Criar uma Loja Virtual Grátis
Translate to English Translate to Spanish Translate to French Translate to German Translate to Italian Translate to Russian Translate to Chinese Translate to Japanese

  

 

Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


BONECA DE GELO / Angel Milan
BONECA DE GELO / Angel Milan

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

 

   

"Edwin, me possua. Agora!" Edwin começa a acariciá-la com movimentos ritmados, fazendo-a gemer de paixão.

Nesse instante, Julie, que sempre fora uma mulher capaz de manter os homens a distância, tem a certeza de que jamais poderá viver sem as carícias de Edwin, sem o seu amor.

Um trágico acidente, porém, insiste em separá-los. Talvez por pouco tempo ou, quem sabe, até nunca mais...

 

 

 

 

 

 

— Ei! Olhe para a frente!

— Você aí, cuidado!

Julie Kerris divertia-se em observar aquele homem bonito, que descia a suave montanha de gelo diante da escola de esqui. Com um esqui no pé e o outro no ar, os bastões debaixo do braço, o novato era uma ameaça para todos que circulavam pelas proximidades. Conscientes disso, os veteranos se apressa­vam em abrir caminho, à medida que ele passava, em direção à placa.

— Ponha o outro pé no chão — gritou Julie, elevando a voz acima dos gritos dos demais esquiadores que ladeavam o ho­mem, totalmente desequilibrado.

Mas, enquanto o iniciante tentava colocar o pé sem esqui no chão, acabou deslizando e caiu, há alguns passos de Julie. Bem humorado, ainda retribuiu o sorriso que a instrutora lhe dirigia.

— Desculpe-me pelo vexame, senhorita.

— Não se preocupe — consolou-o Julie, estendendo-lhe a mão para ajudá-lo a se levantar. — Isso é comum por aqui — acrescentou, apontando para a placa da escola.

Ao notar que o desconhecido recuperava o equilíbrio, ela o soltou. Mas após permanecer ereto por uma fração de segundos, o homem tornou a cambalear para a frente e, num impulso de solidariedade, Julie segurou-o pela cintura, enquanto ele se agar­rava ao seu ombro.

— Logo, logo eu pego o jeito desse negócio — afirmou ele, com toda a segurança. — Preciso apenas de alguns minutos.

Sentindo o hálito quente dele contra o próprio rosto, Julie estremeceu de leve e fitou-o. A expressão de malícia que havia naqueles olhos astutos, deixou-a embaraçada.

— Posso ajudá-lo com o esqui, senhor... Como se chama, mesmo?

Antes que ele respondesse, Julie tomou-lhe o esqui das mãos. Com uma olhada rápida constatou que o equipamento, embora fosse de excelente qualidade, era pouco apropriado para um principiante. Sacudiu a cabeça, num gesto de desaprovação, mas decidiu não falar nada a respeito.

— Meu nome é Edwin O'Neill.

— Prazer, Edwin...

Ajoelhando-se ao lado dele, Julie prendeu-lhe o esqui com os fechos de segurança em torno do tornozelo e levantou-se.

— Pronto, agora está firme.

Só então notou como ele era alto. Com um metro e setenta e cinco de altura, Julie estava acostumada a olhar de cima para os homens, e Edwin prometia ser uma exceção bastante agra­dável..

— Você me ajudou muito! Obrigado mais uma vez.

Apoiando-se nos bastões, Edwin olhou em torno de si, como se procurasse por alguém.

— Posso ajudá-lo em mais alguma coisa?

— Talvez... Estou procurando uma pessoa chamada Jules, um instrutor de esqui. Tenho uma aula marcada com ele.

— Para principiantes naturalmente? — provocou ela, irônica. Mas, de repente, se surpreendeu desejando que ele fosse um dos três alunos particulares que teria naquele dia, e arrepen­deu-se da provocação.

Sorrindo de modo divertido, Edwin, que fazia verdadeiros malabarismos para manter-se equilibrado, respondeu-lhe no mesmo tom jocoso.

— Acreditaria se eu dissesse que não?

— De modo algum — afirmou Julie, alegrando-se com a descoberta de que aquele homem, além de atraente, tinha senso de humor.

— Bem, então não tentarei enganá-la! Conhece Jules?

— É possível! Sabe descrevê-lo?

— Deixe-me ver... Disseram-me que era uma pessoa alta, loira...

Julie tirou o gorro que estava usando, e seus cabelos doura­dos lhe caíram até a cintura.

— Você disse loira?

Boquiaberto, Edwin olhou-a de cima a baixo, detendo-se nos cabelos sedosos que, apesar da falta de sol, brilhavam inten­samente.

— Ora, ora! Mas que sorte a minha! Nunca pensei que Jules...

— Não, não é Jules. Eu me chamo Julie — esclareceu, es­tendendo-lhe a mão.

Curiosamente, Edwin soltou o bastão para cumprimentá-la, mas nem por isso se desequilibrou. Seu aperto de mão foi firme e demorou um pouco além do necessário. Julie sentiu que cer­tamente gostaria de ser tocada por ele outra vez.

— Agora que já percebeu que serei um aluno difícil, continua disposta a me ensinar?

— Lógico! Para ser franca, acho que você se sairá muito bem.

— Tomara!

Enquanto tornava a prender os cabelos sob o gorro, Julie per­cebeu que ele a olhava com a testa franzida.

— Algo errado?

— Tenho certeza de que seu rosto não me é estranho. Você apareceu na televisão, não foi?

Julie era muito conhecida nas montanhas, e seu aparecimento no noticiário local aumentara bastante sua popularidade na re­gião de Denver. Entretanto, pouquíssimas pessoas de outras cidades a reconheciam, o que a fez admirar-se da boa memória de Edwin.

— Apareci numa reportagem sobre Keystone, mas como se lembrou disso?

— Não me admiro que este lugar seja tão popular... — comentou ele, num tom enigmático.

Dando de ombros, Julie consultou o relógio de pulso, anun­ciando: — É hora de começarmos a aula. Está pronto?

— Você só dá aulas para amadores?

— Nem sempre.

— Então trabalha também com profissionais?

— Exato... Porém, meus alunos prediletos são os defi­cientes.

— Sério?! Você dá aulas para deficientes?

— Claro! Afinal, por que todo esse espanto?

— Nada... é que temos algo em comum.

— Como assim?

— Já ouviu falar da Living Gifts?

— É um grupo de voluntários de Denver, não é? Ensinam crianças deficientes a cantar, pintar e coisas assim.

— Trata-se de uma organização espetacular! Aqueles garo­tos são o máximo, aprendem rápido e têm tanto talento! Eu os ensino a fazer tapeçaria.

"Tapeçaria! Estranho", pensou Julie. Afinal, aquele era um passatempo raramente executado por homens. Mas Edwin não parecia nem um pouco constrangido e era difícil encontrar al­guém com tanta coragem. Ela o fitou com crescente interesse.

— Que ótimo, Edwin! Entendo seu orgulho, pois também me entusiasmo com o progresso dos meus alunos.

— É bom encontrar uma pessoa com interesses semelhan­tes... A propósito, desconfio que sua experiência me será bas­tante útil hoje.

— Não me venha com essa! Você parece estar em ótima forma física e creio que não teremos qualquer problema, sr. O’Neill!

— Também acho que não, Julie. Mas, por favor, chame-me apenas de Edwin.

— Está bem, Edwin. Vamos começar? — convidou ela, pe­gando seus esquis e os bastões que deixara recostados à placa.

Após colocá-los, Julie saiu encosta abaixo, com a graça de uma bailarina, chamando Edwin, e dirigindo-se para Checkerboard Flats, uma área propícia para principiantes.

Julie passou duas horas dando instruções a Edwin, que assi­milava as lições com extrema facilidade e demonstrava muito jeito para o esporte. Aliás, jeito demais para um novato que usava esquis de veterano...

Mantendo-se na posição correta, ele aprendia de imediato tu­do o que ela lhe ensinava, tornando-se o melhor aluno que Julie já tivera.

Ao meio-dia, quando voltaram a Mountain House para almo­çar, Julie cumprimentou-o.

— Meus parabéns, você aprende rápido. Acho que ainda hoje à tarde conseguirá descer a Schoolmarm.

— Schoolmarm?

— É uma encosta de cinco quilômetros para principiantes. Você vai adorar.

— Sem dúvida, professora.

Guardando os esquis e os bastões no lugar apropriado, entra­ram na Mountain House e foram para o restaurante, luxuoso e bem decorado, que fazia parte das atrações de Keystone. Senta­ram-se junto à janela, de onde se vislumbrava o maravilhoso Monte Keystone. O dia estava bonito, com uns poucos flocos de neve caindo, e Edwin era uma boa companhia. Talvez até mais do que isso. Julie teve vontade de conhecê-lo melhor.

Enquanto esperavam a especialidade da casa, um chili bem temperado, tomaram chocolate quente, aproveitando para aque­cer as mãos no calor que emanava das canecas.

— Você é uma ótima professora, Julie. Gosta de lecionar?

— Adoro! Considero o esqui o melhor esporte do mundo! Oferece todas as vantagens dos outros e ainda por cima é di­vertido.

Edwin fitou-a com indisfarçável interesse.

— Seu entusiasmo a torna ainda mais bonita.

A nota de sinceridade que havia na voz dele a perturbou, fazendo-a enrubescer. Olhando pela janela, Julie respirou fundo e ficou observando os esquiadores experientes, que saíam de Last Hot numa velocidade fantástica.

Estava acostumada a receber elogios, mas a atenção de Edwin a deixara excitada. Havia gostado dele desde o primeiro instan­te, e sentia-se desapontada por ele não se comportar como se quisesse conhecê-la melhor.

Nesse instante, um rapaz passou ao lado da janela, deslizando sobre esquis curtos. Desequilibrou-se e caiu sentado no chão, levantando-se com um sorriso meio sem graça.

O acidente despertou a atenção de Edwin, que comentou com ar preocupado.

— Devem ocorrer muitos acidentes por aqui.

— É verdade. Por sorte, dispomos da melhor patrulha de salvamento do mundo. Eles fazem qualquer coisa, até massagem cardiopulmonar durante o transporte com maca de um ferido.

— Hum, parece inacreditável!

— Eu também achava, até presenciar o fato. É verdadeira­mente incrível.

— Hoje, enquanto eu estava na fila, ouvi uma conversa sobre um acidente inédito que ocorreu por aqui.

— Em alta velocidade, muita coisa fora do comum pode acontecer. — Observou Julie.

— Tem razão, mas esse tinha características bastante estra­nhas. Do jeito que essas botas de esqui são apertadas, não sei como uma coisa dessas pôde acontecer.

— Nossa! O que houve de tão grave?

— A vítima foi uma senhora que, não encontrando botas, aqui na loja de aluguel, que não a machucassem, resolveu ir até o centro de Keystone comprar um par que lhe calçasse bem. Na loja, pediu as botas mais caras, e o vendedor mostrou-lhe um modelo sugerido por outro cliente.

No mesmo instante, Julie visualizou a imagem de uma mulher bonita, de cabelos negros, olhos sedutores e língua venenosa, que distribuía insultos a torto e a direito. Por sorte, o prato de chili tinha acabado de chegar, e ela teve esperança de que a interrupção pusesse um fim àquele assunto.

— Pelo que sei, a tal senhora acabou comprando as botas e voltou às montanhas. Mas se deu mal, pois ao passar por uma depressão na neve, prendeu a ponta do esqui, e a bota saiu de seu pé. É de admirar!

Agora, Julie lembrava-se do acontecido, mas não pretendia comentá-lo com um estranho. Por que Edwin demonstrava tan­to interesse no assunto? Estaria assustado? Examinando-o con­cluiu que medo não devia ser o problema daquele homem.

— Para falar a verdade, acho que foi a primeira vez que isso aconteceu por aqui, pelo menos que eu saiba.

— Ah, então você se lembra do acidente Julie?

Apesar de irritada com a insistência de Edwin, ela concordou com um gesto de cabeça e começou a comer, torcendo para que ele desistisse do assunto.

— Hum, o chili está uma delícia, não acha? — perguntou, surpreendendo-se ao perceber que ele não havia tocado na co­mida. — Experimente. Você vai gostar.

Julie não gostava de contar casos desagradáveis sobre esquia­dores e esperava que, comendo, Edwin se distraísse e não insis­tisse naquela história.

— Você tem razão. Está ótimo! — elogiou ele, experimen­tando uma generosa colherada do creme. — Como pode ter acontecido uma coisa dessas com aquela mulher?

Aborrecida, Julie ficou em dúvida se devia lhe contar a ver­dade ou não. Começava a desconfiar das razões dele para investigar o caso, mas não conseguia obter uma explicação lógica para suas suspeitas. Por outro lado, também não via motivo para não revelar a verdade Então decidiu contar a história desde o começo.

— Aquela senhora entrou na loja que aluga equipamentos e simplesmente infernizou a vida de Roland, reclamando que não havia um par de botas que me servisse. Achava todas excessi­vamente apertadas. Roland então tentou explicar que as botas precisavam ser justas para manterem os pés e os tornozelos fir­mes, mas ela continuou a discutir, alegando que as achava in­cômodas.

— Por isso ela resolveu comprar um par de botas?

— Exato! Mas primeiro fez questão de insultar Roland. De­pois, eu a vi numa loja no centro de Keystone. Eu usava o capote de instrutora, e ela deve ter imaginado que era minha obrigação entender de trajes de esqui. Então, perguntou-me quais eram as botas mais caras.

— E você?

— Eu disse que eram as Tant Mieux... Talvez um dia eu possa comprar um par delas para mim.

— Tanto melhor.

— O quê?!

— Tant Mieux significa "tanto melhor", em francês.

— Você fala francês Edwin?

— Não.

— Então como...

— Esqueça. O que aconteceu depois disso? — continuou ele, curioso.

— Meu amigo Rick atendeu-a. Ele deve ter levado cerca de uma dúzia de pares para ela provar, tentando convencê-la a não comprar o que escolhera, pois tinha ficado muito grande. Se quer saber, continuava largo mesmo quando se abotoava o último furo. Como eu experimentava umas luvas, ouvi toda a discussão. Houve um momento em que Rick disse que não as venderia, pois não queria ser o responsável por ela quebrar o pescoço, mas de nada adiantou.

— Ela insistiu?

— Sim, dizia que aquele par era o único confortável e que não levaria outro de modo algum. Rick foi obrigado a ceder, pois o freguês sempre tem razão aqui em Keystone. Além do mais, não havia meios de dissuadi-la.

— Ele explicou como ela deveria usá-las?

— Claro! Afinal, esse é o trabalho dele... e Rick é ótimo. Não só conhece todo o equipamento de esqui, como é um exce­lente esquiador. Trabalha como voluntário na patrulha uma vez por semana, e desconfio que entenda mais do assunto do que eu que sou instrutora.

Dando a conversa por encerrada, Julie voltou a comer. Com uma olhada rápida no relógio, percebeu que já estava quase na hora de iniciar a aula da tarde e resolveu apressar-se.

— Você viu o acidente? — perguntou Edwin, assim que ter­minou de saborear o chili.

Com um suspiro resignado, ela lamentou não poder terminar seu chocolate quente com uma conversa mais agradável do que aquela. Mas Edwin era insistente, e Julie retomou a narrativa, esperando que, com o fim da história, acabasse também aquele estranho interesse.

— Ela subiu no teleférico numa cadeira em frente à minha. Estava indo para a pista Jaybird, e eu, em direção à Summit House para falar com um patrulheiro sobre uma cerca nova. A tal senhora levava consigo um menino e quando chegaram ao alto, ficou óbvio que ela não estava preparada para sair da cadeira. Não passou os bastões para a mão certa, desceu trope­çando e quase atingiu a cabeça do garoto. Percebi que ela era um perigo para os demais esquiadores e decidi acompanhá-la. Caso ela subisse no teleférico Montezuma, eu pretendia ir junto e ensinar-lhe como sair da cadeira.

— Chegou a fazer isso?

— Imagine! Nem deu tempo! Ela pegou muita velocidade e entrou no desvio para o teleférico Erickson. O resto da história você já ouviu esta manhã. Caiu a uns vinte metros à minha frente. A sorte foi que havia um telefone da patrulha, nas pro­ximidades, e Alice e Patrícia chegaram lá em menos de cinco minutos.

— Nossa! Isso é o que eu chamo de um atendimento rápido.

— Nosso atendimento tornou-se famoso no mundo inteiro — explicou Julie, com orgulho.

— O que você fez quando tudo aconteceu?

Aborrecida, Julie olhou para as pessoas que estavam à espera de uma mesa.

— O que acha de sairmos agora?

Antes de obter uma resposta, ela se levantou, pegou seu gor­ro, as luvas e óculos. Edwin fez o mesmo, e saíram, enquanto um casal corria para pegar a mesa que eles haviam desocupado.

— Em cima da hora! — brincou ele, enlaçando-a pela cin­tura.

Inexplicavelmente, Julie sentiu-se inquieta, incapaz de se con­centrar em algo que não fosse o toque daquelas mãos fortes, que pareciam irradiar calor através do seu grosso capote. A mão de Edwin apertou-a de modo possessivo, enquanto atravessavam o saguão lotado de gente, e a fragrância masculina de sua colônia de barbear deixou-a perturbada. Repentinamente, porém, ele a soltou.

— Agora vamos a Schoolmarm, professora? — perguntou, enquanto retirava os esquis e os bastões do suporte.

— Por que não? Se você acha que está pronto, eu não faço objeções. Quer alguma ajuda com os esquis?

— Creio que posso me arranjar sozinho, obrigado.

Ela observou-o calçar os esquis, impressionada com a quanti­dade de coisas que Edwin havia aprendido em apenas duas horas. Dessa vez sequer ele ameaçara cair.

No teleférico, subiram numa cadeirinha para duas pessoas e Edwin seguiu religiosamente todas as instruções de Julie. Para descer, segurou os bastões na mão que ficara do lado de fora, deslizou para a frente, mantendo as pontas dos esquis para cima e, com a outra mão, empurrou a cadeira para longe, sem esque­cer de manter-se inclinado para a frente.

— Meus parabéns, Edwin. Você aprende com muita faci­lidade.

— Também, pudera! Arranjei a melhor professora das mon­tanhas.

O elogio dele fez o coração de Julie disparar, deixando-a ner­vosa. Que coisa sem lógica, disse para si mesma enquanto seguia em frente, em direção a Modest Girl.

— Foi nessa pista que ocorreu o acidente? — perguntou ele, dobrando à esquerda e apontando para a placa que indicava a pista Jaybird.

— Exato — confirmou Julie, arrependendo-se por não ter tomado o teleférico para Packsaddle Bowl.

— Que tal irmos por aqui? — sugeriu ele, apontando para o leste.

— Como quiser. No entanto, tome cuidado e vá devagar, até adquirir prática.

— Está certo, professora.

Ao lado dele, Julie fazia recomendações e dava instruções de como aprimorar alguns movimentos. Atento, Edwin colocava em prática seus conselhos, mas, ao passarem pelo telefone da patrulha, ele parou.

— Foi aqui que a mulher caiu? — indagou, olhando ao redor.

— Foi...

— Engraçado! É uma região plana...

Sufocando a vontade de provocá-lo, perguntando se ele havia ido até ali para ouvir aquela história, ou esquiar, Julie con­cordou:

— Quase plana.

— Como assim?

— A mulher estava em alta velocidade.

— Mas, este não parece ser um lugar perigoso.

Decidida a acabar com aquilo de uma vez por todas, para poderem esquiar em paz, ela se dirigiu para a descida.

— Vou lhe mostrar uma coisa. Eu não irei longe e o espe­rarei, certo? Agora, preste bastante atenção.

Posicionando os esquis montanha abaixo, ela deu um pequeno impulso com a cintura e dobrou os joelhos. Depois de uns pou­cos metros, já estava voando. Então, virou à direita e fez uma parada abrupta e perfeita. Com um sinal, pediu a Edwin que também descesse. Ele levou alguns minutos para chegar ao lugar que ela atingira em segundos.

— Não precisa explicar mais nada. Acho que entendi o que aconteceu.

— Tanto melhor! Vamos para o teleférico Montezuma, agora?

— Mostre-me o caminho.

Do teleférico, os picos das montanhas cobertas de neve se erguiam acima da linha das árvores e algumas nuvens pairavam sobre o vale, a oeste. À medida que subiam, Julie e Edwin fi­cavam acima das nuvens e podiam ver o sol que brilhava in­tensamente.

— Deve ser maravilhoso trabalhar aqui — comentou ele, quando atingiram o topo.

— De fato. Eu não o trocaria por nenhum outro lugar do mundo.

No terminal da estação, diversas pessoas se dirigiam ao Sum­mit House, uma espécie de restaurante a 3.850 metros de alti­tude. Ali, quem estivesse cansado, poderia ficar algum tempo sentado, desfrutando de uma bebida quente e do calor da lareira.

Apontando na direção da pitoresca construção, Edwin esfre­gou as mãos uma contra a outra e sugeriu:

— Que tal entrarmos e nos aquecermos um pouco antes de começarmos a descida?

— Por mim, tudo bem.

— Então, vamos! Estou louco por uma caneca de vinho quente.

— Apoiado!

Em vez das mesas convencionais, o restaurante dispunha de confortáveis poltronas estofadas, dispostas em semicírculo em torno de uma ampla lareira de pedra. Este primeiro ambiente destinava-se apenas às pessoas que fossem tomar uma bebida e descansar um pouco. Mais adiante, separada por uma parede com abertura em arco, localizava-se a sala de jantar, decorada em estilo rústico.

Saboreando o delicioso vinho preparado com especiarias, Edwin acomodou-se numa poltrona, vizinha à de Julie.

— Como você reagiu quando aconteceu o acidente?

Depositando a caneca de barro num aparador próximo, Julie respirou fundo, procurando conter a irritação.

— Ainda não se contentou com os detalhes que lhe contei sobre esse acidente, Edwin?

— Sou curioso e gostaria de saber o resto.

— Certo, você venceu! Como falei, eu passava perto de um dos telefones da patrulha naquele instante. Então resolvi parar e liguei para Summit House pedindo ajuda. Depois fui socorrer a mulher. Assim que me reconheceu, ela começou a me acusar e insultar. Dizia que alguma coisa ou alguém encobrira as mar­cações da pista, o que a deixara nervosa e desorientada, incapaz de concentrar-se. De repente, ela começou a me culpar por tudo de mal que lhe acontecera na vida...

— Você se zangou?

— Em absoluto! Para começar, eu não a conhecia. Calculei que fosse uma pessoa infeliz e devia sentir muita dor no torno­zelo. Tentei confortá-la, avisando que o socorro estava a ca­minho e ajudei a patrulha a colocá-la na maca. Certifiquei-me de que seus esquis e suas botas iam juntos e foi só.

— Não voltou para verificar se as marcações da pista esta­vam realmente encobertas?

— Não. Por quê? — perguntou Julie com um gesto de im­paciência.

Como Edwin não retrucasse, ela se arrependeu por ter sido grosseira e explicou, rapidamente:

— Estava atrasada para uma aula. Por isso, desci rapida­mente a montanha e nem pensei outra vez no assunto. Mais tarde foi que fiquei sabendo que um dos patrulheiros tinha substituído uma das placas de marcação mais ou menos no mes­mo horário do acidente.

— E desde então você não teve mais notícias sobre o caso?

— Não... Por que me perguntou isso?

— Por nada — disse Edwin mudando bruscamente de as­sunto: — Aposto que você recebe muitos convites para sair, não é?

— É verdade — confirmou ela, sorrindo, contente por não estarem mais falando sobre aquele acidente.

— Não me admira. Você é uma mulher muito bonita... Costuma aceitar os convites?

— Ocasionalmente...

Com o coração acelerado, ela desejou que Edwin a convidas­se para sair. Porém, ele a surpreendeu.

— Gostei muito da minha aula de hoje. Percebi que você faz seu trabalho com amor, e isso é muito importante para a felicidade das pessoas.

Julie manteve-se em silêncio, desapontada com o rumo que a conversa tomava. Será que tinha feito algo que o aborrecera? Ou Edwin se sentia intimidado por ela esquiar bem e achara que Julie não se interessaria por um principiante? Não, isso não fazia sentido, uma vez que ele parecia ser um homem bastante autoconfiante. Talvez Edwin já tivesse uma namorada, ou, quem sabe até uma esposa...

— Ei, Julie, não acha importante a gente gostar do que faz? — insistiu ele, trazendo-a de volta à realidade.

— Claro! E você, gosta do seu trabalho?

— Às vezes...

Confusa, Julie sequer percebeu a hesitação que transparecia na voz dele. A maioria dos seus alunos acabavam por tentar cortejá-la, querendo um encontro. Velhos, jovens, principiantes, veteranos, solteiros, casados, ela recusava os convites de quase todos com muita diplomacia, mas aceitava de bom grado os elogios.

Entretanto, Edwin O’Neill era diferente, e a maneira como a elogiava chegava a ser engraçada, revelando uma certa timidez: Dizia considerá-la uma ótima professora, admirava-lhe a beleza, ouvia suas palavras e lhe agradecia pela paciência que tinha com seu mal jeito com os esquis. A rigor, a maioria dos homens que ela conhecia não teriam se submetido à sua aula depois do tombo que Edwin levara antes de conhecê-la.

