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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


BELEZA IMACULADA / Cathy Williams
BELEZA IMACULADA / Cathy Williams

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

BELEZA IMACULADA

 

Ele era espanhol, irresistível e arrogante...

César Caretti teve uma longa fila de mulheres sofis­ticadas a seus pés... até conhecer Jude, amiga de seu irmão. Sua beleza imaculada faz seu sangue es­panhol ferver!

Para ajudar seus melhores amigos, Jude precisa se envolver no frio e glamouroso mundo dos Caretti, mas logo sua inexperiência se revela. Ela está grá­vida! Para César, há apenas uma opção: o casamento. Afinal, a criança será herdeira de sua dinastia. E Jude logo descobrirá que o pedido em casamento é, na verdade, uma ordem...

— Você esta me dizendo que quer casar? Comi­go?! — Jude riu, incrédula. — É a coisa mais ridí­cula que já ouvi na vida.

César se empertigou.

— Nenhum filho meu nascerá fora do sacramento do matrimônio.

— Nascer fora do sacramento do matrimônio? Cé­sar, estamos no século XXI! Caso não tenha notado, gravidez e casamento não têm mais necessariamente que vir juntos! Por que me pediria em casamento?

— Não é óbvio? — Ele cerrou o cenho. Estava fa­zendo o que era honrado... a única coisa que podia fazer. — Não é apenas por causa da criança — acres­centou rudemente. — Eu ainda a quero...

— Mas esqueceu que posso não querer você?

Ele segurou-lhe os cabelos e puxou-a gentilmente em sua direção.

— Devemos colocar isso em teste?...

 

César não estava nos seus melhores dias enquanto dirigia seu Bentley pela ruazinha estreita que seu GPS indicava.

Passava um pouco das 9h da noite e o tempo, que parecera promissor em Londres, havia tornado-se to­talmente nublado e ameaçador.

As rajadas de neve mantinham os limpadores de pára-brisa ligados pelos últimos 45 minutos.

Quando combinara um encontro com seu irmão, aquele local não era o que tinha em mente. Na verda­de, seu clube em Londres fora sua opção preferida, mas Fernando insistira em se encontrarem naquele local desolado em Kent, um lugar sem o menor atra­tivo para César.

Ele praguejou quando parou em frente a um edifí­cio com o charme de um armazém abandonado.

Por alguns momentos após ter desligado o mo­tor, olhou desconfiado para as paredes grafitadas do prédio deteriorado, imaginando se sua fé em tecno­logia de computação havia sido mal aplicada. Sus­peitou que aquela voz feminina etérea que o guiara desde o centro da cidade tinha dado informações incorretas.

Impaciente, saiu do carro à procura de alguma porta.

Ele doaria seu carro ao primeiro vagabundo que aparecesse, se seu irmão morasse naquela espelunca.

Fernando não era o tipo de sujeito que gostava de espeluncas. Na verdade, era o tipo de homem que se especializara em evitá-las a todo custo.

César fez o possível para engolir sua raiva por ter concordado com aquela inconveniência pessoal. Estava ali por um propósito específico, e tinha de admitir que sua noite de sexta-feira fora arruinada. Não havia também nenhuma razão para ficar chatea­do com seu irmão, independentemente da falta de planejamento em marcar aquele encontro, em ple­no rigor do inverno, a quilômetros de distância da civilização.

A porta estava praticamente escondida entre o gra­fite das paredes e, por alguns segundos após abri-la com um empurrão, César teve tempo para ajustar-se ao ambiente.

Aquilo não era o que havia esperado. Apesar de o lado externo do lugar parecer em total abandono, por dentro a imagem era completamente diferente. Diver­sas pessoas estavam reunidas no que parecia ser uma espécie de festa. Num lado da sala semiescura, pol­tronas e sofás se encontravam espalhados em volta de mesas baixas. Em outra parte, pessoas em pé bebiam junto a um bar em forma de U. À esquerda, havia um pódio elevado e ainda mais cadeiras.

César não levou muito tempo para localizar o ir­mão, conversando num pequeno grupo, como sempre, parecendo ser o centro das atenções.

Tendo especificamente dito a Fernando que queria um encontro a sós para discutir um assunto do fundo consignado, César ficou irritado ao descobrir que fora levado a uma festa. A luz difusa não lhe dava muita chance de descobrir como eram os convida­dos, mas não era preciso muito esforço para imaginar que todos deviam ser do mesmo tipo de seu irmão. Louras fúteis, parceiros de jogo e vadios em geral, que compartilhavam as mesmas ambições que Fernando: gastar o dinheiro da família o mais extra­vagantemente possível enquanto esquivavam-se de qualquer coisa que pudesse, ainda que remotamente, lembrar trabalho.

César pensou que seu irmão estava no caminho errado se acreditava que poderia discutir seu futuro financeiro no meio de uma festa.

Quando se aproximou do irmão, o grupo perto do bar havia ido embora e César deu a Fernando um sorriso de puro desagrado. Não se preocupou em olhar para a jovem de cabelos curtos, ao lado dele.

— Fernando. — Ele estendeu uma mão num gesto de cortesia superficial. — Isto não é o que eu esperava.

Já fazia diversos meses que não via o irmão. Na verdade, a última vez fora numa reunião fami­liar em Madri, onde as tentativas de César de interessar seu irmão nas fortunas da empresa haviam sido recebidas com total desinteresse. Foi então que ele dissera a Fernando que dedicaria atenção dobrada ao seu fundo consignado. E não hesi­taria em usar sua procuração.

— Organize-se — ele o prevenira —, ou dê adeus a este seu estilo de vida.

É claro, a reação de Fernando havia sido se afastar o máximo possível do comando da empresa.

— Pensei... sexta-feira à noite... — O sorriso de Freddy era charme puro. — Aproveite a vida, caro ir­mão! Poderemos falar amanhã. Na verdade, queria lhe mostrar... — Ele girou a mão num gesto que envolvia a sala e César o olhou friamente. — Mas estou sendo mal-educado. — Voltou-se para a mulher ao seu lado. — Esta é Judith. Jude, meu irmão, César... O que pos­so servir-lhe, César? Uísque? Como sempre?

— Eu gostaria de outra taça de vinho, Freddy. — Jude teve de dar alguns passos para o lado até que estivesse em frente ao homem mais ameaçador que já conhecera na vida.

Então aquele era o famoso César. Não era de se admirar que Freddy estivesse nervoso diante da pers­pectiva de ter um encontro com ele. Enquanto Freddy era atraente de certa maneira, aquele homem era as­sombrosamente bonito de um modo atordoante. Seu rosto era moreno e anguloso, com estrutura óssea perfeita.

Era um rosto que causava arrepios.

Ela fez o possível para sorrir. Isso estava nos planos.

Freddy estivera tão ansioso para apresentar ao irmão o lugar que tinha comprado. O lugar de seus sonhos... um armazém convertido em bar de jazz, esperando apenas pela injeção de dinheiro do fundo consignado que, ele dissera de maneira preocupada, corria perigo de dissipar-se antes que pudesse pôr as mãos num único centavo. Freddy investira muito no local, mas não iria longe sem a aprovação de César.

Nada melhor para convencer o irmão do que lhe mostrar o que aquilo poderia ser, provar que não mais era o irmão playboy que sempre fora. Con­vidara todas as pessoas certas para ajudá-lo a criar um ambiente perfeito, incluindo ela. Banqueiros es­tavam lá, advogados, uma dupla de contadores, todos que haviam participado de alguma forma de seu novo empreendimento.

— Freddy falou muito de você. — Ele era tão alto que ela tinha que esticar o pescoço para olhá-lo.

— Bem, não faço idéia de quem você seja. Tam­bém não sei por que Fernando marcou esse encontro aqui. — César franziu o cenho para a garota à sua frente. Quase não a notara e sabia por quê. Com os cabelos curtos, faltava-lhe feminilidade. Sendo espa­nhol, César tinha uma imagem muito clara de como deveria ser a aparência de uma mulher, e aquela não era exatamente seu tipo. — Você sabe? — perguntou friamente.

— Acho que ele queria que você conhecesse... al­guns de seus amigos.

— Conheci os amigos de Freddy no passado. Acre­dite quando lhe digo que não quero conhecer mais nenhum.

Estudando-a, César notou que ela não era a espécie de mulher de que seu irmão gostava. Na verdade, exa­tamente o oposto. Então, o que estava fazendo ali? Ele continuou estudando-a, imaginando possibilidades e brincando com elas.

— Quem é você, afinal? E como conhece Fernando? Ele nunca mencionou seu nome para mim. — Seu irmão tinha um estilo de vida liberal e era pródigo com dinheiro. César sabia disso porque tinha acesso a todas as contas de Fernando. Também sabia que o irmão gos­tava de gastar dinheiro com suas mulheres. Desde os 18 anos, o rapaz fora um ímã para as interesseiras.

Aquela à sua frente não tinha aparência de interesseira, mas César quis subitamente descobrir qual era a conexão dela com Fernando. Olhou ao redor da sala onde o conjunto de sofás estava sendo ignorado pelas pessoas, que pareciam preferir ficar de pé. En­tão, acenou para lá.

— Tive uma viagem infernal até aqui. Vamos sen­tar e você poderá me contar... tudo sobre seu relacio­namento com meu irmão.

Jude imaginou como um convite para conversar podia parecer uma ameaça. Tendo desaparecido em direção ao bar, Freddy obviamente parara pelo cami­nho. Este era um dos maus hábitos dele. Era capaz de começar uma conversa e não terminá-la.

— Não tenho um relacionamento com seu irmão — disse ela tão logo se sentou em um dos sofás ar­tisticamente dispostos junto à parede. A luz ali era ainda mais difusa e o rosto de César estava sombreado. Ela riu nervosamente e bebeu o restante do vinho de sua taça. — Sinto-me como se estivesse sendo entrevistada.

— Verdade? Não sei por quê. Estou apenas inte­ressado em descobrir como você conhece Fernando. Onde se conheceram?

— Estou auxiliando-o com... um projeto. — Jude fora instruída para apenas promover a recém-descoberta seriedade de Freddy e ajudá-lo a convencer o irmão de que ele poderia obter sucesso com o em­preendimento.

— Que projeto? — César franziu o cenho. Pelo que sabia, seu irmão nunca tivera qualquer projeto, ao menos não desde seus dias escolares, quando estes di­ziam respeito a canetas hidrográficas e mapas.

— Talvez ele mesmo queira lhe contar — disse Jude vagamente, e ele se sentou, se inclinando para a frente, os cotovelos descansando sobre as coxas.

— Olhe, vim aqui para ter uma conversa séria sobre o futuro de Fernando. Em vez disso, vejo-me num bar, cercado de pessoas que não tenho nenhum desejo de conhecer, e, agora, tomando conhecimen­to de um projeto que Fernando nunca mencionou. Que trabalho, exatamente, você está fazendo nesse tal projeto?

— Acho que não gosto do seu tom de voz!

— E eu acho que não gosto do jogo que você está fazendo, seja lá qual for. Há quanto tempo conhece Fernando?

— Quase um ano.

— Quase um ano. E o quão íntimos vocês se torna­ram neste período?

— Aonde você quer chegar com isso?

— Digamos que não vejo meu irmão com fre­qüência, mas sei como ele age, e amizades platôni­cas duradouras com o sexo oposto nunca tiveram es­paço na sua agenda. Ele sempre gostou de mulheres liberais na cama. Também sempre foi previsível nas suas preferências. Louras, seios fartos, pernas boni­tas e inteligência mediana. Portanto, onde você se enquadra?

Jude sentiu o rosto corar de raiva e deu alguns sus­piros para se conter. Diante do silêncio dela, César continuou despreocupadamente:

— Se ele lhe falou sobre mim, então você é mais do que uma conhecida de negócios... Conte-me quem é exatamente.

Ela foi salva pela aparição de Freddy, que chegou com os drinques numa bandeja. César observou sua expressão de alívio. Também observou quando Freddy inclinou-se em direção a ela e sussurrou algo no seu ouvido, fazendo-a menear a cabeça e afastar-se tão logo pôde. César a viu partir, seus olhos repousando no movimento do traseiro arredondado.

Ela podia parecer um rapazinho, mas havia algo inconscientemente sexy e gracioso no modo como andava. Ele voltaria a vê-la mais tarde. Alguma coi­sa estava acontecendo, e queria entender o quê. Mas aguardaria a hora certa.

Observar e esperar. Um lema muito bom, que ele sempre mantivera.

César descobriu-se no meio de um grupo normal de pessoas. Onde estavam os homens superficiais com suas conversas indolentes e enfadonhas e seus olhares errantes?

Estranhamente, todos ali, naquela noite, pareciam intencionados a discutir investimentos com ele.

No fim da noite, César descobriu que estava quase gostando do mistério.

Do lado de fora, a neve agora caía mais forte. Em meio ao grupo de pessoas saindo para pegar seus car­ros, estacionados numa área designada no fundo do edifício, diferente do seu, que estava parado na frente, César localizou Jude, as mãos no bolso e um cachecol em volta do pescoço. As luzes haviam sido ligadas no saguão e ele podia vê-la de maneira adequada agora. Os cabelos curtos tinham mechas avermelhadas e o rosto não era pueril em absoluto. Muito pelo contrário. Olhos castanhos com cílios longos e escuros, e uma boca carnuda e luxuriante, com aparência travessa.

Fernando podia sempre ter tido uma queda pelo ób­vio, mas quem era para dizer como uma interesseira podia se disfarçar?

A mais sutil, de certo modo, podia ser a mais fatal.

E lá estava ela novamente, conversando em voz baixa com seu irmão. Conversando sobre o quê?

— Não planejei passar a noite aqui — disse César ao irmão, interrompendo a conversa deles, enquanto podia sentir os olhos dela sobre si.

— Ah. — Freddy sorriu apologeticamente. — Há um excelente hotel na cidade...

César franziu o cenho.

— Você não tem uma casa aqui?

— Tenho um apartamento, na verdade. Muito pe­queno...

César olhou para Jude, mas ela desviou os olhos no ato.

— Está nevando muito — disse César —, e não te­nho intenção de dirigir por aí em círculos procurando algum lugar. Qual é o nome do hotel?

— Nome do hotel... — Freddy olhou rapidamente para Jude, que suspirou resignada.

— Tenho uma lista telefônica na minha casa — dis­se ela com má vontade. — Se você me deixar em casa, posso reservar um quarto para você.

— Levá-la para casa? Como você chegou aqui?

— Vim com Freddy.

— Não me diga... — murmurou César. Então, sor­riu. — Bem, acho que não tenho condições de recusar esta oferta... E amanhã, Fernando, precisamos ter uma conversinha.

— É claro, meu irmão! — Ele lhe deu um tapa amistoso nas costas e, depois, um abraço.

César, acostumado a um relacionamento formal com o irmão, lamentou pela falta de carinho ver­dadeiro entre eles. A perda dos pais quando ele ti­nha acabado de sair da adolescência deveria tê-los tornado mais próximos. Em vez disso, causara o oposto.

Com o peso do império familiar sobre os ombros, César imaginou se havia falhado no seu dever princi­pal como irmão: amá-lo. Tivera de assumir suas res­ponsabilidades rapidamente, sendo impaciente com a falta de ambição de Freddy, que considerava uma fraqueza. Reprimiu os pensamentos... trabalhara duro para prover uma vida segura e estável para o irmão. Havia feito tudo o que podia.

— Meu carro está lá fora, na frente.

— Por que não usou o estacionamento nos fundos?

— Porque, acredite ou não, pensei que estivesse no endereço errado quando cheguei aqui. Não imaginei que o lugar estivesse em uso ou que houvesse um es­tacionamento nos fundos.

Freddy sorriu.

— Fui esperto, não? Podemos discutir tudo isso amanhã.

Ele já estava indo embora quando Jude olhou para César de modo cauteloso. A última coisa que queria era voltar para casa com ele, no mesmo carro, mas não tinha escolha. Freddy não podia levá-la de volta ao apartamento... não com Imogen lá.

Só de pensar naquele pequeno segredo omitido a fez corar de culpa. Imogen deveria ter ido à festa na­quela noite. Ela era, afinal de contas, a peça chave, mas Freddy insistira para que ela não aparecesse. Pelo menos por enquanto.

Tendo conhecido César, Jude podia entender a ra­zão, porque César era um homem cheio de descon­fianças. Ela podia sentir isso na conversa que tivera com ele, que mais pareceu um interrogatório.

Uma olhada em Imogen, seus compridos cabelos louros, seus grandes olhos azuis e suas longas per­nas, e o fundo consignado de Freddy desaparece­ria para sempre. O fato de Imogen estar grávida de quase sete meses do bebê de Freddy o mataria do coração.

— Podemos apenas ir até a cidade — disse Jude, uma vez dentro do carro, que era tão confortável quanto qualquer daqueles sofás caríssimos que Freddy in­sistira em comprar para o bar. Ela olhou para a neve, que caía torrencialmente. — Não moro muito longe daqui, mas para chegarmos em casa teremos que pas­sar por estradas muito estreitas e este carro não vai conseguir.

— Este carro — informou-lhe César — está equi­pado para enfrentar qualquer coisa.

— Qualquer coisa menos neve em Kent, no meio de janeiro. Esses carros de luxo podem ser bons para Londres, mas não servem de nada no campo.

César dirigiu-lhe um olhar incrédulo, mas ela esta­va olhando pela janela, imaginando o quão rápido ele poderia dirigir sem acabar caindo numa ravina.

Ela o orientou até a rua principal, que, à uma e pou­ca da manhã, com a neve caindo, estava deserta.

Ele levou um longo tempo para deixar a cidade e chegar a uma série de estradinhas rurais sinuosas, cada uma mais traiçoeira que a outra.

— Como você consegue morar num lugar com essas condições? — murmurou César.

— Tenho um carro com tração nas quatro rodas — admitiu Jude. — É velho, mas muito confiável, e agüenta qualquer coisa.

— Ao contrário do meu carro de luxo — murmurou; ele cinicamente.

— Nunca tive condições de ter um carro como este. Não que eu quisesse um. Não vejo sentido neles.

— É o que chamamos de conforto. — César perce­beu que não sabia nada sobre ela. O que fazia da vida? Além de ajudar seu irmão no tal projeto, que poderia ser qualquer coisa, como organizar o guarda-roupa dele. Precisaria descobrir mais sobre Jude para saber quais eram seus motivos. No momento, contudo, es­tava muito preocupado em controlar seu carro naque­las condições, e, enquanto fazia uma curva fechada, perguntou-se como encontraria seu caminho de volta para as estradas civilizadas da cidade e para o confor­to de um quarto de hotel.

— Prefiro praticidade a conforto qualquer dia da semana.

— Percebi isso pela sua roupa de hoje.

— Como assim?

— Quero saber se sua casa está perto, porque talvez seja mais rápido sairmos do carro e andarmos o resto do caminho.

— É logo ali. — Ela apontou para uma luz difusa, quase invisível através da neve que caía, embora esti­vesse mais preocupada em pensar no que ele dissera sobre sua roupa. Sim, usara jeans porque era confor­tável e o lugar onde estivera não tinha nada de formal. Não fora a única de jeans lá.

Jude olhou para seu casaco preto e suas botas, tam­bém pretas, que eram perfeitos para o rigor do inver­no, embora parecessem destoar um pouco do couro creme do estofamento do carro dele.

Virou a cabeça para estudá-lo, notando que César estava concentrado na estrada.

Podia ser o homem mais rude que ela conhecera, mas não podia negar que era incrivelmente bonito. Todavia, não o seu tipo, claro.

Quando chegaram à última parte do caminho, Jude ouviu os pneus rangerem e depois... nada. César praguejou e a olhou.

— Não é culpa minha — protestou ela imediata­mente.

— Como você teria voltado para casa? A pé?

— Eu teria... — ela parou no ponto em que lhe diria que teria ficado no apartamento de Freddy, que fica­va no centro da cidade, mas não o fizera porque, se Freddy não podia acomodar o próprio irmão, como a acomodaria? — Eu teria ficado na casa de Sophie — replicou rapidamente.

Ele fez uma carranca e abriu a porta do carro.

— Teremos de andar o resto do caminho.

— Você não pode simplesmente deixar seu carro aqui!

— O que sugere?

— Acho que poderíamos tentar empurrá-lo.

— Você está louca? — César começou a andar em direção à luz e Jude teve de correr para segui-lo. — Voltarei aqui assim que o tempo começar a melhorar.

— Mas isso, com certeza, levará horas! — Ela pen­sou no que aquilo significava e não gostou nem um pouco. — Você precisa ir para um hotel!

— Bem, por que não balança uma varinha de condão e resolve o problema?

César suspirou. Deveria ter insistido para que Fer­nando viajasse a Londres para vê-lo. Ou deveria ter parado ao primeiro sinal de neve, porque não tinha condições de ficar preso nela. Mesmo nos sábados, tinha conferências importantíssimas e trabalho a fazer. Frustrado, passou os dedos pelos cabelos, os quais já estavam pingando por causa da neve.

Pelo menos a casa era quente. Ou melhor, chalé, porque, pelo que podia discernir na escuridão, era pe­queno, branca e com uma cerca que parecia ter sido tirada de um cartão-postal. Dentro, também era boni­to, com velhos assoalhos de madeira e uma aparência confortável.

— Lista telefônica... lista telefônica... — Jude mur­murava enquanto olhava debaixo de mesas e atrás de cadeiras. — Ah, finalmente. Certo. Hotel. Algum em especial?

— Esqueça isso.

— Como assim, esquecer?

— Olhe lá fora. — Ele gesticulou em direção à ja­nela e Jude seguiu seu olhar com apreensão. Estava se formando uma verdadeira tempestade de neve. Seria preciso uma máquina apropriada para limpar a estrada e um reboque para levar o carro até o centro da cida­de. Sem isso, era pura insanidade pensar em deixar a casa.

— Mas você não pode ficar aqui!

— Por que não? — César fitou-a firmemente. — Fernando teria algo contra?

— Freddy? Algo contra? Por que cargas d'água ele teria algo contra?

Eles se encontravam no pequeno hall e Jude sentiu o ar esvaindo-se de seus pulmões. Ele era tão alto! Es­tava também tirando o casaco e ela deu um pequeno grito de terror.

Conversar agradavelmente com o homem por meia hora era uma coisa, mas fazer companhia a noite in­teira era algo completamente diferente.

— Você pode usar meu carro para ir à cidade! O ní­vel da neve está um pouco alto, mas você conseguirá chegar lá rapidamente, e um hotel seria muito mais confortável do que o chão aqui.

— Chão?

— Eu sei. É espantoso. — Ele estava agora pen­durando seu casaco no corrimão da escada e Jude queria entregá-lo de volta, exigindo que o vestisse e fosse embora. — Casa pequena — continuou, não tirando o próprio casaco, para que César entendesse o recado.

— Desista de tentar me mandar embora de sua casa, Jude. Partirei pela manhã, e se tiver de dormir no chão, assim será. Não arriscarei minha vida no seu calham­beque neste tempo.

— Ótimo — devolveu ela, afastando-se um pouco quando ele se aproximou alguns passos.

— Então, por que não tira seu casaco e me mostra em qual parte do chão você quer que eu durma?

— Há um quarto de hóspedes — admitiu Jude relu­tante. — Mas é muito pequeno e está em total desor­dem. Você o achará muito desconfortável.

César passou por ela e foi em direção à minúscula cozinha, inspecionando o ambiente. Nenhum sinal de seu irmão na casa. Pelo menos nenhuma foto, nem vestígios de parafernália masculina que, no caso de Freddy, incluiria coletes coloridos ou qualquer um da­queles chapéus ridículos que colecionava.

Na verdade, nenhum sinal de qualquer ocupação masculina.

— Você gostaria de um passeio turístico? — per­guntou Jude ironicamente. — Ou está feliz apenas bisbilhotando tudo por conta própria?

César voltou-se para analisá-la demoradamente.

Ela não era a loura de seios fartos, a marca regis­trada de seu irmão, como também não era o tipo de garota que dava risadinhas a todo momento, como pa­reciam ser as companheiras de Freddy. Ele realmente precisava descobrir no que ela trabalhava e qual era a relação com seu irmão. Talvez o clima pudesse traba­lhar a seu favor, pensou.

Presa em sua própria casa, Jude não podia desa­parecer se as perguntas surgissem. César sorriu, sa­boreando a perspectiva de reivindicar sua autoridade e informá-la, de maneira clara, que ela não deveria brincar com ele.

— Não. O passeio turístico não será necessário. Pelo menos não a essa hora da madrugada.

— Ótimo. Se puder vir comigo, eu lhe mostrarei onde pode passar a noite. — Foram para o segundo andar, à esquerda. Parando apenas para que Jude pudesse tirar um lençol e um cobertor do armário.

— Acho que você sabe como arrumar uma cama — disse ela, entregando-lhe os lençóis. Tinha certe­za de que ele não sabia. Como Fernando, César te­ria sido poupado da necessidade de fazer qualquer tarefa servil, graças à riqueza da família. Somente depois de conhecer Imogen ele descobrira que pre­cisava mudar.

Sua amiga lhe contara que Freddy agora conseguia realizar afazeres domésticos, mas com lentidão recor­de e sucesso duvidoso.

Ela teria gostado de testemunhar as tentativas de­sajeitadas de César ao arrumar a cama, mas deixou-o sozinho enquanto afastava suas coisas para um canto. Quando olhou de volta, a cama estava perfeitamente feita e ele a fitava com um sorriso divertido.

— De acordo com seus padrões? — perguntou, er­guendo as sobrancelhas, e ela corou violentamente.

— O banheiro é ao lado e o compartilharemos. Portanto, se eu estiver lá dentro, você terá de esperar sua vez. — Jude corou novamente quando ele tocou o primeiro botão da camisa. — Vou ver se há uma toalha para você. — Virou-se em direção à porta quando uma parte do torso bronzeado e musculoso foi revelada.

— E quanto a todos esses desenhos? — A boca de Jude ficou seca quando ele abriu o último botão da cami­sa. — Você é artista? — César foi até a pilha de esboços que jazia sobre a antiga mesa de pinho, que certamente tinha sido uma penteadeira, mas agora era usada como mesa para trabalho artístico.

Jude tirou-lhe o desenho da mão e recolocou-o no lugar.

— Sou designer, na verdade. — Por sorte, ela man­tinha todo o seu trabalho em um baú de arquitetura, ou ele o bisbilhotaria também. — Apenas faço alguns esboços como hobby.

— Ora, ora. Uma designer. Muito interessante.

— Sim, é mesmo.

— Na verdade, eu quis dizer que é interessante des­cobrir que você tem um trabalho adequado. A maioria das mulheres na vida de meu irmão não tem um tra­balho regular. A última que conheci era uma mulher excêntrica que fazia bico como modelo.

Jude tentou não pensar em Imogen. O que, pergun­tou-se com um tremor, ele pensaria de uma stripper?

A escolha errada de alguns namorados levara sua amiga a trabalhar numa boate, juntando dinheiro a fim de poder continuar seus estudos e obter as qualifica­ções de que precisava para tornar-se professora de ní­vel fundamental, mas Jude duvidava que o homem à sua frente tivesse o mínimo de compaixão por aquela história melodramática.

Ele parecia ter lido sua mente, porque continuou:

— Naturalmente, tive de garantir que esse relacio­namento, em especial, chegasse ao fim.

—Por quê? — perguntou Jude. Imagens de sua amiga grávida surgiram na sua cabeça. — Não há nada errado em ser modelo.

— Obviamente, uma modelo com meu irmão signi­fica que ela era uma interesseira.

— Este é um jeito muito único de se pensar.

— E a chamada realidade da vida. Outra realidade da vida é a de que eu faria qualquer coisa que estives­se ao meu alcance para garantir que ninguém se apro­veitasse de meu irmão. Ele pode se relacionar com quantas mulheres quiser, contanto que elas logo saiam de cena. Qualquer uma inadequada que queira ir mais longe... teria de se ver comigo.

Sempre uma boa idéia estabelecer uma ou outra re­gra básica, pensou César.

Jude podia corar como uma adolescente e parecia ter um rosto tão transparente quanto vidro, mas ele era astuto o suficiente para saber que nenhuma dessas duas coisas indicava necessariamente uma personali­dade doce e sincera.

— Muito obrigada por isso — disse Jude friamente. — É sempre bom ouvir o que outras pessoas pensam, mesmo se você não concordar com o que elas dizem. Embora imagino que você não dê a mínima para se as pessoas concordam com o que você tem a dizer ou não.

— Acertou em cheio! — Num rápido movimen­to, ele tirou a camisa e jogou-a no chão. — Terei que secá-la de manhã.

Intrigada, ela parecia nunca ter visto um homem seminu.

— Você vai dormir... O que vai usar para dormir?

— O que geralmente uso. — César a fitou com ver­dadeira surpresa. — Com a roupa que nasci. É muito confortável. Acho que você aprovaria.

Jude imaginou-o dormindo nu, com somente um pe­queno banheiro separando seus quartos, e sentiu uma leve tontura. É claro, aquilo era porque havia desgos­tado de César de imediato, e, na verdade, desaprova­do tudo que ele dissera, mas a imagem daquele corpo musculoso e flexível atirado sobre seus lençóis e co­bertas preencheu-lhe a mente de modo perturbador.

— Vou buscar algo para você!

— Você tem roupas de homens escondidas em casa?

Ela não respondeu. Desapareceu pela porta e reapa­receu dois minutos depois, atirando-lhe uma camise­ta. Era bem grande. E rosa choque.

César pôde ouvir a zombaria na voz de Jude quan­do ela disse:

— Esta deve servir. Tenha um bom sono!

 

As 6h30, na manhã seguinte, a neve tinha cessado, mas, do lado de fora, a paisagem era puro branco invernoso. Muito atraente para um cartão-postal, pensou Jude, mas não tão conveniente no que dizia respeito ao seu hóspede, que a mantivera agitada na cama a noite toda. César nunca deveria ter mencionado que dormia nu. Desde o instante em que lhe dissera isso, a imagem dele sem roupas havia se alojado na sua cabeça e lhe tirado o sono.

Seu eficiente sistema de calefação funcionava per­feitamente e a casa já estava aquecida. O silêncio reinava.

