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Series & Trilogias Literarias
Tentei abrir os olhos, mas uma luz forte forçou-me a fechá-los novamente. Ao fundo, podia ouvir bipes do que julgava serem aparelhos médicos.
Quando finalmente meus olhos se abriram, consegui enxergar algumas pessoas sem foco, que vestiam o que me pareceu uniformes verde-pastel e usam tocas e máscaras.
Tentei me colocar de pé, mas tudo ao meu redor girava, e meus braços e pernas estavam atados a uma fria mesa de metal.
– Ela está acordando. – ouvi alguém dizer baixinho, pareceu-me uma voz feminina, mas eu não tinha certeza.
– Sedem-na de novo! – outra voz ordenou.
Ainda zonza, com pouco ou nenhum controle sobre meu próprio corpo, eu me debati, tentando me libertar. As amarras começaram a machucar o meu pulso, no entanto, continuei me debatendo. O medo crescia dentro de mim e me fazia tremer.
Senti uma picada no meu braço, meus olhos já sem foco foram ficando escuros, e a pouca força no meu corpo se esvaiu por completo. Era tarde demais para lutar...
Eu me sentei na cama com uma respiração ofegante, o coração batendo rápido, como se batesse contra o peito. O suor gelado escorria pelo meu rosto. Mal conseguia segurar o lençol de tanto que as minhas mãos tremiam.
Na maioria das vezes aquele recorrente pesadelo, não passava disso, um pesadelo, mas as cicatrizes pelo meu corpo provam muito mais do que eu gostaria de acreditar.
Olhei o ambiente ao meu redor, estava escuro e a minha cabeça girava. Arrastei-me até o interruptor e acendi a luz. Aquelas paredes altas e brancas eram tudo o que conhecia, havia crescido envolta pela companhia de livros e filmes antigos. Bem, eu acreditava que eles eram antigos, mas não fazia ideia em qual tempo eu estava.
Abri a geladeira que, sempre, eu não sei como, estava cheia. Eu sabia que havia outras pessoas naquele lugar, sentia isso. O motivo eu não sabia, mas eles pareciam querer me manter sozinha.
Peguei um uma maçã e voltei para a cama com um livro nas mãos. O personagem da história que eu lia descrevia como era bom sentir o sol tocar seu rosto...
Às vezes eu me perguntava como seria exatamente essa sensação, já que eu nunca havia visto o sol ou a lua, o dia ou à noite.
Eu gostava mesmo era dos livros bem descritivos, eles me possibilitavam viajar, imaginar como seriam as coisas além daquelas paredes, eles me mantinham a certo ponto feliz e lúcida...
O barulho da porta sendo destrancada de repente chamou a minha atenção, voltei-me para ela a tempo de vê-la abrir. Havia um homem parado atrás dela, deveria ter uns 22, 25 anos, eu não sei. Era a primeira vez em que eu via alguém, fora meus em pesadelos que eu duvidava que se restringissem a isso.
O homem me pareceu alguns centímetros mais alto que eu, tinha cabelos escuros. A expressão em seus olhos me fez sentir que ele estava ao mesmo tempo ansioso e amedrontado. Tão amedrontado quanto eu.
– Quem é você? – perguntei ao me colocar de pé, na defensiva.
–Alguém como você – ele disse às pressas e foi logo continuando. – Não temos muito tempo, você precisa ir agora!
– Ir? E para onde eu iria? – perguntei assustada.
– Eu não tenho tempo para te explicar. Mas se quiser sair desse lugar você precisa ir, e ir agora.
Comecei a suar frio. Sair dali? Para onde eu iria? Sempre sonhei em poder sair daquele lugar, porém a ideia, por um momento, deixou-me assustada. Eu odiava aquelas paredes, mas elas eram meu mundo. Eram o que eu conhecia.
– Vá agora, Marjore! – Ele quase berrou – Vá enquanto ainda há tempo.
– Eu não vou a lugar nenhum. – disse ainda imóvel. Não conhecia aquele cara, não sabia se podia confiar nele ou não.
O homem me segurou pelos ombros e me forçou a encará-lo. Por um minuto parei de tremer e fitei profundamente seus olhos.
– Você precisa confiar em mim. Precisamos sair daqui antes que eles nos matem.
Engoli em seco.
– Eles quem? Por quê?–Minha cabeça se enchia de perguntas.
–Não tenho tempo para explicar. Preciso tirar os outros daqui também e não sei quanto tempo vou conseguir encobrir a nossa fuga.
Ouvimos barulhos que me pareceram passos, mas eu tinha pouca certeza.
– Você precisa ir agora!
– Ir para onde?! – eu estava aflita e um tanto desesperada.
– Siga as setas no caminho, elas vão te guiar para fora daqui. – ele disse antes de me empurrar no sentido do corredor.
Sai correndo desorientada. Virei à direita, assim que uma seta apareceu na minha frente. Para onde aquilo estava me levando eu não fazia a menor ideia.
Ouvi um barulho e me escondi a ponto de ver passar dois homens com o que me pareceram armas penduradas. Engoli em seco. Se me manteram presa por tanto tempo, não podia nem imaginar o que fariam comigo se me pegassem fora da cela.
Quando os homens finalmente desapareceram eu voltei a correr, seguindo as misteriosas setas que apareciam diante dos meus olhos. Estava nervosa e me continha para não tremer muito. Tinha medo do que iria encontrar quando conseguisse sair, isso se conseguisse sair. Tremi com a ideia. Sentia-me em um daqueles filmes de suspense que costumava assistir, sentir aquela sensação na pele não era nem um pouco agradável.
Acabei dando de cara com um homem em um dos corredores. Tentei voltar, mas era tarde demais ele já havia me visto. Primeiro, ele se assustou com a minha presença, mas depois veio em minha direção...
Fiquei ainda com mais medo e mais nervosa, foi quando eu senti meu corpo ficando mais quente. O homem não teve tempo de voltar atrás, sua mão encostou no meu braço e eu o ouvi urrar de dor, e instantes depois o vi cair no chão pegando fogo.
Não parei para pensar sobre o que havia acontecido, apenas sai correndo e continuei seguindo as setas. Corri pelo que me pareceram horas, por mais que eu tivesse pouca ou nenhuma noção de tempo.
Escondi-me de mais algum grupo de guardas que passavam.
– Que calor esta aqui! – ouvi um deles exclamar.
– Esta insuportável – o outro concordou. – Os dutos de ventilação devem ter estragado de novo. – bufou.
Olhei para os meus braços e vi que eles pegavam fogo. Deduzi que talvez eu fosse à fonte daquele calor todo. Qualquer um entraria em completo pânico se percebesse que seus braços estavam pegando fogo (bem, deduzi isso pelos filmes e livros), mas o fogo não me incomodava, nem um pouco e, além disso, lembrava-me daquilo ter acontecido algumas outras vezes.
Quando os homens saíram, voltei a correr. As setas me levaram a uma grande e pesada porta. E agora o que vou fazer? Perguntei a mim, mesma.
Tentei abrir a porta, mas estava trancada. Eu a sacudi repedidas vezes, mas era inútil. Estava tão perto de ser livre...
Sacudi a tranca mais uma vez, e senti aquele estranho calor tomar conta do meu corpo de novo. Era uma força intensa que eu não conseguia controlar.
Olhei para as minhas mãos e as vi pegando fogo, mas não sentia como se elas mesmas queimassem e sim como se fosse parte de mim.
A tranca, pelo contrário, se derreteu ao meu toque e a porta finalmente abriu...
X
2. Perdida
Senti uma luz cálida tocar o meu rosto. Era a primeira vez que eu via o sol. Perdi-me por longos momentos apenas o encarando. Quando olhei ao meu redor vi apenas uma incrível imensidão de um nada, a terra seca se estendia até onde meus olhos podiam ver.
Sabia que deveria sair dali rápido, caso não quisesse voltar para a minha cela. No entanto, não havia mais setas, agora eu estava apenas por minha conta.
Não tinha muito tempo para pensar, precisava sair dali. Então comecei a correr. Só queria estar bem longe dali quando sentissem a minha falta.
Corri, corri e corri, sabe-se lá para onde. Não sei quanto tempo se passou até eu cair exausta sobre a areia quente.
Encarei o horizonte e enxerguei várias coisas amontoadas. O que era eu não fazia ideia, mas imaginar que era algo além de areia me deixava feliz.
Caminhei exaustivamente até chegar lá, no fim das contas o perto não era tão perto assim. Quando me aproximei o cheiro era insuportável, o que me fez tossir e espirrar. Não passava de nada além de pilhas e pilhas de lixo.
Encontrei uma carcaça de carro, só com a estrutura de metal, mas foi o suficiente para me proteger do sol que fazia meus olhos doerem.
Aconcheguei-me no chão quente de areia fofa. O ar seco entrava pelo meu nariz e fazia-o arder, o clima quente me deixava mole e zonza. O belo sol quente de horas atrás agora parecia me castigar.
Minha garganta estava seca de sede, mas olhei em volta e não havia nada ali para beber. Por um instante, perguntei-me se havia feito certo em fugir daquela cela. Lá eu tinha comida e estava segura. Não estava? Engoli em seco ao lembrar-me dos meus "pesadelos" dos quais sempre acordava cheia de picadas e hematomas.
Respirei fundo e tentei dormir um pouco. Esperava que assim eu me esquecesse da sede e da fome, que também já começava a me incomodar.
Fechei os olhos que ardiam com o clima seco e deitei na areia quente. Pensei um pouco, sem água ou comida eu duraria muito pouco ali.
Onde será que estava o cara que me libertou? Esperava que ele se encontrasse comigo logo, mas eu tinha pouca ou nenhuma certeza disso. O que será que ele estava fazendo agora? Lembro-me dele ter me dito que havia outros como nós. Será que estavam todos bem? Ou estariam perdidos assim como eu?
Não me restava nada além de me encher de perguntas. Pelo menos elas faziam com que o meu tempo passasse mais rápido. Arrependi-me de não ter carregado um livro ou dois comigo, seria a melhor coisa que teria feito a mim mesma. No fim das contas, nem a companhia dos meus velhos livros eu tinha mais. Por um momento, senti-me mais sozinha do que havia me sentido a vida inteira...
Ouvi barulhos e meus olhos se voltaram para um dos montes de entulho. Vi algo se movendo lá, algo grande o suficiente para me fazer tremer. Esperava que fosse uma pessoa, olhei com mais calma e tentei me aproximar, mas não tinha nada de pessoa naquilo. Era um inseto, uma barata deduzi. Engoli em seco. Ela parecia ser bem maior do que eu. Tentei me esconder na carcaça do carro, no entanto, era tarde demais, a criatura já havia me visto.
Ela desceu do monte de entulho e começou a andar na minha direção. Dei alguns passos para trás, pensando se conseguiria fugir dela. Contudo algo se moveu atrás de mim também e quando eu me dei conta; Vi que estava cercada por insetos gigantes.
Havia vespas, baratas e formigas muito maiores do que eu. Avaliei a situação, não parecia ser possível sair dali correndo. E quanto mais eu pensava, mais os insetos se aproximavam de mim.
Comecei a tremer e a ficar nervosa. Amedrontada, não sabia o que fazer. Era assim que eu iria acabar? Mal havia escapado da cela e meu fim seria como comida de inseto.
À medida que eu ia ficando nervosa e desesperada via meu corpo se inflamar de novo. As chamas que começaram pelos meus braços, surgiram também nas minhas pernas e logo tomaram conta de todo o meu corpo.
Então senti o fogo se expandir, como numa explosão, e atingir tudo a minha volta.
Alguns insetos saíram correndo, pegando fogo, e outros, apenas caíram mortos. Sabendo controlar ou não, mais uma vez, aquele fogo havia dentro de mim salvara a minha vida.
Cai no chão exausta. Aquela pequena explosão parecia ter sugado toda a força restante que havia dentro de mim, pois senti todo o meu corpo cair ao chão, exausto.
Acordei com frio, encolhendo-me como podia para tentar não tremer. Abri os meus olhos e vi que tudo estava escuro. O calor escaldante, que vinha com o sol, havia me deixado e agora havia um frio insuportável. As roupas que eu usava não eram suficientes para me manter aquecida.
Tentei encontrar algo que pudesse colocar fogo e tentar fazer uma fogueira para me aquecer. Vasculhava o entulho em busca de algo, mas não via nada que não fosse metálico ou estivesse apodrecendo. Até que encontrei um punhado de espuma e fiz uma pilha com ela.
Vamos lá! Pensei comigo mesma, sacudindo as minhas mãos sobre a pilha. Funciona! Pega fogo! E nada... Parecia inútil. Fechei os olhos e tentei me concentrar. Imaginei meu braço pegando fogo, mas não funcionou.
O frio era tão intenso que fazia meus ossos trincarem. Mal sentia as extremidades, já roxas, do meu corpo.
Comecei a esfregar meus braços, numa tentativa mal sucedida de me esquentar. Aproveitei a pilha de espuma e me atirei nela. Não era o melhor dos cobertores, no entanto, me ajudou um pouco com o frio.
Encolhi-me como pude, enquanto a noite passava. Torcia para que o dia não demorasse a chegar, caso contrário duvidava que conseguisse sobreviver.
Fora o frio, minha garganta ardia de sede. Eu até conseguia enganar a fome, porém a sede parecia cada vez mais intensa. Se o frio não me matasse em questão de horas, ela o faria.
Tentei me concentrar um pouco e dormir. Quanto mais força eu conseguisse poupar naquele momento, por mais tempo me manteria viva.
3. Salvando vidas
Acordei com o sol tocando meu rosto, mas permaneci deitada, buscava poupar a pouca força que ainda me restava. Por um momento cogitei voltar para o laboratório, morrer livre não me pareceu melhor do que viver presa. Um calafrio varreu meu corpo, quando de relance, vi um hematoma no meu braço. Bem, talvez aquele lugar me matasse um pouco a cada dia. Independente do que fosse, meu corpo dava sinais claros de que não aguentaria uma viagem de volta. Parecia claro que não tardaria até que eu fosse enterrada naquele lugar.
Fechei meus olhos, e aos poucos fui me entregando ao meu destino...
– Fica longe de mim! – O grito, que me pareceu vir de algum lugar não muito longe de onde eu estava, despertou-me , fez com que meus sentidos ficassem em alerta. – Sai sua barata feia!
Arrastei-me com dificuldade para fora da carcaça de carro, onde me escondia, e vi o que me pareceu ser uma garotinha de aproximadamente 10 ou 12 anos, nas mãos ela tinha um pequeno pedaço de madeira e tentava a todo custo afastar uma barata gigante que se mostrava cada vez mais próxima.
A garota estava encurralada contra uma parede de entulhos, não tinha para onde fugir. O destino dela parecia tão eminente quanto o meu, morreríamos naquele lugar.
Não!... Eu podia fazer algo, mesmo que fosse a última coisa que fizesse. Aquela garotinha ainda deveria ter forças para sair dali.
Levantei-me, reunido o último gás que me restava, e corri na direção do inseto, foi inevitável não chamar sua atenção. Por um momento, ele esqueceu-se da garota e voltou-se para mim, provavelmente eu parecia maior e mais apetitosa. Então fechei os olhos e torci para que desse certo, eu precisava do fogo mais do que nunca. Senti minhas mãos esquentarem, com isso abri os meus olhos a tempo de ver uma rajada de fogo se espalhar pelo inseto e esse se debater, até ser vencido por completo.
Não tardou até que as minhas pernas bambeassem e tudo ao meu redor ficasse escuro.
– Ela está acordando. – ouvia a voz da mesma garota no momento em que tentei abrir os meus olhos.
Pisquei várias vezes até que a minha visão tivesse de volta o foco. Vi o rosto da garotinha que parecia sorrir para mim, contente por eu ter acordado.
– Finalmente! – ouvi uma voz masculina, num tom grave, que parecia impor respeito.
Tentei me virar na direção do som, mas meu corpo doía demais. No entanto, ele se aproximou do meu campo de visão. Ele era alto, tinha ombros largos, uma pele morena queimada de sol, olhos castanhos-claros, uma barba mal feita, e uma cicatriz perto da sobrancelha direita.
– Aisha achou que você tivesse morrido. – ele disse. Então era esse o nome da garotinha.
– Você dormiu por uma semana. – ela disse para mim.
– Onde estou? – tentei me levantar, mas o cara me impediu.
– Ei, espera você ainda está fraca.
– Noah me encontrou no lixão depois que você desmaiou – ele olhou torto para ela, em recriminação pelo que havia feito. – Eu sei que não deveria ter ido lá sozinha, mas é que eu tinha visto um ursinho. – ela choramingou, tentando amenizar o olhar furioso que ele lhe dirigia. – Ele queria deixar você lá, mas depois que eu disse que me salvou, Noah me deixou trazer você para cá.
O cara sentou-se na beirada da cama onde eu estava, e me olhou profundamente. Seu olhar era tão ameaçador que me fez tremer.
– Clones não salvam ninguém... – ele afirmou pensativo.
– Ela não é um clone! – Aisha se impôs.
– Concordo. – ele disse olhando para a irmã, mas logo voltou a me fuzilar com o olhar. – O que me leva a seguinte pergunta, se você não é um clone o que diabos você é então?
– Clone? – perguntei, não entendendo nada do que eles estavam falando.
Noah continuava a me encarar a espera da resposta, e tudo que eu o devolvia era um olhar cansado e confuso.
– Noah, por favor, ela está cansada.
– Não, eu estou bem. – disse tentando me levantar, mas não consegui.
– Calma. – disse Aisha me empurrando de volta para cama. – Você passou muito tempo no deserto, está fraca. Beba um pouco. – ela me estendeu um copo com água.
Erguei-o com as mãos trêmulas e o tomei rapidamente. No entanto, logo que a água escorreu pela minha garganta senti um ardor e comecei a tossir.
– Ei! Vai com calma! – advertiu Aisha. – Você passou muito tempo sem comer ou beber, seu corpo perdeu o costume.
Tomei o restante da água mais devagar, sentindo menos ardor.
– Então? – Noah insistiu – Quem ou o que é você?
Aisha lançou para ele um olhar de reprovação, que nem de longe o abalou.
– Eu não sei! – disse por fim.
Ele me encarou pouco convencido.
– Cresci numa cela... – comecei a contar para ele a minha história de maneira bem breve, até o momento que fui parar no meio do deserto. –...fora o cara que me libertou, vocês são as primeiras pessoas que vejo.
Noah coçou o queixo e me encarou por um longo instante, pensativo.
– Ela deve ser umas das sementes. – disse uma voz diferente, mais madura. Quando a mulher se aproximou do meu campo de visão vi que ela parecia ter algo em torno dos 50 anos, cabelos escuros, presos em um rabo de cavalo e me olhava de maneira amistosa. – Olá – ela sorriu para mim. – meu nome é Norma e obrigada por ter salvado a minha filha.
Retribui o seu sorriso sem dizer nada.
– Sementes... – repetiu Noah pensativo.
– O que são as sementes? – perguntou Aisha tão perdida quanto eu.
– Mas o que uma das sementes faria sozinha no meio do deserto? – Noah divagava ignorando a pergunta da irmã.
– As sementes são os seis mutantes originais que deram origem aos clones da BIOTEC. – Norma respondeu a filha.
– Se você estava no deserto, então onde estão os outros cinco? – Noah voltou a me encher de perguntas.
– Eu não sei. – disse me sentindo zonza de novo. – Se o cara que me soltou, Cristian. Se ele for uma dessas sementes é o único que conheço. Não sei como os outros são, muito menos onde podem estar. Talvez tenham fugido do laboratório também, mas eu não sei dizer.
– Deixem-na descansar mais um pouco – Norma pediu aos filhos. – Ainda tem um pouco de água e comida ao lado da cama – ela me avisou. – Não temos muito a oferecer, mas vai ajudar a recuperar suas forças.
Agradeci e os vi saírem, deixando-me sozinha.
Aconcheguei-me na cama, nem de longe tão confortável quando a da cela em que eu vivia, mas sem dúvidas era melhor do que dormir no chão quente daquele deserto. Mesmo com os olhares assustadores que Noah dirigia para mim, eu me sentia segura naquele lugar.
Fechei os olhos e decidi ficar quieta por mais alguns minutos. Tentei absorver tudo o que estava acontecendo. Havia saído da minha cela, quase morrido em um deserto, e agora estava em meio às pessoas, algo que nunca acreditei que fosse acontecer. No entanto, algo me deixou amedrontada. Estava mais do que claro que havia muita coisa sobre o mundo e sobre mim mesma que eu não desconhecia. Essa história de clones e sementes, o que era isso? E o que eu tinha haver com aquilo tudo?
Por fim tentei ignorar os questionamentos que se acumulavam na minha cabeça e me pus de pé.
Comi a barra com o gosto amargo e bebi o restante da água. Só então parei para observar o ambiente ao meu redor. Ao contrário das paredes com as quais eu estava acostumada, aquelas eram de madeira, e pela forma que estavam dispostas, pareciam-me improvisadas. O chão era de terra, sem nenhum revestimento.
Caminhei até a saída do que me pareceu ser um pequeno casebre feito às pressas. Enquanto eu caminhava era capaz de ouvir várias vozes, o que me deixava em alerta.
Quando sai, as várias pessoas, entre crianças e adultos se voltaram para mim, começando a me encarar. Estava prestes a voltar para dentro, assustada, quando Noah apareceu rindo.
– Acho que seu cabelo chama atenção. – ele disse em um tom brincalhão, muito diferente de antes.
Abri um sorriso modesto.
Quando Noah se aproximou as pessoas pararam de me encarar e voltaram aos seus afazeres.
– Então não está acostumada a ver tantas pessoas? – ele puxou assunto.
– Não. – assenti. Ver tantas pessoas chegava a ser assustador. Só me lembrava de ver tantas pessoas assim nos meus “pesadelos”. Pensar nisso fez com que eu me encolhesse assustada.
– Ei! Calma. – disse Noah ao perceber meu temor. Ele tocou no meu ombro – Não precisa ter medo, ninguém aqui vai te machucar.
Tentei sorrir, mas as minhas mãos ainda tremiam. Ao perceber que eu ainda suava frio, ele caminhou comigo para um lugar mais afastado.
De onde estava podia ver várias casas similares aquela onde acordei. Parecia uma pequena aldeia com poucos recursos e cercada por altas montanhas.
– Onde eu estou? – perguntei a Noah por fim.
– Os militaras costumam chamar lugares como esse de acampamento dos desertores. – ele deu uma breve pausa, e com uma voz nostálgica se voltou para mim. – Para mim e, para as outras pessoas que vivem aqui, é o mais próximo de paz e segurança que conseguimos encontrar.
Olhei para ele sem entender. Todas as informações que eu tinha sobre o mundo haviam sido tiradas de filmes ou livros, eu não sabia o que era real ou não.
Noah me encarou, observando minha expressão pensativa.
– O que foi?
– Não faço ideia de como é o mundo. – disse por fim.
– Imagino. – Noah pareceu entender. – Bem... – ele se aproximou um pouco mais de mim. – Não sou um bom historiador, mas talvez possa te ajudar. – ele tirou do bolso algo que me pareceu uma placa de vidro. Mas com um toque ela acendeu mostrando uma interface. Aquele tipo de tecnologia destoava muito do lugar onde estávamos. – o planeta onde vivemos costumava ser dividido entre nações, grandes países com suas culturas e línguas. Não posso dizer que viviam em paz, porque foram inúmeras as guerras, mas houve um tempo em que os conflitos cessaram um pouco, pelo medo que uns países tinham do poder de destruição dos outros. Digamos que tentaram ser diplomatas como podiam, mas quando os recursos do planeta foram se acabando, os conflitos que eram apenas regionais foram cada vez se tornando maiores, até atingir o mundo inteiro. Já ouvi histórias de grandes ilhas, como o Japão e a Grã Bretanha que hoje não passam disso, histórias...
– Quer dizer que não existem mais países? – perguntei o interrompendo.
– Não. – ele me respondeu e logo em seguida continuou seu relato. – Acho que o mundo hoje não passa de ruínas do que foi um dia. As nações deixaram de existir e o mundo se dividiu em dois, desde então o exército negro (a armada) e o exército vermelho (a ordem) se enfrentam numa guerra sem o menor sentido.
– E o que eu tenho haver com isso tudo? – o interrompi novamente.
– A BIOTEC era só mais uma empresa de armas, até criar vocês e se tornar a organização mais rica do mundo. – ele deu uma breve pausa para logo continuar. – O projeto Anexo Genesis mudou o rumo da guerra, vocês mutantes, usados como super armas.
– Então e isso o que eu sou? Um mutante? – perguntei confusa.
– Você não sabe? – ele perguntou surpreso.
Balancei a cabeça em negação.
Ouvi uma sirene começar a tocar e Noah se levantou às pressas.
– Vamos! Precisamos sair daqui.
4. A guerra
Vi as pessoas começarem a correr desesperadas e eu não entendia o porquê. Noah me puxava junto com ele, mas me recusei a me mover.
– O que está acontecendo? – perguntei quando ele se voltou para mim.
– Um bombardeio. – disse aflito. – Vamos, precisamos sair daqui. Ele saiu me puxando. No meio do caminho olhou para seu casebre para se certificar que a mãe e a irmã não estavam mais lá.
Foi um empurra-empurra e uma grande correria até entrarmos num container de metal escondido na base da montanha.
– Aisha! Mãe! – Noah gritava.
– Estamos aqui filho!
O grito em resposta pareceu deixá-lo mais tranquilo.
O local era abafado e estava ficando cada vez mais apertado. Já não cabia mais gente, mas as pessoas continuavam a entrar. Depois de algum tempo todos se calaram, pareciam aguardar pelo que estava por vir... Então houve um estrondo, tudo ao meu redor começou a tremer, algumas pessoas próximas caíram no chão. Senti o medo que emanava delas e também fiquei assustada.
Estava escuro e o pouco ar não parecia suficiente para todos. Eu estava angustiada e aos poucos começando a me sufocar, e o fato de mal poder enxergar aqueles ao meu redor me deixava ainda mais aflita.
Houve um novo estrondo e dessa vez eu também cai sentada. Tentei me levantar, porém alguém esbarrou em mim e eu cai ao chão novamente, outro pisou na minha mão e gemi sentindo uma dor tremenda.
A cada estrondo o container onde estávamos parecia que resistiria menos ao próximo ataque, e o medo era crescente. Já não sabia mais até quando suportaríamos, até que por fim os barulhos pararam e as pessoas ao meu redor pareceram respirar aliviadas.
A porta se abriu e todos correram para fora em busca de ar.
No meio da correria acabei me perdendo de Noah e sua família.
Já do lado de fora, pude ver o tamanho da devastação que aquelas bombas haviam feito. Dos casebres improvisados de madeira, não havia sequer um ainda de pé.
– Marjore! –Aisha berrou meu nome.
– Estou aqui. – disse acenando para ela.
Aisha e Norma vieram na minha direção.
– Tudo bem? – Norma perguntou para mim.
– Estou sim. – Assenti ainda um pouco assustada.
Aisha se aproximou de mim, mas quando tocou meu braço, afastou-se rapidamente balançando a mão.
– Ai! – Aisha quase berrou. – Você está queimando.
– Desculpe – disse me afastando. Ainda tremia um pouco e soava frio. – Estou um pouco nervosa.
– Não consegue se controlar? – perguntou Noah ao se aproximar de nós.
Balancei a cabeça negativamente.
– Ah que ótimo! – exclamou. – Era melhor se tivéssemos um clone. – resmungou.
– Noah!!! –Aisha brigou com ele.
– Talvez ela nunca tenha sido treinada. – concluiu Norma.
Confirmei a hipótese dela com um aceno de cabeça.
– Preciso treinar você. – disse Noah por fim. – pesaremos nisso amanhã. Primeiro precisamos ver se todos estão bem.
Àquela altura à noite já havia tomado seu lugar no céu. Os segui, pelo pouco que ficara de pé, do que antes era uma aldeia com moradias precárias. As pessoas, dada à situação, pareciam até bastante calmas. Fora alguns machucados, esfoliações e queimaduras (que acabei fazendo em alguns desavisados que ficaram próximos demais de mim), todos pareciam estar bem, pelo menos vivos.
Muitos recolhiam o que ainda era aproveitável e tentavam reconstruir suas casas.
A forma como reagiam aquilo chegava a ser assustadora. Não havia pessoas chorando ou mesmo desesperadas, elas simplesmente se levantavam e reerguiam tudo da forma que podiam.
– Vamos dormir sob luz das estrelas hoje. – murmurou Aisha.
Noah riu e afagou a cabeça da irmã.
– Seria legal se a atmosfera não estivesse poluída demais e ainda pudéssemos vê-las.
– Ainda posso imaginar. – ela disse mostrando língua.
Norma riu daquilo todo.
– Bom, vamos ver se encontramos algo para nos acomodar essa noite. – Norma disse saindo em direção ao que restara de sua casa e eu a acompanhei.
– É sempre assim? – perguntei enquanto vasculhávamos os escombros.
– Desde muito tempo, sim. – ela lamentou. – Quando tudo isso começou Aisha ainda era um bebê. A cidade onde morávamos foi completamente destruída, a guerra matou meu marido e não tínhamos muitas escolhas. – ela deu uma breve pausa e enxugou as lágrimas que tenderam a cair de seus olhos. – Quando o exército convocou Noah sabíamos que o poderíamos também e a vida seria ainda mais difícil para mim e Aisha...
– Eu sou um desertor. – disse Noah ao interromper a mãe. – escolhi não ir para guerra, minha mãe e minha irmã precisavam de mim. Mas para isso tivemos que fugir para que o exército não me encontrasse.
Pegamos alguns colchões e os estendemos no chão. Aisha ainda sorria como as crianças de filmes, enquanto Noah falava, ela brincava com o velho urso que encontrara no lixão em que eu lhe salvara sua vida.
– Existem vários acampamentos como esses. – Noah continuou. – São compostos por pessoas que desistiram de escolher um lado e optaram por elas mesmas e não se tornaram mercenários. Mas sempre que um dos exércitos nos encontra somos bombardeados.
– A cada dia que passa agradecemos por ainda estarmos vivos. – completou Norma. – Mas bem, vamos tentar dormir um pouco. – ela disse por fim se aconchegando no colchão, que estava sujo e semi destruído.
Por fim tentei fazer o mesmo. Havia sido informações demais para um único dia. No entanto, eu não estava mais presa em uma cela. Meus pesadelos amarrada em uma mesa cirúrgica, pareciam finalmente ter acabado. Eu Não era mais uma cobaia, estava livre.
5. Treinamento
Acordei com um cutucão. Remexi-me ainda sonolenta, mas a pessoa continuou.
– Vamos levanta! – ouvia a voz de Noah. Então abri os meus olhos.
– O que foi? – perguntei resmungando. – Outro bombardeio?
Levantei-me às pressas, porém todos ao meu redor ainda dormiam. O sol apontava timidamente no horizonte. Deveria ser cedo, muito cedo.
– Não é um bombardeio. – Noah respondeu. – Preciso treinar você para que seja útil.
– Tá bem. – concordei com ele. – Como começo?
Ele fez um sinal para que eu o seguisse. Caminhamos até um local afastado da aldeia. Era um campo aberto próximo ao deserto e havia vários alvos espalhados.
Noah jogou uma arma para mim e a peguei antes que caísse no chão.
– Já usou uma dessas? – ele perguntou ao se aproximar.
Balancei a cabeça negativamente.
– Nunca usei uma arma antes.
– Sempre tem uma primeira vez – ele murmurou. – Está vendo aqueles alvos? – apontou para três alvos a dez metros de nós.
Fiz que sim.
– Agora tente atirar neles.
Ergui a arma e me preparei para atirar. Quando disparei o coice quase me jogou para trás.
Noah riu.
Olhei para ele com cara fechada.
– Você é péssima de mira. – ele gargalhava.
Meu tiro havia passado bem longe da mira.
– Deixe-me te ajudar. – Noah se aproximou ficando atrás de mim, com as mãos sobre os meus braços ele corrigiu minha mira. – Agora olhe desse jeito. – sussurrou corrigindo minha postura.
Atirei novamente, dessa vez os braços dele ao meu redor impediram que eu voasse para trás.
O tiro ainda passou longe do centro, mas pelo menos acertou o alvo.
– Ainda vamos precisar de muito treino. – Noah sussurrou bem próximo ao meu ouvido o que me causou um estranho calafrio. Olhei para ele e me senti sem graça sem saber o motivo.
– Ai! – Noah gemeu se afastando de mim. – Isso e outra coisa que precisa de treino.
Olhei para ele e seus braços estavam vermelhos. Tentei me aproximar, no entanto ainda estava quente só pioraria tudo.
– Calma! – ele tentou me tranquilizar. – Estou bem, mas você precisa respirar fundo e ficar calma.
Fechei os olhos e respirei longa e profundamente. Aos poucos senti a temperatura do meu corpo ir baixando.
– Devo me lembrar de que você queima. – ele brincou.
Senti-me sem graça por tê-lo machucado.
– Me desculpa. – sussurrei. Olhando para baixo, nitidamente envergonhada.
– Está tudo bem. – ele se aproximou de mim de novo. – Você precisa aprender a controlar seus poderes. Consegue criar uma chama na palma de suas mãos?
– A vez que tentei não consegui. – confessei, lembrando-me da noite gelada que havia enfrentado.
– Então tente de novo – disse colocando as mãos sobre meus ombros. – O fogo deverá se restringir apenas às suas mãos. Caso contrário irá me queimar.
– Mas... – comecei a protestar, mas ele me impediu.
– Apenas faça. – Comecei a suar frio. – Você já está esquentando, ficar nervosa não irá ajudar. Se concentre, tente sentir o fogo dentro de você e o redirecione para a palma de suas mãos. – Ele deslizou suavemente as mãos até o meio do meu braço. – Tenha calma, se concentre, você irá conseguir.
– Não quero queimar você. – choraminguei.
– E não irá. – ele me garantiu. – Basta você se concentrar.
Fechei os meus olhos e senti a energia que corria dentro de mim. Tentei me manter tranquila, não queria machucá-lo ainda mais.
Ele soprou minha orelha e eu me arrepiei toda.
– Se concentre. – ele sorriu. – Distrações existirão, mas você deve se concentrar.
Permaneci com os olhos fechados até sentir o calor em minhas mãos. Quando os abri novamente havia uma pequena chama acesa.
– Viu, você consegue. – Noah disse se afastando. – Agora quero que use essa chama para atacar os alvos.
Olhei para ele apreensiva. Não achava que fosse capaz de fazer aquilo.
– Vamos! – ele insistiu. – Nunca irá conseguir se não tentar.
Ele estava certo. Fechei meus olhos novamente e me concentrei, logo depois joguei o fogo na direção do alvo. Mas ele se apagou antes mesmo de percorrer metade do caminho até seu objetivo.
Noah riu do meu olhar de decepção. Eu parecia bem longe de controlar os meus poderes.
– Tenha calma. Nada acontece tão rápido quanto queremos.
Noah parecia sensato demais para um homem jovem. Talvez, ou melhor, provavelmente a guerra havia o feito amadurecer muito mais do que algumas visíveis cicatrizes deixavam transparecer.
– Vamos lá, tente outra vez – ele insistiu.
Fiz o mesmo novamente e nada.
– Talvez eu não consiga fazer isso. – murmurei.
– Ah! Pare de reclamar, mas é claro que consegue. Eu já vi muito bem o que seus clones são capazes de fazer. Sendo você a original acho que pode ir bem além disso. – Ele afirmou com uma certeza que eu claramente não tinha.
– Vou tentar de novo. – disse por fim.
E tentei de novo e de novo, mas não conseguia. Contudo já notava um controle melhor sobre o calor que corria pelo meu corpo.
Não sei quanto tempo ficamos ali naquela mesma tentativa que me deixava cada vez mais exausta. Quando por fim olhei para o céu o sol já estava a pico.
– Vem. – ele me estendeu a mão quando me sentei exausta no chão. – vamos voltar. Acho que já foi o suficiente por hoje, e preciso ajudar com a reconstrução das casas.
Peguei a mão dele para me levantar e o segui de volta para a aldeia.
As pessoas já estavam de pé e reconstruíam suas cabanas. Noah se aproximou para ajudar a mãe.
– É culpa dela. – alguém apontou para mim.
Olhei para o homem velho de barba branca mal feita e feições de alguém sofrido.
– Como assim? – Noah se aproximou de mim novamente. – Não é culpa dela.
– É sim! Ou não acha que a BIOTEC virá atrás dela?
– Vão sim. – completou uma mulher. – e quando chegarem vão matar a todos nós.
– Ela está sobre minha responsabilidade. – interveio Noah se colocando entre mim e a multidão furiosa. – enquanto eu ficar ela fica.
– Mas... – o homem tentou contestar a autoridade de Noah, porém logo se arrependeu.
– Eu tenho passado a minha vida tentando proteger todos vocês. – Noah se impôs. – E vou proteger a todos. – ele fez ênfase na última palavra.
Mesmo contrariadas as pessoas voltaram a reconstruir suas casas, não pareciam dispostas a insistir.
– Talvez seja melhor eu não ficar aqui. – murmurei para Noah.
– Não precisa ficar se não quiser, mas também, não precisa se sentir obrigada a partir porque eles olharam torto para você. Saiba que aqui você é livre para fazer suas próprias escolhas. – ele deu uma breve pausa. – no momento em que você saiu daquele laboratório você não é mais uma cobaia da BIOTEC.
Sorri para ele e comecei a ajudar Norma a organizar as coisas.
6. Apenas ruínas
À medida que os dias avançavam, meu domínio sobre os meus poderes aumentava. Todos os dias pela manhã, antes mesmo do sol nascer, Noah me acordava para que continuássemos com o meu treinamento, dentro de algumas semanas eu já conseguia usar uma arma e também usar meu poder como arma.
Na manhã daquele dia, eu acordei antes mesmo de Noah me chamar. Estava sentada em uma pedra assistindo o sol nascer, enquanto iluminava o ambiente ao meu redor com a chama que irradiava do meu braço.
– Que bom que já está de pé. – ele comentou ao se sentar ao meu lado.
– Vamos treinar agora? – perguntei ao me virar para ele.
– Não, hoje não. Os suprimentos da aldeia estão quase no fim. Preciso sair com uma equipe para encontrar mais.
– Eu posso ir com você? – perguntei.
– Não acho que seria seguro. Não faz ideia do quanto pode ser perigoso além dessas montanhas. As regras deixaram de existir, tudo o que restou foi destruição e mais guerra. Existem soldados e mercenários por todo o lugar, ou pelo menos o que restou dele.
– Talvez eu possa ser útil. – insisti.
– Esse cabelo vermelho acho que só chamaria mais atenção – ele riu.
– Eu posso amarrar ou...
– Tá bem, vamos dar um jeito. – ele se levantou. – Precisamos de roupas para você também, com esse uniforme do laboratório você dificilmente passaria despercebida.
Caminhamos até uma caverna nas montanhas onde havia alguns containers com mantimentos. Ele abriu um deles, tirou roupas e jogou para mim.
– Isso deve servir. – ele encontrou um boné e também o lançou para mim. – Acho que isso a ajudará a esconder os cabelos.
Escondi-me atrás de um dos containers e troquei de roupa, depois enrolei meu cabelo embaixo do boné.
– Vamos logo. – ele disse quando eu já estava pronta.
Encontramos-nos com os demais na entrada da vila. Era um grupo de aproximadamente dez pessoas e dois carros que pareciam ser jipes. Quando eu me aproximei todos se voltaram para mim.
– Ela vai? – perguntou uma mulher morena, com os cabelos escuros presos em uma trança e parecia ter uns 25 anos. O nome dela era Tânia.
– Sim. – respondeu Noah naturalmente, ignorando o olhar raivoso da mulher. – Acho que ela será útil.
Por fim ela preferiu não discutir e todos entraram nos carros. Segui Noah e fiquei bem perto dele, sentamos nos bancos e alguns caras ficaram dependurados.
Os motoristas ligaram os carros e rumamos de volta para o deserto. Alguns minutos depois, na estrada, Noah me entregou uma arma.
– Não hesite em usá-la. E tente manter seus poderes fora de vista.
Assenti.
A viagem parecia longa. Meu sentido de tempo não era bom, mas me pareceram horas e durante todo o percurso eu não via nada além de pedras e areia, não havia o menor sinal de algo vivo a quilômetros.
Usar o boné foi uma grande proteção contra o vento que carregava grãos de areia que cortavam a minha pele.
Com o passar do tempo eu consegui avistar ao longe o que um dia foram prédios, mas agora não passavam de ruínas.
Quando os carros pararam, escondidos em uma duna de areia próxima, pude ver melhor a cidade, ou o que restara dela. Segui o grupo até a entrada e onde quer que eu olhasse só via destruição.
– Nos reencontramos aqui no fim da tarde. – Noah deu um sinal e todo o grupo se dispersou. – Vamos! – ele me chamou para segui-lo. – Seja discreta e tente não chamar atenção.
Caminhei ao lado dele do modo mais silencioso que pude. Ao caminharmos um pouco mais vi a carcaça de um animal que deveria estar morto ali há dias, e sobre ele se amontoava um velho disputando espaço com animais. Meu estômago se revirou e eu tive vontade de fechar os olhos.
– Não sei como você imaginava o mundo enquanto crescia naquele laboratório, mas provavelmente o real é bem pior. – comentou Noah, quase num sussurro.
Continuamos a nossa caminhada e o lugar se mostrava cada vez mais hostil e deserto.
Passamos por um outdoor que fez com que eu pulasse de susto. Parecia uma grande TV que exibia um pequeno trailer com a minha imagem junto com cinco outras pessoas, entre elas o cara que havia me libertado, e em letras garrafais estava escrito “Nós temos o melhor exército”.
Cambaleei para trás, porém Noah me segurou antes que eu caísse.
– Ei calma!
– É para isso que me fizeram? Para matar? – perguntei chocada. Por mais que já soubesse a verdade, ver meu rosto daquela forma era assustador.
– Sim. – ele não tentou amenizar. – Você é uma arma, Marjore.
Engoli em seco e continuei caminhando. Na rua onde estávamos havia uma grande cratera que dividia o asfalto, um prédio caído atrapalhava a passagem. Noah ouviu um barulho e me puxou para trás de um prédio para que nos escondêssemos.
Assim que saímos da rua, um grupo de soldados passou por nós. Eram por volta de dez homens, bem não dava para saber ao certo, eles vestiam um uniforme vermelho e usavam um capacete que cobria totalmente seus rostos. Na frente do grupo havia uma fera, algo que eu não conseguia dizer exatamente o que era. A criatura tinha um rosto deformado, com dentes grandes que não cabiam na boca, seus dedos se assemelhavam a garras. Da sua boca pingava um líquido verde que quando caia no chão formava buracos.
– Que coisa é essa? – perguntei a Noah num sussurro.
– A BIOTEC fez inúmeras experiências e apenas você e os outros cinco mantiveram a aparência humana.
Quando os soldados saíram da nossa visão voltamos a caminhar na rua.
– Então quer dizer que existem milhares de monstros espalhados por aí?
– Provavelmente. Mas a BIOTEC não os clona como faz com vocês. Mesmo que às vezes sejam até mais fortes, a aparência assustadora deles não os torna bem comercializáveis.
Por um momento permaneci calada. Perguntava-me como e onde estariam os outros. Será que Cristian havia concretizado seu objetivo? Estariam todos livres ou teriam sido recapturados pela BIOTEC?...
– Devem estar malucos atrás de você. – disse Noah interrompendo meus pensamentos. – Você é a matriz, sem você eles não conseguem fazer mais clones.
– E se os outros tivessem conseguido fugir também?
– Se não conseguissem capturar vocês de novo seria a ruína da empresa.
Por fim, continuamos a andar. Noah entrou em um prédio e eu o segui. A portaria estava completamente destruída, paredes derrubadas ou rachadas.
– Vamos ver se encontramos algo útil. – avisou Noah. – Mas tenha cuidado, nem sempre esses prédios estão vazios e é cada vez mais difícil encontrar algo que possamos utilizar. Tudo é constantemente saqueado.
– As pessoas não moram mais aqui? – perguntei.
– Alguns sim, mas os sensatos foram embora ou formaram outras aldeias como a que vivemos.
Subimos pelas escadas e paramos em frente a um apartamento. Noah usou sua arma para arrombar a porta e fez um sinal para que eu o seguisse em silêncio.
Quando entramos, um rato do tamanho de um gato e com duas cabeças, correu para longe. Segurei o grito de pavor e Noah riu baixinho.
– Não é a única coisa mutante por aqui. – murmurou.
Dentro do apartamento não havia muita coisa além de ratos. Eles pareciam ter tomado completamente o local. Da sala caminhamos até o quarto. Com ajuda de uma lanterna, Noah abriu o guarda-roupa e jogou o que encontrou dentro de uma sacola.
Andei pelo quarto, observando tudo que podia. Havia um grande espelho na parede, alguns móveis e aparelhos tecnológicos. Havia também um computador que Noah pediu para que eu pegasse. Seja lá quem um dia morou naquele lugar havia saído com tanta pressa que deixara tudo para trás.
Vi um porta retrato com a foto dos pais e de uma filha de aproximadamente dez anos. Eles sorriam felizes e me perguntei que destino tivera aquela família. Por um breve momento, pensei em mim mesma e na família que nunca tive. Como seriam meus pais? Será que um dia tive pais?...
– Vamos. – chamou Noah rompendo meus pensamentos
O segui para fora do quarto, mas antes de sair peguei uma arma sobre a mesa de canto que provavelmente ele não viu. Junto com ela havia algumas balas, fui rápida e joguei tudo em uma sacola. Segui Noah até o que me pareceu ser uma cozinha. Ele abriu a geladeira, mas estava vazia. Isso pareceu deixá-lo muito decepcionado.
O ajudei a vasculhar os armários e encontrei o que me pareceu ser as mesmas barras com gosto estranho que eu havia comido na aldeia.
Encontrei também alguns galões com água, e isso pareceu deixá-lo mais animado.
Vasculhamos o apartamento todo em busca de coisas úteis.
Quando estávamos prestes a deixá-lo, ouvimos alguém entrar e Noah me puxou para a cozinha novamente, para que nós escondêssemos.
– Malditos! – esbravejou uma voz masculina. – Entram aqui e saqueiam tudo.
– Como se nós fizéssemos diferente. – outro homem, com uma voz menos impactante, caçoou.
– Calado! – o primeiro homem disse com raiva.
Dei um passo para trás e acabei esbarrando em uma lata que estava jogada no chão, com o silêncio da situação o barulho pareceu estrondoso.
– Quem está ai?! – berrou o homem.
– Droga, Marjore! – resmungou Noah baixinho.
– Deve ser um rato. – comentou o segundo homem.
– Rato coisa nenhuma! – o homem berrou. – Tenho certeza que tem alguém escondido aqui.
– Vamos embora. – insistiu o segundo cara. – Já saquearam tudo, não tem mais nada para nós aqui.
Houve um momento de silêncio, depois que sons de passos nos indicaram que eles haviam deixado o apartamento.
– Acho que podemos ir agora. – disse Noah no momento em que olhei para ele.
Caminhamos com cautela até a porta, não ouvíamos nenhum barulho vindo lá de fora, mas assim que saímos alguém nos surpreendeu.
– Ah rá! – berrou um homem alto e gordo que me segurou pelo pulso. Ele tinha uma barba espessa que lhe cobria o rosto. Olhos escuros e fundos e era careca.
O segundo homem, que arrancou a arma de Noah assim que eu fui capturada, era tão alto quanto o primeiro, porém mais magro e com feições menos assustadoras.
– Sabia que estavam aqui.
– Me soltem se não... – ameaçou Noah.
– Se não o que? – zombou o homem que me segurava.
Noah tentou brigar, mas teve medo que algo acontecesse comigo então se rendeu.
– Tire suas mãos de mim. – berrei.
O brutamontes que me segurava riu.
– Durona você hein. Pena que não pode fazer nada. – ele gargalhou. – Acho que além dessas coisas que vocês pegaram, também ficarei com você. – ele alisou o meu rosto fazendo com que eu me contorcesse de nojo.
– Mexeu com a garota errada cara. – sussurrei apertando com a minha mão livre o braço dele.
Senti meu corpo esquentar e o local onde eu tocava ficar cada vez mais vermelho. O homem me largou berrando de dor e cambaleou para trás. O segundo ao ver seu parceiro caído tentou pegar a arma para atirar em mim, mas Noah foi mais rápido. O golpeou, jogando-o no chão desacordado.
– Você é um dos clones. – disse o homem que eu havia queimado assim que ele olhou bem para mim. Ele mal podia falar e ficou ainda mais chocado ao chegar naquela conclusão. No entanto, antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa ouvi um tiro e ele caiu aos meus pés. Ao lado de sua cabeça formou-se uma poça de sangue.
Noah se virou para o outro cara e atirou nele também.
– Ei! Precisava matar eles? – protestei.
– Eles são mercenários e viram você. Sua cabeça deve estar valendo uma fortuna te perseguiriam até o Inferno. – Noah disse friamente. – Agora vamos!
– É tão fácil assim para você? – perguntei em meio a um sussurro enquanto caminhávamos lentamente.
– O quê? – ele perguntou sem entender.
– Matar.
– Nós estamos em uma guerra, à morte faz parte disso.
Depois da resposta dele permaneci em silêncio até chegarmos à portaria, porém antes de sairmos pudemos ver um grupo de aparentemente cinco homens parados junto à entrada. Eles se vestiam de maneira semelhante aos outros dois que havíamos enfrentado anteriormente.
– Como vamos passar por eles? – perguntei em um sussurro.
– Use seus poderes para distraí-los.
Olhei o ambiente ao meu redor, pensando no que poderia fazer. Então, vi uma pilha de entulhos próxima ao grupo e havia bastante espuma nela, o que provavelmente produziria muita fumaça. Caminhei lentamente na direção do grupo, tentando me esconder para não ser vista. Quando estava em uma distância suficiente arremessei contra a pilha uma chama que a fez pegar fogo instantaneamente.
Uma fumaça preta subiu deixando o grupo confuso e surpreso, provavelmente se perguntava a causa daquilo.
Noah passou por mim e me puxou pelo braço, assim saímos o mais rápido possível de perto deles.
– Parabéns você foi esperta. – disse a mim, quando já estávamos a uma distância segura.
Sorri em agradecimento pelo elogio.
– Vamos encontrar os outros agora.
Assenti.
Caminhamos em silêncio e atentos até a entrada da cidade onde havíamos deixado os carros. Atrás das dunas de areia podíamos ver alguns que já haviam retornado. A mulher morena cujo nome eu não me recordava me lançou um olhar frio e feroz, estava nitidamente incomodada com a minha presença.
– Não se preocupe com ela. – murmurou Noah. – Ela late, mas não costuma morder.
Ri sem graça.
Os olhares que ela lançava para Noah, e ele fingia não ver, deixavam bem claras as suas intenções. Para ela, eu parecia claramente uma ameaça.
Quando todos já estavam reunidos subimos nos carros e rumamos de volta à aldeia. O caminho de volta foi silencioso exceto pelos comentários sobre o que haviam conseguido coletar. Todos pareciam tremer o fato de estar cada vez mais difícil encontrar comida, e que a água do rio, que cortava a cidade, estava cada vez mais poluído e difícil de ser tratada.
Fomos recebidos com festa. Felizmente todos haviam retornado inteiros, o que me deu a impressão de não ser algo frequente.
Naquela noite eu dormi pensando nas coisas que havia visto, principalmente no meu rosto estampado em vários lugares. Quantas de mim haveriam por aí? Quantas vidas eu já teria tirado?
7. Família
Acordei cedo com o barulho de alguém martelando algo. Pus-me de pé e caminhei para fora da casa. Lá eu vi Noah sobre uma escada pregando telhas mais resistentes no telhado da casa improvisada. Ele estava sem camisa e pude ver as mais diversas cicatrizes que se alastravam pelo seu corpo, perguntei-me como ele deveria ter conseguido cada uma delas, mas pelo que enfrentamos ontem não era tão difícil assim saber.
– Bom dia, Marjore! – ele sorriu a me ver.
– Bom dia! – retribui o sorriso.
– Desculpa por ter te acordado. – ele concluiu que suas marteladas provavelmente haviam sido meu despertador.
– Sem problemas. Já estava mesmo na hora de levantar.
– Oi, Marjore! – Aisha quase berrou.
Voltei-me para ela, que estava sentada a alguns metros da casa, brincando no chão com o ursinho que havia ido buscar no dia em que nos conhecemos.
– Brinca comigo? – ela pediu.
Noah olhou feio para ela que se encolheu envergonhada.
Eu me sentei perto da garotinha e abri um sorriso para que ela se descontraísse.
Aisha me estendeu o ursinho e pegou outra boneca. Olhei para o objeto de pelúcia na minha mão por alguns minutos, sem conseguir evitar senti meus olhos lacrimejarem. Então, por instinto passei a mãos neles para secá-los.
– Desculpa. – Aisha sussurrou sem entender. – eu fiz alguma coisa?
– Não. – voltei a sorrir para ela. – É que eu nunca brinquei antes, se importa de me ensinar? – disse balançando o ursinho.
– Claro que não. – ela sorriu de orelha a orelha. – Bom, vamos brincar assim... – começou a me explicar.
De longe Noah observava a cena, não sabia se ria ou se nos assistia. Provavelmente com tudo o que Noah precisava se preocupar, dificilmente deveria sobrar algum tempo para brincar com a irmãzinha.
– Esse é o George. – ela apontou para o ursinho que eu segurava. – e você será a mamãe dele. E essa e a Joana. – ela apontou para a boneca de pano. – e vai ser minha filha.
– Bem, não sei se serei uma boa mãe. – confessei pensativa.
– Por quê? – ela perguntou sem entender.
– Talvez porque ela nunca teve uma. – disse Noah ao me puxar pelo braço e sair me arrastando.
Acabei deixando o ursinho cair no chão, enquanto Noah me arrastava para longe. Aisha, sem entender a atitude do irmão, reclamava furiosa por ele ter acabado com sua brincadeira antes mesmo que ela tivesse começado.
– Ei! Por que fez isso? – perguntei quando ele finalmente me soltou no local que usávamos para treinamento, bem longe de onde estava sua irmã.
– Aisha não fez por mal, mas provavelmente sua brincadeira deve ter machucado você.
Fiquei em silêncio por alguns minutos. Na cela onde eu costumava viver, não tinha costume de fazer tantos questionamentos sobre mim mesma como estava fazendo naquele momento.
– Eu posso lidar com isso. – disse por fim.
– Pode? – pareceu rir ao ouvir minha resposta. – Então boa sorte. – ele me olhou por uma última vez e caminhou para longe.
Desviei meus olhos de Noah a tempo de perceber um homem descer correndo desesperado montanha abaixo.
– Mercenários! Mercenários! – ele berrava.
Noah correu para dentro da casa e voltou com duas armas e uma delas ele jogou para mim.
As pessoas desesperadas corriam de um lado para o outro.
– Crianças e idosos se escondam na caverna. O restante peguem armas e venham comigo. – Noah ordenou.
Norma ajudava um grupo a correr para se proteger, o restante de nós, armados, escondemo-nos atrás das casas e esperamos.
Ouvimos o zunido alto de motos e em seguida uma sequência delas adentrou os limites da aldeia. Eram cerca de quinze motoqueiros, com as cabeças cobertas por seus capacetes eu era incapaz de dizer se eram homens ou mulheres. Todos vestiam pesadas roupas de couro, que eu não julgava ser muito confortáveis sob o calor forte que fazia. Um deles que estava ao centro do grupo, tinha um porte mais forte do que os demais e em seu capacete havia dois chifres de metal, pareceu-me ser o líder. Ele deu dois passos para frente e então falou:
– Me entreguem seus recursos, que ninguém se machuca.
– E por que faríamos isso? – perguntou Noah sem sair de seu esconderijo.
– Para evitar que sejam massacrados.
– Eu não teria tanta certeza. – Noah disse ao começar a atirar contra eles.
Eu e os demais o seguimos e também passamos a disparar contra os invasores. No entanto, eles nem saíram do lugar, parecia que a roupa deles era a prova de balas. Continuamos a atirar, mas claramente não fazia a menor diferença. Não conseguiríamos espantar eles daquele jeito.
Corri para perto de Noah um pouco antes de o grupo começar a revidar. As armas deles eram muito mais potentes que as nossas e com poucos disparos arrancaram pedaços das casas improvisadas.
– Estamos perdidos. – disse um dos amigos de Noah.
Noah olhava em todas as direções, tentando encontrar alguma solução, mas seu olhar frustrado deixava claro que ainda não havia encontrado nenhuma saída.
Lembrei-me do que tinha feito no dia que havia salvado Aisha. Talvez pudesse fazer algo. Fechei meus olhos e me concentrei, senti o calor irradiar por todo o meu corpo quando olhei para as minhas mãos vi que elas estavam em chamas assim como o restante do meu corpo.
– Então, vão se render ou teremos que destruir tudo? – perguntou o líder dos mercenários.
– Não, não vamos. – eu disse caminhando na direção deles.
Eles arregalaram os olhos surpresos ao olharem para mim.
– Que diabos é isso? – praguejou o líder. – Vocês não tem dinheiro para ter um clone.
Continuei caminhando na direção deles, que mantinham as armas apontadas para mim, mas não atiravam.
Noah gritou para que eu retornasse, contudo não o dei ouvidos. Quando achei que já estava em uma distância razoável. Fechei os meus olhos e me concentrei.
– Vamos peguem-na! – ordenou o líder dos mercenários. – Ela pode ser muito útil para nós.
Dois homens voaram em minha direção, mas antes que fizessem qualquer coisa, eu me certifiquei que os moradores da aldeia estavam protegidos e então expulsei o calor de dentro de mim para fora. Vi uma onda de fogo, como uma explosão, partir de mim e atingir tudo num raio de dez metros, o que jogou os invasores longe, desacordados.
Noah e o restante das pessoas saíram de seu esconderijo, e correram na direção dos mercenários para terminar de abatê-los, caso meu fogo não tivesse feito isso.
– Uau! – isso foi incrível. – sussurrou um dos caras da aldeia ao se aproximar de mim. O nome dele era Derik, e ele sempre havia sido legal comigo.
Olhei para os meus braços e vi as chamas neles se apagando. Então, meus olhos foram ficando turvos, vi Noah correr em minha direção e tudo ficou escuro...
Quando abri os meus olhos, eu estava deitada sobre a minha cama improvisada dentro do casebre. As coisas ao meu redor ainda giravam, e custei a focalizar Noah ao meu lado.
– Oi! – Noah sorriu ao ver que eu estava acordando. – Está se sentindo bem?
– Estou sim. – sorri para ele ao me levantar.
– Foi poder demais para você suportar. – Ele sorriu chegando a essa conclusão. – Mas obrigado, você salvou a todos nós.
Devolvi o sorriso.
Instantes depois eu percebi que estava nua sobre o cobertor e me envolvi envergonha. Noah olhou o meu desespero e riu.
