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Capítulo 37
DUAS NOITES MAIS TARDE, Butch finalmente teve uma folga para levar sua shellan ao clube de sexo.
Pois é, como se um dia tivesse pensado em levá-la a um encontro como aquele.
Enquanto a esperava no vestíbulo da mansão, ficou andando de um lado para o outro e sentiu como se estivesse fantasiado para uma festa de Halloween. Tudo bem as
calças de couro preto; e a camiseta justa preta também não era um problema. O resto todo era…
Que merda era aquela que estava vestindo?
Afastando as laterais do casaco de couro, deu uma boa olhada em todo aquele couro preto, pele e seda preta. A coisa era enorme, e mesmo assim mal chegava ao chão,
porque estava usando coturnos com salto de borracha que o deixavam mais alto do que Wrath.
Eram New Rocks?
Pegara-os emprestado com Axe, e eram afivelados dos dedos até logo abaixo dos joelhos. Também pesavam uns vinte quilos, mas eram surpreendentemente estáveis e confortáveis.
E também havia a máscara. A coisa era feita de uma fina placa de metal e plástico, e quando a prendia e a afixava com um adesivo apropriado, cobria todo o seu rosto
com um esqueleto horroroso cinza, branco e preto que se movia quando ele falava.
Sim, era uma noite de máscaras lá no Poke ‘n’ Play, e quem era ele para não querer se misturar à multidão?
Pegou o celular e viu que horas eram. Marissa tinha saído do Buraco para passar um tempo com as meninas enquanto se arrumava, e os dois iriam juntos ao clube depois
que Axe fosse levado para fora do centro de treinamento.
Andando ao redor da macieira do mosaico, surpreendeu-se em como não o incomodava mais levar Marissa consigo nessa jornada sombria e misteriosa. Depois da conversa
que tiveram, foi como se algo dentro dele tivesse se destravado, algum espasmo muscular doloroso do seu sistema interno tivesse se afrouxado e desdobrado, permitindo
que ele respirasse com mais facilidade.
Odiara o ponto estranho em que se encontraram. Mas simplesmente adorava a vista nova.
Como se esperasse essa deixa, ele pressentiu a chegada da sua companheira no alto da grande escadaria. Virando-se, Butch ergueu o olhar e…
Enagbu jioa kdf ahtaaj; fjjkd powkl.
Ou algo mais ou menos assim.
Sua linda princesa em roupas de grife desaparecera. Em seu lugar… uma fêmea sexy e erótica vestindo um látex preto agarrado ao corpo desde os enormes saltos agulha
até o alto da cabeça. A única coisa que denunciava sua identidade? O longo rabo de cavalo loiro que saía de um buraco no alto da indumentária de corpo todo, inclusive
rosto; as madeixas loiras balançando livremente.
E também havia aquela máscara.
Era como uma máscara de gás industrial, com discos redondos negros e uma parte que cobria o nariz e a boca sem deixar nenhuma porção de pele à mostra porque havia
um lacre ao redor do látex que circundava seu rosto. Feito de vidro negro e metal cinza, era uma tenebrosa peça de arte pura.
Conforme ela descia ao seu encontro, seu pau se ergueu de imediato, de modo que ele até abaixou o olhar para ver se braguilha da calça de couro ainda estava intacta.
O corpo dela estava… uma loucura absoluta. A luz delineava a curva dos seios, lançando sombras ao redor da cintura fina, pronunciando o quadril e as coxas.
Quando, por fim, ela ficou diante dele, deu um lento rodopio, e puta que o pariu, o som mecanizado da respiração dela fez com que suas bolas se contraíssem. Bem,
isso e o traseiro dela. Bom Deus nos céus, ela…
– Bem, o que me diz?
A voz que saiu dali de dentro não era a dela, vinha sintetizada através de algum tipo de caixa de som, soando aguda, distorcida, alienígena.
– Olkdla hgdio lweno io.
– O quê? – disse a voz eletrônica.
– Ele disse que você está seeeeexy pra caceeeete – disse uma voz masculina do lado oposto.
A cabeça de Butch se virou para o lado e ele encarou Lassiter, que saíra da sala de bilhar e estava recostado na arcada. Apontando para o idiota como se seu indicador
fosse uma arma, ele disparou:
– Leve seu traseiro miserável de volta pra porra dessa sala antes que eu arranque os seus olhos e o estrangule com a sua própria língua.
O anjo caído levantou as palmas e girou sobre os calcanhares.
– Certo, certo. Estou saindo. Cá estou eu, andando sem dizer absolutamente nada a respeito dela.
A retirada teria sido muito mais convincente se o filho da mãe não tivesse assobiado como um lobo assim que se viu longe das suas vistas.
– Vou matar esse filho da puta, juro que vou.
– Por favor, não faça isso.
Voltando a se concentrar, Butch balançou a cabeça.
– Ai, ai… Você está… Ei, voltei a falar normalmente. Um bônus.
Aproximando-a de si, pressionou o corpo contra o dela e passou as mãos pela roupa lisa e escorregadia. Com um gemido, inclinou-se para um lado e desceu as mãos
para o quadril coberto de látex e para as nádegas, segurando-as com as duas mãos, apertando-as, enfiando-se ainda mais no meio por trás.
– Não vou conseguir chegar ao fim desta noite – ele gemeu. – Porra, mal consigo caminhar.
O riso sensual e distorcido que saiu da máscara fez com que ele cambaleasse dentro dos New Rocks.
Puta. Merda.
– Você fez amigos na turma?
Enquanto seu pai lhe fazia essa pergunta, Paradise se recostou na poltrona no escritório dele. Enfiando os pés com meias debaixo do corpo, ficou se perguntando
como poderia responder; e rezou, enquanto ele mexia nos papéis sobre a escrivaninha, que não levantasse o olhar para ela.
Pois é, como responder a isso?, ela pensou.
Ela e Craeg passaram as duas últimas manhãs conversando pelo telefone, falando por horas, bem como… fazendo outras coisas. Portanto, sim, eram uma espécie de amigos…
e ela tinha planos para vê-lo pessoalmente de novo, tanto naquela mesma noite como também no dia seguinte.
Esse era o motivo para aquela reunião improvisada com o pai.
Se não voltasse a ter o contato da pele contra a pele logo, acabaria enlouquecendo. Sexo pelo telefone era ótimo a menos que se tivesse a coisa pra valer.
Ou quase.
– Paradise? Você está bem?
Ela sacudiu a cabeça e se levantou da poltrona, aproximando-se da lareira acesa. A frente fria que chegara no dia anterior entrara nas paredes da mansão estilo
Tudor, e ainda havia rajadas enregelantes em todos os cantos da casa – algo que permaneceria até a chegada da primavera, em maio.
Portanto, ela tinha a desculpa perfeita para se virar de costas ao apanhar o atiçador e reordenar a lenha.
– Sim, sim, conheci pessoas adoráveis e estou gostando muito das aulas. – Além das espiadas em Craeg. – Incrível a quantidade de coisas que eu não sabia.
– Por exemplo?
Bem, se ela ronronasse no telefone e contasse a Craeg tudo o que não estava vestindo, era garantido que ele…
Quando as chamas alaranjadas caíram sobre as cinzas quentes, ela deteve aquela linha de pensamento rapidamente.
– O combate corpo a corpo é uma ciência, pai. Nunca assisti a uma luta de MMA antes, nem aprendi nada sobre as diferentes formas de abordagem. Estão nos ensinando
uma variedade de disciplinas, e cada um tem seus pontos fortes e fracos. Eu luto bastante com Peyton e com um outro, Craeg.
Recolocando o atiçador de volta, ela se virou e voltou para seu lugar.
– Sou muito boa nisso.
Ela parou de falar quando percebeu que o pai parara no meio do processo de pôr uma folha sobre uma pilha, a conta ou extrato ou o que quer que fosse pendurado no
ar junto com o braço dele.
A expressão em seu rosto era semelhante à de alguém que ouvisse que sua casa seria demolida por humanos.
– Pai… – ela disse. – Estou muito feliz. Estou… aprendendo coisas sobre mim, sobre quem eu sou, o que quero, o que posso fazer.
Ele relanceou os olhos para o documento como se estivesse se perguntando o que estava fazendo com ele, pendurado no ar. Logo pareceu voltar ao normal.
Pigarreando, ele perguntou:
– A que conclusões está chegando?
Bem, a maior delas era que provavelmente estava se apaixonando por Craeg. Contudo, considerando-se que isso faria com que seu pai ficasse pior do que a estátua
que encarnara segundos antes, ela precisava guardar aquilo para si; além do mais, ainda não dissera nada a Craeg, e parecia-lhe apropriado que ele fosse o primeiro
a saber.
Apaixonar-se. Isso era uma coisa tão grande, e ainda assim tão simples.
E, sim, rápida. Mas ouvira dizer que quando a vinculação acontecia, podia ser assim.
– Bem, quero fazer algum bem para a espécie – respondeu.
– Como, exatamente?
– Pai, não significa que eu vá lutar na guerra.
– Levando-se em consideração que você acabou de me dizer que é boa nisso… – Esfregou as têmporas. – Acho que eu devia ter esperado.
– Esperado o quê?
– A sua mudança de rumo. O que eu não tinha certeza era como isso faria eu me sentir.
– Não estou mudando nada.
Deus, aquela era uma mentira mesmo aos seus ouvidos. Não tinha certeza quanto ao seu futuro, ou precisamente quem ela seria ao fim do programa, pelo tanto de tempo
que ele duraria, mas ela não voltaria a ser quem era.
Aquelas noites comportando-se como uma fêmea adequada sentada em casa, ou em qualquer outro lugar, esperando pela oportunidade de participar de algum evento social
não era o seu futuro. E, sim, aquela decisão de não se comprometer – exceto com Craeg – ainda estava valendo.
– Eu queria que a sua mahmen ainda estivesse entre nós.
– Eu também. – Mas, sem dúvida, por um motivo diferente daquele que ele estava pensando. Paradise poderia fazer uso de alguns conselhos. – Sinto saudades dela.
– Você sabe que nós nos amávamos de verdade? Nossa união foi planejada pelas nossas famílias, mas… nós nos apaixonamos. Ela era tudo para mim.
Maldição, ela pensou. A sutil defesa em favor de Peyton não deixou de atingi-la, mas atravessou uma estaca em seu coração, porque não se deixava enganar. Aquela
declaração, embora verdadeira e importante, sem dúvida revelava as esperanças de que ela estivesse favorável a um noivado tradicional com seu amigo.
Suspeitava há tempos que aquilo era algo que o pai queria que ela fizesse. Ele gostava de Peyton, aprovava a linhagem do macho, e sabia que já existia uma amizade
entre eles. Aos olhos de um chefe da casa da aristocracia, o que poderia ser melhor para uma filha do que isso?
O que ele pensaria se um dia conhecesse Craeg?
Craeg, filho do que os humanos chamariam de uma família de trabalhadores. Seu pai enxergaria a força do caráter dele, a alma debaixo de todos aqueles empecilhos?
– Consigo me adaptar a quase tudo – o pai disse com seriedade. – Posso me adaptar a qualquer coisa que queira da sua vida… até certo ponto. O único ponto ao qual
não cedo é que encontre o tipo de amor que eu e sua mahmen tivemos. Isso não é negociável para mim.
Entenda-se: um macho que seja da mesma classe que ela, que possa prover-lhe o mesmo estilo de vida no qual crescera e ao qual estava acostumada.
– Ah, pai – suspirou com tristeza.
– Lamento, é assim que eu sou.
– Eu sei.
Quando o relógio do avô começou a tocar oito vezes no corredor, ela largou a mortalha que fora lançada na sala e se levantou.
– Tenho que sair. – Ajeitou as roupas que escolhera vestir aquela noite. – Vou sair com os meus colegas, e também há esse projeto no qual estamos trabalhando durante
o dia, então, estarei de volta amanhã após a aula, tudo bem? E, sim, terei acompanhantes.
Ao fitá-lo através da sala perfeitamente arrumada, o ambiente de antiga fortuna e distinção que não fora comprado, mas preservado através dos séculos em que sua
família tinha tido dinheiro, caiu-lhe a ficha.
Craeg se sentiria à vontade ali?
Provavelmente não.
– Pai?
– Perdoe-me. – Ele baixou o olhar para os papéis sobre a mesa. – Sim, claro, entendo que tenha coisas a fazer. No entanto, saiba que sua ausência será sentida.
Também saiba que os Irmãos não me contam muitas coisas, porém, aquilo que partilharam… me deixa muito, muito orgulhoso de você.
Aquela dor familiar em seu peito, aquela que acompanhava as suas mentiras, se acendeu de novo quando ela pensou que, de fato, ele não se orgulharia muito dela.
Pretendia perder a virgindade naquela noite, com um macho que ele não aprovaria.
A questão era que os Irmãos não fizeram menção à duração do treinamento ou quanto à perspectiva de a turma se manter unida. E sua necessidade pelo corpo de Craeg
estava deixando-a desesperada, e muito consciente de que o tempo estava passando rapidamente.
Não perderia aquela chance. E tinha a sensação de que, quanto mais tempo ficassem juntos, maior seria a probabilidade de as prioridades de Craeg mudarem também.
Ele estava se apegando a ela.
Ela sentia isso.
Não fossem as omissões para o pai, ela estaria nas nuvens.
– Eu te vejo amanhã depois da aula – ela disse com uma voz seca.
– Estarei aqui. Cuide-se.
– Pode deixar. – Assentiu para o pai. – Prometo, pai.
Capítulo 38
CRAEG NÃO SE LEMBRAVA DA ÚLTIMA vez que saíra “com amigos”. Na verdade, talvez nunca tivesse feito isso.
Depois de vestir os jeans e xingar os furos, disse a si mesmo que devia superar isso. Nunca se ligara em “moda” antes, primeiro porque não teria como comprar, mesmo
que quisesse, e segundo porque preocupar-se com o que vestiria sempre lhe pareceu um crime por desperdício de esforço cerebral.
– Você está tão classe média.
Revirando os olhos, virou-se para Axe e…
– Que porra é essa que você está usando?
O macho parecia ter tido um acesso de esquisitice maior do que o costumeiro, o corpo grande coberto por uma indumentária preta e reluzente, colada ao corpo, que
cheirava a produtos químicos e produzia um rangido estranho quando ele caminhava. Os piercings cobriam as orelhas e o rosto e havia uma corrente ligando um dos lóbulos
ao maldito nariz, pelo amor de Deus.
Mas ele não parecia um maricas, Craeg tinha que admitir. Alguma coisa no desgraçado irradiava agressão, poder, força. Sexo.
Isto é, sexo esquisito.
Axe deu de ombros como se não estivesse usando nada além de um avental de uma granhmen.
– Vou me divertir com o meu pessoal. Se eu não transar logo, vou acabar me matando. Inferno, um pouco mais de tipos certinhos como vocês e eu vou precisar de Cialis
pra levantar o meu equipamento. Vocês estão acabando com o meu fogo.
– Olha só, sem querer ofender, mas você não precisa de uma chama acesa perto dessa “instalação” toda aí.
E nessa hora surgiu a máscara. Claro que era preta, pois ele não podia esperar ver alguma coisa rosa ou verde, podia? E se ajustou às feições de Axe tal qual uma
luva, transformando seu rosto nem tão feio assim de se olhar em algo absolutamente medonho, uma metamorfose em algo que já não era mais vampiro, mas uma coisa de
outra espécie.
Alienígena.
– E pensar que antes eu te achava feio pra cacete – observou Craeg.
– Repito, vocês, normais, estão me matando.
E foi assim que ele e sabe-se lá o que estava ao seu lado saíram do centro de treinamento juntos.
Conforme o ônibus seguia em frente, parando nos portões de acesso, os dois ficaram calados, mas ele tinha a mais absoluta certeza de que ambos tinham a mesma coisa
em mente: Axe evidentemente queria levar logo sua esquisitice a alguma variedade esquisita de gótica, enquanto Craeg tentava desesperadamente se convencer de que
poderia não perder o controle com Paradise.
Aparentemente, aquela reuniãozinha com a turma não deveria significar muita coisa: só iriam a uma boate, onde haveria música e bebida. Com certeza, não seria nada
parecido com o lugar para onde Axe estava indo.
Mas o sexo acompanharia todos os momentos, pelo menos para ele.
Merda, Paradise estava acabando com ele, e ele identificara o principal problema. Desde a primeira noite do programa, ele erguera barreira atrás de barreira para
mantê-la afastada, e cada uma delas desmoronara. Era como se ele tivesse caído ao escalar uma montanha e todos os ganchos que seguravam a sua corda para salvar a
vida tivessem se soltado, um após o outro.
– Sabe, você está com uma cara de merda, e não é só por causa dessa roupa ridícula que está usando – Axe murmurou.
Craeg olhou para o outro lado do corredor.
– Eu pareço ridículo? Você chegou a se olhar no espelho? Eu não sabia que óleo automotivo era uma manifestação de estilo.
– Pare de se esquivar. O que tá acontecendo, meu chapa?
Enquanto seguiam em frente, aproximando-se do ponto onde se desmaterializariam, ele se viu falando:
– Não posso… Você sabe, não é correto.
– O que não é?
– Não posso fazer.
– Ainda estou esperando algum substantivo. Sei que você é um tipo caipirão, mas dizem que eles mesmo assim têm algum vocabulário.
Craeg só sacudiu a cabeça. De jeito nenhum ele desrespeitaria Paradise comentando sobre a vida particular deles, mesmo com um cara como o Axe, que parecia, mesmo
porque era, em suas próprias palavras, um narcisista comprometido e capaz de guardar aquilo para si mesmo.
– Não sei – Axe disse ao esticar as pernas sobre o banco e se encostar na janela. – Ela parece diferente do pessoal dela. Acho que você não tem com o que se preocupar.
Bem, fêmeas eram o total oposto dos machos, não eram?
E, nesse caso, era ele quem estava dando para trás. Não ela. Ela estava pronta para a fase seguinte, e ele suspeitava que ele bem podia estar se escondendo atrás
da virtude dela: mais uma vez protegia a si mesmo. E quando ele pensava em como ela o fazia se sentir?
Ainda parecia um plano inteligente… mesmo que difícil de manter.
Cristo, acabariam ficando sozinhos em algum momento daquela noite. Seria inevitável. E depois de dois telefonemas sexuais com ela, ele estava mais desesperado do
que nunca, era um macho enlouquecido, esfomeado, arfante e com um pau sempre alerta, e orgasmos suficientes para desidratá-lo a ponto de precisar de Gatorade na
veia.
Queria acreditar que sustentaria a sua resolução, queria mesmo.
A questão era que nada o deixava mais míope do que o seu nome saindo dos lábios dela num arquejo.
Uma sílaba e nada elegante, seu nome não era da realeza. Mas só o que ela precisava fazer era dizê-lo e ele ficava perdido, perdido e sem volta. Feito argila nas
mãos dela. Sem nenhum outro pensamento a não ser entrar nela e lá ficar.
Ah, cara, estava com um problemão ali.
Quando Paradise entrou na boate humana shAdoWs, olhou ao redor e… é, não. Música alta a golpeava a ponto de ouvi-la ressoar dentro do crânio. Fachos de laser roxos
e vermelhos cruzavam de um lado para o outro o ar carregado de odores humanos. E os olhares opressores que atraía não eram nada que lhe interessasse.
