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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


BRINCAR DE VIVER / Maggie Shayne
BRINCAR DE VIVER / Maggie Shayne

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

A herdeira por longo tempo desaparecida...

Depois de testemunhar um crime brutal, Jasmine Jones abandonou a cidade com seu filho de sete anos e com esperança de conseguir construir uma nova identidade em outro lugar. Sua chegada ao Texas foi cercada de segredos... e mentiras. Embora não tivesse a intenção de decepcionar a unida família dos Brand ao reivindicar a casa que Luke Brand tanto sonhava em comprar, sabia que essa era a única chance que tinha de sobreviver. Jasmine achou que seu segredo estava a salvo — até que Luke começou a fazer perguntas volta para casa?

Luke reconhecia o medo de longe, e aquela criatura estava literalmente tremendo em cima dos saltos altos. Mas a beleza ofuscante da mulher e seus apelos desesperados por proteção logo obscureceram a busca de Luke pela verdade. Ele sabia que protegê-la seria apenas procurar por problemas, mas algo dentro de si dizia que ele deveria arriscar...

 

 

 

 

Estar em Quinn, no Texas, à noite, era tão diferente de estar em Chicago como poderia ser estar em outro planeta, pensou Jasmine, sentada no balanço da varanda.

O ranger da porta e as passadas pesadas lhe disseram que Luke se aproximava, bem antes que se sentasse a seu lado. Com um impulso dos pés, ele lançou a cadeira para o alto, em grandes arcos. Então, cruzou os braços sob a cabeça e recostou-se, esticando as longas pernas.

— Você sabe, vai ter de parar, em algum momento. Em algum lugar. Cedo ou tarde, terá de enfrentar essa coisa. Aqui, Jasmine. Você pode vencer aqui.

Erguendo os olhos lentamente, ela o encarou.

— O que faz daqui um lugar tão diferente dos outros?

Ele a examinou com um olhar penetrante.

— Eu estou aqui.

 

Luke permanecia de pé, ao lado do túmulo de seu melhor amigo e mentor, o homem com quem sempre quisera se equiparar. Esperava pelos outros que deveriam chegar, mas nunca chegaram.

O pastor estava ali, também. Era um homem miúdo e macilento, com o rosto tão vincado de linhas como um mapa rodoviário. Não usava batina. As únicas coisas que o distinguiam como um homem da igreja eram o colarinho de sua camisa e a Bíblia em suas mãos.

Fazia um belo dia, no Tennessee. Os passarinhos cantavam. O trânsito era intenso. As flores estavam em botão. Como se nada tivesse acontecido. Como se o maior caminhoneiro de longas distâncias em seu ramo não estivesse morto, ali e naquele instan-te, num caixão, prestes a ser baixado para o frio ventre da terra.

O pastor olhou para seu relógio e, então, para Luke.

— Tem certeza de que não estamos adiantados? — Luke quis saber.

Ele esperava que centenas de pessoas comparecessem ao enterro. Buck era uma lenda. O favorito de todas as garçonetes das paradas de caminhão e dos mecânicos em diesel em sete Estados. Sua carreta era a mais conhecida na estrada, toda equipada em cromo, e com mais luzes do que uma árvore de Natal. Oh, era um show! O orgulho e a alegria de Buck.

Revoltou-lhe o estômago pensar na maneira com que vira a carreta de Buck, quando parará no pátio de destroços e deparara com os restos do desastre. Uma pilha de metal retorcido e vidros estilhaçados. Nada lembrava sua antiga glória.

E agora parecia a Luke que nem mesmo uma lembrança restara de seu companheiro. Incomodava-o que ninguém tivesse chegado para dizer adeus a Buck.

O pastor pigarreou e encontrou os olhos de Luke. Com um suspiro, ele fez um sinal de cabeça. O pastor começou a falar, mas, na verdade, não tinha muito a dizer. Rezou o Pai Nosso, ressaltou como Buck se fora para um lugar melhor. Discorreu sobre a salvação. Luke ouviu até que não pôde mais agüentar:

— Perdoe-me, reverendo, mas, hum... o senhor acha que seria correto se eu, bem...

O homem sorriu, e novas rugas surgiram em suas faces.

— E evidente, filho. Diga umas poucas palavras. Deus sabe, você conhecia este homem melhor do que eu.

Assentindo, Luke respirou fundo. Segurou nas mãos o .boné, em tecido rústico de algodão verde, com um buldogue e a palavra "Mack" na copa.

— Senhor Deus, este foi um homem bom. Suponho que o Senhor já saiba, mas quero ter certeza de que isso seja dito. Buck jamais passou por um companheiro de estrada em dificuldades sem parar para oferecer ajuda. Nunca deixou um andarilho na chuva. Nem jamais deu menos de um dólar de gorjeta para uma garçonete, ainda que tudo o que ti-vesse pedido fosse uma xícara de café. E em época alguma houve um motorista melhor. Não, mesmo. Ora, presenciei Buck Waters realizar acrobacias com seu caminhão quando perdeu os breques numa descida de três quilômetros, situação em que qualquer outro motorista iria fazer chover canivetes e levar um monte de gente consigo. Eu o vi livrar-se de uma derrapada em estradas tão cheias de gelo que não se podia caminhar nelas. E evitar acidentes que teriam matado qualquer outro, quando algum ignorante cortava-lhe a frente ou surgia do nada. Na verdade, Buck nunca se envolveu num desastre. Não até esse que o matou. Agora, sei que isso não parece um grande legado para se deixar. Mas é tudo o que ele tinha. E espero, com toda a sinceridade, que o Senhor não use isso contra Buck. Alguns homens não foram talhados para se acomodar, constituir família e tudo o mais. E só porque não há ninguém aqui, hoje, nem crianças ou uma viúva chorando em seu túmulo... bem, isso não significa que Buck Waters não tenha sido amado. Ele foi. E não significa também que não influenciou vidas. Porque influenciou a minha.

Luke baixou a cabeça, dominado por uma onda de sentimentos que lhe fechou a garganta, impedindo-o de dizer mais.

Um toque suave de mão roçou-lhe o ombro.

— Isso foi muito eloqüente, filho.

Luke fitou o pastor, recompôs-se, e exalou um suspiro.

— Não é certo que não haja ninguém aqui, para despedir-se dele. Muita gente devia estar ao lado dele, hoje.

As sobrancelhas do pastor se arquearam.

— Meu rapaz, você está aqui. — Fez uma pausa, perdido em devaneios. — Pelo que disse de seu amigo, parece que a vida dele foi tão plena quanto o bom Buck desejou que fosse. Quem sabe assim seja este funeral, da maneira como ele queria.

— Não. — Luke não se conformava. — Todo homem quer pensar que alguém irá sentir saudade dele, quando se for. Todos querem deixar algo de si para trás.

Sorrindo com ternura, o pastor murmurou:

— Não, filho. Nem todos têm essa pretensão. Mas é bastante óbvio que você deseja uma coisa dessas.

— Eu? Não, eu não.

O sacerdote sorriu com tristeza, olhando para o reluzente caixão.

— Talvez este funeral seja a maneira de Buck fazê-lo recordar que você não terá essas coisas no final, se viver do jeito como ele viveu. Família. Seres queridos. Oh, tenho certeza de que, para Buck, a existência foi perfeita sem essas coisas. Mas quem sabe... a sua não seja? — Deu de ombros. — É algo a pensar, de qualquer forma.

Luke fez uma carranca, mas nada comentou. Um milhão de idéias desencontradas tumultuavam seu cérebro. Acima de todos estava a voz de sua mãe, dizendo-lhe que nunca iria se acomodar, que nascera para perambular mundo afora, como seu pai.

O sacerdote voltou-se de novo para o túmulo aberto e ergueu uma das mãos, a palma estendida, sobre a cova.

— Pai Eterno, encomendamos a alma de Buck Waters e a entregamos a Seus ternos cuidados. Possa sua alma voar nas asas dos anjos até o céu. Amém.

— Amém — repetiu Luke. — Bata o martelo, Buck!

Com um tapinha nas costas de Luke, o pastor se foi. Luke ficou por uns poucos momentos mais no cemitério. Em seguida, dirigiu-se para o estacionamento, onde seu caminhão tomava quase todo o espaço. Brilhava como uma jóia, aquele seu veículo. Uma carreta Pete, azul-turquesa, com um dormitório do tamanho de um quarto. Tinha uma geladeira, um microondas, tevê e videocassete. Podia viver nela.

E vivia, a maior parte do tempo. As rodas de liga de alumínio polido cintilavam à luz do sol. Ao lado, em letras prateadas, estava seu nome: Lucas Tyrel Mason Brand, operador-proprietário.

A carreta tremia, as flâmulas no topo dos canos gêmeos de escapamento subindo e descendo como se falassem com ele. Não se precisava desligar para uma breve parada e ligar a ignição de novo, como se faria num carro. Deixava-se em ponto morto. Ronronando. Era bom para ela.

Luke subiu e sentou-se atrás da direção, fechando as mãos em torno do volante tão familiar. E disse a si mesmo que não era tão parecido assim com Buck. Certo, seu destino era na estrada, levando cargas de cidade em cidade, de um Estado para outro. Não tinha, na realidade, um lar. Mas, ao contrário de Buck, tinha seus familiares.

Bem... parentes, de qualquer forma. O estilo itinerante de seu pai o levara a isso. O sujeito se casara com duas mulheres ao mesmo tempo. Tornara-se pai de duas crianças na Costa Leste e de cinco em Oklahoma, antes de morrer num tiroteio, vinte e tanto anos atrás.

Luke não se lembrava de forma clara de John Brand. Sua própria mãe não fora uma esposa legítima, com direitos legais e tudo o mais. Tinha sido um caso, apenas. E Luke era o resultado disso.

Ainda assim, o nome de John Brand constava em sua certidão de nascimento. E o velho bastardo sempre mandara dinheiro e chegara mesmo a visitá-los por diversas ocasiões ao ano até que fora morto, segundo a mãe de Luke.

Não que Luke se recordasse do homem, mas sua mãe sempre fora muito honesta a respeito do assunto. E quando ela morrera, no ano anterior, fizera Luke prometer visitar seus sete meios-irmãos em Oklahoma e todos aqueles primos no Texas, os filhos do irmão de John Brand, Orrin.

É lógico que Luke não fora. Não vira razões para isso. Até então.

Respirou fundo e soltou o ar pesadamente. Supunha que ter parentes não significava grande coisa, se você nunca os conhecesse. Ainda assim, era uma perspectiva aterradora. O que se esperava que ele fizesse? Que pusesse a enorme carreta em algum caminho estranho e berrasse:

— Ei, vocês, sou seu meio-irmão bastardo, ilegítimo!

O celular tocou. Luke atendeu:

— Lucas Brand Transportes.

— Alô, Luke, sou eu. Como foi o funeral? — A voz do outro lado da linha era de Smitty, um dos corretores favoritos de Luke.

— Não muito bem, Smitty. Porém, creio que os funerais não sejam mesmo uma maravilha.

— Acho que não. Olhe, sei que é uma hora difícil, mas tenho uma carga para o Texas. Que precisa seguir hoje. Pode pegar o serviço?

Luke engoliu em seco. Texas. Entre tantos lugares. Estranha coincidência, logo quando ele pensava nos parentes que nunca conhecera.

— Onde, no Texas, Smitty?

— Uma cidade chamada Quinn. Nas vizinhanças de El Paso.

Aquilo atingiu Luke como uma tijolada. Ficou pasmo por alguns instantes, pestanejando, em choque.

— Luke?                

— Só pode estar... brin... cando — enfim conseguiu gaguejar. — Quinn? Você disse Quinn, no Texas?

— Não, não estou brincando. Ora, o que há de errado com Quinn? Veja, o pedido acabou de chegar, Luke. Creio que seu amigo Buck estava escalado para pegar essa carga hoje, mas aconteceu o acidente e tudo o mais...

— Buck? Era frete dele?

— Sim. E muito... chocante para você?

Luke cerrou as pálpebras. Em sua mente, ouviu as palavras do pastor, de poucos minutos atrás. "Quem sabe seja a maneira de Buck de fazê-lo recordar que você não terá essas coisas no final, se viver do jeito como ele viveu..."

Buck jamais encaminhara Luke de forma errada. Tinha sido a figura paterna que Luke nunca tivera. Que, a bem da verdade, nem mesmo soubera que precisava. E, por mais louco que parecesse, Luke tinha a sensação de que Buck estava tentando guiá-lo, pela última vez.

Não fazia sentido algum pensar assim. Afinal, Luke não tinha nem mesmo a certeza de que acreditava em vida após a morte. Todavia, não podia deixar de fazer isso. Era quase como se fosse o último pedido de Buck.

— Levarei a carga, Smitty.

— Ótimo! Luke, há algum lugar, em particular, a que você queira ir, depois de lá? Posso encaixá-lo em um frete de saída, se for de seu interesse.

— Deixe em aberto. Pode ser que eu resolva... ficar por lá durante algum tempo.

Ele ouviu a exclamação de surpresa do outro.

— Ah! Ok, Luke, como quiser. Carregue no depósito da Farm-Rite, na Eaton com Main. Pode localizar?

— Sim, posso. — Desligou o aparelho, relancean-do o olhar para o cemitério e o túmulo do amigo.

— Sabe, Buck, acho que você está pegando leve comigo! Primos no Texas são mais fáceis para começar do que vários meios-irmãos em Oklahoma.

Meneando a cabeça, deu marcha à ré, soltou o breque e girou o volante.

Meio caminho adiante, Luke decidiu que não era uma má idéia telefonar para aqueles pobres primos em Quinn, Texas, e fazê-los saber que ele existia e estaria na cidade para uma visita, em breve. Teve um ataque momentâneo de pânico quando a telefonista o informou que havia cinco sobrenomes Brand na lista de Quinn.

— Cinco? — Prendeu o telefone entre a orelha e o ombro. Não tinha a menor idéia de tal fato.

— Sabe o endereço, senhor? — quis saber a telefonista.

— Não. Só que é algum tipo de fazenda.

— Há um hotel-fazenda...

— Não, é uma fazenda comum. De gado, creio.

— Esforçou-se muito para se lembrar do nome. Sua mãe o mencionara uma vez, não tinha dúvida disso.

— Há duas fazendas. A Sky Dancer e a Texas Brand — informou .a moça.

— É essa. A Texas Brand. — Engoliu em seco.

— Pode fazer a ligação?

Luke não sabia o que esperar. O homem ao telefone, Garrett Brand, um de seus primos, mostrara-se surpreso, mas fora gentil, e parecera predisposto a recebê-lo bem. Até mesmo dera as indicações para o rancho, a partir do depósito central, e perguntara a que horas poderiam esperá-lo.

Mas Luke ainda estava nervoso. Em sua experiência de vida, o termo "família" não tinha o menor significado. Eram ele e Natalie, sua mãe. E, claro, eles eram íntimos, porém, de um modo mais próximo de "nós contra o mundo".

Natalie jamais permitira que alguém mais se intrometesse entre eles. Amigos, vizinhos eram encrenca ao alcance da mão. Ela lhe dissera várias e várias vezes que não precisavam de ninguém mais. Que estariam bem por conta própria. Fora uma mulher forte, muitíssimo orgulhosa, que parecia não confiar nas pessoas. E talvez isso tivesse a ver com John, e, sabe-se lá, com alguma coisa a mais.

Desse modo, para Luke, família significava "não se meta". Era um relacionamento estreito e fechado que não se abria aos de fora.

Assim, ao prosseguir pela estrada sinuosa e poeirenta, passando pelo enorme arco de madeira com a inscrição "Texas Brand" gravada, Luke se viu totalmente despreparado para aquilo que o esperava.

Fazia apenas quatro horas desde que dera aquele telefonema. Ainda assim, uma imensa faixa estava presa na varanda da casa principal. Trazia os dizeres "Bem-vindo, Luke". Pintados à mão, em letras tortas.

Entre a faixa e o lugar aonde ele levou o veículo para estacionar devia haver umas vinte pessoas, correndo em meio a mesas de piquenique repletas de comida.

Sua garganta estreitou-se quando desligou a ig-nição, abriu a porta e desceu. Ao olhar para cima, um homem robusto estava a sua frente, usando um chapéu enorme, nos lábios um sorriso caloroso. Aproximou-se e apertou a mão de Luke.

— Sou Garrett. Seja bem-vindo, primo Luke. — Seu aperto era firme e seco, e sacudiu a mão de Luke com entusiasmo.

— Eu... não esperava por tudo isso. — Luke estava mais do que surpreso. — Não devia ter se dado tanto trabalho.

— Ei, não é todo dia que temos um novo membro na família! — disse um homem de pele morena. Sorridente, apontou para a mulher que trazia pelo braço, cuja barriga mostrava-se protuberante. — Embora, em poucos meses, estejamos com dois a mais, certo, Elliot?

Um outro homem, com cabelos de um ruivo-acastanhado, abraçou a esposa a seu lado. Ela, também, parecia estar grávida.

— Certíssimo, Wes. Três meses, duas semanas e três dias, se o doutor fez as contas direito.

Wes apertou'a mão de Luke, apresentando-lhe a esposa, Taylor, e, então, foi a vez de Elliot, com a esposa, Esmeralda. O próximo a se aproximar foi um sujeito tão grande quanto Garrett, porém loiro, que carregava um bebê nos braços. Depois, Adam e a esposa Kirsten, ambos muito bonitos, que pareceram a Luke como modelos do Oeste, numa revista. E, em seguida, um camarada chamado Lash e sua esposa, Jessi.

Por fim, uma moça abriu espaço entre a multidão, trazendo duas crianças. Um garoto forte, de uns seis anos ou mais, e uma menininha que não devia ter mais que três, postaram-se na frente de Luke.

— Sou Chelsea, a esposa de Garrett. Portanto, sua prima. Este é meu filho, Bubba, e esta a filhinha de Jessi, Maria-Michelle. Os dois têm algo para você.

Ainda zonzo, Luke agachou-se para ficar no mesmo nível que as crianças. A garotinha era tão linda como uma pintura, e segurava uma caixa. O menino desdobrou um pedaço de papel. Todos, ao redor, fizeram silêncio quando Bubba pigarreou, declamando em seguida:

— Em nossa família, temos uma regra Maior do que tudo.

A família vem em primeiro lugar, e a família é a melhor coisa do mundo! Assim, bem-vindo a nossa família. Estamos felizes com sua chegada. Porém, você precisa só de mais uma coisa Que vem com o nome da família.

Bubba ergueu os olhos, envergonhado.

— Eu mesmo escrevi. Mamãe me ajudou.

— Não me lembro de ter ouvido um poema mais bonito, Bubba. Obrigado.

Maria-Michelle entregou a caixa a Luke e exclamou:

— Ajudei a embrulhar, porque fiz o laço!

— E que lindo laço! — Luke pegou o pacote. Abriu com cuidado, enfiando a fita no bolso da

camisa e vendo o sorriso da menina se alargar. Então, tirou a tampa da caixa e, lá dentro, descobriu um macio chapéu Stetson, na cor marrom.

Engoliu em seco, tirando o chapéu e girando-o devagar, admirando as formas perfeitas e a tira de couro feita à mão, presa à copa.

— Isso é... demais. Vocês, garotada, são...

— Ponha! — Bubba gritou, feliz.

Luke olhou para os homens que o rodeavam. A maioria usava chapéus como aquele, de cores variadas. Devagar, tirou seu boné Mack e colocou o Stetson.

Ao endireitar-se, um grito em uníssono ecoou forte e, logo depois, todos falavam ao mesmo tempo, dando-lhe tapinhas nas costas. Logo, era arrastado para as mesas.

Alguém colocou uma música country. O ar cheirava a churrasco e fumaça. E Luke sentiu-se... droga, não podia dizer como se sentia! Era como se seu coração estivesse estourando no peito. Não sabia como descrever. Ainda não podia acreditar que era real, que aquelas pessoas não iriam acabar com o espetáculo que haviam preparado para ele e, depois, botá-lo para correr. Não conseguia crer que aquela não seria a última vez que ouviria falar deles.

Estava errado quanto a essa expectativa, é claro. Três meses mais tarde Luke ainda estava lá. E, pela primeira vez, desde que nascera, era parte de uma imensa, adorável, verdadeira família, de gente de braços abertos, honesta e cheia de bondade. E todas as noites, antes de dormir, ele rezava, murmurando um muito obrigado a seu velho amigo Buck Waters.

E por quê? Por tê-lo induzido, de alguma forma, a ter aquilo que o próprio Buck jamais tivera.

 

Jasmine Delaney Jones não gostava que o filho chegasse perto da espelunca onde servia mesas e, vez ou outra, dançava. Nem mesmo apreciava que fosse àquela parte de Chicago. Porém, de novo, aquele mau-caráter de seu patrão havia se esquecido de depositar seu pagamento e o de sua companheira de quarto, de modo que Jasmine não tinha outra escolha a não ser parar para apanhar o cheque.

Estacionou o carro na área reservada aos empregados, nos fundos do estabelecimento. Não havia outro veículo à vista, o que era um bom sinal, dado o tipo de gente que se reunia no The Catwalk. E claro, a maioria deveria estar em estado de coma àquela hora da manhã. Suspirando, Jasmine voltou-se para Baxter.

Sentado no banco do passageiro, o menino ergueu os olhos, escondidos atrás das grossas lentes de seus óculos. Tinha sete anbs, e seus professores já haviam sugerido que avançasse um grau, na escola. Era esperto o bastante para compreender por que devia fazer o que a mãe lhe dizia. Quase nunca fazia, no entanto.

— Agora, me escute — Jasmine disse, forçando-se para tornar a voz tão dura quanto possível. — Tenho de apanhar meu pagamento e depois parar no banco, a caminho da escola, para retirar algum dinheiro para aquela viagem de fim de ano ao campo. Certo?

Baxter assentiu, empurrando os óculos para cima do nariz.

— E você tem de pegar o cheque de tia Botão de Rosa também.

— Eu sei.

— E a bolsa dela, mamãe. Não se esqueça da bolsa — ele a recordou.

— Não vou esquecer. — Jasmine despenteou os cabelos do filho. — Aquela louca de sua tia Botão de Rosa iria esquecer a própria cabeça se não estivesse presa no pescoço, não iria?

Baxter deu risada.

— Ninguém pode esquecer a cabeça, mamãe! Mas, é verdade, titia esquece um monte de coisas.

Sim, sem sombra de dúvida. Porém, na noite anterior, pelo menos, tivera razões para sua costumeira desatenção. A companheira de quarto de Jasmine recebera um telefonema de um advogado, dizendo-lhe que sua mãe havia morrido logo depois que ela fora embora. O causídico vinha procurando por Botão de Rosa desde então. E, embora a moça não visse a mãe fazia dois anos, a notícia a atingiu sobremaneira.

Jasmine gostaria de ajudar, mas não sabia como. Ela e Botão de Rosa eram mais que simples colegas: eram como irmãs. Trabalhavam juntas, viviam juntas, partilhavam o automóvel, as despesas e até mesmo Baxter. Antes de Botão de Rosa, Jasmine nunca tivera vontade de deixar nenhum outro ser humano intrometer-se em seu mundo. Eram só ela e o filho; ninguém mais era necessário, desejado ou bem-vindo, graças a Deus.

Porém, Botão de Rosa de alguma forma fora capaz de abrir caminho para dentro do coração de Jasmine. Era bom ter uma amiga, alguém em quem confiar. E deixava Jasmine maluca o fato de não ter capacidade de aliviar a dor nos olhos da jovem, como na véspera.

— Mamãe?

Pestanejando, Jasmine trouxe o foco de seus pensamentos para o problema que tinha em mãos: Baxter.

— Agora, escute bem, querido. Só vai levar um minuto para eu correr até o escritório, apanhar os cheques...

— ...e a bolsa de tia Botão de Rosa.

— ...e a bolsa de tia Botão de Rosa, e correr de volta, de novo. Quero que você espere aqui. E muito importante. Combinado?

De novo, Baxter fez que sim. Sua atenção, no entanto, já se desviara dele, seus grandes olhos esquadrinhando a área de estacionamento, os prédios, os pombos nos telhados, as latas de lixo perto da janela do escritório do Leo, a entrada dos fundos do bar.

— Se houvesse uma coruja aqui, não existiriam tantos pombos à volta — disse o garoto, num tom casual.

— Isso é ótimo, Baxter. Darei essa informação a meu patrão, mas você precisa prestar atenção ao que estou lhe dizendo agora.

— Nem ratos, também. As corujas são seus predadores naturais.

— Sim, isso é fato.

— Precisamos de mais corujas por aqui — concluiu, muito sério, como se tivesse certeza de ter acabado de resolver um dos maiores problemas de Chicago. Então, fitou a mãe ainda mais circunspecto. — Posso dirigir pelo resto do caminho até a escola?

— Você nem alcança os pedais!

— Posso conseguir. Tia Botão de Rosa me deixou guiar no estacionamento, um dia! — O menino levou a mão à boca, e seus olhos se arregalaram. Era óbvio que não devia ter contado aquele pequeno segredo.

— Tia Botão de Rosa deixa você fazer tudo o que quer, meu amor. Isso não significa que farei o mesmo. Agora, me prometa ficar no carro como lhe pedi e ser um bom menino por um minuto, para que eu possa pegar aqueles cheques, sim?

— E a bolsa de Tia Botão de Rosa — ele emendou, com firmeza. — Sim, serei bonzinho.

— Jura?

Baxter fez um gesto solene.

— Juro! — E cuspiu na palma da mão, estendendo-a para que a mãe a apertasse.

— Onde arranjou esses modos horríveis, Bax? Olhe, promessa é dívida. Não preciso apertar essa sua mão suja de saliva por isso, não é?

Baxter suspirou, com enfado.

— Muito bem. — Limpou a mãozinha na calça jeans.

Jasmine travou a porta do passageiro, saiu e trancou o carro. Soprou um beijo para o filho e dirigiu-se para a porta de trás do bar. Quando tentou abri-la, não conseguiu. Trancada. "Droga!" Teria de dar a volta pela frente. Um arrepio gelado correu-lhe pela espinha no instante em que seu automóvel e o filho ficaram fora da vista.

— Só levará um minuto — falou para si mesma. — Bax vai ficar bem.

Contudo, não gostava que o pequeno estivesse ali. Nem naquela vizinhança, muito menos naquele bar. Preferia queimar no inferno a levá-lo para dentro com ela.

Entrou, afinal, sob o luminoso de néon onde se lia The Catwalk. Nas paredes, fotos de mulheres nuas nas mais variadas poses. As mesas redondas estavam limpas, as cadeiras, viradas sobre elas.

Jasmine trabalhava ali como garçonete quatro noites por semana. Nos finais de semana, dançava. O palco estava vazio naquele momento. Permaneciam apenas os postes em torno dos quais ela, Botão de Rosa e duas outras garotas se contorciam com sen

sualidade, enquanto a música trovejava e os homens ululavam.

Ela nunca conseguira tirar tudo. E jamais fizera programas, embora várias das outras dançarinas fizessem, inclusive Botão de Rosa. Não gostava de dançar para bêbados, nem daquele estilo de vida, mas em algumas noites conseguia levar para casa trezentos dólares, só em gorjetas. Não arranjaria esse dinheiro em nenhum outro lugar. E Jasmine precisava de dinheiro, sim, senhor.

Tinha de manter Baxter numa boa escola, num apartamento decente, em um bairro bom da cidade. Não havia nada que Jasmine não fizesse pelo filho. Nada.

E não seria para sempre. Só até alguma coisa melhor aparecer. No que lhe dizia respeito, era um sintoma de uma sociedade doentia quando uma bailarina de formação clássica era obrigada a tirar as roupas para sobreviver de sua arte.

Atravessou o palco, entrando na parte dos fundos do prédio, que abrigava um camarim comum para as dançarinas, o escritório do patrão e o relógio de ponto, preso na parede do corredor. Vozes abafadas vinham da sala de Leo. Se Jasmine não fosse silenciosa, decerto ele sairia e tentaria intimidá-la, forçando-a a trabalhar na noite de folga. Isso nunca falhava.

Por isso, ela caminhou com suavidade até o relógio. Viu que o cheque estava na fenda, junto com o cartão de ponto. O de Botão de Rosa estava também, no lugar do dela.

— Maldito Leo Hardison! — sussurrou.

Ele nem sequer se preocupara em colocá-los num envelope e depositá-los.

Jasmine apanhou os cheques e, na ponta dos pés, entrou no camarim, onde avistou a bolsa de brim de Botão de Rosa pendurada no espaldar de uma cadeira, perto do espelho. Voltava-se para sair quando alguma coisa chamou-lhe a atenção e a fez vi-rar-se. Sobre a penteadeira de Botão de Rosa havia um gordo envelope de papel manilha, apoiado contra o espelho. Nele, um nome datilografado: Jenny Lee Walker.

Franzindo a testa, Jasmine pegou o envelope.

— Que engraçado... Não achei que ninguém mais, além de mim, soubesse o nome verdadeiro de Botão de Rosa.

A correspondência estava endereçada à amiga, aos cuidados do The Catwalk. O remetente era alguma firma de advocacia, no Texas. Jasmine lembrou-se do advogado que entrara em contato com Botão de Rosa, dando-lhe a notícia da morte da mãe. Devia haver alguma ligação. Talvez Botão de Rosa tivesse herdado uma fortuna ou algo assim.

Jasmine enfiou os dois cheques e o enorme envelope dentro da bolsa, colocou a alça no ombro e vi-rou-se para sair.

Caminhava com todo o cuidado pelo corredor, com a intenção de passar pelo escritório de Leo e seguir até a saída dos fundos, para economizar alguns passos. Mesmo porque a porta do escritório estava fechada, e a dos fundos podia ser aberta de dentro, pois a chave sempre ficava na fechadura.

Estava quase alcançando a maçaneta quando os tiros espoucaram. Três explosões espaçadas, cada uma fazendo seu coração pular dentro do peito e seu corpo inteiro tremer, numa reação que a deixou enregelada.

Bum, burn, bum!

A porta da sala de Leo foi escancarada, e Jasmine pôde ver, por alguns segundos e com toda a clareza, o interior do aposento. Leo estava em pé, segurando a porta e ainda olhando para dentro. Soltou uma praga:

— O que você fez?! Petronella, que absurdo acabou de fazer?!

Outro homem, familiar a Jasmine por freqüentar o clube, estava parado ao lado do corpo inanimado de um terceiro sujeito, e de costas para Jasmine.

— Fiz o que tinha de fazer.

O olhar horrorizado de Jasmine caiu sobre o estranho no assoalho, que sangrava muito na cabeça, com uma poça escura espalhando-se sob ele. Então, algo a fez olhar além do ferido, para cima, para a janela de trás. Viu os olhos arregalados e as lentes grossas de seu filho fitando-a, através do vidro.

— Ele era um policial! — disse Leo. — Você deu cabo de um policial!

Jasmine precisava sair dali, e bem depressa, antes que algum dos homens olhasse para cima e visse Baxter. Não podia alcançar a saída dos fundos sem passar pela porta aberta do escritório. Por isso, recuou, tão silenciosamente quanto seus joelhos trêmulos conseguiram, de volta ao corredor. Se Leo ou aquele outro sujeito virassem as cabeças, iriam ver seu filho.

— Por que não sabia disso até agora? Hein? Por que estou lhe pagando? — berrava Leo, enfurecido, a voz esganiçada, ressoando pelas paredes do bar vazio e dentro da cabeça de Jasmine.

O outro sujeito praguejou.

— Não sei de tudo o que acontece no departamento, Leo. O que pensa que sou, o chefe ou algo assim? Além do mais, esse camarada não era dos meus. Era um federal.

Um agente federal!, a mente de Jasmine registrou, porém, apenas por um segundo. Ela não tinha tempo de ouvir ou de tentar analisar aquela informação. Precisava alcançar Baxter e tirá-lo dali antes que Leo ou seu comparsa assassino o vissem. Ou percebessem que ela estivera ali.

Esgueirou-se pelo corredor, pelo caminho que viera, entrando pelo bar, em direção à porta da frente. Abriu-a, com todo o cuidado, e espiou para fora. E, então, ouviu um som metálico. "Meu Deus, vem daquelas latas de lixo, bem debaixo da janela de Leo!"

— O que foi isso?! — Leo perguntou, aos gritos.

Jasmine saiu correndo. Contornou o clube, em disparada, em direção ao pátio. Ao se aproximar, viu que Baxter corria para o automóvel. As latas de lixo onde ele se empoleirara para espiar estavam caídas de lado. Então, a porta dos fundos se escancarou, no exato momento em que Baxter chegava ao carro e abria a porta do passageiro.

Leo e outro homem saíram em disparada pelo pátio. O assassino, Petronella, empunhava um revólver, e ergueu-o, apontando para Baxter, quando o garoto puxou a porta, fechando-a. Um tiro ecoou.

— Deixe-o em paz! — Jasmine pegou um pedaço de tijolo quebrado e lançou-o contra o bandido com toda a força de que foi capaz.

O tijolo atingiu-o na cabeça, e ele caiu de joelhos. Então, de súbito, ela ouviu o motor do carro dar a partida e não pôde acreditar. Leo voltava-se agora para ela, envesgando e protegendo os olhos. A luz do sol batia direto no rosto dele, e ela estava nas sombras do prédio, Jasmine percebeu. Contudo, o outro homem já se punha de pé de novo, apontando a arma na direção dela.

Tinha de sair do caminho ou seria ferida. E não sabia o que se passava na cabeça de Baxter. Só entendia que o pequeno ligara a ignição e colocara o veículo em movimento. Contudo, talvez nem pudesse enxergar para onde estava indo.

O veículo arrancou, aos solavancos, parando entre Jasmine e o assassino. Ela abriu a porta, num safanão, e saltou para dentro, jogando o garoto para o lado, empurrando-o para baixo com uma das mãos. Pisou no acelerador e saiu, queimando os pneus, a toda velocidade.

— Jesus Cristo, nenê! Meu Deus! Nenê, você está bem? — Jasmine manteve o pé apertado até o fundo no pedal, entrando e saindo das alamedas, enquanto corria a mão livre pela cabeça do filho, por seu pescoço, seus ombros. — Está ferido, Bax? Você está bem?

Seu olhar estava mais fixo nele do que no caminho, procurando por ferimentos, com a certeza de encontrar sangue e buracos de bala.

— Estou bem, mamãe. Fique calma.

— Está mesmo?

Baxter fez que sim. Com as lágrimas escorrendo, Jasmine deixou que o alívio a dominasse. Era verdade, seu filho não fora ferido.

— Obrigada, Jesus! — murmurou, puxando-o para perto, num abraço apertado de um só braço.

Beijou-lhe o rosto, sentiu o tremor que o sacudia. Observou pelo espelho retrovisor. Nenhum sinal de ninguém a sua caça. Diminuiu um pouquinho a velocidade.

— Vamos, nenê, ponha o cinto de segurança agora. Temos de ir para algum lugar seguro. Algum local bem longe, distante daqueles homens malvados. Eu juro que está a salvo agora, Baxter.

O menino assentiu, mas Jasmine não achou que acreditasse no que ela dizia.

Três coisas continuavam a atropelar os pensamentos de Jasmine, mais e mais, enquanto ela dirigia. Leo e aquele outro sujeito, o que ela vira rondando o The Catwalk pelas últimas semanas, tinham visto seu carro. E viram Baxter. E sabiam que ele fora testemunha do assassinato de um agente federal. Na certa tentariam matar seu garotinho, e não seria difícil para eles encontrá-la.

Acariciou os cabelos de Baxter, que se recusava a deixar escorrer uma única lágrima, e ainda tremia todo.

— Tudo vai ficar bem, nenê. Mamãe jura, tudo vai ficar bem.

Baxter não falava, não fazia perguntas, o que era tão impróprio dele, e isso a assustava. Seus braci-nhos estavam enroscados em torno da cintura, a cabeça baixa e o corpinho inteiro de seu querido tremia. A cada instante, Jasmine relanceava os olhos pelo retrovisor, mas não viu ninguém que pudesse estar a segui-la.

Não, eles não a perseguiriam. Por que fariam isso, afinal? Sabiam muito bem onde ela morava.

De repente, seu coração enregelou. Botão de Rosa! Deus de Misericórdia, precisava avisar Botão de Rosa! Esquadrinhou os arredores e viu uma cabine telefônica. Pisou no breque e parou.

— Abaixe-se aqui, atrás da direção, nenê. Você pode segurar minha mão o tempo todo, está bem?

Com um gesto, o garoto concordou, o olhar fixo nela. Jasmine pôde notar o pranto represado.

Baxter agarrou-lhe a mão. Jasmine pegou uma moeda na bolsa e abriu a porta do veículo. Saiu, mantendo o filho seguro numa das mãos e, com a outra, colocou a moeda no aparelho. Discou os números. E, ao fazê-lo, notou as unhas. Ela e Botão de Rosa tinham feito as unhas no dia anterior. Botão de Rosa escolhera um vermelho brilhante, enfeitando cada uma das unhas com minúsculos pontos de um rosa pálido. Jasmine optara por um vermelho-rubi, com glitter, que faiscava como diamante.

As unhas tinham brilhado ao sol agora, quando fez a discagem. Ouviu que o telefone tocava, tocava, tocava. Por que Botão de Rosa não atendia? Se tivesse saído, teria ligado a secretária eletrônica.

O que devia fazer? O quê?!

Repôs o telefone no gancho, deslizou para dentro do automóvel, junto a Baxter, e fechou a porta. "Pense, mulher. Tem de haver uma saída!"

Botão de Rosa podia ter ido até a escada da frente do prédio. Fazia isso algumas vezes. Sentava-se nos degraus e ficava a observar as pessoas passarem. Dizia que isso a ajudava a raciocinar.

Jasmine podia passar por ela. Só passar, sem parar, sem entrar para não pôr em risco seu nenê. Só passaria e veria. Se Botão de Rosa estivesse lá, podia apanhá-la, e dariam o fora dali. Podia funcionar.

Enxergava tudo direitinho em sua imaginação. Pegaria Botão de Rosa e sairiam a toda velocidade. E tudo ficaria bem. Poderiam ir para alguma outra cidade. Claro que daria certo.

Estava a quarenta e cinco minutos do edifício, agora. "Deus, por favor, faça com que eu chegue a tempo!"

Dirigiu o mais depressa que conseguiu se atrever. E, quando chegou nas vizinhanças do prédio, colocou os óculos de sol» Contornou as ruas laterais e, então, ousou chegar mais perto.

— Deite-se no piso, nenê — disse a Baxter. —Fique quietinho aí deitado, só por um minuto, sim, querido?

Ele não discutiu, não perguntou por que pela primeira vez em sua curta existência. Fez o que a mãe pedia, apenas. Jasmine quase deixou escapar um soluço de alívio e de preocupação. Não era próprio de Bax mostrar-se tão obediente, tão tímido, tão quieto.Fez a curva e aproximou-se mais, sem entrar na rua em que morava, mas passando por ela e olhando.

— Oh, não...

Luzes piscando, em vermelho e azul. Um monte delas. Jasmine pôde ver as pessoas na calçada. Girou o volante, fez a volta no quarteirão, entrou na via pelo lado oposto. Seu prédio ficava na esquina. Podia enxergar muito bem daquele ponto. Dirigiu, quase prendendo a respiração, até que chegou à esquina. E estacou. No meio da rua. Ficou sentada, imóvel, olhando.

Dois homens carregavam uma maça, saindo da porta da frente e descendo os degraus, em direção a uma ambulância que esperava. A pessoa que estava na maça, porém, não precisava de nenhuma ambulância. Jasmine podia perceber, mesmo de onde estava, o plástico preto que envolvia a vítima ali estendida. Um saco fechado de vinil.

Os homens fizeram uma pausa ao pé da escada quando um oficial uniformizado parou, para falar com eles. Inclinando-se, puxou o fecho de correr do saco de vinil. Uma mão caiu, esguia e branca, e Jasmine conteve o fôlego. Unhas longas e perfeitas enfeitavam aquela mão. Um vermelho brilhante com algo minúsculo e claro destacava-se em cada unha.

Tapou a boca com força, para não deixar escapar um grito de horror. Porém, as lágrimas puseram-se a escorrer tão depressa que não conseguiu impedi-las.

Atrás dela, uma buzina tocou. Estava impedindo o tráfego.

O policial parou em meio ao ato de fechar o zíper e ergueu a cabeça, em sua direção. Jasmine estremeceu, ao ver-lhe o rosto. Era o mesmo homem que vira com Leo, o mesmo que matara um agente federal e quase a matara, também. Estava lá, de pé, com o sol fazendo faiscar seu distintivo.

— Petronella... — murmurou, contendo a respiração.

Os olhos do policial se estreitaram, e ele ergueu o braço, para protegê-los da claridade, como se tentasse enxergar melhor. Jasmine pisou no acelerador, e o carro arrancou.

 

Luke chutou um monte de musgo para fora dos largos degraus de pedra da velha casa de alvenaria e mordeu o lábio inferior.

— Já resolvi, Garrett — disse para o primo, um homem que, nos últimos três meses, tornara-se quase um irmão para ele, algo que ainda o intrigava. — Vou ficar.

Olhou pra cima e viu o largo sorriso que sabia que estaria lá, naquele rosto sombreado pelo chapéu Stetson.

Garrett deu-lhe um tapinha no ombro.

— Todos os Brand ficarão felizes em saber disso, Luke. Chelsea tem me infernizado toda noite, insistindo: "Não pode pedir para ele ficar? Por que não se empenha mais?". E assim por diante.

Luke exalou um longo suspiro.

— Não era minha intenção deixar todo o mundo em suspense por tanto tempo. E que... Bem, não é uma decisão fácil. — Fitou a máquina reluzente estacionada no caminho. — Aquela carreta tem sido minha parceira e praticamente minha única amiga por longos anos. Mas... ora bolas, Garrett, acho que foi preciso a morte de Buck para que me desse conta de que isso não era a única coisa que eu queria na vida!

Garrett assentiu. Luke havia contado a ele tudo o que sabia de Buck, e sobre aquele momento em que tomara a decisão de vir até ali. Estava a par de toda a história.

— Quer dizer que descobriu o que deseja de verdade, Luke?

— O que descobri foi que minhas opções são amplas. Amei minha mãe do fundo da alma, Garrett, porém ela me prestou um pequeno desserviço criando-me como criou. Recusando-se a me compartilhar com alguma outra pessoa. Ou em impedir que chegassem perto dela. Para nós dois, isso foi muito negativo. Natalie me fez crescer acreditando que era melhor não ter vínculos afetivos, ser independente e solitário.

Luke balançou a cabeça.

— Nunca, em meus sonhos mais loucos, imaginei fazer parte de uma família enorme e espalhada como esta.

— Não posso me imaginar sem fazer parte dela — retrucou Garrett. — E parece que fica cada vez maior!

Luke gargalhou, pensando nos dois futuros pais do clã, Wes e Elliot, e em como estavam perto as datas dos partos de Taylor e Esmeralda.

— Mas essa é a beleza que existe, Garrett. E o que quero, também. Passei anos e anos imaginando isso. Tanto que posso ver, em minha mente, tão claro como consigo enxergá-lo parado aí. Quero ter o que você tem, Garrett. Um lar que me acolha em seus braços quando eu entrar pela porta da frente. Ele voltou-se e olhou para trás, para a aparência ainda tristonha da casa de tijolos, vendo apenas seu potencial.

— E uma família que faça o mesmo. Uma mulher boa, honesta, íntegra, que prepare biscoitos e me dê filhos.

Garrett ergueu os braços e caiu numa risada profunda e sonora.

— Pelo menos temos assegurada a parte que se refere ao lar. O lugar irá a leilão na próxima semana. E você é a única pessoa interessada, por aqui.

— Como sabe disso? — perguntou Luke.

— Minha íntegra esposa, minha íntegra irmã e minhas íntegras cunhadas não ficam bisbilhotando. Mas esta é uma cidade pequena, e bisbilhotar não é nada difícil. Se alguém mais estivesse planejando arrematar este velho pedaço de chão, já estaríamos sabendo disso agora. Não há ninguém interessado, portanto.

Com um suspiro profundo, Luke olhou para a carreta, toda brilhante e polida, na estrada poeirenta. Reluzia ao sol vivido do Texas como uma jóia sob os refletores.

— Não posso dizer que não sentirei saudade dela. Entretanto, recebi uma oferta e tanto pela carreta.

— Vai aceitar?

— Já aceitei. O comprador virá aqui esta tarde, para apanhá-la. Irá e pagar o suficiente para que eu possa comprar este lugar, sem dúvida.

— Custará caro fazer a reforma, não duvide. — Garrett agarrou a velha grade de ferro que ladeava os degraus de pedra e sacudiu-a. A estrutura balançou, solta, para a frente e para trás.

— Como pude alugar este lugar por três meses e não perceber isso?

Garrett deu de ombros.

— A construção é sólida em seus alicerces. Parece que precisa só de trabalho de acabamento.

— Claro que é sólida. É feita de alvenaria. E uma daquelas que nem mesmo o Lobo Mau poderia botar abaixo com seu sopro. — Luke correu os olhos pelos tijolos avermelhados, pela grossa e vicejante trepadeira que se enroscava nas laterais, com pesados cachos de flores cor-de-rosa despontando a cada poucos centímetros.

Os dois pavimentos da casa eram alinhados com janelas em arco, com peitoris de pedra, os tijolos ao redor colocados no comprimento, num bonito padrão de leque.

— Não se fazem mais construções como esta.

— E não se esqueça da melhor parte — emendou Garrett. — E a próxima porta à direita da Texas Brand.

— O ponto-chave da questão — disse Luke, e ambos riram muito.

O sorriso de Garrett desapareceu, e uma expressão sincera de satisfação tomou seu lugar.

— Fico feliz que tenha vindo nos procurar, Luke. E ainda mais por ter resolvido ficar.

Baixando a cabeça, Luke suspirou.

— Vocês todos me fizeram sentir parte da família desde o princípio. Isso é algo que nunca tive. E nunca imaginei que podia ter.

— Você é da família. Não se esqueça disso. E faz parte de uma em que os laços familiares vêm em primeiro lugar, o que significa muita coisa. — Garrett sorriu, com malícia. — Agora, irei direto para casa antes que eu faça mais cera do que já fiz. Vejo-o no jantar, certo?

— Depende. De quem é a vez de cozinhar?

— Minha. Vou fazer churrasco de costela. Não vai querer perder, certo?

— Pode apostar que não.

Garrett sorriu de orelha a orelha, e voltou-se para ir embora, as longas passadas liquidando a distância até sua caminhonete robusta, estacionada ali perto.

Luke ficou em pé, por um momento, no portão de sua nova residência, o lugar onde pretendia encontrar suas raízes, começar de novo, fazer algo por si mesmo. Caminhou devagar até a carreta, parada na estrada.

— Bem, velha amiga, acho que é isso. Chegamos a uma encruzilhada no caminho. Você tomará um rumo, e eu, o outro.

Tirou o boné, abriu a porta do caminhão e colocou-o com suavidade no assento. Fechando de novo a porta, rumou para a casa, pelo caminho de pedras, além do portão. Apanhou o chapéu do gancho, lá dentro, logo depois da porta. O Stetson marrom, com a fita de couro na aba. Colocou-o na cabeça.

Até então, andara mudando de chapéu a todo instante. Um dia, pensando em ficar ali e usando o chapéu de caubói. No outro, ansiando pela estrada aberta e usando seu boné Mack. Nessa ocasião, porém, sabia que tomara uma decisão. Ajustou o Stetson. E sentiu-se muito bem.

— Lá está ela, nenê — murmurou Jasmine.

Baxter mexeu-se, a seu lado. Caíra no sono, quilômetros atrás. Por um instante, Jasmine não tivera a certeza de encontrar aquele lugar, encravado ali, no meio do nada. Agora, porém, vira que conseguira.

Olhou para a fotografia que encontrara no envelope endereçado a Jenny Lee Walker. Sua bela e gentil Botão de Rosa. A enorme e a antiga casa de tijolos que os faróis arrancavam da negra noite do Texas era idêntica à da foto, até mesmo pela trepadeira que subia pela lateral. E as indicações que o advogado incluíra na remessa eram bastante precisas, também. Ela se perdera apenas por duas vezes.

A mãe de Botão de Rosa havia deixado aquela casinha para a filha. E Botão de Rosa não tinha mais ninguém no mundo, a não ser Jasmine.

Fora como uma irmã para Jasmine, como uma segunda mãe para Baxter, e Jasmine sabia que Botão de Rosa os amara tanto como se pode amar alguém. Ela teria desejado que fosse assim. E, da maneira como as coisas tinham acontecido...

Bem, tudo parecia quase predestinado. Botão de Rosa estava morta, Jasmine fugira com a bolsa da amiga, levando sua identidade, cartões de crédito e a carteira de motorista, e aquele enorme envelope do advogado contendo as indicações para a velha propriedade, que pertencia a Botão de Rosa agora. Tudo estava ali, no banco traseiro. Assim parecia fácil acreditar que talvez esse fosse o caminho a seguir. Parecia além dos limites da coincidência.

De qualquer forma, estava ali, agora. Na casa de Botão de Rosa. De Jenny Lee. Tinha de se lembrar de chamar a si mesma de Jenny Lee. Aquele lugar não era Chicago. Não era uma cidade, e as mulheres dali não usavam codinomes de palco. Uma Jenny Lee podia se misturar entre as pessoas, esconder-se por enquanto naquele esconderijo, enquanto decidia o que fazer. Uma Botão de Rosa seria notada demais.

Desligou o motor e tirou as chaves. Os faróis se apagaram, mergulhando a casa na escuridão. Deus, estava escuro ali! Milhares de estrelas enfeitavam o céu, mas não havia lua. Nem um poste de iluminação na rua.