Ela saiu silenciosamente da cama, decidindo usar o banheiro antes que seu hóspede acordasse. Durante a noite, concluíra que quanto menos contato tivesse com ele, melhor. César era perturbador e, por mais que ela amasse tanto Freddy quanto Imogen, não que­ria ter sua vida perturbada por um estranho.

É claro que ele surgiria a qualquer momento, mas, antes disso, ela poderia pelo menos tomar uma xícara de café em relativa paz.

Desceu a escada com suavidade, e deu um suspiro de alívio ao chegar à segurança de sua cozinha.

Como tudo mais no chalé, era pequena, mas agradavelmente proporcionada, com duas vigas no teto, um fogão velho, mas útil, uma mesa que Jude com­prara numa loja de segunda-mão. O apartamento de Freddy, no centro da cidade, era novo e luxuoso, num estilo que somente poderia ter sido decorado por um designer de interiores com um orçamento ilimitado. Ela se pegou imaginando como seria a casa de César e, imediatamente, afastou a curiosidade.

Estava despejando água quente na caneca, de cos­tas para a porta da cozinha, quando uma voz familiar veio de trás.

— Ótimo. Quero um também.

Jude assustou-se, com a chaleira na mão, e deu um grito de dor quando a água quente caiu sobre seu pulso.

César estava ao seu lado antes que ela pudesse virar-se e expressar seu aborrecimento por ele ter inva­dido sua privacidade.

— O que você fez?

— O que você está fazendo aqui embaixo? — Cé­sar vestira calça e camisa de novo, embora houvesse se apropriado de um velho moletom com zíper que Jude deixava pendurado atrás da porta do banheiro para aqueles raros momentos em que decidia ir à aca­demia de ginástica. Era imenso para ela, mas, nele, ficou apertado.

— Dê-me sua mão.

— Sei o que fazer. — Jude virou-se, seu coração disparado, e abriu a torneira de água fria, mas César se aproximou, segurando-lhe a mão sob a torneira e, de­pois, secando-a gentilmente com um pano de prato.

Jude observou, hipnotizada, aqueles dedos longos e bronzeados contra sua pele branca, mal conseguindo respirar. O aroma másculo preencheu suas narinas e a fez sentir-se tonta.

— Desajeitada — disse César, e ela o fitou.

— Você me deu um tremendo susto — acusou Jude.

— Eu não o esperava por aqui a esta hora da manhã! Hóspedes ficam na cama até o momento em que jul­gam adequado aparecer!

— Sou uma pessoa madrugadora. Acordo com as galinhas, ou, melhor dizendo, com o canto da cotovia. — Ele a conduziu em direção a uma cadeira e a fez sentar-se. — Você tem alguma pomada antisséptica? Atadura?

— Ficarei bem assim que você devolver minha mão.

— Besteira. Como você falou, a culpa é minha.

Jude não podia discordar daquilo. Então, disse-lhe onde encontrar o kit de primeiros socorros, e obser­vou enquanto ele, eficientemente, passava uma ata­dura em volta de sua mão. Jude se sentia desconfor­tável, porque, no meio do procedimento e tendo se recuperado do susto, tomou consciência do que esta­va usando. Uma camiseta grande, do tipo da que lhe atirara na noite anterior, que batia no meio das coxas, deixando o resto exposto. Jude curvou-se para a fren­te com a intenção de esconder os bicos salientes de seus seios. Percebeu, então, que estava expondo-os a uma visão de cima, de forma que se sentou e olhou para a cabeça escura de César enquanto ele colocava a última atadura.

— Agora fique aí e terminarei o que você começou.

— Há quanto tempo você está de pé?

— Oh, só consegui dormir algumas horas — dis­se César, enquanto preparava duas canecas de café.

— Talvez por causa da nova experiência de dormir com uma camiseta cor-de-rosa.

Jude sentiu-se confortada ao imaginá-lo com uma aparência ridícula.

Se ele tivesse continuado com a camiseta cor-de-rosa, talvez ela não estivesse naquela situação de sen­tir seu corpo pegando fogo.

— Então — César colocou a caneca de café na fren­te dela e sentou-se —, tentei entrar na internet, mas não conectou.

— As linhas telefônicas podem estar interrompidas — disse Jude. — Uma tempestade de neve como a de ontem causa isso, às vezes. Pode ser meio inconve­niente.

Um pouco como sua anfitriã, pensou César. Ele tivera tempo de refletir e chegara à conclusão de que não ganharia nada intimidando-a. Ela era muito teimosa, e, pelo que parecia, propensa a mostrar as garras. Melhor recolher seu arsenal e usar armas de natureza diferente para descobrir qual era exatamente o papel de Jude na vida de seu irmão.

— Então decidi usar meu tempo de maneira útil. Portanto, fui checar o carro.

— E conseguiu ligar?

— Consegui, mas não há como sair de lá. A neve está muito espessa.

— Você não conseguiu limpar a neve? É um ho­mem forte — acrescentou ela atrevidamente. — Ho­mens fazem tarefas como essa.

— Claro, se eu quisesse gastar as próximas oito horas ao ar livre, passando um frio infernal. E agora, mais uma má notícia. O céu está fechado e o serviço meteorológico anunciou mais neve para as próximas 24 horas.

— Não pode ser! — lamuriou-se Jude.

— Azar por morar nesta parte esquecida do mundo. Posso contar nos dedos de uma mão o número de vezes que vi neve em Londres.

— Como você pode ser tão... calmo sobre tudo isso? Conformado demais para o meu gosto.

— Por que me aborrecer sobre algo sobre o qual não tenho controle? — Claro, ele havia praguejado muito quando descobrira a falta de conexão à internet, mas agora se resignara ao fato de que o mundo dos negócios teria de passar pelo menos parte do fim de semana sem sua presença. Para César, aquilo não era uma coisa pequena. Trabalho era uma força motriz, e estava acima de tudo e de todos.

— Porque você vive para o seu trabalho! Pratica­mente tem uma cama no escritório!

— E como você sabe disso?

— Freddy me contou. — Jude notou que fora leviana no comentário. — Ele apenas mencionou isso de passagem — emendou.

— Vocês dois parecem ter um relacionamento muito íntimo... considerando que é meramente profissional.

— Nunca disse que era meramente profissional...

— Mas falou que estava trabalhando num projeto com ele.

— Estou. Estava. Estou.

— Tempo passado? Tempo presente? Qual devo considerar? E você nunca explicou precisamente que projeto é esse.

— Eu já lhe disse que Freddy quer lhe contar pes­soalmente. E é muito empolgante.

— Bem, se meu irmãozinho está envolvido, com certeza o projeto não será bem-sucedido. A perspi­cácia de Fernando em relação aos negócios tem sido quase inexistente. — Ele terminou seu café e puxou um banco a fim de poder colocar os pés... parecendo à vontade demais, considerando que estava na casa de outra pessoa. — Então ele lhe disse que sou seu irmão viciado em trabalho, certo? No meio de uma discus­são sobre o projeto misterioso?

— Você faz soar como se fosse um crime eu ser amiga de Freddy.

César decidiu não informá-la que só seria um crime se ela quisesse trocar sua posição de amiga pela de esposa.

— Sou somente curioso. De projeto para amigo? De amigo para projeto? Qual é a ordem dos eventos? Como vocês se conheceram?

Jude estudou-o cautelosamente. Aquela expressão determinada no rosto dele não a enganava. César esta­va fazendo rodeios, procurando pistas.

— Sou designer — murmurou ela, tentando evitar a divulgação de detalhes sobre como eles se conheceram, o que acontecera por meio de Imogen. — E Freddy precisava de ajuda em alguns assuntos.

— Oh, sim. O assunto sobre o qual ele quer falar comigo. E, naquele momento, você conhecia o tama­nho da fortuna de Fernando?

— Sei aonde você quer chegar com todas essas perguntas!

— Sou tão óbvio assim?

— Sim, é. Não que você se importe! Preciso trocar de roupa. — Jude levantou-se e deu-lhe um olhar ful­minante que não causou efeito algum. Ele continuou olhando-a calmamente, como se tivesse todo o tempo do mundo para esperar até que ela decidisse dar a res­posta que queria ouvir.

— Por favor, não se incomode comigo — disse César percebendo as pernas bem-moldadas, que ti­nham sido disfarçadas na noite anterior pelo jeans. Para alguém com cabelos e olhos escuros, ela era delicadamente alva e sua pele era como cetim. Di­ferentemente das mulheres que conhecia, Jude não usava maquiagem, e seu rosto era fresco e liso. As pequenas sardas pontilhadas no nariz o fizeram ima­ginar se ela podia ter sido uma menina travessa, su­bindo em árvores e fazendo tudo que os meninos fazem.

Jude ignorou-o.

— Não vejo seu irmão como um objeto matrimo­nial, de modo que possa pôr minhas mãos na fortuna dele. E é muita falta de educação sua retribuir minha hospitalidade com insultos. Eu poderia tê-lo deixado encontrar seu caminho por Canterbury na neve até achar um hotel! Você acabaria perdido e preso nesse seu carro idiota.

— Carro idiota?

Jude suspirou com impaciência.

— Não sou uma pessoa interesseira. Nem sequer sou materialista! Não acredito que dinheiro possa comprar felicidade. Ao contrário, na verdade, traba­lhei com diversas pessoas ricas que eram totalmente infelizes. — Ela fez uma pausa. — Você é feliz por­que trabalha todas as horas que Deus lhe deu, para poder acumular mais dinheiro que alguém pode gastar numa vida inteira? Freddy disse que você se enterrou no trabalho porque nunca se recuperou de... — Ela fi­cou ruborizada e cobriu a boca traiçoeira com a mão.

— De que...? — perguntou César calmamente.

— Nada.

— O que meu irmão disse?

— Preciso realmente mudar de roupa agora! — Jude saiu apressadamente. Não entendia como podia ter sido tão leviana, censurando-o apenas porque ele a acusara de ser interesseira.

O que ele dissera não significava nada para ela, e não deveria ter se importado. Em vez disso...

Jude trancou a porta do banheiro e inclinou-se con­tra ela por alguns segundos com os olhos fechados, antes de ligar o chuveiro e entrar embaixo da água cascateante.

Sentiu-se melhor depois do banho, e melhor ainda quando vestiu seu jeans favorito e uma camiseta de mangas longas. Por alguma razão, queria mostrar a César que pelo menos era apresentável.

O cheiro de bacon chiando aguçou-lhe o olfato en­quanto descia a escada. Se fosse César ao fogão, ele era mais doméstico do que ela pensara, imaginando que aquele bilionário de nascença fosse o tipo que nunca usasse qualquer utensílio culinário. Ela entrou na cozinha e observou-o colocar fatias de pão na tor­radeira e, depois, começar a bater ovos numa tigela.

— Você fugiu antes que pudesse contar-me que outros segredos Fernando compartilhou com você — disse César sem se virar.

— Desculpe-me. — Jude deu um profundo suspiro e sentou-se à mesa. Olhou para a atadura e, em segui­da para o perfil aristocrático de César. O rosto era uma lição de beleza, as feições, bem-definidas. Um artista plástico faria de tudo para pintá-lo. Ele enro­lara as mangas da camisa até os cotovelos. As mãos eram fortes, e ela afastou o olhar rapidamente.

— Eu lhe disse que você era mal-educado por insultar-me na minha própria casa e fui mal-educada por trazer à baila algo que não é da minha conta. Estamos quites? Talvez possamos começar a discutir sobre outra coisa?

— Imagino que ele tenha lhe contado sobre Marisol — disse César, que nunca se vira na posição de falar sobre sua vida particular, mesmo que sua faleci­da esposa não fosse exatamente um assunto proibido. Afinal, era só procurar seu perfil na internet e a infor­mação apareceria.

— Sinto muito.

— Pelo quê? Por nunca, como meu irmão insinuou ter me recuperado da morte dela?

— Como eu disse, não é da minha conta.

— Você está certa. Não é, mas se quiser que seja, sinta-se à vontade para procurar na internet quando as conexões foram restabelecidas. — Ele nunca se recuperara? Era esse o consenso geral sussurrado às suas costas? Ninguém jamais ousara lhe dizer isso. A idéia de outras pessoas tendo opiniões sobre seu es­tado emocional o fez comprimir a boca de raiva, mas não era justo descontar sua raiva na mulher sentada à sua frente. Nunca permitira que as opiniões de outras pessoas tivessem efeito sobre ele e não iria começar agora.

Brevemente, todavia, pensou na falecida esposa, Marisol.

Ela fora muito delicada e estranhamente loura para uma garota espanhola.

César, com apenas 18 anos na ocasião, olhara para ela e soubera, naquele instante, que precisava tê-la. Havia sido uma união abençoada pelos pais de am­bos, e Marisol, durante o tempo em que estivera viva, correspondera a todas as expectativas. Tinha sido a mulher mais doce que ele já conhecera.

Preparava refeições estupendas, nunca se queixan­do dos horários dele. Uma mulher nascida para ser protegida, e César adorara protegê-la. Que homem não ficaria feliz em fazer isso, por uma vida domésti­ca tranqüila?

E, desde Marisol, César somente se sentira atraído pelo mesmo tipo de mulher; estonteantemente linda e obediente ao seu chamado. Mas sempre acabava se cansando delas, o que nunca o perturbou.

Isso significava que nunca se recuperara? Que não podia viver a vida intensamente depois da tragédia que tinha acontecido mais de dez anos atrás?

Ele cerrou o cenho diante dos imensos olhos casta­nhos o encarando, e, mais uma vez, tentou imaginar que tipo de relação Jude tinha com seu irmão.

— E não precisa ter pena de mim — disse ele.

— Não estou com pena. Estava apenas me pergun­tando por que você nunca se estabeleceu com outra pessoa.

— A mesma pergunta faço eu. — Ele voltou à ta­refa em mãos. Não era comum encontrá-lo atrás de um fogão e seu cardápio de pratos era limitado, mas nunca se aproveitara da fortuna da família da mesma maneira que seu irmão. Logo, era mais capaz de pro­ver a própria sobrevivência.

— Acho válido beijar alguns sapos, para que possa reconhecer o príncipe quando ele chegar.

— E quantos sapos você beijou?

— Perdi a conta.

Diversos sapos beijados, mas somente um que a se­duzira a ponto de fazer Jude acreditar que ele seria o certo. Tinha sido há três anos, e a relação havia termi­nado amigavelmente quando ele dissera que ela não era a mulher para ele, que esperava que pudessem per­manecer amigos. Amizade, concluíra Jude mais tarde, era a maneira covarde de sair de um relacionamento. Se um homem não quer uma mulher chorando por ele, vem com a conversa gentil de amizade. De qualquer forma, ela decidira não questionar os motivos, erguendo o queixo e guardando as lágrimas para depois que ele se fosse.

No entanto, não pretendia contar isso a César.

— Tantos assim?

— Sim, tantos assim.

— E por que nenhum desses sapos acabou sendo o príncipe disfarçado? — Ele pôs o prato de bacon e ovos na frente dela.

— Como é possível que você cozinhe e faça a cama e seu irmão seja tão incompetente?

— Este é seu modo sutil de mudar de assunto?

César sentou-se e começou a tomar seu café da ma­nhã, que era o dobro da quantidade que colocara na frente dela.

— Descobri que vale a pena ser capaz de fazer tudo sozinho, mesmo que não precise, e isto inclui cozi­nhar e limpar.

— Ótimo. Neste caso, você pode tornar-se útil aqui, se não puder ir embora por alguns dias. — Jude olhou para a neve no lado de fora, achando que a previsão do tempo estava certa. Mais neve pela frente. — Sou uma negação em ambas as artes. — Seus olhos cruza­ram-se por um instante e ela corou. — Ou pelo menos desinteressada.

César emitiu um som. Parecia um resmungo, pensou Jude, misturado com crítica. O homem não precisava fa­lar nada para deixar suas opiniões claras. Pobre Freddy, rejeitado pelo irmão mais velho porque não gostava de usar um terno e ir a um escritório todos os dias.

— Imagino que você seja um daqueles homens ultratradicionais que pensam que todas as mulheres deveriam ser acorrentadas ao fogão ou assobiar uma melodia alegre enquanto manuseiam um aspirador de pó — disse ela irritada.

— Admito que, quando se trata do sexo oposto, te­nho pontos de vista tradicionais. Irei ouvir um sermão feminista agora? Porque você parece ser muito sensí­vel ao assunto.

— É claro que não sou sensível ao assunto — disse Jude, espetando um pedaço de bacon no garfo. Pen­sou em James, o ex-namorado que partira sorrindo, desculpando-se e falando em amizade. Oito meses atrás, Jude soubera que ele havia se casado com uma doce loura, que engravidara imediatamente.

— A maioria dos homens é — disse ele de forma provocativa —, incluindo Fernando.

— É seu modo de avisar para eu me afastar dele, caso eu tenha idéias ambiciosas em relação a Freddy? — Ela se levantou, com o prato na mão, e foi até a pia, de onde teve uma vista espetacular da neve crescente.

Quando se virou, foi para vê-lo tirando a mesa. Num mundo ideal, ele permaneceria sentado, Jude supunha, tendo degustado um café da manhã prepara­do por sua esposa, que arrumaria a cozinha sem pedir ajuda e depois o deixaria na sala de estar com um jor­nal e fogo crepitante na lareira.

Imaginou como seriam aquelas mulheres. Freddy lhe contara que o irmão era irresistível ao sexo oposto.

— Talvez Freddy não seja tão tradicional quanto você pensa — continuou ela com um sorriso malicioso.

Na verdade, Freddy encontrara seu perfeito par em Imogen, porque, independentemente de sua ocupa­ção, ela era convencional e feminina. Bonecas Barbie tinham sido seus brinquedos favoritos aos sete anos de idade; rosa, sua cor favorita aos 14; e ela era o máximo na cozinha. Enquanto Jude jogava futebol com os garotos, sua melhor amiga experimentava maquiagem.

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer que você não dá o devido crédito ao seu irmão.

Aquilo era verdade. Ela trabalhara com Freddy no projeto do bar de jazz, ouvindo-o explicar suas idéias de maneira persuasiva, vendo seus planos se realiza­rem aos poucos, sem obstáculos...

— Conheço Fernando melhor do que você pensa.

— Conhecia mesmo? Fernando ficara atraído por uma mulher determinada, teimosa e irascível como aquela? Uma mulher que dizia o que vinha na cabeça sem medir as conseqüências?

Fernando, pensou César, nunca seria capaz de lidar com uma mulher como aquela! Jude alegava não ha­ver nenhum envolvimento romântico entre eles. Seria verdade?

— Mesmo sem nunca vê-lo? — perguntou Jude do­cemente. E começou a lavar os pratos.

— Não vejo meu irmão porque não tenho tempo. — César caminhou em direção à porta da cozinha e voltou-se com expressão exasperada. — Sim, traba­lho longas e árduas horas. Quando assumi a firma, foi numa época infernal. Eu a estabilizei de tal forma que hoje é um império financeiro de investimentos. Nada disso foi feito tomando coquetéis na praia, no Caribe, ou esquiando em Aspen. — Ele passou os dedos nos cabelos e olhou-a enquanto Jude continuava empi­lhando a louça no escorredor. — Nunca vi meu irmão desafiar qualquer coisa. — César ouviu-se dizendo: — E isso incluiu sua escolha por mulheres.

— E quanto a você? — Jude voltou-se para enca­rá-lo. Ele estava inclinado contra a porta e a força de sua personalidade parecia encher a cozinha, invisível, mas poderosa e sufocante.

A falta de uma resposta imediata supriu a informa­ção que ela queria.

— Minha escolha por mulheres não é assunto aqui.

— Você deveria dar uma chance a Freddy. Ele se sente...

— O quê?

— Inadequado comparado a você, que o condena por não ter seguido seus passos. Num estalar de dedos, o fundo consignado dele virará fumaça, e não acho que é o mais belo sentimento do mundo.

— Ele lhe contou tudo isso, certo? Ou estas são interpretações baseadas num ano de relacionamento?

— Ele me contou.

— Você fez sexo com ele?

— O quê?

— Você me ouviu. Está claramente dormindo com Fernando, porque suas conversas parecem muito sig­nificativas.

— Nossas conversas são normais. — Jude estava ruborizada, seus punhos, cerrados. — Pessoas normais discutem como se sentem sobre as coisas, quais são suas esperanças e sonhos...

E essa conversa ocorrera na presença de Imogen, enquanto os três comiam e tomavam alguns cálices de vinho.

— Você respondeu vagamente a parte dois de mi­nha pergunta, mas e quanto à parte um?

— Não, não dormi com seu irmão, não que seja da sua conta.

César estudou-a cuidadosamente.

— Diga-me uma coisa... Se você é tão íntima de Fernando e passam horas trocando confidencias, por que ele está tão desesperado para pôr a mão no fundo consignado neste momento? Ele tem sido mais do que feliz levando um estilo de vida livre com a retirada que tem, sem fazer trabalho algum. Para mim, é isso é um enigma.

— O projeto dele — disse Jude. E, embora Freddy recebesse uma quantia mensal, sempre pagava suas dívidas mandando as contas para o irmão mais ve­lho. César sabia muito bem para onde o dinheiro de Fernando ia, e podia praticamente acompanhar o pro­gresso dos relacionamentos do irmão pelos presentes que comprara para qualquer namorada que tivesse na ocasião. Em resumo, Freddy sempre fora rastreável. Vestidos de seda e diamantes, férias em países exóti­cos, contas de hotel para dois... sua vida pessoal vas­culhada minuciosamente por César.

Freddy confiara a Jude que seu irmão mais velho era muito determinado a proteger a fortuna da família de mulheres interesseiras. Se as contas de móveis e roupas para bebê começassem a aparecer nas despesas, César cortaria a quantia mensal com uma velocidade assusta­dora, e não precisava ser um gênio para calcular qual seria a reação dele quando visse Imogen. O fundo con­signado daria independência a Freddy.

— Se eu aprovar o tal projeto que ele tem em men­te, ficarei mais do que feliz em investir nisso, e esque­cer a dor de cabeça de precisar controlar a fortuna de Fernando. Ele mencionou por que a pressa?

Jude fingiu pensar sobre a pergunta. Então meneou a cabeça e deu de ombros.

— Acho que ele quer apenas tomar as rédeas de sua vida. Afinal, está com 25 anos...

— Quase um ancião.

— Você era mais jovem do isso quando assumiu seu império.

— Eu era um homem responsável.

— É claro. Faça-me de boba. Como se não tivesse um único traço de impulsividade em você.

— Se por impulsividade você quer dizer uma vida sexual saudável e ativa, com uma interessante varie­dade de mulheres, não poderia estar mais distante da verdade. Se, por outro lado, quer dizer uma habilidade para esbanjar dinheiro em prazeres passageiros sem nenhum pensamento no futuro, então está certa.

Jude piscou. Sentia seus seios pesados e o toque de seu sutiã de renda sobre seus mamilos era quase doloroso.

— Eu acho... que deveríamos pensar o que vamos fazer com o dia à nossa frente — disse ela, cruzando os braços. — Concordo que seria tolice de sua parte tentar remover a neve de seu carro quando ela conti­nua caindo.

— Você deveria dar aulas de como ser a anfitriã perfeita.

— Preciso fazer uns trabalhos no meu escritório. Tenho um quartinho ao lado da sala que também serve como escritório. Você pode...

— Manter-me o mais ausente possível?

Ele se afastou da porta, sua mente ágil registrando a conversa que tiveram.

Jude fora sincera ao negar qualquer relação sexual entre ela e Fernando, mas por que seu desassossego quando as perguntas dele tornavam-se muito inquisitivas?

Os olhos de César lhe estudaram as faces rubras, de­pois desviaram para aqueles braços fortemente cruza­dos sobre o peito. Um gesto de proteção, pensou. Ele sabia que podia ser intimidador. E gostava disso. Aqui­lo sempre ajudava a manter as pessoas a distância.

Talvez fosse isso. Talvez Jude ficasse nervosa na presença dele e, convenhamos, César era um intruso na casa dela, com uma tempestade de neve do lado de fora e nenhum meio de transporte. Ou talvez... César sentiu uma ponta de satisfação... tivesse a capacidade de deixá-la nervosa por uma razão perfeitamente com­preensível. Era um homem de sangue quente, e Jude, se não estivesse enganado, uma mulher fogosa.

Afinal, quase tudo na vida não podia voltar ao es­tado elementar?

 

Era hora do almoço antes que Jude saísse de seu es­critório, onde passara seu tempo refazendo os esboços para a conversão de um loft, o qual, segundo o casal que a contratara, tinha de lhes dar a sensação de estar em algum lugar à beira-mar. Era um projeto para uma casa de estilo vitoriano.

A primeira coisa que avistou ao entrar na sala de estar foi César de costas nuas, com uma pilha de ma­deira recém-cortada perto da lareira, que estava em pleno funcionamento.

— Para o caso de a força elétrica acabar — expli­cou ele. — Se continuar nevando dessa maneira, tudo é possível.

Jude assentiu. A visão da pele nua brilhando diante da lareira acesa parecia flagrantemente íntima, embo­ra ele a olhasse de modo muito inocente antes de ca­minhar até a janela e indicar o céu plúmbeo do lado de fora, quase invisível agora através da neve que caía.

— A internet continua desconectada, então decidi tentar ser útil de alguma maneira. Conseguiu adiantar seu trabalho?

— Trabalho?

— Você ficou naquele escritório por quatro horas!

Ela pensou nos desenhos descartados jogados no cesto de papel, porque seus pensamentos não a deixa­ram em paz.

— Sim. Foi muito útil. — Jude reprimiu o queixo caído e entrou de fato na sala de visitas, que estava maravilhosamente quente.

— Desliguei a calefação no quarto — disse ele. — Espero que não se importe.

César tinha sido olhado antes, muitas vezes, mas nunca por uma mulher que parecia não querer olhá-lo, apesar de não conseguir evitar. Era definitivamente erótico.

Ele também lavara suas meias, cueca e camisa, mas não mencionou essa parte. No momento, a nudez con­tra o zíper de sua calça estava ameaçando precisar de ajuste.

— Como descobriu onde achar madeira?

— Na pequena cabana nos fundos da casa. Não foi tão difícil de descobrir.

Ele atiçou o fogo, cutucando as achas de madei­ra com o bastão de ferro, certificando-se de perma­necer de costas, de modo que pudesse dar ao seu corpo tempo para acalmar-se. Finalmente, quando estava sob controle, caminhou em direção à cadeira e limpou o rosto com uma das camisetas dela... a mesma que recebera na noite anterior, larga e cor-de-rosa.

— Bem, obrigada. Não havia necessidade. O siste­ma de calefação central é muito eficiente nesta casa. Posso arranjar-lhe algo para vestir, digamos uma das minhas camisetas?

— Não sei se elas me servirão — disse ele com iro­nia. — A menos que seja uma daquelas enormes nas quais você parece gostar de dormir.

Jude se recusou a ser atingida pela observação joco­sa. Em vez disso, subiu rapidamente a escada e pegou a maior de suas camisetas, porque quanto antes ele se vestisse, melhor seria. César, obviamente, tirara a ca­misa para cortar lenha e acender o fogo, pois era um trabalho que fazia qualquer um suar. Não deveria saber que sua seminudez a excitava.

— Ao menos não é cor-de-rosa — disse ele, pegando a camiseta e casualmente roçando-lhe a mão estendida no processo. — Nunca pensei que meu or­gulho de macho pudesse suportar isso.

— Suportar o quê?

— Estar em exposição pública usando uma cor feminina.

Aquele era um César diferente do sujeito carrancudo que ditava leis e emitia ameaças. O César de agora lhe sorria com ar divertido.

— Homens de verdade não têm medo de usar cor-de-rosa — replicou Jude, e ele lhe prendeu o olhar.

— Confie em mim. Sou um homem de verdade.

— Vou preparar alguma coisa para comermos. Você deve estar faminto depois de uma manhã cortando madeira. Tenho um pacote de macarrão — disse ela, caminhando para a cozinha. — Não sou grande coisa na cozinha, mas faço um bom espaguete à carbonara... nada muito sofisticado.

A camiseta azul-clara tinha uma estampa, mas de algum modo ele não pareceu bobo vestindo-a. Na verdade, parecia ainda mais másculo, o tecido justo acentuando-lhe os bíceps e a rigidez da barriga.

— Espaguete à carbonara está ótimo, e realmente estou faminto, mas não quis remexer na sua cozinha à procura de comida. Sei o quanto as mulheres po­dem ser territoriais com homens bisbilhotando nos seus armários de cozinha. A propósito, estou surpre­so por você ter conseguido trabalhar com a atadura na mão.

— Não está doendo. — Ela flexionou os dedos para provar sua declaração. — Você está fazendo uma tem­pestade em copo d'água por nada.

— Talvez eu goste disso — respondeu ele. — Não há nada que um homem ache mais atraente do que uma donzela em apuros.

— Não sou do tipo de donzela em apuros. Se você esperar aqui, irei preparar nosso almoço.

Cinco minutos depois, César apareceu na cozinha, justamente quando Jude estava lutando com uma ce­bola e decidindo se deveria livrar-se da atadura para que pudesse fazer as tarefas com mais rapidez.

— Permita-me — disse ele.

Jude não o olhou quando ele lhe tirou a faca e co­meçou a fatiar a cebola com habilidade, dando-lhe a tarefa menos onerosa de servir a ambos um copo de vinho, porque, justificou César, estava mais escuro que noite lá fora; ademais, quando tinha chance de consumir álcool na hora do almoço?

Foi uma observação passageira, mas o fez pensar que muito raramente se dava ao luxo de aproveitar seu tempo livre.

César tinha tomado vinho e jantado com muitas mulheres ao longo dos anos, mas namoro, para ele, não passava de um jogo, e o resultado final já esta­va escrito nas cartas antes que a primeira refeição acabasse.

Aquilo era diferente. Podia não estar ali por sua própria vontade, mas, agora que estava, e sem poder trabalhar como distração, sentiu que gostava de fatiar uma cebola, fritar bacon, bancar o homem doméstico que nunca fora, porque sua interação com mulheres nunca tinha sido relacionada a tarefas caseiras. Leva­va-as para restaurantes caros e teatros, amava-as na cama, mas nunca o que fazia agora.