Sem saber onde Craeg, Boone e Novo estavam, ela caminhou pela multidão, e conforme avançava, machos humanos a avaliavam, a mediam, desejavam prender a sua atenção.
Deduziu que alguns deles podiam ser considerados atraentes, mas era mais como entrar na casa de alguém e notar uma cadeira com uma bonita capa.
O tecido podia ser belo, mas ela jamais a levaria para casa.
Ou, no caso, sentaria na maldita coisa.
A construção que abrigava a boate, tudo levava a crer, fora um armazém, e havia algo de incongruente no espaço de pé-direito de três andares que ainda assim lhe
parecia claustrofóbico. Pensando bem, havia pessoas demais por metro quadrado ali no meio. E como era possível que todos se conhecessem? Todos pareciam estar tocando…
todos à sua volta.
Abrindo caminho por entre a multidão, descobriu que havia bancos ao longo do perímetro de todas aquelas pessoas se retorcendo. Talvez o seu pessoal estivesse ali?
Puxa, será que estava no lugar certo…?
– Oi, meu bem, vem aqui.
Uma mão áspera a agarrou pela cintura e a aproximou de um corpo suado. Encarando o humano, ela tentou empurrá-lo, mas ele a segurou pelos pulsos, puxando-a ainda
mais para si.
– Sei que você quer – ele disse de um jeito arrastado, esfregando o quadril no dela. Ele cheirava a perfume antigo, cigarro velho e fumaça – ou será que aquilo
era maconha? –, e um tipo nada atraente de desespero. – Me dá um beijo.
– Você só pode estar brincando.
– Vem cá, você está a fim. Você sabe que está.
Vai pro inferno, ela pensou.
Com um rápido movimento, soltou o braço direito e o esmurrou na garganta com os nós dos dedos, e quando ele se dobrou ao meio, ela o segurou pelo pescoço e teve
que se controlar para não quebrar o nariz dele com uma joelhada.
Abandonando-o quase sem respirar, ela se virou…
E deu de cara com o peito colossal de Craeg.
– Eu estava vindo te salvar – ele disse secamente. – Mas aprendi em primeira mão que você sabe se cuidar, por isso eu não deveria me surpreender por você não precisar
de mim.
No mesmo instante, tudo na boate mudou. O ar não estava mais sufocante; estava carregado de calor sexual. Os fachos de luz não a cegavam mais; eram cintilantes.
A música não era alta demais, era erótica.
Os humanos ainda eram um incômodo, mas, convenhamos, o amor verdadeiro tem poder só até certo ponto.
Deus, ele estava lindo. Alto e largo, grande e forte, aquele boné dos Orange enfiado na cabeça como na primeira noite em que se viram. Aquela camiseta branca e
simples ressaltando seus músculos. Aqueles jeans… Jesus, os jeans puídos e suaves como a pele que lhe proporcionavam amostras das coxas nos pontos que estavam furados.
– Dance comigo – ela disse ao se inclinar para que ele pudesse ouvi-la acima do barulho.
A aba do boné impedia que ela enxergasse seus olhos, mas ela os sentiu percorrendo a roupa que colocara antes de sair de casa: a blusa de decote baixo, a saia curta
e a jaqueta justa eram só para ele e, evidentemente, cativaram o macho. Ele também parecia apreciar o seu cabelo, que ela deixara solto, e o que ela fizera com a
maquiagem.
– Craeg – ela repetiu –, dance comigo.
– Não posso – ele murmurou.
– Por quê?
– Eu não… você sabe, me mexo dessa forma.
Que mentira, ela pensou, ao se lembrar da sensação dele em cima dela. Ele se mexia muito bem.
– Dance mesmo assim. – Ela agarrou o quadril dele e os aproximou. – Dance comigo.
Movendo-se contra ele ao ritmo da música, ela sentiu a reação imediata, sua ereção despertando, esfregando-se em sua barriga porque ele era muito mais alto do que
ela.
– As pessoas vão saber – ele resmungou, mas as mãos já estavam na cintura dela, apertando, segurando os corpos unidos. – Da turma.
– Quem se importa? Como se eles já não soubessem.
Novo sabia. Inferno, a fêmea era parte do motivo de eles terem se beijado da primeira vez. Peyton? Como já resolvera antes, saberia lidar com ele. Boone? Ele só
se preocupava com o treinamento; ela sequer tinha certeza se o macho sabia os nomes dos colegas. E Axe nem iria ali aquela noite. Assim como Anslam. E nenhum membro
da glymera jamais iria a um lugar como aquele.
Viva o momento, ela pensou, perdendo-se na proximidade dele.
Abaixando a cabeça dele na sua direção, ela sussurrou ao seu ouvido:
– Não estou usando calcinha.
O gemido que o atravessou foi mais alto que a música.
– Me desculpe – ele disse, endireitando-se. – Preciso ir fazer uma coisa.
– Hummm – ela ronronou, imaginando-o no banheiro dando um jeito naquela ereção. – E o que seria isso?
– Tenho que matar todos os homens humanos desta boate que estão olhando para você. Não vai demorar muito, eles são fracos e não conseguem correr rápido.
Jogando a cabeça para trás para gargalhar, ela sentiu o coração elevar-se, ainda mais quando os braços fortes a seguraram com ainda mais firmeza.
Aquela seria a melhor noite da sua vida. Ela podia sentir isso.
Capítulo 39
NO FIM, A CHAVE NÃO ERA ALGO que se inserisse numa fechadura. Era mais um passe tangível que permitia que duas pessoas passassem por uma montanha de seguranças
que ficavam ao lado de uma porta comum que dava numa garagem qualquer numa parte suja da área predominantemente industrial de Caldwell.
Seguindo Butch, mas na frente do trainee que os levara até ali, Marissa descobriu que, com a máscara cobrindo-lhe o rosto, ela tinha uma confiança que, de outro
modo, talvez não sentisse. Havia algo de liberador em esconder as feições quando se vai a um ambiente no qual não saberia se comportar. Significava que você não
precisava monitorar sua expressão, ou fingir autocontrole, para começo de conversa. Além disso, era possível experimentar livremente outra personagem que tivesse
mais condições de lidar com qualquer coisa com que se deparasse.
Porque quem mais saberia a verdade?
Na densa escuridão do clube, a mão reconfortante de Butch esticou-se para trás, para pegar a dela, e no instante em que a conexão foi feita, ela se sentiu ainda
mais confiante. Nada tocaria nela, nem machucaria, ou incomodaria. Não com ele ali.
A primeira coisa que notou foi o som grave a abafado que aumentava, e ela deduziu que fosse a batida do baixo de alguma música. Quando viraram numa curva arquitetônica
estreita, descobriu que o som não era produzido por alto-falantes de um concerto musical. Era o girar rítmico de um esmeril que parecia servir ao único propósito
de…
Ah. Puxa…
Havia uma mulher com as pernas abertas debaixo daquilo, e a máquina a penetrava com…
Desviando o olhar, ela viu um macho apertado numa caixa de acrílico, o corpo nu contorcido, um dos lados abertos para que as pessoas pudessem…
Virando os olhos em outra direção, enxergou uma fila de mesas de exame com pessoas com vestimentas de látex amarradas a elas, enfileiradas, em posições contorcidas,
com seus órgãos sexuais expostos para o consumo de filas de estranhos anônimos.
Muito beeemmmm, estavam num clube de sexo. Isso mesmo.
E o estranho era que o interior parecia ter dezenas de vezes o tamanho do lado externo, devia ter sido conseguido com a demolição das paredes de outros prédios,
e aquela garagem era apenas o começo de um encadeamento de instalações que acabaram unidas. Tudo estava meio escuro, todos estavam fantasiados e mascarados, e o
sexo em todas as suas formas e combinações estava por todos os lados.
Era um experimento não preconceituoso e uma expressão de erotismo atrás do outro, gemidos e grunhidos oferecendo uma trilha sonora de fundo que a música tecno complementava
em vez de encobrir.
De modo muito estranho, ela considerou tudo aquilo curioso, mas nada chocante. Tampouco feio. As pessoas pareciam genuinamente excitadas e, sério, pareciam simpáticas.
Diferentemente das poucas vezes em que esteve em reuniões com humanos em que todos a encaravam, ali as pessoas se olhavam nos olhos e sorriam, como se ela fizesse
parte de… bem, do clube. E quando ela esbarrou em alguém, a reação foi relaxada, nada agressiva.
Tudo parecia tão… normal?
Talvez pela natureza sem remorsos de tudo aquilo. Talvez fosse porque as máscaras escondiam as identidades. Ou quem sabe fosse pelo seu objetivo sério ao estar
ali. Qualquer que fosse a combinação, ela estava aliviada.
Mais no interior do clube, Butch, Axe e ela formaram um círculo. Quando Butch a fitou por trás da sua máscara de esqueleto, ela segurou a mão dele e assentiu, erguendo
os polegares.
Depois que ele retribuiu o aceno, voltou-se para Axe. Os dois se aproximaram e trocaram algumas palavras. Nesse meio-tempo, ela olhou ao redor procurando algum
padrão nas vestimentas que indicasse quem eram os empregados.
Será que a fêmea fora para ali antes de morrer?
Uma série de flashes pipocou à esquerda e ela estreitou os olhos. Alguém estava tirando fotos das pessoas que estavam amarradas a rodas giratórias, incapacitadas,
enquanto homens ejaculavam, as açoitavam e arrancavam sangue delas.
E foi assim que ela percebeu que quanto mais avançavam, mais pesadas as coisas se tornavam.
Será que alguém levou uma brincadeira longe demais com aquela fêmea?, ela se perguntou. Matando-a sem querer?
Depois de se certificar de que Marissa estava bem, Butch partiu para o trabalho, sem se distrair. Aquele momento erótico com ela no vestíbulo da mansão fora sexual
para ele. Tudo aquilo ali no clube? No que se referia a ele era o mesmo que um cortador de grama. Uma tigela de cereais. Um livro de química. Enquanto começara a
desenvolver uma estratégia na cabeça, estava de volta ao seu antigo trabalho, o cérebro entrando numa roupagem mental que imediatamente o deixava ultra-alerta e
profundamente apartado do seu ambiente.
E para aumentar suas chances de sucesso: estivera debatendo consigo nas duas últimas noites se devia ou não contar a Axe o real propósito de estarem naquele clube.
O pró era que talvez conseguissem alguma informação mais rapidamente; o contra, ele poderia acabar alertando o assassino, direta ou indiretamente.
Só que estivera analisando a gravação da entrevista deles no escritório uma centena de vezes, e simplesmente não conseguia pensar que o macho tivesse algo de homicida
dentro dele. Numa luta? Sim, claro. Axe era um filho da mãe durão nos treinos, capaz de esmagar oponentes na luta de braço, mesmo que eles fossem mais altos e mais
fortes – e era letal na mira com armas e adagas, nunca hesitando em puxar o gatilho ou lançar para matar.
Mas esse era um cenário totalmente diferente da brutalização de uma fêmea. E por trás de toda aquela aparência gótica implacável, ele não era nem cruel, nem insano.
– Então, eu menti – disse perto do ouvido de Axe para que ele o ouvisse apesar dos gemidos e da música tecno.
– Ah, é mesmo? – o lutador rebateu.
– Eu só estava seguindo o seu exemplo.
– Sinto-me honrado.
– Não consegui a chave com um amigo. Ela foi tirada de uma fêmea que foi espancada até morrer. Estou aqui para descobrir quem a matou, e vou precisar da sua ajuda.
Axe se retraiu. E depois estreitou os olhos. Voltando a se aproximar, disse:
– Como sabe que não fui eu?
– Não sei. – Butch sustentou o olhar do cara. – Não faço a mínima ideia.
Concentrando-se no olhar por trás da máscara, ele esperou para ver o que aquelas pupilas fariam. Com o estímulo extra ao redor dele, e o fato de as feições estarem
escondidas, era muito mais provável que o cara tivesse alguma reação nervosa.
Em vez disso, ficaram firmes como rocha.
O que respaldava os instintos de Butch quanto ao cara não estar mentindo sobre nunca ter presenciado alguma morte.
– Não fui eu, a propósito – declarou o macho. – Nunca matei ninguém.
Butch assentiu.
– Foi o que imaginei. Você tem uma boa consciência, provou isso com o que sentiu com a morte do seu pai. O seu gosto por moda, por outro lado, é uma tragédia.
– Foi o que te fez entrar aqui.
– Verdade, verdade. – Butch olhou ao redor. – Então, quem é o encarregado aqui?
– Espere, me conte mais sobre a fêmea. Talvez eu a tenha visto. Ela era uma de nós?
– Era. E não sei muito mais do que isso. Estava sem identidade, só tinha aquela chave. Conseguiu se desmaterializar até o Lugar Seguro, que foi onde a minha Marissa
a encontrou. – Quando Axe olhou para a sua companheira, o cara pareceu mortificado que alguém, especialmente uma fêmea, tivesse sido exposto a tal horror. – Ela
já havia passado pela transição, tinha cabelos escuros e olhos azul-escuros. É só o que sei.
– Merda.
– Isso mais ou menos descreve meus sentimentos.
Não pela primeira vez, Butch desejou que alguém tivesse tirado uma foto dela, mesmo depois de morta. Deus, desejou ter fotos dos ferimentos, amostras de esfregaço
sob as unhas, uma busca cuidadosa por fibras nela e nas roupas. Mas nada disso fora feito, claro. Mais uma vez, a raça vampírica não tinha um procedimento padrão
para lidar com situações como aquela.
E era engraçado, nunca pensara na fraqueza da sociedade antes. Estivera ocupado demais lutando na linha de frente para se preocupar com os problemas dentro da raça.
Cara, alguns procedimentos investigatórios simples poderiam ajudá-los muito.
Axe se sacudiu como se tentasse se concentrar.
– Com relação aos funcionários, procure o vermelho nas fantasias. Eles costumam ficar à margem, a menos que haja alguma violação da política de conduta ou se a
situação sai muito do controle; nesse caso, eles põem um fim no que quer que seja. E quanto a “fora do controle”, me refiro a mais do que sangramentos casuais.
– Existem câmeras?
– Provavelmente, mas eu não saberia dizer onde estão ou como chegar a elas.
Ou como passar pelas centenas de horas de filmagens, que era o que se acabava fazendo, dado o tamanho daquele lugar e a quantidade de noites que se passaram.
Merda.
Acabavam de chegar ao território da agulha no palheiro. E, levando-se em consideração o que estava em jogo ali, aquilo era tão tranquilo quanto uma adaga no pescoço.
Mesmo assim, ele já triunfara sobre probabilidades ruins antes.
– Vamos mais para dentro – disse ao envolver com o braço sua shellan. – Precisamos ver tudo.
Capítulo 40
– ELES TÊM UNS LUGARES… uns lugares para os quais podemos ir.
Enquanto falava junto ao ouvido de Paradise, Craeg estava bem ciente de quão perto do limite se encontrava. Contudo, quanto mais ela dançava contra o seu corpo,
mais o sexo tomava conta do seu cérebro, jogando para escanteio o seu bom senso e a sua racionalidade, fazendo com que se sentisse um homem das cavernas. Nada de
calcinha? Caraaaalho. Precisava muito colocar as mãos em mais dela, por isso, sim, estava na hora de desaparecerem nos fundos, onde Novo lhe dissera que havia banheiros
privativos que podiam ser utilizados. Afinal, seria a única maneira de terem um pouco de privacidade naquela noite. Paradise teria que voltar para casa antes do
amanhecer, e ela não poderia levá-lo junto, não sem abrir o jogo sobre ele, o que colocaria o pai dela e eles dois numa situação constrangedora e prematura.
Além disso, o inferno congelaria antes que ele a levasse ao lixão em que morara.
Merda, se não gozasse logo, perderia o controle.
Dentro das calças.
– Mostre o caminho – ela gemeu.
Segurando-a pela mão, ele a conduziu pela multidão. Ao passarem pelo reservado em que Novo fazia uma dança erótica no colo de Boone – e muito possivelmente provocava
a primeira ereção do cara –, Craeg dispensou um aceno para a fêmea e recebeu outro em troca.
Junto com um olhar de que sabia muito bem o que estava para acontecer.
Os “banheiros” privativos ficavam sob um segundo piso parcial do lado norte, e quando entraram num corredor mal iluminado com paredes pretas, ele descobriu incontáveis
portas fechadas. Discretas plaquetas de Ocupado estavam nas maçanetas das sete primeiras. Oito foi o número da sorte.
Segurando a porta aberta para Paradise, grunhiu quando ela passou por ele ao entrar no pequeno espaço azulejado. Havia um vaso sanitário, uma pia… um banco – e
o cômodo estreito e curto estava surpreendentemente limpo. Observando bem, havia um ralo bem no meio do piso e um esguicho no teto.
Eles deviam lavar o espaço todas as noites.
Certificando-se de trancar bem a porta, agarrou-a e a puxou para junto de si, as palmas ávidas enfiando-se pela roupa dela, sentindo o volume dos seios, a suavidade
das nádegas, o calor, o maldito calor úmido de sua intimidade. Ele a beijava descontrolado e mais do que pronto, ela o correspondia com o mesmo ardor e, Deus, alguém
podia jurar que não tinham passado três horas atiçando um ao outro pelo telefone pouco tempo antes.
Mas pessoalmente… Pessoalmente era outra coisa.
E ela foi recuando, levando-o consigo, levando-o até a pia.
Com a graciosidade de uma dançarina, apoiou a bunda na bancada… suspendeu os joelhos e afundou os saltos contra a parede da alcova estreita.
Dando-lhe uma visão espetacular das botas de cano alto e aquele sexo nu, liso e molhado.
– Você sabe o que eu quero – ela disse. – E, para variar, não é a sua boca aí.
Com as pernas bambas, ele ficou agudamente ciente de que o momento chegara: sua força de vontade estava reduzida a um toco, o desejo sexual era um motor rugindo
que não o deixava pensar direito, e puta que pariu… o que ele estava vendo agora…?
– Tem certeza? – murmurou. Enquanto descia o zíper.
– Quer que eu implore?
– Não, porque senão vou começar a gozar agora.
Relanceou a vista ao redor e não viu nenhuma câmera. Mas isso não significava que essas porras não pudessem estar escondidas em algum lugar.
– Eu queria que houvesse outro lugar pra gente fazer isto.
– Acha que eu me importo com o lugar em que estamos?
Dito isso, ela abriu a blusa, afastou as abas e abaixou os bojos do sutiã, oferecendo os seios empinados e túrgidos para ele. Sua cabeleira loira derramava-se ao
redor dos ombros, os olhos azuis semicerrados, e quando ela lambeu os lábios, a ponta do pau dele formigou como se fosse explodir.
– Por favor – ela gemeu, arqueando-se como se estivesse em agonia.
E foi só o que bastou.
Quando o membro ereto se lançou para fora do zíper dos jeans, ele aparou seu peso numa das mãos e diminuiu a distância entre eles. Cacete, não conseguia acreditar
que aquilo estava acontecendo de verdade. Não a parte do sexo; Deus bem sabia que ele já fizera aquilo antes.
Era a parte do sexo com ela que o afetava.
Ainda mais quando ele viu sua ponta perto de tudo o que ele mais queria. Fechando os olhos por um instante, quis dizer algo que fosse certo para ela, olhá-la de
uma maneira que demonstrasse que reconhecia que era muito importante fazer qualquer coisa que transformasse aquela experiência com um simples trabalhador no mesmo
evento reverente e venerável que a coisa toda seria para ele.