Jasmine abriu a porta do automóvel e ouviu o zumbido dos insetos. Respirou fundo e inalou o perfume suave do vento. Flores. Quem sabe daquelas parreiras que subiam pelos lados?

Que escuro!, pensou. Mas não era tão apavorante como em Chicago. O escuro ali cheirava bem, e havia um fundo musical que não incluía buzinas enlouquecedoras nem sirenes estridentes.

Foi tomada, de súbito, por uma sensação de que tinha feito a coisa certa. Baxter estaria a salvo, ali.

Pôs no ombro a bolsa de Botão de Rosa, sua bolsa agora, tomou o filho adormecido nos braços e fechou a porta do carro com o quadril.

— Olhe, nenê — disse, com doçura. — Vê essa casa bonita? Hein? Fica longe, muito longe de tudo o que é ruim, Baxter. E seguro aqui. E seremos só nós dois, eu e você, daqui por diante. Ninguém irá machucá-lo, ou assustá-lo daquele jeito, de novo. Ouviu?

— Mas... mas, mamãe, que casa é essa? — Baxter despertou e tirou os óculos do bolso da camisa, colocando-os.

Ela fungou, de leve.

— É de sua tia Botão de Rosa, nenê. Ela só ficou sabendo disso outro dia. Queria que nós ficássemos aqui, a salvo.

— Então, aqueles homens maus não nos encontrarão?

— Não.

Baxter escorregou dos braços da mãe e ficou de pé, uma das mãos segurando a dela, e esfregando os olhos com a outra. Jasmine começou a caminhar. Baxter fincou-se no chão.

— O que é isso, nenê? — perguntou, olhando para ele.

— Tem certeza de que eles não podem nos encontrar aqui?

O menino a encarava, tão confiante e tão atemorizado.

— Tenho, sim, Bax.

— Eles acharam tia Botão de Rosa, não é, mamãe? Jasmine cerrou as pálpebras.

— Eu vi, mãe. Você me mandou ficar abaixado no assoalho do carro, mas não fiquei, como sempre. Pude ver aqueles homens levando alguém na ambulância. Era tia Botão de Rosa, não era? Foi por isso que não a pegamos e não a trouxemos conosco... não é, mamãe?

Respirando fundo, Jasmine assentiu.

— Sim, nenê. Mas não quero que se preocupe com sua tia Botão de Rosa, de agora em diante. Ela está junto com os anjos.

Baxter olhou para o céu. Uma enorme lágrima rolou por seu rostinho, por debaixo dos óculos.

— Vou sentir saudade sua, tia Botão de Rosa. Fechando os olhos para impedir que as próprias

lágrimas escorressem livres, Jasmine tomou Bax no colo, de novo. Ele enroscou as pernas em torno da cintura da mãe, e seus braços agarraram-na pelo pescoço, como um filhote de macaco-aranha, e Jasmine o carregou pela calçada gasta pelo tempo, e para cima, pelos largos degraus de pedra da varanda. Tinha nas mãos uma chave, a mesma que o advogado colocara no envelope. Entretanto, quando a colocou na fechadura e segurou a maçaneta com a mão livre, percebeu que ela girava em falso. O lugar não estava trancado. Era estranho...

Empurrou a porta aberta e deu alguns passos para dentro, em meio à escuridão. Seus dedos tatearam a parede, procurando um interruptor de luz. Na verdade, não esperava encontrá-lo, quando esbarrou nele. O aposento iluminou-se.

Pestanejando, olhou ao redor, sem entender o que via. O lugar estava limpo, arrumado, mobiliado. Uma lareira de tijolos a encarava, bem no centro, uns poucos enfeites sobre seu forno de pedra.

Um touro de cerâmica vermelha. Um candelabro de prata sem nenhuma vela. Uma fotografia de um caminhão, numa moldura. O que era aquilo?!

A esquerda, uma grande passagem em arco conduzia ao próximo aposento e uma escada escura levava ao andar superior. A direita, janelas altas e estreitas, com cortinas de um verde escuro.

Os móveis combinavam. Uma cadeira estofada com uma estampa de folhas verdes. Uma espreguiçadei-ra marrom um pouco para o canto. Um sofá forrado de tecido floral com o que parecia uma manta de lã usada em cavalos, jogada sobre o encosto. O tecido era listrado em marrom, preto, cinza e branco, com franjas nas pontas.

Um tapete bordado, oval, enorme, cobria boa parte do assoalho, porém Jasmine podia ver a madeira rústica nas beiradas. Havia uma mesa de café de formato estranho que parecia uma fatia cortada de alguma árvore gigante, em que haviam colocado pernas. O tampo reluzia sob camadas de laça e ainda mostrava os veios em torno das faces externas. E, sobre a mesa, uma xícara de café. Com uma borra escura no fundo.

Ela voltou-se para olhar para a porta por onde acabara de passar. Um chapéu de caubói estava pendurado num gancho, ao lado.

Tudo bem. Tudo bem, quem sabe ela devesse ter lido tudo o que havia naqueles papéis endereçados a Botão de Rosa antes de rumar direto para ali? Porém, estivera dirigindo por dois dias, quase sem parar. E havia montes de documentos naquele envelope. Não tivera tempo. Queria fugir, afastar-se para longe de homens que atiravam em garotos inocentes.

Não devia ter esperado que fosse tão fácil.

— Estou tão cansado, mãe...

Suspirando, Jasmine apertou Baxter nos braços e, então, colocou-o sobre o sofá. Puxou a manta listrada sobre ele.

— Você vai dormir agora, Bax. Tudo ficará bem, você verá. Durma, meu amor.

O pequeno fechou os olhos e rolou para o lado, enfiando-se sob a coberta. Jasmine tirou-lhe os óculos e colocou-os sobre a mesinha. Ficou ao lado de Baxter, acariciando-lhe os cabelos até ouvi-lo ressonar. Então, respirando fundo, levantou-se, foi até a porta e trancou-a. Verificou as janelas na sala de estar, certificando-se de que estavam fechadas também.

Alguém vivia ali. Sem dúvida. Mas, quem quer que fosse, não estava presente*no momento. O lugar se encontrava imerso na escuridão e não havia nenhum veículo nas imediações. Talvez, quando os ocupantes voltassem, Jasmine já tivesse descoberto exatamente quais eram os direitos legais de Botão de Rosa sobre a propriedade.

Apanhou a bolsa e dirigiu-se ao outro aposento, passando pelos arcos. Achando um interruptor na parede, acionou-o e descobriu-se num cômodo imenso. Um balcão separava a copa da cozinha. A porta dos fundos ficava ao fim da parede.

Jasmine verificou se estava fechada. Fez o mesmo com a janela. E então, sentindo-se mais ou menos segura, apanhou o envelope da bolsa de Botão de Rosa e esvaziou seu conteúdo sobre a mesa. Precisava saber ao certo qual a situação em que se encontrava. Esperava deparar com uma casa abandonada e vazia, e não com uma ocupada.

A mãe de Botão de Rosa estivera num asilo pelos últimos dois anos, pelo que Jasmine sabia. Desse modo, quem estaria vivendo ali? Graças a Deus, ela chegara enquanto os ocupantes estavam fora. Pelo menos, podia descansar um pouco.

Seus olhos estavam secos e pesados quando sentou-se à mesa da copa e começou a ler os documentos. Ocorreu-lhe que, quem quer que morasse ali, devia ter café em algum lugar.

Resolveu procurar.

Luke ouviu algo no andar de baixo, mas não deu importância. Rolou para o lado e tentou dormir, de novo. Ainda não se acostumara àquela cama enorme no meio de um quarto ainda maior.

Sempre pensara que seu colchonete era grande o suficiente. Mas, mesmo num modelo king-size, seria quase um nada perto daquele colchão.

Mal conseguira dormir a sono solto nas primeiras semanas. E não se habituara aos ruídos, também. Evidente que ouvia barulhos pela noite toda quando dormia na carreta, à beira da estrada ou em uma área de descanso. No entanto, não aquele tipo de barulho.

Habituara-se a buzinas, tráfego, portas batendo, rádios tocando. Ali, os ruídos eram diferentes. Grilos cantando sem parar. Pássaros noturnos piando de um jeito suave e triste. Coiotes uivando como se tivessem perdido seu melhor amigo. Algumas vezes, o vento gemendo, passando pelas frestas. A casa estalando.

Tudo cheirava diferente ali, também. Em vez da fumaça do diesel e da exaustão dos canos de escapamento, o aroma das flores da trepadeira que vinha pela janela aberta, trazido pela brisa, misturando-se ao adocicado do capim das campinas e das flores silvestres.

E de café fresco.

Os olhos de Luke se arregalaram. "Café?! Espere um instante, isso não pode ser!"

Despertou por completo e cheirou o ar. Sim, senhor, aquilo era cheiro de café, que subia pelas escadas e aguçava-lhe os sentidos.

Sentando-se devagar e franzindo a testa, relanceou o olhar para os números luminosos de seu relógio de cabeceira e ficou a imaginar quem, afinal,

haveria de ter se metido em sua casa às três horas da manhã. E fazendo café.

Um de seus primos, pensou, jogando longe as cobertas. Quem sabe alguém em apuros. "Céus! Quem sabe um dos bebês tivesse nascido?!" Taylor, a mulher de Wes, estava para dar à luz a qualquer momento, assim como Esmeralda, a estranha esposa de Elliot. Quem sabe um dos novos membros de sua imensa família tivesse chegado?

Luke levantou-se com uma ligeira sensação de euforia enchendo-lhe o peito. Enfiou-se na calça jeans e vestiu a camisa. De pés descalços, correu para a escadaria da casa que seria sua assim que as formalidades do leilão fossem cumpridas, dali a uma semana.

A luz iluminava a copa, de maneira que ele dirigiu-se para lá e, então, piscou e esfregou as pál-pebras, antes de olhar, de novo.

Uma moça estava ao lado do balcão, de costas para ele, despejando café fresco e fumegante na caneca. Sua caneca favorita. Tinha cabelos compridos, negros, pesados, brilhantes, que caíam numa cascata de caracóis até quase a cintura. Usava calça apertada que se agarrava a suas formas de tal maneira que parecia que ela usava uma fina película de malha preta. Era colada em seus quadris e descia até as botas de cano curto.

Havia uma polegada de carne entre o lugar em que a calça terminava e a camiseta, se é que aquilo podia ser chamado de camiseta. Era feita de uma malha metálica transparente, e Luke podia ver, através dela, o sutiã ou o que quer que fosse que ela usasse, por baixo. Aparecia uma tira escura em suas costas, debaixo da malha prateada.

— Desculpe-me? — Luke conseguiu dizer, quando, enfim, recuperou a voz.

A mulher virou-se tão depressa que seu café esparramou-se pelas bordas, e seus brincos compridos tiniram, como sininhos. Seus olhos se arregalaram, como pires, enormes olhos escuros, delineados em preto por cílios tão compridos e espessos que tinham de ser falsos. Os lábios eram tão cheios e vermelhos que pareciam morangos maduros.

Luke julgou que jamais tinha visto tanta maquiagem num rosto antes. Exceto, quem sabe, naquelas dançarinas em Las Vegas. A estranha não disse nada, só deu um passo para trás e levou a mão para apanhar alguma coisa. Ele ouviu um som de metal.

.— Não queria assustá-la, moça. — Luke ergueu as mãos, caminhando em direção a ela. — Quero dizer, não chamarei a polícia ou coisa assim. Só estou curioso de saber o que está fazendo em minha casa, no meio da noite. Além de preparar café, quero dizer. — Chegou-se mais perto.

Jasmine ergueu uma faca. Luke viu o objeto perigoso e parou. Notou as unhas longas, pintadas      

num vermelho brilhante e com pequenos pontos de glitter luzindo em cada uma delas.                                

— Você... não é daqui, é?

— Quem é você? — Jasmine indagou, num tom ameaçador. — O que quer?

— O que eu quero? — Luke meneou a cabeça, seu ânimo mudando para pior. — Baixe essa faca.

Ela ergueu a arma ainda mais alto.

— Ok, ótimo, eu começo. E vamos falar sobre essa faca. — Luke relanceou o olhar para o telefone.

Imaginou quais seriam suas chances de discar para Garrett antes que aquela criatura enterrasse a lâmina em suas costas, fundo o bastante para matá-lo. Imaginou por que ela faria isso.

— Sou Luke Brand. E esta é minha casa. Jasmine balançou a cabeça, nervosa.

— Está mentindo. Botão de... minha mãe me deixou este imóvel em testamento. E meu, não seu, e quero saber o que está fazendo aqui, invadindo-a.

— Opa, opa, espere um instante! Muito bem, não é minha casa... ainda. Mas eu moro aqui. — Luke acompanhou o olhar dela, que caíra sobre os papéis, na mesa. — Ouça, este lugar está prestes a ser leiloado para pagar os impostos atrasados. Você cometeu algum tipo de engano. Escute, não sou de guardar rancor. Só ponha essa faca para baixo, pegue seus papéis e siga seu caminho.

— Não irei a lugar algum.

Luke deu mais um passo em direção a ela, e Jasmine brandiu a faca, ameaçando-o, embora Luke tivesse quase certeza de que não pretendia feri-lo. Mas aquilo o aborreceu.

— Droga, pode-se dar um jeito nisso! — E, de um salto, agarrou-a pelo pulso.

Jasmine deu-lhe um soco na barriga com o punho livre, mas Luke enfiou o braço em torno de sua cintura e puxou-a, com um safanão, contra o si. Segurou-a com força, mantendo-lhe o braço dobrado contra o corpo. A mão que empunhava a faca continuava presa.

Jasmine encarou-o, assustada e ofegante.

— Solte-me — murmurou. Luke a encarou, também.

— Largue a faca.

— Nunca.

Luke deu de ombros.

— Ótimo. Posso segurá-la assim por toda noite. Mas as palavras o fizeram sentir-se incomodado,

consciente daquelas curvas comprimidas contra ele. As formas eram firmes, enxutas, provocantes, constatou. Tinha uma atleta nos braços.

— Largue a faca — tornou a exigir.

— Nem morta!

 

Aquele homem era alto e rijo. Magro e forte. Não fofo e carnudo como aqueles dos quais Jasmine costumava se livrar com facilidade, no The Catwalk. Portanto, não levaria a melhor contra ele numa luta.

Porém, não iria se render e entregar a única arma, deixando Baxter indefeso no quarto contíguo.

Fazia um longo tempo que o estranho a segurava. Tinha de reconhecer que era quente e asseado. Cheirava como o ar dali. Fresco e doce, mas com um acento sutil de almíscar. Bem másculo. Com sua camisa aberta e seu peito nu, seria impossível não notar. Ainda mais porque, no momento, o desconhecido a prendia com muita firmeza contra o corpo. O nariz dela quase o tocava, os lábios distantes apenas por um sopro.

Enfim, com um suspiro, o invasor exclamou:

— Vou ficar louco da vida se você me espetar com minha própria faca, senhora!

— Não o cortarei, a menos que me dê motivos para isso.

— Não lhe farei isso, ora! Droga, eu gosto de mulheres.

Jasmine engoliu em seco, certa de que ele estava planejando algo.

— Acha que eu seria estúpida de largar a faca? Sou uma mulher, sozinha numa casa, com um homem que não conheço. Largue-me!

Luke pareceu pensar por um instante.

— Sabe, temos um ponto em questão aqui. Embora seja meio distorcido, já que foi você que invadiu minha casa...

— Não invadi. E, como se não bastasse, usei minha chave. Chave que tenho porque esta casa é minha.

Luke suspirou, mastigando o lábio inferior. O calor que emanava dele empapava as roupas de Jasmine, agora. E o modo como a mantinha presa era muito próximo para um homem que ela não conhecia. Próximo demais.

Um modo ao mesmo tempo ameaçador e também muito semelhante a um abraço. Bruto, sim. Mas o estranho não a machucava. E ela não se debatia para livrar-se.

— Muito bem, vou soltá-la agora — disse ele, por fim. — Darei um passo para trás e a libertarei, e então você me explicará o que está acontecendo aqui, está bem?

Com os olhos fixos nele, Jasmine assentiu, devagar, cada músculo retesado e pronto para entrar em ação. Se ele tentasse alguma coisa...

Luke soltou o braço que a prendia pela cintura, retrocedendo, para longe dela, antes de largar-lhe o pulso.

Jasmine baixou a faca, os dedos ainda agarrados ao cabo, o braço pendendo ao lado do corpo.

Ele respirou fundo, observando-a. Ocorreu a Jasmine que aquele rapaz parecia tão alerta e cheio de suspeitas quanto ela. Sem desviar o olhar da faca, Luke falou, com muita cautela e suavidade, como se falasse com um animal selvagem:

— Você disse que sua mãe lhe deixou este lugar em testamento?

Jasmine apontou para a mesa.

— Recebi aquela correspondência do advogado dela, anteontem. Veja por si mesmo.

Luke relanceou os olhos para os papéis espalhados sobre o tampo.

— Você... ah... se importa se eu pegar uma xícara de café, primeiro?

Jasmine franziu o cenho, com desconfiança.

— Sente-se, eu pego.

— Ou você foi tomada por uma vontade irresistível de me servir ou está com medo de que eu me aproxime da gaveta das facas — disse Luke, num tom de leve ironia, estampando um sorriso. Ao ver que a jovem não respondia, seu sorriso morreu. — Ótimo. Vou me sentar.

Jasmine manteve Luke dentro de seu perímetro de visão enquanto ele caminhava até a mesa, sentava-se e recolhia os papéis.

Porém, ele parecia ainda nervoso. Estudou os documentos e, então, a fitou. E depois de novo os papéis, bem rápido. Na certa temia que ela se esgueirasse por trás e enterrasse a lâmina em suas costas. Jasmine quase gostava da sensação de ser a pessoa em posição de poder, naquele instante. Não era sempre que tinha essa possibilidade, com um homem. Pegou o bule e serviu o café numa xícara, colocando um pouco mais na própria caneca. Levou as duas para a mesa com uma das mãos, mantendo a faca na outra. Colocou ambas entre eles e sentou-se, do lado oposto a Luke.

— Então, vejamos... Você é Jenny Lee Walker? — indagou.

— Sim.

Luke a encarou por um instante. Arqueou uma sobrancelha.

— O que foi?

— Nada, nada. É que você... não se parece muito com uma Jenny Lee, para mim.

Para ser franca, nem a verdadeira pareceria, pensou Jasmine.

— As pessoas mudam. Não tenho usado esse nome por anos.

— Não? Que nome usa?

Jasmine poderia ter dito Botão de Rosa. Mas manter-se o mais perto possível da verdade tinha suas vantagens. Só causaria confusão a Baxter ouvir aquele homem chamando-a de Botão de Rosa.

— Jasmine — respondeu, por fim. Luke pestanejou.

— Jasmine? É mesmo?

— O que há de errado com Jasmine? — De imediato, pôs-se na defensiva.

Luke deu de ombros.

— Nada. E que jasmim era o nome da flor favorita de minha mãe. Só isso. — Suspirou e voltou a verificar os papéis. — Bem, Jasmine, sua mãe fez este testamento dois anos atrás. De acordo com as anotações do advogado, Buzz Montana... o sujeito é daqui, a propósito, de modo que você mesma poderá falar com ele, se quiser. As terras estavam arrendadas para pagar a manutenção, assim como os próprios honorários dele. Na verdade, conheço os fazendeiros que vêm utilizando a terra como pasto para o gado. Pelo visto, as coisas andavam tão mal que o advogado decidiu alugar a casa também. Foi nessa ocasião que cheguei, procurando por um lugar para morar. Porém, isso ainda não foi suficiente para pagar os impostos.

— Impostos?

— Sim, as taxas da propriedade. Olhe, esse advogado vem procurando por você faz dois anos. Onde estava?

— Isso não é de sua conta — Jasmine afirmou, com rispidez. — Estou aqui, agora. E o lugar me pertence.

— Não, se você não pagar o que deve. O governo vai leiloar tudo para receber o dinheiro.

— Então é meu até que isso aconteça. E ainda não aconteceu, não é?

— Não. Só daqui a uma semana. Porém...

— Então, a casa é minha, ainda por uma semana.

"E isso será tempo suficiente para descobrir o que fazer a seguir."

Luke se levantou da cadeira, lentamente.

— Escute, moça, eu nem mesmo sei se você é mesmo Jenny Lee Walker. Pelo que posso imaginar, bem poderia ter se apoderado deste envelope, junto com a bolsa da herdeira.

Jasmine arregalou os olhos, ficando de pé, no mesmo instante.

— Oh, então, para você, eu pareço uma ladra?!

— Ou coisa pior.

Ela deixou cair o queixo. Pestanejou, chocada, diante da acusação inesperada.

— E isso quer dizer o quê?

— Que eu não nasci ontem, doçura. Tenho visto uma porção de mulheres como você nas mais diferentes paradas de caminhão por todo o país. Elas surgem, no meio da noite, batendo nas portas e perguntando se queremos que "lavem as janelas".

— Acha que sou uma prostituta?

— Com certeza. Tem toda a aparência de uma. Jasmine o esbofeteou. Foi um tapa duro, direto

em sua face. E as unhas compridas penetraram sua pele, produzindo marcas.

Ficaram ali, em pé, os dois, encarando-se, com a mesa a separá-los. Jasmine não costumava ser violenta, no entanto, passara por maus bocados nos últimos dois dias. Testemunhara um assassinato. Escapara de ser morta a balas e quase perdera o filho pequeno. Ficara sem a melhor amiga, quando ela mesma era o alvo em mira. E dirigira por horas e horas quase sem parar. Estava cansada, faminta e apavorada até os ossos. E, no exato instante em que conseguira chegar àquilo que supunha ser um esconderijo, aquele caubói idiota tinha de aparecer e meter-se em seu caminho!

Luke continuou ali, firme, nada abalado pelo bofetão. Ao menos era o que parecia, embora manchas avermelhadas surgissem agora em seu rosto.

— Se acha que eu vou sair daqui, no meio da noite, moça, e dar o fora de minha própria casa...

— Minha casa! — ela o corrigiu.

— Diga o que quiser. Terá de me provar que é Jenny Lee Walker. Se puder, eu a deixarei ficar.

— Não tenho de lhe provar nada! Quem pensa que é, afinal? Sou a dona deste lugar. Não preciso nem responder. E você o invasor, aqui!

— Paguei o aluguel adiantado por um mês. E posso provar isso. Você não poderia me escorraçar daqui, mesmo que quisesse.

— Oh, pode confiar, é o que eu mais desejo.

— Bem, isso não vai acontecer. A única pessoa a ser expulsa daqui é você, garota. Agora. De malas e bagagens. — Luke olhou ao redor. — Onde estão suas coisas, a propósito?

— Ainda no carro — Jasmine mentiu.

Não podia dizer a ele que chegara sem nada além das roupas no corpo, podia? Afinal, o homem já estava cheio de suspeitas.

— Ótimo. Isso torna tudo muito mais fácil. — Ele esticou a mão e agarrou-a pelo braço. — Não quero gente de sua laia por aqui. Vamos. Venha.

— Mamãe?

A expressão de Luke se alterou. Seu trejeito cínico e afetado desapareceu. Parecia que tinha sido atingido no meio da testa por uma martelada.

Jasmine curvou o pescoço para o lado e viu Baxter de pé sob aquele enorme arco, a manta do sofá enrolada no corpo e arrastando-se pelo chão. O menino se levantara e colocara os óculos. Com um sa-fanão, Jasmine se libertou da mão de Luke e correu para o filho. Ajoelhou-se em frente a ele.

— Oh, nenê, sinto muito por tê-lo acordado com todo esse barulho. Está tudo bem, querido. Tudo bem. — E o abraçou.

O garoto olhava por sobre ela, para o homem em pé, na cozinha. Da mesma forma que todas as mães sentem, Jasmine percebeu a aflição do filho. E seu medo, também.

— Ele é um dos homens maus, mamãe? E um daqueles...

— Não, nenê. Calma, está tudo bem. — E apertou o menino nos braços, rezando para que não dissesse mais nada. Não queria que aquele estranho soubesse de seus problemas.

Jasmine ouviu quando Luke resmungou alguma coisa, por entre os dentes. Sabia que estava praguejando baixinho, mas não conseguiu entender direito o que dizia. Então, os passos dele, leves e quase inaudíveis, aproximaram-se. E a próxima coisa que Jasmine ouviu foi sua voz, de novo, muito mais perto do que antes, e numa entonação muito diferente.

— Olá, amíguinho. Meu nome é Luke Brand. E o seu?

— Baxter.

Jasmine endireitou-se, erguendo Bax no colo, se-gurando-o firme e voltando-se para deixar o menino de costas para Luke. Baxter, porém, girou para encarar o desconhecido.

— Bem, Baxter, não sei de que homens maus você está falando. — Luke relanceou os olhos para Jasmine. — Mas, juro, não sou um deles. Não permitimos homens maus por aqui.

— Você não é?

— Não. Juro por Deus. Sua mãe e eu estávamos tentando esclarecer alguns mal-entendidos, é só.

— Ah... — Baxter fitou Jasmine. — Precisamos mesmo ir embora, mamãe? Está tão escuro lá fora... e eu estou com medo. Não quero voltar para lá. E andamos tanto tempo de carro...

— Ninguém tem de ir a lugar algum esta noite — Luke falou, com suavidade. Encontrou o olhar de Jasmine e sustentou-o, por minutos. — E não há nada a temer. Não aqui. — Estendeu a mão e despenteou os cabelos do menino. — Certo, Baxter?

O pequeno sorriu e deitou a cabeça no ombro da mãe.

— Certo — murmurou.

Jasmine examinou o rosto de Luke, à procura de sinais. Era algum truque. Contudo, ele parecia sincero, o que era, é claro, ridículo. Aquele camarada estava preparando algo. Tinha de estar. Ela ainda não descobrira o quê. Podia esperar que ficasse ain-

da mais ansioso para livrar-se dela, já que descobrira que tinha um filho a reboque. Muitos homens se comportavam assim. Ao contrário, o tal Luke Brand mudara de atitude por completo. A hostilidade desaparecera. E fora substituído pelo papel de bom moço.— Lá em cima, Jasmine. Primeira porta à esquerda. E o único quarto em condições de uso, no momento. Você e Baxter, subam e descansem. Vamos esclarecer o resto desta confusão pela manhã.

"A cama dele? Esse sujeito estava cedendo a cama dele?!

Jasmine umedeceu os lábios, baixou a cabeça, mas não disse "obrigada". Apertou o filho ainda mais nos braços e dirigiu-se até a mesa. Apanhou a bolsa e voltou-se, caminhando para a escada sem um olhar para trás.

Luke ficou a observar Jasmine subir a escada e ainda permaneceu ali parado, por um longo instante, depois que ela sumiu de vista. Sentia-se como se tivesse sido acordado por um furacão que sumira, de repente, assim como chegara. Ou, quem sabe, tivesse sido arrastado para o olho do tufão, porque com certeza, aquela criatura que surgira do nada reapareceria ondulando e esbravejando pela manhã.

A tal Jasmine era um enigma. Pequena e sensual como poucas. Tinha um corpo de fazer jus a uma página dupla numa revista masculina e vestia-se de forma a mostrar seus atributos. Roupas apertadas, minúsculas. Maquiagem em excesso. Garras que

dariam inveja a uma águia. Cabelos bastos, compridos. E trazia tanto metal pendurado que retinia e tilintava a cada movimento. Pulseiras, correntes, não menos que meia dúzia de pares de pequenos brincos para complementar aqueles mais longos. Nenhum piercing. Nenhum visível, pelo menos. O que não queria dizer que não existissem.

Achara que a pegara de jeito. Então, ouvira aquela vozinha chamando-a de mamãe, e sua teoria caíra por terra. Talvez tivesse ajudado se ela houvesse reagido ao apelo com uma careta, ou estapeando o garoto. Mas não! O rosto dela se transformara numa máscara de aflição. Como se aquela voz infantil a chamá-la fosse o motivo de seu coração bater.

Seus olhos até mesmo haviam se inundado de lágrimas. E, depois, o jeito com que ela pegara o menino no colo e o abraçara, de forma tão protetora... Ela parecera encher-se de coragem, então. Como se pudesse arrancar os olhos de Luke das órbitas, se ele se atrevesse a olhar para o garoto da maneira errada.

Aquele olhar fora o que o abalara. Porque aquele olhar ele conhecia bem demais para se enganar. Luke o vira muitas vezes em sua própria mãe. Aquela devoção poderosa, única, o alerta protetor que avisava aos estranhos que mantivessem distância. Na-talie amara Luke assim. Porque ele era tudo o que ela possuía. E, sem que se desse conta, ela quase o arruinara com aquele amor superprotetor.

Jenny Lee, se é que era esse seu nome verdadeiro, amava o filho do fundo do coração. ISSA ficara óbvio para Luke nos poucos momentos em que os vira juntos. E qualquer mulher capaz de amar um filho daquele jeito... bem... conseguira um ponto em seu caderno. Prostituta ou não, a criatura não podia ser de todo má. Se amava tanto o filho que poderia até causar-lhe danos, isso permanecia uma coisa a ser vista.

O garotinho era um outro enigma. Estava apavorado, isso era óbvio. Não havia dúvida alguma quanto a isso. E quem seriam aqueles "homens maus" de quem tinha tanto medo?

Lógico, não obstante o quanto Jasmine fosse uma mãe devotada ou o quanto o pequeno Baxter estivesse amedrontado, uma verdade restava e que os transformava em inimigos de Luke, para usar uma força de expressão. Ambos haviam chegado para reclamar a posse do lar que ele estava em processo de erguer para si mesmo. Vieram impedir seu novo ponto de partida. Tinham chegado para tirar a única coisa que queria com desespero, e tanto que resolvera desistir de sua carreta.

Luke vendera seu título de possessão por causa daquela propriedade. Isso não podia ser desfeito. Não havia como desistir sem briga.

Sentou-se e bebeu o café, agora frio. Pensou nos dois viajantes por um instante, dando-lhes tempo para cair no sono enquanto continuava a examinar os documentos legais, sobre a mesa.

Então, esgueirou-se para fora, em direção ao carro. Era uma van antiga, de uns dez anos, coberta de poeira. Jasmine a trancara, é claro, e a chave devia estar naquela bolsa enorme que ela levara para a cama, consigo. Porém, era um carro que não tinha porta-malas, e, portanto, se houvesse alguma bagagem, ele a teria visto.

Só que não vira. Porque não havia bagagem. Parecia que aquela garota chegara até ali com nada além da roupa que vestia e o que quer que pudesse carregar naquela bolsa a tiracolo, o que não podia ser muita coisa.

Placa de Illinois. Vinha de longe. Luke anotou o número. Garrett podia checar com facilidade a quem pertencia. Ter um parente que era o xerife da cidadezinha era uma mão na roda, pensou.

Pelos vidros da porta do motorista, espiou o interior do veículo. Viu garrafas vazias de refrigerante e embalagens de comida pronta. Todas com algum tipo de "refeição para crianças". Alimentaram-se na estrada. Baxter, pelo menos. Será que a mulher comera?

Suspirando, voltou para a casa, instalou-se à mesa da copa e pôs-se a ler todos os pedaços de papel que continha o enorme envelope que Jasmine trouxera. Leu até sua cabeça latejar e os olhos arderem. Todavia, ainda não conseguira descobrir a verdade que aquela estranha escondia. Era óbvio que existia algo de sinistro por trás de toda aquela história.

Luke esperou até as seis horas para telefonar para Garrett, sabendo que a casa dele já estaria fervilhando de vida, então. Garrett gostava de se levantar antes da esposa e fazer café. Iria encher uma xícara para ela quando a ouvisse descer as escadas.

Justificava-se dizendo que era melhor fazer isso em silêncio, dar à cafeína a chance de produzir efeito e, então, iniciar uma conversa. Evidente que era só uma desculpa.

Chelsea era apaixonada pelo marido. Garrett decerto apreciava partilhar aqueles poucos minutos de tranqüilidade com sua mulher, só para si mesmo, antes que o pequeno Bubba acordasse para ir à escola e o mundo real viesse intrometer-se entre os dois.

Luke detestava interromper aqueles poucos momentos de intimidade, mas precisava alcançar Garrett antes que ele fosse verificar o gado e, depois, saísse para trabalhar, no escritório do xerife, no centro.

Garrett respondeu ao segundo toque. E sua saudação foi um seco:

— E melhor que seja importante.

— Sinto muito, Garrett, mas é, sim. Importantíssimo, eu diria. Ou, quem sabe, ruim como os infernos, para ser mais exato.

— O que há de errado, rapaz?

Luke pôde perceber a preocupação de Garrett. Em seguida, o murmúrio aflito de Chelsea, ao fundo, perguntando se Luke estava bem e o que tinha acontecido. Sorriu, diante da doçura de ter essa família de repente em torno de si, a cada pequeno problema.

— Diga a sua esposa que estou bem. Só que recebi uma visita inesperada, esta noite.

— Ele está bem, Chelsea. Dê-me um momento.

— Garrett suspirou. — Ah, ela correu lá para cima, para pegar a extensão.

Um segundo mais tarde, um clique suave informou a Luke que Chelsea estava no outro aparelho.

— Continue, Luke — disse ela. — Conte-nos o que está acontecendo.

Ele gostava de Chelsea. Era uma daquelas raras mulheres especiais que um homem tinha sorte de encontrar, uma vez na vida. Garrett devia ter feito alguma coisa muito boa para tê-la achado e fazer dela sua esposa.

— Muito bem. Na noite passada, uma mulher apareceu aqui com um menino. Afirmou que esse lugar lhe pertence, e que estava aqui para reclamá-lo.

— Qual é o nome dela? — Garrett quis saber. — De onde é?

— Como é? — Chelsea indagou também. — É casada?

Luke resistiu bem ao bombardeio.

— Ela diz chamar-se Jenny Lee Walker, mas se faz passar por Jasmine. O automóvel que está dirigindo tem placa de Illinois.

— Número? — Garrett apanhou a caneta.

— DX7-381. — Luke guardara o número de memória. — Ela apresentou-se sem malas ou bagagens, pelo que pude constatar, além de seu filho e as roupas que estão usando, e do envelope com os papéis do escritório de advocacia de Buzz Montana, dando-lhe a propriedade do lugar. E, quanto à aparência, Chelsea, parece uma lagartixa de estrada, e das bem caras. E não, não acho que seja casada. Não vi nenhuma aliança, de qualquer modo.

— Então, isso significa que você a olhou bem — comentou Chelsea. — Mas o que é uma lagartixa de estrada?

— É uma gíria de caminhoneiros para uma prostituta de beira de estrada — respondeu Garrett, irritado. — E não é o tipo de comentário que um Brand faça sobre uma senhora.

— Ela não é uma senhora, Garrett. Irrompeu aqui e, quando eu desci as escadas para ver o que estava se passando, me ameaçou com uma faca.

Garrett continuou calado, esperando que Luke prosseguisse. Ao perceber que nada dizia, perguntou:

— Por que ela puxou a faca, Luke?

— Não sei. Acho que a assustei.

— E?

— Bem, a moça estava com o filho. Suponho que achou que eu pudesse ser uma ameaça ao menino.

— Que droga, Luke! Parece-me que isso demonstra coragem, caráter e devoção. Quero dizer, você é um moço bonito para que uma mulher venha a tentar atacá-lo, só para proteger o filho. — Então, Chelsea pareceu se alegrar. — Que idade tem o garoto? A mesma de Bubba?

— Afinal, de que lado vocês estão?

Ele pôde quase ouvir a risada de Garrett.

— Não se preocupe, Luke. A família vem em primeiro lugar para os Brand. Sempre. Mas a honra tem seu lugar, junto a isso, e o Código dos Caubóis é nosso estilo de vida.

— Ora, vamos lá! Há um código, agora? Por que é a primeira vez que ouço isso?

— É a primeira vez que você o quebra, amigão.

— Garrett cocou a orelha. — Ser gentil com mulheres e crianças está no topo da lista.

Luke esbravejou.

— Eu fui gentil!

— Não se a moça ouviu aquele comentário sobre a "lagartixa de estrada"...

Luke pensou na véspera, quando falara da aparência de Jasmine. E em sua violenta reação. Ainda tinha as marcas das unhas na face. O rosto continuava avermelhado.

— Olhem, o fato é que ela continua aqui. E dormindo em minha cama, devo acrescentar, o que indica minha extrema gentileza. — Engoliu em seco.

— E aí, qual é a penalidade por quebrar esse seu código, hein?

— Bem... — Garrett exalou um suspiro fundo. — Quando Wes e Elliot eram pequenos eu só chutava seus traseiros. Porém, acho que você está um pouco velho para tanto. Por isso...

— Vamos lá, Garrett!

— Relaxe, está bem? Vamos resolver isso depois do café da manhã, certo? Colocaremos tudo isso em pratos limpos.

Café da manhã... O estômago de Luke resmungou, à menção. Estava morrendo de fome. O que o fez pensar nas embalagens de comida que vira no carro de Jasmine. Apostava que o garoto não tivera uma refeição decente nos últimos dois dias, pelo menos. E que sua mãe também não comera direito.

— Luke?

— O quê? Ah, sim, depois do café. Até mais tarde, então. E obrigado, Garrett e Chelsea.

— É para isso que servem os parentes, Luke — afirmou Chelsea.

Respirando fundo, Luke desligou o telefone.

Apostava que, se a mulher lá em cima tivesse alguma família além de seu filho, não estaria ali.

Olhar para o pobre garoto era o mesmo que ver um pálido reflexo de seu próprio passado.

Meneando a cabeça, Luke foi até a cozinha e abriu a geladeira para ver o que havia para devorar.

 

Jasmine sentiu o cheiro de algo que lhe aguçou os sentidos e que evocou memórias, em seu sonho. Ela era, de novo, uma menina, de oito ou nove anos de idade quando muito, e estava na casa de Mary, sua melhor amiga, onde fora passar a noite. A mãe de Mary preparava o desjejum. E o cheiro de bacon, fritando, viera despertar Jasmine.

Ficara na cama, deitada, pensando em como seria incrível ter uma mãe como a de Mary. Acordar todas as manhãs com o cheiro de bacon ou com o som de um cantarolar suave, na cozinha.

Em seu lar, Jasmine despertava com o odor acre de fumaça de cigarro e cerveja azeda. Sua mãe a saudava, quase todas as manhãs, a resmungar numa triste ressaca, gritando para que desse logo o fora do quarto. Em geral, havia um homem estranho na cama dela, nessas ocasiões. E, por tudo isso, Jasmine não tinha vontade alguma de voltar para casa, depois de pernoitar com Mary.

Ou com Jeannette ou com Valerie.

Não queria acordar em meio a cinzeiros abarrotados, copos de bebida pela metade e restos de comida. Ou esbarrar com qualquer sujeito que sua mãe tivesse decidido ser mais importante para ela que sua filha. Em especial se fosse um completo desconhecido.

— Mamãe?

Jasmine entreabriu os olhos devagar. Flagrou-se deitada de costas num leito estranho, e deparou com o rosto risonho de seu filho a encará-la, a poucos centímetros de distância.

— Sentiu isso, mamãe? Está com o cheiro de nossa casa, aos domingos!

Jasmine pestanejou, tentando dissipar a confusão em sua mente. Ergueu a cabeça e deu um beijo na ponta do nariz de Baxter.

— Está mesmo, não é? — Inalou o ar, com o nariz para cima, e distinguiu o aroma de bacon, de café e de algo doce.

Baxter balançou a cabeça, assentindo e sorrindo, de olhos arregalados.

— E domingo, mamãe?

— Nada disso. Hoje é sábado.

— Acha que o sr. Brand está preparando uma boa refeição?

— Não sei, doçura.

— Posso ir ver?

— Não, ainda não.

Jasmine pulou da cama e olhou para si mesma. Dormira vestida; tirara apenas as meias de náilon e os sapatos. Estava toda amarrotada. Ao mirar-se no espelho, através do quarto, quase deu um salto.

Seus cabelos estavam emaranhados, a maquiagem, borrada. Parecia uma louca. Não gostaria que a vissem assim.

A suíte era bonita. Entrara nela no escuro, na noite anterior, e, verdade seja dita, sentira-se cansada demais para se importar em dar uma olhada à volta. Aninhara-se entre os lençóis e acarinhara Bax até que ele dormisse.

O plano era levantar-se e encontrar um chuveiro para tomar um banho, mais tarde, porém o sono a tomara de assalto antes que pudesse se dar conta. Via o banheiro agora, ao fitar em torno. Ficava depois de uma porta à direita, e uma espiadela para dentro lhe disse que havia uma banheira e um chuveiro, toalhas e roupões. "Graças a Deus!"

Voltou-se, para terminar a inspeção pelo dormitório. A parede intercalava-se entre janelas altas e estreitas, com cortinas brancas transparentes que deixavam o sol infiltrar-se por elas como um farolete dourado.

O leito era de modelo antiquado, com cabeceira e pés altos, feitos de alguma madeira escura e lustrosa, com a enorme penteadeira combinando. O cria-do-mundo destoava. Era mais novo e com jeito de coisa barata; de compensado, não de madeira maciça.

E avistou uma pequena televisão portátil sobre o baú, ao pé da cama. Nem um quadro na parede. Nem um tapete no chão. Nem quinquilharias ou bugigangas à vista. Havia quanto tempo que aquele sujeito, Luke Brand, dissera que vivia ali? Não lembrava, mas, de qualquer modo, o homem não se instalava depressa em um lugar, certo? Uma batida na porta a sobressaltou.

— Quem é? — ela perguntou, olhando para a porta, que não tinha chave, e rezando para que não se abrisse.

E, então, percebeu a pergunta idiota que fizera e fitou o teto, resmungando.

— E Luke. O café estará pronto dentro de quinze minutos, se estiver com fome. E, hum... se precisar de alguma coisa para vestir, pode pegar uma camiseta em minha cômoda.

— O que o faz pensar que eu não tenha nada para vestir?

— Vai me dizer que tem? Estaria ele querendo provocá-la?

— Estarei pronta em meia hora. — Jasmine preferiu ignorar o desafio. Nenhum ser humano conseguiria arrumar-se em quinze minutos.

Baxter puxou-a pela blusa.

— Mamãe, posso ir agora? Estou morrendo de fome. E já me lavei.

Jasmine observou o filho, constatando que Baxter já lavara mesmo o rosto e penteara os cabelos. Usava as mesmas roupas da véspera, pois não havia outro jeito. Contudo, ela não sentia a menor vontade de deixá-lo sair de suas vistas.

— Jasmine? Você está a quinhentos quilômetros do que quer que tenha acontecido em Illinois. Prometo ficar de olho no menino. Por que não deixa que ele saia daí para se alimentar?

Ela olhou para a porta e quase deixou que as palavras que tinha na ponta da língua escapassem, mas engoliu-as no último instante. Fez uma careta, tornando a ignorar Luke, e falou para o filho:

— Bax, vou me apressar o máximo que eu puder, está bem, nenê? Mas, por favor, não vá tomar o café sem mim.

Ele fez beicinho, suspirou e baixou a cabeça.

— Tudo bem, mamãe, esperarei você. —- Então, virou-se para a porta fechada. — Nós vamos descer em poucos minutos, sr. Brand.

Houve uma hesitação, do outro lado.

— Ok, Baxter. Manterei tudo quente para vocês. Jasmine abraçou o filho, bem apertado.

— Obrigada, querido!.

Em seguida, consultou o relógio sobre o criado-mudo e ficou a imaginar se poderia quebrar o recorde de velocidade para tomar um banho, vestir-se e fazer a maquiagem.

Agachou-se diante da cômoda e tirou da gaveta uma calça cinza e uma camiseta branca com algo parecido com um logotipo desenhado na frente. Não se importou em examinar melhor, porque, na realidade, não lhe interessava. Afinal, ia lhe cair como se fosse uma tenda.

Beijou Baxter na bochecha e dirigiu-se ao banheiro.

— Deixarei a porta entreaberta, nenê. Se precisar, é só chamar, ok?

— Tudo bem. — E o pequeno subiu no colchão, com o controle remoto na mão. Ligou a tevê, e Jasmine percebeu que ele ficaria bem por alguns minutos.

Luke deduziu, com estranheza, que Jasmine não deixaria o garoto sair de suas vistas para tomar café, mesmo sabendo que ele estava faminto. Que tipo de mãe era ela, afinal?

Mesmo Natalie, superprotetora e apegadíssima, não tinha sido má daquele jeito.

Aquilo o incomodava sobremaneira.

Tentou esperar. Sim, senhor, ele tentou. Mas os quinze minutos se foram, e Luke ainda não ouvira aquele menino descer as escadas.

Ótimo. Se Jasmine não queria o menino ali embaixo, sozinho com o "malvado" Brand, ele iria resolver o problema por sua conta.

Pegou o prato do lugar onde o colocara para Baxter, arrumou nele os ovos mexidos com bacon, ao lado de fatias de pão, encheu um copo com leite e caminhou para a escadaria. Mais uma vez bateu na porta do dormitório, tentando não derramar o leite enquanto o fazia.

— Quem é? — o garotinho indagou.

Por alguma razão, o som daquela voz infantil trouxe um sorriso ao rosto de Luke. Aquele garoto era bastante simpático.

— E Luke. Achei que não tinha sentido você ficar esperando pelo desjejum, então eu trouxe um prato, se não houver problema.

A porta se escancarou tão depressa que Luke quase deixou cair o que segurava.

— Pode apostar que não. Obrigado, sr. Brand! Luke achou graça. Estendeu tudo para o Baxter e espiou, meio nervoso, por detrás dele.

Baxter agarrou-o pelo braço e puxou-o para dentro. O som da água do chuveiro, correndo, vinha pela porta do banheiro, entreaberta. Jasmine não era tímida, isso era certo. Bem, pelo visto não esperava que ele voltasse. Muito menos que entrasse ali.

— Venha, sr. Brand. Estou assistindo ao Star Rangers.

Luke olhou para o aparelho de tevê, em cuja tela os super-heróis voavam, lutando contra os bandidos.

— Esse também é o desenho favorito de meu pri-minho Bubba.

Baxter puxou Luke até a cama, fazendo um gesto para que se sentasse. Acomodou-se também, mas na cadeira próxima, com o prato no colo. Atacou a comida com vontade e, entre uma mastigada e outra, quis saber:

— Há garotos por aqui?

— Oh, uma porção! Bubba é mais ou menos de sua idade. Poderá conhecê-lo, mais tarde, Bax.

Baxter sorriu, empurrou os óculos para o alto do nariz e continuou comendo.

— Ah, eu sabia que era bacon! Em casa, todo domingo de manhã, minha mãe se levanta cedo e faz um café reforçado para todos nós. Com bacon.

— Verdade? Para todos vocês? — Luke pressentiu que conseguiria ali alguma informação.

E não apenas isso. Não fazia idéia de Jasmine como esse tipo de mãe às voltas com a cozinha, em pleno domingo.

— Para mim, para tia Botão de Rosa e para mamãe — o menino explicou.

— Vocês três moram juntos, então?

O rosto do garoto perdeu a alegria. Baxter parou de comer e fitou o solo.

— Morávamos. Mas... agora, não mais. Tia Botão de Rosa foi viver com os anjos.

Luke sentiu-se um rato. Sua curiosidade estava arruinando a refeição do menino. Que tipo de mau-caráter era ele, Jesus?!

— Ora, tenho alguns amigos por lá, também, sabia? Aposto que sua tia Botão de Rosa e meu companheiro, Buck, estão se divertindo a valer com aqueles anjos.

Baxter ergueu um pouco a cabeça.

— Acha mesmo?

— Posso apostar, meu rapaz. Buck adorava um bom desjejum aos domingos.

— E de dançar também? Tia Botão de Rosa é uma ótima dançarina. Quase tão boa como minha mãe.

Ah! Então Jasmine dançava? Interessante...

— Ele adorava dançar, Bax. Ora, ora, aposto que os dois já devem ser muito bons amigos.

— É... — Baxter sorriu de leve e pôs-se a comer de novo. — Sim, eles devem ser.

Fez uma pauta e ergueu os olhos para Brand:

— Seu amigo Buck não era um sujeito mau, era?

— Não, Bax. Ele foi uma das melhores criaturas que eu já conheci.

Agora o sorriso de Baxter era largo. Em segundos, devotou toda a atenção para a comida.

Luke gostaria de indagar sobre os homens maus a quem ele se referira, mas julgou que era melhor deixar o menino matar a fome em paz do que satisfazer a própria curiosidade. As questões podiam esperar.

Foi quando lhe ocorreu que já não ouvia o barulho de água correndo. Virou-se para verificar a porta do banheiro, justo no momento em que Jasmine saía, usando nada além de uma toalha e uma expressão de surpresa.

— O que está fazendo aqui?!

— Perdoe-me — Luke sussurrou.

"Pare de olhá-la", ordenou a si mesmo. Mas os olhos não queriam se afastar daquela visão. Não tinha como forçá-los. Jasmine era uma mulher totalmente diferente naquele instante. E linda, sensacional.

— Ba... Baxter estava morrendo de fome e eu... é... eu me senti mal com isso e trouxe-lhe o café aqui em cima.

— E ficou para supervisionar enquanto ele comia? Luke mal podia acreditar na diferença que havia

nela, com o rosto limpo, de um brilho rosado, os cabelos molhados e grudados à cabeça. Errara ao avaliá-la debaixo da pesada máscara de maquiagem. Jasmine tinha o rosto de uma fada dos bosques. Um nariz minúsculo, delicado, e um queixo pequeno e arredondado. Maçãs do rosto esculpidas e lábios carnudos. E aqueles olhos. Por que, em nome dos céus, ela achava que precisava empastelar um monte de cores sobre aqueles olhos? Eram enormes e amendoados e de um castanho escuro magnífico. E, de repente, Luke desejou que ela sorrisse. Precisava, não sabia por que, ver aquele rosto enfeitado por um sorriso.