Enquanto terminava de beber o vinho em silêncio, Julie apro­veitou para examinar o perfil de Edwin, que continuava com o olhar fixo no fogo da lareira. De físico bem constituído, cabelos castanhos penteados para trás, ele possuía o maxilar proeminen­te, o que dava ao seu rosto uma simetria que acentuava sua masculinidade. Inconscientemente, Julie desejou que ele a to­casse outra vez, mas logo afastou essa idéia da cabeça, per­guntando:

— Como é, vamos descer a encosta?

Sobressaltado, ele a fitou com ar preocupado, como se esti­vesse com os pensamentos distantes dali.

— Como? Desculpe, eu me distraí com o fogo... Eu estou pronto podemos ir embora.

Colocando a caneca sobre a mesa, Edwin levantou-se, com a expressão apreensiva.

Ao se aproximarem da porta, três garotas entraram, rindo e conversando, e Julie foi obrigada a recuar um passo para lhes dar passagem. Conseqüentemente, encostou-se em Edwin.

— Obrigado — brincou ele, dirigindo-se às garotas.

Elas se entreolharam e riram mais alto ainda. Julie voltou-se para trás e seus olhos encontraram os de Edwin que a fitavam fixamente.

— Desculpe — murmurou, encabulada.

— Não por isso — replicou ele, passando o braço em torno de sua cintura e apertando-a contra si.

Embora soubesse que devia continuar seu caminho, Julie não sentia a menor vontade de afastar-se de Edwin. Aquele homem a enfeitiçara, e o simples fato de estar com o corpo encostado ao dele a excitava.

— Acho que esta é a oportunidade pela qual eu estava es­perando — comentou ele, sem soltá-la. — Talvez ainda seja cedo, mas... Eu gostaria de vê-la novamente, Julie.

Atribuindo a hesitação dessas palavras à preocupação de não parecer um conquistador barato, ela ficou subitamente como­vida. Gostava de homens sensíveis que não se julgassem supe­riores, e Edwin, ao que tudo indicava, era exatamente assim.

— Posso? — insistiu ele.

— Eu gostaria muito, Edwin. Pensei que você nunca iria su­gerir um segundo encontro.

Pouco depois, desciam a encosta pela pista de principiantes.

Era um trajeto fácil e não demoraram a dobrar à direita, to­mando a pista Schoolmarm Oeste, ligeiramente mais íngreme. Apesar de notar que ele esquiava lentamente, Julie não saiu do seu lado e no meio do caminho sugeriu que parassem para des­cansar.

Sentaram-se a uma das mesas de piquenique que havia sob os pinheiros que margeavam a pista e começaram a conversar sobre amenidades.

— Como você agüenta esquiar o dia inteiro, Julie?

— O que você está aprendendo agora é a parte difícil do esqui: pontas dos pés para dentro, calcanhares para fora. Apesar de ser uma posição incômoda para o corpo humano, torna-se necessária a fim de manter a velocidade baixa enquanto se apren­de a controlar melhor o próprio corpo. Por sorte, você possui uma coordenação motora boa e em pouco tempo conseguirá es­quiar com os pés paralelos. Então, tudo ficará mais fácil.

— Você diz daquele modo? — perguntou ele, apontando para uma mulher que descia pela encosta.

Julie voltou-se, observando a graciosa moça a quem ele se referia. Seus esquis estavam perfeitamente paralelos, apontados para a frente, e ela deslizava com facilidade ao lado da mesa deles, demonstrando um perfeito controle corporal.

— Sim, exatamente assim.

— Parece complicado...

— Que nada!

Edwin sorriu, com ar de incerteza. No instante seguinte, po­rém, seu olhar voltou-se para o alto da encosta, atrás de Julie.

Sem compreender o que se passava, ela o viu esquiar com a maior desenvoltura, a fim de segurar uma senhora robusta, que se descontrolara e avançava em direção a eles, com a cabeça inclinada para a frente. Por sorte, Edwin conseguiu segurá-la e, fazendo uma meia-volta, parou, colocando-se à frente da desco­nhecida; que não cabia em si de assustada.

Julie, por sua vez, não saiu do lugar, chocada com o fato de seu aluno principiante transformar-se num esquiador experiente em questão de segundos. Incapaz de disfarçar a perplexidade, permaneceu sentada, com a boca aberta, durante alguns segun­dos. Só voltou a si quando percebeu que Edwin apontava para a parte mais alta da encosta, onde a esquiadora deixara cair seus bastões.

— Julie, poderia ir pegá-los? É um perigo para os outros esquiadores.

— Ah... ela... claro!

Ela se levantou com grande dificuldade e subiu a encosta para recuperar os bastões, antes que eles causassem um segundo aci­dente. Feito isso, retornou esquiando e parou ao lado de Edwin e da desconhecida.

— A senhora se sente bem? — perguntou, preocupada.

— Estou ótima, minha filha. Graças a este cavalheiro! — completou, sorrindo na direção de Edwin. — Acho que sou velha demais para aprender movimentos novos... Fui tentar dar uma virada christie e acabei perdendo meus bastões e um esqui.

Desolada, a mulher olhou para a presilha de segurança que continuava presa ao seu tornozelo e mostrou o esqui que lhe escapara do pé, acrescentando:

— Acredita que já pratico esqui há dez anos e nunca tive coragem de fazer essa virada? E quando tento, veja só o que acontece.

— Ora, isso não é problema! Tenho uma amiga que esquia há quinze anos e nunca arranjou coragem para fazê-la — Ju­lie consolou-a.

— Bem, então vou me conformar... Talvez eu e sua amiga sejamos do tipo que custa a aprender.

— Em compensação, há outros que aprendem rápido demais — comentou Julie, com fingida casualidade.

— Como assim, querida?

— Não, não é nada — disse, dando um tapinha amistoso nos ombros da mulher. — Posso lhe fazer uma sugestão?

— É lógico!

— Sempre que usar os bastões, mantenha-os presos aos pulsos através das presilhas de segurança. Assim, não os perderá quando cair.

— Não sei como me esqueci disso. Eu sempre... bem, qua­se sempre, ando com as presilhas abotoadas no pulso. Mas você tem toda razão. De hoje em diante, tomarei cuidado com isso.

— Sente-se em condições de prosseguir, ou prefere sentar-se um pouco e descansar?

— Obrigada, mas não me sinto cansada. E já estou atrasada para o almoço. Meu marido vai ficar preocupado, imaginando coisas terríveis.

Consultando o relógio, a senhora acrescentou, alarmada.

— Deus! Quase duas e meia! Apesar de John estar acostu­mado com os meus atrasos, preciso me apressar. Obrigada a vocês dois.

Sem esperar pela resposta, ela enfiou as mãos nas alças dos bastões, virou-se e deslizou colina abaixo.

Assim que ficaram a sós, Julie lançou um olhar de raiva na direção de Edwin e, em silêncio absoluto, retomou à mesa de piquenique. Edwin logo a alcançou, interceptando-lhe a pas­sagem.

— O senhor poderia me explicar o que pretendia com essa farsa?

— Eu não a culpo por se zangar.

—Zangada? Ah, não! Eu estou simplesmente furiosa! Irada! Indignada! Desperdicei um dia inteiro de trabalho e para quê?

— Calma! Eu posso explicar.

— Não quero ouvir nenhuma explicação. Provavelmente, vo­cê tornará a mentir como fez o dia inteiro.

— Não, juro que direi a verdade. Só a verdade... Eu sou advogado...

— O advogado daquela mulher?! — Julie interrompeu-o, cheia de raiva. — Como não pensei nisso antes?

— Deixe-me explicar melhor, Julie... Eu...

— Você não passa de um mentiroso, sr. O’Neill.

— Sinto muito, Julie. É verdade. Se eu soubesse...

— Se soubesse o quê? Que sou uma tola, uma ingênua?

— Julie...

— Faça o favor de me chamar de srta. Kerris, seu... seu mentiroso! Como ousa se infiltrar aqui, fingindo ser outra pes­soa? Pode ir andando, sr. O’Neill. Adeus!

Pegando os bastões, Julie desceu a encosta. Percebendo que ele a seguia, desviou para o lado e tomou o desvio para Ballhooter, onde poderia ganhar mais velocidade.

Em pouco tempo, estava fora do alcance dele e, chegando ao sopé da montanha, foi diretamente para o posto de primeiros socorros, na ala leste da Mountain House.

 

 

 

— Sr. Birmingham, não sei mais o que lhe dizer sobre esse maldito acidente. Já conversou com o dr. White?

— Sim... De acordo com ele, o tratamento do tornozelo quebrado de Shelly Sloan não passa de simples rotina, e tudo correu de acordo com as regras. A meu ver, ela foi a única culpada pelo acidente, mas como aparentemente as marcas es­tavam encobertas, talvez ela procure um advogado para ajudá-la. Segundo o médico, Shelly culpava você também e falou que iria processá-la. Resta saber qual será a acusação.

— Creio que o advogado se incumbirá de elaborar algo con­vincente — observou Julie, com raiva.

— Duvido que o processo seja contra você, querida, já que não tem dinheiro.

— E aquela megera precisa de dinheiro? Não hesitou em comprar as botas mais caras!

— A maioria desses processos são motivados por ganância, e não porque o queixoso precise de dinheiro. Shelly Sloan deve ser exatamente desse tipo de pessoa. Consultarei Frank Seagle a respeito...

Dito isso, o sr. Birmingham inclinou-se para a frente, pegan­do o telefone.

— Quer que eu saia? — perguntou Julie.

O chefe sacudiu negativamente a cabeça e fez um sinal com a mão para que ela esperasse. A conversa ao telefone foi rápida e objetiva, e ele logo desligou.

— Frank virá para cá esta noite e quer conversar com você. Pode jantar com ele, Julie?

— Sim, lógico.

— Ótimo! Ele a encontrará no Pub Ryan, em Dillon, às sete. Está bem assim?

— Perfeito... O senhor também irá?

— Infelizmente tenho outro compromisso. Mas fique tran­qüila que conversarei com Frank antes do encontro. No entanto, não lhe contarei qualquer detalhe sobre o acidente. Prefiro dei­xar isso por sua conta. Afinal, é a única testemunha ocular.

— Tem razão! Oh, nem imagina como me sinto nervosa e apreensiva com essa história absurda.

— Julie, quero que você saiba que aconteça o que acontecer, seu emprego estará sempre garantido. Não precisa se preocupar, entendeu?

— Muito obrigada, sr. Birmingham. Nunca me aconteceu algo semelhante antes. Essa mulher está sendo tão... tão vingativa. Não consigo compreender o motivo.

— Há muita gente descontente neste mundo, Julie. Acho difícil para alguém que é feliz entender o que se passa na cabeça de uma pessoa dessas. Por isso, nem pense em Shelly Sloan. Se quer um conselho, trate de relaxar e esperar que as coisas fiquem mais claras.

Nesse momento, o telefone tocou, e ele atendeu. Depois de ouvir por alguns instantes, franziu a testa, com expressão in­trigada.

— Isso está fora de questão, sra. Sloan — respondeu calma­mente. — Acho melhor a senhora mandar seu advogado entrar em contato conosco. Mande-o procurar Seagle, Ackerman e Rogers... Isso mesmo, é um escritório de advocacia. Passar bem. — Dito isto, o sr. Birmingham desligou o telefone e reclinou-se na cadeira, prendendo os polegares no cinto. — Você tinha razão quanto a ela ser vingativa, Juhe. Acaba de pedir que eu a demita, ameaçando-nos de um processo. Você ouviu a resposta que eu lhe dei.

— Obrigada pelo apoio, sr. Birmingham.

— Ora, você não teve qualquer participação no acidente. Nós ficaremos ao seu lado.

— Está bem! Hoje à noite então irei encontrar-me com o sr. Seagle.

— Conte conosco, Julie. Até amanhã.

O céu escuro e as nuvens muito baixas faziam a tarde parecer triste, o que combinava com o estado de espírito de Julie. Cami­nhando, ela tentava avaliar seus sentimentos em relação a tudo que lhe acontecera naquele dia.

Quando conversara com o dr. White, ficara tremendo de rai­va, indignada com as palavras do médico sobre a conduta de­saforada de Shelly Sloan.

Entretanto, o que mais a incomodava era a atitude de Edwin O’Neill. Já tinha ouvido diversas histórias a respeito dos truques usados por advogados e agora via que era tudo verdade. Por ocasião da morte de seus pais, Julie não tivera condições de avaliar o trabalho dos advogados que executaram o testamento. Além dos mais, muito pouco sobrara da herança, e ela, aos dez anos de idade, fora morar com a tia Hally, em Golden, no Co­lorado.

Contornando o lago Dillon e atravessando a cidade, Julie foi para a sua casa, localizada na encosta de uma montanha, em meio a um bosque de pinheiros. Tratava-se de uma construção simples, com dois quartos e sala, que fazia parte do condomínio Aspenwalk.

Felizmente, tia Hally havia aplicado os poucos milhares de dólares que havia sobrado depois que os executores pagaram todas as contas. Com esse dinheiro, Julie comprara a proprie­dade em Aspenwalk, um lugar bonito, protegido por álamos e pinheiros e completamente diferente dos outros empreendimen­tos imobiliários da região. Julie morava no piso térreo de um prédio de três andares, de onde se apreciava uma vista mara­vilhosa da floresta.

Entrando no edifício, foi examinar a samambaia que estava pendurada no hall, antes de abrir a porta de seu apartamento. Todo decorado em estilo rústico e aconchegante, ele possuía móveis em madeira natural. O sofá e as poltronas eram reves­tidos de branco, e por todos os cantos havia vasos repletos de plantas.

Pegando algumas achas de lenha de uma pilha no balcão, Julie acendeu a lareira. Em seguida, sentou-se no carpete peludo, desejando ficar em casa numa noite gelada como aquela. Por azar, seria obrigada a voltar a Dillon a fim de encontrar-se com um estranho e conversar sobre um assunto bastante desa­gradável. Mas tinha assumido o compromisso e agora não adian­tava se lamentar.

Resignada, colocou uma chaleira com água no fogo e foi to­mar um banho. Quando voltou para a cozinha a água já fervia, e ela preparou um chá, que foi tomar diante da lareira.

Edwin O’Neill realmente a perturbara naquela manhã. Desde o início, sua aparência sedutora tinha lhe chamado a atenção; depois o aparente esforço dele em aprender tudo que ela lhe ensinava, tornou-o ainda mais simpático. Para completar, havia seu trabalho junto às crianças deficientes... Tudo isso combi­nado a uma sensualidade máscula fez com que o coração dela disparasse por muitas vezes naquele dia.

E mesmo agora, depois que sua desonestidade fora revelada, Julie continuava com a sensação de que ele era um homem íntegro. Mas que coisa mais sem sentido!

Por que não conseguia parar de pensar nele? Como se deixara envolver desse modo? Sem encontrar resposta, ela sentiu seu coração bater acelerada. Esqueça esse homem, disse para si mes-ma, sem convicção.

Apesar de ser segunda-feira, o restaurante Pub Ryan estava-lotado. Aliás, durante a temporada de esqui, isso era uma cons-tante. A parte da frente do estabelecimento consistia em um bar, e, assim que entrou, Julie reparou num homem muito alto, de barba, que se destacava dos demais pela constituição forte. Antes que ela pudesse imaginar de quem se tratava, o estranho caminhou em sua direção, saudando-a com um aceno de mão.

— Julie Kerris! — disse ele, apertando-lhe vigorosamente a mão. — Bill Birmingham descreveu-a para mim, mas não fez justiça à sua beleza. Sou Frank Seagle. Vamos entrar, tenho uma mesa reservada para nós.

Fazendo um sinal para o garçom, ele guiou-a para uma mesa junto à janela.

— Então, você é Julie Kerris — comentou, assim que se sentaram. — Fiquei até com vontade de aprender a esquiar!    

— Que exagero!

— Espere um pouco. Acho que eu a conheço de algum lugar. — Colocando um dedo no queixo, olhou para cima e então perguntou: — Você apareceu numa série de reportagens sobre esqui, estou certo?

Julie ficou admirada. Duas pessoas, num só dia, lembravam-se de tê-la visto na televisão.

— O senhor me surpreende... As cinco reportagens demoraram dois minutos cada, e não sendo um esquiador... O que o fez interessar-se pela matéria?

Ele a examinou com indisfarçada admiração.

— Ainda pergunta? Desculpe, deixei-me levar pelo entusias­mo. O que vai beber, Julie?

— Acho que um pouco de vinho branco seria ótimo.

— Traga-nos uma garrafa de Riesling. O garçom assentiu com um gesto de cabeça e retirou-se.    

— O Riesling daqui é especial. Acho que você gostará.

— Tenho certeza que sim.

Descontraído, Frank Seagle parecia o tipo de pessoa que está sempre de bem com a vida. Sorria com facilidade e fazia ques­tão de mostrar-se cordial e atencioso.

— Conte-me algo a seu respeito, Julie.

— Não há muito o que contar — começou ela.

Mas antes que se desse conta, já havia lhe contado mais da metade da história de sua vida. Nesse meio tempo, o garçom já tinha lhe servido o vinho, e ao concluir, Julie olhou para seu copo, admirando-se ao vê-lo novamente vazio.

— Continue — pediu Frank, servindo-lhe outra dose.

— Aos dezesseis anos, comecei a pegar carona para as di­versas regiões de esqui. Eu ia para onde o motorista fosse. Não me importava o lugar, desde que houvesse neve e eu pudesse esquiar.

— Sua tia não ficava preocupada com você? Uma garota tão bonita, sozinha na estrada, pegando carona com estranhos... Aposto que deve ter passado uns maus bocados, não foi?

— Por incrível que pareça, não. Acho que os esquiadores são, em geral, boa gente. Nunca entrei num carro que não esti­vesse realmente indo para as pistas de esqui. Talvez eu tenha tido muita sorte, não sei.

— Você dá a impressão de ser uma pessoa muito auto-sufi­ciente, Julie.

— De fato. Adoro o que faço, e isso ajuda muito. Hoje foi a primeira vez que algo de desagradável me aconteceu no tra­balho.

Nesse instante, o garçom aproximou-se de novo, inclinando-se.

— Já escolheram?

Frank olhou para o relógio.

— São oito horas! Você deve estar com fome! Que tal um frango ao curry?

Em poucos minutos, o garçom estava de volta trazendo um prato de salada, pão caseiro em fatias e outros petiscos, que os dois devoraram, famintos. As luzes do lado de fora do restau­rante iluminavam os flocos de neve que caíam, fazendo-os pa­recer jóias contra o veludo negro do céu.

— Por que você nunca se interessou por esqui, Frank. Afi­nal, nasceu em Denver, não foi?

— Meu hobby absorve todo meu tempo... Mas agora me arrependo.

— Qual é o seu hobby?

— Prometa que não vai rir.

— Prometo.

— Levantamento de peso. Ou melhor, modelagem física. Há uma diferença entre os dois.

— Eu sei.

— Sabe?

— Sim... Eu também pratico levantamento de peso. Trans­formei meu segundo quarto num pequeno ginásio de esportes. Nada demais, apenas um banco, uma barra e alguns pesos, mas é o suficiente para mim. E você, treina em casa ou freqüenta uma academia com todos aqueles equipamentos modernos?

— Eu receio ter exagerado, pois não preciso sair de casa para utilizar-me destes equipamentos. Você deve achar isso absurdo, não?

— É invejável. Acredito que as pessoas devam sempre satis­fazer suas vontades. O mundo seria bem melhor assim.

— Eu nunca havia pensado nisso, mas concordo com você. No entanto, você há de convir que há algumas exceções. Já no­tou como certas pessoas gostam de ser infelizes?

— Acho que Shelly Sloan é uma delas.

Mais uma vez, o garçom interrompeu-a, aproximando-se com a segunda garrafa de vinho e o jantar. Ao final da refeição, Frank perguntou:

— Sobremesa?

— Eu não conseguiria comer mais nada — Julie respondeu, reclinando-se na cadeira.

— Nem eu. Aposto como você não gosta muito de doce.

— Não, não gosto.

— E por falar em doce, por que não me conta o que acon­teceu com Shelly Sloan?

Com voz pausada, Julie começou a contar a história que nar­rara para Edwin naquela manhã.

À medida que falava, observou que as reações e as perguntas de Frank eram semelhantes às de Edwin. No final, ela desa­bafou:

— Não agüento mais falar nesse assunto.

— Se o caso for para o tribunal, você terá de passar por tudo isso novamente.

Julie deu um suspiro profundo.

— Eu não havia pensado nisso, mas você tem razão. Eu tinha esperanças de que esta fosse a última vez...

— Não a culpo. Tanto o acidente quanto o ocorrido de hoje à tarde foram muito desagradáveis.

— Frank, acidentes ocorrem constantemente nas pistas de esqui. Na realidade, não é o acidente de Shelly Sloan que me aborrece, e sim, a maneira pela qual o advogado dela me en­ganou. Não estou acostumada e não gosto de tratar com gente assim.

— Ora, não seja tão dura com ele, Julie. Ele tinha uma ta­refa a cumprir e calculou que essa seria a melhor maneira de fazê-la. Ele não tinha certeza de que você cooperaria. Por outro lado, se você soubesse das intenções dele, também não lhe teria contado nada, não é?

Ela concordou com um gesto de cabeça. — Você é um homem muito bom, Frank. Aposto que não tem inimigos.

— Tenho alguns, sim. Provavelmente mais do que sei. Na minha profissão, quando um cliente ganha, o outro lado vai à falência.

— Bem, estou contente por tê-lo ao meu lado. Você é o tipo do advogado que eu gostaria que me representasse caso eu pre­cisasse de um.

— E como amigo? Acha que eu também sirvo para ser seu amigo?

— Mas é claro! — Julie respondeu rapidamente, porém, per­cebendo que havia um segundo sentido naquela pergunta, acres­centou: — Você deve ser um amigo maravilhoso.

— Sr. Seagle, telefone para o senhor. — Informou o garçom, aproximando-se. — Poderia me seguir, por favor?

— Voltarei já, Julie. Se quiser mais alguma coisa, basta pe­dir. Com licença.

Por um momento, Julie ficou olhando para a neve que caía do lado de fora da janela. Tivera um dia muito agitado e ainda não aceitara a maneira estúpida como se deixara ludibriar por Edwin.

Agora, para encerrar seu dia com chave de ouro, surgira Frank Seagle. Seria ele também alguém diferente do que apa­rentava? Estaria sendo sincero no esforço de estreitar os laços de amizade com ela, ou queria apenas certificar-se de que ela ficaria do lado da empresa?

— Será que a senhora ficará bem acomodada aqui, senhor? — Julie ouviu alguém dizendo.

— Sim, obrigado. Irei buscá-la agora.

Através do reflexo da vidraça, ela viu que havia um homem atrás dela, de costas, todo vestido de branco e virou-se, tocando em sua manga.

— Por favor, poderia me trazer um café? — pediu.

— Como?

Quando ele se virou, Julie viu-se frente a frente com Edwin O’Neill. Seu coração bateu descompassadamente, de uma manei­ra como só lhe acontecera uma vez na vida, durante uma das ocasiões em que pedira carona.

Reconhecendo-a de imediato Edwin puxou uma cadeira e sentou-se ao seu lado.

— Julie! — exclamou, demonstrando prazer em revê-la e uma certa expectativa no olhar.

Num impulso, Julie afastou sua cadeira e fez menção de le­vantar-se, mas ele a segurou com firmeza, impedindo-a de sair.

— Julie, preciso falar com você. Quero lhe explicar...

— Este problema é seu, sr. O’Neill. Não tenho intenção de ouvir nada que possa me dizer.

— Sei o que você deve estar pensando a meu respeito, Ju­lie, mas...

— Você não deve saber o que eu penso de você, senão per­ceberia com clareza que nunca mais quero vê-lo.

Insistente, ele puxou a cadeira mais para perto de Julie, como se aquilo ajudasse a convencê-la. Ao fazê-lo, seu joelho encos­tou na coxa dela e ele segurou-lhe as mãos, fitando-a com in­tensidade.

— Você precisa me ouvir. Depois de amanhã estarei de volta e irei encontrá-la em Mountain House, após sua última aula.

— Eu nem penso em encontrá-lo, sr. O’Neill.

Dito isso, tentou puxar a mão que Edwin mantinha presa, mas ele aumentou a pressão de seus dedos, não permitindo que ela escapasse. Mesmo zangada, Julie achava excitante aquele contato quase agressivo.

— Julie, você tem de ir... Estarei esperando por você.

Ela o fitou com seriedade. Era difícil admitir para si mesma, mas não odiava Edwin e provavelmente nunca chegaria a odiá-lo. Será que ele notara que sua resistência enfraquecera?

Julie olhou para as suas mãos, entrelaçadas com as dele, e recordou o desejo que sentira quando, com o corpo encostado ao dela, Edwin pedira para vê-la de novo. Estremeceu só de lembrar o quanto ficara feliz com o convite.

Agora, ele acariciava sua mão, percorrendo dedo por dedo, minando sua resistência. Por mais que quisesse continuar zanga­da, ela não conseguia.

— Nunca mais quero vê-lo — disse quase num sussurro, sa­bendo que transmitia a mensagem sem sinceridade.

Amor e ódio, dois sentimentos tão próximos, misturavam-se em seu coração, deixando-a confusa.

