizer?

— Bem, quando os ladrões estavam no quarto do hotel, você parecia furioso, mas você se despiu sem brigar.

— Eu estava furioso. E eu estava preocupado com você e sua irmã. Mas não havia nenhuma razão real para começar uma briga. Se eu fizesse isso, eles poderiam disparar uma das armas, e então alguém poderia ser ferido. Considerando isto, apenas dar a eles o que queriam, eles iriam embora sem violência.

— Mesmo quando eles tentaram humilhá-lo, fazendo você tirar sua roupa?

Ele sorriu. — Eu puder ver seus olhos se arregalarem quando você percebeu o que você estava olhando. Aquele momento retribuiu qualquer humilhação. Além disso, Annabel, e se eu tivesse lutado?

— Você era muito maior do que qualquer um deles.

— Eu poderia ter tomado uma de suas armas —, disse ele. — E então, o que eu teria feito com isso?

— Ameaçado eles?

— Eu pareço com alguém que segura uma arma na sua cabeça e ameaça te matar?

— Por que não? — ela perguntou incerta. — Qualquer um pode fazer isso.

— Você tem que ter a intenção de fazer isso. Eu nunca apontaria uma arma para uma pessoa, porque eu nunca quis matar ninguem —. Ele fez uma pausa. — E essa é uma resposta para o que iria matar a minha alma imortal: matar um homem, e tudo porque eu não iria compartilhar meu dinheiro com ele. Quantos beijos são agora?

Ela teve que rir. Até que ele a deixou sem fôlego com um beijo.


Capítulo Dezoito

O conde de Mayne descreveu detalhadamente um ano promissor oferecido pelo garanhão Grafton e suspirou. Seu mordomo estava na porta de seu escritório, seu corpo rígido de aborrecimento.

Rimple era um indivíduo altamente íntegro que deixara claro que manteria a devassidão de seu empregador apenas enquanto as propriedades fossem observadas.

— Ela está aqui? — Mayne perguntou, sabendo a resposta

— Uma carruagem com o brasão de Maitland está parada na porta da frente —, disse Rimple, seus lábios mal se movendo. — Se você quiser, vou verificar se Lady Maitland está dentro. Como ela não saiu, eu conjecturei que sua senhoria deseja que você se junte a ela no veículo.

Para a mente de Rimple, senhores faziam visitas às damas solteiras, e não o contrário. No entanto, de nehuma forma Mayne conseguia convencer Imogen desse fato: ela já o visitara duas vezes esta semana em plena luz do dia, o que dava aos criados, de cima a baixo da rua St. James, uma grande oportunidade de fofocar, bem como deliciar-se com o escândalo.

Mayne levantou-se. A vida era mais fácil quando ele dormia com várias mulheres, ao invés de não dormir com apenas uma, Imogen. Suas consortes anteriores haviam entendido com  precisão o poder da reputação, a necessidade de uma demonstração cautelosa de comportamento casto e o delicioso sabor picante do segredo. Imogen era como uma espécie de filhote de cachorro, correndo para onde quisesse e o inferno com as consequências.

Rimple ofereceu a Mayne seu sobretudo. — Talvez sua senhoria queira que você se junte a ela para um breve passeio no parque —, disse ele.

Mayne compreendeu. Se ele próprio entrasse na carruagem, em vez de permitir que Imogen entrasse em sua casa, o escândalo seria menor. Encolheu os ombros em seu casaco, escolheu um chapéu dos três oferecidos por um lacaio e saiu para o sol da manhã. Era bastante surpreendente encontrar-se pronto tão cedo pela manhã.

Até o ano anterior, ele raramente dormira antes das cinco da manhã, passando suas noites dançando e as madrugadas aconchegado as curvas de uma mulher bonita. Consequentemente, ele havia se esquivado do sol da manhã por anos. Agora ele olhou em volta e deu de ombros. Ele não ia se enganar que a visão do orvalho brilhando nas folhas pontiagudas de narcisos em seu degrau da frente era uma compensação pelo prazer de ver os olhos de uma mulher se fecharem em êxtase.

O lacaio que esperava na porta da carruagem de Imogen abriu-a enquanto ele se aproximava. Ele havia prometido sair para um passeio esta manhã? Certamente não. Era apenas nove horas e, em geral, ele mantida a ilusão de que ainda levava uma vida elegante, embora naquelas noites ele encontrava-se sentado em casa com um livro mais frequentemente do que não.

Ele tirou o chapéu e entrou na carruagem. Mas, em vez de uma moça atrevida e um inferno de inconveniente, uma festa estranhamente respeitável encontrou seu olhar.

— Bom dia, Grissie —, disse ele, inclinando-se para beijar o rosto de sua irmã. — E senhorita Josephine —. Ele acenou para a irmã mais nova de Imogen, e finalmente para a própria Imogen. — Lamento dizer que meu compromisso em acompanhar vocês nesta manhã de alguma forma escapou da minha mente.

— Nós não tínhamos nenhum compromisso —, Imogen disse alegremente.

— Então, a que devo este prazer? — perguntou Mayne. —Eu pensei que você estava de cama com um resfriado, Grissie.

Ele sentou-se em frente a sua irmã.

— Eu superei o pior —, disse ela. Aos olhos de um irmão, Griselda ainda parecia bastante abatida. Claro, era provavelmente a primeira vez que ela estava acordada a esta hora desde que a temporada começou.

— A que devo o prazer de sua presença, dado o seu mal-estar? — perguntou Mayne. A carruagem sacudiu e começou a descer a rua sem mais delongas. — Posso perguntar para onde estamos indo?

Houve um estranho momento de silêncio na carruagem.

Mayne levantou uma sobrancelha e olhou para os rostos de suas companheiras. Griselda havia fechado os olhos e, obviamente, estava fingindo não ter ouvido a pergunta. Portanto, apesar de sua negação de responsabilidade, ele deduziu que ela aprovava a expedição.

Imogen favoreceu-o com um sorriso malicioso. Ele estava começando a ver aquele olhar mais e mais enquanto a tristeza por seu marido recuava. Era preciso assumir que sua verdadeira natureza estava emergindo, um pensamento que encheria qualquer homem sensato de medo.

— Eu não vou gostar de sua resposta —, afirmou.

— Eu mesma —, disse Imogen, — gosto de surpresas. Por que, quando Annabel e Tess me surpreenderam no meu oitavo aniversário...

— Imogen.

Ela fez beicinho para ele, lábios escuros, vermelhos e voluptuosos como framboesas. Momentos como estes fizeram com que se perguntasse se algo estava fisicamente errado com ele. Ele não parecia sentir nem um lampejo de desejo, e Imogen era eminentemente desejável.

O pensamento fez com que ele franzisse o cenho. — Direto ao ponto, por favor. Onde estamos indo?

— Escócia —, ela disse brilhantemente. — Conversar não é uma aventura?

— Se você quis dizer como um convite, eu não estou acompanhando você. O Ascot está quase chegando. Estou muito ocupado, e muito desinteressado. Quando você está planejando viajar? E por quê?

— Por favor, acompanhe-nos? — Imogen implorou, fazendo seus lindos olhos escuros trágicos. Confrontado com esse apelo, um outro homem, Mayne pensou sem emoção, rastejaria a seus pés. Em um momento Imogen parecia uma mocinha impertinente, e no outro era toda mulher, olhando como se ele fosse o único homem no mundo capaz de salvá-la da guilhotina. Seus olhos brilhavam com lágrimas, seus lábios em um beicinho e seu peito arfou...

— Absolutamente não —, disse ele. E então, por pura curiosidade, — você estava planejando fazer essa pequena apresentação no palco?

— Que apresentação? — Ela perguntou, parecendo um gato que nunca cheirava o leite.

— Aquela que você me fez agora.

Seu sorriso era (se ela soubesse), cinquenta vezes mais fascinante do que seu repertório ensaiado de olhares sedutores. — Eu não tinha pensado no palco, mas talvez você tenha razão. Eu poderia me tornar uma atriz!

Mayne quase gemeu. Maravilhoso. Ele dera a uma mulher determinada a arruinar-se ainda outro caminho para se desgraçar.

— Mas ainda não —, disse Imogen. — Primeiro temos que salvar Annabel.

— Annabel? É por isso que você está falando da Escócia?

— Nós estamos indo para a Escócia! — Griselda estalou, abrindo os olhos com uma expressão de dor. —Você acha que qualquer coisa diferente de absoluta necessidade me colocaria em uma carruagem a caminho da Escócia? Qualquer coisa?

Griselda sofria de estômago fraco e detestava longas viagens de carruagem.

— Se você está perguntando se eu esqueci a frequência com que você vomitava nos meus pés quando éramos crianças, a resposta é não —, disse Mayne irritado. Ele estava começando a ter uma sensação muito desagradável. Por que Griselda estava usando um vestido de viagem? Por que ela estava acordada tão cedo? E, mais importante, por que a carruagem parou para ele?

— Imogen —, disse ele. — Para onde esta carruagem está indo? Neste exato momento?

Ela encontrou seus olhos sem uma gota de vergonha. — Escócia —, disse ela. —Aberdeenshire, Escócia. Para as propriedades do conde de Ardmore.

Os olhos de Mayne se estreitaram. — Você pode me deixar sair aqui —, disse ele, sua voz tão fria quanto aço polido.

— Não vou —, disse ela, cruzando os braços sobre o peito.

Mayne se inclinou para frente para que pudesse bater na vigia, convocando o cocheiro.

— Oh, pelo amor de Deus —, Griselda gemeu, o rosto já parecendo um pouco verde. — Apenas  dê a ele o bilhete de Rafe, você poderia, Imogen?

Sem confiar em si mesmo para falar, Mayne pegou o bilhete que Imogen tirou de sua bolsa e abriu-o.

Mayne,

Algo extraordinário aconteceu; parece que eu tenho um membro da família de quem eu não sabia nada. Eu não posso explicar no momento, mas devo pedir-lhe  para me ajudar com um problema que surgiu com a minha pupila dos Essexes. Felton conseguiu resolver o fiasco do escândalo de Annabel de uma forma que não exige o casamento dela, mas você deve estar na Escócia antes de ela e Ardmore, a fim de evitar esse casamento. Infelizmente, Felton não pode fazer a viagem, e eu estou comprometido com assuntos jurídicos no momento. Se você pudesse acompanhar Griselda, Imogen, e Josie, eu ficaria muito grato.

Rafe

— Quem diabos apareceu na família de Rafe? — Mayne perguntou olhando para sua irmã.

Ela gemeu.

— Ainda estamos no centro de Londres —, ressaltou. — Você não tem nenhuma razão para fingir um mal-estar estomacal já.

— Eu não estou fingindo! — ela disse indignada, seus olhos se abrindo. — Apenas o pensamento de duas semanas nesta carruagem me faz sentir mal.

— A família de Rafe? — ele perguntou com toda a impaciência de qualquer irmão mais novo. Ainda assim, ele não negligenciou a remoção prudente de suas botas da proximidade de sua irmã.

— Um sujeito desagradável alegou parentesco —, disse ela fechando os olhos novamente. — Lado errado do cobertor, é claro. Eu só peguei um vislumbre do homem, mas ele tinha uma notável semelhança com Rafe.

— Eu não cheguei a vê-lo bem —, reclamou Imogen.

— Este é um assunto bastante impróprio, especialmente na presença de Josie —, observou Griselda. — Todos nós devemos esquecer a existência dele.

— Eu estou gostando —, observou a jovem Josephine. — Infelizmente, também não vi o homem —. Seus olhos tinham um brilho travesso; claramente ela e Imogen eram maçãs da mesma árvore genealógica.

Imogen não deu atenção a Griselda. — A parte imprópria disso é que, de acordo com Rafe, ele e seu meio-irmão nasceram com a diferença de uma semana um do outro.

— Seja como for —, disse Mayne, mordendo as palavras, — porque na terra você fugiu comigo dessa maneira? — Pelo som das rodas ele percebeu que, de fato, haviam deixado as ruas de paralelepípedos de Londres e estavam indo em direção à grande North Road.

— Nós precisamos de você —, disse Imogen. — Devemos salvar Annabel deste casamento; nós devemos —. Não havia nenhum sinal de humor em seus olhos agora: ela era feroz com a devoção fraternal.

— É tarde demais para salvá-la de qualquer coisa —, Mayne disse categoricamente. —Eu não me importo com a solução que Felton inventou. Annabel está viajando com o escocês a dias. Se essa situação não garante a perda de sua reputação, eu não sei o que faria.

Griselda abriu os olhos. — Ah, mas eu tive um resfriado. Mandei um recado para você, mas não recebi nenhuma expressão de simpatia, nenhuma flor, não...

— Pelo amor de Deus, Griselda —, Mayne disse exasperado, — você pegou um resfriado no... — De repente, ele viu seu ponto. — Você vai dizer que você viajou com eles.

— Claro.

— A verdade vai vazar.

— Eu duvido. Fiquei em casa por dias. Meu nariz estava vermelho —. Ela parecia considerar essa uma explicação adequada. — E desde que temos Josie conosco, toda a expedição assume o sabor de uma viagem em família para o campo.

— Bem, de todos os esquemas irracionais...

— Temos os cavalos mais rápidos de Rafe —, disse Imogen, inclinando-se para a frente e colocando a mão em seu joelho. — Além do mais, Rafe tem cavalos alojados ao longo de toda a North Road, enquanto Ardmore presumivelmente estará trocando os cavalos. Esta carruagem é muito bem arqueada. Podemos facilmente vencê-los se tolerarmos um pouco de desconforto e viajarmos um dia mais longo do que o esperado.

— Desconforto! — A mente de Mayne estava cambaleando. Seus criados pensaram que ele tinha ido para um passeio no parque. Ele não tinha... — Eu não tenho nenhuma roupa! — ele quase gritou.

Imogen deu um tapinha no joelho dele, exatamente como se ele fosse uma criança pequena que tivesse perdido uma bolinha  favorita. — Não se preocupe. Eu disse ao criado de Rafe para arrumar uma valise para você.

Roupas de Rafe? Ela estava louca? — Onde está sua criada? — ele virou-se para sua irmã.

— Ela nos segue —, disse Griselda. — Acredite em mim, Garret, se eu pudesse pensar em outra maneira de salvar Annabel deste casamento, eu teria feito.

— Não há nada tão terrível sobre a situação —, objetou Mayne.

— A pobre menina chorou antes de partir para a Escócia. Ela chorou tanto—, disse Griselda.

— As mulheres sempre choram em casamentos.

— Annabel nunca chora —. Josie acrescentou.

— Chorei quando papai me disse que eu deveria me casar com Willoughby —, Griselda disse pensativa, não encontrando os olhos de seu irmão.

— Willoughby era um bom sujeito —, disse Mayne. Então, quando Griselda não disse nada — Não era?

— Claro que ele era —, disse ela. — Eu não posso pensar por que eu trouxe um assunto tão triste como o meu casamento de curta duração. Pobre Willoughby.

Mayne mal conseguia lembrar o rosto do cunhado; afinal de contas, o sujeito caíra morto à mesa do jantar apenas um ano depois de se casar. Comeu demais, ou assim seus pais disseram na época. Ele sempre pensou que Willoughby era um sujeito alegre. Mas talvez Griselda tivesse preferido se casar com outra pessoa.

— Você poderia ter se casado novamente a qualquer momento nesses dez anos —, disse ele olhando para sua irmã.

— É verdade —. Ela fechou os olhos novamente. — Não consigo pensar porque não me incomodei em fazer isso.

— Sarcasmo nunca foi o seu forte, Griselda —, observou Mayne.

— Annabel chorou ao ouvir que tinha que se casar com Ardmore —, disse Imogen incisivamente. — E ela só parou quando chegamos a um esquema para ela voltar para nós em seis meses. Esse casamento está condenado antes mesmo de começar. Salvá-la de tal destino vale a pequena interrupção em nossas programações e um pouco de desconforto!

— Por que você falaria de um pouco de desconforto, quando aparentemente você acha que estou confortável vestindo as roupas de Rafe? Você poderia ter me enviado uma mensagem ontem à noite. Meu criado poderia então estar na carruagem com sua criada.

— Você não teria vindo com a gente —, disse Imogen.

— Sim, eu teria! — ele respondeu.

— Não. Você nunca iria mover-se por algo que lhe preocupa tão pouco —, Imogen categoricamente o contradisse.

Mayne rangeu os dentes.

— Infelizmente, eu concordo com Imogen nesse ponto —, disse Griselda. — Somos um par egoísta, nós dois. Eu preferiria manifestamente não viajar para as florestas da Escócia.

— Mas aqui está você —, Mayne apontou. — Com sua criada. Enquanto, aparentemente, é esperado que eu faça a viagem sem meu criado ou mesmo uma muda de roupa.

— Vai te fazer bem, Garret —, disse ela, olhando para ele com toda a arrogância de uma irmã mais velha. — Você cresceu muito apegado ao seu vestuário. Você não quer se transformar em um modista todo tedioso.

Ele sentiu uma onda de raiva tão grande que ficou sem fala. Então ele recolheu-se em seu canto e fechou os olhos. Talvez ele tivesse que dormir todo o caminho até a Escócia.

––––––––


Capítulo Dezenove

Nos dias seguintes, Annabel e Ewan mantiveram-se resolutamente em dez beijos por dia e sem perguntas. De vez em quando, um deles começava a fazer uma pergunta e parava. E às vezes o outro respondia, apenas pelo prazer, embora não fosse uma pergunta por beijos.

Annabel sentiu como se de alguma forma só ela falava. Ewan conseguiu dela, por voltas e reviravoltas e olhos simpáticos, a verdade sobre as circunstâncias do pai dela.

— Então ele apostou todo o dinheiro da casa? — ele disse uma tarde, quando eles estavam trotando ao longo da estrada.

— Não foi assim! — Annabel protestou. — Papai nunca apostou.

— Sim, mas tirar o dinheiro da propriedade e usar nos cavalos, seja na pista ou em seu próprio estábulo, é apostar —. Ele a olhou por cima do tabuleiro de cribbage. — E eu vou te dizer, moça, que eu não gosto do fato de que ele te fez de contador também.

— Eu gosto de manter o controle dos números —, disse Annabel um pouco sem jeito.

— Então ele deveria ter beijado seus pés por isso —, disse Ewan. Seus olhos estavam rindo novamente, e ele caiu no chão da carruagem entre eles e começou com alguns disparates sobre beijar seus pés.

Mas Annabel não pôde deixar de pensar nisso. Ewan nunca iria apostar, não na pista, nem com seus próprios cavalos. Ele era um tipo de homem diferente do pai dela.

Eles estavam nas montanhas agora. — Estou pensando que talvez possamos pedir ao Padre Armailhac para casar-nos no mesmo dia em que chegarmos —, disse Ewan no almoço. — Isso te agradaria, querida?

Havia algo na maneira como a palavra querida rolava de sua língua em um sotaque escocês que fez Annabel pensar que ela nunca poderia dizer não a ele, não se ele a chamasse assim. Um fato que deveria ser escondido, obviamente. Então ela fingiu pensar sobre isso.

— Rafe ficaria feliz em saber que você cumpriu suas obrigações —, disse ela.

— Sim, imagino. Quanto mais tempo passar, maior a probabilidade de eu perder o interesse e correr para as colinas.

Ela teve que sorrir ao olhar em seus olhos. — É uma consideração séria —, ela concordou.

— Claro, tio Pearce provavelmente iria intervir e se casar com você, apenas para salvar o nome da família,  dado como você é uma jogadora de cartas tão implacável.

— Eu sempre achei que a maturidade era uma coisa excelente em um cônjuge.

— Droga, Annabel —, ele gemeu, passando a mão pelo cabelo e fazendo com que ele se levantasse. — Quer se casar comigo imediatamente? Por favor? Estou morrendo aqui.

— Eu pensei que você não se importasse com quem você se casaria.

— Agora eu me importo —, disse ele categoricamente.

— Então eu caso —, disse ela. — E essa é uma resposta honesta.

O sorriso no rosto dele voou direto para o coração dela. — Estou guardando meus beijos para esta noite —, disse ele. — E Annabel, estou te avisando aqui que estou quebrando essa regra tola de não beijar no nosso quarto. Você é minha. Considerei isso no momento em que lhe pedi para se casar comigo, e esquecer completamente o negócio de Londres.

Ela engoliu em seco.

— Vou pedir a Mac para enviar uma mensagem ao Padre Armailhac —, disse Ewan. — E depois eu vou andar fora esta tarde, porque senão eu não serei capaz de manter meus beijos até a noite.

Annabel ficou surpresa com o quanto seu coração se iluminou com a visão de longos trechos de floresta escura. Ela gostava dos campos verdes da Inglaterra e das pequenas matas. Mas havia algo glorioso sobre olhar pela janela da carruagem em uma colina coberta de abetos espessos. Grandes pássaros? Falcões? Voando em círculos largos sobre as copas verdes das árvores. Ewan passou cavalgando ao lado de sua janela, o cabelo ruivo soprado pelo vento, musculoso e escocês até os ossos.

O coração de Annabel estava cantando. — Você está se transformando em uma tola —, ela murmurou para si mesma. — Ele está transformando você em uma tola.

Mas não parecia haver nada de errado com a tolice, não em um dia claro de maio, quando seu futuro marido tinha sorrido para ela de tal maneira. O problema era que, enquanto ele andava ao lado da carruagem, tudo o que ela fazia era pensar em perguntas que ela queria fazer a ele.

— Esta não é uma pergunta valendo beijos —, ela disse a ele naquela noite. Estavam em uma estalagem tão antiga e magnífica que se gabava de que o Rei James VI, dormira ali antes de se mudar para a Inglaterra. Eles tinham comido como reis e estavam finalmente sozinhos. Tigelas de frutas em taças de prata brilhava à luz das velas.

Annabel considerou Ewan cuidadosamente sobre um pequeno copo cheio de conhaque dourado. — Quantos anos você tinha quando a inundação levou seus pais?

— Sete.

— E seus irmãos?

— Eles eram gêmeos e ainda bebês. Só me lembro do jeito que costumavam chorar à noite. Se um parasse, o outro começaria. Minha mãe e sua enfermeira iriam correr entre os berços e eu iria rir.

— Então você se lembra de seus pais? Eu quase não tenho memórias de minha mãe.

Os olhos dele estavam sombreados pela luz das velas, então ela não podia vê-los claramente. — Lembro-me de minha mãe, mas não do meu pai.

Havia algo na maneira como ele falou que lhe disse que Ewan odiava não lembrar do pai. — Sinto muito —, disse ela. — Imogen não se lembra de Mamãe, e eu sei que ela gostaria muito de conseguir. Quando era pequena, ela sempre pedia histórias sobre mamãe.

— Isso é provavelmente parte do problema de sua irmã.

— O que você quer dizer com isso?— Annabel franziu o cenho para ele.

— Ela é uma garota imprudente que vai se arrepender se ela não tiver sorte, e você sabe disso, querida. Afinal, primeiro ela fugiu com seu pobre marido, e tenho a sensação de que ela provavelmente forçou o homem a cruzar seus limites, e então ela se jogou em mim. Uma mulher perigosa.

Annabel sabia que ela deveria defender sua irmã, mas algo nela gostava do fato de que Ewan não mostrava sinais de desejar que Imogen tivesse se casado com ele. — Você não é a pessoa adequada para falar. Afinal, você convidou Imogen para o seu hotel.

— Mas eu pedi a ela para se casar comigo primeiro.

Annabel franziu o cenho para ele. — Você pediu a todas as mulheres que conheceu em casamento?

— De maneira nenhuma —, disse Ewan. — Eu só pedi duas... ou talvez três, agora que pensei nisso.

— Mas o casamento é uma consideração séria! — Annabel exclamou. — Como na terra você poderia tratá-lo de modo tão improvisado?

Ele encolheu os ombros. — Eu não acho que seja uma questão tão grande.

— Quer dizer —, disse ela lentamente, — que não fez diferença alguma se você trouxe para casa eu ou minha irmã como sua noiva? — Ela tinha uma sensação estranha e vazia no estômago.

Mas Ewan sorriu para ela tão alegremente como sempre. — Na verdade, se bem me lembro, achei que sua irmã seria uma noiva melhor que você.

Ela fez uma careta para ele.

— Você é uma mulher para deixar um homem louco de desejo. E eu não queria isso —. Ele nem sequer se moveu, mas havia algo em seus olhos que lhe deu a mesma sensação de calor que ela sentia quando ele a beijava.

— Por que não? — ela conduziu.

— Eu não sou do tipo que corre atrás da esposa como um cãozinho de estimação. Como um homem racional, não tenho medo de que não poderia me proteger de forma compatível com quase ninguém. Mas você...

— Você pensou que eu era rabugenta e te suportaria sobre a cabeça? — ela disse, sorrindo.

O olhar dele foi como uma carícia, — Pensei que corria o risco de fazer papel de tolo por você —, disse ele.

— Presciência da minha parte, não tenho dúvida.

— Mas você não teria feito papel de tolo por Imogen? — Annabel persistiu, querendo ouvi-lo em voz alta.

— Eu pensei que sua irmã seria uma boa esposa porque ela era escocesa, ela era infeliz e eu poderia dar-lhe a felicidade do coração que ela precisava. Mas não, ela certamente não me levaria à distração. Não tenho dúvida de que ficaríamos confortaveis juntos, depois que ela tivesse tempo para o luto.

— Você pensou em Imogen como uma espécie de caso de caridade! — ela disse, olhando para ele, fascinada.

Ele levantou uma sobrancelha. — E ela não é? A pobre moça estava ameaçando dormir com o conde de Mayne. Ele não é um homem com quem brincar. Ele claramente tinha muitas amantes, e eu não acho que ela deveria ceder a tais artimanhas com Mayne.

— Então você pediu para ela se casar com você.

— O que não funcionou porque a garota estava decidida à libertinagem.

— Então você convidou Imogen para o seu quarto —, disse Annabel com uma carranca.

— Isso foi apenas para dissuadi-la.

Ela bufou. — Uma espécie de dissuasão que todo libertino entende, então.

— Eu fui tão grosseiro com ela quanto poderia ser, achando que a assustaria. Fiz o meu melhor para que ficasse com medo da devassidão. E meu plano funcionou como um encanto.

—  Como você fez isso?

— Eu suponho que estes são todos os pontos relevantes, a longo prazo —, disse ele. Havia um brilho pecaminoso em seus olhos. — Eu disse a ela que ela teria que dormir comigo nua. Que não haveria camisolas entre nós. É claro —, ele acrescentou: — eu não estava pensando em pedaços de seda.

Uma onda de desejo percorreu o corpo de Annabel com o olhar dele. Nenhuma camisola! — Você quer dizer que as mulheres adúlteras não...

— Nunca —, ele disse balançando a cabeça. — Você não sabia disso, moça?

— Não, na verdade, agora que eu...

— Nunca, um homem e uma mulher não usam roupas na cama juntos. E então eu disse a ela que esperava que ela soubesse como dar prazer a um homem.

Annabel franziu a testa para ele. — Isso não foi uma coisa muito agradável para dizer!

— Eu não queria ser agradável —, disse ele cuidadosamente. — Eu queria que aquela menina tola rejeitasse a ideia de esquecer o marido arriscando sua alma no processo. E então eu disse outra coisa, e eu acho que o último foi o que mudou sua mente.

— O que foi? — Annabel exigiu.

Ele olhou para ela.

— Oh, tudo bem, não importa —, disse ela.

— Eu disse a ela que eu gostava particularmente de beijo de Coney.

Ela piscou para ele. — Do quê?

Ele balançou sua cabeça. — Tanto para aprender... e apenas uma vida para fazê-lo —. Ele estava rindo dela novamente, mas Annabel estava possuída pela curiosidade.

— Imogen sabia o que era esse beijo? Eu não posso acreditar! — Annabel foi quem conversou com as mulheres na aldeia, uma vez que era ela que fazia as compras. Imogen tinha ficado em casa, sonhando com Draven. Como ela poderia saber o que era esse beijo se Annabel nunca tinha ouvido falar dele?

— Já fizemos esse beijo? — Ela exigiu.

Ele riu ainda mais alto. — Não. Lamento dizer-lhe, Annabel, que você não aprendeu tudo o que havia para aprender com as fofocas em sua aldeia. E agora acredito que você me deve qualquer número de beijos —. Ele estava ao lado de seu assento tão rápido que ela nem o viu se mover.

No final do seu beijo, ela se sentia louca, enlouquecida pelo desejo por ele. — Isso foi um beijo de Coney? — ela perguntou, caindo de volta em seu assento.

Ele apenas sorriu. — Não —. Ele puxou um maço de cartas da lareira. — Você quer jogar? Eu vou te ensinar especulação, para que o tio Pearce possa enganar você sem se sentir culpado. Não que ele já tenha mostrado sinais de uma emoção tão digna.

— Eu sei jogar especulação —, disse Annabel, pensando que eles deveriam ficar longe de conversas que levassem a beijos. — É o jogo favorito de Josie.

— Nesse caso —, disse Ewan com um brilho perverso em seus olhos, — vamos jogar por uma recompensa.

Annabel sorriu. — Melhor de cinco mãos?

Ele venceu o primeiro jogo; ela ganhou o segundo. Ele ganhou o terceiro jogo; ela ganhou o quarto. — Se eu não soubesse melhor —, Ewan resmungou enquando colocava as cartas — eu juraria que você estava trapaceando, minha menina. Eu tinha aquele jogo.

— Serão pistolas ao amanhecer?— ela perguntou, rindo.

— Eu vou ganhar essa mão —, disse Ewan, olhando para suas cartas. — Você vê —, ele olhou para ela e havia um olhar selvagem sobre ele que fez o sangue de repente trovejar em suas veias — Eu quero a sua recompensa.

Annabel olhou para suas cartas, mas ele destruiu sua compostura. Quando ele olhou para ela com aquele brilho em seus olhos, foi como se um Ewan diferente tivesse dado um passo adiante. Um que que a fez pensar em quartos de dormir e coisas privadas. Ela colocou uma carta aleatoriamente.

Ele estendeu a mão e passou um dedo pelo rosto dela. Ela estremeceu e colocou outra carta sem pensar nas consequências.

— Parece que perdi uma recompensa —, observou ela, poucos minutos depois. — O que você vai pedir? — Ele sorriu lentamente, e ela se sentiu subitamente quente pelo olhar dele. — Você é tão diferente assim —, disse ela de repente.

— Diferente como?

— Normalmente, você olha para mim como se eu te divertisse. Na verdade, você parece ver o mundo inteiro como um espetáculo divertido.

— Você não me diverte —, disse ele com um sorriso irônico nos lábios.

Ela podia sentir-se corando. — Não quando...

— Não quando eu quero você tanto quanto eu quero agora —, disse ele.

Então, ele acrescentou em tom de conversa, — eu quase não consigo pensar em qualquer outra coisa, você sabe.

Ela ficou ainda mais corada.

— Lá você se senta, usando um vestido azul escuro, uma cor bastante inadequado para viajar, mas parece bastante dramático com o seu cabelo, e eu poderia recitar cada detalhe da sua roupa, do brocado ao redor da manga até a pequena borla do ombro.

— Imogen deu o vestido para mim —, disse Annabel, tentando desviar o assunto. Ela sentiu instintivamente que estava indo além de seu controle.

Mas o sorriso dele ficou mais profundo, de alguma forma. — Tudo o que posso pensar é em tirá-lo —. Havia um tom de convicção rouca em sua voz, Annabel engasgou.

— É hora de se retirar —, ela disse apressadamente, levantando-se.

Ele também se levantou, seus olhos nos dela. — Como quiser.

— Com a bareira entre nós —, disse ela, franzindo a testa para ele. Então ela congelou. — Você vai, você vai pedir a sua recompensa hoje à noite?

Ele levantou o queixo dela. — Você deseja que eu faça isso?

— Não —, ela respirou, vendo seus lábios virem para os dela. — Não —. Havia uma súplica em sua voz.

E havia um gemido na garganta dele, mas ele perdeu-se ao beijá-la. Foi um longo tempo até ela se afastar.

Ele se virou, passando a mão pelos cabelos. — Droga.

— O que?

— Estou à beira de perder o controle —, disse ele, e a diversão estava de volta em sua voz. — Eu me orgulho de nunca perder o controle.

— Você sabe o que dizem sobre uma queda —, observou Annabel. — A verdade é que não há muito em sua vida que faça você perder o controle, não é?

— Suponho que não.

— É tão fácil —, disse ela, observando-o reunir as cartas em uma pilha bem arrumada e recolocá-las no lugar preciso de onde as tinha tirado. — Mac cuida de tudo. É por isso que você está sempre se divertindo.

— Sim —, disse ele. — Mac é um tesouro.

— Então você nunca perde o controle porque não há nenhuma situação para isso —, ela terminou.

Ele sorriu para ela ironicamente. — Você deve ser boa para mim.

Mas Annabel estava de repente convencida de que perdera a recompensa. Ela deveria ter se  concentrado e mantido sua mente no jogo. Agora ele a faria se despir ao ar  livre ou alguma ação escandalosa. — É fácil refrear o temperamento quando não há nada para perturbá-lo —, disse ela bruscamente.

— Exceto você —, disse ele, de pé diante dela, mas sem tocá-la. — Você me perturba.

Ela teve que sorrir com isso.

Eles tinham uma rotina agora, como qualquer casal. Annabel se despia com a ajuda de sua empregada e depois acomodava-se na cama. Algum tempo depois, Ewan entrava, todo molhado por se lavar na bomba, e tirava a maior parte de suas roupas e deslizava para a cama. Então ele geralmente saia da cama e encontrava algum tipo de travesseiro e colocava entre eles, porque ele ainda estava convencido de que seria um desastre se ele acordasse com ela em seus braços.

— Um homem —, disse-lhe certa noite, — ficaria feliz em fazer amor pela manhã, ao meio dia ou à noite. Mas, na parte da manhã, ele está preparado para o exercício, se você me entende.

Todas aquelas horas que ela gastou ouvindo as mulheres na aldeia reclamarem sobre seus casamentos estavam realmente valendo a pena.

Esta noite não sentiu como as outras noites, no entanto. De alguma forma, a rigidez que Annabel costumava sentir depois de se sentar em uma carruagem o dia todo tinha se dissolvido, substituída por uma excitação e apreensão. Por um lado, ela não conseguia descobrir o que Ewan queria pedir como sua recompensa.

Ele entrou e Annabel tentou olhá-lo objetivamente, do jeito que ela tinha feito quando voltou ao baile de lady Feddrington quando ela não o conhecia sem camisa. Ele era alto e poderosamente construído... mas verificar essas características não funcionava mais. Porque olhar para o peito dele a fez pensar em seu piquenique. E...

— Ewan! — ela disse. — O que você está fazendo?

— Eu não estou vestindo esta camisa para dormir —, disse ele calmamente. — Eu vou continuar com minhas roupas de baixo, para nos proteger. Mas você já viu meu peito antes, moça, e depois de nos casarmos, você vai vê-lo muitas vezes.

Annabel engoliu em seco. Ewan puxou a camisa sobre a cabeça destacando os músculos dos ombros e braços. Em vez de deixá-la constrangida, isso lhe deu uma sensação estranha em seu estômago. O peito dele afunilava até os quadris, aos quais suas roupas íntimas brancas se agarravam como se estivessem prestes a cair...

Annabel fechou os olhos. Seu corpo sentiu de repente todas as curvas e suavidade, uma combinação natural com o dele.

Naquela noite a cama deles era uma grande monstruosidade esculpida que parecia ter sido construída na Idade Média.

Ele deitou e o colchão inclinou para esse lado com um poderoso rangido.

— Ainda bem que não estamos casados ??ainda, porque esta cama não poderia sobreviver a um tremor de lençóis —, ele murmurou puxando as cobertas sobre si mesmo.

Não havia travesseiros no meio da cama.

— Você não me perguntou o que é um beijo de coney, Annabel, meu amor? — Ewan perguntou suavemente.

Ela mordeu o lábio, olhando para ele na luz nebulosa das velas no criado mudo. Seus olhos eram muito, muito verdes.

— Um coney é um coelho —, ele sussurrou aproximando-se dela. — Um coelho macio e aveludado.

Annabel tentou pensar em coelhos e beijos, mas seu corpo estava logo ao lado do dela, e a única coisa entre eles era sua camisola. Ela sentiu como se pudesse sentir o calor do peito dele, embora ele ainda não estivesse tocando nela.

Ewan olhou para sua futura esposa e disse a si mesmo pela centésima vez que seria capaz de se controlar. Ela estava respirando de um modo superficial, e mais cedo ele a viu olhando para ele com um prazer furtivo que sugeria que ela não estava pensando em chutá-lo para fora da cama. Exceto...

— Annabel? — ele perguntou. — Por que você fechou seus olhos? Você não tem medo de mim, não é?

Felizmente, ele viu um lampejo de um sorriso naqueles lábios deliciosos dela. — Isso é uma pergunta?

— Sim—, ele rosnou. E então ele não podia esperar mais: ele reuniu o delicioso corpo de sua  quase esposa em seus braços. Beijou-a até que ela estava tremendo em seus braços, até que ambos estavam quase sem sentido, até que sua língua estava tão ousada quanto a dele. E então ele lentamente, lentamente rolou em suas costas, trazendo-a com ele.

Os olhos de Annabel se abriram. Ela tinha contato direto com a virilha dele agora, e ele não estava certo de que ela entendia as implicações do que ela estava sentindo. Não que sua Annabel tenha mostrado quaisquer sinais particulares de inocência virginal.

Com certeza, ela obviamente sabia exatamente o que estava sentindo. Ela estava olhando para ele com uma pequena ruga entre as sobrancelhas e ele podia praticamente ver as objeções passando através de sua mente.

— Ele vai se encaixar —, disse ele puxando-a para um beijo. — Eu prometo. Não há necessidade de me temer, Annabel.

Então ele deslizou entre os lábios dela com toda a fome pelo gosto dela que ele sentia em seu corpo, beijou-a até que ela estava segurando os cabelos dele e beijando-o de volta, e até que ela se aninhou entre as pernas dele de uma forma que lhe disse que eles seriam um maravilhoso ajuste um para o outro.

Ele só se afastou da boca dela quando descobriu que suas mãos pararam de acariciar suas costas estreitas e tinham se moldado no traseiro mais bonito e redondo que ele já havia sentido em sua vida.

Então, ao invés de continuar com aquela carícia, o que certamente levaria à loucura, ele a rolou, mantendo uma perna sobre a dela, determinado a ganhar o controle de si mesmo antes de tocá-la novamente. Ela era requintada, essa noiva dele, mesmo com os olhos esfumados bem fechados.

Ele deixou beijos em seus olhos e na inclinação rosada de sua boca, mas ela ainda não abriu os olhos. — Você não quer saber o que é um beijo de coney, então? — ele sussurrou em seu ouvido, dando-lhe uma pequena mordida.