Ela não sorriu, mas ele continuou olhando, da mesma forma. E seu exame foi descendo pelo pescoço, por sobre os ombros e braços. Torneados. Firmes. A mulher tinha um corpo rijo de atleta. Parecia que se exercitava com pesos ou algo assim. A toalha pendia, solta, até a metade das coxas. E elas eram, também, bem-feitas e torneadas. Os pés des-calços... pés pequenos e lindos...

— Terminou?

Luke ergueu a cabeça para encará-la e sentiu a pele queimar, em torno do colarinho.

— Como? Ah, sim! Terminei. — Incapaz de dizer alguma coisa remotamente inteligente, levantou-se e voltou-se, para sair. De costas, murmurou: — Seu café ainda está quente, você sabe, se quiser tomá-lo. Embora talvez não queira. Acho que... ou melhor, duvido que coma esse tipo de...

Enquanto falava, relanceou os olhos por sobre o ombro e viu que Jasmine roubava um pedaço de bacon do prato do filho e o levava à boca, cheia de gula.

— Ou talvez você coma. — Luke ficou ainda mais perturbado do que antes, e abriu a porta para deixar o quarto.

— Luke? — Jasmine o chamou. Ele se voltou.

— Foi muito gentil o que fez, trazendo a refeição de Baxter até aqui. Obrigada.

Com um sorriso de orelha a orelha, ele exclamou:

— Não foi nada.

— Vou precisar de mais alguns minutos.

E de uma maneira incrível, inacreditável, Jasmine sorriu. Só um pouquinho. Um meio-sorriso terno, um leve repuxar dos lábios, nos cantos. Mas, mesmo assim, isso transformou sua expressão. Fez suas pupilas faiscarem e covinhas surgirem em suas faces.

"Como é possível alguém ser tão maravilhoso, meu Deus?!"

— Ora, tudo bem. Estarei lá embaixo, então. Por fim, Luke conseguiu dar o fora dali, fechando

a porta atrás de si e percebendo que, na realidade, perdera o fôlego por incontáveis instantes.

Ou se sentira assim. Respirou fundo e caminhou para a cozinha.

Qual era o problema com ele, afinal? Jasmine murmurara um obrigado de má-vontade, como quem dá uma esmola, e resolvera reagir como se ela lhe tivesse beijado os pés, em gratidão? O que era isso?!

Luke Brand devia ser algum remanescente do homem de Neanderthal, e ainda estava na Idade da Pedra. Era óbvio. Não tinha um secador de cabelos. E seu xampu era daqueles que vinham com o condicionador misturado. Sem sombra de dúvida, era um ser primitivo,E enorme! Sua calça e a camiseta caíam como uma enorme tenda, sobre ela, como Jasmine imaginara.

Porém, fora bondoso com Baxter, e isso significava alguma coisa. Mesmo que Jasmine soubesse muitíssimo bem que devia haver muito mais por trás daquela gentileza. Era sempre assim. Um ato gentil para obter o que ele queria, ganhar-lhe a confiança e, então, apunhalá-la pelas costas.

Ou levá-la para a cama e, em seguida, apunhalá-la pelas costas. Ou qualquer outra coisa do gênero. Os homens sempre queriam algo.

Todavia, pelo menos Luke fizera um esforço para parecer... bonzinho. Quem sabe até mesmo um pouco tímido? A forma como gaguejara e arregalara os olhos quando ela saíra do banheiro, enrolada na toalha, estava bem distante dos assobios a que Jasmine se acostumara a esperar dos rapazes que a tinham visto nos vários estágios de um strip-tease.

Luke parecera abobalhado. Ficara lá, de queixo caído, com aqueles seus macios cabelos castanhos caindo na testa, e as íris azul-claras fixas, só observando.

Enfim, pelo menos ele era um bom ator. Ela quase acreditara que a cena era real.

Jasmine enfiou um pente nos cabelos, bufando a cada puxão. E o tempo inteiro seu estômago continuava roncando com o cheiro da comida que Baxter devorava, no quarto.

Mirando-se no espelho do banheiro, terminou de desembaraçar a cabeleira, puxando-a para trás, num rabo-de-cavalo. Não ficava bem com aquele penteado, decidiu, ao ver as mechas escaparem da fita cor-de-rosa que encontrara na bolsa.

Tudo bem, no entanto. Não havia esperanças para os fios, mas pelo menos podia dar um jeito no rosto.

Apanhou a mochila de Botão de Rosa, de onde já retirara a própria bolsa. Revirou o conteúdo sobre o aparador ao lado da pia e... quase desmaiou, quando o revólver preto chocou-se, fazendo barulho, contra o tampo de azulejo azul.

Sua garganta se fechou, ressequida. Jasmine olhou rápido para o dormitório. Baxter ainda continuava absorto com a tevê e a comida.

Jasmine fechou a porta um pouquinho mais e, com todo o cuidado, apanhou a arma. Não estava familiarizada com revólveres ou com a maneira como funcionavam, de modo que levou alguns instantes até achar a trava que liberava o cilindro, fazendo-o saltar para fora. Havia balas em cada um dos seis pequenos buracos.

— Está carregada... Que droga, Botão de Rosa, como pôde deixar uma arma carregada tão perto de meu bebê?!

Com gestos ágeis, retirou as balas, uma a uma, amontoando-as na palma da mão. Detestava armas. Era contra todo tipo de armamento, achava que deviam ser banidos, por Deus do céu!

Porém, contradição das contradições, não achava que pudesse se livrar daquela. Não enquanto Leo e aquele seu amigo assassino, o policial sujo, pudessem estar atrás dela.

Quem sabe, se fosse apenas ela que eles quisessem? Mas não era. Eles estavam no encalço de Baxter. E Jasmine lutaria até a morte e lançaria na fogueira até seus últimos princípios por seu garotinho. Contudo, precisaria tomar muito cuidado com isso.

Encontrou um pequeno frasco de comprimidos entre as coisas que se espalharam no aparador e esvaziou-o, jogando o conteúdo no vaso sanitário. Em seguida, colocou as balas dentro do frasco e fechou-o. A tampa era de segurança, à prova de crianças. Ótimo. Pôs a embalagem dentro de um compartimento da mochila e fechou o zíper. Em seguida, escondeu o revólver na bolsa menor.

— Mamãe, ainda não podemos descer?

Jasmine correu os olhos pelos produtos de maquiagem espalhados por todo o aparador e suspirou, desanimada. Não poderia se pintar, naquela manhã.

Bolas, isso não tinha a menor importância! Ninguém a reconheceria com aquela aparência. Parecia mais uma garota do interior, muito simples, aflita em seu primeiro passeio a um salão. Talvez fosse melhor assim.

Segurando a mochila de Botão de Rosa pela abertura, recolheu tudo e jogou tudo de volta lá dentro, pendurando-a num gancho, na parede.

— Já vou indo, nenê.

Saiu do banheiro e pegou o filho pela mão, levando-o pelas escadas.

Era uma residência bonita. Que tristeza que Botão de Rosa não estivesse viva para herdá-la, como sua mãe, era óbvio, teria querido! A amiga teria adorado aquilo ali. A escada era velha, muito íngreme e estreita, mas o corrimão era de madeira pesada e lustrosa, que devia ter custado uma fortuna. Escorregou a mão por ele, durante todo o trajeto, até o fim.

— E inteiriço — disse Luke Brand.

Jasmine virou a cabeça, surpresa ao vê-lo parado ao lado do último degrau, fitando-a.

— O quê?

— O corrimão. É entalhado em um pedaço inteiriço de bordo maciço, desde cima até embaixo.

— Oh...

Luke deu de ombros, remexendo os pés.

— Isso pareceu importantíssimo para os corretores, quando estiveram aqui, no mês passado. Acho que não se fazem mais peças assim, hoje em dia. Imaginei que você poderia gostar de ter essa informação.

— E... é muito interessante, na realidade.

— De qualquer forma, a comida está esperando. — Voltando-se, Luke atravessou o arco de tijolos, passando à sala de jantar.

O lugar parecia diferente, com o sol da manhã derramando-se pelo interior, em profusão. As enormes portas francesas, do lado oposto do aposento, pareciam um painel gigantesco, deixando à mostra, lá fora, as campinas de um verde luxuriante que se estendiam até o infinito.* Por um instante, Jasmine pestanejou, confusa.

— As cortinas estavam fechadas, ontem à noite, por isso talvez você não tenha notado as portas, na ocasião. Eu mesmo as coloquei.

Jasmine o encarou, franzindo a testa.

— Você?

— Era só uma parede de fundo. Escuro como um calabouço. — Luke puxou uma cadeira para ela. — Acreditei que o lugar era tão bom que podia ser meu e não me importei em investir um pouco de tempo e dinheiro nele.

Jasmine o observou, parado ali, atrás da cadeira. Até onde conseguia lembrar, ninguém jamais puxara uma cadeira para ela, em toda sua vida. Sentou-se e estudou de soslaio as tais portas francesas, mais uma vez. Com dobradiças e ferragens em bronze, a guarnição em torno delas encaixava-se à perfeição, até mesmo nos cantos.

Luke fizera um excelente trabalho. E havia um pequeno passeio, de formato oitavado, mais além. Jasmine apostava que não fazia parte da casa original, também.

Luke Brand trazia os pratos do forno, agora, colocando um deles diante dela. Que absurdo! Estava repleto de comida, suficiente para três mulheres, no mínimo. Então ele sentou-se, a sua frente.

— Não precisava ter esperado por mim, sr. Brand.

— Como sozinho, sempre. Ter companhia no café pode ser uma boa mudança. E o nome é Luke.

Ela apertou os lábios e voltou-se para procurar Baxter com o olhar. O garoto vagueava pela casa, parando em cada janela para olhar para fora. Queria sair, Jasmine sabia disso. E amargurava-a mantê-lo assim aprisionado.

— Bax pode sair e brincar, Jasmine. A estrada fica a trinta metros daqui e, mesmo que não ficasse, não há tráfego.

— Eu o levarei lá fora mais tarde. — Jasmine desviou-se.

— Não o deixa sair de suas vistas, não é? Ela o encarou, com hostilidade.

— Tem algum reparo a fazer em minhas qualidades de mãe, sr. Brand?

— Creio que você deve entender mais disso do que eu. — Luke deu de ombros. — Nunca tive um filho. Não sei muito sobre o assunto. Exceto que crianças precisam de espaço para crescer.

— Tem razão, você não sabe nada sobre como criar filhos.

— E você não está comendo. — Mudando de assunto, apontou para o prato.

Jasmine levou uma garfada à boca, sem olhar. E descobriu que mastigava uma porção de omelete que se desmanchava, de tão macia. Quase revirou os olhos, em êxtase. E, embora tentasse manter a expressão inexpressiva, Luke percebeu e sorriu, daquele seu jeito charmoso.

— Boa, não é?

Ela teve de assentir, engolindo, e servindo-se de café. Estava tão divino quanto a omelete.

— Você é chef de cozinha ou algo assim, não é?

— Não, sou caminhoneiro. Ou era. Vendi minha carreta para comprar esta propriedade.

Jasmine arqueou as sobrancelhas, surpresa com a resposta. Então, ele desistira de seu estilo de vida para ficar ali, e daí, ela aparecera para reclamar a posse do imóvel. Não era de admirar que Luke tivesse se mostrado tão pouco amistoso, na véspera. Pelo menos até ter conhecido Baxter.

— O que vai fazer para viver, agora?

— Estou dando um tempo para descobrir alguma coisa. Parece que há, na cidade, alguns empregos bastante curiosos que podem me manter ocupado até que eu me decida.

— Empregos curiosos?

— Sim, a maior parte cortesia de meus primos. Vejamos, entre tantas outras coisas, eles possuem uma fazenda de gado, uma de criação de cavalos, uma de recreação e camping, uma clínica veterinária, uma escola de artes marciais...

— Entendi. — Jasmine ergueu a mão, num basta. — Tem uma família imensa, hein?

— Você não me deixou nem chegar ao xerife, ao arqueólogo e ao psicanalista.

Ela tentou manter o rosto impassível quando Luke mencionou o xerife. Porém, não conseguiu evitar e recordou-se daquele policial, Petronella, parado ao lado do corpo de Botão de Rosa, olhando para o cadáver da pobre criatura. O mesmo que vira cometer um assassinato. O homem que disparara um tiro em seu filho.

— Na verdade, agora que penso sobre isso — continuou Luke, num tom amistoso —, você pode encontrar trabalho com qualquer um deles, se estiver à procura.

Jasmine afastou da mente as lembranças perturbadoras e olhou para o aposento vizinho, onde Baxter se instalara em frente à televisão, mais uma vez. Não era bom para o menino tanta tevê.

— Achei que você iria me forçar a sair daqui, e não me dar dicas de emprego que pudessem me manter por perto por muito tempo.

— Esse negócio a respeito da propriedade se resolverá, de um jeito ou de outro, não importa o que eu faça. — Luke tornou a dar de ombros. — Para ser franco, estou mais preocupado com seu filho, neste instante, do que com quem vai ganhar a briga pela casa.

Jasmine pendeu a cabeça para o lado, intrigada. Luke estava tentando conquistá-la, mostrando consideração por Baxter. Golpe baixo, que ela já vira antes. Nunca, porém, tão convincente.

— Então, o que faz para viver, Jasmine? Ela o encarou, sem pestanejar.

— Sou dançarina.

— Verdade? Bale?

Ainda encarando-o, afirmou:

— Exótica.

O rosto de Luke imobilizou-se, os lábios congelados numa linha fina, enquanto digeria, bem devagar, a indigesta informação.

— Você é uma... stripper V.

— Isso mesmo. Diga-me, sobre aquele emprego que você ia me ajudar a encontrar...

— Mamãe, mamãe, olhe! Cavalos! Cavalos de verdade! Como na televisão!

Jasmine teve de fazer força para desviar-se do olhar indagador de Luke Brand, mas conseguiu, por fim, pondo-se em pé e dirigindo-se até a sala de estar, no exato instante em que Baxter escancarava a porta e saía correndo para a varanda.

Havia gente lá fora. Estranhos a cavalo. Cavalgavam para a casa como saídos de um filme do Velho Oeste.

Jasmine apressou-se a alcançar o filho, o coração batendo na garganta. Apanhou-o no momento em que Baxter se aproximava das patas perigosas. Ergueu-o no colo, apertando-o firme, o pulso disparado. Deu as costas e carregou-o de volta para a casa.

Encontrou Luke no último degrau da varanda, olhando para ela, uma ruga profunda vincando-lhe a testa. Em seguida, observou mais além, e sua expressão alterou-se. Sorriu, acenando.

— Garrett, Chelsea! Que prazer vê-los! Ei, Bub-ba! Como está meu caubói predileto?

— Cavalguei sozinho até aqui — gritou uma criança.

Jasmine ergueu a cabeça e voltou-se, para examinar os estranhos dos quais acabara de resgatar o filho.

O homem era tão grande que seria ameaçador, se não fosse pelo sorriso largo e caloroso que ostentava. Tocou a aba do chapéu e cumprimentou-a antes de desmontar e aproximar-se para ajudar a mulher a descer da montaria.

A mulher dele era uma criatura atraente, na certa com uns trinta anos, com cabelos castanhos presos num rabo-de-cavalo. Colocou as mãos apoiadas nos ombros largos do marido e desmontou. Então, os dois viraram-se para olhar o garotinho, de cabelos escuros e faiscantes olhos azuis, sentado na sela de um pônei, usando um chapéu de vaqueiro, grande demais para ele.

— Estes são alguns de meus primos, Garrett e Chelsea Brand, e seu filho, Bubba — Luke apresentou-os a Jasmine. — Pessoal, esta é Jasmine, e seu filho, Baxter.

Baxter tinha os olhinhos cravados no garotinho que viera até ali cavalgando sozinho o pônei. E Jasmine sabia que aquilo iria render uma história sem fim.

Enquanto olhava, Bubba girou a perna sobre a sela e pulou para o chão. Jasmine quase gritou, certa de que ele iria se machucar. O pequeno, porém, saiu-se muito bem, e caminhou direto para Baxter.

— Olá.

— Ei! — Baxter empurrou os óculos para o alto do nariz.

— Quer passar a mão em meu pônei?

— Posso?

— Eu não acho... — começou Jasmine.

— O pônei é manso como um gatinho — afirmou Chelsea. — Eu não deixaria Bubba nem chegar perto se fosse perigoso'.

Bubba parecia forte e robusto comparado a Baxter, percebeu Jasmine. Devia ser pelo menos uns dois anos mais velho. E o que podia não ser perigoso em nada para ele podia muito bem ser uma ameaça para seu garotinho, tão mais franzino.

— Por favor, mamãe!

— Oh, tudo bem, Bax... Mas não vá montar nessa coisa.

— Certo!

Baxter e Bubba correram para o pônei. Enquanto isso, Garrett amarrava os dois outros cavalos num gradil que parecia estar ali para esse propósito.

— Podemos entrar para conversar? — perguntou Garrett.

"Conversar? Sobre o quê?", pensou Jasmine.

— Vamos sentar na varanda, para que possamos ficar de olho nos garotos, hein? — Chelsea piscou para Jasmine.

— Você na certa me julga uma lunática super-protetora...

Chelsea meneou a cabeça.

— Por que pensaria uma coisa dessas? Luke disse que você é de Chicago. Eu sou de Nova York. Sei muitíssimo bem que, em cidades como essas, deixar nossos filhos longe das vistas é o mesmo que namorar o desastre. Aqui é diferente. Mas demora para uma mãe acostumar-se com essa realidade. Portanto, é natural que você queira estar atenta ao pequeno Baxter. Eu ficaria preocupada se você não agisse assim, garanto!

Ela parecia muito gentil e autêntica. E parecia compreender. O que não significava nada. Pela experiência de Jasmine, a maioria das pessoas não era o que aparentava.

Ainda assim, caminhou para a varanda e sentou-se numa das cadeiras de vime. Luke sentou-se na outra, enquanto Chelsea e Garrett acomodaram-se no balanço.

— Então... acho que Luke já lhes falou sobre mim.

— Telefonei para eles de manhã — explicou Luke.

— Achei que poderiam nos ajudar a resolver essa confusão.

— Não sei como. — Jasmine arqueou as sobrancelhas.

— Por um detalhe — disse Garrett. — Eu conheci sua mãe.

A garganta de Jasmine fechou-se, ressequida, quando ela o fitou. Por um instante, rememorou o arremedo de mãe que tivera, sempre embriagada, que morrera jovem e que a deixara ao deus-dará, aos quinze anos de idade.

Porém, em seguida, percebeu que aquela gente achava que ela era Botão de Rosa. Jenny Lee Wal-ker. E a mãe a quem Garrett se referira era a de Botão de Rosa, a senhora que lhe deixara a casa.

— Oh! Você a conheceu bem?

— Quase tanto quanto conheço minha própria mãe.

— Garrett continuava com seu sorriso amistoso, e reclinou-se na cadeira do balanço.

Jasmine cruzou os braços. Aquilo não era um bom sinal.

 

Luke percebeu a reação de Jasmine quando Garrett disse que conhecera sua mãe. Medo. Era nítido e fácil de ver, embora ela tivesse disfarçado depressa. Nada mais que um ligeiro arregalar daqueles olhos já grandes e uma pequena dilatação de suas narinas. Por quê?

— Foi antes de você nascer, é claro — continuou Garrett, confortável em sua cadeira, um dos braços repousando em torno dos ombros da esposa. — O marido de Helena morreu jovem, deixando-a viúva e sozinha, com esta casa enorme para cuidar e dois acres de terra a cultivar. Claro, não é um bom pedaço de chão para os padrões do Texas, mas é muito para uma mulher dar conta sozinha. Helena sentiu-se solitária, creio eu.

— Bem, decerto que se sentia assim — ponderou Chelsea. — Nossa, como é que Helen fez para dar conta do recado?

— Eu estava chegando lá. — Garrett deu um sorriso indulgente para sua mulher, batendo com suavidade com o indicador em seu nariz.

Chelsea tinha um jeito muito tranqüilo, ponderou Jasmine, sem muito interesse. Estava ali, sentada, sossegada, observando os garotos acariciarem o pônei, enquanto Jasmine quase pulava da cadeira toda vez que o animal se movia. E a conversa a deixava quase tão nervosa quanto aquelas patas ameaçadoras.

— Helena precisava de alguma renda para ajudar a manter "os lobos" a distância. Enquanto isso, minha própria mãe lutava para criar cinco filhos, sem auxílio algum a não ser de um marido que crescera acreditando que cuidar de crianças era trabalho de mulher. — Deu de ombros. — Então, foi um acordo ideal. Helena vinha quase todo dia e ajudava no serviço doméstico. Isso, por mais ou menos um ano. De repente, contudo, ela sumiu e mudou-se.

— Porém, não vendeu a propriedade — disse Luke. — Por quê?

— Pode ter considerado que era o último legado do marido que ela devia carregar. — Chelsea me-neou a cabeça. — Ou talvez tivesse a intenção de guardá-lo para a filha.

— Bem, foi o que ela fez. — Jasmine ajeitou os cabelos.

Garrett respirou fundo.

— Luke, você examinou aquele maço de documentos que Jasmine trouxe?

Luke fez que sim.

— E acha que a reclamação é procedente?

Jasmine percebeu que Luke a encarava, com atenção. "Será que ele pretende me desmascarar, afirmando que tudo não passa de uma fraude, para, logo em seguida, pedir a Garrett que mande o xerife me escorraçar daqui?". Em vez disso, Luke falou:

— Sim, Garre tt. Parecem ser todos legítimos. — Suspirou. — Porém, isso não irá impedir que este lugar vá a leilão por causa dos impostos atrasados, na próxima semana, a menos que Jasmine possa arcar com os cinqüenta mil dólares por eles.

— Cinqüenta... — Ela pestanejou, atordoada, diante do vulto do débito. Logo, porém, recobrou o controle e sentou-se, ereta. — A próxima semana é a próxima semana. Agora, hoje, sou a legítima proprietária daqui, e tenho todo o direito de ficar.

— Talvez você devesse procurar o advogado e deixá-lo decidir — sugeriu Chelsea, com gentileza, como se negociasse uma trégua entre duas crianças briguentas..

— É um bom começo, mas isso não vai acontecer até segunda-feira. Buzz Montana estará fora da cidade, no fim de semana, tratando de algum caso, no norte. E nenhum juiz vai querer ouvir falar disso sem todas as informações a sua frente. Assim, mesmo que vocês dois decidam brigar no tribunal, terão de esperar um pouco mais — Garrett informou-lhes.

— Eu não estou de partida. — Jasmine empinou o queixo.

— Nem eu pretendo me mudar. — Luke cruzou os braços sobre o peito. — A posse é noventa por cento da lei, não é verdade, Garrett? Quero dizer, se eu me mudar já, poderei perder a chance de reclamar qualquer direito que possa ter sobre esta propriedade.

Garrett fez que sim, e Luke prosseguiu:

— Olhe, não estou tentando criar caso aqui, Jasmine. E a última coisa que desejo é ver você e Baxter sem um lugar para ficar. Mas esta casa significa mais para mim do que você possa imaginar. Abandonei o trabalho de uma vida inteira por ela. Portanto, não vou desistir sem mais nem menos.

Jasmine encarou-o, franzindo a testa. Por Deus, ele era bom! Quase a fazia sentir piedade. Chelsea levantoú-se.

— Desculpem-me, mas, para usar de toda a franqueza, não consigo enxergar qual seja o problema.

Todos os três a fitaram como se a mulher fosse louca.

Chelsea fez um gesto em direção a casa.

— Já viram o tamanho disto aqui? Vão me dizer que não há espaço para um homem, uma mulher e um camaradinha como o Baxter? Por um mero fim de semana? Vamos lá, pessoal, isso é não ter cérebro!

Mordendo o lábio e esfregando o queixo, Garrett concordou com sua mulher.

— Chelsea tem razão.

— Ora, não me venha com essa, Garrett! — resmungou Luke.

Garrett ergueu as sobrancelhas. Então, devagar, levantou-se.

— Vamos dar uma volta, primo?

Luke fez uma careta, mas não discutiu. Garrett dirigiu-se aos degraus. Luke o acompanhou. Chelsea sorriu para Jasmine.

— Não se preocupe. Garrett irá convencê-lo.

— Será?

— Pode apostar. Agora, vamos conversar sobre roupas. Estou presumindo que isso que você está usando não seja propriamente uma escolha em função da moda.

Jasmine observou-se, vendo a calça e a camiseta enormes que usava.

— Nem sequer são minhas.

— Não, é lógico. Nem pensei, na verdade, que você haveria de escolher colocar essa camiseta, em especial.

Examinando o peito, Jasmine viu o logotipo do buldogue, e gemeu.

— Coloquei tão depressa que nem mesmo reparei...

— Atrás é bem pior. Está escrito: "Forte como uma carreta Mack".

Jasmine encontrou o olhar de Chelsea, viu neles o brilho do bom-humor e, de repente, ouviu a própria gargalhada. Mal podia acreditar que o som vinha de dentro de si, não com tudo o que havia acontecido nos últimos dias. Porém, de alguma forma, Chelsea conseguira colocá-la à vontade e até mesmo fazê-la se descontrair.

— Espere um instante, acho que descobri. Você deve ser a psicanalista da família. Luke mencionou que havia um.

Chelsea sorriu.

— Acho que devo me confessar culpada. Sou uma psicóloga. Costumo trabalhar com mulheres vítimas de violências domésticas.

— O triste é que você não deve ter falta de pacientes...

— E uma pena, mas parece que há muitas, sim, mesmo aqui. — Suspirou, com genuína tristeza. — Mas estamos fugindo do assunto, não é?

Jasmine deu de ombros, voltando a atenção para o filho, mais uma vez.

— Esqueci qual era.

— Suas roupas. Ou a falta delas. Parece que você deixou Chicago com muita pressa.

Jasmine desviou-se. Chelsea insistiu:

— Não que eu queira me intrometer. Não é isso. Ou melhor... a menos que você pretenda falar sobre o assunto.

— Não, nada disso.

— Tudo bem. De qualquer forma, Luke mencionou o fato esta manhã.

Chelsea levantou-se, enquanto falava, deixou a varanda e caminhou até seu cavalo, abrindo uma sacola amarrada na traseira da sela. Tirou uma bolsa de dentro e trouxe-a consigo, voltando a subir os degraus.

— Aqui há algumas coisas. Só para que os dois possam se arrumar até que você tenha oportunidade de fazer compras.

Jasmine estava tão espantada que mal conseguia falar. Pressionou a garganta com a ponta dos dedos, onde sentia que o ar se congelara.

— Não é nada especial. Um jeans de Bubba, que cresce tão depressa que mal posso acreditar. Algumas camisas e umas coisinhas de meu guarda-roupa, para você... embora, examinando bem, acho que irá ficar tudo folgado.

— Mesmo que fosse verdade, não seria por muito tempo. Com Luke cozinhando do jeito que cozinha, e comigo sem tempo de fazer ginástica por três dias...

— Poderia me acompanhar ao Dojô esta tarde! — exclamou Chelsea, como se tivesse tido uma idéia excitante.

— Dojô?

— E lá que os garotos fazem aulas de caratê. Os adultos também, de vez em quando. Ben, o irmão de Garrett, é dono da academia. Ficará feliz em nos deixar usar uma parte do ginásio. E assim você poderá me ensinar como ficar com esse corpo perfeito.

Jasmine baixou a cabeça. Seria possível que aquela mulher fosse tão gentil como parecia ser? Tal como Luke, Chelsea era ainda mais natural, ou então uma droga de uma grande atriz.

— Acho que eu bem que poderia. Mas não tenho certeza quanto a deixar Bax fazer algo tão violento como caratê.

— Não é violento, Jasmine. Não, quando é ensinado guardando-se os seus princípios verdadeiros. E espiritual. Não faça julgamentos e veja por si mesma, está bem?

— Está certo.

— Ótimo!

Jasmine relanceou o olhar para Baxter. Viu que o menino, com um ar dê inveja, observava Bubba subir na sela e cavalgar o pônei em um pequeno círculo, demonstrando alguma técnica, ela supunha.

Uma pontada feriu-lhe o coração. Remorso de mãe. Ela, porém, esforçou-se para manter o controle. Baxter não era robusto como Bubba, mas frágil, franzino. Tinha tendência a se machucar com facilidade.

— Quantos anos ele tem? — perguntou Chelsea, seguindo-lhe o olhar.

— Sete. Só sete. E Bubba?

— O nome dele, na verdade, é Ethan. Lutei contra esse apelido desde a primeira vez, mas você não consegue vencer um monte de tios, todos caubóis machões. Meu filho tem quase seis anos.

— Como?! Mas... ele é tão grande! — Meneou a cabeça, incrédula. Podia jurar que o menino tinha oito ou nove anos. — Bubba vai superar Garrett, em altura.

Devia ser essa a razão por que o garoto parecia tão mais robusto e forte do que seu precioso filho, decidiu Jasmine.

— Ele é adotado. Acho que cresceu tanto por causa de todo esse ar puro e o sol. Quinn é o melhor lugar do mundo para criar filhos. — Chelsea sorriu, calorosa. — Seu Baxter vai adorar isto aqui.

— Não vamos ficar por muito tempo — comentou Jasmine.

E então desejou poder retirar o que falara, ao perceber a reação intrigada de Chelsea. Se aquela casa era dela, por herança, qual o motivo para não ter planos de viver ali?

Aquilo, sem sombra de dúvida, soava suspeito para a prima de Luke. Mas, enfim, não era da conta dela.

Luke recostou-se contra o tronco de um olmo, no quintal, de onde tinha uma visão perfeita dos garotos que brincavam com o pônei.

— Olhe só para aquele pobre menino, magricela e franzino — disse. — Pobrezinho, ele quer tanto montar o pônei de Bubba que mal pode disfarçar, mas aquela sua mãe superprotetora morre de medo que ele se machuque, e não deixará. — Voltou-se para Garrett. — E então, sobre o que queria conversar?

— Ah-ah... sobre isso.

— O quê?

— Sobre o que acabou de dizer. Jasmine. Luke balançou a cabeça.

— Ela é uma criatura esquisita.

— E uma mulher que está sozinha no mundo com aquele garoto. E está fugindo, apavorada, de alguma coisa. — Garrett sentou-se sobre os calcanhares e descansou os cotovelos nos joelhos.

Luke franziu a testa.

— Você também tem essa impressão, hein?

—- E bastante óbvio que a moça se meteu em alguma confusão.

— Sim — murmurou Luke, suspirando, não gostando nada da sensação de aperto no peito.

— Sei que você não fez parte da família por muito l.cmpo, mas acho que já deu para saber como deve agir com uma mulher em apuros, Luke.

— O que quer dizer com isso? Eu a deixei passar a noite na casa. Cedi minha própria cama. E fiz o café da manhã.

— E agora há pouco quase a pôs para fora aos pontapés.

— Jasmine está tentando tirar minha casa de mim!

— Talvez ela seja a herdeira legítima — disse Garrett, como sempre, muito calmo. — Entretanto, essa não é a razão para querer vê-la pelas costas, e acho que você sabe disso.

Luke deu de ombros e evitou o olhar do primo.

— Não creio que passar o fim de semana sob o mesmo teto com uma estranha seja a coisa mais certa a fazer, é só.

— Por que não?

— "Por que não"?! Droga, Garrett, você olhou bem para aquela garota?

— Então está atraído por ela.

— Não. Não estou. Não gosto dela nem um pouco. E não quero gostar. Jasmine não é o tipo de mulher com a qual quero me envolver, de jeito nenhum. Além disso, está mentindo. Posso jurar.

— Como sabe disso?

— Ela não vai me mostrar a identidade, Garrett. Nem mesmo sabemos se é mesmo Jenny Lee Walker.

— Bem, não seria muito esperto fazer todo o caminho até aqui e tentar reclamar uma propriedade, se não pudesse provar que é quem diz ser, não acha, Luke? Por que ela mentiria sobre uma coisa tão simples de verificar?

— Simples de verificar?! — exclamou Luke, arqueando as sobrancelhas.

— Claro. Podemos verificar com o Departamento de Trânsito de Illinois, informar o número da placa do carro, pedir uma cópia de sua carteira de motorista e dar uma olhada na foto. O que poderia ser mais fácil?

— Faça isso! — Luke estreitou os lábios.

— Fazer?

— Por favor? Tenho um pressentimento, Garrett. Ela significa problemas, com P maiúsculo.

— Tudo bem, eu farei. Mas você terá de esperar até segunda-feira. O departamento não abre nos fins de semana. Na segunda, darei um telefonema e eles me enviarão uma foto por fax. Ok?

— Certo!

— Enquanto isso, precisa tomar jeito e comportar-se como um Brand. Estão sob seus cuidados uma mulher e uma criança em apuros, que não têm para onde ir. Portanto, irá mantê-los aqui. Tome conta dela até que ajeitemos tudo. E procure ser gentil.

— E uma ordem? Garrett sorriu.

— Considerando que sou a pessoa mais próxima de ser um irmão mais velho para você, primo, sim, encare isso como uma ordem. Porém... seja cuidadoso.

— Por quê? Acha que ela é perigosa? — Luke se afastou da árvore.

— Sim, senhor. Mas não do jeito como você julga. Veja, precisamos atentar para aquele defeito genético que parece atingir os machos do clã dos Brand com mulheres que são problema com P maiúsculo. Nós temos a tendência de cair de quatro por elas.

— O quê?! Está brincando comigo?!

— Não. E, vendo como está morrendo de medo de ficar sozinho com ela, mesmo xingando e afirmando que não é o tipo de mulher com o qual gostaria de se envolver... Enfim, creio que já está encrencado, primo.

— Oh, sim? Não me diga...

Garrett levantou-se, ajeitando o chapéu.

— Em minha opinião, já está condenado, amigo. — Bateu no ombro de Luke com um olhar de simpatia e pôs-se a caminhar para a casa.

— O que significa isso? — Luke foi tomado de espanto. — Garrett!

Mas o primo já sumira da vista.

— Preciso ir até a cidade resolver algumas coisas. Quer ir junto?

Jasmine percebeu que Luke estava tentando forçar uma conversa, mostrar-se gentil. Porém, também sabia que ele não fazia isso porque queria. O primo dele devia ter lhe dito que fosse educado com ela.

Depois que voltara da conversa com o grandalhão Garrett, Luke dissera a Jasmine que ficasse ali, com ele, "até que as coisas se resolvessem". O que, Jasmine presumia, significava até que ele poderia botá-la para fora, escorado pela lei.

Pelo menos ele não tentara levá-la para a cama. Ainda. E isso era, de alguma forma, reconfortante e insultante, ao mesmo tempo. Talvez o sr. Brand não gostasse de mulheres...

Ou, quem sabe, só não gostasse dela.

— Eu quero ir, mamãe! — exclamou Baxter. — Posso? Por favor!

Jasmine se aborreceu, não desejando expor o filho ao público, mas, tornou a ponderar, ninguém aparecera à porta com uma arma na mão, por enquanto. E se Leo, ou Petronella, ou qualquer daqueles facínoras tivesse sido capaz de descobrir seu paradeiro, já teriam vindo resolver a questão. Não tinha dúvidas. Então, isso decerto queria dizer que ela e Baxter estavam a salvo, ali. Até o momento, ao menos.

— Por favor, mamãe?

— Eu tenho de resolver alguns assuntos. Por isso, acho que tudo bem. — Olhou para baixo, para as roupas que vestia.

Pusera uma calça jeans que Chelsea Brand lhe trouxera e uma camiseta de algodão. Seus cabelos continuavam presos num rabo-de-cavalo. Trazia nos pés uma sandália com os dedos de fora, e o rosto continuava sem maquiagem.

— Creio que é melhor ver o que posso fazer quanto a minha aparência, primeiro.

— Tem razão — disse Luke.

Ela ergueu a cabeça, depressa, pronta para revidar algum insulto.

— O quê?

— Precisa de sapatos decentes para caminhar. Um tênis, algo assim. Claro, não posso ajudar com isso. Tudo o que tenho é um sapato pesado, tamanho quarenta e dois. Mas possuo um bom cortador de unha, se quiser usá-lo.

— Poderia ser mais claro, por gentileza? — Jasmine ergueu a mão, examinando as unhas. Estavam maravilhosas. Longas e bem lixadas. Perfeitas.

— O que há de errado com minhas unhas?

— Bem, não teria nada... se você fosse uma leoa das montanhas. O que está planejando fazer com essas garras? Repolho picado? — Endereçou um sorriso e uma piscadela a Baxter, e o menino caiu na gargalhada, segurando a barriga. — Se você quisesse, acho que poderia entalhar suas iniciais no olmo lá do quintal, com elas.

— Ou, quem sabe, em sua testa — Jasmine retrucou.

Mas era difícil continuar com raiva quando o filho ria com tanto gosto. O rostinho dele estava rosado, agora, e os óculos haviam escorregado do nariz.

— Ah, então você acha que é engraçado, não é?

— ela disse ao garoto. — Pensei que gostasse de minhas unhas.

O pequeno continuou rindo, e covinhas fundas formaram-se em suas faces.

— São bonitas, mamãe. — Risadas e mais risadas. — De verdade...

— E, acho que você gosta. E então, posso passar uma pintura no rosto, ou isso vai provocar outra onda de risos aqui?

— Você é bonita sem nada, mamãe. Não é, Luke?

Luke fez uma expressão estranha, como se o menino o tivesse chutado na canela. Engasgou, gaguejou, ficou vermelho como um pimentão.

— Bem, eu... ah-ah... hum...

— Descerei em dez minutos. — Jasmine preferiu não esperar o veredicto sobre sua beleza. — Vocês, rapazes, me esperem.

— Está bem. — Baxter sorria de orelha a orelha. — Mas, mãe, não se pinte muito, certo?

Luke ainda continuava assustado.

Jasmine passou só dois minutos do tempo limite, descendo as escadas com os cabelos agora soltos e muito bem escovados, e usando só um pouquinho de maquiagem, o suficiente para fazê-la sentir-se um ser humano.

— Estou pronta.

Luke andava de um lado para o outro, perto da porta. Olhava para fora, para algo, e só voltou a cabeça quando ouviu a voz de Jasmine. E seu rosto iluminou-se, num sorriso.

— Fica muito bem sem todo aquele reboque de cores diferentes, sabia?

Jasmine fez uma careta.

— Isso é um pedido de desculpas ou um elogio? Ele deu de ombros, voltando a atenção de novo

para fora. Jasmine acompanhou-lhe o olhar e viu que Baxter corria por entre a grama crescida e as flores silvestres.

— Achei que ele ficaria bem, contanto que eu mantivesse a atenção nele.

— Bax sofre de alergia. E bem provável que passe a noite tossindo. Vou precisar comprar um anti-histamínico, na cidade.

Luke pensou em fazer algum comentário desagradável. Jasmine pôde ver isso, pelo jeito que a encarou e por aquela palavra mastigada, que soou como um grunhido. Agora, mordia o lábio e respirava fundo.

— O quê? — ela perguntou, quase em desafio.

— Nada, nada. Eu... ia dizer... que, se você estiver sem dinheiro posso emprestar uns trocados, por enquanto.

Jasmine pestanejou, surpresa, e fez que não.

— Aquele seu primo exerce mesmo alguma influência sobre você, não é?

— Por que diz isso?

— Porque sei muitíssimo bem que você preferia me ver coberta de piche e de penas e com um S de stripper marcado a ferro em minha testa do que aqui, em sua preciosa residência, por alguns dias. E, contudo, ei-lo, com todo esse cavalheirismo, oferecendo-se para me emprestar dinheiro.

— Olhe... — Luke estreitou os olhos. — ...só estou tentando ser gentil.

— Tente ser honesto, ao contrário..É mais decente.

— Ah, é?

— Sim.

— Ótimo. Serei honesto. Acho que você está mentindo a respeito de quem é. E penso que foge, carregando esse menino, de alguma coisa ou de alguém, e está assustada a ponto de perder o juízo. E aquele garoto lá fora também. Vai ver que é por isso que traz a pobre criança agarrada à barra de sua saia a ponto de sufocá-lo. Pelo jeito de Bax, você vem fazendo isso faz tempo. E o que quer que tenha acontecido para fazê-la sair correndo de Chicago apenas serviu para que fechasse o cerco sobre ele ainda mais. Mesmo assim, o garoto é quem sofre com isso. Precisa soltá-lo um pouco! Jasmine o encarou, furiosa.

— Tem coragem de criticar meus cuidados de mãe?!

— Tenho.

— O que sabe? Nunca foi pai!

— Não, mas fui criança!

— Quem liga?! Não sabe de nada, moço. Aquele garoto lá fora é minha vida. É tudo, para mim. Tem idéia do que é amar alguém assim? Tanto que, se o perder, sua existência acaba? Vai se curvar e definhar e desaparecer? Tem idéia de como isso é pavoroso? Eu faria qualquer coisa por meu filho. E tenho feito!

Luke permaneceu calado por um instante, estudando-a, enquanto a vermelhidão em seu rosto se abrandava. Então, disse:

— Como ganhar a vida... dançando? Jasmine baixou os cílios.

— Não tenho vergonha do que faço. Dançar é uma arte. O corpo de uma mulher é uma coisa bonita. As mulheres vêm exibindo seus corpos em danças eróticas há quase cinco mil anos.

— Mas não para pervertidos bêbados, a menos que sejam...

— Ah, obrigada, seu jumento!

— Quero dizer, isso pão pode ser divertido.

— Não desdenhe até que tenha tentado. — Fitou-o, com sarcasmo.

— Vamos lá, devemos parar com isso, está bem? E óbvio que deve ser um sacrifício terrível fazer o que você faz para viver. Deve mesmo amar demais seu filho.

— Achei que tinha deixado isso bem claro. Luke suspirou, voltando o olhar para o teto.

— Está pronta para ir, ou o quê?

Jasmine fez uma careta e passou por ele, pela porta. Seus passos bateram com força no assoalho de madeira da varanda, e ela buscou avistar Baxter.

Ele não estava à vista.

— Bax? — Desceu os degraus. — Docinho, onde você está?

— Aqui em cima, mamãe! Olhe para mim!

Ela seguiu-lhe a voz e avistou-o, bem no momento em que a porta de tela batia e Luke descia os degraus, postando-se a seu lado.

Baxter se pendurara num galho de árvore, a mais ou menos uns cinco metros de altura. Para Jasmine, pareceu que estava a quinhentos metros, e seu sangue enregelou nas veias.

— Não se mexa! — gritou, tomada de pavor. — Não se mexa, Baxter. — E saiu correndo em direção à árvore, com Luke em seus calcanhares.

— Quer parar com esse pânico?! Está assustando o garoto!

— Eu estou assustando o garoto? — Jasmine jogou longe as sandálias e aproximou-se do tronco. Agarrou um galho mais baixo e alçou-se, subindo com facilidade.

— Ei, espere um instante! O que acha que está fazendo... Jasmine!

— Fique quieto, filhinho. Mamãe está chegando, nenê. Não se mova.

Jasmine escalou a árvore como um macaco, em direção ao alto. Podia ouvir a voz do menino, conversando tranqüilo, sem o menor traço de medo, com Luke, enquanto ela subia pelo tronco como uma mulher das selvas.

Por fim, Jasmine chegou ao galho onde Baxter se pendurara. Só que ele não estava mais lá.

Seu coração disparou no peito, batendo tão forte que acreditou que fosse arrebentar. Olhou para o chão, aflita, temendo deparar-se com o corpo do menino esborrachado lá embaixo. Ao contrário, ouviu uma risada, e viu o filho seguro, nos braços fortes de Luke Brand.

Aquele caubói grandalhão sorria como um idiota e desmanchava os cabelos de Baxter, e o pequeno ria alto para ele.

Luke ergueu a cabeça.

— Bax está bem, Jasmine. Pode descer, agora.

— Como desceu tão depressa, Baxter?

— Eu pulei. Luke me pegou.

— Você pulou? — Olhou para Luke. — Ele pulou?

— Não olhe para mim, não foi idéia minha. — Luke colocou Bax no solo, afagou-lhe uma orelha e, então, se virou para cima, de novo. — Bem, você vem ou não? Juro, dá mais trabalho levar vocês dois para um simples passeio de compras do que um homem pode agüentar.

Resmungando entre os dentes, Jasmine começou a descer do galho. Um de seus pés escorregou. Ela ouviu o ranger da madeira se quebrando e agarrou-se a um outro ramo, as mãos deslizando pela madeira lisa. Antes que pudesse se dar conta, despencava lá de cima. Não teve tempo nem mesmo de gritar.

E, então, viu-se naqueles braços fortes, como seu filho, poucos instantes atrás. E Luke a fitava, surpreso, a princípio, e depois, divertido. Seu tórax a amparava, os braços segurando-a sob os ombros e as pernas, apertando-a contra si.

A cada vez que ele respirava, Jasmine subia e descia junto. E seu rosto estava tão perto do dela que podia ver a ligeira sombra da barba apontando em sua pele.

— Pode me pôr no chão, agora.

— Posso? — As palavras foram resmungadas e não eram, na verdade, uma pergunta. E, então, ele pestanejou. — Oh, certo, claro.

Baxter estava sentado ali perto, olhando de um para o outro, com um ar estranho. E Jasmine, de súbito, sentiu uma pontada de culpa apertar-lhe o coração. E não soube o porquê. Não tinha feito nada.

Porém, razoável ou não, o remorso estava lá, e forte. Quase beijara aquele homem, ou quem sabe ele quase a tivesse beijado. Não tinha certeza, mas houvera, sem dúvida alguma, um beijo pairando na atmosfera entre os dois, esperando para ser reclamado.

Quase beijara um homem na frente do filho. O seu Baxter. Como se ele não estivesse ali. Como se não importasse.

Tudo bem, pensou Luke. Ela era, sem dúvida, uma mamãe ursa guardando a cria quando se tratava daquele seu filho. Jasmine escalara a árvore num ímpeto tão desesperado que Luke não tivera tempo de se oferecer para fazer isso em seu lugar. Muito menos para sugerir que talvez essa não fosse a atitude mais segura a tomar.

Nunca vira algo semelhante. Jasmine nem mesmo pensara, simplesmente se lançara para o primeiro galho que pudera alcançar e subira com uma tal facilidade que daria inveja a uma macaca.

Sim, senhor, ela amava aquele menino. Luke já chegara a essa conclusão antes. Mas agora ele sabia com certeza que Jasmine tinha verdadeira adoração pelo garoto. Caso houvesse algum espaço para dúvidas, caso julgasse ainda que essa superproteção tivesse outras causas, como alguma patologia ou qualquer coisa do gênero, essa possibilidade não mais existia para ele. Jasmine podia ser uma porção de coisas, mas a principal delas era uma só: era uma mãe devotada. E isso Luke não podia deixar de admirar.

Em toda sua vida, mesmo em seus tempos de menino, tal como Baxter, com uma mãe muito parecida com Jasmine, Luke nem por uma vez duvidara de que Natalie o amava. De que se jogaria na frente de um trem veloz por ele, sem pestanejar. Mesmo assim, mantivera-o afastado de tanta coisa importante... De amigos mais próximos, da família, de grupos afins. A ponto de ele crescer e se transformar num homem isolado, solitário e esquivo.

Natalie o asfixiara e, contudo, Luke a amava. Quando a perdera, por algum tempo se sentira como se tivesse perdido a si mesmo. Se não houvesse chegado até ali e encontrado aquela enorme e calorosa família...

Bem, não valia a pena ficar pensando naquilo.

Rodavam pela estrada na camionete que Luke deixara estacionada atrás da casa, fora da vista. Jasmine sentara-se ao lado de Baxter, e sacolejava no assento a cada buraco do solo.

Parecia um pouco mais "decente" do que quando chegara. Talvez porque não tivesse carregado tanto na maquiagem, Luke ponderava. E seus cabelos não estavam tão armados, agora. Continuavam cheios e afofados, porém sem aquele exagero de antes. Mais pareciam um manto suave de seda.

E a calça jeans e a camiseta lhe caíam bem. Aliás, muito bem. E ele não sabia por quê. Não se colavam a seu corpo. Ao contrário, pareciam um pouco folgadas. Jasmine era do tipo dessas mulheres que deviam ficar bem em qualquer roupa, mesmo que fosse de saco de estopa.

Contudo, aquelas garras ridículas, com o esmalte cintilante, continuavam lá. E aqueles sapatos! Deus do céu, onde os comprara? Numa loja de artigos eróticos? Os saltos pareciam estacas de matar vampiros. Como alguém podia caminhar com aquelas coisas nos pés?

— Poderia muito bem se desviar desses buracões se parasse de me observar e mantivesse os olhos na estrada — ela murmurou, num tom ríspido.

Luke fitou-a dos pés à cabeça. Nenhuma camada espessa de maquiagem conseguiria esconder aqueles enormes olhos castanhos, pensou, agora que os notara. Eram idênticos aos de uma corça. Sentiu que podia mergulhar, perder-se dentro deles. Teve de fazer um esforço incrível para desviar-se para a estrada.

— Eu estava imaginando como você faz para andar com esses calçados.

— Um passo de cada vez, caubói. Como todo o mundo.

Luke fitou-a de soslaio e viu o ligeiro sorriso em seus lábios. Percebeu que Jasmine o provocava. Não disse nada, deu apenas uma piscadela para Baxter, sentado no meio, entre os dois.

Pouco depois entravam na cidade, e Luke estacionou a picape no meio-fio.

— Aqui me parece um bom lugar para começar. O que acha, Bax?

Baxter olhou pela janela* do veículo, e suas pupilas se iluminaram ao ver um cartaz de um enorme sorvete de casquinha no toldo de uma pequena loja.

Jasmine suspirou e olhou para o céu.

— Droga, você está decidido a me fazer engordar, não é?

