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Anita Blake, caçadora de vampiros, perseguiu e destruiu vários monstros, mas seu antigo mentor, Edward, pode ser pior que qualquer um deles. Edward está com problemas: Uma força maléfica está mutilando os cidadãos de Albuquerque. Se ele quiser impedi-lo vai precisar de todo poder de fogo e astúcia de Anita.
1
Eu estava coberta de sangue, mas não era meu, então estava tudo bem. Não era só o meu sangue, era o sangue dos animais. Se as piores baixas da noite fossem seis galinhas e uma cabra, eu poderia viver com isso, e todos os outros também. Eu tinha levantado sete cadáveres em uma noite. Foi um recorde mesmo para mim.
Cheguei em minha casa ao amanhecer com o céu ainda escuro e cheio de estrelas. Deixei o jipe na calçada, cansada demais para colocá-lo na garagem.
Era Maio, mas parecia Abril. Era primavera em St. Louis, normalmente um evento de dois dias entre o final do inverno e o início do verão. Um dia você estava congelando o traseiro lá fora, no dia seguinte derretendo a oitenta graus. Mas este ano a primavera estava molhada e gentil.
Exceto o elevado número de zumbis que eu tinha levantado, tinha sido uma noite típica. Tive que ressuscitar um soldado da guerra civil para uma sociedade histórica local, um advogado que precisava de uma assinatura final, o último confronto entre um filho e sua mãe abusiva. Eu estava até a garganta de advogados e terapeutas. Se tivesse que ouvir: - Como isso faz você se sentir, Jonathan (ou Cathy, ou seja quem for)? - mais uma vez esta noite, eu gritaria. Eu não queria mais assistir as pessoas falando de seus sentimentos. Pelo menos a maioria dos advogados não vinham para o enterro. O advogado nomeado pelo tribunal teria que determinar se os zumbis ressuscitados tinham a capacidade cognitiva suficiente para saber o que estavam assinando, em seguida, teriam que assinar o contrato como testemunha.
Se o zumbi não pudesse responder as perguntas, a assinatura não teria valor legal. Eu nunca havia levantado um zumbi que não pudesse passar a definição legal de solidez, mas aconteceu algumas vezes. Jamison, um animador companheiro no Inc. Animator, estava acompanhando com um casal de advogados e viu às vias de fato em cima da sepultura. Que divertido.
O ar estava frio o suficiente para me fazer tremer enquanto eu caminhava pela calçada até a minha porta. Eu podia ouvir o telefone tocar enquanto tateava a chave na fechadura. Bati a porta com o meu ombro porque ninguém nunca liga um pouco antes do amanhecer, a menos que seja importante. Para mim, normalmente significava que era a polícia, e isso significa mais uma cena de crime. Chutei a porta fechada e corri para o telefone na cozinha. Minha secretária eletrônica havia sido acionada. Minha voz morreu na máquina e a voz de Edward encheu o ambiente.
- Anita, é Edward. Se você estiver aí, atenda. - Silêncio.
Eu estava correndo e derrapei no meu salto alto, agarrei o aparelho como se deslizasse na parede e quase o deixei cair. Eu gritei fazendo malabarismo com o telefone.
- Edward, Edward, sou eu! Estou aqui!
Edward estava rindo baixinho quando pude finalmente ouvi-lo.
- Ainda bem que você achou divertido. O que é? - Eu perguntei.
- Estou cobrando aquele favor. - ele disse calmamente.
Era a minha vez de ficar em silêncio. Uma vez Edward veio me ajudar como meu guarda-costas, ele trouxe um amigo, Harley, como apoio, mas acabei matando Harley. Embora ele tenha tentado me matar primeiro, eu fui mais rápida, mas Edward teria me matado pessoalmente. Meticuloso e exigente, ele tinha me dado uma escolha: ou sacaríamos nossas armas e descobriríamos de uma vez por todas qual de nós era o melhor, ou eu poderia lhe dever um favor. Algum dia ele me ligaria e pediria que eu fosse seu segurança como Harley. Concordei com o favor. Eu realmente nunca quis chegar aos finalmente contra Edward, porque se fizesse isso tinha certeza que acabaria morta.
Edward era um homem de sucesso. Especializou-se em monstros, vampiros, metamorfos, tudo e qualquer coisa. Havia pessoas como eu que fazia isso legalmente, mas Edward não ligava para legalidade, ética ou o que diabos fosse. Ocasionalmente ele mesmo não era um ser humano, mas apenas se tinham algum tipo de reputação perigosa. Outros assassinos, criminosos, homens maus, ou mulheres. Edward era um assassino em pé de igualdade e oportunidade. Ele nunca discriminou sexo, religião, raça ou mesmo espécies. Se fosse perigoso, Edward iria caçá-lo e matá-lo. É assim que ele vivia, ele era o predador do predador.
Uma vez lhe ofereceram um contrato pela minha vida. Ele veio à cidade como o meu guarda-costas, trazendo Harley com ele. Eu lhe perguntei por que não tinha aceitado o contrato. Sua resposta foi simples. Se ele aceitasse, só mataria a mim. Se me protegesse, ele pensou que poderia matar mais pessoas. É o perfeito raciocínio de Edward.
Ele é um sociopata, ou algo perto disso, mas faz pouca diferença. Eu posso ser uma das poucas amigas que Edward tem, mas é como ser amiga de um leopardo. Ele pode se enrolar no pé da sua cama como um animal de estimação, mas ainda pode comer sua garganta. Só não vai fazê-lo esta noite.
- Anita, você ainda está aí?
- Estou aqui, Edward.
- Você não parece feliz ao me ouvir.
- Vamos apenas dizer que sou cautelosa. - eu disse.
Ele riu de novo.
- Cautelosa. Não, você não é cautelosa. Você está desconfiada.
- Sim. - eu disse. - É sobre aquele favor?
- Eu preciso de sua ajuda. - ele disse.
- O que poderia ser tão terrível para que a "morte" precise da minha ajuda?
- Ted Forrester necessita da ajuda de Anita Blake, executora de vampiros.
Ted Forrester era a identidade legal de Eduard, e eu estava ciente disso. Ted era um caçador de recompensas que se especializou em criaturas sobrenaturais que não eram vampiros. Como regra geral os vampiros eram um item especial, era uma das razões de haver executores de vampiros licenciados. Talvez, apenas os vampiros tenham uma melhor política no hall de entrada, mas qualquer que seja, começam a pressionar mais. Os caçadores de recompensa como Ted, preenchem os espaços em branco entre a polícia e os executores licenciados. Trabalharam principalmente no interior dos estados onde ainda era legal caçar Varmints, espécies que se espalham como praga e matá-los por dinheiro. Entre os Varmints ainda incluía licantropos. Você poderia caçá-los em cerca de seis estados, enquanto um exame de sangue comprova se eram licantropos. Algumas das mortes foram levadas ao tribunal e acabaram sendo impugnada, mas nada mudou em um nível local.
- Então, Ted precisa de mim?
Embora sinceramente tenha ficado aliviada que ele tenha falado de Ted e não de Edward. O nome Edward tinha seu próprio significado, e provavelmente era algo ilegal, talvez até mesmo assassinato. Eu não era uma assassina a sangue-frio. Ainda não.
- Venha para Santa Fé e eu te conto tudo. - ele disse.
- Santa Fé, Novo México?
- Sim.
- Quando? - Eu perguntei.
- Agora.
- Desde que eu vá como Anita Blake, executora de vampiros, e possa mostrar minha licença de carrasco e levar meu arsenal.
- Traga o que você quiser. - disse Edward. - Vou compartilhar meus brinquedos com você quando chegar.
- Eu ainda não dormi. Posso dormir um pouco antes de pegar um avião?
- Pode dormir algumas horas, mas preciso que esteja aqui à tarde. Retiramos os corpos, mas estamos guardando o resto da cena do crime para você.
- Que tipo de cena do crime?
- Eu diria que é assassinato, mas não é bem a palavra certa, massacre,
matança, tortura. - ele disse como se procurasse a palavra em sua mente. - Uma cena de tortura.
- Você está tentando me assustar? - Eu perguntei.
- Não.
- Então, pare o teatro e apenas me diga o que diabos aconteceu.
Ele suspirou, e pela primeira vez, ouvi um cansaço arrastando em sua voz.
- Temos dez desaparecidos. Doze mortes confirmadas.
- Merda. - eu disse. - Por que não ouvi nada no noticiário?
- Os desaparecimentos saíram nos tablóides. Acho que a manchete era: Triângulo das Bermudas no Deserto. Os doze mortos eram de três famílias. Os vizinhos só os encontraram hoje.
- Estavam mortos há quanto tempo? - Eu perguntei.
- Dias, cerca de duas semanas para a outra família.
- Jesus, por que ninguém os encontrou mais cedo?
- Nos últimos dez anos, quase toda a população de Santa Fé foi alterada.
Temos um enorme afluxo de pessoas novas. Várias pessoas têm o que equivale a casas de férias aqui. Os moradores locais chamam os recém-chegados de Californiados.
- Engraçadinho. - eu disse - É onde mora Ted Forrester?
- Sim, Ted vive perto da cidade.
A emoção passou por mim da sola dos meus pés até o topo da cabeça.
Edward era um homem misterioso. Eu realmente não sabia quase nada sobre ele.
- Isso significa que posso ver onde você mora?
- Você vai ficar com Ted Forrester. - ele disse.
- Edward, você está usando a identidade de Ted Forrester. Vou ficar na sua casa, certo?
Ele ficou quieto por um batimento, então disse,
- Sim.
De repente, toda a viagem pareceu muito mais atraente. Eu conheceria a
casa de Edward. Seria capaz de conhecer sua vida pessoal, se ele tivesse
uma. O que poderia ser melhor?
Apenas uma coisa estava me incomodando.
- Quando você disse que as famílias eram vítimas, não inclui as crianças?
- Estranhamente, não. - ele disse.
- Bem, graças a Deus pelas bênçãos dos pequenos.
- Você sempre fala com um toque suave das crianças. - ele disse.
- Será que você realmente não se incomoda ao ver uma criança morta?
- Não.
Eu apenas o ouvi respirar por um segundo ou dois, eu sabia que nada
incomodava Edward. Nada mudou nele. Mas as crianças ... Eu sabia que todo policial odiava ir a uma cena de crime em que a vítima era uma criança. Havia algo de pessoal sobre isso. Mesmo aqueles de nós sem filhos, ficava rígido. Isso em Edward não me incomodava. Engraçado, mas dessa vez me incomodou.
- Incomoda a mim.
- Eu sei. - ele disse - É um dos seus defeitos mais graves. - Havia uma ponta de humor na sua voz.
- O fato de você ser um sociopata, e eu não, é uma das coisas que me
orgulho.
- Você não tem que ser uma sociopata para me apoiar, apenas uma atiradora, e você é Anita. Você mata tão facilmente como eu, se as circunstâncias permitirem.
Eu não tentei argumentar, porque não podia. Decidi me concentrar no
crime, em vez de minha decadência moral.
- Assim, Santa Fé tem uma grande população transitória.
- Não é transitória. - Edward disse. - É móvel, muito móvel. Temos muito
turismo, e muita gente entrando e saindo em uma base semi-permanente.
- Então ninguém sabe sobre seus vizinhos, ou seus horários.
- Exatamente. - Sua voz era suave, vazia, com um segmento de cansaço, mas embaixo de disso tinha outra coisa. Um tom de algo.
- Você acha que há mais corpos, apenas não encontrou ainda. - eu disse. Eu fiz uma declaração. Ele ficou quieto por um segundo, depois disse:
- Você ouviu isso em minha voz?
- Sim. - eu disse.
- Eu não tenho certeza se gosto disso. Você pode me ler muito bem.
- Desculpe. Vou tentar ser menos intuitiva.
- Não se incomode. Sua intuição é uma das coisas que a manteve viva todo esse tempo.
- Você está fazendo uma piada sobre a intuição das mulheres? - Eu perguntei.
- Não, estou dizendo que você é alguém que trabalha com seu instinto, com suas emoções e não com a cabeça. É uma força para você, e uma fraqueza também.
- Você acha que sou compassiva?
- Às vezes, e às vezes você está tão morta por dentro como eu.
Ouvi-lo no estado em que estava era quase assustador. Não que ele estivesse me igualando a ele, mas Edward sabia que alguma coisa tinha morrido
dentro dele.
- Você nunca sentiu falta das partes que se foram?
Foi à coisa mais próxima de uma questão pessoal que eu já lhe perguntei.
- Não, e você?
Eu pensei sobre isso por um momento. Comecei a dizer que sim automaticamente, em seguida, parei. A verdade, a verdade sempre entre nós.
- Não, eu acho que não.
Ele fez um pequeno som, quase um riso.
- Essa é a minha garota.
Fiquei lisonjeada e vagamente irritada, "sua garota". Quando em
dúvida, concentre-se no trabalho.
- De que tipo de monstro estamos falando Edward? - Eu perguntei.
- Eu não tenho idéia.
Isso me fez parar. Por anos Edward tinha caçado criaturas sobrenaturais, muito
mais do que eu. Ele conhecia os monstros quase tão bem como eu, e viajou
o mundo matando esses monstros, assim ele tinha conhecimento em primeira mão das coisas que eu só sabia nos livros.
- O que você quer dizer, você não tem idéia?
- Eu nunca vi nada como essas mortes, Anita.
Eu ouvi uma tendência em sua voz que nunca tinha ouvido. Medo. Edward, cujo apelido entre os vampiros e metamorfos era a Morte, estava com medo. Era um sinal muito ruim.
- Você hesitou Edward. Nem parece você.
- Espere até ver as vítimas. Eu te salvei de ver as cenas do outro crime, mas a última eu mantive intacta, apenas para você.
- A policia local colocou uma fita ao redor da cena do crime e guardou só para mim?
- Os policiais daqui são todos como Ted. Ele é um bom e velho menino. Se Ted lhes diz que você pode ajudar, eles acreditam nele.
- Mas você está aí como Ted Forrester. - eu disse - E você não é um bom e velho menino.
- Mas Ted é. - ele disse, a voz vazia.
- Sua identidade secreta.
- Sim.
- Tudo bem, vou voar para Santa Fé esta tarde, ou no início da noite.
- Vá para Albuquerque. Eu te encontro no aeroporto. Apenas me ligue
quando chegar.
- Eu posso alugar um carro.
- Estarei em Albuquerque cuidando de outros negócios. Não é um problema.
- O que você não está me dizendo? - Eu perguntei.
- Eu, mantendo segredos? - Houve um tom de diversão em sua voz novamente.
- Você é um homem misterioso, Edward. Você ama manter segredos. Te dá uma sensação de poder.
- Será?- ele fez uma pergunta.
- Sim.
Ele riu baixinho.
- Talvez não. Faça a reserva e me ligue informando o tempo de vôo. Eu tenho que ir. - Sua voz era baixa como se alguém tivesse entrado na sala.
Eu não tinha perguntado qual era a urgência. Com dez, doze mortes confirmadas era urgente, e eu não tinha perguntado se ele estaria esperando a minha ligação. Edward que nunca ficava assustado, estava com medo. Ele estaria esperando o meu convite.
2
Descobri que o único vôo saía ao meio-dia, o que significava que eu tinha cerca de cinco horas de sono antes que tivesse que levantar e correr para o aeroporto. Eu também perderia minha aula de Kenpo, um tipo de karatê que eu tinha acabado de começar há algumas semanas. Eu estaria muito melhor na aula do que em um avião. Odeio voar. Aceitei todos os trabalhos fora da cidade que consegui, mas tinha que voar muito. Isso tinha diminuído o meu terror em voar, mas eu ainda era aerofóbica. Odiava estar em um avião pilotado por alguém que eu não conhecia, que eu não tinha testado pessoalmente. Eu só não era o tipo que confiava. O problema são as companhias aéreas. Carregar uma arma escondida em um avião era um pé no saco. Eu tinha que ter o curso de duas horas na FAA para entrar armada no avião. Eu tinha um certificado para provar que tinha feito o curso e não poderia entrar sem ele. Eu também tinha uma carta dizendo que estava em missão oficial, o que me obrigava a carregar uma arma. O Sargento Rudolf (Dolf) Storr, diretor da Equipe Regional de Investigação Sobrenatural, tinha me enviado a carta por fax com o timbre da força-tarefa, isso sempre impressionava. Algum policial de alta patente tinha que me dar algo para legitimar a minha situação. Se fosse assunto policial, mesmo que Dolf não estivesse diretamente envolvido, ele costuma me dar o necessário. Se Edward tivesse me chamado para ajudar em um caso extra-oficial, ou seja, ilegal, eu teria evitado Dolf. O Sr. Lei e Ordem não era realmente um amante de Edward, opa, Ted Forrester. Ted sempre estava envolvido quando havia corpos no chão e Dolf não confiava nele.
Não olhei pela janela. Eu li e tentei fingir que estava em um ônibus abarrotado. Finalmente descobri que uma das razões de não gostar de voar é que eu também tinha claustrofobia. Um total de 727 passageiros estavam perto o suficiente para tornar difícil respirar. Eu estava lendo Sharon Shinn. Era uma das autoras que eu confiava para prender minha atenção mesmo a centenas de metros acima do chão, com uma folha de metal fina entre eu e a eternidade. Então não posso dizer como Albuquerque se parece vista do alto, e a passarela que leva ao aeroporto era como todos os outros que eu já andei. Mesmo no túnel você podia sentir o calor premente como uma mão gigante pairando sobre o plástico fino. Pode se primavera em St. Louis, mas era verão em Albuquerque. Olhei para a multidão tentando encontrar Edward, e realmente tinha passado por ele uma vez antes de percebe-lo. Parte disso foi o fato de que ele estava usando um chapéu de vaqueiro. Havia um leque de penas dobradas para a frente na lateral do chapéu, tinha a aparência de um chapéu bem gasto. A aba estava curvada para trás dos dois lados como se tivesse trabalhado no material rígido até que o brim tivesse formado uma nova forma sob o constante manuseio de suas mãos. Sua camisa era branca e de mangas curtas, como algo que você compra em qualquer loja de departamento. Foi combinado com jeans azul escuro que parecia nova e um par de botas velhas.
Botas? Edward? Ele nunca me impressionou como um menino do interior. Não, definitivamente um companheiro da cidade, mas lá estava ele, olhando de forma baixa, familiar e confortável. Ele não se parecia com Edward até que encontrei seus olhos. Envolva-o em qualquer disfarce que quiser, você pode vesti-lo como o Príncipe Encantado da Disney, mas contanto que você pudesse olhar seus olhos, você ainda correria gritando.
Seus olhos são azuis e frios como o céu de inverno. Ele é o epítome do homem branco, anglo-saxão e protestante com seus cabelos loiros e palidez esbelta. Ele pode parecer inofensivo se ele quiser. É um ator consumado, mas a menos que se esforçasse para isso, seus olhos o entregariam. Se os olhos são o espelho da alma, então Edward está com problemas porque ninguém está em casa.
Ele sorriu para mim e descongelou seus olhos para algo próximo do calor. Ele estava feliz em me ver, genuinamente feliz. Ou, tão feliz como sempre foi. Isso não era reconfortante. De certa forma era irritante, porque uma das principais razões de Edward gostar de mim é que juntos sempre matamos mais do que separados. Ou pelo menos eu faço. Por tudo que eu sabia, Edward poderia derrubar um exército inteiro quando não estava comigo.
- Anita.
- Edward. - Eu disse.
Ele deu um pequeno sorriso.
- Você não parece feliz em me ver.
- A sua felicidade em me ver me deixa nervosa. Você está aliviado porque estou aqui, e isso me assusta.
O sorriso desvaneceu-se, e eu assisti todo o humor, todas as boas-vindas, fugindo de seu rosto como a água deixando um vidro através de uma rachadura.
- Eu não estou aliviado. - ele disse, mas sua voz era muito branda.
- Mentiroso. - eu disse.
Eu gostaria de dizer baixinho, mas o barulho do aeroporto era como a queda do oceano, um rugido contínuo.
Ele olhou para mim com aqueles olhos impiedosos e deu um pequeno aceno. Um reconhecimento de que estava aliviado por estar aqui. Talvez ele tivesse verbalizado, mas de repente apareceu uma mulher ao seu lado. Ela estava sorrindo, seus braços deslizando em torno dele até abraçá-lo. Ela parecia estar na casa dos trinta, mais velha que Edward, embora eu não tenha certeza da sua idade verdadeira. Seu cabelos era curto, marrom. Ela quase não usava nenhuma maquiagem, mas ainda era encantadora. Pelas linhas em seus olhos e boca eu calculava que ela tinha de trinta a quarenta e alguma coisa. Era menor do que Edward, e mais alta que eu, mas ainda era pequena. Ela tinha um bronzeado mais escuro do que era saudável, isso provavelmente explicava as linhas em seu rosto, mas havia uma força tranquila enquanto sorria para mim segurando o braço de Edward.
Ela usava calça jeans tão limpa que deve ter sido prensada, uma camisa branca de mangas curtas, transparente o suficiente para deixar aparecer o sutiã, e uma bolsa de couro marrom quase tão grande quanto a minha bagagem de mão. Eu me perguntei por um segundo se Edward a tinha tirado de um avião também, mas havia algo muito fresco e sem pressa sobre ela. Ela não teve de sair de um avião.
- Eu sou Donna, você deve ser Anita. - Ela estendeu a mão, e eu aceitei.
Ela tinha um aperto de mão firme, e sua mão não era mole. Ela também sabia como agitar as mãos. A maioria das mulheres não tinham jeito com isso. Gostei dela instantaneamente, instintivamente, e duvidei do sentimento rapidamente.
- Ted falou muito sobre você. - disse Donna.
Olhei para Edward. Ele sorria, e até mesmo seus olhos estavam cheios de humor. Todo o conjunto do rosto e do corpo havia mudado. Ele estava ligeiramente torto, e o sorriso era preguiçoso. Ele vibrou com o charme do bom e velho menino. Era um grande desempenho, como se tivesse trocado de pele com alguém.
Olhei para Edward/Ted e disse:
- Ele falou muito sobre mim?
- Oh, sim. - disse Donna tocando meu braço enquanto ainda estava agarrada a Edward.
Claro, era um toque casual. Meus amigos Metamorfos ainda estavam me acostumado a esse negócio de toque, mas eu ainda não era muito boa nisso. O que o diabos Edward/Ted estava fazendo com essa mulher?
Edward falou com um ligeiro sotaque do Texas, como uma fala arrastada, sua voz tinha um sotaque antigo, quase esquecido. Edward não tinha sotaque algum. Sua voz era uma das mais limpas e mais difíceis de identificar que eu já tinha ouvido falar, como se sua voz nunca tivesse passado por lugares e pessoas que viu.
- Anita Blake, quero que você conheça Donna Parnell, minha noiva.
Meu queixo caiu no tapete, fiquei boquiaberta com a notícia. Eu costumava ser um pouco mais sofisticada do que isso, ou pelo menos mais educada. Eu sabia que o choque e o espanto aparecia em meu rosto, mas não podia fazer nada. Donna riu, e foi uma boa risada, quente e suave, uma risada de boa mãe. Ela apertou o braço de Edward.
- Oh, você estava certo, Ted. A reação dela valeu a pena.
- Eu te disse, docinho. - Edward disse abraçando-a e plantando um beijo no alto de sua cabeça.
Fechei a boca e tentei me recuperar. Eu consegui balbuciar:
- Isso é... ótimo. Eu... quer dizer... realmente ... Eu. .. - Finalmente estendi a mão e disse. - Parabéns.- Mas eu não conseguia dar um sorriso.
Donna usou o aperto de mão para me puxar para um abraço.
- Ted disse que você nunca acreditaria que ele finalmente concordou em dar o nó. - Ela me abraçou novamente, rindo. - Mas, meu Deus, menina, nunca vi tal choque. - Ela recuou para os braços de Edward/Ted com seu rosto sorridente.
Não sou uma atriz tão boa quanto Edward. Levei anos para aperfeiçoar um rosto em branco e muito mais para esconder a mentira pela expressão facial e linguagem corporal. Então mantive meu rosto em branco e tentei dizer a Edward com meus olhos que ele tinha algumas explicações a dar.
Com o rosto ligeiramente virado para Donna, ele me deu o seu sorriso secreto que me irritava. Edward estava desfrutando da surpresa. Droga.
- Ted, onde estão os seus costumes. Leve a bagagem da Anita. - disse Donna.
Edward e eu olhamos para a pequena bolsa que eu tinha em minha mão esquerda. Ele me deu o sorriso de Ted, mas tinha tudo a ver com Edward.
- Anita gosta de levar sua própria bagagem.
Donna olhou para mim esperando uma confirmação como se isso não pudesse ser verdade. Talvez ela não fosse tão forte e independente como pensei, ou talvez ela fosse uma década mais velha do que parecia. Uma geração diferente, você sabe.
- Ted tem razão, eu gosto de levar minhas bolsas. - eu disse colocando uma tônica muito forte em seu nome.
Donna parecia querer corrigir o meu modo de pensar, mas era educada demais para dizer isso em voz alta. A expressão, não o silêncio, lembrou-me de minha madrasta Judith. O que me fez calcular a idade de Donna próximo dos cinquenta. Estava bem preservada para uma cinquentona, ou quarenta e alguma coisa, ou trinta e alguma coisa. Eu simplesmente não podia calcular.
Andaram na minha frente no aeroporto de braços dados. Segui atrás deles, não porque minha mala estava pesada demais, mas porque eu precisava de alguns minutos para me recuperar. Vi Donna encostar a cabeça no ombro de Edward, virando o rosto para ele, sorrindo, brilhando. Edward/Ted curvado sobre ela, sussurrando algo que a fazia rir.
Eu ia ficar doente. Que diabos Edward estava fazendo com essa mulher?
Ela era outra assassina, ou uma boa atriz como ele? De alguma forma acho que não. Se ela fosse exatamente o que aparecia, era uma mulher apaixonada por Ted Forrester, que não existia, eu chutaria o traseiro metafórico de Edward. Como ele ousava envolver uma mulher inocente em seu disfarce! Ou isto era um pensamento muito estranho, ou Edward/Ted estava realmente apaixonado? Se você me perguntasse a dez minutos atrás, eu teria dito que ele não era capaz de tal profundidade de emoções, mas agora. . . Agora, eu estava simplesmente confusa.
O aeroporto de Albuquerque quebrou minha regra de que todos os aeroportos eram quase idênticos e que não se pode realmente dizer em que parte do país, ou mesmo do mundo, você está apenas a partir do aeroporto. Se há enfeites, eles são geralmente de uma cultura totalmente diferente, como barras de navegação com motivos marinhos. Mas não aqui.
Aqui não havia indícios do sabor sudoeste como os outros lugares. O azulejo multi-colorido ou pintura inclinada para o azul-turquesa e azul cobalto forrava a maioria das lojas e fachadas. Uma pequena loja vendia uma jóia de prata no meio dos grandes corredores que ligavam os portões para o resto do aeroporto. Tínhamos deixado a multidão para trás e com ele o barulho. Nos movemos num mundo de silêncio ordenado, agravado pelo branco das paredes e as grandes janelas de cada lado.
A cidade de Albuquerque se esticava fora das janelas como uma grande planície, com um anel de montanhas negras na borda, como o pano de fundo para um jogo, de alguma forma irreal. O calor pressionava mesmo através do ar condicionado, não muito quente, mas nos deixava saber como seria. A paisagem era totalmente estranha, acrescentando a minha sensação de ter sido deixada à deriva. Uma das coisas que gostava em Edward é que ele nunca mudava. Ele era o que era, confiável em seu modo psicótico, tinha me atirado uma bola curva tão selvagem que eu nem sequer sei como desviei dela.
Donna parou e virou, puxando Edward com ela.
- Anita, essa bolsa parece ser muito pesada para você. Por favor, deixe Ted carregá-la. - Ela deu-lhe um pequeno impulso.
Edward caminhou em minha direção. Mesmo de pé, ele parecia estar em marcha como alguém que passou muito tempo a cavalo ou em um barco. Ele manteve o sorriso de Ted em seu rosto. Apenas os olhos se mostravam através da máscara. Aqueles olhos estavam mortos, vazio. Não brilhavam com o amor em si. Droga. Na verdade, ele esticou a sua mão e começou a fechar no meu punho.
Eu sibilei,
- Não. - Deixei uma palavra segurar toda a raiva que estava sentindo.
Seus olhos se arregalaram um pouco, e ele sabia que eu não estava falando apenas da bagagem. Ele endireitou-se e se voltou para Donna.
- Ela não quer minha ajuda. - Ele colocou ênfase na palavra "minha".
Ela suspirou e caminhou de volta para nós.
- Você está apenas sendo teimosa, Anita. Ted e eu vamos ajudá-la.
Olhei para ela e sabia que meu rosto não era neutro, eu não poderia esconder toda a raiva da minha cara.
Os olhos de Donna se arregalaram um pouco.
- Eu a ofendi de alguma forma? - ela perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Não estou chateada com você.
Ela olhou para Edward.
- Ted, querido, acho que ela está com raiva de você.
- Acho que você está certa. - Edward disse. Seus olhos tinham voltado a brilhar com amor e bom humor.
Tentei salvar a situação.
- Acho que Ted deveria ter me dito sobre o noivado. Eu não gosto de surpresas.
Donna colocou a cabeça para um lado, dando-me um longo olhar. Ela começou a dizer alguma coisa, então pareceu pensar melhor.
- Bem, eu vou tentar me certificar que não tenha mais surpresas. - Ela acomodou-se um pouco mais no braço de Edward, e ao olhar em seus olhos castanhos percebi que estava um pouco menos amigável do que antes.
Percebi com um suspiro que Donna pensou que eu estava com ciúmes. Minha reação não era normal para uma simples amiga e companheira de negócios. Como não poderia dizer a verdadeira razão de estar estava chateada, deixei passar. Melhor ela pensar que eu e Ted tínhamos alguma coisa, que a verdade. Embora eu tenha certeza que ela preferiria que tivéssemos sido amantes do que saber a verdade sobre Ted. Ela estava apaixonada por um homem que não existia, não importa o quão real o braço que estava segurando possas parecer.
Apertei minha bolsa e fiquei ao lado de Donna quando andamos no aeroporto. Ela não estava confortável comigo a reboque, então fui para trás e me mantive assim. Não sou muito de falar, mas agora não conseguia pensar em coisa alguma para dizer, então ficamos em um silêncio que crescia progressivamente, e se tornava incômodo para mim e para Donna, ela porque ela era uma mulher e naturalmente amigável. Eu, porque sabia que o silêncio a deixaria desconfortável.
Ela quebrou o silêncio primeiro.
- Ted me disse que você é uma animadora e caçadora de vampiros.
- Eu prefiro algoz de vampiro, mas sim.- Era uma tentativa desesperada de ser educada, perguntei: - O que você faz?
Ela piscou para mim com um sorriso brilhante, que ia de um lado ao outro de sua boca, oh, tão pouco batom. Eu fiquei contente por estar sem maquiagem. Talvez isso a ajudasse a perceber que eu não era uma "ex" de Edward / Ted.
- Eu tenho uma loja em Santa Fé.
Eduard acrescentou:
- Ela vende parafernália psíquica. - Ele me deu um sorriso por cima de sua cabeça. Meu rosto estava endurecido, e lutei para mantê-lo em branco.
- Que tipo de parafernália?
- Cristais, baralhos, livros, tudo e qualquer coisa que me lembre fantasia.
Eu queria dizer: - Mas você não é psíquica. - mas não disse. Conheci pessoas que estavam convencidas de que tinham dons psíquicos, quando na verdade não tinham. Se Donna era uma das iludidas com o sucesso, eu estava para estourar sua bolha? Em vez disso, eu disse:
- Santa Fé tem um bom mercado para esse tipo de coisa?
- Oh, costumava haver um grande número de lojas como a minha em Santa Fé, mas os impostos sobre a propriedade dispararam e a maioria dos novos médiuns se mudaram para Taos. A energia de Santa Fé mudou nos últimos cinco anos. Ainda é um lugar muito positivo, mas Taos tem uma energia melhor agora não, sei por quê.
Ela falou sobre "energia" como se fosse um fato aceito, e não tentou explicá-lo, como se eu entendesse. Ela achava, como tantas pessoas faziam, que se você era psíquico o suficiente para levantar os mortos, seria em outras áreas também.
Muitas vezes isso era verdade, mas nem sempre. O que ela chamou de "energia", eu chamo de "sensação" de um lugar. Alguns lugares simplesmente não têm uma "sensação" boa ou ruim, energização ou drenagem. A velha ideia de "genius loci" estava viva e bem no movimento new age sob um nome diferente.
- Você lê cartas? - Eu perguntei, era uma maneira educada de descobrir se ela acreditava que tinha poderes.
- Oh, não. - disse Donna. - Meus talentos são muito pequenos. Eu adoraria ser capaz de ler placas ou cristais, mas sou apenas uma amadora. Meu talento nesta vida é ajudar outros a descobrirem seus pontos fortes.
Parecia algo que um terapeuta que acredita em vidas passadas diria. Eu tinha me reunido com muitos deles nas sepulturas para conhecer a linguagem.
- Então você não é um psíquico. - eu disse, só queria ter certeza de que ela sabia disso.
- Oh, céus, não.
Ela balançou a cabeça para dar ênfase, e notei seus pequenos brincos de ouro em forma de cruz egípcia.
- Normalmente as pessoas que entram nesse tipo de negócio são. - eu disse.
Ela suspirou.
- Uma vidente me disse que estou bloqueada nesta vida por causa do desvio de meus dons. Ela diz que da próxima vez serei capaz de trabalhar com mágica.
Novamente ela achava que eu acreditava em reencarnação e terapia de vidas passadas, provavelmente por causa do que eu fazia na vida. Ou isso, ou Edward / Ted tinha mentindo para ela sobre mim, apenas para se divertir. Mas eu não queria ressaltar que era uma Cristã e que não acredito em reencarnação. Afinal, há várias religiões no planeta que acreditam. Quem sou eu para usar trocadilho?
Eu apenas não poderia ajudar na próxima pergunta.
- E você conheceu Ted em uma de suas vidas passadas?
- Não, na verdade ele é novo para mim, embora Brenda diga que ele é muito velho de alma.
- Brenda, sua psíquica? - Eu perguntei.
Ela concordou.
- Eu concordo com a parte da alma velha. - eu disse.
Edward me olhou sobre a cabeça dela. Foi um olhar desconfiado.
- Você sentiu isso também, é a maneira como ele vibra. Isso é o que Brenda diz, como um sino grande e pesado em sua cabeça sempre que ele está por perto.
Era mais provável que ela sentisse os alarmes, pensei. Em voz alta eu disse,
- Às vezes você pode fazer sua alma pesar em uma vida.
Ela me deu um olhar perplexo. Ela não era estúpida. Havia inteligência naqueles olhos castanhos, mas era ingênuo. Donna queria acreditar. Ela fazia o tipo fácil para um certo tipo de mentiroso como pretensos videntes e homens do tipo de Edward. Homens que mentiam sobre quem, e o que eram.
- Eu gostaria de encontrar Brenda antes de voltar para casa. - eu disse.
Edward arregalou os olhos quando ela não podia vê-los. Donna sorriu deliciada.
- Eu gostaria de apresentar vocês duas. Ela nunca conheceu um animador antes. Eu sei que ela adoraria conhecê-la.
- Aposto que sim. - eu disse.
Eu queria conhecer Brenda, porque queria ver se era realmente uma vidente ou apenas uma charlatã. Se ela estava divulgando habilidades que não possuía, era crime, e eu odiava ver supostos médiuns tirar vantagem das pessoas. Era surpreendente para mim o número de farsantes que conseguiam prosperar. Estávamos passando por um restaurante decorado com mais azulejos azuis com pequenas flores pintadas nas bordas. Havia um mural em uma parede mostrando conquistadores espanhóis de bombachas e índios americanos. Descemos as escadas rolantes, eu ainda estava conseguindo equilibrar minha bagagem de mão sem nenhum problema.
Havia um banco de um lado.
- Deixe-me tentar falar com as crianças mais uma vez. - disse Donna.
Ela beijou a bochecha de Edward e afastou-se em direção aos telefones antes que eu pudesse reagir.
- Crianças? - Eu perguntei.
- Sim. - ele disse, a voz cuidadosa.
- Quantos?
- Dois.
- Idade?
- Rapaz, catorze; menina, seis. - ele disse.
- Onde está o pai?
- Donna é viúva.
Olhei para ele, e o olhar foi suficiente.
- Não, eu não fiz isso. Ele morreu anos antes de conhecer Donna.
Eu fiquei próxima a ele, virando as costas para que ela não visse o meu rosto do telefone público.
- Que tipo de jogo é esse, Edward? Ela tem filhos, esse tipo de coisa me faz engasgar. O que você estava pensando?
- Donna e Ted namoram há cerca de dois anos. Eles são amantes. Ela esperava que ele a peça em casamento. - Seu rosto ainda tinha o sorriso de Ted, mas a voz era de fato e totalmente sem emoção.
- Você está falando de Ted na terceira pessoa, Edward.
- Você vai ter que começar a me chamar de Ted, Anita. Se não tornar um hábito, vai esquecer.
Cheguei perto dele em relativo silêncio, baixando a voz a um furioso sussurro.
- Foda-se. Ele é você, e você está bancando o noivo. Vai se casar com ela?
Ele deu de ombros.
- Merda. - eu disse. - Você não pode. Você não pode se casar com esta mulher.
Seu sorriso aumentou e ele pisou para mim segurando as mãos de Donna. Ele beijou-a e perguntou:
- Como estão os pequenos? - Ele a virou nos braços para que ficassem meio-abraçados e se afastassem de mim. O rosto de Ted estava relaxado, mas seus olhos estavam me avisando "Não se meta nisso". Era importante para ele por algum motivo.
Donna virou para que pudesse ver o meu rosto, e eu lutei para deixar o rosto em branco.
- O que vocês dois estavam cochichando tão urgentemente?
- Sobre o caso. - Edward disse.
- Oh, ursinho. - disse ela.
Eu levantei as sobrancelhas para Edward. Oh, ursinho?! O homem mais perigoso que eu já encontrei estava ligado a mãe de duas crianças que dizia coisas como: - Oh, ursinho.- Era muito estranho.
Os olhos de Donna se arregalaram.
- Onde está a sua bolsa? Você deixou no avião?
- Eu não trouxe uma. - eu disse.
Ela me olhou como se eu tivesse falado em outra língua.
- Meu Deus, eu não saberia o que fazer sem a minha monstruosidade a reboque. - Ela puxou a bolsa enorme para frente. - Eu sou um rato num bloco.
- Onde estão seus filhos? - Eu perguntei.
- Com os meus vizinhos. Eles são um casal de aposentados e se dão muito bem com a minha menina, Becca. - Ela franziu a testa.- Evidentemente, nada parece fazer Peter feliz agora. - Ela olhou para mim.- Peter tem quatorze anos, e parece ter atingido a adolescência como vingança. Todo mundo me disse que os adolescentes são difíceis, mas nunca imaginei o quanto.
- Ele se meteu em encrencas? - Eu perguntei.
- Não realmente. Quero dizer, ele não é nenhum criminoso. - Ela acrescentou a última palavra um pouco rápido demais. - Ele apenas parou de me ouvir. Há duas semanas ele deveria chegar em casa e tomar conta de Becca. Em vez disso, ele foi para a casa de um amigo. Quando cheguei em casa após fechar a loja, a casa estava vazia, e eu não sabia onde nenhum dos dois estavam. Os Henderson tinham saído, então Becca não estava lá. Deus, eu estava frenética. Outro vizinho ficou com ela, se não a tivessem levado para casa, eu teria andado pela vizinhança por horas. Peter chegou em casa e não estava arrependido. Até o momento dele chegar, me convenci que tinha sido sequestrado por alguém e morto dentro de uma vala em algum lugar. Então, ele simplesmente chegou como se não tivesse feito nada de errado.
- Ele ainda está de castigo? - Eu perguntei.
Ela balançou a cabeça, o rosto muito firme.
- Pode apostar que sim. Estabelecido por um mês, tirei todos os privilégios em que pude pensar e mantive longe dele.
- O que ele pensa de você e Ted se casarem? - A questão era sádica, e eu sabia disso, mas simplesmente não podia evitar. Donna parecia aflita, realmente atingida.
- Ele não está muito interessado na idéia.
- Interessado? Bem, ele tem catorze anos e é um menino. - eu disse. - Ele é obrigado a se ressentir se um outro macho entra em seu território.
Donna concordou.
- Sim, e eu tenho medo.
Ted a abraçou.
- Vai dar tudo certo, docinho. Peter e eu vamos chegar a um acordo. Não se preocupe.
Eu não gostei da frase usada por Edward. Eu vi seu rosto, mas não podia ver por trás de sua máscara de Ted. Era como se por alguns minutos, em um momento ele simplesmente desaparecesse em seu alter ego. Eu tinha chegado a menos de uma hora e sua representação de "O médico e o Monstro" já estava começando a me dá nos nervos.
- Você tem mais bagagem ? - Edward perguntou.
- Claro que tem. - disse Donna. - Ela é uma mulher.
Edward deu uma pequena risada que era mais do que seu próprio Ted. Foi um pequeno som que fez Donna olhar para ele e me fez sentir melhor.
- Anita não é como qualquer outra mulher que eu já conheci.
Donna deu-lhe um outro olhar. Edward tinha formulado dessa forma de propósito. Ele pegou seu raciocínio ciumento como eu, e agora estava se aproveitando disso. Era uma maneira de explicar a minha reação estranha a notícia de noivado sem risco de acabar com o disfarce. Acho que eu não podia culpá-lo, mas de certa forma eu sabia que era vingança pela minha falta de habilidade social. Seu disfarce era muito importante para que ele deixasse Donna pensar que um dia fomos um casal, o que significava que eu era bonita e importante para ele. Edward e eu nunca tínhamos tido um único pensamento romântico em nossas vidas.
- Eu tenho mais bagagem. - eu disse.
- Viu! - disse Donna, puxando seu braço.
- A bagagem de mão não poderia guardar todas as armas.
Donna parou no meio da frase, depois virou lentamente e olhou para mim. Edward e eu paramos de andar, porque ela tinha parado. Seus olhos estavam um pouco arregalados. Ela parecia ter prendido a respiração, ficou olhando para mim, mas não para o meu rosto. Se fosse um homem, eu poderia acusa-lo de olhar para os meus peitos, mas não era exatamente o que estava olhando. Eu seguiu seu olhar e descobri que minha jaqueta tinha deslizado para trás, por cima do meu lado esquerdo expondo a minha arma. Deve ter acontecido quando arrumei a bagagem de mão saindo da escada rolante. Fui negligente. Geralmente sou muito cuidadosa sobre expor o meu arsenal em público, ele tende a deixar as pessoas nervosas, como agora. Desloquei a mala para que a minha jaqueta deslizasse para trás sobre o coldre de ombro como uma cortina caindo de volta no lugar.
Donna respirou rapidamente, piscou, e olhou para meu rosto.
- Você realmente tem uma arma. - Sua voz tinha uma espécie de admiração.
- Eu disse que ela tinha. - disse Edward com sua a voz de Ted.
- Eu sei, eu sei. - disse Donna. Ela balançou a cabeça. - Eu apenas nunca conheci uma mulher que. . . Você mata tão facilmente como Ted?
Era uma pergunta muito inteligente, e significava que ela tinha prestado muito mais atenção no verdadeiro Edward do que eu acreditava. Então respondi a questão com a verdade.
- Não.
Edward a abraçou, me advertindo com os olhos sobre sua cabeça.
- Anita não acredita que os metamorfos são animais. Ela ainda pensa que os monstros podem ser salvos. Às vezes ela tem muitos escrúpulos.
Donna me encarou.
- Meu marido foi morto por um lobisomem. Ele foi morto na minha frente e na de Peter, ele tinha apenas oito anos.
Eu não sei qual a reação que ela esperava, por isso eu não lhe dei nenhum. Meu rosto estava neutro, interessado, longe de parecer chocado.
- O que te salvou?
Ela balançou a cabeça lentamente, entendendo a questão. Um lobisomem rasgou seu marido na frente dela e de filho, mas eles ainda estavam vivos e o marido não estava. Algo tinha intercedido, algo que os salvou.
- John, meu marido, tinha um rifle com balas de prata. Ele deixou cair a arma no ataque. Ele havia ferido o monstro, mas não o suficiente. - Os olhos dela estavam distantes com a lembrança. Ficamos no brilhante aeroporto, três pessoas amontoadas em um pequeno círculo de silêncio olhando para os olhos arregalados de Donna. Eu não tive que olhar para Edward para saber que seu rosto era tão neutro quanto o meu. Ela tinha caído no silêncio, o horror ainda muito fresco em seus olhos. O olhar era o suficiente. O pior ainda estava por vir, ou pior para ela. Algo que ela se sentia culpada.
- John tinha mostrado a Peter como disparar a arma na semana anterior. Ele tinha treinado tão pouco, mas deixei-o pegar a arma. Deixei que ele disparasse naquele monstro. Deixei-o ficar de frente com aquela coisa, enquanto eu apenas fiquei amontoada no chão, congelada.
Então era isso. Esse era o verdadeiro horror de Donna. Ela permitiu que seu filho a protegesse. Permitindo a seu filho assumir o papel de adulto protetor no rosto de um pesadelo. Ela falhou no grande teste, e Peter teve que passar para a vida adulta na tenra idade. Não admira que ele odiasse Edward. Peter tinha ganhado o direito de ser o homem da casa. Ele ganhou no sangue, e agora sua mãe iria se casar. Sim, certo.
Donna virou os olhos assombrados para mim. Ela piscou e parecia estar lembrando do passado, como se fosse um esforço físico. Ela não tinha feito as pazes com a cena, ou não teria ficado tão vívida. Se você quiser ficar em paz, pode contar as histórias mais horríveis, como se tivesse acontecido a outra pessoa, sem emoção. Ou talvez não encontrar a paz, e ainda contar como se fosse uma história interessante que aconteceu há muito tempo, nada importante. Eu vi policiais beberem antes da dor começar a se derramar em suas histórias.
Donna ainda sentia a dor, Peter também. Edward não sentia nada. Olhei para cima, para ele, o rosto de Donna estava horrorizado. Os olhos de Edward estavam vazios quando olhou para mim, a espera e paciente como qualquer predador. Como ele ousava entrar em suas vidas desse jeito! Como ele ousava lhes causar mais dor! Independente do que aconteceu, se ele se casasse com ela ou não, seria doloroso. Doloroso para todos, menos para Edward. Embora talvez eu pudesse consertar isso. Donna fodeu sua vida, talvez eu pudesse estragar a dele. Sim, eu gostava disso.
Meus olhos devem ter brilhado por um segundo ou dois, porque os olhos de Edward se estreitaram, e por um momento senti que ele poderia arrepiar a minha espinha com apenas um olhar. Ele era um homem muito perigoso, mas para proteger a família eu testaria seus limites. Edward tinha finalmente encontrado algo que me chateasse, talvez o suficiente para pressionar um botão que eu nunca quis tocar. Ele deveria deixar Donna e sua família em paz. Ele deveria sair de suas vidas. Eu gostaria de vê-lo fora de suas vidas, ou outra coisa. E só há um "se não" quando se lida com Edward. A morte.
Olhamos um para o outro sobre a cabeça de Donna enquanto ele a abraçou, acariciando seus cabelos, dizendo palavras de consolo para ela. Mas seus olhos, seu rosto, estavam focados em mim, e eu sabia enquanto olhávamos um para o outro, que ele sabia exatamente o que eu estava pensando. Ele sabia a que conclusão eu cheguei, embora possa não entender por que o seu envolvimento com Donna e seus filhos foi a gota d'água. Mas o olhar em seus olhos era o suficiente. Eu sabia o que tinha que fazer. Eu sabia que podia olhar para o cano de uma arma e atirar em Edward, e não teria como objectivo apenas feri-lo. Era como um peso frio dentro do meu corpo, uma garantia que me fez sentir mais forte e um pouco menos solitária. Edward salvou a minha vida mais de uma vez. Eu salvei a vida de Edward mais de uma vez. No entanto ... ainda ... sentiria falta de Edward, mas eu o mataria se tivesse que fazer. Edward me perguntou por que sou tão solidária com os monstros. A resposta é simples. Porque sou um deles.
3
Caminhamos para fora, e um vento quente soprava contra a nossa pele. Eu tinha a sensação de um calor intenso, e considerando que estávamos apenas em Maio, provavelmente seria um verão realmente escaldante quando o verdadeiro verão finalmente chegasse. Mas é melhor um clima úmido, do que seco. Na verdade, uma vez que você sai para a luz do sol acaba se acostumando ao calor. Esta foi à primeira sensação que tive nos primeiros quinze minutos, Sant Louis teria de oitenta a noventa por cento de umidade. Claro, isso significava que eu estaria indo para casa. Se eu realmente entendesse alguma coisa sobre Edward, era uma opção discutível. Havia uma possibilidade muito real que ele me matasse. Eu esperava, realmente esperava, que pudéssemos conversar longe de Donna e sua família sem recorrer à violência.
Talvez o calor não parecesse ruim por causa da paisagem. Albuquerque era uma planície vazia ao redor de montanhas negras, como se tudo de valor tivesse sido roubado e os resíduos agrupados naquelas montanhas esquecidas como montes gigantescos de carvão. Sim, parecia uma grande área de exploração de minério, senti isso na ruína e desolação, de coisas estragadas, e uma hostilidade alienígena, como se você não fosse bem-vindo. Acho que Donna diria que era uma energia ruim. Eu nunca senti, em lugar algum, tanta estranheza instantânea. Edward estava carregando duas malas que tinham saído da esteira. Normalmente, eu teria segurado uma, mas não agora. Agora eu queria que ele ficasse com as mãos cheias, com algo além de suas armas. Eu queria que ele estivesse em desvantagem. Eu não iniciaria um tiroteio no caminho até o carro, mas Edward é mais prático do que eu. Se ele decidisse que eu representava mais perigo do que ajuda, talvez ele fosse capaz de providenciar um acidente no caminho até o carro. Seria difícil com Donna a reboque, mas não impossível. Não para Edward.
Foi por isso que eu o deixei passar na minha frente e me coloquei às suas costas em vez dele na minha. Não era paranóia, não com Edward. Com ele você simplesmente pensava em sobrevivência.
Edward deixou Donna ir à nossa frente para abrir o carro. Ele ficou para trás para caminhar ao meu lado, eu coloquei alguma distância entre nós para que ficássemos em pé no meio da calçada olhando um para o outro como dois pistoleiros num filme de faroeste.
Ele manteve as malas nas mãos. Acho que sabia que eu estava muito tensa. Acho que ele sabia que se deixasse cair as malas, eu pegaria uma de minhas armas.
- Você quer saber por que eu não estava preocupado com você andando atrás de mim? - ele perguntou.
- No fundo, você sabia que eu não ia atirar em você.
Ele sorriu.
- Mas você sabe que eu poderia. - ele disse.
Virei minha cabeça para um lado, quase de frente para o sol. Edward estava usando óculos escuros, claro. Mas seus olhos raramente mostram alguma coisa, então isso não importa. Não era com seus olhos que eu tinha que me preocupar.
- Você gosta de por sua vida em risco, Edward. É por isso que você só caça monstros. Você tem que correr um grande risco cada vez que entra numa briga, ou não é divertido.
Um casal veio caminhando com um carrinho cheio de malas. Esperamos em silêncio até que eles passaram por nós. A mulher nos olhou preocupada sentindo a tensão. O homem puxou o rosto dela de volta e passaram por nós.
- Você tem um ponto? - Edward perguntou.
- Você quer saber qual de nós é o melhor, Edward. Você sempre quis saber. Se me pegar em uma emboscada, a questão nunca será respondida e isso iria chateá-lo.
Seu sorriso se alargou como se não fosse um sorriso humorado.
- Então, eu não vou atirar em você pelas costas.
- Tudo bem. - eu disse.
- Então, por que tanto trabalho para ocupar as minhas mãos e me fazer caminhar na frente?
- Seria um inferno se eu estivesse errada.
Ele riu de forma suave e vagamente sinistra. Um som que dizia tudo. Ele estava animado com a idéia de me atacar.
- Gostaria muito de caçá-la, Anita. Eu sonhei com isso. - Ele suspirou e parecia quase triste. - Mas eu preciso de você. Preciso que me ajude a resolver este caso. E tanto quanto eu gostaria de ter a grande questão respondida, eu sentiria sua falta. Você pode ser uma das únicas pessoas no mundo que eu sentiria falta.
- E Donna? - Eu perguntei.
- O que tem ela? - ele perguntou.
- Não seja bobo, Edward. - Olhei ao redor até encontrar Donna acenando no estacionamento. - Estamos sendo observados.
Ele olhou para trás levantando uma das malas fazendo um breve aceno. Teria sido mais fácil se tivesse deixado cair uma das malas, mas de seu próprio jeito Edward estava sendo cauteloso também.
Ele se voltou para mim.
- Você não será capaz de fazer o seu trabalho se ficar olhando sobre os ombros por minha causa. Então faremos uma trégua até que o caso seja resolvido.
- Me dá sua palavra? - Eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Dou a minha palavra.
- É o suficiente. - eu disse.
Ele sorriu, e era genuíno.
- A única razão de você aceitar a minha palavra é que, se dá a sua, você vai mantê-la.
Eu balancei a cabeça e comecei a diminuir a distância entre nós.
- Eu mantenho a minha palavra, mas eu não levo a promessa dos outros muito a sério. - Eu estava ao seu lado e pude sentir o peso de seu olhar, mesmo através da lente preta do óculos de sol. Era intenso, era Edward.
- Mas você aceitou a minha.
- Você nunca mentiu para mim Edward. Uma vez que tenha dado sua palavra você faz o que diz que vai fazer, mesmo que seja uma coisa ruim. Você não precisa esconder o que você é, pelo menos não de mim.
Nós dois olhamos para Donna e começamos a caminhar lado a lado em direção a ela como se tivéssemos discutido isso.
- Como diabos você deixou a situação chegar tão longe? Como você pode deixar Ted propor casamento a ela?
Ele ficou quieto por tanto tempo que achei que não responderia. Andamos em silêncio no sol forte e finalmente ele me respondeu:
- Eu não sei. Acho que uma noite, eu me deixei levar pelo meu papel. O clima era certo e Ted fez a proposta, e acho que por apenas um segundo esqueci as conseqüências do casamento.
Olhei para ele.
- Você me disse mais da sua vida pessoal na última meia hora, do que em todos os cinco anos que te conheço. Você é sempre tão tagarela quando está em seu território?
Ele balançou a cabeça.
- Eu sabia que você não gostaria de me ver envolvido com Donna. Eu só não sabia que reagiria tão fortemente, mas eu sabia que não gostaria. Isso significa que para manter a paz, eu tinha que estar dispostos a falar sobre o assunto. Eu sabia disso quando te chamei.
Nós saímos do meio-fio sorrindo e acenando para Donna. Eu falei através de um sorriso como um ventríloquo,
- Como podemos conhecer um ao outro tão bem, sentir falta um do outro se morrêssemos, mas ainda estar disposto a puxar o gatilho? Eu sei que é verdade, mas eu não entendo isso.
- Não é o suficiente saber que é verdade? Você tem que pedir explicação de tudo? - ele perguntou enquanto andávamos através dos carros em direção a Donna.
- Sim, eu preciso que você explique tudo.
- Por quê? - ele perguntou.
- Porque eu sou uma garota. - eu disse.
Isso o fez rir, uma grande rajada de som, e isso fez meu coração doer porque eu poderia contar com uma mão o número de vezes que ouvi Edward surpreendido na gargalhada. Eu valorizava o som porque soava como um irmão mais velho, um Edward mais inocente. E me perguntava se era a única que conseguia fazê-lo rir. Como poderíamos ter falado calmamente sobre matar um ao outro? Não, não era o suficiente saber que poderíamos fazê-lo. Tinha que haver uma razão para isso, e dizer que éramos dois monstros ou sociopatas não era explicação suficiente. Pelo menos não para mim.
Donna olhou para mim quando chegamos ao lado do carro. Ela deu um grande show ao beijá-lo, e quando ele colocou as malas no chão e ficou com as mãos livres, ela deu um show ainda melhor. Eles se beijaram, se abraçaram, os corpos pressionados como um casal de adolescentes. Se Edward de alguma forma estava relutante, ele não demonstrava. Na verdade, ele tirou o chapéu e fundiu-se a ela como se estivesse feliz por estar lá.
Eu estava encostada no carro, perto o suficiente para tocá-los. Se queriam privacidade, poderiam conseguir um quarto. Foi tempo suficiente para que eu olhasse o meu relógio, mas resisti ao impulso. Decidi que ficar encostada no carro, braços cruzados sobre o estômago e olhar entediado, seria um bom indício.
Edward a deixou com um suspiro.
- Depois da noite passada, achei que você não sentiria a minha falta.
- Eu sempre vou sentir sua falta. - ela disse com a voz abafada a meio caminho de uma risadinha. Donna olhou para mim, as mãos ainda em volta dele, muito possessiva. Ela olhou para mim e disse:
- Desculpe, não quis constranger você.
Eu me afastei do carro.
- Eu não me constranjo assim tão fácil.
A luz feliz em seus olhos se transformou em algo forte e protetor. O olhar e suas palavras não eram amigos próximos.
- E o que seria necessário para embaraçar você?
Eu balancei a cabeça.
- É necessário fazer muito mais do que você fez. - Ela endureceu. - Não se preocupe Donna. Eu não estou, e nunca estive interessada em ... Ted de forma romântica.
- Nunca pensei que ... - ela começou a dizer.
- Por favor. - eu disse. - Vamos tentar algo realmente original. Vamos ser honestas. Você estava preocupada comigo e com Edward, - Eu falei rapidamente. - Ted. Foi por isso que você fez esse pequeno show. Você não precisa marcar seu território por minha causa, Donna. - A última frase foi dito rapidamente porque eu esperava que ela não tivesse notado o meu deslize sobre os nomes, mas é claro que tinha, Edward e eu sabíamos que tinha. - Ted sempre gostou muito de mim para considerar a hipótese de sairmos. Isso seria como incesto.
Ela corou mesmo com o bronzeado.
- Meu Deus, para uma garota você é muito direta.
- Ela é direta, mesmo para um homem. - Edward disse. - Para uma mulher, ela é como um aríete.
- Isso economiza tempo. - eu disse.
- Isso acontece. - Edward disse, ele puxou Donna em um rápido mas profundo beijo. - Te vejo amanhã, docinho.
Eu levantei as sobrancelhas com a cena e Edward olhou para mim com os olhos quentes de Ted.
- Donna está dirigindo seu próprio carro para que possamos conversar. Agora ela vai para casa ver as crianças, e nós vamos tratar de negócios. Donna olhou para ele por um longo tempo.
- Eu acredito em suas palavras, Anita. Acredito em você, mas eu também estou sentindo algumas vibrações estranhas, como se você estivesse escondendo alguma coisa.
Eu estava escondendo alguma coisa, pensei. Se ela soubesse.
Donna continuou me olhando muito sério.
- Eu confio na terceira pessoa mais importante na minha vida. Para mim, Ted vem depois dos meus filhos. Não estrague a melhor coisa que eu tive desde que meu marido morreu.
- Veja. - Edward disse. - Donna também sabe ser franca.
- Com certeza. - eu disse.
Donna me deu um último olhar, então se voltou para Edward. Ela o chamou e eles se afastaram. Eles conversavam tranquilamente enquanto eu esperava seca e imóvel. Como Donna queria privacidade eu dei a eles afastando-me e contemplando as montanhas distantes. Elas pareciam muito perto, mas por experiência própria eu sabia que era apenas ilusão. Elas são como os sonhos, coisas distantes para serem apreciadas, mas não são verdadeiramente confiáveis para estar lá quando você precisa delas.
Ouvi as botas de Edward no pavimento antes que ele falasse. Eu estava de frente para ele, braços cruzados levemente sobre o meu estômago, o que colocou a minha mão direita bem perto da arma debaixo do braço. Eu acreditei em Edward quando ele disse que tínhamos uma trégua, mas. . . mas prevenir é melhor do que remediar.
Ele parou perto de um carro, inclinando a bunda contra ele, braços cruzados no espelho. Ele não tinha uma arma debaixo do braço. Eu não tinha certeza se a licença de caçador era suficiente para passar pelo detector de metais do aeroporto, então ele não deveria ter trazido uma arma ou uma faca grande com ele. A menos é claro que tenha pegado de um dos carros, onde tenha escondido. Isso seria algo que Edward faria. Melhor pensar o pior e estar errada, do que pensar o melhor e se dar mal. O pessimismo vai mantê-lo vivo, o otimismo não, não em nossa linha de negócio.
Nossa linha de negócios. Frase estranha. Edward era um assassino. Eu não, mas de alguma maneira estávamos no mesmo negócio. Eu não conseguia explicar, mas era verdade.
Edward me deu um sorriso puro, um sorriso que tinha a intenção de me deixar inquieta e desconfiada. Além disso, normalmente significava que ele queria me prejudicar e não estava apenas zombando de mim. Evidentemente, ele sabia que eu sabia o que seu sorriso normalmente significava, ele poderia usá-lo para embalar-me em uma falsa sensação de segurança. Ou podia significar apenas o que parecia. Que eu estava cismada que as coisas eram mais ruins do que parecia.
Edward estava certo, eu estava no meu melhor quando deixei o meu trabalho no escritório e mantive a minha maior função em segundo plano. Não é uma receita para viver a vida, mas tem sempre um bom tiroteio.
- Temos uma trégua. - eu disse.
Ele balançou a cabeça.
- Eu disse que tínhamos.
- Você me deixa nervosa. - eu disse.
O sorriso dele aumentou.
- Fico feliz em saber que você ainda tem medo de mim. Eu estava começando a me preocupar. O dia que você parar de ter medo dos monstros, é o dia em que vou ter que te matar. E eu sou um monstro? - Ele fez uma pergunta.
- Você sabe exatamente o que é, Edward.
Seus olhos se estreitaram.
- Você me chamou de Edward na frente de Donna. Ela não disse nada, mas você vai ter que ser mais cuidadosa.
Concordei.
- Desculpe. Vou tentar, mas não sou tão boa mentirosa como você. Além disso, Ted é o apelido para Edward.
- Não se o nome completo na minha carteira de motorista for Theodore.
- Agora, se eu puder chamar você de Teddy, talvez eu me lembre.
- Teddy está bom. - ele disse, a voz totalmente inalterada.
- Você é um homem muito difícil, Ed ... Ted.
- Os nomes não significam nada, Anita. Eles são muito fáceis de mudar.
- Será que Edward realmente é o seu primeiro nome?
- Agora é.
Eu balancei a cabeça.
- Eu realmente gostaria de saber.
- Por quê?- Ele olhou para mim através do óculos escuro, e o peso de seu interesse queimava através do vidro. A pergunta não foi respondida. Claro, Edward raramente respondia qualquer pergunta se não queria dar uma resposta.
- Porque eu te conheço há cinco anos, e não sei se o seu primeiro nome é real.
- É real o suficiente.
- Me incomoda não saber.
- Por quê? - ele perguntou de novo.
Eu dei de ombros e afastei a minha mão para longe da arma, porque não era necessário, não nesse minuto, não hoje. Mas assim que fiz isso, eu sabia que haveria outro dia, e pela primeira vez eu realmente não tinha certeza se veríamos o fim da minha pequena visita. Isso me deixou triste e irritada.
- Talvez eu só queira saber o nome para colocar na lápide. - eu disse.
Ele riu.
- A confiança é um traço fino, a falta de confiança não é.
O riso debochado deixou seu rosto ao redor dos óculos frio e ilegível. Eu não conseguia ver seus olhos para saber se estavam frios e distantes como o céu de inverno.
Me afastei do carro, as mãos vazias ao meu lado.
- Olha, Edward, Ted, ou como diabos você chama a si mesmo, eu não gosto de ser convidada para brincar de isca de monstro, e ver você namorando a mamãe do ano. Você está me descartando, e eu não gosto disso também. Temos uma trégua até que o caso esteja resolvido?
- Então nós vamos ver. - ele disse.
- Você não poderia apenas concordar em desmanchar o noivado com Donna?
- Não. - Sua voz era baixa e cuidadosa.
- Por que não? - Eu perguntei.
- Eu teria que encontrar uma boa razão para quebrar o coração dela e das crianças. Lembre-se, eu tenho passado muito tempo com os pequenos. Como seria apenas desaparecer da vida deles?
- Acho que o filho não ia se importar. Peter, não é? Acho que ele adoraria se Ted desaparecesse.
Edward virou a cabeça para um lado.
- Sim, Peter adoraria, mas e Becca? Estou em sua vida há mais de dois anos e ela tem apenas seis. Donna confia em mim para buscá-la depois da escola. Eu a levo uma vez por semana nas aulas de dança. Assim Donna não tem que fechar a loja mais cedo. - Seu rosto e sua voz não mudaram enquanto falava, como se tudo fosse apenas fatos e nada significasse.
A irritação apertou meus ombros e viajou por meus braços. Eu coloquei as minhas mãos em punhos apenas para ter algo a ver com o meu corpo.
- Desgraçado.
- Talvez- ele disse - Mas cuidado com o que me pede para fazer, Anita. Sair de suas vidas poderia causar mais danos do que a verdade.
Olhei para ele, tentando ver por trás desse rosto em branco.
- Você já pensou em dizer a verdade a Donna?
- Não.
- Dane-se.
- Você realmente acha que ela poderia lidar com a verdade, toda a verdade sobre mim? - ele perguntou.
Pensei sobre isso por quase um minuto inteiro enquanto estávamos no estacionamento. Finalmente eu disse:
- Não. - Eu não gostava de dizer isso, mas era a verdade.
- Você tem certeza que ela não poderia ser à mulher de um assassino? Quer dizer, você a conheceu há meia hora. Como pode ter tanta certeza?
- Agora você está me provocando. - eu disse.
Seus lábios se contraíram quase num sorriso.
- Eu acho que você está certa. Acho que Donna não poderia lidar com a verdade.
4
O carro pertencia a Ted, apesar de Edward estar dirigindo. Era um carro grande e quadrado, entre um jipe e um caminhão, um carro feio. Estava coberto de lama de argila vermelha como se ele tivesse dirigido através de valas. O pára-brisa estava tão sujo que apenas o espaço entre os dois limpadores dava alguma visibilidade, o restante tinha secado em uma pátina marrom-avermelhada de sujeira.
- Puxa, Edward. - eu disse ao abrir o porta malas. - o que você anda fazendo a esta pobre criatura! Eu nunca vi um carro tão sujo.
- Este é um Hummer, e custa mais do que a maioria das casas por aqui.
Ele levantou a tampa do porta-malas e começou a colocar as malas no interior. Eu lhe ofereci minha bagagem de mão, e quando senti aquele cheiro de carro novo ele explicou que aquele espaço quase não tinha sido usado.
- Se ele custa tão caro, então não é melhor tomar mais cuidado? - Eu perguntei.
Ele carregou as malas e colocou-as no tapete novo.
- Eu o comprei porque pode passar por cima de quase qualquer terreno. Se eu não gostasse da sujeira, teria comprado outra coisa. - Ele fechou o porta-malas.
- Como Ted conseguiu pagar por algo assim?
- Na verdade, Ted tem um bom sustento caçando monstros.
- Não é tão bom. - eu disse - não como um caçador de recompensas.
- Como você sabe que um caçador de recompensas ganha bem? - ele perguntou, olhando em torno do carro sujo para mim.
Ele tinha um ponto.
- Eu não sei.
- As pessoas não sabem o que um caçador de recompensas faz, então eu posso me dar ao luxo de comprar algumas coisas para Ted.
Ele andou para o lado do motorista, só o topo de seu chapéu branco aparecendo acima da lama endurecida no telhado.
Testei a porta do passageiro, que abriu. Deu um pouco de trabalho subir no banco, e eu estava feliz de não estar de saia. Uma coisa agradável sobre trabalhar com Edward é que ele não se preocupa com o meu vestuário. Eu trouxe jeans e meu tênis Nike para esta viagem.
A única coisa da empresa que eu estava usando era à jaqueta preta pendurada sobre a minha camisa de algodão. A jaqueta servia para ocultar a arma, nada mais.
- Quais são as leis sobre armas no Novo México?
Edward ligou o carro e olhou para mim.
- Por quê?
Coloquei meu cinto de segurança. Evidentemente estávamos com pressa.
- Eu quero saber se posso tirar o casaco e deixar minha arma à vista, ou se tenho que ocultar a arma durante toda a viagem.
Seus lábios se contraíram.
- O Novo México permite que você use uma arma desde que você não a esconda. Transportar uma arma oculta e sem autorização é ilegal.
- Deixe-me ver se entendi, eu posso usar a arma na vista de todos com ou sem autorização de posse, mas se eu colocar um casaco por cima, escondendo, e sem a autorização de transporte, é ilegal?
A contração muscular se transformou em um sorriso.
- Exato.
- As leis sobre armas deste lado do estado são sempre tão interessantes. - eu disse, mas comecei a tirar o casaco.
Você pode movimentar-se por quase todo o estado de carro. Desde que eu usasse sempre o cinto de segurança não tinha problema, eu tinha muita prática nisso.
- Mas a polícia ainda pode te interrogar por andar armada. Apenas tenha certeza que não está aqui para matar ninguém. - Ele deu um meio sorriso quando disse isso.
- Quer dizer que eu posso carregá-la livremente, e mesmo assim ser interrogada pela polícia.
- E você não pode entrar em um bar armada, mesmo que a arma esteja descarregada.
- Eu não bebo. Acho que posso evitar esses lugares.
Havia cercas de arame farpado ao longo da estrada, à distância apareciam estranhas montanhas negras.
- Como se chamam essas montanhas?
- Sangre del Cristo, o sangue de Cristo. - ele disse.
Olhei para ele para ver se estava brincando. Claro, não estava.
- Por quê? - eu perguntei
- Por quê? - Edward parecia não entender a pergunta.
- Por que chamá-las de Sangue de Cristo?
- Eu não sei.
- Quanto tempo Ted vive aqui?
- Quase quatro anos. - ele disse.
- E você não sabe por que as montanhas são chamadas de Sangre del Christo?
Vocês não têm curiosidade?
- Não sobre as coisas que não afetam o trabalho.
Ele não disse "um" trabalho, mas "o" trabalho. Eu achei a frase estranha.
- E se esse monstro que estamos caçando for uma espécie de bicho-papão local? Saber o nome das montanhas pode não significar nada, ou pode ter alguma coisa a ver com uma lenda, uma história, uma dica sobre algum grande banho de sangue do passado. Existem muitos monstros Edward, coisas que só vêm acima do solo a cada século, ou assim como as cigarras, tem uma longa vida.
- As cigarras? - ele perguntou.
- Sim, cigarras. A forma imatura permanece no solo até que o inicio do ciclo comece, isso pode demorar sete ou treze anos, então ele sobe e sofre uma metamorfose. São aqueles insetos que fazem todo aquele barulho no Verão.
- O que atacou com essas pessoas não era uma cigarra gigante, Anita.
- Isso não é o ponto, Edward. Meu ponto é que existem tipos de vida, criaturas que ficam escondidas, quase totalmente escondidas por anos, em seguida ressurgem, são ainda uma parte do mundo natural. A Biologia Sobrenatural ainda é jovem. Então, talvez velhos mitos e lendas possam nos dar uma pista.
- Eu não trouxe você aqui para brincar de Nancy Drew. - ele disse.
- Sim, você trouxe.
Ele olhou para mim tempo suficiente para eu lhe dizer para olhar a estrada.
- Do que você está falando?
- Se você só queria alguém para apontar e disparar, você teria trazido alguém. Você quer a minha experiência, não apenas a minha arma. Certo?
Ele voltou a olhar para a estrada, para meu alívio. Havia pequenas casas de cada lado, a maioria delas feitas de tijolo, ou algum material parecido. Eu não sabia o suficiente sobre isso para julgar. Os estaleiros eram pequenos, mas bem cuidados, tinham cactos altos e enormes arbustos com pequenas flores lilases sobre eles.
Parecia uma variedade diferente de lilases do Centro-Oeste. Talvez ele tomasse menos chuva. O silêncio encheu o carro e eu deixei, observando a paisagem. Eu nunca tinha estado em Albuquerque, e bancaria à turista enquanto pudesse. Edward finalmente respondeu quando ele virou para Lomos Street.
- Você está certa. Eu não a chamei aqui só para atirar nas coisas. Já tenho quem faça isso.
- Quem? - Eu perguntei.
- Você não os conhece, mas vai encontrá-los em Santa Fé.
- Estamos indo diretamente para a Santa Fé agora? Eu ainda não comi. Tinha a esperança de almoçar antes.
- A cena do último crime é em Albuquerque. Vamos até lá, depois podemos almoçar.
- Será que vou sentir vontade de comer depois?
- Talvez.
- Eu acho que não posso ir até lá primeiro e almoçar em seguida.
- Temos uma parada antes de chegarmos na casa. - ele disse.
- Que outra parada? - eu perguntei.
Ele deu um pequeno sorriso, o que significava que seria uma surpresa.
Edward gostava de testar a minha paciência. Talvez ele respondesse uma pergunta diferente.
- Quem são os outros?
- Eu disse, você não os conhece.
- Você continua dizendo isso. Está me dizendo que já tem duas pessoas para ajudá-lo, e mesmo assim precisou me chamar? - Ele não disse nada. - Três pessoas ajudando você. Nossa Edward, você deve estar desesperado. - Eu queria dizer que era uma piada, mais ou menos. Ele não levou dessa forma.
- Quero este caso resolvido, Anita, e vou fazer o que for preciso. - Ele parecia triste quando disse, e isso acabou com o meu senso de humor.
- Será que esses dois ajudantes lhe devem algum favor?
- Um deles.
- Eles são assassinos?
- Às vezes.
- São caçadores de recompensa como Ted?
- Bernardo é.
Pelo menos eu tinha um nome.
- Bernardo é um assassino, e por vezes, um caçador como Ted. Quer dizer, ele usa a sua identidade de caçador de recompensas, como você usa a sua identidade verdadeira?
- Às vezes ele é guarda-costas também.
- Um homem de muitos talentos. - eu disse.
- Na verdade, não. - ele disse, era uma coisa estranha de dizer.
- E o outro cara?
- Olaf.
- Olaf, ok. Ele às vezes é um assassino, não um caçador de recompensas, e não é um guarda-costas, o que mais?
Edward balançou a cabeça. Sua resposta evasiva estava começando a me dar nos nervos.
- Nenhum deles possui outras habilidades especiais além de estarem dispostos a matar?
- Sim.
Ele atingiu o meu limite.
- Sim, Não. - eu disse. - Eu não vim até aqui para fazer vinte perguntas, Edward. Basta me falar sobre eles.
- Você vai encontrá-los em breve.
- Ótimo, então me diga onde é a outra parada.
Ele fez um pequeno movimento com a cabeça.
- Olha, Edward, você está me dando nos nervos e me escondendo alguma coisa, então pare com esse mistério e fale para mim.
Ele me olhou e apareceu um relance dos olhos pela borda dos óculos escuros.
- Nossa, estamos muito delicados hoje.
- Isso não é nem de perto delicado para mim, Edward, e você sabe disso. Mas continue com essa porcaria evasiva e você realmente vai me irritar.
- Eu pensei que você já estivesse puta da vida por causa de Donna.
- E estou, mas estou disposta a me interessar pelo caso e esquecer. Não posso ficar interessada no caso se você não responder as perguntas sobre ele. Tanto que estou preocupada com os nossos guarda-costas que são parte do processo, sendo assim, comece a compartilhar informações ou me leve de volta à droga do aeroporto.
- Eu não disse a Olaf e Bernardo que você está namorando um vampiro e um lobisomem.
- Na verdade, eu não estou namorando nenhum deles, mas isso não é o ponto. Eu não quero saber sobre sua vida sexual, Edward. Só quero saber por que você os chamou. Quais são suas especialidades?
- Você terminou com Jean-Claude e Richard? - Para o pouco tempo que o conhecia, ouvi curiosidade real em sua voz. Eu não tinha certeza se era bom ou perturbador saber que Edward se interessava pela minha vida pessoal.
- Eu não sei se terminamos, é mais como não estarmos nos vendo. Eu preciso ficar algum tempo longe deles antes de decidir o que fazer.
- O que você está pensando em fazer com eles? - Havia uma nota de ânsia agora. Edward estava ansioso sobre alguma coisa.
- Não estou planejando matar nenhum deles, se é isso que você está insinuando.
- Eu não posso dizer que não estou decepcionado. - Edward disse. - Acho que você deveria matar Jean-Claude antes que tudo fique pior.
- Você está falando sobre a morte de alguém que foi meu amante por mais de um ano, Edward. Talvez você possa estrangular Donna na cama dela, mas eu perderia o sono por algo parecido.
- Você o ama?
A pergunta me fez parar, não por causa da questão, mas por causa de quem a fazia. Parecia uma questão verdadeiramente estranha vindo de Edward.
- Sim, eu acho que amo.
- Você ama Richard?
Novamente parecia estranho falar sobre minha vida emocional com Edward. Eu tenho alguns amigos do sexo masculino, e a maioria deles preferia fazer um tratamento de canal que falar de "sentimentos". De todos os meus amigos do sexo masculino eu estava conversando com o que pensei que nunca discutiria sobre amor comigo. Realmente eu não entendia os homens.
- Sim, eu amo Richard.
- Você disse que "acha" que ama o vampiro, mas você simplesmente respondeu "sim" sobre Richard. Mate o vampiro, Anita. Eu vou ajudá-la a fazer isso.
- Não é para colocar um ponto muito fino sobre isso, Edward, mas eu sou a serva humana de Jean-Claude. Richard é o animal que atende ao seu chamado. Nós três estamos ligados pelas marcas de vampiro em um menage-à-trois pouco agradável. Se um de nós morrer, provavelmente todos morrerão.
- Talvez, ou talvez seja isso que o vampiro lhe disse. Não seria a primeira vez que ele mente para você.
Era impossível argumentar sem olhar como uma tola, melhor não tentar.
- Quando eu quiser sua opinião sobre minha vida pessoal, eu peço. E isso só vai acontecer quando o inferno congelar. Agora, me fale sobre o caso.
- Você pode me dizer o que eu devo fazer, mas eu não posso devolver o favor? - ele perguntou.
Olhei para ele.
- Você está zangado comigo sobre a minha posição com relação à Donna?
- Não exatamente, mas se você pode me dar conselhos sobre namoro, por que não posso devolver o favor?
- Não é a mesma coisa, Edward. Richard não tem filhos.
- As crianças fazem uma grande diferença para você? - ele perguntou.
Concordei.
- Sim, elas fazem.
- Eu nunca imaginei você como o tipo maternal.
- E não sou, mas as crianças são pessoas, Edward, poucos adultos prestam atenção as suas escolhas. Donna é velha o suficiente para cometer seus próprios erros, mas quando você transa com ela, está envolvendo seus filhos também. Eu sei que não te incomoda, mas incomoda a mim.
- Eu sabia que te incomodava e sabia como reagiria, só não sabia o por quê.
- Bem, você está na minha frente. Eu nunca sonhei que você poderia namorar uma viúva anã, mãe de dois filhos pequenos. Imaginei que você pagaria mais pelo seu plano.
- Ted não paga por isso. - ele disse.
- Como Edward?
Ele deu de ombros.
- É como uma refeição, só precisa de outra.
A franqueza fria era realmente reconfortante.
- Veja, esse é o Edward. Eu cresci conhecendo o medo.
- Você tem medo de mim, mas ainda assim lutaria comigo por uma mulher que acabou de conhecer e duas crianças que nunca viu. Não estou planejamento matar nenhum deles, mas você torna essa questão fundamental entre nós. - Ele balançou a cabeça. - Eu não entendo isso.
- Eu também não entendo, Edward. Só sei que é verdade.
- Acredito em você, Anita. Você é a única pessoa que conheço, exceto eu, que nunca blefa.
- Bernardo e Olaf blefam?
Ele balançou a cabeça e riu. A tensão diminuindo com o riso.
- Não, eu não vou falar nada sobre eles.
- Por quê? - Eu perguntei.
- Porque não. - ele disse e quase sorriu.
Olhei seu perfil cuidadosamente.
- Você está gostando disso. Você está gostando da idéia de me reunir a Olaf e Bernardo. - Eu não tentei esconder a surpresa da minha voz.
- Assim como eu gostei da reunião com Donna.
- Mesmo sabendo que eu ficaria chateada?
Ele balançou a cabeça, o olhar em seu rosto quase valia uma ameaça de morte.
- Você está começando a me preocupar, Edward.
- Estou "começando" a te preocupar? Eu devo estar perdendo meu toque.
- Tudo bem, não me diga nada sobre eles. Fale sobre o caso.
Ele parou em um estacionamento. Olhei para cima e encontrei um hospital sobre nós.
- É esta a cena do crime?
- Não. - Ele desligou o motor.
- O que foi Edward? Por que estamos em um hospital?
- Os sobreviventes estão aqui.
Meus olhos se arregalaram.
- Que sobreviventes?
Ele olhou para mim.
- Os sobreviventes dos ataques. - Ele abriu a porta e eu agarrei seu braço, segurando-o no carro.
Edward se virou lentamente e olhou para a minha mão sobre a pele exposta do braço. Ele olhou para minha mão por um longo tempo com a sua desaprovação ao toque radiante nele, mas era um truque. Se a pessoa não quer ser tocada ela encara, e a maioria das pessoas recuam. Eu não recuei. Cravei meus dedos em sua pele, não para doer, só para deixá-lo saber que não se livraria de mim tão facilmente.
- Fale comigo, Edward. Que sobreviventes?
Ele mudou o seu olhar da minha mão para o meu rosto. Eu tinha uma grande vontade de arrancar o óculos de seu rosto. Seus olhos não me mostrariam nada de qualquer maneira.
- Eu disse que havia pessoas feridas. - Sua voz era suave.
- Não, você não disse. Você deu a entender que não havia sobreviventes.
- Um descuido. - disse ele.
- O cacete. - eu disse. - Sei que você gosta de ser misterioso Edward, mas isso está ficando tedioso.
- Solte o meu braço. - Ele disse da mesma maneira que você diria "Olá" ou "bom dia", sem nenhuma inflexão.
- Você vai responder às minhas perguntas se eu te soltar?
- Não. - ele disse, ainda com aquela mesma voz agradável e vazia. - Mas se você continuar com essa merda Anita, eu me vejo obrigado a te deixar ir. Você não era assim.
A voz nunca mudou. Havia mesmo um ligeiro sorriso na boca. Eu o soltei lentamente, voltando para o meu assento. Se Edward disse que eu não gostaria, acreditei nele.
- Fale comigo, Edward.
Ele me deu um grande sorriso.
- Fale comigo, Ted.
Então o filho da puta saiu do carro. Fiquei sentada no carro olhando ele atravessar o estacionamento. Ele parou na borda do hospital perto de uma pequena entrada. Ele tirou os óculos de sol e colocou na frente de sua camisa, olhou para trás, para o carro, esperando.
Eu bem que poderia não sair. Eu bem que poderia voltar para St. Louis e deixá-lo limpar sua própria bagunça. Mas eu abri a porta e saí. Por que? Você pode perguntar. Primeiro: ele me pediu um favor, e Edward sendo um sádico, revelaria tudo no seu devido tempo. Segundo: eu queria saber. Eu queria saber o que tinha finalmente acabado com toda a frieza que o assustou. Eu queria saber. A curiosidade é uma força e uma fraqueza. A curiosidade em particular não seria respondida por um tempo. Eu estava apostando na fraqueza.
5
O Hospital Santa Lúcia era grande e um dos poucos prédios que eu vi em Albuquerque que eu vi que não tinha uma propaganda para o sudoeste. Eram apenas grandes blocos hospitalares. Talvez eles não esperassem que os turistas fossem ver o hospital. Turistas sortudos.
Como hospital era bom, mas ainda era um hospital. Um lugar que eu só ia quando as coisas davam errado. A única coisa boa desta vez é que não era eu ou alguém que conhecia que estava em um dos quartos.
Estávamos em um longo corredor pálido com muitas portas fechadas, e só havia um policial uniformizado na frente de um deles. Chame de palpite, mas percebi que esse era o nosso quarto.
Edward caminhou até o policial e se apresentou. Ele estava em seu melhor momento dando uma de bom menino, inocente e jovial, numa espécie de cortesia moderada. Eles se conheciam, e deve ter acelerado as coisas consideravelmente.
O policial tirou os olhos de Edward e olhou para mim. Era um olhar jovem, mas seus olhos estavam frios e cinzentos, olhos de policial. Você tem estar neste ramo um certo tempo antes que seus olhos fiquem vazios. Ele olhou para mim longa e atentamente. Você quase podia sentir a testosterona subindo à superfície. O olhar desafiador disse que, ou ele estava inseguro sobre sua própria masculinidade, seu próprio julgamento, ou ele não estava neste trabalho há muito tempo. Não era um novato, mas não estava muito além disso.
Se ele esperava que eu perdesse o controle, ficaria decepcionado. Eu o enfrentei sorridente e tranquila, com os olhos em branco e entediados. Ser inspecionada nunca foi a minha coisa favorita.
Ele piscou primeiro.
- O tenente está lá dentro. Ele quer vê-la antes que entre.
- Por quê? - Edward perguntou, a voz mansa e afável.
O oficial deu de ombros.
- Estou apenas cumprindo ordens, Sr. Forrester, não perguntei ao tenente. Esperem aqui.
Ele abriu a porta e deslizou para dentro sem dar um vislumbre do interior, fechou a porta sem esperar que o peso e as dobradiças fizessem isso por ele.
Edward estava carrancudo.
- Eu não sei aonde ele vai.
- Eu sei. - eu disse.
Ele olhou para mim levantando uma sobrancelha como se fosse dizer "vá em frente".
- Sou uma garota e tecnicamente uma civil. Tem muitos policiais que não confiam em mim para fazer o trabalho.
- Eu garanto para você.
- Puxa, Ed... Ted, eu acho que sua opinião não tem tanto peso como eu achava que tinha.
Ele ainda estava carrancudo quando a porta se abriu. Vi o rosto de Edward se transformando em Ted. Os olhos brilhavam, os lábios curvados, todo o conjunto do rosto refeito em si, como se fosse uma máscara. A sua própria personalidade desapareceu como mágica. Assistindo a esse show de perto e pessoalmente, me fez tremer um pouco. A facilidade como ele se transformava era simplesmente assustadora.
O homem na porta era pequeno, não muito mais alto que eu, talvez alguns centímetros na melhor das hipóteses. Gostaria de saber se a Força Policial não tinha um requisito de altura. Seu cabelo era de louro dourado queimado de sol, corte curto e estreito em seu rosto quadrado. Ele tinha um bronzeado bonito de ouro macio, mais escuro que sua pele pálida poderia ter. A primeira foi Donna, agora o Tenente. Será que ninguém tinha problema de câncer de pele por aqui? Ele me olhou com seus olhos verde-claros, a coloração das folhas novas da primavera. Eram lindos olhos com longos cílios dourados que lhe davam uma aparência quase feminina. Apenas a mandíbula masculina o salvou de ser um homem realmente bonito. A mandíbula tanto arruinava seu rosto como o salvava da perfeição. Os olhos podiam ser lindos, mas não eram amigáveis. Não era a mesma frieza dos olhos de um policial. Era hostil. Como eu não o conhecia, tinha que ser pelo fato de eu ser mulher, civil ou ressuscitadora. Ele era chauvinista ou supersticioso. Eu não estava certa do que preferia. Ele começou a me avaliar. Apenas deixei meu rosto em branco, à espera que ele se cansasse disso. Eu poderia ficar lá o dia todo e ficar pacificamente em branco.
Ficar parada no corredor de um hospital com um Tenente tão simpático, não era nem de perto a pior coisa que tive que fazer recentemente. Era sempre uma espécie de paz quando ninguém estava tentando me matar.
Edward tentou quebrar o impasse.
- Tenente Marks, esta é Anita Blake. O Chefe Appleton te falou sobre ela. - Sua voz ainda era de um Ted feliz, mas uma tensão em seus ombros mostrava que não eram bem assim.
- Você é Anita Blake? - A voz do Tenente conseguiu sair duvidosa.
Concordei.
- Sim.
Seus olhos se estreitaram.
- Eu não gosto de civis mexendo no meu caso. - Ele apontou o polegar para Edward. - Forrester disse que sua opinião é valiosa. - Ele apontou um dedo para mim. - Você não tem opiniões valiosas.
Edward começou a dizer algo, mas o Tenente fez um movimento de mão.
- Não, deixe que ela responda.
- Eu vou responder a pergunta assim que você fizer uma. - eu disse.
- O que isso quer dizer?
- Significa que você não fez nenhuma pergunta ainda, tenente. Você acabou de fazer uma declaração.
- Eu não preciso de nenhuma merda de rainha de zumbi do caralho.
Ah, ele era preconceituoso. Um mistério resolvido.
- Estou aqui como convidada, Tenente. Fui convidada para ajudar a resolver este caso. Agora, se você não quer a minha ajuda, tudo bem, mas vou precisar de alguém do governo para explicar para o meu patrão por que diabos peguei um avião para o Novo México, quando não tinha certeza se seria bem-vinda.
- Eu não te trato bem e você corre para o chefe, não é?
Eu balancei minha cabeça.
- Quem torceu sua cueca, Tenente Marks?
Ele franziu a testa.
- O quê?
- Eu o faço lembrar de sua ex-esposa?
- Eu ainda estou casado com a minha mulher. - Ele parecia indignado.
- Parabéns. É o vodu que eu uso para levantar os mortos? Você fica nervoso perto das artes místicas?
- Eu não gosto de magia negra.
Ele disse isso como se fosse padrão policial, mas de alguma forma eu pensei que Marks estava levando á sério.
- Eu não faço magia negra, Tenente. Tenho uma corrente de prata em volta do meu pescoço e até um crucifixo que se ilumina. Eu sou cristã, da Igreja Episcopal na verdade. Não sei o que você ouviu falar sobre o que eu faço, mas não é do mal.
- Você diria que... - ele disse.
- O estado de minha alma imortal é entre eu e Deus, Tenente Marks. Não julgueis para que não sejais julgados, ou você pula essa parte apenas para manter as frases que gosta?
Seu rosto escureceu, e uma veia em sua testa começou a pulsar. Este nível de raiva dizia que era um extremista de direita cristão, ainda por cima.
- Que diabo está por trás da porta para tê-lo assustado tanto assim?- Eu perguntei.
Marks piscou para mim.
- Não estou assustado.
Eu dei de ombros.
- Sim, você está. Vocês todos resolveram se afeiçoar aos sobreviventes e você está me deixando de fora.
- Você não me conhece. - ele disse.
- Não, mas conheço muitos policiais, e sei quando alguém está com medo.
Ele se aproximou o suficiente de mim como se fosse me bater, eu teria dado um passo para trás, colocado um espaço entre nós. Em vez disso, firmei o pé no chão. Eu realmente não esperava que o tenente fosse me atacar.
- Você acha que é uma puta de uma durona?
Pisquei para ele, perto o suficiente para que se eu tivesse subido na ponta dos pés, eu poderia te-lo beijado.
- Eu não acho tenente. Eu sei.
Ele sorriu para isso, mas não como se estivesse feliz.
- Se você acha que sabe tudo, seja minha convidada. - Ele saiu para um lado, fazendo um movimento para a porta.
Eu queria perguntar o que estava atrás dela. O que poderia ser assim tão horrível que tinha deixado Edward e um tenente da polícia abalados? Olhei para aporta fechada e lisa, escondendo todos os seus segredos.
- O que você está esperando Sra. Blake? Vá em frente. Abra a porta.
Olhei para trás, para Edward.
- Suponho que você não vai me dar uma dica.
- Abra a porta, Anita.
Murmurei,
- Bastardo. - eu disse baixinho e abri a porta.
6
A porta não conduzia diretamente ao quarto. Ela levava a uma pequena ante-sala com outra porta de vidro. Ouvi o barulho do ar que circulava pela sala como se ela tivesse seu próprio suprimento de ar separado. Um homem levantou-se usando um uniforme verde cirúrgico completo, com protetores de sapatos nos pés, e uma máscara pendurada no pescoço. Ele era alto e magro, olhar firme. Uma das primeiras pessoas da cidade que encontrei sem um bronzeado. Ele me entregou uma pilha de roupas.
- Ponha isto.
Eu peguei.
- Você é o médico que está cuidando deste caso?
- Não, sou o enfermeiro.
- Você tem um nome?
Ele deu um pequeno sorriso.
- Ben, meu nome é Ben.
- Obrigada, Ben. Eu sou Anita. Por que preciso da roupa?
- Para se proteger contra a infecção.
Não discuti com ele. Minha experiência era mais na linha de tirar vidas,
não preservá-las. Coloquei a roupa por cima do meu jeans, amarrando o cordão tão apertado como ele teria feito. As pernas das calças eram enormes em torno dos meus pés.
Ben estava sorrindo.
- Não estávamos esperando uma policial tão... pequena.
Eu fiz uma careta para ele.
- Sorria quando disser isso.
Seu sorriso mostrou uma fileira de dentes brancos. O sorriso em seu rosto o deixou mais suave e o fez parecer menos com um enfermeiro chefe e mais como um ser humano.
- Eu não sou policial.
Os olhos dele foram para a arma no coldre de ombro. A arma era muito preta e muito visível contra a camisa vermelha.
- Você está carregando uma arma.
Eu passei a camisa de mangas curtas sobre a cabeça, e a arma ofensiva.
- A lei no Novo México diz que eu posso usá-la desde que não fique escondida.
- Se não é uma policial, então por que precisa da arma?
- Sou uma executora de vampiros.
Ele me deu um avental de mangas compridas. Passei meus braços através das mangas e amarrei na parte de trás como os vestidos de hospital. Ben amarrou para mim.
- Pensei que não se podia matar um vampiro com balas.
- Balas de prata podem atordoá-los se não forem muito velhos ou poderosos, abrir um buraco no seu cérebro ou coração ajuda. Às vezes. - acrescentei.
Ben não gostaria de ficar com a idéia errada e tentar encarar um vampiro com munição de prata e virar comida porque confiou em minha opinião.
Tivemos alguns problemas com o meu cabelo sob a pequena touca plástica, mas finalmente consegui, embora a crista fina do elástico raspasse a pele da minha garganta toda vez que eu virava a cabeça. Ben tentou me ajudar com as luvas cirúrgicas, mas colocá-las nunca foi problema.
Ele levantou as sobrancelhas para mim.
- Você já colocou esse tipo de luvas antes. - Não era uma pergunta.
- Eu as uso nas cenas de crime quando não quero sujar minhas unhas com sangue.
Ele me ajudou a amarrar a máscara em volta do meu pescoço.
- Você deve ver muito sangue em seu tipo de trabalho.
- Aposto que nem tanto como você. - Virei-me com a máscara sobre a boca e o nariz. Só os meus olhos ficaram descobertos. Ben olhou para baixo para mim, e seu rosto parecia pensativo.
- Eu não sou um enfermeiro cirúrgico.
- Qual é a sua especialidade? - Eu perguntei.
- Unidade de queimados.
Meus olhos se arregalaram.
- São sobreviventes e estão queimados?
Ele balançou a cabeça.
- Não, mas seus corpos ainda são como feridas abertas, como uma queimadura. O protocolo é semelhante.
- O que quer dizer com ferida aberta?
Alguém bateu no vidro atrás de mim e eu pulei, virei para ver outro homem com um traje igual ao meu fitando-me com seus olhos claros. Ele apertou o botão do interfone, e sua voz era clara o suficiente para saber que estava irritado.
- Se você vai entrar, venha logo. Eu quero sedar-los novamente, e não posso fazer isso até que você tenha a oportunidade de questioná-los, ou assim me disseram. - Ele soltou o botão e foi para trás de uma cortina branca que escondia o resto da sala de exames.
- Pô, é impressão minha ou todo mundo está de mau humor hoje?
Ben vestiu a máscara e disse:
- Não leve pelo lado pessoal. O Dr. Evans é muito bom no que faz, um dos melhores.
Se você quiser encontrar um bom médico em um hospital, não pergunte ao outros médicos ou ao serviço de referência. Pergunte a um enfermeiro. Eles sempre sabem quem é bom e quem não é. Não podem dizer coisas ruins em voz alta, mas se disserem alguma coisa boa sobre um médico, você pode levantar do banco.
Ben tocou em alguma coisa na parede que era grande demais para ser chamado de botão, e as portas se abriram com um som como portas de aeroporto. Entrei na sala, e elas se fecharam silenciosamente atrás de mim. Não tinha nada além de uma cortina branca.
Eu não queria puxar a cortina. Todo mundo estava muito chateado. Isso seria ruim. Seus corpos eram como feridas abertas, Ben havia dito, mas não como uma queimadura. O que aconteceu com eles? Como diz o velho ditado; só tem uma maneira de descobrir. Respirei fundo e empurrei a cortina.
A sala ia muito além do branco e anti-séptico quarto de hospital. Fora deste quarto tinham feito alguma tentativa com tons pastéis, uma pretensão de que ele era apenas um prédio, apenas corredores, apenas salas comuns. Toda pretensão terminou na cortina, e a realidade era dura.
Havia seis camas, cada uma com uma tenda de plástico esbranquiçado sobre elas cobrindo a parte superior dos pacientes. O Dr. Evans estava em pé ao lado da cama mais próxima. Uma mulher andava entre as camas verificando os sinais vitais e os equipamentos em torno de cada leito. Ela olhou para cima, e a pequena área do rosto que aparecia era uma escuridão assustadora. Mulher Afro-Americana, magra, mas além disso e da altura eu não podia dizer nada por baixo da roupa de proteção. Eu não a reconheceria novamente sem a roupa cirúrgica. Era estranhamente anônimo e perturbador, ou será que era só comigo. Ela baixou o olhar e virou-se para a outra cama, fazendo as mesmas verificações e escrevendo algo em uma prancheta.
Fui para a cama mais próxima. O Dr. Evans parecia não ter me reconhecido. Havia um plástico branco em forma de tenda sobre cada um deles, sustentado por algum tipo de moldura para evitar que o material os tocasse. O Dr. Evans finalmente virou-se para um lado e eu pude ver o rosto do paciente. Pisquei e meus olhos se recusaram a vê-lo, ou talvez meu cérebro acabasse de rejeitar o que eu estava vendo. O rosto estava vermelho e sem pele como se estivesse sangrando, mas sem sangue. Era como olhar para a carne crua na forma de um rosto humano, nenhuma carne em seu crânio. O nariz tinha sido cortado, deixando buracos sangrentos para que o tubo de plástico pudesse ser empurrado para dentro. O homem virou seus olhos castanhos para mim. Havia algo de errado com seus olhos além da falta de pele em torno deles. Levei alguns segundos para perceber que suas pálpebras tinham sido cortadas.
O quarto ficou repentinamente quente, tão quente, e a máscara estava me sufocando. Eu queria retirá-la para que pudesse respirar. Devo ter feito algum movimento porque o médico agarrou meu pulso.
- Não tire a máscara. Estou arriscando suas vidas a cada nova pessoa que vem aqui. - Ele soltou o meu pulso. - Faça o risco valer a pena. Diga-me o que fez isso.
Eu balancei a cabeça concentrando-se em respirar devagar. Quando pude falar perguntei:
- Como está o resto do corpo, eu posso olhar?
Ele olhou para mim com seus olhos exigentes, e eu me concentrei em seu olhar. Qualquer coisa era melhor do que olhar para o que estava na cama.
- Você está pálida. Tem certeza de que quer ver o resto?
- Não. - eu disse a verdade.
Mesmo com apenas seus olhos visíveis eu podia ver a surpresa em seu rosto.
- Nada me deixaria mais feliz do que me virar e sair deste quarto. Eu não preciso de novos pesadelos Dr. Evans, mas fui chamada aqui para dar minha opinião de especialista. Não posso formar uma opinião sem ver todo o show. Se eu achasse que não tinha necessidade de ver tudo, confie em mim, eu não perguntaria.
- O que você espera ganhar com isso? - ele perguntou.
- Eu não estou aqui para escancarar, Doutor. Estou à procura de pistas de quem fez isso. Na maioria das vezes as pistas estão nos corpos das vítimas.
O homem na cama fazia pequenos movimentos, jogando a cabeça de um lado para outro como se estivesse com uma grande dor. Pequenos ruídos indefesos saíam de sua boca. Fechei os olhos e tentei respirar normalmente.
- Por favor, Doutor, eu preciso ver. - Abri os olhos a tempo de vê-lo dobrar o lençol. Eu o vi jogar o lençol para trás, dobrando-o cuidadosamente, revelando o corpo do homem, uma polegada de cada vez.
Até o momento vi até a cintura, eu sabia que ele tinha sido esfolado vivo. Eu esperava que fosse apenas o rosto. Isso era horrível o suficiente por si só, levava um tempo infernalmente longo tirar toda a pele do corpo de um homem adulto, uma eternidade fazer bem e cuidadosamente.
Quando o lençol desceu sobre a virilha eu balancei, só um pouco. Não era um homem. A região da virilha estava lisa e crua. Olhei para o seu peito. A estrutura óssea era masculina. Eu balancei a cabeça.
- Isto é um homem ou uma mulher?
- Um homem. - ele disse.
Olhei para baixo e não conseguia deixar de olhar para a virilha e o que estava faltando.
- Merda. - eu disse suavemente. Fechei os olhos novamente. Estava tão quente, tão quente.
Com os olhos fechados eu podia ouvir o silvo do oxigênio, o som do calçado da enfermeira quando ela veio em nossa direção, e pequenos sons vindo da cama quando ele se contraia contra as amarras acolchoadas em seus pulsos e tornozelos.
Amarras? Eu as tinha visto, mas realmente não tinha registrado. Tudo o que podia ver era o corpo. Sim, o corpo. Eu não poderia pensar no homem como um "ele". Eu tinha que me distanciar ou enlouqueceria. Concentrei-me no trabalho e abri os olhos.
- Por que as correias? Minha voz saiu soprosa, mas clara. Olhei para o corpo, e em seguida para o Dr. Evans, o contato com os olhos mais completo que eu já tinha dado a alguém. Olhei para ele até decorar a cor de sua íris e os pés de galinha ao redor dos olhos, eu não precisava olhar para baixo e ver o que estava sobre a cama.
- Eles continuam tentando levantar e ir embora. - ele disse.
Eu fiz uma careta, não que ele pudesse vê-lo sob a máscara.
- Certamente, eles estavam muito mal quando chegaram aqui.
- Demos alguns analgésicos muito fortes. Quando a dor passa, eles tentam sair. - Todos eles?- Eu perguntei.
Ele balançou a cabeça confirmando. Isso me fez olhar para a cama.
- Por que isto não seria apenas um caso de assassinato em série? Como é que vocês chamam? Serial... - Eu balancei a cabeça, não podia pensar em uma palavra para isso. - Por que fui chamada? Sou perita em sobrenatural, e isso poderia ter sido feito por uma pessoa.
- Não há marcas de lâmina sobre o tecido. - disse o Dr. Evans.
Eu olhei para ele.
- O que quer dizer?
- Quero dizer que nenhuma lâmina fez isso porque não importa o quanto sejam bons em tortura, o ferimento sempre revela o instrumento utilizado. Você está certa quando diz que os corpos das vítimas são as melhores pistas, mas não neste caso. É como se sua pele fosse dissolvida.
- Qualquer agente corrosivo poderia dissolver a pele e os tecidos moles como o nariz e a região da virilha, mas não iria parar na pele. Ele continuaria corroendo através do corpo.
Ele balançou a cabeça.
- A menos que seja lavado imediatamente, mas não há nenhum resíduo de qualquer agente corrosivo conhecido. Mais do que isso, o corpo não padroniza nenhum tipo de ácido. O nariz e a virilha foram arrancados. Há sinais de lacrimejamento e danos presentes em outros lugares. É quase como se quem fez isso o esfolasse e em seguida arrancasse partes extras. - Ele balançou a cabeça. - Viajei por todo o mundo ajudando a capturar torturadores. Eu pensei que tinha visto tudo, mas estava errado.
- Você é um patologista forense? - Eu perguntei.
- Sim.
- Mas eles não estão mortos. - eu disse.
Ele olhou para mim.
- Não, eles não estão mortos, mas são as mesmas características que me deixam julgar o corpo de um morto também.
- Ted Forrester disse que houve mortes. Será que eles morreram esfolados?
Agora que eu estava "trabalhando", o quarto não parecia tão quente. Se eu me concentrasse cuidadosamente no trabalho, talvez não vomitasse sobre os pacientes.
- Não, eles foram cortados em pedaços e deixados no local.
- Então deixaram marcas sobre os cortes, eu presumo, ou você não teria usado a palavra corte.
- Havia marcas de uma ferramenta de corte, mas era como nenhuma faca ou espada, ou baioneta do inferno, que eu já vi. Os cortes eram profundos, mas não eram limpos, algo menos refinado do que uma lâmina de aço.
- O quê?
Ele balançou a cabeça.
- Eu não sei. A lâmina não cortou os ossos, embora quem tenha feito isso puxou os pedaços além das articulações. Nenhum homem teria força para fazer isso.
- Provavelmente não. - eu disse.
- Você realmente acha que um ser humano poderia ter feito isso? - ele perguntou apontando para a cama.
- Você está me perguntando se uma pessoa poderia fazer isso com um semelhante? Se você viajou pelo mundo testemunhando casos de morte por tortura, então sabe exatamente o que as pessoas são capazes de fazer uns aos outros.
- Não estou dizendo que uma pessoa não faria isso, estou dizendo que acho que não seria fisicamente possível fazê-lo.
Concordei.
- Cortar e rasgar, eu acho que poderia ter sido feito por um humano, mas concordo com o esfolamento. Se fosse feito por um ser humano teria deixado marcas de ferramentas de algum tipo.
- Você diz marcas de ferramentas, e não marcas de lâmina. A maioria das pessoas acredita que pode tirar a pele de alguém com uma faca.
- Qualquer coisa afiada pode fazer. - eu disse. - mas é mais lento e geralmente deixa muita sujeira. Este é estranhamente limpo.
- Sim. - ele disse, balançando a cabeça. - Sim, isso é uma boa frase neste caso. Tão horrível e nitidamente bem feito, exceto pelo tecido extra que foi removido. Aquele não foi nitidamente bem feito, mas brutalmente bem feito.
- Quase como se tivéssemos dois diferentes...- Evitei dizer a palavra assassinos, essas pessoas ainda estavam vivas. - Responsáveis. - eu disse finalmente.
- O que você quer dizer?
- Cortar um corpo com uma ferramenta que não é forte o suficiente para cortar o osso, em seguida, puxar os pedaços com as mãos, é algo muito desorganizado para um serial killer. Esfolar uma pessoa é algo que só um assassino cuidadoso e organizado poderia fazer. Por que ter o trabalho de esfolar cuidadosamente o rosto e virilha, e depois puxar os pedaços? Ou são dois mutiladores diferentes, ou duas personalidades diferentes.
- Um caso de personalidade múltipla? - Ele fez uma pergunta.
- Não exatamente, mas nem todos os serial killers são tão fáceis de colocar em uma categoria ou outra. Alguns criminosos organizados têm momentos de selvageria que se assemelham a um assassino desorganizado, e algumas mentes organizam-se com o aumento do número de mortes. O mesmo não acontece com um assassino desorganizado.
- Assim, ou é um assassino organizado com momentos de loucura, ou... ou o quê? - O bom médico estava falando de forma muito razoável para mim, não com raiva. Eu gostaria de impressioná-lo, ou pelo menos não decepcioná-lo. Ainda não, de qualquer maneira.
- Podem ser dois assassinos, um organizado, o cérebro da operação, e o desorganizado sendo o seguidor. Não é incomum encontrar esse tipo de gente trabalhando em conjunto.
- Como o Estrangulador de Hillside Stranglers, ou melhor. - disse ele.
Eu sorri por trás da máscara.
- Houve muitos outros casos do que apenas esse, em que tivemos dois assassinos. Às vezes são dois homens. Às vezes, é um homem e uma mulher. Nesse caso, o homem é a personalidade dominante. Ou, pelo menos em todos os casos que eu já ouvi falar, exceto uma. Ou o dominante tem um grau menor ou maior no controle do outro. Pode ser algo próximo a dominação completa, de modo que a outra pessoa é incapaz de dizer não, ou pode ser mais de uma parceria.
- E você tem certeza que é um mutilador em série? - ele perguntou.
- Não. - eu disse.
- O que você quer dizer?
- A idéia do mutilador em série seria é a conclusão mais lógica que eu posso pensar, mas sou uma perita sobrenatural, Dr. Evans. Raramente sou chamada quando o culpado usa um rosto humano, não importa o quão monstruoso. Alguém achou que isso não foi feito por mãos humanas, ou eu não estaria aqui.
- O agente do FBI parecia muito certo.
Olhei para ele.
- Será que apenas desperdiçamos o nosso tempo aqui? Será que os Federais já disseram a mesma coisa que eu?
- Quase. - ele disse.
- Então você não precisa de mim.
- O FBI está convencido de que é um mutilador em série, uma pessoa.
- Às vezes, os federais podem ser muito seguros de si, uma vez que se comprometem, não gostam de estar errados. Polícias em geral podem ser parecidos. Geralmente é a resposta fácil quando se trata de um crime. Se o marido morre, a esposa provavelmente é a culpada. Policiais não são incentivados a complicar um caso. Eles são incentivados a simplificá-lo.
- E por que você não está usando a solução mais simples? - ele perguntou.
- Por vários motivos. Primeiro, se fosse um assassino em série, um ser humano, eu acho que a polícia ou os federais teriam algumas pistas. O nível de medo e incerteza entre os homens é muito alto. Se eles tivessem uma idéia do que está acontecendo, o pânico seria menor. Eu não tenho que fazer um relatório para o meu superior. Ninguém vai dar um tapa na minha mão, ou me rebaixar de cargo se eu estiver errada. Meu trabalho e renda não dependem de ninguém, e isso me agrada.
- Você não tem um chefe para responder?
- Sim, mas não tenho que enviar relatórios periódicos. Ele é mais um gerente de negócios do que qualquer outra coisa. Ele não está nem aí sobre como faço meu trabalho, contanto que eu faça isso e não insulte muitas pessoas ao longo do caminho. Eu ressuscito os mortos para a vida, Dr. Evans. É uma habilidade especializada. Se meu chefe me deixar triste, há duas outras empresas de animação neste país que me contratariam em um minuto. Eu poderia ser até free-lance.
- E você é boa nisso?
Concordei.
- Pareço ser, o que me livra de toda a burocracia e política que a polícia tem que mexer. Meu objetivo é evitar que isso não aconteça com mais ninguém. Se eu me comportar como uma tola ou indecisa ao longo do caminho, será o meu fim. Embora eu provavelmente vou conseguir alguma pressão em minha mente e escolher um bicho-papão. Resolvendo algo como isso, eu poderia seguir a carreira de policial. Estar errada e não conseguir resolver poderia ser o fim de uma carreira.
- Mas se você estiver errada, não sairá ferida.
Olhei para ele.
- Se eu estiver errada não haverá nenhum dano, sem falta. Se todo mundo olhar na direção errada, eu, os policiais, os federais, todos, então isso vai continuar acontecendo. - Olhei para o homem na cama. - Isso vai doer.
- Por quê? Por que isso machuca você?
- Porque nós somos os mocinhos, e quem, ou o que está fazendo isso, é o cara mau. Supostamente os bons triunfam sobre os maus Dr. Evans, ou então o que é o paraíso?
- Você é cristã?
Concordei.
- Eu não sabia que você poderia ser cristã e ressuscitar zumbis.
- Surpresa. - eu disse.
Ele concordou, embora eu não tivesse certeza do que ele estava concordando.
- Você precisa ver os outros, ou isso é suficiente?
- Você pode cobri-lo novamente, mas sim, eu deveria pelo menos olhar para os outros. Se não fizer isso vou ficar me perguntando se perdi algo por não olhar.
- Ninguém mais conseguiu andar nesta sala sem ter que sair, e isso inclui a mim na primeira vez que entrei aqui.
Ele estava caminhando para a cama ao lado enquanto falava. Eu seguia atrás, não estava contente por estar lá, mas o sentimento tinha melhorado. Eu poderia fazer isso se apenas me concentrasse em resolver o crime e empurrasse minha empatia para uma caixa apertada e escura. No momento, a simpatia era um luxo que eu não podia pagar.
O segundo homem era quase idêntico ao primeiro, exceto pela altura e cor dos olhos. Olhos azuis neste momento, e eu tive que desviar o olhar. Se eu trocasse olhares com qualquer um deles, se tornariam pessoas, e eu correria gritando.
A terceira cama era diferente. Os ferimentos no peito pareciam diferentes de alguma forma, e quando o Dr. Evans abaixou o lençol sobre a virilha, percebi que era uma mulher. O meu olhar voltou para o seu peito, onde alguma coisa tinha sido rasgada. Seus olhos rolavam pelas órbitas descontroladamente, abrindo e fechando a boca, fazendo pequenos sons, e eu vi pela primeira vez porque ninguém estava falando. A língua era apenas um toco em ruínas, rolando como um verme massacrado na abertura, sem lábios e sem pele.
O calor tomou conta de mim rapidamente. Eu não conseguia respirar. A máscara moldava-se a minha boca escancarada. Virei e fui para as portas. Caminhei lentamente. Eu não corri, mas se não saísse de lá perderia o pouco que tinha no meu estômago, ou talvez desmaiasse. Dos dois, eu acho que preferia vomitar. O Dr. Evans pressionou o botão que abria as portas sem uma única palavra. As portas se abriram, e eu passei.
O enfermeiro Ben virou-se para mim, máscara pressionada na boca com uma mão enluvada.
Quando as portas se fecharam atrás de mim, ele deixou cair à máscara.
- Você está bem?
Eu balancei a cabeça não confiando em minha voz. Tirei a máscara do meu rosto e ainda não parecia ter ar suficiente. A ante-sala estava muito tranquila. O único som que eu ouvia no silêncio o barulho do ar sendo reciclado. O som da roupa de Ben quando se moveu na minha direção. Eu precisava de ruído, vozes humanas. Eu precisava sair de lá.
Tirei o plástico da minha cabeça. Meu cabelo caiu em torno de meus ombros e rosto. Eu ainda não consegui ar suficiente.
- Sinto muito. - eu disse, minha voz soava distante. - Eu voltarei. - Abri a porta externa e escapei.
7
Senti que o hall estava mais fresco, embora eu soubesse que não estava. Debrucei-me ao lado da porta com olhos fechados, respirando o ar em grandes golfadas. O corredor estava cheio de ruído depois do quarto silencioso. Ouvi o Tenente Marks se aproximando.
- Você não é tão durona assim depois de tudo, não é Sra. Blake.
Abri os olhos e olhei para ele. Ele estava sentado na cadeira que provavelmente tinha sido trazida para o policial que ficava na porta. Vi Edward encostado na parede distante, as mãos atrás das costas. Ele estava observando o meu rosto, me olhando, como se tivesse memorizando o meu medo.
- Eu consegui ver três pacientes antes que tivesse que sair da sala. Quantos você viu antes que tivesse que sair de lá?
- Eu não tive que sair da merda da sala.
- O Dr Evans disse que ninguém conseguiu ficar naquela sala sem passar mal. Isso significa que você tampouco conseguiu Marks. Então, não chateia.
Ele estava de pé agora.
- Sua... você é uma bruxa. - Ele cuspiu a última palavra como se fosse o pior insulto que pudesse me dizer.
- Você não quer dizer... cadela? - Eu estava me sentindo melhor aqui no
corredor. Troca insultos com Marks era moleza em comparação com minhas outras opções.
- Eu disse exatamente o que quis dizer.
- Se você não sabe a diferença entre uma bruxa de verdade e uma ressuscitadora, não admira que não tenha pego a coisa que está fazendo isso.
- O que quer dizer com "coisa"? - ele perguntou.
- Coisa, monstro.
- Os Federais acham que é um mutilador em série. - ele disse.
Olhei para Edward.
- Legal alguém me dizer o que os federais disseram.
Edward não parecia culpado. Ele me deu um sorriso agradável, ilegível, e voltei minha atenção para Marks.
- Então por que não existem quaisquer marcas da arma usada para esfolar?
Marks olhou para o corredor onde uma enfermeira estava empurrando um carrinho pequeno.
- Não podemos discutir uma investigação em lugar aberto, onde qualquer pessoa pode nos ouvir.
- Ótimo, então depois que eu voltar lá e olhar para os três últimos ... corpos, nós vamos para algum lugar mais privado falar sobre o caso.
Eu acho que ele empalideceu um pouco.
- Você vai voltar lá?
- As vítimas são os indícios, Tenente. Você sabe disso.
- Nós podemos levá-la até as cenas do crime. - ele disse.
Foi à coisa mais inteligente que disse até agora.
- Ótimo, e eu preciso vê-los, mas neste exato momento estamos aqui e as únicas pistas possíveis estão dentro daquela sala.
Minha respiração voltou ao normal e o suor doente tinha secado na minha testa. Talvez eu estivesse um pouco pálida mesmo, mas eu estava me mexendo e me sentia quase normal.
Comecei a andar e Edward acenou para mim como se tivesse que falar algo só para meus ouvidos. Ele se afastou da parede e veio em minha direção. Quando estava perto o suficiente, eu lhe dei um chute, ele olhou para baixo apenas por um instante reagindo ao golpe, o segundo chute foi mais alto e pegou em sua mandíbula. Ele pulou para trás, defendendo o rosto com as mãos, ele sabia
o suficiente para defender as áreas vitais e se manter de pé.
Meu coração estava batendo rápido no meu peito, não de esforço, mas pela
adrenalina. Eu nunca tinha usado as minhas recém-descobertas habilidades de Kenpo em uma luta. Estava tentando pela primeira vez em Edward, provavelmente não era uma das minha melhores idéias, mas hey, eu estava trabalhando nisso. Embora na verdade, tenha ficado um pouco surpresa dele conseguir evitar os golpes tão facilmente. Uma voz na parte de trás de minha cabeça perguntava se Edward tinha me deixado atacá-lo. A parte da frente disse que o seu ego era muito grande para isso. Eu acreditava na segunda voz. Fiquei parada em posição de ataque, era a postura que eu conhecia bem o suficiente para voltar a chutar outra vez se fosse preciso. Eu tinha meus punhos para cima esperando, mas ele não se moveu. Quando Edward descobriu que eu não ia fazer nada, abaixou o braço e me encarou.
- Que diabos foi isso? - Havia sangue em seu lábio inferior.
- Eu estava fazendo aulas de Kenpo.
- Kenpo?
- É como o Tae-kwon-do, com chutes mais rápidos e movimentos fluidos da mão. - Ser faixa preta em judô não foi o suficiente? - ele perguntou, com a voz de Ted.
- É um ótimo exercício de Judô, mas não é excelente para autodefesa. Você tem que se atracar com o bandido. Dessa forma, posso ficar fora do alcance e ainda fazer alguns danos.
Ele tocou o lábio e voltou com sangue.
- Eu percebi. Por quê?
- Por que eu chutei sua cara?- Eu perguntei.
Ele balançou a cabeça, e acho que estremeceu ligeiramente. Ótimo.
- Por que você não me avisou sobre as vítimas? - Eu olhei para eles com frieza.
- Queria ver se você era capaz da mesma coisa.
- Isso não é um concurso, Edward. Ted. Eu não estou competindo com você, sei que você é melhor do que eu, mais durão do que eu, mais frio do que eu. Você ganha, ok? Pare com essa besteira de machista.
- Eu não tenho tanta certeza. - ele disse baixinho.
- Não tem certeza do quê?
- De quem é mais resistente. Lembre-se, assim como os outros, eu não consegui ficar naquela sala por muito tempo.
Olhei para ele.
- Tudo bem, você quer saber quem é o melhor, mas não agora. Nós temos que solucionar o caso. O importante é evitar que, o que aconteceu com aquelas pessoas não aconteça a mais ninguém. Quando a gente conseguir resolver esse caso, poderemos nos tornar competitivos novamente. Até lá, pare com essa merda ou você vai me deixar verdadeiramente chateada.
Edward começou lentamente a mover os pés. Eu recuei fora de alcance. Eu nunca o tinha visto usar artes marciais antes. Um som me fez olhar pata trás, mais sem tirar a atenção de Edward. Marks estava fazendo um pequeno som. Levei um tempo para perceber que ele estava rindo, rindo muito, seu rosto estava arroxeado e ele parecia estar tendo dificuldade para respirar. Edward e eu olhamos para ele.
Quando Marks pôde finalmente falar, ele disse:
- Você chutou um homem na cara, e isso te deixou "seriamente chateada"? - Ele apertou a mão do lado do corpo como se sentisse uma pontada. - Que merda deixaria você chateada então?
Senti meu rosto ficar em branco, meus olhos vazios. Por apenas um instante deixei Marks ver o buraco em minha consciência. Ele não sabia realmente o que isso significava, mas eu não conseguia ajudá-lo. Talvez eu estivesse mais agitada por ter visto os sobreviventes do que pensava. É a única desculpa que posso dar. O rosto de Marks passou do riso à palidez, e para algo como preocupação. Ele deu um olhar duro de policial, mas uma incerteza atrás daquele olhar era quase de medo.
- Sorria Tenente. É um bom dia, ninguém morreu.
Eu vi seus pensamentos através de seu rosto. Ele entendeu exatamente o que eu
significava. Você nunca deveria sequer dar uma dica para a polícia se estivesse disposto a matar, mas eu estava cansada, e ainda tinha que voltar para aquela sala. Foda-se. Edward falou em sua própria voz, baixo e vazio:
- E você quer saber por que eu quero competir com você?
Virei-me para aqueles olhos que eu sabia que eram tão mortos como os meu, e balancei a cabeça.
- Eu não perguntei "por que" você quer competir comigo... Ted. Eu apenas lhe disse para parar de fazer isso até que o caso seja resolvido.
- E então? - ele perguntou.
- Então vamos ver, não é mesmo?
Eu não vi medo no rosto de Edward, vi apenas antecipação. E isso era a
diferença entre nós. Ele gostava de matar. Eu não. O que realmente me assustou foi o pensamento de que poderia ser a única diferença entre nós agora. Não era
uma diferença suficiente para me fazer atirar pedras em Edward. Eu ainda tinha
mais regras do que ele. Ainda havia coisas que ele faria, e coisas que não faria, mas a lista estava ficando cada vez mais reduzida. Senti algo próximo ao pânico vibrando no meu estômago. Não era medo de Edward ou qualquer coisa que ele pudesse fazer, era saber que quando eu virasse a esquina poderia me tornar um monstro. Eu disse ao Dr. Evans que nós éramos os mocinhos, mas se Edward e eu estávamos do lado dos anjos, então o que foi deixado do outro lado?
Algo que poderia tirar a pele de uma pessoa viva, sem utilizar qualquer tipo de ferramenta. Algo que arrancava o pênis de um homem, e os seios de uma mulher
com as mãos. Tão mau quanto Edward, e tão mau como eu havia me tornado. Não havia coisas piores, e nós estávamos prestes a caçar um deles.
8
Eu voltei para o quarto, e não, não descobri uma maldita coisa nas últimas três vítimas. Tanta bravura desperdiçada por nada. Bem, não exatamente por nada. Provei para mim mesmo que poderia entrar na sala sem vomitar ou desmaiar. Eu não me importava se impressionava Edward ou Marks. Ele me impressionou. Se você não pode impressionar-se, então realmente nada importa. Ou eu impressionei o Dr. Evans, ou ele precisava de uma xícara de chá porque me convidou para a sala dos médicos. Não há nada como uma verdadeira xícara de café, eu esperava que o chá fosse melhor por causa de Evans.
Embora eu duvidasse. O café saiu de uma lata, o chá em saquinhos com cordas penduradas sobre eles. Há tanta coisa que você pode esperar de café solúvel e chá em saquinhos. Em casa eu moia meus próprios grãos, mas eu não estava em casa e estava grata pelo liquido amargo.
Adicionei creme e o açúcar e notei que o café estava tremendo no copo, como se minhas mãos estivessem instáveis. Elas também estavam frias. Nervos, eram apenas os nervos.
Se Edward tinha nervos, não dava para saber pela maneira que ele se encostou na parede e bebeu o seu café preto. Ele desprezou o açúcar e o creme, ele era o He-Man. Ele estremeceu quando enquanto bebia, acho que não era por o líquido estar escaldante. O lábio estava ligeiramente inchaço onde eu tinha chutado. Isso me fez sentir melhor. Infantil, mas é verdade.
Marks sentou no lugar único sofá disponível, soprando seu café. Ele colocou creme e açúcar. Evans ficou na única cadeira que parecia meio confortável e suspirando enquanto mexia o seu chá.
Edward me olhou, e finalmente percebi que não se sentaria até que eu fizesse o mesmo. Que se lixe. Sentei numa cadeira que estava longe de ser confortável para as costas, mas foi colocada numa posição que dava para ver todos na sala, incluindo a porta. Havia um pequeno frigobar contra a parede, era um modelo antigo de um tom estranho de marrom. Um pequeno armário em forma de "L", uma máquina de café com nada além de água quente nela, uma pia e um forno de microondas. O Dr. Evans tinha usado a água quente para o chá. Havia um pacote de colheres de plástico branco aberto, e uma daquelas inúteis canecas de café. Havia vários tipos de açúcar, Nutrasweet, e alguns outros edulcorantes artificiais que eu nunca tinha ouvido falar. Havia uma marca de copo que tinha secado na bancada do armário. Eu me concentrei nos detalhes do armário tentando não pensar. Por apenas alguns momentos que eu queria beber o meu café e não pensar. Eu ainda não tinha comido hoje, e agora, eu não queria.
- Você disse que tinha algumas perguntas para mim, Sra Blake. - disse o Dr. Evans quebrando o silêncio.
Eu pulei, o Tenente Marks fez o mesmo. Edward ficou encostado contra a parede imóvel, seus olhos azuis nos observando como se ele estivesse além da tensão e do horror. Talvez fosse verdade, ou talvez fosse apenas representação. Eu não sabia mais.
Eu concordei tentando me concentrar.
- Como é que todos eles sobreviveram?
Ele inclinou a cabeça para um lado.
- Quer dizer, tecnicamente como eles sobreviveram? Você quer os detalhes médicos?
Eu balancei a cabeça.
- Não, quero dizer, uma ou duas pessoas podem até sobreviver a este tipo de trauma. Mas a maioria das pessoas não sobreviveria, ou estou errada?
O Dr. Evans ajeitou os óculos de forma mais segura em seu nariz e concordou com a cabeça.
- Não, você não está errada.
- Então, como é que seis deles sobreviveram? - Eu perguntei.
Ele franziu a testa para mim.
- Não tenho certeza se entendi exatamente o que você está tentando dizer, Sra Blake.
- Estou perguntando quais são as chances de que seis pessoas de diferentes sexos, origem, condições físicas, idade, etc... Todos seriam capazes de sobreviver ao mesmo tipo de trauma. Pelo que entendi, todas as vítimas foram esfoladas e sobreviveram, certo?
- Sim. - O Dr. Evans estava me observando atentamente, seus olhos claros buscando meu rosto, esperando que eu fosse adiante.
- Por que eles sobreviveram?
- Eles são uns filhos da puta resistentes. - disse Marks.
Olhei para o tenente, depois de volta para Evans.
- Eles são?- eu perguntei.
- Eles são o quê? - perguntou o médico.
- Eles são uns filhos da puta durões?
Ele baixou os olhos como se estivesse pensando.
- Dois dos homens trabalhavam fora regularmente, uma das mulheres era uma corredora de maratona. Os outros três são pessoas comuns. Um dos homens está perto dos sessenta anos, e não tinha uma rotina regular de exercícios de qualquer espécie. A outra mulher está na casa dos trinta, mas não fez. . . - Ele olhou para mim. - Esses indivíduos não são particularmente parecidos, não fisicamente ou de qualquer outra maneira. Descobri que muitas vezes as pessoas que não são fisicamente fortes ou extremamente resistentes, sobrevivem mais tempo sob tortura. Como se fossem homens das cavernas.
Eu não olhei para Edward, mas foi um esforço.
- Deixe-me ver se entendi doutor. Outras pessoas morreram porque foram esfoladas como aqueles seis que estão no quarto?
Ele piscou e olhou novamente para longe, então ele olhou para mim.
- Não, somente as pessoas dilaceradas morreram.
- Então eu pergunto novamente, por que todos eles estão vivos? Por que pelo menos um deles não morreu de choque, perda de sangue, ataque cardíaco, ou o inferno, ou puro terror?
- As pessoas não morrem de terror. - disse Marks.
Olhei para ele.
- Você está absolutamente certo disso, Tenente?
Seu rosto bonito parecia petulante, teimoso.
- Sim, eu tenho certeza.
Acenei com o comentário. Eu falaria com Marks mais tarde. Agora eu estava perseguindo um ponto.
- Como todos os seis sobreviveram, Doutor? Porque todos eles?
Evans assentiu.
- Entendi o que você quer dizer. Como é que todos eles sobreviveram a isso?
Concordei.
- Exatamente. Alguns deles deveriam ter morrido, mas não morreram.
- Talvez o homem que estamos procurando seja um especialista em peles. - disse Marks. - Ele sabia como mantê-los vivos.
- Não. - disse Edward. - Não importa o quanto você é bom em tortura, não é possível manter todos vivos. Mesmo se você fizer exatamente à mesma coisa em cada um deles, alguns morreriam e outros não. Não dá para saber por que alguns conseguem, e outros não. - Sua voz era muito calma, mas não preencheu o silêncio da sala.
O Dr. Evans olhou para ele, balançando a cabeça.
- Sim, mesmo um perito não poderia manter todos os seis vivos. Você perderia alguns. Quanto a isso, eu não sei por que ainda estão vivos. Por que nenhum deles pegou alguma infecção secundária? Todos eles estão extremamente saudáveis.
Marks levantou tão abruptamente que derramou o café sobre sua mão. Ele amaldiçoou tudo, caminhando para a pia e jogando o copo.
- Como você pode dizer que eles estão saudáveis? - Ele olhou por cima do ombro para o médico quando passava a mãos sob a água.
- Eles ainda estão vivos, Tenente, e sua condição é muito saudável de fato.
- Magia faria isso. - eu disse.
Todo mundo olhou para mim.
- Há feitiços que pode manter uma pessoa viva durante a tortura de modo que ela possa ser prolongada.
Marks rasgou um pedaço do papel toalha e olhou para mim, enxugando as mãos com pequenos movimentos abruptos.
- Como você pode dizer que não faz magia negra?
- Eu disse que há magias que podem fazer, não que eu tinha as magias. - eu disse.
Ele fez três tentativas para conseguir jogar o papel toalha no cesto de lixo.
- Só quem é mal saberia sobre essas coisas.
- Pense no que quiser Tenente Marks, talvez uma das razões de você ter mandado me chamar, é que você não sabe o suficiente para ajudar essas pessoas. Talvez se você estivesse mais interessado em resolver o crime do que salvar sua própria alma, você saberia mais agora.
- Salvar uma alma é mais importante do que resolver a criminalidade. - ele disse caminhando em minha direção.
Levantei-me com o copo de café na mão.
- Se você está mais interessado em almas do que solucionar os crimes, deveria tornar-se um padre, Marks. O que precisamos agora é de um policial.
Ele me encarou, e eu acho que teria chegado perto o suficiente para trocarmos alguns golpes, mas ele se lembrou do que eu tinha feito no salão. Com cautela ele andou em torno de mim para chegar até a porta.
O Dr Evans olhou de um para o outro, como se perguntando o que ele tinha perdido.
Marks se transformou ao chegar à porta e apontou um dedo para mim.
- Se fosse do meu jeito, você estaria em um avião hoje à noite. Você não pode pedir o diabo para ajudá-lo a pegar ele mesmo. - Com isso ele saiu fechando a porta.
Evans falou quebrando o silêncio.
- Deve haver mais em você Sra Blake, que a mera resistência, algo que eu não vi ainda.
Olhei para ele e tomei um gole do café frio.
- O que fez você dizer isso, doutor?
- Se eu não estiver errado, diria que o Tenente Marks tem medo de você.
- Ele está com medo do que pensa que eu sou, Dr Evans. Ele está pulando nas sombras.
Evans olhou para mim, seu chá esquecido em suas mãos grandes. Ele olhou para mim por um tempo considerado. Eu tinha vontade de me contorcer sob o exame minucioso, mas lutei.
- Talvez você tenha razão Sra Blake, ou talvez ele tenha visto algo em você que eu não vi.
- Quando você gasta todo o seu tempo preocupado se o diabo está atrás de você, eventualmente começará a ver se ele está lá ou não. - eu disse.
Evans ficou de pé acenando, levou sua caneca de café para a pia, lavando-a e secando com o papel toalha. Ele falou sem se virar.
- Eu não sei se um dia já vi o diabo, mas vi o verdadeiro mal, e se não houver um diabo atrás disso, ainda é o mal. - Ele virou-se e olhou para mim. - E nós temos que impedir que isso continue.
Concordei.
- Sim, precisamos.
Ele sorriu, mas seus olhos pareciam cansados.
- Vou trabalhar com meus colegas que estão mais acostumados a trabalhar com os vivos, do que com os mortos. Vamos tentar descobrir por que esses seis sobreviveram.
- E se for magia? - Eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Não diga ao Tenente Marks, mas minha esposa é uma bruxa. Ela viajou o mundo todo comigo vendo essas coisas. Às vezes o que vemos é mais do que podemos acreditar, nem sempre. As pessoas são muito capazes de atormentar umas as outras sem o auxílio de magia. Mas às vezes usam mais que isso.
- Não leve a mal, mas por que você não a chamou antes disso?
Ele respirou profundamente.
- Ela estava fora do país cuidando de outros assuntos. Você vai me perguntar por que eu não pedi que voltasse para casa mais cedo?
Eu balancei a cabeça.
- Eu não ia perguntar.
Ele sorriu.
- Obrigado por isso. Raciocinei que minha esposa era necessária em outra parte, e o FBI parecia tão certo que era uma pessoa. - Ele olhou para Edward, em seguida de volta para mim. - A verdade Sra. Blake é que tudo isso me assusta. E eu não sou um homem que se assustada facilmente.
- Você tem medo por sua esposa. - eu disse.
Ele olhou para mim como se pudesse olhar em minha mente com aqueles olhos claros.
- Você não teria?
Toquei seu braço levemente.
- Confie nos seus instintos, doutor. Se ela se sentir mal, mande-a embora.
Ele afastou-se do meu toque sorrindo, jogando a toalha de papel na lata de lixo.
- Isso seria terrivelmente supersticioso de minha parte.
- Você tem um mau pressentimento sobre o envolvimento de sua esposa com esta coisa. Confie no seu intestino, não tente ser razoável. Se você ama sua esposa, ouça o seu coração, não a sua cabeça.
Ele acenou com a cabeça duas vezes e depois disse:
- Vou pensar sobre o que você disse. Agora eu realmente preciso ver o que está acontecendo.
Estendi a mão e ele a pegou.
- Obrigada Doutor.
- O prazer é meu... Sra. Blake. - Ele acenou com a cabeça para Edward. - Sr. Forrester.
Edward acenou de volta e ficamos no silêncio da sala.
- Ouça seu coração e não sua cabeça. Você dizendo essa droga de conselhos românticos? - Edward disse.
- Fica na sua. - eu disse. Eu tinha a minha mão na maçaneta da porta.
- Como seria sua vida amorosa é se você seguisse o seu próprio conselho? - ele perguntou.
Abri a porta e sai para o corredor branco e frio sem responder a ele.
9
A oferta de Marks de me acompanhar à cena do crime parece ter evaporado com o seu temperamento. Edward me levou. Dirigimos em quase completo silêncio. Edward nunca foi de conversa fiada, e eu simplesmente não tinha energia para isso. Se eu pudesse pensar em algo útil para dizer, teria dito isso. Até então, o silêncio era muito bom. Edward tinha se oferecido para me levar e estávamos a caminho da cena do último crime e ainda teríamos que nos encontrar com os dois guarda costas. Ele não me disse nada sobre eles, e eu não queria pressioná-lo. Seus lábios ainda estavam inchados porque ele era muito macho para colocar gelo sobre ele. Achei que depois de arrebentar os lábios de Edward, ele me daria folga por um dia. Eu disse a ele nos mais fortes termos que poderia me controlar, que não puxaria a arma, pedi para ele parar com essa porcaria de competição, e que nada mudaria isso.
Além disso, eu ainda me lembrava do silêncio, era como se tudo ecoasse e nada fosse sólido o bastante. Eu estava em choque. Os sobreviventes, se fosse essa a palavra para eles, abalaram-me completamente. Eu já tinha visto coisas terríveis, mas nada como isso. Eu teria que resistir antes que tivéssemos a nossa primeira prova de fogo, mas francamente, se alguém tivesse puxado uma arma para mim, eu teria hesitado. Nada parecia realmente importante ou mesmo real.
- Eu sei porque você está com medo dessa coisa. - eu disse.
Ele olhou para mim através das lentes negras dos óculos escuros, em seguida, de volta para a estrada como se não tivesse ouvido. Qualquer outra pessoa teria me pedido para explicar, ou faria alguma observação. Edward apenas dirigia.
- Você não tem medo de nada que só oferece a morte. Você aceitou que não vai viver até a velhice.
- Nós. - ele disse. - Nós aceitamos que não vamos viver até a velhice.
Abri a boca para protestar, depois parei. Pensei nisso por um segundo ou dois. Eu tinha vinte e seis anos, e se os próximos quatro anos fossem parecidos com os últimos quatro, eu nunca chegaria aos trinta. Eu nunca tinha pensado nisso, mas a idade não era uma das minhas maiores preocupações. Eu realmente não esperava chegar lá. Meu estilo de vida era uma espécie de suicídio passivo. Eu não gostei muito, isso me fez querer me contorcer e negar, mas eu não podia. Queria, mas não conseguia. Perceber que eu esperava morrer pela violência fez meu peito se apertar. Eu não queria isso, mas esperava. Minha voz soou incerta, mas eu disse em voz alta.
- Tudo bem, nós aceitamos que não vamos chegar à velhice. Feliz?
Ele deu um leve aceno.
- Você está com medo de viver como aquelas coisas no hospital. Você está com medo de acabar como eles.
- E você não?
Sua voz era quase muito suave para ouvir, mas de alguma forma deu para ouvir alem do barulho das rodas e o ronronar do motor.
- Estou tentando não pensar nisso. - eu disse.
- Como você pode não pensar nisso?
- Pensar sobre as coisas ruins, e se preocupar com elas, torna você mais lento, te deixa com medo. Nós não temos recursos para isso.
- Dois anos atrás, eu dava aulas de P.E.P. - ele disse, e havia algo em sua voz, não era raiva, mas estava perto.
- Você foi um bom professor.
Ele apertou as mãos no volante.
- Eu não te ensinei tudo que sei Anita. Você não é um monstro melhor do que eu.
Olhei para ele tentando ler seu rosto inexpressivo. Havia uma sensação de aperto na mandíbula, um segmento de raiva que ia do pescoço para os ombros.
- Você está tentando convencer a mim ou a si mesmo... Ted? - Eu disse o nome de forma zombeteira. Eu não costumava brincar com Edward, mas hoje ele estava inseguro, e eu não. Parte de mim estava apreciando a situação como o inferno.
Ele pisou no freio e gritou até parar na beira da estrada.
Eu estava com a Browning apontada para a sua cabeça, perto o suficiente para puxar o gatilho e pintar a janela com seu cérebro.
Ele tinha uma arma na mão. Não sei de onde tinha vindo, mas a arma não estava apontada para mim.
- Abaixe a arma Edward.
Ele permaneceu imóvel, mas não abaixou a arma. Era um daqueles momentos em que você vê a alma de outra pessoa como se fosse uma janela aberta.
- O medo torna você lento Edward, você prefere morrer aqui como está, do que sobreviver como aqueles pobres desgraçados. Você está procurando a melhor maneira de morrer.
Minha arma estava firme na mão, o dedo no gatilho. Mas isso não era real, ainda não.
- Se você realmente estivesse falando sério, já teria a arma na sua mão antes que eu pegasse a minha. Você não me chamou aqui para caçar monstros. Você me chamou aqui para matá-lo se tudo acabar mal.
Ele deu um pequeno aceno.
- Nem Bernardo, nem Olaf são bons o suficiente.
Ele colocou a arma lentamente no console entre os assentos. Olhou para mim, as mãos estendidas sobre o volante. - Mesmo para você, eu tenho que ser um pouco lento.
Peguei a arma e olhei em seus olhos.
- Não acredito que seja a única arma que tem escondida no carro, mas eu aprecio o gesto.
Ele riu, e foi o som mais amargo que já ouvi de Edward.
- Eu não gosto de ter medo, Anita. Não sou bom nisso.
- Quer dizer que você não está acostumado a isso. - eu disse.
- Não, eu não estou.
Eu abaixei a minha própria arma.
- Eu prometo que se você acabar como aquelas pessoas no hospital, arrancarei sua cabeça.
Ele olhou para mim, e mesmo com os óculos de sol eu sabia que estava surpreso.
- Não vai apenas atirar em mim ou me matar, vai tirar a minha cabeça?
- Se isso acontecer Edward, não vou deixá-lo vivo, e arrancando sua cabeça teremos certeza de que o trabalho foi feito.
Algo passou em seu rosto, abaixo dos ombros, os braços, e percebi que era de alívio.
- Eu sabia que podia contar com você para isso, Anita, só você e mais ninguém.
- Devo ficar lisonjeada ou insultada por você nunca ter conhecido ninguém com sangue frio suficiente para isso?
- O sangue de Olaf é frio o suficiente, mas ele teria atirado em mim e me enterrado num buraco em algum lugar. Ele nunca teria pensado em arrancar a minha cabeça. E se o tiro não me matasse? - Ele tirou os óculos e esfregou os olhos. - Eu estaria em algum buraco fedorento em algum lugar, vivo porque Olaf nunca pensaria em tirar a minha cabeça. - Ele balançou a cabeça como se visse a imagem a distância. Colocou os óculos de volta e quando se virou para olhar para mim, seu rosto estava em branco, ilegível, o seu habitual.
Mas eu tinha visto debaixo da máscara, além do que tinha sido autorizada antes. A única coisa que eu nunca esperava encontrar era medo sob essa confiança. Edward confiou a mim mais do que sua vida. Ele confiou em mim para me certificar de que realmente morreria. Para um homem como Edward não havia maior confiança.
Nunca iríamos às compras juntos ou comeríamos um bolo inteiro enquanto nos queixássemos sobre os homens. Ele nunca mais me convidaria para ir a sua casa para um jantar ou churrasco, nunca seríamos amantes. Mas havia uma boa chance de que um de nós seria a última pessoa que veria o outro antes de morrer. Não era amizade à forma como a maioria das pessoas entendia, mas era amizade. Havia várias pessoas que eu confiava a minha vida, mas não há nenhuma que eu confiasse a minha morte.
Jean-Claude e Richard tentavam me manter viva por amor ou por outra coisa. Mesmo a minha família e meus amigos lutavam para me manter viva. Se eu quisesse a morte, Edward daria para mim. Porque não é a morte que tememos. É a vida.
10
A casa tinha dois andares e parecida com qualquer casa de um bairro de classe média da cidade. Mas o grande terreno era feito com caminho de pedras e grandes cactos com pequenas flores lilases. Outras pessoas tinham tentado manter seus gramados verdes, como se não vivessem à beira de um deserto, mas não nesta casa.
Nesta casa as pessoas tinham feito um projeto paisagístico e tentavam não desperdiçar água. E agora estavam mortos e não davam a mínima para consciência ambiental ou chuva.
Claro, um deles poderia ser um sobrevivente. Eu não queria ver as fotos dos sobreviventes antes de serem... feridos. Eu tinha problemas suficientes para manter minha distância profissional sem fotos coloridas de rostos sorridentes que foram transformadas em carne nua. Saí do carro rezando para que todos nesta casa tivessem morrido, não era a minha oração habitual na cena de um crime. Mas até agora nada sobre este caso era normal.
Havia um carro da polícia na frente da casa. Um policial saiu do carro enquanto eu e Edward caminhávamos pelo quintal. Era um homem de estatura média, mas um tanto gordo para alguém deste tamanho. Seu peso era maior no estômago e deixava o seu cinto de utilidades abaixo da cintura. Seu rosto pálido estava suando pelos cinco metros que andou até nós. Ele colocou o chapéu enquanto caminhava em nossa direção, sisudo, polegar preso em seu cinto.
- Posso ajudar?
Edward entrou em ação como Ted Forrester, estendeu a mão sorrindo.
- Eu sou Ted Forrester, Policial... - Ele teve tempo para ler a placa com o nome do homem. - Norton. Esta é Anita Blake. O Chefe Appleton nos autorizou a ver a cena do crime.
Norton nos olhou de cima à baixo, e seus olhos claros não eram nem um pouco amigáveis. Ele não apertou nossas mãos.
- Posso ver sua identidade?
Edward pegou sua carteira de motorista e entregou a ele. Eu mostrei minha licença de executora. Ele devolveu o documento de Edward, mas ficou com o meu.
- Essa licença não é válida no Novo México.
- Estou ciente disso, Policial. - eu disse com a voz suave.
Ele olhou para mim enquanto segurava meu documento.
- Então por que você está aqui?
Eu sorri e não poderia fazê-lo chegar a meus olhos.
- Estou aqui como consultora sobrenatural, não como executora.
Ele entregou a licença de volta.
- Então por que a arma?
Olhei para a arma que estava muito visível contra a minha camisa vermelha. Desta vez o sorriso era real.
- Não está escondida, Policial Norton, é licenciada pelo governo federal para que eu não precise tirar uma nova licença toda vez que atravessar um estado.
Ele pareceu não gostar da resposta.
- Me disseram para deixar vocês dois entrarem.
Foi uma declaração, mas soou como uma pergunta, como se ele não tivesse certeza se deveria nos deixar entrar, depois de tudo.
Edward e eu ficamos ali tentando parecer inofensivos e úteis. Eu era muito melhor em parecer inofensiva do que Edward. E nem sequer tinha que me esforçar muito para isso na maior parte do tempo. No entanto, ele era melhor em parecer útil. Sem parecer perigoso, no mínimo ele poderia passar uma aura de objetividade se a polícia e outras pessoas respondessem. O melhor que eu podia fazer era olhar de forma inofensiva e esperar que o Policial Norton decidisse qual seria o nosso destino.
Ele finalmente concordou.
- Eu tenho que acompanhá-la na cena do crime, Srta. Blake. - Ele não parecia feliz com isso.
Eu não corrigi o Srta. Blake, que deveria ter sido Sra. Blake. Acho que ele estava procurando uma desculpa para se livrar de nós. Eu não ia lhe dar uma.
Poucos policiais gostavam quando civis mexiam em seus casos. Eu não era apenas uma civil, eu era uma mulher, e caçava vampiros; uma tripla ameaça se alguma vez existiu uma. Eu era civil, mulher e uma aberração.
- Venham por aqui.
Ele começou a subir a calçada estreita. Olhei para Edward. Ele só começou a subir depois de Norton, segui Edward, tive a impressão que faríamos muito muitas vezes nos próximos dias.
Sossegada. A casa estava tão quieta. O aparelho vibrava em silêncio lembrando-me do ar reciclado no quarto do hospital. Norton veio por trás de mim, e eu pulei. Ele não disse nada, mas ficou me olhando. Saí do hall de entrei na grande sala de teto alto. Norton me seguiu. Na verdade, ele ficou no meu calcanhar quando andei ao redor da sala como um cão obediente, mas a mensagem que eu estava captando dele não era de confiança e adoração. Era de desconfiança e desaprovação. Edward tinha se sentado em uma das três salas, em uma confortável cadeira azul. Ele tirou seus óculos de sol para que pudesse olhar a sala cuidadosamente, mas ficou em silêncio.
- Você está aborrecido? - Eu perguntei.
- Eu vi o show. - ele disse.
Ele baixou o tom de voz de Ted, e era mais seu eu habitual. Talvez ele não se importasse com a reação de Norton, ou talvez estivesse cansado de representar. Eu sabia que estava cansado de ver o show.
A sala de jantar e a cozinha era um espaço compartilhado e representavam a vida. Era um grande espaço, mas eu realmente não ficava confortável em ambientes abertos. Gosto mais de paredes, portas e barreiras.
Provavelmente é um sinal de minha própria personalidade menos acolhedora. Se a casa era uma pista da família que vivia nela, eles tinham sido acolhedores e pouco convencionais. Toda a mobília combinava: na sala de estar tinha um conjunto de sofá azul, sala de jantar em madeira escura ao lado de uma janela com sacada e cortinas de renda branca. Havia um livro de receitas da culinária local no armário de cozinha. O recibo ainda estava sendo usado como marcador. A cozinha era a menor área, longa e fina com armários brancos, e um pote de biscoito com desenho de vaca que mugia quando você tocava sua cabeça. Estava cheio de biscoito de chocolate comprado em uma loja. Não, eu não comi nenhum.
- Alguma pista no pote de biscoitos? - Edward perguntou da cadeira.
- Não. - eu disse: - Eu só queria saber se ela realmente mugia.
Norton fez um pequeno som que poderia ter sido uma risada. Eu o ignorei. Embora desde que ficasse a cerca de dois metros de mim o tempo inteiro ignorá-lo não era fácil. Eu virei bruscamente em direção a cozinha, e ele quase veio na minha direção.