Ele a saudou com um copo erguido uma vez que se acomodaram na mesa da cozinha.

— Você não se sente aborrecido por estar preso aqui? Suponho que esta situação não seja o que geral­mente faz quando se levanta, nos fins de semana.

— Não, não é.

— O que você costuma fazer? — A curiosidade a fez perguntar, enquanto o olhava por sobre a borda do copo de vinho.

— Trabalho de dia e me divirto à noite. Ocasional­mente pulo a diversão, se estiver ocupado.

— Com quem você se diverte? — Jude corou. Pa­recia que o vinho afrouxara sua língua, assim como a mudança de atitude de César. Ela não estava mais na defensiva, e sim ansiosa para descobrir a pessoa com­plexa, inteligente e espirituosa que parecia haver por trás daquela máscara insuportavelmente bonita.

Enquanto ouvia César admitir que não se divertiu com ninguém por grande parte dos últimos seis me­ses, Jude quase não notou o quanto estava bebendo. Admitiu para si mesma que seu tempo de diversão fora bem mais longo que o dele. Então, muito surpre­sa, porque nunca contara a ninguém sobre seu ex-namorado, nem mesmo para Imogen, viu-se, de repente, entregando sua alma a César.

— Então é isso. Você estava certo num ponto... ho­mens são muito previsíveis em relação ao tipo de mu­lheres com quem se relacionam, que não é o mesmo tipo de mulher que sou.

Por alguma razão, César sentiu uma ponta de raiva pela desconhecida que o levara para sua casa.

— E faça-me parar agora antes que eu fique mais embriagada ainda. — Jude riu e levantou-se, a fim de pôr a mesa. — Mais um copo de vinho e você preci­saria tomar cuidado. Começarei a sentir-me chorosa e com pena de mim mesma.

— Tenho ombros largos para você chorar.

— Eu sei. Já notei.

Houve um silêncio elétrico. Ela podia ter bebido um pouco, mas nem mesmo aquele sentimento de em­briaguez podia cegá-la a ponto de deixar escapar algo terrivelmente íntimo.

Ele a estava olhando de uma maneira muito pe­culiar.

— Notei quando você estava atiçando o fogo da lareira — continuou Jude, baixando os olhos. — Não e com muita freqüência que tenho homens seminus no meu chalé.

— Não, não por alguns anos, de qualquer modo...

— Sei que eu não deveria ter lhe contado aquilo — disse Jude com uma ponta de amargura na voz. Levando a panela para a mesa, disse-lhe que poderia servir-se.

— Por que diz isso?

— Isso o quê?

— Que não deveria ter me contado sobre seu ex-namorado.

— Porque não preciso de ninguém usando a infor­mação contra mim no futuro. Não preciso da piedade de ninguém. Fiz uma escolha de ficar afastada dos ho­mens depois de James, e não tenho vergonha disso. — Jude enrolou o espaguete no garfo.

— Você realmente amou esse sujeito, não é?

— Gostei dele — replicou Jude. — Caso contrário, não teria passado mais de dois anos ao seu lado.

— Sempre na expectativa de que o relacionamento finalmente levasse ao casamento?

— Creio que sim.

— E você nunca enxergou os defeitos?

— Honestamente, não quero falar sobre isso.

— Entendo. Embora... — ele parou de modo abrupto.

— Embora o quê?

— Estamos presos aqui. — César deu de ombros.

— Uma pequena conversa passa o tempo, e nem pos­so contatar qualquer um de meus colegas. Você ten­tou o telefone? As linhas estão cortadas. Posso usar meu celular, mas estou economizando a bateria. E só há sinal lá fora. Contatei Fernando para avisá-lo que estou são e salvo, e não enterrado sob uma tonela­da de neve em algum lugar na periferia da cidade. E você ficará aliviada por saber que não mencionei que passei a noite aqui. Portanto... sem telefone fixo, sem acesso ao computador, celular com acesso limitado... que escolha temos a não ser fazer companhia um ao outro?

— Por isso você se tornou um pouco mais agradá­vel? — Era quase um alívio ser irônica com ele, ape­sar de o vinho ainda estar surtindo efeito, e o sorriso de César, fazendo-a sentir-se excitada, perturbada e autocons-ciente, como alguém andando na beira de um precipício.

— Estou intrigado pela ironia de alguém que tem a liberdade de analisar meus relacionamentos com mu­lheres como uma resposta à morte de minha esposa 12 anos atrás, ao mesmo tempo em que parece incapaz de ver que sua negação de um envolvimento emocional com homens é sua resposta para um relacionamento falido. — César comeu um pouco do macarrão e a fitou. — Você não está comendo.

— Acho que perdi a fome.

— Porque se sente desconfortável sendo indaga­da sobre um sujeito que a fez se sentir no paraíso e, depois, a descartou? Não sou o monstro que parece pensar, e não estou rindo de você por estar celibatária há um tempo.

O que César poderia ter acrescentado era que esta­va fazendo algo que nunca fizera antes: interessar-se Por uma mulher além do físico. Na maioria das vezes, suas conversas com o sexo oposto eram risivelmente superficiais.

Ele não incentivava efusões de sentimentos.

— Tudo bem, talvez eu seja um pouco cautelosa demais no que diz respeito a homens, talvez não goste de muita intimidade. Na verdade, seu irmão é o pri­meiro homem com quem me senti confortável há sé­culos — admitiu Jude e sabia por quê. Freddy não era uma ameaça.

Ele não iria agarrá-la. Estava com Imogen, e ter um homem como amigo era uma bênção, porque ho­mens agiam diferentemente em todas as espécies de coisas.

— Verdade? — murmurou César calmamente, ob­servando o sorriso no rosto dela.

— Eu sei. — Ela o fitou, ainda rindo para si mes­ma. — Sei que teve seus problemas com Freddy, mas ficaria surpreso ao ver o quanto ele pode ser prático quando precisa ser.

— Prático...

César se levantou e disse-lhe para ir à sala de estar relaxar. Por que desperdiçar o fogo?

— Eu deveria ajudar a arrumar a bagunça.

— Você está inválida, não se esqueça.

— Ah, sim. Donzela em apuros.

Jude olhou para a atadura da mão com repentino divertimento. Então, deu uma risada sexy e desapare­ceu, indo para a sala, deixando-o com uma pia cheia de pratos, uma nova experiência de lavá-los e muito tempo para pensar.

Aquele olhar sonhador nos olhos dela quando exal­tara as qualidades de seu irmão. O que significava aquilo? Os pensamentos que povoaram sua cabeça desde a noite anterior agora se aglutinavam em algo mais concreto e muito mais perturbador.

Então Jude ainda não tinha dormido com Fernando. Ele estava convencido disso. Ela não parecia ter a ha­bilidade de dissimular.

Provavelmente também evitara qualquer envolvi­mento com homens porque tinha sido magoada antes.

O lugar onde Fernando se encaixava nesse quebra-cabeça estava tornando-se um pouco mais óbvio. Seu irmão estava sem namorada no momento. César sabia disso porque não houvera contas de fins de semanas dispendiosos e artigos de joalheria recentemente.

Apoiou as mãos na beira da pia da cozinha e olhou pensativamente para a neve que caía sem parar.

Tinha retirado suas acusações, adotado uma apro­ximação diferente e obtido o que queria, ou pelo menos as peças de que precisava para transformar o quebra-cabeça numa equação matemática possível de ser solucionada.

Jude fizera um discurso sobre não ser materialista, mas isso deveria ser interpretado com cuidado. Afi­nal, em algum lugar ao longo do caminho, ela talvez tivesse concluído que a amizade poderia levar a uma segurança financeira para o resto de sua vida.

César deu de ombros, inquieto por a personalidade lógica dela estar em desacordo com o resultado de seu quebra-cabeça. Jude parecia tão sagaz, à sua própria maneira, enquanto Fernando estava querendo pôr as mãos no precioso fundo consignado. Quantas vezes ela mencionara todas as virtudes como bom-senso e responsabilidade de Freddy, não vistas até agora? Cla­ro, talvez estivesse elogiando-o porque era sua amiga e nada mais. Por outro lado, podia estar abastecida de motivos muito mais suspeitos.

Ele ignorou a pequena voz na sua cabeça que dizia que Fernando era adulto agora, capaz de cuidar de si mesmo, de fazer suas próprias escolhas no que dizia respeito às mulheres, e Jude era muito melhor que al­gumas de suas outras conquistas.

Em vez disso, César concentrou-se no fato de que a interação deles naquele bar não fora a de um homem e uma mulher em um caso apaixonado, depois de meses de mútua provocação.

Houvera conversas sussurradas, olhares furtivos enquanto eles pensavam que não estavam sendo ob­servados, mas nenhum roçar acidental de corpos e ne­nhuma desaparição misteriosa.

Então, onde aquilo o deixava? Jude seria uma interesseira completa?

E, mesmo que não fosse, aquilo era realmente de sua conta?

Deveria entregar o fundo a Fernando e deixá-lo in­vestir como quisesse, contanto que ficasse claro que César não o salvaria, caso ele perdesse tudo? Ou de­veria segurar o fundo consignado e proteger os inte­resses financeiros do irmão? Mas quando esta prote­ção teria um fim?

Ele cerrou o cenho, esperando por uma resposta in­terna que sempre vinha, uma vez que possuía controle total sobre qualquer tipo de situação, mas, estranha­mente, nenhuma resposta surgiu em sua cabeça.

Em vez disso, pegou-se pensando que desejava Jude. Era algo primitivo, que desafiava a lógica, mas a vontade poderosa do seu corpo ainda permanecia quando encontrava os olhos dela.

César afastou-se do balcão e dirigiu-se para a sala de estar, onde Jude estava sentada em um dos sofás com uma revista na mão e os pés cruzados sob o corpo.

Embora ainda não estivesse completamente escuro, havia uma nuança de crepúsculo que dava a impres­são de ser mais tarde do que era, e a cena do fogo da lareira crepitando, neve caindo do lado de fora e a mu­lher aninhada no sofá daria uma linda foto de revista.

Ela ergueu os olhos e César entrou na sala e sentou-se no canto oposto do sofá.

— O fato de você não poder entrar em contato com ninguém não o incomoda? — perguntou ela, somente para quebrar o silêncio. O modo com que ele a olhava a deixava nervosa.

— Estou me acostumando com isso. As vezes, é bom ficar isolado, sem meu computador ou celular.

— Mas com uma muda de roupa.

— Seria bom — disse César com voz pachorrenta. — Lavei minha cueca e ficaria feliz em vesti-la e la­var o resto das roupas, mas, se você acha ofensivo...

— Ele fez uma careta para a calça, a qual já estava muito suja.

— Não acho que isso seja uma boa idéia. — De repente, a sala pareceu menor, o fogo, muito mais quente, assim como a pele de Jude. — E não encontrei nenhuma calça de moletom que lhe servisse.

— Então você acharia isso ofensivo...

— Em absoluto. Não sou puritana. — Jude riu e lembrou-se de que ele era apenas um homem, e um homem que a insultara de certa forma, deixando claro que ela não era seu tipo. César gostava de mulheres submissas. Ela era independente e franca. Ele estava preso ali e parecia gostar da oportunidade inesperada de fazer coisas que nunca experimentara antes, mas isso não significava que tinha deixado de ser o ho­mem frio e desconfiado que questionara os motivos dela. Se Jude se mostrasse nervosa pelo pensamento de vê-lo de cueca, ele ficaria desconfiado.

— Eu podia ficar trancado no meu quarto até que estivesse adequado para descer novamente — mur­murou César, baixando aqueles olhos magníficos de modo que ela não podia dizer se ele estava brincando ou não.

Jude tomou uma decisão.

— Se você me der sua calça, posso lavá-la.

— Somente se você tiver certeza...

— Por que não teria? — Ela deu outra risada para indicar surpresa, e levantou-se.

— Não sei. Só não quero constrangê-la... — César a olhou com meio sorriso. — Não vou tirar a calça aqui. Nada por baixo. A cueca ainda está secando so­bre o radiador lá em cima. — A voz era apologética e educada. — Eu a deixarei do lado de fora da porta do quarto. Apenas dê-me alguns minutos...

Ele estava de bom humor quando voltou para a sala de estar, desta vez usando a onipresente camiseta e sua cueca de seda, agora seca, embora um pouco amassada.

César nunca imaginaria que uma armadilha que o tirara do trabalho pudesse trazer tantos benefícios.

Realmente precisava arranjar mais tempo para tirar folgas do trabalho, porque não tinha pensando nem uma vez nos e-mails que pudesse ter recebido e que precisava responder, nem ficado aborrecido pelo fato de que seu celular estava desligado. Podia ter conta­tado sua secretária, pedindo-lhe que falasse com os clientes e os informasse da situação, mas rejeitara a idéia mesmo antes de formá-la por completo.

Descobriu que apreciava estar incomunicável por um tempo.

Ele foi em direção à lareira. No mantel, havia uma coleção de livros, a maioria sobre arquitetura, alguns sobre designers famosos e outros de ficção. César pe­gou um sobre arquitetura e estava folheando quando sentiu Jude junto à porta.

— Você não se incomoda, certo? — perguntou ele.

Jude abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Vendo-o ali em pé, com a luz do fogo brilhando no corpo sólido e bronzeado, deixou-a de garganta seca. Teve um súbito desejo de sentar-se, porque suas per­nas pareciam de geleia. Sabia que precisava parar de agir como uma adolescente.

Seria mortificante se César notasse seu estado de deslumbramento, mas era incapaz de afastar os olhos aquela fabulosa perfeição do corpo másculo. A barriga dele era chata e rija, as pernas longas e fortes, com coxas perfeitas. Ele permaneceu ali, inclinado contra a parede, lembrando uma clássica estátua grega. Está­tua viva, lembrou-se Jude tremendo.

— Não, é claro que não.

— Você não me contou que espécie de trabalho de design faz — comentou César, virando-se para enca­rá-la. As cortinas tinham sido abertas e as luzes do teto, apagadas em favor de dois abajures.

— Você não perguntou.

— Por que você está aí tremendo junto à porta? — Ele fechou o livro que estava folheando, enfiou-o debaixo do braço e caminhou para o sofá, onde se sentou e estendeu as longas pernas sobre o banquinho em frente. Então, bateu no espaço ao seu lado, num convite que Jude preferiu ignorar, escolhendo uma ca­deira perto da lareira.

— Há muitos livros de arquitetura.

— Comecei estudando arquitetura — disse Jude, com os olhos acima da cintura dele —, mas tive de desistir porque o curso era muito longo e eu precisa­va trabalhar. — Ele inclinou a cabeça, demonstrando interesse. — Minha mãe tinha acabado de morrer e o marido de minha irmã perdeu o emprego na hora errada, porque tinham um recém-nascido. O dinheiro conseguido pela casa... bem, não era muito, e ela pre­cisava mais do que eu...

— Situação difícil — murmurou César empaticamente.

— Essas coisas acontecem. Gostei de verdade de design de interiores, então decidi que era a segunda melhor opção. Afinal, sou muito boa nisso e posso oferecer mais do que apenas conselhos sobre cores e itens de mobiliário. Posso ajudar com todas as coisas fundamentais para a restauração de casas, portanto eles usam meu conhecimento sem grandes custos. Se um arquiteto qualificado se envolve, geralmente só tem de assinar os desenhos que já estão prontos. — Jude não pôde resistir e deu um sorriso de orgulho.

— Mulher talentosa.

Jude corou com prazer pelo elogio.

— Eu me viro. Posso não estar milionária, mas fui capaz de comprar este chalé e a maior parte da hipo­teca foi paga, porque meu cunhado voltou a trabalhar um ano atrás e minha irmã conseguiu me devolver o dinheiro que lhe dei. Não que eu tivesse pedido...

— E ela mora por perto?

— Do outro lado do mundo. Na Austrália.

— Então você está aqui sozinha? — Seria por isso que se tornara tão íntima de Fernando? Duas almas so­litárias gravitando uma em volta da outra? Ele reabriu o livro. — Este lugar aqui — César apontou —, onde fica? Gosto das dimensões dos cômodos... — Ele a olhou por sob os cílios e a viu hesitar, antes que se aproximasse. Deliberadamente, manteve o livro sobre o colo quando ela se sentou ao seu lado.

— Esta é uma de minhas renovações favoritas de apartamento — disse ela, mantendo certa distância, enquanto tentava ver as fotos sem tocar nele. — Con­seguiu combinar conforto com modernismo, linhas re­tas. Alguns apartamentos podem parecer sem alma se forem muito modernos, mas olhe aqui — Jude apontou para os detalhes —, ele usa muita madeira em lu­gares cruciais, e a adição dessas vigas... genial. — Ela se inclinou para mais perto no seu entusiasmo, e ficou tensa quando roçou contra o braço dele. Foi apenas um toque leve, mas causou profundas repercussões em seu corpo, fazendo-a recuar de modo abrupto.

Quando Jude o fitou, viu-o encarando-a de volta com seus olhos cor de chocolate. A expressão de Cé­sar estava fechada, não revelando nada. Todavia, es­tranhamente, ela parecia capaz de ler a intenção ali e isso a fez prender a respiração, enquanto enrubescia e seus olhos se arregalavam em reconhecimento a tudo que não estava sendo dito. Ou talvez estivesse interpretando a situação de maneira errônea. Vinha vi­vendo sozinha por um longo tempo. Talvez sua ima­ginação houvesse se tornado superaguçada, em direta proporção ao seu isolamento.

Jude ficou ciente de que estava prendendo a respira­ção, e também de que César a olhava com intensidade.

— Acredito — começou ela, pigarreando —, que esse apartamento é um dos poucos lugares modernos no qual posso me imaginar morando. — Com uma risa­da nervosa, gesticulou com os braços ao redor da sala. — Quero dizer, dá para ver que sou o tipo de pessoa que gosta de coisas antigas... — A voz esvaiu-se porque César ergueu uma das mãos e curvou-a na sua nuca. Então começou uma carícia leve, apenas o polegar contra a pele, movendo-se em minúsculos círculos que causaram tempestades de fogo através do corpo dela.

Jude não tinha idéia do que estava acontecendo, mas não lutou contra aquilo, e, em algum lugar bem no seu íntimo, percebeu que estivera imaginando aquele mo­mento, quando ele estenderia um dos braços e a tocasse. Ela fechou os olhos num suspiro quando César a puxou gentilmente na sua direção.

 

César a puxou para si, e o beijo que começou sua­vemente exploratório tornou-se mais profundo e mais urgente. Ela ofegou quando eles finalmente se separaram.

— O que está acontecendo?

— Um beijo. O que você gostaria que acontecesse agora? — questionou César. Era estranho, mas aquela era a primeira vez que beijava uma mulher com cabelos curtos. Sempre fora tão previsível nas suas preferên­cias? Criticava seu irmão por sempre ser atraído pelo mesmo tipo de mulher, mas ele não era diferente, e, de repente, percebeu que nunca procurara ninguém que pudesse desafiá-lo, jamais desejando alguém quebras­se a barreira de aço que erguera em sua volta. Conver­sas íntimas tinham sido desencorajadas, como também quaisquer brincadeiras de alegria doméstica. Relacio­namentos superficiais eram sempre seguros, pois não podiam ameaçar o curso previsível de sua vida.

Mas com Jude...

César franziu o cenho, tomado por uma onda de pensamentos conflitantes, mas, depois, relaxou, por­que aquilo parecia correto. Sentia-se atraído por Jude, mesmo que ela não preenchesse nenhum dos requisitos normais de atração e, mais do que isso, tomando-a para si não estaria salvando seu irmão de uma interesseira em potencial?

Ela alegara não querer dinheiro e apenas a amizade de Fernando, mas dinheiro era um ímã poderoso, e, no caso de Jude ter o mais leve pensamento de bene­ficiar-se da afeição de Fernando, que melhor meio de impedir isto do que a tornando sua primeiro?

Não fazia diferença para César se Jude era interesseira ou não, por que ele, diferentemente do irmão, era bem preparado para lidar com qualquer espécie de mulher.

— Estávamos falando sobre designers... — gague­jou ela, para que pudesse restaurar a normalidade, mas não podia tirar os olhos daquele rosto másculo e bonito.

— Sim, estávamos — concordou César. Então se acomodou melhor no sofá, sem soltá-la, somente mudando-a de posição.

Daquela maneira, podia apreciar-lhe a graça do pes­coço, a fragilidade dos ombros, a delicadeza do rosto em forma de coração.

Ele deslizou as mãos pela cintura de Jude e, vaga­rosamente, acariciou a pele acetinada.

— Você estava me contando sobre aquele aparta­mento... o quanto admira o sujeito que o projetou... — Ele gentilmente apartou-lhe as pernas com sua coxa, enquanto continuava fitando-lhe os olhos com intensidade.

Jude suspirou e suas pálpebras vibraram quando um calor interno a dominou, impossibilitando-a de fazer qualquer coisa exceto seguir a maré crescente de desejo.

Ele estava movendo as pernas contra as suas e ela gostou disso.

Deus, como gostou! Pressionou-se contra a coxa musculosa e uma onda de prazer sensual tirou-lhe qualquer pensamento coerente. Seu suspiro transfor­mou-se em gemido quando César colocou as mãos no seu baixo-ventre e puxou-a contra si, de modo a massagear sua intimidade sensível, apesar das roupas.

— Psiu... — Jude silenciou-o, e César a olhou com um misto de triunfo e desejo ardente. Com os olhos fechados, ela arqueou as costas, tocou-lhe as laterais do corpo, de forma que seus corpos somente encontraram-se naquele ponto onde a perna dele ro­çava a sua.

César estava desesperado para tocá-la, mas, junta­mente com a convicção de que Jude o queria, havia o inoportuno pensamento de que ela realmente não queria desejá-lo. Era apenas o corpo no comando da mente. Se ele a tocasse intimamente, se a despisse, Jude recuaria?

Nunca hesitou na cama em toda sua vida, e agora percebia que teria de deixar a iniciativa nas mãos de Jude. Soubesse disso ou não, ela estava no comando, e ele não tinha escolha a não ser lhe entregar o controle.

A frustração era agonizante. Portanto, quando ela abaixou-se, cegamente procurando sua boca, César não resistiu a puxá-la para si. O beijo foi um assalto aos sentidos de Jude, enquanto sua língua sondava a maciez da boca saborosa.

Jude gemeu. Podia sentir a excitação pressionada contra si, e, instintivamente, estendeu uma das mãos e tocou a rigidez, depois deslizou a mão por baixo da cueca e envolveu os dedos em volta da masculinidade pulsante.

Seu corpo estava em chamas. Sexo com James ti­nha sido agradável, mas nada como agora.

— Não comece o que não pode terminar — disse César com a voz rouca de desejo e Jude abriu os olhos para fitá-lo.

— O que você faria se eu fosse embora? — amea­çou ela. Imaginara como seria ver aquele homem grande e poderoso perdendo o controle.

Estava vendo aquilo agora, enquanto continuava a massageá-lo até que ele foi forçado a cobrir-lhe a mão com a sua e exercer maior pressão.

— Continue... por favor.

Ela lutou para lhe remover a camiseta e então, de­leitar-se com a visão. Correu as mãos sobre o peito largo, adorando a definição perfeita do torso sólido.

— Minha vez agora, concorda?

Jude sorriu e começou a tirar sua blusa, mas ele adiantou-se, livrando-a da roupa num único movi­mento e parando-a antes que ela pudesse desabotoar o sutiã.

Em vez disso, acariciou-lhe os seios e começou a brincar com eles, provocando seus mamilos sobre a renda que os cobria.

— Nenhum de nós tem que ir a lugar algum — dis­se César —, portanto para que a pressa? Quero deliciar-me com cada centímetro de seu corpo bonito, e quero ir devagar. — Ele tirou um dos pequenos seios de dentro do sutiã e quase perdeu o controle.

Do lado de fora, a noite desabara. Na luz bruxuleante, César podia ver a fina película de transpiração fa­zendo o rosto de Jude brilhar lindamente. Baixou os seios dela em direção à sua boca e sentiu-a tremer sob suas mãos.

Ela era flexível como um gato, o corpo delgado rendendo-se às carícias de sua boca no mamilo rosado e intumescido.

Jude quase não o notou livrando-a do jeans, embora tivesse tentado não ser frenética quando o ajudou a remover a cueca.

— Talvez devêssemos ir lá para cima — murmurou ela.

— O sofá é grande o suficiente para nós dois. Além disso, por que desperdiçar uma boa lareira? — Ele a rolou para que ficasse de costas e eles trocaram de posições.

Jude o olhou com um leve sorriso quando ele lhe prendeu as mãos acima da cabeça dela para, então, inclinar-se a fim de poder continuar a exploração dos seios arfantes.

Ela não conseguia ficar quieta. Pequenos gemidos escapavam enquanto se contorcia numa febre de dese­jo, e, então, agarrou-lhe os cabelos e o empurrou mais para baixo, entreabrindo as pernas e convidando-o a experimentá-la de uma maneira que nenhum homem fizera antes.

Jude tremeu quando ele trilhou a língua ao longo de sua barriga e ao redor do umbigo, antes de mover a boca mais para baixo e deslizar a língua para seu interior.

Da mesma maneira que ela o massageara com a mão, César a provocou com a língua, deslizando-a em movimentos rítmicos, até que Jude estivesse ofegando e lutando para prolongar o momento do clímax.

De forma vaga, teve ciência do fato de não haver nenhum método contraceptivo à mão. Aquela era uma situação que nunca imaginara, e não era uma dessas jovens modernas que mantinham preservativos na bol­sa para eventualidades.

Não houvera episódios de eventualidade na sua vida antes.

Tentou calcular se estava num período seguro e de­cidiu que sim, embora percebesse que sua aritmética mental estava um pouco duvidosa naquele momento.

Então, quando César finalmente a penetrou e per­guntou-lhe se estava protegida, ela não hesitou em assentir.

Ele investiu contra ela e começou a mover-se pro­funda e firmemente. Depois, mais rápido, até que ambos renderam-se aos seus corpos. Jude gritou e se contraiu num espasmo violento quando ele deu a in­vestida poderosa que o enviou além dos limites.

César ainda estava respirando com dificuldade quan­do liberou seu orgasmo, como se tivesse corrido uma maratona e lutasse para recuperar o fôlego.

Depois, rolou de lado e puxou-a contra si, entrela­çando as pernas de ambos num aconchego. Seus cabe­los estavam úmidos e colados no rosto, e Jude parecia letárgica.

Letárgica e satisfeita, pensou ele. Sempre confian­te nas suas habilidades na cama, viu-se resistindo à tentação de perguntar-lhe se havia sido o melhor sexo que ela já fizera. Desde quando se preocupava com idéias bobas como aquela?

— Não sei o que aconteceu conosco. — Jude podia sentir o coração bombeando no peito.

— Fizemos amor.

— Sei disso, mas eu... Não faço coisas como estas, quero dizer, dormir com uma pessoa que mal conhe­ço. — O retorno à realidade a fez pensar que deveria levantar-se e vestir-se, mas César tinha os braços ao seu redor, e ela se sentia indolente e fraca.

— Acredite ou não, nem eu.

— Tem razão. Não acredito nisso.

César riu e afastou-lhe os cabelos do rosto.

— Tudo bem, admito que não tenho levado uma vida de celibatário desde que Marisol morreu, mas esse nível de espontaneidade...

— Você quer dizer que corteja suas mulheres antes de levá-las para a cama? — Estava tão silencioso no chalé que Jude quase podia ouvir o batimento de seus corações. — Nunca se sente solitário? — perguntou e César ficou tenso ao sentir suas barreiras auto impostas sendo forçadas. Esta era uma das perguntas mais íntimas que alguém já lhe fizera.

— Você não precisa responder — disse Jude rapi­damente. — Não se tiver medo da resposta.

— Medo?

— Talvez medo não seja a palavra certa.

— É claro que não me sinto solitário! Levo uma vida muito ativa.

— Entendo.

O tom de voz de Jude revelava descrença. Mas ele riu. Sentia-se relaxado demais para protestar. Devia ser o ar limpo do campo que o fazia agir de maneira diferente do normal.

César aninhou-a contra si e já podia sentir-se pron­to para amá-la novamente, como um adolescente fa­minto por sexo, indo para a cama com uma mulher pela primeira vez.

— Posso imaginar. Aposto que pratica muito espor­te, sai muito, e tem mulheres gravitando à sua volta o tempo todo.

— Sim para as três.

É claro que ele estava sendo honesto. Para um homem como César, mulheres eram apenas uma distração agradável. Esta espécie de situação seria incomum para ele, e não somente porque mudara sua rotina normal de perseguição e captura; não so­mente porque, contra todas as possibilidades, eles tinham acabado na cama... mas porque ela não era seu tipo.

— Aonde você costuma ir? — perguntou ela, de súbito, triste em saber que dormira com um homem que desapareceria de sua vida no momento em que a neve parasse de cair. — Teatros? Cinema?

— Teatros, sim. Cinema... não sei qual foi a última vez que assisti a um filme. Não sobra muito tempo no dia a dia para tais luxos tolos.

— Teatro também é um luxo.

— Teatro é um lugar em que se pode levar clien­tes para entretê-los, ou ser entretido por eles. A vida na selva de pedra é um grande exercício de agradar, pessoas.

— Parece divertido.

— Sim, mas posso pensar em coisas melhores para: fazer. — Ele sorriu, informando-a o que tinha em mente quando tocou seus seios. — Você está pronta para mim novamente?

— Poderíamos conversar... um pouco...

— Por quê?

Naquele instante, Jude soube que sua curiosidade tinha sido um erro. Eles haviam feito amor, as coisas mais íntimas que se podia imaginar, mas, fora isso, suas vidas eram mundos distantes. Conhecerem-se melhor não estava nos planos de César, pelo menos não além de querer conhecê-la em relação a Freddy.

— Você está certo. Por que conversar quando há muitas coisas melhores para fazer? Afinal, estou sozi­nha há muito tempo.

Ela lhe acariciou as costas e sentiu-o ficar tenso.

— Quer dizer que você está me usando para tirar um atraso?

— De que você está falando? — perguntou ela. César mudou de posição, afastando-se um pouco, de modo que pudesse fitar-lhe os olhos.

— Você sabe do que estou falando, Jude. Não se relaciona sexualmente com um homem por algum tempo, e estou aqui.