Ela ofegou e abriu os olhos. Ela era ótima para ver o mundo cego, esta sua noiva. —Você me disse —, ela falou. — É um coelho —. Sua voz era rouca e baixa, e fez a virilha de Ewan latejar, de modo que ele quase perdeu o controle novamente.

Ele respirou fundo. — Você não está um pouco mais curiosa sobre as origens da frase?

— Sim —, ela sussurrou.

Ele deslizou sua perna pelo longo e liso comprimento das pernas dela, e se surpreendeu, imaginando se ele realmente seria capaz de parar a tempo. Certamente ele seria. Ele não tinha praticado o autocontrole por todos esses anos para que o abandonasse quando ele mais precisava. Lentamente, reverentemente, ele colocou uma mão no seio dela.

A curva quente fez com que ele quase gemesse em voz alta, mas ele permaneceu rígido, e observou Annabel, que, é claro, tinha os olhos bem fechados. Ele se atreveu a esfregar um polegar sobre seu mamilo e o corpo dela instintivamente se arqueou. A mão dela voou para seu pulso e ela disse, com a voz trêmula, — Ewan! — Mas ela não abriu os olhos, e ele contou isso como boas-vindas

— Sim, amor —, ele sussurrou, mantendo a mão e o polegar bem onde estavam. Em seguida, ele se deixou beijá-la novamente e o desejo explodiu como fúria entre eles. Ela estava se contorcendo sob sua mão agora, fazendo pequenos sons que inflamaram o sangue dele. Lentamente, muito lentamente, ele correu a mão de seu seio para o estômago liso, ao longo do quadril, descendo por uma perna longa e elegante e, finalmente, até a barra de sua camisola, agrupada nas coxas dela.

Seus olhos se abriram. — O que você está fazendo? — ela exclamou, agarrando o pulso dele novamente.

Era hora de outro beijo. Ele a beijou até que seus olhos se fecharam em sinal de rendição indefesa, até que ela soltou o aperto feroz em seu pulso e passou os braços em volta do pescoço dele. E então, antes que ela pudesse detê-lo, ele passou a mão pela doçura da pele macia na parte interna da coxa dela... até lá.

Ela ficou rígida. — Eu pensei que não estávamos... —, disse ela com um suspiro.

— Nós não estamos —, ele disse a ela, ao mesmo tempo em que se advertia da mesma coisa. — Nós não estamos. Este é apenas um outro tipo de beijo, Annabel.

Seus olhos estavam abertos e se estreitaram para ele. — Eu nunca ouvi falar de tal coisa!

— Você não aprendeu tudo o que há para aprender na aldeia —, ele disse a ela, tentando manter sua voz mesmo enquanto seus dedos vagavam pelo emaranhado de cabelo mais suave que ele sentiu em sua vida, e sua respiração parecia que poderia explodir em seu peito.

— Eu não acho que isso seja apropriado —, insistiu Annabel. — Não estamos...

Ela guinchou e Ewan cobriu sua boca com a dele. E no meio daquele beijo febril, ele a tocou até que suas pernas relaxaram e ela gritou contra seus lábios de novo e de novo, finalmente, escondendo a cabeça contra seu ombro e torcendo-se contra ele.

— Mas o beijo, Annabel —, disse ele, sabendo que seu controle estava ficando fraco. Outro momento disso e ele simplesmente rolaria e... — Nosso último beijo, e meu presente...

Ela silenciosamente tentou puxar a sua cabeça para a dela.

— Nay —, ele disse rispidamente, — não é isso.

E então, rapidamente, antes que aqueles belos olhos dela pudessem se  abrir e ela pudesse pular para fora da cama, ele se moveu para baixo.

Annabel estava em uma névoa de calor e desejo. Contra sua coxa, ela podia sentir a de Ewan, embora ele dissesse que as coisas se encaixariam, ela tinha uma suspeita persistente de que não. Mas cada vez que a suspeita se tornava firme em sua mente, ele a beijava sem sentido novamente e ela esquecia suas preocupações, perdida em uma névoa de êxtase.

Pelo menos ele finalmente tirou a mão de seu seio, mas...

— O que você está fazend...—, disse ela, surpresa com a rouquidão de sua própria voz.

Ele estava deitado entre as pernas dela e lá estava ela, como uma devassa, com a camisola puxada quase até a cintura. — Pare com isso! — ela gritou, tentando se sentar, mas um enorme braço musculoso deslizou até seu estômago e a segurou. E a outra mão dele...

Ele a tocou lá. Ela não podia evitar; um gemido escapou de seus lábios. Mas ele podia vê-la. Ele não deveria estar em tal posição. — Ewan! — ela disse, tentando mais uma vez raciocinar, por decência, por...

Ela perdeu sua linha de pensamento. Os dedos dele estavam...

Isso não era o dedo dele!

—Ewan! — ela engasgou, mas ele não respondeu, e sua mão estava segurando-a bem, ele estava acariciando seu seio e não havia nada a fazer além de fechar os olhos e afundar em uma escuridão aveludada que não tinha nada a não ser ele e sua língua e as chamas lambendo ao redor de seu corpo, fazendo-a arquear impotente contra ele, tentando chorar seu nome, mas conseguindo apenas chorar, sua voz cortada em fitas pela doçura de seu beijo.

Isto... este... mas ela não podia lembrar como era chamado. Ela não conseguia se lembrar de seu próprio nome. Cada sensação em seu corpo estava voltada para o toque áspero e prazeroso da boca dele.

— Eu não posso, eu não posso... — ela conseguiu... e então ela estremeceu, se contorcendo contra ele, explodindo em um espasmo mais intenso do que ela já havia sentido antes, uma explosão devastadora que a deixou ofegante e gritando, e, em seguida, caindo para trás, flácida.


Capítulo Vinte

Dois dias depois, estavam andando pela estrada no início da tarde. Annabel tinha sucumbido a uma névoa de tédio e cansaço, e quando Ewan decidiu montar, ela se encolheu no banco e adormeceu. O que a despertou foi a sensação de que a carruagem estava se inclinando acentuadamente a esquerda.

Ela piscou, tentando decidir se a cabine estava realmente inclinada para o lado, e então, antes que ela pudesse preparar-se, uma guinada violenta jogou-a contra a lateral, seguida por gritos estridentes, e ruídos de raspagem quando a carruagem deslizou algum tipo de rampa. O último som quando a carruagem se estabeleceu foi o estalo violento de um grosso pedaço de madeira cedendo.

Annabel caiu com um estrondo forte contra a porta da carruagem, que agora servia de piso. Na súbita quietude, ela ouviu gritos e relinchos. Com o instinto de alguém criado nos estábulos, ela prendeu a respiração e escutou o som de cavalos gritando. Mas não. Eles estavam assustados e com raiva, mas não com dor.

Então Ewan gritou acima do clamor: — Annabel! Annabel, você pode me ouvir? Você está ferida? — Havia uma clara tensão de pânico em sua voz.

— Ewan! — ela gritou. Ela estava de joelhos, já que os assentos agora se estendiam verticalmente no ar. — Estou apenas abalada —. Sua touca estava esmagada sobre uma orelha, então ela tirou-a e colocou de lado. — E os cavalos?

— Jakes conseguiu libertá-los pouco antes de a carruagem deslizar. Então, tudo que temos que fazer é tirar você —. E então, muito perto da parede da carruagem, — Não se preocupe, eu estou bem aqui.

— Eu não estou preocupada —, Annabel respondeu. Para ser honesta, ela estava cansada de viajar na carruagem. Agora ela seria capaz de esticar as pernas enquanto eles consertavam o veículo.

— Temos de virar a cabine —, disse Ewan. Ela ainda podia ouvir um eco de medo em sua voz e isso deu-lhe uma pontada estranha de prazer. — Pode levar alguns minutos para decidir como fazer isso da melhor forma. Eu não quero empurrar-lhe muito no processo, e há um pouco de água nessa vala que pode atrapalhar um pouco.

Annabel tinha acabado de descobrir isso por si mesma, já que a água começara a infiltrar-se através do batente da porta na qual ela estava ajoelhada. Ela arrastou-se e encostou-se ao lado da carruagem.

— Quanta água? — ela perguntou com uma demonstração confiável de calma. Vertia no momento, inchando ao redor da porta e rastejando em direção a seus chinelos. Ela estendeu a mão e agarrou o chapéu esmagado antes de ter sido inundado.

— Não o suficiente para afogá-la. Molhar seus tornozelos, no máximo.

Annabel fez uma careta. A janela estava acima dela, mas ela certamente poderia passar por  ela.

— Ewan! — ela chamou. — A janela da carruagem abre?

— Você não passaria através da janela —, disse ele, antes de gritar algo ininteligível até a encosta para seus homens.

— Sim, eu passaria —, Annabel gritou de volta, um pouco indignada. A água estava na ponta dos pés agora e estava fria como gelo e imunda. — Mas eu não posso chegar alto o suficiente.

— Espere um momento! — O coche estremeceu com o peso de Ewan e, um momento depois, seu rosto apareceu no vidro lamacento acima dela. — Olá! —, ele disse sorrindo. — Seu cabelo está uma bagunça.

Ela fez uma careta para ele e apontou para a água negra lambendo seus chinelos. Ela o viu olhar para baixo e franzir a testa, e então ele disse: — Vire-se.

Ela virou-se e escondeu o rosto contra o assento da carruagem, mas nenhum vidro voando a atingiu. Em vez disso, ela ouviu o barulho de madeira sendo arrancada de suas amarras. Quando ela se virou novamente, o sol estava caindo. Ewan havia arrancado toda a moldura da janela da carruagem e a levantou no ar. Houve um estrondo quando aterrissou na vala. — Espere um minuto —, disse ele. — Eu vou me preparar...

E então ele reapareceu, deitando-se e inclinando-se através da janela, com os braços estendidos para ela.

— Vamos lá, querida —, disse ele, — acho que vai ser fácil como tirar um bebê de seu berço.

— Estou feliz que você tenha achado isso divertido —, disse Annabel, mas ela estendeu as mãos para ele. As grandes mãos dele se fecharam nas dela e, em seguida, com um movimento suave e poderoso, ele puxou com tanta força que ela literalmente voou para cima, e suas mãos se fecharam novamente em sua cintura. Em seguida, com um grunhido ele a puxou pela janela e sentou-a, as saias penduradas na cavidade da carruagem.

Annabel apenas olhou para ele. Ela teve que lembrar-se de fechar a boca escancarada. — Como no mundo você fez isso?

— Não foi nenhum problema levantar um peso pena como você.

Annabel nunca tinha perdido nenhuma lágrima pelo fato de ter uma figura exuberante e arredondada. Ela sempre gostou, e, francamente, os homens mostravam todos os sinais de gostar também. Mas ela não era uma mulher esbelta e frágil que poderia ser levada pelo ar com uma brisa.

Em algum momento, Ewan tirou o paletó e arregaçou as mangas. Seus antebraços estavam cheios de músculos, e seus ombros pareciam poder rasgar o tecido fino de sua camisa. Annabel engoliu em seco, pensando em Ewan sem camisa no piquenique. Ele nem estava respirando com dificuldade.

— Onde você conseguiu todos estes músculos? — ela perguntou.

— Levantando donzelas em perigo —. Ele sorriu para ela, e houve uma ligeira guinada quando ele saltou da carruagem e aterrissou com um respingo na vala. Em seguida ele levantou os braços. — Salte!

Annabel não pôde deixar de sorrir. Se fosse qualquer inglês normal que estivesse abaixo dela, um cavalheiro normal de qualquer nacionalidade, ela teria medo de que seu peso, arremessado do alto de uma carruagem, iria derruba-lo no chão como uma pedra. Mas Ewan...

Ela puxou as pernas para fora da janela da carruagem destruída e se levantou. Dali ela podia ver quilômetros de floresta esmeralda escura com apenas alguns pássaros saindo de suas profundezas, como peixes voadores escumando um oceano. O ar estava fresco e puro e cheirava a abetos, forte, terra argilosa e primavera.

— Annabel! — Ewan chamou.

Ela olhou para baixo. Ele estava em pé na água, depois de tudo. Assim, sem um momento de receio, ela lançou-se da carruagem caída, chegando aos braços dele com toda a segurança e o prazer de uma criança pulando do segundo degrau da escada.

Os braços dele se fecharam ao redor dela e por um momento ela não sentiu nada além do calor do corpo dele. Ele cheirava a sabão e suor limpo, e lençóis secos ao sol. Vagamente ela podia ouvir os homens de Ewan aplaudindo o seu resgate. Mas ele estava levantando o queixo dela e olhando-a com aqueles olhos verde-mar. — Faça-me uma pergunta, moça —, disse ele. — Estamos sem beijos.

— Você poderia me soltar agora?

— A resposta é não —, disse ele, cobrindo sua boca com a dele. Seus lábios eram tão duros e tão poderosos quanto seu corpo (Ele parecia um grande e inocente trabalhador rural, mas ele beijava como um senhor pecaminoso, um libertino que conhecia os segredos mais sombrios de seu coração, desejos dos quais ela não sabia nada até que os beijos dele os despertaram).

Finalmente ele recuou e ela piscou para ele, percebendo que era uma coisa boa que ele ainda estava segurando-a; suas pernas não estavam estáveis ela estava tremendo por toda parte.

Ele não estava sorrindo. Ela gostou disso.

— Meu senhor —, Mac chamou da estrada. — O homem que enviamos à frente voltou e diz que há uma pequena aldeia a três quilômetros abaixo da estrada. Talvez você queira ir até lá enquanto nós trabalhamos com a carruagem. Os veículos mais lentos não devem estar a mais de uma hora atrás de nós e eu vou enviá-los diretamente para você.

Ewan estendeu a mão. Annabel pegou e ele a puxou pela encosta até a estrada. Ela olhou para trás para ver a fina e elegante carruagem arranhada e quebrada, deitada de lado, como um pássaro abatido em pleno vôo.

— Annabel e eu vamos pegar um dos cavalos e ir até a aldeia —, Ewan estava dizendo. — Mande as outras carruagens para nos pegar, e nós continuaremos até encontrarmos uma pousada para a noite.

Ela balançou a cabeça para ele, e ele disse: — Não temos uma sela lateral Annabel; você terá que cavalgar na minha frente.

— Esses cavalos não são fortes o suficiente para nós dois. Vamos levar dois cavalos, e eu posso fazer isso muito bem sem uma sela lateral.

A sobrancelha de Ewan se ergueu, mas ele apenas disse: — Excelente —, e virou-se para Mac.

Annabel escutou até que ela o ouviu fazendo planos para trazer vários homens para a aldeia com eles. Então ela colocou a mão em sua manga. — Os homens devem ir antes de nós —. ela disse.

Ele parecia bastante confuso, mas aceitou o comentário dela sem questionar. Annabel se levantou e pensou por um momento sobre isso; era uma bênção rara encontrar um homem que aceitasse uma palavra de conselho sem questioná-la. Certamente seu pai nunca tinha visto o ponto de tal coisa.

Poucos minutos depois, quatro batedores partiram em boa velocidade para a aldeia, com a intenção de trazer mais homens e algum tipo de carroça de fazenda no caso da carruagem não estar imediatamente utilizável.

Annabel virou-se para os cavalos que se aproximavam da beira da estrada, cortando a grama com os dentes. Ela caminhou entre eles, parando para afagar as orelhas de um cavalo de trabalho nervoso.

Finalmente ela encontrou um cavalo castrado castanho-avermelhado com uma juba preta e olhos grandes e macios. Ela estendeu a mão e ele educadamente parou de comer a grama e soprou o ar em sua palma com o nariz aveludado.

— Qual o seu nome, beleza? — ela sussurrou para ele, mas ele só lambeu seus dedos e sacudiu o freio. — Vou chama-lo de Ginger, então —, disse ela. — Ginger foi meu primeiro cavalo e você é bem parecido com ele.

Ele aceitou o presente de grama com atenção cortês.

Ewan jogou uma sela sobre Ginger e se virou para ela. — Posso lhe dar uma mão?

— Não, obrigada —, disse Annabel. Batedores e criados estavam andando pela estrada, esperando para descobrir precisamente como Mac queria recuperar a carruagem. Mac estava rondando ao redor do veículo, chapinhando na lama enquanto decidia o que causaria menor dano à estrutura. — Vou apenas andar com este doce cavalheiro por um momento —, disse Annabel.

Ginger gostava de andar e soprou em seu ouvido de uma forma amigável. Um segundo depois Ewan a alcançou, seu cavalo em uma longa rédea. O sol estava quente no rosto de Annabel. Seus raios capturavam o cabelo de Ewan e faziam parecer como se prismas de luz rubi estivessem presos em seus fios.

Lentamente, eles se afastaram dos gritos dos homens que trabalhavam na carruagem e depois a estrada fez uma curva. Annabel olhou para trás e viu que eles estavam completamente fora de vista.

— Você vai me dar uma mão agora? — ela perguntou.

Ela subiu na sela e reorganizou suas saias com cuidado. Depois de um momento percebeu que Ewan ainda estava de pé ao lado de seu cavalo, como se estivesse congelado. Ela levantou uma sobrancelha.

— Meias encantadoras —, ele disse calmamente, mas havia um brilho em seus olhos.

Annabel olhou para as meias rendadas de lã. Elas brilhavam como a neve branca na luz sombria, desde os tornozelos finos até um pouco acima dos joelhos. — Você pode ver porque eu não queria montar este cavalo na frente de seus homens —, disse ela sorrindo para Ewan.

Ele não disse nada imediatamente, apenas fechou a mão em torno de seu tornozelo. — Você tem pernas lindas —. Sua voz tinha uma nota profunda, quase rouca.

Annabel sorriu para ele e levantou as saias um pouco mais alto. Os olhos dele vagaram por suas coxas que se agarravam com força ao dorso do cavalo, e ele fez uma expressão tão estranha que ela levantou uma sobrancelha.

— Há algum problema, Ewan?

— Posso não ser capaz de montar em uma sela sozinho —, disse ele, e sua voz estava definitivamente rouca agora.

— Tente —, disse ela descaradamente. Com um ligeiro movimento do joelho ela fez Ginger começar a descer a estrada.

— Você não me disse que poderia montar! — disse Ewan.

— Você não perguntou! — Annabel respondeu. Ela podia sentir ondas de alegria crescendo em seu coração conforme Ginger deu uma pequena empinada debaixo dela. Ele estava esticando as pernas, esperando que ele não fosse mantido no trote interminável e na caminhada mantida pelos batedores.

Então ela se inclinou sobre o pescoço dele e deu as rédeas. — Vai! — ela disse, e ele não precisou de mais encorajamento.

Ela sentiu seus grandes músculos se contraírem e saltarem para a frente enquanto ele deu um suspiro de satisfação e ergueu a cabeça como se para sentir o cheiro do vento. E então eles foram chicoteando, passando os campos escuros de abetos, correndo pela estrada de terra. Annabel se sentou e riu alto, segurando as rédeas com uma mão, mantendo Ginger a galope com uma leve pressão de seus joelhos.

De trás veio uma batida de cascos de cavalo. Annabel olhou para trás e sorriu. Aparentemente Ewan conseguiu montar depois de tudo. Ele provavelmente pensou que o cavalo estava fugindo com ela. Nenhuma dama cavalgava assim. Se ele se inclina para pegar meu freio, Annabel pensou, eu vou... eu vou tirá-lo.

Ele alcançou-a, é claro. Mas ele não fez nenhum movimento em direção às rédeas dela, apenas riu, e mesmo sobre o bater dos cascos dos cavalos e o chicotear de seu cabelo em torno de seus ouvidos, ela ouviu o profundo prazer disso.

Eles contornaram uma curva e galoparam por uma estrada sombria, contornando outra curva e voltando para o sol brilhante novamente. Quando Ginger começou a bufar Annabel puxou as rédeas e levou-o para um galope e, em seguida, para uma caminhada. Ewan e sua montaria mantiveram o ritmo ao lado dela.

Então Ewan aproximou seu cavalo a um fio de cabelo de distancia de Ginger e seus ombros estavam quase se tocando.

— Quanto mais tempo passamos juntos, menos eu sinto que sei sobre você —, disse ele  balançando a cabeça para ela.

— Você é tão diferente da mulher que eu conheci em Londres.

— Como você achou que eu fosse? — Annabel perguntou não muito certa de que realmente queria saber a resposta.

— Uma dama —, disse ele prontamente. — Uma verdadeira dama.

— Eu sou uma dama! — Annabel disse, franzindo o cenho para ele.

— Você sabe o que eu quero dizer. Fiquei chocado quando você não me deu um tapa depois que eu beijei você no carrinho de maio na festa no jardim de Lady Mitford. Eu finalmente decidi que você estava sofrendo com o calor. Lá estava você, toda vestida de rendas, e parecendo derretida e suave.

Annabel riu dele. — Eu bati em você no arco e flecha, se você se lembra. Isso era uma coisa elegante para se fazer?

— Havia me esquecido isso —, disse ele. — Você tem algumas habilidades muito úteis.

— Nada é mais útil do que parecer derretida, como você chama —, ela disse dando-lhe um pequeno sorriso.

— Oh! Por que?

— Porque, se uma mulher parece frágil e derretida, os homens ao seu redor assumem as tarefas. Além disso, eles pensam que ela é indefesa, e eles a defendem. Eles acham que ela é adorável, e então eles querem abraçá-la. Antes que se deêm conta eles sentem o desejo de levá-la para casa e mantê-la segura para sempre.

— Eu sinto vontade de te levar para casa, e você não estará segura lá —, ele rosnou para ela.

Annabel riu. —Outra habilidade útil.

— O que?

— Se eu fizer você me desejar, você vai assumir as minhas tarefas na esperança de que eu vou pagar-lhe um favor em troca. Ou, para tomar um exemplo maior, você me dará jóias, especificamente uma aliança de casamento.

— Então me faça desejar você —, disse ele observando-a.

Ela olhou para ele por cima do ombro e deixou seus olhos cairem para os lábios dele, e suas pálpebras caíram um pouco. Em seguida, um pequeno sorriso curvou seus lábios, um sorriso que ela vinha praticando desde que tinha quatorze anos de idade e descobriu que sorrisos ocasionalmente inspiravam o açougueiro a dar-lhes cortes de carne gratuítos. Que um sorriso confundiria o padeiro para que ele lhes desse pães extra.

Ewan assobiou. — Eu posso ver como isso pode ser eficaz.

— Oh? Devo assumir que você vai me dar jóias?

— Uma pergunta! — Ele puxou seu cavalo. Automaticamente ela parou Ginger também. Ele envolveu uma grande mão ao redor da nuca dela e gentilmente a puxou para si. Estes dias, seus beijos começavam como se nunca tivessem deixado o último. Suas bocas se encontraram, famintas, abertas, buscando o gosto um do outro... Mas ele manteve as mãos para si mesmo. E ela manteve as mãos emaranhadas nos cabelos dele e não tentou direcioná-lo. E eles nunca, nunca embarcaram em um beijo de Coney ou outro parecido.

No fundo de sua mente, Annabel continuava tentando descobrir qual dos beijos de Ewan ela mais gostava.

Houve momentos em que ela manteve a boca fechada, e fez com que ele mendigasse e implorasse silenciosamente a entrada até que ele pudesse passar por sua guarda. Às vezes ela achava que aqueles eram os melhores beijos, e às vezes ela pensava em um emaranhado selvagem, em que ambos estavam tremendo dentro de um ou dois segundos... às vezes pensava que aqueles eram os melhores beijos. E então havia aqueles que Ewan não contava: o pequeno toque matinal em sua bochecha ou em um olho, a doçura de seus lábios apenas se tocando sobre o travesseiro durante a noite.

— Eu assumiria suas tarefas por um sorriso —, Ewan disse suavemente um momento depois. — Por um beijo como esse...

Annabel olhou para longe, de repente tímida. Beijos daquela natureza não faziam parte do esquema que ela havia elaborado para a vida dela, no comércio preciso de seu corpo e realizações por um anel de um homem e sua fortuna.

Ele mudou as rédeas para a mão esquerda. Então ele enrolou os dedos ao redor dos dela. Eles caminharam pela estrada serenamente, deixando os cavalos bufarem um para o outro. Annabel não olhou para Ewan novamente. Tinha a sensação de que todos os seus preconceitos sobre homens e mulheres estavam caindo aos seus pés. Ele havia violado suas defesas.

Quando eles chegaram à pequena bifurcação que levava à aldeia, Ewan ajudou Annabel a descer de sua montaria e eles caminharam ao lado de seus cavalos, ainda sem dizer uma palavra.

Alguns momentos depois, eles se encontraram com os batedores de Ewan, voltando pelo mesmo caminho. Aparentemente não havia carroças para serem levadas, então eles estavam voltando para o local do acidente.

A aldeia não era apenas pequena; não passava de uma coleção heterogênea de três casas dispostas em torno de uma praça poeirenta. Não havia nenhuma loja, nenhum pub e nenhuma estalagem, apenas um jovem de ombros largos, nariz arrebitado e um sorriso alegre para cumprimentá-los.

— Meu nome é Kettle, meu senhor. Eu não tinha nenhuma expectativa de ver senhores hoje, e temo que não estamos preparados —. Ele acenou com a mão para o pequeno pedaço de terra entre as casas de pau-a-pique, assustando algumas galinhas que iniciaram um protesto.

— Posso pedir-lhe a cortesia de um copo de água para a minha esposa? — Ewan perguntou  curvando-se.

Kettle irradiou alegria. —Nós temos mais do que isso. Vou pedir à minha esposa para trazer um copo de cerveja para sua senhoria —. Ele entrou em uma das casas, retornando com uma mulher segurando cuidadosamente uma caneca de lata. Ela tinha o cabelo ruivo de fogo, trançado longe de seu rosto, duas covinhas que a faziam parecer como estivesse prestes a rir e uma barriga que se arqueava diante dela como se estivesse desafiando a gravidade.

Ela conseguiu fazer uma reverência sem derramar uma gota de cerveja. — Eu sinto muito —, disse ela timidamente. — Nós temos apenas uma caneca, mas se o senhor puder esperar um momento, eu vou reabastecer em um instante. E eu tenho alguns bolinhos de aveia no fogo, se você quiser um.

— Oh, não, Sra. Kettle —, Annabel disse no mesmo momento em que Ewan disse: —Nós adoraríamos um. Obrigado!

Um enorme sorriso se espalhou pelo rosto da Sra. Kettle. —Sra. Kettle! Eu acho que sou eu!

Kettle colocou um braço em volta dos ombros da esposa. —Não recebemos muitos visitantes, e um pregador metodista de estrada veio no mês passado. Acho que você é a primeira a chamá-la assim.

— Mas você não vive aqui sozinho, não é? — Annabel perguntou.

— Normalmente não —, disse a Sra Kettle, balançando outra reverência. — Há três casas,  como você pode ver, mas a Sra Fernald sentiu-se mal no último inverno, e assim eles foram até seus parentes por algum tempo, até que ela se sinta melhor. E a terceira casa pertence a Ian McGregor. Ele foi procurar trabalho nos campos para o verão. Ele não tem esposa alguma —. Claramente, do ponto de vista da Sra Kettle, o pobre McGregor era amaldiçoado.

Do ponto de vista de Annabel, McGregor estava absolutamente certo em não assumir a responsabilidade de uma esposa quando tudo o que podia manter era um barraco. Ela tomou um gole de cerveja. Estava clara, rala e fria.

Todos ficaram juntos sem jeito por um momento e, em seguida, a Sra. Kettle ofegou. — Eu nem pensei —, Sua voz desapareceu nas profundezas de sua casa, e ela apareceu um momento depois com uma cadeira. Tanto o marido quanto Ewan foram em direção a ela imediatamente, mas Ewan a alcançou primeiro. Então o Sr. Kettle foi buscar um banquinho, e, em seguida, eles colocaram as duas cadeiras no meio do pó e das galinhas. Annabel sentou-se na cadeira, e a Sra. Kettle no banquinho. Os homens se afastaram e começaram a falar sobre lúpulo e cerveja e como o trigo estava brotando.

— Isso é tão gentil de sua parte, Sra. Kettle —, disse Annabel.

— Você sabe —, ela respondeu com seu sorriso de covinhas, — Eu não tenho certeza, mas acho que eu gosto mais de Peggy. Você se importaria de me chamar de Peggy?

— Claro que não —, disse Annabel. — E você deve me chamar de Annabel.

— Oh, não, eu não poderia fazer isso —, disse Peggy descartando a idéia com absoluta certeza. — Mas eu tenho sido apenas Peggy toda minha vida, e acredito que por isso é difícil se acostumar a ter dois nomes. Dois nomes! — Ela riu. — Isso é riqueza!

— Um tipo —, disse Annabel. Mas então Peggy ficou de pé novamente. — Eu esqueci completamente dos meus bolinhos de aveia!

O Sr. Kettle disse algo a Ewan sobre seu abrigo de madeira e depois desapareceu também.

Uma das galinhas estava tão desesperada que veio e bicou a fita enlameada pendurada no chinelo de Annabel. Ela estremeceu.

— Estas com frio? — Ewan perguntou.

Ela balançou a cabeça. — Eu quase posso sentir o cheiro da pobreza.

— E você não gosta?

Annabel cutucou o frango com o pé. —Não, não gosto. Seria uma coisa terrível ser tão pobre.

— Eles não parecem infelizes —, disse Ewan.

— A Sra. Kettle tem apenas uma caneca de lata —, disse Annabel. — Uma cadeira, e provavelmente um banquinho.

— É quase certo que apenas um vestido —, Ewan colocou.

— E um bebê a caminho —, Annabel apontou.

— Hmmm. Ainda assim, eles parecem felizes.

— É impossível ser feliz nessas circunstâncias.

— Eu não concordo.

Annabel sentiu uma onda de irritação com a convicção calma em sua voz. — Se você pensa assim, você não sabe nada sobre isso. Pense no quanto você gosta de tomar banho. Aquela pobre mulher provavelmente não teve um banho quente desde que se casou, se teve. É muito desgastante aquecer toda a água. Na verdade, eu duvido que eles tenham uma banheira.

— Verdade —, disse Ewan. —É raro em uma aldeia alguém ter uma banheira, e eu não acredito que estas famílias estão ligados a qualquer proprietário de terras.

— Ela provavelmente está comendo sopa de aveia como sua principal refeição —, disse Annabel, não muito certa porque a voz dela era tão acusadora. — Mesmo que ela esteja carregando uma criança! Ela deveria estar comendo um bom frango gordo todas as noites.

Annabel chutou a galinha magricela, que estava de volta, bicando suas fitas de sapato. — Você não deveria ter dito a ela que você gostaria de um bolinho de aveia. Agora ela provavelmente não terá nada para comer no jantar.

— Recusar, teria sido um insulto a ela —, disse Ewan. — Ela quer nos oferecer algo.

Annabel franziu a testa.

Neste momento Peggy saiu e ofereceu-lhes todos os bolos ligeiramente queimados. — Eu ainda estou aprendendo a cozinhar —, disse acenando com um deles no ar. — E eu sinto muito que não há mel. Nós estamos esperando encontrar uma árvore de mel. Eu sei que elas estão aqui em algum lugar, porque as abelhas vêm para o sol. Mas sempre que eu sigo uma abelha para dentro da floresta, eu me perco! — Ela riu.

— Bem, acho que esses bolos parecem maravilhosos —, Annabel disse a ela. — Eu não cozinho nem um pouco.

— Oh, não, claro que você não deve cozinhar! — disse Peggy. —Eu sim deveria saber.

— Eu concordo —, disse Ewan, terminando seu segundo bolo. Annabel fez uma careta para ele quando ele estendeu a mão para um terceiro. — Se você pudesse fazer bolos como a Sra. Kettle, você nunca teria que temer o meu descontentamento.

— Eu não temo o seu descontentamento! — Annabel disse-lhe, voltando-se para Peggy. Ewan estava rindo, e Peggy parecia querer rir, mas não tinha certeza se isso seria permitido na presença da nobreza.

— Eu não quero mantê-la longe do que estava fazendo, eu poderia ajudá-la, talvez?  — Annabel perguntou.

Peggy olhou para o vestido de viagem lindamente costurado de Annabel. — Essa é uma ideia tola —, ela disse com uma gargalhada. — Estou aquecendo o creme para a manteiga. Não há nada para uma dama fazer.

O rosto de Annabel ficou impassível. — Posso não saber cozinhar, mas sei como fazer manteiga! Minhas irmãs e eu costumavamos ajudar na cozinha todas as semanas.

Peggy piscou para ela. — Você deve estar brincando?

Mas Annabel já estava indo para a casa, arrastando Peggy atrás dela. Ewan ouvi a voz dela desaparecer pela porta. — Você está usando cenoura, ou...

— Por que não vou ver como o abrigo de lenha do Sr. Kettle está se saindo? — Ewan perguntou ao ar. Claramente Annabel ia dar a Nana uma corrida por seu dinheiro quando se tratava de mexer nos negócios de seus inquilinos.

Uma hora depois, as carruagens ainda não tinham aparecido. Ewan voltou para a clareira para ver se conseguia encontrar sua quase-esposa. Ele parou na porta da cabana antes que ela visse que ele estava lá.

A casa era formada de apenas um comodo. Uma cama grande estava encostada na parede, e uma mesa rustica estava no centro. Annabel estava de pé à mesa, lavando um grande pedaço de manteiga na água. Peggy estava sentada na única cadeira.

— Não, você apenas fica descansando —, Annabel estava dizendo para Peggy, pelo que era provavelmente a vigésima vez. — Eu posso moldar a manteiga.— Habilmente ela virou o pedaço de manteiga de uma tigela de madeira e polvilhou sal nele.

— Agora, onde você mantém a sua prensa? — ela perguntou, olhando em volta.

Naquele momento Peggy viu Ewan encostado na porta, e levantou-se. — O que você deve pensar de mim! — ela exclamou. —Eu simplesmente não conseguia parar sua esposa, meu senhor, eu não podia!

Ewan sorriu para ela. Annabel tinha encontrado o molde pendurado na parede e tinha começado a preenchê-lo com manteiga.

— Eu disse a Peggy que ela precisa descansar —, disse Annabel a ele. — Aqui está ela, um ou dois dias de dar à luz, e ela está em seus pés o dia todo! Peggy, você precisa se deitar na cama neste minuto. Você sentou-se tempo suficiente.

Peggy deu a Ewan um olhar desesperado, e ele piscou para ela. Ela deitou-se na cama com a atitude impotente de alguém que acabou de encontrar um furacão e foi arrancado de suas pernas.

Annabel virou o molde de cabeça para baixo em um prato e empurrou o fundo solto. Um pacotinho de manteiga dourada apareceu. O topo da manteiga foi marcado com um P.

— Isso é bonito —, ele disse a Peggy, observando como Annabel começou a embalar mais manteiga no molde.

Ele nunca tinha prestado atenção na aparência da manteiga, mas agora ele pensava nisso, a manteiga que aparecia em sua mesa tinha seu brasão de armas na parte superior.

Peggy parecia satisfeita. — O orfanato me deu o molde de manteiga como um presente de despedida —, disse ela.

— Quando você saiu para se casar com o Sr. Kettle?— Annabel perguntou.

— Sim, exatamente.

Ewan teve que admitir que Peggy parecia bastante cansada agora que ela estava deitada. Sua barriga se destacava de seu corpo magro como uma ilha se erguendo de um riacho.

— Claro que, quando eu deixei o orfanato, não tinha certeza se iria casar com o Sr. Kettle ou com o Sr. McGregor.

— O que? — Annabel disse parando no meio do caminho para virar outra forma de manteiga no prato.

— O vendedor ambulante trouxe o aviso ao orfanato de que o Sr. Kettle e o Sr. McGregor estavam querendo esposas —. Peggy explicou. — Eu era a única com a idade que estava disposta a ir para as florestas do norte. Então eu viajei junto com o mascate. O orfanato me deu o molde, e em seguida, o mascate foi bom o bastante para me dar uma cesta de queijo porque eu o ajudei no caminho para cá —. Ela sorriu. — Estou pensando em fazer queijo da próxima vez que tiver um pouco de leite extra.

— Então você chegou aqui com o mascate, e escolheu o Sr. Kettle? — Annabel perguntou, obviamente fascinada.

Ewan acomodou-se mais confortavelmente no batente da porta, cruzando os braços sobre o peito, — E se você não tivesse gostado do Sr. Kettle ou do Sr. McGregor?

— Até então o vendedor tinha se oferecido para mim também! — Peggy disse, obviamente encantada com sua popularidade. — Mas eu sabia que o Sr. Kettle era o único para mim no momento em que o vi. O vendedor tentou me fazer mudar de ideia. — Claro, eu poderia ter tantas panelas quanto quisesse se eu tivesse ficado com ele. Mas ele não levou a mal quando eu escolhi o Sr. Kettle. Na verdade, ele foi tão bom que me deu um pedaço de tecido como presente de casamento, e quando o bebê chegar, vou transformá-lo em um pequeno vestido.

Annabel não disse nada, apenas empacotou mais manteiga com uma pequena careta.

Ewan recuperou um sorriso. — Então, o mascate tinha muitas panelas, não é? Mas o Sr. Kettle tem uma vaca.

— Isso foi uma consideração —, disse Peggy. Ela estava parecendo bastante sonolenta agora, deitada na cama com a cabeça em sua mão. —Mas o vendedor tinha uma barriga —. Ela riu sonolenta. —Sim, e uma longa barba também.

— O Sr. Kettle é um homem adequado.

Annabel sorriu para ela, e Peggy deu-lhe um sorriso travesso e acrescentou: — Cada centímetro dele!

Peggy riu, e o baixo estrondo do riso de Ewan ecoou na pequena casa. E, depois de um segundo Annabel juntou-se a eles. Os olhos de Peggy estavam se fechando, então Ewan colocou um dedo sobre os lábios e saiu da casa.

Do lado de fora, ele pegou as mãos de Annabel na sua e disse: —Então você pode fazer manteiga, não é? E você atira flechas com precisão, e cavalga como um anjo. Há algo que você não pode fazer?

Annabel olhou para ele com um sorriso torto. — Eu não poderia fazer as escolhas que Peggy fez. Eu não quero escolher entre panelas e gado.

— Você não precisa —, ele disse acariciando seu rosto. — Ouvi dizer que o mascate dessa região está à procura de uma esposa, mas não vou deixar que ele tenha você, nem por todas as panelas e potes do mundo.

— Eu tenho uma pergunta —, Annabel sussurrou puxando-o para mais longe da casa.

Ele a levou até o depósito de lenha de Kettle e girou seu corpo de forma que ele estava encostado na parede e pode puxar o corpo de Annabel contra o dele. Ela ofegou, mas permitiu.

— O que é ter cada centímetro adequado? — ela sussurrou.

— O que?

— O Sr. Kettle é um homem adequado —, ela disse mantendo a voz baixa, embora a curiosidade vazasse completamente.  — Cada centímetro dele.

Para decepção de Ewan, ele não conseguiu explicar a piada, porque dizer isso em voz alta parecia trazer o significado à tona. Ela engasgou, e uma pequena risada escapou. — Sorte do Sr. Kettle —, disse ela.