- Você poderia me dar uma pouco mais de espaço? - Eu perguntei.
- Estou apenas seguindo ordens. - ele disse, o rosto brando.
- Será que suas ordens são para ficar perto o suficiente para dançar o tango ou apenas para me seguir?
Sua boca se contorceu, mas ele conseguiu não sorrir.
- Só para segui-la Senhora.
- Ótimo, então dê dois grandes passos para trás para não batermos um no outro.
- Eu deveria ter certeza de que não perturbem a cena, minha Senhora.
- Meu nome é Anita, não Senhora.
Isso rendeu-me um sorriso, mas ele balançou a cabeça.
- Só seguindo ordens. É isso o que eu faço.
Havia um toque de amargura em sua voz. Eu calculava que o Policial Norton tinha menos de cinquenta anos e ainda ficava sentado em um carro guardando a cena do crime e seguindo ordens. Se ele tinha outros sonhos, acabou. Era um homem que tinha aceitado a realidade, mas não gostou.
A porta se abriu e um homem entrou com a gravata a meia-haste, as mangas da camisa branca enrolada sobre os antebraços escuros. Sua pele era de um sólido marrom escuro e não parecia com um bronzeado. Hispânico ou indígena, ou talvez um pouco dos dois. O cabelo era muito curto, não por estilo, mas como se fosse mais fácil dessa forma. Havia uma arma na cintura e um distintivo dourado preso ao cós de suas calças.
- Eu sou o Detetive Ramirez. Desculpem pelo atraso.
Ele sorriu quando disse isso, e parecia haver uma alegria genuína, mas não confiei nele. Eu tinha visto esta alegria na cara de outros policiais muitas vezes. Ramirez tentaria pegar moscas com mel, em vez de vinagre, mas eu sabia que o vinagre estava lá. Você não consegue ser um detetive à paisana, sem uma raia de acidez. Ou talvez a perda da inocência seja uma frase melhor para ele.
Não importa como você chama, ele está lá. É apenas uma questão de quão longe da superfície ele estava.
Eu sorri e estendi a minha mão e ele aceitou. O aperto de mão era firme, o sorriso ainda no lugar, mas seus olhos eram frios e percebiam tudo. Eu sabia que se eu saísse da sala agora, ele seria capaz de me descrever em detalhes, ou talvez até minha arma.
O Oficial Norton ainda estava atrás de mim como uma dama gorducha. O Detetive Ramirez desviou os olhos dele e o sorriso murchou apenas um toque.
- Obrigado, Oficial Norton. Vou acompanhá-los a partir de agora.
O olhar que Norton lhe deu não foi amigável. Talvez o Policial Norton não gostasse de ninguém. Ou talvez porque ele era branco e Ramirez não. Ele era velho e Ramirez era jovem. Ele estava encerrando sua carreira no uniforme, e Ramirez já estava à paisana. Preconceito e ciúme muitas vezes são parentes próximos. Ou talvez Norton estivesse apenas de mau humor.
Não importa, Norton saiu fechando a porta atrás dele. Ramirez sorriu subindo um degrau quando se virou para mim. Percebi que ele era bonitinho, e ele sabia disso. Não de uma forma egocêntrica, mas eu era uma garota, e ele era bonitinho, e ele estava esperando que isso lhe desse alguma vantagem. Meninos. Ele foi fazer compras no corredor errado.
Eu balancei a cabeça, mas sorri de volta.
- Há algo de errado? - ele perguntou franzindo a testa ligeiramente, parecia um menino cativante. Ele deve praticar no espelho.
- Não detetive, não há nada errado.
- Por favor, me chame de Hernando.
Isso me fez sorrir mais.
- Eu sou Anita.
O sorriso aumentou de forma brilhante.
- Anita, nome bonito.
- Não, não é, e nós estamos investigando a cena de um crime, isso não é um encontro. Você pode ser menos encantador Detetive Ramirez. Honestamente, eu posso até compartilhar pistas com você.
- Hernando. - ele disse.
Isso me fez rir.
- Hernando. Tudo bem, mas realmente você não tem que se esforçar tanto para me agradar. Eu não o conheço bem o suficiente para gostar de você ainda.
Isso o fez rir.
- Está tão transparente assim?
- Você faz o papel de bom policial e tem o charme de um menino grande, mas como eu disse não é necessário.
- Ok, Anita.- O sorriso diminuiu um pouco, mas ele ainda estava aberto e alegre de alguma forma. Isso me deixou nervosa.
- Você já viu toda a casa?
- Ainda não. O Policial Norton estava muito perto para me deixar confortável. Estava difícil me mexer assim.
O sorriso diminuiu, mas seu olhar era intenso.
- Você é uma mulher branca com cabelos pretos, provavelmente com alguma descendência hispânica.
- Minha mãe era mexicana, mas a maioria das pessoas não sabem.
- Você está em um ponto do país onde há muita mistura acontecendo.
Ele não sorriu quando disse isso. Ele parecia sério e um pouco menos jovens.
- As pessoas vão querer saber.
- Eu poderia ser parte italiana. - eu disse.
Ele deu um pequeno sorriso naquele momento.
- Não temos italianos no Novo México.
- Não estou aqui tempo suficiente para saber.
- Sua primeira vez nesta parte do país?
Concordei.
- O que você achou até agora?
- Eu vim do hospital direto para essa casa. Acho que é muito cedo para formar uma opinião.
- Se tivermos algum tempo enquanto você estiver aqui, eu adoraria lhe mostrar alguns pontos turísticos.
Pisquei para ele. Talvez o charme de menino não fosse apenas uma técnica policial. Talvez ele estivesse flertando.
Antes que eu pudesse pensar em uma resposta, Edward veio atrás de nós no seu melhor encanto de bom e velho garoto.
- Detetive Ramirez, bom ver você de novo.
Eles apertaram as mãos, e Ramirez deu um sorriso tão genuíno como o de Edward. Eu sabia que em Edward era encenação, mas era enervante como as duas expressões eram semelhantes.
- É bom ver você também, Ted.- Ele se voltou para mim. - Por favor, continue olhando ao redor. Ted me falou muito sobre você, e espero que seja tão boa como ele diz que você é.
Olhei para Edward. Ele apenas sorriu para mim. Eu fiz uma careta.
- Bem, vou tentar não desiludir ninguém.
Andei de volta para a sala acompanhada pelo Detetive Ramirez. Ele me deu mais espaço de manobra do que Norton, mas ficou me olhando. Talvez ele quisesse um encontro, mas não estava me olhando como uma futura namorada. Ele estava me olhando como um policial, para ver o que eu fazia, como eu reagia.
Isso me lembrou que ele era profissional.
Edward tinha abaixado seus óculos escuros o suficiente para me dar uma olhada quando passei por ele. Ele estava quase sorrindo para mim. Seu olhar dizia tudo. Ele estava se divertindo vendo Ramirez flertar comigo. Mostrei-lhe o dedo de forma que só ele veria. Isso o fez rir, e o som parecia em casa aqui neste lugar.
Era um lugar para o riso. O riso foi morrendo como a água caindo sobre uma pedra, até que o som desapareceu em um silêncio profundo que era mais que tranquilo. Eu estava no meio da brilhante sala de estar, e era como se fosse uma casa modelo esperando que o corretor imobiliário fizesse um tour com compradores em potencial. A casa era nova, parecia um presente recém desembrulhado. Mas havia coisas que nenhum corretor teria permitido. Um jornal estava jogado sobre a mesa de café de madeira clara com a parte de negócios dobrada em quatro. Era um jornal do New York Times, mas havia outras partes da Tribune de Los Angeles. Talvez fosse um homem de negócios que mudou recentemente de Los Angeles.
Havia uma grande foto colorida no canto da mesa.
Ela mostrava um casal mais velho, de seus cinquenta anos, com um adolescente. Eles estavam sorrindo e tocando uns aos outros. Eles pareciam felizes e relaxados juntos, embora você nunca possa dizer se estão felizes de verdade. Tão fácil enganar a câmera.
Olhei em volta e encontrei fotos menores espalhadas por todas as inúmeras prateleiras brancas que tomavam quase todo o espaço da parede. As fotos estavam entre outros objetos guardados como lembrança principalmente com temas indígenas. Nas fotos menores eles pareciam mais relaxados e sorridentes. Uma família feliz, uma família próspera. O menino e o homem, bronzeados e sorridentes em um barco no mar e um peixe enorme entre eles. A mulher e três meninas pequenas cobertas de massa de biscoito e aventais com desenhos natalinos. Havia pelo menos três fotos com casais adultos com uma ou duas crianças cada. Netas talvez.
Olhei para o casal e o adolescente alto e bronzeado, e esperava que estivessem mortos, porque o pensamento de qualquer um deles naquele quarto de hospital se transformou em muita dor... Não era um pensamento confortável. Eu não ia especular. Eles estavam mortos, e isso era reconfortante.
Voltei minha atenção para os artefatos indígenas alinhados nas prateleiras. Algumas dessas coisas eram suvenirs: reproduções de vasos pintados em tons suaves, muitos novos para serem originais; bonecas Kachina que deveriam estar no quarto de uma criança; cabeças de cascavéis esticadas de forma impotente, antes de seu assassino abrisse sua boca para parecer temíveis. Mas no meio de tudo isso tinha outras coisas. Uma panela exibida através de um vidro com peças em falta e a pintura desbotada de um cinza maçante. Uma lança ou dardo na parede acima da lareira. A lança estava por trás vidro e tinha vestígios de penas e chinelas, contas à direita dela. A cabeça da lança parecia de pedra. Havia um pequeno colar de pérolas e conchas sob vidro com as bordas desgastadas da tanga escondendo o que os unia. Alguém sabia o que estavam colecionando porque cada item parecia verdadeiro por trás do vidro. Os suvenirs tinham sido deixados de fora para cuidar de si mesmos.
Falei sem me virar, olhando para o colar.
- Não sou especialista em Artefatos indígenas, mas algumas dessas peças parecem dignas de um museu.
- Segundo os especialistas, são mesmo. - disse Ramírez.
Olhei para ele. Seu rosto havia voltado a ficar neutro, ele parecia mais velho.
- É tudo legal?
Ele me deu outro pequeno sorriso.
- Você quer saber se foram roubados?
Concordei.
- Rastreamos todo o material e descobrimos que tudo foi comprado de colecionadores particulares.
- Há mais?
- Sim.
- Mostre-me. - eu disse.
Ele virou-se e começou a caminhar por um longo corredor central. Era a minha vez a seguir o líder e lhe dei mais espaço do que ele ou o Norton tinham me dado. Eu não pude deixar de notar como suas calças se ajustavam bem ao corpo. Sacudi minha cabeça. Eu estava flertando, ou estava apenas cansada dos dois homens na minha vida?
Algo menos complicado seria bom, mas parte de mim sabia que o tempo de escolher havia passado à muito tempo. Então, eu admirava sua bunda enquanto caminhávamos até a sala e sabia que não significava nada. Eu já tinha problemas suficientes sem namorar a polícia local. Eu era uma civil cercada pela polícia, e uma mulher também. A única coisa que me faria ser menos respeitada seria me encontrar com um deles. Eu não gostaria de perder a pouca influência que tinha e me tornar sua namorada. Anita Blake, carrasco de vampiro e especialista sobrenatural, tinha algum motivo para se sustentar.
Namorada do Detetive Ramirez? Melhor não.
Edward se arrastou atrás de nós, distante o suficiente para demorar a chegar no corredor. Ele estava nos dando privacidade?
Será que ele achava que era uma boa idéia flertar com o detetive, ou que qualquer humano era melhor do que um monstro, não importando o quão bom fosse esse monstro? Se Edward tinha algum tipo de preconceito, era contra os monstros.
Ramirez chegou no fim do corredor. Ele ainda estava sorrindo como se estivéssemos dando um passeio em algumas outra casa para outra finalidade. Seu rosto não combinava com o que estávamos prestes a fazer. Ele apontou para as portas dos dois lados a ele.
- Artefatos à sua esquerda, e coisas sangrentas a direita.
- Coisas sangrentas? - Eu fiz uma pergunta.
Ramirez balançou a cabeça ainda de modo agradável e fui para perto dele. Olhei para aqueles olhos castanhos escuros e percebi que o sorriso em seu rosto era de um policial branco. Era alegre, mas seus olhos eram tão ilegíveis como qualquer policial que já vi. Um sorriso vazio. Era original e de alguma forma inquietante,
- Coisas sangrentas. - eu disse.
O sorriso ficou, mas seus olhos eram um pouco menos seguros.
- Você não tem que bancar a durona comigo, Anita.
- Ela não está fingindo. - Edward disse, ele finalmente se juntou a nós.
Ramirez olhou para ele, em seguida voltou a estudar meu rosto.
- Vindo de você Forrester, isso é um grande elogio.
Se ele soubesse, eu pensei.
- Olha detetive, eu acabei de vir do hospital. O que estiver atrás desta porta não pode ser pior do que isso.
- Como você pode ter tanta certeza?- ele perguntou.
Eu sorri.
- Porque, mesmo com o aparelho, o cheiro seria pior.
Ele me deu um sorriso brilhante, e acho que por um momento foi verdadeiro.
- Muito prática. - ele disse, a voz quase rindo. - Eu deveria saber que você seria prática.
Eu fiz uma careta para ele.
- Por quê?
Ele acenou com a sua cara.
- Você não usa maquiagem. - ele disse.
- Talvez eu apenas não goste dessa droga.
Ele balançou a cabeça.
- Isso também.
Ele chegou perto da porta e eu toquei em seu ombro. Ele levantou as sobrancelhas para mim, mas recuou e me deixou abrir a porta. O que também significava que eu entraria primeiro, mas hey, é justo. Edward e Ramirez já tinham visto o show. O meu bilhete era novo e não tinha sido perfurado ainda.
11
Esperava encontrar várias coisas no quarto: manchas de sangue, sinais de luta, talvez até mesmo uma pista. O que eu não esperava encontrar era uma alma. Mas no momento em que entrei naquele quarto branco e verde pálido, eu sabia que estava lá, pairando perto do teto, esperando. Não era a primeira alma que eu sentia. Os funerais eram sempre divertidos. Almas, muitas vezes flutuavam em torno do corpo, como se não tivessem certeza do que fazer, mas em três dias, geralmente elas iam para onde as almas deveriam ir. Olhei para esta alma e não vi nada. Se a alta tinha uma forma física, você não poderia prová-lo por mim, mas eu sabia que estava lá. Eu poderia fazer o contorno no ar com a minha mão, sabia o seu tamanho e que flutuava perto do teto. Mas era uma energia, um espírito, e ocupava o espaço, eu não estava inteiramente certa se ocupava o mesmo tipo de espaço que eu, ou a cama, ou qualquer outra coisa.
Minha voz saiu baixa, como se ao falar pudesse assustá-la.
- Há quanto tempo estão mortos?
- Eles não estão mortos. - disse Ramírez.
Pisquei e me virei para ele.
- Como assim não estão mortos?
- Você viu os Bromwells no hospital. Ambos estão vivos ainda.
Eu olhei em seu rosto sério. O sorriso tinha desaparecido, me virei para olhar a presença que pairava lentamente.
- Alguém morreu aqui. - eu disse.
- Ninguém foi esfolado aqui. - disse Ramirez. - Segundo o Departamento de Polícia de Santa Fé, esse é o método usado. Olhe para o tapete, não há sangue suficiente.
Olhei para o tapete verde pálido, ele estava certo. Havia manchas de sangue preto no tapete, mas não eram muitas, apenas manchas, pinceladas. Não era o sangue da esfola de dois adultos, se alguém tivesse sido dilacerado membro a membro não haveria só esse sangue, haveria muito mais. Eu ainda podia sentir o cheiro espesso e fraco onde as entranhas de alguém tinham sido arrancadas durante a tortura ou morte. Era muito comum. Morrer é a última coisa que fazemos.
Balancei a cabeça e me debati sobre o que dizer. Se eu estivesse em casa com Dolph e Zerbrowski e o resto da polícia de St. Louis que eu conhecia bem, poderia dizer que vi uma alma. Mas eu não sabia se Ramirez e os outros policiais conheciam as artes místicas, essa era a questão, os ruídos na sala da frente nos fizeram olhar para a porta ainda aberta.
Vozes masculinas e passos apressados se aproximaram. Minha mão estava na minha arma quando ouvi uma voz gritar:
- Ramirez, onde diabos você está?
Era o Tenente Marks. Tirei a mão da arma e soube que não devia dizer à polícia que tinha uma alma pairando no ar atrás de mim. Marks já estava assustado o suficiente comigo sem isso.
Ele entrou pela porta com um pequeno batalhão de policiais, quase como se esperasse problemas. Seus olhos mostraram asco e prazer quando olhou para mim.
- Saia de perto da porra da minha evidência, Blake. Saia fora daqui.
Edward passou à frente sorrindo, tentando apaziguar a situação.
- Tenente, quem deu essa ordem?
- O meu chefe. - Ele se virou para os policiais atrás dele. - Acompanhem a moça para fora da propriedade.
Levantei minhas mãos e comecei a me mover em direção à porta antes que os soldados se aproximassem.
- Eu vou, sem problema. Não precisa ficar nervoso.
Eu estava na porta, quase lado a lado com Marks. Ele sussurrou perto do meu rosto:
- Não estou nervoso, Blake. Se você chegar perto de mim novamente vou te mostrar o que é ficar nervoso de verdade.
Parei na porta e encontrei o seu olhar. Seus olhos eram uma piscina de água azul escuro e cheio de raiva. A porta não era tão grande, e em pé estávamos quase nos tocando.
- Não fiz nada de errado, Marks.
Sua voz estava baixa e carregada.
- Não farás sofrer uma bruxa viva.
Pensei em dizer ou fazer muitas coisas, a maioria das quais me faria ser arrastada para pelos policiais. Eu não queria ser arrastada para fora, mas queria fazer Marks sofrer. Escolhas, escolhas.
Fiquei na ponta dos pés e plantei um beijo em sua boca. Ele recuou afastando-se de mim com tanta força que caiu de quatro e eu fui parar no corredor. Risos masculinos encheram o ambiente. Duas brilhantes manchas vermelhas apareceram nas bochechas de Marks, ele estava ofegante no tapete.
- Você mentiu em seu depoimento, Marks. - eu disse.
- Tirem-na aqui, agora.
Soprei mais um beijo para Marks, e saí ouvindo os risos dos policiais. Um deles se ofereceu para me deixar beijá-lo a qualquer momento. Eu disse que ele não aguentaria e saí pela porta da frente entre risos, vaias, e humor masculino, principalmente às custas de Marks. Ele não parecia ser um cara popular. Edward permaneceu dentro por alguns instantes, provavelmente tentando acalmar as coisas como Ted faria. Mas no final ele saiu da casa apertando as mãos dos policiais, sorrindo e acenando. O sorriso desapareceu assim que percebeu que eu era a única platéia.
Ele destravou o carro e entramos, quando estávamos seguros em suas janelas cheias de lama ele disse:
- Marks iniciou a investigação. Eu não sei como ele fez isso, mas ele fez.
- Talvez ele e o chefe frequentem à mesma igreja. - eu disse.
Eu me aconcheguei ao banco, na medida em que o cinto de segurança permitiria. Edward olhou para mim quando ligou o motor.
- Você não parece perturbada.
Eu dei de ombros.
- Marks não é o primeiro imbecil a jogar isso na minha cara, e não será o último.
- Onde está o seu famoso temperamento?
- Talvez eu esteja crescendo.
Ele balançou a cabeça.
- O que você viu no canto da sala que eu não vi? Você estava olhando para alguma coisa.
- Uma alma. - eu disse.
Ele realmente abaixou os óculos escuros para que eu pudesse ver seus olhos azuis.
- Uma alma?
Concordei.
- E isso significa que alguém naquela casa morreu a menos de três dias.
- Por que três dias? - ele perguntou.
- Porque três dias é o limite para a maioria das almas ficarem ao redor do corpo. Depois disso eles vão para o céu, ou o inferno, ou qualquer outro lugar. Depois de três dias, você pode ser um fantasmas, mas não uma alma.
- Mas os Bromwells estão vivos. Eu os vi.
- E seu filho?
- Ele desapareceu. - Edward disse.
- Legal você me falar isso.
Eu queria ficar zangada com ele por brincar, mas simplesmente não conseguia encontrar energia. Não importa o quanto eu estivesse prestes a ficar entediada, era Marks que me incomodava. Eu era cristã, mas perdi o número de outros cristãos que haviam me chamado de bruxa ou algo pior. Isso não me irritava mais, me deixava apenas cansada.
- Se os pais estão vivos, então o menino provavelmente não está. - eu disse.
Edward voltou para a estrada, passando entre os carros de polícia.
- Mas todas as outras vítimas foram cortadas. Não encontramos nenhuma parte do corpo na casa. Se o menino está morto, então é uma mudança no padrão. Não descobrimos o padrão antigo ainda.
- A mudança de padrão pode dar à polícia a pista que precisam. - eu disse.
- Você acredita nisso? - ele perguntou.
- Não.
- O que você acha?
- Eu acho que o filho dos Bromwells está morto, e o que quer que seja que esfolou e mutilou seus pais levou seu corpo, mas não o cortou. No entanto, o filho está morto e não foi despedaçado como os outros, ou haveria mais sangue. Ele foi morto de uma maneira a não deixar sangue no quarto.
- Mas você tem certeza que ele está morto?
- Há uma alma flutuando na casa Edward. Alguém está morto, e se apenas três pessoas viviam naquela casa, e dois deles estão hospitalizadas... é só fazer a conta.
Eu estava olhando pela janela do carro, mas não estava vendo coisa alguma. Eu estava vendo aquele rosto jovem sorrindo nas fotos.
- Raciocínio dedutivo. - Edward disse. - Estou impressionado.
- Sim, eu e Sherlock Holmes. Agora sou persona non grata, a propósito, onde você está me levando?
- Para um restaurante. Você disse que não tinha almoçado.
Concordei.
- Finalmente. - Então, depois de um momento eu perguntei: - Qual era o nome dele?
- De quem?
- Do filho dos Bromwells, qual era o seu primeiro nome?
- Thad, Tadeu Reginald Bromwell.
- Thad. - eu disse baixinho para mim mesmo. Será que ele foi forçado a assistir enquanto os seus pais eram esfolados vivos? Ou eles o viram morrer antes de começarem a sangrar? Onde está o seu corpo Thad? E por que eles o querem?
Não houve resposta, e eu não esperava por uma. Almas não eram como fantasmas. No meu conhecimento não havia maneira de se comunicar com eles diretamente. Mas eu teria respostas e, em breve. Tinha que ser logo.
- Edward, eu preciso ver as fotos das outras cenas de crime. Preciso ver tudo o que tem no DP de Santa Fé. Você disse que este último caso foi em Albuquerque, então aperte-os. Vou começar pelo fim.
Edward sorriu.
- Eu tenho cópias em minha casa.
- Na sua casa? - Sentei-me ereta e olhei para ele. - Desde quando a polícia compartilha arquivos com caçadores de recompensa?
- Eu disse que a polícia de Santa Fé gosta de Ted.
- Você disse que a polícia de Albuquerque gostava de você também.
- Eles gostam de mim. É de você que não gostam.
Ele tinha um ponto. Eu ainda podia ver o ódio nos olhos de Marks quando ele sussurrou para mim "Não matarás uma bruxa viva". Doce Jesus. Essa foi realmente à primeira vez que um versículo era citado para mim. Embora eu imaginasse que teriam feito mais cedo ou mais tarde. Eu só não esperava isso de um tenente da polícia durante uma investigação de assassinato. Faltava-lhe um certo profissionalismo.
- Marks não será capaz de resolver este caso. - eu disse.
- Sem você, você quer dizer?
- Não tem que ser eu, mas será necessário alguém com alguma experiência. Não estamos lidando com um assassino humano aqui. Se a polícia tratar esse caso como homicídio comum, não vão conseguir.
- Eu concordo. - Edward disse.
- Marks precisa ser substituído.
- Vou trabalhar nisso. - ele disse e então sorriu. - Talvez com o belezinha do Detetive Ramirez que você achou tão fascinante.
- Não vá lá, Edward.
- Ele tem uma coisa que seus outros dois namorados não tem.
- O que?
- Ele é humano.
Eu teria gostado de argumentar, mas não consegui.
- Quando você está certo, você está certo.
- Você está concordando comigo? - Ele parecia surpreso.
- Nem Jean-Claude, nem Richard são humanos. Tanto quanto eu posso dizer, Ramirez é. Por que discutir?
- Eu estou tirando uma com a sua cara, e você fica aí toda séria.
- Você não tem idéia de como seria bom estar com um homem que apenas me queira, sem nenhum motivo maquiavélico.
- Você está dizendo que Richard estava conspirando pelas suas costas, assim como o vampiro?
- Vamos dizer apenas que não tenho tanta certeza se eles são bons. Richard tornou-se mais difícil e mais complexo no seu papel como Ulfric, Rei Lobo. E Deus me ajude, em parte porque eu acho que exigi muito dele. Eu reclamei muito dele, assim ele se tornou mais duro.
- E você não gosta disso nele. - Edward disse.
- Não, eu não gosto, mas como é parcialmente minha culpa, é difícil pra caralho.
- Então termine com os dois, e encontre um ser humano.
- Você faz parecer tão simples.
- Só é complicado se você achar que é, Anita.
- Basta abandonar os meninos e começar a namorar outros homens, só isso?
- Por que não? - ele perguntou.
Abri a boca procurando uma resposta, mas não podia dar nenhuma. Por que não me encontrar com outras pessoas? Porque eu amava dois homens e isso já parecia ser demais sem acrescentar outra pessoa na minha vida. Mas como seria estar com alguém que fosse humano? Alguém que não tentasse me usar para consolidar seu poder como Jean-Claude. Tanto Richard como Jean-Claude estavam reunidos em torno de minha humanidade como se fosse a última vela acesa do mundo, e todo o resto fosse uma escuridão gelada. Richard se agarrava a mim porque eu era humana, e ter uma namorada humana parecia ajudá-lo a manter sua condição. Embora recentemente humanos como eu estavam em debate. Mas pelo menos Richard tinha sido humano antes de se tornar um lobisomem. Jean-Claude tinha sido humano até se tornar um vampiro. Eu tinha visto a minha primeira alma quando tinha dez anos no funeral da minha tia. Levantei meu primeiro morto por acidente, quando estava treze. De nós três, eu era a única que nunca tinha sido verdadeiramente humana. O que seria namorar com alguém "normal"? Eu não sabia. Eu queria saber? Percebi com um choque que queria. Eu queria sair com um cara normal e fazer coisas normais, apenas uma vez, apenas por um tempo. Eu tinha sido a amante de um vampiro, a companheira de um lobisomem, a rainha dos zumbis. E ano passado eu estava aprendendo rituais de magia para que pudesse controlar todo o resto, então acho que posso acrescentar "aprendiz de feiticeiro" à lista. Tinha sido um ano estranho até para mim. Eu pedi um tempo no romance tanto para Richard como para Jean-Claude porque eu precisava de ar. Eles estavam me sufocando, e eu não sabia como pará-los. Será que sair com alguém realmente não dói? Sair com alguém que fosse apenas um cara normal realmente não faria o mundo desabar em minha cabeça? Será? A resposta provavelmente seria não, mas o fato de que eu não tinha certeza significava que deveria sair com Ramirez ou qualquer outro cara legal que me convidasse. Eu deveria ter dito "não", e continuar dizendo não, então por que parte de mim queria dizer "sim"?
12
Foi só quando Edward estava à procura de uma vaga de estacionamento atrás do Los Cuates que percebi que era um restaurante mexicano. O nome deveria ter sido uma dica, mas eu não estava prestando atenção. Se minha mãe gostava de comida mexicana, ela não tinha vivido o suficiente para passá-la para mim. Blake era um nome Inglês, mas antes do meu bisavô vir de Ellis Island era Bleckenstien. Minha idéia de cozinha internacional era vitela a schnitzel, salsicha wiener e bife sauerbraten. Então, eu estava menos entusiasmada quando atravessamos o cascalho na entrada dos fundos do restaurante. Para alguém que não gostava de mexicanos ou da cozinha sudoeste, eu estava na parte errada do país.
A entrada dos fundos conduzia a um longo corredor sombrio, mas o restaurante era lindo com paredes em estuque branca, tapeçarias brilhantes, papagaios pendurados no teto, e pimentões secos em toda parte. Estava cheio de turistas, o que geralmente significa que ou a comida não é autêntica, ou é muito boa. Muitos dos garçons eram latino-americanos, então era um bom presságio. Seja qual for o tipo de comida, gostei do restaurante, se a comida fosse autêntica, provavelmente seria boa. Uma mulher que realmente parecia hispânica perguntou se gostaríamos de uma mesa. Edward sorriu e disse:
- Obrigado, mas já estão nos aguardando.
Olhei para onde ele estava olhando e vi Donna em uma mesa. Havia duas crianças com ela, uma menina de cerca de cinco ou seis anos e um adolescente. Chame de palpite, mas eu apostava que estava prestes a ser apresentada a seus filhos.
Donna se levantou e deu um sorriso a Edward que teria derretido qualquer homem. Não era o sexo, no entanto, estava lá. Era o calor, a perfeita confiança que só o verdadeiro amor pode lhe dar. Esse primeiro e romântico amor que pode não durar, mas quanto isso acontece, uau. Eu sabia que ele estava pensando na possibilidade de ficar com ela, mas isso não era real. Ele não queria isso.
Ele mentia com os olhos, algo que só consegui aprender recentemente, e parte de mim estava triste com isso. Uma coisa é saber mentir, mas ser capaz de mentir com os olhos diz que você é alguém não confiável. Pobre Donna. Ela estava com dois de nós.
A menina saiu correndo da mesa e veio correndo em nossa direção, braços estendidos, tranças castanhas voando. Ela deu um grito de contentamento.
- Ted! - Ela se atirou em seus braços.
Edward a pegou e a jogou para o alto. Ela riu, um som cheio de alegria. A menos que estejamos muito felizes, o mundo nos ensina a rir mais discretamente, mais timidamente. O menino só ficou olhando. Seu cabelo era do mesmo marrom castanho rico como o da menina, curto, com ondas caindo em seus olhos. Os olhos eram castanhos, escuros e não amigáveis. Edward tinha dito que o menino tinha quatorze anos, mas ele era um daqueles meninos que pareciam mais jovens. Ele poderia passar por doze facilmente, olhou carrancudo e zangado enquanto observava Edward abraçar Donna e a garotinha ainda em seus braços, era um abraço de família. Edward sussurrou algo no ouvido de Donna que a fez rir e se afastar corando.
Ele colocou a menina no outro braço e perguntou:
- Como está a minha garota?
Ela riu e começou a falar em voz alta e animada. Ela estava contando uma história muito complicada sobre o seu dia que envolvia borboletas, um gato chamado Raymond a tia Esther. Achei que fossem os vizinhos que tinham bancado a babá por um dia.
O menino voltou os olhos hostis de Edward para mim. A carranca não diminuiu, mas os olhos mudaram da raiva para a curiosidade, como se eu não fosse o que ele esperava. Eu realmente conquistava homens de todas as idades. Ignorei a cena da família feliz e estendi a mão para ele.
- Eu sou Anita Blake.
Ele me deu a mão meio hesitando, como se as pessoas não fizessem isso com ele. Seu aperto era incerto, como se ele precisasse de prática, mas ele disse:
- Peter, Peter Parnell.
Concordei.
- Bom te conhecer.
Eu poderia dizer que sua mãe disse coisas boas sobre ele, mas não seria verdadeiro, e Peter parecia alguém que respeitava a verdade.
Ele acenou com a cabeça vagamente, os olhos passando rapidamente para sua mãe e Edward. Ele não gostou nem um pouco, e eu não o culpo. Lembrei-me de como me senti quando meu pai trouxe Judith para casa. Nunca perdoei meu pai por se casar com ela apenas dois anos após a morte de minha mãe. Eu não tinha acabado o meu luto e ele estava seguindo com a sua vida, sendo feliz novamente. Eu o odiava por isso, e odiava Judith muito mais.
Mesmo que Edward tivesse sendo verdadeiramente Ted Forrester, e suas intenções fossem honrosas, teria sido uma situação difícil.
Becca estava usando um vestido amarelo brilhante com desenho de margaridas. Ela tinha fitas amarelas no final de cada trança, colocou a mão sobre a boca para abafar uma risadinha de bebê. Ela estava olhando para Edward como se ele fosse a oitava maravilha do mundo. Naquele momento eu o odiava, odiava porque ele podia mentir para uma criança de forma tão completa e não compreender que era errado.
Algo deve ter aparecido em meu rosto porque Peter estava me olhando de forma estranha. Não era raiva, ele parecia estar pensando. Forcei meu rosto a ficar em branco e encontrei seus olhos. Ele sustentou o meu olhar por alguns segundos, mas finalmente teve que desviar o olhar.
Provavelmente não era justo encarar um menino de catorze anos, mas o tempo curaria isso. Donna tirou a menina dos braços de Edward e se virou para mim sorrindo.
- Esta é Becca.
- Olá, Becca. - eu disse e sorri porque ela era uma daquelas crianças que provocavam um sorriso.
- E este é o Peter. - disse ela.
- Já nos conhecemos. - eu disse.
Donna nos olhou de forma engraçada. Percebi que ela pensava que nós literalmente já nos conhecíamos.
- Já nos apresentamos. - eu disse.
Ela relaxou e deu um riso nervoso.
- Claro. Como eu sou estúpida.
- Você estava ocupada demais para notar. - disse Peter, e sua voz deixava aparecer o que as palavras escondiam: desprezo.
Donna olhou para ele como se não soubesse o que dizer, e finalmente disse:
- Sinto muito Peter.
Ela não deveria ter se desculpado. Isso queria dizer que tinha feito algo errado, e não tinha. Ela não sabia que Ted Forrester era uma ilusão, estava levando a sério o "felizes para sempre". Se desculpar faz você parecer fraco, e o olhar no rosto de Peter mostrava que Donna precisaria de toda força que pudesse conseguir.
Donna foi a primeira a sentar-se à mesa, então Becca, e Edward na ponta com uma perna pendurada para fora, Peter se sentou meio de lado e ficou se mexendo. Sentei-me do seu lado e ele não se mexeu mais, assim que encontrei lugar suficiente para ficar confortável, terminamos com a linha de nossos corpos se tocando do ombro ao quadril. Se ele queria brincar de adolescente mal-humorado com Edward e sua mãe, ótimo, mas eu não estava brincando. Quando Peter percebeu que eu não sairia, ele finalmente parou e deu um suspiro alto que me deixou saber que tinha desistido. Eu sentia pena dele e de sua situação, mas a minha simpatia não é infinita, e a rotina de adolescente mal-humorado pode mudar muito rápido.
Becca estava sentada alegremente entre a mãe e Edward. Ela estava balançando as pernas, e suas mãos estavam fora de vista, talvez uma mão em cada um deles. Sua alegria era grande e completa, como se sentar entre eles não só a fazia feliz, mas a deixasse segura. Meu peito ficou apertado ao vê-la tão satisfeita com a situação. Edward estava certo. Ele não podia simplesmente deixá-los sem alguma explicação. Becca Parnell mais do que sua mãe, merecia algo melhor que isso. Eu vi a menina sentar lá e brilhar entre eles e me perguntei qual desculpa seria boa o suficiente. Nada me veio à mente.
Uma garçonete se aproximou e nos entregou os menus, até mesmo para Becca que ficou satisfeita, e depois foi embora enquanto escolhíamos. O primeiro comentário de Peter foi:
- Odeio comida mexicana.
- Peter! - Disse Donna com uma voz de alerta.
Mas eu adicionei meus dois centavos:
- Eu também.
Peter olhou para mim de lado, como se não confiasse em meu show de solidariedade com ele.
- Sério?
Concordei.
- Sério.
- Ted escolheu o restaurante. - ele disse.
- Você acha que ele fez isso apenas para ser irritante? - Eu perguntei.
Peter estava olhando diretamente para mim, os olhos um pouco arregalados.
- Sim, eu acho.
Concordei.
- Eu também.
Donna tinha a boca aberta e um olhar de espanto no rosto.
- Peter, Anita.
Ela virou-se para Edward.
- O que vamos fazer com os dois?
Apelar para a ajuda de Edward sobre uma coisa tão pequena que me fez pensar mal dela.
- Você não pode fazer nada com Anita. - ele disse, e virou seus frios olhos azuis para Peter. - Eu não tenho certeza sobre Peter ainda.
Peter não sustentou o olhar de Edward, e o menino se contorceu um pouco.
Edward o deixou desconfortável em mais de um nível. Não era apenas por estar namorando sua mãe. Era mais que isso. Peter tinha um pouco de medo de Edward, e eu apostava que ele não tinha feito nada para merecê-la. Eu apostava que Edward tinha tentado conquistar Peter da mesma maneira que conquistou Becca, mas não funcionou. Provavelmente tinha começado como um ressentimento normal por sua mãe estar se encontrando com alguém, mas a forma como ele se sentou e cuidadosamente tentava evitar o olhar de Edward me disse que tinha mais alguma coisa. Peter estava mais nervoso do que deveria por estar perto de Ted, como se de alguma forma ele tivesse visto o verdadeiro Edward. Isso era bom e ruim para Peter. Se ele adivinhou a verdade e Edward não quisesse que ele soubesse... Bem, Edward era muito prático.
Um problema de cada vez. Peter e eu nos debruçamos sobre os nossos menus e fizemos comentários depreciativos sobre quase todos os itens. A garçonete voltou com uma cesta de pão, e eu realmente o vi sorrir duas vezes. Meu irmão Josh nunca tinha sido mal-humorado e sempre nos demos bem. Se eu tivesse filhos, não que estivesse planejando, queria meninos. Eu apenas ficava mais confortável com eles. O pão não era pão, parecia uma massa de pastel chamada sopapilla. Havia um pote plástico de mel em cima da mesa especialmente para elas. Donna espalhou o mel em um pequeno pedaço e comeu. Edward espalhou o mel em todo o seu pão. Becca colocou tanto mel no dela que Donna teve que colocar o pote para longe.
Peter pegou uma sopapilla.
- É a única parte boa da refeição. - ele disse.
- Eu não gosto de mel. - eu disse.
- Prove um pedaço, isso não é ruim. - Ele espalhou uma minúscula quantidade de mel em seu pão e deu uma pequena mordida, então repetiu o processo.
Eu peguei um pedaço e segui seu exemplo. O pão era bom, mas o mel era muito diferente, mais forte e com uma corrente que me lembrava sálvia.
- Isso não se parece com o mel que eu tenho em casa.
- É mel de sálvia. - Edward disse. - Tem um sabor mais forte.
Eu nunca tinha provado mel de sálvia. Gostaria de saber se todo o mel tinha o sabor da planta que as abelhas usavam. Parecia provável. Aprende-se uma coisa nova a cada dia. Mas Peter estava certo. As sopapillas eram boas, e o mel não era tão ruim em pequena quantidade, ou melhor, em quantidade microscópica.
Eu finalmente pedi enchilada de galinha. Quero dizer, creio que eles possivelmente fariam um frango intragável. Não responda isso.
Peter tinha enchiladas de queijo simples. Ambos parecíamos não termos melhores opções.
Eu estava na minha segunda sopapilla, quando todos os outros, incluindo Peter, terminaram o deles, e vi quando os caras maus entraram no restaurante. Como eu sabia que eles eram maus? Instinto? Não, prática.
O primeiro homem tinha mais de 1,80m. e os ombros eram quase obscenamente largos. Seus braços incharam contra as mangas de sua camiseta como se o pano não pudesse contê-los. Seu cabelo era reto e grosso, preso por um elástico em uma trança frouxa. Acho que o elástico era para o efeito, porque o resto dele era tão étnico, que poderia ter sido o menino da capa da revista GQ do índio americano. As maçãs do rosto eram altas e firmes sob a pele escura, um ligeiro arquear dos olhos pretos, um queixo forte, lábios finos. Ele usava calça jeans azul apertada o suficiente para você dizer que a parte inferior do corpo não tinha recebido a mesma atenção da parte superior. Existe apenas um lugar onde um homem trabalha a parte de cima do corpo e ignora a inferior: A prisão. Você não levanta pesos na prisão para obter um efeito equilibrado. Você levanta peso quando precisa observar e mostrar que pode bater com tudo quando chegar a hora. Olhei para a próxima pista, e as tatuagens estavam lá. Um desenho de arame farpado se estendia por seus braços fortes, logo abaixo das mangas da camiseta.
Havia outros dois homens com ele, um mais alto, e outro mais baixo. O mais alto estava em melhor forma, mas o menor tinha uma péssima aparência, uma cicatriz dividia seu rosto em duas partes dando a ele uma aparência mais sinistra. Todos os três tinham um sinal em néon acima de suas cabeças que dizia "más notícias". Por que eu não estava surpresa quando começaram a caminhar em nossa direção? Olhei para Edward e perguntei:
- Quem são?
O mais estranho é que Donna os conhecia. Eu poderia dizer pelo seu rosto que ela os conhecia e estava com medo deles. Esse dia poderia ficar mais estranho?
13
Peter soltou um suave,
- Oh, meu Deus.
Seu rosto mostrava medo. Ele manteve seu olhar taciturno como uma máscara, mas eu estava perto o bastante para ver como seus olhos estavam muito abertos, como sua respiração tinha acelerado.
Olhei para Becca, e ela tinha se encolhido no banco entre Edward e Donna. Ela olhou por entre o braço de Edward com os olhos arregalados. Todo mundo sabia o que estava acontecendo, menos eu.
Mas eu não tive muito tempo para esperar. O trio vinha andando pelo restaurante. Eu estava tensa, pronta para ficar de pé se Edward ficasse, mas ele permaneceu sentado embora suas mãos estivessem fora de vista, debaixo da mesa. Ele provavelmente tinha uma arma. Deixei meu guardanapo cair acidentalmente de propósito e quando saí de baixo da mesa, o guardanapo estava em uma mão, e a Browning Hi-Power na outra. A arma estava debaixo da mesa, longe da vista, mas estava apontada para os caras. Um tiro dado dali provavelmente não mataria ninguém, mas faria um grande buraco na perna de alguém, ou na virilha, dependendo da altura da pessoa que estivesse no lugar errado e na hora errada.
- Harold. - disse Edward - Você trouxe ajuda. - Sua voz ainda era a voz de Ted, mais animada do que de costume, mas já não era uma voz agradável. Eu não poderia dizer o que tinha mudado na voz, mas aumentou o nível de tensão.
Becca escondeu o rosto a manga da camisa de Edward até não poder ver os homens. Donna pegou-a em seus braços, seu olhar era abertamente aterrorizado como o da menina.
Edward estava calmo, quase sorrindo, mas seus olhos estavam vazios. Seus olhos realmente estavam inexpressivos. Eu tinha visto monstros, verdadeiros monstros, com esse mesmo olhar.
A uma pequena distância observei cada movimento do cara da cicatriz.
- Sim, este é Russell. - ele apontou para o índio. - E este é o Lagartixa.
Eu quase disse: - Lagartixa? - em voz alta, mas percebi que tinha problemas suficientes, sem bancar a idiota. E como diz o ditado: Boca fechada não entra mosca. E as pessoas dizem que eu não sei quando ficar calada.
- Tom e Benny ainda estão no hospital? - Edward perguntou, a voz ainda estava normal. Até agora não atraia muita atenção. Estávamos começando a atrair alguns olhares, mas não muito, ainda.
- Nós não somos Tom e Benny. - disse Russell.
Sua voz combinava com o sorriso em seu rosto, mas me lembrei que sorrir é apenas outra maneira de mostrar os dentes, outra forma de rosnar.
- Você é valentão. - eu disse.
Seu olhar se virou para mim. Seus olhos eram tão negros que a íris e a pupila tinham derretido em um buraco negro.
- Você é outra psíquica com o coração mole que está tentando manter as terras indígenas seguras para nós pobres selvagens?
Eu balancei a cabeça.
- Já fui acusada de muita coisa, mas nunca de um coração mole.
Sorri para ele e pensei que se eu puxasse o gatilho e acertasse sua coxa, talvez ele ficasse aleijado pelo resto da vida. Ele estava de pé perto da mesa. Perto o suficiente para reagir, mas eu estava esperando Edward, e ele parecia muito bem com eles sobre nós.
- Você deve sair agora. - disse Edward, e sua voz estava começando a soar como Edward. Ted estava indo embora, deixando seu rosto uma máscara em branco, frio, seus olhos vazios como um céu de inverno. Sua voz era sem inflexão, como se fosse dizer algo totalmente diferente. Edward estava emergindo de sua máscara de Ted como uma borboleta livre de uma crisálida, mas eu queria algo menos bonito, menos inofensivo para a analogia, porque o que estava emergindo para a luz não era inofensivo, e se as coisas dessem erradas, não ia ser bonito.
Russell inclinou-se sobre a mesa, as mãos grandes espalhadas sobre ela. Ele inclinou-se até ficar perto do rosto de Donna, ignorando tanto Edward como eu. Ou ele era estúpido, ou descobriu que não atiraríamos em um lugar público. Ele estava certo sobre mim, mas eu não tinha tanta certeza sobre Edward.
- Você e seus amigos devem ficar fora do nosso caminho, ou vão se machucar.
Ele não estava sorrindo quando disse isso. Sua voz era rouca e feia.
Russel disse:
- Você tem uma menina bonita. Seria uma pena se algo acontecesse com ela.
Donna empalideceu e agarrou Becca mais apertado. Eu não sei o que Edward tinha planejado porque foi Peter quem falou.
- Não ameace a minha irmã. - A voz dele era baixa e completamente sem medo.
Russell desviou o olhar para Peter, e ele se inclinou para o rosto dele. Peter estava sentado imóvel, até que seus rostos estavam a centímetros de distância, mas seus olhos viravam para todos os lados como se ele estivesse tentando escapar. Suas mãos apertaram a borda do banco como se ele literalmente estivesse se segurando para não recuar.
- E o que você vai fazer sobre isso, homenzinho?
- Ted? - Eu fiz uma pergunta.
Olhos de Russell se voltaram para mim, depois voltar para Peter. Ele estava gostando do medo e do show de bravata. Para que músculos se você não pode fazer um menino de quatorze anos recuar? Ele acabaria assustando Peter. Olhe para mim. Acho que ele não me considerava uma ameaça, grande erro.
Eu não podia ver Edward através de Russell, mas ouvi sua voz, fria e vazia.
- Não faça isso.
Não, eu não ia matá-lo. Aquele não era um pedido de permissão ou o aval de Edward. Como eu sabia disso? Eu apenas sabia. Coloquei a arma na minha mão esquerda e soltei um longo e suave suspiro, até que meus ombros relaxaram. Concentrei-me no que aprendi durante anos no Judô, e agora no Kenpo. Visualizei meus dedos entrando em sua garganta, através da carne.
Quando você luta a coisa é real, você não visualiza bater em alguém. Você visualiza dando um soco nele e saindo pelo outro lado. Você pode arrebentar a traquéia de um homem com este movimento, e eu não queria ir para a cadeia por isso. Prendi minha mão direita no banco e levantei a outra mão com dois dedos, como uma lança pontiaguda. Russell viu o movimento, mas não reagiu a tempo. Eu dirigi meus dedos em sua garganta e virei os meus pés com a força do golpe. Ele levou as mãos para a garganta, meio desabando sobre a mesa. Usei minha mão direita para bater o seu rosto em cima da mesa, uma, duas, três vezes. O sangue jorrou do seu nariz e ele deslizou lentamente até cair no chão olhando para o teto, engasgando, tentando respirar através da garganta ferida e do nariz quebrado. Eu acho que se ele pudesse respirar melhor, teria desmaiado, mas é difícil desmaiar quando você está engasgado. Ele balançou e caiu no chão, engasgado, olhos virados para trás, sem foco.
Eu estava em pé ao lado da mesa olhando para ele. Minha arma ainda estava na minha mão esquerda, discreta contra o meu jeans preto. A maioria das pessoas nem sequer viu a arma. Eles viram apenas o sangue e o homem no chão.
Harold e Lagartixa estavam parados, congelados, olhando para Russell. Harold balançou a cabeça tristemente.
- Você não devia ter feito isso.
Edward estava parado ao lado da mesa bloqueando a sua visão de Donna e Becca. Ele falava baixinho, para que sua voz não fosse muito além do nosso pequeno círculo.
- Nunca mais ameace estas pessoas Harold. Não chegue perto deles por nenhum motivo. Diga a Riker que estão fora dos limites, ou a próxima vez não será apenas ser um nariz quebrado.
- Eu vejo as armas. - disse Harold com a voz baixa. Ele abaixou-se ao lado de Russell. Os olhos do homem grande ainda não estavam focados. Sua camiseta azul ficou roxa com o sangue. Harold estava balançando a cabeça. Ele olhou para mim.
- Quem diabos é você?
- Anita Blake. - eu disse.
Ele balançou a cabeça novamente.
- Não conheço esse nome.
- Eu acho que a minha reputação não procede a mim. - eu disse.
- Será? - disse Harold.
Eu disse:
- Peter, pegue alguns guardanapos.
Ele não fez perguntas, pegou um punhado de guardanapos sobre a mesa e entregou para mim. Entreguei com a minha mão direita para Harold. Ele pegou olhando para o meu rosto, os olhos passando rapidamente para a arma ainda a vista contra a minha perna.
- Obrigado.
- De nada.
Ele empurrou o guardanapo contra o nariz de Russell e pegou um de seus braços.
- Pegue o outro braço, Lagartixa.
Ouvimos um gemido distante das sirenes se aproximando. Alguém havia chamado a polícia.
Russell ainda estava oscilando em seus pés. Eles empurraram guardanapos em seu nariz achatado, ele parecia um tanto bobo e grotesco com os guardanapos ensanguentados saindo de seu nariz. Teve que limpar a voz duas vezes antes que pudesse falar. Sua voz soava áspera, entupida, dolorosa.
- Você vai se foder sua puta! Você vai pagar por isso.
- Quando você puder ficar em pé sem ajuda e concertar o nariz na sala de emergência mais próxima, me mande um convite. Eu adoraria uma revanche.
Ele cuspiu na minha direção sem força e a saliva caiu inofensiva no chão. Grosseiro, mas não muito eficaz.
- Vamos embora. - disse Harold.
Ele estava tentando levar Russel para a porta. As sirenes estavam muito perto agora, mas ele não se mexeu. Ele virou-se, forçando os outros dois a virar com ele e falou para Edward:
- Eu vou foder a sua cadela, e deixar a menina e o menino para os coiotes.
- Russell não aprende muito rápido. - eu disse.
Becca estava chorando agora, e Donna estava tão pálida que eu temia que fosse desmaiar. Eu não podia me virar o suficiente para ver o rosto de Peter sem me afastar dos homens, então não sabia como ele estava. Mas não era uma cena bonita.
Os policiais chegaram quando Harold ainda tentava levar Russell porta a fora.
Edward e eu aproveitamos a confusão para guardar nossas armas. Os dois policiais estavam um pouco inseguros sobre quem deveria ir para a prisão, mas as pessoas testemunharam ter ouvido as ameaças de Russell antes que eu o ferisse. Eu nunca tinha visto tanta cooperação das testemunhas. Na maioria das vezes as pessoas são surdas e mudas, mas tendo uma pequena e linda menina em lágrimas, ajudou as pessoas a lembrarem. Tecnicamente, Russell poderia dizer que eu o estava assaltando, mas todos estavam dizendo que ele estava nos ameaçando. Um homem alegou que tinha visto Russell puxar uma faca. É surpreendente a rapidez com que os detalhes são adicionados a uma história. Eu poderia não concordar com a faca, mas eu tinha testemunhas suficientes para as ameaças e acho que não seria presa. Edward voltou a ser o bom e velho Ted, e os policiais que não o conheciam, sabiam de sua reputação. Eu peguei minha carteira de executora e tirei minha arma do coldre. Tecnicamente, eu carregava escondida quando a minha licença não era para este estado. Expliquei que tinha usado o casaco para não afligir as crianças. Os policiais assentiram, escreveram em seus relatórios e pareciam aceitar tudo.
Ajudou Russell estar ofendendo os policiais verbalmente, e eu parecia tão inofensiva, tão pequena, tão feminina, e muito menos assustador do que ele. Edward fez seu discurso, e disse que eu estava com ele, e ficamos livres para ir.
O restaurante nos ofereceu uma mesa diferente, mas estranhamente Donna e as crianças tinham perdido o apetite. Eu ainda estava com fome, mas ninguém me perguntou. Edward pagou pela refeição e saímos. Eu coloquei a dica sobre o coração mole na lista, arrumando uma maneira de compensar a bagunça. Eu ainda não tinha comido hoje. Talvez se eu pedisse delicadamente, Edward passasse em um drive thru do McDonalds. Qualquer coisa serviria.
14
Donna começou a chorar no estacionamento e Becca se juntou a ela. Somente Peter ficou em silêncio e parecia estar além da histeria geral. Quanto mais Donna gritava, mais a menina ficava em pânico, como se uma estivesse alimentando o pânico da outra. A menina estava chorando sem parar, olhei para Edward e levantei as sobrancelhas, ele olhou em branco. Eu finalmente lhe dei um empurrão.
Ele murmurou;
- Qual delas?
- A garota. - eu murmurei.
Ele se ajoelhou entre elas. Donna tinha se encostado no pára-choque do seu Hummer embalando Becca no colo.
Edward se ajoelhou na frente delas.
- Deixe-me levar Becca para dar uma voltinha.
Donna piscou para ele, como se o visse, ouvisse, mas não estivesse entendendo. Ele pegou Becca e começou a erguer-la dos braços de sua mãe. Os braços de Donna estavam moles, mas a menina agarrou-se a sua mãe, gritando.
Edward literalmente soltou os dedos pequenos, e quando ela estava livre de sua mãe, Becca virou-se e agarrou-se a ele, escondendo o rosto em seu ombro. Ele me olhou por cima da cabeça da menina, e eu o mandei embora. Ele nunca questionou, apenas andou em direção à calçada do estacionamento. Estava balançando a menina lentamente enquanto andava, acalmando-a.
Donna tinha coberto o rosto com as mãos, caindo para a frente até o rosto e as mãos se unirem aos joelhos. Soluços eram tão fortes que eram quase um lamento. Merda. Eu olhei para Peter. Ele estava olhando para ela, e seu olhar era desgostoso, envergonhado. Eu soube naquele instante que ele tinha sido o adulto de mais formas do que só atirar no assassino de seu pai. Para sua mãe era permitido ataques histéricos, mas ele não. Ele foi o único que se manteve em pé na crise. Maldição.
- Peter, você pode nos dar licença por alguns minutos?
Ele balançou a cabeça.
- Não.
Suspirei, então encolhi os ombros.
- Tudo bem, só não interfira. - Eu me ajoelhei na frente de Donna, tocando e sacudindo seus ombros. - Donna, Donna! - Não houve resposta, nenhuma mudança. Tinha sido um dia longo. Peguei um punhado de seu cabelo curto e grosso e puxei sua cabeça para cima. Suponho que tenha doído. - Olhe para mim sua puta egoísta.
Peter deu um passo para frente, apontei um dedo para ele e disse:
- Não.
Ele deu um passo para trás, mas não nos deixou. Seu rosto estava irritado, vigilante, e eu sabia que ele poderia interferir, independente se eu fosse mais longe. Mas eu não precisei ir mais longe. Eu a choquei. Seus olhos estavam arregalados e a centímetros do meu, seu rosto banhado de lágrimas. Sua respiração ainda estava arfante, mas ela estava olhando para mim, ela estava ouvindo.
Soltei seu cabelo lentamente, e ela ficou me olhando com um fascínio horrível no rosto como se eu estivesse prestes a fazer algo cruel, e estava.
- Sua filha acaba de ver a pior coisa que ela já viu em sua vida. Ela estava se acalmando, até que você começou a histeria. Você é a mãe. Você é a sua força, sua protetora. Quando ela viu você desmoronar, ela se aterrorizou.
- Eu não queria dizer... eu não poderia ajudar ...
- Eu não dou a mínima para essa merda ou se você está chateada. Você é a mãe. Ela é a criança. Esteja forte quando ela voltar, ela não pode ver você desmoronar, fui clara?
Ela piscou para mim.
- Não sei se posso fazer isso.
- Você pode e vai fazer isso. - Olhei para cima, mas não vi Edward ainda. Bom. - Você é a adulta Donna, e por Deus, vai agir como uma.
Eu podia sentir Peter nos observando, quase podia senti-lo armazenando a cena para posterior reprodução. Ele se lembraria dessa cena e pensaria sobre ela, você podia sentir isso.
- Você tem filhos? - ela perguntou, e eu sabia o que estava por vir.
- Não. - eu disse.
- Então, que direito você tem de me dizer como criar os meus? - Ela estava com raiva agora, sentando-se reta, limpando o rosto com movimentos bruscos.
Sentando-se no pára-choque, ela estava mais alta do que eu ajoelhada. Olhei para cima em seus olhos raivosos e disse a verdade.
- Eu tinha oito anos quando a minha mãe morreu, e meu pai não podia lidar com isso. Recebemos um telefonema de um policial estadual que nos disse que ela estava morta. Meu pai largou o telefone e começou a chorar, lamentar. Ele me pegou pela mão e me levou a alguns quarteirões até a casa da minha avó, lamentando-se. Pelo tempo que andamos até a casa dela tinha uma multidão de moradores, todos perguntando o que estava errado, que estava acontecendo. Eu fui a única que me voltei para os meus vizinhos e disse: - Minha mãe está morta. - Meu pai se recolheu no seio da sua família, e eu fui deixada sozinha, inconformada, desconsolada, com lágrimas no rosto, dizendo aos vizinhos o que tinha acontecido.
Donna olhou para mim e havia algo muito próximo ao horror em seu rosto.
- Sinto muito. - ela disse com uma voz doce e sem raiva.
- Não tenha pena de mim Donna, apenas seja uma mãe para sua própria filha. Protejam-se juntos. Ela precisa de você para confortá-la agora. Mais tarde, quando você estiver sozinha ou com Ted, você pode desmoronar, mas, por favor, não na frente das crianças. Isso vale para o Peter também.
Ela olhou para ele ali nos observando, e corou envergonhada. Acenou com a cabeça rapidamente, em seguida acertou a postura.
Você realmente podia vê-la se recolher. Ela pegou minhas mãos, apertando-as.
- Sinto muito pela sua perda, e peço desculpas por hoje. Não sou muito boa perto da violência. Se fosse um acidente, um corte, não importa o sangue, eu ficaria bem, honestamente, mas simplesmente não tolero violência.
Tirei minhas mãos suavemente das dela. Eu não tinha certeza se acreditava nela, mas disse:
- Fico feliz em saber Donna. Vou procurar... Ted e Becca.
Ela concordou.
- Obrigada.
Andei balançando a cabeça pelo cascalho na direção em que Edward tinha ido. Eu gostava menos de Donna agora, mas soube que Edward tinha que deixar esta família. Donna não conseguia lidar com a violência. Jesus, se ela soubesse quem, ou o quê tinha levado para sua cama, ficaria histérica para o resto de sua vida.
Edward caminhava pela calçada na frente das muitas casas pequenas. Todas elas tinham jardins bem cuidados, bem planejados. Isso me lembrou da Califórnia, onde cada centímetro do jardim era usado para algo porque a terra era como um prêmio.
Albuquerque não era uma cidade tão cheia ainda, os jardins eram. Edward ainda estava segurando Becca, mas ela estava olhando para algo que ele estava apontando, e havia um sorriso em seu rosto enquanto apontava para duas casas distantes. A tensão que eu estava carregando e não tinha percebido, estava se mostrando nas minhas costas e ombros. Quando ela se virou de forma que seu rosto estava de frente para mim, vi um raminho lilás dobrado em uma de suas tranças. A flor da alfazema pálida não combinava com as fitas amarelas e o vestido, mas hey, era bonito como o inferno.
Seu sorriso vacilou quando ela me viu. Havia uma boa chance de que eu não fosse uma das pessoas favoritas de Becca. Ela provavelmente tinha medo de mim. Oh, bem.
Edward a colocou no chão e eles caminharam em minha direção. Ela estava sorrindo para ele, balançando o braço um pouco. Ele sorriu para ela, e parecia um sorriso verdadeiro. Você realmente acreditaria que ele a adorava e Becca adorava o pai. Como diabos faríamos para tirá-lo da sua vida sem fazer Becca entrar em parafuso? Peter ficaria contente se Ted sumisse! E Donna... bem ela era adulta. Becca não era. Merda.
Edward sorriu para mim e disse com a voz alegre de Ted.
- Como estão as coisas?
- Apenas indo. - eu disse.
Ele levantou as sobrancelhas, e por uma fração de segundo, seus olhos se retraíram, mostrando um cinismo alegre que me deixou tonta.
- Donna e Peter estão nos esperando.
Edward virou para a garota que estava entre nós. Ela olhou para mim, e seu olhar era questionador, pensativo.
- Você bateu no homem mau. - ela disse.
- Sim, eu bati. - eu disse.
- Eu não sabia que as meninas podiam fazer isso.
Isso fez com que meus dentes trincarem.
- As meninas podem fazer qualquer coisa que quiserem inclusive proteger-se e bater nos homens maus.
- Ted disse que você bateu no homem mau porque ele disse coisas ruins para mim.
Eu olhei pra Edward, mas seu rosto estava alegre olhando para a criança e não me mostrou nada.
- Certo. - eu disse.
- Ted disse que você machucaria alguém para me proteger exatamente como ele.
Olhei para seus grandes olhos castanhos e balancei a cabeça.
- Sim, eu o faria.
Ela sorriu e era lindo como o sol rompendo as nuvens. Ela estendeu a mão livre para mim e eu peguei. Edward e eu voltamos para o estacionamento, segurando as mãos da criança enquanto ela saltitava entre nós. Ela acreditava em Ted, e Ted tinha dito que ela poderia acreditar em mim, assim ela fez. O estranho é que eu machucaria alguém para protegê-la. Eu mataria para mantê-la segura. Olhei para Edward e por apenas um momento ele olhou para mim sem a máscara. Olhamos um para o outro sobre a criança, e eu não sabia o que fazer. Eu não sabia como sair dessa confusão.
Becca disse,
- Me balancem.
Edward começou a contar.
- Um, dois, três. - e ela começou a balançar, me forçando a balançar seu outro braço. Chegamos ao estacionamento balançando Becca entre nós, enquanto estava feliz e gargalhando.
Paramos na frente de sua mãe, Donna estava composta e sorridente. Eu estava orgulhosa dela. Becca olhou para mim.
- Mamãe disse que estou muito grande para balançar, mas você é forte não é?
Sorri para ela, mas olhei para Edward quando disse:
- Sim, eu sou.
15
Donna e Edward se despediram com um beijo casto. Peter revirou os olhos e fez uma careta como se eles tivessem feito mais do que isso. Ele teria um ataque se tivesse visto o beijo no aeroporto.
Becca beijou Edward na bochecha, rindo. Peter ignorou tudo isso e entrou no carro como se tivesse medo de Ted tentar abraçá-lo, também.
Edward acenou até que o carro virou para Lomos e saiu fora de vista, então ele virou para mim. Tudo o que ele fez foi me olhar, mas era o suficiente.
- Vamos entrar no carro e ligar o ar condicionado, antes que você explique o que diabos está acontecendo. - eu disse.
Ele destravou o carro e entramos, ligou o ar condicionador, embora ainda estivesse quente. Ficamos sentados com o ar quente soprando sobre nós, e o silêncio encheu o carro.
- Você está contando até dez? - ele perguntou.
- Tente um mil e você estará mais perto.
- Pergunte. Eu sei que você quer.
- Ok, vamos pular o discurso sobre você arrastar Donna e seus filhos em sua bagunça e ir direto para o inferno que é Riker e por que ele enviou capangas para avisá-lo?
- Primeiro, a bagunça foi de Donna, e ela me arrastou para isso. - Minha descrença deve ter aparecido em meu rosto, porque ele continuou - Ela e seus amigos fazem parte de uma sociedade de arqueologia amadora que tentam preservar sítios nativos americanos na área. Você está familiarizada com a forma como uma escavação é feita?
- Um pouco. Sei que eles usam cordas e placas para marcar onde um objeto é encontrado, tiram fotos, desenhos, é como você faz em um corpo antes de removê-lo.
- Isso mesmo, essa é a analogia perfeita. - ele disse, mas estava sorrindo. - Eu e as crianças fomos com Donna no fim de semana. Usamos escovas e pincéis suavemente para limpar a sujeira, ou uma pequena picareta.
- Eu sei que você tem um ponto. - eu disse.
- Caçadores de relíquias encontram algo que já está sendo explorado, ou às vezes um que não tenha sido encontrado, e trazem tratores e retro-escavadeiras para retirar o máximo possível, no menor espaço de tempo.
Eu olhei boquiaberta para ele.
- Mas isso destrói mais do que eles podem eventualmente levar, e se você tirar um objeto antes que o sítio seja catalogado, ele perde muito de seu valor histórico. Quero dizer, a sujeira encontrada pode ajudar a descobrir a data. O que é encontrado perto de um objeto pode dizer todos os tipos de coisas para alguém com um olho treinado.
- Caçadores de relíquias não se preocupam com a história. Eles pegam o que encontram e vendem para colecionadores particulares ou negociantes que não querem saber como o objeto foi encontrado. O sítio em que Donna trabalhava foi invadido.
- E ela pediu para você dar uma olhada. - eu disse.
- Você a subestima. Ela e seus amigos psíquicos pensaram que poderiam argumentar com Riker, pois tinham quase certeza que eram os seus homens por trás disso.
Suspirei.
- Eu não a subestimo, Edward.
- Ela e seus amigos não entenderam o quanto Riker pode ser mau. Alguns desses caçadores podem contratar seguranças, jagunços, para ajudar a cuidar dos "corações moles", e até mesmo da lei. Riker é suspeito de estar por trás da morte de dois policiais. É uma das razões por que as coisas correram bem no restaurante. Todos os policiais sabem que Riker está no topo da lista dos suspeitos de assassino de policiais, não pessoalmente, mas de empregar o feito.
Eu sorri, e não um sorriso agradável.
- Eu me pergunto quantas multas de trânsito ele e seus homens ganharam desde que isso aconteceu.
- Basta que o seu advogado entre com uma ação de assédio. Não há nenhuma prova de que Riker ou seus homens estejam envolvidos, apenas o fato de que os policiais foram mortos em uma escavação que tinha sido parcialmente demolida, e uma testemunha ocular viu um carro com a inicial da placa que poderia ser de um de seus caminhões.
- Será que a testemunha ainda está entre os vivos? - Eu perguntei.
- Garota, você não pega rápido.
- Vou entender isso com um "não".
- Ele desapareceu. - Edward disse.
- Então, por que estão atrás de Donna e seus filhos?
- Porque as crianças estavam com ela quando ela e seu grupo formaram uma linha de protesto para proteger o sítio que Riker tinha conseguido permissão para explorar. Ela era a porta-voz.
- Estúpido, ela não deveria ter levado as crianças.
- Como eu disse, Donna não entendeu como Riker era mau.
- E o que aconteceu?
- Seu grupo foi maltratado, abusado e espancado. Eles fugiram. Donna tinha um olho roxo.
- E o que Ted fez sobre isso?
Eu estava vendo o seu rosto, cruzei meus braços sobre o estômago. Tudo que eu podia ver era o seu perfil, mas era o suficiente. Ele não gostou que Donna tenha ficado ferida. Talvez fosse apenas porque ela pertencia a ele, uma coisa sobre orgulho masculino, ou talvez. .. talvez fosse algo mais.
- Donna me pediu para ter uma conversa com os homens.
- Eu entendo que seriam os dois homens que você colocou no hospital. Eu me lembro de você perguntar a Harold se os dois rapazes ainda estavam internados.
Edward balançou a cabeça.
- Sim.
- Apenas dois no hospital, e nenhum em uma sepultura. Você deve estar amolecendo.
- Eu não poderia matar nenhum deles sem que Donna soubesse, então fiz de exemplo dois de seus homens.
- Deixe-me adivinhar. Um deles seria o homem que deixou o olho de Donna roxo.
Edward sorriu feliz.
- Tom.
- E o outro?
- Ele empurrou Peter e ameaçou quebrar seu braço.
Eu balancei a cabeça. O ar começou a esfriar e me arrepiou mesmo através do meu casaco, ou talvez não fosse o frio.
- O outro cara tem um braço quebrado agora?
- Entre outras coisas. - Edward disse.
- Edward, olhe para mim.
Ele se virou e me olhou com seus frios olhos azuis.
- Diga a verdade, você se importa com esta família? Você mataria para protegê-los?
- Eu mataria para me divertir, Anita.
Eu balancei a cabeça, e me inclinei para perto dele, perto o suficiente para estudar o seu rosto, para tentar fazê-lo desistir de seus segredos.
- Não brinque Edward, me diga a verdade, você está falando sério sobre Donna?
- Você me perguntou se eu a amava e eu disse não.
Eu balancei a cabeça novamente.
- Maldição, não fuja da resposta. Eu não acho que você não gosta dela. Eu acho que você não seria capaz de amá-la, mas você sente alguma coisa. Não sei exatamente o quê, mas alguma coisa. Você sente alguma coisa por essa família, por todos eles?
Seu rosto estava em branco e eu não conseguia ler. Ele só olhou para mim. Eu queria bater nele, gritar até quebrar sua máscara para ver o que tinha embaixo. Eu sempre estive em terreno seguro com Edward, sempre soube onde ele estava, mesmo quando estava planejando me machucar. Mas, agora, de repente, eu não tinha certeza de nada.
- Meu Deus, você se importa com eles. - Eu voltei para o meu lugar, fraca. Eu não poderia ter ficado mais surpresa se brotasse uma segunda cabeça nele. Isso teria sido estranho, mas não tanto. - Jesus, Maria e José, Edward. Você se importa com eles, com todos eles.
Ele desviou o olhar. Edward, o assassino frio de pedra, desviou o olhar. Ele não podia ou não queria olhar para mim. Ele pôs o carro em movimento e me obrigou a colocar o cinto de segurança.
Eu o deixei tirar o carro do estacionamento em silêncio, mas quando estávamos parados aguardando o tráfego melhorar para ir para Lomos, eu tinha de dizer alguma coisa.
- O que você vai fazer?
- Não sei. - ele disse. - Eu não amo Donna.
- Mas.
Ele virou lentamente para a rua principal.
- Ela é uma bagunça. Ela acredita em todos os movimentos new age que aparecem. Ela tem uma cabeça boa para os negócios, mas confia em todos. É inútil perto da violência, você a viu hoje. - Estava difícil para ele se concentrar na estrada, as mãos seguravam o volante com tanta força que deixavam os nós dos dedos brancos. - Becca é exatamente como ela, confiante, doce, mas... Mais resistentes, eu acho. As crianças são mais resistentes do que Donna.
- Elas tiveram que ser. - eu disse, e não poderia manter a desaprovação na minha voz.
- Eu sei, eu sei. - ele disse. - Eu sei tudo sobre Donna. Já ouvi cada detalhe do berço até o presente.
- E isso não te aborreceu? - Eu perguntei.
- Algumas partes. - disse ele com cuidado.
- Mas não tudo.
- Não, não tudo.
- Você está dizendo que a ama? - Eu tive que perguntar.
- Não, eu não estou dizendo isso.
Eu estava olhando tão fixamente para sua cara que ele poderia dirigir até a lua e eu não teria percebido. Nada mais importava do que ver o rosto de Edward, sua voz.
- Então o que você está dizendo?
- Estou dizendo que às vezes quando você representa um papel por muito tempo, você pode ser sugado para essa parte e se torna mais real do que era para ser.
Vi algo em seu rosto que nunca tinha visto antes, angústia, incerteza.
- Você está dizendo que vai se casar com Donna? Que será um marido e pai? Reuniões de pais e tudo?
- Não, eu não estou dizendo isso. Você sabe que não posso me casar com ela. Não posso viver com ela e os dois filhos e esconder o que faço vinte e quatro horas por dia. Ninguém é tão bom ator assim. Eu não sou.
- Então o que você está dizendo? - Eu perguntei.
- Estou dizendo... Estou dizendo que parte de mim, uma pequena parte de mim, gostaria de poder.
Olhei para ele de boca aberta. Edward, o assassino extraordinário, o perfeito predador dos mortos-vivos, lamentava não poder ter uma família, esta família. Uma viúva nova e confiante, seu filho adolescente e mal-humorado e uma menina que fazia Rebecca de Sunnybrook parecer cansada, e Edward queria.
Quando confiei em mim mesmo para ser coerente, eu disse:
- O que você vai fazer?
- Eu não sei.
Eu não conseguia pensar em nada de útil a dizer, por isso recorri ao humor, ao meu escudo de último recurso.
- Por favor, só não me diga que eles têm um cão e uma cerca branca.
Ele sorriu.
- Nenhuma cerca, mas dois cães.
- Que tipo de cães? - Eu perguntei.
Ele sorriu e olhou para mim querendo ver a minha reação.
- Maltês. Seus nomes são Peeka e Boo.
- Ah, merda, Edward, você está brincando comigo.
- Donna quer os cães incluídos nas fotos do noivado.
Olhei para ele, e o olhar na minha cara parecia diverti-lo. Ele riu.
- Estou feliz por você estar aqui, Anita, porque eu não conheço nenhuma outra pessoa para admitir isso.
- Você percebe que sua vida pessoal agora é mais complicada do que a minha?
- Agora eu sei que estou em apuros. - ele disse com uma nota de divertimento, uma piada, porque estávamos mais confortáveis dessa forma. Mas Edward tinha me confidenciado um problema pessoal. Em seu caminho ele me pediu ajuda sobre isso. E mesmo sendo quem eu era, tentaria ajudá-lo. Pensei que iria resolver as mutilações e assassinatos, eventualmente. Quero dizer a violência e a morte eram as nossas especialidades. Eu não estava tão otimista sobre as coisas pessoais.
Edward não pertencia ao mundo de uma mulher que tinha um par de cães chamados Peeka e Boo. Edward não era agora, nem nunca seria de brincadeira. Donna era. Não daria certo. Simplesmente não funcionaria. Mas pela primeira vez percebi que se Edward não tinha um coração para perder, ele desejava ter um para dar. Mas me lembrei da cena em O Mágico de Oz, onde Dorothy e o Espantalho batem no peito do Homem de Lata e ouvem as engrenagens. O latoeiro tinha esquecido de colocar um coração. Edward tinha arrancado seu coração e jogado fora alguns anos atrás. Eu sabia disso.
Eu apenas nunca soube que Edward lamentava a perda. Acho que até Donna Parnell aparecer, ele não tinha se dado conta.
16
Edward me levou através de um drive-up, mas não quis parar. Ele parecia ansioso para chegar a Santa Fé. Como ele raramente ficava ansioso por qualquer coisa, eu não discuti. Pedi que passasse em um lava-rápido enquanto eu comia o meu Cheeseburger e batata frita. Ele não disse uma palavra, apenas levou o carro do outro lado da rodovia e esperou que fosse lavado. Quando eu era pequena, adorava ver os jatos e os rolos enormes passando pela janela. Ainda era bacana, mas não tinha mais a mesma emoção de quando eu tinha cinco anos. Mas lavar o carro queria dizer que teria uma visão clara de todas as janelas. E as janelas sujas sempre me faziam sentir um pouco claustrofóbica. Terminei o meu lanche antes de sairmos para Albuquerque e bebi a minha soda enquanto dirigimos para fora da cidade e para as montanhas. Estas não eram montanhas negras, mas uma escala diferente que parecia mais "normal". Eram recortadas e pareciam rochosas com algumas luzes brilhantes perto de sua base.
- O que é aquele show de luzes? - eu perguntei.
- O que? - Edward perguntou.
- O brilho, o que é aquilo?
Senti sua atenção na estrada, mas ele estava usando seus óculos escuros, e eu realmente não podia ver seu olhar.
- Casas, o sol está batendo nas janelas nas casas.
- Eu nunca vi a luz solar brilhar nas janelas assim.
- Albuquerque está a 7.000 pés. O ar é mais leve do que você está acostumada, isso faz a luz fazer coisas estranhas.
Olhei para as janelas que brilhavam como uma linha de jóias incrustadas nas montanhas.
- É lindo.
Ele moveu a cabeça inteira e eu sabia que dessa vez ele estava realmente olhando para elas.
- Se você acha.
Depois disso ele parou de falar. Edward nunca foi de conversas ociosas, e aparentemente não tinha nada a dizer. Minha mente ainda estava sofrendo por Edward estar amando, ou o mais perto do amor que ele provavelmente nunca chegaria. Ele era muito estranho. Eu não conseguia pensar em uma única coisa útil, então olhei pela janela até pensar em algo importante a dizer. Eu tinha a sensação que seria uma longa e tranquila viagem para Santa Fé.
As montanhas eram muito redondas, cobertas de capim seco acastanhado. Eu tive a mesma sensação quando desci do avião em Albuquerque, desolado. Pensei que as colinas estavam perto até que avistei uma vaca. Ela parecia minúscula, pequena o suficiente para cobri-la e levantá-la com dois dedos, o que significava que as montanhas não eram tão pequenas e tão próximas quanto pareciam na estrada. Era final de tarde ou início da noite, dependendo de como você olhasse para ele. Ainda estava claro, mas você podia sentir a noite ameaçadora, mesmo na iminência de brilho. O dia tinha se desgastado como um pedaço de doce sugado por muito tempo. Não importa o quão brilhante o sol estava, pude sentir a escuridão pressionando perto.
Em parte, era o meu humor que sempre me faz essa confusão pessimista, mas era também um sentido inato da noite que vinha. Eu era uma executora de vampiros, e conhecia o sabor da noite, eu sentia na brisa a sensação do amanhecer pressionando contra a escuridão. Houve momentos em minha vida que dependi da madrugada seguinte. Nada como experiências de quase morte para aprimorar uma habilidade.
O sol tinha começado a desvanecer-se a uma suave melancolia quando eu finalmente fiquei farta do silêncio. Eu ainda não tinha nada de útil para dizer sobre sua vida pessoal, mas não era o caso. Vim até aqui para ajudar a resolver um crime, e para não tocar uma canção de Dear Abby, então se eu apenas me concentrasse nos crimes, ficaríamos bem.
- Há alguma coisa sobre esses casos que você está escondendo de mim? Alguma coisa que vai me deixar puta da vida se eu não souber de antemão?
- Mudando de assunto? - ele perguntou.
- Eu não sabia que estávamos discutindo um assunto. - eu disse.
- Você sabe o que eu quis dizer.
Suspirei.
- Sim, eu sei. - Me mexi no banco tanto quanto o cinto de segurança permitiria, braços cruzados sobre o meu estômago. Minha linguagem corporal não era feliz, nem eu - Não tenho nada a acrescentar à sua situação com Donna, ou nada útil.
- Então, se concentre nos negócios. - ele disse.
- Você me ensinou que... - eu disse - Você e Dolph. Mantenha seus olhos e mente nas coisas importantes. As coisas importantes são as que podem te matar. Donna e as crianças não são uma ameaça, sendo assim, vamos colocá-los em banho-maria.
Ele sorriu o seu normal sorriso tipo "Eu sei de uma coisa que você não sabe". Isso não significa que ele sabia de algo. Às vezes ele fazia isso só para me irritar. Como agora.
- Eu pensei que você disse que ia me matar se eu não terminasse o namoro com Donna.
Esfreguei meu pescoço e tentei aliviar a tensão que estava começando na base do meu crânio. Talvez eu tivesse sido convidada para tocar a canção de Dear Abby, pelo menos em parte. Merda.
- Você estava certo, Edward. Você não pode simplesmente sair de casa. Uma coisa assim acabaria com Becca. Mas você não pode manter encontros com Donna indefinidamente. Ela vai começar a pedir uma data para o casamento, e o que você vai dizer?
- Não sei. - ele disse.
- Bem, nem eu, então vamos falar sobre o caso. Pelo menos com o que temos de sólido.
- Nós? - Ele olhou para mim quando disse isso.
- Nós queremos acabar com as mutilações e assassinatos, certo?
- Sim.
- Bem, isso é mais do que sabemos sobre Donna.
- Você está dizendo que não quer que eu pare de vê-la? - ele perguntou, e o maldito sorriso estava de volta. Presunçoso, ele olhou com orgulho.
- Estou dizendo que não sei o que diabos eu quero que você faça, e muito menos o que você deve fazer. Portanto, vamos deixar esse assunto de lado até que eu tenha alguma idéia brilhante.
- Tudo bem.
- Ótimo. - eu disse. - Agora de volta à pergunta que fiz. O que você não me contou sobre os crimes e acha que eu deveria saber, ou melhor, que eu acho que deveria sabe?
- Eu não leio mentes, Anita. Não sei o que você quer saber.
- Não seja tímido, Edward. Apenas derrame o feijão. Eu não quero mais nenhuma surpresa nessa viagem, muito menos de você. - Ele ficou quieto por tanto tempo que pensei que não responderia. Então eu pressionei. - Edward, estou falando sério.
- Estou pensando. - ele disse.
Ele se mexeu em seu assento flexionando e soltando os ombros como se estivesse tentando se livrar da tensão também. Acho que, mesmo para ele, este dia tinha sido estressante. Estranho pensar que alguma coisa pudesse estressar Edward. Eu sempre pensei que ele atravessaria a vida com o Zen perfeito do sociopata, de modo que nada verdadeiramente o incomodasse. Eu estava errada. Errada sobre muitas coisas. Voltei a olhar a paisagem.
Havia vacas espalhadas pela estrada o suficiente para que você pudesse dizer a cor e o tamanho. Se eram das raças Jersey, Guernsey, ou Black Angus, eu não sabia. Eu vi as vacas paradas em ângulos impossíveis nas encostas íngremes e esperei que Edward terminasse de pensar. O crepúsculo parecia durar muito tempo aqui, como se a luz do dia desistisse da luta lentamente, lutando para permanecer e manter a escuridão afastada.
Talvez tenha sido só o meu humor, mas eu não estava olhando para frente, para a escuridão. Era como se eu pudesse sentir alguma coisa lá fora, nos montes desolados, à espera da noite, algo que não podia mover-se durante o dia. Poderia ser apenas minha imaginação hiperativa, ou eu poderia estar certa. Essa era a parte mais difícil sobre ter habilidades psíquicas: às vezes você estava certa, e às vezes não está.
Às vezes a sua própria ansiedade ou medo pode envenenar o seu pensamento e fazê-lo quase literalmente ver fantasmas onde eles não existem.
Havia claro, meios para descobrir.
- Você pode sair da estrada principal?
Ele olhou para mim.
- Por quê?
- Estou sentindo algo... Só quero ter certeza que não estou imaginando coisas.
Ele não discutiu. Quando a próxima saída apareceu, ele entrou nela e pegamos uma estrada secundária. A estrada era de terra e cascalho e cheia de enormes buracos. As várias colinas suaves nos escondiam da estrada principal, mas a estrada era muito plaina na nossa frente, dando uma visão clara da estrada que passava quase em linha reta para uma distante ascensão de serra. Havia um punhado de pequenas casas de cada lado da estrada, o grande aglomerado de pessoas em uma pequena igreja colocada de lado, como se fosse parte das casas. A igreja tinha uma torre com uma cruz em cima e um sino dentro dela, embora estivéssemos muito longe para ter certeza. A cidade, se fosse uma cidade, não estava vazia, havia pessoas para nos ver. Que sorte a nossa encontrar uma cidade depois de tanta desolação.
- Pare o carro. - eu disse.
Estávamos tão longe da primeira casa que poderíamos voltar. Edward parou ao lado da estrada. A poeira subiu em uma nuvem dos dois lados do carro deixando a pintura limpa com um pó seco.
- Não chove muito por aqui, não é?
- Não.
Qualquer outra pessoa teria explicado o motivo, mas não Edward. Falar do tempo não era um tema de conversa a menos que isso afetasse o trabalho.
Eu saí do carro e andei na grama seca. Quando olhei para trás, estava a metros de distância, Edward estava parado na porta do lado do motorista, braços esticados sobre o capô, chapéu inclinado para trás para que pudesse assistir ao show. Acho que não conhecia ninguém que não teria perguntado o que eu estava prestes a fazer. Seria interessante ver se ele perguntaria depois.
A escuridão caia como um pano de seda suspenso contra o céu e a luz. Era um crepúsculo macio e confortável. Uma brisa soprou da terra árida e brincou com o meu cabelo. Tudo parecia bem, isso era bom.
E se fosse minha imaginação? Eu estava deixando os problemas de Edward me afetar? Era a memória dos sobreviventes em seu quarto de hospital me fazendo ver sombras?
Eu quase me virei e voltei para o carro. Se fosse minha imaginação, então não prejudicaria ninguém, e se não fosse... Virei e fui para longe do carro, longe das casas distantes, e olhei para o vazio. Claro, ele não estava realmente vazio. O capim sussurrava ao vento de tão seco, como o milho no outono pouco antes da colheita. O solo estava coberto por uma fina camada de cascalho avermelhado pálido marrom de sujeira. O chão de cascalho se estendia até encontrar as montanhas que continuavam a escurecer. Não era um lugar vazio, apenas solitário.
Respirei profundamente, soltei o ar e fiz duas coisas ao mesmo tempo: Abaixei meus escudos e abri meus braços. Abri as minhas mãos, mas não eram apenas as minhas mãos. Eu estava usando meus sentidos. Senti a "magia", se você gosta da palavra, eu não. Senti o poder que me deixava ressuscitar os mortos e me misturar aos lobisomens. Senti e alcancei uma presença lá fora a espera, ou pensei ter sentido.
Lá, como uma isca para um peixe. Virei na direção da estrada. Era nesse sentido, indo em direção a Santa Fé. Eu não tinha mais palavras. Eu sentia a sua preocupação com a chegada da noite e sabia que "ele" não podia se mover à luz do dia. E eu sabia que era grande, não fisicamente, mas psiquicamente porque eu não estava próxima, e mesmo assim podia senti-lo a quilômetros de distância. Eu não poderia dizer quantas milhas, mas ele estava longe, muito longe para eu ter percebido isso. Ele não se sentia cruel. Isso não significa que não fosse mau, apenas que não pensava em si mesmo como algo do mal. Ao contrário das pessoas, entidades sobrenaturais tem muito orgulho de suas maldades. Eles se abraçam a sua malignidade porque eram exatamente isso, não era humano. Não era físico.
Espírito, energia, escolha uma palavra, não tinham qualquer forma física, eles flutuam livremente. Não, não livremente... Algo bateu em mim, não fisicamente, mas como se um caminhão psíquico tivesse me atropelado. De repente eu estava de bunda na terra tentando respirar, como se alguém tivesse me batido com o vento no meu peito.
Ouvi Edward correndo em minha direção, mas não consegui me virar. Eu estava muito ocupada reaprendendo a respirar.
Ele se ajoelhou perto de mim com a arma na mão.
- O que aconteceu?
Ele estava olhando para o crepúsculo e não para mim, buscando, procurando o perigo. Seus óculos de sol se foram, e seu rosto estava muito sério como se procurasse algo em que atirar.
Segurei seu braço balançando a cabeça, tentando falar. Mas quando finalmente tive bastante ar, tudo que eu disse foi:
- Merda, merda, merda! - Não era muito útil, mas eu estava com medo.
Na maioria das vezes quando sinto este medo eu fico com frio, mas não quando é uma merda psíquica. Quando algo dá errado com a "magia", eu nunca me abalo ou fico com frio, eu fico quente. É algo como um formigamento quente, como se eu tivesse colocado meu dedo em uma tomada de luz. O que quer que "ele" fosse, me sentiu e me derrubou no chão.
Puxei o escudo ao meu redor como se fosse um casaco contra uma nevasca, mas estranhamente ele tinha recuado. Embora se essa pancada de poder fosse uma indicação de seu poder, ele poderia me cortar e me servir de brinde se quisesse. Ele não queria. Fiquei contente, emocionada, por que ele não tinha me machucado mais? Como consegui senti-lo se ele estava tão longe? E como ele conseguiu me sentir? Normalmente, o meu maior talento é com os mortos. Será que isso queria dizer que "ele" estava morto, ou tinha algo a ver com os mortos? Ou seria esta uma das novas habilidades psíquicas que a minha professora Marianne tinha me avisado que poderia surgir? Deus, eu não esperava. Eu não precisava de mais coisas estranhas na minha vida. Eu já tinha em abundância.
Me forcei a parar com os malditos pensamentos inúteis, e disse:
- Guarde a arma Edward. Estou bem. Além disso, não há nada para ver aqui.
Ele pôs a mão debaixo do meu braço e me puxou antes que eu estivesse pronta.
Eu ficaria muito feliz de ficar sentada por um tempo. Debrucei-me sobre ele, e ele começou a nos mover de volta para o carro. Eu tropecei e finalmente tive de lhe dizer:
- Pare por favor.
Ele me segurou ainda à procura do perigo, arma ainda na mão. Eu poderia respirar de novo e se Edward parasse de me arrastar, eu seria capaz de andar. O medo tinha acabado porque era inútil. Tentei um pouco de "magia" e não fui boa o suficiente. Eu estava aprendendo o ritual de magia, mas ainda era uma iniciante. O poder não é suficiente. Você tem que saber o que fazer com ele, era como uma arma com a trave de segurança. Não faz muita diferença se você sabe o que fazer com ela. Entrei no carro e fechei e travei minha porta antes de Edward abrir a dele.
- Diga-me o que aconteceu, Anita.
Olhei para ele.
- Adiantaria se eu só te olhasse e sorrisse?
Algo atravessou seu rosto, uma carranca, um rosnar, ele rapidamente perdeu o perfeito vazio que podia controlar.
- Você está certa. Eu tenho um segredo amoroso, e isso me serve bem. Mas você é a pessoa que disse que precisávamos parar com a competição e resolver o crime. Eu vou parar se você...
Concordei.
- Concordo.
- Então. - ele disse.
- Ligue o carro e nos tire daqui. - De alguma maneira eu não gostava de estar numa estrada quase deserta e escura. Eu queria estar em movimento. Às vezes, o movimento te dá a ilusão de que você está fazendo algo. Edward ligou o carro, manobrou e voltamos para a rodovia.
- Fale.
- Eu nunca senti isso antes. Pelo que sei, o que senti sempre esteve aqui.
- O que você sentiu?
- Algo poderoso. Algo que está a milhas de distância na direção de Santa Fé. Algo que pode se conectar aos mortos de alguma forma, o que explica porque me chamou tanta atenção. Eu preciso encontrar um bom psíquico local, para ver se esta coisa sempre esteve por perto ou não.
- Donna pode conhecer alguns videntes. Se são bons, eu não posso dizer, não tenho certeza se ela também pode.
- É um bom lugar para começar. - eu disse e me aconcheguei no cinto de segurança.
- Você conhece alguns animadores locais, necromantes, alguém que trabalhe com os mortos? Tem que ser alguém ligado ao meu tipo de poder, um psíquico ordinário não poderá senti-lo.
- Não conheço nenhum, mas vou perguntar por aí.
- Bom.
Nós estávamos de volta na estrada. A noite estava muito escura, como se nuvens grossas escondessem o céu. As luzes dos faróis pareciam muito amarelas contra a escuridão.
- Você acha que essa coisa tem algo a ver com as mutilações?- ele perguntou.
- Eu não sei.
- Você não sabe merda nenhuma. - ele disse e parecia irritado.
- Esse é o problema com a merda psíquica e a magia. Às vezes não é muito útil.
- Eu nunca vi você fazer nada parecido com o que fez lá atrás. Você odeia toda essa merda mística.
- Sim, eu sei, mas eu tinha que aceitar o que sou Edward. Essa porcaria mística é uma parte de "quem" e "do que" eu sou. Não posso fugir dela porque faz parte de mim. Você não pode se esconder de si mesmo, não para sempre, e não pode fugir. Eu ressuscito os mortos para a vida, Edward. Por que deveria ser um choque ter outras habilidades?
- Não é. - ele disse.
Olhei para ele, mas ele estava olhando a estrada, e eu não pude ler o seu rosto.
- Não? - eu perguntei.
- Eu te chamei para ser meu guarda-costas não apenas porque você é uma ótima atiradora, mas porque você sabe mais sobre coisas sobrenaturais do que qualquer outra pessoa que conheço, que confio. Você odeia os videntes e os médiuns porque é um deles, mas você ainda não aceitou a realidade, e isso a torna diferente do resto deles.
- Você está errado Edward. Hoje eu vi uma alma pairando no quarto. E era real, tão real como a arma em seu coldre. Videntes, bruxas, médiuns, todos eles lidam com a realidade. Apenas não é a mesma realidade que você conhece, mas é real Edward, é muito, muito real.
Ele não disse mais nada e deixei o silêncio encher o carro, eu estava contente com isso porque estava cansada, muito, muito cansada. Eu achava que mexer com essa merda psíquica por vezes me deixava exausta como o inferno, e muito mais rápido do que o trabalho físico. Eu corria quatro milhas todos os dias, levantava pesos, tinha aulas de Kenpo e Judô, e nenhuma delas me deixava tão cansada como estar nessa área e sentir essa coisa. Eu nunca dormi em um carro porque não confiava no motorista e achava que se houvesse um acidente me mataria. Essa é a verdade sobre por que eu não dormia em carros, não importa o que eu diga em voz alta. Minha mãe morreu em um acidente de carro, e eu nunca mais confiei neles desde então.
Encostei no banco tentando encontrar uma posição confortável para a minha cabeça. De repente eu estava tão cansada que meus olhos queimavam. Fechei os olhos e fui arrastada para o sono como se uma mão me puxasse para baixo. Eu poderia ter resistido, mas não o fiz. Eu precisava descansar, precisava disso agora, ou eu não valeria bosta nenhuma. Esse pensamento passou pela minha cabeça e eu me deixei relaxar mesmo não confiando em Edward. Eu realmente fiz isso, dormi encolhida no banco e só acordei quando o carro parou.
- E aqui estamos. - Edward disse.
Eu lutava para me sentar, mas estava descansada.
- Onde?
- Na casa de Ted.
A casa de Ted? A casa de Edward. Finalmente conheceria onde Edward morava. Eu bisbilhotaria e conheceria alguns de seus mistérios. Se eu não morresse e descobrisse seus segredos faria toda a viagem valer a pena. Se eu morresse, voltaria e o assombraria, vamos ver se ele poderia ver fantasmas depois de tudo.
17
A casa era de tijolo vermelho e parecia ser antiga, eu não era uma perita, mas senti a idade dela. Descarregamos minha bagagem da parte de trás do Hummer, mas eu continuava olhando para a casa. A casa de Edward.
Eu realmente nunca esperei ver onde ele morava. Ele era como o Batman, andava pela cidade, salvava a sua bunda e em seguida desaparecia, e você nunca esperava um convite para conhecer a Bat Caverna. E agora aqui estava eu em pé na frente dela. Legal.
Não era o que eu tinha imaginado. Pensei que talvez fosse em um condomínio de alta tecnologia na cidade. Los Angeles talvez. Esta modesta casa de tijolo que parecia abraçar a terra apenas não era o que eu tinha em mente. Era parte de sua identidade secreta, seu refúgio, mas ainda assim Edward vivia aqui, e tinha que haver mais razões do que apenas Ted ter gostado. Eu estava começando a pensar que realmente não sabia quem era Edward.
A luz sobre a porta da frente estava acesa e tive que desviar os olhos para proteger minha visão noturna. Eu estava olhando direto para a porta e pensei em duas coisas: um, a luz estava acesa; dois, a porta era azul. A porta era pintada de azul-violeta, uma cor rica, rica. Eu também podia ver a janela mais próxima da porta. Sua guarnição era pintada do mesmo azul vibrante.
Eu tinha visto essas mesmas cores no aeroporto, embora com mais flores e uma adição de vermelho-arroxeado. Eu perguntei:
- Qual é a da porta azul e a luz acesa?
- Talvez eu goste. - ele disse.
- Eu vi muitas portas pintadas de azul turquesa desde que cheguei aqui.
- Boa observação.
- É uma de minhas falhas. Agora explique.
- Eles acham que as bruxas não podem atravessar uma porta pintada de azul ou verde.
Eu arregalei meus olhos.
- Você acredita nisso?
- Eu duvido que a maioria das pessoas acredite, mas isso se tornou parte do estilo local. Meu palpite é que as pessoas fazem isso mesmo sem lembrar do folclore por trás disso.
- É como tirar uma lanterna da cartola no Halloween para espantar os duendes.
- Exatamente.
- E já que estou tão atenta, quem acendeu a luz da varanda?
- Bernardo ou Olaf.
- Seus outros seguranças.
- Sim.
- Mal posso esperar para enfrentá-los.
- No espírito de cooperação, e sem mais surpresas, Olaf não gosta muito de mulheres.
- Você quer dizer que ele é gay?
- Não, e se você insinuar isso provavelmente vai haver uma luta, por isso não diga nada. Se eu soubesse não teria colocado os dois na mesma casa, isso vai ser... Uma porra de um desastre.
- Isso é duro. Você acha que nós não podemos brincar juntos.
- Eu posso quase garantir isso. - ele disse.
A porta se abriu, e nossa conversa foi cortada abruptamente. Eu estava pensando se era o "Olaf" a ser temido. O homem na porta não se parecia muito com um "Olaf", mas então qual seria a aparência dele? O homem tinha mais ou menos 1,83m. Era difícil dizer exatamente a sua altura porque a parte inferior do corpo estava completamente coberta por um lençol branco que ele segurava em uma mão presa a cintura. O lençol caia em torno de seus pés como uma vestimenta formal, mas da cintura para cima, ele não era nada formal. Ele era magro e musculoso, um conjunto muito agradável, tinha um lindo bronzeado marrom, embora fosse natural, porque era um índio americano, oh, sim, ele era. Seu cabelo chegava até a cintura e estava caído sobre um ombro, um cabelo pesado, preto e sólido, seus olhos estavam embaçados de sono, embora fosse cedo para estar na cama. Seu rosto era um triângulo leve e completo, com uma covinha no queixo e uma boca cheia. Seria racismo dizer que seus traços eram mais "brancos" do que "índios", ou era apenas a verdade?
- Você pode fechar a boca agora. - Edward disse perto da minha orelha.
Fechei minha boca.
- Desculpe. - eu murmurei.
Foi embaraçoso. Geralmente eu não deixava os homens perceberem meu interesse, pelo menos não os homens que eu não conhecia. O que havia de errado comigo hoje?
O homem dobrou o lençol sobre seu braço livre, libertando as pernas e mostrando que poderia andar sem tropeçar.
- Desculpe, eu estava dormindo, ou teria saído mais cedo para ajudar.
Ele parecia perfeitamente à vontade em seu lençol, embora fizesse um grande esforço para segurar o lençol no lugar e pegar uma mala.
- Bernardo Cavalo-Pintado, Anita Blake.
Ele estava segurando o lençol com a mão direita, e olhou levemente perplexo quando a mala escapou da outra mão e tudo começou a cair. O lençol desceu na frente, e eu tive que virar meu rosto rapidamente.
Mantive minha cabeça virada porque eu estava corando e queria que a escuridão escondesse. Acenei com a mão vagamente atrás de mim.
- Vamos apertar as mãos depois, quando você estiver vestido.
Ouvi a voz de Edward.
- Você a perturbou.
Ótimo, todo mundo percebeu.
- Sinto muito, de verdade. - disse Bernardo.
- Nós podemos começar com a bagagem.- eu disse. - Vá colocar um roupão. Senti alguém se mover atrás de mim, eu não tinha certeza de como eu sabia, mas sabia que não era Edward.
- Você é modesta. Eu esperava muita coisa pelas descrições de Edward, mas não a modéstia.
Virei lentamente e ele estava perto demais, invadindo a droga do meu espaço pessoal. Olhei para ele.
- O que você esperava? A Prostituta da Babilônia? - Eu estava envergonhada e desconfortável, e isso sempre me deixava irritada. A raiva apareceu na minha voz. O meio-sorriso no rosto aumentou.
- Eu não tinha a intenção de ofender. - Sua mão surgiu quando disse isso, como se ele fosse tocar meu cabelo.
Eu recuei fora de alcance.
- Isso foi um julgamento ou intuição crítica?
- Eu vi o jeito que você me olhou na porta. - ele disse.
Senti o calor subindo pelo meu rosto, mas desta vez eu não me afastei.
- Se você atende a porta como um modelo da Playgirl não me culpe por olhar, mas não faça disso mais do que é. Olhar para você é agradável, mas o fato de você estar assim não é lisonjeiro para nenhum de nós. Ou você é um garoto de programa, ou acha que eu sou. No primeiro, estou disposta a acreditar. No segundo, eu sei que não é verdade. - Fui até ele agora, invadindo seu espaço, o rubor se foi me deixando pálida e irritada. - Então recue.
Era a sua vez de ficar constrangido. Ele recuou e se enrolou no lençol da melhor forma possível e então se inclinou. Era um gesto antigo, mas o movimento foi cortês, como se tivesse feito isso antes. Foi um gesto simpático com o seu cabelo caindo todo pela frente, mas eu já tinha visto melhores. Não nos últimos seis meses, mas eu tinha visto melhores.
Ele se ergueu, seu rosto era solene e parecia sincero.
- Há dois tipos de mulheres que convivem com homens como eu e Edward, e sabem o que somos. As primeiras são prostitutas, elas não se importam com a quantidade de armas que temos, e a segunda é estritamente profissional. Eu as chamo de Madonas porque nunca dormi com nenhuma delas. Elas tentam ser um dos caras. - O sorriso estava em seus lábios novamente. - Perdoe-me se estou desapontado por você ser uma das Madonas. Estou aqui há duas semanas, e estou sozinho.
Eu balancei a cabeça.
- Há duas semanas, coitadinho! - Peguei meu casaco e olhei para Edward. - Da próxima vez me fale sobre as manias alheias.
Ele levantou a mão em um juramento escoteiro.
- Eu nunca vi Bernardo fazer isso com uma mulher no primeiro encontro, eu juro. - Meus olhos se estreitaram, olhei para ele e acreditei.
- Então eu tive a grande honra?
Ele pegou minha mala e sorriu.
- Você deveria ter visto a sua cara quando ele desceu os degraus de lençol. - Ele riu e foi muito masculino. - Eu nunca vi você tão vergonhada.
Bernardo chegou ao nosso lado.
- Honestamente eu não queria que você me visse assim. Simplesmente não uso nada quando vou para cama, e quando vocês chegaram peguei o lençol.
- Onde está Olaf? - Edward perguntou.
- Está de bico porque você a trouxe.
- Ótimo. - eu disse. - Um de vocês acha que é um conquistador, o outro não quer falar comigo. Isso é perfeito. - Virei e Edward passou pela porta. Bernardo estava atrás de mim.
- Não confunda Olaf, Anita. Ele gosta de mulheres em sua cama, ele apenas acha que elas não são tão especiais como eu. Você deve ter mais cuidado com ele do que comigo.
- Edward. - Ele se virou para trás na porta e olhou para mim. - Bernardo está certo? Olaf é perigoso para mim?
- Eu posso te dizer o que disse a ele sobre Donna.
- E o que foi?- Eu perguntei.
Ainda estávamos na soleira da porta, não completamente na casa.
- Eu disse a ele que se a tocasse, eu o mataria.
- Se você vier em meu socorro, ele nunca vai trabalhar comigo, nunca vai me respeitar. - eu disse.
Edward balançou a cabeça.
- Isso é verdade.
Suspirei.
- Eu vou cuidar dele do meu jeito.
Bernardo tinha se movido atrás de mim, mais do que eu queria. Usei a mala de mão para obrigá-lo acidentalmente a ir para trás.
- Olaf foi preso por estupro. - disse Bernardo.
Eu olhei para Edward e deixei a descrença aparecer no meu rosto.
- Ele está falando sério?
Edward apenas balançou a cabeça, seu rosto estava vazio como de costume.
- Eu disse a você no carro que não a teria convidado se soubesse que daria problemas.
- Mas você não mencionou nada de estupro. - eu disse.
Ele deu de ombros.
- Eu deveria ter falado.
- O que mais devo saber sobre o bom e velho Olaf?
- Só isso. - Ele olhou para Bernardo. - Você pensou em alguma outra coisa que ela precisa saber?
- Só que ele se gaba do estupro e o que fez com ela.
- Tudo bem. - eu disse - Você fez o seu ponto. Eu só tenho mais uma pergunta.
Edward apenas olhou para mim em expectativa, Bernardo disse,
- Diga.
- Se eu matar outro dos seus seguranças vou te dever outro favor?
- Não se ele merecer.
Larguei a mala na soleira da porta.
- Merda Edward, se você continuar me colocando junto com os loucos do caralho e eu tiver que continuar a me defender, vou te dever favores até no túmulo.
Bernardo disse:
- Você está falando sério? Você realmente matou o seu último segurança?
Olhei para ele.
- Sim, estou falando sério. E eu quero sua permissão para acabar com Olaf se ele ficar fora de controle sem ter que te dever algo, Edward.
- Quem você matou?- Bernardo perguntou.
- Harley. - Edward disse.
- Merda, sério?
Eu andei até Edward invadindo seu espaço, tentando ler o passado em branco no azul dos seus olhos.
- Quero a sua permissão para matar Olaf sem te dever outro favor.
- E se eu não der? - ele perguntou, a voz baixa.
- Leve-me para um hotel porque não vou ficar em uma casa com um louco estuprador se eu não puder matá-lo.
Edward me olhou por um momento, em seguida deu um pequeno aceno com a cabeça.
- Certo, mas não enquanto ele estiver nesta casa. Fora daqui é outra questão.
Eu teria argumentado, mas provavelmente era o melhor que conseguiria.
Edward era muito protetor com seus guarda-costas, e como eu era um deles podia apreciar a atitude. Peguei minha bolsa no chão, e disse:
- Obrigada. Agora, onde é o meu quarto?
- Ah, ela vai se adaptar muito bem. - Bernardo disse, e tinha alguma coisa em sua voz que me fez olhar para ele. Seu rosto bonito estava vazio, um vazio que deixou seus olhos castanhos escuro como dois buracos queimados em seu rosto. Era como se ele tivesse deixado cair à máscara e me deixado ver por dentro porque eu tinha conhecido monstros o suficiente para lidar com isso. Talvez eu tivesse. Mas eu sabia uma coisa: Olaf ou Bernardo, qualquer um deles, era melhor que não fossem sonâmbulos.
18
Havia uma lareira contra a parede mais distante, ela era estreita e branca formada da mesma brancura lisa das paredes. Havia um crânio de animal sobre a lareira. Eu teria dito que era de um cervo, mas o crânio era mais pesado e os chifres longos e curvos. Não era um cervo, mas algum parente próximo e de outro país. O aparador estreito servia para duas coisas, como suporte de presas de elefante, e crânios de pequenos animais. Tinha um sofá branco na frente da lareira e um grande bloco de mármore polido, sentei ao lado de um pequeno abajur chinês com luz branca. No canto acima da parede tinha uma enorme cabeça de cristal branca. Havia uma mesa preta envernizada contra a parede oposta entre as duas entradas com uma segunda lâmpada maior sobre a mesa. Duas cadeiras de frente para à lareira, elas tinham leões alados esculpidos nos braços e pernas. Eram de couro preto vagamente egípcio.
- Seu quarto é por aqui. - Edward disse.
- Não, esperei muito tempo para ver a sua casa. Não me apresse. - eu disse.
- Você se importa se eu levar sua bagagem até seu quarto enquanto você explora?
- Sirva-se. - eu disse.
- Gracinha. - ele disse, e colocou um toque extra de sarcasmo em sua voz.
- Não se fala mais nisso. - eu disse.
Edward pegou minhas malas, e disse:
- Vamos Bernardo, você pode se vestir.
- Você não nos deixou explorar sozinhos. - disse Bernardo.
- Você não pediu.
- É uma das alegrias de ser uma garota. - eu disse. - Se sou curiosa basta perguntar.
Eles passaram por uma porta distante, mas o quarto era pequeno o suficiente para que "longe" fosse relativo. Havia um feixe de madeira ao lado da lareira em uma pequena cesta de palha quase branca. Passei a mão e senti o frescor suave da mesa de mármore que estava próxima a lareira. Havia um vaso negro sobre a mesa cheia do que parecia pequenas flores silvestres. O amarelo ouro e o centro marrom realmente não combinavam em nada com a sala. Mesmo o tapete Navajo, que cobria a maior parte do piso era em tons de preto, branco e cinza. Havia mais flores em um nicho entre as portas. As flores caíam da abertura como uma massa de ouro num enorme buquê desenfreado.
Quando Edward voltou para a sala sem Bernardo, eu estava sentada no sofá branco com os pés esticados debaixo da mesa de café. Eu tinha as mãos cruzadas sobre o estômago e estava tentando imaginar uma lareira e uma noite fria de inverno, mas de alguma forma a lareira parecia muito limpa e estéril.
Ele se sentou do meu lado balançando a cabeça.
- Feliz?
Concordei.
- O que você acha?
- Não é uma sala de descanso. - eu disse. - você tem muito espaço nas paredes. Compre alguns quadros.
- Gosto dessa maneira. - Ele sentou no sofá ao meu lado, pés estendidos, as mãos no estômago. Ele estava me imitando, mas nem isso poderia estragar o meu humor, eu queria ver cada detalhe antes de sair. Eu poderia tentar ser legal com ele, mas eu não sabia como.
Nós tínhamos ido além da nossa estranha amizade. Eu realmente não estava tentando brincar de "O Rei do Pedaço" com Edward. O fato de continuar brincando me fez sentir uma idiota.
- Talvez eu te dê um quadro no Natal. - eu disse.
- Nós não compramos presentes de Natal um para o outro. - Edward disse.
Estávamos olhando para a lareira, como se visualizássemos um fogo de faz-de- conta.
- Talvez eu comece com um grande palhaço de pelúcia para as crianças e um quadro para você.
- Eu não vou pendurá-lo se não gostar.
Olhei para ele.
- A menos que seja de Donna.
Ele ficou muito quieto de repente.
- Sim.
- Donna acrescentou as flores, não foi? - eu disse.
- Sim. - ele disse.
- Lírios brancos ou uma orquídea talvez, mas não flores silvestres, e não nesta sala.
- Ela pensou que iluminaria o lugar.
- Ah, elas iluminaram. - eu disse.
Ele suspirou.
- Talvez eu possa dizer a ela o quanto você ama aqueles quadros de cães jogando poker e te compre alguns.
- Ela não acreditaria. - ele disse.
- Não, mas eu aposto que poderia fazê-la acreditar em algo que você odeia muito.
Ele olhou para mim.
- Você não faria isso.
- Eu posso fazer.
- Isto soa como chantagem. O que você quer?
Olhei para ele estudando seu rosto branco.
- Então você está admitindo que Donna e sua equipe são suficientemente importantes para que a chantagem funcione?
Ele apenas olhou para mim com aqueles olhos impiedosos, mas seu rosto não estava em branco o bastante agora. Havia uma brecha em sua armadura, grande o suficiente para passar um caminhão através dele.
- Edward, se alguém pensar nisso eles podem virar reféns.
Ele olhou para longe e fechou os olhos.
- Você acha mesmo que está me dizendo algo que eu não pensei?
- Minhas desculpas, você está certo. É como ensinar "Pai Nosso" ao vigário.
- O que? - Ele se virou e foi meio que rindo.
Eu dei de ombros.
- Apenas um velho ditado. Significa que estou ensinando alguém que me ensinou.
- E o que te ensinei? - ele perguntou, o humor morrendo em seu rosto.
- Você não pode levar todo o crédito. A morte da minha mãe começou a lição antecipada, mas eu aprendi que, se você se importa com as pessoas elas podem morrer. Se você conhecer outras pessoas, cuidar de alguém, podem usar essa pessoa contra você. Você me perguntou por que eu não me relaciono com humanos. Reféns, Edward. Minha vida é muito violenta para que eu coloque em risco as pessoas que eu amo. Você me ensinou isso.
- E agora eu quebrei essa regra. - ele disse com a voz suave.
- Sim.
- E onde é que isso deixa Richard e Jean-Claude? - ele perguntou.
- Oh, eu te incomodei e agora é minha vez.
- Basta responder a pergunta.
Eu pensei nisso por um segundo ou dois, em seguida, respondi a verdade porque passei os últimos seis meses pensando sobre eles.
- Jean-Claude não pode ser usado como exemplo. Se tem alguém nessa vida que sabe como cuidar de si mesmo, esse alguém é ele. Acho que você não pode chegar aos quatrocentos anos de idade e não ser um sobrevivente.
- E Richard? - Edward estava olhando para mim quando perguntou, estudando-me como eu tinha feito tantas vezes com ele, e me perguntei pela primeira vez se o meu rosto estava vazio como eu queria, se escondia minhas emoções, meus pensamentos, mesmo quando não tinha a intenção. Como você pode realmente dizer o que mostra o seu próprio rosto?
- Richard pode sobreviver a um tiro de espingarda no peito desde que a bala não seja de prata. Pode você dizer o mesmo sobre Donna? - Fui direta, talvez muito brusca, mas era a verdade.
Seus olhos se fecharam como se alguém tivesse puxado as cortinas. Não tinha ninguém em casa. Era a cara que ele usava quando matava algumas vezes, embora às vezes ficasse com uma expressão mais feliz.
- Você me disse uma vez que eles ficam em volta da sua humanidade, quer dizer que você fica em volta da monstruosidade deles? - ele perguntou.
Eu olhei para aquele rosto tão cuidadosamente ilegível e balancei a cabeça.
- Sim, demorei um pouco para perceber isso e mais tempo para aceitar. Eu perdi muitas pessoas na minha vida Edward. Estou cansada disso. As chances são muito boas, tanto que os meninos vão sobreviver a mim. - eu levantei a mão antes que ele pudesse falar. - Sei que Jean-Claude não está vivo. Confie em mim. Eu provavelmente sei disso melhor do que você.
- Vocês estão sérios. Falando sobre o caso?- disse Bernardo.
Ele entrou na sala vestindo calça jeans e nada mais, tinha o cabelo amarrado para trás em um trança frouxa. Estava descalço e isso fez meu peito se apertar. Era uma das maneiras favoritas de Richard ficar em casa. Ele só colocava sapatos e camisa para sair ou se a alguém estivesse chegando. Eu vi um homem muito bonito passar por mim, mas eu não estava realmente vendo-o. Eu estava vendo Richard, sentindo sua falta. Suspirei e me esforcei para me sentar reta no sofá. Chame de palpite, mas eu apostava que Edward não abriu seu coração com Bernardo, pelo menos não para falar sobre Donna.
- Não, não estávamos falando sobre o caso. - disse Edward
Bernardo olhou de um para o outro com um sorriso brincando em seus lábios, mas seus olhos diziam outra coisa. Ele não gostava do ar sério e não estávamos falando sobre o caso, e ele não sabia do que se tratava. Eu teria perguntado. Edward não teria me dito, mas eu teria perguntado. Às vezes era bom ser uma garota.
- Você disse que tinha os arquivos sobre os casos de Santa Fé. - eu disse.
Edward acenou com a cabeça e ficou de pé.
- Eu vou buscar e levá-los a sala de jantar. Bernardo, mostre-lhe o caminho.
- O prazer é meu. - ele disse.
Edward disse,
- Tratar Anita como uma menina seria um erro, Bernardo. E me irritaria ter que substituí-lo esta tarde no Jogo.
Com isso Edward saiu pela porta da direita. Ouvi o barulho do ar da noite e um zumbido de insetos antes que ele fechasse a porta.
Bernardo olhou para mim balançando a cabeça.
- Eu nunca ouvi Edward falar de qualquer mulher do jeito que fala de você.
Eu levantei as sobrancelhas para ele.
- E isso significa?
- Perigosa. Ele sempre fala como se você fosse perigosa.
A inteligência se mostrou em seus olhos castanhos, uma inteligência que havia sido escondida por trás de sua boa aparência e sorriso encantador. Uma inteligência que não mostrava o quanto ele poderia ser monstruoso. Pela primeira vez pensei que poderia ser um erro subestimá-lo. Ele era mais do que apenas uma arma de aluguel. E pelo visto tinha mais para se ver.
- E eu devo dizer que sou perigosa?
- Você é? - ele perguntou, ainda me estudando com aquela expressão intensa. Eu sorri para ele.
- Bem, você terá que ir até o fim do corredor primeiro.
Ele inclinou a cabeça para um lado.
- Porque não vamos juntos, lado a lado?
- Porque o corredor é muito estreito, ou estou errada?
- Você não está errada, mas você realmente acha que eu vou atirar em você pelas costas? - Ele abriu os braços e deu uma volta lentamente. - Pareço estar armado? - Ele estava sorrindo quando me encarou novamente, encantador.
Eu não acreditei.
- Se eu não examinar pessoalmente cada parte de você, incluindo seu cabelo, não saberei se está desarmado.
O sorriso diminuiu um pouco.
- A maioria das pessoas nunca lembram do cabelo. - O que significava que ele tinha algo escondido. Se estivesse verdadeiramente desarmado teria aproveitado a oportunidade e se oferecido para ser revistado.
- Tem que ser uma faca. O cabelo não é grosso o suficiente para esconder uma arma, nem mesmo um Derringer. - eu disse.
Ele pôs a mão por trás de sua cabeça e tirou uma faca de seu cabelo. Ele a ergueu, em seguida virou a faca pelo punho, para frente e para trás, fazendo-a dançar através de seus longos dedos finos.
- Não é um estereótipo étnico que você é bom com uma faca? - Eu perguntei.
Ele riu, mas não como se fosse engraçado. Brincou com a faca mais uma vez em sua mão, e isso me deixou tensa. Eu ainda estava de pé atrás do sofá, mas sabia que se ele fosse realmente bom, eu nunca esconderia o rosto ou pegaria minha arma no tempo.
Maldição, o cara era bom com a faca.
- Eu posso cortar meu cabelo e vestir um terno, mas eu ainda seria um índio para a maioria das pessoas. Se você não pode mudar, tem que aceitar.
Ele guardou a faca em seu cabelo de forma suave e fácil. Eu teria que usar um espelho, e mesmo assim, provavelmente teria cortado o meu cabelo.
- Você tenta brincar de homem de negócios? - Eu perguntei.
- Sim. Eu ainda continuo nos negócios. Posso colocar um paletó e ostentar os meus músculos. Algo exótico para impressionar seus amigos e mostrar como eles são uma droga.
- Você ainda faz o número da faca? - Eu perguntei.
Ele deu de ombros.
- Às vezes.
- Espero que paguem bem.
Ele sorriu.
- Ou eles pagam bem ou eu não faço. Se você é tão boa como Edward pensa, é melhor guarda-costas do que eu.
- Por quê?- Eu perguntei.
- Porque na maioria das vezes os guarda-costas não podem chamar muita atenção ou serem exóticos. Você é uma garota bonita, más nada muito extraordinário.
Eu concordei com ele, mas disse,
- Oh, agora você ganhou muitos pontos.
- Você praticamente me disse que não tenho chance, então por que deveria me preocupar em mentir?
Eu tinha que sorrir.
- Entendi.
- Você pode ser um pouco mais escura que os outros, mas pode se passar por branca.
- Eu não estou me passando, Bernardo, eu sou branca. Minha mãe era Mexicana.
- Você tem a pele do seu pai?- ele perguntou.
Concordei.
- Sim, e daí?
- Ninguém nunca te falou que você se parecia com ela, não é?
Eu pensei sobre isso. Me lembrei dos comentários apressados de minha madrasta a estranhos dizendo que eu não era filha dela. Não, não era adotada. Eu era sua enteada. Eu e a Cinderela. Os realmente rudes perguntavam: "Quem era a sua mãe?" Judith sempre respondia rapidamente "Sua mãe era mexicana". Embora ultimamente fosse chamado de hispano-americano. Ninguém pode acusar Judith de não ser politicamente correta sobre a questão da raça. Minha mãe morreu muito antes das pessoas se preocuparem se o politicamente correto estava em voga. Se alguém lhe perguntasse, ela sempre dizia com orgulho "Mexicana". Se era bom o suficiente para a minha mãe, que era bom o suficiente para mim.
Essa memória eu não partilhava. Eu nunca tinha partilhado com o meu pai e não faria isso com um estranho. Escolhi uma outra memória que não doesse tanto.
- Uma vez eu me envolvi com um rapaz até que sua mãe descobriu que a minha era mexicana. Ele era loiro e de olhos azuis, o epítome de reprodução Branco, Anglo-Saxão e Protestante. Meu futuro sogro não gostou da idéia de escurecer sua árvore genealógica.
Isso era uma forma breve e sem emoção de dizer algumas coisas muito dolorosas. Ele tinha sido meu primeiro amor, meu primeiro amante. Pensei que ele era tudo para mim, mas eu não era tudo para ele. E nunca mais me deixei cair tão completamente nos braços de alguém depois disso. Jean-Claude e Richard ainda estavam pagando a conta pelo meu primeiro amor.
- Você pensa em si mesmo como branca?
Concordei.
- Sim. Agora me pergunte se eu acho que sou branca o suficiente?
Bernardo olhou para mim.
- Você é branca o suficiente?
- Não de acordo com algumas pessoas.
- Como quem?
- Com nenhum de seus malditos negócios.
Ele estendeu as mãos.
- Desculpe, não quis pisar no seu calo.
- Sim, você quis. - eu disse.
- Você acha mesmo isso?
- Sim, acho que você está com ciúmes.
- De quê?
- Que eu possa passar e você não.
Ele abriu a boca e as emoções fluíram em seu rosto como água, a raiva, humor, negação. Ele finalmente mostrou um sorriso, mas não era feliz.
- Você realmente é uma puta, não é?
Concordei.
- Se você não puxar meu tapete eu não puxo o seu.
- De acordo. - ele disse, o sorriso brilhou mais amplo. - Agora, permita-me escoltar sua bunda branca à sala de jantar.
Eu balancei a cabeça.
- Leve esse seu rabo alto e escuro na frente, enquanto caminhamos para o corredor.
- Só se você prometer me dizer o que achou.
Eu ampliei meus olhos.
- Você quer que eu faça uma crítica da sua bunda?
Ele balançou a cabeça e olhou com um sorriso feliz agora.
- Você é um grande egoísta ou está apenas tentando me envergonhar?
- Adivinha.
- Ambos. - eu disse.
O sorriso se espalhou pelo rosto.
- Você parece tão inteligente com esse olhar.
- Comece a andar, Romeu. Edward não gosta de ficar esperando.
- Droga.
Eu o segui pelo corredor. Ele colocou um gingado a mais em sua caminhada, e sim, eu assisti ao show. Chame de palpite, mas eu apostava que Bernardo realmente me perguntaria sobre o que achei de sua bunda, provavelmente em voz alta e na frente de outras pessoas. Por que será que quando você tem uma coisa certa para apostar, nunca tem ninguém com dinheiro por perto?
19
O piso da sala de jantar era escuro e as paredes brancas. Se as cadeiras eram um indício, a mesa de jantar era preta e prata, mas ela estava escondida sob uma toalha de mesa que parecia outro tapete Navajo, embora este tivesse um pouco de cor, maçantes listras vermelhas correndo em preto e branco. Tinha também um candelabro de metal preto com velas vermelhas no meio da mesa. Era bom ver alguma cor que não houvesse sido adicionada por Donna. Levei anos para quebrar a fixação de Jean-Claude pela decoração em preto e branco. Como eu era apenas amiga de Edward, e nada mais, não era problema meu como ele decorava.
Tinha uma lareira no canto quase idêntica ao da sala, exceto por um pedaço de madeira preta fixada no estuque branco. Eu teria chamado de fachada, mas não chegaria tão longe. Ela estava decorada com velas vermelhas de diferentes formas e tamanhos, algumas colocadas diretamente sobre a madeira, e outras em um candelabro negro. Um espelho com uma antiga moldura de prata parecia estar pendurada atrás das velas para que você pudesse ver seu reflexo enquanto elas queimavam. Estranho, eu nunca imaginei que Edward fosse do tipo que gostava de velas.
Não havia janelas na sala, apenas uma porta moldada que levava para outro cômodo. As paredes eram totalmente brancas e de alguma forma a falta de decoração na sala parecia mais claustrofóbica e não menos. Um homem apareceu na porta. Ele teve que se curvar para que sua cabeça careca não batesse no batente. Era mais alto do que Dolph, tinha mais ou menos 2,07m o que significava que era a pessoa mais alta que já conheci. Os únicos pêlos em sua cabeça eram suas pesadas sobrancelhas negras e uma sombra de barba ao longo de seu queixo e bochechas. Ele estava usando um robe de cetim preto e um tipo de chinelo. Só podia ser Olaf, quem mais poderia ser andando de chinelos como se fossem parte de sua carne? Para alguém tão alto ele se movia como uma máquina bem oleada, músculos ondulando sob sua pele pálida. Ele era alto, mas não havia um grama de gordura nele, era todo músculos, duro e magro. Ele caminhou ao redor da mesa, e eu me movi sem pensar em manter a mesa entre nós.
Ele parou de andar, eu parei também. Olhamos um para o outro, Bernardo estava no final da mesa mais próximo da porta olhando para nós. Ele parecia preocupado. Provavelmente se perguntando se deveria me socorrer ou talvez ele só não tivesse gostado do nível de tensão na sala. Eu não gostei.
Se eu não tivesse me afastado quando ele entrou, o nível de tensão seria menor? Talvez. Mas aprendi há muito tempo a confiar em mim mesma, nos meus instintos, e eles diziam para ficar fora de alcance. Mas eu poderia tentar ser agradável.
- Você deve ser Olaf, eu não sei o seu sobrenome. Sou Anita Blake.
Seus olhos eram um conjunto marrom-escuro profundo nos ossos do rosto, como cavernas gêmeas, como se, mesmo à luz do dia, os olhos ficassem nas sombras. Ele só olhou para mim, era como se eu não tivesse falado.
Tentei novamente, sou persistente.
- Olá, Terra para Olaf.
Olhei em seu rosto e ele não hesitou, de alguma forma ele parecia não entender minhas palavras. Se não estivesse olhando para mim, eu diria que estava me ignorando. Olhei para Bernardo, mas mantive minha atenção sobre o homem grande do outro lado da mesa.
- O que foi Bernardo? Ele não fala?
Bernardo assentiu.
- Ele fala.
Voltei a olhar para Olaf.
- Você só não vai falar comigo, é isso?
Ele continuou olhando.
- Você não acha que ouvir o doce som da minha voz é uma espécie de punição, não é? A maioria dos homens são tão tagarelas! O silêncio é um gesto bonito. Obrigada por ser tão atencioso Olaf, meu bebê. - Eu disse a última palavra em duas sílabas bem separadas.
- Não sou o seu bebê.
Sua voz era profunda se igualou ao seu peito grande. Havia também um sotaque gutural debaixo de todo o seu Inglês, Alemão talvez.
- Ele fala. Isso acalma meu coração.
Olaf franziu a testa.
- Eu não concordo com a sua inclusão nesta caçada. Não precisamos da ajuda de uma mulher, de nenhuma mulher.
- Bem, Olaf meu docinho, você precisa da ajuda de alguém porque só vocês três não vão dar conta dessas merdas de mutilações.
Uma onda de cor rastejou do pescoço até seu rosto.
- Não me chame assim.
- De quê? Docinho?
Ele balançou a cabeça.
- Você prefere queridinho, docinho ou doce de abóbora?
Ele passou de cor-de-rosa ao vermelho, e estava ficando mais escuro.
- Não fale comigo desse jeito. Eu não sou o queridinho de ninguém.
Eu estava pronta para fazer uma outra observação mordaz, mas parei e pensei em algo melhor.
- Que triste para você.
- Do que você está falando?
- Que triste que você não tem ninguém.
A cor sumiu de seu rosto.
- Você está sentindo pena de mim? - Sua voz aumentou um pouco, não era um grito, era como o rosnado baixo de um cão pouco antes da mordida. A voz estava mais densa, mais espessa. Muito alemão, muito baixa. Minha Avó Blake era de Baden-Baden, na fronteira entre a Alemanha e a França, mas meu tio-avô Otto tinha vindo de Habsburgo. Eu não tinha cem por cento de certeza, mas parecia o mesmo sotaque.
- Todos devem ter alguém. - eu disse, minha voz era suave. Eu não estava com raiva. Eu o estava seduzindo, e não deveria fazer isso. Minha única desculpa era que toda aquela conversa de estupro tinha me deixado com medo dele, e eu não gostava disso. Então, eu realmente estava fazendo algo muito masculino. Eu estava puxando a cauda do animal a bancando a corajosa. Estúpido. No momento em que percebi o porquê de estar fazendo isso, tentei parar.
- Eu não sou nenhum idiota, e não preciso de ninguém.
Ele falou cuidadosamente, pronunciando cada palavra, mas o seu sotaque era grosso o suficiente para caminhar. Ele começou a se mover lentamente ao redor da mesa, músculos tensos, como um gato grande.
Abri o meu casaco no lado esquerdo mostrando a arma. Ele parou de se mover, mas seu rosto estava furioso.
- Vamos começar de novo, Olaf. - eu disse. - Edward e Bernardo me disseram que você era um cara grande e mau, e isso me deixou nervosa, me deixou na defensiva. E quando estou na defensiva, normalmente sou um pé no saco. Desculpe-me. Vamos fingir que eu não estava bancando a espertinha e que você não é grande e mau, e vamos começar de novo.
Ele se acalmou. Essa era a única coisa que eu podia dizer. A tensão trêmula de seus músculos relaxaram como a água escorrendo pelo morro. Mas eu não estava totalmente certa de qual caminho seguir. Tive um vislumbre de Olaf tomado por um grande acesso de raiva, que acidentalmente era dirigido principalmente às mulheres. A raiva precisa de um alvo ou você se transforma em uma daquelas pessoas que dirigem seus veículos e começam a atirar em estranhos através de janelas de restaurante
- Edward insiste que você deve ficar aqui, mas nada que você me diga vai me convencer do contrário.
Suas palavras tinham menos sotaque quando ele recuperou o controle de seu temperamento.
Concordei.
- Você é alemão.
Ele piscou, e por um instante a perplexidade substituiu o mau humor.
- O que?
- Você é alemão?
Ele pareceu pensar nisso por um segundo ou dois, em seguida deu um pequeno aceno de cabeça.
- Eu reconheci o sotaque.
A carranca estava de volta com toda a força.
- Você é especialista em sotaques? - Ele disse com sarcasmo.
- Não. Meu tio Otto era de Habsburgo.
Ele piscou de novo e a carranca diminuiu.
- Você não é alemã. - Ele parecia ter certeza.
- A família do meu pai é de Baden-Baden, na orla da Floresta Negra, mas tio Otto era de Hamburgo.
- Você disse que só o seu tio tinha sotaque.
- Minha família está aqui a muito tempo e não tem mais nenhum sotaque, mas o tio Otto nunca perdeu o seu.
- E ele está morto agora.
Concordei.
- Como ele morreu?
- Vovó Blake diz que tia Gertrudes o infernizou até a morte.
Seus lábios se contraíram.
- As mulheres são tiranas se um homem permite isso. - Sua voz tinha um toque mais suave agora.
- Isso é verdade para homens ou mulheres. Se um dos parceiros é fraco, o outro entra e assume o comando.
- A natureza tem horror ao vácuo. - disse Bernardo.
Nós olhamos para ele. Não sei o que as expressões em nossos rostos mostravam, mas Bernardo levantou as mãos para cima e disse:
- Desculpe interromper.
Olaf e eu voltamos a olhar um para o outro. Ele estava perto o bastante agora e eu não seria capaz de pegar a Browning a tempo. Mas eu me afastei e toda tentativa de paz foi por água abaixo. Ele se sentiu insultado ou viu isso como uma fraqueza da minha parte. Nenhuma reação seria útil, então eu firmei o pé no chão e tentei não demonstrar o quanto estava tensa porque não importa como eu parecesse calma, meu estômago tinha dado um grande nó. Eu tinha apenas uma chance de fazer alguma coisa, se estragasse o resto desta visita se tornaria um campo de guerra, e precisávamos resolver o crime, não lutarmos entre nós.
- Ou você é o líder ou é conduzido. - disse Olaf. - Qual deles você é?
- Eu só sigo alguém que valer a pena ser seguido.
- E quem decide quem vale a pena seguir, Anita Blake?
Eu tinha que sorrir.
- Eu decido.
Seus lábios se contraíram novamente.
- E se Edward me colocasse no comando, você me seguiria?
- Eu confio no julgamento de Edward, isso sim. Mas deixe-me perguntar-lhe a mesma coisa. Será que você me seguiria se Edward me colocasse no comando?
Ele se retraiu.
- Não.
Concordei.
- Ótimo, então sabemos onde estamos.
- E onde é isso? - ele perguntou.
- Eu sou uma espécie de orientadora, Olaf. Vim até aqui para resolver um crime e eu vou fazer exatamente isso. Se isso significa que em algum momento devo receber ordens de você, que assim seja. Se Edward me deixar responsável e você não gostar, acerte com ele.
- As mulheres gostam de colocar a responsabilidade sobre os ombros de um homem.
Contei até dez e dei de ombros.
- Você fala como se já tivesse uma opinião sobre mim, Olaf. Eu não dou a mínima para o que você pensa.
- As mulheres sempre se preocupam com o que os homens pensam delas.
Eu ri então.
- Sabe, eu estava começando a me sentir insultada, mas você é muito engraçado. - eu quis dizer isso.
Ele se inclinou para mim tentando usar sua altura para me intimidar. Foi impressionante, eu me lembrei de quando eu era criança.
- Não vou acertar com Edward, vou acertar com você. Ou será que você não tem a coragem de acertar comigo? - Ele deu uma risada dura.- Ah, eu esqueci, você não tem culhões.
Ele avançou para mim em um movimento rápido. Acho que ele queria me apalpar, mas eu não esperei para ver, me joguei para trás e estava com a Browning na mão antes que a minha bunda batesse no chão. Estar com a arma significava que eu não tinha uma mão livre para conter o impacto da forma que deveria. Bati duro e senti todo o choque até minha espinha.
Ele pegou uma faca em algum lugar de seu antebraço. A lâmina estava descendo, e a Browning não estava apontada para seu peito. Seria uma corrida para ver quem tirava sangue primeiro, mas era quase garantido que um de nós ia sangrar. Tudo desacelerou em uma visão cristalina, como se eu tivesse todo o tempo do mundo para apontar a arma, para evitar a faca, e ao mesmo tempo tudo estava acontecendo rápido demais. Rápido demais para pará-lo ou alterá-lo.
A voz de Edward atravessou a sala.
- Parem com isso! Eu vou atirar no primeiro que se mexer.
Nós congelamos no meio da ação. Olaf piscou, e era como se o tempo tivesse retomado o fluxo normal. Talvez, apenas talvez, não nos matássemos hoje à noite. Mas eu tinha a arma apontada para seu peito e sua mão ainda estava levantada com a faca. Embora a palavra "faca" parecesse uma pequena palavra, "espada" seria mais parecido com aquilo. De onde ele tinha tirado?
- Largue a faca Olaf. - Edward disse.
- Mande-a guardar a arma primeiro.
Olhei para aqueles olhos castanhos e duros e vi o mesmo ódio que tinha visto anteriormente no rosto do Tenente Marks. Ambos me odiavam pelas coisas que eu não podia mudar: Um talento inato dado por Deus, e o outro, porque eu era uma mulher. Engraçado como um ódio irracional se parece tanto com o outro.
Fiquei com a arma firmemente apontada para seu peito e deixei todo o ar sair de meu corpo, eu estava esperando, esperando que Olaf decidisse o que faria hoje à noite. Ou estaríamos combatendo à criminalidade, ou estaríamos cavando um túmulo, talvez os dois se ele fosse bom o suficiente. Eu sabia qual seria o meu voto, mas eu também sabia que no final, o voto não seria meu. Eu não tinha medo de Olaf, tinha medo de seu ódio.
- Você vai jogar a faca no chão, e Anita vai baixar a arma. - Edward disse.
- Ela vai atirar em mim quanto estiver desarmado.
- Ela não vai fazer isso.
- Ela está com medo de mim agora. - disse Olaf.
- Talvez, mas ela tem mais medo de mim. - Edward disse.
Olaf olhou para mim, um lampejo de perplexidade elevando-se através do ódio e da raiva.
- Eu vou enfiar essa faca dentro dela. Ela tem medo de mim.
- Diga a ele, Anita.
Eu esperava ter entendido o que Edward quis me dizer.
- Eu vou atirar duas vezes em seu peito. Você pode tirar uma fatia de mim antes de cair no chão, se realmente for bom, pode até mesmo cortar a minha garganta, mas você ainda vai estar morto.
Eu esperava que ele não tivesse boa memória porque era embaraçoso apontar uma arma com a bunda colada no chão. Eu estava começando a ter cãibras nas costas e não conseguia me mover rapidamente. O temor foi desaparecendo deixando apenas um vazio maçante para trás. Eu estava cansada, e à noite ainda era uma criança, levaria horas até eu dormir. E estava cansada de Olaf. A única coisa que eu conseguia pensar é que se não o matasse esta noite, teria outra chance.
- De quem você tem mais medo Anita, de Olaf ou de mim?- Edward perguntou.
Mantive meu olhar sobre o Olaf e disse:
- De você, Edward.
- Diga a ele o porquê.
Ele parecia um professor falando aos seus alunos o que dizer, mas vindo de Edward eu obedeceria.
- Porque você nunca me deixaria te provocar desse jeito. Você nunca deixaria suas emoções comprometerem sua segurança.
Olaf piscou para mim.
- Você não tem medo de mim? - Ele fez a pergunta e parecia desapontado. Havia algo quase pueril em sua decepção.
- Eu não tenho medo de nada que possa matar. - eu disse.
- Edward pode ser morto. - disse Olaf.
- Sim, mas ele pode ser morto por alguém nesta sala? Essa é a pergunta.
Olaf olhou para mim agora mais perplexo do que irritado. Ele começou a baixar a faca lentamente.
- Solte a faca. - Edward disse com a voz calma.
Olaf deixou a faca cair no chão, ela bateu com um som estridente. Eu consegui me apoiar na da borda da mesa e abaixei a arma. Estava próxima de Bernardo e olhei para ele.
- Vá para perto de Edward.
- Eu não fiz nada. - ele disse.
- Apenas faça o que estou pedindo Bernardo. No momento preciso de um pouco de espaço.
Ele abriu a boca como se fosse se defender, mas Edward o cortou.
- Apenas faça o que ela pediu.
Bernardo fez. Quando todos estavam na outra extremidade da sala, guardei a arma. Edward segurava uma caixa de papelão cheia até a borda de arquivos. Ele a colocou sobre a mesa.
- Você não tinha sequer uma arma! - disse Olaf.
- Eu não precisava de uma. - Edward disse.
Olaf empurrou Edward de lado e passou pelo corredor. Eu esperava que ele saísse, mas duvidei que tivéssemos sorte. Eu conhecia Olaf a pouco tempo, mas e já sabia porque ele não era o queridinho de ninguém.
20
Um assassinato sempre produz muito papel, mas em um assassinato em série você pode se afogar neles. Edward, Bernardo, e eu estávamos nadando em um monte.
Estávamos vendo os relatórios há cerca de uma hora e Olaf ainda não tinha voltado. Talvez ele tivesse decidido fazer as malas e ir para casa. Embora eu não tivesse ouvido barulho de portas ou carro, mas não tinha certeza se a casa era a prova de som. Edward não parecia incomodado pela ausência de dele, de modo que não dei muita atenção também. Eu tinha lido um relatório de trás para a frente para ter uma visão geral e ver se alguma coisa havia me escapado. Havia lascas de obsidiana no corte de corpos. Uma faca de obsidiana, talvez. Embora estivéssemos na parte errada do mundo para ele, ou não estávamos?
- Alguém chegou a pensar nos Astecas? - Eu perguntei.
Edward não achou a pergunta estranha.
- Sim.
- Então, não sou uma das primeiras a achar que a pista de obsidiana pode significar magia asteca?
- Não. - ele disse.
- Obrigada por me dizer que estamos à procura de alguma espécie de monstro Asteca.
- A policia local conversou com um especialista na área. O professor Dallas não conseguiu identificar qualquer divindade ou folclore responsável por esses assassinatos e mutilações.
- Parece que você está citando algo que já leu. Existe um relatório por aqui em algum lugar?
Ele olhou para uma pilha de papéis.
- Está aí em algum lugar.
- Não havia uma divindade Asteca em que os sacerdotes tiravam a pele de alguém como uma oferenda, ou isso é Maia?
Ele deu de ombros.
- O bom professor não conseguiu fazer uma conexão, é por isso que eu não lhe disse nada. A polícia olhou por esse ângulo por semanas. Eu trouxe você até aqui para pensar em coisas diferentes, não siga os antigos.
- Eu mesma gostaria de falar com o professor, se não tiver problema para você.
Falei com sarcasmo.
- Leia os primeiros relatos, tente encontrar aquilo que perdi, então apresentarei o professor Dallas.
Olhei para ele tentando ler por trás de seus olhos azuis e não como de costume.
- Quando vou conhecer o professor?
- Hoje à noite.
Eu levantei as sobrancelhas.
- Puxa que rápido, especialmente porque você acha que estou perdendo nosso tempo.
- Ela passa as noites em um clube perto de Albuquerque.
- O Professor Dallas é uma mulher?
Ele balançou a cabeça.
- E o que há de tão especial nesse clube?
- Se você estudasse história e mitologia Asteca, não adoraria entrevistar um Asteca de verdade?
- Um antigo Asteca vivendo em Albuquerque? - Eu não tentei esconder a surpresa na minha voz. - Como?
- Bem, talvez por que ela não esteja viva. - ele disse.
- Uma vampira.
Ele balançou a cabeça novamente.
- E essa vampira Asteca tem um nome?
- A Mestre da cidade se chama Itzpapalotl.
- Não é o mesmo nome de uma deusa asteca? - Eu perguntei.
- Sim, é.
- Estamos falando de delírios de grandeza.- Eu estava vendo seu rosto, tentando pegar uma dica. - Será que a polícia falou com a Vampira?
- Sim.
- E?
- Ela não foi muito útil.
- Você não acreditou nela, não é?
- Nem a polícia. Mas ela estava no palco do seu clube durante pelo menos três dos assassinatos.
- Então ela está limpa. - eu disse.
- É por isso que eu quero que você leia os primeiros relatórios, Anita. Perdemos alguma coisa. Talvez você descubra o que, mas não se continuar procurando monstros astecas. Levantamos a pedra, e tanto nós quanto a polícia gostaríamos que fosse a Mestre da Cidade, mas não é.
- Então, por que a oferta de me levar para vê-la hoje à noite?
- Só porque ela não está cometendo os crimes, não significa que não possa ter informações que possam nos ajudar.
- A polícia a interrogou. - Eu fiz uma declaração.
- Sim, é engraçado como os vampiros não gostam de falar com a polícia, mas gostam de falar com você.
- Você sabe que poderia simplesmente ter me dito que veríamos a Mestre da Cidade.
- Eu não estava te testando, a menos que você queira pegá-la. Eu esperava realmente que você não falasse sobre os Astecas antes de ler tudo primeiro.
- Por quê?
- Eu lhe disse, era um beco sem saída. Precisamos de novas idéias, coisas que ainda não pensamos, não coisas que a polícia já tirou da lista.
- Mas você ainda não tirou essa Itza-sei-lá-o-que fora da sua lista, não é?
- A deusa vai deixar você chamá-la por sua tradução em Inglês, Borboleta Obsidiana. É também o nome de seu clube.
- Você acha que ela está envolvida, não é?
- Acho que ela sabe de algo que poderia compartilhar com uma necromante, mas não com uma executora de vampiros.
- Então eu vou até lá para fazê-la falar, por assim dizer?
- Vamos dizer que sim.
- Eu sou a serva humana de Jean-Claude, um terço do seu triunvirato de poder. Se vou visitar a Mestre desta Cidade sem credenciais da polícia, vou ter que fazer a política dos vampiros. Eu odeio isso.
Edward olhou para a mesa.
- Quando você ler o centésimo relatório das testemunhas, poderá mudar de idéia. Mesmo a política vampiro parece interessante depois de ler bastante dessa merda.
- Puxa Edward, você soa quase amargo.
- Eu sou um especialista em monstros, Anita, e não tenho a menor idéia do caralho que estamos lidando.
Olhamos um para o outro, e novamente tive a sensação de seu medo, de seu desamparo, coisas que Edward simplesmente não sentia. Ou assim eu pensava.
Bernardo entrou com uma bandeja de café. Ele deve ter pego algo no ar, porque ele disse:
- Perdi alguma coisa?
- Não. - Edward disse, e voltou para os papéis em seu colo.
Levantei-me e comecei a separar os relatórios.
- Você não perdeu nada.
- Eu adoro mentiras.
- Nós não estamos mentindo. - eu disse.
- Então por que o nível de tensão está tão grande aqui dentro?
- Cale a boca, Bernardo. - Edward disse.
Bernardo não aceitou como um insulto, simplesmente calou a boca e entregou o café. Resolvi ler todos os relatórios que pudesse encontrar, e então passar as próximas três horas bem ocupada. Eu tinha lido um relatório de trás para a frente e não descobri nada que a polícia ou Edward já soubessem semanas atrás. Agora eu estava procurando algo novo que nem a polícia, Edward, ou os especialistas tivessem encontrado. Sou egoísta, mas Edward parecia ter certeza que eu encontraria alguma coisa. Embora eu estivesse começando a me perguntar se era confiança em mim ou puro desespero por parte dele, que o fez ter essa certeza. Eu daria o meu melhor, e isso era tudo que podia fazer.
Olhei para várias pilhas de relatos e comecei a ler. Eu sei que as pessoas leem cada relatório na íntegra, ou quase na íntegra, e em seguida passam para o seguinte, mas no caso de assassinatos em série você procura um padrão. Sobre esses casos eu aprendi a dividir os arquivos em partes: declarações das testemunhas, relatórios forenses, imagens da cena do crime, etc. Às vezes, eu via primeiro as fotos, mas dessa vez deixei de lado. Eu tinha visto o suficiente no hospital para me deixar enjoada. Assim, as imagens poderiam esperar, e eu ainda podia fazer um ótimo trabalho sem ter que ver todos os horrores. Enrolar com um propósito, o que poderia ser melhor?
Bernardo continuou a bancar o anfitrião, indo e voltando conforme o café acabava, oferecendo comida apesar de ambos declinarem.
Quando ele me trouxe outra xícara de café pela enésima vez, eu finalmente perguntei:
- Não que eu não seja grata, mas você não me parece o tipo doméstico, Bernardo. Por que a rotina de anfitrião perfeito? A casa nem é sua. - Ele levou a questão como um convite para se aproximar da minha cadeira até sua coxa tocar o meu braço.
- Você quer que Edward faça o café?
Olhei através da mesa para Edward. Ele não se preocupou em olhar para cima. Eu sorri.
- Não, eu estava pensando em fazer o meu.
Bernardo virou-se e encostou a bunda contra a mesa, braços cruzados sobre o peito. Os músculos se mostravam em seus braços como se ele estivesse flexionando. Acho que ele nem sabia que estava fazendo isso, como se fosse um hábito.
- Sinceramente? - ele perguntou.
Eu olhei para ele e tomei um gole do café que me trouxe.
- Isso seria agradável.
- Eu li os relatórios mais de uma vez. E não quero lê-los novamente. Estou cansado de bancar o detetive e gostaria que pudéssemos sair para matar alguma coisa, ou pelo menos arranjar alguma briga.
- Eu também. - Edward disse, ele estava nos olhando agora com seus frios olhos azuis. - Mas temos que saber com quem estamos lidando, e a resposta para isso está aqui em algum lugar. - Ele fez um gesto para as pilhas de papéis.
Bernardo balançou a cabeça.
- Então por que ninguém encontrou as resposta nesses papeis? - Ele passou o dedo na pilha de papel mais próxima. - Acho que a papelada não vai pegar esse desgraçado.
Eu sorri para ele.
- Você está entediado.
Ele olhou para mim com a expressão um pouco assustada em seu rosto, então ele riu, a cabeça para trás, a boca como se ele estivesse uivando para a lua.
- Você não me conhece o suficiente para dizer isso.
O riso ainda era divertido em seus olhos, e eu queria que fosse um outro par de olhos castanhos. Meu peito se apertou de repente sentindo a falta de Richard. Olhei para os papéis no meu colo, não tinha certeza se esse sentimento apareceria nos meus olhos. Se mostrassem tristeza, eu não queria que Bernardo visse. Se mostrassem desejo, eu não queria que ele interpretasse mal.
- Você está entediado, Bernardo? - Edward perguntou.
Bernardo virou a cintura para que pudesse ver Edward com um mínimo de movimento. Ele colocou seu peito nu diante de mim.
- Nem mulheres, nem televisão, nada para matar, tédio, tédio, tédio.
Eu me peguei olhando para seu peito, tinha vontade de levantar da cadeira, jogar os papéis no chão e passar a língua sobre seu peito. A imagem era tão forte que tive de fechar os olhos. Eu tinha sentimentos assim por Richard e Jean-Claude, mas não por um estranho. Por que Bernardo estava me afetando desse jeito?
- Você está bem? - Ele estava debruçado sobre mim, seu rosto estava tão perto que encheu minha visão inteira.
Eu fui para trás empurrando a cadeira e me levantando. A cadeira caiu no chão e os papéis se espalharam por toda parte.