– Sim, eu quero isto – ela disse com suavidade. – Quero isto com você. Só com você.
Levantando as pálpebras, fitou-a em seus olhos hipnotizantes e algo estranho aconteceu. De encontro às batidas do baixo e das centenas de humanos e do desespero
que latejava em suas veias, ele sentiu uma abrupta diminuição de velocidade.
Faça isto valer a pena, ele disse para si mesmo. Torne isto especial para ela.
Guiando a cabeça do órgão para o sexo dela, esfregou-a para cima e para baixo nele; ela estremeceu e, depois, mordeu o lábio com as presas.
As coxas dela começaram a tremer. A respiração se acelerou. Seu cheiro ficou mais pesado, mais pungente.
Com um grunhido, ele abriu o sexo dela, mas não conseguiria se conter por muito mais tempo. Estava prestes a gozar em cima dela.
Arqueando-se sobre ela, amparou o próprio peso numa mão.
– Vou devagar. – Essa foi a última coisa racional que disse.
Paradise estava tão pronta para aquilo, seu corpo tão fluido e tenso de expectativa… E quando o sentiu se esfregar em seu sexo quase gozou.
Havia tantos motivos para não fazerem aquilo, tantos argumentos racionais pelos quais ela deveria esperar pelo momento certo, por uma ocasião melhor, um lugar mais
estável em sua vida e na de Craeg. Mas se os ataques lhe ensinaram uma coisa foi que o tempo era um luxo que nenhum mortal podia desperdiçar.
E as palavras do pai para ela antes que saísse de casa soaram não como o aviso que ele quis que fosse, mas como uma declaração de um objetivo que ela precisava
abraçar.
Estava apaixonada por aquele macho. Sim, fazia pouco tempo que o conhecia, e sim, aquilo era loucura, mas não, ela jamais sentira nada parecido com aquela conexão,
e do que mais poderia se chamar aquela emoção? Também não, não poderia controlar se Craeg ficaria ou se iria embora na semana que vem, no mês que vem, no ano que
vem, mas ele estava ali com ela agora.
E isso era mais do que ela podia esperar.
Abruptamente, percebeu uma ligeira pressão, a cabeça túmida do membro dele pressionando-a por dentro. E ele começou a massagear a parte superior do seu sexo com
o polegar, enlouquecendo-a, fazendo-a sentir o calor eletrizante, excitante, ardente que ela já sabia ser o precursor do clímax que o seu corpo tanto desejava.
Puxando-o para si, aproximou os lábios dele dos seus e o beijou forte, metendo a língua em sua boca e movendo-a sensualmente. Não tinha medo de nada. Talvez devesse
ter, mas quase desejou deixar aquela parte para trás a fim de que a conexão erótica pudesse se expressar livremente.
O quadril de Craeg começou a avançar e a recuar, avançar e recuar, a ereção avançando cada vez um tantinho mais.
Em seguida, ele a deslocou, reposicionando-lhe a pelve.
Seus dedos voltaram para ela, esfregando-a num movimento circular, enquanto o próprio corpo curiosamente se imobilizava. Ela estava prestes a protestar, mas logo
as sensações foram fortes demais e seu cérebro perdeu o posto de comando quando ela começou a gozar…
Naquele instante, com uma estocada poderosa e forte, ele penetrou a barreira que se rompeu sem nenhuma dor.
O corpo inteiro dele começou a tremer, e o tremor foi transmitido para ela a partir do ponto em que estavam unidos. E logo ele começou a se mover dentro dela, mais
e mais fundo, com movimentos mais rápidos. Grosso, ele era tão grosso e aquela sensação de preenchimento era… incrível. E tinha também a sensação da boca dele atacando
a sua enquanto ele a penetrava.
Não importava o que o futuro lhes reservava, nada mudaria o fato de que ele fora o seu primeiro.
Quando ela atingiu o orgasmo, ele também atingiu.
Sim, foi tão lindo e perfeito quanto ela poderia ter desejado. Mesmo estando numa boate de humanos, num local público, com centenas de desconhecidos do outro lado
daquela porta fina… foi o paraíso. Estar com a pessoa certa era isso, não?
Capítulo 41
QUANDO CRAEG POR FIM PAROU, Paradise se largou para trás na pia, e apesar de a torneira bater em sua coluna e da dureza do espelho contra a cabeça, ela não se importou.
Estava flutuando, zarpando… pelo menos até olhar para baixo e ver, na junção das suas pernas abertas, que o quadril dele a pressionava, e que uma parte dele estava
enterrada dentro dela.
Paraíso.
Uma pena que ele parecesse preocupado, como se, por exemplo, estivesse pensando que ela houvesse desmaiado porque a machucara ou algo assim.
Queria tranquilizá-lo, dizer-lhe o quanto aquilo fora incrível, mas a sua mente estava tão fora de si que não permitia que ela se expressasse coerentemente, por
isso pôs tudo isso num sorriso.
– Deus… – ele sussurrou. – Você está tão linda agora.
Forçando-se a se concentrar, ela murmurou:
– Estou feliz que tenhamos feito isto. Quando podemos repetir?
– Amanhã à noite. Mas você vai estar dolorida. É normal.
– Vou passar o dia no centro de treinamento.
As sobrancelhas dele se ergueram.
– Vai?
– Eu tinha planos para te seduzir.
– Ora, quem sou eu para atrapalhar um objetivo seu.
Quando ele se inclinou e a beijou, ela sentiu uma momentânea pontada de ciúmes ao se dar conta de que ele já fizera aquilo com outras fêmeas, talvez até na primeira
vez delas também, o que explicava o motivo de ele ser tão bom no negócio. Mas não, esses pensamentos não eram bem-vindos naquele espaço.
Ali só havia lugar para eles. Nada mais era permitido.
– Que tal se a gente fizer isso de novo agora? – ela sugeriu, movendo o quadril de modo que seu sexo o atiçou.
– Paradise… Tem certeza de que está bem?
Ela gemeu um siiiiimmm em resposta, e depois apoiou as mãos na pia e usou o que lhe restava de forças no corpo para que os movimentos entre os corpos recomeçassem.
E, veja só, funcionou.
Num piscar de olhos, ela foi levantada da pia e se viu nos braços de Craeg, as pernas ao redor dele, os braços sobre os ombros fortes e os tornozelos cruzados atrás
de seu traseiro.
Com uma pegada forte, as mãos dele a moveram para cima e para baixo sobre sua ereção, mais rápido e mais forte do que da primeira vez. Para ajudá-lo, não que ele
já não estivesse se saindo bem, ela o acompanhou, duplicando os movimentos.
Mais orgasmos, desta vez um após o outro, o cabelo dela se lançando sobre os rostos dos dois, um cheiro apimentado forte rugindo do corpo dele, o prazer misturando
as almas de uma maneira que parecia permanente.
Quando finalmente terminaram, ela se largou sobre o tronco dele, mole como um pano, quente como um forno, tonta como se tivesse corrido um milhão de quilômetros.
E foi nessa hora que seu celular tocou.
Quando a campainha ressoou dentro do bolso da sua jaqueta, ela levantou a cabeça.
– Só pode ser brincadeira.
Deixando quem quer que tivesse ligado cair no correio de voz, voltou a se concentrar e sorriu para Craeg. Deus, adorava quando seus rostos ficavam próximos assim,
quando ela conseguia enxergar cada cílio dele individualmente, e o calombo do nariz e a sombra da barba que já estava crescendo.
– Oi – ela sussurrou.
Para variar, os lábios devolveram a gentileza e havia nele uma timidez terna enquanto sorria.
Esticando a mão para o rosto dele, ela sussurrou:
– É assim que eu sempre vou me lembrar de você.
Nos recessos da mente, ela pensou… que estranho. Por que estava se despedindo dele? Aquilo era apenas o começo…
O telefone começou a tocar de novo.
– Desculpe – ela disse, franzindo o cenho. – Espero que não haja nada errado.
Virando-se para pegar o aparelho no bolso, estava muito ciente de que ainda estavam unidos. E quando olhou para a tela, praguejou.
– Fala sério, Peyton… – Murmurou ao enfiar o aparelho de novo onde estivera. – Ele deve saber que a gente está aqui atrás. Ele adora perturbar as pessoas.
– Finalmente acabou aparecendo, hein?
– Você sabe que ele é como um irmão para mim… Sabe mesmo, de verdade?
– Sim, na verdade, sei, sim.
Quando o celular voltou a tocar pela terceira vez, ela cerrou os dentes.
– Meu irmão completa e absolutamente irritante.
– Atenda e ele para. – Craeg rolou o quadril e a fez gemer. – Não vou a parte alguma.
Apertando o botão para aceitar a chamada, levou o aparelho à orelha.
– Será que você pode parar…
– Parry…?
No instante em que ela ouviu a voz dele, franziu o cenho. Durante todo o tempo em que o conhecia, sua voz nunca soou assim. Perdida… como a de um garotinho.
– Peyton? O que aconteceu?
– Uma coisa muito ruim aconteceu, Parry. Tem sangue… em toda parte…
– O quê? – Ela afastou o corpo, e Craeg a abaixou imediatamente. – Peyton! Onde você está?
– No apê da minha prima… a minha prima… aquela que supostamente estava sumida…
Paradise encarou Craeg muito séria.
– Peyton, Craeg está comigo e nós estamos a caminho. Mas onde você está?
Quando ele balbuciou o endereço, ela o repetiu e depois passou o aparelho para Craeg.
– Tenho que me limpar. Fique no telefone com ele, não deixe que ele desligue.
Dez minutos mais tarde, Craeg entrava em um elegante prédio de apartamentos de humanos com um toldo verde-escuro na entrada, um vestíbulo de mármore e um porteiro
com uniforme da mesma cor do toldo externo.
Enquanto ele hesitava e esperava ser expulso ou obrigado a se submeter a uma vistoria de todas as suas cavidades antes de sair do capacho em que se lia “Bem-vindo”,
Paradise foi direto para a recepção.
– Olá – ela disse num tom absolutamente calmo e racional. – Meu amigo Peyton veio visitar Ashley Murray, e pediu que nos juntássemos a ele.
– Ligarei para lá – respondeu o homem, apanhando o interfone. – Alô? Sim, é da recepção. O senhor está… Perfeito. Eu os farei entrar. – O porteiro indicou os elevadores
com a cabeça. – Vão em frente.
– Muito obrigada – agradeceu com suavidade e estendeu a mão.
A princípio, Craeg não entendeu por que ela fazia aquilo, mas logo percebeu que ainda não havia se afastado das portas giratórias da entrada.
Apressando-se, ignorou o porteiro e manteve a cabeça baixa, porque uma coisa era uma bela fêmea, mas ele estava bem ciente de que tinha cinco vezes o tamanho dela
e devia ser visto com suspeita. No entanto, chegaram ao elevador, e depois subiram até um andar bem alto.
A primeira coisa que viram ao fim do comprido corredor bege foi Peyton lá longe, sentado no carpete, com o celular ainda nas mãos.
O ar estava carregado do cheiro de sangue para o faro de Craeg, mas provavelmente não seria notado por um humano.
Paradise se apressou e se ajoelhou junto ao cara.
– Peyton?
Ele só olhou para ela depois que ela lhe tocou no ombro: seu rosto estava branco como cera, e os olhos, arregalados demais.
– A coisa está feia.
– Ela… está lá?
– Não. Mas o quarto… Santo Deus, o quarto.
Craeg a deixou com o amigo e empurrou a porta. No mesmo instante, o cheiro de morte ficou mais forte e se intensificou ainda mais quando ele entrou num cômodo aberto,
com carpete branco de parede a parede, um sofá branco e janelas altas que, devido à ausência de cortinas, impediriam um vampiro de morar ali.
Frio, o cômodo estava muito frio. Havia uma corrente de ar gelado soprando pelo apartamento.
Relanceando a vista para a direita, não notou nada de extraordinário na cozinha anexa, nenhuma bagunça, tudo guardado, um cesto de frutas frescas… Não, espere,
risque isso, as maçãs eram de plástico.
Um corredor seguia em frente, e havia uma única luz acesa ao fundo. Dirigindo-se para lá, cruzou uma chique passadeira.
Virando no fim, parou na porta. Do outro lado, uma cama queen size estava tão manchada de vermelho que era como se tivessem despejado tinta sobre a colcha e os
lençóis brancos, sobre os travesseiros e a cabeceira.
Também havia mais no chão, marcando uma trilha que ia…
A porta de correr envidraçada dava para uma espécie de balcão que estava aberto – e enquanto as cortinas finas balançavam ao vento, marcas ensanguentadas de mãos
no vidro e na soleira eram expostas e depois encobertas, expostas e encobertas.
Virando-se para a cama, notou as drogas nas mesinhas de cabeceira: seringas, colheres, pedaços de papel-alumínio. Não havia preservativos. Nem armas. Nada de pessoal:
nenhuma fotografia, recordação ou bagunça. Aquele era um lugar reservado para transar e se drogar, e para sair antes do amanhecer. Mas era um lugar caro.
– Ai, meu Deus…
Ao ouvir o som da voz de Paradise, ele olhou por sobre o ombro.
– É melhor você não entrar aqui.
Ela entrou mesmo assim, e ele não poderia dizer que ficou surpreso.
– Onde está o Peyton?
– Aqui – disse uma voz atordoada na soleira.
Enquanto os três estavam parados no meio do quarto, ele tinha quase certeza de que pensavam a mesma coisa: ninguém sobreviveria a algo assim. Ninguém.
– Preciso ligar para o meu pai – Paradise disse com firmeza. – Isto está muito além de algo que a gente possa cuidar.
Craeg balançou a cabeça quando ela pegou o celular.
– Não, precisamos ligar para a Irmandade.
Peyton explicou:
– É por isso que ela está ligando para o pai.
Quando Paradise levou o aparelho à orelha e começou a andar, Craeg se mostrou confuso:
– O quê?
Peyton deu de ombros.
– O pai dela é o Primeiro Conselheiro do Rei. É o mais correto a fazer.
A princípio, foi difícil traduzir o significado daquelas palavras, a sequência dos substantivos e verbos e outras coisas entraram por um ouvido e saíram pelo outro.
Mas depois que ele as repassou pela cabeça algumas vezes… sentiu um frio estranho percorrer seu corpo inteiro, da cabeça aos pés. O coração saltou dentro do peito.
Parou. Voltou a bater num ritmo descompassado.
Craeg desviou o olhar para Paradise e ouviu de muito longe quando ela começou a falar num tom de urgência. Nunca se detivera no sotaque dela antes, porque sempre
se distraíra devido à sua atração. Mas agora… a cadência, o tom, a inflexão… eram como os de Peyton. E não por ela ter impostado a voz, fazendo algum tipo de imitação.
Numa voz sumida, ele disse:
– Ela não é só uma recepcionista na casa de audiências, é?
Quando o celular de Butch começou a tocar junto ao corpo, ele estava pronto para ignorá-lo, deixando a mensagem cair no correio de voz; afinal, estava num clube
de sexo tentando descobrir pistas sobre um maldito homicídio, pelo amor de Deus. Mas quando a coisa não parou de tocar, ele a pegou e atendeu.
E não conseguiu ouvir o que Vishous dizia por causa da música tecno.
– O quê? Alô?
Depois que a ligação foi interrompida, uma mensagem do Irmão pôs fim à confusão. A mensagem era curta e direta, nada além de um endereço num bairro bom da cidade,
o número 18 e um período de tempo: 5 minutos.
Era o código que usavam quando estavam lutando e em apuros.
– Temos que ir – ele disse alto. Virando-se para Marissa, pegou-a pelo braço e falou mais alto: – Temos que ir embora. Agora.
– O quê? – Ela retesou o corpo. – Mas tem mais ali na frente.
Quando ele simplesmente sacudiu a cabeça e a encarou, ela parou de discutir.
– Ei, Axe – ele chamou. – Temos que ir. Você vai ficar bem?
O cara se aproximou.
– Pensei que vocês queriam ver tudo.
– Mais tarde. Te vejo no centro de treinamento.
A partida na verdade demorou bem mais do que os cinco minutos, enquanto prosseguiam pelas diversas estações de sexo e quartos temáticos como se estivessem tentando
encontrar a saída de "50 Tons do Labirinto Cinza". Assim que se viram no ar frio da noite, longe dos ouvidos dos leões de chácara e do pessoal da fila para entrar,
Butch disse:
– Tenho que cuidar de um lance que parece assassinato e…
O celular tocou de novo e ele atendeu.
– V., estou a caminho, só vou deixar a Marissa…
O Irmão falou rápido, foi direto ao ponto e muito sucinto e, assim que a ligação se encerrou, Butch abaixou o celular devagar e fitou Marissa.
– Acho melhor você vir também.
– O que foi?
– Podemos ter descoberto quem era a fêmea assassinada.
Minutos depois, encostaram o Lexus diante de um elegante prédio de apartamentos a um quarteirão de distância do Commodore. Apagando a memória de um humano, logo
entraram no elevador e depois atravessaram o corredor que fedia a morte. V. os aguardava.
E o Irmão recuou assim que os viu.
– Mas que porra é essa…? E, a propósito, vocês estão gostosos pra cacete.
Butch arrancou a máscara.
– Dá pra sentir o cheiro de longe.
Levantando as mãos para remover a própria máscara, Marissa deu um passo para trás.
– Ai, meu Deus… é ela. Esse é o cheiro dela.
V. os conduziu pelo apartamento impessoal até um quarto praticamente desprovido de móveis, que o fez se lembrar dos seus tempos na Polícia Metropolitana de Caldwell.
Merda, o primeiro impulso de Butch foi o de se colocar entre a sua companheira e todos aqueles sinais de homicídio violento. Não mais. Matava-o ter que expô-la a
isso, mas ela tinha razão. Ela tinha que estar ali.
Com a coluna reta e os olhos límpidos, ela foi direto para a cama e, merda, a imagem dela de costas para ele enquanto fitava a colcha e os travesseiros encharcados
de sangue lhe provocaria uma nova categoria de pesadelos.
Praguejando, relanceou a vista para Paradise, que estava ao lado de Peyton, e depois viu Craeg, mais distanciado. Por fim, avaliou a cena, observando tudo o que
havia e o que não havia no quarto.
– Quem chegou primeiro? – perguntou.
Peyton levantou a mão.
– Fui eu. A minha prima, Allishon, usava este lugar para… bem, você sabe. Ela o aluga sob um nome humano. Eu telefonei para o celular dela algumas vezes para que
se juntasse a nós. Os pais dela contaram para os meus que ela estava incomunicável há… não sei, algumas noites, uma semana talvez, mas isso é até normal. Quando
ela não me retornou as ligações, pensei em dar um pulo aqui, porque achei que ela devia estar numa farra das pesadas. Entrei pelo terraço, porque é assim que costumo
fazer… e é isso.
– A porta estava destrancada? – Butch perguntou ao afastar as cortinas esvoaçantes e inspecionar as marcas na maçaneta.
– Estava aberta. Mas se o sol a tivesse atingido, teria deixado marcas de queimado, certo? Então, talvez ela… – Deixou a frase sem concluir ao encarar a cama manchada.
– Ela não está bem, está?