– As roupas que você estava usando pegaram fogo. – disse me explicando a situação. – Minha mãe adaptou as roupas que você veio do laboratório. – ele me entregou roupas que pareciam comuns, bem diferentes do uniforme que eu estava usando quando cheguei aqui. – Aparentemente o tecido delas é a prova de fogo, então evitará que fique nua de novo.
Quando peguei as roupas, Noah saiu para que eu pudesse me trocar. Não sei quanto tempo havia passado dormindo, mas me sentia revigorada. Estava claro que toda vez que eu abusava dos meus poderes minhas forças se esvaiam junto com eles. Precisava aprender o quanto do meu poder poderia usar sem desmaiar.
Sai para a pequena sala e vi Aisha sentada em um sofá e sorrindo para mim. Vi um cano de plástico saindo do seu braço e levando seu sangue até uma máquina.
Aproximei-me dela, assustada, não me lembrava de que tê-la visto assim.
– O que está havendo, pequena? – perguntei a ela.
– Ah isso? – ela apontou para máquina. – essa máquina tira as células cancerígenas do meu sangue.
– Isso é horrível! – choraminguei com os olhos cheios de água.
– Não fique triste. – ela sorriu para mim. – A maioria de nós está doente. Eles jogaram tantas bombas que o pouco que restou está cheio de radiatividade.
– Por isso, os insetos gigantes. – disse Noah ao se aproximar de nós, querendo descontrair um pouco o clima pesado que havia se instalado ali.
– Graças a essas máquinas podemos continuar vivos.
– Será que eu também estou doente? – uma pergunta feita mais a mim mesma, porém falei em um tom alto suficiente para que eles pudessem ouvir.
– Não. – Noah me respondeu. – Você é imune à radiatividade, ou pelo menos os clones são.
– O corpo de Noah parece também não sofrer nenhum efeito. – completou Aisha.
Ela se soltou da máquina e voltou a sorrir, como a típica criança que costumava ser. Correu e me abraçou por alguns instantes. Retribui o abraço sem entender.
– É bom ter você aqui. – ela sussurrou. – Noah precisava mesmo de uma namorada.
– Aisha! – ele a recriminou.
Mas ela ignorou o tom agressivo do irmão e olhou para ele sorrindo. Logo depois ela saiu nos deixando sozinhos.
Um clima desconfortável pairou sobre nós alguns minutos. Olhava para Noah, envergonhada, e ele fazia o mesmo. Apenas nos encarávamos sem dizer uma única palavra.
– Deixa a Aisha para lá. – ele disse finalmente quebrando o silêncio. – Ela adora me colocar em alguma saia justa.
– Aisha é uma criança ainda. Deixa ela. – sorri.
Noah se sentou no sofá antes ocupado pela irmã e fez um gesto para que eu me sentasse ao lado dele. Não relutei em sentar-me no local indicado.
– Por falar em infância, a sua não deve ter sido nada fácil. – disse mudando de assunto.
– Bem... – eu pensei um pouco. – Perto de como vocês vivem aqui a minha infância nem foi tão ruim assim.
Lembrei-me de alguns flashes que, às vezes, se confundiam com sonhos. Porém eu não tinha a menor dúvida de que eram reais.
– Eu vivi toda a minha vida em uma cela. – continuei. – Era mais um quarto do que uma cela em si e era confortável, minha geladeira sempre estava cheia e eu tinha a companhia de inúmeros livros e filmes, eles me ensinaram praticamente tudo o que eu sei. No entanto, eu estava presa, não podia ir a lugar nenhum. – dei uma breve pausa para respirar e logo continuei. – Mas depois que fui ficando mais velha comecei a sonhar, duvido muito que se resumissem a isso, mas era o que parecia na época. Nesses sonhos, via-me amarrada em uma mesa gelada de metal e com várias pessoas ao meu redor, enfiando agulhas em mim. Porém, sempre que acordava estava cheia de hematomas.
Noah permaneceu em silêncio, provavelmente não sabia o que dizer. Por um momento, eu me divaguei em meus pensamentos, pensando... como era bom ter pessoas ao meu redor. Não estava mais sozinha. Então meus pensamentos se concentraram nos outros. Onde estariam eles? Teriam todos conseguidos fugir ou ainda estariam nas garras da BIOTEC?
– Vem, vamos comer alguma coisa. – Noah se levantou e me estendeu a mão.
8. Uma nova chama
– Marjore! – ouvi Noah me chamar.
Abri lentamente os olhos e vi seu rosto bem próximo do meu. Quando eu me levantei ele sorriu.
– Bom dia!
– Bom dia! – retribui o sorriso. – Vamos treinar?
Ele fez que sim com a cabeça.
Quando já estava de pé ele me estendeu aquela barra de gosto estranho, com a qual comumente matávamos nossa fome e um pouco de água. Essa, pelo que podia perceber, estava cada vez mais difícil de conseguir. O rio que cortava a cidade era poluído demais para qualquer tipo de consumo e as máquinas, que existiam na aldeia, já pareciam não estarem mais dando conta.
Caminhamos para fora da casa até a área de treinamento. Algumas pessoas já estavam lá praticando, mesmo que o sol mal tivesse nascido.
– Você foi incrível ontem. – Noah disse enquanto caminhávamos. – Se não fosse por você não teríamos os derrotado.
Sorri lisonjeada.
– Foi bom termos encontrado você. – ele devolveu o sorriso.
– Que bom que me encontraram.
Não sabia o que seria de mim se Aisha não tivesse ido parar lá. Para ser sincera, acho que dificilmente teria sobrevivido.
Noah lançou um bastão na minha direção que quase me jogou para trás.
– Ei! – protestei.
– Chega de enrolar. – voltou à postura séria. – Vou ensinar você a lutar.
Ele partiu com o bastão na minha direção eu tentei me defender, mas não consegui me esquivar de seu golpe e acabei levando uma paulada no braço.
– Ai! – protestei. – Assim você vai acabar me machucando.
– Você acha que os soldados ou mercenários que tem lá fora vão ter pena de você? – a postura dele era irredutível. – Pelo contrário. Se tiverem uma oportunidade te esmagarão como um verme.
– Eu sei. – disse esfregando meu braço que estava dolorido pela pancada.
Noah tentou me atacar novamente, mas dessa vez consegui me esquivar, porém não fui boa o suficiente para escapar do golpe seguinte.
A cada golpe que ele deferia contra mim eu conseguia me esquivar mais, porém aqueles que não conseguia evitar doíam muito, mas ele não parecia ter um pingo de dó de mim.
Percebi que só tentar me esquivar dos golpes dele não ajudaria muito , precisava pensar em algo e logo, caso contrário sairia cheia de hematomas.
Tentava usar o bastão em minhas mãos para interceptar o dele. Mas mesmo assim, parecia inútil.
– Ah, Marjore, vamos lá! – disse Noah. – Se eu fosse um inimigo de verdade você já teria morrido.
Olhei para ele furiosa.
– Chega de bater isso em mim! – rosnei.
Noah riu.
Peguei no bastão que estava nas mãos dele e o fiz pegar fogo de imediato. Noah teve que soltá-lo para não se queimar também.
– Ei! Esquentadinha, calma! – ele continuou rindo, mas mantive o semblante sério. – Nunca subestime seu adversário. – disse me dando uma rasteira que me jogou no chão.
Minha cabeça bateu e fiquei um pouco zonza por alguns minutos, porém logo recobrei a consciência.
– Nunca subestime seu adversário. – repeti rindo.
Antes que Noah tivesse tempo para qualquer reação eu o puxei pela perna e o joguei ao chão também. Ele acabou caindo em cima de mim.
Eu o encarei, seu rosto estava a centímetros do meu, nossas respirações chegavam a se misturar. Tentei não soar frio, mas foi impossível. Ainda bem que eu estava deitada no chão, pois minhas pernas tremiam. Pude sentir o coração dele bater contra o meu peito, pois seu tórax amassava meus seios.
Uma lufada de ar quente veio em minha direção e tentei não perder o controle sobre meus poderes.
Noah acariciou o meu rosto e meu corpo tremeu da cabeça aos pés, como se uma corrente elétrica tivesse passado por ele.
– Tente não me matar. – ele sussurrou ao aproximar seu rosto mais do meu.
Senti seus lábios tocarem os meus e uma estranha onda de sentimentos invadiu meu corpo. Tentei não perder o controle de mim mesma, embora isso parecesse impossível. Noah levou a mão até a minha nuca e puxou meu rosto para mais perto. Sua língua forçou meus lábios pedindo passagem e os abri levemente permitindo que ela entrasse.
Deslizei minhas mãos levemente pelos seus ombros e o abracei, acabando com a pouca distância que havia entre nossos corpos. Tentei espirar fundo para não pegar fogo, por mais que Noah de um jeito diferente deixasse o meu corpo em chamas.
Sua língua brincava com a minha em uma dança sensual, deliciosa. Não fazia ideia de quanto poderia ser bom beijá-lo.
Noah afastou seu corpo do meu e parou de me beijar.
– Desculpa, não consegui resistir. – ele sussurrou olhando para baixo envergonhado.
Eu não disse nada, apenas o puxei de volta. Fechei meus braços ao redor do pescoço dele, unindo seu rosto ao meu. Sentia o calor da pele dele contra a minha, o calor humano que nunca havia sentido antes. Ele percorreu com as mãos a lateral do meu corpo, deixando pelo caminho uma sensação desconhecida e extremamente prazerosa. Eu queria mais, muito mais daquilo...
– Noah! – ouvi alguém gritar o nome dele.
Afastamo-nos e eu praguejei mentalmente. Quando olhei para o lado vi Tânia lançar um olhar furioso para nós. Ela, com os dentes cerrados de raiva, encarou Noah e saiu correndo.
– Vai atrás dela? – perguntei ao Noah que a encarava correr.
– Não. – ele respondeu. – Nunca tive nada com ela, não preciso dar satisfação dos meus atos.
Fiquei olhando ela se afastar, com a cara que estava, certamente me mataria se tivesse oportunidade. Pela primeira vez senti o que era alguém me odiar.
– Não liga para ela. – sussurrou me puxando para perto novamente.
Levantei-me e peguei o meu bastão.
– Onde estávamos?– disse rodando o bastão nas mãos.
Noah riu e também se colocou de pé.
– Eu estava tentando treinar você, mas caso tenha se esquecido de você destruiu a minha arma.
– Só estava tornando as coisas mais equilibradas – sussurrei partindo para cima dele.
Noah se esquivava de mim com facilidade e, ria a cada golpe que eu deferia contra ele. Mas com o tempo eu estava melhorando e cada vez mais próxima de acertá-lo.
Em um movimento Noah se esquivou fazendo com que o bastão passasse reto ao lado dele. E com uma velocidade incrível ele surgiu atrás de mim e me agarrou pelo pescoço.
– Venci. – sussurrou ao pé do meu ouvido, fazendo com que meu corpo todo se arrepiasse.
– Tem certeza? – perguntei mostrando a ele minha mão em chamas.
– Não vale isso. – ele murmurou. – Se é para ser justo você também não pode usar seus poderes.
– Mas... – comecei a choramingar.
– Sem, mas... – ele sussurrou dando uma leve mordida na minha orelha fazendo meu corpo tremer inteiro. – Agora que eu ganhei quero o meu prêmio. – disse me girando para que eu ficasse de frente para ele.
Ele me apertou contra o seu corpo e eu lutei contra a sensação gostosa que me preenchia.
– Mas e a Tânia? – murmurei me lembrando do olhar de ódio que ela lançara para mim quando ela nos viu aos beijos.
– Eu só me importo com o que você está pensando agora. – depois disso ele não permitiu que eu dissesse mais nada. Prendeu meu corpo ao dele com seus braços fortes e com uma das mãos subiu pela minha nuca até embrenhar seus dedos em meus cabelos. Aquela sensação deliciosa percorreu meu corpo novamente. Se fosse aquele o prêmio dele eu queria perder sempre. Minhas pernas ficaram bambas, mas os braços dele me impediram de cair. Seus lábios tocaram levemente a base do meu pescoço e meu corpo queimou com uma sensação desconhecida, um desejo feroz gritava dentro de mim.
– Calma! – ele sussurrou. – Não te quero pegando fogo literalmente. – riu baixinho.
Corei envergonhada, não queria machucá-lo.
– Desculpa. – sussurrei.
– Sem problemas. – murmurou dando uma leve mordida na minha orelha fazendo um arrepio varrer meu corpo.
– Desse jeito e difícil me controlar. – murmurei.
– Desde que não me queime, não precisa se controlar. – ele enfiou a mão no meu cabelo e colou seus lábios nos meus.
Abri levemente meus lábios, permitido que a língua dele invadisse novamente a minha boca. Meu corpo voltou a ficar mole, sustentado apenas pelos braços dele que me prendiam ao seu. Aquela sensação gostosa me preencheu novamente. Passei a mão levemente pelo seu rosto, sentido a cicatriz que ele tinha ao lado da sobrancelha. Acariciei seus macios cabelos negros.
Noah correu as mãos pelas minhas costas, fazendo com que um arrepio percorresse o mesmo caminho.
Minhas mãos estavam trêmulas, e minha respiração era ofegante, minhas mãos suavam frio e meu corpo ansiava por mais.
Ele me encostou em uma parede e com suas mãos apoiadas nela, começou a beijar levemente meu queixo, descendo devagar até a base do meu pescoço. Eu, de olhos fechados, delirava com aquelas sensações...
– Hunrumm! – alguém pigarreou fazendo Noah praguejar mentalmente.
– O que foi dessa vez? – ele perguntou ao parar de me beijar e se virar para a pessoa que estava diante de nós.
Abri meus olhos e vi que era um dos moradores da aldeia, lembrava-me de tê-lo visto várias vezes, inclusive em nossa missão até a cidade, mas não me recordava seu nome. Ao se deparar com os olhos furiosos de Noah ele provavelmente se arrependeu de ter nos interrompido.
– É a sua vez de ficar na vigília. – disse o homem se segurando para não gaguejar.
– Tá, estou indo. – disse Noah abrindo um leve sorriso para quebrar o clima sério que havia se estabelecido.
– Ok – o cara disse virando as costas. –, não demora.
– Já vou. – garantiu Noah. – Bem, eu preciso ir. – disse me dando um selinho.
– Posso ir com você. – pedi. – prometo que não vou te incomodar.
Ele riu.
– O meu medo não e do que você vá fazer e sim eu. Não sei se vou conseguir me concentrar na vigília tendo você ao meu lado.
Olhei para ele com um pouco de súplica nos olhos. Noah acariciou o meu rosto e sorriu.
– Vem, vamos! – disse passando a mão ao redor da minha cintura.
9. Sentinela
Caminhamos até o alto de uma das montanhas, onde se encontrava um pequeno posto de vigia. Camuflado ao ambiente, se não soubesse bem o que estava procurando, dificilmente o veria.
Assim que nos viu, o homem que estava no posto saiu da cabine e caminhou em nossa direção, entregou um binóculo para Noah e então desceu montanha abaixo.
Em silêncio, Noah e eu entramos no posto.
– A qualquer sinal de movimento você me avisa. – disse ao me estender outro binóculo.
Assenti.
Dali eu era capaz de ver tudo a um raio de pelo menos 50 quilômetros. Do deserto ao lixão, onde Aisha havia me encontrado, até as ruínas da cidade mais próxima. Havia vários resquícios do que um dia foram prédios, espalhados por todo deserto. Imaginei que aquela cidade em ruínas era uma das poucas que ainda tinham histórias para contar.
Perguntei-me se os outros estariam ao alcance da minha visão. Estaria Cristian bem? Estariam os outros livres? Teriam encontrado um lar como eu consegui? Ou ainda estariam presos, servindo de molde para criar mais armas mortíferas...
– No que está pensando? – perguntou Noah ao me notar distante.
– Nos outros. – respondi sem me prolongar muito. – Espero que estejam todos bem.
– Eles estão. – Noah passou os braços ao redor do meu corpo. – Todos devem ter conseguido fugir também.
– Assim espero. – disse apoiando minha cabeça no ombro dele.
Voltei a observar as redondezas sem pensar em nada. Por alguns minutos me concentrei em deixar minha mente vazia.
A noite se transformava em madrugada e nada se mexia em um raio de quilômetros. Bem, talvez eu não servisse tanto para ficar na vigília, porque, não me lembro de exatamente quando, mas acabei pegando no sono. No fim das contas não me senti tão mal por isso, era o trabalho de Noah, então eu podia dormir um pouco.
Lembro-me de ter sonhado com os outros. Nós seis, juntos, felizes e livres. Vivíamos em um mundo bem diferente das ruínas que víamos hoje.
– Marjore, acorda! – disse Noah me chamando em um sussurro.
– O que foi? – resmunguei ao coçar os olhos, ainda pregados de sono.
– Olha isso! – ele disse apontando para a base externa da montanha.
Levantei-me e direcionei meus binóculos na direção indicada por ele. Vasculhando a areia, vi dois bichos gigantescos que eu não fazia ideia do que eram. Difíceis até de descrever, as criaturas pareciam quimeras da mitologia grega. Eram enormes, se moviam com as quatro patas, tinham uma cabeça redonda com dentes enormes e pontiagudos, o corpo coberto por um pelo espesso e escuro e na lateral do pescoço fissuras feito as de tubarões.
– O que é isso? – perguntei a Noah, ainda boquiaberta com o que vira.
– São feras rastreadoras. – ele explicou. – Mais uma das criações da BIOTEC. São ótimos para encontrar coisas.
– E o que acha que estão fazendo aqui?
– Eles podem estar atrás de você.
Engoli em seco.
– Acha mesmo isso? – perguntei preocupada.
– Provavelmente. – ele confirmou. – Uma hora ou outra eles viriam atrás de você.
Fiquei observando eles vasculharem a areia. Pareciam perdidos, como se tivessem de alguma forma perdido o meu rastro.
Noah olhou para mim e sorriu. Estranhei a reação dele, estava com medo de me encontrassem aqui. Não queria de forma alguma voltar a ser prisioneira naquela cela.
– Não se preocupe – disse acariciando o meu rosto. – Não vão encontrar você aqui. Tentamos fazer de tudo para tornar essa aldeia irrastreável.
– Espero mesmo que não me encontrem. – disse o abraçando. – Não quero ter que voltar para lá.
– Não vai. – ele sussurrou me dando um beijo na testa. – Não vou deixar tirarem você de mim.
Sorri, tentando parecer aliviada, porém no fundo ainda tinha medo. Como Noah havia dito eu era a mina de ouro deles, me caçariam até o fim do mundo caso fosse preciso, e essa ideia me assustava.
Voltei a observar as feras, que pareciam furiosas por não encontrarem nada. Só naquele momento percebi que havia um homem junto delas, esse usava uniforme e capacete preto, além de ter nas mãos uma arma poderosa, similar a dos mercenários que invadiram a aldeia. Ele gritava enfurecido com os animais, mas isso parecia fazer pouco ou nenhum resultado.
Após o que me pareceu horas de procura, eles nada encontraram. O homem montou em uma das feras e foi embora. Respirei aliviada. Eu estava a salvo, pelo menos por mais algumas horas.
– Acha que estão todos sabendo que eu fugi? – perguntei a Noah.
– Você diz quem? A BIOTEC ou o resto das pessoas? – ele se virou para mim me devolvendo a pergunta.
– Todo mundo. Os civis em geral.
Noah riu.
– Não, provavelmente não sabem. A BIOTEC não deixaria esse tipo de informação importante vazar assim. Outras empresas e até mesmo os exércitos dariam tudo para colocar as mãos em você.
Comecei a suar frio. Pensei que estava a salvo ali, mas estava redondamente enganada. Minha cabeça estava a prêmio.
Noah pegou minha mão. Sorria para mim tentando me fazer sentir segura.
– Terão que passar por mim para antes de encostar em você. – ele disse imponente.
Eu ri.
– Não acho que você serviria de algum empecilho contra um exército de mutantes.
– Dúvida de mim? – ele cruzou os braços , fechando a cara e estufou o peito, o que me fez rir mais ainda.
– Claro que não, super homem. – ri ainda mais.
– Tá, sem brincadeiras. – sua expressão ficou séria. – Vou te proteger.
Eu o abracei.
– Eu sei. – disse em meio a um sussurro.
Ficamos por um bom tempo observando o horizonte em busca de algo suspeito, porém, felizmente nada mais apareceu. Sabia que a madrugada já se findava, quando Noah me aconselhou a dormir, disse que voltaríamos à cidade, na manhã seguinte, atrás de mais recursos, e que precisava de mim inteira para isso.
Aconcheguei-me no chão próximo a ele e não tardei a pegar no sono.
10. Desejo
Acordei com um suave beijo no meu rosto. Quando abri os olhos vi Noah sorrindo para mim.
– Bom dia! – ele sussurrou.
Olhei em volta e percebi que ele havia me trazido para a cama onde eu dormia. Perguntei-me se já era tarde e eu havia atrapalhado a missão, mas logo conclui que Noah não deixaria isso acontecer.
Levantei-me e caminhei até o lado de fora. Lá vi Norma mexendo com o que me pareceu ser uma máquina de costura, no entanto, essa era muito mais tecnológica do que as que eu via nos filmes. Aisha, sentada no chão, brincava com seu ursinho. Ela abriu um largo sorriso quando me viu e correu na minha direção para me abraçar.
– Oi! – disse ao retribuir o seu sorriso.
Ela fez um sinal para que me abaixasse, assim ela poderia falar algo no meu ouvido. Fiz o que ela me pediu, curiosa com o que a pequena diria.
– Sabe, fico feliz que Noah tenha uma namorada. – ela sussurrou.
Corei envergonhada. Fiquei calada, sem o que dizer. Não sabia ao certo o que estava acontecendo entre Noah e mim, foram alguns beijos e carícias, no entanto, eu mal sabia o que tudo isso significava. Perguntei-me, por alguns segundos, se Aisha havia nos visto juntos ou era só esperança de uma criança, que num mundo caótico como aquele, não tinha muito ao que se apegar, e talvez só quisesse ver o irmão feliz.
Aisha percebeu que eu estava desconcertada e me abraçou forte. Fiquei encarando aqueles bracinhos em volta de mim, e seus enormes olhos castanhos brilhando e retribui ao abraço.
– Fico feliz em ter encontrado com você. – murmurou em meio ao abraço.
– Que bom que me encontraram. – sussurrei de volta.
Noah se aproximou de nós e afagou o cabelo dela. Sorrindo para nós duas.
– Bem, pequena, posso levar Marjore comigo agora? – perguntou a irmã.
– Não tenho escolha, não é? – ela resmungou sorrindo. – Nos vemos depois, Marjore. – disse ao me soltar.
– Nos vemos sim. – sorri.
Noah pegou a minha mão e me puxou para perto dele, isso pareceu deixar a irmãzinha ainda mais contente.
– Voltamos amanhã. – disse ele quando começamos a nos afastar.
– Aonde nós vamos? – perguntei a ele enquanto caminhávamos para os limites da aldeia.
– Encontramos sinais de uma cidade abandonada a algumas horas de viagem daqui. Vamos atrás de suprimentos lá.
Chegamos ao local onde os demais estavam reunidos. Tânia desviou o olhar quando me viu, estava nitidamente irritada com a minha presença. Noah simplesmente a ignorou, como se ela não nos encarasse feio.
Entramos no jipe. Tânia se assegurou de ficar bem longe de nós.
– Parece que tem alguém bem irritada com você, Noah. – zombou um dos caras. Ele era alto, com um corpo um pouco mais magro do que o de Noah, tinha cabelos grandes e cheios de dreads e a pele queimada por causa do sol.
Noah simplesmente o ignorou. Não parecia ser do tipo que se importava muito com a opinião alheia.
O carro partiu em direção a estrada além das montanhas, e eu me perdi olhando para o horizonte. Até onde meus olhos podiam ver não havia sequer uma folha verde. Durante o tempo em que vivi presa, imaginava como seria o mundo além daquelas paredes, mas em nenhum momento imaginei um mundo como aquele que se estendia diante dos meus olhos. Os animais, as árvores, nada daquilo parecia ter um dia se quer existido. Ainda era difícil dizer o que eu realmente esperava ver aqui fora. Filmes e livros, cada um deles, na maioria das vezes, mostrava o seu mundo, o que me deixava ainda mais confusa sobre o que era real ou não.
– Pensando em que? – perguntou Noah a mim, atraindo a minha atenção.
– No mundo, – respondi. – em como o mundo é e como eu pensei que fosse.
Ele me puxou para mais perto dele.
– As coisas costumavam ser melhores. – ele murmurou. – Lembro bem da minha avó me contando como era o mundo antes da guerra, antes de tudo ruir. – disse pensativo. – Espero que um dia as coisas melhorem, que essa guerra acabe e possamos viver em paz.
Aconcheguei-me nele.
– Também espero.
Continuei observando o caminho pelo qual passávamos. Por onde quer que eu olhasse só conseguia ver areia e destroços, restos do que um dia foram casas ou mesmo prédios.
À medida que as horas avançavam, via o sol se despedir no horizonte. A cada minuto, o céu ficava mais laranja, e depois cada vez mais escuro, dando lugar à noite.
Quando chegamos ao perímetro da cidade, o céu já estava bem escuro. O vento gelado das noites no deserto já soprava me fazendo tremer de frio.
Como de costume escondemos o carro e nos dividimos. Encontraríamo-nos ali ao amanhecer para voltar à aldeia.
Segui com Noah para dentro da cidade em ruínas. Ela parecia completamente deserta, eu não sabia se isso era bom ou ruim. Caminhamos em silêncio por entre as ruas, por todos os lugares o asfalto estava rachado, postes derrubados e pontos de ônibus destruídos, as lojas tinham as vitrines quebradas e o conteúdo completamente saqueado. Por um momento duvidei que encontrassem algo ali.
Caminhei ao lado de Noah pelo que me pareceu uma meia hora. Ele sempre atento, mantinha a arma ao seu alcance. A qualquer movimento estaria preparado. Parecia saber bem onde deveríamos ir, onde ainda restavam suprimentos. Noah entrou e um beco e eu o segui, andamos por uma viela escura com alguns letreiros luminosos. No caminho, nos deparamos com um robô em destroços, alguém deveria ter desistido de concertá-lo.
Paramos em frete a uma pesada porta que bloqueava a entrada de um hotel. Ela parecia indestrutível e aberta apenas com senha.
– Acha que consegue derreter os controles? – perguntou a mim.
Olhei para ele por alguns instantes, perguntando-me se aquilo funcionaria.
– Eu posso tentar. – disse por fim.
Aproximei-me do painel e coloquei as mãos nele. Concentrei-me para produzir o máximo de calor possível. Quando o senti derreter sob minhas mãos ouvi um creck e a porta se abriu.
Nós entramos e por incrível que pareça tudo parecia em ótimo estado, fora uma ou outra parede rachada. Estava escuro, eu não conseguia enxergar as coisas direito, mas tudo parecia inteiro ali. Noah encontrou um interruptor e acendeu a luz. Fiquei surpresa, não via energia elétrica desde que havia deixado minha cela.
Com a luz pude enxergar o local mais claramente. Por que alguém fugiria e deixaria tudo assim para trás?
Vi Noah tirar um aparelho da mochila enquanto também olhava a perplexo o lugar. O pequeno equipamento emitiu uma luz e pareceu escanear o local.
– O índice de radioatividade desse local é muito alto. – disse Noah ao analisar seu aparelho. – infelizmente, poucos de nós tivemos a sorte de nascer imune a compostos radioativos. Eu sou um desses poucos.
– E quanto a mim? – perguntei em um misto de preocupação e curiosidade.
– Seus clones são imunes à radioatividade. Então, tudo me leva a crer que você também seja.
Ficamos em silêncio ao caminharmos pelo saguão do hotel. Ele era luxuoso, com um grande lustre ao centro e paredes brancas e tecnológicas. Havia um robô que se assemelhava muito ao ser humano na recepção, a não ser pelas as dobras de seu corpo, por onde podia ver fluir um líquido azul. Fiquei curiosa a respeito, uma pena que estava desligado.
Noah se aproximou do balcão e vasculhou até achar a chave de um dos quartos. Fomos até o elevador e subimos para o andar indicado na chave. O corredor era largo, iluminado com lustres luxuosos, um robô vestido com trajes de camareira, se contorcia no chão com os últimos resquícios de energia.
Segui Noah pelo corredor até chegarmos em frete a porta com os números indicados no cartão. Ele o colocou na porta e essa se abriu instante depois.
Entramos e tudo se acendeu. Uma mulher surgiu em um holograma no corredor que ficava bem depois da entrada. Ela usava um terno feminino e tinha o cabelo preso em um rabo de cavalo.
– Bem vindos ao hotel Lótus. Eu sou Jane o serviço de quatro. Estou aqui para lhes proporcionar...
– Serviço de quarto dispensado – murmurou Noah e o holograma desapareceu.
Ele deixou a mochila cair ao chão e se jogou sobre a enorme cama macia.
Observei o restante do quarto, as paredes eram cobertas por um papel sofisticado, tinha uma grande televisão, frigobar, além de uma porta que eu não sabia ao certo para onde dava. Aquele hotel de luxo era lindo.
– Deita aqui comigo. – disse Noah batendo na cama ao lado dele. – Quanto tempo eu não deito em uma cama macia. – ele se aconchegava no colchão.
Coloquei as coisas que carregava no chão e pulei na cama ao lado dele. Realmente o colchão era muito macio, mais macio até do que eu me lembrava de ser a cama da minha cela no laboratório.
– Eu não me importo de viver nesse lugar. – murmurou rolando na cama.
– Mas e a sua família?
– Não estou falando sério, Marjore. – ele disse rolando para cima de mim.
Fui estranhamente tomada por um misto de surpresa e prazer quando ele acomodou seu corpo sobre o meu. Encarei os olhos dele em silêncio. A proximidade de nossos corpos me deixava sem fala. Minhas mãos suavam frio, era difícil me concentrar para não pegar fogo. Sentia uma ânsia, um desejo desconhecido percorrer cada centímetro do meu corpo, que queimava, não com o calor dos meus poderes, mas com as sensações que ele causava em mim. Um calor envolvente que me tirava o ar. Não imaginava que haveria sensação ainda mais intensa do que nos momentos em que ele me beijara.
Noah fazia com que eu me sentisse muito além de segura, dava-me à sensação de liberdade que a BIOTEC havia arrancado de mim.
A respiração dele também era urgente. Sentia seu corpo cair sobre o meu, seu tórax precisando os meus seios. O coração dele batendo rápido contra meu peito.
Ele passou a mão delicadamente pelo meu rosto, afastando os fios do meu cabelo que estavam sobre ele.
Meu corpo tremia sob o dele, minhas mãos estavam geladas devido ao meu esforço em controlar meus poderes.
Noah roçou seu rosto no meu, antes de aproximar seus lábios, que tocaram com carinho a superfície dos meus. Abri levemente a boca para que sua língua pudesse entrar. Ele me beijou com urgência e desejo, um desejo que até então, não havia deixado transparecer. Sentia o corpo dele queimar pelo meu tanto quanto o meu queimava pelo dele.
– Acho melhor pararmos. – ele disse ao afastar seus lábios dos meus, fazendo-me lamentar por isso.
Segurei seu rosto entre as minhas mãos e encarei seus grandes olhos castanhos e seu cabelo preto e curto, completamente bagunçado. Deslizei os dedos suavemente pela cicatriz que ele tinha ao lado da sobrancelha direita e desci até a superfície dos seus lábios, que mesmo um pouco secos por causa do calor ainda eram extremamente deliciosos.
– Por que deveríamos? – o questionei em um sussurro.
– Você é doce, pura, ingênua...
– Mas não significa que eu não sabia o que vai acontecer, ou não queira isso. – disse o interrompendo. Bom, já havia lido muitos livros de romance.
– Eu sempre tentei ser um homem racional, a aldeia precisa disso. Mas desde que você chegou, não consegui conter o meu emocional, não consegui evitar me apaixonar por você. – sussurrou ao pé do meu ouvido. Suas últimas palavras me deixaram ainda mais certa de que eu queria aquilo.
Amor e desejo foram dois sentimentos que eu acreditava que nunca sentiria um dia. Nem em meus sonhos mais fantasiosos, imaginei estar como estava naquele momento. Sentia meu corpo febril e agora entendia com clareza o significado daquilo, era desejo, uma chama voraz que naquele momento queimava mais do que aquela que alimentava os meus poderes.
– Não me prive de ser humana, como a BIOTEC fez. – pedi.
Meu corpo estremeceu de uma súbita felicidade quando ele me rendeu em um beijo novamente. Mas dessa vez ele não tentou conter o desejo que sentia por mim.
Suas mãos deslizaram ao redor do meu corpo até a base da minha blusa. Então ele a tirou e jogou para longe. No começo fiquei envergonhada, mas não protestei, eu queria aquilo e sentia que ele queria também.
Seus lábios beijando o meu pescoço não me deixavam pensar mais em muita coisa, apenas na gama de sensações que ele provocava pelo meu corpo. Joguei a cabeça para trás, o sentindo cobrir de beijos a base do meu pescoço.
Sua boca voltou a encontrar a minha e meu corpo todo estremeceu. Suas carícias me deixavam tonta, faziam meu corpo se expressar de uma forma que eu desconhecia, mas deliciosa que me fazia pedir por mais.
Ajudei-o a tirar sua camiseta, que também fora jogada longe.
Trocávamos beijos cada vez mais intensos e urgentes.
Embriagada pelos beijos dele pelo meu corpo. Senti uma sensação muito diferente de tudo que já havia sentido antes, algo capaz de fazer com que me esquecesse de tudo ao meu redor. Por mais descritivos que fossem alguns livros que já havia lido, um conjunto de palavras era incapaz de descrever aquilo.
– Você é tão macia. – ele murmurou ao percorrer com uma das mãos a minha coxa. Foi quando me dei conta de que ele já havia se livrado do restante das minhas roupas.
Ele deslizou os lábios do meu pescoço e lambeu a ponta enrijecida de um dos meus seios. Seu toque tão íntimo fez meu corpo contorcer, surpreso.
Noah abriu um leve sorriso.
– Não precisa ter medo. – sussurrou ao acariciar meu rosto.
– Não estou com medo. – retribui o sorriso dele. – Sou só inexperiente. – sussurrei baixinho.
– Eu sei. – disse ao acariciar meu rosto. – Prometo ir bem de vagar.
Ele caiu novamente sobre o meu corpo e quando sua boca se fechou sobre o meu seio, perdi completamente a capacidade de fazer questionamentos e mergulhei ainda mais no desejo que ele despertava em mim. Um desejo que aumentava a cada beijo, cada caricia da língua dele em minha pele, a cada toque das suas mãos. Senti meu corpo pulsar quando ele deslizou as mãos por entre as minhas pernas e não hesitou em me proporcionar um toque tão íntimo, o que fez meu corpo se arquear.
Noah me beijou calorosamente, dando chupões e mordidas em meus lábios, enquanto seus dedos entravam e saiam de mim sem o menor pudor. Mas o desejo que ele despertou ali já não era mais satisfeito apenas com seus dedos. Eu queria mais, só não sabia como dizer isso a ele.
– Posso continuar? – ele perguntou ao pé do meu ouvido.
– Por favor. – quase implorei.
Ele ajeitou seu corpo sobre o meu, e lentamente começou a deslizar pra dentro de mim. Quando sentiu uma barreira ele me beijou e entrou com afinco, rompendo o que estava em seu caminho.
Soltei um alto gemido de dor e apertei com força o lençol sob o meu corpo.
Noah parou, permitindo com que meu corpo se acostumasse com a presença dele.
Ele me beijou com carinho e acariciou meu corpo, ainda sem se mover.
– Ainda dói? – ele sussurrou preocupado.
– Um pouco. – confessei.
– Eu poso parar. – disse ao apoiar as mãos no colchão com a intenção de se levantar.
– Por favor, não! – eu disse fazendo com que ele olhasse para mim. – Eu quero que continue.
– Oh, Marjore. – ele me beijou com desejo, fazendo com que a dor se dissipasse por completo.
Ele se apoiou na cama e começou a se mover sobre mim. Fazendo a dor dar lugar ao prazer. Um delicioso prazer, que arrancou de mim um novo gemido.
– Dor?
– Não, algo delicioso.
O que eu disse pareceu deixá-lo imensamente feliz.
Noah foi lento e delicado, aumentando o ritmo à medida que eu o acompanhava. Aos poucos ia sentindo meu corpo voltar a queimar com o desejo, revelando para mim sensações que imaginava nunca poder sentir.
Ele soltava gemidos suaves de prazer e não tardou a atingir o clímax, ainda dentro de mim. Instantes depois, caiu cansado sobre a cama, sentia sua respiração ofegante.
Noah me puxou novamente para o seu peito, que subia e descia rapidamente, e deslizou novamente as mãos por estre minhas pernas, começando a me massagear, com uma leve pressão dos seus dedos. Seu toque fez meu corpo estremecer e um gemido alto escapar por entre meus lábios. Quando atingi o clímax meu corpo relaxou sobre o dele, fiquei alguns segundo inebriada pela sensação prazerosa e indescritível. Estava muito feliz por Noah ter me proporcionado aquilo.
11. Projeto Genesis
Quando acordei minha cabeça estava sobe o peito dele e podia ouvir seu coração bater. Aquele som me proporcionou uma alegria imensa. Estar com Noah me fazia sentir coisas que até então me recusava a pensar a respeito. Cresci vendo casais em filmes e livros vivendo amores intensos, que para mim, isolada do mundo em uma cela, era impossível. Meu corpo estava levemente dolorido, mas com a sensação deliciosa de que ele havia estado dentro de mim.
– Olá – sussurrou sorrindo ao abrir os olhos. – como se sente?
– Um pouco dolorida, mas com uma sensação maravilhosa. – sussurrei
Ele abriu um largo sorriso e me encheu de beijos rápidos.
– Não vai mais doer, meu amor. – ele sussurrou. – eu prometo.
Fiquei por um instante sem fala. Ouvir ele se referir a mim daquele jeito me pegou completamente de surpresa.
– O que foi? – ele perguntou ao perceber que eu estava em choque.
– Meu amor? – repeti as palavras dele num sussurro.
– Sim! – ele voltou a sorrir e me abraçou. – Você não está mais sozinha, meu amor.
Ficamos abraçados por alguns minutos até que ele se levantou. Quis protestar, mas ele estendeu a mão para mim.
– Vem, com sorte ainda encontramos água quente.
Peguei a mão dele e caminhamos na direção de uma porta. Quando Noah a abriu pude ver um banheiro claro com toalhas embaladas, vários vidrinhos, como aqueles que eu via nos filmes, estavam sobre a bancada de pedra onde ficava a pia.
Noah me arrastou para o chuveiro com ele, e a água caiu quente sobre nós. Não tomava um banho quente desde que havia saído da cela e a sensação era relaxante.
Passei as mãos sobre o abdômen dele sentindo as cicatrizes que ele tinha por todo o corpo.
Ele sorriu a me ver o observando.
– Minha pele não e tão macia quanto a sua. – disse me acariciando.
– Onde consegui tantas cicatrizes? – perguntei ainda as analisando.
– Tiros, facadas, brigas, foram tantas coisas que já perdi as contas. – riu. – Já escapei da morte tantas vezes.
Eu o abracei e ele afagou meu cabelo molhado.
– Vem, precisamos ir. – disse ao desligar o chuveiro.
Enquanto nos vestíamos, aproximei-me do espelho. Minha pele estava um pouco mais bronzeada do que eu me lembrava de ser, meus olhos verdes pareciam estranhamente descansados. Talvez Noah fosse responsável por isso. Não consegui conter o sorriso que esse pensamento me causou. Pela primeira vez eu soube o verdadeiro significado da palavra felicidade.
Terminei de me vestir e passei os dedos na tentativa de pentear os meus longos cabelos ruivos.
Noah saiu do banheiro e eu o segui.
– Pegue tudo que possa carregar e acredite que possa ser útil. – disse a mim, enquanto pegava sua mochila e começava a vascular o quarto.
Abri o frigobar que felizmente parecia lotado de coisas ainda em perfeito estado. Peguei uma fruta e joguei para Noah e outra para mim. Não comia algo assim desde que havia escapado da BIOTEC. A maçã parecia ainda mais suculenta do que eu me lembrava de ser.
Juntei tudo que havia lá dentro, como refrigerantes, cervejas, comida enlatada, outras coisas e joguei dentro da minha mochila.
Depois de vasculhar todo o quarto e recolher tudo que parecia útil saímos para o corredor. Noah se aproximou do robô desligado no chão e pegou dele um cartão.
– Essa é provavelmente a chave mestre. – ele explicou para mim. – Com ela vamos conseguir entrar nos outros quartos.
E assim fizemos, entramos de quarto em quarto recolhendo tudo o que parecia útil e toda a comida que encontrávamos. Depois de uns cinco ou seis quartos revirados, entramos em um tanto peculiar. Ele não aprecia padronizado como os demais, era mais pessoal. Entramos em silêncio, atentos a qualquer movimento que nos indicasse que havia algo ali dentro. Havia um cheiro forte que me deixou zonza e enjoada.
– Alguém morreu aqui. – concluiu Noah, o que me fez entender a origem daquele cheiro. – Vamos para o próximo quarto.
– Não. – segurei seu braço o impedindo de sair. – Eu quero ver o restante do quarto.
– É só mais um quarto como os outros. – ele me garantiu. – E com alguém morto ai dentro.
– Prometo não demorar. – sussurrei entrando.
O fato de alguém viver ali, estranhamente, me chamou muita atenção e deixou curiosa. Eu sempre havia tentado reprimir minha curiosidade justamente porque muitas das vezes não poderia saná-la, mas agora não havia problemas, Noah não me mataria se eu nos atrasasse mais um ou dois minutos.
Silenciosamente, caminhei para dentro do quarto, Noah me seguia de perto. A cada vez que nos aproximávamos mais, mais forte e enjoativo ficava o cheiro. Quando finalmente pude enxergar todo o quarto à primeira coisa que vi foi um cadáver deitado sobre a cama como alguém que dormia. Acho que a radiatividade do lugar era tanta que não havia insetos para comer seu corpo. O homem parecia ter não mais que 50 anos, estava bem vestido com trajes sociais e seu corpo parecia intacto. Seja lá quem fosse ele, desejava que descansasse em paz.
– Marjore! – Noah me chamou atraindo minha atenção.
Virei-me na direção da voz e vi que ele havia entrado em um pequeno cômodo que ficava a alguns metros de mim. Caminhei até lá e fiquei extremamente surpresa com o que vi. Era um pequeno cômodo, sem janelas ou qualquer tipo de ventilação, iluminado apenas por algumas luzes esverdeadas que me deram a sensação de que eu passaria mal caso ficasse tempo de mais lá dentro. Mas não foi isso que me deixou curiosa e ao mesmo tempo me assombrou. Havia centenas, talvez milhares, de fotos cobrindo todas as paredes, várias e várias delas eram minhas. Dentre essas fotos havia representações minhas desde criança até a idade atual.
Eu não era a única entre as fotos, vi Cristian nelas e mais outras quatro pessoas, os demais os mutantes.
– Esse cara era fascinado por nós. – deduzi.
– Talvez mais do que isso. – murmurou Noah me entregando o que me pareceu ser um crachá.
Era uma plaquinha de vidro, ou de algum material transparente, que exibia a imagem do sujeito e o nome dele: Felix Negri. Mas isso não era tudo, além da logo da BIOTEC estampada no crachá, havia também os dizeres: Cientista Chefe do projeto Genesis.
– Esse cara provavelmente trabalhou na criação de vocês. – Noah verbalizou o que eu estava me questionando. – Acho que talvez você possa encontrar algumas respostas aqui. – ele me entregou um computador.
Segurei aquele objeto por alguns instantes, e tive a sensação de que ele provavelmente saberia mais sobre mim do que eu mesma.
– Vamos. – disse Noah me puxando pelo braço. – precisamos ir. Já esta quase na hora de nos encontrarmos com os outros.
Eu assenti e segui-o para fora do quarto, parando apenas por um breve instante para olhar para o cara morto na cama. Tinha milhares perguntas para fazer, mas ele era incapaz de respondê-las.
Noah e eu fomos até a cozinha e enchemos um carrinho, que encontramos lá, de suprimentos. Havia muita coisa, acho que teríamos comida por um bom tempo.
Quando chegamos ao local combinado, para nos reencontramos com o restante do grupo, o sol já havia despontado no céu.
O restante do grupo se apoiava ao redor do carro e nos olhavam impaciente. Não sei quanto tempo havíamos passado lá, mas pareceu o bastante para deixá-los irritados.
– Achei que não fossem mais voltar. – exclamou Tânia emburrada.
– Demoramos, mas conseguimos encontrar bastante coisa. – disse Noah tentando se defender, apontando para os carrinhos cheios de comida.
– Ohh, quanta comida! – eles exclamaram.
– O que encontraram um supermercado?
– Quase. – Noah sorriu. – Um hotel.
– Um, um hotel. – murmurou Derik, o cara dos dreads, com um sorriso malicioso.
Eu corei, lembrando-me do que havia acontecido entre Noah e eu no hotel. Noah me puxou para perto dele e olhou feio para os caras, para que eles parassem.
Tânia nos olhou furiosa.
– Não é porque fizemos de vice-líder que temos que ficar esperando aqui enquanto você se deita com a mutante. – ela resmungou.
– Vamos embora! – disse Noah colocando as coisas no jipe e ignorando a fúria de Tânia. Se a intenção dela era o atingir claramente não estava funcionando.
Joguei minha mochila no carro e subi nele, justamente quando o motorista ligou-o.
A fúria de Tânia não me incomodava em nada. Não sei se não me sentir triste ou revoltada com aquilo era bom ou ruim, mas viver sozinha tinha me privado de saber como me sentir em relação aos outros. Livros e filmes me ensinaram muita coisa, mas não me ensinaram a conviver, me descreveram vários sentimentos, porém deram nomes a situações que eu desconhecia...
– Meu amor. – Noah sussurrou enquanto me puxava para perto dele.
Agora sentia o que eram aqueles sentimentos que as personagens apaixonadas descreviam nos livros. Uma sensação enorme de felicidade me preenchia quando Noah me abraçava, se aquilo era amor não sabia dizer, mas era maravilhoso sentir aquilo. O calafrio que ele fazia percorrer todo o meu corpo, o calor que me fazia querer saltar para os braços dele.
Naquele momento foi a primeira vez que agradeci a Cristian por ter me libertado, mesmo que mentalmente. Ainda que o mundo não fosse o que eu idealizava, que eu passasse por perigos e medos impensáveis, os meses livre, os meses com Noah e sua família, haviam sido muito melhores do que toda a minha vida trancada.
Meus devaneios terminaram quando me lembrei do computador em minhas mãos. Aproveitei que a viagem seria longa para poder ligá-lo. Esperava que Noah estivesse certo e eu pudesse encontrar ali pelo menos algumas respostas para as milhares de perguntas que havia me feito a vida toda.
Comemorei quando vi que o computador não tinha senha. Havia um na minha cela, mas meus conhecimentos não eram muito avançados, se tivesse qualquer senha que bloqueasse meu acesso não conseguiria ver nada nele. Quando o computador finalmente ligou um vídeo abriu automaticamente e eu pude reconhecer claramente o rosto do homem morto. Ele estava sentado e a imagem exibia apenas do seu peito para cima. Seu rosto estava próximo à câmera, seus olhos estavam inchados como alguém que havia chorado. Sua expressão era triste, talvez cansada. Ver ele vivo me deu um aperto no peito, como se de alguma forma eu o conhecesse, ainda que não me lembrasse dele.
– Olá, – ele disse para a câmera – Se você está vendo esse vídeo significa que não estou mais entre os vivos. – ele deu uma breve pausa, como se evitasse um soluço de choro. – Eu costumava ser uma pessoa feliz, com sonhos e esperanças. E meu maior sonho era fazer com que a terra voltasse a ser o que já foi um dia, trazer de volta a esperança e fazer renascer a raça humana. Então eu ambicionei coisas, e essa ambição fez com que eu me tornasse um dos mais talentosos cientistas do mundo e fosse convidado a trabalhar em um projeto pelo qual dei a minha vida. Anexo Genesis seria uma nova esperança, uma segunda chance para todos nós... – o mais estranho é que ver ele ali, vivo, dava-me à sensação de que eu o conhecia. Talvez ele realmente me conhecesse, mas eu não tinha o visto, ou não me lembrava disso. – ... Novos humanos fortes o suficiente para viver no ambiente hostil que a terra se tornou. – ele abriu um leve sorriso esperançoso, mas que logo desapareceu em meio à tristeza. – Eles seriam como Noé e reconstruiriam um mundo novo a partir das cinzas da guerra. – ele deu uma breve pausa para tomar um ar e logo prosseguiu. – Das 100 experiências apenas seis deram certo, seis vigaram e se pareciam com os humanos, mas muito mais fortes do que qualquer um de nós jamais pode imaginar. Eram imunes as mais mortíferas doenças, a radiatividade e extremamente poderosos, cada um a sua maneira. Eu cuidei da manipulação de todos os DNA's, eu os fiz nascer, os vi crescer. Ensinei a cada um deles a falar, a andar, a ler. Eles eram como filhos para mim... – Uma lágrima escorreu pelo seu rosto e ele desabou a chorar. – Mas quando a BIOTEC viu os quão poderosos eles eram, as crianças foram arrancadas de mim. O mais velho deles só tinha 10 anos, mas ela não se importou, para BIOTEC só importava os quão destrutivos eles poderiam ser. As crianças foram trancadas, as memórias apagadas e eu proibido de falar com eles, ou mesmo vê-los. Então fui obrigado a assistir meus filhos, minhas criações serem replicadas e vendidas como armas de guerra, usadas ofensivamente para matar mais pessoas. – ele respirou fundo novamente, ainda em meio a soluços de choro. – Eu não aguento ver minhas criações, meus filhos, sendo usados como armas... – depois disso o vídeo acabou. Considerando que eu havia o encontrado morto, acreditava que ele havia se matado depois de gravar àquilo.
Precisei de um tempo para absorver tudo que havia ouvido. Então não estive naquela cela desde sempre, e eu e os demais já estivemos juntos, será que isso era verdade, teriam mesmo apagado a minha memória? Pelo menos fazia sentido, sempre soube ler e falar, mas não me lembrava de como havia aprendido isso. Acreditava que fosse por causa dos livros e filmes, mas alguém ter me ensinado fazia muito mais sentido.
– Está tudo bem? – Noah me perguntou ao perceber que eu estava perdida em pensamentos.
– Acho que sim. – respondi depois de alguns instantes. – Na verdade não sei bem como lidar com isso. Eu não estava acostumada a sentir medo e solidão, mas agora, simplesmente tenho vontade de chorar.
– Talvez seja tristeza. – disse Noah.
– Talvez – concordei com ele. – O homem morto foi quem nos criou.
– Oh, Marjore! – ele me abraçou. – Eu sinto muito.
– Não se preocupe. – abri um breve sorriso. – Eu não me lembro dele, nem de mais ninguém fora o Cristian.
Voltei minha atenção para o computador, havia uma mensagem piscada em vermelho na barra de tarefas. Cliquei nela e outro vídeo foi aberto, um vídeo mais recente. Nele havia uma equipe de cientistas, entre homens e mulheres, todos vestiam um jaleco branco. Um deles, um homem alto de pele morena e cabelo bem cortado, aproximou-se da câmera.
– Felix, onde está você? – o homem perguntava, parecia extremamente aflito. – Nós precisamos de você aqui, volte para BIOTEC. Os Genesis fugiram todos eles. Precisamos encontrá-los!
Todos eles fugiram! Essa informação ecoou pela minha cabeça, durante minutos que me pareceram horas, e logo depois disso senti um misto de alívio e felicidade que tomou conta do meu ser.
– Eles estão livres! – abri um largo sorriso em meio a quase um grito.
Todos que estavam no jipe olharam para mim sem entender e eu me encolhi envergonhada.
– Os outros mutantes fugiram também. – concluiu Noah fazendo todos os caras ao nosso redor pararem de me encarar. – Fico feliz que todos estejam livres. – Noah disse para mim sorrindo e me estendeu os braços para que eu deitasse no peito dele. – Agora vem aqui, você pode mexer mais nesse computador quando chegarmos à aldeia. Tente dormir um pouco até lá.
Assenti guardando o computador na minha mochila e indo me deitar no peito de Noah. Quando fechei os olhos pude ouvir o coração de ele bater. Estava tão feliz, cheia de uma sensação que eu nunca havia sentido antes. Estar ali nos braços de Noah e saber que os outros também estavam livres eram muito bom.
12. Dor e Sangue
Acordei com Noah me beijando. Recusei-me a abrir os olhos, entregue a sensação deliciosa que era ter os lábios dele sobre os meus. Puxei seu rosto para mais perto, enrolei meus dedos em seu cabelo curto e abri levemente a boca permitindo que ele entrasse. Aquele misto já conhecido de sensações tomou conta de todo o meu corpo, como um calafrio. Sentia minhas mãos suando frio enquanto o restante do meu corpo estava quente. Felizmente àquela altura já era mais fácil controlar meus poderes e me entregar às sensações que estar nos braços dele me causava.
– Eu quero mais de você. – ele sussurrou ao pé do meu ouvido e dando uma leve mordida na minha orelha, fazendo com que um choque elétrico percorresse todo o meu corpo.
Senti o carro parar, mas me recusei a largar ele. Noah também não pareceu disposto a se soltar de mim.
– Oh, pombinhos! – alguém gritou chamando nossa atenção. – Se soltem! Tem algo muito errado acontecendo aqui.
Nós dois nos afastamos e pulamos do carro. A sensação que eu tive em seguida foi como um soco na boca do estômago, que me deixou zonza e me fez cambalear para trás. O cheiro de ferrugem que o sangue tinha entrou pelo meu nariz sem pedir licença.
As casas estavam, em sua maioria, completamente destruídas. Vi dois ou três corpos caídos ao chão, e uma poça de sangue se formara ao lado deles.
Vi Noah mudar de postura ao meu lado. Seu corpo enrijeceu e suas feições ficaram sérias. Ele deu alguns passos para frente, como alguém que avaliava a situação. Então saiu correndo, e eu corri atrás dele.
Noah entrou as pressas dentro do casebre onde sua família vivia e eu o segui de perto. A cada passo que eu dava, sentia cada vez mais forte um aperto no peito, uma angústia que crescia sem que eu pudesse controlar. Quando me dei conta já estava chorando mesmo antes de ver. Alguns passos a mais para dentro da casa foram suficientes, eu pude ver mãe e filha deitas lado a lado como se dormissem, a não ser pela enorme poça de sangue ao redor delas. Noah correu na direção dos corpos e ajoelhou-se próximo a eles, tomando o pequeno e imóvel corpo da irmã nos braços. O pequeno anjinho parecia dormir, mas certamente não estava mais entre nós.
Os olhos de Noah encheram de lágrimas, e pela primeira vez eu vi aquele homem duro, que sempre tentou parecer forte, chorando.
Ajoelhei-me ao lado dele e o abracei pelos ombros. Eu também chorava muito, viver sozinha durante toda a minha vida não havia me preparado para aquele momento, não estava pronta para perder as pessoas com as quais eu me importava. Eu me recusava a acreditar que elas estavam mortas. Eu me belisquei, me bati, na tentativa inútil de acordar. Esperava, desejava muito ainda estar dormindo e que tudo aquilo não passasse de um terrível pesadelo. No entanto, não adiantou, eu estava acordada, aquilo era real, Aisha e Norma estavam mesmo mortas.
Meu choro se tornou ainda mais incontrolável.
– Noah! – chamou alguém chegando atrás de nós. – Encontramos alguém ainda vivo. Talvez ele saiba o que aconteceu.
Ele delicadamente colocou a irmãzinha de volta no chão, secou as lágrimas e levantou-se para seguir o homem. Também me levantei e fui com ele.
Caminhamos lentamente por entre as casas destruídas e onde quer que eu olhasse via corpos jogados ao chão. Mas diferente de qualquer filme de guerra que já tivesse assistido, aqueles corpos tinham rostos conhecidos, o que me causava muita dor e me impedia de parar de chorar.
Nos três nos aproximamos de uma mulher. Ela parecia ter uns 50 anos, olhos castanhos e cabelos loiros. Havia levado um tiro na barriga e outro na perna e se contorcia em meio aos últimos suspiros de vida.
– O que aconteceu, Cassandra? – perguntou Noah ao se aproximar dela.
– Eles... – a palavra saiu com muito esforço pelos lábios dela. – Eles vieram atrás dela. – seu último esforço foi apontar para mim, então ela deu um último suspiro e parou de respirar.
Noah se curvou e fechou os olhos dela.
– Sabia! – berrou alguém atrás de nós.
Eu me virei e vi Tânia de pé atrás de nós.
– O que quer dizer com isso? – perguntou Noah ao se levantar para encará-la.
– Sabia que trazendo ela para cá isso iria acontecer. Eles viriam atrás dela.
– Não sei como eles a encontraram aqui. – murmurou Noah pensativo.
– É culpa dela! – Tânia berrou apontando para mim. – Por causa dela todos estão mortos. – ela exibia um pequeno, quase imperceptível sorriso.
– Foi você! – Noah berrou voando na direção dela. – Foi você quem disse a eles que poderiam encontrá-la aqui. – Ele a pressionou contra uma parede, por pouco não a enforcava.
– Eu não. – ela disse, tentando se defender dele.
A razão havia abandonado Noah. Ele parecia uma fera bufando de ódio. Eu não era nem de longe boa para ler as pessoas, pois não estava acostumada a viver com elas. No entanto, conseguia entender a fúria dele, Tânia parecia claramente estar mentindo.
– O que diabos você fez?! – ele rosnou feito um cão raivoso. – Você matou a todos, matou a minha família. E por quê? Por causa de um ciúme idiota!
– É culpa dela, ela não deveria estar aqui. – Tânia rosnou de volta.
– Noah! Por favor. – murmurou Derik, o cara dos dreads. – Não faça nada estúpido. Já morreu gente demais por hoje.
Noah a soltou, por mais que eu sentisse que à vontade dele era arrancar a cabeça dela.
– Não se preocupe. – sussurrou Noah. – Ela não vai mais ficar aqui, nem eu.
– Ei, Noah, espera! – ela tentou segurá-lo, mas ele se esquivou facilmente. – Aonde você vai?
– Enterrar a minha família e ir embora daqui, levar Marjore para bem longe desse lugar.
– Mas... – Tânia começou a chorar. – Nós precisamos de você.
– Quem precisava de mim está morto. – ele disse em um tom frio, virando as costas para ela.
Noah caminhou para longe deles e eu o segui. Ele se manteve em silêncio e eu me recusei a quebrá-lo, também não sabia o que dizer. Sentia-me muda, impotente.
Ele caminhou até as cavernas nas montanhas onde guardavam os suprimentos, vasculhou tudo até encontrar uma pá.
Depois subiu até as altas montanhas e começou a cavar um buraco. Eu apenas o observava, em silêncio. Não havia, em nenhum momento da minha vida, preparado-me para lidar com uma situação como aquela, mas saber que Aisha estava morta me desolava e deixava meu coração em pedaços. Não era capaz de estimar o quanto isso estaria doendo em Noah.