— Ah. — Ela entendia agora. César podia achar que conversar era uma chateação, talvez usasse as mulheres somente para propósitos prazerosos, mas não gostou da ideia de que pudesse, por uma vez, ser usado por uma mulher. Jude sabia que era errado in­centivá-lo a mal interpretar o comportamento dela, mas algumas lições na vida não eram salutares?

— Você é um homem sexualmente irresistível. E não me diga que sou a primeira mulher a dizer-lhe isso. Afinal, que garota de bom senso não gostaria de uma boa brincadeira no feno com você? Princi­palmente se descobrir-se sozinha na sua companhia? — Para provar seu ponto de vista, Jude inclinou-se para a frente e beijou-o provocadoramente na boca.

Aquela era uma Jude que ela não reconhecia. Le­vara seu relacionamento com James a sério, um passo de cada vez.

Certificara-se de conhecê-lo durante um período de tempo antes que progredissem para o nível físico. Certamente nunca o teria encorajado a pensar que o usava para sexo! Nem teria pulado na cama com ele depois de algumas horas, simplesmente por estarem no mesmo lugar, ao mesmo tempo e com a mesma coisa em suas mentes.

— Não acredito que estou ouvindo isso — disse César de modo repreensivo, mas correspondeu ao bei­jo, o que deu a Jude uma sensação de poder.

— Por que não? Você desfruta sexo com mulheres sem qualquer desejo ou intenção de ter um relaciona­mento com elas...

— Você está brincando com o vocabulário.

— Estou? — Jude franziu o cenho. — Desculpe, pensei que estivesse sendo apenas honesta. Sempre fui muito transparente no que digo. Você mesmo disse isso.

— Tenho relacionamentos com mulheres. — César não sabia por que estava entrando naquele debate, mas se sentia magoado pelas acusações de Jude. — Mas não relacionamentos que terminarão levando noivas para a igreja. Pergunte a qualquer das mulheres que namorei no passado. Todas lhe dirão que se divertiram comigo. — Ele lhe atirou um sorriso voraz que fez o sangue dela esquentar de desejo, mas Jude manteve a expressão séria.

— Se você diz... — Ela deu de ombros. — Talvez pense que entende as pessoas, e descubra que não as conheceu em absoluto.

— E, por outro lado, você pode passar dois minu­tos na companhia de alguém e perceber que o conhe­ceu completamente. — César acariciou um dos seios magníficos e provocou-a, esfregando o mamilo róseo com o polegar.

— Hmm. — Jude suspirou, aconchegando seu cor­po contra ele e movendo-se sinuosamente contra sua ereção. — Aconteceu isso com meus pais. Eles se entreolharam em meio a uma multidão, e o futuro de ambos estava selado.

— O que, teoricamente, me torna um bom candidato para o amor eterno, assim como foi seu ex-namorado. É melhor você não se apaixonar por mim. — César sentiu uma ponta de culpa por falar aquilo, mas se irritou quan­do ela riu como se tivesse ouvido a piada do século.

— Ora, por favor — disse Jude ainda sorrindo. — Eu precisaria me internar num hospício se fosse tola o suficiente para fazer isso. —Apaixonar-se por ele? Era um pensamento louco e perturbador. — Você é, provavelmente, o último homem na face da terra por quem eu poderia me apaixonar. — Apenas para silenciar a voz na sua cabeça que a lembrava de ter dormido com ele tão rapidamente, o que teria consi­derado impensável dois dias atrás.

— Estou arrasado — murmurou César, sua mão movendo-se indolentemente entre as pernas dela. — Você é muito má com o ego. A maioria dos homens ficaria insultado por pensar que está sendo usado des­sa forma.

— Mas você não está insultado. — E ela quase de­sejou que estivesse, mas sexo pelo sexo era a espécie de linguagem que César entendia.

— Voltaremos a falar sobre isso mais tarde...

Desta vez o ato de amor deles foi feroz e urgente.

Após acariciar cada centímetro do corpo dela, Cé­sar posicionou-a sobre si, enquanto ela o cavalgava, beijando-lhe o rosto, o pescoço, os ombros largos.

Ele não sabia que horas eram quando finalmente acordou.

Suas pernas estavam tesas, e César teve de sair do sofá, porque Jude adormecera nos seus ombros. Com o movimento, ela se estendeu, murmurou um som sua­ve e voltou a dormir.

Por alguns segundos, ele ficou de pé, nu, olhando-a, tentando entendê-la.

Ela parecia ousada e determinada, mas havia mo­mentos quando era tímida e cautelosa. Afinal de con­tes, quem era Jude?

Uma coisa era certa... se ela decidisse seduzir Fernando, por qualquer razão, o pobre rapaz não teria chance. Enquanto a observava, ela abriu os olhos.

Não havia nenhum sorriso de satisfação pelo ato de amor no rosto dela, nem Jude estava fazendo o menor esforço para seduzi-lo de volta para seus braços.

Isso o irritou um pouco. César estava acostumado às mulheres usando todos os artifícios para conservá-lo na cama, uma vez que tinham conseguido tê-lo ali, para começar.

— Você checou o tempo? — Eles haviam se deita­do no manto, usado para cobrir o sofá, então ela enro­lou a peça em volta do corpo e sentou-se.

Jude podia ter ficado deitada lá com ele pelo resto do dia, mas sentira quando César relaxara, e mantivera os olhos fechados, fingindo dormir.

Eles haviam feito amor e, enquanto permaneciam aninhados como um perfeito casal feliz, Jude tivera tempo para pensar, e eles não eram o perfeito casal feliz. Na verdade, nem mesmo eram um casal, perfei­tos ou não. Até a parte da felicidade era contestável porque, enquanto estivera nas nuvens quando fizeram amor, o retorno à terra mostrava uma realidade muito diferente.

César era um homem altamente sexy e, encontran­do-se numa situação incomum, havia aceitado o que sentira estar em oferta. Sem telefone, sem compu­tador... que modo melhor de passar o tempo do que fazendo amor? Era um homem que seria capaz de distanciar o ato sexual da emoção, mas e ela?

Jude o quisera e fizera amor com ele porque César a fascinara. Havia sentimentos ali, e ela sabia que ti­nha de enterrá-los antes que se aprofundassem.

Ele caminhou até a janela e examinou o panorama.

— A neve parou. — César soltou a cortina e voltou a olhá-la, notando-lhe a expressão fria no rosto.

— Isso é bom. Ouça — Jude umedeceu os lábios nervosamente —, sobre o que aconteceu...

— Você quer dizer o fato de ter me usado para sa­tisfazer suas necessidades sexuais?

— Não é bem assim — admitiu Jude com rancor.

César caminhou para onde as roupas descartadas estavam empilhadas no chão e pegou sua cueca, que vestiu.

— Bem, isso é um bálsamo muito necessário para meu ego danificado — disse ele, pegando suas roupas na pilha.

— Ambos fomos levados pelo momento. Presos aqui com a neve lá fora... um pouco como as loucuras que as pessoas fazem quando estão em férias. Foi ape­nas algo que teremos de fingir que nunca aconteceu. — Ela deu um profundo suspiro.

— E se eu não quiser fingir?

— Por que não fingiria?

— E se eu pensar que o que aconteceu entre nós foi muito bom? E se acreditar que não há razão concebível para fingimento? — Ele deu de ombros. — Então a neve para e a vida entra nos eixos. — César se apro­ximou. — Está negando a química que existe entre nós? Na verdade, está me dizendo que, se eu decidir beijá-la agora mesmo, você vai recuar porque foi capaz de convencer a si mesma de que não está mais atraída por mim? Jude fitou-o, confusa.

— Esta não é a questão.

— Então qual é...

— A questão é... — Agora ele estava sentado no braço do sofá, perto demais para o conforto de Jude. — A questão é que ambos agimos fora do normal. Eu não... não sou a espécie de garota que vai para a cama com alguém no calor do momento, e sim, sei que dei a impressão de estar usando você, mas não faço esse tipo de coisa. O fato é que, se escolho envolver-me com um homem, quero mais do que uma aventura.

— Esclareça.

— Somos pessoas diferentes, César. Não pensamos da mesma maneira, e o que você procura em mulheres não é o que eu procuro em homens.

— Oh, bem, tudo está tão claro como lama agora.

— Não finja que não entende. Você se distrai com mulheres...

— Porque sou profundamente infeliz e solitário... já não falamos sobre isso?

Aquela não era a reação agressiva que ela espera­va, e, agora, Jude sentia como se estivesse na corda bamba. Afinal, aquele grande ego masculino deveria responder com fúria previsível.

— Você está certa num ponto — disse César. — Deixando de lado a solidão e profunda infelicidade, não me envolvo com mulheres porque não quero rela­cionamentos longos, mas você...

— Eu o quê?

— Quer algo a longo prazo?

— Não vou perder meu tempo com alguém que tem fobia por compromisso e, como falei, você não é o tipo de homem que sonho ter como parceiro para a vida toda. Você foi casado e muito feliz, e, uma vez que nada poderá se comparar a isso, não vale a pena tentar. Você escolhe as mulheres que quer, desfruta-as e, depois, vai embora.

— Acabou? — perguntou ele friamente.

— Você, provavelmente, pensa que estou sendo tola...

— Você pode fazer as escolhas na sua vida, mas talvez devesse pensar que, enquanto espera que seu sonho se realize, a vida passa rapidamente.

— Tem razão, eu faço minhas escolhas.

— Vou tomar uma ducha. Depois, verei a que pro­fundidade meu carro está enterrado sob a neve. — Cé­sar nunca implorara por qualquer mulher antes e não ia começar agora. Jude deixara seu ponto de vista per­feitamente claro. — Só por curiosidade, qual é seu homem ideal?

— Alguém bondoso e atencioso — replicou Jude, na defensiva. Estaria perdendo sua vida esperando por um sonho? E se César era o inverso em termos de adequação, como possuía a habilidade de fazer seu coração disparar? Como podia fazê-la sentir-se viva quando todo o bom senso apontava para o fato de que ele era o homem errado?

Jude começava a sentir-se fraca. O que iniciara com aversão e antipatia havia se tornado algo mais, e agora temia ter cometido o pecado fatal de ter se apaixonado por ele.

— Alguém que não pensa que ele é o presente de Deus para o sexo feminino — continuou ela feroz­mente. — Um tipo de homem gentil...

James era assim, pensou ela, e onde tudo tinha ter­minado? César não era nada disso, todavia...

— Por que você dormiu comigo?

— Vá tomar seu banho.

— Irei assim que me responder.

— Tudo bem! Fiz isso porque você me excitou. Sa­tisfeito?

— Perfeitamente. Esqueceu que somente sei como usar mulheres? Eu queria que você dissesse isso em voz alta, para que se lembre que, algumas vezes, di­vertir-se é sua própria recompensa. Uma cama vazia nunca é gratificante para a moral.

César dirigiu-se para o chuveiro. Precisava de algo para esfriá-lo! Conseguira ter a última palavra, mas fora uma vitória vazia.

É claro, disse a si mesmo, esfregando-se com a toa­lha, mulheres como Jude não eram boas para um ho­mem como ele, e deveria agradecê-la por ser honesta e transparente.

O fato de estarem presos dentro daquele chalé o deixara louco! No minuto em que voltasse para a ci­vilização, esqueceria Jude, voltaria para sua vida de sempre, redescobriria o sujeito que trabalhava duro, divertia-se e nunca se envolvia em discussões fúteis sobre emoções.

Ele se olhou no espelho. Ora, nem mesmo fora ca­paz de barbear-se por cerca de dois dias! Estava come­çando a parecer e agir como um homem da caverna.

Com alguma sorte, a neve acabaria tão rapidamen­te quanto começara, e ele poderia deixar este fim de mundo e reassumir sua vida.

Pelo menos, pensou, usando toda sua força de von­tade para erradicar aquela imagem da cabeça, uma coisa era certa: Jude não estava atrás de seu irmão, buscando elevar seu estilo de vida. Quaisquer que fos­sem as nuanças que sentira entre os dois, tinha sido imaginação. A única coisa que ela queria era um ca­valeiro com armadura brilhante. E, definitivamente, não praticava a arte da sutileza. Oh, não. Se estivesse interessada no seu irmão, Fernando estaria casado e rumo à paternidade agora.

César decidiu que deixaria que aquela situação toda fosse uma lição salutar para ele... deveria manter-se concentrado nas coisas que conhecia... aquelas que não lhe causavam uma dor de cabeça infernal!

 

Mais tarde, Jude imaginara como conseguiria pros­seguir com o fim do isolamento causado pelo blo­queio da neve, mas, duas semanas depois, ruminando aquilo na cabeça, como vinha fazendo desde que o vira partir, soube que havia sido César quem desistira do relacionamento.

Ele desaparecera para tomar uma ducha e, quando retornara, seguira o apelo dela ao pé da letra.

Jude tinha lhe pedido para fingir que nada havia acontecido entre os dois, e ele fingiu. Enquanto ele foi desenterrar o carro da neve, ela arrumou a peque­na sala de estar, e cada almofada que afofava era um gesto no sentido de afastar para sempre as memórias dos momentos incríveis que eles tinham compartilha­do. Dentro de uma hora, a sala voltara ao aconchego original, com a ausência do manto do sofá, que ela pusera para lavar.

Até mesmo havia acendido velas perfumadas, por­que podia detectar o cheiro de sexo no ar, e não queria lembranças.

Eles haviam comido na cozinha, discutido banali­dades, e se retirado para seus respectivos quartos após o almoço.

E cada pergunta educada de César, os olhos fabu­losos e sem expressão, fora como uma faca enfiada dentro dela. Na ocasião, Jude se perguntara como ele podia ter sido tão desinteressado, mas, agora, pensando naquilo, sabia por quê. Não era o tipo de homem a ser tomado por grandes ondas de emoção. Nem tinha investido quaisquer sentimentos nela. Gostara da experiência ao seu lado, e, provavelmen­te, continuaria a vê-la por algum tempo, mas aquilo não era o suficiente para ela, e ele aceitara isso com um casual dar de ombros, porque podia tomá-la ou deixá-la.

Um homem para quem envolvimento emocional era uma complicação desnecessária.

Aquele era seu modo de ser e, admitisse ou não, enterrara sua habilidade de sentir com sua esposa.

Durante a noite, a neve começara a derreter, e, pela manhã, Jude acordara para vê-lo completamente ves­tido e pronto para partir.

Desde então, não ouvira mais nada sobre ele, em­bora continuasse vendo Freddy e Imogen, e parecia que o destino do precioso fundo consignado estava assegurado. César não caíra de amores pelo bar, mas também não tinha descartado a idéia de imediato, o que Freddy temia.

Jude estava ocupada com seu último projeto quan­do o telefone tocou. Como sempre, seu coração parou por um segundo ao pensar que poderia ser ele, mesmo que soubesse que César não ligaria porque não sabia o número do seu telefone. Portanto, o bom-senso disse-lhe que, é claro, não podia ser ele.

Mas não esperara um perturbado Freddy tropeçan­do nas palavras, até que ela lhe pediu para se acalmar, porque não podia entender uma palavra do que ele es­tava falando.

— Estou no hospital — disse ele com voz trêmula.

— Hospital? O que aconteceu? Você está ferido? — Uma onda de pânico a assolou.

— É Imogen. Ela foi trazida às pressas para cá.

— Mas o bebê ainda deveria demorar a nascer por pelo menos dois meses. — Jude sentiu gotas de transpiração na testa.

— Você precisa vir, Jude — disse Freddy em au­dível estado de pânico. Ela está em trabalho de parto neste momento e vou enlouquecer de preocupação!

— Estou indo.

— E você tem de... contar a César.

— Contar-lhe o quê? — Apenas a menção do nome dele a deixou com os nervos à flor da pele. Quando vira Freddy pela última vez, ele lhe contara que César tinha, relutantemente, dado sua bênção ao bar, e ele não quisera abalar sua sorte contando ao irmão sobre Imogen, porque ninguém sabia que tipo de reação César teria. César, de uma maneira ultraprotetora com a fortuna da família, era imprevisível. A gravidez de Imogen era, segundo Freddy, uma omissão tática e não uma mentira. Portanto, agora, com desgosto, Jude pressentiu o pedido iminente.

— Estou sem condições emocionais para explicar sobre Imogen — disse Freddy, e Jude podia ouvir a preocupação na voz dele.

Plácida, afável, feminina, Imogen era a tranqüila, mas permanente pedra no relacionamento dos irmãos.

Freddy, com sua efervescência, nunca fora muito há­bil em lidar com crises.

— Sei que deveria ter confessado tudo na última vez que vi César. Ele estava sendo especialmente re­ceptivo, mas...

— Tudo bem. E irei ao hospital tão logo possa. Dê-me o número do telefone de seu irmão.

Quinze minutos depois, Jude estava a caminho do hospital. Vestiu uma malha sobre o jeans que estava usando e enrolou um cachecol em volta do pescoço. A neve parará completamente.

Ainda precisava telefonar para César. Aquilo era algo que decidira adiar até que chegasse ao hospital, e pelo menos certificar-se de que Freddy e Imogen ficariam bem. O celular e o papel contendo os números de César pareciam pesar em seu bolso, o pensamento de contatá-lo causando-lhe uma ansiedade insuportável.

Ela fez o percurso até o hospital num tempo re­corde, mas custou a estacionar. Quando atravessou as portas da enfermaria da maternidade, uma dor de cabeça despontava em sua testa.

Freddy encontrou-a antes que ela o visse, e pare­cia amedrontado. O bebê estava bem, mas fora levado para a UTI do berçário. Era uma menina.

Os olhos do pai encheram-se de lágrimas.

— Aconselharam-me a batizá-la imediatamente... caso aconteça...

— Não pense nisso, Freddy — disse ela, abraçan­do-o. — Você ficará ainda mais preocupado. Como está Imogen?

— Ela perdeu muito sangue...

— Mas ela... vai ficar boa, certo?

— Eles não disseram. As próximas horas são impor­tantes, Jude. Preciso voltar para ela... Você telefonou...

— Telefonarei para ele num minuto. Quis chegar aqui primeiro e saber sobre vocês dois. Vocês três — emendou ela sorrindo. — Imogen está acordada? Mande-lhe um beijo. Ficarei aqui por algum tempo, Freddy.

Ele pareceu aliviado por aquilo e a deixou minutos depois, com a inevitável tarefa de ligar para César.

Jude foi à lanchonete do hospital, seus nervos num ponto crítico. Num quarto, no andar de cima, sua me­lhor amiga estava correndo perigo, e, no outro espaço, o bebê pelo qual ela e Freddy ansiavam lutava contra as complicações de ter nascido prematuramente. Em qualquer lugar do hospital, era impossível sentir-se calma. Mesmo na lanchonete, havia aquela sensação de pessoas esperando notícias, boas ou más.

Ela pediu um café-expresso e isolou-se na mesa mais afastada, fora do alcance de vozes.

Freddy lhe dera diversos números, mas o primei­ro que ela discou, o do celular, foi atendido sem demora.

— César, sou eu. Jude — esclareceu no caso de ele ter esquecido sua existência.

A milhas de distância, no seu escritório em Londres e com sua secretária sentada à sua frente, César gelou. Gesticulou para que a secretária saísse, o que foi pron­tamente obedecido.

Para sua intensa frustração, as duas últimas sema­nas tinham sido infernais. Sua mente controlada havia se recusado a obedecer às ordens, e a lembrança de Jude se infiltrara em sua memória de uma maneira que ele não sabia existir. Viu-se perdendo a concen­tração durante as reuniões e sentindo-se fisicamente inquieto, melancólico e pensativo.

Pensava nela e somente nela. Quase sentia o seu aroma e o sabor de seus beijos. Era uma espécie de febre da qual não podia livrar-se.

Agora, ouvindo a voz familiar do outro lado da li­nha, a raiva pela sua fraqueza subiu à superfície.

— E a que devo a honra? — perguntou ele friamente.

— Ouça, sei que deve estar surpreso em ouvir-me...

— Como conseguiu meu número?

— Isto não importa. César, algo aconteceu...

Ele detectou a urgência na voz dela e levantou-se, andando até as majestosas janelas que iam do chão ao teto de seu elegante escritório, num bairro financeiro.

— Do que está falando? — exigiu saber, com respi­ração desnivelada. — Onde, por Deus, você está?

— Estou... Estou no hospital... — Não era possí­vel explicar tudo pelo telefone. No minuto em que Freddy havia lhe pedido para ligar para o irmão, Jude percebera que não teria opção; seria obrigada a vê-lo novamente, mesmo que vê-lo fosse a última coisa que quisesse. — Você... poderia vir até aqui? Explicarei tudo quando chegar. Desculpe se estou sendo inoportuna.

— Nome.

— Não entendi.

— O nome do hospital. Onde fica?

Ele anotou os dados e enfiou o pedaço de papel no bolso. Tinha diversas reuniões agendadas para a tar­de daquele dia, além de estar com uma viagem para fora do país programada para aquela noite. Mas nada importava.

— Diga-me de que se trata. Sou um homem ocupado.

— Eu sei e sinto muito, mas prefiro não dizer pelo telefone, César. Mas é importante.

— Estarei aí em meia hora.

Aquilo levou um sorriso relutante aos lábios de Jude.

— Como pretende fazer isso? Voando? — Ela o imaginou voando através das nuvens como o super-homem. Ele podia ser capaz de fazer muitas coisas, mas chegar ao hospital em meia hora estava definiti­vamente fora de seu alcance.

— Correto. — César já estava calculando quanto tempo levaria para chegar a seu helicóptero particular. — Onde a encontro?

— Estarei na lanchonete do hospital.

Ele fizera relativamente poucas perguntas, pelo que Jude estava agradecida. É claro, César devia suspeitar que Freddy estivesse envolvido.

Somente quando ela estava na segunda xícara de café, e depois de ter visitado a enfermaria mais uma vez, para uma atualização, foi que começou a sentir-se um poço de nervos.

Enquanto esperava, distraiu-se lendo um dos tablóides que ficavam sobre uma mesa, mas não pôde resistir à tentação de levantar o olhar para a porta a cada cinco segundos e procurar por ele.

Disse a si mesma que aquele era um encontro ne­cessário, e que, se César fizesse um escândalo porque o irmão escolhera não revelar a existência de Imogen, ela estaria na linha de fogo. Não dizem que é sempre o mensageiro quem leva o tiro?

Estava distraindo-se com a página das fofocas quando tomou ciência da presença de César pela som­bra dele sobre a mesa. Jude olhou para cima vagaro­samente, dando-se tempo para armar sua expressão e compostura, mas isso não funcionou porque, no exato minuto que lhe encontrou os olhos, sentiu todo seu autocontrole render-se a um ataque de nervos.

Esperara, em vão, que sua imaginação viva tives­se exagerado a beleza poderosa de César e o feroz impacto que ele possuía sobre seu sistema nervoso. Usando calça escura e camisa branca imaculada, com o paletó pendurado despojadamente sobre os ombros, ele parecia até mesmo mais perigoso e magnífico. E totalmente frio.

Ela fez menção de levantar-se, mas se sentou nova­mente com um sorriso tenso.

— Gostaria de tomar um café? — Jude falou sem pensar, ciente de que era uma tentativa patética de cumprimento informal, uma vez que não era nem garçonete nem anfitriã.

— O que eu quero — respondeu César — é que me diga por que estou aqui.

Ele puxou a desconfortável cadeira de plástico e sentou-se.

Passara a viagem inteira num estado de ansiedade e estava aliviado por vê-la bem, embora fatigada.

Havia olheiras sob os olhos de Jude, e os cabelos curtos estavam desalinhados.

— É uma longa história, César...

— Meu irmão está bem? Apenas responda isso.

— Freddy está bem.

— E... você?

— Estou bem. Obrigada por perguntar.

— Então, o que está acontecendo?

Jude tentou não reagir ao imperioso tom de voz dele. Naturalmente, César estava exigindo uma expli­cação! E não faria perguntas educadas ou sutis.

— Vou lhe contar, se você se mostrar mais paciente.

— Não tenho tempo ou vontade para me sentar aqui, enquanto você põe seus pensamentos em ordem.

— É sobre seu irmão, César.

— Você disse que ele estava bem. — No espaço de um segundo, ele pensou que tivera muitas opor­tunidades, no passado, para tentar se aproximar de Fernando, e, de súbito, temeu que não houvesse mais nenhuma.

— E ele está. Mais ou menos.

— Mais ou menos? Vá direto ao ponto, Jude!

— Não é assim tão fácil! — Jude sabia que o tirara do trabalho e que estava fazendo rodeios, em vez de contar-lhe de uma vez. César não tinha paciência, por­que tempo era dinheiro.

Mas como, por Cristo, poderia explicar sobre Imogen em poucas e breves frases? Pensara vagamente sobre o que diria. Agora, desejava ter escrito num pa­pel, de forma que precisasse apenas entregá-lo, para que lesse e fizesse perguntas.

— Lembra-se de que me perguntou por que Freddy parecia tão incisivo para resolver a questão do fundo consignando o mais rapidamente possível? Quando ele sempre fora feliz em levar a vida na flauta e deixar você pagar-lhe as contas?

— Continue. — Aquilo não era o que ele tinha es­perado como explicação, mas devia ter imaginado que qualquer coisa a ver com Jude desafiaria todas as suas leis previsíveis.

— Bem, havia uma razão. — Ela o olhou fixa­mente. Era difícil acreditar que se sentira relaxada o suficiente para compartilhar qualquer coisa com ele. Naquele momento, olhava para um estranho frio e dis­tante. — E eu consigo entender por que Freddy fez... bem, o que fez...

César, lendo nas entrelinhas, vendo a expressão desconfortável no rosto dela e o torcer ansioso das mãos, chegou à única conclusão que sua mente lógica podia encontrar.

— Meu irmão está com algum problema financeiro que não me contou? Sei que ele joga, mas isso pas­sou dos limites? — César praguejou baixinho. Vinha controlando o estilo de vida do irmão, certificando-se de estar atento às suas leviandades, de modo que pu­desse prevenir qualquer problema em potencial. Mas e se Fernando estivesse com problemas financeiros e te­mera recorrer a ele, conhecendo qual seria sua reação?

Isso faria sentido.

Num momento raro de autoexame, César reconheceu que podia ser antipático e desprezível.

— Ele entrou em algum tipo de encrenca e acabou num hospital por causa disso?

— Freddy não joga há meses, César.

— Drogas, então. É isso? Por essa razão estou sen­tado aqui numa ordinária cadeira de plástico?

Jude estendeu a mão para tocar a dele. Por um se­gundo, houve um vínculo entre os dois, como se uma ponte tivesse se estendido entre um precipício que os dividia. Então César liberou a mão.

— Pare, César — disse Jude com firmeza. — Você está tirando todos os tipos de conclusões. Freddy não tem problema de jogo e não é viciado em drogas. O oposto, na verdade. Ele está tão focado como nunca foi em sua vida inteira... e há uma razão para ele ter mudado.

— Seja mais breve, Jude, porque estou ficando cansado deste mistério todo.

— Ele está apaixonado.

— Ele está apaixonado? E está no hospital por causa de um... coração partido? Diga-me quem exa­tamente é o objeto da afeição de meu irmão. — Ele a fitou com desconfiança, e Jude devolveu o olhar, enraivecida pelo insulto explícito naquele olhar in­quisidor.

— Não eu, se é o que está pensando, César. Você imagina que eu teria... poderia ter... — Ela respirou fundo e disse a si mesma que não deveria ficar ofen­dida, porque César estava sendo César. Desconfiado a ponto de ser absurdo.

— Ele está apaixonado e se relaciona há um longo tempo com uma garota chamada Imogen.

— Isso é impossível — disse César prontamente. — O nome não me diz nada.

— Não seja tão superior, César. Você vive numa bo­lha, sabe disso? Um mundo mágico, onde acha que co­nhece tudo que há para conhecer sobre todo mundo!

Longe de causar-lhe um impacto, César atirou-lhe um olhar que questionava se ela enlouquecera. De certa forma, sentia-se aliviado. Primeiramente, seu ir­mão estava bem. Em segundo lugar, Jude estava bem. Em terceiro, por um segundo, pensara que Jude fosse a mulher envolvida. Não era ela.

— Estou lutando para ver aonde tudo isso vai che­gar. Então, meu irmão julga-se apaixonado. Ele já se apaixonou antes e esta não será a última vez.

— Não é verdade. E você ainda não perguntou se está sentado aqui somente para ouvir que Freddy en­controu a garota de seus sonhos.

César corou. O alívio parecia ter desviado sua aten­ção do assunto principal. Na verdade, um alívio em di­versas frentes desviara sua atenção do que realmente o aborrecia... o fato de ter acionado a empresa de helicóp­tero para uma missão que poderia ter esperado.

— Termine logo com isso, Jude.

— Imogen foi trazida para este hospital hoje para dar à luz o bebê deles, que nasceu prematuramente.

O silêncio que se fez era ensurdecedor. Pela primeira vez, César ficou mudo e Jude não sabia se chorava ou ria da expressão dele.

— Você só pode estar brincando.

— Pareço estar brincando? Freddy me ligou esta manhã num total estado de desespero. Está aqui há horas, enlouquecido de preocupação. Daí a razão de pedir-me para contar a você... contar a verdade sobre Imogen.

— Por que eu nunca soube disso?

— Pode falar mais baixo, César? Esqueceu-se de onde estamos?

— Há algum lugar aonde possamos ir? — pergun­tou ele abruptamente.

— Não, não há. Quero ficar aqui. Imogen é a mi­nha melhor amiga. Você uma vez perguntou-me como conheci seu irmão. Bem, foi por causa de Imogen, e a razão de isso ter sido mantido escondido de você é porque Freddy tinha medo que...

— Vocês dois mentiram para mim.

— Nós não mentimos...

— Acho que preciso ver meu irmão.

— Não é uma boa hora para começar uma discus­são. Na verdade, não permitirei isso.

— Você não permitirá?

Jude reconheceu o tom de voz autoritário e prepo­tente. Contudo, não estava disposta a deixar César bri­gar com Freddy. Mesmo que ele desse sua palavra de que nada seria dito sobre as revelações, ela sabia que, inevitavelmente, César seria incapaz de não expressar uma opinião. Afinal, vivia num mundo no qual tinha absoluta liberdade de dizer o que queria. Mas hoje, ela decidiu, não seria um desses dias.