— Eu a verei na quarta-feira, Julie.

Dando o encontro por confirmado, ele lhe apertou a mão e levantou-se, dirigindo-se ao garçom que o levara até lá.

Sem coragem de acompanhá-lo com o olhar, Julie deixou-se ficar imóvel, contemplando a paisagem lá fora, os pensamentos confusos. De repente, percebeu que alguém falava com ela.

— Julie?

— O quê?

— Eu disse, desculpe-me por ter demorado tanto.

— Ah, sim! Está tudo bem, Frank.

— Você parecia tão longe quando cheguei.

— Oh, bobagem...

— Espero não tê-la aborrecido.

— Não... nem se preocupe.

— Sente-se bem, Julie?

— Estou ótima. Desculpe-me, Frank, eu estava distante.

— A tempestade de neve está piorando. Acho melhor levá-la para casa agora.

— Não, obrigada. Não há necessidade. Estou acostumada a dirigir com este tempo. Não se preocupe.

— Eu me sentiria bem mais tranqüilo se você concordasse.

— Frank, não há necessidade...

Empalidecendo, Julie viu que Edwin vinha na direção de sua mesa, tendo à frente, Sliclly Sloan, de muletas. Diante do olhar apavorado de Julie, Frank voltou-se para ver o que estava acon­tecendo.

— Ora, vejam só, se não é o lobo irlandês. Rondando a flo­resta, sr. O’Neill?

A voz de Frank estava carregada de animosidade, o que sur­preendeu Julie.

— Boa noite, sr. Seagle, srta. Kerris.

Sem se dar ao trabalho de apresentar Shelly, Edwin rumou direto para sua mesa, localizada bem ao lado.

Em seguida, ajudou Shelly a se sentar e providenciou uma cadeira onde ela pudesse apoiar o pé engessado. Feito isso, aco­modou-se também, ficando de frente para Julie.

Pouco depois, Shelly perguntava, num tom sibilante:

— Quem é aquele homem?

— Nesta jurisdição, o sr. Frank Seagle.

— E em outros lugares?

— Prefiro não dizer, para não ser processado por difamação.

— Somos rivais há algum tempo, Julie — explicou Frank, baixinho. E em voz alta, acrescentou: — Quer dizer que vamos nos defrontar novamente, Edwin?

— Apesar da sua megalomania.

— Mania de grandeza, é? — comentou Shelly, com um riso sarcástico.

Aborrecida, Julie começou a se inquietar. Frank e Edwin pareciam inimigos ferozes, e ela não queria dar continuidade àquele clima venenoso que se formava.

— Vamos embora, Frank? — pediu em voz baixa.

— Não agüenta a parada, meu bem? — provocou Shelly, lançando-lhe um olhar triunfante.

Só então, a mulher percebeu que Edwin mantinha os olhos fixos na figura de Julie. Com as feições contraídas pela raiva, examinou a instrutora de esqui, fazendo uma careta desdenhosa.

— Eu o vejo em casa — disse Julie para Frank, levantando-se e retirando o casaco do encosto da cadeira.

— Sim, claro. Eu irei atrás de você.

Mais tarde, parados ao lado do carro dela, Julie tentava expli­car seu subterfúgio, mas Frank parecia não entender.

— Quer dizer que, no final das contas, você vai para casa sozinha, a uma hora dessas e com um tempo assim?

Ela confirmou com um gesto de cabeça.

— Então por que você...

— É difícil de explicar... Eu não queria continuar com aquela conversa. Não sei o que você tem contra ele ou o que ele tem contra você, e nem quero saber. Será que isso tem sentido para você?

— Nas atuais circunstâncias, não. Esperava que você tivesse mais confiança na minha capacidade de combate. Afinal, esta­mos do mesmo lado...

— Eu...

— Tive a impressão de que você quis deixar Edwin O’Neill com ciúmes.

— Isso é um absurdo!

— Será mesmo?

 

Enquanto dirigia de volta para casa, Julie se perguntava de onde Frank tirara aquela idéia absurda. Francamente! Era ne­cessário muito pouca imaginação para supor que ela pretendia provocar ciúmes em Edwin.

Embora não costumasse avaliar a razão de seus atos, a insi­nuação do advogado a desconcertara, obrigando-a a se questio­nar a respeito das próprias intenções.

Será que ela realmente quisera separar os dois homens para evitar uma situação desagradável? Não, pois nesse caso poderia simplesmente ter pedido licença e saído. Tampouco chegara a desejar que, de fato, Frank a acompanhasse até em casa... Então, só lhe restava uma explicação. Mas Julie sacudiu a cabe­ça, tentando ignorar a verdade que surgia cristalina à sua frente.

Entretanto, seus esforços caíram no vazio, e ela teve de reco­nhecer que, por mais que a desagradasse, usara Frank para dei­xar Edwin enciumado.

Julie deitou-se imaginando o que a teria levado a usar aquele subterfúgio. O que sentia por Edwin realmente? Bem, fosse o que fosse, precisava procurar Frank e desculpar-se por ter agido com tanta infantilidade.

Em seus sonhos, tentava falar com Frank, mas, toda vez que o encontrava, ele se transformava em Edwin, e o coração dela disparava.

Os cabelos grisalhos nas têmporas davam a Edwin um ar de distinção, onde se destacavam um sorriso cativante e os olhos de um azul intenso. No sonho, ele pegava na mão dela... Nesse minuto, Julie acordou, ansiosa.

Isso aconteceu mais de duas vezes. Na terceira, porém, ela não acordou. Então, ele a puxou para junto de si, sem encontrar resistência...

Na metade do beijo, Julie acordou, assustada com a cam­painha do telefone.

Ao atender, reconheceu a voz de tia Hally, que sempre telefo­nava às terças-feiras pela manhã, a fim de aproveitar o dia de folga da sobrinha.

— Querida, o veterinário telefonou, pedindo que você fosse buscar Nastar. Ele sobreviveu à limpeza dos dentes e está com saudades da dona.

— Que ótimo! Aquele gato sapeca deve estar colocando a clínica em polvorosa! Irei para aí assim que tomar um banho, titia.

— Então conversaremos mais tarde, quando você chegar aqui. Tchau, querida.

Como sempre, Julie fez seus exercícios matinais: um pouco de ioga, bicicleta e levantamento de peso. No entanto, não con­seguia esquecer a imagem de Edwin, o que acabou atrapalhando sua concentração. Estava deitada no banco, segurando uma barra de peso, quando o telefone voltou a tocar. Dessa vez era Frank, convidando-a para almoçar a fim de discutir alguns aspec­tos do caso de Shelly Sloan.

— Terei que ir a Golden, pegar meu gato no veterinário.

— Então nos encontraremos em Golden, está bem?

Ela deu a ele o endereço da loja de sua tia, desligou o tele­fone e terminou os exercícios às pressas, ensaiando as desculpas que pediria a Frank.

Apesar de pequena, a loja de tia Hally era muito movimen­tada e ficava na rua principal de Golden, um subúrbio de Denver. A boa senhora, corria de um lado para outro a fim de atender sua clientela, numerosa e antiga, acostumada a encon­trar ali tudo em matéria de presentes.

— Quer voltar a trabalhar aqui, Julie? — brincou ela, ao ver a sobrinha arrumar uma prateleira repleta de bonecas de por­celana.

— Não me tente — respondeu Julie, que acabara de lhe contar a embrulhada em que se metera. — Venha almoçar comigo, titia. Assim conhecerá Frank Seagle. Ele é muito sim­pático.

— Eu já o conheço, minha filha. E você tem razão quanto a ele ser simpático. Gostaria muito de vê-los juntos, num rela­cionamento mais profundo, o que é bastante possível, não acha?

— Nem tanto...

— Há outro homem?

— Não é bem isso.

— Então o que é?

A sineta presa à porta da frente tocou, anunciando a chegada de um cliente. Uma interrupção providencial, pensou Julie, que não sentia a menor disposição para discutir seus sentimentos com a tia.

No entanto, qual não foi sua surpresa ao notar que o "cliente" era na verdade Frank? Alegre, o advogado enlaçou a sra. Hally num abraço apertado e iniciou uma conversa animada, denun­ciando a antiga amizade que havia entre os dois.

Durante o almoço, Julie ficou sabendo que a mãe de Frank fora amiga de tia Hally, no tempo em que ambas trabalhavam juntas no Hospital dos Veteranos, em Denver. Quando pequeno, Frank acreditara que Hally fosse mesmo sua tia.

— Julie você tem alguma idéia do motivo pelo qual Shelly Sloan nutre esse sentimento de vingança contra a empresa Key­stone e por você em particular?

Antes que ela respondesse, Frank contou-lhe sobre um tele­fonema que recebera naquela manhã. Tratava-se de Shelly Sloan comunicando que, mesmo contra a vontade de seu advogado, iria abrir um processo contra Keystone, pedindo a destituição de Julie do cargo de instrutora.

— Que absurdo! Por que será que ela agiu desse modo, Frank?

— Não sei... Talvez por ciúme.

— Impossível, eu nem a conheço! Do que ela poderia ter ciúme?

— Tem razão! Apesar do jeito que as coisas estão, achar que há ciúme entre duas pessoas que não se conhecem é exagero. Só levantei essa hipótese para tentar descobrir algum tipo de ressentimento que pudéssemos esclarecer e eliminar com uma boa conversa. O ciúme, às vezes, provoca comportamentos bas­tante estranhos.

Lembrando-se do episódio da véspera, Juhe desviou o olhar, declarando:

— Sobre ontem à noite, Frank, queria me desculpar pelo modo como agi. Eu não tinha o direito de me aproveitar da situação daquela maneira...

Observando o brilho zombeteiro que aparecia no olhar do advogado, ela se calou, arrependida por ter tocado nesse assun­to numa hora tão pouco apropriada.

— Está se confessando, Julie?

— Confessando o quê?

— Que você realmente queria deixar Edwin O’Neill enciu­mado, quando me convidou para ir à sua casa.

Confusa, Julie permaneceu em silêncio. Será que devia contar a descoberta que fizera em relação a seus próprios sentimentos?

Repudiando essa idéia, procurou encontrar uma maneira de se safar da curiosidade de Frank.

— Talvez eu apenas quisesse me livrar de uma situação desa­gradável... Nunca sei o que fazer nessas horas e fui meio pre­cipitada... — disse, num tom evasivo.

— Então, você não tem certeza de seus sentimentos?

— Shelly Sloan também estava me deixando nervosa.

— Mesmo?

— Bom, pelo menos, eu não teria agüentado os desaforos dela durante muito tempo...

— Por que não confia em mim, Julie?

— Não quero mais falar sobre isso...

— Tem medo de que eu a censure?

— É provável.

— Nesse caso, não se preocupe. Acho que.cada pessoa é dona das suas emoções, e ninguém tem o direito de criticá-las. O que você sente a respeito de Edwin ou de qualquer outra pessoa é assunto seu. Trata-se do seu modo de ser, que não deve ser discutido, nem censurado.

— Obrigada, Frank. Continuo acreditando que é melhor que alguns sentimentos permaneçam ocultos.

Desviando o olhar para a janela, ela admirou a neve que reco­bria as ruas, refletindo a luz tímida do sol. Embora se caracteri­zasse por ser uma pessoa bastante direta e objetiva, Julie não se sentia à vontade para fazer confidencias a Frank. Sabia que isso era um erro, sobretudo agora que ambos se viam jogados no mesmo lado da trincheira e precisavam de muita confiança mútua para vencerem os ardis de Shelly Sloan.

— Eu gostaria que fôssemos amigos, Frank.

— Mas é claro! Também aceito suas desculpas, embora as considere desnecessárias.

Apesar dessas palavras, Julie notou que o advogado ficara um pouco decepcionado com sua relutância em aprofundar o assunto. Por sorte, ele soube se controlar e não voltou a tocar no nome de Edwin durante o resto da refeição, que transcorreu tranqüila e agradável.

— O que pretende fazer agora? — perguntou Frank, depois de pagar a conta do restaurante.

— Vou apanhar Nastar no veterinário. Depois, irei me despe­dir de titia.

— Então, darei uma carona para você.

— Oh, obrigada. Não precisa se incomodar.

— Ah, mas eu faço questão — brincou ele, pousando a mão de leve em seus ombros e conduzindo-a até o estacionamento.

Na quarta-feira à tarde, Edwin apareceu como havia prome­tido. Muito elegante num terno escuro, gravata de seda e sobre­tudo de lã acinzentada, ele a obrigou a parar no saguão do Mountain House, em meio a uma multidão de esquiadores.

— Como se atreveu a me procurar, sr. O’Neill? — pergun­tou Julie, indignada. — Já deixei bem claro que não queria revê-lo em hipótese alguma, não foi?

— Eu disse que viria aqui e sou um homem de palavra, Julie, caso ainda não saiba.

— Não quero saber nada a seu respeito, sr. O’Neill. Aliás, o pouco que sei não me agrada nem um pouco. Portanto, me dê licença, que tenho mais o que fazer.

— Acha que precisa de seu advogado?

— Se um dia chegarmos a conversar novamente, sem dúvida, será com Frank a meu lado.

— Por quê? Não é um assunto de ordem legal que quero discutir com você...

Julie esforçava-se para não se deixar levar pela persuasão de Edwin.

— Não temos mais nada a discutir.

— Ah, temos sim.

Ele deu um passo na direção dela e enlaçou-a pela cintura, acrescentando:

— Há certas coisas acontecendo entre nós sobre as quais pre­cisamos conversar. Você sabe disso, não é, Julie?

— Não!

— Mentira — afirmou ele, puxando-a para mais perto. — Eu sei que se sente atraída por mim.

— Não há nada acontecendo entre nós.

Olhando ao redor, Julie percebeu que havia mais gente observando-os e sugeriu, apreensiva:

— Vamos sair daqui?

— É o que eu mais gostaria de fazer.

Sem soltá-la, Edwin conduziu-a através da multidão até a rua, |onde tinha deixado o carro estacionado.

Confusa, Julie seguiu-o sem protestar, incapaz de raciocinar com clareza sobre as emoções que a assaltavam.

Chegando ao carro, decidiu que era o momento adequado para acabar com aquele relacionamento. Pelo menos, o lugar era bem mais discreto do que o saguão do Mountain House.

— Aonde vamos, Julie?

— Aqui está ótimo para mim.

— Não, vamos ao Hotel Keystone.

— Não! — gritou ela, ciente de que lá seria pior do que na Mountain House, já que todos a conheciam e teceriam comentá­rios maliciosos se a vissem entrar no quarto dele no hotel. — Aqui mesmo está bom.

— Não estou suficientemente agasalhado — argumentou Edwin, tremendo de frio.

— Eu poderia... Poderíamos nos encontrar de tarde...

— Agora! Quero falar com você agora

— É impossível, sr. O’Neill. Tive um dia exaustivo e adoraria ir para casa, nadar um pouco e descansar.

— Isso me parece uma maneira bastante agradável de terminar um dia. Também tive um dia agitado e trouxe um calção na bagagem.

— Só que eu não o convidei...

— E daí? Não me importo...

— De se intrometer?

Antes que ele pudesse retrucar, Julie continuou:

— Não tem importância. Vamos acabar logo com isso. Deixa­rei para nadar mais tarde.

— Nem pense nisso. Adorei a idéia de fazer um pouco de exercício. Nado sempre que posso...

— Ah, é? É principiante nisso também?

Indiferente àquelas palavras agressivas, ele tomou a chave do carro da mão dela e abriu a porta, dizendo:

— Seguirei você no meu carro.

— Será um prazer! — disse uma voz atrás deles. Ambos voltaram-se e depararam com um rostinho rosado e sorridente. Era Betty, uma instrutora de esqui a quem Julie pro­metera uma carona.

— Esqueceu-se de mim, não foi? Mas vejo que teve razões para isso — brincou Betty, sorrindo e dando uma piscada para Edwin.

Engolindo em seco, Julie tentou disfarçar seu desagrado e deu um sorriso amarelo na direção da amiga.

— Betty, este é Edwin O’Neill. Betty Bateman também é ins­trutora aqui em Keystone.

— Prazer em conhecê-lo, sr. O’Neill.

— O prazer é todo meu, Betty.

— Posso pegar uma carona até a quadra de tênis? — pergun­tou a moça, voltando-se para Juhe.

— É claro, querida. Desculpe-me por ter esquecido.

— Imagine! Eu compreendo... — disse ela, lançando um olhar insinuante para Edwin.

— Que lugar lindo, Julie. Você deve adorar morar aqui — comentou Edwin, olhando ao redor.

— Tem razão!

Embora procurasse aparentar naturalidade, Julie arrependera-se por tê-lo convidado para entrar em sua casa e, inquieta, anda­va de um lado para o outro da sala bem decorada.

— Que gato lindo — murmurou Edwin, ajoelhando-se e aca­riciando o animal. — Como se chama?

— Nastar — respondeu Julie, secamente.

— Tem o nome da corrida de esqui. Hum, bastante apro­priado.

O gato, que dificilmente fazia amigos e costumava ficar dis­tante quando havia estranhos na casa, pareceu simpatizar com Edwin e não saía do seu lado um único instante. Julie, irritada, não dissimulou seu desagrado.

— Quer parar de tentar me agradar, conquistando meu gato? Provavelmente você detesta animais.

— Pelo contrário — retrucou Edwin, levantando-se. — Também tenho um gato e colaboro com a Associação Protetora dos Animais. Quanto a conquistar Nastar, se você preferir, sentirei um imenso prazer em trocá-lo por sua companhia.

— Diante das circunstâncias, acho que não seria uma boa idéia.

— E quais são as circunstâncias?

E Edwin avançou alguns passos, aproximando-se dela.

— Em primeiro lugar, não acha que nossos interesses estão em conflito, uma vez que você cuida do processo que Shelly Sloan move contra a empresa para a qual trabalho?

— Não creio que isso seja um empecilho...

— Como não?

— Ora, minha vida particular independe do meu trabalho.

— E sua vida particular independe de mim também? No co­meço, acreditei que podíamos ter construído uma boa... ami­zade, mas quando descobri sua farsa, ficou claro que qualquer relacionamento com você seria inviável. Você também deve ter chegado a essa conclusão, se é que estava sendo sincero consigo mesmo.

Os braços dele enlaçaram-na pela cintura.

— Concordo que naquele momento também achei que não havia esperanças para nós.

Esforçando-se para manter o autocontrole, Julie empurrou-o para longe de si.

— Então seja coerente, sr. O’Neill.

— Calma! Essa foi uma impressão passageira. Na realidade, nada é impossível. Sempre tive essa filosofia e nunca me dei mal. Pelo contrário, muitos dos meus sucessos, só provam a veracidade dessa idéia.

— E, por acaso, quer me transformar em mais um de seus sucessos? Saiba que não permitirei que me use, sr. O’Neill!

— Nem eu quero usá-la.

— Não? Então o que está tentando provar? Sua capacidade de persuasão? Seu charme irresistível?

— Pare com essas agressões, Julie. Eu quero apenas começar tudo de novo.

— Impossível.

— Não repita isso.

Quando Julie deu por si, ele a beijava com paixão e era corres­pondido. Tentou apelar para o bom senso e libertar-se, mas o contato com o corpo másculo era tão estonteante que a deixou imobilizada.

Sem encontrar resistência, Edwin foi aprofundando as carícias, trazendo-a cada vez mais de encontro a si, enquanto suas mãos lhe percorriam o corpo de maneira possessiva.

— Vamos começar tudo de novo, Julie — pediu ele com os lábios muito próximos dos dela. — Tudo ficará bem de agora em diante.

— Não vejo como...

Involuntariamente seu corpo estremeceu quando os lábios de Edwin começaram a acariciar sua orelha.

— Mas eu vejo.

Com movimentos insinuantes, Edwin percorreu-lhe as costas de alto a baixo, fazendo-a estremecer de prazer.

— Tem que ser desse jeito — sussurrou ele, com uma nota de desejo na voz. — Abrace-me, Julie.

Sem pensar no futuro, Julie ergueu os braços e enfiou as mãos por debaixo da camisa dele, sentindo a firmeza e o calor daque­les músculos viris.

Ao contato daquela pele quente, uma onda de desejo apossou-se dela, obrigando-a a tomar consciência de que também dese­java começar tudo de novo.

Por sorte... ou por azar, os miados de Nastar, que reclamava seu jantar, interromperam aqueles instantes de completa intimi­dade.

Desconcertada com sua reação apaixonada, Julie tentou afas­tar-se de Edwin.

— Não fuja, querida — pediu ele, apertando-a num abraço.

— Eu... eu costumo dar de comer para Nastar quando chego. Ele deve estar com fome.

Por coincidência o gato soltou outro miado, e Edwin afastou-se, contrariado.

— Seu gato chato — brincou, fazendo uma careta para o bichano.

Minutos depois, ao voltar para a sala, Julie encontrou Edwin confortavelmente instalado numa das poltronas.

— Desculpe a demora.

— Não foi nada! Já deu de comer para aquele inconveniente?

— Sim...

— Ótimo! Agora que tal me emprestar uma toalha?

— Ora, não tínhamos combinado de ir nadar.

— Bem... Não sei se seria apropriado. Afinal, já lhe disse tudo o que queria lhe dizer,

— Acho que você me revelou mais do que suas palavras...

Vamos esperar para ouvir o veredicto depois que tivermos na­dado.

— Ora, ora... Infelizmente, o júri já chegou a uma conclu­são — brincou Julie.

— Se não decidiram a meu favor, pedirei a revogação do processo. — E com um sorriso, ele completou: — Se você qui­ser, repetirei meu sumário mais tarde.

— Está bem — concordou Julie. — Vou abrir uma exceção.

Quando Julie chegou à piscina, encontrou Edwin já dentro da água. Através das paredes de vidro do salão, podia-se ver a neve em contraste com as plantas tropicais que se desenvolviam no ambiente quente e úmido.

Quando a viu entrar na água, ele nadou em sua direção e enlaçou-a pela cintura. A princípio, ela ficara encabulada, mas agora que as mãos dele percorriam as curvas de seu corpo, a timidez desaparecera, dando lugar à ansiedade e forçando-a a reconhecer seu próprio desejo de abraçá-lo.

— É bom saber que você não sente mais medo de mim.

Em seguida, Edwin pressionou seu corpo contra a beirada da piscina, provocando-lhe um arrepio de excitação.

Apertando-a nos quadris, ele a fez tomar consciência de seu desejo e começou a beijar-lhe os ombros, soltando com os dentes as alças do biquíni.

Assim que o minúsculo sutiã escorregou, deixando os seios de Julie expostos, Edwin gemeu de prazer. Inclinando de leve a cabeça, mordiscou os mamilos rosados.

— Não — protestou Julie, sem a menor convicção.

— Psiu! Não fale.

— Nós... nós estamos num lugar público — argumentou ela, tentando recuperar a razão.

— Você abriu a porta com uma chave e trancou-a depois que entramos. Portanto, estamos a sós.

— Provavelmente não durante muito tempo.

— Você sempre fica sozinha aqui, quando chega do tra­balho?

— É que os instrutores de esqui saem antes dos outros fun­cionários, e eu sou a única instrutora que mora aqui. Até o administrador chegar, fico sozinha na piscina...

Os olhos de Edwin queimavam de desejo e Juhe rapidamente levantou a parte de cima do biquíni.

— Nós viemos aqui para nadar, não foi? — perguntou num tom descontraído.

— Minha cabeça já está nadando — retrucou Edwin, mali­cioso.

— Isso não vale.

Com um leve empurrão que o pegou desprevenido, ela se libertou e saiu nadando para o meio da piscina.

— Ah, então é assim? Prefere nadar a me beijar, não é?

— Acho que não era só beijar que você queria, sr. O’Neill.

— Nem você, srta. Kerris. Não adianta negar.

Suas palavras foram seguidas de um mergulho e, antes que Julie pudesse recuar, ele a agarrou pelo tornozelo. Com um leve puxão, tomou-a nos braços e pôs-se a jogá-la para o alto, dei­xando-a cair dentro d'água, como uma criança.

Quando finalmente recuperou o equilíbrio e ficou de pé, Julie não o avistou em parte alguma da piscina. Preparava-se para mergulhar em seu encalço, mas foi impedida por duas mãos másculas que se insinuaram sobre suas coxas, desamarrando os cordões que prendiam a parte inferior de seu biquíni.

Levantando-se, Edwin abraçou-a pelas costas e retirou tam­bém o pequeno sutiã colorido, tomando seus seios entre as mãos.

— Você é a mulher mais linda que eu já conheci — murmu­rou ele, mordiscando-lhe o lóbulo da orelha.

Julie sorriu e olhou para trás, esperando encontrar um sorriso como resposta, mas Edwin estava sério, com os olhos carregados de desejo.

Num impulso, ela resolveu fugir dele, dando um mergulho. Porém, quando dobrou o corpo para a frente, seu quadril encos­tou em Edwin que apertou-a ainda com mais força.

Julie sentiu seu corpo estremecer num momento de êxtase e, por alguns segundos, esqueceu-se de onde se encontrava.

Ainda ia demorar muito para que Randy fosse abrir o clube, e ela era a única que possuía a cópia da chave. Além disso, a sensação de estar sozinha naquele "lugar público" a excitava.