Apenas me aproximei e tentei ajudá-lo, cavando o buraco com as mãos.
Alguns minutos. Ou talvez uma ou duas horas depois, eu não sabia mensurar ao certo, Noah já havia cavado dois buracos.
Então descemos de volta ao casebre onde estavam os corpos de sua mãe e irmã. Noah tomou o corpo da mãe nos braços e eu peguei Aisha. Tão pequena, tão frágil, ainda tinha tanto tempo para viver. Involuntariamente as lágrimas voltaram a cair do meu rosto. Não podia acreditar que o mundo, além das paredes onde cresci, poderia ser tão cruel. Aisha era só uma criança. Quem podia ser tão brutal a ponto de matar uma criança?
Noah deitou delicadamente o corpo da mãe na cova, lágrimas voltaram a escorrer dos olhos dele. Estava arrasado, nunca imaginei ver aquele homem sempre forte chorando daquele jeito.
Eu acariciei o rosto de Aisha antes de deitá-la na cova. Sentia um misto de sensações que chegava a ser difícil descrever. Meu peito doía, doía muito, eu sentia raiva, tristeza, pena, revolta.
Noah se ajoelhou ao meu lado e beijou a testa já gelada da irmãzinha.
– Descanse em paz, meu anjinho. – ele sussurrou antes de levantar e começar a jogar terra sobre os corpos.
Eu fiquei em pé, apenas observando aqueles rostos amorosos desaparecerem.
Quando Noah terminou, observou o lugar pela última vez e se voltou para mim.
– Vamos! – disse me puxando com ele. – Nós precisamos sair daqui. Eles vão voltar atrás de você.
Caminhamos até a caverna, onde Noah pegou duas mochilas bem grandes e as encheu de suprimentos. Ele me entregou uma, além de um capacete.
Eu o vi ir até um canto e descobrir uma moto preta, a qual ele empurrou até a entrada.
– Noah, não vá! – Tânia suplicou ao aparecer na entrada.
– Eu não tenho mais nada para fazer aqui. – ele falou em uma posição irredutível.
– Eles vão vir atrás dela. – Tânia advertiu.
– Eu sei. É por isso que estamos saindo agora.
– Eles vão encontrar vocês, Noah. E quando isso acontecer vão matá-lo também.
Noah pegou outra bolsa com armas e munições e a entregou para mim.
– Não tenho mais nada a perder. – foi à última coisa que ele disse antes de subir na moto e me puxar junto.
– Noah!!! – Tânia berrou enquanto ele acelerava para longe.
Agarrei-me à cintura dele. Noah dirigia tão rápido que imaginei que poderia cair a qualquer momento.
13. Culpa
Não sabia ao certo para onde Noah estava nos levando, mas confiava nele, sabia que para onde quer que fosse, nós estaríamos seguros. Bom, pelo menos por um tempo.
Ele dirigiu durante horas, em meio a estradas de um deserto quente. Paramos algumas poucas vezes para comer e tomarmos água. Durante o percurso, evitei tocar no assunto sobre o que havia acontecido, algo dentro de mim me dizia que não era a melhor hora.
Quando à noite chegou, ele estacionou a moto próxima à entrada de mais uma cidade em ruínas. Havia dirigido durante horas e parecia extremamente cansado.
Em silêncio, caminhamos até um dos prédios que ficavam na entrada. A cidade parecia gigantesca, mesmo que tomada pela areia. Ao centro eu podia ver uma enorme destruição, talvez causada por uma bomba, não sabia ao certo. No entanto, ali onde estávamos, muitos prédios ainda estavam de pé.
Entramos no mais próximo e a porta estava escancarada, nitidamente havia sido arrombada. Caminhamos um pouco mais até encontrarmos uma escada e subimos alguns degraus até o próximo andar. Durante o caminho tive que cobrir o nariz para escapar um pouco do enorme cheiro de carne apodrecendo. Já havia visto três cadáveres pelo caminho e não duvidaria se me dissessem que havia mais. Aquele lugar estava completamente destruído e certamente fora saqueado diversas vezes.
O que mais me chocou foi ver um garotinho morto próximo a uma das portas do corredor. Ele era pequeno, de bracinhos magros e cabelo enrolado, aparentava não ter mais do que oito anos, e várias partes do seu corpo já haviam sido comidas por animais e insetos. Olhar para ele fez com que o meu aperto no peito voltasse, fez-me lembrar da pequena Aisha, enterrada há algumas horas. Seja lá quem fosse o monstro que ditava as regras daquele mundo, não poupava nem mesmo as crianças.
Noah estava sério, calado e eu não sabia o que fazer. Naquele momento eu queria um abraço, sentir que não estava sozinha, porém não fazia ideia se ele queria o mesmo. Eu nunca tive uma família, pais ou um irmão pequeno, e por mais que perder alguém, que havia aprendido a gostar muito, doesse imensamente, nunca entenderia o tamanho da dor dele...
Ouvimos um barulho, alguém que parecia caminhar não muito longe de nós e vinha calmamente em nossa direção. Noah me puxou e nos escondeu em um canto escuro do corredor. Então ficamos atentos aos passos, que estavam cada vez mais altos. Meu namorado, não sabia ao certo se podia o chamá-lo assim, porém ainda assim o fiz. Bom, Noah pegou a arma, e com ela bem firme, se preparou para atirar.
A criatura se aproximou e eu pude ver uma parte dela.
Observava-a de perfil, ela pareceu ser um homem, jovem e bonito. Tinha cabelos castanhos claros e olhos esbranquiçados, deduzi com isso que ele provavelmente era cego. Eu relaxei, ficando mais tranquila. Ele era só um homem cego e dificilmente faria algum mal a alguém.
– Eu sei que estão ai! – ele berrou para o prédio.
Noah me puxou para mais perto dele. E fez um sinal para que eu permanecesse calada.
– Eu sei que estão ai! – insistiu o homem. – Eu posso vê-los.
– Como? Como ele pode nos ver? – perguntei em um sussurro.
– Se eu arrisco um palpite? Esse aí é um dos 94 que deram errado. – disse Noah em um murmúrio.
– Achei vocês! – disse o cara ao surgir na nossa frente.
Cambaleei para trás de tamanho susto. Ele não era só um homem como eu julgava ser, ou só a metade que eu havia visto dele era. A outra metade, a que estava escondida até aquele momento, era monstruosa. Essa metade estava em carne viva, em alguns pontos eu era capaz de ver seus órgãos, seu olho, que por pouco não saltava da caixa craniana, parecia estar cheio de sangue e até mesmo a íris era vermelha. Deduzi que por mais que ele parecesse cego, poderia nos ver de alguma forma.
Noah se colocou entre mim e a criatura, numa tentativa de me proteger.
– O que é você? – perguntei tentando manter a voz firme e não parecer amedrontada.
– A isso? – ele olhou para si mesmo e riu sem graça. – Foi o que fez a bomba que jogaram na minha casa e que matou toda a minha família e me deixou assim.
– Eu sinto muito. – sussurrei.
– Não sinta! – ele rosnou como uma fera. – Estou cansado de ser motivo de pena.
– Não queremos causar nenhum transtorno. – disse Noah tentando parecer amigável. – Já estamos de saída.
– Sabe do que mais estou cansado? – o homem prosseguiu não dando a mínima para o que Noah havia dito. – De invasores como vocês. – ele tentou pegar Noah pelo pescoço, mas não conseguiu, então o segurou pelo braço.
Antes que Noah tivesse qualquer tipo de reação, aproximei minha mão em chamas da parte ainda saudável do rosto do homem.
– Tire suas mãos dele, ou eu posso fazer você sentir ainda mais dor do que a bomba lhe causou. – ameacei.
O homem arregalou os olhos, surpreso. Com toda certeza não esperava que eu fosse capaz de fazer aquilo.
– Pelo visto eu não sou o único aqui com truques. – disse em meio a um sorriso, não parecia mais estar assustado.
Meu braço todo pegou fogo.
– Tire suas mãos dele! – rosnei.
Então, ouvi um tiro e o homem cambaleou para trás, caindo a alguns metros de nós. Uma mancha de sangue se formou na camisa dele e foi se tornado cada vez maior.
Olhei para Noah e o vi guardar a arma de volta embaixo da blusa. Em seguida ele me abraçou.
– Tudo bem, meu amor?
Balancei a cabeça fazendo que sim. Ainda estava um pouco assustada. Havíamos visto mortes demais por um dia.
– Amei você tentando me proteger. – ele sorriu ao acariciar levemente o meu rosto. Fechei os olhos sentido o calor da sua mão áspera. – Ei, o que foi? – Ele perguntou ao ver uma lágrima descer pelo meu rosto.
– Eu não quero te machucar, não mais.
– Por que está dizendo isso? – Ele perguntou confuso. – Você nunca me machucou.
– Elas estarem mortas. – sentia as lágrimas escorrerem pelo meu rosto sem que eu conseguisse as controlar. Eu não estava nem um pouco acostumada a lidar com a dor. – É minha culpa, elas estão mortas por minha causa...
– Shii! – ele tocou meus lábios com as pontas dos dedos, e ergueu meu queixo para que eu pudesse olhá-lo nos olhos. – O que aconteceu não é culpa sua. Tânia foi quem levou a BIOTEC até lá, todos morreram por culpa dela.
– Mas se não tivessem me encontrado e me levado para lá, isso nunca teria acontecido. – insisti ainda chorando.
Eu havia me apegado muito à pequena Aisha. Ela era a primeira pessoa com a qual eu me importei, que algo dentro de mim sentiu a necessidade de proteger. Não me conformava em ser o motivo dela estar morta.
– Ouça uma coisa, Marjore. – ele voltou a segurar o meu rosto. – Você cresceu longe de tudo isso, e não sabe o quanto a guerra pode ser cruel. Hoje foram elas. Amanhã pode ser eu ou você. Nós podemos tentar, porém não estamos protegidos. – ele me abraçou. – Isso dói, eu sei. Mas precisamos ser fortes, para não nos tornar as próximas vítimas. Eles virão atrás de você, é a mina de ouro deles. Eles precisam de você, assim como, dos outros. Tudo o que eu posso fazer é tentar te proteger.
– Eu não quero perder você. – sussurrei em meio a soluços.
Ele me apertou mais contra o seu corpo e afagou meu cabelo.
– Não fique se preocupando com isso. Viva apenas o aqui e o agora. – murmurou.
Eu ainda chorava. Era difícil lidar com a morte, Noah estava certo não havia crescido para lidar com àquilo.
– Vem – ele me estendeu a mão. – Vamos encontrar algum lugar para passamos a noite.
Caminhamos pelo prédio silenciosamente. Noah estava atento a qualquer barulho, tentava ter certeza de que estávamos realmente sozinhos. Nem ele ou eu queríamos topar de novo com alguém interessado em nos matar.
Aquele lugar estava bem mais destruído do que as cidades anteriores pelas quais havíamos passado. Nas paredes havia buracos, e algumas outras haviam caído completamente. Havia inúmeros corpos já em ossos. As portas estavam jogadas para o lado, arrombadas, sinal que talvez muitos já saquearam por ali.
– Já tiraram tudo dessa cidade. Então acho mais seguro ficamos aqui por um tempo. – murmurou Noah ao me puxar através de uma porta.
Depois de entrarmos, ele deu um jeito de fechar a porta e colocou vários móveis em pedaços com o intuito de bloquear o caminho.
Olhei ao meu redor, o lugar parecia um dia ter sido uma sala de estar, mas estava em ruínas. Paredes rachadas, móveis destruídos, tudo revirado. Fiquei feliz apenas pelo lugar não cheirar mal.
Noah adentrou o lugar e quando me dei conta eu já não podia mais vê-lo.
– Noah? – o chamei tentando não ficar preocupada.
– Vem aqui! – ele chamou. – parece que ainda temos um lugar para dormir.
Segui a voz dele até chegar a um cômodo que me pareceu ser um quarto. O local estava tão destruído quanto à sala, mas o colchão ainda parecia inteiro. Noah o batia tentando se livrar da poeira. Depois de um tempo, ele o ajeitou no chão e sentou-se nele, batendo ao seu lado para que eu me sentasse também.
– Vem aqui. – ele sorriu. Já havia o visto em situações tão extremas que, às vezes, era difícil me lembrar de que ele era capaz de sorrir.
Sentei-me ao seu lado e ele pegou sua mochila tirando de lá algo que pudéssemos comer. Felizmente havíamos enchido nossas mochilas com coisas que pegamos no hotel.
Ele abriu uma lata de refrigerante e passou para mim para que eu pudesse beber um pouco.
– Sabe, Marjore. – ele olhou para mim de cabeça baixa. – Às vezes, eu tento parecer durão, mas a verdade é que eu estou apenas tentando não enlouquecer. Vi meu pai morrer nessa guerra quando Aisha era apenas um bebê e eu tinha pouco mais de 15 anos. E nos dez anos que se seguiram, fiz tudo o que esteve ao meu alcance para protegê-las. – ele suspirou. – Mas ainda assim não foi o bastante. Eu queria ser mais forte.
– Você é forte, Noah! – eu exclamei. – Muito forte.
Tentei me segurar para não voltar a chorar, mas não consegui. Queria dizer que sentia muito, porém no momento me pareceu à coisa mais estúpida a dizer. Era culpa minha elas estarem mortas, os soldados da BIOTEC só foram para aldeia por que queriam me encontrar lá.
Ele me tomou em seus braços e me abraçou. Fechei meus olhos por um instante, apenas sentindo o calor da pele dele e o perfume que emanava.
– Fico feliz por ainda ter você. – sussurrou. – E prometo que darei a minha vida para que eles não a prendam de novo.
– Não diga isso. – murmurei.
– O que? – perguntou surpreso, se afastando o suficiente para poder me olhar nos olhos.
– Que daria sua vida. – repeti em meio a um soluço de choro. – Prefiro passar outros vinte anos naquela cela a perder você.
– Não vai me perder. – ele sorriu e voltou a me abraçar apertado.
Afastamo-nos e voltamos a comer. Depois Noah se deitou e bateu em seu peito para que eu me deitasse com ele. Assim o fiz, aconchegando minha cabeça no peito dele, podendo ouvir seu coração bater.
– Hoje foi um dia difícil. Espero que amanhã seja melhor. – ele sussurrou antes de se curvar e tocar de leve meus lábios com a ponta dos seus. – Tente dormir um pouco, meu amor. – disse fechando os olhos.
Não demorou muito para que Noah pegasse no sono. Ao contrário dele, não consegui pregar os olhos. A imagem de Aisha morta não saía da minha cabeça. Já havia visto viárias pessoas mortas, contudo nenhuma me fez perder o sono como daquela vez. Aisha era apenas uma criança, uma garotinha que mal algum havia feito.
Aquele era um sinal claro que a BIOTEC não se importava em destruir qualquer que fosse o obstáculo para que pudessem colocar as mãos em mim novamente.
Definitivamente não queria que Noah fosse mais uma vítima deles, queria que ele pudesse respirar em segurança, no entanto, ao meu lado isso nunca seria possível.
Eu o amava? Bem, não sabia ao certo se era isso que eu sentia. Nunca, ninguém me ajudou a dar nomes para aquilo que se passava dentro de mim. Mas seja lá o que fosse não queria vê-lo morrer também.
Olhei para ele por alguns instantes. Noah dormia tranquilamente. Então, levantei-me, esforçando-me para não fazer barulho algum.
Peguei minha mochila e a coloquei nas costas, mas antes de sair olhei para ele uma última vez. Esperava que ele não ficasse furioso comigo, mas eu estava apenas tentando protegê-lo.
Voltei para sala e me lembrei de que ele havia bloqueado a passagem. Seria impossível passar por ali sem fazer barulho e consequentemente acordá-lo. Então olhei para o lado e vi uma janela aberta. Corri até ela e vi uma montanha de areia lá embaixo.
Embora estivéssemos no terceiro andar, não me dei ao luxo de pensar muito na altura. Apenas fechei meus olhos e pulei, torcendo para que não me machucasse, pelo menos não muito.
14. Vingança
Por pouco não torci o pé na queda, mas felizmente a areia amorteceu meu impacto e não me machuquei feio, foram apenas algumas esfoliações.
Levantei-me e comecei a caminhar, sem rumo, com direção a lugar nenhum. Não sabia para onde ir, nem o que faria agora, no entanto, sabia que precisava chegar a algum lugar.
Caminhei noite a fora, durante o que me pareceu horas. Decidi não seguir pela estrada, pois julgava que ali eu seria uma presa fácil. A terra embaixo dos meus pés era seca, assim como o ar, contudo o frio da noite ajudaria na caminhada.
Pensei em talvez procurar por um transporte, uma moto ou um carro, no entanto, logo descartei a ideia. Do que me adiantaria encontrar algo assim sendo que eu não sabia dirigir. O que me restava era continuar andando.
Diante dos meus olhos até o horizonte, não conseguia ver nada além de areia, por metros, ou talvez quilômetros.
Quando o sol nasceu, já deveria estar bem longe de onde havia deixado Noah. Perguntei-me se talvez ele já tivesse acordado e notado a minha falta. Fechei os olhos por um instante e pedi para quem quer que pudesse me ouvir, para que ele não me odiasse. Mas se eu tinha feito àquilo era porque não queria que ele morresse por minha causa.
Quando o sol já estava alto no céu foi se tornando cada vez mais difícil de continuar a caminhada. O calor castigava e a sede fazia minha garganta doer cada vez mais. Porém, precisava continuar, precisava me afastar o máximo que pudesse dele.
Acabei encontrando uma torre de vigília que havia sido derrubada, mas que produzia sombra suficiente para que eu pudesse me esconder do sol. Decidi parar ali por alguns minutos e descansar um pouco. Tentava economizar água o máximo que podia, não sabia quando encontraria mais.
Tentei não pensar em quanto tempo levaria até que a BIOTEC me encontrasse. Só não queria de maneira alguma ter que voltar para aquela cela, mas também, não queria ter que fugir para sempre ou ser um perigo para todos aqueles que se aproximavam de mim. Eles tinham que pagar pelos anos em que me mantiveram presa, por me privarem de viver, por me tratarem como um rato de laboratório. E principalmente, eles tinham que pagar por terem matado Norma e a pequena Aisha. Nada me fazia odiar mais eles do que saber que haviam matado uma garotinha que nenhum mal havia feito a não ser ter me levado para morar com ela.
Agora eu já sabia para onde ir, mesmo que fosse a última coisa que eu fizesse levaria a BIOTEC comigo. Livraria o mundo de mais armas e deixaria o restante dos mutantes viver em paz.
Tirei o computador de Felix da mochila e o liguei. Esperava encontrar lá uma pista de como faria para chegar a BIOTEC.
Entre os arquivos havia centenas de vídeos de mim e do restante dos mutantes, além de fotos e documentos. Fiquei curiosa em saber mais sobre os outros, mas me contive, não era informações sobre eles que eu procurava.
Embora naquele computador houvesse dezenas de arquivos sobre o projeto Anexo Genesis, não havia nada que me indicasse a localização da base da BIOTEC. Tudo que consegui encontrar se resumiu a informação de que havia três prédios, três sedes para ser mais clara. A principal, onde todas as pesquisas eram feitas, onde os clones eram criados, e outras duas criadas para manter os seis mutantes. Contudo não havia absolutamente nada sobre o endereço de qualquer uma delas.
Deduzi que eu teria escapado de uma das cedes menores, porém se quisesse acabar de vez com a BIOTEC teria que ir a cede principal, ao coração dela.
Por fim, conclui que teria que dar o meu jeito de encontrar aquele lugar, por mais que não fizesse ideia de onde ficava e muito menos de onde eu estava naquele momento.
Guardei o computador de volta na minha mochila e decidi voltar a caminhar. Já estava no fim da tarde e o sol não tardaria a dar uma trégua.
Caminhei pelo que me pareceu mais algumas longas horas. Eu soava muito por causa do calor infernal e me sentia zonza, mas não parei de caminhar.
Quando a noite finalmente chegou, já me aproximava do perímetro de alguma cidade. Bem, não era exatamente uma cidade, não como aquelas em que Noah e os outros iam atrás de recursos. Estava mais para um acampamento, composto de várias tendas e numa organização que me lembrou da aldeia. Eu podia ouvir vozes, então conclui que aquele lugar também não estava deserto.
Fui me aproximando sorrateiramente, como um gato, tentava fazer o mínimo de barulho possível para que não fosse vista. Depois de um tempo, consegui me aproximar o suficiente para ver um grupo de homens que se sentavam em torno de uma fogueira. Já estava noite e julguei aquela uma ótima forma de se proteger do frio.
Observei os homens de longe, pareciam estar armados até os dentes, ao lado deles havia várias facas, machados e armas de fogo com um poder destrutivo enorme. Cheguei à conclusão que era um grupo de mercenários, porque além das armas, apesar de haver algumas mulheres, não havia nenhuma criança junto ao grupo.
Colado em uma parede lateral de uma das tendas, vi alguns cartazes que me chamaram bastante atenção. Cada cartaz continha o rosto de cada um de nós, os mutantes da BIOTEC e escrito embaixo estava a seguinte frase. :"Prêmio milionário para quem trouxer algum deles com vida".
Ótimo! Engoli em seco. Já não bastava a própria BIOTEC atrás de nós, agora eles haviam colocado mercenários também.
Optei por ficar escondida, mas sem me afastar demais deles. Achei que manteriam afastados outros perigos.
Fiquei os observando de longe, pareciam fazer planos, mas eu não conseguia ouvi-los. Não eram muitos, cerca de dez, ou talvez doze, mas pareciam muito bem preparados para lutar.
A noite foi avançando e comecei a sentir frio. Pensei em fazer uma fogueira para mim também, mas logo descartei a ideia, chamaria atenção demais, logo veriam a minha presença.
Encontrei uma blusa de frio que Noah havia colocado na minha mochila e fiquei feliz com isso, mas foi impossível não pensar nele, em como estaria agora e quão furioso comigo ele deveria estar. No entanto ele estava seguro, ou pelo menos eu apostava nisso.
Olhei para dois carros grandes parados a alguns metros de mim. Queria pegar um deles e fugir, mas de nada adiantava se eu não sabia como dirigir. Precisava pensar em outra coisa e rápido. Tive uma ideia, não parecia nem de longe a melhor, suicida talvez, mas era a única que tinha.
Levantei-me cuidadosamente e caminhei na direção deles. Vi novamente os pôsteres com meu rosto e dos demais mutantes. Quantos mercenários havia atrás de nós eu não fazia ideia.
Não demorou muito para que conseguissem me ver. Todos se voltaram para mim e me encararam com surpresa, arregalando os olhos.
– Ei! O quem é você? O que faz aqui? – perguntou um homem ele era forte e baixo, tinha uma barba grossa e feições hostis, vestia uma roupa preta sintética, que lembravam aquelas de mergulhadores que eu via nos filmes, e tinha uma grande cicatriz que cortava todo o seu rosto, indo de uma extremidade a outra de sua face.
– É ela! – exclamou uma mulher apontando para um dos cartazes. Ela vestia o mesmo traje preto, tinha um cabelo curto e repicado, olhos castanhos e um corpo magro.
– Acho que acabamos de tirar a sorte grande. – disse outra voz, vinda de trás de mim.
Não tive muito tempo de reação, quando me virei para trás a fim de ver quem era, eu já estava sendo imobilizada. Encarei o homem que me segurava pelos pulsos, ele era um bom palmo mais alto que eu, magro e tinha cabelos longos e negros presos em um rabo de cavalo. As feições dele eram severas e por um momento me assustaram.
Senti algo gelado prender meus pulsos e quando me dei conta estava algemada e fui jogada com força contra o chão.
– Para quem estava achando, que ia ser difícil encontrar os mutantes, até que saímos bem. – disse o homem mais baixo.
– Ahh, não se vanglorie, Heros. A mutante praticamente veio até nós. – disse a mulher de cabelo curto.
– O que nos garante que essa aí não é só mais um clone. – disse outra voz fazendo com que eu me girasse para ver quem era. A mulher estava a minha direita e tinha feições maduras. Talvez 40 ou 50 anos. Eu não era muito boa com idades, não sabia nem ao certo qual era a minha, 20 ou 23, algo em torno disso.
– Veremos isso agora. – disse o homem de cabelos grandes ao apoiar o pé nas minhas costas, empurrando-me em direção ao chão. Ele passou as mãos pelos meus cabelos e os jogou para o lado, procurando por algo no meu pescoço.
Bati com o rosto na areia quando ele soltou meu cabelo. Enquanto eu cuspia aquilo que havia engolido, vi o homem sair sorrindo.
– Ela não tem código. É a original. – disse aos demais.
– Maravilha! – comemorou a mulher.
– Prevejo o fim das vacas magras. – comemorou Heros. – a BIOTEC vai nos pagar bem por ela.
A mulher de cabelos curtos passou por mim e me arrastou até um canto e me amarrou junto a um poste fincado próximo as barracas. Minha mochila foi colocada a longos metros de distância, sobre outras coisas do bando.
As algemas nos meus braços começaram a me machucar quando tentei me ajeitar. Pensei em protestar, mas eles não pareciam se preocupar com meu estado.
Depois que o alvoroço causado pela minha presença passou, o grupo de mercenários voltou a se reunir em volta da fogueira. Porém, depois de algum tempo todos se retiraram para suas tendas, deixando-me sozinha.
À medida que a noite avançava eu me encolhia mais de frio, odiei-os por terem me deixado longe da fogueira. Contudo, mesmo com o frio meu cansaço era tão grande que meus olhos começaram a se fechar de sono.
15. Entrega Especial
Acordei no meio da noite com uma mão áspera percorrendo a minha perna. Senti lábios grossos na base do meu pescoço e acordei de imediato quase pulando de susto.
Encarei Heros em cima de mim, mais perto do que eu gostaria. Senti nojo, muito nojo dele.
– Oi, delícia. – ele sorriu para mim.
– Sai de cima de mim! – berrei me debatendo.
– Mas por que eu faria isso? – ele abriu um sorriso malicioso, voltando a me tocar.
Comecei a ficar furiosa com aquilo. Os toques dele nem de longe provocavam em mim as mesmas sensações que Noah, pelo contrário me provocavam asco e o cheiro dele me fazia querer empurra-lo para longe.
– Tire suas mãos de mim! – voltei a berrar.
– Ou o que? – ele riu passando a mão pelo meu rosto.
– Ou vai se arrepender. – disse cerrando os dentes.
As pontas do meu cabelo começaram a se inflamar, os meus fios de cabelo se tornaram de fogo, assim como todo mo meu rosto.
Heros cambaleou para trás assustado, com os olhos esbugalhados.
– Droga!
– Toque-me de novo e não vai conseguir colocar a mão em mais nada. – bufei.
– Só queria que nos divertíssemos um pouquinho. – ele se afastou reclamando. – Não precisava ficar nervosa. Aposto que nem sabe o quanto pode ser bom. Viveu toda sua vida sem o contato de nenhum homem.
– Sim, eu sei o quando pode ser bom. – discordei dele. – Mas o homem que eu quero certamente não é você. – rosnei.
– Tudo bem. – ele desistiu.
Heros se afastou, voltando para dentro da barraca e me deixou novamente sozinha. Não me atrevi a deixar que o sono me vencesse de novo. Não queria acordar com aquele, ou qualquer que fosse outro homem, em cima de mim.
Pensei em Noah, em como estaria, onde estaria. Implorava para que pelo menos estivesse seguro, pois queria que estivesse. Eu sentia que meu coração estava com ele. Era mais fácil interpretar esse tipo de metáforas quando realmente havia tido contato com tais sentimentos. Noah, Aisha e Norma haviam me mostrado o real significado da palavra amor, o amor de um homem e uma mulher e o amor de uma família, o que me deixava ainda pior em saber que elas estavam mortas. Tentei conter a lágrima que se atreveu a escorrer pelo meu rosto. Sentia falta delas, do carinho que me davam, da atenção, do jeitinho meigo e inocente que Aisha tinha, de seus olhos castanhos brilhando toda vez que ela me via, de quanto torcia para que Noah e eu ficássemos juntos.
Fechei meus olhos por um instante. Ah, como estava sentindo falta dele. Havia passado a minha vida toda sozinha, trancada. Estava acostumada a ser solitária, mas naquela época não era capaz de sentir falta de algo que nunca havia vivido. Agora tendo vivido tudo o que eu vivi, nunca mais seria a mesma...
Senti alguém me desamarrando do poste e abri meus olhos assustada. Detestava ter que matar alguém, mas jurava que se fosse Heros de novo, com aquelas mãos imundas em cima de mim, eu não teria piedade.
Felizmente, não era ele, para a minha surpresa era a mulher de cabelos curtos cujo nome eu não sabia. Ela me desamarrou e empurrou para que eu andasse. Com os braços ainda algemados comecei a caminhar.
– Vamos logo! – berrou a mulher. – Não temos o dia todo.
Olhei ao meu redor e todas as barracas já haviam sido desmontadas. Os mercenários já haviam se acomodado nos carros. Vi minha mochila ficando cada vez mais distante de mim, porém percebi que não havia jeito de voltar para buscá-la.
A mulher abriu o porta-malas e me jogou lá dentro, sem a menor preocupação se eu me machucaria ou não. Logo em seguida bateu a porta em cima de mim, isolando-me naquele lugar escuro.
Com o sol já alto no céu, lá dentro parecia um verdadeiro forno, se eu fosse um humano normal, se não tivesse a habilidade com o fogo que eu tinha, certamente seria assada viva naquele lugar.
Não demorou muito para que sentisse o carro começar a andar. Provavelmente estavam me levando para a BIOTEC. Torci para que a viagem não fosse longa demais, pois apesar de conseguir controlar o calor, o ar dentro do porta-malas parecia cada vez mais rarefeito. Daquele jeito não demoraria muito para que eu perdesse meus sentidos.
Tentei me manter quieta e usar o mínimo de ar possível. Dormir talvez fosse uma solução, se fosse para morrer naquele lugar pelo menos eu não estaria assistindo tudo.
Fechei meus olhos e me esforcei para expulsar a dezena de pensamentos que teimavam em imergir na minha mente. Eles me deixavam inquieta e não permitiriam que eu dormisse.
Felizmente, ou não, era difícil ouvir os mercenários. Minha audição não parecia boa o bastante para ultrapassar a carcaça de metal quente que me envolvia. No entanto, não me preocupei com isso, não achava que conversassem algo que merecesse ser ouvido.
Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado desde que haviam me jogado naquele porta-malas. Horas? Quem sabe, contudo nosso destino não parecia chegar nunca.
Exausta por causa da falta de ar, meus olhos brigavam para se manter fechados. Por fim, desisti da luta e me entreguei ao sono.
Meus olhos se abriram novamente quando senti o carro parar. Conclui que havíamos chegado ao nosso destino. Lamentei pela vida dos mercenários, ainda que não tivessem sido nem um pouco gentis comigo, mas naquele ponto já não precisava mais deles.
Senti meu poder fluir dentro de mim, cada vez mais forte e mais intenso, o fiz se expandir por todo o meu corpo e além dele, como uma grande explosão. O fogo tomou conta do carro e quando chegou ao tanque de combustível à explosão foi gigantesca.
Não houve sobreviventes, exceto eu que emergi em meio às chamas ainda pegando fogo.
O segundo carro deu meia volta e retornou, assim que seus ocupantes me viram. Não houve quem se atrevesse a tentar recolocar as mãos em mim.
Abri um sorrisinho e agradeci mentalmente pela carona aos corpos carbonizados que estavam juntos aos destroços do carro.
Olhei para frente e a mais ou menos um quilômetro de mim vi o que me aguardava. Era uma grande fortaleza, cercada por altos muros de concreto, e antes dela havia uma cerca com arame farpado, no alto de uma grade eletrocutada. No meio da grade havia um portão com uma guarita onde um homem observava a entrada e ao lado dele havia uma placa dizendo "Entrada restrita".
Engoli em seco. Não seria fácil entrar naquele lugar como eu havia imaginado.
16. Presa
Vi cerca de doze homens saírem do portão e começarem a vir na direção de onde o carro pegava fogo. Achei mais seguro me esconder atrás de uma duna para que não me vissem.
Com certeza toda aquela fumaça havia chamado atenção. Praguejei baixinho, devia ter arrumado um jeito melhor de me livrar dos mercenários sem chamar tanta atenção para mim.
Os homens estavam todos com rostos cobertos por alguma espécie de máscara de oxigênio, as roupas roxas me lembravam do uniforme dos astronautas. Eles não pareciam soldados comuns e estavam muito bem preparados para qualquer que fosse a guerra. Pareciam muito mais ameaçadores do que os pobres guardas que costumavam ficar próximos a minha cela.
– Estão todos mortos. – constatou um deles, ao revirar um dos corpos carbonizados com a ponta de sua arma. Sua voz era um tanto quanto sintética, cheguei à conclusão que aquela alteração deveria ser causada pelas máscaras que usavam.
– O que diabos aconteceu aqui? – perguntou-se um segundo soldado.
– Não acho que tenha sido um problema com o motor. – balbuciou o primeiro homem ainda revirando os cadáveres carbonizados.
– Uma bomba? – sugeriu outro.
– Talvez. – pensou alto. – Mas seja lá o que for, tem um poder destrutivo muito alto.
– Será que ainda tem algum sobrevivente?
– Com esse nível de destruição duvido muito. – disse o homem que me pareceu o líder. – Bom, vamos voltar não há mais nada para nós aqui.
Fiquei os observando ainda escondida, felizmente não me viram. Eu não seria capaz de lutar contra eles caso me descobrissem ali. Contudo, precisava e rápido dar um jeito de entrar naquele lugar.
Percebi que um deles havia ficado para trás, ainda admirando o meu pequeno feito. Decidi não parar muito para pensar na loucura que estava fazendo e me aproximei rapidamente dele, mas de maneira silenciosa e o abordei pelas costas, quebrando seu pescoço da mesma forma que Noah havia me ensinado.
Arrastei o homem para trás da duna e retirei as roupas dele, para que pudesse vesti-las. Com a ajuda da máscara e do macacão largo, torcia para que não me reconhecessem.
– Vamos logo, Bruks! – chamou um dos homens.
– Já estou indo. – disse caminhando na direção deles. – estava apenas conferindo se não havia restado alguém. – Menti.
Graças à distorção que a máscara de gás provocou em minha voz, deduzi que eles não notariam a diferença, pelo menos não por enquanto.
Segui os demais soldados para dentro da instalação. Passamos pela guarita e o guarda na vigia nos cumprimentou com um aceno de cabeça. Os segui em silêncio por longos metros de areia até uma entrada no paredão de concreto, era um túnel que se estendia até perder de vista longos metros a minha frente. Ele era iluminado apenas por grandes lâmpadas compridas que se estendiam por todo teto do túnel. Havia grandes exaustores que sugavam um pouco o ar de fora para dentro e ajudavam há combater a sensação claustrofóbica que aquele lugar transmitia, pois assim como a cela onde cresci, não havia janelas ou qualquer contato com o mundo externo.
Quando finalmente chegamos ao fim do corredor, nos deparamos com uma grande porta bloqueando a nossa passagem. O homem, que liderava o grupo, aproximou-se da porta e tirou a máscara. Um pequeno feixe de luz verde surgiu atingindo bem o centro do seu olho e instantes depois a porta se abriu, rangendo um pouco e soltando do fumaça.
Entramos todos, e além daquele portão se mostrou um lugar extremamente claro e limpo, até fresco eu diria. Pelo menos não estava mais derretendo dentro daquela roupa. Caminhávamos em linha reta, sabe-se lá para onde. Eu havia planejado como chegar ali, mas não fazia ideia de como agir a partir daquele momento.
Entramos em uma espécie de elevador escuro e descemos o que me pareceu uns três andares. A falta de iluminação dificultava a visão do restante dos soldados.
O elevador parou num solavanco. A porta levou alguns instantes para abrir.
Estava angustiada, não sabia porquê, além disso, estava com medo. Era como se sentisse que algo ruim estava para acontecer. Não que esperasse algo diferente por estar ali.
Quando a porta se abriu, dei de cara com um corredor igualmente escuro, o que alimentou ainda mais a sensação desagradável que sentia naquele momento.
Então, a luz se acendeu fui tomada por um misto de surpresa e choque, difícil de descrever. Por alguns segundos fiquei estática, sem reação. Jamais imaginei que algo assim fosse acontecer, por mais provável que fosse.
– Olá, Marjore! – elas disseram aumentando ainda mais o meu estado de choque. – Nós estávamos esperando por você.
Engoli em seco e olhei ao meu redor a procura dos demais soldados. No entanto, não os vi. Por onde que eu olhasse não havia o menor sinal deles, era como se tivessem desaparecido feito fumaça.
Ao invés dos soldados, vários, talvez dezenas de clones meus. Era assustador olhar para o meu cabelo ruivo e comprido, meus olhos verdes, exatamente a minha altura e o meu corpo em uniformes pretos colados. Elas me olhavam fixamente de uma maneira que me causava arrepios. Nem mesmo milhares de espelhos me provocariam tal sensação.
Uma mulher surgiu caminhando em meio aos clones, que lhe deram passagem como cães bem treinados. Ela era alta, tinha cabelos castanhos presos em um coque, usava vestido e sapatos brancos e parecia ter algo em torno dos 50 ou 60 anos.
– Olá, experimento 64. Sentimos sua falta.
– Quem é você? – perguntei tentando manter minha voz firme e não demonstrar o medo enorme que estava sentindo.
Ainda estava vestindo aquele uniforme e a máscara. Como eles sabiam que era eu?
– Estávamos esperando por você. – ela continuou sem dar a mínima para a minha pergunta. – Depois que destruímos a aldeia sabíamos que viria mais cedo ou mais tarde.
Aquilo era uma armadilha. Engoli em seco. Aquele era o momento errado para dar ouvido a parte dentro de mim que dizia que ir ali era uma loucura. Armadilha ou não, ouvir aquela mulher dizendo aquilo me fez cerrar os dentes de raiva.
– Você! – rosnei. – Foi você quem os matou?
Ela riu como se eu tivesse contado uma piada, deixando-me ainda mais furiosa.
Minha vontade era de correr até ela e arrancar seu pescoço com os dentes, mas algo dentro de mim disse que não seria nada sensato. Além disso, havia dezenas de cópias minhas entre mim e meu alvo. Creio que mesmo que um clone fosse mais fraco que o original, duvido muito que eu fosse forte o bastantes para passar por todos eles.
– Ficamos muito tristes com a fuga de vocês. – continuou a mulher ignorando completamente a minha cara de raiva. – Sempre cuidamos tão bem dos nossos Genesis.
– Vocês nos tratavam como animais! – berrei. – presos em celas e privados de tudo.
– Não seja tão dramática, Marjore. Vocês eram muito bem tratados. Duvido que em algum momento aí fora você não passou fome e lembrou como era ter a geladeira sempre cheia.
No fundo ela não estava tão errada, no tempo que eu havia passado perdida no deserto por um momento realmente senti falta da minha cela. Porém, ela estava totalmente enganada se pensava que aquilo ameniza a tudo que nos fizeram passar.
– Você não é humana, Marjore. – ela insistiu com seu discurso. – Não passa de um embrião criado em laboratório e que cresceu dentro de um vidro.
– Calada! – berrei. – Eu não quero ouvir suas mentiras.
– Mentiras? – ela riu alto. – Não sei o que contaram para você lá fora, querida, mas isso sim eram mentiras. Nós fizemos você, nós cuidamos de você. Não há ninguém que se preocupa mais com você do que nós.
– Você está errada. – rosnei cerrando os dentes. – Eles me amaram e você os matou.
– Sério? – ela deu uma gargalhada. – Te amaram tanto que entregaram seu paradeiro. Foi uma pena não termos encontrado você lá, teria nos poupado de um derramamento de sangue desnecessário. – ela deu uma breve pausa e me encarou profundamente. – Quem é você para falar sobre amor? Você nunca conheceu esse sentimento.
– Nesses meses eu pude sentir tudo o que me privaram enquanto eu estive naquela cela.
– O que é uma pena, pois será levada de volta para mesma cela e sem se lembrar de nada do que viveu fora dela.
– Vocês não podem fazer isso comigo. – disse sem conseguir conter o medo em minha voz.
– Jura? – ela perguntou sarcástica.
Eu olhava o ambiente ao meu redor em busca de algum lugar por onde pudesse fugir, mas não havia nada além do corredor com pouca ventilação e obstruído pelos meus clones. Pensei em talvez voltar pelo elevador, contudo sabia que seria impossível não ser pega.
Lágrimas começaram a escorrer dos meus olhos. A imagem do rosto de Noah voltou a minha mente, sentia tanta falta dele.
– Sim nós podemos, Marjore. – ouvi a mulher dizer antes de sentir algo atingir as minhas costas e tudo ao meu redor começar a ficar escuro.
Quis gritar, mas já não tinha mais força. Meus joelhos caíram contra o chão e tudo ficou preto.
17. Lembre-se de mim
Abri meus olhos lentamente, enquanto me espreguiçava na cama. Tinha sensação que havia dormido muito bem, como há muito tempo não dormira. Fiquei deitada por alguns minutos, ainda esperando que o restante do meu corpo acordasse. Dormir era bom, não que restasse muito mais o que se fazer ali. Minha vida se resumia a um quarto com pouco mais de alguns metros quadrados.
Eu nunca havia estado além daquelas paredes. Não sabia como eram as coisas lá fora, pelo menos nada além das minhas fantasias pessoais.
Levantei-me, ainda sonolenta, e caminhei até o pequeno frigobar. Tirei dele o meu café da manhã, um suco e algumas frutas.
Fui até uma das estantes próximas à televisão e escolhi um filme. Parecia haver novos ali, pois não me lembrava deles, nada que me surpreendesse, porque aquilo acontecia com uma certa frequência.
Escolhi um deles e deixei separado, em seguida caminhei até o banheiro para lavar o rosto. Tive uma surpresa ao encarar o espelho. Por baixo dos meus olhos verdes havia suaves olheiras das quais eu não me lembrava, minha pele estava consideravelmente mais bronzeada do que o comum, o que era impossível, pois eu nunca havia saído ao sol. Além disso, meus cabelos cor de ferrugem estavam mais ressecados do que eu me lembrava. Não foi apenas isso que me surpreendeu, havia centenas de pequenos arranhões espalhados por tudo o meu corpo. Seja lá o que tivesse acontecido, não conseguia me lembrar. Embora fosse estranho, tentei não me preocupar com aquilo. Afinal, coisas estranhas aconteciam comigo todo tempo.
Por fim, voltei para o meu quarto. Peguei o filme que havia separado e coloquei no reprodutor. A história era algo sobre alienígenas e viagens no tempo. E como sempre fiquei me perguntando o que ali era real ou não, pois cada filme ou livro transmitia para mim informações que se divergiam muito umas das outras.
Enquanto o filme começava, separei mais dois que veria logo em seguida. Creio que essas pessoas dos filmes achariam minha vida um tanto quanto monótona. Eu não vivia minha própria vida, não fazia minhas aventuras, apenas gastava meu tempo fantasiando com aquilo que eu provavelmente nunca iria viver.
No filme que estava assistindo havia um casal apaixonado. Perguntei-me como seria sentir aquele toque, como seria ser amada. Mas vivendo ali, privada de qualquer contato humano eu nunca saberia. O estranho é que eu sentia uma grande falta de algo que não me lembrava de ter sentido.
Do nada a luz apagou e a televisão desligou. Olhei ao meu redor assustada, não fazia ideia do que havia acontecido. Olhar e não enxergar nada, só me deixava ainda mais apavorada.
Ouvi o barulho da porta se abrindo e me encolhi em um canto. Percebi um vulto entrar, porém a escuridão não me permitia enxergar mais nada. Encolhi-me ainda mais.
– Marjore? – chamou uma voz na escuridão. – Marjore, você está ai?
Engoli em seco. Seja lá quem havia entrado no quarto sabia o meu nome.
Não disse nada, permanecia quieta, numa tentativa de me manter escondida. Porém, uma luz forte foi jogada contra o meu rosto, fechei meus olhos por reflexo. Tremi ainda mais ao perceber que havia sido encontrada.
– Meu amor! – ouvi a voz exclamar e segundos depois senti braços fortes me envolverem num abraço. – Que bom que eu te encontrei.
– Quem é você? – disse ao empurrar a pessoa para longe. – O que faz aqui?
A pessoa colocou a lanterna contra o próprio rosto para que eu pudesse vê-lo. Era um homem jovem, de aproximadamente uns 25 anos, cabelos e olhos castanhos, uma cicatriz sobre a sobrancelha direita. Por que será que eu sentia como se devesse me lembrar dele?
– Sou eu, Marjore! O Noah.
– Eu não o conheço. – disse ao fitá-lo profundamente. – Não faço ideia de quem é você ou o que está fazendo aqui.
– Como não?! – ele parecia furioso. – Nós estávamos juntos até, sabe lá porque você fugir, e me deixar sozinho.
– Eu nunca sai desse lugar.
– Que diabos eles fizeram com você? – ele parecia chocado.
– Noah, nós precisamos sair daqui logo antes que eles nos peguem. – disse outra voz familiar vinda do corredor.
– Marjore, você precisa confiar em mim. – ele sussurrou. – Nós precisamos sair daqui agora.
– E por que eu confiaria em você? – indaguei. – Nem mesmo o conheço.
– Você me conhece sim, só não está se lembrando disso. – ele insistiu. – Você tem uma pinta pequena na parte de dentro da sua coxa direita, perto da virilha. – sussurrou no pé do meu ouvido.
Eu corei instantaneamente.
– Como você sabe?!
– Nós éramos próximos. Muito próximos eu diria.
Como ele sabia aquele tipo de coisa e eu não me lembrava dele?
Eu não sabia como, nem porque, mas algo dentro de mim me dizia que podia confiar nele.
– Eu posso explicar o que você quiser depois. – ele disse me estendendo a mão. – Mas agora precisamos sair daqui e rápido.
Peguei a mão dele e ele me puxou para fora do quarto. Eu confiava nele, de um jeito incompreensível, mas confiava.
Caminhamos pelo corredor ainda escuro com a ajuda de uma lanterna.
Ao longo do caminho iam aparecendo vários guardas abatidos. Será que Noah havia derrotado todos eles? Mas porque liberar uma estranha? Ou será mesmo que ele me conhecia?
Chegamos ao lado de fora e eu me deparei com um jipe, com mais três caras dentro dele. Deveria os reconhecer também?
– Ei, Marjore! – disse um cara com dreads, que se aproximou de mim e me deu um abraço.
Olhei para ele sem entender o que o deixou surpreso.
– Tiraram a memória dela. – lamentou Noah.
– Que merda, cara! – exclamou o outro cara. – O que vamos fazer?
– Daremos um jeito nisso. – disse Noah confiante. – Agora precisamos ir.
Ele me colocou dentro do carro e partimos. Não conseguia entender o que estava acontecendo, quem eram aqueles caras? Eu deveria me lembrar deles, mas não conseguia.
Permaneci sentada no banco do jipe pelo que me pareceu horas. Onde eu estava? Para onde estavam me levando? Era aquele o mundo de verdade? Não podia ser. Tudo o que eu via ao meu redor era quilômetros e quilômetros de areia que nunca parecia ter fim. Onde estavam as pessoas? Elfos? Ets ? Ou seja, lá qual tipo de vida existente.
– Onde estão as cidades? As pessoas? – perguntei ao encarar Noah, que sentado ao meu lado observava o horizonte.
Ele me parecia distante, talvez disperso.
– Nada disso existe mais, Marjore. – ele disse ao acariciar o meu rosto.
Seu toque inesperado fez com que eu pulasse para trás de susto.
– Droga! – ele esbravejou.
– O que foi? – perguntei a ele sem entender.
– Você costumava gostar do meu toque. – seus olhos caíram tristes. – Por que, Marjore? Por que você fez isso?
– Isso o que? – indaguei confusa.
– Me deixar. – ele cerrou os dentes furioso. Havia visto em alguns filmes que era melhor permanecer calado diante daquela reação, então assim o fiz. – Como pode não entender que eu já havia perdido demais.
Eu olhava para ele: Triste e zangado. Porém, eu não sabia o que dizer e menos ainda o que deveria fazer.
– Chegamos. – disse um dos homens assim que o carro parou.
A aquela altura o sol já havia nascido no céu e me senti imensamente feliz por poder vê-lo.
Todos desceram do carro, deixando-me por último. Por fim Noah me estendeu a mão e ajudou que eu me levanta-se.
– Onde estamos? – Perguntei curiosa.
– Em um dos antigos locais que ficavam a aldeia. Nós mudávamos com frequência para nos manter a salvo.
– Entendi. – murmurei sem no fundo não entender nada.
– Está com fome? – ele perguntou ao me ajudar a sair do carro.
Balancei a cabeça negativamente. Bem, ainda que não tivesse comido nada por um bom tempo meu medo e angústia mantinham meu corpo alerta demais para que ele se preocupasse com esse tipo de coisa.
Vi Noah se afastar de mim e por um momento me senti mal com aquilo, mas sem saber o motivo.
– Pronto, a tirou de lá, mas ela não se lembra de você, então o que vai fazer agora? – perguntou o cara de dreads.
– Eu não sei. – disse Noah claramente decepcionado. – prometi protegê-la e é tudo o que farei no momento. Ela é tudo o que me restou, cara.
– Espero que ela recupere a memória.
– Eu também.
18. Reacendendo a chama
– Quer deitar e dormir um pouco? – Noah perguntou ao aproximar-se de mim novamente.
Balancei a cabeça negativamente, estava assustada. Com meus sentidos em alerta jamais conseguiria dormir.
– Não precisa ter medo de mim, Marjore. – ele acariciou levemente o meu braço, porém dessa vez eu não me afastei, meu corpo parecia gostar muito daquele toque. – Nem de mim ou dos outros.
Um singelo sorriso ameaçou surgir em seus lábios quando ele notou que não me esquivei dele. Talvez para Noah aquilo significasse muito.
– Como sabia aquelas coisas sobre mim? – perguntei curiosa. Na minha cabeça não fazia o menor sentido, eu havia passado toda a minha vida naquele quarto ou não? Se realmente haviam tirado a minha memória, por que fizeram isso?
– Eu já disse a você, nos costumávamos ser muito próximos. – ele sussurrou tocando a minha coxa.
Tentei me mover para trás. No entanto foi como se meu corpo se recusasse, ele parecia lembrar-se de coisas que a minha mente não se recordava.
– Como amigos? – insisti.
Ele riu decepcionado.
– Como algo mais próximo do que isso. – ele se aproximou mais de mim, sua mão tocou com carinho o meu rosto colocando cabelo atrás da orelha. Então seu rosto se aproximou do meu e senti um calafrio percorrer todo o meu corpo e por puro instinto pulei para trás e todo meu corpo ardeu em chamas.
Respirei ofegante e assustada, enquanto olhava todo o meu corpo pegar fogo. Estava prestes a entrar em desespero, não fazia ideia de como lidar com àquilo.
– Acalme-se, Marjore. – pediu Noah tentando me tranquilizar. – Respira fundo, você pode lidar com isso. Lidava bem antes. Vamos, tenha calma.
Respirei fundo diversas e diversas vezes. A voz dele me deixava mais calma. Com o tempo as chamas foram desaparecendo até sumirem completamente.
– Sou eu? – perguntei chocada ao concluir que as chamas vinham de mim.
– Sim, isso é parte do que você é. – ele disse em um tom calmo que conseguiu me tranquilizar ainda mais. – Tudo fará sentido com o tempo, ou pelo menos espero que faça. – nem ele mesmo tinha tanta certeza assim.
Ele se afastou de mim caminhando até o carro e lá pegou uma mochila suja e gasta e a jogou para mim. A peguei sem entender, por que ele estava me entregando aquilo?
– Essa é a sua mochila. – disse por fim. – A encontrei quando parti para procurar você. Talvez algo ai a ajude a se lembrar de alguma coisa.
Sorri para ele e agradeci, não sabia o que fazer além daquilo.
Noah se afastou me deixando sozinha novamente. Ele pareceu nada satisfeito em me ver daquele jeito, contudo não havia nada que eu pudesse fazer. Por mais que me esforçasse não conseguia me lembrar de nada.
– Ainda sem sucesso? – consegui ouvir o cara dos dreads perguntar a ele.
Noah balançou a cabeça triste.
– Derik, ela não lembra nem de si mesma. – Noah me pareceu irritado, mas não sabia ao certo.
Estava há vários metros de mim sentado, em algo que me pareceu uma rocha, ao lado do amigo.
– Tenha paciência, meu amigo. – disse Derik.
– Eu estou tendo, juro que estou. Mas me mata vê-la aqui e não poder tê-la nos meus braços.
– Pelo menos sua amada ainda está viva. – a voz do amigo de Noah soou triste.
– Desculpa.
– Bem, isso é uma guerra, certo? – Derik tentou se animar.
Tentei parar de prestar atenção na conversa deles e abri a mochila que Noah havia me entregado. Dentro dela havia algumas garrafas com água, o que me pareceu um computador, um pouco de comida, roupas e um ursinho de pelúcia velho e descosturando em algumas partes. Peguei o ursinho e o abracei, senti um enorme aperto no peito. Deveria me lembrar de algo, mas porque não conseguia?!
O tempo foi passando e Noah me deixou sozinha com as coisas que deveriam me lembrar de algo, mas que no fundo não me adiantaram de nada. Estava confusa, perdida, não entendia as coisas ao meu redor e senti falta da minha cela. Queria me lembrar, queria fazer com que aquelas coisas fizessem sentido para mim.
Com o chegar da noite, Noah entrou comigo para um pequeno casebre improvisado que parecia ter sido abandonado. Lá havia alguns colchões sobre a areia, e algumas cobertas que ele me disse que ajudariam a lidar com o frio da noite. Então se retirou do pequeno cômodo me deixando sozinha.
Dentei no colchão e abracei o ursinho que de alguma forma me transmitia segurança. Fechei os olhos me esforçando para me lembrar, queria me lembrar, queria muito. Noah parecia conhecer demais de mim para simplesmente estar mentindo.
Esforcei muito, mas a conclusão que cheguei era que seria em vão. Não conseguia, não me lembrava dele nem de mais ninguém.
“Marjore!" A voz na minha cabeça fez com que eu saltasse de susto. “Marjore, sou eu, Paula, uma dos Genesis. "
– Genesis? Como Assim? – perguntei em voz alta. Respirei fundo, já não era o bastante lidar com tudo aquilo que eu não entendia? Nunca havia ouvido vozes antes e aquilo era extremamente assustador.
"Ouça, Marjore não sou forte o bastantes para falar com você por muito tempo. Senti sua luta mental. Vou te devolver sua memória e encontre os outros, sozinhos não somos fortes o bastante contra a BIOTEC..." Então a voz sumiu.
– Paula? – chamei, mas ninguém respondeu.
No instante seguinte minha cabeça começou a doer muito. Apoiei minhas mãos sobre o colchão enquanto me contorcia. Em meio à dor, flashes de memórias começaram a passar diante dos meus olhos e quando a dor parou. Eu me lembrava, me lembrava de tudo.
“Paula, obrigada!" Agradeci em pensamentos.
Talvez fosse melhor insistir, perguntar onde ela estava, onde eu a encontraria. No entanto, não consegui pensar nisso, não naquele momento. Olhei para o ursinho em minhas mãos e meus olhos se encheram d'água. Aisha!
A BIOTEC pagaria, por tudo!
Deitei gentilmente o ursinho sobre o colchão e sai correndo o mais rápido que pude.
Noah estava sentado em outro colchão. Parecia disperso admirando o nada, pensativo.
Corri para cima dele e me joguei nos seus braços colando meus lábios nos dele com urgência. Forcei passagem para minha língua, mas ele me afastou.
– O que está acontecendo? – perguntou ele muito confuso.
– Eu me lembro! – quase berrei abrindo um largo sorriso. – Eu me lembro de tudo.
– Como?
– Eu prometo contar depois.
– Tá bem. – ele disse enfiando a mão pela minha nuca e puxando o meu cabelo, trazendo o meu rosto para junto do seu.
Eu me arrepiei inteira e abri a boca para que a língua dele entrasse e começasse a brincar com a minha. Senti meu corpo todo estremecer com o toque dele. Suas mãos deslizaram pelas minhas costas deixando um caminho de calafrios por onde passaram. Ele deu uma leve mordida no meu lábio inferior, fazendo impossível a tarefa de resistir ao desejo.
– Eu deveria te odiar. – ele sussurrou, me virando no colchão e ficando sobre mim.
– Deveria?
– Sim. – ele murmurou. – Você me deixou e ainda se esqueceu de mim.
– Então por que não me odeia? – sussurrei. Ter o corpo dele deliciosamente acomodado sobre o meu me deixava sem ar.
– Porque eu amo você. – disse ao pé do meu ouvido. Ele aproveitou para dar uma leve mordida na minha orelha arrancado de mim um gemido e fazendo todo meu corpo se arrepiar.
– Eu também amo você, Noah. – sussurrei uma das poucas certezas que eu tinha.
Joguei o pescoço para trás, enquanto Noah o beijava e mordiscava, fazendo-me tremer de excitação a cada toque dos seus lábios contra a minha pele.
Ele deslizou as mãos até apalpar os meus seios. Arrancando de mim um gemido que foi abafado por seus lábios que novamente encontraram os meus.
Para mim era difícil definir sentimentos, mas se o que eu sentia por Noah não fosse estar completamente apaixonada, nada mais seria.
– Prometa que nunca mais vai me deixar. – ele suplicou. – Prometa que vamos enfrentar tudo o que vier juntos.
– Não vou deixá-lo de novo. – prometi. – Nunca mais.
Aquilo foi suficiente para que ele abrisse um largo sorriso e seus olhos se iluminassem do jeito que eu gostava tanto.
Noah me puxou para mais um beijo. Para o inferno a BIOTEC! Não me importava com mais nada naquele momento que não fosse estar com ele.
Comecei a puxar a camisa de Noah para cima e ele me ajudou a tirando e jogando longe. Depois pegou a base da minha blusa e a deslizou pelo meu corpo até jogá-la longe também.
Seus olhos me encararam e com um sorrisinho nos lábios ele se curvou. Refazendo com a língua o contorno dos meus seios, antes de retirar o sutiã que os cobria. Ele sorriu, quando os encarou expostos, e em seguida os agarrou apertando-os com suas mãos firmes.
Noah me deu um selinho demorado mordendo meu lábio inferior, fazendo com que eu me contorcesse ainda mais de excitação de baixo dele.
Seus lábios desceram lentamente pelo meu pescoço e percorreram o caminho até meu seio. Joguei a cabeça para trás sem conseguir conter o gemido quando seus lábios tocaram o bico rígido. Ele chupou com gosto enquanto sua mão apalpava o seio livre.
Eu ia protestar quando seus lábios se afastaram, mas no segundo seguinte suas mãos estavam sobre meu quadril e deslizavam minhas calças, juntamente com a calcinha, me deixando completamente nua segundos depois.
Ele nem esperou que eu o ajudasse e foi logo retirando a calça, se livrando do restante de roupa que cobria seu corpo.