— Isso. Não vou permitir que você confronte Freddy.

— Você me interpretou mal. Nunca disse nada so­bre confrontar meu irmão.

— Não precisa dizer. Freddy não está num bom momento, e não precisa que você piore ainda mais as coisas.

César estava tão atônito que não tinha palavras. Nunca na sua vida adulta alguém lhe proibira de fazer qualquer coisa. As palavras permitir e César jamais ocorriam na mesma frase, e lá estava ela agora, olhando-o como uma diretora de escola que lidava com um aluno rebelde.

— Acho que deveríamos conversar — continuou Jude, ignorando a expressão raivosa dele. — Posso ex­plicar por que Freddy não quis lhe contar nada sobre isso.

— Assim como você. Mesmo quando estávamos na sua casa, fazendo amor.

Jude ruborizou-se. Não precisava de nenhuma lem­brança daquilo.

— Talvez seja mesmo uma boa idéia encontrar al­gum outro lugar para conversar — disse ela. Queria privacidade para aquela conversa delicada.

— Com medo de que eu faça explodir uma bomba?

— Sei que não faria isso. — Pelo menos não naque­le momento. Ela se levantou. — Vou ver Freddy, avi­sá-lo que não estarei presente por aproximadamente uma hora, e encontrarei você aqui quando voltar.

Mesmo que nada o impedisse de ir com ela, César assentiu. Precisava de tempo para pensar.

Na superfície, estava a questão de ser enganado, mas, logo abaixo, estava a realidade de que Fernan­do tinha um bebê, que conseguira manter em segredo porque...

Ele a observou sendo engolida por todas aquelas pessoas chegando e saindo e esfregou os olhos com os dedos.

Estava prometendo ser um dia infernal. César abriu o celular e ligou para sua secretária, a quem deixou com expressão estupefata e segurando um dossiê com papéis que dizia serem urgentes.

Eficiente como era, a única coisa com que ela apa­rentemente não podia lidar era um chefe agindo de maneira estranha do normal.

O espanto de sua secretária foi quase audível quan­do ele lhe disse que todos os seus compromissos de­veriam ser cancelados até segunda ordem. Ela não poderia parecer mais chocada nem se ele dissesse que estava prestes a fazer uma viagem à lua.

César desligou o celular exatamente quando viu Jude, acenando, vindo na sua direção.

Por um breve momento, esqueceu-se de tudo. So­mente a via, sua pequena figura que, como conhe­cia por experiência própria, era terrivelmente sexy, o atraente rosto de querubim, os cabelos curtos que poderiam ter parecido desastrosos, e, em vez disso, estavam inexplicavelmente sedutores.

Que tipo de roupa Jude estaria usando? César nun­ca vira uma vestimenta tão sem forma na vida, mais parecendo um avental do que qualquer outra coisa.

— Falei com Freddy — disse Jude com um sorriso, assim que chegou e sentou-se. — O estado tanto da mãe quanto da filha parecem bons. O bebê vai ser mantido no hospital por pelo menos algumas semanas, mas os médicos dizem que ela está se recuperando muito bem e Imogen está sorrindo, o que é sempre um bom sinal. Eu disse a Freddy que vamos tomar um café em algum lugar na cidade, mas não nos demoraremos.

Ela não acrescentou que Freddy quisera falar com o irmão pessoalmente, porque queria se certificar de ex­plicar tudo a César e evitar qualquer tendência de uma explosão emocional. Se César soubesse que Freddy não estava mais no mesmo estado de choque, não esta­ria agora se levantando e vestindo seu paletó.

— Meu carro está no estacionamento. — Jude afas­tou o pensamento traiçoeiro de que talvez, somente talvez, houvesse uma pequena parte sua que queria continuar conversando com César, mesmo que sou­besse que a conversa provavelmente seria terrível.

De qualquer forma, estar na presença dele, como uma viciada levada a alimentar um hábito nocivo, era irresistível.

— Eu não perguntei — disse ela, enquanto eles se dirigiam para o estacionamento. — Como você con­seguiu chegar aqui tão rapidamente?

— Helicóptero.

— Desculpe ter tirado você de suas reuniões.

— Você já se desculpou. Este é o seu carro?

— Algum problema? — Ela o encarou, mãos nos quadris, antes de destrancar a porta do carro.

— Muitos problemas — disse ele —, mas este, de­finitivamente, não é um deles.

 

Depois de meia hora, eles estacionaram e dirigiram-se a um café. O curto trajeto tinha sido feito em silêncio quase total. César parecia imensamente preocupado com seus pensamentos, olhando pela janela, e Jude estava satisfeita por poder escapar da conversa formal sobre nada em particular.

— Eles ainda não decidiram um nome para o bebê — disse ela para quebrar o silêncio. — Freddy pensa em Maria, como sua mãe, e Florença, como a mãe de Imogen.

— Como é esta mulher?

—Podemos falar sobre isso... assim que estiver­mos sentados, tomando um café.

— Preciso de algo mais forte que café!

Jude assentiu. Bem, eram quase 17h30. Ela mudou de ideia e virou-se em direção a um bar que ficava aberto o dia inteiro. Era espaçoso, muito moderno, e, àquela hora do dia, estava vazio. Por volta das 19h30, estaria congestionado com uma multidão de pessoas que tomavam um drinque depois do trabalho.

— Certo — disse César, assim que o garçom apare­ceu para anotar os drinques... água mineral para ela e uísque para ele. — Você ia me contar como é essa mulher. Presumo que não do tipo que alguém leva para conhecer seus pais, uma vez que Fernando a manteve em segredo. — Ele lhe deu um sorriso cínico. — Ninguém mantém uma mulher trancada, a menos que se envergonhe dela.

— É claro que Freddy não se envergonha de Imogen! Por que se envergonharia? Ela é uma garota ma­ravilhosa e sei disso melhor do que ninguém. Cresci com ela.

— Se ela é tão maravilhosa quanto você diz, por que eu não soube de sua existência antes?

— Por causa do fundo consignado.

— Ah. Então você e meu irmão estavam coniventes em manter tudo isso em segredo até que o negócio do fundo consignado fosse estabelecido?

— Nós não fomos coniventes, César.

— Não? Bem. Estou quebrando a cabeça para pen­sar numa palavra mais apropriada.

— Você não vai facilitar as coisas para mim, vai?

— Esperava que eu facilitasse?

— Não — admitiu Jude. Então, pegou seu copo, olhou para o conteúdo e tomou um gole da água. — Por isso mesmo Freddy sentia que não podia confiar em você.

— Nunca tentei interferir na vida amorosa do meu irmão. Ele sempre foi livre para fazer o que queria com qualquer mulher que quisesse.

— Contanto que o relacionamento fosse transitório. Freddy me contou que você queria que ele se casasse com uma mulher financeiramente independente.

César comprimiu os lábios.

— Nunca estabeleci nenhuma lei sobre isso.

— Mas estava subentendido. César, não adianta fingir que você não é protetor de todo esse dinheiro na sua conta bancária! A primeira vez que nos encontra­mos, praticamente acusou-me de ser uma caçadora de dotes! — Jude ordenou a si mesma que se acalmasse e não desviasse do assunto. — Imogen não vem de uma classe de pessoas privilegiadas que você acharia aceitável. Pelo menos é o que Freddy pensa.

— Ele mesmo deveria ter me contado, de homem para homem. Precisava do fundo de investimento, presumivelmente, porque a mulher em questão estava em péssima situação financeira, mas, em vez de pôr as cartas na mesa, escolheu usar a porta lateral. Em parceria com você.

Jude ruborizou desconfortavelmente.

— Não foi dessa maneira. Ele sabia que você não aprovaria. De fato, sabia que provavelmente tentaria interferir e, é claro, você tinha o trunfo na mão porque controla todas as finanças dele.

— Esqueça se a mulher vem de uma classe privi­legiada ou não. Deve haver outra razão pela qual ele nunca disse uma palavra sobre a existência dela para mim.

Eles podiam continuar em círculos sobre a enor­me fortuna e sobre as medidas tomadas para prote­gê-la, mas não chegariam a lugar algum, porque, no fim, divergiriam. Discussões inúteis não levavam a nada.

César precisava desenterrar a história inteira, então decidiu como agir daquele momento em diante.

Estava, reconhecia, com uma faca enterrada no co­ração, e ainda precisava pensar com a cabeça.

Naturalmente, a mulher sentada à sua frente não entenderia aquilo. Qualquer pessoa que passasse a vida procurando um cavaleiro com armadura luzidia não tinha uso algum para a cabeça.

— Freddy pensou que você não aprovaria Imogen por julgar que ela estava atrás do dinheiro dele e por causa... da aparência dela.

César recostou-se na cadeira e terminou o uísque num único gole. Agora eles estavam chegando a al­gum lugar.

— E como é a aparência dela? — perguntou ele com voz pachorrenta. —Não, deixe-me adivinhar. Cabelos louros? Grandes olhos azuis? Luxuriante, corpo sexy?

— Algo assim — murmurou Jude. — E ela tra­balhava numa boate. Na verdade, foi lá que eles se conheceram. — Qual era o sentido de uma verdade parcial?

— Numa boate? Fazendo o quê? Com cabelos lou­ros, olhos azuis e corpo sexy? Hmm. Contadora, tal­vez? Ou recepcionista?

— Não exatamente. — Jude estudou os olhos frios, calculistas e fabulosos, e estremeceu mentalmente. — Ela era uma espécie de garçonete.

— Uma espécie de garçonete?

— Bem, se quer saber, ela era stripper. De certa forma. Nada de grosseiro, é claro.

— Não. Eu não pensaria nada do tipo — zombou ele.

Uma imagem estava se formando na cabeça de Cé­sar, e uma que não gostava nem um pouco. Não tinha nenhum problema por Fernando estar namorando uma stripper. Afinal de contas, Freddy era um homem de sangue quente e sempre gostara de louras... mas quais teriam sido os motivos da stripper? Quando havia se esquecido de tomar a pílula anticoncepcional e, aci­dentalmente, ficado grávida?

— Sei o que está pensando, César, e você está erra­do. Eles são muito apaixonados, e Imogen é uma das melhores pessoas do mundo. Cresci com ela, e sei que não é nada ambiciosa ou interesseira.

— Só que agora teve um bebê e, presumivelmente, está por trás da repentina vontade de Fernando de pôr as mãos no seu fundo consignado?

— Essa idéia foi dele. Freddy quer fazer algo de útil com a própria vida.

— E, naturalmente, vir trabalhar nos negócios da família nunca foi um dos planos sugeridos?

— Você sabe como Freddy se sente sobre traba­lho em escritório. Pensar em ficar sentado atrás de uma mesa, como você faz, olhando para a tela de um computador e fazendo reuniões... isto nunca combi­naria com ele.

César lhe daria uma descrição do que fazia exa­tamente. Em vez disso, concentrou-se no problema à mão.

— De qualquer modo, ele vai lhe contar tudo...

— Estou certo disso. Tão logo eu lhe der luz verde para pôr as mãos no dinheiro. Você tem idéia de quan­to dinheiro Fernando tem?

— Muito?

— E, é claro, pelo processo de associação, quanto essa sua amiguinha vale?

— O nome dela é Imogen. César deu ombros.

— Ele pretende pôr um anel no dedo dela?

— Claro que sim.

— Droga! Freddy deveria ter me procurado antes de se meter nessa confusão toda.

— Ele não está em confusão alguma! — dis­se Jude indignada. — Entrou nesse relacionamen­to com os olhos bem abertos e está feliz. Isso não significa nada para você? Não, provavelmente, não — respondeu ela acidamente. — Acho que esqueceu como é estar apaixonado e ansioso por começar uma vida juntos.

— Marisol foi aceita pela família — disse César.

— Não houve questionamento algum se ela estava de olho na nossa conta bancária.

— E você é muito afortunado por ter encontrado o par perfeito. Mas acha que pode ditar a Freddy com quem ele deveria casar-se? Que antecedentes a noiva deveria ter? Qual deveria ser a cor dos cabelos dela?

— Não seja ridícula.

— Não estou sendo ridícula! Isto é exatamente o que Freddy temia.

— Que eu cuidasse do bem-estar dele?

— Que você não lhe desse uma chance! Ele não é mais um garoto, César! E você gostou da idéia do bar de jazz. Freddy me contou isso. Foi um projeto bem pensado e ele pôs muito esforço nisso. Você acha que um garoto teria sido capaz de fazer isso? Ele entrou até em detalhes sobre que espécie de atitudes teria, e fará sucesso, porque está empenhado no projeto, e Freddy tem as conexões certas.

— Aonde você quer chegar com isso?

— Dê-lhe o benefício da dúvida. — Jude sabia por que estava lutando pela causa. Eles não estavam lá para lutarem por si mesmos. Imogen era como uma irmã para ela, e, embora pudesse ter sido melhor para Freddy ter falado com o irmão, de homem para ho­mem, como César dissera, a prioridade dele, no mo­mento, tinha de ser a mulher que amava e o bebê que nascera desse amor.

Mas Jude ainda tinha seus próprios problemas com que lidar, seus pensamentos tortuosos para ordenar, o próprio coração despedaçado para reconstruir. Só de sentar na frente dele, todo o seu sistema nervoso estava freneticamente sobrecarregado.

— Você alguma vez o tratou como um adulto, Cé­sar? Capaz de tomar decisões por si mesmo?

César olhou-a com uma expressão carrancuda.

— Estou começando a ver por que ele a enviou para fazer este serviço sujo. Você é uma cobra.

— Isso é uma coisa horrível de se dizer! — Jude afastou o olhar para que ele não visse os vestígios de lágrimas que afloraram nos seus olhos. Onde estava um lenço quando se precisava de um? Ou até mes­mo um pouco de autocontrole?

Ela enxugou os olhos com a manga da roupa e, en­tão, olhou para seu copo de água quase vazio. Só viu o imaculado lenço branco quando foi atirado na sua frente, e, quando, teimosamente, recusou aceitá-lo, sentiu os dedos de César no seu queixo, erguendo-lhe o rosto de forma que pudesse cuidadosamente secar-lhe os olhos.

A respiração de Jude ficou presa na garganta. Os olhos dele eram da cor de chocolate escuro, e ela que­ria mergulhar nas profundezas deles, se pudesse.

— Peço desculpas por essa última observação — murmurou ele. — Não foi apropriada. — Ela não era chorona. César não tinha idéia de como sabia disso; simplesmente sabia. Jude podia ter loucas noções in­fantis sobre amor e romance, mas isso não fazia dela uma pessoa sentimental, razão pela qual ele se sentia afetado pelas lágrimas que ainda brilhavam nos seus olhos.

E, por Deus, agora que a estava tocando, queria to­car mais. Queria baixar a cabeça e capturar-lhe a boca com a sua, sentir-lhe a frieza dos lábios e a doçura da língua.

Queria deslizar a mão por baixo daquele tipo de avental, até sentir o calor dos seios fabulosos, e, de­pois, queria tocar aqueles mamilos róseos, pegá-los entre os dedos até que intumescessem e ficassem prontos para sua boca.

Teve de fazer um esforço sobre-humano para voltar à realidade.

— Pode ficar com o lenço.

— Obrigada. — César estudou-a cuidadosamente. Por um segundo, fora pego por alguma maré de sen­sações, mas precisava lembrar que não era ingênuo, independentemente de quão triste fosse a história que ouvisse.

— Admito que a idéia do bar de jazz pode funcio­nar, se Fernando estiver preparado para fazer o tra­balho, e estou disposto a lhe dar crédito para tentar encontrar um rumo na vida, mas ainda tenho sérios receios sobre essa mulher...

— Você não terá quando a conhecer — disse Jude rapidamente, sentindo uma rachadura mínima na ar­madura dele e determinada a explorá-la antes que fos­se tarde. — O que, felizmente, será logo. — A preocu­pação com Imogen e o bebê estava massacrando suas emoções, e ela sentiu uma nova onda de lágrimas se aproximar.

Assoou o nariz e levantou-se para reprimir as lá­grimas.

— É melhor voltarmos para o hospital e vermos o que está acontecendo. Freddy não telefonou, portanto espero que tudo esteja indo muito bem.

Na verdade, levou mais uma hora antes que eles finalmente conseguissem ver Freddy. O tráfego de volta ao hospital estava um pesadelo e o estaciona­mento, uma linha infindável de carros à procura de uma vaga.

Judy olhou para o rosto de Freddy e soube imedia­tamente que Imogen estava mal. Também sabia que ele não estava ansioso para ter a inevitável conversa com César, mas ela fizera o suficiente para suavizar o caminho. Depois de dar um enorme abraço em uma exausta Imogen e parar no berçário para ver o minús­culo bebê dormindo tranqüilamente, o que lhe deu vontade de chorar, Jude pegou o carro e voltou para o chalé.

Não sabia o que estava sendo dito entre os dois irmãos. César era duro e inflexível, e sua vida era tão ordenada e tão controlada que ele esperava que todos fossem iguais, sendo intolerante com qualquer desvio.

Então, por que ela se sentia tão abalada e fascinada todas as vezes que estava perto dele? Porque César era intransigente e autocrático?

Porque havia uma pedra de gelo onde deveria haver um coração?

Porque estava apaixonada por ele?

A percepção não foi acompanhada por uma explo­são de fogos de artifício. Ele representava o tipo de homem que seria o último na face da terra por quem Jude deveria se apaixonar, mas quem disse que amor era contido e lógico como um jogo de xadrez?

Vendo-o naquela tarde, ela sentira como se seu mundo tivesse se despedaçado. Agora, de volta à sua casa, perguntou-se com tristeza se algum dia supera­ria aquele sentimento. Mesmo quando estivera cerran­do os dentes e tentando não explodir pela obstinação de César, ainda assim, algo em seu interior parecera derreter-se e levantar voo.

E quando ele a tocara...

Jude austeramente recordou-se da razão pela qual ele a tocara em primeiro lugar, apesar de ter sido um contato acidental. Porque a fizera chorar. Ela estivera emotiva, tendo de lidar com tudo o que acontecera, e ser insultada tinha sido a última gota. César a chamara de cobra. De maneira masoquista, ela repetiu o insulto diversas vezes na cabeça, na esperança de que pudesse sustentar suas defesas enfraquecidas, mas estava tendo pouco sucesso enquanto preparava alguma coisa para comer, quando ouviu uma batida à porta.

Seu pensamento imediato foi que deveria ser Freddy.

Sanduíche esquecido, limpou as mãos no jeans que ainda não tirara, e correu para a porta.

Piscou confusa, vendo César parado na soleira.

Por uma fração de segundo, quase imaginou se sua mente não estava pregando-lhe uma peça, mas isso não durou muito tempo.

— Pensei que você quisesse saber o que estava acontecendo no hospital.

— Claro.

— Então, por que não me convida para entrar?

— Como chegou aqui?

— Peguei emprestado o carro de Fernando. Ele vai passar a noite lá.

Oi coração de Jude disparou, e ela pensou em lhe di­zer que aquele não era um bom momento, que estava de saída, mas para onde? E ainda vestida no mesmo jeans?

E, a mentira não seria uma indicação mais clara de quanto ele a afetava do que se ela o tratasse da mesma maneira com que trataria qualquer um?

— Como está Imogen? O bebê? Houve algu­ma melhora? Quer alguma coisa para beber? Chá? Café?

Ela podia sentir César rodeando-a quando voltou para a cozinha, evitando a sala de estar, que trazia muitas lembranças dos dois juntos.

— Imogen está estável, melhorando. O bebê, indo melhor do que o esperado. Aparentemente, está com peso de nascimento saudável para um prematuro. Aceitarei um café.

De costas para ele, ciente de que César estava puxan­do uma das cadeiras e sentando-se, Jude perguntou:

— E como estava Freddy?

— Em relação a quê? A namorada? A filha? Ou à sua mentira?

Jude empertigou-se, mas não se virou para encará-lo. Em vez disso, continuou fazendo café para eles, somente voltando-se para passar-lhe uma caneca.

— Pensei que talvez você tivesse vindo aqui para contar que mudou de opinião, que pensou sobre o que falei. Se eu soubesse que iria repetir as mesmas coisas de antes...

— Pensei sobre o que você falou.

— E?

— Eu, naturalmente, expressei minha decepção por Fernando não me ter contado... essa parte de sua vida pessoal. — Ele levantou a mão para impedir que ela dissesse qualquer coisa. — Não se preocupe. Não sou o monstro que você pensa. Levei em considera­ção que meu irmão está atravessando um momento difícil! Eu estava... muito controlado. — Ele pare­cia exausto. — Logicamente, mencionei que preciso pensar com cuidado sobre liberar o fundo consignado inteiro para ele.

— Oh, ótimo. Em outras palavras, você deixou bem claro que não confia na mulher que Freddy ama e com quem quer casar-se.

— Em outras palavras, informei-o de que estou querendo investir dinheiro no empreendimento dele... certamente, ele pegará uma parte de seu fun­do consignado.

— E Imogen? Você a conheceu, afinal?

— Achei melhor deixá-la se recuperar primeiro.

— E você vai voltar para Londres agora? Ou vai pas­sar alguns dias aqui, dando apoio moral para Freddy?

César hesitou. Um mês atrás, teria negociado com seu irmão de acordo com os fatos lógicos em si. Isto é, uma loura stripper ficara grávida e, por isso, seu irmão queria pôr as mãos numa vasta quantia, na ino­cente crença de que poderia atirar isso em algum ne­gócio bem-concebido, metade do qual provavelmente acabaria nas mãos de uma mulher que se aproveitara da natureza ingênua dele. Por conseguinte, sem fundo consignado.

Mas alguma coisa parecia ter mudado em Fernando.

Quando, por exemplo, seu irmão começara a te­mê-lo?

Como eles tinham chegado ao ponto onde uma mudança de vida fundamental podia ser mantida es­condida?

César ouvira a condenação na voz de Jude. O que o fizera refletir.

Sim, ele tinha sido incrivelmente brando com Fer­nando. Na verdade, pela primeira vez em muitos anos, eles haviam se abraçado.

E, antes de deixar o hospital, César realmente fora ver o bebê, centro de toda confusão, e ficara observando-o por um longo tempo na incubadora, espanta­do que um ser tão pequeno pudesse ser formado com tanta perfeição.

É claro, reservaria seu julgamento até que conhe­cesse a mãe da criança, mas agora se sentia preparado para dar uma chance à mulher que tanto seu irmão como Jude tinham em tão alta consideração.

Por tudo isso, cancelara todos os seus compromis­sos até segunda ordem, transferindo para sua secretá­ria as providências que deveriam ser tomadas.

Mas, por baixo disso tudo, e contra seu melhor jul­gamento, ainda podia sentir um pouco de raiva corroendo-o como um veneno por Jude tê-lo enganado.

Convenientemente, pôs de lado o pensamento que tinha justificado por dormir com ela... seduzindo-a... porque acreditara que pudesse extrair o que quer que Jude estivesse escondendo. A única coisa que ocupava sua mente agora era o fato de que ela havia deitado em seus braços, feito amor com ele e ainda conseguido esconder alguma coisa potencialmente destruidora para o império Caretti.

Jude chamaria isso, sem dúvida, de lealdade para com Fernando. Porém, a experiência de César com mulheres interesseiras lhe ensinara a chamar o segre­do guardado por Jude de ato deliberado de traição.

Além disso, ele sentia raiva por ter sido descarta­do por ela, que considerara o ato de amor deles algo passageiro que precisava ser erradicado, fingindo que aquilo nunca acontecera.

— Posso ficar por aqui — disse ele, olhando-a fria­mente. — Afinal de contas, vou ter de fazer meu pró­prio julgamento sobre essa pessoa.

— Eu lhe disse...

— Eu sei o que me disse, mas estou achando difícil acreditar numa palavra que você fala.

— Isto não é justo!

— Não? Você não tem a mínima honestidade, tem, Jude?

— Eu lhe expliquei por que eu fiz... o que eu fiz.

César sabia que aquela conversa não o levaria a lu­gar algum. Sabia que estava sendo injusto, pelo menos com ela. Não entendia por que não conseguia evitar. Nunca deveria ter feito a viagem até ali. Não havia nada a ganhar em um confronto sem sentido... mas pegara o carro do irmão e agira mais com o coração do que com a razão.

— Olhe a situação do meu ponto de vista — suge­riu ele numa voz que congelaria o fogo do inferno. — Você e essa mulher são amigas desde a infância. — César terminou seu café e levantou-se, ciente de que estava com sorte e que deveria fazer um esforço para parar. Mas o fato de ainda desejá-la depois de tu­do aquilo o enfurecia. Nunca se sentira tão fora de controle na vida e esse não era um bom sentimento. Não entendia e não precisava disso. Jude lançara al­guma espécie de feitiço sobre ele, e César a queria fora de sua vida.

Ele começou a caminhar em direção à porta. Como esperava, ela o seguiu.

— Você diz que devo acreditar que a mulher é tão pura como a neve, inocente como uma criança. — Ele se voltou para fitá-la e inclinou-se indolentemente contra a porta. Jude tinha um olhar feroz no rosto... uma expressão que sugeria que, dada meia chance, ela agarraria o objeto mais pesado à mão e atiraria nele.

— O fato de Imogen ter conhecido meu irmão numa boate onde trabalha tirando as roupas para so­breviver...

— Ela não tira as roupas. Pelo menos, não todas elas...

— Tanto faz.

— Acho que você deveria ir embora.

— E irei, tão logo acabe de dizer o que tenho a dizer.

— Eu deveria ter imaginado que você não veio aqui para trazer boas notícias — disse Jude amargamente.

— Deveria ter imaginado que seria demais esperar sua empatia por Freddy, desejando vê-lo feliz.

— Não me julgue mal. Eu ficaria muito feliz se pensasse que Fernando está prestes a embarcar numa vida de alegria e realização com uma mulher que o ama pela pessoa que é, e não pela quantia significati­va que ele traz para a equação. E acredite quando lhe digo que estou pronto para ser totalmente imparcial no que diz respeito à situação...

— Tão imparcial quanto um ditador — murmurou Jude.

— Mas não posso evitar questionar se uma conspi­ração estava sendo armada...

— Uma conspiração? Sobre o que você está fa­lando?

— Como vou saber que vocês duas não planejaram um encontro conveniente com Fernando? Você deve­ria conhecer o nome dele e, mesmo que não conheces­se a linhagem Caretti, não seria difícil imaginar que ele tinha dinheiro. Meu irmão, numa boate, é um livro aberto. Tive o infeliz prazer de estar com ele numa boate uma vez. Alguns minutos na internet e qualquer pessoa poderia descobrir sua riqueza em questão de minutos.

— Não acredito que esteja me dizendo isso, César!

— Por que não? — perguntou ele numa voz sedosa.

— Porque deveria saber que não sou esse tipo de pessoa. Já falamos sobre isso.

— Sim, já falamos, mas pense bem... quanto real­mente sei sobre você?

Jude sentiu-se arrasada por aquela observação. Cer­tamente, depois de tudo que tinham compartilhado, César deveria saber que ela era incapaz de tal absurdo como uma conspiração.

Ela adotou uma postura defensiva. Não, não iria justificar-se para ele! Mas vê-lo partir com as piores coisas na mente a fez querer chorar.

— Se você realmente pensa isso de mim, então, o que posso dizer?

Não era o que ele queria ouvir. Na verdade, não sabia o que queria ouvir.

— É verdade. O que pode você dizer?

— Você dá tanta importância ao dinheiro, César. Não consegue entender que dinheiro não é tudo na vida. Sim, pode ter uma frota de helicópteros e um carro de última geração, mas estas coisas não têm valor algum.

— Ainda fazendo a linha altruísta, Jude? Posso ter acreditado em você uma vez, mas, à luz do que foi revelado, terá de perdoar certa quantidade de cinismo de minha parte.

— Por quê? Por que tenho de desculpar? Você pen­sa o pior de mim. Acha que eu faria qualquer coisa por dinheiro.

— Todo mundo tem seu preço.

— Isto é uma coisa horrível de se dizer.

— Você acha? E eu que pensei que estivesse sendo realista. — Ele olhou para o rosto furioso e sorriu. — Que pena!

— Pena?

— Pena que você não concorda comigo, porque, se todo mundo tem seu preço, você descobriria que eu poderia ser um amante muito generoso... e formamos um bom par de amantes, não formamos, Jude?

Ele estendeu a mão e tocou-lhe o rosto.

Jude gelou. Por um momento, tudo o que sentiu foi a perfeição da pele quente contra a sua, lembrando-a que entregara sua alma ao demônio. Quis curvar-se ao toque, segurar-lhe a mão e levá-lo para sua cama.

Mas afastou-se rapidamente, a respiração ofegante, e colocou a mão na maçaneta da porta. Assim que César deu um passo para o lado, Jude abriu a porta, tremendo.

— Quanto tempo você pretende ficar? — pergun­tou ela.

— Por quê? Você quer tomar medidas evasivas?

— Estaria errada?

— Talvez não. — César deu de ombros. Ele dissera o que queria dizer. E um pouco do que falara deixou um gosto amargo em sua boca.

— Apenas não deixe que o que pensa de mim afe­te sua decisão sobre o fundo consignado de Freddy. Ou sua opinião sobre Imogen.

— Ainda lutando pela paz?

— Ainda acreditando que há um lugar dentro de você que não esteja totalmente petrificado.

César corou fortemente. Não gostou do quadro que ela pintou, mas, honestamente, quase não podia culpá-la.

Contudo, aquilo não era algo que pretendia conce­der, portanto, assentiu com um breve gesto de cabeça e saiu direto para o carro do irmão.

Da soleira da porta, Jude observou quando o car­ro partiu em velocidade acelerada. Quando fechou a porta, sentiu-se esgotada. O dia tinha começado pes­simamente com o telefonema de Freddy e piorara com a aparição de César.

Ela estava exausta. A dor de cabeça, que começara leve, tinha agora força total.

Tudo que queria era tomar um banho quente e en­fiar-se na cama, mas o que faria, uma vez lá?

Olharia para o teto na escuridão e pensaria em César?