— Sim, espero que o pobre mascate não tenha conseguido medir —, Ewan sussurrou de volta.

— Isso é mau!

Ewan beijou seu pescoço. — Então, você gosta de fazer manteiga?

— É um trabalho pesado —, disse Annabel inclinando-se contra ele de uma forma mole que ele aprovou totalmente. — Pobre Peggy, é muito difícil, todo esse trabalho e um bebê ainda por cima. Você sabe que o bebê pode vir a qualquer momento, Ewan? E o que ela fará, sem nenhuma mulher a quilômetros?

— Espero que  Kettle a ajude —, disse Ewan. Uma idéia estava começando a brotar em sua mente. Uma maligna, com certeza.

— É uma desgraça —, ela resmungou como se nem percebesse que ele estava beijando sua orelha. Mas ela percebeu; ele podia sentir o pequeno tremor por seu corpo quando ele a beliscou. —Kettle deve levá-la a algum lugar onde ela possa ser cuidada adequadamente.

— Ele cuidará dela —, disse Ewan.

— Uma mulher precisa de outra mulher em momentos como este! E ela também não deveria estar levantando uma pesada batedeira de manteiga.

Ewan jogou a cautela ao vento. — Você me deve um beijo —, ele disse.

Ela encontrou os olhos dele e inclinou-se, a boca cor de morango, tão tentadora quando a de qualquer sereia que se preze do mar Mediterrâneo.

Mas ele se conteve, apenas a tocando com um beijo sussurrado, tão leve e delicado como seda.

— Você me deve uma recompensa —, ele assustou.

Um pequeno rubor subiu nas bochechas dela. — Sim.

— Acho que vou reivindicar minha recompensa aqui —, disse ele pensativo.

Ela olhou ao redor da clareira poeirenta e ensolarada alarmada. — Aqui?

Mas ele não tinha vontade de falar. Suas línguas se tocaram e por um momento Ewan ouviu sua respiração, superficial e rápida. O sangue subiu para sua virilha. Lentamente, ele empurrou seu joelho entre as saias e depois puxou-a para cima e contra ele. Ela era como cera derretida em suas mãos, macia e quente. Ela tinha os olhos fechados, é claro, e ela tinha aquela aparencia deliciosa e confusa que ele estava começando a ficar viciado.

— Annabel —, disse ele, e sua voz saiu tão crua e baixa que o surpreendeu.

— Sim? — Ela não abriu os olhos, apenas se inclinou contra ele.

— Minha recompensa. Posso pedi-la agora?

— Você quer tirar as minhas roupas?

A pergunta pairou no ar preguiçoso da tarde. Eles estavam cercados pelo som de abelhas e um leve barulho da vaca de Kettle se movendo inquieta em sua baia. — Claro que sim —, ele rosnou em seu ouvido: — Mas eu não vou pedir isso.

— Você vai tirar as suas roupas? — Havia um fio de esperança na voz dela que fez o coração dele bater mais forte novamente.

Mas ele sacudiu a cabeça. — Não. Não tem nada a ver com as roupas.

Ela virou o rosto e descansou a bochecha contra o peito dele. — Então é claro que você pode ter a sua recompensa. Você ganhou-a de forma justa, afinal de contas.

Ewan sorriu contra seu cabelo. Era como aquela peça de Shakespeare, a que uma companhia de atores itinerantes tinha encenado no pátio do castelo. Ele não gostara tanto assim na época, mas agora ele via de maneira diferente, agora que ele tinha sua própria esposa.

— Você já leu as peças do Sr. Shakespeare? — ele perguntou.

— O que? — E depois: —Sim, a maioria delas.

— Houve uma peça em que um homem se casa com uma mulher que ninguém mais se casaria —, disse ele, apertando os braços ao redor dela. — Ela tem uma bela irmã mais nova, eu me lembro disso.

— Ela é uma megera —, disse Annabel, inclinando-se contra ele. — A peça chama-se “A Megera Domada”, e eu certamente espero que você não ache que eu sou parecida com a megera em questão.

— Não, você não é uma megera —, disse ele.

— O que a peça tem a ver com qualquer coisa? — ela perguntou. — Eu não penso sobre isso a alguns anos... Não é ele bastante desagradável para sua esposa? — E então: —Você não acha que as carruagens já deveriam ter chegado a algum tempo?

Mas Ewan decidira que seria melhor se ele não lembrasse Annabel dos detalhes daquela trama particular de Shakespeare. Não quando ele tinha em mente usar o mesmo estratagema. O marido em “A Megera Domada”, levou sua esposa para o campo e curou-a de ser rabugenta. Provavelmente o mesmo estratagema funcionaria para curar Annabel de seu medo de ser pobre. Qualquer um podia ver que os Kettle eram um casal tão docemente estabelecido como qualquer outro casal na cristandade. Se ele e Annabel parassem um ou dois dias aqui, ela aprenderia o que é ser pobre, mas não presa aos caprichos de um homem esbanjador. Eles poderiam confiar um no outro. Um lento sorriso curvou seus lábios. Porque não haveria mais ninguém para confiar.

Como se em resposta à pergunta de Annabel, ele ouviu um estrondo à distância que parecia com uma de suas pesadas e lentas carruagens de bagagens chegando para levá-los ao próximo vilarejoa. Então, ele não hesitou.

— Eu gostaria de colocar Kettle e Peggy nessa carruagem —, disse ele.

Ela abriu os olhos. — Oh, Ewan, essa é uma ótima ideia!

— Mac pode acomodar Peggy na estalagem, ou com a parteira, e ficar com eles até o bebê nascer. Você disse que era uma questão de um ou dois dias.

— É o que Peggy pensa —, disse Annabel. — Eu mesma não tenho a menor noção sobre bebês.

— Bem, pelo tempo que for preciso —, disse Ewan.

Annabel sorriu para ele. — Isso é uma coisa maravilhosa de se fazer!

— Mas... —, disse Ewan.

Ela franziu a testa. — Mas?

—Alguém tem que ficar aqui e cuidar da vaca, das galinhas e da casa —, Ewan apontou.

— Um dos lacaios? Certamente um deles veio do campo —, Annabel disse prontamente.

— Eu reivindico minha recompensa —, disse Ewan. — Nós ficamos.

— Nós o que?

— Nós ficaremos e cuidaremos da manteiga de Peggy e da vaca de Kettle —. Sua adorável e deliciosa garota parecia totalmente confusa. — Serão apenas um ou dois dias —, disse ele. Então deu-lhe um beijo de borboleta, um dos que não contavam. — Não é como se nós estivéssemos com alguma pressa particular. Pense em nós como bons samaritanos.

— Bons o que?

— Não importa. Não estamos com pressa. Ainda temos uma semana ou mais de viagem antes de chegarmos às minhas terras, você sabe. Uma pausa seria agradável.

— Agradável! — Ela parecia atordoada.

Ele deu de ombros, amando o jeito como os seios dela se balançaram contra ele.

Infelizmente, ela se afastou e se levantou, olhando para ele como se lhe tivesse crescido outra cabeça. — Você acha que seria divertido viver aqui, neste lugar, naquela casa? Você está louco?

Ele reprimiu um sorriso. — Não. Seria uma boa coisa a fazer.

— Ewan Poley, se você acha que eu sou algum tipo abnegado de cantora de hinos que vai segui-lo por toda a criação, enquanto você toma conta de selvagens, você deve pensar novamente! Eu não sou nenhuma missionária. Eu não tenho nenhum desejo de viajar para a Índia!

Com isso Ewan teve que rir. Qualquer pessoa mais longe de um missionário do que sua noiva adornada de seda e amante de luxo não poderia ser imaginada. — Também não sou um missionário —, ele disse finalmente. A carruagem estava chegando na clareira.

Ele pegou as mãos dela. — Para ajudar Peggy —, disse ele. — E porque...

— Porque? — ela disse, olhando para ele.

— Porque nós podemos apreciá-lo.

— Você está louco —, disse ela com absoluta convicção.

— Eu gostaria de ficar sozinho com você —, ele sussurrou levando as mãos à boca. —Eu gostaria de ver você fazendo manteiga —. Beijou-a, mesmo que estava quebrando as regras do jogo, já que ele não tinha feito uma pergunta séria primeiro. — Eu vou mostrar-lhe como ordenhar uma vaca —, ele sussurrou contra sua boca.

— Bem, isso é uma grande tentação —, Annabel resmungou.

A carruagem havia parado e os batedores de Ewan foram enchendo o ar silencioso com uma conversa barulhenta. Ele podia ver que Mac estava esperando para falar com ele.

— Por favor? — ele disse sem tocá-la novamente.

Ela mordeu o lábio. — Somente por um dia ou dois?

Ele assentiu.

— Você realmente quer dizer sozinhos? Sem a minha criada? — Ela parecia horrorizada.

Ele hesitou. O que ele sabia sobre as damas? Talvez ela não pudesse passar sem uma criada.

— Oh, não importa —, ela resmungou. — Eu não tive criada por vinte anos. Suponho que posso sobreviver a um dia ou dois.

Ele sorriu para ela. — Sua criada pode ajudar Peggy quando chegar sua hora.

— Mas eu quero meus próprios lençóis —, disse ela de repente.

Ewan assentiu. — É claro. Nós usamos nossos próprios lençóis em pousadas, por que não aqui?

— Você realmente deseja ficar aqui sozinho? — A ideia parecia tanto fasciná-la quanto horrorizará-la. — É tão escandaloso —. Ela meio que sussurrou. — Nós não somos casados.

Ele assentiu, ainda sem tocá-la. — Mas vamos nos casar. E nós já dividimos a cama todas as noites.

— Ficar aqui vai ser bom para você —, disse ela finalmente, olhando para ele com os olhos apertados. — Eu posso ver que você não tem nenhuma imaginação, Ewan Poley. Nenhuma. Você não tem idéia do quão difícil é viver sob essas circunstâncias, e eu acho que isso vai ser bom para você!

Ele engoliu seu sorriso e virou-se para Mac.

Ela pegou o braço dele. — Eu quero meu baú com minhas roupas! — disse ela com urgência.

Ewan assentiu. Claro que eles usariam roupas.

A maior parte do tempo.


Capítulo Vinte e um

Annabel observou as duas carruagens percorrerem a estrada com uma enorme sensação de descrença. Ela estava em pé no meio de uma pequena praça empoeirada e deserta, e sua única companhia era um homem com quem não era casada.

— Eu devo ter perdido a cabeça —, disse ela, atordoada com a verdade.

Ewan parecia um pouco surpreso também. — Mac claramente pensa que eu perdi a minha. Eu devo avisá-la que eu nunca soube que ele estava errado sobre qualquer assunto. Você sabe, eu realmente tive que ordenar que ele ficasse longe até que o bebê nascesse? Eu nunca tive que ordenar Mac para fazer qualquer coisa.

— Talvez a criança chegue rapidamente.

— O choque de entrar em uma pousada pode fazer isso —, disse Ewan. — Peggy parecia prestes a entrar em colapso com o entusiasmo. Os olhos dela brilharam de alegria ao serem informados de que ela estava sendo enviada para uma estalagem e teria uma parteira para atendê-la.

— O que é que devemos fazer agora? — Annabel perguntou olhando ao redor da clareira.

A floresta pressionava todos os lados de maneira aconchegante, como se estivesse protegendo as pequenas casas. Sem os batedores e as carruagens, não havia nenhum som além das aves na mata.

— Devemos ordenhar a vaca —, disse Ewan. — Kettle disse que estava atrasado para esta tarefa. Aparentemente, o animal encontra o seu caminho para o campo e, em seguida, volta à sua baia quando é hora da ordenha.

A vaca acabou por ser um animal marrom velho com um olhar irritado. Ela bateu contra a parede de sua baia com o casco traseiro por meio de saudação.

— Ela parece irritada —, observou Annabel. — Meu pai sempre disse para evitar a baia de um cavalo quando eles têm que olhar em seus olhos.

— Ela está aborrecida porque já passou da hora da ordenha —, disse Ewan tirando o casaco.

Ele se aproximou dela e a vaca lançou outro baque sólido que poderia facilmente cravar no peito de um homem.

— Eu sugiro que ela espere —, disse Annabel recuando um pouco. — Talvez ela seja mais complacente pela manhã.

— Esperar? — disse Ewan. Seu cabelo era um emaranhado. Ele estava rolando as mangas além dos cotovelos. — As vacas não esperam —. Ele entrou no espaço ao lado da baia e começou a tatear ao longo da parede. — Aqui está.

Ele abriu a parte inferior da parede baixa. — Obviamente, Kettle tem um animal rabugento, então ele arranjou para que possa ordenhá-la sem ser castrado no processo —. Ewan estendeu as mãos através do espaço aberto para ordenhar a vaca.

— Você é muito bom nisso —, disse Annabel depois de um tempo.

— Entre nós dois, podemos lidar com o leite —, disse Ewan, olhando para ela. — Eu posso ordenhar a vaca e você pode fazer manteiga. Isso vai ser fácil.

— Hmmm —, disse Annabel. O cabelo de Ewan enrolou-se no linho branco de sua camisa de uma maneira muito perturbadora.

— Você já cozinhou?

— Nunca! — Ewan disse alegremente. — Você?

— Não.

— Será uma experiência, então —. Ele puxou o balde de leite para ele e fechou o painel. Finalmente, ele colocou um pouco de feno na manjedoura e eles foram embora.

Enquanto andavam pelo caminho, Ewan passou o braço livre ao redor da cintura de Annabel. — Estou muito surpreso com o quão impróprio é isso tudo.

— Eu também estou! — Annabel disse, virando sua boca para que o beijo dele pousasse em sua bochecha. — Nós não somos casados.

— Tolo que sou —, ele lamentou. — Eu deveria ter corrido num trote com você até o bispo antes mesmo de você ter o seu cabelo penteado.

Annabel podia sentir suas bochechas ficando rosadas. Se alguém soubesse de suas circunstâncias, ela seria desonrada.

Mais desonrada do que qualquer mulher de quem ela pudesse se lembrar de ter ouvido falar em sua vida.

— Veja! — ela disse. — É uma das galinhas de Peggy! — Uma galinha branca magricela e com várias penas faltando em torno de seu pescoço estava siscando ao lado da clareira. —Deve haver um galinheiro. As galinhas devem ir para dentro durante a noite. Uma raposa pode comê-las.

A galinha olhou  para eles com desconfiança, Annabel deu um passo mais perto a galinha cacarejou furiosamente e voou para um toco curto. —Isso parece uma galinha selvagem —, disse Ewan. — Ela não quer passar a noite no galinheiro.

— Não existe isso de galinha selvagem. Não podemos deixá-la ser comida; Peggy tem apenas três galinhas. Venha aqui, ave estúpida —. Ela tentou cacarejar, mas a galinha apenas virou a cabeça ossuda e deu-lhe um olhar nada civilizado.

— Esse não é um animal manso —, disse Ewan. — Eu acho que...

Mas naquele momento Annabel fez uma investida para a galinha e pegou-a por uma asa. A galinha abriu a garganta vermelha e gritou como se estivesse sendo feita em ensopado no local. — Socorro! — Annabel gritou. — Pegue-a, pegue-a!

—Absolutamente não —, disse Ewan, rindo. —Jogue-a no galinheiro.

— Onde é o galinheiro? — Annabel perguntou, olhando ao redor descontroladamente.

As arvores estavam em um crepúsculo tranquilo, e Annabel não podia ver qualquer outra estrutura além das pequenas casas e do estábulo de Kettle.

A galinha estava torcendo-se violentamente. — Acho que ela quer bicar você —, observou Ewan. Ele abriu a porta da casa. — Aqui!

Um turbilhão de penas agitou o ar em sintonia com o cacarejar enfurecido da galinha. Annabel bateu a porta e saltou para trás, perdendo o equilíbrio. Ela estava a meio caminho do chão quando Ewan pegou-a pela cintura.

— Obrigada! — Annabel disse ofegante. — Você vê as outras galinhas de Peggy?

— Não —, disse Ewan com as mãos demorando-se na cintura dela. — Mas ela tem um balde de leite a menos do que ela tinha um momento atrás.

Annabel olhou para baixo. O leite espumoso estava se espalhando pelo chão poeirento. — Você deixou cair!

— Era você ou o leite. Eu escolhi você.

Annabel se afastou e fez uma careta. — Eu ia transformar isso em manteiga. Pensei que poderia fazer tanta manteiga que Peggy não teria que se preocupar com isso por semanas.

Ewan tentou parecer arrependido.

— A primeira coisa que devemos fazer é aquecer um pouco de água —, disse Annabel indo até a porta da casa.

— Para banhos?— disse Ewan. Era seu desejo devoto que Annabel achasse necessário tomar um banho. Claro, ele serviria como sua empregada...

— Não há banheira —, Annabel lembrou. — Para cozinhar. Estou ficando com fome, você não?

Agora que ele pensou sobre isso, ele estava faminto. Ele a seguiu até a casa. — O que vamos cozinhar?

— Batatas —, disse Annabel apontando para uma caixa na parede.

— Nós poderíamos assar a galinha —, disse Ewan, pensando em como estava faminto.

Annabel olhou para a galinha branca. Ela estava sentada em cima do molde de manteiga de Peggy com suas asas afofadas. Parecia muito confortável. — Você teria que matá-la. Nós não podemos fazer isso.

— Eu poderia fazê-lo —, disse Ewan com convicção. — Estou com fome.

— Essa galinha foi o presente de casamento de Peggy dado por seus vizinhos —, disse Annabel despejando água de um balde que estava junto à porta em uma panela. — Batatas terão que bastar —. Ela acrescentou-as à água e pendurou a panela sobre um pequeno gancho que se encaixava sobre o fogo.

Ewan jogou outro tronco. Annabel estava andando pela casa, colocando as coisas de Peggy em seus lugares. Então ela abriu seu baú. — Eu sei que tenho algo aqui... — Ela puxou uma toalha e sabão, e continuou procurando. Finalmente, com um ruído feliz em sua garganta, ela puxou um pedaço de pano.

— Olhe para isso, Ewan!

Ele olhou. Era vermelho escuro e parecia bom o suficiente.

— Isso vai ser uma toalha de mesa e uma cortina! — Annabel disse triunfante. Ele começou a rir e ela fez uma careta para ele. — Não zombe —. Ela revirou um pouco mais o baú e tirou uma pequena caixa de costura. Em alguns momentos ela tinha o pano rasgado e estava sentada em uma cadeira perto da lareira, a cabeça inclinada sobre a costura.

— Se a sociedade pudesse vê-la agora! — disse Ewan.

Ela virou-se para a próxima costura. — Você ficaria surpreso com as coisas que eu sei fazer, Ewan Poley!

— Estou mais fascinado com o que você não sabe —, disse ele, e ficou satisfeito ao ver uma onda de cor quente subir em suas bochecas.

Uma hora mais tarde, o brilho da lanterna refletia a luz rosada de uma cortina cuidadosamente costurada sobre a única janela. A galinha tinha ido dormir.

Annabel estava enfiando um longo garfo nas batatas, tentando tirá-las da panela, quando ela fez um pouco mais de força o suporte que segurava a panela sobre o fogo desabou.

Ewan saltou para trás, evitando ser salpicado com água fervente. Com um grande chiado, o fogo se apagou.

As batatas saltaram e rolaram pelo chão, ficando cobertas de cinzas, e a galinha acordou e agitou as asas como uma águia, cacarejando para eles, irritada.

— Oh, não —, Annabel exclamou correndo atrás de uma batata. — Pegue-as, Ewan!

—Elas não vão para o bosque —, disse ele, mas começou a persegui-las.

—Meu Deus, elas estão imundas —, Annabel gemeu, colocando as batatas sobre a mesa. —Você pega um pouco de água para mim?

Ele caminhou até o balde ao lado da porta e, em seguida, fez uma pausa. Estava escuro como breu lá fora. —Annabel, onde está a água?

—O que você quer dizer com... — Ela virou-se. —Você quer dizer que você não sabe onde encontrar água?

Ele balançou a cabeça. — Mac estava certo. Devo ter perdido a cabeça. Eu não perguntei a Kettle se ele tinha um poço.

— Quanta água há nesse balde? — ela perguntou. Ewan podia visualizar a reação de sua avó a este desastre. Ele teria merecido cada momento de sua raiva. Mas Annabel apenas pareceu um pouco surpresa, parada ali com uma batata em cada mão. Ela havia prendido o cabelo para cima novamente, mas tinha uma faixa preta de cinzas em sua bochecha.

— Temos o suficiente para beber esta noite —, disse ele largando o balde e indo até ela. — Desde que bebamos vinho com o jantar.

— Vinho! — ela guinchou, mas ele não podia esperar para provar de sua doçura, e por isso ele tomou a boca dela com toda a alegria de um homem que merece ser repreendido e ao invés disso encontra sua futura esposa piscando para ele com surpresa. E ela o deixou apertar-se ao seu corpo, sem repreendê-lo sobre isso também.

Houve um pequeno ruído quando a primeira batata caiu no chão, e depois a outra. Foi um tempo depois que ele a deixou afastar-se, uma vez que seus olhos ficaram sonolentos e ela estava mole. Ele estava tremendo de fome por ela. Ele se sentia depravado, selvagem e próximo o suficiente da loucura para saber que eles tinham que parar de beijar. Ele não podia aguentar isso muito mais tempo.

— Vinho? — Annabel perguntou um momento depois. — Vinho?

Ewan pegou uma batata a caminho da cama. Então ele se abaixou e puxou uma grande cesta de vime.

— A cesta de piquenique!

— Está sempre cheia —, disse a ela. — No caso de perdemos uma roda na estrada.— Ele ergueu-a sobre a mesa, batendo em uma batata enegrecida e deformada que caiu sobre a borda e saltou no chão.

Annabel estava cantarolando alegremente em sua garganta enquanto desempacotava. — Um frango inteiro, isso é adorável, pão e...

— Uma garrafa de vinho —, disse Ewan, pegando o saca-rolhas.

— Mas eu não tenho uma toalha! — Annabel disse com uma pontada inconfundível de pesar em sua voz.

— Há uma de linho aqui.

— Eu gosto muito mais da sua —. Ele não era muito bom em descrever as coisas, então ele apenas acenou com as mãos sem jeito. — A casa parece toda vermelha e acolhedora.

Ela parecia tão feliz que ele quebrou sua proibição de beijos. E então eles jantaram e Ewan comeu quatro batatas com manteiga fresca, e insistiu que eram as melhores batatas que tinha comido em sua vida.

Annabel se sentou no banquinho e observou Ewan comer sua quinta batata. Ela estava procurando por algo a dizer que não fosse uma pergunta. Ela tinha a sensação crescente de que seus beijos estavam se aproximando de alguma coisa da qual não haveria retorno. E ela não queria isso... ou isso foi o que ela disse a si mesma.

Mas ela não pôde deixar de espiar a cama. Parecia ter crescido duas vezes na última hora.

— Peggy não tem um travesseiro —, ela finalmente disse.

— Teremos que dormir sem um então —, disse Ewan. Ele não estava olhando para ela, mas sua voz era rouca e suave.

Desejo passou pelas pernas de Annabel e o ar pareceu desaparecer de seus pulmões. Ela abriu a boca para dizer... para dizer...? Uma recusa? Mas por que? Eles eram tão casados ??como um casal poderia ser sem dizer os ritos diante de um padre. Ewan levantou-se e foi buscar uma grande braçada de madeira que ele carregava com a leveza de um bebê.

— Aquelas eram muito boas batatas—, disse ele por cima do ombro. — Um homem poderia viver de batatas como essas.

— Hunf! Elas tinham gosto de cinzas.— exclamou Annabel

— Tanto melhor como um pouco de tempero.

Então Ewan estava gentilmente puxando-a de pé. — Annabel? — ele perguntou. Havia uma pergunta em sua voz que não precisava ser dita em voz alta.

Por um segundo fugaz, Annabel pensou sobre o que ela estava prestes a desistir. Ela sempre desprezou as mulheres jovens que se encontravam no caminho de uma família e sem marido. Mas nada disso era relevante para Ewan; a fome em seus olhos, e o som irregular de sua voz. Nem parecia relevante para o desejo que ela sentia.

Ela não queria mais beijos, ou pelo menos, não apenas beijos. Ela estava cansada de ir dormir com o coração acelerado, o corpo se contorcendo contra os lençóis, sentindo-se insatisfeita, curiosa e desejosa, tudo de uma vez.

Ela virou os lábios para a garganta dele e beijou-o suavemente, mas o gosto dele a fez tremer de excitação. — Sim —, ela sussurrou. — Sim, Ewan... Sim. Por favor.


Capítulo Vinte e dois

Eles estavam sentados no pátio do Pig & Sickle, à espera de uma ceia leve antes de voltarem para a carruagem por mais três horas. Josie estava enfrentando uma bronca de Griselda por tirar o chapéu e sentar-se nos últimos raios de sol da tarde. Mayne descobrira, para sua alegria, que o estalajadeiro tinha uma cópia apenas ligeiramente desatualizada do Racing News, e ele estava lendo cada linha. Naturalmente, Imogen estava dedicando-se a irritá-lo.

— Draven amava a Escócia —, ela estava dizendo, felizmente sem aquela ponta de pesar que frequentemente assombrava sua voz. — Ele sempre dizia que os cavalos treinavam melhor aqui. Ele achava que o ar era estimulante e que, quando você os levasse de volta para a Inglaterra, eles corriam mais rápido, porque a capacidade pulmonar deles havia crescido por respirar o ar escocês. Você concorda, Mayne?

Ele murmurou alguma coisa. O Anachronism havia ganhado o Newmarket Stakes; ele não podia acreditar. Ele considerou comprar o ruão e decidiu que ele precisava de muito trabalho. Aparentemente, o garanhão de Syvern tinha visto o mesmo potencial e feito o trabalho. Se Anachronism estivesse em sua melhor forma, o cavalo certamente venceria sua própria entrada no Ascot.

Imogen interrompeu seus pensamentos novamente. — Uma coisa que você pode dizer sobre Draven é que ele fez as coisas com todo o seu coração.

— Do que você está falando?

— Você —, ela disse intencionalmente. — Você e seu flerte com cavalos. Qualquer um pode dizer que você é totalmente obcecado, tão obcecado quanto Draven sempre foi.

Mayne lançou-lhe um olhar irritado. — Eu não estou planejando levar uma corrida tão a sério ao ponto de pular no dorso do cavalo eu mesmo, se é isso que você está sugerindo.

— Desnecessário —, observou Imogen, batendo a unha contra a mesa e olhando-o de uma maneira que ele não gostou. — Apesar de todos os erros cometidos por Draven, ele não era um amador. Ele levou seu estudo de cavalos a sério.

Mayne virou a página do folheto de corrida. — Obrigado por sua sugestão —, disse ele controlando a voz num tom afiado.

— Eu só estou pensando que você pode ter mais prazer na vida se você se permitir estar realmente interessado em cavalos —, disse Imogen sem mostrar nenhuma reação à sua rejeição.

Mayne inclinou a cabeça para ler uma pequena nota sobre os estábulos de Burlington em Raby.

— Eu acho que você está entediado. Você tem, o quê? Trinta e sete anos de idade?

— Trinta e quatro! — ele perdeu a cabeça.

— Você tem mais dinheiro do que sabe o que fazer com ele, sem ambições de ter uma esposa ou criar uma família e nenhum interesse particular em sua propriedade.

— Eu tomo todo o interesse adequado em minha propriedade.

— Tenho certeza que sim —, disse Imogen com uma voz suave que não teria enganado nem uma criança. — Provavelmente os telhados estão consertados, mas esse não é o meu ponto. Ela não lhe interessa.

— E o que exatamente poderia me interessar sobre isso?— ele perguntou extremamente irritado. — Está sugerindo que eu faça agricultura?

Ela encolheu os ombros. — Sabe Deus, eu não sei o que os lordes fazem. Alguns deles parecem encontrar tudo muito cativante. Vá ao Tuppy Perwinkle.

— Tuppy Perwinkle —, Mayne disse categoricamente. — Eu não posso imaginar nada tão tedioso quanto sentar na margem de um rio na chuva.

— Com toda a probabilidade, ele se sentiria da mesma maneira sobre os estábulos —, insistiu Imogen. Ela abriu uma caixa de costura e começou a separar a bagunça emaranhada que estava dentro.

— O que você vai fazer com isso?— Mayne disse em uma débil tentativa de mudar de assunto.

— Organizar os fios de bordado de Griselda —, disse Imogen, e então voltou diretamente ao assunto. — Você está em um mal-estar de puro tédio. Você não tem nada para fazer.

— Eu tenho muito a fazer —, ele respondeu bastante irritado.

— Não, você não tem. Você tem um excelente homem de negócios, e eu sei que o marido de Tess te aconselha sobre o que vender e essas coisas, então você não precisa tomar qualquer decisão lá.

— Só um tolo rejeitaria o conselho de Lúcius —, disse Mayne. — Onde você quer chegar?

— Você está entediado. Esse é o meu ponto.— Seus dedos rosados dançaram sobre as meadas, selecionando uma cor de ameixa. Ela começou a separá-lo do emaranhado.

Mayne considerou sair para uma caminhada, qualquer coisa para ficar longe dela.

— Talvez você devesse ocupar o seu assento na Câmara dos Lordes —, Imogen sugeriu.

Ele tentou imaginar-se de pé, palestrando para todo mundo sobre as Leis do Milho. E então sua imaginação falhou. — Não.

— É difícil imaginar você em tal lugar —, Imogen concordou. — É lamentável que você tenha desenvolvido tal desgosto para o flerte, uma vez que isso o manteve felizmente ocupado nos últimos dez anos.

Mayne não gostou dessa afirmação, no entanto foi feita casualmente. Ele não gostou que suas lembranças dos últimos dez anos, não...., os últimos quinze anos fossem feitas de pouco mais do que uma onda brilhante de intrigas, beijos roubados, encontros eróticos furtivos e o estranho duelo com um marido enfurecido. Encontros com maridos complacentes que não davam a mínima se tornaram rotina. Como algumas lágrimas caíram em sua manga uma vez ele deixou claro que ele havia decidido se mudar para outra mulher. Outra mulher, e outra, e outra.

Pensar naqueles anos deu-lhe um gosto amargo na boca.

Imogen tinha conseguido libertar o fio cor de ameixa e estava começando um azul-celeste. — Não adianta lamentar o passado —, disse ela sem sequer olhar para ele. — Espero que tenha se divertido na hora.

Os lábios de Mayne se torceram. Em retrospecto, aquelas noites saturadas de perfume pareciam tediosamente semelhantes, de mau gosto e superficiais, alimentadas por excesso de vinho e um caloroso apetite sensual.

Até o apetite sensual o abandonou... e deixou-o sem nada.

— Mas você parece ter perdido a sua predileção por flerte ilícito —, disse ela como se lesse seus pensamentos.

— Considere-me, por exemplo. Você olha para mim com todo o interesse de um gato castrado.

— Isso é nojento —, retrucou Mayne, no mesmo momento em que Josie perguntou: — O que é um gato castrado?

— Você deve ser a mulher mais indelicada que conheço! — ele disse a Imogen, ignorando a pergunta de Josie.

— Você acha mesmo? — Imogen disse, totalmente indiferente às críticas. — E eu aqui pensando que os senhores tinham uma grande variedade de conhecidas.

— Não houve nada tão aventureiro na minha vida. De um modo geral, tive o prazer de conhecer senhoras cuja linguagem combinava com a delicadeza de suas mentes.

— Ha! — disse Imogen. — Se é isso que você acredita, então não é preciso muita especulação para perceber que você nunca teve uma conversa íntima com qualquer mulher em sua vida.

Mayne teve um lampejo de raiva quase homicida, uma reação que estava se tornando comum em torno de sua suposta amante. — Eu tive muitas conversas íntimas —, disse ele. — Não que tal intimidade ou a falta dela seja um tema adequado para discutir diante de sua irmã mais nova.

— Eu posso ser jovem, mas tenho uma grande dose de bom senso —, disse Josie, olhando por cima do seu livro. — Estou perfeitamente ciente de que Imogen fez várias propostas de natureza menos que honrosa, e que você as rejeitou, espero que isso explique sua impertinência; Plutarco diz que não há nada mais acentuado do que a dor da rejeição —. Ela voltou para seu livro sem mais delongas.

Obviamente Josephine seria tão problemática quanto sua irmã uma vez que ela alcançasse a maioridade; Mayne estremeceu com o pensamento.

— Por que você não monta seus próprios estábulos? — Imogen perguntou.

— Eu tenho estábulos. Quantas vezes eu te disse que eu estou perdendo o Ascot e que tenhos dois cavalos correndo lá?

Griselda surgiu da porta da estalagem, apoiando-se no braço de sua empregada e parecendo um pouco melhor do que uma hora atrás. — Eu me preparei para voltar àquele veículo —, ela falou para eles, seu rosto parecendo com o de um aristocrata francês de frente para a guilhotina. — Josie, coloque o seu chapéu. Quantas vezes devo dizer-lhe que sardas não são atraentes? Se vocês todos puderem entrar, por favor, o estalajadeiro disse que preparou uma refeição leve.

— Eu sei que você tem um estábulo —, disse Imogen enrolando o fio azul e colocando o emaranhado de volta na caixa. — Por que você não se deixa levar a sério? Contrate uma equipe de treinamento adequada. Meu pai falou de sua competição por anos, de você, assim como de qualquer outro homem na Inglaterra que pudesse ser persuadido a comprar um cavalo dele. Você é um cavaleiro amador, comprando um cavalo aqui ou ali, vendendo-o se ele não ganhar sua primeira corrida. Você nunca levou seus próprios estábulos a sério. Bem, como poderia? Você estava sempre em Londres.

E eu nunca acordava até a tarde, pensou Mayne. Ele pegou a caixa de fita e seguiu Imogen até a porta da estalagem. Seu vestido de viagem abraçava cada curva. Ele olhou-a deliberadamente e descobriu...

Nada.

Ele estava completamente desinteressado. Um gato castrado de fato.

Ela estava certa. Sem mulheres, o que ele era? O que faria?


Capítulo Vinte e três

Ela lhe deu um sorriso que havia praticado e nunca usara, o sorriso de uma sereia chamando Ulisses, o sorriso de Vênus saudando Adonis, o sorriso de qualquer deusa pagã diante da beleza masculina.

— Estamos nos casando assim que chegarmos às suas terras —, declarou Annabel.

— Isso não é esta noite —, Ewan respondeu. Mas ela podia ver que seus olhos eram negros, e sua voz não tinha sequer um fio de diversão. — Estaríamos antecipando os laços do matrimônio. Eu não deveria...

— Esta noite —, ela sussurrou dolorosamente. — Eu quero você esta noite, Ewan. Eu quero que você faça amor comigo. Eu gostei do beijo de Coney. Eu gostei muito. Mas há algo mais, não há?

Era como se todo o som tivesse sumido do quarto. — Oh, Deus, Annabel, é claro que há. E você sabe disso.

— Mostre-me. Por favor.— Ela pegou o rosto dele em suas mãos, puxando-o para ela, roçando os lábios sobre os dele.

— Estamos sozinhos —, disse ela em sua boca. Ela colocou pequenos beijos na forte curva de seus lábios, do ângulo de sua mandíbula, em sua orelha.

Então, quando ela pensou que ele poderia ter mudado de idéia, que seus princípios eram mais fortes do que o seu desejo, ele virou o rosto e capturou sua boca. Ela podia ler a verdade na possessividade de seu toque.

— Você não vai se arrepender? — Ele perguntou, sua voz rouca. —Nós não somos casados.

— Nunca —, ela ofegou.

Ele virou-a para a cama, mantendo seu corpo contra o dele, e depois parou.

—O que foi? — ela perguntou.

Ewan a afastou dele. — A cama —, ele disse com a voz apertada com a necessidade. — Esqueci de pedir aos meus homens para colocar nossos lençóis —. Ele olhou ao redor. —Na verdade, esqueci de tirar nossos lençóis da carruagem.

— Oh —, disse Annabel puxando para trás a colcha fina. Os lençóis eram de uma cor acinzentada. — Acredito que Peggy tenha dificuldade para lavar roupa.

— Eu posso cuidar disso —, disse Ewan. — Apenas deixe-me encontrar o armário de roupas de cama.

Um pequeno sorriso brincou na boca de Annabel enquanto ela assistiu ele rondando o chalé. — Ewan —, disse ela finalmente, — não há armário de roupas de cama.

— Bem, onde é que Peggy guarda a roupa limpa?

— Ela não tem nenhuma.

— Pelo amor de Deus —, disse Ewan. Houve um grunhido suave em sua voz. Ele era tão bonito que o corpo de Annabel formigava por toda parte apenas com a visão de seus ombros largos e a linha quadrada de sua mandíbula.

— A toalha de mesa —, disse ela, ouvindo o tremor em sua própria voz. — Podemos usar a toalha de mesa que estava no cesto de piquenique.

Ewan puxou o pano da cesta tão rápido que migalhas voaram pelo ar. Annabel tirou a colcha da cama, e eles descobriram que a bela toalha de linho, generosamente bordada com o brasão de Ewan em toda a volta, encaixava perfeitamente na cama dos Ketlles.

— Agora —, disse Ewan com uma nota de satisfação sonolenta em sua voz. — Venha aqui, Annabel —. Ele sentou-se e estendeu os braços.

Ela se aproximou dele, subitamente tímida.

— Minha esposa —, disse ele, puxando-a para si.

— Ainda não —. ela sussurrou

— Em meu coração. Você sabe que eu acredito na alma, Annabel. Mas —, ele fez uma pausa e deu um beijo ao longo da borda de sua boca — nem em todos os ensinamentos da igreja. Você é minha esposa no meu coração e alma, a partir deste momento.

Annabel respirou fundo. Na verdade, ela não estava pensando em palavras. Ela ansiava por Ewan com a profundidade de seu ser, desejava sua boca e seu toque, e o peso de seu corpo.

Dois segundos depois, ela estava deitada em um lençol frio. Suas roupas foram embora, arrancadas por Ewan com a facilidade de alguém que havia despido muitas mulheres. E ainda assim... O pensamento perdido fez seu corpo subitamente rígido. Ela não tinha ideia do que fazer, e se tudo o que Ewan disse fosse verdade.

As mulheres da aldeia lhe disseram que a consumação não precisava ser dolorosa, se ela se casasse com um homem que sabia o que estava fazendo. — Casar com um libertino cansado —, a Sra. Cooper tinha dito. — Eles sabem tudo, e ainda estão desgastados e prontos para se estabelecer. Contanto que ele não tenha varíola.— A varíola era algo com o qual ela não precisava se preocupar. Mas as coxas de Annabel se apertaram com o pensamento da dor.

Ele soube imediatamente. — Nossa moça! Você está com medo? — ele sussurrou contra sua pele.

— Há maneiras de não ser doloroso —, disse ela esperançosa.