– Queria fazer amor com você devagar, mas acho que vou ter que esperar uma próxima oportunidade. – ele murmurou parecia tão excitado quanto eu.
Sorri para ele abrindo as pernas para que ele pudesse se encaixar no meio delas.
Ele roçou seu membro em mim antes que eu o sentisse escorregar para dentro do meu corpo. O gemido que soltei em seguida foi contido pelos seus lábios que encontraram novamente os meus. Noah estava certo, só doía da primeira vez.
Ele me segurou pela cintura e me girou no colchão. deixado-me por cima.
– Assim também é bom? – perguntei sorrindo para ele.
– Muito bom. – ele disse, enquanto eu o sentia enfiar o mais fundo possível.
Apoiei minhas mãos sobre seu peito e comecei a me mover. Com suas mãos sob meu bumbum ele o apertava e contribuía para que eu rebolasse mais.
Curvei-me para beijá-lo, e deixei que nossas línguas brincassem um pouco, enquanto eu rebolava com ele dentro de mim.
Era inebriante a sensação que tomava conta do meu corpo enquanto nos amávamos. Eu soltava gemidos involuntários de prazer a todo tempo.
Noah escorregou a mão até a minha região de maior prazer e começou a massageá-la, arrancando gemidos ainda mais altos de mim. Quanto mais ele me estimulava mais eu rebolava nele. Sentia todo meu corpo tremer, meus gemidos foram ficando mais altos, meu coração já batia acelerado contra o peito. Daquele jeito eu não demoraria muito. Respirei aliviada e me entreguei à sensação quando o senti explodir dentro de mim. Não demorou muito para que eu chegasse ao orgasmo também, caindo ofegante, e com o coração batendo rápido, sobre o peito dele.
– Eu amo você. – disse ele ao acariciar meu cabelo.
19. Os outros
Abri um largo sorriso, enquanto sentia Noah acariciar meu cabelo embaraçado. Ainda sentia todo o meu corpo bambo, porém, felizmente estava muito bem acomodada em seu peito, ouvindo o som que mais me deixava feliz, o coração dele batendo.
– Achei que isso nunca mais fosse acontecer. – ele murmurou me abraçando.
– O que? – perguntei sem entender.
– Te ter assim nos meus braços. – sussurrou. – Depois que você sumiu daquele jeito, custei tanto para tirar você de lá e não se lembrava de mais de mim.
– Me desculpa. – disse o fazendo carinho no seu rosto. – Eu queria te proteger, já te machuquei tanto.
– Me proteger? – ele pareceu confuso.
– Elas estão mortas por minha causa. – uma lágrima escorreu dos meus olhos, e ele a secou com a ponta dos dedos.
– Meu amor... – eu o interrompi.
– Não, Noah, eles vão vir atrás de mim enquanto não me tiverem de volta. Eu precisava pará-los de algum jeito.
– Sozinha?! – exclamou perplexo. – Isso é loucura, você jamais teria conseguido.
– Mas eles têm que pagar!
– Se você quer vingança, Marjore. – ele disse ao me fitar profundamente. – precisa encontrar os outros. Sozinhos não serão capazes de nem mesmo incomodar a BIOTEC.
Noah estava certo. Bom, ele certamente pensava melhor nas coisas do que eu. Precisava encontrar os outros e logo.
– Eu me lembro. – disse ao me voltar para ele. – me lembro de tudo.
– Eu sei meu amor. – ele sorriu. – que bom que lembrou, só ainda não me disse como.
– Não é só disso que estou falando, meu amor. – me surpreendi em falar com naturalidade aquilo. – Não me lembro de apenas de nós. Mas também do Felix, e dos outros Genesis quando éramos crianças.
– Como? – ele perguntou perplexo.
– A Paula. – eu disse por fim. – Ela me devolveu as minhas memórias.
– Quem é Paula? E como isso foi possível? – ele estava chocado.
– Ela é um dos Genesis. Uma telepata, possui poderes psíquicos muito fortes, pelo menos é o que me lembro de quando éramos crianças.
– Mas como ela conseguiu falar com você? – ele parecia surpreso e curioso.
– Eu não sei, seja lá como for, ela deve ter se esforçado muito para conseguir isso. – disse ainda pensativa. – O mais estranho é por que me levaram de volta para o meu quarto.
– O que quer dizer com isso? – Noah parecia confuso.
– Eu fui até a sede principal da BIOTEC, ou até uma base militar, não sei ao certo. Capturaram-me lá, por que me levar de volta a um lugar onde eu já havia fugido?
– Talvez para quando acordasse pensar que jamais havia saído de lá. – sugeriu.
– Mas sem reforçar a segurança?
– Você tem razão. – ele disse coçando o queixo. – Esperava mais resistência do que alguns guardas quando invadimos o laboratório.
Fiquei pensando por alguns minutos. Seja lá como fosse, mesmo tendo apagado a minha memória, pareciam ter facilitado a minha fuga, mas por quê?
– Talvez seja isso que eles querem. – conclui. – Nós seis juntos.
– Não me parece inteligente, – disse Noah ainda pensativo. – embora possa ser uma opção.
Gastei bons segundos pensando. Mesmo que o tempo que passei com Noah e as pessoas da aldeia tivessem me ensinado muito, ainda era difícil pensar em certas coisas. Embora o que a BIOTEC estava armando fosse importante, não conseguia parar de pensar nas minhas memórias recuperadas.
Estávamos os seis sentados em volta de uma mesa de metal. Deveríamos ter em torno de seis anos, alguns menos, outros mais. Lya era a garotinha sentada ao meu lado, ela tinha grandes olhos azuis e cabelos loiros caindo sobre os olhos, e observava tudo detalhadamente a nossa volta. A minha frente estava Paula, ainda que minhas lembranças fossem dela criança foi bom poder dar um rosto àquela voz. Ela tinha olhos escuros, uma pele negra e longos cabelos castanhos cacheados caindo ao redor do seu rosto. Ao lado dela estava Cristian, ele era o mais velho de nós, tinha olhos e cabelos castanhos e uma pele clara e amarelada. Ao lado dele estava o San, o nosso caçula, era um menininho de três anos, cabelos castanhos, olhos esverdeados. Num canto isolado da mesa estava Ian, ele falava pouco, nos olhava pouco, não sabia se era pela natureza dos poderes dele, mas era frio e distante. Ele tinha cabelos brancos, uma pele quase translúcida e olhos azuis-avermelhados.
Felix dizia que cada um de nós era diferente e igual a sua maneira. Não éramos irmãos, apesar de Felix nos tratar como filhos. Ele era um bom cientista, e um bom pai. Naquele dia estava nos ensinando a ler. Ou pelo menos tentando acompanhar a dificuldade de cada um de nós, ou a velocidade em que Lya aprendia as coisas.
– Amor. – murmurou Noah me chamando de volta ao presente. – Tudo bem?
Balancei a cabeça positivamente.
– Só estava pensando em coisas das quais não me lembrava antes. – disse ainda distante. – Sabe, Noah, armadilha ou não eu preciso encontrá-los.
Era estranho começar a sentir uma saudade imensa de pessoas que a pouco não conhecia. Queria falar com a Paula de novo, mas imaginei que nosso contato anterior tivesse a deixado exausta.
– Nós vamos. – disse ao me abraçar. – Prometo a você que iremos. Faremos isso juntos.
Sorri para ele e lhe dei um beijo rápido.
– Agora durma um pouco. – ele beijou meu cabelo e me acomodou nos seus braços.
Fiz o que ele me pediu, fechei meus olhos e tentei dormir, no entanto, a minha cabeça estava a mil, não parava de pensar neles. Onde estariam?
Com o carinho dele no meu cabelo e meu cansaço acabei pegando no sono.
Acordei com ele me dando selinhos.
– Bom dia!
– Oi. – sorri.
– Que bom que não foi embora. – ele brincou.
Mostrei a língua.
Levantamo-nos e fomos ao encontro dos outros. Estavam todos reunidos do lado de fora ao redor de uma fogueira apagada.
Olhei para eles e sorri, reconhecendo cada um dos rostos dos caras, eram os antigos moradores da aldeia. Perguntei-me onde estaria Tânia, mas fiquei feliz em não vê-la ali.
– Oi! – sorri para eles.
Derik se aproximou de nos e olhou para mim avaliando a situação. Então, viu o braço de Noah ao redor do meu corpo.
– Pelo visto à noite foi boa. – brincou.
– Me lembro de você. – disse sorrindo.
– Que ótimo! – ele pensou em me abraçar, mas desistiu ao encarar os olhos de Noah. – Como lembrou?
– Uma longa história.
– Mas que bom que lembrou. – ele não conteve o sorriso. – Pessoal, ela lembrou! – gritou.
Eles olharam para mim e acenaram contentes.
– E agora? – Derik perguntou a Noah. – Conseguiu sua gata de volta, o que vamos fazer? Reconstruir?
– Bem eu... – encarei os olhos de Noah. – Nós vamos atrás dos outros.
– Que outros? – Derik pareceu confuso.
– Os outros como eu. – esclareci.
– Tem certeza que isso é uma boa ideia? – ele me pareceu apreensivo. – Sabe, com a BIOTEC atrás de você.
– Eu não quero ter que fugir para sempre, Derik. – disse confiante.
– Mas não seriam um alvo mais fácil, estando juntos?
– Talvez. – respondi. – Mas também somos muito mais fortes. A BIOTEC não nos separou à toa.
– Okay. – Derik desistiu de me fazer mudar de ideia. – Para onde vamos então?
– Nós?
– É isso mesmo. – ele afirmou. – Somos tudo o que restou, não vamos nos separar de novo.
Abri um sorriso feliz em saber que estariam ao meu lado. Contudo, logo, meu sorriso foi espantado quando me lembrei de que estava os levando para a morte.
– Derik, eu quero enfrentar a BIOTEC. – Lembrei a ele.
– Eu sei. Então, para onde vamos?
20. Onde estão?
Não sabia para onde ir, foi à resposta que dei a Derik e que dava a mim mesma, no momento. Precisava encontrar cinco mutantes que não queriam ser encontrados, certamente não seria uma tarefa nada fácil.
Eles, assim como eu, provavelmente queriam que a BIOTEC não os encontrasse, e a empresa tinha mais formas para achá-los do que eu.
– Pensando neles? – perguntou Noah ao se sentar ao meu lado.
Estava sentada ao lado da fogueira apagada e pensava a respeito do que faria a seguir.
Balancei a cabeça positivamente.
– E...? – ele insistiu.
– A verdade e que eu não faço ideia de onde começar. – confessei. – Não conheço bem esse mundo.
– Vou ajudar você. – ele sorriu ao me abraçar.
Ouvimos um barulho de carros se aproximando e todos se colocaram em alerta.
– Esperando visitas? – Derik perguntou ao se aproximar de nós.
– Não mesmo. – murmurou Noah procurando por sua arma.
Não demoramos muito para ver os carros se aproximarem. Eram grandes e pareciam blindados, vermelhos e tinham rodas enormes.
– Droga! – exclamou Noah ao meu lado.
– Acho que era melhor se fosse a BIOTEC. – disse Derik.
– Quem são? – perguntei sem entender.
– O exército vermelho.
Engoli em seco. Aquilo não me pareceu uma boa coisa.
Cerca de cinco homens desceram do carro. Não podia dizer se eram homens ou mulheres, pois tinham o rosto coberto por máscaras de gás. Usavam um macacão vermelho e tinham nas mãos armas potentes, visivelmente mais letais do que a que Noah e seus amigos escondiam nas costas.
– Quem são vocês?! Identifiquem-se. – disse o que estava mais a frente dos demais.
– Apenas nômades, senhor. – disse Noah em um tom calmo.
– Apenas nômades? – perguntou o homem não muito convencido.
Quando senti os olhos dele se focaram em mim, percebi que estaríamos em apuros.
– E o que nômades fariam com um dos clones? – insistiu o cara.
– Eu a acho atraente, senhor. – respondeu Noah. – A comprei porque a queria para mim.
– Prendam-nos! – ordenou o homem nada convencido com a história de Noah.
Outros caras saltaram dos carros e caminharam em nossa direção. Pensei em fugir, mas não achei que aquilo fosse uma boa ideia.
– O que vamos fazer? – perguntei ao encarar Noah desesperada.
– Esperar. – ele disse ao jogar sua arma no chão.
Éramos cinco contra vinte, ou muitos mais que poderiam estar dentro daqueles cinco carros, que mais se pareciam com tanques. As rodas eram grandes, tinham mais da metade da minha altura e nelas estavam presas correntes grossas.
Os caras vieram em nossa direção nos jogaram no chão de joelhos, depois nos algemaram. Em seguida, fomos arrastados até um dos carros e jogados no fundo dele.
Estava apavorada, não sabia o que fazer. Noah olhou para mim e sorriu, como se dissesse que tudo ia ficar bem. Porém, eu não sentia certeza naquilo.
Haviam três pessoas sentadas no fundo do carro. Bem, era a melhor definição para o veículo militar, em que estávamos, que eu tinha. Enfim, parei de devanear sobre o carro e continuei prestando atenção nas pessoas e tomei um grande susto quando um deles se voltou para mim. Já havia visto clones meus antes, mas ainda assim não deixava de ser assustador.
– Caramba! – exclamou Derik chocado ao ver meu clone tão de perto. – Ela é realmente igualzinha a você.
– É claro que é! – exclamou Noah ao comentário óbvio do amigo.
O clone olhava para mim também, mas não com a mesma surpresa. Ela tinha os cabelos ruivos presos em um coque e usava um macacão vermelho. Ao lado dela estava um cara alto de pele branca pálida, barba e cabelos brancos e olhos avermelhados. Um clone do Ian, bom pelo menos agora sabia como ele deveria estar depois de todos esses anos. O terceiro era um clone do Cristian, dele ainda me recordava bem.
– Para onde diabos estamos indo? – indagou Derik fazendo com que os clones se voltassem para nós.
– Calado! – sussurrou Noah dando um soco nele.
– Ai, ai. – choramingou Derik.
– Tudo o que não queremos agora é chamar atenção. – murmurou Noah.
– Tudo bem, cara, foi mal. – desculpou-se.
– Seja lá para onde estamos indo temos que dar um jeito de sair daqui antes de chegarmos. – murmurou Noah pensativo.
Olhei ao redor, não havia janelas ou qualquer lugar por onde pudéssemos fugir. Fora os três clones ainda havia cinco soldados parados próximos à única porta.
– Bater e fugir ainda me parecem à melhor opção. – murmurou Derik.
– Marjore, consegue derreter as algemas? – perguntou Noah num sussurro.
Balancei a cabeça positivamente. Achava que sim, mas de qualquer jeito tudo o que eu poderia fazer era tentar. Fechei meus olhos e me concentrei por alguns minutos, então comecei a sentir o metal das algemas derreter sob a alta temperatura do meu braço.
– Agora me beija. – ele pediu e o encarei confusa. O que ele estava armando?
Quando comecei a beijá-lo vi na cintura dele uma arma, então entendi o que ele queria. Puxei a arma dele e atirei contra um dos guardas fazendo com que ele caísse morto. Os outros se prepararam para atirar em nós, mas antes que conseguissem, criei uma parede de fogo ao nosso redor, impedindo que não nos vissem.
– Droga, Noah! Eles vão nos matar. – exclamou um dos caras ao meu lado.
Derreti as algemas de todos, enquanto me esforçava para manter de pé a parede de fogo. Segundos depois meu clone caminhou em meio às chamas, apontando na nossa direção uma arma.
– Rendam-se ou mato todos vocês! – ela ameaçou com a arma apontada para o peito de Noah.
Droga! O que eu iria fazer?
Ouvi um disparo e meu clone caiu imóvel no chão.
– Eles podem ser fortes, mas ainda não são a prova de balas. – sussurrou Derik.
Senti todo o chão do carro começar a esfriar e a ficar branco de baixo de mim.
– Ele vai apagar o fogo. – exclamei me esforçando o máximo para manter a parede de fogo em pé, ela era a nossa única proteção.
– Estejam prontos. – avisou Noah ao se preparar para atirar.
Assim que, a parede de fogo baixou nós atiramos, porém também atiraram contra nós. Senti uma bala atingir meu ombro e cambaleei para trás.
Usei toda a força que ainda tinha em mim para lançar rajada de fogo que jogou longe os guardas e abriu a porta. Não fazia ideia de que seria capaz de fazer aquilo.
– Vamos sair daqui agora! – berrou Noah.
Saltamos do carro em movimento rolando na areia. Minha pele se esfolou toda no meio do caminho. Felizmente nosso carro era o último do comboio e acho que não notaram nossa fuga ou pelo menos torci por isso.
Mas antes que os carros desaparecessem vi o clone do Ian me fitar profundamente. Engoli em seco e tudo ao meu redor ficou escuro.
21. Quase morta
Abri meus olhos, lentamente, sentindo uma dor enorme no meu ombro direito. Tentei me levantar, mas Noah me impediu.
– Fica quietinha aí. – foi logo dizendo. – Tomou um belo tiro.
– Onde estamos? – perguntei confusa. – Tudo ao meu redor ainda estava girando.
– Nas ruínas do primeiro prédio que encontramos. – disse.
– Ai. – reclamei de dor, quando me mexi um pouco.
Noah sorriu.
– Vai doer um pouco, os tiros de arma a lazer são os mais doloridos. Sorte que foi de raspão.
– Como você sabia? – perguntei mudando de assunto.
– Como assim? – ele perguntou sem entender.
– Sabia como agir quando fomos presos? – insisti.
– Ah! – ele exclamou se sentando ao meu lado. – Já fui um deles. – lembrou-me do dia em que me disse que era um desertor. – Seria suicídio os enfrentar, o melhor mesmo era contar com o elemento surpresa e torcer para que desse certo. E por pouco você não perdeu o braço. Derik também foi atingido na perna.
– Ele está bem?
– Sim está. – ele me tranquilizou – Mas como você vai precisar de um pouco de repouso.
– Acha que podem voltar para nos procurar? – ainda tinha medo.
– Talvez, mas torço para que não. – murmurou acariciando meu cabelo. – Não acho que perderiam tempo nos capturando dessa vez.
Engoli em seco e ele sorriu para me tranquilizar.
– Estamos bem escondidos. – garantiu. – agora durma um pouco e descanse. Felizmente você se cura mais rápido do que o restante de nós, ainda assim não significa que não precise de repouso.
Sorri acariciando o rosto dele com minha mão do braço sadio.
– Vamos, descanse. – pediu. – vou ficar aqui tomando conta de você.
Olhei para o ambiente ao meu redor, era um prédio velho, estávamos no que me pareceu um cômodo. As paredes tinham algumas rachaduras, bom, aquelas que ainda estavam de pé. Noah havia improvisado a iluminação com alguns sinalizadores. Eu estava sobre uma cama improvisada com alguns panos.
Fechei os olhos e tentei descansar, meu braço ainda doía bastante. Não só ele, como todo o meu corpo ardia por causa da queda.
Estava cansada e dolorida, mas não tinha sono e nem a menor noção de porquanto tempo havia dormido, mas me parecia bastante.
– Onde estão os outros? – perguntei a Noah.
Ele me olhou de cara feia ao perceber que eu não havia dormido.
– Em outros cômodos. Pode dormir estão todos bem.
– Não estou com sono. – admiti.
– Não. – ele abriu um sorriso maroto nos lábios e se curvou para me dar um selinho. Tentei o puxar para mais perto, mas todo o meu corpo doeu com o movimento. – Só descansa. Preciso que consiga andar sozinha para caminharmos até a cidade mais próxima em busca de comida e algum meio de transporte.
Assenti. Pelo visto não tínhamos água nem comida ali e caso não encontrássemos logo, morreríamos todos.
Fechei meus olhos e dormi por mais uma ou duas horas. Meu corpo doía um pouco menos.
Noah que se deitou ao meu lado acabou dormindo também. Eu não era a única ali que precisava descansar, provavelmente ele havia me trazido nos braços até ali.
Apoiei minhas mãos ao lado do meu corpo e tentei levantar. Senti uma fisgada no ferimento no ombro, contudo sabia que não me livraria daquela dor tão cedo. Com um pouco de esforço acabei me colocando de pé, porém todo o meu pelejo acabou acordando Noah.
– Ei, onde pensa que vai? – exclamou me segurando pelo braço. – Não esta pensando em fugir de novo, não é?
– Claro que não! – olhei para ele sorrindo. – Só não podemos ficar aqui para sempre.
– Está certa. – ele disse ao se levantar também. – Vamos chamar os outros e partir.
Assenti e caminhamos para fora do cômodo. A cada passo que eu dava podia sentir cada um dos machucados me lembrarem de que estavam ali.
Quando chegamos ao próximo cômodo cada um dos caras dormia escorados na parede, com a exceção de Derik que também estava em uma cama improvisada como a minha. Ouvi Noah se aproximar dele e dizer:
– Tudo bem, cara. Acha que consegue andar?
– Talvez com a ajuda de uma bengala ou muleta. – disse ao se levantar com uma dificuldade maior do que a minha. Sua perna tinha um enorme curativo improvisado, provavelmente feito por Noah ou um dos demais.
– Toma essa aqui então. – Noah jogou para ele um pedaço de uma ripa de madeira.
Derik se ajeitou e caminhamos na direção da saída. Ele mancava muito e um dos outros caras decidiu ajudá-lo. Nossa caminhada era lenta, com Derik e eu machucados os demais tinham que diminuir o passo para não nos deixar para trás.
Logo não avistávamos mais o prédio no meio ao deserto. Caminhamos por horas no sol do fim da tarde, estávamos todos sedentos e Derik se arrastava com dificuldade pela areia.
Tivemos que parar algumas vezes para descansar ou todos cairiam exaustos sob o deserto. Felizmente a noite não tardou a cair e tornou nossa caminhada um pouco mais fácil. Porém, eu estava sedenta, todos nós estávamos.
– Noah, não aguento mais. – murmurei zonza.
– Vamos, Marjore! – ele disse ao me levantar. – Nós precisamos continuar, meu amor, ou morreremos todos.
– Me deixem aqui.
– Nem pensar. – ele disse ao me puxar para frente. – Não passei o que passei por você para te deixar morrer no deserto.
– Olhem lá! – alguém gritou apontando para o horizonte.
Ao longe podíamos ver as ruínas de uma cidade que parecia à um ou dois quilômetros de nós. Isso nos deu uma motivação para continuar caminhando. Andamos por mais uma meia hora ou quarenta minutos até chegarmos ao perímetro da cidade.
– Precisamos encontrar água e um lugar para passarmos a noite. – disse Noah. – Acho melhor esperarem aqui. – aconselhou. – Eu e mais um podemos dar uma volta e ver o que encontramos.
– Eu vou com você. – ofereceu-se Marcos, o cara que ajudou Derik a andar. Ele era alto, forte e tinha cabelos castanhos cacheados na altura dos ombros e presos por uma gominha.
Os dois saíram nos deixando sozinhos perto de algo que me pareceu uma antiga estação de energia. Mas que já não parecia funcionar a um bom tempo. Arrastamos-nos até um lugar mais afastado e escondido. Nunca se sabia o que poderíamos encontrar naquele lugar.
Olhei ao meu redor, tudo havia sido abandonado às pressas, como em todas as outras cidades que havíamos ido. Contudo não havia nada de comer ou beber ali, torcia para que Noah tivesse mais sucesso do que nós.
Não sabia se era por causa da fome, da sede ou outra coisa, mas meu corpo aquela altura já doía bem menos. Até mesmo o ferimento provocado pela bala no meu ombro estava tolerável.
– Tomara que não demorem muito. – pensei alto.
Encostei-me a parede, brigando para não fechar meus olhos. Era angustiante demais esperar, não saber quando ele voltaria.
Por fim, acabei dormindo ou desmaiado, não sei ao certo. Mas em seguida acordei com Noah me balançando. Ele tinha nas mãos um pequeno recipiente com água ou qualquer substância com cheiro e cor estranha.
O gosto também não era dos melhores, mas fez com que eu recuperasse boa parte das minhas forças.
Sorri para ele.
– Melhor agora? – perguntou.
– Estou.
– Então vamos. – ele disse ao me ajudar a levantar. – tem um hotel há algumas quadras daqui. Podemos passar a noite lá.
Todos concordaram e se levantaram para recomeçarmos nossa caminhada.
Andamos por uns dez minutos, talvez um pouco mais. Tudo ao nosso redor estava escuro e muito silencioso, e aquele silêncio me tranquilizava, era sinal de que não havia nada a se temer por perto, ou pelo menos eu me iludia com isso.
Ouvimos um som estranho, difícil de descrever, eram passos que se aproximavam cada vez mais de nós. No entanto, esses passos claramente não eram humanos.
– Droga, temos companhia! – berrou Noah. – Corram!
Começamos a correr, para frente, sem destino. Contudo nosso movimento brusco só chamou mais atenção daquelas coisas. Dezenas de formigas, maiores que eu, vieram correndo em nossa direção. Elas se moviam rápido, mais rápido do que nós conseguíamos correr. Marcus jogou Derik nas costas para que esse não ficasse para trás.
– Não temos armas para lutar. – praguejou Noah.
– Eu sou uma arma. – disse ao parar de correr.
– Marjore, não! – Noah me repreendeu.
– Corre! Eu sei o que estou fazendo. – disse ao olhar para o meu corpo começando a se inflamar.
As formigas se aproximaram, mas pararam assim que viram o fogo que emanava de mim. Cada célula do meu corpo estava em chamas.
Ao olhar bem para aquela formiga gigantesca entendi porquê não havia ninguém ali. Bom, pelo menos não humano.
Joguei rajadas de fogo contra elas, o que as fez recuar. Os outros já estavam bem longe de mim. Comecei a caminhar lentamente e percebi que elas não me seguiram, visivelmente me temiam.
Fui andando devagar na direção dos outros, deixando pequenos focos de incêndio por onde passava. Quando percebi que elas correram na direção contrária também comecei a correr e voltei ao normal no meio do caminho.
Saltei para os braços de Noah quando estava perto o bastante.
Ele tirou a camiseta que vestia e jogou para mim. Corei ao perceber que havia queimado as minhas roupas. Vesti as presas a camiseta de Noah, o que acabou virando um vestido para mim.
– Acho que podemos nos acostumar com isso. – brincou Marcos com um sorriso malicioso nos lábios.
Noah olhou para ele como um cão raivoso, o que fez com que o amigo se arrependesse do que havia dito.
Vimos grandes nuvens se aproximarem no horizonte, juntamente com raios.
– Chove por aqui? – perguntei surpresa.
– Algumas poucas vezes, mas chove. E não é o tipo de chuva que gostaria de tomar.
Olhei para o horizonte e vi as nuvens e raios cada vez mais próximos de nós.
– Corram! E virem tudo que puder acumular água. – berrou Noah me puxando pelo braço.
Corremos muito, o mais rápido que pudemos até entrar em um pequeno hotel. Ele parecia razoavelmente em bom estado comparado a outros lugares em que estivemos. Quando Noah fechou a porta, pude ouvir a chuva caindo forte lá fora, os raios e trovões fizeram com que o lugar onde estávamos tremesse. Tive medo de tudo aquilo vir ao chão, mas Noah me abraçou e sorriu como se dissesse que tudo ficaria bem.
Subimos para os quartos. O lugar não era nem de longe tão luxuoso como o último hotel em que estivemos, mas era confortável se comparar a maneira em que vivíamos na aldeia. As paredes tinham uma ou outra rachadura, porém, felizmente não pareciam prestes a desmoronar.
Ouvi um outro trovão e tudo ao meu redor pareceu tremer novamente. Pulei de susto com isso.
Noah arrombou uma das portas com um chute e atrás dela estava um quarto. Nós dois entramos. Não havia luz e o pouco que eu pude ver foi uma cama e um frigobar. Noah o abriu e jogou para mim uma lata.
– Refrigerante quente. – ele murmurou.
Eu a abri e tomei.
Ainda chovia lá fora, e o barulho me assustava muito, o que estava nítido, pois Noah se aproximou de mim e me abraçou.
– Não precisa se preocupar com isso, meu amor. – ele sussurrou afagando o meu cabelo. – existem coisas mais perigosas do que a chuva lá fora.
– Eu sei mais o barulho me assusta. – confessei.
Ele acariciou meu rosto.
– Nunca ouviu uma chuva de verdade antes, não é?
Balancei a cabeça negativamente.
– Tente ignorá-la. – aconselhou. – Vamos procurar algo melhor do que minha camisa para você vestir.
Noah e eu começamos a vasculhar o quarto, sempre que um raio caía próximo a uma janela eu pulava de susto e ele olhava para mim e sorria.
Não encontramos nada no quarto, então decidimos descer. Andamos por um longo corredor até encontrarmos um cômodo onde ficavam as coisas dos empregados. Lá encontramos algumas roupas e eu vesti uma calça de malha e uma camiseta branca. Assim devolvi ao Noah sua camisa.
– Você estava linda nela. – sorriu ao me puxar para mais perto.
– Estava?
Ele balançou a cabeça positivamente. E me rendeu em um beijo. Seus lábios tocaram os meus com doçura e meu corpo se incendiou da forma que só ele provocava, não com chamas de verdade, com sensações, deliciosas e intensas. Sentia cada parte do meu ser temer e se arrepiar. A cada mordida que ele dava em meus lábios meu corpo estremecia.
Ele passou a mão sobre uma mesma atrás de mim, jogando tudo o que havia nela no chão. Em seguida me pegou pela cintura e me fez sentar nela.
Seus lábios deslizaram pelo meu pescoço deixando mordidas e chupões pelo caminho, isso fazia com que eu estremecesse.
Suas mãos subiram pela lateral do meu corpo levando com ela minha blusa.
– Eu amo você. – ele sussurrou ao pé do meu ouvido em seguida deu uma leve mordida na minha orelha arrancando de mim um gemido involuntário.
Seus lábios deslizaram pelo meu pescoço até um dos meus seios, enquanto ele chupava e lambia com a mão ele apalpava o outro seio.
Joguei a cabeça para trás tremendo de prazer. Sentia como se cada parte de mim fosse entrar em colapso a cada toque dele. Meu corpo pedia por mais, ansiava por isso.
Comecei a tirar a camisa dele, porém ele se afastou me deixando surpresa. Meu corpo lamentou isso.
– O que foi? – perguntei a ele.
Sorriu para mim de um jeito que me fez entender que estava tudo bem.
– Vamos terminar isso lá em cima, na cama. – sussurrou ao me pegar no colo.
Peguei a blusa e subimos. No meio no caminho, comigo ainda em seu colo, trocávamos beijos e carícias intensas.
Chegamos ao quarto e ele me colocou com cuidado na cama, como se eu fosse frágil. Noah tinha um carinho e proteção comigo que eu nunca havia sentido antes, não que tivesse tido muita referência disso.
Ele se colocou entre as minhas pernas mandando todo pensamento racional em mim para o espaço. Então, começou a retirar lentamente a calça que eu mal havia acabado de colocar.
Um raio caiu novamente lá fora, mas eu não tive medo, estava com Noah, estava nos braços dele.
Senti um arrepio varrer meu corpo, como se fosse um choque, quando ele jogou minha calça longe, me deixando completamente nua.
Ele se curvou para voltar a me beijar, sua língua brincando com a minha de um jeito que fazia meu corpo pulsar ainda mais por ele.
Seus lábios deslizaram pelo meu pescoço, entre meus seios e a minha barriga, me fazendo estremecer e soltar leves gemidos, até que seu rosto ficou entre minhas pernas.
– O que esta fazendo? – perguntei surpresa e ansiosa.
– Calma. – murmurou.
Logo em seguida senti sua língua me tocar, todo meu corpo se arqueou e eu soltei um gemido alto. Senti um misto de sensações deliciosas invadirem meu corpo a cada carícia que ele fazia em mim com a língua. Involuntariamente apertei o lençol ao meu lado, enquanto soltava gemidos impossíveis de conter.
Não fazia ideia de que estar ao lado dele me faria tão feliz, tão livre para sentir o que era ser humana. Crescer naquela cela me impediu várias vezes de fantasiar sobre como seria amar alguém. Mas Noah havia me salvado, de várias formas ele me salvava da BIOTEC.
Ele enfiou um dedo em mim fazendo com que eu me esquecesse de qualquer pensamento e prestasse atenção apenas nele. Seu dedo entrava e saia de mim sem pedir licença, e juntamente com sua língua me faziam sentir algo delicioso e difícil de descrever.
Ele se levantou me fazendo lamentar por um instante, mas sorri ao sentir que nossa noite só estava começando.
– Linda. – ele sussurrou ao se curvar para me beijar novamente.
Senti ele se ajeitar entre as minhas pernas e deslizar para dentro de mim. Meu gemido foi abafado por seus lábios sobre os meus. Intensifiquei nosso beijo, ao me sentir deliciosamente preenchida.
Noah começou a se mover lentamente sobre mim, com os braços apoiados ao redor do meu corpo. Sentia seu membro entrando e saindo de mim, fazendo aumentar cada vez mais o misto de sensações prazerosas que eu sentia.
Mesmo em meio aos nossos beijos eu deixava escapar gemidos ainda que abafados.
Aos poucos ele foi se movendo mais rápido e eu acompanhei seu ritmo. O via gemer também, sinal que estava tão bom para ele quanto para mim.
Ele saiu de cima de mim e se deitou ao meu lado, me puxando para o seu peito, me abraçando. Ficamos de conchinha e ele me penetrou novamente. Não consegui conter o gemido.
Com a mão livre, sem precisar umas usá-la como apoio, Noah a deslizou até o meio das minhas pernas e começou a massagear a região. Eu que já estava inebriada de prazer não demorei muito para chegar ao ápice. Meu corpo estremeceu com a sensação que tomou conta dele, e nos segundos seguintes minha respiração ficou ofegante.
Ele se moveu dentro de mim por mais algum tempo, então senti seu corpo se estremecer também, e por alguns segundos perder a força.
Aconcheguei-me no peito dele e depois de um beijo carinhoso peguei no sono.
22. Onde procurar?
Abri meus olhos bem devagar, sentia-me incrivelmente bem. Ainda estava sobre o peito de Noah que se movia por causa de sua respiração.
Mexi-me para poder olhar melhor o seu rosto. Eu me sentia tão em paz olhando-o dormir.
– Bom dia, amor! – ele abriu um largo sorriso ao acordar e me ver ali.
Ele me deu um rápido selinho e começou a se levantar. Queria puxá-lo de volta, intensificar nosso beijo. Mas sabia que não poderíamos ficar, os outros esperavam por nós.
Por um momento me deixei levar por um sonho. Sonho de poder ter a vida que eu via nos filmes, poder viver com Noah sem precisar fugir ou me esconder, sem ter que correr da BIOTEC ou deixar que ela mate as pessoas que eu amo. No entanto, eu sabia que naquele mundo não havia espaço para sonhos. No fim das contas, eu já tinha muito por ter o Noah.
– Vamos? – ele disse ao me estender a mão.
Levantei-me e Noah e eu nos vestimos.
Quando chegamos ao saguão do hotel vimos os caras, sentados ao redor da mesa, eles haviam preparado um café com as coisas que encontraram por lá. A tecnologia atual parecia boa o suficiente para preservar melhor os alimentos.
– Encontramos muita coisa aqui. – disse Marcus. – Muita coisa podre como sempre, mas achamos coisas que ainda dão para comer.
Aproximamo-nos da mesa e eu pude ver alguns biscoitos e outros produtos industrializados. Além disso, havia algumas coisas embaladas a vaco.
Noah e eu também nos sentamos à mesa e comemos um pouco.
Derik parecia bem melhor. Na verdade melhor de um jeito que me deixou surpresa.
– O que houve com você? – perguntou Noah. Ele certamente havia estranhado aquilo tanto quanto eu.
– Encontramos isso em um dos quartos. – ele disse ao levantar um pequeno aparelho.
– Um regenerador celular! – exclamou Noah surpreso. – Nunca encontramos um desses dando sopa por ai antes. Depois do início da guerra era quase impossível civis terem um desses.
– Pelo modelo desse aqui, creio que é de antes da guerra. – observou Derik. – Mas curou a minha perna então pouco importa.
– Passa isso para cá. – pediu Noah e Derik jogou para ele.
Olhei sem entender até que deslizou a manga da minha blusa deixando meu ombro a mostra. Meu ferimento não doía mais tanto, porém ainda estava bem feio.
Noah ligou o aparelho e um laser azul tocou minha pele. Vi ele percorrer toda a área machucada e ouvi o som de pele queimando, além de sentir um forte ardor por onde a luz passava. Mas assim que Noah desligou a máquina olhei para o meu ombro e ele estava ótimo, como se eu nunca tivesse sido atingida.
– Acho que isso vai ser bem útil. – comentou Noah. – Por acaso não encontraram por ai nenhuma arma?
– Arma não. – lamentou Marcus. – Vamos precisar procurar no restante da cidade.
– Com aqueles insetos? – Derik tremeu com a ideia.
– Relaxa, temos a nossa tocha humana aqui. – disse Marcus ao sorrir para mim.
Noah olhou feio para ele e eu ri.
Acabamos de comer e saímos vasculhando o hotel em busca de tudo que fosse útil para continuássemos a nossa jornada. Encontrei uma mochila e algumas garrafas vazias, além de roupas velhas.
Quando saímos do hotel tudo o que havíamos virado tinha acumulado água, o que foi ótimo. Todos nós recolhemos tudo o que poderíamos carregar. A água tinha um gosto amargo, um tanto ácido, mas ainda assim matava a nossa sede, ajudaria a nossa caminhada.
Saímos para procurar armas e outras coisas úteis pela cidade. Não sabíamos o que poderíamos encontrar na próxima esquina, então optamos por andar todos juntos. Por mais que Noah não gostasse de admitir, eu era a única arma ali.
Caminhamos em silêncio pelas ruas desertas. Encontramos uma farmácia, que mesmo com a vitrine quebrada e prateleiras reviradas, ainda tinha muitos produtos. Quem quer que tenha saqueado aquele lugar não havia conseguido levar tudo. Pegamos alguns analgésicos e antibióticos.
Deixamos a farmácia em busca de alguma loja de armas. Segundo Noah, as cidades costumavam ter umas, porém era o maior foco dos saques.
Eu olhava em todas as direções e tentava fazer o mínimo de barulho possível, além das formigas gigantes, não fazia ideia do que poderíamos encontrar de perigoso ali.
As ruas eram largas e por onde quer que eu olhasse via destruição, não de bombardeios como os que eu estava acostumada, mas sim de saques. Era como se um bando de bárbaros tivesse passado quebrando tudo.
Depois de vários minutos andando, talvez horas, encontramos uma loja de armas. A vitrine estava quebrada e tudo nela havia sido levado, entramos na loja e todas as prateleiras estavam vazias.
– Droga! – exclamou Noah.
– O que vamos fazer agora? Já levaram tudo. – resmungou Derik.
– O que tem ali? – perguntei apontando para uma pesada porta de metal na lateral de uma parede.
– Deve ser o estoque deles. – sugeriu Fred, um outro cara do grupo. – quem sabe temos mais sorte lá dentro?
– E alguém me diz como vamos entrar vamos entrar com uma porta de 200 quilos de metal? – perguntou Derik nos encarando.
– Sem uma bazuca, eu não faço ideia. – disse Marcus pensativo.
– Talvez eu consiga. – disse ao me aproximar da porta.
Concentrei-me nas dobradiças, colocando minha mão sobre elas, pareciam a parte mais frágil da porta. Fechei os olhos e senti o calor fluir pelo meu corpo até a palma das minhas mãos. Deixei-o arder, cada vez mais quente e mais forte, até que o metal não resistiu e começou a derreter. Uma por uma, derreti todas as dobradiças da porta, depois disso Noah a abriu com um forte chute.
Entramos num lugar que parecia um grande depósito, com dezenas de caixas. Algumas delas estavam abertas e dentro pude ver as mais diversas armas e munições.
– Uau! – exclamou Derik. – acho que nunca vi tantas armas juntas na vida.
– Tem tecnologia pós-guerra aqui. – observou Noah ao se aproximar de uma caixa com armas sofisticadas, armas parecidas com as que tinham os soldados do exército vermelho que nos pegaram. – Seja lá o que destruiu essa cidade, foi bem depois do início da guerra.
Estávamos admirando as armas quando todos nós ouvimos som de motocicletas se aproximando, e logo em seguida estacionando em frente a loja onde estávamos.
– Parece que temos companhia. – comentou Derik.
Cada um de nós pegou uma arma e se escondeu. Esperei que quem quer que fosse não entrasse ali, porém não tive sorte. Ouvi passos caminharem dentro da loja e barulho das coisas sendo reviradas.
Não demorou muito até que eles notassem a porta arrombada e viessem verificar o que havia lá dentro.
Pelo som dos passos julguei ser um grupo de cinco pessoas. Os três passos mais pesados deveriam pertencer a homens e os dois outros a duas mulheres.
Quando eles entraram permaneci ajoelhada em um canto, observando apenas por uma fresta formada por duas caixas de armas.
– Ora, ora. – resmungou um dos caras. – parece que nada aqui ainda foi levado.
– Isso é ótimo. – comentou uma voz feminina. – Agora peguem o que dá para carregar e vamos nessa.
Por um momento, pensei que ela estivesse olhando para mim, mas com todas aquelas caixas seria impossível.
Os observei por um espaço entre as caixas a minha frente. Eles vestiam roupas sintéticas como as que eu vi em outros mercenários, essas tinham um tom azul-marinho. O grupo era composto de duas mulheres e três homens, eles me pareceram ter entre 20 e 30 anos.
Dei um passo para trás e acabei esbarrando em uma caixa de balas que caiu no chão, causando um barulho alto. Os cinco mercenários viraram em minha direção.
Eu tinha acabado de destruir nosso esconderijo.
– Tem alguém aqui. – disse uma das mulheres, sacando uma arma e atirando na minha direção.
Rolei para o lado antes da bala passar exatamente onde eu estava.
Alguém atirou contra os mercenários o que os deixou ainda mais alarmados.
– Saiam de onde estiverem e se entreguem, ou morrerão todos. – disse um homem alto e forte, com uma voz bem grave.
Outra bala foi disparada acertando o braço do sujeito, o que fez com que eles corressem e se escondessem atrás de algumas caixas, ao perceberam que estavam expostos demais. Deixei minha mão incendiar e joguei fogo contra eles, mas acabei apenas pondo fogo na caixa na frente deles.
Alguém rolou para o meu lado.
– Não coloque fogo em mais nada. – advertiu Noah, em um sussurro quase inaudível. – Aqui é cheio de pólvora, se explodir, todos nós morremos.
Ele me entregou uma arma e se preparou para atirar.
Uma dezena de tiros foi disparada em nossa direção, um deles por pouco não atingiu Noah. Eles eram bons, muito bons.
Eu disparei duas vezes contra eles, porém não fez o menor efeito, pelo contrário, apenas os deixou ainda mais furiosos. Precisávamos sair dali ou logo nos matariam.
Olhei em todas as direções em busca de uma saída, no entanto, não vi nada. Estávamos encurralados.
– Eles vão nos matar. – sussurrou Noah.
– Acho que posso conter o fogo. – murmurei.
– O que? – ele exclamou sem entender.
– Uma explosão, acho que consigo nos proteger do fogo. – disse a ele em resposta.
– Acha? – ele me pareceu amedrontado.
– Tem outra ideia? – perguntei por um instante, esperançosa.
Ele balançou a cabeça negativamente, antes de tombar para o lado ao ser atingido. Algo dentro de mim se inquietava, precisava agir, e logo.
– Venham para cá! – berrei.
Talvez aquela fosse a pior ideia que eu tive. Uma centena de disparos foi lançada em nossa direção. Noah estava caído ao lado e mal podia segurar sua arma.
Os outros caras rolaram para perto de mim, e se esquivaram como puderam dos tiros, porém Marcus acabou sendo atingido.
– Faça a sua mágica. – murmurou Derik para mim.
Lancei uma bola de fogo em uma caixa de munição que estava próxima aos mercenários, que imediatamente explodiu. Não tive mais do que uma fração de segundos para conter o fogo que se espalhou e expandiu num piscar de olhos. Criei uma parede de fogo que ajudou a conter a explosão, porém não conseguiria evitar que o fogo se espalhasse por muito tempo.
– Saiam daqui! – berrei ao abrir uma passagem em meio ao fogo. – Agora!
Os rapazes correram em meio ao caminho entre o fogo e eu corri atrás deles. Vi um dos corpos carbonizados pelo caminho e lamentei por aquilo.
Segundos depois de termos chegado ao lado de fora tudo foi pelos ares. Onde antes havia uma loja de armas, agora só existiam destroços, cinzas, fogo e fumaça.
– Adeus armamento. – lamentou Derik ao encarar o prédio em chamas.
Corri até o Noah que sentado no chão pressionava o ferimento que sangrava muito.
– Mais uma cicatriz para a minha coleção. – ele disse tentando sorrir, fingir que estava tudo bem e me tranquilizar, no entanto, era óbvio que ele não estava nada bem.
– Aqui! – Derik correu em nossa direção carregando a mochila de Noah.
– Obrigado. – disse Noah ao amigo.
Abri a mochila vasculhando desesperadamente atrás daquele aparelhinho médico. Ver Noah segurando a expressão de dor e o sangue escorrendo pelo seu braço só me deixava ainda mais desesperada.
– Achei! – suspirei aliviada. – Agora como eu uso isso?
– Deixa comigo. – Derik o tomou de minhas mãos e o ligou, em seguida apontou para o braço do amigo.
O lazer azul percorreu o braço de Noah que em poucos instantes estava curado, se não fosse pelo tanto de sangue, espalhado em sua roupa e pele, seria como se nada tivesse acontecido.
– Oi! Eu estou aqui. – choramingou Marcus ao apontar para a perna atingida.
Derik foi até ele e o curou também. Logo em seguida, ele guardou novamente o aparelho, sem dúvidas ele seria bem útil a nossa jornada.
– Agora temos transporte. – observou Marcus ao apontar para as motos deixadas ali por seus antigos donos.
– Consegui salvar isso. – disse Fred ao jogar perto de nós uma meia dúzia de armas, o que era o bastante para todos nós.
– Armas a lazer! – exclamou Derik empolgado. – Cara, já disse que eu te amo? – sussurrou Derik ao abraçar o amigo.
– Sai fora, cara. – resmungou Fred ao empurrar o amigo para longe.
Noah riu da cena enquanto se levantava e batia a areia da roupa. Ele pegou as armas e entregou uma a cada um de nós. Em seguida, subiu em uma das motos e fez um gesto para que seus amigos fizessem o mesmo.
– Vamos logo! – Noah ordenou já ligando a moto.
Cada um subiu em uma das motos e eu me apoiei na garupa de Noah, abraçada a cintura dele.
– Bem, aonde vamos agora? – ele perguntou ao acelerar a moto.
– Não sei! – confessei em um lamento.
– Pena que perdemos o computador. – Lamentou Noah. – Então vamos apenas encontrar um lugar seguro para passar a noite e lá decidimos para onde ir.
Assenti com a cabeça e Noah arrancou com a moto. Logo estávamos de volta à estrada.
23. Lya
Encontramos uma antiga base militar abandonada no alto de uma montanha. O lugar estava em ruínas, mas nos pareceu seguro para passarmos a noite.
– Acho que esse lugar pertenceu ao exército do país ao que ficava nessas terras. – observou Derik, no momento em que descemos das motos.
Olhei o prédio a nossa frente, deveria ser um posto de vigília, ou algo do gênero, pois tinha uma visão privilegiada de toda a região. A porta era de ferro e pesada, mas já havia sido arrombada antes, desse modo entramos com uma certa facilidade. Não era nem de longe tão confortável quanto dormir em um hotel, mas era seguro e isso bastava.
Noah, eu e os outros rapazes escondemos as motos e caminhamos para dentro do lugar. As paredes eram resistentes, porque eu não encontrei uma única rachadura, porém não tinham nenhum acabamento. Vi uma porta arrombada e dentro do cômodo havia vários suportes para armas, além de algumas caixas de munições, contudo tudo estava vazio, não havia uma única bala, certamente tudo havia sido saqueado por um grupo como nós ou um bando de mercenários.
Continuamos a caminhar por um corredor estreito até avistarmos outra entrada. O local parecia não ter sido mexido, não que houvesse o que levar ali. O cômodo me pareceu ser um dormitório, nada confortável, tinha camas de concreto presas à parede, duas ou três dezenas delas.
Com o cair da noite os caras improvisaram algumas tochas e me entregaram para acender. Assim iluminamos o local, tornando-o um pouco mais acolhedor.
Sentamo-nos ao redor de uma pequena fogueira, que aqueceu um pouco a noite, que se tornava cada vez mais fria. Alimentamo-nos com o que havíamos pegado no hotel, contudo decidimos poupar, porque não sabíamos quando encontraríamos comida novamente.
Apoiei-me em Noah que passou o braço ao redor do meu ombro. Eu gostava muito de ficar ali, ouvindo o coração dele bater.
– Sinto falta de ter um lugar para o qual voltar. – disse Derik pensativo.
Eu sentia falta de Aisha. Daquele jeitinho gentil e alegre, mesmo quando o mundo ao nosso redor ruía. Pensar nela me trouxe a lembrança do motivo pelo qual estava ali, precisava encontrar os demais mutantes, precisava não apenas me vingar da BIOTEC, mas pará-la. Não o queria que mais nenhuma vida fosse tirada por minha causa...
O som de uma motocicleta parando interrompeu meus pensamentos e colocou todos em alerta. Noah sacou a arma e se preparou para enfrentar mais mercenários.
Caminhamos em silêncio até a entrada. Escondidos nas sombras, esperávamos ver antes de sermos vistos. Havia duas pessoas em uma moto. Os rapazes os tinham na mira, mas não atiraram. Aguardavam um movimento brusco.
A pessoa que estava na garupa desceu da moto e tirou o capacete. Surpreendi-me imensamente com o que vi.
– Não atirem. – pedi aos rapazes. – Eu a conheço.
Fazia quanto tempo que nos separaram? Uns 15 anos, talvez mais? No entanto, ela não havia mudado muito, crescido, ganhado algumas curvas femininas talvez, mas a essência de Lya ainda estava ali: Os grandes olhos azuis que encaravam tudo com atenção e curiosidade. Seu cabelo loiro estava curto e caia sobre os olhos.
Sai das sombras e chamei por ela. Lya se virou na minha direção e seus olhos se arregalaram mais ainda com a surpresa.
– Marjore? – ela murmurou incrédula.
Balancei a cabeça positivamente e corri na direção dela. Mal podia acreditar que havíamos nos encontrado ao acaso.
– Eu estava procurando por você. – disse quando estava próxima dela.
– Eu estava tentando não ser encontrada. – ela abriu um leve sorriso.
O cara que estava com ela tirou o capacete também, mas não disse nada, apenas nos observava atentamente. Ele não era muito alto, talvez uns 10 centímetros maior do que eu, tinha os cabelos em um tom castanho-claro e grandes o suficiente para cair sobre seus olhos verdes, bem mais claros que os meus, facilmente poderiam ser confundidos com azul.
– O que acham de conversávamos lá dentro? – sugeriu Noah ao se aproximar de mim.
Lya assentiu e caminhamos de volta ao dormitório. A fogueira no chão ainda queimava o que deixava o ambiente quente e acolhedor naquela noite fria. Ela rapidamente se aconchegou perto da fogueira.
– O que fazem por aqui? – perguntou Noah se esforçando para não parecer hostil.
– Procurando abrigo para passarmos a noite. Assim como vocês eu presumo. – respondeu Lya. – Matheus disse que esse lugar ficava abandonado e que seria seguro para passarmos a noite. Só não imaginávamos que já estivesse ocupado.
Deduzi que Matheus deveria ser o nome do cara que observava tudo e todos.
Vi a mão de ela cintilar sobre a luz da fogueira com um tom prateado, bem diferente da cor normal da pele humana.
– O que houve com a sua mão? – perguntei surpresa.
– Ah essa? – Lya perguntou ao levantar a mão direita. A mão dela me lembrou a dos robôs humanoides que eu via nos filmes. – Cortaram a minha mão de verdade. – ela riu e eu engoli em seco. – Ai eu fiz uma prótese robótica para substituir.
Matheus a encarou com um olhar de quem sentia muito. Fiquei curiosa a respeito do que havia acontecido, porém achei melhor não insistir no assunto.
– Estamos fugindo da BIOTEC há meses, e por mais que eu tente encobrir nossos rastros já quase me pegaram duas vezes. – prosseguiu Lya.
– Encontrou algum dos outros? – perguntei a ela. Estava ansiosa por notícias dos demais.
Lya balançou a cabeça negativamente. Era bem provável que ela estivesse tão preocupada em apenas se manter viva quanto eu.
– Nós não podemos fugir da BIOTEC para sempre. – disse por fim.
– E o que sugere que façamos? – perguntou Matheus finalmente se pronunciando.
– Precisamos enfrenta-los! – afirmei.
Matheus abriu um sorriso amarelo.
– Isso seria loucura.
– Melhor seria continuar fugindo, torcendo para que eles nãos as capturem no dia seguinte ou nos matem? – Noah se pronunciou, colocando-se ao meu lado.
– E por que acha que não seriamos esmagados por soldados e um exército de clones? – insistiu Matheus, como se ele tivesse ouvido a maior loucura do mundo.
– Nós duas não seriamos o bastante, mas que sabe nós seis? – prossegui.
– E por que acha que os outros topariam essa loucura? – perguntou Lya.
– Para parar de fugir, assim como nós. – respondi.
– Vamos supor que vocês enfrentem a BIOTEC e por um milagre vençam. O que garante que os exércitos não virão atrás de vocês? – Matheus ainda se opunha fortemente a ideia.
Ainda não havia pensando naquilo, até aquele momento não havia enxergado os exércitos como possíveis inimigos, meu único foco até então era a BIOTEC. Não podia negar que ele estava certo, nada nos garantia que depois da BIOTEC destruída os exércitos não nos caçariam.
– Precisamos destruir um inimigo de cada vez. – disse depois de pensar bastante.
Matheus abriu a boca para protestar, porém Lya o impediu.
– Marjore está certa. – ela disse. – Eu não quero ter que fugir para sempre. – ela se virou para mim novamente. – Então o que vamos fazer agora?
– Encontrar os outros. – respondi.
– Tem alguma do paradeiro deles? – perguntou Lya esperançosa.
– Fora o contato da Paula, nenhum. – lamentei.
– Contato da Paula? – Lya perguntou sem entender.
Contei a ela tudo o que havia acontecido, desde a morte da família de Noah, minha súbita atitude, e minha perda de memória.
– Acha que consegue se comunicar com ela de novo? – insistiu Lya.
Balancei a cabeça negativamente.
– Acho que não. Foi ela quem se comunicou comigo.
– Precisaremos encontrar um meio. – sussurrou pensativa.
– Vamos deixar isso para amanhã. – sugeriu Noah. – descansados pensaremos melhor.
– Eu penso melhor do que vocês de qualquer jeito. – resmungou Lya.
– Mas precisa de descanso como qualquer um de nós. – insistiu Noah.
– Vamos dormir Lya. – Matheus pediu a ela que assentiu em resposta.
Ajeitamo-nos nas camas de concreto como pudemos. Por fim, percebi que era menos incômodo do que eu pensava, com o peito de Noah servindo como travesseiro.
Lya abriu sua mochila e dela saiu uma grande arranha, com dezenas de patas que se assemelhavam as penas de metal.
– Fique atenta a qualquer movimento suspeito, se vir alguém nos avise imediatamente. – Ela instruiu a arranha que pareceu assentir e caminhar para o lado de fora do cômodo.
Depois Lya se levantou e foi deitar-se ao lado do Matheus, que a aninhou em seus braços. Pelo visto eu não havia sido a única a encontrar um parceiro.
– Feliz? – Noah perguntou chamando minha atenção.
– Por quê? – perguntei a ele sem entender.
– Já encontrou um deles.
Abri um largo sorriso.
– Sim estou muito feliz. – concordei com ele. – Agora preciso encontrar os outros.
– Você vai. – ele garantiu me dando um rápido beijo. Queria intensificá-lo mais, porém com todos dormindo no mesmo lugar achei melhor não fazer isso.
Fechei meus olhos e por um momento fiquei pensando em como era bom rever Lya. Durante todo o momento em que pensei em procurá-los nunca havia imaginado como seria caso eu voltasse a ficar frente a frente com qualquer um deles. No entanto, a sensação que eu sentia naquele momento era como se houvesse reencontrado uma parte de mim mesma. Mal podia imaginar como me sentiria quando estivéssemos todos juntos. Embora a esperança de estarmos todos reunidos parecesse mágica, primeiro eu precisaria encontrá-los. Felizmente, agora contava com a ajuda de Lya.
24. Seguindo rastros
Quando acordei Noah e os outros rapazes estavam preparando algo para comermos.
Lya estava sentada ao lado de Matheus e conversavam sobre algo que eu não conseguia ouvir.
Aproximei-me de Noah e ele me puxou para os seus braços.
– Amor. – ele sorriu ao fazer carinho em mim. Fechei meus olhos e me entreguei à sensação boa que o toque dele me proporcionava.
Sentamo-nos no chão e comemos uma espécie de sopa. Um pó que misturado à água tinha um gosto e aparência de legumes. Aquela sopa não era ruim e felizmente tínhamos vários pacotinhos daqueles que encontramos no hotel.
– Sei como encontrá-los. – comentou Lya quando acabamos de comer.
– Sabe?! – exclamei animada.
– Sim. – ela assentiu chamando em nossa direção a sua aranha de metal.
A aranha exibiu um holograma do que me pareceu ser uma instalação militar.
– Eles estão ai dentro? – perguntei.
– Não. – ela respondeu. – Essa é uma base de operações do exército negro. Eu quero entrar lá e ter acesso à tecnologia deles.
– O quê?! – exclamou Noah incrédulo. – É a maior loucura que já ouvi. Tem ideia de onde está querendo entrar? A Biotec não é ninguém perto de qualquer um desses exércitos.
– Estou aberta a outras ideias. – murmurou Lya.
Noah respirou fundo. Percebi que ele tentava avaliar melhor a situação.
– Está bem, se por algum milagre conseguirmos entrar lá dentro, como acha que vai conseguir encontrá-los se nem mesmo a BIOTEC ou o próprio exército conseguiu.
– Não faz ideia do que a Lya é capaz. – murmurou Matheus.
– O que vamos procurar lá dentro? – perguntei interessada em saber como aquele plano funcionaria.
– Preciso ter acesso à inteligência deles. Câmeras de segurança, aparelhos de espionagem, tudo que recolha informações sobre o exército inimigo e os civis. – Lya respondeu focada em seu plano.
– Mas como acha que vai conseguir encontrá-los lá se nem o exército ou a própria Biotec encontrou. – Noah ainda não tinha fé naquele plano.
– Porque o meu QI é mais elevado do que o de todos eles juntos e eu sei o que estou procurando. – Lya disse confiante. – Até onde sabemos os exércitos não sabem que nós fugimos, para eles qualquer um de nós seria apenas mais um de nossos clones, e a BIOTEC não possui metade dos recursos que qualquer dos exércitos tem.