Com suavidade, Edwin a deitou sobre a água, fazendo-a boiar, enquanto segurava-a com uma das mãos, e beijava-a com fervor.

Enlaçando-o pelo pescoço, Julie segurou-o de modo possessi­vo como se temesse que ele fugisse. Estava adorando aqueles momentos de privacidade e queria que eles se estendessem por horas.

— Onde você arranjou esta cicatriz? — perguntou ele, pas­sando os lábios pelo queixo dela.

— Um aluno desajeitado com o bastão.

— Quero saber tudo a seu respeito.

— É uma história muito comprida.

— Então falaremos nisso mais tarde — sussurrou ele, enter­rando a boca entre os seios firmes.

Enroscando os dedos nos cabelos de Edwin, Julie puxou-o para mais perto, experimentando um prazer imenso com o con­tato daquele corpo musculoso.

Aos poucos, ele a encostou na beirada da piscina, beijando-a sem parar.

Julie deixou que suas mãos percorressem o tórax peludo, des­cendo até a barriga e parando na beirada do calção.

— Não pare — pediu Edwin.

Mas percebendo que Julie hesitava, ele insistiu:

— Não pare, querida.

Vencendo a timidez, as mãos de Julie recomeçaram a descida, e ele gemeu de prazer diante do toque suave.

— Nós devíamos sair — murmurou ela.

— Agora não dá.

A voz de Edwin estava trêmula, mas suas mãos percorriam com segurança as coxas bem torneadas de Julie, detendo-se entre elas.

Impedindo-a de resistir, ele ergueu-lhe as pernas, encaixando-as nos próprios quadris e começou a penetrá-la lentamente, com movimentos sensuais e ondulantes.

Julie esforçou-se para protestar, mordendo os lábios para não gritar de prazer.

— Você tem que parar, Edwin. Oh, por favor, não podemos fazer isso.

— O que você acha que devíamos fazer agora?

— Nada.

— É tarde demais. Ajude-me, Julie.

Antes que ela pudesse responder, ele a beijou, fazendo aflorar todo o desejo que estava contido em seu subconsciente.

Naquele momento, a coisa que Julie mais queria no mundo era que Edwin a possuísse. E demonstrou isso suspendendo o corpo e explorando ao máximo aqueles instantes de loucura.

Sozinhos, no grande salão silencioso, envoltos pela água mor­na, eles compartilharam do maior prazer que já haviam experi­mentado na vida.

 

Jamais Julie vivera uma experiência tão extasiante. E era obrigada a admitir que não fora Edwin quem tomara a iniciativa sozinho. Na verdade, os dois tinham se entregado àqueles mo­mentos de loucura.

Ainda agora ela se sentia atordoada, com a impressão de que os limites de seu mundo resumiam-se aos braços fortes daquele homem que abraçava seu corpo trêmulo. As emoções que a inva­diam iam de um extremo ao outro, deixando-a confusa.

— Nem sei o que dizer, Edwin...

— Não precisa falar nada, querida.

— Acho que preciso me desculpar.

— Por favor, não. Eu detestaria que você se sentisse culpada por ter feito amor comigo.

— Eu nunca...

— Eu sei. Não pense que isso foi um erro. Nós dois que­ríamos.

Ele segurou-lhe o rosto delicado entre as mãos e buscou seu olhar, como se quisesse uma confirmação do que acabara de dizer.

— Você tem razão, nenhum de nós errou — afirmou ela, sua­vemente.

Com um sorriso terno, ele tornou a abraçá-la e trouxe-a para junto de si, num gesto cheio de carinho.

— Pela primeira vez, senti algo que só existia na minha ima­ginação... Uma emoção tão forte, tão poderosa, que me fez acreditar que não podia ser de forma diferente, Julie.

De fato, a alegria que eles haviam compartilhado naqueles poucos instantes parecia um presente dos céus.

— Vamos nos vestir — sugeriu Julie, aproximando-se da beirada da piscina.

— Você é quem manda.

— Até um minuto atrás, você estava mandando bastante — provocou ela, maliciosa.

— E você não? Venha aqui...

Sem se fazer de rogada, ela voltou para os braços de Edwin, retribuindo os beijos. A língua dele abriu seus lábios, e uma onda de desejo a invadiu. Enquanto ainda tinha forças para reagir, Julie o empurrou, sorrindo.

— Ah, não! Agora precisamos sair. O pessoal logo vai chegar.

— E para onde vamos? Para seu apartamento?

— Acertou...

— Hum, será melhor ainda.

Com grandes braçadas, ela atravessou a água. Preparava-se para sair quando Edwin a alcançou, enlaçando-a pela cintura.

Nesse momento, a porta se abriu, dando passagem a duas moças que cumprimentaram Julie com um gesto. Retribuindo, ela se desvencilhou de Edwin e, apoiando as mãos na borda da piscina, suspendeu o corpo e pulou para fora da piscina.

Voltando-se para Edwin, viu seu olhar cheio de admiração e ajudou-o também a sair da água.

— Você tem três minutos para se trocar, Julie.

— Quatro — retrucou ela.

— Combinado.

Entretanto, três minutos foram o suficiente para ela. Ansiosa, pensava na noite que passaria com Edwin, namorando diante da lareira...

Quando ele saiu do vestiário, novamente de terno e sobretudo, parecia realmente um advogado conservador, não combinando em nada com o ambiente.

De braços dados, os dois foram para a rua, onde a neve conti­nuava a cair, um pouco mais forte agora.

— Tome cuidado — recomendou Julie. — Seus sapatos não são apropriados para as montanhas.

— Não se preocupe, eu...

No mesmo instante, o pé direito dele escorregou, batendo na bota de Julie. Ela o segurou pela mão, ajudando-o a se equilibrar.

— Ai, acho que também preciso de aulas para andar! — comentou Edwin, rindo.

— Do mesmo modo que precisava de aulas para esquiar? Como ele não respondesse, Julie levantou a gola do sobretudo dele, brincando:

— Nossa, que expressão mais séria! Até parece que estamos num tribunal.

— Infelizmente, acho que é lá que nós iremos acabar — mur­murou ele, sem esconder o quanto aquele assunto o desagradava.

Incapaz de compreender ao que ele se referia, Julie encarou-o com um ar interrogativo.

— Como assim, Edwin?

— Shelly Sloan é uma mulher determinada e quer fazer as coisas da maneira dela.

— Sim, e daí?

— Daí que poderá prejudicá-la muito...

Desconcertada, ela se manteve em silêncio por alguns instan­tes. Não sentia a menor vontade de conversar sobre Shelly, mas não conseguia afastar da memória as palavras do sr. Birminghan, após desligar o telefone, quando a mulher exigira que ela fosse despedida.

— Acredita que sua cliente conseguirá me vencer durante um processo, Edwin?

— Prefiro não falar sobre isso.

— Tudo bem, mas foi você que começou.

— Tem razão! No entanto, não quero continuar.

— Informação confidencial?

— Sim, falta de ética profissional.

Em poucos minutos, eles entraram no apartamento, mergulha­do em silêncio. Repentinamente encabulado, Edwin encostou-se na porta fechada, como se estivesse indeciso entre ficar ou ir embora.

Voltando-se para ele, Julie tirou a jaqueta e jogou-a sobre o sofá.

— Acenderei o fogo... Dê-me seu calção para que eu o pendure no... Edwin?

Como ele não se movesse, ela ficou impaciente.

— O que aconteceu, Edwin?

Com uma expressão preocupada, ele sacudiu a cabeça, sem nada dizer.

— Olhe, eu não quis me intrometer nos seus assuntos...

— Eu sei...

Sem sair do lugar, ele lhe entregou a toalha que havia tomado emprestada e acrescentou:

— Julie, os processos contra as estações de esqui estão se tornando muito comuns hoje em dia...

— Eu sei. Inclusive li um artigo a respeito há menos de um mês.

— Sabe também que Shelly pode recorrer a um tribunal?

— Graças à atual atitude judicial, ao tratamento dispensado pela imprensa a esses assuntos, e...

Pálida, ela parou bruscamente, pois ia acrescentar: "e advo­gados que se especializam em extorsão".

— Eu... eu não consigo entender a implicância dela comigo. Dando de ombros num gesto vago, ele tornou a erguer a gola do agasalho, preparando-se para sair. Depois de tudo que havia acontecido entre eles, Julie não conseguia acreditar que a noite iria terminar daquela forma tão desagradável e começou a ima­ginar se ele não fora até ali a fim de tentar arrancar dela mais alguma informação.

Examinando cuidadosamente as feições dele, perguntou num tom desconfiado:

— Por que você veio aqui esta noite, Edwin?

— Julie...

— Esqueça... Nem quero ouvir a resposta. Só me explique por que você deixou que eu descobrisse a verdade naquele pri­meiro dia? — Parou por um segundo, e continuou: — Descon­fio que foi intencional.

— Intencional?

— Exato! É verdade que eu estava de costas para a mulher em perigo, mas bastava um segundo para que você chamasse minha atenção e eu a ajudasse.

Com as feições contraídas, Edwin deu meia-volta e, pousando a mão sobre a maçaneta, lançou um último olhar na direção de Julie.

— Eu preciso ir embora.

Irritada, ela cruzou os braços diante do peito.

— É só isso que você tem para me dizer?

— Sinto muito.

Sob o olhar atônito de Julie, ele saiu, fechando a porta atrás de si.

Logo, o choque inicial de Julie foi substituído por uma raiva incontrolável. Furiosa, ela abriu a porta, examinou o hall vazio e tornou a fechá-la, batendo-a com toda a força.

Isso, porém, não foi suficiente para que ela descarregasse sua raiva. Caminhando até o sofá, começou a atirar as almofadas para todos os lados, acabando por atingir sua planta predileta. Quando as delicadas folhas se espalharam pelo chão, Julie parou, arrependida por ter-se permitido esse rasgo de violência.

As lágrimas rolaram insistentemente de seus olhos, enquanto ela se ajoelhava para limpar a terra que se espalhara do vaso partido.

Pressentindo a tristeza da dona, o gato aproximou-se, roçando-se nela e ronronando baixinho.

— Que confusão, heim, Nastar? Não sei como pude fazer uma coisa dessas. E tudo isso por quê? Droga!

Acabando de juntar os cacos, jogou tudo na lareira e sentou-se no carpete, encostando a cabeça no assento do sofá.

— Bem, talvez eu nunca descubra o que o preocupava, mas tenho a impressão de que Edwin não consegue separar sua vida profissional da particular.

Falando consigo mesma em voz alta, Julie tentava colocar as idéias no lugar.

— Ai, como fui tola, eu devia ter ficado com a boca fechada em vez de meter o nariz onde não era chamada.

Sacudindo a cabeça, ela deu um tapinha de leve nas pernas, chamando o gato para que se aconchegasse.

— Mesmo assim, não entendo a razão de Edwin ter permi­tido que nossa noite acabasse tão mal... Duvido que ele quisesse apenas arrancar mais informações sobre o acidente. Que sujeito estranho! Sair dessa maneira depois de tudo o que acon­teceu na piscina era, no mínimo, esquisito...

Para alegria dos esquiadores, a tempestade de neve que havia começando na quarta-feira continuou por vários dias, deixando as pistas no ponto ideal para a prática do esporte.

Os dias passavam, e o telefonema de Edwin, que Julie espe­rava com ansiedade, não acontecia. Seu trabalho praticamente duplicara, pois dois dos professores haviam saído de licença. Desse modo, além de cuidar de suas próprias turmas, Julie fora obrigada a dar aulas para todas as classes de principiantes, o que a deixara exausta.

Na semana seguinte, ela torceu para que o "Espírito da Neve" parasse com suas dádivas abundantes e a presenteasse com um céu azul e ensolarado. Na quinta-feira seus desejos foram reali­zados.

Animada com a mudança do clima, trabalhou exaustivamente até o meio-dia, quando resolveu então ir almoçar em Mountain House.

Assim que entrou no saguão lotado, percebeu que havia alguma confusão no escritório da gerência e se dirigiu para lá. Nesse instante, a porta do escritório se abriu, e Shelly Sloan saiu furiosa, passando por Julie sem se deter.

Muito pálido, Bill Birmingham, parado no limiar da porta, fez um sinal, encorajando Julie a se aproximar.

— O que aconteceu? — perguntou ela, sentando-se diante da mesa do chefe.

— Essa mulher veio se queixar de que está havendo alguma coisa entre você e o advogado dela. Acusou-a de cumplicidade na tentativa de debilitar seu caso e mais algumas coisas que pre­firo nem mencionar. Tem alguma idéia do que ela está falando, Julie?

Embora se sentisse nervosa, ela respirou fundo, respondendo em voz calma:

— Acho que sei ao que ela se refere, sr. Birmingham. Na semana passada, Edwin veio até aqui para me ver e conversar...

— Não precisa continuar, Julie. Já entendi o que ela quis insinuar.

Num gesto nervoso, ele passou a mão na cabeça, fechou os olhos por um instante e suspirou, acrescentando:

— Está bem...

— Sr. Birmingham, por que a sra. Sloan não se fez repre­sentar pelo advogado? Não seria um procedimento mais normal do que tratar das coisas sozinha?

— Não sei o que se passa, Julie — respondeu ele, dando de ombros. — Talvez ela não tenha mais advogado.

— Quer dizer que ela despediu Edwin O’Neill?

— Na verdade, não sei o que aconteceu, nem faço questão de descobrir. Afinal, Frank Seagle possui muita experiência e está tratando das coisas para nós. No fim, creio que tudo sairá bem.

— Que os anjos digam amém...

— Sem dúvida, dirão. Agora, tire essas bobagens da cabeça e trate de almoçar — atalhou o velho, com voz paternal.

Embora se esforçasse para seguir o conselho do chefe, ela mal tocou na comida e passou o resto da tarde amaldiçoando as intrigas de Shelly.

Ao final do expediente, Julie correu para o vestiário, ansiosa para chegar logo em casa e passar uma noite tranqüila junto à lareira. Estava ocupada em desamarrar as botas, quando ouviu uma voz feminina, vinda do boxe vizinho.

— Você acha que eles vão despedi-la?

— Não duvido nada — respondeu outra voz. — Você nem acreditaria no que aconteceu.

Curiosa, Julie levantou-se para ver quem estava falando e perguntar sobre quem elas comentavam. Nesse instante, ouviu passos vindo em sua direção e virou-se.

Sandy, uma outra instrutora, parecia assustada, e tentava sor­rir, embaraçada.

— Julie! Hum... lindo dia hoje, não?

Percebendo que a vítima da língua afiada de Sandy e Helen tinha sido ela mesma, Julie não disfarçou o desagrado.

— Sim... foi.

— Bem, tenha uma boa noite — disse Sandy, sem graça.

— Você também.

"Eu não mereço isso", pensou Julie, enquanto acabava de trocar de roupa. "Trabalhei muito para chegar a supervisora dos instrutores de esqui. Além disso, sou a única mulher a ocupar esse cargo em todo o Colorado e não pretendo perdê-lo agora!"

Reanimada por esses pensamentos, foi até o estacionamen­to, repetindo para si mesma que não permitiria que a tal Shelly Sloan ou quem quer que fosse estragasse aquilo que ela levara anos para construir.

No entanto, sua alegria durou pouco, e o sorriso desapareceu-lhe dos lábios, quando colocou pela quarta vez a chave no conta­to do carro, para tentar fazê-lo pegar.

— Precisa de ajuda? — ofereceu-se um senhor de cabelos grisalhos, que estava estacionando ao lado dela.

— Acho que não, obrigada.

Apesar de sua recusa, o desconhecido avançou alguns metros, parando no meio-fio. Em seguida, saiu do automóvel e aproxi­mou-se, preocupado.

— Tem idéia do que aconteceu, senhorita?

— Em absoluto! — disse ela, saltando do carro. — A bate­ria está boa, é nova.

— Que estranho! Talvez o motor esteja afogado...

— Será? Mandei regulá-lo há poucas semanas.

— Se quiser, tentaremos empurrá-lo ladeira abaixo.

— Oh, muito obrigado.

Em poucos minutos, Julie estava a caminho da oficina que sempre consertava seu carro.

Sem dúvida, aquela fora a pior semana de sua vida. O mau tempo, a ameaça de processo e, acima de tudo, a rejeição de Edwin, tudo contribuía para deixá-la de péssimo humor.

Por azar, envolvera-se emocionalmente com Edwin, pratica­mente desde o primeiro momento em que o vira. Impressionada por sua gentileza e simpatia, entregara-se por inteiro, sem avaliar o quanto poderia vir a sofrer. E até agora, não conseguia enten­der o que havia acontecido naqueles poucos minutos, para que o relacionamento deles tivesse mudado tão abruptamente.

Sabia que existiam pessoas capazes de sentir uma forte atra­ção por outras durante um curto espaço de tempo, ficando com­pletamente desencantadas diante da revelação de uma pequena falta qualquer. Mas sempre acreditara que essas pessoas fossem superficiais e egoístas. Por isso, recusava-se a encaixar Edwin nessa descrição.

Embora fosse uma mulher adulta e bastante experiente no amor, Julie não conseguia encarar com naturalidade o misterioso desaparecimento de Edwin naquela noite. O que o teria levado a tomar uma atitude tão estranha?

— Quer dizer que você ficou presa aqui sem carro? E Jack disse quando ficaria pronto? — perguntou a sra. Hally, depois do susto inicial de ver a sobrinha em sua casa.

— Jack acha que o problema é no sistema elétrico e garantiu que arranjaria as peças até amanhã. Também mandou lembran­ças, titia, e disse que faz muito tempo que não a vê.

— Graças a Deus! — exclamou a senhora, fazendo figas com os dedos. — O que o sr. Birmingham falou quando soube das novidades?

— Ele prefere que eu volte a trabalhar amanhã, mas com­preenderá se eu não puder ir. Inclusive ofereceu-se para telefonar a Frank Seagle, pedindo-lhe que me dê uma carona, quando for a Keystone.

— Por falar nisso, como vão as coisas entre você e Frank?

— Do mesmo jeito que antes.

— Nada?

— Nadinha... nadinha — confirmou Julie, meneando a ca­beça.

— Que vergonha! E eu que pensei que você fosse uma moça esperta — brincou a simpática senhora, com fingida desolação.

— Pelo amor de Deus, tia Hally...

— Calma, menina! Estou só brincando. Eu sei que a '"quími­ca" tem que estar certa. Se não está, não há santo que resolva!

Admirando os picos nevados através da janela, Julie pensava que mesmo que a química estivesse certa, seu caso com Edwin dependeria de muitas outras coisas! Continuou a contemplar a paisagem, enquanto a tia ia atender o telefone na cozinha.

— Era o sr. Birmingham — anunciou a sra. Hally, pouco depois. — Ele disse que Randy vai dar comida para seu gato e Frank passará aqui para apanhá-la amanhã, às seis e meia. Bem, o que faremos para o jantar?

— Jantar?

— Claro, querida. Eu, pelo menos, estou faminta!

— Deixe-me tomar um banho primeiro, titia. Talvez eu me anime com comida depois que estiver limpa, certo?

— Tudo bem, querida. Fique à vontade.

E Julie realmente se sentia à vontade naquela casa, onde con­servava o quarto que ocupara nos tempos de criança, com algu­mas roupas e objetos de uso pessoal para ocasiões como aquela.

De acordo com suas previsões, o banho deixou-a reanimada e abriu-lhe o apetite. Quando acabou de se vestir e já prendia os cabelos num coque, ouviu a voz da tia.

— Telefone para você, Julie.

— Quem é?

— Não perguntei, querida, mas tem uma voz agradável.

— Já vou...

Descendo os degraus de dois em dois, Julie pegou o fone, com a respiração ofegante.

— Pois não...

— Alô — disse uma voz do outro lado da linha.

— Edwin?! O que aconteceu? Como descobriu meu telefone?

— Fui até sua casa, e Randy me contou as novidades.

— Ah, entendo... E por que você resolveu me procurar?

— Precisamos conversar. Tenho um assunto urgente para dis­cutir com você.

— Por acaso, pretende me explicar sua reação na semana passada?

— Claro! Garanto que explicarei tudo.

— Por que não fala pelo telefone mesmo?

— Ora, Julie, essas coisas não se tratam por telefone. Vou passar aí dentro de meia hora.

— Meia hora? Certo, estarei pronta.

Sem esperar a resposta, ela desligou o telefone com as mãos trêmulas.

— Pelo que eu percebi, você arranjou um convite para jantar — comentou a sra. Hally, sorrindo.

— Ele não falou nada sobre o jantar.

— Ele quem? Qual é o nome do rapaz?

— Oh, desculpe. Meu pensamento estava longe. Ele se chama Edwin O’Neill e não é nenhum rapaz.

— Eu o conheço?

— Creio que não.

— Bom, acho melhor você se apressar, senão vai perder a hora.

Localizado em Cherry Creek, um bairro de elite em Denver, o apartamento de Edwin era de cobertura e ficava num edifício de doze andares, perto do Denver Country Club. Muito amplo, dispunha de uma mobília cara, sofisticada e, ao mesmo tempo, convidativa e confortável. Em contraste com a elegância suave da decoração, as paredes estavam cobertas de tapeçaria, feitas pelos alunos deficientes de Edwin, o que demonstrava, além de suas habilidades, o amor que sentiam pelo professor.

Apesar de sua relutância inicial, Julie agora se sentia contente por ter ido até lá. Afinal, o lugar reforçava todas as suas im­pressões acerca das qualidades de Edwin.

Atencioso, ele a levou para conhecer todos os trabalhos de seus alunos. Desse modo, acabaram chegando à sala de jantar, de onde se descortinava uma maravilhosa vista da cidade. Mas a atenção de Julie foi desviada pela obra de tapeçaria mais bo­nita que ela já vira na vida.

Tratava-se de um retrato feito em diversos tons de azul e de cinza, representando uma mulher exuberante. Alta, envolta em nuvens de um céu noturno, trazia os braços estendidos para a frente e as mãos juntas, com as palmas voltadas para baixo, deixando cair delicadas formas, semelhantes a cristalinos flocos de neve.

— Edwin, que coisa linda! Foi você que fez?

— Foi a primeira coisa que fiz, depois de muito tempo sem pegar nas agulhas. — Sorrindo, ele acrescentou: — Eu estava inspirado.

— Você costuma usar modelos para esse tipo de trabalho?

— Nem sempre.

Julie apontou para os longos cabelos loiros da figura, toman­do cuidado para não tocar no delicado trabalho.

— Ela é escandinava?

— Você é?

— Minha mãe era norueguesa, e...

De repente, Julie parou de falar, entendendo que Edwin aca­bara de insinuar que ela própria fora a modelo.

— Edwin... Eu...

Em silêncio, ele a fitava com tanta intensidade, que ela não precisou concluir a pergunta.

Sem saber o que dizer, Julie abaixou a cabeça, assaltada por um turbilhão de emoções.

— Obrigada, Edwin — murmurou, após alguns instantes. Em resposta, ele a envolveu com os braços, trazendo-a para junto de si.

— Não, Julie. Eu é que devo lhe agradecer.

— Você fez todo esse trabalho em apenas uma semana?

— Eu precisava fazê-lo. Queria que você estivesse junto de mim de alguma forma, no caso de não...

Emocionada, Julie interrompeu-o com um beijo. Ainda não sabia no que o relacionamento deles iria terminar, mas naquele momento sentia-se profundamente envolvida pelo homem que a tinha nos braços... e provavelmente continuaria assim para sempre.

— Mais uma vez, obrigada, Edwin — disse, olhando para a tapeçaria.

— Bem, agora você fica aqui quietinha, que eu preciso ir ver uma coisa na cozinha. Voltarei num minuto.

Ao se ver sozinha, Julie aproximou-se da tapeçaria e notou que no canto inferior direito estavam bordadas as iniciais de Edwin e, logo acima delas, o nome da obra; "Boneca de Gelo".

Emocionada, Julie voltou-se para a janela e pôs-se a contem­plar a cidade. As coisas não estavam correndo como ela plane­jara. Até então, nada fora conversado, nem explicado. Além disso, a presença daquele homem a perturbava a tal ponto, que Julie sentia-se incapaz de prever seu comportamento no minuto seguinte.

Com um suspiro, deu meia-volta e examinou a sala de jantar. Bem decorada, como o restante da casa, tinha um aspecto bas­tante aconchegante. Para sua surpresa, porém, a mesa com tampo de cristal, estava posta para três pessoas! O que significaria aquilo?

Não refeita do susto, ficou boquiaberta ao ver Edwin de volta, carregando um banco forrado de couro. Com um sorriso ma­treiro, ele fez um gesto de cabeça, indicando uma das cadeiras.

— Por favor, Julie, quer tirá-la para mim?

— Claro...

.Após colocar o banco no lugar em que estava a cadeira, ele explicou:

— Nós costumamos comer na cozinha, mas hoje é uma oca­sião especial.

Antes que ela pudesse perguntar quem mais estaria presente na refeição, ele pediu:

— Por favor, ajude-me a servir.

Ela o acompanhou até uma cozinha, branca e reluzente, onde Edwin entregou-lhe uma travessa, contendo salada de legumes com molho de creme-de-leite. Em seguida, ele começou a ajeitar um apetitoso assado numa travessa forrada com cebolas refogadas, batatas douradas e pimentões.