— Contos da carochinha, ou assim diz Nana.

— Você perguntou uma coisa dessas a sua avó?

— Nana sabe tudo o que há para saber sobre o corpo de uma mulher. Ela me disse uma vez que algumas mulheres sofrem um pouco, e outras nem percebem e poderiam muito bem não ser virgens.

Era tarde demais para mudar de ideia, então Annabel assentiu, um pouco nervosa.

Ewan olhou para sua futura esposa. Em um momento ela deu-lhe o sorriso mais tentadoramente sedutor que ele já tinha visto no rosto de uma mulher, e no outro ela estava tremendo e claramente assustada. Ela tinha os olhos bem fechados; eles inclinavam-se nos cantos com uma curva exótica que contrariava a pratica de planejar adultério antes mesmo de decidir com quem se casar. O simples pensamento disso o fez sorrir. Mas ele tinha que admitir que para uma mulher tão apaixonada, e ainda assim tão determinada a se casar com um homem rico, o adultério era provavelmente apenas uma sugestão prática.

Agora ela estava diante dele como um banquete de framboesas e creme, e o desejo estava surgindo através dele como fogo fundido. Pensamentos desconexos sobre a santidade do casamento passaram por sua mente, mas nenhum deles importava. Ela era dele, e ela seria dele até a morte.

Na verdade, era uma grande coisa que eles estavam fazendo, porque a noite de núpcias deles poderia ser uma celebração apropriada, uma vez que tiraram todo o medo do caminho de antemão. Ele podia ver seu peito subindo e descendo com respirações rasas, mas ela não disse nada. E ela não tirou as mãos de seus olhos.

— Você está bem? — ele sussurrou ajoelhando-se sobre ela. Ewan não sabia nada sobre a arte de seduzir as virgens, de tomar a virgindade, da introdução de uma mulher aos prazeres da cama. Mas ele conhecia um tipo de beijo que ambos tinham desfrutado, e no qual ele parecia ser bastante capaz. Ele deixou uma mão deslizar entre suas coxas arredondadas e afastou-as um pouco, em seguida, começou a beijar o seu caminho até seu estômago, até aquele pedaço amanteigado de cabelo novamente, para baixo...

— Você não precisa fazer isso —, disse ela com a voz abafada por suas mãos, que cobriam todo o rosto.

— Eu quero —, ele disse simplesmente. E dois segundos depois, seus gemidos estavam voando no ar da noite novamente.

Uma mão até caiu de seus olhos, e suas pernas deslizaram inquietas para formar um berço perfeito para seu corpo.

Em breve, ele prometeu a ela silenciosamente, em breve. Os tremores a estavam destruindo agora, e ela choramingava, gritando, indo para ele, e então ela voou livre de novo, as mãos sobre a cabeça, o corpo arqueado no ar... e caindo de volta, suave como cardo.

Levou tudo o que ele tinha para permanecer no controle. Ela estava doce, inchada, pronta para ele... Ele disse: — Annabel, você poderia abrir seus olhos agora? — E então: —Por favor?

Então ela abriu, orvalhada, azul esfumaçado olhando para ele. Ele cutucou contra ela, e seus olhos se arregalaram.

— Não me deixe de fora, querida —, ele respirou. — Eu quero ver você... se apenas desta vez. Esta primeira vez.

Um sorriso tremulo curvou seus lábios. — Eu...

Annabel engoliu suas palavras, fechou os olhos com força, lembrou-se e os abriu, porque ele estava lá, ele estava deslizando dentro dela, e não havia dor...

— Ewan! — ela exclamou. Em seguida, ela se arqueou e ele veio para ela, todo o caminho.

— Graças a Deus —, disse ele, como se isso tivesse sido arrancado dele, e então: —Será que isso dói?

E isso não doeu.

E nada disso doeu. Nem mesmo quando ele começou a provocá-la, puxando para trás e sorrindo para ela quando ela tentou puxá-lo para ela, em seguida, escolhendo seu momento e empurrando mais fundo. Não quando ela decidiu provocá-lo e, vagamente lembrando do conselho de Tess, deixou suas mãos deslizarem para suas duras nádegas e permanecerem ali...

Ele gemeu e então tomou sua boca, duro e decidido, o tipo selvagem de beijo que significava algo completamente diferente agora. Annabel provou o momento em que Ewan perdeu o controle. Ele mergulhou mais e mais profundamente, a respiração ofegante. Ele estava segurando seus quadris, avançando como se eles pudessem se aproximar cada vez mais.

No início, ela apenas gostava de olhar para ele, mas então um sentimento começou a crescer e crescer, uma espécie de desejo fundido que se espalhou a partir de sua união através de todo o seu corpo, e ela se viu subindo para encontrá-lo, seus dedos apertando seus ombros musculosos.

— Annabel —, ele disse em um grunhido que era metade de um gemido. — Oh Deus!

E ela não achava que ele estivesse se referindo a uma divindade agora. A sensação foi crescendo e crescendo e, finalmente, Annabel simplesmente se deixou envolver no caos, no suor e na loucura rítmica dele...

Até que ela gritou contra seu ombro e ele felizmente deixou  sua mandíbula se apertar e dirigiu-se para  ela, para seu centro, para sua esposa.


Capítulo Vinte e quatro

Era no meio da noite. Eles tinham adormecido enrolados um no outro, mas Annabel acordou cerca de uma hora depois e descobriu que Ewan tinha acendido as velas na mesa de Peggy e acendido a lareira.

— O que você está fazendo? — ela perguntou sonolenta.

— Olhando para você —, disse ele, e havia uma satisfação tão profunda e lânguida em sua voz que ela sorriu.

Tantos planos de trocar seu corpo e seus beijos ??por um homem com riqueza e título. Agora ela sabia com um instinto profundo que seu corpo sempre foi concebido para estar aqui, desejado por Ewan, até mesmo adorado.

— Estou com sede —, ela sussurrou.

Ele tentou segurar a caneca nos lábios, como se ela fosse uma criança com febre, mas a água escorria pelo seu pescoço.

Ele beijou a umidade, e então Annabel de repente percebeu que ela poderia ter todos os beijos que ela quisesse de Ewan, de forma gratuita, sem fazer perguntas.

— Beije-me —, disse ela.

— Annabel...

Ela puxou a cabeça dele para a dela. — Eu não vou casar com você porque você tem um castelo —, disse ela contra seus lábios.

Claro que havia riso na voz dele. — Não, eu sei muito bem que você vai se casar comigo porque você tem que fazê-lo. Embora agora você tem uma dupla razão.

— Eu só quero que você saiba que eu não tinha idéia de que você era tão rico —, disse ela. — Nenhuma!

— Eu sei disso —, disse ele. —Ficou óbvio em seus olhos desesperados quando você aceitou a minha proposta. Além disso, ninguém em Londres parecia saber nada sobre mim, exceto o marido de sua irmã, Felton. Parece que ele sabe tudo sobre finanças.

— Lúcius Felton sabia que você era rico? — disse Annabel.

— Você não pode mover ações e coisas do gênero sem encontrar alguns outros homens interessados ??em fazer a mesma coisa. Nós nunca nos encontramos, naturalmente, uma vez que eu envio meu secretário para fazer as coisas que tem que ser feitas pessoalmente.

— Ewan —, Annabel interrompeu. — Quão rico você é?

Ele sorriu para ela, e não havia muito do simplório sobre ele agora. — Acredito que eu seja o homem mais rico da Escócia, com um castelo ou dois —, disse ele.

Annabel deixou a cabeça cair para trás. — Eu não acredito nisso.

— Porque estou disposto a assumir riscos —, disse ele, olhando para ela divertido. —Eu tive pouca dificuldade em aumentar minhas posses. Padre Armailhac sempre diz que as posses trazem consigo responsabilidades. E às vezes eu acho que eu tento me livrar da responsabilidade me livrando de bens.

— Mas tudo o que você faz volta para você dez vezes —, ela adivinhou.

Ele assentiu. — Se você não deseja o dinheiro, ele vem facilmente para você. E se você não deseja responsabilidades, elas vêm em massa.

— Eu não acredito em você. Como você se sentiria, como realmente se sentiria, se você não fosse mais o conde de Ardmore? É uma grande parte de você, quase como se você fosse um senhor feudal medieval, com os criadores e arrendatário, e todas as pessoas que vivem no castelo, e o modo como eles dependem de você.

Ele levou suas perguntas a sério, mesmo não havendo beijos envolvidos, e ela adorou isso.

— Então eu perco o condado...

— Sim.

— E o castelo...

— Sim.

— E todas as pompas, todas as posses...

— Mais do que isso. Você perde todas as pessoas que ama e dependem de você.

— Gregory e Rosy?

Ela assentiu com a cabeça. — E os arrendatários, seu pessoal, Mac. Todas as pessoas e coisas que fazem você formidável aos olhos do mundo.

— Gregório e Rosy estarão seguros e bem cuidados?

— Claro.

— Então... eu vou ficar com você?

Havia uma nota em sua voz profunda que a fez estremecer, e ela disse, meio ofegante, — Suponho que sim. Eu pensei que eu ia casar com um conde sem dinheiro.

— Então eu não me importo —. Ele não estava nem tocando-a e ela sentiu como se tivesse recebido a carícia mais doce de sua vida. — Se eu tivesse você, Annabel, eu poderia começar nesta pequena cabana e fazer-nos uma vida.

Annabel tentou sorrir, mas seus lábios tremeram. — Estou feliz que nós não temos que viver aqui —, ela disse finalmente.

— Eu poderia comer suas batatas com manteiga todos os dias e ser feliz.

— Você teria que fazer isso —, disse Annabel com um pequeno som de riso, — já que é tudo que eu sei fazer.

— Não é tão ruim, é?

E ela ficou em silêncio, pensando na casinha rosada, limpa, e na maneira como Ewan a pegou quando ela caiu, e no modo como ele riu quando o leite derramou. — Não —, ela disse finalmente, —Não foi do jeito que eu pensei.

— Padre Armailhac diz que se deve ser capaz de desistir das coisas do mundo sem um momento de arrependimento —, disse Ewan, virando-se e acariciando o ombro dela.

— Bom para ele —, disse Annabel um pouco irritada. — Eu não acredito que você poderia fazê-lo, por mais que diga. Isso é apenas por um dia ou dois.

— Acredite —, ele disse, mas sua voz foi abafada por beijos. Ele estava beijando o pescoço dela, passando pela clavícula...

— E se você também não me tivesse? — Annabel perguntou. — E então?

Ele nem hesitou. — Se eu não tivesse responsabilidades e tivesse que viver sem você, eu me tornaria um monge. Ou um padre. Algo desse tipo.

Seus lábios estavam à deriva sobre o peito dela; Annabel estava terrivelmente feliz por Ewan não ter desaparecido em um mosteiro. — Eu tenho outra pergunta.

— Mmmm —, ele disse sem prestar muita atenção.

— Se você não esteve com uma mulher durante anos... como na terra você sabia sobre aquele beijo?

— Que beijo? — ele perguntou com uma indiferença enlouquecedora. Ele estava correndo os dedos sobre as curvas de seus seios como se ele nunca iria conseguir o suficiente.

— Você sabe! Aquele beijo de Coney —, ela disse.

— Oh aquilo.

— Como é que você sabia como fazê-lo? Como é que você sabia o que era?

Ele estava acariciando a parte inferior do seio dela com os lábios. —Eu inventei.

— Você o que... ?

— Eu inventei... bem, em parte. Homens sempre contam piadas sobre caçadores e coneys, que você sabe. Coney sendo um pequeno coelho, mas também...

— Eu sei —, ela disse apressadamente.

— Então, eu estava tentando pensar em uma maneira de horrorizar a sua irmã, e eu inventei o beijo de coney. Funcionou, não foi? E quanto a como fazê-lo... foi instintivo, querida. Eu confio no meu instinto —. A boca dele se fechou ao redor do mamilo e ela gemeu em voz alta. — Meu instinto me diz que você gosta disso —, disse ele presunçoso como um gato perto da lareira. — E eu sei que eu gosto.

Ela o golpeou.

— É um dom divino que eu tenho, obviamente.

Ele estava rindo contra o peito dela e beijando-a ao mesmo tempo, e Annabel, por uma vez, teve que concordar com ele sobre um assunto de teologia. Foi, de fato, um dom dado por Deus.

No final, eles não dormiram nada. Eles estavam abraçados languidamente e exaustos quando o sol começou a surgir sob a cortina. A essa altura Annabel havia decidido que sua nova atividade favorita era fazer a diversão desaparecer dos olhos de Ewan. Então ela lhe disse: — Você sabe o que Tess me contou sobre consumação conjugal?

Ele balançou a cabeça. — Eu acredito que não era nenhuma tolice sobre mentir e resistir.

— Ela me disse que o que quer que meu marido faça para mim, eu deveria fazer para ele —, disse ela, fazendo sua voz tão provocativa quanto ela poderia fazê-lo. E como Annabel praticava a arte da provocação há anos, ela era muito, muito boa nessa habilidade em particular. — Isso significa que, oh, meu quase-marido —, ela esclareceu, — que esta noite...

Não havia um traço de riso no rosto dele agora.

Ela deixou seu sorriso passar de provocante para perverso. Então ela estendeu um dedo e colocou sobre a pele lisa do peito dele. Delicadamente, bem delicadamente, ela arrastou o dedo para baixo... para baixo...

— E como eles chamam o beijo de coney quando não é um coney a ser beijado? — ela disse saboreando o aperto de sua mandíbula.

Seu dedo arrastou sobre o comprimento rígido dele. Ewan estremeceu. Ele não tirou os olhos dela no entanto. E ele não estava rindo.

Ela franziu os lábios para ele e então ele estava lá, rolando sobre ela com uma força que ela não poderia resistir, mergulhando em sua boca com uma ferocidade que a fez estremecer contra ele, como se ela não estivesse mole de prazer apenas um momento antes.

— Hoje à noite —, ela sussurrou contra seus lábios assim que ela recuperou o fôlego.

E foi ele que fechou os olhos desta vez.

––––––––


Capítulo Vinte e cinco

Annabel acordou algum tempo depois com um barulho persistente. — O que na Terra é isso? — ela perguntou sonolenta.

Ewan não pareceu notar o barulho. Seus fortes braços vieram em torno dela por trás, puxando-a contra ele. O corpo de Annabel se derreteu. — Não —, ela disse incerta.

— Sim —, ele disse em seu cabelo.

Tum! foi a porta do galpão.

— A vaca precisa de ordenha —, disse Annabel. Se Ewan continuasse fazendo isso mais um momento, ela... ela...

Ele gemeu e rolou para longe.

Annabel se sentou e depois dirigiu-se rapidamente para o lado da cama. A toalha de mesa parecia estar um pouco suja.

— Eu daria um soberano por água para lavar meu rosto —, Ewan murmurou enquanto puxava suas calças. O tempo todo a vaca continuava batendo na porta do estábulo.

Alguns instantes depois, o barulho parou e Annabel descobriu que a galinha havia colocado um ovo no molde de manteiga.

Ela se sentiu menos caridosa quando descobriu que a ave também tinha sujado a única cadeira. Sem água, ela não poderia limpá-la, de modo que ela encontrou sua  escova e começou a escovar seu cabelo. Mas, dada a ausência de um espelho, ela só poderia enrolá-lo em um coque sem graça.

Ewan retornou com um balde de leite em uma mão e um de água na outra. Seu cabelo estava molhado.

— Há um riacho descendo à direita, atrás do depósito de madeira —, disse ele. — É frio como o diabo. A única maneira de ficar limpo é saltar dentro.

Annabel estremeceu. Ela iria se banhar sem tomar medidas tão drásticas, mesmo que tivesse que aquecer panelas de água durante toda a manhã. — Você poderia ascender o fogo, por favor?

Ewan jogou mais dois troncos, e depois ajudou-a a balançar um pote com o ovo sobre as chamas. — Eu pensei em um problema —, disse ele.

Annabel tinha pensado em cerca de quatrocentos, mas ela estava tentando mantê-los para si mesma.

— Eu não acredito que Kettle tenha qualquer chá ou café.

— Eu duvido —, disse Annabel. — Nós só tomávamos café em ocasiões especiais, e nós estávamos muito melhor do que os Kettle.

Ewan não parecia muito feliz.

— Você viu as outras galinhas? — Annabel perguntou, dando à galinha branca um bolo de aveia.

Ewan sacudiu a cabeça. — Há algum pão sobrando da cesta de piquenique?

— Não, mas tem o ovo —, disse Annabel, fazendo um grande esforço para parecer alegre.

Ewan grunhiu. Pelo menos ela achava que era assim que o ruído que ele fez era conhecido. Ele comeu o ovo depois de alguma discussão. Mas Annabel passou cinco minutos raspando esse ovo do fundo da panela, e ela nunca tinha comido um ovo da cor do carvão, por isso ganhou a disputa. Parecia precisar de muita mastigação.

Finalmente ele saiu, dizendo que ia tentar arrancar uma grande rocha do campo de Kettle.

Annabel comeu um bolo de aveia e aqueceu quatro panelas de água até se sentir limpa. Então ela esfregou a pequena casa, enxotando o frango pela porta da frente. O verdadeiro problema eram os lençóis. Ela não poderia dormir naquela toalha manchada... teria que lavar o lençol de Peggy. Ela procurou um lavatório, e finalmente decidiu que Peggy lavava sua roupa no riacho.

O riacho congelante, de acordo com Ewan. Ela estremeceu com o pensamento. Mas se ela não lavasse as roupas logo, elas não secariam. Quem sabe quanto tempo leva um lençol para secar? Provavelmente pelo menos uma hora. Ela reuniu-os em uma trouxa e saiu pela porta.

O rio espumava e gorgolejava em seu caminho através do bosque. Ele era cercado por grandes pedras. Annabel encontrou uma plana, ajoelhou-se e deixou cair o lençol na água. Ele imediatamente se tornou uma cor cinza ainda mais escura. Ela puxou-o de volta, espirrando água gelada em toda sua saia e tentou esfregar o sabão sobre ele. Mas o lençol parecia pesar quatro vezes mais do que antes, e estava tão frio que os dedos doíam só de tocá-lo.

Annabel rangeu os dentes. Ela não seria derrotada por algo tão simples quanto lavar roupas. Ela empurrou o lençol de volta na água, segurando uma parte com as mãos geladas. O lençol flutuou abaixo dela, parecendo como se estivesse ficando mais sujo a cada momento. Uma onda de água se arrastou, e Annabel quase deixou-o escapar. Suas mãos estavam enrugadas e doloridas por causa do frio; as saias estavam coladas em suas pernas com a água e o lençol parecia pesar quinze pedras.

Mas, finalmente, ela conseguiu tirá-lo fora da água. Claramente não havia maneira de voltar para a clareira sem se molhar. Então, ela respirou fundo e pegou o lençol. A água gelada escorria por seu pescoço, encharcando seus braços e as saias. Com os dentes batendo, Annabel começou a correr de volta para a casa o mais rápido que pôde. Uma vez na clareira, ela fez o seu melhor para torcer a água do lençol. Em seguida, ela espalhou-o em cima de um arbusto baixo.

De volta à casa, ela tirou seu vestido molhado e usou sua camisola como toalha. Seus braços doíam e seus dedos estavam azuis de frio. Então ela procurou em cada canto e recanto da casa por chá. Não havia nenhum. Ela sentou-se no degrau e bebeu uma xícara de água fumegante. Certamente os Kettles comiam mais do que apenas batatas cozidas e um ovo ocasional, não? Peggy deve ter uma despensa em algum lugar.

Ewan surgiu da floresta parecendo tão cansado quanto ela se sentia. — Eu não posso mover a maldita pedra —, disse ele sem cerimônia.

— Lavei o lençol! — Anna disse com um brilho de orgulho.

Ele olhou para a enorme poça de água ao redor da raiz do arbusto. — Você se importa se eu perguntar o que usaremos para dormir esta noite?

— Vai secar a tempo —, disse Annabel, esperando que ela estivesse certa. Ela olhou ao redor, notando de repente que a clareira parecia sinistramente quieta. — Oh, Ewan, acho que perdemos a última galinha!

— Procure uma raposa feliz.

— Certamente que não! Ela estava aqui há pouco.

— Talvez ela esteja empoleirada em uma árvore —, disse Ewan, esperando que ele estivesse certo. Ele pretendia totalmente comer aquela galinha no jantar.

— Eu não poderia dizer a Peggy que eu perdi todas as galinhas dela. Seus vizinhos deram a eles como um presente de casamento. — Annabel caminhou em direção à floresta. — A última vez que a vi ela estava aqui. Oh, galinha!

Galinha!

Ewan sorriu. Annabel parecia tão elegante quanto uma gravura em La Belle Assemblee. Ela estava usando outro vestido de viagem inadequado, não feito de marrom escuro para resistir à sujeira, mas moldado em rubi profundo, com fileiras e fileiras de renda branca em torno de seu peito.

— Devo dizer que gosto da moda atual de traje de fazendeira —, observou ele.

— É um vestido de passeio —, disse Annabel enquanto observava as pequenas árvores na borda da clareira. — Eu não possuo nada resistente. Sei que ela está por perto. Ela está me ignorando, isso sim. — Sem olhar para Ewan, ela foi direto para a floresta escura.

— Annabel! — ele chamou.

— Sim? — Sua voz ecoou de volta para ele.

— Não se perca! — Ele podia ouvi-la se debatendo.

Ele esperou cerca de quatro minutos e, em seguida, gritou novamente. — Você já está perdida?

— Bem, não... não exatamente. Estou em uma pequena clareira. Onde você está?

— Apenas fique onde está —, disse ele, e se drigiu para o som de sua voz. Ele podia ouvir os galhos estalando. — Fique onde você está! Caso contrário nós dois podemos nos perder.

— Há um terrível... — De repente houve um grito e o coração de Ewan saltou para a garganta. Ele avançou, pegando Annabel em seus braços enquanto ela se esquivava entre duas árvores. — Ewan, Ewan! Há muitas abelhas!

Em um raio de sol entre os abetos altos, Ewan viu exatamente o que ela queria dizer. Sem uma palavra, ele a empurrou para o outro lado de uma grande árvore e pressionou-a contra seu corpo, envolvendo-se sobre ela e colocando o rosto dela firmemente contra seu ombro. — Não se mova —, ele respirou.

Eles ficaram congelados, enquanto as abelhas voavam, um enxame inteiro delas com seu zumbido zangado.

— Oh, Deus —, Annabel gemeu alguns momentos depois. — Ewan...

— Acho que você encontrou a árvore de mel —, disse ele levantando a cabeça.

— Sim, deve estar nesta clareira —, disse Annabel soando um pouco mais alegre. —Peggy ficará feliz em ouvir isso, não é? Mesmo que ela não tenha mais galinhas.

— Algumas dessas abelhas me encontraram —, disse Ewan com tristeza.

— Oh, não —, ela exclamou. — Você foi picado!

— Apenas duas vezes. — Então acrescentou: — Talvez três vezes.

— Estou muito, muito grata por você ter me resgatado —, disse Annabel. — Vamos voltar? — Ela começou a andar na direção errada.

— Por aqui —, disse Ewan colocando-a debaixo do braço.

— Onde elas picaram você?

— Em um lugar bem macio. — Ele foi recompensado por sua risadinha. Ele pensou fugazmente que ele não se importaria com um enxame de abelhas atacando sua bunda se ele tivesse aquela risadinha como recompensa. A risadinha de Annabel era exatamente como ela mesma: encantadora, feminina, com um tom rouco que mostrava tanto um senso de humor perverso quanto um toque sensual.

— Eu poderia fazer mais algumas batatas —, disse Annabel quando voltaram à cabana. — Embora o fogo tenha apagado novamente.

— Ajuda se você ocasionalmente adicionar lenha —, Ewan apontou.

Ela lançou-lhe um olhar. — Por que você não se senta e descansa enquanto eu pego um galho de árvore ou dois para o fogo?

— Eu não posso sentar —, ele disse dando-lhe um sorriso triste. — Vou colocar os galhos.

— Dói muito? — E, quando ele balançou a cabeça, — Suponho que não importa que não temos um cavalo, porque você não se sentiria à vontade para montá-lo.

Ewan estremeceu com o pensamento de sentar em uma sela. Ele estava começando a se sentir um idiota. Ele nem sequer pensou em manter um cavalo para o seu uso. Sua idéia de Shakespeare parecia mais idiota a cada momento. Não é de admirar que ele não gostou da peça quando foi executada: claramente toda a idéia era ridícula.

— Deixe-me adivinhar —, disse Annabel com uma voz que estava obviamente tentando ser solícita — as picadas estão te irritando.

De fato Ewan estava começando a se sentir irritado. Estranhamente irritado. Annabel parecia tão deliciosa que a única coisa que ele queria era jogá-la na cama e fazê-la feliz da melhor maneira possível. Só que sua bunda parecia ter sido queimada por um ferro em brasa, e provavelmente parecia a almofada de alfinetes do diabo. Lá se foram todos os seus planos de seduzir sua quase-esposa esta tarde. Além disso, sua consciência o incomodava com essa sedução em primeiro lugar. Por que diabos ele havia perdido o controle e consumado um casamento que não existia? O que havia em Annabel que o fez lançar seus princípios ao vento?

Ele saiu, sentindo-se completamente fora de ordem. Ele havia passado duas horas tentando arrancar aquela pedra maldita do campo de Kettle, sem sucesso. Ele fez uma careta para a floresta em volta da clareira. De acordo com Annabel, sua vida era excessivamente confortável, mas pelo menos ele não quebrou as costas fazendo trabalho inútil.

Então seus olhos se iluminaram. — Oh, Annabel! — ele chamou. —Minha amável esposa!

— Eu não sou sua esposa ainda —, disse ela aparecendo na porta. Seus olhos deslizaram sobre ela e um sentimento familiar de desejo agarrou com tanta força que ele quase começou a tremer. Foi constrangedor. Ele estava fora de controle. Ele sentiu outra onda de irritação e então deu a ela seu sorriso mais sedoso.

— Eu sei que você ficará encantada em saber que nossa galinha perdida voltou para casa —, disse ele apontando.

O grito de Annabel assustou tanto a galinha que ela voou no ar com um grito. — Saia do meu lençol! — ela gritou. — Você, você sua galinha idiota!

Ewan jogou a cabeça para trás e riu. — Se ao menos nós a tivéssemos treinado para usar um penico. Essa galinha...

Ela se virou para ele, o punho fechado. — Não se atreva a rir de mim! Aquele lençol levou duas horas para ser lavado! Duas horas! E agora... e agora... ela arruinou tudo! Vou ter que voltar aquele terrível rio e tentar novamente.

Para o horror de Ewan, lágrimas brotaram nos olhos de Annabel.

— Eu nunca choro! — ela gritou para ele.

— Eu sei disso —, disse ele. — Quero dizer, é claro que não.

— É só que a água estava tão fria. — Ela enxugou as lágrimas. Ewan olhou ao redor da clareira poeirenta e sentiu-se como o burro que ele era. Por que ele trouxe uma dama para viver em um casebre? Ele se orgulhava de ser atencioso e gentil com os outros. Em seus melhores momentos, ele até se chamaria inteligente.

—Eu vou lavar o lençol —, disse ele. —Você faz algumas batatas.

Uma hora mais tarde Ewan estava com um humor apenas rivalizado por um tigre devorador de homens diante de uma debandada de elefantes.

A água do rio estava fria e ele estava encharcado. Ele não conseguiu tirar a sujeira feita pela galinha até ele esfregar o lençol sobre uma rocha, e, em seguida, o local foi substituído por um buraco. Toda vez que ele se inclinava, as picadas de abelha queimavam seu traseiro. A água foi escorrendo de suas orelhas e dentro de suas botas. Ele estava faminto e queria uma refeição de quatro pratos, não outra batata carbonizada.

Ele entrou na casa e percebeu que nenhuma batata, carbonizada ou não, estava por vir. O fogo estava apagado novamente, e Annabel não estava em lugar nenhum. Ele se aproximou e olhou para a lareira. Parecia que ela tinha derramado água. Maravilhoso. Eles tinham lençóis molhados congelantes, nenhum fogo e nenhuma comida.

Era pedir demais para ela fazer uma maldita batata?

Ele saiu da casa para encontrar Annabel emergindo do depósito de madeira, um tronco agarrado contra o peito. A renda branca que cobria seu corpete estava salpicada com pó de madeira. Ela parecia exausta e suja. O gosto de culpa era como metal amargo na boca dele.

— Que diabos está fazendo? — ele rosnou, pegando o tronco.

Ela franziu o cenho para ele. — A panela virou novamente e eu tive que encontrar um tronco seco.

— Você poderia ter esperado por mim e eu teria buscado a madeira.

Annabel colocou as mãos nos quadris. — Você poderia ter certeza de que nós tivéssemos troncos suficientes na casa!

— Eu estava ocupado lavando aquele lençol —, disse Ewan, a raiva crescendo em seu peito. — Eu estou morrendo de fome e volto para descobrir que você apagou o fogo novamente, e não há sequer uma batata queimada para comer!

— Como você ousa dizer uma coisa dessas! — Annabel disse furiosamente. — Esta é a sua idéia tola, e tudo porque você não tem imaginação. Eu lhe disse que seria miserável viver aqui! Mas você me ouviu? Não!

Ewan podia sentir os fragmentos de sua compostura se dissolvendo como gelo ao sol. — Teria sido perfeitamente fácil ficar aqui por alguns dias, se você mostrasse um pouco de competência —, ele rosnou.

— Meu pai foi infeliz em suas transações financeiras, mas ele nunca foi reduzido a fazer suas filhas de criadas. Acho que eu poderia pedir desculpas por ser incapaz de cozinhar, mas, na verdade, não me arrependo. Eu não gosto de cozinhar, e não planejei passar minha vida de casada aprendendo.

Culpa e raiva se agitavam no peito de Ewan. — Peço desculpas por estar pedindo-lhe para fazer mais do que polir seus sorrisos —, ele disse. — Vou te comprar fardos de seda quando chegarmos a minha casa. Se bem me lembro, você julgou a seda a chave da felicidade.

— Pelo menos eu tenho sido honesta com você. Eu lhe disse que esperava casar com um homem rico, precisamente para que eu não tivesse que sofrer pela próxima refeição. Você, por outro lado, sugeriu que a paciência era sua melhor virtude, na verdade, se bem me lembro, você visualizou o casamento como uma espécie de presente que você poderia dar a uma mulher pobre e sofrida como a minha irmã: o magnífico presente de seu alegre ser paciente.

— Você me faz soar como um maldito fanfarrão —, Ewan rosnou.

— Eu espero que não perturbe a sua imagem de si mesmo, se eu apontar que o uso de maldições indica precisamente como você é realmente piedoso?

— Oh, eu acredito em Deus —, Ewan disse desanimado. — Isso não tem nada a ver com a minha falta de controle em torno de você.

— Não me culpe! — Annabel gritou com as mãos nos quadris. — Se você não é rabugento com tanta frequência, é provável porque todos o tratam como o rei do castelo. Mortais comuns aprendem com seus erros.

O temperamento de Ewan abruptamente saiu do controle novamente. — Espero que você não esteja classificando-se com os mortais comuns. Porque a maioria das pessoas que eu conheço pode aquecer um balde de água sem lavar a lareira.

— Quantas pessoas você conhece que já aqueceram um balde de água? — Annabel exigiu. — Ou lavou um lençol em um riacho, para essa questão? Sua avó, a condessa? Será que ela aquece enormes baldes de água sobre o fogo como entretenimento?

Ewan fez uma careta para ela. — Nana poderia fazê-lo se ela colocasse sua mente nisso. — Na verdade, ele não conseguia pensar em qualquer um de seus companheiros que tinha feito uma coisa dessas. Por que eles deveriam ter? Nenhum deles jamais havia ficado preso em uma cabana na floresta. — Eu julgaria a minha avó capaz de conquistar qualquer situação —, afirmou.

— Bem, nós somos diferentes —, Annabel explodiu. — Eu não sou uma fazendeira com as habilidades para ter sucesso neste tipo de vida.

— Eu posso ver isso —, Ewan retornou. Ele estava ardendo de raiva.

— E isso não tem nada a ver com as supostas habilidades de sua avó! A verdade é que você viveu uma vida de tal privilégio que você não poderia imaginar como seria não ter Mac para atender a todos os seus desejos. Você pensou que seria fácil ser pobre, e agora que você descobre que não é assim, você se tornou desagradável.

— Eu posso não ter entendido o quão difícil seria viver na cabana dos Kettle com uma esposa que é incapaz de aquecer uma panela de água sem derramar...

— Eu não sou sua esposa —, Annabel disse friamente.

— Isso me dá duas coisas para ser grato —, Ewan grunhiu. — Uma que eu não sou tão pobre que eu tenho que viver em um casebre condenado, e segundo que... — Ele parou.

Annabel estava branca de raiva. — Tarde demais! Não importa o escândalo, depois da noite passada, você tem que se casar comigo.  Não importa o quanto ambos possamos nos arrepender.

Ewan respirou fundo e foi para o lado da pequena casa. Deliberadamente, ele se encostou na parede cruzando os braços sobre o peito. O silêncio caiu sobre o pátio.

Annabel podia realmente sentir seu coração quebrando dentro de seu peito. Ela sempre pensou que um coração partido parecia bastante romântico. Mas na verdade era físico. Todo o seu peito doía, como se tivesse sido atingido com uma faca. Com todos os seus cálculos sagazes sobre como fazer um homem desejá-la, ela nunca percebeu que a coisa mais importante era fazê-lo gostar dela. Ou até mesmo amá-la. Que tola ela era.

— Então você se arrepende de ter feito amor comigo? — Sua voz era suave, quase casual. Normalmente Ewan tinha um tom que soava agradável e divertido. Mas havia algo perigoso em sua voz agora.

Ela limpou a garganta. — Tenho certeza que nós dois nos arrependemos de algo que nos deixa com tão poucas opções.

Ele endireitou-se e deu um passo em direção a ela. Annabel se manteve firme. A expressão divertida e despreocupada que parecia a expressão natural de Ewan tinha desaparecido. Seus olhos eram de um verde selvagem, ardendo de raiva. De repente, ela estava com medo do que ele ia dizer. Se ele lhe dissesse que não gostava dela, se ele colocasse em palavras, ela poderia não ser capaz de suportar.

— Só porque você está com raiva —, ela disse apressadamente, — não é necessário dizer algo que você possa se arrepender. Não temos outra escolha além do casamento. Temos que fazer o melhor possível.

— Verdade —, disse ele lentamente, e sua voz ainda era um grunhido. Ele deu outro passo em direção a ela.

Não havia dúvidas sobre o olhar em seus olhos. A dor arrancou seu coração. Todas aquelas habilidades que ela desenvolvera tão meticulosamente como uma menina aparentemente destruiriam um sonho que ela nunca teve a coragem de segurar. — Eu entendo como você se sente em relação a mim —, Annabel disse cuidadosamente.

—Entende? — ele disse, sussurando. Ele estava de pé diante dela, estendendo a mão para puxá-la para ele.

— Não faça isso! — Annabel choramingou, dando um passo para trás.

— Por que não?

Ela poderia muito bem dizer isso. — É apenas desejo —, explicou ela, observando os olhos dele. — O desejo é uma coisa artificial, criado por... por...

Ele estendeu o braço e enrolou uma mão ao redor do pescoço dela. — Pelo quê?

— Por coisas artificiais —, Annabel disse obstinadamente. — Sorrisos que eu pratiquei, Ewan. — Ela recuou e o calor de sua mão caiu. Ela ergueu o queixo e olhou para ele, desejando que as lágrimas voltassem.

— Você não entende como isso tudo é fabricado. Eu uso espartilhos feitos na França: eles fazem meus seios parecerem duas vezes maiores, e nenhum homem pode resistir a isso. Eu deixo meus quadris balançarem quando eu ando, porque os homens gostam disso. Você gosta disso.

Sua sobrancelha subiu. — Seus quadris não balançam naturalmente?

— Não. Ou talvez o façam a essa altura, mas só porque eu conscientemente mudei a minha meneira de andar quando eu era mais jovem. Mas tudo é apenas uma fachada, usada para inspirar o desejo.

Seus olhos estavam inescrutáveis. — Eu vi seus seios sem espartilho, Annabel, lembra?

— É tudo para mostrar —, disse ela impaciente. — Nada além de um show. Nada além de criar desejo. Tem sido como um jogo, você não vê?

— Um jogo de desejo?

— Não. Um jogo para conseguir o que eu desejo dos homens.— Ela engoliu mais lágrimas e encontrou os olhos dele. — Eu... eu gosto de você, Ewan. É por isso que você precisa saber o quão boa eu sou nisso, e o quão artificial esses sentimentos de desejo que você sente são. Eu não sou boa em cozinhar. Mas eu sou muito, muito boa em fazer os homens fazerem o que eu desejo.

Ele estendeu a mão novamente e não havia como confundir o olhar em seus olhos. —Você não está ouvindo —, ela gritou, saltando para trás.

Inevitavelmente, ela tropeçou em suas saias. Houve um som se rasgando. Ele a pegou em seus braços, mas ele não pode parar sua queda, apenas protegê-la do chão. Então ela caiu em cima dele, e ele a rolou antes que ela pudesse protestar e esmagou seus lábios nos dela.

— Nada além de um jogo, não é? — ele rosnou.

— Você não pode me beijar aqui —, disse Annabel empurrando seus ombros. — Deixe-me levantar! Estou deitada no chão!

— Eu não posso. Eu perdi minha mente. Vítima de suas artimanhas femininas. Além disso, o lençol está encharcado.

— Não tire sarro de mim! — Ele estava empurrando as saias dela, seus dedos deixando um rastro de fogo em suas pernas. — Nem pense... Ewan, por favor!

Chamas dançaram sobre o corpo de Annabel. — Estamos do lado de fora! — ela disse desesperadamente.

Mas então a mão dele a pegou e ela gritou, mesmo que ela estivesse deitada no chão.

— Um jogo —, ele rosnou. Ela torceu contra a mão dele, sua respiração ardente no peito. — Eu não sou nada mais do que um escravo do seu espartilho, se eu entendi corretamente.

Uma pequena parte de Annabel estava resistindo a força de seus dedos. Mas o prazer fervia em suas pernas, percorrendo em ondas que seguiam cada movimento dos dedos dele. Ainda assim, ela suspirou, — Não é tão...

Os dedos dele pararam, deixando-a em chamas. — Não se mova —, ele ordenou.

Ela congelou.

Em seguida, o polegar dele passou por ela uma vez, duas vezes, deliberadamente lento. — Você pode se mover agora —, ele disse suavemente.

Fogo subiu por seus ossos, e ela estremeceu involuntariamente, ofegando. As mãos dele pararam novamente.

— Agora, o que você estava tentando me dizer? — ele perguntou em tom de conversa.

— Solte-me —, ela disse. Cada nervo em seu corpo estava conectado e todos estavam dançando com fogo.