- Merda. - eu disse com sentimento e peguei a cadeira.
Ele se abaixou para ajudar a pega-los mostrando suas enormes costas nuas com linhas curvas, ele começou a juntar os documentos em uma pilha. Eu assistia fascinada a maneira como os pequenos músculos da parte inferior das costas trabalhavam por ele. Eu saí de perto de Bernardo. Edward estava me olhando do outro lado da mesa, seu olhar era pesado, como se soubesse o que eu estava pensando, sentindo. Eu sabia que não era verdade, mas ele me conhecia melhor do que a maioria. Eu não queria que ninguém soubesse que eu parecia estar injustificadamente atraída por Bernardo. Era muito embaraçoso.
Edward disse,
- Deixe-nos em paz por um tempo, Bernardo.
Bernardo ficou com um maço de papéis, olhando de um para o outro.
- Acabei de perder alguma coisa?
- Sim. - Edward disse. - Agora saia.
Bernardo olhou para mim, ele parecia fazer uma pergunta, mas eu não disse nada. Eu podia sentir meu rosto ilegível e vazio. Bernardo suspirou e me entregou os papéis.
- Quanto tempo?
- Vou deixar você adivinhar. - Edward disse.
- Maravilhoso, estarei no meu quarto quando "papai" decidir me deixar sair.
Ele saiu pela porta mais próxima desaparecendo completamente.
- Ninguém gosta de ser tratado como criança. - eu disse.
- É a única maneira de lidar com Bernardo. - Edward disse.
Seu olhar era muito constante em meu rosto, e ele parecia muito sério para me deixar confortável. Comecei a triagem dos documentos em minhas mãos. Concentrei-me na classificação e não olhei para cima até que o senti ao meu lado. Olhei em seguida e seus olhos não estavam em branco. Eles eram intensos, mas eu ainda não conseguia lê-los.
- Você disse que não fica com um deles há seis meses.
Concordei.
- Você está namorando alguém? - ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Nada de sexo desde então. - ele disse.
Eu balancei a cabeça novamente. Meu coração batia mais rápido, eu só não queria que ele descobrisse isso.
- Por que não?- ele perguntou.
Olhei para longe então, incapaz de encarar seus olhos.
- Eu não tenho nenhuma superioridade moral para pregar isso Edward, mas eu não faço sexo casual, você sabe isso.
- Você está pulando pela parede cada vez que Bernardo chega perto de você.
O calor subiu pelo meu rosto.
- É tão perceptível?
- Só para mim. - ele disse.
Eu era grata por isso e falei sem olhar para ele.
- Eu não entendo, ele é um sacana. Normalmente meus hormônios têm um gosto melhor do que isso.
Edward estava encostado à mesa, braços cruzados sobre a camisa branca. Era exatamente como Bernardo estava sentado, mas não mexeu comigo, e acho que não era apenas a camisa. Edward apenas não me afetava dessa maneira e nunca o faria.
- Ele é bonito, e você está com tesão.
O rubor que estava se desvanecendo, voltou com força total e parecia queimar a minha pele.
- Não fale dessa maneira.
- É a verdade.
Olhei para ele então, e deixei à mostra a raiva nos meus olhos.
- Foda-se.
- Talvez seu corpo saiba do que você precisa.
Eu ampliei os olhos para ele.
- O que quer dizer?
- Uma boa transa sem complicações. É isso o que quero dizer. - Ele ainda parecia calmo, impassível, como se tivesse dito algo totalmente diferente.
- O que você está dizendo?
- Foda com Bernardo. Dê ao seu corpo o que ele precisa. Você não tem que voltar para os monstros para fazer sexo.
- Eu não posso acreditar que você me disse isso.
- Por que não? Se você fizer sexo com alguém, não seria mais fácil esquecer Richard e Jean-Claude? Não é nessa parte que eles dominam você, especialmente o vampiro? Admita Anita, se você não fosse celibatária, isso não te afetaria desse jeito.
Abri a boca para protestar e a fechei novamente, eu pensei sobre o que ele tinha dito.
Ele estava certo? Será que a razão de estar presa a eles era a falta de sexo? Sim, eu acho que era, mas não era só isso.
- Eu sinto falta de sexo, sim, mas principalmente da intimidade Edward. Eu sinto falta de olhar para os dois e saber que eles são meus. Sabendo que posso ter cada centímetro deles. Sinto falta de ficar com Richard assistindo filmes antigos aos domingos depois da igreja. E sinto falta de ver Jean-Claude me vendo comer uma refeição. - Apertei a minha cabeça. - Eu sinto falta deles, Edward.
- Seu problema Anita, é que você não sabe foder sem complicações se alguém te morder a bunda.
Eu não tinha certeza se deveria sorrir ou ficar louca com ele, assim minha voz era um pouco divertida e um pouco irritada.
- E o seu relacionamento com Donna não é complicado?
- Foi no início. - ele disse. - Você pode dizer o mesmo sobre um dos seus?
Eu balancei a cabeça.
- Eu não sou uma pessoa casual, Edward, nunca fui.
Ele suspirou.
- Eu sei disso. Quando você dá sua amizade, é para a vida toda. Quando você odeia alguém, é para sempre. Quando você diz que vai matar alguém, você mata. Uma das coisas que te faz ficar com seus garotos é o fato de que você acha que amor deve ser para sempre.
- E o que há de errado com isso?
Ele balançou a cabeça.
- Às vezes eu esqueço o quanto você é jovem.
- E o que isso significa?
- Significa que você complica a sua vida, Anita. - Ele levantou a mão antes que eu pudesse dizer algo. - Eu sei que estraguei tudo com Donna, mas foi casualmente, isso fazia parte do meu disfarce. Você sempre leva tudo como se fosse um caso de vida ou morte.
- E você acha que dormir com Bernardo corrigiria tudo isso?
- Seria um começo. - ele disse.
Eu balancei a cabeça.
- Não.
- É sua palavra final? - ele perguntou.
- Sim.
- Tudo bem, eu não vou perguntar de novo.
- Ótimo. - eu disse e olhei para aquele rosto branco. - Estar com Donna te tornou mais humano, mais quente, uma nova pessoa. E não estou confortável com esse novo Edward.
- Nem eu. - disse ele.
Edward voltou para o seu lado da mesa, e começamos a leitura novamente. Normalmente, o silêncio entre nós era sociável e não proposital. Mas este silêncio estava cheio de conselhos não ditos: Eu falando para ele sobre Donna, e ele falando para mim sobre os meninos. Edward e eu estávamos cantando a canção de Dear Abby um para o outro. Teria sido engraçado se não fosse tão triste.
21
Uma hora mais tarde terminei de ler os relatos das testemunhas. Estiquei as costas enquanto ainda estava sentada na cadeira, apenas dobrando lentamente a cintura até as minhas mãos tocarem ou quase tocarem o chão. Três vezes, e eu já podia pressionar minhas palmas inteiras. Melhor. Levantei e consultei o relógio. Meia-noite. Eu me sentia estranhamente forte, distante desta sala eternamente silenciosa e pacífica. Minha cabeça estava cheia com o que eu tinha lido.
Eu podia ver Edward, ele estava no chão liso segurando os relatórios na frente de seu rosto. Se eu tivesse me deitado teria dormido. Edward sempre teve uma grande força de vontade. Ele olhou para mim e eu tive uma idéia do que ele estava olhando. Algo deve ter aparecido na minha cara porque ele colocou as fotos de bruços no seu peito.
- Você terminou?
- Com os relatos das testemunhas, sim. - Ele só olhou para mim.
Rodeei a mesa e me sentei na cadeira que ele tinha usado noite adentro. Ele continuou deitado no chão. Eu teria dito que ele parecia um gato satisfeito, mas havia algo mais parecido com a frieza de um réptil e não um felino amistoso. Como Donna não percebia? Balancei a cabeça. Negócios, concentre-se nos negócios.
- A maioria das casas são isoladas, principalmente por causa da riqueza dos proprietários. Eles têm dinheiro suficiente para terem terras e privacidade. Mas três das casas estavam localizadas em empreendimentos como a dos Bromwells com todos os moradores ao redor. Esses três ataques ocorreram em uma noite em que todos os vizinhos estavam ausentes.
- E? - disse ele.
- Eu pensei que esta seria uma sessão de cérebros pensantes, quero suas idéias.
Ele balançou a cabeça.
- Eu trouxe você aqui para nos dar mais algumas idéias Anita. Se eu te contar tudo o que pensamos, podemos te induzir pelos mesmos caminhos errados que tomamos. Diga-me o que vê.
Eu fiz uma careta. O que ele disse fazia sentido, mas eu ainda achava que ele estava me escondendo alguma coisa. Suspirei.
- Se fosse uma pessoa, eu diria que "ele" ou "eles" vigiavam os imóveis noite após noite, esperando que todos os vizinhos estivessem fora do caminho. Mas você sabe as chances de uma rua inteira ficar vazia em uma noite qualquer nos subúrbios?
- Poucas possibilidades. - Edward disse.
Concordei.
- Poucas pessoas tinham planos para aquela noite. Um casal foi a festa de aniversário de uma sobrinha. Outra família ia jantar com os sogros. Dois casais de diferentes cenas do crime ficaram trabalhando até tarde, mas o resto das pessoas não tinham planos, Edward. Eles apenas saíram de casa quase ao mesmo tempo na mesma noite, por razões diferentes. - Ele estava olhando para mim, olhos em branco, constantes, intensos e neutros ao mesmo tempo. De cara eu não sabia se estava falando algo que ele já tinha ouvido uma dezena de vezes, ou algo novo. O Sargento Detetive Dolph Storr gostava de ficar neutro e não influenciar seus homens, mas Edward fazia Dolph parecer positivamente carregado de influência. Eu continuei, mas era como se estivesse mergulhada em lama sem qualquer retorno. - O detetive encarregado do caso percebeu isso também, ele perguntou por que os moradores deixaram suas casas. As respostas foram praticamente idênticas, foi onde a polícia perdeu tempo pedindo detalhes.
- Vá em frente. - Edward disse, o rosto ainda em branco.
- Droga, Edward. Você leu todos os relatórios, estou apenas repetindo o que já sabe.
- Talvez você acabe encontrando algo novo. - ele disse. - Por favor, Anita, apenas termine o seu pensamento.
- Todos estavam agitados. Num impulso momentâneo um casal resolve sair para tomar sorvete com as crianças. Uma mulher decide ir às compras no supermercado às onze da noite. Outros moradores apenas entraram em seus carros e saíram sem nenhum lugar em particular. Só tinham que sair por um tempo. Um homem chamado Cabin Fever, uma mulher, a Sra. Emma... merda. Eu tenho lido muitos nomes em um curto espaço de tempo.
- É um nome incomum? - Edward perguntou sem uma única mudança de expressão.
Eu fiz uma careta para ele e me inclinei sobre a mesa para alcançar os relatórios. Olhei um por um até encontrar o que queria.
- A Sra. Emma Taylor disse: "Naquela noite eu estava me sentindo horrível. Simplesmente não aguentava ficar dentro de casa". Ela continuou a dizer: "O ar era sufocante, difícil de respirar."
- Então? - ele perguntou.
- Então eu quero falar com ela.
- Por quê?
- Eu acho que ela é sensitiva, se não for uma vidente.
- Não há nada nos relatórios que dizem que ela seja.
- Se você tem o dom e ignora ou finge que não é real, ele não desaparece. Com força de vontade você pode mantê-lo longe, Edward. Se ela realmente for sensitiva ou vidente, tem negligenciado seus poderes há anos, e isso poderá deixá-la deprimida ou torná-la uma maníaca. Ela têm um histórico de tratamento para doença mental. A gravidade da doença dependerá do quanto ela é talentosa.
Ele finalmente ficou interessado.
- Você está dizendo que ter habilidade psíquica pode deixar alguém louco?
- Estou dizendo que a habilidade psíquica pode mascarar-se como doença mental. Sei de caçadores de fantasmas que ouvem as vozes dos mortos como sussurros em seus ouvidos, é um dos sintomas clássicos da psycophernia. Empatia, pessoas que sentem o mesmo que outras pessoas, eles podem ficar deprimidos porque estão cercados de pessoas deprimidas, e não sabem como se proteger. Clarividentes muito poderosos podem passar suas vidas recebendo visões em tudo o que tocam, incapazes de se desligar, novamente vendo coisas que não estão lá. Psycophernia ou possessão demoníaca, pode mascarar-se como personalidade múltipla. Eu poderia dar outros exemplos por horas de como uma pessoa pode ser diagnosticada como doente mental ou diferentes tipos de poderes.
- Você fez o seu ponto. - ele disse e sentou, não parecia nem um pouco rígido. Talvez o piso fosse bom para as costas. - Eu ainda não entendi por que você quer falar com essa mulher. O relatório foi feito pelo detetive Loggia, estava completo. Ele fez boas perguntas.
- Assim como eu, você notou que ele levou mais tempo falando com as pessoas do que o resto dos policiais?
Edward deu de ombros.
- Loggia não gostou da forma como entrevistaram as pessoas. Sem contar que toda aquela droga foi muito conveniente, mas não conseguiram nada que provasse que elas estavam juntas em uma conspiração.
- Uma conspiração? - Eu quase ri, mas parei quando percebi a seriedade em sua rosto. - Será que alguém realmente sugeriu que um bairro inteiro de classe média conspirou para matar essas pessoas?
- Era a única explicação lógica para que todos tenham saído de suas casas no mesmo horário na noite dos assassinatos.
- Sendo assim, investigaram todas elas? - Eu perguntei.
- É o que dizem os documentos extras.
- E?
- Nada.
- Nada?- Eu fiz uma pergunta.
- Alguns vizinhos reclamaram das crianças por destruírem as flores, um caso em que um marido morto bateu na porta do vizinho. - Edward sorriu.- O vizinho teve sorte que o outro homem foi cortado ao meio por um serial killer. Caso contrário, ele seria o primeiro suspeito.
- Poderia ter sido um imitador?
- A polícia não pensa assim, eles acham que foi um ajuste de contas.
- Eu acredito em você. A polícia odeia quando deixa escapar um bom motivo. As pessoas matam por coisas estúpidas, impulso, ou por ter um parafuso a menos.
- Você tem uma razão lógica para que todas essas pessoas desocupem suas casas no momento certo para que o assassino, ou assassinos pudessem entrar?
Concordei.
- Sim.
Ele olhou para mim com um leve sorriso no rosto.
- Estou ouvindo.
- É muito comum em casos de assombrações, as pessoas ficam desconfortáveis nas áreas onde o fantasma é mais forte.
- Você está dizendo que fantasmas fizeram isso?
Acenei com a mão.
- Espere, espere até que eu conclua.
Ele deu um pequeno aceno de cabeça.
- Deslumbre-me.
- Não sei se é deslumbrante, mas eu acho que foi assim que aconteceu. Existem feitiços que supostamente podem deixar uma pessoa inquieta em uma casa ou um lugar. Mas os feitiços que li na faculdade eram para uma pessoa ou uma casa, não dúzias de casas e o dobro de pessoas. Eu nem sei se um trabalho em conjunto pode afetar uma grande área. De qualquer modo, não sei muito sobre bruxaria. Nós precisamos encontrar uma bruxa para perguntar, mas acho que é discutível. Eu acabei de mencionar como uma possibilidade.
- É uma possibilidade que os policiais não apresentaram ainda.
- É bom saber que não desperdicei totalmente minha vida nas últimas cinco horas.
- Mas você não acha que foi bruxaria. - Edward disse.
Eu balancei minha cabeça.
- Quase todas as bruxas acreditam na regra tripla. O que você faz, volta para você três vezes.
- O que vai, sempre volta. - Edward disse.
- Exatamente, e ninguém vai querer essa merda de volta três vezes. Eu diria que elas também acreditam em "fazer o que quiser" desde que não prejudique ninguém, mas você pode ter pagãos ruins como pode ter cristãos ruins. Só porque sua crença diz que algo está errado não significa que alguém não vai quebrar as regras.
- Então o que você acha que fez todos deixarem suas casas quando o nosso assassino precisava disso?
- Acho que o que está fazendo isso é grande e poderoso o suficiente para simplesmente chegar no local e as pessoas inexplicavelmente sentirem necessidade de sair.
Edward franziu a testa para mim.
- Não tenho certeza se entendi o que você quer dizer.
- O nosso monstro chega e escolhe uma casa, ele preenche o resto das casas com o medo, conduzindo as famílias para fora. É necessário um inferno de poder, mas em seguida ele protege a casa escolhida de modo que essa família não fuja, o que é verdadeiramente impressionante. Sei de algumas criaturas sobrenaturais que podem lançar um sentimento de inquietação em torno deles, eu acho que é principalmente para manter os caçadores à distância. Mas não sei de nada que possa causar este tipo de pânico controlado.
- Então você está dizendo que não sabe o que é. - ele disse, e havia uma pontinha de desapontamento em sua voz.
- Ainda não, mas se isso for verdade exclui muita coisa. Quero dizer, alguns vampiros podem brincar com o seu medo, mas não em grande escala, e se eles pudessem fazer isso nas outras casas, não poderiam proteger a casa que o assassino escolheu.
- Eu sei que um vampiro mata, Anita, e isso não é bom.
Acenei minhas mãos no ar.
- Estou apenas dando exemplos, Edward. Mesmo um demônio não poderia fazer isso.
- Como você sabe? - ele perguntou.
Olhei para ele, e percebi que estava falando sério, por isso lhe dei uma resposta séria.
- Não sei quanto tempo faz desde que alguém viu um demônio, um demônio grande acima do solo, mas se fosse algo demoníaco eu teria sentido hoje na casa. O demônio deixa uma mancha para trás, Edward.
- Não poderia ser poderoso o suficiente para esconder sua presença de você?
- Provavelmente, eu não sou um padre, mas o que está mutilando essas pessoas não quer se esconder. - Eu balancei a cabeça. - Não é demoníaco, eu posso quase apostar nisso, mas como eu disse, não sou uma demonologista.
- Eu sei que Donna pode nos ajudar a localizar uma bruxa amanhã. Eu só não sei se ela conhece algum demonologista.
- Existem apenas duas no país, Padre Simão McCoupen, que tem o registro de maior número de exorcismos realizados e o Dr. Philo Merrick, que leciona na Universidade de San Francisco.
- Você parece conhecê-los. - Edward disse.
- Eu assisti a uma aula do Dr. Merrick, e uma palestra proferida pelo Padre Simon.
- Eu não sabia que você estava interessada em demônios.
- Vamos apenas dizer que estou cansada de correr para eles sem conhecê-los.
Ele olhou para mim com uma espécie de expectativa.
- Quando você se deparou com um demônio?
Eu balancei a cabeça.
- Não vou falar sobre isso depois de escurecer. Se você realmente quiser saber me pergunte novamente amanhã, quando o sol estiver brilhando.
Ele me olhou por um segundo como se quisesse argumentar, mas deixou passar. Ótimo. Há algumas histórias, algumas lembranças, que se você contar depois de escurecer parece ganhar vida, substância, como se ficassem escutando, esperando você falar delas de novo. As palavras têm poder. Até mesmo pensar sobre isso às vezes é o suficiente para tornar o ar em uma sala pesado. Eu ainda melhoria em desligar a minha memória ao longo dos anos, era uma maneira de ficar sã.
- A lista de suspeitos está cada vez menor. - Edward disse. - Agora me diga o que é.
- Eu ainda não sei, mas é sobrenatural. - Folheei as páginas até encontrar a parte que eu tinha marcado. - Quatro das pessoas que estão no hospital de Santa Fé só foram encontradas porque estavam fora de suas casas durante a noite, sem pele e sem sangue. Os vizinhos encontraram os dois grupos.
- Há uma transcrição da chamada do 911 em algum lugar nessa bagunça. A mulher que encontrou os Carmichaels estava histeria no telefone.
Pensei no que tinha visto no hospital e tentei imaginar como seria encontrar um de meus vizinhos, talvez um amigo, nessas condições no meio do rua. Balancei a cabeça e tentei esquecer a imagem. Não quero imaginar isso, já tinha pesadelos suficientes.
- Eu não a culpo. - eu disse. - Mas meu ponto é este: como eles conseguiram andam nessas condições? Um dos sobreviventes atacou o seu vizinho quando o homem veio ajudá-lo. Ele mordeu seu ombro tão forte que o homem foi levado para o hospital com as vítimas mutiladas. O Dr Evans disse que têm que amarrar seus pacientes em Albuquerque ou eles tentam se levantar e sair. Você não acha isso estranho?
- Sim, é tudo muito estranho. Existe um ponto aqui em algum lugar? - E ouvi um tom de cansaço em sua voz.
- Eu acho que alguma coisa invocou a pele deles.
- Invocou? Como assim?- ele perguntou.
- Da mesma forma que um vampiro chama uma pessoa que ele é mordido e mentalmente estuprado. A pele ou alguma coisa sobre eles que dá poder ao monstro.
- Por que o monstro simplesmente não os levou com ele? - Edward perguntou.
- Eu não sei.
- Você pode provar que a pele das vítimas foi invocada por algum monstro?
- Não, mas se os médicos não estivessem lá, eu me pergunto onde os sobreviventes iriam se ninguém os detivesse. Talvez as vítimas pudessem nos levar direito até essa coisa.
- Você os viu no hospital Anita. Eles não vão nos deixar levar um de seus pacientes e libertá-lo. Entre você e eu, não tenho certeza se poderia vê-los novamente.
- Bem, o grande Edward com medo. - disse outra voz.
Nós dois nos viramos para ver Olaf em pé na porta. Ele usava calça preta e uma camisa estilo polo também preta, a camisa estava um pouco curta para os braços longos. Acho que não você não tem muitas opções quando usa tamanhos gigantes. Ele entrou na sala e se eu não tivesse passado tanto tempo perto de vampiros e metamorfos, teria dito que ele era um bom delta. Para um ser humano, ele era muito bom.
Edward falou,
- O que você quer Olaf?
- Será que a moça resolveu o mistério?
- Ainda não. - Edward disse.
Olaf parou na beira da mesa o mais próximo a nós.
- Ainda não. Sei, você confia muito nela. Por quê?
- Em quatro horas essa foi a melhor pergunta que você pode fazer? - eu disse.
Olaf se virou para mim com um rosnado.
- Cale a boca!
Eu dei um passo em frente e Edward tocou meu cotovelo. Ele balançou a cabeça. Eu recuei dando-lhe algum espaço. Sinceramente, eu não daria o braço a torcer à Olaf, e realmente não poderia matá-lo só por gritar comigo. É uma de minhas limitações.
Edward respondeu à pergunta do Olaf.
- Quando você olha para ela, Olaf, você vê apenas a superfície, apenas a embalagem, pequena e atraente. Debaixo de toda essa beleza tem alguém que pensa como um assassino, um policial e um monstro. Eu não conheço ninguém no mundo que consiga fazer o que ela faz. E todos os psíquicos que encontramos são especialistas, eles são bruxos, clarividentes, ou demonologistas. - Ele olhou para mim quando disse a última parte, depois de volta a Olaf. - Mas Anita é uma generalista. Ela sabe um pouco de cada coisa e pode nos dizer se precisamos encontrar um especialista, e que tipo de especialista precisamos.
- E que tipo de especialista mágico precisamos?- Ele colocou muito sarcasmo sobre essa questão.
- Uma bruxa, alguém que trabalhe com os mortos. - Ele se lembrou do meu pedido anterior sobre descobrir o que eu sentia na estrada. - Estamos fazendo uma lista.
- E verificando duas vezes. - eu disse.
Edward balançou a cabeça. Olaf se virou para mim.
- Isso foi uma piada?
- Acho que sim.
- Talvez você não devesse tentar fazer piadas. - Eu dei de ombros. Ele virou-se para Edward. - Você me disse tudo isso antes que ela chegasse. Você é eloquente sobre suas habilidades. Mas eu já trabalhei com pessoas que mexiam com magia, e você nunca falou delas como fala dessa mulher. O que há de especial nela assim?
Edward olhou para mim, depois de volta para Olaf.
- Os gregos acreditavam que não existia o masculino e o feminino, que todas as almas eram uma só. Então, as almas foram dilaceradas e separadas. Eles pensavam que quando você encontrasse sua outra metade, sua alma gêmea, seria seu amante perfeito. Mas eu acho que se você encontrar sua outra metade, seria muito semelhante a ser amantes, vocês continuariam a ser companheiros de alma.
Eu estava lutando arduamente para manter meu rosto em branco e não demostrar a surpresa por este pequeno discurso. Eu esperava ter sucesso.
- O que você está tentando dizer? - Olaf perguntou.
- Ela é como um pedaço da minha alma, Olaf.
- Você está louco, - disse Olaf. - um lunático. Alma gêmea, bah!
Eu tinha que concordar com ele.
- Então porque uma das minhas maiores fantasias é dar-lhe uma arma e caçá-la? - Edward perguntou.
- Porque você está louco - , disse Olaf.
- Você sabe que eu tenho mais elogios para dar do que isso. - Edward disse. - Se eu quisesse matá-lo, Olaf, eu apenas mataria. O mesmo acontece com Bernardo porque eu sei que sou melhor que os dois. Mas com Anita eu nunca terei certeza se não lutarmos um contra o outro. Eu lamentaria morrer sem saber qual de nós é o melhor.
Olaf olhou para ele.
- Você não pode dizer que esta garota, esta Die Zimtzicke é melhor do que eu ou Bernardo.
- É exatamente isso o que quero dizer.
Die Zimtzicke significa uma mulher briguenta e mal-intencionada. Realmente eu não podia argumentar sobre isso. Suspirei. Olaf já me odiava. Agora ele se sentia obrigado a ser competitivo. Eu não precisava disso. Embora fosse um elogio, não era reconfortante saber que Edward fantasiava me matar. Oh, desculpe, me caçar enquanto eu estava armada, para ver qual de nós era o melhor. Oh sim, era muito mais saudável.
Olhei para o relógio, 1h30 da manhã.
- Francamente meninos, eu não sei se devo me sentir lisonjeada ou com medo, mas sei de uma coisa. É tarde e eu estou cansada. Se vamos realmente encontrar um vampiro grande e mau, preciso descansar agora.
- Você não quer olhar as fotos? - Edward perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Não, não antes de dormir. Eu não quero ler nenhum relatório forense esta noite. A primeira coisa que farei amanhã será ver os restos sangrentos.
- Com medo? - Olaf perguntou.
Reconheci os olhos irritados.
- Eu preciso dormir um pouco se eu tiver que funcionar bem enquanto estiver aqui. Se eu ver as fotos antes de deitar, posso não garantir um bom sono.
Ele virou-se para Edward.
- Sua alma gêmea é uma covarde.
- Não, ela é apenas honesta.
- Obrigada, Edward.
Fui para mais perto de Olaf, de modo que tive levantar o pescoço para ver o seu rosto. Realmente não tinha jeito de ter um contato visual decente, assim eu dei um passo para trás e deixei meu pescoço mais confortável, olhei para seus olhos profundos.
- Se eu fosse um homem provavelmente me sentiria compelida a olhar para as fotos para provar que sou digna de receber os elogios de Edward. Mas uma das coisas boas sobre ser mulher é que o meu nível de testosterona é menor que à maioria dos homens.
- Nível de testosterona? - Olaf parecia confuso. Provavelmente era uma nova sensação para ele.
- Mostre onde fica o meu quarto e depois explique para ele, Edward. Eu preciso descansar um pouco se vou entrevistar um vampiro esta noite.
Edward me levou por um corredor, ele era branco e sem adornos e parecia inacabado. Ele mostrou o quarto de Bernardo como a primeira porta e o de Olaf ao meu lado.
- Você acha realmente que colocar Olaf do meu lado é uma boa idéia?
- Colocá-lo do seu lado mostra que você não tem medo dele.
- Mas eu tenho! - eu disse.
Ele sorriu.
- Basta tomar algumas precauções básicas. Você vai ficar bem.
- É bom saber um de nós está confiante. Se você não notou, ele me ultrapassa por uma tonelada.
- Você está falando como se fosse lutar com ele. Eu sei que se Olaf aparecer na sua porta, você vai matá-lo.
Eu estudei seu rosto.
- Você o colocou aqui para que eu o mate?
Ele piscou, e eu vi por um momento que o surpreendi.
- Não, não. Eu disse a Olaf que se eu o quisesse morto, eu mesmo o mataria. Eu o coloquei próximo a você porque sei como ele pensa. Ele vai pensar que é uma armadilha, que é muito fácil, e vai se comportar esta noite.
- Que tal amanhã à noite?
Edward deu de ombros.
- Uma noite de cada vez.
Balancei a cabeça e abri a porta. Edward me chamou antes que eu pudesse entrar, ou ligar a luz. Voltei para enfrentá-lo.
- Você sabe que a maioria das mulheres se derrete quando um homem diz que elas são suas almas gêmeas.
- Eu não sou como a maioria das mulheres.
Seu sorriso aumentou.
- Amém a isso.
Olhei para ele.
- Você sabe que o que você disse lá me assustou. Sua fantasia sobre me caçar e me matar. Isso é assustador, Edward.
- Desculpe. - ele disse, mas ainda estava sorrindo, ainda divertido.
- Honestamente, se você tivesse me dito aquelas coisas no sentido romântico, teria me assustado ainda mais. Eu soube desde que nos conhecemos que você poderia me matar algum dia, mas se apaixonar por mim... Isso seria muito estranho.
O sorriso diminuiu um pouco.
- Você sabe que se pudéssemos nos apaixonar um pelo outro, nossas vidas seriam menos complicada.
- Diga a verdade, Edward. Alguma vez você teve um pensamento romântico sobre mim?
Ele nem se sequer pensou nisso, apenas balançou a cabeça.
- Nem eu, vou encontrá-lo na frente do carro. - eu disse.
- Vou esperar por você aqui. - ele disse.
Olhei para ele.
- Por quê?
- Eu não quero que você cruze com Olaf no caminho, não se eu puder evitar uma luta.
- Eu faria isso?
Ele balançou a cabeça.
- Pegue suas armas e vamos para o carro, eu gostaria ir para a cama antes do amanhecer.
- Ponto pra você. - Entrei no quarto e fechei a porta atrás de mim. Ouvi uma batida na porta quase que imediatamente. Abri lentamente, mas tinha certeza que era Edward. Era.
- Vamos levá-la ao clube como minha convidada, apenas uma amiga. Se a vampira não souber quem você é pode ser mais descuidada, e deixar escapar algo que faça sentido para você.
- E o que acontece se ela souber? Acha que ficaria ressentiria de ter uma executora entrando furtivamente em seu clube?
- Eu posso dizer que queria mostrar o melhor show da cidade e pensei que poderiam não querer uma executora por perto, que está aqui estritamente como consultora e não como executora.
- Você diria que estou aqui apenas como consultora?
Ele sorriu.
- Provavelmente. Ela gosta de homens sérios e bonitos.
- Ela. Você fala como se a conhecesse.
- Ted só mata os patifes. Ele é muito bem-vindo em vários locais frequentado por monstros.
- Edward o ator. - eu disse.
- Eu faço um bom trabalho à paisana.
- Eu sei, Edward.
- Mas eu sempre te deixo desconfortável quando faço isso.
Eu dei de ombros.
- Você é um ótimo ator Edward, às vezes até parece real.
O sorriso desvaneceu-se, deixando seu rosto branco e vazio.
- Vá buscar o seu equipamento, Anita.
Fechei a porta com ele ainda lá. De certa forma eu entendia Edward melhor do que os homens com quem já tinha saído. Em alguns aspectos, ele era o maior mistério de todos. Balancei a cabeça literalmente sacudindo-a e olhei em torno do pequeno quarto. Se voltássemos para casa só de madrugada, eu estaria cansada e estar cansada poderia significar descuidada. Decidi fazer algumas mudanças agora enquanto eu ainda estava bem.
A única cadeira existente no quarto ficaria sob a maçaneta da porta, mas não até que eu estivesse pronta para dormir. Tirei uma coleção de bonecas em miniatura da cômoda e a coloquei sob a janela. Se alguém a abrisse, uma ou mais bonecas cairiam. Havia um pequeno espelho na parede moldurada por chifres de veado. Coloquei sob a janela também, apenas para o caso das bonecas não caírem. Eu ia deixar minha mala do lado de fora da porta para que fizesse algum barulho, mas Olaf poderia tropeçar nela ao tentar ir ao banheiro.
No momento em que pensei nisso, precisei ir até lá. Edward poderia ficar de guarda e se certificar que Olaf não ia me interromper.
Procurei pela minha mala, era ilegal levar meu arsenal de execução de vampiro sem uma ordem judicial, carregá-la era como assassinato premeditado, mas não tinha nenhuma lei contra levar alguns itens extras. Eu tinha dois frascos de água benta com tampas de borracha, você bate na tampa com o polegar e ela abre como uma espécie de granada, só é perigoso para os vampiros. Coloquei a água benta em cada um dos bolsos de trás da calça, elas quase não apareciam no pano escuro. Eu já estava com a minha cruz, mas tive cruzes arrancadas da minha garganta antes, e queria estar preparada, coloquei uma cruz de prata em uns dos bolsos da frente da minha calça jeans, e outra no bolso do casaco.
Abri a caixa de munição nova que eu tinha guardado. Já fazia quase dois anos que tive que deixar meu apartamento. Quando eu morava lá usava Glazer Safety Rounds, uma munição que se fragmentava em pedaços em minhas armas porque não queria que meus vizinhos fossem tingidos por uma bala perdida. Glazers não passam por paredes, mas como Edward e alguns amigos profissionais tinham dito, eu tive muita sorte. A Glazer pode quebrar um osso, mas realmente não passa por ele, é a diferença entre um espingarda e um rifle. Uma vez Edward veio a cidade apenas para me levar a um campo de tiro. Ele me fez perguntas sobre armas e munições específicas e disse que eu precisava de algo que me desse confiança para matar a uma distância segura do comprimento de um braço. Edward tinha sido muito convincente me dizendo sobre munições e armas que penetravam com mais poder. Vamos falar a verdade: quando foi a última vez que feri alguém sem a intenção de matar? Um ferimento era um acidente para mim. Matar era o objetivo.
Eu usava uma 9 mm Luger, 147 JHP / XTP revestida em prata, é claro. Havia outras balas ocas que atingiam uma massa maior, mas algumas delas não penetravam tão fundo em uma massa corporal. Com um vampiro você precisa ter certeza que acertou algo vital, e não fez apenas um grande buraco. Mas todos os XTPs Hornady foram feitos para penetrar no alvo, mas não ao ponto de passar o alvo do outro lado e te deixar em perigo. Essa última era uma citação de alguns dos Fabricantes da Hornady. A munição seguia os requisitos do FBI. Os federais se preocupavam sobre o que aconteceria se uma bala tingisse o alvo e continuasse viajando. Será que acertaria uma criança, uma mulher grávida, uma freira em seu passeio matinal? Uma vez que uma bala atinge o alvo e continua, você nunca sabe como a situação vai acabar. Assim, o plano é certificar-se que ela não vai deixar o alvo.
Claro, Edward tinha feito sua própria receita para matar. Ele tinha feito balas de prata, ocas e cheias de água benta e mercúrio, em seguida fechava com cera. Eu tinha medo do que a cera podia fazer em uma arma, mas Edward me disse que ela saia suave como seda, segura. Eu ainda não as testei e desconfiava vagamente delas, eu não sabia se a cera podia emperrar o revólver. Com elas, mesmo que você não acertasse um órgão vital, ainda faria um grande estrago. A água benta, a prata e o mercúrio explodiriam através do corpo do vampiro queimando onde tocassem.
A água benta atravessa o corpo como ácido, se acertar um vampiro na perna ou no braço, ele pode perder todo o interesse em te matar e só se importar com a dor.
Olhei para as duas caixas de munição e finalmente carreguei com o Hornady XTP, oferta de Edward. Se eu tivesse que atirar em qualquer vampiro hoje a noite não tinha ordem judicial de execução, e carregar muita munição pareceria premeditação. Premeditação é a diferença entre assassinato em primeiro ou segundo grau, ou até mesmo homicídio se você tiver um bom advogado e um júri simpático. Havia gente na cadeia neste momento por matar vampiros. Eu não queria ser um deles. Além disso, faríamos apenas algumas perguntas, nada de importante. Foi o que eu disse a mim mesmo quando fechei a mala e deixei os outros itens para trás. Mas eu sabia melhor do que ninguém que o que deveria ser simples sempre complicava quando você adiciona um vampiro. Adicione um Mestre da Cidade, de qualquer cidade, e você nunca sabe como a coisa vai terminar. Eu tinha matado três desses Mestres: um com uma espada, uma com fogo, e o outro matando seu servo humano. Nunca apenas com um tiro. Provavelmente eu não atiraria em ninguém esta noite, mas... Carreguei o meu pente extra com as balas. Eu só o usaria se descarregasse o primeiro pente. Se eu desse treze tiros do XTPs em algo que não caísse, todas as apostas seriam canceladas. Eu me preocuparia com a taxa de homicídio mais tarde, se eu sobrevivesse.
Sobrevivência em primeiro lugar. Ficar fora da cadeia em segundo. Com minhas prioridades em ordem, coloquei o pente extra no bolso direito da minha jaqueta e saí para encontrar Edward. Afinal foi ele que me ensinou as minhas prioridades.
22
Eu estava descansando meus pés no sofá da sala quando Bernardo e Olaf chegaram. Ambos tinham trocado de roupa. Bernardo usava uma calça branca com vincos acentuados e colada na bunda, um colete branco exibia seus braços musculosos. Ele acrescentou pesados braceletes de prata em seus bíceps, e pulseiras em cada pulso. Um medalhão de prata brilhava contra a escuridão suave do seu peito. Seus cabelos caiam como um sonho negro em torno de todo aquele branco, exceto por uma trança. Era uma trança grossa porque ele tinha muito cabelo, e teceu correntes de prata com guizos aqui e ali em seu cabelo, assim ele andava pela sala com um suave som de sinos. Ele olhou para mim através de uma cortina de escuridão que acariciava um lado do seu rosto, o outro lado era agraciado pelo brilho de prata na trança negra. Para dizer o mínimo, ele estava atraente.
Tive que lutar um pouco para desviar meu olhar de Bernardo e olhar para Olaf. Ele usava uma camisa totalmente preta e uma jaqueta de couro para ocultar seu coldre de ombro. Estava muito quente para usar a jaqueta, embora reconhecidamente com sua cabeça totalmente raspada, jeans preto e botas pretas com pontas de prata, a jaqueta parecia perfeita.
- Vocês estão bacanas. Qual é a ocasião?
- Estamos indo ao clube. - disse Bernardo.
- Eu sei. - eu disse.
Ele estava carrancudo agora.
- Você deve trocar de roupa.
Eu tirei meus pés do sofá.
- Por quê?
Ele andou na minha direção, eu via pedaços de sua pele escura acima de seus mocassins de couro brancos sem meias. Ele parou na beira do sofá como se eu tivesse recuado, ou feito algum outro sinal de que não estava feliz.
- Eu sei que você pode ficar tão bem quanto nós. - Ele deu um sorriso auto-depreciativo. - Ou tão bem como Olaf aqui. Talvez não tão bem quanto eu. - Ele sorriu, e foi um lindo sorriso, algo para derreter um pouco mais meu coração. Mas eu já estava reagindo a ele, não era uma escrava da minha libido. Richard e Jean-Claude poderiam atestar isso.
Olhei para ele em toda a sua luz e glória.
- Se eu não posso ficar tão bem quanto você, por que tentar?
O sorriso aumentou um pouco mais deixando seu rosto de alguma forma mais real e menos bonito. Menos bonito, menos ensaiado, mas eu gostei mais. Ele deu mais um passo, que coisa, ele voltou a representar. Este era um homem que sabia flertar, como se tivesse feito isso mil vezes antes para várias mulheres diferentes. Isso sempre parecia dizer que eu não era diferente do resto delas.
Não é lisonjeiro.
- Acho que você poderia, talvez, ofuscar a minha glória se tentasse.
Mesmo sabendo que ele estava representando, eu tive que sorrir.
- Eu só não quero ficar com o trabalho duro Bernardo.
- Se fui forçado a mudar de roupa, então todos tem que mudar. - disse Olaf.
Olhei para ele. Ele era bonito? Não realmente, mas era impressionante. Se pudesse suavizar a expressão de "bad boy", provavelmente poderia pegar muitas meninas no clube. Sempre me espanta como muitas mulheres gostam de homens perigosos. Homens que quase no primeiro momento você sabe que são más notícias. Eu prefiro o meu homem amável, gentil e simpático.
O "bonitinho" é altamente subestimado pela maioria das pessoas.
- Não me lembro de alguém colocar você no comando Olaf. Quando Edward ordenar que eu troque de roupa, eu vou.
Ele deu um passo em minha direção, mas o que ele ia dizer ou fazer foi impedido quando Edward entrou na sala. Ele usava uma camiseta vermelha sem manga com uma camisa de seda. A camisa esconderia seu coldre de ombro se ele fosse cuidadoso. A calça jeans preta era nova, e com o seu cabelo amarelo grande o suficiente para ter um pouco de onda, ele realmente parecia bonitinho. Edward nunca pareceu bonitinho.
Eu sabia quando estava vencida. Levantei as mãos e comecei a andar para o quarto, então parei e virei para ele.
- Eu pensei que o ponto era me levar até lá sem a polícia para que os monstros pudessem falar com Anita Blake, executora de vampiros. Eu não sabia que tinha que usar essa merda de disfarce.
- Por que mudar de roupa é um disfarce para você? - Bernardo perguntou.
Eu olhei para ele e então para Edward.
- Se você quiser meus serviços, tem que aceitar o que diabos eu estiver vestindo. Não quero ficar a paisana.
Edward disse,
- Vamos levá-la em segredo. Olhe em volta do clube, encontre os monstros antes que descubram quem você é.
- Por quê?
- Você sabe a resposta.
- Você quer que eu olhe ao redor, use a minha experiência antes que eles saibam que tenho qualquer especialização.
Ele balançou a cabeça.
- Mas você também quer que eu seja Anita Blake e impressione os monstros.
- Sim. - ele disse.
- É difícil fazer as duas coisas.
- Seja uma turista até que eles descubram, então seja você mesmo.
- O melhor dos dois mundos. - eu disse.
- Exatamente.
Olhei para ele.
- Isso é todo o seu plano? Está me escondendo alguma coisa?
Ele sorriu, e foi o sorriso de Ted, lento, preguiçoso, inocente.
- Eu faria isso com você?
Eu apenas balancei a cabeça e fui para o meu quarto.
- Esqueça que eu perguntei. Vou me transformar em algo mais... festivo. - eu disse sem me virar.
Edward não disse nada e assim eu continuei andando. Esta noite aparentemente estaríamos disfarçados. Odeio trabalhar à paisana, e sou malditamente ruim nisso. Eu também não tinha trazido nada para usar em um clube. Peguei o jeans preto que eu tinha, o Nike teria que servir porque eu não tinha mais nada, exceto outro Nike. Todas as minhas camisas tinham cores diferentes embora só tivessem dois modelos. Se eu encontrasse algo confortável comprava em dobro, se realmente gostasse de alguma coisa comprava o mesmo modelo em várias cores. Isto significa que estou usando um modelo do ano passado, algo muito antigo na tendência da moda, mas não me importo.
Escolhi uma camiseta de algodão azul royal, a cor era um pouco mais suave do que o resto das cores.
Adicionei um toque de sombra e delineador suficiente para ser dramático e não sobrecarregar meus cílios, um toque de blush e algumas pinceladas de batom vermelho.
Eu não consegui dar uma boa olhada no pequeno espelho do quarto, mas pelo menos a maquiagem parecia boa. O coldre de ombro estava muito escuro contra o azul da camisa, mas a jaqueta preta disfarçou bem. Prendi a bainha de couro com as facas de prata nos meus braços. Se eu ficasse com a jaqueta a noite inteira teria como carregá-las. Além disso, nunca se sabe quando você precisará de uma boa faca e passei a escova nos cabelos. Aparentemente eu fiquei bem, porque Bernardo disse,
- Eu trago você de volta. Se colocasse um vestido ficaria mais bonita do que eu.
Eu balancei a cabeça.
- Não, eu não quero, mas obrigada por dizer.
- Vamos. - Edward disse.
- Ela está mostrando muito os peitos. - disse Olaf.
Olhei para sua camisa completamente preta e disse:
- E eu posso ver seus mamilos.
Seu rosto escureceu. Acho que ele estava realmente envergonhado.
- Puta.
- Sim claro, e pelo visto você trocou a ferradura. - eu disse.
Edward ficou entre nós acalmando o grande homem e disse para mim:
- Não o provoque a menos que queira problemas.
- Ele começou. - eu disse.
Ele olhou para nós com os mesmos olhos frios que eu via quando matava.
- Não me importa quem começou, eu vou terminar. Está claro?
Olaf e eu olhamos para Edward e depois um para o outro. Lentamente confirmamos com a cabeça.
- Está claro. - disse Olaf.
- Como cristal. - eu disse.
- Bom. - Seu rosto se transformou em um rosto sorridente, de alguma forma anos mais jovem, como ele fez isso? - Então vamos.
Fomos.
23
O clube Borboleta Obsidiana estava localizado entre Santa Fé e Albuquerque e era afastado da estrada principal como um dos cassinos indígenas, uma armadilha para turistas de classe média. O estacionamento estava tão cheio que tivemos que dar a volta para encontrar uma vaga.
O prédio era uma imitação de um templo Asteca, ou tudo o que eu sabia de um deles, mas o exterior do edifício parecia um set de filmagem com luzes em neon e rostos esculpidos. Havia uma fila única, longa e sombria. Esta não era a minha cidade, eu não conhecia o gerente, então não podia pular o cordão de isolamento e também não queria ficar nele. Edward caminhou até a porta confiante como se soubesse algo que eu não sabia. Nós o seguimos como cachorrinhos obedientes e não fomos os únicos a tentar a sorte para entrar no clube. Éramos um quarteto, só que não composto de casais.
Para nos misturar precisávamos de pelo menos mais uma mulher, mas Edward não parecia interessado, ele caminhou para até um homem grande de ombros largos e ascendência indígena sem camisa, usando o que parecia ser uma saia, mas provavelmente não era, e um pesado colar de ouro falso que cobria a maior parte de seus ombros como um manto. Ele usava uma coroa coberta com penas de arara e outras penas menores que eu não conseguia identificar.
Se a entrada era assim, eu realmente estava interessada em ver o show. Embora esperasse que tivessem várias aves de estimação e não as matassem apenas para fazer as roupas.
- Viemos para a festa da Professora Dallas, ela está nos esperando. - Edward disse em seu melhor tom de voz.
O homem enfeitado de penas disse,
- Nomes. - E olhou para uma prancheta que estava em sua mão o tempo todo.
- Ted Forrester, Bernardo Cavalo-Pintado, Olaf Gundersson e Anita Lee.
O novo nome me fez parar, aparentemente ele estava falando sério sobre eu ficar incógnita.
- Identificações.
Tentei duramente manter meu rosto em branco, mas era um grande esforço. Eu não tinha nenhuma identidade falsa e olhei para Edward. Ele entregou sua carteira de motorista para o homem, em seguida, ainda sorrindo, disse:
- E agora, você não está feliz por eu não ter deixado sua carteira no carro?
Ele entregou uma segunda carteira de motorista para o homem, o segurança olhou para ambas por mais tempo do que deveria, como se sentisse algo suspeito. Meus ombros realmente estavam tensos, esperando que ele se voltasse para mim e falasse "Ah-hah, identidade falsa", mas ele não disse nada, entregou as carteiras de volta para Edward, e virou para Bernardo e Olaf. Eles esperaram a devolução de seus documentos como se tivessem feito isso antes.
Edward me entregou a carteira, eu peguei e olhei para ela. Era uma carteira de motorista feita no México com um endereço que eu não conhecia. Tinha uma foto minha e dizia Anita Lee, a altura, peso, e o resto dos dados eram precisos, apenas o nome e endereço estavam errados.
- É melhor colocá-lo em seu bolso, eu posso não encontrá-lo na próxima vez.
Coloquei no bolso junto com a minha outra carteira, um batom, algum dinheiro, e uma cruz extra. Eu não tinha certeza se estava lisonjeada ou insultada por Edward ter criado uma identidade secreta para mim. Claro, talvez tenha sido apenas a carteira, mas conhecendo Edward eu não duvidaria de nada. As grandes portas foram abertas por outro cara grande e musculoso de saia, embora ele não tivesse uma coroa de penas ou um colar bacana. As portas levavam a uma sala escura com cheiro de incenso que eu não conhecia. As paredes estavam completamente cobertas com cortinas pesadas, apenas outro conjunto de portas duplas mostravam o caminho.
Outro exagero, uma loira bronzeada abriu a porta. Ela tinha penas tecidas em seu cabelo curto e piscou para mim quando atravessamos a porta, mas se aproximou de Bernardo, talvez estivesse à procura de armas, mas acho que estava olhando a bunda dele. Bernardo tinha colocado a arma na frente da calça porque ela estava fazendo volume em suas costas.
Entramos em uma grande sala escura, as pessoas estavam sentadas em mesas de pedra quadrada como altares, e isso pareceu suspeito para mim. O palco ocupava a maior parte da parede do lado esquerdo, mas não era um palco, não realmente. Era um templo, como se alguém tivesse transportado um templo a este clube noturno.
Uma mulher apareceu na frente de Edwad, ela tinha a mesma aparência dos seguranças, com maçã alta no rosto esculpido, e longos cabelos pretos e brilhantes que chegavam até o joelho. Ela tinha os menus em suas mãos escuras, então eu presumi que era a recepcionista, ela usava um vestido vermelho, com um design preto, e eu sabia que era de seda. O vestido era vagamente oriental e não combinava com a decoração da sala ou as garçonetes correndo para lá e para cá em seus estranhos vestidos soltos feito de material áspero. As garçonetes corriam em suas sandálias, enquanto a recepcionista deslizava em seus saltos altos com seu vestido vermelho e unhas bem feitas. Ela era linda com seu corpo delgado e gracioso como uma modelo, mas tinha uma nota dissonante, como se pertencesse a um tempo diferente, ela nos mostrou uma mesa com vista para o palco. Uma mulher estava na mesa, levantou-se e nos ofereceu a mão quando nos sentamos. Seu aperto de mão era firme, forte apesar de sua mão pequena. É preciso prática para tem um aperto de mão firme com mãos tão pequenas. Era a professora Dallas, ela era menor do que eu, e se colocasse uma roupa mais apertada seria confundida com uma adolescente. Usava calças Docker, uma camisa pólo branca com um paletó de tweed completo com remendos de couro nos cotovelos, como se estivesse com o uniforme de professor de faculdade e tentasse se conformar. Seu cabelo era na altura dos ombros, castanho médio, rosto pequeno e triangular e tão pálida e perfeita como Deus pretendia que fosse. Ela usava óculos de armação dourada grande demais para seu rosto pequeno, se esta era a sua idéia de roupas de festa, precisava de alguém para levá-la as compras. Mas de alguma forma eu acho que ela não ligava muito, gosto disso em uma mulher.
Um homem saiu por uma estranha porta no topo do templo. No momento em que ele saiu o silêncio se espalhou pela sala e estava tão calmo que eu poderia ouvir a pulsação do meu próprio sangue. Nunca ouvi uma multidão desse tamanho ficar tão calma tão rapidamente.
Eu teria dito que era magia, mas não era, não exatamente. A presença deste homem era uma espécie de magia, ele poderia ter usado jeans e camiseta e ainda teria chamado a sua atenção. Naturalmente, o que ele estava usando era um colírio para os olhos.
Sua coroa era uma massa fina de longas penas de estranhos tons de verde, azul e dourado, de modo que quando andava elas mudaram de cor como o arco-íris pairando em um fã de cores acima de sua testa. Sua capa chegava quase até os joelhos e parecia ter sido feita das mesmas penas de seu cocar. Seu corpo era forte, quadrado, e escuro. Eu estava sentada perto o suficiente para dizer se ele era bonito ou não, mas não precisava olhar para ele, eu tinha certeza. Era impossível separar o seu rosto de sua presença, e assim o resto não importa muito. Ele era atraente, não por causa do nariz ou da forma do queixo, mas porque eu estava sentada um pouco mais reta olhando com atenção. No momento em que fiz isso, eu sabia que mesmo que não fosse magia, era alguma coisa. Eu tive que lutar para desviar meu olhar dele e olhar para os outros na mesa.
Bernardo estava olhando para ele, assim como a professora Dallas. Edward estava olhando para a multidão silenciosa. Olaf estava estudando a professora, não como um homem observa uma mulher, mas como um gato que observa um pássaro através das grades da gaiola. Se Dallas notou, ela ignorou, mas de certa forma acho que ela não percebeu. Mesmo com a presença do homem enchendo a sala eu sentia o olhar de Olaf como um vento frio na espinha. Dallas estava alheia a tudo isso e me deixou preocupada com sua segurança, só um pouco, e me fez ter a certeza que eu nunca deixaria Olaf sozinho com ela. Seus instintos de sobrevivência apenas não foram até ele.
O homem, rei ou sacerdote, falou em um tom rico, entendi parte das palavras.
Algo sobre o mês de Toxcatal e um escolhido. Eu não poderia me concentrar na sua voz, não mais do que poderia olhar para ele, porque dar a ele muito da minha atenção significava que eu ficaria presa no feitiço que era tecido sobre a multidão. Não era um feitiço no verdadeiro sentido da palavra, mas havia um poder, se não magia. A diferença entre magia e poder pode ser muito pequena, fui forçada a aceitar esse fato nos últimos dois anos.
O sumo sacerdote era humano, mas eu conseguia sentir a sua idade. Ele era velho, talvez séculos, e só poderia fazer isso se fosse o servo humano de um vampiro mestre poderoso. Borboleta Obsidiana foi generosa com a partilha de seu poder, mais do que a maioria dos mestres da cidade que eu conhecia, o sumo sacerdote pertencia a ela. Ele era muito poderoso, um eco do seu mestre. Vampiros Mestres têm uma tendência a destruir tudo que seja mais poderoso que eles. O sumo sacerdote tinha sido poderoso em vida, um líder carismático. Agora séculos de prática tinham transformado o carisma em uma espécie de magia. O poder de um vampiro não me afeta tanto, mas se este era o servo, como seria seu mestre? Sentei na mesa de pedra flexionando os ombros para sentir o aperto de minha arma, fiquei feliz por ter trazido um pente extra de balas. Virei meus pulsos apenas o suficiente para sentir as facas nos meus braços. Fiquei muito contente por te-las trazido também. Você pode esfaquear um vampiros e deixá-lo vivo, mas ainda assim pode fazer o seu... ponto.
Finalmente fui capaz de separar o poder de sua voz das palavras. A maioria dos vampiros, quando podem, fazem truques com as suas vozes. As palavras eram a chave. Eles falam bonito e você vê a beleza. Eles falam com terror, e você sente medo, mas essa voz tinha pouco a ver com as palavras. Era apenas uma aura esmagadora de poder como um grande ruído branco. O público poderia pensar que estavam presos pelas palavras, mas o homem poderia ter recitado uma lista de supermercado com efeito semelhante.
As palavras eram:
- Vocês viram como a Deusa Tezcathpoca dançou em nossa abertura. Agora veremos um homem.
As luzes foram se apagando conforme o sacerdote falava, até que tudo ficou na escuridão, apenas o brilho multicolorido das penas mostravam que ele estava andando. A luz veio do outro lado do palco, revelando um homem de pele pálida, iluminando seus pés descalços e ombros nus. Ele se voltou para o público e por um momento pensei que estivesse nu. Nada escondia as curvas do seu corpo bonito, suas panturrilhas, suas coxas, o arredondamento de suas nádegas, a cintura magra, o tamanho dos ombros. Seus cabelos negros apareciam sob as luzes, o corte era tão curto que parecia raspada. Ele virou-se lentamente revelando uma pequena tira de pano tão próxima da cor de sua pele que você sabia que a ilusão da nudez era um efeito planejado.
Seu rosto resplandecia como uma estrela sem adornos, absolutamente lindo. Ele olhou para o público de uma forma pura e perfeita, algo quase impossível. Nenhum ser humano era perfeito, mas ele era bonito. Uma linha de pêlos negros corria do centro do peito e estômago desaparecendo no fio dental. Nossa mesa estava perto o suficiente, e seu corpo bastante branco, eu podia ver a linha fina de pelos que rodeavam os mamilos.
Eu realmente tive que balançar a cabeça para clarear as idéias, talvez fosse o celibato, ou talvez houvesse mais magia no ar do que apenas a voz do servo humano.
Olhei para o palco e sabia que era apenas um truque da luz que fazia sua pele brilhar. Olhei para a professora Dallas, ela estava com sua cabeça inclinada muito perto de Edward falando com ele em sussurros. Se ela via o show quase todas as noites, não era novidade para ela, mas a falta de atenção que dava ao homem no palco me fez virar e olhar para as mesas ao redor. A maioria do público, especialmente as mulheres, estavam focadas no palco, mas nem todos os olhos. Alguns eram imunes, de mãos dadas com os respectivos pares, fazendo outras coisas. Voltei a olhar para o palco apreciando as linhas de seu corpo. Maldição, pelo visto era só comigo, ou melhor, era apenas uma reação humana normal a um homem quase nu e atraente. Eu teria preferido um feitiço, pelo menos poderia culpar alguém. Meus hormônios, minha culpa. Eu precisava de um hobby, um passatempo, isso resolveria tudo. As luzes acenderam-se lentamente até o sacerdote ficar visível mais uma vez.
- Tradicionalmente vinte dias antes da grande cerimônia, as noivas eram escolhidas por ele.
Olhei em volta para os homens espalhados no clube e por apenas um instante pensei ter visto um metamorfo em seu disfarce de humano. Os homens vestiam peles de leopardo, não soltas como capas, mas como se as peles fossem costuradas em seus corpos. Alguns deles eram muito altos para as peles de modo que um pé ou as pernas nuas apareciam por baixo dos pés dos animais.
Eles se posicionaram entre as mesas em uma linha estranhamente graciosa, envoltos em peles com seus rostos enquadrados através da boca aberta dos animais mortos.
Um homem passou a curta distância da nossa mesa, e eu vi o preto roseta que decorava a pele dourada mais de perto, e não era um leopardo.
Passei muito tempo com homens-leopardo em St. Louis. Eu tinha matado seu líder porque ele estava tentando me matar, entre outras coisas, mas eu tinha deixado os leopardos sem um líder, e metamorfos sem um líder são carne de ninguém. Então, eu era sua líder até que pudéssemos resolver esse problema. Eu estava aprendendo a torná-los em uma unidade mais forte, ou verdadeiros leopardos. Uma das maneiras de fazer isso era pela proximidade física, não o sexo, mas a proximidade. Olhei em sua pele, e minha mão se moveu sem pensar, o movimento da minha mão era uma carícia na pele do homem. As manchas eram maiores, as manchas de algum modo não eram tão puras. Olhei para a cabeça do felino e percebi que eram mais quadradas, não tinham a linha arredondada e quase feminina dos leopardos. Jaguar. Eram homens-jaguar e fazia todo sentido para os Astecas, mas como as penas de aves eu me perguntava como tinham conseguido as peles, e se era legal.
Eu sabia que não era certo, não acredito em matar para decorar. Uso roupas de couro porque consumimos a carne, apenas usando o animal inteiro. Nada desperdiçado.
O homem virou-se e olhou para mim, seus olhos eram azuis, o rosto de um bronzeado dourado correspondia a linha de pele da barriga pouco antes dela ficar branca. No momento em que ele olhou para mim senti a energia dançar na minha pele como um bafo quente. Um Metamorfo, ótimo. Houve um tempo, não muito tempo atrás, que tanto poder teria gerado uma energia elétrica em mim, mas não desta vez. Fiquei ali olhando para ele, e estava segura atrás de meu escudo que liberava uma camada de energia que se interpunha entre eu e toda a merda psíquica. Olhei para ele com meus inocentes olhos castanhos, e ele se afastou entre as mesas como se eu não fosse interessante, que bom para mim. Fiquei longe dele, mas ainda conseguia sentir sua energia, teria sido muito pior sem o escudo. Eles tinham que ser homens-jaguar ou as roupas seriam uma propaganda falsa. De alguma forma isso não me parecia um show que prometia algo que não podiam entregar.
Os homens-jaguar escolheram mulheres da platéia pegando-as pela mão e levando-as para o palco. Uma loira pequena foi tirada de seu lugar rindo, outra mulher de pele escura foi puxada solenemente e não parecia estar tão contente, mas se deixou ser levada ao palco. A terceira mulher a ser levada era uma hispânica alta de corpo delgado com longos cabelos pretos que brilhavam conforme se movia como uma cortina de ébano. Ela tropeçou entre os degraus e o braço do homem-jaguar a salvou da queda. Ela riu quando ele a segurou, e percebi que estava bêbada.
Uma figura apareceu na minha frente, bloqueando a minha visão do palco. Olhei para cima, para um rosto moreno emoldurado por mandíbulas que parecia estar rosnando. Os olhos do jaguar eram dourados acima o rosto do homem, como se o animal morto estivesse olhando para mim também. Ele estendeu a mão à espera.
Balancei a cabeça e ele continuou esperando, balancei a cabeça novamente.
- Não, obrigada de qualquer maneira.
Dallas inclinou-se sobre Edward na mesa tendo quase que rastejar sobre ele para chegar perto de mim. Ela esticou seu corpo, seu longo rabo de cavalo caindo sobre a mesa de pedra. Os olhos de Olaf estavam fixados em seu cabelo e seu rosto estava estranho o suficiente para me distrair de todo o resto. Sua voz me fez olhar para seu rosto, em vez de Olaf.
- Eles precisam de alguém do seu tamanho para completar a noivas. Alguém com cabelos longos. - Ela estava sorrindo. - Nada de ruim vai acontecer. - Ela me deu um sorriso alegre que a deixou mais jovem.
O homem se inclinou sobre mim e eu podia sentir o cheiro de sua pele. Não era suor, apenas o seu cheiro, e fez meu estômago se contrair, me fez me concentrar nos meus escudos porque parte de mim estava amarrado a Richard e sua besta queria responder, queria chafurdar naquele cheiro. O impulso animal, o verdadeiro impulso animal, sempre me confundia.
A voz do homem era acentuadamente grossa, e parecia inadequado para sussurros, era uma voz para gritar ordens.
- Não faremos nada que você não queira fazer, mas, por favor, venha para o nosso templo.
Talvez tenha sido o "por favor", o sotaque ou a seriedade absoluta em seu rosto, mas eu acreditei. Eu ainda não queria ir, mas Edward se inclinou perto de mim e disse:
- Turista, pense como uma turista.
Ele não disse, "Vá em frente Anita. Lembre-se, estamos disfarçados", porque com um metamorfo tão perto ele ouviria tudo o que fosse dito na mesa, mas Edward tinha dito o suficiente. Eu era uma turista, e uma turista iria.
Dei minha mão esquerda ao homem e fiquei em pé. Sua mão era muito quente. Alguns metamorfos parecem adotar seu alter ego corporal na temperatura, mesmo a pele de Richard ficava mais quente perto da lua cheia, mas não poderia ser esta noite. Estávamos longe da plenitude brilhante que chama as bestas. O sacerdote incentivou o público a aplaudir a última noiva relutante, e eu me juntei ao grupo em torno do homem quase nu. O homem-jaguar me colocou do lado da loira que continuava rindo, o cheiro de cerveja era forte o suficiente para que eu soubesse que o riso não era só nervosismo. Perfeito.
Olhei para homem fazendo o meu melhor para ignorar a loira e observei as duas mulheres do outro lado. A mulher alta estava balançando um pouco sobre seus calcanhares, a saia era de couro e a blusa parecia uma camisola vermelha. A outra mulher era sólida e algumas pessoas poderiam dizer que era gorda, mas não era. Era quadrada, corpulenta e usava uma camisa preta solta sobre calças pretas. Ela chamou a minha atenção, e nós compartilhamos um momento de desconforto. A participação do público era grande.
- Estas são as suas noivas. - disse o sacerdote. - A sua recompensa, desfrute delas.
A mulher sólida e eu demos um passo para trás como se fosse coreografado, a loira e a hispânica alta continuaram rindo. O homem se aproximou de uma delas e começou a passar a mão em seu corpo. Ele era muito cuidadoso onde tocava. Eu pensei que a mulher hispânica estivesse com medo de ser tocada, mas não havia rigidez em suas atitudes quando suas mãos percorreram a bunda nua do homem, isso me mostrou que ela não estava tão embriagada como parecia, da platéia você nunca tenha notado. Ele se afastou delas com a pele pálida manchada de batom vermelho.
Ele estendeu a mão para nós, balançamos a cabeça e demos outro passo para trás, e um passo mais próximas. Solidariedade. Ela me ofereceu a mão e eu percebi que estava com medo e não apenas nervosa. Eu não estava, apenas não estava feliz. Ela sussurrou,
- Eu sou Ramona.
Eu disse o meu nome, e fiz o mais importante, segurei sua mão. Eu me sentia como a sua mãe no primeiro dia de escola quando os valentões estão esperando.
A voz do sacerdote veio.
- Vocês são sua última refeição, a sua última carícia. Não o renegue.
O rosto de Ramona mudou, ficou tranquilo. Sua mão deixou a minha e o medo foi embora. Eu a chamei baixinho, mas ela andou para frente como se não me ouvisse. Ela foi para os braços do homem, ele a beijou com mais ternura do que demonstrou com as outras duas. Ela o beijou de volta com uma paixão e uma força que fez o beijo das outras parecerem pálidos e enfraquecidos. As outras duas mulheres estavam de joelhos ao lado dele, talvez porque não conseguissem ficar em pé, ou para acariciar o homem e a nova mulher. Parecia uma versão leve de um de um filme pornográfico. Ele se afastou de Ramona e deu um segundo beijo em sua testa como se ela fosse uma criança. Ela permaneceu imóvel, de olhos fechados. Era ilegal obrigar alguém a fazer alguma coisa contra a sua vontade através do uso de magia. Olhei para o rosto vazio de Ramona esperando o que viria a seguir, todas as decisões, todas as escolhas esquecidas. Se eu estivesse na platéia, ao invés do palco, teria evitado tudo isso. Eu gostaria de denunciá-los para a polícia, mas sinceramente, a menos que fizessem algo pior, eu não irritaria a Mestre da Cidade se pudessem nos ajudar a resolver os assassinatos e mutilações. Se os assassinatos parassem, os jogos mentais poderiam ser ignorados.
Houve um tempo em que eu não teria tolerado esse tipo de coisa por nenhum motivo. Dizem que todo mundo tem seu preço. Uma vez que eu pensei que era a exceção à regra, mas entre escolher entre deixar uma mulher fazer algo que não queria ou ver outra cena de crime, outro sobrevivente, eles poderiam ter a mulher. Não no verdadeiro sentido da palavra, mas a minha mente sabia que a magia criada por um ser humano não era permanente. Claro que, até hoje eu não tinha visto um servo humano que podia fazer um estupro mental. Eu realmente não sabia se elas corriam algum tipo de perigo, contanto que nada pior acontecesse. Se eles ordenassem que fizessem um strip todas as apostas estariam canceladas. Eu tinha regras, limites, só não eram as mesmas de quatro anos atrás, ou dois anos, ou um ano atrás. O fato de deixá-los estupra-las mentalmente e não reclamar me incomodou, mas não o suficiente.
A loira pegou o homem e mordeu sua bunda com força suficiente para fazê-lo pular. Só as pessoas que estavam do seu lado viram a raiva que apareceu por apenas um momento em seu rosto bonito.
O sacerdote ficou do lado do palco como se não quisesse distrair a atenção do público, mas eu sabia que ele tinha voltado sua atenção para mim. Era como uma pressão contra a minha pele.
Ele disse,
- A noiva reluta em deixá-lo sozinho em sua hora de necessidade.
Eu senti o seu poder acompanhado com as palavras. Quando ele disse "necessidade", eu senti necessidade. Meu corpo se apertou, mas eu consegui ignorá-lo. Eu sabia que poderia ficar lá, ser indiferente e lutar contra ele, mas nenhum ser humano poderia fazer isso. Anita Blake, executora de vampiros, poderia ficar firme, mas Anita Lee tinha que manter o disfarce, bem... Se eu ficasse lá, o jogo continuaria. Pelo menos eles saberiam que eu não era uma simples turista. Cenas como essas são uma das razões pelas quais odeio trabalhar à paisana. Ignorei a voz rica do sacerdote e andei em direção ao homem. Ele estava tendo dificuldades para manter a loira longe da tira de pano que estava usando. A outra mulher estava pendurada em sua perna, uma mão brincando com a pequena peça. Apenas Ramona estava parada, o rosto em branco, as mãos do lado do corpo à espera de ordens. Mas o sacerdote estava concentrando todas as suas energias em mim. Estava seguro que acabaria comigo.
A mulher hispânica deslizou o rosto sobre o osso liso de seu quadril e a loira aproveitou a oportunidade para mergulhar a mão por baixo do pano. Ele fechou os olhos, o corpo reagindo automaticamente, ele tentou tirar a mão dela de dentro de sua tanga sem sucesso. Aparentemente ela o estava prendendo, não estava machucando exatamente, mas não o soltou.
Eu duvidava que o clube tolerasse esse nível de abuso se o ator fosse uma mulher e o público masculino. Algumas formas de padrões sexista não funcionam em favor de um homem. Se fosse uma mulher, alguém teria corrido para o palco e a salvado, mas ele era um homem, e estava sozinho.
Toquei os ombros de Ramona e a coloquei de lado como se ela fosse uma peça de mobília. Ela se mexeu quando eu a toquei, os olhos ainda fechados. Me fez sentir pior porque era dócil, mas um problema de cada vez. Coloquei minha mão no pulso da mulher loira e sua mão não se moveu no início. Então ele olhou para mim, realmente olhou para mim. Seus olhos eram grandes, um cinza suave e puro com um círculo preto ao redor da íris, como se alguém tivesse usado um lápis de olho para contornar os olhos, as sobrancelhas e os cílios escuros.
Olhos estranhos, mas o que ele viu nos meus olhos pareceu tranquilizá-lo porque ele deixou de se preocupar com a loira. Há um nervo no braço cerca de três dedos para baixo a partir da dobra do cotovelo, se você bater com firmeza é muito doloroso. Afundei meus dedos em sua carne até encontrar o nervo. Eu estava chateada, e queria magoá-la. Consegui.
Ela deu um pequeno grito e abriu a mão e eu fui capaz de arrastá-la para trás, os dedos ainda cravados no nervo. Ela não lutou, só choramingou e olhou para mim com olhos grandes e sem foco, mas a dor estava lá. Se eu continuasse por muito tempo, poderia deixá-la sóbria, oh, só quinze minutos.
Falei baixinho, mas a minha voz foi ampliada, o palco tinha uma ótima acústica.
- Minha vez.
A mulher hispânica se arrastou para longe do homem até cair de cara no chão. Você tem que estar muito bêbado para cair nessa posição. Ela conseguiu se firmar em um cotovelo, e sua voz veio grossa, mas em pânico.
- Ele é todo seu.
Arrastei a loira alguns passos para longe do homem e lentamente soltei seu braço. Eu disse a ela,
- Fique aqui.
Ela segurou o braço contra o seu corpo, encolhido sobre ele. Seu olhar não era amigável, mas ela não abriu a boca, acho que estava com medo de mim. Eu não estava tendo uma grande noite. Primeiro, deixei uma senhora agradável ter a mente violada, e agora estava aterrorizando uma turista bêbada. Eu poderia dizer que a noite não podia piorar, mas o pior estava ali me esperando. Olhei para o homem quase nu e não sabia o que fazer com ele.
Me voltei para ele porque não conseguia imaginar uma forma graciosa fazê-lo. Eu provavelmente estraguei meu disfarce de turista, mas Edward me deixou trazer a pistola e as facas. Na verdade, todos nós estávamos preparados para um ataque de vampiro ou qualquer outra coisa. Os seguranças, a menos que fossem idiotas, tinham que ter visto as armas. Eu não supus ser apenas uma executora de vampiros, mas eu nunca gostei de bancar a vítima, nunca deveria ter entrado no palco, mas era tarde demais. Eu e o homem ficamos de frente um para o outro ainda de costas para o público. Ele se inclinou para mim, a respiração quente contra o meu cabelo e sussurrou,
- Minha heroína, muito obrigado.
Eu concordei, e ele esfregou seu rosto no meu, minha boca estava seca, e foi difícil de engolir. De repente meu coração estava batendo muito forte, muito rápido, como se eu tivesse corrido, era uma reação ridícula para um homem estranho. Eu estava terrivelmente consciente do quão próximo ele estava, do quão pouco ele estava vestindo, e que mantinha as minhas mãos ao lado do meu corpo porque se as movesse com certeza tocariam nele. Qual era o problema comigo? Eu não tinha notado esse problema em St. Louis. Havia algo no ar, no Novo México, ou era apenas falta de oxigênio da altitude?
Ele esfregou o rosto contra o meu cabelo e sussurrou:
- Eu sou Cesar.
Esse pequeno movimento colocou a curva do queixo e a pele do pescoço do lado do meu rosto. Havia um rastro de perfume das mulheres ao longo de sua face sobrepondo o cheiro limpo de sua pele, mas por trás disso tudo tinha um nítido perfume. Era o cheiro de algo mais quente do que a carne humana, levemente almiscarado, tão rico que era quase úmido, como se você pudesse tomar banho neste cheiro, quente como sangue, mais quente.
O cheiro era tão forte que eu balancei, e por um segundo pude sentir os pelos de seu rosto como um toque de veludo. A memória sensorial se abateu sobre mim oprimindo todo o meu cuidadoso controle. Pude sentir todo o seu poder ao longo de minha pele. Eu consegui cortar as ligações diretas com os meninos para que pudesse ficar sozinha em minha própria pele, mas as marcas ainda estavam lá, vindo à tona em momentos ímpares, como este. Metamorfos sempre reconhecem uns aos outros. Seus animais sempre sabem, e embora eu não fosse um animal, eu tinha um pedaço de Richard. Esse pedaço reagiu a Cesar. Se eu tivesse esperando por algo assim, poderia ter sido capaz de impedir, mas era tarde demais. Ele não era perigoso, eu sentia apenas um transbordamento de calor pulsando ao longo de minha pele, uma dança de energia que não me pertencia.
Cesar se afastou de mim como se eu o tivesse queimado, então ele sorriu. Era um sorriso como se compartilhássemos um segredo. Ele não foi o primeiro Metamorfo a se enganar comigo. Que eu saiba, eu era uma dos dois únicos seres humanos no mundo que tinha esse poder sobre um metamorfo. O outro era para um homem-tigre não, um lobisomem, mas os problemas eram semelhantes. Nós dois fazíamos parte do triunvirato de um vampiro, e nenhum de nós parecia feliz.
As mãos de Cesar foram para o meu rosto, hesitando um pouco acima da minha pele. Eu sabia que ele estava sentindo o impulso de energia do outro mundo como um véu que tinha sido deixado de lado para ser tocado. Só que ele não o fez. Ele derramou seu próprio poder em suas mãos, para me segurar no calor de seus pulsos. Isso me fez fechar olhos, e ele ainda não tinha me tocado.
Abri a boca para dizer a ele para não me tocar, mas quando tomei fôlego para falas suas mãos tocaram meu rosto. Eu não estava pronta, ele empurrou o seu poder para mim. Foi como um choque de energia, arrepiando os pêlos do meu corpo em lugares secretos, arrepiando a minha pele.
A energia fluiu para Cesar como uma flor se virando para o sol. Eu não podia parar, o melhor que podia fazer era sentir o poder em vez de deixá-lo me dominar. Ele inclinou o rosto em minha direção ainda segurando meu rosto entre as mãos. Coloquei as minhas mãos em cima das dele como se eu pudesse aguentar o poder saindo de sua boca enquanto ele pairava sobre meus lábios. O poder correu pelo meu corpo e saiu de seus lábios entreabertos como um vento quente. Nossas bocas se uniram e a energia fluiu em cada um de nós, misturando-se como dois felinos se esfregando um no outro. O calor aumentou até quase machucar e ficou preso em nossos lábios como se a qualquer segundo nossa carne fosse queimar fundindo nossa pele, músculos e ossos, até cair no centro de cada um como o corte de metal fundido através de camadas de seda.
A energia era algo sexual para mim, embaraçoso, mas é verdade. Nós nos afastamos e ao mesmo tempo piscamos um para o outro como sonâmbulos despertando muito cedo. Ele deu um riso nervoso e se inclinou como se fosse me beijar de novo, eu coloquei a mão em seu peito e mantive-o afastado, eu podia sentir seu coração batendo contra a palma da minha mão, de repente eu podia sentir o sangue correndo em seu corpo. Meus olhos foram atraídos para a grande veia em sua garganta, eu via o rápido movimento de sua corrente sanguínea em seu pescoço como se fosse uma jóia brilhando nas luzes. Minha boca de repente ficou seca e não era sexo. Eu realmente me aproximei dele e deixei meu rosto perto de seu pescoço e senti a pulsação. Eu queria tocar a pele macia, afundar os dentes em sua carne, provar o que estava abaixo. Eu sabia com um conhecimento que não era meu, que seu sangue seria mais quente do que um ser humano, algo para aquecer a carne fria.
Tive que fechar os olhos, virar a cabeça e passar as mãos sobre os meus olhos. Eu não tinha ligação direta com nenhum deles, mas segurei o seu poder em mim.
O calor ardente de Richard, e a fome fria de Jean-Claude. Em um espaço de um batimento cardíaco eu queria me alimentar de Cesar. Isso quando eu tinha emparedado as marcas, acorrentado-as, trancando-as com tudo o que eu tinha. Quando as marcas foram abertas entre nós três, os desejos que corriam através de mim, e as coisas que eu pensava eram horríveis ou talvez apenas muito estranhas, e fiquei imaginando qual parte de mim estava com eles. Qual desejo escuro ou vontade estranha eu tinha deixado para trás? Se algum dia voltasse a falar com eles eu perguntaria, ou talvez não.
Senti alguém parado perto de mim, balancei a cabeça e disse:
- Não me toque.
- Vamos sair do palco, então eu poderei pedir desculpas. - Era a voz do sacerdote.
Eu abaixei minha mão e encontrei-o ao meu lado. Ele estendeu a mão para mim, mas eu não aceitei.
- Não vamos te machucar.
Eu aceitei a sua mão e não senti nada, apenas o calor humano e a pele sólida. Ele me levou para uma área à esquerda do palco. Cesar já estava lá com as outras três mulheres.
Os homens-jaguar estavam ali como guardas, e pareciam ter deixado a loira corajosa novamente. Elas estavam apalpando Cesar, e ele estava beijando Ramona, que estava beijando-o de volta com entusiasmo.
O sacerdote queria me levar até eles, eu fiquei para trás e sussurrei,
- Eu não posso.
Isso significava que eu não podia tocar Cesar de novo, não tão cedo. Eu não confiava em mim mesma, e não queria dizer isso em voz alta. Eu não precisava. O sacerdote parecia compreender.
- Por favor, apenas fique perto deles. Ninguém vai te tocar.
Não sei por que acreditei nele, mas eu fiz. Eu estava perto da orgia tentando não ficar tão desconfortável como me sentia. Então uma grande tela branca desceu do teto e o sacerdote me colocou de lado. Uma mulher do meu tamanho com o cabelo comprido apareceu e juntou-se ao pequeno bacanal. Eu a vi se juntar ao grupo, e um homem-jaguar arrastou a loira para fora. Outra mulher parecida com ela ocupou o seu lugar. Eles substituíram a todos, mesmo Cesar, com atores que fizeram uma orgia na sombra da tela branca, grande jogada para a platéia. As atrizes correspondiam a todas as mulheres escolhidas, pelo menos para um jogo de sombras. Agora eu entendi o que Dallas disse quando falou que precisavam de alguém do meu tamanho com cabelos compridos para completar as noivas.
Os atores não estavam fazendo nada, mas devia ser terrível do ponto de vista do público. As roupas das mulheres foram tiradas e estavam de topless. Eu queria saber se as sombras faziam as coisas parecerem reais. O sacerdote me levou a uma pequena área atrás da cortina. Ele falou baixo, mas claramente para que pudéssemos conversar sem ser ouvido no palco.
- Você nunca seria escolhida se soubéssemos que não era humana. As nossas mais profundas desculpas.
Eu dei de ombros.
- Nenhum dano feito.
Ele olhou para mim com um conhecimento em seus olhos que não me deixaria mentir.
- Você está com medo do que está dentro de você, e não tem paz com isso.
Isso era verdade.
- Não, eu não estou em paz.
- Você deve aceitar o que você é, ou nunca vai saber qual o seu verdadeiro lugar no mundo, o seu verdadeiro propósito.
- Não me leve a mal, mas não preciso de uma palestra sobre o assunto.
Ele franziu o cenho e houve um lampejo de raiva. Ele não estava acostumado que falassem assim. Eu apostava que todo mundo tinha medo dele. Talvez eu devesse ter também, mas esse sentimento desapareceu quando percebi que queria morder o pescoço de Cesar. Isso me assustou mais do que qualquer coisa que pudesse acontecer esta noite. Tudo bem, quase tudo. Nunca subestime a criatividade de alguém centenas de anos velho. A maioria deles sabe mais sobre a dor do que nós pobres humanos nunca vamos saber. Eu estava com sorte ou sendo estúpida. Ele fez um pequeno movimento e o homem-jaguar que tinha me escolhido veio até nós. Ele caiu de joelhos, a cabeça baixa. O sacerdote disse:
- Você escolheu esta mulher?
- Sim, Pinotl.
- Você não sentiu sua besta?
Sua cabeça abaixou ainda mais.
- Não, meu senhor, eu não senti.
- Escolha. - disse o sacerdote.
O homem ajoelhado tirou uma faca de seu cinto, o cabo era feito de turquesa em forma de jaguar. A lâmina de obsidiana preta tinha cerca de seis centímetros e o homem segurou pela lâmina e a ofereceu ao sacerdote que a pegou com a mesma reverência como tinha sido oferecida. O homem desfez alguns nós na pele de jaguar e empurrou o capuz para trás de modo que sua cabeça ficou descoberta. Seu cabelo era grosso e longo, amarrado em uma longa trança na parte de trás. Ele levantou uma face escura que era tão quadrada e cinzenta que parecia realmente um soldado asteca. Se estivéssemos naquela época, seu perfil seria perfeito.
Ele ergueu o rosto até o sacerdote. Seu rosto estava vazio de toda expressão, esperando apenas uma ordem.
Houve gritos da platéia e isso me fez olhar para os atores, mas voltei minha atenção para o sacerdote e o homem antes que realmente visse alguma coisa do show. Eu tive um vislumbre de corpos seminus, e a impressão de ter visto algo grande amarrado em volta do homem. Normalmente, isso teria me obrigado a dar uma segunda olhada só para ter certeza se eu estava vendo o que pensei que tinha visto, mas não importa o que estava acontecendo lá fora, o verdadeiro show era aqui. Olhei fixamente para o rosto sereno e erguido do homem, para os olhos sérios do sacerdote, e no brilho opaco da lâmina negra. Eles poderiam usar todos os acessórios que quisessem, não importa o tamanho, mas não se aproximariam da calma dos dois homens.
Eu não sabia exatamente o que estava prestes a acontecer, mas eu tinha uma idéia. Ele estava sendo punido porque havia escolhido um licantropo na platéia, em vez de um ser humano, mas eu era humana, ou pelo menos não era um licantropo. Eu não podia deixá-lo começar o castigo, nem mesmo se isso significasse admitir quem eu era. Poderia?
Toquei o braço do sacerdote levemente.
- O que você vai fazer com ele?
O sacerdote olhou para mim e seus olhos pareciam cavernas profundas, um truque de sombras.
- Puni-lo.
Meus dedos se apertaram em seu braço, tentando senti-lo através da suavidade da capa de penas.
- Eu só quero ter certeza que você não vai cortar sua garganta ou fazer algo realmente dramático.
- O que eu faço com esse homem é problema meu, não seu.
A força de sua desaprovação era forte o suficiente para que eu tirasse a mão do seu braço, mas agora eu estava preocupada com o que ele faria. Maldição. Maldita idéia de Edward de me colocar à paisana.
Ele nunca trabalhou para mim disfarçado, a realidade é algo duro de encarar.
O sacerdote colocou a ponta da lâmina contra o rosto do homem. Não havia nenhum medo em seu rosto, nada além de uma serenidade estranha que fez a minha garganta se apertar, e uma sensação de medo descer pela minha espinha. Deus, eu odiava os fanáticos, e era isso o que eu estava vendo.
- Espere. - eu disse.
- Não interfira. - disse o sacerdote.
- Eu não sou um licantropo.
- Você está mentindo para salvar um estranho. - Havia desprezo em sua voz.
- Eu não estou mentindo.
O sacerdote gritou,
- Cesar!
Ele apareceu como um cão bem treinado atendendo seu mestre. Talvez a analogia fosse injusta, mas eu particularmente não seria caridosa com ninguém agora. Se eu estragasse nosso disfarce teria que dizer quem eu era, e não sabia o que Edward havia planejado. Ao dizer quem era, poderia por em perigo todos nós. Edward não havia compartilhado seus planos o suficiente, mas a minha primeira preocupação era a segurança. Proteger um estranho valia as nossas vidas? Não. Evitar que um estranho fosse assassinado, valia as nossas vidas? Provavelmente. Eu tinha tantas perguntas sem respostas e tão poucas informações verdadeiras que senti como se matasse todos os meus neurônios ao pensar nas coisas que eu não sabia.
Cesar apareceu do meu lado, do outro lado, longe do sacerdote. Acho que ele viu a faca.
- O que ele fez?
- Ele a escolheu e não sentiu sua besta. - disse o sacerdote.
- Eu não tenho uma besta. - eu disse.
Cesar riu, e foi muito alto, ele cobriu sua boca com a mão por um momento como se tivesse lembrado que tínhamos de ficar quieto.
- Eu vi a fome no seu rosto.
Ele disse a palavra "fome" como se estivessem em letras maiúsculas. Ótimo.
Mais uma gíria de metamorfo que eu não conhecia. Tentei pensar em uma versão mais curta que fizesse sentido, finalmente eu disse:
- Não é muito, vou resumir. - tentei explicar em um péssimo sotaque espanhol.
O rosto do sacerdote ficou branco e infeliz, provavelmente ele não viu o filme. Cesar reprimiu outra risada, ele tinha visto A Princesa Prometida.
- A fome que você viu não foi de nenhum animal.
O sacerdote voltou sua atenção para o homem ajoelhado. Era como se eu tivesse sido dispensada, ele cortou a bochecha do homem e o sangue jorrou por sua pele escura.
- Merda. - eu disse.
Ele colocou a faca contra a outra face do homem. Eu agarrei seu pulso.
- Por favor, me escute.
O sacerdote voltou os olhos escuros para mim.
- Cesar.
- Eu não sou o seu gato de estimação. - disse Cesar.
O sacerdote deslizou o olhar sombrio de mim e para o homem ao meu lado.
- Tenha cuidado para que esta pretensão não se torne real, Cesar.
Era uma ameaça, embora eu não entendesse exatamente de que tipo, mas eu reconhecia uma quando ouvia. César ficou ao meu lado.
- Ela só quer falar, meu Senhor Pinotl.
- Ela também está me tocando. - Ambos olharam para a minha mão em seu pulso.
- Eu vou soltá-lo quando tiver a sua palavra que você não vai cortá-lo até ouvir o que tenho a dizer.
Aqueles olhos se voltaram para meu rosto e pude senti sua força caindo em cima de mim. Eu quase podia sentir sua pele vibrar debaixo da minha mão.
- Não posso deixar que você o machuque por algo que não é culpa dele.
Ele não disse uma palavra, mas senti um movimento atrás de mim e sabia que não era Cesar porque olhou para trás. Me virei e vi outros dois homens-jaguar vindo em nossa direção. Eles provavelmente não me machucariam, apenas me impediriam de interferir. Voltei para o sacerdote e olhei para seus olhos, larguei seu pulso e tive alguns segundos para decidir se pegava a arma ou a faca.
Eles não estavam tentando me matar, então o mínimo que eu podia fazer era retribuir o favor. Peguei uma faca segurando-a contra a minha perna, tentando ser discreta, decidi pegar a faca e não a arma, e esperava que fosse a decisão correta.
Um dos homens-jaguar era bronzeado e de olhos azuis. O outro era o primeiro Afro-Americano que eu via no clube, o rosto era um contraste de cores com a pele de jaguar. Eles avançaram para mim um roil de energia, um rosnado baixo escapando de suas gargantas, a menor das ameaças. O som fraco arrepiou os pêlos na parte de trás do meu pescoço. Fiquei na defensiva e coloquei o homem ajoelhado entre eu e os dois jaguares.
O sacerdote tinha colocado a lâmina de obsidiana contra a face direita do homem. Ele não tinha começado a cortar ainda.
- Você só vai cortar as bochechas dele, é isso? E vai parar por aí?
A ponta da lâmina furou a pele, mesmo no escuro eu podia ver o líquido escorrendo com um brilho fraco, como uma jóia escura.
- Se você só quer fatiá-lo um pouco, eu aceito. É o seu negócio, eu só não quero vê-lo mutilado ou morto por algo que ele não poderia ter sentido.
O sacerdote cortou a outra face mais lentamente desta vez. Acho que eu estava piorando as coisas. Perguntei em voz alta, para ninguém em particular.
- Estou piorando as coisas?
Um dos lados do rosto do homem começou a curar, e eu tive uma idéia. Eu me aproximei do sacerdote e do homem ajoelhado. Mantive um olho sobre os dois homens-jaguar, mas eles ficaram apenas olhando. Tinham me deixado de fora, talvez isso fosse tudo o que deveriam fazer.
Toquei o queixo do homem ajoelhado, e virei seu rosto para mim. A outra bochecha estava completamente curada. Eu nunca tinha visto uma lâmina de obsidiana não reagir cem por cento como a prata, mas isso não aconteceu. Metamorfos curavam rápido. O sacerdote estava segurando a faca em sua mão.
A platéia irrompeu em aplausos estrondosos, o som subindo como trovão através dos bastidores. Os atores estavam saindo de perto da tela branca. O show estava quase no fim. Todos nós nos viramos com o barulho e o movimento, mesmo o sacerdote. Coloquei meu dedo contra a ponta da faca de obsidiana e a pressionei. Era como vidro, a dor foi aguda e imediata. Recuei com um assobio.
- O que você fez? - o sacerdote perguntou, sua voz era muito alta.
Eu falei mais baixo.
- Eu não vou me curar, não tão rapidamente como ele. Isso prova que não sou um licantropo.
Raiva do sacerdote deixou o ar quente como algo palpável.
- Você faz coisas que eu não entendo.
- Se alguém falasse comigo antes de esconder seus malditos segredos, eu não estaria me intrometendo.
O sacerdote entregou a faca de volta para o homem ajoelhado. Ele a pegou e fez uma reverência. Então lambeu a lâmina com cuidado em torno das arestas até que chegou ao ponto onde estava o meu sangue, ele deslizou a ponta entre os lábios sugando-o como uma mulher faria com um homem em sua boca. Sua boca trabalhou em torno da lâmina e eu sabia que o estava cortando. Eu sabia que estava cortando-o, mas ele olhou como se se fosse algo maravilhoso, um orgasmo, como se estivesse tendo um ótimo momento.
Ele ficou me olhando enquanto fazia isso e seus olhos não estavam mais serenos. Estavam cheios de calor, era o mesmo calor que você via nos olhos de qualquer homem quando pensava em sexo, mas não quando o homem estava chupando uma lâmina de vidro afiado, cortando a boca, a língua, a garganta, bebendo seu próprio sangue.
Alguém pegou minha mão e eu pulei. Era Cesar.
- Temos que entrar em cena. Você deve tomar o seu lugar.
Todos observavam o homem ajoelhado com cuidado, os olhos me seguiam como se eu fosse alguma gazela ferida. As outras três mulheres já estavam no local, atrás da tela branca ofuscante. Elas tinham tirado algumas roupas. A loira estava rindo só de sutiã e calcinha azul. A mulher hispânica tinha tirado a saia e estava com uma calcinha carmesim que combinava com a peça vermelha que ainda estava vestindo. Ela e a loira estavam apoiadas uma na outra, balançando e rindo. Ramona não estava rindo. Ela ficou em silêncio, impassível e imóvel.
A voz do sacerdote veio dos bastidores.
- Dispam-se para o nosso público.
A voz dele era suave, mas Ramona agarrou sua camisa e a tirou. O sutiã era uma peça comum, branca e simples. Não era uma lingerie e duvidava que ela tivesse planejado que alguém a visse assim esta noite. Ela deixou cair a camisa no chão, levou as mãos para o botão da calça, eu me afastei de Cesar e a segurei
- Não, não faça isso.
As mãos dela pararam como se essa pequena interferência quebrasse o feitiço, mas ela não me olhou. Ela não viu o que estava na frente dela, só a paisagem interna que eu não podia ver.
Peguei a camisa do chão e a coloquei na frente de seu corpo. Cesar tocou o meu braço.
- A tela está subindo. Não há mais tempo.
A tela começou a se levantar.
- Você não pode ser a única a estar vestida. - ele disse.
Ele tentou tirar o casaco dos meus ombros e encontrou o coldre com a arma.
- Nós vamos assustar o público. - eu disse.
A tela estava na altura dos joelhos. Ele agarrou a frente da minha camisa e a puxou para fora da calça descobrindo o meu estômago. Ele caiu de joelhos lambeu meu estômago quando a tela subiu completamente. Tentei pegar um punhado de cabelo a puxá-lo para cima, mas não tinha o suficiente para pegar. Seu cabelo era muito mais suave do que parecia, muito mais suave do que o meu. Seus dentes pousaram suavemente em minha pele e eu coloquei minha mão sob seu queixo levantando seu rosto para que afastasse os dentes de mim, ou me mordesse profundamente. Ele se afastou e levantou o rosto, ele me olhava de um jeito que eu não conseguia definir, mas era algo grande e mais complexo do que você vê nos olhos de um estranho. E eu não precisava de nada complexo esta noite.
Ele ficou de pé em um movimento tão rápido e gracioso que eu tinha certeza que Edward saberia que não era humano. Ele girou em um movimento de dança, e os homens-jaguar escoltaram a loira de volta para sua mesa. A mulher hispânica era a próxima, ela beijou Cesar e passou as unhas claras em suas costas, deu um salto envolvendo as pernas em sua cintura forçando-o a segura-la.
O beijo foi longo, mas ela estava no controle. Cesar levou-a até a borda do do palco ainda agarrados. Os homens-jaguar conseguiram afastá-la de seu corpo, tiveram de carregá-la acima de suas cabeças enquanto ela lutava, finalmente ela ficou mole, rindo quando a levaram de volta para sua mesa.
Ramona pareceu acordar, ela piscou como se tivesse acordado e não soubesse onde estava. Ela olhou para a blusa na frente de seu corpo e gritou. Cesar tentou ajudá-la, más ela deu um tapa em sua mão. Eu fui até ela tentando ajudá-la, mas ela parecia medo de mim também.
Os homens-jaguar tentaram ajudá-la a sair do palco, e ela caiu tentando mantê-los afastados. Finalmente um homem que estava em sua mesa se aproximou e a levou para longe das luzes. Ela estava chorando e falando baixinho em espanhol quando ele a levou para a mesa. Eu teria que falar com alguém sobre Ramona, não poderia deixar a cidade sem saber se os truques mentais eram permanentes. Se fosse um vampiro, ele poderia chamá-la a qualquer hora, em qualquer noite, e ela responderia a seu chamado, não teria escolha.
Cesar ficou na minha frente, ele levantou a minha mão eu achei que fosse beijá-la, mas era a mão que eu tinha cortado para provar que não poderia me curar como um lincantropo. Ele olhou para a pequena ferida na ponta do meu dedo, era um corte pequeno e não sangrou muito, mas não estava curada também. Se eu fosse um licantropo, o pequeno ferimento teria fechado rapidamente.
Ele olhou para mim.
- O que você é? - ele sussurrou.
- É uma longa história. - sussurrei de volta.
Ele beijou a ferida como uma mãe faria com uma criança, em seguida sua boca deslizou sobre o meu dedo. Ele lambeu a ferida lentamente, o sangue fresco saía da ponta do meu dedo brilhante e vivo sob as luzes. Ele se aproximou do meu rosto como se fosse me beijar, mas eu balancei a cabeça e me afastei.
Os homens-jaguar estavam lá para me ajudar a sair do palco, mas quando olhei para eles recuaram deixando-me andar sozinha. Edward puxou uma cadeira para mim, e eu deixei. A comida tinha sido servida enquanto eu estava no palco.
Edward me deu um guardanapo de linho, enrolei no meu dedo fazendo pressão.
Dallas realmente se levantou de sua cadeira e veio falar comigo parando atrás da minha cadeira.
- O que aconteceu lá? Já tivemos outras voluntárias e nunca ninguém se machucou.
Olhei para ela.
- Se você acha que ninguém se machuca, não prestou muita atenção.
Ela franziu a testa, olhando perplexidade para o ferimento em minha mão.
Eu balancei a cabeça, era tarde, e de repente eu estava cansada demais para tentar explicar.
- Eu cortei o dedo ao fazer a barba.
Ela franziu a testa incrédula, e eu não queria mais falar.
Sentei-me novamente ao lado de Edward. Ele se inclinou para mim encostando a boca contra a minha orelha e murmurando tão baixo que parecia respirar em meu ouvido. Ele sabia como era boa a audição de um metamorfo, para não mencionar os vampiros.
- Será que eles sabem quem é você?
Eu me virei colocando um joelho na cadeira e sussurrando em seu ouvido, apoiando o meu corpo contra o dele. Parecia íntimo, sussurrei tão baixo que não tinha certeza se ele ouviria.
- Não, mas eles sabem que não sou humana, nem uma turista. - Coloquei meu braço sobre seus ombros segurando-o porquê eu não queria que ele se afastasse. Eu queria que ele respondesse a próxima pergunta. - O que você está planejando?
Ele virou para mim com um olhar muito íntimo, inclinou e pôs a boca tão perto da minha orelha que parecia que estava passando a língua nela.
- Não tenho nenhum plano, apenas pensei que você poderia assustar os monstros ao ponto de falarem com a gente.
Foi a minha vez de sussurrar,
- Sem planos, você jura?
- Eu mentiria para você?
Eu me afastei dele e bati em seu ombro, não foi difícil, mas ele fez seu ponto. Edward mentiria para mim? Será que o sol nasceria amanhã? Sim para ambos.
Os atores que tinham tomado nossos lugares estavam finalmente no palco, vestidos. O sacerdote em sua capa de penas apresentava cada um, recebendo os aplausos que mereciam.
Fiquei contente por arruinar o efeito e não deixar Ramona pensar que tinha feito algo terrível. Fiquei realmente surpresa por estragar o truque como um mago revelando seus segredos.
- Vamos permitir que vocês comam antes do próximo ato e nosso último show.
As luzes se acenderam, e nós nos voltamos para nossas refeições. Eu pensei que estava comendo algum vegetal, mas quando dei a primeira mordida minha boca me disse que a textura estava errada. A garçonete trouxe um guardanapo extra, e usei para cuspir a comida.
- O que foi? - Bernardo perguntou, ele estava comendo a carne e se divertindo.
- Eu não como carne... - eu disse e peguei um vegetal irreconhecível, então percebi que era batata-doce. Eu não conhecia a culinária local, e naturalmente cozinhar não era exatamente a minha especialidade.
Todo mundo estava comendo carne, exceção eu e estranhamente Edward. Ele deu uma mordida, mas em seguida concentrou-se no pão e nos legumes.
- Você não vai comer o seu bife, Ted? - Olaf perguntou, ele levou outro pedaço a sua boca e mastigou devagar como se tentasse tirar cada grama de sabor.
- Não. - Edward disse.
- Eu sei que não é indignação moral sobre as pobres vaquinhas. - eu disse.
- E você se preocupa com as pobres vaquinhas? - Edward perguntou. Ele me deu um longo olhar como se pedisse algo, não consegui ler seus olhos, mas eles não estavam em branco, eu só não conseguia lê-los. Qual era a novidade?
- Eu não aprovo o jeito que tratam os animais, não mesmo, mas sinceramente não gosto da textura.
Dallas estava olhando para nós como se estivéssemos falando de algo muito mais interessante do que carne.
- Você não gosta de carne... bovina?
Eu balancei a cabeça.
- Não, eu não gosto.
Olaf olhou para ela, pegou o último pedaço de carne e ofereceu para ela.
- Você gosta de carne?
Ela deu um sorriso estranho.
- Eu como carne aqui quase todas as noites.
Ela não pegou o pedaço que ele ofereceu, mas deu outra mordida em seu próprio garfo.
Senti como se estivesse faltando alguma coisa, mas antes que pudesse perguntar as luzes se apagaram novamente. O ato final estava prestes a começar. Se eu ainda estivesse com fome, com certeza haveria algum lugar aberto a caminho de casa. Geralmente tinha.
24
As luzes se apagaram e a sala foi deixada na mais completa escuridão. Um foco de luz apareceu, era apenas um brilho fraco e branco quando finalmente iluminou o palco.
Uma figura entrou naquele brilho pálido com uma coroa de brilhantes e penas vermelhas e amarelas. Um manto de penas menores cobria a figura do pescoço até a borda da luz. A coroa foi retirada revelando um rosto pálido. Era Cesar. Ele virou o rosto para o lado para dar visibilidade e mostrar que usava um par de grandes brincos dourados. O ouro brilhava quando mexia a cabeça, e a luz ficou mais forte. Ele levantou alguma coisa em suas mãos e uma nota musical encheu o ambiente. Uma nota fina como um flauta, mas não era. A música era bonita, mas estranha, como se algo encantador estivesse chorando. Um homem-jaguar tirou o manto de penas que desapareceu na escuridão, ele tinha um pesado colar de ouro colocado sobre os ombros e peito. Se fosse verdadeiro custaria uma fortuna. Mãos vieram de ambos os lados na escuridão aparecendo na luz e levando a coroa de penas sem nunca se mostrar.
Cesar caminhou lentamente e pude ver o que ele estava tocando. Parecia uma flauta-de-pã, um instrumento musical antigo. O som atravessava a escuridão através dela em um edificante momento de tristeza. Parecia que ele estava realmente tocando e era impressionante. Tiraram tudo o que ele estava usando: um pequeno escudo, um estranho pedaço de madeira que parecia uma espécie de arco, mas não era, um saco de flechas ou algo parecido.
Ele estava perto o suficiente agora para que eu visse a decoração de jade que usava na frente de seu kilt, embora eu soubesse que não era um kilt, parecia uma saia, mas não era a palavra correta. A frente estava coberta de penas, o resto parecia um tipo de pano listrado. Novamente as mãos entraram na luz para tirar a peça e levá-la embora. Eles estavam próximos o bastante agora para que a escuridão não escondesse que as mãos pertenciam aos homens-jaguar. Tiraram até um cordão colorido que ele usava ao redor do corpo.
O som aumentou ao se aproximar das últimas notas, você quase podia ver as notas ascendendo como pássaros, normalmente não costumo ver poesia na música, mas essa era diferente. De alguma forma você sabia que não era apenas uma canção, algo para ouvir e esquecer ou cantarolar em alguns momentos. Quando você pensa em uma música cerimonial você lembra dos tambores, algo como uma batida para nos lembrar de nossos corações, o fluxo e refluxo de nossos corpos. Mas nem todo ritual é feito para nos lembrar de nossos corpos, alguns são feitos para nos lembrar do motivo pelo qual o ritual está acontecendo. Todos os rituais são feitos para o benefício de uma divindade. Tudo bem, nem todos, mas a maior parte. A maioria de nós está gritando; "Hey Deus, olhe para mim, olhe para nós, espero que goste". Somos apenas crianças na esperança que papai e mamãe gostem do presente que escolhemos.
Claro que às vezes papai e mamãe podem ter um temperamento calmo.
Cesar pendurou a flauta ao redor de seu pescoço, ele se ajoelhou e retirou as próprias sandálias, em seguida entregou a uma mulher na mesa mais próxima. A mulher se agitou como se não tivesse certeza se queria pegar. Talvez ela estivesse com medo depois de ver o show anterior. Eu realmente não poderia culpá-la por isso.
Ele parou em uma mesa e falou baixinho com outra mulher, ela se levantou e retirou um dos brincos de ouro de sua orelha. Então ele passou de mesa em mesa deixando os homens, mas principalmente as mulheres tirarem as últimas peças que decoravam seu corpo, o que provavelmente explicava por que os brincos eram uma das peças menos autênticas que ele estava usando.
Exceto pelos brincos, ele usava uma esfera de jade em cada orelha, elas balançavam conforme ele movia a cabeça, cada peça tinha cerca de sete centímetros, era como se seus cabelos chegassem até os ombros. Ao se aproximar você podia ver que a pedra verde era primorosamente esculpida na forma de uma das divindades astecas.
Ele parou na nossa mesa e fiquei surpresa por ver que ignorou cuidadosamente as outras "noivas". Ele estendeu a mão para que eu me levantasse, em seguida virou a cabeça para eu pegar as duas peças. Eu não queria parar o show, mas era um presente muito caro para aceitar, a menos que fossem falsos. No momento que toquei a pedra fria, soube que a pedra de jade era verdadeira. Era muito pesado, muito bom para ser outra coisa.
Eu não uso brincos, nunca furei as orelhas, então apalpei a parte de trás de sua orelha no escuro tentando descobrir como tirar a peça. Ele finalmente me ajudou, trabalhando com as mãos rapidamente e quase graciosamente onde eu tinha me atrapalhado. Ao vê-lo, percebi que eram parafusadas, e quando ele virou a cabeça fui capaz de tirá-los em um segundo. Eu sabia o suficiente sobre jóias para perceber que era uma peça moderna. O jade era real, mas não era antigo, pelo menos o fecho era moderno.
As pedras eram pesadas e muito sólidas em minha mão. Ele se inclinou e sussurrou com seu hálito quente contra o meu rosto.
- Eu pego de volta depois do show. Não interfira. - Ele deu um beijo na minha bochecha e caminhou para o palco, pegou a flauta em seu pescoço e quebrou uma das várias palhetas jogando-as no degrau.
Sentei novamente, o jade seguro em minhas mãos. Debrucei-me para Edward.
- O que vai acontecer agora?
Ele balançou a cabeça.
- Eu nunca vi esse show.
Olhei sobre a mesa para a professora Dallas. Eu queria perguntar o que estava acontecendo, mas ela tinha toda a sua atenção no palco. Cesar havia quebrado parte da flauta em cada passo enquanto caminhava. Quatro homens-jaguar estavam esperando no topo, agrupados em torno de uma pedra pequena e arredondada. O sacerdote estava lá também, mas sem a capa, seus ombros eram ainda mais amplos do que parecia, embora não fosse muito alto, você tinha a impressão de pura força, pura fisicalidade. Ele parecia mais guerreiro do que sacerdote.
Cesar finalmente chegou ao topo do templo. Os quatro homens-jaguar o pegaram pelos punhos e tornozelos levantando-o sobre suas cabeças, firmando seu corpo com suas mãos. Eles passearam no palco mostrando-o a todos, mesmo para os que estavam a certa distância. Então eles o levaram para a pequena pedra redonda e colocaram seu corpo atravessado sobre ela de modo que sua cabeça e ombros se inclinaram para trás e seu peito e estômago ficassem expostos sobre a pedra.
Eu estava de pé mesmo antes de ver a faca de obsidiana na mão do sacerdote.
Edward agarrou meu braço.
- Olhe para a esquerda. - ele disse.
Olhei e encontrei dois homens-jaguar a espera. Se eu corresse para o palco, aposto que tentariam me impedir. Cesar disse que pegaria as jóias após o show, isso quer dizer que estaria vivo para fazê-lo. Ele me alertou para não interferir. Maldição, eles iam cortá-lo, eu sabia disso agora. O que eu não sabia era como seria feito.
Dallas tinha se levantado da cadeira, ela chegou do meu lado e sussurrou:
- Faz parte do show. Cesar faz o número do sacrifício duas vezes por mês. Nem sempre é um sacrifício exato, mas é parte do seu trabalho.
Ela falava baixo e calmamente como se conversasse com uma pessoa extremamente louca. Deixei que ela e Edward me levassem de volta para o meu assento, eu estava segurando os brincos de jade firmemente.
Dallas ajoelhou-se do meu lado mantendo uma mão no meu braço, mas olhava para o palco. Os homens-jaguar o seguravam com força, o rosto de Cesar não mostrava nada, nem medo, nem antecipação, ele apenas esperava.
O sacerdote enfiou a faca em sua carne logo abaixo das costelas. O corpo de César finalmente reagiu, mas ele não gritou. A faca rasgou sua pele cavando a carne, alargando o buraco. Seu corpo dançava com a ferida, mas ele não fez nenhum som. O sangue escorria através da pele pálida, brilhante e quase irreal sob as luzes. O sacerdote enfiou a mão na ferida quase até o cotovelo e César gritou.
Eu agarrei o braço de Dallas.
- Ele não pode sobreviver sem o seu coração, nem mesmo um Metamorfo pode sobreviver.
- Eles não vão tirar o coração, eu juro. - Ela acariciou minha mão como se acalmasse um cachorro nervoso.
Debrucei-me perto dela e sussurrei:
- Se eles arrancarem o coração daquele homem quando eu poderia ter evitado, terei o "seu" coração na ponta da minha faca antes de sair do Novo México. Você ainda está disposta a jurar?
Os olhos dela se arregalaram, acho que estava prendendo a respiração, mas ela assentiu.
- Juro.
O engraçado foi que ela acreditou na ameaça instantaneamente. Normalmente as pessoas não acreditam que você vai matá-los, elas acham que é uma piada ou um exagero. A Professora Dallas acreditou em mim, eu podia ver em seu rosto. A maioria dos professores não teria acreditado, isso me fez pensar mais sobre Dallas do que o normal. A voz do sacerdote cortou o silêncio absoluto e encheu a sala.
- Eu tenho o seu coração na minha mão. No passado teríamos rasgado seu peito, mas aqueles dias se foram. - você podia ouvir e sentir o pesar em suas palavras. - Nós o adoramos como podemos, e não como gostaríamos.
Ele retirou a mão lentamente, e eu estava perto o suficiente para ouvir o som de sua mão passando pela carne molhada para fora da ferida.
Ele levantou a mão coberta de sangue acima de sua cabeça e o público vibrou.
Eles aplaudiram, aqueles porras aplaudiram!
Os homens-jaguar levantaram Cesar do altar e o lançaram pelos degraus. Ele caiu sem energia, estava deitado de costas ofegante, lutando para respirar, e me perguntei se o sacerdote tinha danificado um pulmão ou dois quando pegou seu coração, eu fiquei lá olhando para ele.
Ele fazia isso duas vezes por mês, era parte de seu trabalho. Merda. Eu não conseguia entender, não queria entender. Se ele estivesse morto eu não precisaria saber mais nada sobre ele. Eu já estava no fundo do poço sadomasoquista dos homens-leopardo, e não precisava de outro problema.
O sacerdote estava falando, mas eu não conseguia ouvi-lo. Eu não ouvia nada, era como um grande ruído branco nos meus ouvidos. Eu via a contração muscular do homem-leopardo, os espasmos do seu corpo, o sangue escorrendo pelo chão, mas enquanto eu olhava, o sangue foi diminuindo. Era difícil dizer com todo aquele sangue e a carne rasgada, mas eu sabia que ele estava se curando.
Dois seguranças humanos vieram buscá-lo, um deles pegou seus tornozelos e o outro pegou os braços. Levaram-no através das mesas, entre nós. Fiquei parada. Dallas ficou comigo como se tivesse medo do que eu faria. Olhei nos olhos de Cesar, havia uma dor verdadeira ali. Ele não estava tendo um bom dia ou não parecia ser um bom dia, mas você não faz uma merda dessas regularmente sem gostar um pouco do show. Suas mãos estavam em seu peito como se ele tentasse mantê-las juntas. Ergui uma mão para cima, a pele era lisa debaixo de todo aquele sangue. Apertei as peças de jade em sua mão fechando os dedos em torno delas.
Ele murmurou algo, mas eu não abaixei para ouvir.
- Nunca mais se aproxime de mim.
Eu me sentei e eles o levaram. Comecei a pegar um guardanapo para limpar minha mão, mas Dallas agarrou meu braço.
- Ela está pronta para vê-la agora.
Eu não tinha visto ninguém falar com ela, mas não questionei isso. Se ela disse que estava na hora, tudo bem. Poderíamos encontrar a Mestra da Cidade e dar o fora. Tentei pegar o guardanapo de novo, mas ela o colocou fora de alcance.
- É apropriado você encontrá-la com o sangue do sacrifício em suas mãos.
Olhei para ela e tentei pegar o guardanapo novamente. Ela realmente se esforçou para mantê-lo longe de mim, e começamos uma pequena guerra até que me afastei dela. Uma mulher apareceu e pegou em meu cotovelo. Ela usava um casaco vermelho com capuz e tocou meu ombro, mesmo antes que ela virasse a cabeça para que eu pudesse ver o rosto dentro daquela capa, eu sabia quem era. Itzpapalotl, Borboleta Obsidiana, a Mestra da Cidade e auto-proclamada deusa. Eu não tinha sentido sua presença, não ouvi sua aproximação nem senti sua presença. Ela simplesmente apareceu do meu lado como mágica. Já fazia um longo tempo desde que um vampiro tinha sido capaz de fazer isso. Acho que parei de respirar por um segundo ou dois quando olhei para ela.
Seu rosto era tão delicado como o resto de seu corpo, sua pele um marrom pálido, seus olhos eram negros, e não apenas marrom, mas verdadeiramente negros como a lâmina de uma obsidiana. Normalmente os olhos de um vampiro mestre são como piscinas, onde você cai e se afoga neles, mas seus olhos eram como sólidos espelhos negros que refletiam a imagem de volta, não algo para cair, mas algo para mostrar-lhe a verdade. Eu me vi naqueles olhos, um reflexo em miniatura perfeita em cada detalhe como um camafeu preto.
Em seguida a imagem se dividiu, duplicou, triplicou. Meu rosto ficou no centro com uma cabeça de lobo de um lado, e uma caveira do outro. Enquanto eu olhava, as três imagens cresceram até que o lobo e a caveira foram sobrepostos sobre o meu rosto, e por uma fração de segundos, eu não poderia dizer onde começava uma imagem e onde terminava a outra.
Uma imagem flutuava acima do resto. A caveira subiu acima das duas primeiras, subindo através da escuridão, enchendo os olhos até que encheu minha visão, e eu tropecei para trás quase caindo. Edward estava lá me segurando. Dallas ficou do lado da vampira.
Bernardo e Olaf estavam do lado de Edward, e eu soube naquele instante que se ele tivesse dito uma palavra, eles teriam pego suas armas e atirado. Era um pensamento reconfortante, suicida, mas reconfortante porque eu podia sentir seu povo agora, o que significava que ela estava tentando me bloquear, esconde-los. Senti os vampiros embaixo do prédio, em torno dele, através dele. Havia centenas deles, e a maioria eram antigos. Centenas de anos de idade. E a Borboleta Obsidiana? Olhei para ela tendo o cuidado de não encarar seus olhos. Fazia anos desde que eu tinha que evitar os olhos de um vampiro, eu tinha esquecido como é difícil olhar cara a cara sem fazer contato visual, como um jogo elaborado. Ela tentando prender o meu olhar, e eu tentando me manter afastada.
Ela tinha uma franja reta, mas o resto do seu cabelo estava puxado para trás revelando orelhas delicadas e um par de brincos de jade. Ela era uma coisa delicada, pequena, mesmo estando do meu lado e de Dallas, mas eu não seria enganada pela embalagem. O que estava dentro não era um vampiro dos mais antigos, eu duvidava que ela tivesse mil anos. Encontrei outros mais velhos, muito mais velhos, mas nunca encontrei nenhum vampiro de mil anos que ecoasse na minha cabeça com um poder como esse. O poder saía de sua pele como uma nuvem quase visível, e aprendi o suficiente sobre vampiros para saber que o eco de energia não era proposital.
Alguns mestres com habilidades especiais, como causar medo ou desejo, apenas emitiam o poder constantemente como o vapor saindo de uma panela. Era involuntário, parcialmente pelo menos, mas eu nunca tinha encontrado algo tão puro.
Edward estava falando comigo, provavelmente estava falando comigo há algum tempo, eu apenas não tinha ouvido.
- Anita, Anita, você está bem? - Senti como se ele me usasse como escudo.
As coisas poderiam ficar feia muito rápido.
- Eu estou bem.
Mas minha voz não era normal, parecia oca e distante, como se eu estivesse em choque, talvez eu estivesse um pouco. Ela não tinha exatamente entrado na minha mente, mas sabia mais coisas sobre mim nesse primeiro contato do que a maioria dos vampiros nunca descobriu. De repente percebi que ela sabia que tipo de poder eu tinha.
Aquele era o seu dom, ser capaz de ler o poder. A voz dela veio com um forte sotaque, mais profundo do que sua garganta frágil poderia falar, como se a voz fosse um imenso eco de poder.
- Você é serva de quem?
Ela sabia que eu era a serva humana de um vampiro, mas não a serva de quem. Isso me fez sentir melhor. Ela apenas lia o poder, não os detalhes, a menos é claro, que estivesse fingindo não saber, mas de alguma forma acho que ela não mostraria ignorância. Não, isso estava fora do seu conhecimento. Ela respirava arrogância assim como respirava poder. Mas por que não ser arrogante? Afinal, de qualquer maneira ela tinha se auto-proclamado uma deusa. Você tinha que ser absolutamente arrogante ou louca para se declarar uma divindade.
- De Jean-Claude, o Mestre da Cidade de St. Louis.
Ela inclinou a cabeça para um lado como se estivesse ouvindo alguma coisa.
- Então você é a executora. Você não deu o seu verdadeiro nome na entrada.
- Nem todos os vampiros falariam comigo se soubessem quem eu sou.
- Sobre o quê você quer falar comigo?
- Sobre os assassinatos e mutilações.
Novamente ela virou a cabeça para um lado como se escutasse.
- Ah, sim. - Ela piscou e olhou para mim. - O preço de uma audiência é o que está em suas mãos. - Devo ter parecido tão intrigada quanto me sentia porque ela completou. - O sangue, o sangue de Cesar. Gostaria de tirar isso de você.
- Como? - eu perguntei, apenas me chame de desconfiada.
Ela simplesmente se virou e começou a ir embora. Sua voz veio como o som de um filme mal dublado, o som chegou muito tempo depois de ter falado.
- Siga-me, e não lave as mãos.
Olhei para Edward.
- Você confia nela? - eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Nem eu. - eu disse.
- Nós vamos com ela ou não? - Olaf perguntou.
- Eu voto para não irmos. - disse Bernardo. Eu realmente não tinha olhado para ele desde que o sacrifício começou, ele estava um pouco pálido. Olaf não, ele parecia fresco e de olhos brilhantes, como se estivesse curtindo a noite.
Dallas disse:
- Seria um insulto grave recusar o convite. Ela raramente dá entrevistas pessoais voluntariamente. Você deve tê-la impressionado.
- Eu não a impressionei, ela me atraiu. - eu disse.
Dallas franziu a testa.
- Ela a atraiu? Ela gosta de homens.
Eu balancei a cabeça.
- Ela pode ter sexo com os homens, mas o que a atrai é o poder, professora.
Ela olhou para mim buscando meu rosto.
- Você tem esse tipo de poder?
Suspirei.
- Nós vamos descobrir, não é mesmo?
Comecei a caminhar na direção que a figura camuflada tinha ido. Ela não tinha esperado pela nossa decisão, apenas se afastou. Como eu disse, arrogante. Claro, estavamos prestes a segui-la em seu covil particular. Isso era arrogância também, ou estupidez. Arrogância ou estupidez, às vezes não há muita diferença entre os dois.
25
Eu não sabia para onde ir, mas Dallas sabia. Ela nos levou por uma pequena porta ao lado das escadas do templo escondida por cortinas. A porta ainda estava aberta como uma boca negra, e os degraus levavam para baixo. Onde mais? Só uma vez na vida eu gostaria de ver um vampiro cujo seu principal esconderijo fosse acima do solo e não abaixo dele.
Dallas desceu as escadas pulando cada degrau como se cantasse uma canção.
Seu rabo de cavalo balançava conforme ela descia. Se ela tinha algum receio em descer para escuridão não demonstrava. Dallas me confundia. Por um lado, ela não percebeu que Olaf era perigoso, e não tinha medo de nenhum dos monstros no clube. Por outro lado, acreditou em mim quando eu disse que arrancaria seu coração. Eu vi nos olhos dela. Como ela poderia acreditar na ameaça de um estranho e não ver os outros perigos? Não fazia sentido para mim, e eu não gostava do que não entendia. Ela parecia absolutamente inofensiva, mas suas reações eram estranhas, por isso coloquei um ponto de interrogação nela. O que significava que não daria as costas para ela ou a trataria como uma civil até que estivesse convencida de que era isso que ela era.
Olaf achou que eu estava andando muito devagar, ele passou por mim e seguiu Dallas pela escada. Ele teve que se inclinar para não bater sua cabeça no teto, mas parecia não se importar. Tudo bem para mim deixá-lo tomar a primeira bala, mas eu os seguia no escuro. Até agora ninguém tinha sido violento, não realmente, ainda não. E pareceria rude ter uma arma na mão, más... eu me desculparia depois. A menos que eu conheça o vampiro pessoalmente, gosto de ter uma arma carregada na mão quando sou chamada. Ou talvez tenha sido a escada estreita, a pressão das pedras estreitas como se fosse fechar em torno de nós como um punho e nos esmagar. Já mencionei que sou claustrofóbica?
A escada não era muito longa, e não havia uma porta no final dela. O esconderijo de Jean-Claude em St. Louis era como uma fortaleza subterrânea. Aqui a entrada estava mal posicionada e a escada era curta, não existia uma segunda porta... Arrogância mais uma vez.
Olaf bloqueou minha visão de Dallas, mas eu a vi chegar a uma porta mal iluminada no fundo. Ele teve de vergar-se ainda mais para passar e hesitou antes de se levantar do outro lado. Eu vi um movimento em torno dele, ou melhor, do outro lado. Rápido, quase inexistente, como as coisas que você vê pelo canto do olho. Isso me lembrou das mãos que tinham despido Cesar enquanto ele caminhava entre luz e trevas. Olaf ficou na porta, seu corpo quase bloqueando completamente a pouca luz. Dallas agora parecia uma sombra, ela o levou para longe da porta, para perto da completa escuridão. Eu perguntei:
- Olaf, você está bem?
Nenhuma resposta.
Edward tentou.
- Olaf?
- Estou bem.
Olhei para para Edward, nós dois pensando a mesma coisa. Isso poderia ser uma armadilha. Talvez ela estivesse por trás dos assassinatos, talvez ela só quisesse matar o carrasco, ou talvez fosse uma vampira de séculos de idade, e só quisesse nos ferir.
- Será que ela poderia fazer Olaf mentir usando algum truque mental? - eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Não tão rápido. Eu não gosto dele, mas Olaf é mais forte do que isso.
Olhei para ele procurando seu rosto na penumbra.
- Eles poderiam forçá-lo a mentir?
- Você quer dizer uma faca em sua garganta? - Edward perguntou.
- Sim.
Ele deu um leve sorriso.
- Não.
- Você tem certeza disso? - Eu perguntei.
- Aposto minha vida nisso.
- Estamos apostando todas as nossas vidas nele.
Ele balançou a cabeça.
- Sim, estamos.
Se Edward disse que Olaf não tinha medo da morte ou da dor, acreditaria nele. Ele não entendia porque as pessoas faziam algumas coisas, mas geralmente estava certo quando elas fariam, não importa o motivo, ele raramente errava. Então... continuei descendo os degraus.
Ampliei minha visão periférica tentando enxergar o que tinha do outro lado da porta enquanto andava para ela. Eu não tinha que me curvar para passar, a sala era quadrada e pequena, talvez tivesse dezesseis metros quadrados, e estava cheia de vampiros.
Coloquei minhas costas contra a parede à direita da porta, segurei a arma com as duas mãos, apontado para o teto. Eu queria apontar para alguém. Meus ombros doíam com a tensão de não fazê-lo. Ninguém estava me ameaçando, ninguém estava fazendo porcaria nenhuma, exceto ficar em pé, olhando, observando a cena como as pessoas normalmente fazem. Então, por que eu sentia que deveria ter entrado na sala atirando?
Vampiros altos, baixos, gordos e magros, de todos os tamanhos, de todas as formas, e quase todas as raças andavam em torno daquela pequena sala de pedra. Depois do que tinha acontecido lá em cima com sua mestra, eu tomaria cuidado para não fazer contato visual com nenhum deles. Meu olhar varreu a sala fazendo uma contagem rápida. Quando contei mais de sessenta vampiros percebi que a sala tinha pelo menos o dobro do tamanho que eu pensava inicialmente. Tinha que ser grande para caber todos eles. Eu achei que era pequena porque estava lotada e apertada, as tochas nas paredes adicionavam à ilusão, cintilando, dançando e deixando a luz incerta.
Edward ficou na porta de costas para o batente, seu ombro tocando o meu levemente. Sua arma era como a minha, seus olhos procurando os vampiros.
- O que há de errado?
- O que há de errado? Olhe para eles! - Minha voz era baixa, não porque eu estivesse tentando sussurrar, isso seria inútil, mas porque minha garganta estava apertada, a boca seca.
Ele examinou a multidão novamente.
- Então?
Olhei para ele com raiva, depois voltei minha atenção para os vampiros.
- Merda, Ed ... Ted. Merda.
Não era apenas o número deles, o problema é que eu estava sentindo cada um deles. Estive com centenas de vampiros antes, mas eles não tinham me afetado dessa forma. Eu não sabia se parte da minha ligação com Jean-Claude me tornava mais vulnerável, ou se a minha necromancia tinham crescido desde então. Talvez Itzpapalotl fosse mais poderosa do que os outros vampiros-mestre, ou talvez seu poder fosse maior do que os outros vampiros. Havia perto de uma centena deles nesta sala, e eu estava recebendo as impressões de todos, ou da maioria deles. Meu escudo era grande agora, eu poderia manter muita coisa sobrenatural afastada, mas isso era demais para mim. Eu poderia dizer quase com certeza que não havia na sala nenhum vampiro com menos de cem anos. Eu tinha flashes de cada um deles, se olhasse por muito tempo, eu saberia a idade e o poder de cada um. As quatro fêmeas no canto direito tinham mais de quinhentos anos. Elas me olhavam com seus olhos e peles escuras, com paciência em seus rostos vazios.
A voz de Itzpapalotl veio do centro da sala, mas ela estava escondida atrás dos vampiros, protegida por eles.
- Eu não ofereci nenhuma violência, mas você está armada. Você busca o meu auxílio, mas ainda quer me ameaçar.
- Não é pessoal, Itz...- Tropecei no seu nome.
- Pode me chamar de Borboleta Obsidiana.
Era estranho falar com ela sem vislumbre de seu poder através das figuras a espera.
- Não é pessoal, Borboleta Obsidiana. Só sei que quando eu pego a arma, as chances de pega-la novamente antes que um de seus vampiros rasgue minha garganta é malditamente pequena.
- Você desconfia de nós. - ela disse.
- Como você desconfia de nós. - eu disse.
Então ela riu. O riso era o som de uma jovem mulher, normal, mas os ecos dos risos tensos dos outros vampiros eram tudo, menos normal. O riso deles tinha uma nota selvagem, um desespero, como se estivessem com medo. Fiquei imaginando qual seria a pena por não seguir seu exemplo. O riso desapareceu, exceto por um som masculino com uma frequência mais alta que a dos outros vampiros. Eles pareciam estátuas, coisas feitas de pedra, não era real, não era vivo. Eles esperavam como coisas vazias. Esperavam o quê? O único som na sala era o riso alto, insano, como os sons que você via nos filmes em manicômios, ou laboratórios de cientistas loucos. O som fez os pelos dos meus braços se arrepiarem, e não era mágico. Era simplesmente assustador.
- Se vocês guardarem suas armas, vou enviar meu povo para longe. Isso é justo, não é?
Era justo, mas não gostei. Eu queria ficar com a arma em minhas mãos. Claro, a arma só funcionaria se alguns deles nos atacassem, e não todos. Se ela os mandasse para o inferno, eles começariam a cavar um buraco, se ela mandasse que se apressassem certamente eles o fariam. Assim, as armas davam apenas uma sensação de segurança, uma manobra dilatória antes do final. Demorou apenas alguns segundos para pensar sobre isso, mas o riso horrível continuou como se fosse um daqueles bonecos assustadores com uma caixa de riso dentro dele.
Senti o ombro de Edward pressionado contra o meu. Ele estava esperando por uma resposta, confiando em minha experiência. Eu esperava que não os matasse. Coloquei a arma de volta no coldre e esfreguei a mão na perna, estava segurando a arma há muito tempo, e também malditamente apertada. Eu, nervosa?
Edward colocou sua arma para cima. Bernardo ainda estava na escada e percebi que ele não estava fazendo nada certo, desceu as escadas e bloqueou a nossa saída. Era o tipo de trabalho agradável saber que todos do seu lado estavam dispostos a atirar em qualquer coisa que se movesse. Sem corações sangrando, sem empatia, apenas negócios.
Claro, Olaf estava de um lado com Dallas. Ele não sacou a arma. Ele tinha avançado para muito perto dos vampiros, seguindo o rabo de cavalo de Dallas para sua destruição, ou pelo menos para a sua potencial destruição.
Os vampiros respiraram como se fossem vários corpos e uma só mente. A vida, por falta de um termo melhor, fluía de volta para eles.
Alguns deles pareciam quase humanos, mas muitos eram pálidos, esfomeados e fracos. Seus rostos estavam muito finos, como se os ossos de seu crânio saíssem para fora da pele doente. Eles eram pálidos, mas a cor natural da pele era mais escura do que branca, não era a palidez fantasmagórica que eu estava acostumada a ver. Percebi com algo parecido com o choque que a maioria dos vampiros que eu conhecia era caucasiana. Aqui, a pele branca era a minoria. Uma reversão agradável.
Os vampiros começaram a deslizar em direção a porta, ou alguns deles deslizaram, outros se arrastavam como se não tivessem energia para levantar seus pés, como se estivessem verdadeiramente doentes. Eu sabia que os vampiros não pegavam nenhuma doença, mas esses pareciam doentes.
Um deles tropeçou e caiu no meu pé pousando a mão pesadamente no meu joelho. Ele ficou onde estava, pendurado de cabeça para baixo. Sua pele era um branco sujo como a neve que tinha permanecido muito tempo em uma estrada movimentada, um branco acinzentado. Os outros vampiros se moviam em torno dele como se fosse uma pedra no caminho. Eles continuaram passando, e ele parecia não notar. Suas mãos pareciam ás mãos de um esqueleto mal cobertas com pele. Seu cabelo era um loiro tão claro que parecia branco, pendurado em torno de seu rosto. Ele ergueu o rosto para cima lentamente, e era como olhar para uma caveira. Seus olhos estavam fundos em sua cabeça e pareciam queimar no fim do longo túnel negro. Eu não tinha medo de olhar naqueles olhos, ele não tinha força suficiente para me prender. Os ossos de seu rosto estavam tão pressionados contra sua pele fina que parecia que iria rasgar completamente. Uma língua pálida escorregou por entre os lábios finos, quase invisível. Seus olhos eram um verde pálido, pálido como esmeraldas ruins. As paredes finas do nariz se dilataram como se ele estivesse farejando o ar, ele provavelmente estava. Vampiros não dependem do olfato como os metamorfos, mas tem um senso de olfato muito melhor do que os seres humanos. Ele fechou os olhos e respirou profundamente, estremeceu e parecia desfalecer, desmaiar. Eu nunca tinha visto um vampiro fazer isso. Ele me pegou de surpresa, e foi culpa minha.
Eu o vi ficar tenso, e minha mão estava indo para a Browning, mas não havia tempo. Ele estava a pouca distância, eu nunca tocaria na arma antes que ele caísse sobre mim. Ele tirou todo o ar do meu corpo, sua mão estava no meu rosto virando a cabeça para um lado, expondo meu pescoço antes que eu tivesse tempo de respirar.
Eu tive uma sensação de movimento mesmo antes de vê-lo, senti seu corpo tenso e eu sabia que ele estava prestes a atacar. Ele não fez nenhum esforço para controlar as minhas mãos. Tentei pegar a arma, mas nunca conseguiria pegá-la e apontar a tempo. Ele afundaria suas presas no meu pescoço e eu não poderia impedi-lo. Era como um acidente de carro, eu só tive tempo de vê-lo chegar e pensar "Eu não posso pará-lo". Não havia sequer tempo para ter medo.
Algo puxou o vampiro para trás. Sua mão se enrolou na minha jaqueta e não me soltou. Seu aperto desesperado quase me tirou do chão, mas consegui pegar a arma antes de me preocupar com isso.
Um grande vampiro asteca agarrou o vampiro esquelético segurando-o contra seu corpo, só que o braço do vampiro continuava me segurando. Edward estava com a arma apontada para os dois.
O vampiro maior puxou o esquelético com tanta força que quase tirou meus pés do chão mais uma vez, mas o vampiro esquelético continuou agarrado a minha jaqueta prendendo também a minha blusa. Eu tinha a Browning apontada para o peito do vampiro, embora não tivesse certeza se a munição era segura para disparar a essa distância com o alvo pressionado diretamente na frente de outra pessoa. Eu não tinha certeza se a munição atravessaria o primeiro vampiro e não o segundo. O segundo vampiro me salvou. Realmente não seria bom fazer um buraco nele. Os outros estavam deixando a sala correndo em fila para nos passar e subir a escada e ficar fora de perigo. Covardes. Mas a fila estava diminuindo, o que seria ótimo. Eventualmente, eu estava sendo cuidadosa com os malditos vampiros na sala, mas agora o mundo foi reduzido ao vampiro perto de mim. Uma coisa de casa vez. O vampiro maior continuava se esforçando para obrigar o esquelético me soltar, continuamos avançando pela sala. Edward passou por nós, arma em punho apontada para a cabeça do vampiro. Finalmente coloquei o cano da minha arma embaixo do seu queixo. Eu poderia fundir seu cérebro no teto sem acertar o segundo vampiro.
A voz de Borboleta Obsidiana cortou a sala como um chicote. O som me fez estremecer, apertando os ombros como se tivesse levado um golpe.
- Estes são meus convidados. Como se atreve a atacá-los!
O vampiro esquelético começou a chorar e suas lágrimas eram claras, humanas.
As lágrimas dos vampiros são tingidas de vermelho, eles choram lágrimas de sangue.
- Por favor, por favor, eu preciso me alimentar, por favor!
- Você vai se alimentar como o resto de nós, como convém a um deus.
- Por favor, por favor senhora, por favor.
- Você me desgraça perante nossos visitantes.
Então ela falou baixo e rapidamente numa linguagem estranha que parecia espanhol, mas não era. Eu não falava espanhol, mas já tinha ouvido vezes o suficiente para saber. Tudo o que ela estava dizendo chateava o vampiro.
O vampiro grande puxou com tanta força que finalmente meus pés saíram do chão, mas o outro vampiro ainda estava me segurando. Acabei de joelhos, minha jaqueta e camisa pendurada na mão do vampiro, um braço levantado em um ângulo estranho.
Minha arma estava pressionada em seu estômago agora, e novamente me perguntei se atirando a queima-roupa a munição nova mataria os dois vampiros? Era um milagre que eu não tivesse acidentalmente atirado em sua cabeça. Edward ainda estava lá a arma apontada para a cabeça do vampiro. A primeira dica que tive de que algo ia mal foi um brilho fraco. O brilho se transformou em algo puro e branco, minha cruz saiu para fora da camisa. O vampiro continuava me segurando, mas começou a gritar em uma voz alta e lamentável. A cruz começou a brilhar cada vez mais forte até que eu tive que virar a cabeça para proteger os meus olhos. Era como se seu estivesse queimando magnésio ao redor do pescoço. Tão brilhante, ela brilhava assim quando algo muito ruim estava por perto. Eu acho que a coisa ruim não era o vampiro em cima de mim. Eu estava apostando que a cruz não brilharia tanto assim por esse vampiro, talvez nem pelos outros. Muita coisa nessa sala poderia me matar, mas não havia nada na sala que justificasse o show de luzes.
- Deixe-o seguir seu destino. - ela disse.
Senti o braço que ainda estava me puxando desesperadamente amolecer. Eu estava ajoelhada, mas pude senti-lo através do cano da arma ainda pressionado contra ele.
Edward disse,
- Anita? - Era uma pergunta, mas eu ainda não tinha uma resposta.
Pisquei para luz tentando enxergar. O vampiro colocou uma mão em meu ombro. Seus olhos estavam fechados espremidos contra a luz, seu rosto atormentado com a dor. A luz branca fazia seus dentes brilharem como se ele fosse se alimentar.
- Pare ou morre. - eu disse, mas não estou certa se ele me ouviu. Sua mão acariciou o lado do meu rosto, era como ser tocada por gravetos. Suas mãos nem pareciam reais, eu gritei: - Eu vou matá-lo.
- Que assim seja. A escolha é sua.
Sua voz era tão verdadeira, tão indiferente, que me deu vontade de não fazê-lo.
Sua mão agarrou meu cabelo tentando virar meu rosto para um lado. Sua cabeça se preparou para mais um ataque, mas ele não conseguiu se aproximar por causa do brilho da cruz. Ele continuava tentando. Tão fraco como estava, ele deveria ter corrido gritando para longe da luz.
- Anita! - A voz de Edward não era uma pergunta agora, era mais uma previsão.
O vampiro soltou um grito que me fez suspirar, sua cabeça foi para trás, em seguida para baixo, e seu rosto se transformou em um borrão branco na minha direção. A arma disparou antes que eu percebesse que tinha apertado o gatilho, apenas um reflexo. O som de um segundo tiro ecoou tão perto do meu que parecia um só. O vampiro estremeceu e sua cabeça explodiu. Sangue e coisas mais espessas pulverizaram meu rosto.
Ajoelhei-me em um súbito silêncio ensurdecedor. Eu não ouvia nenhum som, nada além de um ruído distante em meus ouvidos, como sinos metálicos. Virei-me devagar para ver o corpo do vampiro esparramado do meu lado, nos meus pés e eu ainda não conseguia ouvir nada. Algumas vezes isso acontece por causa do choque, outras vezes apenas porque alguém atirou do lado de suas orelhas.
Eu passei a mão no rosto do lado esquerdo tirando sangue e pedaços mais espessos. Edward me entregou um lenço branco, provavelmente algo que Ted levaria, mas eu não, comecei a tentar tirar aquilo de mim.
A cruz ainda estava brilhando como uma estrela em cativeiro. Eu já estava surda, e se não parasse de virar os olhos por causa da luz, ficaria cega também. Olhei ao redor da sala, a maioria dos vampiros tinha fugido pelos degraus se distanciando do brilho da cruz, mas outros ficaram reunidos em torno de sua deusa protegendo-a, acho que de nós. Pisquei através do brilho e acho que vi o medo em um ou dois rostos. Você não vê isso muitas vezes em vampiros seculares.
Pode ter sido a cruz, mas eu acho que não era isso. Coloquei a cruz de volta em minha camisa. A cruz de prata ainda estava reluzindo, ela só queima a carne de um vampiro se tocá-lo, em seguida queima o vampiro e qualquer carne humana que tocar ao mesmo tempo, eu tinha uma cicatriz no meu peito para provar.
Os vampiros ficaram na frente de sua mestra e o medo ainda estava lá em pelo menos um rosto. A cruz podia mantê-los afastados, mas não era isso que temiam. Olhei para o corpo do vampiro no chão, o orifício de entrada era apenas uma pequena coisa vermelha com marcas de queimaduras negra em torno dele, mas o orifício de saída tinha quase um pé de diâmetro. Não havia uma cabeça no corpo, apenas o maxilar inferior e uma borda fina do lado esquerdo do cérebro, o resto estava espalhado no chão e em mim.
A boca de Edward estava se movendo e o som voltou em uma espécie de ondas sonoras, eu ouvi apenas o fim da frase.
- ... munição você está usando agora?
Eu disse e ele se ajoelhou perto do corpo e inspecionou o ferimento no peito.
- Eu pensei que o Hornady XTP não fizesse essa confusão ao sair.
Sua voz ainda soava como se estivesse distante, metálico, mas eu podia ouvir novamente, significava que minha audição voltaria ao normal, eventualmente.
- Eu não acho que eles fizeram todos os testes disparando à queima-roupa.
- Faz um belo buraco.
- Entra como uma moeda de um centavo, e sai como uma pizza. - eu disse.
- Você tinha dúvidas sobre os assassinatos? - disse Borboleta Obsidiana. - Pergunte a eles.
Ela estava parada no meio de seu povo, não muito protegida. Não sei se ela decidiu que não atiraríamos nela, se achava que era covardia se esconder atrás de outros ou se tínhamos passado em algum tipo de teste. Se ela estava disposta a responder as minhas perguntas, eu daria um jeito de conseguir as respostas certas. Vi Dallas e Olaf do lado dos vampiros. Ela tinha o rosto escondido contra o peito dele enquanto Olaf a segurava, consolando, ajudando a não lhe ver a bagunça no chão. Ele olhava para ela como se fosse uma coisa preciosa, não era amor, ele olhava para ela como um homem que cobiça um carro novo, uma coisa bonita que ele queria mas não esperava conseguir. Ele acariciava seus cabelos, correndo os dedos através do rabo de cavalo mais e mais, brincando com seus cabelos, olhando-o cair em suas costas.
Eu não fui a única a observá-los.
- Cruz, leve a professora Dallas. Acho que ela viu o suficiente por uma noite.
Um vampiro baixo e latino-americano foi em direção a eles, mas Olaf disse,
- Eu a levo para cima.
- Não. - Edward disse.
- Eu acho que não. - eu disse.
Itzpapalotl disse:
- Isso não será necessário.
Nós três trocamos um olhar, apesar de não conhecer seus olhos mortos houve um entendimento entre nós, eu acho. Olaf precisava ficar longe da professora, talvez um ou dois estados longe dela.
Cruz puxou Dallas dos braços relutantes de Olaf e levou a mulher que continuava chorando pelas escadas para longe do horror estendido no chão. Nós só o matamos, o vampiro de Itzpapalotl enfrentou uma cruz brilhante para ter a chance de se alimentar. Estava esfomeado ao ponto de deixar dois seres humanos apontar as armas para ele e nem tentar fugir. Ele queria afundar as presas na carne humana mais do que queria viver. Geralmente eu não sinto pena de vampiros que tentam se alimentar de mim, especialmente sem permissão, mas desta vez abri uma exceção. Ele tinha sido lamentável e agora estava morto. A pena nunca me impediu de puxar o gatinho, e Edward não sentia pena. Eu podia olhar para baixo para o que restava de seu corpo esquelético e pensar "coitado", mas não sentia nada sobre sua morte. Não estava arrependida, eu não senti nada, absolutamente nada.
Olhei para Edward, e ele olhou para mim, eu daria qualquer coisa para ter um espelho naquele momento. Olhando para o rosto branco de Edward, para aqueles olhos vazios que nada sentiam, percebi que não precisava de um espelho. Eu já tinha um.
26
Talvez eu tenha medo da revelação, mas os vampiros começaram a vir em nossa direção. Sobrevivência em primeiro lugar, questões morais depois. Richard poderia dizer que era um dos meus maiores problemas. Jean-Claude não. Havia mais de uma razão para que eu e Richard não vivessemos uma vida plena e feliz, e havia mais de uma razão para que eu não tirasse Jean-Claude da minha vida. Itzpapalotl deslizou para frente ainda envolta no manto escarlate, eu não via seus pés e ela se movia de forma tão suave que parecia estar sobre rodas. Havia algo artificial sobre ela. As quatro mulheres silenciosas andavam à sua esquerda, e algo me incomodava sobre a forma como elas se moviam. Levei um ou dois segundos para perceber o que era.
Elas estavam se movendo em uníssono absoluto, passos perfeitos. Uma delas levantou a mão para tirar um fio de cabelo negro de seu rosto, e todas as outras seguiram o movimento como fantoches, embora não houvesse nenhum cabelo disperso em seus rostos. O modo como respiravam, a maneira como mexiam as mãos, elas imitaram umas as outras.
Não, não era imitar, essa seria uma palavra muito suave. Eram como um único ser com quatro corpos. O efeito era assustador porque elas não se pareciam. Uma delas era pequena e roliça, a outra era alta e magra, as outras duas eram delicadas e levemente semelhantes. Todas elas tinham a pele mais pálida que Itzpapalotl, como se em vida não tivessem a pele mais escura do que tinham agora.
O vampiro alto que tentou puxar o vampiro esfomeado de mim andava à sua direita. Ele era o mais alto, com pelo menos 1,90mt ombros largos e músculos que correspondiam a sua altura. Seu cabelo caía como lava negra a suas volta, enfeitada por uma coroa de penas e ouro, no entanto seu nariz era perfurado, e essa seria uma palavra muito branda para a argola de três polegadas de ouro grosso que dividia seu rosto. Um pesado par de brincos de ouro esticava suas orelhas a uma linha fina de carne. Sua pele era da cor de marfim, não de ouro pálido, um cobre mais pálido. Era uma cor marcante com o carvão de seus cabelos preto e os perfeitos olhos negros. Ele deu dois passos para trás, permanecendo do seu lado direito, como se esse tivesse sido sempre o seu lugar.
Três outros vampiros estavam a pouca distância do homem, todos tinham a cor de marfim branco que eu estava acostumado a ver. Estavam vestidos com as mesmas roupas dos seguranças, saia e tanga, mas não tinham adornos. Seus braços e pernas estavam despidos de qualquer tipo de adornos, e estavam descalços. Eu sabia que não eram funcionários quando os vi, talvez fossem prisioneiros.
Um deles tinha estatura mediana, cabelos castanhos encaracolados em um corte curto e uma linha marrom mais escura de barba e bigode que definia a perfeita brancura de sua pele, os olhos eram de um azul pálido.
O segundo homem era mais baixo, o era cabelo grisalho como se tivesse morrido após o cabelo ter ficado cinza. O rosto estava alinhado, forte, e o corpo ainda era musculoso, de modo que era difícil definir sua idade no momento da morte, era mais velho que os outros, quarentão, embora eu não fosse uma especialista em definir a idade de um vampiro. Seus olhos ecoavam o cinza escuro das nuvens de uma tempestade e tinham a mesma cor do cabelo. Ele segurava uma corrente com uma mão e no final dela tinha um terceiro homem sendo arrastado, ele não estava de quatro, mas se encolhia como um cão chicoteado. Seu cabelo era curto e amarelo com suaves ondulações. Era a única coisa nele que parecia vivo. Sua pele era como papel velho agarrado a seus ossos. Seus olhos estavam tão fundo em sua cabeça que eu não poderia dizer a cor deles.
No fim da fila vinham cinco latino-americanos, guarda-costas Astecas.
Guarda-costas são guarda-costas, independentemente da cultura, do século ou o estado de vida, ou seria de morte? Eu sabia quem eles eram pelo tamanho dos músculos, e os cinco vampiros eram musculosos, mesmo carregando facas de obsidiana e usando um pouco menos de penas e jóias. Eles exalavam a aura de um soldado.
Olaf voltou para o nosso lado, e nós três ficamos de frente para os vampiros.
Bernardo ficou perto da escada se certificando que nossa saída não seria bloqueada. Era tão bom trabalhar com profissionais. Olaf estava com sua arma agora e estava olhando para os vampiros com um olhar que não era neutro, era hostil. Eu não sei por que, mas ele parecia chateado. Que figura.
Os vampiros pararam a cerca de oito metros de nós. O corpo do vampiro morto ainda estava entre nós, ele já havia parado de sangrar. Quando você arranca a cabeça de um vampiro eles sangram como um ser humano, litros e litros do mesmo material vermelho. É sempre uma bagunça decapitar alguém, mas esse vampiro tinha sangrado apenas uma pequena quantidade no chão de pedra, apenas uma pequena poça, e uma segunda ainda menor sob o peito. Não havia sangue suficiente para o que tínhamos feito a ele.
O silêncio parecia mais pesado do que deveria, Olaf se aproximou do corpo.
- Você pode checar seu pulso se quiser.
- Olaf, não. - Edward disse.
Olaf estava deslocado, ou desconfortável, ou lutando com a vontade de fazer algo pior do que falar demais.
- Você é o patrão. - ele disse, mas não como se quisesse dizer isso.
- Duvido que ele tenha pulso. - eu disse olhando para eles - É preciso energia para fazer bater o coração de um vampiro e esse não tinha nenhuma.
- Você sente compaixão por ele. - disse Itzpapalotl.
- Sim, eu acho que sinto.
- Seu amigo não.
Olhei para Edward. Seu rosto não mostrava nada. Era bom saber que ainda havia algumas diferenças entre nós. Eu sentia pena, ele não.
- Provavelmente não.
- Más não há arrependimento em qualquer um de vocês, nenhuma culpa.
- Por que devemos nos sentir culpados? Nós só o matamos, não o transformamos nessa coisa esfomeada no chão.
Mesmo sob o manto eu sentia seu silêncio crescer com essa terrível calma que só os mais velhos têm. A voz dela veio quente com o primeiro sinal de raiva.