— Espero que você esteja com fome — comentou ele, fe­chando o forno.

Sorrindo, ela aspirou o delicioso aroma que o assado exalava, declarando:

— Acho que estou faminta! Edwin, aconteceu algo de es­pecial?

— Para mim, sim.

Dando de ombros, ela resolveu não fazer mais perguntas e levou a comida para a sala.

Com uma garrafa de vinho tinto numa das mãos e a travessa de arroz na outra, Edwin seguiu-a até a mesa.

— Ah, ainda falta uma coisa — disse ele, voltando à co­zinha.

No instante seguinte, Julie ouviu um assobio intermitente e, em alguns segundos, Edwin estava de volta, acompanhado por um maravilhoso gato persa, de pêlos sedosos e grandes olhos acobreados.

— Este é Coventry. Covey, para os íntimos.

— Que gato maravilhoso, Edwin.

— Não o troco nem por Nastar. Covey e eu somos grandes amigos.

Sem perder tempo, o bichano pulou no banco e esticou-se todo, esperando ser servido.

Após puxar uma cadeira para Julie, Edwin também acomo­dou-se e começou a servir a comida, inclusive para Covey, que parecia bastante acostumado a todo aquele ritual.

Durante a refeição, a conversa transcorreu superficialmente. Os dotes culinários de Edwin surpreenderam Julie, que sempre achara que ele costumava comer nos restaurantes mais caros da cidade.

Depois do jantar, foram para a sala de estar, onde Edwin acendeu a lareira, enquanto Coventry enrolava-se no sofá de veludo, junto à perna de Julie. Assim que o fogo pegou, ele se acomodou no chão, de frente para ela.

— Não participo mais do caso de Shelly Sloan.

— Mas o que aconteceu? Por quê?

— O importante é que eu estou fora.

Muitas perguntas começaram a vir à mente de Julie. O que o motivara a tomar aquela, atitude? Será que a discussão man­tida por Shelly com o sr. Birmingham fora a causa da demissão de Edwin? Como isso afetaria a sua posição? Quem iria se be­neficiar com essa decisão?

— Como a sra. Sloan recebeu a notícia?

— Bem... na medida do possível!

— Sabia que ela foi visitar meu patrão hoje? Levantando-se de um salto, ele caminhou até o sofá, acomodando-se com um joelho sobre a almofada, de modo a ficar mais perto de Julie.

— Tem certeza de que era Shelly?

— Absoluta.

— E o que ela queria?

— Acusou-me de estar manipulando você e, como sempre, não foi nada gentil. Disse que eu pretendia debilitar seu caso e exige minha demissão.

Tirando o gato do lugar, Edwin colocou-o gentilmente no chão e aproximou-se ainda mais de Julie.

— Sinto muito, querida. A atitude de Shelly não me surpreen­de nada.

Com a testa franzida, Julie se perguntou o quanto ele e Shelly se conheciam, mas permaneceu em silêncio.

— Não quero que você se preocupe, Julie. Tudo vai terminar bem. Acredite em mim.

Edwin deslizou o dedo por seu queixo, e seus olhos se encon­traram.

Embora Julie não estivesse nada otimista, algo nos olhos dele e no tom de sua voz fizeram-na acreditar na sinceridade de Edwin. Assim, ela concordou com um gesto de cabeça.

— Eu não devia tê-la deixado como fiz no outro dia. Espero que me perdoe.

— Perdoá-lo por ter ido embora?

— Por estar tão confuso. Você me desconcertou quando per­guntou se eu a deixara descobrir minha farsa intencionalmente. Na verdade, eu havia me impressionado com você desde o pri­meiro momento em que a vi. Nós tínhamos tanta coisa em comum, tanto que compartilhar, mas não seria possível continuar­mos com nosso relacionamento. Isso era a coisa que eu mais queria, embora só tenha descoberto depois que você me fez aquela pergunta maluca. Precisei refletir muito para admitir es­sas coisas.

— Quer dizer que minha suspeita estava certa?

— No começo, nem eu acreditei. Era uma sugestão absurda! Fiquei bravo por você ter sugerido uma atitude tão pouco profis­sional de minha parte e, por isso, fui embora abruptamente, sem conseguir raciocinar. Pela primeira vez, eu não conseguia sepa­rar minha profissão da... da minha paixão.

Fechando os olhos, ele sacudiu a cabeça, como se tivesse es­colhido a palavra errada, e então continuou:

— Você estava lá parada, tão linda, tão irresistível... Confusa, Julie tentou analisar a decisão dele de abandonar o processo. O sr. Birmingham havia lhe contado sobre a quantia absurda que ele receberia caso ganhasse a causa e, sem qualquer motivo aparente, Edwin renunciara àquela pequena fortuna...

Porém, os esforços dela para chegar a uma conclusão racional foram jogados por terra através do toque delicado e sensual de duas mãos fortes, que a puxavam de encontro ao peito muscu­loso.

 

Quando, enfim, os lábios de Edwin tocaram os dela num con­vite tentador, Julie viu todas as suas dúvidas desaparecerem, dando lugar a um desejo irresistível. Estremecendo, ela não opôs resistência quando Edwin abraçou-a e, com um movimento de­licado, forçou-a a deitar-se sobre seu corpo.

Em seguida, ele removeu a fivela que lhe prendia os longos cabelos loiros, acariciando-lhe o pescoço, os ombros e os seios em delicados movimentos circulares, que provocaram um arrepio de desejo em Julie.

— Como você é linda, querida!

Dito isso, ele beijou com ternura cada uma de suas pálpebras, a ponta do nariz e as faces.

Levantando a mão, Julie acariciou-lhe o rosto, admirando os traços marcantes que eram iluminados pelo fogo da lareira. Tal­vez ela não passasse de uma paixão momentânea na vida dele, mas naquele momento, sentia-se a mulher mais maravilhosa do mundo. Estremeceu ao senti-lo beijar seu pescoço e acariciar-lhe o corpo, por debaixo do suéter.

— Nunca pensei que pudesse desejá-la mais da que na se­mana passada, Julie... mas eu desejo.

— Edwin... Você não está desistindo de muita coisa por mim?

A resposta foi um beijo ansioso, que colocava fim a todas as suas dúvidas.

Subindo a mão até seus seios intumescidos, ele acariciou-lhe os mamilos, até fazê-la suspirar de prazer, implorando para ser possuída.

Visivelmente excitado, ele levantou-lhe o suéter, expondo os seios firmes, os quais começou a mordiscar e beijar.

— Eu quero você, Julie.

Sem hesitar, ela desabotoou-lhe a camisa, acariciando os pê­los que recobriam o peito musculoso.

Com um gemido rouco, Edwin ajudou-a a tirar o suéter e abaixou o zíper da calça de veludo que ela vestia, pedindo:

— Tire-a, Julie.

Ficando de pé, ela desceu a calça até a altura dos joelhos, depois inclinou-se para terminar de tirá-las, sem perceber o efei­to que seus movimentos provocavam em Edwin. Antes que pu­desse voltar à posição normal, as mãos dele já se deliciavam em acariciar suas nádegas.

Jogando a cabeça para trás, ela se ajoelhou e despiu-o. Feito isso, traçou com a língua um caminho sensual pelas coxas musculosas e quadris, cada vez mais excitada.

— Você me deixa louco... — murmurou ele, abaixando-se e forçando-a a deitar-se sobre o tapete, seus corpos nus, ilumi­nados pelas chamas da lareira. — Fui um tolo por deixá-la naquela noite.

— Fiquei magoada ao vê-lo partir...

— Foi pelo nosso bem...

A mão de Edwin acariciou-lhe o ventre e parou possessiva­mente na curva dos quadris, fazendo-a esquecer que naquele dia ela sofrerá uma sensação de vazio jamais experimentada antes. Tivera vários amigos, alguns íntimos, mas jamais alguém tão envolvente e fascinante quanto Edwin.

Insinuando os dedos por entre suas pernas, ele a acariciava, excitando-a além dos limites da razão.

— Preciso de você, Julie.

— Eu também o desejo...

Nesse momento, Julie convenceu-se de que, se Edwin não a tivesse procurado, ela teria tomado a iniciativa, sem se importar com os riscos.

— Quero fazer parte da sua vida — murmurou ele, rouco de desejo.

Ao mesmo tempo, cobriu-lhe o corpo com o seu, forçando as pernas dela a se abrirem.

Logo, seus corpos se fundiram, e ambos foram arrebatados pelo êxtase daquela paixão, que tornava qualquer raciocínio im­possível, apagando as dúvidas da mente de Julie. Não haveria mais despedidas, nem incertezas.

Julie acordou por volta da meia-noite, sentindo-se aquecida debaixo da manta, com a cabeça recostada no peito de Edwin, que ressonava ao seu lado.

Tomando cuidado para não acordá-lo, levantou-se, pegou as roupas e foi vestir-se no banheiro. O melhor seria chamar um táxi para levá-la até em casa, pois, apesar de ele ter insistido em lhe dar uma carona, Julie preferia não perturbar-lhe o sono. Depois de vestida, foi ao quarto dele e telefonou, pedindo que um táxi a apanhasse dentro de vinte minutos.

No entanto, quando voltou à sala, surpreendeu-se ao ver Edwin sair da cozinha, trazendo duas xícaras de chá fumegante.

— Mas como você é eficiente! Já está pronta para ir? Tem tempo ao menos para tomar uma xícara de chá antes de sairmos pela noite afora?

— Disponho de apenas quinze minutos — respondeu ela, sen­tando-se ao lado dele no sofá.

— Bem, nesse tempo só dá para tomar chá... Acho que vo­cê precisará mudar seu horário.

Puxando-a para mais perto, ele abraçou-a e começou a beijá-la com insistência.

Julie sorriu ao constatar que a necessidade que sentia por ele, era tão forte e devastadora quanto a que Edwin parecia sentir por ela. Então, beijou-o de leve nos lábios e pegou a xícara que es­tava sobre a mesa.

— Não vi razão para você perder uma boa noite de sono e telefonei, chamando um táxi.

Dito isso, tomou um gole da bebida fumegante e o fitou, sur­preendendo-se ao notar a mudança que ocorrera nas feições dele.

— Não me diga que preferia sair na friagem da noite — provocou-o, sem entender aquela súbita mudança de humor.

— Pensei que íamos ter uma conversa, Julie.

— Hum, você não se lembrou de nenhuma conversa quando sugeriu que eu mudasse meu horário.

Apesar do tom descontraído que ela imprimira às palavras, as feições de Edwin permaneceram impassíveis.

— Julie... quero que você peça demissão, antes que o sr. Birmingham se veja obrigado a despedi-la.

— O quê? Você deve estar brincando!

— De modo algum.

— Desista, Edwin. Nunca farei isso. Sou a única mulher no Colorado que ocupa o cargo de supervisora de instrutores de esqui. Trabalhei muito para chegar onde estou e não pretendo abrir mão dessa posição. Como você tem coragem de me propor uma coisa dessas?

— Julie, ouça...

— Por que eu faria isso, afinal? Por que uma neurótica pre­tende divertir-se às minhas custas? Por que um advogado qual­quer acha que essa é uma maneira fácil de ganhar dinheiro? Aposto que o processo de Shelly contra Keystone continua nas mãos de sua empresa, não é?

— Julie, sente-se e me escute.

— Então é verdade, senão você teria negado.

Quando ela recolocou a xícara sobre a mesa, Edwin levantou-se e segurou sua mão.

— É compreensível que você esteja nervosa, mas procure en­tender o que acontecerá se a Keystone voltar-se contra você por causa do dinheiro envolvido no processo de Shelly.

— Eles não fariam isso.

— Como não? Agora você passou a ser uma peça importante do jogo, Julie.

— Essa é boa! Você é caro demais para mim, sr. O’Neill. Desvencilhando-se dele com um gesto brusco, ela pegou o ca­saco e, enquanto o vestia, não resistiu a um último ataque:

— O dinheiro não é suficiente para aquela víbora? Que tipo de bruxa sádica é essa tal sra. Sloan, afinal?

— Julie...

— Agora que você renunciou ao caso, talvez possa me ex­plicar o motivo de ela querer acabar comigo. Ou será que isso também é uma informação confidencial?

Ele sacudiu a cabeça, num gesto exasperado e manteve-se em silêncio.

— Por que não me conta? Ou será que você ainda continua do lado dela? Claro... Como foi que eu não pensei nisso antes?

Edwin não disse nada, deixando-a em dúvida quanto à razão do seu silêncio.

Julie então correu para a porta e saiu. Enquanto se dirigia para o elevador, ouviu-o revirar o armário do vestíbulo, o ba­rulho de um cabide caindo e uma exclamação de raiva, mas ela não se deteve.

Quando entrou no táxi, viu Edwin abrir a porta de vidro do edifício, seguido pelo porteiro, que falava alguma coisa.

E a história mais uma vez se repetia: o mesmo vazio, as per­guntas sem resposta, as lágrimas.

— E você acreditou nele?

Frank Seagle estava furioso, e sua irritação aumentava à me­dida que a nevasca se intensificava, piorando as condições de visibilidade da estrada.

— No começo, sim.

Pouco se importando com a irritação do advogado, ela lhe contou o que acontecera na noite anterior, omitindo apenas os detalhes íntimos.

— Aquele sujeito já a enganou uma vez, Julie! Como permi­tiu que o fizesse de novo?

— É difícil explicar, Frank. Além disso, ainda não me con­venci de que Edwin mentia.

Evidentemente, ela não iria explicar o que sentia em relação a Edwin e, de fato, estava confusa em relação ao ocorrido na véspera.

— Quer dizer que você ainda acredita nele?

— Eu duvidei dele, é verdade. Depois que ele me aconselhou a pedir demissão do emprego, acusei-o de estar do lado de Shel­ly...

— Mas ele negou tudo, certo?

— Errado. Edwin não negou nada.

— Bem, isso realmente me surpreende.

— Por quê?

— Talvez ele tenha falado a verdade.

— Q quê! Isso não faz o menor sentido, Frank.

— Tem razão... Mas esse caso é curioso. Descobri algumas coisas muito interessantes esta semana.

— O que, por exemplo?

— Os pais de Shelly Sloan morreram num acidente há sete anos, durante uma viagem de férias à Suíça. Na ocasião, Shelly tinha vinte e quatro anos e dava aulas de dança. Ambiciosa, queria tornar-se famosa, porém, ficara responsável pelo irmão de apenas quinze anos e sentiu-se na obrigação de assumir o papel dos pais...

— Aí, resolveu abandonar o trabalho para fazer isso?

— Exato! Dinheiro não faltava, pois o pai era banqueiro. Apesar de disporem de uma governanta, cozinheira, motorista e mais alguns empregados, ela achava que o menino precisava de sua assistência e...

— E supervisão constante?

— Pode ser. Ao que parece, não foi fácil para ela lidar com o garoto que ficara profundamente afetado pela morte súbita dos pais, transformando-se num adolescente rebelde e inconse­qüente.

De repente, Julie começou a ver Shelly sob um ângulo dife­rente. Era fácil entender como uma situação dessas podia criar um ressentimento permanente. Na certa, ela se recusava a descarregar sua raiva sobre o irmão mais novo, a quem evidentemente amava muito, e a dirigia para o mundo exterior. Desistindo da carreira, Shelly dedicara sete anos de sua vida a criar alguém que provavelmente não reconhecia seus esforços e agora...

— Ele deve estar com vinte e dois anos... — Concluiu ela.

— Quem, Julie?

— O irmão de Shelly.

— Não. O garoto morreu.

— Que coisa terrível, Frank! Depois de tudo o que ela fez... Quando foi que isso aconteceu?

— Cerca de um ano e meio atrás.

— Qual foi a causa?

— Um acidente de esqui.

— Nossa! A coitada deve ter ficado à beira da loucura.

— Pelo que me contaram, Shelly nem sabia onde o irmão se encontrava no dia do acidente. Ele costumava sair sem avisar onde ia, nem quando voltaria. E Shelly só descobriu sua morte no dia seguinte, pelo jornal.

— Deus! Isso parece uma história de terror!

— E das mais horríveis. Pelo menos, isso explica em parte o estranho comportamento dela.

— Concordo. Mas continuo sem entender o porquê da hosti­lidade dela contra mim.

— Pretendo continuar pesquisando a respeito. Quem sabe, encontraremos algum ponto que possamos negociar. Ainda há muita coisa nebulosa nessa história.

— Sem dúvida...

— Está preparada para um choque? Edwin O’Neill foi o exe­cutor do testamento dos pais de Shelly.

Virando a cabeça, Julie pôs-se a contemplar a neve que caía. O único som que se ouvia no Lincoln Continental era o do lim­pador de pára-brisa, que afastava a neve, movimentando-se de um lado para o outro.

Percebendo-lhe a reação, Frank deu uma palmadinha amistosa em sua mão.

— Não adianta se preocupar, Julie. Talvez isso nada tenha a ver com o que acontece hoje. Afinal, se passou há sete anos.

Sete anos atrás... Como Shelly, Julie estava agora no come­ço de sua carreira. A diferença era que conseguira chegar ao topo. Só o que ela não sabia era se teria sido altruísta como a outra, renunciando ao que mais desejava na vida.

E Edwin? Naquela época, devia ter uns trinta anos: um ho­mem ambicioso, lutando para subir na vida... Será que a con­fiança nele, depositada por um banqueiro, mudara o rumo de sua carreira? Edwin deveria muito a Shelly e à sua família?

Julie passou o resto da viagem analisando as diversas possibi­lidades que vinham à sua mente, sem chegar a nenhuma con­clusão.

— Obrigada por tudo, Frank.

— Julie, desculpe por ter me zangado. — Estendendo a mão, perguntou: — Amigos?

Sorrindo, ela respondeu:

— Definitivamente, amigos.

— Olhe, vou passar uma parte da manhã na hospedaria de Keystone. Se precisar de alguma coisa, é só me chamar. E seu carro?

— Jack disse que o conserto seria simples. Deve ficar pronto no final da tarde.

— Quer uma carona na volta?

— Obrigada, mas uma das instrutoras mora em Golden, e se for preciso irei com ela.

— Está bem. Mas, se mudar de idéia, basta me telefonar.

— Está certo. Até qualquer hora.

Entretanto, seu carro não ficou pronto na sexta-feira, nem no sábado, nem no domingo. Julie telefonou várias vezes para o mecânico, mas ele lhe deu a péssima notícia de que não conse­guia localizar o defeito. A solução foi alugar um automóvel no hotel.

Resolvido esse problema, havia outro, muito mais preocupan­te. Edwin telefonava regularmente para Mountain House, dei­xando recados cada vez mais urgentes. Julie, porém, não tinha coragem de pegar o telefone e ligar para ele, pois não acreditava que seria capaz de resistir ao poder de persuasão dele.

Caso ela cedesse às exigências de Edwin, estaria concordando com a afirmação, que a colocava como uma simples peça no jogo, e Julie não pretendia ser usada, nem manipulada por nin­guém.

Desse modo, passou a sentir-se prisioneira em sua própria ca­sa. Todas as noites, assim que chegava, tirava o telefone do gancho e, no meio da semana, estava à beira de uma crise ner­vosa.

Na quinta-feira, depois das aulas, decidiu esquiar na montanha vizinha a Keystone, onde se localizava a pista Pallavicini, o maior desafio das Montanhas Rochosas. Essa era exatamente a distra­ção de que ela precisava.

Por azar, àquela hora do dia, esquiadores experientes já ha­viam desgastado a pista, transformando-a em algo parecido com uma caixa de ovos virada para baixo.

Mesmo assim, Julie concentrou-se e começou a descida. Con­tornou a primeira série de obstáculos e desceu a primeira reta, chegando no fim dela a quase oitenta quilômetros por hora. Co­meçava a enfrentar a segunda série de obstáculos, quando viu, pelo canto do olho, um homem alto, vestido de preto, que a seguia muito de perto. Decidiu usar uma saída à direita, mas ao dobrar o estranho já havia perdido o controle.

A colisão deu-lhe a sensação de um grande trovão explodindo em sua cabeça. Depois, o silêncio...

— Julie...

Semi-consciente, ela ouvia seu nome sendo chamado por uma voz familiar, mas não conseguia identificar quem era a mulher que estava falando.

— Julie, é Cindy. Nós vamos levá-la para a Clínica Summit Country, em Dillon. Está me ouvindo?

Julie acenou com um gesto de cabeça. O leve movimento deu início a uma terrível enxaqueca, que a impediu de abrir os olhos.

— Agora relaxe. Você ficará boa.

Quando Julie acordou novamente, viu-se numa maca no cor­redor da clínica. Tentou mover a cabeça e abrir os olhos, mas a dor persistia, embora menos aguda. O dr. White, inclinado so­bre ela, cumprimentou-a, sorrindo.

— Olá.

— Olá, doutor.

— Ainda se sente tonta?

— Bastante.

— Não duvido. O golpe foi violento. Por sorte, as radiogra­fias mostram que sua cabeça e seu pescoço saíram ilesos. Você sofreu apenas uma ligeira concussão.

— E o homem? Ele...

— Melhor do que você. Na verdade, ele desceu a montanha esquiando e chamou a patrulha para ajudá-la. No entanto, nem foi preciso, já que Cindy vinha logo atrás de você. Aliás, ela se ofereceu para acompanhá-la esta noite.

— Oh, não! Isso é desnecessário.

Julie tentou levantar-se sobre os cotovelos. Rapidamente, o dr. White interveio, colocando a mão atrás de sua cabeça e aju­dando-a a deitar-se de novo.

— É... talvez seja necessário — disse ela, com um leve sorriso.

— Cindy a acordará diversas vezes durante a noite para ver como se sente, verificará suas pupilas com uma luz e fará com que você diga alguma coisa para verificar se está coerente, certo?

— Hum, bastante animador.

— Tanto quanto uma descida em Pallavicini.

— Não diga isso, doutor! O médico riu, bonachão.

— Você ficará boa logo, Julie. Creio que não haverá nenhu­ma complicação. Mesmo assim, fique de cama amanhã e só volte a trabalhar na sexta-feira, depois que eu tornar a examiná-la.

Julie fechou os olhos e tentou raciocinar.

— Deixe-me ver, hoje é... quarta-feira?

— Que maravilha! Viu como você já melhorou? Há alguns minutos, não conseguia nem pronunciar seu nome.

— Muito engraçado, doutor, mas amanhã não posso per­der o...

— Nem quero ouvir — interrompeu ele, erguendo uma das mãos. — Cuidarei de tudo.

Julie sabia que não adiantaria insistir com o médico, mas tinha certeza de que acordaria em perfeita forma e nem se preo­cupou.

Atenciosa, Cindy levou-a para casa e dormiu com ela lá. Às seis e meia da manhã, quando ela saiu para trabalhar, Julie tinha a impressão de que tinha passado a noite em claro, sendo acor­dada a toda hora para conversar e andar um pouco.

Lembrou-se de ter ouvido o telefone tocar duas vezes e foi procurar os recados que Cindy deixara sobre a mesinha de cabe­ceira. Um, como já previa, era de Edwin. O outro, do homem com quem se chocara em Pallavicini, desculpando-se por ter perdido o controle, estimando suas melhoras e dizendo-se alivia­do por saber que ela não ficara gravemente ferida.

Decidida a não preocupar a tia, avisando-a sobre o acidente, Julie colocou os recados de volta sobre a mesinha, tirou o tele­fone do gancho e dormiu até o meio-dia.

Quando acordou, ficou feliz ao lembrar que preparara uma sopa de legumes na terça-feira e não precisaria se preocupar com o almoço. Enquanto a comida esquentava, tomou um banho quente, vestiu um roupão atoalhado e foi comer.

Depois do almoço, acomodou-se no sofá da sala e pôs-se a ler um romance de espionagem.

Às duas da tarde, bateram à porta e, quando atendeu, Julie defrontou-se com um enorme buquê de flores.

Após dar uma gorjeta ao garoto que as trouxera, ela tornou a entrar e abriu o cartão que acompanhava as flores.

"Boneca de Gelo: 'O coração tem razões que a própria razão desconhece.'

(Bossuet) Edwin O’Neill."

Voltando ao quarto, Julie releu o recado que Cindy anotara: Ele voltará a ligar.

Com raiva de si mesma, Julie censurou-se por ter deixado o telefone fora do gancho.

Definitivamente, não podia continuar vivendo daquela manei­ra. Mais cedo ou mais tarde precisaria encarar os fatos, mesmo que as coisas não fossem do modo que ela desejava.

Com um suspiro profundo, recolocou o fone no gancho e pas­sou o resto do dia esperando que o aparelho tocasse, ansiosa para ouvir a voz de Edwin.

 

Sem perceber, Julie havia cochilado, e quando acordou, já havia escurecido. A sala estava em silêncio, mas alguma coisa a acordara.

Assustada, acendeu a luz do abajur e olhou em volta. Nesse instante, uma leve batida à porta a fez imaginar que Cindy fora vê-la depois do trabalho.

Ao atender, porém, seu coração disparou. Encostado ao ba­tente, com um sorriso nos lábios, Edwin esperava por um con­vite para entrar. Em uma das mãos, trazia uma caixa de papelão, cujo impresso denunciava seu conteúdo: pizza. Na outra, segu­rava uma garrafa de vinho rosé. Espichando o pescoço, ele es­piou para dentro da sala de jantar, onde Julie colocara as flores, e sua expressão se iluminou.