Pensar no que ele havia dito? Ele, certamente, não tivera a intenção de dizer aquilo... ou tivera? Acredi­tava realmente que ela podia ter tramado com Imogen para enganar alguém por dinheiro? Bem, César co­nheceria Imogen e perceberia que estava errado. E, na verdade, uma pequena parte de Jude sentia que tudo que ele dissera tinha sido uma reação emocional exa­gerada à bomba que fora depositada na porta dele.

Ele a agredira com palavras e aquilo doía porque, mesmo se ela nunca mais o visse, e era provável que isso acontecesse, César partira com a impressão errada.

Ele fora cruel e frio, e ela tentou fortemente detes­tá-lo, mas não conseguia.

Poderia detestar qualquer coisa, exceto o que ele a fizera sentir quando seus dedos tinham tocado a pele dela.

 

Em duas semanas, Imogen e o bebê saíram do hos­pital. A pequena Maria já estava começando a ganhar peso, e Freddy, o pai orgulhoso, estava empenhado no projeto de seu bar de jazz, que tinha agora recebido o apoio de César, graças à liberação de um resgate par­cial do fundo consignado.

— Estou sendo testado — Freddy confidenciara a Jude —, e não posso culpá-lo. Afinal de contas, passei uma boa parte da minha vida adulta desperdiçando di­nheiro. Portanto, ele realmente tem de ser cauteloso.

Quaisquer que fossem os sentimentos pessoais de Jude sobre César, ela estava muito feliz por Freddy. César decidira dar uma chance ao irmão, e talvez tivesse sido obrigado a admitir que Freddy possuía qualidades no que dizia respeito aos procedimentos de abrir um bar.

Aquilo estava fazendo muito bem à autoestima de Freddy.

E hoje era o Grande Dia. Um pouco antes do es­perado, e muito menos do que a extensa família de Freddy poderia ter desejado.

Um cartório em Marylebone, seguido por um al­moço em um dos melhores restaurantes da cidade, que fechara suas portas para o público por um dia.

A lua de mel, dissera Imogen, teria de ser poster­gada por alguns meses, mas, radiante com sua recém-nascida, ela não parecia importar-se nem um pouco. Também não parecia ter algo a reclamar do cunha­do. Ele era, ela comentara com Jude, muito charmoso e Imogen não podia entender por que houvera toda aquela confusão sobre César no início.

Jude havia se contido quanto à opinião de Imogen sobre César, pois tubarões podem não mostrar os den­tes o tempo todo, mas isso não significa que não são capazes de morder.

A família estava agora muito feliz, reunida. Vence­dores por toda parte, exceto, é claro, ela.

Olhou para seu reflexo no espelho. Parecia alguém se recuperando de um forte resfriado. Olhos inchados, rosto um pouco fino demais, expressão ansiosa.

Em menos de duas horas, estaria naquele cartório e seria a primeira vez em aproximadamente três sema­nas que reencontraria César, embora a passagem do tempo tivesse feito muito pouco para suavizar o golpe da saída dele de sua vida. Todas as palavras cruéis que ele dissera estavam gravadas na sua memória com tal força que Jude revivia o momento mesmo enquanto dormia.

Escolhera seu traje cuidadosamente. Era um vesti­do de lã verde-jade, saia até os joelhos, com um corte estilo imperial, que lhe dava uma aparência juvenil. Uma compra sensata, acima de tudo. Até mesmo com­prara um casaco extravagante, algo no qual nunca te­ria pensado em investir, mas sentiu que precisava de coragem quando chegasse a hora de encontrar César, e o que melhor para dar coragem do que um traje sexy e elegante?

Agora, tudo de que precisava era aplicar uma ma­quiagem adequada para lidar com o rosto cansado.

Quando o táxi chegou, Jude parecia muito melhor do que se sentia. O vestido correspondeu às expectati­vas que tivera quando o comprara, dois dias atrás, as­sim como os sapatos pretos de saltos altos e o casaco extravagante.

Mas ainda estava ansiosa com a perspectiva de en­contrar César, e, pelo bem de sua sanidade, precisava conversar com ele.

Olhou para aquela pequena peça de plástico na sua penteadeira e sentiu o mesmo tremor de medo que sentira quando a comprara na farmácia, dois dias atrás.

Não havia lhe ocorrido em nenhum momento que pudesse estar grávida. Ainda não sabia ao certo quan­do a noção começara a se formar na sua cabeça... que sua menstruação estava mais do que atrasada.

Mesmo assim, reprimiu o estresse.

Na verdade, ainda dizia a si mesma que não tinha absolutamente nada com que se preocupar quando aquelas linhas azuis escuras informaram-na que, sim, tinha algo com que se preocupar. E muito.

Ela revivera sua última conversa com César, na qual ele a acusara de conspirar com Imogen para en­ganar Freddy, deixando-o sem dinheiro.

Repetiu a si mesma diversas vezes que ele reagira de modo exagerado levado pela raiva do momento, dizendo coisas que realmente não queria dizer.

Todavia, César podia realmente acreditar que ela tivesse conspirado. Talvez tivesse consciência de que a idéia era ridícula, mas, no fundo, podia questionar se ela seria capaz de manipular alguém para seu próprio ganho pessoal.

Se ele pensasse assim, então, como reagiria quando ela lhe contasse que estava grávida?

Jude dissera, quando fizeram amor, que estava pro­tegida. Não explicara exatamente que tinha acredita­do estar protegida graças ao velho método conhecido como tabelinha. Ele provavelmente presumira que ela estava tomando pílula anticoncepcional. Ademais, César deveria ter tido o cuidado de precaver-se com preservativo.

César não queria compromisso, muito menos uma gravidez indesejada. Na verdade, no que se referia às mulheres, ele não queria nada além de sexo.

A viagem de táxi até o cartório foi um pesadelo. Havia um trânsito horrível, o que lhe deu muito tempo para olhar pela janela e imaginar os vários cenários que a esperavam.

Quase desejou que tivesse marcado por telefone um encontro no escritório dele, embora, na ocasião, tivesse duvidado que César atendesse sua ligação.

Jude tinha optado por hoje, porque soubera que ele estaria no cartório, e teria de conversar com ela, em algum lugar tranqüilo, depois que a cerimônia acabas­se. De qualquer modo, o lugar onde a conversa se rea­lizaria não faria diferença. Não havia lugar adequado para dizer-lhe o que teria de dizer.

A lista dos convidados continha 25 pessoas. Al­guns parentes da Espanha, a família próxima e alguns amigos. Uma viagem estava planejada para mais tar­de naquele ano, para visitar o resto da família, quan­do Maria estivesse um pouco maior e mais capaz de agüentar a mudança de ambiente.

Quando o táxi parou no lado de fora do edifício do cartório, Jude já podia ver os convidados aglomerados nos degraus.

No último degrau estava César, conversando com Imogen, as mãos nos bolsos, o paletó levantado pela brisa.

Jude saiu do carro e deu um profundo suspiro antes de caminhar da calçada até a entrada, notando que, enquanto César interrompia a conversa para olhar na sua direção, rapidamente virou-se para conversar com Imogen, deixando claro que, apesar de notar sua pre­sença, era indiferente a isso.

Obviamente, a amargura de César em relação a ela não diminuíra.

Ele tinha feito as pazes com o irmão, aceitado Imo­gen como cunhada, mas sequer acenou para Jude.

Ela foi a última a chegar e pediu desculpas a Imo­gen, enquanto sorria para a pequena Maria, que estava começando a ficar irritada.

— Eu acabei de alimentá-la — confidenciou Imo­gen —, mas ela está novamente com fome. É esfo­meada como... bem, como Freddy... — Imogen riu.

— Você está bem? Parece um pouco desgastada, Jude — sussurrou enquanto saíam do sol brilhante, porém frio e entravam no cartório.

— Apenas trabalhando muito — disse Jude. — Seus olhos fixaram-se nas costas de César. — Não contara nada sobre o que tinha acontecido entre ela e César, e Imogen, felizmente, estivera muito ocupada para fazer perguntas.

— Precisamos marcar para nos encontrarmos logo — prometeu Imogen. — Quando minha vida ficar menos frenética. Sinto-me muito forte agora, mas é espantoso como um ser tão pequenino pode transfor­mar um adulto em zumbi.

— Você está bastante deslumbrante para um zum­bi — comentou Jude, sorrindo espontaneamente. Ra­diante, na verdade.

A cerimônia foi curta, mas sincera, e o casal parecia feliz. Na verdade, mesmo um cínico como César não poderia deixar de ver como eles estavam verdadeira­mente apaixonados.

Contudo, Jude não colocaria isso à prova, encon­trando os olhos dele. Na verdade, evitou ao máximo fitá-lo, embora, quando assinou o livro de registros, estivesse muito consciente da presença de César ao seu lado, como um bloco implacável de granito.

Ela não sabia ao certo em que momento o puxaria para um lado e, como uma covarde, manteve a distância pelo máximo de tempo que foi capaz, mas, depois, esta­vam sentados um em frente ao outro, na mesma mesa.

Jude voltou-se com entusiasmo para um dos primos deles, um rapaz de 19 anos que se dedicava ao fute­bol, um assunto sobre o qual não conhecia muito, mas aprendeu a fazer as perguntas certas e mostrar grande interesse.

Muito raramente, seus olhos deslizavam para o ros­to moreno e insuportavelmente bonito, enquanto ele conversava com as pessoas ao redor.

Ela quase não conseguiu apreciar a maravilhosa comida que parecia estender-se pela eternidade, prato após prato, e então o brinde, algumas palavras curtas e espirituosas ditas por César... sem nenhuma refe­rência feita à vida pregressa de Imogen ou à suspeita que o conduzira a pensar o pior do relacionamento dos noivos. O homem era um ator nato, pensou Jude acidamente, encantando a multidão do mesmo modo que a encantara.

Eram quase 17h quando a comida foi finalmente retirada, e Jude estava extremamente nervosa. Quase não trocara uma palavra com César, mas, quando ele consultou o relógio, uma indicação de que iria embo­ra, ela o seguiu até a porta do restaurante e tocou-lhe o braço com a mão.

Enquanto vestia o paletó, ele se virou para encará-la.

— César. — Jude umedeceu os lábios nervosamen­te. — Como vai?

— Como pode ver, estou ótimo. Há algo que você queira?

— Você ainda está zangado comigo?

— Por que estaria? — Os olhos dele estavam mais escuros do que nunca. — Você superestimou sua im­portância, Jude.

Naturalmente, ele sabia que a veria um dia, mas era ainda um mau momento para César.

Ela parecia mais frágil do que ele se recordava, o que o fez pensar na vulnerabilidade delicada que mostrar deitada em seus braços. Era um pensamento que não queria nutrir e reprimiu-o antes que pudesse apro­fundar-se, lembrando que Jude o enganara. Ele ficara encantado pela absoluta transparência e sinceridade dela. Mas aprendia com seus erros.

Sentiu-se devidamente fortificado por aquele pen­samento e a encarou friamente.

— Eu... César... precisamos... conversar.

— Precisamos? — Ele consultou seu relógio, como fizera no restaurante, lembrando-a que estava atrasa­do para fazer alguma coisa.

Era noite de sábado e ela não imaginava que César a passaria sozinho. Na verdade, aquilo era algo que Jude evitava pensar. Outra mulher nos braços dele era demais para suportar.

— Sei que você, provavelmente, tem algo para fa­zer... algum lugar para ir...

— Nada e lugar algum que você precise saber. — Ele fez sinal para seu motorista, que, magicamente, apareceu do ar. Na verdade, César estava ansioso para jantar num restaurante italiano perto de onde morava, e depois passar a noite em frente ao computador, bai­xando e-mails e lendo três relatórios.

— E claro. Eu estava apenas sendo educada.

— Bem, considere-se livre desse fardo em especial. O chofer apressou-se em dar a volta até a porta do passageiro e abri-la para ele, mas, em vez de entrar no banco de trás, César encostou-se contra a porta do carro e olhou-a.

— Pelo que me consta, já falamos tudo que tínha­mos para falar, não concorda?

— Não tudo, na realidade.

— Não? — Num minuto, o carro dele estaria em movimento. O trânsito era muito congestionado na­quela parte de Londres e ele parecia estar perdendo tempo.

— Talvez pudéssemos tomar um café em algum lugar.

Jude ofereceu, embora já tivesse tomado duas xíca­ras de café depois da refeição e sabia que, pelo bem do bebê, não podia ingerir mais cafeína.

— Estou tentando pensar numa única razão pela qual eu tomaria um café com você.

Jude pousou a mão na porta aberta do carro.

— Porque quero conversar com você e é o mínimo que me deve.

César deu uma risada incrédula, e Jude continuou:

— Você pode querer tirar-me de sua mente, mas nós vamos continuar nos encontrando freqüentemen­te, e precisamos planejar como fazer isso sem ignorar um ao outro. Caso contrário, Freddy e Imogen vão começar a fazer perguntas.

Era a única coisa que ela podia pensar em dizer, porque não estava a fim de deixar cair sua bomba numa rua movimentada do centro de Londres, com o chofer dele esperando impacientemente dentro do carro.

— É melhor você entrar — disse César sem paciên­cia. — Vamos acabar causando causar um congestio­namento.

Jude entrou no banco traseiro do Bentley e afastou-se de modo que ele pudesse se sentar ao seu lado.

— Vejo que você e Freddy reconciliaram-se de suas diferenças...

Era patético começar com conversa fiada quando havia algo muito mais importante para discutir. Mas ela não iria apenas falar sem pensar. Se pudesse en­contrar um meio de fazê-lo degelar-se ao menos um pouco seria muito mais fácil.

— Você não me deu escolha — disse César, inclinando-se em direção ao chofer e instruindo-o para ir ao restaurante, depois se virou para ela. — Se Fernan­do foi homem suficiente para engravidar uma mulher, e entendo que não foi totalmente um evento não pla­nejado então terá de ser homem suficiente para lidar com suas finanças e criar uma família.

Tudo era muito civilizado, mas os olhos de César permaneciam frios.

— E... quanto à Imogen? Suavizou sua opinião so­bre ela?

— É sobre isso que você quer falar comigo?

Jude desviou os olhos, mas era difícil. A proximi­dade, a intimidade de estar no banco traseiro com ele, aqueles olhos escuros e penetrantes... tudo a afetava como uma droga.

— Pensei que você pudesse ter sido muito menos complacente do que foi.

César tinha aversão a admitir isso, mas havia sido complacente. Afinal, vira seu irmão sofrendo de preo­cupação no hospital, e, depois, observara Imogen e ele juntos, a maneira como se entreolhavam, e acabou admitindo que talvez algumas coisas não fossem tão simples como pensava.

Além disso, mesmo no seu estado de fraqueza, Imogen havia sugerido... não, insistido... que assinaria um acordo pré-nupcial. Também o surpreendera, anotan­do num papel a quantia que achava que deveria ser li­berada do fundo consignado para Fernando, um valor que coincidia com a própria estimativa de César.

Ele tivera de repensar suas idéias.

— Naturalmente, terei um interesse ativo no em­preendimento do meu irmão — foi tudo que falou —, ao menos até que o bar esteja completo e fun­cionando.

— Freddy diz que você não tem idéia da imensa quantidade de dinheiro que é necessária para fazer ba­res — comentou ela com um pequeno sorriso.

Com muita má vontade, César desceu de sua gelidez polar e admitiu.

— É verdade. Fernando descobriu a única área de especialidades na qual sou praticamente ignorante, e está se fartando com a descoberta. Acho que se sente radiante por ter me superado nisso.

— Quem pode culpá-lo? Viver na sua sombra deve ter sido uma tarefa difícil.

— Tomarei isso como um elogio.

— E é um elogio — concordou Jude prontamente. — Nunca pensei que o ouviria dizer que é ignorante acerca de alguma coisa, portanto, isto significa que você admite ter suas limitações.

— Limitações?

O carro parou na frente do pequeno bistrô, livrando Jude do constrangimento de ter que explicar seu falso elogio.

Depois daquela breve pausa, seus nervos estavam começando a ficar tensos novamente, mas ela se esforçou para permanecer calma quando entraram. César era, obviamente, um cliente habitual e eles foram conduzidos para a melhor mesa, localizada nos fundos, onde o barulho era mais baixo e vasos gigantescos de plantas davam a ilusão de semipriva-cidade.

— Não consigo comer nada — disse ela.

— Não consegue? Mas você comeu muito pouco na recepção.

Ele notara o quanto ela havia comido?

— Vou querer somente... um suco de laranja. — Jude fechou o menu e o estudou, como se à procura de inspiração.

— Certo. — César pediu uma porção de lula e os drinques, acomodando-se, em seguida, na cadeira, e a fitou. — Estamos sendo bem-sucedidos nesta impor­tante missão de agir como adultos civilizados?

— Você realmente falou sério quando disse que pensou que eu estaria envolvida em alguma espécie de complô com Imogen para explorar seu irmão?

— É por isso que você queria conversar comigo, Jude? Porque queria limpar seu nome?

— Entre outras coisas importantes — murmurou ela.

— Que tipo de coisas importantes?

— Por que não responde a minha pergunta?

César estudou-a cautelosamente, não querendo lhe contar a verdade. Mas Jude tinha razão quanto a uma coisa: era amiga íntima da esposa de seu irmão, e, considerando que o relacionamento entre César e Fer­nando tendia a se fortalecer e eles certamente iriam se encontrar com muita freqüência dali em diante. Não haveria como evitar. O batismo do bebê, para come­çar, seria uma grande ocasião familiar, portanto, fazia sentido amenizar as hostilidades.

E aquilo estava claramente remoendo a mente dela. O que o fez, instantaneamente, sentir-se muito bem.

— Confesso que posso ter dito uma ou duas coi­sas que não eram inteiramente verdadeiras, esta sendo uma delas.

— Quais eram as outras?

— Isso está preocupando você? — perguntou ele casualmente. A porção de lulas chegou, na quantidade certa, considerando que almoçara bem apenas algu­mas horas atrás.

Imaginou Jude perdendo o sono por causa do que ele dissera, virando-se na cama à noite, incapaz de sentir-se bem durante o dia e desesperada para que ele a libertasse de seu desespero. Seu estado de es­pírito melhorou muito. Era uma grande mudança de como se sentira naquela recepção de casamento, quando a vira inclinar-se de modo íntimo contra seu primo, Jorge, atenta a todas as palavras dele, como se Jorge soubesse conversar sobre alguma coisa que não fosse futebol.

— Não exatamente, apenas não gostaria que você ficasse com uma impressão injusta de mim.

Agora que o momento chegara, Jude descobriu que estava pisando em ovos, temendo o momento em que teria de contar-lhe sobre a gravidez.

— Tudo bem. Tive chance de conhecer sua amiga e estaria mentindo se dissesse que poderia imaginar vocês duas conspirando para fazer qualquer coisa. Está satisfeita agora? É raro que eu erre sobre al­guma coisa ou alguém, mas, neste caso, posso ter reagido por causa da raiva. Não se esqueça de que foi você quem tramou manter algo muito importante em segredo.

— E Freddy também.

— Freddy tinha um motivo importante.

— Eu também. Estava sendo leal.

— Você era minha amante. Suas lealdades deve­riam ser para comigo.

— O que mais?

César olhou para a lula a caminho de sua boca.

— O que mais... o quê?

— Você disse que uma ou duas coisas não eram inteiramente verdadeiras. Já mencionou uma delas. Qual é a outra?

Ele demorou a mastigar a lula, e a engoliu, acompa­nhada de vinho branco.

— Estava enraivecido por considerar que você ti­nha me enganado. Obviamente, ainda estou. Contudo, não a considero uma pessoa interesseira, não que eu pusesse minha mão no fogo por esta certeza. Enca­re isso, se você pode mentir uma vez, poderia mentir mil vezes, mas pelo que conheço de você, não acho que é capaz de usar Freddy pelo dinheiro dele. Meu julgamento foi errado. Considere isso como uma base excelente para uma conversa civilizada entre nós no futuro.

— Conversa civilizada...

— Correto. Por quê? — Ele pôs o prato de lado e inclinou-se de tal maneira que pudesse olhá-la no rosto.

— Você estava esperando mais?

Algo similar a prazer o percorreu, fazendo aquele inesperado encontro valer a inconveniência temporária. Para começar, estava gostando da companhia de Jude, por mais que não quisesse admitir. Não era tão orgulho­so a ponto de não reconhecer que Jude o perturbara mais do que previra, depois que tinha saído da casa dela.

Isto não significava, claro, que iria aceitá-la de vol­ta. Ele lhe oferecera uma chance de envolvimento e Jude descartara isso. Além do mais, provara ser uma traidora.

Contudo, não negaria que havia algo prazeroso em saber que ela estava pronta para voltar ao menor cha­mado. Sem dúvida, ela tivera tempo para pensar sobre o que ele tinha dito e ponderar a verdade, que era iso­lar-se de todo contato com o sexo oposto na esperança de que o homem certo apareceria com um anel na mão e uma proposta de casamento nos lábios. Sonhos eram bons, mas não quando interferiam com a existência do dia a dia. Ora, ele nunca tivera tempo para sonhar muito, tivera?

Por um momento, a imagem de seu irmão lhe veio à mente... Fernando rindo com Imogen quando cortaram o bolo de casamento de três andares, na recepção.

Os olhos de ambos haviam se tornado ternos e amo­rosos, enquanto se entreolhavam e sorriam.

— Não, claro que não. O que mais eu esperaria?

— Não faço idéia, porque não há mais nada sobre a mesa. — César acenou, pedindo a conta. Era imagi­nação sua ou a expressão no rosto de Jude lembrava ansiedade?

— Ouça, é difícil, mas há algo que preciso con­tar-lhe.

César sorriu, pressentindo um nível de urgência na voz dela que ia além do simples desejo de que ambos convivessem bem. Jude também estava mexendo ner­vosamente no guardanapo de linho sobre a mesa, e, ao perceber seu olhar, parou imediatamente e colocou as mãos sobre o colo.

— Continue, embora eu não tenha a noite inteira.

— Não. — Ela se lembrou de que ele provavelmen­te teria um encontro com uma loura de pernas esbeltas ou algo assim.

— Você se lembra... no chalé? Quando... fizemos amor?

A pergunta veio do nada e pegou César de surpresa.

— É claro que me lembro, mas pensei que devêsse­mos fingir que aquilo nunca aconteceu.

— Eu realmente disse isso na ocasião, não disse?

— Desde quando descobriu que esta amnésia sele­tiva é muito difícil?

— Impossível, na verdade. — Quando César fran­ziu o cenho e esperou por mais, ela acrescentou: — Não sei como dizer isto, você provavelmente não vai gostar... César. Estou grávida.

César gelou. O silêncio entre eles era tão opressi­vo que, mesmo com o barulho do restaurante, Jude achou que seria capaz de ouvir uma pluma caindo.

— Você está brincando, certo? — disse ele final­mente, mas sua voz era fria.

— Eu nunca brincaria com uma coisa destas.

— Como sabe?

— Porque fiz o teste dois dias atrás. Na verdade, fiz o teste três vezes. Esses testes são bastante exatos.

— Não pode ser. Lembro-me que você me disse que estava protegida.

— Sim, eu sei, e pensei que estivesse. Eu realmente estava. Quero dizer, considerando meu ciclo menstrual, calculei que estaria perfeitamente segura, mas...

César estava em estado de choque. Quando ela lhe dissera que precisavam conversar, não soubera o que esperar.

— Isto foi deliberado de sua parte?

— Claro que não! — respondeu Jude ferozmente. — Acha que não fiquei tão chocada quanto você está agora quando fiz aquele teste?

Ela sentiu os olhos molhados, mas afastou as lágri­mas e cerrou os punhos.

— Tudo bem. Acredito em você.

Uma onda de alívio a envolveu! Dos vários cenários que haviam povoado sua cabeça, a maioria apontava um César acusador e descrente, que a via como uma intrusa se infiltrando em sua vida, usando a situação para sua própria vantagem.

Pelo menos, aquela angustiante possibilidade não se concretizara, deixando-a encarar a realidade, que era aquela onde os dois não mais compartilhavam uma relação íntima, em que ela fora somente um obje­to sexual para ele, facilmente descartável.

Agora que estava grávida, nada iria mudar, mas eles teriam de planejar algum tipo de acordo civiliza­do, onde pudessem lidar com a situação.

Em todos os seus sonhos de mocidade, ficar grá­vida de um homem que não a amava nunca passara pela sua cabeça. Sempre imaginara ter filhos de uma relação amorosa. Agora, tinha de encarar os fatos da maneira que se apresentavam.

— Eu não vim aqui para lhe pedir nada. Sou muito realista. — Jude sorriu tristemente. — Tivemos uma relação muito breve, mas não há nada entre nós agora. Portanto, precisamos apenas resolver... bem, o que vai acontecer quando o bebê nascer...

— Como assim, o que vai acontecer?

— Sobre... visitas... Sei que ainda é muito cedo, mas, provavelmente, é melhor lidar com as coisas agora... ou pelo menos discuti-las... Sei que é um choque...

— Esta deve ser a declaração do ano!

— De qualquer modo, talvez eu possa lhe dar al­guns dias para pensar, para absorver a idéia...

— Absorver a idéia? Eu já absorvi a idéia! — Ele passou os dedos pelos cabelos e a olhou, imaginando seu bebê no ventre de Jude. Paternidade nunca fora algo em que tivesse pensado. Na verdade, o conceito era completamente estranho tanto para seu modo de pensar quanto para seu estilo de vida.

— Nada mudou para você — disse ela rapidamen­te — Esta situação inesperada e inoportuna é minha.

— Sua situação? Em que planeta você vive, Jude? Querendo ou não, a situação é cinqüenta por cento minha.

— Mas a culpa é minha por estar grávida. Não fui cuidadosa o suficiente. Eu deveria ter pensado.

— É inútil debater de quem é a culpa. Agora, preci­samos sair daqui, ir para algum lugar onde possamos conversar a sós. — Ele se levantou e pediu a conta ao mesmo tempo. — Meu apartamento fica logo depois da esquina. Vamos para lá.

 

O apartamento de César era literalmente a cinco mi­nutos do bistrô.

Fazia sentido sair do restaurante e ir para algum lu­gar mais reservado para conversar, mas Jude ainda se sentia nervosa quando eles caminharam em silêncio, ela apertando seu casaco e ele parecendo perdido em seus pensamentos.

Ela pensou que a pobre loura estava agora prova­velmente esperando em alguma mesa num restaurante desconhecido, checando seu relógio e pensando se de­veria levantar-se e ir embora.

Jude não sentia pena da mulher por isso. De fato, o pensamento a divertiu por alguns momentos.

— Chegamos.

Seu agradável sonho desvaneceu-se e ela olhou pa­ra o edifício de quatro andares em estilo georgiano, com suas grades de ferro batido, artisticamente traba­lhadas. Aquilo evidenciava dinheiro e a impressão era consolidada pelos carros ostensivos estacionados ao longo da rua larga.

Mesmo na escuridão, aquela era claramente uma parte de Londres reservada aos afortunados, totalmen­te diferente do quarto de hotel barato que Jude reser­vara para passar a noite.

Dentro, o imenso hall de mármore era repleto de vasos de plantas bem cuidadas e ela o seguiu até o ele­vador, que os levou até o apartamento dele, que ocu­pava os andares superiores do edifício. Dois andares completos! Um duplex, na verdade.

Jude olhou em volta por um instante, esquecendo a seriedade da situação que a levara até ali.

Os pisos eram de madeira clara, e ali, no andar de baixo, ficava a sala de estar, a cozinha e diversas ou­tras salas as quais ela pôde ver somente de relance. No segundo andar, ao qual se chegava por uma escada em espiral de ferro batido, ficavam os quartos e banhei­ros. Tudo era incrivelmente arrumado e limpo e tinha a aparência perfeita para estar numa capa de revista de casas.

— Belo lugar — disse Jude educadamente. Enca­minhou-se para um dos sofás de couro branco, mas hesitou.

— Pode sentar-se. Ele não morde — disse César. — É apenas uma peça de mobília.

O ar da noite havia suavizado seu choque inicial. Não queria pensar em como sua vida iria mudar.

O principal era que ia ser pai, e ponderar as conse­qüências não o levaria a nada.

— Vou preparar uma xícara de café para mim. Quer uma?

— Não, obrigada. Acho que já estourei minha cota de café hoje.

Os olhos de Jude percorreram as pinturas abstratas nas paredes e as esculturas artisticamente posiciona­das no mantel de uma lareira muito moderna.

Voltou a olhar para César quando ele se sentou em uma das poltronas baixas de couro, que combinavam com os sofás.

— Sinto muito. — Se ela não percebera o quanto aquilo iria atrapalhar a vida dele, estar no seu apar­tamento mostrara isso a ela, porque o lugar refletia o homem. Ali estava uma pessoa desacostumada a ba­rulho e desordem, duas coisas que eram inerentes a uma criança. — Pensei bem — começou hesitante —, e cheguei à conclusão de que sua vida não vai mudar. Não, por favor, César... — disse quando ele estava prestes a interromper. — Posso cuidar do bebê sozi­nha e, naturalmente, você pode visitar quando quiser ou quando tiver tempo...

— Visitar quando eu quiser? Quando tiver tempo? Não estamos falando sobre uma galeria de arte, Jude. Estamos falando sobre uma criança... meu filho.

— Bem, sim, mas...

Jude parou e fitou o luxuoso tapete persa sob seus pés, enquanto ele tomava seu café e a estudava.

— Não, meus direitos paternos irão além de oca­sionais visitas. Para início de conversa, há a questão do dinheiro. Você pode considerar-se não materialis­ta, mas um filho meu não passará qualquer espécie de privação. Tanto seu futuro como o futuro de meu filho serão garantidos. Quanto a isso, você tem minha palavra.

Ela permaneceu diversos segundos em silêncio, dando-se tempo para absorver o que ele dissera.

— Privação? César, tenho um emprego! Sei que não Posso ganhar o que você considera suficiente para viver, mas sua idéia de uma quantia adequada é... bem, com­pletamente diferente da maioria das pessoas. — Jude olhou em volta do apartamento. Os quadros pendurados na parede provavelmente custavam tanto quanto as fé­rias da maioria das pessoas. — Isto não é a vida real!

— Concordo, mas esta é a minha vida e a vida que meu filho terá.