Marissa puxou o capuz de látex para trás na cabeça, deixando-o pendurado no pescoço. Aproximando-se do macho, segurou-lhe as mãos.
– Sou a shellan de Butch, Marissa. Sou a diretora-executiva de um abrigo para fêmeas que sofrem violência doméstica. Ela nos procurou…
– Então ela está lá? Ela está viva!
Marissa meneou a cabeça lentamente.
– Lamento muito. Chamei meu irmão, Havers, e ele tratou dela com todos os recursos de que dispunha. Ela não sobreviveu.
Os olhos de Peyton se voltaram para a cama e ele se calou. Depois, sussurrou:
– Isso vai acabar com os pais dela. Já perderam o meu outro primo nos ataques. Não lhes restou nenhum filho.
– Então aquela porta estava só destrancada ou aberta mesmo? – Butch perguntou. – Não quero ser insensível, mas esta é uma cena de crime e quem quer que tenha feito
isso com ela… Temos que encontrá-lo e prendê-lo com pregos a uma maldita parede.
Peyton sacudiu a cabeça.
– Sim, não… Quero dizer, ela era meio porra-louca. Vivia farreando. Mas não merecia… – Pigarreou. – A porta estava aberta. Tenho certeza.
Butch seguiu as marcas e manchas no carpete.
– A única explicação é que ela tenha, de algum modo, usado suas últimas forças para sair daqui e se desmaterializar para o Lugar Seguro.
– Como ela sabia como chegar lá? – Paradise sussurrou. – Quero dizer… Bem, graças a Deus…
– Ela deve ter ficado sabendo sobre nós de alguma maneira – Marissa respondeu. – Eu só queria que pudéssemos tê-la salvo.
V. entrou no quarto.
– Acabei de receber uma mensagem do Tohr e do Rhage. Estão lutando e a coisa está feia. Preciso cobrir a retaguarda. Butch, você tem que vir comigo. É uma emergência.
Butch cerrou os dentes e soltou uns palavrões cabeludos. Mas depois olhou para Marissa.
– Você está bem?
Encarando-o, ela disse com firmeza:
– Contanto que a gente encontre quem fez isto, eu vou ficar muito bem.
Ele lhe deu um abraço rápido e forte e sentiu orgulho se espalhando pelo peito. E depois lhe deu algumas instruções de tarefas tristes que ela teria que executar.
– Quero uma lista das pessoas que ela conhecia, humanos e vampiros, que você vai conseguir com ele. – Apontou para Peyton. – Depois, fotografe tudo com o celular.
A porra do lugar inteiro. Não toque em nada, não mexa em nada. Tranque todas as portas que puder. Saia pelo terraço. Em seguida, vá para a casa dos pais dela. Eles
têm o direito de saber hoje à noite.
– Cuidarei disso tudo – ela garantiu.
Sim, ele pensou, ela cuidaria.
Deus, como a amava. Odiava aquela situação… Mas cara, como a amava.
Um beijo mais… e foi na direção do carro, tentando mudar o foco de um tipo de emergência para outro.
Capítulo 42
ENQUANTO MARISSA CONVERSAVA COM PEYTON sobre a prima e com quem ela se associava, Paradise pegou o celular da fêmea emprestado e percorreu o apartamento todo, tirando
fotografias. A cada imagem capturada, ela pensava no que sabia sobre a garota morta. Tecnicamente, Allishon também era sua prima e, apesar de ser um parentesco muito
mais distante do que o de Peyton, a perda ainda era muito lamentada.
Ainda mais por ter visto aquela cama.
Deus… Quanta violência.
Em uns quinze minutos, cobrira o quarto, o banheiro, o corredor e a sala de estar, e já estava indo para a cozinha quando viu algo caído no chão.
Como o lugar era todo branco, um vislumbre de cor próximo à extremidade do sofá de fato chamou sua atenção.
Agachando-se sobre os calcanhares, puxou… uma antiga foto feita por uma Polaroid.
Franzindo o cenho, percebeu que era… vermelha e rosa. Igual àquela que encontrara no ônibus.
Aquela que colocara dentro da mochila depois que Peyton dissera não ser sua.
– O que foi? Por que está curvada assim? – Peyton perguntou. – Paradise? Vai vomitar?
Ela se levantou e foi para junto dele.
– É uma foto… – Quando lhe mostrou, ela ficou se perguntando se não estava chegando a conclusões precipitadas. Talvez houvesse outra explicação. – Hum… É igual
a que encontrei… Você sabe, no ônibus.
– Tanto faz. Terminou de fotografar? Temos que ir falar com os pais da Alli agora. Preciso terminar logo aqui antes que eu enlouqueça com tudo isso.
– Só um segundo… – Enfiou a foto na jaqueta sem pensar e foi registrar as imagens da cozinha. – Estou quase terminando.
– Ela está com as cinzas – Peyton murmurou numa voz emocionada. – Marissa.
Paradise abaixou o aparelho.
– Ah… Meu Deus…
– Ela acabou de sair para ir trocar de roupa e pegá-las antes que você e eu a encontremos lá. Queria ter um baseado comigo. Não pensei… – Começou a abrir gavetas.
– Ah! Que alívio.
Quando ele pegou uma garrafa de vodca e a enfiou dentro do casaco, ela quis lembrá-lo de que não podiam mexer em nada, mas convenhamos… Até parece que ela encheria
o saco dele por não seguir as regras numa noite como aquela.
– Peyton, o que mais posso fazer?
Os olhos dele se voltaram para os dela.
– A vida é o que é. Mas obrigado por vir aqui.
Assentindo com gravidade, ela tirou uma última foto da pia vazia e das bancadas nuas.
– Pronto. Hum… Onde está o Craeg?
– Ainda está no quarto.
– Peyton… Eu sinto muito.
Deram alguns passos um na direção do outro e se abraçaram com força. Ela queria lhe dizer que tudo ficaria bem, mas isso já não era verdade.
– Eu te amo – ele disse.
– Te amo também.
Afastando-se dele, foi até a porta de entrada do apartamento, trancou-a usando a mente e depois voltou com ele para o quarto.
Craeg ainda estava no mesmo lugar de antes, e quando ela se aproximou, apoiou a mão no braço dele.
– Você está bem?
– Sim. – Virou-se para Peyton, interrompendo o contato. – Cara, se precisar de alguma coisa… Estou aqui pro que precisar.
Peyton se aproximou do macho e os dois deram um abraço forte, e depois todos foram para o terraço, para o vento frio que soprava do rio.
Peyton foi o primeiro a sair. Depois, Craeg se virou para ela.
– Noite longa… É melhor eu voltar. Peyton ligou para o centro de treinamento para mim com seu celular e eu preciso ir para o ônibus o quanto antes.
– Ah… Tudo bem. – Mas o que é que ela esperava? Acontecera uma tragédia. Agora não era o momento para longas despedidas românticas, pelo amor de Deus. – Então…
Bem, acho que a gente se vê à noite? Mas vai me ligar de manhã, não vai? Vou me trocar, e depois ajudar o Peyton a contar para a família.
– Que bom que você conseguiu falar com o seu pai.
– É, ele é sempre prestativo.
– Posso apostar.
– Isso tudo é tão… horrível. – Quando piscou, viu a imagem da cama ensanguentada. – Tão medonho, tão horrível. Quem será que fez isso?
– Butch vai descobrir.
– Espero que sim. Espero mesmo.
– Tenho que ir.
– Ah… Tudo bem. – Espere, ela já não havia dito isso? – Você está bem?
– Estou bem. Não se preocupe comigo. É melhor você ir também.
Por algum motivo, ela teve a necessidade premente de dizer que sentia saudade dele, mas isso era absurdo. Ele estava a meio metro de distância. E se falariam em
algumas horas. E ela o veria na noite seguinte.
– Tenha um bom dia – ela disse.
Quando ele assentiu, ela fechou os olhos… Acalmou-se… E se foi com o vento.
Por tantos motivos, aquela partida estranha não fora o modo como imaginara a noite terminando. Nem perto disso.
Craeg não esperou muito tempo. Assim que Paradise se desmaterializou, ele foi logo atrás, viajando no vento, usando o seu sangue nas veias dela como rastreador.
Quando ela parou de se mover na noite noturna, ele reassumiu sua forma a algumas centenas de metros dela, nos limites de um gramado que era…
A casa diante dele no alto de um morro era do tamanho de um dormitório universitário, um tipo de construção gigante e imponente que poderia ser usada na televisão
para ilustrar um campus universitário ou, Deus, quem sabe… talvez mais uma residência da realeza com seus telhados pontiagudos e as janelas com treliça formando
losangos e todo aquele gramado bem cuidado.
Fácil, fácil, devia ter o dobro do tamanho da propriedade em que seu pai e o de Axe foram assassinados, por exemplo.
E quando Paradise se aproximou da porta da frente, foi sem cerimônia, não da forma como um empregado ou criado faria. Um momento depois, ela estava lá dentro, sem
ter tocado a campainha nem nada assim. Na verdade, conforme se movia para a esquerda, viu pelo vidro da janela protegida por chumbo quando um mordomo uniformizado
pegava seu casaco e se curvava com deferência diante dela.
O pai dela é o Primeiro Conselheiro do Rei.
Diminuindo a distância com passadas largas, observou do frio exterior quando ela subiu uma grande escadaria e desapareceu para o que, sem dúvida, devia ser um igualmente
suntuoso segundo andar. Ou talvez terceiro. Quem sabe décimo segundo?
Mesmo depois que já não a via mais, ficou onde estava, espiando através das janelas antigas os retratos a óleo, os tapetes elegantes, a seda nas paredes… Devia
ser seda, certo?
Que porra sabia ele?
Virando-se, olhou para o gramado extenso, e para as moitas e os canteiros que, sem dúvida, deviam ostentar uma variedade de flores nos meses quentes. Ficou imaginando
como seria o quintal dos fundos. Devia ter uma piscina. Um espaço fechado com animais exóticos. Um maldito santuário de pássaros.
Ela mentira.
E não fora uma mentira pequena.
Aquilo… aquilo era grande: acabara de tirar a virgindade de quem certamente parecia ser uma das filhas de uma Família Fundadora.
De acordo com as Leis Antigas, sendo ele um plebeu?
Poderia ser condenado à morte por isso.
Conforme a raiva se avolumava, o motivo era cada vez menos Paradise e o que ela escondera dele, e mais por ter atropelado suas próprias regras. Onde foram parar
todos aqueles freios internos que estabelecera? Todas as resoluções tomadas? Antes de ter transado com ela num banheiro de uma porra de uma boate de humanos, pelo
amor de Deus? Passara por cima de cada um deles. E o pior de tudo? Perdera o foco no seu treinamento. Desviara-se do seu propósito. Desperdiçara dias em que deveria
estar dormindo, aulas em que deveria estar pensando, treinos em que deveria estar desenvolvendo seu corpo com concentração total.
E tudo por causa de uma fêmea que se importava tão pouco com ele, que era egoísta e egocêntrica, que não se dera ao trabalho de compartilhar um mínimo de informações
pertinentes e relevantes sobre si mesma.
Informações que ela devia saber, e que mudariam a cabeça dele.
Sofrera uma autêntica manipulação, essa é que era a verdade, que o desviara 180 graus daquilo que ele mais queria. Unindo-se o fato de ela ser uma mentirosa e a
sua libido estar descontrolada, ele não tivera a mínima chance.
Que tolo… Fora um tremendo tolo.
E os tolos recebiam o que mereciam.
Não era assim?
Capítulo 43
SENTADA NA BEIRADA DE SUA CAMA DE CASAL, Marissa passava a escova pelos cabelos. Tirara a roupa que vestira depois de despir o traje de látex, e agora vestia um
dos roupões pretos de caxemira de Butch. De tempos em tempos, levantava a lapela para o nariz e aspirava o cheiro dele nas fibras.
Precisava de um lembrete da presença dele. Precisava mesmo.
Santa Virgem Escriba, havia coisas demais se repetindo em sua mente, imagens, sons, cheiros. Como resultado desse ataque, ela ficou se perguntando… Como Butch suportara
aquilo por tanto tempo? Como investigara aqueles homicídios, fora às casas dos familiares das vítimas, dera as notícias vez após outra? Como olhara para os olhos
desolados de um pai e de uma mahmen e se solidarizara com eles, mesmo sabendo que precisava extrair-lhes informações?
Informações como a última vez em que viram o filho. A última vez em que se falaram. Se sabiam de algum desentendimento com alguém.
Fizera essas perguntas com cuidado, às vezes segurando a mão da mãe ou assentindo para o pai. Não havia motivo para anotar coisa alguma; jamais se esqueceria do
que fora dito.
E agora ela estava ali de volta, aguardando Butch retornar são e salvo para casa para poder despejar tudo em cima dele.
Lá na sala de estar, a porta externa do Buraco se abriu com um rangido e uma rajada de vento frio entrou pelo corredor, carregando o fedor dos redutores.
– Butch? – Pôs-se de pé e correu para lá. – Butch…?
Os gemidos e os xingamentos já eram uma resposta. E quando ela fez a curva no corredor e entrou no espaço aberto, parou de imediato.
V. trazia seu companheiro no ombro, como um bombeiro faria a seu colega. O Irmão levou o corpo encurvado e massacrado para o sofá de couro, deitando-o ali.
Butch estava sangrando, coberto pelo sangue negro dos assassinos, mais morto do que vivo.
E também emanava o cheiro enjoativo dos redutores consumidos.
Quando ela arquejou e se aproximou às pressas, V. já despia a própria jaqueta, expondo cortes e hematomas. Enquanto Marissa afagava os cabelos escuros do seu companheiro,
o Irmão se juntou ao macho no sofá, entrelaçando seu corpo de guerreiro com o do seu melhor amigo. O brilho que surgiu em seguida começou como algo vindo de muito
longe, ou talvez como uma lanterna vista em meio a um espesso nevoeiro, mas logo a iluminação, a sagrada essência da mãe de Vishous, tomou conta da sala, reluzente
como a luz do sol numa placa de metal, acolhedora como o fogo de uma lareira, e a única salvação para Butch.
O poder de V. podia ser uma maldição no contexto errado, mas um milagre se usado como naquele momento – porque drenaria o mal de dentro do seu companheiro, salvando-o,
fortalecendo-o de uma maneira que apenas Vishous conseguia.
Jamais se ressentira da conexão que os dois partilhavam, nunca sentira ciúmes por outro prover algo tão necessário ao seu amado. Só sentia gratidão por existir
uma forma de impedir que Butch morresse. Desde que Ômega o abduzira e o infectara, ele passara a ter a habilidade de consumir os assassinos, destruindo-os de uma
maneira que “matá-los” não o faria: ao consumir a essência deles, Butch lhes dava uma passagem só de ida para fora do Universo.
Mas isso tinha um preço.
Algum tempo depois, a luz começou a diminuir, e os dois só continuaram deitados, ambos exaustos. Quando Butch ergueu as pálpebras, os olhos castanhos imediatamente
a procuraram e ele levantou a mão trêmula.
Com um sorriso gentil, ela pegou a palma dele e a levou ao seu rosto, esfregando-a em sua face.
– Eu te amo, eu te amo…
– Ok? – ele disse quase sem voz. – Você?
– Agora que você está a salvo em casa, sim. Mil vezes sim.
V. entreabriu os olhos e a encarou longamente. Mesmo tocando-o raramente, porque, convenhamos, Vishous não era do tipo amoroso, ela esticou a mão e resvalou sua
face.
Num raro momento de ternura, ele pressionou um beijo na palma dela.
Em seguida, um pouco depois, era hora de levar seu companheiro para o chuveiro. Enquanto V. continuava largado no sofá, Marissa ajudou Butch a seguir pelo corredor
até o quarto. Ou quase até o quarto. Ele insistiu em se despir no corredor a fim de enfiar os trajes imundos direto na canaleta que mandava as roupas para a lavanderia
túnel abaixo.
O banheiro particular deles era simples, pequeno e confortável, e como ela sempre fazia em situações como aquela, deixou Butch sentado na tampa do vaso sanitário
enquanto ajustava a temperatura da água. Quando tudo ficou pronto, ela o ajudou a se levantar, empurrou-o para debaixo do jato e o acomodou num dos cantos.
Tirando o roupão, entrou junto com ele.
Ele já estava excitado antes que ela se desnudasse. E no instante em que viu o corpo dela, sua ereção engrossou ainda mais.
Haveria tempo para partilharem suas histórias mais tarde. Agora? Precisavam encontrar aquela sintonia entre eles, para se conectarem, comunicarem-se sem palavras.
Pegando o sabonete e uma esponja, começou pelo rosto, limpando as feições que ela tanto amava antes de descer para o pescoço, os peitorais, os músculos do abdômen.
Lavou-o por inteiro, até mesmo sua ereção, que ela massageou com a esponja.
Butch se arqueou sob o seu toque. Estava fraco demais para qualquer outra coisa, o peso puxando para baixo até ele se sentar no banco embutido de mármore. Com a
cabeça meio pensa, ele a observou trabalhar.
Mas, em seguida, ela abandonou a esponja.
Ajoelhando-se, sentiu a água quente descer pelas costas quando se moveu para dentro das coxas dele.
Ele estava magnífico, largado no canto, os grandes braços relaxados, o corpo de guerreiro exausto.
Ainda assim, seus olhos estavam cheios de desejo.
Envolvendo o pau com as mãos, ela abriu a boca e desceu sobre ele, engolindo o quanto podia da sua extensão, sugando-o, excitando-o.
Em resposta, Butch gemeu e empinou o quadril.
Ela levou o tempo que quis, manipulando-o, acelerando e depois reduzindo o ritmo, apertando-lhe as bolas.
E, então, levantou o olhar.
Ele ainda a observava, as presas expostas, a boca aberta, arquejando. De tempos em tempos, ele parecia tentar se mover. O máximo que conseguia era mexer as mãos,
contudo.
– Marissa… – ele disse, rouco.
– Sim?
Enquanto esperava que ele respondesse, delineou a boca com a cabeça dele. Depois percorreu a língua num círculo ao seu redor.
– Termine – ele gemeu. – Oh, Deus… Vá até o fim…
O sorriso que ela lhe lançou veio de dentro de sua alma.
Em seguida, com expectativa, ela voltou ao trabalho.
E fez um serviço muito, mas muito bom mesmo.
Capítulo 44
QUANDO A NOITE CAIU NO DIA SEGUINTE, Paradise andava de um lado para o outro em seu roupão.
Craeg não ligara. Não às sete da manhã, quando costumava telefonar. Nem às duas da tarde, quando talvez não estivesse conseguindo dormir. Tampouco às seis, quando
já devia estar de pé indo comer no refeitório com Axe.
Algo evidentemente mudara.
E desejou como nunca que não fosse por já terem feito sexo. Alguns machos só queriam o que ainda não tinham conseguido, e embora ficasse chocada se descobrisse
que Craeg era um cretino dessa monta, não conseguia pensar em nada mais que explicasse o fato de ele não ter telefonado.
Só que… eles ficaram tão bem juntos. Muito bem. E ele demonstrara muita consideração por ela.
Quanto à cena horrenda no apartamento da garota? Por mais que o que tivesse acontecido à prima de Peyton fosse uma tragédia, ela não achava que Craeg ficaria tão
afetado a ponto de sofrer algum tipo de colapso mental ou emocional…
E quando seu celular finalmente tocou, ela atravessou o quarto correndo.