— Acho que pode comer sem parar por uma semana e ainda assim sobrará espaço para seguir em frente, mulher.

Jasmine sorriu, de repente. De pura surpresa.

— Obrigada.

— Não agradeça, não se trata de um elogio. Por que vocês, garotas da cidade, sempre acham que é uma boa coisa ficar desnutridas? Você está pele e ossos! Bax, acho que devemos dar a sua mãe um sundae triplo com cobertura de chantilly, não é?

— Isso! — gritou Baxter, com uma risada.

— Quero uma soda — disse Jasmine, com um olhar furioso para Luke. — Diet.

— Que pena... Parece que Bax vai ter de comer sozinho aquele sundae, então.

O garoto caiu na gargalhada e a zanga de Jasmine se esvaiu. Ela parecia começar a entender que Luke estava brincando, tentando manter as inquietações longe da cabecinha de Baxter. E essa certeza se acentuou quando Jasmine pediu uma bola de sorvete na casquinha, com calda de chocolate.

Sentaram-se a uma das mesas com guarda-sol, na calçada. Por algum tempo, Luke ficou a devanear, observando Jasmine devorar o sorvete. Ela daria um belo encarte para a Playboy...

Quando terminaram, entraram de novo na camionete e seguiram para o supermercado. Luke achou uma vaga e estacionou.

Jasmine, diante do estabelecimento, franziu o cenho.

— Seja o que for que você queira ou precise, este é o lugar para encontrar, Jasmine. Roupas, sapatos, artigos de toalete... até mesmo guloseimas. Pode crer.

— Se você diz... — Ela deixou escapar outro suspiro e estendeu a mão para o filho.

— Jasmine? — chamou-a Luke. Ela se voltou.

— Por que não deixa Bax comigo enquanto faz as compras? Ainda tenho algumas coisas a ver na cidade. Bubba sempre passeia comigo. De vez em quando dorme em minha casa por todo o fim de semana, e nunca o devolvi aos pais com nada além de algumas picadas de mosquito.

Ela mordeu o lábio. Luke notou. E foi muito duro conseguir não atentar aò gesto.

— Não sei, não...

— Você disse que tinha muito que fazer. E sabe que será mais fácil resolver tudo sem Bax. Prometo, não o perderei de vista nem por um segundo.

— Por favor, mamãe... — implorou Baxter. Jasmine perscrutou o rosto de Luke, e ele pôde ler em seu semblante uma clara mensagem: deixe que algo aconteça a meu menino e eu o matarei, bem devagar. Em voz alta, porém, concedeu:

— Está bem.

Bax soltou um berro de alegria e bateu palmas. Jasmine ficou a observá-lo por um instante e, então,

estendeu a mão esguia, com aquelas unhas mortais, fechando-a em torno do braço de Luke com uma força surpreendente.

— E muito importante que você me prometa não deixá-lo sozinho nem por um segundo. Importantíssimo. E se perceber qualquer estranho prestando atenção a ele de forma exagerada, afaste meu garoto para longe. Pelo amor de Deus, Luke.

A maneira com que ela disse aquilo, a intensidade do olhar e a pressão da mão em seu braço... eram um aviso que Luke teria preferido não receber. O pequeno estava em perigo. Ou Jasmine assim acreditava. O que significava que os "homens malvados" que Baxter mencionara por umas duas vezes não eram apenas sujeitos desagradáveis ou inimigos casuais. Céus, o que estava acontecendo com aqueles dois?!

Tarde demais para perguntar. Jasmine o soltou, inclinou-se para beijar o rosto do filho e saiu do veículo.

— Seja bonzinho, Baxter. Fique perto de Luke, ouviu?

— Pode deixar, mamãe.

Uma hora mais tarde Jasmine deixava a loja, os braços carregados de sacolas de compras. Descontara seu cheque de pagamento e o de Botão de Rosa na saída de Illinois, por isso dinheiro não era problema. Ainda não.

Ao sair, chocou-se com uma mulher que carregava uma criança no colo. Jasmine resmungou um pedido de desculpas. A mulher, porém, deu um passo atrás e exclamou, sorridente:

— Você deve ser Jasmine!

Jasmine fitou-a, pondo-se de imediato em alerta.

— Como sabe quem sou?

— É nova na cidade. E está fazendo compras onde meu primo disse que estaria. E, além disso, há essas unhas...

— Não! Minhas unhas, de novo, não! — Jasmine meneou a cabeça, já mais relaxada diante da certeza de que a moça devia ser parente dos Brand.

— São maravilhosas! Deixe que eu a ajude com esses pacotes. — Ajeitou a criança no braço e apanhou três das sacolas de Jasmine. — Meu nome é Penny. Meu marido, Ben, é irmão de Garrett. E este é Zachary, meu filho.

— É um bebê lindo! — Jasmine fitava a criaturinha encantadora, de um seis ou sete meses, de faces rosadas e cabelos loiros, cacheados.

O nenê sorriu e balbuciou alguns sons guturais. Jasmine voltou-se para Penny.

— Foi Luke quem a mandou até aqui?

— Ele me pediu para apanhá-la. Ele e Baxter, aquele seu garoto adorável, devem encontrá-la no Dojô daqui a pouco. Tudo bem?

— Creio que sim.

Caminharam para o carro, uma bela picape cabine dupla, de tração nas quatro rodas e lataria reluzente, num tom verde-floresta. Acomodaram as sacolas atrás, e o bebê na cadeira especial, ao lado. Em seguida, acomodaram-se na frente.

Enquanto colocava o cinto de segurança, Penny voltou-se, dizendo:

— A propósito, bem-vinda a Quinn. Nem sei como expressar como estou feliz por conhecê-la. Parece que o destino a enviou na hora certa.

Jasmine fitou-a, intrigada.

— Por que está me falando isso?

Penny ligou o carro e, com habilidade, manobrou-o. Logo, trafegavam pela cidade.

— Baxter me contou que você é bailarina.

— E verdade. — Jasmine ficou a imaginar se Luke tinha alguma coisa a ver com aquela história.

O que teria dito à prima? Que ela dançava numa espelunca de mulheres seminuas num bairro decadente de Chicago?

— Isso é inacreditável! Deus, eu sempre quis dançar! Mas sou tão desajeitada... Parece que tenho dois pés esquerdos. Você é formada em dança ou é autodidata?

Então, Luke dourara a pílula. Bem, ele devia ser um antiquado. Do tipo capaz de, em nome de valores morais ultrapassados, contar uma meia-verdade e não espalhar seus segredos para os familiares.

E, olhando para Penny, via uma mulher que parecia gentil, amistosa, genuinamente interessada. Que não deixava transparecer o menor preconceito. Não fazia sentido. Será que todas as pessoas que conhecia ali tinham um incrível talento para ator? O que ganhariam com isso?

Ou seria possível que existisse gente assim, tão boa?

— Eu... freqüentei a Escola de Dança de Chicago — disse, por fim. — Por três anos. Trabalhava em dois empregos para pagar as aulas. Mas tive de parar quando fiquei grávida de Bax.

— Ora! — exclamou Penny, parecendo impressionada. — Você deve ser incrível. Isso é muito mais do que eu esperava.

— E o que esperava?

— Deixe eu lhe mostrar o lugar primeiro. Conversaremos depois.

Jasmine estudou a mulher com curiosidade, enquanto Penny entrava no estacionamento e achava uma vaga. Desligou o motor e olhou para as sacolas.

— Tem alguma coisa perecível ali?

— Não, nada.

— Ótimo. Vamos, então. — Desceu da picape, abriu a porta traseira e tomou o bebê no colo.

Caminharam para a entrada de um prédio. O edifício pareceu a Jasmine ura velho e enorme armazém. As paredes laterais tinham escoras de metal, o telhado de zinco reluzia. Havia uma placa imensa, de fora a fora da fachada. Nela, os dizeres: Centro de Treinamento Espiritual Dojô. Embaixo, em letras menores: caratê, tae-kwon-do, tai chi chuan, chi gung, ioga, meditação.

Ao passar pela entrada, Jasmine ficou a imaginar se o primo de Luke, Ben, tinha alguma semelhança com David Carradine, o astro do seriado Kung-Fu. Voltou-se, observando a garagem.

— Não estou vendo a caminhonete de Luke. — Abriu a porta e segurou-a para Penny.

— Ele chegará logo.

Lá dentro, o lugar era ainda mais surpreendente. O piso de tábuas largas era tão polido quanto um espelho. A um canto, pilhas de esteiras. Painéis divisórios dividiam o amplo espaço em quatro salas separadas, e eram corrediços, permitindo modificar o espaço à vontade. E as paredes tinham imensos e elegantes dragões pintados, em vermelho brilhante com nuances de laranja e púrpura.

— Entre, por favor, Jasmine. Não há ninguém aqui, a esta hora, e isso é muito bom. Talvez eu possa convencê-la a me fazer um favor.

— Não estou entendendo.

Penny, porém, atravessou o ambiente, apontando de um lado para o outro.

— Aquela saleta depois da janela é onde ficam os controles do sistema de som, da iluminação, das paredes divisórias e outros. Também faz as vezes de um escritório. As demais portas dão para as salas de descanso, e aquela do fundo leva às escadas. Nós moramos no segundo andar.

— Nossa! Deve ter diversos cômodos.

— Ah, tem mesmo... Eu lhe mostrarei lá em cima mais tarde, se você quiser.

Penny puxou uma esteira da pilha perto da parede e acomodou o bebê sobre ela. Então, pôs-se a revirar a bolsa, tirando de dentro uma porção de brinquedos e colocando-os na frente do filho. Zachary soltou gritinhos e estendeu as mãozinhas, tentando apanhá-los.

— Isso, meu menino bonzinho. — Penny afastou-se, dirigindo-se para a sala de controle.

Um instante mais tarde, uma música vibrante encheu o ambiente. Penny voltou para o salão, sorridente.

— Pode me mostrar? Só um pouquinho? Jasmine franziu a testa e, então, entendeu.

— Você quer que eu dance?

— Sei que isso parece tolo, mas... Por favor, eu lenho um motivo para pedir. Sempre adorei a dança, durante toda minha vida. E só estamos nós duas aqui, afinal. Por favor?

— Para dizer a verdade, está me consumindo o fato de não ter tido tempo para dançar nos últimos dias, ou de ter uma academia para praticar.

Jasmine relanceou o olhar para a porta. A música já se infiltrara em seus músculos, fazendo-os repuxarem-se de saudade.

— Lá em Chicago havia uma academia bem perto de meu prédio. Botão de Rosa e eu costumávamos freqüentá-la todos os dias, enquanto Bax estava na escola. Mantém a gente em forma, sabia? Quero dizer, não é como se tivéssemos a oportunidade de usar sempre nossa formação clássica, mas...

Jasmine percebeu que ia relaxando à medida que falava. Adotando os velhos padrões, quase sentindo como se Botão de Rosa estivesse ali, naquele momento. Retornou, em lembrança, àquela velha academia, com seu salão de cheiro característico, a caixa de som ligada. Vários rapazes a atormentá-las, esperando que o espaço estivesse livre para que pudessem praticar esportes. Ela e Botão de Rosa dando as costas para eles. E, então, dançando, até que aqueles punks boquiabertos estivessem babando de admiração.

E se pôs a dançar. Aquilo lhe veio naturalmente, tão vital quanto respirar. Permitiu-se esquecer-se de tudo o que estava acontecendo. Por um breve instante viu-se de volta à decadente academia aonde chegava dobrando a esquina. E Botão de Rosa estava com ela, dançando em perfeita sincronia.

De olhos fechados, Jasmine deixou-se levar pela música, permitiu que ela inclinasse e movesse seu corpo com suas notas e seu ritmo, arqueando os braços em gestos graciosos.

Dançar era seu mais doce alívio; seu refúgio, onde nenhum mal podia entrar.

Entregou-se por completo à música, à dança, esquecendo-se da presença da mulher e do bebê. Esquecendo-se da violência que a levara até aquele lugar. Esquecendo-se de tudo, Jasmine dançou.

Luke e Ben caminharam para a porta de entrada do Dojô e ouviram música.

— Acho que ficaram entediadas de esperar por nós — Ben comentou.

Luke sorriu, baixando os olhos para o garoto cuja mão pequenina estivera presa na sua durante toda a tarde. Gostava daquela sensação, até demais. Sabia que não deveria permitir afeiçoar-se a Baxter daquele jeito, nem sentir esse instinto protetor como sentia.

Não deveria ter aquela pontada de calor no peito cada vez que aqueles olhos grandes por detrás dos óculos de lentes grossas o fitavam, a armação escorregando pelo narizinho. Não era uma boa idéia ficar ligado daquela maneira a uma criança como Bax, ainda mais tendo ele uma mãe como Jasmine.

Ela não haveria de gostar. Decerto iria se rebelar contra isso. Luke sabia que seria assim. Seu instinto lhe dizia. Mães como Jasmine não gostam que outras pessoas fiquem íntimas de seus filhos.

Aquele pensamento, porém, junto com todos os outros pensamentos coerentes que ele pudesse ter, abandonou sua mente quando entrou no Dojô e a viu.

A princípio, não compreendeu muito bem a cena. Será que Ben acabara por contratar uma instrutora profissional de dança para aquelas aulas que Penny desejava incluir entre as opções da academia? Mas o que estaria uma bailarina assim tão boa fazendo numa cidadezinha do interior perdida no mapa, como Quinn?

E, então, deu-se conta daquilo que suas entranhas haviam descoberto ao primeiro olhar. A dançarina era Jasmine. No meio do salão, ela rodopiava, ora se inclinando, ora se elevando, e seus braços pareciam feitos de água, ondulantes e fluidos. Seus cabelos pareciam um manto esvoaçante, a cada giro.

Agora, ela se movia mais rápido e mais rápido até se tornar um*borrão diante dos olhos de Luke. E, por fim, parou, flexionando-se para a frente, num gesto lento, quase abraçando a si mesma, os seios subindo e descendo em cada respiração curta e funda, a pele molhada e reluzindo.

Por alguma razão, as palavras de Garrett ressoaram na memória de Luke: "...já está condenado, amigo". E ele pensou que talvez estivesse mesmo.

Acontecera com Luke no momento em que entrara e a vira dançando. Não queria que fosse assim. Todavia, percebia agora, não tivera muita escolha. Afinal, o que era aquela punção aguda que se gravara em seu peito como um alicate, de repente?

Ouviu palmas. Pestanejou, tentando sair do estupor que aquele número lhe provocara e olhou ao redor. Ben estava ali, aplaudindo, tal como Penny. No chão, de olhos arregalados, o bebê, Zachary, ria e os imitava, as mãozinhas minúsculas batendo uma na outra, desajeitadas. Bax também aplaudia, mais alto e mais forte que qualquer outro.

Jasmine ergueu a cabeça, muito surpresa. Seu olhar buscou o de Luke, como por radar, e, então, baixou a vista. Seu rosto estava corado de calor e do esforço, mas Luke percebeu que se tornara ainda mais vermelho. Teria ficado envergonhada? Isso fazia sentido? Aquela garota dançava seminua para platéias masculinas, como meio de sobrevivência. Por que dançar vestida, diante dele, faria com que enrubescesse?

— Eu lhe disse que minha mãe era a melhor bailarina do mundo! — O peito de Baxter se estufou de orgulho.

— Disse mesmo, Bax. — Luke piscou para ele.

— Foi incrível! — Penny suspirou, com um sorriso. — Sensacional! Não é mesmo, Ben?

— Conseguiu me arrebatar, confesso. Tudo bem, Penny, você venceu.

Penny o encarou, de sobrancelhas arqueadas.

— Ganhei minhas aulas de dança?! Ele assentiu.

— Não podemos privar as crianças de Quinn de aprender algo tão poderoso, podemos? E, quanto à professora... bem, não poderíamos encontrar o que acabei de ver aqui se puséssemos anúncios por uns seis meses. Se Jasmine quiser o emprego, é dela.

Penny juntou as mãos e ergueu-as, num gesto de vitória. Todos estavam sorrindo. Todos, percebeu Luke, menos Jasmine.

Ela ainda continuava a fitá-lo. E aquilo o atingiu de uma maneira estranha, parecendo que talvez esperasse que ele fizesse algum tipo de comentário sobre o que acabara de presenciar.

Todos haviam elogiado sua dança, a não ser ele, e, é claro, o pequeno Zachary. Embora, no caso, o garotinho tivesse aplaudido e soltado gritinhos de prazer. De qualquer maneira, antes que Luke pudesse encontrar as palavras, Jasmine desviou-se, como se o que Ben dissera só naquele minuto tivesse sido registrado.

— Que trabalho?

— Quero incluir aulas de dança em nossos horários, para as crianças de Quinn — explicou Penny. — Já tenho quase cinqüenta pais interessados em matricular os filhos. Porém, não podia fazer isso sem uma professora qualificada, e não sabia como encontrá-la. — Sorriu. — Até agora!

Jasmine fitou Luke de esguelha. Levou alguns instantes até que ele caísse em si e percebesse o que ela esperava. Estava tensa, aguardando o momento em que Luke contaria aos primos que tipo de dançarina era, até então. Que falasse que não haveriam de gostar que uma mulher igual a ela ensinasse bale a garotas e garotos impressionáveis.

— Eu... não acho que sou... qualificada — Jasmine murmurou, por fim.

Luke engoliu em seco.

— Você tem razão. Não é. — Fez uma longa pausa e todos o encararam, estupefatos. — É qualificada para dançar em algum palco de teatro de Paris, onde as pessoas joguem flores a seus pés.

Aqueles enormes olhos castanhos se arregalaram. Com um leve sorriso, Jasmine baixou a cabeça.

— Sabe muito bem que não é assim, Luke.

— Não, não sei. Jamais vi algo parecido com isso antes, Jasmine. E sei como você é maravilhosa com crianças. Portanto, posso afirmar que é mais do que perfeita para aceitar esse trabalho. Isso se tiver planos de ficar algum tempo por aqui.

— Você tem? — Penny quis saber.

— Você tem, mamãe? — repetiu Baxter.

Luke observou a expressão cheia de esperança de Baxter e ficou a imaginar o quanto sua própria expressão espelhava o mesmo sentimento. Tentou obrigar-se a ser menos óbvio, mas não podia impedir que seu coração ansiasse para que ela dissesse "sim".

Jasmine olhou um a um. E, suspirando, cerrou as pálpebras. — Não sei. Sinto muito. É que... não sei.

Estar em Quinn, no Texas, à noite, era tão diferente de Chicago como poderia ser estar em outro planeta. Não eram os ruídos, ou a falta deles. Ou os cheiros, ou a falta deles. Mas sim a sensação de segurança, de tranqüilidade, fictícia, de que tudo 'stava certo no planeta.

As pessoas que moravam em pequenas cidades viviam imersas em ilusão. Acalentavam a crença de que lugares encantados como aqueles podiam existir neste mundo cruel.

Baxter estava recolhido, em segurança, na enorme cama de Luke Brand. Ressonava, sossegado, quando o deixara, quase naquele instante.

Jasmine sentou-se no balanço da varanda. Logo, sentia os músculos relaxarem, respirando o ar perfumado como o mel, ouvindo o coro sem fim dos ruídos noturnos. Coiotes se lamentando em tristes uivos, cigarras trinando sem cessar. O murmúrio distante do vento. Lá em cima, no zênite, brilhavam as estrelas. Nunca antes vira tantas estrelas no íir-mamento. Pareciam se estender como um. manto fulgurante por sobre todos os seres viventes.

O ranger da porta e as passadas pesadas lhe informaram que Luke se aproximava, bem antes que se sentasse a seu lado, no balanço. Com um impulso do pé, ele empurrou a cadeira para o alto, em grandes arcos. Então, sentou-se e cruzou os braços na nuca, recostando-se, esticando as longas pernas.

— E bonito aqui, não é mesmo? O lugar mais bonito que já conheci. E já vi muitos, pode acreditar no que digo.

— Sem dúvida, é bonito. Não há o que discutir.

— Este pequeno rancho é parte daquilo que me fez decidir parar de rodar por aí, que me deu vontade de fincar raízes.

— Acho que é tão bom quanto qualquer outro para se estabelecer.

— Nada disso. É melhor. Jasmine ergueu as sobrancelhas.

— Olhe, se está tentando me convencer a aceitar aquela oferta de trabalho de Penny...

— Jasmine, sei que tem alguma coisa errada. — Parou de se balançar, sentou-se ereto e virou-se para encará-la. — Notei que está apavorada, mas você vai ter de parar, em algum momento. Em algum lugar. Cedo ou tarde, precisará olhar em volta e enfrentar seja lá o que for, ou essa coisa a caçará até o fim de seus dias.

Ela desviou o olhar. Luke era mais perspicaz do que gostaria de admitir.

— O que o faz pensar que estou fugindo de algo? Luke a fitou, a expressão dizendo que não adiantava tentar enganá-lo com uma mentira.

— Mais cedo ou mais tarde — ele repetiu —, vai ter de parar e lutar. Pela segurança de Baxter, se não pela sua própria.

Jasmine meneou a cabeça, com veemência.

— É pelo bem de Baxter que tenho de continuar fugindo.

Luke fez uma pausa, talvez para digerir o que ouvira. Então, pediu:                                        

— Conte-me o que está se passando.

— Não posso.

Mordendo o lábio, ele assentiu.

— Tudo bem, você não pode. Não importa o que seja, de qualquer maneira, porque, mais cedo ou mais tarde, isso vai alcançá-la até aqui. E Quinn é onde você tem a maior chance de acabar com esse problema. Melhor do que em qualquer outro canto para o qual pudesse escapar. Aqui, Jasmine. Você pode vencer aqui.

Erguendo a cabeça devagar, ela o encarou.

— O que faz daqui um lugar tão diferente dos outros?

Luke a examinou com firmeza e convicção.

— Eu estou aqui.

Jasmine desejou, com todas as forças de seu ser, acreditar nele. Mas... não podia.

Não tinha o direito de arriscar a vida de Baxter confiando nas palavras de um homem que era pouco mais que um estranho para ela. Cedo ou tarde, Petronella iria encontrar seu rastro, e Jasmine precisava ter certeza de poder fugir com o filho antes que isso acontecesse.

Deus, se o bandido a alcançasse ali, Luke e sua família inteira estariam em perigo!

Aquele pensamento a paralisou. "Desde quando se preocupava com os outros? Sempre tinham sido ela, Baxter e, até bem pouco tempo, Botão de Rosa contra o mundo.

E, ainda assim, uma parte de Jasmine estava começando a se importar com aquela gente. E outra ansiava por ficar num lugar igual àquele. Aceitar o trabalho que Ben e Penny haviam oferecido, ensinar dança às crianças.

Oh, Jesus, seria muito melhor do que o que ela vinha fazendo para viver, até aquele momento! E morar numa cidade como Quinn, com cidadãos daquela qualidade, que pareciam se preocupar de verdade com os outros muito mais do que se preocupavam consigo mesmos, seria o paraíso. Para ela e, sobretudo, para Baxter.

As bochechas de Bax já tinham um corado saudável que nunca estivera ali antes. E o menino ria alto com muita facilidade naquela cidadezinha do Texas. Nunca fora assim.

Ah, seria perfeito ficar! Se pudesse.

Voltou a fitar Luke, incapaz de escapar daquele olhar penetrante, e, de repente, deu-se conta de que ele se inclinava e a beijava.

Sua boca pousou sobre a dela e seus braços a envolveram com suavidade. Não era o beijo gruden-to e brutal que os homens costumavam forçá-la a suportar quando a encurralavam sozinha, no estacionamento, depois do show. Era diferente. Delicado e terno. Suas mãos seguravam-lhe a cabeça com delicadeza enquanto seus lábios provavam os dela.

Jasmine suspirou e, então, entregou-se à carícia.

Deixou-se ficar sentada ali, vacilante, imaginando o que significava aquilo, ou o que será que Luke queria, ou o que esperava que ela fizesse, a seguir.

Mas, então, um grito tremendo cruzou a noite, arrancando de imediato todas aquelas perguntas de sua mente. Num pulo, o coração disparado, ela chamou:

— Baxter!

 

Está tudo bem, meu nenê, tudo bem. Calma, agora. Calma...

A voz de Jasmine era como a brisa, melodiosa e tranqüilizadora, tão doce e gentil que não importava o que ela dissesse. Era assim que falava enquanto apertava o garoto contra o peito, embalando-o, com suavidade.

Aquele tinha sido um terrível pesadelo. Luke podia perceber pela face de Baxter, mais pálida do que o normal, e pelos cabelos empapados de suor. Seguira Jasmine até o quarto, colado em seus calcanhares, quando o menino gritara, acendendo a luz no mesmo instante que ela.

Naquele momento, sentia-se inútil, parado ali, observando Jasmine dissipar o medo, como num passe de mágica, para longe do filho, com seu abraço e com sua entonação tão perfeita.

— Foi só um sonho, Bax. Só isso. Não era real. Mamãe está aqui. Não deixarei que nada o machuque. Você sabe disso. *

A criança agarrou-se a ela, tremendo ainda, mas concordando. As mãos de Jasmine o afagaram, em círculos, nas costas, em movimentos ritmados. Onde as mães aprendiam aquilo?, Luke ficou a imaginar. Era em algum tipo de manual de instruções que vinha junto com os filhos, ou o quê? E Jasmine era mestra no assunto.

Fungando, Baxter afastou-se um pouquinho, esfregando o rosto.

— Posso tomar um pouco de leite morno?

— Pode fazer o que quiser, meu nenê. Sentindo que, enfim, podia fazer algo, Luke apressou-se em dizer:

— Deixe que eu trago.

Jasmine voltou-se, surpresa, como se tivesse se esquecido de que ele estava ali.

— Não, eu mesma farei isso.

Luke franziu a testa. Baxter, ainda fungando, resmungou:

— Ninguém mais sabe fazer do jeito que mamãe faz.

— Ah... Tudo bem, então.

Jasmine encarou-o ao ficar de pé, e Luke pôde ver a preocupação em sua expressão. A tensão. E não era de se admirar. Seu próprio coração apenas agora começava a retornar ao compasso normal. Ao passar por ele, Jasmine estendeu a mão e segurou-o pelo braço.— Pode ficar com Baxter enquanto preparo o leite? Ele fitou a mão que o tocava. Não tinha certeza se Jasmine própria tinha consciência de sua atitude. Isso significava alguma coisa ou era apenas um ato reflexo?

Pela primeira vez desde que tinham ouvido o berro do garoto, Luke permitiu-se relembrar o que havia acontecido, pouco antes disso. Aquele beijo no balanço da varanda, sob as estrelas.

O que fora aquilo, Senhor? Nem ao menos pretendia beijá-la. Não tinha planos de fazê-lo. Acontecera e pronto. E não sabia o que significava aquilo para ele, muito menos o que ela pensara. A mão em seu braço teria algo a ver com aquele beijo? E se assim fosse, o que seria?

A mão continuava em seu braço, quente. Num gesto deliberado, Luke a cobriu, com a sua.

— Estarei aqui, não se preocupe. Bax vai ficar bem até você voltar.

Jasmine pareceu mais confortada.

— Quer quê eu lhe traga um pouco de leite quente também?

Luke fez que não. Seria preciso mais que leite quente para ajudá-lo a pegar no sono, essa era a verdade. Muito mais, que droga!

Por alguma razão, veio-lhe uma imagem tola à mente: ele sentado numa cadeira, ao lado da cama, observando os dois, mãe e filho, enquanto dormiam. Como se isso pudesse fazer algum bem. Não poderia manter os pesadelos de ambos afastados, afinal.

Num impulso, afagou os cabelos de Jasmine e prendeu uma mecha atrás da orelha, murmurando:

— Grite, se precisar de ajuda com o leite.

Ela assentiu e deixou a suíte.

Luke suspirou ao vê-la afastar-se. Gostaria muito de não estar louco por ela como estava. Tentara dizer a Garrett que mantê-la ali não era uma boa idéia. Queria dar um soco naquele seu primo caubói intrometido.

O que faria com uma mulher como aquela? Mal sobrevivera à primeira criatura superprotetora que marcara sua existência. Por que, pelos céus, iria querer se meter com outra?

Jasmine era o oposto do tipo de garota que Luke julgava querer para sua companheira, algum dia. E, além disso, esse "algum dia" ainda estava muito longe. Sua experiência de "venda a carreta, compre uma fazenda, finque raízes" estava só começando. Não tinha idéia se poderia se tornar esse tipo de homem acomodado.

E vamos supor que Natalie estivesse certa, o tempo todo. E se tivesse herdado do pai a ânsia de perambular por aí? E então? Jasmine precisava de muito mais do que isso. E Baxter, então? E Luke não achava que tivesse amor suficiente dentro de si para curar todas as feridas que podia ver naqueles dois, que tinham pegado carona em seu destino.

— Luke?

Ele voltou-se para olhar para Bax, tão pequeno e abandonado no leito enorme.

— Sim, meu camarada?

— Estou com medo.

Uma flechada pareceu ter atingido seu peito. Luke caminhou até a cama e sentou-se ao lado do menino.

— Não há nada de errado em ter medo, amiguinho. Só que você sabe que não está sozinho. Estou aqui, e sua mãe também.

— Mas... e se eles nos encontrarem? Luke franziu as sobrancelhas.

— Eles quem? Está falando de seu pesadelo, Bax? Os sonhos não são reais, sabia?

— Esse é. Sonhei com aqueles homens, lá de Chicago. O grandão, ele tinha uma arma. E atirou no outro sujeito, eu vi! E então tentou me matar e, quando mamãe o impediu, procurou atirar nela. — O menino baixou a cabeça, as lágrimas rolando por seu rostinho. — E acho que ele encontrou tia Botão de Rosa. E por isso que ela teve de ir morar com os anjos.

Baxter se enrodilhou no colo de Luke, envolvendo-lhe o pescoço com um abraço e enterrando a cabeça em seu peito.

— Estou com tanto medo de que aqueles malvados nos encontrem! E se machucarem mamãe do jeito que machucaram tia Botão de Rosa? E se eu a perder também?

— Ei! Olhe pra mim, rapazinho. — Luke ergueu o queixo de Baxter e fitou-o bem dentro dos olhos. — Prometo a você que não vou deixar ninguém machucá-lo. Ou a sua mãe. Entendeu? Qualquer sujeito que tente chegar perto de vocês dois vai ter primeiro de passar por cima de mim e de minha família inteira. Por ora, só conheceu alguns de nós. Bubba, Garrett e Chelsea; Ben, Penny e Zach. Mas há muitos outros ainda.* Tem Wes, Taylor, Adam, Kirsten, Elliot, Esmeralda, Lash e Jessi. Há muitos Brand por aqui!

— É? — O garoto o encarou, confiante, ainda que com uma ponta de dúvida.

— Espere... tenho uma foto. Tirei uma da família inteira no piquenique do mês passado.

Luke levantou-se e, para sua surpresa, Bax agarrou-se a ele como um macaquinho, pernas e braços enrodilhados em torno dele.

Com o menino preso contra si, Luke dirigiu-se à penteadeira, abriu uma gaveta e procurou o álbum de fotos lá dentro. Ficou espantado ao sentir alguma coisa macia, sedosa, cheia de rendas, roçar-lhe a mão. Jasmine, parecia, tinha se apossado de algum espaço ali. E, embora sentisse a garganta secar como areia, ignorou a sensação e tateou em busca do álbum, logo encontrando-o.

Em seguida, voltou a sentou-se no colchão, com o menino no colo, e folheou as fotos até localizar a que queria. Era uma daquelas dezoito por vinte e quatro, que ocupava a página inteira.

— Olhe aqui, Bax, está vendo?

Dezessete adultos e três crianças sorriam no retrato. O clã inteiro dos Brand ainda vivos. Bem, um ramo legítimo da grande família, de qualquer forma. Os parentes de Oklahoma não tinham comparecido.

— Este aqui é Marcus. E meu meio-irmão. E essa beleza, bem aqui na frente, é Sara, minha meia-irmã. Sabe que os conheci só há uns dois meses?

— Sério?

— Sim, senhor. Eles moram aqui perto, nas proximidades de El Paso. Não é longe. Deixe-me contar o que me disseram quando encontrei todos esses meus parentes: "Luke, quando um membro desta família se mete em alguma encrenca, cada um dos Brand do Texas larga o que quer que esteja fazendo e se apressa em vir ajudá-lo. Não importa onde estejam ou qual seja o problema. E assim que esta família age".Baxter levantou a cabeça e olhou para ele. Via-se que o sono começava a apontar naquele rostinho.

— Mas... eu não sou parte da família.

— Bem, Baxter, está vivendo comigo, não está?

— Sim, mas...

— Ora, isso o torna membro da família, de meu ponto de vista. Além disso, há uma outra coisa a respeito dessa gente. Se gostam de você, têm a mania de aceitá-lo como membro honorário.

— Membro honorário?

— E claro! Assim, você já pode ir se considerando como parte de nós. Duvido que lhe dêem ouvidos se você tentar dizer que não gostaria de pertencer ao clã. Em especial Bubba. Ele está louco para arranjar um primo de sua idade para brincar.

Baxter abriu um sorriso largo, abraçou Luke com força e, então, enfiou-se entre as cobertas, levando o álbum consigo. Enrodilhou-se contra o corpo do amigo e fechou os olhinhos.

— Obrigado, Luke. Eu nunca tive uma família de verdade antes, a não ser mamãe e tia Botão de Rosa. Acho que gostarei de ter uma assim, tão enorme.

Com a garganta* tão seca que mal podia falar, Luke resmungou:

— Eu também.

Jasmine parou à soleira, nas mãos o copo de leite com um toque de mel e um pouco de chá forte de camomila, aquecido na temperatura certa.

A cena na suíte parecia uma peça de teatro de algum roteiro sentimental sobre o Dia dos Pais. Luke sentado na beira da cama e Baxter deitado, enrodilhado contra ele como um gatinho. E enquanto o menino ressonava, a mão enorme de Luke afagava os cabelos loiros de Bax, indo e vindo, com imensa suavidade.

A visão de seu filho relacionando-se com um homem de forma tão afetuosa era desconhecida para Jasmine. E completamente inesperada. E, pior, ela não achava que gostava daquilo nem um pouco.

Uma onda escura de algo ruim que a fez sentir-se um tanto amargurada, tal como um ciúme doentio, invadiu seu coração. Expulsou-a, porém, dizendo a si mesma que era tolice, que sua principal preocupação devia ser com Baxter. E se ele se apegasse àquele caubói, que podia ser apenas uma visita temporária em suas vidas, isso seria um erro muito grande.

Por falar nisso, era uma boa coisa para ela mesma se lembrar. Poderia magoar-se demais. E, o mais importante: Bax poderia se magoar.

E, pelo jeito, Luke também. Ele não estava fingindo, teve de admitir, enfim. Estava sendo sincero.

Jasmine suspirou, baixando os cílios.

— Acho que ele dormiu, Luke.

Ele virou-se para Jasmine e, então, enviou-lhe um sorriso enviesado que deixou claro que era tarde demais para salvá-lo. Seu Baxter já tinha tomado posse do coração daquele caubói grandalhão.

Com todo o cuidado, Luke levantou-se, libertando-se do abraço do garoto. Já em pé, inclinou-se e ajeitou as cobertas, agasalhando-o. Em seguida, dirigiu-se para a porta.

Jasmine levou a mão para o interruptor de luz. A de Luke cobriu a dela, afastando-a.

— Por que não deixa a luz acesa?

Ela franziu a testa, mas fez o que ele sugeria. Saíram, então, para o corredor, e Luke puxou a porta atrás de si, deixando-a entreaberta. Pé ante pé, desceram as escadas. Só quando chegaram à sala ele falou com Jasmine:

— Quando eu era criança, tinha um horror danado do escuro. Minha mãe achava que me transformaria num fracote se deixasse a luz acesa. Assim, desligava o interruptor, fechava a porta e me deixava lá, sozinho. Dizia que era para eu me curar.

— Curou? — perguntou Jasmine, arqueando as sobrancelhas.

— Eu ainda lutava contra isso em minha adolescência. E sofria de insônia. Lógico que deixar a luz acesa a noite toda não é a solução, tampouco, para Bax. Mas eu estava pensando... Poderíamos comprar um abajur, amanhã. Quero dizer, se estiver tudo bem para você. Afinal, é a mãe.

— Por mim, sem problemas. — Deixou escapar um suspiro. — Jamais permitiria que Bax dormisse na escuridão se estivesse com medo. E que... ele jamais sentiu medo, antes.

Luke passou a examiná-la de cima a baixo, tentando ver todas as suas reações.

— Parece que alguma coisa o assustou.

Ela o fitou, ressabiada. O que Bax teria dito a Luke?

— E você também está assustada, Jasmine. A princípio imaginei que era apenas superprotetora. E na verdade é, até certo ponto. Porém, não é só isso.

— Não sou superprotetora.

— E, sim. Eu sei. Tive uma mãe igualzinha. Jasmine estreitou os olhos, abriu a boca para falar, mas Luke a impediu, com um gesto.

— Não se coloque na defensiva, Jasmine. Você é uma ótima mãe para aquele garoto. Qualquer tolo pode ver isso. Não estou discutindo essa questão. Estamos nos desviando do assunto.

— E o assunto é?

— O que aconteceu em Chicago, afinal? Isto é, que droga, mulher, eu sabia que havia alguma coisa da qual estava fugindo! Achei que era de um homem, de um mau relacionamento, de uma batalha por custódia, algo assim. Mas agora...

Jasmine ficou rígida. Então, Baxter lhe confessara algo.

— Os problemas de seu filho aqui são muito mais do que medo do escuro ou um joelho arranhado, e nós dois sabemos disso.

Ela passou a língua pelos lábios, evitando encará-lo.

— O que o faz crer uma coisa dessas?

Luke respirou fundo, exasperado, e ergueu as mãos.

— Vamos lá, Jasmine, vai continuar com essa atitude? Baxter me disse que alguém tentou atirar nele e em você!

— Ele teve um pesadelo.

— Não é de admirar. Parece que vocês estão vivendo dentro de um.

— Olhe, não quero falar disso.

— Cedo ou tarde, terá de confiar em alguém. Se há algum sujeito atrás de você, posso ajudar. E o farei. Mas não terei condições de agir se não me disser o que está acontecendo.

Luke esperou.

Jasmine olhou para o chão, mastigando os lábios, considerando a hipótese de contar toda a verdade. Mas não, não podia fazer isso, por muitas razões. A primeira, e a mais importante, era que seria admitir que não tinha direitos legais de estar na casa. Na verdade, não acreditava que Luke fosse expulsá-la por causa disso, mas poderia.

E, além do mais, um dos bandidos atrás dela era um policial. Aquele primo dele, Garrett, era um policial também. O xerife, como descobrira. Como poderia ter certeza de que acreditariam nela em vez de naquele bastardo assassino de Chicago?

Claro, poderiam levar em conta sua versão, a princípio. Mas, quando fosse a palavra dela contra a de 1'etronella, isso poderia mudar.

Remexeu-se, desconfortável. Era demasiadamente arraigada nela a atitude de não confiar, não acei-I ar a*ajuda de estranhos, não permitir que ninguém se tornasse muito íntimo. E, contudo, nunca sentira tanta vontade, tanta ânsia de fazer isso, como naquele instante. Com aquele homem. Com aquela família. Porém...

Havia uma negra realidade, uma que tornava nulo tudo o mais. Contar a Luke e aos Brand os tornaria alvo na lista daqueles a serem silenciados.

Jasmine não queria atrair esse tipo de desastre sobre aquela gente. Já provocara um torvelinho em suas vidas, até o momento.

Luke continuava imóvel, sem se desviar dela.

— Cedo ou tarde, vai confiar em mim o suficiente para se abrir. — Esboçou um ligeiro sorriso, talvez para confortá-la. — Mas, por enquanto... talvez possa me deixar experimentar esse leite quente especial que você sabe fazer como ninguém mais no mundo, hein?

Ela começou a ficar mais calma. Sem que pudesse evitar, deixou escapar um gemido de alívio. Estendeu o copo, e Luke o pegou, levando-o à boca e provando um gole.

— Hum... Bax tinha razão!

— E leite e mel, com um toque de camomila. Luke bebeu mais alguns goles e devolveu o copo.

— Beba o resto, doçura. Afinal, não vai ser fácil conciliar o sono, certo?

Doçura... Ninguém a chamava assim, desde que Botão de Rosa se fora. Isso fez sua garganta fechar-se e os olhos arderem. Luke percebeu. E, embora Jasmine bebesse o leite para disfarçar a aflição, ele não parou de olhar. Ela podia sentir.

Quando Jasmine baixou o copo, Luke sorriu e estendeu a mão, tocando-lhe o lábio superior com o polegar. E, então, uma sombra toldou o semblante dele. E inclinou-se e beijou-a. De um jeito suave, leve, gentil. Tornou a erguer a cabeça e lambeu os lábios, provando aquele leite e mel, ela sabia, porque sentira o sabor nos dele, também.

— Estive pensando em beijá-la desde que entrei na academia e a vi dançando, hoje.

— Por quê?

— Porque foi maravilhoso. Você foi... Não encontro palavras. Jamais vi alguém que pudesse se mover daquele jeito. Era como música. Sim. Se a música pudesse transformar-se em movimentos, seria daquele modo.

Jasmine pestanejou. Não julgava que tivesse recebido um elogio tão sincero antes.

— Achou que tudo o que eu podia fazer era bater e arranhar?

Ele a estudou, parecendo procurar algum sinal de que ela não se punha na defensiva. Jasmine não podia culpá-lo por isso. Costumava ficar com o pé atrás quando se tratava de seu trabalho. Sorriu, porém.

— Tudo bem. A maioria das pessoas não espera que uma dançarina de strip-tease tenha talento. Contudo, tenho formação clássica. O que não é um jeito muito eficiente de ganhar dinheiro. Tenho um filho para alimentar.

— Você não me deve explicações.

— Sei disso. — Encarou-o, estudando seu rosto.

— Mas, por alguma razão idiota, quero me explicar. Nunca tive vergonha de dançar como meio de vida, Luke. Expressar as emoções através da dança, mesmo se for só paixão ou luxúria, é uma arte. A dança exótica tem uma longa história. Até mesmo sagrada. Quero dizer, o primeiro strip-tease foi a dança dos sete véus, que foi executada pela primeira vez por uma deusa. Não são as dançarinas que deveriam envergonhar-se do que fazem. Não, se o fazem bem. São os homens que as observam. Porque eles têm uma escolha. Podem reagir com desejo, com apreciação e admiração, com prazer. Ou gritar obscenidades e tentar explorar os sentimentos mais abjetos. De qualquer maneira, isso não altera a qualidade da dança.

Luke deixou pender a cabeça, evitando olhá-la.

— Nunca pensei nisso dessa maneira.

— Não. A maioria dos homens não pensa. — Examinou-o e viu que ele estava vermelho, até o pescoço. — Eu o embaracei, falando sobre isso, não é?

— Não. Não seria esse o termo que eu usaria. — Desviou os olhos. — Quem sabe fosse melhor você ir se deitar?

Sem conseguir entender aquela entonação ríspida, Jasmine franziu o cenho.

— Oh... tudo bem. — Levantou-se. — Obrigada por ser tão bom com Baxter.

Luke esboçou um sorriso.

— Como não seria? O garoto é encantador.

— É mesmo, não é?

Luke fez que sim, sem conseguir deixar de fitar a boca de Jasmine.

— Boa noite — despediu-se.

Ela hesitou, sem compreender. Quase podia jurar que Luke a desejava, mas...

Se ele a quisesse, teria tentado algo mais do que aquele beijo inocente que roubara. Teria se lançado sobre ela, se fosse assim.

Mais uma vez Jasmine lembrou que Luke não era igual aos homens que conhecera, até então. Não sabia como agir com alguém como ele. Como entendê-lo.

— Boa noite, Luke.

Pôde sentir que ele a seguia pelas escadas com o olhar. E, quando se voltou, no topo, para fitá-lo, constatou que ainda a olhava, e podia jurar que era desejo o que via no semblante dele.

Luke continuou a fitá-la, por um longo instante. Depois, afastou-se.

Jasmine entrou na suíte e enfiou-se sob as cobertas, aninhando-se contra o filho. Abraçou-o e jurou, baixinho, que não permitiria que nenhum pesadelo o assombrasse.

Jasmine deixara a bolsa sobre a mesa, ao subir para dormir. Luke pegou-a, lutando contra o impulso de revirá-la em busca de alguma pista que pudesse esclarecer aquilo que ela estava escondendo.

Controlou-se, contudo, e pendurou-a num gancho

preso à parede. A bolsa balançou e bateu, com um ruído seco. Metálico. Um barulho que lhe tirou o fôlego e fez com que se voltasse.

Bravo consigo mesmo, afirmou que o ruído não era aquilo que parecia ser. O volume que agora se tornara visível não era o que imaginava, e o peso não indicava nada. Sua resistência cedeu, no entanto, e Luke apanhou a bolsa de volta e remexeu-a, para se certificar.

Um objeto frio de metal estava no fundo. Sua mão apanhou-o e fechou-se sobre ele. Puxou-o para fora.

— Oh, meu Deus! — Arregalou os olhos ao ver a arma.

Verificou se estava carregada. Que alívio... Pelo menos, Jasmine não era uma completa insensata. Com um olhar de culpa para as escadas, levou a bolsa para o sofá e, sentando-se, começou a tirar as coisas de dentro, uma a uma.

Pelo jeito, Jasmine tinha duas identidades. Havia a carta de habilitação de motorista, com seu rosto bonito estampado na fotografia. O nome era Jasmine Delaney Jones. E uma segunda licença de motorista, essa com outra foto. E estava em nome de Jenny Lee Walker.

Cerrou as pálpebras. "Que droga!" Em que encrenca Jasmine se metera?

Seu estômago revirou. Lembrou-se das imagens dela dançando, como se fosse só para ele. E isso o fez imaginar: em que encrenca ele se metera?

Baxter desceu para tomar café no momento em que Luke enchia um copo de suco de laranja e o colocava sobre a mesa. O garoto olhou para a tigela de leite e as várias caixas de cereais e enviou a Luke um olhar indagador.

— Mas... hoje é domingo.

— Oh, sim, tem razão. E você costuma tomar um fantástico desjejum no domingo, não é?

Baxter sorriu, concordando. Luke encheu sua xícara de café e sentou-se, de frente para o menino.

— Bem, para ser franco, sempre gostei de um farto desjejum aos domingos. Contudo, aprendi bem depressa que é um erro enorme encher a barriga nesse dia, por aqui.

— Por quê?

— Porque, todas as tardes de domingo, a família inteira vai para a fazenda saborear um churrasco.

— É mesmo?!

— E, sim. Por isso, tomo um café bem leve, para sobrar espaço para as delícias da tarde. Sempre tem sorvete e torta de sobremesa.

— Uau! — Baxter apanhou uma caixa de cereal, colocou um pouco na tigela e, então, fez uma pausa para fitar Luke. — É só para os Brand ou qualquer um pode ir, também?

Esticando a mão por sobre a mesa, Luke desalinhou os cabelos dele.

— Os membros honorários são nossos favoritos. Baxter abriu um sorriso largo e despejou o leite sobre o cereal.

Luke sentiu que alguém o fitava e ergueu o olhar. .Jasmine estava parada sob o arco de entrada, e ele não tinha idéia de quanto tempo fazia que estava ali, ou do quanto ouvira.

Devia ter se levantado havia algum tempo. Seus cabelos estavam arrumados. Sem o rabo-de-cavalo. Haviam sido lavados e secos com o secador que comprou, as mechas caindo como um manto sobre seus ombros.

Também tinha se maquiado. Não com exagero, como da primeira vez que a vira. As imperfeições da pele não se notavam, a maçã do rosto fora destacada; os olhos estavam delineados e com sombra nas pálpebras, os cílios acentuados. E a boca...

Os lábios estavam brilhantes e úmidos, de um rosa suave, e pareceram a Luke ainda mais apeti-tosos que qualquer coisa que seus primos pudessem oferecer, no churrasco vespertino.

— Posso falar com você um segundo, Luke?

Ele se deu conta de que a encarava. Ficou a imaginar por que uma mulher tão bonita haveria de se preocupar em ficar ainda mais irresistível. Ela usava calça jeans, bem justa, que devia ter comprado na cidade, e um top sem alças que mostrava seu belo bronzeado e suas formas perfeitas.

— Já volto, camarada — ele disse a Baxter, erguendo-se e seguindo atrás de Jasmine para a sala.

— O que pensa que está fazendo, dizendo a Baxter que ele é um Brand honorário? E convidando-o para as reuniões da família? O que tem na cabeça? — Os olhos dela faiscavam, sua voz, um murmúrio ríspido.

— Eu... só achei que seria divertido para ele. Bax pode brincar com Bubba e quem sabe cavalgar um pônei e...

— Ele não vai cavalgar nenhum pônei!

— Ora, o que é isso, Jasmine? Eu não iria deixar que se machucasse. Sabe muito bem disso.

Ela o encarou por um longo instante e, então, afastou-se, suspirando.

— Que coisa, Luke, por que tem de ser tão bon-zinho com Bax?! Fazer-lhe o café da manhã, levá-lo para tomar sorvete, tratá-lo como membro da família!

— O que há de errado com isso, Jasmine? Ergueu a cabeça e encarou-o, furiosa.

— Está ensinando a ele que está certo depender de outra pessoa. Começa a fazer com que perca seus limites, Luke. Está fazendo com que meu filho o ame!

— Estamos falando de Baxter ou... de você?

— Isso vai partir o coração do menino quando tivermos de ir — retrucou, ignorando a pergunta.

Luke pousou a mão calosa nos ombros dela. Sentiu a pele macia e suave contra a palma dura. Seu estômago apertou-se.

— Quem disse que precisarão partir?