- É presunção sua me julgar.
- Não, estou apenas indicando os fatos. Se ele não fosse o vampiro mais esfomeado que eu já vi na vida, nunca teria me atacado.
Eu também pensei que seria mais difícil tirá-lo de mim, mas não disse em voz alta. Eu realmente não queria provocá-la com tantos vampiros entre nós. Sem contar os homens-jaguar.
- E se eu disser aos meus queridos vampiros famintos que podem se alimentar de você, de todos vocês. O que fariam? - ela perguntou.
O vampiro de cabelos castanhos olhou para nós. Seus olhos nunca ficavam parados em ninguém por muito tempo, voando de um rosto para outro, mas ele tinha ouvido cada palavra.
Meu estômago se apertou com um nó forte o suficiente para machucar. Eu tive que prender a respiração para ser capaz de controlar a vibração repentina do meu pulso. Havia pelo menos dez, quinze dos mais esfomeados.
- Eles nos atacariam. - eu disse.
- Eles cairiam em cima de vocês como cães devoradores. - ela disse.
Concordei e coloquei a mão sobre a coronha da minha arma.
- Sim.
Se ela desse a ordem, a primeira coisa que faria seria mirar entre seus olhos. Se eu morresse, queria levá-la comigo. Vingativo, mas é verdade.
- O pensamento te amedronta. - ela disse.
Eu tentei ver seu rosto através do capuz, mas algum truque de sombra deixou visível apenas a curva de sua boca pequena.
- Se você pode sentir todas essas emoções, então você pode dizer a diferença entre uma mentira e uma verdade.
Ela levantou o rosto, um movimento desafiador repentino. Percebi um tremor em seu rosto abalando sua calma. Ela realmente não podia dizer a diferença entre uma mentira e uma verdade. No entanto conseguia sentir o remorso, a piedade, o temor. Verdade e mentira deveriam ter entrado em algum lugar.
- Deixá-los com fome é muito útil de vez em quando.
- Então você os deixa morrer de fome deliberadamente?
- Não. - ela disse. - O grande Deus criador vê que eles são fracos e não os sustenta como Ele nos sustenta.
- Eu não entendo.
- Permitimos que eles se alimentem como deuses, não como animais.
Eu fiz uma careta.
- Desculpe, eu ainda não entendi.
- Vamos mostrar como um deus se alimenta, Anita. - Ela disse o meu nome como deveria ser dito dividindo uma palavra em três sílabas, fazendo do nome comum algo exótico.
- Metamorfo descendo. - disse Bernardo, sua arma estava apontada para cima.
- Eu chamei um sacerdote para alimentar os deuses.
- Deixe que ele venha. - eu disse. Olhei para aquele rosto delicado e tentei ler o que estava lá, mas não havia ninguém em casa que pudesse falar nada que eu pudesse entender. - Não quero ser ofensiva e peço desculpas se estou te insultando, mas nós viemos aqui para falar sobre os assassinatos e gostaria de fazer algumas perguntas.
- Seu amplo conhecimento da cultura asteca nos trouxe até você. - disse Edward.
Eu lutei para não levantar as sobrancelhas para ele, e apenas concordei.
- Sim, o que ele disse.
Ela realmente sorriu.
- Você ainda acredita que eu e meu povo somos apenas vampiros. Você não acredita verdadeiramente que somos deuses.
Ela me pegou, mas não podia cheirar uma mentira.
- Eu sou cristã. Você viu o quanto a cruz brilhou. Isso significa que sou monoteísta, por isso se vocês são deuses, então é um problema para mim.
Isso foi tão diplomático que até eu estava impressionada.
- Vamos provar isso para você, oferecemos a nossa hospitalidade como nossos convidados depois, então, falaremos de negócios.
Aprendi ao longo dos anos que se alguém diz que é um deus, você não deve discutir com ele a menos que esteja bem armada, então eu não discuti. Ela estava louca e tinha apoio suficiente neste prédio para tornar sua loucura contagiosa, ou até mesmo fatal. Então aproveitaríamos a hospitalidade, e quando a auto-proclamada deusa estivesse satisfeita eu começaria a fazer minhas perguntas. Seria ruim observá-los provar que eram deuses? Não responda a isso.
O homem-jaguar que veio através da porta era o loiro de olhos azuis com bronzeado dourado que tinha passado perto de nossa mesa e que eu tinha tocado sua pele. Ele entrou pela porta com um rosto neutro, olhos vazios, como se ele não estivesse certo se queria estar aqui.
Seu olhar varreu a sala e hesitou sobre o vampiro morto, ele caiu de joelhos na frente de Itzpapalotl, de costas para nós e nossas armas, com a cabeça baixa.
- O que você quer de mim, minha deusa sagrada?
Eu lutei para manter meu rosto em branco. Deusa sagrada? Que tristeza!
- Quero mostrar aos nossos visitantes como um deus se alimenta.
Ele olhou para seu rosto.
- Quem você escolheu para continuar com o culto, mestra sagrada?
- Diego. - ela disse.
O vampiro de cabelos castanhos e um dos prisioneiros se assustou com o nome e, embora seu rosto estivesse vazio, eu sabia que ele não estava feliz.
- Sim, minha deusa escura, o que você deseja de mim? - Diego perguntou.
- Quero que você ofereça Seth como sacrifício. - Ela acariciou a pele do capuz do homem.
- Como quiser minha deusa escura. - disse Diego. Sua voz era tão vazia quanto seu rosto tentava mostrar.
O homem-jaguar estava de quatro imitando o animal cuja pele ele usava. Ele apertou a testa com as mãos encontrando-se quase prostrado nos pés de Diego.
- Levanta-te, sacerdote da nossa deusa escura, e faça o sacrifício para nós.
O homem-jaguar se levantou, ele era quase um palmo mais alto do que Diego. Ele tocou a frente da pele de jaguar e ela se abriu o suficiente para que tirasse a cabeça de animal com seus cegos olhos de vidro de cima da sua cabeça. A cabeça caiu em seus ombros como um animal com o pescoço quebrado. O cabelo de Seth era um loiro cor de mel, como raios de sol presos em suas longas mechas, trançado e jogado para trás para que a cabeça de jaguar entrasse facilmente. Era exatamente o mesmo penteado que eu tinha visto no primeiro sacerdote.
- Faça com que nossos visitantes possam ver tudo. - disse Itzpapalotl.
Os homens se posicionaram. As orelhas do homem-jaguar eram cobertas de espessas cicatrizes brancas. Ele tirou uma pequena faca de prata do cinto, o punho era de jade esculpido. Ele colocou a lâmina contra o lóbulo da orelha firmando-a com a outra mão e cortou a pele. O sangue caía em linhas escarlates entre seus dedos, abaixo da lâmina, escorrendo sobre a pele de jaguar.
Diego foi até o homem mais alto colocando uma mão atrás de seu pescoço, e a outra no meio de suas costas. Parecia estranhamente como um beijo, como se ele puxasse a cabeça do homem-jaguar para baixo. A boca do vampiro selou em torno do lóbulo da orelha, puxando toda a região em sua boca. Sua garganta se mexia conforme ele engolia, sugando a ferida, puxando-a para baixo. O azul claro de seus olhos brilhava como pálidas safiras ao sol. Sua pele começou a brilhar como se houvesse um fogo branco por dentro. O castanho do seu cabelo escuro parecia ter clareado ou talvez fosse ilusão pela forma como sua pele branca brilhava.
O homem-jaguar tinha fechado os olhos, a cabeça jogada para trás prendendo a respiração em sua garganta. Uma de suas mãos estava sobre o ombro nu do vampiro, e você podia ver a pressão dos dedos em sua carne pálida e brilhante.
Diego recuou exibindo as presas.
- Feche a ferida.
- Ofereça o outro lado, meu gato. - disse Itzpapalotl.
O vampiro se afastou apenas o suficiente para que o outro homem utilizasse a faca de prata na outra orelha. Então ele caiu sobre ela como um amante de longa data. Quando ele se afastou seus olhos brilhavam com a luz azul, as pálpebras pesadas.
- Feche a ferida.
Era realmente interessante ver como a ferida se fechava tão rápido. Os vampiros tem um anti-coagulante na saliva que deveria manter o sangue fluindo, e a prata deveria ter forçado o Metamorfo a se curar como um humano normal, mas a ferida se fechou muito rápido, não tão rápido para me deixar confortável, mas muito mais rápido do que deveria. A única coisa que eu podia imaginar era que Itzpapalotl de alguma forma tinha dado aos metamorfos a capacidade de se curar mais rápido que os outros. Talvez balas de prata normal não funcionassem para eles, não para matar, era algo em que pensar.
- Eu quero que eles vejam o que é ser um deus, Diego. Mostre a eles, meu gato.
O homem-jaguar abriu uma emenda na pele parecida com um velcro. Ele teve que parar para tirar o cinto que guardava as facas e uma pequena bolsa. O cinto caiu no chão e a pele de jaguar escorregou pelo seu corpo. Sua pele era totalmente bronzeada ... hum, você sabe. Como se ele tomasse banho de sol completamente nu.
Ele ainda tinha a faca de prata na mão e eu não tinha a menor ideia onde ele a usaria, mas não era um bom sinal. Ele colocou a faca em seu próprio pênis liso, duro e animado. Seth colocou a ponta da faca contra a pele delicada e desenhou uma linha fina em vermelho. Sua respiração saiu rápida em um suspiro agoniado.
Eu e Olaf também suspiramos. Bernardo disse:
- Merda! Eeeyah!
Eu não tinha a mesma simpatia pelo orgão quanto os rapazes, mas isso tinha que doer. Edward foi o único a não fazer nenhum som, ou ele sabia o que estava por vir, ou nada o surpreendia.
- Diego. - disse Itzpapalotl - Mostre a eles o que significa ser um deus.
Havia um tom de alerta em sua voz, como se ela estivesse advertindo-o para fazer o seu trabalho. Ele parecia desfrutar completamente da orelha de Seth. Por que não faria isso?
Diego caiu de joelhos e seu rosto estava muito próximo do sangue oferecido, tudo o que tinha a fazer era chegar e pegá-lo, mas ele ficou de joelhos olhando para a carne ferida, em seus olhos ainda ardiam o fogo azul pálido. Ele ficou imóvel até que o corte começou a curar e finalmente desapareceu, como se a carne a tivesse absorvido. Eu nunca vi uma ferida feita por prata curar tão bem em um metamorfo. Nunca.
Seth olhou por cima do ombro, uma mão ainda em torno de seu pênis nu, ele estava começando a murchar um pouco.
- Deusa sagrada, que queres que eu faça?
- O sacrifício. - disse ela, e tinha bastante calor nessas palavras para me fazer tremer.
Seth colocou a ponta da faca em sua carne novamente. Parecia mais difícil conseguir um corte limpo quando ele não estava totalmente ereto, mas ele conseguiu. O sangue se espalhou por sua pele, manchando os dedos de vermelho.
Diego continuava de joelhos, mas não fez nenhum movimento para se alimentar. O fogo desapareceu de seus olhos, o brilho desaparecendo da pele deixando-o ainda adorável, um contraste entre a pele pálida, os cabelos escuros e os olhos azuis, mas ele parecia derrotado de alguma forma com as mãos em seu colo.
As quatro mulheres se afastaram de Itzpapalotl, deslizando como uma unidade até ficarem em um semicírculo atrás do vampiro ajoelhado.
- Você me decepcionou mais uma vez, Diego. - disse a deusa.
Ele balançou a cabeça e inclinou-se fechando os olhos.
- Sinto muito por isso minha deusa escura, eu não queria decepcioná-la.
Sua voz parecia cansada quando disse isso, como se fosse algo memorizado, mas seu coração não estava nele.
As quatro vampiras puxaram um chicote de couro preto enrolado em suas cinturas com vários cordões de couro fino espalhados como flores obscenas. Bolas de prata foram trançadas nas pontas e brilhavam na luz das tochas. Era um rabo de gato de nove caudas, só que nesse caso tinha muito mais.
- Por que você insiste em recusar essa honra, Diego? Por que nos obriga a puni-lo?
- Eu não sou um amante dos homens, minha deusa escura, e não vou fazer isso. Lamento recusar, mas não farei.
Novamente sua voz parecia cansada como se ele tivesse dito tudo isso antes, muitas vezes antes. Ele tinha cerca de quinhentos anos. Será que recusou essa "honra" durante cinco séculos?
As quatro mulheres olhavam para sua deusa, não estavam olhando para o vampiro a seus pés. Itzpapalotl deu um pequeno aceno de cabeça. Quatro braços foram para trás transformando o rabo de gato em uma chuva de prata e couro. Elas giravam o chicote no ar como se soubessem o que estavam fazendo. Os braços desceram em sequência da direita para a esquerda, um golpe atrás do outro, e outro, e outro, e outro. Os golpes caiam tão juntos como o som da chuva forte, exceto que estava caindo na carne, e você podia ouvir cada gota. Bateram até tirar sangue, então ficaram imóveis ao redor dele, à espera.
- Você ainda se recusa?
- Sim minha deusa negra, eu ainda recuso.
- Quando você estuprou essas mulheres há muito tempo, você sonhou que algum dia pagaria o preço?
- Não, minha deusa escura.
- Você não acredita nos nossos deuses, não é?
- Não minha deusa escura, eu não acredito.
- Você pensou que o seu Cristo branco poderia salvá-lo, não é?
- Sim minha deusa escura.
- Você estava errado.
Diego estava com a cabeça curvada entre os ombros, como se estivesse tentando se recolher em si mesmo, como uma tartaruga. A metáfora era engraçada. O gesto não era.
- Sim minha deusa escura, eu estava errado.
Ela deu outro aceno de cabeça e as mulheres começaram a chicoteá-lo em um borrão que fez os chicotes de prata brilhar como relâmpago em suas mãos. O sangue corria em flâmulas pelas suas costas, mas ele nunca gritou, nunca pediu clemência.
Eu devo ter feito algum movimento porque Edward se aproximou de mim, não agarrando o meu braço, apenas tocando. Olhei em seus olhos e ele sacudiu a cabeça. Eu realmente não arriscaria nossas vidas por um vampiro que eu não conhecia, eu realmente não faria, mas não estava gostando da cena.
Olaf fez um pequeno som, ele assistia a tudo com os olhos brilhando como uma criança no Natal que corre para a árvore para ver se ganhou exatamente o que tinha desejado. Ele segurava a arma com tanta força que suas mãos estavam marcadas e um tremor fino correu por seus braços. Eu poderia não gostar disso, mas Olaf estava adorando.
Olhei pra Edward e apontei para Olaf, ele acenou. Ele viu também, mas estava ignorando, tentei fazer o mesmo. Olhei para Bernardo, ele olhada para o homem torturado com uma expressão muito próxima do medo em seu rosto. Ele virou o rosto e se concentrou na escada virando as costas para tudo na sala. Eu teria gostado de me juntar a ele, mas eu não podia me virar. Não era apenas uma porcaria machista, você sabe. Se Edward podia ficar ali apenas olhando, então eu também poderia, embora houvesse um pouco mais do que isso.
Se Diego podia suportar, eu poderia assistir. Se eu não podia impedir, então tinha que pelo menos assistir. Não fazer nada para ajudá-lo e dar as costas teria sido muita covardia. O melhor que eu podia fazer era tentar ver outras coisas ao redor. As formas como os braços das mulheres subiam e desciam como máquinas, como se elas nunca se cansassem.
Os cinco guardas ficaram impassíveis, mas o vampiro que estava do lado direito de Itzpapalotl assistia a tudo com os lábios entreabertos, olhando como se tivesse medo de perder o menor movimento. Ele era quase tão antigo quanto à própria deusa, talvez setecentos, oitocentos anos, e por cinco centenas de anos assistia a esse show especial e ainda gostava. Eu soube naquele momento que não queria fazer nenhum inimigo nesta sala.
Os outros prisioneiros foram para a parede mais distante. O homem de cabelos grisalhos olhava para o chão como se houvesse algo de grande interesse lá. O outro homem acorrentado tinha se enrolado em posição fetal como se estivesse tentando desaparecer completamente.
As mulheres deixaram Diego em uma massa sangrenta, uma poça de sangue vermelha a seus pés. O sangue começou a escorrer de seus ombros formando uma segunda poça na frente dele. Eu esperava que desmaiasse logo.
Finalmente dei um passo adiante e Edward agarrou meu braço.
- Não. - ele disse.
- Você sente compaixão por ele. - disse Itzpapalotl.
- Sim. - eu disse.
- Diego foi um dos estrangeiros que invadiram nossas terras pensando que éramos bárbaros, algo a ser conquistado. Ele roubou e estuprou. Diego nunca nos viu como pessoas, não é Diego?
Não houve resposta, ele não estava exatamente inconsciente, mas perto o suficiente para não conseguir falar.
- Não achavam que éramos pessoas, não é Cristobal?
Eu não sabia quem era Cristobal, mas ouvi um lamento alto. Era o vampiro acorrentado. Ele se desenrolou de sua posição fetal e os lamentos terminaram no mesmo riso horrível que eu tinha ouvido antes. O riso aumentou até que o vampiro grisalho que o segurava puxou firmemente a corrente, puxando-o como você faz para disciplinar um cão. Percebi que a idéia era asfixiá-lo. Merda.
- Responda-me Cristobal.
O vampiro soltou a corrente o suficiente para que ele conseguisse respirar. Sua voz, quando veio, era estranhamente culta e suave.
- Não, nós não pensavamos que eram pessoas, minha deusa escura. - Então o riso áspero saiu de seus lábios finos novamente.
- Eles invadiram o nosso templo e estupraram nossas sacerdotisas, elas eram virgens e nossas irmãs. Doze deles estupraram essas quatro sacerdotisas. Obrigaram-nas a fazer coisas desprezíveis, obrigaram-nas com a dor e ameaça de morte a fazer o que eles queriam.
As mulheres não demonstravam nenhuma emoção em seus rostos, como se a deusa estivesse falando de outras pessoas. Elas pararam de chicotear o homem e ficaram ali apenas vendo-o sangrar.
- Eu as encontrei morrendo no templo que tinha sido construído para elas. Ofereci-lhes a vida eterna, ofereci-lhes a vingança. Eu as tornei deusas e então caçamos os estrangeiros que as estupraram e as largaram como mortas.
Pegamos cada um deles e os tornamos um de nós para que a sua punição durasse para sempre. Mas a minha Teyolloquanies era forte demais para a maioria deles. Havia doze deles uma vez, agora só restam dois.
Itzpapalotl olhou para mim e havia um desafio em seu rosto, um olhar que exigia uma resposta.
- Você ainda sente pena dele?
Concordei.
- Sim, mas entendo de ódio e vingança, é uma de minhas qualidades.
- Então você vê a justiça aqui.
Abri a boca, a mão de Edward apertou novamente o meu braço. Ele me obrigou a pensar antes de responder. Eu teria tomado cuidado, mas ele não sabia disso.
- Ele fez uma coisa terrível, imperdoável. Elas devem ter sua vingança.
Em minha cabeça concluí que quinhentos anos de tormento pareceria um pouco demais. Eu só matei pessoas que mereciam e achei que ninguém merecia uma punição tão longa. Edward aliviou a pressão do meu braço e começou a me soltar quando ela disse:
- Então você concorda com nosso castigo?
Sua mão voltou a apertar meu braço, mais forte do que antes. Olhei para ele sibilando sob a minha respiração,
- Você está me machucando.
Ele me soltou lentamente, com relutância, mas seu olhar era um alerta "não nos mate". Eu tentaria.
- Eu nunca me atreveria a questionar a decisão de um deus. - O que era verdade, se eu realmente conhecesse um deus não questionaria sua decisão. O problema é que não acredito em nenhum deus pagão. Não era uma mentira e parecia perfeito para a situação. Quando você inventa uma mentira rapidamente, ela não fica melhor que isso.
Ela sorriu e de repente era jovem e bonita como o vislumbre da moça que deve ter sido uma vez. Eu estava chocada com o que via. Esperava qualquer coisa, mas não Itzpapalotl manter um fragmento de sua humanidade.
- Estou muito satisfeita. - ela disse e olhou para mim.
Eu tinha o prazer da deusa, a fiz sorrir. Por enquanto ficaria com o meu coração.
Ela deve ter feito algum sinal porque a chicotadas continuaram. Elas o espancaram até o branco da sua coluna aparecer através de locais onde a carne tinha sido completamente retirada. Um ser humano teria morrido muito antes delas chegarem longe, ou mesmo um Metamorfo, mas o vampiro estava tão vivo como quando começou.
Ele tinha caído em uma pequena bola, a testa no chão, os braços presos sob seu corpo, seu peso, descansando sobre as pernas. Ele estava inconsciente, mas o corpo não caiu, estava apoiado por seu próprio peso.
Olaf estava fazendo um silvo estridente, rápido e mais rápido. Se as circunstâncias fossem diferentes, eu teria dito que ele estava tendo um orgasmo. Se fosse isso então eu não queria saber. Eu o ignorei, ou fiz o melhor possível.
O homem-jaguar ficou lá parado, nu, o membro flácido, o corte curado enquanto olhava o corpo do vampiro ser dilacerado. Ele observava com o rosto neutro, mas ocasionalmente quando um golpe era particularmente cruel ou quando o osso de sua espinha se mostrou completamente, ele estremeceu e olhou para o outro lado como se não quisesse assistir, mas na verdade estava com medo de virar a cabeça para longe.
- Basta.
Com essa única palavra os chicotes pararam inclinando-se como flores murchas. As bolas de prata estavam vermelhas e o sangue escorria pelo chicote lentamente. Os rostos das mulheres nunca se alteraram, como se os rostos fossem apenas máscaras e o que estava embaixo fosse desumano, escondendo todas as emoções que as máscaras não podiam mostrar. Como se a monstruosidade dentro delas fosse mais humana do que os escudos humanos que usavam.
As quatro mulheres caminharam em fila até uma pequena bacia de pedra no canto da sala, mergulharam os chicotes na água, uma de cada vez, em seguida, passaram as mãos sobre cada chicote quase amorosamente.
Olaf tentou falar por duas vezes, ele teve de limpar a garganta e finalmente disse: - Vocês usam sabão e óleo de vison sobre o couro?
As quatro mulheres olharam em sua direção, então todas olharam Itzpapalotl. Ela respondeu para ele.
- Você parece um conhecedor dessa arte.
- Não tão conhecedor como elas. - ele disse, e parecia impressionado como ver o violoncelista Yo-Yo-Ma tocando pela primeira vez.
- Elas tiveram séculos para aperfeiçoar sua arte.
- Elas usaram sua arte apenas nos corpos dos homens que as estupraram? - ele perguntou.
- Nem sempre. - ela disse,
- Elas podem falar? - ele perguntou como se fossem algo precioso e encantador.
- Fizeram voto de silêncio até que o último dos seus algozes esteja morto.
Eu tive que perguntar.
- Eles são executados periodicamente?
- Não. - ela disse.
Eu fiz uma careta e a questão deve ter aparecido em meu rosto.
- Nós não os executamos, apenas torturamos, se morrerem em decorrência das lesões, então que seja. Se sobreviverem, então vivem para ver outra noite.
- Então você não vai dar nenhuma atenção médica a Diego? - eu perguntei.
A mão de Edward nunca deixou de me tocar, como se ele realmente não confiasse que eu não fosse fazer algo heróico e suicida. Sua mão apertou meu braço novamente, e eu estava de saco cheio.
- Solte a merda do meu braço agora ou nós vamos brigar... Ted.
Eu não estava me sentindo bem vendo Diego sangrar, isso estava me incomodando mais do que deveria. Eu teria ajudado se pudesse, contanto que não fosse suicídio. Ele era um estranho e um vampiro. Eu não arriscaria nossas vidas por ele. Se fosse em outros tempo eu teria colocado nossas vidas em risco por um vampiro estranho? Eu não sabia a resposta.
- Diego tem sobrevivido a coisas muito piores do que isso. Ele é o mais forte de todos eles, nós quebramos todos os outros antes de morrer. Eles fizeram tudo o que pedimos. Exceto Diego, e ainda assim ele luta contra nós, mas temos de mostrar como o sacrifício deve ser feito corretamente. Chualtalocal, mostre como o sacrifício deve ser abraçado.
O vampiro que estava do seu lado direito deu um passo à frente. Ele andou em volta de Diego como se ele fosse uma pilha de lixo a ser evitada. Ele ficou na frente do homem-jaguar como Diego tinha ficado, mas as coisas tinham mudado. Seth tinha ficado duro e ansioso para agradar, agora ele estava apenas parado e nu, seus olhos continuavam indo para a confusão sangrenta que Diego tinha se tornado como se estivesse pensando quando seria a sua vez.
- Faça a sua oferenda, meu gato. - ela disse.
Seth olhava do corpo de Diego para o vampiro.
- Minha deusa sagrada eu estou disposto, você sabe que estou, mas eu. .. eu não consigo. - ele engoliu em seco. - parece que não...
- Faça o seu sacrifício Seth, ou sofrerá a minha ira.
As quatro estranhas irmãs tinham pendurado seu gato de nove caudas em pequenos ganchos na parede, em uma versão sadomasoquista dos sete anões com os seus chicotes idênticos. Elas deslizaram para trás de nós como tubarões farejando sangue na água.
Seth parecia saber que estavam lá, ele agarrou seu pênis e começou a se masturbar, mas seus olhos estavam sacudindo loucamente pela sala como se estivesse procurando uma fuga. Ele estava se esforçando, mas não adiantou.
Edward não estava mais segurando meu braço, talvez fosse isso, ou talvez eu apenas tivesse visto o suficiente por uma noite.
- Ele tem medo delas. É difícil ficar excitado quando se está com medo.
Ela e Chualtalocal olharam para mim e seus olhos negros tinham expressões quase idênticas, não que eu realmente olhasse para eles, mas ainda estava lá um certo desdém.
- Como ousa interferir?
Edward tentou me agarrar novamente. Eu levantei a mão para ele.
- Não toque em mim.
Ele deixou cair a mão e não estava feliz. Tudo bem, eu não estava feliz com ninguém agora.
- Você está se oferecendo para ajudá-lo a superar seu medo? - Itzpapalotl perguntou. Seu olhar dizia claramente que ela não esperava que eu me oferecesse.
- Claro. - eu disse.
Não sei quem parecia mais surpreso, mas acho que era Edward, Bernardo era o segundo. Olaf apenas olhava para mim como uma raposa vendo um coelho através da cerca. Eu o ignorei. Provavelmente era melhor sempre ignorá-lo. Ignorá-lo ou matá-lo. Este era o meu voto.
Segurei a mão do homem-jaguar, ele hesitou olhando para o vampiro na sua frente, para mim, para a deusa atrás dele. Eu peguei sua mão.
- Vamos Seth, não temos a noite toda.
- Vá com ela até oferecer o sacrifício apropriado.
Ele pegou minha mão timidamente e embora fosse alto e estivesse nu, havia algo muito infantil em seu rosto. Talvez fosse o pânico em seus olhos azuis de bebê. Ele estava assustado, com medo de acabar no chão e expor sua carne para as quatro estranhas irmãs. Eu não poderia culpá-lo por se preocupar. Acho que se eu não tivesse ali para ajudá-lo era exatamente o que estava prestes a acontecer. Suportei todas as torturas que poderia aguentar por uma noite. Era indignação e não moral, apenas indignação simples. Eu queria fazer as minhas perguntas e dar o fora dali.
Vampiros podem viver muito tempo, teoricamente para sempre, o que significa que sua idéia de começar a falar de negócios pode ser um maldito lazer. Os vampiros podem ter a eternidade. Eu não.
Levei Seth para o outro lado da sala. A coisa mais fácil a fazer seria trabalhar com as mãos, mas eu não faria isso. A opção que eu tinha não era tão simples, mas era algo que estava disposta a fazer. Eu ia chamar essa parte de mim que era a marca de Richard. Não a ligação com ele que foi seguramente mantida a distância. Eu tinha me fechado tão completamente que não tinha certeza se poderia abrir a marca mesmo de propósito, mas eu tinha uma parte dele dentro de mim. O mesmo poder que Cesar haviare conhecido, a mesma coisa que me deixava lidar com os homens-leopardo, esse rastro de energia que eu tinha descoberto acidentalmente. Agora eu tentaria fazer isso de propósito, mas não era como um interruptor. Talvez um dia fosse, mas agora eu deveria ter alguma preparação para buscá-la. Era enlouquecedor que algo que acontecia em momentos ímpares quando eu não queria, se recusasse a sair quando eu queria, mas a magia é assim imprevisível. É uma das razões pelas quais é tão difícil de estudar em laboratório, Y. X não é tem sempre o mesmo resultado.
Coloquei minhas mãos nos quadris e olhei para ele da cabeça aos pés e não sabia por onde começar. Minha vida seria mais fácil ou mais difícil se eu fizesse sexo casual, mas eu não arriscaria.
- Você pode soltar o seu cabelo?
- Por quê? - Ele parecia desconfiado e eu não o culpo.
- Olha, eu poderia deixar que te torturassem mas não deixei, então me ajude. - Suas mãos foram para a parte de trás de sua cabeça e ele finalmente tirou um pente de osso de seu cabelo que se soltou lentamente como se estivesse acordando de um longo sono, deslizando em suas costas numa massa pesada. Fiquei atrás dele e ele começou a se virar, toquei seu ombro.
- Eu não vou te machucar, Seth. Provavelmente sou a única pessoa nessa sala que não quer fazer isso.
Ele manteve seu rosto para frente, mas havia uma tensão em seus ombros e costas dizendo que não estava gostando. Eu não me importava, precisávamos fazer isso rápido. Chame de palpite, mas a deusa não parecia doente.
Desenrolei seus cabelos ajudando-o a deslizarem por suas costas. As cores eram extraordinárias, um amarelo ouro rico, um dourado pálido quase branco, uma mistura de cores como um rio que encontra a água do mar. Corri minhas mãos sentindo a grossura e o calor de seu cabelo até que se espalharam por suas costas, uma polegada abaixo da cintura. Agarrei dois punhados de cabelos e apertei contra o meu rosto, tinha cheiro de suor e da pele de jaguar que usava. Ele usava uma colônia em sua pele, algo tão doce que cheirava a doces. Espalhei seu cabelo até ver a pele de suas costas e coloquei meu rosto contra o calor dele. Ele tinha um cheiro quente, como se você pudesse afundar seus dentes em algo fresco saído do forno. Andei em torno dele, a mão direita tocando levemente sua pele, tocando o sol listrado de seus cabelos.
Fiquei na sua frente olhando para seus olhos arregalados ainda desconfiado, mas quando olhei para seu corpo percebi que tinha feito algum progresso, não o suficiente, mas algum.
Eu não olhei para os vampiros, para Edward, ou para ninguém. Concentrei-me apenas no homem a minha frente. Peguei sua mão e abaixei o rosto como se fosse beijá-la, mas passei meus lábios levemente contra a sua pele, seu braço, sentindo o cheiro da sua pele. Abri minha boca deixando um toque quente acima da pele de seu braço. Os pelos pálidos em seu braço ficaram arrepiados.
Ele, flexionado a mão que eu estava segurando, rolando-me em seu corpo, pressionando minhas costas em seu peito, envolvendo-me no calor do seu corpo. Ele colocou o rosto em cima da minha cabeça, seus cabelos caíram sobre mim como uma cortina doce, quente e perfumada.
A luz do fogo dançava no ouro de seus cabelos transformando-o em uma gaiola de âmbar esculpida de luz. Ele beijou o topo da minha cabeça e meu rosto. Ele era tão alto que precisou se curvar sobre mim. Eu sentia o cheiro doce da sua colônia e meu corpo se colou ao dele. O cheiro era a chave. O poder veio para cima de mim em uma corrida quente me deixando nas pontas dos pés, eu queria me esfregar nele e mordiscar seu pescoço como um gato, queria rolar meu corpo no seu perfume. Meu corpo contorceu-se contra o dele e o poder aumentou em ondas quase dolorosas.
Ele passou a mão em volta da minha cintura, a outra tocou meu queixo girando meu rosto para encontrar sua boca. Ele me beijou e por um segundo fiquei rígida, mas aprendi que se você se ligar ao poder não deve lutar contra ele, você o abraça. Se lutar terá menos controle. Beijei-o de volta. Eu esperava que o poder saísse da minha boca como eu tinha feito com César, mas isso não aconteceu. O beijo era agradável, mas era a sensação dos seus lábios nos meus, do seu calor empurrado contra o meu, do seu poder caindo como uma sombra enorme junto ao meu. Ficamos envoltos na cortina de seus cabelos, no círculo de poder, um cobertor de vibração de energia. Ele estremeceu de encontro a mim, me apertando em seu peito. Eu poderia dizer que ele estava pronto para o sacrifício sem olhar, mas eu tinha que olhar para baixo de qualquer maneira. Ele estava pronto. Afastei-me suavemente.
- Você está pronto para voltar aos vampiros, Seth. Acho que você está pronto para fazer o sacrifício. - Me obriguei a olhar em seus olhos.
Ele se inclinou e beijou minha testa suavemente.
- Obrigado.
- Você é bem-vindo.
Caminhamos de volta para os vampiros, mas não foram eles que me deixaram desconfortável quando atravessamos a sala, foram os homens. Bernardo parecia reconsiderar meu status como Madonna intocável. Olaf tinha um olhar quase de fome em seu rosto, ele parecia mais um lobisomem olhando para você na noite de lua cheia do que a maneira que um homem olharia para uma mulher. Edward tinha uma carranca leve entre os olhos, e significava que estava incomodado com algo.
Itzpapalotl estava séria como se não soubesse que eu poderia chamar o poder de propósito. É por isso que eles se desculparam por terem me arrastando para o palco mais cedo.
Entreguei Seth para Chualtalocal como um pai entregaria a noiva no dia do casamento, então voltei para o lado de Edward. Ele olhou para mim como se tentasse ler a minha mente e falhasse. Quase valia a pena confundi-lo.
- Será que você está pronto agora, meu gato? - a deusa perguntou.
- Sim deusa sagrada, eu estou.
- Você está pronto para fazer o sacrifício?
- Sim, deusa sagrada.
- Então que seja.
Ela olhou de Seth para mim como se não gostasse de algo que viu. Algo que eu tinha feito com ele a incomodava. Será que ela esperava que eu o levasse para o canto e me esfregasse nele como um filme pornô? Meu poder e a leve cena de sexo a tinham incomodado? Ou ela tinha visto e entendido algo que eu não sabia? Perguntar alguma coisa ou admitir esse tipo de ignorância para um vampiro mestre é uma boa maneira de ser morto. Portanto sem perguntas sobre magia, apenas eventualmente sobre o caso.
Seth pegou a pequena faca de prata novamente. Ele pegou a sua carne na mão e colocou a ponta da lâmina contra si mesmo. Bernardo voltou a olhar para a porta. Quando ele colocou a ponta da faca na pele eu olhei para longe. Acho que todos nós fizemos isso com exceção de Olaf. Ele poderia ter se assustado da primeira vez, poderia ter ficado em estado de choque. Sangue seria derramado, a carne seria cortada. Olaf não perderia aquilo.
Ele assistiu ao corte, mas pelo canto do meu olho eu o vi se afastando e tive que olhar. Eu tinha que ver o que era tão ruim para Olaf não suportar.
O vampiro se ajoelhou novamente, eu esperava que talvez ele apenas lambesse o sangue, mas não foi isso que aconteceu. Ele estava chupando da mesma maneira que Diego tinha sugado as orelhas de Seth, exceto que isso não era uma orelha. O vampiro tinha coberto quase cada polegada do pênis com sua boca. Os olhos de Seth estavam fechados e havia concentração em seu rosto.
Olhei para longe novamente e encontrei os olhos das quatro irmãs para baixo. Aqueles rostos vazios eram quase mais difíceis de olhar do que um vampiro chupando alguém. Eu literalmente dei as costas a todos eles e descobri que Olaf tinha feito a mesma coisa. Ele estava se abraçando e olhando para o nada. Seu desconforto aumentou em ondas quase visíveis. Mesmo de costa os sons chegavam até nós. Eu queria tapar os meus ouvidos.
Suaves sons de sucção, sons molhados, o som da carne na carne, a acentuada respiração de alguém, provavelmente de Seth. Sua respiração vinha em escalas rápidas, e ele falou,
- Por favor deusa sagrada, eu não tenho certeza se terei o controle.
- Você sabe qual é a punição. - ela disse. - Certamente isso é incentivo suficiente para se segurar.
Olhei para trás e descobri que Seth estava olhando por cima do ombro para as quatro mulheres. Quando ele voltou estava assustado. O vampiro ainda estava se alimentando, sugando. Certamente a ferida tinha se curado, a menos que tenham feito um segundo corte enquanto eu estava constrangida demais não olhando.
Seth fincou as unhas nas palmas das mãos e elas empalideceram. Ele jogou a cabeça para trás de repente, respirando mais rápido, mais rápido. O vampiro se afastou deixando-o duro e ainda intacto.
- A ferida está fechada.
Chualtalocal se levantou e voltou para a sua mestra. Seth caiu de joelhos abrindo as mãos lentamente. Havia feridas sangrentas em forma de meia-lua onde as suas unhas tinham entrado na pele, mas ele tinha conseguido. Qualquer distração para mantê-lo longe das garras do animal de estimação de sua deusa.
- Eu ofereço nossa hospitalidade a você e seus amigos. Você pode ter Seth se gostar e quiser terminar o que começou.
De repente eu sabia o que ela entendia por hospitalidade. De alguma forma eu acho que não era cultura asteca, embora se me lembrasse corretamente, não tinha sido os Astecas que enviaram seus homens e mulheres para Cortês juntamente com comida e ouro? Talvez não fosse diferente, mas eu não queria mexer com isso.
- A aurora está chegando. Eu a sinto pressionando a escuridão como um peso rasgando a noite.
Ela virou a cabeça para um lado e parecia pensar, ou talvez estivesse sentindo a noite, o ar, algo assim.
- Sim. - ela disse - Eu sinto isso também.
- Então, se não for um insulto muito grande, podemos ignorar a hospitalidade e falar sobre os assassinatos?
- Só se você me der sua palavra que voltará para provar da nossa hospitalidade antes de retornar a Saint Louis.
Olhei para Edward e ele deu de ombros, acho que só dependia de mim. Qual a novidade?
- Eu não concordo em ter relações sexuais com seu povo, mas vou concordar com uma visita de retorno.
- Você parecia gostar de Seth, eu gostaria de oferecer Cesar, seu poder parecia gostar ainda mais dele, mas ele não faz o sacrifício nem fará parte da nossa hospitalidade. É o seu preço por nos deixar chegar tão perto de matá-lo duas vezes por mês.
- Quer dizer, por ele permitir que você quase arranque seu coração duas vezes por mês, ele não tem que fazer o sacrifício nem todas as outras coisas?
- É o que estou dizendo.
Isso me fez pensar melhor sobre Cesar. Eu tinha visto o seu show e agora tinha visto algumas das coisas por trás dos bastidores, eu diria que era muito pior. Permitir que alguém abra seu peito e toque seu coração ainda batendo, ou deixar que vampiros suguem o sangue de certas partes do seu corpo e ser oferecido para o sexo com desconhecidos. Não, pensando sobre isso, eu preferia ter o peito aberto já que podia me curar.
- Não é que Seth não seja lindo. Tenho certeza que seria um prazer estar com ele, mas eu não faço sexo casual. E obrigada por pensar em minha volta para casa. Eu soube que a polícia falou com você.
- Eles falaram, mas acho que não fui de grande ajuda.
- Talvez não tenham feito às perguntas certas. - eu disse.
- E quais são as perguntas certas?
Eu estava prestes a fazer algo que a polícia não tinha feito. Eu estava prestes a dizer aos monstros alguns detalhes do crime. Ela precisava de detalhes específicos ou reconheceria as marcas de algum monstro asteca? Eu sabia que perguntas a polícia tinha feito. Eles tinham falado de forma geral, quase inútil. Eu sabia por que tinham feito dessa forma. Uma vez que eu abrisse a boca e contasse os detalhes para Itzpapalotl ela seria contaminada. Eles não poderiam interrogá-la porque ela sabia dos detalhes através de mim.
O que eu sabia e a polícia não é que eles nunca a interrogaram de verdade. Ela era o tipo de vampiro que poderia se sentar em um quarto escuro e ver as cores em seus próprios olhos e ficar contente. A única coisa que poderia ameaçá-la com a pena de morte é se ela estivesse por trás dos assassinatos. Uma vez que alguém sabe que será executado, você não pode negociar com eles.
- Podemos pedir para o seu pessoal sair um pouco?
- O que você quer dizer?
- Podemos ter menos do seu povo aqui? Vou compartilhar informações confidenciais com você e não quero que isso escape.
- O que você disser nesta sala permanece nesta sala. Ninguém aqui vai falar nada. Eu posso prometer isso.
Ela estava completamente segura de si, arrogante, mas por que não? Todo seu povo tinha medo dela. Se o que aconteceu com Diego era algo comum, então acho que as coisas devem ser exóticas.
Se ela disse que os segredos estavam seguros, então estavam seguros.
Edward se aproximou de mim ele baixou a voz, mas não tentou sussurrar. - Você tem certeza sobre isso?
- Eu tenho certeza, Edward, ela não pode ajudar se não tiver informações suficientes.
Olhamos um para o outro por alguns segundos, então ele deu um pequeno aceno de cabeça, me virei para a vampira que aguardava.
- Ok. - eu disse.
Comecei a falar sobre os sobreviventes e os mortos. Eu não sei o que estava esperando, talvez que ela ficasse excitada e dissesse "Aha! Eu sei quem é o monstro responsável". O que recebi foi uma séria atenção, boas perguntas nas horas certas e um vislumbre de uma mente muito inteligente por trás de todo o jogo. Se ela não fosse uma delirante, megalomaníaca, sádica, metida à deusa, poderia ter sido agradável.
- As peles dos homens são valiosas para Xipe Totec e Tlazolteotl. Os sacerdotes esfolam o sacrifício e retiram a pele. O coração tinha muitos usos para os deuses. Mesmo a carne era utilizada, pelo menos em parte. Às vezes o interior de um sacrifício tinha alguma coisa estranha, um presságio. Então os outros órgãos eram mantidos por um tempo e estudados, más era raro.
- Você pode pensar por que cortariam suas línguas?
- Para impedir que falassem os segredos que viram. - Ela disse como se fosse obvio. Fazia sentido em um ritual, eu acho.
- Por que cortar as pálpebras?
- Assim eles nunca deixariam de ver a verdade, mesmo que não pudessem falar sobre isso. Eu não sei se é por isso que fizeram essas coisas horríveis.
- Por que alguém removeria características sexuais secundárias?
- Eu não entendo. - ela disse, e estava segurando o manto fechado como se estivesse com frio. Estávamos conversando bastante e eu tinha que me lembrar de não olhar diretamente em seus olhos.
- A genitália dos homens e os seios das mulheres foram removidos. - Ela estremeceu e descobri algo que não sabia antes. Itzpapalotl, a deusa da lâmina de obsidiana, estava assustada.
- Parece algumas das coisas que os espanhóis fizeram ao nosso povo.
- Mas a remoção da pele e dos órgãos é mais asteca do que europeu.
Ela concordou.
- Sim, mas nossos sacrifícios eram mensageiros dos deuses. Provocamos a dor apenas para fins sagrados, não por crueldade ou capricho. Todo o sangue era sagrado. Se você morre nas mãos de um sacerdote, sabe que morreu servindo a um propósito maior. Literalmente a sua morte ajudava a chuva a cair, o milho a crescer, o sol a se levantar no céu. Eu não sei de nenhum deus que esfolasse as pessoas e as deixasse vivas. A morte é necessária para alcançar o mensageiro dos deuses, é parte da adoração da divindade. Os espanhóis nos ensinaram a matar por causa da morte, não como um dever sagrado, mas apenas para o abate. - Ela olhou para as quatro mulheres que esperavam pacientemente o seu discurso. - Nós aprendemos bem a lição, mas eu preferia ter ficado em um mundo onde isso não era verdade. - Eu vi no seu rosto que ela tinha alguma idéia do que tinha perdido quando se tornou uma vampira e decidiu se tornar tão cruel quanto seus inimigos. - Os espanhóis mataram tantos do nosso povo ao longo da estrada para Acachinanco que tínhamos que amarrar lenços sobre o nariz por causa do cheiro dos corpos apodrecidos.
Ela olhou para mim e o ódio em seus olhos arrepiou a minha pele. Depois de quinhentos anos ela ainda carregava o rancor. Você tinha que admirar alguém que pudesse odiar assim. Eu achava que sabia como guardar rancor, mas olhando para o rosto dela percebi que estava errada. Havia espaço em mim para o perdão. Para Itzpapalotl havia espaço apenas para uma coisa, o ódio. Ela estava com raiva da mesma coisa por mais de quinhentos anos. Ela punia as pessoas pelos mesmos crimes por quinhentos anos. Era impressionante, uma espécie de psicose.
Eu não tinha aprendido muito mais sobre os crimes do que quando entrei pela porta, o que aprendi não ajudava muito. Nem mesmo uma autêntica asteca reconheceu os crimes como o trabalho de qualquer deus ou culto associado ao deus Pantheon. Era bom saber, algo a ser retirado da lista. O trabalho policial é feito principalmente do que não aproveitamos. Descobrir o que você não conhece para que possa decidir o que você vai fazer. Eu não sabia nada de positivo sobre os assassinatos, mas eu sabia de uma coisa com absoluta certeza: ouvi toda a indignação em sua voz sobre as atrocidades cometida a um país.
Eu dizia as pessoas que iria até o inferno para ter minha vingança, mas provavelmente não queria dizer isso. Para Itzpapalotl isso significa cada palavra.
27
Ainda estava escuro quando Edward nos levou para casa. Os vampiros ainda perambulavam, mas eu sentia que a luz estava chegando. Se nos apressássemos estaríamos na cama antes do verdadeiro amanhecer. Se demorássemos mais, veríamos o sol nascer. Entramos no carro em um silêncio que ninguém parecia disposto a quebrar.
Deixamos o clube para trás e seguimos para as colinas em direção de Santa Fé. Estrelas se espalhavam como um cobertor de fogo frio em toda a seda macia e negra do céu.
A voz de Olaf saiu da escuridão baixa e estranhamente íntima dentro do carro.
- Se aceitássemos sua hospitalidade você acha que elas teriam me deixado chicotear o vampiro?
Eu levantei uma sobrancelha.
- Como é? - Eu disse.
- Eu gostaria de ter feito isso. - disse Olaf.
- O que você faria com ele se elas deixassem? - Bernardo perguntou.
- Você não vai querer saber, e eu não quero ouvir. - Edward disse, e parecia cansado.
- Eu pensei que você gostasse de mulheres, Olaf. - disse Bernardo.
- Para o sexo eu gosto de mulheres, mas tinha tanto sangue. Não deveria ser desperdiçado. - Ele parecia melancólico.
Virei no banco e tentei ver seu rosto no escuro.
- Portanto não são apenas as mulheres que devem ter cuidado perto de você, é isso? Será que tem que sangrar para ser atraente?
- Deixe-o sozinho, Anita. Sobre isso, deixe-o nessa porra sozinho.
Eu me virei e olhei para Edward. Ele raramente xingava, e raramente soava tão cansado e quase tão esgotado como estava agora.
- Ok, eu só quero ter certeza.
Edward olhou pelo retrovisor. Não havia um carro em qualquer direção por milhas. Acho que ele estava olhando para Olaf. Ele olhou para o espelho por um bom tempo. Eu acho que estavam trocando olhares. Finalmente ele piscou e voltou a olhar para a estrada, mas não parecia feliz.
- O que você não está me dizendo Edward?
- Nós. - disse Bernardo. - O que ele não está nos dizendo?
- Tudo bem, o que você não está nos dizendo?
- O segredo não é meu para contar. - Edward disse, e isso era tudo o que ele diria.
Ele e Olaf tinham um segredo e não estavam dispostos a partilhar, terminamos o resto do caminho em silêncio. O céu ainda estava escuro, mas era um escuro mais pálido, as estrelas estavam indistintas nele. O raiar do dia estava começando quando entramos na casa. Eu estava cansada, meus olhos queimavam, mas Edward me pegou pelo braço e me levou para o corredor longe dos quartos. Ele manteve a voz baixa.
- Tenha muito cuidado com Olaf.
- Ele é grande e mau. Eu sei disso.
Ele tirou a mão do meu braço sacudindo a cabeça.
- Não, eu acho que você não sabe.
- Olha, eu sei que ele é um estuprador convicto. Eu vi o modo como ele olhava para a professora Dallas, e vi sua reação ao sangue e a tortura. Não sei o que você está tentando me dizer, mas sei que Olaf me machucaria se pudesse.
- Você está com medo dele?
Respirei profundamente.
- Sim, eu tenho medo dele.
- Bom. - Edward disse, ele hesitou, então disse: - Você se encaixa em seu perfil de vítimas.
- Como é?
- As vítimas favoritas dele são mulheres pequenas, normalmente caucasianas, mas sempre com cabelos escuros e longos. Eu te disse que nunca teria envolvido Olaf neste caso se soubesse que você viria também. Não é só porque você é mulher, você tem o físico ideal de suas vítimas.
Olhei fixamente para ele por alguns segundos, abri a boca, então fechei e tentei pensar no que dizer.
- Obrigada por me dizer, Edward. Merda. Você deveria ter me dito antes.
- Eu estava esperando que ele pudesse se antecipar, mas eu o vi esta noite, e isso também me preocupou porque ele vai atacar. Eu só não quero que você seja a única em seu caminho quando isso acontecer.
- Mande-o de volta de onde veio, Edward. Não precisamos dele se causar mais problemas.
Ele balançou a cabeça.
- Não, ele tem uma especialidade que é perfeita para este caso.
- E essa especialidade seria?
Ele deu aquele pequeno sorriso.
- Vá para cama, Anita, já está amanhecendo.
- Não. - eu disse - quase, mas não completamente.
Ele estudou o meu rosto.
- Você pode realmente sentir o nascer do sol sem olhar?
Concordei.
- Sim.
Ele olhou para mim como se tivesse tentando ler a minha mente. Pela primeira vez senti que talvez, apenas talvez, Edward estivesse tão intrigado comigo como eu ficava com ele as vezes. Ele me escoltou até meu quarto e me deixou na porta como se fosse meu protetor.
Fiquei feliz em ter preparado toda a segurança antes de sair. Se alguém entrasse pela janela bateria nos bonecos ou pisaria no espelho. A porta tinha uma cadeira e uma mala na frente dela. O quarto estava tão seguro como consegui deixar. Tirei a roupa e deixei a arma e as facas em cima da cama até que pudesse decidir exatamente onde elas ficariam. Peguei na mala uma camisa masculina extragrande que passava dos joelhos, comecei a manter uma muda de roupas e artigos de higiene pessoal na bagagem de mão desde que a companhia aérea perdeu minha mala numa viagem de negócios. A última coisa que peguei na mala foi o meu pinguim Sigmund. Eu costumava dormir com Sigmund apenas algumas vezes, mas ultimamente ele tinha se tornado meu companheiro constante sob os lençóis. Uma garota precisa de um aconchego à noite.
A Browning Hi-Power era minha outra companheira constante. Em casa ela ficaria sobre a cabeceira da cama, aqui eu a deixaria debaixo do travesseiro, tenho certeza que me protegeria. Colocar uma arma sob o travesseiro sempre me deixou um pouco nervosa, parecia menos seguro, mas não tão menos seguro do que estar desarmada se Olaf entrasse pela porta. Eu tinha trazido quatro facas comigo, uma delas estava entre os colchões. Coloquei a Firestar de volta na mala. Eu queria algo maior do que uma arma, eu tinha uma espingarda de cano longo e uma mini-Uzi. Normalmente teria trazido armas maiores, mas eu sabia que Edward teria as melhores e dividiria comigo. Finalmente decidi pela mini-Uzi com um clipe modificado que continha trinta rodadas com munição suficiente para cortar um vampiro no meio. Era um presente de Edward, a munição provavelmente era ilegal. Eu estava quase envergonhada de carregá-la comigo no início, mas em uma noite de agosto do ano passado eu realmente a usei. Apontei para um vampiro e puxei o gatilho até cortá-lo ao meio. Parecia que seu corpo tinha sido rasgado ao meio por uma mão gigante. A parte superior tinha caído lentamente para um lado, a parte inferior desabou sobre seus joelhos. Eu ainda via tudo em câmera lenta. Não havia horror ou arrependimento, era apenas uma lembrança. O vampiro tinha vindo com uma centena de amigos para nos matar. Eu tentei matar um deles como exemplo para que o resto deles nos deixasse sozinhos. Não tive trabalho, mas foi somente porque os vampiros estavam com mais medo do Mestre da cidade do que de mim.
Talvez a Uzi fosse um exagero para um ser humano, mas se por acaso eu esvaziasse a Browning no peito de Olaf e ele não caísse, eu tinha certeza que reagiria. Eu o cortaria ao meio e veria que partes poderiam ser encontradas.
28
Passava das cinco quando finalmente fechei os olhos. O sono me sugou como um rodamoinho de águas escuras arrastando-me profundamente e imediatamente eu sonhei. Eu estava em um lugar escuro, havia pequenas árvores raquíticas em toda parte, mas elas estavam mortas. Todas as árvores estavam mortas eu podia sentir isso.
Algo caiu a minha direita, algo grande que se movia através das árvores trazendo uma sensação de pavor como o vento. Corri e protegi meu rosto dos galhos secos, tropecei em uma raiz e senti uma dor aguda no meu braço. Ele estava sangrando, o sangue escorria mas eu não conseguia encontrar nenhum ferimento. A coisa estava se aproximando, eu conseguia ouvir os galhos se quebrando. Ele estava perto. Estava vindo me pegar. Eu corri, e corri, e corri entre as árvores mortas e não havia como escapar.
Um típico sonho de perseguição eu pensei, e no momento que percebi que era um sonho ele mudou desvanecendo-se em um outro sonho. Richard estava em pé com nada além de um lençol, um braço musculoso bronzeado esticado para mim. Seu cabelo castanho caía em ondas pesadas em torno do seu rosto. Eu me aproximei tocando seus dedos, ele sorriu o sonho acabou. Eu acordei.
Acordei piscando para um raio de sol que caía sobre a cama, mas não foi à luz que me tinha acordado. Havia alguém batendo na minha porta. Uma voz de homem.
- Edward disse para você se levantar.
Levei um tempo para perceber que era a voz de Bernardo. Não demorou que eu analisasse o sonho com Richard enrolado em um lençol. Eu teria que ter cuidado com Bernardo. Embaraçoso, mas é verdade.
Sentei-me na cama, gritando pela porta,
- Que horas são?
- Dez.
- Ok, estou indo.
Não ouvi Bernardo se afastando, ou a porta era mais sólida do que parecia, ou ele era mais tranquilo. Se fosse apenas Edward, eu teria colocado um jeans sob a camisa e preparado um café, mas tínhamos companhia e todos eram do sexo masculino. Consegui entrar no banheiro e me vestir sem encontrar ninguém no corredor. Eu estava usando calça jeans escura, uma camisa pólo azul marinho, meias brancas e meu Nike preto.
Normalmente eu teria deixado as armas onde estavam até sair para o grande mundo malvado, mas na casa de Edward o "grande mundo malvado" estava hospedado no quarto ao lado, por isso peguei a Firestar 9 mm e a coloquei na parte de dentro da calça. Com o cabelo escovado, limpa e armada, andei em direção ao cheiro de bacon.
A cozinha era pequena, estreita e branca, mas todos os aparelhos eram pretos e a aridez do contraste era quase desanimadora para se ver de manhã. Havia um outro buquê de flores selvagens no meio de uma pequena mesa de madeira branca. Donna tinha agido novamente, mas incrivelmente eu concordei com ela. A cozinha precisava de algo mais suave.
Os dois homens sentados à mesa não fizeram nada para humanizar o ambiente. Olaf tinha raspado o cabelo de forma que só deixou as linhas pretas de suas sobrancelhas. Ele usava uma camiseta regata preta e calças pretas, eu não podia ver os sapatos, mas aposto que tinham um look monocromático. Ele também estava usando um coldre de ombro preto com uma grande arma automática de algum tipo, não identifiquei a marca. Uma faca com o cabo preto estava presa embaixo de seu braço esquerdo.
Coldre de ombro fica uma droga quando usado com regata, mas hei, isso não era problema meu.
Bernardo usava uma camiseta de mangas compridas e calças pretas. Ele puxou a camada superior do seu cabelo para trás em uma grande trança multicolorida,
o resto do cabelo caía em abundância pelos seus ombros. Ele estava usando uma Beretta dez mil na parte de trás de sua calça. Eu não podia ver uma faca, mas apostava que estava lá.
Edward estava no fogão tirando os ovos mexidos da frigideira e colocando em dois pratos. Ele também estava de jeans preto combinando com botas de cowboy e uma camisa branca que era irmã gêmea da que usava na noite anterior.
- Pô rapazes, eu tenho que voltar para o quarto e trocar de roupa?
Todos olharam para mim, até mesmo Olaf.
- O que você está usando está bem. - Edward disse.
Ele levou os pratos para a mesa e colocou um na frente de cada uma das cadeiras vazias, havia um prato de bacon no centro da mesa ao lado das flores.
- Minha roupa não está combinando. - eu disse.
Edward e Bernardo sorriram, Olaf não. Grande surpresa.
- Vocês parecem que estão de uniforme.
- Acho que combinamos. - Edward disse.
Ele se sentou em uma das cadeiras vazias, eu me sentei na outra.
- Você deveria ter me dito que havia um código de vestimenta.
- Não foi de propósito. - disse Bernardo.
Concordei.
- É o que torna tudo engraçado. - eu disse.
- Eu não vou trocar de roupa. - disse Olaf.
- Ninguém está pedindo isso para você. - eu disse. - Eu estava fazendo uma observação. - Tinha pedaços de coisas verdes e vermelhas nos meus ovos. - O que há nos ovos?
- Pimentas verdes, pimentões vermelhos e presunto em cubos. - Edward disse.
- Pimenta Edward?! Você não deveria ter tido tanto trabalho, eu gosto dos meus ovos mexidos do jeito que Deus os criou.
Empurrei os ovos com o garfo e olhei para o bacon. Metade do prato estava bem passado e a outra metade ao ponto, olhei para a batata frita. O bacon no prato de Olaf era do tipo crocante também. Oh, bem.
Eu fiz uma brincadeira sobre a comida. Edward continuou a comer, mas os outros hesitaram desconfortáveis com a boca cheia deles. É sempre divertido fazer uma brincadeira em uma mesa com pessoas que não fazem. Esse silêncio incômodo, o pânico quando elas se perguntam se devem parar de mastigar ou não. Acabei pegando uma fatia de bacon.
- Quais são os planos para hoje? - Eu perguntei.
- Você vai terminar de ler os arquivos. - Edward respondeu.
Bernardo gemeu.
- Eu acho que é um desperdício de tempo. - Olaf disse. - Já lemos esses arquivos, ela não vai encontrar nada de novo.
- Ela já fez isso. - Edward disse.
Olaf olhou para ele, um pedaço de bacon a meio caminho de sua boca.
- O que você quer dizer?
Edward disse a ele.
- Isso não é nada. - disse Olaf.
- É mais do que você conseguiu. - Edward disse calmamente.
- Se meu trabalho não é mais necessário, talvez eu deva partir. - Olaf disse.
- Se você não pode trabalhar com Anita, talvez você deva mesmo.
Olaf olhou para ele.
- Você prefere tê-la como seu segurança do que a mim?
Ele parecia atônito.
- Sim. - Edward disse.
- Posso quebrá-la ao meio com meus joelhos. - Olaf disse, o espanto foi se transformado em raiva.
- Talvez. - Edward disse. - mas eu duvido que ela lhe desse a chance.
Eu levantei a mão.
- Não faça isso Edward.
Olaf se virou para mim lentamente. Ele falou muito calmamente, muito lentamente.
- Eu não costumo competir com mulheres.
- Por que você não pode avaliar o medo? - Eu perguntei.
No momento em que disse isso desejei ter ficado quieta. A satisfação momentânea não valia a pena quando olhei em seu rosto e ele se levantou da cadeira. Eu me debrucei na mesa e peguei a Firestar apontando para ele por debaixo da mesa.
Olaf pairava sobre mim como uma montanha de músculos.
- Edward passou a manhã inteira falando comigo sobre você, tentando me convencer que vale a pena ouvir suas opiniões. - Ele balançou a cabeça. - Você é uma bruxa e eu não sou. O monstro que estamos caçando pode usar magia e precisamos de sua experiência. Talvez tudo isso seja verdade, mas não serei insultado por você.
- Você está certo. - eu disse. - Desculpe, foi um tiro barato.
Ele me encarou.
- Você está pedindo desculpas?
- Sim, nas raras ocasiões em que estou errada posso pedir desculpas.
Edward estava me olhando por cima da mesa.
- Que foi? - Eu perguntei.
Ele apenas balançou a cabeça.
- Nada.
- O ódio de Olaf pelas mulheres é uma espécie de doença, eu não tento me divertir com pessoas deficientes. - eu disse.
Edward fechou os olhos e balançou a cabeça.
- Você simplesmente não podia deixá-lo sozinho, não é?
- Eu não sou um aleijado. - disse Olaf.
- Se você odeia alguém ou alguma coisa de forma irracional ou intransigente, então você está cego, esse ódio não tem uma causa. A polícia me chutou para fora da cena do crime ontem porque o policial responsável é inteiramente cristão, e ele me considera o diabo reencarnado. Ele prefere ter mais pessoas mortas e mutiladas do que me deixar ajudá-lo a resolver o caso. Ele me odeia mais do que deseja pegar esse monstro.
Olaf ainda estava de pé, mas a tensão tinha sumido de alguma maneira. Ele parecia realmente estar me ouvindo.
- Você odeia mais as mulheres do que quer pegar esse monstro?
Ele olhou para mim e pela primeira vez seus olhos não estavam irritados, estavam pensativos.
- Edward me chamou porque sou o melhor, eu nunca deixaria o trabalho antes do assassino estar morto.
- E se Edward usar a minha experiência sobrenatural para ajudar a matar esse monstro, você pode você lidar com isso?
- Eu não gosto disso.
- Eu sei, mas não é isso que estou perguntando. Você pode aceitar a minha experiência para ajudá-lo a matar esse monstro? Você pode aceitar a minha ajuda se for o melhor para terminar esse trabalho?
- Eu não sei. - ele disse.
Pelo menos ele estava sendo honesto, até mesmo razoável. Já era um começo.
- A questão é o que você ama mais: a matança ou seu ódio pelas mulheres?
Eu podia sentir Edward e a quietude de Bernardo, todos aguardavam a resposta.
- Eu prefiro matar que qualquer outra coisa. - disse Olaf.
Concordei.
- Ótimo, e muito obrigado.
Ele balançou a cabeça.
- Se eu aceitar a sua ajuda, não significa que a considero igual a mim.
- Nem eu. - eu disse.
Alguém me chutou por debaixo da mesa, acho que foi Edward. Olaf e eu assentimos com a cabeça um para o outro, não exatamente sorrindo, mas acho que teríamos uma trégua. Se ele pudesse controlar o seu ódio e eu pudesse controlar meus impulsos de burrice aguda, a trégua poderia durar tempo suficiente para que resolvêssemos o caso. Guardei a Firestar sem que percebesse e não achasse que desconfiava dele. Edward notou, e acho que Bernardo também. Qual seria a especialidade de Olaf? Que bom que ele não sabia onde estavam as armas.
29
Após o café da manhã voltei para a sala de jantar. Bernardo tinha se oferecido para lavar os pratos. Eu acho que estava procurando qualquer desculpa para sair de perto da papelada. Embora eu estivesse começando a me perguntar se Bernardo estava tão assombrado pelas mutilações quanto Edward. Até mesmo os monstros têm algum tipo de medo.
Ontem à noite eu estava pronta para olhar os outros relatórios forenses, mas a luz do dia eu poderia admitir que estava me acovardando. Ler os relatórios não era tão ruim como ver as fotos, portanto eu não queria olhar para elas. Eu estava com medo de vê-as, e no momento em que admiti coloquei no topo da lista.
Edward sugeriu colocar todas as fotos na parede da sala de jantar.
- Podemos colocar taxinhas e fazer buracos nas paredes vazias. - eu disse.
- Não seja cruel, vamos usar fita adesiva.
Ele tinha um pequeno pacote de retângulos flexíveis amarelos e destacou alguns entregando para mim e para Olaf.
Apertei as fitas entre meus dedos rolando-o em uma bola. Isso me fez sorrir.
- Eu não vejo essas coisas desde o ensino fundamental.
Nós três passamos a hora seguinte colocando as fotos na parede. Apenas manipular a fita pegajosa me fez lembrar da quarta série quando eu ajudava a Sra. Cooper a pendurar as decorações de Natal nas paredes.
Agora eu colocava órgãos eviscerados, fotos de rostos sem pele, fotos de salas cheias de partes de corpos. Até o momento tínhamos uma parede totalmente coberta e eu estava um pouco deprimida.
Finalmente as fotos encheram o espaço das paredes brancas, eu estava no meio da sala e olhei para tudo.
- Doce Jesus!
- Muito duro para você? - Olaf perguntou.
- Não comece, Olaf. - eu disse.
Ele começou a dizer outra coisa, mas Edward disse:
- Olaf.
É incrível quanta ameaça podemos colocar em uma palavra. Olaf pensou por um segundo ou dois e ficou calado. Ele estava ficando mais esperto, ou tinha medo de Edward também. Adivinha em qual deles eu apostava.
Colocamos as fotos das cenas dos crimes em grupos grandes. Este foi meu primeiro vislumbre do corpo que havia sido dilacerado.
O Dr. Evans havia dito que os corpos foram cortados por um instrumento de origem desconhecida e depois desarticulados a mão, mas isso tinha sido uma descrição muito suave do que realmente foi feito.
Nas primeiras fotos meus olhos podiam ver sangue e pedaços. Mesmo sabendo o que eu estava olhando minha mente se recusava a ver, era como essas imagens em 3-D onde a primeira imagem são apenas cores e pontos, então de repente você vê a imagem completa. Uma vez que começa você não pode parar de ver o resto. Minha mente estava tentando me proteger do que eu estava olhando porque simplesmente não fazia sentido. Minha mente estava me protegendo e isso só acontece quando a coisa é ruim, realmente muito ruim.
Se eu saísse da sala poderia escapar de todo esse horror, eu poderia girar nos meus calcanhares e sair dali, poderia simplesmente me recusar a ter mais esse horror em meu cérebro. Provavelmente era uma boa idéia para minha própria sanidade, mas não conseguiria ajudar a próxima família que essa coisa pegaria. O monstro continuaria com as mutilações e as mortes, então fiquei e olhei fixamente para a primeira foto esperando ver o que realmente estava lá.
O sangue era mais brilhante do que o sangue do filme, um vermelho cereja. Eles haviam chegado ao local antes do sangue secar.
Falei sem me virar.
- Como é que a polícia encontrou os corpos tão depressa nesta casa? O sangue ainda estava fresco.
Edward respondeu.
- Eles convidaram os pais do marido para tomar o café da manhã antes do trabalho.
Eu tive que desviar o olhar da imagem para o chão.
- Quer dizer que seus pais o encontraram desse jeito?
- E fica pior. - disse Edward.
- Como é possível piorar? - Eu perguntei.
- A mulher contou a sua melhor amiga que estava grávida. O encontro era para contar aos pais dele que seriam avós pela primeira vez.
Minha visão se ofuscou como se eu enxergasse debaixo d'agua. Voltei para a cadeira e coloquei minha cabeça entre os joelhos e respirei com muito cuidado.
- Você está bem? - Edward perguntou.
Concordei sem levantar e esperei que Olaf fizesse um comentário sarcástico, mas ele não fez. Ou Edward tinha lhe avisado ou ele achou horrível também.
Quando tive certeza que não ia vomitar ou desmaiar, falei com a minha cabeça ainda entre os joelhos.
- Que horas eram quando os pais chegam na casa?
Escutei barulho de papel.
- Seis e meia.
Descansei meu rosto contra o joelho, era bom.
- Quando o sol nasceu?
- Eu não sei. - disse Edward.
- Descubra. - eu disse.
Puxa, o tapete no chão era tão bonito. Levantei a cabeça devagar ainda respirando lentamente. A sala não girou. Bom.
- Os pais chegaram às seis e meia. Eles precisariam de pelo menos dez minutos para se recuperarem o suficiente para chamar a polícia, em seguida os tiras chegam a casa. Vamos calcular de trinta minutos à uma hora para o fotógrafo forense chegar e o sangue ainda estava fresco.
- Os pais quase encontraram o assassino. - Edward disse.
- Sim. - eu disse.
- Que diferença isso faz?- Olaf perguntou.
- Se era perto das seis e meia da manhã a criatura pode andar a luz do dia, ou ter feito um buraco perto da cena do crime. Se o ataque não aconteceu perto do amanhecer ele pode estar limitado à escuridão.
Edward estava sorrindo para mim como um pai orgulhoso.
- Mesmo com a cabeça entre os joelhos você ainda está pensando no trabalho.
- Mas o que significa para nós se a criatura é limitada à escuridão ou a luz do dia? - Olaf perguntou.
Ele estava em cima de mim novamente e eu continuei sentada. Não pareceria muito macho se eu levantasse e caísse.
- Se for limitado à escuridão isso pode nos ajudar a descobrir que tipo de criatura estamos procurando. Não há realmente muitas criaturas sobrenaturais que estão limitadas exclusivamente a escuridão. Ajudaria a reduzir a lista.
- E se ele se escondeu perto da cena do crime podemos encontrar alguma pista. - Edward disse
Concordei.
- Sim.
- A polícia vasculhou cada polegada da área. - disse Olaf. - Você está dizendo que pode encontrar algo que eles não conseguiram encontrar? - Sua arrogância era aparente.
- Especialmente no primeiro caso, a polícia estava procurando um ser humano. Se você está procurando um ser humano não sai procurando pistas deixadas por monstros. - Sorri. - Além disso, se não fossemos melhor que a polícia não estaríamos aqui. Edward não teria nos chamado e a polícia não teria compartilhado os arquivos com ele.
Olaf olhou para Edward e franziu a testa.
- Eu nunca vi você sorrir desse jeito Edward, a menos que esteja fingindo ser Ted. Você parece um professor orgulhoso cujo aluno está acertando as respostas.
- É mais como Frankenstein e o monstro. - eu disse.
Edward pensou por um segundo, em seguida acenou e sorriu satisfeito consigo mesmo.
- Eu gosto disso.
Olaf fez uma careta.
- Você não a criou, Edward.
- Não, mas ele me ajudou a me tornar a mulher que sou hoje. - eu disse.
Edward e eu olhamos um para o outro e sorrimos solenemente.
- Eu deveria me desculpar por isso? - ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Você se sente culpado?
- Não. - ele disse.
- Então não precisa. Eu estou viva, Edward, e estou aqui. - levantei da cadeira e não balancei. A vida era boa.
- Vamos descobrir se algum dos crimes aconteceu durante o dia. Quando eu terminar de olhar toda essa merda vamos ver algumas das cenas dos crimes. - Olhei para Edward. - Se estiver tudo bem para você. Você é o patrão.
Ele deu um pequeno aceno de cabeça.
- Isso é bom, mas para manter Ted trabalhando com a polícia de Santa Fé precisaremos incluí-lo nos locais dos crimes.
- Sim. - eu disse. - A polícia não gosta de civis xeretando seus casos, isso os deixa irritados.
- Além disso, você já é persona non grata em Albuquerque e temos que manter alguns dos policiais dispostos a falar com você. - Edward disse.
- E isso realmente está me incomodando. - eu disse. - Estou impedida de ver a cena do crime e avaliar as provas e não preciso de outro obstáculo num caso como esse.
- Você não sabe o que é, não é? - Edward perguntou.
Eu balancei a cabeça e suspirei.
- Nem uma maldita pista.
Abençoe seu coração chauvinista porque Olaf não disse "Eu avisei". Voltei a olhar para as fotos e de repente pude ver. Soltei um suspiro e disse baixinho "Uau". A sala parecia quente. Droga, eu não queria me sentar novamente. Coloquei meus dedos na parede firmando meu corpo, parecia que estava olhando as fotos atentamente.
Confie em mim, eu estava tão perto como sempre quis estar. Fechei meus olhos por apenas alguns segundos, quando os abri eu estava tão bem como provavelmente ficaria.
Partes do corpo estavam espalhadas como pétalas da flor mexida em uma confusão vermelha. Meus olhos se fixaram em uma protuberância coberta de sangue, eu tinha quase certeza que era um antebraço. Eu nunca tinha visto partes de um corpo assim antes. Já tinha visto corpos dilacerados, mas foram usados como alimento ou punição. Havia uma completude terrível para isso... destruição. Mudei a posição da foto para um ângulo diferente. Tentei colocar o corpo em conjunto na minha mente, mas continuaram faltando partes pequenas.
Eu finalmente me virei.
- Ele está sem a cabeça e sem as mãos, aquilo parecem os dedos - Apontei para pequenos caroços no sangue. - O corpo foi completamente desarticulado até os ossos dos dedos?
Edward balançou a cabeça.
- Cada vítima foi quase que completamente desmembrada nas articulações.
- Por quê? - Eu perguntei e olhei para Edward. - Onde está a cabeça?
- Eles a encontraram no morro atrás da casa, estava faltando o cérebro.
- E o coração? - Eu perguntei. - Acho que a espinha está quase intacta, mas não vejo nenhuma víscera. Onde estão todos os órgãos internos?
- Eles não encontraram. - disse Edward.
Inclinei-me novamente meio sentada sobre a mesa.
- Por que os órgãos internos? Eles comeram? É parte de algum ritual mágico? Ou é apenas parte do ritual do assassinato ou uma lembrança?
- Existem muitos órgãos no corpo. - disse Olaf. - Se você colocá-los em um único recipiente podem ficar pesados, volumosos. Eles também apodrecem muito rápido a menos que os coloque em algum tipo de conservante.
Olhei para ele, mas Olaf não estava olhando para mim. Ele estava olhando para as fotos. Ele não deu muitos detalhes, mas algo me dizia que sabia do que estava falando.
- E como você sabe quanto pesa os órgãos internos de um corpo humano?
- Ele poderia ter trabalhado em um necrotério. - disse Edward.
Eu balancei a cabeça.
- Mas ele não trabalhou, não é Olaf?
- Não. - ele disse e agora estava olhando para mim. Seus olhos tinham se transformado em duas cavernas escuras em seu rosto de modo que eu não conseguia enxergar o que havia neles, talvez por algum truque de luz. Mesmo sem ver seus olhos eu podia sentir a intensidade daquele olhar como se eu estivesse sendo estudada, medida, dissecada.
Mantive o meu olhar sobre Olaf e perguntei:
- Qual é a especialidade dele, Edward? Por que você o contratou particularmente nesse caso?
- Ele é a única pessoa que eu já vi fazer a mesma coisa com um corpo. - Edward disse.
Olhei para ele e seu rosto estava calmo, virei novamente para Olaf.
- Me disseram que você foi preso por estupro e não assassinato.
Ele olhou para mim e disse:
- A polícia chegou cedo demais.
Uma voz alegre chamou a atenção na parte da frente da casa.
- Ted, somos nós. - Era Donna, e o "nós" só poderia significar as crianças.
Edward correu para mantê-la lá fora. Acho que eu e Olaf poderíamos continuar nos olhando fixamente se Donna não tivesse aparecido.
Bernardo entrou e disse:
- Temos que esconder as fotos.
- Como? - Olaf perguntou.
Peguei o candelabro da mesa e disse,
- Coloque a toalha em cima da porta. - Fiquei de lado enquanto Bernardo tirava a toalha para fora da mesa.
Olaf disse:
- Você não vai ajudá-lo? Você é um dos meninos apesar de tudo.
- Eu não sou alta o suficiente para segurá-la por cima da porta. - eu disse.
Ele deu um pequeno sorriso e foi ajudar Bernardo a bloquear a porta aberta com a toalha.
Eu fiquei de pé atrás deles com o candelabro de ferro negro nas mãos. Olhei para cima, para o meio da careca de Olaf e fiquei arrependida de não ser alta o suficiente para esmagar a pesada peça de ferro em seu crânio. Ainda bem, eu acabaria devendo outro favor a Edward só porque ele tinha medo de mim.
30
Eu podia ouvir a voz de Edward, ou melhor, de Ted tentando convence-la que não precisava dizer "olá" a todos. Ela argumentou educada, mas firme, e é claro que conseguiu. Quanto mais ele tentava impedir mais ela insistia. Chame de palpite, mas eu apostava que ela queria me ver.
A casa foi construída para que você não pudesse entrar nos três quartos de hóspedes sem passar pela sala de jantar. Donna queria ter certeza que eu estava no meu próprio quarto e longe do quarto de Ted.
Será que ela estava pensando que eu estava correndo para o quarto para colocar uma roupa sobre a minha nudez? Seja qual for o motivo, ela estava vindo para cá. Ouvi a voz de Becca. Merda. Passei por baixo da toalha e quase corri para eles. Donna parou de andar com uma pequena surpresa. Seus olhos estavam arregalados como se ela achasse que eu estaria com medo dela. Peter estava me olhando com seus olhos castanhos, como se tudo fosse muito chato para colocar em palavras, mas por abaixo do tédio adolescente havia uma luz, um interesse. Todo mundo queria saber por que a toalha foi colocada na porta.
Foi Becca quem perguntou.
- Por que o tapete está na porta?
Continuei chamando aquilo de toalha de mesa porque Edward estava usando como se fosse, mas ainda parecia um tapete. Crianças sempre falam o básico.
Donna olhou para Edward.
- Sim Ted, por que a toalha está na porta?
- Você quer saber por que estamos fazendo isso? - disse Bernardo por trás da cortina improvisa.
Ela se aproximou do pano.
- E por que você está segurando isso?
- Pergunte ao Ted. - Bernardo e Olaf disseram juntos.
Donna se voltou para Edward. Normalmente eu sabia o que ele diria, mas com ela eu não faria suposições.
- Estamos com as fotos do caso espalhado por toda a sala. Não é algo que eu quero que você ou as crianças vejam.
Puxa, ele falou a verdade. Deve ser amor verdadeiro.
- Oh - Ela parecia pensar nisso por um segundo, então assentiu. - Becca e eu vamos levar os presentes até a cozinha. - Ela levantou uma caixa envolta com uma fita branca, pegou Becca pela mão e foi em direção à cozinha.
Becca estava resistindo.
- Mas mães, eu quero ver as fotos!
- Não, você não quer, querida. - ela disse levando a criança para longe.
Eu pensei que Peter fosse com elas, mas ele ficou olhando para a porta, em seguida olhou para Edward.
- Que tipo de fotos? - ele perguntou.
- Ruins. - Edward respondeu.
- Como é ruim?
- Anita. - Edward disse.
- Algumas das piores que já vi, e tenho visto coisas terríveis. - eu disse.
- Eu quero ver. - disse Peter.
Eu disse:
- Não.
Edward não disse nada, apenas olhou para ele. Peter fez uma careta para nós.
- Você pensa que sou um bebê.
- Eu não gostaria que sua mãe visse. - Edward disse.
- Ela é uma covarde. - disse Peter.
Eu concordei mas não em voz alta.
- Sua mãe é quem ela é. - Edward disse. - Isso não a torna fraca.
Olhei para ele duramente tentando não bocejar, mas eu queria. Edward não era apenas um homem que julgava os outros, ele era um juiz severo. Que química de alquimia essa mulher deve ter usado para ter feito isso com ele? Eu apenas não entendia.
- Acho que... Ted está tentando dizer que não é pela sua idade que não queremos mostrar as fotos.
- Você acha que não posso lidar com isso. - disse Peter.
- Sim. - eu disse. - Eu acho que você não pode.
- Eu posso lidar com qualquer coisa que você também possa. - Ele disse com os braços cruzados sobre o peito magro.
- Por quê? Por que sou uma garota?
Na verdade ele ficou vermelho como se estivesse envergonhado.
- Eu não quis dizer isso. - é claro que ele queria. Mas, hey, ele tinha quatorze anos. Deixei passar o desdize.
- Anita é uma das pessoas mais duronas que já conheci. - Edward disse.
Peter concordou ainda com os braços cruzados sobre o peito.
- Mais durona do que Bernardo?
Edward balançou a cabeça.
- Mais durona do que Olaf?
Jamais pensei que o garoto colocaria os dois homens nessa ordem. Ele sabia instintivamente qual dos dois era mais assustador, ou talvez fosse o tamanho de Olaf. Não, acho que Peter tinha uma idéia que eram homens maus. É algo que você sabe ou não. Realmente não pode ser ensinado.
- Ela é mais durona que Olaf. - Edward disse.
Houve um som descontente por trás do tapete. O som do ego de Olaf sendo ferido. Peter olhou para mim de forma diferente. Você quase podia vê-lo pensando, tentando colocar a minha feminilidade na mesma categoria da presença agressiva de Olaf. Ele finalmente balançou a cabeça.
- Ela não parece tão durona quanto Olaf.
- Se você está falando sobre força física, eu não sou.
Ele franziu a testa e se voltou para Edward.
- Eu não entendo.
- Eu acho que entende. - Edward disse. - E se não entender eu não posso explicar para você.
A carranca de Peter se aprofundou.
- Parte do problema com o código dos durões é que muita coisa não pode ser explicada. - eu disse.
- Mas você entende. - disse Peter, ele parecia quase acusatório.
- Eu passei muito tempo no meio dos durões.
- Não é isso. - disse Peter. - Você é diferente de todas as garotas que conheci.
- Ela é diferente de qualquer garota que você vai encontrar. - Edward disse.
Peter olhou de um para o outro.
- Mamãe tem ciúmes dela.
- Eu sei. - Edward disse.
A voz de Bernardo veio de dentro da sala.
- Podemos tirar o tapete agora?
- Não me diga que os homens durões estão ficando cansados. - eu disse.
- O ácido lático se acumula nos músculos de todo mundo, garotinha. - ele disse.
Eu comecei a me lembrar de nomes para revidar o "garotinha" más deixei passar. - Você precisa acompanhar sua mãe e Becca na cozinha. - eu disse.
- Eu? - Ele estava olhando para Edward e percebi que estava apelando, pedindo permissão.
- Sim. - eu disse.
Olhei para Edward tentando dizer-lhe com os olhos para não fazer isso, mas ele só tinha olhos para o rapaz e algo se passou entre eles.
- Tire a toalha. - Edward disse.
- Não.
Agarrei o braço de Peter impedindo que fosse até a porta. Eu o peguei de surpresa por isso ele não lutou. Antes que ele pudesse decidir o que fazer comigo, Edward falou.
- Deixe o garoto, Anita.
Olhei para ele sobre o ombro de Peter e percebi que era mais alto do que eu por alguns centímetros.
- Não faça isso.
- Ele quer ver, deixe-o.
- Donna não vai gostar. - eu disse.
- Quem vai dizer a ela?
Olhei nos olhos escuros de Peter.
- Ele vai dizer quando ficar louco o suficiente pelos dois.
- Eu não faria isso. - disse Peter.
Balancei a cabeça, eu não acreditava nele e nada me faria largar seu braço e recuar. Se Edward mostrasse a Peter o cantinho do inferno eu falaria para Donna, e isso poderia separá-los permanentemente. Eu estava disposta a trocar a inocência de Peter por isso. Duro, mas é verdade.
Olaf soltou seu lado primeiro, então Bernardo ficou segurando o tecido em seus braços como uma criança. Ele olhou para Edward e balançou a cabeça, mas recuou e deixou Peter entrar na sala.
Olaf se afastou e estava perto da outra porta, Bernardo colocou o pano sobre a mesa e se afastou. Nós nos espalhamos pela sala e tentamos nos afastar do que estava acontecendo. Eu acho que nem mesmo Olaf aprovava que visse todas as fotos.
Peter olhou todas as imagens, ele empalideceu e sua voz era apenas um sussurro.
- São essas pessoas?
- Sim. - Edward disse.
Ele ficou ao lado de Peter, ele não tocou nem ficou muito perto do garoto, mas definitivamente estava com ele.
Peter foi até a parede mais próxima, para as fotos que eu tinha acabado de olhar.
- O que aconteceu com eles? - ele perguntou.
- Nós não sabemos ainda. - Edward disse.
Peter olhou para as fotos, seus olhos passavam rapidamente de uma imagem horrível para outra. Ele não andou pela sala estudando as imagens como eu tinha feito, mas viu o que estava lá. Ele não gritou, desmaiou ou vomitou.
Ele provou seu ponto, não era um fracote. Eu gostaria de saber se devia avisá-lo sobre a possibilidade de pesadelos. Não, ele que tivesse ou não.
Peter ainda estava pálido e com um leve orvalho de suor no lábio superior, a voz era baixa e calma.
- É melhor ajudar minha mãe na cozinha. - Ele saiu cruzando os braços como se estivesse com frio.
Ninguém disse uma palavra quando ele saiu, quando tive certeza que estava longe o suficiente andei até Edward.
- Bem, isso foi melhor do que eu pensei que seria.
- Foi da maneira que eu imaginava. - Edward disse.
- Merda, Edward, o garoto vai ter pesadelos.
- Talvez sim, talvez não. Peter também é durão.
Ele estava olhando para porta como se ainda pudesse ver o menino. Seu olhar era distante. Olhei para ele.
- Você está orgulhoso dele. Orgulhoso do fato de que olhou para isso, - apontei para as fotos - e não ter surtado.
- Por que ele deveria se orgulhar? - Olaf perguntou.
Olhei para ele.
- Se Edward fosse pai de Peter talvez, mas ele não é. - Eu voltei a olhar para Edward. Seu rosto estava vazio como de costume, mas houve uma hesitação ao redor dos olhos, toquei seu braço e o toque foi o suficiente, ele olhou para mim.
- Você o trataria como um filho. - balancei a cabeça. - Você não pode ter esta família.
- Eu sei disso. - ele disse.
- Eu acho que você não sabe. - eu disse. - Acho que você realmente está começando a pensar em fazer isso de verdade.
Ele abaixou a cabeça fugindo dos meus olhos.
- Puta Merda, Edward.
- Odeio admitir isso, mas concordo com ela. - disse Olaf. - Se fosse apenas o menino não vejo problema nenhum. Acho que você pode fazer dele o que quiser, mas a mulher e a menina... - Ele balançou a cabeça. - Isso não vai funcionar.
- Eu não entendo por que você quer uma família. - disse Bernardo.
- Por razões diferentes. Nenhum de vocês acredita no casamento. - Edward disse.
- Verdade. - disse Olaf - Mas se um homem como nós se casa, não deve ser com uma mulher como Donna. Ela é muito... - ele lutou por uma palavra e finalmente disse. - inocente e você sabe que não digo isso de muitas mulheres.
- Talvez este seja um de seus encantos. - Edward falou e realmente parecia tão confuso como o resto de nós.
- Você já está transando com ela, por que se casar? - Bernardo perguntou.
- Se eu quisesse apenas sexo, teria procurado em outro lugar. - Edward disse.
- Ela é boa de cama? - Bernardo perguntou.
Edward apenas olhou para ele, um longo olhar. Bernardo levantou as mãos.
- Desculpa, desculpa, apenas curioso.
- Não seja curioso sobre Donna. - Edward disse, ele virou para mim. - Você acredita no casamento. Debaixo de toda a dureza de uma garota do meio-oeste você ainda acredita na cerca branca.
- Eu acredito em casamento, mas não para pessoas como nós, Edward.
Eu não sei o que Edward teria respondido porque o telefone tocou e ele foi atender.
- Salvo pelo telefone. - eu disse.
- Ele pretende se casar com essa mulher? - Olaf perguntou.
Concordei.
- Temo que sim.
- Talvez se casar com ela seja apenas um negócio. - disse Bernardo.
Olaf e eu olhamos para ele com perplexidade.
- O que?
- Olaf pode ser um estuprador em série, Bernardo ou mesmo um serial killer, mas até ele tem mais escrúpulos do que você. Isso não te preocupa?
Bernardo balançou a cabeça.
- Não.
Suspirei. Edward voltou para a sala, seu rosto estava de volta ao normal como se todas as revelações de um minuto atrás nunca tivessem acontecido.
- O monstro atacou outro casal em Albuquerque noite passada.
- Merda. - eu disse. - Você vai sem mim?
Edward estava olhando meu rosto de perto, então eu sabia que havia surpresa a caminho.
- Sua presença foi solicitada no local.
Eu podia sentir a surpresa no meu rosto.
- O tenente Marks não é mais o responsável pelo caso?
- Era ele ao telefone.
- Você está brincando comigo. - eu disse.
Edward balançou a cabeça e sorriu.
- Eu não faria isso.
- Eu acho que alguém no topo da cadeia alimentar quer chutar o rabo dele para fora. Eles provavelmente deram a escolha de trabalhar com você, ou ficar fora o caso.
Eu tinha que sorrir.
- Um caso como este pode fazer uma carreira.
- Exatamente. - Edward disse.
- Nós sabemos qual é o preço de Marks agora.
- Preço? - Bernardo perguntou. - Vocês o subornaram?
- Não, mas os seus princípios que ele tão gentilmente cuspiu na minha cara ontem não eram tão preciosos como sua carreira. É sempre bom saber a força de convicção de uma pessoa.
- Não é tão forte. - Edward disse.
- Aparentemente não. - eu disse.
Ouvi Donna no corredor falando alto com Becca, mas acho que era para nos avisar que estavam chegando. Os homens pegaram o tapete e colocaram na porta. Edward falou em sua voz alta e alegre de Ted.
- Preparem-se meninos e meninas, nós temos trabalho a fazer.
Eu fui para meu quarto, eu precisava de mais armas.
31
Sentei no banco da frente ao lado de Edward, provavelmente era a minha imaginação, mas eu sentia alguém olhando para a parte de traz do meu pescoço. Se eu não estivesse imaginando diria que era Olaf.
Coloquei o coldre de ombro completo com a Browning Hi-Power. Habitualmente era a única arma que eu usava até alguém tentar me matar ou algum monstro tentar me atacar, eu estava levando a Firestar também na parte de trás da minha calça. Eu tinha visto muitas fotos de cadáveres desmembrados para me deixar confortável. Eu mesmo guardei todas as facas e isso dizia como estava me sentindo insegura. O olhar era forte o suficiente para abrir um buraco na minha carne e estava começando a me dar nos nervos. Não era minha imaginação. Eu podia sentir.
Virei no banco e encontrei os olhos de Bernardo e não havia nada ali que eu quisesse ver. Um pensamento me incomodava dizendo que ele estava fantasiando e eu só poderia estar no papel da protagonista.
- O que você está olhando? - eu perguntei.
Ele piscou e pareceu ter realmente dificuldade para focar seus olhos em mim e deixar o que estava dentro de sua cabeça. Ele deu um lento e quase preguiçoso sorriso.
- Eu não estava fazendo nada.
- Como o inferno. - eu disse.
- Você não sabe o que estou pensando, Anita. - ele disse.
- Você é bastante apresentável, consiga um encontro.
- Eu teria que oferecer vinho e um jantar, e não teria certeza se haveria sexo no final da noite. O que tem de bom nisso?
- Então pegue uma prostituta. - eu disse.
- Eu gostaria, se Edward me deixasse sair sozinho.
Olhei para Edward. Ele respondeu sem emoção em sua voz.
- Eu proibi Olaf de... namorar enquanto estiver aqui. Ele se ressentiu então eu disse a Bernardo a mesma coisa.
- Muito imparcial. - eu disse.
- É totalmente injusto me punir por Olaf ser um psicopata. - disse Bernardo
- Se não posso satisfazer as minhas necessidades, por que você pode? - Olaf perguntou.
Havia algo em sua voz que me fez olhar para ele. Olaf estava olhando para frente sem nenhum contato visual. Virei e olhei para Edward.
- Onde é que você encontrou esses caras?
- No mesmo lugar onde se encontra caçadores de vampiros e necromantes. - ele disse.
Ele tinha um ponto. Fizemos o resto do trajeto até Albuquerque em silêncio. Senti que meu nível de moral não era bastante elevado para atirar pedras, mas evidentemente Edward discordava. Desde que eu soube que o trabalho de Olaf era melhor que o meu, não ia discutir. Pelo menos não agora.
As pessoas falam do estilo das casas de fazenda, mas esse era realmente um rancho de verdade com vaqueiros e cavalos, um lugar para turistas com tudo que deveria ter. Acho que era a coisa mais próxima a um rancho que eu tinha posto os pés.
O rancho não estava realmente em Albuquerque, mas no meio do nada. Na verdade a casa e o curral foram construídos no meio de um monte de nada. O espaço vazio com moitas de capim seco e o solo estranhamente sem cor se estendiam além do horizonte. Colinas cercavam o lugar como pilhas lisas de pedra. Edward dirigiu até uma área coberta que tinha um crânio de vaca pregado na parede e disse:
- Rancho Cavalo Morto. - Era tão semelhante a centenas de filmes de faroeste que eu tinha visto na televisão que parecia vagamente familiar.
Até mesmo o curral cheio de cavalos nervosos correndo em um círculo sem fim parecia encenado. A casa não era exatamente o que eu tinha imaginado, era térrea e feita de tijolo como a casa de Edward, só que mais recente. Se você pudesse apagar o grande número de carros de polícia, unidades de emergência, e até mesmo alguns equipamentos de salvamento de incêndio teria uma pitoresca visão da pradaria. Vários carros de polícia mantinham as luzes giratórias e o crepitar do rádio da polícia enchia o ar. Eu me perguntava se era a luz, o ruído ou todas essas pessoas que estavam fazendo os cavalos ficarem nervosos. Eu não sabia muito sobre cavalos, mas certamente ficar correndo em torno do curral não era normal. Eu me perguntei se eles estavam correndo em círculos antes da policia chegar. Os cavalos eram como os cães? Eles podiam sentir as coisas ruins? Eu não sei, nem sequer sabia a quem perguntar.
Paramos perto de um policial. Ele perguntou nossos nomes e saiu em busca de alguém que nos deixasse passar ou alguém que diria para nos chutar para fora. Gostaria de saber se o Tenente Marks estava ali. Como foi ele que me convidou parecia provável. Que tipo de ameaça devem ter feito a sua carreira para levá-lo a voltar atrás e me convidar?
Aguardamos em silêncio. Acho que todos nós gastamos muito tempo da nossa vida adulta à espera de um policial ou outra pessoa que nos dê permissão para fazer as coisas. Normalmente isso me dava nos nervos, mas ultimamente eu apenas esperava. Maturidade ou eu estava apenas cansada de discutir por coisas pequenas? Eu teria gostado de dizer que era maturidade, mas tinha certeza de que não era.
O policial voltou arrastando Marks atrás de si. A jaqueta clara balançava no vento quente mostrando a arma atrás de seu quadril esquerdo. Ele olhava para o chão enquanto caminhava vivamente tomando cuidado para não olhar para nós, para mim talvez.
O policial se aproximou primeiro e ficou um pouco trás da porta do motorista aberta para deixar o Tenente passar. Marks finalmente se aproximou e olhou fixamente para Edward como se pudesse me excluir apenas não me olhando.
- Quem são esses homens no banco de trás?
- Otto Jefferies e Bernardo Cavalo-Pintado. - Percebi que ele tinha usado um pseudônimo para Olaf, mas Bernardo conseguiu manter seu nome real. Adivinha quem era procurado por crimes em outros Estados?!
- Quem são eles?
Eu não saberia como responder a essa pergunta, mas Edward sabia.
- O Sr. Cavalo-Pintado é um caçador de recompensas como eu, e o Sr. Jefferies é um funcionário público aposentado.
Marks olhou para Olaf através do vidro e Olaf olhou para o outro lado.
- Que tipo de funcionário público?
- O tipo que se você entrar em contato com Departamento de Estado eles confirmam sua identidade.
Marks bateu na janela de Olaf, ele abaixou o vidro de sua janela.
- Sim? - ele disse numa voz totalmente desprovida de seu habitual sotaque alemão.
- O que você fazia para o Departamento de Estado?
- Ligue para eles e pergunte. - disse Olaf.
Marks balançou a cabeça.
- Eu tenho que deixar Blake dentro da minha cena do crime, mas não eles dois. - ele apontou um dedo no banco de trás. - Eles ficam no carro.
- Por quê? - Bernardo perguntou.
Marks olhou através da janela aberta. Seus olhos azuis esverdeados estavam ficando totalmente verdes agora e eu estava começando a perceber que isso significava que ele estava irritado.
- Porque eu disse, eu tenho um distintivo e você não.
Bem, pelo menos ele era honesto.
Edward falou antes que Bernardo pudesse fazer mais do que barulhos inarticulados.
- É a sua cena do crime Tenente. Nós civis só lhe causamos sofrimento, sabemos disso. - Ele virou o rosto para ter contato visual com os dois homens no banco de trás. Marks não podia ver seu rosto, mas eu podia e estava frio e cheio de advertência. - Eles ficarão felizes em ficar no carro. Não é mesmo garotos?
Bernardo ficou em seu assento, braços cruzados sobre o peito e de mau humor, mas assentiu. Olaf disse apenas:
- Claro. Que seja como o bom policial está dizendo. - Sua voz era leve, vazia. A falta de tom de voz era muito assustadora como se ele estivesse pensando algo muito diferente do que estava dizendo.
Marks franziu a testa e se afastou do carro. Sua mão pairou em torno do corpo como se tivesse um súbito desejo de pegar sua arma. Eu me perguntava o que ele tinha visto nos olhos de Olaf quando ele falou aquelas palavras suaves. Provavelmente alguma coisa que não era leve ou suave, eu estava certa.
O policial ao lado percebeu algo em Marks. Ele se aproximou do Tenente com a mão sobre a coronha de sua arma. Eu não sabia o que tinha mudado em Olaf, mas de repente ele estava deixando os policiais nervosos. Ele não tinha se mexido, somente seu rosto estava voltado para eles. Qual era a expressão em seu rosto para deixá-los tão nervosos?
- Otto. - Edward disse baixinho para que o som não saísse fora do carro, da mesma forma que disse em sua casa, uma palavra que levava ameaça, uma promessa de consequências terríveis.
Olaf piscou e virou a cabeça lentamente para Edward. Seu olhar era assustador, selvagem de alguma forma, como se ele baixasse sua máscara o suficiente para mostrar alguma loucura interior. Olhei para ele e pensei que este era um rosto para assustar as pessoas deliberadamente, uma espécie de provocação. Não era o verdadeiro monstro, mas um monstro que as pessoas podiam compreender e ter medo sem pensar muito.
Olaf piscou e olhou pela janela com a face branda e inofensiva. Edward virou o carro e entregou as chaves para Bernardo.
- No caso de você querer ouvir o rádio.
Bernardo franziu a testa para ele e pegou as chaves.
- Puxa, obrigado papai.
Edward se virou para os policiais.
- Estamos prontos para ir quando você quiser Tenente. - Ele abriu a porta e Marks e o policial deram um passo para trás.
Aproveitei e saí do carro também, fui até a frente do Hummer à vista de Marks e ele finalmente me deu atenção.
Ele olhou para mim e seu rosto era duro. Ele podia não mostrar abertamente seu ódio, mas não conseguia ficar neutro. Ele não gostava que eu estivesse ali, não gostava nem um pouco. Quem tinha torcido seu rabo forte o suficiente para forçá-lo a me deixar voltar?
Ele abriu a boca como se fosse dizer algo, fechou e começou a caminhar em direção a casa. O policial seguiu em seus calcanhares, eu e Edward nos arrastamos logo atrás. Edward tinha o rosto do "bom e velho menino" sorrindo e acenando para os policiais, para a equipe de emergência e todos em seu caminho. Eu fiquei ao lado dele tentando não cair. Eu não conhecia ninguém ali e nunca me senti confortável saudando estranhos como se fossem velhos amigos.
Havia vários policiais na frente da casa. Detectei pelo menos dois detetives diferentes à paisana o suficiente para abrir uma loja de desconto para roupas masculinas, e outros detetives que se destacaram. Eu não sei o que eles fazem durante o treinamento no FBI que os tornam diferentes em qualquer outro lugar, mas você sabia quando via um. As roupas são um pouco diferentes, mais uniforme, menos individuais do que a dos outros tiras. Parece haver uma aura sobre eles, um ar de autoridade como se soubessem que suas ordens vinham direto de Deus e a sua não. Eu costumava pensar que era insegurança da minha parte, mas como não sou insegura não pode ser isso. Não sei o que é, mas eram diferentes.
A presença dos federais poderia acelerar as investigações e ser de grande ajuda, ou deixar as coisas devagar e foda-se o pouco progresso que já havia sido feito. Dependia quase inteiramente do quanto à polícia local se importava e como eles protegiam seu território. Os crimes eram terríveis o suficiente para que houvesse cooperação entre as jurisdições. Milagres acontecem.
Normalmente quando há um corpo no chão a polícia não fica caminhando sobre as provas, havia muitas pessoas do lado de fora, então não poderia haver tanta gente dentro da casa, ela era grande, mas nem tanto.
Apenas uma coisa manteria todos expostos ao calor do Novo México: uma cena ruim. Algo violento, comovente, assustador, mas ninguém admitiria em voz alta. Escolha um adjetivo, mas a polícia continuava andando ao redor da casa enfrentando o calor com suas gravatas, as mulheres de salto alto sobre o cascalho solto. Cigarros apareceram em várias mãos. Eles falavam em voz baixa, nada acima do crepitar dos rádios. Estavam reunidos em pequenos grupos ou sozinhos encostados em seus carros, mas não por muito tempo. Todos se mantinham em movimento como se ao ficar parados pudessem se lembrar do que tinham visto. Eles me lembravam os cavalos nervosamente correndo em círculos.
Um policial uniformizado estava sentado dentro da ambulância com as portas abertas. Um dos médicos da emergência estava colocando uma bandagem em sua mão. Como ele se machucou? Corri para a ambulância com Marks. Se ele fosse o homem no comando saberia o que tinha acontecido. Edward apenas caminhou atrás de mim, sem perguntas, apenas seguindo minha liderança. Ele tinha problemas de ego comigo algumas vezes, mas no trabalho não havia nada, apenas trabalho. Se você deixar a merda do lado de fora da porta sempre poderá pegá-lo em seu caminho de volta.
Eu e Marks andávamos juntos pela varanda a caminho da ambulância.
- Por que a mão daquele policial está sendo enfaixada? - eu perguntei.
Marks parou a meio passo e olhou para mim. Seus olhos ainda eram verdes, duros e impiedosos. Você sempre pensa em olhos verdes como sendo bonitos ou suaves, mas os dele eram como vidros verdes. Ele me odiava e isso era um grande problema.
Sorri docemente e pensei "foda-se" também. Recentemente aprendi a mentir até com meus olhos, e era quase triste fazer isso. Se eles realmente são o espelho da alma, uma vez que se quebram ficam danificados.
Olhamos um para o outro por um segundo ou dois, o ódio dele queimava contra a minha máscara agradável e sorridente. Ele piscou primeiro como se estivesse em dúvida.
- Um dos sobreviventes mordeu sua mão.
Meus olhos se arregalaram.
- Temos outros sobreviventes lá dentro?
Ele balançou a cabeça.
- Estão a caminho do hospital.
- Mais alguém se machucou? - Quando você vê um policial machucado na cena de um crime quase sempre significa que existem outros.
Marks assentiu e um pouco de sua hostilidade saiu de seus olhos deixando-o perplexo.
- Dois outros policiais tiveram que ser levados para o hospital.
- Estavam muito mal? - Eu perguntei.
- Muito, um deles quase teve sua garganta rasgada.
- Alguma das vitimas dos outros ataques foram violentos?
- Não. - ele disse.
- Quantas pessoas estavam lá?
- Dois e um morto, mas demos falta de pelo menos três outras pessoas, talvez cinco. Temos um casal desaparecido, mas os outros hóspedes estavam acampando. Vamos torcer para que tenham perdido o show.
Olhei para Marks, ele estava sendo muito profissional, muito útil.
- Obrigada, Tenente.
- Eu sei fazer o meu trabalho Sra. Blake.
- Eu nunca disse o contrário.
Ele olhou para mim, então para Edward e finalmente de volta para mim.
- Se você diz. - ele virou abruptamente e caminhou através da porta aberta.
Olhei para Edward e ele deu de ombros. Seguimos Marks embora tenha notado que perdemos o policial em algum lugar ao andar pelo quintal. Ninguém queria ficar lá dentro mais que o necessário.
Toda a sala era pintada de branco, inclusive às paredes inclinadas, a entrada principal em curva e a lareira. Havia um crânio de vaca acima da lareira e um sofá de couro marrom com almofadas com estampas indígenas, e um enorme tapete no centro do piso quase idêntico ao de Edward. Na verdade todo o lugar parecia uma versão atualizada da casa dele. Talvez eu ainda não conhecesse seu estilo, ou talvez este fosse apenas um tipo de estilo do sudoeste que eu simplesmente nunca tinha visto. Havia uma grande sala de jantar com um lustre formado por algo que parecia ser chifres de veado. E no meio de todo aquele branco tinha um pano embebido em vermelho em um dos lados da mesa. O sangue escorria do fundo do pano vazando até o piso de madeira polido em minúsculos riachos de carmesim e fluido escuro.
Um fotógrafo estava tirando fotos de alguma coisa sobre a mesa. Minha visão estava bloqueada por três homens de terno que estavam de costas. O pânico se agarrou a minha garganta e de repente estava difícil respirar. Eu não queria que os homens se movessem. Eu não queria ver o que estava sobre a mesa. Meu coração estava batendo muito rápido e tive que respirar profundamente e limpar a garganta. Respirar profundamente foi um grande erro.
O cheiro de morte é doce como um cruzamento entre uma fossa e um matadouro. Senti um cheiro acre e sabia que o intestino havia sido perfurado, mas havia outro odor sob o cheiro quase doce demais de muito sangue. Um cheiro de carne. Tentei encontrar outras palavras para descrevê-lo. Era como se afogar no cheiro de hambúrguer cru. Carne, uma pessoa reduzida a pedaços de carne.
O cheiro era tão forte que me fez querer correr, girar em meus calcanhares e ir para longe. Este não era o meu trabalho. Eu não era uma policial. Eu estava aqui como um favor a Edward. Se eu saísse agora ele poderia me contar, mas claro, era tarde demais. Eu não estava aqui apenas como um favor a alguém agora. Eu estava aqui para ajudar a impedir que algo assim aconteça novamente. E isso era mais importante do que qualquer pesadelo que eu estivesse prestes a acumular.
Uma linha fina do líquido escorria para fora da borda da mesa e caía lentamente no chão como um brilho púrpura no piso brilhante. O homem mais baixo dos três virou e nos viu. Seu rosto estava triste, mas quando olhou para mim algo perto de um sorriso torceu seus lábios. Ele deixou os outros agrupados ao redor da mesa e veio em nossa direção. Ele era baixo para um agente do FBI, o agente especial Bradley Bradford caminhou rapidamente e com confiança como só os homens mais altos por vezes sabem andar.
Nós nos conhecemos a mais de um ano em Branson, Missouri, um caso onde um vampiro em pouco tempo se tornou mais poderoso que os mais velhos da cidade. Pessoas morreram, mas principalmente os monstros tinham morrido. Bradford deve ter ficado feliz com meu desempenho, pois manteve contato. Eu sabia que agora ele fazia parte da nova divisão sobrenatural do FBI. Da última vez que ouvi falar eles chamavam de Sessão Especial de Investigação, assim como a unidade de Serial Killer Profiler era chamada agora de Investigação de Apoio. O FBI tenta evitar chavões sensacionalistas como serial killer sobrenatural ou monstros. Mas chame do que quiser, uma pá é uma pá.
Ele começou a estender a mão para frente e depois parou. Suas mãos estavam cobertas com luvas de plástico repletas de sangue e uma mancha estranha muito escura e muito grossa para ser sangue. Ele sorriu em um pedido de desculpas e abaixou as mãos. Eu sabia que tinha torcido a cauda de Marks e tentei não constrangê-lo.
Eu não vomitava em uma cena de assassinato a quase dois anos. Seria uma vergonha estragar o meu record agora.
- Anita, é bom ver você de novo.
Concordei e senti que estava sorrindo. Fiquei feliz de ver Bradley, mas...
- Nós realmente precisamos começar a nos encontrar quando não tiver corpos no chão.
Na luz do dia eu poderia brincar, eu também estava atrasando a caminhada final para chegar à mesa e sabia que me arrependeria todos os dias se não visse o que estava sangrando ali. Por que isso estava começando a me deixar tão mal? Sem resposta, mas é verdade.
Outro agente se juntou a nós, ele era alto e magro, sua pele era escura o suficiente para ser chamado de negro. Seu cabelo era curto, próximo do couro cabeludo. Ele ajeitou a gravata e o paletó e ficou parado no local com seus longos dedos das mãos que pareciam dançar em pequenos movimentos. Eu não sou uma daquelas mulheres que adoram olhar as mãos dos homens, mas havia algo sobre elas que me fez pensar que seria um poeta ou músico, como se fizesse outras coisas além da prática de tiro.
- Agente Especial Franklin, estes são Ted Forrester e Anita Blake.
Ele apertou a mão de Edward, mas não respondeu ao sorriso de Ted com um dos seus. Ele olhou para mim. Sua mão era muito grande para apertar a minha e foi um pouco embaraçoso. Foi um aperto de mão de algum modo insatisfatório como se nós ainda não conhecêssemos a força de cada um. Alguns homens ainda usam o aperto de mão como forma de dimensionamento até você.
- Há quanto tempo está na casa, Sra. Blake? - ele perguntou.
- Acabei de chegar. - eu disse.
Ele balançou a cabeça como se fosse importante.
- Bradford tem uma imagem brilhante de você.
Havia algo em sua voz que me fez dizer:
- Acho que você não partilha da opinião de Bradford sobre mim. - eu sorri quando disse.
Ele piscou e me olhou assustado, então seus ombros relaxaram um toque e um sorriso muito pequeno apareceu em seus lábios.
- Vamos dizer que sou cético sobre civis sem formação específica que entram nas cenas dos crimes.
Levantei as sobrancelhas quando ele disse "sem formação específica", eu e Edward trocamos olhares. O rosto de Ted foi escorregando, deixando seu cinismo natural vazar para aqueles olhos azuis, aquele rosto quase infantil.
- Civis. - ele disse baixinho.
- Nós não temos emblemas. - eu disse.
- Deve ser isso. - Edward disse com a voz mansa e suave, vagamente divertido.
Franklin franziu a testa.
- Estamos divertindo vocês?
Bradford literalmente ficou entre nós.
- Vamos deixá-los olhar a cena, depois então vamos decidir as coisas.
A carranca de Franklin se aprofundou.
- Eu não gosto disso.
- Sua reclamação foi anotada Franklin. - Bradford disse em um tom de voz que dizia que já tinha suportado o suficiente do homem mais jovem.
Franklin deve ter percebido também porque alisou a gravata e abriu caminho até a mesa. Bradford começou a andar. Edward olhou para mim com uma pergunta em seus olhos.
- Eu já estou indo. - eu disse.
Uma vez tive que ser mais durona que a polícia e isso não me agradou. Eu estava de saco cheio dos grandes vampiros assassinos, mas ultimamente eu não dava conta do recado. Eu não queria mais fazer isso. Foi quase um choque perceber que eu realmente não queria estar aqui, eu tinha visto horrores demais em um curto espaço de tempo. Eu estava enlouquecendo, ou talvez já estivesse louca e não tinha percebido.
O pânico apertou meu estômago transformando-o em um grande nó. Eu tinha que me controlar ou não conseguiria. Respirei profundamente tentando me acalmar, mas o cheiro vinha espesso na minha língua. Engoli desejando não ter que fazer isso e olhei para a ponta dos meu tênis. Olhei para a ponta dos meus Nikes que tocavam o tapete da sala de jantar até o nó na minha barriga diminuir. Ainda havia uma vibração suave no meu peito, mas era o melhor que podia fazer.
O Agente Franklin disse,
- Sra. Blake, você está bem?
Eu levantei os olhos e vi o que estava sobre a mesa.
32
Eu soltei um baixo,
- Uau!
- Sim. - disse Bradford. - Uau é uma boa palavra.
A mesa de pinho natural era pálida, uma madeira pálida quase branca. Ela combinava com as paredes e o resto da decoração e dava uma visão dramática da coisa sobre a mesa. Coisa, sem pronomes. Distância, mantenha distância, não pense que isso algum dia foi um ser humano.
Á primeira vista tudo o que eu podia ver era o sangue e pedaços de carnes. Era como um jogo de quebra cabeças com pedaços faltando. A primeira coisa que tinha certeza era do pescoço, eu podia ver a ponta quebrada da coluna por cima da carne. Olhei em volta procurando a cabeça, mas nenhuma das protuberâncias cobertas de sangue era do tamanho certo. As pernas estavam perfeitamente inteiras apenas arrancadas dos quadris, mas intactas. Não tinham sido desarticuladas. Encontrei uma mão deitada de costas com os dedos em concha como se segurasse alguma coisa. Me aproximei com as mãos nos bolsos porque eu tinha esquecido minhas luvas cirúrgica em St. Louis. Como se fosse amadora. Debrucei-me sobre a mão e de repente eu não sentia mais o cheiro ruim de carne e sangue. Eu não estava pensando "Oh meu Deus, que terrível". O mundo foi reduzido ao tamanho daquela mão em concha. Eu vi o que estava lá. A mão tinha longas unhas bem cuidadas, algumas estavam quebradas como se ela tivesse lutado. Ela. Olhei para o dedo anelar e encontrei a aliança de casamento que parecia pesada e cara, apesar de ter a certeza que eu teria que mover a mão e eu ainda não estava pronta para isso. Registrei todas as informações porque eu tinha encontrado uma pista. Concentrei-me como se fosse uma linha de vida, e talvez fosse.
- Há algo na mão dela. Pode ser apenas um pedaço de pano, mas ...- Eu me curvei sobre a mão com meu hálito acariciando a pele e isso me trouxe um odor.
Um cheiro de algo azedo e de animal. Minha respiração moveu a coisa que estava lá dentro. Eu me endireitei. - Eu acho que é uma pena. - Olhei ao redor da sala tentando ver de onde poderia ter vindo. Exceto pelo lustre de chifre de veado nada mais na sala parecia ser feito de animais.
Bradford e Franklin olharam um para o outro.
- O que foi? - Eu perguntei.
- O que faz você pensar que seja "ela"? - Franklin perguntou.
- As unhas e a aliança de casamento. - Olhei para o resto do corpo. A única outra pista que eu tinha que talvez fosse o corpo de uma mulher era o tamanho do pescoço delicado. - Ela era pequena, mais ou menos do meu tamanho, talvez um pouco menor.
Eu me ouvi dizendo e não senti nada. Eu me sentia como uma concha vazia jogada em cima da areia, vazia e com eco. Eu me sentia um pouco como se estivesse em estado de choque, e sabia que depois pagaria por isso. Ou daria gritos histéricos quando tivesse um pouco de privacidade, ou algo tinha se quebrado dentro mim, talvez algo que nunca mais pudesse ser concertado.
- Além do fato de que é do sexo feminino, o que mais você vê? - Franklin perguntou.
Eu não gostava de ser testada, mas de alguma forma eu apenas não tinha energia para essa merda.
- As outras vitimas foram desmembradas até os ossos dos dedos. Essa não foi. Quando ouvi pela primeira vez que os sobreviventes tiveram suas peles cuidadosamente retiradas e em seguida eram mutiladas, e que todos os mortos eram dilacerados, eu pensei que estávamos lidando com um par de assassinos. Um muito organizado e responsável e o outro totalmente ao contrário, mas os pedaços não eram arrancados. Eles eram cuidadosamente dissecados. Era algo organizado, muito bem pensado. Mas isso... - Fiz um gesto para a coisa sobre a mesa. - Ou o nosso assassino está começando a relaxar e se tornando menos coerente, ou temos dois assassinos como eu pensava inicialmente. Se forem dois assassinos, o organizado e responsável perdeu o controle sobre seu seguidor. Este crime não foi bem planejado, isso significa erros, o que poderá nos ajudar. Mas também pode significar que qualquer pessoa que cruzar o caminho dessa coisa estará morta. Teremos uma contagem de corpos maior de agora em diante, crimes mais frequentes ou talvez não.
- Nada mau, Sra. Blake. Eu mesmo concordo com você sobre a maior parte.
- Obrigada, Agent Franklin. - Eu queria saber quais partes ele não concordava comigo, mas eu tinha certeza que já sabia. - Você ainda acha que isso foi feito por um serial killer humano?
Ele balançou a cabeça.
- Sim, eu acho.
Olhei para aquela massa sangrenta sobre a mesa. As manchas de sangue se espalhavam até o chão. Os policiais odiavam quando tinha sangue em toda parte. Eu recuei porque não queria nada daquilo em mim. Dei mais um passo para trás. Meu pé acabou triturado alguma coisa. Ajoelhei e encontrei sal no chão. Alguém tinha ficado confuso durante o almoço.
- Este crime é recente, Agente Franklin, realmente recente. Quanto tempo seria necessário para uma pessoa, mesmo duas, reduzir outro ser humano a isso?
Suas mãos foram para a gravata novamente. Eu me perguntei se ele sabia que tinha tic nervoso quando se alterava. Se não, eu jogaria poker com ele todos os dias.
- Eu realmente não poderia dar uma estimativa, e não será preciso.
- Tudo bem. Você realmente acha que uma pessoa é forte o suficiente para rasgar alguém, e suficientemente rápida para tirar todo esse sangue? A maldita coisa sangra como se ainda estivesse viva, e isto está malditamente fresco. Não acho que um ser humano poderia fazer esse tipo de ferimento tão rápido.
- Você tem direito a dar sua opinião.
Eu balancei a cabeça.
- Olha Franklin, é lógico para você presumir que o assassino ou assassinos sejam humanos. Em geral capturar humanos é o seu trabalho, afinal você faz parte da Unidade de Investigação. - Ele balançou a cabeça. - Ótimo. Veja bem, você caça pessoas. É isso o que você faz. Eles são monstros, mas não monstros de verdade. Eu não caço pessoas, eu caço monstros. Isso é tudo o que eu faço. Eu acho que não seria chamada para participar de um caso onde o suspeito fosse humano ou se pelo menos não houvesse magia envolvida.
- Seu ponto. - ele disse de forma dura com os olhos irritados.
- Meu ponto é que, para começar, se eles tivessem percebido que era um monstro teriam chamado a unidade de Bradford. Mas não perceberam, não é?
Seus olhos estavam um pouco menos irritados, mais incertos.
- Não.
- Todos pensaram que deviam procurar um ser humano, então por que você não deveria pensar a mesma coisa? Se eles tivessem sonhado que era algo não-humano não teriam enviado você aqui, certo?
- Eu suponho que sim.
- Ótimo. Então vamos trabalhar juntos. Se dividirmos nossa mão de obra entre procurar pessoas e procurar monstros, vai nos custar muito tempo.
- Se você estiver errada Sra. Blake e for um humano fazendo estas coisas terríveis vamos parar de investigar as pistas e isso poderia custar mais vidas. - ele balançou a cabeça. - Não é o meu relatório inicial, Sra. Blake, e há grande chance que seja um agressor humano. Continuaremos a tratar disso como uma investigação normal. - ele olhou para Bradford. - Essa é minha recomendação final. - ele virou-se para Edward. - E você, Sr. Forrester, vai me deslumbrar com sua habilidade em traçar perfis?
Edward balançou a cabeça.
- Não.
- O que você pode oferecer a essa investigação então?
- Quando o encontrarmos eu vou matá-lo.
Franklin balançou a cabeça.
- Nós não somos juiz, júri e carrasco, Sr. Forrester. Nós somos o FBI.
Edward olhou para ele e o charme de menino do "bom e velho Ted" parecia ter escoado para longe de seus olhos deixando-os frios e desconfortáveis de se olhar.
- Eu tenho dois homens aguardando no carro, um deles é um especialista neste tipo de crime. Se isto foi feito por uma pessoa ele será capaz de nos dizer como foi feito. - Sua voz estava branda, lisa e vazia.
- Quem é este especialista? - Franklin perguntou.
- Por que ele ainda está no carro? - Bradford disse.
- Otto Jefferies, porque o tenente Marks não o deixou entrar. - Edward respondeu.
- Ossos do ofício. - eu disse - Obrigada por me colocar no caso, Bradley.
Ele sorriu.
- Não me agradeça. Ajude-nos a resolver essa maldita coisa.
- Quem é Otto Jefferies? - Franklin perguntou.
- Ele é um funcionário público aposentado. - Edward disse.
- Como é que um funcionário público aposentado pode ter experiência neste tipo de crime? - Edward olhou para ele até que Franklin começou a se sentir incomodado passando as mãos na gravata e no paletó. Ele verificou os punhos, embora o movimento realmente fosse eficaz e necessário para checar as abotoaduras. Botões realmente não se fecham sozinhos. - Tenho certeza que você está escondendo alguma coisa pelo seu olhar tão direcionado, mas minhas perguntas continuam. Que tipo de funcionário do governo teria esse tipo de experiência?
Franklin podia estar nervoso, mas ele também era teimoso.
- Ligue para o Departamento de Estado. - Edward disse. - Eles vão responder às suas perguntas.
- Eu quero que você responda.
Edward encolheu os ombros.
- Desculpe, se eu lhe dissesse a verdade teria que matá-lo. - Ele disse com um sorriso em seus olhos, o que provavelmente significava que estava falando sério.
- Traga seus homens. - disse Bradley.
- Eu protesto por envolver mais civis neste caso. - disse Franklin.
- Anotado. - Bradley olhou para Edward. - Traga-os, Sr. Forrester. Eu sou o Agente responsável pelo caso. - Edward foi para a porta.
- Por enquanto. - disse Franklin.
Bradley olhou para o homem mais alto.
- Eu acho que você precisa estar em outro lugar, Franklin.
- Onde seria melhor do que supervisionar a cena do crime?
- Em qualquer lugar longe de mim. - disse Bradley.
Franklin começou a dizer alguma coisa, então olhou para nós dois, e finalmente para Bradley.
- Eu não vou me esquecer disso, Agente Bradford.
- Nem eu, Agente Franklin.
Franklin virou-se abruptamente e saiu, as mãos deslizando sobre suas roupas.
Quando ele estava fora do alcance da voz, eu disse:
- Parece que ele não gosta de você.
- Fazer uma nova divisão de crimes sobrenaturais não agradou a todos. Até agora a Divisão de Investigação está segurando-os.
- Puxa, eu pensei que o FBI estava acima dessas disputas mesquinhas.
Bradley riu.
- Deus, infelizmente não.
- A cena do crime está realmente fresca, Bradley. Eu não quero dizer como fazer o seu trabalho, mas não deveríamos estar procurando pistas da criatura?
- Fizemos uma pesquisa do terreno e não deu em nada. Estamos sobrevoando a área com um helicóptero. Temos também o mapa do rancho para o caso de haver uma caverna.
- Será que alguém fez um levantamento das ruínas e cobriu a área geológica? - eu perguntei.
- O que você quer dizer?
- Esta parte do país é conhecida por suas ruínas. Só porque nada é visível acima do solo não significa que não tenha algo enterrado nele. Uma sala ou mesmo um kiva.
- O que é um kiva? - Bradley perguntou.
- Um quarto sagrado subterrâneo de magia cerimonial. É uma das poucas coisas que a maioria das tribos do sudoeste, ou pueblos, têm em comum.
Bradley sorriu.
- Não me diga que você também é especialista em práticas religiosas dos nativos americanos?
Eu balancei a cabeça.
- Não, eu tive uma breve panorâmica na minha aula comparativa de religião no colégio, mas eu não escolhi estudar os nativos americanos como uma das minhas eletivas. Eu sei que não existem kivas em seu uso geral, muito bem, mas isso esgota meu conhecimento das tribos do sudoeste. Agora, se você precisa saber detalhes sobre os rituais de adoração dos Sioux ao sol, eu me lembro.
- Vou falar com a empresa de topografia e ver se alguém tem o mapa das estruturas.
- Bom.
- Os moradores chamaram alguns cães, mas os animais não entraram na casa, não foram alem da porta.
- Eram cães de caça da raça Bloodhound? - Eu perguntei.
Bradley assentiu.
- Sim, por quê?
- Bloodhound é uma raça muito amigável. Não são cães de ataque. Às vezes quando aparecem coisas sobrenaturais eles recuam e fogem. Você precisa de um Trollhunds.
- Troll o quê? - Bradley perguntou.
- Trollhunds. Eles foram originalmente criados para caçar os Grandes Trolls Europeus da Floresta. Quando os trolls foram extintos a raça quase desapareceu. Ainda é uma raça rara, mas é o melhor que você pode encontrar para caçar criaturas sobrenaturais. Ao contrário do Bloodhound eles vão atacar e matar o que encontrarem.
- Como você sabe tanto sobre cães? - Bradley perguntou.
- Meu pai é veterinário.
Edward tinha retornado com Olaf e Bernardo às suas costas. Ele ouviu a última parte da conversa.
- Seu pai é veterinário? Eu não sabia disso.
Ele estava olhando fixamente para mim e me dei conta de que Edward realmente não sabia muita coisa da minha vida, então eu contei a ele.
- Há algum Trollhunds nesta área? - Bradley perguntou a Edward.
Ele balançou a cabeça.
- Não. Se tivesse eu saberia e teria usado alguns deles.
- Você conhece alguma coisa que cace trolls também? - Bernardo perguntou.
Edward balançou a cabeça.
- Se você fosse um caçador versátil você saberia.
Bernardo franziu o cenho para a crítica, então encolheu os ombros.
- Atualmente eu trabalho como guarda-costas e não como caçador de monstros.
Ele estava olhando para algo, alguma coisa, uma visão geral do que estava sobre a mesa.
- Talvez você devesse fazer o trabalho de guarda-costas para outra pessoa. - Edward disse.
Eu não sei o que tinha perdido, mas Edward estava zangado com ele.
- Talvez eu devesse mesmo.
- Ninguém está te segurando.
- Foda-se... Ted. - Bernardo disse e saiu.
Olhei para Olaf procurando uma pista do que tinha acontecido, mas ele só tinha olhos para a coisa em cima da mesa. Seu rosto se transformou. Levei alguns segundos para perceber porque a expressão de seu rosto estava errada. Não coincidia com o que estava acontecendo. Ele olhava para os restos mortais da mulher com cobiça suficiente em seus olhos para incendiar a casa. Era um olhar que deveria estar a salvo em um ambiente privado, e ser compartilhado entre sua amada e ele mesmo. Não era um olhar para o consumo público, não quando você estava olhando para o sangue e restos de uma mulher que não conhecia.
Olhar para ele me fez ficar com frio, um frio que ia até a ponta dos dedos dos pés. Medo, mas não do monstro, ou melhor, não daquele monstro. Se você me obrigasse a fazer uma escolha entre o que estava cometendo esses crimes ou Olaf nesse momento, eu não saberia quem escolher. Era como escolher entre o fogo e o caldeirão.
Talvez eu estivesse muito perto, não sei. De repente ele virou a cabeça e olhou para mim. E assim como eu sabia o que Bernardo estava pensando no carro, eu sabia que Olaf estava à procura de uma candidata em sua própria fantasia.
Cruzei os braços e me afastei dele.
- Não vá até lá... Otto. - Eu realmente estava começando a odiar todos esses apelidos.
- Ela era quase exatamente do seu tamanho. - Sua voz tinha um tom suave e quase sonhador.
Puxar uma arma e disparar contra ele seria provavelmente um exagero, mas eu certamente não teria que ficar ali e ajudar sua imaginação. Virei para Bradley.
- Alguém disse que há outros corpos, vamos ver.
Cinco minutos atrás você teria que me arrastar para a próxima câmara de horrores. Agora eu estava agarrando o braço de Bradley e puxando para que ele me levasse para os outros cômodos da casa, eu podia sentir o olhar de Olaf em minhas costas como uma mão quente se fechando. Não olhei para trás. Nada à minha frente poderia ser pior do que saber que Olaf continuava a olhar para a perna mutilada da mulher sabendo que ele estava pensando em mim enquanto fazia isso.
33
Bradley me levou por uma porta que tinha sido arrancada de suas dobradiças. Algo grande a puxou do lugar. Ele teve que usar as duas mãos para colocar a porta ao lado da parede usando o tapete como calço. Ele recuou e eu pulei com o coração na garganta.
- Droga de estilhaços. - Ele levantou a palma de sua mão enluvada e havia uma mancha pequena no plástico. Ele tirou a luva e a lasca parecia ter saído com ela, mas agora estava sangrando livremente.
- Alguns estilhaços. - eu disse.
- Merda. - Bradley olhou para mim.
- É melhor deixar alguém dar uma olhada nisso.
Ele balançou a cabeça, mas não se mexeu.
- Não se insulte, mas nem todos ficarão felizes comigo se eu sair daqui sozinho. Não posso deixá-la sozinha aqui com as provas. Se questionarem alguma coisa, seria difícil de explicar.
- Nunca forjei uma evidência na cena de um crime na minha vida.
- Sinto muito, Anita, mas não posso facilitar. Você pode me acompanhar até a ambulância?
Ele estava com uma mão por baixo da outra para aparar o sangue de modo que não chegasse ao tapete. Eu fiz uma careta, mas concordei.
- Está bem.
Ele começou a dizer alguma coisa, então virou e caminhou de volta para sala. Andamos cerca de um quarto do caminho quando Edward disse:
- Otto quer abrir a toalha de mesa e ver o que está dentro.
- Vou mandar o fotógrafo e o Agente Franklin para fiscalizar. - Bradley se apressou em direção a porta para evitar que seu próprio sangue contaminasse a cena.
Nem Edward ou Olaf, nem os policiais que magicamente apareceram para observá-los do lado das provas perguntaram como ele tinha machucado a mão. Talvez ninguém se importasse.
Segui Bradley até a ambulância e percebi que várias pessoas ainda investigavam do lado de fora. Eles não deveriam estar procurando a criatura? Não era meu trabalho dizer a eles, mas essa ainda era uma cena de crime fresca, e eles não pareciam rápidos o suficiente para me agradar.
Bradley sentou-se na ambulância e deixou que o médico tratasse sua ferida. E realmente era uma ferida. Estilhaço o cacete, ele apunhalou a si mesmo. Tentei ser uma boa menina e ficar ao seu lado, mas acho que minha impaciência era visível porque Bradley começou a falar.
- Chegamos aqui rapidamente e começamos a investigar.
- Eu não disse nada.
Ele sorriu, então fez uma careta como se o médico da ambulância fizesse algo que machucasse sua mão.
- Caminhe para longe da casa o suficiente para dar uma olhada geral. Depois volte e me diga o que você viu.
Olhei para ele, dei de ombros e comecei a andar. O calor era como um peso sobre meus ombros, mas sem a umidade não era tão ruim assim. O cascalho rangia sob meus pés, mais alto do que deveria. Andei na direção oposta dos cavalos no curral. Eles ainda corriam em sua perseguição sem fim como um carrossel maluco. Passei entre os carros marcados e não marcados. O caminhão dos bombeiros se afastou. Na verdade eu nem sabia por que estavam aqui. Às vezes acho que quando você liga para 911, você recebe mais veículos de emergência do que precisa, principalmente se a pessoa que liga não é específica o suficiente.
Parei ao lado da luz rotativa silenciosa de um carro. Quem tinha chamado a polícia? Será que realmente tínhamos uma testemunha? Se tínhamos por que ninguém mencionou? Se não, então quem tinha pedido ajuda? Andei até que o sussurro do vento quente e seco passando no capim fosse mais alto que o grito elétrico dos rádios. Parei e me voltei para a casa. Os carros eram pequenos o suficiente para que eu pudesse pegar um deles com a mão. Provavelmente andei mais que o necessário. Suficientemente longe para que se gritasse por ajuda ninguém pudesse me ouvir. Não era brilhante. Eu não precisava ir tão longe, mas precisava clarear as idéias por algum tempo, precisava ficar sozinha ao vento. Saquei a Browning e soltei a trave de segurança apontando para o chão. Agora eu poderia desfrutar da solidão e ainda estar segura. Embora sinceramente eu não tivesse certeza se o que estávamos perseguindo dava a mínima para balas de prata ou qualquer outra munição.
Bradley disse para olhar. Eu olhei. O rancho ficava em um grande vale ou talvez uma planície, já que tivemos que subir alguns morros para chegar aqui. Seja qual for o nome, a terra plana e lisa se estendia por quilômetros até à beira das montanhas distantes. Claro, eu tinha sido surpreendida pela distancias aqui, talvez as colinas fossem realmente montanhas distantes e a terra se estendesse por longos caminhos e em várias direções. Não havia árvores e a vegetação quase não chegava à altura da minha coxa. Seja o que for que quebrou a porta era grande, maior do que um homem, embora não muito. Virei em um círculo lento e observei o terreno em volta, não havia nenhum lugar para se esconder. A polícia andava por toda a região cheia de confiança que a criatura não atacaria agora. Eles andavam pala longe e não encontraram nada. O helicóptero estava alto o suficiente para não perturbar o vento, mas baixo o suficiente para que eu tivesse certeza que estavam me olhando. Eles estavam à procura de algo incomum, e eu estava aqui por mim mesma, bastante incomum.
O helicóptero circulou algumas vezes, então foi para uma área diferente. Olhei para a terra vazia. Não havia onde se esconder. Onde ele teria ido? Onde poderia estar? Debaixo da terra talvez, ou voado para longe. Se voou para longe eu não poderia ajudar a encontrá-lo, mas se ele entrou na clandestinidade ... Cavernas ou um poço velho talvez. Eu ia sugeri a Bradley e provavelmente ele verificaria. Mas hey, eu estava aqui para oferecer sugestões, não é?
Ouvi alguém atrás de mim e me virei. Eu estava levantando a arma quando reconheci o Detetive Ramirez. Ele levantou suas mãos longe de sua arma. Baixei a minha e guardei no coldre.
- Desculpe.
- Tudo bem. - ele disse.
Ele estava usando uma outra camisa branca com as mangas revertidas em um tecido mais escuro e apertado em seus braços fortes. A gravata tinha uma cor diferente e os dois botões da camisa estavam abertos de modo que você podia ver sua garganta.
- Não, não está tudo bem. Normalmente não sou tão nervosa.
Eu me abracei não porque estivesse com frio, longe disso, mas porque eu queria alguém para me segurar. Eu queria ser consolada. Edward tinha muitas utilidades, mas confortar não era um deles.
Ramirez veio ao meu lado. Ele não tentou me tocar, só ficou muito próximo e olhou a paisagem. Ele falou ainda olhando na distância.
- O caso ficou com você?
Concordei.
- Sim, e não sei por quê.
Ele deu uma risada aguda e se virou para mim com o rosto a meio caminho entre o espanto e o humor.
- Você não sabe por quê?
Eu fiz uma careta para ele.
- Não, eu não sei.
Ele balançou a cabeça sorrindo, mas seus olhos eram suaves.
- Anita, este é um caso horrível. Eu nunca vi nada tão ruim assim.
- Eu já vi coisas tão ruins como as vítimas desmembradas.
Seu rosto estava sério.
- Você viu coisas assim antes?
Concordei.
- E as mutilações? - ele perguntou, vi meu rosto refletido em seus olhos pretos.
Eu balancei a cabeça.
- Nunca vi algo como os sobreviventes. - Eu ri, mas não era um som feliz. - Isso se sobrevivência for a palavra correta para eles. Que tipo de vida eles terão se viverem? - Me abracei apertado olhando para o chão, tentando não pensar.
- Eu tenho tido pesadelos. - disse Ramirez.
Eu olhei para ele. A polícia não admitia coisas desse tipo muitas vezes, especialmente para consultores civis que acabaram de conhecer. Olhamos um para o outro e seus olhos eram tão delicados, tão genuínos. A menos que fosse um ator muito melhor do que eu achava que era, Ramirez estava me deixando ver quem ele era de verdade. Apreciei isso, mas não sabia como dizer em voz alta. Você não verbaliza algo assim. O melhor que eu podia fazer era retribuir o favor. O problema é que eu não sabia mais quem eu era. Eu não sabia o que colocar nos meus olhos. Eu não sabia o que deixar para ele ver. Finalmente parei de tentar escolher e pensar que eu me sentia confusa na fronteira do medo.
Ele tocou meu ombro levemente. Quando eu não disse nada, ele se aproximou envolvendo os braços nas minhas costas, segurando-me contra ele. Fiquei rígida em seus braços por um segundo, mas não me afastei. Relaxei contra ele até que minha cabeça repousou na curva de seu pescoço, os braços tentando envolver sua cintura. Ele sussurrou:
- Vai dar tudo certo, Anita.
Eu balancei a cabeça em seu ombro.
- Eu acho que não.
Ele tentou ver o meu rosto, mas eu estava perto de mais em um ângulo muito estranho. Me afastei para que ele pudesse olhar e de repente me senti estranha ali de pé com os braços em torno de um estranho. Eu me afastei e ele não protestou, ficou apenas segurando minha mão.
- Fale comigo Anita, por favor.
- Eu tenho trabalhado em casos como este a cerca de cinco anos. Quando não estou procurando corpos despedaçados eu caço vampiros, metamorfos patifes entre outras coisas.
Sua mão estava segurando a minha solidamente agora. Eu não me afastei. Eu precisava de algo humano para me agarrar. Tentei colocar em palavras o que eu estava pensando.
- Nunca tantos policiais usaram tanto as suas armas, não em trinta anos. Eu já perdi a conta de quantas pessoas matei. - Sua mão apertou a minha, mas ele não interrompeu. - Quando eu comecei, pensei que os vampiros eram monstros. Eu realmente acreditava nisso, mas ultimamente não tenho tanta certeza. E independente do que são eles têm um aspecto muito humano. Alguém poderia me ligar amanhã pedindo que eu fosse ao necrotério e colocasse uma estaca no corpo de um vampiro que não se parecesse tão humano como você e eu. Quando estou com uma ordem judicial de execução, sou legalmente autorizada a atirar e matar o vampiro ou vampiros em questão, e qualquer um que esteja no meu caminho. Isso inclui agentes humanos ou pessoas que tenham levado apenas uma mordida deles. Uma mordida ou duas podem ser curadas, mas eu já matei para me salvar, para salvar os outros.
- Você fez o que tinha de fazer.
Concordei.
- Talvez, mas isso realmente não importa mais. Não importa se estou certa ou não em fazer isso. Só porque é justo matar não significa que não me afeta. Eu costumava pensar que se eu estava certa seria o suficiente, mas não é.
Ele apertou um pouco mais minha mão.
- O que você está dizendo?
Eu sorri.
- Eu preciso de umas férias.
Ele riu e então deu uma boa risada aberta e alegre, nada especial nisso, apenas o seu próprio assombro. Já ouvi risadas melhores, mas nenhuma quando eu mais precisava.
- Umas férias, apenas umas férias?
Eu dei de ombros.
- Eu não me vejo arrumando flores, Detetive Ramirez.
- Hernando. - ele disse.
Concordei.
- Hernando. Isto é parte de quem eu sou. - Percebi que ainda estávamos de mãos dadas e me afastei. - Talvez se eu fizer uma pausa serei capaz de fazê-lo novamente.
- E se um período de férias não for suficiente? - ele perguntou.
- Vou cruzar essa ponte quando chegar a ela.
Não era apenas o brutal dia a dia do trabalho. Minha reação ao corpo de Bernardo e o conforto de um estranho era algo diferente para mim. Eu estava sentindo falta dos meninos, mas era mais do que isso. Quando saí da vida de Richard, deixei o bando e todos os meus amigos lobisomens.
Quando saí da vida de Jean-Claude, perdi todos os vampiros e estranhamente um ou dois eram meus amigos. Você pode ser amigo de um vampiro enquanto se lembrar que são monstros e não seres humanos. Como você pode fazer as duas coisas ao mesmo tempo, eu realmente não posso explicar, mas eu consigo. Eu me afastei dos homens da minha vida durante seis meses. Me afastei dos meus amigos também. Até mesmo Ronnie, Veronica Sims, uma das minhas poucas amigas humanas tinha um novo romance quente. Ela estava namorando o melhor amigo de Richard e isso tornava inábil socializar. Catherine, minha advogada e amiga, tinha apenas dois anos de casada e eu não gostava de interferir com ela e Bob.
- Você está pensando em algo muito sério. - disse Ramirez.
Pisquei e olhei para ele.
- Basta perceber como eu me isolei. Aqui eu sou assim... - Eu balancei a cabeça sem terminar a frase.
Ele sorriu.
- Você só está isolada porque quer, Anita. Eu me ofereci para mostrar os pontos turísticos.
Eu balancei a cabeça.
- Obrigada, realmente. Sob outras circunstâncias eu aceitaria.
- Onde você quer chegar? - ele perguntou.
- O caso é que, se eu começar a namorar um dos policiais locais, então a minha credibilidade vai por água abaixo, e a minha cotação já não está muito alta.
- O que mais? - Ele tinha um rosto muito suave, macio, como se fosse muito delicado em tudo que fazia.
- Eu tenho dois homens me esperando voltar para casa. Esperando para ver quem eu vou escolher, ou se vou ficar com os dois.
Seus olhos se arregalaram.
- Dois. Estou impressionado.
Eu balancei a cabeça.
- Não fique. Minha vida pessoal é uma bagunça.
- Lamento ouvir isso.
- Eu não posso acreditar que acabei de lhe dizer tudo isso. Eu não sou assim.
- Eu sou um bom ouvinte.
- Sim, você é. Devo escoltá-lo de volta? - Sorri para a frase antiga. - Você pode responder algumas perguntas primeiro?
- Pergunte.
Ele se sentou no chão com sua calça marrom escura, levantando a barra da calça para que não sujasse. Sentei-me do lado dele.
- Quem chamou a polícia?
- Um hóspede.
- Onde é que ele ou ela está?
- No hospital, em estado de choque por causa do trauma severo.
- Sem ferimentos físicos? - Eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Quem eram as vitimas mutiladas desta vez?
- O irmão da esposa e dois sobrinhos, todos maiores de vinte anos. Viviam e trabalhavam no rancho.
- E sobre os outros hospedes? Onde eles estavam?
Ele fechou os olhos como se visualizasse a página de um relatório.
- A maioria deles estavam acampando nas montanhas. Os outro pegaram os carros que são mantidos para uso dos hóspedes e saíram.
- Deixe-me adivinhar. - eu disse. - Eles se sentiram inquietos e nervosos e tiveram que sair do rancho.
Ramirez comentou.
- Assim como os vizinhos das outras casas.
- É um feitiço, Ramirez. - eu disse.
- Não me faça pedir que use o meu primeiro nome novamente.
Eu sorri e desviei do olhar provocante em seus olhos.
- Hernando, isto é um feitiço ou algum tipo de habilidade que a criatura possui para causar medo e terror nas pessoas que ele não quer matar ou ferir. Mas estou apostando em um feitiço.
- Por quê?
- Porque ele é muito seletivo, ele tem uma ansiedade natural como a capacidade de um vampiro para hipnotizar com os olhos. Um vampiro pode dominar uma pessoa ou uma sala cheia de gente, mas não pode fazer isso com uma rua inteira, exceto uma casa. É muito exato. Você precisaria ser capaz de organizar a sua magia para isso, e significa um feitiço.
Ele pegou um broto de grama entre os dedos.
- Então estamos procurando uma bruxa.
- Eu sei algo sobre bruxas e suas feitiçarias e não sei como uma bruxa, ou até mesmo um grande grupo poderiam fazer isso. Não estou dizendo que não é um feitiço feito por humanos, mas definitivamente há algo de outro mundo, algo que não é humano trabalhando aqui.
- Nós temos alguns traços de sangue na porta quebrada.
Concordei.
- Ótimo. Gostaria que alguém me falasse quando encontrarem uma pista. Todos incluindo Ted se fecharam em um cofre, eu passei a maior parte do tempo falando sobre coisas que alguém já descobriu.
- Pergunte-me qualquer coisa que você quiser saber. - Ele jogou a grama no chão. - Mas é melhor ficar para trás antes que consiga uma reputação pior do que apenas sair comigo.
Eu não discuti. Coloque qualquer mulher em uma área onde tenha muitos homens e os rumores vão começar. A menos que você deixe bem claro que está fora dos limites, existe também uma competitividade entre eles. Alguns homens vão para fora da cidade ou tentam tirar a sua calça. Eles parecem não conhecer qualquer outra forma de lidar com uma mulher. Se você não é um objeto sexual, é uma ameaça. Sempre me deixa saber que tipo de infância tiveram.
Hernando estava tirando a grama e a sujeira da parte de trás da calça. Ele parecia ter tido uma infância tranquila, ou pelo menos se saiu bem.
Parabéns aos seus pais. Um dia ele levaria uma garota bonita para casa e teria lindas crianças e uma bela casa com quintal para se divertir nos fins de semana, e todo domingo jantariam com uma das avós. Uma vida agradável se você puder conseguir, e ele ainda teria que resolver alguns crimes. Discutir sobre tudo.
O que eu tinha? O que eu realmente tinha? Eu era muito jovem para uma crise de meia idade, e velha demais para um ataque de consciência. Começamos a andar entre os carros. Eu estava me abraçando novamente e tive de me obrigar a parar. Baixei os braços e caminhei ao lado de Ramirez... ah, Hernando, como se nada estivesse errado.
- Marks disse que um dos policiais quase teve sua garganta arrancada. Como isso aconteceu?
- Eu não estava aqui na hora do ataque. O Tenente esperou para me chamar.
Havia um traço de aspereza em sua voz. Ele era gentil, mas não se você o impelisse.
- Mas ouvi dizer que as três vítimas atacaram o policial. Elas foram subjugadas com cassetetes, tentavam arrancar pedaços dele.
- Por que fariam isso? Como fariam isso? Quero dizer, como alguém sem a pele tentaria arrancar pedaços das pessoas, eles não lutariam.
- Ajudei a socorrer alguns dos sobreviventes do caso anterior e eles não lutaram, apenas gemiam. Estavam feridos, mas parecia que não sabiam o que estava acontecendo. A policia já encontrou o filho dos Bromwell?
Os olhos de Hernando se arregalaram.
- Marks não falou para você?
Eu balancei a cabeça.
- Ele é um idiota.
Eu concordei.
- O quê foi? Será que acharam o corpo?
- Ele está vivo. Estava acampando com os amigos.
- Ele está vivo. - eu disse.
Então de quem era a alma que eu tinha visto pairando no quarto? Eu não disse isso em voz alta porque tinha esquecido de mencionar o fato à polícia e Marks estava pronto para me mandar para fora da cidade. Se eu tivesse começado a falar de almas flutuando perto do teto, ele teria conseguido um ótimo resultado. Mas alguém tinha morrido naquele quarto e a alma ainda estava confusa sem saber para onde ir. Na maioria das vezes se a alma paira em algum lugar ela não fica sobre o corpo, sobre os restos mortais. Apenas três pessoas viviam na casa, dois deles foram mutilados, e o menino estava em outro lugar. Eu tive uma idéia.
- As vítimas continuaram a lutar tentando morder os policiais?
Ele balançou a cabeça.
- Você tem certeza que queriam morder e não apenas bater, era como se estivessem tentando se alimentar?
- Eu não sei se queriam se alimentar, eles queriam morder para valer. - Ele olhava para mim estranhamente. - Você pensou em alguma coisa.
Concordei.
- Sim. Eu tenho que ver o outro corpo, o que está atrás da primeira porta, mas depois preciso voltar para o hospital.
- Por quê?
Comecei a andar novamente e ele agarrou meu braço e me virou para encará-lo, havia ardor em seus olhos, uma intensidade que tremia no seu braço.
- Você só está aqui há um par de dias. Eu estou a semana toda, o que você sabe que eu não sei?
Olhei para sua mão em meu braço até que ele me soltou, mas eu disse a ele. Ramirez estava tendo pesadelos com esta merda, e eu não tinha chegado nesse ponto ainda.
- Eu sou uma animadora. Eu ressuscito zumbis. Minha especialidade é a morte. Uma coisa que os mortos-vivos têm em comum com os zumbis, alguns espíritos e os vampiros é que eles devem se alimentar dos vivos para se sustentar.
- Zumbis não comem pessoas. - ele disse.
- Se um zumbi é levantado e o animador não conseguir controlá-lo ele pode se tornar selvagem. Ele se torna um zumbi comedor de carne.
- Eu pensei que eram apenas histórias.
Eu balancei a cabeça.
- Não, eu já isso vi antes.
- O que você está dizendo?
- Estou dizendo que talvez não haja sobreviventes. Talvez haja apenas os mortos e os mortos-vivos.
Ramirez ficou pálido, toquei seu cotovelo para firmá-lo, mas ele ficou reto.
- Eu estou bem, estou bem. - ele olhou para mim. - O que você faz com um zumbi comedor de carne?
- Uma vez que esteja enlouquecido, não há nada que se possa fazer a não ser destruí-lo. A única maneira de fazer isso é com fogo. Napalm é bom, mas qualquer tipo de fogo servirá.
- Eles nunca queimarão essas pessoas.
- Não, a menos que eu possa provar que estou dizendo é verdade.
- Como você pode provar isso? - ele perguntou.
- Não tenho certeza ainda, mas vou falar com o Dr. Evans e vamos chegar a alguma coisa.
- Por que as vítimas anteriores eram dóceis e essas são violentas?