Só para praguejar ao ver que era apenas Peyton.
Quando atendeu, tentou manter a voz controlada.
– Ei. Como você está?
Depois que eles foram cumprir o triste dever de informar os pais da fêmea, seguiram seus caminhos no restante do dia, mas não ficaram sem se comunicar. Ele lhe
enviara algumas mensagens incoerentes no decorrer das horas, que ela entendeu como sinal de ter utilizado muito bem aquela garrafa de vodca.
– Não vamos ter aula hoje.
– Por quê?
– Foi cancelada por algum motivo, por isso, eu e Anslam vamos para o restaurante Sal’s. Vou convidar os outros também.
Enquanto se debatia com a novidade, um desapontamento esmagador a deixou tonta. Contava que veria Craeg e…
Peyton não perdeu o ritmo, orientando-a a se encontrar com eles em uma hora. Depois desligou e a deixou com o telefone na mão, só olhando para a tela escura.
Será que Craeg se juntaria a eles?
Ok, aquilo era uma tremenda besteira. Estava cheia de ficar esperando o telefone tocar como uma menininha boba.
Inspirando fundo, discou um número que sabia de cor, um que aprendera umas três noites depois de começar a trabalhar na casa de audiências. Quando um doggen atendeu,
ela sorriu profissionalmente – como se o macho pudesse ver seu rosto, como se não estivesse fazendo aquilo por motivos puramente pessoais.
– Olá – disse. – Aqui é a filha de Abalone. Lamento incomodá-lo, mas poderia fazer a gentileza de me transferir para a clínica do centro de treinamento?
– Sim, mas claro, senhorita! – Foi a resposta jovial. – Gostaria de falar com alguém em especial?
– Na verdade… – Aquilo estava ficando mais fácil do que imaginara. – Estou tentando me comunicar com o primeiro dos cinco quartos ali de baixo.
– Será um prazer. Por favor, aguarde enquanto procuro o número do ramal. – Houve uma sucessão de bipes. – Pronto. Se desejar ligar diretamente para lá no futuro,
posso lhe passar o ramal?
– Por favor. – Apanhando uma caneta, rabiscou o número na caixa de Kleenex ao seu lado. – Obrigada.
– Ou poderá usar este número sempre que desejar. Ficamos contentes em servi-la. Por favor, aguarde.
Quando outra rodada de bipes se fez ouvir na linha, brotaram suor e calor de suas palmas, e ela teve que se sentar, porque as pernas começaram a tremer.
Então, ouviu o toque de chamada.
– Alô? – disse Craeg.
Ela engoliu em seco, e depois ficou frustrada consigo mesma.
– Pensei que você fosse ligar.
Longo silêncio.
– Oi.
– Olha só, não tenho paciência para isso. O que está acontecendo, caramba?
– Você não tem coisas mais importantes para fazer?
– O quê? – ela respondeu com irritação.
– Você sabe, já que a sua prima foi morta. A sua família também deve estar triste.
– Estou mais preocupada com você no momento. – Sim, claro que estava triste, mas…
A raiva de Paradise descarrilhou quando as palavras foram realmente assimiladas.
– Ah.
– Pois é. Eu te segui ontem à noite – ele disse. – O que é algo horrível de se fazer, mas, considerando-se que você mentiu para mim sobre quem você é e de onde
vem, é uma violação de privacidade justificável. Só por curiosidade: você ia me contar algum dia?
Ela apoiou a cabeça na mão.
– Craeg…
– Não liguei pra você porque, na verdade, não sei com quem eu estaria falando. Ah, sim, com a filha do Primeiro Conselheiro do Rei, Peyton foi gentil o bastante
de me contar isso sem querer.
– Escuta, eu…
– Você o quê? O que você ia dizer, Paradise? – A voz dele ficou mais estridente. – E, a propósito, lamento de verdade o que aconteceu com aquela fêmea. Como você
bem sabe, eu também perdi a minha família. Você se lembra como foi, não lembra?
De repente, a terrível história do pai dele sendo trancado para fora do quarto seguro enquanto os aristocratas se escondiam dos redutores ressurgiu com uma clareza
cruel.
– Não sou como as pessoas daquela casa, Craeg. E sinto-me insultada por você me colocar no mesmo bolo que eles só por eu ter nascido na minha família. Acha que
eu tive alguma escolha?
– Ah, você não é como eles. Não, não, nada disso… Você só ficou com vontade de transar ontem à noite, por isso deixou um plebeu te tirar a virgindade, mesmo que
isso signifique, tecnicamente, que posso ser morto pelo prazer de ter tido a sua companhia. Isso, você não é como eles. Não mente em benefício próprio nem nada assim…
Não, você não, meu amor.
– Isso é tão injusto.
Ele gargalhou num rompante.
– Espera, espera, eu sei. Você estava esperando para dar o melhor presente de aniversário de todos para o seu pai. “Oi, pai, adivinha? Estou com o filho de um instalador
de pisos… hashtag que maravilha!”.
Cerrando os dentes, notou suas emoções ricocheteando entre a raiva e a tristeza, o arrependimento e a indignação.
– Não contei pra ninguém quem eu era. Não foi só com você.
– Ah, eu me sinto muito melhor agora. Obrigado.
– Eu não queria ser tratada de modo diferente! Acha que eu gosto de ser a filha de Abalone? Acha que gosto de não ter escolhas, nenhuma liberdade, nada de…
– Quer dizer que sou apenas uma parte de uma fase de “experimentação” sua? Maravilha. Bem, da minha parte, estamos acabados. Chega de testar versões novas suas
à minha custa… Você vai ter que encontrar uma nova peça de equipamento. Sabe, Boone deve estar disponível. Ele parecia estar vendo Deus pela primeira vez enquanto
Novo cavalgava em cima dele ontem à noite.
Paradise deu um salto da cama e andou pelo quarto.
– Não acredito que você esteja sendo tão obtuso.
– Obtuso…? Você tá tirando uma com a minha cara, porra? – Ele praguejou. – Ok. Vamos testar uma hipótese. O tal baile, que vai acontecer na sua casa na semana que
vem, você evidentemente ia me chamar para ir junto, certo? Você só estava esperando para me contar para que eu pudesse ser o seu… ah, droga, como se diz? Acompanhante?
É isso? É melhor eu entender esses detalhes antes que você me apresente para o seu pai e eu meta cinquenta paus no aluguel de um smoking.
Quando ela não disse nada, ele riu de novo.
– Acho que isso não fazia parte do plano, certo? Ah, e para o caso de estar curiosa, Axe ouviu vocês conversando no ônibus. Ele me contou depois que voltei para
o centro de treinamento e tentou me amolar por eu estar namorando você. Expliquei que não estávamos, de fato, “namorando”, mas que eu tinha quase certeza de que
se o seu carro precisasse ser lavado, você o entregaria para mim junto com um balde e uma esponja.
– Você está passando dos limites.
– E como uma aristocrata, você, por certo, está em posição de me dizer isso, não é mesmo?
– Eu te amo, idiota. – Pelo menos isso o calou. – Pronto. Falei. De onde eu venho, não tenho permissão de dizer isso antes porque, supostamente, temos que esperar
que o macho o diga. Ah, e sabe o que mais não posso fazer? Não posso estar na presença de um macho desacompanhada. Não posso trabalhar, nem ter uma carreira; consegui
aquele emprego de recepcionista só porque o meu pai necessitava desesperadamente de ajuda e eu era a única em quem ele podia confiar. Tive que lutar para entrar
no programa de treinamento, e só tive permissão porque menti para o meu pai, dizendo que jamais lutaria na guerra. Espera-se que eu fique fazendo ponto cruz, que
eu administre uma casa, que engravide… E você está me malhando dizendo que eu sou o problema aqui?
– Pode chorar as pitangas, ok? – ele disse com rispidez. – Você nunca teve que se preocupar de onde viria a sua próxima refeição, você vive na porra de um museu
de belas coisas e, me desculpe, mas não sabe o que é as pessoas te menosprezarem só porque perdeu na loteria do DNA!
– Você está me menosprezando! – ela berrou de volta. – Você está fazendo essa porra agora mesmo! Você é o júri e o juiz, já tomou uma decisão e eu que vá para o
inferno! Você não é diferente da glymera… Olhe-se no espelho, Craeg. Você age com superioridade e é tão preconceituoso quanto eles.
Quando ela se calou, arfava, e a mão livre estava cerrada num punho, o coração batendo rápido.
– Isso não está nos levando a parte alguma – ele murmurou depois de um instante.
– Você está absolutamente certo. Por isso, vá se foder. Tenha uma boa vida… Espero que essa sua atitude o mantenha aquecido durante o dia.
Paradise encerrou a ligação e girou sobre os calcanhares, levantando a mão acima da cabeça, preparada para jogar o aparelho na parede.
Mas se conteve. Acalmou-se. Recuperou o foco.
Uau. Perdera a virgindade e tivera sua primeira discussão num relacionamento. Ah, e o primeiro rompimento também.
Que belas vinte e quatro horas.
Tudo estava ótimo.
Simplesmente maravilhoso.
Paradise precisou de bem uma hora antes de voltar ao próprio corpo de tão brava que estava. E a sua primeira conclusão foi a de que não passaria a noite inteira
presa no quarto.
Nem a pau. Já passara o dia todo naquele tipo de prisão.
Dirigindo-se até a mochila, remexeu no conteúdo à procura da carteira. Iria se encontrar com os outros trainees naquele restaurante italiano para beber com eles,
mesmo que fosse apenas refrigerante. E se por acaso Craeg estivesse lá? Tudo bem. Tanto faz.
Era bom para ela ir se acostumando a tê-lo por perto mesmo.
Quando apanhou a carteira, estava para sair quando parou. Pegando a mochila, deixou-a sobre a antiga mesinha francesa. Remexeu em tudo o que havia dentro dela e
até abriu o zíper da frente para espiar aquele compartimento.
Franzindo o cenho, foi até o closet e seguiu para a fileira de casacos. Aquele que vestira na noite anterior estava pendurado junto aos demais, e ela enfiou a mão
no bolso do outro lado.
A foto de Polaroid que colocara ali ainda no apartamento estava onde a deixara.
Fitando a imagem, levou a mão à boca.
Voltando à mochila, tornou a verificar seu conteúdo. Nada, a foto original, aquela que encontrara no ônibus, tinha sumido.
Relembrou quando revirara a mochila no centro de treinamento e encontrara o celular no lugar errado.
Alguém mexera em sua bolsa e levara a foto.
Porque talvez ela tivesse conexão com… um homicídio.
Voltando ao celular, ligou para Peyton.
– Oi – ela disse quando ele atendeu.
Como se calou depois disso, Peyton a instigou:
– Alô? Paradise, é você?
– Eu acho…
– Não estou te ouvindo direito, a ligação está ruim.
– Não, eu não estava falando.
– Espera um segundo. – Houve um barulho e depois a voz dele soou mais distante. – Não, seu idiota. Anslam, não vou tomar ácido. Jesus… tá, me passa o ecstasy.
Ela fechou os olhos e se perguntou o que exatamente estava fazendo. Estava de luto. E talvez só estivesse sendo um pouco paranoica.
– Parry? – Outro barulho e depois ele bebendo alguma coisa. – E aí, tudo bem?
– Nada. Desculpe.
– Ainda vai se encontrar com a gente?
– Não agora – ela disse. – Vou para o trabalho do meu pai. Eu… hum… fiz uma coisa idiota ontem à noite.
– O que foi?
– Peguei uma coisa do apartamento. – Ela olhou para a foto, e depois colocou-a com a face para baixo na mesinha. Mesmo sem mostrar nada específico, estava muito
ensanguentada. – Não tive a intenção. A foto que encontrei, sabe?
– A Polaroid? A outra?
– Isso. Preciso entregá-la para Butch e Marissa. Coloquei-a no bolso sem pensar. Imagino que a Irmandade esteja lutando, e como não posso voltar para o centro de
treinamento, vou dar uma parada na casa de audiências e alguém pode levar para eles mais tarde.
– Boa ideia. Depois vai lá com a gente?
– Tudo bem. Só preciso de uma rápida chuveirada e trocar de roupa.
– Você está sempre linda. Te vejo daqui a pouco.
Desligando, ela olhou para os pés. Deus, e se um dos trainees estiver envolvido naquela morte?
Praguejando, Paradise levou o celular para o banheiro, e quando o colocou na bancada, revirou os olhos diante de sua própria atitude. Entretanto, sim, atenderia
caso Craeg telefonasse para ela. Embora, não, fosse improvável que ele o fizesse. E isso, definitivamente, era uma boa notícia.
De todas as outras maneiras que aquele relacionamento poderia não funcionar… que confusão.
E, francamente, não sabia se queria que desse certo com ele mesmo se isso fosse possível.
Luxúria, pensou consigo mesma. Sentira desejo por ele, não amor. Como seria possível amar alguém depois de apenas seis noites?
Deus, queria vomitar, queria mesmo.
Vinte minutos mais tarde, estava de jeans e blusa de caxemira. Usou sapatos baixos porque, embora estivesse frio, ainda não havia previsão de neve e, por fim, pegou
o casaco da noite anterior. Colocando a foto no bolso de trás, apanhou a carteira, o celular, a…
Ao lado da cama, o telefone fixo da casa tocou. Indo até lá, para o caso de o pai estar telefonando do trabalho, ela apanhou o fone.
– Alô?
– Você tem visita.
Franziu o cenho ante a voz do outro lado.
– Anslam?
– Isso, sou eu – disse ele com todo o charme. – O Peyton me pediu para vir te pegar.
– Ele fez isso? Mas eu ainda não vou ao Sal’s. Tenho que fazer uma coisa antes.
– Vou com você, então.
– Não, obrigada. Não vou demorar…
– Você já vai descer?
Ah, pelo amor de Deus… Mas ela não queria ser rude.
– Sim. Espere um pouco.
– Não se apresse por minha causa.
Desligando, deu mais uma olhada no cabelo e saiu do quarto. Ao seguir para as escadas, desejou levar Anslam para fora de casa rápido. Sentia-se muito mal por causa
da discussão com Craeg, e seu mal-estar só estava pior porque não conseguia acreditar que tivesse levado aquela foto da cena do crime sem ter contado para ninguém.
Além da grande possibilidade de que a investigação fosse se concentrar nos trainees.
No alto da escada, viu Anslam parado lá embaixo no piso de mármore preto e branco, as roupas da Saks da Quinta Avenida e o perfume Gucci denunciando a que classe
ele pertencia, mais até que as feições comuns e sem nenhum atrativo em especial.
Ele parece tão… sem graça, ela pensou.
Não fazia ideia de como ganhara a reputação de ser agressivo com as fêmeas.
Quando um degrau rangeu ao ser pisado, Anslam se virou de frente para ela.
– Fala, garota – ele disse. – Está bonita.
– Obrigada, você também.
Quando ela chegou ao pé da escada e ele abriu os braços, ela se aproximou para dar-lhe um beijo em cada bochecha.
– Olha só, me desculpa, mas eu preciso mesmo…
Um estranho som saiu do escritório do pai, e ela franziu o cenho, olhando naquela direção. Foi como um guincho, ou um…
– Você tinha algum compromisso? – Anslam perguntou. – Que tipo de compromisso?
Ela voltou a se concentrar nele.
– Não é nada importante. Eu só preciso… Mas que barulho é esse?
Dando-lhe as costas, avançou na direção da porta ornamentada em arco da biblioteca…
– Oh, meu Deus!
O mordomo do pai, Fedricah, e a sua criada, Vuchie, estavam amarrados diante da escrivaninha, as bocas amordaçadas, os pés presos.
– Mas o que foi que…
Anslam a agarrou por trás e a girou, derrubando-a de cara no chão. Enquanto a surpresa e a dor a atordoavam momentaneamente, ele a virou de costas. Aproximando
o rosto do dela, parecia levemente irritado.
– Onde está a fotografia? O que você fez com a minha fotografia, porra?
Enquanto ela tentava se recobrar e girar pernas e braços, ele vistoriou seus bolsos.
– Ah, boa menina. – Enfiou a foto da Polaroid no bolso da jaqueta de camurça. – Maldição, Paradise, mas por que diabos você foi encontrar isso? Eu não queria ter
que fazer isso com uma fêmea como você. Não era parte do plano.
Engolindo em seco, ela sentiu gosto de sangue e percebeu que seu lábio estava rasgado.
– Você não… não precisa fazer isso…
Com um movimento rápido, ele se pôs de pé e desapareceu por um instante, voltando em seguida com uma mala Louis Vuitton.
– Tenho, sim, que fazer isto. Porque você ia tentar levar essa Polaroid para o seu pai, foi o que contou para o Peyton. E você é uma menininha tão boazinha, tão
conscienciosa, que não vai deixar esse assunto de lado e vai começar a pensar no caso e, cedo ou tarde, vai se enfiar no refeitório e vai vasculhar as minhas coisas
porque vai perceber que alguém do programa deve ter deixado cair aquela foto no ônibus e que depois foi tirada da sua mochila. Bela mochila, a propósito. Adoro Bally.
Artigos de qualidade.
Conforme continuava falando, Anslam pegou uma seringa.
– Veja bem, por eu ser muito apegado ao meu trabalho, preciso manter uma parte dele sempre comigo, e nada melhor do que fotografias, concorda? É simplesmente fantástico
para avivar a memória. Seja como for, no fim das contas você iria somar dois e dois… e encontraria outras na minha mochila. E eu estaria fodido… E uma coisa eu garanto:
eu nunca fico por baixo nos relacionamentos.
Enquanto ele testava que o fluido transparente esguichava pela fina agulha, o cérebro dela ameaçou recuar, a dor, a surpresa, a confusão revolvendo-se e agarrando-se
aos seus neurotransmissores, tornando impossível a concatenação de qualquer padrão de pensamentos.
Só que nesse momento ela se lembrou o que lhe ensinaram nas aulas de combate: quando você se concentra, você permanece concentrada. Concentre-se, permaneça concentrada.
Mas aquele não era apenas um exercício; na verdade, era precisamente para aquilo que estava sendo preparada.
Não era uma aula. Ninguém a salvaria.
A não ser ela mesma.
Num átimo, sua mente ficou superaguçada. Estaria morta se o líquido daquela seringa, qualquer que fosse ele, fosse injetado nela, e só teria uma chance para tentar
escapar.
Fingindo estar indefesa, disfarçadamente olhou ao redor, à procura de uma arma, alguma coisa, qualquer coisa que pudesse usar…
– Pense nisso como um elogio – ele disse ao olhá-la do alto. – Tenho certeza de que você acabaria descobrindo que fui eu, porque você é uma garota inteligente pra
caralho, para uma fêmea…
Com uma estocada poderosa, ela o golpeou no nariz com uma cabeçada. Era sua única chance e ela o atingiu em cheio: Anslam berrou de dor e de raiva e caiu de bunda
no chão, amparando o nariz. E ela partiu para cima dele, socando-lhe o peito e arrancando a seringa de sua mão. Apertando o êmbolo para que a droga se esvaísse pelo
ar, largou a seringa de lado.
Não tinha tempo para desperdiçar.