— Eu. A vida. Não podemos ficar, Luke. Ele franziu a testa, obrigando-a a fitá-lo.

— O que quer dizer com isso, que não podem ficar? Você está disputando a posse da casa comigo, não está? O que fará? Irá vendê-la e se mudar?

— Não estou disputando nada com você. Só precisava de um lugar seguro por alguns dias, até que pudesse imaginar que atitude tomar. — Tornou a olhar para ele. — Desculpe-me por fazê-lo pensar que poderia perder esta propriedade. Isso não vai acontecer. Não poderíamos ficar aqui, mesmo que quiséssemos.

— Por que não?

Ela tentou afastar-se, mas ele a impediu.

— Por que não, Jasmine?

— Porque, mais cedo ou mais tarde, nosso passado vai nos alcançar e, quando isso acontecer, precisaremos partir.

— Você não pode fugir para sempre.

— Espere para ver.

De novo, Jasmine se afastou. E, dessa vez, Luke não a impediu. Ficou estático, imaginando o que fazer, como forçá-la a se abrir, sabendo muito bem que, se continuasse pressionando, ela se dobraria. Assim, suspirou e disse:

— Pelo menos, venha até a fazenda comigo, hoje. Deixe que Baxter se divirta um pouco. Ele vai adorar o lugar. E você poderá estar junto para observá-lo a cada segundo.

Luke viu que ela baixava a cabeça, balançando-a devagar.

— Você é tão bom quanto ele para persuadir as

pessoas, sabe disso?

— Então... concorda em ir?

— Sim. Nós vamos. — Jasmine afastou-se e parou, voltando-se. Apontou-lhe o dedo em riste. — Mas nada de pôneis, está ouvindo?

— Sim, senhora.

Horas mais tarde, Luke cavalgava um dos appaloosas premiados de Wes, com Baxter agarrado na sela, a sua frente. Jasmine os observava, mordendo o lábio, lamentando-se por ter se deixado convencer daquela insanidade. Rezava para que o filho não caísse e fosse atropelado pelas patas gigantescas do cavalo. Claro, Luke mantinha a mão firme nele. E Baxter estava rindo, gargalhando como se jamais tivesse se divertido tanto em sua vida.

— Luke é ótimo com ele, não é? — comentou Chelsea.

Estavam sentadas, uma em frente da outra, a uma das mesas do churrasco, no pátio da casa, tomando café. Jasmine fora rodeada de mulheres. Nunca vira tantas em um só lugar. E mulheres costumavam não gostar muito dela. Sempre pensara que fosse porque viam nela uma ameaça. Para aquelas ali, contudo, parecia que essa era a menor de suas preocupações. E, para surpresa de Jasmine, nenhum daqueles homens tinha dado a ela nada além de um olhar casual. Nada de olhares lascivos.

Não julgava que existissem homens assim. Tinha até dúvida de que eram autênticos.

Jessi, a irmã de Garrett, de cabelos curtos e rui-vos, estava empoleirada na balaustrada do terraço. Taylor, a bela morena, casada com Wes Brand, sentara-se de lado no último degrau da escada, com as costas apoiadas no gradil, esfregando, satisfeita, a barriga proeminente. Esmeralda, de olhos cor de amora, esposa de Elliot, dona de um sotaque espanhol carregado, estava escarrapachada num balanço de vime, cochilando.

Eram todos uns comilões, aqueles Brand, concluiu Jasmine. Penny sentara-se sobre uma manta, na grama, a observar Maria-Michelle, que começava a andar e brincava com Zachary.

Jasmine ouvia a conversação. Falavam sobre crianças e animais de estimação. Os buldogues de raça de Penny corriam em torno da garotada, enquanto o velho cachorro de Bubba, Blue, observava tudo com divertida indulgência. Riam e contavam piadas, trocando inocentes comentários: um dos garotos dos Loomis estava para se casar; o dono de um bar local ia oferecer o jantar; Maria-Michelle estava resfriada.

O lugar assemelhava-se a uma terra da fantasia povoada de personagens imaginários. Maridos devotados e esposas fiéis, famílias felizes. Cavalos e o gado pastando, tranqüilos, animais de estimação correndo de lá pra cá. Enormes celeiros vermelhos e campos verde antes a se perderem de vista, sob o céu mais azul e infinito do mundo.

Por Deus, tinha até um pneu pendurado numa árvore, a distância! E uma lagoa "lá embaixo", que Jasmine ouvira ser mencionada quando o sol começara a queimar mais forte do que antes.

Se alguém tivesse descrito para ela antes aquele rancho, aquela cena, aquela família, não teria acreditado. Diria que era mentiroso. Que tinha assistido à tevê demais.

Botão de Rosa teria adorado tudo aquilo...

Lógico, os Brand estavam protegidos ali, naquele recanto rural. Bem longe do contato com alguma coisa ruim ou perigosa. Não saberiam o que fazer se ficassem face a face com o tipo de problema que assombrava Jasmine e Baxter. Não teriam idéia do perigo.

Chelsea levantou-se, acenando.

— Venham, crianças. Venham se trocar. Vamos levá-los até a lagoa, para se refrescarem.

Luke saltou do cavalo, tirando Baxter da sela com facilidade e colocando-o no chão. O garoto aproximou-se correndo de Jasmine, arfante, o rosto vermelho do sol e do exercício. Parecia mais feliz do que nunca.

— Posso ir, mamãe?

Jasmine enviou um olhar indagativo a Luke.

Ele fez um sinal imperceptível, afirmativo, e, por estranho que parecesse, ela julgou que isso bastava. Começava a confiar nele, percebeu, com um sobressalto. Se Luke disse que era seguro, Jasmine acreditava. E isso era muito esquisito. Tinha de acordar do deslumbramento. Sacudir a cabeça. Afinal, tudo era surreal. Estaria sonhando?

Devaneando com ele?

Jasmine não sabia. Iria pensar nisso mais tarde. Por ora, pegou a mão do filho e conduziu-o até a enorme casa de fazenda para ajudá-lo a se trocar e colocar o short que Luke insistira para que levassem.

Pouco mais tarde, Jasmine ficou a observar seu filho pular como um sapo na lagoa, com Bubba Brand, que parecia ser seu mais novo melhor amigo. E se deu conta de que “Baxter” ficaria mesmo com o coração partido se tivesse de ir embora dali.

Por que a vida tinha de ser tão injusta?!

 

E então? — Garrett quis saber. Caminhava ao lado de Luke, conduzindo os cavalos que as crianças haviam cavalgado de volta para o estábulo.

— E então, o quê?

Atrás dele, os outros homens deixaram escapar uma risadinha. E estavam ali, a segui-los, sem dúvida com segundas intenções. Evidente que aquela conversa era de interesse de todos os vaqueiros do clã dos Brand. De Wes, o temperamental membro da família, de sangue comanche. De Elliot, o brincalhão de cabelos ruivos. De Adam, o bonitão parecido com os galãs de revistas. E de Lash, o assistente de Garrett, embora fosse ligado aos Brand pelo casamento, não pelos laços de sangue.

— E então, sua hóspede já contou alguma coisa de si mesma?

Passando a língua pelos lábios, Luke parou e encarou os homens.

— Rapazes, eu confio em vocês como jamais confiei em ninguém na vida, a não ser em meu velho amigo, Buck, cuja morte, por obra do destino, me trouxe até aqui.

Wes baixou a cabeça e abraçou Luke pelo ombro. Elliot sorriu, dizendo:

— Ora, por que não confiar?

— Eu preciso saber se vocês confiam em mim do mesmo jeito.

Ben torceu a boca, escondendo um sorriso.

— Está apaixonado por ela, não é? — Garrett indagou.

— O quê? Não! Quero dizer... na verdade, não. Eu... ela...

Elliot deu-lhe um tapa nas costas.

— Respire fundo, primo. Está tudo bem, aconteceu com todos nós.

— Não há nada acontecendo entre mim e Jasmine.

— Mas você se sente atraído, certo?

— Bem, Lash, claro, sinto uma certa atração. Ou melhor, você olhou para ela? Quem não ficaria atraído? Isso, porém, não significa nada. Droga, nem tenho certeza de estar pronto para um relacionamento! E, mesmo que estivesse, não posso garantir que Jasmine seria a pessoa certa. Não é, de modo algum, a garota que eu tinha em mente.

— Elas nunca são. — Elliot balançou a cabeça.

— De qualquer jeito, não importa se você está pronto ou não — comentou Lash. — Jessi me puxou de lado, depois do almoço, e conversou muito comigo. Afirmou que Jasmine era perfeita para você.

— Isso mesmo. Chelsea acha que Jasmine e o pequeno Baxter se encaixam na família colho pedras perdidas de um quebra-cabeça! — exclamou Garrett.

— Ora, ora, primo! — Elliot sorria largo. — Sua sorte está selada. Se Jessi e Chelsea querem a moça na família, ela vai entrar para o clã, e você é o único solteiro que se pode casar com ela.

— Casar?! — Luke sentiu que o sangue lhe fugia do cérebro.

— Claro, já devem estar pensando nas flores, agora. Luke ficou estático, sentindo o mundo parar de

rodar e o estômago revirar. E, então, todos caíram na gargalhada.

— Ei, não fique assim! Estamos brincando, Luke. Vamos, não banque o medroso.

— Não sou medroso. — Luke puxou as rédeas, voltando a caminhar. — Escutem, eu queria contar uma coisa importante e vocês caíram em cima de mim como um bando de...

— ...irmãos? — Garrett abriu a porta do estábulo, deixando os animais entrarem.

Luke continuou parado.

— Sim, é assim mesmo que estão agindo — murmurou, com um sorriso desapontado. Não estava mais zangado.

— E então, o que sabe a respeito de garota? — Garrett deu-lhe um soquinho no braço.

— Era disso que eu queria falar. Jasmine está metida em alguma encrenca, primo. E o que eu pude descobrir não é nada' bom para ela.

— Mas há evidências? Acreditou nelas?

— Não. E não quero que fiquem todos contra mim,nesse assunto. Pretendo dar a Jasmine o benefício da dúvida. Quero ajudá-la e ao menino a sair dessa confusão, seja lá o que for.

Os homens se entreolharam. Garrett, então, aproximou-se de Luke.

— Você é quem a conhece melhor. Confiamos em seu julgamento. Se disser que ela é gente boa, então ela é. Se ficar do lado dela, vamos apoiá-lo.

— E se acontecer de você estar errado — completou Wes —, então, todos nós teremos errado, juntos.

Luke ficou muito comovido.

— Obrigado, meus amigos. Isso significa muito para mim.

— E então? O que descobriu? Como podemos ajudar?

— Baxter me contou que alguns homens tentaram atirar nele e em Jasmine. O menino parece acreditar que os sujeitos continuam atrás deles. Teve um pesadelo, na noite passada. O pobre garoto estava apavorado, e seu problema é evidente. Jasmine não quis falar. Mas tem duas carteiras de identidade na bolsa. Uma em nome de Jenny Lee Walker e a outra de Jasmine Delaney Jones. E a foto de Jenny Lee na carteira de motorista não tem semelhança com Jasmine. Não são a mesma mulher.

— Então, "Jasmine" não é um apelido. E ela não é essa Jenny Lee que diz ser. — Adam passou a mão no rosto. — Portanto, isso significa que ela não tem direitos legais sobre sua casa.

— Exato. E, mesmo que tivesse, não acho que queira ficar por muito tempo por aqui. Isso Jasmine admitiu. Disse que precisava de um lugar seguro até avaliar a situação. E continua insistindo que ela e Baxter irão embora em breve.

— E óbvio que está apavorada com a possibilidade de os perseguidores aparecerem — continuou Adam.

— E melhor que procurem por ela aqui do que em outro lugar — afirmou Elliot. — Podemos dar conta deles, se aparecerem.

— Isso é o que estive tentando dizer a Jasmine, Elliot, mas ela não quis saber de me ouvir.

— E o que mais? — Garrett cruzou os braços. — E óbvio que tem mais coisas. O que é, Luke?

— Ela possui uma arma. — Luke engoliu em seco. Garrett baixou a cabeça, praguejando baixinho.

— Eu o encontrei em sua bolsa. Um revólver calibre .32. Estava descarregado, e não localizei as balas. Jasmine deve tê-las escondido em algum lugar.

— Pelo menos está usando a cabeça quanto a isso. — Garrett ficara aborrecido. — Olhe, irei até o escritório. Farei uma busca no computador para ver o que descubro sobre a moça e os dois nomes. Posso verificar a lista de procurados.

— Garrett, eu lhe disse, não foi ela que infringiu a lei. — Luke se colocou na defensiva. — Tenho certeza! Tudo o que está fazendo é tentar se proteger e ao filho.

— Ei, calma! Confio no que diz. Isso, porém, não significa que Jasmine não esteja com algum problema legal, seja inocente ou não. Pode estar sendo procurada para investigação, como uma testemunha material de alguma coisa. Preciso verificar. E um ponto de partida. Se o nome dela, qualquer um deles, aparecer em algum lugar, isso nos dará condições para começar a imaginar como dar-lhe a mão.

— E como protegê-la — emendou Lash. — Chicago é uma cidade violenta. Não esqueça que sou de lá. E ainda conheço algumas pessoas por ali que podem nos auxiliar com isso.

Com um longo suspiro, Luke assentiu:

— Tudo bem. Está certo. Mas eu irei com você, Garrett. Quero saber o que irá descobrir.

— Por mim, tudo bem. Lash, é melhor que venha conosco. Wes, Ben, Adam e Elliot, vão até a lagoa e mantenham os olhos bem abertos. Não percam Jasmine e Baxter de vista até que voltemos, está certo?

Os homens concordaram e se afastaram. Garrett fechou as portas do estábulo atrás de si. Luke e Lash o acompanharam e entraram na picape.

Porém, o que se revelaria na busca no computador, no escritório de Garrett, era muito mais do que Luke desejava ver.

— Não quero dar trabalho, de modo algum. Posso voltar dirigindo para casa, com Baxter. Quero dizer, não vejo por que Luke haveria de ficar aborrecido.

— Não, Jasmine, ele não gostaria nada disso. — Wes girou o volante da camionete de Luke e seguiu até a casa de tijolos vermelhos, onde parou.

Jasmine estava espremida entre ele e o enorme Ben. Baxter se acomodara no colo de Ben, pelo visto apreciando o passeio.

— Por que vocês dois insistiram em vir conosco? Posso saber?

— Porque não queríamos que viesse embora sozinha — retrucou Wes.

— Sim — emendou Ben, abrindo a porta e descendo, com Bax agarrado a sua cintura. — Afinal, aqui é diferente da cidade. É quieto e isolado, e não queremos que vocês dois fiquem nervosos ou assustados ou... enfim, algo desse tipo.

Jasmine desviou o olhar para o grandalhão. Ele tinha os olhos azuis mais doces que ela já vira, o que a fez pensar, por um segundo, que milagre genético pudera resultar numa família de homens tão bonitos.

— Luke pediu que ficassem de olho em nós, não é? Wes trocou um rápido olhar com Ben e deu de ombros.

— Achou que seria uma boa idéia se ficássemos por perto até ele voltar.

Jasmine baixou a cabeça. Gostaria de acreditar que Luke tinha colocado aqueles seus dois primos em seus calcanhares porque não confiava nela. Porque achava que poderia fugir com a prataria ou algo assim.

Porém, sabia muito bem que não era esse o caso. Os dois estavam ali para protegê-la, porque Luke sabia que ela estava em perigo. E, além do mais, ele não tinha prataria nenhuma.

E, embora toda sua" história de vida e todo seu condicionamento a fizessem ter vontade de dizer

àqueles dois que dessem o fora, que podia muito bem tomar conta de si mesma, sua experiência, desde que chegara à soleira da porta de Luke Brand, dizia-lhe coisa diferente. Porque se sentia segura e amparada, de um modo como nunca sentira. E entendia que Baxter se sentia assim, também.

— Bax gosta de chocolate quente, antes de deitar. Vocês querem tomar um pouco, conosco?

Os dois homens sorriram, aceitando o oferecimento. Uma inclinação pelos doces parecia ser outro componente genético comum a todos os Brand, Jasmine decidiu, ao conduzi-los para dentro.

— Aonde foi mesmo que disseram que Luke foi?

— Ajudar Garrett com umas coisas, na cidade. Imagino que carregar fardos de alimentos ou coisa semelhante.

Jasmine ergueu as sobrancelhas, imaginando que armazém de interior estaria aberto até aquele horário, numa noite de domingo. Mas não insistiu no assunto.

Era estranho. Luke havia escapulido durante o dia, enquanto ela e Bax estavam se divertindo na reunião familiar. Ora, ora, não era de sua conta.

Entrou na cozinha para preparar o chocolate, enquanto Ben e Wes sentavam-se na sala, com Baxter. Podia ouvi-los. Ben acendia o fogo da lareira, pois a noite estava fria, e Wes conversava com o garoto.

— Sabe que eu sou meio índio, Bax?

— É?

— Sim. Comanche.

— Nossa! — exclamou Baxter. — Sabe atirar de arco e flecha?

A risada sonora de Wes era tão calorosa que Jasmine percebeu que ele não era o tipo de pessoa que se ofendia com as perguntas inocentes de uma criança.

— Estou aprendendo — respondeu o rapaz. — Sei fazer outras coisas. Sabe o que é um xamã, Baxter?

— Não.

— Claro que sabe — disse Ben, lá da lareira. — E como um médico.

— Oh, é mesmo! Eu vi no cinema. Eles usam uns chocalhos, dançam, fazem mágica e curas com ervas.

— E isso aí. — Ben sorriu. — Wes é um xamã de verdade. Sabe tudo sobre a magia comanche e totem de animais, e conhece o poder das ervas. -

Jasmine misturou o chocolate ao leite e deixou-o sobre o fogão, caminhando até o arco de entrada, intrigada, ansiosa para ver se Wes estava brincando ou sendo sincero.

Viu-o sentado no sofá, de frente para Baxter, parecendo muito sério. E, ao ver aquela figura majestosa iluminada pelas chamas do fogo da lareira e com o cheiro da madeira queimando espalhando-se pelo ar, Jasmine percebeu que acreditava em cada palavra.

— Ah, é? — Baxter arregalou os olhinhos.

— Sim, é. E tenho um amuleto comanche para você, aqui.

Wes tirou do pescoço um cordão com uma pedra pendente. Mostrou a pedra verde ao menino. Jasmine julgou que fosse uma daquelas pedras que se encontram em qualquer loja de produtos naturais por um dólar ou dois.

— Tem uma marca gravada! — exclamou Baxter.

— E a pata de um lobo. E, no verso... — Wes girou a pedra.

— Isto é um lobo? — Baxter não cabia em si de excitação.

Wes fez que sim.

— O espírito do lobo é meu amigo. Meu totem pessoal. E perguntei a ele se podia pendurar o amuleto em seu pescoço por algum tempo. O lobo disse que sim. Vai protegê-lo de qualquer coisa ruim... pesadelos ou pessoas más, ou seja o que for que apareça.

Baxter parecia ter perdido a voz, quando Wes pendurou-lhe o cordão. Tomou a pedra nas mãos e fitou-a, virando-a de um lado para outro.

— Ele é de verdade ou de mentira?

— E de verdade. Encontrei-o uma vez, em pessoa. Veio direto para mim quando eu estava acampando, uma noite. Não soube o que pensar. Achei que era um animal comum, a princípio, e que eu iria virar seu jantar.

— Ficou assustado, sr. Brand?

— Nossa, pode apostar! O lobo, porém, não me atacou. Ficou ali, parado, olhando para mim. E eu continuei sentado, de olhos nele. O lobo está comigo desde então. Veja, não era um lobo comum, mas o espírito de um lobo. Algo completamente diferente.

—- Então, ele não é real?

Ben deu uma risada, jogando outra acha entre as chamas.

— Foi o que pensei dessa história misteriosa de Wes, garoto. Mas já pude ver o suficiente para compreender melhor, hoje.

— Ele é real — reafirmou Wes. — Se você precisar, o lobo aparecerá. Até então, permanecerá nas sombras, cuidando de você. Não poderá vê-lo, Bax, o que não significa que ele não esteja ali. Agora, veja bem, não é que eu ache que está precisando de uma proteção maior, porque, em minha opinião, é o garoto mais protegido em todo o Texas, com Luke e sua mãe por perto, e o restante de nós logo ali, descendo a estrada. E que ouvi dizer que teve um pesadelo, e assim, achei que podia ajudar a fazê-lo sentir-se mais seguro.

— Obrigado, sr. Brand. — Baxter soltou a pedra e apertou-a contra o peito.

— Pode me chamar de tio Wes, como Bubba. Wes apertou a mão do menino, como se Baxter fosse um adulto, e não apenas um garotinho. E Jasmine pôde ver a maneira como o filho reagia, sentando-se ereto, em resposta.

Voltou para a cozinha. Colocou o chocolate nas canecas e levou-as até a sala.

Os homens tomaram a bebida em pequenos goles, mas Baxter engoliu tudo de uma vez. Então, para surpresa de Jasmine, o menino disse que iria para a cama sozinho. Não parecia ter a menor ponta de medo.

Ben levantou-se e disse que queria contar-lhe uma história. Bax não discutiu. Quando viu-se sozinha com Wes, Jasmine voltou-se para ele.

— Foi um gesto muito especial o seu, dar-lhe aquela pedra. Obrigada.

Wes ergueu a mão como se recusasse o agradecimento.

— Bax é um menino especial. Eu gostaria que fosse tão simples convencer os adultos de que estão a salvo e protegidos.

Jasmine desviou o olhar.

— Não quero deixá-la encabulada, Jasmine. Mas gosto de você. Minha família inteira gosta. E Luke... Luke deve falar por si mesmo, acho. Porém, todos nós sabemos, com absoluta certeza. Não importa o que quer que a persiga de Chicago: não poderá machucá-la aqui.

Ela suspirou.

— Bem que eu gostaria de acreditar...

Wes pareceu estudá-la por um instante. Então, continuou:

— Acha que foi lançada aqui por acidente?

— O que quer dizer com isso?

— Aquele monte de papelada jurídica que a trouxe para Quinn. Não creio que tenha aparecido no exato momento em que você precisava de um esconderijo. Você foi conduzida até aqui, Jasmine, porque é neste lugar, dentre todos os lugares, onde você e seu filho podem ficar a salvo como estão, agora.

— Crê mesmo nisso?

— Eu sei. Nós podemos ajudá-la. Mas só se você tiver coragem de parar de fugir. De voltar-se e encarar o desafio de ficar e lutar contra o que quer que seja. Não haverá hora melhor.

Ela engoliu em seco. Quase acreditava nele. O que estava acontecendo, afinal? Mal conhecia aquela gente, aquela família. Como poderia colocá-los em risco com seus problemas? Como colocar a vida de seu filho nas mãos deles? Como, quando tudo dentro dela gritava para que pegasse Baxter e fugisse, e continuasse adiante?

Um veículo parou, na rua, e Jasmine ficou tensa. Wes levantou-se e foi até a janela, espiando para fora.

— Tudo bem. É Garrett, deixando Luke aqui em frente.

Jasmine respirou fundo e ergueu-se assim que ouviu Ben descendo as escadas.

— Parece que nossa condução chegou.

— Obrigada a vocês dois. Superaram minhas expectativas, hoje.

Ben, para seu espanto, se aproximou e deu-lhe um abraço. Os braços grandes fecharam-se em torno dela e a apertaram. Numa reação automática, ela ficou rígida, esperando uma apalpadela lasciva, um beliscão, um roçar provocativo de quadris. Algo.

Não houve nada. Apenas um abraço que um irmão daria na irmã. E nem a mais ínfima insinuação ou gemido de prazer.

Ele a soltou.

— Nós esperamos, de coração, que você se decida a ficar, Jasmine. Penny e eu queremos que trabalhe

conosco no Dojô, dando aulas de dança. E Bax já é um dos membros da família. Prometa que pensará nisso, está bem?

Por alguma razão que não soube identificar, Jasmine sentiu os olhos queimarem. Pestanejou, resmungando uma resposta numa voz espremida.

Ben despenteou-lhe os cabelos como fizera com os de Baxter antes, e ele e Wes voltaram-se para ir embora. Quando Jasmine virou-se, viu que Luke estava parado, à soleira.

Os homens despediram-se. Ela ouviu Wes dizer a Luke para telefonar, ao primeiro sinal de problemas. Luke prometeu que o faria. Seu rosto, porém, estava sombrio e tenso, ao entrar.

A princípio, Jasmine pensou que fosse porque ele presenciara o primo abraçando-a, daquele jeito.

— Não foi nada impróprio, você sabe — ela murmurou. — Já fui agarrada o bastante por homens para saber quando alguém está com más intenções, e seu primo não estava.

Luke fechou a porta atrás de si.

— Sei disso.

— Sabe? Como pode saber? Confia nele tanto assim?

— Sim. — Luke sorriu. — E, mesmo que não confiasse, há o fato de que Ben arrancaria os próprios olhos se olhasse para outra mulher. Ele é devotado a Penny até o último fio de cabelo.

— Parece ser um outro traço dos Brand.

— Serem homens de uma só mulher? E, parece que sim. Não sei como meu pai se desviou desse caminho.

— Ele enganava sua mãe?

— Nunca se casou com minha mãe. Estava casado com duas outras, ao mesmo tempo. Teve filhos com todas as três. E quem sabe lá com quantas mais.

— E o irmão dele foi o pai de todos esses seus primos?

— Sim. Quem sabe o traço pula uma geração. Orrin traiu sua esposa, também, uma vez. Mas, ainda assim, o resultado foi Wes.

— Oh, entendo...

Ele a fitou, e Jasmine percebeu que Luke parecia cansado. Tinha bolsas sob os olhos, os cantos da boca caídos.

— Bax está dormindo?

— Está. Quer um pouco de chocolate ou alguma coisa?

— Não, Jasmine. Tudo o que quero é a verdade. Precisamos conversar.

Ela o encarou, engoliu em seco e recuou um passo.

— Aonde você foi hoje com aquele seu primo xerife?

— A delegacia. Para fazer uma busca com seu nome no computador. Ou devo dizer os seus nomes?

Jasmine pestanejou, de susto.

— E o que descobriu?

— Que Jenny Lee Walker foi assassinada e que há um mandado de prisão contra você, pelo crime. Estão dizendo que a matou, Jasmine. E eu sei que está com a carteira dela. Com os cartões de crédito. ('om a habilitação de motorista. Com todos os documentos. E com um revólver na bolsa. Então, ago-r;i, quero que me diga o que está acontecendo!

Ela deu-lhe as costas.

— Quanto tempo ainda falta para que seu primo venha me prender?

Luke podia ler nos olhos dela que Jasmine ia fugir. Pelo jeito como se afastara, para que não pudesse tocá-la, se quisesse. Pela maneira como mantinha o olhar na porta da frente e, em seguida, por sobre os ombros, em direção às escadas.

Estava calculando como poderia correr até lá em cima, apanhar o filho, e correr pela noite sem que ele fosse capaz de impedi-la. Seus olhos estavam tão arregalados e inundados de dor que ele sentia piedade só de olhar para ela.

Não fez o menor gesto em sua direção, porque sabia que Jasmine iria escapar como se perseguida por todos os demônios do inferno, se o fizesse. Em vez disso, Luke ergueu as mãos espalmadas, encar ando-a.

— Ninguém está vindo prendê-la. Garrett apagou todos os comandos e saiu da sala antes que alguém pudesse ver o monitor. Não quis se colocar na posição de ter de escolher entre cumprir a lei e manter a palavra que me deu.

— Como se houvesse entre o que escolher...

— Tem razão, não deveria haver. Meu primo preferiu descumprir a lei para que pudesse manter a palavra empenhada. Arriscando seu emprego, e até, o que é bem provável, perdendo-o. E, na dúvida, como prefere não ficar desempregado por causa disso, julgou melhor dar as costas ao fato. Acho que os políticos chamam a isso de "negação plausível". Jasmine estreitou os olhos, duvidando dele, Luke sabia disso.

— Olhe, Garrett estava lá, não estava? Se ele quisesse prendê-la, já teria feito isso. Meu primo confia em meu discernimento, e não acredito que você seja uma assassina. Quero examinar a ordem de prisão até que possamos esclarecer os fatos. E Garrett... tanto quanto sei, para ele, Jenny Lee Walker está viva e com saúde, de pé aqui em minha sala.

Jasmine pestanejou, e Luke percebeu que parecia um pouquinho mais aliviada.

— Por que acredita em mim, Luke? — Exalou um profundo suspiro. — Você não sabe nada sobre mim, a não ser que sou uma mãe solteira, uma stripper, uma mentirosa, uma completa desmiolada...

O corpo dela tremia agora, e estava a um passo de cair era pranto.

Luke avançou devagar, cada vez mais perto, e colocou as mãos nos ombros dela.

— Quer saber o quanto sei a seu respeito? Hein? Vou lhe dizer. Você é a mãe mais devotada que já vi. Ficaria na frente de uma carreta em velocidade, por Baxter, se fosse preciso. E acho que já ficou, vez ou outra. Também é uma dançarina de talento. Movimenta-se como o vento, e observá-la dançando me deixou sufocado, de certa forma. Está apavorada, assustada até a morte com alguma coisa, agora mesmo, e tem medo de confiar em mim. Decerto porque SQU homem, e nunca encontrou um homem que fizesse alguma coisa por você, a não ser coisas ruins. E tudo o que fez, não importa o que tenha sido ou o quanto possa parecer errado, foi para proteger Baxter. E isso inclui mentir para mim a respeito de quem é.

Ela baixou a cabeça.

— Não precisa do tipo de problema no qual me meti, Luke. Não quero isso, de jeito nenhum.

Luke segurou-lhe o queixo, então, inclinou-se e beijou-a, com suavidade. Saboreou a mesma doçura que já sentira nos lábios dela, antes. Uma pitada de batom, outra de chocolate, e, desta vez, o sal das lágrimas também.

Provou um pouco mais, por mais tempo, porque Jasmine permitiu. Não ficou rígida nem se afastou. Permaneceu imóvel, deixando que ele explorasse a boca macia, que entre abriu. Não a abraçou, só a beijou. E ela não se apertou contra seu peito, permanecendo parada, trêmula.

Por fim, ele ergueu a cabeça, dizendo:

— Preciso ser completamente honesto com você, Jasmine. Estou assustado até os ossos por desejá-la tanto quanto a desejo. Porque não se trata da vontade de uma noite de prazer, como sempre senti antes. É algo mais forte. Meu pai foi um cretino que não podia ficar apenas com uma mulher, mas vivia voando para a lua. Não foi um pai para mim, na realidade, e cresci com uma mãe me dizendo que eu era igualzinho a ele. Por muitos anos, eu acreditei nisso. Até que cheguei aqui, encontrei esse bando de caubóis que se tornou minha família e vi que não trazia nas veias apenas o sangue de meu pai. Tinha o deles também. E que, quem sabe, eu pudesse ser o tipo de homem que meu pai nunca foi. E que talvez viria a ter o tipo de vida que nunca tive. Um lar sólido. Uma família de verdade. Quem sabe? Não sei ao certo. Não tenho certeza se posso ser aquilo que vejo que você e Baxter precisam, mais até que do ar para respirar. Não sei...

— Eu não perguntei...

— Só sei, sem sombra de dúvida, que posso ajudá-la. Eu e minha família podemos ajudar a fazê-la sair dessa confusão. E sei que quero que você fique e nos deixe fazer isso. Afinal... que droga, Jasmine, só temos de esperar e ver!

Ela o encarou como se estivesse diante de um bicho-de-sete-cabeças.

— Afinal o que foi que eu disse ou fiz para você pensar que tinha esperanças de que tomasse conta de mim e se tornasse algum tipo de figura paternal para Baxter? Hein? Alguma vez insinuei que pretenda ser alguma esposa de fazendeiro de cidade pequena? Eu me pareço com uma mulher que pertença a este lugar, no meio do nada, resignada a caçar galinhas com uma vassoura? Pareço? E, mais ainda, acha que vou partilhar meu filho com você? Com qualquer um?

— Eu não queria... — Luke gaguejou, espantado. — Eu só estava tentando...

— Você é muito cheio de si, sabia? Muito presunçoso. Ora, acredita que ia desperdiçar minhas horas fantasiando que iria se casar comigo ou algo assim? Está louco!

— Se a insultei ou a magoei, não era o que eu pretendia. Estava apenas tentando explicar por que não estou de joelhos, rastejando a seus pés, como um homem racional e em sã consciência faria, agora.

— Nem importaria, se estivesse, Luke Brand. Cresci com uma mãe que se preocupava mais com qualquer homem com o qual dormisse no momento do que com sua única filha. Cresci acordando sem ter um pão para comer, entre garrafas vazias e cinzeiros abarrotados, e com ela de ressaca na cama, com um estranho. Cresci com minha mãe me expulsando pra fora, me mandando para o quarto, escorraçando-me para longe para que pudesse se divertir, e eu jurei... jurei que jamais permitiria que um homem se colocaria entre meu filho e mim! Bax é a única criatura de quem preciso para viver. E o amo tanto que não sobra amor para dar a ninguém mais. Portanto, pode pegar essas suas idéias estúpidas e...

— Desculpe-me, Jasmine, por favor, eu sinto muito! Fiz tudo errado, e você tem razão de estar zangada. Não era a hora certa para isso, e nós nos afastamos do assunto principal.

Ela fungou e virou o rosto. Luke achou que talvez algumas daquelas lágrimas tivessem escorrido, mas Jasmine não deixaria que ele visse. Não iria forçá-la.

— Tem razão, fugimos do assunto. Você queria que eu dissesse se matei ou não minha melhor amiga. A resposta é não. Não matei Botão de Rosa.

— Botão de Rosa? Jenny Lee Walker era Botão de Rosa?

— Sinto-me tão culpada, contudo, como se a tivesse matado. E por culpa minha que minha amiga está morta. O homem que a matou estava procurando por mim. Botão de Rosa ficou no caminho. Agora, pode me deixar sozinha, que inferno?! — Fitou as escadas.

— Não.

— O quê?! — Jasmine ficou rígida, encarando-o.

— Eu disse que não. Não vou deixá-la sozinha. Você já ficou só por muito tempo. Pode ficar furiosa comigo o quanto quiser, Jasmine, mas não a deixarei, e minha família também não. Vamos estar aqui, todos nós, daqui para a frente. E lhe digo uma coisa, agora: se sair fugindo, correndo no meio da noite, irei atrás. Estou disposto a deixar as coisas no devido lugar para você e para Baxter, não sei como, mas de alguma forma. Tudo ficará bem. E, entenda, de uma vez por todas, que não a deixarei só. Nem por um minuto!

 

Do quarto ao lado do de Baxter vinha uma luz que brilhava, suave, através da porta aberta. Jasmine espiou para dentro, ao passar, e viu que a cama estava arrumada com um bonito edredom e travesseiros fofos. Havia um vaso cheio de flores e um pequeno relógio no criado-mudo.

Ficou parada, ali, por um instante, só olhando. Quando alguém tivera tempo de... e quem haveria de se preocupar com... Estava preparado para ela?

Também avistou um pequeno porta-retrato sobre o móvel, com uma foto. Relanceando os olhos para baixo, podia ver as costas de Luke, sentado no sofá, dobrado sobre os joelhos, fitando o fogo. Pensativo. Quieto. Solitário, Jasmine pensou.

Voltou-se para o quarto, de novo, e, dessa vez, entrou. Um espelho oval que parecia uma antigüidade pendia de uma das paredes. Abaixo, uma pequena penteadeira com duas gavetas, também de aspecto antigo, embora muitíssimo bonita, e com um dos puxadores faltando.

Jasmine se aproximou do criado-mudo, ao lado da cama, e pegou a foto para examiná-la mais de perto. Era uma fotografia em Polaroid que alguém tirara durante o churrasco. Mostrava Baxter, sentado, todo orgulhoso, naquele pônei de Bubba.

Os lábios tremeram, e Jasmine mordeu-os, tentando controlar-se. Tocou o vidro que cobria o retrato, contornando o sorriso de felicidade que o filho exibia, enquanto as lágrimas lhe inundavam os olhos. Deus, Baxter adorava aquele lugar! Estava tão mais feliz ali como nunca antes. E, apesar dos poucos dias, Bax já mostrava uma cor melhor. Seu apetite tinha melhorado. Passava mais horas ao ar livre, adorando cada minuto.

Verdade fosse dita: se pudesse ficar, criar o filho em Quinn, aquele lugar amistoso, Jasmine ficaria. Mas não podia. Afinal, Leo e Petronella iriam alcançá-la, mais cedo ou mais tarde. Conhecia sujeitos daquela laia. Não eram em nada parecidos com os Brand. Não tinham um farrapo de honra ou decência ou preocupação com quem quer que fosse, a não ser por si mesmos e pelo recheio de suas carteiras. E iriam continuar na perseguição até que a encontrassem.

O sonho de fincar raízes numa cidade agradável como Quinn, de aceitar o trabalho de ensinar dança para garotinhas, de criar o filho onde ele pudesse ser feliz e estar seguro era impossível. A menos que...

Passou a língua pelo lábio inferior quando uma idéia lhe ocorreu. Quem sabe houvesse um jeito de poder fazer aquelas coisas acontecerem? Quem sabe Wes Brand estivesse com a razão... que fosse a hora de dar meia-volta e encarar o perigo? Ficar e lutar.

Luke estava sentado fazia horas, fitando as chamas e tentando compreender o que sentia por Jasmine. Se se tratasse de um simples desejo, então, por que o confundia daquele jeito? E, se fosse mais que isso, por que estava tão inseguro?

Tirou a roupa e os sapatos, deitou-se no sofá, tentou dormir, mas as perguntas não o abandonaram. O que sentia pelo garoto era algo muito diferente. Amava o menino quase com ardor. Seu coração pulava no peito cada vez que Bax o fitava com aqueles seus grandes olhos inteligentes ou empurrava os óculos para cima do nariz, com o dedo.

Gostaria de consertar tudo o que havia de errado na vida do menino e ter a certeza de que nada, nunca mais, tornaria a assustá-lo. Queria observar aquelas pupilas se iluminarem quando ele trouxesse para casa um animalzinho de estimação, ou um pônei. Ou os dois. Por que não?

Era óbvio que nunca mais desejaria se afastar de Haxter, e ainda mais óbvio que lhe despedaçaria o coração se Jasmine pegasse o filho e o levasse para longe.

Mas e a respeito de Jasmine? E quanto a ela?

Como se o simples fato de pensar tivesse conju-laflo algum sortilégio, Luke sentiu um sopro de per-111 me, tão sutil què mal dava para distinguir, mas que nunca deixava de perceber quando ela estava por perto.

Escutou o roçar leve de passos na escada e sentou-se, devagar, voltando-se para fitá-la. Fazia horas que Jasmine fora para a cama. E, contudo, não trocara de roupa. Ainda estava de jeans e camiseta. Jeans que acabavam com a paz de espírito de um homem e a camiseta branca, de ombros de fora, que não ficaria bem em ninguém mais.

— Não consegue dormir?

Jasmine virou a cabeça depressa, o que deixou claro que ele a assustara.

— Hum? Não... Pensei que Você já tinha mergulhado no sono há muito tempo.

Luke fez que não.

— Parece que não consigo desligar meu cérebro. Suspirando, ela enfiou as mãos nos bolsos da calça e aproximou-se.

— Acho que Bax e eu viemos trazer o caos para a existência tranqüila que você levava aqui.

— Ei! Pareço algum bichinho desamparado? Luke jogou as pernas para fora do sofá e apoiou os pés no chão. Então, ao perceber que os olhos dela o percorriam, de alto abaixo, deu-se conta de seus trajes. Estava de cueca, tão-só. Nada mais.

Evidente que o lençol ainda pendia de seu colo, mas os joelhos, as pernas cabeludas e os pés descalços estavam à vista. Sem falar no torso, da cintura para cima. E Jasmine olhava tudo, com extrema atenção. Em seguida, fitou-lhe no rosto, de novo, e sorriu.

— Ficou vermelho, Luke? Ele desviou-se.

— Apenas me sentindo um pouco exposto, é só. — Puxou o lençol para cobrir-se um pouco mais.

— Ora bolas! Já fui vista por muito mais olhos e com muito menos roupa.

— Acredito, mas aposto que tinha uma aparência bem melhor que a minha. — Suas orelhas queimavam cada vez mais, e ela continuava a se aproximar até sentar-se na poltrona, ao lado.

— Oh, isso eu não sei... Você não é de todo mau, sabe?

— Não? — Luke ergueu a cabeça e deparou com os olhos dela. E viu que havia neles um ar de troça.

— Não. Bem, a não ser por esses joelhos cheios de nós.

— Joelhos salientes são um dos traços genéticos dos membros de sexo masculino que o clã dos Brand tenta manter em segredo.

— Sendo assim, acho que descobri uma coisa para azucrinar você pela vida inteira.

— Só se pretender ficar por perto por tanto tempo. O sorriso dela se desvaneceu tão de repente que

foi como se ele o tivesse arrancado com um tapa. E Luke maldisse a insensatez que o fizera pronunciar aquela frase infeliz. Devia estar perdendo o juízo. Mas escapara. Não tinha como engoli-la de volta. Numa voz doce, Jasmine murmurou:

— O quarto... é lindo. Foi você que arrumou?

— Sim. Bem, na verdade, tive alguma ajuda de Chelsea e Jessi. Passamos algumas horas procurando pelas redondezas para comprar tudo. Nenhuma delas é nova, você sabe.

— Novas ou não, são as coisas mais bonitas que alguém já providenciou para mim.

— Apenas pensei que você gostaria de ter um espaço só seu. — Luke deu de ombros.

— Enquanto você dorme no sofá, como um hóspede de última hora, em sua própria casa.

— Há muitos quartos lá em cima. Arranjarei um para mim quando for possível.

Jasmine recostou-se na poltrona e encolheu as pernas sob si.

— Quinn é um lugar muito especial. Bax adora. E eu acho que ele está começando a gostar de você, também.

— Não pense, nem por um minuto, que isso não seja mútuo, Jasmine.

Aquilo a fez sorrir outra vez.

— Você tem sido tão bom para nós... Assim como sua família. Nem posso acreditar que estou prestes a lhe pedir ainda mais. — Ela baixou o rosto, seus cabelos caindo com um manto em torno de suas faces.

Luke estendeu a mão, afastou as mechas que a cobriam e prendeu-as, com muita gentileza, atrás da orelha.

— Não se preocupe. Sobretudo se, enfim, me deixar ajudá-la a sair dessa confusão em que se meteu.

Devagar, Jasmine tornou a fitá-lo.

— Não creio que existam outros homens como você. Sempre pronto a entrar em ação e salvar o dia. É como algo fora do contexto, sabia disso? Não é isso, porém, o que eu queria pedir, Luke.

— O que é, então?

Jasmine respirou fundo e ergueu o queixo.

— Quero que tome conta de meu filho se... se acontecer alguma coisa comigo.

— Doçura, não acontecerá nada com você. Ei, vamos lá! É por isso que não conseguiu dormir a noite toda? Ficou deitada pensando em...

— ...morrer. Porque é o que vai acontecer se eles me encontrarem. Ou melhor, quando me encontrarem. E isso está me deixando louca de preocupação. O que será de Bax se eu não estiver aqui pára tomar conta dele?

Luke segurou-a com firmeza pelos ombros e a encarou.

— Você não morrerá, Jasmine. Por Deus do céu, você não pode ficar remoendo nessas coisas!

— Eu o faço e continuarei fazendo até que você me prometa que cuidará dele.

— Não posso crer que tenha dúvidas quanto a isso. Lógico, Jasmine, tomarei conta de Baxter, se lhe acontecer alguma coisa. Como se fosse meu filho. Prometo. Posso jurar pelo sangue de todos os Brand, se isso a fizer sentir-se melhor.

— Não seria fácil, você sabe. Os bandidos podem vir atrás dele.

— Estou consciente disso. Não ouviu o que eu falei? Como se Bax fosse meu filho, Jasmine.

Os lábios dela tremeram e os olhos se encheram de lágrimas. A respiração pareceu lhe faltar, e Jasmine quase desfaleceu, inclinando-se sobre Luke.

Ele a envolveu nos braços, sentindo que o corpo dela tremia, sob suas mãos.

— Obrigada — ela sussurrou. — Não sabe o quanto significa para mim o que acaba de dizer. Muito obrigada, Luke.

— Por Deus, Jasmine, não chore! Por favor, sim? Você tem de parar de pensar desse jeito. Não sabe que está segura aqui, comigo? Hein?

Ela tornou a encará-lo.

— Aqueles miseráveis terão que passar por cima de mim para chegar a você ou a Bax. E precisarão acabar comigo, porque, se me restar um suspiro, eu o gastarei para manter vocês dois a salvo.

Jasmine pestanejou, como se atingida até o âmago por aquelas palavras. E Luke nem sabia dizer de onde elas provinham. Tinham lhe escapado da boca, sem aviso ou plano, sem nem mesmo pedir licença a seu raciocínio lógico.

Jasmine estava espantadíssima. E, para ser honesto, Luke também. Se um ano atrás alguém tivesse dito a ele que iria dizer frases semelhantes a uma mulher, teria rido a valer.

Porém, tivera como se calar e nem sabia como continuar falando. Mas, então, já não podia fazê-lo, porque Jasmine o beijou.

Aquela boca macia fechou-se sobre a dele. Sugou-lhe os lábios, a língua enroscou-se na sua, enquanto o pranto continuava a rolar pelo rosto de Jasmine.

Luke correspondeu, tomado de ansiedade, e abraçou-a com força. As mãos dela afastaram o lençol para longe, como se fosse um empecilho embaraçoso. Os dedos dele enterraram-se nos cabelos de Jasmine, segurando-lhe a cabeça, enquanto provava daquela boca, explorando a cavidade úmida do jeito que vinha tanto desejando fazer.

Era com o que mais sonhara, hora após hora, solitárias horas. Por Deus, ele nem mesmo sabia o quanto a desejava, até aquele momento! Estava em brasas só por causa de um beijo.

Jasmine o empurrou contra o sofá e inclinou-se, afastando os lábios dos dele e fazendo-os escorregar para o pescoço, para o peito. Usava a língua, até mesmo os dentes, o que o fez retorcer-se, incendiar-se, enlouquecer. Cada pedaço de seu corpo ardia e se arrepiava. Cada centímetro parecia vivo, desperto e em urgente demanda.

Então, de súbito, Jasmine se levantou, as mãos enlaçando as dele, obrigando-o a ficar de pé. Luke se ergueu e a seguiu.

— Não quero acordar Bax. — E Jasmine se dirigiu para a cozinha, saindo pela porta dos fundos.

Ele fechou a porta atrás de si, seguindo-a como se estivesse em transe. Afastaram-se uns poucos metros da casa, os pés descalços pisando a grama molhada.

Luke estremeceu, dessa vez de frio. Então, Jasmine soltou-lhe a mão e afastou-se. E, sob as estrelas, ao luar, pôs-se a dançar.

Luke sentiu que o fôlego lhe faltava, tão sensual era a maneira como Jasmine se movia. Quando ela deslizou as mãos pelas coxas, fazendo-as correr pelos quadris e em torno da abertura da calça jeans, ele pensou que fosse explodir de desejo.

E, ao ver que desabo toava o botão do cós e descia o zíper, Luke notou que suas pernas amoleciam. Desabou na grama molhada, de costas, tremendo e arquejando.

Jasmine soltou a calça, bem devagar, fazendo-a escorregar pelas coxas e pelas pernas. Ergueu a camiseta também, por uma fração de segundo, cobrindo a pele bronzeada depois de revelar-se a ele.

Fragmentos provocantes da curva dos quadris eram tudo o que Luke podia perceber. As pernas, contudo, eram exibidas em toda sua beleza, pouco a pouco. Ela, então, chutou o jeans para longe.

Luke estendeu a mão, desesperado para tocá-la, mas ela se afastou, dançando, para longe de seu alcance. E puxou a calcinha, mais uma vez exibindo pedaços de rara formosura, enquanto, sem piedade, a tirava. As nádegas roliças se revelavam, em poucos centímetros, não mais que isso. E a pequena depressão onde as costas encontram os quadris mostrou-se. E Luke quis beijá-la bem ali.

Por fim, os dedos de Jasmine soltaram os botões da camiseta. Um por um. De cima até embaixo. Vi-rou-se de costas para ele e deixou o tecido escorregar, cada vez mais, mostrando a curvatura das costas. Então, voltou-se, num gesto rápido, cobrindo os seios.

Luke experimentou suas entranhas palpitarem. E Jasmine continuou a dançar, diante dele, segurando a camiseta contra o corpo magnífico.

Em movimentos sinuosos, aproximou-se. E chegou mais perto.

Luke estendeu a mão e pegou a ponta da camiseta. Ela sorriu. Com um volteio, arrancou o tecido da mão dele, e continuou dançando. Luke perdeu o controle. Levantou-se, e, com um gesto, agarrou-a pela cintura. Puxou-a contra o peito e beijou-a.

Foi um beijo longo, profundo. Suas mãos podiam locá-la por todo canto, agora, e foi isso o que ele fez. Acariciou-a nas costas, nas nádegas, nas coxas. Esfregou-se contra ela, enquanto provava o sabor daquela boca com a língua.

As mãos de Jasmine empurraram-lhe a cueca para baixo até que caiu ao chão. Luke livrou-se da peça, chutando-a para longe.

Tomado por uma volúpia irrefreável, ergueu Jasmine do solo e carregou-a até uma clareira debaixo dos galhos robustos de um carvalho, e lá a deitou. Beijou-a da cabeça aos pés e de novo, pelo caminho inverso. Aninhou-se entre seus seios, provando a doçura dos botões rosados até que ela agarrou-lhe os cabelos, gemendo, volteando os quadris.