— Isso é intolerável. Você deve me deixar levantar. Alguém pode passar por essa estrada a qualquer momento.

Um movimento lento levou sua voz embora. — Eu quero que você me diga por que nosso casamento não vai funcionar. — Ele estava beijando seu queixo, os lábios roçando sua pele.

— Porque... porque... — Mas ela não podia. Ela não podia pensar, não quando todo o seu corpo estava pulsando em torno da mão dele, silenciosamente implorando-lhe para fazer as coisas que ela nunca poderia dizer em voz alta.

— Vou usar minhas artimanhas masculinas em você —, disse ele. Sua voz era pecaminosa e cheia de uma alegria louca que era bastante diferente de sua diversão habitual.

Annabel fechou os olhos e fingiu que não estava deitada no chão. Então a boca dele voltou à sua, voraz, levando-a com toda a selvageria de sua raiva e o prazer de sua posse.

Ewan quase gemeu com o som áspero da respiração irregular de Annabel, com os gritos que ela não pôde reprimir contra seus lábios. Sua mão memorizou sua suavidade, os movimentos precisos que a faziam gemer de prazer, apertam em torno de seus dedos e, finalmente, finalmente pegar o cabelo em seus punhos e torcer contra seu peito com um grito que explodiu de seus pulmões, deixando-a sem fôlego com o prazer.

Um momento depois, ele pegou-a nos braços e levou-a para dentro da casa. A necessidade de levá-la, para possuí-la plenamente, estava batendo em seu sangue. Seu único pensamento era colocá-la na cama e...

Como diabos ele tinha esquecido que não havia lençóis na cama? Apenas a toalha manchada estava lá. Ele não poderia colocar uma dama sobre isso. Ele parou.

Annabel tinha os braços em volta do pescoço dele, mas havia lágrimas em seus olhos. — O que foi? — ele perguntou, inclinando a cabeça para beijá-la. — Por que lágrimas?

Ela balançou a cabeça e apertou os lábios contra o queixo dele. Ele sentiu seu corpo pulsar com a necessidade; ele estava enrolado mais apertado do que uma mola, desesperado pelo corpo dela. Então ele rolou de costas para o tecido, com manchas e tudo.

Sua bunda queimava das picadas de abelha, mas as luxuosas curvas femininas dela pairava sobre ele, fazendo sua visão turva.

Ainda que seus olhos estivessem marejados, ela sorria. Depois de uma investida rápida em suas calças, ele deslizou para dentro dela, completando-a, completando-o. Ela avançou para encontrá-lo com um grito. E então ele estava empurrando dentro dela sem desculpas para sua falta de finesse, apenas uma loucura conjunta e um prazer tremendo que os abalou.

Ewan jogou a cabeça para trás e tentou se concentrar nos troncos do telhado. Ele não iria sem ela, ele não iria.

Seus quadris subiram, exigindo que ela fosse mais fundo... as mãos dele moldaram seus seios até que ela caiu para a frente, enterrando o rosto em seu pescoço.

Ele investia cada vez mais forte, sua mente em branco, mas as palavras continuaram batendo em sua cabeça até que finalmente ele engasgou com elas por causa da queimação em seu peito. — Eu não tenho que me casar com você só porque dormimos juntos. Ou devido a esse escândalo em Londres.

Ela congelou por cima dele, os olhos arregalados.

— Eu tenho que me casar com você porque você é minha. — Ele olhou para ela, desejando-a ainda que ele a estivesse levando, com um desejo que nunca iria morrer. — Você é minha. Minha.

Havia lágrimas correndo por seu rosto agora, mas ela estava com ele, seu corpo estremecendo com cada golpe dele vindo ao seu encontro.

— Deus Todo-Poderoso, Annabel —, ele finalmente disse, com os dentes cerrados em sua necessidade de trazê-la com ele. — Eu te amo, você não vê isso?

Mas então ele finalmente perdeu a batalha com sua necessidade. O ar explodiu de seus pulmões e sua visão ficou escura, e a única coisa que ele sentiu foi o estremecimento do corpo dela contra o dele. E vagamente, vagamente através da explosão de prazer em seu corpo, ele sentiu gratidão pela maneira como ela soluçou seu nome enquanto ela se apertava em torno dele.


Capítulo Vinte e seis

— Isso já foi longe demais —, disse Imogen, fazendo sua voz tão clara e autoritária quanto possível.

Ela e Mayne estavam sozinhos em uma sala de estar no Wood and Horn. Eles tinham viajado durante todo o dia, e mal tiveram tempo para tomar banho e trocar de roupa antes de um jantar tardio. Logo em seguida, Griselda tinha levado Josie para a cama e deixado Imogen e Mayne juntos.

No entanto, essa intimidade bastante surpreendente parecia ter passado despercebida por Mayne. Durante a última hora, ele estava sentado diante do fogo envolto em um livro fascinante sobre cabrestos e arreios que descobrira em um canto. Ela tinha passado o tempo examinando a sala: uma garrafa de vinho de gargalo longo, uma armadura sem braço, um retrato de uma Srta. Jogg. Ela sabia o nome da jovem de nariz comprido porque na verdade ela tinha ido examinar a placa de identificação manchada.

Isso era o quão tediosa a noite estava.

— O que já foi longe demais? — ele perguntou, nem mesmo olhando para cima.

—  Sua indiferença para comigo.

Ela finalmente conseguiu sua atenção; Mayne piscou e olhou para cima.

Imogen tinha a intenção de ser sedutora, uma vez que ele parasse de ler seu livro mofado. Ela pretendia desfilar através da sala e se empoleirar na beira da poltrona dele e persuadi-lo a tomar liberdades com ela, ou flertar com ela, ou fazer qualquer coisa que a fizesse se sentir como se ela fosse uma bela e desejada dama.

Em vez disso, ouviu com horror que sua voz falhou quando ela disse: — Certamente você me despreza.

Mayne largou o livro. — Você está me pedindo para beijá-la?

As palavras saíram de seus lábios antes que ela pudesse detê-las. — Como você pode me rejeitar quando aceitou cada convite oferecido nos últimos dez anos?

Ela estava sentada à frente dele, seu cabelo brilhando à luz do fogo, o vestido decotado em um tom de rosa que combinava com sua coloração escura. Com aquela luz selvagem em seus olhos ela parecia uma cigana apaixonada, do tipo que roubaria a bolsa e o coração de um homem de uma só vez.

— Eu não quero ir para a cama com você. — Ele viu os ombros dela ficarem levemente rígidos e sentiu uma pontada de culpa.

— Por que não?

— Culpe a minha idade.

— Você não é tão velho. Você não acha... — Ela fez uma pausa e ele viu sua garganta engolir por um segundo. —Você não acha que eu sou bonita?

Ele levantou-se. Ela estava certa: ele sempre tinha sido categórico em seus gostos, e ela era adorável e disponível. Ele a trouxe para seus pés, mas mesmo assim, ele sabia... ele simplesmente sabia.

Ela encontrou seus olhos e agora havia fúria em seu olhar. — Te odeio! — ela exclamou.

Ele deixou cair as mãos imediatamente. — Eu espero que você o faça.

— Como você se atreve... como você se atreve. Eu o vi tentar fazer você mesmo e então você... você...

— O que tem tudo a ver com minhas incapacidades e nada a ver com você.

Ela congelou. — Você é incapaz?

Por um segundo, ele brincou com a ideia. Deixar que ela espalhasse que ele era um lírio mole... mas não. Em vez disso, ele caminhou até ela e esmagou sua boca na dela. Seus lábios eram macios e cheios e tinha gosto de lágrimas e raiva. Seu corpo nunca tinha falhado, nem mesmo depois de duas garrafas de conhaque, e isso não aconteceu agora. Ele se afastou, pegou a mão dela e deliberadamente pressionou-a na frente de suas calças.

— Aqui! — ele disse, a voz sombria. — Eu sou incapaz?

Um pequeno sorriso triunfante enrolou seus lábios. — Não.

— Mas há mais para mim do que o equipamento funcional. Eu diria que o seu marido era tão incompetente cavalgando uma mulher quanto era com um cavalo.

Ela deu um pequeno guincho, mas ele não parou. — Então agora você está querendo me usar, como um velho rico, para divertir-se e fazê-la esquecer suas memórias.

Todo o cansaço que ele sentia com a idéia de cuidar de outra mulher na cama, de fazer seus olhos brilharem de modo que ela dissesse e prometesse que ela nunca sentira isso antes, todo aquele cansaço entrou em sua voz. — Você não dá a mínima para mim, Imogen. E, para ser brutalmente honesto, eu não dou muita importância para você também. E é aí que nós estamos.

Ela olhou para ele, os olhos arregalados, o punho cerrado à boca.

— Pessoas como nós não deveriam ir para a cama juntas. Não há nenhum maldito ponto nisso. Você não vê? Você se casou por amor, pelo amor de Deus!

— Mas você disse... você disse que Draven...

— Eu tenho certeza que ele era uma porcaria —, Mayne rosnou. — Mas você o amava, não é? Então, mesmo que ele não estivesse fazendo você perder os sentidos, ele tinha algo que eu nunca tive.

Ela sussurrou. — O que?

— Você o amava. Bastardo sortudo que ele era. — Ele disse isso deliberadamente devagar. — Maitland não morreu sem amor.

Então ele se virou, a ponto de sair do quarto. — E ele também a amava. Então, deixe estar! — Sua voz ecoou pelas paredes velhas. — O idiota te amou. Ele fugiu com você. Ele disse que te amava quando estava morrendo, pelo amor de Deus. Que direito você tem de descartar os sentimentos dele?

Havia lágrimas nos olhos dela e ele não estava com disposição para lágrimas. Mas ele esperou.

— Nenhum—, ela disse, e sua voz falhou. — Eu não tenho nenhum direito.

Ele fez menção de sair, mas quando ela caiu de joelhos, ele foi até lá e pegou-a.

Mas só porque não havia mais ninguém por perto para fazer isso.


Capítulo Vinte e sete

Annabel sentou-se na cama e olhou para a parede bruta, mas sua visão estava turva por lágrimas quentes e humilhadas. Ela deveria estar muito feliz. Ewan tinha dito que a amava. Um soluço rasgou seu peito.

A verdade disso era chocante, brutalmente clara. Ela tinha passado sua infância descobrindo como fazer um homem desejá-la. Ela não tinha negligenciado um único item que poderia ser útil: ela sabia sobre beijos que disparavam a virilha de um homem com sua sugestividade, sobre olhares que prometiam prazer secreto, sobre os movimentos suaves dos quadris que poderiam fazer as mãos de um homem tremer.

Ela era uma especialista em despertar o desejo.

Não, a palavra mais feia era a mais apropriado: luxúria.

A ironia era que ela conseguira precisamente o casamento que ela esperava obter com a sua prática: o casamento com um homem rico cegado pela luxúria que sentia por ela. Um homem que era gentil e generoso ao lidar com os outros e jamais a censuraria por não ter dote e iria comprar-lhe todos os vestidos que quisesse. Soluços estavam queimando sua garganta.

Sua vida parecia um daqueles contos de fadas que fingem ser agradáveis, mas terminam com uma moral desagradável. O homem mais rico da Escócia estava tão fascinado pela luxúria que, no calor do momento, jurou fidelidade e até amor.

Era lamentável que ela não fosse estúpida o suficiente para ignorar a diferença entre o desejo e o amor.

Se ela fosse feia, ou tivesse cicatrizes, ou mesmo, ela enxugou mais lágrimas, se tivesse uma personalidade particularmente agradável, ela pode acreditar em Ewan. Mas ela nunca escondeu verdades de si mesma. Sua única habilidade era descobrir números, e ainda assim ela era preguiçosa o suficiente para não querer fazê-lo. Ela era encantadora quando lhe convinha, e uma peixeira quando isso não acontecia, algo que seu pai teria atestado.

Mais lágrimas deslizaram pelo rosto dela. Se o seu próprio pai não te ama, então não deveria ser nenhuma surpresa descobrir que outros homens não estão dispostos a fazê-lo. Ewan tinha apenas vislumbrado como ela realmente era, e ele imediatamente deixou escapar sua relutância em se casar, pelo menos até que a luxúria levou a melhor sobre ele. Mas quanto tempo duraria a luxúria?

A dor era crua no peito dela. Ela se sentou na cama e estremeceu com soluços, esfregando as lágrimas com a camisola úmida. Não era do feitio dela sucumbir às lágrimas desta maneira. Ela raramente chorava quando seu pai era duro com ela, mesmo nos piores momentos de sua infância. No entanto, de alguma forma, as lágrimas começaram de novo, mesmo com todas as suas tentativas de parar.

A porta se abriu silenciosamente. O cabelo de Ewan estava molhado novamente.

— Eu não entendo como você pode suportar entrar naquele riacho —, disse ela, secando o rosto apressadamente e fingindo que seus olhos não estavam vermelhos.

— Estou acostumado a água fria —, disse ele. — Minha governanta costumava dizer que eu era bastante viciado em limpeza. Costumo tomar banho no rio que corre atrás do castelo, que tem águas congelantes mesmo no auge do verão. Por que você está chorando, Annabel?

Ela conseguiu dar um sorriso fraco. — Bobagem. Estou com fome, eu acho.

— Vou dar-lhe um copo de leite. E vou colocar batatas —, disse ele. — Depois disso, vou caminhar até a aldeia mais próxima. Estarei de volta para você assim que puder. — Sua voz era sombria. — Eu fui um bastardo idiota, Annabel. Não posso nem dizer o quanto estou arrependido.

— Não é tão ruim —, ela disse, mas a voz dela falhou, e ele fez uma careta. Então ela percebeu o que ele estava dizendo.

— Você não pode andar até a próxima aldeia! Está escurecendo. Como você vai encontrar o caminho?

Ewan colocou seis batatas na panela. Elas deveriam pelo menos encher o estômago de Annabel até que ele pudesse voltar com um cavalo, uma carruagem e roupas quentes de todos os tipos. — Eu vou encontrar o caminho —, ele disse secamente.

Então ele veio até ela e lhe deu um beijo na cabeça. — Eu já ordenhei a vaca. Espere-me voltar antes do amanhecer.

— Ewan...

Mas ela falou ao espaço vazio.

Quatro horas mais tarde, Ewan percebeu que ele poderia ter falado sobre a idéia do inferno, mas agora ele tinha uma idéia realista do mesmo. Ele tinha tropeçado ao longo de uma hora ou mais, mantendo-se no caminho por sorte e não por habilidade, até que a chuva começou a cair. Cerca de meia hora depois, ele estava molhado até os ossos. Suas botas, feitas do melhor couro e projetadas para um cavalheiro que planejava um passeio de uma tarde, estavam tomadas de água como peneiras gêmeas. Por sua contagem, ele havia caído para fora da estrada três vezes, e uma delas ele havia aterrissado de joelhos na lama.

Além disso, não havia nenhum sinal de aldeia. Finalmente Ewan  se virou. Ele não podia deixar Annabel sozinha com nada além de batatas e uma vaca malévola que precisava de ordenha.

Por alguma razão, voltar para ela era mais fácil do que ir embora. Ele conseguiu ficar na estrada e entrou na casa assim que a chuva começou a diminuir. Annabel estava dormindo, encolhida sob a colcha fina dos Kettles. Dois vestidos estavam sobre ela para aquecer e o fogo estava baixo novamente.

Ewan sentiu uma pontada lancinante de culpa. Ele tinha levado uma requintada e sorridente jovem para longe dos salões de Londres, que era seu ambiente natural, e a reduzira a uma donzela chorosa, aflita e em perigo de ficar congelada. Além do mais, ele tinha tomado sua virgindade, e dado a ela apenas batatas para comer. E para quê? Devido a uma ideia quixotesca que ele iria aliviar o medo dela da pobreza?

Não. Annabel o acusou de não ser honesto consigo mesmo. A verdade era que ele havia mandado suas carruagens para fora por pura luxúria, não importa o quanto ele gostaria de vesti-las em idéias extravagantes. Ele tinha visto esta casa, e a idéia de estar sozinho com ela entrou em sua mente com a força de qualquer tentação.

A tentação do diabo, obviamente.

Ele colocou a lenha no fogo o mais silenciosamente que pôde, lutando com uma crise de auto-aversão como ele nunca tinha experimentado antes.

Annabel acordou com um pequeno grito.

— Não se preocupe —, disse ele, tirando a camisa. Uma das coisas condenáveis, em ??uma longa seqüência de coisas condenáveis, era que ele não tinha mais camisas limpas. Ele teria que colocar uma camisa que não estivesse totalmente limpa. Sombriamente ele escolheu a menos suja e vestiu-a.

— Você trouxe um cavalo? — ela perguntou meio grogue.

De alguma forma ele conseguiu pronunciar a palavra. — Não.

— Não?

— Eu não conseguia encontrar o caminho para a aldeia. Eu falhei com você, Annabel.

Houve silêncio da cama.

— Vou começar novamente no minuto que eu ordenhar a vaca.

— Mas Ewan, não podemos simplesmente deixar a casa de Peggy, a vaca e a galinha. O que os animais comeriam?

Ewan rangeu os dentes. Ele se lembrava deste sentimento. Ele tinha sentido isso antes, quando Rosy foi trazida para ele depois de uma semana na companhia de bandidos. Ela se encolhia e chorava, quando não estava olhando para o vazio. Ele descobriu então que todo o dinheiro do mundo não poderia resolver alguns problemas, mas parecia que ele precisava ter aprendido essa lição novamente.

— O fogo é tão bom —, Annabel disse sonolenta. — Venha deitar, Ewan. — Ela rolou para mais perto da parede, um fragrante pacote de feminilidade, sem idéia de como o afetou.

Ewan tinha decidido há muito tempo que uma coisa era acreditar em Deus, e outra era assediá-lo com pedidos, como uma criança rabugenta pedindo doces. Mas ele quebrou sua própria regra naquela noite, e antes de adormecer, deixando cuidadosamente um espaço entre ele e sua não-muito-esposa, ele fez uma oração fervorosa.

Não foi muito elegantemente formulada, e Peggy poderia se sentir insultada se ela tivesse ouvido. Mas Peggy não estava com disposição para ouvir sussurros ao vento. Ela estava segurando sua pequena Annie (Annabel teria sido considerada muito elegante). A cabeleira ruiva de Annie marcava seus traços escoceses até os ossos; o pai dela não conseguia parar de sorrir, e nem (quando teve a notícia) conseguia Mac.

Antes mesmo de Ewan cair no sono, o formidável Mac já estava em seu caminho para o chalé, prudentemente levando com ele uma grande cesta de alimentos e uma muda de roupa para o seu senhorio. Mac havia sido da opinião de que os senhores, como os outros homens, são melhores com a barriga cheia e uma muda de roupa.

Além disso, ele estava louco de curiosidade para ver como o mestre sobreviveu sem dois banhos quentes e três refeições por dia.

No final, Mac não teve tempo de formar uma opinião sobre este ponto: tão logo a carruagem entrou na praça o conde já tinha colocado sua condessa (ou futura condessa), no veículo e ordenou que se apressassem.

O alívio de Annabel e Ewan em serem resgatados foi tão agudo que eles nem sequer falaram quando estavam na carruagem. Não foi até que eles estavam parando no pátio da estalagem que Annabel percebeu que ela tinha uma coisa a dizer. — Eu receio que eu tenho um pequeno resfriado. Então, eu gostaria do meu próprio quarto, por favor.

Um segundo se passou e em seguida: — É claro. Você ficará muito mais confortável, e sua criada poderá cuidar de seu conforto durante a noite. Annabel, sinto muito —. Havia algo cru na voz de Ewan.

Annabel franziu a testa para ele. — Você não é responsável pelo meu resfriado.

— Eu te levei para aquele lugar horrível —. Seus olhos eram quase negros e ele realmente tinha um olhar angustiado.

— Você deve pensar que estou sendo consumida para longe por alguma doença romântica —, disse Annabel, esquecendo que estava sofrendo e quase sorrindo. — Eu só tenho um resfriado, Ewan. Provavelmente o meu nariz está vermelho, mas garanto a você que não estou perto da morte.

Ele não sorriu de volta para ela. — Seu nariz é perfeito —, disse ele.

— Agora você terá que fazer penitência por mentir —, disse ela, indo em direção à porta da carruagem. Mas ele a parou, envolvendo seus braços ao redor dela e levando-a para a estalagem.

Ele não a soltou até que ela estava confortável em um quarto com uma banheira de água fumegante pronta. O fato de Annabel ter jogado mais algumas lágrimas em seu banho era, obviamente, devido à sua condição enfraquecida.


Capítulo Vinte e oito

Era um castelo. Um enorme castelo feito de granito cinza escuro, com janelas salientes e pequenas torres e até mesmo o que parecia ser uma lagoa formal na frente. Eles tinham sido conduzidos durante toda a manhã através de bosques tão altos e escuros que pareciam se estender até o infinito. Eles não tinham passado por uma casa, ou uma aldeia em horas. E então, de repente...

Eles dobraram uma curva na estrada, e ele estava abaixo deles, brilhando em uma névoa rosa deixada por uma tempestade rápida. As árvores nas colinas circundantes pareciam negras contra o céu encharcado pela chuva.

— Esta é a floresta de Clashindarroch —, disse Ewan. — O rio Bogie corre por esse caminho, atrás do castelo; nós o canalizamos através de tubos que meu pai instalou. Ele foi, por acaso, um grande inovador. Eu coloquei um banho de imersão na cozinha, porque o tio Pearce disse que ele teria gostado disto.

— Então Pearce é o irmão de seu pai?

— O irmão do meu avô, na verdade. Ele é um tio-avô.

— Você tem um banho de imersão? — ela disse, um pouco tardiamente. — Que maravilha!

— Melhor que isso. Eu tenho um banho adequadamente aquecido instalado no quarto principal há alguns anos.

— Uma adição bem-vinda —, disse ela.

Mas ela não queria encontrar seus olhos. Nas últimas noites, depois que seu resfriado diminuiu e eles voltaram à sua jornada novamente, ela tinha mantido seu próprio quarto de dormir. Eles não tinham falado sobre o fato de que os, supostamente casados, Conde e Condessa de Ardmore ocupavam dois aposentos. Na verdade, eles não tinham falado sobre qualquer coisa desde que deixaram a casa dos Kettles. Ewan passava a maior parte dos dias no cavalo, e como Annabel ficava acordada a maior parte da noite, olhando fixamente para o teto, sentia uma constante dor de cabeça.

Agora, ela não parava de pensar que ela provavelmente parecia uma verdadeira bruxa em sua roupa de viagem empoeirada. Seu nariz ainda estava ligeiramente vermelho. O que os criados pensariam dela? Sem mencionar a família de Ewan?

Ela olhou novamente para o castelo abaixo. Os batedores tocaram um chamado em um trompete.

— É um costume —, disse Ewan, inclinando-se para olhar pela janela. — Eu normalmente não me anuncio como um rei, eu prometo.

A carruagem parecia ganhar velocidade, descendo pela colina, e agora Annabel podia ver que as grandes portas da frente estavam abertas e as pessoas estavam saindo e alinhando-se em fileiras à esquerda e à direita. Estava muito longe da casa podre de seu pai e dos quatro criados que ele conseguira manter com salários reduzidos.

Ewan estava sorrindo para o castelo, seus olhos brilhando. Em seguida, o cocheiro parou com um grande barulho do cascalho voando das rodas. Houve um aplauso dos criados reunidos.

A família ficou na frente. Ela soube imediatamente quem era Gregory. Ele era um garoto pequeno, magro como um camarão, todo vestido de preto, com uma expressão séria.

Nana foi mais que um choque. Ela estava longe da doce senhora de cabelos brancos que Annabel imaginara. Em vez disso, ela parecia estar usando uma peruca cor de palha da era elizabetana. Ela tinha um nariz pontudo e um lábio vermelho com um golpe de rouge sob ele. No geral, ela parecia um cruzamento entre um imperador romano e a própria rainha Elizabeth.

Ewan, naturalmente, estava gritando saudações a todos, e arrastando-a para o grupo a uma velocidade que não permitia que ela caminhasse de maneira digna. Nem alisar os cabelos. Mas Annabel endireitou as costas e disse a si mesma que ela era filha de um visconde.

Ele a trouxe para sua avó primeiro. A velha olhou da ponta do cabelo de Annabel até a ponta dos pés. Seus olhos se estreitaram lentamente, e Annabel teve a enervante sensação de que a avó de Ewan sabia exatamente por que eles tinham que se casar.

— Bem! — a condessa disse depois de um longo momento. — Você parece mais velha do que eu esperava. Mas as inglesas envelhecem mais rápido. — Seus olhos negros estavam brilhantes de desprezo.

Annabel endireitou as costas. Esta velha senhora iria conquistá-la ou ser conquistada. — Considerando que você não parece ter um dia mais que oitenta —, disse ela, fazendo uma reverência como se estivesse diante da própria rainha Elizabeth.

— Oitenta! — Nana rugiu. — Saiba você, menina, que eu não tenho nem setenta e um.

Annabel sorriu docemente para ela. — Devem ser esses ventos escoceses. Eles uivam bastante, não é? Arruinam a aparência de qualquer um.

Ewan se virou para dar um abraço de urso em Gregory. — Nana, Annabel é escocesa, então não use seus truques com ela. Ela tem a força de caráter de um Pict[i].

— Você percorreu todo o caminho até Londres para encontrar uma escocesa? — Nana retrucou. — Você poderia ter tido a Srta. Mary da casa ao lado se era isso que você queria. Estes tipos de cabelos amarelos são volúveis, você sabe disso. Ela provavelmente sucumbirá no parto.

Uma recepção encantadora, para o gosto de Annabel.

Mas Nana não tinha terminado. — Ainda assim, ela tem bons quadris, largos —, disse ela, olhando para a barriga de Annabel.

Perfeito. Ela era doente e gorda.

— Este é Gregory —, disse Ewan, levando-a para longe. Gregory tinha a pele branca, branca e cabelos negros como fuligem, com cílios combinando. Ele iria quebrar o coração de uma mulher um dia, a menos que ele desaparecesse em um mosteiro. Ele olhou para Annabel com uma grande dose de curiosidade e depois curvou-se elegantemente como se ela fosse a rainha Elizabeth.

— É um prazer conhecê-lo, Gregory —, disse ela, pegando a mão dele. — Ewan me contou muito sobre você.

As bochechas dele ficaram vermelhas tão rápido que ela não teve tempo de piscar. —Você disse a ela que eu sou um cantor miserável! — ele gritou, voltando-se para Ewan.

Mas Ewan apenas estendeu a mão e bagunçou seus cachos negros. — Disse a ela que você grita como um gato no calor —, disse ele alegremente. — Mas talvez Annabel tenha feito treinamento de voz e ela pode...

Ela balançou a cabeça.

— Ora, então estamos presos com a sua voz miserável, rapaz —, disse ele, dando outro abraço em Gregory.

E foi assim que as manchas vermelhas desapareceram de suas bochechas e Gregory deu a Annabel um sorriso tímido de dentro do círculo dos braços de Ewan. Ela não era a única que se sentia segura em torno do Conde de Ardmore.

Tio Tobin e tio Pearce eram como sal e açúcar.

Tio Tobin, o caçador, era magro, alto e de olhar perspicaz. Curvou-se com grande talento e girou o bigode. — Eu sabia que Ewan encontraria ouro em Londres! — ele disse, dando-lhe um olhar muito apreciativo.

Annabel fez uma reverência e deu a ele seu melhor sorriso de flerte com velhos. Ele se aqueceu como um fogão de inverno e disse a Ewan que fizera uma ótima escolha.

Tio Pearce era tão gordo quanto Tobin era magro, e tão irascível quanto Tobin era galante. Ele tinha olhos negros brilhantes que pareciam pedras de rio e um queixo duplo. —Joga especulação, não é? — ele rosnou para ela. —Com alguma habilidade?

— Não —, disse ela.

— Vamos tentar uns passes depois do jantar —, disse ele sombriamente. — Mas eu vou avisá-la, senhorita, eu jogo por altas apostas. Eu provavelmente terei o seu dote até a próxima sexta-feira.

— Nada de jogos de cartas esta noite —, disse Ewan. — Tenho certeza de que Annabel está esgotada de viajar durante todo o dia, tio.

— Amanhã, então —, disse Pearce, dando de ombros com a ideia de que a exaustão superava um jogo de cartas. Annabel teve a sensação de que a família se sentava e jogava cartas com Pearce todas as noites.

Um momento depois, ela estava segurando a mão do Padre Armailhac, e ele estava sorrindo para ela de tal maneira que ela se esqueceu de dar-lhe uma de suas expressões cuidadosamente selecionadas e realmente sorriu de volta.

Ele era o tipo de monge que faz você sorrir, não havia outra maneira com ele. Como ela fez com Nana, ela construiu uma imagem em sua mente que estava inteiramente errada. Ela pensou em monges vestidos de preto com cordas amarradas em torno de suas cinturas. Pelo que ela ouvira, eles faziam o sinal da cruz a todo momento, carregavam um número qualquer de colares nos quais contavam orações e usavam pequenos gorros negros no dorso de suas cabeças.

É verdade que o Padre Armailhac estava vestindo uma batina preta. Mas ele não parecia sério, nem propenso a puxar uma série de contas e fazer uma oração sobre elas. Na verdade, ele parecia uma lhama que Annabel vira uma vez em uma feira. Seu cabelo era lanoso, e seu rosto estreito, como o de uma lhama. Ele tinha os olhos suaves e os cílios grossos daqueles animais, junto com uma curiosidade amável que não era nem um pouco enjoativa.

— Minha querida —, disse ele, colocando as duas mãos sobre as dela. Ele tinha as sílabas apressadas de um francês, mas seu inglês parecia impecável. — Este é um verdadeiro prazer. Eu não fazia ideia quando enviei Ewan para a Inglaterra de que havia uma escocesa tão adorável a ser encontrada lá.

Annabel sentiu-se corar.

Ele riu e se virou para a direita. — Posso apresentar meus companheiros? Este é o irmão Bodine, e o irmão Dalmain. — Os dois monges sorriram para ela. — Irmão Dalmain —, Armailhac continuou, — é escocês de nascimento, e é por isso que ele nos convenceu a vir a este país e cuidar de Rosy. E aqui está Rosy. Tenho certeza de que Ewan lhe contou sobre ela.

Ele se afastou, e um pouco como uma mãe gato empurrando um de seus gatinhos para a frente, uma das menores e mais bonitas mulheres que Annabel já vira. Ela tinha a pele cremosa de seu filho, e suaves cachos negros, mas sem a angularidade de um jovem rapaz. Ao contrário, ela parecia ter quinze anos, se não mais jovem. E ainda...

Obviamente ela era mais velha. Ela segurou a mão do Padre Armailhac com força, e agora Annabel podia ver que havia rugas nos cantos de seus olhos. Ela sorriu obedientemente e depois fez uma reverência. Seus olhos não mostravam curiosidade, e ela não disse nada. Ela fez uma reverência novamente, e Annabel percebeu com um sobressalto que ela teria continuado fazendo reverências se o Padre Armailhac não tivesse dito discretamente a ela para parar.

A idéia de alguém ferir esta criança encantadora em forma de mulher era angustiante.  — Oh, querida —, ela respirou, voltando-se para Ewan. Ele estava de pé atrás dela, esperando. Os olhos errantes do Rosy fitaram as botas dele e uma carranca franziu seu rosto. Então, lentamente, seus olhos viajaram até as calças, e seus dedos ficaram brancos no braço do padre.

—Está tudo bem, Rosy —, Armailhac disse a ela. —É apenas Ewan, de volta da Inglaterra com sua bela noiva. Claro que você conhece Ewan.

Mas ela não parou de franzir a testa até que seus olhos alcançaram o rosto de Ewan, e então, lentamente o franzido suavizou e ela sorriu para ele, tão alegre quanto qualquer criança na manhã de Natal. Só então ele deu um passo à frente e beijou sua bochecha.

Annabel engoliu em seco.

Mas o padre Armailhac inclinou a cabeça para o lado, como um pássaro curioso, e disse-lhe: — Não há necessidade de sentir pena de Rosy, minha querida.

— Eu acho que existe. Porque ela... ela... — Annabel acenou com a mão, e ela quis dizer tudo isso, todas as coisas que Rosy tinha perdido: Ewan, e Gregory, e o castelo ...

— Deus deu a ela um presente maravilhoso em troca —, ele disse, e ele nem parecia enfadonho. — Alegria.

Annabel olhou de novo para Rosy, e com certeza, seu rosto estava iluminado pelo riso. Depois de um momento ela pegou Gregory pela mão e começou a puxá-lo para longe.

— Oh, Rosy —, ele gemeu. — Eu não quero brincar agora.

Mas ela estendeu a mão, tocou o rosto dele e sorriu, e com um aceno tímido de sua cabeça, ele se permitiu ser puxado.

— Ela não fala? — Annabel perguntou.

— Nunca. Mas eu não acho que ela não possa.

— Posso lhe apresentar a sua nova casa? — Ewan perguntou, estendendo o braço.

— Claro —, disse Annabel fracamente. Ela queria um cavaleiro de armadura brilhante com um castelo, não queria?

O castelo tinha grandes portas feitas de carvalho que se abriram para revelar uma vasta antecâmara, grande o suficiente para receber um rei e toda a sua corte. O teto arqueado muito acima deles, a pedra parecendo sólida, antiga e suja. As paredes estavam cobertas de tapeçarias.

— A batalha de Flodden, 1513 —, observou Ewan, levando-a para a parede esquerda. — O primeiro conde de Ardmore tinha essas tapeçarias tecidas em Bruxelas como um aviso para todos os Ardmores futuros para evitar a guerra. Ele perdeu dois filhos na batalha.

Annabel olhou para as tapeçarias, que estavam positivamente cheias com homens e cavalos. A luz não era a melhor.

— O chão está coberto de jovens mortos —, salientou Ewan. — Esta tapeçaria e o aviso nela salvaram nossas terras de serem tomadas pelo Butcher em 1745.

Um frio leve de pedra antiga e crua pairava no ar, e Annabel estremeceu. Viver em um castelo não parecia tão romântico quanto nos contos de fadas. Mas Ewan a conduzia por uma porta à direita, e então, eles estavam em uma sala acolhedora e alegre, aquecida por um fogão de ferro na enorme lareira de pedra, mas por outro lado, não parecia muito diferente das melhores salas de estar de Rafe.

— Meu pai modernizou impiedosamente —, explicou Ewan. — Ele era fascinado pelas invenções do Conde Rumford, e teve vários fogões Rumford instalados, e uma linha de Rumford instalada na cozinha que fornece água aquecida. Você pode ver tudo isso mais tarde. Por agora, por que não mostro a você os seus aposentos ?

Annabel murmurou alguma coisa.

O dormitório principal era dominado por uma cama enorme. Sobre ela pendia um dossel de flores descontroladamente entrelaçadas e coloridas, bordadas por um mestre.

— É lindo —, disse ela, admirada.

— Meus pais a trouxeram na volta de sua viagem de casamento —, disse Ewan. —Vamos viajar para celebrar o nosso casamento? Talvez até o Nilo?

— Eu não irei a lugar nenhum em um coche em um futuro próximo —, declarou Annabel.

Ele riu. — Então, nós estamos presos aqui para momento. Receio que o litoral está a alguma distância.

Annabel suspirou e entrou no banheiro. Ela parou surpresa. As paredes eram de azulejos azul e branco, com um friso de sereias sorridentes, e o banho em si era feito de mármore branco. Era tudo o que a casa dos Kettles não era: leve, limpo e requintadamente antiquada, projetado para fazer uma mulher se sentir serena e bonita.

— Mac teve a banheira enviada da Itália —, disse Ewan. — Eu acredito que é grande o suficiente para dois.

Houve apenas uma sugestão de riso em sua voz, mas Annabel não encontrou seus olhos, se afastando em vez disso. Ela estava se sentindo tão sensual quanto uma bisteca, e a última coisa que ela queria era compartilhar uma banheira.

Sua criada, Elsie, entrou apressada na câmara, seguida por lacaios carregando os baús de Annabel sobre os seus ombros.

— Talvez possamos cear em meia hora? — Ewan perguntou. Não havia nada em sua voz que indicasse que Annabel tinha acabado de esnobar seu convite... se aquilo foi um convite.

— A Senhorita Annabel deve decidir sobre um vestido para a noite —, Elsie disse ansiosamente. — Então ele deve ser limpo e passado, e ela precisa tomar banho, e o cabelo...

— São apenas seis horas —, disse Annabel para Ewan, embora para dizer a verdade, ela gostaria de desabar na cama e perder o que quer que houvesse para o jantar.

— Comemos cedo nas Highlands —, disse ele. — Escurece rapidamente, mesmo que o verão esteja chegando.

Annabel estremeceu.

Assim que ele se foi, Elsie começou a cacarejar como uma galinha nervosa. — Vou preparar o banho —, disse ela. — Ainda que se esse grande gigante vai realmente se encher com água quente é outra coisa. Eu não tenho nenhuma dúvida que eu vou ter que pedir muitos baldes a mais.

— Eu poderia usar o Sarcenet cor de ameixa hoje à noite —, disse Annabel.

— Aquele com a renda caindo na frente? — Elsie disse, pensando sobre isso. — Pelo menos as mangas são longas, o que irá mantê-la aquecida. Há uma forte umidade aqui, ainda que seja quase junho. O Sarcenet tem um belo decote alto.

Annabel assentiu. Parecia que as futuras decisões de vestuário provavelmente seriam baseadas no frio do ar.

— Está no fundo de um dos baús, e estará protegido do pior da poeira. Podemos esfregar bem a renda e ela secará em um piscar de olhos. — Elsie correu para o banheiro, mas trotou diretamente de volta para o quarto. — É melhor eu encontrar o vestido primeiro, e talvez a governanta possa pedir a alguém que o esponje para mim. Se eu vou ser capaz de encontrar a Sra. Warsop é outra questão. É monstruosamente grande, este lugar.

— Os lacaios podem orientá-la.

— Eu nunca pensei em trabalhar em um castelo —, Elsie disse a ela. — Nunca!

— Eu nunca pensei em me casar com um homem que vivesse em um deles também —, disse Annabel, uma pequena inverdade, dada a sua infância de sonhos. — Agora vamos ver se podemos fazer este banho funcionar.

Claro que sim. A água quente jorrou das torneiras para a banheira de mármore liso.

— As sereias são um pouco pagãs para o meu gosto —, disse Elsie com uma fungada. — Não, que este não seja um lar piedoso, senhorita. Você sabe que eles têm capela aos domingos e a equipe atende com a família, em vez de ir para a aldeia?

— Você não precisa se juntar a eles se não quiser. Eu falo com Lord Ardmore.

— Eu não perderia isso —, Elsie disse com sinceridade. — O serviço é prestado por um monge, um verdadeiro. E embora minha mãe nunca tenha tido contato com os católicos, achava-os pagãos terríveis, sempre beijando fotos e coisas do gênero, o Padre parece muito amável, um pouco como o meu avô. Além disso, eu não gostaria de perder o serviço, pode parecer como se estivesse me colocando acima dos outros, e isso nunca iria bem com a Sra. Warsop.