- Eu não sei, a menos que a magia ou o monstro estejam mudando, talvez se tornando mais forte. Simplesmente não sei, Hernando. Se eu estiver certa sobre os sobreviventes, então terei uma idéia brilhante.
Ele balançou a cabeça, o rosto muito sério, então olhou para o chão.
- Jesus, se são mortos-vivos isso significa que essa coisa que estamos procurando está fazendo mais de si mesmo?
- Eu ficaria surpresa se nunca foi humano, mas talvez. O que eu sei é que ele está se tornando mais forte e as vítimas mais violentas, e a criatura poderá controlá-las.
Olhamos um para o outro.
- Vou ligar para o hospital para saber dos policiais e das vítimas.
- Ligue para o hospital de Santa Fé também.
Ele balançou a cabeça e começou a andar entre o cascalho movendo-se através dos carros como se tivesse um propósito. Os policiais estavam observando como se estivesse se perguntando o motivo da pressa. Eu não tinha pedido a Hernando que verificasse os esconderijos subterrâneos. Merda. Eu encontraria Bradley e pediria a ele, entraria na casa mais uma vez e veria o último corpo e depois... voltaria ao hospital para responder à velha questão: o que é vida e quando a morte é uma coisa certa?
34
O rosto do homem estava voltado para mim, os olhos arregalados, vidrados, cegos. Sua cabeça ainda estava ligada à coluna, mas seu peito estava aberto como se duas grandes mãos tivessem cavado sua caixa torácica e puxado. O coração estava faltando. Os pulmões tinham sido arrancados, provavelmente quando a caixa torácica se abriu. O estômago tinha sido perfurado trazendo um cheiro azedo ao pequeno quarto. O fígado e alguns órgãos internos eram uma pilha molhada ao lado do corpo como se tivessem saído ao mesmo tempo. O intestino ainda estava enrolado dentro da extremidade inferior do corpo. Pelo cheiro eu tinha certeza que não foi perfurado.
Sentei nos meus calcanhares ao lado do corpo. Havia sangue respingado na metade do rosto inferior do homem, as gotas se espalhavam sobre o resto de seu rosto e nos cabelos grisalhos. Violento, muito violento e muito rápido. Olhei em seus olhos cegos e não senti nada. Eu voltei a ser insensível e não estava reclamando. Acho que se eu tivesse visto este corpo primeiro teria ficado horrorizada, mas o que estava na sala de jantar tinha acabado com o meu dia. O que eu estava vendo era terrível, mas havia coisas piores, e essas coisas estavam na sala ao lado.
Não era o corpo que era interessante. Era o quarto. Havia um círculo de sal em torno do corpo. Um livro estava dentro do círculo tão densamente coberto de sangue que eu não conseguia ler a página em que estava aberto. Eles haviam tirado todas as fotos e gravado as imagens e eu peguei umas luvas emprestadas para levantar o livro. A capa era de couro e não havia nenhum título.
O meio do livro estava tão encharcado de sangue que as páginas estavam coladas. Eu não tentei separá-las. A polícia e os federais tinham técnicos para o trabalho delicado, tomei o cuidado de não fechar e perder a pagina que o homem provavelmente estava lendo. Parecia que o livro estava na mesa quando o homem foi empurrado contra a porta e tinha simplesmente caído no chão abrindo sozinho. Mas isso significava que não tínhamos nenhuma pista, assim todos nós gostaríamos de fingir que tínhamos certeza que o homem havia deliberadamente aberto o livro. Enquanto ele estava sendo perseguido por um monstro que tinha acabado de massacrar sua esposa, ele pegou o livro, abriu e começou a ler. Por quê?
O livro foi escrito à mão e li o suficiente para saber que era um livro das sombras. Era o livro de feitiços de uma bruxa praticante. Uma bruxa que seguia a tradição mais velha ou mais ortodoxa do que o movimento neo-pagão, Gardian ou Alexandrino, talvez. Apesar de novo eu não podia dizer. Passei um semestre na faculdade estudando sobre bruxaria comparativa, embora agora eu tenha certeza que eles chamavam de wiccan comparativa. Dos praticantes de wiccan que eu conhecia pessoalmente, nenhum deles praticava a bruxaria tradicional.
Coloquei o livro com cuidado onde estava. As estantes contra a parede estavam cheias de livros sobre pesquisa psíquica, mitologia sobrenatural, folclore e Wicca. Eu tinha alguns dos mesmos exemplares em casa, então não era uma prova muito boa, mas o altar sim. Era uma caixa de madeira com um pano de seda em cima. Havia castiçais de prata com velas parcialmente queimadas. As velas tinham runas esculpidas mas não consegui ler.
Havia um espelho redondo sem moldura entre as velas, uma pequena tigela de ervas secas, uma bacia com água e uma pequena caixa esculpida e fechada.
- Isso é o que estou pensando? - Bradley perguntou.
- Um altar. Ele era um praticante. Acho que é o seu livro das sombras, seu livro de magia, por falta de um termo melhor.
- O que aconteceu aqui?
- Não há sal no chão da sala de jantar.
- Isso não é incomum. - disse Bradley.
- Não, mas um círculo de sal é. Acho que ele estava em algum lugar da casa. Ouviu sua mulher gritar ou ouviu o monstro. Algo o alertou. Ele não veio correndo com uma arma, Bradley. Ele veio correndo com um punhado de sal. Talvez ele tivesse algo mais em suas mãos ou em seu corpo, algum encanto ou amuleto. Eu não encontrei ainda, mas não significa que não esteja aqui.
- Você está dizendo que ele jogou sal nessa coisa?
- Sim.
- Por que, pelo amor de Deus?
- Sal e fogo são dois dos mais antigos agentes de purificação. Eu uso sal para enviar um zumbi de volta ao seu túmulo. Você pode jogá-lo em fadas ou uma série de criaturas, isso fará com que eles hesitam, talvez não muito.
- Então ele jogou sal e talvez um pouco de fogo na criatura, e depois?
- Acho que é por isso que o monstro parou, é por isso que a toalha cheia de troféus ainda está na mesa.
- Por que o monstro não voltou e pegou os troféus depois que matou o homem? - Eu não sei. Talvez o tempo tenha acabado e ele precisou voltar para casa. Eu gostaria que uma verdadeira wiccan pudesse olhar a cena.
- Wiccan, você quer dizer uma bruxa?
- Sim, mas a maioria prefere ser chamados de wiccan.
- Politicamente correto. - disse Bradley.
Concordei.
- Sim.
- O que uma wiccan poderia nos dizer que você não pode?
- Ela poderia saber o tipo de feitiço que ele usou. Se a magia tirou a coisa da casa, então seríamos capazes de usar uma versão do mesmo feitiço para prender ou até mesmo destruí-lo. Esse homem fez algo que obrigou a criatura a sair desta casa antes que estivesse pronto para ir. Ele obrigou essa coisa a deixar seu saco de troféus para trás e sair sem tirar as vísceras da mulher. É a fraqueza que nós vimos neste monstro.
- Franklin não vai gostar de trazer uma bruxa, nem sequer os moradores locais. Se eu forçar a entrada desta wiccan e não funcionar, ou ela falar com a mídia, da próxima vez que a gente se encontrar eu não serei um agente do FBI.
- Você não deveria tentar todas as opções para resolver este caso? Não é o seu trabalho?
- O FBI não usa bruxas, Anita.
Eu balancei a cabeça.
- Como diabos você me encontrou então?
- Forrester já tinha te falado sobre o caso. Tudo o que eu tinha a fazer era convencer Marks.
- E Franklin? - eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Eu dei uma ordem a ele.
- Então por que ele é tão chato?
- Parece ser um talento natural dele.
- Eu não quero a sua demissão, Bradley. - Fui até a mesa e comecei a abrir as gavetas. Havia um armário de armas na sala de estar. As pessoas tinham um armário desses para proteção pessoal.
- O que você está procurando? - ele perguntou.
Abri a gaveta maior e lá estava ela.
- Venha até aqui Bradley.
Ele veio olhar o que tinha na gaveta. A arma era um Smith and Wesson 9 milímetros. Ficava na gaveta ao lado onde ele tinha caído quando foi derrubado sobre a mesa. Bradley olhou para a arma.
- Talvez não esteja carregada, talvez a munição esteja trancada no armário na sala de estar.
- Posso tocar?
Ele balançou a cabeça. Peguei a arma e só pelo peso tive certeza que estava carregada, mas não foi usada. Eu estava familiarizado com elas, tirei o pente e mostrei para Bradley.
- Cheio. - ele disse com a voz suave.
- Completamente. - Enfiei o pente de volta apertando fortemente com a palma da minha mão até ouvir o clique. - Ele tinha uma 9 milímetros carregada em sua mesa, mas agarrou o sal e seu livro das sombras. Ele não perdeu tempo em pegar a arma. Ele nem sabia o que era o monstro, ou sentiu algo sobre ele e sabia que a arma não funcionaria, mas o feitiço sim. - Levantei a arma de forma que Bradley pudesse ver e apontei para cima. - O feitiço funcionou Bradley, precisamos saber o que era, e a única maneira de saber é trazendo uma bruxa até aqui.
- Não é possível apenas levar o livro e mostrar as fotos para ela?
- E se a posição do livro for importante? E se houver indícios do feitiço dentro do círculo? Eu não pratico este tipo de ritual mágico, Bradley. Pelo que sei, se você trouxer alguém aqui eles podem ser capazes de sentir algo que eu não posso. Você realmente acha quer ver as fotos e o livro em sua própria casa vai ser tão bom quanto vê-lo aqui como está?
- Você está pedindo para por minha carreira em risco.
- Estou pedindo para você arriscar sua carreira, mas eu também estou pedindo para você não por em risco mais vidas inocentes. Você realmente quer que isso aconteça com outro casal, uma outra família?
- Como você pode ter tanta certeza que esta é a chave?
- Eu não tenho certeza, mas é o mais próximo que chegamos até agora. Eu odiaria perdê-lo por causa do seu nervosismo com a carreira.
- Não é só isso, Anita. Se usarmos somente bruxas e videntes e não conseguirmos nenhum resultado, essa unidade poderá ser dissolvida.
Coloquei a arma em sua mão. Ele olhou para ela.
- Eu confio em você para fazer a coisa certa, Bradley. É por isso que você é um dos bons.
Ele balançou a cabeça.
- E pensar que fiz chantagem com Marks para colocá-la de volta no caso.
- Você sabia que eu era um pé no saco quando lutou para me trazer de volta. É um dos meus muitos encantos.
Isso me rendeu um sorriso fraco. Ele ainda estava segurando a arma.
- Você conhece alguma bruxa na região?
Eu sorri para ele.
- Não, mas aposto que Ted conhece. Eu nunca abracei um agente do FBI, mas estou tentada. - Isso o fez sorrir, mas seus olhos eram cautelosos, infelizes. Eu estava pedindo muito para ele. Toquei seu braço. - Eu não te pediria para trazer uma bruxa se não achasse que era o melhor a fazer. Eu não pediria apenas por capricho.
Ele me olhou longamente.
- Eu sei. Você é uma das pessoas menos extravagantes que conheço.
- Você só está dizendo isso porque ainda não me viu longe de um cadáver, mas isso não importa.
- Eu verifiquei os casos que você ajudou a resolver com a polícia de St. Louis, Anita. Coisas horríveis. Quantos anos você tem?
Eu fiz uma careta com a pergunta, em seguida respondi a ele.
- Vinte e seis.
- E à quanto tempo você ajuda a polícia?
- Cerca de quatro anos.
- O Bureau alterna seus agentes em casos de serial killer a cada dois anos, independente se você quer ser transferido ou não. Então depois de uma pausa eles te deixam voltar.
- Você acha que preciso de uma pausa?
- Todo mundo se esgota eventualmente, Anita, até mesmo você.
- Realmente estou pensando em tirar umas férias quando voltar para casa.
Ele balançou a cabeça.
- Isso é bom.
Eu olhei para ele.
- Eu vou saber quando precisarei de uma pausa?
- Eu já vi isso nos olhos de outros agentes.
- Viu o quê? - Eu perguntei.
- Seus olhos são como um copo, e todo o horror que você vê é uma gota acrescentada dentro dele. Seus olhos estão cheios das coisas que tenho visto. Saia enquanto ainda há espaço para coisas que não sangram.
- Isso é maldição poética para um Agente do FBI.
- Um amigo estava assim até que teve um ataque cardíaco.
- Acho que sou um pouco jovem para isso.
- Outro amigo meu comeu sua arma.
Olhamos um para o outro.
- Eu não sou do tipo suicida.
- Eu também não quero vê-la na cadeia.
Meus olhos se arregalaram.
- Opa. Eu não sei do que você está falando.
- O Departamento de Estado confirmou que Otto Jefferies é um funcionário aposentado do governo, mas não puderam acessar o resto do seu arquivo. Eu tenho um amigo lá dentro nível dois em informações secretas. Ele também não conseguiu acessar o arquivo de Otto Jefferies. Ele é um blecaute total, o que significa que é um fantasma de algum tipo. Você não quer se envolver com os fantasmas, Anita. Se tentarem recrutá-la diga não. Não tente descobrir quem Otto realmente é, ou o que ele fez. Não seja intrometida ou você vai acabar em um buraco em algum lugar. Só trabalhe com ele, deixe-o sozinho e siga em frente.
- Parece que você está falando por experiência própria. - eu disse.
Ele balançou a cabeça.
- Não vou falar sobre isso.
- Você que começou. - eu disse.
- Eu disse apenas o suficiente para chamar sua atenção. Basta confiar em mim. Mantenha distância dessas pessoas.
Concordei.
- Está tudo bem, Bradley. Eu não gosto de... Otto. Ele odeia as mulheres, então não se preocupe. Acho que ele não tentaria me recrutar.
- Bom.
Ele colocou a arma de volta na gaveta e fechou-a.
- Além disso, o que ele poderia querer comigo?
Ele olhou para mim, e era um olhar que eu não estava habituada a receber. Seu olhar dizia que eu estava sendo ingênua.
- Anita, você pode ressuscitar os mortos.
- E?
- Eu consigo pensar em várias maneiras de usar um talento assim.
- Como o quê?
- Prisioneiros morrem em interrogatórios. Não importa. Você pode ressuscitá-los outra vez. Um líder mundial é assassinado e precisamos de alguns dias para receber nossas tropas, você pode levantá-lo por alguns dias. Dar tempo para que possamos controlar o pânico, ou parar uma revolução.
- Os zumbis não estão vivos, Bradley. Eles não poderiam se passar por um líder de um país.
- Por dois ou três dias, não me diga que você não conseguiria isso.
- Eu não faria isso. - eu disse.
- Mesmo que significasse que centenas de vidas poderiam ser salvas, ou centenas de americanos poderiam evacuar uma região em segurança?
Olhei para ele.
- Eu... Eu não sei.
- Não importa quão boa a causa pareça no início Anita, eventualmente não será. Eventualmente quando você estiver tão no fundo que não possa ver a luz do dia, eles vão pedir que faça coisas que você não vai querer fazer.
Eu estava me abraçando novamente, o que me irritava. Ninguém tinha se aproximado de mim para pedir qualquer coisa em nível internacional. Eu pensei que Olaf era bom em apenas uma coisa e isso não incluía ajudar o governo. Mas isso me fez querer saber como Edward o havia encontrado. Edward era assustador, mas seria um fantasma?
Olhei para o rosto sério de Bradley.
- Eu vou ter cuidado. - Então pensei em uma coisa. - Será que alguém andou fazendo perguntas sobre mim?
- Eu estava pensando em te oferecer um emprego como Agente.
Levantei as sobrancelhas e ele riu.
- Sim, depois de olhar seu arquivo foi decidido que você é muito independente, muito bruta. Foi decidido que você não se daria bem em um ambiente burocrático.
- Você tem esse direito, mas estou orgulhosa por ter pensado em mim.
Seu rosto voltou a ficar sério, e ele parecia mais velho agora.
- Alguém mexeu em seu arquivo, Anita. Não sei onde ou quem andou perguntando por você, mas não é só o governo que trabalha com pessoas com habilidades especializadas.
Abri a boca, fechei e finalmente disse:
- Eu diria que você está brincando, mas não está, não é?
Ele balançou a cabeça.
- Eu gostaria de poder dizer que sim.
Edward tinha dito que não teria trazido Olaf se soubesse que eu vinha também. Isso parecia como se Olaf tivesse sido convidado a participar, não voluntariamente, mas eu perguntaria a Edward. Eu tinha certeza.
- Obrigado por me dizer Bradley, não sei muito sobre essas coisas, mas eu sei que você está tentando me ajudar me dizer tudo isso.
- Eu tinha que te dizer, Anita. Você sabe que fui o primeiro a puxar o seu arquivo. E fazendo isso acabei chamando a atenção de alguém. E sinceramente eu me arrependo.
- Está tudo bem Bradley, você não sabia.
Ele balançou a cabeça e o olhar em seu rosto era amargo.
- Mas eu deveria saber.
Eu não sabia o que dizer sobre isso e Bradley saiu da sala. Esperei um segundo, depois o segui para fora. Se ele pretendia me assustar, conseguiu. Ele tinha me perguntando se Olaf tinha me convidado, ou se Edward poderia ter pedido para me contratar. Não me surpreenderia se Edward trabalhasse para o governo, pelo menos parte do tempo. Ele nunca aceitava o dinheiro de ninguém.
Pareceria bobeira se eu não tivesse visto o olhar na cara de Bradley, se ele não houvesse dito sobre o meu arquivo. Ele disse "arquivo" como se todos nós tivéssemos um. Talvez sim. Mas alguém tinha pedido o meu? Eu tive uma imagem repentina da minha vida, meus crimes, tudo impresso e colocado em uma mesa sombria, até chegar onde? Ou será que a questão é quem?
Blake. Anita Blake. É mesmo muito divertido. Naturalmente o governo nunca foi conhecido por seu senso de humor.
35
Edward me deixou dirigir seu Hummer até o hospital. Ele ficou na casa para esperar a bruxa. Ela era amiga de Donna e ele bancaria o Ted e a levaria pela mão através da cena do crime. Seria sua primeira vez e quando você é jogada de cabeça em algo assim, ou você nada ou afunda.
Olaf ficou para comungar com os corpos. Melhor para mim. Eu não queria estar em um carro ou confinada em nenhum espaço pequeno com Olaf sem que Edward estivesse junto como acompanhante. No entanto acho que a polícia e os federais teriam prazer em mandá-lo comigo para o passeio. Embora Olaf soubesse menos sobre magia do que eu, tudo o que ele realmente fez foi confirmar a minha suposição de que o assassino não deixaria seus troféus para trás. Ele não sabia por que o assassino deixou. Eu era a única a pensar assim e ficaria aliviada se a wicca confirmasse minha opinião. Se ela não confirmasse, então não teríamos nada.
Na verdade quase ninguém queria ir comigo. Franklin pensava que eu era louca.
Ele queria saber por que eu disse que os sobreviventes não eram sobreviventes, mas mortos-vivos. Bradley não estava disposto a deixar Franklin como o agente de classificação da área. Os mapas geológicos estavam a caminho, e eu acho que ele não queria Franklin responsável pela pesquisa.
Marks também não deixaria a cena para os federais, ele também achava que eu era louca. Ramirez e um policial me seguiam em um carro sem identificação.
Eu realmente não achava que encontraria o monstro, não tínhamos nenhuma pista. Nada que pudesse dizer que ele voasse ou se desmaterializasse. De qualquer maneira eles não iriam encontrá-lo, não a pé, não com mapas. Então me senti livre para ir ao hospital.
Outra razão para ir até Albuquerque era que Edward tinha me dado um nome. Um homem conhecido como um bruxo. Donna tinha dado o nome apenas para Ted com a condição de que não seria usado para prejudicá-lo. Ela só deu o nome com a condição de que nenhum mal lhe aconteceria. Ele trabalhava com magia negra por dinheiro, bem como vingança pessoal.
Se você pudesse provar na corte que ele fazia magia negra intencionalmente sua sentença de morte seria automática. Seu nome era Nicandro Baco e era um suposto necromante. Se fosse, seria o primeiro que eu conheceria. O nome veio junto com outro aviso: "Tenha cuidado com ele".
Ele era muito mais perigoso do que parecia. Só que eu precisava de um necromante com atitude. Oh espere, eu era uma necromante de atitude. Se ele fizesse alguma merda comigo, veríamos quem era o melhor. Era um chip no meu ombro ou excesso de confiança? Veríamos.
Oh, e Bernardo estava comigo. Ele estava no banco do passageiro usando o cinto de segurança porque eu tinha insistido. Sua cara bonita poderia ser definida como uma carranca, braços cruzados sobre o peito. Eu acho que ele teria cruzado as pernas se tivesse espaço. Palavras como "se feche" me veio à mente.
As sombras se esticavam por toda a estrada, embora não houvesse árvores ou edifícios para lançá-los. Era como se as sombras apenas se derramassem para fora da própria terra através da estrada como uma promessa da noite que estava por vir. Se eu olhasse no relógio no meu pulso veria que já era inicio da noite. Se olhasse o nível de luz do dia, já era tarde. Teríamos cerca de três horas de luz, eu dirigia através das sombras com um sentimento de urgência pressionando contra mim. Eu queria estar no hospital antes de escurecer. Eu não sabia por que, e não questionei. Nós estávamos sendo seguidos por um carro da polícia. Certamente, eles poderiam resolver isso.
Era assustador o quão rapidamente e sem problemas o carro passou dos oitenta sem que eu percebesse. Havia alguma coisa na estrada e na forma como ela se estendia através da paisagem vazia que fazia parecer que estávamos devagar. Eu me mantive a oitenta e Ramirez me acompanhou. Ele era o único que acreditava em mim. Talvez ele sentisse a urgência também.
O silêncio no carro não era exatamente sociável, mas não era desconfortável também. Além disso, eu já tinha problemas suficientes sem chorar nos ombros de um dos amigos sociopatas de Edward.
Bernardo quebrou o silêncio.
- Eu vi você e aquele detetive se encontrando no morro.
Eu fiz uma careta para ele. Ele estava me olhando com olhos hostis, acho que estava tentando brigar, embora eu não soubesse o porquê.
- Nós não estávamos nos encontrando. - eu disse.
- Pareciam bastante confortáveis para mim.
- Ciúmes? - eu perguntei.
Seu rosto endureceu.
- Então você não dorme com qualquer um. Pelo menos não com caras maus.
Eu balancei a cabeça.
- Foi um abraço de conforto, e isso não é da sua conta.
- Não imaginava que você fosse do tipo que precisava de abraço reconfortante.
- E não sou.
- Então?
- Portanto, isso só interessa a mim.
- Eu ouvi isso. - ele disse.
Olhei para ele. Seu rosto era apenas um fino perfil através de seus cabelos como a lua um pouco antes de ficar escura. Voltei a olhar para a estrada. Se ele não queria contato com os olhos tudo bem para mim.
- Eu pensei que você estava evitando as fotos e o material forense. - eu disse.
- Estou aqui a duas semanas, mais tempo do que você. Eu vi as fotos, vi os corpos e não preciso ver tudo de novo.
- Sobre o que exatamente você e Edward brigaram hoje?
- Briga. - ele disse e deu uma risada baixa. - Sim, você poderia dizer que nós brigamos.
- Por quê?
- Eu não sei por que diabos eu estou aqui. Diga-me no que, ou em quem devo atirar, e eu farei. Até mesmo bancar o guarda costas se o preço for justo. Mas não há nada para atirar, nada além de defuntos. Eu não sei nada de magia.
- Eu pensei que você era um caçador de recompensas licenciado que se especializou em criaturas sobrenaturais.
- Eu estava com Edward quando ele limpou um ninho de licantropos no Arizona. Quinze deles. Nós os matamos com metralhadoras e granadas. - Ele tinha um tom quase melancólico em sua voz tipo "Ah, que dia feliz". - Antes eu tinha matado dois licantropos desonestos, depois recebi várias ligações para participar dessa merda. O trabalho é basicamente o mesmo. A única diferença era que a vitima não era humana. Com isso eu posso me virar, mas eu não sou detetive. Ligue-me quando encontrá-lo e eu estarei lá, mas não assim. Não essa porra de espera a procura de pistas. Quem diabos procura por pistas? Nós somos assassinos, não Sherlock Holmes.
Ele se mexeu e se esforçou para sentar direito, balançou a cabeça para afastar o cabelo de seu rosto. Era um gesto muito feminino. Um homem tem que ser muito macho para fazer isso.
- Talvez ele tenha pensado que, como você o ajudou com os licantropos, seria útil com isso.
- Ele estava errado.
Eu dei de ombros.
- Então vá para casa.
- Eu não posso.
Olhei para ele. Agora eu podia ver seu perfil e era bonito.
- Você lhe deve um favor também?
- Sim.
- Eu poderia perguntar que tipo de favor?
- Igual ao seu.
- Você matou um dos seus seguranças também?
Ele balançou a cabeça e teve que passar a mão no cabelo para tirá-lo do rosto.
- Quer falar sobre isso?
- Por quê? - Ele olhou para mim e não havia provocação em seu rosto, ele estava sério, até mesmo solene. Parecia menos atraente sem o sorriso e o brilho em seus olhos, mas também parecia mais real. E ser real me traria mais problemas do que seu charme.
- Você quer falar sobre como matou Harley? - ele perguntou.
- Na verdade não.
- Então por que está me perguntando?
- Você parece tenso. Pensei que se começasse a falar poderia ajudar, ou isso é apenas coisa de menina?
Ele sorriu e quase chegou a seus olhos.
- Eu acho que é coisa de menina e não quero falar sobre isso.
- Ok, vamos falar sobre outra coisa.
- O que? - Ele estava olhando pela janela, um ombro pressionado contra o vidro. A estrada seguia entre duas colinas, e o mundo de repente ficou cinza escuro. Nós literalmente estávamos correndo para longe da luz do dia, mas esse último ataque aconteceu quase ao amanhecer. Então, por que eu estava tão preocupada com a chegada da noite? Talvez fosse apenas por passar anos caçando vampiros, onde a escuridão fazia com que nós humanos não tivéssemos nenhuma vantagem. Eu esperava que fosse apenas velhos hábitos, mas a vibração no meu estômago não achava que era.
- Há quanto tempo você conhece Edward? - Eu perguntei.
- Cerca de seis anos.
- Merda. - eu disse.
Ele olhou para mim então.
- O que há de errado?
- Eu o conheço há cinco anos. Pensei que o conhecia a mais tempo.
Ele sorriu para mim.
- Você está fazendo isso para conseguir informações, hein?
- Algo parecido.
Ele virou-se no cinto de segurança até que a maior parte de seu corpo estava de frente para mim, uma perna atravessada no banco.
- Você me responde algumas perguntas e eu faço a mesma coisa. - Sua voz estava um pouco baixa. Ele tombou a cabeça de lado e seu cabelo varreu o banco como uma pele negra.
Eu balancei a cabeça.
- Você está com tesão, e eu estou disponível. Isso não é muito lisonjeiro, Bernardo.
Ele voltou para seu banco.
- Agora isso é coisa de menina.
- O que?
- Complicar as coisas, você precisa que o sexo seja mais do que é.
- Eu não sei. Conheço um cara ou dois que tornam o sexo muito complicado.
- Você não parece feliz com ele ou eles.
- Será que Edward chamou Olaf antes ou depois? - eu perguntei.
- Depois, mas você está mudando de assunto.
- Não, eu não estou. Edward é um especialista em pessoas. Ele sabe para quem ligar em qualquer tipo de situação. Faz sentido Olaf estar aqui. Faz sentido que eu esteja aqui. Mas você não faz. Ele sabe que este não é o seu tipo de trabalho.
- Também não entendi.
- Edward me incentivou a dormir com você.
Bernardo olhou para mim, chocado, eu acho. Bom saber que ele poderia ficar.
- Edward bancando o cupido? Estamos falando do mesmo Edward, certo?
- Talvez Donna o tenha mudado. - eu disse.
- Nada mudaria Edward, ele é uma montanha.
Concordei.
- É verdade, mas ele não estava me incentivando a escolher você. Ele disse exatamente assim, "o que você precisa é de uma transa agradável e sem complicações".
As sobrancelhas de Bernardo subiam.
- Edward disse isso?
- Sim, ele disse.
Ele estava olhando para mim agora. Eu podia sentir seu olhar em mim enquanto prestava atenção na estrada. Não era sexual agora, era intenso. Eu tinha a sua atenção.
- Você está dizendo que Edward me trouxe aqui para tentá-la?
- Eu não sei. Talvez. Talvez eu esteja errada. Talvez seja apenas coincidência, mas ele não está feliz com a minha escolha de amantes.
- Em primeiro lugar não há coincidências quando se trata de Edward. Em segundo, por que Edward se preocupa com quem você está dormindo? Ele se importa com você como se fosse seu cão.
Ignorei esse último comentário porque não tinha uma resposta a altura. Embora não discordasse. Normalmente Edward só queria saber se você poderia atirar. Qualquer outra coisa não era importante.
- Vou responder à sua pergunta, se responder a minha primeiro.
- Pode fazer.
- Você pode ser parecido com um rapaz da capa da Native American GQ, mas não faz sentido que seja de uma cultura diferente.
- Branco demais para você? - sua voz estava irritada, toquei seu ombro.
- Olha, a família da minha mãe é mexicana e você tem um senso de cultura quando interage com eles. A família do meu pai é alemã, e vão dizer e fazer coisas que os europeus fazem ou no mínimo vão parecer estrangeiros. Você não parece ter qualquer cultura específica. Fala como um americano, um ator de televisão ou coisa assim.
Ele olhou para mim, e estava com raiva agora.
- Minha mãe era branca e meu pai era índio. Me disseram que ele morreu antes que eu nascesse. Ela me deu quando nasci. Ninguém queria um bebê mestiço, então fui de um lar adotivo para outro. Quando eu tinha dezoito anos entrei para o exercito. Descobriram que eu poderia atirar. Matei coisas para o meu país por alguns anos. Então me tornei independente. E aqui estou.
Sua voz tinha se tornado cada vez mais alta até que quase machucava ouvi-lo. Dizer que estava arrependida de ter feito a pergunta seria um insulto. Dizer que entendia seria uma mentira. Agradecer parecia errado também.
- Nada a dizer? - ele perguntou. - Chocada? Com pena de mim? Quer me dar um pouco de sexo por piedade?
Olhei para ele então.
- Se alguém faz sexo com você não é por piedade, e sabe muito bem disso.
- Mas você não quer fazer sexo comigo.
- Não é por causa da sua etnia, ou a falta dela. Eu tenho dois caras me esperando em casa. Dois já é muito. Três seria ridículo.
- Por que Edward não gosta deles? - Bernardo perguntou.
- Um deles é um lobisomem e o outro é um vampiro. - Minhas palavras eram agradáveis, mas eu vi seu rosto tempo suficiente para ver sua reação. Ele estava de boca aberta. Finalmente fechou a boca e disse:
- Você é a executora, o flagelo dos mortos-vivos. Como pode estar com um vampiro?
- Não tenho certeza se posso responder a essa pergunta, mesmo para mim. Mas atualmente não estou com nenhum deles.
- Você acha que o lobisomem é humano? Ele está tentando se passar por um?
- Sim, mas não por muito tempo. Eu sabia o que ele era quando o levei para minha cama.
Ele deixou escapar um assobio baixo.
- Edward odeia os monstros. Mas eu acho que ele não daria à mínima se um de seus seguranças dormisse com eles.
- Ele se preocupa, eu só não sei o porquê.
- O que ele pensou? Que uma noite comigo mudaria sua opinião? Que faria você odiar os monstros? - Ele estava olhando para mim agora, estudando meu rosto. - Ouvi dizer que os licantropos podem mudar a forma de seus corpos à vontade. Isso é verdade?
- Alguns deles podem. - eu disse, estávamos na periferia de Albuquerque.
- Seu namorado pode?
- Sim.
- Ele pode mudar a forma de todo o seu corpo à vontade?
Eu senti meu rosto corar e não pude evitar. Bernardo riu.
- Acho que ele pode.
- Sem comentários.
Ele ainda estava rindo baixinho para si mesmo, uma risada muito masculina.
- O seu vampiro é velho?
- Quatrocentos anos e contando. - eu disse.
Tínhamos deixado os shoppings para trás e entramos em uma área residencial. Estávamos chegando ao primeiro marco das instruções que Edward tinha me dado. Quase passei do desvio a caminho da casa de Nicandro Baco, mas se eu estivesse certa, se a coisa com a qual estávamos lidando fosse outro tipo de morto-vivo de qualquer forma eu já teria ouvido, em contrapartida, pode ser bom ter outro necromante por perto. Tudo que eu sabia era que esse tipo de morto-vivo era uma coisa da região e Baco saberia mais do que eu. Olhei pelo retrovisor para ver se Ramirez ainda estava atrás de mim. No momento estávamos no limite de velocidade.
- Você poderia ler as instruções para mim? - eu perguntei.
Ele não respondeu, apenas pegou o pedaço de papel do painel e leu o nome das ruas.
- Você está no caminho certo, vamos voltar para nossa pequena conversa.
Eu fiz uma careta para ele.
- Temos mesmo?
- Deixe-me ver se entendi. - disse Bernardo. - Você está saindo com um licantropo que tem o controle refinado sobre seu corpo e pode tornar qualquer parte dele... maior?
- Ou menor. - eu disse.
Eu estava contando os postes porque não queria me perder. Ainda tínhamos tempo de ver esse cara e chegar ao hospital antes de escurecer, mas só se não nos perdêssemos.
- Nenhum homem torna as coisas pequenas durante o sexo. Não importa quem seja, ele ainda é um homem.
Eu dei de ombros. Não discutiria o tamanho de Richard com Bernardo. A única pessoa que discuti o assunto foi com Ronnie, e tínhamos rido muito enquanto ela compartilhava fatos embaraçosos sobre o seu namorado Louie.
Eu sabia que as mulheres contavam detalhes íntimos para seus amigos homens. Eles podem se vangloriar mais, mas as mulheres falam pelos cotovelos sobre suas experiências.
- Então onde eu estava? - Bernardo disse. - Ah, você estava dizendo que esse metamorfo tem um controle refinado de seu corpo e que pode aumentar ou diminuir a vontade.
Eu me contorcia no banco, mas finalmente concordei. Bernardo sorriu feliz.
- E você está tendo relações sexuais com um vampiro de mais de quatrocentos anos. - De repente ele estava com um sotaque britânico. - Pode-se supor que ele é bem-qualificado até agora?
O rubor no meu rosto voltou com força total. Eu estava quase dando as boas vindas à escuridão se ela pudesse me esconder.
- Sim. - eu disse.
- Merda, eu posso ser bom, mas nem tanto. Eu sou apenas um pobre menino mortal. Não posso competir com o senhor dos mortos-vivos e o lobisomem.
Estávamos em uma parte da cidade que parecia quase deserta. O posto de gasolina tinha grades nas janelas e grafites espalhados por todo lado como uma doença contagiosa. A vitrine de frente tinha tábuas nas janelas e mais grafite.
A tarde ainda estava clara com a luz solar refletida, mas de alguma forma a luz não chegava à rua, era como se houvesse algo aqui que o mantinha longe. A pele das minhas costas se arrepiou tão rápido que eu pulei.
- O que foi? - Bernardo perguntou.
Eu balancei a cabeça, de repente minha boca estava seca. Eu sabia que tinha chegado ao endereço certo antes dele gritar:
- Aí está, Los Duendos, os anões.
O ar era grosso com o peso opressivo da magia. Magia da Morte. Ou eles tinham acabado de matar alguma coisa para ganhar o poder de um feitiço ou estavam trabalhando ativamente com um morto neste momento. Como o sol ainda estava alto, era um truque. A maioria dos animadores não poderia ressuscitar os mortos antes do anoitecer. Teoricamente sou poderosa o suficiente para ressuscitar os mortos ao meio-dia, mas eu não tentei.
Disseram uma vez que a única razão de não poder fazer isso era que eu acreditava que não poderia. Mas Nicandro Baco não parecia compartilhar minhas dúvidas. Talvez eu não fosse a melhor, agora eu poderia sanar minha dúvidas. Agora era tarde para pedir ajuda a Edward. Se Baco sentisse o cheiro da polícia ele poderia correr, não cooperar, ou tentar nos ferir. Seu poder passou ao longo do meu corpo e eu ainda estava sentada no carro. Como ele seria como pessoa? Mau. Muito mau? Como diz o velho ditado... Só existe uma maneira de descobrir.
36
Parei em um estacionamento abandonado a dois quarteirões abaixo e próximo do bar. Ramirez parou do meu lado, ele o policial Rigby caminharam até nós. Rigby tinha altura média, bem encorpado e se movia como se estivesse passeando. Ele tinha uma alta confiança e um sorriso pronto que chegava até seus olhos. Era descontraído como se nada realmente ruim o tivesse tocado. Faltava-lhe o ar duro que a maioria dos policiais deve ter. Ele parecia mais velho do que eu, mas seus olhos eram mais jovens e eu me ressentia disso.
Ramirez estava investigando Nicandro Baco, alias Nicky Baco. Ele era suspeito de assassinato, mas as testemunhas estranhamente desapareciam ou esqueciam o que tinham visto. Ele era associado a uma gangue local de motoqueiros, ah, clube. Gangues de motociclistas agora preferem o termo politicamente correto.
- O clube local é chamado de Los Lobos, e não deve ser confundido com o grupo musical. - disse Ramirez.
Eu pisquei para ele, então entendi.
- Oh sim, Los Lobos, um grupo musical.
Ele olhou para mim.
- Você está bem?
Concordei. Mesmo a dois quarteirões de distância, eu sentia a magia de Baco. Eu apostava que se alguém tivesse tempo encontraria magia, encantos e porções aqui e ali na zona envolvente. Acho que ele não estava ciente da minha presença ainda. Acho que a razão de senti-lo tão fortemente era que ele estava no meio de um feitiço. Os encantos estavam espalhados ao redor do bairro para manter certo desconforto. Ele poderia literalmente induzir o comércio a fechar suas portas. É ilegal, bem como antiético. Claro, o motivo de querer destruir toda a economia em volta de seu bar era um mistério para mim. Eu me preocuparia com isso mais tarde. Assassinatos primeiro, fraude imobiliária depois. Alguns dias você só tem que priorizar.
- O grupo Los Lobos é pequeno, mas eles são maus. - disse Ramirez.
- Mal como? - eu perguntei.
- Tráfico de drogas, homicídio, matadores de aluguel, assalto, assalto seguido de morte, tentativa de homicídio, estupro, sequestro.
Bernardo disse:
- Sequestro? - Como se os outros crimes fossem esperados, mas não o último.
Ramirez olhou para ele e seus olhos foram de amigáveis para frios. Ele não gostava de Bernardo por alguma razão.
- Eles são suspeitos pelo sequestro de uma adolescente, mas ninguém nunca apareceu. Uma testemunha apenas a viu sendo arrastada para uma van que parecia muito com o veículo do líder, Roland Sanchez, mas muita gente tem um carro parecido.
- Outras adolescentes desapareceram também? - Eu perguntei.
- Nós investigamos, mas não encontramos nenhum padrão de jovens sequestradas pela gangue. Não estou dizendo que não fazem isso, apenas que não é um hábito.
- Adorei ouvir isso. - eu disse.
Ramirez sorriu.
- Você está armada e... - ele me entregou um celular. -... Pressione esse botão e o meu vai tocar. - ele salvou o número do telefone. - Rigby e eu iremos correndo ajudá-la.
Eu olhei para Rigby, ele realmente tirou o chapéu para mim.
- Aos seus serviços, Senhora.
Senhora? Ou ele era cinco anos mais jovem do que parecia, ou usava "Senhora" para todas as mulheres. Deixei seus olhos pacíficos e olhei para Ramirez, ele tinha visto muito de vida real.
- Você não vai tentar nos impedir de entrar no bar?
- Suspeitamos que Baco use magia para matar pessoas. Essa é uma sentença de morte automática. Se ele suspeitar que a polícia está por perto vai se fechar e pedir um advogado. Se você quiser alguma informação dele tem que se passar por uma cidadã normal. Agora, se você planejasse entrar lá sozinha, sem Bernardo ou algum outro homem, então eu diria...
Eu fiz uma careta para ele.
- Eu posso me cuidar.
Ele balançou a cabeça.
- No mundo dessa gangue, as mulheres não existem senão através dos homens.
Minha carranca se aprofundou.
- Agora você me pegou.
- Todas as mulheres são mães, filhas, esposas, irmãs, namoradas ou amantes de alguém. Eles não saberão o que diabos fazer com você, Anita. Vá como namorada de Bernardo. - Ele levantou a mão me impedindo de interromper antes que eu pudesse abrir a boca e tentar. - Confie em mim. Você precisa ter algum tipo de posição para que possam compreender rápido e facilmente. Mostrar sua licença de executora é o mesmo que mostrar um distintivo. Nenhuma mulher em seu juízo perfeito entraria lá para tomar uma bebida. Você tem que ser algo. - Ele olhou para Bernardo e não gostou que ele estivesse feliz. - Eu iria com você como seu namorado, mas querendo ou não, eu pareço um policial.
Olhei para ele. Não tinha certeza se parecia ou não, mas depois de algum tempo todos eles se pareciam mesmo estando de folga. Talvez fosse as roupas ou o ar de autoridade, má atitude ou algo assim. O que quer que fosse Ramirez tinha. Rigby mesmo de uniforme não se parecia com um policial. Ele me deixava nervosa com seu ar de contentamento. Policiais nunca devem parecer tão satisfeitos. Isso significa que ele não tem muita experiência.
Olhei para o rosto sorridente Bernardo.
- De acordo, mas sob protesto.
- Ótimo. - Ramirez disse e olhou para Bernardo, ele não gostou do seu sorriso e colocou um dedo próximo ao rosto do homem mais alto. - Se você sair da linha por lá com a Anita, eu vou pessoalmente fazê-lo se desculpar por isso. Os olhos de Bernardo foram do divertido para o sério. Eles me lembravam os olhos de Edward quando perdiam a emoção até ficarem vazios e de alguma forma duros.
Fiquei entre eles até conseguir a atenção dos dois.
- Eu posso me cuidar com relação a Bernardo, Detetive Ramirez. Obrigada de qualquer maneira.
Eu tinha usado o seu título para lembrar a Bernardo quem ele era. Mesmo Edward pisava em ovos com relação à polícia. Ramirez tinha a cara fechada, vazia.
- Entendido, Senhora Blake.
Percebi que ele achou que eu tinha usado seu título porque estava com raiva dele. Merda. Por que eu sempre feria o ego masculino no meio de uma crise?
- Está tudo bem, Hernando. Eu só gostaria de lembrar a todos que sou uma menina crescida.
Ele tocou meu braço levemente e olhou para mim com seus olhos suaves.
- Ok. - Uma resposta do sexo masculino onde desculpas pedidas eram desculpas aceitas. Seria verdade se uma das partes envolvidas não fosse do sexo feminino, a resposta teria sido menor.
Eu me afastei dos dois e mudei de assunto.
- Incrível como muitos bandidos e monstros falam comigo e não com a polícia.
Ele balançou a cabeça, seus olhos ainda estavam sérios.
- Incrível. Essa é uma boa palavra para isso. - Seu olhar era estudado, e me perguntei se ele achava que me sairia bem com Baco.
Eu não perguntei, eu realmente não queria saber. Mas ele estava certo sobre Baco. Se ele fosse como diziam, então não iria querer a polícia perto de sua casa ou em sua área de trabalho. Eles não estavam brincando sobre a sanção de morte automática. A última execução de um feiticeiro aconteceu há dois meses. Tinha sido na Califórnia, um Estado que não aplicava a pena de morte para nenhum outro crime.
Eles haviam julgado e condenado uma feiticeira por traficar com demônios. Ela usou um demônio para matar sua irmã e herdar os bens dos pais. Eles suspeitavam que ela também matou seus pais, mas não puderam provar. E quem se importa? Eles só podiam matá-la uma vez. Eu tinha lido algumas das transcrições do julgamento. Ela era culpada, eu não tinha nenhuma dúvida sobre esse ponto. Demorou apenas três meses entre a prisão, condenação e a realização da sentença. Algo inédito no sistema de justiça americano. Inferno, normalmente essas coisas levavam um longo tempo até conseguir as provas para o julgamento, mas mesmo na Califórnia haviam aprendido a lição há alguns anos atrás.
Eles prenderam um feiticeiro por crimes semelhantes. Tentaram dar ao feiticeiro o tempo normal para um julgamento porque alguns congressistas estavam argumentando que a pena de morte não deveria ser permitida mesmo em casos de assassinato por magia.
O feiticeiro invocou um demônio em sua cela, matou todos os guardas da cadeia e alguns dos prisioneiros. Ele finalmente foi localizado com a ajuda de um mutirão de Wiccans branco. O total de mortes foi de quarenta e dois, quarenta e três, algo assim. Ele foi morto durante a tentativa de captura e morreu com trinta tiros, o que significava que todos esvaziaram as armas em seu corpo até que caísse. Para que nenhum dos policiais fosse pego no fogo cruzado eles devem ter ficado em pé sobre ele apontando para baixo. Uma execução a queima-roupa, pode apostar, mas eu não os culpava. Nunca encontraram todas as partes dos corpos dos guardas na prisão.
O Novo México tinha pena de morte. Eu apostaria que seriam capazes de vencer a Califórnia entre a prisão até a conclusão da sentença em menos de três meses. Quero dizer, afinal, neste Estado eles podem condenar qualquer um à morte por um bom crime. Adicione magia e eles estariam espalhando as suas cinzas ao vento mais rápido do que você poderia dizer Belzebu.
O método atual de execução é o mesmo para todos. Na América não é permitido queimar uma bruxa ou bruxo na fogueira por qualquer crime. Mas depois que você está morto eles queimam seu corpo até virar cinza se foi condenado por crime de magia, então espalham suas cinzas em água corrente. Muito tradicional.
Há lugares na Europa onde ainda é legal queimar uma bruxa. Há mais de um motivo para eu não viajar muito para fora do país.
- Anita, você ainda está com a gente? - Ramirez perguntou.
Pisquei.
- Desculpe, eu apenas estava pensando sobre a última execução na Califórnia. E não culpo Baco por se preocupar.
Ramirez balançou a cabeça.
- Tenha muito cuidado. Eles são pessoas ruins.
- Anita conhece as pessoas ruins. - disse Bernardo.
Os dois homens entreolharam-se e novamente percebi que Ramirez não gostava dele. Bernardo parecia provocá-lo. Será que já se conheciam?
Eu decidi perguntar.
- Vocês se conhecem?
Ambos balançaram a cabeça.
- Por quê? - Bernardo perguntou.
- Parece ter algum tipo de merda pessoal acontecendo.
Bernardo sorriu e Ramirez parecia desconfortável.
- Não é pessoal para mim. - disse Bernardo.
Rigby virou e tossiu. Se eu não o conhecesse melhor diria que estava encobrindo uma risada. Ramirez o ignorou e voltou toda sua atenção para Bernardo.
- Eu sei que Anita sabe como lidar com os bandidos, mas uma faca presa nas costas não a protegerá como precisa. A gangue Los Lobos se orgulha de usar faca em vez de armas.
- As armas são para maricas. - eu disse.
- Algo como isso.
Coloquei a jaqueta sobre a camisa pólo. Se eu abotoasse os dois botões da jaqueta esconderia a Firestar na frente e ainda teria muito espaço para pegar a Browning. Na verdade o celular no bolso do lado direito era mais perceptível do que as armas.
- Adoro ter uma arma em uma briga de faca.
Bernardo tinha jogado uma camisa preta de manga curta sobre sua camiseta branca e cobria a Beretta 10 mil em seu quadril.
- Eu também. - ele disse e sorriu. Era um sorriso feroz e percebi que essa era a primeira vez em semanas que ele poderia lutar com algo de carne e osso que poderia matar.
- Estamos indo até lá para conseguir informações, não para intimidar, ok. Você entende isso? - eu perguntei.
- Você é a chefe. - ele disse, mas não gostei de seu olhar. Ele estava antecipando, estava ansioso.
Eu me sentia paranóica quando coloquei a faca na bainha em minhas costas.
Virei à cabeça para trás e para frente sentindo o cabo da faca contra meu pescoço. Era reconfortante. Eu quase sempre usava as bainhas com as facas no pulso, mas o da coluna era opcional. Em um minuto você está paranóica e arrumando as armas, e no próximo você está com medo e super armada.
A vida é assim, ou minha vida era assim.
- Você sabe o que são "Los Duendos"? - Ramirez perguntou.
Bernardo afirmou dizendo que significava "Os Anões".
Ramirez assentiu.
- Mas por aqui é folclore. Eles são pequenos seres que vivem em cavernas e roubam as coisas, supostamente são anjos que ficaram suspensos entre o Céu e o Inferno durante a revolta de Lúcifer. Quando Deus fechou as portas, muitos anjos ficaram do lado de fora. Eles ficaram suspensos no limbo.
- Por que simplesmente não foram para o inferno? - Bernardo perguntou
Era uma boa pergunta. Ramirez deu de ombros.
- A história não diz.
Olhei para Rigby de pé atrás de Ramirez. Ele estava tão pronto e preparado como um escoteiro. Ele não parecia preocupado com qualquer coisa e isso me deixou nervosa. Estávamos prestes a entrar em um bar horroroso com motoqueiros maus. Lá dentro havia um necromante tão poderoso que fazia minha pele se arrepiar por quilômetros de distancia. Parecíamos confiantes, mas era uma confiança nascida da sobrevivência, a confiança de Rigby me impressionou porque vinha da fé, mas com base em uma falsa suposição. Eu não poderia saber com certeza sem perguntar, eu apostaria que Rigby nunca esteve em qualquer situação em que pensou que não poderia sair do outro lado. Ele parecia um pouco frágil apesar da musculatura. Se eu fosse ele pegaria menos peso e aprenderia a endurecer os olhos. Espero que Ramirez não ande apenas com Rigby como seu parceiro, mas não diria isso em voz alta. Todo mundo perde a inocência em algum momento, em algum lugar, se as coisas corressem mal hoje à noite, pode ser a noite de Rigby.
- Você nos contou essa pequena história por uma razão, Hernando? Quer dizer, você acha que Baco ou esta gangue de motoqueiros são os Los Duendos?
Ele balançou a cabeça.
- Não, eu só achei que você deveria saber. Ela diz algo sobre o nome do bar de Baco que é "Anjos Caídos".
Eu abri a porta do motorista e entrei no Hummer. Bernardo aproveitou a dica e abriu a do passageiro.
- Anjos caídos ou não, eles estão preso no limbo.
Hernando inclinou-se para a janela aberta do carro.
- Mas eles não estão mais no Céu, estão?
Com esse último comentário enigmático ele deu um passo para trás e me deixou fechar a janela do carro. Ele e Rigby ficaram nos observando enquanto nos afastávamos. Eles pareciam abandonados à própria sorte parados ali, ou talvez fosse eu que estivesse me sentindo desamparada.
Olhei para Bernardo.
- Não mate ninguém, ok?
Ele deslizou para trás em seu assento, aconchegando-se contra o couro. Ele parecia mais descontraído do que há um minuto.
- E se eles tentarem nos matar?
Suspirei.
- Então teremos que nos defender. - eu disse.
- Viu só, eu sabia que você veria as coisas do meu jeito.
- Não comece nenhuma luta. - eu disse.
Ele olhou para mim com seus ansiosos olhos castanhos.
- Posso terminar?
Procurei um lugar para estacionar. Qualquer que fosse o feitiço em que Baco estava trabalhando acabou. O ambiente ficou um pouco mais fácil de respirar. Mas havia ainda algo no ar como um raio esperando para atacar.
- Sim, nós podemos terminar.
Ele começou a cantarolar em voz baixa, acho que o tema era "The Magnificent Seven". Para citar uma linha de filme em demasia, eu tive um mau pressentimento sobre isso.
37
Bem a tempo encontrei um lugar para estacionar, Bernardo e eu tínhamos um plano. Eu era uma necromante de fora da cidade querendo falar com outro necromante que tinha ouvido falar. Se não tivesse tão malditamente perto da verdade seria uma história ruim. Mesmo sendo verdade parecia uma história esfarrapada. Mas não tínhamos o dia todo, além disso, acho que não seria uma desculpa forte o suficiente para qualquer um de nós. Ficaríamos mais a vontade derrubando uma porta ou em uma escola de tiro do que inventando uma mentira.
Bernardo estendeu a mão para mim pouco antes de atravessar a rua, eu franzi a testa para ele.
Ele balançou a mão para mim.
- Vamos fazer direito, Anita.
Ele estava estendendo sua mão direita para mim. Olhei para a mão oferecida por um instante e finalmente a segurei. Seus dedos deslizaram em torno de minha mão um pouco mais lenta e um pouco mais suave do que o necessário, mas eu poderia viver com isso. Sorte nossa que eu era destra e Bernardo canhoto. Poderíamos dar as mãos e mesmo assim pegar as armas.
Já namorei homens que eu não podia andar de mãos dadas porque existia um ritmo estranho entre nós. Bernardo não era um desses homens. Ele diminuiu seu passo até que percebi que eu estava um passo à frente dele puxando sua mão. Tenho vários amigos mais altos do que eu e ninguém nunca reclamou que eu não podia acompanhá-los.
A porta do bar era preta e se misturava tão bem com a fachada do prédio que você quase nem percebia. Bernardo abriu a porta para mim e eu deixei. Poderia estragar nosso disfarce discutir quem abre a porta para quem. Embora se ele fosse realmente meu namorado teríamos tido uma discussão. Ah! Bem.
No minuto em que pisei no bar, não, no segundo em que pisei no bar soube que não poderíamos nos misturar. Estávamos muito formais. Se Bernardo tivesse tirado a camisa preta e ficado apenas com a camiseta branca, então ele poderia ter se misturado. Eu era a única a usar uma jaqueta. Mas mesmo com a camisa pólo e a calça jeans eu parecia mais vestida do que algumas das mulheres.
Uma menina ao nosso lado, eu quis dizer menina porque se ela tivesse dezoito anos eu comeria alguma coisa nojenta, olhou para nós com olhos hostis. Ela tinha longos cabelos castanhos que passavam dos ombros. Seus cabelos eram limpos e brilhantes mesmo na penumbra. Sua maquiagem era leve, mas habilmente aplicada.
Ela deveria estar pensando em quem a levaria para o baile. Em vez disso, estava usando um sutiã de couro preto com pregos de metal sobre ele e shorts curto combinando que parecia ter sido pintado sobre seu quadril estreito. Um par de sapatos plataforma completava o look. Aqueles sapatos plataforma tinham sido feios nos anos setenta e oitenta, e ainda eram feios duas décadas depois, mesmo se estivessem de volta em grande estilo.
Ela estava pendurada em um cara que parecia ser trinta anos mais velho. Seu cabelo e barba irregulares eram cinza. A primeira vista você pensaria que ele era gordo, mas por baixo daquela gordura existia muita carne com muito músculo sobre ele. Seus olhos estavam escondidos atrás dos óculos escuros com lentes redondas e pequenas, embora o bar estivesse em um crepúsculo permanente. Ele estava sentado perto da porta, às mãos grandes apoiadas sobre a madeira estavam totalmente em repouso, mas você ainda percebia como ele era grande, como era fisicamente imponente. A menina era esguia e mais baixa do que eu. Talvez fosse filha dele, mas eu duvido.
Ele se levantou e uma onda de energia se alastrou em uma ondulação quase visível de poder. E de repente era difícil respirar, e não era a fumaça de cigarro rolando como uma névoa baixa pela sala. Eu estava ali para encontrar um necromante, não um lobisomem. Eu não tinha cem por cento de certeza sobre o tipo de animal, mas chame de palpite "Los Lobos" só poderiam ser lobisomens. Olhei para a sala cheia de pessoas e senti o poder se levantar como um golpe invisível. Bernardo pôs a mão direita no meu ombro e me puxou para o balcão lentamente. Não daria tempo para pegar uma das armas. Eles não estavam nos ameaçando. Provavelmente sempre faziam esse show para os turistas indesejados. As pessoas perceberiam a mensagem e saiam deixando soar como uma boa idéia. Infelizmente estávamos ali a negócios e uma boa exibição de ameaça não era razão suficiente para nos impedir. Oh, for favor. Porque eles não gostaram do fato de que não sairíamos? Será que estavam tentando nos mandar embora porque algo ilegal estava acontecendo ali? A coisa estava cada vez pior.
Fomos até o longo balcão de madeira. O barman era uma mulher, surpresa, e uma anã, ops, uma pessoa pequena. Eu não conseguia ver por cima do balcão, mas ela tinha que estar em cima de alguma coisa. Seu cabelo era curto, grosso e escuro com alguns fios brancos. Seu rosto tinha a típica expressão grosseira, mas seus olhos eram tão difíceis de ler como qualquer outro que já vi. Seu rosto não era fortemente alinhado com a idade, parecia desgastado. Uma sobrancelha era dividida em duas por uma pesada cicatriz branca. Tudo o que ela precisava era um sinal acima de sua cabeça dizendo "Eu tive uma vida difícil".
- O que você quer? - ela perguntou. Seu tom compensada a grosseria.
Eu meio que esperava que Bernardo respondesse, mas sua atenção estava toda voltada para a sala e na crescente hostilidade.
- Estamos procurando Nicky Baco. - eu disse.
Seus olhos nem piscaram.
- Nunca ouvi falar dele.
Eu balancei a cabeça, sua resposta foi automática. Ela nem sequer pensou sobre isso. Eu poderia ter pedido para ver qualquer um e a resposta seria a mesma. Eu abaixei a minha voz embora soubesse que ouviriam o menor sussurro.
- Eu sou uma necromante. Ouvi dizer que Baco é um também. Conheci vários criadores de zumbi, mas nunca outro necromante.
Ela balançou a cabeça.
- Não sei do que você está falando.
Ela começou esfregar o balcão com um pano manchado. Não estava olhando para mim, era como se eu tivesse me tornado totalmente desinteressante.
Eles tentariam nos intimidar por um tempo, então ficariam impacientes e tentariam nos chutar para fora. A menos que estivéssemos dispostos a começar a atirar, eles teriam sucesso. Quando em dúvida, diga a verdade. Não é minha tática usual, mas hey, eu tinha que tentar alguma coisa.
- Eu sou Anita Blake. - Isso foi tudo que precisei para chamar sua atenção, e ela realmente me olhou pela primeira vez.
- Prove. - ela disse.
Comecei a colocar a mão dentro da jaqueta para pegar minha identificação e ouvi o som do gatilho sendo puxado para trás. Pelo som eu diria era uma espingarda antiga de cano serrado, ou não caberia embaixo do balcão.
- Devagar. - ela disse.
Pelo canto do olho vi Bernardo se movimentando, virando-se para nós, talvez para pegar sua arma.
- Está tudo bem Bernardo, está tudo sobre controle. - Acho que ele não acreditou em mim, eu disse: - Por favor.
Eu não digo "por favor" frequentemente. Bernardo hesitou, mas finalmente voltou a observar os lobisomens, ele sibilou:
- Apresse-se.
Eu fiz o que a mulher com a arma apontada para meu peito disse, lentamente, muito lentamente peguei minha identificação.
- Coloque no balcão.
Eu coloquei onde ela mandou.
- Mãos abertas sobre o balcão. Encoste-se nele.
A parte superior do balcão era pegajosa, mas mantive minhas mãos sobre ele e me inclinei. Ela poderia simplesmente me pedir para ficar na posição de revista.
- Ele também. - disse ela.
Bernardo tinha ouvido.
- Não. - ele disse.
Algo passou por seus olhos e teria deixado Edward orgulhoso, mas eu sabia o que ela faria.
- Ou faz o que ela diz, ou caia fora daqui. - eu disse.
Ele virou-se e olhou para todos no bar, depois para mim e a mulher atrás do balcão. Ele estava do lado da porta, um movimento rápido e poderia ver o sol da tarde, mas ele não saiu. Bernardo olhou para mim e seus olhos se fixaram na mulher atrás do balcão. Acho que ele viu em seu rosto o mesmo que eu tinha visto porque ele suspirou profundamente e seus ombros caíram. Ele balançou a cabeça, mas encostou-se no balcão também. Ele se moveu com firmeza, como se cada pequeno movimento lhe custasse muito. Sua postura, seu rosto, tudo gritava que ele não queria fazer isso, mas ele se inclinou ao meu lado.
- As pernas mais afastadas. - ela disse. - Encoste esse rostinho bonito no balcão como se você quisesse ver como ele está polido.
Ouvi Bernardo suspirar entre os dentes, mas ele também abriu as pernas e inclinou o rosto perto o suficiente para ver as cicatrizes no verniz.
- Eu posso dizer agora que foi uma péssima idéia? - ele disse.
- Cale a boca. - eu disse.
A mulher abriu a identificação com uma mão ainda escondida sob o balcão. Eles tinham a espingarda fixada embaixo de alguma forma. Eu me perguntava que outras surpresas eles tinham.
- Por que você quer ver Nicky? - ela perguntou.
Ela não me disse para levantar, então eu não sabia.
- Eu disse a verdade. Quero falar com outro necromante.
- Por que você não me disse que veio com os tiras ali fora?
- Eu trabalho com a polícia às vezes. Pensei que isso poderia deixá-lo nervoso.
Eu tinha que virar os olhos para cima para ver seu rosto, fui recompensada com um sorriso. Parecia quase embaraçoso em suas feições duras, mas já era um começo.
- Por que você quer falar com outro necromante?
Eu deixei a verdade sair da minha boca sem me concentrar no fato de que planejava parar antes de dizer tudo. Quer dizer, Nicky Baco era um necromante, e se sua necromancia estivesse envolvida nos assassinatos... Assim, diria apenas parte da verdade até saber se ele era realmente um cara mau.
- Eu tenho um pequeno problema que envolve um morto. E preciso de uma segunda opinião.
Ela riu, e era um som áspero como o grasnar de um corvo. Eu pulei e juro que podia sentir os lobisomens atrás de mim recuarem. Se não os conhecesse melhor diria que estavam com medo dessa pequena mulher. Eu sei que eu estava.
- Nicky vai adorar isso. A famosa Anita Blake vindo consultá-lo. Oh, ele vai adorar mesmo. - Ela acenou com a cabeça. - Quem é ele?
- Este é Bernardo, ele é... Um amigo.
Seus olhos endureceram.
- Que tipo de amigo?
- Próximo, muito próximo. - eu disse.
Ela se debruçou sobre o balcão colocando o rosto próximo ao meu, sua mão ainda estava na espingarda.
- Eu deveria te matar. Eu posso sentir, você vai machucar Nicky.
Olhei em seus olhos a centímetros de distância. Esperei para ver a raiva ou até mesmo o ódio, mas não havia nada. Seus olhos estavam vazios e isso me deu uma pista, se ela apertasse o gatilho não seria a primeira vez.
De repente senti o coração na garganta. Ser morta por uma garçonete psicótica parecia irônico. Mantive a minha voz baixa do jeito que você fala quando as pessoas apontam uma arma para você.
- Não planejo fazer mal a Nicky. Sinceramente só quero me consultar com ele, de um necromante para outro.
Ela ficou olhando para mim sem nem mesmo piscar e levantou-se lentamente.
- Se você se mexer, eu te mato. Se ele se mexer, eu te mato. - A maneira como ela falou me disse que isso estava prestes a acontecer, e era algo que não gostaríamos. Ela olhou para Bernardo e inclinou-se para que sua cabeça estivesse de lado olhando para ele. - Você me ouviu, namorado?
- Eu ouvi. - ele disse, e sua voz era baixa e calma também. Ele tinha visto também. Ela queria uma desculpa para me matar. Eu não a conhecia, portanto não poderia ser pessoal. Mas, pessoal ou não, eu estaria morta.
- Não gostamos que pessoas de fora que entram em nossa casa armados.
- Sem querer desrespeitar. - eu disse. - Eu sempre ando armada. Nada pessoal.
Ela inclinou-se para Bernardo novamente.
- E você? Sempre anda armado também?
- Sim.
Ele franziu a testa e em seguida voltou a olhar para o balcão. Sorte que ele tinha usado uma fivela no cabelo, ou seu lindo cabelo estaria coberto dessa gosma pegajosa. Minhas mãos pareciam estar permanentemente coladas na madeira.
- Não aqui. - ela disse.
Foi o grande homem que nos revistou. De alguma forma eu sabia que seria ele. Seu poder bateu contra mim como uma parede quase sólida de poder. Merda. Ele me jogou no chão como se tivesse feito isso antes. Encontrou a faca no meu pulso assim como as armas. Ele também encontrou o celular, mas colocou-o no balcão a minha frente em vez de pega-lo. Você poderia ver o esforço de Bernardo para deixar o homem tocá-lo, apalpá-lo, tomar sua arma. Ele também encontrou uma faca na bota de Bernardo. Tudo era uma melhoria em relação à última cena do crime, mas o dia realmente não estava indo bem.
- Podemos levantar agora? - eu perguntei.
- Ainda não. - ela disse.
Bernardo olhava para mim e de uma forma ele dizia claramente que se morresse voltaria para me assombrar porque era tudo culpa minha.
Eu mantive minha voz calma tentando fazer sentido.
- Você sabe que sou Anita Blake. Sabe por que estou aqui. O que mais você quer?
- Harpo, verifique a carteira do homem. Veja quem é ele. - ela disse.
Harpo? O homem grande, a montanha de vibração de energia mística se chamava Harpo? Eu não disse nada disso em voz alta. Eu realmente estava ficando mais esperta. Harpo tirou a carteira de Bernardo e colocou no balcão ao lado da minha Browning. Eu não vi a Firestar ou as facas. Talvez ele tivesse colocado em seus bolsos.
- A carteira de motorista diz Bernardo Cavalo-Pintado, mas não há nenhum cartão de crédito, sem imagens, nada.
Os olhos da mulher tinham voltado a ser impiedosos.
- Você diz que ele é um amigo próximo?
- Sim. - eu disse.
Eu estava começando a ficar com medo de novo.
- Ele é seu amante? - ela perguntou.
Se ela não tivesse uma arma apontada para mim, eu a teria mandado para o inferno, mas ela tinha, então respondi.
- Sim. - Eu estava confiante de que Ramirez sabia o que estava falando, que eu precisava pertencer a um homem. Eu esperava que a mentira fosse a resposta certa.
- Prove. - ela disse.
Eu levantei as sobrancelhas para ela.
- Como é?
- Como é? - ela me imitou, e isso trouxe um estrondoso riso no resto da sala. - Ele é circuncidado? - ela perguntou.
Eu hesitei, não poderia ajudá-lo. A pergunta me pegou de surpresa. Engoli em seco e disse:
- Sim. - Eu tinha uma chance de cinquenta por cento de acerto.
Ela sorriu, mas seus olhos estavam vazios como vidros.
- Você pode levantar agora.
Lutei contra o desejo de limpar as mãos em minha calça. Não queria insultar sua limpeza, mas eu também queria desesperadamente lavar as mãos. Eu me aproximei de Bernardo como se fosse abraçá-lo. Coloquei meu braço esquerdo em sua cintura embora me perguntasse se eu estava sujando sua bela camisa branca. Seu braço deslizou sobre os meus ombros, mas eu realmente só queria sair da linha de fogo da espingarda. Eu apostava que era fixa e não giratória e esperava estar certa. Suas mãos estavam de volta à vista. Um bom sinal.
- Abaixe as calças Bernardo - ela disse.
Senti que ele ficou tenso do meu lado. Nós dois olhamos para ela. Comecei a protestar, mas Bernardo disse:
- Por quê?
Eu teria pedido para repetir a ordem só para ter certeza se tinha entendido direito. Ele apenas perguntou "por que", como se já tivesse acontecido com ele antes.
- Assim, podemos ver se você é circuncidado.
Eu fiquei do lado de Bernardo, mas não entrelaçamos os braços um no outro. Poderíamos estar em uma briga depois de tudo.
- Eu disse que era, não é suficiente?
- Não. Vamos ver se você está certa. Você trabalha com a polícia e pode ter vindo para ver Nicky, mas não sabemos nada sobre ele. Se for seu amante tudo bem, mas se não for, talvez seja um policial.
Bernardo riu e o som assustou todos nós, eu acho.
- Essa é nova, ser confundido com um policial.
- Se você não é um policial, o que é então? - ela perguntou.
- Às vezes trabalho como guarda-costas. Depende de quem está pagando melhor. - Sua voz soou muito seguro de si, muito verdadeiro.
- Talvez você seja, e talvez não. Abaixe as calças e vamos ver.
Ele começou desafivelar seu cinto. Afastei-me dele embora não muito. Eu não queria voltar a ficar na frente da espingarda de novo.
- O que foi? Você já o viu sem as calças antes. - ela disse.
Eu estava começando a desconfiar que ela não acreditou em mim.
- Não na frente de toda essa gente. - eu disse.
Deixei a indignação aparecer na minha voz e ouvi mais risos na multidão.
As mulheres estavam começando a gritar "tira, tira" e pior, a menina que estava pendurada em Harpo estava logo atrás dele observando o show com olhos brilhantes e animados.
Bernardo não se queixou ou ficou corado. Ele apenas abaixou a calça até a metade da coxa e ficou lá parado. Meu olhar se afastou automaticamente. As mulheres gritavam e assoviavam. Uma voz gritou:
- Olha como ele é grande!
Os homens se aproximaram e nos felicitaram especulando sobre o tamanho.
Eu tinha que olhar, eu precisava saber e dei um passo para a direita, francamente eu apenas tinha que olhar. Embaraçoso, mas é verdade. Levei alguns segundos para registrar que ele era circuncidado, pois o que eu vi primeiro foi o tamanho. Ele era bem, bem dotado.
Eu estava corada e eu não podia evitar. Mas eu sabia que se ficasse apenas parada e boquiaberta as mentiras não serviriam para nada. Tentei agir como se fosse Richard ou Jean-Claude ali. O que eu teria feito? Eu os cobriria.
Fiquei na frente dele tomando o cuidado para não tocá-lo. Admito que não conseguia olhar para nenhum outro lugar. Eu achava que o tamanho de Richard era impressionante. Bernardo passou de impressionante para assustador. Eu o protegi com meu corpo colocando uma mão de cada lado de sua cintura para me equilibrar. Eu estava corando tão forte que estava tonta.
Olhei para ela ainda protegendo-o das pessoas.
- Bom o bastante? - eu perguntei. Minha voz soava estrangulada desconfortável.
- Dê-lhe um beijo. - ela disse.
Olhei para ela.
- Deixe-o levantar a calça e eu darei.
Ela balançou a cabeça.
- Eu não disse para beijar seus lábios.
Se eu corasse mais um pouco minha cabeça explodiria. Virei para que não pudesse vê-lo mais.
- Não vou fazer isso.
- Chega de brincadeira, Paulina. Devolva suas armas e deixá-los ir.
Todos nos viramos. Vindo do fundo do salão escuro outro anão estava se aproximando, ops, outra pessoa pequena. Era talvez meia cabeça mais alto que Paulina, e ele era hispânico e jovem. Seu cabelo era um negro rico, sua pele bronzeada e sem rugas. Ele devia ter vinte e alguma coisa, mas a aura de poder que emanava dele tinha o irresistível perfume dos homens mais velhos.
- Eu sou Nicandro Baco, Nicky para os amigos.
As pessoas se afastaram como se uma cortina fosse aberta em sua volta. Ele estendeu a mão para mim e eu aceitei, mas ele não apertou. Ele levou minha mão aos lábios e a beijou enquanto observava meu rosto. Algo em seus olhos e na boca em minha pele me lembrou muitos outros lugares onde a boca de um homem podia estar. Puxei minha mão sem parecer indelicada.
- Sr. Baco, obrigada por me receber. - Soou tão metódico como se Bernardo não estivesse atrás de mim com as calças em torno de suas coxas.
- Vista-se. - ele disse e mal olhou para Bernardo.
Mas eu ouvi a calça sendo puxada para cima, ele estava se esforçando para colocar tudo de volta no lugar, embora sinceramente eu me surpreendesse como seu jeans poderia guardar tudo aquilo.
- Por que você está aqui, Sra. Blake?
- Eu realmente queria falar com outro necromante.
- Parece que você mudou sua mente. - ele disse.
Ele me observava minuciosamente estudando meu rosto. Quando mexi uma mão para tocar meus cabelos seus olhos acompanharam.
- A arrogância tem tomado todo o meu tempo. Tenho um compromisso com a polícia que não posso perder.
Adicionei a polícia de propósito porque eu tinha a sensação de que Baco sabia exatamente o que estava acontecendo aqui.
Ele não queria realmente nos machucar ou nos envergonhar. Ele queria ganhar tempo. Sim, certo.
- Como os dois policiais que estão esperando por você lá fora?
Eu senti a verdade aparecendo em meu rosto, não era uma reação muito boa, mas era suficiente.
- Você nos culpa por trazer apoio?
- Está dizendo que você está com medo de nós? - Isso trouxe um burburinho baixo pela sala como se todos tivessem prendido a respiração.
- Eu seria idiota se não estivesse.
Ele levantou a cabeça para um lado quase como o movimento de um pássaro.
- E você não é idiota, não é Anita?
- Eu tento não ser.
Ele acenou para a mulher de pé atrás do balcão.
- Paulina não gosta de você, sabe por quê?
Foi a minha vez de balançar a cabeça.
- Não.
- Ela é minha esposa.
Eu devo ter olhado em branco.
- Desculpe, eu não entendi.
- Ela sabe que tenho uma fraqueza por mulheres com poder.
Eu fiz uma careta para ele.
- Ela não tem que se preocupar. Eu já tenho dono.
Ele sorriu.
- Sem mais mentiras, Anita. Você e ele não são amantes.
Ele pegou minha mão novamente e olhou para mim com aqueles olhos negros. Percebi pela primeira vez que ele se considerava um homem das mulheres. E que sua esposa tinha razão para se preocupar, não sobre mim, mas sobre as outras. Estava em seus olhos, na forma como acariciava minha mão.
Puxei a minha mão e procurei a de Bernardo. Eu realmente procurei sua mão e ele aceitou. Nossas mãos estavam pegajosas mas mesmo assim apertei a dele. Baco tinha a metade da minha altura, mas ele me deixava nervosa. Em parte porque o impulso de sua magia enchia a sala como uma cortina espessa, e parte como a maneira que qualquer homem pode torná-lo nervoso. Eu não gostei da forma que estava nos olhando. Olhei para Paulina e seu rosto estava duro.
Era um jogo que ele fazia com ela? Ele sempre a atormentava? Quem sabe, mas eu queria dar o fora dali.
- Eu preciso estar em outro lugar antes de escurecer. Se você não quiser falar comigo tudo bem, nós vamos embora.
Comecei a andar para trás usando meu corpo para empurrar Bernardo em direção à porta.
- Sem as armas? - Baco fez uma pergunta.
Bernardo e eu congelamos. Estávamos perto o suficiente da porta para sair correndo por ela, provavelmente faríamos exatamente isso, mas...
- Pegar nossas armas seria bom. - eu disse.
- Tudo o que tinha a fazer era perguntar. - disse Baco.
- E teríamos nossas armas de volta?
Ele balançou a cabeça.
- Harpo, devolva as armas.
Harpo nunca questionou, ele apenas nos devolveu as armas e as facas. Então se afastou para se juntar ao resto dos observadores silenciosos. As armas e as facas de pulso eram fáceis de colocar no lugar. A faca na bainha da coluna era outro assunto. Eu tive que usar minha mão esquerda para sentir a ponta da faca na boca da bainha. Eu tinha o hábito de fechar os olhos para me concentrar no toque. Na verdade demorou apenas alguns segundos para guardá-la. O verdadeiro truque era não cortar um pedaço do meu cabelo com o início da lâmina. Quando abri meus olhos Baco estava olhando para mim.
- É um prazer ver uma mulher que não depende exclusivamente de sua visão. O tato é um sentido muito importante para ocasiões íntimas.
Talvez fosse porque eu estava armada novamente e isso me deu coragem, ou talvez eu só estivesse cansada do nível de tensão.
- Homens que transformam tudo em sexo são muito chatos.
Desgosto e raiva encheram seu rosto transformando seus olhos encantadores em espelhos negros como os olhos de uma boneca.
- Você é muito boa para foder com um anão?
Eu balancei a cabeça.
- A altura não é o problema, Baco. De onde eu venho você não faz uma merda dessas na frente da sua esposa.
Ele riu e seus olhos brilharam.
- O sacramento do matrimônio? Você está ofendida por causa da minha mulher? Você é uma garota engraçada.
- Sim, eu e a Barbara Streisand.
O humor desvaneceu-se um pouco de seu rosto. Acho que ele não entendeu a piada. Estranhamente foi a jovem em seu shorts curto que começou a rir. Se ela gostou dos primeiros filmes de Streisand, talvez não fosse completamente uma alma perdida.
Bernardo tocou meu ombro e eu pulei.
- Vamos agora, Anita.
Concordei.
- Estou com você.
- Você ainda não fez as suas perguntas. - disse Baco.
- Você sentiu isso? - eu perguntei.
Seu rosto estava repentinamente sério.
- Há algo novo aqui e é como nós. Ele trabalha com a morte, eu posso senti-lo.
- Onde? - eu perguntei.
- Entre Santa Fé e Albuquerque, começou perto de Santa Fé.
- E se aproxima de Albuquerque, para você. - eu disse.
Pela primeira vez ele parecia incerto, não era medo, mas não estava feliz.
- Ele sabe que estou aqui. Eu sinto isso também. - Ele olhou para mim e agora não havia provocação em seus olhos. - Ele sabe que você está aqui também, Anita.
Concordei.
- Nós podemos ajudar um ao outro, Nicky. Eu vi os corpos. Eu vi o que essa coisa faz. Confie em mim, Nicky, você não quer ficar dessa maneira.
- O que você propõe? - ele perguntou.
- Podemos concentrar nossos recursos e impedir esta coisa antes que chegue até você. Vamos parar com as brincadeiras. Sem mais provocações. Sem jogos de poder.
- Somente um negócio entre nós? - ele disse.
Concordei.
- Não temos tempo para mais nada, Baco.
- Volte mais tarde e farei o que puder para ajudá-la. Embora a polícia não queira compartilhar informações comigo. Sou um homem muito mau, você sabe.
Eu sorri.
- Você é um homem mau, Nicky, mas não é um idiota. Você precisa de mim.
- Da mesma forma que você precisa de mim, Anita. - ele disse.
- Dois necromantes são melhores do que um. - eu disse.
Ele balançou a cabeça, o rosto solene.
- Volte hoje à noite quando tiver terminado seu negócio com a polícia. Estarei esperando.
- Pode ser tarde. - eu disse.
- Já é mais tarde do que você pensa, Anita. Reze para que não seja tarde demais.
- Anita? - Bernardo disse.
- Vamos.
Deixei Bernardo me guiar para trás em direção a porta com a mão no meu ombro. Eu comecei a prestar atenção na sala confiando que nada viria atrás de nós. Os lobisomens apenas observavam não satisfeitos, mas dispostos a receber ordens. Baco tinha que ser seu vargamor, seu bruxo residente. Eu simplesmente nunca tinha encontrado um bando que temesse seu vargamor.
Foi o rosto de Paulina que ficou comigo. Ela estava olhando para Baco e o ódio em seu rosto era cru. Eu soube naquele instante que um dia ela o amou, realmente o amou, porque só o amor verdadeiro poderia se transformar nesse ódio. Olhei Paulina nos olhos do outro lado do cano de uma arma. Acho que Nicky Baco tinha mais problemas do que apenas monstros no deserto. Se eu fosse ele, dormiria com uma arma.
38
Chegamos ao hospital com o mundo envolto em um pesado crepúsculo azul.
Um crepúsculo tão sólido como um tecido que você podia envolver com as mãos ou usar como um vestido. Eu tinha usado o celular que Ramirez me deu. Como provar que alguém realmente está morto? Eu tinha visto os sobreviventes, eles respiravam e achei que tinham batimentos cardíacos, ou os médicos teriam mencionado. Olhando para seus olhos pareciam estar conscientes, reagiram à dor, eles estavam vivos.
Mas, e se não estivessem? E se fosse apenas um feitiço que Nicky Baco fez para que eu parecesse uma charlatã de rua? Havia um feitiço para provar, mas eu não poderia provar sem a permissão para queimar os corpos e era o que eu queria.
Finalmente meu cérebro começou a funcionar. Eu apostava que as funções superiores do cérebro das vítimas não estavam funcionando. Era a única coisa em que eu poderia pensar onde mostrava que algo estava errado com os outros sobreviventes que perderam a pele e parte do corpo.
Infelizmente o Dr. Evans e sua equipe tinham feito o monitoramento da atividade cerebral há muito tempo atrás. Todos eles tinham funções cerebrais superiores. O mesmo que minha idéia brilhante.
O Dr. Evans queria conversar na sala dos médicos, mas eu insisti que falássemos perto do quarto dos sobreviventes. Falamos em voz baixa no corredor. Ele não me deixou falar perto dos sobreviventes sobre a possibilidade de estarem mortos porque se eu estivesse errada poderia causar-lhes stress. Ele tinha um ponto. Mas eu acho que não estava errada.
Os sobreviventes que já estavam no hospital tornaram-se agitados e violentos, tratando a equipe do hospital como cães acorrentados. Ninguém da equipe estava ferida, mas o momento coincidia com os crimes anteriores. Por que os pacientes esfolados se tornaram mais violentos? Era o feitiço usado para banir o que estava perto de sua casa? Seu poder tinha aumentado de alguma forma? Talvez a criatura estivesse com medo. Eu não sabia, eu simplesmente não sabia.
Tudo o que eu sabia era que podia sentir a escuridão premente como uma mão esmagadora sobre todos nós. Havia uma tristeza no ar como antes de uma tempestade, mas pior, mais perto, tornando o ar difícil de respirar.
Algo ruim estava por vir, e estava ligado à escuridão. Não fui capaz de convencer o Dr. Evans que seus pacientes estavam mortos, mas a minha urgência deve ter sido convincente porque ele permitiu que dois policiais que já estavam no hospital me protegessem dentro da sala e não do lado de fora. A única prova que eu tinha que os policiais já estavam ali era um chapéu colocado sobre uma das cadeiras do lado de fora.
Eu queria entrar logo, mas teria que colocar a mascara e o traje completo. Era tão perto como uma linha trêmula. Assim, entrei na ante-sala e fingi que estava tudo bem porque não havia mais nada que eu pudesse fazer.
Como o policial Rigby e Bernardo eram novos, eles tiveram uma aula padrão sobre não atirar dentro de um ambiente com oxigênio. Seria ruim apesar de não explodir como eu tinha pensado. O fogo correria como um flash por um momento consumindo todo o oxigênio ou combustível na sala, mas não explodiria em uma chuva de vidro e gesso. Nada tão dramático, apenas mortal.
Rigby perguntou;
- Se eles tentarem nos comer o que faremos? Cuspimos neles?
- Eu não sei. - disse Evans. - Tudo o que posso dizer é o que não devem fazer, e vocês não devem disparar uma arma em uma sala cheia de oxigênio.
Bernardo tirou uma faca de algum lugar. Ele não a pegou em sua bota, o que significava que era uma faca diferente e que o lobisomem não encontrou quando estávamos no bar. Ele segurou a lâmina contra a luz mostrando o brilho.
- Você pode cortá-los.
A escuridão caiu como uma cortina de chumbo quase ressoando na minha cabeça como um trovão. Esperei a porta se abrir. Esperei os gritos começarem porque era isso o que estava esperando. Nada aconteceu. Então a pressão que vinha crescendo por horas desapareceu. Era como se algo a engolisse. De repente eu estava de pé com uma sensação de vazio. Não entendi a mudança, e não gosto do que não entendo.
Estávamos todos tensos, então eu não agüentei. Peguei uma faca na mão e me aproximei da porta. A porta balançou e eu saltei para trás. Ben, o enfermeiro que tinha entrado um pouco antes olhava para faca em minha mão. Ele não tirou os olhos de mim, mas falou para Evans.
- Doutor, os pacientes estão silenciosos, mais silenciosos do que nos outros dias. Os policiais querem saber se podem sair da sala por um tempo.
- Os sobreviventes estão mais silenciosos do que nos outros dias? - eu perguntei.
Ben assentiu com a cabeça.
- Sim, Senhora.
Dei dois passos para trás e soltei a tensão no meu corpo com um longo suspiro.
- Então, Sra. Blake? - Evans perguntou. - Eles podem sair?
Eu dei de ombros e olhei para Ramirez.
- Pergunte a ele, é o oficial em comando. Mas sinceramente acho que sim. O que quer que seja que eu estava sentindo parece ter desaparecido quando a noite chegou. Eu não entendo isso. - Enfiei a faca na bainha. - Acho que não vai haver luta.
- Você parece desapontada. - disse Bernardo. A faca dele tinha sumido também.
Eu balancei a cabeça.
- Decepcionada não, apenas confusa. Senti uma grande quantidade de poder crescendo por horas e simplesmente sumiu. Tanto poder não desaparece assim, vai para algum lugar. Aparentemente não para os sobreviventes, mas foi para algum lugar fazer alguma coisa.
- Alguma idéia do que está fazendo e onde? - Ramirez perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Não realmente.
Ele se virou para o médico.
- Diga aos homens que podem sair.
Ben o enfermeiro olhou para o Dr Evans aguardando uma confirmação. Evans assentiu. O enfermeiro entrou fechando a porta lentamente atrás dele.
Evans se virou para mim.
- Bem Sra. Blake, parece que você correu até aqui para nada.
Eu dei de ombros.
- Eu pensei que seria muita burrice ele tentar comer os cadáveres agora. - eu sorri. - É bom estar errada de vez em quando.
Todos nós sorrimos. A tensão diminuiu. Bernardo deu uma risada nervosa que às vezes você dá quando passa por uma emergência, ou uma bala passa por você.
- Estou muito contente que esteja errada desta vez Sra. Blake. - disse Evans.
- Eu também. - eu disse.
- Somos três. - disse Bernardo.
- Estou feliz também. - disse Ramirez - mas é decepcionante saber que você não é perfeita.
- Se você não sabe que não sou perfeita após quarenta e oito horas de trabalho comigo em uma investigação policial, então não está prestando atenção.
- Eu estou prestando atenção. - disse Ramirez.
Havia um peso em seu olhar, uma intensidade em suas palavras que me fez querer me contorcer. Olhei para Bernardo, ele estava sorrindo, gozando do meu desconforto. Ainda bem que alguém estava.
- Se você estava errada sobre isso, pode estar errada sobre estarem mortos. - disse Evans.
Concordei.
- Talvez.
- Você admite que possa estar errada desse jeito? - Evans parecia surpreso.
- Isto é magia, não matemática, Dr.Evans. Existem poucas regras. E menos ainda da maneira que eu faço. Às vezes eu acho que dois mais dois é igual a cindo, e estou certa. Às vezes, tudo que consigo é um quatro. Se a contagem de corpos diminuir, não me importo de estar errada.
A porta se abriu e dois homens saíram vestidos com o uniforme da polícia de Albuquerque. Eles se dirigiram para a porta logo que o enfermeiro Ben disse que podiam sair. Eu não os culpava.
Seus olhos pareciam assombrados. O mais alto era loiro, ombros largos, cintura fina, pernas pesadas, sem gordura, apenas sólido, forte. Seu parceiro era mais baixo e quase completamente careca, exceto por um anel de cabelos castanhos abaixo em sua cabeça. Aparentemente era dele o chapéu na cadeira perto da porta.
O Dr. Evans disse:
- Desculpe-me. - E passou por eles.
O homem mais baixo disse;
- Ele pode ir.
O loiro olhou para mim estreitando os olhos de um jeito não amigável.
- Ora, se não é a Bruxa Malvada do Oeste. Ouvi que temos que agradecer por nos sentar lá pela última hora.
Eu não os conhecia, mas aparentemente eles me conheciam de vista.
- Eu sugeri isso sim.
O loiro se aproximou usando seu tamanho para me intimidar, ou tentou. Tamanho não é tão impressionante como a maioria dos homens pensa que é.
- Talvez Marks esteja certo sobre você.
Ah ha. Ele deve ter sido um dos policiais que estava no local quando Marks me chutou para fora. Senti Ramirez começar a se irritar com a conversa entre nós. Coloquei minha mão em seu ombro.
- Está tudo bem.
Ramirez não disse nada, pelo menos ele não avançou. Provavelmente era o melhor que eu conseguiria dele. Mas isso não significava que eu ficaria imprensada entre os dois homens. Os olhos do loiro foram para Ramirez. Seu olhar era suficiente. Ele queria brigar e realmente não se importava com quem, eu quase podia sentir a testosterona aumentando de todos os lados.
Testosterona suficiente para deixá-lo em apuros, talvez suspenso quando tudo o que ele precisava era explodir, purificar-se dos horrores naquela sala.
Seu parceiro e Bernardo ficaram para trás. Eu não sabia o que o parceiro estava fazendo, mas Bernardo estava curtindo o show.
- Você deve ser um dos policiais que ajudaram Marks a me colocar para fora. - eu disse.
Ele continuava a olhar para Ramirez. Levou um segundo para piscar e olhar para mim. Ele franziu a testa e fez uma careta. Aposto que gostava de fazer os bandidos correrem como o inferno. Seu parceiro veio por trás dele.
- Sim, Jarman e eu estávamos lá.
O parceiro parecia calmo, eu acho que estava preocupado com o outro. Bons parceiros cuidam um do outro mais do que apenas da saúde física.
- E você é? - Eu perguntei.
Jarman não poderia comprar briga com todo mundo no corredor. Ele se apresentou como se tudo estivesse normal.
- Jakes.
- Jarman e Jakes? - Eu fiz uma pergunta.
Ele acenou sorrindo.
- J e J ao seu serviço.
Senti a tensão diminuindo no grande homem a minha frente. Difícil ficar chateado quando você está sendo ignorado e todo mundo está se comportando. Empurrei Ramirez em minhas costas tentando estimulá-lo a recuar. Ele pegou a dica e foi um pouco para trás.
O policial Rigby voltou pelo corredor. Ele tinha ido até o carro pegar algo menos explosivo do que sua arma. Ele carregava uma Tazer, uma arma de eletro choque. Seria como enviar uma carga de 30.000 a 60.000 volts em um suspeito. Teoricamente essa arma poderia derrubar alguém sem o perigo de matá-lo. A menos que você fosse muito azarado e tivesse um marca passo.
Ramirez sacudiu a cabeça.
- Que diabos é isso?
Rigby olhou para a Tazer.
- Se não posso usar minha arma, então usarei isso.
- Rigby, a Tazer faz uma faísca. - disse Jarman.
Rigby parecia confuso.
- E?
- A faísca de uma arma de fogo pode detonar o oxigênio no ambiente, a centelha de uma Tazer faz à mesma coisa. - disse Ramírez.
- Volte para o carro e encontre outra coisa. - disse Jarman.
Jakes e eu ficamos de lado observando Ramirez e Jarman falarem com o novato. Ninguém era louco, condescendente, mas não louco.
Quando Rigby havia desaparecido pela porta do corredor Jarman se voltou para Ramirez.
- Rigby foi o parceiro que Marks mandou para você?
Ramirez assentiu com a cabeça, depois deu de ombros.
- Ele vai aprender.
- Se alguém não morrer antes disso. - disse Jarman.
Jakes estendeu a mão para mim, ele estava sorrindo. Eu estava sorrindo também feliz por estar errada. Eu estava cheia de ver cadáveres por um dia. Inferno, por um ano.
Bernardo estava encostado na parede oposta. Ele parecia confuso com a minha interação com a polícia. Duvido que algum dia ele tenha pensado em fazer amizade com eles.
Os dois tiras tinham cassetetes presos em seus cintos de utilidade. Ramirez não tinha nada além de sua arma.
- Onde está seu cassetete, Hernando?
- Oooh, Hernando. - Jakes disse rindo.
- Sim, Hernando. - Jarman disse, rolando o nome em sua língua. - Onde está seu cassetete?
Se estavam dispostos a provocar Ramirez significa que em condições normais, ele e Jarman se dariam bem. É diferente da hostilidade. A provocação com Rigby foi quase hostil, mas não muito, como se não tivessem certeza se ele era um deles ainda.
Ramirez pegou uma pequena haste de metal de seu bolso. Ele fez um pequeno movimento com o pulso e a vara se transformou em um pedaço de metal sólido com cerca de um metro de comprimento.
- Um bastão retrátil. - eu disse. - Não percebi que você estava carregando um quando nos encontramos. Geralmente sou bastante consciente das armas.
Ele colocou a haste de volta em seu tamanho compacto.
- Como você sabe que eu não estava carregando um?
Abri a boca, em seguida fechei e olhei para ele. Ele estava sorrindo para mim. Eu debateria sobre isso ou deixaria passar. Inferno, isto era o mais próximo da diversão que tive durante todo o dia.
- Você está insinuando que eu estava olhando a sua bunda? - eu perguntei.
- Como você sabe que eu não tinha algo do tamanho de uma caneta no meu bolso de trás? - Seus olhos brilhavam como jóias escuras, com humor.
Eu dei de ombros.
- Eu estava apenas procurando as armas.
- Isso é o que todas dizem.
Jarman disse,
- Quer procurar minha arma?
Olhei para ele.
- Posso ver sua arma daqui, Jarman.
Ele estufou o peito para fora conseguindo ficar mais alto sem mover uma polegada.
- Quando você tem o meu tamanho, é difícil não perceber.
Olhei para cada homem, mas consegui ignorar Bernardo. Eu apostava que sua "arma" era maior do que a dos outros.
- Oh, eu não sei Jarman. Você sabe o que dizem. Não é o tamanho que importa, é o talento.
Mais uma vez tive que lutar contra o desejo de olhar para Bernardo.
Jarman sorriu feliz.
- Baby, confie em mim. Eu tenho o tamanho e o talento.
- É fácil se vangloriar quando você sabe que nunca vai ter que provar. - eu disse, e sim, eu o estava provocando.
Jarman tirou o chapéu e olhou para mim. Sua carranca assustadora era melhor do que seu olhar sexy, mas hey, aposto ele tem muito mais prática em assustar do que em seduzir.
- Vamos encontrar um pouco de privacidade baby, e eu provo para você.
Eu balancei a cabeça sorrindo.
- E o que você vai dizer para sua esposa quando ela souber que você me levou para um test drive?
Ele riu bem humorado. Jakes respondeu por ele.
- Sua esposa penduraria seu pinto em uma vara.
Jarman assentiu com a cabeça ainda rindo.
- Sim, a minha Bren tem um temperamento terrível, ela faria isso. - Ele disse que como se fosse uma coisa boa, uma coisa que ele valorizava. Ele olhou para mim. - A minha Bren teria chutado as bolas de Marks, não beijado ele.
- Eu pensei nisso. - eu disse.
- Por que você não bateu nele? - Ramirez perguntou. O humor ainda estava em seus olhos, mas seu rosto estava sério. Acho que ele queria uma resposta verdadeira, não uma piada.
- Ele estava esperando que eu batesse nele. Talvez até quisesse me bater. Ele poderia me prender por agressão e me deixar atrás das grades por um tempo.
Esperei que um dos três homens falasse que Marks não faria isso, mas ninguém falou. Olhei de uma cara séria para outra.
- Ninguém vai defender a honra do Tenente? Ninguém vai protestar dizendo que ele jamais faria uma coisa tão covarde assim?
Jarman disse;
- Não.
Jakes disse,
- Você fala muito bem para uma assassina vigarista adoradora do diabo.
Pisquei para ele.
- Fale isso de novo e dessa vez bem lentamente.
Jakes assentiu.
- De acordo com o Tenente, você é suspeita de envolvimento no desaparecimento de vários cidadãos, bem como dançar nua sob o luar com o próprio diabo.
- Marks não disse a última parte.
Jakes sorriu.
- Não se pode culpar um homem por expressar seus pensamentos. - Ele mexeu as sobrancelhas para mim.
Eu ri. Eles riram. Um bom momento sentido por todos. Exceto para Bernardo que continuava encostado na parede longe do bom humor geral. Ele estava me olhando como se nunca tivesse me visto. Eu o surpreendi de alguma forma.
- Marks tentou fazer com que você fosse presa por maleficência mágica, é o que diz o boato. - disse Jarman.
Olhei para ele. Maleficência mágica poderia acarretar uma sentença de morte. Olhei para Ramirez.
- Você sabia que ele estava tentando fazer isso?
Ramirez tocou meu braço, andamos um pouco pelo corredor distante do burburinho de risos masculino. Os dois oficiais provavelmente ainda estavam rindo de alguma coisa engraçada. E pelo tom do riso, provavelmente era sobre mim e algo que eu não gostaria de ouvir. Há sempre uma linha entre as provocações que deve ser cuidadosamente evitada. Eu queria pertencer a alguém agora, não ter a reputação de ser uma vagabunda. Uma linha fina para caminhar às vezes.
Provavelmente era melhor ficar fora do alcance da voz, mas eu não queria ficar sozinha com Ramirez agora. Incomodava-me saber que ele não me disse o que Marks tinha falado sobre mim. Ele era um estranho virtual, não me devia nada, mas me fez pensar menos dele.
Uma enfermeira afro-americana passou por nós e entrou na sala. Como tudo o que tinha visto eram os olhos, eu não tinha certeza se era a mesma enfermeira quando estive no hospital pela primeira vez. Ela era pequena, do tamanho certo, mas com avental cirúrgico quem saberia?
Os homens ficaram em silêncio enquanto ela passava. Assim que a porta fechou de forma segura por trás dela, o riso começou novamente.
Ramirez olhou para mim com aquela cara honesta, uma linha de preocupação entre suas sobrancelhas como uma pequena ruga de descontentamento. Ela parecia ainda mais quando ele franziu a testa.
- Isto não te incomoda? - ele perguntou.
- O que? - eu perguntei.
Ele olhou para os dois policiais, eles ainda estavam sorrindo.
- Jakes e Jarman.
- Quer dizer, a provocação?
Ele balançou a cabeça.
- Quando beijei Marks na frente de todos eles, eu estava provocando um pouco. Além disso, eu meio que comecei. Desabafar é o que todos nós precisamos agora.
- A maioria das mulheres não veria isso dessa forma. - disse Ramirez.
- Não sou como a maioria das mulheres. Mas francamente, muitas delas não resistem a nenhum tipo de provocação, e alguns homens não sabem quando cruzaram a linha entre a provocação e o assédio. Se eu tivesse que trabalhar dia a dia com eles poderia ser mais cuidadosa, mas eu não trabalho, então posso me dar ao luxo de empurrar a linha um pouco mais.
- Qual é a sua linha, Anita? - Ele estava de pé um pouco perto demais para me deixar confortável.
- Eu vou deixar todo mundo saber quando alcançarem, não se preocupe. - eu me afastei dando a distância que queria.
- Você está com raiva de mim. - Ele parecia surpreso.
Eu meio que sorri.
- Acredite Detetive, quando eu estiver brava com você, saberá com certeza.
- Detetive. Nem mesmo Ramirez. Agora eu sei que você está chateada. O que eu fiz?
Olhei para ele estudando seu rosto aberto e honesto.
- Por que você não me contou o que Marks disse sobre mim? O que ele estava dizendo de mim aos outros policiais? Isso me levaria a uma sentença de morte.
- De jeito nenhum Marks vai te levar a isso, Anita.
- Você deveria ter me dito.
Ele pareceu confuso por um momento, então encolheu os ombros.
- Eu não sabia que era importante.
Eu fiz uma careta.
- Acho que não.
Mas eu não estava feliz com sua resposta. Ele tocou meu braço novamente.
- Eu não acredito que a Marks poderia prendê-la. Eu estava certo, não é o suficiente?
- Não. - eu disse.
Ele deixou cair à mão.
- De que adiantaria te falar? Você teria se preocupado por nada.
- Eu não preciso que proteja meus sentimentos. Eu preciso sentir que posso confiar em você.
- Você não confia em mim porque não te contei tudo o que Marks disse?
- Não tanto quanto confiava em você antes.
O primeiro indício de raiva apareceu em seus olhos.
- E você me contou tudo o que aconteceu em Los Duendos? Você me disse alguma coisa sobre sua entrevista com Nicky Baco? - Seus olhos não eram amáveis agora. Eles eram frios e interrogativos, olhos de policial.
Olhei para baixo uma vez, então lutei para manter contato com seus olhos quando o que eu queria desesperadamente fazer era baixar a minha cabeça e dizer "ah você me pegou" e ficar emburrada em um canto, e eu costumava ficar com raiva. Mas de alguma forma quando eu olhava para seus profundos olhos castanhos não conseguia levantar a indignação moral. Talvez eu não tivesse nenhuma superioridade moral para me sustentar. Sim, deve ser isso.
- Eu não matei ninguém se é isso o que você está insinuando. - Eu disse com menos força que de costume.
- Não é isso que estou insinuando, e você sabe muito bem, Anita.
Havia algo familiar e quase íntimo nessa conversa.
Eu o conhecia a apenas há dois dias, e conversávamos como se soubéssemos um do outro a mais tempo. Era enervante. Geralmente não socializo tão rapidamente com pessoas ou monstros. Mas se fosse um amigo de longa data como o policial Sargento Rudolph Storr diante de mim, eu teria mentido. Se Nicky Baco sentisse o cheiro de policia ele recuaria e nunca mais confiaria em mim novamente. Pessoas como Baco não dão segunda chance quando envolve a polícia.
- Baco sabia que você e Rigby estavam perto do bar, Hernando. Ele tem toda a área protegida com um fio mágico... - eu estava procurando a palavra certa - ...poções, feitiços. Ele sabe o que acontece em suas ruas. Se eu voltar com a polícia como apoio, não importa a que distância, ele não vai nos ajudar.
- Você tem tanta certeza que ele pode ajudar? - Ramirez perguntou. - Ele pode estar apenas mantendo você ao seu lado tentando descobrir o que você sabe.
- Ele está com medo, Hernando. Baco está com medo. Chame de palpite, mas eu acho que ele não se assusta muito.
- Você acaba de me dizer que está ocultando informações de uma investigação de assassinato.
- Se você insistir em enviar alguém ao bar comigo nós vamos perder Baco. Você sabe que estou certa sobre isso.
- Podemos perder Baco, mas você não está certa. - ele disse, e a raiva estava de volta.
Era a mesma raiva frustrada que tinha visto em outros homens que eu conhecia há mais tempo e de forma mais íntima. Essa raiva de que eu não posso ser apenas uma boa menina e jogar pelas suas regras, ou ser o que eles querem que eu seja. Eu estava cansada de ouvir a voz de Ramirez depois de apenas dois dias.
- A coisa mais importante para mim é acabar com esses crimes. Essa é a minha meta. Esse é o meu único objetivo. - Pensei no que eu tinha dito e acrescentei, - E permanecer viva. Eu tenho apenas algumas coisas em minha agenda. Impedir os bandidos e ficar viva. Isso torna as coisas simples, Hernando.
- Você me disse anteriormente que queria mudar sua vida, que não queria mais todo esse sangue e horror. Se quiser que isso mude, você vai ter que complicar a sua vida Anita. Você vai ter que começar a confiar nas pessoas, realmente confiar nelas de novo.
Eu balancei a cabeça.
- Obrigada por usar o meu momento de fraqueza contra mim. Agora eu me lembrei porque não confio em estranhos.
Finalmente eu estava com raiva, e era bom. Parecia familiar. Se eu pudesse ficar com raiva poderia deixar de ser tão malditamente confusa.
Ele agarrou meu braço e não foi delicadamente desta vez. Não doeu, mas eu podia sentir a pressão de seus dedos em minha carne. Pela primeira vez desde que o conheci, ele me mostrou sua dureza. Esse núcleo de dureza que você quer ter ou adquire quando fica com os policiais. Sem esse núcleo para proteger a si mesmo, você pode permanecer no cargo, mas não vai prosperar.
Eu sorri.
- O que vem depois, cassetete de borracha e luzes brilhantes? - Eu disse para ser uma piada, mas minha voz não era engraçada. Nós dois estávamos com raiva agora.
Debaixo de todos os sorrisos e as maneiras suaves havia um gênio forte. Veríamos qual deles era o pior, o dele ou o meu.
Ele falou baixo e com cuidado, do mesmo jeito que faço quando falta pouco para começar a gritar.
- Eu poderia simplesmente dizer a Marks sobre a sua reunião. Dizer a ele que você está escondendo algo de nós.
- Tudo bem. - eu disse - faça isso. Marks provavelmente vai tentar prendê-lo em seu bar. Ele pode até encontrar bastante parafernália mágica para levá-lo preso por suspeita de prevaricação mágica. E aonde isso vai nos levar, Detetive? Com Baco na cadeia e um dia a partir de agora mais pessoas serão mortas, mais corpos esfolados. - Eu me aproximei de seu rosto zangado e sussurrei: - Como serão os seus sonhos então, Hernando?
Ele me soltou tão abruptamente que eu tropecei.
- Você realmente é uma cadela, não é?
Concordei.
- Se a situação o exige, pode apostar.
Ele balançou a cabeça esfregando os braços.
- Se eu aceitar e algo der errado, isso pode acabar com a minha carreira.
- Basta dizer que você não sabia.
Ele balançou a cabeça.
- Muita gente sabe que fui a sua escolta policial. - Ele conseguiu fazer com que as duas últimas palavras fossem pesadas de ironia. - Você tem outro encontro com ele, não é?
Tentei esconder a surpresa do meu rosto, mas um rosto branco era muito ruim. É como quando alguém te pergunta se você esta dormindo com alguém, e você se recusa a responder. Não responder é tão bom como um "sim".
Ele andava de um lado ao outro no corredor.
- Droga Anita, eu não posso me isentar neste assunto.
Percebi que ele queria dizer exatamente isso. Eu estava em seu caminho, então ele teve que parar e olhar para mim.
- Você não pode dizer a Marks, ele vai estragar tudo. Se ele acha que eu danço com o diabo vai ficar histérico quando conhecer Nicky Baco.
A raiva estava começando a sair de seus olhos.
- Quando vocês vão se encontrar?
Eu balancei a cabeça.
- Primeiro prometa que não vai dizer nada a Marks.
- Ele está no comando da investigação. Se eu não disser nada e ele descobrir, posso perder o meu distintivo.
- Ele não parece muito popular por aqui. - eu disse.
- Ele ainda é meu superior.
- Ele é seu chefe. Não é de maneira nenhuma seu superior.
Isso me rendeu um sorriso.
- Não precisa me bajular.
- Não é bajulação, Hernando. É a verdade.
Ele finalmente ficou quieto, parado olhando para mim. Sua expressão quase voltou ao normal, ou o que eu achava que era normal para ele. Por tudo que eu sabia ele podia dissecar filhotes de cachorro em seu tempo livre. Tudo bem eu não acreditava nisso, mas eu realmente não o conhecia. Nós éramos estranhos e eu tinha que me lembrar disso. Eu tinha que parar de tratá-lo como um amigo. Qual era o problema comigo?
- Quando será essa reunião, Anita?
- O que acontece se eu não disser?
Uma sombra da dureza apareceu em seus olhos.
- Então eu digo a Marks que você está escondendo provas.
- E se eu te disser?
- Então eu vou com você.
Eu balancei a cabeça.
- De jeito nenhum.
- Eu prometo que não vou parecendo um policial.
Olhei dos sapatos engraxados para os cabelos curtos e limpos.
- E quando é que você não se parece com um policial?
Ouvi a porta abrir atrás de nós, mas não me virei. Estávamos muito ocupados fazendo contato com os olhos.
Jarman gritou;
- Ramirez!
Essa única palavra nos deixou arrepiados. O Dr. Evans estava encostado na parede segurando o punho na posição vertical. O sangue brilhava como um bracelete escarlate em torno de seu braço. Eu e Ramirez começamos a correr ao mesmo tempo. Jarman e Jakes estavam desaparecendo através da porta. Bernardo hesitou segurando-a aberta tempo suficiente para que os gritos cortassem o silêncio hospitalar. Baixo, sem palavras e em pânico, e eu sabia que era um homem gritando. Eu estava quase na porta, quase ao lado de Bernardo com Ramirez bem atrás como uma sombra.
Bernardo disse:
- Essa não é uma boa idéia.
Mas ele passou pela porta um segundo antes que eu chegasse. Deus, eu odiava estar certa o tempo todo.
39
O quarto era branco e estéril como um canto sossegado do inferno. Agora era um canto caótico do inferno. Uma mão sem pele tentou me pegar. Eu a cortei com a faca grande que eu tinha puxado da bainha em minha coluna. A mão sangrou e recuou. Eles podiam sentir dor, eles sangravam. Bom.
Eu tinha a faca levantada para um golpe no pescoço do cadáver se viesse para cima de mim novamente. Ramirez bloqueou meus braços.
- Eles são civis!
Olhei para ele e em seguida para aquela coisa crua presa pelo pulso na cama. Ele se lançou para mim mais uma vez cortando o ar com a sua mão sangrenta gritando sem palavras, a língua massacrada como um verme na ruína de sua boca.
- Basta ficar fora de alcance. - ele disse e me puxou para trás.
Eu tive tempo de dizer:
- Eles estão mortos Ramirez, são apenas cadáveres.
Ele ergueu a arma.
- Não os mate. - Ele se virou para a luta, embora não houvesse uma luta ainda. A maioria dos cadáveres ainda estavam presos em suas camas. Eles esforçavam-se gritando, chorando, empurrando sua carne arruinada contra as correias tentando se libertar.
O enfermeiro Ben estava batendo na cabeça de um paciente. Ele afundou os dentes em seu braço tão profundamente que ele não conseguia se libertar. Jarman foi ajudá-lo batendo na cabeça da coisa com seu bastão como você faz com uma bola de beisebol. Você podia ouvir o som semelhante a um melão macio sendo esmagado mesmo com os gritos.
Jakes e Bernardo estavam na cama perto das janelas. A enfermeira afro-americana estava sendo abraçada por um cadáver que ainda tinha uma mão e um tornozelo presos à cama. Sua cabeça estava enterrada em seu peito. O sangue manchava seu vestido e seu corpo como se alguém tivesse derramado uma lata de tinta vermelha sobre ela, mas havia muito sangue. Aquela coisa tinha alcançado algo vital.
Jakes estava batendo na cabeça da coisa tão forte que ele estava subindo na ponta dos pés, seu corpo quase saindo do chão com cada golpe. A cabeça do cadáver estava sangrando, rachando, mas ele não a soltou. Sua cabeça estava enterrada no peito da enfermeira como uma criança monstruosa se alimentando.
Bernardo estava apunhalando o cadáver por trás mais e mais. A lâmina da faca saia em um spray de sangue, mas isso não importava. O cadáver perto da porta tinha reagido à dor, mas quando eles começam a se alimentar são apenas carne. Você não pode ferir a carne, e você com certeza não poderia matá-los.
Caminhei entre as camas com os cadáveres gritando, corpos se contorcendo, e todos os olhos pareciam os mesmos. Era como se houvesse apenas uma personalidade olhando para fora de cada par de olhos. Seu mestre, ou o que quer que fosse me observava caminhar entre as camas, observando-me andar entre eles longe de Ramirez e de sua proteção. Ele ainda não tinha entendido o que estava para acontecer quando todos eles se libertassem. Tínhamos que estar fora desta sala antes que isso acontecesse.
Fui até Bernardo movendo-me devagar. Encostei a faca debaixo da mandíbula da coisa. Respirei fundo como se faz em uma sala de aula de artes marciais um pouco antes de quebrar algo grande. Imaginei a lâmina saindo no topo do crânio, e era isso o que eu queria fazer. Tentei empurrá-la através de sua cabeça. A lâmina atravessou o tecido macio sob a mandíbula com um acentuado movimento molhado, então a ponta bateu no osso do céu da boca e continuei. A lâmina não saiu do topo sua cabeça, mas senti que ela estava no vazio estranho da cavidade sinusal.
Ele soltou a mulher tentando libertar a boca. Agarrou o cabo da faca em sua boca com a mão livre deixando a enfermeira cair na cama. Tivemos o nosso primeiro vislumbre da ferida. Havia um buraco no meio de seu peito. Costelas quebradas projetavam-se para fora como os lados quebrados de uma moldura. O buraco era do tamanho de um rosto humano. Olhei para o buraco escuro e molhado e a metade de seu coração tinha sumido, devorado.
- Oh, Deus! - Jakes disse.
A coisa na cama havia libertado seu outro pulso. Ele puxava o cabo da faca tentando se libertar. Jakes, Bernardo e eu trocamos um olhar. Um olhar sem palavras e começamos a andar com um objetivo em mente: chegar à porta de qualquer maneira que pudéssemos. Não havia nada de humano nesta sala além de nós.
Olhei para cima e encontrei Ramirez e Jarman na porta com a enfermeira flácida entre eles. Ótimo. Eu gritei,
- Corram!
Nós tentamos. Senti um movimento e me virei a tempo de ver um cadáver me bater e cairmos no chão. Tentei esfaquear seu maxilar tentando enfiar a faca entre seus dentes como eu tinha feito com o outro, mas ele se virou e eu acertei sua garganta. O sangue espirrou em meu rosto e isso me cegou por um segundo. Eu podia senti-lo se movendo sobre meu corpo, pernas abertas em minha cintura. Mantive a minha mão em seu ombro segurando-o para trás, enquanto ele se esticava em cima de mim. Limpei o sangue dos meus olhos com as costas da outra mão que segurava a faca. Ele agarrou minha mão como um cão e eu gritei. Cortei seu rosto tão profundamente que a lâmina raspou em seus dentes. Ele gritou e afundou seus dentes na minha mão. Eu gritei quando ele sacudiu a cabeça como um cão com um osso. Minha mão abriu e a faca caiu.
Ele veio para mim de boca aberta, seus olhos azuis pálidos e incrivelmente grandes tentando morder minha garganta. Não havia tempo para pegar a faca. Afundei meus polegares em seus olhos e seu próprio impulso empurrou meus dedos mais profundamente do eu teria conseguido. Senti a ruptura do globo ocular explodindo em um fluido quente e coisas mais espessas.
Ele gritou chicoteando sua cabeça para trás e para frente levando as mãos em seu rosto. Bernardo de repente o puxou para trás jogando-o na parede do outro lado do quarto. É incrível o que você pode fazer quando está apavorado.
Eu estava de joelhos pegando a faca. Bernardo me colocou de pé, estávamos quase na porta. Rigby estava lá com um machado cortando os cadáveres. Mãos e pedaços menos identificáveis estavam no chão ao redor dele.
Ramirez enfiou a ponta de seu bastão na boca de outro cadáver e a ponta saiu atrás de sua garganta.
Jakes estava arrastando Jarman pelos pulsos deixando uma trilha vermelha e grossa atrás dele. O corpo de Jarman ficou entalado na porta. Rigby tinha picado dois corpos em pedaços. Outros dois ainda estavam presos pelas correias em suas camas. Ramirez estava lutando com o que estava tentando engolir seu bastão. Um cadáver jogou-se sobre Rigby e o machado cortou o ar.
Ouvi um barulho atrás de mim antes que Bernardo gritasse:
- Atrás de... - eu estava no chão com a coisa em minhas costas, antes que Bernardo terminasse de gritar: - ...você.
Coloquei as mãos na cabeça tentando proteger meu pescoço. Dentes rasgaram minha camisa tentando tirar sangue, mas tendo problemas com o coldre de ombro e bainha em minhas costas. Ele cravou seus dentes em minha carne, mas a tira de couro atuava como uma espécie de armadura. Esfaqueei sua coxa, uma, duas vezes. Ele não se importou.
De repente senti um golpe de ar e um baque duro, o sangue escorreu em meus cabelos, ombros e costas como lava escaldante. Eu me mexi debaixo do cadáver descobrindo que ele tinha sido decapitado.
Rigby estava sobre ele com o machado sangrento e um olhar selvagem em seus olhos.
- Saia daqui. Eu cubro a retaguarda. - Sua voz era aguda, o medo pingando, mas ele se manteve firme e começou a levar todos para a porta.
Bernardo estava no chão com um dos cadáveres em suas costas, mas ele não estava tentando comê-lo. A criatura bateu sua cabeça duas vezes contra o chão duro e depois olhou para mim. Havia algo em seus olhos que eu não tinha visto nos outros. Ela estava com medo. Com medo de nós. Medo de ficar parado. Medo talvez de morrer.
Ele passou pela porta de vidro e por Jakes como se tivesse um lugar para ir e outra coisa para fazer. E eu sabia que tinha que ser impedido, sabia que se ele escapasse seria muito ruim, mas coloquei uma mão por baixo do braço de Bernardo comecei a arrastá-lo para a porta. Ramirez pegou seu outro braço e subitamente ficou fácil arrastá-lo até a porta de vidro.
Houve uma movimentação repentina na sala atrás de nós. Rigby tropeçou contra o botão e a porta se fechou. Ela deslizou com Ramirez batendo no vidro.
Eu vi o machado na mão de Rigby, então dois cadáveres vieram de ambos os lados. Ramirez batia no botão do lado de fora tentando abrir a porta, mas o peso de Rigby ou alguma outra coisa impedia.
Ramirez gritou:
- Rigby!
Havia uma enorme lufada de ar como se um gigante tivesse assoprado e a sala se encheu de fogo. As chamas lambiam o vidro como uma água dourada através do vidro de um aquário. Eu podia sentir o calor batendo contra o vidro.
Os alarmes de incêndio explodiram com um grito estridente. Me joguei no chão sobre o corpo de Bernardo cobrindo meu rosto, esperando que o tremendo calor rachasse o vidro e explodisse sobre todos nós.
Mas não foi o calor que caiu sobre mim. Foi o frescor da água. Ergui a cabeça para os pulverizadores que encharcavam a sala. O vidro estava enegrecido de fumaça e vapor com o nevoeiro que apagava o fogo. Ramirez apertou o botão e as portas se abriram com um som de água corrente. O alarme estava mais alto agora, e percebi que eram dois alarmes diferentes misturando-se num guincho estridente. Ramirez entrou na sala e ouvi sua voz sobre o barulho enlouquecedor.
- Madre de Dios!
Fiquei parada com a água encharcando meu cabelo e roupas. Eu não o segui até lá. Rigby estava além de qualquer ajuda que eu pudesse lhe dar. Nós ainda tínhamos mais um cadáver para pegar. Eu coloquei meus dedos no pescoço de Bernardo logo abaixo da mandíbula. O grito do alarme de incêndio tornava mais difícil de sentir seu pulso, mas ele estava lá, forte e seguro. Ele estava fora de combate, mas estava vivo. Jakes estava ajoelhado ao lado de Jarman com lágrimas escorrendo pelo rosto. Ela tentava fechar um ferimento no pescoço de Jarman com as próprias mãos. O sangue era lavado pelos pulverizadores. Seus olhos estavam fixos, sem piscar, enquanto a água caía sobre ele. Merda. Eu deveria agarrar Jakes e dizer: - Ele está morto. Jarman está morto. Mas eu não poderia fazer isso.
- Ramirez.
Ele ainda estava olhando para o quarto onde Rigby tinha morrido.
- Ramirez! - Eu gritei e ele se virou, mas seus olhos estavam sem foco, como se ele realmente não me visse.
- Temos mais um cadáver para pegar. Não podemos deixá-lo ir embora.
Ele olhou para mim com olhos opacos. Eu precisava de alguma ajuda. Dei alguns passos até ficar na porta ao lado dele e dei um tapa em seu rosto forte o suficiente para doer a minha mão. Sua cabeça foi para trás e me preparei para receber o troco, mas ele não fez nada. Ele ficou ali com as mão fechadas, os olhos em chamas com uma raiva enlouquecedora procurando alguém para se vingar. Não por eu ter batido nele. Era por tudo.
Quando ele não me bateu eu disse:
- Isso foi uma coisa ruim. - eu apontei para a porta. - Precisamos ir atrás dele.
Ramirez começou a falar muito rapidamente em espanhol. Eu não conseguia entender quase nada, mas a raiva estava por trás de cada palavra. Peguei uma palavra que eu conhecia. Ele me chamou de bruja. Significava bruxa.
- Foda-se.
Abri a porta e passei por cima do corpo de Jarman. Os pulverizadores estavam no corredor também. Evans ainda estava sentado de costas para a parede. Ele puxou a máscara para baixo como se não conseguisse ar suficiente.
- Para onde ele foi? - eu perguntei.
- Desceu as escadas de incêndio no fim do corredor.
Ele teve que levantar sua voz acima do som do alarme, mas sua voz era maçante, distante. Talvez mais tarde eu pudesse entrar em choque também.
Não ouvi a porta se abrir atrás de mim, Ramirez gritou:
- Anita!
Olhei para trás enquanto corria para a porta.
- Estou indo pelas escadas, você pega o elevador.
Ele gritou;
- Anita!
Virei e ele jogou um celular para mim, peguei-o desajeitadamente contra meu peito.
- Se eu chegar ao térreo e não encontrá-lo eu ligo para você. - ele disse.
Concordei guardando o telefone no bolso e correndo para a porta. Eu o encontraria. Peguei a Browning agora, não havia mais uma sala cheia de oxigênio. Queríamos ver as balas trabalhando, assim como as facas. Empurrei a pesada porta corta-incêndio com meu corpo até ela encostar na parede, mas eu sabia que a coisa não estava atrás da porta. Hesitei no patamar de concreto. Os pulverizadores foram acionados ali também, como cachoeiras descendo os degraus de concreto. O alarme de incêndio enchia o espaço com ecos de alta frequência. Olhei para as escadas que subiam e que desciam e não tinha idéia para onde ele tinha ido. Poderia estar em qualquer andar acima ou abaixo de mim.
Droga, eu precisava encontrar aquela coisa. Eu não tinha certeza porque era tão urgente não deixá-lo fugir, mas eu estava certa sobre a chegada da noite e os cadáveres, eu confiava em meu julgamento. Eles eram apenas cadáveres animados, apenas um tipo diferente do que eu tinha visto antes, mas estavam mortos e eu era uma necromante. Tecnicamente eu poderia controlar qualquer forma de morto vivo. Eu poderia por vezes sentir quando um vampiro estava próximo. Respirei e me concentrei em uma linha sólida e invoquei a força dentro de mim atirando-a para fora, procurando de costas para a porta, a água caindo sobre mim. Com todo o barulho do alarme era difícil pensar. Mandei a magia para fora, escada acima, escada abaixo, como uma linha invisível de neblina.
Eu senti algo como um puxão na ponta de uma linha de pesca, para baixo, ele tinha ido para baixo. Se eu estivesse errada não haveria nada que pudesse fazer sobre isso, mas eu acho que não estava errada. Comecei a correr nos degraus de cimento molhado, uma mão no corrimão para não escorregar, a outra segurava a arma apontada para cima. Encontrei uma mulher caída no andar seguinte, imóvel, mas respirando. Virei seu rosto para o lado para que não se afogasse com os pulverizadores e continuei. Para baixo, ele estava indo para baixo, e não tinha tempo para se alimentar. Ele estava correndo, fugindo de nós, fugindo de mim.
Meus pés deslizavam sobre os degraus molhados, apenas a mão no corrimão metálico me impedia de cair. Perdi minha conexão com a criatura quando escorreguei. Eu simplesmente não conseguia manter a concentração. Os pulverizadores abruptamente pararam, mas o alarme de incêndio estava mais alto sem a água para abafar o barulho. Eu me levantei e comecei a correr novamente. Muito distante, muito abaixo ouvi um grito. Minha mão escorregou no corrimão molhado e eu quase caí de cabeça. Eu estava indo mais rápido do que era seguro. Corri e tropecei nas escadas e durante todo o tempo eu sentia um crescente sentimento de que eu chegaria tarde demais. Que não importa o quão rápido eu corresse, eu não chegaria a tempo.
40
Não foi possível recuperar a ligação com a coisa sem parar e me concentrar. Eu tomei a decisão de continuar perseguindo e esperava que não o tivesse perdido quando passei pelas portas. Além disso, no 19º andar havia um grupo amontoado de encharcados doentes com uma enfermeira. Todos eles apontaram para baixo sem palavras. No 17º havia um homem com um buquê de flores e um lábio sangrando que balbuciava para mim e apontava para baixo. No 14º andar a porta se abriu e uma enfermeira com uma blusa rosa correu em minha direção. Ela gritou e ficou contra a parede olhando para mim com olhos enormes. Ela tinha um bebê em cada braço embrulhado em cobertores. Um deles continuava com sua pequena toca cor-de-rosa de malha. Ambos os bebês estavam gritando como se estivessem competindo com o alarme de incêndio. A enfermeira apenas olhou para mim incapaz de falar. Talvez tenha sido a arma, ou o sangue que os pulverizadores não tinham lavado. Ergui a voz acima do ruído.
- Ele está nesse andar?
Ela apenas balançou a cabeça. Ela estava murmurando alguma coisa, eu tive que me aproximar para entender.
- No berçário, ele está no berçário. Ele está no berçário!
Pensei que minha adrenalina não poderia aumentar mais. Eu estava errada. De repente pude sentir o sangue correndo pelo meu corpo, sentir o meu coração como uma dolorosa coisa em meu peito. Abri a porta olhando no corredor com a Browning na mão. Nada mudou. O longo corredor estava vazio e com todas as portas fechadas para um maior conforto. O alarme de incêndio ainda estava gritando, fazendo minha pele se apertar com o barulho, mas mesmo com o guincho do alarme eu podia ouvir os bebês... Chorando... Gritando.
Peguei o telefone no bolso e apertei o botão como ele me disse para fazer anteriormente e comecei a correr em direção ao som. Ramirez respondeu no primeiro toque.
- Anita?
- Estou na maternidade, no 14º andar. Uma enfermeira diz que a coisa está no berçário.
Eu estava na primeira esquina. Atirei-me contra a parede mais distante, mas sem realmente parar. Geralmente sou mais cautelosa em torno dos cantos, mas o choro estava mais perto, mais comovente.
- Estou a caminho. - disse Ramírez.
Apertei o botão, mas ainda tinha o telefone na mão quando cheguei à próxima esquina. Um corpo tinha sido jogado através de um painel de vidro de segurança. Eu poderia dizer que era um homem, mas apenas isso. O homem parecia um hambúrguer. Pisei em um estetoscópio no chão perto dele. Médico ou enfermeira. Eu não chequei seu pulso, se ele estivesse vivo eu não saberia como ajudá-lo, se estivesse morto não se importaria. Passei por outra porta e em seguida uma longa extensão de janelas. Eu não precisei ver a janela para saber que era o berçário. Eu podia ouvir os bebês chorando. Mesmo com o alarme de incêndio eu ouvia os gritos de pânico e isso fez meu coração palpitar, me fez querer correr e ajudá-los. Eu ainda tinha o telefone na mão esquerda e fiz uma tentativa de enfiá-lo no bolso. A mordida na minha mão estava estranha. O telefone escorregou e eu o deixei no chão.
Virei o trinco, mas a porta abriu apenas alguns centímetros. Coloquei meu ombro contra ela e percebi que tinha um corpo do outro lado, um corpo adulto. Recuei e bati novamente movendo-a por alguns centímetros dolorosos. Havia uma mulher gritando e não apenas os bebês. Eu não conseguia abrir a porta. Maldição! Em seguida outra janela se quebrou em um spray de vidro e um corpo saiu voando. A mulher bateu no chão e ficou lá esparramada e sangrando. Saí de perto da porta e fui para a janela. Havia pedaços de vidro como pequenas espadas na parte inferior da janela. Mas eu praticava alguns saltos no judô há anos. Dei uma olhada e vi uma coisa. Havia vários berços empurrados para os lados. Eu tinha espaço. Corri e dei um pulo e me atirei sobre o vidro quebrado rolando enquanto caía. Eu só tinha uma mão livre para me apoiar no chão e absorver o impacto da queda, mas eu queria a arma na minha mão pronta para disparar. Bati no chão e me levantei com um saldo antes de saber o que estava no berçário.
Eu tentei olhar como se tirasse fotos isoladas das coisas. Registrei um berço virado ao contrário, um pequeno e minúsculo bebê deitado no chão como uma boneca quebrada, o centro de seu corpo tinha sido devorado como o centro de um pedaço de doce; alguns berços ainda estavam em pé salpicados de sangue, alguns com minúsculos corpos torcidos dentro, outros vazios exceto pelo sangue, e no canto distante estava o monstro.
Ele segurava um pequeno pacote embrulhado em um cobertor. O pequeno bebê agitava os punhos no ar. Eu não podia ouvi-lo chorar. Eu não conseguia ouvir nada. Não havia nada, somente a visão daquele rosto sem pele dobrado sobre o bebê. Minha primeira bala certou sua testa, a segunda acertou seu rosto e sua cabeça foi jogada para trás pelo impacto do primeiro tiro. Ele levantou o bebê que lutava na frente de seu rosto, os olhos fixos sobre a forma minúscula. Ele olhou para mim. Os buracos de bala em seu rosto pareciam argilas mole. Atirei em seu estômago porque era isso que eu podia fazer sem colocar o bebê em risco. Ele recuou e se atirou no chão, eu realmente não consegui feri-lo. Ele se escondeu atrás de uma fileira de pequenos berços. Eu me abaixei e o vi através da floresta de pernas de metal agachado levando o bebê para sua boca.
Não foi um tiro limpo. Eu apenas atirei de qualquer maneira jogando-o contra a parede. Ele vacilou, mas não deixou o bebê cair. Eu me aproximei entre as pernas dos berços mantendo o movimento. Onde estava Ramirez?
Ele se levantou e correu para mim. Atirei em seu corpo. Ele estremeceu, mas continuou se aproximando. O bebê estava nu exceto por uma fralda, mas estava vivo. A coisa jogou o bebê para mim. Não tive tempo de pensar, eu apenas o peguei junto ao peito e fiquei com as duas mãos comprometidas. O monstro bateu em mim. O impulso nos levou de volta através da janela. Chegamos ao chão com o monstro por baixo como se tivéssemos virado no ar. O cano da arma estava pressionado em seu estômago e eu comecei a puxar o gatilho com a mão direita antes mesmo que eu começasse a embalar o bebê com a esquerda.
A criatura serpenteava como uma cobra. Consegui ficar de joelhos e continuei atirando até a arma ficar vazia. Larguei a Browning e peguei a Firestar. Eu estava quase apontando quando ele me bateu com as costas da mão e o golpe me jogou na parede. Tentei proteger o bebê do impacto e acabei me machucando mais do que deveria. Fiquei espantada por um segundo, e ele me agarrou pelos cabelos me virando para ele.
Atirei em seu peito e estômago. Cada tiro empurrava seu corpo para trás, e lá pelo sexto ou sétimo tiro ele soltou meu cabelo. Uma bala mais tarde e a Firestar estava vazia. Ele estava em cima de mim e sua boca sem lábios sorria.
O alarme de incêndio parou. O súbito silêncio era quase assustador. Eu poderia ouvir meu coração batendo na minha cabeça. O bebê em meus braços de repente começou a chorar alto soando mais frenético. A coisa ficou tensa e eu sabia que um segundo antes ele estava com pressa. Usei um braço para colocar o bebê em um pedaço de chão limpo. Eu estava me afastando quando ele me pegou e me jogou contra a parede oposta. Eu não tinha mais o bebê nos braços para me preocupar. Bati as mãos e os braços na parede aliviando o máximo de impacto como podia. Quando ele diminuiu a distância não fiquei chocada. Ele agarrou um braço, e eu lutava para evitar que pegasse o outro.
Eu sabia lutar, mas não com algo liso e sem pele.
Não havia nada para agarrar. Ele me pegou pela camisa e debaixo da minha coxa e me levantou como um barril. Eu bati na parede como se ele tivesse tentado me jogar através dela. Tentei me proteger, mas caí no chão atordoada e incapaz de respirar ou pensar por alguns segundos. Ele se ajoelhou ao meu lado puxando a camisa para fora da minha calça, descobrindo o meu estômago e meu sutiã. Ele colocou a mão sob minhas costas e me levantou quase gentilmente curvando-se, levantando-me, e abaixando o rosto para o meu corpo nu como se fosse me beijar. Eu ouvi uma voz em minha cabeça, ele sussurrou "Eu tenho fome".
Tudo parecia distante, um sonho, levantei minha mão e quase não senti como se fosse minha. Acariciei sua face lisa e descarnada e ele rolou seus olhos estranhos quando abaixou sua boca para se alimentar. Meu polegar deslizou ao longo da sua carne em direção a seus olhos. Ele não me impediu. Quando ele tocou meu estômago, o meu polegar deslizou para seus olhos. Nós dois gritamos.
Ele recuou me deixando no chão. Foi uma queda curta, e eu estava de joelhos quando ouvi o primeiro tiro. Ramirez veio pelo corredor na direção da escada de incêndio atirando com uma só mão.
Seu corpo estremeceu, mas as feridas estavam fechando mais e mais rápido. Eu esperava que a coisa atacasse Ramirez ou eu, ou fugisse, mas não fez nada disso. Ele pulou a janela quebrada do berçário. E eu sabia o que isso significava. Ele não estava tentando escapar, estava tentando tirar tantas vidas quanto pudesse antes que o destruíssemos. Seu mestre se alimentava das mortes.
Ramirez foi até a porta que eu tinha tentado abrir antes e começou a bater contra ela com o ombro. Eu me aproximei da janela e vi o monstro tirando o cobertor de outro bebê como se desembrulhasse um presente. A boca do monstro se abriu mostrando uma boca já vermelha de sangue.
Ramirez tinha espaço suficiente para entrar. Ele atirou em suas pernas com medo de acertar o bebê. O monstro o ignorou e tudo desacelerou. Sua boca estava indo em direção ao coração minúsculo. Eu gritei e coloquei toda minha raiva, todo o desamparo em minha mensagem. Eu puxei esse poder que me deixava levantar os mortos, eu o puxei em torno de mim como uma coisa brilhante e arremessei para fora. Eu poderia realmente vê-lo em minha mente como uma corda branca e fina de nevoeiro. Joguei minha aura, minha essência em torno da coisa. Eu era uma necromante e essa maldita coisa era um cadáver.
Eu gritei:
- Pare!
Ele congelou no meio do movimento, o bebê quase em sua boca. Eu senti o poder que o animava. Eu senti que ele era apenas uma concha vazia. O poder de seu mestre era como uma chama escura em seu interior. Eu tinha uma mão estendida como se eu precisasse dela para manter o meu ponto de energia. Abri a minha mão e joguei essa corda branca de energia sobre o cadáver. Eu o cobri com minha aura. Fechei minha aura como um punho em torno da coisa e cortei o poder que o deixava se movimentar. O cadáver estremeceu de imediato como uma marionete cujos fios foram cortados.
Senti seu mestre. Eu o sentia como um vento frio em toda a minha pele. Eu o sentia vindo para mim, seguindo a linha da minha própria aura como uma corda através de um labirinto. Tentei puxá-la de volta, tentando dobrá-lo para dentro de mim novamente, mas eu nunca tentei nada parecido antes e não estava rápido o suficiente. Sua aura é seu escudo mágico, sua armadura. Quando o cadáver me atacou, eu me abri para tudo a qualquer. Pensei que eu tinha entendido os riscos, mas eu estava errada.
O poder do mestre me atacou como o fogo após uma trilha de gasolina, e quando chegou minha cabeça foi jogada para trás e eu não conseguia respirar. Senti meu coração palpitar e parar. Senti meu corpo cair no chão, mas não como se eu estivesse ferida, era como se eu estivesse entorpecido. Minha visão ficou cinza, depois preta, então ouvi uma voz na escuridão.
- Tenho muitos servos. Esse que você parou não é nada para mim. Vou me alimentar através dos outros. Você vai morrer em vão.
Eu tentei formar palavras para responder a essa voz e descobri que podia.
- Foda-se.
Eu senti a sua raiva, sua indignação que eu poderia desafiá-lo. Tentei rir dele na sua impotência, mas rir não era suficiente. A escuridão tornou-se algo mais grosso. Passei para além da voz do mestre, além da minha própria, então não havia mais... Nada.
41
A primeira dica que eu tive que não estava morta foi à dor. A segunda foi à luz. Meu peito ardia me empurrando de volta à consciência, respirei com dificuldade tentando tirar essa coisa que queimava de dentro de mim. Pisquei em uma ardente luz branca, então vozes.
- Segurem-na!
Eu senti um peso em meus braços e pernas, mãos me seguravam. Tentei lutar, mas não podia sentir meu corpo o suficiente para ter certeza se estava me movendo.
- Sessenta BP mais de oitenta e caindo rápido.
As formas e o movimento em torno de mim me confundiam. Senti uma picada no braço, uma agulha. O rosto de um homem apareceu em minha linha de visão, loiro, óculos de armação de arame. O rosto dele deslizou para fora da vista em uma névoa branca.
Manchas cinza caíam como flâmulas gordurosas em toda a minha vista, e eu me sentia afundando para trás, para baixo, para fora.
Uma voz de homem,
- Nós a estamos perdendo!
A escuridão voltou me levando para longe da dor e da luz. Uma voz de mulher flutuando através da escuridão,
- Deixe-me tentar.
Então o silêncio no escuro. Não havia voz estranha neste momento. Não havia nada apenas eu e o escuro flutuante. Então havia apenas a escuridão.
42
Acordei sentindo o cheiro de incenso de sálvia. Sálvia servia para limpar e tirar toda a negatividade, era o que a minha professora Marianne gostava de me dizer quando eu reclamara do cheiro. Incenso de sálvia sempre me dava dor de cabeça. Eu estava no Tennessee com Marianne? Não me lembro de ter ido lá. Abri meus olhos para ver onde estava, era um quarto de hospital. Se você acorda inúmeras vezes neles sempre reconhece os sinais.
Fiquei piscando para a luz, feliz por estar acordada, feliz por estar viva. A mulher se aproximou da cama sorrindo. Seus cabelos pretos chegavam aos ombros, sem corte em torno de um rosto forte. Seus olhos pareciam pequenos para o resto de seu rosto e olhavam para mim como se soubesse de coisas sobre minha vida. Ela usava um vestido longo violeta com uma pitada de vermelho.
Tentei falar e limpei a garganta. A mulher pegou um copo de vidro na pequena mesa de cabeceira, seus colares tiniam conforme ela se movia. Ela se curvou para que eu pudesse beber. Um dos colares era um pentagrama.
- Você não é uma enfermeira. - eu disse.
Minha voz ainda soava áspera. Ela me ofereceu água novamente e eu aceitei. Tentei de novo e desta vez a minha voz soou mais forte.
- Você não é uma enfermeira.
Ela sorriu, o sorriso transformou seu rosto comum em algo lindo, assim como a inteligência que queimava em seus olhos eram impressionantes.
- Qual foi a sua primeira pista? - Ela tinha um suave sotaque circulante que eu não conseguia definir, poderia ser mexicano ou espanhol, mas não.
- Você está muito bem vestida para ser uma, e o pentagrama.
Tentei tocar no colar, mas meu braço estava preso com uma tala e um agulha intravenosa presa em minha pele. A mão estava enfaixada e me lembrei que o cadáver tinha me mordido. Terminei o gesto com a mão direita que parecia ilesa. Meu braço esquerdo parecia ter um sinal luminoso sobre ele dizendo "corte aqui, mordida ali". Mexi os dedos de minha mão esquerda para ver se eu podia, e consegui. Eles não estavam realmente machucados, apenas apertados como se a pele precisasse esticar um pouco.
A mulher ficou me olhando.
- Eu sou Leonora Evans. Creio que você se encontrou com o meu marido.
- Você é a esposa do Dr. Evans?
Ela concordou.
- Ele mencionou que você era uma bruxa.
Ela balançou a cabeça outra vez.
- Cheguei ao hospital no... como se diz, no último minuto para você.
Seu sotaque engrossou quando ela disse "como se diz".
- O que você quer dizer? - eu perguntei.
Ela se sentou na cadeira ao lado da cama e eu me perguntei há quanto tempo ela estava lá me olhando.
- Eles reanimaram seu coração, mas não podiam manter a vida em seu corpo.
Eu balancei a cabeça e uma dor de cabeça estava começando atrás dos meus olhos.
- Você pode tirar o incenso? Sálvia sempre me dá dor de cabeça.
Ela não questionou, apenas se levantou e foi até uma dessas mesas dobráveis sobre rodas que eles têm em hospitais. Havia um incenso preso em um pequeno braseiro, um bastão de madeira longa, uma pequena faca, e duas velas acesas. Era um altar, seu altar, ou uma versão portátil dele.
- Não me leve a mal, mas por que você está aqui e não uma enfermeira?
Ela falou enquanto apagava o incenso.
- Porque se a criatura que atacou você tentasse matá-la uma segunda vez, a enfermeira provavelmente nem sequer notaria o que estava acontecendo até que fosse tarde demais.
Ela veio e sentou-se ao lado da cama.
Olhei para ela.
- Eu acho que a enfermeira notaria se um cadáver comedor de carne entrasse no quarto.
Ela sorriu pacientemente.
- Você e eu sabemos o quanto os servos podem ser horríveis, mas o verdadeiro perigo está no mestre.
Meus olhos se arregalaram, não consegui evitar.
- Como você sabe que...?
- Toquei o seu poder quando ajudei a expulsá-lo de você. Eu ouvi a sua voz, senti sua presença. Ele estava disposto a matar você, Anita, esvaziando-a de vida.
Eu engoli, meu pulso ainda muito rápido.
- Eu gostaria de uma enfermeira agora, por favor.
- Você está com medo de mim? - Ela sorriu quando disse isso.
Eu comecei a dizer não, mas em seguida...
- Sim, mas não é pessoal. Vamos dizer apenas que depois do meu encontro com a morte, eu não sei em quem confiar, magicamente falando.
- Você está dizendo que eu te salvei porque este mestre permitiu que eu fizesse isso?
- Eu não sei.
Ela franziu a testa pela primeira vez.
- Confie em mim, Anita. Não foi fácil salvá-la. Eu tive que cercar você de proteção e algumas defesas foram do meu próprio poder, da minha própria essência. Se eu não tivesse sido forte o suficiente, se os nomes que invoquei para a ajuda não fossem fortes o suficiente, eu teria morrido com você.
Eu olhei para ela e queria acreditar, mas...
- Obrigada.
Ela suspirou e alisou o vestido amassado com os dedos cheios de anéis.
- Muito bem, vou buscar-lhe um rosto familiar, mas depois temos que conversar. Seu amigo Ted me disse sobre as marcas que a ligam ao lobisomem e ao vampiro. - Algo deve ter aparecido em meu rosto porque ela disse, - Eu precisava saber a fim de ajudá-la. Eu salvei sua vida quando ele chegou aqui, mas eu estava tentando consertar a sua aura, e não estava conseguindo. - Ela passou a mão logo acima do meu corpo e eu senti seu poder sobre o meu. Ela hesitou sobre o meu peito, por cima do meu coração. - Há um buraco aqui como se houvesse um pedaço de si mesmo faltando. - Suas mãos deslizavam mais abaixo e hesitou no meu estômago. - Aqui está outro buraco. Ambos são pontos de chakra, os pontos importantes de energia para o seu corpo. Lugares ruins se você não tem a capacidade de se proteger contra ataques mágicos.
Meu coração voltou a bater mais rápido do que deveria.
- Eles estão fechados. Eu trabalhei durante os últimos seis meses para fechá-los.
Leonora balançou a cabeça retirando as mãos suavemente.
- Se eu entendi o que seu amigo me disse deste triunvirato de poder, estes espaços são como tomadas elétricas na parede de sua aura, seu corpo. As duas criaturas têm os plugues que se encaixam nas respectivas tomadas.
- Eles não são criaturas. - eu disse.
- Ted pintou uma imagem muito lisonjeira deles.
Eu fiz uma careta. Parecia algo que Edward faria.
- Ted não gosta do fato de que sou... Íntima dos monstros.
- Você está com os dois amantes, então?
- Não, quero dizer... - tentei pensar em uma versão rápida. - Eu estava dormindo com eles separadamente. Quero dizer, ficava com um de cada vez, mas não deu certo.
- Por que não funcionou?
- Estávamos invadindo os sonhos uns dos outros. Invadindo os pensamentos uns dos outros. Toda vez que tínhamos relações sexuais era pior, como se o sexo tornasse o nó mais e mais apertado - Parei de falar não porque eu tivesse acabado, mas porque as palavras não eram suficientes. Eu comecei novamente. - Uma noite nós três estávamos sozinhos conversando, tentando resolver as coisas. Um pensamento me veio à cabeça, e não era meu, ou eu não achava que era, mas não sei de quem era esse pensamento. - Eu olhei para ela e percebi que estava tentando compreender o momento de puro terror que tinha sido para mim.
Ela balançou a cabeça como se entendesse, mas suas palavras diziam que tinha perdido o ponto.
- E você ficou com medo.
- Sim. - eu disse, mudando o tom de voz para que notasse o sarcasmo.
- A falta de controle. - ela disse.
- Sim.
- A falta de privacidade individual.
- Sim.
- Por que você aceitou estas marcas?
- Eles teriam morrido se não tivesse feito isso. Todos nós poderíamos ter morrido.
- Então você fez isso para salvar sua própria vida.
Ela estava sentada lá, as mãos cruzadas em seu colo perfeitamente à vontade, enquanto sondava as minhas feridas psíquicas. Eu odeio pessoas que estão em paz consigo mesmas.
- Não, eu não podia perder os dois. Eu poderia sobreviver a perder de um, mas não dos dois, não se pudesse salvá-los.
- As marcas lhe deram força suficiente para superar seus inimigos.
- Sim.
- Se o pensamento de compartilhar sua vida com eles é tão terrível, então por que suas mortes causariam sofrimento tão grande?
Abri a boca, fechei e tentei novamente.
- Eu os amava, eu acho.
- Passado, amava, não ama mais?
De repente eu estava cansada.
- Eu não sei mais. Eu não sei.
- Se você ama alguém, então a sua liberdade é limitada. Se você ama alguém você dá muito de sua privacidade. Se você ama alguém, então você não é mais apenas uma pessoa, mas metade de um casal. Se pensar ou agir de qualquer outra maneira corre o risco de perder esse amor.
- Não é como ter que dividir o banheiro, ou discutir sobre qual dos lados da cama você quer dormir. Eles estão tentando compartilhar a minha mente, minha alma.
- Você realmente acredita na última parte, sobre a sua alma?
Apoiei-me no travesseiro e fechei os olhos.
- Eu não sei. Acho que não, mas... - abri meus olhos. - Obrigada por salvar minha vida. Se eu puder lhe devolver o favor é só pedir, mas não lhe devo uma explicação sobre minha vida pessoal.
- Você está completamente certa. - Ela endireitou os ombros e de repente parecia menos evasiva, mais eficiente. - Vamos voltar a minha analogia dos buracos sendo como soquetes de luz, e os homens sendo os plugues que se encaixam. O que você fez foi tapar os furos cobrindo-os com gesso. Quando o mestre atacou você, seu poder arrancou o gesso e reabriu os buracos. Você não pode fechar os buracos com a sua própria aura. Eu não posso imaginar a quantidade de esforço que foi necessário para pôr remendos sobre eles. Ted disse que você estava aprendendo o ritual com uma bruxa.
Eu balancei a cabeça.
- Ela é mais psíquica do que bruxa. Não é uma religião, apenas habilidade natural.
Leonora assentiu.
- Será que ela aprova você fechar os buracos da maneira que você fez?
- Eu disse a ela que queria aprender a me proteger e ela me ajudou a fazer isso.
- Ela lhe contou que era uma reparação temporária?
Eu fiz uma careta para ela.
- Não.
- Sua hostilidade aumenta cada vez que nos aproximamos do fato de você ter dado a estes dois homens as chaves de sua alma. Você não pode bloqueá-los permanentemente, e quando tenta enfraquece a você mesma e provavelmente a eles também.
- Vamos ter que conviver com isso. - eu disse.
- Você quase não vive com isso.
Ela tinha a minha atenção agora.
- Você está dizendo que o motivo do mestre quase ser capaz de me matar foi à fraqueza em minha aura?
- Ele teria feito mal a você mesmo sem eles, mas acredito que os buracos a tornaram incapaz de resistir a ele, especialmente porque foram fechados recentemente. Pense neles talvez como feridas recentemente abertas para qualquer infecção sobrenatural.
Eu pensei no que ela estava dizendo e acreditei.
- O que posso fazer?
- Os buracos são destinados a serem preenchidos por uma única coisa, as auras dos homens que você ama. Sua aura agora deve ser como um quebra-cabeça com peças faltando, e só se completam com os três juntos.
- Eu não posso aceitar isso.
Ela deu de ombros.
- Aceite ou não, mas ainda é a verdade.
- Eu não estou pronta para desistir da luta ainda. Obrigada por tudo.
Ela estava de pé, carrancuda.
- Faça o que quiser, mas lembre-se que se você lutar contra outros poderes sobrenaturais não será capaz de se proteger deles.
- Eu estive assim durante um ano, acho que posso controlar.
- Você é arrogante ou está apenas determinada a não falar mais sobre o assunto?
Ela olhou para mim como se esperasse uma resposta. Eu dei a única resposta que tinha.
- Eu não quero falar sobre isso.
Ela concordou.
- Então vou buscar o seu amigo, e tenho certeza que o médico vai querer falar com você. - Ela virou-se e saiu.
O quarto estava muito calmo, cheio do silêncio que só os hospitais possuem. Eu olhei para o altar improvisado e me perguntei o que ela teve que fazer para me salvar. Claro, eu só tinha a sua palavra para isso. No momento em que pensei nisso me arrependi. Por que eu estava tão desconfiada dela? Porque ela era uma bruxa, e Marks me odiava porque eu era uma necromante? Ou foi só por que não gostei das verdades que ela estava me dizendo? Que eu não poderia me proteger de criaturas mágicas até que os buracos em minha "aura" estivessem preenchidos. Passei os últimos seis meses preenchendo aqueles buracos. Seis meses de esforço, e estavam abertos novamente. Merda.