– Como passaremos por eles sem que nos matem? – insistiu Noah ainda inseguro.
– Direi assim que permitir. – disse Lya emburrada, logo se voltando para o holograma a nossa frente. – Essa é uma das plantas da base que eu roubei quando invadi um dos computadores militares. Segundo as informações que tenho, nessa parte – ela apontou para uma porta nos fundos do prédio. – É onde acontece a troca da guarda. Os vigilantes do turno da noite saem às 7 horas em ponto da manhã e os do turno do dia entram cinco minutos depois, para que não haja nenhum tipo de tumulto. Durante esses 5 minutos é o tempo que temos para entrarmos sem sermos vistos. Eu, Matheus, Marjore e Noah entraremos, o restante de vocês fica do lado de fora e nos dá cobertura. Vou deixar a M.A.I. com vocês, ela é ligada ao meu sistema nervoso e nos manterá em contato.
– Ah, que fofo, a aranha robótica tem nome. – ironizou Derik.
– M.A.I. – enfatizou Lya. – Mente Artificial de Inteligência. – explicou. – Ela pode ser uma aranha, minhas asas e muitas outras coisas.
– Asas?! – indagou Derik surpreso.
– Sim. – Lya mostrou uma estrutura de metal em suas costas. Era um pequeno quadrado que parecia se ligar a sua coluna vertebral. Imaginei que aquilo deveria ter doído. – Quando entrarmos vou acessar os computadores deles e fazer o download de todos os arquivos de imagens e possíveis informações que nos levem aos demais mutantes, e vou tentar me conectar ao servidor deles para pegar quaisquer possíveis novas informações.
– Como um vírus. – concluiu Marcus atento a tido que ela falava.
– Quase isso. – concordou Lya.
– Ainda acho isso loucura. – comentou Noah. – Mas estamos sem opções.
– Ótimo. – disse Lya contente por sua vitória.
Aguardamos o fim do dia e a manhã seguinte. Não tínhamos outra alternativa a não ser seguirmos o plano de Lya.
Aproveitei a noite para me aproximar dela. Havíamos nos reencontrado, mas eu não fazia ideia de como haviam sido aqueles anos para ela, será que também havia crescido em uma cela? Cristian a havia libertado?
Tentei puxar assunto, mas ela não era de falar muito. Matheus disse que ela era melhor com as máquinas do que com as pessoas. Por fim ela conversou comigo, contou que Paula havia a libertado. Porém, a vida dela não havia sido como a minha, pior eu acho. Lya havia crescido com uma família que acreditava ser a dela, amigos, no entanto, nada daquilo era real. Todo que conhecia, tudo que acreditava não passava de mentira, tudo forjado pela BIOTEC, uma cidade de mentira povoada por clones de cientistas e guardas.
Quando a noite chegou nos arrumamos para dormir. O dia seguinte seria difícil, precisaríamos estar em nosso melhor estado físico. Aconcheguei-me em Noah e não demorei a pegar no sono.
Acordei com Lya me cutucando. Já estava na hora, mas o sol ainda nem havia nascido.
Levantamo-nos. Derik preparou a sopa, todos comemos e saímos nas motos.
O percurso até a base durou vários minutos, talvez algumas horas. No entanto, a paisagem não mudou muito, areia e destruição que pareciam nunca ter fim. Imaginei como seria aquele lugar antes de tudo, antes da guerra. Teriam existido belas planícies verdes? Vários animais?
Soube que chegamos quando avistei um lugar exatamente igual ao que Lya havia nos mostrado em seu holograma. Paramos e descemos das motos há vários metros de distância. Os garotos disseram que além daquele ponto seríamos facilmente detectados pelo barulho dos motores.
Escondemos as motos atrás de uma duna e caminhamos de maneira lenta e silenciosa, a fim de não sermos descobertos.
Quando chegamos a uma determinada área Lya parou abruptamente, chamando a atenção de todos.
– Tem sensores de movimento e bombas por toda parte. – advertiu. – Tomem cuidado e pisem apenas onde eu pisar.
Vi seus olhos cintilarem como vidro e uma espiral azulada percorrê-los. Não fazia ideia do que era, mas também, não tive tempo para perguntar.
Lya avançou sobre o terreno, calculando precisamente cada passo que dava. Nós apenas seguíamos as marcas de seus pés deixadas na areia.
Caminhamos por longos minutos, com total cuidado, até chegarmos a uma duna que ficava a poucos metros da entrada indicada por Lya.
Esperamos em sem fazer o menor barulho, até o horário indicado. Tudo estava em completo silêncio, o que me assustava. Será que já sabiam que estávamos lá?
Esperamos, eu não sei por quanto tempo. Derik estava inquieto, e travava uma luta interna para se mantiver em silêncio.
Longos minutos depois ouvimos um barulho grave, a pesada porta de ferro se abria lentamente. Instantes depois um batalhão passou por ela. Cerca de 50 homens, vestindo os uniformes pretos e bem armados.
Quando o último deles saiu, Lya entregou a Derik a M.A.I. e caminhou na direção da porta, fazendo um sinal para que a seguíssemos. Noah, Matheus e eu fomos atrás dela.
Assim que passamos pela porta nos escondemos em um beco escuro, instantes antes de o novo batalhão entrar e a porta se fechar atrás de nós. Não quis pensar em como faríamos para sair dali.
Olhei ao meu redor e vi que as paredes eram altas e feitas de algum metal. Há alguns metros de nós, havia uma câmera, mas deduzi que estivéssemos no ponto cego dela.
Lya tirou da mochila uma pequena borboleta de metal, que voou até a câmera e se ligou a ela.
– O que está fazendo? – perguntei curiosa.
– Colocando um vírus no sistema de vigilância deles. Fazendo com que as câmeras mostrem apenas a imagem desse momento por algumas horas, para que não nos vejam passar. – ela explicou.
– Uau! – disse boquiaberta.
– Posso não colocar fogo nas coisas, mas também, tenho os meus truques. – sorriu.
Ela pressionou um botão em um bracelete que usava, e um pequeno holograma com a planta do lugar surgiu. Fiquei impressionada com tudo que ela tinha desenvolvido. Havia um ponto vermelho que piscava, deduzi que lá era o local onde precisávamos chegar.
Começamos a caminhar pelos corredores, orientados pelo mapa, um robô passou por nós, mas ignorou a nossa presença, parecia atarefado.
Viramos no corredor seguinte, a tempo de ouvir passos pesados passarem por onde estávamos há alguns segundos.
– Ali! – disse Lya apontando para uma porta guardada por dois homens idênticos, altos e fortes, com olhos castanho-esverdeados e com a pupila em risco como a de um felino. Clones do San. – Precisamos passar por eles sem alertar a instalação inteira.
– Não tem outro vírus? – perguntei esperançosa.
Lya balançou a cabeça negativamente.
Vi alguns canos que passavam perto de nós e iam até eles. Segurei o cano e comecei a esquentá-lo, até que esse explodisse enchendo o corredor de fumaça.
– Vamos rápido! – sussurrei baixinho.
Corremos na direção da porta, na esperança de entrarmos sem sermos vistos, porém, assim que me aproximei o suficiente senti alguém puxar o meu cabelo e me jogar contra o chão. O impacto fez com que meus ossos todos estalassem tamanha a força com que fui arremessada.
A névoa de vapor foi se dissipando e senti uma mão forte pressionar o meu pescoço, enforcando-me. O clone de San era forte como um touro e rápido como um gato.
Noah o atingiu com um soco que o fez cambalear para trás, mas esse logo se levantou, vindo em nossa direção novamente. Respirei aliviada sentindo meu pescoço livre.
Matheus e Lya tentavam se livrar do segundo clone. Matheus lutava tão bem quanto Noah, talvez até melhor, porém o clone era claramente mais forte.
Tudo ao meu redor começou a girar quando senti um forte soco na boca do meu estômago. Ouvi ao fundo o som do barulho abafado de um disparo e o clone caiu imóvel no chão.
Noah correu em minha direção perguntando se estava tudo bem. Assenti com a cabeça.
Será que o verdadeiro San era tão forte assim?
Matheus cortou a cabeça do segundo clone com uma faca, fazendo com que ele também fosse ao chão, imóvel.
Os arrastamos até um canto escuro do corredor. Esperávamos que não os vissem até que estivéssemos bem longe dali.
Quando passamos pela porta, pudemos ver vários clones de Lya sentados em frente à computadores. Eles pareciam concentrados demais para notar a nossa aproximação.
– Não estou surpresa. – comentou Lya ao ver os clones.
Noah chegou por trás de uma delas e quebrou seu pescoço, jogando o corpo imóvel para ao lado.
– Faça sua mágica. – ele disse a Lya.
Ela se sentou no lugar há instantes ocupados por seu clone, e começou a mexer no computador. Plugou um pendrive, enquanto vasculhava os arquivos com uma velocidade incrível.
– Intrusos. – sussurrou um dos clones ao se voltar para nós.
– Intrusos. – disse um segundo clone.
– Vamos, Lya! – Mateus a apressou. – Já nos descobriram. Temos que ir.
– Preciso de mais alguns segundos. – ela murmurou ao apontar para a barra de download que estava em 90%.
– Não temos mais tempo. – disse ao ouvir passos se aproximando no corredor.
– Intrusos. – os clones de Lya continuavam a repetir. Tive vontade de dar um tiro em cada um deles.
Os passos pareciam cada vez mais próximos e mais pesados. Já havíamos tido uma enorme dificuldade com dois clones de San. Não queria nem imaginar uns 10 deles.
– Pronto! – disse Lya.
Saímos correndo pelo corredor, mas demos de cara com uma dezena de soldados bloqueando o nosso caminho de volta. Engoli seco quando eles se prepararam para atirar.
Ergui uma parede de fogo bloqueando o caminho deles até nós e corremos para o lado contrário. Sabia que a minha barreira não os manteria afastados por muito tempo.
– Para onde vamos agora? – perguntei a Lya.
– Tem uma garagem um nível abaixo de nós. Acredito que um dos tanques seja forte o bastante para arrombar o portão. – respondeu.
Ouvimos o barulho dos soldados se aproximando. Não havia parede de fogo que os detesse.
– Por ali. – Matheus apontou para um duto de ventilação.
Derreti a grade de ferro que obstruía a entrada do duto. E um por um todos entraram, pouco antes dos soldados passarem por nós. Por pouco!
Lya nos guiou pelo enorme labirinto que se tornou aqueles dutos. Arrastamo-nos até um alçapão que nos fez cair no meio da garagem.
Lá era escuro e abafado, mal podíamos ver alguns metros a nossa frente. Havia vários veículos lá, entre eles motocicletas, carros e os tanques. Um deles, felizmente havia sido deixado aberto e com a chave.
Entramos dentro dele poucos minutos antes dos soldados nos acharem. Lya o ligou e saiu empurrando tudo pelo caminho até arrebentar o portão. Saímos com uma chuva de disparos que nem foram sentidos pelo tanque.
– Nos encontrem próximos às motos estamos indo. – Lya avisou os outros através de M.A.I.
25. Análise de Dados
Quando passamos pelo local onde havíamos deixado às motos, Derik e os outros já esperavam por nós. Arrancaram e nos seguiram.
Não muito atrás de nós, estavam dois carros com a bandeira do exército negro e três motos. O tanque era mais lento e grande, dificilmente conseguiremos despistá-los em um lugar que só tinha areia.
Matheus encontrou dentro do tanque algumas armas e nos entregou. Noah abriu uma pequena escotilha e começou a atirar contra nossos perseguidores. Aquelas armas eram muito mais potentes do que as que estava acostumada a usar. Matheus e eu nos juntamos ao Noah, atirando contra os soldados do exército negro.
Eles, por sua vez, também não deixaram barato e começaram a atacar. Felizmente o tanque parecia resistir bem aos disparos, no entanto, não podia dizer o mesmo dos garotos, expostos nas motos.
Eles aceleraram tentando ficar a frente do tanque, assim usá-lo como escudo.
Um dos carros tinha uma arma grande presa em seu teto, uma bazuca, talvez, e quando ela foi disparada em nossa direção o tanque finalmente sentiu, toda sua estrutura feita de um metal pesado tremeu, entretanto pareceu longe de ser o suficiente para nos parar.
Noah disparou contra um dos caras nas motos. O tiro foi tão preciso que acertou seu pescoço, em um pequeno pedaço desprotegido entre o capacete e uma espécie de armadura que lhe cobria o tórax. O soldado foi arremessado para trás e girou no ar duas vezes até cair com força no chão, morto. A moto seguiu sem ele por mais alguns metros até bater em uma pedra e explodir. Um a menos, ainda faltavam vários.
Os outros dois nas motos aceleraram para se colocarem ao lado do tanque, fugindo de nossa mira.
– Mateus, assume! – pediu Lya ao sair do volante.
Ele fez o que ela pediu, imediatamente, e Lya se voltou para um botão, que após ser pressionado abriu um painel azul, como naqueles filmes de ficção científica. Havia vários botões e uma câmera que mostrava o lado de fora, e no meio dela havia uma mira. Ela girou os controles até a câmera focar os carros atrás de nós.
Então o tanque disparou um raio que fez com que tudo vibrasse ao meu redor. Olhei pela câmera e vi um dos carros explodir ao ser atingido.
Abri uma pequena portinhola para passagem de ar ao lado do tanque e disparei contra um dos soldados que estava ao nosso lado. Ele caiu da moto, e essa logo explodiu ao se colidir contra o tanque.
Matheus entrou com o tanque para dentro das ruínas de uma cidade, a fim de despistar a moto e o carro que ainda estavam em nosso encalço. Derik e os outros se separaram de nós, cada um indo a uma direção diferente, forçando o exército negro a sair do encalço deles, pois claramente optariam por ficar atrás do tanque, maior e mais lento.
Matheus virou o tanque em uma esquina, o asfalto rachado fazia com que o veículo desse alguns pulos. A rua na qual andamos era estreita o que contribuiu para que Lya mirasse no segundo carro que explodiu alguns metros atrás de nós. Derik surgiu atrás do último motoqueiro e atirou nele antes mesmo que esse se desse conta.
Matheus virou em mais algumas ruas para se certificar de que não estávamos sendo seguidos. Quando viu que não, parou no estacionamento de um antigo shopping abandonado.
– Acho que podemos passar à noite aqui. – disse ao sair do tanque.
– Noah, por que as pessoas não vivem mais nas cidades do antigo mundo? – perguntei a ele, curiosa, enquanto descia do tanque.
– Fora o fato da maioria delas estar cheia de radioatividade, esses lugares são alvejados demais por mercenários e saqueadores. Além de muitas criaturas mutantes malucas estarem por essas ruas. – ele me explicou. – a BIOTEC não foi a única a tentar esse tipo de experiência e muitas delas que deram errado foram soltas por aí.
Matheus pegou um sinalizador dentro do tanque que serviu para iluminar nosso caminho por aquele estacionamento. Quando me dei conta, vi que Derik e os outros haviam se juntado a nós. Caminhamos pelo estacionamento até encontrarmos a porta de uma loja de departamentos.
Entramos na loja e vimos os caixas desativados, as prateleiras de promoção estavam reviradas. Quem quer que passou por ali, havia deixado uma grande bagunça. Mas felizmente ainda havia muita coisa, prateleiras e prateleiras dos mais variados produtos. Caminhamos até uma sessão de móveis, onde havia várias camas, mesas, sofás e estantes que ainda pareciam em ótimo estado.
– Ainda tem luz! – exclamou Derik da loja de eletroeletrônicos.
– O shopping deve ter uma mini usina. – observou Noah. – isso se tornou comum alguns anos antes da guerra.
– Acho que posso viver aqui. – disse Marcus aos se atirar na cama macia.
– Esse sossego todo não duraria por muito tempo. – lembrou Noah.
– Vou pegar algo para comermos. – disse indo em direção da sessão de alimentos que segundo as placas ficava dois andares acima.
Enquanto eu subia a escadas, perdi-me na visão da cidade mostrada por uma das janelas. O shopping parecia ficar em um lugar alto, com visão privilegiada, e também, era uma das poucas coisas que havia saído ilesa de uma provável bomba, pois no centro da cidade podia ver uma grande cratera e um raio de destruição gigantesco que parava a poucos metros daqui.
Pensei em quantas pessoas teriam fugido, deixando tudo o que tinham para trás e tantas outras que não teriam tido tempo e morrido ali mesmo.
Senti braços fortes envolverem a minha cintura, e beijos suaves e carinhos no meu pescoço.
Sorri ao me virar para Noah.
– Pensativa? – perguntou ao notar que meus olhos estavam fixos do lado de fora, além da janela de vidro.
– Só avaliando o tamanho da destruição. – disse a ele.
– É a guerra já matou dois terços da população do mundo além de destruir uns 95% das cidades existentes.
– É muito ruim. – sussurrei ainda pensativa.
– Às vezes, penso se o mundo voltaria a crescer um dia. Se iriamos voltar a viver em paz, sem termos que matar uns aos outros. Sem termos que viver com a ideia de que podemos morrer a qualquer instante.
– Esse foi o motivo pelo qual Felix nos fez, dar uma segunda chance a humanidade. Quem sabe um dia possamos ser essa segunda chance. – disse esperançosa.
– Espero, que sim. – ele sorria triste.
Subi o restante da escada até a sessão de alimentos. Muita coisa havia sido revirada e saqueada, mas outras tantas ainda estavam em bom estado. Ainda mais por que as geladeiras e refrigeradores ainda funcionavam.
Noah pegou uma cesta de compras e começou a enchê-la. Preocupei-me em pegar alguns copos e coisas para beber.
Quando voltamos para onde o restante do grupo estava, vimos que todos havia se aglomerado ao redor de Lya.
Enquanto Noah preparava a comida sobre uma das mesmas, aproximei-me para ver o que ela fazia e, os outros observavam com tanta curiosidade. Ela estava em frente a vários monitores de computador que provavelmente havia pegado por ali mesmo. Todos eles estavam conectados a M.A.I., que processava os dados que havíamos roubado da base militar do exército negro. Havia o rosto dos outros quatro em uma tela: Paula, Cristian, San e Ian. M.A.I. vasculhava, entre as imagens e dados, algo que indicasse a presença de um dos quatros. Porém, havia muitos clones, o que tornava muito difícil essa busca. A pesquisa de Lya parecia descartar todos aqueles que tinham um qrcode na nuca, isso era algo que diferenciava os clones de nós. Porém, em várias imagens não era possível ver a nuca, ou estava coberta ou fora do ângulo de visão. Fora isso não sabia dizer mais o que estava acontecendo ali, Lya era o gênio, eu apenas criava e manipulava o fogo. Isso fazia de nós tão iguais e diferentes ao seu modo.
– Venham comer. – chamou Noah quando a mesa já estava posta.
Havia uma fartura nada comum nos tempos da aldeia. Claro que era difícil encontrar e transportar comida para tantas pessoas, mas Noah e os outros se esforçavam. Pensar na aldeia, trouxe-me de volta memórias da família do Noah, sentia falta delas, foram tão amorosas comigo, um carinho que não estava acostumada a ter.
– Vamos comer algo, Lya. – sussurrou Matheus ao tocar o ombro dela.
– Já vou. – Ela respondeu sem desviar o olhar dos dados nas telas.
– Eles podem esperar um pouco, amor. – ele sussurrou ao acariciar o ombro dela. – Você não é tão máquina ao ponto de não precisar mais comer.
Lya sorriu para ele assentindo. Levantou-se e se juntou a nós na mesa.
Se aquele lugar não fosse tão alvejado seria bom viver ali, tinha tudo o que precisávamos para viver bem por um longo período. Seria uma pena quando tivéssemos que partir.
Comemos bem, como se aquela fosse à última refeição das nossas vidas. Essa era uma das características da guerra, fazíamos tudo como se fosse o último. Mas com a BIOTEC e os dois exércitos atrás de nós, realmente, podíamos morrer a qualquer instante.
Notei que Noah havia saído da mesa, e olhei em todas as direções procurando por ele. Quando estava prestes a me levantar e sair a sua procura, o vi surgir detrás de um dos corredores de produtos.
Seus olhos encontraram os meus que estavam preocupados. Então ele sorriu para mim, fazendo com que eu sentisse estranhamente bem. Ele fez um gesto para que eu me aproximasse e se escondeu novamente atrás do corredor. Levantei e tentei andar calmamente em sua direção, por mais que a minha vontade fosse correr para os braços dele. Contudo não consegui resistir em me jogar nele assim que estava perto o bastante.
– Amor. – ele sussurrou ao acariciar com carinho o meu rosto.
Fechei meus olhos, entregando-me à sensação deliciosa que era ter seus dedos contornando a minha face. Suas mãos passavam longe de ser macias e tinham alguns calos por causa das armas, mas de forma alguma me causavam qualquer tipo de estranheza.
Abri meus olhos e sorri ao encarar o seu me fitando profundamente. Eles eram de um castanho tão intenso que me fazia me perder neles. Acariciei seu cabelo curto e ele fechou os braços ao redor da minha cintura, apertando-me com força contra seu corpo. Ele era quente e tinha um aroma que me inebriava. Fiquei feliz por ele estar me segurando, pois aquela proximidade toda me deixa com as pernas bambas.
Sua mão subiu pelas minhas costas até a minha nuca, onde ele embrenhou seus dedos pelo meu cabelo e o segurou com força, puxando minha cabeça um pouco para trás.
Seus lábios tocaram com carinho a base do meu pescoço fazendo com que me arrepiasse inteira. Joguei ainda mais a cabeça para trás sentindo seus beijinhos, chupões e leves mordidas por todo o meu pescoço. Se a BIOTEC ainda me mantivesse presa eu jamais sentiria aquilo.
Quando seus lábios finalmente tocaram os meus meu corpo vibrou de empolgação, sentia cada célula minha desejando aquilo. Sua língua pressionou o encontro dos meus lábios pedindo passagem e eu logo cedi. Ele me empurrou contra as prateleiras cheias de produtos de limpeza, intensificando o beijo e desapertando a parte irracional de mim.
– Eu te amo! – ele sussurrou ao pé do meu ouvido.
Sentimentos ainda estavam se tornando claros para mim. Mas eu achava que esse era o nome do que eu sentia por ele, amor.
– Eu também. – sussurrei em resposta.
Foi o suficiente para ele voltar a me beijar.
– Encontrei um chuveiro no banheiro dos funcionários. – disse. – Vamos lá tomar um banho.
Assenti com a cabeça e segurei a mão dele. Pelo caminho Noah pegou umas toalhas e roupas novas para nós dois. Caminhamos por alguns corredores até chegarmos a uma parte afastada da loja, bem nos fundos. Lá havia uma entrada exclusiva para funcionários. Depois de passamos por ela, vimos um galpão enorme com enormes prateleiras de ferro e algumas empilhadeiras, o lugar estava cheio de mercadorias. Caminhamos alguns metros até Noah apontar para uma porta com uma placa escrito banheiro. Ele entrou e acendeu a luz, o lugar parecia um pouco empoeirado, sabe se lá quanto tempo não via uma boa limpeza, mas era amplo e confortável. Ainda havia alguns vidros de sabonete sobre a pia.
Noah pendurou as roupas novas e se voltou para mim.
– Estava louco por um momento sozinhos. – sussurrou ao envolver com os braços a minha cintura.
Sorri para ele ciente de suas intenções. Já que não sabia se sobreviveria aos dias seguintes ou não, queria aproveitar cada minuto com ele.
Noah me pegou pela cintura e me sentou na pia. Encaixando-se entre as minhas pernas. Tirei a camiseta dele e a joguei no chão. Ele aproveitou para fazer o mesmo e se livrou da minha blusa. Seus lábios viram de encontro com o meu pescoço e fizeram um caminho de beijos até meus seios, eu estremecia a cada um deles. Cada toque, cada carícia dele me deixava bamba, sem ar e fazia crescer dentro de mim uma sensação gostosa e difícil de descrever, que fazia meu coração bater mais rápido, meu corpo ansiar para que ele se livrasse das minhas roupas.
Ele subiu as mãos pelas minhas costas e desabotoou o sutiã, deslizou as alças pelos meus ombros e o tirou também.
– Você me deixa sem controle. – ele sussurrou ao apertar meus seios.
– Isso é bom ou ruim? – perguntei.
– Depende do quanto você quer que eu pense antes de te agarrar.
– Agora? Nem um pouco. – disse ao enrolar meus dedos em seu cabelo e o puxar para um beijo.
Ele mordeu levemente meu lábio inferior, e se afastou um pouco, fazendo-me soltar um suspiro. Mas logo ele agarrou a minha coxa e começou a tirar a minha calça. Levantei um pouco o corpo, apoiando-me na pia para ajudá-lo. Noah deslizou pelas minhas pernas minha calça e calcinha, deixando-me nua na frente dele. Então voltou a me beijar, um beijo quente e cheio de desejos. Suas mãos percorriam o meu corpo, deixando um calor diferente do causado pelos meus poderes por onde passavam, apertando ora as minhas coxas ora os meus seios. Eu estremecia de baixo dele, meu corpo desejava mais a cada toque, apenas às mãos deles e seus lábios já não me eram mais suficientes. Deslizei minhas mãos até a cintura dele e comecei a puxar sua calça.
Ele olhou para mim e sorriu, feliz com a minha atitude e me ajudou a me livrar do restante das roupas que ainda cobriram o corpo dele.
O puxei para perto de mim novamente o abraçando com as pernas, fazendo com que seu membro rígido roçasse em mim me arrancando um gemido que foi abafado pelos lábios dele sobre os meus. Sua língua fazia carícias na minha, e dançava com ela, explorando cada pedaço da minha boca.
– Calma. – ele sussurrou quando o apertei mais forte contra o meu corpo.
– Amor. – choraminguei.
– Tenha calma, ainda nem começamos. – dizendo isso, ele votou a beijar deliciosamente o meu pescoço, mandando para longe todos os meus pensamentos. Seus lábios desceram do pescoço até a base dos meus seios, e depois refizeram o contorno de cada um deles. Joguei minha cabeça para trás enquanto soltava gemidos de prazer impossíveis de controlar. Noah lambeu o bico de um deles, antes de começar a chupá-lo, meu corpo todo se arqueou com a sensação. Fechei minhas mãos contra a pia e tentei conter o fogo dentro de mim, que eu não sabia distinguir se era por causa dele ou o meu próprio.
Ele lambia e chupava os meus seios, me fazendo tremer e me contorcer. Suas mãos apoiadas sobre as minhas coxas me faziam delirar ainda mais de prazer.
Minutos depois seus lábios começaram a descer novamente, até sua cabeça se encaixar entre as minhas pernas, aguardei ansiosa pelo que ele faria em seguida. Sua língua me tocou de uma maneira inesperada, que me arrancou um gemido alto e fez com que meu corpo se arqueasse de prazer.
– Amor. – murmurei.
– O que foi? – Noah perguntou ao me encarar. – não está bom?
– Sim está, continua. – disse corando.
Ele abriu um largo sorriso e votou a me lamber. Eu gemia me contorcendo com o seu toque. A cada lambida eu tinha medo de perder o controle sobre mim mesma. Ele subiu uma das mãos e começou a apertar um dos meus seios.
Fiz carinho no cabelo e no rosto dele. Passei meus dedos sobre a cicatriz em sua sobrancelha, achava que ela dava um certo charme para ele...
Parei de pensar quando ele enfiou um dedo em mim. Meu corpo se arqueou todo e eu soltei um gemido alto. Seus dedos entravam e saíram sem pedir licença, enquanto ele ainda passava a língua. Eu me contorcia gemendo, a sensação que ele provocava em mim era deliciosa.
Ele voltou a beijar a minha barriga, passando a língua e dando leves mordidas. Meu corpo tremia e queimava, era difícil me lembrar de não pegar fogo.
Puxei o rosto dele para perto do meu, e rocei meus lábios nos dele, dando leves mordidas.
Noah me abraçou pela cintura e me desceu da pia, puxando-me para de baixo do chuveiro. Ele o ligou e a água quente começou a cair sobre nós. Ela era reconfortante. Relaxei ao senti-la percorrer cada centímetro do meu corpo.
Meu namorado, será que eu podia chamar Noah assim? Ele me empurrou contra a parede, deixando-me de costas para ele, posicionou seu corpo atrás do meu e começou a me acariciar. Tirou meu cabelo que estava ao redor do meu pescoço e começou a beijar e dar leves chupões, o que fez com que eu me arrepiasse inteira. Deslizou uma das mãos por entre as minhas pernas, abrindo-as um pouco para que ele pudesse se encaixar atrás de mim. Então o senti adentrar o meu corpo como eu tanto ansiava. Noah começou a se mover dentro de mim, enquanto mordiscava o meu pescoço e alisava todo meu corpo.
Era maravilhoso estar ali, nos braços dele, entregue as sensações que ele me provocava. Não imaginava que um dia poderia viver aquilo, pelos meus próprios olhos, e não os das personagens dos livros que lia. Noah me levava a um nível de prazer que só quem sente é capaz de entender. Algo que ia além do misto entre o emocional e o animal.
Ele arranhou delicadamente as minhas costas e desceu suas mãos até apertar as minhas nádegas. Com as mãos firmes nelas intensificou seus movimentos, aumentando o prazer que meu corpo sentia.
Noah soltava leves gemidos que me faziam crer que estava igualmente delicioso para ele.
Virou-me de frente para ele, mas ainda me manteve apoiada na parede. Encaixou-se de novo entre as minhas pernas e deslizou para dentro de mim. Soltei um gemido abraçando o seu pescoço.
– Tudo bem, amor? – perguntou preocupado em não me machucar.
– Deliciosamente bem. – respondi com um sorriso.
Isso foi o suficiente para que ele me rendesse em um beijo. Nossas línguas brincavam e tocavam uma a outra, enquanto nossos corpos se moviam juntos como um só. O abracei com as pernas e ele acariciou meu rosto e meus cabelos. Seus beijos calorosos faziam com que a minha sensação de prazer aumentasse ainda mais.
A água do chuveiro caiu sobre a minha pele e evaporou como se caísse em uma frigideira quente. Respirei fundo para abaixar a temperatura do meu corpo. Se Noah estava se queimando ele não pareceu reclamar ou talvez confundisse aquilo com o calor que queimava dentro de nós.
Suas mãos fortes e firmes percorriam meu corpo, acariciando-me, demorando mais em algumas determinadas regiões. Os lábios dele eram macios, mesmo o deserto o tornando tão áspero, não consegui parar de beijá-lo. Queria que toda aquela mágica não tivesse fim.
Mordisquei e beijei o pescoço dele, saboreando o gosto da sua pele e o cheiro inebriante do seu corpo.
Ele soltava gemidos de prazer que me enlouqueciam ainda mais. Se o desejo ávido que eu sentia por ele, aquela sensação que deixava meu corpo tremendo, meu coração acelerado e as minhas pernas bambas não fosse paixão eu não sabia como nomear. Quando eu cheguei ao clímax todo o meu corpo estremeceu, e eu me apoiei mole e ofegante sobre os ombros dele.
Noah olhou para mim e sorriu, enchendo-me de beijinhos rápidos. Ele continuou a se mover dentro de mim por mais algum tempo até que o senti estremecer também, preenchendo-me.
Ficamos abraçados por alguns minutos, enquanto ele fazia carinho em mim. Meu corpo parecia sem forças, felizmente seus braços ainda me envolviam, pois sentia que minhas pernas bambas poderiam ceder a qualquer momento. Meu coração batia rápido contra o peito, e eu ainda me inebriava com os resquícios do prazer.
Noah saiu de dentro de mim e senti meu corpo lamentar. Ele me puxou de volta para água e começou a me lavar. Peguei um dos sabonetes e fiz o mesmo, percorri com as mãos cada centímetro do seu corpo, cada músculo e cada cicatriz.
Depois de limpos, Noah desligou o chuveiro e me estendeu uma das toalhas, secamos um ao outro e vestimos roupas novas e limpas.
Beijamo-nos mais um pouco antes de decidirmos voltar para onde os demais estavam.
Quando voltamos, Derik e os outros ainda estavam reunidos ao redor da mesa e conversavam. Lya havia retornado a cadeira e frente aos monitores e Mateus estava ao lado dela, tomando o que me pareceu ser um refrigerante.
– Tem um banheiro lá atrás caso alguém queria tomar um banho. – avisou Noah a todos.
– A água está quente ou a Marjore esquentou para você? – perguntou Marcus em um tom brincalhão.
Corei na hora.
– Respeita a gata do cara. – murmurou Derik dando um tapa no ombro do amigo. – Ou ele corta as nossas cabeças.
Noah riu.
– A água está quente, Marcus, mas não posso garantir que o seu banho será tão bom quanto o meu foi. – respondeu Noah.
Deixei ele conversando com os amigos e me aproximei de Lya, que me pareceu tão concentrada que nem notou a minha aproximação.
– Algum avanço? – perguntei. – Algo que eu possa ajudar?
Lya balançou a cabeça negativamente, sem tirar os olhos do seu foco.
– Ela dirá caso precise. – disse Matheus gentilmente. – Por enquanto tudo o que pode fazer é esperar.
Olhei para ele e sorri, em seguida voltei para perto de Noah. Matheus me pareceu um cara legal, um tanto tímido e fechado quanto à própria Lya, mas isso deveria fazer deles um bom casal. Perguntei-me em qual circunstância teriam se conhecido, mas era difícil supor uma resposta.
Olhei para a mão direita de Lya, mecânica como a de um robô, parecia funcionar como uma mão normal, mas não deixava de chamar a atenção por ser feita de metal. Seja lá o que havia acontecido com a sua mão de verdade, aquilo me fez pensar que a jornada dela até ali havia sido tão árdua e cheia de perdas como a minha. Eu havia perdido duas pessoas muito importantes para mim e ela a própria mão e sabe-se lá o que mais.
Noah se aproximou de mim e me abraçou por trás. Fechei os olhos ao sentir o reconfortante calor dele me envolver.
– O que acha de dormimos um pouco? – perguntou a mim. – Eles vão chamar caso ela encontre algo. Só vai atrapalhar ficarmos em cima dela.
– Tudo bem. – assenti.
Ele me estendeu sua mão e me conduziu até uma das camas a poucos metros de lá. Ele se deitou e eu fiz o mesmo. A cama tinha um colchão macio que não me fez sentir nem um pouco de falta da cama de concreto da noite anterior, aquilo era tão confortável que eu poderia dormir por dias.
Noah me puxou para perto de si, aconchegando-me em seu peito. Ouvir o som do seu coração me dava uma enorme sensação de paz e proteção.
Estava prestes a pegar no sono quando ouvi Lya gritar.
– Encontrei!
Levantei-me às pressas e corri na direção dela, Noah me seguiu. Quando chegamos lá todos os outros caras estavam amontoados ao redor dela.
– O que encontrou? – fui logo perguntando.
– O San. – ela respondeu apontando para algumas das imagens. – Ele está em uma aldeia de sobreviventes no meio do deserto há dois dias de viagem daqui.
– Ótimo! – abri um largo sorriso.
– Vamos ao encontro dele amanhã. – disse Matheus ao se levantar. – Agora vem você precisa descansar um pouco, tomar um banho...
– Mas preciso encontrar os outros. – protestou Lya.
– Podemos dar um passo de cada vez. – ele sorriu para ela com carinho. – Vamos nos encontrar com o San primeiro, depois nos preocupamos com os outros.
– Tudo bem. – ela assentiu retribuindo o sorriso dele. Em seguida estendeu a mão mecânica para ele. – Vamos para o banho.
– Mas sua mão não estraga em contato com a água? – perguntou Derik a ela, curioso.
– Já inventaram eletrônicos a prova d'água há mais de um século. – Lya lembrou a ele.
– Ah é! – Derik murmurou coçando o cabelo, sem graça.
Noah e eu voltamos para cama. Aconchegada no peito dele eu pensava, feliz por Lya ter encontrado o San. Logo estaríamos os três juntos e só faltaria os outros três de nós. Juntos, derrotaríamos a BIOTEC e poderíamos viver livres.
26. Tempestade de areia
– Amor, acorda. – abri os meus olhos e vi Noah acariciar meu rosto. Os fechei logo em seguida, entregando-me a sensação gostosa que era sua mão sobre a minha pele.
Segundos depois eu me levantei e o puxei para um beijo, que ele retribuiu com carinho.
Alguém pigarreou.
Olhei para Derik, que estava em pé ao lado da cama, e corei.
– Vamos comer. – ele nos chamou. – Lya quer sair logo e precisamos encontrar uma carro que aguente atravessar o deserto e gasolina.
Levantei-me e Noah me seguiu.
Estavam todos reunidos ao redor da mesa. Lya sorriu a me ver.
Sentei-me junto à mesa e comecei a comer também.
Noah e os outros caras saíram atrás de carro e combustível para a viagem. Lya e eu ficamos para pegar suprimentos.
– Matheus parece um cara legal. – disse querendo puxar assunto, enquanto ainda comíamos.
– Noah também. – ela sorriu em resposta. – Ele a ajudou quando estava perdida, não é?
Balancei a cabeça positivamente.
– Na verdade, a irmã mais nova dele me encontrou e trouxe para a aldeia onde viviam. – disse triste ao me lembrar de Aisha.
– E o que aconteceu com eles?
– A BIOTEC matou todos. – disse ao deixar escapar uma lágrima.
– Eu sinto muito. – Lya sussurrou arrependida de tocar no assunto.
– Vamos preparar as coisas para partir. – falei ao me levantar.
Ela assentiu.
Sai caminhando pela loja em busca de tudo que pudesse ser útil em nossa jornada. Encontrei no setor de utensílios uma caixa térmica e a coloquei em um carrinho. Fui até a sessão de bebidas e comecei a pegar água e refrigerantes, o máximo que pudéssemos carregar. Não sabia o quanto o deserto exigiria de nós, nem se encontraríamos alguma cidade para reabastecer.
Deixei o carrinho com bebidas próximo ao local onde estávamos nos reunindo e peguei outro, dessa vez para enchê-lo de comida. Peguei biscoitos, barras de cereal, salgadinhos e tudo que encontrei com o melhor tempo de duração possível. Haviam frutas e carne, porém mesmo com os refrigeradores funcionando a maioria havia estragado com o tempo, e o cheiro próximo ao lugar estava horrível. As bactérias pareciam resistir melhor à radiação do que o restante das pessoas.
Cheguei com o carrinho abarrotado de comida, e vi Lya chegar com um cheio de roupas e itens de higiene. Além disso, ela já havia deixado um cheio de equipamentos eletrônicos.
– Acha que é o bastante? – perguntou-me.
– Espero que seja.
Antes dos garotos voltarem recolhi também algumas mochilas. Ouvi uma buzina e Derik apareceu acenando para nós na frente da loja.
– Vamos garotas!
Fomos à direção dele empurrando os carrinhos, eles estavam pesados e difíceis de locomover. Ao contrário de mim Lya os empurrava com facilidade, talvez as mudanças que ela fizera no próprio corpo tivessem mudado também a sua força.
Assim que chegamos próximas à porta, vi os rapazes próximos a duas caminhonetes cabine dupla, elas pareciam fortes o bastante para suportar a viagem.
Noah e Matheus vieram em nossa direção e nos ajudaram a colocar as coisas nos carros.
– Encontramos uma concessionárias. – comentou Noah quando ele se aproximou de mim.
Guardamos tudo. Os garotos também haviam pegado bastante gasolina. Estávamos prontos para a viagem.
Noah assumiu um dos volantes e Matheus o outro, e todos entramos nos carros.
– É uma pena termos que ir embora. Eu estava gostando tanto desse lugar. – choramingou Marcus ao dar tchau para a loja.
– Você pode ficar, vai receber visitas constantes. – brincou Noah.
Marcus olhou para ele não achando nem um pouco de graça naquilo.
Deram partida nos carros e voltamos para a estrada.
Eu mal podia esperar para ver o San. Fiquei fantasiando sobre como ele estaria. Teria feito amigos? Estaria bem?
Noah, ao meu lado, mantinha os olhos fixos na estrada e seguia o carro da frente. Lya é quem tinha as coordenadas e guiava nosso caminho.
Depois de algumas horas na estrada, Matheus entrou com o carro para o meio do deserto e Noah o seguiu. O carro parecia suportar o terreno sem muitos problemas.
Todos se mantinham em silêncio. Então, voltei a minha atenção para fora do carro, não que houvesse muito para se ver ali, mas já era algo para passar o tempo. Haviam altas montanhas feitas de areia e alguns escombros de prédios perdidos em meio aquele mar amarelo. Centenas de cidades inteiras haviam sido apagadas do mapa.
O sol ardia quente no céu, contudo a cobertura do carro nos protegia um pouco.
Depois de umas cinco horas de viagem, decidiram parar em uma sombra produzida pelas ruínas de um prédio tombado.
Desci do carro e peguei água para todos. A sofisticada caixa térmica manteve a água gelada, esperava que a bateria dela durasse o suficiente até chegarmos ao nosso destino.
Aproximei-me do outro carro e vi que Lya ainda estava lá. Ela mexia no que me pareceu ser um GPS. Não cansava de me impressionar com a habilidade que ela tinha em criar e manipular as coisas, mas isso era o que a tornava especial, a fazia um dos Genesis.
Entreguei uma garrafa de água para ela.
– Obrigada. – sorriu para mim e se concentrou novamente em uma pequena tela.
Quando essa começou a piscar em vermelho Lya arregalou os olhos preocupada e saltou do carro indo para perto de onde todos se reuniam. A segui de perto querendo saber o motivo para tanto espanto.
– Tem uma tempestade de areia gigantesca vindo em nossa direção. – avisou a todos. – precisamos encontrar um lugar melhor para nos abrigarmos, pois caso contrário não vamos sobreviver no meio do deserto.
Todos arregalaram os olhos assustados. Nunca havia visto uma tempestade de areia antes, mas pelo medo estampado no rosto de todos parecia ser algo bem ruim.
– Vou tentar mapear o lugar em busca de algum refúgio – disse Lya ao voltar para seus dispositivos eletroeletrônicos.
Aproximei-me dela e vi que Lya mexia em uma espécie de tablet super avançado, enquanto M.A.I. soltava um laser em um raio de uns dez metros em toda região. Vi por cima dos seus ombros, na tela do tablet, o que me pareceu ser um mapa topográfico, mas eu não sabia interpretá-lo.
– Encontrei uma estrutura forte o bastante para suportar a tempestade. – anunciou a Lya. – Mas preciso chegar mais perto para checar.
A M.A.I. subiu pelas costas dela e se conectou a estrutura que ficava na coluna de Lya. Então vi a aranha tomar uma forma diferente, abrindo-se, até. Se tornar um belo par de asas de metal.
– Toma cuidado. – ouvi Matheus sussurrar para ela.
– Eu vou. – ela garantiu ao se curvar e dar um selinho nele.
Logo depois ela correu para além de onde havíamos deixado os carros e saiu voando.
– Uau! – exclamou Fred. – Quero muito uma dessas.
– Parece modelo exclusivo, amigo. – disse Derik ao dar um tapinha nas costas dele.
Fred fechou a cara como uma criança desapontada.
Peguei uma barra de cereais e comecei a comer, enquanto olhava o horizonte. Ela tinha gosto de morango que fiquei feliz em sentir, levando em consideração que frutas não era algo muito comum por ali, por mais que a tecnologia de conservação de alimentos parecesse bastante avançada.
Esperávamos Lya voltar. Parecia que uma eternidade já houvesse passado desde que ela tinha ido. Olhei para o lado e vi Matheus tão ansioso quanto eu.
Uma enorme fumaça com raios surgiu no horizonte e parecia avançar lentamente em nossa direção. Ao julgar pela distância de nós que deveria estar, provavelmente se movia bem rápido.
– Onde está a Lya? – perguntou Marcus ansioso. – Precisamos dar o fora daqui agora.
– Calma, ela já deve estar voltando. – tentei amenizar o ânimo de todos.
– Sabe que vamos morrer se aquilo chegar até nós, não sabe? – resmungou ao olhar para tempestade cada vez mais próxima.
– Fica frio, cara. – disse Noah a ele. – Desespero algum vai nos ajudar.
À medida que a tempestade se aproximava, ela parecia se mover cada vez mais rápido e com mais fúria. Sentia a estrutura do prédio onde estávamos vibrar, prestes a desmoronar a qualquer instante. Marcus estava certo, precisávamos sair dali.
– Temos que esperá-la voltar. – disse Matheus preocupado.
– E nós vamos. – garanti a ele.
Quando a tempestade estava a menos de um quilômetro de nós, vi Lya surgir e pousar próxima aos carros.
– Vamos, vamos! – disse fazendo um sinal desesperado para que todos entrassem. – Precisamos sair daqui agora ou esse prédio vai desmoronar em cima de nós.
Podia sentir a estrutura vibrando e tremendo a cada instante que se passava.
Noah me puxou pelo braço, ao ver que eu não me movia, e corremos na direção do carros.
Entrei rapidamente e afivelei o cinto, enquanto Noah pisava fundo no acelerador.
Olhei para trás e vi as ruínas do prédio, onde estávamos há poucos minutos, desmoronar por completo ao ser engolida pela tempestade, que estava cada vez mais próxima dos carros.
– Acelera! – berrou Derik do banco de trás. – Quero uma morte mais gloriosa do que ser engolido por uma tempestade.
– É o máximo que o carro vai. – Noah berrou em resposta.
Matheus virou na direção de uma montanha e Noah o seguiu. A tempestade já parecia roçar traseira do carro. Entramos em um túnel escuro e saímos em um prédio encoberto pela areia. Sem a ajuda de Lya jamais o veríamos por ali.
Respiramos aliviados ao descer dos carros e ouvir a tempestade passar sobre nós. Por hora estávamos seguros.
Vi Matheus puxar Lya e a render em um beijo apaixonado.
– Ele estava preocupado. – sussurrou Noah ao me abraçar por trás. – eu também ficaria.
– Haja velas para segurar agora. – resmungou Derik.
Noah e eu o ignoramos.
– Pelo visto vamos ter que passar à noite aqui. – disse ao ouvir o som dos raios lá fora.
– O que é esse lugar? – perguntou Marcus ao olhar em volta.
– Parece o estacionamento no subsolo. – obsevou Noah. – o prédio deve ter caído e só sobrou isso.
Olhei ao meu redor, estava escuro, a única luz que tínhamos era a do farol dos carros. O lugar era repleto de altas colunas que deveriam sustentar a sua estrutura e tinha várias demarcações de vagas no chão, e pude ver ao fundo que alguns carros ainda estavam ali. Não era nem de longe um lugar como a loja, mas serviria para passarmos à noite e nos proteger, enquanto a tempestade não acabava.
Ouvi um trovão e pulei de susto.
– Estamos seguros aqui. – disse Noah ao me abraçar mais forte.
Sorri para ele.
Os garotos improvisaram uma fogueira e nos reunimos ao redor dela. Aquilo deveria manter o frio da noite afastado.
Noah se sentou e eu me deitei no colo dele. De olhos fechados o sentia acariciar o meu cabelo.
Pensei nos garotos e no quanto a amizade deles com Noah era forte, para fazê-los passar por tudo o que estávamos passando ali. Porém, depois que a BIOTEC destruiu a aldeia onde viviam, Noah era tudo que havia restado. Não pude evitar pensar em Tânia e qual destino ela havia tomado, contudo optei por não perguntar a ninguém, porque assunto da aldeia era doloroso para todos nós.
Olhei para Lya e Matheus. Ele a abraçava enquanto eles não tiravam os olhos de alguns dados que M.A.I. processava.
Fiz uma pequena chama surgir na minha mão. Enquanto a minha vida era feita de fogo a dela era rodeada por máquinas. Lembrei-me da frase que Matheus havia dito "Ela é melhor com as máquinas do que com as pessoas". Ser diferente, às vezes, tornava lidar com as pessoas uma tarefa difícil.
Com o carinho de Noah acabei pegando no sono.
27. Emboscada
Senti algo gelado embaixo de mim e abri meus olhos desesperada. Uma luz forte sobre o meu rosto me cegava, minha respiração começou a ficar ofegante, enquanto um desespero crescia dentro de mim. Tentei me libertar daquela mesa fria, mas meus braços e pernas estavam presos.
Eu estava desesperada, todo o meu corpo suava frio e eu me debatia como um inseto preso na teia de uma aranha.
– Marjore! – ouvi uma voz suave vindo de longe.
– Marjore! – o som se tornou um grito angustiado.
– Marjore!
Abri meus olhos, assustada, e encontrei os olhos castanhos de Noah me fitando profundamente, ele parecia tão preocupado.
– Tudo bem, meu amor? – perguntou com um ar angustiado.
Fiz que sim com a cabeça, enquanto ainda respirava ofegante e o coração batia rápido contra o peito.
– Só tive um pesadelo como os que costumava ter quando estava presa na BIOTEC. – contei a ele.
Ele me puxou para o seu peito me abraçando com força e carinho. Ouvir seu coração bater me acalmava.
– Você não esta mais na BIOTEC, está comigo, está segura. – sussurrou.
Entrelacei meus braços em seu pescoço e ele me beijou. Meu coração esqueceu a angústia quando os lábios dele tocaram os meus. Acariciei o seu rosto, deslizando meus dedos por cada contorno, ao sentir sua língua começar a brincar com a minha.
Alguém pigarreou.
Paramos de nos beijar e olhamos para lado. Vimos Derik acenando para um lugar onde haviam colocado a comida. Noah e eu nos aproximamos e vimos que todos os outros já estava ali.
– A tempestade passou? – perguntei ao pegar uma barra de cereais.
– Sim. – disse Lya. – Já podemos seguir viagem.
Sorri para ela agradecendo a informação.
Tomei um pouco d'água e comi alguns biscoitos.
Logo estávamos todos prontos para retomarmos a viagem. As coisa foram recolocadas no carro e seguimos com a jornada.
Quando saímos da garagem escura, o sol chegou a queimar a minha retina. Ao nosso redor tudo estava extremamente como havíamos deixado na noite anterior. Fora um ou outro grão que não estava mais no lugar não havia o menor sinal de que aquela tempestade terrível havia passado por ali.
Imaginei que com mais algumas horas, se tudo corresse bem, chegaríamos ao nosso destino. A aldeia onde San estava. Perguntei-me se lá seria como a aldeia em que Noah vivia, talvez, mas só saberia quando chegasse.
Voltei a olhar para fora, o deserto parecia calmo, não havia nenhum sinal de vida a quilômetros. Tudo se resumia a areia e mais areia, além de destroços do que um dia foram prédios ou casas.
Questionei-me porque os dois exércitos ainda se enfrentavam, pois não havia mais pelo que lutar, o mundo estava em ruínas.
Noah dirigia em silêncio, atento a cada manobra do carro da frente. Derik e Marcus, sentados no banco de trás, conversavam sobre algo que eu não dei ouvidos.
Olhava tudo atentamente, pensava em como seria cada destroço, cada ruína antes da guerra começar. As coisas estavam tão destruídas que eram incapazes de contar a sua própria história.
Noah olhou para mim e sorriu. As inúmeras cicatrizes pelo seu corpo mostravam que a guerra deixava marcas em todos nós. A final, eu havia nascido por causa dela.
A nossa frente, havia um grande vale, cercado dos dois lados por duas altas montanhas. Não havia outra passagem a não ser através deles. Quando os carros entraram lá eu podia ouvir o vento quente uivar por entre as pedras. Um calafrio percorreu o meu corpo mesmo que o calor lá fora fosse além do suportável. Tive uma sensação ruim, como se alguém nos observasse. Os garotos pareciam bem, então tentei deixar isso para lá. Estava ansiosa para ver o San, deveria ser isso.
Os carros seguiram até o meio do vale, foi quando ouvi um barulho e olhei para cima, a tempo de ver rochas deslizarem do alto da montanha. Noah não teve tempo de acelerar antes que as pedras bloqueassem o nosso caminho.
– Droga! – exclamou Derik. – O que foi isso?
Olhei para trás na esperança que pudéssemos retornar, no entanto, as pedras também haviam bloqueado o nosso caminho de volta.
Por um instante ficamos todos sem reação. Por mais que eu não soubesse muito sobre o mundo, aquilo não me significava coisa boa.
– É uma emboscada! – berrou Noah, antes mesmo que eu chegasse a essa conclusão.
Olhei para cima no alto das montanhas e vi pessoas surgindo atrás das pedras. Eles estavam armados e tinham os rostos cobertos por uma espécie de turbante, provavelmente para se protegerem do deserto.
Não paravam de surgir. Deveriam ter uns 30 ou 50 homens ali, pela estatura de alguns julgava que fossem crianças. Estávamos cercados por todos os lados.
Peguei a arma e me preparei para atirar, mas antes que eu fizesse qualquer movimento brusco Noah segurou a arma.
– Esconde isso. – sussurrou. – Estamos em menor número. Se atirarem contra nós, vamos todos morrer.
Assenti e escondi a arma junto a minha cintura.
Os homens cercaram os carros em todas as direções, e mantinham as armas apontadas para a cabeça de cada um de nós. Qualquer movimento brusco poderia custar uma vida.
Eu tentava não me mover, ou fazer qualquer tipo de coisa que pudesse alarmar aqueles caras, porém dentro de mim eu tremia de medo e suava frio. Encarei os olhos do homem que tinha sua arma apontada para a minha cabeça, tinha olhos claros e me pareceu jovem, mesmo que seu rosto estivesse coberto. Esses mesmos olhos tinham uma frieza que me assustou. Tive certeza de que não nos deixariam passar sem nenhum problema.
Um dos homens bateu com a arma na janela do carro, no lado onde Noah estava.
– Saiam do carro! – ele gritou. – Mãos onde eu possa ver.
Não tivemos escolha a não ser acatar o seu pedido. Um a um descemos do carro, com as mãos para cima. Um dos caras se aproximou de mim e encostou o cano frio da arma na minha nuca.
– Qualquer gracinha e ela morre. – disse a Noah e aos outros.
– Revistem-nos. – disse o homem que me pareceu ser o líder do grupo.
Um homem se aproximou se mim e começou a me apalpar, senti-me violada, com raiva e suja. Queria matá-lo por isso, mas sabia que poderia morrer antes de fazer qualquer coisa.
Noah olhou com fúria, mesmo a metros dele sentia seu ódio crescer.
O homem tirou a arma da minha cintura e finalmente parou de me apalpar.
Cinco homens vasculharam os carros e retiraram deles todos os nossos suprimentos, roupas e armas.
O líder levantou meu rosto pelo queixo e olhou bem para mim. O que chamou atenção de todos os outros.
– Olha só o que temos aqui. – disse num tom que me enojou. – Eles tem um clone.
– Um não senhor, dois. – disse um homem ao puxar Lya pelo braço. Pela cara dela estava tão enojada daquilo quanto eu.
Matheus quis voar nele, mas Fred o impediu.
– Ora, ora, onde as conseguiriam? – perguntou o líder do bando intrigado.
– Nós as compramos. – contou Noah. Dizer que éramos as originais só nos traria mais problemas.
– Interessante. – disse o homem ao percorrer com os dedos grossos e imundos o meu rosto. – Nunca havia visto um tão de perto. Achei que só os exércitos podiam ter. – Ele parou na minha frente e me avaliou por alguns minutos. – realmente parece muito humano.
– Adoraria ter uma arma dessas. – murmurou o cara que apontava a arma para mim.
– Está decidido! – disse o líder de postura ereta. – Os clones ficam o restante pode ir.
– Não! – berram Matheus e Noah juntos.
– Pensa com cuidado, Noah. – ouvi Derik sussurrar. – Ou eles matam todos nós.
Noah estava prestes a murmurar algo em resposta, mas mudou de ideia.
– Tudo bem. – assentiu por fim.
– O quê?! – berrou Matheus perplexo. – Não podemos deixá-las aqui.
– Precisamos ir ou morreremos todos.
Por um momento eu me desesperei. Não achei que ele pudesse me deixar ali entregue àqueles bárbaros.
Uma lágrima escorreu dos meus olhos quando os vi entrar nos carros. Dois homens moveram algum pedras e abriram passagem.
– Noah. – chorei ao vê-los irem para longe.
O homem apertava com força o meu braço e começou a nos arrastar montanha acima. Estava doendo, mas não dei à mínima. Meus olhos ainda estava presos nos carros que se afastaram no horizonte.
Lya e eu fomos arrastadas até o alto da montanha, onde havia um acampamento montado com várias tendas. A fogueira no centro ainda tinha brasas da noite anterior.
Fomos jogadas dentro de uma tenda grande e amarradas junto à pilastra que ficava no centro, e segurava toda a estrutura.
Ficamos sozinhas por alguns minutos. Lya observava tudo ao seu redor com atenção, parecia analisar cada dado, cada comprimento e espaço vazio.
O lugar mesmo em condições precárias tentava ser grande e confortável, desse modo, conclui que aquele deveria ser os aposentos do líder.
– Eles vão voltar. – disse a Lya, mas tentando fazer com que eu mesma acreditasse nisso.
– Eu sei. – ela respondeu muito mais segura daquilo. – Se tentassem qualquer coisa naquele momento teriam morrido. Precisam de um ataque mais inteligente.
Antes que eu dissesse algo um homem entrou na tenda. Agora sem o turbante eu podia o observar melhor. Ele não só era alto, mas também, gordo, parecia um ogro ao andar. E tinha um cabelo ralo, com algumas falhas.
– Há muito tempo que não vemos mulheres por aqui. – ele disse ao se aproximar de nós. – Vai ser divertido tê-las. – Ele observava cada centímetro de nós até que notou a mão de Lya.
– O que houve com você? – perguntou-lhe.
– O mesmo que vai acontecer com você caso ouse me tocar. – disse Lya entre dentes.
– Olha só! – o homem exclamou surpreso. – Achei que vocês fossem mais obedientes.
– Só obedeço ao meu comandante. – disse Lya com uma voz robótica que me fez conter o riso.
– Eu sou o comandante de vocês agora. – ele disse irritado.
– Não, senhor. Seu rosto não consta na minha programação. – Lya estava fazendo um ótimo papel de clone, porém só estava deixando o homem ainda mais enfurecido.
– Vocês falam demais. – disse ao vendar nossas bocas. – Vamos ver o que sabem fazer, além disso. – ele deslizou a mão pela minha perna. Diferente das sensações que Noah provocava em mim, aquele toque me causou nojo, asco.
Queria por fogo em tudo, principalmente nele, mas perderia as minhas roupas e correria o risco de machucar Lya, talvez até matá-la. Precisava manter a cabeça fria e pensar em outra coisa.
Vi M.A.I. entrar por debaixo da tenda e caminhar em silêncio até Lya. O homem, que estava disperso demais admirando as minhas curvas, não viu a arranha de metal se aproximar e se acoplar as costas da dona. Ouvi o som dela se abrir, mas foi rápido demais. Quando o ogro em cima de mim se deu conta, as penas de metal haviam atravessado seu peito como lâminas.
Lya as puxou de volta e o homem caiu de lado, sangrando. Seu coração já não batia mais.
Queimei as cordas e me liberei. Lya cortou as suas com as penas afiadas.
– Vamos ir embora daqui. – disse ao passar os braços ao redor de mim.