Annabel colocou cautelosamente um dedo do pé na água fumegante, e um segundo depois, ela estava recostada na água quente alegremente.

— É isso mesmo, então —, disse Elsie. — Se você não se importa, senhorita, vou levar este vestido para a Sra. Warsop e pedir-lhe para tê-lo limpo para mim. Eu não gostaria que qualquer um em quem não confio passasse isso, mas passar uma esponja é outra questão.

— Não se apresse —, disse Annabel, mexendo os dedos para que pequenas ondas se espalhassem pela banheira.

A porta se fechou atrás de Elsie, e Annabel recostou-se e tentou pensar claramente. Ela iria se casar com um homem que era totalmente seu oposto. Ela se orgulhava do pensamento lógico, enquanto Ewan parecia abraçar a ideia de agir sem planejamento. De que outra forma eles poderiam ter terminado na cabana dos Kettles? Ela acreditava no poder do dinheiro; ele acreditava em Deus. Quanto tempo seria até ele desejar que se casasse com alguém que gostasse de serviços de orações intermináveis?

Annabel considerou seus dedos cor de rosa. Uma mulher melhor do que ela mandaria o conde para o por do sol por conta própria, castelo, dinheiro e tudo. Uma mulher melhor reconheceria que a parte sagrada dele nunca iria ser correspondida nela. Ele seria mais feliz casado com uma cantora de salmo como ele, uma mulher mais virginal. E ela seria mais feliz sem um coração partido.

Porque ela estava apaixonada por ele. Não havia qualquer dúvida na mente de Annabel sobre isso: ela estava tão enlouquecida de amor quanto Imogen estava por Draven Maitland, e ela sempre pensou que Imogen era bastante louca com a emoção.

Havia a menor possibilidade de Ewan se apaixonar por ela? Às vezes, coisas boas acontecem. Talvez fosse a vez dela. Annabel tentou imaginar um homem de cabelos brancos olhando para ela de uma nuvem e decidindo lançar um golpe de sorte em sua direção, mas ela desistiu depois de um momento. Toda a ideia de religião lhe escapou.

A verdade era que era improvável que Ewan se apaixonasse por alguém tão ganancioso como ela, alguém que não tinha conhecimento de sua religião, e nem um sopro de ações de caridade sobre ela também. A única coisa que eles tinham entre eles era ... essa luxúria. O pensamento fez seu rosto ficar quente.

Elsie voltou, ofegante e segurando seus lados. — Estas escadas, senhorita! Para chegar aos aposentos da governanta, tenho que descer as escadas do fundo, e depois outro conjunto à esquerda, depois subir de novo, e em seguida, descer mais uma vez!

Annabel saiu do banho em uma toalha aquecida próximo ao fogo.

— Seu vestido para esta noite está pronto. A Sra. Warsop se ofereceu para fazê-lo com suas próprias mãos, e foi um belo trabalho que ela fez. Você sabe, ela e o Sr. Warsop são casados ??a quarenta e três anos? E ele tem sido o mordomo aqui no castelo desde que ele era um rapaz.

Elsie continuou falando enquanto o cabelo de Annabel secava e enquanto ela o escovava até brilhar. Então Annabel vestiu sua camisa e seu espartilho, o francês. Seu vestido era uma longa extensão de sarcenet cor de ameixa que abraçava suas curvas e depois se alargava em uma pequena sucessão. A queda de rendas enfatizou o corpete.

Elsie amarrou o cabelo de Annabel em um nó de cachos e finalmente Annabel olhou-se no espelho. Ela pensou que ela parecia adequada para um castelo. Para um conde. Mesmo... talvez... para um homem como Ewan. Mas ela se conteve, tentando persuadir seu rosto a uma expressão piedosa: o tipo de olhar que a esposa de Ewan deveria usar. O casamento era uma coisa, e a encenação era outra completamente diferente.


Capítulo Vinte e nove

A sala de jantar era cavernosa e duvidosamente aquecida por enormes lareiras em cada extremidade.

— Uma vez que nos casarmos, eu suponho que você terá que se sentar lá —, disse Ewan, apontando em direção à extremidade da enorme mesa. — Lembro-me de meus pais jantando assim, como se tivessem sido abandonados em ilhas separadas. Mas, para esta noite, eu pedi a Warsop para colocar todos nós em uma extremidade.

Uma linda porcelana antiga foi motada para a família e os três monges, mas mesmo esses dez lugares ocuparam apenas um quarto do espaço  —. Mas esta mesa certamente é destinada a um clã inteiro —, disse Annabel. — Por que diabos você não a substituiu por uma menor?

— Uma excelente sugestão —, disse Ewan.

— As coisas devem ficar como estão —, disse Lady Ardmore, sentando-se à direita de Ewan. Ela havia se trocado e usava agora um vestido que, aparentemente, tinha sido projetado, se não feito, nos dias da Rainha Elizabeth. Suas anáguas sozinhas deviam pesar como duas pedras, e um grande, e duro rufo sobressaía por trás de seu pescoço. — Não há nenhuma razão para virar tudo de cabeça para baixo por causa de uma nova noiva no castelo. Este castelo tem visto muitas mulheres indo e vindo, e manter o comportamento condizente à dignidade de um conde é mais importante do que o conforto.

Tio Tobin sentou-se à direita de Lady Ardmore. — Você vai ter que entregar as rédeas —, ele disse, claramente se divertindo. — Tudo vai mudar quando você for a condessa viúva.

Lady Ardmore olhou para Annabel. — Se a senhorita Essex acha que pode administrar uma casa distinta com uma equipe tão grande, vou ficar muito contente em renunciar ao controle —. Ela dirigiu um sorriso a Annabel, que teria derrubado um pirata.

Mas Annabel não passara sua juventude lidando com comerciantes não pagos à toa. Ela retornou com um sorriso tolerante que indicava que não tinha nenhum desejo de ser indelicada, enquanto sinalizava o oposto. — Você deve estar exausta depois de todos esses anos —, ela balbuciou. — Será um prazer tirar um pouco da carga de seus ombros.

— Você soa como um maldito missionário —, Lady Ardmore disse com repulsa. —Você não encontrou uma cantora de hinos para se casar, não é? — Ela exigiu de Ewan. —O castelo já está invadido por eles.

Padre Armailhac sorriu, imperturbável, e Gregory continuou comendo pacificamente. — Absolutamente não —, Ewan disse a sua avó. — Eu sabia que uma noiva com disposição de ir à igreja seria perturbador para sua digestão, Nana.

Lady Ardmore reajustou a peruca e deu uma mordida em seu jantar. — Esta casa está indo à ruína e destruição desde que nós mudamos os católicos desagregados —, ela disse em voz alta.

— Lady Ardmore, eu prometo a você que eu estava apenas experimentando um pouco de sorte na noite passada —, disse padre Armailhac. — Vou dar-lhe a chance de recuperar suas perdas hoje à noite.

Ela olhou para Annabel, mas havia um brilho de camaradagem em seu olhar. — Levou todo o meu dinheiro. Um monge do jogo! Eu nunca pensei que veria esse dia. Perfeitamente vergonhoso.

— Você está dando à Senhorita Essex uma impressão errada de nós —, disse Padre Armailhac, sorrindo. —Nós jogamos por tostões, senhorita Essex.

— Esta família não ganhou sua riqueza desperdiçando suas moedas, não importa se valem apenas alguns tostões —, anunciou a condessa.

Annabel tomou seu consomê. — Isso é delicioso —, disse ela para Ewan. — Você teve dificuldade em encontrar um cozinheiro tão longe nas terras altas?

—Temos a sorte de ter um chef francês —, Ewan respondeu. —Mac encontrou-o e o atraiu para cá com um grande salário.

— Vergonhoso! — sua avó interrompeu.

— Monsieur Flambeau provavelmente teria nos deixado durante seu primeiro inverno, exceto que ele se apaixonou pela irmã de Mac.

— Vergonhoso! — veio de Lady Ardmore.

— Agora eles têm dois filhos e nenhum plano de se mudar da Escócia, embora eu tenha que aumentar o seu salário cada vez que a neve ultrapassar um metro e meio.

A avó de Ewan abriu a boca, mas Annabel a antecipou. — Vergonhoso? — ela disse, levantando uma sobrancelha.

— Francês! — a condessa explodiu. — Claro, resta saber o que você pensa do inverno nas Highlands, senhorita Essex.

Annabel não tinha certeza se o cozinheiro mostrava-se francês por se apaixonar, ou por não gostar de neve alta.

Gregory estava sentado em silêncio ao lado de Tio Tobin e ainda não dissera uma palavra. — Você tem um tutor, Gregory? — Annabel perguntou a ele.

Ele levantou os olhou de sua sopa, parecendo bastante surpreso por ser abordado. —Não no momento, senhorita Essex. Em fevereiro passado meu tutor decidiu voltar para Cambridge, e desde então Padre Armailhac tem me orientado em latim e francês.

— Você gosta do estudo das línguas? — Annabel perguntou. Gregory parecia bastante diferentes das crianças que ela havia conhecido. Ele era notavelmente seguro de si, com maneiras tão refinadas e positivamente antiquadas.

— Certamente. Mas eu sinto falta de estudar matemática —, disse ele, afastando o cabelo da testa.

— E arqueologia.

—Eu pensei que seria bom para Gregory fazer uma pausa de seus estudos —, disse Ewan. —Pedi-lhe para se juntar a mim nos campos neste verão.

Lady Ardmore bufou. — Os campos! Totalmente inadequado!

Annabel levantou uma sobrancelha. — Os campos?

— Nós construímos todos os tipos de culturas em minhas terras —, explicou Ewan. — Eu geralmente passo a maior parte do verão indo de um campo para outro —. Um olhar para o rosto pálido de Gregory fez Annabel pensar que o plano de Ewan para sol e ar fresco era bom.

— Trabalho manual —, Nana resmungou. — Não é condizente com um conde. Seu pai nunca teria sujado as mãos de tal forma.

— Vou plantar uma série de colheitas experimentais este ano —, disse Ewan, ignorando sua avó completamente.

Quando a refeição terminou Gregory e Padre Armailhac se retiraram, conversando sobre Sócrates. Lady Ardmore saiu no braço do tio Tobin, jurando que ela iria tomar todas as moedas do Padre Armailhac ou morreria tentando. Ewan e Annabel estavam logo atrás até que ele acenou ao mordomo à frente deles e fechou a porta.

— Pelas minhas contas, eu não beijo você a três dias —, disse ele, a voz casual.

Os ossos de Annabel se derreteram com o olhar dele, mas: — Não é apropriado —, disse ela. — Nós nunca deveríamos...

— A culpa é do seu espartilho —, disse ele, pegando-a nos braços.

Demorou algum tempo até que Annabel estivesse livre para terminar a frase, se ela ainda se lembrasse do que era.

— Eu tenho que avisá-la de uma coisa —, disse Ewan. Ele estava encostado na parede e olhando para ela, e a única coisa que ela podia pensar era em puxar a cabeça dele para a dela novamente. — A notícia de que estamos prestes a nos casar está se espalhando entre os clãs.

— Eles virão aqui? — Annabel perguntou, tentando se concentrar no que ele estava dizendo.

— Certamente. Eu sou o conde, e somos muito sociáveis.

— Quantas pessoas você acha que virão para felicitá-lo?

— Nós —, disse ele. — Eles vão vir para nos felicitar.

— Nós, então —, ela disse.

Ele tinha aquele sorriso preguiçoso que parecia vir a ele tão facilmente, pelo menos quando ele estava adequadamente vestido e alimentado. — A última vez que fui a um casamento  nas Highlands, foi no clã de McKiernie, e havia pelo menos cem pessoas. Mas você é tão escocesa quanto eu. Não foi a nenhum casamento adequado antes?

O pai de Annabel não gostava de deixar seus estábulos, não por algo tão frívolo quanto um casamento. E elas não teriam roupas adequadas. — Não ultimamente —, disse ela. — Não desde que minha mãe morreu.

Ele levantou uma sobrancelha. — Sua mãe não morrer quando você tinha seis anos?

— Sim. Então eu não tenho nenhuma idéia do que esperar —, Annabel confessou.

— Isso respresenta o Clã Poley, bem como todos os outros. Eu diria que nós estaremos vendo centenas de escoceses. Bêbados, a maioria deles, ou prestes a ficar bebados. Dançando, todos eles. Haverão algumas lutas, alguns chorando, muitas risadas, alguns bebês serão feitos, algumas esposas gritando... — Ele estendeu a mão para abrir a porta e então hesitou. — Parece que nós não estamos falando um com o outro, Annabel.

Ela mordeu o lábio e forçou um sorriso. — Nervosismo do casamento, eu espero —, disse ela levemente.

— Mas você está preocupada com alguma coisa.

Se ele a tocasse, ela explodiria em lágrimas absurdas que continuavam arrebatando-a em momentos estranhos. Claro, ela não podia admitir que, de repente, ela desenvolveu uma natureza alarmantemente romântica.

— Responda ou serei forçado a beijá-la no discurso —, disse Ewan com falsa severidade.

As palavras vieram tão rapidamente que ela não percebeu que ia falar antes de fazê-lo. — Bem, eu acho que não deveria me casar com você —, disse Annabel. — Sou uma pessoa terrivelmente gananciosa em meu coração. Eu realmente queria casar com um homem rico. E eu não acho que em qualquer momento sentirei o mesmo que você faz a respeito da igreja. Eu sou apenas... temo que nós não combinamos, a longo prazo.

Ele sorriu para ela e ela sentiu uma pontada de aborrecimento. Ela estava começando a pensar que Ewan não ouvia metade das coisas que ela lhe dizia.

— Eu realmente considerava que o adultério era uma parte do meu futuro —, ela o feriu ferozmente.

— Se você tivesse se casado com outra pessoa, Deus me livre —, disse Ewan — e eu te conhecesse depois do fato, eu acredito que eu estaria pensando em adultério também.

— Você não está me ouvindo —, ela disse a ele. — Eu não temo por minha alma. Eu teria atirado naqueles ladrões em Londres, sem pestanejar, se eu tivesse uma arma apropriada!

— O homem e a mulher não precisam concordar sobre todas as coisas —, observou Ewan. Ele virou a mão dela e levou a palma à boca. — Você gostaria que eu me casasse com outra pessoa? — ele perguntou. — Com honestidade.

— Não —, ela disse, depois de um momento. — Eu mataria a mulher que tentasse se casar com você, Ewan. Com a primeira pistola que me viesse à mão.

— Eu me casei com uma mulher sedenta de sangue, isso é certo —. Mas ele não estava rindo, e havia algo queimando em seus olhos que fez o coração dela bater mais forte. Ele estendeu a mão. —Você gostaria de se recolher, ou posso tentá-la a perder um  tostão ou dois?

— Você já me tentou a perder algo de maior valor —, disse Annabel, sem pensar. — O que são alguns tostões?

— Algumas coisas são de valor inestimável —, disse Ewan, com os olhos totalmente sérios. — Se eu pudesse retomar minhas ações precipitadas em nossa jornada, Annabel, eu o faria.

Ela forçou outro sorriso.

Na sala de estar, tio Pearce organizava agitadamente as cartas para o jogo de especulação. Gregory o observava como um falcão e a condessa estava reclamando. Aparentemente, ninguém além de Pearce já ganhou especulação.

— Você colocou duas em seu próprio monte! — Gregory disse, e então seu rosto caiu um pouco quando Pearce contou suas cartas, mostrando que ele tinha o mesmo número que todos os outros.

— Estamos todos fascinados pelas trapaças de Pearce —, Ewan sussurrou no ouvido de Annabel. — Gregory esta particularmente perplexo com isso, e ainda assim ele não consegue pegar Pearce na prática.

Com certeza, uma hora depois, nenhum deles tinha qualquer tostão, exceto tio Pearce. Gregory parecia extremamente desgostoso e Lady Ardmore estava positivamente tagarelando de raiva.

Annabel ficou de fora dos dois últimos jogos, apenas observando o fluxo de cartas. Enquanto se preparava para se retirar, ela colocou a mão no braço de Gregory. — Você vai tomar chá comigo amanhã de manhã? — ela perguntou.

— Eu ficaria muito honrado —, disse ele com uma pequena reverência. Annabel ficou tocada ao ver que ele tinha corado em pouco.

— Talvez você possa me ensinar mais sobre a especulação —, disse ela. — Temo ser terrivelmente ineficaz.

— Ninguém nunca ganha nesse jogo —, ele sussurrou para ela. — Você não percebeu?

Annabel sorriu para ele. — Eu tenho três irmãs —, ela sussurrou de volta. — E a mais jovem gosta de trapacear.

O sorriso de resposta de Gregory foi enorme.

Ela se virou para encontrar o padre Armailhac oferecendo-lhe um braço. — Eu me pergunto se poderia falar com você um momento sobre o seu casamento —, disse ele.

Annabel sentiu-se corar. Ewan já estava no meio da escada, sua avó apoiada em seu braço. Gregory desapareceu, e Padre Armailhac estendeu o braço para todo mundo como se fosse um cortesão francês. Então, ela se permitiu ser arrastada para a biblioteca.

— Você deseja se casar com o nosso Ewan? — ele perguntou, quando Annabel estava sentada em uma cadeira de veludo diante do fogo, bebendo de um pequeno copo algo ardente que tinha gosto de laranjas queimadas.

— Eu desejo —, disse ela.

— E eu posso chamá-la de Annabel?

— Por favor chame —. Foi a primeira vez que ela esteve em termos íntimos com um membro do clero. Annabel teve um pulso de ansiedade. Ela esperava que ele não lhe pedisse para fazer uma oração. Ela tinha certeza de que faria isso errado.

— A coisa mais importante —, disse o padre Armailhac, virando sua pacifica cara de lhama em direção a ela, — é se você realmente deseja se casar com Ewan. No fundo do seu coração. — E de repente o monge parecia quase tão severo quanto qualquer pároco. —Porque tomar o sacramento do matrimônio sem um sentimento verdadeiro em seu coração é errado.

— Este não é um casamento por amor —, disse ela, sua voz falhando um pouco. —Estamos nos casando por causa de um escândalo.

— Claro, eu não tenho conhecimento pessoal do amor entre um homem e uma mulher —, disse o Padre, tomando-lhe a mão. —Mas parece-me muito difícil saber precisamente onde o amor começa e termina.

— Oh, eu... — Annabel disse, e pegou de volta o resto da frase. Ela não estava pronta para dizer a quase estranhos que ela estava apaixonada, mesmo que Ewan não estivesse. —Eu entendo —, disse ela. Sentia-se subitamente exausta.

Mas havia uma coisa que ela queria dizer. — Ewan me contou como você foi muito útil em superar sua dor pela morte dos pais dele.

Padre Armailhac era muito bom para sorrir. — Ele lhe disse isso, não é? E eu aqui pensando que ele nunca falou sobre a inundação. Nem sobre seus pais também.

— Parece-me —, disse Annabel, — que ele não consegue se lembrar bem do pai porque você se tornou um pai para ele.

— Quando cheguei à Escócia, Ewan já era um homem crescido —, disse o padre. — No princípio ele era bastante relutante em nos permitir se importar com ele, isso é comum, eu descobri, com aqueles que não têm família. Como eu tenho certeza que você notou, minha querida, ele guarda o seu coração ferozmente, embora ele seja generoso com seus bens. Estou muito esperançoso de que você mudará a vida dele, como ele, sem dúvida, mudará a sua.

Annabel sorriu educadamente. Se o Padre pensava que ela iria se arrastar pelas ameias na chuva cantando orações com Gregory, ele iria se decepcionar. Ela não queria se tornar um tipo virtuoso que cantasse salmos. Padre Armailhac não disse mais nada, apenas pegou o braço dela  e levou-a de volta para as escadas.

— Nem você nem Ewan são católicos, por isso vou realizar um ritual simples de entrega. No entanto, gostaria de acrescentar que a cerimônia eu poderia, como na França, realizar no dia do Senhor —, disse ele tranquilamente. — Uma vez que vocês dois já esperaram quase uma quinzena, tenho certeza que nenhum de vocês vai se importar em esperar mais alguns dias. Afinal, como você disse, não é um casamento de amor.

Ela olhou para ele, mas seu rosto era suave e sorridente.

— Exatamente —, disse ela.


Capítulo Trinta

Foi na noite seguinte, e eles estavam jogando especulação. O jogo estava sendo jogado por Lady Ardmore, tio Pearce, Ewan, Gregory e Annabel. Mas as coisas não estavam indo como de costume.

Maravilha das maravilhas, Gregory estava vencendo mão após mão, e Annabel estava segurando a sua também.

Por outro lado, Ewan e sua avó desistiram, deixando uma batalha tripla.

— Você joga surpreendentemente bem —, a condessa disse enquanto Annabel pegava duas moedas do tio Pearce.

Ela conseguiu sombrear seu elogio com dúvida suficiente para transformá-lo em um insulto.

— Eu ficaria feliz em dar-lhe algumas lições, se quiser —, disse Annabel, dando-lhe um sorriso consolador.

Para sua surpresa, Lady Ardmore soltou uma gargalhada. — Parece-me que você já deu algumas aulas ao jovem Gregory.

Os olhos de Gregory estavam brilhando e ele estava pontuando truque após truque. Os olhos negros de Pearce estavam correndo ao redor da mesa. Suas bochechas haviam se tornado cor de vinho do porto enquanto a pilha de moedas diante dele diminuía.

— Como você está fazendo isso? — Ewan sussurrou no ouvido de Annabel.

— Deve ser sorte —, disse ela. — Você sabe que não jogo este jogo muito bem.

— Estou ciente disso —, ele disse severamente. Então ele se inclinou ao lado de sua orelha e disse: —Mas você engana muito bem.

— Só quando desafiada por um especialista —, ela disse a ele, e baixou suas cartas, vencendo a rodada.

— Os tempos estão mudando! — Nana gargalhou. — Eu acho que você não pode esperar vencer tão facilmente no futuro, Pearce. Eu... — Mas ela levantou a cabeça e, em seguida, todos ouviram o som das trombetas das sentinelas de Ewan.

— Visitantes —, disse ela. — Espero que nenhum dos réprobos do clã tenham  decidido antecipar seu casamento. Eu não aprovo todas essas práticas pagãs como o escurecimento.

—O que é escurecimento? — Annabel perguntou.

— Uma prática particularmente repulsiva, tradicional em Aberdeenshire —, disse Nana. — Eu não acredito nisso! — Ela bateu a bengala.

— Você foi escurecida, Nana? — Gregory perguntou com alguma admiração.

— Já se passou tanto tempo que eu não me lembro —, ela retrucou. Então ela disse: —Mas não há nada para se preocupar. Estes são tempos mais civilizados, e ninguém ousaria tocar a noiva do conde.

— Acredito que sejam os meninos Crogan —, Ewan disse resignado. E, para Annabel, —Eles moram descendo a estrada e, depois de beber um pouco, ficam bastante agitados.

— Agitados? Meliantes debochados, isso é o que os Crogans são —, Nana declarou. —Você diz a eles que o casamento não é até domingo. Eles podem voltar em linha reta para casa. Eu irei para os meus aposentos. E Gregory, você também. Os Crogans bêbados não são companhias adequadas a cavalheiros —. No final, tio Pearce também se recolheu. Seus olhos brilhantes dispararam de rosto em rosto, mas ele aparentemente não conseguiu exigir uma explicação de como ele conseguira perder.

No entanto, quando Warsop abriu a porta da sala de estar, pouco tempo depois, não foi para introduzir escoceses embriagados.

— Meu senhor —, Warsop disse, recuando. — Lady Willoughby. Lady Maitland. Senhorita Josephine Essex. O conde de Mayne.

Por um momento Annabel congelou de surpresa, e então ela deu um grito feliz. —Imogen! Josie!

Em seguida, Josie estava abraçando Annabel como se tivessem sido separadas por meses em vez de semanas.

— Mas o que vocês estão fazendo aqui? Esta é uma surpresa tão agradável —, disse Annabel.

— Nós viemos salvá-la, é claro! — Imogen disse alegremente.

— O que? — Annabel perguntou, olhando para o rosto de sua irmã. Os olhos de Imogen, parecia-lhe, menos angustiados. Ela puxou-a em seus braços. — Como você está realmente?

— Estou melhor —, Imogen disse simplesmente. — Mayne tem sido um grande conforto.

— Mayne! — Annabel exclamou.

Com certeza, o conde de Mayne desistiu de sua conversa com Ewan. Curvou-se com toda a sua finesse habitual, mas de alguma forma ele parecia diferente. Ao invés da requintada elegância desarrumada pelo vento que ele normalmente exibia, ele parecia ... simplesmente desarrumado pelo vento. Ao invés das calças justas da moda atual, ele estava vestindo desgastadas calças de camurça. Sua camisa estava limpa, mas mostrava a idade. Até o casaco parecia ter sido cortado para um homem maior.

— Por favor, perdoe-me por aparecer diante de você todo empoeirado —, ele disse enquanto levava a mão dela à boca.

— Sou grata a você por acompanhar minhas irmãs à Escócia —, disse ela. —Posso apresentar o padre Armailhac?

Mayne surpreendeu Annabel alternando para um francês impecável.

— Nossa mãe é francesa —, disse Griselda, beijando seu rosto. —Por favor, me diga que você não se casou com Ardmore. Porque, se assim for, sou capaz de desmaiar no chão.

— Não, não, vamos nos casar no domingo —, disse Annabel, piscando para ela.

Griselda sorriu e Imogen sorriu como se o Natal tivesse chegado. — Temos uma surpresa maravilhosa para você! — ela explodiu.

E então Griselda disse: —Você não precisa se casar! Nós viemos para levá-la de volta à Inglaterra, e você pode escolher seu próprio marido, e não precisa se casar com Ardmore.

— O que? — Annabel disse, chocada. — O que?

De repente, o quarto parecia muito quieto e ela percebeu que Ewan estava olhando para elas.

— Você não precisa se casar com Ardmore —, Imogen continuou alegremente. — O escândalo acabou. Não é maravilhoso?

Maravilhoso, Annabel pensou em confusão. Maravilhoso?

Ewan não estava nada confuso. No momento em que a família de Annabel entrou na sala, ele teve uma sensação repugnante sobre o que estava por vir. O pior de tudo era que ele merecia isso. Apenas com base na estupidez notória, ele merecia perdê-la. Não que ele iria permitir, sendo ele ou não o idiota da aldeia.

Como Annabel olhou para a irmã, sem falar, o rosto de Imogen caiu um pouco. — Você está feliz, não está? Nós dirigimos até mesmo à noite, para nos certificarmos de que chegaríamos a tempo.

— Claro —, Annabel disse rapidamente. — Que terrível viagem que você deve ter tido. Não posso imaginar como você conseguiu chegar até aqui; porque só chegamos ontem.

— Espero nunca mais ouvir a palavra carruagem novamente! — disse Griselda. —Basta olhar para mim: sou uma sombra do meu antigo eu! — Ela olhou com horror para sua figura. Com certeza, suas curvas exuberantes pareciam um pouco menos generosas.

— Nós simplesmente não podiamos suportar pensar em como você chorou na noite anterior à sua partida para a Escócia —, disse Imogen. — Eu sei que você planejava voltar para nós depois de seis meses —, disse ela, tomando as mãos de Annabel nas dela. — E todos nós sabemos o quão comum casamentos desfeitos são em Londres. Mas é uma coisa terrível suportar um casamento desse tipo. Nós todos nos sentimos assim. E então Lucius Felton anunciou que havia descoberto uma maneira de acabar com o escândalo.

Ewan estava tentando controlar o temperamento que ele teria jurado não possuir, não até que Annabel entrasse em sua vida. — Você disse seis meses? — ele perguntou, como se estivesse apenas tentando esclarecer um ponto de uma conversa leve. Infelizmente, até mesmo ele podia ouvir o tom selvagem em sua voz.

Imogen teve a graça de parecer um pouco envergonhada. — O plano foi feito no calor do momento —, disse ela. — Mas é irrelevante agora, porque Felton encontrou uma Senhorita Alice Ellerby, uma senhorita A.E.!, que estava desesperada para escapar do alcance de seus pais.

— Uma feliz coincidência —, Ewan disse categoricamente. Annabel não estava olhando para ele. Certamente ela não podia acreditar que ele iria permitir que ela voltasse para Londres.

— Felton pagou uma grande soma à senhorita Ellerby, e ela publicou um relato verdadeiramente cintilante de seu relacionamento com você, Senhor Ardmore, no Bell Weekly Messenger.

— O relacionamento dela comigo? — repetiu Ewan.

Imogen assentiu. — Então ela fugiu para a América com um padrinho, como eu entendo. Graças a Felton, ela tem um dote.

— Haverá um pouco de falatório sobre o casamento que não aconteceu —, disse Griselda, parecendo completamente exausta. — Mas desde que eu tinha adoecido e não sai de casa depois que você e Annabel saíram, diremos que Josie e eu viajamos com vocês dois.

— Sua reputação como um libertino está florescendo —, disse Imogen, obviamente tentando compensar a notícia de que a noiva de Ewan pretendia abandoná-lo imediatamente após a cerimônia de casamento. —Com meu comportamento na pista de dança e agora a ardente Senhorita AE, você é o homem do momento.

Ewan não disse nada. Amaldiçoar diante da família de sua futura esposa não seria considerado adequado.

Imogen começou a falar mais rápido. — Não há nada mais doloroso do que um casamento sem amor —, disse ela. — Um casamento forçado pelas circunstâncias está fadado a ser uma tragédia.

— Há casamentos forçados e casamentos forçados —, disse Ewan. Ele virou-se, sabendo que Annabel seria capaz de ler seu rosto. —Você não concorda?

Ela olhou para ele, a cabeça erguida, os olhos inescrutáveis.

— Eu ficaria grata por um quarto onde possa descançar minha cabeça —, disse Griselda. — Estas estradas escocesas são deploráveis.

Ewan ofereceu o braço. Era melhor ele sair da sala antes que seu temperamento levasse a melhor sobre ele.

Aquele temperamento que ele não possuía... até um mês atrás.

— Josie, vem comigo! — Griselda chamou.

— Esta é uma surpresa agradável —, Annabel disse a Mayne, observando sob os cílios enquanto Ewan saía da sala.

Claramente, ele estava ferozmente zangado. Annabel engoliu em seco.

— Foi uma surpresa para mim também —, disse Mayne, parecendo irritado. — Eu preciso urgentemente de um alfaiate. Eu fui sequestrado por sua irmã.

Imogen riu. — Pobre Mayne tem reclamado sobre o estado de seu vestuário por todo o caminho desde Londres. Ele teve que usar roupas de Rafe, e tem ficado cada vez mais triste.

— Você sequestrou  Lorde Mayne? — Annabel perguntou a Imogen.

Ela agitou as mãos alegremente. — Ele é tão terrível em seus modos, e verdadeiramente, um homem tão antiquado. Eu sabia que ele iria se recusar a nos acompanhar.

— De fato —, Annabel disse, — por que ele desejaria fazer uma viagem de duas semanas à Escócia?

— No meio da temporada de corridas —, Mayne completou.

— Porque eu pedi a ele —, Imogen disse com firmeza.

— Exceto que, aparentemente, você não pediu a ele...

—Ela não pediu —, disse Mayne. — Ela chamou na minha casa e, naturalmente, entrei imediatamente em sua carruagem, já que eu ainda não tinha convencido sua irmã de que é completamente indecoroso parar a carruagem, onde toda a gente pode nos ver. A próxima coisa que eu soube foi que estava à caminho da Escócia.

— Bem, sou muito grata a vocês dois —, disse Annabel, sentindo-se estranhamente ingrata. — Foi muito gentil de sua parte vir me resgatar.— Foi tão gentil que ela poderia começar a chorar a qualquer momento.

— Foi realmente Felton quem cuidou disso, descobrindo a senhorita Ellerby e assim por diante —, disse Mayne. — Mas eu me pergunto se você está realmente feliz em nos cumprimentar, senhorita Essex.

— Claro que ela está! — Imogen disse rapidamente. — Como você pode perguntar uma coisa dessas, Mayne?

— Estou sempre feliz em ver minhas irmãs —, disse Annabel, querendo realmente dizer isso. O próprio pensamento de que eles tinham ido até a Escócia para resgatá-la, mesmo que ela fosse ingrata o suficiente para não ter certeza sobre sua libertação, isso poderia fazer essas lágrimas incontroláveis ??aparecerem. Imogen estava franzindo a testa, então Annabel acrescentou: — Você deve estar exausta. Deixe-me levá-la à governanta de Ewan.

Era meia-noite quando todos estavam em quartos confortáveis, com um banho quente e roupas de noite frescas. Imogen tinha exigido um quarto ao lado de Mayne, e ele tinha insistido em um andar diferente.

Josie não queria estar na sala de aula, como Griselda achava apropriado, e, em seguida, Griselda tinha descoberto que seu quarto ficava virado para o leste, e ela não gostava de um quarto virado para o leste, devido à possibilidade do sol da manhã.

No entanto, finalmente... finalmente, todos pareciam estar devidamente acomodados. Ela tinha visto Ewan uma vez, de passagem.

Seus olhos se encontraram, e Annabel passou apressada. O que ele deve pensar dela? Ela havia planejado o adultério, mas também separação. Que homem iria querer uma esposa sem escrúpulos? As dores de arrependimento e humilhação a fizeram se sentir levemente nauseada.

Ela apenas sentou-se na beira da cama quando ouviu um barulho horrível. Por um momento, ela nem sequer reconheceu-o como um grito, era tão alto e tão penetrante.

Então ela começou a correr cegamente em sua direção, com o coração gelado pelo puro terror do som. Os terríveis gritos continuaram enquanto Annabel voava pelo corredor, até as escadas. As portas foram se abrindo pelo corredor, as vozes das pessoas estavam chamando e ela ainda corria. Era a biblioteca, ela pensou.

E era. Ela abriu a porta, Ewan aparecendo em seu ombro.

Rosy estava gritando. Ela estava em pé no meio do chão, estridente. Ela olhou para eles e Annabel ficou chocada. A silênciosa e infantil Rosy que ela conhecera foi substituída por uma mulher com um rosto branco e enfurecido, olhos explodindo de fúria. Ela não estava gritando de terror; ela estava gritando de raiva. Raiva feia e viciosa.

E inclinando-se contra a parede, parecendo completamente flácido, estava Mayne.

Ewan correu pela sala e sacudiu Rosy. Ela continuou gritando. Ele a sacudiu novamente, não rudemente, mas com firmeza. — Pare com isso, Rosy. Pare.

Mac apareceu na porta e disse: — Vou buscar o padre Armailhac —, e saiu correndo.

Finalmente a voz de Rosy vacilou e parou.

— Maldição —, Mayne disse no silêncio que se seguiu.

O corredor estava cheio de gente agora, transbordando pela porta. Ewan virou-se. —Nenhum homem aqui! — ele gritou.

Ele se virou para Mayne que permanecia encostado na parede. —Se você não se importar... — Ele balançou a cabeça em direção à porta.

— O prazer é meu —, disse Mayne. Então ele parou. — Só para você saber, eu não toquei nela. Eu não...

— Nós sabemos disso —, disse Annabel, tomando seu braço e levando-o de volta para o corredor. — Rosy é bastante perturbada, isso é tudo.

— Perturbada? — disse Mayne elevando a voz agora que eles estavam no corredor, cercados por rostos simpáticos. — Perturbada? Ela é louca de pedra isso é o que ela é. Andei até lá para ver se Ardmore tinha o Racing News, e lá estava ela. Então eu disse: Olá, e ela começou a olhar-me dos pés à cabeça. Talvez ela não tenha gostado da minha gravata. Deus sabe que eu não gosto. No momento em que a viu ela começou a gritar e ela jogou algo em mim também. Eu senti como se eu a  tivesse agredido.

Annabel chamou a atenção do mordomo. — Warsop, acho que Lorde Mayne ficaria melhor com uma bebida.

— Quem é ela? — Griselda perguntou de sua posição nas escadas.

Annabel hesitou e o padre Armailhac, que acabara de chegar, disse: — Ela é irmã adotiva de Lorde Ardmore, e bastante inofensiva, eu lhe garanto.

Griselda não pareceu convencida. — Bem —, disse ela acidamente, — se a crise da noite está terminada, sugiro que todos nós retornemos para a cama.

— Isso resolve a questão —, disse Imogen em um meio sussurro. Ela parecia muito abalada. — Oh, Annabel, estou tão feliz por termos vindo. Este castelo literalmente tem uma louca, é como um romance!

— Não inteiramente —, Josie acrescentou, espiando por trás do ombro de Griselda. — Se isso fosse em um romance, essa mulher seria a primeira esposa de Ardmore, não sua irmã.

— Sinto muito que vocês tenham sido perturbadas —, Annabel disse com firmeza, evitando qualquer discussão sobre o relacionamento de Rosy com Ewan. — Rosy é facilmente instável e ela acha homens estranhos verdadeiramente aterrorizantes.

— Tenho certeza de que posso adivinhar o porquê —, disse Griselda com um estremecimento. — Lá em cima, com você —, ela disse a Josie.

Imogen deu um abraço em Annabel. — Esta é uma casa horrível —, disse ela. — Úmida e fria, e está a quilômetros da civilização. Estou tão feliz por termos chegado a tempo. Vamos partir o mais rápido possível. Esses gritos! — ela estremeceu. — Você não poderia ter sobrevivido por seis meses. Eu teria lhe dado um mês, no máximo, antes de você ter retornado a Londres.

Annabel levantou a cabeça e encontrou os olhos de Ewan. Ele estava na porta da biblioteca, parado ali, em silêncio.

Lentamente seus convidados voltaram para o andar de cima, e Annabel abriu a porta para a biblioteca novamente. Rosy e Ewan estavam sentados em um sofá em frente ao fogo, Rosy em um canto e Ewan na outro. Mas o braço de Ewan estava apoiado nas costas do sofá, e ele estava acariciando o cabelo de Rosy. Ela tinha sua expressão habitual e vazia novamente. Ela parecia alguém que nunca gritaria. Na verdade... ela parecia feliz. Serena.

Ewan olhou para ela. — Acredito que isso tenha tirado um ano da vida de Mayne.

— Dez, ele diria. Ela está bem? — Ela sussurrou pois Rosy estava cantarolando uma musiquinha e olhando para o fogo como se representasse o mais interessante dos espetáculos.

— Ela parece estar. Sua enfermeira deveria evitar que esse tipo de coisa aconteça. Sempre que tenho convidados, ela fica em seus aposentos.

— Oh céus. — Ambos olharam para Rosy, que parecia alheia a eles.

— O problema é que ela está acostumada com a liberdade. Você é a primeira visitante que tivemos em séculos, e ela aceitou você. Eu esqueci de ser cauteloso.