Mas se elas estavam abertas porque eu não sentia Jean-Claude e Richard? Se as marcas estavam verdadeiramente abertas novamente por que não havia uma explosão de proximidade?
Eu precisava falar com Marianne. Eu confiava nela para me dizer a verdade. Ela não me avisou que o bloqueio das marcas era apenas temporário, mas me ajudou a fazê-lo porque achou que eu precisava de algum tempo para me adaptar, aceitar. Eu não tinha certeza se poderia fazer mais seis meses de oração meditativa, visualização psíquica e celibato. Ele tinha tomado todo o meu poder e energia.
Claro, Marianne me ensinou outras coisas, e uma delas significava que eu poderia verificar eu mesma. Eu poderia correr a minha mão em minha própria aura e ver se os buracos estavam lá. O problema é que eu precisava da minha mão esquerda para isso e ela estava cheia de ataduras, presa a uma agulha com soro.
Agora que eu estava sozinha e não estava sendo importunada com perguntas difíceis comecei a sentir meu corpo. Doeu. Toda vez que eu me mexia as minhas costas doíam. Algumas eram dores de contusões, mas havia duas marcas de mordidas. Tentei me lembrar de como eu tinha ferido as minhas costas e lembrei-me do vidro da janela quando o cadáver nos levou através dele, tinha que ser isso.
Meu rosto doía da mandíbula a testa. Lembrei do cadáver me batendo com as costas da mão. Tinha sido quase casual, mas ele tinha me batido com força suficiente para me deixar desacordada. Só uma vez eu gostaria de encontrar um tipo de morto vivo que não fosse mais forte do que uma pessoa viva.
Levantei a parte da frente da camisola e encontrei vários eletrodos colados ao meu peito. Olhei para o monitor cardíaco ao lado da cama com o som reconfortante que dizia que meu coração ainda estava trabalhando. Eu tive uma memória súbita do momento em que meu coração parou, quando o mestre quis pará-lo. De repente eu estava com frio e não era o condicionador e ar excessivamente ambicioso. Eu cheguei muito perto de morrer ontem... Hoje? Eu não sabia que dia era.
Apenas o sol pressionando contra as cortinas me deixava saber que era dia e não noite.
Havia manchas vermelhas em meu corpo como queimaduras, toquei em uma delas delicadamente e doeu. Como diabos eu tinha conseguido aquelas queimaduras? Levantei a camisola até ver abaixo da linha do meu corpo, pelo menos até o meio da coxa, onde o peso do lençol deixava ver. Havia uma atadura logo abaixo a minha caixa torácica. Lembrei que o cadáver abriu a boca sobre minha pele enquanto me embalava delicadamente. Lembrei do momento em que ele se abaixou... Empurrei essa memória para longe. Eu pensaria nisso mais tarde, muito, muito mais tarde. Verifiquei meu ombro esquerdo, mas as marcas dos dentes já estavam cicatrizando.
Cicatrizando? Há quanto tempo eu estive fora do ar?
Um homem entrou na sala. Ele parecia familiar, mas eu não sabia quem era. Ele era alto com cabelos loiros e óculos de armação.
- Eu sou o Dr. Cunningham, e estou muito feliz em vê-la acordada.
- Eu também. - eu disse.
Ele sorriu e começou a me examinar. Usou uma pequena lanterna e me fez seguir a luz, o seu dedo, e ficou olhando nos meus olhos por um bom tempo e isso me preocupou.
- Eu tive uma concussão?
- Não. - ele disse. - Por quê? A sua cabeça dói?
- Um pouco, mas acho que é do incenso de sálvia.
Ele parecia envergonhado.
- Lamento, Sra. Blake, mas ela parecia pensar que tudo isso era muito importante e, sinceramente, para começar não sei por que você quase morreu, ou por que não continuou morta, eu a deixei fazer o que queria.
- Eu achei que o meu coração tinha parado. - eu disse.
Ele colocou o estetoscópio em suas orelhas e apertou-a contra meu peito.
- Tecnicamente sim. - Ele parou de falar para ouvir meu coração. Pediu-me para respirar profundamente algumas vezes, em seguida fez algumas anotações na prancheta no pé da minha cama. - Sim, seu coração parou, mas não sei por que. Nenhum dos seus ferimentos era grave para que isso acontecesse. - Ele sacudiu a cabeça e voltou a me examinar.
- Como queimei o meu peito?
- Nós usamos o desfibrilador para reanimar seu coração. Pode deixar queimaduras leves.
- Há quanto tempo estou aqui?
- Dois dias. Este é o seu terceiro dia com a gente.
Eu respirei fundo e tentei não entrar em pânico. Eu tinha perdido dois dias.
- Houve mais assassinatos?
O sorriso murchou em seu rosto deixando seus olhos ainda mais sérios do que estavam.
- Quer dizer os assassinatos com mutilação? - Concordei. - Não, não houve novos corpos.
Eu soltei o fôlego.
- Bom.
Ele estava carrancudo agora.
- Sem mais perguntas sobre a sua saúde? Apenas sobre os assassinatos?
- Você disse que não sabe por que eu quase morri, ou por que não continuei morta. Presumo que significa que Leonora Evans me salvou.
Ele parecia ainda mais desconfortável.
- Tudo o que sei é que uma vez que permiti que ela colocasse as mãos sobre você, sua pressão começou a voltar, o ritmo de seu coração firmou. - Ele balançou a cabeça. - Eu simplesmente não sei o que aconteceu, e se você soubesse o quanto é difícil para um médico, qualquer médico, admitir sua ignorância, ficaria muito mais impressionada em me ouvir dizer isso.
Eu sorri.
- Na verdade já estive em hospitais antes. Agradeço por me dizer a verdade e não tentar reivindicar o crédito pela minha recuperação milagrosa.
- Milagrosa é uma boa palavra para isso. - Ele tocou a cicatriz fina em meu antebraço direito. - Você tem uma verdadeira coleção de ferimentos de guerra, Sra. Blake. Eu acredito que você já conheceu vários hospitais.
- Sim.
Ele balançou a cabeça.
- Você tem o que, vinte e dois, vinte e três?
- Vinte e seis anos.
- Você parece mais jovem. - ele disse.
- Está sendo gentil. - eu disse.
- Não, não estou. Mas ter esses tipos de cicatrizes aos vinte e seis anos não é um bom sinal, Sra. Blake. Eu fiz a minha residência em uma área muito ruim de uma cidade grande. Costumavamos receber vários membros de gangues. Não sei se viveram até os vinte e seis anos, seus corpos pareciam o seu. Cicatrizes de faca... - Ele se debruçou sobre a cama e levantou a manga da camisola o suficiente para tocar a ferida de bala curada em meu braço. -... Ferimentos de bala. Tivemos até uma quadrilha de Metamorfos, as mesmas marcas de garras e mordidas, também.
- Você veio de Nova York. - eu disse.
Ele piscou.
- Como você sabe?
- É ilegal a licantropia propositadamente em menores, mesmo com sua permissão, por isso os líderes do grupo foram colocados sob sentença de morte. Mandaram as forças especiais, juntamente com o melhor de Nova York para limpar a área.
Ele balançou a cabeça.
- Deixei a cidade antes que fizessem isso, eu tratei um grupo dessas crianças. - Seus olhos estavam distantes com a lembrança. - Tivemos dois deles se transformando durante o tratamento. Então os tiraram do hospital. Ou você usa suas cores, ou é deixado para morrer.
- A maioria deles provavelmente sobreviveu assim mesmo, Dr. Cunningham. Se a ferida inicial não matá-los imediatamente provavelmente não morreram.
- Você está tentando me consolar? - ele perguntou.
- Talvez.
Ele olhou para mim.
- Então eu vou lhe dizer o que disse a todos eles. Saia. Saia desse tipo de trabalho ou não viverá para ver seus quarenta anos.
- Eu estava realmente querendo saber se chegaria aos trinta. - eu disse.
- Isso foi uma piada?
- Eu acho que sim.
- Você conhece o velho ditado que diz que mesmo brincando se fala a verdade?
- Não posso dizer que já tenha ouvido isso.
- Escute a si mesma, Sra. Blake. Leve em conta seu coração e encontre algo um pouco mais seguro para fazer.
- Se eu fosse um policial, você não estaria dizendo isso.
- Eu nunca tratei de um policial com tantas cicatrizes. O mais próximo que já vi além das gangues foi um marinheiro.
- E você disse a ele para sair do trabalho?
- A guerra acabou, Sra. Blake. O dever militar normal não é tão perigoso. - Ele olhou para mim de forma séria. Eu olhei para ele com meu rosto em branco, não mostrando nada. Ele suspirou. - Você vai fazer o que quer fazer, e não é da minha conta de qualquer maneira. - Ele virou e caminhou em direção à porta.
- Eu aprecio a sua preocupação, Doutor. Honestamente, eu agradeço.
Ele balançou a cabeça, uma mão de cada lado do seu estetoscópio como se fosse uma toalha.
- Você aprecia a minha preocupação, mas vai ignorar o meu conselho.
- Na verdade se eu sobreviver a este caso estou planejando tirar umas férias. O problema não é a taxa de acidentes Doutor. É a erosão da ética que está começando a chegar a mim.
Ele puxou o estetoscópio.
- Você está me dizendo que se eu acho que você está mal, eu deveria ver o outro cara?
Olhei para baixo.
- Eu executo pessoas, Dr.Cunningham. Não há nenhum corpo para olhar.
- Você quer dizer que executa vampiros? - ele perguntou.
- Era uma vez, é o que eu quis dizer.
Trocamos um longo olhar, então ele disse:
- Você está dizendo que mata seres humanos?
- Não, estou dizendo que não há tanta diferença entre vampiros e seres humanos como eu costumava dizer a mim mesmo.
- Dilema moral. - ele disse.
- Sim.
- Eu não invejo o seu problema, Sra. Blake, mas tente ficar fora da linha de fogo até descobrir a resposta para isso.
- Eu sempre tento ficar fora da linha de fogo, Doutor.
- Tente com mais vontade. - ele disse e saiu.
43
Edward entrou pela porta antes que fosse fechada. Ele estava usando uma daquelas camisas de manga curta com bolsos pequenos na frente. Se estivesse bronzeado, eu teria dito que parecia vestido para um safári, mas a camisa era preta, assim como o seu jeans e o cinto que rodeavam sua cintura estreita, até a fivela do cinto preto longo. O cinto de fivela correspondia ao coldre e a arma presa em seu peito. Um pedaço da camiseta branca aparecia através da camisa, mas o resto era todo preto. Isso fazia seus cabelos e olhos parecerem ainda mais pálidos. Era a primeira vez que eu o via sem o chapéu de cowboy fora de casa desde que cheguei.
- Se você está vestido para o meu funeral está muito casual. Se for apenas a roupa para andar na rua, então você deve estar assustando os turistas.
- Você está viva. Bom. - ele disse.
Eu dei-lhe um olhar.
- Muito engraçado.
- Eu não estava sendo engraçado.
Olhamos um para o outro.
- Por que está tão sério, Edward? Eu perguntei ao Doutor e ele disse que não houve mais crimes.
Ele balançou a cabeça e ficou ao pé da cama, perto do altar improvisado. Eu acabei olhando para baixo no comprimento da cama, mas era estranho. Encontrei o botão de controle com mão direita e levantei a cabeceira da cama lentamente. Estive em leitos hospitalares suficiente para saber onde estava.
- Não, não houve mais mortes. - ele disse.
- Então por que está com o rosto preocupado?
Eu estava prestando atenção ao meu corpo enquanto levantava a cama, esperando sentir as dores. E doía tudo, é o que acontece depois de ser jogada contra a parede. Meu peito estava machucado e não eram apenas as queimaduras. Parei quando estava sentada o suficiente para vê-lo sem esforço.
Ele deu um pequeno sorriso.
- Você quase morreu e pergunta o que está errado?
Eu levantei as sobrancelhas para ele.
- Eu não sabia que você se importava.
- Mais do que deveria.
Eu não sabia o que dizer sobre isso, mas tentei.
- Isso significa que você não vai me matar só por esporte?
Ele piscou e a emoção foi embora. Edward estava ali olhando para mim, o habitual vazio em seu rosto.
- Você sabe que eu só mato por dinheiro.
- Besteira. - eu disse. - Eu já vi você matar pessoas quando não estava recebendo um contracheque.
- Só quando estou com você.
Eu tentei bancar a durona, tentei por honestidade nas palavras.
- Você parece cansado, Edward.
Ele balançou a cabeça.
- E estou.
- Se não houve mais mortes, por que você parece tão abatido?
- Bernardo só saiu do hospital ontem.
Levantei as sobrancelhas.
- Ele está muito machucado?
- Braço quebrado, contusão. Ele vai sarar.
- Bom. - eu disse.
Havia ainda um ar de estranheza nele, mais do que o normal, como se ele não tivesse mais nada a dizer.
- Tem mais alguma coisa, Edward.
Seus olhos se estreitaram.
- O que você quer dizer?
- Tem alguma coisa te incomodado.
- Eu tentei ver Nicky Baco sem você ou Bernardo.
- Bernardo te falou sobre o encontro? - eu perguntei.
- Não, o seu amigo Detetive Ramirez me disse.
Isso me surpreendeu.
- A última vez que falei com ele, Ramirez insistiu em ir comigo se encontrar com Baco.
- Ele ainda quer ir, mas Baco não quer ver nenhum de nós. Ele insistiu em ver apenas você e Bernardo, ou pelo menos você tinha que estar lá.
- Você não está chateado só porque Nicky não dançou com você. - eu disse.
- Apenas me diga: você realmente precisa de Baco?
- Por quê?
- Basta responder a pergunta. - Eu conhecia Edward bem o suficiente para saber que ele não responderia a minha pergunta enquanto eu não respondesse a dele.
- Sim, eu preciso dele. Ele é um necromante, Edward, ou o que quer que seja é apenas uma forma de necromancia.
- Mas você é uma necromante melhor do que ele, mais forte.
- Talvez, mas eu não sei muita coisa sobre necromancia ritual. O que eu faço na verdade é mais voodu do que a necromancia tradicional.
Ele deu um sorriso ofuscante e balançou a cabeça.
- E o que é exatamente a necromancia tradicional, e como você está tão certa sobre a prática de Baco?
- Se ele fosse um animador, eu teria ouvido falar dele. Simplesmente não há muitos de nós. Assim, ele não levanta zumbis. Mas você e todos os outros na comunidade metafísica e em torno de Santa Fé dizem que Baco trabalha com os mortos.
- Eu só conheço sua reputação, Anita. Eu nunca o vi fazer merda nenhuma.
- Tudo bem, mas eu já o conheci. Ele não faz apenas voodu e feitiçaria. Vi o suficiente dele. Se ele não é um criador de zumbis ou um sacerdote voodu e as pessoas continuam a chamá-lo de necromante, é porque ele deve fazer o ritual de necromancia.
- O que é isso?- Edward perguntou.
- Para o meu conhecimento é invocar os espíritos dos mortos para fins de adivinhação ou ter as perguntas respondidas.
Edward balançou a cabeça.
- Baco tem que fazer mais do que invocar alguns fantasmas. As pessoas estão com medo dele.
- Teria sido legal você mencionar isso antes que eu o encontrasse. - eu disse.
Ele respirou profundamente, as mãos nos quadris sem olhar para mim.
- Eu fui descuidado.
Olhei para ele.
- Você pode ser muitas coisas, Edward, mas descuidado não é uma delas.
Ele balançou a cabeça e olhou para mim.
- Como competir?
Eu fiz uma careta para ele e disse:
- Nós vamos competir, mas o que isso tem a ver com Baco?
- Eu sabia que o bar era o ponto de encontro dos lobisomens locais.
Olhei para ele, apenas olhei para ele. Quando consegui falar eu disse:
- Você e essa merda de competição. Você deixou que eu e Bernardo andássemos por aí despreparados. Você poderia ter nos matado.
- Você não vai me perguntar por que deixei você andar as cegas?
- Deixe-me dar um palpite. Você queria ver como eu lidaria com a situação, talvez como Bernardo lidaria com isso, ou talvez ambos.
Ele balançou a cabeça.
- Foda-se, Edward. Isso não é um jogo.
- Eu sei.
- Não, você não sabe. Você escondeu as coisas em mim desde o momento em que desci do avião. Você está testando os meus nervos para ver se é melhor que o seu. É tão egocêntrico, individualista... - eu me esforcei para encontrar a palavra certa -... Como um narcisista.
- Sinto muito. - ele disse, e sua voz era suave.
O pedido de desculpas me parou, drenando alguns pontos de indignação.
- Eu nunca ouvi você se desculpar por nada, Edward, nem para ninguém.
- Já faz muito tempo desde que eu disse que estava arrependido a alguém.
- Isso significa que os jogos acabaram, e vai deixar de tentar ver quem é o melhor?
Ele balançou a cabeça.
- É isso mesmo.
Eu continuei olhando para ele.
- É só por causa de Donna, ou algo mais abrandou seu coração?
- O que você quer dizer?
- Se você não parar com toda esta merda sentimental, vou começar a pensar que você é apenas um mero mortal como o resto de nós.
Ele sorriu.
- E falando dos imortais. - ele disse.
- Nós não fomos.
- Estou mudando de assunto. - disse ele.
- Ok.
- Se isto realmente é um monstro asteca, então é muita coincidência que a Mestra da Cidade, que também é asteca, não saiba nada sobre o que está acontecendo.
- Nós já conversamos com ela, Edward.
- Você acha que um vampiro, mesmo um vampiro mestre, poderia fazer todas as coisas que nós vimos?
Eu pensei sobre isso, mas finalmente disse:
- Não se usar apenas seus poderes de vampiro, mas se ela fosse uma espécie de feiticeira asteca em vida, poderia manter seus poderes após a morte. Eu não sei muito sobre magia asteca. Ela é diferente de qualquer outro vampiro que já conheci. Isso pode significar que ela era uma feiticeira em vida.
- Eu acho que você precisa vê-la novamente.
- E perguntar se está envolvida no assassinato e mutilação de umas vinte pessoas?
Ele sorriu.
- Algo assim.
Concordei.
- Tudo bem. Quando eu sair do hospital, uma visita à central dos vampiros vai estar na minha lista.
O rosto dele ficou muito branco.
- O que foi, Edward?
- Você realmente precisa de Baco?
- Senti a criatura assim que cheguei à cidade. Ele me sentiu também e se fechou. Baco pode perceber também, e tem medo dele. Então sim, eu quero falar com ele.
- Você não acha que ele pode estar por trás disso?
- Eu senti o poder dessa coisa. Baco é poderoso, mas não é tão poderoso. O que quer que essa coisa seja, não é humano.
Ele suspirou.
- Certo. - ele disse que como se tivesse tomado uma decisão. - Baco diz que você tem que se encontrar com ele antes das dez da manhã ou não precisa se incomodar em ir até lá.
Eu procurei no quarto até que encontrei o relógio na parede, eram oito horas.
- Merda. - eu disse.
- O médico diz que você precisa de pelo menos outras vinte e quatro horas aqui. Leonora Evans disse que se o monstro tenta de novo, você não vai escapar.
- Você já fez seu ponto. - eu disse.
- Eu tinha que dizer.
Eu estava começando a ficar chateada.
- Eu não preciso que você me proteja, Edward. Pensei que você soubesse disso melhor que os outros.
- Você tem certeza que está pronta para isso?
Eu quase disse que sim, mas estava tão cansada. Era um cansaço nos ossos que não tinha nada a ver com a falta de sono. Eu estava ferida além das contusões e cortes que eu podia sentir.
- Não. - eu disse.
Ele piscou.
- Você deve se sentir uma merda para admitir isso.
- Eu já me senti melhor, mas Baco está assustado com alguma coisa. Se ele disse para encontrá-lo às dez da manhã, então vamos encontrá-lo. Talvez o monstro esteja chegando para buscá-lo hoje. Não podemos perder essa, não é?
- Eu trouxe uma mochila com roupas limpas para você. Cortaram seu coldre de ombro e a bainha de coluna na sala de emergência.
- Merda. - eu disse. - a bainha de coluna foi um trabalho personalizado.
Ele deu de ombros.
- Você pode encomendar um novo.
Ele foi até a porta e saiu por um momento, depois voltou com uma pequena mochila. Ele deu a volta na cama parando na cadeira que Leonora estava. O outro lado da cama estava um pouco lotado.
Ele abriu e começou a tirar a roupa para fora, colocou as roupas em uma pilha: jeans preto, camisa pólo preta, meias pretas, até mesmo a calcinha e sutiã correspondiam ao tema.
- O que há com o esquema de cores fúnebres?
- A camisa pólo azul escura e calças jeans foram arrasadas. Tudo o que restou era preto, vermelho e roxo. Nós precisamos de algo escuro hoje, com autoridade.
- Por que você está todo de preto? - Eu estava olhando para sua camisa enquanto ele andava. Não era uma arma. Eu acho que não eram facas. O que estava sob sua camisa?
- O branco mostra o sangue.
- O que você tem embaixo de sua camisa Edward?
Ele sorriu e desabotoou os botões do meio. Ele tinha o que parecia ser um coldre preso em seu corpo, mas não era uma arma. Eram peças de metal grande demais para ser munição, e curiosamente moldadas no final. Pareciam pequenos dardos de metal...
- É algum tipo de jogo de facas?
Ele balançou a cabeça.
- Bernardo afirmou que você enfiou os dedos nos olhos de um dos cadáveres.
- Eu fiz isso duas vezes, e ele parecia sentir dor e ficar desorientado. Sinceramente eu acho que Bernardo não percebeu o que eu estava fazendo.
Ele sorriu e começou a abotoar a camisa.
- Não se deve subestimá-lo.
- Será que você realmente consegue atingir um olho jogando uma dessas coisas?
Ele pegou uma peça do coldre e jogou-o na parede com um único movimento da mão. Ele perfurou um dos desenhos minúsculos no papel de parede do quarto.
- Eu não posso bater com algo parecido com isso.
Ele recuperou a peça da parede, colocou no peito e caminhou de volta para mim.
- Você pode até ter seu próprio lança-chamas se quiser.
- Puxa, e nem sequer é Natal.
Ele sorriu.
- Não é Natal, é mais como a Páscoa.
Eu fiz uma careta para ele.
- Eu não entendi a referência da Páscoa.
- Você voltou dos mortos ou ninguém te contou isso?
Eu balancei minha cabeça.
- Contou o quê?
- Seu coração parou três vezes. Ramirez manteve-o batendo com massagem cardíaca até os médicos chegarem a você, mas eles a perderam. Você estava tendo à terceira parada quando Leonora Evans os convenceu a deixá-la tentar salvá-la com algumas velhas e boas crenças religiosas.
Meu coração estava batendo muito rápido, e de repente e eu podia jurar que até as minhas costelas doíam a cada batida.
- Você está tentando me assustar?
- Não, apenas explicando a referência da Páscoa. Sabe, Cristo ressuscitou dos mortos.
- Eu sei, eu sei. - De repente eu estava com medo e com raiva.
- Se você ainda acredita nele, é melhor acender uma vela ou duas. - ele disse.
- Vou pensar nisso. - eu disse, e minha voz soou defensiva até para mim.
Ele estava sorrindo novamente e eu estava começando a desconfiar de seu sorriso quase tanto quanto o resto dele.
- Ou talvez você deva falar com Leonora e perguntar para quem ela pediu ajuda para ter você de volta. Talvez você não precise ir à igreja, talvez você precise apenas abater algumas galinhas.
- Wiccans não matam coisas para aumentar o poder.
Ele deu de ombros.
- Desculpe, não ensinam religião comparativa ou metafísica na escola de assassinos.
- Você me assustou, me fez lembrar como eu estou ferida, e agora está zombando de mim, me provocando. Você vai me ajudar a levantar desta cama e satisfazer Baco ou não?
Seu rosto ficou sério, a última gota de humor escorreu como gelo em uma placa quente.
- Eu quero que você faça tudo o que precisa fazer, Anita. Eu pensei que queria pegar esse filho da puta a qualquer preço. - Ele tocou a minha mão direita que estava em cima do lençol. Ele não apertou, apenas tocou e em seguida se afastou. - Eu estava errado. Algumas coisas eu não estou disposto a pagar.
Antes que eu pudesse pensar em algo para dizer, ele se virou e saiu. Eu não tinha certeza o que estava me confundindo mais: este caso, ou o novo e mais emocional Edward. Olhei para o relógio. Merda. Eu tinha uma hora e quarenta minutos para me vestir, sair do hospital contra as ordens do médico, e me dirigir para Los Duendos. Eu aposto que argumentar com o Dr. Cunningham demoraria mais do que qualquer um dos outros dois.
44
Apertei o botão para levantar a cama lentamente. Quanto mais eu tentava sentar, mais me machucava. Meu peito doía como se os músculos ao redor das minhas costelas tivessem se esforçado demais. Os cortes nas minhas costas não gostaram que eu estivesse sentada, e provavelmente gostariam ainda menos se eu caminhasse. Havia uma certa rigidez na pele, como um sapato amarrado com muita força, isso dizia que eu tinha pontos nas costas. E doeriam um bocado quando eu me movesse. Eu queria saber quantos pontos, parecia um monte.
Quando consegui ficar sentada esperei alguns segundos para ouvir o meu corpo reclamar. Geralmente não sinto todo esse sofrimento até o final de um caso. Eu não tinha sequer visto o monstro na minha frente ainda. Supostamente ele quase me matou a uma agradável distância segura.
Isso me fez pensar que por alguns minutos eu quase morri. Parece que eu deveria ter uns dias de folga antes de ter que rastejar de volta para as trincheiras.
Mas o crime e a maré não esperam por mulheres, ou algo parecido. Admito que cheguei a pensar em deixar que outro bancasse o herói, mas no momento em que pensei seriamente no assunto me lembrei do berçário e dos berços salpicados de sangue. Eu não podia simplesmente ficar ali e confiar que todos trabalhariam sem mim. Eu apenas não poderia fazê-lo.
Eu estava tirando a camisola dos meus braços quando percebi que não poderia apenas arrancar os eletrodos pegajosos que me ligavam ao monitor cardíaco. Simplesmente arrancá-los daria ao pessoal do hospital muita emoção.
Finalmente apertei o botão que chamava a enfermeira. Eu tinha que ficar desconectada de todos os aparelhos e máquinas.
A enfermeira veio quase imediatamente, o que quer dizer que nesse hospital havia mais enfermeiros na equipe de funcionários do que na maioria dos hospitais, ou eu estava realmente machucada e eles estavam prestando atenção extra em mim. Eu estava esperando por um excedente de enfermeiros, mas não estava apostando nisso.
A enfermeira era menor do que eu, muito pequena, com cabelos loiros cortados curtos. Seu sorriso profissional murchou quando me viu sentada obviamente tirando a camisola.
- O que você está fazendo, Sra. Blake?
- Eu vou me vestir. - eu disse.
Ela balançou a cabeça.
- Eu acho que não.
- Olha, eu prefiro que você me ajude a tirar todos esses tubos e fios, porque eu vou tirar de qualquer jeito.
- Eu vou chamar o Dr. Cunningham. - Ela virou e saiu.
- Faça isso. - eu disse para a sala vazia.
Peguei os poucos fios anexados aos eletrodos e puxei. Parecia que eu tinha puxado um pedaço da pele fora com eles, senti uma dor afiada. Ouvi o grito agudo da máquina e as pessoas saberiam que meu coração já não estava batendo na outra extremidade dos fios. O som me lembrou o incômodo alarme de incêndio, embora fosse muito menos ofensivo.
Os eletrodos tinham deixado grandes vergões na minha pele, mas eles não eram tão grandes como a dor que causavam. O Dr. Cunningham entrou pela porta enquanto eu ainda estava tentando tirar a fita que prendia a agulha intra-venosa em minha pele. Ele virou e desligou o aparelho do monitor cardíaco.
- O que você acha que está fazendo? - ele perguntou.
- Estou me vestindo.
- O diabo que está.
Eu olhei para o rosto enfurecido e não tinha nenhuma raiva para jogar de volta para ele. Eu estava muito cansada e muito ferida para desperdiçar energia com qualquer coisa além de levantar e sair dessa cama.
- Eu tenho que ir, Doutor. - Fiquei mexendo na fita e não estava fazendo muito progresso. Eu precisava de uma faca. - Onde estão minhas armas?
Ele ignorou a pergunta e fez outra.
- Onde você precisa ir para sair dessa cama tão ferida desse jeito?
- Preciso voltar ao trabalho.
- A polícia pode lidar com a situação por alguns dias, Sra. Blake.
- Algumas pessoas só falarão comigo e não com a polícia. - Eu comecei a puxar uma ponta da fita para cima.
- Seus amigos estão no corredor, podem falar com eles.
O Doutor Cunningham percebeu que Edward e companhia eram os tipos de homens que pessoas que evitaram a polícia poderiam falar.
- Essa pessoa não vai falar com ninguém além de mim. - Eu finalmente parei de puxar a fita. - Pode fazer o favor de tirar isso?
Ele respirou profundamente para discutir, penso eu, mas o que ele disse foi:
- Eu vou ajudá-la se você me deixar te mostrar uma coisa primeiro.
Devo ter olhado como suspeita, mas concordei.
- Eu volto já. - e saiu da sala.
Todos pareciam estar fazendo isso hoje. Ele se foi tempo suficiente para que Edward entrasse e visse o que estava acontecendo. Eu levantei o braço e ele tirou um canivete do bolso. A lâmina cortou a fita como papel. Edward sempre cuidou bem de suas ferramentas.
Eu ainda tinha que tirar a fita do meu braço, e a agulha tinha que sair, não podemos esquecer isso.
- Eu posso tirar isso rápido se você quiser. - Edward disse.
Concordei, e ele arrancou a fita do meu braço junto com a agulha.
- Ai!
Ele sorriu.
- Covarde.
- Sociopata.
O Doutor Cunningham entrou carregando um espelho de mão. Seu olhar foi de Edward para o meu braço agora livre. Não era um olhar amigável.
- Você poderia se afastar por um momento, Sr. Forrester?
- Você é o médico. - Edward disse voltando para o pé da cama.
- Que bom que você se lembra disso. - disse o Dr. Cunningham. Ele colocou o espelho na frente do meu rosto.
Olhei assustada, meus olhos estavam muito grandes e tão escuros que pareciam pretos. Eu sou naturalmente pálida, mas minha pele estava branca como um fantasma, um marfim transparente. E isso deixava meus olhos ainda mais escuros que o normal, ou talvez fosse à contusão.
Eu sabia que meu rosto estava ferido, e sabia o motivo. Ser jogada duramente contra uma parede deve deixar uma marca.
A contusão ia da beira da minha bochecha logo abaixo do olho até a mandíbula logo abaixo da orelha. Minha pele parecia um arco-íris roxo-negro com um núcleo de pele vermelha. Era uma dessas contusões realmente profundas que provavelmente nem sequer tinham mostrado muito de sua cor ainda, ela passaria por todas as mudanças de cor uma vez que iniciado. Eu tinha tons de verde, amarelo e marrom. Se não tivesse as três marcas de vampiro em mim, estaria pelo menos com uma mandíbula quebrada, ou talvez um pescoço quebrado.
Havia momentos em que eu daria praticamente tudo para estar livre das marcas, mas olhando para o ferimento, sabendo que me curei mais rápido que o normal para uma humana e ainda parecia tão ruim, não era um deles. Eu estava grata por estar viva.
Eu disse uma breve oração em silêncio enquanto olhava para meu rosto.
- Obrigada querido Deus, por não estar morta. - e disse em voz alta - Isso é repugnante. - entreguei o espelho para o médico.
Ele franziu a testa, obviamente não foi a reação que ele queria.
- Você levou mais de quarenta pontos.
Meus olhos se arregalaram antes que eu pudesse impedi-los.
- Puxa, isso é um recorde até mesmo para mim.
- Isso não é uma piada, Sra. Blake.
- Mas pode muito bem ser engraçado, Doutor.
- Se você começar a se mover vai acabar abrindo os pontos. Se tomar cuidado a cicatriz não ficará tão ruim, mas se começar a se mover...
Suspirei.
- Essa cicatriz vai ter muita companhia, Doutor.
Ele ficou lá balançando a cabeça lentamente, o rosto definido em linhas duras.
- Nada do que eu possa dizer vai fazer alguma diferença, não é?
- Não. - eu disse.
- Você é uma idiota. - ele disse.
- Se eu ficar aqui até me curar, o que vou dizer a mim mesma quando estiver olhando para a próxima rodada de corpos?
- Salvar o mundo não é o seu trabalho, Sra. Blake.
- Eu não sou tão ambiciosa. - eu disse. - Estou apenas tentando salvar algumas vidas.
- E você realmente acredita que só você pode resolver este caso?
- Não, mas eu sei que sou a única com quem... Esse homem vai falar.
Eu quase disse o nome de Nicky Baco, mas eu não queria que o Dr. Cunningham chamasse a polícia e falasse para onde estávamos indo. Não que ele fosse fazer isso, mas é melhor prevenir do que remediar.
- Eu te disse que ajudaria se você olhasse seus ferimentos e mantenho a minha palavra.
- Eu aprecio isso em uma pessoa, Dr. Cunningham. Obrigada.
- Não me agradeça Sra. Blake. Não me agradeça. - Ele olhou para o altar improvisado e para Edward por um breve minuto como se estivesse desconfortável. - Vou enviar uma enfermeira para ajudá-la a se vestir, pois você vai precisar de ajuda. - Ele saiu antes que eu pudesse agradecer novamente.
Edward permaneceu até que a enfermeira chegou. Era uma enfermeira diferente, alta, morena. Percebi que ela estava mais assustada com meus ferimentos do que o politicamente correto, e quando me ajudou a tirar a camisola ela deu um silvo baixo nas minhas costas. Isso foi pouco profissional e antiético. Normalmente eles ficavam sem expressão quando vêem esse tipo de ferimento.
- Você nunca será capaz de usar um sutiã com esses pontos. - ela disse.
Suspirei. Eu odiava ficar sem sutiã, isso sempre fazia me sentir despida não importa o que eu estivesse usando. - Vamos começar com a camisa.
Ela segurou e me ajudou a encaixá-la sobre minha cabeça. Coloquei os braços através das mangas e a dor nas costas foi aguda e imediata como se a pele fosse rasgar, parei rapidamente. Eu me perguntei se sentiria essa dor se o Dr. Cunningham não tivesse me avisado sobre os pontos. Eu teria encolhido os ombros se não tivesse certeza que fosse doer.
- Eu normalmente trabalho no berçário. - disse a enfermeira enquanto me ajudava a endireitar a camisa abotoando os dois primeiros botões.
Olhei para ela e não sabia o que dizer, mas eu não precisava me preocupar. Ela sabia.
- Eles me chamaram para a... limpeza depois que você destruiu o monstro.
Ela me ajudou a sentar na beira da cama e parei por alguns segundos com as pernas balançando para fora, deixando meu corpo se ajustar ao fato de que estávamos nos vestindo.
- Sinto muito que você tivesse que ver isso. - eu disse por que tinha de dizer alguma coisa, não era confortável ouvi-la dizendo que eu tinha "destruído" o monstro. Ele fez soar muito heróico, e parecia desesperada. Desespero é a verdadeira mãe da invenção, pelo menos para mim. Ela começou a me ajudar com a calcinha preta, mas eu peguei de sua mão. Se eu não conseguia nem colocar na minha própria roupa, estava em sérios apuros.
Eu precisava saber se tudo estava doendo, isso diminuiria a minha vontade a ser heróica.
Comecei simplesmente a dobrar a cintura, mas simplesmente não era assim tão fácil. Abaixei um pouco de cada vez e ainda estava longe do ideal.
- Deixe-me ajudá-la a erguer as pernas, assim você não precisa se dobrar tanto. - disse a enfermeira.
Eu finalmente deixei, e mesmo levantando a perna senti uma dor. Debrucei-me contra a cama e nem sequer discuti quando ela inclinou-se para colocar minhas meias. Ela nunca alegou que eu estava muito mal. Era muito óbvio para discutir sobre isso.
- Eu trabalhei com Vicki por dois anos. Era o primeiro emprego Meg.
Seus olhos estavam secos e eu observei os círculos escuros como se ela não tivesse dormido muito nos últimos três dias.
Lembrei do corpo que havia bloqueado a porta do berçário, e a enfermeira que tinha sido atirada pela janela. Vicki e Meg, embora provavelmente eu nunca saberia quem era quem, não que isso importasse. Elas estavam mortas e não importava mais, e a enfermeira me ajudando a vestir a calça jeans parecia muito frágil para perguntas. Meu trabalho era ouvir, incentivar e fazer ruídos quando necessário.
Eu escorreguei o jeans por cima da minha bunda sem ajuda e fechei o zíper. Os bicos dos seios estavam olhando para cima. Eu tentei arrumar a camisa sobre a calça como de hábito, mas isso exigiu mais movimento do que eu pensava.
Além disso, fora da calça meu estado de topless seria um pouco menos perceptível. Eu era realmente muito bem dotada para ir sem nada por baixo, mas a minha modéstia não valia a pena a dor, não hoje.
- Toda vez que fecho meus olhos eu vejo os bebês. - Ela estava ajoelhada com um dos meus tênis nas mãos quando olhou para cima. - Eu fico pensando que deveria sonhar com meus amigos, mas eu só vejo os bebês, seus corpinhos, e eles choram. Toda vez que fecho meus olhos ouço os bebês gritando. Eu não estava lá, mas eu ouço todas as noites.
As lágrimas finalmente deslizaram silenciosamente pelo seu rosto como se ela não soubesse que estava chorando. Ela deslizou o tênis no meu pé e olhou para baixo prestando atenção ao que estava fazendo.
- Procure um padre ou um sacerdote ou quem você confia. - eu disse. - Você vai precisar de ajuda.
Ela colocou meu outro calçado e olhou para mim, as lágrimas secando em faixas pelo rosto pálido.
- Ouvi dizer que é algum tipo de bruxa que está levantando esses corpos, levando-os a atacar as pessoas.
- Não é uma bruxa. - eu disse. - O que está por trás de tudo isso não é humano.
Ela colocou o calçado carrancuda.
- É imortal como um vampiro?
Eu não fiz a minha palestra habitual sobre como vampiros não são imortais, apenas difíceis de matar. Ela não precisava de uma palestra especial.
- Eu ainda não sei.
Ela amarrou o tênis não muito apertado, como se fizesse isso regularmente, olhou para mim com aqueles estranhos olhos vazios, as marcas das lágrimas ainda visíveis em seu rosto.
- Se ele não for imortal, mate-o.
Seu rosto mostrava a confiança absoluta que normalmente é reservada para as crianças pequenas ou pessoas que não estavam completamente lá. Não houve questionamento em seus olhos chocados, não havia dúvida em seu rosto pálido. Eu respondi a sua confiança. A realidade poderia esperar até que ela estivesse pronta para ela. Eu disse o que ela precisava ouvir.
- Se ele puder morrer, eu vou matá-lo.
Eu disse isso porque ela precisava ouvir. Eu disse isso porque depois de ver o que ele podia fazer, esse era o plano. Talvez fosse todo o plano. Conhecendo Edward ele provavelmente pensava o mesmo. Ele disse que resolveria o caso, e quando ele dizia isso, geralmente quer dizer que iria matá-lo, matar todos. Como plano já ouvi piores. Era como uma forma de vida que carecia de certo romance. Como forma de manter vivo, era quase perfeito. Como forma de manter intacta a sua alma, era horrível. Mas eu estava disposta a trocar um pedaço da minha alma para parar esta coisa. Talvez esse fosse o meu maior problema. Eu estava sempre disposta a comprometer a minha alma para impedir um monstro. Mas sempre parecia haver outro monstro na estrada, não importa quantas vezes eu salvasse o dia e destruísse o monstro, sempre havia outro, e sempre haveria. O fornecimento de monstros era ilimitado, eu não era. As partes de mim que eu estava usando até matar os monstros era finita, e uma vez eu usei tudo isso, não haveria como voltar atrás. Eu seria arrastada como Edward. Eu poderia salvar o mundo e me perder.
E olhando para o rosto daquela mulher, vendo a fé perfeita encher os olhos perdidos, eu não tinha certeza de que o negócio era bom, mas eu tinha certeza de uma coisa. Eu não poderia dizer não. Eu não poderia deixar os monstros vencerem, nem mesmo se isso significasse me tornar um deles. Deus me perdoe se fosse arrogância. Deus me proteja se não fosse. Eu me levantei da cama e foi em busca dos monstros.
45
Eu estava sentada no banco da frente do Hummer de Edward segurando-me rígida e cuidadosa para um alegre passeio. Bernardo e Olaf estavam no banco de trás vestidos como assassinos chiques. Bernardo usava um colete de couro.
Seu look parecia muito branco e desajeitado, o braço direito em um ângulo de quarenta e cinco graus, uma pulseira branca passando do braço em volta do pescoço dele. Seus longos cabelos estavam presos em um vago estilo oriental, com um grande nó frouxo com o que parecia dois pauzinhos dourados. Ele prendeu as laterais de seu cabelo, mas deixou a maior parte livre balançando em suas costas. Jeans preto rasgado nos joelhos e as botas pretas desgastadas. Mas quem era eu para reclamar? Eu tinha três pares de Nikes pretos, e tinha trazido os três comigo.
Havia um ferimento inchado em sua testa e escoriações como um padrão de tatuagens de arte moderna de um lado do rosto. Seu olho direito ainda estava inchado, mas ele não estava tão pálido ou tão mal como eu. Na verdade, se você pudesse ignorar as inúmeras contusões seu olhar era elegante. Esperava que ele se sentisse melhor do que demonstrava, porque eu parecia uma merda e me sentia pior.
- Quem arrumou o seu cabelo? - Eu perguntei por que com apenas um braço bom, eu sabia que não tinha sido ele.
- Olaf. - ele disse, e era uma palavra muito branda e muito vazia.
Arregalei meus olhos e olhei para Olaf.
Ele estava sentado ao lado de Bernardo e atrás de Edward, tão longe de mim quanto conseguia. Ele não falou uma palavra para mim desde que saí do quarto do hospital e caminhamos para o carro. Isso não tinha me incomodado no momento porque eu estava muito ocupada tentando andar sem fazer pequenos ruídos de dor quando respirava.
Choramingar enquanto você anda sempre é um mau sinal, mas agora eu estava sentada e tão confortável como podia por algum tempo. Eu também estava em um momento extremamente ruim porque estava com medo. Sentia-me fisicamente fraca e não queria uma briga. Psiquicamente meus escudos duramente conquistados estavam uma porcaria de novo e cheio de buracos, e se o "mestre" cruzasse comigo novamente, eu estaria numa merda muito profunda.
Leonora Evans tinha me dado um cordão de seda com um saco nele. O saquinho era irregular e cheio de pequenos objetos duros que pareciam pedras e coisas secas que provavelmente eram ervas. Ela me disse para não abrir o saco porque deixaria todo o poder sair. Ela era uma bruxa, então fiz o que ela me disse.
O saco era um encanto de proteção e funcionaria mesmo que eu não acreditasse em seu poder. O que era bom porque exceto a minha cruz eu não acredito em muita coisa. Leonora vinha fazendo o encanto por três dias desde que me salvou na sala de emergência. Ela não tinha a intenção de curar os buracos nas minhas defesas, mas era tudo o que tinha para me proteger em tão pouco tempo. Ela estava quase tão zangada comigo como Dr. Cunningham por deixar o hospital tão cedo.
Ela tinha pegado um de seus próprios colares e colocado sobre minha cabeça, era um grande pedaço de pedra semi-preciosa polido de uma estranha cor dourada escura. Citrino de proteção para absorver a negatividade e ataques mágicos dirigidos a mim. Para dizer que eu não era uma grande crente em cristais da nova era fiz eufemismo e a peguei principalmente porque ela estava tão irritada e tão sinceramente preocupada comigo e minha aura sem defesa contra os monstros. Eu sabia que tinha buracos na minha aura, eu podia senti-los, mas era tudo apenas um pouco de Hocus-Pocus para mim.
Então me virei no meu assento sentindo os pontos em minhas costas repuxar adicionando um pouquinho mais de dor que eu já estava sentindo e olhei para Olaf. Ele estava olhando para fora da janela como se houvesse algo fascinante nas fileiras de pequenas casas daquele lado do carro.
- Olaf. - eu disse. - Ele não se mexeu, apenas observava a paisagem. - Olaf! - Era quase um grito dentro do carro. Seus ombros se contraíram, mas isso foi tudo. Era como se eu fosse algum tipo de inseto zumbindo em torno dele. Você pode abanar com a mão, mas não precisa falar com ele. - Isso me irritou. - Agora eu entendo por que você não gosta de mulheres. Você deveria apenas ter me dito que era homossexual, eu não me sentiria tão mal.
Edward disse baixinho:
- Jesus, Anita.
Olaf virou lentamente quase em câmara lenta, como se cada músculo do seu pescoço fossem puxando-o com pequenos empurrões.
- O que-você-disse?- Cada palavra estava cheia de raiva, quente, com ódio.
- Você fez um grande trabalho no cabelo de Bernardo, fez um penteado muito bonito.
Eu não acreditava em um estereótipo sexual particular, mas apostava que Olaf acreditava. Eu também apostava que ele era homofóbico, homens ultra-masculinos geralmente são.
Ele soltou o seu cinto de segurança com um clique perceptível e inclinou-se para frente. Puxei a Firestar para fora do coldre que estava no meu colo. A calça que Edward trouxe no hospital estava um pouco apertada para o meu coldre. Assisti a mão de Olaf desaparecer debaixo da jaqueta de couro preta. Talvez ele não tivesse entendido o movimento quando empunhei a arma. Talvez ele esperasse que eu levantasse a arma e mirasse na parte de trás do carro. Apontei a arma entre o pequeno espaço entre os assentos. Não era um ângulo perfeito, mas eu tinha a minha arma apontada em primeiro e isso conta em uma luta armada. Ele puxou a arma debaixo do casaco, mas não apontou para mim. Se eu pretendesse matá-lo teria conseguido. Edward pisou nos freios. Olaf bateu no banco da frente, a arma em um ângulo ruim torcendo seu pulso para trás. Ele não estava usando o cinto de segurança e foi jogado contra o assento. Minha respiração saiu em um suspiro acentuado. O rosto de Olaf acabou muito perto do espaço entre os bancos e viu o cano da arma apontada para seu peito. Tudo em mim estava doendo e senti minha pele se contorcer com a necessidade de me virar, mas mantive minha mão apertada ao redor da arma usando a outra mão livre para me apoiar e ter certeza que não ia se mexer.
O Hummer derrapou até parar contra a calçada. Edward soltou o seu cinto de segurança e estava girando em seu assento. Eu peguei o flash de uma arma em sua mão e tive um segundo para decidir se apontava a arma de Olaf ou para Edward, ou manteria a arma onde estava. Eu mantive a arma em Olaf, acho que Edward não atiraria em mim, Olaf sim.
Edward empurrou o cano de sua arma contra a parte de trás da cabeça careca de Olaf. O nível de tensão dentro do carro disparou. Edward ficou de joelhos com a arma na cabeça de Olaf e eu podia ver o medo em seus olhos. Olhamos um para o outro e eu vi que ele estava com medo, ele acreditava que Edward puxaria o gatilho. Edward sempre tinha uma razão para puxar o gatilho, mesmo que fosse apenas por dinheiro.
Eu senti a tensão de Bernardo no banco tentando se afastar da bagunça que estava prestes a acontecer no carro.
- Você quer me matar? - Edward perguntou. Sua voz era calma e vazia como se ele tivesse pedido "me passe o sal". Eu poderia deixar minha voz vazia e desinteressada, mas não como ele. Eu nunca poderia ser imparcial, não dessa maneira.
- Não. - eu disse automaticamente, em seguida, acrescentei. - Não deste jeito.
Algo passou através dos olhos do Olaf. Não era medo. Era mais como surpresa. Surpresa por eu não ter dito, "sim, mate-o", ou surpresa por outra coisa que eu não podia entender. Quem saberia?
Edward pegou a arma da mão de Olaf, em seguida acionou a trava de segurança da própria arma e recostou-se ainda de joelhos no banco do motorista.
- Então pare de provocá-lo, Anita.
Olaf recostou no banco devagar quase duro como se tivesse medo de avançar muito rapidamente. Nada como ter uma arma na sua cabeça para ensinar-lhe cautela. Ele colocou suas mãos embaixo da jaqueta de couro que ainda parecia muito para vestir no calor.
- Eu não devo a minha vida a qualquer mulher. - Sua voz era fraca, mas clara.
Eu recolhi a Firestar de volta entre os assentos e disse:
- Coerência é o fantasma das mentes pequenas, Olaf.
Ele franziu a testa para mim, talvez não tenha entendido a citação. Edward olhou para nós dois e balançou a cabeça.
- Vocês estão com tanto medo que fazem coisas estúpidas.
- Eu não estou com medo. - disse Olaf.
- Igualmente. - eu disse.
Ele franziu a testa para mim.
- Você se arrastou de uma cama de hospital, claro que está com medo, eu imagino se da próxima vez que você se encontrar com o monstro será a última.
Olhei para ele e não era um olhar amigável.
- Então você comprou uma briga com Olaf porque você prefere lutar com ele do que ficar com medo. - Edward disse.
- Assim como toda mulher irracional. - disse Olaf.
Edward virou-se para o grande homem.
- E você, Olaf, está com medo de que Anita seja mais resistente do que você.
- Eu não estou!
- Você está quieto desde que vimos a bagunça no hospital. Desde que você ouviu o que Anita fez, do quanto se machucou e sobreviveu. Você está imaginando se ela é tão boa? Se ela é tão boa quanto você? Se ela é melhor?
- Ela é uma mulher. - disse Olaf, e sua voz era grossa com alguma emoção escura como se estivesse sufocando. - Ela não pode ser tão boa como eu. Ela não pode ser melhor do que eu. Isso não é possível.
- Não faça disso uma competição, Edward. - eu disse.
- Porque você vai perder. - disse Olaf.
- Eu não vou lutar no braço com você Olaf, mas vou parar de pegar no seu pé. Me desculpe.
Olaf piscou para mim como se não conseguisse acompanhar a conversa. Eu acho que não tinha extrapolado o seu Inglês, parecia que os circuitos de sua lógica estavam sobrecarregados.
- Eu não preciso de sua piedade.
Eu deixe de ser "ela" ou "uma mulher" a um pronome neutro. Já era um começo. - Não é piedade. Eu agi mal, Edward está certo. Estou com medo e lutar com você é uma boa distração.
Ele balançou a cabeça.
- Eu não entendo.
- Se serve de consolo, você me confunde também.
Edward sorriu, o sorriso de Ted.
- Agora se beijem e façam as pazes.
Nós dois franzimos a testa e falamos ao mesmo tempo,
- Não provoque!
- Eu não vou fazer isso!
- Bom. - Edward disse, ele olhou para a arma de Olaf em sua mão por um segundo, em seguida devolveu a ele fazendo contato com os olhos. - Eu preciso de sua ajuda, Olaf, você pode fazer isso?
Ele acenou com a cabeça uma vez e pegou a arma lentamente da mão de Edward.
- Serei o seu segurança até que esta criatura esteja morta, depois então vamos conversar.
Edward balançou a cabeça.
- Estou ansioso por isso.
Olhei para Bernardo, mas seu rosto não me disse nada, nada, exceto que estava em branco e vazio e confirmou o que eu estava pensando. Olaf tinha acabado de avisar a Edward que quando o caso estivesse terminado ele tentaria matá-lo. Edward tinha concordado com ele.
- Apenas uma grande família feliz. - eu disse para o silêncio pesado que enchia o carro.
Edward voltou para seu lugar e me deu um olhar de Ted.
- E como uma família feliz vamos lutar entre nós, mas temos a probabilidade de matar alguém de fora.
- Na verdade a grande maioria dos crimes são cometidos por pessoas mais próximas e queridos parentes de sangue.
- Ou cônjuge, não se esqueça do cônjuge. - Edward disse e colocou o carro em movimento puxando cuidadosamente para fora no tráfego esparso.
- Como eu disse, parentes próximos e queridos.
- Mas você disse parentes de sangue, e não há sangue entre marido e mulher.
- Partilhar ou não um líquido do corpo não importa. Matamos aqueles que estão mais próximo de nós.
- Nós não somos próximos. - disse Olaf.
- Não, não somos. - eu disse.
- Mas eu te odeio do mesmo jeito. - ele disse.
Falei sem me virar.
- Eu também odeio você.
- E eu que pensei que vocês dois nunca concordariam com nada. - Bernardo disse. Sua voz era alegre, brincando. Ninguém riu.
46
A porta pintada de preto do bar parecia cansado na luz solar da manhã. Você podia ver onde a tinta estava rachando e começando a descascar. A frente do bar parecia quase tão negligenciada como o resto da rua. Talvez Nicky Baco não tivesse tentado fechar os outros estabelecimentos, talvez tivesse sido um acidente. De pé no calor suave da manhã eu sentia algo que não tinha sentido durante a noite. Era como se a rua tivesse sido usada em algo místico, estava mais forte antes quando estive aqui procurando por Baco, era como se ele tivesse esvaziado a vitalidade da região, mas se isso fosse verdade, então ele não tinha tido energia suficiente para sustentá-lo. Ou talvez toda a negatividade finalmente estivesse voltando para casa, para a cama. A maioria dos sistemas de magia ou misticismo têm regras de conduta, coisas que você faz e as coisas que você não faz. Você quebra as regras por sua conta e risco. Os wiccanos chamam de lei tríplice: o que você faz aos outros volta para você três vezes. Os budistas chamam de karma, os cristãos chamam de responder por seus pecados. Eu chamo de tudo o que vai, volta. E realmente volta, você sabe.
Eu estava com a Firestar enfiada na frente da minha calça sem o coldre interno. Edward tinha me emprestado um coldre para a Browning e acabei colocando-a como se fosse um daqueles pistoleiros do oeste selvagem com duas armas cruzadas sobre meus quadris. Embora na verdade a camisa pólo preta fosse grande o suficiente para esconder as armas. Felizmente a maioria das camisas eram muito grandes para mim. Parecia desleixo, mas escondia as armas se você não estivesse perto demais. A camisa pólo era um pouco apertada para não revelar as saliências, embora Edward tivesse ponderado o suficiente para trazer a minha jaqueta preta que ajudaria a camuflar o volume. A última vez que estive aqui armada tinha o apoio da polícia, mas agora estávamos armados em um bar muito ilegal no Novo México. Estranhamente, não era uma grande preocupação, mas eu esperava que os policiais não escolhessem esse dia para uma invasão.
Eu tinha nos pulsos as bainhas com as facas. Ramirez tinha recolhido todas as minhas facas depois de todo aquele Inferno e dado a Edward, que tinha limpado e afiado cada uma delas. Deixei a faca grande no carro porque não tinha como escondê-la e carregá-la na mão é o que equivalia a uma pequena espada e pareceria um pouco agressivo demais.
Edward me deu até uma granada incendiária que enfiou no meu bolso. Ele ajudou a equilibrar o revólver no bolso do lado direito para que a jaqueta não balançasse enquanto eu andasse. A arma foi um presente dele também, embora eu tivesse trazido comigo de St. Louis. Não tinha certeza do que eu realmente precisava hoje, mas aprendi a nunca argumentar com Edward quando ele me dava uma arma. Se ele achava que eu poderia precisar, eu certamente a carregaria. Assustador o pensamento sobre a granada não é?
A um sinal discreto, Olaf se moveu e tentou abrir a porta do bar, estava trancada. Ele bateu duas vezes forte o suficiente para abalar a porta e ficou parado na frente dela. Eu diria que, depois olhar para o cano curto de uma arma, eu não poderia ficar na frente daquela porta, ou Olaf não tinha ouvido falar sobre a espingarda, ou não se importava. Talvez ele estivesse tentando ser "muy macho" para meu benefício ou talvez para o seu próprio. Se ele fosse mais seguro de si, então não se irritaria tão facilmente.
Mesmo estando do lado de fora, o som das fechaduras sendo abertas era alto. Bom, eram fechaduras sólidas apenas pelo som delas. A porta se abriu lentamente mostrando uma grossa fatia de escuridão como uma caverna pressionando contra o luz solar. A porta continuou abrindo lentamente como se tivesse seu próprio poder. Somente depois um grande braço musculoso apareceu estragando a ilusão.
Harpo estava na porta olhando para nós, os olhos ocultos por trás do mesmo pequeno óculos escuro que estava usando da primeira vez que o vi, porém ele tinha mudado de roupa. Estava usando um colete de brim aberto ao longo seu peito peludo. Ele mais parecia um urso do que um lobisomem, parecia um grande urso sonolento que acabou de sair da cama para abrir a porta. Até mesmo a sua energia sobrenatural parecia mais escura do que da última vez.
Ele bloqueou a porta e rosnou para nós.
- Somente Anita pode entrar, os outros não.
Troquei de lugar com Olaf para que pudesse enfrentar Harpo, ou Olaf estava sendo simpático ou percebeu que eu deveria estar na porta.
- Nicky disse que eu poderia trazer alguns amigos.
Harpo olhou para mim.
- Parece que você precisa de amigos melhores.
Eu não toquei a contusão, não ajudaria.
- Vamos apenas dizer que eu estava contando com a ajuda da polícia e eles chegaram atrasados.
O que era verdade, e eu ainda queria saber onde diabos Ramirez tinha ido enquanto eu estava brincando sozinha com o monstro.
Ele sorriu mostrando os caninos de lobo que brilharam através de sua barba. Definitivamente ele passava muito tempo na forma de lobo. Ouvi uma voz masculina murmurando do lado de dentro, Harpo se virou para olhar sobre o ombro gigantesco em direção a voz. Então ele se virou para mim e o sorriso tinha desaparecido.
- O chefe disse que você foi convidada, mas não os outros.
Eu dei um pequeno aceno com a cabeça porque um grande teria doído.
- Olha, Nicky me convidou. Ele disse que eu poderia trazer alguns amigos e eu trouxe. Cheguei aqui antes da porra das dez da manhã. Eu vim para falar sobre o nosso problema comum, e não ver um babaca segurando o pinto na porta.
- Mas eu ainda não estou brincando com o meu pinto. - Harpo disse colocando a mão na virilha. - Eu posso mostrar como é a brincadeira.
Eu levantei a mão.
- Muito bem, eu usei a palavra errada. Não vim até aqui para ser barrada na porta.
Ele ainda estava se esfregando, se tocando e tentando me irritar. E estava conseguindo. Eu não vim até aqui com mais de quarenta pontos nas costas para ver um lobisomem bater punheta antes que eu tivesse tomado o meu café.
- Estou cansada demais para esta merda. - eu disse.
Ele começou a mudar a linguagem do corpo sorrindo para mim. Levantei minha voz para que fosse ouvida dentro do bar.
- Eu não vou a lugar nenhum sem os meus amigos. Se você está esperando que eu faça isso, então estamos perdendo o tempo um do outro. - Não houve resposta do lado de dentro, Harpo continuava com o seu show. Eu tinha visto o suficiente. - Quando o monstro sugar sua vida, Nicky, não se preocupe, tenha um bom dia. - Virei para os meus amigos. - Eles não vão nos deixar ver Nicky.
Edward balançou a cabeça.
- Então vamos embora.
Ele fez um pequeno movimento e Bernardo e Olaf começaram a andar pela calçada. Edward ficou um pouco atrás de mim, acho que nós dois estávamos esperando que Harpo caísse no meu blefe. Exceto que era apenas parcialmente um blefe. Poderíamos ter forçado a nossa entrada com as armas, mas Nicky não falaria. Eu precisava de um diálogo, não um interrogatório.
Comecei a andar e Edward se manteve atrás de mim com um olho em nossas costas. Eu não estava flexível o suficiente para fazer muita coisa sem virar o corpo inteiro, além disso, eu confiava em Edward para cuidar da retaguarda.
Admito que senti uma certa tensão esperando Harpo nos pedir para voltar e conversar, mas não. Então continuei andando. Olaf e Bernardo estavam do lado do Hummer esperando por Edward para destravar as portas.
Estávamos realmente entrando no carro quando Harpo apareceu na calçada e começou a caminhar em nossa direção. Ele estava desarmado, mas não parecia feliz. Eu sentei no banco e fechei a porta.
- Ligue o carro.
Edward fez o que eu disse.
Harpo começou a correr para nós agitando os braços grandes. Alguns metamorfos correm como os seus animais, com toda a graça dada por Deus. Harpo não era um desses, ele corria desajeitadamente como se nunca tivesse feito isso, pelo menos não na forma humana. Isso me fez sorrir.
- Você só queria vê-lo correr. - Edward disse. - Isso foi mesquinho.
- Sim, é mesquinho, mas foi engraçado. - eu disse.
Ele pôs o carro em marcha e Harpo colocou-se em uma explosão de velocidade inábil. Ele chegou ao lado do carro quando Edward estava começando a se afastar. Na verdade ele bateu com uma grande mão na porta e Edward parou. Minha janela deslizou para baixo e eu olhei para Harpo, havia gotas de suor em seu peito nu. Sua respiração era muito dura e rápida.
- Porra. - ele disse.
- Você quer alguma coisa? - eu perguntei.
- O chefe disse que todos vocês podem entrar. - Ele estava encostado com as mãos contra o Hummer enquanto recuperava o fôlego.
- Ok. - eu disse.
Edward puxou o carro de volta para o meio-fio, saímos do carro e Harpo ainda não estava respirando direito.
- O exercício aeróbio é a chave para uma boa saúde cardiovascular. - eu disse docemente enquanto aguardávamos que ele começasse a andar para o bar.
- Foda-se.
Pensei em voltar para o Hummer, mas eu já estava nesse jogo a tanto tempo que estava disposta a continuar. Eu queria falar com Baco, mas só se estivesse acompanhada. Harpo tinha dito que eu poderia fazer as duas coisas. Eu consegui meu objetivo, qualquer outra coisa seria pura infantilidade. Eu estava me sentindo pequena, mas não tão mesquinha assim.
Quando ele se recuperou mais uma vez era o homem musculoso usando óculos de sol impassível. Ele caminhou de volta fazendo sua melhor impressão de uma montanha de carne se deslocando. Sua energia sobrenatural percorreu ao longo de minha pele. Apenas um sussurro de poder como se estivesse vazando sem significado para ele. O que provavelmente significava que estava chateado. Emoções fortes tornavam mais difícil manter toda essa energia vibrando dentro dele.
Nenhum de nós falou durante a curta caminhada de volta. Homens geralmente não são bons em pequenas conversas inúteis ou não vêem uma necessidade para isso, e eu estava muito ocupada concentrando-me em caminhar normalmente para perder tempo com bate-papo.
Harpo segurou a porta para nós, entrei e os outros me seguiram. Três dias atrás eu teria ficado nervosa ao entrar em um lugar escuro com a energia vibratória de lobisomens subindo como uma onda invisível, mas isso foi há três dias e não sobrou muito medo em mim. Meu corpo estava ferido, mas o resto de mim estava estranhamente entorpecido.
Talvez eu finalmente tenha cruzado a linha em que Edward parecia viver. Talvez eu nunca mais sentisse nada. Esse pensamento não me assustou, e eu sabia que estava em apuros.
47
Demorei um segundo para ajustar meus olhos no interior escuro, mas não foi meus olhos que me disseram que algo estava errado. Foi a pele da minha nuca que estava arrepiando, e não discuti. Eu tinha a mão sobre a Browning debaixo da camisa e não me importava se soubessem que eu estava carregando uma arma. Eles seriam tolos se pensassem que entraríamos ali desarmados. O clube do Los Lobos pode ter muitas falhas, mas idiotice não era uma delas.
Nicky Baco estava deitado no balcão com as mãos amarradas aos tornozelos para que as cordas formassem uma espécie de alça como se ele fosse algum tipo de bagagem de mão. Seu rosto estava sangrando e machucado e os ferimentos eram mais recentes que os meus.
Tirei a Browning para fora, eu me senti um pouco mais confortável quando vi os outros três segurando suas armas posicionadas como se cada um estivesse protegendo um canto da sala. Cada canto estava sendo monitorado, e gostando uns dos outros ou não, eu confiava que todos manteriam suas posições, até mesmo Olaf. Era bom ter certeza.
A minha parte da sala incluía o balcão com Nicky sobre ele, um homem alto e barbudo com cabelos compridos preso em um rabo de cavalo, dois lobos do tamanho de pôneis e o corpo de um homem olhando para o nada com a garganta cortada como uma segunda boca vermelha. Eu senti que a sala estava cheia de corpos aglomerados, a energia era grossa o suficiente para sufocar. Ouvi um barulho à direita e fiz três coisas quase simultaneamente. Apontei a Browning para o barulho, peguei a Firestar com a mão esquerda e apontei para o homem com o rabo de cavalo, e olhei subitamente na direção do barulho. Ainda bem que eu estava praticando tiro com a mão esquerda. O som pesado escorregou de volta para trás do balcão. Eu tinha que vigiar o balcão, era a minha área por assim dizer. Senti os outros se aproximando para o ataque como uma maré ao ponto de engolir todos nós. Poderíamos pegar alguns deles, haver mais de uma centena na sala e estaríamos mortos se atacassem de uma vez.
O medo apertou o meu estomago empurrando o coração na garganta, a dormência foi afugentada pela adrenalina e pelo cheiro almiscarado de lobos. Havia mais lobos do que apenas os dois na minha frente, eu podia sentir o cheiro deles. Meu estômago se contraiu novamente, mas não era de medo. A marca que me prendia a Richard e me prendia a seu bando estava viva novamente. E queimava no meu corpo como uma pequena chama à espera de ser alimentada para que pudesse crescer. Ótimo, maravilhoso. Eu me preocuparia com isso depois, agora precisava de toda a minha concentração.
O homem de rabo de cavalo apenas sorriu, mesmo no escuro seus olhos âmbar de lobo brilhavam, não era humano. Eu também sabia para quem estava olhando. Este era o Ulfric, o rei lobo. Ele ficou em um espaço vazio com a maior parte do bando reunida em volta da sala e seu poder sobrepunha à deles. Seu poder encheu o lado quase vazio da sala como uma carga de energia rastejante, como um trovão pouco antes da tempestade.
A tensão era grossa o suficiente para que eu tivesse que engolir antes de poder falar.
- Saudações, Ulfric do clã Los Lobos. Qual é o problema?
Ele jogou a cabeça para trás e riu com grande entusiasmo, um som bem-humorado que terminou com um grito que saiu de sua garganta humana e arrepiou minha espinha.
- Efeito legal, mas esta é uma investigação policial de assassinato e mutilação. Tenho certeza que você já ouviu falar sobre eles.
Ele virou seus surpreendentes olhos claros para mim.
- Eu ouvi.
- Então você sabe que não estamos investigando o seu bando.
Ele colocou a mão casualmente sobre Nicky que choramingou apesar de realmente não tê-lo machucado.
- Nicky é o meu vargamor. Se a polícia quer falar com ele, então devem me perguntar primeiro.
Ele sorriu e eu estava perto o suficiente para perceber que os dentes eram humanos, sem presas para um Ulfric.
- Desculpe. O único outro bando que conheci que tinha um vargamor não fazia questão que falasse primeiro com o Ulfric. Minhas desculpas pela intromissão.
Eu esperava que isso acabasse logo porque eu não podia manter a arma apontada por muito tempo. Eu tinha praticado com a mão esquerda, mas ainda era a minha mão fraca, e a mordida estava fazendo os músculos começarem a tremer. Eu tinha que baixar a mão rapidamente ou ela começaria a tremer.
- Se você fosse uma policial, então eu aceitaria seu pedido de desculpas. Estamos sempre prontos a ajudar a polícia. - Essa última frase trouxe uma onda de suspiros na casa cheia. - Mas eu não vejo nenhum polícia nesta sala.
- Eu sou Anita Blake. Sou uma executora de vampiros...
Ele me cortou.
- Eu sei quem você é. Eu sei o que você é.
Não gostei de suas palavras, isso me deixou nervosa.
- E o que eu sou?
- Você é a lupa do clã Roke Thronnos e veio até o meu clã para pedir ajuda, mas você não honrou a mim ou a minha lupa. Você entrou em minhas terras sem permissão. Você entrou em contato com meu vargamor sem falar comigo primeiro, e não nos deu nenhum tributo.
Seu poder cresceu com cada frase e parecia que eu ia me afogar, mas eu compreendia as regras agora. Eu o tinha insultado e ele tinha que acabar com esse insulto. Eu tentaria explicar, mas não tinha muita esperança que desse certo. Além disso, meu braço esquerdo estava ficando cansado. Inferno, assim como o braço direito. O que quer que esteja atrás do balcão se movida em um rolo enorme de movimentos e você pode sentir e ouvir. Parecia maior do que um lobisomem.
- Estou aqui para resolver um assunto policial. Não entrei em suas terras como a lupa o clã Roke Thronnos. Vim como Anita Blake, a executora, isso é tudo.
- Mas você entrou em contato com meu vargamor.
Ele bateu na coxa de Nicky e pareceu doer porque ele fechou os olhos e se contorceu com o toque se esticando tentando gritar.
- Eu não sabia que Nicky era seu vargamor até depois de conversar com ele. Ninguém me disse que este bar era o seu covil. Você é o Ulfric. Você pode cheirar que eu não estou mentindo.
Ele deu um pequeno aceno de cabeça.
- Você diz a verdade. - Ele olhou para o pequeno homem sobre o balcão e passou a mão sobre seu corpo como você faz com um cão, embora um cão normalmente não estremeça ou tenta se afastar. - Mas ele sabia que era meu vargamor. Nicky sabia que você era uma lupa de outro clã. Isso foi um tema quente por um tempo, uma lupa humana.
- Lupa muitas vezes é apenas outra palavra para a namorada do Ulfric. - eu disse.
Ele virou os olhos dourados para mim.
- Nicky concordou em ajudá-la sem me pedir, ou mesmo me contar sobre a sua visita. - Ele deu um rosnado baixo que estremeceu a minha pele. - Eu sou o Ulfric. E mando aqui.
Ele bateu em Nicky e o sangue fresco escorreu de seu nariz. Eu queria colocar um fim ao abuso apenas por princípio, mas não queria morrer por ele, então esperei e assisti Nicky Baco sangrar. Eu não gostei, mas deixei isso acontecer. Minha mão esquerda estava começando a ficar com cãibras. Eu precisava decidir se atirava ou guardava as armas. Ficar nessa posição estava colocando muita pressão nas minhas costas e peito.
- Anita. - Edward disse, e apenas o tom do meu próprio nome foi o suficiente. Ele estava calmamente me dizendo para me apressar.
- Olha Ulfric, eu não queria entrar em nenhuma disputa interna do seu bando. Estou apenas tentando fazer o meu trabalho. Tentando evitar que mais pessoas inocentes sejam mortas.
- Os seres humanos são divertidos. - ele disse. - O sexo e uma refeição e você nem precisa sair do seu carro. Mas-isso-não-a-torna-sua-rainha!
Quando ele terminou a última palavra já estava gritando. Uivos ecoaram da multidão chegando mais perto.
- Anita. - Edward disse, e desta vez havia mais que uma advertência em sua voz.
- Estou trabalhando nisso, Edward.
- Então trabalhe mais rápido. - ele disse.
- Você é um racista, Ulfric. - eu disse.
Ele olhou para mim.
- O que?
- Eu sou humana, então sou boa o suficiente para foder, boa o suficiente para matar, mas não boa o suficiente para ser igual a você só porque sou humana. Você é um grande lobo mal racista.
- Você chega a minhas terras pedindo ajuda do meu bando, não faz nenhuma homenagem a mim ou a minha lupa, e agora está me chamando de nomes?
Eu não sei se ele fez algum tipo de sinal psíquico ou se a sua raiva foi o suficiente, mas os dois lobos gigantes a seus pés começaram a se aproximar.
Minha mão esquerda estava começando a se agitar visivelmente. O que quer que estivesse por trás do balcão soava grande e bestial. Minha mão esquerda estava ameaçando tremer completamente, e eu precisava das duas.
- Você morre primeiro, Ulfric. - eu disse.
- O que? - ele meio que riu quando disse isso.
- A primeira coisa que saltar sobre qualquer um de nós, eu atiro em você. Não importa o que mais acontece hoje, você vai estar morto. É melhor mandar que seus dois lobos fiquem onde estão.
- Sua mão está tremendo muito, acho que você não consegue matar ninguém.
Foi a minha vez de rir.
- Você acha que minha mão está tremendo porque sinto remorso de pensar em atirar em você? Rapaz, você pegou a garota errada. Olhe para minha mão direita Ulfric, ela não está tremendo. Um cadáver ambulante mordeu há esquerda alguns dias atrás por isso estou um pouco insegura, mas confie em mim. Eu atiro no que vejo. - Normalmente eu faço contato visual com minha vítima quando quero que eles saibam que não estou blefando, mas eu estava dividida entre o Ulfric e seu bando. - Quantos de seus lobos você está disposto a sacrificar por orgulho ferido?
- Se lutarmos, Anita, você e seus amigos vão morrer.
- E você vai morrer, e alguns de seus amigos também, seria melhor evitarmos o massacre e você me dizer o que diabos quer de mim. Você sabe que estou dizendo a verdade, eu não sabia que estava pisando no seu calo. Eu não sabia que Nicky estava fazendo algum tipo de jogo pelas suas costas. Então me diga o que podemos fazer para minimizar a gafe social entre nós. Fale antes que a minha mão esquerda comece a ter espasmos e eu comece a atirar.
Ele estreitou os olhos e eu vi a inteligência por trás de toda a glória e orgulho. Poderia haver alguém em casa para negociar, se não tivesse morreríamos. Estávamos prestes a morrer não por causa do caso, mas porque fui à namorada de Richard por um tempo. Era uma razão estúpida para morrer.
- Um tributo, eu quero que a lupa do Clã Roke Thronnos me dê um tributo.
- Você quer dizer um presente? - eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Se for um bom presente, sim.
Se eu tivesse vindo para Albuquerque com Richard para tratar de assuntos pessoais gostaria de ter trazido uma prenda para o bando local. A prenda geralmente era um animal recém abatido, uma jóia para a lupa ou algo místico. Morte, jóias, ou magia. Eu não tinha nenhuma jóia comigo exceto o colar de Leonora, e não tinha certeza se ela protegeria outra pessoa além de mim. Pelo que sei poderia até ser prejudicial se fosse entregue. Eu não tinha informações suficientes. O encanto acabaria assim que tirasse do meu corpo.
Abaixei minha mão esquerda por três motivos. Primeiro: os músculos estavam se contraindo e eu não tinha cem por cento de certeza se poderia acertar qualquer coisa com ela. Segundo: eu não poderia continuar apontando as armas se não atirasse em ninguém. Terceiro: minha mão estava doendo.
- Você me dá sua palavra que se eu te der um presente adequado, todos nós sairemos em segurança?
- Você aceitaria a palavra de um ex-traficante de drogas e líder da gangue de motoqueiros?
- Não, mas aceitaria a palavra do Ulfric do Clã Spear Broken.
Havia regras e se ele quebrasse sua palavra como Ulfric perderia o posto. De qualquer maneira ele estava pisando em areia movediça, não importa o quão magicamente fosse poderoso, seu vargamor tinha contestado a sua autoridade. Ele não daria a sua palavra e a quebraria, não na frente de seu bando.
- Eu sou o Ulfric do Clã Spear Broken, e dou minha palavra que todos sairão em segurança se a sua prenda for digna.
Não gostei da maneira que ele falou.
- Eu não tive tempo de parar na Tiffany's e comprar algo para a sua Lupa. Não consegui caçar quando saí do hospital. Os policiais não vêem com bons olhos quando você atira em animais na cidade. A merda mística está além de mim hoje.
- Então você não tem nada digno. - ele disse, mas parecia confuso como se tivesse certeza que eu tinha um tributo de algum tipo.
- Deixe-me ver o que está atrás do balcão, então vou guardar as minhas armas e fazer o tributo.
Tentei guardar a Firestar, mas minha mão esquerda estava tremendo tanto que eu não conseguia levantar a camisa e deslizar a arma para dentro da calça. Eu precisava das duas mãos, o que significava que eu tinha que colocar a Browning no coldre.
- Feito. - ele disse. - Monstro, levante e cumprimente nossos convidados.
Uma carne pálida elevou-se acima do balcão como o surgimento de uma lua crescente, em seguida um rosto apareceu. Era um rosto de mulher com um olho duro e seco como uma múmia. Outros rostos apareceram como um colar de pérolas monstruoso, amarrados juntos com pedaços de corpos, braços, pernas, e um fio preto e grosso como pontos gigantesco segurando todos juntos, mantendo a magia. Ela levantou-se até ficar erguida contra o teto curvando-se como uma serpente gigante olhando para mim. Eu contei quarenta cabeças antes de perder a conta ou perder a coragem para contar mais.
Os lobisomens recuaram na sala como a maré recua para trás. Eles temiam a coisa. Eu não os culpava.
Ouvi Bernardo dizer.
- Caralho!
Olaf disse algo em alemão, o que significava que ele não estava prestando atenção a sua parte da sala. Apenas Edward permaneceu em silêncio e no seu posto sempre vigilante. Eu tenho que admitir que se os lobisomens atacassem enquanto aquela coisa rosa pairava acima de mim como uma cobra demente eu teria sido lenta. Era horror demais para dar espaço para qualquer outra coisa.
Eu tinha visto algo parecido antes, um monstro feito pela sacerdotisa mais poderosa que já conheci, mas o dela era formado de zumbis frescos e perfeitamente em conjunto em uma bola monstruosa de carne. Pura magia. Este era costurado como o monstro de Frankenstein, com pedaços de carne morta, secos e deliberadamente mumificados, ou após um efeito de magia.
Arrisquei olhar da coisa para Nicky Baco ainda deitado no balcão, amarrado, amordaçado e sangrando. Ouvi a minha voz como uma coisa distante:
- Por que Nicky? Você é mau, um menino muito mau.
Eu tinha feito uma piada, quando o que eu queria fazer era colocar minha arma em sua cabeça e mandá-lo para o inferno. Algumas coisas você não faz, algumas coisas você simplesmente não faz.
- Agora você sabe por que ele ainda está vivo. - disse o Ulfric.
- Muito poderoso para se livrar dele. - eu disse, a voz estranhamente vazia como se eu realmente não me concentrasse no que estava dizendo.
- Eu o uso como ameaça. Ele estendeu a sua magia em alguns lobos que se comportaram mal e foram transformados no que você está vendo, ele deu vida ao monstro. Meus lobos têm mais medo dele agora do que de mim.
Eu estava acenando com a cabeça mais e mais porque não conseguia pensar em uma coisa boa para dizer. Vivos, eles estavam vivos quando Nicky fez sua magia. Eu tive um pensamento verdadeiramente terrível. De alguma forma parecia errado guardar as armas, mas eu precisava colocar as minhas mãos em outras coisas. Levantei a camisa e deslizei a Browning no coldre embora não fosse tão bom como a que eu tinha, mas a minha mão esquerda praticamente desapareceu. Eu tive que levantar a camisa com a mão direita e com muito cuidado colocar Firestar na frente da calça. Minha mão estava vazia, mas continuava a se contorcer incontrolavelmente, não havia nada que eu pudesse fazer, apenas esperar que se acalmasse por conta própria. Segurei a mão contra o meu corpo e andei em direção ao monstro.
Eu estava do outro lado do balcão olhando para um daqueles rostos secos. A boca tinha sido costurada e eu não sabia o porquê. Respirei profundamente e senti o cheiro de ervas vindo deles, mas na maior parte era apenas um cheiro seco como couro curtido e poeira. Estiquei a mão esquerda que mesmo cheia de ataduras e cãibras musculares ainda era minha mão do poder, a mão para sentir a magia. A maioria das pessoas tem uma mão que é melhor para o sensoriamento material, geralmente é a mão oposta à que você escreve. Eu não sei como os ambidestros fazem.
Havia uma quantidade incrível de poder empurrando para fora da coisa, mas o bar era grande e eu não estava conseguindo me concentrar, e ainda não poderia responder a pergunta que eu precisava. Usei a mão direita como apoio e saltei no balcão, então fiquei de joelhos. Havia um rosto no mesmo nível que eu, era o rosto de um homem eu acho, com seus pálidos olhos cinzentos de lobo presos em uma múmia seca. Aqueles olhos me observavam, e tinha alguém em casa. O morto vivo não demonstrou medo. Eu sabia o que estava sentindo antes de estender a mão em direção ao rosto. Havia o poder de Nicky como um cobertor quente de vermes se contorcendo sobre a minha pele. Era uma das magias mais incômodas que eu já senti, imunda, como se o poder fosse comer a sua pele se ficasse perto dele por muito tempo. Era para esse lugar que a energia de Nicky tinha ido, e não importa quanta energia ele reunisse, nunca seria o suficiente. Magia negativa é como uma droga. É preciso mais e mais energia para obter o mesmo resultado com efeitos cada vez piores no conjurador.
Enviei a minha própria magia em toda aquela bagunça, não para fortalecer, apenas para procurar. Senti uma alma fresca antes que pudesse me afastar, o poder correu em minha coluna e as almas por trás de meus olhos brilharam com a luz branca e fria. Eles não estavam mortos quando Nicky fez isso e eu não tinha certeza se estavam mortos agora.
Abri os olhos e puxei minha mão para trás. Seu poder sugava a minha mão como uma lama invisível. A boca murcha do homem fez um som muito seco duas vezes. - Me ajude. - ele disse. - Me ajude.
Engoli uma onda de náusea e fiquei muito feliz por ter perdido o pequeno almoço. Arrastei-me até Nicky, debrucei-me sobre ele e sussurrei:
- Se eu queimar essa coisa, libertará suas almas? - ele balançou a cabeça. - Você pode libertar suas almas?
Ele balançou a cabeça, acho que se ele tivesse dito "sim" à primeira pergunta eu teria colocado a Browning em sua cabeça e atirado. Mas eu precisava dele para libertá-los, e acrescentei isso a minha lista de coisas a fazer antes de sair da cidade. Mas não havia nada que eu pudesse fazer por eles hoje, exceto permanecer viva e estranhamente manter Nicky Baco vivo. Uma das poucas ironias da vida.
Fiquei sentada no balcão com as pernas balançando e a mão embalada no meu peito, aturdida com a maldade absoluta de Nicky. Eu tinha os meus pecados, mas este estava perto do topo. Isso estava perto do topo depois do que eu tinha visto no hospital. No mínimo os cadáveres eram apenas comedores de corpos, não de almas.
- Parece que você viu um fantasma. - disse o Ulfric.
- Você está mais perto da verdade do que imagina. - eu disse.
- Onde está o nosso presente? - ele disse.
- Onde está a sua lupa?
Ele acariciou a cabeça de um dos lobos em suas pernas.
- Esta é minha lupa.
- Eu não posso compartilhar o presente com ninguém em forma animal.
Ele franziu a testa e estava muito perto de ficar com raiva.
- Você tem que nos honrar.
- Eu pretendo. - Enrolei a manga da jaqueta para cima do meu braço esquerdo. A bainha de pulso tinha que sair. Desfiz as tiras que sustentavam a lâmina e coloquei tudo entre as minhas pernas. O monstro pairava por trás de mim olhando com curiosidade, isso estava me distraindo. Eu não poderia salvá-los hoje e não queria mais vê-los até que pudesse consertar tudo.
- Você pode pedir para o monstro sair da sala?
Ele olhou para mim.
- Medo?
- Eu posso sentir as almas clamando por ajuda. É uma espécie de distração.
Ele olhou para mim e vi a cor sumir de seu rosto.
- O que você quer dizer com isso?
Eu sorri, mas não era engraçado.
- Você não sabia que é crueldade manter suas almas nessa coisa?
- Ele disse que era. - Sua voz estava mais suave.
- Você não acreditou. - eu disse.
O Ulfric estava olhando para a coisa como se nunca tivesse visto isso antes.
- Você não acreditaria em algo assim, não é?
- Eu acreditaria. - Dei de ombros e disse: - Essa é a minha linha de trabalho. Pode fazer o favor de despachá-lo?
Ele balançou a cabeça e falou rapidamente em espanhol. A coisa se dobrou sobre si mesma e rastejou se afastando sobre seus braços, pernas e corpos como uma centopéia quebrada. Sentado no balcão pude vê-lo descer por um alçapão. Quando o último segmento deslizou fora de vista eu voltei para o Ulfric. Ele ainda parecia pálido.
- Baco é o único que pode libertar suas almas. Não o mate até que ele desfaça o feitiço.
- Eu não tinha planos de matá-lo. - disse o homem.
- Isso foi antes que você soubesse. Eu não te conheço suficientemente bem para saber se quando eu for embora você vai fazer o ajuste de contas e tentar acabar com este mal. Por favor, não faça isso ou poderá condená-los a uma eternidade horrorosa.
Ele engoliu como se estivesse tendo um pequeno problema em manter o seu próprio café da manhã.
- Eu não vou matá-lo.
- Bom. - eu peguei a faca entre os meus joelhos com a mão direita. - Agora meninos e meninas prestem atenção porque eu só farei este truque uma vez.
Houve um movimento geral e os lobos avançaram. Poupei um olhar para os meninos com quem eu entrei. Eles não tinham guardado suas armas, mas apontavam para o chão ou o teto. Edward estava observando os lobos assim como Bernardo, mas ele parecia pálido. Olaf estava me olhando. Eu realmente, realmente, não gostava dele.
- Quero honrar o Ulfric e a lupa do Clã Spear Broken. Dou o mais precioso dos presentes ao Ulfric, mas não sendo uma lukoi de verdade não posso compartilhar este dom com a Lupa em sua forma atual. Por isso sinceramente peço desculpas. Se eu voltar novamente, trarei um presente melhor.
Inclinei-me no balcão até conseguir pegar um copo limpo, um daqueles copos grossos que as pessoas gostam de beber wisk. Foi um esforço voltar à posição sobre o balcão, mas consegui voltar com o copo na mão. Coloquei o copo do meu lado e peguei a faca encostando a lâmina contra meu braço esquerdo logo acima do pulso e olhei para a carne pálida. As cicatrizes começavam logo acima onde uma bruxa metamorfa tinha me agarrado, e uma cicatriz de queimadura em forma de cruz já estava um pouco torta pelas marcas de garras. Eu esperava que esse corte não deixasse outra cicatriz, mas o que era mais uma?!
Respirei profundamente e passei a faca em minha pele. Um suspirou ecoou da garganta dos lobisomens que observavam. Ignorei porque sabia que a multidão reagiria. Olhei para minha pele e o ferimento que eu havia acabado de fazer. O ferimento não sangrou imediatamente, era apenas uma fina linha vermelha, então a primeira gota escorreu da ferida seguindo como um riacho carmesim no meu braço.
O corte foi mais profundo do que eu queria, mas provavelmente era o necessário. Segurei a ferida sobre o copo, algumas gotas espirraram nas bordas caindo para os lados, mas consegui colocá-lo no copo. Nem sequer senti necessidade de apertar muito a ferida para incentivar o fluxo. Era mais profundo do que eu queria, oh sim.
O Ulfric se aproximou perto o suficiente para que seu corpo tocasse as minhas pernas. O lobo que ele apresentou como sua lupa ficou de pé aconchegando-se no meu joelho, mas ele a afastou. Ele mostrou-lhe o caminho como se tivesse ordenado a um cão que você não gosta muito. Onde estava o brio das mulheres quando você precisava? Ela ficou de barriga chorando como um cãozinho dizendo-lhe que não tinha feito nada errado com o rabo entre as pernas.
Ninguém tentou avançar, se a lupa não tinha conseguido nada, o resto deles sabia que era melhor nem tentar.
O Ulfric ficou prensado contra minhas pernas.
- Deixe-me tirar esse sangue do seu braço.
Ele olhou para o meu braço que sangrava como se eu estivesse despida, algo além do sexo, além de fome, e ainda um pouco dos dois. Levantei o braço para o sangue escorresse rapidamente em pequenos riachos vermelhos espirrando para dentro do copo. O olhar dele seguiu o movimento como um cão perto de um pedaço de carne.
A verdade é que deixar as pessoas lamberem uma ferida diretamente tende a me distrair. Através das marcas eu estava ligada a um lobisomem e a um vampiro. Ambos achavam o sangue emocionante. Os pensamentos me enchem quando compartilho sangue com alguém, é algo muito primitivo, muito grande. Especialmente agora com o meu escudo em ruína eu não podia arriscar.
- É um presente digno? - eu perguntei.
- Você sabe que é. - sua voz tinha aquela rouquidão peculiar que os homens possuem quando o sexo está no ar.
- Então beba Ulfric, beba. Não o desperdice.
Ofereci o copo e ele pegou reverentemente em ambas as mãos. Ele bebeu e eu assisti sua garganta convulsionar conforme engolia meu sangue. Isso deveria ter me incomodado eu acho, mas não aconteceu. A dormência estava de volta, um sentimento distante quase confortável. Peguei alguns panos limpos e pressionei em meu braço, os panos ficaram vermelhos embebido em meu sangue.
O Ulfric se aproximou do bando com o meu sangue em suas mãos. Eles o rodeavam, tocaram, acariciaram pedindo-lhe para compartilhar. Ele mergulhou a mão no copo quase vazio e ofereceu para que os lobos pudessem lamber.
Edward se aproximou de mim, ele não disse nada apenas me ajudou a colocar pressão sobre a ferida. Nossos olhos se encontraram e ele apenas balançou a cabeça com o mais fraco dos sorrisos tocando seu rosto.
- A maioria das pessoas paga em dinheiro para obter informações.
- O dinheiro não interesse para a maioria das pessoas que eu lido.
O Ulfric me chamou novamente, sua boca estava manchada, a barba e o bigode espesso sujos com meu sangue. Ele olhou para mim com seus olhos dourados e disse:
- Se você quiser falar com Nicky, ajude a si mesma.
- Obrigada, Ulfric.
Saltei do balcão e Edward teve que me segurar ou eu teria caído. Perder sangue depois de tudo o que passei não era o que eu precisava agora. Eu me afastei e ele não discutiu, Edward tirou a mordaça de Nicky e deu um passo para trás. Os lobisomens tinham se afastado dando-nos a ilusão de privacidade embora eu soubesse que todo lobisomem na sala nos ouviria mesmo que sussurrássemos.
- Oi Nicky. - eu disse.
Ele teve de tentar duas vezes antes de dizer,
- Anita.
- Eu cheguei aqui antes das dez.
Coloquei minhas mãos no balcão e apoiei o queixo de modo a não sentir a tensão. O movimento machucava minhas costas, mas de alguma forma eu queria estar no mesmo nível dos olhos dele. O volumoso curativo improvisado parecia estar no caminho, mas eu queria manter o braço elevado. Nicky parecia ainda pior de perto. Um olho estava completamente fechado, enegrecido e com sangue pisado. Seu nariz parecia quebrado, o sangue borbulhava quando ele respirava.
- Ele voltou para a cidade mais cedo.
- Achei o máximo. Você foi um menino muito mal passando por cima de seu Ulfric, jogos de poder por suas costas quando você é apenas humano, nem mesmo um lobisomem. E essa coisa que você criou, isso não é vodu. Como diabos você fez isso?
- É mais do que magia vodu. - ele disse.
- Que tipo de magia?
- Eu pensei que você queria falar sobre o monstro que está matando cidadãos inocentes.
Sua voz estava tensa e cheia de dor. Normalmente sou contra a tortura, mas eu simplesmente não poderia encontrar muita piedade em meu coração para Nicky. Eu tinha visto a sua criação e senti o tormento de suas partes. Não, eu não poderia sentir muita simpatia por Nicky. Ele nunca sofreria o suficiente para compensar o que tinha feito, pelo menos não enquanto estivesse vivo. O inferno pode ser um lugar muito desagradável para Nicky Baco. Eu confiava no divino para ter um melhor senso de justiça e ironia que eu.
- Ok, o que você realmente sabe sobre a coisa que está lá fora? - eu perguntei. Ele deitou no balcão com os punhos e tornozelos ligados entre si, o sangue ainda escorria de sua boca, e falou como se estivesse sentado atrás de uma mesa. Somente os pelos pequenos sons de dor que ele fazia de vez em quando estragavam o efeito.
- Eu o senti há anos atrás, talvez uns dez anos. Eu o senti acordar.
- O que você quer dizer com acordar?
- Você já o teve em sua mente? - ele perguntou, e desta vez ouvi o medo em sua voz.
- Sim. - eu disse.
- Foi lento no início como se estivesse dormindo ou preso, dormente por um longo tempo, mas ficava mais forte a cada ano.
- Por que você não avisou a polícia?
- Há dez anos a polícia não tinha nenhum vidente ou bruxo trabalhando para eles, e eu já tinha antecedentes criminais. - Ele tossiu e cuspiu sangue e um dente no balcão, isso me fez levantar a cabeça e obrigou Nicky a virar a cabeça. - O que eu poderia dizer a eles? Que havia uma coisa lá fora em algum lugar? Que havia uma voz na minha cabeça que ficava mais forte? Em primeiro lugar eu não sabia o que poderia fazer. Eu não sabia o que era.
- O que é essa coisa?
- É um deus.
Eu levantei as sobrancelhas para ele.
- Ele foi adorado como um deus uma vez, e quer ser adorado de novo. Ele disse que os deuses precisam do tributo para sobreviver.
- Você descobriu tudo isso apenas com uma voz em sua cabeça?
- Essa coisa sussurrou na minha cabeça por dez anos. O que você aprendeu nesses últimos dias?
Eu pensei sobre isso, eu sabia que ele matava para se alimentar, não só por esporte e que tinha apreciado cada morte. Ele tinha me sentido também, eu sabia que tinha medo de mim e me queria, ele queria beber os meus poderes e teria conseguido se Leonora não tivesse impedido.
- Por que ele só começou a matar pessoas agora? Por que depois de uma década?
- Não sei. - ele disse.
- Por que ele mata alguns, e outros só tira a pele?
- Eu não sei.
- O que ele faz com as partes dos corpos que retira das cenas?
Isso era um detalhe que a polícia não gostaria que eu partilhasse com ninguém fora do inquérito, mas eu precisava de respostas e não de cautela.
- Eu não sei.
Ele tossiu novamente, mas não cuspiu nada. Bom. Se ele continuasse a cuspir sangue eu teria me preocupado com lesões internas. Eu não queria ter que convencer o bando a levá-lo para o hospital, acho que não teria muita sorte.
- Onde ele está?
- Eu nunca estive lá, mas sei que o que está matando essas pessoas não é um deus. Ele ainda está preso, seus servos cometeram todos os crimes, não ele.
- O que você está dizendo?
- Estou dizendo que se você acha que tem problemas agora, ainda não viu nada. Eu posso sentir-lo no escuro, ele está crescendo, enchendo-se com o poder. Quando estiver completo o suficiente, ele vai subir e aí sim o bicho vai pegar.
- Por que você não me contou tudo isso antes?
- Você estava com a polícia na primeira vez. Se você me entregar a eles serei um homem morto. Você viu o que eu faço, não haveria um júri.
Ele tinha um ponto.
- Quando esse caso acabar você tem que consertar o que fez. Você tem que libertar suas almas, de acordo?
- Quando eu puder andar de novo, concordo.
Olhei para suas pernas e vi que havia uma protuberância na perna da calça. Era um osso quebrado, uma fratura exposta. Jesus. Alguns dias são tão ruins que eu nem sabia por onde começar.
- Será que esse Deus tem um nome?
- Ele chama a si mesmo o Consorte da Deusa de Sangue.
- Isso não pode ser uma frase original em Inglês.
- Acho que ele aprendeu com suas vítimas. Quando se aproximou de mim falou em Inglês.
- Você acha que ele esteve aqui há muito tempo?
- Acho que ele sempre esteve aqui.
- O que você quer dizer com "sempre"? Como a eternidade ou há muito, muito tempo mesmo?
- Eu não sei há quanto tempo ele esteve aqui. - Nicky fechou olhos como se estivesse cansado.
- Ok Nicky, tudo bem. - Virei-me para o Ulfric. - Ele está dizendo a verdade?
O homem assentiu.
- Ele não mentiu.
- Ótimo. Obrigada por sua hospitalidade e, por favor, não o mate. Podemos precisar dele nos próximos dias para ajudar a matar esta coisa, para não mencionar libertar as almas dos seus companheiros do bando.
- Vou me limitar só a bater.
Foi à coisa mais próxima de um "sim" que eu conseguiria
- Nós vamos embora, certifique-se que ele não se machuque mais.
- Ótimo, vou estar em contato.
Edward ficou perto de mim enquanto caminhávamos para a porta. Ele não me ofereceu ajuda apenas ficou perto o suficiente caso eu precisasse. Bernardo já estava com a porta aberta, Olaf apenas nos observava caminhar em direção a eles. Eu tropecei a dois passos da porta e Olaf pegou meu braço. Olhei em seus olhos e não foi orgulho, honra ou respeito que eu vi. Era... Fome, um desejo tão grande que parecia quase uma necessidade física.
Eu me afastei e deixei uma mancha de sangue em sua mão. Edward estava me ajudando a seguir para a porta. Olaf levou sua mão à boca e apertou-a como um beijo, ele estava fazendo a mesma coisa que os lobos fizeram. Ele provou o gosto do meu sangue e gostou. Existem todos os tipos de monstros. A maioria deles anseia por sangue, alguns por alimento, outros por prazer, mas você está morto de qualquer maneira.
48
Todos estavam quietos no carro. Olaf estava perdido em seus próprios pensamentos, e eu não queria detalhes. Bernardo finalmente disse;
- Para onde?
- Minha casa. - Edward disse. - Acho que Anita não está em condições de fazer qualquer outra coisa hoje.
Pela primeira vez não discuti, eu estava cansada e enjoada. Se pudesse encontrar uma posição confortável acho que teria dormido.
Saímos de Albuquerque e rumamos para as montanhas distantes, brilhantes e alegres na luz da manhã. Eu queria um par de óculos de sol porque de repente não me sentia nem alegre, nem brilhante.
- Você aprendeu alguma coisa que valesse a pena sair do hospital mais cedo? - Edward perguntou.
- Aprendi que a coisa tem um nome, O Consorte da Deusa de Sangue. Ele está escondido em algum lugar e não pode sair, o que significa que podemos encontrá-lo e matá-lo. Nicky disse que foi venerado como um deus uma vez, e ainda pensa que é um.
- Não pode ser um deus. - disse Bernardo. - não de verdade.
- Eu sou a pessoa errada para se perguntar, sou monoteísta. - eu disse.
- Edward? - Bernardo fez uma pergunta do seu nome.
- Eu nunca encontrei nada que fosse verdadeiramente imortal. É apenas uma questão de descobrir uma forma de matá-lo.
Eu realmente tinha encontrado algumas coisas que pareciam imortais. Talvez Edward tivesse razão, mas eu já tinha visto coisas que ainda não descobri como matar. Sorte minha, o Naga tinha sido vítima de um crime e não um cara mau, e a Lamia tinha sido convertida para o nosso lado, mas até onde eu sabia ambos eram imortais. É claro, eu nunca tinha enfiado uma granada incendiária em suas calças ou tentado queimá-los. Talvez eu não tivesse tentado o suficiente e esperava que ele estivesse certo.
Foi um longo caminho até chegar à casa de Edward. Tinha uma descida mais acentuada do que eu me lembrava, o suficiente para deixar o veículo exposto por todo o terreno, não significava nada a não ser que você pudesse voar. Um caminhão branco começou a nos seguir.
- Você os conhece? - Olaf perguntou.
- Não. - Edward disse.
Consegui virar no banco o suficiente para ver o caminhão, ele não tentou nos alcança nem nada. Não havia nada de errado com ele exceto o fato de que estava na estrada que levava a casa de Edward, e ele não o conhecia.
Acrescente a isso ao fato que todos nós éramos paranóicos por profissão, e isso fez a tensão.
Edward estacionou na frente de sua casa.
- Todo mundo em casa até que eu descubra quem é.
Todos saíram rápido do carro e eu olhei para o ferimento no meu braço. Sorte minha que Edward tinha um pesado kit de primeiros socorros no banco de trás. Eu tinha feito um curativo grande e guardado a bainha de pulso no meu bolso.
Edward estava abrindo a porta da casa, Olaf estava atrás dele. Bernardo na verdade esperava por mim como se fosse oferecer ajuda, mas estivesse receoso. Eu estava realmente me sentindo mal o suficiente para não reclamar de ter uma babá.
Ouvi um pequeno barulho como o som de um rifle sendo engatilhado e tudo aconteceu de uma vez. Edward tinha a arma apontada para o som. Olaf estava com sua arma na mão, Bernardo tinha a arma apontada usando a porta como escudo. Tenho que admitir que estava com a arma na mão, mas não apontei para ninguém. Porra, eu estava lenta.
O rosto cheio de cicatrizes de Harold estava encostado no outro extremo da casa com um rifle de alta potência apontado para Edward. Ele tinha a maior parte de seu corpo escondido e segurava o fuzil como se soubesse o que estava fazendo. Se ele quisesse atirar em Edward, poderia ter feito isso antes que ele percebesse. Como Harold não tinha disparado em ninguém ainda significava que não tinha vindo para matar. Provavelmente.
Harold disse:
- Se ninguém entrar em pânico, ninguém se machuca.
- Harold, quando pagaram à fiança? - Edward perguntou.
Ele ainda estava olhando para o cano da Beretta de Harold e eu quase podia garantir que ele conseguia ver o topo da cabeça do outro homem, Edward não atirava para ferir.
- Só Russell foi preso. - disse Harold, o rifle confortavelmente contra seu ombro.
E por falar no diabo, Russell saiu de trás de Harold. Seu nariz estava cheio de algodão branco e coberto com um curativo rígido. Eu tinha quebrado seu nariz. Ótimo.
- Eu pensei que aterrorizar mulheres e crianças demorava mais tempo do que isso. - eu disse.
Mantive a arma atrás da porta aberta, eu não queria dar a eles uma desculpa para começar a nos vigiar. O homem alto e silencioso apresentado como Lagartixa apareceu do outro lado da casa com um grande revolver brilhante em suas mãos. Ele segurava a arma com as duas mãos e se posicionou como se soubesse o que estava fazendo. Havia uma mulher ao lado dele movendo-se como uma sombra suave. Ela tinha mais ou menos 1,83 e seus braços e ombros fariam a maioria dos homens parecerem insignificantes. Apenas os seios pressionados contra a camisa mostrava que era uma mulher.
Olaf apontou a arma para eles, Bernardo virou-se com sua arma e a mulher se virou para ele. Olaf e Lagartixa andaram mantendo distância com as armas em mãos. A mulher e Bernardo foram mais práticos, eles ficaram distantes e olharam um para o outro.
Apenas Russell continuou andando e não pegou uma arma. Tentei apontar minha arma para ele. Ele parou e seu sorriso ficou mais duro, seus olhos diziam que tinha planos para mim e estavam prestes a se tornar realidade.
- Você atira em mim e eles atiram em seus amigos. Você é a única que o nosso chefe quer. - disse Russell.
- Não estamos aqui para matar ninguém. - Harold disse muito rapidamente, como se quisesse deixar isso claro. Se eu estivesse olhando para o cano da arma que Edward estava segurando, eu seria clara também.
Russell começou a caminhar em minha direção mesmo com a Browning apontada para seu peito.
- O nosso patrão só quer falar com você, isso é tudo. - disse Harold. - Eu prometo que ele só quer falar com a garota.
Russell ainda estava caminhando para frente muito confiante. A menos que eu estivesse disposta a matá-lo ele não ia parar. Eu não queria ser a pessoa a dar o primeiro tiro, pessoas morreriam e eu não poderia controlar quem seriam.
Eu podia ouvir o caminhão esmagando o cascalho. Fiz a única coisa em que poderia pensar, eu me virei e corri. Ouvi uma surpresa, - Hey! - atrás de mim. Mas eu estava na beira da pista descendo do outro lado. De repente não estava preocupada com os pontos em minhas costas, ou como eu estava cansada. Meu coração estava na garganta e achei que não só podia andar sem cair, como poderia correr.
Minha mente parecia funcionar mais fácil e mais rápida. Eu vi uma clareira na base da inclinação e um grupo de árvores ao lado. Deslizei pelo barranco correndo sobre as pequenas pedras. Caí de quatro pesadamente e estava lutando para ficar de pé quando senti a primeira gota de sangue nas minhas costas. Eu estava rumando para o grupo de árvores. Russell estava correndo e eu podia escutá-lo fazendo isso. Eu não teria tempo suficiente para me esconder. Corri além das árvores e sabia que não poderia escapar dele. A adrenalina já estava começando a desaparecer e o calor dobrou em torno de mim como uma mão. Eu não estava à altura de uma longa caçada hoje e tinha que acabar com isso em breve.
Diminuí o passo para economizar energia e deixar Russell me alcançar. Respirei profundamente e me preparei, eu sabia o que queria fazer, mas meu corpo tinha que ajudar. Eu não podia hesitar porque meu corpo e meu braço estavam feridos. Arrisquei uma olhada para trás, Russell estava quase lá, quase em cima de mim. Eu dei um chute direto em suas bolas, fiz isso sem hesitar, quase sem pensar e deixei seu próprio impulso cair em cima de mim. O choque me jogou para trás e eu fiz o que tinha aprendido nas aulas, dei um chute circular inverso onde pensei que seria o seu rosto, e acertei. Ele desmontou e caiu de joelhos com o chute, ficou de quatro balançando a cabeça, mas não apagou. Maldição!
Ouvi uma voz acima da encosta.
- Não estou vendo nenhum deles.
Peguei um pedaço de pau no chão e acertei duas vezes em sua cabeça, ele caiu e não se moveu. Eu não tinha tempo para verificar seu pulso, tinha uma fração de segundos para decidir qual caminho seguir. O barranco se estendia por cerca de uma centena de metros perto de uma pequena caverna. Era uma caverna rasa, praticamente um buraco. Peguei as bainhas no meu bolso traseiro e joguei a faca e tudo o que tinha dentro dele. Fui para a caverna lutando com as mãos e pés como um macaco, me mantendo abaixada. Eu estava na sombra da depressão quando ouvi os homens descendo a encosta.
- Não vejo ninguém. - o primeiro homem disse.
- Eles foram por aqui. - disse uma voz de mulher.
Poderia haver duas mulheres malvadas? Eu acho que não. Isso quer dizer que havia duas armas a menos apontada para Edward e os outros? Resolvi esquecer o assunto, eu tinha meus próprios problemas.
Pedras caíam do beiral como uma cachoeira seca. Pelo menos um deles estava descendo diretamente em cima de mim. Será que o teto da pequena caverna aguentaria o peso? Eu não estava muito rápida hoje. Se eles achassem que eu tinha ido por esse caminho e não me vissem, então seria um bom plano. Se me vissem seria um plano ruim. Eu podia ouvi-los, a voz do homem estava logo acima de mim. Isso me fez pular. Ele tinha que estar de pé à direita do teto.
- Jesus, é Russell!
Ele saltou e começou a correr em direção ao homem caído. A mulher foi mais cautelosa escorregando pela lateral da caverna. Ela estava tão perto que eu poderia tocar sua mão ou sua calça jeans. Meu coração estava trovejando em minha garganta, eu prendi a respiração disposta a seguir adiante e não olhar para trás.
- Ele está vivo. - disse o homem, ele começou a avançar onde eu tinha jogado a bainha. - Ela foi por aqui. - Ele apontou e a mulher caminhou em sua direção.
Ela já estava pronta para a briga correndo atrás dele.
- Maury, droga, não vá por aí.
Ela teve que correr para ter alguma chance de alcançá-lo e não olhou para trás para me ver agachada no buraco. Quando ela desapareceu no mato ouvi o homem amaldiçoando e me arrastei para fora subindo a encosta. Se a mulher ou Maury me vissem saindo eu seria pega como um pontinho preto em uma folha branca de papel. Mas eles não viram e cheguei até o topo da encosta rastejando de barriga sobre os arbustos até o jardim da casa de Edward.
Alguma coisa deslizou à minha direita e não era humano. Uma serpente. A cobra deslizou para longe dos arbustos. Merda. Obrigada meu Deus, isso seria mais um problema sem solução. Claro, agora cada barulho parecia ser de um réptil rastejando em minha barriga através dos arbustos, o cheiro de sálvia e o ar quente era um pequeno pedaço de pesadelo. Fiquei à espera de ouvir aquele ruído seco que dizia que minha sorte havia acabado.
Cada galho que encostava em minha perna parecia uma escama. A única coisa que me impedia de gritar era saber que provavelmente atirariam em mim antes de saberem que era eu.
Arrastei-me pelo mato por um doloroso tempo, eu estava suando e era parcialmente pelo calor. O suor escorria em minhas costas e eu sabia que algumas das gostas não eram suor, mas sangue.
Eu tinha uma visão geral do quintal de Edward através do arbusto de sálvia. As coisas não tinham melhorado.
A mulher e o homem chamado Maury tinham deixado a frente da casa, mas os outros três tinham tomado seus lugares mantendo os homens de joelhos. Olaf tinha as mãos entrelaçadas em sua cabeça careca. Bernardo tinha o braço bom levantado e o outro tão alto quanto podia. Edward estava mais próximo de mim. Lagartixa estava tão próximo que eu poderia ter colocado a faca no seu pé. Harold estava falando no celular, ele estava acenando uma mão e tinha o fuzil pendurado sobre um braço. Ele afastou o telefone da sua boca e disse:
- Ele disse para fazerem uma busca na casa.
- Para quê? - perguntou um dos homens, ele tinha cabelo escuro e um revólver na mão.
- Procurem um artefato, algo que a garota usou contra o monstro.
- Que tipo de artefato?
- Apenas faça o que eu mandei. - disse Harold.
O homem de cabelo escuro resmungou, mas fez um gesto para os outros dois e foram para a porta da casa. O que diabos tinha acontecido enquanto eu rastejava entre as moitas? Os três homens entraram na casa. Harold ainda estava falando ao telefone, isso deixava apenas Lagartixa com sua arma calibre 45 e ele não estava apontando a arma para a cabeça de ninguém. Não podia ficar melhor que isso, a qualquer segundo os outros viriam pela encosta ou sairiam da casa. Eu teria gostado de pelo menos ficar de joelhos e mergulhar a faca em uma área vital, mas o mato estava muito alto.
Eu não conseguiria dar um impulso sem fazer todo tipo de ruído, se eu disparasse uma arma avisaria os outros. Merda. Eu tinha duas facas e tive uma idéia. Peguei uma das facas com a mão direita, me certificando que a esquerda tinha uma boa aderência. Lagartixa ainda estava de pé tentadoramente perto. Enfiei a faca no seu pé até sentir a lamina passar pelo seu sapato e afundar no chão. Fiquei de joelhos atrás dele enquanto ele gritava e tentava se torcer para apontar sua arma para mim. Mergulhei a outra faca no meio de suas pernas e o prendi. Eu não cortei nada. Foda-se.
Eu sibilei,
- Não se mexa.
Ele não se mexeu e ficou parado como uma estátua.
Harold começou a caminhar em nossa direção.
- O que aconteceu, Lagartixa?
Ele engoliu em seco e disse:
- N-nada. Eu vi uma cobra.
Sussurrei,
- Bom rapaz. Se você deseja manter a jóia da família intacta, muito calmamente me entregue a sua arma. - ele deixou a 45 na minha mão, eu estava perto o suficiente para sussurrar para Edward. - O que quer que eu faça?
- Chame Harold até aqui.
- Você ouviu, Lagartixa. - eu disse.
O homem não discutiu.
- Ei Harold, você pode vir aqui um segundo?
Harold suspirou desligando o celular.
- O que é agora? - Ele viu Edward quase ao mesmo tempo em que percebeu que a arma de Lagartixa não estava com ele. Eu ainda estava escondida atrás do corpo do homem com a faca no meio de suas calças. - O que diabos...?
Bernardo puxou um dos pauzinhos dourados de seus cabelos, e era uma faca que terminou no braço de Harold. Edward bateu em sua barriga fazendo-o se dobrar desarmado. Ele ficou perto de sua cabeça com a espingarda na mão. Olaf e Bernardo estavam aos seus pés. Não sei qual era o plano porque ouvimos as sirenes da polícia.
- Você chamou a polícia, Harold? - Edward perguntou.
- Não seja burro. - disse Harold.
- Anita? - Edward disse.
- Eu não chamei. Ainda tenho uma 45 apontada para você Lagartixa, então nada de gracinhas.
Eu tirei a faca com muito cuidado do meio de suas pernas e me levantei. Mantive a arma apontada para suas costas, mas estava começando a duvidar se atiraria em alguém, as sirenes estavam muito próximas.
Os três homens saíram da casa com as armas à vista. Eles olharam para Harold caído no chão com Edward apontando o rifle, seus olhos foram para os policiais que se aproximavam rapidamente e de volta para Edward. Eles jogaram as armas e entrelaçaram os dedos em suas cabeças sem uma palavra. Eu duvidava que fosse a primeira vez que faziam isso.
Era um carro sem identificação, ele derrapou e parou do lado oposto do caminhão e quatro policiais saíram do veículo. Tenente Marks, Detetive Ramirez e dois tiras que eu não conhecia apontaram as armas e pareciam um pouco inseguros sobre quem eram os bandidos. Não poderia culpá-los, estávamos com todas as armas.
- Detetive Ramirez. - eu disse. - Graças a Deus!
- O que está acontecendo? - Marks disse antes de Ramirez pudesse me responder.
Edward disse-lhes que Harold e seus homens tinham saltado sobre nós e estavam nos interrogando sobre os assassinatos e mutilações. Marks achou o assunto fascinante.
- Há mais dois lá fora em algum lugar. - Edward disse.
- Há outro inconsciente também. - eu disse. - Todos olharam para mim. E eu me senti desconfortável. - Ele estava me perseguindo, eu pensei que matariam os outros. - Dei de ombros e estremeci. - Ele está vivo. - Soou como uma desculpa até para mim.
Eles pediram mais homens para vasculhar a área e chamaram uma ambulância para Harold, Lagartixa e Russell quando o encontraram. Sentei no chão à espera que todos fizessem seu trabalho. Eu estava usando as duas mãos como apoio agora que a situação de emergência parecia ter acabado, e não estava me sentindo muito bem.
Marks estava gritando para mim.
- Você deixou o hospital contra as ordens do médico! Eu não dou à mínima, mas quero uma declaração e quero saber exatamente o que aconteceu naquele hospital.
Eu olhei para ele e Marks parecia estar mais alto do que antes, mais longe de alguma maneira.
- Você está dizendo que todas as luzes e sirenes foram porque você estava zangado comigo por não dar uma declaração antes de sair do hospital?
Seu rosto começou a ficar vermelho. Um dos policiais o chamou para longe.
- Eu quero essa declaração ainda hoje. - Ele virou e se afastou, eu esperava que ficasse por lá.
Ramirez se ajoelhou ao meu lado. Ele estava usando a sua costumeira camisa com uma gravata listrada em torno do colarinho aberto.
- Você está bem?
- Não. - eu disse.
- Fui ao hospital hoje e você já tinham ido embora. Naquela noite o elevador foi desligado por causa dos alarmes de incêndio. Eu tive que voltar e subir pelas escadas para ir atrás de você. Foi por isso que cheguei atrasado. Foi por isso que eu não estava lá para te ajudar. - Para que isso fosse à primeira coisa que saiu de sua boca, ele devia estar muito incomodado. Eu gostei disso. Consegui algo perto de um sorriso.
- Obrigada por me dizer.
Eu estava me sentindo quente. Tudo parecia estar nadando em calor como se eu estivesse olhando para o mundo através de um vidro ondulante.
Ele tocou em minhas costas acho que para me ajudar e retirou a mão manchada de sangue. Ele usou uma mão para levantar minha camisa e estava tão encharcada de sangue que grudava em minha pele.
- Jesus e José, o que diabos você fez a si mesma?
- Eu não queria me machucar mais. - Eu me ouvi dizendo, então comecei a deslizar em seus braços, em seu colo. Ouvi alguém chamar meu nome e finalmente desmaiei.
Acordei no hospital com o Dr. Cunningham curvado sobre mim e pensei:
- Temos de parar de nos encontrar desse jeito. - nem sequer tentei dizer isso em voz alta.
- Você perdeu muito sangue e tive que refazer os pontos. Você acha que pode ficar aqui tempo suficiente para que eu realmente possa te dar alta desta vez?
Eu acho que sorri.
- Sim, Doutor.
- Apenas para o caso de você ter alguma idéia, eu te dopei com analgésicos o suficiente para fazer você se sentir muito bem. Portanto durma, vejo você manhã.
Meus olhos se fecharam e quando abriram Edward estava lá. Ele se inclinou sobre mim e sussurrou:
- Se arrastar de barriga através dos arbustos e ameaçar cortar as bolas de um homem. Essa bunda dura.
Minha voz saiu fraca mesmo para mim.
- Era para salvar o seu rabo.
Ele se inclinou e beijou minha testa, ou talvez eu tenha sonhado essa parte.
49
Algum momento durante o segundo dia no hospital eles reduziram os medicamentos e eu comecei a sonhar. Eu vagava por um labirinto composto de altas cercas verdes. Eu usava um vestido longo e pesado feito de seda branca. Havia várias camadas de tecido e eu senti o aperto de um espartilho sob o vestido e sabia que não era um sonho meu. Jamais sonharia com roupas que nunca tinha usado. Parei de correr pelo labirinto verde, olhei para um céu azul impecável e gritei:
- Jean-Claude!
Sua voz veio rica e sedutora, ele podia fazer coisas com sua voz que a maioria dos homens não podia fazer com suas mãos.
- Onde você está, ma petite? Onde você está?
- Você prometeu ficar fora dos meus sonhos.
- Sentimos que você ia morrer. Sentimos as marcas abertas. Estamos preocupados.
Eu sabia o que "nós" significava.
- Richard não está invadindo meus sonhos, só você.
- Eu vim para avisá-la. Se você nos telefonasse, isso não seria necessário.
Eu me virei e lá estava um espelho no meio da relva e das sebes. Era um espelho de corpo inteiro com uma moldura antiga, muito antiga, muito Louis XIV. Meu reflexo era surpreendente, não apenas pela roupa. Meu cabelo tinha algum tipo de penteado complicado com caracóis grossos caídos aqui e ali. Havia muito cabelo e eu sabia que pelo menos alguns cachos eram de uma peruca ou pelo menos postiços. Havia até uma dessas pintas na minha bochecha. Eu achei que pareceria ridícula, mas não. Parecia uma boneca de porcelana, mas não estava ridícula. Meu reflexo oscilou, em seguida cresceu e Jean-Claude apareceu do outro lado do espelho.
Ele era alto e magro, estava vestido dos pés à cabeça em cetim branco, parecia o mesmo tecido do vestido. Brocados dourados brilhavam nas mangas e nas costuras da calças. As botas brancas chegavam até os joelhos amarradas com enormes fitas brancas e douradas. Era a roupa de um dândi, muito gay para usar uma palavra moderna, mas ele não parecia efeminado. Ele parecia elegante e à vontade como um homem que tirou a gravata para ficar mais confortável. Seu cabelo caía em longos cachos pretos. Apenas a masculinidade delicada de seu rosto e seus olhos azuis meia-noite pareciam normais, familiares.
Eu balancei a cabeça, e o peso do cabelo era embaraçoso.
- Eu não quero ficar aqui. - comecei a tentar sair do sonho.
- Espere, por favor, ma petite. Na verdade eu tenho um aviso para você.
Ele olhou para o espelho como se fosse uma espécie de prisão.
- Isso é para que você saiba que não vou tocá-la. Venho só para conversar.
- Então fale.
- Foi a Mestra de Albuquerque que machucou você?
Pareceu uma pergunta estranha.
- Não, Itzpapalotl não me machucou.
Ele estremeceu com seu nome.
- Não use seu nome em voz alta dentro deste sonho.
- Ok, mas ela não me machucou.
- Você a viu?- ele perguntou.
- Sim.
Ele parecia confuso, ergueu o chapéu branco e golpeou contra sua perna como se fosse um gesto habitual, embora eu nunca tivesse visto isso antes. Mas também nunca tinha visto essas roupas antes e estávamos lutando por nossas vidas, por isso não tive realmente tempo para observar as pequenas coisas.
- Albuquerque é um tabu. O Conselho declarou que a cidade está fora dos limites de todos os vampiros e seus lacaios.
- Por quê?
- Porque a Mestra da Cidade matou todos os vampiros ou protegidos que entraram em sua cidade nos últimos cinquenta anos.
Olhei para ele.
- Você está brincando.
- Não, ma petite, não é brincadeira. - Ele parecia preocupado, não, com medo.
- Ela não foi hostil, Jean-Claude, honestamente.
- Deve ter alguma razão para isso. A polícia está com você?
- Não.
Ele balançou a cabeça batendo o chapéu contra a perna novamente.
- Então ela quer algo de você.
- O que ela poderia querer de mim?
- Eu não sei. - Ele bateu o chapéu contra a perna de novo e olhei através da parede de vidro.
- Será que ela realmente matou os vampiros que estavam apenas de passagem?
- Oui.
- Por que o Conselho não enviou alguém para chutar o seu rabo?
Ele olhou para baixo, depois para cima e o temor estava em seus olhos novamente.
- Eu acho que o Conselho tem medo dela.
Eu conheci três dos membros do Conselho pessoalmente, levantei as sobrancelhas na medida em que pensava sobre isso.
- Por quê? Quer dizer, eu sei que ela é poderosa, mas não é tanto assim.
- Eu não sei, ma petite. A única coisa que sei é que o Conselho decretou tabu em seu território ao invés de lutar contra ela.
Isso era simplesmente assustador.
- Seria bom se eu soubesse antes de chegar aqui.
- Eu sei que você valoriza a sua privacidade, ma petite. Não entrei em contato com você durante esses longos meses. Respeitei a sua decisão, mas não é só nosso romance ou a falta dele que é importante para nós. Querendo ou não você é a minha serva humana. Isso significa que não pode simplesmente entrar em outro território vampiro sem alguma diplomacia.
- Estou aqui em uma investigação policial. Eu pensei que poderia entrar no território de qualquer um desde que fosse assunto da polícia. Estou aqui como Anita Blake, especialista sobrenatural, não como sua serva humana.
- Normalmente isso é verdade, mas a Mestra cujas terras você está não obedece aos decretos do Conselho. Ela tem suas próprias leis.
- E o que isso significa para mim aqui e agora?
- Talvez ela tema a lei humana. Talvez ela não te machuque por medo de ser destruída pelos seres humanos. Sua autoridade pode ser muito eficaz algumas vezes ou ela simplesmente quer algo de você. Você a conheceu, o que achou?
A palavra saiu da minha boca antes que eu pensasse sobre isso.
- Poder, ela é atraída pelo poder.
- Você é uma necromante.
Eu balancei a cabeça e novamente senti os apliques. Fechei os olhos no sonho e quando abri meu cabelo tinha voltado ao normal.
- O cabelo estava pesado.
- Pode ser. - ele disse - Estou feliz por ter continuado com o vestido, não posso te dizer a quanto tempo eu desejava vê-la vestida assim.
- Não comece, Jean-Claude.
- Minhas desculpas. - ele se curvou colocando o chapéu no peito.
- Eu acho que é mais do que a necromancia. Ela descobriu que eu era parte de um triunvirato quando nos encontramos. Ela sabia, acho que isso é o que ela quer descobrir como funciona.
- Ela poderia descobrir? - ele perguntou.
- Ela tem um servo humano e os homens jaguar são os animais que atendem ao seu chamado. Teoricamente acho que ela poderia, no entanto você pode fazer um triunvirato quando já tem as marcas em um ser humano, mas não em um animal?
- Se as marcas forem recentes, talvez.
- Não, não são recentes. Eles eram um casal há muito tempo.
- Então não, suas marcas humanas estão muito enraizadas para esticar para um terceiro.
- Ela pode estar interessada em mim por um poder que não pode ter? E se ela descobrir que não posso ajudá-la? - eu perguntei.
- Seria melhor se ela não aprendesse nada ma petite.
- Você acha que ela me mataria?
- Ela já matou todos que cruzavam seu caminho durante meio século. Eu não vejo por que mudaria.
Eu estava muito perto do espelho agora. Perto o suficiente para que pudesse ver os botões dourados em sua jaqueta e o movimento de seu peito conforme respirava, o mais próximo que ficamos um do outro em meses. Era apenas um sonho, mas ambos sabíamos que não era apenas isso. Ele colocou o espelho como barreira entre nós porque uma vez tinha usado os sonhos como fantasia e vinha como um amante demônio em meus sonhos. Nós tínhamos feito a coisa real também, mas os sonhos eram doces, por vezes um prelúdio do que aconteceria mais tarde.
O vidro se tornou mais fino como se estivesse se desgastando. Era como um painel fino de algodão doce. Ele tocou a película com a ponta dos dedos e ela se moveu como um plástico transparente ao seu toque.
Toquei com a ponta dos dedos e a barreira fina desapareceu. Nossos dedos se tocaram e foi surpreendente, elétrico. Seus dedos deslizaram sobre os meus entrelaçando, nossas palmas se tocando, e mesmo sendo um toque casto minha respiração acelerou.
Eu recuei mas não soltei a sua mão de modo que o movimento o fez sair para fora do espelho. Ele saiu da moldura dourada e de repente estava em pé diante de mim, nossas mãos ainda entrelaçadas. Eu podia sentir seu coração batendo através da palma da mão, sentir o seu pulso e o movimento de seu corpo através das minhas mãos como se tudo nele estivesse contido nas mãos pálidas pressionadas contra as minhas.
Ele se inclinou como se fosse me beijar e eu comecei a me afastar como se estivesse com medo, mas o sonho acabou e de repente eu estava acordada olhando para o teto do quarto de hospital. Uma enfermeira estava me examinando, foi isso que me acordou. Eu não tinha certeza se estava feliz ou triste. As marcas tinham sido abertas há menos de uma semana e Jean-Claude já estava me puxando.
Ok, eu precisava do alerta, mas... Oh inferno. Minha professora Marianne havia dito que eu não poderia simplesmente ignorar os meninos, que isso seria perigoso. Eu pensei que ignorar o poder nos limitava, mas talvez significasse mais do que isso. Eu era a serva humana de Jean-Claude, e isso tornava as coisas mais complicadas. Cada território vampiro era como um país estrangeiro, ás vezes tinha que existir diplomacia entre os dois, ás vezes não. Às vezes os vampiros eram inimigos pura e simplesmente, então se você pertencia a um deles tinha que se manter afastado das terras do outro. Ao recusar entrar em contato com Jean-Claude eu poderia estragar tudo, eu poderia morrer ou ser mantida como refém. Mas eu pensei que era seguro desde que fosse a trabalho com a polícia ou animando zumbis. Esse era o meu trabalho. Não tinha nada a ver com Jean-Claude e a política dos vampiros. Mas eu sempre podia estar errada, como agora.
Por que, você pode perguntar, eu acreditaria em Jean-Claude e sua advertência? Porque ele não ganharia nada mentindo sobre isso, eu também senti o seu medo. Uma das coisas sobre as marcas, é que geralmente você pode dizer o que a outra pessoa está sentindo. Algumas vezes isso me assusta, mas ás vezes é útil.
A enfermeira enfiou um termômetro sob a minha língua e tomou meu pulso enquanto esperávamos o termômetro fazer bip. O sonho me mostrou que eu era atraída por ele tanto quanto ele por mim. Quando eu tinha as marcas fechadas eles não invadiam os meus sonhos. Com as marcas bloqueadas eu policiava meus sonhos e mantinha Richard de fora. Eu ainda poderia fazer isso, mas daria mais trabalho. Eu estava fora de forma e teria que voltar a praticar rapidamente.
O termômetro apitou e a enfermeira leu o pequeno monitor e deu um sorriso vazio fazendo uma anotação.
- Ouvir dizer que você vai sair daqui hoje.
Eu olhei para ela.
- Ótimo.
- O Dr. Cunningham virá vê-la antes de sair. - Ela sorriu novamente. - Ele parece querer controlar a sua liberação pessoal.
- Eu sou uma de suas pacientes favoritas. - eu disse.
O sorriso da enfermeira diminuiu um pouco. Eu acho que ela sabia exatamente o que Dr. Cunningham pensava sobre mim.
- Ele virá em breve.
- Mas definitivamente terei alta hoje? - eu perguntei.
- É o que eu soube.
- Posso chamar um amigo para vir me buscar?
- Posso chamá-los para você.
- Se vou sair hoje, posso usar um telefone?
O bom médico não autorizou nenhum telefone no meu quarto porque ele não queria que eu ficasse tentada a trabalhar, nem mesmo telefonemas de negócios. Quando eu prometi não usar o telefone ele apenas olhou para mim e anotou alguma coisa em seu arquivo. Acho que não confiava em mim.
- Se o médico disser que você pode ter um telefone eu trarei um, mesmo assim me passe o número e eu vou contatar o seu amigo.
Eu dei o número de Edward, ela anotou, sorriu e saiu. Ouvi uma batida na porta, eu esperava que fosse o Dr. Cunningham, mas era o Detetive Ramirez. Sua camisa hoje era caqui, a gravata marrom com um pequeno desenho branco e amarelo. Ele também usava um paletó marrom que combinava com sua calça. Era a primeira vez que eu o via com um terno completo. Gostaria de saber se as mangas da camisa estavam enroladas debaixo do paletó. Ele tinha vários balões brilhantes com personagens de desenhos animados. Os balões diziam coisas como "Saia brevemente" e desenhos do Ursinho Puff.
Eu tinha que sorrir.
- Você já enviou flores. - Havia um pequeno, mas agradável arranjo de margaridas e cravos em miniatura na cabeceira da mesa.
- Eu queria trazer algo pessoalmente. Desculpe, eu não consegui chegar mais cedo.
Meu sorriso diminuiu um pouco.
- Este nível de desculpas normalmente é reservado para namorados ou amantes, Detetive. Por que você está se sentindo tão culpado?
- Eu continuo tendo que te lembrar de me chamar de Hernando?
- Eu continuo esquecendo. - eu disse.
- Não, você não esquece. Está sempre tentando se distanciar.
Eu olhei para ele, provavelmente era verdade.
- Talvez.
- Se eu fosse seu amante teria seguido para o hospital e estado ao seu lado a cada minuto. - ele disse.
- Mesmo com uma investigação de assassinato acontecendo? - eu perguntei.
Ele teve a graça de dar de ombros e olhar envergonhado.
- Eu tentaria estar aqui a cada minuto.
- O que aconteceu enquanto estive aqui? O médico quis ter certeza que eu não descobriria nada.
Ramirez colocou os balões ao lado das flores.
- A última vez que eu tentei vê-la, o médico me fez prometer que não falaria sobre o caso.
- Eu não sabia que você esteve aqui antes.
- Você estava sedada.
- Eu não estava acordada?
Ele balançou a cabeça. Ótimo. Fiquei imaginando quantas pessoas haviam desfilado por aqui enquanto eu dormia.
- Vou sair hoje, assim acho que é seguro falar sobre o caso.
Ele olhou para mim e sua expressão foi o suficiente.
- Será que alguém não confia em mim?
- Você é como a maioria dos policiais que conheço, nunca sai do trabalho.
Eu levantei minha mão em uma saudação dos escoteiros.
- Honestamente, a enfermeira disse que terei alta hoje.
Ele sorriu.
- Lembre-se que eu vi como você voltou. Mesmo que saia do hospital hoje não voltará para o caso.
- O quê? Só vou olhar as fotos e ouvir sobre as pistas que outras pessoas encontraram?
Ele balançou a cabeça.
- Algo assim.
- Pareço Nero Wolfe? Eu não vou ficar em casa, fora da linha de fogo como uma menininha assustada.
Ele riu e ainda era uma boa risada. Um riso agradável e normal. Ele não tinha nenhum apelo sexual palpável de Jean-Claude, mas de certa forma gostei de sua normalidade. Mas... Tão agradável e acolhedor como o riso de Ramirez era a lembrança do sonho com Jean-Claude em minha cabeça. Eu podia sentir o toque em minha mão, um toque que permaneceu na minha pele como um perfume caro que fica no quarto tempo depois que a mulher vai embora.
Talvez fosse amor, mas o que quer que fosse era difícil encontrar um homem que pudesse competir com ele, não importa o quanto eu procurasse. Era como se quando estávamos juntos todos os outros homens desaparecessem, exceto Richard. Era isso o que significava estar apaixonada? Era isso? Eu gostaria de saber.
- No que está pensando? - Ramirez perguntou.
- Nada.
- Esse "nada" deixou você muito séria e quase triste.
Ele se aproximou da cama, os dedos tocando a borda do lençol. Seu rosto era delicado, questionador, muito aberto. Percebi que de uma forma Ramirez tinha o meu bilhete, ele me conhecia bem. Ele sabia o que eu gostava e o que detestava num homem melhor do que Jean-Claude em anos. Eu gostava de sua honestidade e transparência, era uma espécie de encanto de menino.
Havia outras coisas que levavam à luxúria, mas o meu coração estava no caminho. Jean-Claude quase nunca foi aberto sobre qualquer coisa. Ele sempre tinha uma dúzia de diferentes motivos para tudo o que fazia. Honestidade não era a melhor coisa nele. Jean-Claude tinha chegado lá primeiro, e para melhor ou pior era assim que as coisas eram.
Talvez um pouco de honestidade funcionasse aqui também.
- Eu queria saber se a minha vida seria diferente se eu tivesse conhecido você ou outra pessoa primeiro.
- Primeiro isso significa que você já conheceu alguém.
- Eu disse que tinha dois caras me esperando em casa.
- Você também disse que não poderia decidir entre eles. Minha avó sempre disse que a única razão para uma mulher hesitar entre dois homens é que ela não encontrou o caminho certo.
- Sua avó não disse isso.
Ele balançou a cabeça.
- Sim, ela disse. Ela estava sendo cortejada por dois homens, então conheceu o meu avô e soube por que hesitava tanto. Ela não gostava de nenhum dos dois.
Suspirei.
- Não me diga que fui apanhada em algum folclore de família?
- Você nunca disse que era comprometida. Diga que estou perdendo meu tempo e eu vou parar.
Eu olhei para ele, realmente olhei para ele, deixei meus olhos seguirem a linha do sorriso de seu rosto, o humor brilhando em seus olhos.
- Você está desperdiçando seu tempo. Desculpe, mas eu acho que está.
- Acha?
Eu balancei a cabeça.
- Pare com isso, Hernando. Eu tenho namorado, ok?!
- Você não está comprometida até que faça uma escolha definitiva, mas tudo bem. Eu não sou o um deles, se fosse você saberia. Quando encontrá-lo não terá dúvidas.
- Não me diga que você acredita no verdadeiro amor, alma gêmea, esse tipo de coisa?
Ele deu de ombros, os dedos correndo para cima e para baixo na borda do lençol.
- O que eu posso dizer? Fui criado com histórias sobre amor à primeira vista. Minha avó, meus pais, até mesmo meu bisavô diziam a mesma coisa. Conheceram a pessoa especial e ninguém mais existia depois disso.
- Você é descendente de uma família de românticos. - eu disse.
Ele acenou com a cabeça feliz.
- Meu bisavô Poppy falava do amor que sentia pela minha bisavó desde os tempos de escola até a sua morte.
- Parece bom, realmente, mas eu não acredito no amor verdadeiro, Hernando. Eu não acredito que só exista uma pessoa especial durante a vida inteira.
- Você não quer acreditar. - ele disse.
Eu balancei a cabeça.
- Não seja irritante, Hernando.
- Pelo menos você está usando o meu primeiro nome.
- Talvez porque eu não te veja mais como uma ameaça.
- Uma ameaça? Só porque eu gosto de você? Só porque eu pedi que saísse comigo? - Ele franziu a testa quando disse isso.
Foi a minha vez de dar de ombros.
- Tudo o que eu quero dizer, Hernando, é que basta encerrar o assunto. Eu não vou a lugar algum. Vou me decidir entre os dois homens que estão me esperando voltar para casa.
- Parece que você não estava certa sobre quem escolher até agora.
Eu pensei sobre isso por um segundo ou dois.
- Sabe de uma coisa, eu acho que você está certo. Acho que acabei olhando em volta procurando uma saída, mas isso não foi bom.
- Você não parece feliz. O amor deve fazê-la feliz, Anita.
Eu sorri e sabia que estava melancólica.
- Se você acha que o amor te faz feliz, Hernando, é porque nunca amou de verdade, ou nunca esteve apaixonado tempo suficiente para se comprometer.
- Você não é velha o suficiente para ser tão cínica.
- Não é cinismo, é a realidade.
Seu rosto era suave e triste.
- Você perdeu seu senso de romance.
- Eu nunca tive um senso de romance. Confie em mim, os homens em casa vão me ter de volta.
- Então eu realmente não tive sorte.
- Não me leve a mal, você ainda vai ouvir sobre o amor verdadeiro e romance, eu tenho pena de você. Está se preparando para a uma grande queda, Hernando.
- Não se eu ficar de fora. - ele disse.
Eu sorri e balancei a cabeça.
- Não é contra as regras os detetives serem ingênuos?
- Você acha que sou ingênuo?
- Eu sei que é, mas isso é doce. Desejo-lhe sorte para encontrar sua cara metade.
A porta se abriu e o Dr. Cunningham entrou, Ramirez perguntou:
- Será que ela realmente sai hoje, Doutor?
- Sim.
- Por que ninguém acredita em mim? - eu perguntei.
Ambos olharam para mim. Engraçado como as pessoas rapidamente capturam certos aspectos da minha personalidade.
- Quero examiná-la mais uma vez, depois estará livre para ir.
- Alguém vem te buscar? - Ramirez perguntou.
- Eu pedi para a enfermeira ligar para Ted, mas não sei se ela conseguiu, ou se ele está em casa.
- Vou esperar para lhe dar uma carona. - Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ele acrescentou. - Para que serve os amigos?
- Obrigada, isso significa que você pode me informar sobre o caso antes que eu saia daqui.
- Você nunca desiste, não é?
- Não sobre um caso. - eu disse.
Ramirez saiu balançando a cabeça, dando ao médico e a mim um pouco de privacidade. O Dr. Cunningham me examinou e finalmente apenas pressionou minhas costas com as mãos. Estava quase curada.
- É simplesmente impressionante. Tratei licantropos antes, Sra. Blake, e você se cura quase tão rápido quanto eles.
Flexionei minha mão esquerda esticando a pele onde estava à marca da mordida feita por um dos esfolados. A mordida estava rosa pálida, cicatrizada semanas antes do previsto. Gostaria de saber se a cicatriz eventualmente desapareceria ou se seria permanente.
- Eu fiz um exame de sangue em você. Eu mesmo levei a amostra de sangue ao Departamento de Genética e mandei que procurassem algo não humano.
- O trabalho genético leva semanas ou meses. - eu disse.
- Eu tenho um amigo no departamento.
- Uma amiga. - eu disse.
Ele sorriu e estava mais corado do que deveria.
- Sim, uma amiga.
- Então, eu posso ir embora?
- Sim. - Seu rosto ficou sério novamente. - Mas eu ainda gostaria de saber o que diabos você é.
- Você não acredita que sou humana?
- Quarenta e oito horas após a sua segunda lesão tiveram que retirar os pontos das costas porque a pele estava começando a crescer sobre eles. Não, eu não acredito que seja humana.
- É uma história muito longa, Doutor. Se fosse algo que eu pudesse lhe ensinar para usar em outras pessoas eu diria, mas não é esse tipo de coisa. Você pode chamar de cura milagrosa ou algum outro nome menos agradável.
- Você nunca teria sobrevivido às lesões se fosse humana.
- Talvez.
- Talvez não. - ele disse.
- Estou contente por estar viva. Estou feliz por estar quase cicatrizado. Estou contente por não demorar meses para me recuperar. O que mais você quer que eu diga?
Ele colocou o estetoscópio sobre os ombros segurando as pontas e franzindo a testa para mim.
- Nada. Vou dizer ao Detetive Ramirez que ele pode falar sobre o caso com você. - ele olhou para as flores e os balões. - Você está aqui há quanto tempo, cinco dias?
- Algo como isso.
Ele tocou em um dos balões.
- Você se cura rápido.
- Eu não acho que me curo tão rápido assim.
Ele bateu nos balões fazendo-os balançar como alguma criatura submarina.
- Seja como for, aproveite sua estadia em Albuquerque e tente se manter saudável.
Com isso ele deixou e quarto e Ramirez voltou.
- O doutor disse que eu posso falar do caso com você de novo.
- Oba.
- Você não vai gostar. - ele estava sério.
- O que aconteceu?
- Houve outro assassinato, e você não foi convidada para ver a cena do crime, nem eu.
50
- Do que você está falando?
- Marks está encarregado do caso. Ele tem o direito de usar seus recursos como quiser.
- Pare de falar sobre a política retórica e me diga o que aquele idiota fez agora.
Ele sorriu.
- Tudo bem. Os homens designados para o caso é um desses recursos. Ele decidiu que era melhor utilizar a delegacia para guardar os itens confiscados nas casas das vítimas e registrar tudo com fotos e vídeo.
- Fotos e vídeos para quê? - eu perguntei.
- Para fins de seguro. Muitas das casas tinham peças raras e antigas que estavam no seguro, isso significa que precisam provar que tinham as peças para começar.
- O que você achou na última cena do crime no rancho?
O sorriso não mudou, mas seus olhos passaram de agradáveis para astutos.
- Não é só porque você é bonitinha. Eu gosto da maneira que você pensa.
- Apenas me diga.
- Havia várias peças semelhantes, pois a maioria das pessoas tinha recolhido coisas nessa área, no geral nada fora do comum. Exceto por isto.
Ele tirou um envelope de dentro do terno.
- Eu sabia que você estava de paletó por alguma razão.
Ele riu, abriu o envelope e depositou as fotos no meu colo. Metade delas foi tirada por uma câmera semi-profissional e mostrava imagens de uma pequena peça talhada de turquesa. A primeira vista parecia maia ou asteca. Eu ainda não conseguia dizer a diferença entre elas só olhando. O segundo conjunto mostrava o objeto de estudo do homem que tinha sido morto, o único que tinha usado sal para interromper o monstro. Havia várias imagens tiradas de ângulos diferentes.
- Você roubou essas fotos? - eu perguntei.
Ele balançou a cabeça.
- Peguei essa tarde depois que ele decidiu que eu não poderia ir ao local do crime.
Eu levantei uma das primeiras séries de fotos.
- Trata-se de uma caixa de madeira, muito melhor a luz natural. São fotos para o seguro?
Ele balançou a cabeça.
- A quem isso pertence?
- A primeira casa que você visitou.
- Os Bromwells. - eu disse.
Ele levantou outra imagem.
- Esta foi da casa dos Carsons. Ou ninguém se importava, ou não pensaram em fazer o seguro.
- Será que essas pessoas não colocaram outras peças no seguro?
- Sim.
- Merda. - eu disse. - Não sei muito sobre essas coisas, mas sei que são valiosas. Por que não tentar colocá-los no seguro se são peças valiosas?
- E se eles pensaram que eram peças ilegais?
- Ilegais? Por que pensariam isso? - eu perguntei.
- Talvez por causa das duas casas, podemos comprovar a história de cada peça onde e quando as conseguiram realmente.
- O que você quer dizer?
- Algo como isso não aparece do nada. Tem que ter uma história se você quer fazer um seguro. Encontramos os papéis entregues a uma empresa de seguros e um pouco de investigação mostrou que ninguém nunca ouviu falar das pessoas que supostamente desenterraram e venderam as peças.
- Então a empresa se recusou a fazer o seguro das peças. - eu disse.
- Sim.
Havia algo em seu rosto, uma emoção reprimida como se ele soubesse de um pequeno segredo.
- Você está escondendo alguma coisa, o que é?
- Você sabe quem é Riker?
- Ele é um caçador de tesouros, um comerciante ilegal de artefatos.
- Por que ele estaria tão interessado neste caso?
- Eu não tenho idéia. - olhei as fotos no meu colo. - Você está dizendo que ele vendeu essas peças para as vítimas?
- Não pessoalmente, mas Thad Bromwell, o filho adolescente, estava com a sua mãe quando ela comprou, foi um presente de aniversário para o Sr. Bromwell. Eles compraram em uma loja onde Riker é sócio e fez parecer legítimo.
- Você já falou com os proprietários da loja?
- Só conseguiremos falar com ele se você tiver um tabuleiro ouija.
- Ele é a mais nova vítima?
Ramirez acenou sorrindo.
- É isso aí.
Eu balancei a cabeça.
- Ok, Riker está extraordinariamente interessado no caso. Ele queria falar comigo especificamente sobre isso. Pelo menos duas das vítimas são pessoas que compraram uma de suas peças. O dono da loja que vendeu as peças está morto também. - eu olhei para ele. - É o suficiente para um mandato?
- Nós já procuramos em sua casa. Riker e seus homens são suspeitos pela morte de dois policiais. Não será difícil encontrar um juiz que nos dê um mandato para procurar o que eles pegaram na casa de Ted.
- O que diabos o mandato daria permissão para procurar? Eles não mencionaram artefatos roubados na casa de Ted, apenas apontaram as armas para nós e Riker disse que queria falar sobre o caso.
- O mandato era para procurar armas.
Eu balancei a cabeça.
- Assim, mesmo que você encontre artefatos roubados não poderá usá-los como prova no tribunal.
- Era apenas quero uma desculpa para vasculhar a casa, Anita. Você conhece o ditado.
- Você encontrou alguma coisa?
- Umas poucas armas, duas sem licença, mas o mandado não nos permite arrebentar paredes ou destruir coisas. Não podemos puxar o tapete ou derrubar as prateleiras, Riker tem um esconderijo secreto para os artefatos, mas ainda não encontramos.
- Ted foi com você até lá?
- Sim. - ele estava carrancudo agora.
- O que há de errado?
- Ted queria levar um martelo para arrebentar algumas das paredes. Ele parecia certo de que havia um quarto escondido nas áreas mais baixas, mas não conseguimos encontrar uma maneira de abri-lo.
- E o mandato não permite que você quebre as coisas. - eu disse.
- Não.
- O que Riker pensa de toda a diversão?
- Seu advogado estava gritando alguma coisa sobre assédio. Ted levantou-se tranquilamente e disse alguma coisa para ele. O advogado disse que ele ameaçou seu cliente, mas Riker não iria processá-lo. Ele não quis contar o que Ted disse.
- Você acha que Ted o ameaçou?
- Oh, sim.
Não era normal Edward ameaçar alguém, especialmente na frente da polícia. O caso realmente estava ficando pessoal.
- Então o que diabos são essas pequenas figuras nessas peças?
- Ninguém sabe. Segundo os especialistas é asteca, de um período depois da conquista.
- Espere um minuto, você quer dizer que estas peças foram esculpidas após os espanhóis chegarem e chutarem os traseiros dos astecas?
- Não depois, parece que foi ao mesmo tempo.
- Quem é esse especialista?
Ele mencionou um nome que eu não conhecia.
- Será que importa quem é o perito?
- Eu pensei que vocês estavam usando a Professora Dallas.
- Marks acha que ela está gastando muito tempo com os demônios profanos.
Se ele quer dizer Borboleta Obsidiana, então eu concordo. Nós dois nunca concordamos com nada. Caramba, isso é quase assustador.
- Então você acha que ela é uma fonte de contaminação também?
- Eu acho que Dallas pensa que o sol brilha por causa da bunda de Itzpapalotl, então sim.
- Você mostrou uma destas fotos para Dallas?
Ele balançou a cabeça.
- A dos Bromwells.
- E o que ela disse?
- Que era uma farsa.
Eu levantei as sobrancelhas para ele.
- E o que o outro especialista acha?
- Que entende por que alguém pensaria que era uma farsa só olhando as fotos. As figuras têm rubis nos olhos e os astecas não tinham acesso a rubis. Portanto, só pelas fotos você pode pensar que é uma farsa.
- Eu ouvi um "mas" vindo por aí. - eu disse.
- O Doutor Martinez conseguiu segurá-lo na mão, olhar a peça de perto, e acha que é autêntico, algo feito depois da chegada dos espanhóis.
- Eu não acho que foram feitos depois da chegada dos espanhóis. Eles não destruíram tudo?
- Se essas peças forem autênticas, aparentemente não. O Dr. Martinez disse que vai precisar fazer mais testes para ter cem por cento de certeza.
- Um homem cauteloso.
- A maioria dos acadêmicos são.
Eu dei de ombros. Alguns eram, outros não.
- Vamos imaginar que Riker tenha encontrado essas peças e vendido para algumas pessoas que sabiam que eram autênticas, ou suspeitavam que eram, e vende na loja como peças legítimas. Ele mata os clientes e a trilha nos leva de volta até ele. É disso que Riker tem medo?
- Parece razoável. - disse Ramirez.
Comecei a olhar para as fotos, as imagens não eram muito boas, mas foram tiradas de vários ângulos. Parecia que a figura estava usando um tipo de armadura. Suas longas mãos pareciam segurar alguma coisa.
- Martinez disse o que esta figura está segurando?
- Ele não tinha certeza.
Havia pessoas enroladas em torno de seus pés, mas eles eram finos e longos, não gordos e quadrados como a própria figura. Os olhos eram rubis, a boca aberta e cheia de dentes. Havia uma longa língua saindo da boca e parecia sangue escorrendo por ela.