— O que está tentando dizer? — Ela, inconscien­temente, descansou a mão sobre a barriga enquanto empalidecia. Aquilo era algo que não tinha conside­rado. E se ele decidisse que queria o filho? Que iria lutar pela custódia do seu bebê? Poderia fazer isso? — Você não vai tirar o bebê de mim!

— Claro que não! — César estava verdadeiramente assustado pela sugestão. — Que espécie de homem pensa que sou? Sei a necessidade que uma criança tem da mãe, de ambos os pais, o que me traz ao ponto onde quero chegar.

Jude assentiu, aliviada por ter feito uma suposição errada.

— Portanto, apesar de estar preparado para assu­mir a parte financeira, uma criança precisa de mais do que isto. Como você disse diversas vezes, dinhei­ro não é tudo.

— Certo.

— E ter ambos os pais por perto significa mais do que eu dirigir até Kent uma vez por semana para uma visita de três horas. Quando digo que pretendo estar presente para o meu filho, quero dizer permanente­mente, vivendo no local. Com você. Com nosso filho. Juntos. Casados.

Jude levou alguns segundos para processar aquela informação. Então, repetiu isso na cabeça apenas para se certificar de que não ouvira demais.

— Está dizendo que quer casar-se comigo? — Jude riu, incrédula. — Esta é a coisa mais ridícula que já ouvi na vida.

César empertigou-se.

— Um filho meu não nascerá fora do casamento.

— Nascer fora do casamento? César, estamos no século XXI. No caso de não ter notado, gravidez e casamento não andam mais juntos necessariamente. Além disso, não é hipocrisia sugerir uma coisa des­sas quando você estava preparado para ditar as regras para o seu irmão?

— Eu estava preparado para proteger meu irmão de alguém que pensei que pudesse estar usando-o por seu dinheiro. É uma coisa diferente. De qualquer modo, estamos saindo do assunto em questão. — Ele se le­vantou e começou a andar, até que finalmente parou na frente dela e sentou-se no sofá, de modo que Jude foi obrigada a recuar um pouco para evitar o contato físico de ambos.

— Certamente, você terá de concordar que uma fa­mília com os dois pais é superior a uma com apenas um dos pais.

— Sim, num mundo ideal, mas não é o nosso caso, César.

Num mundo ideal, não havia nada que Jude quises­se mais do que ser pedida em casamento por César, e, por um segundo, envergonhou-se de estar fantasiando na cabeça uma família de três, feliz, fazendo ativida­des familiares normais.

— Por que você me pediu em casamento, César?

— Não é óbvio? — Ele franziu o cenho. Tudo bem, aquilo viera como um choque total, mas agora estava fazendo a coisa honrada e, na sua cabeça, a única coi­sa a fazer.

— César. — Jude suspirou. — Você não pode sim­plesmente casar-se porque aconteceu de uma mulher estar grávida do seu filho, e presumir que tudo dará certo. Nós não estávamos sequer saindo juntos! Você não estaria aqui sentado comigo se tudo isso não ti­vesse acontecido.

— Esta não é a questão.

— É a questão.

Ela podia ver que, tendo feito o sacrifício e pro­posto casamento, não ocorrera a César que sua oferta pudesse ser rejeitada.

— Você já pensou em casar-se novamente? Come­çar uma família? Não, não responda porque já sei a resposta, e é não.

— As coisas mudaram... Nunca estive nessa posi­ção antes.

— E não há necessidade de colocar um anel no meu dedo porque você está. — Jude imaginou se estava sendo louca. Ela o amava! Não podia pensar em nada melhor do que ir para a cama com ele à noite e acor­dar ao seu lado pela manhã. E, se estivessem casados, talvez César pudesse vir a amá-la depois de um tem­po. Relacionamentos eram construídos gradualmente, com o tempo, não eram?

Mas e se aquilo não funcionasse daquela maneira?

A voz da realidade afastou todas as suas ilusões ro­mânticas. Não era um mundo ideal, e um homem que se casasse por obrigação logo se tornaria ressentido, mesmo se tivesse construído a própria armadilha, dis­posto a cair nela.

César crescera acostumado a uma vida de liberda­de. Quanto tempo levaria até que quisesse sua liber­dade de volta?

— Sei que acha que está fazendo a coisa certa — disse ela gentilmente —, mas minha resposta tem de ser não.

— Não é apenas pela criança — disse ele aspera­mente — Eu... eu ainda a quero...

— Mas esqueceu que posso não querer você?

— Devemos colocar isso à prova? — Ele lhe segu­rou os cabelos e puxou-a na sua direção.

Jude estremeceu quando a boca máscula cobriu a sua, quente e ansiosa na sua demanda. Ainda estava tremendo quando César a ergueu do sofá e carregou-a para o seu quarto. No momento em que a deitou na cama, ela começou a sentar-se, juntando forças para ir embora, mas sua boca secou enquanto o observava tirar as roupas, revelando pouco a pouco aquele corpo maravilhoso que tinha povoado seus sonhos.

Sim, ele a queria. Ainda. A prova estava ali diante de seus olhos e, enquanto aquilo não tinha nada a ver com amor, era tão poderoso que Jude deu um pequeno gemido de desespero. Seus pés estavam escorregando da cama, e ela os movimentou para que os sapatos de salto alto caíssem no chão.

Ele lhe removeu o vestido num rápido movimento e, depois, a meia-calça, atirando as peças no chão, so­bre as outras roupas descartadas.

Quando César soltou-lhe o sutiã de renda, Jude gemeu e alisou os ombros largos, Arqueou a coluna de forma que seus mamilos rosados pressionassem contra o tecido apertado, e, depois, fechou os olhos enquanto César acabava de remover-lhe o sutiã, reve­lando os seios nus.

Seios que já estavam tornando-se mais tenros com a gravidez. Agora, o toque da língua no mamilo intumescido era maravilhosamente prazeroso, e ela queria que nunca acabasse.

Jude entreabriu os olhos, observando aquela cabeça escura arrogante enquanto ele devotava toda sua aten­ção a provocá-la.

César continuou as carícias, então moveu a boca para o outro seio, enquanto deslizava as mãos ao lon­go do corpo esbelto, a barriga ainda reta, descendo para a calcinha de renda, onde a provocou, deixan­do seus dedos lá por um momento antes de deslizar a mão sob a renda, para que pudesse brincar com o ponto mais íntimo.

Cada centímetro do corpo de Jude gritava para que ele a possuísse, mas César estava sendo mara­vilhosamente gentil enquanto continuava usando a língua na provocação dos seios e a mão na umidade do baixo-ventre.

Num gesto de excitante intimidade, ele vagarosa­mente alisou-lhe a barriga. Depois, baixou a cabeça para lhe dar pequenos beijos ali, antes de se dirigir ao centro da feminilidade, a fim de enlouquecê-la com a língua.

Jude arqueou-se para encontrar aquela língua ex­ploradora e estremeceu contra ele, enquanto o prazer a levava cada vez para mais perto do clímax.

Durante os dias, reproduzira na sua cabeça a grosseria das palavras de César, usando isso como uma ferramenta de autoproteção, mas, durante as noites, era com aquilo que sonhara... o deslizar da língua de César por seu corpo, o toque excitante de suas mãos másculas, possessivamente reivindicando-a para si. Tinha a sensação de que estava viven­do um sonho.

Ouviu sua própria voz gritando o nome dele quan­do César a penetrou, tomando-a com investidas vaga­rosas que a deixaram em chamas.

Não demorou antes que aquelas ondas de prazer fi­nalmente atingissem o cume, deixando-a exausta.

— Somos bons juntos — murmurou César. De lado agora, puxou-a para si. — Você me disse que não quer casar-se comigo, mas por trás de todos os casamentos bem-sucedidos existe uma base de paixão, e não pode negar que há paixão entre nós.

— Não estou negando isso, César. — Ela pôs as mãos no peito dele e colocou alguma distância entre os dois. Estava febrilmente tentando imaginar como sucumbira a César, mas não precisava se esforçar muito para obter a resposta. Se não o amasse, teria tido forças para ser indiferente aos avanços dele.

Ambos tinham o bebê para considerar e dormir com César certamente era complicar as coisas.

— Mas isso não significa que vou me casar com você por todas as razões erradas. — Jude virou de lado e estava saindo da cama quando ele a puxou de volta.

— Não vamos fazer isto novamente — disse ele. — Fingir que nada aconteceu. Você tem de acordar para o fato de que nós gostamos de fazer amor.

— Não estou negando isso! Estou apenas dizendo que foi um erro.

— Verdade? Não é o que seu corpo estava contando enquanto eu o tocava.

— César, isso não é suficiente e acho que devo ir embora agora. Disse o que precisava ser dito. Não há razão para que nos encontremos novamente, pelo me­nos até que a data do nascimento do bebê se aproxi­me, quando poderemos discutir tudo com mais deta­lhes. — Jude saiu da cama e começou a recolher suas roupas, sentindo-se terrivelmente exposta.

Quando olhou por sobre os ombros, viu César apoia­do num cotovelo, observando-a.

— Precisa de alguém para tomar conta de você.

— Estou grávida, não doente!

— E o fato de viver no meio do nada não é muito conveniente para mim.

— Isto não se trata do que é conveniente para você, César.

Vestida agora, ela ficou de pé e pegou seus sapatos por baixo das roupas dele.

— Você não pode voltar sozinha. — Ele saiu da cama e começou a se vestir.

Tinha sido um dia terrível. Na verdade, os últimos dois meses haviam sido os piores da vida de César.

Estava achando cada vez mais difícil lembrar-se da tranqüilidade de seu breve casamento com Marisol. Aquele tempo parecia quase irreal.

— Claro que posso.

— Não pretendo desaparecer até que você pense que seja hora de convocar-me de volta à cena.

— Não estou pedindo-lhe que desapareça! — Jude virou-se para vê-lo de pé bem atrás de si. — Mas tudo vai ser apenas uma questão de rotina para os próximos meses!

— Tenho de anunciar essa novidade ao público, in­cluindo minha família na Espanha. Minha família é muito ortodoxa. O que devo dizer-lhes? Que vou ter um bebê, mas a mãe não quer nada comigo?

— Tudo isso se trata de uma convenção?

— Não há nada de errado com convenções.

César estava enfurecido porque mesmo depois de fazer amor, mesmo depois de confessar que ainda a queria, Jude continuava bancando a difícil. Queria um cavaleiro numa armadura reluzente? Ele não era aque­le cavaleiro, prometendo-lhe um anel no dedo e uma vida inteira de bem-estar?

Ela jamais teria de preocupar-se com dinheiro, se­ria capaz de se dedicar inteiramente à educação do filho deles. Quantos homens, confrontados com uma gravidez não planejada, teriam feito tanto?

Apresentado a um problema, ele encontrara uma solução, mas não era bom o suficiente para Jude.

— Em que hotel está hospedada? — César calçou os sapatos sem meia, porque ela estava correndo para a porta quando deveria estar deitada em seus braços, ainda langorosa por ter feito amor e ansiosa para re­petir o ato.

Jude lhe deu o nome do hotel, que era desconheci­do para ele, mas, a julgar pela localização, não um em que a mãe de seu filho por nascer deveria hospedar-se e César disse-lhe isso.

Jude deu-lhe um olhar irônico. Ele se tornara exageradamente protetor e solícito, e teria sido divertido, se não fosse tão triste.

Provavelmente, pensara que seduzi-la de volta entre os lençóis suavizaria a atitude dela, fazendo-a reconsiderar o pedido e aceitar um casamento de con­veniência, porque isso era uma exigência tradicional. No que dizia respeito a César, eles se casariam de for­ma que a desonra de ter um filho ilegítimo fosse evi­tada, e teriam um relacionamento sexual até que ele se cansasse dela, porque a luxúria durava apenas um período de tempo, desaparecendo por tédio. E, então, Jude ficaria em casa, aproveitando todas as coisas que o dinheiro podia comprar, enquanto César teria seus casos discretos. Ele a respeitaria como a mãe de seu filho, mas nunca a amaria como mulher e como espo­sa. E isso não era o que ela queria, de forma alguma.

— Tudo bem, eu mesmo a levarei lá, mas o lugar não é adequado. Tenho conexões com alguns dos me­lhores hotéis em Londres. Poderia arranjar-lhe um quarto em qualquer um deles.

— Não quero um quarto em nenhum deles.

— Por que você tem de ser tão teimosa?

Jude estava à porta agora e, mais do que qual­quer coisa, César queria carregá-la de volta para sua cama, onde poderia ficar de olho nela, porque pare­cia que, a cada minuto em que ela estava fora de sua vista, ele perdia o controle de sua vida. Não tinha sido o caso das últimas três semanas? Até mesmo vê-la no casamento de seu irmão o deixara insegu­ro, perturbado. Como iria encarar a perspectiva de saber que a mulher grávida de seu filho fazia tudo por conta própria?

— Eu, teimosa? Honestamente, César, você deveria mirar-se no espelho. Você é o homem mais teimoso do mundo. Nunca aceita não como resposta.

— Estou tentando ser prático e você deveria ser complacente.

— Estou sendo. Vim e contei-lhe, não contei? Poderia muito bem ter decidido manter segredo da gravidez. Poderia ter o bebê e você jamais saberia.

— Isto não seria seu estilo, Jude. Você é honesta demais. Além disso, onde se esconderia? E não acha que Fernando e Imogen ficariam curiosos quando você começasse a ganhar peso? De qualquer forma... aceito que pode querer ir embora e pensar a respeito da minha proposta.

— Lembre-se do que falei sobre sua teimosia em não aceitar um não como resposta?

Mas quando eles caminharam em direção ao carro, Jude teve de sorrir para si mesma.

— Acredite, você está somente começando a des­cobrir o quanto posso ser teimoso.

César já estava pensando sobre a situação e bolando uma estratégia. Ela não estava preparada para casar-se... ainda... mas ele precisaria permanecer por perto.

Não ficaria afastado até que recebesse um telefonema às três da manhã, contando-lhe que era pai.

— Tudo bem. — César ergueu os ombros num gesto que indicava magnanimidade. — Por enquanto, aceitarei que tenha reservas sobre minha oferta. Em­bora — ele não podia deixar de acrescentar —, não entenda por que, mas não quero discutir com você. Agora não é hora para discussão.

— Não, não é.

Depois de toda a tensão dos últimos dois dias e das últimas duas horas, Jude rendeu-se a um momento de crueldade.

— Afinal de contas, estou grávida e mulheres grá­vidas não devem discutir. Ficar estressada não é bom para o bebê.

César parou o carro junto à calçada.

— Foi isso que o médico lhe disse?

— Por que parou?

— Porque não quero ser acusado de fazer qualquer coisa que possa prejudicar sua gravidez.

— César, eu estava brincando. — Ela o olhou, sur­presa por sua reação. — Está tentando me dizer que se sente feliz pelo fato de eu estar grávida?

— Estou tentando dizer-lhe que não deve estressar-se. — Feliz era uma palavra muito forte. — Estou aqui e posso assumir responsabilidades.

— Oh. — Jude não podia esconder sua decepção. Ele aceitara tudo aquilo muito melhor do que ela es­perara, mas fora colocado numa posição inevitável e talvez estivesse resignado, e, agora, se acostumando à idéia de ter um filho.

Talvez, apenas talvez, até mesmo gostando disso, o que não significava que estava satisfeito por ela ser a mãe.

— Mas, se posso assumir responsabilidades e aco­modar isso na minha vida, sinto que você deveria es­tar preparada para fazer sua parte. E, para isso, tenho uma sugestão.

— Esta sugestão vai me estressar? — perguntou Jude.

— Não. Na verdade — César olhou para ela com certa quantidade de autossatisfação —, o oposto. Vai tornar sua vida muito mais fácil e lhe dará paz de espí­rito. — Ele deu partida no carro e tomou o rumo do ho­tel de Jude. — Quero você mais perto de mim. — Era estranho falar aquilo para uma mulher, mas aquelas eram circunstâncias excepcionais. — Sou tradiciona­lista. Você sabe disso e vai ter de lidar com o fato.

Jude suspirou, tolerando a arrogância que fazia par­te da pessoa que ele era.

— A mãe do meu filho não pode morar no meio do nada, recusando todas as minhas ofertas de ajuda por mero orgulho.

— Mero orgulho?

— Você sabe que sim. — Logo adiante, estava o hotel dela, que não era tão decadente quanto César imaginara. De fato, tinha de admitir que parecia ser bom, embora nem de perto o padrão de hotel a que es­tava acostumado. — Acho que seria uma boa idéia se você se mudasse para um pouco mais perto de mim. Não estou dizendo para o centro de Londres. Sei que tem seu trabalho aqui, mas corrija-me, se estiver errado... você é freelancer, portanto, pode trabalhar em qualquer lugar, certo?

— Sim, mas...

— Pense bem. Poderia facilmente alugar seu chalé. Para férias ou coisa assim. As pessoas estão sempre querendo passar o fim de semana em algum lugar, por razões que, pessoalmente, nunca entendi. Sendo as­sim, você aluga seu chalé e eu lhe compro um aparta­mento um pouco mais perto, num lugar aonde possa chegar rapidamente, sem ter de usar a companhia de helicóptero. Há algumas áreas extremamente agradá­veis em volta de Londres que possuem estradas aces­síveis e ligações ferroviárias.

Jude abriu a boca para informá-lo da facilidade de transporte de seu chalé na maioria das condições at­mosféricas, que havia mobiliado o chalé começando do zero, e que o lugar era seu orgulho e sua alegria, e que ele podia desistir, se achasse que podia manipulá-la daquela forma. Em vez disso, falou apenas:

— Você não pode comprar uma casa para mim.

— Por que não? — Eles estavam em frente ao ho­tel, e César estacionou o Bentley e voltou-se para ela.

— Porque as pessoas não fazem coisas como essa.

— Pensei que já tivéssemos estabelecido que não sou como as outras pessoas. De qualquer forma, diga-me, o que você procura numa casa?

Jude, que não tinha intenção de aceitar tal coisa, contudo, foi distraída pelos pensamentos da casa dele... moderna, tapetes caros e mobília desconfortá­vel de couro, que era projetada para ser exposta em vez de para se sentar.

— Certamente, nada como a sua casa.

— O que há de errado com meu apartamento?

— Detesto mobília de couro. É muito fria no inver­no e cola nas pernas no verão. E o assoalho de madei­ra deveria ser autêntico. E pinturas abstratas de linhas e círculos não fazem sentido algum.

— Algo mais?

— E você não sente falta de um jardim? Um pe­queno quadrado de grama? Um lugar no qual possa sentar-se no verão com um copo de vinho?

— Não. Que mais detesta no meu apartamento?

— Desculpe.

Tarde demais para pedir desculpas, supôs ela, mas, enquanto ele parecia tão aberto a críticas, Jude não pôde deixar de acrescentar:

— Seu apartamento não parece um lar.

Ela imaginou como teria sido a casa de Cé­sar com a esposa. Teria o toque feminino? Flores no vaso? Livros de receitas comprados com otimismo, mas destinados a ficar fechados nas prateleiras da cozinha?

Retratos da família nas molduras?

— Como era sua casa na Espanha quando você era casado?

César franziu o cenho. Não tinha pensado nisso an­tes. Pensara em Marisol, colocado-a num lugar segu­ro, mas a casa?

Quando pensava num lar, pensava na casa de Jude... seu aconchego casual, a desordem íntima, a lareira queimando na sala de estar.

— Grande, na verdade.

Ele poderia deixá-la ir agora para o hotel, mas estava confortável ali no carro escuro com ela. Fazia parte do processo de estabelecer um relacionamento mais fácil entre os dois. Jude não era mais uma mulher com quem ele tivera um breve caso e que lhe causara insônia por ferir seu ego. Era muito mais importante que isso ago­ra. Ele tinha o dever de sentar-se ali com ela, conversar, observar suas fascinantes expressões do rosto.

— Não posso lembrar-me de quantos quartos... ou salas de estar. Muito mármore, disso me recordo.

— Uau. Formidável. É claro que seria seu gosto no que diz respeito a casas.

— Formidável — concordou César. — Um presen­te dos pais dela.

— Pais úteis. — Jude riu. — Embora eu prefira uma casa pequena e aconchegante.

— Eu sei.

— Bem, vou entrar agora. Estou exausta. — Ela bocejou de cansaço.

Recordou-se do que César dissera sobre querê-la mais perto, mas, de repente, se sentiu muito fatigada para reabrir o debate.

O que precisava fazer era telefonar-lhe na manhã seguinte e contar-lhe que ter uma casa comprada por ele estava fora de cogitação, e que César teria de jogar conforme as regras dela.

 

Três dias mais tarde e Jude ainda tentava entrar em contato com César, que estava, de acordo com sua secretária, fora do escritório, fechando um negócio. Nem seu celular atendia.

Tudo o que importava para César era seu trabalho, o qual tinha prioridade sobre todas as coisas.

Sentada em frente à sua tigela de cereais, Jude pen­sava no que teria de fazer, ensaiando o que diria para César quando conseguisse contatá-lo, quando seus pensamentos foram interrompidos pelo som agudo da campainha.

Ela abriu a porta com sua xícara de chá na mão, e lá estava ele, materializando-se novamente, o que a fez imaginar se era possível chamar alguém por telepatia.

O coração traiçoeiro de Jude disparou. Às 7h30, ele parecia absurdamente bonito.

— O que está fazendo aqui? Venho tentando entrar em contato com você!

— Isso é tudo o que você sempre usa? — César olhou para a calça jeans sem forma.

— Onde você esteve?

— Negócio importante. Você terá de mudar de rou­pa para algo mais... menos prático.

— Por quê? Não vou a lugar algum com você!

— E não seja teimosa. Há algo que você precisa ver.

 

— Este é o negócio que sua secretária disse que você estava fechando?

Eles tinham acabado de andar em volta da casa que César ameaçara comprar e que Jude tinha passado os últimos três dias indo contra, sua recusa tornando-se mais eloqüente cada vez que tentava contatá-lo por telefone e fracassava.

Eles tinham levado menos de uma hora para che­gar ao pequeno vilarejo nos arredores de Londres, período no qual ele se recusara determinantemente a contar-lhe a razão de sua repentina urgência de levá-la para sair.

Toda vez que Jude tentara trazer o assunto de volta para o discurso que preparara, César desconversava, dizendo que falariam a respeito assim que descessem do carro e ele pudesse se concentrar no que ela estava dizendo. Como se tivesse a mais leve dificuldade de realizar múltiplas tarefas.

E, agora, ali estavam eles.

Obviamente, César prestara muita atenção a todas as palavras que ela dissera sobre o apartamento dele, porque havia uma ostensiva ausência de qualquer coi­sa moderna na casa, embora Jude pudesse dizer, já à primeira vista, que tudo era de altíssima qualidade. A cozinha estilo campestre com seu pequeno fogão verde e as quatro pilastras da cama com sua primorosa colcha de retalhos tradicional...

— Este era o negócio que eu estava fechando — concordou César, seus olhos escuros fixos no rosto dela.

Com a quantidade de dinheiro que possuía, César não teria problema em comprar a casa ideal no vilare­jo ideal, que estava dentro de uma distância ideal para Jude se locomover dirigindo seu carro tanto para o trabalho quanto para o apartamento dele.

— Apenas dê uma olhada antes de dizer qualquer coisa — pediu ele no minuto em que viu os protestos formando-se nos lábios dela. — Se você não gostar da idéia, respeitarei sua decisão.

César sabia que agora havia mais chance de Jude ceder do que houvera três dias atrás, quando ela recu­sara sua proposta de casamento.

Ela ficara deslumbrada diante do jardim, com seu pequeno pomar com macieiras e ameixeiras. Tinha feito uma pausa para admirar as velhas vigas rústicas no teto da casa, a velha lareira com a data gravada no mantel e a borda com azulejos originais da era vito­riana. Passara as mãos sobre o fogão que mantinha o lugar lindamente quente, e admitira, no quarto, que sempre quisera uma cama com quatro pilastras.

César podia sentir o triunfo vibrando no ar entre eles.

— Bem — perguntou alegremente —, o que acha disso tudo? Gostou?

— Quem não gostaria?

Eles agora estavam na cozinha, sentados em lados opostos da mesa de madeira, cujo centro era adornado por um vaso com flores silvestres.

— É a distância certa do centro de Londres — disse César medindo as palavras, pois uma palavra errada poderia pôr tudo a perder.

Ainda não entendera por que e como ela podia ter visto sua proposta de casamento como alguma espé­cie de insulto.

Oferecera-lhe o mais alto prêmio, e Jude o rejeita­ra, mas não havia nada a ganhar em insistir naquilo.

— E fica a uma distância adequada e acessível de onde você está agora. Pode ir lá facilmente para fins de trabalho ou para visitar amigos...

A tentação dançava diante dos olhos de Jude. César não a amava, mas queria cuidar dela, porque carre­gava seu bebê. É claro, ela nunca, jamais se casaria com ele, pelas razões que dissera a si mesma repetidas vezes, mas era uma espécie de conforto saber que ele podia estar ali caso ela tivesse necessidade de chamá-lo e bastante presente quando o filho deles nascesse.

— Posso comprar a casa hoje — disse ele, sua voz aveludada seduzindo-a. — Os proprietários muda­ram-se para outra cidade e estão querendo vender a casa mobiliada. Você pode mudar-se para cá no fim da próxima semana...

— Nem mesmo discutimos isso, ainda — objetou Jude. — É loucura achar que pode encontrar um lugar para morar porque ele serve para você, sem importar-se em consultar-me!

— Teria concordado em procurar uma casa comigo?

— Talvez não, mas essa não é a questão.

— Claro que é. Você continuaria pondo obstáculos no caminho e tornando a vida mais difícil para mim. Tomei uma decisão administrativa e escolhi a opção que serviria para ambos.

— Não sou um de seus empregados, César. Alguém a quem você pode dar ordens!

— Eu não consideraria comprar uma casa para qualquer dos meus empregados. Agora que viu esta casa, diga-me o que não gostou nela.

— O problema não é a casa. É claro que adorei a casa! O problema está na sua presunção e arrogância.

— A presunção de que eu possa querer resolver uma situação tanto para mim quanto para você? Então, você gosta da casa. Está num belíssimo local. Sua objeção é apenas por querer exercer seu direito de rejeitar. Você está carregando meu bebê e agora que tem este poder de chantagem, pretende usá-lo ao máximo? É isso?

— Claro que não. — Jude deu-lhe um olhar zanga­do porque, dito daquela maneira, ele a fazia parecer mesquinha. — A questão é que tenho o direito de ter minha própria opinião.

— Dê-me uma objeção concreta, Jude.

— Tenho um montão de coisas no meu chalé... por exemplo.

— O transporte de quaisquer móveis e objetos seria feito num estalar de dedos.

— Mas mudar de casa é um grande transtorno. De qualquer modo, não posso deixá-lo comprar esta casa para mim...

— Poderia deixar-me comprar para o meu filho? — César deu de ombros, porque o assunto todo de dinheiro não importava para ele.

O custo da casa era uma gota infinitesimal no seu oceano.

— Se você preferir, a casa pode permanecer no meu nome, para uso de nosso filho.

Jude ouviu o som dos argumentos formando-se na sua cabeça e sendo varridos pela maré da lógica e de­terminação de César.

E seu próprio amor por ele ajudava a minar todas as objeções.

— Bem... — ela murmurou o monossílabo e César soube que ganhara. Jude iria mudar-se. Ficou surpreso pelo alívio que sentiu.

— Ainda não gosto muito da idéia de aceitar isto — disse Jude, porque era verdade. — Mas acho que posso fazer uma concessão e, então, quando o bebê nascer, poderemos voltar ao assunto.

— Como quiser.

 

Em pouco mais de duas semanas Jude mudou seus projetos de design para a casa, e, durante aquele tem­po, achou difícil conjurar a imagem de César como o homem arrogante que somente a queria por causa de um acidente circunstancial, um homem que se casaria com ela... se Jude tivesse aceitado... e a dispensaria assim que se cansasse da relação.

Ele vinha sendo gentil e generoso. Telefonara-lhe, havia ajudado a alugar o chalé e contratara uma trans­portadora para fazer a mudança das coisas que Jude queria levar, aparentemente despreocupado com o quanto aquilo atrapalhava seu precioso trabalho. Ela aceitou sua presença e guardou para si o quanto adorava estar em sua companhia, especialmente quan­do não estavam discutindo.

Eles não se tocavam de modo algum.

César a cumprimentava com um cauteloso beijo no rosto e dizia adeus do mesmo modo. Isso fez Jude sentir-se um objeto inanimado, um que ele estava em­penhado em proteger, mas não tão importante que estivesse inclinado a acariciar.

Apesar de sentir-se mais tranqüila em saber que fi­zera a coisa certa em ceder, sentia-se horrivelmente vazia.

Uma semana depois que se mudou, rendeu-se ao desejo perverso de pôr aquilo em teste.

César telefonara cedo naquele dia, informando-a que a levaria para jantar fora.

Jantar com César envolvia, invariavelmente, um restaurante muito caro.

Ele apareceu na casa às 19h em ponto. Devia ter deixado o trabalho muito cedo, considerando que era sexta-feira, o dia antes de o resto do mundo descansar, quando César estava disposto a trabalhar noite aden­tro em alguma coisa que não poderia sobreviver ao descanso do fim de semana.

Não mais estava de terno. O tempo melhorara consideravelmente, e ele usava jeans, o que moldava suas pernas musculosas, e uma jaqueta azul-marinho, cujo preço era somente aparente no pequeno logotipo da >     marca.

— Decidi cozinhar alguma coisa — disse Jude, conduzindo-o através da sala de estar, para a qual le­vara todas as suas lembranças do chalé, mas preser­vou a mobília que tinha sido deixada lá.

— Posso sentir o cheiro. Por quê?

— Você nunca se cansa de comer fora?

— É um estilo de vida com o qual me acostumei ao longo dos anos. Você tem visto meu irmão? Ele está começando a parecer um homem casado.

Este era o César que ele se tornara, alguém que po­dia conversar charmosamente sobre qualquer coisa e sobre tudo, mas sem a tensão que o movera durante os encontros passados deles.