— Eu entendo que são os homens que representam um problema —, disse Annabel.

— Ela está piorando —, disse Ewan categoricamente. — Ela atacou-o, você sabe. Olhe.— Ele acenou para a parede onde Mayne estava encostado. O chão estava cheio de louças quebradas. — Ela jogou um vaso nele que era metade do tamanho dela. Se tivesse atingido o rosto dele poderia ter causado um dano considerável.

Annabel não conseguia pensar no que dizer.

— Gregory está ficando mais velho. Ela às vezes se esquece quem eu sou e me ataca. Se ela fizer isso com Gregory...

— Ele não parece pensar nela como sua mãe.

— Mas ele sabe a verdade. E seria prejudicial para ele ver a mãe se transformar em uma lunática e atacar. Ele não desceu, você notou?

Annabel balançou a cabeça.

— Ele não aguenta vê-la assim.

Rosy levantou-se e afastou-se. Padre Armailhac estava esperando na porta. Ele gentilmente pegou o braço dela e começou a levá-la para cima.

Então Ewan levantou-se e Annabel viu algo mudar em seus olhos quando ele olhou para ela. — Parece que nosso escândalo foi encoberto —, disse ele.

— Sim —, ela conseguiu falar através do nó em sua garganta.

— Eu suponho que é melhor do que um casamento de seis meses. Você estava apenas planejando me deixar, ou você teria iniciado um processo de divórcio? — Ele estava observando-a tão de perto que Annabel sentiu como se não pudesse respirar, não podia dizer as coisas que ela poderia ter dito.

— Eu pretendia apenas partir —, ela sussurrou.

— Eu deveria saber. Uma mulher que planeja seu futuro adultério nunca fingiria estar doente em um castelo na Escócia.

A verdade disso queimou no peito de Annabel.

— O único problema com a solução de Felton — e sua voz não soou divertida agora  — é que eu não posso deixá-la voltar para a Inglaterra quando você pode estar carregando meu filho. Eu sinto dizer que você vai ter que se casar comigo, quer você deseje ou não.

Annabel abriu a boca, mas ele continuou falando. — Mas eu espero que você irá escolher ficar comigo por melhores razões. Se não houver nenhuma criança e nenhum escândalo, você certamente poderia se casar com um inglês rico. No entanto, nos termos de Peggy, embora minha casa seja isolada, eu tenho um grande número de vacas —. Ele hesitou. — Eu gostaria de lhe pedir para ficar, Annabel, pelo sentimento entre nós.

Ele ficou ao lado do sofá parecendo alto, orgulhoso e escocês, tão lindo que os joelhos dela fraquejaram com a visão dele, e ainda assim ela não conseguia encontrar as palavras certas para dizer. Ela nunca poderia deixar Ewan por sua própria vontade: ela o amava demais. E ainda o conhecimento de que ele não a amava verdadeiramente estava partindo seu coração.

— Eu gostaria que você se casasse comigo, independente das vacas —, disse ele.

— Eu vou me casar com você —, Annabel sussurrou. E então ela se virou e saiu da sala e subiu as escadas rapidamente. A mão dela estava tão apertada no corrimão que não podia cair, mesmo que seus joelhos estivessem flácidos. Mas ela tinha que perguntar. Então, no meio da escada, ela se virou e olhou para Ewan. Ele ficou abaixo dela, e por um segundo ela pensou ter visto um olhar de desolação nos olhos dele, mas ela deve ter visto errado.

— Você não quer que eu... — Ela parou. E começou de novo. Houve tanta honestidade entre eles, e no final chegou-se a uma última pergunta.

— Você me ama?

Sua pergunta pairava no ar úmido da noite como se tivesse sido gritada. E no entanto ela apenas sussurrou, a partir do desespero em seu coração.

Ele olhou para ela. — Eu te disse isso, na casa dos Kettles. Acho que faríamos um casamento forte. Você me deseja, e eu sinto o mesmo por você.

— Você está confundindo desejo e amor —, disse ela, observando-o. — Eles não são os mesmos.

— Eu amo você. Eu me sinto perto de matar com a idéia de você se casar com outro homem, e essa é a verdade da questão.

Annabel disse as primeiras palavras que lhe vieram à mente. — O desejo é sangrento, perjuro, cheio de culpa.

Ewan subiu os degraus até ela. — Isso é poesia? — ele perguntou, quando estava ao lado dela.

— Sim.

— Eu não gosto do som disso. Há algo desagradável sobre esse poeta.

— É Shakespeare —, disse Annabel.

Ewan obviamente descartou Shakespeare como uma causa perdida. — Seríamos felizes juntos —, disse ele. — Eu nunca serei pobre —, disse ele. — Isso é importante para você.

Verdade, tudo verdade.

— Teremos um excelente casamento.

Annabel forçou um sorriso nos lábios. Ela caminhou até o topo da escada e virou à esquerda, indo para o quarto de dormir principal. Ela caiu sobre a cama sem se lavar, em sua camisa, sem sequer chamar sua empregada.

A sala estava girando em torno dela. Ela tinha conhecimento de que ela, Annabel Essex, não era o tipo de mulher por quem os homens se apaixonavam. Ela era do tipo por quem os homens caíam no desejo, e era isso que Ewan sentia por ela: desejo.

Ela deveria estar feliz. A liberdade estava diante dela: liberdade para voltar à Londres e encontrar um inglês rico, um homem prático e elegante que iria entender as limitações de suas obrigações um para com o outro. Que não iria confundi-la com conversas sobre a alma dele ou pior, sobre sua alma.

Só que ela não poderia deixar Ewan. Ela queria seus beijos, o jeito que ele a beijava como se estivesse morrendo de fome, como se já não tivessem beijado tanto que seus lábios estavam machucados. Todas aquelas vezes em que ele se balançou suavemente contra ela, apenas um lembrete. E ela se derretia contra ele e saboreava a respiração ofegante e a maneira como ele estava prestes a afastar a boca, porque ela sabia antes que ele fizesse isso.

Talvez fosse o suficiente... ele pensava que era o suficiente.

Mas mesmo que seu coração batesse rapidamente com as memórias de seus beijos, Annabel não concordava com Ewan. Todos aqueles anos em que ela pensou que seria suficiente trocar o desejo de um homem por casamento, por segurança e por dinheiro...

Agora ela descobriu que não era. De modo nenhum.

Ela queria algo bem diferente.

Ela adormeceu no meio de um soluço.


Capítulo Trinta e um

Annabel acordou com o som da maçaneta da porta girando. Seus olhos pareciam estar colados às pálpebras, mas ela os abriu para descobrir que Josie estava se arrastando na parte de baixo da cama e conversando com Imogen, que tinha acabado de deslizar sob as cobertas.

— Quando eu me casar —, Josie estava dizendo, — quero que seja com um homem como Ardmore. Quero um castelo e uma centena de criados. — Ela se virou para Annabel. —Eu sei que você não gosta da Escócia Annabel, mas eu amo. Não posso imaginar querer ficar na Inglaterra. Você acha que talvez Ardmore podia esperar para encontrar uma esposa até a próxima temporada, quando eu debutar?

— Não seja ridícula —, disse Annabel, sentando-se na cama. Sua cabeça estava latejando.

— Você está horrível —, disse Josie. — Não dormiu bem? Eu ouvi passos fora do meu quarto durante toda a noite. — Ela estremeceu deliciosamente.

— Eu lhe disse que você tem lido muitos romances —, observou Imogen, apoiando-se nos travesseiros ao lado de Annabel.

— E eu disse-lhe que há uma grande quantidade de orientação útil neles —, Josie disse a ela. — Se este fosse um romance, Ardmore se tornaria completamente maligno. Eu conheço todos os sinais.

— E esses são? — Imogen perguntou.

Annabel não conseguia invocar bom humor nem mesmo para desejar bom dia às irmãs. Ela só queria que elas saíssem. Ela tinha que falar com Ewan. Ela tinha que convencê-lo de... De algo importante.

— Bem, por um lado —, disse Josie, — todos os vilões têm cabelos negros. E eles andam de um lado para o outro jogando os cabelos ao vento.

— Ardmore tem cabelos avermelhados —, disse Imogen. — Mas são longos o suficiente para jogá-los.

— Se ele fosse francês, saberíamos com certeza —, disse Josie.

— Ele não é pérfido! — Annabel não pode evitar; ela explodiu com Josie.

— Isso é o que você é obrigada a pensar —, respondeu Josie, — porque você não se casou com ele. Se Ardmore tem um segredo de culpa, ele só falará sobre isso durante o sono. É por isso que heroínas nunca descobrem como seus maridos são até que seja tarde demais. Elas acordam no meio da noite e ouvem o marido falar assim:

Josie colocou as mãos no cabelo e revirou os olhos para o teto. — Oooooo... Marguerite... Eu não posso esquecer seus gritos quando ela caiu do penhasco... Oooooooo!

Ela baixou as mãos e se virou para Annabel. — Suponho que você não saiba se Ardmore fala em seu sono?

— Eu não tenho idéia —, Annabel mentiu.

— Você deve admitir que este castelo tem todos os elementos de um romance, completo, com uma esposa louca no sótão.

— Fazer de Rosy uma piada é uma coisa muito deselegante, Josie.

— Tudo bem —, Josie suspirou. — Eu não quero ser cruel. Eu adoraria viver aqui, e eu nem me importaria com Rosy, embora suas maneiras certamente reduziriam os visitantes.

— Todos nós devemos tomar isso como uma lição —, disse Imogen com um tom ligeiramente pomposo. — Só porque um homem tem um título e um castelo não significa que ele é uma escolha sustentável para o matrimônio.

Josie cutucou o pé de Annabel. — Esta é a sua deixa para nos ensinar sobre as razões apropriadas para o casamento.

Mas Annabel estava imaginando Ewan se casando com outra pessoa e seu coração estava batendo miseravelmente.

— Você não pode ter esquecido todas aquelas palestras que você nos deu no ano passado sobre casar por razões práticas e não por amor. — Josie levantou a voz a um nível de intimidação e disse: — Os melhores casamentos são aqueles entre pessoas sensatas, estabelecidos por razões equilibradas e com um razoável grau de confiança na compatibilidade.

— Sim, claro —, disse Annabel, torcendo o lençol em torno de seu dedo.

— Você sabe —, disse Imogen, — nós nem perguntamos como foi a sua jornada até aqui, Annabel. Como foi?

— Tudo bem. Muito... muito agradável, realmente.

Annabel podia sentir Imogen olhando para ela.

— Annabel?

— Sim?

— Aconteceu alguma coisa? Olhe para mim!

Annabel virou a cabeça e encontrou os olhos de Imogen.

— Oh, meu Deus —, disse Imogen, se jogando de volta nos travesseiros.

— O que? — Josie perguntou. — O que?

— Ela está comprometida —, disse Imogen em tom profundo.

— Comprometida? Nós já sabíamos disso —, disse Josie.

— Eu não estou comprometida! — Annabel disse miseravelmente. —Isto é, talvez eu esteja, mas isso não importa.

— Como você pode dizer que isso não importa? — Imogen quase gritou. — Isto...

— Não importa porque eu o amo —, disse Annabel, com lágrimas escorrendo por seu rosto. — Eu o amo, e ele não me ama. E quero me casar com ele, e não por apenas seis meses.

Houve um momento de silêncio mortal.

Então: — Oh, querida —, disse Imogen, envolvendo um braço em torno de Annabel.

— Você? — Josie perguntou incrédula. — Nossa irmã lógica e equilibrada que estava determinada a se casar por dinheiro?

— Eu não me importo... Mesmo se Ewan fosse pobre, eu me casaria com ele.

— Meu Deus —, disse Josie, claramente chocada. — Se você pode contemplar a pobreza, então você está apaixonada. Claro, Griselda vai ter fortes convulsões quando você contar a ela.

— Mas eu não posso me casar com ele. — Annabel parou. — Isto é, vou me casar com ele, mas não quero. — Lágrimas estavam bloqueando sua garganta novamente.

— Você não está fazendo sentido —, observou Josie. —Imogen nunca fez sentido também, quer dizer, quando ela estava em agonia.

— Ele não me ama —, disse Annabel. — Ele... ele gosta de mim, muito. Ele me deseja. Ele acha que é amor, mas não é. Eu sei disso. O desejo é muito diferente.

— O importante é...— Imogen hesitou, obviamente escolhendo as palavras com cuidado. — O importante é não se casar com um homem que não ama você. Você está certa: não importa a menos que você o ame. Mas é terrível ser o único em um casamento com esse sentimento... — Ela parou. Então, ela respirou fundo. — Eu pensei que o meu amor por Draven seria o suficiente para nós dois.

— Mas Draven te amava —, Annabel protestou. — Ele disse a você, antes de morrer. Não diminua o amor dele agora que ele não está aqui para repetir para você.

— Eu não diminuo o amor dele por mim —, disse Imogen. — Eu nunca faria isso. Eu sei exatamente o quanto ele me amava: tanto quanto ele era capaz de amar qualquer mulher, provavelmente. Ele me amava, um pouco... depois de seus estábulos, talvez mais do que a sua mãe.

— Oh, Imogen —, disse Annabel. — Por que insistir em tais...

— O sofrimento é assim! — Imogen explodiu. — Você só pode enganar a si mesmo até um limite. E agora que eu vi uma de minhas irmãs ser verdadeiramente amada. Eu vi no rosto de Lucius Felton quando nos conhecemos nas corridas, poucos dias depois que Tess se casou com ele.

— Eu não concordo que Draven não te amava —, Annabel disse com firmeza.

— Ele me amava! Ele só não me amava muito. Pequenas coisas a cada dia lhe dizem exatamente o quanto você é valorizada por seu marido. Eu não tinha a fazer, além de pensar, nas duas semanas em que Draven e eu estivemos casados. Eu sei exatamente como ele me valorizava.

— Bem, se você está certa, pode muito bem parar de chorar por ele —, disse Josie com sua habitual  franqueza brutal. — Por que se lamentar se ele não tratou-a adequadamente? E o que ele fez afinal? Como você sabe que ele não te amava? Ele disse isso?

— Isso não é da sua conta! — Imogen explodiu. — Eu não estou chorando, estou?

— É por isso que tem estado com Mayne? — Josie insistiu.

— Mayne também não me ama.

— Deveríamos ter violinos se lamentando ao fundo —, disse Josie. — Se você está procurando por amor, acho que você está indo pelo caminho errado. Sequestrar Mayne não vai fazer com que ele te ame.

— Eu não dou a mínima se Mayne me ama!

— Você faz parecer que o amor é um objeto quantificável —, Josie apontou. — Como se você pudesse identificar positivamente homens que amam suas esposas, contra aqueles que não o fazem. Se você me perguntar, é muito mais confuso do que isso.

— Há algo com o que você diz —, Imogen disse lentamente.

— Sempre há —, disse Josie com satisfação.

— Tudo o que estou dizendo é que se você está realmente apaixonada por Ardmore —, disse Imogen, voltando-se para Annabel, — você não deveria se casar com ele, não até que ele também esteja apaixonado por você. É doloroso demais.

— Mas, eu suponho que Ardmore ame Annabel —, interveio Josie. — Parece que todos os homens a amam. Lembra quando papai precisou mandar o cura para outra paróquia porque ele estava escrevendo cartas de amor para Annabel?

— Você está confundindo desejo e amor —, disse Annabel, sua voz quebrando um pouco. — Eu perguntei a Ewan, na noite passada, se ele me amava, e ele disse que me desejava. — Sua voz ficou presa em um soluço. — Ele nem sequer percebe que há uma diferença! Estou cansada de ser uma mulher desejável.

— Pelo que eu li dos poetas antigos —, disse Josie, — para a maioria dos homens, desejo e amor são a mesma coisa. Talvez você esteja sendo muito meticulosa em seu raciocínio.

— Na verdade, Annabel, eu não vejo qualquer motivo para desespero —, disse Imogen, envolvendo um braço em torno do ombro dela. — Se Ewan deseja você, então ele está bem no caminho para te amar. Josie, você provavelmente deveria sair do quarto.

O olhar de Josie teria queimado uma árvore verde, então Imogen deu de ombros. —Tudo bem. Tess e Felton não estavam apaixonados quando se casaram. E ainda assim ele claramente se apaixonou por ela logo após o casamento. Eu pensei e repensei sobre o porquê de Draven não se apaixonar por mim da mesma maneira — Ela engoliu em seco.

—Você não tem que nos dizer —, Annabel disse suavemente.

—Eu não quero que seu casamento seja como o meu —, Imogen disse ferozmente. —Então eu tenho que lhe dizer. E a verdade é que eu não acho que Draven e eu, bem, que Draven estava particularmente feliz em nosso quarto.

Houve um momento de silêncio, e então Josie disse: — Espero que você não tenha se convencido de que ele pulou em um cavalo e se matou de decepção conjugal.

Foi tão brusco, e tão à maneira de Josie, que tanto Imogen quanto Annabel soltaram uma gargalhada. E depois disso, as coisas ficaram mais fáceis.

— Tess deixou Felton beijá-la na pista —, Imogen disse com sinceridade, — no meio de uma centena de pessoas. E ele a beijou na área aberta onde qualquer pessoa poderia tê-los visto. E então eles foram para sua carruagem, e quando ela voltou, seu cabelo estava todo desalinhado, eu nunca teria permitido a Draven tais liberdades. Eu simplesmente não teria. Mas agora, em retrospectiva, eu gostaria de ter.

— Bem, Ewan me beijou em locais públicos —, disse Annabel, torcendo para que seu rosto não ficasse rosado ao pensar em alguns desses lugares.

— Se todos os homens precisassem se apaixonar pelo desejo —, objetou Josie, — não haveria damas da noite solteiras.

Imogen engasgou. — Josie! Você não deveria saber uma palavra dessas, nem nunca falar dessas mulheres também!

— Meretrix em latim —, disse Josie, sem aparentar arrependimento. —Eu sei que você não vai gostar disso, Annabel, mas parece-me que você quer simplesmente que Ardmore se expresse de maneira mais eloquente. Por que você não diz a ele que você vai embora conosco? O coração dele será dilacerado e ele cairá de joelhos e implorará a você para ficar.

— Eu nunca mentiria para ele —, disse Annabel.

— Eu sei! — Josie exclamou. —Se você estivesse em perigo, Ardmore de repente perceberia que ele poderia perder você para sempre. Por exemplo, se você caísse de uma ponte e fosse levada pelas águas revoltas, ele gritaria seu nome. — Ela sorriu com o pensamento.

— Mas eu estaria morta —, Annabel apontou. — Não quero cair de uma ponte ou de um cavalo. Estarei montando Sweet-pea esta manhã, e não tenho planos de cair no chão.

Houve uma batida suave na porta. — É Elsie —, Annabel sussurrou, balançando as pernas da cama. — Não quero que ela veja que eu estive chorando. Diga a ela que estou tomando banho. — E ela correu para o banheiro e fechou a porta.

Josie se inclinou para frente e apertou o pé de Imogen. —Temos que fazer alguma coisa! — ela sussurrou enquanto Elsie começou a mexer no guarda-roupas de Annabel. — Eu nunca a vi tão triste. Ela realmente acredita que ele não a ama.

— Ele provavelmente é bastante discreto sobre o assunto —, disse Imogen. — Os homens tendem a ser.

— Mas você sabe o quão cabeça dura Annabel é. Ela parece ter se convencido de que o desejo impede o amor. A este ritmo, o pobre homem teria que desempenhar o papel de um gato castrado apenas a fim de convencê-la de seu amor.

— O que você tem feito na sala de aula?— Imogen repreendeu-a. — Sua conversação é totalmente inadequada para uma jovem dama. De fato, para uma dama de qualquer idade! Devem ser esses livros.

— Eu aprendi essa frase de você, não de um livro! E eu odeio dizer isso, Imogen, mas a literatura clássica é muito mais sinistra do que as obras de Minerva Press. Mas não me distraia: Eu conheço Annabel. Ela é tão teimosa quanto uma mula, uma vez que ela pensa em algo. A única maneira de mudar esta situação é colocá-la em perigo... de alguma forma.

— Espero que você esteja errada —, disse Imogen, levantando-se e indo até a porta.

— Funcionou para você —, Josie a lembrou. — Você caiu daquele cavalo e Draven prontamente levou-a para Gretna Green.

— Annabel nunca recorreria a tais táticas —, disse Imogen, aceitando tacitamente a responsabilidade pela queda.

— Ela é brutalmente honesta, você sabe, e isso equivaleria a mentir para Ardmore. De qualquer forma, espero que você esteja errada. Ardmore parece um homem que poderia convencer uma mulher de qualquer coisa, se ele colocasse sua mente nisso.

Mas Josie descobriu que ela muito raramente estava errada. Ainda assim, a solução não parecia muito difícil: um perigo moderado certamente inspiraria sinais indiscutíveis de amor em Ardmore, e convenceria Annabel de seus sentimentos.

Josie sorriu. Ela teve uma excelente idéia de como efetuar um pequeno perigo.

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Capítulo Trinta e dois

Imogen abriu a porta do seu quarto e parou surpresa. Ali, sentado em uma cadeira, ereta ao lado da penteadeira, havia uma mulher que parecia ser uma reencarnação de um retrato ancestral. Mas ela claramente não era nenhum fantasma. — Na ausência de outros, vou me apresentar —, anunciou ela, como se fosse sua própria Majestade: — Eu sou Lady Ardmore.

Imogen entrou no quarto e deixou-se cair em uma reverência baixa, formal. — Que grande prazer conhecê-la, Lady Ardmore. Sou Lady Maitland, irmã da Srta. Essex —. A avó de Ardmore usava os cabelos enrolados e empoados, presos no alto da cabeça, e estava adornada com duas cordas de esmeraldas, que (de acordo com a devotada leitura de La Belle Assemblee), eram um erro durante as primeiras horas da manhã. No entanto, ela era formidável. Podia-se ver a semelhança com seu neto. Os olhos de Ardmore eram verdes, e os dela eram prateados e cansados, mas eles tinham o mesmo queixo decidido e belas maçãs do rosto.

Lady Ardmore acenou com a mão. — Você pode sentar-se.

Imogen sentou-se prontamente.

— Então você é a viúva, não é? — disse Lady Ardmore. — Eu sabia sobre a morte de Maitland, é claro. Ouvi falar de sua fuga também. Ele era um rapaz bonitão, seu marido.

— Você o conhecia? — Perguntou Imogen.

— Eu conhecia a mãe dele, ainda que ela fosse inglesa. Lorde Ardmore e eu, esse era o meu marido, não o meu filho, íamos a Londres de vez em quando. Ela me escreveu uma bela nota quando Ardmore morreu, e depois novamente quando perdi meu filho e a esposa dele.

Ela ficou em silêncio por um momento. Imogen mordeu o lábio. Ela não podia imaginar como tinha sido perder o marido e, em seguida, seu único filho. Sem mencionar sua nora e os bebês.

Mas antes que ela pudesse pensar no que dizer, Lady Ardmore continuou. — Fiquei triste ao saber que Lady Clarice havia morrido, em novembro, não foi?

Imogen assentiu. — Ela nunca mais foi a mesma depois da morte de Draven. Ela pegou um resfriado e depois simplesmente não se importava em continuar.

— Poderia ter sido mais fácil, talvez, se eu pudesse ter desaparecido em algum tipo de doença. Houveram muitos dias que eu teria desejado isso. Mas... —, ela olhou para Imogen, e seus olhos prateados estavam afiados como sempre, e sem lágrimas — há aqueles de nós que choram, e aqueles de nós que se enfurecem. O meu palpite é de que você é do último tipo.

Imogen conseguiu dar um pequeno sorriso. — Posso me considerar um membro de ambos os grupos?

— Oh, eu chorei —, disse Lady Ardmore. — Quando meu James e sua esposa morreram, e com eles aquelas lindas, lindas crianças. Chorei tanto que pensei que ia me afogar, como eles.

— Eu sinto muito —, disse Imogen.

Lady Ardmore se sacudiu levemente. — Não posso imaginar como nós vagamos para esse território tão sentimental, — ela disse. — Gostaria de saber por que você veio para a Escócia, Lady Maitland. O castelo está cheio de rumores. Minha criada me disse que a senhorita Essex está querendo voltar a Londres agora, e não se casar com o conde.

— Isso não está correto —, disse Imogen, imaginando o quanto dizer à condessa.

— Meu neto não me disse nada. — Ela fixou os olhos brilhantes em Imogen. — Ainda assim, posso dizer que este é o casamento para ele. Ele não tinha demonstrado nenhum interesse no casamento, e embora me irrite admiti-lo, Armailhac estava certo em enviá-lo a Londres. Sua irmã tem uma boa estrutura, e ela é escocesa, e eu posso ver tão bem quanto qualquer outro que Ewan se preocupa com ela.

Imogen assentiu.

— Então, qual é a mosca na sopa? — Lady Ardmore perguntou. — Sua irmã me parece um pouco aguada, e isso não é a natureza dela, não mais do que é a sua. Então eu vou perguntar de novo, menina: qual é o problema?

— Ela não acredita que Lorde Ardmore a ama —, disse Imogen, obedientemente, incapaz de resistir à força daqueles olhos prateados.

— Amá-la? — Lady Ardmore zombou. — Isso é uma peça de tolice romântica. Ora, eu morria de medo de meu marido. Nos velhos tempos, era assim que deveria ser. O chefe do clã Poley concordou em se casar comigo e meus pais passaram semanas me pressionando para que eu nunca respondesse de volta, nem levantasse a minha voz, nem perturbasse meu marido da maneira mais simples.

— Isso deve ter sido difícil —, disse Imogen.

— Ha! — disse Lady Ardmore. Ela pensou sobre isso por um tempo. — Não foi tão difícil. Eu estava fazendo o meu dever. Foi muito bom para a minha família quando me casei com o chefe do clã. E eu cumpri a minha parte na barganha.

— Alguma vez você levantou a sua voz? — Imogen perguntou, incapaz de se conter.

Lady Ardmore deu uma pequena risada. — Agora, o que você acha, moça? — Em seguida, ela bateu com a bengala novamente. — Não por pelo menos um mês. Talvez até seis meses.

Imogen pensou que provavelmente tinha sido cerca de uma semana.

— Ardmore e eu encontramos uma maneira de conversar um com o outro, embora ele não gostasse muito de palavras. Ewan é como seu avô; ele esperou até encontrar sua irmã, e agora não haverá outra para ele, não nesta vida.

Imogen engoliu o nó na garganta. — Annabel saberá disso —, disse ela. — Receio que nosso pai nem sempre tenha sido amável com ela, e ela tenha pouca compreensão de seu valor.

Lady Ardmore bufou. — Então ela é a primeira beleza loira que eu conheci assim.

— É exatamente isso —, disse Imogen. — Sua própria beleza tornou difícil para ela acreditar em Lorde Ardmore.

— Há muitas mulheres que gostariam de compartilhar esse problema!

— Sim —, Imogen admitiu com um lampejo de deslealdade. — Mas ela se sente mesmo assim.

— Isso é fácil de resolver —, Lady Ardmore disse, com uma vivacidade que lembrou Imogen, bastante nervosa, de Josie. — Cuidarei disso eu mesma.

— O que? — Imogen perguntou, assustada.

A condessa parou a pergunta de Imogen com uma mão levantada. — Você vai ter que confiar em mim, jovem. Sabe, eu só conheci o meu marido um pouco antes de nos casarmos.

— Mesmo? — Imogen perguntou. É claro que ela sabia que casamentos arranjados eram comuns entre as grandes famílias, mas: — Você já o tinha visto, não é?

Lady Ardmore sacudiu a cabeça. — As moças eram mantidas isoladas naqueles dias. Eu era talvez cuidada mais de perto do que as outras, desde que eu estava destinada a ser uma condessa desde meus cinco anos de idade.

— Isso é... — Imogen disse, engolindo a palavra terrível.

— A primeira vez que vi Ardmore foi dois dias antes do nosso casamento. Seus irmãos mais novos estavam fazendo uma brincadeira. Eles pensado em me enegrecer. Você sabe o que é isso?

Imogen sacudiu a cabeça.

— É semelhante a alcatrão e penas, mas com melado —, disse Lady Ardmore com uma carranca. — Costume terrível, mais observado na violação do que na observação, se você me entende.

Imogen não entendia.

— É uma frase de Hamlet —, disse a condessa. — Em outras palavras, é uma tradição antiga em Aberdeenshire, mas mesmo naquela época, não era praticada em demasia, e certamente não em futuras condessas. Bem, esses dois rapazes estavam agitados e determinados a fazer uma brincadeira com a noiva de seu irmão. Deus sabe que eles eram selvagens o suficiente para qualquer coisa. Um deles fugiu para a Índia e nunca mais se teve noticias dele.

— Eles conseguiram fazer isso? — Imogen perguntou, intrigado com a possibilidade de garotos selvagens o suficiente para colocar um dedo (ou uma pena), nessa condessa em particular.

— Não, não —, Lady Ardmore disse, acenando com a mão novamente. — Meu futuro marido me salvou. Foi uma cena emocionante —. Ela assentiu e olhou para Imogen. — Muito emocionante.

— Não! — disse Imogen.

— Sim —, Lady Ardmore disse com uma satisfação tranquila. — Sim, acho que vai funcionar muito bem.


Capítulo Trinta e três

Quando Josie o encontrou, Mayne estava esparramado em uma cadeira na biblioteca de Ardmore. Ele estava segurando uma cópia do livro de registros genealógicos de Weatherby, mas pareceu a Josie que ele estava apenas olhando para o nada.

— O que você está fazendo? — Ela perguntou a ele.

— Pensando sobre minha mortalidade  —, Mayne disse, levantando os olhos com as pálpebras pesadas.

Josie sentiu-se corar ligeiramente, o que não era uma reação normal para ela. Mas havia algo tão excitantemente lupino sobre Mayne que era impossível não reagir ao homem. Que embaraçoso. Que tipo de mulher cora ao ver o amante de sua própria irmã, sendo completamente franca?

— Por que você se preocupa em pensar sobre mortalidade? — ela perguntou, vagando ao redor do escritório para que não parecesse que ela tivesse vindo procurar especificamente por ele. — Você é velho, mas não tão velho ainda.

— Deus sabe —, disse ele. — Será que Imogen tem um pedido para mim?

Ela se aproximou e sentou-se no braço da cadeira dele. — Eu tenho. Preciso que você me ajude —, disse ela. — Ajude-me a ajudar Annabel.

— Estou cansado de ajudar Annabel —, disse ele, e as linhas de cansaço ao redor de seus olhos se aprofundaram. Ele tinha lindos olhos; Josie podia certamente ver porque todas aquelas centenas de mulheres haviam feito papel de idiota sobre ele.

— Você não tem escolha —, Josie disse com firmeza. — E não se preocupe. Você não vai esgotar a pouca energia que tem, e eu preciso que você venha comigo.

— Eu tenho muita energia! — ele disse, parecendo um pouco mais vivo.

— Bom. Porque quero ir até os estábulos de Ardmore.  — Ela viu uma faísca de interesse em seus olhos. —Tudo bem.

— Vamos cavalgar. Com Annabel e Ardmore.

Ele era muito inteligente para seu próprio bem. — Há algo aqui que você não está me dizendo.

— O que você não sabe não vai machucá-lo —, disse Josie. — Você tem roupas de montaria?

— Você sabe que eu não tenho! — Mayne retrucou.

— Talvez você possa usar algo de Ardmore.

— O homem é um tronco de árvore. Eu só vi músculos como aqueles em estivadores.

— Você é um pouco esbelto —, Josie considerou. — O exercício lhe fará muito bem. Talvez Ardmore possa lhe dar algumas dicas de equitação.

— Chega de insultos —, disse Mayne, levantando-se. — Eu já disse que vou com você, pelo amor de Deus. Apenas me dê um momento para conseguir algumas roupas do nosso anfitrião.

—E fazê-lo se juntar a nós. Vou trazer Annabel para o corredor em meia hora —, disse Josie.

Ela correu para o quarto e pegou sua bolsa de medicamentos. Por um momento, ela teve medo de que tinha esquecido de trazê-la, mas não! Ela sempre odiava quando o pai pedia aquela pomada em particular, mas ela obedientemente fazia isso para ele de qualquer maneira. E carregou um pequeno pote por todo o caminho até a Inglaterra, e agora de volta para à Escócia.

Quando Annabel desceu as escadas, vestida para cavalgar, meia hora depois, ela esperava Josie, mas ficou um pouco surpresa por encontrar Mayne lá também. Ewan saiu da sala de café da manhã vestindo calças de montaria.

— Esta é uma verdadeira festa! — Josie exclamou bastante estridente, reunindo-os porta afora tão rapidamente que Annabel nem sequer trocou uma saudação com Ewan.

Seu próprio cavalo, Sweetpea, estava esperando por ela, selado e pronto para partir. Ele arqueou a cabeça grande, soprando na mão dela, e Annabel pensou com um pulso de vergonha que ele tinha viajado todo o caminho da propriedade de Rafe, e ela nem sequer o visitou para verificar se ele gostava de seus novos aposentos.

— Annabel! — Josie chamou. Ela estava em pé ao lado de um pônei galês atarracado. Era um dos mistérios de sua família que Josie, que destemidamente tratava o animal ferido mais irritável, ficava aterrorizada de cavalgar sobre eles.

— Sweetpea parece ter um pouco de sensibilidade sob a sela.

— Mesmo? — Annabel correu um dedo ao redor da lateral da sela. Sweetpea não reagiu.

— Vi quando ele foi trazido dos estábulos, embora ele pareça bem agora.

Eles começaram a descer um caminho sinuoso que levava a um grande trecho gramado na parte de trás do castelo. A grama ainda era de um verde pálido e tenro, um verde de Maio.

Josie se esforçou para não pensar em quão longe as costas largas de sua montaria estava do chão.

O cavalo de Annabel tinha o dobro da altura do dela e era de um tipo musculoso e elegante que a enchia de terror. Mas não importava quantas vezes ela comparasse seu pequeno pônei gordo à grande montaria de Annabel; ela ainda estava rígida de terror e o pônei sabia disso. Ele estava expressando seu desrespeito por ela, inclinando a cabeça e mordendo a grama, não importando o quanto ela puxasse as rédeas dele.

Ewan e Mayne haviam chegado à beira do gramado, parando em um caminho que serpenteava para baixo em torno de um rio. — Este é um belo trecho para uma corrida —, Ewan falou.

De repente Josie percebeu que esta era a oportunidade perfeita.

— Mayne! — ela exclamou. Ele se virou.

— Sim?

— Ajude-me a sair deste cavalo —, disse ela. —Por favor.

Felizmente ele não fez nenhuma piada sobre o pônei estar quase na altura dela, ou qualquer coisa dessa natureza, apenas pulou de seu próprio cavalo e ajudou-a a chegar ao chão. — Eu estava certa —, disse Josie para Annabel, caminhando até ela. — Você vê como Sweetpea está alternando as pernas? Ele está com um pouco de dor. Mas olhe —, ela enfiou a mão no bolso — Eu trouxe a pomada. Mayne, se você ajudasse Annabel a descer, eu poderia...

Mas Ardmore estava lá antes que Mayne pudesse se mover, alcançando Annabel. Josie não olhou para eles. Ela apenas se moveu para Sweetpea e afrouxou suas correias.

Mayne chegou ao seu lado. — Eu pensei que você tivesse medo de cavalos —, disse ele.

Sweetpea estava tentando morder os cabelos dela, e Josie deu-lhe um pequeno empurrão afetuoso. — Como alguém poderia ter medo de um cavalo? — ela disse distraidamente. Agora ela estava levantando a sela e esfregando a pomada com um cheiro de inverno nas costas de Sweetpea, fazendo um pequeno pedido mental de desculpas enquanto isso.

— Bem, você está montando um pônei —, Mayne insistiu. — O que você está colocando na montaria de Annabel, posso perguntar? Isso não é pomada de sela. Ela não tem esse cheiro.

Josie olhou por cima do ombro, mas Annabel e Ardmore não estavam prestando atenção a eles.

Annabel estava olhando para o chão, e Ardmore estava olhando para ela.

— Silêncio —, disse Josie a Mayne.

— Você sabe que antes de conhecer as irmãs Essex, ninguém nunca me disse o que fazer? — ele disse. Sua voz era incrédula.

Josie apertou a sela, e então as mãos de Mayne se aproximaram das dela e puxaram a sela ainda mais apertada.

— O que quer que você esteja fazendo —, ele murmurou, — tenho certeza de que não é algo que eu aprovaria.

— Provavelmente não —, disse ela, dando-lhe um largo sorriso. Ela quase correu de volta para seu pônei, mas então teve que esperar por Mayne para colocá-la nas costas de sua montaria.

Ardmore levantou Annabel em seu cavalo com uma demonstração lisonjeira de atenção. Claro que ele estava apaixonado. Tudo que o homem precisava era de um pouco de choque para perceber isso.

Josie bateu palmas. — Vamos fazer uma corrida! — ela exclamou. — Não seria justo colocar Ardmore contra Mayne, já que Ardmore monta sua própria montaria, então terá que ser Lorde Ardmore contra você, Annabel.

— Eu? — disse a irmã, acomodando-se na sela lateral novamente.

— Claro que Ardmore deve ter uma desvantagem —, disse Josie. — Você está montando com uma sela lateral, afinal de contas.

— Mas ela está montando Sweetpea —, acrescentou Ardmore. — Sweetpea ganhou a Copa do Parthenon há alguns anos, não foi?

Annabel assentiu. — Papai só me deu ele uma vez que ficou claro que o tornozelo dele nunca mais seria o mesmo.

— Bem, tenho certeza de que Sweetpea poderia fazer uma pequena corrida —, disse Ardmore. — Por uma premiação, talvez?

Josie não sabia por que essa pergunta tinha tanta importância, mas Annabel pareceu surpresa. Sweetpea estava inquieta, dançando em suas longas pernas como se estivesse ansiosa para correr.

— Tudo bem —, Annabel disse finalmente.

— Annabel tem uma vantagem de cinquenta metros —, disse Josie, pensando que deveria ser esta a distância certa.

E era. Sweetpea derreteu-se em um galope suave, apenas para se erguer no ar dez metros à frente deles, os cascos da frente desenhando arabescos no ar como se ele fosse tombar para trás.

Apesar de si mesma, Josie engasgou. Era a idéia dela de um pesadelo. Mas Annabel era uma amazona consumada, ajustando-se às patadas de Sweetpea, remexendo-se como se fossem uma ocorrência normal.

— Que diabos! — Mayne disse, e então Josie lembrou-se de que deveria estar vigiando o conde de Ardmore, não sua irmã.

Seu coração afundou. Ardmore não parecia nem um pouco aterrorizado. Ele não tinha saído à galope para pegar as rédeas de Annabel, nem mostrou sinais de querer ajudá-la. Ora, Annabel poderia ter sido jogada fora da sela e quebrado o pescoço, por todo o esforço que o homem estava fazendo. Ele estava ali, sentado em seu cavalo, com os olhos brilhando de apreciação, ela podia ver isso, mas sem mais alarme do que se estivesse assistindo a uma apresentação de circo.