Suas asas rasgaram a cobertura da tenda, e antes mesmo que o restante do grupo desse conta, já estávamos voando alto no céu, indo para bem longe deles. Ouvi alguns tentar disparar contra nós, mas já estávamos fora do alcance.
Era incrível ver tudo lá de cima e ao mesmo tempo a altura me assustava um pouco.
– Ativar lentes. – ouvi Lya sussurrar, mas sem saber dizer o que era. Talvez fosse algum componente das assas.
Não precisamos voar muito, logo Lya encontrou os rapazes em baixo dos escombros de um prédio. Eles pareciam tensos e concentrados, discutiam algo, e mal notaram quando pousamos há alguns metros deles.
– Precisamos ser cautelosos. – dizia Noah.
– Como vamos atacá-los sem armas? – choramingou Marcus.
Matheus por um breve instante olhou em nossa direção e nos viu.
– Lya! – ele gritou e veio em nossa direção, abraçando-a.
Noah ouviu o grito, que rompeu sua concentração e o fez se virar para onde eu estava. Um enorme sorriso se formou em seus lábios. Ele se levantou e correu até mim.
– Está tudo bem? – perguntou preocupado, enquanto suas mãos percorriam meu rosto, meu corpo a procura de algo.
Fiz que sim e ele me beijou ao ver que realmente estava tudo bem.
– Como conseguiram sair? – perguntou Derik.
Lya não disse nada, apenas apontou para as asas.
– Gata, você é demais! – Derik se arrependeu do que disse assim que seus olhos encontraram os do Matheus. – Espero que quando encontrarmos a outra ela não esteja acompanhada. – murmurou baixinho.
Todos nós rimos.
– Que bom que você esta a salvo. – Noah me abraçou, respirando aliviado. – Aquele cara fez algo com você?
– Ele tentou, mas Lya o matou antes que fizesse qualquer coisa.
Noah pareceu irritado, mas logo sua expressão se suavizou.
– Não, não posso nem imaginar aquele bárbaro com as mãos em você. – ele murmurou.
– Estou bem, meu amor. – sorri para ele. – Aquele cara não fez nada comigo.
Ele ficou fazendo carinho em mim. Sentia que ele estava muito preocupado, mas aos poucos a sua tensão ia se amenizando.
– Vamos voltar para estrada. – disse Derik. – Estamos sem água e comida, precisamos chegar lá antes que à noite caia.
Concordamos com ele e entramos nos carros.
28. San
Dirigiram por horas, e eu estava ficando cada vez com mais sede, mas não tínhamos uma única gota de água para beber. Haviam roubado todos os nossos suprimentos.
Lá no horizonte, ainda bem longe de nós, podia ver algumas madeiras amontoadas, tendas e panos. Quando fomos aproximando, vi que elas se pareciam com pequenas casas improvisadas e em meio a elas foram se formando algumas siluetas humanas. Não levou muito tempo para que estacionássemos perto do local. No entanto, antes mesmo que pudéssemos dizer qualquer coisa, um grupo de aproximadamente dez homens cercou os carros apontando armas para nós. Engoli em seco, não era aquele tipo de recepção que eu esperava.
Então eu o vi, a esquerda em meio aos outros caras estava o San. Não se lembrava dele tão alto nem tão forte, afinal ele era o mais jovem de nós, uns 19, no máximo 20 anos, ele deveria ter agora. Contudo tinha certeza que era ele, não era qualquer um que tinha olhos de felino.
Abri a porta do carro e estava prestes a correr na direção dele, quando Noah segurou meu braço.
– Calma. – me advertiu.
Um homem deu dois passos para frente e nos analisou por um momento.
– Quem são vocês, e o que fazer aqui? – ele perguntou atento a qualquer movimento nosso. – Somos um povo de paz, não queremos problemas.
Desci do carro ainda com as armas apontadas em minha direção. Com as minhas pernas ainda um pouco bambas, busquei coragem.
– Estamos aqui atrás de você, San. – disse ao olhar para ele, fitando profundamente seus olhos.
Ele me encarou e soltou um rosnado quase animal.
– Quem são vocês? – perguntou nada amistoso. – Trabalham para a BIOTEC?
– Não, estamos fugindo deles assim como você. – disse ao dar mais um passo para frente. – Somos Lya e eu. Originais assim como você.
Eu me virei de costas e puxei meu cabelo para que ele pudesse ver minha nuca, para ter certeza que não havia nada.
Ele deu alguns passos para mais perto de mim, baixou a arma e me analisou por alguns minutos, como se me cheirasse.
– É realmente você? – ele perguntou ainda relutante. Provavelmente enfrentou problemas tão grandes com a BIOTEC quanto Lya e eu.
– Sim, sou eu. – disse sorrindo para ele.
Lya andou em nossa direção para que ele também pudesse vê-la.
San me encarou por mais alguns minutos, alternando o olhar entre Lya e eu e depois me abraçou forte.
– Achei que nunca veria vocês. Bom ver vocês mesmas, porque os clones já eu encontrei com alguns.
Sentia meus ossos serem esmagados com o abraço.
– San! – disse quase num sussurro. – Você está me esmagando.
– Ah, desculpa! – ele sorriu envergonhado ao me soltar. – É que, às vezes, não consigo medir a minha força.
– Percebi. – disse sorrindo.
– Abaixem as armas, pessoal! – ele disse ao restante do grupo. – São amigos!
Noah e os demais desceram dos carros com um sorriso sem graça, mas respirando aliviados por não ter mais armas apontadas contra suas cabeças.
– Vamos! – San nos chamou caminhando para dentro da pequena aldeia.
Andar por ali me trouxe lembranças que, às vezes, eu gostaria de esquecer, porque a última vez que estive em um lugar assim ele cheirava a sangue, e pessoas importantes para mim estavam mortas.
Caminhamos até o centro onde havia sinais de uma fogueira que deveria ter passado à noite acesa. San apontou para alguns bancos improvisados e fez um sinal para que sentássemos.
Ele parecia feliz em nos ver, tanto quanto eu estava em encontrá-lo. Éramos três agora, metade do grupo já estava reunido. Mal podia esperar a hora de nos encontrarmos com os outros.
– Como chegaram aqui? – ele perguntou curioso, ao sentar-se também. – Bem, tentamos nos esforçar para nos mantermos escondidos.
– Roubamos arquivos do exército negro e Lya encontrou você. – resumi rapidamente a nossa aventura.
– Eles sabem onde estou? – San engoliu seco, preocupado.
– Sabem. – respondeu Lya. – Na verdade, eles têm acesso a tudo que se move na terra, possuem satélites e câmeras em todo lugar, então eles tem informação sobre tudo. Porém não sabem que fugimos, então para eles não passamos de mais clones perdidos por ai. Eu o encontrei porque sabia o que estava procurando.
– Menos mal. – San respirou aliviado. – Tentamos nos mudar de tempos em tempos. – explicou. – Fui muito bem acolhido aqui, mas trouxe para todo esse povo a perseguição da BIOTEC. Da última vez por pouco não conseguimos fugir.
– Sei bem o que é isso. – disse ao me lembrar de que no meu caso as pessoas não tiveram a mesma sorte.
– Só queria que me deixassem em paz. – San balbuciou pensativo.
– Me desculpa a grosseria, mas será que vocês não teriam algo para beber e comer. – resmungou Derik. – é que eu estou meio azul aqui.
San riu.
– Vou ver. – disse a se levantar e caminhar para longe.
Noah deu um cutucão no amigo, que olhou sem entender.
– Que foi? Estou com fome.
Noah balançou a cabeça negativamente.
– Tenha modos, cara!
– Tá, foi mal. – sussurrou Derik sem graça.
San voltou com uma vasilha de água e alguns copos. A água tremulava com um tom barrento. Trouxe também uma espécie de sopa um pouco verde.
– Desculpem, mas é tudo o que temos para oferecer. – disse triste.
– É o bastante. – sorri para ele. – Obrigada!
Coloquei um pouco de água e da sopa estranha. Agradeci a Derik mentalmente, pois também estava faminta. A água tinha um pouco de gosto de barro, mas para quem havia passado horas no deserto, ela estava deliciosa.
– Por que estavam me procurando? – perguntou San, intrigado. – Eu também queria ver vocês, mas não acho que seja esse o motivo.
Antes que eu dissesse qualquer coisa um senhor e uma garota se aproximaram de nós. Ele era idoso, deveria ter por volta dos 60 ou 70 anos, e se movia com certa dificuldade, apoiado em uma bengala e na jovem. Ela, por sua vez, não parecia ter mais de 18 anos. Tinha longas luzes nos cabelos negros, olhos castanhos e feições que me lembravam de uma índia.
– Quem são eles, San? – perguntou o Homem.
– As duas mulheres são como eu, senhor. – respondeu. – Minhas irmãs, eu diria.
– E o que fazem aqui? – insistiu o homem.
– Era o que eu estava perguntando. – disse San ao se voltar para mim e Lya.
– Queremos sua ajuda. – disse por fim. – Assim como você, estamos fartas de fugir da BIOTEC, mas sozinhos não temos poder suficiente para pará-la. Porém, nós seis, juntos, talvez sejamos o bastante. – dei uma breve pausa, observando o olhar dele. – Talvez seja esse o motivo pelo qual eles nos separaram.
– Isso seria loucura, minha jovem. – disse o velho. – Isso só mataria todos vocês.
– San, não! – disse a garota amedrontada.
– Se não fizermos algo, seremos fugitivos para o resto de nossas vidas. – disse Lya, o que deixou San com os olhos distantes, pensativo.
– Eu não sei. – disse relutante. – Preciso de um tempo.
– Podemos ficar aqui até amanhã e enquanto isso você pensa. – sugeriu Noah.
– Não acho isso uma boa ideia. – balbuciava o velho.
– Tudo bem. – assentiu o San. – Acho mesmo mais prudente passarem à noite aqui. Amanhã digo se vou ou não.
Assenti, não tinha outra escolha a não ser deixá-lo pensar.
Noah se levantou e me estendeu a mão.
– Vamos treinar um pouco. – disse. – Acho que estou ficando sem prática.
Sorri e segurei a mão dele.
Caminhamos até uma área aberta há poucos metros das casas improvisadas. Derik e os outros nos acompanharam para assistir, como se aquilo fosse um show.
Noah deu alguns passos para longe de mim e ficou me analisando.
– Vamos, me ataque. – disse fazendo um gesto para que eu fosse à direção dele.
– Tem certeza? – perguntei relutante.
– Tenho. – ele disse sorrindo. – Mas não com fogo.
Respirei fundo e fui para cima dele, pronta para dar um soco na boca do seu estômago. Mas Noah se esquivou do meu golpe com facilidade.
– Vamos, amor! Você pode mais do que isso. – ele me provocou.
Tentei dar uma rasteira nele, mas foi outro golpe contra o vento. Nem de longe eu era tão ágil quanto ele.
– Minha vez. – ele sussurrou vindo em minha direção.
Desviei, cambaleando para trás, de um soco que passou bem rente ao meu rosto.
– Você vai machucar ela! – berrou Marcos.
Noah o ignorou, se movendo mais rápido do que eu era capaz de prever, e me deu uma chave de braço. Apertou firme o meu pescoço, mas sem me sufocar. Em seguida, me deu um leve beijo na orelha fazendo com que eu me arrepiasse inteira.
– Eu amo você! – sussurrou antes de me soltar.
– Chega! – disse Marcus ao se levantar. – Está na hora de brigar com alguém do seu tamanho.
Sentei-me na areia para observar os dois. Marcus analisava Noah, que fazia o mesmo com o amigo. Foi o primeiro a atacar, mas Noah esquivou-se com facilidade. Contudo, não desanimou Marcus, que deu um chute tão forte no ar que se tivesse pegado, Noah teria quebrado um osso.
Marcus também se esquivou de alguns golpes de Noah, e ficaram assim por vários minutos até começarem a ficar cansados. Finalmente conseguiu acertar Noah, que cambaleou para trás, porém logo em seguida recebeu um golpe tão forte no peito que o fez voar alguns metros para trás.
– Acho que chega. – disse Derik ao se levantar para parar os dois.
Corri na direção do Noah que segurava a barriga dolorida.
– Tudo bem? – perguntei preocupada.
– Estou. – disse ao olhar para mim e sorrir.
– Por que ninguém se preocupa comigo? – choramingou Marcus ao se levantar e sacudir a areia de seu corpo.
– Levanta logo, resmungão. – disse Derik a ele.
Só me dei conta de que as horas haviam passado, quando olhei para o céu e vi que já havia escurecido e a areia começava a esfriar, diminuindo a temperatura ao nosso redor.
– Arrumei um lugar para que pudessem dormir. – disse San ao se aproximar de nós.
– Será que você tem um monitor, uma televisão ou qualquer coisa do gênero? – perguntou Lya a ele. – Qualquer coisa serve.
San olhou para ela sem entender.
– Não, não temos. – ele disse. – Não temos nem mesmo energia elétrica aqui.
– Encontraremos algum na próxima cidade. – Matheus disse a ela. – Agora vamos apenas descansar.
San nos acompanhou até um local onde havia armado algumas tendas.
– Não é muito confortável ou luxuoso, mas é como dormimos aqui.
– Relaxa cara! Já dormimos em lugares bem piores. – disse Noah dando um tampinha nas costas dele.
San sorri para ele.
Ajeitamo-nos nas tendas. Não era assim tão desconfortável. Era pequena, mas os tecidos ao redor nos protegiam do frio da noite, o pano sobre a areia se tornava uma cama macia.
Noah deitou-se comigo e me aninhou em seu peito.
Puxei seu rosto para mim e rocei meus lábios nos dele, o que o fez sorrir e envolver meu corpo com seus braços fortes.
– Marjore...
Cobri os lábios dele com os dedos.
– Podemos conversar depois.
Ele sorriu ao entender meu recado.
Passou uma das mãos com cuidado pelo meu pescoço para tirar meu cabelo que estava sobre ele e depois se curvou começando a dar leves beijos. Senti todo meu corpo começar a arrepiar com sua carícia. Fechei meus olhos concentrada apenas em seu toque.
Suas mãos subiram rápidas e apertaram com força os meus seios, meu corpo se encolheu em um misto de surpresa e prazer.
Sua boca estava presa ao meu pescoço concentrada em beijos e leves chupões.
Eu nunca me senti tão bem quanto me sentia nos braços dele. E pensar que se Cristian não tivesse me libertado eu nunca saberia como era estar nos braços de um homem que me amava. Que depois de tudo ainda estava ali, ariscando a sua vida a cada dia, comigo.
Ele apertou com mais força os meus seios e o gemido que eu soltei espantou para longe meus pensamentos. Os toques dele despertavam em mim algo quase animal que eu desconhecia.
Suas mãos ágeis deslizaram a minha blusa pelo meu tronco até a ponta dos meus dedos, e a colocaram ao lado.
Cada vez que a mão dele me tocava, sentia meu corpo ansiar por mais. Mas também, queria retribuir a ele o prazer.
O ajudei a se livrar de suas roupas e as colocamos de lado junto as minhas. Então girei ficando em cima dele.
Noah enrolou meu cabelo em sua mão e puxou meu rosto para o seu, em um beijo cheio de desejo, enquanto sua mão percorria e alisava cada centímetro do meu corpo.
Cada célula do meu corpo queimava com um fogo diferente, mas que agora estava se tornando familiar. Um fogo que só o toque de Noah era capaz de criar.
Sua língua deslizou para dentro da minha boca, iniciando uma dança sexual com a minha.
Minhas mãos também percorriam o seu corpo, cada músculo, cada cicatriz que a guerra havia feito nele.
Parei de beijá-lo na boca e comecei a descer com meus lábios pelo seu pescoço. Era tão delicioso fazer quanto era receber. Tracei um caminho de beijos, chupões e leves mordidas até seu peito e continuei descendo até seu abdômen e por fim a parte dele que me dava tanto prazer.
– Ei! O que vai fazer? – ele perguntou a me ver ali.
– Retribuir a carícia da última vez. – disse antes de colocar a boca nele.
Se Noah iria dizer qualquer coisa o gemido, que ele abafou levando à mão a boca, o impediu.
– Oh, Marjore, desse jeito vão nos ouvir. – ele disse em uma voz cheia de prazer.
Esbocei um leve sorriso e continuei. Pela expressão dele eu estava fazendo um bom trabalho. Noah acariciou meu rosto, e sorriu para mim, mas em seguida puxou meu rosto de volta para o seu, me rendendo novamente em um beijo quente e apaixonado.
Ele segurou firme a minha cintura e me fez sentar nele. Felizmente nossos beijos abafaram meus gemidos quando ele se encaixou dentro de mim.
Com suas mãos na minha cintura ele me ajudava a rebolar, subindo e descendo em um ritmo só nosso.
Arranhei seu peito, o que fez com que ele descesse as mãos e apertasse as minhas nádegas.
Curvei-me para beijá-lo novamente sentindo meu corpo começar a ceder ao prazer. Uma de suas mãos veio para frente e ele começou a me massagear ali, acariciando e agitando seus dedos, aumentando consideravelmente o prazer que eu estava sentindo. Meus gemidos foram se tornando mais frequentes e minha respiração mais ofegante. Até que a sensação chegou ao ápice e meu corpo caiu trêmulo sobre o dele.
Noah me fez rebolar sobre ele por mais alguns instantes até que eu senti sei corpo chegar ao prazer também.
Depois disso, ele me aninhou em seus braços para me proteger do frio da noite e me fez carinho até que eu dormisse.
29. Escolha
Acordei junto com o sol, ainda me admirava com a beleza e o calor dele. Noah dormia tão bem ao meu lado que me recusei a acordá-lo, fiz carinho nele e me levantei.
Quando sai da tenda vi San sentado próximo aos restos da fogueira. Ele estava sozinho, talvez nem tivesse dormido.
Em silêncio, sentei-me ao lado dele. San olhou para mim e sorriu.
– Sabe um clone seu costumava ser a minha melhor amiga. – ele disse com certa tristeza. – Sei que era tudo mentira, mas parecia real para mim.
Sorri para ele.
– Agora é verdade, San. Eu estou aqui e esse mundo mesmo que louco é de verdade. – segurei sua mão o que o fez me fitar profundamente. – Eu posso ser sua amiga se você quiser, e podemos viver em um mundo onde a BIOTEC não brinque com as nossas mentes.
– Eu só quero ser livre. – comentou.
– E o que todos nós queremos. – afirmei.
– Acha mesmo que vai dar certo, que vamos conseguir destruí-los? – perguntou ainda inseguro.
– Sinceramente eu não sei. – confessei. – Mas é a melhor chance que temos.
– Eu sou feliz aqui. – ele disse. – Mas já fiz muitos morrerem por minha causa.
– Eu sei exatamente como é isso. – lamentei ao me lembrar de como era a pequena Aisha. – Nós precisamos pará-los, San, ou vão matar cada um que amamos e nos jogar de volta em cativeiros apagando nossas memórias.
Contei a ele como eu havia sido capturada novamente e tudo o que havia acontecido comigo depois, da perda de memória até Noah me libertar.
– Você está certa. – ele disse por fim. – tenho que ir.
Sorri e o abracei.
– Depois disso seremos livres, San.
– Espero que sim. – disse ao retribuir ao meu abraço.
Aos poucos, um a um, as pessoas foram acordando e se juntando a nós. Noah também acordou e sentou-se ao meu lado.
Algum tempo depois, o velho saiu de uma das casas improvisadas em uma cadeira que flutuava, e a garota com feições indígenas o seguiu.
– San. – a garota disse o nome dele quase em um sussurro.
Ele olhou para ela e tentou sorrir, mesmo com um semblante triste.
– Yara. – ele sussurrou o nome dela. Percebi em seu tom de voz o mesmo carinho que eu pronunciava o nome do Noah.
– Você decidiu ir? – ela perguntou relutante.
San fez que sim com a cabeça e eu vi os olhos dela ficarem marejados.
– Tem certeza disso, meu jovem? – perguntou o velho.
– Sim, eu tenho. – disse San, confiante. – Não quero mais ter que ver ninguém morrer por minha causa ou ter que ficar fugindo como um criminoso. Enquanto a BIOTEC existir não poderei ser livre de verdade.
– Você tem razão. – concordou o homem.
– E quando irão partir? – perguntou Yara, triste.
– O mais breve possível. – respondi com pena dela. – Ainda faltam outros três que precisamos encontrar.
– Por que não vai com ele? – sugeriu o velho a garota.
– Mas, vovô? – ela murmurou insegura. – E o senhor?
– Um velho homem ainda pode cuidar de si mesmo. – ele disse em meio a um sorriso. – Você não vai conseguir nada presa a esse velho homem. Mas ser for com ele ainda pode viver grandes aventuras.
– Ou pode morrer. – sussurrou San, desconfortável com a ideia.
– Eu posso ir? – ela perguntou a Lya e a mim.
– Isso vai ser perigoso, mas se quiser mesmo ir. – murmurei.
– A escolha e sua. – completou Lya.
– Então eu vou! – ela disse empolgada.
– Yara... – ele tentou protestar, mas ela não deixou.
– As duas não estão indo sozinhas, então você não precisa. – ela se justificou.
– Mas nós sabemos nos proteger. – alegou Noah.
– Eu sei atirar com armas de fogo e tenho um arco. – ela garantiu. – E posso aprender a lutar.
Olhei para San esperando a resposta dele.
– Tudo bem. – assentiu. – Você pode ir.
Yara abriu um sorriso alegre e se atirou nos braços dele o beijando.
– Então podemos ir?– perguntou Lya. – Ainda preciso de equipamento para encontrar os outros.
– Vou juntar algumas coisas e já partimos. – disse San ao andar na direção de uma das casas. Yara o seguiu.
Instantes depois eles retornaram, cada um com uma mochila. Yara segurava também um belo arco indígena.
Pegamos um pouco de água e comida. Não era muito, mas esperávamos que fosse o bastante até encontrarmos a próxima cidade.
Um a um, os moradores da pequena aldeia se despediam deles e nos desejaram boa sorte. Acreditava que iríamos precisar muito.
Entramos nos carros e voltamos para o deserto em direção a estrada. Seguimos para o lado contrário de onde fomos emboscados. Eu esperava muito que não topássemos com nenhum perigo pelo caminho.
– Nosso grupo está ficando cada vez maior. – comentou Noah. – Vai se tornar cada vez mais difícil passarmos despercebidos.
Eu não disse nada, mas entendia bem as complicações daquilo. Quanto mais atenção chamássemos, pior seria para nós.
– Não tem nenhum de vocês com o poder de tornar as coisas invisíveis? – perguntou Derik em um tom que eu não sabia se era sério ou apenas brincadeira.
– Não que eu saiba. – respondi. – Faltam a Paula, uma telepata, Cristian, um ilusionista e Ian, que tem um poder inverso ao meu, gelo.
– Um ilusionista, como aqueles mágicos de antigamente? – agora ele estava claramente brincando.
– Não, né! – resmungou Noah. – Já vimos propaganda dos clones deles por ai. Podem fazer qualquer coisa parecer real diante dos nossos olhos.
– Parece legal. – Derik resmungou e voltamos a ficar em silêncio.
Noah dirigiu por horas e não encontramos nada além de destroços e sucatas pelo meio do caminho. O sol castigava a todos, principalmente aos outros, que não tinham a mesma tolerância ao calor que eu.
O sol já estava prestes a se por quando avistamos ao longe o que deveria ser os restos do que um dia foi uma grande cidade. Estávamos todos cansados e não víamos a hora de chegar lá.
Paramos nos limites da cidade, e estacionamos os carros na garagem de um prédio onde poderíamos buscar depois. Sem eles conseguíamos andar de maneira mais silenciosa.
Quando saímos do prédio, Noah me segurou pelo braço para que eu não caísse na enorme cratera que havia na rua. Ela era profunda como se um meteoro tivesse caído ali. Não me pareceu uma bomba atômica, mas algo ainda mais poderoso, que matou as pessoas e comprometeu a estrutura dos prédios, pois nada me pareceu muito seguro ali.
– Vamos encontrar um lugar para passar à noite e os equipamentos que Lya precisa. – disse Matheus ao grupo.
Começamos a caminhar. Era difícil desviar das estruturas quebradas e tomar cuidado para não cair no meio das ruas, que estavam cheias de valas profundas. Estávamos no que me pareceu ser uma antiga zona comercial, cheia de lojas, mas tudo estava destruído, de painéis eletrônicos a vitrines, mas eu não sabia dizer se a causa era o que havia caído na cidade ou os posteriores saques e invasões, porque parecia que tudo que não havia sido levado estava quebrado.
– Não tem nada em condição de uso por aqui. – resmungou Lya observando o ambiente ao nosso redor.
– Vamos encontrar algo. – disse a ela, esperançosa.
– Espero que sim. – Lya não estava assim tão convencida quanto eu.
Ouvimos um barulho, estranho e alto, que deixou todos alarmados.
– O que é isso? – perguntou Yara, assustada.
– Eu não sei. – comentou San. – mas acho que vamos descobrir.
O barulho foi se tornando mais alto, quase como um trotar de cavalos. Seja lá o que fosse, parecia muito maior e mais pesado que um cavalo. Foi então que vimos uma coisa gigantesca virar a esquina e correr em nossa direção.
– O que é isso? – Yara mal teve tempo de gritar antes de San puxar a mão dela e sairmos correndo.
Ele a pegou no colo e correu na nossa frente com uma velocidade que nem de longe conseguiríamos acompanhar. A criatura chegava cada vez mais perto e parecia mais monstruosa a cada centímetro. Ela era um rato gigante com umas quatro vezes o tamanho de um touro, e o mais assustador e que tinha duas enormes cabeças com dois grandes dentes cada uma.
Parei um instante para criar uma parede de fogo no chão, tentando retardá-lo um pouco e continuei a correr.
Lya voou sobre nós tentando chamar a atenção do bicho, que se voltou para ela como se fosse uma mosca. Matheus e Noah se viraram para atirar, mas o coro dele não pareceu nem mesmo sentir o impacto das balas. Atirar nele com as armas que tínhamos pareceu inútil.
– Aqui! – berrou Yara da janela de um dos prédios há alguns metros de onde estávamos.
Corremos na direção da entrada do prédio e o rato nos seguiu cada vez mais de perto. Quando entramos na portaria San saltou na frente dele e segurou suas duas cabeças, com as duas mãos, como se fossem as coisas mais leves do mundo, o que não aparentavam. Ele forçou cada cabeça para um lado até rasgar a criatura ao meio. Foi angustiante vê-la grunhir de dor quando San jogou uma parte para cada lado.
– O que foi isso, cara? – resmungou Derik perplexo.
– Seja lá quem me fez, colocou um monte de animais em mim.
– Parece demais!
– Algumas vezes é outras nem tanto. – disse San limpando as mãos na calça que vestia.
Subimos todos até o andar onde Yara estava. Era um prédio residencial, ou costumava ser. O apartamento em que ela estava já deveria ter sido arrombado há algum tempo, pois a sala estava toda revirada, sofás rasgados e com móveis quebrados.
– O que era àquilo lá em baixo? – perguntou Yara, ainda assustada, com o coração batendo rápido.
– A BIOTEC foi à única empresa que obteve sucesso na criação de mutantes, mas não foi a única a tentar. – disse Lya. – existem centenas, talvez milhares de coisas como essa por ai.
Yara engoliu seco tentando reprimir o espanto e o medo.
– Somos seis que deram certo de 100 experiências. – lembrei-me do que dizia nos arquivos do Felix.
– Só espero que os outros 94 não sejam nossa recepção quando chegarmos. – murmurou San.
No fundo todos nós torcíamos para que não.
Noah se aproximou da janela e olhou para fora, o sol já se punha no horizonte tornando tudo escuro.
– Acho melhor passarmos à noite aqui. – disse ao resto de nós. – Não sei vocês, mas eu não quero topar com outro bicho desses no escuro.
– Tudo bem. – todos concordaram.
Lya se aproximou de uma televisão colocada em um canto da parede e a virou em sua direção.
– Droga! – resmungou. – Também está quebrada.
– Vamos encontrar alguma coisa. – prometi a ela ao apoiar minha mão em seu ombro.
– Nós precisamos encontrar. – ela se voltou para mim com um sorriso desanimado.
– Querem a boa ou a má notícia primeiro? – perguntou Marcus a nós quando voltou de um corredor que levava ao interior do apartamento.
– A boa. – respondeu Derik.
– Encontrei colchões o suficiente para não precisarmos dormir no chão frio. Pelo visto era uma família grande.
– E a má? – insistiu Matheus.
– Nada de água ou comida. – disse Marcus. – quem passou por aqui já levou tudo.
– E que tal tentarmos em outro apartamento. – sugeriu Yara.
– Não acho que teríamos alguma sorte. – disse Noah. – Pelo estado da cidade tudo de útil que havia aqui já foi levado. O melhor mesmo é esperar pela manhã e sairmos em busca de outro lugar.
Todos concordaram. Achei que Noah talvez estivesse acostumado a discernir onde tinham coisas e onde não.
– Só quero dar o fora dessa cidade o mais rápido possível. – resmungou Derik. – esse lugar dá-me arrepios.
– Não, meu amigo. – disse Noah ao dar um tapinha nas costas dele. – ratos gigantes é que te dão arrepios.
– Queria ter vivido antes da guerra, em que a preocupação da minha vó se resumia ao aumento do preço da cesta básica. – Derik saiu resmungando.
Todos nós rimos, no entanto, no fundo esse desejo não era exclusivo dele.
Arrumamos os colchões e deitamos espalhados pelo apartamento. Noah deitou-se ao meu lado e ficou encarando o nada.
– O que foi? – perguntei a ele preocupada.
– Apenas pensando em como era ter um lar, mesmo que conturbado.
– Eu sinto muito. – lamentei, sabendo que aquilo era culpa minha.
– Não é sua culpa. – ele sorriu para mim. – Claro que eu sinto falta delas, mas não se culpe. Se não fosse a BIOTEC qualquer um dos outros exércitos poderia tê-las matado. – ele respirou fundo. – Só queria viver em um mundo em paz.
– Eu também. – murmurei.
Noah me deu um rápido beijo e me ajeitou em seus braços para que pudéssemos dormir.
30. Moradores do esgoto
Acordei com os lábios suaves dele no meu pescoço, enchendo-me de beijinhos e mordidas.
– Bom dia! – sorri para ele.
Noah me acariciou o rosto, com um largo sorriso nos lábios.
– Eu amo você. – sussurrou.
– Eu também amo. – respondi cada vez mais certa disso.
Puxei o rosto dele para o meu e nos beijamos. Enquanto, a sua língua brincava com a minha ele puxava e acariciava o meu cabelo.
Alguém pigarreou. Separamo-nos e voltamos na direção do barulho para ver quem era. San estava parado a poucos metros de nós e nos encarava envergonhado por ter nos interrompido.
– Olá, San. – sorri para ele.
– O dia já nasceu, acho melhor continuarmos a viagem.
– Está certo. – concordei com ele ao me levantar.
Encontramo-nos com os outros que já estavam de pé.
– Segundo M.A.I. tem uma cidade há uns 20 quilômetros a oeste daqui. – Lya começou a dizer. – Talvez lá possamos encontrar água, comida e equipamentos.
Assenti. Tínhamos que tentar, nossos corpos não resistiriam por muito tempo sem suprimentos, e Lya precisava dos equipamentos para encontrar o restante dos Genesis.
– Então vamos. – disse Matheus ao caminhar na direção da saída e o restante de nos o seguiu.
Descemos do prédio e voltamos para a rua. Atentos a qualquer tipo de barulho. Tudo o que não queríamos era topar com outro bicho desses, que estava morto ao lado da cratera. San pareceu não se importar, pois ao contrário de nos, ele era um animal bem assustador quando queria ser.
Caminhamos de volta ao estacionamento, felizmente os carros estavam lá bem da forma como havíamos os deixado. Entramos neles e seguimos de volta a estrada.
Tomei as últimas gotas da minha garrafa d'água. Estava com sede e provavelmente não seria apenas eu. Olhar para o deserto seco não contribuía muito, então tentei ficar de olhos fechados e torcer para que chegássemos logo.
Viajamos durante cerca de uma hora, de baixo de um sol que parecia castigar mais do que qualquer um dos dias anteriores. Quando abri novamente meus olhos, uma enorme felicidade cresceu em mim ao perceber que já podia avistar no horizonte, os restos do que um dia foi uma grande cidade. Esperava, torcia para que encontrássemos algo para comermos lá.
– Tudo bem, meu amor? – Noah perguntou a mim.
– Sim. – respondi a ele com um sorriso. – Estou com sede, mas creio que não sou a única.
– Ainda tenho um pouco de água na minha garrafa se quiser. – ele estendeu o recipiente para mim. Ainda havia um quarto do volume total.
Empurrei-o de volta.
– Você precisa mais do que eu. – disse a ele. – Já estamos chegando, vamos encontrar mais água lá. – eu tinha mais esperança do que certeza naquela frase.
Quando chegamos aos limites da cidade ainda era de manhã. Fiquei feliz em ver menos destruição do que na cidade anterior, quando o carro se aproximou dos prédios.
Entramos em uma rua principal, larga com várias pistas. No canteiro central havia coqueiros, e alguns ainda estavam de pé. Havia lojas, bares e restaurantes dos dois lados, mas muitos tinham portas e vitrines quebradas, no entanto, não vi nada além de sinais de saques.
Matheus estacionou em frente a um supermercado e Noah parou logo atrás. A placa do supermercado estava caída e obstruía um pouco a entrada. O vidro dessa porta havia sido quebrado. Sai do carro e entrei para ver. O local parecia bem grande, mas muitas de suas prateleiras estavam vazias e outras tantas tinham seus produtos jogados ao chão. Havia muita coisa estragada e o lugar cheirava mal ao ponto de dar enjoo, mas não deixei isso me deter, continuei caminhado por entre os corredores. Vi muitas moscas sobrevoando as coisas, felizmente essas não tinham um tamanho assustador. Não vi nada que ainda poderia ser utilizado por vários metros, até chegar a uma porta de ferro, onde estava escrito "acesso restrito aos funcionários", que estava trancada com um pesado cadeado, esse parecia ter sido alvo de várias tentativas de arrombamento, porém nenhuma obteve sucesso.
Segurei-o com uma das mãos e me concentrei. O metal era resistente, feito para não ser rompido por qualquer um, mas torci para que cedesse em contato com alta temperatura. Levei alguns minutos, porém consegui derretê-lo. Empurrei a porta e consegui entrar.
Lá era o estoque do lugar, havia muita, muita coisa, mas quase na mesma proporção existiam produtos estragados, o cheiro era tão forte quanto nos corredores. Comecei a andar pelo lugar até encontrar a área das bebidas, onde vi um engradado com várias garrafas de água mineral. Quase pulei de alegria.
– Pessoal, encontrei água! – gritei fazendo com que todos viessem ao meu encontro.
Rasguei as pressas o plástico que envolvia as garrafas e joguei um para cada. O gosto não era o dos melhores, estavam ali fazia muito tempo, mas beber aquilo na situação em que eu estava, era como se não tivesse nada melhor.
– Como eu precisava dessa água. – exclamou Derik indo para a segunda garrafa.
– Nunca havia estado em um lugar que cheirasse tão mal. – comentou Yara cobrindo o nariz.
– Onde está o San? – perguntei ao notar a falta dele.
– Ele está lá fora. – ela respondeu. – Não consegue ficar em lugares com um odor tão forte. O olfato dele é centenas de vezes melhor do que o nosso.
Joguei duas garrafas para ela.
– Leva para ele.
– Será que ainda tem comida por aqui? – foi mais um pensamento alto do que uma pergunta.
– Não sei. – comentou Noah. – Vamos ter que procurar.
Quando estava prestes a me virar e prosseguir com a busca, ouvi um barulho que chamou minha atenção, e me fez virar na direção da porta. Foi o tempo suficiente de ver uma pequena cabecinha que logo se escondeu.
Dei passos silenciosos em direção à porta, mas assim que me aproximei demais à criaturinha saiu correndo.
– Ei, espera! – gritei antes de sair correndo, atrás.
A garotinha que tinha uns seis anos, saiu correndo pela loja esbarrando em algumas coisas que caíram no chão.
– Espera! Não vamos machucar você. – disse, porém a garotinha nem mesmo olhou para trás.
Continuei correndo atrás dela até vê-la entrar em um bueiro na esquina. Segui-a, pulando nele também.
O lugar era escuro e muito úmido, mas o cheiro não era pior do que o do supermercado. Era um túnel cumprido com algumas bifurcações. Vi ela virar em uma das esquinas tentando me despistar, mas a segui, queria saber quem era ela e onde estava indo.
– Espera! – gritei novamente, mas nada dela me ouvir.
Continuei atrás dela até ver algumas luzes há poucos metros.
A garotinha finalmente parou de correr quando deu de cara com as pernas de uma mulher.
– Joana, o que foi? – a mulher perguntou, acariciando o cabelo da menininha.
– Lá! – ela apontou para mim tremendo.
A mulher se virou na minha direção, finalmente notando a minha presença. Ela tinha cabelos escuros e uma pele clara, não parecia muito velha, uns 30 ou 40 anos talvez, no entanto, estava bem abatida e magra. Seus grandes olhos castanhos se arregalaram quando me viu.
– Você trouxe um clone para cá? – perguntou a mulher à garotinha.
– Não, tenho culpa. Ela me seguiu. – Joana ainda escondia seu rosto.
– Já disse para não ir lá em cima sozinha, é muito perigoso. – A mulher recriminou-a e em seguida se voltou para mim. – O que faz aqui? Nós vivemos em paz, não queremos nada com nenhum dos exércitos.
– Eu não sou um clone. – disse a ela. Virando-me de costas e puxando o cabelo para o lado, para que ela pudesse ver que não havia nenhum código ali. – Eu também estou em paz.
– Se vocês não é um clone então o que é? – perguntou a mulher, confusa.
– Não importa. – não achei que fosse bom explicar para ela, quem ou o que eu era. – Não estou aqui para machucar nem você nem ninguém, e não pertenço a nenhum dos exércitos.
– Então o que faz aqui? – ela insistiu.
– Não é comum encontrarmos pessoas vivendo nas cidades e como ela não parou decidi segui-la. – respondi.
– Eles encontraram água, mãe. – a garotinha disse a ela.
– Água, onde? – a mulher pareceu surpresa.
– No depósito do supermercado. – respondi.
– Como conseguiram entrar lá? – a surpresa dela aumentou ainda mais.
– Eu derreti o cadeado. – disse como se fosse a coisa mais fácil do mundo. – Vocês podem ir lá pegar. – fiz um sinal para que me seguissem. – tem bastante.
Elas me encararam relutantes, certamente com medo de me seguir.
– Só meus amigos estão lá em cima. Ninguém vai machucar vocês. – prometi.
Elas me encararam por mais alguns segundos e então deram alguns passos na minha direção. Quando tive certeza que me seguiriam subi de volta para a rua.
Noah estava em frete ao supermercado, junto com San e Yara e olhava em todas as direções, nitidamente muito preocupado. Quando ele me viu veio correndo em minha direção.
– Onde você estava? – começou a perguntar.
Fiz um sinal para que ele fizesse silêncio. Então, Noah notou as duas pessoas assustadas atrás de mim.
– Estão com sede. – murmurei para ele.
– Oi. – Noah se aproximou delas e estendeu a garrafa d'água que estava em suas mãos
A garotinha pegou correndo e escondeu-se atrás da mãe.
– Onde as encontrou? – ele perguntou ao voltar-se para mim.
– A menina estava escondida no supermercado, nos espiando. Acho que vivem nos esgotos.
– Só elas? – perguntou ele.
– Eu não sei.
– Acabou. – ouvi a garotinha sussurrar.
– Vamos lá dentro. – Noah as chamou.
Com menos medo, elas nos seguiram.
Derik, Marcus e Fred ainda estavam lá, mas Matheus e Lya não.
– Quem são essas? – perguntou Derik.
O ignoramos e entregamos mais água para elas.
– Só tem vocês lá embaixo? – perguntou Noah a elas.
– Não. – respondeu a mulher com o rosto até mais alegre depois de ter tomado a água. – Somos umas 100, talvez 150 pessoas. É mais seguro viver lá do que aqui em cima. Mercenários e soldados passam aqui o tempo todo, quem teimou em continuar na superfície acabou sendo morto.
Eu já havia aprendido bem, como era a sensação de não estar segura. Escondidas nos túneis do esgoto, ninguém imaginaria que haveria pessoas vivendo ali.
– Tem bastante água aqui, podemos levar lá para baixo, para os outros? – perguntou a mulher.
Olhei para Noah esperando a resposta dele. Realmente havia bastante água ali. Centenas de garrafas pequenas e outras tantas de 5 litros, não precisaríamos nem tínhamos espaço para tudo isso.
– Claro que pode. – Noah disse a elas.
– Querem ajuda para levar? – Marcus se ofereceu.
– Claro, se puderem. – disse a mulher envergonhada.
Nós sorrimos para ela e começamos a pegar alguns engradados. Até mesmo a garotinha pegou um pacote maior do que ela. Pegamos tudo que podíamos carregar e acompanhamos a mulher de volta ao esgoto. San nos parou no meio do caminho, perguntando o que estava acontecendo e também se ofereceu para ajudar. Com a força dele conseguia carregar muito mais do que qualquer um de nós.
Seguimos as duas pelos túneis, por vários metros, até começarmos a ouvir vozes. Chegamos a um lugar que havia luz, comecei a ver várias pessoas, de todas as idades, além de tendas e casas improvisadas. Quando nos viram todos pararam o que estavam fazendo e se viraram para nós.
– Água! – as crianças gritaram e vieram correndo em nossa direção.
– Calma, calma. – Noah tentou acamá-los. – Tem o bastante para todos.
Começamos a abrir os engradados e distribuir as garrafas. As crianças sorriam de felicidade e mal podiam esperar a hora de receberem o seus.
– Onde encontrou isso, Lucia? – um homem velho se aproximou de nós, e perguntou a mulher que estava conosco. Então esse era o nome dela, Lucia.
– Eles conseguiram abrir o galpão do supermercado. – a mulher disse ao velho.
– Obrigada! – as crianças agradeciam contentes.
– Estamos quase sem água já faz alguns dias. – o velho disse a nós. – Obrigado!
Sorrimos para ele.
–Tem bem mais lá em cima. – comentei.
– Vou pedir alguns homens para pegar. – ele disse. – Mais uma vez, muito obrigado.
– Quando essa água acabar o que vão fazer? – perguntei.
– Ainda não sabemos. – lamentou. – Estamos tentando concertar a estação de tratamento da cidade, mas nada é certo ainda. Além disso, chove muito pouco e o volume de água sempre é baixo.
– Espero que consigam. – disse com sinceridade.
Ele tentou sorrir.
– Não sabia que clones do exército podiam ser gentis. – comentou intrigado.
– Não somos clones, nem pertencemos ao exército. Não precisam se preocupar. – assegurei-lhe.
– O que fazem aqui? Vão ficar? – mudou de assunto.
– Não. – Noah quem respondeu. – Estamos apenas de passagem. Precisávamos de água e comida para seguir viagem, também de combustível.
– Tem um posto ao norte da cidade. – indicou o velho. – ele fica um pouco escondido. – Talvez ainda encontrem gasolina lá.
– Obrigada. – agradeci.
– Já vão embora? – perguntou a garotinha quando viramos as costas.
Voltei na direção dela e me abaixei para poder olhá-la nos olhos.
– Nós precisamos ir disse a ela, tenho amigos que preciso encontrar. – expliquei.
– Tá. Boa viagem. – ela sorriu e acenou para nós.
– Onde estão o Matheus e a Lya? – perguntei, quando já estávamos de volta à superfície.
– Ela encontrou uma sala de monitoramento. – disse Derik. – Acho que é o lugar onde ficam várias televisões que eram ligadas as câmeras do supermercado.
– Sabe me dizer onde é?
Derik fez que sim com um aceno de cabeça.
Noah e eu o seguimos até o fim do galpão de estoque. Lá havia uma pequena porta que estava fechada. Quando a abri, vi Lya sentada em uma cadeira e Matheus apoiado nela.
Lya estava concentrada em dezenas de monitores, que processavam imagens. Não sabia como poderia prestar atenção em todos ao mesmo, pois eu não conseguia olhar para mais de dois sem ficar confusa.
– Algum sinal deles? – perguntei a ela, mas foi Matheus quem balançou a cabeça dizendo que não.
Fiquei alguns minutos observando, queria poder ajudar, mas nem eu ou qualquer outro mortal na terra tínhamos um quinto da inteligência dela.
– Vem, vamos procurar um local para passarmos a noite. – chamou Noah.
Fui com ele, ficar em cima de Lya não iria ajudar em nada.
Noah e eu caminhamos para fora do supermercado. Naquela rua só havia comércios, teríamos que tentar a sorte em outro lugar. Viramos a esquina e andamos alguns quarteirões em completo silêncio, poderíamos encontrar qualquer perigo na próxima esquina.
Depois de andarmos uns 10, talvez 15 minutos, finalmente chegamos a uma zona residencial, com poucas casas e muitos, muitos prédios.
Encontramos uma casa que ainda parecia intacta. Bom pelo, menos o portão da garagem não havia sido arrombado.
– Consegue abrir passagem? – Noah perguntou a mim.
Aproximei-me do portão e derreti a fechadura. Então entramos. O local que um dia havia tido um belo jardim, estava cheio de folhas secas e outras tantas que já haviam virado pó. Noah foi até a porta da frente e o arrombou com um chute.
– Parecem que ignoraram esse lugar. – Noah comentou.
Era apenas uma casa simples, sem requinte nem nada, embora bastante confortável. Deveria ter pertencido a uma família humilde.
– Parece um bom lugar para passar a noite. – comentei.
Seja lá quem morava ali antes, havia saído às pressas e deixado tudo para trás. Móveis, eletrônicos, até mesmo porta retratos e lembranças pessoais. Não consegui evitar fazer à pergunta, será que ainda estavam vivos?
– Vamos chamar os outros? – perguntei a Noah que havia entrado para algum dos cômodos da casa.
Ele não respondeu, então fui até o corredor para procurá-lo. No entanto, assim que passei perto da porta de um dos cômodos ele me puxou para dentro.
– Noah!
– Daqui a pouco nós os chamamos. – sussurrou ao me empurrar contra a parede.
Suas mãos percorreram a lateral do meu corpo até a minha nuca, onde se embrenharam no meu cabelo. Cada pedaço do meu corpo se arrepiou com aquele toque. É, eles podiam esperar um pouco.
Enrolei meus dedos em seu cabelo e puxei seu rosto para mim. Nossos lábios se tocaram e por um breve momento eu fui capaz de esquecer tudo, a BIOTEC nos perseguindo, a guerra, tudo. Estar nos braços de Noah era o que importava. Sua língua roçou nos meus lábios pedindo passagem, e eu os abri levemente permitindo que ela entrasse. Senti meu corpo se aquecer e respirei fundo, tentando manter meus poderes sob controle. Por mais que eu os dominasse bem agora, estar nos braços de Noah tornava isso mais difícil.
Segurei na sua cintura, e comecei a puxar sua camisa para longe. A joguei no chão e deslizei minhas mãos pelo peito dele, largo e cheio de cicatrizes. Todo o meu corpo ardeu por ele. Pensei em como eu havia crescido, cercada de tudo e todos, e que ninguém poderia ser privado de viver aquilo.
Ele começou a beijar e morder meu pescoço, e eu estremeci de desejo. Suas mãos percorreram o meu corpo e logo me deixaram nua da cintura para cima. Ele fez um caminho de beijos até os meus seios e começou a beijá-los, fazendo com que eu estremecesse de prazer. Suas mãos percorriam o meu corpo, apertando-o e alisando-o, fazendo aumentar ainda mais o meu desejo.
Ainda com a boca nos meus seios, ele se livrou do restante das minhas roupas.
Ele voltou a beijar meu pescoço, fazendo-me estremecer a cada toque.
– Depois, quando tudo isso acabar... – ele começou a dizer entre os beijos. – eu quero ter uma família com você.
– Noah...
– Eu sei que podemos morrer a qualquer momento. – ele disse ao me interromper. – Só me diz que sim.
– Sim. – sorri para ele, o que fez com que me beijasse ainda mais intensamente.
Até aquele momento eu nunca havia pensado naquilo. Será que um dia o desejo do Noah se realizaria?
Ele enfiou um dedo em mim o que me fez soltar um gemido, e não consegui pensar mais em nada, além do desejo incontrolável que seu toque causou em mim.
Comecei a abrir o zíper da calça dele, e o volume que encontrei ali me fez arfar de desejo. Tirei o restante das roupas dele e voltei a beijá-lo, também percorrendo seu corpo com as mãos. Cada linha, cada curva, chegava a me deixar sem ar. Rocei as mãos no membro rígido dele o que o fez soltar um leve gemido me deixando ainda mais excitada.
– Você é linda. – sussurrou ao acariciar meu rosto. – Tem uma beleza exótica que me deixa maluco.
– Você também é lindo. – sussurrei sorrindo ao olhar para o rosto dele. Passei os dedos pelo contorno da sua face, admirando aquele homem forte e protetor.
Então foi a minha vez de começar a beijá-lo. Comecei a beijar e mordiscar seu pescoço, descendo pelo seu peito, arrancando leve gemidos, que me deixavam tão satisfeita. Desci até me ajoelhar na frente dele.
– Ei! O que vai fazer? – ele perguntou surpreso a me ver ali.
– Você já sabe. – sussurrei, colocando a minha boca nele.
Noah gemeu alto em um misto de prazer e surpresa. Então começou a acariciar meu rosto e meus cabelos, enquanto eu o chupava.
Depois de um tempo ele me puxou de volta, para um beijo transbordando de desejo. Sua língua dançava com a minha com pressa e ânsia, e seus dentes mordiscavam meus lábios.
Noah puxou uma cadeira, que estava encostada na parede, e se sentou nela, logo em seguia me puxando para o seu colo, invadindo o meu corpo, sem aviso, ávido por me ter.
Gememos juntos, quando nossos corpos começaram a se mover, numa dança deliciosa. Como aquilo poderia ser tão bom. Era mágica e indescritível, a sensação que tomava conta de mim.
Com as mãos na minha cintura ele me ajudava a me mover no seu colo. Subindo e descendo, outras vezes rebolando. Seus lábios sobre os meus, sobre o pescoço, aumentavam ainda mais meu prazer.
Quando ele me tirou do seu colo eu lamentei. Ainda não! Os outros ainda poderiam esperar mais um pouco. Mas logo vibrei de felicidade quando ele me colocou sobre a cama, com as mãos e os joelhos apoiados nela, e se colocou atrás de mim. Logo se encaixou em mim novamente, começando a se mover. Gemi, apertando o colchão.
Ele apalpava e apertava minhas nádegas, deliciando-se com a visão. Até que o senti estremecer e pulsar dentro de mim. Então me moveu um pouco mais até que a sensação parasse.
– Sua vez. – sussurrou girando-me na cama, colocando – me mais uma vez de frente para ele. Então, colocou sua cabeça entre a minhas pernas.
Meu corpo estremeceu, e eu apertei ainda com mais força a cama, quando senti sua língua me tocar. Daquele jeito não demorou mais do que alguns minutos para que eu chegasse ao ápice também. Meus gemidos ficaram mais altos e minha respiração ofegante, eu estava nas nuvens.
Noah deitou a meu lado sorrindo.
– Eu amo você! – sussurrou ao me aconchegar em seus braços.
– Eu também. – respondi ainda extasiada.
Ficamos assim, deitados, um fazendo carinho no outro, por alguns minutos, até decidirmos que precisávamos voltar. Os outros podiam estar preocupados.
Levantamo-nos e vestimos nossas roupas. Em seguida fomos ao encontro dos outros.
31. Prisioneiros
Voltamos para o supermercado atrás dos outros. Os rapazes estavam do lado de fora conversando com San e Yara, mas Lya e Mateus não haviam se movido da sala de monitoramento. Ela estava frustrada por até agora não ter uma pista dos outros três. Foi difícil tirá-la da sala, com muito custo, Matheus a convenceu de que precisava descansar um pouco.
Voltamos para a casa e tentamos dormir. Noah fazia carinho em mim enquanto eu fechava os meus olhos. Era difícil conseguir dormir sem ficar pensando nos outros três. Precisávamos encontrá-los antes que a BIOTEC o fizesse.
Apoiei minha cabeça no peito de Noah e acabei dormindo, embalada pelo som do seu coração.
Vi um lugar frio, úmido. Sentia um medo terrível de que algo pudesse acontecer. Mas aquele medo não era meu, eu não deveria estar naquele lugar. Lembrava-me de ainda estar dormindo nos braços de Noah.
– Majore. – ouvi uma voz sussurrar bem no fundo a minha mente. – Sou eu a Paula.
– Paula! – minha mente quase vibrou de alegria ao poder ouvir a voz dela novamente. – Onde você está? Estou com Lya e San, estamos procurando por você.
– Estou com Cristian. Fomos capturados por mercenários especializados em roubar clones, não conseguimos fugir, precisamos de ajuda. – Ela disse com a voz tremida e preocupada.
– Onde você está? – fui perguntando.
– Eu não sei exatamente. Posso tentar te mandar algumas imagens de tudo o que vi e Lya tentar processá-las. Quem nos capturou é esperto o bastante para não deixar essa informação na cabeça dos caras que nos guardam.
Senti uma dezena de lembranças invadirem minha mente, ao ponto de me deixar confusa.
– Estou fraca. – Paula disse num sussurro. – Não consigo mais manter nossa comunicação. Encontre-nos, Marjore.
Então tudo ficou em silêncio e parei de sentir aquela sensação angustiante.
Acordei às pressas, assustada, tremendo, respirando ofegante e com as extremidades do meu corpo geladas. Meu movimento brusco acabou despertando Noah também, que me olhou por alguns segundos, confuso.
– O que foi, meu amor? – perguntou. – Pesadelos com a BIOTEC de novo?
Balancei a cabeça negativamente.
– Paula e Cristian precisam de ajuda. – disse por fim.
– Como você sabe? – ele perguntou sem entender.
– Ela se comunicou comigo de novo. – respondi ainda zonza. – Preciso falar com a Lya.
Comecei a me levantar, mas Noah segurou-me na cama. Ia protestar, porém ele foi mais rápido e falou primeiro.
– Está no meio da noite. – começou a dizer. – Lya precisa descansar um pouco, passou o dia inteiro os procurando. Eles podem esperar até amanhã.
Queria ir até lá o quanto antes, porém Noah estava certo. Lya precisava mesmo de descanso.
Tentei voltar a dormir, mas não consegui. Estava preocupada demais, esperava que ficassem bem até que os encontrássemos.
Noah também não conseguiu mais dormir, vendo-me tão inquieta.
– Vai ficar tudo bem. – prometeu-me uma centena de vezes, mas de nada adiantou.
Fiquei sentada na cama observando o tempo passar, torcia para que o sol nascesse logo. Noah permaneceu deitado ao meu lado, apenas me observando, hora ou outra fazia carinho nas minhas pernas ou nas minhas costas.
Passei muito tempo, talvez horas, tentando me comunicar com a Paula novamente. No entanto, aquilo não parecia ser uma via de mão dupla.
Quanto o sol finalmente nasceu, levantei-me da cama, e dessa vez Noah não me impediu, levantou-se comigo e fomos até o outro quarto, onde dormiam Matheus e Lya.
Bati algumas vezes até Matheus abrir a porta. Ele estava com os olhos verdes pequenos e sonolentos e o cabelo um tanto bagunçando
– Algum problema? – ele perguntou coçando os olhos.
– Lya ainda está dormindo? – perguntei.
– Sim. Não sabemos quando vamos ter uma cama macia de novo.
– O que foi? – Lya murmurou da cama.
– Paula falou comigo. – disse.
– O quê? – ela perguntou surpresa. – Já estou indo.
Matheus voltou para o quarto e fechou a porta. Minutos depois eles saíram, e vi que Matheus havia recolocado a camisa.
– Como assim falou com a Paula? – Lya me perguntou perplexa.
– Ela se comunicou comigo. – comecei a explicar. – Não é a primeira vez que faz isso, mas eu não consigo falar com ela de volta.
– Ela é telepata. – Lya comentou pensativa. – Não é algo que as outras pessoas comuns possam fazer.
– A Paula? – San perguntou ao se aproximar, provavelmente deveria ter ouvido a nossa conversa. – Onde ela está?
– Eu não sei. – disse confusa, tentando processar as imagens que ela havia enviado para a minha cabeça. – Na verdade nem mesmo ela sabe. Parece que quem está os vigiando se preparou bem para lidar com um telepata.
– A BIOTEC os capturou? – perguntou Derik arregalando os olhos.
– Não. – respondi. – Mercenários, ladrões de clones. Pelo que entendi não sabem que eles são os verdadeiros.
– Você disse eles? – perguntou San, intrigado.
– Sim, eles. Paula está com o Cristian. – expliquei. – Eles precisam da nossa ajuda.
– Mas como vamos encontrá-los se nem mesmo eles sabem onde estão? – questionou Yara.
– Paula mandou algumas imagens do que viu pelo caminho para a minha cabeça. Espera que com isso Lya consiga encontrá-los.
– Você consegue? – Noah perguntou a ela.
– Sim. – disse Lya confiante. – Mas vou precisar desenvolver algum mecanismo neural para chegar até as lembranças na cabeça da Marjore e poder processá-las.
– Do que precisa? – perguntou Matheus, provavelmente já acostumado a lidar com as coisas que ela inventava.
– Um capacete e todo disposto eletrônico que puderem encontrar. – disse ela se virando. – Vou para o supermercado ver o que encontro por lá. Procurem pela cidade e tragam o que encontrarem.
Assenti ao vê-la sair porta afora. Dividimo-nos em grupos e cada um foi para um lado da cidade.
Andávamos em silêncio, mas Noah aproximou-se de mim e segurou a minha mão. Lembrei-me de ontem, quando estávamos juntos, dele dizer que se sobreviéssemos a tudo aquilo, que ele queria ter uma família comigo. Nunca havia pensado sobre isso antes, nem mesmo julgava ser possível. Não sabia o que poderia acontecer conosco, mas fiquei feliz por ter um desejo, caso tudo aquilo acabasse um dia.
Levou quase uma hora para que encontrássemos uma loja de eletrônicos. Ela estava toda revirada, a maioria das coisas quebradas. No entanto, algo me chamou muita atenção. Num canto havia uma caixa com uma pequena robô, ela era fofa e parecia uma boneca. Tinha cabelos Chanel brancos e pele prateada.
– Acho que os circuitos disso serão bem úteis para Lya. – comentou Noah atrás de mim.
– Ah, não vão desmontá-la. – protestei.
Noah fechou a cara
– É só um robô para crianças.
– Mas é tão bonitinha.
Ele riu e pegou a caixa, ignorando meus protestos.
Peguei alguns celulares e outras coisas que encontrei intactas e julguei que ainda estivessem funcionando. Quando pegamos todo que podíamos carregar, tomamos o caminho de volta para o supermercado.
Durante percurso observei a cidade em volta, e me perguntei como ela estaria hoje, se não houvesse a guerra. Provavelmente mais moderna e cheia de gente do que estava agora.