Anslam urrou e bateu nos ombros dela, tirando-a de cima dele. E seu movimento seguinte foi esmurrá-la com força no queixo, quando ela literalmente ouviu sinos tocando
e sua visão tremeluziu. Mas não podia se dar ao luxo de desmaiar quando ele saltou sobre seu corpo. Lutando em meio à dor e à desorientação, enfiou a mão entre eles
e mirou nos testículos, agarrando-os e torcendo-os com uma pegada forte que o fez gritar e se contorcer para o lado.
Já de pé, foi chutá-lo, mas ele a segurou pelo tornozelo e a derrubou.
Começaram a rolar e, nos recessos de sua mente, ouviu Butch dizer que todo combate acabava no chão; era apenas uma questão de tempo.
Girando, evitou que ele a golpeasse com o braço, mas também fracassou ao tentar prender a cabeça dele entre suas pernas. Uma arma, ela precisava de uma… – a mala.
Se ao menos conseguisse alcançá-la…
Ele era mais forte; ela, mais rápida. Os corpos se debatiam contra o chão duro, braços e pernas se esforçando, punhos se chocando com troncos, mais sangue surgindo
nos rostos.
E foi então que aconteceu. De alguma forma, ele conseguiu segurá-la pela garganta com as duas mãos, e depois bateu com a cabeça dela no piso de mármore uma vez,
duas…
Vai se foder!, seus lábios gesticularam apenas, porque ela estava sem ar.
Esticando a mão, enfiou os dedos nos globos oculares dele…
E ele desapareceu.
Anslam simplesmente… desapareceu.
Por uma fração de segundo, ela se preparou para que algo a atingisse na cabeça. Mas, em seguida, ouviu um grito pavoroso.
Erguendo a vista, viu Anslam… levitando, o rosto retorcido numa horrenda expressão de terror, o sangue jorrando da boca, os pés chutando enquanto as pernas se retorciam.
Depois foi lançado para o lado como um saco de lixo.
E Craeg foi revelado como o guerreiro que era, os pés plantados no chão, as presas arreganhadas… e uma espada ensanguentada na mão.
De longe, Paradise percebeu que a arma era a espada cerimonial que o pai usava como Primeiro Conselheiro em ocasiões especiais, a mesma que o próprio pai dele usara
antes… aquela que ficava pendurada na parede diante da porta de entrada, conforme ditava a tradição.
Craeg foi para junto dela e se agachou.
– Você precisa de cuidados médicos. Onde está o seu celular… onde tem um telefone?
– Estou bem, eu… estou bem.
Espere, ela estava chorando. Ou seria sangue? Ela não sabia…
O som de alguém se debatendo fez com que ele virasse a cabeça.
– Já volto.
Com passadas rápidas, apressou-se para o escritório com a espada e, momentos depois, Vuchie estava ao seu lado, enquanto o mordomo falava ao telefone que ficava
sobre a escrivaninha.
Foi nesse instante que ela percebeu que estava vendo em dobro.
– Acho que vou desmaiar.
– A doutora Jane está a caminho.
– Não me deixe – ela lhe disse. – Quero brigar um pouco mais com você.
Ele se ajoelhou.
– Porque interrompi a sua briga? Peço desculpas. A propósito, acho que você ia ganhar, mas não sou um macho que gosta de apostar. Desculpe.
Ela abriu a boca para dizer alguma coisa… mas as luzes se apagaram.
Seu último pensamento?
Que algo quente envolvia sua palma, e ela tinha quase certeza de que ele tomara a sua mão.
Capítulo 45
QUANDO CRAEG SE MATERIALIZARA NO JARDIM da casa de Paradise, não sabia ao certo se fora lá para continuar a discutir ou para fazerem as pazes.
Honestamente, não soubera. Poderiam ter acontecido as duas coisas.
Depois de ela ter acabado com a raça dele pelo telefone, ele disparara pelo centro de treinamento até decidir que, dane-se, iria vê-la pessoalmente. Chamara um
doggen, entrara no ônibus e assim que chegaram à estrada principal, dissera ao cara que não esperaria até que estivessem no ponto final de costume.
Negociaram até se decidirem por uma clareira a sete quilômetros de distância do complexo.
E de lá se desmaterializara até a mansão da família de Paradise.
Onde encontrara a porta da frente entreaberta.
No instante em que entrara, vira Paradise debaixo de Anslam, com os polegares enfiados nos globos oculares do cara.
E foi assim que acabara sentado ali naquela… biblioteca incrível… com sangue de verdade nas mãos.
Olhando ao redor, balançou a cabeça ante o enorme retrato a óleo sobre a lareira. O macho retratado encarava seu observador, e Craeg só podia imaginar o que o velhote
teria dito se de fato tivesse visto um borra-botas plebeu sentado no seu sofá de seda. Ou no sofá de seda do seu filho. Ou do neto. Tanto faz.
– Cacete – murmurou, esfregando o rosto.
Sim, na verdade viera para discutir com ela, não para fazer as pazes. Viera enfatizar seu ponto de vista: que ela e sua gente eram o mal da espécie, e que ela estava
se iludindo se acreditava que ele aceitaria todas as asneiras que…
– Jesus, pare… – grunhiu.
Reabrindo os olhos, olhou para o tapete onde suas botas estavam plantadas. No vestíbulo de fora se ouviam vozes. Butch chegara. V., o mordomo e a criada estavam
conversando.
Paradise fora levada para o andar de cima, e a doutora Jane estava…
Um macho surgiu na soleira da porta da biblioteca.
Ele era alto e magro, vestia um terno impecável que até mesmo Craeg sabia dizer que fora feito à mão por um exímio alfaiate. Com a camisa branca engomada, a gravata
vermelha e o pequeno lencinho enfiado no bolso do peito, ele era um típico exemplar de um aristocrata.
E, claro, também tinha um anel de ouro de sinete.
E, sim, aqueles eram os olhos de Paradise que o fitavam do lado oposto do cômodo.
Craeg tirou o boné dos Orange e se levantou. Sentiu um impulso absurdo de colocar a camiseta para dentro da calça, ou dar uma limpada nos jeans… ou algo assim.
Merda.
O macho atravessou o cômodo com uma expressão formidável no rosto.
Preparando-se, Craeg limpou a garganta.
– Senhor, eu…
O abraço de urso que o envolveu foi tão forte que ele sentiu seus ossos sendo esmagados, e o cara não retrocedeu, mas continuou abraçando-o.
Enquanto Craeg permanecia parado como uma estátua.
Por cima do ombro do pai de Paradise, Butch enfiou a cabeça na sala. Arregalando os olhos, o Irmão gesticulou para que Craeg deixasse rolar.
Por trás das costas do macho, Craeg levantou as palmas, num gesto que dizia: “o que eu faço?”
Butch fez uma imitação exagerada de um abraço.
Com uma careta, Craeg passou os braços ao redor do cavalheiro com cuidado. Deu um tapinha dos ombros dele.
– Eu lhe devo a minha vida – o pai dela disse com voz embargada. – Nesta noite, você me deu uma nova vida ao salvar a dela.
Por fim, o pai recuou e puxou aquele lenço para enxugar os olhos.
– Diga, como posso recompensá-lo? O que posso fazer por você? Como posso ajudar a você ou aos seus?
Craeg piscou atordoado. Seu cérebro definitivamente não dava sinais de vida. Então, ele disse num ímpeto:
– Eu me chamo Craeg.
Como se o cara tivesse lhe perguntado isso.
– Craeg, eu sou Abalone. – O macho fez uma reverência. – A seu serviço.
Antes que Craeg pudesse responder a isso, Peyton fez a curva e marchou na direção dele.
– Meu chapa.
Eeeeeeeee hora do abraço número dois.
Enquanto Peyton o apertava como se quase fosse quebrar suas costelas de novo, Craeg já se sentia um pouco mais acostumado ao negócio todo de retribuir o gesto.
– Fez o meu trabalho por mim – o cara disse com voz rouca.
– Do que está falando?
– Butch me contou que foi Anslam quem matou a minha prima.
Craeg se retraiu, o que foi bom porque precisava de um pouco de espaço pessoal. Desde que o perigo se dissipara quando matara um colega de classe, sentia como se
tivesse entrado num universo paralelo.
A questão era que, enquanto esquartejava Anslam como se o maldito não passasse de um merda, estivera reagindo em defesa de Paradise. O motivo que levara o macho
a atacá-la não lhe fora relevante na hora, e permanecera sem ser questionado no torpor que se seguiu ao acontecimento.
Peyton rapidamente lhe contou a história, e Craeg acompanhou boa parte dela. Pelo menos, achou que sim.
Anslam e as Polaroids. Anslam e a sua reputação de ser agressivo com as fêmeas. Paradise juntando todos esses fatos.
De repente, Peyton se voltou para o pai de Paradise e os dois se abraçaram.
– Então, quanto a este cara… – Peyton disse quando se afastaram. – É meio que um herói, não acha?
Ok, tudo bem, era extremamente desconfortável que o pai de Paradise o olhasse com algo semelhante à adoração de um herói. Pois é… Será que já podia ir embora agora?
Talvez pudesse… Queria ver Paradise antes, mas…
– A propósito, ele está apaixonado pela Parry – Peyton revelou. – E ela por ele.
Eeeee foi assim que a coisa toda entre ela e ele foi completa, absoluta e absurdamente anunciada para o mundo.
Capítulo 46
– NÃO, ESTOU BEM.
Paradise fez uma careta ao dizer essas palavras. Mas isso devia ter a ver com a doutora Jane estar apontando uma luz direto nos seus olhos.
– Você teve uma concussão – anunciou a médica ao se sentar na cama. – Está sentindo náuseas?
Claro que estava, mas era tanto pelo fato de quase ter sido assassinada por um colega da classe como por ter sido resgatada pelo macho a quem mandara se foder uma
meia hora antes…
– Qual foi mesmo a pergunta? – perguntou. – Espere, sim. Estou um pouco enjoada e a cabeça está meio que latejando.
A doutora Jane sorriu.
– Você vai ficar bem. Só vá com calma. E, antes que me pergunte, sim, você vai poder voltar às aulas amanhã à noite, mas nada de combates e devagar com os exercícios.
– Ah. Tudo bem. – Deus, não conseguia se imaginar voltando para o centro de treinamento. – Obrigada.
– De nada. Não vou te prescrever nada além do Motrin que você acabou de tomar.
– Ok. Obrigada.
– E você vai precisar conversar com Mary – disse a doutora Jane ao se colocar de pé. – E não, nenhum “eu estou bem” vai impedir isso. É esperado que você sofra
estresse pós-traumático por causa do que aconteceu. O seu corpo vai se recuperar mais rápido do que a sua mente.
– Quem é Mary?
– Você sabe, a shellan do Rhage. Ela é terapeuta.
– Ah.
Talvez devesse acompanhar isso com outro “obrigada”?
– Estarei à disposição se precisar de mim – disse a médica antes de sair.
E Paradise foi deixada sozinha.
Engraçado, mesmo estando a salvo em seu quarto, e com Irmãos no andar de baixo… a casa já não lhe parecia mais tão segura. E talvez esse fosse o motivo de ir conversar
com Mary.
Deus… Anslam, um assassino? Talvez até um assassino em série?
Ele jamais demonstrara sinal algum de instabilidade. Parecia uma pessoa relativamente normal, ainda que ligeiramente desagradável, assim como ela ou qualquer outro
indivíduo da turma deles, da raça deles.
E pensar que se sentara ao lado dela na sala de aula, treinara combate com ele, conversara e rira com ele… Nesse meio-tempo, ele estivera brutalizando fêmeas?
Era algo saído de pesadelos – antes mesmo de ela chegar na parte em que ele tentara matá-la.
Olhando para o relógio, ficou ainda mais ansiosa. Só faltava uma hora para o amanhecer e ela não sabia onde Craeg estava. Será que tinha ido embora?
Precisava vê-lo.
Com um gemido, esticou-se até o telefone fixo…
– Quer que eu te ajude com isso?
Voltando à posição anterior, levantou o olhar e viu que o macho em questão estava parado na soleira da porta. Ele apontou com o polegar para trás.
– A doutora Jane disse que eu podia subir. Tenho que ir, mas queria ver com meus próprios olhos que você ainda estava viva.
Paradise fechou os olhos e teve que desviar o rosto. Lágrimas surgiam com toda força, mas ela não queria mostrá-las.
Houve um clique suave da porta quando ele a fechou e, por um segundo, ela pensou que ele tivesse ido embora. Mas, então, inspirou fundo e sentiu sua essência.
– Conheci o seu pai – ele disse asperamente.
Controlando-se para poder se concentrar, ela se forçou a olhar para ele. Craeg não avançara mais para dentro do quarto, e isso lhe pareceu apropriado. Sua expressão
estava distante, o corpo, tenso, como se ele já tivesse saído da casa mesmo ainda estando de pé diante dela.
– Conheceu? – ela repetiu com suavidade.
– É um cara legal.
– Ele é.
Longo silêncio. E depois ela decidiu: que se foda… E pegou o Kleenex. Assoando o nariz, soltou mais um lenço e enxugou os olhos.
– Desculpe, estou um pouco emotiva.
– E por que não estaria? Quase foi morta.
Formando uma bola com os lenços, jogou-os no cesto ao lado da cama e inspirou fundo.
– Sinto muito por tudo que eu te disse. Por ter gritado com você.
– Não se preocupe com isso.
– Ok. – Cara, por algum motivo, aquela resposta blasé, como se nada daquilo tivesse tido importância alguma, feriu-a mais ainda do que a concussão. – Tudo bem.
– Olha, Paradise, você e eu…
– Somos o quê? – Olhou-o fixamente. – Ou será que não somos. Como em “não somos feitos um para o outro”? É esta a parte em que você discorre sobre todas as razões
pelas quais não podemos ficar juntos, inclusive, mas não especialmente, por causa dos meus antepassados? Porque se for, tenho quase certeza de que já discutimos
isso pelo telefone.
Quando ele não disse nada, só ficou olhando para o chão como se estivesse contando os pontos do tapete bordado, ela imaginou que ele estivesse ensaiando suas despedidas
finais mentalmente. E esse seria um adeus para o relacionamento entre eles, não um do tipo “não vou te ver nunca mais”. Porque ela não pretendia desistir do maldito
programa, isso era certo. Somente naquelas primeiras noites – que mais pareciam doze mil anos, por sinal – ela já investira muita coisa para desistir.
– É melhor você ir – disse, derrotada. – Apenas…
– Por que eu?
Ela franziu o cenho.
– O que disse?
Quando ele a fitou, seus olhos estavam muito sérios.
– Acho que só… não entendo… Por que eu? Você poderia escolher qualquer um da espécie. Quero dizer, linhagens inteiras dariam seus braços e pernas para que um filho
deles ficasse com você. Você é, literalmente, a coisa mais valiosa do planeta – e isso antes que eles saibam o quanto você é forte, o quanto é inteligente… o quanto
é resiliente. Como é corajosa… e inteligente. Já falei inteligente? – Voltou a olhar para o tapete. – E linda. E também… essa sua voz… – Fez um círculo ao lado da
cabeça. – A sua voz me deixa louco. Todos os dias, depois que desligávamos o telefone, eu ia dormir com essa coisa no meu peito. Como se talvez uma parte da sua
voz, uma parte sua, ainda estivesse aqui.
Ok, agora ela estava chorando por um motivo totalmente diferente.
Craeg gesticulou mostrando o quarto.
– Mesmo que você me perdoe por eu ter sido um cretino… Não posso te dar nada disto. O chalé dos meus pais tem só dois quartos e uma cozinha minúscula. As bancadas
são de fórmica, o piso é de linóleo, e o carpete é muito, muito feio. A madeira é falsa, não antiga. A peça mais antiga de mobiliário que eu tenho é dos anos setenta
e é horrível. Não posso… Não posso te comprar joias, nem carros, ou…
– Pare.
Ante o som da voz dela, ele se calou.
– Eu não penso desse jeito – ela sussurrou. – E nem você deveria.
– Mas e se isso mudar?
E foi então que ela percebeu que ele nunca antes demonstrara vulnerabilidade. E, espere, ele estava falando deles ainda juntos?
– Não vou mudar de ideia – jurou. – Não ligo para nada disso e isso nunca vai mudar.
– Como sabe? – ele perguntou com suavidade. – Porque… eu estou apaixonado por você. E se você decidir amanhã, daqui a uma semana… ou daqui a um ano… que isso foi
só uma paixonite, ou que precisa estar com alguém de mais classe do que eu, não vou sobreviver. É isso que vai me arrasar completamente, sem chance de recuperação.
Então, só me deixe ir, está bem? Me tire dessa tristeza… me liberte.
Paradise enxugou os olhos e teve que sorrir.
– Você acabou de dizer que me ama? – Quando ele nada disse, ela insistiu: – Acho que disse, sim.
– Estou falando sério, Paradise.
Subitamente, nada em sua cabeça nem em seu corpo doía mais, e o medo que fora como um veneno tóxico em suas veias desaparecera.
– Eu também estou – sussurrou.
– Então, sim. Sim, eu acabei de dizer que te amo. E sinto muito por ter perdido a cabeça com você por causa da sua família. E também sou um idiota por te colocar
no mesmo bolo que as pessoas que mataram o meu pai. Não sei… Só o que tenho que fazer é me lembrar daquela primeira noite, quando você não queria me deixar na trilha.
Você agiu assim com todos, não só comigo. Você… você teria se trancado para fora do quarto seguro se isso significasse que outra pessoa caberia nele.
Ele emitiu um suspiro trêmulo e enxugou o rosto com a palma larga, como se estivesse lutando contra as próprias emoções.
– Craeg, eu só posso te dizer uma coisa… – Aguardou que ele a fitasse novamente. – Superei todo mundo naquela noite, não foi? Fui a última a ficar de pé, certo?
Ele assentiu.
– Sim. Você foi incrível.
– Bem, eu faria tudo aquilo de novo se isso pudesse provar o improvável para você – que o meu coração sabe o que quer. É simples e descomplicado desse jeito. Você
pode, se quiser, discorrer sobre todos os motivos pelos quais eu vou pensar de outra forma em algum momento no futuro, mas os meus sentimentos nunca vão mudar. Eu
sabia que você era o cara na primeira noite em que te vi, quando entrou na casa de audiências. Passei semanas imaginando se você voltaria com aquele formulário.
Na noite da iniciação? Esperei e rezei para te ver entrar. Quando entrou, eu só conseguia pensar “graças a Deus ele está aqui”.
Ela esticou uma mão para ele.
– E ainda penso isso toda vez que passo algum tempo longe de você. “Graças a Deus… Ele está aqui”.
Craeg se aproximou lentamente dela, como se lhe desse uma chance para mudar de ideia. Mas logo sua palma segurava a dela. E depois se sentou ao seu lado na cama.
E, finalmente, inclinou-se e a beijou na boca.
Só que então ele endireitou as costas e ficou sério.
– Vou ahvenge o meu pai. Sei que não concorda, mas não posso mudar isso. Sinto muito.
Ela fechou os olhos quando uma dor a atingiu no peito.
– Por favor… Não. E não estou dizendo isso para proteger algum primo distante meu. Já houve mortes demais. Estou tentando proteger outro ser vivo.
– Um covarde que matou o meu pai.
– Talvez haja outro modo de se obter justiça. – Apertou a mão dele. – Só… vamos cuidar disso. Talvez exista outro modo. Promete? Por mim. Faça isso por mim.
Demorou um tempo antes de ele responder. Mas quando, por fim, o fez, pareceu um juramento.