Refazendo-se do susto, Julie afastou-se da porta, apertou mais o cinto do roupão e convidou, num sussurro:

— Entre, Edwin. Voltarei num minuto.

Após indicar-lhe o sofá, ela foi até o banheiro, lavou o rosto com as mãos trêmulas e penteou os cabelos prendendo-os de lado com uma fivela.

Feito isso, contemplou-se no espelho, admirando-se por não haver nenhuma marca em seu rosto, nem do acidente, nem dos tormentos da última semana...

— Julie, você está bem? — perguntou Edwin, batendo de leve na porta.

— Estou ótima.

Abrindo a porta, ela viu o ar preocupado dele e percebeu que demorara muito tempo no banheiro. Esboçou um sorriso e ga­rantiu:

— É verdade, estou ótima.

— Espero que você não se importe, mas acendi o fogo e dei comida a Nastar — observou ele, passando o braço por seus ombros e conduzindo-a para a sala. — Agora, quero que você se sente no sofá e relaxe. Pode deixar que cuidarei de tudo.

Após ajeitar as almofadas para ela, Edwin terminou de colo­car a mesa, arrumando os pratos, os talheres, as taças e os guardanapos. O fogo havia aquecido a sala, tornando o ambiente bastante agradável.

No começo, Julie achou que não conseguiria comer nada, mas, depois de provar a deliciosa pizza, seu apetite veio à tona. As­sim que Edwin serviu o vinho, ela comentou:

— Você foi muito atencioso, Edwin.

— Estou tentando compensar minhas atitudes idiotas, Julie. Talvez eu não mereça, mas será que você me ouviria alguns instantes?

Colocando na boca o último pedaço de pizza, Julie depositou os talheres sobre o prato e voltou ao sofá, fechando os olhos. Sua decisão fora tomada à tarde, quando repusera o telefone no gancho. Agora, precisava de coragem para assumi-la.

— Está bem, Edwin, eu o escutarei. Só desejo que você fique ciente de que não pretendo, de maneira alguma, largar meu em­prego, certo?

— Vim tentar lhe explicar a razão de minha sugestão.

— Foi um pedido, Edwin, não uma sugestão. Aliás, por um momento, me pareceu até uma ordem.

— Peço que me desculpe, Julie. Sei o quanto você ama seu trabalho, entretanto, quis forçá-la a analisar todas as possibi­lidades.

— Como assim?

— O que aconteceria se Shelly decidisse que sua demissão é mais importante do que o dinheiro envolvido?

— Por que ela faria uma coisa dessas? Ele ignorou a pergunta e continuou:

— Shelly é bem capaz de propor um acordo ao pessoal da estação de esqui: ela desiste do processo, em troca de sua de­missão. Seria uma oferta muito atraente para Keystone.

— Ela não faria isso!

— Tem certeza, Julie?

— Para ser franca, fico mais confusa a cada dia que passa, Edwin. Já nem sei o que pensar, e só espero que alguém me esclareça alguma coisa. Nada, exceto o dinheiro envolvido, faz qualquer sentido para mim.

— Para mim, o que faz sentido é o seguinte: se você pedir demissão agora, será fácil encontrar um emprego igual em outra estação de esqui, ao passo que, se for despedida, suas chances diminuirão significativamente.

— Bem, isso é algo que precisarei enfrentar quando aconte­cer, se acontecer, o que duvido. Não tenho qualquer ligação com Shelly, a não ser nosso breve encontro no dia do acidente. Por­tanto, não há nenhuma razão para ela querer me prejudicar, e acredito que a própria Shelly, mais cedo ou mais tarde, reco­nhecerá isso e mudará de idéia.

— O que a faz pensar assim?

Relutante, Julie fez um gesto evasivo com as mãos. Ainda não sabia que tipo de relacionamento existia entre Shelly e Edwin e não pretendia correr o risco de divulgar as coisas que Frank lhe contara confidencialmente. Afinal, não era descabida a pos­sibilidade de Shelly estar sendo movida pela inveja de ver que Julie se saíra vitoriosa em sua carreira, ao passo que ela fora obrigada a desistir de tudo.

— Você ainda não respondeu, Julie.

— Não sei, Edwin. Talvez seja por pura intuição.

— Julie, querida... — Edwin acariciou-lhe os lábios com a ponta dos dedos e envolveu-a com braços protetores, trazendo-a para perto de si. — Quero apenas tentar protegê-la! Não se preocupe, vou ajudá-la.

Que ironia! Naquele instante o que menos a preocupava era o processo. Temia mil vezes mais seus sentimentos em relação a Edwin, ainda mais agora que se via obrigada a admitir que es­tava apaixonada por ele. Tentara lutar contra esse fato, negá-lo, enfrentá-lo com todas as suas forças, mas fora inútil.

Por duas vezes, o tratara asperamente, afastando-se dele e magoando-o. No entanto, Edwin tomara a iniciativa da recon­ciliação, mesmo correndo o risco de ser rejeitado.

Apesar disso, Julie tinha certeza de que ele não a amava. De alguma forma, Edwin mantinha-se a distância, como se em sua mente houvesse um compartimento reservado a outra parte de sua vida...

Ao mesmo tempo, reconhecia que ele se preocupava com o bem-estar dela e acreditava na sua sinceridade ao afirmar que queria ajudá-la, mas duvidava de suas possibilidades de fazê-lo. Até onde Edwin se encontrava comprometido naquela história sórdida?

— Por que não esperamos para ver o que acontece, Edwin? Meu sexto sentido me diz que tudo acabará bem.

— O meu, em compensação, me diz algo bem diferente... A hesitação que havia nessas palavras deixou-a perturbada.

E, com um suspiro, Julie procurou mudar de assunto.

— As flores são lindas. Obrigada.

— Foram uma proposta de paz... Você fez questão absoluta de me ignorar nesses últimos dias.

— Tirar o fone do gancho foi uma das coisas mais bobas que fiz na vida. Não costumo fugir dos conflitos. — Deu uma risada e continuou: — Talvez seja porque nunca tive tantos ao mesmo tempo. ..

Antes que Edwin respondesse, a conversa foi interrompida pelo toque do telefone.

— Pode atender para mim, Edwin?

— Claro! É no quarto?

Julie assentiu com um gesto de cabeça, e ele se retirou. Quan­do ficou sozinha, ela pôde avaliar a falta que sentia dele. Era verdade que havia muitos conflitos no relacionamento dos dois, mas, toda vez que a hostilidade era superada, os laços que os uniam tornavam-se ainda mais fortes.

Como Edwin estivesse demorando demais, ela resolveu inves­tigar o que acontecera.

— Quem era? — perguntou, entrando no quarto.

— Cindy — disse ele, ocupado em arrumar a cama. — Ela avisou que levou o automóvel de volta a Keystone, e que alguém chamado Jack ligou para o sr. Birmingham informando que seu carro estava pronto e que você podia ir buscá-lo. Parece que o problema era com uma correia e, por incrível que pareça, o conserto ficou em apenas quatro dólares. Que tal?

— Hum, maravilha! E a que horas Cindy passará por aqui amanhã?

— Ela não virá.

— Ai, essa não! É melhor eu ligar para ela e combinar al­guma coisa.

— Não será necessário — argumentou ele, voltando-se para ela — Eu falei que você já tinha uma carona.

— Mas eu não tenho.

— Tem... se quiser.

Só nesse instante Julie compreendeu que ele se propunha a passar a noite lá, com ela, e levá-la no dia seguinte a Keystone. E isso era exatamente o que ela desejava.

— Então, está bem.

— Agora, quero que você vá para a cama. Não se preocupe com a cozinha e com a louça, pois cuidarei de tudo. Quero vê-la bem descansada.

Como Julie fizesse menção de segui-lo de volta à sala, ele se virou, com o dedo em riste.

— Ouviu o que-eu falei? Foram ordens médicas; descanse!

— Ordens médicas?!

— Bem, na verdade, são minhas ordens, mas agora, mexa-se!

Julie, que não recebia tanta atenção desde que se mudara da casa de tia Hally, sentiu-se feliz por notar a evidente preocupação de Edwin.

Acreditando que seu futuro prometia melhorar, tomou uma ducha rápida, escovou os dentes, vestiu a graciosa camisola azul que estava pendurada atrás da porta e saiu.

Quando voltou à sala, encontrou Edwin estendendo um co­bertor no sofá. Ao seu lado, no chão, havia uma valise de couro preta.

— Oi, será que você podia me arranjar uma toalha, Julie?

— Claro! Vou trazer também um travesseiro.

Pouco depois, ela retornava, carregando lençóis limpos, um travesseiro e uma grande toalha felpuda em tom de azul-marinho.

— Precisa de mais alguma coisa, Edwin?

— Não, obrigado.

— Ter certeza de que se sentirá confortável aqui? Se quiser, dormirei no sofá, pois já estou acostumada e não me importo.

— Nem sugira isso outra vez. Você precisa descansar e o melhor lugar é sua própria cama.

Eles estavam parados lado a lado, e passando o braço pela cintura dela, Edwin puxou-a para si.

— Agora, dê-me um beijo de boa-noite e vá para a cama. Alegremente, Julie passou os braços pelo pescoço dele e beijou-o de leve nos lábios. Em seguida inclinou a cabeça para trás, murmurando:

— Obrigada por tudo, Edwin. Desculpe-me pelo mal-entendido... — E deu-lhe outro beijo.

— Hum, você consegue fazer melhor do que isso — protes­tou ele, logo que Julie começou a se afastar.

Em seguida cobriu-lhe a boca com um beijo ávido.

A princípio, a ternura daquele beijo deixou-a quase que hipno­tizada, capaz de acabar com suas apreensões em relação ao futuro. Mas à medida que ele foi se intensificando, ela começou a abrir mão das suas intenções de ter uma noite bem dormida.

No entanto, Edwin se controlou e, afastando-a com suavidade, disse:

— Está vendo? Não falei que você conseguia fazer melhor? Agora, vá dormir, porque amanhã pode ser mais duro do que você pensa.

Abraçando-a mais uma vez, virou-a em direção ao quarto e deu-lhe uma palmadinha no traseiro.

— Será que precisarei empurrá-la até a cama?

— Já estou indo, sr. O’Neill — brincou Julie, fazendo uma careta.

— Ah, sua malcriada...

Fugindo para o quarto, Julie acenou um adeus para ele e entrou. Depois de deitar-se, apagou a luz, admirada do quanto aquele simples beijo a perturbara. A cada dia, mais se espantava com a atração que sentia por ele.

Imersa nessas divagações, ficou um longo tempo rolando na cama, a atenção voltada para o homem que dormia na sala. Assustou-se quando Nastar pulou no colchão, deitando-se aos seus pés, mas nem por isso deixou de pensar em Edwin.

A casa estava em silêncio, mas havia uma tensão quase pal­pável no ar, da qual ela não podia escapar. Olhando para o relógio da mesinha de cabeceira, viu que uma hora havia se passado sem que ela conseguisse dormir. Sentia a garganta seca e decidiu ir até a cozinha beber um pouco de água.

O único som na sala era o suave crepitar do fogo que ainda queimava, consumindo o resto da lenha com labaredas alaranjadas. Julie procurou encher o copo sem fazer o menor ruído e, quando voltava para o quarto, parou perto do sofá. Edwin ador­mecera enrolado na toalha úmida, o cobertor jogado aos seus pés. Parecia que ele se deitara um pouco para relaxar, antes de preparar-se para dormir, e pegara no sono.

Julie parou, indecisa entre cobri-lo ou não. Como a sala ainda estivesse quente devido ao fogo, resolveu não perturbar-lhe o sono tranqüilo e deixou-se ficar ali, contemplando-o.

Lembrando a imagem de algum deus mitológico, ele estava mais bonito do que nunca, com a luz da lareira refletindo na pele bronzeada de seu corpo atlético.

Seguindo um impulso irresistível, Julie aproximou-se do sofá, satisfeita por poder admirá-lo à vontade, enquanto ele dormia. Por azar, Edwin movimentou-se, e ela sentiu uma ponta de pâ­nico, embora soubesse que não fizera qualquer ruído que pu­desse despertá-lo.

O que Edwin diria se acordasse e a surpreendesse ali, exami­nando-o? Será que se aborreceria? Ou a acharia uma tola?

De repente, Julie sentiu-se nua dentro da camisola transpa­rente e tomou consciência de que, mesmo adormecido, aquele homem conseguia perturbá-la. Então, percebeu que era melhor voltar para o quarto e, com as pernas trêmulas, começou a afas­tar-se do sofá.

— Não vá, Julie.

Assustada com a voz de Edwin, ela estremeceu.

— Oh, eu não queria acordá-lo.

— Você não me acordou. Venha aqui — bateu com a mão na almofada ao lado dele, ajeitando-se para dar espaço para ela. — Não consegue dormir? O que há?

— Acho que descansei demais durante o dia — explicou, acomodando-se ao lado dele. — Além disso, tive sede.

Em seguida, mostrou-lhe o copo, como se precisasse de uma justificativa para estar fora da cama.

— A cozinha é para lá.

Ele sorria, apontando na direção oposta ao sofá.

— É que eu o vi descoberto e achei que poderia...

— Por que não me cobriu?

— Tive medo de... acordá-lo. Edwin, eu... Deslizando uma das mãos pelas costas dela, ele provocou-lhe um arrepio de prazer.

— Está com frio?

— Não... de modo algum.

Percebendo-lhe o tremor, Edwin acariciou seus ombros, brin­cando com a alça fina de sua camisola.

— Isto não conseguirá aquecê-la — murmurou, pousando a outra mão sobre as coxas dela.

— Eu devia ter vestido um robe.

— Prefiro do jeito que você está.

Com um movimento insinuante, ele passou a mão por debaixo de sua camisola, descrevendo pequenos círculos em suas coxas, quadris e ventre.

Perdendo o equilíbrio, ela deixou o copo d'água escorregar, molhando todo o carpete.

— Edwin...

— Não se preocupe com isso agora.

Edwin inclinou-se sobre ela e, removendo-lhe a minúscula cal­cinha, começou a depositar leves beijos em seu sexo.

Experimentando uma excitação indescritível, Julie contorcia-se, comprimindo-se contra aquela boca que parecia sugar toda sua vida com movimentos ritmados.

Afastando-o de si com um gesto suave, ela desamarrou a toa­lha que ele trazia presa à cintura e retribuiu com avidez às suas carícias; provando o sabor de cada pedacinho da pele morena, até fazê-lo gemer de prazer.

Quando ele se arqueou, puxando-a para o alto, Julie ondulou o corpo, num movimento erótico, e comprimiu-se contra o peito musculoso.

— Ai, Julie, como eu preciso de você...

Sentando-se no colo dele, Julie estendeu os braços e trançou as pernas por trás das costas de Edwin.

— Por que você é tão bonito, Edwin? Não consigo tirar mi­nhas mãos de você.

— Julie... — gemeu ele, prendendo a respiração e se deli­ciando com o contato suave dos seios firmes contra seu peito.

— Estou contente por ter sentido sede — murmurou ela, com um sorriso malicioso.

Inclinando ligeiramente a cabeça, ele pousou a boca em seus seios, mordiscando os mamilos intumescidos e penetrando-a, va­garosamente.

Julie agarrou-se ao pescoço dele, suspirando baixinho e estre­mecendo de desejo.

— Julie, eu estou louco por você...

No instante seguinte, os dois iniciaram um balé erótico, que os levou ao clímax do prazer. Juntos, atingiram o êxtase e se deitaram, exaustos, no sofá.

Ficaram abraçados em silêncio, enquanto se acalmavam e o ritmo das batidas dos corações diminuía, Edwin, apoiado sobre um dos cotovelos, acariciava seu corpo com a ponta dos dedos e a beijava, cheio de ternura.

— Que bom que você não conseguiu dormir — sussurrou, com a boca colada ao rosto pálido.

— Mas você disse que eu precisava descansar, doutor.

— Pura e simples incompetência. Vai me processar, srta. Kerris?

Agora as duas mãos de Edwin estavam sobre seus seios, provocando-a e acabando com o pouco de força que ainda lhe res­tara.

— Chamarei meu advogado pela manhã — ameaçou ela, sor­rindo. — Então veremos.

Ele se debruçou e beijou o vale de seus seios.

— Oh, não! O júri vai acreditar em tudo que você disser, minha linda Julie, e não terei nenhuma chance. Ainda bem que disponho de tempo para fazê-la mudar de idéia.

— Sobre processar o médico?

Evitando responder, ele se levantou e pegou-a no colo, diri­gindo-se para o quarto.

— Vamos dormir agora, Julie. Amanhã você precisa estar pronta para outras coisas.

— O que você quer dizer com isso?

— Quando eu vinha para cá, ouvi a previsão do tempo no rádio. Há a ameaça de uma tempestade de neve e parece que será forte.

Infelizmente, os temores de Edwin se confirmaram na manhã seguinte. E, quando abriu as cortinas, Julie se assustou com a quantidade de neve que se acumulara nas ruas.

Para sair, eles praticamente tiveram que desenterrar o carro de Edwin e só não precisaram colocar correntes nos pneus para descer a montanha até Dillon porque o automóvel dispunha de tração nas quatro rodas e pneus especiais.

Mesmo depois de passar a noite nos braços aconchegantes de Edwin, Julie sentia-se cansada. Mais uma vez, havia muitas clas­ses de principiantes e ela teve dificuldade para dar aula, devido, aos fortes ventos e à temperatura de vinte graus abaixo de zero. As crianças não se importavam, mas os adultos sofriam com o frio e com a falta de condicionamento físico, reclamando sem parar.

Outro problema que enfrentavam em Keystone era o da para­da dos teleféricos. Alguns estancavam devido à falta de prática dos esquiadores. O de Packsaddle, porém, enfrentava problemas sérios, e as queixas chegavam à administração de modo intenso.

Afinal, o frio que as pessoas sentiam quando ficavam presas num teleférico era algo de insuportável.

Antes do almoço, Julie conversou com Raquel, uma instrutora que passara a manhã ajudando os esquiadores a atravessarem pelo teleférico de Packsaddle. A moça confirmou os problemas que ocorriam durante as paradas e, apontando para um garoto de uns catorze anos, comentou:

— E lá vai outro empecilho. Se depender de mim, esse mo­leque, logo perderá seu passe para o teleférico.

— O que ele fez?

— Gosta de se balançar nas cadeiras. Hoje, deu um susto nos rapazes lá de cima. Estava balançando a cadeira e, quando foi descer, o teleférico parou bruscamente. Ele caiu e a cadeira voltou para frente, atingindo-o na cabeça.

Ao ouvir essas palavras, a única coisa que Julie conseguiu pensar foi num outro processo.

— O menino está bem?

— Sim, está. A patrulha logo o socorreu, mas todos ficaram nervosos. Você sabe como é, aqui em Keystone, o cliente sem­pre tem razão... Ainda bem que chegou a hora do almoço. Sinto-me exausta! Quer almoçar comigo, Julie?

— Claro! Vamos lá.

No entanto, o sr. Birmingham tinha planos diferentes para o almoço de Julie, pois assim que a viu entrar na Mountain Hou­se, chamou-a ao escritório, com uma expressão grave no rosto.

— A firma de advocacia que cuida do caso de Shelly Sloan entrou em contato com Frank Seagle esta manhã. Parece que ela tem uma nova proposta para nos fazer.

Julie endireitou-se na cadeira; a tensão estampada em suas feições.

— Shelly desistirá do processo contra a estação de esqui, se nós demitirmos você do cargo de supervisora dos instrutores, Julie. Com a quantidade de dinheiro envolvida, você pode ima­ginar o quanto esta oferta é tentadora...

Como um pesadelo, Julie recordou o que Edwin lhe dissera na véspera. As palavras eram quase as mesmas; a única dife­rença fora que Edwin usara a expressão se...

— Isto é um fato concreto, sr. Birmingham, ou apenas uma hipótese?

— É um fato concreto, Julie — afirmou ele, mexendo-se na cadeira.

Decidida a não dar o braço a torcer, ela respirou fundo, re­primindo á raiva que a dominava. De nada adiantaria revoltar-se contra o chefe, que, afinal de contas, não passava de um simples funcionário, sem qualquer poder de decisão. O que mais a in­comodava, porém, era a desconfiança de que Edwin já sabia de tudo aquilo, quando a procurara na noite anterior.

— O que devo fazer, sr. Birmingham?

— No momento, nada. Esperemos até que a Keystone tome uma decisão. Então... eu não sei...

— Obrigada por confiar em mim — disse Julie, levantando-se. — Ainda tenho esperanças. E tenho muita sorte.

— Eu não apostaria nisso, Julie.

 

Inutilmente, Julie tentou concentrar-se no trabalho com os alunos, que se mostravam descansados e revigorados depois do almoço. Entretanto, até o clima parecia conspirar contra seus esforços, pois a temperatura baixara ainda mais, e a queda de neve se intensificara, dificultando seu serviço.

Além do mais, ela estava preocupada com os contínuos pro­blemas do teleférico de Packsaddle, achando que a melhor so­lução seria simplesmente fechá-lo para conserto e distribuir pas­ses válidos para um outro dia. Dessa forma, o prejuízo seria menor do que se os esquiadores ficassem descontentes e pro­curassem outra estação de esqui.

No final do expediente, Julie voltou ao pé da montanha e despediu-se de seus colegas, exausta. Não imaginava o que acon­teceria naquela noite, mas não se agüentava de tanta raiva de Edwin e, provavelmente, iria fazer alguma tolice, da qual aca­baria se arrependendo.

Desejando recuperar a calma, resolveu procurar algo com que ocupar a mente,

Como que atendendo aos seus anseios, o teleférico de Packsaddle sofreu mais uma parada inesperada. Vendo que o operador pegara o telefone, ela foi oferecer ajuda a Raquel.

— Eu não agüento mais — desabafou Raquel. — Para mim, chega. Recuso-me a ouvir qualquer outra queixa hoje.

— Não fique nervosa. Logo ele voltará a funcionar. Johnny está cuidando de tudo.

— Só quero ver.

Em alguns minutos, Johnny descobriu que o teleférico não voltaria a funcionar naquele dia, pois o freio congelara por completo.

O vento cortante maltratava os esquiadores presos nas cadeirinhas, e seus protestos indignados chegavam até eles.

— Vamos embora! Estou congelando!

— Façam esta droga andar!

— Deixem-me sair desta porcaria, que eu lhes mostrarei como se dirige isso!

Julie sabia que, dentro de poucos minutos, quando percebes­sem que o teleférico não andaria mais, as pessoas começariam a pensar em pular de lá. A patrulha já tinha sido avisada, mas levaria algum tempo até que o plano de resgate dos passageiros fosse ativado. Enquanto isso, alguns esquiadores mais afobados tentariam se salvar sozinhos. Sem dúvida, a combinação de me­do com temperaturas muito baixas podia abalar o autocontrole de qualquer um!

— Raquel, tomarei o teleférico de Checkerboard e verei se posso ajudar lá em cima — informou, dirigindo-se para o alto.

Há poucos instantes, Julie pensara que havia descido pela última vez naquele dia, e agora, lá ia ela morro acima de novo.

Durante a subida, lembrou-se da primeira experiência que tivera com um resgate, onde a vítima fora ela mesma. Suspensa numa altura enorme e fustigada por ventos congelantes, experi­mentara os estranhos truques criados pela mente. Racionalmente, sabia que a distância até o chão era grande demais para um salto seguro, mas enquanto esperava, o espaço parecia diminuir. De­pois de quinze minutos, um salto parecia ser tão fácil quanto descer do último degrau de uma escada.

Na ocasião, Julie pensara que aquelas impressões eram exclu­sivas de sua mente, até que, para seu horror, o homem que ocu­pava a cadeira da frente lançou-se ao chão. Agora, ela ainda podia ouvir seu grito lancinante de dor ao quebrar as pernas...

Chegando à plataforma, Julie atravessou a pista Go Devil e, em seguida, o bosque de pinheiros que a separava de Packsaddle. Do ponto em que se encontrava, havia uma subida de trezentos metros até a plataforma do teleférico, mas aquele constituía o lugar mais perigoso para os passageiros, pois a distância do solo era ainda maior.

Mike, um dos patrulheiros, chegou ao mesmo tempo que ela, vindo de outra direção. Trazia um grosso rolo de corda preso a um assento de metal, chamado de plataforma de resgate, e gritou para os passageiros:

— Vamos tirá-los daí em pouco tempo. Fiquem onde estão e mantenham a calma.

Chegando ao poste de sustentação, próximo de onde Julie se encontrava, Mike soltou sua carga no chão.

— Ele sozinho não conseguirá nos tirar daqui — observou uma mulher, com voz amedrontada.

— Onde está o corpo de bombeiros?

— Isso mesmo! Precisamos de uma escada e de um gancho!

— Cale-se, Hector!

— Só mais alguns minutos, pessoal — gritou Mike. — Não saiam de seus lugares.

Enquanto falava, ele andava embaixo da fila de cadeiras, ten­tando acalmar as pessoas aflitas.

Cada minuto que passasse pareceria uma hora para os passa­geiros do teleférico. Com o vento gelado, a temperatura ultra­passaria trinta graus abaixo de zero, e conseqüentemente, as mãos e os pés começariam a se enrijecer e doer, os rostos fica­riam vermelhos e semiparalisados. Portanto, os dez minutos de que Mike necessitaria para voltar com seus três ajudantes, exi­giriam o máximo de Julie, no sentido de manter as pessoas calmas.