Deslizando os dedos pelo ventre macio, Luke tocou a intimidade entre suas pernas, e Jasmine ar-queou-se ainda mais. Luke afastou as dobras, o dedo avançando para dentro.

Pela maneira com que se mexia, a cada carícia, parecia que Jasmine ainda continuava a dançar. Enfim, incapaz de controlar-se, ele cobriu-a com o corpo e penetrou-a.

Jasmine cerrou as pálpebras, murmurando-lhe o nome. Luke estava inebriado. Céus, que criatura incrível! O cheiro de seus cabelos, de seu corpo... estava completamente envolvido por ela, submergindo dentro dela, e saboreando cada instante.

Entregou-se ao êxtase. Na agonia deliciosa do último estertor, pensou, comovido, que fizera amor com Jasmine da forma mais terna e mais completa que já desfrutara até aquele instante. Quisera, acima de tudo, fazê-la vibrar por inteiro. E ela correspondera, gritando, gemendo, contorcendo-se de luxúria. Por fim, abraçou-a com doçura e beijou-a no rosto.

— Obrigada, Luke.

Ele apertou-a com força, querendo ter um lençol por perto. O fogo da paixão, aos poucos, o abandonava, e o frio da noite penetrava-lhe as carnes.

— O prazer foi todo meu, minha senhora.

— Não é por isso. — Ela deu risada. — Por tudo o que tem feito por Bax e por mim. E pela promessa que me fez. Espero que entenda agora o quanto isso significa para mim. Não faço esse tipo de coisa com freqüência.

Luke ficou paralisado, encarando-a com dureza.

— O quê?

Jasmine deu um pequeno sorriso, rolou para o lado e sentou-se, esfregando os braços.

— Está ficando frio. Vamos entrar. — Olhando ao redor, viu a camiseta. Levantou-se, apanhou-a e vestiu-a.

— Num minuto, Jasmine. Primeiro... esclareça o que quis dizer com isso.

— Com o quê? — Abotoava os botões, um a um.

— Com o que acabou de falar. Que estava agradecida. Jasmine, isso foi tudo? Uma demonstração de gratidão? A forma de me agradecer?

— Apenas em parte — retrucou, encarando-o. — Eu não faria amor com você apenas por ser grata. Eu queria. Você também. Gosto de você, que gosta de mim. E lhe devia... alguma coisa especial. Algo tão incrível como aquilo que você tem feito por mim e por Bax. — Deu de ombros. — Achei que... era a coisa certa a fazer.

Luke baixou a cabeça, respirou fundo, mas seu peito foi ficando cada vez mais apertado. Sua garganta fechou-se. Tinha pensado... pensara que...

Ora bolas, nem mesmo queria imaginar o que tinha pensado. Era um completo idiota!

— Luke? — Jasmine estava em frente a ele, agora, usando a camiseta e nada mais, a mão em-purrando-lhe o queixo para cima. — Está zangado comigo?

— Claro que não.

— Então, o que há de errado?

Luke a fitou bem dentro dos olhos. Jasmine era como um animal selvagem. Tão desconfiada, tão cheia de medos... Sexo não significava amor, porque sexo era um prazer, e amor, uma fraqueza. Ela o recompensara com sexo. Mas não iria arriscar o coração cm algo mais profundo.

E como poderia culpá-la quando, até poucos minutos atrás, ele próprio se sentira aflito com os sentimentos que lhe tumultuavam o íntimo?  

Luke se deu conta de que a amava. Mas, se confessasse esse amor, Jasmine iria fugir como uma corça dò caçador. Passou a língua pelos lábios ressequidos.

— Não há nada de errado, Jasmine. Só que... da próxima vez que achar que me deve alguma coisa, me avise antes, está bem?

— Está me dizendo que não gostou de meu jeito de retribuir? — Deixou as mãos escorregarem pelo tórax dele e deu-lhe um beijo na boca.

— Oh, gostei muito... — E, pigarreando, acrescentou: — Porém, teria gostado mais se fosse por outras razões.

Ela franziu a testa e afastou-se.

— Jamais conheci um homem que desse a mínima para os motivos de uma mulher lhe oferecer sexo, contanto que conseguisse.

— Então, minha cara, tem se envolvido com o tipo de homem errado, em minha opinião.

Ela o encarou com espanto evidente, e Luke, temeroso do que poderia dizer se a conversa continuasse, envolveu-a pelos ombros e conduziu-a de volta para a casa, apanhando as roupas pelo caminho.

— Nunca mais sinta que tem de me retribuir por qualquer coisa que eu faça, está bem, Jasmine? Se eu fizer algo, é porque quero fazer. Não me deve nada, portanto.

— Não consigo compreendê-lo.

— Acho que não, mesmo.

Entraram, e ela o beijou, desejando-lhe boa noite. Subiu para o quarto em seguida.

Luke foi para o sofá e enrolou-se nas cobertas.

Embora aborrecido, não ficou a remoer os pensamentos. Seu corpo estava satisfeito, e sua alma, exaurida. Dormiu assim que pousou a cabeça no travesseiro.

Quando Luke acordou, o sol infiltrava-se pelas janelas, o fogo havia muito tinha se apagado, e ele nem chegara perto de encontrar todas as respostas que procurava. Apenas sabia que, sabe Deus por que, estava apaixonado por uma mulher que nem mesmo acreditava que o amor existia.

Luke, porém, sabia que sim. Agora, pela primeira vez na vida, sabia com certeza que sim.

Talvez devesse confessar isso a Jasmine. Não, não, devia ser melhor ver primeiro como ficavam as coisas e parar de raciocinar como um adolescente. Devia cuidar dos problemas urgentes, afastando a ameaça que pairava sobre Jasmine e seu filho, isso sim.

O que vinha em primeiro lugar. Como poderia esperar que ela tivesse cabeça para desenvolver idéias emotivas e compromissos de futuro quando havia aquele pesadelo a assombrá-la sem cessar?

Era isso. Esse era o ponto. Ele precisava ir a Chicago. Não entendia por que não pensara nisso antes. Klra o homem ali. Era um Brand, acima de tudo. Não precisava esperar a permissão de Jasmine para se envolver. Tinha de pegar o touro pelos chifres e torcê-los até quebrar seu maldito pescoço. Ponto.

Levantou-se e correu para as escadas, animado, agora que tinha se decidido por um curso de ação õ ansioso para pô-lo em prática.

Bateu uma única vez antes de abrir a porta do quarto que preparara para Jasmine, com inestimável ajuda das primas. Ela, porém, não estava ali, e o belo edredom parecia intocado. Não dormira na cama. Talvez tivesse resolvido ir dormir com o filho. Será que Bax tivera um outro pesadelo? Luke dormira feito uma pedra...

Saiu para o corredor e rumou para o quarto de Baxter. Ao abrir a porta, não gostou do que viu ali: o menino, enrodilhado no colchão, com os joelhos encolhidos até o queixo, chorando como se estivesse com o coração partido.

O peito de Luke pareceu que ia explodir ao ver as lágrimas no rosto do menino. Em duas passadas, aproximou-se, envolveu-o nos braços e apertou-o forte.

— Ei, que é isso, vamos! O que foi?

Baxter agarrou-se a ele, sem dizer palavra. Os soluços soaram mais altos.

— Bax, vamos lá, camarada, diga-me o que há de errado. Teve um outro pesadelo? Hum? Foi isso?

A cabecinha do menino moveu-se de um lado para outro.

— Não? Bem, o que foi, então? Olhe, você sabe que, seja o que for, eu posso resolver. Sabe disso, certo?

Silêncio. O choro parou, embora alguns espasmos sacudissem o corpinho dele, como choques elétricos. Baxter ergueu o rosto e fitou Luke.

— Você pode? De verdade, pode resolver, Luke? Não está falando apenas por falar?

— De jeito nenhum, companheiro. Seja o que for que haja de errado, prometo que vou resolver. Mas não poderei, se não me contar o que é.

Luke queria saber onde estava Jasmine. Talvez, no banheiro...

Não havia barulho de chuveiro, mas isso não queria dizer nada. Contudo, veria isso mais tarde. Primeiro, o mais importante.

Enxugando as faces molhadas com as mangas do pijama, Baxter ergueu a mão e abriu-a, mostrando uma folha amarrotada de papel. Franzindo a testa, Luke pegou-a e a desamassou. E, então, leu o bilhete, sem acreditar no que tinha diante de si.

"Meu adorado filho:

Mamãe tem de ir embora, neste momento. Sei que ficará seguro e a salvo aí, com Luke e os Brand. Eles tomarão conta de você até eu voltar, e prometo que não vai demorar. Você é a coisa mais preciosa do mundo para mim, e eu nunca conseguiria ficar longe de por muito tempo. Sabe disso, não é? Por favor, não fique preocupado. Mamãe fará tudo dar certo, de novo. Seja um bom menino. Estaremos juntos em breve. Com amor, Mamãe".

 

Luke fechou os olhos devagar, tentando digerir a notícia. Mas abriu-os de novo quando Baxter disse:

— Ela voltou para Chicago. Tenho certeza. Mamãe vai tentar pegar aqueles homens antes que a peguem. Luke, eles vão machucá-la! Sei que vão! Você tem de fazer alguma coisa!

— Pode apostar! — Luke tomou o rosto de Bax entre as mãos. — Vamos lá, filho, precisa se levantar e se vestir. E me contar tudo o que aconteceu antes de Jasmine e você saírem de Chicago, para que eu possa ir buscá-la e trazê-la sã e salva, está bem?

Baxter assentiu.

— Não deixarei que nada aconteça a ela, Bax. Prometo.

O garoto olhou dentro dos olhos de Luke, procurando por alguma coisa.

— Está bem. Acredito em você, Luke.

Vinte minutos mais tarde, Baxter e Luke estavam na varanda da casa da fazenda Texas Brand. Luke

bateu na porta por duas vezes. Foi Bubba quem abriu, e sorriu de orelha a orelha, ao ver Baxter. ,— Ei! Eu ia telefonar para você agora de manhã!

— Por quê? — perguntou Baxter.

— Porque vou pescar na lagoa e ia convidá-lo para ir junto. Quer?

Baxter voltou-se para olhar para Luke, os olhos cheios de indagações. Luke abaixou-se, segurando-o pelos ombros.

— Dei-lhe minha palavra, Bax. E nunca volto atrás. Trarei sua mãe de volta em segurança. Não precisa se preocupar. Vá se divertir com Bubba e tente não pensar em nada, a não ser que a mamãe estará com você muito em breve. E todos os problemas ficarão na lembrança. Está bem? Bax aquiesceu, com um gesto.

— Quer pescar com Bubba? De novo, o menino fez que sim.

— Então, vá em frente. Da próxima vez que nos encontrarmos, estarei com Jasmine a meu lado. Ok?

— Ok! — Bax jogou-se contra Luke e abraçou-o pelo pescoço. — Não demore muito, está bem?

— Estarei aqui o mais depressa possível, filho. Bubba agarrou a mão de Bax, puxando-o.

— Venha, quero lhe mostrar meu novo pesqueiro. Tenho três, agora. Ê só dizer e poderá usar aquele que quiser. — Continuava conversando enquanto levava Bax para fora e o conduzia para o barracão ao lado dos estábulos.

Luke ficou a observar os garotos e só se virou ao ouvir a voz de Garrett.

— E então, o que houve?

— Jasmine foi embora. Deixou um bilhete para Bax dizendo que ia consertar as coisas e que voltaria em breve.

Chelsea, que estava ao lado do marido, cerrou as pálpebras, muito preocupada.

— Jasmine foi atrás dos sujeitos que a estavam caçando.

— O que, afinal, acontece com vocês, mulheres?!

— resmungou Garrett.

— Ela está protegendo o filho, Garrett. Uma mãe enfrentaria um exército para proteger sua criança!

— exclamou Chelsea.

— Olhe — murmurou Luke, com um suspiro —, se tomarem conta de Baxter para mim, vou me arrumar e cuidar disso. Tenho de me apressar. Não sei quando ela partiu e...

— Calma, calma! — Garrett levantou as duas mãos. — Luke, sei que você é novo entre nós, mas esse não é jeito como fazemos as coisas.

— Irei atrás dela, Garrett. — Luke o encarou, tenso. — Não há nada que possa fazer para me impedir. Ou me falar para me afastar disso. E não tenho tempo para esperar enquanto você tenta me dissuadir. Jasmine está numa encrenca, e vou atrás dela.

Garrett se mostrou impaciente.

— Sim, sim, claro que vai. Só que não irá sozinho.

— Voltou-se para' Chelsea.

— Arrumarei algumas coisas numa mala para você. E melhor chamar os rapazes. — Chelsea deu as costas e falou com o primo por sobre o ombro: — Luke, não se preocupe, vocês estarão na estrada em vinte minutos, talvez em quinze.

E correu para as escadas, enquanto Garrett pegava o telefone.

Em menos de dez minutos, o pátio estava repleto de picapes e caminhonetes, e havia Brand para todo lado. Era a coisa mais surpreendente que Luke já vira. Garrett limitara-se a dizer ao telefone: "Jasmine está com problemas. Vamos para Chicago". Pronto.

E, pelo que Luke pudera entender, ninguém perguntara por que, quando ou onde. Tinham desligado o aparelho telefônico e rumado direto para o rancho. Nem o Flashman seria tão rápido.

Lash e Adam foram escolhidos para ficar em casa e assumir o controle da família e do Departamento de Polícia de Quinn. Afinal, Lash era o único assistente do delegado. Ben, Garrett, Wes e Elliot rumaram para a enorme van de Ben. Era o veículo com mais espaço. Não houve discussão sobre isso, parecia que era o consenso geral.

E a bagagem que jogaram no porta-malas, na traseira, fez Luke pensar se os homens estavam se preparando para uma guerra. Havia pistolas, caixas de balas, cordas, até um chicote de couro de boi, além de roupas para cada um, em maletas. O que fez a mochila de Luke, com uma calça, uma cueca e uma camisa, mais a escova de dentes, parecer insignificante.

— Não deixarão vocês entrarem na cidade com essas armas. — Luke apontou para as pistolas.

— Sossegue, primo. Vamos pedir licença. — Wes deu um tapa no ombro dele. — Alguém telefonou para Marcus?

— Estará aqui dentro de uma hora para manter os olhos vivos em tudo — afirmou Garrett. — Bax ficará bem protegido enquanto estivermos fora.

O xerife voltou-se para Chelsea e beijou-a, com ardor.

— Não se preocupe, amor. Voltarei logo.

— Estarei esperando.

Bubba correu e pendurou-se nos braços do pai, abraçando-o pelo pescoço.

— Tome cuidado, papai.

— Sempre. Tomará conta de Bax, certo, filho? Estou confiando em você, não deixe que arranhe os joelhos ou quebre um osso quando sua mãe der as costas.

— Tudo ficará bem, pai. Prometo.

— Ótimo! — Beijou o filho e colocou-o no chão. Baxter estava de pé, ao lado. Presenciara a troca de carinho entre pai e filho como um cachorrinho faminto olhando uma costeleta. Luke abaixou-se e abriu os braços. O rosto de Baxter se iluminou e ele atirou-se, envolvendo num abraço muito estreito. Com um nó na garganta, Luke mal conseguiu falar. Como o garotinho se instalara em seu coração assim, tão depressa?

— Agora, se quiser ficar aqui, terá de ajudar Bubba com as tarefas. Você sabe, ele tem aquele pônei para cuidar. Precisa dar-lhe uma mão.

— Lógico que vou ajudar, Luke!

Como Luke esperava, os olhinhos do menino se acenderam diante da perspectiva. Muito bom. O pobre garoto precisava de alguma coisa para ocupar a mente que não fosse a mãe e a encrenca em que se metera.

— E tente não se preocupar. Tudo ficará bem. Eu sempre mantenho minhas promessas.

Com um gesto de cabeça, Bax assentiu, soltando o pescoço de Luke. Então, inesperadamente, agarrou-se a ele de novo e inclinou-se a seu ouvido, murmurando:

— Eu queria que você fosse meu pai. — Apertou-o forte e, em seguida, afastou-se correndo para a casa, com Bubba a seu lado.

Os dois pararam na varanda para pegar as varas de pescar que tinham deixado ali.

Luke fitou Chelsea, mas de soslaio. Nunca estivera tão perto das lágrimas desde que tivera a idade de Baxter.

— Ficará de olho neles quando estiverem perto da lagoa, não é? Quero dizer, não sei se Bax sabe nadar e...

Chelsea abriu um sorriso largo.

— Credo! Está falando igual a Jasmine! Não esquente a cabeça, Luke. Não os perderei de vista.

Luke ficou por um instante parado e, por fim, voltou-se e rumou para a van. Tinha de ir, porque sentia-se à beira de cair em um choro convulso cada vez que alguém abria a boca. E isso não ficaria nada bem num caubói.

Aquilo que Baxter murmurara num tom tão desesperado a seu ouvido o atingira como um trem sem freios. Porque a resposta ainda estava retida em sua boca, e era: "Eu também". E ele percebeu que era verdade.

Ben pegou a direção, e Luke sentou-se a seu lado, na frente. Atrás, com Wes, Garrett usava o celular para verificar, nas empresas de aviação, com sua autoridade de delegado, se Jasmine não tomara um vôo para Chicago. Se assim fosse, teriam de fazer a mesma coisa para alcançá-la. Depois de várias ligações, afirmou:

— Nenhuma passagem vendida para lugar algum em nome de Jasmine ou Jenny Lee. Ela deve estar dirigindo.

— Boas notícias! — Elliot Estava na terceira fileira de bancos, com os braços em volta da poltrona a sua frente, e a cabeça entre Garrett e Wes. — Podemos alcançá-la.

— Ela não deve ter partido muito antes do amanhecer. Eu estava... acordado até então. E Jasmine teria de passar por mim para sair da casa.

— Por que não nos conta tudo o que sabe, Luke? — perguntou Garrett. — Presumo que, pelo menos, tenha uma idéia de por onde começar, quando chegarmos a Chicago.

— Jasmine trabalhava num clube chamado The Catwalk. Bax me falou que ele e a mãe foram até lá para apanhar o pagamento, no último dia de escola. Jasmine pediu-lhe que ficasse no carro, mas Bax saiu, subiu em umas latas de lixo e espiou por uma janela. Disse que viu três homens numa sala. Um deles puxou uma arma e atirou no outro na cabeça.

Wes soltou um assobio agudo.

— E a coisa é ainda mais preta. Bax ficou tão assustado que caiu, derrubando as latas de lixo. Fez um barulho daqueles, e correu como pôde de volta para o automóvel. Os dois sujeitos saíram pela porta dos fundos e um deles atirou em Bax.

— Que desgraçado! — Elliot deu um soco no assento.

— Pode apostar. Jasmine apareceu, correndo, e jogou um tijolo no bandido, o que só serviu para deixá-lo ainda mais furioso. O miserável apontou a arma para ela, o que, imagino conhecendo Jasmine, fosse a intenção dela.

Ben meneou a cabeça.

— Lógico, para atrair a atenção do atirador para longe de Baxter. Essa é uma mulher e tanto, Luke!

— Você não vai arrancar de mim elogio maior. Não sei como, mas Bax conseguiu ligar o motor e saiu guiando. Jasmine pulou para dentro, jogou o menino no assoalho e deu o fora dali. Bax afirma que seguiram para casa, para apanhar a companheira de quarto de Jasmine, uma outra dançarina de apelido Botão de Rosa, e levá-la para longe. Botão de Rosa, a propósito, era, na realidade, Jenny Lee Walker. No entanto, quando chegaram, havia carros de polícia em frente, e estavam carregando um corpo coberto por um lençol para fora do prédio. Bax disse que um dos braços pendia da maça, e quando o avistou soube que era Botão de Rosa, e que estava morta. Também viu o policial que parecia ser o encarregado e jura que era o mesmo sujeito que tentou matá-lo, lá no clube. Contou que a mãe também viu o homem, e Bax acha que é por isso que está tão apavorada.

Garrett respirou fundo, devagar, avaliando as informações.

— Bax foi capaz de explicar como Jasmine se apossou da identidade de Botão de Rosa e dos documentos do advogado?

— Ele me falou que Botão de Rosa pediu a Jasmine que apanhasse sua bolsa no clube, quando fosse pegar o cheque. Segundo o menino, Botão de Rosa era distraída, sempre deixava a bolsa em algum lugar e tinha de voltar para buscar. Estou presumindo que os documentos do advogado estivessem dentro dessa bolsa. O envelope foi enviado aos cuidados do The Catwalk, o que me chamou a atenção desde a primeira vez que o vi.

— Então, a questão é: por que mataram a companheira de quarto de Jasmine?

— Fiquei pensando na mesma coisa, Wes. — Luke cocou a nuca. — E possível que não tenham visto Jasmine de perto para ter certeza de quem era ela. Se os homens vasculharam o lugar para saber quem estivera por lá, devem ter descoberto que os cheques das duas mulheres haviam sumido e que a bolsa de Botão de Rosa também. Tanto podia ser uma como a outra.

— Assim, decidiram matar as duas?

— E o menino também, Elliot — continuou Luke. — Quando Jasmine e Bax escaparam, eles decidiram culpar Jasmine pelo assassinato de sua melhor amiga. Foi o que descobri no computador, na noite passada. Há um mandado de prisão em nome dela. Não deve ter dado muito trabalho. Não, quando a carteira de Botão de Rosa, seu último pagamento, seus cartões de crédito e a companheira de quarto sumiram, tudo ao mesmo tempo. Tinham de saber que encontrariam esses pertences com Jasmine quando fosse capturada, o que a faria parecer ainda mais culpada.

— Sem sombra de dúvida! — Garrett fez um esgar. — Que jeito melhor de colocar as mãos em cima dela do que expedir um mandado de prisão? Em especial com uma acusação de assassinato? Jasmine seria caçada pela lei, levada de volta para Chicago como prisioneira, e seu filho ficaria sob a guarda do Estado. Presa fácil. Para um homem que diz ser um policial, pelo menos.

Luke sentiu uma nuvem escura no coração.

— E agora Jasmine resolveu encarar esses animais por conta própria. Se a machucarem, juro que...

A mão de Garrett fechou-se em seu ombro.

— Nós a alcançaremos a tempo, primo.

— Sim, Garrett. Temos de fazer isso.

Jasmine dirigiu direto por quase vinte e quatro horas, parando rápido numa loja de conveniências aberta à noite, antes de chegar ao clube. Usara o banheiro do estabelecimento e trocara de roupa, refazendo a maquiagem. Precisava parecer a mesma Jasmine que fugira dali. Não se sentia mais a mesma, porém. Algo havia mudado.

O clube estava na penumbra, quando ela entrou. Cadeiras sobre as mesas e ninguém além de fantasmas lá dentro. E Leo.

Ele veio dos fundos, até o salão, sem erguer os olhos e sem perceber que Jasmine estava ali, de pé, ao lado da porta, esperando.

Jasmine aguardara um tempo para certificar-se de que o ex-patrão estava sozinho, antes de entrar. Leo dirigiu-se ao bar e começou a secar os copos, alinhando-os, um ao lado do outro. Um de seus rituais matinais que sempre levava horas e horas, antes de abrir a espelunca. Jasmine sabia muito bem onde encontrá-lo.

Os saltos altos estalaram no assoalho, de propósito, quando se aproximou. E Leo parou com sua tarefa, por fim enxergando-a. Pareceu tão surpreso como se tivesse dado de cara com Elvis Presley em pessoa.

— Olá, Leo.

— Bem-vinda de volta, Jasmine. — Deu-lhe um sorriso enviesado, jogando o pano com o qual secava os copos sobre o ombro. — Por onde andou?

— Por aí.

Leo meneou a cabeça e deslizou a mão para baixo do balcão. Jasmine sacou o revólver que trazia, apontando-o para ele.

— Nada disso. Mantenha as palmas sobre o balcão, patrão. Onde eu possa vê-las.

Leo engoliu em seco, o olhar preso à arma, o pomo-de-adão subindo e descendo.

— Calma — murmurou. Esticou os braços sobre a superfície polida. — Sei que deve estar perturbada com o que aconteceu com Botão de Rosa. Droga, todos nós estamos! Sabe como é, a polícia pensa que você fez isso.

— Sorte minha que sabe que não fiz, certo, Leo?

— Evidente que sei! Nunca acreditei, nem por um minuto, que tivesse sido você, Jasmine. Tentei dizer isso aos policiais, mas...

— Saia de trás do balcão — ordenou-lhe, fazendo um gesto com o cano. — Venha até aqui. Pegue duas cadeiras e ponha para baixo, para que possamos sentar e conversar.

Sem se desviar dele nem por um segundo, Jasmine foi até a porta da frente e estendeu a mão livre para trás, trancando-a. Sabia que a dos fundos devia estar fechada, como quase sempre, e se abria apenas pelo lado de dentro. Caminhou para o salão, esperou que Leo se sentasse e, então, acomodou-se diante dele. Fora de seu alcance, é claro.

— Sobre o que quer falar, Jasmine?

— Sobre o policial sujo com o qual você está metido, para começar. Aquele que atirou no agente federal disfarçado em seu escritório, na semana passada. O tal Petronella. Qual é o nome dele? Gianni?

— Então, era você que estava lá fora.

— Era. Não me viu?

— Só o garoto. E não fui eu que atirei em seu filho, Jasmine. Foi ele. Eu não iria machucar uma criança.

— Não vi você tentando impedir aquele bandido.

— Ele teria acabado comigo se eu tentasse.

— Oh, mas que ingenuidade a minha! Que ele matasse o menino! Quem não agiria assim? Só quem tivesse uma alma.

Os olhos de Leo se estreitaram.

— Essa arma está carregada?

— Quer descobrir? Ele ficou mudo.

— Então foi por isso que mataram Botão de Rosa. Nós duas dividíamos o carro, e Bax estava sempre com ela. Você não tinha certeza de qual de nós testemunhara o assassinato.

— Não tive nada a ver com... com o que aconteceu a Botão de Rosa — gaguejou Leo.

— Não?

— Não!

— Sendo assim, como o bastardo que a matou sabia onde nós morávamos?

Leo baixou a cabeça, desviando o olhar.

— Veja, não gosto daquele sujeito tanto quanto você. Mas não tive escolha, a não ser negociar com ele.

— Por quê?

— Porque é um tira. Podia acabar comigo quando quisesse. Algumas das garotas levam os clientes lá para cima, depois do show, e isso não é nenhum segredo para você.

— Como também não é que sempre ganha comissão sobre isso, patrão.

— O bar é meu!

— E tem também o jogo.

— Está a par disso? Jasmine fez que sim.

— Todo sábado, lá na sala dos fundos, da meia-noite até o amanhecer. Lógico que sei. Todo o mundo, aliás.

— Sim, tem razão. — Leo suspirou. — Incluindo Petronella. Quando descobriu, veio me extorquir dinheiro. Começou a exigir cada vez mais para fazer vistas grossas e até mesmo a vir aqui em alguns fins de semana para jogar com os clientes. E, então, aquele sujeito apareceu. Terry Peck. Tornou-se freguês habitual antes que descobríssemos. Era um federal.

— E aí vocês decidiram eliminá-lo? Leo, tem noção da insanidade que cometeu?!

— Não sabia que Gianni ia liquidar o camarada, juro! Ele me disse que iríamos ter um encontro com o federal em meu escritório. Para conversar. Quando sacou a arma e atirou no sujeito, mal pude acreditar.

— Parece que você se meteu numa bela encrenca, Leo. E eu também. Vou lhe dizer uma coisa. Temos de nos ajudar, um ao outro.

— Ah, não! Não vou mexer um dedo contra Petronella. Acha que quero terminar como aquele federal? De jeito nenhum!

— Sim, você vai fazer isso, Leo. Porque deixei um testemunho no escritório do advogado, agora há pouco. Escrevi tudo o que sei e consegui amigos para assinar embaixo, confirmando cada palavra. Se não fizer direitinho o que lhe digo, isso vai para o Departamento de Polícia. E você estará acabado. Não só pelo jogo e pela prostituição, mas por matar um agente federal. Eu estava aqui. Vi tudo. Compreende?

— Eu não teria deixado que ele a matasse.

— Mas não fez nada para impedir que Petronella atirasse em mim. Meu filho, sim.

— É, e por falar nisso, e seu filho? Se fizer o que pretende, Gianni Petronella irá vingar-se no menino. Sabe disso, não é? O miserável não tem meias medidas.

— Meu filho está num lugar onde nem uma dúzia de sujeitos como Gianni Petronella poderia lhe fazer mal. Está seguro, Leo. Você, porém, não. A menos que fique do meu lado. Nós dois derrotaremos Petronella. E faremos isso juntos. Ou será pior. Com-binado?

Baixando a cabeça, Leo resmungou uma praga. Então, afinal, encarou-a, indagando:

— O que quer que eu faça?

— Primeiro... — Jasmine endireitou a coluna, reunindo toda a coragem. — ...quero meu emprego de volta.

Foi uma viagem longa e tensa, com paradas apenas quando absolutamente necessário. Os Brand chegaram a Chicago tendo apenas o nome do clube e algumas diretrizes que Lash escrevera para eles.

Compraram um mapa e uma lista telefônica para achar o local com mais facilidade e, pouco mais tarde, estavam lá. Estacionaram próximo ao meio-fio, em frente ao prédio de tijolos com a porta vermelha e a silhueta, em néon, de uma mulher nua. Na fachada, lia-se: The Catwalk. As vidraças estavam escuras. Não havia veículos por perto.

— Vou verificar os fundos. — E Wes saiu do carro.

Sem dizer palavra, Elliot também saiu e o acompanhou. Luke dirigiu-se para a entrada principal. Estava trancada, e ele não conseguia enxergar lá dentro por causa das persianas.

Atrás dele, Garrett murmurou:

— Deveríamos ter esperado por isso, Luke. Lugares assim não abrem até que o sol se ponha. Oito da noite, segundo diz o cartaz.

Luke rilhou os dentes para não gritar um palavrão. Droga, onde estava Jasmine?! Que estaria fazendo, aquela desmiolada? Podia estar machucada ou... coisa pior. E ele nunca saberia.

— O fundo está deserto. Nem carros, nem luzes. O bar está bem trancado — disse Elliot, quando voltou, para Ben.

— Vamos ter de esperar, Luke.

— Tem de haver um jeito de nós a encontrarmos, Ben. Vamos verificar o apartamento onde Jasmine morava. Falar com a vizinhança, rodar pelas redondezas. — Calou-se, sabendo o quanto isso seria inútil.

Nunca encontrariam Jasmine numa cidade tão grande, a não ser que ela quisesse ser encontrada. Não, pelo menos até que Jasmine voltasse ao clube. E Luke tinha certeza de que voltaria.

Garrett reuniu o grupo e levou-o de volta para a van.

Passaram o mais longo dia da vida de Luke caçando sombras, rodando de lá para cá. Nem rastro de Jasmine.

Retornaram ao clube. Para piorar as coisas, ao virar uma esquina, o pneu da van estourou.

O Catwalk estava lotado quando Jasmine subiu ao palco. Nada parecia igual ao que era antes, quando ela e Botão de Rosa costumavam dançar, pegar o dinheiro que os homens estendiam, loucos para tocá-las, e rir por dentro de como eram estúpidos.

Agora... ela se sentia enojada deles. Porque compreendera que não era por algum tipo de falha genética que o sexo masculino agia daquela maneira. Havia homens bons, fora dali. Rapazes honestos, que se preocupavam com mais coisas do que ficar olhando para o corpo de mulheres estranhas ou entregar-se às sensações, ou beber até cair. Existiam homens como Luke Brand.

Jasmine não acreditaria que isso seria possível, um mês atrás. Por isso, seu nível de tolerância com relação a àqueles clientes chegara ao limite. Eles a deixavam doente.

Porém, pusera o plano em andamento e tinha de jogar o jogo. Desse modo, começou a dançar.

O burburinho do salão ressoava-lhe nas têmporas, e Jasmine sentiu o cheiro acre de bebida, de suor e de fumaça. Aquele lugar lhe dava náuseas. Como suportara permanecer ali por tanto tempo, antes?

Foi então que avistou quem queria ver, no meio da multidão, sentado à mesa, com Leo: Gianni Pe-tronella. E uma das garotas, esperta como só ela, de nome Grace, dançava no colo dele, tal como o planejado.

Petronella estava tão distraído com o rebolado em suas coxas e aquela carne toda em seu rosto que nem mesmo notara Jasmine ainda. Grace levantou-se.

O homem ergueu os olhos e seu rosto ficou petrificado. Jasmine enviou-lhe um sorriso e viu que ele retorcia a boca, numa raiva impotente. O que poderia fazer? Atirar nela, ali, no palco? Não, o miserável teria de esperar. E, nesse momento, ela fecharia o cerco sobre ele.

Jasmine terminou seu número e deixou o palco, largando as cédulas de dólar no chão. Que a próxima dançarina fizesse bom proveito. Nos bastidores, passou por Grace.

— Conseguiu pegar?

Grace fez um gesto de assentimento e colocou o metal frio na mão de Jasmine.

— Obrigada, Grace! — Jasmine olhou para o revólver de Petronella.

— Eu também adorava Botão de Rosa, Jasmine. Você pegou o bastardo, doçura.

 

Passava das dez da noite quando os cinco Brand, cansados, famintos, irritados, entraram pelas portas daquele clube de strip-tease, no centro decadente de Chicago.

Luke precisava de um banho. Queria fazer a barba e trocar de roupa. Embora, para ser sincero, num lugar tão deplorável, pouco lhe importava que aparência tivesse. Ninguém estava olhando para ele, afinal.

Não. A atenção de todos estava em outro lugar, e Luke não podia culpá-los.

Um holofote vermelho rasgava a cortina de fumaça que enchia o salão e incidia sobre a mulher que agora entrava do palco, em meio a uma explosão de gritos, palmas e batidas de pés. Ela calçava sapatos que consistiam em pouco mais que imensos saltos e tiras que os prendiam aos dedos. As longas pernas, bem torneadas, ostentavam meias em malha de rede. Usava luvas* negras, até o cotovelo, um maio curtíssimo de lycra colante, também preto, com as cavas das pernas que pareciam subir até a cintura, um boá de plumas. No rosto, uma máscara. E isso era tudo.

Os homens berraram, assobiavam, uivaram como lobos, e a música era ensurdecedora. A moça enrolou o boá em torno do corpo como se estivesse se enroscando em um amante. Mãos se estenderam e a apalpavam, comentários indecentes foram berrados.

— Ei, garota, abaixe aqui, eu tenho o que você precisa!

— Jasmine... — murmurou Luke, tenso. Uma mão segurou-o pelo ombro.

— Calma — disse Garrett.

O palco era apenas uma plataforma pouco elevada sobre o assoalho, mais ou menos a um metro do chão. A única coisa entre aquelas formas convidativas girando no palco e os bêbados lascivos em frente era meia dúzia de leões-de-chácara espalhados por ali.

Um sujeito meteu-se no meio deles e conseguiu dar uma palmada nas nádegas de Jasmine antes de ser puxado para trás.

— Tenha calma, Luke. Agüente firme, vá devagar!

— Irei devagar. — Luke se livrou da mão de Garrett que o prendia e partiu para a frente, abrindo caminho até o palco.

— Ah, que droga! — resmungou Wes. — Isso vai ser como aquele dia em Pueblo Bonito.

— Que nada! Pelo visto, desta vez iremos parar numa cadeia. — E Elliot, junto dos demais Brand, seguiram atrás de Luke.

Ele nem prestou atenção se estava ou não sendo seguido. Abriu espaço a cotoveladas até chegar ao palco e, quando um daqueles seguranças enormes, de tamanho e corpo de um gorila, quis impedir sua passagem, deu-lhe um empurrão. O homem caiu de costas.

Luke usou o peito do grandalhão como degrau e subiu ao tablado. Um sujeito gritou, e a beleza mascarada deu alguns passos para trás quando Luke avançou sobre ela.

Alguém o agarrou por detrás, e Luke virou-se, num rodopio, gingando de lá para cá. Seu punho atingiu o queixo do camarada, e o atacante despencou no chão.

Mas Luke não era o único a ser atacado, no momento. Na verdade, a briga parecia ter se espalhado, envolvendo não apenas ele, mas os primos. E se estendera entre os clientes, que, aborrecidos por terem sido interrompidos na diversão, haviam encontrado outra forma de extravasar a bestialidade, socando-se e engalfinhando-se entre si.

Uma cadeira passou voando sobre sua cabeça, e Luke agarrou Jasmine, puxando-a para baixo, para fora de alcance. Então, ergueu-a do chão, jogou-a por sobre o ombro e cruzou o palco, em direção das cortinas.

Petronella seguiu-a até os bastidores, tal como Jasmine planejara. Veio por detrás, agarrou pelo braço e empurrou-a para a frente, passando pelo camarim e fazendo-a entrar no escritório de Leo. Era tudo o que ela queria.

— Não precisa me maltratar, Gianni — Jasmine disse. — Voltei aqui para fazer um acordo com você.

Ele fechou a porta do escritório e trancou-a.

— Você não tem nada do que eu quero.

— Como pode ter tanta certeza? — Caminhou para a escrivaninha, puxou a cadeira de Leo e sentou-se. — Olhe, se eu quisesse encrencá-lo, não acha que já teria feito isso? Só Deus sabe como fiquei louca o bastante para denunciá-lo, depois que matou minha companheira de quarto.

— Você vem comigo. — Petronella sacou o revólver.

— E se eu não for? O que fará? Atirará em mim bem aqui, num bar cheio de gente?

— Ora, que bobagem, docinho! Ninguém ouviria o disparo, com todo esse barulho.

Ela franziu a testa. Estava um barulho infernal lá fora, sem dúvida. Mais do que o normal.

— Vamos, moça. Quero as coisas limpas. Venha para o carro. Se eu matar mais uma pessoa neste escritório, Leo terá um ataque do coração.

— Isso não é justo, Gianni. Não foi culpa minha se entrei nesta espelunca, como fiz, bem a tempo de ver você metendo uma bala na cabeça daquele sujeito.

— Hora errada, azar o seu. A vida nem sempre é justa.

— Ouvi dizer que o camarada era algum tipo de policial.

— Agente federal. Um tremendo dedo-duro.

— Então, é isso... Você teve de matá-lo.

— Não tinha escolha, boneca. Não foi nada pessoal.

Jasmine assentiu, passando a língua pelos lábios. Então, olhou para o telefone.

— Pegou toda a conversa?

— Cada palavra — disse uma voz do outro lado da linha.

Petronella enrugou o rosto.

— O quê? O que está... — Ergueu a arma, brandindo-a no ar. — O que está tentando fazer?!

Jasmine deu de ombros.

— Ora, Gianni, estou apenas admirando as maravilhas do sistema viva-voz. Deixa as mãos livres para acionar o gravador, sabia? Se atirar em mim agora, teremos esse assassinato em fita, ao vivo, o que eqüivale a uma confissão.

Bufando, Petronella avançou e agarrou o fone.

— Quem é? Onde você está?

Houve um clique e, em seguida, o sinal de linha. Antes que ele pudesse racionar, Jasmine teclou vários números, ao acaso, antes que Petronella lhe arrancasse o aparelho e o jogasse longe. Se ele quisesse usar a tecla de rediscagem, isso seria inútil.

— Quem quer que fosse, está a caminho daqui com a polícia, agora mesmo.

Para a própria surpresa de Jasmine, uma sirene distante completou a frase. Petronella recuou.

— Acha que isso irá salvá-la, garota? Acha mesmo? Eu a encontrarei, sua prostituta asquerosa! E a seu filho, também!

— Não, se estiver na cadeira.

Petronella correu para a porta, destrancou-a e abriu-a, de supetão. Uma lufada de ar viciado penetrou no escritório, num ruído ensurdecedor. Devia estar acontecendo um tumulto no bar, pensou Jasmine.

Petronella saiu em disparada pelo corredor e para fora, pela porta dos fundos. Jasmine seguiu atrás dele, mas estacou, ao ouvir uma voz conhecida.

— Basta! Não ligo a mínima para suas justificativas, sejam quais forem, não a quero dançando para esse tipo de homem de novo! Talvez isso possa parecer antiquado, e talvez não queira que lhe digam o que fazer, não importa. — Luke avançava, com uma dançarina pendurada em seu ombro. Parou, colocou-a no chão e suavizou o tom: — Bem, ótimo, então, não vou lhe dar ordens. Eu lhe peço. Por favor, não suba naquele palco outra vez. Isso me revira as entranhas.

O barulho de ossos quebrados e copos estourando veio do balcão do bar. O ruído do carro de Petronella queimando os pneus e saindo em disparada veio do fundo.

Jasmine deu um sorriso torto, sentindo um nó na garganta. A dançarina não estava tão tocada pela declaração emocionada de Luke, contudo. Avançou e pregou-lhe uma bofetada na face.

Luke recuou, piscando de susto.

— O que foi isso?!

— Talvez ela não goste de ser maltratada por estranhos!

Fora Jasmine quem falara. E quem falara não fora a mulher seminua que ele acabara de arrancar do palco.

Luke virou a cabeça devagar e a viu, parada ali, parecendo-se muito menos com a mulher por quem ele se apaixonara e muito mais com aquela uma que ele vira pela primeira vez, à soleira da porta de casa, em Quinn. Cabelos alvoroçados, camadas de maquiagem, roupas colantes.

— Devia estar brincando comigo, primo — disse Elliot, atrás dele.

Luke voltou-se e se deparou com Elliot, Garrett, Ben e Wes saindo por entre as cortinas e entrando na coxia. Cada um deles esfregava uma parte do corpo. A confusão, no salão, pareceu amainar.

Luke engoliu em seco e olhou para a jovem a sua frente. Esticando a mão, tirou-lhe a máscara. Ela ora linda, bem nova. E estava furiosa como uma gata selvagem.

— Desculpe-me...

Jasmine cruzou os braços e o encarou.

— O que pensa que está fazendo, Luke?

— Eu... achei que ela era você! — exclamou, na defensiva.

— Oh! E se ela fosse eu, estaria tudo bem? Droga, Luke, eu tenho um plano!

— Qual? Dançar ali, seminua, para que aqueles desclassificados pudessem ter uma boa visão de seu corpo?

A jovem dançarina olhou de um para outro, indignada, e recuou um passo.

— Vocês dois são loucos — resmungou.

— Isso mesmo. É muito jovem para fazer strip-tease, garota. Leve esse traseiro para casa antes que o xerife ali a jogue dentro de uma cela! — Luke desviou-se de Jasmine tempo suficiente para enviar à garota um olhar que a fez sair correndo para o camarim e bater a porta atrás de si.

Então, focalizou aquela que era o motivo de ele estar ali. A razão de estar... perdido. Praguejou baixinho antes de cruzar a distância entre os dois, em largas passadas. Puxou-a contra si, com força.

— Ah, como estou contente por encontrá-la viva! Jasmine suspirou, parecendo exasperada. Mas não

o empurrou. Até mesmo correspondeu ao abraço.

— Vamos lá, Luke... Graças a você, Petronella fugiu. Nós, porém, temos todas as provas contra ele, agora.

Luke deu um passo para trás, encarando-a.

— Eu explico mais tarde. Preciso apanhar uma coisa no escritório de Leo, primeiro.

Jasmine correu para a sala dos fundos. Luke seguiu-a, sem entender o que se passara antes de ele e os primos chegarem.

Viu quando Jasmine foi até uma estante, a um canto, jogou alguns livros para o lado e tirou uma pequena câmera de vídeo. Apertou um botão e, em seguida, retirou a fita. Depois, foi até a escrivaninha, abriu uma gaveta e apanhou um minigrava-dor. Pegou aquele cassete, também. Avançou e arrastou Luke pelo braço, enquanto o barulho de si-renes crescia, lá fora.

— E melhor nos esgueirarmos pelos fundos. —Jasmine conduziu Luke e os primos pelo corredor. — Tecnicamente, ainda sou procurada por assassinato.

— Espere um segundo! — Elliot bateu na porta do camarim, gritando: — Ei, venha, nós lhe daremos uma carona para fora deste buraco.

— Não irei a lugar algum com vocês, seus malucos! — berrou a dançarina.

Elliot olhava para Garrett, de sobrancelhas franzidas. Garrett meneou a cabeça.

— Detesto ser o que pega pesado, sabia? Está bem. — Tirou o distintivo do bolso e entrou no camarim.

Quando saiu, trazia a moça pelo braço. Ela parecia apavorada, mas, pelo menos, estava vestida com decência agora, com um longo xale, Luke percebeu aliviado.

— Ei, todo o mundo! Esta é Misti. É novata, aqui. Luke abriu a porta dos fundos e todos correram

para a van de Ben. Garrett sentou-se na frente, ao lado do motorista, Jasmine no meio, ao lado de Luke e, nos fundos, Misti, Elliot e Wes.

Radiopatrulhas chegavam de todos os lugares quando a van se afastou. As luzes vermelhas pis-ca-pisca iluminavam as portas abertas do bar e lançavam um efeito estroboscópico sobre os curiosos que espiavam na calçada. Vidros quebrados faisca-vam sob o cintilar intermitente.

— O que vocês todos estão fazendo aqui?!

— Ora, Jasmine, não sabe? — espantou-se Elliot. — Viemos resgatar você!

Ela revirou os olhos para o alto.

— Leo terá de fechar a casa por uma semana até consertar tudo...

— Aposto que isso provocará baixas na fortaleza moral de Chicago — ironizou Luke.

Jasmine o encarou.

— Muita gente depende desse clube para viver.

— Sim, claro. Tem até quem depende de coisas indecorosas, tudo em nome do dinheiro, Jasmine. O que não quer dizer que estejam certas.

— Então, agora, você é o quê? O arauto da moralidade?

— A coisa mais próxima disso, neste canto de Chicago.

— Como se atreve a me julgar?! Ele pestanejou, encarando-a.

— Não era o que eu estava fazendo.

— E lógico que estava!

— Não, nada disso!

— Estava! — Misti meteu-se na conversa. — E a mim, também!

— Você não precisa ser julgada. Precisa ficar de castigo e ir para a cama sem jantar.

— Isso é o que queria, hein, velhinho? — ela caçoou.

— Literalmente, menina, não de maneira figurada. E isso também serve pra você. — Luke apontou o indicador para Jasmine.

— Parem este carro e me deixem sair! — berrou Jasmine. — Dei duro minha vida inteira para me arranjar sem nenhum marmanjo me dizendo o que fazer. Não pretendo mudar agora!

— Oh, e olhe para onde isso a levou! — esbravejou Luke, falando ainda mais alto.

Jasmine ficou quieta, olhando para ele, magoada.

— Você se refere ao fato de que sou uma mãe solteira que tira a roupa para sobreviver?

A tristeza dela, tão visível em seu rosto quando disse aquelas palavras, obrigou Luke a se calar. Gaguejou, mas nada inteligível saiu de sua boca.

Num pulo, Jasmine agarrou a maçaneta e destravou a porta.

— Pare o carro, Ben, ou pularei assim mesmo.

Ben deve ter acreditado que ela o faria. Luke tinha certeza disso, porque seu primo pisou no freio. Jasmine saltou para fora.

Garrett olhou feio para Luke, e Wes empurrou-o.

— O que está esperando, paspalho?! Vá atrás dela. Daremos a volta no quarteirão até que vocês dois acabem com essa discussão.

Luke saiu atrás de Jasmine. Ela andava rápido, mas ele a alcançou logo, agarrou-a pelos ombros e fez com que se voltasse.

— Não foi isso o que eu quis dizer, sabe muito bem disso! — Luke se esforçava por falar. Imaginara fazer um pedido de desculpas e percebeu, tarde demais, que não era bem isso o que escapava de sua garganta.

— Então, o que quis dizer? Hein? — De mãos na cintura, Jasmine batia o pé, muito nervosa, na calçada esburacada. — E aí? Estou esperando!

— Que tomar decisões por conta própria colocou-a nessa situação em que está metida até o pescoço,agora. Fugindo para salvar a pele, procurada por assassinato, e a ser teimosa demais para deixar alguém ajudá-la.

— Ah, certo! Alguém como você?

— É, como eu.

— Para seu governo, Luke, eu tinha um plano traçado. Não dei a Leo outra escolha a não ser cooperar, e estava às mil maravilhas. Consegui gravar em fita Petronella admitindo tudo. Mas você apareceu e me distraiu, e ele deu o fora! Não preciso da sua ajuda, que inferno!

— Sei disso! — Então, baixou a cabeça, passando a língua pelos lábios. — Olhe, entendo que não precisa. Vim até aqui esperando ser seu herói, parecido com aquele dos contos de fada, creio. E eis que você estava se saindo muito bem, sem mim.

Luke sacudiu os ombros, desapontado.

— É algo desconcertante...

Jasmine pareceu amolecer. Um pouquinho só.

— Você... E verdade? Veio me resgatar? Como Elliot disse?

— Sim, é isso mesmo.

— Ei, senhor!

Luke fez um gesto, sem se voltar para quem lhe falava.

— Dê o fora, estou ocupado! Jasmine, eu tinha as melhores intenções, juro. Estava tentando salvar sua vida quando marchei para cima daquele palco do jeito que fiz.

Ela pensou por um instante, fez beicinho, cruzando os braços em torno do peito.

— De jeito nenhum, Luke. Se quer ser honesto comigo, faça da maneira certa. Você ficou bravo porque achou que era eu que estava chacoalhando meu traseiro na frente de estranhos. Admita. Não pensou nem por um instante em minha segurança, naquele momento. Estava cheio de ciúme e todo possessivo, como algum tipo de homem pré-histórico, controlador e barbudo.

— Senhor! — disse a voz atrás dele, de novo.

— Que droga, não vê que estou no meio de uma conversa, aqui?! — Mas Luke se voltou um pouco, dessa vez.