– Tudo bem. Odeio isso… Mas tudo bem.
Sentando-se, ela o envolveu com os braços e sentiu o abraço dele.
– Eu te amo.
– Ah, Deus, Paradise… Eu também te amo.
Ficaram assim por muito tempo, abraçados, dizendo coisas sem muito nexo, tocando-se, sentindo e beijando.
E depois ouviram uma batida à porta.
Cara, Craeg afastou-se tão rápido da cama que praticamente bateu na parede mais distante dela.
Ela riu.
– Pois não?
– Sou eu, Butch – disse uma voz. – Já estou indo embora. Craeg, você tem que vir comigo.
– Ok – Craeg respondeu, indo para a porta.
– Quando vou te ver de novo? – Paradise perguntou. – A aula de amanhã à noite também foi cancelada?
Ele apoiou a mão na maçaneta e a fitou com olhos semicerrados.
– Atenda ao seu telefone às sete da manhã e podemos discutir isso.
Com isso e uma piscada sensual, ele saiu e fechou a porta silenciosamente.
Enquanto se largava sobre os travesseiros, Paradise sorria tão amplamente que suas bochechas doíam.
Capítulo 47
Uma semana mais tarde…
– Espera, onde é que vai esse feixe?
Diante do espelho de corpo inteiro no Buraco, Craeg estava em pânico até Butch aparecer por trás dele. Naturalmente, o Irmão lhe sorriu como se ele fosse um parvo.
Que é o que ele era.
– Chama-se “faixa”. – Butch pegou o pedaço de tecido e o colocou ao redor da cintura de Craeg. – Caramba, filho, você vai arrasar.
– Quanto isto custou?
– Quinze mil. – Uns puxões e ajustes foram feitos enquanto ele arrumava a faixa às suas costas. – E a boa notícia é que você e eu temos a mesma constituição física,
por isso vai te servir como uma luva.
Craeg piscou algumas vezes.
– Quinze mil? Dólares?
– Não, tortas recheadas – Vishous disse lá de onde estava, na cama. – E se isso te deixa pirado, multiplique o valor pelo tanto de coisas que estão penduradas logo
ali.
Craeg relanceou a vista para os cabides de roupas no quarto limpo e arrumado.
– Ah, meu Deus.
– Pois é, a Saks o ama. – V. acendeu um dos seus cigarros enrolados à mão. – E a Neiman Marcus.
– Vá se foder, V. – Butch se inclinou para o lado e apanhou um paletó negro com abas longas. – Caras como Craeg e eu temos que caprichar no visual para as nossas
damas. É assim que nós somos.
Pessoalmente, Craeg preferiria estar com seus jeans. Mas tinha que admitir que a camisa branca engomada e a gravata com nó elaborado no colarinho e os suspensórios
vermelhos e as calças pretas com faixa de cetim nas laterais não faziam feio.
E depois ele vestiu o paletó.
Olhando seu reflexo, passou a mão pelos cabelos recém-cortados e depois o sacudiu.
– Eu pareço…
– Parece bem pra caralho. – Butch deu-lhe um tapa no ombro. – Agora raspa fora daqui porque também tenho que me arrumar. O misantropo ali vai ficar em casa porque
é bom demais para este tipo de coisa, mas você e eu vamos nos divertir a valer.
V. grunhiu e se levantou da cama.
– Pode me ligar, se quiser. Estou sempre pronto para uma briga e adoro socar garotos bonitos.
– Você só está azedo assim porque não tem um smoking.
Vishous parou na porta e olhou para Craeg. Balançando a cabeça uma vez com ar de aprovação, disse:
– O idiota está certo. Você está muito bem. Ela vai ficar orgulhosa por tê-lo como acompanhante. Não deixe que nenhum daqueles cretinos filhos da mãe te faça se
sentir inferior; ela poderia ter escolhido qualquer um no mundo, e escolheu você. E também não estenda a mão primeiro para ninguém. Isso lhes dará a chance de te
esnobarem. Deixe que te cumprimentem antes, entendeu?
– Obrigado – Craeg agradeceu com voz rouca.
V. assentiu, e foi para o corredor, acrescentando:
– Vou socar o Lassiter. Depois, provavelmente, vou jogar sinuca com o cara.
– Divirta-se, querido! – Butch exclamou. Depois voltou a se concentrar em Craeg no espelho. – Deixa eu te acompanhar pelo túnel. Espere por mim na garagem. Eu te
levo de carro.
– Ok. Ei… Obrigado.
Deus, aquilo parecia pouquíssimo.
Butch sorriu, revelando um dente da frente ligeiramente torto.
– Também me vinculei com alguém acima de mim. Sei o que é estar com uma fêmea que…
Nesse instante, Marissa saiu do segundo quarto e…
Craeg recuou. O vestido… os diamantes… o vestido…
Os malditos diamantes.
A fêmea literalmente resplandecia dos pés à cabeça, era um espetáculo de beleza e de elegância naquele vestido de gala.
A doutora Jane apareceu no corredor.
– Então? Que tal está ela? Hum?
Craeg olhou por cima do ombro para Butch… que estava ali parado completamente embasbacado.
– Pode ir sozinho, garoto – o Irmão disse com voz gutural. – Agora. Estarei lá em dez minutos – não, espere… vinte.
Enquanto Marissa sorria para Craeg e lhe dizia como ele estava elegante, maravilhou-se por estar completamente vestida e mesmo assim se sentir totalmente nua.
Pensando bem, pelo modo com que Butch a fitava, não restava dúvida sobre o que ele estava pensando.
– Venha, Craeg. Eu te levo até o túnel – disse a doutora Jane. – Divirtam-se, vocês dois.
– Vão, vão, vão – Butch murmurou para a companheira de V. – Antes que vocês vejam mais do que querem.
Quando os dois saíram e a porta do túnel se fechou e foi trancada, Marissa deu um lento rodopio diante do companheiro.
– Que tal?
A resposta de Butch foi cair de joelhos. Literalmente… cair de joelhos com tanta força que ela ficou sem saber se ele tinha quebrado algum osso ou o piso de madeira.
Suspendendo a saia do vestido Reem Acra, apressou-se na direção dele.
– Você está…
Ele tomou os ombros dela entre as mãos, os olhos cor de avelã perscrutando-lhe todo o rosto.
– Quero te beijar, mas não quero estragar a sua maquiagem.
– Então, me beije com cuidado.
E foi o que ele fez, roçando de leve os lábios da fêmea.
– Você me deixa sem fôlego, Marissa. Vai deixar todo mundo sem fôlego.
Ela alisou os cabelos dele.
– Veremos.
Marissa ficou séria.
– Havers não vai hoje. Isso me surpreendeu. Foi ele quem sugeriu que eu fosse a organizadora do evento.
– Talvez seja a maneira dele de lhe estender o cachimbo da paz. Permitindo que você brilhe sem a complicação de possíveis fofocas.
– Pode ser. – Pensou no irmão ao lado da fêmea que fora morta. – De certo modo, é mais fácil demonizá-lo.
– Sabe, no que se refere a Havers, se você conseguir perdoá-lo… Bem, jamais esquecerei o que ele fez com você, mas não vou matá-lo se o vir. Tudo bem assim?
Ela gargalhou.
– Fechado. Mas não sei. Acho que vamos ter que esperar para ver o que o futuro nos reserva.
– Eu prevejo uma coisa no futuro próximo – ele disse com fala arrastada, os olhos semicerrados.
– E o que seria?
O companheiro se levantou do chão e circundou sua cintura com as mãos quentes. Inclinando-se para baixo, ele sussurrou:
– Sou eu quem vai te ajudar a sair desse vestido mais tarde.
Gargalhando, ela passou os braços pelo pescoço dele e se arqueou na sua direção.
– Isso significa que também vou poder tirar as suas calças no fim da noite?
– Ah, Deus… – ele grunhiu. – Siiiiiimmmmm…
Capítulo 48
ENQUANTO DESCIA A ESCADARIA DE SUA CASA, Paradise suspendia a barra de seu longo vestido azul-claro. A cada passo que dava, pensava na noite da semana anterior,
quando descera para encontrar Anslam à sua espera no piso de mármore, como se não houvesse nada de estranho, nada ameaçador.
Por uma fração de segundo, sentiu um curto circuito mental e uma violenta carga de adrenalina percorreu sua espinha.
A doutora Jane tinha razão: já estava melhor da concussão e todos os hematomas haviam desaparecido; no entanto, seu cérebro tinha uma nova “configuração”, que fora
forjada rapidamente e que seria permanente. Mas a reação condicionada ao medo não seria uma prisão; Mary estava tratando de garantir isso.
Quando chegou ao último degrau, seu pai saiu da biblioteca.
– Oh… Paradise.
Inclinando a cabeça e o corpo, fez uma mesura.
– Papai.
– Você se parece com a sua mãe.
Quando estendeu as mãos para ela, Paradise caminhou em sua direção.
– Esse é o melhor elogio que já recebi.
– Bem, é verdade. – Fazendo-a rodopiar diante de si, ele sorriu. – E eu tenho uma coisa para você.
– É mesmo?
– Venha.
Levando-a ao escritório e até sua escrivaninha, ele lhe entregou uma caixa vermelha achatada, com a borda dourada.
– Isto era dela.
– Pai…
– Não, nada disso. Você precisa abri-la.
As mãos de Paradise começaram a tremer quando aceitou a caixa e levantou a tampa. Vendo-a boquiaberta e sem fala, ele se adiantou e tirou uma gargantilha de diamantes
antiga de seu leito acetinado.
– Ela tem 48 diamantes, um para cada um dos primeiros 48 anos que passei com a sua amada mahmen. Hoje, eu a dou a você livre e espontaneamente, do mesmo modo que
lhe dou o meu amor e respeito. Eu não poderia…
– Espere – ela o deteve. Balançou a cabeça. – Não posso aceitar.
– Por que não?
Quando a expressão dele se fechou, ela cerrou os olhos.
– Tenho que lhe contar uma coisa. É sobre…
Sem conseguir ficar parada, começou a andar em círculos pequenos. Só conseguia pensar na conversa que tiveram sobre amor, e classe social, e como ele queria que
ela tivesse uma união aristocrática assim como ele e a mãe dela tiveram.
Todavia, diferentemente de quando fora para o programa de treinamento, hoje Paradise sabia muito melhor quem ela era. E mesmo que isso partisse o coração de seu
pai, ela iria amar quem quisesse, sem ligar para linhagem, classe social ou posição.
– Pai, estou apaixonada por um macho. Ele é plebeu, e eu não me importo com isso. Mais especificamente, não acredito que isso o torne menos valioso que qualquer
outro. Craeg é…
– Finalmente! – ele exclamou. – Aleluia! – Ele a abraçou e a beijou nas duas faces. – Estou esperando por isso há uma semana!
– O quê? Como?
– Peyton me contou.
– O quê!?
– E concordo com você. Craeg é um macho de valor… E eu aprovo totalmente. Vocês têm a minha bênção.
Paradise franziu o cenho e só balançou a cabeça.
– Pai… Eu não entendo. Na semana passada, você estava me dizendo que eu precisava me unir a um aristocrata. Sei que Craeg salvou a minha vida, mas o senhor não
pode mudar radicalmente de opinião assim e esperar que eu acredite nisso.
– Minha querida – ele disse, recuando –, quando foi que eu lhe disse que você teria que se unir a um membro da glymera?
– Estávamos na Primeira Refeição antes de eu sair, e o senhor estava dizendo que eu deveria ter uma união como o senhor e mahmen tiveram. Dois aristocratas unidos
por um acordo entre as suas famílias.
– Não, eu disse que sua mahmen e eu encontramos o amor verdadeiro. É isso o que desejo para você. A parte do amor verdadeiro – contanto que o macho seja bom para
você, não me importo com a origem dele. Já experimentei o suficiente do modo de viver de nossa classe e não fiquei nada impressionado. Bailes e festas são ótimos,
mas o que conta de verdade é poder voltar para casa com a pessoa com quem se está vinculado. Isso é infinitamente mais importante do que pedigree – e não perdoarei
quem quer que seja se por acaso começar a comentar a…
Paradise se lançou sobre o pai e o apertou com força.
– Eu amo tanto o senhor que vou acabar chorando!
Seu pai, seu querido, maravilhoso e perfeito pai, gargalhou e retribuiu o abraço.
– Permitirá que eu coloque a gargantilha em você agora? E finalmente vai admitir que Craeg será seu acompanhante hoje?
– Sim, sim, ele virá! Mal posso esperar para que vocês dois se encontrem devidamente e que o senhor o conheça melhor.
– Nem eu, meu amor… Nem eu.
Trinta minutos mais tarde, com um fluxo de convidados deslumbrantes passando pela porta de entrada e seguindo na direção do salão de baile, Paradise achava… bem
pelo menos presumia que Craeg logo chegaria.
Ele lhe dissera que viria.
Sim, dissera isso mesmo.
Parada próxima à entrada do salão de baile, numa parte mais elevada, no alto da escada que conduzia os convidados para a pista de dança, ela vasculhava a multidão.
Não acreditava que fosse possível que tivesse perdido a sua entrada. Impossível com o mordomo anunciando todos os que chegavam antes que descessem ao local da festa.
Tinha consciência de que ele parecera um pouco desconfortável com a ideia de acompanhá-la, mas ele não era do tipo de dar para trás. Especialmente não no que se
referia a ela…
– Ei, belezura.
– Peyton – ela murmurou ao se virar para o amigo.
Quando se abraçaram, espiou por cima do ombro dele, na esperança de ver se… Não, nada do Craeg.
– Uau, belas pedras. – Peyton se inclinou e inspecionou seu colar. – Onde está o seu cavalheiro?
– Não sei. – Ela franziu o cenho. – E eu pensei que você fosse trazer aquela fêmea, qual é mesmo o nome dela?
– Ah, ela… Não, não. O pai dela ligou para o meu e perguntou quais eram as minhas intenções. Não vou me meter nesse tipo de coisa.
– Então por que não convidou a Novo?
– Não sei de onde você tirou essa ideia. – Ele passou os olhos pela multidão. – Bem, hora de encontrar um par. Tem alguém da nossa geração aqui ou só temos um salão
de velhotes – espere, acho que aquela fêmea mais adiante ainda tem os próprios dentes.
– Peyton. Você deveria ter convidado a Novo.
– Quem? – Ele a beijou no rosto. – Até mais tarde.
Conforme ele se deslocava pelos degraus cobertos com uma passadeira vermelha, Peyton chamava todo tipo de atenção para si, um lembrete que seu melhor amigo era
uma commodity muito viável na glymera.
Pobrezinho.
Mas havia outro motivo pelo qual estava preocupada com ele. Desde aquela noite com Anslam em sua casa, Peyton se fechara. Na superfície, ele parecia o mesmo, mas
ela o conhecia num nível que poucos outros conheciam.
Algo mudara dentro dele, e ele não estava falando sobre isso. Pensando bem, o próprio amigo matara um parente dele. Era uma dor e tanto a ser processada.
Deus, queria que ele se abrisse com ela. Com alguém.
Quando a música começou a tocar e alguns casais foram para o meio da pista, ela afofou a saia e percebeu que queria partilhar aquilo com Craeg, mas talvez fosse
pedir muito dele. A maioria dos machos consideraria aquilo um tédio, ou pior, uma maldição.
Sem problemas. Não precisava participar desse tipo de evento. E poderia muito bem usar aqueles diamantes com um roupão em casa, e ainda assim ficaria perfeitamente
feliz. Afinal, o que tornava a gargantilha importante era o fato de ter sido de sua mãe e agora ser sua.
Sim, seu pai tinha razão. Por mais elegante que aquela multidão fosse, com seus vestidos de gala, joias e ares imponentes, era uma experiência entediante estar
entre eles. Mesmo sendo aquele o seu lugar pelo direito de nascença, sentia-se totalmente à parte e muito desinteressada…
– Uma banda melhor vai se apresentar depois dessa?
Girando, ela sorriu loucamente e depois se deteve. Levou uma mão à boca. Recuou um passo.
Craeg balançou a cabeça e olhou para si mesmo horrorizado.
– Maldição, Butch me jurou que isto aqui estava certo. Ele jurou.
– Você está…
Seu macho era um lindo 007 naquele poderoso black tie e sapatos de verniz, de igual para igual em distinção com qualquer um naquela festa. Mas o engraçado era que…
ela gostava mais dele com seu jeans e boné.
Ou absolutamente nada. Isso sim era bem melhor.
– Espere… Isso é a espada cerimonial do meu pai? – ela disse de repente, piscando em meio a lágrimas inesperadas.
Craeg alisou a bainha dourada que pendia em seu quadril do lado esquerdo.
– Ele estava à minha espera quando cheguei. Insistiu para que eu a usasse hoje. Disse que não a deixaria na mão de nenhum outro quando sua filha fosse apresentada
à sociedade com um acompanhante pela primeira vez.
Paradise teve que pigarrear.
– Isso é… uma honra imensa.
– Eu sei.
– E também cortou o cabelo – ela observou. Ainda que, ao dizer aquilo, desejasse se chutar no traseiro. – Quero dizer…
– Eu estava um farrapo.
Ela se aproximou e o abraçou.
– Muitoobrigadaportervindoestoutãofelizqueestejaaqui…
Craeg riu naquele tom de barítono que começara a usar e a abraçou daquele jeito maravilhoso como sempre fazia, bem junto ao corpo para que ela sentisse a sua força.
– Eu teria vindo antes, mas o meu carona estava um pouco ocupado.
– Você chegou. É isso o que importa. E, ah, Deus, como você está gostoso!
– E você está… – Ele pôs um pouco de espaço entre eles e pareceu fitá-la adequadamente pela primeira vez. – Uau. Que vestido… E essas pedras são de verdade? São
de verdade… A do meio é do tamanho do meu polegar.
– Era da minha mahmen.
– O colar é quase tão lindo quanto você.
Enquanto conversavam, ela estava bem ciente de que pessoas os mediam e comentavam sobre eles, e que haveria um escândalo, sim, haveria.
Que se fodessem, ela pensou ao enganchar o braço no dele.
– Vem comigo?
– Pra onde você quiser me levar, hoje e sempre.
Conduzindo o macho para o alto da escada, ela acenou para Fedricah, que imediatamente se curvou em deferência a Craeg.
– Senhor. É uma honra vê-lo esta noite.
Em seguida, o doggen se virou para a multidão e em seu tom mais formal anunciou no Antigo Idioma:
– Senhorita Paradise, filha de sangue de Abalone, Primeiro Conselheiro de Wrath, filho de Wrath, pai de Wrath, e o honorável Craeg, filho de Brahl, o Jovem, agraciado
com a Medalha de Honra por Ato de Bravura pelo Rei ontem à noite, pelos serviços prestados à corte real.
Um silêncio se fez entre a multidão, e depois uma onda de comentários se sobrepôs à orquestra.
Nesse meio-tempo, Craeg recuou.
– O que foi isso? Eu recebi o quê? Fizeram o quê?
Paradise lhe deu um tapinha na mão.
– Meu pai contou a Wrath que você salvou a minha vida, e o Rei lhe concedeu uma honraria. Mas eu te amo como já te amava antes. E era para você saber disso só amanhã,
mas acho que nosso mordomo estava muito ansioso.
– O quê?
– Tecnicamente, você agora é um aristocrata.
– O QUÊ?