Chegamos ao supermercado e vi Lya sentada no chão da pequena sala, cercada de fios, placas de metal e peças. Eu não fazia ideia de para que servissem cada uma daquelas coisas, mas ela parecia entender muito bem o que estava fazendo.
– Encontramos isso. – disse quando Noah e eu colocamos as coisas que havíamos pegado próximas a ela.
– Uma July! – ela disse, empolgada ao pegar a caixa com a robô. – Eu tinha uma dessas quando criança, foi o primeiro robô que desmontei e reconstrui. Ela tem peças muito boas, serão muito úteis, obrigada!
– Encontramos o capacete. – disse San ao colocar um capacete de moto ao lado dela. – Esse serve?
– Serve sim. – ela sorriu para ele. – Agora podem me deixar trabalhar? – perguntou para o monte de pessoas em cima dela.
– Ah, claro! – dissemos sem graça ao sairmos da sala.
Sentamo-nos na rua e decidimos esperar.
Enquanto eu olhava para o céu esperando o tempo passar, a garotinha surgiu e começou a me cutucar.
– Oi! – sorri para ela. – Decidiu subir aqui em cima de novo? Não é perigoso ficar aqui?
– Não, vocês são amigos. – disse, sentando-se ao meu lado.
– Qual é o seu nome, garotinha? – Noah perguntou a ela.
– Joana. – respondeu ao sorrir para ele.
– Sabe, Joana, eu tinha uma irmãzinha assim tão bonita quanto você. – ele comentou.
– É? – perguntou a garotinha empolgada. – E onde ela está?
– Uns homens maus a mataram. – disse abaixando o rosto, triste.
– Que horrível! – exclamou a garotinha.
– É! – lamentei. Realmente era horrível.
Senti-a começar a mexer no meu cabelo.
– O que foi? – perguntei ao virar-me na direção dela.
– Porque você se parece tanto com um dos clones, mas não age como um? – perguntou por fim.
– Porque é de mim que fizeram os clones. – disse a ela sem saber se realmente entendia aquilo ou não.
– Lya terminou. – disse Matheus ao se aproximar de nós.
– Preciso ir. – disse a Joana.
Ela assentiu e se despediu com um aceno, antes de voltar para o esgoto. Assim que a vi sumir, levantei-me e segui Matheus.
Quando cheguei vi uma cadeira e centenas de fios que se ligavam aos monitores da sala.
– Pronta para começarmos? – Lya perguntou para mim.
Fiz que sim com um aceno de cabeça.
Ela pegou o capacete e apontou para a cadeira. Entendi o comando e me sentei nela.
– Isso pode doer um pouco. – disse antes de colocar o capacete em mim.
A vi apertar alguns botões antes que eu saltasse um grito. Ela havia dito que poderia doer um pouco, mas aquilo estava bem além do tolerável.
– Ela vai ficar bem. – ouvi Lya sussurrar para Noah.
Meu corpo se debatia contra cadeira como se eu estivesse tomando um forte choque. Bem, talvez fosse mesmo isso. Cada pedacinho de mim parecia estar sendo esmagado com uma força enorme.
Quando tudo parou eu virei à cabeça de lado, e coloquei para fora o pouco que havia comido.
Noah correu em minha direção assim que Lya permitiu.
– Como está se sentindo? – perguntou ao me pegar no colo. Tudo a minha volta girava.
– Zonza e enjoada. – respondi. – Mas só espero que tenha dado certo.
– Deu sim. – comentou Lya. – Consegui capturar todas as suas memórias, agora só preciso encontrar as que a Paula lhe enviou e pesquisar a localização dela.
– Vou levá-la para descansar um pouco. – disse Noah aos outros.
Lya assentiu e eu não protestei. Agora o trabalho era com ela, não me restava outra coisa a fazer se não esperar.
32. O Vale do medo
– Se sentindo melhor? – Noah perguntou quando abri os meus olhos.
– Um pouco zonza ainda, mas acho que sim. – disse ao tentar me levantar da cama, mas ele me impediu.
– Fica quietinha aí. Não precisa levantar agora. – disse ao acariciar o meu rosto. – Lya poderia ter dito antes o que aquilo iria fazer com você.
– Não acho que isso me impediria. – comentei.
– Eu sei. – Noah assentiu de cabeça baixa.
– Precisamos encontrá-los, Noah.
– Lya está trabalhando nisso. – garantiu-me.
Alguém batendo na porta nos chamou atenção. Noah se levantou e abriu para ver quem era.
– Lya conseguiu encontrá-los. – disse Matheus.
Levantei-me às pressas, e o seguimos de volta ao supermercado. Quando chegamos lá, vi Lya sentada em frete as telas, ainda fitando-as.
– Ah, Marjore! – ela sorriu a me ver.
Logo San e os outros apareceram também.
– Eles estão num lugar comumente chamado de: Vale do Medo. – começou Matheus. – É um lugar de passagem e comércio de mercenários. Uma cidade sob a própria lei caótica deles, e nenhum dos dois exércitos tem poder por lá. É o local onde nenhum nômade de paz gostaria de passar por perto.
– Quando partimos? – perguntou San.
– Fica a três dias de viagem daqui. – continuou Lya. – Mas não vai ser assim tão simples entrarmos lá. Digamos que não são permitidos turistas.
– Então qual é o plano? – perguntou Noah a ela.
– Nos vestimos de mercenários e os três são nossos clones. – foi Matheus quem respondeu.
– Acha que isso vai funcionar? – perguntou San receoso.
– Tem que funcionar. – afirmei.
– Então precisamos encontrar roupas, armamento e reabastecer os carros. – comentou Noah.
– Não acho que vamos encontrar armas aqui. – comentou Derik. – Essa cidade já foi mais do que saqueada e aposto que o pessoal do esgoto já pegou tudo o que tinha para se protegerem.
– Tem razão. – concordou Noah. – Vamos pegar gasolina onde nos disseram e sair daqui.
Estamos indo, Paula. Pensei em uma tentativa talvez vã, de fazê-la me ouvir.
Juntamos tudo o que julgamos ser útil e voltamos para os carros. Matheus e Noah dirigiram até o local indicado, ao norte da cidade. Realmente o posto ficava bem escondido, levamos um bom tempo para conseguir encontrá-lo. Isso era bom, pois ainda tinha combustível suficiente para a nossa viagem.
Logo estávamos de volta à estrada. Esperava chegar logo e encontrar Cristian e Paula ilesos.
Noah dirigia o mais rápido possível, mas eu ainda não julgava ser o bastante, precisávamos ser rápidos, antes que algo de ruim acontecesse a eles.
Quando a noite já caía sobre nós, chegamos aos limites de uma cidade. Em ruínas como todas as outras, mas precisávamos encontrar ali roupas e armas antes de continuarmos a viagem.
– Acho melhor passarmos a noite aqui e prosseguirmos com a viagem amanhã. – disse Noah ao restante do grupo. – Não é seguro ficarmos no deserto a noite.
Todos assentiram. Ele tinha razão.
Começamos a caminhar em direção a uma esquina, mais para dentro da cidade. No entanto, assim que estávamos prestes a virá-la, San se encostou na parede, e fez um gesto para que fizéssemos o mesmo em silêncio.
– O que foi? – perguntamos a ele em sussurro.
– Tem pessoas lá. Posso ouvi-las conversando.
Não perguntei como ele conseguia fazer aquilo, seria o mesmo do que perguntar para mim como eu colocava fogo nas coisas.
– Quantos são? – perguntou Matheus a ele.
San fechou os olhos e tentou se concentrar por alguns minutos. Antes de se voltar para nós ou dizer qualquer coisa, ele respirou fundo.
– São dez. – disse por fim. – Sete homens e três mulheres. Estão bebendo e conversando ao redor de uma fogueira.
– Sabe me dizer se são perigosos? – insistiu Noah.
San balançou a cabeça negativamente.
– Não, mas julgando pelo cheiro forte de álcool. Devem estar com os sentidos bem limitados. – disse atento.
– Tem como passar por eles sem sermos vistos? – perguntei.
– Não sei, não consigo vê-los, apenas ouvir e sentir o cheiro.
– Vou olhar as coisas melhor lá de cima. – disse Lya ao abrir assas e voar bem para o alto, acima dos prédios. Já estava escuro, e depois de alguns segundos já nem conseguia vê-la mais.
Aguardamos em silêncio e ansiosos. Sem armas e desprotegidos, qualquer movimento em falso poderia chamar a atenção dos mercenários e nos colocar em apuros.
Minutos depois Lya retornou, pousando há alguns metros de nós.
– San está certo, são mesmo dez. – ela foi dizendo. – e bloqueiam toda a rua. – Estão fortemente armados, mas bêbados em igual proporção. Muitos já desmaiaram, não sei se de sono ou por causa da bebida. Creio que se não fizermos barulho, podemos passar perto deles sem sermos notados.
– Pode voar e nos encontrar do outro lado? – Matheus perguntou a ela.
Lya fez que sim e voltou para o céu, desaparecendo novamente.
– Eu vou primeiro. – anunciou San. – sou o mais rápido e mais forte de nós. Se algo der errado posso voltar sem muitos problemas.
– Vou com você. – afirmou Yara. Ele tentou protestar, mas ela foi mais rápida. – É mais fácil me proteger se eu estiver ao seu lado.
Sem saída, San assentiu. Juntos, caminharam em completo silêncio. Observei-os irem, até não poder mais vê-los. Alguns minutos se passaram e mais nada foi ouvido. Deduzimos que tudo havia corrido bem. Então, Noah e eu fomos também.
Passei em silêncio observando o homem desacordado sobre alguns pneus. Ao longe um casal se beijava ocupado demais para prestar atenção em nós.
Fred, Marcus, Matheus e Derik vinham logo atrás de nós. Calculávamos cada passo a ser dado a fim de não chamarmos atenção.
Derik esbarrou em uma lata jogada na rua que começou a rolar fazendo barulho. Matheus correu para rapidamente para pará-la com o pé.
Olhei para os mercenários, suando frio, aguardando qualquer movimento brusco vindo deles. Mas nada aconteceu, nem mesmo notaram o barulho.
Respirei aliviada e apertei o passo, para encontrar San, Yara e Lya na próxima esquina.
– Pronto, passamos!– Noah respirou aliviado.
– Acho que do jeito que estão não notariam nem mesmo se um meteoro caísse ao lado deles. – comentou Fred.
– Vamos! – chamou Matheus trazendo de volta o tom sério a conversa. – Precisamos encontrar armas e um local para passarmos a noite.
Ninguém protestou, então começamos a andar cidade adentro. M.A.I. estava acoplada as costas de Lya como uma mochila.
– Como ela se recarrega? – não consegui conter a pergunta.
– Energia solar. – Lya respondeu de maneira breve.
Continuamos andando em silêncio. Uma luz tão ou mais potente que a de uma lanterna, saia da mão mecânica de Lya e iluminava o nosso caminho. Gostaria de saber como ela havia perdido a mão, mas não julguei ser uma pergunta que devesse fazer.
Caminhamos pelo que me pareceu horas. Como sempre vimos várias lojas com vitrines quebradas e coisas reviradas. Mas diferente do que sempre ocorria, ainda havia muitas coisas que ainda estavam em bom estado. Algumas cidades eram um foco maior do que outras.
– Ali! – Derik apontou para uma loja de armas. – Com sorte ainda encontramos alguma coisa.
Corremos até lá. O vidro da vitrine ainda estava espalhado pelo chão em dezenas de pequenos fragmentos. Muita coisa havia sido levada, mas outras tantas ainda estavam ali. Quem quer que tenha passado não conseguiu levar tudo. Recolhemos algumas armas e roupas a prova de balas que pareciam muito mais com as roupas que os mercenários usavam do que aquelas que estávamos vestindo.
Pegamos todo o que pudemos carregar e fomos procurar um local para dormir e aguardar o dia seguinte. Eu queria poder voltar para estrada logo, mas Matheus e Noah precisavam dormir caso quisessem dirigir por mais um dia inteiro por todo o deserto.
Depois de mais alguns minutos procurando, encontramos uma pousada. Ela estava deserta, e tinha um ar acolhedor. Escolhermos os quartos, e por um único minuto nossas preocupações se resumiram a aproveitar ao máximo aquelas camas macias.
Quando o dia chegou, estávamos de pé junto com ele. Se Cristian e Paula estavam mesmo no lugar que Lya havia dito. Eles precisavam muito de nossa ajuda.
Todos, exceto Lya, San e eu. Vestiram a roupa colada e amarraram várias armas junto ao corpo.
– Como estou? – Noah perguntou para mim.
– Um verdadeiro mercenário. – murmurei em meio a um risinho.
Ele me envolveu com os braços e me puxou para mais perto, rendendo-me em um beijo.
– Vamos! – chamou Derik nos interrompendo.
Corei e os segui de volta para o carro.
Foram horas e horas sob o calor escaldante do deserto. Achei que nunca chegaríamos.
Durante todo o tempo tentei me comunicar com Paula, mas nada, nem mesmo um sussurro dela na minha cabeça. Será que estariam bem? Eu esperava que sim.
– Vamos encontrá-los. – prometeu Noah ao perceber meu olhar distante. – Eles estão bem. É bem provável que os mercenários queiram lucrar com eles, não há porque os matar.
Assenti, tentei jurar para mim mesma que ele estava certo. Foi então que me lembrei dos mercenários que a BIOTEC havia contratado. Se o lugar para onde estávamos indo era cheio deles, provavelmente, um ou alguns deles saberiam sobre nós.
Paula não respondia e, a minha angústia se tornava ainda maior.
Quando a noite chegou, nós paramos novamente para descansar. Era inviável dirigir durante toda a noite, além disso, havia um posto de vigilância do exército negro a alguns quilômetros à frente. Precisávamos arrumar algum jeito de passar por ele sem arrumarmos mais problemas.
Paramos sob os escombros de um velho prédio no meio do deserto. O pouco que havia sobrevivido de uma cidade inteira. Aquela noite não dormiríamos em camas macias.
Noah e Matheus pareciam cansados, certamente dirigir por horas a fio de baixo de um sol quente deveria ser horrível. Era difícil para mim, que provavelmente deveria ter uma tolerância maior ao calor do que eles.
– Eu fiz isso. – disse Lya ao entregar uma plaquinha de metal para mim e outra para San. – Se colocarmos isso em nossas nucas não poderão nos diferenciar dos demais clones. – explicou ao mostrar sua nuca. Estava exatamente como víamos nos clones. – Se passarem qualquer tipo de leitor vão nos identificar como propriedades do exército negro.
– Ótimo! – exclamei, enquanto ela me ajudava a colocar. Senti uma fisgada quando a placa se acoplou a minha pele.
Estendemos alguns tecidos no chão e nos deitamos para dormir. Derik, que havia dormido no carro, durante todo o percurso, ofereceu-se para ficar de vigia.
Deitada ao lado de Noah eu observava o céu, já estava bem escuro, mas a lua, ainda que cheia, mal podia ser vista pela quantidade de fumaça no céu. Pensei nos livros que havia lido, e nas passagens descrevendo as estrelas e me questionei se em algum momento elas puderam ser vistas dali, ou se mesmo existiam.
Aninhada ao peito de Noah, não tardei a adormecer.
No dia seguinte levantamos junto com o sol e prosseguimos a viagem. Depois de algumas análises de Lya decidimos rumar para o norte e contornar o bloqueio do exército. Ser um clone já era o bastante para chamar atenção, agora éramos três.
Essa pequena curva aumentou em algumas horas a nossa viagem. Já era quase o fim de mais um dia quando chegamos.
O lugar realmente era um vale, ficava bem em meio às montanhas. Um arrepio percorreu o meu corpo quando olhei para lá. Entendi na hora porque haviam dado aquele nome ao lugar.
– Bem-vindos ao vale do medo. – murmurou Noah.
33. Paula e Cristian
Descemos dos carros, meu coração batia a mil no peito. Queria sair correndo, procurando por eles, porém não podia fazer aquilo, precisávamos ser cautelosos para não chamar atenção demais.
Caminhamos em silêncio por entre as ruas estreitas. Noah ia à frente e Matheus ao seu lado, como se liderassem o restante do grupo.
Olhei atenta para o lugar ao meu redor, os casebres pareciam muito mais bem construídos do que em qualquer outra aldeia que já havíamos passado. Pareciam feitos de alvenaria e com bases sólidas. As pessoas nas ruas mal notaram a nossa presença. No entanto, havia um grupo de homens mal encarados que fumavam algo com o cheiro forte. Eles bloqueavam a passagem e nos abordaram assim que chegamos perto o bastante.
– Quem são vocês e o que fazem aqui? – perguntou um sujeito mal encarado. Ele tinha um rosto redondo, um corpo largo e forte. Sua barba escura era grande e com falhas, e tinha uma grande cicatriz que cortava toda a metade direita do seu rosto.
– Fiquei sabendo que existem mercadores de clones aqui, dos bons. – Noah começou a dizer a ele. – Pretendo aumentar minha coleção. – ele apontou para nós três que estávamos a poucos metros. Nesse momento soei frio.
– Certo. – disso o homem parecendo convencido. – Os leilões começam essa tarde. – dizendo isso ele nos deu passagem.
Voltamos a andar pela rua até chegarmos a uma pequena praça, onde dezenas de pessoas se amontoavam para ver um pequeno palco.
Em meio a tantas pessoas bem armadas havia um, dois, talvez dez rostos iguais ao meu. Perguntei-me quantos clones meus a BIOTEC deveria ter feito. Não era apenas o meu rosto que se repetia, mas eu também podia ver muitos Sans e Lyas por ali.
Algo gelado esbarrou em mim e eu me virei para trás a tempo de ver um clone de Ian me encarando. Ele parecia ser tão frio quanto os poderes dele.
– Nunca vi tantos de mim num mesmo lugar. – comentou San impressionado.
– Finja ser um deles ou vão nos descobrir. – murmurou Lya o reprendendo.
Olhei a nossa volta e vi muitas barracas, pareciam comercializar de tudo, desde comida a armas de última tecnologia usadas pelos soldados de um dos exércitos.
Alguém subiu no palco chamando a atenção de todos. Viramos-nos para ele. Era um homem que tinha por volta dos quarenta anos, alto e forte, careca e com uma barba grande.
– Vamos começar o leilão. – ele disse aos espectadores que vibraram.
Um homem trouxe ao palco uma robô. Seu corpo era todo de metal assim como a mão de Lya, mas com curvas e feições femininas. Ela estava presa a uma estrutura de metal e parecia desligada.
– Nosso primeiro item para leilão hoje é um robô modelo x-300 feito pela G3X antes da empresa ser destruída, e aprimorado por um dos clones da mutante Lya. É um item incrível e muito útil.
– Dou 15 dólares por ela. – gritou alguém da multidão.
– Dou dois galões de água!
– 5 litros de gasolina.
– Uma arma a laser.
Acabaram vendendo ela por duas armas e um galão de gasolina. Vieram muitas coisas depois, desde robôs, a potentes armas de fogo.
Vários homens subiram ao palco e eu não dei a mínima importância, mas quando um em específico apareceu, meu sangue gelou. Ele era baixo, mas forte, tinha um cabelo grande da altura dos ombros, olhos castanhos frios, no entanto, o que mais me fez tremer foi me recordar dele pelas lembranças que Paula havia transmitido para mim.
– É ele! – murmurei para os outros. – É um dos caras que pegaram a Paula e o Cristian.
Ele começou a falar e todos prestaram atenção.
– Hoje não trago para vocês simples clones. Mas dois muito mais poderosos do que qualquer um já viu, e também mais duráveis.
Dois outros homens subiram empurrando dois clones encapuzados. A expectativa da plateia era imensa, todos tinham os olhos fixos.
Com os braços bem amarrados e as cabeças tampadas com um saco preto era difícil saber o de quem foram feitos.
– Quais clones são? – perguntou alguém da plateia.
– Tirem o capuz! – gritou outro.
– Calma, calma! – disse o homem no palco. – Primeiro quero saber o que têm a me oferecer. O que acham de alguns lances?
– Pelo que eu não sei o que é não dou nem uma garrafa d'água. – riu alguém ao meu lado.
– Tudo bem. – assentiu o homem fazendo um sinal para que os outros dois tirassem o capuz dos clones.
Naquele momento soube porquê eram tão poderosos. Não eram clones.
Vi o cabelo cacheado de Paula ser solto no ar e ela olhar para os lados, assustada.
Estava prestes a gritar o nome dela, quando Lya me impediu.
– Chamar atenção para nós não é o melhor plano. – comentou em um sussurro.
Lya estava certa, precisávamos de um plano melhor.
Paula olhou para a multidão pareceu nos reconhecer.
“Estou tão feliz em vê-los aqui!” ela disse em minha cabeça.
“Como soube que éramos nós?" perguntei em pensamentos, surpresa.
“Clones não são feitos para pensar, e seus pensamentos são quase gritos."
“Precisamos tirá-los daí." Pensei ao observar os mercenários dando lances por eles.
“Lya está pensando em um jeito, mas o jeito com que ela pensa é rápido demais para eu conseguir acompanhar."
– São eles? – perguntou San a mim.
Balancei a cabeça positivamente.
– Como vamos tirá-los de lá? – perguntou.
– Ainda não sei.
Olhei para os dois no palco, pareciam mais tranquilos por saber que estávamos ali. No entanto, isso não diminuía a minha angústia, dezenas de mercenários os separavam de nós.
– Esses não são clones coisa nenhuma. – berrou alguém.
– É claro que são! – assegurou o negociante. – São um clone da telepata e outro do ilusionista.
– Não, não são. – disse um homem ao sair do meio da multidão e andar em direção aos clones. Ele era alto e forte e tinha o rosto coberto por um capuz. – Eles não têm código e são mais fortes porque não são clones.
– Então o que são? – esbravejou o homem que estava tentando vendê-los, certamente furioso por alguém estar tentando estragar o seu negócio.
– São os originais. Fugiram da BIOTEC, e ela está oferecendo uma fortuna em recursos por eles. – disse o sujeito misterioso.
Todos olharam pasmos. Por um tempo ficaram sem reação, assim como eu.
Depois de alguns segundos de completo silêncio o vendedor começou a cair na gargalhada.
– Você só pode estar brincando comigo. – disse ainda em meio a risos. – Acha que a BIOTEC seria idiota o suficiente para deixar a fortuna deles fugir assim?
O homem misterioso abriu sua mochila e tirou dela um pequeno cartaz e nele tinha o rosto da Paula e abaixo a logo da BIOTEC.
– Isso responde a sua pergunta?
– Acha que eles estão prontos para lutar ou correr? – San perguntou em um sussurro para mim. – Porque acho que vamos precisar.
– Eu não sei. – murmurei.
Vi Paula e Cristian se soltarem e saírem correndo, boa parte da multidão que assistia saiu atrás deles.
“Ainda estamos aqui.” Ela disse em minha mente. “Isso foi apenas uma ilusão do Cristian, ainda estamos presos. Infelizmente nossos raptores não são tão burros.”
– Ei! Voltem aqui seus idiotas! – berrou o ladrão de clones, mas ninguém deu ouvidos para ele. – Pelo visto vocês valem mais do que eu imaginava. – ele disse ao se virar para Cristian e Paula que voltaram a ser visíveis.
– É acho que vamos precisar lutar. – murmurou San.
Olhei para Noah e ele fez que sim com a cabeça, então sacou a arma e atirou no cara que segurava Paula, que caiu morto no chão sem saber de onde vinha o tiro.
O comerciante se preparou para atirar em nós, porém antes que pudesse fazer qualquer coisa Paula se soltou e o homem caiu de joelhos, segurando a cabeça com as mãos e gemendo de dor. San correu até lá e como um animal feroz arrancou a cabeça do cara que segurava o Cristian.
Outros homens começaram a surgir e atirar contra nós. Pelo visto Paula não era a única que tinha amigos por ali.
Quando nos reunimos ela reteve os tiros em pleno ar, impedindo que se chocassem contra nós.
– Demais! – exclamou Derik impressionado.
Cristian fez surgir diante de nós um enorme dragão, que fez com que os mercenários recuassem assustados.
– Isso é de mentiria, idiotas! – berrou o comerciante se recuperando da sessão de dor.
– Mas isso não. – Eu disse ao lançar uma rajada de fogo contra eles.
Um deles começou a gritar ao ser queimado vivo.
– Vamos voltar para os carros! – berrou Noah quando uma nova rajada de tiros foi lançada contra nós.
Começamos a correr na direção dos carros, Paula e Cristian nos seguiram. No meio do caminho fomos cercados por alguns que se tocaram que foram enganados por uma ilusão do Cristian.
– Parece que temos cinco originais aqui. – comentou uma mulher rindo de orelha a orelha. – imagina que fortuna não deve valer.
Lya abriu as asas e todos olharam perplexos, os outros clones dela não faziam isso. Ela começou a voar e apontaram suas armas para ela, mas suas asas de metal facilmente a protegeram dos tiros.
Seu voo distraiu aqueles que nos cercavam e foi à brecha que precisávamos para contra-atacar. Criei uma enorme parede de fogo nos separando dos mercenários que estavam atrás de nós e deixei todo o meu corpo em chamas.
San rosnou e partiu para cima da mulher a nossa frente. Yara sacou seu arco e atirou três flechas de uma única vez acertando três alvos diferentes. Aquilo foi incrível!
Um tiro foi disparado em minha direção. Era para ele ter atingido o meu braço, contudo, ao invés disso, ele passou direto e acertou a parede de uma das casas. Foi bom saber que a maior parte do meu corpo se tornava puro fogo.
Sorri e comecei a andar na direção dos caras que se assustaram com a minha postura ofensiva. Toquei a roupa de dois que começaram a pegar fogo, e em seguida começaram a correr desesperados.
Paula abriu caminho, jogando-os para o lado, com um simples abrir dos seus braços.
Finalmente conseguimos correr e chegar até os carros. Noah pegou um pano que estava na capota da caminhonete e jogou para mim e me enrolei nele quando voltei ao normal.
Noah acelerou para que pudéssemos sair o mais rápido possível daqui.
– Estão nos seguindo! – berrou Marcus ao avistar um carro e duas motos refletidos no retrovisor.
– Não desistiriam assim tão fácil. – murmurei.
– Droga, cara! – ouvi Derik esbravejar ao levar à mão a barriga e a ver se manchar de sangue.
– O que foi? – perguntou Noah sem tirar os olhos da direção.
– Atingiram ele, cara! – exclamou Fred.
Noah pegou sua mochila e jogou ela no meu colo.
– Procura o aparelho médico, ele deve estar ai em algum lugar.
Comecei a vasculhar a mochila dele, desesperada não encontrava nada. Virei todas as coisas no meu colo. Quase batia a cabeça no teto quando o chão próximo ao carro foi atingido nos fazendo pular.
– Não tem nada aqui! – disse quando percebi que não encontraria.
– Merda! Devem ter roubado na emboscada. – esbravejou Noah enraivado. – Segura firme, irmão! Vou dar um jeito de despistar esses caras.
– Estou segurando. – murmurou Derik em meio a um gemido de dor.
Fred pressionava o ferimento do amigo tentando reter o sangramento.
Olhei para fora a tempo de ver Yara disparar uma flecha que acertou no peito de um dos motoqueiros. Lya passou voando ao lado do carro e suas assas fora como lâminas partindo-o ao meio com extrema facilidade. O último motoqueiro ao ver o restante dos perseguidores todos mortos, virou a moto na direção contrária e correu para longe.
– Derik está morrendo, precisamos parar esse carro. – disse Fred, desesperado.
– Não podemos parar agora, ou vão nos matar! – berrou Marcus.
–Já tem alguém morrendo aqui!
Noah encontrou as ruínas de um prédio e parou o carro lá.
– Ficou maluco?! – berrou Matheus ao parar logo atrás de nós e descer as pressas do carro.
– Derik foi baleado. – murmurei para ele fazendo se arrepender de ter gritado.
Lya pousou há alguns metros, sem entender, aproximou-se de nós.
Fred tirou Derik do carro, carregando-o nos braços e o deitou no chão.
– Pode ajudar? – perguntei a Lya.
– Eu não sou uma médica, mas posso tentar. – ela disse ao se ajoelhar ao lado de Derik que mal conseguia manter os olhos abertos.
M.A.I. saiu das costas e caminhou com suas centenas de patas de metal até Derik. Um laser saiu dela e varreu o corpo quase sem vida.
– Desculpa, não tem nada que eu possa fazer. – disse ela de cabeça baixa, triste. – Ele já perdeu muito sangue e o laser da arma danificou alguns órgãos.
– Eu sinto muito, irmão. – sussurrou Noah ao se ajoelhar ao lado do amigo. – Queria um final melhor para nós.
– Pelo menos eu lutei até o fim. – murmurou Derik já sem força alguma.
Ele soltou seus últimos suspiros. Então Noah se curvou e fechou seus olhos.
34. Quase todos
Noah ficou alguns minutos encarando o corpo do amigo. Eu não sabia o que dizer, ninguém sabia.
Por fim, ele se levantou e começou a cavar uma cova, Marcus e Fred o ajudaram. O restante de nós ficou ao redor, assistindo-os se despedirem de um grande amigo.
Uma lágrima escorreu pelo meu rosto. As mortes aconteciam com frequência naquele lugar, contudo isso não tornava mais fácil a perda de um amigo. Eu iria sentir falta do Derik.
Depois de um tempo voltamos para os carros e caímos novamente na estrada. Não poderíamos nos dar ao luxo de ficar muito tempo ali, as chances dos mercenários virem atrás de nós eram altas. Não deixariam passar assim algo tão valioso.
Não dissemos uma única palavra durante as horas que se passaram. Noah mantinha seus olhos fixos na direção do carro, porém seus pensamentos pareciam estar mais distantes do que nunca. Por um momento, desejei ter os poderes da Paula e saber em que ele tanto pensava. Tentando me proteger ele já havia perdido demais, primeiro a família e agora um grande amigo.
O sol não tardou a deixar o céu. Estávamos cansados, com fome e frio, precisávamos parar e reabastecer nossas forças. Nem Matheus, menos ainda Noah, conseguiriam dirigir por toda a noite.
Viajamos durante um bom tempo à noite até encontrarmos a próxima cidade. Ela parecia deserta, assim como a maioria das outras pelas quais já havíamos passado. Pela janela do carro eu podia ver ruas com lojas quebradas, algumas paredes de construções haviam sido danificadas e outras tinham centenas de buracos de tiros. Seja lá o que tivesse acontecido ali, teria sido uma batalha sangrenta.
Noah parou o carro em frente a um prédio residencial comum. Não havia nada demais no local, porém me pareceu acolhedor. Descemos e andamos em silêncio em direção à portaria.
Paula e Cristian estavam ali conosco, mas não trocamos uma única palavra depois de fugirmos dos mercenários. Quem sabe depois de uma noite de sono teríamos uma oportunidade melhor para conversarmos.
Entramos no prédio e um rato saiu correndo assustado com a nossa presença. Pelo menos esse não era gigante com duas cabeças. O lugar estava escuro e tinha algumas rachaduras e buracos de balas, contudo não me pareceu que desmoronaria a qualquer momento.
Começamos a subir as escadas em busca de um local para dormir. As portas dos apartamentos haviam sido arrombadas e as coisas reviradas, nada muito fora do comum. No segundo andar havia quatro pequenos apartamentos, com sorte eles ainda teriam colchões e seria o bastante para passarmos a noite.
Dividimos-nos, ainda em silêncio, e fomos para os apartamentos. No que entrei havia brinquedos espalhados pelo chão e me perguntei como estaria a criança que um dia havia morado ali.
Noah caminhou comigo para um dos quartos, ainda de cabeça baixa, evitava me olhar nos olhos. Quando ficamos sozinhos, ele finalmente disse algo.
– Isso pode acontecer o tempo todo, com qualquer um de nós. Mas isso não torna a morte mais fácil.
– Eu sei. – disse ao abraçá-lo. – Eu sinto tanto por ter perdido tantas pessoas por minha causa.
– Isso não é sua culpa. – ele disse ao retribuir meu abraço. – Essa guerra não começou por sua causa, as pessoas não tiveram que abandonar suas casas por você.
Ficamos abraçados por alguns minutos até que ele se afastou e me fitou profundamente. Vê-lo triste me angustiava, e cada vez eu me importava mais e sofria mais junto.
Ele acariciou meu rosto e me beijou. Um beijo sofrido e carregado com as lágrimas que ele se recusava a deixar cair. Sua língua adentrou minha boca em um misto de urgência e desespero.
Deslizei minhas mãos pela sua nuca até enrolar meus dedos em seu cabelo curto e macio. O senti me envolver com seus braços novamente e me apertar com força contra o seu corpo.
– Eu amo você. – ele sussurrou ao pé do meu ouvido, logo em seguida voltando a me beijar.
Afastei-me um pouco dele para olhar em seus olhos castanhos. Acariciei seu rosto, deslizando meus dedos pela cicatriz até tocar a ponta dos seus lábios.
– Eu também amo você. – disse em resposta, fazendo-o abrir um breve sorriso, demonstrado o quanto queria ouvir aquilo.
Ele embrenhou as mãos em meus cabelos e puxou meu rosto de volta.
Suas mãos deslizaram pelo meu corpo até apertarem com força as minhas nádegas. Senti meu corpo começar a queimar e respirei fundo.
Ainda em meio a beijos cada vez mais urgentes comecei a tirar a camisa dele e a joguei longe. Deslizei minhas mãos pelo seu peito, sentindo cada curva que seus músculos faziam, e cada cicatriz que a guerra havia deixado nele. Elas estavam ali para nos mostrar, não apenas com lembranças, o quanto aquele mundo era perigoso.
Ele me puxou junto para cama e se deitou em cima de mim, acomodando-se entre as minhas pernas.
Senti o calor do desejo, que ele provocava em mim, arder em cada parte do meu corpo. Queria esquecer o mundo a minha volta e apenas estar com ele.
Ele começou a dar leves beijos e mordidas na minha orelha o que fez com que um arrepio varresse o meu corpo e eu me arrepiasse inteira. Enquanto beijava e mordia o meu pescoço deslizou suas mãos até a minha cintura e começou a tirar a minha blusa que eu mal acabara de vestir.
Com seu corpo deliciosamente acomodado sobre o meu, comecei a abrir sua calça. Minhas mãos tremiam de tamanha urgência.
Ele se desfez do meu sutiã e deu uma mordida no meu seio me fazendo soltar um gemido.
Rapidamente ele se desfez do restante das nossas roupas, fazendo nossos corpos se tocarem nus, aumentando ainda mais o a vontade quase incontrolável que o meu corpo sentia pelo dele.
– Não queria ir tão rápido, mas...
Cobri seus lábios com um beijo, impedindo-o de terminar a frase.
– Podemos ir devagar outro dia. – murmurei em seu ouvido. Eu sentia a urgência dele, o quanto sua cabeça estava a mil com o que havia acontecido. Ele precisava daquilo agora, não podia esperar.
Tamanha era à vontade dele que não precisei dizer mais nada. Ele acomodou seu corpo sobre o meu, e deslizou para dentro de mim, sem perder tempo ou mesmo pedir licença.
Com seus braços apoiados ao meu lado, ele começou a se mover com urgência, dando-me beijos aflitos, como se aquela fosse a última vez que ele fosse me ter. Não duvidava que depois de tudo que ele havia passado era exatamente assim que se sentia.
Não demorou muito para que eu o sentisse estremecer e começar a respirar ofegante. Ele deixou seu corpo cair sobre o meu e apoiou sua cabeça sobre meus seios, enquanto ainda tentava recuperar o fôlego.
Pouco depois ele se deitou ao meu lado e me puxou para seus braços. Dando-me beijinhos ele levou uma das mãos até o meio das minhas pernas e começou a me massagear. O toque íntimo dele fez meu corpo todo se arquear e eu cravar minhas unhas contra o seu braço. Respirei fundo para controlar meus poderes, e me deixei levar pela sensação deliciosa que foi me tomando conta de mim.
Não demorou muito para que todo o meu corpo ruísse em meio a puro êxtase. Aconcheguei-me nele com a respiração ofegante e todo o corpo bambo, felizmente eu estava deitada, pois não aguentaria o peso do meu próprio corpo.
Noah começou a fazer carinho em mim e não tardamos a pegar no sono.
Acordei com o sol entrando no quarto, ainda era bem cedo e Noah ainda dormia ao meu lado. Acariciei o rosto dele e seus olhos foram se abrindo lentamente.
– Bom dia! – ele murmurou ao sorrir para mim.
– Se sentindo melhor? – perguntei-lhe.
Ele balançou a cabeça positivamente.
– Vou sentir falta daquele cara. – murmurou.
– Derik era engraçado. Também vou sentir a falta dele.
Ele acariciou meu rosto.
– Torço para que um dia tudo isso acabe. – disse pensativo. Ele não era o único.
– Falta só um. – sussurrei ao me lembrar de que já havíamos encontrado Paula e Cristian.
Levantei-me às pressas, mal havia conversado com eles depois de tudo que aconteceu.
– Ei! Onde está indo? – Noah perguntou ao me segurar pelo braço.
– Ver como estão os outros. Depois de ontem nem mesmo nos falamos.
– Tudo bem. – ele se levantou. – Vou com você.
Quando saímos do quarto vi todos reunidos na pequena sala, pareciam ter encontrado coisas para um café da manhã. Cheio daquela sopa estranha e a barrinha verde, mas eram as coisas que mais se preservavam com o tempo. Não me lembrava de ter visto uma única árvore frutífera por ali, na verdade não havia visto nada verde fora a comida.
Paula olhou para mim e sorriu. Mal havia olhado para ela em meio a fuga por nossas vidas ontem. A garotinha sapeca de olhos pretos e grandes, agora era uma bela mulher que deveria ter uns 20 anos. Seus cabelos igualmente escuros, e com cachos bem definidos, estavam presos atrás da cabeça. A pele negra dela ainda brilhava mesmo com todo desgaste do deserto.
– Eu sinto muito pelo seu amigo. – ela disse a Noah.
– Obrigado. – Noah abriu um pequeno sorriso triste.
Olhei para Cristian sentado ao lado dela e aproximei-me dele.
– Eu nunca tive a oportunidade de te agradecer. – murmurei em meio a um sorriso.
Ele retribuiu o meu sorriso.
– Bem, nós precisávamos ser livres.
– Infelizmente ainda estamos longe disso. – comentou Lya. – Ainda precisamos nos livrar da BIOTEC.
– Estamos quase todos aqui. – comentou San. – só falta o Ian.
– Você o encontrou? – perguntei a Lya.
Ela balançou a cabeça negativamente.
– Ele parece estar se esforçando para se esconder muito bem. Não consigo identificar nada além dos clones dele, se ele estiver fingindo ser um deles está fazendo um ótimo trabalho e vai ser quase impossível encontrá-lo.
– E você, – perguntei a Paula. – Pode tentar? Já conseguiu falar comigo tantas vezes.
– Não! – Cristian disse quase num berro. – Ela não pode!
Paula segurou a mão dele e sorriu, tentando deixá-lo mais calmo.
– Você quase morre toda vez que faz isso. – ele murmurou quase em súplica. – Tentar encontrar alguém assim pode exigir demais dos poderes dela. – disse Cristian ao se voltar para mim.
– Podemos pensar em outra forma. – disse, já sem muitas opções.
– Eu posso tentar. – insistiu Paula. – Se eu ver que não aguento ir mais eu paro. – prometeu ao Cristian, mas nem isso o deixou mais seguro.
Paula ajeitou-se no sofá e fechou os olhos.
– O que ela está fazendo? – perguntou Marcus, observando curioso.
– Ela vai procurar nos pensamentos das pessoas alguma informação sobre o Ian, porém quanto mais longe às mentes estão dela mais difícil isso é. Se ela tentar ir longe demais isso pode matá-la. – explicou Cristian.
– Entendi. – disse Marcus engolindo seco.
Todos os olhares se voltaram na direção dela, ficamos vários minutos a observando de olhos fechados. Nenhum músculo sequer do corpo dela se mexia. Algum tempo depois, um filete de sangue começou a escorrer de seu nariz e Cristian a segurou pelos ombros.
– Paula, para! – ele berrou a balançando. – Para!
Ele a chacoalhava pelos ombros, esperando que ela abrisse os olhos, mas isso não aconteceu. Ela permaneceu de olhos fechados até cair mole nos braços dele.
– Paula! – gritei indo até ela.
– Ela ainda está viva. – disse San. – Só deve ter desmaiado, porque ainda posso ouvir o coração dela batendo.
Tentei respirar um pouco mais aliviada, mas Cristian ainda parecia desesperado.
– Ela sempre vai longe demais. – ele resmungou a pegando em seus braços e indo na direção do quarto.
Sem pedir eu o segui até lá.
Cristian a colocou com cuidado sobre a cama e sentou-se ao lado dela.
– Por causa dela eu nunca esqueci. – ele sussurrou baixinho ao perceber que eu estava ali. – Foi por causa dela que fugi.
– Não apagaram sua memória? – perguntei ao sentar-me ao lado dele.
– Eles tentaram, mas Paula impediu que conseguissem, hoje nem ela mesma sabe como. Porém sempre fomos muito ligados, e mesmo separados continuamos nos comunicando. – Ele deu uma breve pausa em busca de ar, no entanto, logo prosseguiu. – Passei anos pensando em um jeito de fugir, em um jeito de encontrá-la.
– Infelizmente continuamos fugindo. – lamentei triste.
– Vamos pará-los. – disse ele com mais esperanças do que certezas.
– Espero que sim. – comentei na mesma situação.
Não sei por quanto tempo havia a observado desmaiada na cama, provavelmente um dia inteiro, pois quando me dei conta vi que o sol já havia se posto. Sai do quarto e deixei Cristian com ela. Esperava que Paula não demorasse muito a acordar.
– Como ela está? – perguntou Noah quando me aproximei dele.
– Ainda desmaiada, mas espero que fique bem.
– Eu também. – comentou Noah.
Ele estava escorado na parede, olhando para fora através da janela, seus olhos pareciam bem focados em algo lá fora.
– O que foi? – perguntei ao olhar para fora também, procurando enxergar o que ele tanto encarava.
– Tem um grupo de mercenários há algumas quadras daqui. – comentou. – Espero que não nos encontrem.
– Se não fizermos barulho eles nem vão nos notar. – apostava naquilo.
– Provavelmente. – Noah se voltou para mim e sorriu.
– Onde estão os outros? – Perguntei ao notar que só Fred e Marcus estavam na sala.
– Lya foi tentar vasculhar mais uma vez os arquivos atrás do último de vocês. San e Yara foram com ela ver se eram úteis em algo.
– Espero que Lya possa encontrá-lo, pois não podemos deixar a Paula fazer isso de novo.
– Ela vai. – Garantiu. – Você só precisa ter um pouco de paciência.
Assenti e o abracei.
– Ela está acordando. – avisou Cristian do quarto.
Noah e eu corremos até lá.
Paula se mexeu na cama e lentamente foi abrindo os olhos.
– Oi. – ela murmurou, ainda com a voz fraca.
– Você prometeu para mim que iria parar quando visse que não conseguia mais. – Cristian disse com a cara fechada.
– Mas, eu estava quase lá. – Paula choramingou. – Não podia parar.
– Você poderia ter morrido. – murmurei a recriminando.
– É eu sei. – ela disse ao se sentir culpada por ter nos deixados tão preocupados. – Desculpa.
– Não precisava se ariscar tanto. Lya é um gênio, vai dar um jeito de encontrá-lo mais cedo ou mais tarde.
– Ela não precisa. – murmurou Paula ainda com a voz baixa.
– De jeito nenhum você vai fazer isso de novo. – Cristian se impôs. – Se for mais longe do que isso vai morrer.
– Também não preciso. – Ela abriu um leve sorriso, um pouco sem jeito pela falta de forças em seu corpo. – Eu já o encontrei.
35. Encontro inesperado
Esperei Paula se sentir um pouco melhor antes de ir chamar os outros. Quando cheguei a outro apartamento, Lya estava concentrada na televisão da sala, onde M.A.I. estava conectada. Ela via e revia centenas de imagens, vasculhando qualquer pista que pudesse nos levar ao paradeiro de Ian.
– Paula o encontrou. – disse quando me aproximei o suficiente para que pudessem me ouvir.
Todos os olhares se voltaram para mim surpresos.
– Ela está bem? – perguntou San.
Fiz que sim com a cabeça.
– Está. Acordou há alguns minutos. Ainda está se recuperando, mas parece que vai ficar bem.
– Ela o encontrou? – Lya me encarou e repetiu o que eu havia dito em forma de pergunta.
– Ela disse que sim.
Lya se levantou às pressas e caminhou comigo até onde Paula estava. Os outros nos seguiram.
Paula já estava sentada na cama quando retornei, ela parecia já ter recobrado boa parte de suas forças.
– Oi. – Ela sorriu para nós.
– Como está se sentindo? – San perguntou a ela.
– Ainda não morri. – riu da própria piada e Cristian olhou para ela de cara feia. Ela o ignorou e se voltou para Lya. – Dê-me a sua mão, vou passar para você o que vi para que possa nos levar até lá.
Lya se aproximou relutante e estendeu a mão para Paula, que sorriu para ela tentando demonstrar que não havia nada a temer.
– Não vai doer. – Paula murmurou a segurar a mão dela.
As duas fecharam os olhos e por alguns minutos não disseram nada, nem mesmo moveram um músculo sequer. Ao redor, apenas assistíamos aquilo, sem saber o que realmente estava acontecendo.
Depois um tempo, Lya abriu os olhos e sorriu.
– Já sei onde procurar.
Paula retribuiu ao sorriso.
– Faça sua mágica agora.
Sem perder tempo Lya saiu do quarto e voltou para onde estava M.A.I. e a televisão. Sentou-se lá e o robô se acoplou as costas dela, como se fossem um só, começaram a processar as imagens que Paula havia lhe passado.
Ao redor, aguardávamos ansiosos. Não havia mais nada a se fazer do que isso, apenas esperar.
Observava Lya imóvel, como se aquele computador, robô, ou sei lá, fosse parte dela, ou ela parte dele. Estavam em perfeita harmonia, assim como quando ela voava.
Algum tempo depois, Lya finalmente abriu os olhos. Por um momento, eles ainda estavam sem foco, distantes, mas logo foram voltando para a realidade.
– Ele está há três dias daqui. – disse Lya por fim, quebrando o silêncio angustiante que se estabelecera durante o tempo que permaneceu imóvel. – Está junto a um grupo de mercenários se fazendo passar por um clone, por isso era tão difícil encontrá-lo.
– Ótimo! – abri um largo sorriso. – Já sabe para onde precisamos ir?
Lya fez que sim com a cabeça.
– Partiremos amanhã cedo. – anunciou Matheus ao ver que a noite já havia chegado há algum tempo. Ninguém se opôs, o deserto certamente não era o melhor local para ser explorado durante a noite.
– Só falta um. – murmurei para Noah quando ele se deitou ao meu lado.
– Estamos quase lá. – sorriu ao acariciar meu rosto. – Quando isso acabar você estará livre.
– Espero que sim. Só não quero ter mais que fugir deles, ou ver morrer as pessoas com as quais eu me importo.
Ele puxou meu rosto para mais perto, então me beijou. Por alguns momentos me deixei levar pelo calor da pele dele, do seu toque.
– Depois que tudo isso passar vamos ter uma família. – disse sonhador, ao me envolver em seus braços.
Logo dormimos. Precisávamos estar prontos pela manhã para mais uma longa jornada. Esperava que fosse a última até finalmente enfrentarmos a BIOTEC.
A manhã seguinte não tardou a chegar. Percebi que era hora de me colocar de pé quando Noah me acordou com beijinhos.
– Bom dia! – ele estava com um lindo sorriso nos lábios, esperando-me abrir os olhos.
Dei um selinho nele e então levantei.
– Os outros já estão de pé? – perguntei.
– Não sei. Ainda não fui até lá.
– Então vamos? – estendi a mão para ele, que não relutou ao segurá-la.
Chegamos à sala e apenas San e Yara estavam lá. Ele olhava para frente parecendo estar em outro mundo e ela fazia algumas flechas.
– Prontos para ir? – perguntei atraindo a atenção deles.
– Estamos. – disse San ao sacudir a cabeça e olhar em minha direção.
Alguns minutos depois Cristian e Paula apareceram. Ela já parecia irradiar saúde novamente e Cristian estava menos preocupado.
Assim que, todos nos reunimos, comemos algo, juntamos tudo de útil no local e fomos para os carros. Logo estávamos de volta ao deserto, seguindo as orientações de Lya.
Deixamos para trás mais uma cidade, mais um lugar em ruínas destruído pela guerra.
Pensei em como seria se eu tivesse vivido no tempo em que a avó de Noah viveu, se eu fosse uma humana normal como ela. Eu teria sido mais feliz? Bem, essa era uma pergunta para a qual eu nunca teria uma resposta. Precisava pensar no presente, no agora, na minha liberdade. Mesmo tendo sido feita em um laboratório, eu não era assim tão diferente dos demais humanos.
Ao longe vimos alguns carros. Eles não pareciam fazer bloqueio ou esperar por nós, apenas vinham em nossa direção. Torci para que fossem apenas mais alguns nômades procurando por recursos. No entanto, pelo porte dos carros deveriam ser bem mais do que isso.
Quando vimos a logo da BIOTEC estampada na lateral dos carros já era tarde demais para darmos meia volta sem sermos notados. O jeito era torcer para que fossemos confundidos com clones.
Os dois carros pretos e grandes pararam ao nosso lado. Eles tinham vidros escuros o que nos impossibilitava de ver quem ou o que estava lá dentro.
O vidro do motorista abaixou e eu pude ver um cara lá dentro, dirigindo. Ele tinha o rosto coberto por uma máscara, que era um misto de máscara de oxigênio e capacete.
– Identifiquem-se. – ele disse a Noah, a máscara causava uma distorção estranha em sua voz.
– Somos apenas mercenários e alguns clones. – Disse Noah com a voz firme tentando tornar verdadeira a sua mentira.
O soldado da BIOTEC estava prestes a ligar o carro e seguir sua viagem, quando a pessoa que estava sentada ao seu lado tirou a máscara. Eu tomei um grande susto com o que vi, não esperava vê-la de novo, muito menos trabalhando para a BIOTEC.
– Clones coisa nenhuma! – Tânia quase berrou.
Noah cerrou os dentes, enfurecido. Eu estava chocada demais para dizer qualquer coisa.
– Essa aí é a mutante do fogo que estão procurando. – Tânia continuou. – Eu tenho certeza, pois a última vez que vi esse cara, ele estava com ela.
– Tânia, o que diabos está fazendo? – rosnou Noah para ela.
–Sobrevivendo, meu querido. – ela disse em meio a um sorriso sombrio.
– Desçam todos do carro e com as mãos para cima. – ordenou o sujeito, que estava com ela, ao sacar uma enorme arma a laser. – Foram acusados de estarem com propriedades da BIOTEC.
Eu não era propriedade de ninguém! Quis gritar, mas aquilo seria idiotice, só daria aos demais soldados da BIOTEC, veracidade às acusações de Tânia.
“O que está acontecendo?” Paula perguntou em minha mente. Ela e Cristian estavam no carro atrás de nós, juntamente com Lya, Matheus e Marcus.
“Ela costumava ser uma amiga do Noah, agora está trabalhando para a BIOTEC e sabe quem eu sou. Apenas desçam dos carros. vamos pensar em algum jeito de sair dessa.”
“Tudo bem, vou dizer aos outros.” Paula assentiu nos meus pensamentos. Ainda era estranho ter alguém falando na minha cabeça fora eu mesma.
Descemos do carro, assim como nos foi ordenado. Os soldados da BIOTEC rapidamente nos cercaram, com armas apontadas para nós.
– Droga, pegos sem nem mesmo achar o Ian. – Resmungou San ao meu lado.
– Posso apostar que esses aí são os outros. – disse Tânia atrás de mim.
– Acho que hoje é meu dia de sorte. – murmurou o cara com ela. – Prevejo uma promoção, ao levar para o chefe cinco dos Gênesis de uma única vez.
– Eu disse que dava sorte. – Tânia gargalhou.
– Agora você vai voltar para a cela de onde nunca deveria ter saído. – ela sussurrou no meu ouvido. – Você só trouxe dor para todos nós.
– Se eu não amo você a culpa não é dela. – Rosnou Noah ao meu lado.
– Cala a boca! – ela gritou com ele. – Sempre se achou dono da razão, mas não sabe de nada.
– Acho que temos mais problemas aqui do que só a BIOTEC. – murmurou San.
– Essa daí nunca se conformou. – disse Marcus.
– Fiquem quietos todos vocês! – ordenou Tânia ficando irritada.
Paula me olhou com o canto do olho e debochou dela. “Tá, já chega dessa histérica”. Paula virou-se e ergueu os braços para cima, fazendo com que todos que apontavam as armas em nossa direção mirassem o céu.
O homem com Tânia tentou vir em nossa direção, mas uma cobra surgiu na frente dele, fazendo-o recuar assustado. Grande homem! Segurei o riso. Aquela cobra não deveria passar de uma ilusão de Cristian.
Yara sacou o arco e de três em três derrubou os homens que nos cercavam.
Tânia olhou ao redor e viu que os homens da BIOTEC foram facilmente abatidos.
– Bem, somos apenas eu e você agora. – ela disse para mim.
– Você e ela coisa nenhuma! – Noah rosnou para ela.
Coloquei a mão sobre o peito dele o fazendo recuar.
– Estou ouvindo. – murmurei para ela.
– O que acha de uma luta justa? – ela perguntou para mim.
– Você precisa de um motivo melhor para não te matarmos agora. – Noah estava enfurecido.
– Eu e você, sem seus poderes. Se vencer eu nunca mais incomodo vocês. – ela insistiu.
– Tudo bem. – concordei dado um passo a frente.
– Marjore! – Noah segurou o meu braço. – Você não precisa fazer isso.
– Eu sei. – sorri para ele. – Mas eu quero!
Tânia me encarou.
Andei na direção dela e a fitei profundamente.
– Vamos acabar com isso. – sussurrei.
“Ela não tem a intenção de ser justa.” Alertou Paula.
“Imaginei isso.” disse sem relutar.
Tânia ficou me encarando analisando meus movimentos, esperando que eu desse o primeiro passo. No entanto, não o fiz apenas a encarei de volta, esperando que se cansasse e me atacasse. E foi exatamente o que aconteceu, minutos depois ela voou para cima de mim e me esquivei com facilidade. Tânia me pareceu mais fraca do que Noah, contudo parecia mais ágil, porque logo que me esquivei do primeiro ataque, sem que eu me desse conta. Ela acertou em cheio um chute nas minhas costas e me fez voar de cara na areia.
Levantei-me às pressas tirando a areia do rosto, e a encarei preparada para o próximo ataque. Dessa vez quando ela veio eu estava preparada. Assim que, desviei do seu golpe bati com o cotovelo nas costas dela, fazendo-a ir de encontro com o chão.
Ela se levantou e me olhou com fúria, limpando o pequeno filete de sangue que havia escorrido na lateral de sua boca.
– Você não vai ficar com ele abominação. – ela rosnou ao vir em minha direção.
Desviei-me dela, contudo Tânia parecia preparada para aquilo.
“Cuidado!” Paula tentou me alertar, mas já era tarde demais.
Senti uma fincada, e quando olhei para meu corpo vi que havia uma faca cravada em mim.
Empurrei-a com força, fazendo-a ser arremessada contra o chão e bater a cabeça contra uma pedra. Vi um filete de sangue escorre da cabeça dela e manchar a areia, seu olhos estavam arregalados e sem vida. Eu não queria tê-la matado, mas não poderia dizer que ela não queria me matar.
Levei a mão até a faca e senti meu sangue esfriar, fazendo com que eu sentisse a dor do golpe. Tudo ao meu redor começou a girar e senti meu corpo ceder. Felizmente Noah me aparou em seus braços antes que eu fosse ao chão, enquanto tudo ao meu redor ficava escuro.
Quando abri meus olhos, vi que estávamos sob as ruínas de um prédio, o sol ainda estava alto no céu isso me fez concluir que ou havia passado um dia ou mais desmaiada, ou pouco tempo.
– Que bom que você acordou. – Noah abriu um largo sorriso.
Ele estava sentado ao meu lado e zelava por mim.
– Ela poderia ter matado você. – ele me repreendeu.
– É. – concordei. – Mas fui eu quem acabou a matando. – disse triste.
– Você acordou. – Lya sorriu ao se aproximar de mim.
– Por quanto tempo fiquei desmaiada?
– Pouco mais de uma hora. – disse tentando me tranquilizar. – A faca ficou entre as suas costelas e não atingiu nenhum órgão, um pouco mais para cima teria sido fatal. Felizmente ela errou.
Olhei para o lugar onde a faca havia sido cravada, mas não vi nada lá, nem um corte ou mesmo cicatriz.
– Encontramos equipamentos médicos nos carros da BIOTEC. Além de outras coisas que vão ser muito úteis na nossa jornada. – explicou Lya. – Está tudo bem com você e com o bebê também.
– Bebê?! – Noah e eu perguntamos juntos, em um misto de incredulidade e surpresa.
– Sim. – ela confirmou. – Segundo meu scanner você está grávida.
36. Ian
Noah ficou me encarando por alguns minutos, chocado, sem fala. Até me abraçar e começar a me encher de beijos.
– Você sabia? – perguntou para mim ainda incrédulo.
Balancei a cabeça negativamente.
– Nem sabia que era possível.
– Que legal! – exclamou San.
– Nem tanto se consideramos a batalha que ainda temos que enfrentar. – disse Lya pensativa.
– Acho que podemos voltar para estrada agora. – falei ao me colocar de pé. Eu me sentia ótima, como se fizesse anos que havia sido esfaqueada. Realmente aqueles equipamentos médicos eram muito bons.
Sentei-me no carro, ainda confusa. Noah assumiu o volante e retornamos para nossa viagem em busca de Ian. Eu não disse uma palavra desde então, fiquei encarando lá fora e a mim mesma durante vários minutos. Nunca havia pensado naquela possibilidade, nem mesmo a julgava possível. Lya estava certa, não era o melhor momento, contudo eu me sentia estranhamente feliz com a notícia.
Olhei para Noah que exibia um largo sorriso, enquanto prestava atenção na direção do carro. Ele estava feliz como há muito tempo eu não o via. Talvez fosse aquela a boa notícia que ele precisava depois de tudo.
Por um momento, tive mais vontade do que nunca de me ver livre da BIOTEC para sempre.
No fim da tarde, paramos para comer algo e reabastecer o carro. Continuaríamos a viagem quando o sol nascesse novamente.
Noah estava sendo mais cuidadoso comigo do que o normal, e isso me causou certa estranheza.
– Ei! Eu estou bem. – garanti a ele.
– Eu sei me desculpa. – abriu um sorriso sem jeito, um tanto envergonhado. – Eu estou tão feliz e tão confuso ao mesmo tempo.
– Eu também. – tentei sorri. – Eu sou uma mutante, nunca soube o que era ou não verdade para mim em relação aos outros humanos.
– Bem, pelo visto fora seus poderes você é como qualquer outra mulher humana.