- É uma peça repugnante de se olhar.
- Sim. - Ele pegou uma das fotos sobre o lençol e olhou para ela quando falou. - Você acha que é essa coisa que está por aí matando as pessoas?
Olhei para ele.
- Um deus asteca, um deus de verdade lá fora matando as pessoas?
Ele balançou a cabeça ainda olhando para a foto.
- Se você quer dizer um deus de verdade, então eu não sou monoteístas de jeito nenhum. Se quer dizer que é algum tipo de monstro sobrenatural desagradável associado a este deus em particular, então por que não?
Ele olhou para mim.
- Por que não?
Eu dei de ombros.
- Você estava esperando um sim ou não definitivo? Eu não sei muito sobre o panteão asteca, exceto que a maioria das divindades eram grandes e maus e exigiam sacrifícios, geralmente humanos. Eles não têm um panteão grande o bastante para um deus maior. Algo grande e ruim o suficiente para que você não lute com ele, basta tentar pará-lo com magia ou sacrifício, ou você morre. E essa criatura que vem provocando todas essas mortes não é assim tão má.
Lembrei-me que Nicky Baco tinha dito que a voz em sua cabeça dizia que ainda estava preso, e a criatura que estava cometendo os crimes era apenas um de seus seguidores, não o próprio monstro.
- Você está séria novamente, em que está pensando? - Ramirez perguntou.
Olhei para ele e tentei decidir o quanto ele era um policial, e quão bom jogador ele seria. Eu nunca poderia dizer isso para Dolph. Ele teria usado a informação como material estritamente policial.
- Tenho informações de um informante que não quero citar o nome agora, eu acho que você precisa saber o que foi dito.
Seu rosto estava solene agora.
- Você obteve essa informação legalmente?
- Não fiz nada ilegal para obter essa informação.
- Não é exatamente um "não". - ele disse.
- Você quer saber ou não?
Ele suspirou e soltou o ar lentamente.
- Sim, eu quero.
Eu falei para ele o que Nicky tinha dito sobre a voz e sobre a criatura estar aprisionada. Eu terminei dizendo:
- Eu não acredito que seja um deus de verdade, mas acredito que tenha sido adorado com um.
- Você está dizendo que nós não vimos o pior ainda?
- Se o que está matando essas pessoas é apenas um seguidor e o mestre ainda está preso, então sim, estou dizendo que o pior ainda está por vir.
- Eu realmente gostaria de falar com esse informante.
- Você até poderia, mas Marks pegaria esse informante tão rápido que nós nunca descobriríamos o que essa pessoa sabe. Depois de aplicar uma condenação de morte automática em alguém, eles tendem a não cooperar.
Olhamos um para o outro.
- Há apenas uma pessoa com quem você falou que poderia ganhar uma sentença de morte automática. Esta pessoa é Nicky Baco.
Eu nem sequer pisquei, era como se eu não soubesse que ele descobriria. Eu estava pronta para ele e sabia mentir melhor que isso.
- Você não tem idéia das pessoas com quem falei desde que cheguei. Eu falei com pelo menos três pessoas que poderiam ser condenadas com uma sentença de morte.
- Três? - Ele fez uma pergunta.
Concordei.
- Pelo menos.
- Ou você é uma mentirosa melhor do que eu pensei, ou está dizendo a verdade.
Eu apenas olhei em branco com o rosto muito sério. Mesmo meus olhos estavam tranquilos e capazes de sustentar seu olhar sem vacilar. Houve um tempo, não há muito tempo atrás, que eu não conseguiria fazer isso. Mas esse tempo passou e eu não era mais a mesma pessoa.
- Tudo bem, se há algum tipo de deus asteca lá fora, o que vamos fazer?
Havia apenas uma resposta.
- Itzpapalotl deve saber alguma coisa sobre isso.
- Vamos perguntar a ela sobre os crimes?
- Assim como eu fiz.
Ele me olhou longa e duramente.
- Você foi sem o apoio da polícia, e não compartilhou o que descobriu.
- Eu não encontrei nada sobre os crimes. Ela me disse que não sabia de nada, mas quando falei do caso ela ressaltou que não sabia que uma divindade podia esfolar as pessoas e mantê-las vivas. Mais tarde descobri que elas estavam mortas. Ela ressaltou que somente através do sacrifício de morte poderia ser um mensageiro adequado aos deuses. Novamente ela repetiu quase palavra por palavra que não sabia de nenhum deus que esfolava as pessoas e as mantinha vivas. Talvez devêssemos ir até lá e perguntar se ela sabe de alguma divindade ou criatura que possa esfolar as pessoas e não mantê-las vivas.
- Ah, você está convidando a polícia agora?!
- Estou convidando você.
Ele começou a pegar as fotos e guardar de volta no envelope.
- Eu tirei as fotos da sala de evidências, mas assinei por elas. Peguei as fotos para que o Dr. Martinez visse a estátua, mas era oficial. Eu não fiz nada de errado ainda.
- Marks vai ficar puto da vida quando descobrir que você encontrou coisas importantes, ele pretendia apenas tirar você do caminho.
Ramirez sorriu, mas não era exatamente um sorriso satisfeito.
- É mais do que isso. Marks vai levar todo o crédito pela brilhante idéia de colocar um de seus detetives sênior para investigar as relíquias.
- Você está brincando comigo.
- Ele me enviou para a sala de evidências para examinar todos os itens das casas das vítimas.
- Ele fez isso para humilhá-lo e tirá-lo do caminho!
- Mas ele não disse isso em voz alta. Em voz alta vai parecer que estava inspirado.
- Ele já fez merdas como essa antes.
Ramirez assentiu.
- Ele é um político muito bom, e quando não está fazendo merda é um bom detetive.
- Tudo bem. Você mencionou que não pode entrar na cena do crime também. O que tinha lá?
- Bem, todos nós pensamos que Marks estava fora do jogo, mas ele conseguiu tirar Ted e seus amigos depois de provar que não foram de grande ajuda no caso e que sem você, sua mais nova perita, Ted não era necessário na cena do crime.
- Oh, eu aposto que Ted vai adorar isso.
Ramirez assentiu.
- Ele não foi muito... Profissional, o contrário de quando formos revistar a casa de Riker. Eu nunca vi Ted assim. - Ramirez balançou a cabeça. - Eu não sei, ele parecia diferente quase descontrolado.
Edward tinha deixado um pouco do seu verdadeiro "eu" onde a polícia poderia ver. Ele tinha que estar sob imensa pressão para estragar seu disfarce assim, ou pensou que era necessário. De qualquer maneira as coisas eram ruins quando Ted começava a perder o foco e o verdadeiro Edward aparecia por acidente ou de propósito.
A porta se abriu sem bater. Era Edward.
- E por falar no diabo. - eu disse.
Era o rosto de Edward, mas eu vi quando se transformou em Ted, sorrindo, o cansaço ao redor dos olhos.
- Detetive Ramirez, eu não sabia que você estava aqui.
Eles apertaram as mãos.
- Eu estava apenas contando para Anita algumas das coisas que ela perdeu.
- Você falou para ela o que descobriu sobre Riker?
Ramirez assentiu.
Edward ergueu um saco de ginástica.
- Roupas.
- Você não teria tempo de vir de sua casa até aqui quando a enfermeira ligou.
- Eu coloquei suas roupas no saco quando você voltou para o hospital. Estou com elas no meu Hummer desde então.
Olhamos um para o outro e havia coisas não ditas entre nós. Talvez Ramirez tenha visto, ou talvez tenha apenas sentido.
- Vou deixar vocês dois sozinhos. Provavelmente vocês têm coisas para conversar, informantes misteriosos e coisas assim. - Ele foi para a porta.
- Não vá muito longe, Hernando. Assim que eu me vestir vamos visitar Borboleta Obsidiana.
- Só se for oficial, Anita. Nós entramos e eu apelo para ajuda policial.
Foi a nossa vez de manter um contato visual sólido e usar como peso de vontades. Pisquei primeiro.
- Tudo bem. Entraremos com a polícia como bons meninos e meninas.
Ele deu aquele sorriso quente que poderia mostrar a qualquer momento que quisesse, ou talvez fosse real, e minha natureza cínica estivesse duvidando.
- Bom, vou esperar lá fora. - Ele hesitou, depois voltou e entregou o envelope a Edward. Ele olhou para mim mais uma vez, em seguida saiu.
Edward abriu o envelope e olhou dentro.
- O que é isso?
- A ligação entre os crimes, eu acho.
Expliquei o que Ramirez e eu estávamos discutindo sobre Riker e por que ele poderia estar interessado no caso em um nível muito pessoal.
- Isso significaria que Borboleta Obsidiana mentiu para nós. - ele disse.
- Não, ela nunca mentiu. Ela disse que não conhecia nenhuma divindade ou criatura que esfolasse as pessoas e as mantivesse vivas. Eles não estão vivos, estão mortos. Tecnicamente não era uma mentira.
Edward sorriu.
- Esse é um corte muito fino.
- Ela é uma vampira de novecentos e poucos, quase mil anos de idade. Eles tendem a cortar a verdade muito fina.
- Espero que goste do que escolhi para você usar.
A maneira como disse isso me fez começar a tirar as coisas para fora do saco de ginástica. Jeans preto, camiseta preta, meias preta, tênis Nike preto, um cinto preto de couro, minha jaqueta preta que estava terrível por ficar dobrada durante dois dias, sutiã preto, a calcinha de cetim preta que Jean-Claude me deu e que tinha sido uma má influência em meu vestuário e por baixo de tudo a Browning, todas as facas, um clipe extra para a Browning, duas caixas de munições e um novo coldre de ombro. Era um coldre de nylon. Eu não gostava muito dele porque era sempre necessário colocá-lo um ângulo para baixo para evitar que raspasse meu peito toda vez que eu precisasse pegar a arma.
Ocultar uma arma é a arte do compromisso.
- Eu sei que você gosta de couro, mas a maioria das pessoas que usam esse equipamento não são tão pequenas como você. As tiras sobre o nylon podem ser ajustadas ao seu tamanho.
- Obrigada Edward. Eu estava perdendo o meu equipamento.
Olhei para ele tentando ler seus frios olhos azuis.
- Por que tanta munição?
- É melhor sobrar do que faltar. - ele disse.
Eu fiz uma careta para ele.
- Estamos indo a algum lugar onde eu vá precisar de tudo isso?
- Se eu achasse que precisaria teria trazido a mini-Uzi e o cano curto. Isso é apenas o material que você normalmente carrega.
Eu peguei a faca grande que normalmente ficava em minhas costas.
- Quando eles cortaram o coldre de ombro, cortaram o equipamento que eu guardava isso também.
- Era especial?
Concordei.
- Eu perguntei por aí e ninguém tinha uma bainha para ocultar algo tão grande nas costas. - Edward disse.
- Foi um trabalho personalizado.
Coloquei a faca de volta no saco quase com tristeza.
- Não há nenhuma maneira de esconder essa coisa sem um equipamento para ele.
- Fiz o melhor que pude. - ele disse.
Eu sorri para ele.
- Não, assim está ótimo.
- Por que estamos levando a polícia conosco para Borboleta Obsidiana?
Eu disse a ele o que Jean-Claude tinha me dito, mas não como a mensagem tinha sido entregue.
- Com a polícia nas nossas costas ela saberá que não é política vampiro e provavelmente seremos capazes de sair sem lutar.
Ele estava encostado na parede de braços cruzados. A camisa branca solta por fora da calça. Sua arma estava aparecendo, mas só se você soubesse o que estava procurando. Ele explicou o motivo da camisa branca não estar por dentro da calça, e o fato de que estava usando uma camiseta por baixo provavelmente significava que tinha algo nele que irritava sua pele sem o pano entre eles.
- Você ainda está carregando aquelas facas? - eu perguntei.
- Você não pode vê-las, não com a camisa fora da calça. - ele nem sequer tentou negar. - Por quê?
- Porque você está usado uma camiseta, e porque a camisa está fora da calça. Eu sei, é parcialmente para ocultar a arma, mas você nunca usa camiseta, então você está com a camiseta porque o que está escondido aí irrita a sua pele sem ela.
Ele sorriu e era um sorriso de satisfação, quase orgulhoso como se eu tivesse dito algo inteligente.
- Estou levando mais duas armas, uma faca, e um garrote. Diga-me onde estão e eu lhe darei um prêmio.
Meus olhos se arregalaram.
- Um garrote. Isso é muito psicopata até mesmo para você.
- Desiste?
- Não. Há um limite de tempo?
Ele balançou a cabeça.
- Nós temos a noite toda.
- Se eu errar serei penalizada?
Ele balançou a cabeça.
- Qual é o prêmio se eu descobrir onde está tudo?
Ele deu aquele sorriso secreto que dizia que sabia de coisas que eu nem imaginava.
- É um prêmio surpresa.
- Saia para que eu possa me vestir.
Ele tocou o cinto que estava na cama.
- Esta fivela não era preta, quem pintou?
- Eu.
- Por quê?
Ele sabia a resposta.
- Porque se eu sair após o escurecer a fivela não captura a luz e mostra a minha posição. - Eu levantei a ponta de sua camisa branca expondo a grande fivela prateada. - Isto é como um farol depois que escurece.
Ele olhou para mim sem fazer nenhum movimento para abaixar a camisa.
- Isso é apenas um clipe sobre a fivela verdadeira.
Eu soltei sua camisa.
- A fivela embaixo?
- É preta também. - ele disse.
Nós sorrimos e isso apareceu em nossos olhos. Gostávamos um do outro. Éramos amigos.
- Às vezes eu acho que não quero ser como você quando crescer, Edward, e às vezes acho que é tarde demais, eu já cheguei lá.
O sorriso desapareceu deixando seus olhos da cor do céu de inverno, assim como impiedosos.
- Só você pode decidir até onde pode ir, Anita. Só você pode decidir o quão longe você vai.
Eu olhei para as armas e as roupas pretas como de um funeral, até mesmo para as marcas em minha pele.
- Talvez fosse um começo se eu comprasse algo rosa.
- Rosa?- Edward perguntou.
- Sim rosa, como Easter Bunny.
- Como algodão doce. - ele disse. - Ou quando as mulheres vão a um chá de bebê.
- Quando você esteve em um chá de bebê? - eu perguntei.
- Donna me levou há dois deles. Era chás de bebês para casais.
Olhei para ele com os olhos arregalados.
- Você foi a um chá de bebê para casais?
- Não consigo imaginar você em algo da cor de algodão doce e roupas de boneca. - ele balançou a cabeça. - Anita, você é uma das mulheres menos rosa que já conheci.
- Quando eu era uma garotinha teria dado uma pequena parte do corpo para ter uma cama de dossel rosa e papel de parede de bailarina.
Ele arregalou os olhos surpreso.
- Você em uma cama de dossel rosa com papel de parede de bailarina. - Ele balançou a cabeça. - Só de tentar imaginar me deu dor de cabeça.
Olhei para as coisas espalhadas sobre a cama.
- Eu já gostei de rosa uma vez, Edward.
- A maioria de nós começa suave, - ele disse. - mas você não pode ficar desse jeito e sobreviver.
- Tem que existir um lugar onde eu não vou, algo que eu não faça, alguma linha que eu não possa cruzar, Edward.
- Por quê? - Essa palavra tinha mais curiosidade do que ele normalmente permitia a si mesmo.
- Porque se eu não tiver essa linha ou limites, que tipo de pessoa eu serei?
Ele balançou a cabeça movendo o chapéu de cowboy em sua cabeça.
- Você está tendo uma crise de consciência.
Concordei.
- Sim, eu acho que estou.
- Não seja suave agora, Anita. Eu preciso de você para fazer o que você faz melhor, e o que você faz de melhor não é macio ou suave. O que você faz de melhor é o que eu faço de melhor.
- E o que é? O que fazemos de melhor?
Eu perguntei e sabia que a raiva aparecia através de minha voz, eu estava ficando irritada com ele.
- Nós fazemos o que for preciso para fazer um trabalho bem feito.
- Tem que haver mais vida além da praticidade final, Edward.
- Se isso faz você se sentir melhor, nós temos motivos diferentes. Eu faço o que faço porque amo o meu trabalho. Não é só o que eu faço, é quem eu sou. Você faz esse tipo de trabalho para salvar vidas, para diminuir os danos. - Ele me olhou com olhos tão vazios como o de qualquer vampiro. - Mas você ama seu trabalho também, Anita. Você ama, e isso te incomoda.
- A violência é uma das minhas três melhores respostas agora, Edward, talvez a número um.
- E isso te manteve viva.
- A que preço?
Ele balançou a cabeça e agora o vazio foi substituído pela raiva. De repente ele começou a avançar. Eu vi sua mão indo sob a camisa e rolei para fora da cama com a Browning na mão direita direto para o chão com a arma apontada para cima, os olhos em busca de movimento. Ele tinha desaparecido.
Meu coração estava batendo tão alto que eu mal podia ouvir qualquer movimento. Ele tinha que estar em cima da cama, era o único lugar que poderia ter ido. Do ângulo em que eu estava não conseguia ver quase nada, apenas o canto do colchão e um pedaço do lençol.
Conhecendo Edward, a munição na Browning provavelmente era caseira, o que significava que se eu atirasse de baixo para cima acertaria o que estava em cima da cama. Senti todo o ar sair de meu corpo e apontei. A primeira bala teria que atingi-lo ou fazê-lo se mexer, então eu teria uma idéia melhor de onde ele estava.
- Não atire, Anita.
Sua voz me fez mover o cano da arma apenas um pouco mais para a direita. A bala acertaria o meio de seu corpo porque ele estava agachado lá em cima, e não deitado. Eu sabia mesmo sem vê-lo.
- Foi um teste, Anita. Se eu quisesse realmente te atacar, eu avisaria primeiro, você sabe disso.
Eu sabia, mas... Ouvi o rangido da cama.
- Não se mova, Edward.
- Você pensa que pode simplesmente decidir acabar com tudo isso? Você não pode. O gênio está fora da garrafa para você, Anita, assim como está para mim. Você não pode destruir a si mesma. Pense em todo esforço, toda a dor que suportou para chegar onde está. Você realmente quer jogar tudo fora?
Eu estava deitada de costas segurando a arma com as duas mãos. O chão estava frio onde a camisola hospitalar se abrira em minhas costas.
- Não. - eu disse finalmente.
- Se o seu coração começar a sangrar por todas as coisas ruins que você faz, não será a última coisa que vai sangrar.
- Você realmente estava me testado, seu filho da puta!
- Posso me mexer agora?
Eu tirei o dedo do gatilho e sentei no chão.
- Sim, você pode se mover.
- Será que você viu o quanto foi rápida ao pegar sua arma? Você sabia onde eu estava, tinha certeza e estava tentando se proteger e tentando me acertar.
Novamente havia aquele orgulho, como um professor com seu aluno favorito.
Olhei para ele.
- Nunca mais faça algo assim novamente, Edward.
- É uma ameaça? - ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Não é uma ameaça, apenas instinto. Cheguei muito perto de acertar você.
- E enquanto estava fazendo isso sua consciência não estava incomodando. Você não estava pensando "Estou prestes a acertar meu amigo".
- Não, eu não estava pensando em nada, apenas bem como conseguir o melhor tiro possível antes que você tivesse tempo de atirar em mim.
Não fiquei feliz em dizer isso, eu me sentia como se estivesse matando a mim mesma e a demonstração de Edward confirmava essa morte. Isso me deixou triste e um pouco deprimida, e eu não estava contente com Edward.
- Uma vez eu conheci um homem como você. - Edward disse. - Ele começou a se preocupar se era uma pessoa má e isso o matou. Eu não quero vê-la morta porque você hesitou. Se eu tiver que enterrá-la, então quero que seja apenas porque alguém foi melhor que você ou teve mais sorte.
- Eu quero ser cremada, não enterrada.
- Você é cristã, católica praticante episcopal, e quer ser cremada?
- Não quero ninguém tentando me levantar dos mortos ou roubando partes do meu corpo para feitiços. Apenas lembre-se de tudo isso, obrigada.
- Cremada. Vou me lembrar.
- E você Edward? O que quer que eu faça com seu corpo?
- Não importa. - disse ele. - Estarei morto e não me importo.
- Nenhuma família?
- Apenas Donna e as crianças.
- Eles não são a sua família, Edward.
- Talvez sejam.
Acionei a trava de segurança da Browning.
- Não temos tempo para discutir sobre o amor da sua vida e minha crise moral. Saia para que eu possa me vestir.
Ele estava com a mão na porta quando se virou.
- Falando de vida amorosa, Richard Zeeman ligou.
Isso chamou a minha atenção.
- O que quer dizer com Richard ligou?
- Ele parecia saber que algo ruim havia acontecido com você, estava preocupado.
- Quando ele ligou?
- No início da noite.
- Ele disse mais alguma coisa?
- Que ele finalmente ligou para Ronnie e teve que rastrear o úmero de Ted Forrester. Ele parecia pensar que você deveria deixar um número para que pudesse entrar em contato. - Seu rosto estava totalmente em branco, vazio. Apenas seus olhos tinham um leve toque de diversão.
Assim, ambos os meninos finalmente se sentiram frustrados com o meu silêncio. Richard procurou a minha melhor amiga, Ronnie, que passou a ser uma investigadora particular. Jean-Claude tinha tomado uma rota mais direta. Mas os dois chegaram a mim na mesma noite. Será que eu deveria comparar as notas?
- O que você disse a Richard?
Coloquei a arma em cima da cama com o resto da roupa e as outras armas.
- Que você estava bem. - Edward estava olhando ao redor do quarto. - O Dr. Cunningham ainda não permitiu um telefone aqui?
- Não.
Eu tinha conseguido abrir a parte de trás da camisola.
- Então como é que Jean-Claude entrou em contato com você?
Parei na metade do movimento. A camisola escorregou em um dos ombros e tive que pegá-lo com a mão. Ele me pegou desprevenida e eu nunca fui muito boa em mentir no calor do momento.
- Eu nunca disse que ele me telefonou.
- Então como foi?
Eu balancei a cabeça.
- Saia Edward. A noite não está ficando mais jovem.
Ele ficou olhando para mim com o rosto frio cheio de suspeitas.
Peguei o sutiã com uma mão e virei de costas para ele. Deixei a camisola cair até a cintura e encostei-me à cama para mantê-la no lugar. Não havia nenhum som atrás de mim, coloquei a calcinha por baixo da camisola. Eu estava com o jeans na metade das pernas quando ouvi a porta abrir e fechar em silêncio, virei e encontrei a porta vazia. Terminei de me vestir e peguei todos os artigos de toaletes, joguei no saco de ginástica juntamente com a faca e as caixas de munição. O coldre de ombro novo fazia com que eu me sentisse estranha. Eu estava acostumada com o couro que tinha um ajuste apertado e seguro. Acho que o nylon era seguro, mas muito confortável.
Coloquei as facas nas bainhas de pulso, tanto a Firestar como a Browning tinham a munição feita por Edward. Estávamos indo para Borboleta Obsidiana como policiais, e isso significava que se eu tivesse que atirar em alguém teria que explicar para as autoridades mais tarde e eu não queria explicar como acabei com munição caseira e ilegal nas minhas armas. Além disso, eu tinha visto o que as balas de prata podiam fazer em um vampiro. Era o suficiente.
A Firestar entrou em um coldre interno da calça, embora ela parecesse um pouco apertada. Talvez eu não estivesse malhando o suficiente. Praticar Kenpo não era a mesma coisa que um treino completo com pesos e corrida. Outra coisa a prestar mais atenção quando voltasse para St. Louis, eu estava deixando muitas coisas para depois.
Coloquei a Firestar em um pequeno espaço em minhas costas. Tenho uma ligeira oscilação nas costas por isso há sempre mais espaço para uma arma lá, mas não era um lugar rápido para sacar.
Algo sobre a estrutura de uma mulher com quadril largo mostrava que guardar a arma na parte de trás da calça não era a melhor idéia. Guardar a arma nesse pequeno espaço diz o quanto o jeans estava apertado. Definitivamente vou ter que voltar a fazer um horário regular de ginástica. Os primeiros cinco quilos são fáceis de perder, os outros cinco são mais difíceis, e fica ainda mais difícil a partir daí. Eu era robusta quando estava no ginásio, perto de ser gorda, assim eu sabia o que estava falando. Sempre odiei as mulheres que se queixam de ser gorda quando usam manequim 42. Qualquer coisa acima de 48 não é uma mulher, é um menino com peitos.
Olhei para a jaqueta preta. Dois dias dobrada em um saco de ginástica e ela precisava desesperadamente ir à lavanderia. Decidi levá-la dobrada sobre um braço, eu realmente não precisava esconder as armas até chegar ao clube. As facas seriam ilegais se eu fosse uma policial ou uma civil, mas eu era uma executora de vampiros e precisava levar as facas. Gerald Mallory, o avô do nosso negócio, testemunhou perante uma subcomissão do Senado, ou algo assim, a forma como as facas muitas vezes salvaram sua vida. Mallory era muito querido em Washington, era a sua base. Portanto, a lei foi modificada para que levássemos facas, mesmo àquelas realmente grandes. Se alguém questionasse, tudo que eu tinha que fazer era mostrar minha licença de executora. Naturalmente isso se baseava em conhecer as brechas da lei. Nem todo policial sabe disso, mas meu coração é puro porque estou dentro da legalidade.
Edward e Ramirez estavam me esperando no corredor. Ambos sorriam e seus sorrisos eram tão idênticos que chegava a ser enervante. O verdadeiro homem bom pode se levantar, por favor? O sorriso de Edward não vacilou conforme eu andava para eles, o de Ramirez sim, ele viu a bainha do punho. A jaqueta escondia a outra. Fui até eles sorrindo e meus olhos estavam brilhantes também. Eu coloquei a mão na cintura de Edward procurando todas as armas.
- Pedi apoio policial. - disse Ramírez.
Edward tinha me dado um rápido abraço de Ted e me soltado, ele sabia que eu encontraria a arma.
- Ótimo. Passou um longo tempo desde que visitei um Mestre da Cidade com a polícia.
- Como você costuma fazer isso? - Ramirez perguntou.
- Com cuidado. - eu disse.
Edward virou a cabeça e tossiu. Acho que ele estava tentando não rir, mas vindo dele nunca se sabe. Talvez ele só estivesse com cócegas na garganta. Enquanto ele andava eu me perguntava onde diabos ele tinha escondido a terceira arma.
51
Um dos motivos que eu gostava de trabalhar com a polícia era que quando você entra em um lugar e pede para falar com o gerente ou proprietário ninguém argumentava. Ramirez mostrou o distintivo e pediu para falar com a proprietária Itzpapalotl, também conhecida como Borboleta Obsidiana.
A anfitriã, a mesma mulher elegante e escura que tinha levado a mim e Edward até uma mesa na última vez levou o cartão de Ramirez, ela nos levou a outra mesa e nos deixou. A única diferença foi que desta vez não recebi nenhum menu. Os dois policiais ficaram na porta. Eu ia colocar a jaqueta enrugada para cobrir as armas e as facas, mas fiquei contente por o clube estar escuro, porque a jaqueta tinha visto dias melhores.
Ramirez inclinou-se e perguntou:
- Quanto tempo você acha que ela vai nos fazer esperar?
Engraçado como ele não perguntou se ela iria nos manter esperando.
- Não tenho certeza, talvez mais um pouco. Ela é uma deusa e você apenas ordenou que viesse até nós. O ego dela não vai deixar que seja rápida.
Edward estava do outro lado.
- Meia hora pelo menos.
Uma garçonete apareceu. Ramirez e eu pedimos uma coca-cola. Edward pediu água. As luzes no palco esmaeceram, em seguida ficaram mais brilhantes. Veríamos outra apresentação. Cesar provavelmente tinha se curado, mas não totalmente. Assim seria um metamorfo diferente ou um show completamente diferente.
Havia um caixão de pedra na extremidade do palco com a tampa esculpida olhando para a platéia. Nossa mesa não estava tão bem posicionada como da última vez. Localizei a professora Dallas na sua mesa habitual desta vez sozinha, ela não parecia se importar.
Tinha um jaguar com um colar de crânios humanos esculpido na tampa de pedra. O sumo sacerdote Pinotl subiu ao palco, ele usava apenas algo parecido com uma saia, um maxtlatl, que deixava as pernas e a maioria das ancas nuas. Eu havia perguntado para Dallas o nome daquela saia. Seu rosto estava pintado de preto com uma faixa branca através dos olhos e nariz. Seus longos cabelos negros caíam em ondas ondulantes, ele usava uma coroa branca e levei um segundo para perceber que era feita de ossos. As luzes do palco cintilavam sobre os ossos brancos tornando-os fluorescente quando ele mexia a cabeça.
Alguns ossos estavam de pé imitando a coroa de penas que o vi usando da primeira vez. Os brincos de ouro foram substituídos por ossos. Ele estava totalmente diferente, mas no momento em que pisou no palco eu sabia que era ele. Ninguém mais tinha essa aura de comando.
Debrucei-me sobre Ramirez.
- Você está usando uma cruz?
- Sim, por quê?
- Sua voz pode ser um pouco esmagadora sem um pouco de ajuda.
- Ele é humano, não é?
- Ele é o servo humano de Itzpapalotl.
Ramirez virou completamente o rosto para mim, nós estávamos muito perto e eu tive que me afastar para não colidir nossos narizes.
- O quê?
Será que ele realmente não sabia o que era um servo humano para um vampiro? Eu não tinha tempo para lhe dar uma lição sobrenatural, e de qualquer forma esse não era o lugar, muitos ouvidos atentos. Eu balancei a cabeça.
- Eu explico mais tarde.
Dois seguranças astecas entraram no palco e levantaram a tampa do caixão. Eles a moveram para um lado e a forma como os músculos de seus braços ressaltava parecia ser pesado. Havia um pano cobrindo o corpo dentro do caixão. Eu não sabia ao certo se era um corpo, mas tinha a forma de um. Simplesmente não existem muitas coisas com esse formato.
Pinotl começou a falar.
- Aqueles de vocês que estiveram conosco, sabem o que é um sacrifício aos deuses. Vocês compartilharam a glória, oferendas de vós mesmos. Mas somente o mais bravo, o mais virtuoso está apto ao sacrifício. Há aqueles que não estão aptos para alimentar os deuses com suas vidas, mas eles também podem servir.
Ele puxou o pano em um grande movimento jogando o tecido preto e coberto de lantejoulas para longe como a rede de um pescador. O tecido brilhante caiu no palco, o conteúdo do caixão foi revelado.
Suspiros e gritos feitos pelo público se espalharam como ondulações na piscina. Havia um corpo no caixão, era seco e enrugado como se o corpo tivesse sido enterrado no deserto e mumificado naturalmente sem conservantes artificiais. A luz sobre o caixão parecia muito brilhante, áspera. Mostrava cada linha na pele seca. A sombra do esqueleto era dolorosamente clara.
Estávamos a apenas três fileiras atrás, perto o suficiente para ver mais detalhes do que eu gostaria. Pelo menos desta vez ninguém seria cortado. Eu realmente não estava com vontade de ver ninguém tendo o peito aberto hoje. Eu estava procurando na multidão tentando ver se ela estava vindo, ou se estávamos prestes a ser cercados por homens-jaguar. Eu me virei e olhei, os olhos mortos da múmia estavam abertos. Olhei para Edward e ele respondeu a pergunta que eu não tinha feito.
- Seus olhos apenas abriram, ninguém tocou nele.
Olhei para aquele crânio preso sob a pele que parecia um pergaminho de tão seco. Os olhos estavam cheios de algo seco e marrom. Não havia vida neles, mas estavam abertos. A boca começou a abrir lentamente como uma dobradiça rígida. A boca aberta emitiu um som, um suspiro que se transformou em um grito. Um grito que ecoou pela sala, repercutiu no teto, nas paredes e dentro da minha cabeça.
- É um truque, certo? - Ramirez perguntou.
Eu apenas balancei a cabeça. Não era um truque. Meu Deus, não era um truque. Olhei para Edward e ele apenas balançou a cabeça, ele nunca tinha visto esse show também.
O grito morreu e houve um silêncio tão pesado que era possível ouvir uma agulha cair no chão. Acho que todo mundo estava segurando a respiração, esforçando-se para ouvir. Eu não sabia por que, mas estava fazendo isso também. Acho que eu estava tentando ouvi-lo respirar. Olhei para o peito esquelético, não havia nenhum movimento. Eu disse uma oração silenciosa de agradecimento.
- Essa é a energia que passou a alimentar a nossa deusa escura, mas ela é misericordiosa. O que foi tomado deve ser dado de volta. Este é Micapetlacalli, a caixa dos mortos. Eu sou Nextepeua, o que espalha as cinzas. Na lenda eu era o marido de Micapetlacalli e ainda sou casado com a morte. A morte corre nas minhas veias. Meu sangue tem gosto de morte. Somente o sangue de uma morte consagrada será um presente livre de tormento.
Percebi que a voz Pinotl era apenas uma voz, uma boa voz como um bom ator de teatro, nada mais. Ou ele não estava tentando prender a audiência, ou eu não estava tão suscetível esta noite. A única alteração que eu sentia com certeza eram as marcas. Elas estavam bem abertas agora. Minha professora e Leonora Evans me disseram que as marcas me deixavam mais vulnerável a ataques psíquicos, mas que talvez alguma ligação direta com os meninos me ajudaria. Seja como for, sua voz não mexeu comigo esta noite. Bom.
Pinotl pegou uma faca de obsidiana nas costas. Ele provavelmente estava levando-a da mesma maneira que Edward e eu carregávamos nossas armas, ele colocou o braço sobre o caixão aberto perto da boca aberta e passou a lâmina em sua pele. Não ficou claro para o público o que ele tinha feito, seria muito melhor para o show se Pinotl cortasse o braço onde o público pudesse ver as primeiras gotas carmesins. Para que ele escondesse do público tinha de haver algum ritual, algum significado, alguma importância para que as primeiras gotas de sangue entrassem na boca do cadáver.
Ele derramou sangue na parte superior do crânio da criatura, esfregou na testa do crânio, tocou na garganta, no peito, no estômago e no abdome. Ele desceu a linha dos chakras, os pontos de energia do corpo. Eu nunca acreditei em chakras até este ano quando descobri que eram reais, e que pareciam funcionar. Eu odiava todas essas coisas da nova era, odiava mais ainda quando funcionavam. Claro, isso não era algo novo, era muito antigo. A cada toque do sangue no corpo seco a criatura sentia a magia. Cada gota de sangue fazendo-o crescer até que o ar cantarolou com ele e minha pele rastejou em ondas de arrepios.
Edward permaneceu impassível, mas Ramirez estava esfregando os braços sentindo arrepios.
- O que está acontecendo?
Ele era no mínimo sensível. Eu acho que isso não poderia ser sentido
por um ser humano totalmente normal. Sussurrei,
- Magia.
Ele olhou para mim, os olhos muito abertos.
- Que tipo?
Eu balancei a cabeça. Eu não sabia, eu tinha algumas pistas, mas realmente nunca tinha visto nada parecido.
Pinotl andou em volta do caixão em um movimento anti-horário, o sangue do braço e a faca ensanguentada mantidos separados, as palma para cima enquanto ele cantava. O poder cresceu no ar como um trovão até a minha garganta fechar com ele, e eu estava tendo problemas para respirar. Pinotl voltou à frente do caixão onde tinha começado, ele fez algum tipo de sinal com as mãos, em seguida atirou um jato de sangue sobre o corpo e começou a voltar lentamente. As luzes foram se apagando até restar uma única luz sobre a coisa branca no caixão.
O poder continuava a crescer e me deixou a um passo de gritar, minha pele estava tentando rastrear para fora do meu corpo. O ar estava muito grosso para respirar como se tivesse se tornado mais sólido, grosso com a magia.
Alguma coisa estava acontecendo com o corpo, o poder se espalhou como uma nuvem estourando com a chuva, e a chuva invisível caiu sobre o corpo, sobre o palco, sobre todos nós, mas o foco era aquela coisa seca. A pele começou a se mover, os músculos contraindo, enchendo como se a água corresse por baixo dele. Algo mudou com o líquido sob a pele seca e por onde corria a pele começou a esticar. Era como ver um desses bonecos infláveis explodir. Carne, a carne estava fluindo sob a pele. O corpo, o homem, começou a se debater e se retorcer contra os lados do caixão. O peito finalmente se moveu puxando uma grande golfada de ar como se ele estivesse lutando para voltar dos mortos. Era o oposto da morte quando a você respira pela última vez. Claro, isso era exatamente o que parecia: o regresso à vida, o último suspiro voltando para dentro de seu corpo. Quando ele respirou o suficiente começou a gritar, um grito irregular após o outro, tão rápido quanto o peito buscava o ar.
O cabelo seco ficou cacheado, marrom e macio. Sua pele era bronzeada e jovem, lisa e sem falhas. Ele tinha menos de trinta anos quando foi colocado no caixão. Quem sabe quanto tempo estava ali? Mesmo depois de se tornar humano novamente ele continuou gritando como se esperasse um logo tempo para fazer isso.
Uma mulher sentada na mesa da frente gritou e saiu correndo para a porta. Os vampiros moviam-se silenciosamente entre as mesas. Eu não tinha percebido a presença deles sobre o sufocante fluxo de magia e o horror do espetáculo. Fui descuidada. Um vampiro pegou a mulher que estava correndo, segurou-a e ela parou instantaneamente. Ele a levou calmamente de volta à sua mesa para o homem que estava de pé perguntando o que devia fazer. Os vampiros andavam no meio da multidão tocando alguém aqui, acariciando uma mão ali, acalmando, relaxando, contando a grande mentira. Era seguro, era pacífico, era bom.
Ramirez observava os vampiros, ele virou para mim.
- O que eles estão fazendo?
- Acalmando a multidão para que não saiam correndo.
- Eles não têm permissão para usar hipnose.
- Eu acho que não é pessoal, parece mais com hipnose de grupo.
Eu olhei para o palco e encontrei o homem caído tentando se afastar do caixão, Pinotl apareceu no círculo de luz, o homem gritou e colocou as mãos na frente do rosto como se fosse se proteger de um golpe. Pinotl falou e ele parou de gritar, parecia que estava usando algum tipo de microfone.
- Você aprendeu sobre a humildade? - ele perguntou.
O homem gemeu e escondeu seu rosto.
- Você aprendeu a obediência?
O homem acenou com a cabeça mais e mais, ainda escondendo seu rosto. Ele começou a chorar, um choro tão forte que seus ombros tremiam. Três fileiras para trás e eu podia ouvi-lo soluçando.
Pinotl fez um sinal e os dois seguranças que haviam aberto o caixão entraram no palco. Eles levantaram o homem que continuava chorando, carregando-o entre eles. Suas pernas pareciam não mover-se ainda, eles o pegaram pelos braços com os pés fora do chão. Ele não era um homem pequeno e de novo você tinha a sensação da força dos dois homens. Eles eram humanos, não eram metamorfos.
Dois homens-jaguar entraram no palco com suas roupas de pele manchada e entre eles havia outro homem. Não, não era um homem, era um metamorfo. Era Seth.
Ele estava quase sem roupa o que deixava muito pouco para a imaginação.
Seus longos cabelos amarelos estavam soltos, ele não lutou quando o levaram para o palco. Os homens-jaguar fizeram-no se ajoelhar a frente de Pinotl.
- Você reconhece nossa deusa escura como sua única e verdadeira amante?
Seth assentiu.
- Sim.
Sua voz não tinha a ressonância do outro homem, e eu duvidava que a platéia em volta pudesse ouvi-lo.
- Ela deu-lhe vida, Seth, e é certo que ela deva pedir essa vida de volta?
- Sim.
- Então eu serei a sua mão, e tomarei o que é dela.
Ele embalou o rosto de Seth entre as mãos. Foi gentil. Os dois homens jaguar se afastaram mas ficaram por perto, quase como se tivessem medo que ele fosse executado. Seu rosto estava voltado para cima com uma expressão quase beatífica, como se isso fosse maravilhoso. Ele estava com tanto medo de ser torturado pelas quatro estranhas irmãs de Itzpapalotl que agora parecia quase em paz com o que estava prestes a acontecer. Eu pensei que sabia, e esperava estar errada. Só uma vez, quando eu esperasse que algo verdadeiramente horrível estivesse prestes a acontecer, eu gostaria de estar errada. Seria uma boa mudança.
Não foi chamativo. Não houve fogo ou luz, ou mesmo um brilho de calor.
Linhas apareceram na pele de Seth, os músculos sob a pele começaram a encolher como se tivesse uma doença debilitante, mas o que deveria levar meses estava acontecendo em segundos. Não importa o quão disposto ele estivesse ao sacrifício, ele ainda sentia dor. Seth começou a gritar tão rápido quanto podia respirar. Seus pulmões funcionavam melhor do que o do outro homem, e ele respirava tão rápido que era como um grito contínuo. A pele começou a ficar escura e parecia secar, era como ver um balão murchar. Exceto que havia músculos e quando os músculos desapareceram ficou apenas a pele sobre os ossos, e ele ainda gritava.
Eu me tornei uma apreciadora de gritos ao longo dos anos, e ouvi alguns bons. Alguns deles tinham sido meus, mas eu nunca tinha ouvido nada assim. O som deixou de ser humano e tornou-se o som estridente de algum animal ferido, mas por trás disso tudo você sabia, sabia em um nível que não poderia explicar que era uma pessoa.
Finalmente não havia mais ar para gritar, a boca seca e vazia continuava abrindo e fechando, abrindo e fechando. Muito tempo depois dos gritos terem parado aquela coisa ainda estava se contorcendo, virando a cabeça de um lado para o outro.
Pinotl continuava com a mão em Seth. Ele pareceu suave e gentil o tempo todo, nunca perdendo o controle. Enquanto a carne do belo rosto de Seth enrugava e morria entre suas mãos, Pinotl não se moveu. E Seth por sua vez nunca levantou as mãos para salvar a si mesmo. Ele lutou porque não podia deixar de lutar, doía muito, mas ele nunca levantou a mão contra o outro homem.
Um sacrifício voluntário, um sacrifício necessário.
Minha garganta estava apertada e algo queimava por trás dos meus olhos. Eu só queria que acabasse. Eu só queria que ele parasse, mas ele não parou. O esqueleto de Seth continuava se contraindo, abrindo e fechando a boca como se tentasse gritar.
Pinotl olhou para cima quebrando o contato visual com Seth por um segundo. Os dois homens-jaguar que o tinham escoltado até o palco se aproximaram da luz. Um deles tinha uma agulha de prata com um fio preto sobre ela, o outro tinha uma minúscula bola verde do tamanho talvez de uma bola de gude. Se eu estivesse sentada um pouco mais longe nunca saberia o que era. Jade eu acho, uma esfera de jade. Eles colocaram a esfera na boca de Seth e o homem jaguar ao lado começou a costurar sua boca passando a agulha de prata através da carne seca sem lábios, puxando-a firmemente.
Olhei para a mesa e descansei minha testa na pedra fria. Eu não iria desmaiar, nunca desmaiei. Mas tive um súbito lampejo da criatura que Nicky Baco tinha criado para os lobisomens. Alguns deles tinham a boca costurada, eu nunca tinha visto um poder como este. Era também uma grande coincidência que duas pessoas na mesma cidade pudessem fazer o feitiço e não estar conectados.
Ramirez tocou meu ombro, eu levantei a cabeça.
- Eu estou bem.
Olhei para cima e eles estavam colocando Seth no caixão. Eu sabia que ele ainda estava lá, ainda estava consciente. Eu acho que ele não sabia o que fariam com ele. Será que sabia?
Pinotl voltou-se para o público e seus olhos brilhavam com o fogo negro do mesmo jeito que um vampiro fazia quando tinha um grade poder. Chamas negras lambiam ao redor de suas órbitas, e sua pele parecia brilhar com o poder.
Colocaram o mesmo pano preto de tecido brilhante em Seth. Os homens-jaguar fecharam o caixão com a grande tampa pesada. Um suspiro coletivo percorreu a platéia como se todos estivessem aliviados por estar fechado. Eu não era a única que não queria mais ver.
Itzpapalotl deslizou no palco, ela usava o mesmo manto vermelho de antes. Pinotl ficou de joelhos na sua frente estendendo as mãos. Ela pôs as mãos delicadas sobre as deles, e eu senti a adrenalina de poder como o roçar de asas de um pássaro. Pinotl ficou de pé ainda segurando sua mão, eles se voltaram para o público e ambos tinham os olhos de fogo negro espalhando-se sobre o rosto como uma máscara.
Holofotes suaves iluminavam as mesas como vaga-lumes gigantes. Cada luz encontrou um dos vampiros. Eles estavam pálidos e famintos, eu não era a única que poderia dizer que eles não haviam se alimentado. Você podia ouvir as exclamações da platéia como um assustador "oh, meu Deus".
Não, ela queria que todos vissem o que eles realmente eram. Ela e Pinotl olharam para a platéia e novamente senti o toque de poder como um revoar de aves roçando meu rosto, minha pele, como se eu estivesse sem roupa e as penas acariciassem meu corpo. Eu senti quase como uma série de golpes físicos quando o poder atingiu cada um dos vampiros e seus olhos se encheram de fogo negro. Eles tornaram-se coisas resplandecentes com a pele de alabastro, bronze, cobre, todas brilhantes, todas bonitas com os olhos cheios com a luz das estrelas negras.
Em seguida eles caíram de joelho e começaram a cantar. Uma canção de louvor a ela, sua deusa escura. Diego, o vampiro que eu tinha visto chicoteado sem sentido, passou pela nossa mesa com uma corrente na mão. No final da corrente tinha um homem alto, de pele clara com cabelos loiros encaracolados. Era Cristobal. Todos eles estavam brilhantes e bem alimentados e cheios de um doce poder como frutos amadurecidos antes de cair na terra, quando estão maduros e apodrecendo.
Os vampiros deixaram o palco cantando seus hinos. Pinotl e Itzpapalotl desceram as escadas de mãos dadas e eu sabia para onde estavam indo, e eu não queria eles perto de mim. Eu ainda podia sentir o poder como se eu estivesse de pé no meio de uma nuvem de borboletas e elas batessem em minha pele com suas asas macias tentando entrar.
Eles vieram e ficaram na frente da nossa mesa. Ela estava sorrindo quando olhou para mim. As chamas negras tinham se acalmado, mas seus olhos ainda eram um negrume vazio com um raio de luz em suas profundezas. Os olhos de Pinotl ecoavam os dela como um espelho, mas não era a chama negra. Era a escuridão da noite sem fim, e não havia estrelas em seus olhos.
Edward tocou meu braço e me virou para ele. Estávamos de pé embora eu não me lembrasse de levantar.
- Anita, você está bem?
Eu tive que engolir duas vezes para encontrar minha voz.
- Eu estou bem, eu acho. Sim, está tudo bem.
Mas o poder ainda estava batendo contra mim como asas frenéticas, como pássaros gritando que foram deixados no escuro e queriam luz e calor. Como eu poderia deixá-los gritando no escuro quando tudo que eu tinha que fazer era me abrir e eles estariam seguros?
- Pare com isso. - eu disse.
Virei para enfrentá-los. Eles ainda estavam sorridentes, acolhedores. Ela ofereceu uma mão para mim, a outra ainda segurando a mão de Pinotl. Eu sabia que se tocasse aquela mão todo esse poder fluiria dentro de mim, eu poderia compartilhar com eles. Era uma oferta para compartilhar, mas a que preço?
- O que você quer? - eu perguntei.
Eu não tinha certeza se tinha feito a pergunta.
- Eu quero o conhecimento de como sua tríade de poder foi alcançado.
- Eu posso dizer, você não precisa fazer isso.
- Você sabe que eu não posso separar a verdade da mentira, não é um dos meus poderes. Toque-me e vou ganhar o conhecimento de vocês.
As asas estavam fluindo sobre a minha pele como se o poder tivesse encontrado uma corrente de ar um pouco acima do meu corpo.
- O que eu ganho?
- Pense em uma pergunta, e se eu tiver a resposta você vai tirar da minha mente.
Ramirez estava de pé acenando e eu sabia mesmo sem olhar que os policiais estavam se aproximando.
- Eu não sei o que está acontecendo, mas não vamos fazer isso. - ele disse.
- Então responda a pergunta primeiro. - eu disse.
- Se eu puder. - ela disse.
- Quem é o Consorte da Deusa de Sangue?
Seu rosto não mostrou nada, mas sua voz ficou intrigada.
- A Deusa de Sangue era outro termo usado pelos mexicanos, e antes pelos Astecas. Eu realmente não sei quem é ele.
Eu meio que estendi a mão para ela. Eu realmente não pretendia. Três coisas aconteceram quase ao mesmo tempo. Ramirez e Edward me agarraram e puxaram para trás, e Itzpapalotl agarrou a minha mão.
As asas irromperam numa torrente de aves. Meu corpo se abriu embora eu soubesse que não deveria, e as coisas aladas vislumbraram essa abertura.
A energia fluiu em mim, por mim, e para fora novamente. Eu fazia parte de algum grande circuito e senti a conexão com todos os vampiros que ela tinha tocado. Era como se a água corresse por mim e por cada um deles nos unindo para formar algo maior. Então eu estava calmamente flutuando no escuro, e não havia estrelas distantes e brilhantes.
Ouvi uma voz, ouvi a voz dela,
- Faça uma pergunta, e ela será sua.
Eu fiz embora minha boca não tenha mexido.
- Como é que Nicky Baco aprendeu a fazer o que Pinotl fez com Seth?
Com as palavras veio a imagem tão clara da criatura de Nicky que eu podia sentir o cheio da secura e ouvir o sussurro de sua voz, - Ajude-me.
As imagens apareceram de repente. Eu vi Itzpapalotl de pé no topo da pirâmide de um templo cercado por árvores, uma floresta. Eu podia sentir o cheiro da mata rica e ouvir o apelo de um macaco na noite, o grito de um jaguar. Pinotl ajoelhado se alimentando de uma ferida sangrenta no peito dela. Ele se tornou seu servo e ganhou o poder, muitos poderes, e um deles era esse. Compreendi como ele tomou a essência de Seth. Mais do que entendi como foi feito, eu sabia como desfazer. Eu sabia como desfazer a criatura de Nicky, embora o que ele tinha feito com eles poderia significar a sua morte. Nós não precisávamos de Nicky para desfazer o feitiço, eu poderia fazer e Pinotl também.
Ela não perguntou se eu entendi, ela sabia que eu tinha visto tudo.
- Agora a minha pergunta.
E antes que eu pudesse dizer ou pensar "espere", ela estava dentro da minha cabeça. Ela pegou as minhas memórias: imagens, lembranças e eu não podia impedi-la. Ela viu Jean-Claude fazer as marca em mim, ela viu Richard e viu nós três invocando o poder de propósito pela primeira vez. Ela viu a noite em que aceitei a segunda e a terceira marca para salvar nossas vidas.
De repente eu estava de volta em minha própria pele segurando a sua mão. Eu estava ofegante e sabia que se eu não conseguisse me controlar poderia hiperventilar. Ela soltou a minha mão e tudo o que eu podia fazer era me concentrar na minha própria respiração. Ramirez estava gritando para mim, Edward apontava a arma para ela. Ela e Pinotl apenas ficaram parados, pacíficos. Parecia que eu via tudo através de um cristal. As cores pareciam mais escuras, mais vivas. As coisas se destacavam em relevo e não eram coisas que eu normalmente notaria. Percebi a forma como a aba do chapéu de Edward tinha uma pequena crista, e descobri onde estava o garrote.
Quando finalmente pude falar, eu disse;
- Está tudo bem, eu não estou ferida. - toquei a mão de Edward abaixando a arma. - Calma, está tudo bem.
- Ela disse que te machucaria se tentássemos levá-la embora. - Edward disse.
- Ela poderia. - eu disse. Eu esperava me sentir mal, drenada, cansada, mas não. Eu me sentia cheia de energia, extasiada. - Eu me sinto ótima!
- Você não parece muito bem. - Edward disse, e havia algo em sua voz que me fez olhar para ele.
Ele pegou minha mão e começou a me conduzir por entre as mesas em direção a porta. Eu tentei diminuir o passo e ele me puxou.
- Você está machucando meu pulso. - eu disse.
Ele me empurrou pela porta com a arma ainda em uma mão e meu pulso na outra. Eu me lembrei que o saguão era mais escuro, mas não estava escuro agora. Não era exatamente a luz, só não estava escuro. Ele me empurrou para o banheiro dos homens antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. Estava vazio e eu estava grata por isso. As luzes eram brilhantes e tive que desviar os olhos.
Edward me virou para o espelho, meus olhos estavam um sólido preto brilhante, as pupilas não apreciam, nem o branco dos olhos. Eu parecia cega, mas podia ver tudo, cada rachadura na parede e cada imperfeição do espelho. Andei para frente e ele me deixou ir. Estendi a mão até tocar meu reflexo. Eu pulei quando meus dedos tocaram o vidro frio, era como se eu esperasse que a minha mão continuasse em curso. Olhei para minha mão e quase podia ver os ossos sob a pele, os músculos trabalhando quando mexia os dedos. Abaixo disso eu podia ver o fluxo de sangue sob a minha pele. Virei e olhei para Eduard, olhei devagar e consegui ver a pequena diferença na perna da calça onde o cabo da faca estava saindo de sua bota. A faca estava presa em sua coxa e ele podia chegar até ela colocando a mão no bolso e pegando o cabo. Havia uma protuberância em seu outro bolso, pequeno, mas eu sabia que era uma arma, uma derringer provavelmente. O resto era esta visão extraordinária, era como a magia de ver a verdadeira fantasia.
Se os vampiros viam o mundo assim, então eu deveria parar de tentar esconder as armas, mas eu tinha enganado alguns vampiros, vampiros mestres. Eles podiam ver o mundo assim, mas não necessariamente todos eles.
- Diga alguma coisa Anita.
- Eu gostaria que você pudesse ver o que eu estou vendo.
- Eu não quero. - ele disse.
- O garrote está na aba do seu chapéu. Você tem uma faca em uma bainha em sua bota direita, e outra faca na coxa esquerda. Você chega ao cabo através do bolso da calça. Há uma derringer no bolso direito.
Ele empalideceu e eu vi. Eu vi o pulso em sua garganta bater mais rápido. Eu podia ver as pequenas mudanças no seu corpo quando o medo correu por ele. Não é à toa que ela era capaz de ler-me tão facilmente, isso era como um detector de mentiras para ela. Isso era o que outros vampiros e metamorfos viam as pequenas mudanças que todos nós fazemos quando mentimos. Até mesmo o cheiro da mudança, assim Richard dizia. Então, por que ela não poderia dizer se alguém estava mentindo?
A resposta veio em uma onda de clareza que geralmente você tem que meditar para conseguir. Ela não conseguia ler as coisas que não tinha dentro de si mesma. Ela não era uma deusa, era um vampiro, não como qualquer vampiro que eu já tinha conhecido antes, mas era isso. No entanto ela acreditava que era Itzpapalotl, a personificação viva da faca sacrifical, a lâmina de obsidiana. Ela mentia para si mesma e assim não podia ver uma mentira em outra pessoa. Ela não entendia o que era uma verdade, então não poderia reconhecer uma. Ela estava se enganando em uma escala cósmica e isso a enfraquecia, mas eu não apontaria os erros de seu caminho. Ela era apenas um vampiro e não uma deusa, mas eu tinha sentido o seu poder e não queria estar na sua lista negra.
Com sua energia fluindo através de mim como um vento ascendente e com um cheiro de flores que eu não reconheci, eu não queria estourar sua bolha. Eu não me sentia tão bem há dias. Voltei para o espelho e meus olhos ainda estavam com o fogo negro. Eu deveria ter ficado assustada ou sair gritando, mas eu não estava com medo, e tudo que eu conseguia pensar era: Legal.
- Seus olhos não vão voltar ao normal? - ele perguntou, e mais uma vez senti a tensão do medo nele.
- Provavelmente, mas se realmente queremos respostas às nossas perguntas precisamos voltar e perguntar a ela.
Ele deu um aceno rápido e fez sinal para que eu fosse à sua frente, percebi que ele não confiava que eu ficasse às suas costas. Ele pensou que ela tinha me possuído, não discuti com ele. Apenas entrei pela primeira porta e voltei para falar com Itzpapalotl. Eu esperava que Ramirez não tivesse tentado algemá-la. Ela não gostaria e seus seguidores também não, e havia uma centena de vampiros. Eu não tinha idéia de quantos homens-jaguar. Esse número não significava muito para eles, mas era um pequeno exército e Ramirez não tinha trazido tantos homens assim.
52
Ramirez não colocou algemas em ninguém, mas pediu reforço. Havia quatro policiais no salão e cerca de vinte homens-jaguar. A platéia estava assistindo a tudo como se fosse parte do show. Eu acho que se eles aguentaram assistir o que tinham feito a Seth, podiam ver um pouco de ação policial.
Eu estava na frente de Edward quando entrei no salão. Ele ficou um passo atrás do mesmo jeito que fazíamos quando um de nós estava no comando. Talvez meus olhos estivessem brilhando como buracos negros, mas Edward ainda confiava em mim para acalmar a situação. Bom saber.
Os homens-jaguar estavam se movendo entre as mesas tentando acompanhar os tiras.
Os policiais tinham as mãos em suas armas, os coldres estavam soltos em seus cintos. Não demoraria muito para um deles pegar a arma e a merda bater no ventilador. Seria uma vergonha apertar o botão quando os vampiros não estavam tentando machucar ninguém.
Um dos jaguares estava movendo-se outra vez, tentando fechar o círculo em torno da polícia. Toquei seu braço, seu poder tremia sobre a minha mão e era mais que apenas o meu próprio poder ou as marcas. Ele olhou em meus olhos e sentiu esse poder ou o que quer que fosse quando eu disse;
- Para trás, vá ficar com os outros. - Ele foi. Progresso. Agora bastava apenas que os policiais fossem razoáveis.
Virei para a polícia e comecei a caminhar em direção a eles. Um dos novos policiais disse:
- Merda. - a mão na arma. - Não se aproxime.
- Ramirez. - eu disse.
- Está tudo bem. Ela está conosco. - ele disse.
- Mas os olhos dela. - disse o policial.
- Ela está com a gente. Deixe-a passar agora. - A voz de Ramirez era baixa, mas já mostrava raiva.
Os policiais se afastaram como uma cortina tomando muito cuidado para não me tocar conforme eu passava. Acho que não poderia culpá-los, embora eu quisesse. Finalmente eu estava na mesa com Edward atrás de mim e os guardas nervosos além dele. Enfrentei Itzpapalotl do outro lado da mesa. Pinotl estava ao seu lado, mas eles não estavam mais de mãos dadas. Os olhos dela ainda eram tão negros como os meus, mas eram normais.
Estranhamente com o capuz empurrado para trás mostrando o rosto delicado e os olhos aparentemente normais ela parecia a mais humana de nós três.
Ramirez colocou algumas das fotos em cima da mesa.
- Diga-me o que é isso.
Parecia uma pergunta que ele já tinha feito antes. Ela olhou para mim.
- Você sabe o que é? - eu perguntei.
- Não, eu realmente não sei. Isso se parece com uma das peças feitas por nossos artesãos, mas as pedras dos olhos vieram com os espanhóis. Eu não reconheço todos os elementos do simbolismo.
- Mas você reconhece alguns deles? - eu perguntei.
- Sim.
- O que você conhece?
- Os corpos em torno da base podem ser o que você bebe.
- Você quer dizer como fizeram esta noite com Seth?
Ela concordou.
- O que a estátua está segurando em suas mãos?
- Poderia ser várias coisas, mas eu acho que são partes menores do corpo. O coração é queimado, assim como os ossos e várias outras partes, mas não se alimenta um Deus com... - Ela franziu a testa procurando a palavra - ...os intestinos e outras vísceras.
- Isso faz sentido. - eu disse.
Senti Ramirez se aproximar do meu lado como se quisesse dizer alguma coisa, mas ele se manteve em silêncio porque era um bom policial, e ela estava falando comigo. Será que realmente importa o por quê?
- Você viu a criatura que... - foi a minha vez de hesitar. Se a polícia soubesse o que Nicky tinha feito seria uma sentença de morte automática, mas francamente ele merecia. Os lobisomens que aquela coisa tinha sugado não estavam dispostos ao sacrifício. Nicky os cortou sabendo que eles ainda estavam vivos, ele os cortou e costurou naquele monstro atrás do balcão. Era uma das piores coisas que eu tinha visto, e isso dizia muito.
Tomei a minha decisão, sabia que isso acabaria custando à vida de Nicky.
- Você viu a criatura que Nicky Baco fez?
Ela concordou.
- Eu vi. É uma corrupção de um grande dom.
- Será que o seu mestre ganha poder através dele assim como você?
- Sim, e Nicky Baco ganha poder através dele tanto quanto Pinotl.
- Ele poderia passar esse poder aos outros, como talvez a um bando de lobisomens?
Ela parecia pensar sobre o assunto e finalmente concordou.
- Seria possível compartilhar com metamorfos se você tivesse algum vínculo com eles de natureza mística.
- Ele é o vargamor do bando local. - eu disse.
- Eu não estou familiarizada com a palavra vargamor.
Era um termo dos lobos.
- É uma bruxa ou bruxo do bando.
- Então, certamente ele poderia partilhar o poder com eles.
- Nicky disse que não sabe onde esse deus está.
- Ele mentiu. - ela disse. - Você não ganha esse poder sem o toque da mão de seu deus.
Eu comecei a ter algumas imagens, mas queria que ela confirmasse.
- Então Nicky é capaz de nos levar ao lugar onde esse deus está escondido?
Ela concordou.
- Ele sabe.
- Teria algum problema caçar e matar um deus de seu panteão?
Alguma coisa passou em seus olhos e eu não entendi.
- Se ele é um deus, então você não pode matá-lo, e se você puder matá-lo, então ele não é um deus. Eu não lamento a morte de falsos deuses.
Era engraçado vindo dela, mas deixei passar. Não era meu trabalho convencê-la do que era, ou do que não era.
- Obrigada pela ajuda, Itzpapalotl.
Ela me deu um longo olhar e eu sabia o que ela queria, mas...
- Você realmente é uma deusa, mas não posso servir a dois mestres. - eu disse.
- Seu poder é a luxúria, mas você nega esse poder.
Senti o calor subir pelo meu rosto e me perguntei o que parecia alguém vermelho com brilhantes olhos negros. Não foi pelo que ela disse, foi saber o que ela tinha visto na minha cabeça. Ela sabia os detalhes mais íntimos assim como eu compartilhei o que ela e Pinotl consideravam um momento de grande intimidade. O justo é justo, mas de alguma forma acho que Itzpapalotl não corou.
- Eu pensei que estava apenas lhe negado o sexo.
Ela olhou para mim do mesmo jeito que você olha uma criança deliberadamente mal compreendida.
- Diga-me, Anita, qual é a base do meu poder?
A pergunta me pegou de surpresa, mas eu respondi.
- Seu poder se alimenta da energia pura independente da origem.
Ela sorriu e eu também.
- Agora, qual é à base do poder de seu mestre?
Eu estava correndo dessa verdade a um longo tempo. Nem todos os vampiros mestres tinham a mesma base de poder, uma outra maneira de extrair energia além do sangue, cervos humanos ou animais que atendiam ao seu chamado. Mas alguns faziam e Jean-Claude era um deles.
- Anita. - ela disse como se aguardasse que eu falasse alguma coisa.
- Sexo, sua base de poder é o sexo. - eu disse.
Novamente ela sorriu feliz para mim, e eu senti que tinha dado a resposta certa. Era bom ser verdadeira, era bom ser inteligente, era bom agradá-la. E isso era um perigo. Se você ficasse perto dela por tempo suficiente acabaria fazendo tudo para agradá-la e acabaria não tendo medo dela. Ainda bem que eu não morava em Albuquerque.
- Ao negar o sexo a ele e a seu lobo, você não só quebrou sua tríade de poder como o aleijou. Você tem aleijado o seu mestre.
Eu me ouvi dizer:
- Eu sinto muito.
- Não é para mim que você deve se desculpar, é para ele. Vá para casa e peça perdão, coloque-se aos seus pés e alimente o seu poder.
Fechei meus olhos porque o que eu realmente queria fazer era balançar a cabeça e concordar com ela. Eu tinha certeza que o feitiço acabaria antes que eu chegasse a St. Louis, colocar essa mulher e Jean-Claude juntos seria a minha perdição. Mesmo agora eu estava contente por ele estar a centenas de quilômetros de distância porque eu conseguia vê-lo mesmo com os olhos fechados.
Ela assentiu como se concordasse.
- Bom, muito bom. Se o seu mestre for grato pela minha ajuda deixarei que entre em contato comigo. Eu sei que podemos chegar a um entendimento.
E pela primeira vez desde que ela lançou seu poder sobre mim senti um arrepio de medo. Olhei para ela através do véu de seu poder e senti medo.
Ela leu isso em mim.
- Você deve sempre temer os deuses, Anita. Só um idiota não tem medo, e você não é idiota.
Ela olhou para Ramirez.
- Eu acredito que tenha ajudado, Detetive Ramirez.
Ele disse,
- Anita?
Concordei.
- Sim, é hora de ver Nicky Baco.
- Se Nicky mentiu para nós, então o líder do bando também mentiu. - Edward disse. - Ele disse que Nicky estava falando a verdade sobre não saber onde o monstro estava.
- Nicky pode compartilhar esse tipo de poder com o bando.
- Os lobisomens vão lutar para protegê-lo. - Edward disse.
Olhamos um para o outro.
- Vai ser um banho de sangue se a polícia entrar com a gente. - eu balancei a cabeça. - Mas que escolha temos?
- Nicky não está no bar. - disse Ramírez.
Nós voltamos para ele e falamos em uníssono:
- Onde ele está?
- No hospital. Alguém lhe deu uma surra violenta.
Edward e eu trocamos olhares e ambos sorrimos.
- De volta ao hospital então. - eu disse.
Ele balançou a cabeça.
- De voltar ao hospital.
Olhei para Ramirez.
- Tudo bem para você?
- Você pode provar o que disse sobre Baco? - ele perguntou.
- Sim.
- Então é sentença de morte, ele sabe disso. Eu vi Baco em um interrogatório. Ele é duro e sabe que não tem nada a ganhar nos dizendo a verdade.
- Então teremos que encontrar algo que ele tema mais do que ser executado.
Eu não poderia ajudá-lo, eu me virei e olhei para Itzpapalotl. Olhei para seus olhos e não fui puxada para eles agora. Seu próprio poder me protegia dela. Nenhuma estrela, nenhuma noite sem fim, apenas o conhecimento escuro do que eu estava pensando e sem a aprovação do plano.
- Nós não podemos fazer nada ilegal. - disse Ramirez.
- Claro que não. - eu disse.
- Você entendeu o que eu quis dizer, Anita.
Olhei para ele e o vi recuar quando encontrou meus olhos.
- Eu faria isso com você?
Ele estudou meu rosto como se estivesse tentando decifrá-lo do mesmo jeito que eu olhava para Edward, ou Jean-Claude às vezes. Finalmente ele disse:
- Eu não sei o que você faria.
E isso para melhor ou para pior, era a verdade.
53
Edward pegou seus óculos escuros no porta-luvas e entregou para mim antes de irmos para o hospital. Meus olhos não tinham voltado ao normal embora eu soubesse que o efeito estava começando a passar, e o fato disso estar começando a me preocupar era um bom sinal.
Nicky Baco não estava em um quarto particular. A polícia levou seu companheiro de quarto para uma sala diferente. Nicky estava na tração e não ia a lugar nenhum.
Ele estava deitado na cama e parecia menor do que eu me lembrava. A perna quebrada estava engessada do dedo do pé a coxa. Pequenas polias e cabos mantinham sua perna para cima em um ângulo estranho que deveria ser um inferno para a bunda.
Ramirez interrogou Nicky por aproximadamente trinta minutos e não chegou a lugar nenhum. Edward e eu nos encostamos na parede e assistimos o show.
Nicky tinha feito exatamente o que eu temia. Ele pensou em sua situação e suas opções imediatamente. Ele ia morrer, então por que deveria nos ajudar?
- Nós sabemos como você fez o mostro, Nicky. Sabemos o que você fez. Ajude-nos a parar esta coisa antes que ele mate novamente.
- E daí? - Nicky disse. - Eu conheço a lei. Não há nenhuma prisão perpétua para um bruxo que usa a magia para matar. É uma sentença de morte automática. Você não tem nada para me oferecer, Ramirez.
Eu me afastei da parede e toquei o braço de Ramirez. Ele olhou para mim e a frustração já estava se mostrando. Ele tinha sido informado que o Tenente Marks estava a caminho. Ele queria interrogar Baco antes que Marks chegasse e recebesse o crédito. Político, mas era a realidade na maioria dos trabalhos policiais.
- Posso fazer algumas perguntas, Detetive?
Ele respirou fundo e soltou o ar devagar.
- Claro. - Ele deu um passo para trás para me deixou ficar ao lado da cama.
Olhei para Nicky. Alguém tinha algemado um de seus pulsos a grade da cama. Eu não tinha certeza se era necessário com a tração, mas fez um belo ponto.
- O que será que o Consorte da Deusa de Sangue faria se soubesse que você nos contou sobre seu esconderijo secreto?
Ele olhou para mim e mesmo com os óculos de sol pude ver o ódio nos seus olhos. Eu também podia ver a rápida ascensão e queda de seu peito, a batida do pulso em seu pescoço. Ele estava assustado.
- Responda-me, Nicky.
- Ele me mataria.
- Como?
Ele fez uma careta.
- O que você quer dizer?
- Quero dizer, que tipo de morte ele usaria? Como ele te mataria?
Nicky se moveu na cama tentando encontrar uma posição confortável. A perna estava presa e seu pulso algemado. Não havia posição confortável para Nicky esta noite.
- Ele provavelmente enviaria seu monstro atrás de mim. Ele me cortaria e arrancaria minhas vísceras como fez com os outros.
- Seus seguidores matam todas as bruxas ou psíquicos e esfolam os mundanos. É isso, não é?
- Se você é tão inteligente não precisa me perguntar. Você tem todas as respostas.
- Nem todas elas. - eu disse.
Toquei a grade da cama em que ele estava algemado e coloquei minhas mãos ao redor de cada grade para que ele não pudesse se mexer sem bater em uma das minhas mãos.
- Eu vi os corpos, Nicky. É uma forma ruim de morrer, mas há coisas piores.
Ele deu uma risada áspera.
- Ser eviscerado vivo, não fica muito pior do que isso. - ele disse.
Tirei os óculos de sol e deixei que ele visse meus olhos.
Ele parou de respirar por um batimento cardíaco e apenas olhou para mim, os olhos arregalados, a respiração presa em sua garganta.
Eu toquei em sua mão e ele gritou.
- Não me toque! Porra, não me toque! - Ele puxava a algema freneticamente, repetidamente como se isso ajudasse.
Ramirez se aproximou do outro lado da cama. Ele parecia fazer uma pergunta para mim.
- Eu não o machuquei, Hernando.
- Afaste ela para longe de mim.
- Diga-nos onde está o monstro e vou mandá-la sair do quarto.
Nicky olhou de um para o outro e o medo estava no seu rosto agora. Você não precisava da visão dos vampiros para ver.
- Você não pode fazer isso comigo. Você é da polícia.
- Não estamos fazendo nada com você. - disse Ramirez.
Os olhos de Nicky voltaram para mim.
- Você é da polícia. Você pode me executar, mas não pode me torturar. Essa é a lei.
- Você está certo, Nicky. A polícia não tem permissão para torturar prisioneiros.
Eu inclinei e sussurrei:
- Mas eu não sou da polícia.
Ele começou a puxar a algema novamente para acima e para baixo da barra.
- Mande ela se afastar de mim agora! Eu quero um advogado. Eu quero a merda de um advogado.
Ramirez foi até os dois policiais uniformizados que esperavam na porta.
- Vão chamar um advogado para o Sr. Baco.
Os dois policiais se entreolharam.
- Nós dois? - um deles perguntou.
Ramirez assentiu.
- Sim, vocês dois.
Eles trocaram outro olhar e foram para a porta. O mais alto perguntou:
- Quanto tempo você acha que este telefonema deve durar?
- O suficiente para que batam na porta antes de entrar.
Os policiais se foram e ficamos sozinhos. Nicky continuava olhando para Ramirez. - Você é um bom policial, Ramirez. Eu nunca ouvi nenhuma sujeira de você. Você não vai deixá-la me machucar. Você é um cara bom. Você não vai deixá-la me ferir.
Sua voz era alta e frenética, mas cada vez que falava ele parecia mais seguro de si, mais certo que a bondade de Ramirez seria o seu escudo.
Ele provavelmente estava certo em uma coisa, Ramirez não me deixaria machucá-lo, mas eu estava disposta a apostar que ele me deixaria assustá-lo.
Estendi a mão como se fosse tocar o rosto de Nicky. Ele foi para trás fora do alcance.
- Merda Ramirez, por favor, não deixe que ela toque em mim.
- Eu estarei ali se você precisar de mim, Anita.
Ele se afastou da cama e foi sentar em uma cadeira perto de Edward.
Nicky gritou por ele.
- Ramirez, por favor, por favor!
Eu toquei a sua boca com os dedos e ele congelou com o toque suave.
Seus olhos se moveram lentamente, tão lentamente até se encontrar com os meus.
- Shhh. - eu disse e abaixei meu rosto até o dele como se fosse beijar sua testa.
Ele abriu a boca, respirou e gritou. Eu agarrei seu rosto entre as mãos do mesmo jeito que tinha visto Pinotl fazer, mas eu sabia que não precisava das mãos. Eu poderia sugá-lo com um beijo seco.
- Cale-se Nicky, cale a boca!
Ele começou a chorar.
- Por favor, oh Deus, por favor, não!
- Será que os lobisomens imploraram desse jeito? - eu perguntei. - Foi assim, Nicky? - Apertei minhas mãos em seu rosto até que a pele ficou enrugada.
- Sim. - ele disse.
Sua voz estava espremida pela forma que eu estava segurando seu rosto firmemente. Eu tive que me forçar a soltar o seu rosto ou deixaria marcas vermelhas. Eu não poderia dar a Marks um motivo para punir Ramirez.
Debrucei-me sobre a grade da cama que ele estava acorrentado. Ele puxou a mão até aonde a algema permitia, mas não lutou. Ele me observava como um camundongo que vê o gato e sabe que não há saída. Debrucei-me para ele em um movimento casual, mas coloquei meu rosto perto dele, perto o suficiente não para tocar, mas perto o suficiente para que ele observasse mais atentamente os meus olhos.
- Viu só Nicky, há coisas piores.
- Você precisa de mim para trazer os outros de volta, mas eu não posso devolver suas vidas.
- Nicky, eu não preciso mais de você. Eu sei como trazê-los de volta. - inclinei-me equilibrando na ponta dos pés com os braços sobre a grade como se fosse sussurrar em seu ouvido. - Seus serviços já não são necessários.
- Por favor. - ele sussurrou.
Falei com a minha boca tão perto de seu rosto que eu podia sentir minha respiração voltando de sua pele em um pulso quente.
- Os médicos vão atestar que você está morto, Nicky. Eles vão enterrá-lo em um caixão em algum lugar e você ouvirá cada pá cheia de sujeira jogada sobre a tampa do caixão. Você vai ficar lá no escuro e gritar na sua cabeça e ninguém vai ouvir você. Talvez eu coloque uma bola de jade em sua boca e costure para que você pare de mentir.
As lágrimas escorriam de seus olhos, mas seu rosto estava em branco como se ele não soubesse que estava chorando.
- Diga a eles onde está o seu mestre Nicky, ou eu juro que vou fazer pior do que matá-lo. - Beijei sua testa muito delicadamente e ele choramingou. Eu beijei a ponta do seu nariz como você faz com uma criança. Eu pairava sobre sua boca. - Diga-lhes, Nicky.
Baixei minha boca sobre a dele e nossos lábios se encostaram, ele virou a cabeça.
- Eu vou dizer. Vou dizer tudo o que quiser saber.
Afastei-me da cama e deixe Ramirez ficar no meu lugar.
Um telefone tocou e Edward pegou o celular do bolso de trás e saiu para atender. A voz de Ramirez não estava feliz.
- Como assim você não pode me dizer como chegar até lá?
Ele tinha o seu caderno aberto, sua caneta em punho e nada escrito nele.
Comecei a caminhar de volta para a cama. Nicky levantou as mãos para cima como se tentasse me afastar.
- Juro a vocês que posso levá-los até ele, mas não posso dar instruções e ter certeza que vão encontrá-lo. Se vocês não o encontrarem vão me culpar, e não será culpa minha.
Ramirez olhou para mim. Concordei. Ele estava com muito medo de mentir e seria uma história muito estúpida para inventar.
- Eu posso levá-los até ele. Se eu for até lá posso levá-los para ele.
- Claro, e se você estiver lá pode avisar o seu mestre. - eu disse.
- Eu não faria isso.
Eu vi a mudança na cor de sua pele, o aumento da respiração, o movimento de seus olhos.
- Mentiroso. - eu disse.
- Tudo bem, mas eu seria um idiota se não tentasse fugir. Eles vão me matar, Anita. Porque eu não deveria tentar fugir?
Eu acho que não poderia culpá-lo nessa.
- Fale com Leonora Evans, ela é uma bruxa. Certifique-se que ele não possa entrar em contato com seu mestre e não faça outra coisa senão gritar.
- E os gritos? - Ramirez perguntou.
- Vamos fechar sua boca quando chegar à hora. - eu disse.
- Você confia em Leonora Evans para fazer isso?
- Ela salvou minha vida, então eu acho que confio.
Ramirez assentiu.
- Ok, eu vou chamá-la. - Ele olhou para os cabos de tração. - Os médicos não vão querer que ele vá a lugar nenhum esta noite.
- Fale com eles, Hernando. Explique o que está em jogo. Além disso, de que adianta curá-lo se você vai executá-lo?
Ramirez olhou para mim.
- Isso foi duro.
- Sim foi, mas ainda é verdade.
Edward bateu e entrou pela porta apenas o suficiente para dizer:
- Eu preciso de você aqui fora.
Olhei para Ramirez.
- Eu acho que posso cuidar das coisas a partir daqui, muito obrigado. - ele disse.
- O prazer foi meu.
Coloquei os óculos de sol de volta e segui Edward para o corredor. No momento em que olhei para seu rosto eu soube que algo ruim tinha acontecido. Ele não demonstrava como uma pessoa normal faria, mas estava lá, a tensão ao redor dos olhos, a maneira como falou com cuidado como se estivesse com medo de se mexer demais. Eu acho que não teria visto isso sem a visão do vampiro.
- O que aconteceu?
Eu falei baixo porque algo me dizia que não era um assunto para a polícia. Com Edward raramente era. Ele me pegou pelo braço e me levou pelo corredor o mais longe possível dos policiais.
- Riker está com os filhos de Donna. - ele estava apertando meu braço, mas eu não disse que estava machucando. - Ele está com Peter e Becca e vai matá-los se eu não for até ele agora. Ele sabe que estamos no hospital. Ele me deu uma hora para chegar até lá, então começará a torturá-los. Se eu não estiver lá em duas horas vai matá-los. Se eu levar a polícia, ele vai matá-los.
Toquei seu braço. Se fosse qualquer outro amigo eu o teria abraçado.
- Donna está bem?
Ele pareceu perceber que estava apertando meu braço e me soltou.
- Esta é a noite de Donna em seu grupo. Eu não sei se a babá ainda está viva, Donna só vai chegar em casa daqui a duas, talvez três horas. Ela não sabe.
- Vamos. - eu disse.
Nós começamos a caminhar pelo corredor. Ramirez gritou atrás de nós.
- Onde vocês dois estão indo? Eu pensei que gostariam de nos acompanhar.
- Emergência pessoal. - Edward disse e continuou andando.
Eu me virei andando para trás, tentando falar ao mesmo tempo.
- Daqui a duas horas ligue para casa de Ted. A chamada será encaminhada para seu celular. Vamos acompanhá-lo na caçada ao monstro.
- Por que duas horas?- ele perguntou.
- Porque vamos cuidar dessa emergência. - eu disse.
Eu tinha que tocar no braço de Edward para continuar andando para trás e não cair.
- Isso pode levar mais de duas horas a partir de agora. - disse Ramírez.
- Eu sinto muito.
Edward estava na porta que dava para o outro corredor. Ele me puxou e as portas se fecharam atrás de nós. Ele já estava com o celular na mão.
- Vou verificar se Olaf e Bernardo podem nos encontrar no caminho.
Eu não sei qual deles respondeu, mas Edward deu uma longa lista de coisas para trazer. Estávamos no estacionamento entrando em seu Hummer quando ele desligou. Edward dirigia e tudo que eu tinha a fazer era pensar. Não era uma coisa boa. Eu estava me lembrando de Maio passado quando alguns bandidos sequestraram a mãe de Richard e o irmão mais novo. Eles nos enviaram uma caixa com uma mecha de cabelo de seu irmão e um pedaço do dedo da mãe. Todos que tinham tocado na família de Richard foram mortos, todos que magoaram sua família nunca mais fariam mal a ninguém. Eu só lamentava por dois motivos: Primeiro, por não ter chegado lá a tempo de salvá-los de serem torturados; segundo, pelos bandidos não terem sofrido o suficiente antes de morrer.
Se Riker ferisse Peter ou Becca... Eu não tinha certeza se queria ver o que Edward faria com ele. Eu rezei no escuro "Por favor Deus, não deixe ninguém machucá-los. Deixe-os a salvo".
Riker poderia estar mentindo, as crianças poderiam estar mortas, mas eu acho que não. Lembrei-me de Becca em seu vestido de girassol com o raminho de violetas em seu cabelo rindo nos braços de Edward. Vi o ressentimento de Peter quando Edward tocou sua mãe. Lembrei-me da maneira que Peter encarou Russell no restaurante quando ele ameaçou Becca. Ele era um garoto corajoso. Tentei não pensar no que poderia estar acontecendo a eles nesse exato momento.
Edward estava muito, muito tranquilo. Quando olhei para ele, e os olhos de fogo negro mostraram algo que eu jamais tinha visto antes. Eu não tinha que adivinhar se ele se importava com as crianças, eu podia ver. Ele os amava. Tanto quanto era capaz, ele os amava. Se alguém ferisse essas crianças sua vingança seria terrível e impressionante, e eu não seria capaz de detê-lo, não importa o que ele fizesse com eles. Tudo o que eu seria capaz de fazer era olhar e prestar atenção, e tentar não ficar com muito sangue no meu sapato.
54
Era uma noite escura, não parecia estar nublado, apenas escuro como se algo além das nuvens estivesse bloqueando a lua. Ou será que era apenas a moldura na minha mente? A única coisa que eu queria evitar enquanto pagava o meu favor para Edward era mexer com coisas ilegais. Pegamos Olaf e Bernardo em um cruzamento no meio do nada com aqueles morros vazios que se estendiam para fora e para a escuridão. Não havia nenhum lugar para se esconder, exceto alguns arbustos, e quando Edward parou o carro e desligou o motor eu pensei que teríamos uma longa espera à nossa frente.
- Vamos nos preparar.
Ele saiu do carro sem esperar para ver se eu tinha feito o mesmo. Eu saí. O silêncio parecia tão grande quanto o céu acima de nós, um imenso vazio. Um homem levantou a cinco metros na minha frente. Eu estava com a Browning apontada para ele antes que o homem ascendesse uma lanterna e eu percebesse que era Bernardo.
Olaf magicamente apareceu do outro lado. Não havia nenhuma vala em ambos os lados da estrada. O mais impressionante era que eles começaram a levantar grandes sacos pretos de equipamentos do nada. Se tivéssemos tempo eu teria perguntado como fizeram isso, embora duvidasse que entendesse a resposta.
Naturalmente eu podia ouvir o coração de Bernardo e Olaf, não importa o quão bem escondido estivessem. Era quase um alívio saber que eram meros seres humanos. Isso significava que você poderia, pelo menos, se esconder no escuro.
Vinte minutos depois estávamos na estrada novamente e Edward não estava brincando quando disse para nos prepararmos. Eu tive que tirar o meu sutiã e colocar um colete de Kevlar. Era do meu tamanho.
Isso significava que tinha que ser uma compra especial porque Kevlar não vinha fora do tamanho padrão.
- É o seu prêmio por encontrar todas as armas. - Edward disse.
Ele sempre sabia exatamente o que comprar para mim. Eu precisava ajustar o coldre de ombro após colocar o colete, mas ele disse para fazê-lo no carro, não discuti. Tínhamos menos de dez minutos para chegar ao local que Riker mandou. Minha camiseta não se encaixa perfeitamente sobre o colete, ela servia mas não ficava bem. Bernardo me entregou uma camisa masculina preta de mangas compridas, roupa de homem.
- Coloque por cima da camiseta. Abotoe depois que ajustar seu coldre.
Era apenas uma questão de reajustar as cintas, mas o colete acabou atrapalhando. Coloquei a Firestar na frente da minha calça jeans, ela apertava o meu estômago, mas eu queria colocá-la onde pudesse pegá-la rapidamente. Eu poderia viver com alguns hematomas. Pratiquei sacar a Browning de dentro da camisa meio aberta algumas vezes, mas é difícil fazer isso quando você está sentada.
- Vocês estão me deixando nervosa me colocando nesse Kevlar.
- Não discuta. - disse Bernardo.
- Não temos tempo para discutir. Diga-me o que fazer e eu faço. Por que o Kevlar?
- Olaf. - Edward disse.
- Riker emprega vinte homens, dez foram contratados apenas pelos músculos. Nós já conhecemos metade deles, os outros dez Riker mantém perto dele. Três ex-focas, dois ex-rangers do exército, um ex-policial, e quatro caras que tem arquivos negros. Isso significa que o que eles fazem ou não é secreto e talvez algo desonesto.
Lembrei-me do que o agente do FBI Bradford tinha dito sobre Olaf, que ele tinha um arquivo negro.
- Isso não é demais para um caçador de tesouros?
Olaf continuou como se eu não tivesse dito nada. Bernardo começou a me mostrar o conteúdo de uma bolsa de couro. Percebi quando os dois se olharam.
- Riker tem conexões na América do Sul que lhe fornece contrabando, há suspeitas de que ele esteja vendendo mais do que apenas artefatos. Talvez drogas. Os moradores dessa cidade não têm idéia do grande vilão que tem por aqui.
- Quando você descobriu tudo isso?
- Depois que eles apareceram em casa. - Edward disse.
- Como você soube de tudo isso? - eu perguntei.
- Se nós dissermos, teríamos que matá-la. - disse Olaf.
Eu comecei a sorrir pensando que era uma piada, mas peguei um vislumbre do seu rosto pelo farol do único carro que passou por nós, ele não parecia estar brincando.
Bernardo disse:
- Isto parece uma lata de spray de cabelo. Você pode até esguichar uma pequena quantidade de cresol, levante aqui. - Ele revelou uma segunda camada de metal. - Este é o pino, este é o depressor. É uma granada incendiária. Você puxa o pino e tem três segundos para ficar a cinquenta metros de distância. Tem fósforo branco nele, esta merda arde debaixo d'água. Se pegar em um pequeno pedaço da manga de sua camisa, ele começará a corroer sua pele, ossos e tudo o que estiver em seu caminho até o outro lado.
Ele fechou o compartimento secreto e me entregou.
- É pesado para um spray de cabelo. - eu disse.
- Sim, mas um ex-fusileiro notaria?
Ele tinha um ponto. Ele me mostrou uma caneta que realmente escrevia e se você pressionasse um botão uma lâmina de seis polegadas aparecia no final, e um frasco de perfume com um maior teor de álcool do que o normal.
- Mire nos olhos. - foi o conselho.
Um isqueiro descartável porque nunca se sabe quando você pode precisar de fogo e um maço de cigarros para explicar o isqueiro. Havia um transmissor na gola da camisa preta que lhes permita me encontrar em qualquer lugar ou pelo menos encontrar a camisa. Eu estava começando a me sentir como tivesse sido raptada em um dos filmes de James Bond. Peguei uma escova com o cabo mais pesado do que o normal.
- O que é isso?
- Uma escova de cabelo. - disse Bernardo.
Ah. Eu olhei para Edward. A única coisa que ele fez foi colocar um colete de Kevlar branco sob a camiseta e camisa branca, e ainda estava usando seu chapéu de vaqueiro. Olaf e Bernardo estavam vestidos de preto, as mochilas pareciam cheias. Eles estavam repletos de armas que não apareciam na noite, mas não estavam ocultas.
- Eu acho que os rapazes aqui não vão entrar pela porta da frente com a gente. - eu disse.
- Não. - Edward disse.
Ele pisou nos freios, Olaf e Bernardo saíram do carro para a escuridão. Como eu sabia o que procurar conseguia vê-los correndo agachados por cima do morro, mas se eu não soubesse não poderia encontrá-los.
- Você está me assustando, Edward. Eu não sou uma das garotas dos filmes de James Bond. Onde diabos você conseguiu uma granada incendiária?
- Existem muitas mulheres no serviço secreto agora. É um protótipo.
- É bom saber para onde o dinheiro dos impostos está indo.
Estávamos rodando por uma estrada de cascalho. Havia uma casa grande na colina. Luzes brilhavam nas janelas como se alguém tivesse ascendido todas as luzes por medo do escuro. Se Riker realmente pensava que os monstros estavam chegando, a analogia era precisa.
Edward apresentou seu plano nos últimos metros. Eu fingiria fazer um feitiço de proteção para Riker enquanto Olaf e Bernardo tentavam encontrar as crianças. Se não pudessem encontrá-los ou tirá-los de lá, Olaf supostamente deveria encontrar um homem e matá-lo o mais silenciosamente possível em um curto espaço de tempo, deixar o corpo onde seria encontrado e esperar que Riker acreditasse que o monstro já estava lá dentro. Eles poderiam nos levar até o monstro onde Olaf e Bernardo nos ajudaria a matá-lo. Se isso falhar, Bernardo começaria a explodir as coisas. Isso criaria pânico e esperaríamos ter tempo para encontrar as crianças. A menos que Bernardo decidisse que a estrutura não era robusta o suficiente para explodir, então precisaríamos de outro plano.
Edward parou o carro próximo do morro, homens armados com metralhadoras automáticas caminharam até o carro. Nenhum deles era Harold ou Russell.
Eles se moviam como Olaf e Edward, como predadores.
- Você não acredita que vão devolver as crianças, não é?
- Você acredita? - ele perguntou e colocou as mãos no volante à vista de todos. Levantei minhas mãos no ar onde podiam ser vistas.
- Não. - eu disse.
- Se as crianças estiverem bem vamos matar o menos possível, mas se não estiverem, é zero de sobrevivência.
- A polícia vai descobrir, Edward. Você vai acabar com a imagem do bom e velho Ted Forrester.
- Se as crianças não conseguem sair, eu não dou à mínima.
- Como Olaf e Bernardo sabem se é para matar ou não?
- Há um transmissor no meu colete, podemos ouvir o que acontece.
- Você vai dizer quando devem matar?
- Se for obrigado, sim.
Os homens com as metralhadoras em punho estavam em um dos lados do carro. Eles nos mandaram sair, fizemos o que eles queriam, não se esquecendo de manter as mãos à vista. Não queríamos nenhum mal-entendido.
55
O homem armado do meu lado não era tão alto, talvez 1,70 ou 1,80m, mas seus braços em tão musculosos que as veias saltavam de sua pele como cobras. Algumas pessoas tinham as veias um pouco altas, mas na maioria das vezes você não faz muito esforço para que fiquem assim. Era como se ele estivesse tentando compensar a falta de altura sendo obscenamente forte. A maioria dos halterofilistas é lento e raramente sabem brigar. Eles confiavam na força bruta para ser um valentão. Ele se movia suavemente quase deslizando sobre seus pés, insinuando que tinha algum treinamento em artes marciais, seu bíceps era maior do que meu pescoço. Musculoso, lutador treinado e melhor armado do que eu, não havia regras contra isso?
- Mãos sobre o capô, assumam a posição. - ele disse.
Coloquei minhas mãos sobre o capô e me inclinei. O motor ainda estava quente, o homem musculoso chutou minhas pernas.
- Abra mais as pernas.
Eu fiz o que ele mandou. Olhei pelo capô e encontrei os olhos de Edward. Ele estava recebendo o mesmo tratamento de um homem alto e magro que usava óculos com armação prateada. Os olhos de Edward estavam vazios, impiedosos, mas de alguma forma eu sabia ele não estava satisfeito. Percebi que ainda estava com os óculos escuros e minha visão ainda era boa mesmo durante a noite. Engraçado como nem Olaf ou Bernardo tinham pedido para deixá-lo no carro. Não houve tempo para muitas perguntas.
A visão de vampiro tinha suavizado, mas ainda estava lá ou eu não veria nada com os óculos. Fiquei imaginando o que o Sr. Músculos pensaria dos meus
olhos.
Ele chutou a perna direita novamente, forte o suficiente para machucar.
- Eu disse para inclinar! - Ele tinha aquela voz de sargento.
- Se eu me inclinar mais vou acabar deitada sobre o capô.
Senti quando ele ficou atrás de mim e deu um tapa na minha cabeça forte o bastante para que meu rosto batesse no capô. Ele teria machucado meu nariz e minha boca se eu estivesse de frente. Ele sabia onde bater.
- Faça o que eu disse e você não vai se machucar.
Não acreditei nele, mas me inclinei com o rosto no capô, braços afastados, os pés separados tão longe que eu estava quase caindo no chão. Aparentemente eu estava como ele queria, aparentemente. De certa maneira era lisonjeiro ele estava me tratando como uma pessoa perigosa. Os caras maus não faziam isso, normalmente eles lamentavam, mas não sempre. Se o homem musculoso morresse essa noite, não seria por descuido.
Ele me revistou de cima a baixo e passou os dedos pelos meus cabelos, ele teria encontrado as facas no cabelo de Bernardo se estivesse com os homens que apareceram na casa de Edward. Ele pegou os óculos de sol e olhou para eles como se procurasse algo que não deveria estar lá. Ele realmente não olhou para o meu rosto, não viu os meus olhos, ou talvez eles não estivessem mais pretos e brilhantes. O homem musculoso revistou tudo, mas não encontrou o transmissor costurado na camisa ou descobriu o conteúdo da bolsa. Ele jogou tudo no chão e acendeu uma lanterna para observar cada item, viu se a caneta escrevia, se o spray de cabelo pulverizava, cheirou o vidro de perfume como se reconhecesse a fragrância. Depois que tirou tudo da bolsa ele foi se certificar que realmente estava vazia, amassou com a mão esquerda enquanto apontava a metralhadora com a mão direita.
- Essa bolsa não seria uma daqueles com compartimento para uma arma, não é?
Eu levantei a cabeça o suficiente para que pudéssemos nos olhar enquanto apontava a arma para mim.
- Não, não seria.
- Eu estava apostando que seria. - ele disse.
- Não.
Ele acabou pisando na bolsa. Ainda bem que não era minha.
- Acho que não tem nenhuma arma. - ele disse.
- Eu te disse.
Ele se afastou dando três passos para trás. Ele estava mesmo me tratando como se eu fosse perigosa. Danado.
- Você pode levantar.
Obedeci. Ele jogou os óculos para mim, meus olhos refletiam à luz da casa agora, mas ele não vacilou. Aparentemente meus olhos tinham desbotado. Ele acenou com a arma para que eu pegasse as coisas do chão. Coloquei tudo de volta dentro da bolsa e quase guardei os óculos de sol também, mas decidi colocar-los de volta por duas razões: uma, quando a noite ficasse escura demais para usá-los eu saberia que o poder dos vampiros tinha me deixado completamente; dois, sabendo que provavelmente era um óculos caro, eu não queria que arranhasse.
Ele acenou com a arma e disse:
- Basta caminhar lenta e diretamente para a casa e vai dar tudo certo.
- Por que eu não acredito em você? - eu perguntei.
Ele olhou para mim com os olhos mortos e vazios como uma boneca.
- Eu não gosto de bocas inteligentes.
- Você vai ter que esperar até que eu faça o feitiço antes de poder atirar em mim. - eu disse.
- Foi o que me disseram. Mexa-se.
O rapaz magro de óculos tinha Edward na mira da arma e esperava o homem
musculoso. Quando eu comecei a andar o homem mandou que Edward acompanhasse. Estávamos caminhando lado a lado, eles nos disseram para ficarmos juntos porque se tivessem que atirar poderiam nos matar com uma saraivada de balas, verdadeiros profissionais. Eu esperava que Olaf e Bernardo fossem tão bons como eles pareciam ser. Se não fossem estaríamos em apuros.
A casa era uma dessas arquiteturas novas que as pessoas ricas sempre contratam alguém para construir. Parecia que um gigante tinha despejado concreto branco e colocado janelas e portas aqui e ali como passas em um biscoito de aveia. Uma surpresa agradável onde você não espera encontrá-los. As janelas deixavam a casa com um aspecto deformado. A porta estava fora do centro, era redonda como uma boca aberta. As janelas não eram tão incompatíveis, mas o número delas não parecia coincidir com o piso plano. Degraus brancos levaram até a porta redonda, mas não eram suficientemente largos para que pudéssemos caminhar lado a lado, então Edward ficou na minha frente. Nenhum dos homens protestou, por isso continuamos andando.
Fazia muito tempo que deixei de carregar uma bolsa em vez de uma pochete e senti um peso estranho no meu ombro. Eu tinha que manter a mão sobre ela para evitar que ficasse balançando ao meu redor. Coloquei a alça no ombro esquerdo deixando minha mão direita livre como de hábito. Não que eu tivesse alguma arma para sacar, mas era sempre bom ter a mão mais forte vazia para o caso de precisar. Era o que Edward e Dolph sempre me diziam.
Na varanda sobre um foco de luz amarela e brilhante nos disseram para parar.
Os homens se posicionaram um pouco para trás e para os lados, eu não entendi o que estavam fazendo no início até que a porta se abriu e outro homem apontou o mesmo tipo de metralhadora para nós. O Sr. Músculos e o homem de óculos saíram da linha de fogo. Não é fácil usar três submetralhadoras em um pequeno espaço sem atingir seus próprios homens, mas eles faziam parecer fácil. Muito bom.
Os outros homens pegaram munição extra para as armas em um coldre na coxa, mas este tinha dois clipes em sua cintura.
O homem na porta era afro-americano, um pouco mais alto que Olaf. Ele também era completamente careca como Olaf. Eles pareciam à versão em preto e branco um do outro.
- Por que demorou tanto? - ele perguntou, sua voz combinava com o corpo, profundo.
- Eles estavam carregando muitos objetos. - disse o Sr. Músculos.
O cara estava sorrindo de novo para mim.
- Do jeito que Russell falou eu esperava que você fosse como Amanda. Você é apenas uma pequena cadela.
- Amanda a amazona que foi na casa de Ted? - eu perguntei. - Eu não acreditaria muito no que Russell disse.
- Ele disse que você quebrou seu nariz, chutou suas bolas e bateu em sua cabeça com um pedaço de pau.
- Tudo verdade, menos a última parte. Se eu tivesse batido em sua cabeça ele estaria morto.
- O que estamos esperando, Simon? - o Sr. Músculos perguntou.
- Deuce está tendo alguns problemas para localizar o bastão.
- Deuce teria problemas para manter controle de sua cabeça se não estivesse ligada ao pescoço. - disse o Sr. Músculos.
- É verdade, mas vamos continuar esperando. - Ele estava olhando para nós, a arma facilmente presa em suas mãos grandes.
- Por que está com óculos de sol, puta?
Eu deixei o xingamento passar. Eles tinham todas as armas.
- Achei legal. - eu disse.
Ele riu, era um som quente. Um bom riso se ele não estivesse armado.
- E você Ted? Ouvi dizer que é um cara mau.
Edward se transformou em Ted como um mágico que decide fazer um novo truque.
- Eu sou um caçador de recompensas. Eu mato monstros.
Simon olhou para ele e havia algo na maneira como fez isso que dizia que Ted não poderia enganá-lo com esse disfarce.
- Van Cleef reconheceu a sua foto, Morte.
Ted sorriu e balançou a cabeça.
- Eu não conheço ninguém chamado Van Cleef.
Simon apenas olhou para o homem de óculos. Edward teve tempo de virar a cabeça e deixar o golpe acertar seu ombro. Ele deu um passo para trás, mas não caiu. Simon deu outro olhar, o homem de óculos acertou seu joelho e Edward foi ao chão.
- Nós só precisamos da garota. - disse Simon. - Então vou perguntar apenas uma vez, você conhece Van Cleef?
Eu estava parada e não sabia o que fazer. Estávamos totalmente cobertos pelas armas e a prioridade era tirar as crianças da casa. Portanto nada de heroísmo até que estivessem a salvo. Se caso morrêssemos ali eu não tinha cem por cento de certeza se Bernardo e Olaf arriscariam suas vidas para salvá-los. Então fiquei parada olhando para Edward caído na varanda esperando que me desse algum tipo de sinal.
Edward olhou para Simon.
- Sim.
- Sim o que idiota?
- Sim, eu sei quem é Van Cleef.
Simon sorriu obviamente feliz com a resposta.
- Rapazes esse é a Morte, o homem treinado por Van Cleef que ainda tem o record de maior número de corpos.
Senti mais do que vi os dois homens se contorcerem. A informação não só fazia sentido para eles, como os deixava com medo. Eles estavam com medo de Edward. E quem diabos era Van Cleef? E quando ele tinha treinado Edward? E para quê? Eu queria saber as respostas, mas não o suficiente para perguntar. Mais tarde se sobrevivêssemos eu perguntaria. Talvez ele mesmo me falasse.
- Eu não conheço você. - Edward disse.
- Cheguei depois que você saiu. - disse Simon.
- Simon? - Edward fez do nome uma pergunta e o grande homem parecia
entender o que estava sendo perguntado.
- É um nome como qualquer outro, esse serve muito bem.
Muito colorido eu pensei, mas não disse em voz alta.
- Posso levantar agora? - Edward perguntou.
- Se quiser levantar, ajude a si mesmo.
Edward levantou. Se estava doendo, não demonstrou. Seu rosto estava vazio, os olhos como pedaços de gelo azul pálido. Eu já o vi matar com essa mesma expressão.
O sorriso de Simon vacilou um pouco.
- Você é supostamente um grande filho da puta.
- Van Cleef nunca disse que eu era mau. Ele parecia muito certo disso.
O sorriso de Simon desapareceu completamente.
- Não, ele não disse. Ele disse que você era perigoso.
- O que Van Cleef disse sobre você? - Edward perguntou.
- A mesma coisa. - disse Simon.
- Eu duvido. - Edward disse.
Eles olharam um para o outro e havia um peso como algo quase visível no ar entre eles. O homem musculoso falou primeiro.
- Onde diabos está Deuce com o bastão?
Simon piscou e virou seus frios olhos castanhos para o homem atrás de mim.
- Cale-se Mickey.
Mickey? Não tinha muito peso como os outros apelidos. Claro que Simon não era um nome muito duro até ser explicado.
- Van Cleef não reconheceu a foto dela.
- E por que ele deveria? - Edward disse.
- Os jornais a chamam de Executora.
- É como os vampiros a chamam.
- Por que a chamam assim?
- Por que você acha?
Simon olhou para mim.
- Quantos vampiros você já matou, puta?
Se eu tivesse uma chance esta noite gostaria de ensinar boas maneira a Simon, mas não agora.
- Eu não sei exatamente.
- Diga um número aproximado.
Eu pensei sobre isso.
- Eu parei de contar quando passei dos trinta.
Simon riu.
- Porra, cada homem nessa varanda matou mais do que isso. Matou mais de trinta? Quem diabos eram esses caras?
Eu dei de ombros.
- Eu não sabia que era uma competição.
- Anita, você disse a ele quantos homens matou? - Edward perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Ele me perguntou sobre vampiros, não humanos.
- Faça a soma.
Isso foi difícil.
- Onze, doze, talvez.
- Quarenta e três até agora. - disse Simon, - mais do que Mickey matou, mas não Rooster.
Aparentemente Rooster era o homem de óculos.
- Adicione os metamorfos. - Edward disse.
Ele tinha transformado em uma competição. Eu realmente não tinha certeza se queria parecer tão perigosa como eu realmente era, mas confiei em julgamento de Edward.
- Oh inferno Edward, eu não sei. - Comecei a contar de cabeça, finalmente eu disse: - Sete.
- Assim, somamos cinquenta. - ele disse.
Só de ouvir o número em voz alta me fez querer recuar. Parecia tão psicopata.
- Eu ainda ganho de você, puta. - disse Simon.
Ele estava começando a me dar nos nervos.
- Cinquenta foram só as pessoas que eu matei com uma arma.
- Você quer dizer que não contou as que matou de mãos vazias? - Ele sorriu quando disse, como se não acreditasse.
- Não, eu contei essas também.
O sorriso ficou positivamente condescendente.
- Então o que você não contou, vadia.
- Bruxos, necromantes, coisas assim.
- Por que não contá-los? - Mickey perguntou.
Eu dei de ombros.
- Porque usar magia para matar é garantia de sentença de morte. - Edward disse.
Eu fiz uma careta para ele.
- Eu nunca disse nada sobre magia.
- Não somos amigos. - disse Simon - mas hoje você pode ser honesta puta. Não vamos contar a polícia. Não é mesmo rapazes?
Ele riu e eles riram com ele com esse mesmo tipo de alegria nervosa que os vampiros de Itzpapalotl tinha tido, como se estivessem com medo de rir.
Eu dei de ombros.
- A maioria dessas mortes já foi sancionada. A polícia sabe sobre eles.
- Você já foi a julgamento? - Rooster pergutou.
- Não.
- Cinquenta mortes juridicamente legais. - disse Simon.
- É matar ou morrer. - eu disse.
Simon olhou para Edward, eles estavam em mais uma daquelas competição de olhares.
- Será que Van Cleef gostaria dela?
- Sim, mas ela não gostaria dele.
- Por que não?
- Ela não dá ouvidos ou segue ordens de pessoas só porque elas tem uma
faixa extra em seu ombro.
- Não é disciplinada. - disse Simon.
- Ela é disciplinada. Você apenas tem que ser mais graduado para que ela obedeça.
- Ela ouve você. - disse Simon. - Ela não quer falar sobre quantas pessoas matou, mas segue sua liderança.
Isso significava que Simon estava muito atento, eu o tinha subestimado. Foi estúpido da minha parte. Não, não foi estúpido, foi descuidado.
Outro homem se aproximou com a arma idêntica em suas mãos. Ele parecia tímido e de alguma forma delicado. O cabelo era de um castanho profundo, curto e encaracolado. O rosto era bonito, mas parecia feminino de alguma forma. Sua pele era bronzeada. Ele tinha um pequeno headphone em volta do pescoço com fios ligados a uma caixa de metal e um pequeno bastão. Tinha que ser Deuce e o bastão.
Eu não sabia o que era aquilo, mas Edward ficou incomodado. Ele sabia e não gostou. Não era um bom sinal.
- Onde diabos você estava? - Mickey perguntou.
- Mickey. - disse Simon,
Ele falava do mesmo jeito que Edward quando queria que Olaf obedecesse a suas ordens. Não houve mais comentários.
- Faça. - disse Simon
Deuce colocou os fones de ouvido, apertou alguns botões e uma luz se acendeu na caixa. Ele tinha um olhar distraído no rosto como se ouvisse coisas que você não podia ouvir. Ele passou o bastão pelo chapéu de Edward e começou a descer, hesitou sobre a área do tórax, em seguida continuou a varredura. Ele se ajoelhou perto de Edward e passou o bastão na parte de trás.
Ele teve o cuidado de ficar fora da linha de fogo das três armas. Sua própria arma estava em suas costas fora do caminho para não atrapalhar enquanto se movia.
Ele levantou, tirou os fones de ouvido e disse.
- Escute isso. - Ele passou o bastão sobre o peito de Edward. O aparelho disparou freneticamente.
- Tire a camisa. - disse Simon.
Edward não argumentou, tirou a camisa e entregou para Deuce que passou o aparelho sobre ela. A coisa ficou em silêncio. Deuce apontou o bastão sobre o peito de Edward de novo e novamente o alarme disparou.
Ele passou sobre a camisa na mão, nenhum ruído. Deuce balançou a cabeça.
- A camiseta. - disse Simon.
Edward tinha que tirar o chapéu. Ele entregou para mim, em seguida tirou a camiseta pela cabeça. O Kevlar parecia muito artificial e branco. Ele entregou a camiseta para Deuce, e passamos pela mesma rotina de novo.
- Tire o colete. - disse Simon.
- Diga-me uma coisa primeiro. - Edward perguntou. - As crianças estão bem?
- Por que diabos você se importa com as crianças de uma puta?
Edward apenas olhou para ele, mas havia alguma coisa nesse olhar que fez Simon dar um passo para trás. Ele percebeu o que tinha feito e segurou a arma firmemente apontada para seu peito.
- Tire o maldito colete.
- Esse colete é muito quente de qualquer maneira. - Edward disse.
Para um homem de poucas palavras parecia algo estranho, mas você tinha que conhecer Edward para saber. Eu tinha a impressão que ele tinha acabado de dizer a palavra para "zero sobreviventes". Ele soltou o velcro e entregou a Deuce.
Edward estava nu da cintura para cima. Ele parecia frágil ao lado do musculoso Mickey ou do muito alto Simon, mas você percebia que mesmo desarmado e seminu eles ainda tinham medo dele. Simon finalmente reagiu.
Todos mantinham distância, exceto Deuce. Ele parecia não seguir seus instintos como os outros, embora jamais tenha cruzado a linha de fogo. Ele deixou Edward esticar a mão, e se abaixou perto dele. Nenhum deles foi tão descuidado. Não era um bom sinal.
O bastão foi passado sobre o colete e quando o alarme disparou a peça foi entregue a Simon. Ele passou o bastão sobre o peito nu de Edward. Silêncio. Isso foi bom porque eu acho que Simon teria dito "Matem-no" com a mesma voz que disse, camisa, camiseta, colete. Só porque Edward o deixava nervoso não significa que não era assustador.
- No corpo do colete, interessante. - disse Simon. - A maioria das pessoas não teria pensado nisso. - Edward apenas olhou para ele. - Você é a próxima.
Deuce ficou na nossa frente apenas para o caso de alguém começar a atirar. Não qualquer tiro. Claro que a noite ainda era uma criança. Ele estava do outro lado e não se preocupou em colocar os fones, apenas colocou o bastão em cima de mim e o alarme disparou.
- Devolva o chapéu para ele, por favor.
"Por favor" era refrescante depois de ser chamada de puta uma dúzia de vezes.
- O prazer é meu. - eu disse e devolvi o chapéu para Edward.
Deuce olhou para mim quando respondi como se não esperasse educação dos outros também. O bastão passou em mim e disparou no nível do tórax.
- Tire a camisa, puta. - disse Simon.
Eu puxei a camisa e comecei a desabotoá-la.
- Meu nome é Anita, não puta.
- Como se eu desse a mínima. - ele disse.
Certo, eu tentei ser boa. Entreguei a camisa para Deuce e seu bastão mágico.
Ele disparou, mas quando passou em mim novamente, nada. Ele colocou a caixa com cuidado no chão, o bastão em cima dela e começou a examinar a camisa. Em questão de segundos encontrou um pequeno fio com a cabeça ligeiramente mais grossa costurada na camisa.
- Parece um transmissor, talvez um farol homing.
Simon jogou o colete para Deuce.
- Abra e descubra o que tem dentro.
Deuce puxou uma faca de seu bolso, fez um movimento rápido que liberou a lâmina aberta. Ele pegou o colete e fechou os olhos, então começou a cortar. Era um fio longo com uma pequena caixa anexa.
- É um transmissor. Alguém lá fora está ouvindo tudo que dizemos.
- Destrua o pombo-correio.
Deuce esmagou o aparelho sob o calcanhar. Quando sobrou apenas pedaços de plástico e metal pouco vistosos na varanda ele olhou para nós e sorriu como se fosse uma coisa boa. Deuce era um poço de timidez. Engraçado como muitas pessoas que Edward me apresentava eram assim.
- Quem está lá fora Morte? - Simon perguntou.
Edward tinha colocado o chapéu, ele parecia engraçado sem a camisa, mas parecia perfeitamente à vontade. Se ele estava nervoso, você não percebia.
- Eu vou perguntar só mais uma vez, então a coisa vai ficar feia. - Simon flexionou os ombros como se estivesse a ponto de dar uma surra. - Quem estava na outra extremidade do fio? Quem está lá fora?
Edward balançou a cabeça, Simon fez um sinal.
Rooster bateu em suas costas e deve ter doído porque ele caiu de joelhos. A coronha da arma abriu dois pequenos cortes. Ele ficou de quatro por uns segundos então levantou e enfrentou Simon.
- Responda a pergunta, Morte.
Edward balançou a cabeça novamente, mas ele estava pronto para o próximo golpe ele cambaleou, mas não caiu. Apareceu um terceiro corte pequeno, isso mostrava a força que estavam usando. Seu rosto dizia que mandaria todos para o inferno antes do amanhecer.
- Talvez ela saiba. - disse Mickey.
- Eu não sei. - A mentira saiu suavemente da minha boca. - Ted disse que precisávamos de apoio e encontrou alguém.
- Você gostaria de estar numa situação como essa com pessoas desconhecidas protegendo suas costas? Você não seria tão estúpida. - Simon disse.
- Ted deu o aval para eles. - eu disse.
- E você confia nele?
Concordei.
- Você confia nele com sua vida?
- Sim. - eu disse.
Simon olhou para mim, depois de volta para Edward.
- Vocês têm um caso?
Edward piscou e eu sabia que ele estava tentando ganhar tempo pensando na resposta menos dolorosa.
- Não.
- Eu não acredito em você, em nenhum de vocês, mas se começarmos a espancar a cadela e ela ficar muito ferida não vai conseguir fazer o feitiço para Riker e ele vai ficar puto.
- Por que você não manda que Morte chame seus homens? - Deuce perguntou, todos congelaram e olharam para ele.
- O que você diria? - Simon perguntou.
- Se eles podem nos ouvir peça que saiam com as mãos para cima, esse tipo de coisa.
Simon concordou e virou para Edward.
- Diga-lhes para vir até aqui com as mãos onde possamos ver.
- Eles não virão. - Edward disse.
- Se não vierem vamos explodir sua maldita cabeça. - Simon posicionou a arma no ombro com o cano contra a cabeça de Edward. - Peça que venham, joguem suas armas e ponham as mãos para cima.
Era engraçado como Simon nunca pensou que poderia ser a polícia lá fora, como se ele não acreditasse que Morte traria a polícia para a festa.
Edward olhou para o cano da arma e lentamente para Simon, seu olhar era o de costume. Seus olhos eram frios e vazios como o céu de inverno. Não havia nenhum medo. Não havia nada. Era como se ele não estivesse lá.
Edward poderia estar calmo, mas eu não estava. Eu tinha visto homens maus o suficiente para saber que Simon queria atirar. Mais do que isso, ele se sentiria mais seguro se Edward estivesse morto. Eu não consegui pensar em nada, mas não podia ficar parada vendo isso acontecer.
- Diga a eles Morte, ou vou espalhar sua cabeça por toda a varanda.
- Mesmo que eu pedisse, eles não viriam.
Simon pressionou a arma de modo que Edward teve que apoiar os pés para evitar ser empurrado para trás.
- É melhor que venham. Não precisamos de você vivo só dela.
- Eu preciso dele vivo. - eu disse.
Os olhos de Simon voltaram para mim, depois para Edward.
- Você está mentindo, puta.
- Você é um bruxo, Simon? - eu perguntei embora soubesse a resposta.
- Que porra de pergunta é essa?
- Então você não sabe do que eu preciso para fazer magia, não é? Seu chefe ficaria puto se você matasse alguém que eu preciso para mantê-lo protegido do monstro.
- Por que você precisa dele? - Deuce perguntou.
Engoli em seco e tentei pensar, nada me veio à cabeça. Eu tentei de verdade, e só tinha uma opção.
- Riker disse que não machucaria as crianças, ele disse que só queria se livrar do monstro. Se você espalhar o cérebro de Ted até a cidade mais próxima eu não vou mais acreditar em nenhuma das promessas dele. Eu acho que assim que eu fizer a minha parte ele vai matar todos nós, então eu não tenho nenhum incentivo para ajudá-lo.
Os olhos de Simon voltaram para mim novamente.
- Podemos te dar esse incentivo.
Senti Mickey se movendo atrás de mim. Eu nunca fui boa em levar um golpe. Virei sem pensar e ele prendeu o meu ombro, ele sabia como lutar. Eu estava me virando para impedir outro golpe quando a coronha de sua arma me acertou no queixo.
A próxima coisa que percebi foi que estava no chão olhando para cima. Deuce estava de joelhos acariciando meu rosto. Tive a impressão que ele estava fazendo isso há algum tempo como se eu tivesse desmaiado. Não me lembro de desmaiar. Os óculos tinham desaparecido, eu não sei se Deuce guardou ou voaram quando minha cabeça foi jogada para trás.
- Ela acordou. - Deuce disse, com um tipo voz de sonhadora. Ele deu um sorriso gentil e continuou acariciando meu rosto.
Simon ajoelhou perto de mim bloqueando a luz.
- Como se chama?
- Anita, Anita Blake.
- Quantos dedos?
Olhei para sua mão.
- Dois.
- Você pode sentar?
Era uma boa pergunta.
- Com ajuda, talvez.
Deuce pôs o braço nas minhas costas e me ajudou a sentar. Eu deixei que ele segurasse todo o peso não porque era necessário, eu queria que eles pensassem que eu era uma ameaça a menos. Precisávamos de algum tipo de vantagem.
Eu descansava no ombro de Deuce, ele estava cantarolando algo desafinado enquanto acariciava minha pele. Finalmente fui capaz de ver tudo. Edward estava de joelhos com as mãos em cima do chapéu de cowboy. Rooster tinha uma arma apontada para sua cabeça. Edward não parecia ferido, era como se eles quisessem evitar um ato heróico. O lábio de Mickey estava sangrando, ele cuidadosamente não fez contato visual com ninguém.
- Já pode levantar? - Simon perguntou.
- Com ajuda, sim.
- Deuce.
Deuce me ajudou a ficar de pé e o mundo tremeu. Agarrei-me a ele enquanto o mundo parecia girar. Talvez eu não estivesse fingindo estar machucada.
- Merda. - Simon disse. - Você pode andar se Deuce ajudar?
Mexi a cabeça e senti náuseas, eu tive que respirar fundo antes de responder. - Eu acho que sim.
- Bom. Agora vamos.
Ele foi em direção a casa, os olhos observando a escuridão além. Deuce e eu o seguimos, Edward nos seguia ainda com as mãos firmemente acima da cabeça, Rooster e Mickey cobriam a retaguarda.
Simon começou a subir um lance de escada. Olhei para cima e vi o mundo rodar.
- Simon, eu acho que ela não vai conseguir subir a escada.
- Mickey carregue-a. - disse Simon no primeiro degrau.
- Eu não quero que ele me toque. - eu disse.
- Eu não te perguntei. - Simon disse.
Mickey deu sua arma para Simon, em seguida segurou o meu braço. Ele me puxou rapidamente e de repente eu estava em seu ombro com a cabeça para baixo. Eu não poderia respirar o mundo estava girando.
- Vou vomitar.
Ele me colocou no chão sem cerimônias e eu caí. Foi Simon que me pegou.
- Você está muito ferida para fazer a magia?
Eu sabia a resposta para essa pergunta "Não", porque se Riker pensasse que eu não poderia ajudá-lo, mataria todos nós.
- Eu posso fazer se Mickey não me jogar no ombro com a cabeça para baixo. Eu só preciso ficar de pé, ou ele não vai conseguir nada melhor.
- Leve-a em seus braços, não sobre os ombros. - Simon disse. - Seus músculos têm que servir para alguma coisa.
Mickey me pegou nos braços como você faz com uma criança pequena e me carregava como se eu não pesasse nada. Ele era forte, mas esse exercício era mais difícil do que parecia. Veríamos o que ele faria se houvesse mais um lance de escadas.
Coloquei meu braço em volta de seus ombros, eu precisava enlaçar seu pescoço com as mãos, mas não conseguia fazer isso sem esforço.
- Quantos quilos você levanta?
- Noventa e três.
- Estou impressionada. - eu disse.
Ele me alisou um pouco. Mickey era perigoso, mas consegui impedi-lo de me bater. Rooster seguia as ordens muito bem, e Simon era Simon. Deuce parecia inofensivo, mas havia algo assustador naqueles olhos sonhadores. Talvez eu estivesse errada, mas tentaria a sorte com Mickey antes de tentar com Deuse.
Mickey subiu os degraus comigo nos braços sem esforço. Eu podia sentir os músculos das pernas trabalhando, empurrando. Mais uma vez tive a sensação do imenso potencial físico e rapidez.
- O que "Mickey" quer dizer? - eu perguntei.
- Nada.
- Simon explicou seu apelido, eu só queria saber o que significava o seu.
Deuce respondeu.
- Significa Mickey Mouse.
- Cale-se Deuce.
- Ele tem uma tatuagem do Mickey na bunda. - Deuce falava como se Mickey não tivesse dito nada.
O rosto de Mickey ficou rubro e ele olhou para o outro homem. Eu lutei para manter meu rosto em branco. Que tipo de idiota tatuaria o Mickey Mouse na bunda? Más eu não perguntei em voz alta, não com aqueles braços do tamanho de troncos de árvore enrolados no meu corpo. Se eu não tivesse as marcas, provavelmente ele teria me matado com aquele golpe. Não, eu não queria Mickey zangado comigo.
Havia um patamar e um segundo lance de escada. Mickey nem sequer hesitou, ele subiu o segundo lance tão facilmente quanto o primeiro. Ele nuca fez uma pausa para recuperar o fôlego, na verdade sua respiração mal tinha acelerado. Eu realmente não poderia dizer que ele estava fora de forma.
Eu perguntei a ele;
- Quanto você corre por dia?
- Cinco milhas todos os dias. Como você sabe?
- Muitos construtores de corpos estariam com problemas agora, eles negligenciam os exercícios aeróbicos, mas você se movimenta como uma máquina bem oleada. Você não está respirando com dificuldade.
Havia algo de muito intimo em ser carregada nos braços desse jeito, uma lembrança de infância e os braços de seus pais talvez.
As mãos de Mickey estavam me apertando, a mão que estava na minha coxa começou a me massagear. Eu não disse nada, seria uma experiência agradável se o homem interessado em sexo não hesitasse em me matar. O truque é fazer com que o homem pense mais em sexo do que em violência, por isso é um pouco confuso. Precisávamos de um pouco de confusão entre nós e nossos inimigos agora.
Nós estávamos em um corredor largo e branco na parte superior da casa. Havia uma porta branca e Simon seguiu para ela com Mickey me carregando a reboque. Eu podia ver Deuce nos seguindo e apenas o topo da cabeça de Edward subindo os degraus com Rooster logo atrás a uma distância segura.
Os caras eram bons, eu não contava que seriam tão bons assim. Mesmo se fossem vampiros ou lobisomens seriam profissionais, e isso nos deixava de mal a pior. Simon abriu a porta, pelo menos estávamos vivos. A noite ainda tinha possibilidades.
56
Mickey me sentou ao seu lado no sofá no meio de um tapete persa muito bonito. Ele manteve um braço no meu ombro como se fosse idéia dele me carregar. Eu não queria ser sacana, mas o queria esperançoso caso fosse útil. A sala parecia uma um escritório de um acadêmico próspero. Havia mapas antigos emoldurados nas paredes. Prateleiras alinhadas ocupando quase todos os espaços e vários livros que pareciam bem lidos e manuseados. Havia alguns livros abertos sobre a mesa e anotações por escrito como se tivéssemos interrompido uma investigação sobre alguém.
Um homem estava sentado atrás da mesa. Ele era grande tanto de altura como de largura. Não era gordo exatamente, mas aparentava dessa maneira. Ele se levantou da cadeira com um sorriso e andou em nossa direção com a mão estendida, seus movimentos eram confiantes e fáceis como um ex-atleta. Seu cabelo escuro era muito curto e ele era careca da parte de cima. Sua mão era grande e mostrava o peso de um anel de faculdade que estava começando a entrar na sua carne. Ele tinha calos como se não tivesse medo de por a mão na massa, mas os calos estavam começando a sumir, eram suaves em volta de sua pele. Provavelmente fez a sua parte no trabalho sujo uma vez, mas não mais.
Seu aperto era tão forte que suas mãos poderiam ter engolido a minha.
- Que bom que você está aqui, Sra. Blake. - Ele disse como se eu tivesse sido convidada e não chantageada.
- Estou contente que um de nós esteja feliz por eu estar aqui. - eu disse.
O sorriso se alargou e ele soltou a minha mão.
- Sinto muito pelo nosso pequeno teatro, Simon me contou o que aconteceu e achei que Mickey tinha quebrado o seu pescoço. Fico feliz por ele não ter exagerado.
- Foi por pouco, Sr. Walt Riker.
- Você está se sentindo bem para fazer a magia? Eu posso mandar servir um pouco de chá e deixá-la descansar.
Eu consegui dar um sorriso.
- Sou grata por todos serem civilizados, um café seria ótimo, mas onde estão as crianças?
Ele olhou para Edward. Ele ainda estava com as mãos sobre a cabeça, pelo menos não estava de joelhos.
- Ah sim, as crianças.
Não gostei do modo como falou, parecia que tinha péssima noticias.
- Onde elas estão? - Edward perguntou e Rooster bateu em suas costas com a arma novamente. Ele cambaleou e se esforçou para não cair, suas mãos nunca saíram da cabeça, era como se ele soubesse que estavam procurando uma desculpa para machucá-lo de novo.
- Você prometeu que não machucaria as crianças. - eu disse.
- Vocês estavam atrasados. - Riker disse.
- Não. - Edward disse.
- Não! - Eu disse quando Rooster se preparou para dar outro golpe. Ele faria isso de qualquer maneira. Foda-se. Virei para Riker.
- Sua crueldade está me convencendo que não tem a intenção de deixar nenhum de nós sair vivo daqui.
- Eu lhe asseguro, Sra. Blake, que pretendo deixá-la sair.
- E os outros?
Ele deu de ombros e voltou para trás de sua mesa.
- Infelizmente meus homens acham que o Sr. Forrester é muito perigoso para continuar vivo. Eu me arrependo disso. - Ele se sentou em sua agradável cadeira giratória. - Mas ele vai servir a um propósito útil antes de morrer. Se você relutar, vamos atirar no Sr. Forrester. Uma vez que temos a intenção de matá-lo de qualquer maneira, podemos fazer o que quisermos, e ele realmente não importa.
Meu estomago deu um nó, meu coração estava na garganta e eu tive que engolir antes de conseguir falar.
- E as crianças?
- Você realmente se importa?
- Eu estou perguntando, não é?
Ele apertou alguma coisa embaixo da mesa e a parede dos fundos se abriu revelando equipamentos suficientes para deixar a NASA orgulhosa. Havia quatro monitores de TV, mas de alguma forma eu acho que não era o sistema de TV digital de Riker.
- Que diabos é tudo isso? - eu perguntei.
- Isso realmente não é da sua conta. Mandei um sinal para os outros homens, quando eles chegarem mostraremos as crianças.
- Por que está chamando mais homens? - eu perguntei.
- Você vai ver. - ele disse.
Não esperamos por muito tempo, quatro homens entraram na sala. Dois eu reconheci: Harold, do rosto cheio de cicatrizes e Lagartixa, que eu quase transformei em um soprano. Harold estava com uma espingarda, e Lagartixa com sua 45 niquelada. Mas o problema eram os dois homens atrás deles.
Um era alto e magro, musculoso de pele escura e lisa. Ele não era tão musculoso quanto Mickey, mas não precisava, ele entrou na sala rodeado por uma nuvem de seu próprio potencial violento. Ele colocou o meu sexto sentido em alerta como se soubesse que era alguém a ser evitado. Ele estava com a mesma arma que os outros, mas acrescentou facas em seus braços, quadris, punhos e até mesmo atrás dos ombros. Era muito primitivo de alguma forma e muito eficaz. Se ele entrasse em uma cela, você deveria cair de joelhos e implorar por misericórdia.
O outro homem não era muito alto, seu cabelo castanho era curto, não muito claro, não muito escuro, nem muito nada. Ele tinha um rosto que você não se lembraria depois de dois segundos que fosse embora porque ele não era bonito o suficiente ou feio o suficiente para se destacar. Era uma das pessoas menos memoráveis que já vi, e mesmo assim quando nossos olhos se encontraram senti um solavanco da cabeça aos pés. Um flash e eu soube qual dos dois era o mais rápido.
Ele tinha a mesma metralhadora que os outros, mas emparelhava o que parecia ser uma automática 10 mil. Eu não conhecia a marca, minhas mãos não eram grandes o suficiente para carregar uma dessas, então não prestei muita atenção.
- Simon, eu quero dois homens do lado da nossa hóspede.
- Eu quero quatro em cima dele. - disse Simon apontando para Edward.
- Eu me curvo a sua competência.
Rooster fez Edward cair de joelhos e Simon colocou Mickey com ele. Eu acho que ele não queria arriscar que o homem musculoso me batesse de novo. Se eles matassem Edward ainda poderiam me chantagear com as crianças. Simon e o homem de cabelos castanhos se juntaram com Rooster e Mickey. Eles achavam que Edward era muito perigoso, e estavam certos.
A náusea passou, mas todos os preparativos estavam me deixando nervosa. Eu estava com medo do que veríamos, se eles não tivessem medo de mostrar não teriam colocado quatro homens com Edward. Fiquei com Deuce e o cara das facas. Harold e Lagartixa ficaram perto da porta. Harold parecia nervoso.
Deuce tocou no meu braço seguido as cicatrizes até o cotovelo.
- Quem fez isso?
- Vampiros.
Ele levantou a camisa e mostrou uma massa de cicatrizes brancas no estomago.
- Morteiro.
Eu não tinha certeza do que deveria dizer, mas fui salva porque o cara das facas pegou o meu braço e me fez olhar para Riker, ele manteve a mão no meu braço, não seria fácil escapar.
- Hora do show. - Riker disse.
Ele apertou o botão novamente e as duas telas criaram vida. As imagens estavam em preto e branco. Eu podia ver Russell em uma sala e Amanda, a amazona em outro. Então meus olhos viram pés perto da mulher. Pernas em jeans e tênis de corrida, os tornozelos estavam amarrados. Muito grande para ser Becca, devia ser Peter.
Ela estava despida da cintura para cima, e seus músculos faziam todos na sala parecerem frágeis, menos Mickey. Somente seus cabelos mostravam que era uma mulher. Ela se inclinou para frente revelando mais o corpo de Peter, depois puxou sua calça e a cueca até os joelhos. Ela estava brincando com ele.
Eu olhei para o chão e novamente para as imagens. Ela tentou beijá-lo e quando ele virou a cabeça ela bateu com força em seu rosto, primeiro de um lado, depois do outro. Já havia sangue em sua boca como se não fosse a primeira vez. Ela se inclinou novamente revelando seus pequenos seios para a câmera, beijou-o novamente e dessa vez ele deixou, suas não nunca pararam de trabalhar em seu corpo.
Virei lentamente para o outro monitor. "Por favor Deus, por favor, não deixe que Russell esteja fazendo a mesma coisa com Becca".
Ele não estava, e eu era grata por isso. Ele se virou com ela no colo como se soubesse que tinha audiência agora.
Russell a ninava como você faz com qualquer criança pequena, ele pegou um de seus braços e dois dedos de sua pequena mãozinha estavam em um ângulo estranho. Ele quebrou o terceiro dedo enquanto observávamos, a boca de Becca se abriu num grito silencioso.
- Devemos colocar o som? - Riker perguntou.
Os gritos de Becca eram altos e comoventes. Russell continuava ninando e dizendo palavras tranquilas, ele passou a mão em seu cabelo e olhou diretamente para a câmera, seu nariz ainda estava enfaixado. Ele sabia que estávamos lá.
A voz de Peter veio alta, ele não gritava mais como um menino.
- Por favor, não! Por favor, pare! - Seus braços estavam amarrados nas costas, mas ele continuava lutando. Ela deu outro tapa nele.
- Você vai se sentir bem, eu prometo.
Eu olhei para Edward, Simon tinha a arma contra sua cabeça, o chapéu estava no chão. O homem de cabelo castanho pegou uma faca de algum lugar e pressionava contra a garganta de Edward, um filete de sangue escorria por sua pele.
Eu conhecia aquele olhar, e sabia que todos nessa sala, todos nessa casa estavam mortos. Eles só não sabiam ainda.
Edward começou a dizer alguma coisa, mas Simon disse:
- Não, não fale nada ou Atirador vai cortar sua garganta.
O cara de cabelo castanho chamava Atirador, o nome não combinava com ele. Ele tinha cara de Tom, Dick ou Harry. Eles não deixariam Edward falar, isso era um jogo, mas eu sabia como terminaria. Morte súbita.
- Tire-os de lá, Riker.
- As crianças? - ele perguntou.
- Ordene que soltem as crianças, agora!
- E se eu não mandar?
Eu sorri.
- Então o monstro poderá se empanturrar de você.
Ele estreitou os olhos, isso o incomodou. Bom.
- Saber o que está acontecendo com eles deve acelerar o feitiço de proteção.
- Se você não parar com isso, Riker, não haverá nada para salvar.
- Eu não sei, pelo som acho que o menino está se divertindo.
Eu estava tentando não ouvir, mas a respiração de Peter estava cada vez mais rápida, frenética, mas não era o som de dor. Ele gritou,
- Não, por favor, não!
Olhei e desejei não ter feito isso. Algumas feridas feitas na mente deixam uma cicatriz que nunca saram. Vendo Peter se contorcer e ficar entre o seu primeiro prazer e o horror de tudo era um dos sinais. Eu me orgulhava de nunca vacilar, se alguém fosse torturado eu nunca desviava o olhar. Desviar o olhar só me salva da dor, mas não os salva. Se não posso salvar-lhes da dor, então eu vejo como um tipo de respeito e como uma punição para mim, para que eu me lembre o que acontece com as pessoas quando elas falham. Mas eu perdi Peter por duas vezes porque desviei o olhar antes que um grito mudo saísse de sua boca. Não era um som de dor.
Eu me virei, e talvez tenha feito muito rápido para o ferimento na cabeça, ou talvez fosse outra coisa porque a sala começou a girar. Tentei ficar de joelhos e o homem com a faca puxou meu braço e me manteve em pé. Tudo bem, vomitei em cima dele.
Ele se jogou para trás, na verdade ele soltou meu braço e eu caí de joelhos grata por estar próxima ao chão. Vomitar me deu dor de cabeça. A voz de Riker veio através da próxima onda de náusea.
- Amanda e Russell são bons ao ponto de deixar as crianças sozinhas. Você será meticulosa em seu trabalho enquanto temer pela segurança delas.
Eu olhei para os monitores para ter certeza que eles realmente deixaram as salas. Russell beijou Becca na cabeça, em seguida a deixou encolhida num canto chorando chamando por sua mãe. Amanda estava vendando os olhos de Peter enquanto ele implorava que não fizesse isso. Ela sussurrou algo em seu ouvido que o fez se enrolar em uma bola. Ela deixou as calças dele arriadas, pegou sua camisa no chão e saiu.
Encolhi-me na minha própria versão de uma bola no chão. Fiquei de joelhos enquanto tentava decidir se vomitaria de novo ou não. Náuseas como essas geralmente era sinal de concussão, a dor de cabeça era outra. Mas eu acho que era puro nervosismo. Aparentemente ainda havia coisas que eu não podia lidar, abuso infantil era uma delas. "Querido Deus, por favor, nos dê alguma ajuda aqui. Ajude-nos a tirá-los em segurança".
Ouvi um alarme e Riker apertou outro botão em sua mesa.
- O que foi isso?
- Temos dois mortos aqui. Porra, eles foram massacrados.
Riker empalideceu.
- O monstro.
- Faca, algum tipo de faca ou facão.
- Você tem certeza disso? - Riker perguntou.
- Sim, senhor.
- Parece que temos intrusos. - ele olhou para Simon. - O que você vai fazer sobre isso, Simon?
- Matá-lo, Senhor.
- Então faça.
- Atirador, Rooster, fiquem com ele e mate-o assim que Riker ordenar. Mickey você vem comigo. - Ele olhou para os dois homens e para mim. - Você fique com ela, certifique-se de que ninguém a machuque. Harold e Lagartixa venham também.
Em seguida eles foram embora, nós ficamos com três homens e Riker. Não ficaria melhor que isso.
- Tem um banheiro por aqui? - eu perguntei.
- Você vai passar mal de novo?
- É uma hipótese.
- Vocês dois podem levá-la. E Deuce, pense em algo criativo que não deixe marcas ou danos físicos na Sra. Blake no caminho, tente convencê-la que as crianças e Sr. Forrester não são os únicos que podem ficar feridos. Talvez você possa mostrar o seu homônimo. Você tem trinta minutos.
Não há muitas coisas que você pode fazer a uma pessoa que supra os requisitos de Riker. Eu poderia pensar principalmente em algo sexual. Normalmente quando se fala em estupro eu fico perturbada, mas tudo que eu conseguia pensar agora era que eu tinha trinta minutos com dois homens que podiam querer me foder mais do que me matar. Tudo o que eu queria fazer era matá-los, tornava minhas opções mais fáceis, mas eu disse:
- Existe uma razão para me torturar também ou é apenas um hobby?
Ele sorriu agradável e confiante.
- Eu pensei que você seria digna de meus homens, mas acho que você é fraca, Sra. Blake. A fraqueza deve ser punida, mas isso deve ser feito cuidadosamente de forma que ainda possa fazer o feitiço.
- Você acha que isso deve ser feito com delicadeza ou prejudicará o feitiço?
Deuce riu. Riker franziu a testa para mim.
- Isso é do Mágico de Oz. - Deuce disse. - A Bruxa Malvada do Oeste diz isso para Dorothy.
- Levem-na. - ele torceu o nariz e olhou para o outro homem. - Você é bem vindo para ajudar na punição, mas Deuce está no comando. Eu não quero ela muito machucada.
Deuce agarrou meu braço quase gentilmente e me ajudou a ficar em pé. O cara em quem eu tinha vomitado, chamado Blade, nos acompanhou a distância, evidentemente ele não queria arriscar. À porta apareceu um homem latino-americano com cabelos longos, um coldre de ombro e uma 9 milímetros automática. Parecia um dos musculosos local, mas não era. Ele vibrava com o poder. A energia cintilante fluía para fora dele. Psíquica ou talvez mais.
- Sra. Blake, conheça nosso perito residente no sobrenatural, Alário. Ele era encarregado da proteção de magias em todos os meus estabelecimentos. Sua arte não funcionou recentemente em uma das minhas lojas e meus trabalhadores estão mortos. Você terá sucesso onde ele falhou.
Alario me observava com seus gélidos olhos escuros. Seu poder sobre o meu queimava quando passamos por ele. Reconhecemos o poder um do outro, mas não havia tempo para mais nada, não haveria mais tarde e era isso o que eu temia. O poder de Alario era real, um praticante de artes. Ele descobriu rapidamente que eu não sabia nada de magias de proteção, pelo menos não o tipo que Riker queria.
Deuce me levou pelo corredor branco com Blade andando a nossa direita. Eu não poderia voltar para a sala com um falso feitiço. Olaf não conseguiu fazer sua matança horrenda o suficiente para enganar os bandidos. A única coisa boa que ele tinha feito foi dividir suas forças, e eu tinha que aproveitar enquanto durasse.
O que significa que, se possível, apenas uma pessoa voltaria do banheiro. Esperava que fosse eu.
57
O banheiro tinha uma pia dupla separada do resto do ambiente. Deuce me levou para um pequeno banheiro completo com chuveiro e banheira. Consegui fazer alguns barulhos como se estivesse vomitando, mas foi tudo porque minha cabeça estava doendo. Doía tanto que fechei os olhos tentando manter o cérebro dentro dela. Se não fosse uma concussão seria uma bela imitação.
Deuce me deu um pano molhado.
- Obrigada. - Eu coloquei o pano no rosto e tentei pensar. Até agora ele não tinha me tocado. Blade estava tentando se limpar na pia, mas ele queria um banho.
- Adorei ver a cara do Blade quando você vomitou em cima dele, foi hilário.
Coloquei o pano na parte de trás do meu pescoço. Eu estava pensando furiosamente sobre o que tinha dentro da bolsa e quais as minhas opções, minha voz era calma, ponto para mim.
- Blade? Tal como o personagem em quadrinhos?
Ele balançou a cabeça.
- Sim, o matador de vampiros. Os dois carregam facas.
- E os dois são afro-americanos. - eu disse.
- Sim.
Olhei para seu rosto e o pano que ele tão gentilmente me deu ainda estava no meu pescoço. Tentei ler por trás de seus agradáveis e um pouco sonhadores olhos castanhos, mas era como tentar ler Edward. Eu simplesmente não conseguia ler nas entrelinhas.
- Eu acho que Blade realmente usa as facas como o personagem dos quadrinhos. - eu disse.
Deuce deu de ombros.
- Você é muito corajosa, ou acha que vou te machucar.
- Eu acredito que vai me machucar, se quiser.
- Então você é corajosa. - ele disse, encostado na parede com os dedos tocando levemente sua arma.
Foi a minha vez de dar de ombros.
- Sim, mas não é coragem que me faz ficar calma.
- O que é?
- Depois do que fizeram com Becca e Peter, eu não posso ficar muito animada.
Blade bateu na porta.
- Não temos a noite toda, eu quero tomar um banho.
Deuce e eu pulamos quando ele bateu na porta. Nós compartilhamos um daqueles sorrisos envergonhados, então ele abriu a porta e me levou para fora. Blade tentou limpar a roupa na pia, mas não tinha ajudado. Ele tentou passar e Deuce barrou seu caminho.
- Riker não vai gostar que você tome um banho agora.
- Ele disse para eu me limpar.
- Simon disse para duas pessoas vigiarem ela, não podemos fazer isso se você estiver no chuveiro.
Blade olhou para mim.
- Eu acho que Simon a está superestimando. Qualquer um que vomite depois de uma leve tortura como esta não me causa medo. Agora saia da minha frente.
Deuce deu um passo para o lado, Blade passou por ele sem uma palavra, a raiva arrastando atrás dele como um casaco solto. Ele bateu a porta.
Fui até a pia para molhar o pano novamente. Ele me observava pelo espelho agora. Seus olhos ainda estavam agradáveis, mas algo surgiu dentro deles, algo que prometia dor da mesma forma como o vento pode trazer o cheiro da chuva contra a sua pele antes de começa a cair.
Comecei a mexer na bolsa.
- Eu tenho uma coisa aqui em algum lugar.
- Eu poderia te trancar no chuveiro com Blade. Ele tem o corpo bonito, mas não está muito feliz com você agora.
Minha mão se fechou sobre a caneta com a lâmina escondida.
- Você realmente acha que ele poderia se controlar o suficiente para apenas me estuprar sem me machucar mais? Como você disse, ele não está muito contente comigo.
- Você nunca perguntou sobre o meu apelido.
A conversa estava indo muito rápido para mim.
- Eu achei que era algum tipo de jogo de cartas.
Ele balançou a cabeça enquanto eu o observava pelo espelho, então começou a abrir a calça. Ele estava longe demais para me tocar, tudo que eu podia fazer era esperar que ele viesse para mim.
Ele enfiou a mão dentro da braguilha aberta e tirou seu pênis. Era enorme, impressionante mesmo estando mole e suave. Se eu não tivesse visto Bernardo anteriormente teria ficado impressionada. Naturalmente, nunca se pode ter certeza do quanto um homem é grande antes de estar ereto. Alguns praticamente não mudam de tamanho, outros crescem muito. Então percebi que tinha uma tatuagem nele.
Eu tinha que virar e olhar ao invés de vê-lo pelo espelho.
- Eu deveria gritar ou pedir para tocá-lo? - eu nem sequer estava assustava, era muito estranho.
-O que você quer fazer?
Admito que tinha problemas em olhar para seu rosto e não o seu pênis porque estava crescendo, e eu podia ver a tatuagem de forma mais clara.
- Não é possível estuprar alguém disposto, não é?
Ele sorriu como se isso tivesse acontecido com outras mulheres antes. Certamente era algo que uma garota não conseguia todos os dias.
- Eu não falo nada se você não falar.
- O que é esses dois corações nos seu... Pênis? Doeu? - Seu sorriso aumentou.
- Não tanto como agora.
Ele moveu-se lentamente para mim para que eu pudesse dar uma boa olhada. Ele tinha talento para o teatro, mas eu não queria que usasse seu dom em mim. Eu me virei e tropecei de propósito.
Ele me pegou como das outras vezes, eu coloquei a caneta contra seu peito logo abaixo do esterno. Eu era uma caçadora de vampiros, se havia uma coisa que eu sabia fazer era encontrar o coração no primeiro golpe.
Apertei o botão no segundo que toquei nele. Não precisei empurrar a caneta porque a lâmina fez seu trabalho.
Seus olhos se arregalaram, a boca aberta, mas nenhum som saiu. Torci a lâmina para a esquerda, depois para direita certificando-me que ele não gritaria para o homem no chuveiro.
Deuce começou a deslizar para baixo. Eu o peguei e o coloquei suavemente no chão encostado do armário embaixo da pia, feliz que ele fosse um homem pequeno. Eu teria problemas se fosse o corpo de Mickey. A água ainda estava correndo no chuveiro. Blade provavelmente não tinha ouvido o som do corpo batendo no chão, mas era melhor prevenir do que remediar.
Deuce estava no chão com a lâmina enfiada em seu peito, a calça ainda abaixada com seu xará nu para o mundo. Era uma cena triste, se eu tivesse tempo fecharia sua calça antes de sair. Peguei sua arma e passeia a correia em meus ombros, verifiquei se sabia onde estava a trava de segurança. O interruptor do lado tinha três configurações, não duas como a Uzi. Eu coloquei a configuração mais alta, a lógica dizia que isso faria as balas saírem mais rápido. Pequei a munição extra de Duece, o pente só tinha vinte balas, normalmente parecia o suficiente, mas não hoje. Não havia munição no mundo para me fazer sentir segura esta noite. Coloquei a munição extra das duas submetralhadoras e as pistolas na bolsa com a alça atravessada em meu peito. Eu estava feliz por estar com a nove mm de Deuce, as armas eram grandes e faziam muito barulho. Se eu atirasse em Blade os outros bandidos viriam para cima de mim, pior ainda, eles poderiam matar Edward antes disso. Eles tinham três reféns e só precisavam de um.
No momento eu só precisava de algo que não fizesse barulho e acho que não conseguiria acabar com Blade com a faca. Mano a mano nem pensar. Isso me deixou somente com o conteúdo da bolsa.
Puxei a faca do peito de Deuce. O sangue jorrou mais escuro do que a maioria, como o sangue do coração deve ser. Limpei a lâmina automaticamente na manga de sua camisa e coloquei a caneta no bolso da frente.
Uma de suas mãos estava apoiada contra a porta do armário embaixo da pia. Talvez eu conseguisse mais do que levava na bolsa. Tirei seu braço e olhei, é incrível as coisas letais que se guarda o banheiro. Quase tudo tem rótulos de advertência como veneno ou agente cáustico. Encontrei toalhas felpudas e eu tinha a arma de Deuce, um silenciador caseiro, mas eu tinha que segurar a arma ao nível da cintura e manter a toalha apertada o suficiente para agir como um amortecedor. Segurando a arma dessa forma significava que eu tinha que me aproximar antes de atirar. A lâmina ainda era a melhor opção. Eu só teria uma chance, e tinha que aproveitar.
Como se chega perto de um homem bem armado? Resposta: Tire a roupa.
Tirei a camiseta e o colete, a idéia era não levar um tiro certo? Além disso, eu estava tentando provocar romance ou pelo menos luxúria.
Eu mantive o sutiã, meus nervos não estavam bons. Além disso, se ele exigisse que eu tirasse mais alguma coisa, me deixava com algo além da minha calça. Era como jogar strip poker, quanto mais roupas mais trabalho.
O chuveiro foi desligado. Merda. Meu tempo havia acabado de acabar, de repente meu coração estava na garganta. Eu tinha que ir até lá antes que ele saísse. Se ele visse o corpo, o estupro seria o menor dos meus problemas.
Coloquei a arma na frente da minha calça, a toalha agarrada ao meu peito e abri a porta. Fechei a porta e encostei-me nela.
Blade olhou para mim. Sua pele escura estava frisada com água. Deuce tinha razão, ele tinha um corpo bonito, sob outras circunstâncias seria um prazer vê-lo. Agora, eu estava tão assustada que tinha dificuldade para respirar.
Ele estendeu a mão para a arma encostada na banheira. Sua faca e a bainha estavam cobertas por uma toalha como se ele quisesse mantê-los secos, mas acessível. Ele parou no meio do movimento arrastando os dedos sobre a arma.
- O que você quer?
- Deuce falou para trazer a toalha. - eu deixei o medo aparecer em minha voz.
- Como ele conseguiu te convencer a tirar a roupa?
Eu olhei para baixo envergonhada.
- Ele disse para escolher entre ele ou você.
Blade riu e era um som puramente masculino.
- Ele te mostrou seu brinquedinho?
Concordei, eu não tinha a pretensão de ficar envergonhada, só tentei não esconder.