– Não ligue para isso. – Ela o encarou direto nos olhos. – Isso não muda nada… bem, a não ser para dizer tacitamente àqueles que não gostarem que podem ir catar
coquinho.
Craeg piscou e depois riu ao olhar para o grupo reunido.
– Vamos fazer isto, Paradise. E, quem sabe, depois encontrar um lugar mais reservado?
Ela se inclinou na direção dele.
– Já pensei num lugar.
– Essa é a minha fêmea!
Avançando com ele, Paradise não olhou para a multidão. Pelo que lhe dizia respeito, aquela gente toda sequer estava ali no salão de baile com eles.
Não, ela só tinha olhos para o seu macho.
– Sabe de uma coisa? – ela disse com amor enquanto desciam até a pista de dança de mármore preto e branco.
– O quê?
– Sou a fêmea mais sortuda do planeta. Aqui e agora.
Sim, ela pensou quando o peito dele se inflou de orgulho. Sabia exatamente quem era… e com quem estava – e os dois formavam um tremendo casal.
– Eu te amo – ele sussurrou ao arrebatá-la nos braços. – Dance comigo.
Leia agora uma prévia do primeiro volume da nova série da autora best-seller do The New York Times, J.R. Ward
Os reis do
BOURBON
UM
Charlemont, Kentucky
Uma névoa pairava sobre as águas preguiçosas de Ohio como um sopro de Deus, e as árvores às margens da estrada River do lado de Charlemont tinham tantas nuances
de verde que a cor exigia um sexto sentido para absorvê-las todas. Acima, o céu era de um azul-claro leitoso, o tipo de coisa que você via no norte apenas no mês
de julho. Às sete e meia da manhã, a temperatura já passava dos vinte graus.
Era a primeira semana de maio. Os sete dias mais importantes do calendário, superando o nascimento de Cristo, a independência americana e as comemorações do Ano-Novo.
A 139a disputa do Derby de Charlemont aconteceria no sábado.
O que significava que todo o Estado do Kentucky estava imerso na loucura das corridas de cavalos puros-sangues.
Lizzie King se aproximava de seu trabalho, sentindo a forte descarga de adrenalina que a vinha acompanhando nas últimas três semanas. Ela sabia, por experiência
prévia, que aquela agitação não se apaziguaria até a limpeza do sábado à tarde. Pelo menos estava indo, como de hábito, contra o fluxo que seguia para o centro da
cidade, e chegaria rapidamente. Ela levava quarenta minutos em cada trajeto, mas isso não se comparava à hora do rush de Nova York, Boston ou Los Angeles, o que,
no seu atual estado de espírito, faria com que seu cérebro explodisse como uma bomba nuclear. Não, o seu caminho para o trabalho consistia em vinte e oito minutos
de paisagens rurais em Indiana, seguido de seis minutos de retardo em pontes e entroncamentos, completado por seis a dez minutos de tráfego ao longo do rio, contra
a corrente.
Às vezes, ela pensava que os únicos carros que seguiam na mesma direção eram do restante dos funcionários que trabalhavam em Easterly junto dela.
Ah, sim, Easterly.
A Propriedade da Família Bradford, ou PFB, como vinha escrito nas notas de entrega, estava fincada na parte mais alta da área metropolitana de Charlemont, e abrangia
a casa principal de 1 800 metros quadrados, três jardins formais, duas piscinas e uma visão de trezentos e sessenta graus do condado de Washington. Também havia
doze chalés de serventes, dez construções externas, uma fazenda ativa de mais de 8 000 hectares, um estábulo para vinte cavalos, que fora convertido num escritório,
e um campo de golfe com nove buracos. O campo era iluminado para o caso de você querer praticar as suas tacadas à uma da madrugada.
Até onde ela sabia, o enorme terreno fora concedido à família em 1778, depois que o primeiro Bradford chegara ao sul, vindo da Pensilvânia com o então coronel George
Rogers Clark, trazendo tanto a sua ambição quanto a sua tradição na fabricação do bourbon. Quase duzentos e cinquenta anos depois, eles possuíam uma mansão ao estilo
Federal* do tamanho de uma cidade pequena no alto da colina e cerca de setenta e duas pessoas trabalhando na propriedade em meio período ou período integral.
Todos seguiam regras feudais e um rígido sistema de castas, retirado diretamente de Downton Abbey.
Ou talvez a rotina da Condessa Viúva de Grantham fosse um pouco progressista demais.
Provavelmente a época de Guilherme, o Conquistador, fosse algo mais próximo.
Então, por exemplo – e isso seria apenas uma conjectura de cinema – se uma jardineira se apaixonasse por um dos preciosos filhos da família? Mesmo que ela fosse
uma das horticultoras-chefes e tivesse reputação nacional e um mestrado de Cornell em paisagismo?
Isso não seria aceitável.
Sabrina sem um final feliz, meu bem.
Xingando, Lizzie ligou o rádio na esperança de fazer seu cérebro se calar. Mas não foi muito longe. Seu Toyota Yaris tinha alto-falantes dignos da Barbie: a música
supostamente deveria sair pelos pequenos círculos nas portas do automóvel, mas o sistema de som era quase de fachada e, neste dia, a música que vazava daquelas coisinhas
simplesmente não era suficiente…
O som de uma ambulância se aproximando a toda velocidade por trás dela superou com muita facilidade a conversa da BBC News. Ela pressionou o freio e foi para o
acostamento. Depois que a sirene e as luzes sumiram à distância, ela voltou para a estrada e fez a curva aberta ao longo do rio e da estrada… E lá estava a enorme
mansão branca dos Bradford, bem no alto, o sol nascente sendo obrigado a se espalhar ao redor da simétrica e magnífica construção.
Ela crescera em Plattsburgh, no Estado de Nova York, num pomar de maçãs.
O que diabos tinha pensado quase dois anos atrás quando permitira que Lane Baldwine, o filho mais novo, entrasse em sua vida?
E por que ainda estava ali, depois de todo esse tempo, refletindo sobre aqueles detalhes?
Porque, sejamos sinceros, ela não era a primeira mulher que fora seduzida por ele…
Lizzie franziu a testa e se inclinou sobre o volante.
A ambulância que a ultrapassara estava indo para a parte de trás da colina da PFB, com suas luzes vermelhas e brancas girando ao longo da alameda de bordos.
– Ah, meu Deus – sussurrou.
Rezou para que não fosse quem ela pensava.
Ela não podia ser tão azarada assim.
E não era lamentável que isso fosse a primeira coisa a lhe passar pela mente? Ela não devia estar preocupada com quem quer que estivesse machucado/doente/desmaiado?
Passando pelos portões de ferro – com o monograma da família – que estavam para se fechar, Lizzie virou a primeira à direita uns trezentos metros mais adiante.
Como empregada, ela tinha que usar a entrada de serviço. Sem desculpas, sem exceções.
Por que Deus não permitiria que um veículo com valor inferior a uma centena de milhares de dólares fosse visto diante da casa?
Puxa, estava ficando azeda, concluiu. E, depois do Derby, precisaria tirar umas férias antes que as pessoas pensassem que ela estava enfrentando a menopausa uma
década antes do previsto.
A máquina de costura debaixo do capô do Yaris rugiu quando ela desceu pelo caminho que dava a volta até a base da colina. Passou pelos campos de milho; o esterco
já estava espalhado e revolvido na preparação do plantio. Em seguida, passou pelos jardins bem podados, com suas primeiras plantas perenes e anuais; os topos das
peônias eram fofos como bolas de algodão, não muito mais escuras que o rubor nas faces de uma menina inocente. Depois, havia os orquidários e as estufas, seguidas
pelos prédios externos com os equipamentos de fazenda e jardinagem, e então a fileira de chalés dos anos 1950, de dois e três dormitórios.
Eram tão variados e cheios de estilo quanto um par de latas de açúcar e de farinha de trigo sobre um balcão de fórmica.
Chegando ao estacionamento dos funcionários, parou o carro e saiu, deixando sua caixa térmica, o chapéu e a bolsa com o protetor solar para trás.
Apressando-se para a salinha do prédio principal, entrou na caverna com cheiro de gasolina e óleo pela baia aberta à esquerda. O escritório de Gary McAdams, o chefe
da manutenção, ficava ao lado, com as portas de vidro jateadas ainda translúcidas o bastante para indicar que as luzes estavam acesas e que havia alguém lá dentro.
Ela não se deu ao trabalho de bater. Empurrando a porta, ignorou o calendário da Pirelli com mulheres praticamente nuas.
– Gary…
O homem de sessenta e dois anos acabava de colocar o telefone no gancho com sua mão de urso. Seu rosto curtido de sol, com sua pele de casca de árvore, estava mais
sério do que ela jamais vira. Quando ele a fitou por sobre a mesa bagunçada, ela entendeu para quem era a ambulância antes mesmo que ele dissesse o nome.
Lizzie levou as mãos ao rosto e se recostou no batente.
Claro que lamentava pela família, mas seria impossível não personalizar a tragédia e querer vomitar em algum lugar.
O homem que nunca mais queria ver na vida… estava voltando para casa.
Ela podia muito bem disparar um cronômetro.
Nova York, NY
– Vamos lá… sei que você me quer.
Jonathan Tulane Baldwine olhou para o quadril que estava apoiado ao lado da sua pilha de fichas de pôquer.
– Aumentem as apostas, rapazes.
– Estou falando com você. – Um par de seios falsos parcialmente cobertos apareceu sobre o leque de cartas na mão dele. – Oooiii.
Hora de fingir interesse em alguma outra coisa, qualquer outra coisa, pensou Lane. Uma pena que o apartamento de um quarto em Midtown fosse de solteiro, decorado
com apenas o estritamente funcional. E por que se dar ao trabalho de olhar para os rostos do que restava dos seis bastardos com quem começara a jogar pôquer oito
horas antes? Nenhum deles se mostrou à altura de nada além de simplesmente cobrir apostas altas.
Decifrar as pistas deixadas por eles só para escapar não valia o cansaço dos olhos às sete e meia da manhã.
– Ooooiiii…
– Desista, meu bem, ele não está interessado – alguém murmurou.
– Todos se interessam por mim.
– Ele não. – Jeff Stern, o anfitrião e seu colega de apartamento jogaram fichas equivalentes a mil dólares. – Não é mesmo, Lane?
– Você é gay? Ele é gay?
Lane passou a rainha de copas para o lado do rei de copas. Colocou o valete ao lado da rainha. Quis empurrar aqueles seios falsos e aquela boca grande para o chão.
– Dois de vocês não cobriram a aposta.
– Estou fora, Baldwine. Está alto demais para mim.
– Estou dentro, se alguém me emprestar mil.
Jeff olhou por sobre a mesa de feltro verde e sorriu.
– Somos você e eu, mais uma vez, Baldwine.
– Mal posso esperar para arrancar o seu dinheiro. – Lane fechou as cartas. – A aposta é sua…
A mulher voltou a se inclinar.
– Adoro o seu sotaque sulista.
Os olhos de Jeff se estreitaram por trás da armação transparente dos óculos.
– É melhor desistir, garota.
– Não sou idiota – ela disse arrastado. – Sei exatamente quem você é e quanto dinheiro você tem. Bebo do seu bourbon…
Lane se recostou e se dirigiu para o imbecil que trouxera o acessório falante.
– Billy? Fala sério?
– Tá bom. Tá bom. – O cara que queria aumentar seu débito em mil dólares se levantou. – O sol já está nascendo mesmo. Vamos embora.
– Ei, eu quero ficar…
– Não, já chega. – Billy levou a loira burra com autoestima inflada pelo braço e a acompanhou até a porta. – Eu te levo pra casa. E não, ele não é quem você está
pensando. Até mais, bundões.
– É sim. Vi nas revistas…
Antes que a porta se fechasse, o outro cara que fora depenado também se levantou.
– Também vou. Me lembrem de nunca mais jogar com vocês dois.
– Não vou fazer isso – Jeff disse ao erguer a palma. – Mande um olá pra sua esposa.
– Você mesmo pode fazê-lo quando nos encontrarmos no Sabbath.
– De novo?
– Toda sexta-feira. E se você não gosta, por que fica aparecendo na minha casa?
– Comida grátis. Simples assim.
– Como se você precisasse de esmola.
Então ficaram sozinhos. Com o equivalente a 250 mil dólares em fichas de pôquer, dois baralhos e um cinzeiro cheio de bitucas de cigarro, e nenhuma loira burra.
– É a sua vez – disse Lane.
– Acho que ele quer se casar com ela – murmurou Jeff, jogando mais fichas no meio da mesa. – Billy, quero dizer. E aqui estão vinte mil.
– Então ele deveria ter a cabeça examinada. – Lane cobriu a aposta do seu velho amigo da fraternidade, e depois dobrou o valor. – Patético. Os dois.
Jeff abaixou as cartas.
– Deixa eu te perguntar uma coisa.
– Nada que seja muito difícil. Estou bêbado.
– Você gosta delas?
– Das fichas de pôquer? – Ao fundo, um celular começou a tocar. – Claro que sim. Por isso, se não se importar em colocar algumas mais…
– Não. Mulheres.
Lane ergueu os olhos.
– Como é?
O seu amigo mais antigo apoiou um cotovelo na mesa e se inclinou. A gravata fora arrancada no começo do jogo, e sua outrora camisa branca e engomada agora estava
tão maleável quanto uma camiseta polo. Os olhos, contudo, estavam tragicamente alertas e concentrados.
– Você me ouviu. Olha só, sei que não é da minha conta, mas quando foi mesmo que você apareceu aqui? Uns dois anos atrás? Você mora no meu sofá, não trabalha… coisa
que até entendo, por causa da sua família. Mas não existe nenhuma mulher, nenhuma…
– Pare de pensar, Jeff.
– Estou falando sério.
– Então aposte.
O celular se calou. Mas seu amigo não.
– A Universidade da Virgínia ficou pra trás há muito tempo. Muita coisa pode mudar.
– Pelo visto, não se ainda estou no seu sofá…
– O que aconteceu com você, cara?
– Morri enquanto esperava você aumentar a aposta ou desistir.
Jeffresmungou, formando uma pilha azul e vermelha e a jogando no meio da mesa.
– Mais vinte mil.
– É assim que eu gosto. – O celular começou a tocar de novo. – Cubro. E ponho mais cinquenta se você calar a boca.
– Tem certeza de que quer fazer isso?
– Calar a sua boca? Tenho.
– Ser agressivo no pôquer com um investidor de bancos como eu. Clichês existem por um motivo: sou ganancioso e ótimo com números. Ao contrário do seu pessoal.
– O meu pessoal?
– Pessoas como vocês, os Bradford, não sabem ganhar dinheiro. Vocês foram treinados para gastar. Agora, ao contrário dos amadores, a sua família tem, de fato, um
fluxo financeiro, ainda que isso o impeça de aprender qualquer coisa. Portanto, não sei se, a longo prazo, vai ser uma vantagem.
Lane refletiu sobre os motivos que o levaram a abandonar Charlemont de uma vez por todas.
– Aprendi muita coisa, acredite em mim.
– E agora você está me parecendo amargo.
– Você está me entediando. Era pra eu gostar disso?
– Por que nunca vai pra casa no Natal? No dia de Ação de Graças? Na Páscoa?
Lane abaixou as cartas, pousando-as sobre o feltro.
– Não acredito mais no Papai Noel nem no Coelhinho da Páscoa, cacete. E peru é superestimado. Qual é o seu problema?
Pergunta errada. Ainda mais depois de uma noite de jogatina e bebedeira. Ainda mais para um cara como Stern, que era categoricamente incapaz de ser outra coisa
que não absolutamente honesto.
– Odeio que você seja tão sozinho.
– Você só pode estar de brincadeira…
– Sou um dos seus amigos mais antigos, não sou? Se eu não te disser, quem vai dizer? Não fique irritadinho comigo. Você escolheu um judeu nova-iorquino, e não um
dos milhares de sulistas amantes de frango frito metidos a besta daquela faculdade ridícula pra ser o seu eterno colega de quarto. Por isso, vá se foder.
– Vamos terminar esse jogo?
O olhar perspicaz de Jeff se estreitou.
– Responda uma coisa.
– Sim, estou me perguntando por que não pensei em ficar com o Wedge ou o Chenoweth agora mesmo.
– Rá. Você não suportava nenhum dos dois por mais de um dia. A menos que estivesse bêbado, o que, de fato, você tem estado nos últimos três meses e meio. E essa
é outra coisa que me incomoda.
– Aposte. Agora. Pelo amor de Deus.
– Por que…
Quando o celular começou a tocar pela terceira vez, Lane se levantou e atravessou a sala. Em cima do balcão do bar, ao lado da sua carteira, a tela estava iluminada.
Nem se deu ao trabalho de ver quem era.
Atendeu à chamada porque as alternativas eram isso ou cometer homicídio.
A voz masculina com sotaque sulista do outro lado da linha disse quatro palavras: sua mãe está morrendo.
Enquanto o significado penetrava em sua consciência, tudo se desestabilizou à sua volta; as paredes começaram a se fechar ao seu redor, o chão ondulou, o teto caiu
em sua cabeça. As lembranças não só voltaram, mas o atacaram, e o álcool em seu sistema não fez nada para reduzir o impacto.
Não, ele pensou. Não agora. Não esta manhã.
Haveria uma hora certa?
“Jamais” era a única opção aceitável para ele.
De longe, ele se ouviu dizendo:
– Chego antes do meio-dia.
E desligou.
– Lane? – Jeff se pôs de pé. – Ai, merda, não desmaie. Tenho que estar na Eleven Wall dentro de uma hora e ainda preciso tomar um banho.
De uma vasta distância, Lane viu sua mão se esticar e apanhar a carteira. Colocou-a no bolso da calça junto do celular e seguiu para a porta.
– Lane! Pra onde você vai, cacete?
– Não espere por mim – ele respondeu ao abrir a porta para sair.
– Quando você vai voltar? Ei, Lane? Mas que diabos!
Seu bom e velho amigo ainda falava quando ele saiu, deixando a porta se fechar sozinha. No fim do corredor, empurrou o portão de aço e começou a trotar escada abaixo.
Enquanto suas passadas ecoavam no piso de concreto e ele fazia curva após curva, ligou para um número conhecido.
Quando atenderam, ele disse:
– Lane Baldwine. Preciso de um jatinho em Teterboro agora, vou para Charlemont.
Houve uma pequena pausa, em seguida a assistente executiva do seu pai voltou a falar:
– Senhor Baldwine, temos um jatinho disponível. Falei diretamente com o piloto. O plano de voo está sendo preenchido enquanto conversamos. Assim que chegar ao aeroporto,
siga para…
– Sei onde fica o nosso terminal. – Chegou ao saguão de mármore, acenou para o porteiro e passou pelas portas giratórias. – Obrigado.
Uma rapidinha, disse a si mesmo ao desligar e chamar um táxi. Com um pouco de sorte, estaria de volta a Manhattan ao cair do dia, entediando Jeff à noite. Meia-noite, pelo menos.
Umas dez horas. Quinze, no máximo.
Ele tinha que ir ver a mãe. Era isso o que os rapazes do sul faziam.
"Estilo Federal" é uma tendência arquitetônica e decorativa que se aplica a edificações e mobiliário. Popularizou-se nos EUA durante os séculos XVIII e XIX e conta com traços neoclássicos. (N. E.)
J. R. Ward
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