— Ah não! — Josie ofegou. — Minha pobre irmã será jogada ao chão. Ela pode ser morta!

Ardmore deu-lhe um sorriso bastante doce. — Eu sei que você tem medo de cavalos —, ele disse gentilmente, — e então isso deve parecer assustador para você.

Josie não viu como isso poderia ser visto de qualquer outra forma. Assim que Sweetpea tocou as patas dianteiras no chão, ele relinchou e subiu de volta em suas patas traseiras, e nada do  que Annabel estava fazendo parecia acalmá-lo.

— Mas como você pode ver —, Ardmore continuou, — sua irmã é uma ótima amazona. Ela não está em perigo algum.

— Claro que ela está! — Josie disse irritada.

Mas Ardmore apenas sentou-se em seu cavalo, sorrindo, até que Josie não aguentou mais e gritou para Mayne:

— Você irá salvá-la então!

Nesse momento, Ardmore passeou facilmente à frente. Mas então Annabel conseguiu manter Sweetpea no chão tempo suficiente para saltar de sua montaria. Quando Ardmore chegou, ela estava segurando a cabeça de Sweetpea e repreendendo-o. Pobre Sweetpea. Ele a estava obedecendo, embora suas orelhas estivessem se contorcendo loucamente.

Um momento depois, Ardmore tirou a sela e Sweetpea estava rolando agradecida sobre a grama nova.

Mayne pigarreou. — Acho que você cometeu um erro na pomada que aplicou?

— Devo ter feito isso —, disse Josie melancolicamente.


Capítulo Trinta e quatro

Uma hora mais tarde todos eles caminhavam de volta pelo prado verde. Grandes ruídos vinham do pátio do outro lado do castelo. Eles dobraram a esquina e pararam. O pátio estava cheio de pessoas, saudando uns aos outros, gritando por cima das cabeças das outras pessoas.

O som era acompanhado por cores, grandes faixas de xadrez vermelho e laranja brilhante, com manchas verdes mais escuras aqui e ali.

— Interessante —, disse Ewan, entregando seu cavalo para um criado. — Minha avó parece ter convocado os Crogans. Os homens estão aqui; presumo que as mulheres estejam  seguindo em carruagens.

— Quem são eles? — perguntou Josie.

— Um clã vizinho, e bastante barulhento —, respondeu ele. Josie podia ver isto por si mesma. Os homens que rodeavam o pátio pareciam bêbados aos olhos dela.

— Vamos entrar pelos fundos —. O conde conduziu-os até os jardins da cozinha. —Eu irei cumprimentar os nossos hóspedes. Por favor, junte-se a nós quando desejar.

— Ewan não ficou nem um pouco assustado com o que você fez com Sweetpea —, Annabel disse baixinho para Josie enquanto subiam a escada dos fundos. — Você deveria envergonhar-se. Pobre Sweetpea. Suponho que era a loção milagrosa do papai?

Josie assentiu culpada.

No momento em que Annabel abriu a porta de seu quarto, sua empregada ficou de pé como um terrier animado. Elsie parecia pálida e tensa, até mesmo para alguém que era naturalmente nervosa. — Oh, senhorita, o castelo está absolutamente repleto de pessoas, você não pode imaginar. A maioria dos dois condados está aqui ou a caminho. E não é só a nobreza; são todos. A área dos servos já está abarrotada.

— Eles estão aqui para celebrar o casamento —, disse Annabel, sentindo-se tonta com o pensamento.

— Alguns deles! — Elsie explodiu. — O resto está aqui para uma refeição grátis, diz a Sra. Warsop. Ela está sem nenhuma manteiga e teve que enviar alguém à aldeia para trazer tudo que puder encontrar. Mas é o whisky que é realmente provável que acabe. Eles já estão bebendo lá embaixo, e não é nem meio-dia ainda. E as senhoras também, embora algumas delas não estão agindo como senhoras de acordo com a minha definição. A Sra. Warsop diz que a condessa convocou os Crogans esta manhã, e pelo que parece, eles bebem no café da manhã todos os dias.

Annabel não podia pensar no que dizer sobre isso, então ela sentou-se em sua penteadeira e deixou Elsie escovar seu cabelo. — A Sra. Warsop precisa de todas as mãos que puder, apenas para manter o serviço. Não é como se todos esses criados estivessem dispostos a ajudar. Eles agem como se tivessem acabado de chegar para a celebração, e nós estivéssemos aqui para servi-los bem como todos os outros.

Elsie estava escovando tão ativamente que o cabelo de Annabel estalava. — Eu simplesmente não consigo ver porque esses criados tem que ser tão monstruosos e rudes. Se não fosse pelo meu respeito pela Sra. Warsop, eu teria tido mais a dizer-lhes.

— Quanto mais você combina palavras com esses tipos, menos respeito você ganha.

Elsie fez uma careta. —  Todos, exceto a criada de Lady McFiefer. Se sua senhora é tão má quanto ela, você terá um bom tempo com ela. Aparentemente a filha de Lady McFiefer pensava em se casar com o seu senhorio, apesar de ouvi-los falar na ala dos criados, metade do condado pensava o mesmo de suas filhas. — Ela guardou a escova. — Vou pegar o seu Sarcenet prímula com a renda de teia de aranha.

— Isso é demais —, Annabel opôs. — Não posso descer usando um vestido de baile, Elsie.

— Você deve —, disse a empregada. — Estão todos especulando sobre o porquê de sua senhoria se casar com você, em vez da filha de Lady McFeifer. Eu tive um vislumbre dela. Ela é bonita o suficiente, mas ela é comum. Pode-se dizer que ela não está destinada a ser uma condessa pelo olhar dela. Considerando que você se parece como uma condessa.

— Mas Elsie...

— Tem aquele vestido que você não usou ainda, o francês. — Elsie colocou-o gentilmente na cama.

Annabel mordeu o lábio. O vestido era de crepe de ouro pálido, aparado em toda a parte inferior com rosas francesas pálidas, com um entremeado de verde. Foi feito para ser usado em um jantar formal, já que o decote era extremamente baixo e tinha um ligeiro franzido. Por outro lado, era ao mesmo tempo requintado e caro, e, em sua opinião, essas duas qualidades eram necessárias para reforçar sua coragem.

— Você vai usá-lo com o colar duplo de pérolas da Sra. Felton —, disse Elsie, correndo pela sala. — E mais dessas rosas francesas em seu cabelo —. Ela tinha sua mandíbula firmemente definida.

— Tudo bem —, disse Annabel. — Vou usar o vestido, mas não vou usar os sapatos.

Elsie fez uma careta e Annabel se perguntou como aconteceu que ela acabou governada por sua criada, em vez do contrário.

No momento em que ela colocou o pé cravejado de jóias nos degraus de pedra que levavam à entrada, o ruído morreu. Cerca de cinquenta cabeças giraram para cima. Cem olhos olhavam para ela. Apenas os lacaios perto da porta olhavam para cima e para longe. Todos os outros pareciam paralisados.

Annabel parou por um momento, para deixá-los satisfazer sua curiosidade, e então sorriu, um sorriso que ela sabia muito bem a fez parecer agradável. Os rostos abaixo dela responderam apropriadamente, e ela andou os últimos degraus até o hall de entrada.

Lady Ardmore acotovelou sua passagem através da multidão. — Senhorita Essex —, ela chamou, chegando perto das escadas. — Na ausência de meu filho, dou as boas vindas ao Castelo Ardmore.

Houve um zumbido feliz na entrada.

— Estou muito satisfeita por estar aqui —, disse Annabel, curvando-se em uma reverência profunda. Um momento depois, ela estava cercada por rostos alegres. Tão rápido quanto um par de convidados subia os degraus para encontrar uma câmara para a noite, mais parecian inundar a porta da frente. Os criados perambulavam dentro e fora e, desmentindo as previsões cheias de desgraça de Elsie sobre a falta de alimentos, os criados pareciam estar carregados de presuntos e garrafas de bebidas. Cerca de uma hora mais tarde, Annabel ouviu um barulho estridente vindo do lado de fora e chegando cada vez mais perto.

Lady Ardmore não parava, mexendo aqui e ali, gritando com uma amiga dela e despachando mais com os criados. Agora ela trotou até Annabel. — Esse será o coração da festa chegando. Os tocadores de gaita estão aqui. Onde está Ewan?

Annabel sacudiu a cabeça. — Eu não o vi.

— Ardmore! — sua avó uivou. Ela avistou Mac nos degraus da frente, supervisionando a chegada do que parecia ser um leitão inteiro, pronto para assar. — Mac, encontre Ardmore! Os gaiteiros estão chegando!

Mac ouviu a ordem e, em seguida, correu ao redor da casa em direção aos estábulos. Mas antes que pudesse reaparecer, uma enxurrada de homens varreu a entrada, liderados por gaitas de foles. Dois homens estavam se empinando sem parar diante dos gaiteiros, conduzindo o grupo com sua dança.

Lady Ardmore chamou Annabel para fora, no topo das escadas. A multidão em torno do pátio recuou quando os foliões se aproximaram, permitindo que os dois líderes subissem as escadas, seguidos por dez gaiteiros.

— Eles são os líderes  do clã Crogan —, disse Nana, ao abrigo do guincho das gaitas. — Usando o casamento como uma desculpa para extravasar, não que eles precisem de tal desculpa em um dia normal.

— Seu clã vizinho? — Annabel disse, observando os dois homens meio cambaleando, meio dançando pelas escadas até elas. Eles eram um par desagradável, com cabelos vermelho flamejante que se erguiam para o alto de suas cabeças.

Eles usavam kilts e suas pernas peludas pareciam desagradavelmente geladas.

— O próprio. Eu me pergunto onde Ewan está. Ele deveria...

Mas o que quer que Ewan devesse estar fazendo foi perdido quando os Crogans chegaram ao último degrau, com sorrisos embriagados e olhando para Annabel de cima a baixo como se ela fosse um manequim de alfaiate. — Bem, agora, isso não é bom, Crogan? — disse o baixinho.

— Claro é, com certeza é —, disse o mais alto. — Estou pensando... você sabe o que eu estou pensando, Crogan?

Lady Ardmore interrompeu. — Não há uma alma aqui que se importe com o que você pensa, Crogan. — Ela cutucou um deles com sua bengala. — Nem tão pouco você, Crogan. Cuide de seus modos. — Havia uma nota estridente na voz dela que fez os Crogans piscarem.

— Vocês tem o mesmo nome? — Annabel perguntou, tentando recuar para não ser pega pelo hálito deles novamente.

— Ela é muito bonita —, o Crogan menor disse ao seu irmão, olhando para os seios de Annabel.

Ela deu um passo para trás novamente.

— Agora, irmão —, o outro Crogan disse genialmente. — Se nosso pequeno monge decidiu ter um gostinho do melhor, não podemos invejar-lhe isso. Mas não podemos esquecer as velhas tradições também.

Antes que Annabel soubesse o que estava acontecendo, um braço forte se curvou ao redor dela e ela foi puxada bruscamente para a esquerda, descendo os degraus. A última coisa que ela viu foi o resto do clã genial jogando os criados de Ewan para o chão, enquanto ela estava literalmente sendo levada sobre o ombro do maior Crogan.

— O que você está fazendo! —, Ela gritou para ele, batendo em seu ombro carnudo.

O homem correu surpreendentemente rápido para alguém que mal conseguia manter o equilíbrio no momento anterior. Em um segundo eles foram para as árvores e Crogan estava se debatendo, seu irmão se arrastando atrás dele como se soubesse exatamente onde estava indo.

— O que você está fazendo? — Annabel gritou novamente, e desta vez ela pegou um punhado dos cabelos ruivos dele e puxou o mais forte que pode.

— Ai! — ele gritou, e colocou-a no chão, tomando cuidado para não soltar o braço dela. — Eu pensei que você fosse escocesa. Disseram que você era!

— Eu sou! — Annabel disse, olhando para ele.

—Bem, pare meu coração, se você não é uma coisa bonita! — ele disse, seus olhos caindo para o peito dela novamente.

— Lorde Ardmore vai matá-lo se colocar as mãos em mim —, disse Annabel.

— Nunca faríamos isso —, disse o gordo. — Mas você é escocesa, não é?

— O que uma coisa tem a ver com a outra? — ela gritou. — Me deixem ir!

— Nossos irmãos foram buscar Ardmore —, disse o magro. — E nós temos você. Pegue as penas, Crogan.

— O que?

— Você tem que ser enegrecida. — Ele disse, sorrindo como um tolo. — Você sabe o que é, certamente, ou você não é da região?

— Eu não tenho a menor idéia do que você está falando —, disse ela. O gordo estava pegando o que parecia ser um saco de penas de seu saco.

— Você deve ser enegrecida —, repetiu ele. — É uma pena você estar usando um vestido tão bonito.— Ele estendeu a mão para tocar a renda em torno de seu seio. — Mas nós temos nossas instruções. Talvez...

Mas Annabel viu a mão suja vindo em direção a seu peito e o grito foi instintivo.

O Crogan segurando o braço dela saltou. — Silêncio, agora! — ele disse. — Nós não vamos machucar você!

Mas Annabel estava apenas começando. Ele tentou colocar uma mão sobre a boca dela, e ela o mordeu e gritou novamente.

— Diabos, Crogan —, ele resmungou. — Você virá aqui com esse melaço ou não? Estou pensando que esta será tão difícil a ponto de rivalizar com a avó de Ardmore. Estou pensando...

Annabel o chutou com seus sapatos de jóias o mais forte que pôde.

—Ai! — ele disse, e: —Ai! Eu estou pensando que devíamos rezar algumas Ave-Marias para o pobre Ardmore...

O Crogan mais baixo tinha terminado de misturar algo que era inconfundivelmente um pote de melado preto.

Annabel se contorceu o melhor que pôde, gritando no topo de seus pulmões.

Não havia nenhum som na floresta além de seus próprios gritos e das queixas ofegantes do Crogan que a segurava. Mas, de repente, ela ouviu uma voz clara e aguda gritar:  — Pare com isso!

— Ajude-me! — ela gritou. Ela estava prestes a se endurecer para morder o Crogan novamente quando houve um “oof!” e ele soltou o braço dela e voou para o lado.

Como ela estava tentando chutá-lo, Annabel caiu no chão e levou um momento para se afastar das raízes e folhas emaranhadas. Seu cabelo estava todo sobre seus olhos, e ela não conseguia ver nada.

Ela podia ouvir, no entanto. Ela ouviu um baque e um grito, um grito de dor e outro som de  rachadura que soou como uma cabeça. Ela tirou o cabelo dos olhos e olhou para cima.

Rosy estava de pé ao lado do Crogan menor com uma grande pedra na mão. Ele estava frio, o rosto aninhado em uma pequena poça de melado preto. Rosy parecia extremamente satisfeita, e nem um pouco confusa.

— Eu bati nele —, ela disse alegremente.

— Sim você bateu —, disse Annabel, piscando para ela.

Então ela ouviu outro baque, e se virou.

Era Ewan. Ele tinha o maior Crogan no chão, aquele que estivera segurando-a. Ele estava batendo impiedosamente. — Se você ousar tocá-la novamente —, ele disse “thunk!”  — Eu vou matar você. — “Crack!”

A cabeça do homem foi para trás. — Eu vou matá-lo com a mesma facilidade com que alimentaria um porco! — disse Ewan. Sua voz era tão selvagem que a boca de Annabel se abriu.

— Você me ouve, Crogan? — ele gritou.

— Chim —, disse o homem. —Eu não chei...

— Você estava tocando-a —, disse Ewan, levantando-o no ar como um saco de farinha e deixando-o cair novamente.

— Eu não estava! — Crogan lamentou. — Ah, Deus, eu nunca mais vou me aproximar dela novamente. Não fui eu! — ele lamentou. — Foi sua a...

Ewan recuou o punho novamente e socou Crogan no queixo. O homem deu um gemido e seus olhos reviraram em sua órbita. Ele desmaiou.

— Ewan! — Annabel respirou, colocando a mão no braço dele quando ele pegou Crogan e começou a sacudi-lo de volta à consciência.

— Eu vou encontrar o padre Armailhac —, disse Rosy, sua voz tão clara quanto um sino. Ela correu e Annabel voltou-se para Ewan.

Ewan havia jogado Crogan de volta nas folhas.

Ele estava respirando como se tivesse corrido dez léguas, então ele se concentrou em arregaçar as mangas de sua camisa. Ele, Ewan Poley, conde de Ardmore, acabara de perder o controle pela primeira vez em sua vida. Bem, talvez não exatamente pela primeira vez.

Ele deu um olhada de lado e viu que ela estava bem. Sua Annabel. Eles a assustaram, mas não a tocaram de verdade. As penas jaziam derramadas no chão, e um pote de melado estava encharcando o cabelo do outro Crogan.

Então, aquela primeira visão horrível que ele teve, aquele primeiro terror absoluto quando a ouviu gritar, estava incorreto.

Eles não estavam arrebatando-a: os Crogans estavam apenas em suas brincadeiras estúpidas e bêbadas novamente.

Finalmente, ele teve que encontrar seus olhos, porque ela tinha a mão em seu braço. Ele sabia que ela teria aquele pequeno franzido entre as sobrancelhas, então ele olhou.

E quase fechou os olhos diante da beleza dela, todo o cabelo cor de moedas de ouro despenteado e caindo sobre seu braço, e seus olhos, com sua inclinação sedutora, e a inteligência de seu rosto, e a coragem ali também.

— Você está bem? — ela sussurrou.

— Ele não me tocou, o idiota bêbado —, disse Ewan.

— Bebado ou não —, Annabel estremeceu, — Estou tão grata que você me salvou, Ewan.

— Eu ia matá-lo —, ele disse lentamente. — Matá-lo.

Annabel olhou para ele.

— Você se lembra quando eu fui tolo o suficiente para dizer que eu não podia ver-me perdendo minha alma? — Ewan perguntou.

Ela assentiu.

— Isso não seria nada difícil. Quando o vi tocar em você...

Ele parou.

— Eu o mataria de novo e de novo —, e havia uma selvageria em seu tom que passou por Annabel como um vento penetrante. — Deus, Annabel, não é uma questão de como ou se eu poderia perder a minha alma. Quantas vezes eu me perderia por você? Pergunte-me isso.

— Quantas? — ela disse fracamente, seus olhos procurando seu rosto. Ela parou de respirar para ouvir sua resposta.

— Até os portões do inferno se fecharem —, ele disse categoricamente.

— Oh, Ewan —, ela sussurrou, tomando o rosto dele entre as mãos. — Eu não posso... — Havia lágrimas em seus olhos.

— Porque você está chorando? — ele disse. Mas havia algo no rosto dela que fez o coração dele mais leve. — Até te conhecer, eu nunca estive no caminho do pecado. Mas agora eu estou perdendo a paciência a torto e a direita, mudando à ponto de estar prestes a matar um dos meus vizinhos.

Ela começou a rir, mas as lágrimas ainda estavam lá também. E ela estava beijando-o por todo o rosto, amando-o, amando o cheiro dele e o gosto dele, até que seus braços a envolveram e ele parou todos aqueles beijos de borboleta e apenas devorou ??sua boca... como se não houvesse mais ninguém em todo o mundo, apenas os dois, e os bosques tranquilos em torno deles.

— Annabel? — Ewan sussurrou depois de um tempo. Sua voz era áspera e rouca. —Você já me perdoou por desejá-la demais?

Ela piscou para ele e começou a rir.

— Eu te amo —, ele disse com voz rouca. — Mas que droga, Annabel, mesmo que eu tente não te desejar, não vai funcionar.

Ela riu novamente. — Você nunca entendeu, não é?

— Provavelmente eu nunca entenderei. Eu não sei o que te fez tão feliz com o fato de eu quase ter  matado um vizinho.

Ela colocou as mãos sobre o coração  dele, amando sua confusão... amando-o. — Você disse que se condenaria por mim —, disse ela.

— Isso não é um distintivo de honra.

— Para mim é —, ela disse dolorosamente. — Ninguém nunca me valorizou tanto antes, Ewan.

— Eu não tenho certeza se já me importei muito com alguém antes de você. Oh, eu amo Gregory e Annabel e Nana, mas... — Ele parou.

— Desde que seus pais morreram —, ela terminou por ele. Ela sorriu por entre as lágrimas. —Você se lembra de como você me disse que não se importava com seu dinheiro, então continuava colecionando-o?

— Mas eu me preocupo em perder você —, ele disse, sua voz subitamente crua. — Eu morreria antes de deixá-la ir.

— Se você... — Ela engoliu em seco e, em seguida, olhou para ele. — Eu não sei como dizer isso.

Havia algo próximo às lágrimas nos olhos dele também.

— Você vai proteger a minha alma por mim então, Annabel Essex? — ele perguntou, e seu sotaque escocês era tão forte quanto ela já ouvira.

— Oh, sim —, ela sussurrou. — Sim, sim, eu vou, Ewan Poley. E você vai guardar a minha por mim?

— Será uma honra —, ele sussurrou. — Meu amor.


Capítulo Trinta e cinco

Quando a futura condessa Ardmore apareceu na porta do grande salão norte naquela noite, todos engasgaram. A senhorita Annabel Essex era absolutamente requintada, como uma dama francesa em La Belle Assemblee, das pontas de suas sapatilhas de jóias à perfeição de seus cachos brilhantes. Lady MacGuire virou-se com uma carranca, mas a boca de sua filha Mary se abriu.

— Basta olhar para esse vestido, Ma —, disse ela, agarrando o braço de seu pai. — Não é de admirar que Ardmore não me queria.

— É francês —, sua mãe disse com um bufo. E, em seguida, contradizendo sua opinião dos últimos três anos: — Ardmore não é um bom partido, no final das contas. Não com todos esses monges e aquela jovem enlouquecida na casa. — Ela acenou com a cabeça em direção a um jovem bastante gordo e baixo, balançando-se nas pontas dos pés tentando obter um vislumbre da futura condessa. — O jovem Buckston seria um bom partido para você.

A srta. Mary fez beicinho. — Buckston não tem um castelo e ele é gordo. Além disso... — Ela observou Lorde Ardmore atravessar a sala para cumprimentar sua noiva. Ele olhou para a senhorita Essex como se ele nunca tivesse visto uma mulher antes. — Buckston nunca vai me olhar assim. Talvez ele cumprimente um peru assado com tal entusiasmo, mas nunca uma esposa.

Então Lady MacGuire olhou para o outro lado da sala também. Depois de um momento, ela assentiu lentamente, como se estivesse lembrando de algo de um passado distante. — A nata da nobreza escocesa está aqui esta noite Mary. Você procura por esta sala e encontrará alguém que vai olhar para você exatamente dessa maneira. Você é uma linda jovem, não se esqueça disso!

Mas Mary estava observando a maneira como Ardmore e a Srta. Essex estavam dançando juntos e a forma como ela estava rindo para ele. — Ma! — ela gritou. — Olhe para isso!

Sua mãe olhou. — Que modos! — Ela bufou. — Eu nunca vi isso!

— Ele a beijou em frente a todos nós —, disse Mary, maravilhada.

Do outro lado do salão, Imogen puxou sua irmãzinha para perto e lhe deu um abraço. —Você viu aquilo? — ela sussurrou. — Você viu aquilo?

— Claro que sim —, disse Josie. —Suponho que isso significa que seu plano funcionou e o meu não. — Ela parecia um pouco mal-humorada.

— Eu não tinha um plano —, disse Imogen alegremente. Ewan estava virando Annabel em círculo após círculo enquanto todos assistiam. Ele era a imagem de um homem apaixonado. — Lady Ardmore tinha.

— Realmente? Deve ter sido um excelente estratagema. Preciso pedir-lhe os detalhes —, disse Josie. — Para meu estudo de homens apaixonados.

Foram horas até Ewan conseguir ficar sozinho com Annabel. Parecia que ela tinha que dançar com todos os escoceses bêbados de todo o país. Ele ficava perdendo-a de vista, e depois tendo que encontrá-la para se certificar de que ela não estava sendo apalpada por nenhum membro do clã muito entusiasmado. Em algum momento o padre Armailhac encontrou-o encostado na parede assistindo Annabel dançar.

— Você parece estar contando suas bênçãos —, disse ele, com seu sorriso gentil.

— Há muitas a contar —, disse Ewan. — Rosy falou mais alguma coisa?

— Não, eu duvido que ela seja sempre falante. Mas ela esta contente em usar suas poucas palavras, e eu acho que, embora infeliz para o jovem Crogan, esse encontro na floresta foi uma coisa maravilhosa para ela. Ela se defendeu (ou assim ela pensa), e, no processo, ela encontrou sua voz novamente. Uma bênção de fato.

Ewan estava assistindo Annabel novamente.

Padre Armaühac sorriu. — É uma coisa assustadora amar alguém, depois de perder tanto quanto você perdeu —, disse ele.

Ewan virou a cabeça e piscou para ele. — Isso é... isso é o que Annabel disse.

O sorriso de Armailhac tornou-se uma risada. — Não sou o homem mais sábio da Escócia, por mandar você para Londres?

Ewan de repente puxou o pequeno monge para um abraço áspero. — Você é —, disse ele. — Você certamente é.

Finalmente... finalmente, Ewan conseguiu levar Annabel para seu escritório particular e acomodá-la em um sofá em frente ao fogo.

Claro, ele a beijou antes. E ela fechou os olhos, e caiu em seus braços com aquele entusiasmo lânguido que ele amava. Agora era óbvio para ele. Ele se apaixonou no momento em que viu Annabel examinando aquelas grandes estátuas de um deus egípcio, parecendo confusa, inteligente e completamente deliciosa.

Então, ele levantou seu queixo e deslizou sua boca contra a dele. — Abra seus olhos, Annabel.

Ela abriu-os, sonolentos de cansaço, de desejo e de amor por ele, coisas que ele podia ler tão claramente agora.

— Eu te amo —, disse ele, sua voz saindo áspera com a emoção.

Ela sorriu para ele e, de repente, seus olhos estavam brilhantes de lágrimas. — Oh, Ewan, eu nunca entendi, o tempo todo eu estava me preocupando com dinheiro e planejando encontrar um marido que me desejasse...

Ele abriu a boca, mas ela balançou a cabeça. — Isso é o que aconteceu. Pensei que iria me sentir segura se eu pudesse usar seda todos os dias.

Ela deu um beijo na bochecha dele. — Eu não tinha idéia de que a única moeda que importava era o amor. Você não me beija há horas —, ela disse com um sussurro dolorido. — Eu não me senti segura.

Lentamente, muito lentamente, ele inclinou a cabeça para ela e seus lábios se tocaram. Era como todos os seus beijos: a doçura estava lá, mas a selvageria também, a sensação de que eles tinham acabado de parar de beijar e agora estavam continuando o mesmo beijo que eles compartilharam pela primeira vez em abril. Dois segundos depois, ele estava devorando-a, derramando sua alma e seu amor no beijo. E ela estava beijando-o de volta ... ela estava, ela estava...

Ewan voltou a si para descobrir que estava balbuciando de amor, pior que qualquer poeta.

— Você está se tornando um romântico! — Annabel brincou, mas ele podia ouvir a alegria em sua voz.

— E você não? — ele disse. —Você me ama, Annabel —, disse ele. — Você me prometeu que ama, e eu vou te segurar nessa promessa por mais setenta anos. Você está apaixonada por mim. — Ele beijou seus olhos. — Você está delirantemente apaixonada —, disse ele, beijando seu nariz. — Você está fora de si de tão apaixonada —, e ele chegou à boca dela.

— Sim —, ela disse passando os braços ao redor do pescoço dele. — Oh, sim, Ewan. Sim.

— Eu estou ainda mais apaixonado por você —, ele sussurrou.

Algum tempo depois o fogo da lareira foi se consumindo, enviando apenas uma centelha oscilante de vez em quando para a chaminé que escurecia. O enorme castelo estava tranquilo, mesmo com os escoceses enfiados em todos os quartos e cada recanto do lugar.

Ewan estava pensando em levar Annabel para o andar de cima. Afinal, eles tinham uma cama perfeitamente confortável esperando por eles, e embora este sofá fosse muito bom, não era grande o suficiente. Claro, eles ainda não eram exatamente casados, mas logo de manhã...

— Ewan —, disse ela. Ela estava tirando a gravata dele, o que significava que ele deveria pegar sua noiva e levá-la para o andar de cima antes que fossem descobertos e causassem um escândalo que envergonharia toda a Inglaterra. — Você se lembra o beijo de  coney? — ela sussurrou em seu pescoço. As mãos dela estavam deslizando sob a camisa agora.

— E, de nós, você é a que tem a memória decente. Suponho que terei que lhe dar uma demonstração.

— Você se lembra quando eu perguntei a você o que sua companheira poderia ser? — Os olhos dela refletiam as últimas chamas do fogo.

— Sua companheira? — ele perguntou, mas as mãos dela estavam em sua cintura. —Não!

— O que é bom para a fêmea é bom para o macho —, disse ela severamente, e começou a beijar uma linha no peito dele.

Ewan olhou para os cachos dela e fez uma última tentativa de comportamento cavalheiresco. — Você não precisa... —, ele engasgou.

— Claro que eu não preciso —, disse ela, olhando para ele por um momento. — Eu quero —. Ela sorriu. — Eu tranquei a porta quando entramos.

— Mas...

— Você não gostaria que eu...?

Ele piscou para ela. Nenhuma dama... ele não podia pensar em como expressar isso.

— Ewan —, disse ela. — Uma resposta honesta. Você não gostaria?

Não havia nenhuma maneira de responder a isso além de com honestidade. Eles tinham acertado isso entre eles, com todos os seus jogos de perguntas durante a viagem até aqui. A qualquer momento que um deles mencionou a honestidade com uma pergunta ...

— Sim —, ele disse finalmente, — nada poderia ser melhor.

Ela sorriu para ele de forma brilhante. — Nesse caso...


Capítulo Trinta e seis

Alguns meses mais tarde

— Como foi a aula hoje? — Annabel perguntou

— É a coisa mais irritante —, disse Josie, com a prontidão de uma garota de dezesseis anos, para se discutir a qualquer momento. — Eu simplesmente não posso dançar. Eu não entendo isso! — Ela parecia atordoada.

Annabel riu. — O que você quer dizer com não pode dançar? Eu pensei que você estava apenas tendo dificuldade em contar as batidas em sua cabeça.

— Eu sou terrível —, Josie pronunciou. — Monsieur Jaumont se desespera comigo. E aqui está o pior de tudo: Gregory é impecável!

— Esta é uma reviravolta cruel do destino —, disse Annabel, sorrindo. Josie decidira passar o inverno com eles na Escócia.

Ela e Gregory estavam separados o suficiente em idade para que ela desejasse governá-lo em tudo, e ele desejava o mesmo dela.

— Ele desliza sobre o chão como se soubesse instintivamente o que fazer em seguida —, disse Josie, sua boca virando-se nos cantos. —Considerando que eu tenho que pensar sobre o que está por vir, eu fico confusa e então eu entro em pânico.... então está tudo acabado e Monsieur Jaumont está gritando novamente. — Ela suspirou. — É melhor eu voltar para a sala de aula. A Senhorita Flecknoe está nervosa por causa da neve, e isso a deixa com um temperamento terrível. Deveríamos ir ver Rosy e todos os bebês, mas há muita neve.

Rosy estava vivendo feliz em um orfanato a apenas uma hora de carruagem pela estrada. Ewan tinha uma pequena casa para ela no terreno, e ela e a enfermeira passavam os dias brincando com os bebês. As crianças nunca se importaram que Rosy dissesse apenas uma palavra ou duas; e como os homens raramente se aventuravam nessas instalações, ela estava muito feliz.

Mas é claro que com o inverno se estabelecendo nas Highlands agora, eles não seriam capazes de visitar Rosy tanto quanto no outono. Era o meio de outubro e eles estavam tendo uma tempestade de neve precoce.

Annabel estava deitada na chaise longue em seu quarto de dormir, preguiçosamente olhando pela janela. A princípio, a neve tinha dançado do céu, mas agora ela estava começando a ser arremessada para baixo, escurecendo o céu e pesando as vinhas que subiam em torno de sua janela.

Talvez fosse hora para um cochilo... Ela se enrolou de lado, com a mão acariciando sua barriga. O bebê estava se movendo dentro dela, acelerando para a vida, como eles diziam. No momento, ela sentia como se estivesse dançando com os flocos de neve. Sorrindo, Annabel cobriu-se levemente e adormeceu.

Fazia uma longa quinzena desde Ewan viu sua esposa pela última vez. Ele tinha ido a Glasgow a negócios, mas uma questão que deveria ser rapidamente resolvida se transformara em um assunto longo e tedioso, mais ainda porque ele se irritava tanto por estar longe.

Ele virou a maçaneta e abriu a porta. Annabel estava deitada de lado, de frente para ele, sua bochecha descansando pacificamente em sua mão. Seu cabelo estava enrolado em uma pilha brilhante de cachos em cima de sua cabeça. Ele a acordou com um beijo.

Mesmo meio adormecida, os braços dela foram ao redor de seu pescoço e seus lábios desceram com força sobre os dela.

— Eu provo você, e fico perdidamente bêbado —, ele sussurrou, finalmente, beijando seus olhos fechados.

Annabel sorriu, mas ela tinha um pequeno vinco em seu rosto novamente. — O que foi, querida? — ele sussurrou, beijando as sobrancelhas dela.

— Você tem certeza de que me deseja?

Surpreso, ele se afastou e olhou para ela. Sua esposa tinha um rosto como um triângulo delicado, sobrancelhas delicadas, olhos azuis levemente amendoados, lábios que pareciam adoráveis mesmo quando ela estava de cara feia para ele. Ela era a mulher mais desejável e bonita do mundo. — Claro que sim —, disse ele, inclinando o rosto para que seus lábios pudessem tocar os dela. — Como você pode duvidar disso?

Annabel hesitou, mas ela tinha que dizer isso. — Eu estou tão gorda! Eu não sou mais desejável de maneira alguma!

Ele sorriu para isso. — Você ficou grávida, querida.

— Mas e se você parou de me desejar porque eu cresci de maneira muito deselegante? E quero uma resposta honesta —, acrescentou. — E se eu tiver que ficar na cama por meses? Ou eu ficar cheia de manchas? Ou meus tornozelos começarem a parecer como montanhas gêmeas? Nana disse que às vezes as mulheres não desejam ter relações até que o bebê nasça, e bem depois disso.

— Senti falta de fazer amor com você enquanto estive fora —, disse ele suavemente. — Mas o que eu mais senti falta tinha pouco a ver com os nossos corpos se unirem. O que me fez acordar, doendo no meio da noite foi o meu coração, não qualquer outra parte do meu corpo.

— Tem certeza? — ela sussurrou.

Ele apenas balançou a cabeça para ela, o riso em seus olhos. —Tão certo quanto sou da própria vida.

Então ela puxou as cobertas e colocou a mão dele na sua barriga grande e dura.

Ele quase caiu para trás. —Senhor Todo-Poderoso, o bebê cresceu nesta quinzena! — Ewan disse, espalhando suas grandes mãos sobre a criança.

— Padre Armailhac não gostaria de ouvi-lo usar o nome do Senhor em vão —, Annabel riu. E: — O médico esteve aqui há dois dias. Acho que criamos esta criança na nossa primeira noite juntos, Ewan.

Um sorriso lento se espalhou pelo rosto dele. — Na cabana dos Kettles?  Foi uma noite linda.

Ela colocou as mãos em cima das dele. — Como o padre diria, é um presente precioso que nos foi dado.

Seus olhos estavam desavergonhadamente brilhantes com lágrimas. — Você é isso para mim. — Ele a beijou. —Minha esposa. Meu coração. Minha amada.

Ele beijou as lágrimas dela. —Você é tão linda —, ele respirou. — Olhe para seus seios, Annabel. — Suas mãos pairaram, incertas. — Eu acho que eles cresceram também!

— Eu não vou quebrar —, ela riu, a alegria brotando dentro dela como uma inundação.

Um momento depois, sua cabeça caiu contra o encosto do sofá. Seu coração batia em seus ouvidos; as mãos dele a estavam deixando quente. Ela abriu os olhos e viu que os dele estavam pretos como breu. — Quem diria que as mulheres se tornam tão bonitas durante este tempo? — ele disse com voz rouca. — Nós vamos ter que dormir em quartos diferentes, Annabel, se você não quer que eu toque em você.

Ele esfregou um polegar sobre seu mamilo e ela gemeu, seus quadris involuntariamente flexionando. Ele afastou suas mãos e realmente tropeçou enquanto se levantava. — Será uma prova —, disse ele, afastando o cabelo da testa.

Annabel se espreguiçou. Ela não se sentia tão bem em meses. Nem tão... tão bonita. Nem certamente tão desejável.

— Será como a nossa primeira viagem para a Escócia juntos —, ela sugeriu. — Talvez nós pudéssemos jogar o jogo do beijo novamente.

— Não —, ele disse. Seu rosto parecia agoniado. — Não. Sem beijos.

Ela levantou-se e espreguiçou-se novamente. Ele afastou os olhos. —Sim, uma prova —, ele murmurou para si mesmo.

Annabel sorriu. Ela nunca se sentira mais provocante, mais potente, mais... mais amada em sua vida. Ela caminhou até a cama e sentou-se, esticando os braços para trás, de modo que seus seios mostrassem sua melhor vantagem.

— Moça, você vai ter que me ajudar —, disse o marido seriamente. — Não olhe para mim dessa maneira.

Ela escondeu seu sorriso e sua alegria, e fez beicinho. — Mas eu preciso de ajuda. E você está aqui para me ajudar.

— Qualquer coisa —, disse ele. — Farei qualquer coisa que desejar, Annabel.

— Nesse caso —, disse ela gentilmente, — Eu gostaria que você tirasse esse vestido.

Ele ficou completamente imóvel no meio da sala.

— E então —, disse ela, com a voz drogada pelo desejo: — Eu gostaria que você me beijasse aqui. — Ela tocou o seio. — E aqui. — Ela tocou sua grande barriga. — E depois...

Mas ele já estava lá, ao lado dela na cama, reunindo-a em seus braços em um movimento tão rápido que ela não viu isso acontecer. — Eu te amo, Annabel —, ele disse a ela, sua voz profunda com a promessa, a honestidade e a verdade.

— Pergunte-me o quanto eu te amo —, disse ela, segurando o rosto dele em suas mãos. — Eu prometo a você uma resposta honesta.

— O quanto você me ama? — ele sussurrou.

— Demais —, ela sussurrou de volta. — vai resistir à morte e durar muito depois disso. E agora você me deve um beijo. — Um momento depois, eles estavam na cama, nada entre eles além da criança em desenvolvimento.

E quando aconteceu, Samuel Raphael Poley, futuro conde de Ardmore, estava dormindo.

 

 

                                                   Eloisa James         

 

 

 

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