- Tire o sutiã.
Sua mão estava mais longe da metralhadora, mas ainda muito próxima do revolver e da faca. Tirei as alças do sutiã e apertei a toalha contra meu peito e abri o fecho. Afastei a toalha longe de meu corpo apenas o suficiente para puxar o sutiã e deixá-lo cair no chão. Mantive a toalha apertada contra mim para demonstrar modéstia e ocultar a arma na minha cintura.
Ele saiu da banheira e começou a diminuir a distância. Virei meu corpo de lado para esconder a arma na toalha.
Ele estava bem na minha frente a três passos de todas as suas armas. Ele passou os dedos por cima da toalha e empurrou-os mais baixos expondo meus seios uma polegada de cada vez. Ele estava a menos de dez centímetros de distância. Quando sua mão acariciou a parte superior do meu peito, eu disparei. Seu corpo estremeceu e eu acho que ele disse "Foda-se". Continuei a puxar o gatilho até que ele caiu de joelhos, olhos fechados. Seu estômago e a parte inferior do tórax eram uma ruína vermelha. A toalha estava desfiada e coberta de pó preto. Os tiros haviam sido abafados, mas não silenciado. Esperei no pequeno chuveiro, os tiros parecendo ecos nas paredes. Esperei por gritos de alarme. Nada.
Peguei meu sutiã, mas não tive tempo de colocá-lo antes de abrir a porta e tentar ouvir. Silêncio. Ótimo. Eu me vesti e peguei todas as armas. A arma de Blade era uma Heckler e Koch. Arma legal. Coloquei-a na frente da minha calça onde a Firestar normalmente ficava. Peguei tanto as armas grandes quanto as facas e passei as correias nos ombros. Soltei a trava de segurança, eu estava tão pronta como poderia.
A última vez que eu tinha visto Edward ele estava de joelhos. Seus dois guardas estavam parados. Se eu fosse cuidadosa e a arma não desse um tranco muito forte eu poderia acertá-los sobre a cabeça dele. Meu plano era pulverizar a sala. O plano era brutal e o sigilo seria perdido se alguém ouvisse, mas como eu sabia que o matariam não me importava muito. Eles matariam Edward porque ele era uma ameaça, e queriam eliminar essa ameaça antes de lidar com a próxima. As crianças não eram uma ameaça e se Riker estivesse morto e não pudesse ordenar que os machucassem estariam bem até que chegássemos a eles. Essa era a teoria e era o melhor que eu tinha.
Abri a porta. Nada. O corredor estava vazio. Ótimo. Tranquei a porta atrás de mim para que as pessoas presumissem que estava ocupado, e não cheio de gente morta. Andei o mais silenciosamente possível, o corredor parecia muito grande agora porque esse era um daqueles planos onde realmente tudo deveria ser perfeito ou seria um desastre total. Em menos de dois minutos eu estaria na porta e veríamos.
58
Eu estava com um pequeno estoque de armas, mas consegui carregá-las nos ombros e braços. Eu estava a poucos passos da porta do escritório aberta quando ouvi as vozes.
- Como assim Antonio e Bandit estão desaparecidos? - era a voz furiosa de Riker. - Eu pensei que seus homens eram bons, Simon.
Merda. Simon estava lá? Não importa, isso não alterava o plano. Eu preferia que Simon estivesse em outro lugar pelo menos até que Edward estivesse seguro e armado. Mas a voz de Simon veio baixa e chiada, eles estavam no rádio. Merda, eu não queria que ouvissem os tiros. O melhor que eu podia fazer era esperar até que desligassem. Quanto mais tempo eu me escondia no corredor, menor era a chance do plano dar certo. Alguém subiria as escadas ou sairia do escritório. Se eu perdesse a surpresa tudo estaria acabado.
Eu estava com medo, muito medo, não de matar ou ser morta, mas de acertar em Edward acidentalmente. Eu tinha uma metralhadora estranha nas mãos e nunca tinha visto como era usada. Se você é muito ambicioso com uma metralhadora, realmente pode se dar mal. Se eu disparasse naquela sala e matasse todos, acho que merecia receber um tiro. Respirei profundamente, eu sei que nos filmes as pessoas sempre ficam na frente da porta, mas isso é uma boa maneira de ser morto. Tente sempre se proteger quando puder.
Eu tinha uma fração de segundos para ver a sala. Rooster e Atirador ainda mantinham Edward de joelhos. O bruxo Alario tinha se movido para o lado de Riker. Comecei a disparar antes de terminar de olhar. O som era ensurdecedor, mas a arma quase não dava nenhum tranco. Eu tive que mudar meu objetivo porque esperava lutar contra o impacto da arma, mas foi bom.
Atirador realmente tentou, mas seu tiro acertou acima de minha cabeça. Rooster se virou, mas foi só isso. Em segundos os dois estavam caídos, a arma era um pulverizador contínuo destruindo o painel de controle e os monitores, acertando Riker que estava sentado atrás de sua mesa. Alario estava mais longe e teve tempo de se jogar o chão.
Joguei-me no chão também e apontei para ele. Eu estava longe de Edward e não tinha que ser cuidadosa. Mantive o dedo no gatilho antes que Alario pudesse atirar. Seu corpo dançava conforme as balas entravam em seu corpo. Havia algo de fascinante na maneira como as balas o sacudiam, ou talvez eu simplesmente não conseguisse parar.
Vi um movimento pelo canto do olho e rolei com a arma apontada. Tirei o dedo do gatilho na hora certa. Edward estava de joelhos com uma das armas dos guardas na mão. Ele gesticulava com a outra como se não tivesse certeza se eu o reconhecia.
Por um segundo ficamos congelados, eu com a sub metralhadora apontada para ele com o dedo ainda no gatilho, mas sem pressionar. Ele com uma pistola automática apontada para o chão. Sua boca se movia, mas eu não podia ouvi-lo. Em parte era pelo choque e a adrenalina e também por disparar uma metralhadora sem protetor de ouvido em uma sala fechada.
Fiquei de joelhos e parei de apontar a arma para ele. Edward pareceu perceber que eu estava tendo problemas para ouvir porque apontou os dois polegares para baixo. Rooster e Atirador estavam mortos. Hurrah!
Eu sabia que Alario estava morto. Olhei para Riker, sua boca abria e fechava como um peixe agonizante. A frente de sua blusa e o paletó estavam manchados de vermelho, incluindo os braços. Ele estava sentado e pude ver claramente as suas mãos, não sei se foi a força dos tiros que empurrou sua cadeira para trás.
Edward apontou para Riker e ouvi uma palavra da frase "vigie". Ele queria que eu vigiasse Riker e que não o matasse. Claro, precisávamos saber onde as crianças estavam, eu esperava que ele não morresse antes de nos dizer.
Minha audição voltou em etapas, eu podia ouvir Riker dizendo "Por favor, não". Foi o que Peter disse no monitor, me agradou ver Riker implorando.
Edward voltou do corredor com uma sub metralhadora nas mãos, ele fechou a porta para que ninguém nos pegasse de surpresa.
Até o momento em que ele começou a fazer perguntas a Riker eu podia ouvir, mas havia um eco na minha cabeça que parecia não querer ir embora.
- Onde estão Peter e Becca? - Edward perguntou. Ele estava encostado atrás da cadeira de Riker, o rosto muito próximo ao dele. Havia uma espuma ensaguentada saindo de seus lábios. No mínimo eu tinha perfurado seu pulmão, se fosse os dois ele estava morrendo, se fosse apenas um talvez pudesse sobreviver se chegasse rapidamente ao hospital.
- Por favor. - ele conseguiu dizer de novo.
- Diga-me onde estão as crianças e deixo Anita chamar uma ambulância.
- Promete?
- Eu prometo, como você me prometeu. - Edward disse.
Ou Riker não entendeu, ou não quis entender o duplo sentido. As pessoas acreditam em muitas coisas quando estão com medo de morrer. Ele acreditou que eu chamaria uma ambulância porque o sangue escorria de sua boca. Ele nos disse onde encontrá-las.
- Obrigado. - Edward disse.
- Chame a ambulância agora. - Riker pediu.
Edward colocou seu rosto quase junto de Riker.
- Você quer ficar seguro do monstro?
Riker tossiu mais sangue e balançou a cabeça.
- Vou mantê-lo protegido do monstro, vou mantê-lo protegido de tudo.
Ele atirou na cabeça de Riker com a Beretta 9 mil de Rooster, minhas armas ainda estavam com Mickey em algum lugar lá fora.
Edward tocou o pulso de Riker e não sentiu nada, ele olhou para mim através do corpo do homem. Eu sempre pensei que ele matava com frieza, mas seus frios olhos azuis estavam com muita, muita raiva, a raiva aquecida como um incêndio sem controle na floresta. Ele ainda estava no controle de si mesmo, mas eu me perguntei se hoje ele perderia esse controle. Você só pode se manter frio se não se importar com as coisas, Peter e Becca importavam para Edward. Eles importavam mais do que eu jamais pensei que alguém teria importância para ele. As crianças e Donna eram sua família.
Ele me disse para recarregar a arma, eu fiz o que ele pediu. Edward me disse que acabei com a munição da arma em apenas alguns segundos, eu acreditei. Coloquei o pente extra, ele foi para porta e eu o segui. Eu pensei que nada poderia ser mais assustador do que olhar para seus olhos frios, eu estava errada. Edward o pai de família, era completamente aterrorizante.
59
Horas mais tarde, embora meu relógio tenha marcado apenas meia hora, eu estava grudada na parede tentando não levar um tiro. Eu sabia que originalmente estávamos aqui para resgatar as crianças, e eu ainda planejava fazer isso, mas meu plano imediato era apenas evitar ser baleada. Ouvido o barulho de uma saraivada de balas, mas não compreendi o que significava. Era como se o próprio ar estivesse em movimento onde pequenos objetos passavam tão rápido e faziam buracos na parede. Havia duas submetralhadoras no corredor nos deixando no fogo cruzado. Eu nunca tinha sido alvejada por metralhadoras automáticas antes. Fiquei tão impressionada que não tinha feito nada nos últimos cinco minutos além de ficar encostada na parede e manter minha cabeça para baixo.
O painel secreto estava exatamente onde Riker disse que estaria. Edward matou o guarda do outro lado com uma faca de forma rápida e eficiente. Tínhamos matado mais dois homens antes de Simon e sua equipe, ou o que restou dela, nos encontrar. Eu pensei que eu era boa em matar pessoas. Eu pensei que eu era boa em um tiroteio. Eu estava errada. Se o que estava acontecendo agora era um tiroteio, então eu nunca tinha estado em um antes. As balas passavam perto de mim em um fluxo constante de ruídos e percussão. Eu não conseguia reagir.
Foi pura sorte não ser baleada antes de chegarmos a este ponto. A única coisa que eu estava fazendo de certo era tentar me proteger. O conforto de minha covardia recém-descoberta era que Edward estava agachado comigo, embora ele continuasse a atirar.
Ele se aproximou de mim atirando, eu podia sentir a vibração da arma contra meu corpo, o tremor de seus braços enquanto a segurava. Uma rajada de balas trovejou acima de nós, Edward estendeu sua mão e entreguei-lhe mais munição da bolsa. Eu me sentia como uma enfermeira cirúrgica.
Inclinei-me para perto da orelha de Edward e sussurrei,
- Você quer o colete? Eu não estou usando.
- Eu tenho um, Deuce gentilmente deixou o colete no escritório.
- Você poderia colocar o meu em sua cabeça. - eu disse.
Na verdade ele sorriu como se eu estivesse brincando e acenou para que me apresasse, era um aviso que eu não estava fazendo muita coisa. Ele ficou no meu lugar no canto da parede atirando nos bandidos, pelo canto dos olhos vi algo se movimentando nos degraus acima de nós.
Comecei a tocar em Edward para que ele soubesse que alguém estava descendo as escadas quando algo veio voando pelo ar, era uma coisa pequena e arredondada. Eu nem sequer pensei nisso, fiquei de joelhos e larguei a sub metralhadora. Peguei o objeto nas mãos e joguei de onde tinha vindo antes que meu cérebro sequer tivesse tempo de formar a palavra "granada". Joguei-me no chão tocando a perna de Edward, e então houve uma explosão.
O mundo estremeceu e a escada entrou em colapso em uma chuva de pedras e poeira. Escombros choviam sobre meus braços enquanto eu protegia minha cabeça. Pensei que se os bandidos viessem correndo pelo corredor agora eu não seria de muita ajuda, mesmo assim levantei a cabeça o suficiente para olhar para Edward.
Ele protegia a cabeça com um braço, mas seguia em frente com a arma na mão. É claro, nada faria Edward esquecer aqueles homens, certamente não uma coisa pequena como uma explosão e o teto prestes a cair sobre nós.
O silêncio veio gradualmente cheio de rangidos e gemidos das pedras ao nosso redor. A poeira parecia uma névoa fina no ar. Comecei a tossir e a mão de Edward de repente estava na minha boca, ele fez um pequeno sinal com a cabeça. Ele queria que eu ficasse quieta, mas não sei por quê. Claro, eu não precisava saber.
Ficamos calmos e em silêncio, finalmente ouvi o primeiro passo no corredor. Eu estava tensa e a mão de Edward pressionava meu ombro. Fácil, ele estava dizendo que era fácil. Engoli o mais silenciosamente que pude e tentei relaxar. Eu poderia ficar quieta, mas não descontraída.
Os movimentos eram camuflados e muito tranquilos. Alguém estava rastejando pelo corredor até nós. Queriam saber se tínhamos morrido com a explosão, estávamos fingindo que sim.
Poderíamos matá-lo, mas havia outro homem no final do corredor. Se ele não ficasse sem munição poderia usar o hall contra nós. Ele não queria vir até nós, e precisávamos seguir pelo corredor. Becca e Peter estavam em uma daquelas portas. Os bandidos estavam em vantagem porque precisávamos avançar e tudo o que precisavam fazer era manter a posição.
Claro, um deles estava se aproximando. Edward gesticulou para que eu ficasse na frente deitada no chão. Eu sabia que ele queria que eu me fingisse de morta, mas longe da parede era a zona de matança. Se eles começassem a atirar, mesmo no chão eu poderia ser atingida. Eu me arrastei para frente através dos escombros sendo muito cuidadosa para não raspar nenhuma das armas ou a bolsa no chão. Eu estava mais longe do que queria quando olhei para trás e Edward deu um aceno de cabeça. Deitei-me no chão em silêncio.
Fiquei de bruços para me fingir de morta, meu cabelo arremessado no meu rosto para espreitar através dele. Mantive a sub-metralhadora em uma das mãos, mas Edward balançou a cabeça. Se Edward estivesse errado eu não brincaria de morta por muito tempo, eu nunca conseguiria pegar a arma a tempo. Uma vez que o homem começasse a atirar tudo estaria acabado.
Fiquei ali, parada, tentando ouvir qualquer movimento, quem quer que fosse estava ainda mais silencioso do que antes.
Talvez ele tenha se acovardado, talvez ele não estivesse vindo. Eu tinha que lutar para me manter parada, não me mover, não respirar muito.
Eu quis relaxar no chão e quase consegui quando percebi um movimento no corredor. Eu estava longe o bastante de Edward para ter uma visão melhor do que ele. Edward veria o brilho dos meus olhos através do meu cabelo?
Respirei profundamente, fechei os olhos e fiquei imóvel. Ou Edward o mataria, ou ele me mataria. Eu confiava em Edward, eu confiava em Edward, eu confiava em Edward.
Ouvi um ruído baixo, em seguida uma acentuada respiração. Nada que você ouviria do outro lado do corredor. O silêncio era tão espesso que chegava a ser assustador, mas se Edward não tivesse vencido eu teria ouvido tiros. Abri os olhos, Edward estava ajoelhado sobre o corpo de Mickey procurando outras armas. Eu não era a única pessoa incomodada com o silêncio porque um homem disse:
- Mickey, você está bem?
Edward respondeu e não era a sua voz, era uma imitação perfeita.
- Aqui está limpo
- Qual é o lance? - o homem perguntou.
Eu não reconheci sua voz, era um dos homens de Simon que não tinha sido apresentado.
Edward olhou para mim e sacudiu a cabeça, eu não sabia o que era esse lance, mas aparentemente não poderíamos fingir isso apesar de que ele tentou.
- Venha até aqui e me ajude a procurar o corpo.
A resposta a isso foi mais tiros. Eu já estava tão baixa como poderia, as balas pulverizavam a parede acima de mim e a única coisa que me impedia de gritar era o orgulho.
Edward fez um movimento brusco, quando o tiroteio acabou eu estava de barriga me arrastando de volta para a parede. Eu estava quase lá quando ele disparou novamente. Congelei no lugar com o rosto colado no chão. O tiroteio terminou e encostei na parede do outro lado do corpo do Mickey, ele ainda estava com as minhas armas, peguei de volta.
Edward segurava uma lata na mão bem parecia com a granada incendiária em minha bolsa, meus olhos arregalaram. Ele balançou a cabeça como se lesse a minha mente.
- Fumaça.
Certo.
Eu me aproximei.
- Cubra-me enquanto eu jogo, depois rasteje pelo corredor. Se você encontrar alguém através da fumaça, mate.
Ele se inclinou, puxou o pino da granada ainda protegido pela parede. Eu rastejei pelo canto com a sub metralhadora firmemente presa nas mãos, meu coração martelava loucamente em minha cabeça. Tive tempo para pensa: "Puxa, minha dor de cabeça passou!", então Edward disse baixinho:
- Agora.
Fiquei contra a parede com o dedo no gatilho. Edward jogou a granada de fumaça. Assim que a fumaça espessa encheu o corredor comecei a me arrastar de barriga, Edward apontou que ficaria do outro lado. A fumaça era amarga como algodão queimado embebido em algo ruim.
Eu estava com as duas armas na frente da minha calça jeans e não era confortável se arrastar assim, mas nada poderia me convencer a parar e ajustá-las. A bolsa ficou sólida contra as minhas costas como uma mochila volumosa. O mundo foi reduzido a fumaça que rolava suavemente e a sensação do chão debaixo dos meus braços e pernas. Eu não conseguia ver nada, nenhum movimento no corredor, meus olhos tentavam ver através da massa branca de nuvens.
Então balas atravessaram a fumaça e eu estava perto o suficiente para ver o flash da arma através dela. Eu estava quase em cima dele, eu realmente pude vê-lo como uma figura sombria acima de mim quando pressionei o gatilho. Rolei para o lado para sair da linha de fogo.
Ele caiu de joelhos, o rosto de repente surgindo através da fumaça, disparei quase a queima roupa em seu peito, ele caiu para trás desaparecendo como se tivesse caído nas nuvens. Fiquei abaixada e percebi que podia ver seus pés. A fumaça estava quase ao nível do chão, era por isso que Edward queria que eu rastejasse.
- Sou eu. - Edward disse antes que eu o visse através da fumaça. Ele foi sábio em ter me avisado. Meu dedo ainda estava no gatilho, e eu estava começando a apreciar o modo como você pode disparar acidentalmente em seus amigos em uma situação de combate, a menos que você fosse muito cuidadoso.
Ele se moveu e a fumaça tinha diluído o suficiente para que eu pudesse vê-lo.
- Fique aqui.
Isso me irritou, mas eu fiquei no chão esperando ao lado do corpo do homem que eu tinha acabado de matar. Eu poderia ficar chateada, mas estávamos em uma espécie de guerra onde eu não sabia quase nada. Eu tinha caído em alguma outra vida de Edward, e ele era melhor em sobreviver do que eu. Eu apenas fazia o que ele mandava. Era a minha única esperança para sair viva.
Edward voltou caminhando em vez de rastejar, provavelmente era um bom sinal.
- A área está limpa, mas não por muito tempo. - ele estava com as chaves que pegou de Riker. - Vamos.
Ele destrancou a porta onde supostamente Peter estava e foi atrás de Becca antes que eu a abrisse. Fiquei de joelhos e empurrei a porta contra a parede. Não tinha ninguém escondido atrás dela, se houvesse provavelmente teriam atirado na minha cabeça. Percebi que a sala estava vazia, exceto pela cama estreita com Peter sobre ela.
Por um segundo fiquei me debatendo se fechava a porta atrás de mim ou a deixava aberta com o risco alguém aparecer com uma arma. Deixei aberta não porque era a melhor opção, mas porque eu não queria ficar num lugar fechado. Em parte pela claustrofobia, e em parte porque existiam muitos lugares onde alguma coisa estava esperando para me comer. Às vezes penso que essa última parte contribui para a claustrofobia.
Peter estava enrolado em uma bola apertada, suas mãos estavam amarradas nas costas, seus tornozelos estavam amarrados e encostados em sua bunda nua, suas roupas ainda estavam amontoadas em torno de seus joelhos, e a extensão da carne pálida parecia incrivelmente vulnerável. Ela quis humilhá-lo deixando-o assim. A venda ainda estava em seus olhos como um pedaço brilhante de cor contra seu cabelo escuro. Sua boca estava manchada com sangue seco, o lábio inferior inchado, hematomas começando a se espalhar por seu rosto como marcas de batom de um beijo. Eu não tentei ser delicada, eu tinha pressa. Ele me ouviu porque começou a falar através da mordaça. Eu poderia entendê-lo.
- Por favor, não.
Ele continuou dizendo isso com a voz cada vez mais frenética, desta vez com medo.
- Sou eu Peter. - eu disse.
Ele parecia não me ouvir, apenas continuou a pedir que não o tocasse.
Toquei seu ombro e ele gritou.
- Peter, é Anita.
Acho que ele parou de respirar por um segundo, então disse:
- Anita?
- Sim, eu estou aqui para te ajudar.
Ele começou a chorar sacudindo os ombros finos. Eu peguei uma das facas de Blade e passei entre seus punhos com cuidado. A faca estava afiada e soltou suas mãos com facilidade. Tentei soltar a venda em seus olhos, mas estava muito apertada.
- Vou ter que cortar a venda Peter. Não se mova.
Sua respiração desacelerou enquanto eu passava a faca entre o pano e o lado de sua cabeça. Foi mais difícil do que as mãos porque estava muito apertado e em um ângulo ruim. Finalmente cortei a venda e a joguei longe, havia marcas vermelhas em sua pele. Ele se atirou sobre mim me abraçando, eu o abracei de volta ainda com a faca na mão.
Ele sussurrou:
- Ela disse que me machucaria quando voltasse.
Ele começou a chorar de novo, eu queria lhe dar conforto, mas tínhamos que sair dali.
- Ela não vai mais te machucar Peter. Eu prometo, mas temos que sair daqui.
Afastei-me de seus braços desesperados até poder ver seu rosto e ele o meu. Segurei seu rosto em minhas mãos, a faca apontada cuidadosamente para cima. Olhei em seus olhos e não havia muito o que fazer por ele agora.
- Peter, nós temos que ir. Ted foi buscar Becca.
Talvez tenha sido o nome de sua irmã, ele piscou e deu um pequeno aceno de cabeça.
- Eu estou bem. - ele disse, e foi a melhor mentira que ouvi esta noite.
Eu concordei.
- Bom.
Eu tinha que soltar seus tornozelos e de repente ele parecia consciente de que estava exposto, começou a puxar a cueca e a calça antes que eu o libertasse.
- Você precisa ficar parado.
- Eu quero colocar a minha roupa. - ele disse.
Eu fiquei em pé ao lado da cama.
- Vista-se.
- Você está olhando. - ele disse.
- Eu não estou olhando.
- Você está olhando para mim. - ele disse.
- Eu não estou olhando para você.
Fiquei de costas olhando para a porta enquanto ele lutava com sua calça.
- Você pode olhar agora.
Estava tudo fechado e abotoado, somente o terror aparecia em seus olhos. Eu cortei as amarras de seus tornozelos, ele tentou se afastar de mim e quase caiu. Somente a minha mão em seu braço o manteve de pé.
- Você precisa de ajuda para andar antes que consiga fazer isso sozinho. - eu disse.
Ele me deixou levá-lo até a porta, mas não olhou para mim. Sua primeira reação foi a de uma criança grata por ter sido salva, mas a segunda reação foi de alguém mais velho. Ele estava envergonhado agora, constrangido com o que tinha acontecido e provavelmente comigo por vê-lo quase nu. Ele tinha quatorze anos, uma idade tremenda entre a criança e o adulto. De alguma forma acho que ele tinha sido mais jovem quando entrou nesta casa.
Edward nos encontrou no corredor com Becca em seus braços. Ela parecia pálida e doente. Hematomas já começavam a florescer em seu rosto e isso quase me fez chorar. Três de seus dedos pareciam aleijados em um ângulo antinatural. Eles estavam inchados a pele descorada.
Ela disse:
- Anita, você veio para me salvar também. - Sua voz era alta e fina.
Isso fez minha garganta apertar.
- Sim querida, eu vim salvá-la também.
Peter e Edward ficaram olhando um para o outro. Edward se moveu primeiro, apenas uma mão porque o outro braço estava debaixo das pernas de Becca. Peter pegou sua mão e abraçou os dois. Seus dedos pairavam sobre a mão de Becca e lágrimas frescas caíram pelo rosto, não havia choro agora, só lágrimas.
- Ela vai ficar bem. - Edward disse.
Peter olhou para ele como se não tivesse certeza se podia acreditar, mas ele queria. Ele se afastou e esfregou as lágrimas do rosto com as mãos.
- Posso pegar uma arma?
Abri a boca para dizer não, mas Edward falou primeiro.
- Anita, dê a sua Firestar para ele.
- Você está brincando. - eu disse.
- Eu já o vi atirar. Ele pode lidar com isso.
Eu estava seguindo ordens de Edward por algum tempo, normalmente ele estava certo, mas...
- Se vamos sair daqui quero que ele esteja armado. - Edward olhou para mim e o peso de seu olhar foi o suficiente. Ele não queria que Peter e Becca fossem tirados dele novamente. Se ele colocasse uma arma na mão de Peter eles o matariam, não haveria mais tortura. Se o pior acontecesse, Edward tinha decidido como o rapaz ficaria. E que Deus me ajude, eu concordei.
Tirei a arma do meu jeans.
- Por que a Firestar?
- Ela é menor.
Entreguei a arma para Peter me sentindo vagamente uma molestadora de crianças, ou talvez uma corrupta.
- Ela tem nove balas se você contar uma na câmara, a trave de segurança é aqui.
Ele pegou a arma e verificou as balas, depois olhou vagamente envergonhado.
- Ted disse para sempre verificar se a arma está carregada.
- Tente não atirar em nenhum de nós. - eu disse.
- Pode deixar.
Olhei em seus olhos e acreditei nele.
- Eu quero ir para casa. - Becca disse.
- Nós vamos para casa, querida. - disse Edward.
Ele foi na frente ainda carregando Becca. Peter foi logo atrás e eu fiquei na retaguarda. Não ouvi nenhum barulho, mas sabia que estávamos longe de estar seguros. Ainda tínhamos que enfrentar Simon e o resto dos seus homens, isso sem contar Harold e Lagartixa e os caras locais. Onde estavam Russell e Amanda? Eu realmente esperava vê-los antes de sairmos. Prometi à Peter que ela nunca mais o machucaria. Eu sempre cumpro minhas promessas.
60
Saímos do corredor para um amplo espaço aberto. Edward parou com Becca ainda em seu colo de modo que ele não tinha muita escolha. Eu mantive um olho em nossas costas esperando que ele decidisse o que fazer. Ele finalmente andou lentamente para frente encostado na parede do lado esquerdo. Quando consegui ver o ambiente de forma clara percebi por que ele hesitou. Não era apenas o imenso espaço aberto. Havia três túneis que conduziam à direita como bocas escuras onde nada poderia nos esconder de Simon e o resto dos seus homens. Havia uma quarta abertura com escadas, era o que precisávamos.
Eu andava com as costas coladas na parede atrás de mim tentando manter um olho na sala onde tínhamos vindo e nos três túneis à direita. Deixei as escadas para Edward.
A escada era estreita, mal cabiam duas pessoas delgadas caminhando lado a lado. Era íngreme e tinha um ângulo agudo na parte superior, um canto cego.
Fiquei olhando para trás porque eu sabia que se o tiro viesse por trás e na nossa frente ao mesmo tempo estaríamos mortos. Era um lugar perfeito para uma emboscada.
Peter parecia sentir a tensão porque ele se aproximou de Edward quase o tocando enquanto subiam as escadas. Estávamos a cerca de três quartos do caminho da primeira curva cega quando Edward hesitou olhando para cima. Peter deu um passo extra. Eles trombaram e Edward deixou Becca cair alguns degraus ainda segurando-a com um braço, tentando salvá-la da queda completa. Acho que se ele tivesse deixado Becca cair talvez pudesse ter colocado todos fora de perigo, mas esse último esforço lhe custou o segundo necessário.
Vi um borrão de movimento perto de um suporte grosseiro falsamente escondido.
Comecei a andar para Edward, mas ele disse:
- Suba as escadas agora e atire neles.
Não fiz perguntas, subi os últimos degraus tão rápido quanto consegui e atirei antes mesmo que percebesse quem estava lá.
Harold, Russell, Lagartixa e Amanda desciam outro nível de escadas. Apontei para eles e lutei para melhorar o ângulo para atingir-lhes. Os três homens caíram, mas Amanda virou e disparou para trás. Verifiquei se os três homens não levantaram atirando, então corri atrás dela. Agachei no canto, mas as escadas estavam vazias. Porra. Eu não ousaria prosseguir a busca e deixar Edward e as crianças sozinhos.
Voltei para as escadas e escorreguei no sangue, acabei caindo e batendo meu cotovelo no corpo de Harold, ele resmungou.
Coloquei o cano da arma contra seu peito enquanto seus olhos se abriram.
- Eu não fiz a emboscada a tempo. Simon vai ficar chateado. - ele disse, e o tom de sua voz avisou que estava doendo.
- Acho que você não precisa se preocupar mais com Simon, Harold. Você não terá mais que obedecer a suas ordens.
- Eu não queria machucar as crianças. - ele disse.
- Mas você não os impediu.
Ele respirou e parecia doer também.
- Simon chamou alguém pelo rádio. Ele disse que falhou, disse que eles precisavam limpar a bagunça. Acho que estão vindo para matar todos nós.
- Quem está vindo?
Ele abriu a boca e acho que me disse, mas sua respiração saiu em um longo suspiro. Senti o pulso em seu pescoço, eu sabia que estava morto, mas ainda assim queria verificar. Verifiquei Russell e Lagartixa só para ter certeza, eles estavam mortos. Eu realmente deixei suas armas porque simplesmente não podia transportar mais.
Ouvi vozes e me aproximei da curva da escada que me levaria de volta para Edward. Merda. Então reconheci uma das vozes. Era Olaf.
Encontrei Olaf e Bernardo abaixados perto de Edward. Peter estava sentado nos degraus cuidando de Becca, ela estava chorando. Ele olhava para Edward com a cara branca em choque, Bernardo me viu primeiro.
- Eles estão mortos?
Concordei.
- Russell, Lagartixa e Harold. Amanda fugiu.
Os olhos de Peter se viraram para mim, pareciam enormes e escuros no seu rosto pálido. A boca machucada destacava-se contra a sua pele como se fosse maquiagem, muito brilhante para ser real.
Edward fez um pequeno som e Peter voltou para ele.
- Desculpe, Ted. - ele disse. - Lamento.
- Está tudo bem, Peter. Da próxima vez siga melhor minhas ordens. - Sua voz era tensa, mas Peter parecia ter falado com o coração, eu não estava assim tão certa.
Olaf e Bernardo o viraram de modo que pudessem ver onde a bala tinha entrado. Foi na parte superior do tórax, próximo ao ombro esquerdo. Não acertou o coração ou ele estaria morto, mas poderia ter perfurado uma das veias e perdido muito sangue, provavelmente a bala tinha passado pelos pulmões. Provavelmente.
- Como você sabia que eles estavam vindo? - eu perguntei.
- Eu os ouvi. - e sua voz me fez lembrar a dor de Harold.
De repente eu estava fria, e não era a temperatura. Comecei a ajoelhar perto dele, mas Edward disse,
- Vigie as escadas.
Então me levantei, encostei-me na parede e deixei a minha visão periférica tentar manter o controle de ambos os lados das escadas, mas meus olhos continuavam indo e voltando para ele.
Ele estava morrendo? Por favor, Deus, não assim. Não era só por Edward, era pelo olhar no rosto de Peter. Se ele morresse Peter se culparia. O menino já estava tendo uma noite ruim, ele não precisava desse tipo de culpa.
- Dê-me a sua camiseta. - disse Olaf.
Olhei para ele.
- Nós precisamos cobrir a ferida e manter pressionada enquanto nos movimentamos. Não podemos removê-lo aqui, o tiro foi muito perto do coração, ele precisa ir para um hospital.
Concordei com isso.
- Alguém continue vigiando enquanto eu tiro a camiseta.
Bernardo levantou-se e tomou o meu lugar. Notei que havia uma lâmina saindo de sua roupa como uma ponta de lança. A lâmina estava manchada com sangue preto.
Tirei a camiseta e entreguei a Olaf, ele já havia tirado seu colete de Kevlar preto empurrando a sua própria camisa em torno da ferida.
- Você precisa da minha? - Peter perguntou.
- Sim. - disse Olaf.
Becca sentou na frente do colo de Peter que tirou a camisa. A parte superior do seu corpo era magro e pálido. Olaf pegou as peças da camisa de Bernardo e tirou-as da ferida para fazer um curativo improvisado no lugar. A ferida estava horrível, mas não estava sangrando muito. Eu não sabia se era um bom ou mal sinal.
- Nós pegamos à outra metade da emboscada á caminho das escadas. - Bernardo disse.
- Queria saber por que não havia mais homens lá. - eu disse. Lembrei-me do que Harold tinha dito. - Antes de Harold morrer ele disse que Simon chamou alguém. Disse a eles que falharam e que precisavam vir para limpar a bagunça. Isso significa o que o que eu acho que significa?
Edward olhou para mim enquanto Olaf usava as tiras das camisas para manter seu braço esquerdo apertado.
- Eles matarão tudo o que encontrar. - Sua voz estava quase normal, só um pouquinho rouca, um pouco fraca. - Vão queimar o local.
Olaf e Edward ficaram de pé, mas a diferença de altura era grande. Edward não poderia manter o seu braço sobre os ombros do grande homem.
- Bernardo tem que ajudar.
- Não, Anita pode fazer isso.
Olaf abriu a boca para argumentar, mas Edward disse,
- Bernardo tem uma boa mira, ele precisa ajudar.
Olaf fechou a boca em uma linha apertada, mas passou Edward para mim.
O braço de Edward estava nos meus ombros. Coloquei meu braço esquerdo em sua cintura. Tentamos alguns passos e funcionou bem.
Olaf começou a andar, eu estava com Edward logo atrás seguido por Peter que carregava Becca enrolada em seu corpo como um macaco um pouco triste. Bernardo cuidava da retaguarda. Olaf olhou para os corpos dos homens mortos e falou sem olhar para mim.
- Você fez isso?
- Sim.
Eu teria respondido algo sarcástico como "Você está vendo mais alguém?", mas eu estava muito preocupada com Edward para desperdiçar o esforço. O suor escorria pelo seu rosto como se ele estivesse andando a um bom tempo. O problema é que se ele desmaiasse a única pessoa que poderia carregá-lo em seus braços era Olaf, mas isso significa que ele não poderia atirar. Precisávamos da arma.
- Você está bem, Edward? - perguntei.
Ele engoliu antes de dizer,
- Sim.
Não acreditei, mas não perguntei novamente. Provavelmente ele estava tão bem como poderia ficar por algum tempo.
Edward tentou virar e dizer alguma coisa para as crianças, ele estava com muitas dores e tive que ajudá-lo.
- Feche os olhos de Becca, Peter.
Peter enterrou o rosto de Becca no seu ombro e manteve a mão pressionada na parte de trás da cabeça dela. Ele não estava com a Firestar em suas mãos e eu me perguntei onde estava.
Viramos para frente e começamos a subir as escadas novamente. Olaf estava quase próximo da curva da escada quando parou. Ele estava olhando para baixo, eu gelei e perguntei:
- Algum problema?
- É uma armadilha? - Edward perguntou.
- Não. - disse Olaf.
Eu tinha visto isso antes, riachos finos de sangue escorriam em nossa direção. Serpenteava em torno dos pés de Olaf e escorria em minha direção e na de Edward.
Peter que estava um pouco atrás perguntou:
- O que é isso?
- Sangue. - disse Olaf.
- Por favor, me diga que isso é obra sua, Olaf. - eu disse.
- Não. - ele disse.
Fiquei observando o fluxo de sangue ao redor do meu tênis Nike e sabia que a situação estava piorando.
61
Edward encostou-se na parede, ele queria que eu estivesse livre para atirar caso Olaf ordenasse. Olaf continuou em frente para ver qual era o problema, ele desapareceu na próxima curva e eu me afastei da parede para dar uma espiada. A escada terminava logo à frente. A luz elétrica mostrava uma caverna e as luzes brilhavam sobre o sangue e corpos.
Olaf veio até nós novamente.
- Eu posso ver a saída.
- De quem são os corpos?
- Dos homens de Riker.
- E o que os matou?
- Acho que foi nossa fera assassina, mas não há outra saída. As outras foram bloqueadas pela explosão. Temos de sair por ali.
Eu pensei que se o monstro estivesse nos esperando, Olaf ficaria mais animado, então eu me voltei para Edward. Sua pele estava pálida, seus olhos estavam fechados. Eles se abriram quando o toquei, mas estavam mais brilhantes do que deveriam.
- Estamos quase no fim. - eu disse.
Ele não disse nada, apenas me deixou passar seu braço sobre o meu ombro, mas a cada passo que dava eu sentia cada vez mais o seu peso.
- Aguente um pouco mais, Edward.
Ele virou a cabeça como se tivesse acabado de me ouvir, mas continuou andando. Todos nós começamos a andar, o sangue no chão ficava cada vez mais grosso. Edward quase caiu, mas consegui pegá-lo em um movimento brusco e ele soltou um pequeno som de dor. Merda.
- Cuidado com os degraus, Peter, está escorregadio. - eu disse.
Olaf estava nos esperando perto de um corpo. Havia três deles, o primeiro era de um homem que eu não conhecia, mas reconheci a arma perto de seu corpo. Simon estava deitado em uma poça de sangue e fluidos escuros. Todo o seu tórax, estômago e abdome estavam abertos. Seus intestinos estavam no chão da caverna, mas seus olhos ainda estavam piscando, ainda estava vivo.
O terceiro corpo era de Amanda e ela ainda estava se mexendo, Olaf a cobriu e assim voltei toda a minha atenção para Simon. Ele sorriu para nós.
- Pelo menos eu matei a Morte.
- Ele não está tão morto como você. - eu disse.
- Vocês todos estão mortos, puta.
- Nós sabemos que você chamou companhia. - eu disse.
Seus olhos pareciam incertos.
- Foda-se. - Sua mão avançou para a arma ao lado dele. Ele estava eviscerado, morrendo e sentindo mais dor do que eu poderia imaginar e mesmo assim tentou pegar sua arma. Eu pisei em sua mão fixando-a na terra. Era mais difícil de fazer do que o normal com Edward pendurado em mim, mas consegui.
- Peter, você e Becca subam com Bernardo até a frente da caverna.
Peter não discutiu, ele apenas pegou Becca e passou por nós com Bernardo a reboque.
Apontei o cano da arma na cabeça de Simon. Eu não podia deixá-lo para trás porque não confiava nele em minhas costas. Mesmo estando ferido, eu não estava disposta a dar-lhe a oportunidade.
- Espero que o monstro acabe com você, puta.
- É "Senhora Puta" para você. - eu disse e puxei o gatilho.
Foi uma explosão pequena, mas ouvi mais tiros ecoando na caverna. Virei com a arma na mão e encontrei Peter de pé ao lado de Amanda. Ele esvaziou a Firestar em seu corpo enquanto eu observava. Olaf estava apenas olhando para ele, Bernardo segurava Becca perto da boca da caverna.
Edward começou a cair de joelhos. Ajoelhei-me com ele tentando mantê-lo na vertical. Ele sussurrou:
- As crianças, fora, tire-as... - e desmaiou.
Olaf se aproximou sem que eu pedisse e levantou Edward em seus braços como uma criança. Se o monstro aparecesse agora, todos nós estaríamos de mãos cheias. Merda.
As balas tinham acabado, mas Peter ainda estava apertando o gatilho. Eu fui até ele.
- Peter, Peter, ela está morta. Você a matou, se acalme.
Ele parecia não me ouvir. Toquei suas mãos e tentei tirar a arma. Ele me empurrou para longe violentamente, os olhos selvagens e continuou disparando mesmo sem balas no corpo da mulher. Eu o empurrei contra a parede de pedra, um braço em sua garganta, o outro fixando as mãos ainda firmes na Firestar. Seus olhos estavam arregalados e assustados, mas ele olhou para mim.
- Peter, ela está morta. Você não pode deixá-la mais morta do que está.
Sua voz tremeu quando ele disse:
- Eu queria que ela sofresse.
- Ela sofreu. Ser despedaçada é uma maneira ruim de morrer.
Ele balançou a cabeça.
- Não é o suficiente.
- Não, não é o suficiente, mas você a matou, Peter. Isso é tão bom quanto se vingar. Depois de matá-los não há mais nada.
Tomei a Firestar de suas mãos. Tentei abraçá-lo e ele se afastou. O tempo para esse tipo de conforto tinha passado, mas havia outros tipos. Alguns deles vinham na mira de uma arma, outro era matar aquele que o feriu, mas é um conforto frio. Ele destrói as coisas dentro de você mais que a dor original poderia fazer. Às vezes não é uma questão de saber se vai sentir falta de um pedaço de sua alma, apenas qual parte que vai ser.
Peter carregava Becca, Olaf carregava Edward. Bernardo e eu tomamos a iniciativa, começamos a observar a escuridão procurando algum movimento.
Nada mudou. Havia apenas o som do vento nos arbustos indo até o fundo da caverna. O vento soprava contra meu rosto e percebi que eu realmente não esperava sair dali, não viva. Pessimismo não era comigo.
Bernardo liderou o caminho. Tínhamos que tentar levar Edward até o carro, mas queríamos ter certeza que ninguém ou nenhum monstro estaria nos esperando. Olaf seguia logo atrás carregando Edward desmaiado. Eu estava rezando para que ele estivesse bem, mas me senti estranha rezando a Deus por Edward, como se rezar fosse errado. Peter e Becca estavam na minha frente, ele cambaleou de cansaço, mas eu não podia me dar ao luxo de levar Becca. Precisava das mãos livres para lutar.
Senti a primeira picada de magia e gritei:
- Gente, tem algo aqui fora.
Todos pararam e começaram a procurar na escuridão.
- O que você viu? - Olaf perguntou.
- Nada, mas alguma coisa aqui está fazendo magia.
Olaf fez um barulho com a garganta como se não acreditasse em mim. Então, a primeira onda de medo tomou conta de nós. Tanto medo que fechou minha garganta e acelerou meu coração fazendo as palmas das mãos suarem. Becca começou a lutar violentamente nos braços de Peter, dei dois passos para ajudá-lo a controlar a menina, mas ela se livrou, caiu no chão e correu como um coelho para o mato. Peter gritou,
- Becca! - e correu atrás dela.
- Peter, Becca! Oh, Merda!
Corri atrás deles, o que mais eu poderia fazer? Eu podia ouvi-los correndo na frente, Peter gritando o nome de Becca. Tive uma sensação de movimento à minha direita e vi alguma coisa. Era maior que um homem e até mesmo à luz da lua você poderia ver que era de diferentes cores. Atirei dentro de sua boca enorme, mas as garras continuaram vindo em minha direção como se as balas não fossem nada. A garra bateu fechada em minha cabeça e caí no chão duro. A escuridão ofuscou toda a minha visão e quando pude ver outra vez a coisa estava bem acima de mim, mantive o dedo no gatilho até que ele clicou vazio. O monstro nunca hesitou, ele encheu minha visão com uma cara que parecia a de um pássaro e eu tive um momento para pensar no seria muito antes dele me bater novamente e de repente não havia nada, somente a escuridão.
62
Eu acordei imediatamente, senti minha pele saltando com uma corrida de magia que me deixou ofegante. Meu corpo estava tenso, contorcendo-se com o poder que cavalgava meu corpo em uma onda ardente que parou de crescer. Minhas mãos e pernas estavam esticadas contra as correntes que me seguravam. Correntes? Virei e olhei para meus pulsos, minha cabeça ainda doía, meu corpo estava tendo espasmos com o poder rugindo através de mim. Meus braços e pernas se contorciam não porque eu estava lutando contra as correntes, mas como reação ao poder.
A magia começou a desaparecer, me deixando ofegante. Eu sabia que se não controlasse minha respiração poderia hiperventilar e passar por isso novamente seria ruim. Concentrei-me em respirar obrigando-me a ter calma e respirar mais profundamente. É difícil estar totalmente em pânico quando você está fazendo exercícios respiratórios, ele chega como uma falsa calma sobre meu corpo e minha mente, mas me deixava pensar que é algo bom.
Eu estava deitada de costas, acorrentada a uma superfície de pedra lisa. Havia uma curva na parede da caverna ao meu lado, e o teto a perder de vista na escuridão acima.
Eu adoraria acreditar que Bernardo e Olaf tinham me resgatado e estávamos de volta na entrada da caverna, mas as correntes arruinaram os pensamentos agradáveis.
Esta caverna era muito alta e mesmo sem olhar para ela eu sentia que era grande. Uma luz fraca saltava em sombras laranja ao longo da caverna, era como estar em uma bola de trevas com uma luz dourada.
Finalmente virei à cabeça para a direita para ver o que tinha ali, primeiro pensei que era Pinotl, o servo humano de Itzpapalotl, me amaldiçoei por alguns segundos por acreditar quando ela disse que não sabia sobre o monstro, então percebi que não era ele. Eram parecidos, tinham as mesmas características, a mesma cara cinzelada, pele escura e corte do cabelo preto longo e estranhamente quadrado, mas este homem tinha os ombros estreitos, magros, e não havia ar de comando nele. Ele usava um shorts simples ao invés das estilosas roupas de Pinotl. Havia uma pedra arredondada e lisa como essa na Borboleta Obsidiana.
Havia um corpo coberto sobre essa pedra, pernas e braços curtos, cabelos escuros, e por um momento pensei que era Nicky Baco, então vi o peito nu de forma mais clara, era Paulina, a mulher de Nicky. Havia um buraco em suas costelas como uma grande boca aberta. Eles tinham arrancado seu coração. O homem desconhecido segurava o coração nas mãos acima de sua cabeça como uma oferenda, seus olhos negros olhavam para a luz incerta da fogueira. Ele baixou os braços caminhando em minha direção com o coração nas mãos em concha. Suas mãos estavam tão cheias de sangue que parecia estar de luvas vermelhas. Havia quatro homens em pé em torno do altar. Eles usavam algum tipo de capa de couro macio que cobria seus corpos da cabeça aos pés, tinha algo de errado com o que estavam usando, mas meus olhos não conseguiam mostrar o que era e eu tinha problemas mais imediatos.
Eu ainda estava usando o colete de Kevlar e toda a minha roupa. Se eles pretendiam tirar o meu coração, tirariam as roupas primeiro. Não era muito reconfortante ver o sacerdote caminhar em minha direção com o coração nas mãos.
Ele colocou o coração acima do meu peito e começou a cantar em um idioma que soava como o espanhol, mas não era.
O sangue pingava sobre o colete e isso me fez pular. A calma do exercício de respiração estava perdendo efeito. Eu não queria que ele me tocasse com aquela coisa. Não era uma questão de lógica, era medo de algum feitiço ou magia. Era pura repulsa. Eu não queria ser tocada por um coração que tinha acabado de ser arrancado do corpo de alguém. Eu já tinha colocado estacas em muitos corações. Eu mesmo tirei alguns para queimar, mas de algum modo isso era diferente. Talvez fosse por eu estar presa e desamparada, ou talvez fosse por causa do corpo de Paulina sobre o altar olhando como uma boneca quebrada. Quando a conheci ela tinha sido forte me ameaçando com uma arma, mas muita gente faz isso. Edward costumava fazer isso o tempo todo. Começar um relacionamento apontando uma arma não significa que não podemos ser amigos no caminho, a menos que um de nós morra. Não existiria amizade agora. Não, não com Paulina.
O homem terminou o canto e começou a baixar o coração na minha direção.
Eu me contorci contra as correntes mesmo sabendo que era inútil e disse:
- Não me toque com isso.
Parecia certo e forte, mas eu não sabia se ele entedia inglês porque suas mãos continuavam se aproximando. Ele colocou o coração no meu peito e eu estava quase grata pelo Kevlar impedir de sentir aquela coisa na minha pele.
O coração estava no meu peito e era somente um pedaço de carne, não havia nenhuma magia. Ele estava apenas morto. Então de repente ele respirou, ou era isso o que parecia, os músculos subiam e desciam.
De repente eu estava consciente do meu próprio coração. No momento em que percebi a minha pulsação, o coração de Paulina fraquejou, então começou a bater no mesmo ritmo que o meu. E enquanto isso acontecia pude ouvir um segundo coração. Salvo que o coração de Paulina não tinha sangue para bombear, mas era uma pulsação sólida. Era como se o som atingisse o colete e passasse através da minha pele, minhas costelas, e perfurasse o meu coração. A dor era forte e imediata roubando minha respiração e curvando minha espinha.
- Segurem-na. - o homem gritou.
Os homens que estavam de pé junto ao altar correram para mim, mãos fortes pressionando minhas pernas, prendendo meus ombros. Minha coluna arqueou com a dor, e um terceiro conjunto de mãos pressionou minhas coxas, três deles me prendiam a pedra obrigando-me a suportar a dor e não lutar.
O coração de Paulina batia cada vez mais rápido, acelerando em direção a algum grande clímax. Meu coração trovejava contra minhas costelas como se estivesse tentando rasgar a pele. Era como se um punho estivesse batendo no interior do meu peito tentando procurar uma saída. Eu não conseguia respirar, era como se todo meu peito fosse apanhado em uma corrida frenética e não houvesse tempo para mais nada.
A dor estava centrada, mas se espalhou por meus braços, minhas pernas, enchendo a minha cabeça até que pensei que não seria o meu coração que explodiria e sim o topo de minha cabeça.
Eu podia sentir os dois corações como amantes separados por uma parede abrindo caminho até serem capazes de se tocar. Houve um momento em que pude sentir os dois órgãos se tocando, talvez fosse apenas a dor.
Em seguida o coração parou como uma pessoa capturada no meio de um movimento e meu coração parou com ele. Por um momento meu coração ficou sem fôlego e não fez nada como se esperasse, em seguida ele deu uma batida, depois outra, respirei profundamente e logo que consegui ar suficiente eu gritei. Então lá estava eu ouvindo meu coração bater, sentindo a dor começar a desaparecer como a memória de um pesadelo. Minutos depois a dor foi embora. Meu corpo nem sequer estava ferido, na verdade eu me sentia cheia de energia, maravilhosa.
O coração sobre meu peito tinha enrugado em uma peça cinza. Ele não parecia mais com um coração, era apenas uma bola seca menor que a palma da mão. Pisquei e olhei para cima e vi o rosto do homem, ele estava segurando meus ombros. Tenho certeza que ele estava olhando para mim há um bom tempo, mas eu não o tinha visto ou não tinha entendido o que estava vendo.
Ele usava uma máscara sobre seu rosto. Só os lábios, olhos e ouvidos apareciam através da cobertura fina. Seu pescoço estava nu, o resto estava coberto pelo mesmo material da máscara. Acho que parte de mim sabia o que era antes que aceitasse. Virei à cabeça o quanto pude e olhei para suas mãos. Era pele humana, finalmente descobri o que tinha acontecido com algumas das peles das vitimas esfoladas.
Os olhos que apareciam através dessa coisa horrível eram marrons e muito humanos. Olhei para baixo na linha do meu corpo e descobri que os outros dois homens que seguravam minhas pernas usavam a mesma coisa, mas as peles não eram das mesmas cores. Uma escura e duas claras. Tinham costurado com cordão grosso onde deveriam estar os seios e mamilos, e não havia nenhuma pista se a pele era masculina ou feminina.
O primeiro homem que eu tinha visto deu um passo à frente.
- Como você se sente? - Seu Inglês era muito acentuado, mas claro.
Olhei para ele por um segundo. Ele só podia estar brincando.
- Como supõe que eu esteja me sentindo? Acordei em uma caverna onde você acabou de realizar um sacrifício humano. - Olhei para os homens que ainda me seguravam. - Estou sendo pressionada por homens vestindo ternos feitos de pele humana. Como diabos eu devo me sentir?
- Estou perguntando por sua saúde física, nada mais. - ele disse.
Comecei a dizer algo sarcástico, mas parei e pensei realmente sobre a sua pergunta. Como é que eu me sentia? Na verdade eu me sentia bem. Lembrei-me da corrida de energia e bem-estar que se tinha se espalhado em cima de mim quando a magia terminou.
Ela ainda estava lá e eu me sentia bem. Se não fosse exigido um sacrifício humano teria sido um grande tratamento médico.
- Eu me sinto bem.
- Sem dor na cabeça?
- Não.
- Bom. - ele disse.
Ele fez um sinal e os homens se afastaram. Eles voltaram a ficar contra a parede como bons soldados à espera de novas ordens.
Voltei a olhar para o outro homem. Todos ali eram assustadores, mas pelo menos ele não estava vestindo a pele de outra pessoa.
- O que você fez comigo?
- Nós salvamos a sua vida. A criatura de nosso mestre tem um excesso de zelo. Houve sangramento em sua na cabeça, precisamos de você viva.
Eu pensei sobre isso.
- Você usou a força vital de Paulina para me curar.
- Sim.
- Estou contente de estar viva, honestamente. - Olhei para o corpo de Paulina rasgado e esquecido. - Mas ela não trocou sua vida pela minha voluntariamente, não é?
- Nicky Baco começou a suspeitar do preço que teria que pagar pela benção de nosso mestre. Ela era nossa refém para que tivéssemos certeza que ele viria a essa reunião. - disse o homem.
- Deixe-me adivinhar. Ele não apareceu. - eu disse.
- Ele já não responde ao chamado de nosso mestre.
Aparentemente Ramirez tinha seguido o meu conselho de deixar Leonora Evans fazer algum tipo de barreira mágica em torno de Nicky para que ele não conseguisse entrar em contato com seu mestre.
É bom saber que estava funcionado, mas você tenta fazer a coisa certa e alguém acaba morto. Por que é sempre assim que a coisa funciona? Admito que eu estava feliz por mim, mais do que sentia pena de Paulina. Não sobre trocar a sua vida pela minha, mas se Nicky estava sendo protegido por magia, então ele e os policiais estavam a caminho. Tudo que eu tinha que fazer era impedi-los de fazer o que haviam planejado para mim.
- Então quando Nicky não apareceu vocês decidiram que não precisavam mantê-la viva.
Minha voz parecia calma, melhor do que isso, eu estava realmente calma. Não era uma calma normal, mas a calma distante que você aprende quando as coisas realmente estão ruins, ou você corre gritando. Eu já tinha dado todos os gritos que planejei esta noite.
- A vida dela não importa, a sua sim.
- Estou contente de estar viva e, não me leve a mal, mas por que você se importa se estou viva ou morta?
- Nós precisamos de você. - disse uma voz masculina atrás de mim.
Tive que arquear a cabeça para trás para ver o dono dessa segunda voz. Eu não vi o homem de imediato porque ele estava cercado de esfolados. Eu saiba que Edward estava preocupado por ter perdido alguns corpos, ele não tinha idéia. Devia ter entre vinte e cinco a trinta e cinco cadáveres animados em pé atrás de mim.
Eles estavam em pé, muito discretamente e eu não tinha ouvido ou sentido sua presença. Eles estavam parados como robôs com o interruptor desligado esperando retornar a vida.
Zumbis nunca ficavam vazios assim. No final, quando eles começassem a apodrecer, você tinha que colocá-los de volta no túmulo antes que derretessem em pequenas poças, eles eram mais vivos do que isso. Percebi naquele instante que os corpos foram ressuscitados, mas as pessoas dentro desses corpos não foram. O mestre comeu a essência dos indivíduos. Ele comeu mais do que músculos e peles. Ele não comeu suas almas porque eu tinha visto uma delas na primeira casa que visitei, mas ele pegou algo de seus corpos, algumas memórias ou vestígios que ficavam quando eu ressuscitava os mortos.
Eles pareciam rochas esculpidas em carne, totalmente vazias. Pelo menos os do hospital fingiram ainda estar vivos. Não havia nenhuma pretensão aqui.
Meus olhos finalmente encontraram o homem. Ele usava um capacete de aço e peitoral como os conquistadores nos livros de história, mas o resto do equipamento era um pesadelo.
Ele usava um colar de línguas e todas estavam frescas e rosadas como se tivessem acabado de serem cortadas segundos atrás. Ele usava uma saia de intestinos que se contorcia como serpentes, como se cada vertente brilhante fosse independente e tivesse vida própria. Seus braços estavam nus, fortes e musculosos, e eram cobertos pelas pálpebras das vítimas. Quando ele se aproximou, percebi que as pálpebras abriam e fechavam. Ele ficou do meu lado e as pálpebras piscavam para mim e pude ver que havia buracos em forma de olhos embaixo de cada uma. Os buracos mostravam as trevas e a luz fria das estrelas.
Afastei-me porque eu estava me lembrando dos olhos brilhantes de Itzpapalot. Eu não queria cair nesses olhos. Dessa vez se você me desse uma escolha, eu teria trocado a Mestre da Cidade pela coisa que estava na minha frente.
Depois do que eu tinha visto nas cenas dos crimes esperava sentir o mal que emanava dele, mas não havia nenhum mal. Só havia o poder, era como estar ao lado de uma bateria do tamanho do edifício Chrysler. A energia cantarolou na minha pele, mas era uma energia neutra. Nem boa, nem má, do mesmo jeito que uma arma não é nem boa, nem ruim, mas pode ser usada para propósitos malignos.
Olhei a linha do seu corpo e as línguas se moviam como se ainda tentassem gritar. Ele tirou o capacete e mostrou um rosto bonito e delgado que me fez lembrar de Bernardo, não a etnia pura asteca que eu esperava. Ele usava brincos turquesa em suas orelhas que combinavam com o verde azulado de seus olhos. Ele sorriu para mim parecendo ter vinte e poucos anos.
Eu podia sentir o peso de sua idade em seu olhar como um grande peso, como se apenas estar perto dele tornasse difícil respirar.
Ele estendeu a mão para tocar meu rosto e eu recuei. O movimento pareceu quebrar seu poder sobre mim. Eu podia me mover. Eu podia respirar. Eu podia pensar. Eu estava na ponta receptora do encanto mágico o suficiente para saber quando senti-lo. Ou você é um deus ou não é, e ele não era. E não era apenas pelo meu monoteísmo. Eu sentia a magia de monstros e bestas sobrenaturais de todos os tipos e sabia quando via um. O poder não faz de você uma divindade. Não sei exatamente o que faz, mas o poder não é isso. Faltava a centelha de divindade quando ele olhou para mim. Se ele fosse apenas outro monstro, talvez pudéssemos lidar com ele.
- Quem é você? - eu estava feliz pela minha voz estar confiante e normal.
- Eu sou o Consorte da Deusa de Sangue.
Ele olhou para mim com olhos paciente. Você diria que os anjos deveriam ter os olhos assim.
- A Deusa de Sangue é a frase asteca para sangue. O que significa que você é marido do sangue?
- Eu sou o corpo e ela é a vida.
Ele disse que como se respondesse a questão. Não respondeu.
Algo molhado e viscoso tocou minha mão. Eu me joguei para trás, mas as correntes não me deixaram ir muito longe. Um dos intestinos animado tocou a minha mão como uma minhoca obscena. Eu engoli um grito, mas não consegui evitar que meu pulso acelerasse. Ele riu de mim.
Era uma risada muito comum para um suposto deus, mas era muito condescendente e talvez seja desse modo que os deuses riam. Era uma condescendência peculiarmente masculina, há muito tempo fora de moda. O riso dizia: - Veja menina, você não sabe que eu sou um homem grande e forte, e você não sabe nada, e eu sei tudo. Ou talvez eu fosse muito sensível.
- Por que os intestinos? - eu perguntei.
O sorriso desvaneceu-se um pouco. Seu belo rosto parecia confuso.
- Você está zombando de mim?
O intestino foi para longe da minha mão como se eu o tivesse rejeitado. Por mim tudo bem.
- Não. Eu só queria saber por que os intestinos. Você pode, obviamente, animar qualquer parte do corpo. Você pode manter cada parte independente da decomposição como as peles que seus homens estão usando. Com tudo isso para escolher por que escolheu essa parte?
As pessoas adoram falar de si. Quanto maior o ego mais eles se divertem. Eu estava esperando que o Consorte da Deusa de Sangue fosse como os outros pelo menos em alguma coisa.
- Eu uso as raízes de seus corpos de modo que meus inimigos são cascas vazias e tenho tudo o que era deles.
Faça uma pergunta boba.
- Por que as línguas?
- Assim ninguém vai acreditar nas mentiras dos meus inimigos.
- Pálpebras?
- Vou abrir os olhos dos meus inimigos para que eles nunca mais possam fechar os olhos para a verdade.
Ele estava respondendo a perguntas tão bem que decidi tentar mais.
- Como você tira a pele das pessoas sem usar nenhum tipo de ferramenta?
- Tlaloci, meu sacerdote, chama a pele de seus corpos.
- Como? - eu perguntei.
- Ele usa o meu poder. - ele disse.
- Você não quer dizer o poder de Tlaloci?
Ele franziu a testa novamente.
- Todo o poder dele deriva de mim.
- Claro. - eu disse.
- Eu sou seu mestre. Ele deve tudo a mim.
- Parece que você deve a ele.
- Você não sabe o que está dizendo. -
Ele estava ficando irritado. Provavelmente não era o que eu queria. Tentei uma outra pergunta de forma mais educada.
- Por que os seios e os pênis?
- Para alimentar o meu favorito.
Ele não fez nada, mas de repente senti o ar se mover na caverna e era como se as sombras se abrissem como uma cortina revelando um túnel a cerca de trinta metros de onde eu estava. Alguma coisa rastejou para fora desse túnel. A primeira impressão era de um verde brilhante iridescente. As escalas mudavam de cor a cada volta da luz. Primeiro verde, azul, em seguida azul e verde de uma só vez, em seguida um branco pérola que eu pensei que deveria ter imaginado, até que ele virou a cabeça e piscou mostrando o baixo-ventre branco. As escamas verdes estavam mais para o azul e subiam para a cabeça até o focinho quadrado terminando em um claro azul do céu. Havia uma franja de penas delicadas em um arco-íris de cores em torno daquele cara. Ele se virou e olhou para mim abanando as penas em torno de sua cabeça em uma escala de visualização que teria deixado qualquer pavão com inveja. Seus olhos eram redondos e enormes, ocupando a maior parte de sua cara como os olhos de uma ave de rapina. Um par de asas delgadas estava dobradas ao longo de seu corpo e tinham as mesmas cores do arco-íris da franja, mas eu sabia, mesmo sem ver, que a parte inferior das asas seria branca. Ele avançou sobre as quatro patas, contando as asas, era um animal de seis pernas.
Era um Quetzalcoatl Draconus Giganticus, ou pelo menos era essa a classificação latina que eu conhecia. Às vezes, eles eram classificados como uma subespécie de dragões, ora como uma subespécie de gárgulas, e às vezes tinham o seu próprio grupo. Seja qual for à classificação, o Giganticus estava supostamente extinto. Os espanhóis haviam matado muitos deles para desanimar os nativos a quem eles eram sagrados, e porque era apenas a coisa européia a fazer. Ver um dragão e matá-lo. Não era uma filosofia complexa.
Eu só vi fotos em preto e branco e um deles empalhado no Museu de Chicago. As fotos não chegavam nem perto de fazer justiça, e o espécime empalhado, bem, talvez tenha sido um trabalho ruim de taxidermia.
Ele deslizou pela caverna em um rolo de cores brilhantes e músculos. Era literalmente uma das coisas mais bonitas que já vi. Provavelmente era ele que tinha eviscerado as pessoas. Ele abriu aquele focinho azul-céu e bocejou, mostrando fileiras de dentes serrilhados. O som de suas garras batia ruidosamente sobre o chão de pedra como um cão de pesadelo.
O Consorte da Deusa de Sangue colocou o capacete espanhol sobre a pedra perto de minhas pernas e foi cumprimentar a criatura que abaixou sua cabeça para ser acariciado, muito parecido como um cão.
Ele acariciou-o um pouco acima dos cumes dos olhos e a criatura fez um som baixo fechando os olhos de fendas. Ele estava ronronando.
Ele virou em um impulso lúdico contra um ombro musculoso e eu o vi desaparecer de volta pelo túnel como se não fosse real.
- Eu pensei que estavam extintos.
- Meu protegido nos ajudou a encontrar este lugar, então ele dormiu um sono mágico esperando para me acordar.
- Eu não sabia que os Quetzalcoatls podiam hibernar.
Ele franziu a testa novamente.
- Eu sei o que significa a palavra hibernar, mas foi um sono mágico feito pelo meu último sacerdote guerreiro. O sacerdote se sacrificou colocando todos nós em um sono encantado sabendo que não havia ninguém para ajudá-lo, e que ele morreria sozinho neste lugar estrangeiro muito antes que eu me levantasse.
Sono encantado, soava como a Bela Adormecida.
- Essa é a verdadeira lealdade, sacrificar-se pelo bem maior.
- Estou feliz que você concorde. Tornará as coisas muito mais fáceis.
Não gostei do som disso, talvez a bajulação não fosse o caminho a percorrer. Eu tentaria algo mais normal para mim como o sarcasmo e veria se isso me levava para longe da minha desgraça iminente.
- Eu não lhe devo qualquer lealdade. Não sou um de seus seguidores.
- Só porque você não entende. - ele disse, e aqueles olhos sorridentes olhavam para mim com um olhar de paz quase perfeita.
- Foi isso que Jim Jones disse pouco antes de dar a cada um o Kool-Aid.
- Eu não conheço esse Jim Jones. - Então ele virou a cabeça para um lado, e isso me lembrou Itzpapalotl quando ela ouvia vozes que eu não podia ouvir.
Percebi que era apenas uma maneira de acessar as memórias de outras pessoas.
- Ah, eu sei quem ele é agora. - Ele olhou para mim com aquela calma beatífica nos olhos. - Mas eu não sou louco. Eu sou um Deus.
Ele estava distraído, era como se fosse importante que eu acreditasse que ele era um deus. Se ele tentasse me convencer que era divino antes de me matar, então eu estaria segura. Ele poderia me matar, mas nunca me convenceria.
Ele franziu a testa.
- Você não acredita em mim.
Ele parecia surpreendido novamente. Percebi que mesmo com todo seu poder ele parecia jovem. A idade assolava nos olhos em seus braços como se você pudesse ver o início da criação, mas ele próprio parecia jovem. Ou talvez ele apenas não usasse as pessoas que não o adorassem. Se isso era tudo o que ele conhecia em sua existência inteira, então alguém não adorá-lo pode ser um choque.
- Eu sou um Deus. - ele repetiu, e sua voz tinha aquele tom condescendente novamente.
- É o que você diz. - Mas deixei a dúvida aparecer em minha voz.
A carranca se aprofundou e novamente me lembrei de uma criança emburrada.
Uma criança mimada fazendo beicinho.
- Você tem que acreditar que eu sou um deus. Eu sou o Consorte da Deusa de Sangue. Eu sou o corpo que vai se vingar daqueles que destruíram meu povo.
- Quer dizer os conquistadores espanhóis?
- Sim.
- Não existem muitos conquistadores no Novo México. - eu disse.
- O sangue ainda corre nas veias dos filhos de seus filhos.
- Sem querer ofender, mas você não ganhou esses olhos azuis turquesa de ninguém do seu povo.
Ele franziu a testa de novo e pequenas linhas se formaram entre os olhos. Se continuasse a falar comigo ganharia linhas de expressão.
- Eu sou um deus criado pelas lágrimas do meu povo. Sou o poder que resta dos astecas, e sou a carne mágica feita pelos espanhóis. Nós usaremos seu próprio poder para destruí-los.
- Não é um pouco tarde para destruí-los? Cerca de quinhentos anos tarde demais?
- Deuses não contam o tempo como os homens.
Eu acreditava que ele acreditava no que estava dizendo, mas eu também achava que ele estava racionalizando. Ele teria chutado a bunda dos espanhóis à quinhentos anos atrás se fosse capaz.
Talvez isso tenha aparecido na minha cara porque ele disse:
- Eu era um deus novo e não tinha a força para derrotar nossos inimigos, por isso Quetzalcoatl me trouxe aqui para esperar até que eu me tornasse forte o suficiente para o nosso propósito. Estou pronto para levar o meu exército adiante agora.
- Então você está dizendo que teve quinhentos anos para passar de um Deus pequeno para um grande e mau, a sopa precisa ferver por um longo tempo antes que realmente se torne uma sopa?
Ele riu.
- Você acha muito estranho. Estou triste que morrerá logo. Eu a faria a primeira das minhas concubinas e a mãe dos deuses para as crianças nascidas de feiticeiros, isso seria ótimo, mas infelizmente não tenho necessidade de sua vida.
E novamente estávamos falando sobre a minha morte, e eu não queria estar lá. Seu ego parecia muito frágil para uma divindade. Eu veria o quanto.
- Sem ofensa, mas a oferta não parece muito atraente.
Ele sorriu para mim arrastando os dedos ao longo do meu braço.
- Tirar a sua vida não é uma oferta, é um fato.
Eu dei o meu melhor olhar inocente.
- Eu pensei que estava me oferecendo para ser a sua concubina, a mãe dos deuses?
Ele franziu mais a testa.
- Eu não lhe ofereci uma chance de ser minha concubina.
- Oh. - eu disse. - Desculpe, foi o que eu entendi.
Seus dedos ainda estavam tocando meu braço, mas ele os retirou como se tivesse esquecido que estava me tocando.
- Você recusaria partilhar minha cama? - Ele parecia realmente perplexo. Ótimo.
- Sim. - eu disse.
- Você está protegendo a sua virtude?
- Não, é apenas a sua oferta que não me agrada.
Ele realmente estava tendo problemas com o conceito que eu não o achava atraente. Passou os dedos pelo meu braço nu levemente, eu apenas olhei para ele. Eu estava olhando para os seus olhos porque se olhasse para qualquer outro lugar veria partes de corpos se mexendo por conta própria. É difícil ser durona quando você começa a gritar. Ele tocou o meu rosto e eu deixei. Seus dedos passaram pelo meu rosto delicadamente, seus olhos já não pareciam pacíficos. Não, definitivamente ele estava perturbado.
Ele se inclinou para mim como se fosse me beijar e as pestanas em seus braços vibraram como beijos de borboleta ao longo do meu corpo. Eu dei um gritinho.
Ele recuou.
- O que foi?
- Oh, eu não sei. Pálpebras tremulando contra a minha pele, intestinos que se contorcem como serpentes em torno de sua cintura, o colar de línguas tentando me lamber. Escolha uma.
- Mas isso não deve importar. - ele disse. - Vocês deve ver como sou bonito, desejável.
Fiz o melhor que pude ao dar de ombros com minhas mãos acorrentadas.
- Desculpe, mas não posso esquecer o que você está usando.
- Tlaloci. - ele disse.
O homem de shorts veio para frente e caiu de joelhos diante dele.
- Sim, meu senhor.
- Por que ela não me vê como algo maravilhoso?
- Aparentemente a aura de sua divindade não funciona com ela.
- Por que não? - havia raiva em sua voz agora.
- Eu não sei, meu Senhor.
- Você disse que ela poderia substituir Nicky Baco. Você disse que ela era uma nauhuli como ele. Você disse que ela tinha sido tocada pela minha magia, e era o cheiro da minha magia que levou Quetzalcoatl até ela. Más ela está sob o toque das minhas mãos e não sente nada por mim. Isso não é possível se estou passando a minha magia para ela.
Não era a sua magia, mas eu não disse em voz alta. E se fosse o poder de Itzpapalotl? O poder dele quase me matou a distância, rugiu sobre minha mente e eu não tinha sido capaz de detê-lo. Agora ele estava me tocando e evidentemente tentaria coisas sobre mim, e não estava funcionando. A única coisa que mudou foi o poder de Itzpapalotl que me encheu por algum tempo. Faria diferença?
Tlaloci ficou de pé com a cabeça curvada.
- Deve haver alguma magia poderosa aqui, meu Senhor. Primeiro Nicky Baco está perdido para nós, e agora isso está fechado à sua visão.
- Ela deve estar aberta ao meu poder ou não poderá ser o sacrifício perfeito. - disse o Consorte da Deusa de Sangue.
- Eu sei meu Senhor.
- Você é o mago, Tlaloci. Como posso desfazer essa magia?
Vários minutos se passaram enquanto ele pensava. Eu apenas fiquei parada tentando não chamar sua atenção para mim.
Finalmente Tlaloci olhou para cima.
- Para acreditar na sua visão ela deve acreditar em você.
- Como faço para convencê-la a acreditar que sou um deus, se ela não pode sentir meu poder?
Era uma boa pergunta e esperei pacientemente que Tlaloci respondesse. Ramirez estava vindo. Eu tinha que acreditar nisso porque as minhas opções eram limitadas a menos que eu descobrisse uma maneira de levá-los a me soltar.
Eu podia sentir a caneta ainda no meu bolso com sua lâmina escondida. Eu estava armada, se conseguisse soltar minhas mãos o aço poderia machucá-lo. Claro, havia os quatro ajudantes e Tlaloci, e um pequeno exército de esfolados. Assim mesmo se o deus pudesse morrer, eu poderia fazer algo sobre todos os outros. Eles provavelmente ficariam chateados se eu matasse seu Deus. Eu só não sabia como sair desta.
Se Ramirez não chegasse logo com a cavalaria, eu estaria na merda. Edward não estava lá fora olhando por mim neste momento. Pela primeira vez desde que acordei eu me perguntei se ele estava vivo. Por favor, Deus, deixe-o estar vivo. Mas vivo ou não, Edward estava fora do jogo esta noite. Admito que eu precisava de ajuda e a única esperança que eu poderia contar era com Ramirez e à polícia. Ele chegou atrasado no hospital. Se atrasasse esta noite, eu provavelmente não estaria viva para reclamar.
Tlaloci fez sinal para o seu deus segui-lo um pouco longe de mim. Acho que estavam sussurrando coisas que não queriam que eu soubesse. Que importância tinha se eu ouvisse ou não? O que eles poderiam eventualmente falar que era necessário esconder de mim? Eles alegremente disseram que iam me matar. Não era como se estivessem tentando proteger meus sentimentos. Então, o que estava acontecendo?
O Consorte da Deusa de Sangue tirou o colar de línguas e entregou-o ao sacerdote. Ele tirou a couraça de aço e a pele das vítimas e entregou a ele. Ele tirou a saia de intestinos e outro rapaz correu para pegá-lo. O "Deus" nunca pediu para ajudá-lo, era apenas uma espécie de princípio de que alguém estaria lá para ajudar. Ele era quase perfeitamente arrogante, mas seu ego era frágil, uma arrogância que nunca tinha sido testada no mundo exterior. Ele era como aquelas princesas de contos de fadas que tinha sido levadas para uma torre de marfim com apenas algumas pessoas para lhes dizer como eram bonitos, como eram inteligentes, como eram bons até a bruxa chegar e lançar sua maldição. Talvez eu pudesse ser a bruxa, mas sinceramente eu não conhecia nenhuma maldição se ele me mordesse na bunda. Talvez eu pudesse ser o príncipe que o levava embora. Nesse ponto eu não era exigente.
O "Deus" estava usando uma maxilatl como todos no Borboleta Obsidiana usavam, mas este era preto com uma franja pesada de fios dourados pendurados na frente. Ele usava sandálias pretas e turquesa que estranhamente eu não tinha notado enquanto ele estava com todas as partes dos corpos decepados. Engraçado como você não se concentra nos pequenos detalhes quando está com medo.
Ele caminhou em minha direção mostrando confiança em cada passo. O maxilatl deixava aparecer a parte inferior do corpo nu nas laterais. Era uma coxa bonita, mas você sabe o que dizem. A beleza não é tudo.
- Assim está melhor? - ele perguntou com a voz leve quase provocante, seus olhos estavam pacíficos de novo como se as coisas sempre fossem do seu jeito e ele não visse por que deveria ser diferente. Itzpapalotl era arrogante, mas não pacífica.
- Muito melhor. - eu disse.
Pensei em comentar o quanto eu gostava de ver homens nus, mas não quis levá-lo a tal ponto, obviamente se usasse um tom sexual não teria outras opções.
Ele ficou ao meu lado novamente. As pálpebras ainda estavam em seus braços piscando para mim como vaga-lumes aleatórios e alienígenas.
- É uma grande melhora. - eu disse. - Você não pode fazer nada sobre os olhos em seus braços, pode?
Ele franziu a testa novamente.
- Eles são partes de mim.
- Entendo. - disse eu.
- Mas não precisa ter medo delas.
- Se você diz...
- Eu quero que você me conheça, Anita.
Era a primeira vez que ele usava o meu nome. Eu não tinha pensado que ele sabia até então. Claro, Paulina sabia quem eu era.
O Consorte da Deusa de Sangue pegou meu pulso direito e soltou o pequeno pedaço de metal que matinha a algema fechada.
O homem de pele que ainda estava de pé do outro lado da pedra deu um passo à frente com a mão sobre a faca em seu cinto. Eu congelei, não tinha certeza se poderia realmente ficar com as mãos livres.
O "Deus" levantou a mão livre e colocou os lábios na parte de trás da minha mão.
- Viu só, você não tem nada a temer. - Levei um segundo para descobrir que ele estava falando dos olhos em seus braços. Fiquei aliviada ao perceber ele não quis dizer nada abaixo da cintura. Eu não queria tocar aqueles olhos, eu não queria tocar em nada que tivesse sido tirado de um corpo morto, principalmente enquanto a pessoa ainda estava viva.
Ele segurou meu pulso e tentou levar a minha mão sobre seu braço, mas eu mantive o punho apertado.
- Toque neles, Anita, delicadamente. Eles não vão machucá-la.
Ele começou a erguer os dedos abertos e eu não podia lutar com ele. Eu poderia resistir mais, talvez ele me quebrasse um dedo ou dois para me convencer, mas no final eu perderia essa luta, então apenas deixei a minha mão aberta. Eu não queria nada quebrado se pudesse evitar.
Ele guiou minha mão um pouco acima do braço e as pálpebras vibraram sobre o meu toque. Eu pulava cada vez que um deles piscava, mas as pálpebras se moviam contra minha pele como beijos de borboleta, não eram tão terríveis assim. Elas se abriram por completo como se houvesse um olho trás de cada um, mas não havia. Eu já tinha visto isso.
- O que tem dentro deles? - eu perguntei.
- Tudo. - ele disse, e isso não me disse nada. - Explore-os, Anita.
Ele pressionou um dos meus dedos na borda de um olho, então me pediu para colocar o dedo dentro dele.
Eu empurrei meu dedo e aparentemente estava vazio, havia uma resistência como empurrar contra algo fino e carnudo, então meu dedo entrou e pude tocar o que estava dentro. Era quente, um calor que fluía através da minha mão, do meu braço e se espalhava como um cobertor sobre meu corpo. Eu me senti segura e acolhida. Olhei para ele e me perguntei: Por que não tinha visto isso antes? Ele era tão bonito, tão amável, tão... Meu dedo estava frio, tão frio que doía. Era uma dor pungente que começa um pouco antes de perder toda a sensação no membro e acaba como queimadura sobre seu corpo, e você cai nesse delicado último sono para nunca mais acordar.
Eu puxei minha mão para trás e pisquei com um suspiro.
- O que está errado? - ele perguntou e inclinou-se sobre mim, tocando meu rosto.
Eu me afastei empurrando minhas mãos contra seu peito olhando para ele com medo.
- Você está frio lá dentro.
Ele foi para trás mostrando surpresa em seu rosto.
- Você deve se sentir segura, acolhida. - Ele se inclinou sobre mim, tentando me fazer olhar para seus olhos.
Eu balancei a cabeça sentindo a circulação voltar ao meu dedo depois do congelamento. A dor latejante me ajudou a evitar o seu olhar.
- Eu não estou segura. - eu disse - e não estou quente.
Olhei para longe dele, o que me deixou olhando para um dos homens vestido com as peles humanas, mas na verdade era melhor do que olhar para o seu "Deus". O toque de Itzpapalotl tinha me ajudando, mas tinha limites. Se eu caísse em seus olhos, ou onde quer que fosse, eles poderiam me matar e eu aceitaria de boa vontade.
- Você está tornando isso difícil, Anita.
Mantive o olhar na parede distante.
- Lamento por estar estragando a sua noite.
Ele acariciou a curva do meu rosto, eu me encolhi como se tivesse me machucado. Eu pensava que estava tentando atrasar a minha morte, agora percebi que estava tentando atrasar cair em seu poder. Eles me matariam depois disso, mas eu estaria morta antes que a faca caísse. Paulina estava ansiosa para agradar esse deus?!
Para o seu próprio bem eu esperava que sim. Para o meu, eu não tinha tanta certeza.
- Eu quero que você acredite que sua morte será para um grande propósito.
- Desculpe, essa não dá para engolir.
Eu quase podia sentir sua perplexidade como um traço de energia ao longo da minha pele. Eu já senti raiva, luxúria e o medo de vampiros e metamorfos, mas nunca senti antes essa perplexidade. Eu não tinha sentido as suas emoções antes de tocar aquele olho maldito. Ele estava me sugando, um pedaço de cada vez.
Ele agarrou a minha mão.
- Não! - eu disse entre os dentes.
Ele poderia quebrar meus dedos neste momento, mas eu não o tocaria novamente. Eu não poderia cooperar com ele, nem mesmo para ganhar tempo. Eu tinha que começar a lutar agora ou não haveria mais nada de mim. Já tive vampiros invadindo a minha mente antes, mas nunca senti nada parecido com isso. Uma vez que ele entrasse na minha mente eu não tinha certeza se poderia tirá-lo. Havia várias maneiras de morrer, ser morta é apenas um dos mais óbvios. Se ele invadisse a minha mente e não sobrasse mais nada de quem eu era, então eu estaria morta ou gostaria de estar.
Flexionei meu braço prendendo-o contra o meu peito, esticando os músculos para mantê-lo lá. Ele ergueu o punho e toda a parte superior do meu corpo com ele, mas eu segurei o braço, os dedos fechados em punho.
- Não me faça machucar você, Anita.
- Eu não estou fazendo nada. Faça o que fizer, a escolha é sua, não minha.
Ele me colocou de volta para baixo suavemente.
- Eu poderia esmagar a sua mão. - Isso soou como uma ameaça, mas sua voz ainda era delicada.
- Eu não vou tocar em você de novo, não assim, não voluntariamente.
- Coloque sua mão sobre o meu peito acima do meu coração. Isso não é uma coisa difícil, Anita.
- Não.
- Você é uma mulher muito teimosa.
- Você não é o primeiro a dizer isso.
- Não vou forçá-la.
O homem com a pele avançou esperando ordens de seu "deus". Ele pegou uma lâmina de obsidiana e se curvou sobre mim. Eu fiquei tensa, mas não disse nada. Eu não poderia tocá-lo de novo e prometer que sairia do outro lado. Se ia morrer de qualquer maneira, morreria inteira, não possuída por algum candidato a deus.
Mas o homem não me apunhalou, enfiou a ponta da lâmina no ombro do colete. O Kevlar foi feito para impedir uma facada, mas não era uma coisa fácil de cortar, especialmente com uma faca de pedra. Sua mão ia para frente e para trás como se estivesse serrando. Olhei por cima dele para a parede mais distante, mas minha visão periférica não conseguia se livrar da imagem da mão cortando o colete. Finalmente olhei para o teto, mas havia apenas a escuridão. É difícil olhar para a escuridão quando não há outras coisas para olhar, mas eu tentei.
Quase perguntei se eles sabiam o que era velcro, mas não disse nada. Levaria algum tempo para cortar o colete com uma lâmina de obsidiana. Inferno, eu não poderia fazer mais nada para atrasá-los, seria de manhã quando a faca atravessasse o material. Infelizmente eu não era a única a perceber isso.
O homem vestido de pele colocou a lâmina de volta em sua bainha e puxou uma segunda faca de suas costas do mesmo jeito que você carrega uma arma a mais. Quando ele a levantou, vi o brilho do aço. Com ou sem aço ele cortaria o colete muito mais rápido do que a obsidiana.
Ele colocou a ponta sob a costura do ombro do colete. Eu finalmente tive que dizer alguma coisa.
- Você planeja cortar meu coração?
- Seu coração vai permanecer no seu peito, onde ele pertence. - disse o Deus.
- Então por que você quer arrancar o colete? - Finalmente virei à cabeça e olhei para ele, embora não para seus olhos.
- Se você não vai tocar meu peito com a mão, existem outras partes do seu corpo que podem servir. - ele disse.
Foi quase o suficiente para me fazer dar a mão, quase. Eu não confiava no que ele poderia considerar outras partes do meu corpo, mas levaria algum tempo para tirar o colete, e se eu desse a mão não demoraria nada. Eu precisava de tempo.
O colete saiu mais rápido do que pensei, ele não foi projetado para resistir a uma lâmina serrilhada. Puxaram a parte de cima do meu peito.
O Consorte da Deusa de Sangue se aproximou novamente, ele se ajoelhou olhando para baixo e não estava olhando para o meu rosto, traçou o contorno do meu sutiã com a ponta do dedo. Oh, o toque era tão leve ao longo de minha pele.
- O que é isso? - Ele passava o dedo sob o sutiã para frente e para trás.
- Um sutiã. - eu disse.
Ele passou o dedo no laço preto da lingerie.
- Tantas coisas novas para aprender.
- Que bom que você gosta. - eu disse.
Ele não entendeu o sarcasmo, talvez fosse imune a isso. Ele fez o que eu pensei que faria, subiu em cima de mim, mas não se ajoelhou. Ele escorregou até que seu tórax tocasse o meu. Com a nossa diferença de estatura, isso colocava sua virilha com segurança abaixo da minha. Portanto, não era estupro o que estávamos fazendo. Talvez eu tenha me preocupado muito com isso, mas de alguma forma saber que não era nada sexual me assustou mais. Havia coisas piores que ele poderia tirar de mim além do sexo, como a minha mente.
Seu peito estava pressionado contra o meu, suave, quente, muito humano. Nada de ruim aconteceu. Engraçado que isso não abrandou o ritmo frenético do meu coração ou me fez olhar para ele
- Você sentiu isso? - ele perguntou.
Eu simplesmente continuei olhando para a parede oposta da caverna.
- Não sei o que você quer dizer.
Seu peito pressionou o meu com mais força.
- Você sente meu coração batendo?
Não era a pergunta que eu esperava, então realmente pensei sobre isso. Tentei sentir a resposta de seu coração batendo contra o meu, mas tudo que podia sentir era o meu próprio pulso em pânico.
- Desculpe, tudo o que posso sentir é o meu.
- E esse é o problema. - ele disse.
Na verdade olhei para ele, tive um breve vislumbre do seu rosto inclinado sobre o meu, e um vislumbre de seus surpreendentes olhos azul-esverdeados. Olhei para a parede.
- O que você quer dizer?
- Meu coração não bate.
Tentei sentir seu coração, em seguida tentei sentir o pulso de sua vida através da carne quente do seu peito. Concentrei-me tanto que diminuí o ritmo do meu próprio coração. Você não está sempre consciente do bater do coração de um homem contra seu corpo, mas quando estão peito a peito normalmente você sente.
Mexi a minha mão livre lentamente na direção dele. Ele levantou apoiando-se com as mãos para que eu pudesse pressionar a mão contra seu peito.
Sua pele era quente e suave, quase perfeita, mas nada batia. Ou ele não tinha coração ou não estava batendo.
- Eu sou apenas o corpo. A Deusa de Sangue não vive em mim. Meu coração não é um sacrifício sem o seu toque.
Isso me fez olhar para ele. Olhei em seus olhos pacíficos.
- Sacrifício? Você vai se sacrificar?
Seus olhos ficaram delicados e esperançosos.
- Eu vou ser um sacrifício para os deuses criadores. Eles precisam se alimentar do sangue de um deus como fizeram no início dos tempos.
Tentei ler alguma coisa naquele rosto bonito. Alguma dúvida, algum medo, não havia nada que eu pudesse entender.
- Você vai deixar seu sacerdote te matar?
- Sim, mas vou renascer.
- Tem certeza disso? - eu perguntei.
- Meu coração será forte o suficiente para bater fora do meu corpo, e quando o colocarem novamente dentro de mim, os velhos deuses retornarão do exílio que o Cristo branco os lançou.
Seu rosto, mais do que as suas palavras, dizia que ele acreditava. Eu tinha lido o suficiente da conquista do México pelos espanhóis para duvidar que Cristo tivesse muito a ver com isso, não importa quantas coisas tenham sido feitas em seu nome.
- Não culpe Jesus Cristo pelo que os espanhóis fizeram ao seu povo. Nosso Deus nos deu o livre arbítrio, e isso significa que podemos escolher o mal. Eu acredito que foi o que aconteceu aos homens que conquistaram o seu povo.
Ele olhou para mim e parecia confuso novamente.
- Você acredita nisso, eu posso sentir que você acredita.
- Com todo o meu coração. - eu disse. - Sem trocadilhos.
Ele sentou sobre a minha cintura.
- A maioria das pessoas que aceitaram ser uma oferenda não acreditava em muita coisa. Os que tinham fé, não acreditavam em seu Cristo branco. - ele tocou meu rosto. - Mas você acredita.
- Sim. - eu disse.
- Como pode acreditar em um Deus que permite que você seja trazida para esse lugar e sacrificada para um deus estranho?
- Se você só acredita quando é fácil, então você realmente não acredita.
- Não é irônico que você, uma seguidora do Deus que nos destruiu, seja a pessoa que me permitirá ter o poder? Quando eu tomar a sua essência serei forte o suficiente para tornar o líquido precioso, e serei livre deste lugar do passado.
- O que você quer dizer com tomar a minha essência?
Eu não estava sentindo medo porque estávamos conversando há algum tempo, ou talvez apenas não pudesse sustentar o medo por muito tempo. Eventualmente se você não me matar ou me machucar, eu paro de ter medo.
- Vou beijá-la, mas você se tornará mais clara e seca como o milho maduro. Você vai me alimentar como o milho alimenta os homens.
Ele começou a deitar do meu lado direito, perto da minha mão livre. De repente eu estava com medo de novo. Eu esperava estar errada, mas tinha certeza que já tinha visto o que ele queria fazer comigo no Borboleta Obsidiana.
- Quer dizer que você vai sugar a minha vida e eu vou parecer uma múmia seca?
Ele passou um dedo na minha bochecha, os olhos tristes agora, arrependido.
- Eu vou te machucar muito e lamento por isso, mas até mesmo a sua dor vai me fortalecer.
Ele inclinou seu rosto no meu, eu tinha uma mão livre e a caneta com a faca no meu bolso, mas se eu a pegasse muito cedo e não conseguisse, ficaria sem opções.
Onde diabos estava Ramirez?
- Você vai me torturar. Ótimo. - eu disse.
Ele se afastou de mim um pouco.
- Não é tortura. É a maneira que todos os meus sacerdotes esperam para o meu despertar.
- Quem trouxe seus sacerdotes de volta? - eu perguntei.
- Eu acordei Tlaloci, mas estava fraco e não tinha mais sangue para dar aos outros. Então antes que pudéssemos levantar os outros, o homem que você chama de Riker perturbou nosso lugar de descanso. - Ele olhou para o espaço como se pudesse vê-lo novamente.
- Ele encontrou o que você chama das múmias dos meus sacerdotes. Muitos foram dilacerados por seus homens em busca de jóias dentro deles. - A raiva escureceu seu rosto, roubando a tranquilidade de seus olhos. - Quetzalcoatl ainda não tinha despertado ou nós teríamos matado todos eles. Eles pegaram as coisas que pertenciam a meus sacerdotes. Eles me obrigaram a encontrar uma maneira diferente de trazê-los de volta a vida.
- As peles. - eu disse.
Ele olhou para mim.
- Sim, existem maneiras de trazê-las a vida.
- Então você caçou as pessoas que profanaram o seu lugar... de descanso e as pessoas que compraram as coisas que pertenciam a seu povo.
- Sim. - ele disse.
Acho que de um certo ponto de vista era justo. Se você não tem capacidade de sentir compaixão, então era um bom plano.
- Você matou e levou os órgãos das pessoas dotadas. - eu disse.
- Dotadas? - ele fez uma pergunta.
- As bruxas, brujos.
- Ah sim, eu não queria deixá-los vivos para nos caçar antes que eu recuperasse o meu poder. - Ele estava tocando o meu rosto, acariciando. Acho que ele estava perto de me dar o "beijo".
- O que exatamente vai acontecer quando você conseguir o poder? - eu perguntei. Enquanto pudesse mantê-lo falando ele não me mataria. Eu poderia pensar em várias perguntas a noite toda.
- Serei mortal e imortal.
Arregalei os olhos para ele.
- Como assim "mortal"?
- Seu sangue me fará mortal. Sua essência me fará imortal.
Eu fiz uma careta.
- Eu não entendo o que você quer dizer.
Ele pegou meu rosto em concha com suas mãos como um amante.
- Como você poderia compreender as coisas dos deuses.
Ele estendeu a mão e um de seus homens lhe entregou uma longa agulha de ossos. Talvez eu não soubesse o que ele faria.
- O que é isso?
Ele segurou a agulha, talvez quatro centímetros de comprimento, girando-a lentamente entre os dedos.
- Vou furar o lóbulo da sua orelha e beber seu sangue. Vai ser uma dor pequena.
- Você continua dizendo que quer que eu acredite em você, mas você é o único que nunca parece estar com dor. Seus sacerdotes, as pessoas que roubaram de você, todos os sacrifícios, todo mundo se machuca, menos você.
Ele se apoiou em um cotovelo, seu corpo confortavelmente contra o meu.
- Se minha dor convencê-la da minha sinceridade, que assim seja.
Ele espetou a agulha no dedo profundamente, o suficiente para tocar o osso. Ele mexeu a agulha lentamente machucando tanto quanto podia. Esperei que o sangue viesse à superfície, mas isso não aconteceu. Ele segurou o dedo para que eu pudesse ver o buraco que a agulha tinha deixado, mas o buraco estava vazio, sem sangue. Enquanto eu olhava, a ferida se fechou, a faca não me ajudaria, não contra ele.
- A minha dor torna a sua dor menor? - ele perguntou.
- Vou deixar que você descubra. - eu disse.
Ele sorriu, paciente e amável, e começou a mover a agulha para a minha orelha esquerda. Eu poderia ter lutado com a mão livre, mas se tudo o que ele faria era furar a minha orelha como eu tinha visto na boate, então ele poderia fazer isso. Eu não gostava da idéia, mas não lutaria. Se eu lutasse agora eles poderiam prender a minha mão novamente. Eu queria a mão livre mais do que queria impedi-lo de chupar minha orelha.
A verdade é que não gosto de agulhas, seringas ou médicos, nenhum deles. Tenho fobia dessas pequenas coisas no meu corpo. Facas não parecem me incomodar, mas agulhas sim. Vai entender. Era uma fobia. Para que eu não lutasse tive que fechar meus olhos porque caso contrário teria lutado. Eu apenas não poderia evitar.
A dor era forte e imediata. Abrir os olhos observando seu rosto inclinar-se sobre mim. Por um segundo pensei que tinha estragado tudo, pensei que ele estava indo direto para o beijo, então sua boca passou pela minha boca. Ele virou meu rosto para a direita delicadamente expondo a orelha e a linha do meu pescoço. Isso me lembrava dos vampiros, só que essa boca lambia minha orelha em movimentos rápidos. Ele deu um pequeno suspiro quando engoliu a primeira gota de sangue, então sua boca se fechou sobre minha orelha, a boca trabalhando na ferida, a língua lambendo o sangue. Ele apertou seu corpo no meu, uma mão passando da minha cabeça para o resto do meu corpo. Talvez fosse apenas pelo sangue, mas eu nunca acariciei o meu bife enquanto o comia.
A linha de sua mandíbula pressionava meu rosto, eu podia sentir sua boca se movendo enquanto ele engolia. Eu já doei sangue para vampiros sem estar sob seu feitiço, por isso senti dor. Dessa vez não doeu tanto, era mais como um amante zeloso com um fetiche de orelha. Perturbador, mas não era realmente doloroso. Sua mão passou do meu rosto para dentro do meu sutiã. Disso eu não gostei.
- Pensei que você disse que não estava oferecendo sexo.
Ele tirou a mão e voltou sua atenção para minha orelha. Seus olhos estavam arregalados e sem foco mostrando o fulgor de turquesa como os olhos de qualquer vampiro quando sua sede de sangue é muito grande.
- Perdoe-me. - ele disse. - Passou-se muito tempo desde que senti a vida no meu corpo.
Entendi o que ele queria dizer, mas essa noite eu faria todas as perguntas que pudesse. Qualquer coisa para mantê-lo falando.
- O que você quer dizer?
Ele riu e rolou de lado para sustentar a si mesmo em seu cotovelo. Ele espetou a agulha no dedo e engasgou, o sangue brotou da ferida, um sangue carmesim. Ele riu novamente.
- Seu sangue corre no meu corpo e sou mortal mais uma vez, com todos os apetites de um homem mortal.
- Você precisa de sangue para ter pressão arterial. - eu disse. - Você está tendo a sua primeira ereção em séculos.
Ele olhou para mim com olhos baços.
- Você poderia tê-lo.
Ele pressionou seu corpo contra o meu e pude sentir seu membro pressionado contra o meu jeans ansioso e pronto.
Comecei a dizer o meu "NÃO" de costume, mas depois parei. Minhas escolhas estavam entre ser estuprada ou ser morta, ou acreditar que a ajuda estava a caminho. Pensei sobre o assunto e realmente não sei o que teria dito por que outro homem vestido de pele correu para nós onde os esfolados esperavam em silêncio.
Ouvi seus passos e me virei para vê-lo forçar seu caminho através dos esfolado. Ele caiu de joelhos na frente do Consorte da Deusa de Sangue.
- Meu senhor, desconhecidos armados estão se aproximando. O pequeno bruxo está com eles.
O Consorte da Deusa de Sangue olhou para ele.
- Mate-os, assim que eu tiver o poder será tarde demais.
Os homens vestidos com as peles pegaram suas armas e saíram correndo. Virei à cabeça para ver os esfolado correndo atrás deles, deixado apenas Tlaloci. Agora éramos apenas nós três. Ramirez estava chegando, a polícia estava chegando. Certamente eu poderia atrasá-lo mais alguns minutos.
Dedos tocaram meu rosto me fazendo olhar para ele.
- Você poderia ter sido a minha amante em séculos, mas não há mais tempo. - Ele começou a aproximar seu rosto do meu. - Sinto que devo levá-la como um sacrifício porque você não quer machucar a mim ou aos meus.
Enfiei a mão no bolso fechando os dedos na caneta. Virei à cabeça para o lado para que ele não pudesse me beijar e para saber onde Tlaloci estava. Ele tinha voltado para o altar. Ele tinha jogado o corpo de Paulina para um lado como se fosse lixo e limpando o altar para a morte de seu deus.
O Consorte da Deusa de Sangue acariciou meu rosto tentando virar suavemente para ele. Ele sussurrou com o hálito quente contra meu rosto.
- Vou usar o seu coração sobre o colar de línguas para que todos os meus seguidores se lembrem do seu sacrifício por toda a eternidade.
- Isso é muito romântico. - eu disse e comecei a tirar a caneta do bolso.
- Vire-se para mim Anita, não me faça te machucar.
Seus dedos se fecharam no meu queixo e ele começou a virar meu rosto lentamente em sua direção. Senti a sua força e sabia que ele poderia esmagar minha mandíbula com apenas um movimento. Eu não poderia impedi-lo, eu não poderia pará-lo, mas eu tinha a caneta na mão agora. Eu estava com o dedo no botão que liberaria a lâmina. Eu só tinha que me certificar que estava sobre o seu coração.
Tiros soaram do lado de fora da caverna e parecia estar perto como se a entrada não estivesse muito longe. Depois ouvi um som como um rugido e sabia o que era porque já tinha ouvido antes. A polícia tinha trazido lança-chamas ou encontrado algum Guarda Nacional para participar da festa. Gostaria de saber de quem tinha sido a idéia. Era uma boa proposta, eu esperava que todos queimassem.
Olhei para ele, seus dedos ainda estavam segurando meu rosto.
- Será que o seu coração realmente bate por mim? - eu perguntei.
- Meu coração bate, o sangue corre nesse corpo. Você me deu a vida e agora vai me dar a imortalidade.
Ele inclinou-se sobre mim como o Príncipe Encantado que com um beijo tornaria tudo certo de novo. Sua boca pairou a uma polegada acima da minha. A lembrança do corpo de Seth seco e morto era muito viva. Peguei a caneta às pressas e posicionei acima de seu coração. Ele se afastou um pouco, os olhos questionando. Apertei o botão e levei a lâmina ao seu coração.
Seus olhos se arregalaram.
- O que você fez?
- Você é apenas outro tipo de vampiro. E eu mato vampiros.
Ele rolou na pedra e caiu no chão estendendo a mão para Tlaloci. O sacerdote correu para ele. Eu não esperei para ver se havia uma cura para o seu "deus". Liberei a mão esquerda e soltei meus tornozelos.
O sacerdote correu para ele chorando.
- Não, não, não! - Ele apertou as mãos em volta da ferida tentando parar o sangramento. Seu "deus" estava tendo convulsões no chão.
Quando me libertei rolei para o outro lado da pedra. Chame de palpite, mas eu apostava que Tlaloci estava chateado comigo.
Ele levantou-se com as mãos manchadas de sangue. Nunca vi ninguém com o olhar tão horrorizado, tão desolado como se eu tivesse destruído o seu mundo. E talvez eu tenha.
Ele não disse uma palavra, apenas pegou a lâmina de obsidiana em sua cintura e veio atrás de mim, mas a pedra onde eu tinha sido acorrentada era do tamanho de uma grande mesa de jantar e estava entre nós. Mantive a distância e ele não conseguiu me pegar. O tiroteio estava se aproximando. Ele deve ter ouvido também porque de repente rolou sobre a pedra para me cortar com a faca. Fugi da pedra para um espaço aberto, era o que eu queria. Virei e olhei para ele. Tlaloci veio para mim com a faca firme entre as mãos como se soubesse o que estava fazendo. Eu tinha deixado a minha faca no peito de seu mestre. Mantive-me fora de alcance sem ter muito que fazer. Pensei em uma coisa e gritei:
- Ramirez!
Tlaloci se apressou, senti a corrente de ar quando a lâmina passou perto do meu corpo. Ouvi gritos nas escadas, o som de luta a curta distância. Tlaloci me atacava com um louco, tudo o que eu podia fazer era manter distância tentando ficar fora de alcance. Eu estava sangrando em ambos os braços e com um corte no peito quando percebi que ele tinha me encurralado no altar.
Tropecei no corpo de Paulina enquanto olhava para ele, seu corpo estava preso sob as minhas pernas.
Ele agarrou meu tornozelo prendendo meu pé contra seu corpo. Olhamos um para o outro e vi a minha morte em seu rosto. Ele tinha a minha perna esquerda imobilizada, mas a direita ainda estava no chão. Apoiei-me como pude, puxei a minha perna direita e chutei a sua rótula com tudo o que eu tinha. Eu vi sua rótula lateralmente deslocada. Sua perna se desintegrou, ele gritou de dor, mas a lâmina continuava se aproximando.
A cabeça de Tlaloci explodiu em uma chuva de pedaços de cérebro e ossos. Seu corpo caiu para um lado, a lâmina de obsidiana raspando o piso de pedra.
Olhei em torno da caverna e vi Olaf de pé nos degraus de pedra, ele ainda estava de pé na sua posição de tiro, com a arma apontada onde o sacerdote estava. Ele piscou e vi a concentração deixar seu rosto, vi algo perto de uma emoção humana em seus olhos. Ele começou a andar em minha direção com a arma de lado, sua outra mão segurava uma faca cheia de sangue.
Eu estava tirando os pedaços do cérebro de Tlaloci do meu rosto quando Olaf parou na minha frente.
- Eu nunca pensei que diria isto, mas caramba estou contente por ver você.
Na verdade ele sorriu.
- Salvei sua vida.
Isso me fez sorrir.
- Eu sei.
Ramirez desceu as escadas com o que parecia uma equipe da SWAT completa pronta para a batalha atrás de si. Eles se espalharam apontando as armas para todos os lados da caverna. Ramirez apenas ficou ali, arma na mão, procurando alguma coisa para atirar. O guarda com o lança-chamas apareceu em seguida apontado para o teto.
Olaf limpou a faca em sua calça e me ofereceu a mão. Sua mão estava manchada de vermelho, mas eu a peguei. Bernardo chegou com mais policiais atrás dele. Seu gesso estava vermelho, a faca estava tão cheia de sangue que parecia preta. Ele disse,
- Você está viva.
Concordei.
- Graças a Olaf.
Ele apertou a minha mão e me soltou.
- Cheguei atrasado de novo. - disse Ramírez.
Eu balancei a cabeça.
- Será que importa quem salvou o dia?
Os outros policiais estavam começando a relaxar quando perceberam que não havia ninguém para atirar.
- Isso é tudo? - um dos policiais perguntou.
Olhei para o túnel ao longe.
- Há um Quetzalcoatl dentro do túnel.
- Um o quê?
- Um... dragão.
Mesmo depois da batalha você podia ver todos eles trocando olhares.
- Monstro, na falta de uma palavra melhor, mas ele ainda está lá.
Eles hesitaram na entrada do túnel, em seguida entraram um de cada vez. Desta vez eu os deixei sozinhos. Já tinha feito a minha parte por essa noite. Além disso, eles estavam mais armados do que eu. Alguns deles ficaram sobre as ordens de Ramirez, ele se aproximou.
- Você está sangrando. - ele tocou o corte no meu braço.
Virei para que ele pudesse ver alguns dos outros cortes.
- Escolha um.
Bernardo e os outros policiais que haviam ficado para trás foram olhar os dois homens mortos.
- Onde está o Consorte da Deusa de Sangue que todos estavam falando? - um dos policiais perguntou.
Apontei para o corpo do homem com a faca cravada em seu peito.
Dois dos policiais se aproximaram do corpo.
- Ele não se parece muito com um deus.
- Ele era um vampiro. - eu disse.
Isso chamou a atenção de todos.
- O que você disse? - Ramirez perguntou.
- Vamos nos concentrar nos detalhes importantes aqui rapazes. Precisamos ter certeza que o corpo não voltará à vida. Confie em mim, ele é um poderoso filho da puta. Nós queremos que continue morto.
Um dos policiais empurrou o corpo com o pé.
- Ele parece morto para mim.
Ver o corpo se movendo me fez saltar como se eu esperasse que ele se sentasse e falasse brincando que não estava realmente morto. O corpo permaneceu imóvel, mas não fez meus nervos se acalmarem.
- Precisamos arrancar sua cabeça e tirar seu coração. Então queimamos separadamente e espalhamos as cinzas sobre água corrente.
- Você deve estar brincando. - disse um dos policiais.
- Os esfolados apenas caíram e pararam de se mover. - disse Ramírez. - Será que você fez isso?
- Provavelmente quando coloquei a faca em seu coração, todos morreram quando seu deus morreu.
- Os tiros não tiveram efeito sobre nenhum deles, até que os esfolados simplesmente caíram.
- Ela fez isso? - perguntou o policial. - Ela fez o nosso trabalho?
- Sim. - disse Ramírez, e provavelmente ele estava certo. Provavelmente tinha sido eu. Independentemente disso eu não queria nenhuma dúvida. Eu queria que eles me ouvissem. Eu queria ter a certeza que o "deus" continuaria morto.
- Como exatamente devemos cortar a cabeça? - o mesmo policial perguntou.
Olaf se aproximou de um dos homens mortos e pegou uma grande faca de obsidiana. Ele guardou sua arma e caminhou para o corpo do "deus".
- Merda, isso é uma daquelas coisas que eles usaram contra nós. - disse o policial.
- Muito irônico usá-lo em seu deus, você não acha? - Bernardo perguntou.
Olaf se ajoelhou ao lado do corpo.
- Ei, nós não falamos que você poderia fazer isso. - disse o policial.
Olaf olhou para Ramirez.
- O que você diz Ramirez?
- Eu digo que faça o que Anita mandar.
Ele olhou para mim.
- Eu vou tirar a cabeça.
Tirei a faca da mão de Tlaloci. Ele não precisaria mais dela.
- Eu tiro o coração.
Andei em direção ao corpo com a lâmina na mão. Os policiais se mantiveram afastados. Eu estava sobre o vampiro, Olaf ajoelhou-se no outro lado olhando para mim.
- Se eu deixasse você morrer, Edward pensaria que eu tinha falhado.
- Edward está vivo?
- Sim.
Senti um peso sair dos meus ombros que eu nem sabia que estava lá.
- Obrigada, Deus.
- Eu não falhei. - disse Olaf.
- Eu acredito em você.
Olhamos um para o outro, e ainda havia algo em seus olhos que eu não conseguia ler ou entender, ele estava a um passo além do que eu havia me tornado. Olhei em seus olhos escuros e soube que ele era um monstro, não tão poderoso como o que estava deitado no chão, apenas como os mortais nas circunstâncias adequadas. E eu devia-lhe a minha vida.
- Vamos arrancar a cabeça primeiro.
- Por quê?
- Eu tenho medo de tirar a faca de seu peito enquanto o corpo ainda está intacto, ele pode sentar e começar a respirar novamente.
Olaf levantou as sobrancelhas para mim.
- Você está brincando comigo?
- Eu nunca faço piadas sobre vampiros. - eu disse.
Ele me olhou por um longo tempo.
- Você seria um bom homem.
Aceitei como elogio porque era exatamente isso, talvez o melhor elogio que ele já tinha feito a uma mulher.
- Obrigada. - eu disse.
A equipe da SWAT voltou do túnel.
- Não há nada lá, está vazio.
- Então ele fugiu. - eu disse e olhei para o corpo ainda deitado. - Pegue a cabeça, eu quero sair dessa maldita caverna.
O líder da equipe da SWAT nos pegou cortando o corpo. Ele e Ramirez começaram a discutir. Enquanto todo mundo estava vendo a discussão, eu segurei a cabeça enquanto Olaf a decapitava com um golpe. O sangue jorrou pelo piso da caverna.
- Que porra vocês estão fazendo? - um dos policiais da SWAT perguntou, apontando a arma para nós.
- O meu trabalho. - eu disse e coloquei a ponta da faca sob as costelas do cadáver.
O policial levou a arma até o ombro.
- Afaste-se do corpo até que o capitão diga que não há problema em fazer isso. Eu mantive a faca contra o corpo.
- Olaf.
- Sim.
- Se ele atirar em mim, mate-o.
- Com prazer. - O grande homem voltou os olhos para o policial e havia algo naquele olhar que fez o homem fortemente armado dar um passo para trás.
O comandante em questão, disse,
- Abaixe a arma, Reynolds. Ela é uma executora de vampiros, deixe-a fazer seu trabalho.
Mergulhei a lâmina na pele e fiz um buraco logo abaixo de suas costelas e enfiei as mãos. Era apertado, molhado e escorregadio, coloquei as duas mãos para tirar o coração para fora, uma para livrá-lo do tecido e a outra para puxá-lo. Eu o arranquei de seu peito com os cotovelos manchados de sangue.
Bernardo e Ramirez estavam olhando para mim com expressões quase idênticas em seus rostos. Eu acho que nenhum deles queria um encontro comigo. Eles sempre se lembrariam de me ver arrancando o coração de um homem, e essa lembrança mancha qualquer outra coisa. Com Bernardo eu não dava à mínima. Com Ramirez, doía ver aquele olhar em seus olhos.
Uma mão tocou o coração, olhei para a mão e depois para os olhos de Olaf. Ele não sentia repulsa. Ele acariciou o coração e suas mãos deslizaram sobre as minhas. Eu me afastei e olhamos um para o outro sobre o corpo que tínhamos massacrado. Não, Olaf não sentia repulsa. Seus olhos mostravam a pura escuridão que enche olhos de um homem nas situações mais intimas. Ele levantou a cabeça decepada pelos cabelos e segurou-a na minha frente quase como se quisesse que eu a beijasse. Então percebi que ele estava segurando-o sobre o coração como um par.
Desviei os olhos com o que vi em seu rosto.
- Alguém tem um saco onde eu possa colocar isso?
Alguém finalmente encontrou um saco vazio e coloquei o coração nele. O policial me disse que eu poderia ficar com o saco, ele não queria de volta.
Ninguém ofereceu um saco para Olaf, e ele nunca pediu.
63
Encontraram minhas armas em uma arca com o resto do armamento, embora os coldres estivessem faltando. Eu simplesmente não conseguia manter um coldre intacto nesse trabalho. Guardei todas elas no meu jeans. Ramirez me levou pessoalmente a um crematório para que eu pudesse ver o coração e a cabeça serem queimados até virarem cinza. Quando peguei os dois recipientes com as cinzas era quase madrugada. Adormeci no banco ao lado dele, Ramirez insistiu que os médicos deveriam me fazer um check-up. Incrivelmente nenhum dos cortes era profundo o suficiente para levar pontos. Eu nem sequer ficaria com novas cicatrizes. Milagre.
Um dos homens tinha me dado um casaco escrito FBI para cobrir a parte de cima de meu corpo que estava quase nu. Vários policiais e da maioria dos funcionários do hospital achavam que eu era uma agente federal. Continuei corrigindo as pessoas, e finalmente percebi que o médico na sala de emergência achava que a minha recusa significava que eu tinha batido a cabeça e não sabia quem eu era. Quanto mais eu argumentava mais ele ficava preocupado. Ele ordenou uma série de raios-X e eu não podia falar nada.
Eu estava realmente sentada em uma cadeira de rodas à espera de ser escoltada para o raio-X quando Bernardo chegou. Ele tocou a jaqueta do FBI.
- Você está subindo na vida.
- Quando a enfermeira chegar ela vai me levar para o raio-X.
- Você está bem?
- Apenas precaução. - eu disse.
- Acabei de voltar da U.T.I.
- Olaf disse que Edward sobreviveria.
- Ele vai.
- Como estão as crianças?
- Peter está bem, colocaram Becca em um quarto. Ela está engessada até o cotovelo.
Olhei para seu gesso manchado com um marrom sujo.
- Essa coisa vai começar a feder de tanto sangue seco que tem nele.
- O médico estava me convencendo a colocar um novo, mas eu queria verificar como estavam todos primeiro.
- Onde está Olaf?
Bernardo deu de ombros.
- Eu não sei. Ele desapareceu assim que os monstros foram mortos e Ramirez te levou para o carro. Ele disse algo sobre um trabalho a ser feito, acho que ele voltou para a casa de Edward.
Comecei a concordar, então me lembrei de algo que Edward tinha dito.
- Edward disse que você não podia ter uma mulher porque ele tinha proibido Olaf de ter mulheres, certo?
- Sim, mas o trabalho acabou, baby. Estou indo para o primeiro bar aberto que encontrar.
Olhei para ele e balancei a cabeça.
- Talvez seja isso o que Olaf foi fazer.
Ele franziu a testa para mim.
- Olaf em um bar?
Nós dois nos olhamos e o terror apareceu no rosto de Bernardo, ele sussurrou:
- Oh meu Deus, ele está lá fora matando alguém.
Eu balancei a cabeça.
- Se ele matar aleatoriamente não há maneira de encontrá-lo, mas e se não for aleatório?
- O que você quer dizer?
- Você se lembra de como ele olhou para a professora Dallas?
Bernardo olhou para mim.
- Você não acha que... Quero dizer, ele não... Oh, merda.
Levantei da cadeira de rodas e disse:
- Eu tenho que dizer a Ramirez o que estamos pensando.
- Você não sabe se ele está lá. Você não sabe que ele está fazendo nada de errado.
- Você acredita que ele simplesmente voltou para casa? - eu perguntei.
Bernardo parecia pensar sobre isso por um segundo, então balançou a cabeça.
- Não.
- Nem eu.
- Ele salvou sua vida. - disse Bernardo.
- Eu sei. - Fomos para o elevador.
As portas do elevador se abriram e o Tenente Marks estava ali.
- Onde diabos você pensa que vai?
- Marks, acho que a professora Dallas está em perigo.
Entrei no elevador e Bernardo me seguiu.
- Você acha que eu acreditaria em qualquer coisa que você diz, bruxa?
Ele apertou o botão para manter as portas abertas.
- Acredite se quiser, mas não deixe que ela morra.
- O pequeno agente do FBI me manteve fora da grande invasão.
Eu não sabia o que significava, mas sabia de quem ele estava falando.
- Seja o que for que Bradley fez, ele fez sem me conhecer, mas esse não é o ponto.
- Eu posso fazer o ponto.
- Você ouviu que Dallas está em perigo? Você ouviu essa parte? - eu perguntei.
- Ela é tão corrupta quanto você.
- Então tudo bem que ela morra de uma forma horrível? - eu perguntei.
Ele apenas olhou para mim, eu me movi como se fosse apertar os botões. Bernardo aproveitou e bateu na cabeça de Marks com seu gesso. O homem caiu e eu apertei o botão para fechar as portas. Ficamos em silêncio com Marks caído no chão.
- Você está brava comigo? - Bernardo perguntou.
- Não.
Mas mesmo sem a ajuda Ramirez, Marks pensaria que ele estava envolvido. Merda.
- Você está com o carro de Edward?
- Sim.
- Como Olaf escapou então?
Bernardo olhou para mim.
- Se ele realmente está fazendo isso, vai roubar um carro e largar longe da cena do crime. Ele não teria chance com o carro de Edward.
- Ele vai voltar para a casa de Edward e pegar o seu saco de brinquedos. - eu disse.
As portas se abriram no estacionado, nós saímos.
- O que quer dizer com saco de brinquedos?
- Se ele vai cortar-la, então vai querer as ferramentas que usa normalmente.
Assassinos em série são muito organizados quando se trata da forma como as vítimas são tratadas. Eles gastam muito tempo planejando exatamente o que vão fazer e como.
- Então ele está na casa de Edward?
- Há quanto tempo ele foi embora?
- Três horas, talvez três horas e meia.
- Não, ele vai para a casa de Dallas, se é que ele sabe onde ela mora.
Bernardo abriu o carro e entramos, tirei a Browning da minha calça. A arma era muito grande para que eu me sentasse à vontade. Acabei segurando-a no meu colo. Olhei para o gesso no braço de Bernardo.
- Quer que eu dirija?
- Estou bem, apenas me diga onde ela mora.
- Merda!
Ele ligou o carro e olhou para mim.
- A polícia deve saber o endereço.
- E quando Marks acordar teremos sorte se não formos presos. - eu disse.
- Nós nem sequer sabemos se Olaf foi para casa dela. - ele disse.
- Eu tenho uma melhor. Como vamos explicar que sabíamos que ele era um assassino em série e não avisamos a polícia mais cedo? Você está com o celular de Edward? - eu perguntei.
Ele não discutiu, apenas inclinou-se e abriu o porta-luvas. Eu peguei o celular.
- Para quem você vai ligar?
- Itzpapalotl, ela sabe o endereço.
- Ela vai acabar com Olaf.
- Talvez sim, talvez não. De qualquer maneira é melhor nos tirar daqui antes que Marks acorde e comece a gritar.
Ele nos levou para fora do estacionamento e lentamente chegamos à rua. Liguei para o número de informações e o operador ficou feliz em me dar o número do Borboleta Obsidiana. Era dia e eu sabia que Itzpapalotl não estava disponível, então pedi para falar com Pinotl e disse que era uma emergência e que era Anita Blake. Acho que foi o meu nome porque ele atendeu como se esperasse a ligação.
- Anita, minha mestra disse que você ligaria.
Eu apostava que ela estava errada sobre o motivo, mas...
- Pinotl, eu preciso do endereço da casa da professora Dallas. - Silêncio do outro lado do telefone. - Ela está em perigo, Pinotl.
- Então nós vamos cuidar disso.
- Eu vou ter que envolver a polícia neste assunto Pinotl, eles caçarão os homens-jaguar.
- Você está preocupada com nosso povo? - ele perguntou.
- Dê-me o endereço e eu cuido disso para você, Pinotl.
Silêncio, exceto pela sua respiração.
- Diga a sua amante que agradeço por sua ajuda. Eu sei que estou viva porque ela me ajudou.
- Você não está com raiva por ela não ter contado tudo o que sabia?
- Ela é um vampiro com séculos de idade. Às vezes eles não podem ajudar a si mesmo.
- Ela é uma deusa.
- Estamos apenas discutindo semântica, Pinotl. Nós dois sabemos o que ela é. Por favor, me dê o endereço.
Ele deu, passei as instruções para Bernardo e lá fomos nós.
64
Liguei para a polícia no caminho, fiz uma chamada anônima dizendo que tinha ouvido gritos e desliguei sem dar meu nome. Se Olaf não estivesse lá, eles assustariam Dallas e eu teria que me desculpar. Eu pagaria por qualquer fechadura arrebentada.
- Por que você não disse a verdade? - Bernardo perguntou.
- O quê? Acho que algum serial killer quer assassiná-la. E como você sabe disso, minha senhora? Bem policial, sabe como é. Eu soube que ele era um assassino, mas nosso amigo em comum, Ted Forrester, o proibiu de atacar mulheres enquanto estivesse nos ajudando a resolver um caso de mutilação e assassinato. Você já ouviu falar desses assassinatos. E quem é você? Sou Anita Blake, executora de vampiros. E o que uma executora sabe sobre serial killer? Mais do que você pensa. - Olhei para Bernardo.
- Tudo bem, tudo bem. Eles ainda estariam fazendo perguntas quando chegássemos a casa.
- Dessa forma eles vão mandar um carro da polícia de Albuquerque o mais rápido possível.
- Eu acho que você não gostou de Dallas quando a conheceu.
- Não importa se eu gosto dela ou não.
- Sim, isso importa. - ele disse.
- Só porque não gosto dela vamos deixar o açougueiro Olaf matá-la, é isso?
- Ele salvou sua vida, e salvou a minha, não devemos nada a esta mulher.
Olhei para ele tentando ler o seu rosto.
- Você está dizendo que não concorda comigo sobre isso, Bernardo? Porque se você não está do meu lado eu preciso saber, se formos contra Olaf e você hesitar isso vai te matar e talvez a mim.
- Se eu entrar, estarei pronto para matá-lo.
- Se? - eu perguntei.
- Devo-lhe a minha vida, Anita. Enquanto estávamos na casa de Riker salvamos a vida um do outro, contamos um com o outro. Eu não devo nada a essa tal de Dallas.
- Então fique no carro. - Um pensamento me ocorreu. - Ou você está dizendo que está do lado dele? - eu estava com a Browning na mão, soltei a trava de segurança e ele ouviu.
- Bem, isso não é justo. Se eu pegar a minha arma com a mão esquerda nós vamos bater.
- Não estou gostando dessa conversa. - eu disse.
- Tudo que estou dizendo, Anita, é que se podermos salvar Dallas e deixar Olaf fugir, devemos deixá-lo ir. Seria o melhor para todos nós.
- Se Dallas sair ilesa vou pensar sobre isso. É o melhor que posso fazer, mas deixe-me lembrá-lo que se você está pensando em me matar para ajudar Olaf e Edward continuar vivo, ele vai caçá-los e você sabe disso.
- Ei, eu nunca disse nada sobre matar você.
- Só estou tentando testar os limites do nosso mal-entendido Bernardo, porque acredite, você não quer um mal-entendido entre nós.
- Não há nenhum mal-entendido. - disse Bernardo, e não havia provocação em sua voz, apenas a gravidade seca que me fez lembrar de Edward. - Eu só acho que seria péssimo entregar Olaf para a polícia.
- Eles já estão lá, Bernardo.
- Se tiver apenas dois tiras podemos ajudá-lo a fugir.
- Você está falando de matar policiais?
- Eu não disse isso.
- Não, então não saia do carro porque eu não só vou te seguir, como vou te enterrar lá mesmo.
- Por dois policiais que você não conhece?
- Sim, por dois policiais que eu não conheço.
- Por quê? - ele perguntou.
Eu balancei a cabeça.
- Bernardo, se você está me perguntando isso, então não entenderia a resposta.
Ele olhou para mim.
- Edward me disse que você era um dos melhores atiradores ele já viu, rápida para matar. Ele disse que você só tinha dois defeitos. Está muito perto dos monstros, e pensa muito como um policial honesto.
- Um policial honesto, eu gosto disso. - eu disse.
- Eu vi você, Anita. Você é tão assassina quanto eu ou Olaf. Você não é um tira, nunca foi.
- Eu posso ser muitas coisas, mas não mato policiais. Se Dallas sair ilesa, podemos discutir se deixamos Olaf escapar, mas se ele machucá-la, então ele paga. Se você não gosta do plano me entregue a sua arma e espere no carro, eu vou sozinha.
Bernardo olhou para mim.
- Você acha que estou mentindo e vou atirar pelas costas?
- Você tem mais medo de Edward do que é grato a Olaf.
- Você sabe que isso é um fato. - ele disse.
- Eu sei que Olaf tem regras e mais honra do que você. Se você realmente sentisse toda essa porra de gratidão teria dito algo antes que eu ligasse para a polícia. Ser o protetor de Olaf não foi o seu primeiro pensamento, ou o segundo, nem mesmo o terceiro.
- Edward disse que você era uma das pessoas mais leais que ele conheceu. Então, por que não está protegendo Olaf?
- Ele ataca mulheres, Bernardo. Ele ataca não porque é pago ou por vingança, mas porque é isso que o que ele faz. Ele é como um cão vicioso que continua atacando as pessoas. Eventualmente você tem que matá-lo.
- Você está planejando matá-lo?
- Não, não estou. Lembre-se, se eu matar qualquer um de vocês vou dever outro favor a Edward, ou finalmente terei que aceitar o desafio e saber qual de nós é o melhor. Eu acho que não sobreviveria a esta última, eu conheci sua outra vida e vi o que ele fez com os homens de Riker. Eu não quero estar em outro tiroteio. Não é a minha praia.
- Pode não ser, mas você se acostuma com isso.
- Ninguém se acostuma com uma merda dessas.
- Da mesma forma que você arranca o coração das pessoas? Você fez isso com muita destreza.
Dei de ombros.
- A prática leva à perfeição.
- Chegamos. - disse Bernardo.
A rua tinha apenas o silêncio da alvorada. Os carros ainda estavam imóveis nas calçadas, mas havia algumas pessoas espiando o carro da polícia que estava parado em frente da casa de Dallas. Uma das portas estava aberta enchendo o bairro tranquilo com os gritos do rádio. As luzes pálidas da sirene giravam como um brinquedo de criança na luz pesada da manhã.
A casa da professora Dallas parecia uma pequena fazenda com as paredes de tijolo falso que todo mundo gostava por aqui. Bernardo estacionou.
- Então? - eu perguntei.
- Estou com você.
Mas antes que pudéssemos pegar as armas dois policiais saíram da casa com Dallas vestida em um roupão. Ficamos ali olhando para ela enquanto sorria para os policiais e eles se desculpavam por incomodá-la. Ela olhou para cima notando a nossa presença. Seus olhos mostravam surpresa, mas acenou para nós.
- Anita, olhe a caixa de correio. - disse Bernardo.
Nosso carro estava quase na frente da caixa de correio. Havia um envelope branco fixado na frente da caixa com uma faca. Meu nome estava impresso em letras maiúsculas na frente do envelope. Ninguém tinha percebido ainda, só nós.
O carro de Edward era alto o suficiente para escondê-la dos vizinhos.
- Você pode me ajudar a esconder da polícia?
- O prazer é meu.
Saí do carro deixando a Browning no banco porque não descobri uma maneira de colocá-la dentro da calça sem que a polícia notasse, e eu não tinha nenhuma identificação. Eu poderia fingir ser um Federal, mas talvez não desse certo e isso seria uma ofensa grave para eles.
Eu e Bernardo tínhamos agredido um policial e não precisávamos de mais problemas. Bernardo puxou a faca fazendo o movimento parecer natural. O envelope caiu em minhas mãos e caminhei em direção a casa batendo o envelope em minha coxa como se tivesse acabado de sair do carro.
Nenhum dos policias gritou: - Pare, ladrão!, assim continuei andando. Eu não sabia o que Bernardo tinha feito com a faca, ela apenas desapareceu.
- Oi Dallas, o que aconteceu?
- Alguém fez um trote telefônico sobre gritos vindo da minha casa.
- Quem faria uma coisa tão covarde? - Bernardo perguntou.
Eu fiz uma careta para ele. Bernardo sorriu satisfeito consigo mesmo.
- Vocês foram avisados também? - ela perguntou.
- Sim. - disse Bernardo. - Eles ligaram no celular de Edward dizendo que você estava em perigo.
Os policiais cometeram o mesmo erro que o pessoal do hospital. Apresentaram-se por posto e nome e apertaram nossas mãos.
Eu disse,
- Anita Blake, este é Bernardo Cavalo-Pintado.
- Ele não parece um... - o policial pareceu desconfortável logo que começou a falar.
- Não, eu não sou um agente federal. - disse Bernardo e havia amargura em sua voz.
- É o cabelo. - eu disse. - Eles nunca viram um agente do sexo masculino com cabelos longos.
- Claro, o cabelo.
Os policiais foram embora nos deixando na porta de Dallas na luz da manhã com seus vizinhos curiosos saindo para ver o que estava acontecendo.
- Gostariam de entrar? Eu já comecei a fazer o café.
- Claro.
Bernardo olhou para mim, mas me seguiu para dentro. A cozinha era pequena e quadrada, e parecia não ser muito usada, mas era alegre com a luz do sol da manhã.
- O que realmente está acontecendo Anita?
Sentei-me na mesa e abri o envelope com meu nome. Estava escrito em letras maiúsculas.
"ANITA,
EU SOUBE NAQUELE MOMENTO NA CAVERNA QUE VOCÊ PENSARIA COMO EU. SENTI QUE VOCÊ SABIA PARA ONDE EU ESTAVA INDO. AGORA VOCÊ ESTÁ AQUI, E EU NAS PROXIMIDADES".
Isso me fez olhar para cima.
- Ele diz que está por perto.
Bernardo sacou a arma e foi vigiar as janelas. Voltei para a nota.
"EU SABIA QUE VOCÊ VIRIA SALVAR A PROFESSORA. VI VOCÊ PEGAR O ENVELOPE, SEI QUE ESTÁ LENDO ELE AGORA. EU ACREDITEI EM EDWARD QUANDO ELE FALOU DE ALMAS GÊMEAS. DEVO-LHE DESCULPAS. QUANDO VI VOCÊ ARRANCANDO AQUELE CORAÇÃO EU SOUBE QUE VOCÊ ERA COMO EU. QUANTOS VOCÊ MATOU? QUANTOS CORAÇÕES VOCÊ ARRANCOU? QUANTAS CABEÇAS VOCÊ DECEPOU? VOCÊ DISCUTIA CONSIGO MESMA QUE NÃO ERA COMO EU. TALVEZ VOCÊ NÃO PEGUE NENHUM TROFÉU, MAS VOCÊ NASCEU PARA MATAR, ANITA. VOCÊ VAI MURCHAR E MORRER SEM A VIOLÊNCIA. A SUA PROFISSÃO FEZ VOCÊ DE VOCÊ UMA ASSASSINA E COLOCOU DENTRO DESSE CORPO MINÚSCULO A OUTRA METADE DA MINHA ALMA. NÃO SÃO OS VAMPIROS QUE MATAM OS HOMENS? VOCÊ TEM A SUA VÍTIMA PREFERIDA, ANITA? EU ADORARIA CAÇAR COM VOCÊ AO MEU LADO. EU SERIA O SEU CAÇADOR PORQUE SEI QUE VOCÊ NÃO ME CAÇARIA, MAS PODERÍAMOS ARRANCAR ALGUNS ORGÃOS JUNTOS E ISSO SERIA MAIS DO QUE SONHEI PARTILHAR COM UMA MULHER."
A nota não foi assinada. Grande surpresa, ele sabia que eu poderia entregar para a polícia.
- Você parece pálida. - disse Dallas.
- O que diz a carta? - Bernardo perguntou.
Eu entreguei a ele.
- Acho que ele não quer nos matar, ou mesmo ela.
- Do que você está falando? - ela perguntou.
Eu disse e ela riu de mim.
- Você sabe que eu sou uma executora de vampiros.
- Sim.
- Eu matei outro vampiro noite passada. Acho que Itzpapalotl queria que eu o matasse, ela me ajudou a fazê-lo. Eu arranquei seu coração.
Bernardo leu mais rápido do que eu pensava,
- Jesus Anita, Olaf sente uma paixão por você!
- Uma paixão. - eu disse. - Deus, tem que ter outra palavra para isso.
Dallas perguntou:
- Posso ler?
- Eu acho que você deveria porque ele não estava esperando apenas para me ver. Ele esperou porque se eu não tivesse aparecido ele teria massacrado você.
Ela tentou rir, mas deve ter visto algo no meu rosto que sufocou o riso e fez sua mão trêmula pegar a carta.
Ela leu e disse:
- Quem escreveu isso?
- Olaf. - eu disse.
- Mas ele era tão bom.
Bernardo fez um som áspero.
- Confie em mim Dallas. Olaf não é um homem bom.
Ela olhou para nós.
- Vocês não estão brincando, não é?
- Ele é um serial killer. Eu só não sei se ele já matou neste país.
- Você deve entregá-lo à polícia. - ela disse.
- Não tenho nenhuma prova contra ele.
- Além disso, e se ele fosse um dos seus vampiros? - disse Bernardo
- O que você quer dizer? - Dallas perguntou.
- Ele quer saber se você entregaria um dos seus vampiros para a polícia, porque você sabe que são eles que cuidam de você. - eu disse.
- Bem, eu acho que não.
- Nós vamos cuidar disso. - disse Bernardo.
Ela olhou para nós e pela primeira vez o medo apareceu em seu rosto.
- Será que ele vai voltar?
- Por você, eu acho que não. - disse Bernardo e olhou para mim. - Mas aposto que ele vai encontrar uma razão para ir até St. Louis.
Eu gostaria de dizer que ele estava errado, mas a sensação de frio no meu estômago concordou com Bernardo. Eu veria Olaf novamente. Eu só tinha que decidir o que faria quando o encontrasse. Ele não tinha feito nada de errado nesta viagem e eu não poderia provar que ele era um serial killer, ele não tinha feito nada pior do que eu tinha feito desta vez. Quem era eu para atirar pedras? No entanto eu esperava que ele ficasse longe de mim porque se ele aparecesse, eu o mataria. Talvez houvesse alguma verdade no que ele escreveu. Eu tinha mais de cinquenta mortes nas costas. O que realmente me separava das pessoas como Olaf? Motivo, método? Se essas fossem as únicas diferenças Olaf estaria certo, e eu não queria que ele estivesse certo. Eu simplesmente não podia aceitar isso. Crescer para ser como Edward era um problema. Crescer para ser como Olaf era um pesadelo.
Epílogo
Marks tentou nos acusar de agressão perante a imprensa, mas Bernardo e eu dissemos que não sabíamos do que ele estava falando. O Dr. Evans disse que o dano era incompatível com ser atingido por uma pessoa. A mentira funcionou e agora Marks estava jogado para escanteio pela forma como lidou com o caso. Ele estava na conferência de imprensa onde o público estava certo de que o perigo tinha passado, Ramirez estava de pé ao lado dele junto com o Agente Bradford e eu. Eles colocaram Ted e Bernardo lá em cima também, nós não respondemos a nenhuma das perguntas, mas saímos nos jornais. Eu preferia não ter saído, mas sabia que agradaria Bert, meu chefe, o assunto foi notícia em vários jornais nacionais, eu Anita Blake, da Animadores Inc., Bert adorou.
Edward pegou uma infecção secundária e teve uma recaída, fiquei revezando com Donna ao lado de sua cama e ao lado da cama de Becca, chegou ao ponto da menina chorar quando eu saía.
Peter passou muito tempo brincando com ela tentando fazê-la sorrir, mas seus olhos tinham aquele olhar vazio de quem não dorme bem. Ele não falaria comigo ou com Donna, a única coisa que admitiu foi que tinha sido espancado. Ele não disse nada a ela sobre o estupro e eu não trairia seu segredo. Primeiro porque eu não tinha certeza se ela poderia lidar com outro choque. E segundo porque o segredo não era meu.
Donna realmente subiu no meu conceito, ela foi um incrível pilar de força para as crianças e para Ted, mesmo ele não contando nada a ela.
Ela nunca se virou para mim em lágrimas, era como se essa nova pessoa tivesse ressuscitado das cinzas da pessoa que eu conheci. Dez dias após a recaída Edward estava acordado e fora de perigo. Eu poderia finalmente voltar para casa. Quando eu disse que finalmente estava indo para casa, Donna me abraçou apertado e disse:
- Você tem que dizer adeus às crianças.
Garanti a ela que faria isso e ela nos deixou sozinhos para a despedida.
Puxei a cadeira até a cabeceira e estudei seu rosto. Ele ainda estava pálido, mas parecia o mesmo Edward de sempre. A tristeza fria estava de volta em seus olhos.
- O que há de errado? - ele perguntou.
- Não poderia ser apenas porque você quase morreu? - eu perguntei.
- Não. - ele disse.
Eu sorri, mas ele não sorriu de volta.
- Bernardo veio me ver, mas Olaf não apareceu.
Percebi então o que ele estava pensando.
- Você acha que eu matei Olaf e estava esperando você se recuperar o suficiente para te dar a notícia. - eu ri. - Doce Jesus, Edward!
- Você não o matou? - Ele relaxou contra o travesseiro visivelmente aliviado.
- Não, eu não o matei.
Ele deu um leve sorriso.
- Eu não teria escolha, se você tivesse matado Olaf não gostaria de me dever outro favor.
- Você estava com medo que eu o pressionasse ao ponto de acontecer um tiroteio?
- Sim. - ele disse.
- Eu pensei que você queria saber qual de nós era o melhor.
- Eu pensei que estava morrendo na escada, tudo o que eu conseguia pensar era que Peter e Becca morreriam ali comigo. Bernardo e Olaf estavam lá, mas você tinha subido a escada e não havia voltado. Quando você voltou soube que você salvaria as crianças. Eu sabia que você arriscaria sua vida por eles. Bernardo e Olaf teriam tentado, mas as crianças não seriam a prioridade. Quando saímos da caverna eu não estava preocupado, sabia que tudo daria certo.
- Do que você está falando, Edward?
- Estou dizendo que se tivesse matado Olaf estaria tudo bem porque Peter e Becca significam mais para mim do que isso.
Peguei a carta de Olaf no meu bolso e entreguei a ele. Edward leu enquanto eu observava seu rosto. Nada mudou, nem mesmo seus olhos. Ele não teve nenhuma reação.
- Ele é um bom profissional, Anita.
- Você não está sugerindo que eu marque um encontro com ele, não é?
Ele quase riu.
- Não, porra, fique o mais longe possível. Se ele for para St. Louis mate-o. Não espere um motivo. Apenas faça.
- Eu pensei que ele era seu amigo.
- Amigo não, apenas associado de negócios. Não é a mesma coisa.
- Eu concordo que alguém precisa matar Olaf, mas por que você está tão inflexível sobre isso? Você confiou nele o bastante para trazê-lo para sua cidade.
- Olaf nunca teve uma namorada, apenas prostitutas e vítimas. Talvez ele te ame de verdade, mas é apenas a atração de um serial killer por uma pequena mulher, e ele pode se tornar violento. Você não quer saber como ele é quando se torna violento, Anita. Você realmente não gostaria de ver.
- Você está com medo que ele venha atrás de mim?
- Se ele aparecer na cidade me ligue.
Concordei.
- Eu ligo. - eu tinha outras perguntas. - Apareceu um vazamento de gás misterioso na casa de Riker e explodiu todo o seu império. Sem sobreviventes, sem corpos, sem prova do que fizemos ou do que Riker e os seus homens fizeram. Foi Van Cleef?
- Não ele pessoalmente. - Edward disse.
- Você sabe qual é a próxima pergunta.
- Eu sei. - ele disse.
- Você não vai me dizer quem é você?
- Eu não posso dizer, Anita. Uma das condições foi nunca falar sobre isso com ninguém. Se eu quebrar essa regra eles virão atrás de mim.
- Eu não diria a ninguém.
Ele balançou a cabeça.
- Não Anita, confie em mim. A ignorância é uma dádiva.
- Isso é extremamente frustrante.
Ele sorriu.
- Eu sei e sinto muito.
- Não, você não sente. Você adora manter segredos.
- Não, é um presente. - ele disse.
Havia uma tristeza em seus olhos e pela primeira vez percebi que não tinha sido sempre assim. Ele não tinha nascido desta forma, ele foi criado como o Monstro de Frankenstein.
- Não há respostas, hein?
- Não. - ele disse.
Olhamos um para o outro, mas nenhum de nós parecia impaciente.
- Ok. - eu disse.
- Ok, o quê? - ele perguntou.
Eu dei de ombros.
- Se você não vai responder sobre seus antecedentes, tudo bem. Responda a outra pergunta. Você vai se casar com Donna?
- Se eu disser que sim, o que você vai fazer?
Suspirei.
- Eu estava disposta a matá-lo para mantê-los protegidos quando cheguei aqui, mas o que é o amor, Edward? Você está disposto a dar sua vida pelas crianças? Você faria o mesmo por Donna? Ela está convencida de que você é o seu homem ideal. Becca disse a ela o que você fez, o que fizemos. Peter apoiou-a. Assim, é uma maneira dos três saberem quem você é. Donna parece lidar bem com isso. - eu parei de falar.
- Tinha uma resposta à minha pergunta lá em algum lugar?
- Eu não farei nada, Edward. Você está disposto a morrer por eles. Se isso não é amor, está bem perto e eu não posso dizer a diferença.
Ele balançou a cabeça.
- Que bom que eu tenho a sua bênção.
- Você não tem, mas eu não posso jogar pedras em sua vida pessoal. Então, faça o que quiser.
- Eu vou. - ele disse.
- Peter não disse a Donna o que aconteceu, ele precisa de terapia.
- Por que você não disse a ela?
- O segredo não é meu. Além disso, você é o candidato a padrasto e sabe disso. Eu confio em você para fazer a coisa certa por ele. Se ele não quiser que Donna saiba tenho certeza que você vai encontrar uma maneira de contornar o problema.
- Você está me tratando como se eu fosse pai dele. - Edward disse.
- Você viu o que Peter fez a Amanda?
- Basta. - Edward disse.
- Ele esvaziou a arma nela, Edward. Transformou seu rosto em espaguete. O olhar em seu rosto... - eu balancei a cabeça. - Ele é mais do que um filho para Donna e tem sido assim desde que afastou o assassino do seu pai quando tinha oito anos.
- Você acha que ele gosta de mim?
- Tal como nós, eu não sei se você pode reconstruir alguém que foi violado tão cedo. Eu não sou psiquiatra, curar as pessoas não é o meu trabalho.
- Nem o meu também. - ele disse.
- Nunca pensei que você perderia partes de si mesmo e que desistiria de ser quem você é, mas quando vi você com Donna e as crianças eu lamentei. Você queria saber como sua vida poderia ter sido se não tivesse encontrado Van Cleef.
Ele olhou para mim com os olhos frios.
- Levei muito tempo para entender o que vi em Donna, como você soube?
Eu dei de ombros.
- Talvez a mesma coisa que pensei ter visto em Ramirez.
- Não é tarde demais para você, Anita.
- É tarde demais para eu ter a cerca de madeira branca, Edward. Talvez eu possa descobrir alguma outra coisa, mas não isso. É tarde demais.
- Você acha que vou falhar com Donna?
Eu balancei a cabeça.
- Eu não sei. Só sei que não poderíamos trabalhar juntos. Não sou tão boa atriz como você. As pessoas que estão ao meu lado têm que saber quem eu sou ou não vai funcionar.
- Você sabe com qual dos monstros vai ficar?
- Não, mas sei que não posso continuar me escondendo deles. Me esconder deles é como esconder quem eu sou, e não vou mais fazer isso.
- Você pensa que eu estou fugindo de mim mesmo ficado com Donna?
- Não, eu acho que você sempre abraçou o monstro que é parte de você. E pela primeira vez você percebeu que nem tudo está morto aí dentro como você pensava. Os seus sentimentos por Donna são apenas algo que você não sabia que existia.
- Sim, e o que Richard e Jean-Claude representam para você?
- Eu não sei, mas está na hora de descobri.
Ele sorriu, mas não era um sorriso feliz.
- Boa sorte.
- O mesmo para você.
- Nós vamos precisar.
Eu teria gostado de discutir, mas ele estava certo. Liguei para Itzpapalotl antes de ir embora. Ela ficou decepcionada que eu não fosse vê-la pessoalmente, mas não estava com raiva. Acho que ela sabia que eu não queria segurar suas mãos novamente. Ela havia matado todos os protegidos de cada vampiro rival que atravessou o seu caminho durante cinquenta anos, mas eu não tinha perdido nem um fio de cabelo. Eu pensei que ela queria o segredo do triunvirato, mas não foi isso o que me salvou. Ela me ajudou a matar o Consorte da Deusa de Sangue.
Ela me deu o poder tanto para atraí-lo como para resistir a seus encantos. Eu tinha sido a sua isca e sua arma. Agora outro deus estava morto, e eu estava deixando seu território antes que ela decidisse que eu não tinha mais utilidade.
Ela estendeu um convite para o meu mestre.
- Eu e seu mestre temos muito que discutir.
Eu disse que repassaria o convite, e vou, mas estarei patinando no gelo do inferno antes de trazer Jean-Claude para Itzpapalotl. Ela o devoraria. Talvez Richard e eu sobrevivêssemos à morte de Jean-Claude, mas sobreviver a sua morte e sobreviver ao que Itzpapalotl faria a ele são duas coisas bem diferentes.
Existem maneiras mais fáceis de matar Jean-Claude, maneiras que seriam menos arriscadas para Richard e para mim. Eu sei que é isso que Edward quer que eu faça. Vários amigos pensam dessa maneira, mas a decisão é minha e não quero vê-lo morto. Não tenho certeza do que eu quero, mas sei que quero vê-lo vivo até que eu possa decidir.
Estou indo para casa e vou começar visitando todos os amigos que negligenciei durante os últimos meses. Ronnie está namorando o melhor amigo de Richard. Então o quê? Ela e eu ainda podemos ser amigas. Catherine está em lua de mel a dois anos, está na hora de parar de usar isso como desculpa para não vê-la. Acho que estou apenas desconfortável com a forma como ela está terrivelmente feliz com um homem que eu sempre achei normal e um pouco aborrecido, mas ela brilha ao seu redor. Eu não tenho brilhado muito perto dos meus dois homens.
Vou começar a visitar os lobisomens do bando de Richard, e os vampiros de Jean-Claude novamente. Primeiro renovar amizades, então se isso funcionar, vou ver os meninos. É um plano cauteloso e um pouco covarde, mas é o melhor que posso fazer. Ok é o melhor que estou disposta a fazer porque na verdade não estou mais perto de encontrar uma solução para a minha vida amorosa do que quando rompi com eles mais de um ano atrás.
As poucas vezes que caí do vagão do celibato não contam porque eu ainda estava tentando evitá-los. Não quero mais evitá-los, só quero saber o que exatamente que eu quero. Depois que descobrir o que eu quero e "quem" eu quero, a pergunta seguinte é se posso ter quem eu quero e se o perdedor transformará a nossa felicidade em uma ruína sangrenta. Eu diria que é uma pergunta de sessenta e quatro mil dólares, mas Richard e Jean-Claude valem muito mais do que isso para mim.
Talvez Ramirez esteja certo. Talvez se eu realmente amasse um deles a escolha seria fácil, ou talvez Ramirez não saiba do que diabos estava falando.
Edward ama Donna, Peter e Becca, todos eles estão vendo um terapeuta juntos, mas acho que Peter ainda está assustado com o que realmente aconteceu. Você não pode fazer uma boa terapia se mentir para seu terapeuta. Acho que Peter está contando com Edward para ser seu terapeuta. Pensamento assustador, não é? Edward ama Donna. Eu amo Richard? Sim. Eu amo Jean-Claude? Talvez.
Se for realmente "sim" para Richard e "talvez" para Jean-Claude, então porque eu não tenho a minha resposta? Porque talvez, só talvez, não exista uma resposta certa. Estou começando a me preocupar com a minha decisão, eu vou lamentar perder um deles.
Eu tenho medo de escolher Richard e Jean-Claude matá-lo, mas estranhamente o vampiro parece disposto a compartilhar e Richard não. Talvez Jean-Claude ame o poder do triunvirato mais do que me ama, ou talvez Richard esteja apenas com ciúmes. Eu certamente não quero dividir nenhum deles com outra mulher. Justo é justo. O que me traz de volta a pergunta inicial: quem é o amor da minha vida? Talvez eu não tenha um, talvez não seja amor, mas se isso não é amor então o que é? Eu gostaria de saber.
Laurell K. Hamilton
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