Um garoto de pé, atrás dele, parecia estar vestido de farrapos. Trazia uma navalha na mão.

— Dê-me a carteira e não sairá machucado. Jasmine engoliu em seco.

— Entregue a ele, Luke.

— Oh, pare de berrar! — disse Luke. — Está bem, aqui está a carteira.

Esticou a mão e atingiu o rosto do menino com um golpe duro. O nariz dele estalou, e seu lábio se abriu, espirrando sangue.

O menino amontou-se no chão. Luke abaixou-se e pegou a navalha, jogando-a longe, por cima de uma cerca. Voltou-se para Jasmine.

— Talvez você esteja com a razão e eu tenha saído da linha. Pode ser que tenha me tirado do sério vê-la... ou pensar ter visto você dançando para todos aqueles babões. — Baixou a cabeça. — Se isso me torna um brutamontes, então, sou culpado.

Jasmine o encarava, de olhos arregalados, soltando faíscas. Então, desviou-os para o garoto, no chão, atrás dele. Luke continuou a fitá-la. Ouviu o barulho da van de Ben dando a volta no quarteirão. Reconhecera o ruído do motor.

— Vamos, por favor, venha comigo a algum lugar onde possamos conversar. Por favor?

Pestanejando, Jasmine concordou. A van parou, e eles se desviaram do garoto, que tentava ficar de pé. Luke segurou o braço de Jasmine com uma das mãos e abriu a porta com a outra.

Garrett apontou para o pequeno, que saía cambaleando, segurando o nariz ensangüentado.

— Problemas?

— Nada de importante.

— Ora, ora, se Luke vai pegar o pessoal desta cidade a socos, será que podemos arranjar alguma coisa para comer em algum lugar, antes de irmos para casa? — Elliot arqueou uma sobrancelha. — Meu estômago está colado em minhas costelas.

Jasmine suspirou, baixando os olhos.

— Não posso voltar com vocês, camaradas. Não, até terminar o que vim fazer. — Ergueu a cabeça e deparou-se com Luke a observá-la. — E não se atreva a me dizer que não posso. Aquele sujeito continua à solta. Ainda é uma ameaça para meu filho, e não irei a lugar nenhum até conseguir que ele seja preso.

Luke cerrou os dentes, decidindo que era melhor não responder. Soltando um suspiro, retrucou:

— Vamos pegar a estrada, Ben. A melhor parada de caminhoneiros fica a quinze quilômetros daqui.

Comeremos uma bela refeição por lá e decidiremos o que fazer em seguida.

Baixinho, ouviu-se o som de um pigarrear. Todos se voltaram para Misti, de quem Luke se esquecera, e que ainda continuava no carro.

— E eu?

— Você voltará para casa, com sua família.

— De jeito nenhum, xerife!

— Por quê? Eles abusam de você? — Garrett encarou-a.

— Não. E que não me dou bem com minha mãe. Ela não me entende... — A garota bufou.

— Que absurdo, menina! Decerto, poucos anos atrás, ela era você. Confie em mim. Agora, diga-me onde mora, para que não precise levá-la a algum abrigo para menores.

Fazendo muxoxo, e com evidente raiva, ainda que um tanto aliviada, Misti respondeu:

— Cedar Lake, Estado de Indiana.

Elliot ergueu as mãos para o céu e correu para apanhar o mapa, no banco traseiro.

 

Duas horas mais tarde, todos estavam sentados numa ampla sala reservada, em um posto de parada de caminhões, três de cada lado da mesa de fórmica.

Jasmine fizera questão de se espremer entre Garrett e Elliot, em vez de ocupar o lugar ao lado de Luke. Este, comprimido entre Ben e Wes, tinha aparência de quem se julgava no lugar errado.

Na verdade, Jasmine fazia força para continuar a se sentir zangada com Luke, por ele tê-la perseguido até ali, por dizer-lhe o que fazer, por deixar Baxter quando prometera tomar conta do menino.

E, mais ainda, por agir de forma tão crítica com relação a sua antiga carreira. Sim, senhor, doía que ele pensasse tão mal dela. Doía muitíssimo, mais do que deveria.

E, contudo... estava emocionada, a despeito de si mesma, por ele ter ido até ali, atrás dela, e querido bancar seu herói.                                                                

Antes, tinham deixado Misti em casa. Jasmine tentara com todas as forças não ser afetada por aquela cena. Uma mulher de meia-idade, num roupão velho, abrira a porta para ver quem batia. Quando viu Misti sair da van, prorrompera em lágrimas e descera correndo os degraus, abraçando-a com força e agradecendo a Jesus em voz alta. Ao olhar ao redor, Jasmine vira os Brand, homens grandes e rudes, muito tocados com aquela cena. Todos, sem exceção, abalados e tentando esconder a emoção.

Bem pôde observar dez olhos úmidos e cinco sorrisos sem graça naqueles rostos. E, pelo que conhecia dos homens, percebeu que estava apenas começando a compreender aqueles ali.

Ficou a observá-los, agora, a sorrir com gentileza para a garçonete assoberbada de serviço, enquanto pediam comida suficiente para alimentar um time inteiro de futebol. Sabia que não estavam flertando com a moça. Eram assim, autênticos. Isso era assustador.

Jasmine jamais gostara de homens. O pai de Baxter tivera de se esforçar muito para ganhar-lhe a confiança. Davam-se bem na cama, mas ele sumira quando ela dissera que estava grávida. Era jovem ainda e julgara estar apaixonada. Ficara de coração partido.

Deixara de confiar no sexo oposto deste então e nunca acreditara que pudesse mudar. Aqueles rapazes, entretanto, não lhe deixavam alternativa. A despeito de tudo, Jasmine se sentia a salvo com eles. Compreendia que se preocupavam com ela. Como se fosse alguém importante, alguém que valia a pena proteger.

Suspirando, reclinou-se para a frente.

— Então, onde está meu filho, Luke? Você me prometeu que tomaria conta dele, e, no entanto, veio para cá, e eu não estou vendo Baxter em lugar nenhum.

Luke encarou-a por sobre a mesa.

— Bax estava muito bem depois de superar a crise incontrolável de choro que teve ao acordar e descobrir que sua mãe tinha ido embora.

Ela estremeceu. A pancada atingira o alvo.

— Parti para poder resolver os problemas e descomplicar a vida dele.

— Bax sabe disso. Mas acha que essa atitude torna tudo mais fácil?

Jasmine baixou os cílios.

— Não queria magoá-lo, Luke. Foi o único jeito que vi de...

— Foi o único jeito que viu, porque você enxerga numa direção só, como um burro de viseiras.

Ela ergueu o queixo, pronta para revidar, mas Luke balançou a cabeça e continuou:

— Baxter ficará com Chelsea e Bubba, até voltarmos.

— E você acredita que Chelsea e Bubba serão capazes de protegê-lo se Gianni Petronella descobrir onde ele está?

— Não. Não creio. É por isso que Lash e Jessi estão lá, também, junto com Adam e Kirsten, Taylor, Penny e Esmeralda... a família inteira está cercando fileiras em torno de Baxter. E não só os Brand de Quinn, tampouco.

Franzindo a testa, Jasmine desviou-se. Luke seguiu avante:

— Por ora, imagino que Marcus e Casey já tenham chegado, também. Tinham apenas duas horas de viagem pela frente. Sara e Jake deverão estar lá antes de a noite cair. É uma longa distância desde Gator's Bayou, na Louisiana.

— Não entendo...

— É porque nunca teve uma família a seu lado, Jasmine. É assim que gente unida se comporta, fique sabendo. Num esforço conjunto. Todos se preocupam com cada um dos membros.

— Baxter não é parte de sua família. É meu filho. E minha família.

Por um longo e tenso instante, Luke a encarou, e Jasmine percebeu que suas palavras o haviam aborrecido, de alguma forma. Por que e como, não saberia dizer. Não fingiu compreender e disse a si mesma que nem ia tentar.

Porém, sabia que era mentira. Por que tinha de se colocar na defensiva naquilo que se referia a Baxter? Ela sabia que Luke adorava o menino.

— Olhe, não tente dizer isso a Bubba. — A entonação de Garrett fora suavizada pelo sorriso, e quebrou a tensão crescente. — Meu menino acha mesmo que Baxter é parte da família.

— Todos nós — emendou Wes. — Uma família não é feita apenas pelos laços de sangue, Jasmine. O amor é o laço verdadeiro.

Ben assentiu.

— Botão de Rosa era da família para você, não era?

— Botão de Rosa era minha melhor amiga. — Jasmine fechou os olhos. — Era como uma irmã para mim, e daria o braço direito por Baxter.

— Para sua informação, Jasmine — disse Elliot —, qualquer um de nós também faria isso.

Ela se voltou para Elliot, mas ele já olhava para longe, focalizando a garçonete que caminhava para a mesa com uma travessa pesada.

— Ah, aí vem a comida! Não era sem tempo! — Elliot levantou-se, pegou a travessa das mãos da jovem, e, então, ficou parado enquanto ela pegava os pratos de comida e os colocava sobre a mesa.

E, nesse entre tempo, ela mostrava no rosto um ar de pasmada gratidão. Quando a travessa ficou vazia e ela a tomou de volta, Elliot disse:

— Obrigado, moça. — E sentou-se em seu lugar. A mulher sorriu.

— E você quem agradece, depois de ter segurado o peso para mim? Eu até que lhe devo uma gorjeta. — Com uma piscadela amigável, ela se afastou.

Jasmine olhou ao redor. Alguns camaradas de uma outra mesa encaravam a garçonete e batiam com os dedos nas canecas vazias de café, enquanto outro grupo acenava impaciente para atrair a atenção dela. Os Brand eram diferentes. Nenhuma dúvida quanto a isso.Fez-se silêncio, pois todos atacavam seus pratos. Jasmine mastigou seu hambúrguer e as batatas fritas sem nem mesmo sentir o gosto, imaginando como iria encontrar Gianni Petronella.

Luke não comia com tanto apetite como os demais, ela notou. Espetava as porções com o garfo, a um pequeno bocado, mas não parecia sentir prazer nisso. A maior parte do tempo, bebeu café. Muito café. Vez ou outra seus olhares se cruzavam, e parecia que ele tinha algo a dizer, mas nada falava. Só olhava para longe, até que, por fim, pediu licença e levantou-se.

Dez minutos mais tarde, ele estava de volta. Jogou duas chaves sobre a mesa, cada uma com um número estampado numa rodela de plástico.

— Reservei quartos para passarmos a noite. Jasmine levou o guardanapo à boca e consultou o relógio.

— Aquele bar vai fechar dentro de uma hora, Jasmine. Além disso, Petronella não voltará lá. Está acordada desde... — Luke viu as horas e fez o cálculo. — Droga, eu estou acordado faz vinte e quatro horas! Você, por mais tempo ainda. Precisamos des-cansar para pensar em nosso próximo passo. Fique aqui. Está segura conosco, sabe bem disso.

Jasmine arqueou as sobrancelhas, quase a ponto de fazer algum comentário do tipo: "Que sujeitinho idiota você é!". Mas, em vez disso, lembrou-se do garoto de rua com a navalha e da maneira como Luke reagira. Nunca vira nada parecido. Ele ficara tão intimidado pelo garoto como ficaria por um mosquito. Nem uma ponta de medo. E Jasmine se sentira segura ao lado dele.

O que não deixava de ser uma sensação esquisita. Uma que não lembrava de ter sentido antes. Isso a deixava confusa, a ponto de impedi-la de fazer um comentário irônico. Ficou sentada até que, por fim, conseguiu dizer:

— Vamos nos amontoar em dois quartos? Luke balançou a cabeça e chacoalhou uma terceira chave na mão.

— Garrett e Ben ficarão em um quarto. Wes e Elliot, no outro. Eu e você no terceiro.

Jasmine franziu a testa no mesmo instante, e sua reação foi automática:

— Se pensa que só porque...

— Você ficou sob o mesmo teto que eu e por um período longo o bastante para saber que pode confiar em mim. Camas separadas, e nenhum outro motivo para isso além do mais óbvio: não poria minha mão no fogo que não vá fugir no minuto em que eu virar as costas. Portanto, dormiremos juntos. Ponto final.

Jasmine pôs-se de pé e apontou o dedo para o peito de Luke, com aquela unha longa e afiada re-luzindo.

— Homem nenhum me diz o que fazer, rapaz. Você vai ficar no quarto com seus primos. Eu ficarei sozinha no outro. — Arrancou-lhe a chave da mão tão depressa que ele não teve tempo de impedir.

— Que coisa, Jasmine...

Ela saiu caminhando duro e deixou o restaurante pela porta da frente, rumando para os fundos, seguindo as setas de néon que indicavam o motel. Tinha plena certeza de que Luke a seguia, nos calcanhares, e, por isso, continuou a andar de propósito com o nariz para o alto e com os saltos numa cadência ritmada batendo no calçamento.

Três sujeitos estavam parados a um canto, conversando. O ar cheirava a óleo diesel. Caminhoneiros, decerto. Inofensivos, quem sabe.

Ficaram a olhar enquanto ela passava, e Jasmine imaginou o que deviam estar pensando. Fitando ao redor, notou as carretas enormes estacionadas em formação, uma fila sem fim. Aqui e ali, mulheres vestidas em trajes sumários subiam nas laterais dos veículos para bater nas portas e fazer suas ofertas.

— Quer limpar seu caminhão, nenê? Vinte pratas.

Jasmine se voltou para o grupo de rapazes. Todos continuavam a observá-la. A saia curta, os cabelos avolumados e os saltos imensos sem dúvida faziam-na parecer-se como uma daquelas prostitutas que costumavam rondar por lugares como aquele. A maioria dos freqüentadores do The Catwalk pensava coisa semelhante quando ela dançava, naquele palco. Examinavam-na como se fosse um pedaço de carne, avaliando o valor e o preço.

Ninguém a olhara daquele jeito em Quinn, no Texas. Nem mesmo quando chegara, com a saia curta e os sapatos de salto. Luke nunca a fitara daquela maneira. Nem quando dançara para ele.

Os homens se aproximavam, agora, sorrindo e falando baixo uns com os outros, enquanto cruzavam o pátio, em direção a ela. Onde estava aquele caubói abelhudo, quando mais precisava dele, afinal?

Por Deus, Luke a seguira como um cão devotado quando ela não o quisera por perto e, então, sumira quando poderia, na realidade, precisar de seu auxílio. Esperava dele que a seguisse para fora do restaurante. Homens!

— Ei, doçura? — disse um dos caminhoneiros e, então, parou de falar, ficou parado, piscando duas vezes e mudando de atitude. — Ah... eu... bem... estava procurando o caminho para o banheiro.

Jasmine franziu a testa, imaginando o que podia ter feito mudar a atitude do camarada. Encarou o grupo, a menos de um metro dela, agora. Ergueu a mão, apontou o caminho, e continuou a seguir para o motel.

Os rapazes deviam estar precisando usar o banheiro com urgência, porque, quando Jasmine olhou para trás, haviam desaparecido.

Antes assim. Mas que era estranho, era...

Suspirando, procurou pela porta com o número que combinasse com a rodela na chave que tirara das mãos de Luke. Encontrou-a e abriu-a, entrando.

Quarto simples. Camas geminadas, tevê, banheiro, estampas pregadas nas paredes com estranhos padrões geométricos em cores primárias.

Jasmine fechou a porta atrás de si, trancou-a à chave e atirou-se no colchão. Era tarde, passava da uma da manhã, e ela estava cansada. Dirigira por um longo caminho, sem dormir, e chegara tão perto de alcançar seu objetivo!

Agora, sentia-se frustrada, arrebentada, exausta. Porém, não podia cair no sono. Ainda não. Imaginou que devia dar aos Brand uma hora e, depois, escapulir. Iria até a casa de Leo e o acordaria, e o forcaria a dizer onde aquele tal de Gianni morava. Em seguida, iria até a casa dele.

Estendeu a mão para a bolsa e tocou a arma que havia dentro. Tirara as balas do esconderijo antes de partir. A arma estava carregada, portanto, e era mortal. Ou Gianni esperaria com ela pela chegada da polícia para prendê-lo, ou Jasmine o mataria. Simples assim.

Um arrepio de desconforto percorreu-lhe a espinha, quando pensou em matar um homem a sangue frio. Mas logo se lembrou de Botão de Rosa, assassinada em seu próprio apartamento. Rememorou aquele homem, voltando-se e atirando em Baxter. Atirara numa criança com intenção verdadeira de matá-la. E, ao se lembrar de tudo isso, Jasmine julgou que não teria o menor remorso em puxar o gatilho quando chegasse a hora.

Além do mais, era o único jeito. Ou o facínora ia para a prisão ou caía morto.

Jasmine tomou um banho frio para manter-se acordada e, em seguida, tirou algumas roupas mais adequadas do fundo da mochila. Jeans, sapatos baixos, uma blusa de abotoar de brim, sem mangas. Puxou os cabelos, prendendo-os num rabo-de-cavalo, para que ficassem fora do rosto. Não queria que caíssem em seus olhos ou bloqueassem sua visão. Não desejava dar uma mãozinha ao inimigo.

Ponderou sobre lixar as unhas compridas e desistiu. Puxar o gatilho, com elas ou sem elas, não seria problema. Além do mais, as unhas tinham a vantagem adicional de serem armas por si mesmas. Cada dedo era uma pequena lâmina.

Enfim, estava pronta. Colocou o revólver na bolsa e enfiou as peças que não queria nem precisava mais dentro do lixo, até mesmo os sapatos. Girando a chave, abriu a porta e olhou para os dois lados. Saiu e tropeçou numa enorme trouxa que estava ao lado da porta.

Quase caiu de cabeça na calçada. De repente, a trouxa sentou-se e agarrou-a pela cintura, puxando-a para baixo.

— Ei, Jasmine. Vai sair para dar o passeio da meia-noite? — perguntou Luke, com um sorriso inocente.

Ela mal podia crer. Que homem petulante!

— O que está fazendo acampado do lado de fora de meu quarto?!

— Você não iria me deixar partilhá-lo... Foi o único jeito que encontrei de ter certeza de que estaria a salvo.

— A salvo de quê?

— De Leo e daquele sujeito, Gianni. Ou melhor, suponha que tenham nos seguido. Ou ido até Misti, de alguma forma, e feito a moça contar para onde tínhamos idp, hein? Não pretendo deixar que entrem e atirem em você do jeito que fizeram com sua amiga Botão de Rosa, pode apostar.

Jasmine ia falar, mas, então, calou-se. Havia um travesseiro debaixo da cabeça dele, e um lençol que o cobria, em parte. E ela estava no colo dele, as mão de Luke em sua cintura.    

A maneira como ele a olhava era de tal como ninguém nunca a olhara, antes. Intensa, preocupada, apaixonada. E Jasmine sentiu um aperto no estômago, uma coisa engraçada. Por isso, em vez de xingá-lo, flagrou-se dizendo:

— Estava dormindo mal acomodado aqui fora, na calçada, esperando que os assassinos aparecessem?

— Eu não chamaria isso de dormir. Ela baixou os olhos, comovida.

— Então, aonde estava indo, Jasmine?

— Encontrar Gianni. — Respirou fundo.

— O quê? E depois?

— Entregá-lo à polícia ou matá-lo, acho.

— Faça isso e nem mesmo Garrett irá conseguir livrá-la da cadeia.

— Talvez não. Mas, pelo menos, meu filho não iria ficar com medo de novo.

Luke a estudou, bem dentro dos olhos, por um longo instante.

— Iria ficar com o coração partido, em vez disso. Pelo resto da vida, Bax sofreria pela mãe que perdeu.

Sem ter argumentos, ela nem tentou discutir.

— Pelo menos, ele teria uma vida.

— Bax tem uma vida agora, Jasmine. E é muito boa. Você começou uma nova etapa no Texas. Tem um bom emprego a sua espera lá, um trabalho do qual você e Bax podem, ambos, se orgulhar. Tem amigos, gente que se importa com seu bem-estar, e... — A voz de Luke falhou.

— E o quê? Você? Vai dizer que tenho você? Quando nós dois sabemos que sou a coisa mais distante daquilo que deseja? Lembro que me falou que não estava pronto para...

— Jasmine, será que pode deixar nós dois fora disso por um minuto? Estou falando de você e de Baxter, e de Quinn, no Texas. De você dando aulas de dança no Dojô de Ben. Refiro-me a um lugar com bastante ar fresco e sol para Bax desfrutar por muitos anos. Por que mudar o foco das coisas para você e para mim?

— E você quem está acampado na soleira de minha porta, me arrastando para fora dos palcos e agindo como se fosse meu dono ou algo assim!

— Não arrastei você para longe de nenhum palco.

— Mas pensou que era eu.

— Que droga, Jasmine, o que quer de mim?!

— Quero que se afaste — retrucou, erguendo as sobrancelhas. — Que me deixe sozinha. Que volte para o Texas e me esqueça.

Luke a encarou fixo e, por um breve instante, Jasmine ficou apavorada de que ele pudesse dizer "Está bem" e se fosse para sempre.

Na realidade, prendeu a respiração, esperando que a qualquer momento Luke dissesse adeus. Ele, porém, não o fez. Ao contrário, murmurou:

— Sinto muito, Jasmine, mas não posso fazer isso. Ela quase deixou escapar um suspiro de alívio.

Será que isso estava estampado em seu rosto? Por Deus, esperava que não! Detestava sentir-se daquele modo. Nenhum homem a colocara nesse grau de desvantagem. Se Luke soubesse, iria forçar a mão. ' K não podia permitir, de jeito nenhum.

Ficou de pé e entrou no quarto, mantendo a porta aberta.                                  

— Acho que, já que insiste em ser minha sombra, pode muito bem entrar.

Assim fez ele, olhando ao redor, prestando atenção a cada detalhe do aposento, observando a cesta de lixo, onde as roupas que ela usara antes caíam pelas beiradas e o salto de um dos sapatos apontava, como o talo de uma planta.

Seus lábios se entortaram um pouco, num sorriso. Nada mais que isso, nenhuma reação, nenhum comentário.

Luke caminhou até a cama da esquerda, puxou as cobertas e tirou a jaqueta, sem desfitar Jasmine. Ela procurou romper aquele estranho elo e afastou-se.

— Não quer tomar um banho antes de se deitar?

— E dar-lhe tempo para que escape daqui? De jeito nenhum! Vou esperar até amanhecer, obrigado.

— E o que me impede de dar o fora de... Luke estava tirando a camisa. Pendurou-a no es-

paldar de uma cadeira e, depois, bem devagar, voltou-se e surpreendeu-a a fitá-lo.

Jasmine não pudera evitar. Luke ficava melhor sem a roupa do que pudera imaginar. Sim, já haviam feito amor, mas fora tão rápido...

Luke tinha pele firme, macia, bronzeada. Jasmine sentiu as palmas queimarem e se umedecerem ao se lembrar da sensação daquela epiderme contra a dela. Nunca tivera uma relação com nenhum outro homem como tivera com Luke, tão intensa, tão profunda. Como se não fosse só seu corpo realizando um ato sexual. Era como se seu ser por inteiro tivesse feito amor com ele. E a lembrança disso não parava de assombrá-la. Provocá-la. Até mesmo naquele instante.

Desviou o olhar, mais que depressa.

— Deixe para lá.

— Quem iria impedi-la de fugir de manhã? — ele completou. — Meus primos, é lógico.

O ruído de tecido raspando na pele e um rápido olhar de esguelha disseram a ela que Luke tirava a calça. Jasmine esforçou-se para parar de olhar, tentando focalizar do outro lado do quarto.

Mas, para seu desespero, havia um grande espelho na penteadeira, que reproduzia aquele corpo só de cueca, que se enfiava na cama e puxava as cobertas, colocando a cabeça no travesseiro. Então, Luke ergueu um pouco o pescoço, viu o reflexo dos olhos dela e deu-lhe uma piscada.

— Boa noite, Jasmine.

Ela bufou de raiva, fechando os punhos, e caminhou até o outro leito.

Luke era cruel. Sabia como Jasmine estava se sentindo e queria torturá-la. Fazê-la se retorcer de desejo.

— Isso não é justo! — protestou, puxando as cobertas.

— O que, Jasmine?

— Você... aparecer por aqui e ficar mandando em mim... me impedindo de fazer aquilo que vim fazer.

— Jasmine, pelo amor de Deus! Vim aqui para evitar que fosse assassinada. E para resolver tudo de uma vez por todas.

— Que ótimo! Isso é melhor que meu plano, que era de matar e não de consertar as coisas. Graças aos céus que você chegou!

Ela parou aos pés da cama, de costas para Luke, e abriu a calça, tirando o jeans, e ficando só de blusa. E não conseguiu evitar. Deu uma espiada no espelho para ver para onde Luke olhava.

Óbvio, ele fitava suas pernas, suas coxas, e parecia alguém que tivesse levado uma pancada na cabeça. Ótimo!

Jasmine enfiou-se no leito, cobrindo-se até o queixo. Tirou a blusa e o sutiã e jogou as peças no assoalho.

Luke a fitava com expressão sofrida.

— O que foi? Não posso dormir com essas coisas! E o que tenho para usar amanhã.

Luke assentiu, com um gesto.

— Então, qual era esse seu plano, afinal? Quero dizer, além da parte brilhante de encontrar Gianni e matá-lo a sangue frio, o que iria fazer em seguida?

— Não pensei nisso.

— Nem mesmo lhe ocorreu, não é?

— Como assim?

— Raciocine, mulher! Primeiro, você foge desse sujeito; depois, volta sem mais nem menos e vai atrás dele. O que pretende?

— Eu... mudei de idéia, é só.

— Mudou de idéia?! Primeiro, estava apavorada, se escondendo. Então, em seguida, está caçando o homem, pronta para atirar. E me diz que só mudou de idéia?

— Por que é assim tão difícil de acreditar?

— Perdeu alguns minutos desenvolvendo sua decisão ou apenas agiu por impulso, fazendo o que lhe deu na cabeça?

— Claro que pensei, e muito! Por Deus, Luke, sabe o quanto foi duro para mim deixar Baxter? Voltar aqui e encarar um homem que tenho certeza de que me daria um tiro no momento em que me visse?

— Então, por quê?

— Por Baxter. Ele... meu filho quer ficar em Quinn. E quero que meu menino tenha aquilo que deseja.

Luke ficou em silêncio por um longo instante.

— E você, Jasmine? O que quer?

— E tarde demais para pensar no que quero. — Enrodilhou-se na cama e fechou os olhos. — Vamos dormir, Luke.

Ele se calou.

Jasmine continuou de olhos fechados, mas a pergunta continuou a perturbá-la, indo e vindo em sua mente. O que queria?

Aquilo a corroeu por dentro até que as lágrimas apontaram. E, quando escorreram, deslizaram quietas, com muita suavidade.

Mesmo assim, Luke percebeu. Um segundo mais tarde, o corpo quente dele envolvia o dela, por detrás. Seus braços a enlaçaram, com carinho. Seu hálito aquecia-lhe a orelha. E ele disse:

— Está tudo bem, Jasmine. Desabafe. Fale comigo. Não tem ninguém aqui. Ninguém precisa saber. Só fale comigo. Diga-me o que deseja para você, o que acha que é tarde para ter.

Tudo veio para fora, num ímpeto, em meio a soluços e pranto que ela não pretendia verter. Muito menos na frente de um homem.

Adoraria ter tido uma mãe, não a mulher alcoolizada e sem amor, que passava as noites nos braços de qualquer um que pudesse pagar por seus favores. A mãe com a qual sonhara. Que a amasse. Que a ajudasse e a embalasse, que lhe penteasse os cabelos e contasse histórias, na hora de dormir.

E um pai. Não aquele que espancara sua mãe uma noite e sumira sem deixar rastro. Mas aquele que a carregasse pela casa nos ombros, e a levasse para acampar e para fazer piqueniques. Queria uma infância. Não aquela que tivera, obrigada a caminhar pé ante pé pelo corredor, de manhã, para não acordar a mãe embriagada e qualquer estranho que estivesse em sua cama. Mas essa infância feliz só existia nos sonhos.

Luke a apertou contra si. E ficou a escutá-la, acariciando-lhe os cabelos, até que o desabafo descontrolado pareceu se acalmar. Jasmine relaxou junto dele. E murmurou:

— Mais do que tudo na vida, quero muito que Baxter possa ter o que não tive. Todas as coisas que me foram negadas. Essa infância feliz, encantada. Um lar. Uma família.

Mordeu o lábio e respirou fundo.

— E o que tenho para dar a ele? Sou uma mãe que tira as roupas por dinheiro. Na mira de um assassino brutal. Só posso lhe proporcionar mais medo e trauma do que minha mãe imbecil jamais me deu, até nos piores momentos. E, por mais que esteja determinada a ser diferente... Luke, o que posso oferecer a meu precioso menino?!

— Jasmine, você entendeu tudo errado! Muito errado, meu bem...

Com toda a gentileza, ele a fez rolar de costas. Jasmine tinha o peito nu, e os braços de Luke a envolveram, segurando-a com ternura, e seus corpos se tocaram.

Ele tomou-a pelo queixo e fez com que o encarasse.

— Há uma grande diferença, e está deixando de ver isso. Baxter sabe que você o adora. Não tem a menor dúvida de que morreria por ele sem pestanejar. Compreende que, quando você partiu, veio para cá para tentar protegê-lo. E entende que sempre esteve ao lado dele, não importa de que maneira, porque o ama mais que tudo neste mundo. Seu garoto sabe disso, Jasmine.

As lágrimas de Jasmine molhavam o peito de Luke. Ele pareceu não se importar.

— Acha que Bax sabe mesmo, Luke?

— Ele me contou como você jogou alguma coisa no atirador, no dia do assassinato. Disse que fez isso para que o homem atirasse em você, e não nele. Bax é um menino brilhante, Jasmine. Inteligente demais para não saber o que estava acontecendo ali. Prefere ficar com você, fugindo ou não, do que em algum lar perfeito de cercas brancas, sem tê-la por perto.

Jasmine o fitou, os olhos marejados.

— Mas quero dar isso a ele. O lar, as cercas brancas...

— E dará. Pode apostar. Vai ver. Está quase lá. Há apenas esse último problema que precisamos deixar para trás e, então, tudo se encaixará no devido lugar. Jasmine, não acha que, quem sabe, isso tenha acontecido por alguma razão? Já imaginou que talvez tenha sido conduzida para Quinn porque lá fosse o local destinado a você e Baxter?

— Não sei. Seu primo, Wes, comentou alguma coisa muito parecida. Talvez seja verdade.

— E é. — Luke cerrou as pálpebras. — Pode estar certa disso. O trabalho, Ben e Penny decidindo contratar uma professora de dança logo quando você chegou... Todas as peças se encaixam como se fosse para ser assim, Jasmine.

— Talvez.

— Do que tem medo? — ele quis saber.

— De que seja um sonho. Como aqueles que eu tinha em criança. São como bolhas douradas de sabão que brilham, piscam e flutuam diante de seus olhos, e parecem reais. Tão lindas, tão perfeitas! Mas, no momento em que estendo a mão para tocá-las, estouram, sem deixar vestígios. Nada além da ilusão. Dói quando isso acontece, Luke. Não quero me machucar com isso, de novo. E não admitirei que Baxter sofra.

Ele a abraçou ainda mais forte e beijou-a na testa.

— Se é assim, não olhe para as bolhas de sabão. Olhe para além do sonho, Jasmine, fixe no que é real. Quinn é real. Os Brand são de carne e osso e adoram você e Baxter. A oferta de trabalho de Ben e Penny é verdadeira. Pode começar vida nova em Quinn. Isso é realidade. Não é uma fantasia. Está a seu alcance. E não se preocupe com o resto. Não agora.

Ela ergueu a cabeça.

-— E quanto a você... e a mim?

Luke torceu a boca, suspirando e dando de ombros.

— Sou seu amigo, porque é disso que você precisa, no momento.

— Não creio que eu tenha tido um homem que fosse um amigo, antes.

— Mas agora tem, garota.

Jasmine julgou que ele estivesse mentindo. Afinal, ela estava nua, e Luke a abraçava firme. Estava nu, também, e não seria difícil dizer que a desejava. Era evidente.

Luke inclinou-se e beijou-a nos lábios, com intensa ternura, com uma doçura que a deixou tremendo por dentro. Jasmine não teve dúvida de que ele queria fazer amor com ela. E não se importava. Ele já fizera antes. E ela gostara, e muito. Tinha sido diferente de tudo que conhecia.

Porém, Luke ergueu o rosto, rolou de costas, fazendo-a aninhar-se contra seu peito. Acariciou-lhe os cabelos e disse:

— Durma, minha doce Jasmine. Não deixarei nenhum pesadelo chegar perto de você, esta noite. Está em total segurança.

Ele era tão quente... Suas formas tão sólidas sob o corpo dela...

Jasmine fechou os olhos, deixando-se embalar pelos dedos que a afagavam.

__Não preciso que nenhum homem me prometa

proteção. Nunca precisei. Nunca precisarei. — E, então, aconchegou-se ainda mais a Luke.

Foi um inferno e também o paraíso ter aquele corpo quente e maravilhoso de mulher nos braços, naquela noite.

Luke não dormiu. Ficou abraçado a Jasmine. Apenas olhando para ela. E descobriu, como já sabia antes, que faria qualquer coisa para aproximar-se dela, para conquistá-la.

Jasmine havia erguido um muro em torno do coração. Luke teria de derrubá-lo, tijolo a tijolo. Precisava chegar até ela. Deixá-la ir embora não era mais uma opção que pudesse considerar.

Jasmine começou a espreguiçar-se quando o sol da manhã penetrou pela persiana da janela, salpicando de pontos amarelos seu rosto. Abriu os olhos, pestanejou e, então, pareceu confusa.

Luke sorriu, beijou-a na testa e, depois, rolou para fora da cama e levantou-se, apanhando as roupas espalhadas pelo quarto.

—Vou trazer um dos rapazes aqui para ficar de olho em você enquanto tomo um banho — afirmou. — Tudo bem?

Jasmine assentiu, ainda meio tonta, e, segurando o lençol até o queixo, pegou as roupas no pé do leito.

— Você não... quero dizer... Dormiu comigo a noite toda, e nós não...

— Não, Jasmine. Nós não fizemos nada.

— Por quê? Luke achou graça.

— Não porque eu não fosse gostar, acredite. — O sorriso desapareceu. Luke sentou-se na beira do colchão. Passou os dedos em seus cabelos, as mechas enrolando-se em sua mão como cordas de seda. — Deus do céu, tem cabelos deslumbrantes, sabia, moça?

Levou um punhado para mais perto do rosto, as-pirando-lhe o perfume. Ainda cheirosos do banho da noite anterior. Em seguida, deixou-os cair e fitou Jasmine dentro dos olhos.

— Quero ter certeza de que você sente alguma coisa por mim. Algo que não tenha nada a ver com sexo. Eu me sentiria assim mesmo se soubesse que nunca, jamais, me deixaria fazer amor com você, de novo. Quero também que saiba que quando nos deitamos debaixo daquele carvalho... aquilo significou algo para mim. Não pretendo que tenhamos relações íntimas até que isso signifique alguma coisa para você, também.

— Signifique alguma coisa? O que está dizendo?

— Bem, não posso garantir, porque nunca passei por isso antes. Mas, pelo que posso imaginar, estou apaixonado, Jasmine.

Ela não reagiu com um suspiro ou um sorriso disfarçado. Não caiu nos braços dele ou chorou ou encheu-lhe o rosto de beijos. Ao contrário disso, seus olhos se arregalaram. Parecia apavorada.

— Você... me ama, Luke? Mas, como? Não pode!

— Oh, posso sim, disso estou certo! — Respirou fundo, examinando a expressão de Jasmine e percebendo que a deixara abalada com aquela declaração. — Entenda que não estou esperando nada de você. Isso não significa que tenha de dizer ou fazer alguma coisa. E sei que não precisava ouvir uma coisa dessas neste exato momento. Para ser franco, não pretendia confessar-lhe isso até que esse outro problema tivesse ficado para trás. Mas, enfim, algo me fez ir em frente e falar de uma vez.

Jasmine pestanejou várias vezes. Enfiou-se debaixo das cobertas e remexeu-se sob elas por alguns instantes. Quando saiu, seu sutiã estava no lugar e seus braços enfiavam-se nas mangas da blusa.

Luke gostou dessa atitude de esconder-se dele. Não deixava de ser uma bela contradição. Ele a vira sem roupas. Ela despia-se para estranhos. E, no entanto, naquele instante, enfiava-se debaixo das cobertas para se vestir. Era uma daquelas incoerências de seu caráter. E que indicava que Jasmine o valorizava mais do que àqueles estranhos. Isso significava algo, para Luke. Além disso, adorava suas excentricidades.

Quando emergiu, das cobertas, Jasmine ainda conservava aquela expressão de confusão e espanto na face. Escorregou para o outro lado, ficou de pé, de costas para ele, e abotoou devagar a blusa.

— Não consigo entender, Luke. Não tenho direitos sobre sua casa. Sabe disso agora, certo? Ela irá a leilão no próximo sábado, como determinado, e não haverá quem o impeça de comprá-la.

Terminou de abotoar-se e apanhou o jeans. Tornou a virar-se de costas e sentou-se na beirada do colchão para enfiar-se na calça.

— Eu não possuo nada de valor. Nenhum dinheiro. Nada. E tenho um filho, além disso. — Levantou-se, puxou a calça pelos quadris, abotoou o cós e subiu o zíper. Enfim, voltou-se e encarou Luke. — Não consigo compreender o que há de interessante nisso para você. Por que haveria de querer se apaixonar por alguém como eu?

Luke deveria sentir-se insultado. Porém, sabia que Jasmine não tinha um referencial para aquilo que ele tentava dizer. Começou a vestir-se, também, sem colocar a camisa ainda.

— Não acho que possamos escolher quando se trata disso, Jasmine. Você se apaixona por uma pessoa por aquilo que ela é, não pelo que tem ou para levar vantagem. Talvez não possa mesmo entender até que um dia lhe aconteça. Quero dizer, até que surgisse em meu caminho, eu pensava que poderia decidir quando, por que, como e por quem eu iria me apaixonar. Não acontece dessa forma, Jasmine.

Ela baixou a cabeça, muito confusa, a julgar pela expressão.

Luke continuou:

— Ficará aqui enquanto vou até a porta do lado e trago um dos rapazes?

— Não pretendo fugir, Luke. Não precisa montar guarda com um de seus primos enquanto toma banho.

— É bom saber.

— Que atitude acha que deveríamos tomar, a seguir?

Luke virou-se e não pôde evitar de sentir que era um bom sinal Jasmine pedir-lhe a opinião nessa batalha que estava tão determinada a lutar por si mesma, até então.

— Creio que deveríamos levar as fitas que você gravou para a polícia, esclarecer toda essa confusão e tornar ao Texas, onde é nosso lugar.

Ela balançou a cabeça.

— Não confio na polícia. Gianni Petronella faz parte dela.

— Nesse caso, pediremos a Garrett que entre em contato com o FBI. Entregaremos as fitas para os federais.

— Isso me parece um pouco melhor.

— Se é assim, é desse modo que faremos. — Esticou a mão e passou um dedo pelo rosto dela. Era tão bom tocá-la... — No entanto, até que estejamos a salvo, de volta para casa, ainda me sentiria melhor se você não ficasse sozinha por muito tempo.

Jasmine assentiu, com um suspiro.

— Tudo bem. Vá e chame sua tropa.

Luke caminhou para a saída, girou a maçaneta e olhou de um lado a outro da calçada. O lugar estava sossegado demais, àquela hora da manhã.

Nada se movia, além da cerração fechada que se formara de madrugada.

Saiu, puxando a porta atrás de si, e andou alguns poucos passos até a porta ao lado. Bateu.

— Ben? Garrett?

Ouviu a porta do quarto de Jasmine se abrir e relanceou os olhos para trás. Ela espichou o pescoço para fora.

— Precisamos tomar café, Luke. Acha que o restaurante está aberto?

Alguma coisa se moveu, Luke percebeu com a visão periférica. Uma forma escura esgueirava-se entre a neblina do estacionamento.

Garrett abriu a porta e disse algo, mas Luke já se voltava, ao ver que aquele vulto escuro tomava a forma de um homem, erguia um dos braços devagar e apontava uma arma para Jasmine. Ela não podia ver o homem. E não havia tempo de avisá-la.

Luke deu um salto no mesmo segundo em que o revólver distante fazia a mira. Jogou-se, interpondo-se entre Jasmine e o atirador, e não ouviu os disparos que o atingiram no peito. Sentiu-os, todavia.

As balas estouraram, queimaram e giraram, lançando-o ao solo com tanta força como se ele tivesse sido atingido por uma marreta de demolição.

Jasmine soltou um grito de horror. Garrett desferiu uma praga. Tudo se tornou indistinto. O que havia se desenrolado em câmera lenta passou a desdobrar-se em alta velocidade.

Jasmine caiu de joelhos, inclinando-se sobre Luke, chorando. As mãos dela tocaram-lhe o tórax e ergueram-se, ensangüentadas. As lágrimas escorriam de seu rosto. Luke não sabia aonde Garrett tinha ido. Ben estava ali, guiando, com gentileza, as mãos de Jasmine de volta ao peito, que sangrava, e instruindo-a a colocá-las sobre o ferimento, dizendo que mantivesse a pressão.

Luke não via mais ninguém. Escutou passos rápidos no estacionamento, guinchos de pneu. Tudo tinha um som distante, abafado, como se estivesse ouvindo do ponto mais distante de uma caverna profunda. Ocorreu-lhe que não sentia dor. O que, decerto, não era um bom augúrio. Céus, tinha tanto a fazer ainda por Jasmine e por Baxter...

Esforçou-se por mover o braço e erguê-lo. Segurou o colarinho de Ben.

— Você é... minha... testemunha.

— Não tente falar, Luke. Calma, agora. A ajuda está a caminho.

— Por Deus, o que aconteceu? O que houve?! — Jasmine perguntava, aos prantos. — Atiraram nele. Meu Jesus, atiraram nele!

— Ben? — Luke fez um enorme esforço para falar, cada palavra saindo a duras penas. — Pegue o dinheiro. Compre a casa. Para Jasmine.

— Compreendo. Entendi, Luke, mas, por favor, fique quieto. Estou tentando mantê-lo em condições para que cuide disso por si mesmo. Portanto, sossegue.

Luke deixou a mão cair molemente no solo. Não sentiu o baque. Todo ele parecia anestesiado. Tornou o olhar em busca de Jasmine e chamou-a, num sussurro.

— Estou aqui. — Ela se inclinou, para que ele pudesse vê-la melhor, sem deixar de pressionar-lhe o tórax com as mãos. — Estou bem aqui, Luke.

Ele fixou o olhar nela e percebeu que não fora atingida. Nenhuma das balas a ferira. Graças a Deus!, pensou. Graças a Deus.

— Vá para casa, Jasmine. Vá para Quinn, por Baxter. — E, então, tudo se apagou.

As lágrimas dela foram a última coisa que ele viu.

— Luke? Luke, vamos lá! Não me falhe agora, vamos lá! Luke?

O corpo de Jasmine agitou-se em tremores que pareciam irromper do fundo de sua alma. Agachou-se sobre Luke, as mãos ainda pressionando com força para estancar a hemorragia que jorrava de seu ferimento. Não importava o quanto apertasse, parecia que o sangue continuava a correr, sem parar.

Agora compreendia o que acontecera. Luke, de alguma forma, tinha visto alguém apontando a arma para ela, lá fora, no estacionamento, em meio à neblina. E se interpusera entre a linha de fogo. Como algum herói de cinema. Como se ela fosse alguém que valia a pena salvar. E agora jazia ali, no concreto, com sangue por todo lado. Mesmo a calça dela estava encharcada.

Sirenes uivavam a distância. E tudo o que Jasmine podia fazer era ficar ali, com as mãos lutando para estancar o sangramento e impedir que se esvaísse aquele precioso fluido vital.

Jasmine sentiu o estômago revirar-se. Estava atordoada, enjoada. Teve de lutar para controlar a vontade de vomitar.

Luke continuava estirado ali, pálido, imóvel, de olhos fechados. Talvez estivesse morrendo. Ela não sabia. Talvez até já estivesse morto. E Jasmine não conseguia parar de tremer, de soluçar.

Nunca sentira esse tipo de pânico antes, a não ser naquele dia horrível em que aquele homem disparara o revólver contra Baxter. Esse medo atroz, intolerável, daquele momento, era idêntico. Com a única diferença de que, naquela ocasião, mesmo quando se afastara, fora capaz de ver que Baxter se encontrava são e salvo. Dessa vez, não. Naquele instante, a pessoa com quem se preocupava tinha buracos de bala no peito e sangue escorrendo dos ferimentos.

— Nós o pegamos! — alguém gritou, e Ben se desviou do que estava fazendo.

— Wes! Venha até aqui e me ajude. Vamos perder Luke se não conseguirmos parar o sangramento.

Em uma fração de segundo, Wes Brand se ajoelhava do lado oposto ao de Ben. Jasmine quase não prestara atenção a Ben, mas agora se pôs a observá-lo.

Os dois primos começaram a mover as mãos a uma certa distância*do corpo de Luke, para cima e para baixo. Wes resmungava alguma coisa em voz baixa, numa língua que ela não entendia. Comanche, adivinhou. E ficou a imaginar o que, por Deus do céu, eles pensavam que estavam fazendo.

Então, de repente, o sangue que fluía dos ferimentos começou a diminuir. Jasmine sentiu a garganta secar. Achou que estivesse imaginando coisas. Não, diminuía mesmo! Talvez isso significasse que...

Não, não, Luke continuava respirando. Jasmine ergueu o olhar, fitando os dois rapazes, os olhos de ambos estavam fechados, as mãos ainda se movendo.

— Continuem — Jasmine implorou. — O que quer que estejam fazendo, está funcionando. Continuem!

Nenhum deles tomou conhecimento do que ela disse. Jasmine, porém, sabia que tinham ouvido.

O fluxo de sangue reduziu-se mais e, por fim, parou. Ou ela assim pensou. Não se atrevia a tirar as mãos do ferimento, mas não sentia mais a pulsação contra as palmas, os jatos quentes.

As sirenes soaram estridentes, agora bem mais perto. Homens de branco surgiram, trazendo uma maça e caixas cheias de medicamentos, e Jasmine foi forçada a se afastar de Luke. Assim como Wes e Ben. Jasmine levantou-se, recuando alguns passos. Pela primeira vez, olhou ao redor.

Dúzias de pessoas estavam reunidas, formando um círculo em torno do lugar onde Luke jazia. Alguns ainda em trajes de dormir. Olharam para ela, meneando as cabeças, sussurrando frases de consolo.

Uma vertigem, um mal-estar, um pesar doloroso, tudo desabou sobre Jasmine. O mundo girou, e ela sentiu os joelhos fraquejarem. Mas um par de braços a rodeou pela cintura antes que se fosse ao chão.

Wes a manteve de pé.

— Vamos lá, temos de arranjar algum lugar onde você possa se sentar.

— Tenho de ir com Luke — ela respondeu.

Ergueu os olhos, piscando, sem enxergar nada direito. Então, Ben pareceu surgir do nada, a poucos passos dela, abrindo caminho entre a multidão com um gesto das mãos, como Moisés dividindo o mar Vermelho.

Wes pegou-a no colo e carregou-a de volta para o quarto do motel. Elliot abriu a porta, para que Wes pudesse entrar com Jasmine. Em seguida, Elliot estendeu-lhe uma garrafa d'água. Ela não tinha idéia de onde ele a tirara. Bebeu, agradecida.

— Façam com que Jasmine se limpe e levem-na até o hospital — Elliot ordenou. — Irei com Luke.

— Não, não, eu devo ir... — Jasmine tentou se levantar, mas suas pernas falharam.

— Estaremos atrás da ambulância em dois minutos, se tanto. Prometo. — Wes fez um gesto para Elliot, que saiu correndo, de volta à ambulância.

Um segundo mais tarde, o grito das sirenes ecoou e, logo depois, se perdeu ao longe.

Ben saiu do banheiro com um balde de gelo cheio de água e um esfregão. Com toda a delicadeza, começou a lavar as mãos de Jasmine.

Ela tentou não olhar para a água que se tingia de vermelho. Logo, ele se afastou e trouxe mais água limpa. Tirou a blusa dela, enquanto Wes pegava uma outra. Era a camisa de Luke, Jasmine percebeu quando ele a vestiu nela, como se fosse uma menina.

As lágrimas vieram-lhe aos olhos, mais uma vez. Então, conteve-se, ao ouvir os carros da polícia, lá fora.

Perto da primeira radiopatrulha, Garrett conversava com diversos policiais, que seguravam um sujeito algemado. O rapaz era forte e tinha o rosto todo inchado. Parecia que o tinham usado como saco de pancada.

— É aquele o homem? — Jasmine quis saber. — Foi ele quem atirou em Luke?

— Sim — respondeu Ben. — Garrett, Elliot e Wes o pegaram.

— O bandido jogou a arma enquanto corria — informou Wes. — Tinha um silenciador, por isso não ouvimos os tiros. E o mesmo sujeito que estava atrás de você e de Baxter?

— Não. — Jasmine balançou a cabeça.

Ben aproximou-se com mais água limpa e lavou-lhe o rosto e o pescoço, e abotoou a camisa de Luke.

— Eis aí. Quase tão bem quanto antes. Você tem alguma calça limpa?

— Sim. — Jasmine fez um gesto vago. — Acho que posso... cuidar do resto.

Ficou de pé e, de imediato, os braços de Ben a ampararam, ajudando-a a ir até o banheiro. Lá dentro, ela tirou o jeans empapado de sangue, sentou-se na beira da banheira e abriu a torneira, lavando as pernas. Teve de fechar os olhos. Não iria suportar ver a água se tingindo daquele modo. Pobre Luke...