Ri sem graça. Não sabia se isso era bom ou ruim.
– Como está se sentindo? – Perguntou Paula ao se aproximar de mim.
– Eu estou bem. – disse em meio a risos. – Fora a confusão o meu corpo está ótimo.
– Isso é ótimo!
– Ainda posso lutar não se preocupe. – garanti a ela.
– Eu sei. – pegou a minha mão olhado para mim. – Agora mais do que nunca não podemos deixar que a BIOTEC nos pegue.
– Eles não vão. – nunca disse aquilo tão confiante.
Paula me abraçou com carinho, retribui ao abraço dela com a mesma intensidade.
– Eles não vão nos separar de novo. – prometeu.
–Não, não vão.
Lya se aproximou de nós e juntou-se ao abraço. Ficamos assim por alguns minutos, depois nos separamos e fomos dormir. Mal víamos a hora de encontrar Ian e estarmos todos juntos novamente.
Mal o sol nasceu, e já estávamos todos de pé. Faltavam mais algumas horas de viagem até chegarmos ao local indicado por Lya. Esperava que não encontrássemos mais nenhum perigo pelo caminho. Durante o tempo em que fiquei no carro, observava areia e mais areia ficando para trás, e outro monte dela mais a frete.
Passamos por umas duas ou três cidades destruídas, e outro monte de escombros. No fundo chegava a ser triste ver tamanha destruição, por mais que eu já estivesse de certa forma acostumada com ela.
Já era quase noite novamente quando nos aproximamos de outra cidade. Ela estava aparentemente melhor do que muitas que já havíamos visto. Talvez fosse por estar isolada, não sabia dizer ao certo. Quando entramos na primeira rua o que vi foi de gelar-me o sangue. Jogados ao chão, aos montes, estavam corpos em estado avançado de decomposição ou apenas os ossos, nem fediam mais, sinal que já estavam mortos há muito tempo.
– O que aconteceu aqui? – não consegui conter minha pergunta.
– Arma biológica provavelmente. – respondeu Noah também encarando o lado de fora do carro.
Havia corpos de todos os tamanhos, provavelmente também de todas as idades. Seja lá o que aconteceu por ali, não poupou nem mesmo os mais jovens.
– Será que o que os matou ainda está por aí? – Perguntou San, chocado.
– Se foi um vírus. Espero que todos nós já tenhamos desenvolvido resistência a ele. – balbuciou Marcus.
– É frio aqui. – murmurou Yara esfregando as mãos contra os braços tentando se aquecer.
– Talvez seja apenas a noite do deserto chegando. A areia fica muito fria de madrugada. – comentei.
– Não tão frio quanto isso. – Yara disse tremendo.
San passou os braços ao redor do corpo dela tentando ajudar com o frio.
Yara estava certa, realmente estava começando a esfriar, e esfriar muito. Talvez fosse aquele lugar, não tinha certeza.
Quanto mais adentrávamos a cidade, mais frio fazia e mais corpos nós víamos empilhados pelas ruas. Não fazia ideia do que Ian estava fazendo em um local como aquele.
Chegamos a um lugar mais frio do que o restante. Talvez aquele lugar disseminasse todo o frio pela cidade.
Matheus se aproximou de um pequeno estacionamento e lá parou o carro. Noah o seguiu fazendo o mesmo.
Saímos dos carros e nos reunimos.
– Segundo os meus cálculos ele está lá. – Lya apontou para um prédio aparentemente intacto no fim da rua. Era de lá que vinha todo o frio.
Por mais baixa que chegasse a temperatura do deserto a noite, não era nem perto daquilo. Não estávamos preparados para lidar com aquela temperatura.
Afastei um pouco minhas mãos do corpo e deixei que elas se incendiassem. Esperava que meu calor esquentasse aqueles a minha volta.
– Obrigada! – Yara sorriu para mim.
– Por nada.
– Parece que o cara do gelo recriou sua própria antártica aqui. – resmungou Marcus.
Caminhamos alguns metros até a entrada do prédio. Havia um homem mal encarado parado junto a portal. Ele era alto e corpulento, tinha a cabeça raspada e usava óculos escuros que me impedia de ver seu rosto. Por um momento, senti como se ele me encarasse de cima abaixo, mas não impediu a nossa entrada.
Assim que adentramos ao prédio, comecei a ouvir uma música alta, senti também um cheiro estranho. Caminhamos por um corredor estreito e escuro até sair em um grande espaço onde havia luzes piscando e pessoas se balançando ao ritmo da música. Em umas mesas na lateral havia vários clones do Ian preparando bebidas, e também clones meus colocando fogo em alguns drinks.
– Esse soube se divertir. – comentou Fred. – Aposto que Derik iria adorar esse lugar.
Havia alguns clones de Paula e Lya dançando sobre alguns balcões, onde vários mercenários estavam sentados para assistir ao pequeno show. Deveria ter umas duzentas pessoas ali, bebendo e se divertindo.
– Não acredito que estão me usando para isso. – Resmungou Lya sentindo-se ofendida ao ver aquilo.
– Seus clones costumam ser mercadoria. – Lembrou Marcus.
Em um balcão um clone de Paula dançava de maneira sensual, enquanto esferas giravam ao redor dela e recolhiam dinheiro e pedras dos mercenários que assistiam, provavelmente com a telecinese.
– Isso parece legal. – murmurou Cristian.
– Não me faça me sentir ainda mais ofendida. – resmungou Paula de cara fechada.
Uma mulher se aproximou de Noah e fez um sinal para que ele fosse até ela. Não gostei nem um pouco de assistir aquilo.
– O que aconteceu com o seu clone, querido? – outra perguntou a Matheus ao observar a mão de Lya.
– Um pequeno ancidente. – ele comentou sem querer estender o assunto.
Vi Lya encarar a mercenária de cima abaixo, mas tentando manter sua pose de clone.
– Por que não comprou outra? – insistiu a mulher.
– Essa é especial. – Matheus colocou os braços ao redor de Lya.
– Cada gosto estranho. – resmungou a mulher ao caminhar para longe.
– Como vamos saber qual desse é o verdadeiro Ian? – comentei ao relembrar a todos o motivo pelo qual estávamos ali, pois Marcus e Fred não escondiam nem um pouco estarem gostando do show.
Olhei ao meu redor, deveria ter no mínimo uns 20 clones dele ali.
– Clones não pensam. – disse Paula, fechando os olhos. – É aquele ali! – ela apontou para um cara preparando um drink para uma garota.
– Tem certeza?
Paula fez que sim.
– Posso garantir.
– Consegue falar com ele?
– Sim.
Sentamos-nos em uma mesa e Paula olhou diretamente para ele.
Fiquei observando eles sem saber o que estava acontecendo. Paula não disse nada por vários minutos. Isso estava deixando a todos angustiados.
– Ele não parece tão feliz assim em nos ver. – Paula olhou para nós, finalmente dizendo algo. – Não quer nem mesmo conversar conosco.
– Sério? – perguntei chocada, não estava esperando por essa reação dele. Nós estávamos tão loucos para nos reencontrar.
Paula balançou a cabeça positivamente, com os olhos tristes.
– Ele não vai a lugar nenhum.
– Tem certeza? – insisti.
– Tenho.
– Talvez eu possa ir até lá, conversar com ele. – disse ao me levantar.
Noah pensou em me impedir, mas antes de conseguir me segurar eu já estava longe, andando em direção ao Ian.
Puxei a cadeira do balcão e me sentei em frete a ele. Encarei o cara alto, com alguns músculos e uma pele extremamente branca que chegava a mostrar suas veias, o cabelo e a barba tinham um tom loiro quase branco, olhos azuis quase transparentes. Albino, acho que era isso que ele era.
O encarei por alguns minutos e ele simplesmente me ignorou, como se eu nem mesmo estivesse ali.
– Ian... – murmurei por fim, tentando quebrar o silêncio, mas ele continuou me ignorando prestando atenção no drink que preparava.
Juro que esperava uma recepção mais calorosa do que aquela, ainda que os poderes dele fossem frios.
– Paula já não disse a vocês? – ele murmurou depois de muito silêncio. – Não sei o que estão fazendo aqui, mas estão perdendo o tempo de vocês, pois eu não vou a lugar nenhum.
– Mas, nós precisamos de você. – choraminguei.
Ele riu.
–Sinceramente acha que tem alguma chance contra a BIOTEC? – disse ao me encarar.
– Não sabia que clones flertavam. – murmurou uma mulher bêbada ao meu lado que simplesmente a ignoramos.
– Eles têm centenas, talvez milhares de cópias nossas. Seriamos facilmente esmagados, ou pior seriamos trancafiados em celas novamente feitos ratos de laboratório. – ele me fitou profundamente. – Pode esquecer, Marjore!
– E vai fazer o que? Ficar fugindo deles se passando por clone para sempre.
– Alguma ideia melhor?
– É a melhor chance de sermos livres.
– Certo. Vocês podem ir e fazer o que acharem melhor. – disse em um tom de deboche. – Mas eu vou ficar bem aqui.
– Sozinho?
– Não se preocupe já me senti mais sozinho do que isso. – Disse mais frio do que os poderes dele. – Não somos família, Marjore. Somos apenas armas criadas por uma empresa para destruir ainda mais o mundo. Eu nem mesmo me lembraria de você se não fosse pelas memórias que Paula acabou de me devolver. Agradeço ao Cristian por ter me libertado, mas é só isso.
Ele voltou a prestar atenção em sua bebida e eu fiquei em silêncio, sem saber o que dizer.
– Se não querem chamar atenção sugiro irem embora. – disse praticamente nos expulsando dali.
Levantei-me e caminhei na direção dos outros. Percebi que discutir com Ian seria uma completa perda de tempo. Ele já havia tomado sua decisão e não seria eu quem o faria mudar de ideia, infelizmente não tinha esse poder. Não estava preparada para uma recusa, porém estava começando a aceitá-la, não podia obrigar ninguém a ir comigo, principalmente para algo que parecia mais perto de um suicídio do que da real liberdade.
– Vamos embora. – disse ao me aproximar dos outros.
– O que ele disse? – indagou San, ansioso.
– Ele não vai. – respondi triste. – Somos apenas nós cinco.
– Talvez eu possa tentar. – San se ofereceu.
– Vai ser inútil. – disse Lya ao se levantar. – Vamos, só quero ir embora daqui.
37. Recusa
Saímos do lugar em completo silêncio. Ninguém se atreveu a dizer nada, estávamos tão chateados. Claro que eu conseguia enxergar a possibilidade de que algum de nós dissesse não, a final eu estava pedindo para que enfrentassem a BIOTEC, a empresa que nos criou e nos fez prisioneiros por toda a nossa vida. Ainda assim, achava que precisávamos encará-los, agora mais do que nunca, sentia a necessidade de não ter mais que fugir.
Já era noite quando chegamos perto de onde estávam os carros. Não poderíamos simplesmente voltar para o deserto naquele horário, o mais seguro era procurar por um lugar onde pudéssemos passar a noite. Entramos no primeiro prédio que julgamos ter uma distância segura do lugar onde os mercenários se acumulavam. Estava escuro e Lya acendeu a luz em sua mão mecânica que funcionava como uma lanterna. Ergui um dos braços e o deixei em chamas ajudando, também, a iluminar o caminho. Yara olhou para nós e sorriu agradecida, toda aquela escuridão parecia assustá-la.
Os corpos se acumulavam também no interior do local. Senti-me horrível ao olhar para aquilo, minha mão iluminou um canto e vi o corpo de uma garotinha caído lá, a guerra não poupava nem mesmo as pobres crianças.
Chegamos a um andar onde não havia corpos, provavelmente quem esteve ali antes de nós havia feito uma limpa no local. Agradeci mentalmente, por isso, não acreditava que teria uma noite tranquila caso encontrasse um corpo sobre a cama.
Nós nos dividimos pelos três apartamentos vagos, a fim de descansarmos um pouco. Ninguém nem mesmo ousou quebrar o terrível silêncio que se estabelecera. Esperava que amanhã fosse um novo dia e pudéssemos reconsiderar melhor nossas opções, já que Ian não estaria conosco.
Noah entrou comigo e fechou a porta trás de nós.
– Vamos ficar bem sem ele. – disse tentando me animar.
– Não podemos vencer sem ele. – falei, finalmente me entregando a tristeza e a frustração. – Se é que um dia tivemos chance.
– Sim, nós podemos. – não estava nem de perto tão certa daquilo como ele parecia estar. – Nós precisamos, agora mais do que nunca. – disse ao me puxar para seus braços.
Ele acariciou minha barriga e beijou meu pescoço. Meu corpo todo se estremeceu com aquele toque.
– Eu não quero que o nosso bebê vire uma cobaia da BIOTEC, Marjore. – ele murmurou. – Mesmo depois de tudo que aconteceu essa é a melhor notícia que já recebi em toda a minha vida. Eu não vou simplesmente entregá-lo para eles, pode esquecer.
Eu não me lembrava de tê-lo visto tão feliz ou tão seguro de si.
Coloquei minhas mãos sobre as dele tentando sentir também. Ainda que tudo aquilo fosse novo e estranho para mim, a felicidade dele me contagiava. Ter algo crescendo dentro de mim nunca pareceu algo tão bom.
Noah me abraçou com carinho e ternura, transmitindo para mim todo amor que sentia. Acariciou gentilmente o meu rosto e então me beijou. Senti meu corpo quase gritar de alegria, como se aquilo fosse tudo o que eu precisava naquele momento.
Ele me puxou até a cama e acomodou seu corpo sobre o meu, ainda me beijando, porém dessa vez com mais desejo. Seus lábios deslizaram pelo meu pescoço até a minha barriga onde ele se demorou enchendo de beijos e caricias.
– Ah, Marjore, estou tão feliz. – quase gritou. – Eu te amo, amo muito!
– Também amo você. – disse em resposta, cada vez mais certa daquilo.
Deslizei as mãos até sua cintura e comecei a puxar a camiseta que vestia, ávida em tê-lo novamente. Noah abriu um sorriso, mas desta vez mais malicioso, nos lábios.
Joguei sua camisa para o lado e deslizei minhas mãos pelo seu corpo, acariciando as cicatrizes que agora já faziam tanto parte dele, arranquei dele um gemido leve de prazer.
Sem perder tempo, ele se livrou das minhas roupas e começou a beijar e mordiscar o meu pescoço, fazendo todo o meu corpo se arrepiar. Deixei escapar leves gemidos. Todo o meu corpo ardeu por ele.
Sem hesitar, ele abocanhou um dos meus seios e com a mão apertou o outro com vontade. Noah parecia se deliciar a cada mordida e por alguns minutos ele sugou com vontade e refez o contorno com a língua.
– É uma pena em breve ter que dividí-los. – disse ao apertar com suas mãos fortes os meus seios. – Mas já que é com nosso bebê eu não me importo.
Seus lábios deslizavam pelo meu corpo e eu arfava a cada toque. Ele deslizou até encaixar a cabeça entre as minhas pernas e apertou com força com força as minhas nádegas, fazendo meu corpo todo se arquear. Com suas mãos firmes ele puxou meu corpo para mais perto e lambeu-me. O gemido que soltei em seguida foi impossível de controlar, meu corpo tremia em meio a tanto desejo que ele despertava em mim.
– Gostoso? – ele perguntou em meio a um risinho de satisfação.
– Humrum! – sussurrei em meio a um gemido. Eu podia jurar que estava prestes a enlouquecer.
Meu sussurro foi o suficiente para que ele continuasse empolgado. A cada vez que ele passava a língua em mim, mais meu corpo estremecia. Agarrada ao colchão, meu corpo todo tremia, via uma fumaça subir do local onde minhas mãos pressionavam.
– Vire-se de costas. – Pediu ao se levantar e rapidamente livrar-se do restante de suas roupas.
Não hesitei em atender seu pedido e logo ele acomodou seu corpo deliciosamente sobre o meu. Abri as penas, levemente, quase por impulso, ávida para que ele continuasse. Então ele deslizou para dentro de mim finalmente unindo os nossos corpos. Arfei apertando com ainda mais força o colchão, provocando um leve chiado e uma fumaça ainda maior, desde que não botasse fogo em tudo estava bem.
Ele começou a se mover em cima de mim e por instinto empinei mais o bumbum, fazendo-o entrar mais fundo. O gemido de prazer que soltei logo em seguida foi abafado pelo beijo cheio de desejo que ele me deu.
Senti-o enrolar meu cabelo em uma de suas mãos e se mover mais intensamente, mas logo consegui acompanhar o seu ritmo. Eu me deliciava com sensação incrível e indescritível que me proporcionava.
Logo ele me levou ao clímax desixando todo meu corpo bambo e incapaz de suportar o próprio peso. Sentia-me tonta e maravilha ao mesmo tempo. Perguntei-me em quantas posições mais poderíamos fazer aquilo.
Em seguida ele segurou minhas nádegas e senti se esvaziar dentro de mim.
Visivelmente cansado ele deitou-se ao meu lado na cama e puxou-me para os seus braços, apoiando-me sob o seu peito, que subia e descia com rapidez devido a sua respiração ofegante.
Quando acordei na manhã seguinte o sol mal havia raiado. Noah também já estava acordado e acariciava com carinho o meu cabelo.
Sorri e ele me beijou suavemente.
– Precisamos levantar? – murmurei relutante.
– Ainda podemos ficar um pouco aqui se quiser. – sussurrou. – Não tenho a audição do San, mas posso chutar que ninguém está de pé ainda.
– Eu estou faminta. – confessei, precisava de algo para comer.
Noah riu.
– Agora está comendo por dois. Deve ter algo no carro. – disse ao levantar-se e vestir-se.
Levantei-me também e o segui. Com a luz do dia, era ainda mais horrível o que se via pelo caminho, engoli em seco, tentando não contar os corpos. Havia alguns amontoados nos andares inferiores, que deduzi virem do andar onde dormimos. Pegamos o suficiente para um café no carro e subimos novamente.
Marcus e Fred já estavam de pé e aguardavam na sala. Marcus levantou-se e caminhou até Noah.
– Bem, não tive tempo de dizer parabéns. – ele disse ao sorrir para Noah.
– Obrigado, cara. – Noah abraçou forte o amigo.
– Espero estar vivo para ver o bebê nascer. – comentou Fred.
Noah baixou a cabeça triste e senti que ele se lembrou de Derik. Marcus olhou feio para o amigo que se arrependeu do comentário inoportuno.
– Ele também estaria feliz se estivesse aqui. – Marcus disse a Noah, querendo reanimá-lo.
Eu estava tão faminta que fui logo preparando as coisas para comermos. Fiz a sopa com um pouco de água, era a coisa com o gosto melhor que havia ali, porém do jeito que eu estava, tudo me parecia bom.
Aos poucos os outros se levantaram e foram reunindo-se a nós.
Paula sentou-se ao meu lado e sorriu para mim.
Tínhamos uma cara melhor do que a da noite anterior, talvez mais conformados.
– Qual nosso próximo passo? – perguntei a Lya quando ela já havia parado de comer.
– Estudar nossas fraquezas. – disse em um tom neutro. Às vezes, sentia como se sua parte máquina se estendesse além de sua mão.
– Como assim? – perguntou San sem entender.
– Considerando que vamos enfrentar nós mesmos, o melhor jeito de enfrentar um número muito maior é estudando as nossas próprias fraquezas. – ainda olharam um pouco confusos para ela. Lya não estava sendo tão clara.
– Acho que entendi. – falou Paula, provavelmente tendo vasculhado a mente de Lya centenas de vezes antes. – O barulho alto me incomoda muito, eu não consigo me concentrar o suficiente e usar meus poderes.
– É isso. – concordou Lya. – Além disso, preciso descobrir como invadir e, talvez, plantar um vírus nos sistema deles, o que provavelmente irá nos ajudar a entrar.
– Eu já estive lá. – lembrei-me da última vez que fui parar na minha cela. – É bem mais protegido do que o lugar em que mantinham Cristian, Ian e eu.
– Eu sei. – concordou Lya. – Já tentei invadi-los uma vez, mas não obtive muito sucesso, não faço ideia de quantos clones meus trabalham lá dia e noite. Sei que lá é onde produzem os nossos clones e ficam os chefes da BIOTEC.
– Uma vez tive acesso ao computador do Felix, o cientista que nos criou, não sabia bem o que deveria procurar lá e acabei o perdendo. Mas sei que ele se matou quando viu no que a BIOTEC nos transformou.
– Eu me lembro dele. – comentou Paula de cabeça baixa, pareceu-me sentir falta dele.
– Ele era o meu pai. – comentou Cristian. – Quero dizer, parte do DNA dele compõe o meu.
Quando Cristian disse aquilo me fez reparar nele melhor, seus olhos castanhos e o formato do seu rosto me fez lembrar de Felix.
– Fomos feitos de vários genes distintos, por isso somos tão diferentes uns dos outros. – murmurou Lya com toda a sua ciência.
– Quando começamos? – Ouvi uma voz vinda da porta atrás de mim e me virei surpresa com o que vi.
Ian estava de pé escorado na porta, o ambiente todo acabou ficando mais frio com a presença dele. O encarei por alguns minutos, completamente chocada, não esperava vê-lo ali depois que havia sido tão certo de sua posição. – Bem, Paula me disse onde poderia encontrá-los caso mudasse de ideia, e mesmo que ainda pense que isso tudo uma grande idiotice, quero chutar a bunda de alguns cientistas por tudo que fizeram comigo e os anos que me mantiveram preso.
Paula sorriu como se esperasse um obrigado de todos.
Eu ainda fitava os olhos azuis, quase transparentes de Ian, sem palavras.
– Bem, não vão dizer nada? – perguntou depois de vários minutos do nosso silêncio.
– Que bom que você veio! – Paula quase gritou ao abraçá-lo.
– Menos, menos. – disse ao empurrá-la para longe. – Obrigado, cara! – Ian murmurou para Cristian que assentiu com a cabeça.
Abri um largo sorriso por finalmente estarmos todos jutos.
– Vocês realmente pretendem ficar por aqui? – Ian perguntou ao notar que a maioria de nós ainda estava sentada.
– Estou comendo, aceita? – San ofereceu a sopa para ele.
– Bem, caso não queiram um bando de mercenários atrás de nós quando notarem a minha falta, acho melhor darmos o fora daqui. – comentou Ian.
– Mercenários? – todos se levantaram às pressas. Acho que Ian disse a palavra mágica.
Sem mais demora descemos para os carros e voltamos para o deserto. Ainda sem rumo, procurávamos apenas um lugar seguro para nos prepararmos para a batalha de nossas vidas. Sabia que não seria nem mesmo perto de fácil enfrentar a BIOTEC.
Já era tarde novamente quando nos aproximamos dos escombros de outra cidade. Essa certamente havia sido destruída por uma bomba, pois foi difícil encontrar um único prédio de pé. Mas era melhor assim, quanto pior o estado da cidade, menos atenção ela chamaria e menos riscos corríamos de encontrar algum perigo.
38. Treinamento
Na manhã seguinte, Lya foi à primeira de nós a acordar, acredito que ela nem mesmo deva ter dormido. Passou a noite em frente a M.A.I., provavelmente analisando informações sobre a BIOTEC. Ela era a nossa melhor chance de entrar lá sem chamarmos muita atenção. O elemento surpresa certamente definiria a nossa vitória ou não.
Havia esperado muito por aquele momento, talvez até sonhado com aquilo, quando finalmente seriamos livres. No entanto, agora não sabia qual passo tomar. Contudo, de uma coisa eu tinha certeza, enfrentá-los como havia tentado fazer antes, sem um bom plano, de nada adiantaria.
Lya havia dito que precisávamos estudar nossas próprias fraquezas, pois de certo, nossos maiores inimigos, seriam nós mesmos. Nenhum soldado comum seria mais forte do que qualquer um de nossos clones.
Coloquei-me de pé e vi Noah e Marcus lutando um contra o outro, treinando, Matheus e Fred também se enfrentavam. Para humanos comuns, eles pareciam bem mais preparados do que eu.
–Pronta para começar? – perguntou San ao sentar-se do meu lado.
Balancei a cabeça positivamente.
Ele me estendeu a mão para que eu me levantasse.
Caminhei até o meio da rua, toda repartida devido ao impacto da bomba.
– Eu tive uma ideia. – disse Noah ao se aproximar de mim carregando um pequeno balde.
Ele colocou o balde no chão próximo ao meu pé. Quando olhei dentro vi algo que me lembrou da água, mas tinha uma aparência marrom e lamacenta.
– É o melhor que pude encontrar. – comentou.
– E o que vamos fazer com isso? – perguntei ao fitá-lo profundamente, sem entender aonde queria chegar com aquilo.
– Testar seus poderes. – disse ele, como se aquilo de alguma forma tivesse que fazer sentido para mim.
Continuei a encará-lo atônita.
– Coloque sua mão em chamas aí dentro. – disse por fim.
Concentrei-me fazendo minha mão pegar fogo, em seguida a enfiei dentro do balde, atendendo ao seu pedido. A água soltou algumas bolas e começou a ferver, então o balde derreteu e uma água lamacenta e fervendo escorreu para todos os lados.
Noah deu um passo para o lado a fim de não se queimar.
– Então, acho que não funcionou como esperava certo? – deduzi pela cara de frustração dele.
Noah balançou a cabeça negativamente.
– Não mesmo.
– Mas o que quer afinal? – perguntei.
– Uma maneira eficaz de parar seus clones. – disse pensativo. – Mas várias vezes já vi você derretendo até mesmo metal, não sei o que pode pará-la.
– Talvez não a água, mas o que acham de um pouco de lama? – perguntou Marcus ao apontar para a terra molhada.
– Pode funcionar. – Murmurei tão sem opções quanto Noah.
Enfiei minha mão na terra barrosa e a ergui tentando colocar fogo na própria lama, mas ela apenas secou-se, formando uma capa ao redor da minha mão.
– Parece que funciona. – disse sorrindo.
– Acho que a terra impede que ela entre em contato com o oxigênio e entre em combustão. – Observou Marcus. Não imaginei que ele fosse tão inteligente.
– Vamos precisar de um caminhão de lama, talvez vários caminhões, para barrar um exército de clones da Marjore. – comentou Fred.
– É não me parece uma coisa muito eficaz. – Comentou Noah, coçando a barba rala que crescia em seu queixo.
– Um aparelho para tirar oxigênio do ambiente. Penso que seria muito eficaz contra os clones da Marjore. – comentou uma voz estranha atrás de mim.
Eu me virei às pressas e dei de cara com um robô, com feições femininas e mais ou menos do meu tamanho.
– De onde isso surgiu? – perguntei surpresa.
– Eu a encontrei por aí. – comentou Lya ao se aproximar de mim. – Me pareceu útil, já que eu sou uma só. – ela quase soltou um risinho.
– Muito legal! – Disse Marcus empolgado, rodeando a robô. – A maioria deles foi destruída quando a guerra começou. Lembro-me de ter ouvido falar que uma das empresas de tecnologia estava desenvolvendo um androide quase humano, cara. Imagina só você flertando com uma gata e do nada descobre que a mina é uma máquina? Isso não ia ser nada legal.
– Enfim, acho que ela vai nos ser útil. – falou Lya o cortando.
– Eu posso desenvolver o aparelho. – disse a robô olhando para nós, como se nos estudasse.
– Claro! Vai ser ótimo. – sorri para ela. Não que um robô se importasse com a minha atitude gentil.
Ela saiu de perto de nós e entrou numa loja que me pareceu de equipamentos eletrônicos, mas duvidava que ainda restasse algo inteiro lá dentro.
– Se isso funcionar vai ser ótimo. – disse a Noah, empolgada.
– Mas tem um problema. – ele disse relutante. – Isso não vai parar apenas os seus clones, mas você também.
– Eu sei. – sorri para ele. – por isso, vai me tornar uma lutadora incrível.
– Marjore e o bebê? – murmurou receoso.
– Se me ensinar ele vai ficar ótimo. – garanti a ele.
– Tudo bem. – Noah assentiu não tão seguro assim. – Mas, por favor, proteja a sua barriga.
– Ah, Noah ele vai ficar bem. Já até levamos uma facada e tudo está okay.
Ele fechou a cara.
– Isso não é uma brincadeira, Marjore!
– Vamos lá. – disse o empurrando para trás.
– Tá bem. – ele finalmente se rendeu.
Fui para cima dele o mais ágil que pude. Porém, facilmente, Noah se esquivou e me imobilizou com uma chave de braço.
– Muito lenta e previsível. – sussurrou ao pé do meu ouvido.
Dei uma cotovelada no abdômen dele, fazendo-o cambalear para trás.
– Ai! – Noah deu uns passos para trás e colocou a mão sob o lugar em que eu havia o atingido.
– Amor? – fui até ele preocupada. – Está tudo bem com você?
Assim que, aproximei-me dele, Noah me surpreendeu com uma rasteira, fazendo-me cair de bunda no chão.
– Nunca, nunca deixe seu emocional fazê-la baixar a guarda. – alertou-me, e logo em seguida estendeu a mão para me ajudar a levantar.
Aproveitei a proximidade dele e com minhas pernas dei um giro no chão e acertei as penas dele, fazendo-o se estabilizar e também cair no chão.
– Acho que posso acrescentar a lista: nunca subestime seu adversário. – murmurei rindo e colocando-me de pé em um salto.
– Isso também. – concordou Noah ao sacudir a poeira de suas roupas.
Ele veio em minha direção, pronto para acertar um soco em mim. Contudo, consegui enxergar seu movimento e esquivar-me a tempo.
– Bom. – ele me elogiou. – Mas não o suficiente. – disse ao me atacar pelas costas, rápido demais para que pudesse prever. Seu golpe me atingiu em cheio, fazendo-me ir de encontro ao chão.
Por pouco não bati o rosto no asfalto rachado. Consegui que minhas mãos amortecessem o meu impacto.
– Isso é porque essa mulher está esperando um filho seu. – murmurou Marcus. – Imagine só se fosse um inimigo.
– Eu estou bem. – assegurei a Noah, antes que ele repensasse nosso treinamento por causa da minha gravidez.
– Você está grávida? – perguntou Ian, surpreso, ao ouvir nossa conversa.
Balancei a cabeça positivamente, sem me estender demais. Não julgava aquele um assunto importante, bem, não naquele momento.
– Então é, por isso que quer enfrentá-los? – tirou suas próprias conclusões.
– Descobri depois, mas é mais uma razão. – disse a ele.
– Mostre-me o que sabe fazer branquelo. – Fred deu um cutucão em Ian, dispersando a assunto sobre o bebê que eu esperava.
– Eu posso ser muito mortal. – ameaçou Ian transformando seus braços em grandes estacas de gelo.
Segurei uma das mãos dele com as minhas em chamas, de imediato o gelo que as envolvia começou a derreter.
– Sem seus poderes. – Sorri para ele, que me olhou nada contente.
– Acho que descobrimos como lidar com os clones do Ian. – Balbuciou Marcus.
Fred surpreendeu Ian, jogando-o no chão.
Ian levantou-se enfurecido e tentou atacar Fred, que se esquivou com facilidade.
– Lento. – murmurou Fred.
Ian tentou de novo.
– Muito lento. – Fred levou a mão à boca simulando um bocejo.
Ian cerrou os dentes, enfurecido. O chão todo começou a congelar, inclusive os pés de Fred. Corri, até ele às pressas e derreti o gelo dos pés dele.
– Calma Ian! – rosnei. – Todos somos amigos aqui. Guarde sua raiva para aqueles que nos aprisionaram.
– Tudo bem. – assentiu Ian, ainda furioso.
– Acho melhor eu ir treinar com outra pessoa. – resmungou Fred balançando os pés molhados e provavelmente doloridos.
Passei o restante da tarde treinando com Noah. Com o passar do tempo eu me sentia cada vez melhor em me defender dos golpes dele e em atacá-lo. Recordei-me de muito que ele já havia me ensinado, mas por falta de prática eu havia acabado esquecendo.
Quando a noite chegou estava faminta, não sabia se pelo treino intensivo, ou pela gravidez, talvez os dois. Contei a Noah e decidirmos procurar algo pela cidade antes que o sol se posse. San e Yara nos acompanharam, também estavam cansados do treino. Vi que ela havia adaptado seu arco, amarrando junto a ele uma faca, para defendê-la em uma luta mais corpo a corpo.
Entramos em vários prédios, porém quase todos estavam completamente destruídos, nossa busca parecia cada vez mais próxima do insucesso.
Já estava cansada de andar e Yara também e depois de um tempo nos sentamos na calçada, cansadas.
– Eu acho que não vamos encontrar nada. – murmurei.
– Nós precisamos. – impôs Noah. – Nossa comida já acabou e quase não temos água.
– Mas não tem nada aqui. – disse frustrada. – A cidade foi completamente destruída.
– Espera. – murmurou San parecendo concentrado.
– O que foi? – Yara perguntou curiosa, tentado enxergar tão longe quanto ele.
– Eu acho que encontrei algo. – disse por fim. – Venham comigo.
Confusos, nós o seguimos até uma área distante e escondida da cidade. Perguntei-me como ele havia conseguido enxergar tão longe, pois só consegui ver o que era quando já estávamos perto o bastante. Havia uma planta verde que crescia em meio aos escombros e vigas de um prédio. E nela estavam pequenas frutas marrons cobertas de pelinhos.
– Kiwi? – murmurou Noah perplexo.
– Eu poderia jurar que nada mais vingasse nessas terras. – balbuciou Yara igualmente surpresa.
– Acha que podemos comer? – perguntei a Noah.
– Perto do que comemos, não acho que isso possa ser mais nocivo.
O comentário dele foi o suficiente para eu corresse até a planta e pegasse uma de suas frutas. Descasquei-a com os dentes e dei uma boa mordida. Desde que havia saído do laboratório da BIOTEC nunca mais havia comido algo tão suculento e macio.
– Está uma delícia! – sorri para eles que logo se juntaram a mim.
Comemos bastante e colemos o restante para levarmos para os outros. Ver aquela planta ali nascendo em meio a escombros, sem nenhum outro sinal de verde por quilômetros, deixou-me muito feliz. Foi como sentir um ponto de esperança em meio a toda aquela destruição.
Quando voltamos os outros ficaram imensamente surpresos por termos encontrado uma fruta. Pelo visto eu não era a única ali a não comer algo tão gostoso há muito tempo.
Passamos mais uma noite naquela cidade e no dia seguinte procuramos por uma com mais recursos e mais próxima da sede da BIOTEC. Mantive algumas sementes da fruta comigo, como lembrança de que aquele mundo ainda poderia renascer um dia, talvez.
Durante dias treinamos e estudamos as fundo as melhores táticas para enfrentarmos a BIOTEC. Noah e Matheus tentaram passar para nós cada conhecimento como soldados que os dois tinham, e Lya estudava atenciosamente o melhor jeito de entrarmos e de lutar.
Quando uma semana, talvez duas, se passou, acreditei que finalmente estávamos prontos para a luta de nossas vidas.
39. Embate final
Acordar naquele dia foi estranho, até ontem eu me sentia extremamente preparada para aquele momento. Mas naquela manhã nunca me senti tão... amedrontada. Sentia meu coração bater acelerado contra o peito, minhas mãos tremiam, estava aflita, angustiada.
– Tudo bem, meu amor. – perguntou Noah ao notar que eu suava frio.
Balancei a cabeça positivamente, mas estava claramente mentindo.
– Tudo vai ficar bem. – ele prometeu.
Abracei-o.
– Vamos? – chamou Lya ao entrar em um dos carros.
Havíamos recolhido todas as armas que podíamos e nos reparado exaustivamente, se não estivéssemos prontos naquele momento, nunca mais estaríamos.
Assenti e caminhei na direção do carro, seguida de perto por Noah.
Logo estávamos de volta ao deserto, rumo à sede principal da BIOTEC. Planejávamos chegar lá ao cair da noite, a fim de usá-la ao nosso favor. Fred e Marcus revezaram com Noah e Matheus na direção dos carros, parecia bem cansativo dirigir durante todo aquele tempo.
Assim como, Lya havia calculado, aproximamo-nos do perímetro daquele grande forte de segurança que era a BIOTEC, ou eu pensava que fosse. Porém, segundo o que Lya havia dito, todo aquele muro de concreto atrás de uma cerca enorme, não passava de uma base militar que protegia um porto com barcos que nos levariam até uma ilha onde a central da BIOTEC ficava.
Segundo Lya, passar por todo aquele forte seria a parte mais difícil.
Descemos dos carros e os deixamos a quase um quilômetro do local. Um arrepio varreu o meu corpo quando me lembrei da última vez em que estive ali, mas torcei que essa empreitada tivesse um resultado bem melhor.
– Peguem isso. – disse Lya. Ela nos estendeu pequenos aparatos para que colocássemos na orelha. – Com isso vamos manter contato. – Ela observou nosso objetivo por alguns minutos e depois se voltou para nós. – Vou tentar entrar primeiro e desativar o sistema de segurança, quando ele cair vocês vão conseguir passar pelo portão, mas duvido que eu consiga o deixar suspenso por muito tempo, então terão que ser rápidos.
Assentimos e ela abriu suas asas e logo alcançou os céus e voou por cima da grade, minutos depois não conseguíamos mais vê-la.
Prestei atenção no chiado que ouvíamos no comunicador, aguardando por ouví-la o mais breve possível.
De longe vi os holofotes do lugar piscar e logo em seguida se apagarem por completo.
– Venham logo! – disse Lya no comunicador.
Apressamo-nos em andar até a entrada da base. Quando chegamos lá, assim como Lya havia nos dito, o enorme portão de metal estava aberto, o cara na guarita abatido, certamente por ela. Rapidamente passamos pelo portão. Assim que entramos, ele se fechou com uma força surpreendente, capaz de esmagar qualquer um de nós.
Tudo estava muito escuro e chegava a ser difícil até mesmo de enxergar. Segurei a mão de Noah, e mesmo sem conseguir envergar direito o seu rosto percebi que sorriu para mim. Nosso grupo caminhou pela areia na direção do enorme paredão de concreto. Assim que entramos no túnel, vi Lya agachada junto à parede, ela parecia ter conectado M.A.I. aos circuitos do local.
– Tem um grupo, uns 20 soldados vindo para cá. – murmurou San, deixando todos nós em alerta.
Olhei para os lados, não havia buracos ou corredores para nos esconder.
– Como vamos nos esconder? – perguntei preocupada.
– Vamos ter que enfrentá-los. – Noah anunciou algo que eu estava tentando evitar.
– Mantenham-se rente a parede. – disse Lya, precisamos ser o mais silencioso possível.
Assentimos e nos preparamos. Logo pudemos ouvir o barulho de um elevador parando, em seguida passos, vindo em nossa direção.
– Estejam prontos. – murmurei.
Vimos uma luz se aproximar, como uma forte lanterna, que era segurada por um dos soldados. Mas antes que a luz denunciasse nossa posição Yara preparou seu arco e acertou bem no meio da lâmpada, tornando tudo escuro novamente. Agradeci a ela mentalmente, a escuridão nos dava certa vantagem, porém a flecha havia acabado de dizer aos soldados da BIOTEC que havia intrusos ali.
– Peguem-nos! – berrou um deles, parecendo-me ser o líder.
Eles correram em nossa direção, mas os dois primeiros a chegar foram facilmente interceptados por San, que chocou as duas cabeças, jogando os corpos imóveis no chão.
Todos estavam armados, mas no escuro era impossível mirar em cada um de nós.
Partimos para cima deles, atacando-os primeiro antes que nos atacassem.
Esquivei-me de um golpe ou dois e atingi um soldado com uma facada na barriga, esse logo caiu ao chão. Sem dúvida o treinamento de Noah havia ajudado muito.
Outro soldado passou por mim e segurou-me pelo pescoço, tentando de todas as formas sufocar-me. Mas segurei firme os seus braços que logo começaram a pegar fogo, forçando-o a me soltar. Antes mesmo que o homem começasse a gritar, Noah o abordou por trás e cortou-lhe o pescoço.
Quando as luzes se acenderam estávamos de pé, rodeados por cadáveres de soldados da BIOTEC. Felizmente estávamos todos bem.
– Recuperaram a energia do prédio. – alertou Lya. – Não vão demorar até recuperar o controle do restante, não sei quanto tempo vão levar para se livrarem do vírus que joguei na rede.
– Então precisamos ir rápido. – disse Matheus já caminhando para frente.
O restante de nós o seguiu até o elevador que era grande o bastante para caber com folga todo o grupo.
Lya o acionou e descemos cerca de quatro andares até que ele parasse.
Quando as portas finalmente se abriram, eu engoli em seco. Havia pelo menos uma dezena de clones de cada um de nós, como se nos esperassem, certamente não para nos dar boas vindas.
Uma mulher saiu do meio deles e caminhou até nós. Era exatamente a mesma mulher que eu me lembrava de ter encontrado ali na primeira vez que tentei invadir aquele lugar. Ela usava o mesmo cabelo castanho preso em um coque no alto da cabeça e um vestido igualmente branco, assim como eu me lembrava.
– Genesis. – disse a mulher em meio a um sorriso. – Eu estava esperando por vocês, sabia que viriam. Afinal “o bom filho a casa retorna.” – ela soltou um risinho.
Soei frio. Vê-la ali me deu a sensação de que tudo havia ido por água abaixo.
– Sabiam que mais cedo ou mais tarde acabariam aparecendo, e trouxeram amigos. – comentou ao reparar em Noah e nos outros.
– Sim nós voltamos. – concordou Lya, mas assustadoramente segura. – Mas se engana ao pensar que não estamos prontos para isso.
– Oh, Lya, sempre tão astuta. Eu senti falta da minha pequena gênia. – disse a mulher sem dar a mínima para as ameaças de Lya. – Sabia que não precisaríamos tanto nos preocupar em procurá-los. Vocês viriam por si mesmos.
Então era isso, eles estavam esperando por nós todo esse tempo. Esperando que nos juntássemos e fossemos até eles. Não poderia negar o quanto aquilo era monstruosamente inteligente, pouparam custos e recursos e no final estávamos todos ali.
– Eu não vou voltar para aquela cela, pode esquecer. – disse Ian balançando a cabeça negativamente. – Fique com ela. – disse me empurrando para frente. – ela está grávida, vai ser muito mais útil para você.
Eu fiquei completamente chocada com o que ele havia acabado de fazer. Noah me puxou de volta, encarando Ian com fúria.
– Isso é incrível! – exclamou a mulher empolgada. – Não sabíamos nem mesmo que isso era possível. Afinal não são nem humanos.
– Sim, nós somos humanos! – rosnou San cerrando os dentes.
– Ah, querido, você tem muito mais DNA de animais do que humano em você. – ela disse sem alterar seu tom de voz. – Ah, mas sobre o bebê, isso é incrível! – abriu um largo sorriso. – Imaginem só a gama de possibilidades que essa criança pode trazer.
Ouvir aquilo me deixou extremamente furiosa.
– Você não vai tocar no meu bebê! – disse cerrando os dentes. As minhas mãos se inflamaram na hora.
Meus clones deram um passo a frente como se tentassem proteger aquela mulher. Porém, ao contrário dos meus, os clones de Paula a olharam com a mesma fúria que eu sentia crescer dentro de mim. Olhei para Paula sem entender o que estava acontecendo, mas não pude perguntar, pois ela estava extremamente concentrada.
Olhei para os clones dela novamente, e os vi erguerem a mulher do chão com um simples movimento dos braços.
– O que está acontecendo? – perguntou a mulher, finalmente demonstrando algum vestígio de preocupação.
– Um truque ou dois que eu aprendi. – disseram os clones de Paula ao mesmo tempo, como se fosse ela falando através deles.
– Você consegue controlá-los. – murmurou a mulher chocada, mas sua voz aos poucos foi ficando abafada. Ela rapidamente levou as mãos ao pescoço tentando se livrar de algo invisível que a sufocava. – Acabem com ela! – tentou gritar aos demais clones, mas sua voz não passou de um sussurro baixo, quase sem forças.
Os clones se prepararam para vir na nossa direção, mas antes que pudessem fazer qualquer coisa Lya tirou da bolsa, que carregava no ombro, pequenos insetos de metal e os soprou, como se desse vida a eles, e logo em seguida saíram voando e se alojaram no pescoço de cada um dos clones, fazendo-os, instantes depois, caírem desacordados no chão.
A mulher, sem a telecinese dos clones de Paula agindo sobre ela, despencou no chão, desacordada.
– Vamos! – chamou Lya fazendo um gesto para que continuássemos a frente.
Nós a seguimos, andando com cuidado para não pisar em nenhum dos vários clones jogados pelo chão.
Andamos por um longo corredor. Aquele lugar parecia um verdadeiro labirinto, porém Lya sabia exatamente para onde precisávamos ir.
Quando já havíamos andado por cerca de uns dez minutos San fez um sinal para que parássemos. Ele fez um gesto sinalizando que estava ouvindo algo.
– Pelo fluxo dos pensamentos, julgo ser uns 15 homens. – comentou Paula. – Estão nervosos porque sabem que a BIOTEC foi invadida, mas não tem ideia de que estamos por perto.
– Ótimo! – exclamou Lya. – Acha que consegue voltar de lá rápido o suficiente para não respirar o ar dentro disso aqui? – Lya entregou para ele uma pequena garrafa lacrada.
San balançou a cabeça positivamente e no instante seguinte já havia saído correndo.
Ouvi um chiado e em seguida o som de homens tossindo, e minutos depois tudo ficou em completo silêncio.
Olhei para Lya e vi que ela observava um holograma de um relógio, que saia de sua mão mecânica. Quando certo tempo passou, o holograma sumiu e ela virou-se para nós.
– Podemos ir. – fez um gesto para que continuássemos em frente.
No próximo corredor que entramos, vi a garrafa dada por Lya jogada em um canto e os homens caídos no chão, não sabia se mortos ou apenas desacordados.
Andamos até o fim do corredor, mas fomos impedidos de prosseguir por um enorme portão de ferro a nossa frente.
Lya olhou para as paredes a procura de algum painel, mas nada encontrou.
– Droga! – resmungou ela, baixinho.
– Espera! – eu disse ao me aproximar do portão com as mãos em chamas.
Passei minhas mãos por todas as extremidades da porta, derretendo toda a parte que a prendia a parede e ao teto. San a empurrou, jogando-a no chão.
Continuamos o nosso caminho seguindo por mais um corredor até darmos de cara com milhares de clones. Engoli seco, esperava que Lya tivesse insetos metálicos o suficiente.
Paula os encarou por um minuto e depois lançou algo invisível contra um dos clones do Cristian, que voou conta a parede caindo desacordado. Os milhares de clones desaparecendo restando apenas um de cada, mas antes que esses pudessem fazer qualquer coisa, Ian moveu o braço jogando contra cada um deles uma estaca de gelo, atingindo-os no coração.
– Creio que eles tenham bem menos clones nossos do que esperávamos. – comentou Cristian.
– É provável. Sem os originais é impossível fazer mais cópias. – concordou Lya.
Seguimos pelo corredor até finamente chegar a uma área aberta, onde uns 50 homens trajando as roupas características da BIOTEC, aguardavam por nós.
– Entreguem-se, Genesis, ou todos irão morrer. – ordenou um homem que deveria ser o líder do pelotão.
– É melhor nos deixarem passar ou vocês é quem vão morrer. – murmurou Ian.
Vi o laser da arma de um deles iluminar o meu peito.
– Deixem-nos passar e nada acontecerá a vocês. – murmurou Cristian.
– Entreguem-se. – disse o líder mantendo sua posição inalterável.
Dei um passo à frente o que acabou fazendo o cara, que mirava em mim, atirar.
Por um momento, tudo parou, inclusive meu coração e minha respiração. Esperei ser atingida em cheio pela arma laser dele. Contudo isso não aconteceu.
Respirei fundo e olhei para baixo, vendo o raio parado há alguns centímetros do meu peito. Instantes depois, vi Paula arremessá-lo de volta, acertando em cheio o cara que atirou contra mim.
– Esse é o nosso último aviso. – murmurou Paula.
O homem pareceu pensar por alguns instantes.
– Estou cansado disso, de tudo isso. Só queria comida para minha família, mas isso já foi longe demais. – ele disse ao jogar sua arma no chão.
Alguns homens olharam confusos e outros apenas seguiram seu gesto.
– Se alguém pode acabar com isso são vocês. – continuou o homem. – Façam jus a memória de Felix, façam o que ele realmente criou vocês para fazer, salvem o mundo.
– Nós, vamos. – murmurei quando passamos por ele.
Chegamos até as margens de uma praia, onde havia um barco ancorado. Entramos nele e Lya assumiu o controle, levando-nos em direção a ilha.
Mesmo sob a pouca luz da noite, podia ver bem ao longe um enorme prédio de metal, com arquitetura característica que se assemelhava a prédios que eu via em filmes futuristas, feitos de metal e vidro.
Lya parou o barco junto à praia da ilha e antes mesmo que descêssemos, havia cerca de cinco homens parados próximos ao barco, apontando armas para nós.
– Como chegaram aqui? – perguntou um deles incrédulo. – Que seja! – exclamou se mesmo esperar pela nossa resposta. – Temos ordens de matar qualquer coisa não identificada que desça nessa praia.
Um deles estava prestes a atirar em nós, mas antes que apertasse o gatilho, Matheus foi mais rápido e o acertou em cheio no peito, fazendo-o cair morto sobre a areia.
Os outros assustados tentaram atirar, mas Yara e Noah os mataram antes.
Descemos do barco deixando os corpos para trás, caídos sobre a areia. Esperava dar logo um fim àquele rastro de dor.
Chegamos até a porta de entrada do prédio, onde havia um leitor de retina. Lya tirou uma caixinha de sua mochila e dela um globo ocular que parecia real. Fiquei supressa, perguntando-me como ela havia feito aquilo. Parecia preparada para tudo.
Aproximou o globo ocular do leitor e a porta se abriu.
– Seja, bem-vindo, Maxsuel. – disse uma voz robótica.
Entramos em um corredor com paredes metálicas.
Passamos ao lado de uma parede de vidro, e eu tomei um enorme susto com o que vi. Dentro de grandes tubos de vidro estavam vários clones nossos, vários deformados ou ainda em formação. Então era lá que faziam nossos clones.
Outros dez soldados surgiram bloqueando o nosso avanço, mas facilmente os abatemos.
Seguimos Lya até uma porta de metal branca, travada por um painel de segurança. Com uma luva em sua mão metálica, ela colocou-a sobre o painel e a porta de imediato abriu-se.
A sala em que entramos era clara e com uma mesa no centro, rodeada por vários monitores de vidro tecnológicos.
– Genesis! – o homem sentado junto à mesa arregalou os olhos ao nos ver.
Ele era alto, negro, com o cabelo preto curto, olhos castanhos e tinha muitos traços que lembravam o rosto de Paula.
– Estou tão feliz em recebê-los aqui. – ele tentou forçar um sorriso.
– Mentira. – rosnou Paula.
– O que é isso, querida? Você é como uma filha para mim, foi feita com meus genes.
– Ele não se importa conosco, só com os lucros que demos a BIOTEC. – murmurou Paula. – Foi ele quem nos transformou em armas.
– Fica longe da minha cabeça! – o homem berrou.
– Já chega disso. – murmurou Ian, lançando contra ele uma estaca de gelo que acertou em cheio seu crânio, atravessando-o.
O homem morreu quase que instantaneamente e ficou agarrado na parede pela estaca de gelo.
Lya se sentou à mesa dele e acessou ao computador, quebrando a senha facilmente.
– Atenção todos os empregados da BIOTEC. – ela disse pelo que me pareceu um pequeno microfone que estava na mesa. – Maxsuel está morto, os Genesis agora estão no controle da empresa. A produção de clones deve ser parada imediatamente.
40. Esperança
Tomamos controle de toda a sede da BIOTEC. Os empregados tiveram a escolha de se juntar a nós ou partirem com suas vidas. O lugar que durante tantos anos nos foi uma prisão, agora era nosso. Não serviríamos mais como armas, todos os clones restantes foram destruídos.
Eu estava de pé olhando através de uma das grandes janelas de vidro. Como era bonito o mar lá embaixo. Nunca havia visto tanta água, pelo menos pessoalmente.
Noah aproximou-se de mim silencioso e abraçou-me por trás.
– É bonito, não é? – murmurou para mim, também observando a água que se movia calma lá embaixo e o sol batia nela fazendo-a cintilar.
Balancei a cabeça positivamente para ele e sorri.
– Nem sabia que o mar ainda existia. – comentou pensativo.
– Acha que ainda tem peixes lá embaixo?
–Não sei, a maioria dos animais morreram junto com os humanos quando a guerra começou. Não faço ideia de quão poluído esse mar possa estar.
– Entendi. – murmurei voltando a encarar o horizonte.
Ao longe eu podia ver a base militar que transpomos para chegar até aqui, pensava em todo mundo caótico que existia além dela, tanta dor, tanto sofrimento.
Na ilha em que estávamos, havia árvores e plantas, um verde que jamais imaginei ver, pelo menos não naquele mundo.
– Marjore! – chamou Lya. – Venha ver o que eu encontrei.
A segui por alguns corredores até chegarmos a uma grande porta metálica. Acima dela havia uma placa de vidro escrito: Anexo Genesis.
Quando nós entramos olhei para todos os lados avaliando o lugar, parecia um galpão enorme, o lugar onde estávamos era uma estufa que abrigava várias mudas de plantas. Lya puxou-me até um local mais frio, onde eu tive que colocar os braços ao redor do corpo para não tremer. Olhei ao redor e vi um monte de caixas congeladas com tubinhos dentro.
– O que é isso? – perguntei a Lya sem entender.
– Cada tubinho destes está armazenado um DNA diferente. – Ela tentou explicar. – Pelo que eu pude ver há DNA aqui de todos os seres que habitavam o planeta antes da guerra começar. É como se fosse uma grande arca! – disse empolgada. – Nós podemos recriar o mundo com essas coisas.
– Isso é incrível! – disse compartilhando de sua empolgação.
Pensei no que Felix havia dito, o motivo pelo qual ele havia nos criado. Fazer um mundo melhor. Pelo visto, ele havia deixado ali para nós todas as ferramentas para fazermos isso. Poder fazer o mundo como era antes da guerra, só a ideia disso era incrível.
– Cachorro, gato, pássaros. – tem tudo aqui, disse Noah empolgado lendo as etiquetas. – Você pode transformar esse DNA em animais de verdade?
– Eu acho que posso. – ela murmurou em meio a um sorriso. – Acho que temos todo o equipamento para isso bem aqui.
– Incrível! – ouvi San dizer ao aproximar-se de nós. – nunca imaginei que estar nesse lugar pudesse me fazer tão feliz.
Ele estava certo. Depois de tudo eu também me sentia muito bem.
Algumas horas depois todos nós nos reunimos ao redor de uma grande mesa que ficava provavelmente na sala de reuniões, mas que agora havia se tornado nossa sala de jantar. Havia muita comida no local, eles cultivavam plantas de todos os tipos ali, a maioria delas comestível e várias com frutos. Nunca comemos tão bem na vida. Yara cozinhou para nós e preparou alguns sucos, coisas que havia aprendido com seus antepassados, mas nem mesmo ela se lembrava.
Eu estava feliz e me sentia segura como nunca havia me sentido antes. Os pesadelos acabaram, a BIOTEC havia acabado. Porém, de alguma forma eu sentia como se aquilo não fosse o fim.
No fim da tarde Noah e eu fomos para um dos quartos do alojamento, que era um prédio grande e cheio de quartos, provavelmente para hospedar cientistas e demais empregados. Os quartos tinham paredes brancas, assim como, as da sela onde cresci, porém eram amplos e claros, cheios de janelas. A janela do quarto onde estava tinha uma bela vista para a praia. Era como se eu tivesse sido transportada para outro mundo.
– É tão bonito. – murmurou Noah olhando para a janela também. – Gostaria que minha mãe e Aisha tivessem visto isso.
– Eu também. – abaixei a cabeça triste. Sentia a falta delas.
Noah ergueu o meu queixo, fazendo-me olhar em seus olhos.
– Também sinto a falta delas. – disse para mim. – Mas creio que de onde quer que elas estejam estão felizes por nós.
– É. – sorri para ele.
– Podemos ter nossa família em paz agora. – murmurou ao acariciar a minha barriga.
– Agora podemos ter esperança. – disse ao colocar minhas mãos sobre as dele.
– Esperança. – ele sorriu ao repetir o que eu disse. – Pode ser o nome de for uma menina, Esperança. – disse pensativo.
Noah acariciou meu rosto colocando uma mecha solta do meu cabelo atrás da minha orelha.
– Eu amo você. – sussurrou antes de aproximar o seu rosto do meu.
Senti seus lábios sobre os meus e seu braço envolver minha cintura, puxando-me para mais perto do seu corpo. Sua língua adentrou a minha boca e a mágica começou. Senti um misto de felicidade e desejo crescer dentro de mim.
Talvez o fim da BIOTEC não significasse a nossa paz eterna, mas por hora não queria me preocupar com os perigos que estavam por vir. Estávamos em paz agora e com o Anexo Genesis em nossas mãos tínhamos uma chance de atender ao desejo de Felix, o propósito para o qual fomos criados a princípio, reconstruir o mundo.
Noah me pegou nos braços e ergueu-me no ar. Abracei-o com as pernas e voltamos a nos beijar. Segurei seu rosto com as mãos e intensifiquei nosso beijo. Não quis pensar em mais nada naquele momento, apenas em nós.
Em meio a beijos cada vez mais intensos tirei a camisa dele e a joguei ao chão. Noah segurou firme o meu cabelo e ainda suspensa no ar, presa ao corpo dele, caminhou comigo até a cama e deitou-se sobre mim.
Trocando beijos e carícias ele se acomodou entre as minhas pernas e logo me despiu da cintura para cima.
Seus lábios foram de encontro à base do meu pescoço e cada pelo do meu corpo se eriçou com a sensação que fluiu por ele.
Noah apertou meus seios com suas mãos firmes e mordeu levemente meu lábio inferior arrancando de mim um leve gemido de prazer.
– Linda. – murmurou sorrindo.
Puxei seu rosto para mim e o beijei com todo o desejo que me consumia. Rapidamente nos livramos do restante das nossas roupas.
Noah nos girou na cama ficando embaixo de mim. Fitando profundamente e sorrindo. Segurou-me pelos quadris e ajudou-me a sentar nele.
Meu corpo se arqueou e soltei um gemido alto quando ele invadiu meu corpo. Noah segurou firme minha cintura, ajudando-me a me mover sobre ele. Segurei em seus ombros encontrando o meu próprio ritmo, subindo e descendo.
Às vezes me curvava e dava beijos nele que abafavam meus gemidos. Arranhei seu peito e o senti chegar ao clímax e começar a respirar ofegante de baixo de mim.
Com todo o desejo que me consumia e a sensação deliciosa que tomava conta do meu corpo não tratei a cair ofegante e tremendo sobre seu peito, sentindo-me cansada e ao mesmo tempo maravilhada.
Noah ajeitou-me em seu peito e começou a fazer carinho no meu cabelo.
– Vamos reconstruir o mundo para o nosso bebê. – ele sussurrou ao me beijar com carinho.
Derek Landy
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