— Ei, moça! Venha até aqui. Precisamos nos conhecer me­lhor — gritou um homem, perigosamente debruçado na cadeira.

— Por favor, sente-se direito, senhor — pediu Julie, num tom firme, porém, agradável.

Com um sorriso insinuante, o desconhecido balançou ligeira­mente a cadeira, o que levou a companheira a seu lado a agar­rar-se com força nas grades de segurança, com uma expressão de pânico no olhar.

Em seguida, o homem resolveu seguir o conselho de Julie e endireitou-se no assento. A maioria das pessoas procurava se distrair, puxando conversa com o passageiro ao lado, já que as cadeiras eram duplas.

Animada com essa aparente tranqüilidade, Julie tirou os es­quis, espetou-os. na neve e começou a subir pela encosta, re­zando para que não surgissem problemas.

Sabia que vários daqueles passageiros eram esquiadores expe­rientes que iam para a pista de Go Devil. Estes provavelmente conservariam a cabeça fria durante a operação de resgate. Em compensação, os principiantes que rumavam para Schoolmarm ou Last Chance ficariam aterrorizados ao se verem retirados das cadeiras.

— Ei! Alguém tem baralho aí? — gritou o mesmo homem que falara anteriormente.

Levantando o olhar, Julie examinou-o com atenção. Devia ter cerca de trinta anos, vestia calça jeans, jaqueta de esqui e um chapéu de cowboy que deixava suas orelhas desprotegidas. Na certa, seus comentários se originavam do nervosismo e do medo, pois, sem dúvida, tratava-se de um principiante.

Condescendente, Julie compreendeu sua tentativa de desviar a própria atenção daquela situação desesperadora e não o censu­rou. Pensava numa forma de acalmá-lo, quando, outra voz mas­culina interveio.

— Por que não cala a boca, cara?

Ainda em silêncio, Julie mordeu o lábio inferior, procurando uma forma de contornar o impasse. Era evidente que a tensão estava se alastrando. Seria mais prudente voltar para perto do primeiro homem, que, agora se revirava na cadeira, olhando por cima do ombro para o ocupante da cadeira de trás.

— Qual é o problema, moço? Não consegue achar graça nisso? — Ele riu alto, para que todos o ouvissem.

— Escute aqui...

— Ou será que está com medo? — Continuou, provocador.

— Fiquem calmos, por favor — pediu Julie, com voz autoritária. — Não se descontrolem.

— Isso é fácil para você dizer. Afinal, paguei uma fortuna para quê?

Julie compreendia que o rapaz tinha razão para se aborrecer, principalmente se tivesse estado no teleférico durante uma das' outras paradas. Entretanto, a atitude dele aumentava desnecessariamente a tensão no ambiente, o que dificultava sua atuação.

— Vou sair daqui — declarou ele à mulher que se sentava ao seu lado.

— Não! Não faça isso! — gritou a senhora, apavorada. Alertada pelo grito, Julie olhou para cima a tempo de vê-lo soltar um esqui.

— Cuidado aí em baixo — berrou a mulher, colocando as mãos em concha diante da boca.

— Um esqui desgovernado — gritou Julie com toda força de seus pulmões, torcendo para que não houvesse mais ninguém além dela na encosta.

Chocada, constatou que mais dois passos, e o esqui teria caído diretamente sobre sua cabeça. Apurando o olhar, ela observou enquanto o esqui rolava encosta abaixo, indo bater de encontro a uma árvore e parando.

— Senhor, por favor, não solte o esqui. Sua atitude ameaça a segurança das outras pessoas.

Notando que o rapaz se fazia de surdo, ela se postou embaixo da cadeira dele, a fim de impedi-lo de continuar com aquele comportamento irresponsável.

— Saia de baixo, moça. Vou pular daqui de qualquer ma­neira. Afaste-se!

— Só mais alguns minutos, senhor.

— Não vou esperar nem um segundo a mais. — E assim dizendo, debruçou-se para soltar o outro esqui.

— Não! — Julie deu três passos encosta abaixo antes de o esqui começar a descer. Quando ele chegou ao chão, deslizou diretamente em sua direção, obrigando-a a atirar-se sobre ele, na esperança de detê-lo.

Por sorte, conseguiu! Quando os demais viram o que havia acontecido, saudaram-na com aplausos. E até mesmo o homem que derrubara o esqui fitou-a com uma expressão de incredu­lidade estampada no rosto.

No entanto, ela sabia que seu problema apenas começara. Afinal, o fato de o rapaz ter tirado o outro esqui indicava cla­ramente sua intenção de pular da cadeira. Portanto, ela preci­sava agir com rapidez.

Sem hesitar, Julie levantou-se, espetou o esqui no chão e, olhando para cima, viu que a mulher segurava os bastões dela e dele, tentando impedi-lo de deslizar para a frente da cadeira.

Num lapso de segundo, Julie percebeu que precisava fazê-lo acreditar que seu resgate seria imediato.

— Espere — gritou. — Deixe-me ajudá-lo.

Franzindo a testa, ele parou e olhou para baixo. Julie corria em direção à base da torre que ficava diretamente em frente à sua cadeira, torcendo para que o rapaz não desconfiasse de que ela seria incapaz de fazer o trabalho sozinha, sem o auxílio da equipe de resgate.

Fazendo das tripas coração, ela jogou o pesado rolo de corda sobre os ombros e ajeitou o assento de resgate nas costas, reco­meçando a escalar a torre. De propósito, avançava com lentidão, tentando ganhar tempo para a chegada da patrulha. Quando atingiu o ponto médio da torre, percebeu que a expressão do homem não era de medo, mas sim de raiva!

Retardando a escalada, Julie parou por um momento, fingindo ajustar o equipamento. Pelo canto dos olhos, porém, continuava a examinar o homem: ele era alto e pesado, e não seria nada fácil resgatá-lo.

— Pare de fazer hora, moça! Não percebe que estamos em apuros aqui em cima?

A tensão de Julie aumentou. Era mais fácil lidar com uma pessoa amedrontada do que com uma zangada, pois a raiva é sempre irracional, levando-nos a ceder a impulsos arriscadíssimos.

Vários minutos se passaram até ela chegar ao topo, e feliz­mente, o homem não fizera mais nenhuma bobagem.

Em condições normais, ela atiraria a corda para alguém no chão e trabalharia só com a ponta. Entretanto, nas atuais circuns­tâncias, precisaria controlar o rolo inteiro. Por isso, levou alguns minutos para separar a corda certa e passar o assento de resgate por sobre o cabo.

Assim que o assento ficou pendurado, a corda escapou de sua mão, fazendo com que a cadeira despencasse. Num gesto hábil, Julie conseguiu retomar o controle, impedindo-a de cair ao chão.

— Acho que você não conseguirá fazer isso, moça — gritou o homem. — Se pensa que vou entrar nessa geringonça para ser derrubado, está muito enganada. Prefiro fazer as coisas a meu modo.

Dito isso, ele recomeçou a inclinar-se na cadeira.

— Não! Espere!

Com um suspiro de alívio, Julie viu que Mike e outros três patrulheiros apareciam no alto de uma elevação.

— Calma, pessoal — gritou Mike, com sua voz de barítono. — Vamos tirá-los daí em poucos minutos.

Ele fez sinal para que Julie jogasse a corda para um dos ra­pazes e foi colocar-se embaixo da cadeira do homem exaltado.

— Saia de baixo. Eu vou descer.

Uma onda de pânico passou pelos patrulheiros. Se o homem realmente pulasse e se machucasse, retardaria a operação de resgate, prejudicando os demais passageiros.

— Ei, moço, é melhor ficar aí — gritou um homem na ca­deira da frente.

— Ê isso mesmo. Está só nos fazendo perder tempo. Deixe-os trabalhar — protestavam os ocupantes do teleférico, conscientes do perigo da situação.

Após constatar que a corda estava firmemente amarrada na cintura de um dos patrulheiros, Julie fez um sinal para o homem, gritando:

— Senhor, vou soltar a cadeira em sua direção. Sente-se nela e então a abaixarei.

Enquanto manobrava o assento de resgate, Julie perguntou-se se aquele chato permitiria que a mulher descesse primeiro. Ele não deixou, mas aparentemente a senhora não se importou, ta­manho era o seu alívio por se ver livre de uma companhia tão desagradável.

Em voz alta, Julie ditou as instruções até o assento estar fir­memente preso sob as nádegas do homem. Feito isso, começou então a explicar de que forma o resgate seria efetuado. Porém, sem esperar que ela concluísse as explicações e sem dar qualquer aviso, ele se lançou da cadeira do teleférico.

O patrulheiro que segurava a corda era bastante forte, mas a velocidade com que o homem caiu da cadeira, aliada ao fator surpresa, pegou-o desprevenido, desequilibrando-o.

Quando Julie viu o homem caindo, saltou, numa tentativa de agarrar a corda e com seu peso interromper a queda. E assim, com essa decisão tomada instintivamente, sem avaliar os riscos para sua própria segurança, ela se lançou no espaço.

A corda queimava suas mãos, enquanto ela tentava segurar-se para não cair, sob os gritos emocionados dos passageiros. A essa altura, já havia três patrulheiros controlando a corda, e o perigo havia passado. Lentamente, Julie chegou ao chão, sã e salva.

O mesmo ocorreu com o passageiro que, sem um agradeci­mento sequer, afastou-se, blasfemando em voz alta, na direção de Go Devil.

Como Mike assegurasse que não precisava mais de sua ajuda, Julie colocou os esquis e, debaixo dos aplausos dos passageiros, desapareceu por entre as árvores.

Agora, que a crise tinha passado, ela tentava relaxar. Entre­tanto, apenas na descida final para Mountain House foi que Ju­lie tomou consciência do risco que correra. Agira por puro reflexo e, se não fosse por sua condição física perfeita e uma boa dose de sorte, poderia ter sofrido conseqüências fatais.

Bem, pelo menos, o incidente servira para provar o quanto ela era uma profissional competente, indispensável a uma equipe do nível da de Keystone...

Entretanto, o dinheiro falara mais alto, e ela estava a um passo de ser despedida, constatou, furiosa com a falta de profissiona­lismo da empresa.

Voltando para casa num carro alugado, Julie decidiu buscar o seu na oficina naquela mesma noite. Edwin oferecera-se para fazê-lo na manhã seguinte, mas ela vivera vinte e sete anos sem ele e poderia muito bem continuar cuidando de suas coisas sozinha.

Além do mais, estava perturbada com o rumo que o processo estava tomando e decidiu conversar com Frank Seagle no dia seguinte, oferecendo sua ajuda nas investigações sobre Shelly Sloan. Mesmo que o advogado recusasse, ela pretendia iniciar uma pesquisa por conta própria, embora nem imaginasse por onde começar. Em todo caso, decidira descobrir a razão do an­tagonismo de Shelly para com ela a qualquer custo.

Quando chegou à oficina, Jack recebeu-a com um cumprimen­to caloroso.

— Olá, Julie. Um homem telefonou dizendo que viria buscar seu carro amanhã. Mudou de idéia?

— Pois é, Jack...

— Pode usar meu telefone, se quiser.

— Não, obrigada. Eu o avisarei mais tarde.

Nesse instante, Julie percebeu o quanto estava sendo incoe­rente. A rigor, não devia avisá-lo de nada, porém, como mais cedo ou mais tarde precisaria enfrentar aquela situação, seria melhor fazê-lo logo.

— Mudei de idéia, Jack. Acho que usarei o telefone.

— Claro, à vontade.

Edwin mostrou-se surpreso com sua ligação e adorou a idéia de encontrá-la no Simm, em Golden, para tomarem vinho juntos.

Uma hora mais tarde, quando ele chegou ao restaurante, en­controu-a trêmula de nervosismo, sem saber como abordaria o problema.

Julie escolhera uma mesa discreta e pedira duas taças de vinho branco. Ao vê-lo, acenou, indicando-lhe uma cadeira, e contraiu levemente os dedos, assim que Edwin segurou sua mão.

— Que surpresa agradável, Julie. Sabe que é a primeira vez que você me telefona?

— Receio também que seja a última, sr. O’Neill.

— Por quê? — perguntou ele, franzindo a testa. — Não com­preendo.

— Simples: não gosto de ser enganada, Edwin. Ontem à noite você fingiu não saber o que Shelly pretendia fazer... Pois bem. garanto que os acontecimentos de hoje me provaram que seus palpites são muito bons... Bons demais, para meu gosto.

— O que ela fez?

— Ora, por favor, deixe de representar. Duvido que ignore os passos daquela víbora e também não acredito que tenha saído do caso.

— O que a faz pensar que menti sobre isso?

— Shelly Sloan propôs à empresa exatamente o que você supôs: ela retira o processo em troca de minha cabeça numa bandeja.

— Juro que foi apenas uma suposição, Julie. Pense bem, por que eu revelaria os planos de uma cliente? Sabia que eu posso ser expulso da Ordem dos Advogados, por divulgar in­formações confidenciais?

— Talvez você só tenha comunicado sua estratégia para ela hoje de manhã. Nesse caso, suas palavras não poderiam ser con­sideradas informações confidenciais, ontem.

— Julie, com que intenção eu iria sugerir que você se demi­tisse, a não ser para protegê-la?

— É óbvio que, se eu pedisse demissão, além de Shelly satis­fazer seu desejo de me destruir, ainda poderia prosseguir com o processo contra a Keystone. Pense nisso, sr. O’Neill.

— Hum, bastante razoável...

— Para seu governo, sua ironia não me serve de consolo.

— Ouça, Julie, a única defesa que me resta é negar qualquer conhecimento das atitudes de Shelly. O que mais preciso fazer para você acreditar em mim?

— Acho que nada. Não lhe darei outra chance. Você afirmou que eu tinha me transformado numa peça importante do jogo... Concordo, mas decidi que ninguém mais irá me usar. Sei que não posso exigir que você saia da minha vida, uma vez que o processo fará com que nos encontremos muitas vezes. Só ga­ranto que não permitirei que Shelly me destrua e lutarei da melhor forma possível para evitar isso! E tenho certeza de que deve existir algum recurso legal que me proteja no caso de eu ser despedida sem justa causa.

— Julie, não quero vê-la magoada.

— Já fui mais magoada do que você imagina, Edwin. Apesar de infundadas, as intenções de Shelly, pelo menos, são claras e abertas. E posso lidar com isso melhor do que com seu fin­gimento.

Diante da dureza de suas palavras, ele tirou as mãos de cima da mesa e reclinou-se na cadeira, num mutismo terrível.

Finalmente, fitou as próprias mãos por um longo momento e tornou a colocá-las sobre a mesa, segurando a taça de vinho que girou sobre o eixo.

Surpresa com essa estranha reação, Julie sentiu-se dividida. Teria cometido uma injustiça? Edwin estaria falando a verdade, e ela o havia julgado de modo errado de novo?

Porém, sabia que, se cedesse à aparente preocupação dele e Edwin apenas estivesse fingindo, seu coração ficaria partido sem qualquer chance de recuperação. Por outro lado, caso ele esti­vesse sendo sincero e ela se recusasse a dar-lhe crédito, perderia o melhor homem que já conhecera na vida.

Precisava tomar uma decisão, pois seu futuro estava em jogo. Momentos atrás, ela o acusara de ter tramado uma farsa, e ele não negara isso, nem oferecera qualquer explicação. Era tris­te... mas seria obrigada a lutar sozinha.

— Preciso ir agora, Edwin.

Dito isso, ela se levantou, pegou o casaco que estava nas cos­tas da cadeira e vestiu-o.

— Bem, eu vou indo. Adeus.

Bruscamente, Edwin ergueu-se de um salto, interceptando-lhe a passagem.

— Isto não é um adeus.

Dedos fortes agarraram seu braço, levando-a para fora do res­taurante, até o carro.

— Tenho muita coisa para fazer antes de vê-la novamente.

— Edwin, você não entendeu? Acabou!

— Não. Não acabou. Você é que não entendeu nada. Agora vá para casa!

Soltando-a de modo agressivo, ele deu meia-volta e desapa­receu na rua escura.

— Adeus — murmurou Julie, com os olhos repletos de lá­grimas. — Adeus, meu amor...

 

Apos dirigir um bom trecho com a visão embaçada pelas lá­grimas, Julie admirou-se por chegar em casa sã e salva.

Ansiosa para sentir o calor aconchegante de seu apartamento, subiu correndo a escada, abriu a porta e apressou-se em acen­der a lareira.

Em poucos minutos, o fogo espalhou um calor agradável pelo ambiente, e ela se serviu de uma dose de conhaque, enquanto tentava colocar em ordem o turbilhão em que seus pensamentos e emoções haviam se transformado.

Aos poucos, o choro e o efeito da bebida se fizeram presen­tes, e Julie cochilou.

Acordou sobressaltada minutos depois e, após consultar o re­lógio, decidiu ligar para o sr. Birmingham.

— Meus parabéns pelo resgate — disse o chefe, assim que reconheceu sua voz. — O sr. Harry Forrester é um homem de sorte.

— Tem razão. — Ela fez uma pausa antes de continuar: — Sr. Birmingham, queria agradecê-lo por ter confiado em mim hoje.

— Era o mínimo que eu podia fazer, Julie.

— Só o fato de ter me poupado da surpresa já ajudou muito, acredite.

— Parece que você está aceitando bem os fatos.

— Não me conformei de perder o emprego, se é isso o que o senhor pretende insinuar. A propósito, é por isso que estou ligando. Sei que tenho sido de grande valia para a estação de esqui, não só como instrutora, mas também como relações pú­blicas e uma grande dose de boa vontade. Em vista disso, resolvi pedir sua ajuda. Caso seja necessário, gostaria que o senhor intercedesse a meu favor.

— Não creio que eu possa ser de alguma ajuda, Julie.

— Sr. Birmingham...

— Mas estou do seu lado. Pode contar comigo.

— É só o que eu lhe peço, sr. Birmingham. Eu o avisarei se houver alguma novidade. Muito obrigada e até amanhã.

Após ter desligado o telefone, Julie serviu-se de uma segunda dose de conhaque e ligou para a casa de Frank Seagle.

— Ouvi falar do seu ato heróico de hoje — comentou Frank. — O sr. Birmingham me contou. Parabéns. Foi um belo tra­balho.

— Obrigada! Frank, quero lhe fazer uma pergunta.

— Pois não.

— Se eu for demitida, há algum recurso legal ao qual eu pos­sa recorrer?

Dessa vez, Julie teve um interlocutor calado do outro lado da linha. No mesmo instante, ela percebeu o erro que acabara de cometer. Frank era advogado da empresa e, caso ela fosse demiti­da, os dois ficariam em lados opostos. Frank seria seu adversá­rio, não seu advogado.

— Desculpe, Julie. Mas não estou em posição de aconselhá-la. — E apressou-se em acrescentar: — Mas isso não tem nada a ver com minha opinião a seu respeito. Não me leve a mal.

— Tudo bem... Em todo caso, sei que você está tentando descobrir os motivos da fúria de Shelly Sloan, e eu gostaria de ajudar. Quero que me chame se julgar que posso ser útil de alguma forma. Afinal, tenho um interesse pessoal nisso.

— Compreendo... Obrigado pela oferta, Julie. Talvez eu venha mesmo a precisar.

— Está bem, Frank. Boa noite.

Quando depositou o fone no gancho, Julie disse para si mes­ma que Frank não iria colocá-la a par de nada. Independente disso, porém, decidiu que na segunda-feira começaria a fazer uma investigação por conta própria.

No dia seguinte, mal entrou em Mountain House, ela foi cer­cada pelos colegas, que a congratularam pela proeza da véspera, mostrando-lhe um exemplar de um jornal de Dillon, o Daily.

Havia um fotógrafo entre os passageiros do teleférico enguiçado, sentado duas cadeiras atrás de Harry Forrester, e ele re­gistrara toda a operação de resgate em filme, entregando a his­tória para o Daily.

A fotografia mostrava Julie no ar, uma fração de segundos antes de ela se agarrar à corda após saltar da torre, e a descrição do salvamento era fiel nos mínimos detalhes.

Pelo visto, todo mundo ficara sabendo do acontecido, pois Julie passou o dia recebendo cumprimentos. E um dos seus alu­nos levou-lhe um exemplar de outro jornal, o Denver Post, onde a história também fora publicada.

No fim do dia, recebeu um recado do sr. Birmingham pedin­do-lhe que fosse até o seu escritório. Entretanto, pronta para receber más notícias, ela se espantou ao ver o sorriso caloroso com que o chefe a saudava.

— Julie, você foi fantástica! Graças a você, todo mundo está elogiando a Keystone. Isso foi melhor do que qualquer publi­cidade que já fizemos. E tem mais: amanhã virá uma equipe de televisão de Denver para entrevistá-la para o noticiário da noite. Que tal?

— Oh, muito bom, sr. Birmingham — afirmou, sem o menor entusiasmo.

— Você não me parece nada animada. Não podemos perder esta oportunidade de receber uma publicidade favorável por parte da imprensa. É importante para a Keystone... e para você também.

— Bem, eu não sei...

— Julie, você não vai se negar, não é? Não pode fazer uma coisa dessas...

Julie ficou em silêncio por um momento. Precisava tirar pro­veito daquela situação de qualquer forma e também não poderia recusar-se a conceder a entrevista...

— Estarei aqui amanhã, sr. Birmingham.

— Julie, nós precisamos disso e contamos com você.

Mais tarde, ela sabia exatamente o que faria. O entrevistador, Dennis, era seu conhecido e a ajudaria. Keystone iria brilhar, mas Julie Kerris brilharia muito mais...

A entrevista realizou-se ao pé da montanha, para que todos vissem as pessoas nas cadeiras do teleférico. Dennis fez várias perguntas, e Julie repetiu a história, auxiliada pelo testemunho de Mike. Através das suas respostas, os telespectadores chegaram à conclusão de que Keystone era um lugar maravilhoso... e seguro.

— Não resta dúvida de que a equipe de Keystone é muito dedicada. Julie, nós nos conhecemos há três anos, e eu lembro que, quando você assumiu o cargo de supervisora dos instrutores, bastante gente duvidava de sua capacidade, não foi?

— Sim, Dennis, é verdade.

— É difícil chegar a esse posto?

— Na realidade, não é fácil... mas se você ama seu traba­lho, vale a pena... ainda que precise enfrentar situações difíceis.

— E o que foi mais difícil para você?

— Convencer as pessoas de que eu sabia fazer meu trabalho.

— Bem, acho que agora você não tem mais com que se preo­cupar!

— Keystone correu um risco comigo, Dennis...

— E você nunca os desapontou! Sinto-me orgulhoso por co­nhecê-la, Julie Kerris. Há mais alguma coisa de excitante acon­tecendo em sua vida? Seus fãs querem estar informados.

— Mais nada, Dennis. Mais nada.

 

Na segunda-feira, depois de fazer ginástica e tomar café, Julie dirigiu-se para a biblioteca de Denver, a fim de procurar a his­tória do acidente ocorrido com os pais de Shelly nos jornais. Se eles eram tão ricos e conhecidos como Frank dissera, certa­mente haveria uma reportagem sobre a tragédia que lhes custara a vida.

Indecisa quanto ao que faria, começou a pesquisar as páginas fúnebres dos jornais de sete anos atrás. Só depois de ter folhea­do os exemplares de um ano inteiro foi que lembrou da hipótese de estar procurando o nome errado. Afinal, Shelly podia ter se casado, c Sloan ser o sobrenome de seu marido, e não dos seus pais.

Rememorando as palavras de Frank, decidiu pesquisar a his­tória da morte do irmão dela, a qual o advogado garantira que fora divulgada pela imprensa.

Desanimada, depois de muito trabalho, pensou em pedir aju­da a Frank.

Saiu da sala de microfilmagem, e foi até o telefone mais pró­ximo ligar para ele. Ao terceiro toque, porém, desligou, receando ouvir outra recusa. Além do mais, talvez a Keystone já tivesse decidido demiti-la, e ela não pretendia receber essa notícia pelo telefone. Assim, acabou ligando para tia Hally, convidando-se para jantar e passar a noite com ela.

De volta à sala de pesquisa, começou a examinar a seção de esportes, no que se referia às práticas de inverno. Leu diversas matérias e, inclusive, uma reportagem sobre a contribuição de Keystone ao esqui amador. Nesse mesmo número, deparou-se com a fotografia de John Raynald, tirada duas semanas antes de ele completar seu vigésimo primeiro aniversário. Tratava-se de um artigo sobre sua morte prematura.

Chocada, Julie recostou-se na cadeira, mal acreditando no que acabara de descobrir. Conhecera John Raynald no dia em que ele completava vinte anos de idade. Era uma agradável manhã de novembro, e o rapaz comparecera à sua primeira aula de esqui.

Ele explicara que conhecia apenas os rudimentos do esqui e que queria aperfeiçoar-se, mas sua família não poderia descobrir, pois considerava aquele esporte perigoso demais para um violi­nista de talento. John cursava a faculdade, e durante as aulas de esqui, a família o julgava em outro lugar qualquer.