Ao erguer-se, se enxugou, enfiou-se na calça limpa e virou-se para o espelho.

A mulher que a fitou de volta era uma estranha. Jasmine não tinha certeza de se reconhecer no reflexo. Aquela não era a criatura solitária que não confiava em ninguém e que julgava que os homens ocupavam um lugar na escala da evolução pouco acima dos cães. Não era a garota de rua da cidade violenta que podia, com toda a frieza, despir-se por dinheiro, sem deixar que isso a abalasse. Essa não era a moça que não acreditava no amor.

Não sabia de quem se tratava aquela mulher no espelho. E aquilo a deixou apavorada.

Ouviu uma batida na porta.

— Está tudo bem com você aí dentro, querida? — Era Ben, cheio de preocupação.

Jasmine foi atendê-lo.

— Estou pronta.

Amparada entre Ben e Wes, saiu do quarto de motel. No minuto em que surgiu à vista, dois dos policiais lá fora vieram em sua direção. Garrett estava com eles. O suspeito, o atirador, fora colocado na segunda radiopatrulha, com um terceiro policial, a alguns passos de distância.

— Sei que é duro, querida, mas precisamos saber. Conhece aquele homem? — Garrett apontou para o bandido. — E esse o camarada que você viu cometer aquele* assassinato no The Catwalk? Aquele que atirou em você e em seu filho?

— Não. Não é ele. Gianni deve tê-lo contratado para... — Estacou, de súbito, de olhos arregalados. — Oh, meu Deus!

Todos olhavam para ela. Só Jasmine olhava para o policial que pusera o atirador no fundo do carro e agora sentava-se à direção.

— É ele... aquele é o assassino!

— É o mesmo camarada, afinal? — perguntou Garrett, enquanto o carro de patrulha contornava o restaurante, indo para a estrada.

— Não o atirador. O policial. É ele. Aquele policial é o assassino!

Os dois policiais ficaram tensos, entreolhando-se, confusos. Um deles falou:

— Aquele é o oficial Petronella, senhora. Tem certeza do que está dizendo?

— É o miserável que tentou matar meu filho e atirou em mim! E o homem que vi assassinar o agente federal disfarçado, no The Catwalk. Tenho a confissão em fita cassete e em um videoteipe, lá no quarto.

Imediatamente, Ben voltou para dentro, para pegar as provas.

— E se o puserem na sala de identificação, atrás do espelho, prometo que Leo, o dono do bar, irá apontá-lo como culpado, também.

— Eu não lhe disse que ele era um sujo?! — comentou um dos policiais para o outro. — E melhor pegarmos esse Leo antes que Gianni chegue primeiro.

Pegou um microfone preso ao colarinho e começou a falar, encaminhando-se para o carro.

— Estou mais preocupado com aquele suspeito, neste instante — afirmou seu colega. — Se agiu a mando de Petronella, ele pode testemunhar isso no tribunal. Céus, ele nunca irá falar na delegacia! — Olhou para Garrett e, em seguida, para Jasmine. — Ainda há uma ordem de prisão contra você, moça.

— Jasmine e as provas ficarão sob a minha custódia — disse Garrett. — Quando quiserem tomar o depoimento dela e pegar as fitas, estaremos no hospital. E, assim que fizerem isso, prometo, aquele mandado será anulado.

O policial assentiu.

— Ela é sua responsabilidade, xerife Brand. Não pode deixar a cidade até que tudo tenha sido resolvido. Entendido?

Jasmine e os Brand entraram na van de Ben. Garrett assumiu a direção. Rumaram para o hospital. Num desabafo, Garrett explodiu:

— Só espero que eles apanhem aquele desgraçado!

Jasmine irrompeu pelas portas da sala marcada como Trauma .1, tentando enxergar além do vidro canelado de segurança e dos aventais verde-água da equipe médica que rodeava Luke. Uma bonita enfermeira tocou-lhe o ombro, dizendo:

— Venha para a sala de espera, senhorita. E muito mais confortável lá.

— Não arredarei o pé daqui! — Jasmine, perdendo a paciência, berrou. Era pelo menos a quarta vez que a jovem vinha aborrecê-la.

— Calma, Jas. A enfermeira só está tentando ajudar. — Wes tinha um copo de café numa das mãos.

Com a outra, fez um gesto, e lançou um olhar de desculpas para a garota, como se dissesse que tudo estava bem, que ele ia controlar as coisas.

A enfermeira suspirou e afastou-se. Wes aproximou-se de Jasmine, colocou o copo de café na mão dela, olhou pelo vidro e não viu mais do que aquilo que ela fora capaz de enxergar.

— Você e Ben deviam estar lá dentro — resmungou Jasmine. — Podiam ajudar tanto quanto aqueles médicos.

— Eles sabem o que estão fazendo. Estamos em Chicago. Aqui se sabe muito bem como cuidar de pessoas baleadas.

— Já faz uma hora...

— Pode demorar duas. Tem certeza de que não quer sentar-se conosco?

Jasmine balançou a cabeça, suspirou, tomou um gole do café.

— O que foi aquilo, afinal? O que você e Ben estavam fazendo para fazer a hemorragia estancar?

— Acho que Ben chama de reiki. Ele estudou uma porção de práticas místicas orientais junto com artes marciais. E ainda se mantém atualizado. De minha parte, estava usando uma técnica ancestral dos curandeiros comanches. Creio que é mais ou menos a mesma coisa, de uma certa forma.

— Foi impressionante.

— Na realidade, parar o sangue é bem simples. — Wes deu de ombros. — Eu lhe mostrarei, qualquer hora dessas.

—Eu gostaria. — Jasmine voltou-se e espiou de novo pelo vidro.

— Luke vai ficar bem, Jasmine.

Ela cerrou as pálpebras e baixou a cabeça.

— Por que ele fez isso, Wes? Por que saltou a minha frente daquele jeito? O que estava pretendendo?

Wes franziu a testa como se ela tivesse feito uma pergunta sem nexo.

— Não sabe? Luke estava tentando protegê-la.

— Deixando-se atingir pelos tiros? Wes, não posso entender... Quem faria algo assim por alguém? E por quê?

Ele a estudou por um longo instante.

— Lembra quando viu Petronella atirando em Baxter? O que fez?

— Joguei alguma coisa nele, gritei, agitei os braços.

— Por quê?

— Por quê?! Para desviar a atenção do bandido para longe de meu filho, para que não pudesse acertá-lo.

— E não lhe ocorreu que aquele homem pudesse atirar em você, em vez disso?

— Eu sabia que iria atirar em mim. Não importava. Quero dizer, melhor em mim do que em Baxter.

— E por que correria o risco de pôr sua própria vida em perigo para salvar Baxter?

— Ora... sou a mãe dele.

— Ah... Muito bem. Foi por isso. Sua mãe faria o mesmo por você?

— Que piada! Minha mãe teria me usado como escudo, se houvesse chance. — Passou a língua pelos lábios, baixando o rosto. — Não sou igual a ela. Não há nada no mundo mais importante para mim do que aquela criança, nem mesmo minha própria existência. Eu morreria por meu filho sem hesitar e sem lamentar. Amo Bax demais.

Jasmine calou-se e ergueu a cabeça. Wes encarou-a e concordou.

— E assim que Luke a ama.

Foi como se um facho de luz atingisse seus olhos e a cegasse com seu brilho. A dor em seu tórax duplicou e, por um segundo, Jasmine não conseguiu respirar. Por isso, cambaleou para trás, como se Wes a tivesse esmurrado. Com uma das mãos apertando o peito, recostou-se contra a parede.

As portas da sala de emergência se abriram. As pessoas de verde saíram apressadas, empurrando a maça de Luke. Uma delas puxava uma espécie de cabide, com sacos dependurados e tubos ligados aos braços dele.

— Você é da família? — perguntou um dos médicos, parando perto de Jasmine.

Ela o empurrou para o lado e tentou seguir atrás da maça.

— Eu sou — disse Wes.

A maça parou em frente a um elevador, e uma enfermeira apertou o botão. Jasmine abriu caminho entre a equipe de socorro e debruçou-se sobre Luke.

Ele estava tão imóvel, tão branco... Um lençol o cobria dos quadris para baixo, e o peito fora enfaixado com gazes encharcadas de sangue. Tinha tubos no nariz, bem como nos braços.    

— Luke? — chamou-o.

A porta do elevador se abriu. Uma enfermeira a puxou pelo braço.

— Temos de levá-lo para a cirurgia, agora. Sexto andar. Há uma sala de espera, lá. Iremos fazer tudo o que for possível, prometo.

— Luke!

A equipe empurrou a maça para dentro do elevador, e Jasmine estendeu as mãos inutilmente para ele, tentando segurá-lo, tentando retê-lo.

As portas se fecharam, e ela ficou ali, de olhos parados, vazios. Não era possível que um homem como Luke pudesse amá-la do jeito como Wes dissera. Ninguém jamais a amara assim.

Bem, ninguém, exceto Bax. Mas ele tinha de amá-la. Afinal, era sua mãe.

A grandeza daquele sentimento era maior do que sua mente lógica podia compreender. Como Luke era capaz de amá-la com tamanha intensidade? O que ela fizera para merecer isso? E, contudo, devia ser verdade, porque Luke mergulhara na frente das balas. Por ela.

"Ele se jogou na frente dos disparos por mim!" Ele a protegera fazendo do próprio corpo um escudo. Sabendo muito bem que seria atingido em seu lugar.

Quem fazia coisas assim?

— Jasmine? — Wes a chamou.

Ela ergueu a cabeça, com um ar confuso.

— Ela parece em choque, Wes. — Elliot passou os dedos pelos cabelos. — Talvez fosse melhor chamar o médico para dar uma olhada nela.

— Você está bem, Jas?

Jasmine deixou a cabeça pender para o lado. Quando Wes resolvera chamá-la assim? Quando ela se dera conta de que gostava? Por que isso a fazia sentir-se parte da família?

— Eles... vão ter de operá-lo — informou-os. — Sexto andar. Devemos subir.

Wes fez que sim. Garrett apertou o botão do elevador e ficaram ali, esperando.

— Então, o que lhe falaram, Wes?

— Que precisam da autorização da família, Garrett. Foi tudo.

As portas se abriram e eles entraram. Jasmine olhou para Wes e viu algo nos olhos dele. Havia mais.

— Isso não é tudo! Diga, Wes. Eu sei que é coisa pior. Aquela enfermeira me falou que iriam fazer tudo o que pudessem. Sei o que isso significa: eles não têm certeza de que podem salvá-lo.

Wes desviou-se dela. Quando tornou a fitá-la, re-lanceou os olhos para Garrett, que murmurou:

— Jasmine é mais forte do que parece. Pode nos contar tudo, por pior que seja, Wes.

Engolindo em seco, Wes seguiu em frente:

— Uma das balas trespassou o peito, perfurando o pulmão. Isso já é grave, mas a segunda ainda está dentro dele. Danificou as artérias do coração e alojou-se nas costas, perto da espinha. Precisam S retirá-la, porque nessa posição delicada isso pode matá-lo ou incapacitá-lo. Ainda não há como avaliar a extensão dos danos. Os cirurgiões vão reparar a rede arterial e retirar o projétil. Depois, trabalharão no pulmão.

Chegaram ao sexto andar. Por um instante, Jasmine nem sequer conseguiu se mexer. Garrett teve de segurá-la pelo braço e empurrá-la para fora.

Jasmine cambaleava, um pé diante do outro, mas não conseguia manter o rumo.

— Alguém telefonou para casa, Garrett?

— Sim, Ben. No entanto, já é hora de dar novas notícias. — Pegou o celular do bolso.

— Quero falar com Baxter — Jasmine pediu.

— Ótimo, isso vai ajudá-la a sentir-se melhor.

— Não sei como. Não poderei contar a ele que Luke ficará bem. Não posso dizer que Petronella foi capturado e trancafiado onde não possa mais nos ferir. A única coisa que poderia dizer é que... sinto muito. Lamento que o único homem que aquele menino amou tenha sido baleado.

Jasmine fitava os primos de Luke, um por um.

— E preciso isso dizer a vocês, também. E para sua família inteira. Sinto muito. Estou desolada por ter levado a desgraça para dentro de seus lares e feito com que tudo desabasse sobre suas cabeças. E por minha culpa que Luke está lá, deitado naquela maça, lutando contra a morte. Minha culpa. Como eu queria poder voltar no tempo!

Wes balançou a cabeça.

— Luke não teria agido de nenhuma outra forma, Jasmine, sabe muito disso. Se tivesse de fazer tudo de novo, faria do' mesmo jeito.

Ela fechou os olhos, e, por fim, deixou que Ben à conduzisse para uma cadeira.

 

Acho que ele está voltando a si — disse alguém. Era uma voz gentil, familiar. Luke lutava para permanecer flutuando num mar muito profundo e escuro, mas as ondas continuavam a puxá-lo para baixo. Então, uma mão aproximou-se, e ele agarrou-a como se fosse sua tábua da salvação.

— Estou bem aqui, Luke. Estou bem aqui. Devagar, Luke piscou e entreabriu os olhos.

— Jasmine...

— Bem aqui — repetiu.

Luke a procurou com o olhar e a encontrou. Era um borrão que pouco a pouco entrou em foco.

Jasmine não parecia bem. Estava pálida, os cabelos amarrados num rabo-de-cavalo, mechas soltas escapando, em desalinho. Sem maquiagem. Tinha as pálpebras inchadas, delineadas de vermelho.

— Você está bem? — Luke perguntou, debilmente. Céus, por que era preciso tanto esforço para coordenar as palavras?

— Se eu estou bem? — Jasmine sorriu, com tristeza. — Estou ótima. Você é que foi baleado.

Luke franziu a testa. Baleado? Custou-lhe momentos de intensa concentração para que aquela afirmação fizesse sentido. Então, enfim, recordou.

— Eles o pegaram?

— Sim, pegaram.

— E? O que mais? — insistiu.

— Não era Petronella. — Jasmine fez um esgar. — Apenas um de seus comparsas. Petronella deu o fora com ele antes que eu pudesse identificá-lo. O desgraçado teve a coragem de aparecer na cena do crime. Mas isso vai ser resolvido. A polícia deu ordens para segui-lo. Gianni já deve ter atirado no comparsa e jogado o corpo na estrada. E deve estar sob custódia, agora. Os policiais ficaram com minhas fitas, mas fiz cópias primeiro, em todo o caso. Estou livre, agora, e há um monte de evidências para mandar Petronella para a cadeia pelo resto de seus dias. Tudo entrará nos eixos.

Luke suspirou de alívio. Graças a Deus, acabara-se o risco para Jasmine. Tinham apanhado o assassino.

Luke engoliu em seco. Então, Jasmine debruçou-se sobre ele, tomando-lhe a cabeça com a mão macia e soerguendo-a só um pouquinho. Segurava um copo de água com um canudo. Ele sorveu um gole. Ela acomodou-o de novo sobre o travesseiro.

— Que absurdo, estou tão fraco! Qual meu verdadeiro estado de saúde?

— Você ficará bom. — Jasmine colocou o copo d'água na mesinha-de-cabeceira. Porém, não olhou para ele ao dizer isso.

— Jasmine?

Ela voltou-se, sentou-se na beirada do leito, tocou-o de leve no queixo.

— Você está em boas condições. Quase o perdemos, Luke, mas agora está se recuperando. Foi operado em Chicago. Os médicos disseram que a operação foi bem-sucedida, mas queriam mantê-lo sob sedação um pouco mais. Houve algum dano a sua espinha. Nada sério ou permanente, fique sossegado. Uma das balas alojou-se bem perto, acho. Eles não queriam que você nem mesmo tentasse se mover até que se passassem uns dois dias e o processo de cura tivesse efeito.

Luke pestanejou, chocado, tentando tomar consciência do corpo, sobretudo das pernas e dos pés. Reagiram de forma estranha. Pesados e latejando, como se estivessem dormentes. Mas podia senti-los, pelo menos.

— Por quanto tempo fiquei inconsciente, Jasmine?

— Dois dias. Esta manhã, foi transferido para cá, para El Paso, e a sedação foi suprimida. Está de volta ao Texas, Luke. Já faz uma hora.

Ele baixou os cílios, sentindo uma inexplicável onda de contentamento lavar-lhe a alma. O que quer que acontecesse, poderia dar um jeito, ali. Em casa. No Texas. Na verdade, tinha plantado raízes naquele solo, não tinha?

Houve uma ligeira batida na porta. Então, ela se abriu.

— O doutor disse que Luke estava voltando a si.

— Chelsea enfiou a cabeça para dentro. — Eu trouxe uma visita.

A porta se abriu de todo e Baxter entrou, quase na ponta dos pés, os olhinhos arregalados e cheios de preocupação.

Jasmine reprimiu um soluço e correu para o filho. Ergueu-o no colo e abraçou-o com força, cobrindo-lhe a face de beijos.

— Oh, Bax, querido, senti tanta saudade de você!

— Eu também, mamãe — murmurou, afagando-lhe o pescoço.

Na cama, a garganta de Luke fechou-se num nó, e seus olhos arderam pelas lágrimas reprimidas.

— Obrigada por trazê-lo, Chelsea. Eu não agüentava mais esperar e não podia sair daqui, e... Obrigada.

— Ora, Jas, eu teria vindo, quer você pedisse, quer não. A família toda está aqui fora esperando para vê-lo, Luke. Mas deixarei vocês três a sós por alguns instantes, primeiro. — Puxou a porta e fechou-a atrás de si.

— Luke? — Baxter chamou-o, baixinho. Libertou-se dos braços da mãe, pegou uma cadeira e a levou para perto da cama. Então, subiu nela. — Você está bem?

— Disseram-me que ficarei novo em folha, rapazinho. Não há com o que se preocupar.

Com toda a delicadeza, Bax estendeu a mão e abraçou Luke.

— Você cumpriu sua promessa, como jurou que faria. Trouxe minha mãe de volta para mim.

— Eu lhe disse, amigo. Nunca quebro uma promessa. — Luke fez um esforço para colocar os braços em torno de Bax e abraçá-lo também, mas era difícil.

— Amo você, Luke.

Ah, Deus, aquilo era demais! Os olhos de Luke pareciam queimar, e outra vez ameaçaram transbordar de lágrimas, a despeito do esforço que fez para impedir isso.

— Eu também te amo, Bax.

Jasmine ficou ali, imóvel, observando o abraço dos dois. Viu o pranto nos olhos de Luke e a adoração nos de Baxter. E, de súbito, precisou ficar sozinha.

Estava tão perto de descobrir algo, tão perto de alcançar a compreensão... A percepção assomara a sua mente, e ela precisava apreendê-la e se acalmar.

Recuou para a porta e saiu do quarto. Os dois estavam tão envolvidos um com o outro que Jasmine achou que nem haviam notado. Passou pelos Brand, reunidos no corredor, e rumou para o banheiro, perto do saguão. Entrou e correu para a pia, abrindo a água fria e jogando-a no rosto, vermelho de tanto que ofegava.

Com as mãos mergulhadas na água, Jasmine ergueu a cabeça e mirou-se no espelho.

— Meu Deus... Você o ama. Tem adoração por aquele homem!

Chelsea sentou-se na beira do leito.

— Pare de se preocupar, Luke. Ela só foi até o banheiro.

Luke continuou de cenho franzido, mesmo assim preocupado.

— Ela não parecia bem, Chelsea — disse, baixinho. Baxter havia se enrodilhado a seu lado, na cama,

como uma bola. Apoiara-se em seu braço e dormira.

— Ora, claro que não parecia. Está em vigília a seu lado desde que você veio da cirurgia. Ninguém conseguiu tirá-la dali. Voou para casa com você. A garota sofreu bastante, primo.

— Jasmine se julga responsável, imagino. É sentimento de culpa.

Chelsea sorriu.

— Ah, tape o sol com a peneira, se quiser. Para que quebrar uma tradição perfeita da família Brand, certo?

— Por que Garrett não veio com você? — quis saber, desviando o assunto.

— O pessoal teve de sair. Um vizinho telefonou. Parece que a cerca da pastagem do norte caiu e o gado se espalhou. Não vão demorar a resolver o problema.

Luke assentiu. Ouviu-se uma batida na porta e uma enfermeira entrou.

— Viemos apanhar o sr. Brand para levá-lo à sala de raios X, agora. Não vai demorar.

Chelsea levantou-se e pegou Baxter no colo.

— Até daqui a pouco, Luke.

— Obrigado, Chelsea. Por tomar conta de Baxter e... e, bem, por tudo.

— Um casamento no outono seria ótimo, não acha? — Tornou a sorrir e enviou-lhe um aceno, carregando Bax para a sala de espera.

Luke deitou-se de costas, pensando que sua prima tinha esperanças maiores do que ele próprio. Sim, um casamento no outono soava bem para ele, também.

Deu um sorriso enviesado, enquanto a enfermeira empurrava a maça para fora do quarto, rumo ao elevador. Lá dentro, ela tirou uma seringa do bolso.

— O que é isso?! Nenhum sedativo, espero. Gostaria de ficar acordado um pouco.

— É apenas um medicamento para a dor. Não se preocupe — respondeu, sorridente.

Espetou a agulha no tubo de soro. Um segundo depois, e a cabeça de Luke zunia.

— Nossa, esse deve ser poderoso... Capaz de derrubar um cavalo... a... acho que... — Luke esqueceu o que estava dizendo.

Alcançaram o andar e a enfermeira o empurrou para o corredor. As luzes do teto pareciam piscar no alto, passando em disparada como se estivessem presas a uma engrenagem. Luke achou aquilo muito divertido e começou a rir. Contudo, rir lhe cau-sava dor. Por isso, ficou a imaginar por que o analgésico não fazia efeito.

As portas automáticas se abriram e o ar fresco do Texas atingiu-o no rosto. Ei! Estava fora do hospital! Desde quando a sala de raios X ficava lá fora? E essa agora?! A maça estava sendo erguida. O que estava acontecendo?

Luke tentou erguer a cabeça, tomar consciência do que se passava, antes que a ambulância partisse. Havia um homem entregando um punhado de dinheiro para a enfermeira. E a tal enfermeira arrancava o crachá com seu nome, jogava-o no chão e saía correndo. Droga, ela não era enfermeira coisa nenhuma!

Ainda sèm saber quem era aquela criatura em que tinha se transformado, ou em quem estava prestes a se transformar, Jasmine saiu do banheiro e voltou para a sala de espera, onde as mulheres estavam reunidas. Chelsea viu-a e disse:

— Levaram Luke para baixo, para fazer raios X. Ele deve estar de volta num minuto.

— Isso deve ser para aumentar a conta — resmungou Jasmine. — Acabaram de fazer um raio X do pobre homem poucos minutos antes de vocês chegarem.

— Luke vai ficar brilhando no escuro se continuarem assim — retrucou Jessi.

Foi uma risada geral. Franzindo a testa, Jasmine indagou:

— Aonde foram todos os homens?

— Houve uma emergência com o gado, lá na fazenda — respondeu Chelsea. — Tenho certeza de que não vão demorar.

— Ah... — Jasmine sentou-se, tamborilando os dedos no braço da poltrona e olhando para o saguão, em direção à sala de raios X.

Então, o celular de Chelsea tocou. Ela atendeu.

— Não, Garrett não está aqui no momento. Aqui é a mulher dele. Quer deixar recado? — Ficou escutando por alguns instantes e seu olhar correu para Jasmine. — Oh, não!

— O que foi?! — exclamou Jasmine. Chelsea desligou e a encarou.

— Petronella escapou. E as fitas que você entregou à polícia sumiram da sala de provas.

— Desculpem-me, senhoras? — uma voz profunda as interrompeu.

Elas se voltaram. O médico moreno, de origem mexicana, que todos chamavam de Doe estava de pé, à soleira do quarto de Luke.

— Alguém pode me dizer aonde foi meu paciente?

— Oh, meu Deus! — Jasmine voltou-se para Chelsea. — Para onde você disse que a enfermeira levou Luke?

— Para o elevador... acho que iam descer. Por quê?

— A sala de raios X fica ali adiante, no saguão! Chelsea meneou a cabeça, olhando do doutor, para

Jasmine e de novo para o médico.

— Você quer dizer que... acha...

— ...que Petronella, de algum jeito, nos seguiu até aqui e agora está com Luke. — Jasmine levantou-se e correu para o elevador. — Ele, por certo, inventou aquela emergência para tirar os rapazes do caminho.

— Esperei — gritou Chelsea. — Jasmine, o que está fazendo?                          

— Vou atrás de Luke!

Chelsea alcançou-a, agarrou-a pelo ombro e obrigou-a a se voltar.

— Sozinha, não. De jeito nenhum. Não é assim que fazemos as coisas nesta família, Jasmine. Não pode continuar a se comportar como se fosse aquela garota que não podia contar com ninguém, como antes, porque não está mais sozinha neste mundo!

— Não estou? — retrucou, impaciente.

— Não. Você é uma Brand, agora. Talvez não seja oficial, ainda, mas é inevitável, e ser da família significa muito mais que algum documento legal, de qualquer forma. Você é uma de nós. Assim como Bax. E como Luke. E os Brand não deixam sua gente na mão na hora da dificuldade.

Por um instante, só por um instante, Jasmine sucumbiu ao poder daquelas palavras, que a atingiram como uma pancada. Foi como que se, de repente, ela soubesse que eram verdadeiras.

Fora isso que vira quando se olhara no espelho. Uma mulher que fazia parte de uma família. A família que a criança que habitava em seu espírito sempre sonhara ter.

Ela era uma Brand.

— Taylor e Esmeralda, vocês estão com a gravidez muito avançada para se envolver nesta confusão. Tomem conta de Baxter, portanto. Peçam a Doe que lhes mostre algum lugar seguro para deitá-lo, e insistam para que chame a segurança para protegê-las. — Jogou o celular para Esmeralda, que o pegou e o entregou a Taylor. — Tente entrar em contato com os homens e conte-lhes o que aconteceu.

Doe estava na mesa das enfermeiras, agora, distribuindo ordens. Voltou-se e dirigiu-se a Jasmine, que apertava sem parar o botão do elevador.

—- Uma ambulância acabou de sair do estacionamento, sem a equipe de assistência. E alguém deixou este bilhete para você. — Estendeu a ela um envelope selado.

Jasmine o rasgou e leu:

"Jasmine, se quiser Luke Brand vivo, de volta, encontre-me onde e quando eu lhe disser. Traga as fitas originais, pois sabe muito bem que as que roubei eram cópias. E traga o menino. Ninguém mais, ou seu herói morre. Telefone para este número em uma hora, para receber as demais instruções.

GP"

— O bilhete diz que devo ir sozinha — murmurou, aflita.

As portas do elevador se abriram, e ela entrou.

— Tudo bem. — Chelsea também entrou, com Jessi, Penny e Kirsten.

As portas já se fechavam e Jasmine viu Taylor e Esmeralda seguindo pelo saguão com o médico, que carregava Baxter adormecido nos braços.

As cinco mulheres desceram no andar térreo e rumaram para a caminhonete de Chelsea. Depois de perguntar qual a direção em que a ambulância

roubada seguira, Jasmine assumiu a volante, enquanto Chelsea lia o bilhete em voz alta para as outras. Pegaram a rodovia que saía de El Paso. Kirsten esboçou um sorriso.

— Essa é a coisa boa de uma cidade pequena, sabe? Nada de muitos telefones. Este que o bilhete menciona é de um vilarejo entre El Paso e Quinn, em direção ao Rio Grande. Chama-se Deadrock, e não creio que tenha muitos telefones públicos.

— É bem provável que aquele sujeito, Petronella, não esteja usando uma linha particular — emendou Penny. — Afinal, não deve conhecer ninguém por aqui, não é, Jasmine?

— Duvido. Mas por que ele não usaria o celular?

— Em Deadrock? — Kirsten riu, de leve. — Não há retransmissores, anjinho.

Chelsea assentiu.

— Se o bandido estiver num motel e nós ligarmos, a recepção vai atender, e perguntaremos onde fica e para que quarto a chamada será transferida. De qualquer maneira, não gosto da idéia de esperarmos uma hora. Por que não telefonamos agora mesmo?

— Porque deixou seu celular com Taylor — disse Jessi.

Kirsten abriu a bolsa.

— Acha que saio de casa sem um, tolinha? — Então, franziu a testa. — Não deveríamos chamar

a polícia?

— E pôr a vida de Luke em risco? — Jasmine fez uma careta. Controlou a rispidez, antes de continuar: — Não. Podemos chamar Garrett, contar a ele e aos outros para onde estamos indo, mas não acho que devemos alertar as autoridades. Ainda não. — Olhou para Chelsea, como se esperasse uma resposta.

Chelsea concordou.

— Cuidaremos disso do jeito como enfrentamos outras crises: como uma família unida. Os rapazes virão o mais rápido que puderem. Nós, porém, temos a dianteira. Vamos pegar aquele maníaco. Quero crer que essa é a melhor chance de Luke. — Olhou ao redor, para as outras. — Portanto, meninas, resolveremos tudo por nós mesmas. Agora. Não podemos esperar. Concordam?

Uma a uma, todas fizeram que sim.

 

Quando Luke tornou a abrir os olhos, quase uivou de dor. Parecia que fora esquartejado. O peito lhe queimava, as costas latejavam.

Não podia nem se mover sem se sentir pior ainda. E as pernas formigavam como se estivessem sendo picadas por um batalhão de formigas-de-fogo. O que teria acontecido? Onde estava, afinal?

Com cautela, observou o ambiente, movimentando tão-só os olhos, de dentes cerrados. Paredes de divisórias, um globo de luz no teto. Quadros ordinários na parede oposta. Uma janela à esquerda, fechada, com as cortinas corridas, para que a luz não pudesse entrar. Podia ver apenas isso, sem virar a cabeça. Não estava mais num hospital.

Foi então que ouviu uma voz... do outro quarto, achou. O cheiro de cigarro empesteava a atmosfera.

— Eu disse para telefonar em uma hora. Por que essa pressa?

Houve silêncio.

— Se não pode obedecer instruções simples assim, talvez eu deva matá-lo, mandar tudo para o espaço e dar o fora daqui.

Luke ficou rígido, tentando erguer a cabeça. As espirais de dor que o movimento enviou por todo seu corpo quase o fizeram berrar de desespero. Mas agüentou firme e insistiu no gesto. Viu uma porta para um segundo quarto, onde estava um homem, sentado a uma mesa, fumando e falando ao telefone.

— Ótimo. Esta é uma última chance, Jasmine. Traga o garoto. E não se esqueça das fitas, ou seu namorado aqui vai morrer. — Petronella calou-se, jogou a cinza no chão e continuou: — Melhor assim. Agora, preste atenção: há um trecho de estrada sem nada, a não ser cactos e pedras, a uns trinta e cinco quilômetros de El Paso, direção oeste, na rodovia 375. A única coisa por perto é um painel anunciando a feira do município. Entendeu?

O bandido escutou por um instante, fazendo gestos com a cabeça.

— Ótimo. E lá que estarei. Em meia hora. E, Jasmine? Não perca tempo tentando rastrear pelo número do telefone. Estarei longe daqui dentro de minutos, e você terá desperdiçado preciosos segundos da vida de seu namorado.

E desligou o aparelho.

— Você não precisa daquelas fitas, Petronella! — berrou Luke, e foi um esforço imenso fazer isso. Sua voz saiu rouca e abafada. — Não têm serventia alguma para você, agora. Todo o mundo sabe que é culpado.

Ele levantou-se e aproximou-se da passagem da porta. Deu de ombros.

— Saber e provar são duas coisas muito diferentes.

— Você matou o sujeito que atirou em mim — continuou Luke.

— E verdade, matei. E usei a própria arma dele. Em você, acho que vou usar a minha. Ela não tem tido muito trabalho desde antes de eu ser preso. Tive de andar com meu revólver escondido, para evitar que os policiais o confiscassem. — Bateu na lateral do peito. A jaqueta escondia a arma da vista.

— Então, tem duas acusações de assassinato e mais a de fuga, para enfrentar. Não vê que as fitas não servirão pra nada, agora? A única coisa que pode fazer é desaparecer. Nunca mais poderá voltar, mesmo que tenha as fitas.

Petronella entrou no quarto. Tragou fundo, soltando a fumaça devagar.

— Você é esperto demais, sabia?

— Não quer as fitas coisa nenhuma, não é mesmo?

— Não. Quero vingança. Aquela cretina complicou minha vida, e vai pagar caro por isso. E não há nada que você possa fazer a respeito, deitado aí como está. Não pode nem mesmo sair dessa cama.

Luke gostaria de pular da cama e engalfinhar-se com o sujeito, mas mal podia se mexer. E, então, achou que talvez fosse melhor deixar Petronella acreditar que ele estava mesmo impossibilitado de se mover. Tinha de aproveitar cada vantagem.

— Está perto da fronteira, como sabe. Podia dar o fora daqui, agora, cruzar o Rio Grande, e infiltrar no México. Nunca o encontrariam. As pessoas desaparecem todo dia por lá.

— O plano é esse, camarada. Depois de acabar com Jasmine e aquele seu garoto abelhudo, é o que eu farei. Mas, primeiro... — Levou a mão à jaqueta, puxou a arma e apontou-a para Luke.

Luke ficou tenso, preparando-se para atirar-se sobre o desgraçado com todas as forças.

Petronella, porém, não disparou. Franziu a testa, olhou para a arma, sopesando-a na mão, o cenho franzido.

— Que estranho... — perguntou, virando o revólver na mão e examinando-o.

Luke respirou fundo de alívio ao ver que faltava o pente de balas no cabo do revólver. Petronella despejou uma enxurrada de palavrões.

— Maldição! Não agüentarei esse tipo de... foi você que fez isso? Onde está meu pente de balas? — Enquanto vociferava, destravou o carregador. Uma única bala saltou da câmara e caiu no chão, rolando.

Uma bala...

Luke rolou para fora da cama assim que Petronella se abaixou. Aterrissou num baque, a bala debaixo dele. Petronella agarrou-o pelo ombro e jogou-o de costas. Luke fechou o projétil na mão.

— Qual é o problema, Gianni? É a última?

— Uma basta. Dê aqui! — gritou Petronella.

— De jeito nenhum.

— Ah, vai bancar o herói, agora? — Petronella ergueu o pé e pisou com força o peito de Luke, no exato lugar onde havia os ferimentos.

A dor lancinante o penetrou até os ossos, mas Luke não soltou o projétil. De braços cruzados, rolou para o lado, dobrando-se em dois.

— Entregue a bala! — exigiu Petronella, ajoelhando-se.

Luke acertou-o, dando-lhe um soco de punho fechado com toda a força que pôde reunir. Que não era muita. Pelo visto, contudo, fora suficiente para derrubar Petronella sentado no piso.

Enquanto o bandido continuava sentado, meio aturdido, Luke rolou de barriga para baixo, e começou a rastejar, usando os cotovelos, para o quarto ao lado. Ouviu Petronella praguejar, levantar-se, e correr. Luke tinha metade do corpo já para fora da porta. Petronella o alcançou e prendeu-o com o pé, pisando-lhe nas costas.

— Dê aqui essa bala!

As costelas de Luke estalaram, o queixo erguendo-se do solo com o peso daquela pressão. O miserável ia lhe quebrar a espinha! Conseguiu focalizar os olhos, apesar da dor horrível, e viu o vaso sanitário, em frente. Ergueu o braço, fez mira, e, a despeito de quase desmaiar com o esforço, jogou a bala.

O pequeno pedaço brilhante de metal voou num arco perfeito e caiu na água.

Petronella deu um urro de ódio. Chutou-lhe a cabeça, e Luke viu estrelas, quase perdendo os sentidos. De um salto, o facínora correu até lá e meteu a mão na água.

Luke tentou se mover. E descobriu que não conseguia. E, pior, não sentia mais nenhuma parte do corpo.

— Telefonar mais cedo não adiantou nada. Eu tinha esperanças de que fosse um telefone público de alguma loja ou de um motel e que alguém fosse atender. Alguém que pudesse nos dizer de onde era o número — reclamou Kirsten, assim que Jasmine terminou de falar com Petronella.

Pararam numa cabine, mais à frente, e Chelsea desceu do carro. Pegou a lista telefônica, arrancou-a da corrente, e entrou no carro, de novo. Jessi folheou o calhamaço, enquanto seguiam pela estrada.

— Achei! — gritou Jessi. — Ora, não foi difícil! Dreadrock tem apenas três páginas. Aquele número é de um dos quartos de pensão em cima do Bar e Churrascaria Dreadrock.

— Que fica na direção oposta ao ponto a que devemos chegar para encontrar Petronella — salientou Chelsea. — Se voltarmos, chegaremos tarde.

Jasmine meneou a cabeça.

— Isso pode custar a vida de Luke. Temos de comparecer ao encontro, Chelsea.

— Concordo. Jessi fez coro:

— Eu também. Jasmine mordeu o lábio.

— Sabe tão bem quanto eu que Petronella não cumprirá sua parte no trato. Mesmo se fizermos tudo o que ele exigir.

— Por sorte — disse Chelsea —, nós não deixaremos essa decisão nas mãos dele.

Logo chegaram ao ponto combinado para o encontro. Ficava perto. Não havia lugar que servisse de esconderijo, ao redor. Apenas uma placa, alguns cactos enfeitando a paisagem, um arbusto retorcido, aqui e ali.

— Não temos nenhuma arma — disse Kirsten, quando Chelsea parou o carro na estrada, em meio a uma nuvem de poeira.

— Eu tenho! — Jasmine tirou o revólver da bolsa.

— Ora, todas nós temos! — Jessi saltou do veículo, agachou-se ao lado da camionete e, quando se levantou, tinha uma pedra de bom tamanho na mão.

As demais também desceram.

— E melhor dar essa arma para uma de nós, Jasmine. O canalha estará de olho em você. Além disso, precisamos do desgraçado vivo, a menos que ele traga Luke junto.

Jasmine fechou os olhos.

— Meu Deus do céu, Luke não podia nem sequer se mover! E não tomou os medicamentos para dor.

— Pensar no sofrimento pelo qual ele devia estar passando deixou-a com o estômago revirado.

E supor o que Petronella podia ter feito a ele deixou-a ainda pior.

— Luke é um Brand, Jasmine. E forte como um touro, como todos os Brand. Sairá dessa sossegado

— Jessi garantiu.

— Vamos lá, precisamos achar um esconderijo e nos armar de pedras. Devemos sair de perto desta placa, que é um alvo fácil.

— Não vejo como encontrar algum tipo de esconderijo aqui. — Jasmine observava ao redor, cobrindo os olhos com a mão.

Um cacto, um arbusto, o carro e a placa. Era tudo que via.

Jessi sorriu e deu-lhe um tapinha nas costas.

— Sim, mas você é da cidade. Vamos lá, querida, deixe-nos mostrar como fazemos as coisas aqui, no Texas.

Kirsten tirou um par de luvas de imitação de couro de dentro da bolsa e calçou-as. Então, seguiu direto para um cacto, quebrou um de seus galhos e balançou-o por várias vezes como um porrete, com um ar de satisfação.

— O cretino desejará nunca ter partido para cima de nós — resmungou.

A meia hora seguinte escoou-se muito devagar. Mas Jasmine estava alerta. Atendendo às instruções de Jessi, arrancava um punhado de galhos de um arbusto e apagava todas as pegadas do terreno.

O chão ali era compacto e ressequido. O deserto não era só de areia, como sempre imaginara. Depois, postou-se debaixo da placa, bem à vista, e esperou.

Por fim, outro veículo parou, ao lado da caminhonete. Petronella ficou imóvel por um momento, estudando os arredores, ouvindo. Então, desceu, com a arma na mão. Caminhou logo para o carro de

Chelsea, abriu as portas, examinou o interior e, satisfeito, olhou de um lado e do outro da estrada. Então, rumou para o lugar onde Jasmine esperava, debaixo da placa.

— Não estou vendo o garoto, Jasmine.

— Não vi nenhuma razão para trazê-lo. Você quer as fitas. Eu quero Luke. Meu filho não tem nada com isso.

— Droga, vou ter de gastar uma bala a menos! — Ergueu o revólver.

— Se me matar, não terá as fitas — retrucou, tentando esconder o medo.

Ele sorriu.

— As fitas não me ajudarão muito agora, doçura. Sua mão fechou-se no gatilho, mas só se ouviu um clique. Chelsea pulou da placa onde estivera escondida. Precisara subir nos ombros de Jessi para alcançar a moldura do painel e ficar lá no alto, agarrada ao madeirame esperando pelo momento certo. E foi perfeito. Aterrissou em cima de Petronella, jogando-o ao chão.

Ele caiu de costas, mas rolou para o lado, des-vencilhando-se de Chelsea. Kirsten saiu de detrás de um cacto e atingiu-o no rosto com o porrete improvisado. O bandido deu um urro de agonia.

Jessi já rastejava para fora de seu esconderijo, debaixo do carro e Penny surgiu, saída do meio de um arbusto. E, quando Petronella chutou o pedaço de cacto transformado em arma por Kirsten e sentou-se com as mãos na face cheia de espinhos, viu-se ameaçado por duas enormes pedras, uma pela frente e outra por trás.

Não teve a menor chance de esboçar defesa. Sua cabeça zuniu, com a pedrada que lhe abriu um buraco na parte detrás. O sangue esguichou. E logo outra pancada, desta vez na testa. Caiu de costas, sem condições de ficar em pé, completamente atordoado.

Jasmine arrancou o cinto da cintura e jogou-o para Jessi, que se abaixou e amarrou as mãos do assassino. Em seguida, ela devolveu o revólver para Jasmine.

— Sua arma falhou, Petronella. A minha não vai falhar. Onde está Luke?

— Maldita pólvora molhada... — praguejou. Então, encarou-a, os olhos cheios de ódio. — Pode atirar. Nunca lhe direi. Vai pagar pelo que fez, sua miserável. Posso garantir que seu querido está agonizando, e quanto mais tempo demorar para encontrá-lo, maiores as chances de ele estar morto. — Cuspiu para o lado.

Jasmine mordeu o lábio. Jessi aproximou-se de Petronella por trás, agarrou-o pela camisa pelos lados e abriu-a, deixando-lhe o peito e a barriga à mostra.

— Ei, Kirsten! — chamou. — O que fez com aquele galho de cacto?

— Céus, Jessi, não pretende bater nesse pobre-coitado com aquela coisa, não é? — exclamou Chel-sea. — Não aí, pelo menos. — Fez um gesto para Jasmine. — Vamos tirar a calça dele. Acredito que o vagabundo falará bem depressa.

Kirsten apanhou o pedaço de cacto e aproximou-se de Petronella, passando a arma improvisada de leve em seu peito, os espinhos rasgando-lhe a pele.

— Onde deixou Luke? Ele está naquele quarto que você alugou, em cima do bar, hein? — Ergueu o porrete espinhudo, apontando-o para a braguilha.

— Está! — Gianni berrou. Então, quando ela abaixou a arma, perguntou: — Como descobriu sobre o quarto?

— Você é um trambiqueiro da cidade — disse Jessi. — Não tem mistérios para nós.

Uma robusta picape surgiu e aproximou-se, rápido. Parou, a poucos metros dali, fazendo a poeira subir. As portas se escancararam, e a ala masculina do clã dos Brand desceu. Examinaram a cena por um instante e, então, saíram correndo.

— Ei, rapazes, assumam, daqui para a frente — ordenou Jasmine. — Vou procurar por Luke.

— Mandaremos uma ambulância ao local, Jasmine — um deles falou.

Jasmine saltou para o carro de Chelsea e pisou fundo no acelerador.

Irrompeu pela porta do quarto e não viu ninguém. Correu para dentro, chamando por Luke. Ao passar pela cama, Jasmine o viu.

Estava deitado, de rosto no chão, com a metade do corpo dentro do banheiro. Tinha um talho profundo na cabeça, que sangrava. O rosto, coberto de suor e contorcido de dor. Os olhos, fechados.

No instante seguinte, ela estava ajoelhada, ao lado dele.

— Luke! Calma. Está tudo bem, agora. A ajuda está chegando.

Ele ergueu as pálpebras.

— Você está viva...

— Claro que estou! E Petronella tem sorte de estar. Por Deus, querido, o que ele fez com você?

Jasmine acariciou-lhe a face e, então, correu para o banheiro, para pegar um pano úmido. Limpou-lhe o rosto e pressionou de leve o ferimento aberto.

— Precisa ficar bem, Luke. Tem de ficar bom, está ouvindo!

Ele sorriu.

— Não importa. Desde que você e Bax estejam. Jasmine meneou a cabeça.

— Não vamos ficar, se não tivermos você a nosso lado.

O rosto de Luke transfigurou-se. Pareceu surpreso, mas logo surgiu algo mais.

— Jasmine, mesmo que eu me salve desta, não sei... O que quero dizer é que não sinto minhas pernas. Nem um pouquinho. E isso pode significar que...

— Eu te amo, Luke. Até que enfim, entendi o que você queria dizer. Eu te amo. Com todo meu coração. Nunca imaginei que pudesse me sentir dessa maneira com relação a um homem, mas me sinto. E, droga, você prometeu que me ajudaria a começar uma nova vida! E quero isso. Quero me casar com você e que seja um pai para Baxter. Quero isso. Compreende? Portanto, trate de se sair bem desta. Você tem de fazer isso, Luke. Por todos nós!

Luke esboçou um sorriso, apesar de todo o sofrimento.

— Bem, minha doce Jasmine, eu não poderia morrer agora, mesmo que quisesse. Não com uma proposta dessas em jogo.

 

Bem-vindo ao lar, Luke dizia a faixa, quando Garrett e Wes estacionaram em frente à casa de tijolos que um dia fora conhecida como a casa dos Walker. Não mais. Agora era a casa de Luke e Jasmine Brand.

Todos estavam reunidos para comemorar a chegada de Luke do hospital. Tinham sido três meses inteiros... A fisioterapia fora dura e ainda perduraria por algum tempo. Mas ele estava se recuperando bem. Na realidade, encontrava-se muitíssimo melhor.

Em grande parte, por causa de Jasmine.

Ela se encontrava em pé na varanda, com o pequeno Baxter a sua frente, as mãos no ombro do menino. Ambos abriram um sorriso largo quando Luke desceu da picape e começou a caminhar, mancando. Trazia uma mochila de brim na mão livre e apoiava-se pesadamente na bengala, que seria sua companheira de caminhada por um longo período ainda. Talvez para sempre.

Luke não dava a mínima. Tinha aquilo que importava. Jasmine casara-se com ele no quarto de hospital. Ela se recusara a esperar. Os demais acertos legais tinham demorado muito mais para serem solucionados, mas Luke recebera a visita de seu advogado, naquela manhã, pouco antes da alta, e agora aquela questão também já era oficial.

Chegou aos degraus, relanceou os olhos para Garrett e Wes, que o haviam seguido de perto, em atitude superprotetora, amparando-o pelo caminho.

— Podem segurar todos lá dentro por um segundo? — Luke pediu.

Os primos concordaram e subiram a escada, entrando na residência, onde a festa esperava. E fecharam a porta.

— Estou tão feliz que esteja aqui, Luke! — Baxter desceu da varanda e jogou-se nos braços dele.

Jasmine deu um passo à frente, mas Luke ergueu a mão, impedindo-a. Recuperou o equilíbrio e abraçou o garoto.

— Nem metade do que eu estou contente, Bax. Mas, veja, trouxe uma surpresa para você. Duas, na verdade. Agora, a primeira não pode esperar, por isso é melhor pegá-la logo. Aqui está. — Estendeu a mochila de brim.

Franzindo a testa, Bax abriu o zíper e olhou dentro. Um cachorrinho marrom botou a cabecinha para fora e lambeu o nariz dele. O garoto deu um grito de alegria e tirou o animal para fora, apertando-o contra o peito.

— Para mim? Sério? Ah, mamãe, posso ficar com ele? Posso?!

Jasmine sorriu, fazendo que sim, fitando os olhos de Luke, o amor faiscando em sua expressão. Ele ainda não se acostumara com aquilo. Uma mulher tão especial como Jasmine, amando-o como o amava...

Baxter sentou-se nos degraus, segurando o inquieto bichinho no colo.

— Tenho mais uma surpresa. — Luke puxou um documento do bolso e o desdobrou. — Isto.

Baxter pegou o papel e começou a lê-lo, com a dificuldade de um menino de sete anos.

— Cer... tidão de ado... adoção? — Pestanejou e arregalou os olhos. — Adoção? — Encarou Luke.

— Isso. E um monte de difíceis termos jurídicos, Bax, mas significa que, de agora em diante, sou, oficialmente, seu pai.

Os lábios de Baxter tremeram. As lágrimas assomaram a seus olhos, e uma delas escorreu.

— Você... é meu pai? — murmurou, num tom esganiçado.

Luke confirmou, com um gesto. Não estava em condições de falar. Apoiou a bengala na grade, inclinou-se para o degrau e envolveu o filho nos braços.

Baxter o apertou com tanta força que Luke mal podia respirar. E o pranto do menino era tanto que Luke não conseguiu conter o seu.

— Eu queria tanto, tanto que você fosse meu pai, Luke! E meu sonho virou realidade!

Jasmine sentou-se nos degraus e apoiou a cabeça no ombro do marido.

— De agora em diartte, Bax, vou tornar todos os seus sonhos verdadeiros. E os de sua mãe também. Prometo.

Fitou Jasmine e viu que estava tão emocionada quanto ele. Ela inclinou-se e beijou-o nos lábios.

— Você já realizou todos os meus, Luke. Mesmo aqueles que nem eu mesma sabia que tinha.

Os três se enlaçaram, e Luke percebeu que estava em casa.

Todos estavam. Tinha uma família. Um lar.

 

 

 

                                                                  Maggie Shayne

 

 

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