Durante a refeição que Jude preparou, ele con­versou amigavelmente sobre Freddy e o bar de jazz, que deveria ser inaugurado em grande estilo dali a três meses. Os sinais já indicavam que não levaria muito tempo para provar que o investimento seria lucrativo.

César, tipicamente, não tinha aversão à autopro­moção nessa questão, mas riu quando ela lhe deu um olhar significativo.

— Tudo bem! — Ele levantou as mãos rendendo-se zombeteiramente. — Você não pode condenar um sujeito por tentar.

Jude começou a tirar a mesa e disse casualmente:

— Você acha que estou começando a parecer gor­da? — Ela lhe ofereceu o perfil para inspeção, saben­do que sua barriga estava crescendo, mas ainda pe­quena, embora seu seios estivessem maiores.

César deu um suspiro profundo.

Nas últimas semanas, sua vida girava em torno de Jude, comportando-se de uma maneira que era estranha para ele no que dizia respeito a mulheres, particularmente considerando que dormira com aquela mulher, e ela ainda povoava sua mente. Se­duzia-o com a lembrança de seu corpo, que estava aumentando agora, os seios crescendo, a barriga, outrora chata, mostrando sinais do bebê que estava carregando.

Mas ela não o queria, ou pelo menos não o suficien­te, e César não iria estragar tudo a colocando de volta na defensiva.

— Uma mulher grávida não pode ser classificada como gorda.

É claro que ele sabia que ela não estava usando su­tiã. Soubera no minuto em que atravessara a porta. Era também óbvio que os seios magníficos haviam se expandido.

Eles agora ocupariam uma mão cheia. Os mamilos também teriam inchado com a gravidez? , perguntou-se. Não queria olhar para aquela lateral do corpo de Jude, inocentemente oferecida para inspeção. Não queria ver o relevo daqueles mamilos com seus bo­tões pequenos e firmes pressionados contra o tecido da blusa.

— Sinto-me gorda — disse Jude suavemente, pas­sando as mãos sobre a barriga. — Acho que é porque sempre fui magricela e tudo está maior agora. Não apenas a barriga.

César, convidado a reparar na transformação física dela, olhou para os seios.

— Isso era esperado. Acho que você terá de começar a investir em roupas maiores. Não preciso dizer que qualquer compra será paga com o cartão de crédito que lhe dei.

Jude suspirou com um misto de frustração e resignação.

Se tirasse suas roupas agora, ele provavelmente a preveniria sobre os perigos de pegar uma gripe no seu frágil estado.

Teria observado que ela estava sem sutiã?

— Você usou o cartão, afinal? — César refugiou-se no mero tédio de falar sobre gastos e cartões de crédi­to. Se Jude soubesse o efeito que tinha sobre ele, ela se afastaria.

— É claro que não! — disse Jude. A casa viera com uma máquina de lavar louça, mas ela preferiu o proces­so catártico de lavar a louça na mão, tarefa que agora começou a fazer com grande vigor. — Ainda estou tra­balhando, ganhando meu dinheiro, e, em um mês, vou ter uma renda do aluguel do chalé, portanto, minhas finanças estão em ordem. Sem necessidade de utilizar as vastas reservas dos Caretti, por enquanto.

— Você joga isso na minha cara como se fosse um insulto ter dinheiro à sua disposição!

Jude podia pensar numa coisa muito mais insultante, assim como o modo com que ele olhara educada­mente para seu corpo, antes de dizer que aquele peso a mais era esperado.

Era o tipo da coisa que seu médico podia dizer-lhe, acompanhado de um discurso sobre comer bem e evi­tar álcool.

Jude gostava da idéia de discutir com ele porque uma discussão significaria calor e paixão, mas a gra­videz a amadurecera. Portanto, em vez disso, tentou, com sucesso, manter a paz pelo resto da noite, que es­tava sendo agradável, até que César estivesse pronto para ir embora, um pouco depois das 23h.

Ele a informou que estaria fora por alguns dias a partir da próxima segunda-feira, quando se encostou contra a porta, prestes a partir.

— Você será capaz de se virar sozinha? — pergun­tou ele.

— É claro — respondeu ela, irritada. — Já lhe disse que você não precisa cuidar de mim como uma gali­nha cuida dos pintinhos.

— Grande comparação. Garantida para fazer um homem sentir-se viril.

— Não tenho de lhe dizer que é viril. Sabe que é.

— Oh, sim. Então, sou. — Ele estendeu a mão e tocou-lhe a barriga, demorando-se ali e sentindo a pequena protuberância, depois a esfregando gentil­mente, o que fez ondas de excitação percorrerem a coluna de Jude. Ela imaginou o que ele faria se ela posicionasse a mão quente e deliciosa por baixo de sua camiseta.

— Comprei um desses livros sobre gravidez — ad­mitiu César, removendo a mão e enfiando-a no bolso da calça.

— Você comprou um livro sobre gravidez? — Jude riu. — Nunca me contou. É sua leitura de cabeceira? Pensei que fosse para a cama com relatórios impor­tantes e seu laptop.

— Dei apenas uma olhada — replicou ele. — E aviso-a para evitar a leitura dessas coisas. São cheias de histórias de horror.

— Isso porque você é melindroso. — Jude ainda estava rindo só de pensar naquele homem grande e dominante lendo um manual de gravidez e sentindo-se enjoado.

— Você está falando com um dos homens menos melindrosos na face da terra. Sou também muito sau­dável, nunca fico doente.

— Isso porque você é tão mandão que os micróbios não o atacam.

— Nosso relacionamento é gostoso, não é, Jude? Admita. Nós conversamos, rimos. Diga-me, por que você acha tão difícil comprometer-se comigo?

— Não estrague a noite, César.

E, além do mais... com o que ele estava compro­metido? Cumprindo suas obrigações como um futuro pai? Sendo um provedor financeiro magnífico? Ten­do um relacionamento amigável com ela, um no qual eles seriam capazes de comportar-se de modo civili­zado pelo bem da criança?

Ele veria tudo isso como o maior dos sacrifícios, mas não a amava e, pelas aparências, nem mesmo es­tava mais fisicamente atraído por ela, o que significa­va que não podia usar a palavra compromisso tanto quanto queria. No final, o que desejava era manter um casamento de conveniência porque isso lhe servia. O erro mais perigoso que Jude podia cometer seria pen­sar que não havia um punho de aço dentro da luva de veludo.

César controlou sua paciência com dificuldade.

— Não, eu jamais iria querer estragar. Você tem todos os meus telefones. Ligue, certo?

Jude não tinha intenção de telefonar para César. Po­dia reconhecer que havia uma linha tênue entre o que via como aproveitar a situação e cavar um buraco para si mesma.

Seria muito fácil desenvolver uma dependência de um César que estava tomando conta da situação com seu charme.

Na verdade, ela estava ansiosa para ter algum tem­po para si mesma.

Poderia dedicar-se ao trabalho; havia alguns pro­jetos que precisavam ser terminados. Também queria visitar Freddy e Imogen e lembrar-se de como uma união entre duas pessoas deveria ser. Porque não po­dia acreditar que o que compartilhava com César era mais do que uma relação saudável para duas pessoas que teriam um filho como vínculo.

O que Jude não esperara era voltar para casa na quinta-feira seguinte à tarde e ter de lidar com o im­pensável, a única coisa em que nem ela nem César ha­viam pensado.

Eram apenas algumas gotas de sangue, mas, na­quele estágio da gravidez, o mundo de Jude pareceu desmoronar.

Do lado de fora, o dia era glorioso. Ela apreciara seu encontro com um jovem casal que ficara impres­sionado com seus desenhos, e dirigira de volta para casa, otimista e feliz, já esperando ansiosamente pela distração de diversos trabalhos depois que o bebê nas­cesse, o que manteria sua mente ocupada.

Concluíra que uma mente ocupada era um remé­dio infalível para a perspectiva de lidar com César.

Podia sentir o pânico aumentar em seu interior, como uma onda destrutiva.

Deveria permanecer onde estava? Sentada imóvel, esperando que o sangue parasse? Tentou lembrar-se do que lera sobre sangramento durante a gravidez mas sentia-se confusa. Estava aterrorizada pela possibilidade de perder o bebê.

E não queria telefonar para César.

Sua mente parecia girar em descontrole quando ad­quiriu coragem e telefonou para seu médico.

Provavelmente, não era nada com que se preocu­par, disse ele... nada com que se preocupar... mas, por segurança, ela deveria ir ao hospital.

Por segurança? Hospital?

Todas as palavras soavam como um alarme de mor­te para a criança crescendo em seu ventre.

Jude não estava certa como conseguira ter espírito suficiente para chamar um táxi, que a levara ao hos­pital, ou como conseguiu circum-navegar pelos corre­dores infindáveis que levavam a centenas de enferma­rias diferentes, até encontrar a certa, e tudo isso feito sem desesperar-se e soluçar.

Em determinado ponto, durante a ansiosa jorna­da, telefonou para Imogen e disse-lhe o que estava acontecendo.

— Não há necessidade de preocupar César — disse ela. — Ele acabou de voltar ao país e deve ter milhões de coisas para resolver. Deve estar muito ocupado. É bobagem deixá-lo preocupado por nada...

Jude fizera o máximo para proteger-se de um co­ração partido por estar com o homem que amava e que não correspondia seu amor. Havia ditado re­gras para lidar com a presença de César em sua vida futura.

Vislumbrava a hora em que ele poderia dizer-lhe que estava envolvido com outra pessoa, que se apaixonara contra todas as possibilidades, finalmen­te pondo o fantasma de sua esposa para descansar, porque encontrara alguém a quem dar seu coração. E isso, diferentemente de todas aquelas conveniên­cias que a fortuna dos Caretti podia comprar, era inestimável.

Apesar de todos esses cenários terríveis que inun­davam sua mente, Jude sempre os via compartilhando uma criança. Nunca imaginara um futuro sem o filho de César. Era jovem e saudável, e jamais lhe passara pela cabeça a possibilidade de a gravidez não chegar ao fim.

Agora, contemplava outro futuro, um em que não teria nada a ver com César, porque ele não teria mais nenhum dever a cumprir. Não precisaria ser amigável, espirituoso, atencioso. Não quereria mantê-la numa casa localizada de tal modo que pudesse rapidamente a acessá-la.

Fiel à sua palavra, o médico telefonara para o hos­pital antes da chegada de Jude, e ela foi levada para uma cama na unidade de maternidade para esperar um exame.

Passou por um exame minucioso, ignorando o que o médico dissera sobre não se preocupar, e foi levada para fazer um ultrassom.

Jude gostaria que César estivesse ao seu lado. En­tão, imaginou a expressão no rosto dele se tudo co­meçasse a sair errado e percebeu que era uma bênção que ele não estivesse lá. Pela primeira vez, entendeu claramente o quanto o relacionamento deles era frágil e o quão fraca ela tinha sido em permitir-lhe tomar conta de sua vida.

Seu coração estava batendo descompassado quando Jude deitou-se na cama estreita, no quarto escuro de exame, e observou o monitor que examinava seu bebê. Estava hipnotizada pelo que podia ver movendo-se.

O médico disse que tudo parecia bem. E quando ela o questionou sobre os piores cenários, ele falou que ela precisava de repouso completo na cama e que não deveria encher a cabeça com tolices, mas que precisava ter cuidado.

Com a imaginação girando em sua cabeça agora, contudo, Jude estava conseguindo convencer-se de que o bebê que tão desesperadamente esperava, o bebê que concebera por acaso, era uma vida vulnerá­vel, seu futuro fora de controle.

Mudanças teriam de ser feitas.

O que ela e César compartilhavam era um arranjo de conveniência e Jude havia estupidamente se permi­tido esquecer disso.

Pondo de lado os óculos cor-de-rosa, o que ela via? Alguém a mantendo dócil por enquanto, porque isso servia a ele.

O que César fizera, por exemplo, enquanto estivera fora? César Caretti não era um homem mediano. Era incrivelmente sexy, muito rico e o poderoso senhor de um império. Um homem que estava ciente de sua atração sexual e nunca namorara ninguém que não lembrasse uma modelo de revista de modas. Então, era provável que tivesse permanecido em Nova York e se satisfeito com jantares de negócios e trabalho? Sem ninguém do lado? Especialmente quando não mais estava interessado nela de um ponto de vista sexual?

A pergunta sem resposta crescia na cabeça de Jude, proliferando na sua mente como hera.

E claro, teria de vê-lo alguma hora, provavelmente quando estivesse liberada do hospital, onde teria de passar a noite.

O sangramento parara, e, enquanto seu nível de pânico começava a diminuir, sua cabeça parecia ter clareado.

Ela estava quase satisfeita consigo mesma quando finalmente adormeceu.

Acordou com o som dos passos de alguém no quar­to e, depois, o arranhar de uma cadeira sendo puxada para perto da cama.

Jude sabia quem era sem abrir os olhos. Parecia que alguma coisa em César fazia soar um alarme, mesmo que ela não o estivesse vendo.

— Como você soube que eu estava aqui?

— Imogen contou-me. Por que você mesma não me telefonou?

— Não vi necessidade.

César controlou a tentação de explodir. Ele já con­versara com o médico e soubera que tudo parecia bem, mas que Jude precisaria de repouso, pelo menos nas próximas semanas.

Gritar somente iria estressá-la.

— Você não viu necessidade.

— Não. E Imogen não deveria ter lhe telefona­do. Na verdade, pedi que não ligasse. Você estava longe e a última coisa que eu queria era tirá-lo de seus compromissos de trabalho. — Ela manteve a voz tão neutra quanto possível. — Foi somente um susto.

— Acho que tenho o direito de saber quando você leva um susto.

Aquilo quase parecia um gesto amável que a in­cluía. Isso teria lhe dado um sentimento caloroso, e ela podia ter sorrido, mencionando que estava feliz em vê-lo. César a teria levado de volta para casa e usado aquela voz amigável, fazendo-a acreditar que significava mais do que apenas uma incubadora para seu filho. Mas a realidade era outra.

— Espero que não haja mais nenhum — disse ela educadamente e César franziu o cenho.

— Qual é o problema?

— Como assim?

— Quando eu a deixei, você estava radiante e oti­mista. Essa mudança de humor é porque está preocupa­da? O médico disse que não há necessidade de preo­cupação. Realmente, a última coisa que você deve fazer é ficar estressada.

Porque estresse pode afetar o bebê. Caso contrá­rio, eu pouco me importaria com seu bem-estar!

— É claro.

— Você precisa descansar. Não mais trabalhar ho­ras e horas com projetos tolos. De agora em diante, tem de seguir as ordens médicas. Contratarei uma go­vernanta. Alguém para cozinhar, limpar, fazer todas as tarefas domésticas.

— Não são projetos tolos.

— Você fará como eu digo. Sua boa saúde é a boa saúde do bebê, simples assim. — Ele não sabia com que espécie de humor ela estava, mas não gostava disso. Havia corrido para o hospital, preocupando-se ao máximo, e aquela voz fria de Jude abalava seus nervos.

Simples assim, como sempre tinha sido.

— Não pense em dizer que pode ficar sem uma go­vernanta — murmurou ele, antecipando uma objeção para sua oferta.

— Nem cogitei negar. Não sou idiota, César! Per­cebo que precisarei de ajuda na casa e não irei atrás de mais projetos tolos, como você os chama. Pelo menos não por enquanto.

Ela se lembrou de quando Imogen tinha sido levada às pressas para o hospital. O olhar aflito e pesaroso no rosto de Freddy quando a vira. Um olhar inteiramente de amor. Naquele momento, Jude soubera que ele te­ria desistido de tudo por Imogen, teria feito qualquer coisa por ela.

A preocupação de César era reservada somente pa­ra a criança que ela estava carregando.

— Estou cansada agora — disse Jude abruptamen­te. — Foi um dia longo e quero voltar a dormir.

— Você precisará de algumas roupas. — Jude não pensara nisso. Ainda vestia a camisola do hospital. Ela deu de ombros. — Diga-me o que quer, e trarei.

— Não há necessidade de se incomodar, César. Seu chofer pode buscar o que preciso. — Ela deu um bocejo.

— Não seja absurda. — César pensou no seu mo­torista vasculhando a roupa íntima dela e fez uma ca­reta de desgosto. Aquilo era inaceitável. — Pegarei o que precisa e me certificarei de que uma governanta já esteja contratada quando você voltar para a casa. Na verdade, farei minha secretária providenciar isso imediatamente.

Ele abriu seu celular e Jude ouviu as ordens sendo dadas. Ordens que seriam obedecidas sem perguntas e cumpridas com um nível de eficiência que um alto salário garantia. Sua voz era áspera, a voz de um ho­mem que sabia que, quando dava ordens, eram obe­decidas.

Ele usara táticas diferentes com ela, mas o resul­tado era o mesmo. Dera-lhe ordens disfarçadas com sorrisos e preocupações, e Jude obedecera. Tinha até mesmo sido paga, de certa maneira, porque, onde esta­va vivendo? Numa casa que ele escolhera, numa área que selecionara por motivos que lhe interessavam. A única circunstância que estragava o prazer de César fora a sua recusa em casar-se com ele, que legitimaria o bebê, mas em todos os outros aspectos, ele a persu­adira e ela oferecera pouca resistência.

Mas aquele susto a relembrara de que era essencialmente descartável, e era hora de tomar ciência do fato antes que fosse levada para longe demais pela correnteza, fazendo com que jamais pudesse voltar para terra firme.

 

Estive pensando...

Jude estava de volta em casa e César estava a ca­minho. A governanta tinha sido contratada em tempo recorde, limpado a casa para o retorno de Jude e agora fora ao supermercado com uma lista de itens.

Ela olhou no espelho e continuou com o discurso que havia ensaiado. Estivera pensando e, em primei­ro lugar, queria certificar-se de que os documentos corretos tivessem sido assinados, de modo que a casa ficasse no nome dele. Isso estabeleceria o teor da conversa.

A partir daí, seria mais fácil manter um controle de suas emoções, especialmente quando falasse sobre os limites pessoais que precisavam existir entre eles. É claro que César lhe diria que nenhum limite fora estabelecido, que eles estavam num relacionamento adulto e amigável pelo bem da criança. Jude tinha a resposta preparada para isso. Jantares fora iam além de "serem amigos" e ela não seria uma mulher soltei­ra, mas com sua vida controlada por ele.

Levantaria o assunto do que aconteceria quando um deles encontrasse um parceiro, alguém significati­vo com quem compartilhar a vida.

Olhando para seu reflexo enquanto maquiava-se, Jude imaginou se algum dia reconheceria o parceiro ideal quando sua cabeça estava tão repleta de César? Ninguém parecia se igualar a ele. César era tão maior que tudo que, ao seu lado, todos os outros homens desapareciam. Jude se apaixonara como uma heroína trágica de um romance da era vitoriana.

Ela fez uma careta e foi para a sala de estar. Do sofá, podia ver o jardim, que, naquele momento, esta­va banhado de sol.

A porta da frente abriu-se e César entrou. Maravi­lhoso, sexy, incrível... vestido com calça creme e uma camiseta pólo.

Jude sentiu seu coração dar o costumeiro salto no peito.

— Obedecendo às ordens médicas? — perguntou ele de modo aprovador. — César sentou-se na poltro­na de frente para ela. — Como está se sentindo?

— Bem, obrigada.

Bem, obrigada?, pensou ele. Aquela mesma polidez com toque de gelo. Ou era apenas sua imaginação pregando-lhe peças?

— E a governanta?

— Annie é ótima, e foi ao supermercado agora mesmo. Pedi-lhe para ir porque... queria privacidade, pois precisamos conversar.

— Fale — concordou César. As mulheres sempre queriam conversar.

— Estive pensando muito, César. E percebo que, bem... precisamos esclarecer alguns detalhes...

— Que detalhes?

— Esta casa, por exemplo.

— Está em meu nome. Como você pediu.

— Ótimo. Mas precisamos discutir o que acontece­rá se um de nós conhecer outra pessoa.

— Você está me dizendo que há alguém mais?

— Claro que não! Olhe para mim, César. Estou grávida! Mas pode haver. Um dia. Assim como pode haver para você.

Ela desejou que ele negasse aquilo, mas como po­deria? César lhe oferecera casamento, dissera-lhe que lhe daria dinheiro, como se fosse uma funcioná­ria que merece um aumento de salário depois de um período satisfatório de experiência.

Nunca falara nada sobre fidelidade. Jude disse algo que somente agora lhe ocorria.

— Por que você me pediu em casamento, César?

— Outra vez?

— Sei que você é conservador. Sei que não gos­ta de pensar em ter um bebê nascido fora do ca­samento. Mas é também porque não quer nenhum outro homem em cena? Interferindo na criação de seu filho?

— Esse pensamento nunca passou pela minha mente! — Mas César corou. Aquilo lhe passara pela mente? Mesmo de modo subconsciente? Seria por isso que a queria morando por perto? Para que pudes­se controlar a vida de Jude? Não gostava da idéia de ser possessivo. Nunca fora um homem possessivo. Na verdade, nunca sentira necessidade de saber o para­deiro de qualquer das mulheres que namorara no pas­sado. Mesmo com Marisol... sim, tinha sido protetor.

Ela era muito feminina e desamparada, precisara de sua proteção... mas possessivo?

— Aonde isso vai chegar? — perguntou ele aspera­mente. — Não atendi todos os seus pedidos?

Jude notou que ele corara violentamente quando ela lhe questionara os motivos para pedi-la em casa­mento, e soube que estivera certa. César a amarraria a ele, não permitindo que ela jamais encontrasse al­guém, porque não queria outro homem interferindo na vida do filho.

— Estou estabelecendo algumas regras aqui — de­clarou ela. — Pensei que iria perder o bebê. Na verda­de, nesse momento, não posso contar com nada como garantido.

— O médico lhe disse algo que você não me con­tou? — César exigiu saber.

— Isto não tem nada a ver com o bebê. Tem a ver comigo. Na verdade, conosco.

— Se estamos falando de nós, acho que estávamos indo muito bem até eu voltar da Inglaterra, para des­cobrir uma nuvem preta pairando sobre você.

— Estamos indo muito bem — disse Jude —, mas acho que é importante lembrar que não somos ami­gos. Somos duas pessoas que cometeram o erro de dormir juntas e obtivemos mais do que esperávamos. Não esqueçamos de que não estaríamos aqui agora se eu não tivesse descoberto que estava grávida. Apre­ciei tudo o que você fez...

— Pode parar de falar comigo como se eu fosse um estranho.

— E pare de gritar comigo na minha própria casa.

— Mas não é sua própria casa, é?

Houve um silêncio tenso, então Jude falou vagaro­samente, empalidecendo:

— É isso, César? Sua casa, portanto tenho de me submeter às suas regras? Obedecer às ordens porque você pagou pelo teto sobre minha cabeça? O teto que, por acaso, não me lembro de ter pedido!

— Isto é ridículo — exclamou ele ferozmente.

— Não, não é. Uma pergunta: como você se sen­tiria se eu encontrasse alguém com quem quisesse passar o resto da minha vida? Alguém que teria par­ticipação na vida do nosso filho? Uma influência so­bre ele. Aceitaria isso? Ou eu teria de submeter-me às suas regras pelo tempo que viver na casa pela qual você pagou?

César queria informá-la que Jude podia fazer co­mo bem quisesse, conquanto seu filho ficasse fora disso, mas imagens dela com outro homem o deixa­ram furioso.

— Não se preocupe em responder, César. Conhe­ço a resposta pelo seu silêncio. Você... acha que pode fazer o que quiser enquanto eu fico na casa que com­prou, ocupando-me de tarefas domésticas!

— Fazer o que eu quiser?

Jude percebeu que seu discurso frio e calmo não adiantara nada. Agora, estava com vontade de chorar.

— Quero dizer, o que foi fazer em Nova York? — perguntou ela. — Não que eu me importe. Estou apenas querendo provar uma opinião. Você é livre para fazer o que quiser e espero ser livre para fazer o mesmo.

— Então, deixe-me esclarecer isso — começou Cé­sar. — Se eu lhe dissesse que fui a Nova York encon­trar uma velha namorada e passei três noites de sexo com ela, você não se importaria?

— Você fez isso?

— Ao contrário do que você parece pensar, não, não fiz.

— O que não significa que não fará em algum mo­mento no futuro.

— E, é claro, se eu fizesse, você não tentaria impe­dir-me — disse ele.

— De que adiantaria? Você é um homem livre, Cé­sar. Mesmo que nos casássemos, ainda seria um ho­mem livre e não haveria nada que eu pudesse fazer para prendê-lo.

César pensou que uma vez fora um homem livre, e qualquer mulher que tentasse domesticá-lo estaria assinando o imediato fim do relacionamento. Mas um homem livre perdia a concentração no trabalho por­que sua mente estava muito ocupada com uma mulher teimosa de cabelos curtos e uma linha de conversa que não tinha nenhum respeito por seus limites? E um homem livre contava as horas até que pudesse ver a única mulher que consumia todos os seus momentos acordado? Ele achou difícil lembrar quando foi a últi­ma vez que tinha sido um homem livre.

Agora, ela estava falando sobre Marisol, dizendo-lhe o que podia ter sido verdade um dia. César ergueu a mão para silenciá-la.

— Tudo o que está me dizendo é verdade — admi­tiu, inclinando-se para a frente. — Eu amei Marisol. Afinal de contas, éramos muito jovens e está­vamos havia tão pouco tempo juntos. Pouco tempo demais para descobrir os defeitos do outro e sim, eu a idolatrei. — Os olhos escuros encontraram os dela, e Jude queria pôr a mão sobre aquela boca bonita para não ouvi-lo confirmar tudo que ela aca­bara de dizer.

— Ela era... dócil, suave, submissa...

— Eu sei. Ela era tudo o que não sou. César assentiu.

— O que me faz questionar se realmente combiná­vamos.

— O quê? — Jude ergueu a cabeça e fixou seus grandes olhos castanhos no rosto dele.

César teve uma estranha sensação, como se estives­se à beira de um abismo, olhando para baixo.

— Sempre pensei que doçura e subserviência fos­sem o que eu queria, até encontrar uma mulher obsti­nada e determinada, que teve coragem de questionar tudo que eu fazia, dizia e pensava.

Jude notou que estava prendendo a respiração, enquanto estudava-lhe a expressão. Ele parecia es­tranhamente vulnerável. Ela nunca vira aquela ex­pressão. Quis estender a mão e tocá-lo, acariciar-lhe o rosto, mas também não queria que o feitiço acabasse.

— Quando deixei seu chalé, pensei que pudesse retornar para Londres, que minha vida voltaria a ser como era. Eu estava acostumado às mulheres transitó­rias. Claro, meu ego sofreu porque você me dispensou quando eu quis prolongar o que tivemos, mas disse a mim mesmo que seria o melhor. Mas não consigo tirá-la da cabeça.

— Não consegue? César meneou a cabeça.

— Isto é provavelmente porque... você sabe... se­xo... querendo a única coisa que pensou que não po­dia ter...

César cobriu a distância que os separava, até que es­tava sentado no sofá ao seu lado, causando a Jude uma sensação de pura alegria ao sentir o calor de seu corpo, que adorava. Ele era tão vibrante, tão agressivamente presente. Sem ele, ela era uma sombra, sem definição.

— Não é sexo — murmurou ele. — Na verdade, não tem nada a ver com sexo. Claro, quando penso em você, sinto-me excitado, mas também me sinto... incompleto. Creio que o que estou tentando dizer é que eu a amo! Não consigo pensar em você com outro ho­mem, e isso não tem nada a ver com querer proteger meu filho da influência de alguém. Tem a ver com algo muito mais primitivo. Acho que é chamado de ciúme.

— Você é ciumento! — Jude deu um sorriso bri­lhante e pegou-lhe uma das mãos, gostando do modo com que ele brincava com seus dedos.

— Acho que é um efeito colateral de estar apai­xonado.

— E eu o amo, também.

— Se você me ama, por que não faz de mim um homem honesto e casa-se comigo?

— Eu estava esperando, César, que você dissesse as palavras certas e agora você disse. Casarei com você quando quiser.

 

Eles se casaram seis semanas depois, numa cerimônia muito pequena, com apenas a família e amigos íntimos.

Nesta ocasião, Jude estava livre do repouso.

Assim como acontecera com Imogen, não houve lua de mel e, como Imogen, Jude não deu a mínima. Ela estava tão feliz que não se importaria se nunca deixasse o país. Estava satisfeita de estar onde César estava, mesmo que isso significasse ficar na pequena casa com ele, comendo refeições e cuidando do jar­dim, porque ele havia se mudado do seu apartamento. Ela não mais o via como o trabalhador frenético que conhecera, e até mesmo queria que eles se mudassem de Londres quando a hora certa chegasse. Para um ho­mem que tinha considerado Kent um lugar no meio do nada, aquilo era um grande passo.

Depois do restante de uma gravidez calma e rotineira, Olivia Caretti nasceu numa tarde ensolarada e parecia determinada a compensar todo o estresse que envolveu sua concepção, vindo ao mundo sem muito alarde.

Com cabelos escuros, era um bebê muito dócil, aceitando alegremente todos os mimos que recebia dos pais. Foi batizada diversas semanas depois. Imo­gen e Freddy foram os padrinhos, com instruções de nunca a levarem a um bar, incluindo o dele, que esta­va em franco desenvolvimento e com reputação de ser o melhor bar de jazz do país.

A vida não podia ser mais feliz.

E agora, com o inverno se aproximando, era fragante no ar a ansiedade por comprar a primeira árvore de Natal juntos.

— A primeira de muitas — dissera César na noi­te anterior, depois de terem feito amor apaixonado e ficarem deitados na cama, apenas conversando, en­quanto Olivia dormia no quarto ao lado. — E espero que você me dê logo uma boa razão para nos mudar­mos para uma cidade um pouco mais afastada, uma casa maior...

— Que tipo de razão? — Jude sabia exatamente de que ele estava falando, e, pelas últimas cinco horas, vinha esperando pelo momento especial de contar-lhe a novidade.

— Que tipo você acha, sra. Caretti?

— Engraçado você me dizer isso, porque poderemos ter uma boa razão em... oito meses e meio. Fiz um teste esta manhã, sr. Caretti, e parece que você é tão viril quanto costuma me dizer, afinal de contas...

 

                                                                                Cathy Williams  

 

                      

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