Na ocasião, Julie estranhara que um rapaz de vinte anos mo­rasse na casa dos pais, cedendo às pressões de uma família repressora e superprotetora. Entretanto, não fizera maiores per­guntas, limitando-se a dar as suas aulas.

Os dois passavam muito tempo juntos esquiando, e Julie se afeiçoara a John como a um irmão mais novo. Depois de três meses de convivência, porém, ele se julgara apaixonado por ela, dando início a um processo de desintegração do relacionamento deles. Ao perceber que ele não a interessava emocionalmente, John passara a fazer de tudo para chamar-lhe a atenção.

Começara a faltar às aulas da faculdade e a disputar corridas sobre esquis com qualquer um que aceitasse seus desafios. Inge­nuamente, o rapaz acreditava que a cada corrida que vencesse conquistaria um pouco do respeito de Julie. Em pouco tempo, ele ganhara a reputação de ser o esquiador mais louco de todas as montanhas da região: Summit, Keystone, Arapahoe Basin, Breckenridge e Copper Mountain.

Preocupada, Julie conversou muito com ele, tentando alertá-lo para os perigos, mas isso de nada adiantou. Então, ela não tor­nou a vê-lo...

Olhando novamente para a fotografia do jornal, Julie leu o artigo completo. Descendo uma pista a cem quilômetros por hora, John perdera o controle e rolara encosta abaixo, quebrando o pescoço. Tivera morte instantânea e deixara uma irmã: Shelly Sloan.

Nesse instante, as peças começaram a se juntar na cabeça de Julie.

A partir desses dados, foi fácil para Julie localizar a notícia sobre a morte dos Raynald, ocorrida na Suíça, há sete anos e quatro meses. Eles, assim como outras pessoas, haviam sido so­terrados por uma avalanche enquanto esquiavam nos Alpes suíços.

Seguindo um impulso, Julie mandou tirar algumas cópias dos artigos e, embora não soubesse como iria utilizar as informações que conseguira, sentia-se aliviada, por compreender melhor as razões das atitudes aparentemente incoerentes de Shelly.

Depois de um banho relaxante ajudou a tia a preparar o jan­tar, coisa que não fazia há muito tempo.

— Parabéns pelo ato heróico. Na cidade, não se fala em outra coisa. Antigamente, você me telefonava para contar essas coisas.

— Desculpe, titia, tenho andado tão ocupada... e distraída também.

As duas ficaram em silêncio por um momento, e Julie conti­nuou a raspar uma cenoura.

— Vai me contar o que está acontecendo ou terei que adivi­nhar sozinha?

Cedendo à tentação de desabafar, Julie revelou-lhe tudo, desde o princípio, omitindo apenas seu relacionamento íntimo com Edwin.

— Não sei o que fazer com as informações que consegui atra­vés dos jornais.

— Julie, creio que não deve usá-las contra Shelly, pois pode­ria magoá-la profundamente. Ao que tudo indica, o irmão representava um filho para ela, embora a recíproca não fosse verda­deira... Além disso, se ela acusá-la pela morte de John, existe a possibilidade de você começar a se culpar, mesmo sabendo que a opção foi dele.

Julie abaixou a cabeça, ciente de que a tia estava com a razão. Desde a tarde, ela vinha questionando suas atitudes, perguntando-se se poderia ter feito algo para evitar a morte de John. Chegara mesmo a imaginar que devia ter fingido que o amava...

— Você não foi responsável, Julie. Nem pela morte de John, nem pela vingança de Shelly. — Dando uma palmadinha na mão da sobrinha, a boa senhora acrescentou: — Agora vamos fazer um pouco de chá e nos sentar na sala para conversarmos sobre o futuro.

— E o jantar, titia?

— Deixaremos tudo no fogo baixo.

— Está bem.

Pouco depois, as duas saboreavam um chá cheiroso e fume­gante na acolhedora sala decorada com sofás de chints e objetos de estilo antigo.

— Sabe de uma coisa, titia? Não vou fazer nada. Duvido que a Keystone se livre de mim enquanto eu estiver em evidência junto à imprensa. O sr. Birmingham pareceu-me assustado com a idéia de que eu me recusasse a dar a entrevista.

— Ou com medo do que você poderia falar... Acho que você está agindo certo. Quem sabe, Shelly muda de idéia... E quanto a Edwin?

— O que tem ele?

— O que há entre vocês dois?

— Não existe nada entre nós, titia!

— Hum, você está protestando demais, Julie. Agora relaxe e deixe que eu lhe conte uma história. Corrija-me se eu estiver erra­da, certo?

Mas não foi preciso corrigir nada, pois a tia Hally já tinha percebido tudo.

Pela primeira vez em dias, Julie teve uma boa noite de sono.

Acordou descansada e pronta para voltar para casa, cuidar de Nastar, fazer uma faxina, lavar a roupa e preparar-se para a semana que teria pela frente.

Discordara de tudo que a tia lhe dissera em defesa de Edwin, mas, bem no fundo do coração, desejava que ele lhe telefonasse, explicando tudo e colocando as coisas em seus devidos lugares.

Entretanto, isso não aconteceu. A semana passou sem que ela recebesse uma palavra sequer de quem quer que fosse. E na terça-feira seguinte, pela manhã, Julie experimentava a sensação de estar sentada sobre uma bomba-relógio, a poucos segundos da detonação.

 

— Nastar! Não faça isso!

Ignorando a repreensão, o gato continuou a pisar nas cinzas em frente à lareira.

— Toda vez que eu limpo a lareira, você faz isso. Eu devia atirá-lo na neve! — Pegando o gato, Julie carregou-o para o cozinha. — Você gosta de chamar a atenção, não é?

Nesse instante, alguém bateu à porta.

— Entre — gritou Julie, colocando Nastar no balcão da pia. — A porta está aberta.

No mesmo instante, a porta se abriu, e uma voz grave disse:

— Ah, se a Saúde Pública souber disso...

Com o coração aos saltos, Julie virou-se e encarou Edwin, que apontava, sorridente, para o bichano sobre o balcão da pia.

Experimentando as mais confusas emoções, ela ficou muda, contemplando-o. Muito elegante, Edwin usava calça de veludo azul-marinho e um suéter de modelo norueguês, que ressaltava sua masculinidade e seu charme.

— Vai me convidar para entrar, ou prefere que eu volte para o hall e comece tudo de novo?

— Ah... não! Entre, Edwin — balbuciou Julie, desconcer­tada, voltando-se para Nastar.

— Precisa de ajuda?

Antes que ela respondesse, Edwin aproximou-se e segurou o gato para que ela limpasse as patas dele com um pano úmido.

— Que estranho! Nastar parece gostar disso.

— Ele gosta — confirmou Julie, dando a tarefa por encer­rada.

— Você não parece feliz em me ver. Espero que mude de humor depois que eu lhe contar as novidades.

— Que novidades?

— Antes, eu quero um beijo.

— Edwin...

Sem dar ouvidos aos seus protestos nada convincentes, ele a tomou nos braços, beijando-a, com avidez, no que, aliás, foi ple­namente correspondido.

De repente, porém, Julie lembrou-se de que devia estar com raiva dele e, com um gesto firme, afastou-o de si.

— Edwin, o que veio fazer aqui? Não ouviu o que eu lhe disse?

Com uma expressão séria no olhar, ele a manteve abraçada, afirmando:

— Eu ouvi suas palavras, Julie, mas escutei o que dizia seu coração. Venha sentar-se ao meu lado e preste atenção no que vou lhe contar.

Durante toda a semana ela desejara que isso acontecesse, en­tretanto, agora, sentia um medo inexplicável de descobrir o que ele iria lhe revelar.

— Sinto ter demorado tanto para vir, Julie. Precisei, primeiro, me livrar de uma obrigação de há muito tempo. Shelly e eu...

— Edwin — ela o interrompeu, assustada. — Não precisa me contar nada disso. Aliás, acho que nem deve. Nós não podería­mos apenas...

— Não, Julie. Não é nada do que você está pensando. O pai de Shelly sempre usou os serviços da firma de advocacia onde trabalho. Depois que ele faleceu, fui indicado para executor dos bens e curador do fundo estabelecido para os filhos dele. Quando Shelly sofreu o acidente com os esquis, ela naturalmente foi me pedir ajuda, e à primeira vista, imaginei que tínhamos um caso nas mãos. No entanto, quis me certificar disso antes...

— Daí você foi a Keystone, passando-se por um principiante.

— E recebi uma versão diferente do caso. Mas não foi só isso. Enquanto eu conversava com você, Shelly decidiu mudar o curso da ação, lutando para que você fosse demitida.

— Ela telefonou para o sr. Brimingham quando eu estava no escritório dele.

'— Exato! Não gostei disso, e nós brigamos. Pensei que tivesse conseguido fazê-la mudar de idéia, mas não. Julie, você tem que acreditar em mim... — Passando o braço pelos ombros dela, puxou-a para perto de si. — Escute, querida, sei que é difícil acreditar que saí do caso, mas é a pura verdade.

— E como você previu tudo, Edwin?

— Ora essa! Eu sou um advogado, e este é o meu trabalho. Tenho o dever de prever o que pode vir a acontecer, para con­tornar as coisas. Eu queria protegê-la, entretanto, como curador da família, estava amarrado a certas obrigações... Agora está tudo acabado, Julie. Renunciei à posição de curador do fundo Raynald, e não possuo mais ligações com Shelly Sloan. Sabe por quê?

Atônita, Julie soltou-se dos braços dele e fitou-o nos olhos.

— Posso lhe dizer uma coisa antes?

— Claro!

Com voz pausada, Julie revelou o que descobrira a respeito de John e as suas suspeitas de que Shelly a considerava culpada pela morte do irmão.

— Foi exatamente o que eu vim lhe contar, Julie.

— Mas não é verdade! Não tive nada a ver com...

— Eu sei, eu sei. Quando ela soube da morte do irmão, entrou num estado de depressão profunda. Darrel Sloan, seu ma­rido, teve muita paciência durante o ano de terapia, mas quando a depressão cedeu, surgiu uma verdadeira obsessão por vingança. Shelly não pensava em mais nada, muito menos em seu marido ou no casamento. Darrel não agüentou mais e separou-se dela há três meses.

— Deus do céu! E ela me culpa também pela separação?

— Sim... Darrel tentou obrigá-la a voltar para a terapia, porém, não houve condições de se conversar a respeito. Não exis­tia um plano real de vingança; o tornozelo quebrado foi de fato um acidente, mas serviu perfeitamente aos seus propósitos.

— E como você descobriu isso?

— Nesta semana, quando fui entregar-lhe minha demissão, Shelly ficou tão aborrecida que acabou me contando tudo.

— Será que sabendo disso tudo, as coisas ficarão mais fáceis?

— Eu espero que...

Edwin foi interrompido pelo toque do telefone. Julie foi aten­der e voltou com um ar preocupado.

— O que foi, Julie? Há algo errado?

— Era o sr. Birmingham. Shelly retirou a oferta de desistir do processo em troca de minha demissão. Parece que houve algu­ma complicação com o tornozelo quebrado, e talvez ela precise ser operada. Em compensação, ela aumentou a indenização para dois milhões e diz que fará um acordo com o seguro da Keystone se eu for despedida imediatamente. Não entendi exatamente...

— Eu entendo! Ela não precisa do dinheiro, só quer uma coisa. Não tenho escolha agora. , .

Com um gesto decidido, Edwin pegou o telefone e discou para o ex-marido de Shelly, contando-lhe toda a história e pedindo a ajuda dele.

— Há alguma esperança? — Julie perguntou, assim que ele desligou.

— É claro que há esperança, Julie!

Infelizmente, o tom de sua voz não era tão seguro quanto suas palavras...

A lua cheia iluminava o caminho por entre os pinheiros da Floresta Nacional de Arapahoe, tornando a noite perfeita para um passeio de esqui. No entanto, depois da notícia dada pelo sr. Birmingham, nem Edwin nem ela estavam animados quanto às perspectivas para o futuro.

Quando Shelly contara a verdade a Edwin, implorara que ele não revelasse nada a Darrel, pois tinha esperança de reconciliar-se com o ex-marido e sabia que, se ele soubesse das suas inten­ções, nunca mais voltaria para seus braços. Ela acreditava que depois que se saísse vitoriosa, Darrel se convenceria de seu senso de justiça e a premiaria com uma volta ao lar.

Na verdade, mesmo que Shelly atingisse seu objetivo, não haveria a menor chance de reconciliação por parte de Darrel. Por isso, Edwin traíra a confiança dela, revelando tudo a ele, na esperança de que algo pudesse ser feito. Afinal, de todas as pes­soas, ele era o único que exercia uma certa ascendência sobre Shelly.

Agora, Julie e Edwin esquiavam num estado de desânimo com­pleto, sensíveis apenas à magia daquela noite enluarada, que lan­çava seu encanto sobre eles, revigorando suas mentes. Os flocos de neve, iluminados pelo luar, pareciam diamantes faiscantes envolvendo-os numa aura luminosa.

Durante meia hora, os dois esquiaram em silêncio, através de uma trilha bastante conhecida, próxima à casa de Julie. A beleza do cenário, aliada à quietude da noite, convidava à contempla­ção. E Julie, ainda que consciente de seus problemas, sentiu uma grande paz interior, principalmente por ter Edwin ao seu lado.

De repente, Julie parou e fez sinal para que Edwin também não se movesse. A distância, na campina coberta de neve, um rebanho de veados passava correndo.

— Maravilhoso! — exclamou ele, num sussurro, encostando seus ombros nos dela.

Assim que os animais desapareceram, refugiando-se no bos­que, o casal de apaixonados fitou-se e, num entendimento mútuo, retomou o caminho de casa.

Na sala iluminada pelo fogo da lareira, Julie deitou-se no tapete, aninhando-se nos braços de Edwin, que a envolviam de modo protetor.

— Eu a amo tanto, Julie. Acho que me apaixonei por você desde o primeiro momento em que a vi. Você me perdoa por todos os mal-entendidos?

— Precisa perguntar?

— Sim.

— Sinto-me envergonhada pela minha intolerância. Só agora vejo que você fez o que precisava ser feito. Eu o respeito por isso... e o amo ainda mais.

— Você nem imagina como desejei ouvi-la dizer isso, querida. Os dias que passamos separados foram terríveis para mim.

— Para mim também. Nunca mais duvidarei de você, Edwin. Ele a abraçou fortemente, querendo que ela se sentisse segura em sua companhia.

— Ora, ora que coisa prática! Um suéter com zíper — brin­cou ele, abrindo-o.

— Espere até ver o que eu vesti por baixo. Não tem nada de prático — afirmou Julie, mostrando uma grossa blusa de moleton, com gola olímpica.

— Bem, isso já é covardia!

Após tirar seu suéter, ele mordiscou-lhe a ponta da orelha, sussurrando:

— Com qualquer roupa, você é a mulher mais sensual que já conheci.

Com a ponta dos dedos, Edwin lhe acariciava os seios por cima da blusa e, ao sentir seus mamilos enrijecerem, enfiou a mão por debaixo do tecido grosso, tocando-a direto na pele.

Suas cabeças estavam muito próximas e ela o segurou pela nuca, beijando-o com ardor. Então, os lábios másculos desceram por seu pescoço até os seios.

Excitada, Julie gemeu e enfiou a mão por dentro do suéter de Edwin, sentindo vontade de abraçar seu corpo nu.

Percebendo que ela pretendia arrancar-lhe a roupa, Edwin parou seu avanço para ajudá-la. Depois de despi-lo, Julie mos­trou-lhe o quanto o desejava, devorando seu corpo com os lábios, as mãos e os olhos cheios de paixão.

— Você me deixa louco — murmurou ele.

Com agilidade, Edwin levantou-a e deitou-a de costas sobre o tapete, começando a despi-la também.

— Agora é a minha vez.

— Isso não é justo.

— É sim, meu amor.

Segurando-a pelos pulsos, ele fingiu aprisioná-la, enquanto sua língua percorria as linhas firmes dos seios macios.

Em seguida, acabou de despi-la e, deslizando as mãos ao longo das suas coxas, explorou todo seu corpo, tocando-a, beijando-a e acariciando-a.

Não podendo mais resistir, Julie curvou se para frente agarrou-o pelos ombros, ofegante.

— Por favor, Edwin, me possua.

— Assim? — provocou ele, deitando-se sobre seu corpo trê­mulo.

—- Sim... Edwin.

Ele a penetrou lentamente, saboreando a união e adorando a forma como ambos se completavam. Em segundos, a paixão os envolveu, aumentando o ritmo dos corpos e levando-os a atingi­rem a explosão do prazer.

Nesse momento, Julie soube que sempre pertenceria àquele homem, não importando o que o futuro lhe reservasse.

— Você me conquistou por completo, querida — murmurou Edwin, quando deitaram exaustos, um nos braços do outro. — Nunca mais quero me separar de você. Case-se comigo, Julie.

Em resposta, Julie abraçou-o com força, como se tivesse medo de que ele fugisse. Sentia-se da mesma forma que Edwin, com uma única reserva: sem seu trabalho, jamais seria a mesma pes­soa por quem ele estava apaixonado agora.

— Não posso me casar com você, Edwin.

Como se tivesse tomado um choque, ele a soltou bruscamente, fitando-a nos olhos.

— O que está dizendo?

— Sem meu trabalho, serei uma mulher medíocre e infeliz. Por favor, procure entender... você me odiaria. Eu sei o que estou dizendo.

— Ninguém conhece o futuro.

— Mas eu me conheço. Por favor... não falemos mais nisso. Só quero que você saiba que eu o amo e isso basta.

— De jeito nenhum!

Vinte e quatro horas após a súbita partida de Edwin, Julie foi chamada ao escritório do sr. Birmingham e recebeu o aviso prévio de duas semanas que seu contrato rezava. Um sentimento de autopiedade seguiu-a até em casa, onde a lareira permanecia fria e apagada.

Com um nó na garganta, ela ficou sentada na cama, com as pernas cruzadas, olhando fixamente para o espaço. Não conse­guia comer, nem dormir, nem pensar no futuro... Tudo era tristeza. Em seu mundo, não havia lugar para nada, nem nin­guém. Nem para Edwin...

Quando o dia amanheceu, ela se despiu, tomou um banho e vestiu-se novamente para ir trabalhar. Não sentia a menor von­tade de dar aula, e sua desmotivação fora capaz até de destruir o prazer de ensinar.

Os instrutores já estavam cuidando de seus alunos deficien­tes quando Julie chegou. Janice, porém, esperava ansiosamente por ela.

— Você me parece atacada — comentou a garota de treze anos, enquanto Julie prendia-lhe o pé num dos esquis especial­mente projetados.

— Mas não estou!

— Certo! Certo! Desculpe qualquer coisa!

A resposta de Janice provocou um sentimento de culpa em Julie, que procurou se retratar.

— Desculpe-me. Não é com você que estou aborrecida. Va­mos embora?

A paralisia cerebral moderada de Janice fazia do esqui algo bastante difícil para ela. No entanto, sua força de vontade férrea e a autodisciplina guiaram-na repetidas vezes pela encosta abaixo.

Ao longo das últimas semanas, Julie trouxera Janice numa linha dura, obrigando-a a passar de propósito da total aversão para uma firme resolução. Assim, com os músculos fortalecidos, a resistência aumentada e determinação, a garota enfrentava a montanha com a persistência do vento de inverno.

— Levante-se! — gritou Julie, parando ao lado da garota estatelada na neve.

— Espere um pouco!

— Você está aí deitada há tanto tempo que quando se levantar terá esquecido como esquiar.

— Então, está bem. Pode ir e me deixar aqui. Pensa que eu me importo?

— Está ficando preguiçosa, Janice?

— Não, estou cansada de vê-la chateada!

Julie ficou chocada. Depois das palavras ásperas que dissera na chegada, estava certa de que conseguira ocultar sua tristeza, para que a meninada nada percebesse. Talvez o que aborrecesse Janice fosse outra coisa qualquer...

— Janice, você se machucou? — perguntou com delicadeza, ajoelhando-se ao lado da garota.

— Pode ser. Mas não foi nada! — disfarçou, esfregando a perna.

— Deixe-me verificar.

Soltando sua bota, Julie apalpou-lhe a perna e o tornozelo Não parecia haver nada quebrado, mas o tornozelo era uma região delicada, e portanto não convinha arriscar. Mesmo sob protesto, Janice ficou esperando que Julie chamasse a patrulha e pedisse uma maca.

Pouco depois, no ambulatório, um menino com o braço na tipóia aproximou-se para observar, enquanto o dr. White exami­nava o tornozelo de Janice. A curiosidade e a inocência próprias dos seus nove anos de idade levaram-no a perguntar:

— Como você consegue esquiar desse jeito?

Percebendo que ele se referia aos seus pés deformados, Janice deu uma resposta à altura.

— É fácil. Eu uso os esquis na cabeça.

— Não, fale sério.

— Tommy, por que você não espera lá fora?

— Tudo bem, doutor — interveio Janice. — Deixe-o ficar. Ele pode aprender alguma coisa.

— Você consegue mesmo esquiar? — perguntou Tommy.

— Claro!

— Eu não acredito.

— Você acha que eu estaria aqui, com um frio desses, se não esquiasse?

— E por que você faz isso?

— Porque se eu posso enfrentar aquela montanha, posso en­frentar qualquer coisa.

Sorrindo, a garota olhou para Julie, que se comoveu ao reco­nhecer suas próprias palavras.

— Ah, agora entendi!

— Acho que ele aprendeu mesmo alguma coisa — observou Janice, quando o menino saiu da sala.

O médico e Julie trocaram um olhar emocionado.

— Esta garota não tem nada. Ela está ótima — declarou o médico, terminando o exame.

— Quer dizer que preciso voltar para lá e continuar esquian­do? —- brincou Julie. — Esperava tirar uma folga durante o resto do dia!

— Vamos embora, professora.

— Um minuto só. Posso dar um telefonema antes de ir? "Acabei de aprender uma coisa também, e tenho minha pró­pria montanha para conquistar."

— Se você precisa...

— Eu preciso!

Após discar um número com ansiedade, ela ficou à espera.

— Alô — disse uma voz grossa do outro lado da linha.

— Quer se casar comigo?

— Quem está falando? — brincou Edwin.

— A "Boneca de gelo".

— Eu a conheço?

— Melhor do que eu mesma.

— Isso eu posso declarar sob juramento... e aceito.

— O júri está em recesso no momento. Pode repetir essa declaração hoje à noite?

— Haverá testemunhas?

— Nenhuma.

— Então, estarei lá. —- Leve o champanhe.

— Sem dúvida.

— Champanhe? — perguntou o sr. Birmingham, entrando no consultório do médico — Julie, como sabia que tinha algo para comemorar?

— Acabo de ficar noiva, sr. Birmingham.

— Ah, isso merece uma comemoração!

— Eu sei.

Passando por ele, Julie dirigiu-se para a porta.

— Ei, espere um minuto. Não quer ouvir minhas boas no­tícias?

— Ah... certamente.

— Você foi readmitida.

— Eu... como assim, sr. Birmingham?

— O processo foi retirado.

Os olhos de Julie brilharam de espanto.

— O processo de Shelly?

— Isso mesmo. Frank pediu para avisá-la que Darrel reali­zou um milagre. Parece que nem ele entendeu.

Julie abraçou-o, dando-lhe um beijo no rosto. — Sr. Birmingham, eu adoro o senhor!

— O que é isso? Pensei que você estivesse comprometida.

— E readmitida. Obrigada, patrão. — Julie, voltou-se para Janice. — Vamos lá garota. A montanha está à nossa espera. A moleza acabou.

— Ei, você não está mais chateada!

— Mas ficarei se você não colocar já suas botas!

— Feitora de escravos!

— Renegada!

Julie abraçou a menina, ajudando-a a descer da maca e deu-lhe um beijo no alto da cabeça.

Mais tarde, Julie girou a chave e abriu a porta, esperando ser recebida, como sempre, por Nastar. Mas ficou parada, de queixo caído, tamanha a surpresa. Sua sala parecia preparada para uma festa de reveillon, buquês de flores espalhados pelos vasos e, no mínimo, uma dúzia de garrafas de champanhe sobre o apara­dor da sala de jantar. Na mesa ao lado do sofá havia um par de botas vermelhas para esquiar da marca Tant Mieux, novinhas em folha.

Sem acreditar no que via, Julie continuou plantada na porta. Para completar a cena, seu sofá exibia, de um lado ao outro, uma série de retratos feitos em ponto de tapeçaria. Aproximan­do-se, ela se ajoelhou e examinou-os. Todos eram diferentes entre si, mas possuíam um mesmo título: "Boneca de gelo".

— Presente de casamento das crianças — informou Edwin, caminhando em sua direção.

— Mas como eles souberam?

— Eu contei.

— Mas... deve ter levado muito tempo para...

— Mais ou menos um mês.

— Edwin, eu só o pedi em casamento hoje de manhã. Pode me explicar como sabia que...

— Intuição.

— Edwin...

— Está bem! A "Boneca de gelo" há muito tempo me contou. Antes que ela fizesse outras perguntas, Edwin tomou sua boca com um beijo apaixonado, que esclarecia mais do que mil pa­lavras!

 

                                                                               Angel Milan 

 

 

           Biblio"SEBO"

 

 

                                         

O melhor da literatura para todos os gostos e idades